Chapter One
Aquele era o habitual sonho de três anos. Quase duas mil noites nas quais ele se repete.
Não é nada assustador que me faça acordar no meio da noite aos gritos, mas ainda assim é perturbador. Intrigante, eu diria.
Tudo começa num dia ensolarado, num parque movimentado. Corro por entre a multidão tentando alcançar uma pessoa que se afasta rapidamente, deixando-me desolada para trás. Quando paro de correr, ele volta e então sou eu quem foge desesperadamente sob uma forte tempestade.
Dizem que os sonhos carregam mensagens do nosso subconsciente. Mas pra mim isso não faz sentido algum. Oras, por que eu fugiria de alguém que anseio tanto encontrar?
Eu sabia que estava sonhando e tinha vaga noção de que ele iria chegar ao fim em alguns minutos. Bem, ele deveria chegar ao fim agora. Mas alguma coisa mudou...
Tentei abrir os olhos e sair daquele sonho que passou a ser diferente, mas as imagens novas eram muito mais fortes do que eu. Não havia mais tempestade, eu não estava fugindo e nem ele estava me perseguindo. Apesar de senti-lo próximo a mim, não tinha forças para virar meu rosto e conhecer os traços daquela pessoa tão misteriosa em meus sonhos. Tinha sensação de que o conhecia, mas sempre que acordava aquela impressão evaporava. E era exatamente o que estava acontecendo nesse momento. Suas cores e formatos foram sumindo aos poucos e logo não me restou mais nada, além da escuridão.
Rolei para o outro lado da cama, ouvindo ao longe uma música soar. Demorei alguns minutos para me dar conta de que o som vinha de minha casa, soando muito alto para aquele horário.
Com os olhos fechados e ainda trôpega de sono, zanzei pelo quarto, vestindo um roupão. Assim que adentrei o corredor pude ouvir a voz animada do causador daquela algazarra toda cantando alegremente o refrão daquela canção.
- Sean, querido, desliga esse som!
Pedi ainda no corredor, mesmo sabendo que ele não me ouviria. Surgi na sala, encontrando-o sobre o sofá com as mãozinhas pequenininhas erguidas no ar mexendo seu corpinho no ritmo da melodia. Quando me viu, abriu seu sorriso encantador, chamando-me com um aceno rápido.
- O que faz acordado tão cedo, meu pequeno pássaro cantor? - Beijei seus cabelos, abaixando o volume com o controle, recebendo um muxoxo de reprovação. - Ainda são seis da manhã.
- Sean com sono não. - Ele respondeu meigo, abraçando-me fortemente ao pular em meu colo. –Sean 'qué' brincar com mamãe. Lá fora.
- Meu amor, está nevando! - O carreguei comigo até a janela, mostrando-lhe a massa branca e gelada que a cobria pela metade. - Está muito, muito frio lá fora.
- Sean gosta neve. Muita, muita
. Seus olhos brilharam como safiras, desmanchando-me por dentro. Eu também adorava neve, mas odiava quando ela insistia em congelar meus dedos e a ponta de meu nariz. E parecia que nenhuma roupa grossa e quente o bastante conseguiam me manter aquecida.
- Por favor, mamãe. Um 'poutinho' só.
Eu tive vontade de morder o bico que Sean fez, querendo rir. Juntou as mãozinhas como se fosse rezar, olhando de mim para a neve que caía preguiçosamente. Suspirei derrotada, fechando os olhos com um meio sorriso nos lábios.
Como era possível que um ser de apenas três anos conseguia me render daquela maneira?
- Tudo bem, vamos brincar na neve. - Ele agitou-se em meu colo, batendo palmas. - Mas só depois que tomarmos café.
- 'Pantecas'?
- Panquecas. - Afirmei, colocando-o no chão. Sorri ao vê-lo saltitar até a cozinha, esperando que eu o acompanhasse.
Eu nunca conseguiria medir a dimensão do meu amor por Sean.
Eu nunca conseguiria entender como alguém poderia deixar de amar um ser que viera de si, que fora gerado em seu ventre e lhe chama carinhosamente de mamãe pela manhã, pela noite e em tempos difíceis.
Como se poderia ignorar alguém que te considera o mundo?
FLASHBACK ON
Seis anos atrás
Morar em Londres sempre fora meu sonho. Não sei bem quando começou ou o porquê daquela admiração pela magia londrina.
Talvez porque eu achasse que Peter Pan viria me buscar, algum dia.
Mas agora que meu sonho estava sendo realizado, eu desejei que ele nunca fosse real. Aquilo estava sendo mais como um pesadelo.
Desde que saíra de minha antiga casa em Nova York eu desejei que o carro quebrasse ou que o avião caísse. Claro que para o meu desgosto nossa viagem transcorreu sem maiores problemas.
Jeremy, o novo motorista que aparentava ter no máximo seus trinta anos, estacionou o carro rente aos degraus compridos do hall de entrada. Não esperei que os empregados novos viessem abrir a porta, tinha braços e pernas e podia me movimentar sozinha.
Observei a entrada de minha nova casa.
Apesar de ser no estilo vitoriano que eu tanto gostava e do jardim estar bem cuidado, não vi beleza naquele lugar. Era como se eu só conseguisse enxergar as coisas em tons de cinza.
Segui Elizabeth calada, assentindo brevemente para as empregadas que nos cumprimentavam.
- Seu quarto fica no segundo andar, última porta à esquerda. - Aquela que um dia eu me orgulhara de chamar de mãe disse em seu habitual tom de frieza. Era como se estivesse falando com um de seus empregados. - Suas coisas estão lá, espero que as organize antes do jantar. Se precisar de alguma coisa, chame uma empregada. Se for sair, Jeremy estará a disposição. Portanto, não há desculpas para você me perturbar.
Murmurei um 'sim senhora', tentando desfazer o nó que havia se formado em minha garganta. A passos largos e firmes eu me distanciei, subindo os degraus de dois em dois. Por mais que estivesse com os pensamentos longe, meu corpo me levara para a última porta em questão. Girei a maçaneta automaticamente, sem quaisquer indícios de euforia ou curiosidade. Fechei a porta atrás de mim, escorregando lentamente até o chão com as costas apoiadas na parede.
O chão estava gelado, o quarto escuro. Mas nada podia ser mais frio que Elizabeth, nada podia ser mais tenebroso que a solidão que me acompanhava nos últimos seis meses.
Por mais que vivenciasse aquilo todos os dias, eu não havia me acostumado. Não queria me acostumar com a distância que ela impôs entre nós duas, não queria estar habituada a chorar todas as noites antes de dormir. Mas era aquilo que acontecia.
Elizabeth havia se transformado da noite para o dia, da água cristalina para o vinho rubro. Meu mundo também havia desmoronado quando meu pai morrera, mas nem por isso eu a maltratava com palavras e atitudes rudes.
O que eu mais queria naquele momento era abraçá-la e dar-lhe um pouco de conforto, um mínino resquício de paz. Queria dizer-lhe que no fim ficaríamos bem e que era isso que meu pai, seu querido marido, iria querer para as duas mulheres que mais amava no mundo.
Bastou proferir estas pequenas palavras que toda nossa ligação amorosa fora pro espaço. Bastou isso para que ela enlouquecesse de vez, se entregando todas as noites a incontáveis garrafas de Whisky. Depois resolvera que queria se mudar, afastando-me de meus amigos, que eram os únicos que me apoiavam naquele momento. Afastou-me de minhas aulas de piano, que era o que me alegrava nas tardes, pois me fazia lembrar de meu pai, que tanto adorava me ver tocar. E eu não entendia nada.
E como se não bastasse sua mudança brusca, queimou o piano que meu pai havia me dado em meu décimo sexto aniversário, que ocorrera poucos meses antes do seu falecimento causado por um acidente de carro.
Elizabeth havia se tornado uma pessoa que eu nunca gostaria de odiar, mas que era impossível evitar tal sentimento depois de seus escândalos e ofensas sem cabimento.
Fechei os olhos, sentindo as lágrimas caírem ao relembrar o adeus silencioso que meu pai havia me dado. Eu nunca mais o veria, eu nunca mais o teria ao meu lado fora de minhas lembranças.
E era somente isso que eu teria a partir daquele momento. Nada mais que lembranças de um passado feliz.
FLASHBACK OFF
- Mamãe - Sean alisou minha bochecha, espalhando o líquido quente por todo meu rosto. Meneei a cabeça ao vê-lo expressar tristeza. - Te amo mamãe.
Solucei involuntariamente, sentindo o peito inundar-se numa saudade sem tamanho. Apanhei Sean em meu colo, embalando-o com um cantarolar baixo, afirmando que tudo estava bem.
- Também te amo meu pequeno. - Beijei demoradamente sua bochecha, sentindo-o afagar minhas costas. - Para sempre e sempre!
- 'Pa' sempre é muito?
- Mais do que muito.
- Sean ama mamãe 'pa' sempre.
Não é nada assustador que me faça acordar no meio da noite aos gritos, mas ainda assim é perturbador. Intrigante, eu diria.
Tudo começa num dia ensolarado, num parque movimentado. Corro por entre a multidão tentando alcançar uma pessoa que se afasta rapidamente, deixando-me desolada para trás. Quando paro de correr, ele volta e então sou eu quem foge desesperadamente sob uma forte tempestade.
Dizem que os sonhos carregam mensagens do nosso subconsciente. Mas pra mim isso não faz sentido algum. Oras, por que eu fugiria de alguém que anseio tanto encontrar?
Eu sabia que estava sonhando e tinha vaga noção de que ele iria chegar ao fim em alguns minutos. Bem, ele deveria chegar ao fim agora. Mas alguma coisa mudou...
Tentei abrir os olhos e sair daquele sonho que passou a ser diferente, mas as imagens novas eram muito mais fortes do que eu. Não havia mais tempestade, eu não estava fugindo e nem ele estava me perseguindo. Apesar de senti-lo próximo a mim, não tinha forças para virar meu rosto e conhecer os traços daquela pessoa tão misteriosa em meus sonhos. Tinha sensação de que o conhecia, mas sempre que acordava aquela impressão evaporava. E era exatamente o que estava acontecendo nesse momento. Suas cores e formatos foram sumindo aos poucos e logo não me restou mais nada, além da escuridão.
Rolei para o outro lado da cama, ouvindo ao longe uma música soar. Demorei alguns minutos para me dar conta de que o som vinha de minha casa, soando muito alto para aquele horário.
Com os olhos fechados e ainda trôpega de sono, zanzei pelo quarto, vestindo um roupão. Assim que adentrei o corredor pude ouvir a voz animada do causador daquela algazarra toda cantando alegremente o refrão daquela canção.
- Sean, querido, desliga esse som!
Pedi ainda no corredor, mesmo sabendo que ele não me ouviria. Surgi na sala, encontrando-o sobre o sofá com as mãozinhas pequenininhas erguidas no ar mexendo seu corpinho no ritmo da melodia. Quando me viu, abriu seu sorriso encantador, chamando-me com um aceno rápido.
- O que faz acordado tão cedo, meu pequeno pássaro cantor? - Beijei seus cabelos, abaixando o volume com o controle, recebendo um muxoxo de reprovação. - Ainda são seis da manhã.
- Sean com sono não. - Ele respondeu meigo, abraçando-me fortemente ao pular em meu colo. –Sean 'qué' brincar com mamãe. Lá fora.
- Meu amor, está nevando! - O carreguei comigo até a janela, mostrando-lhe a massa branca e gelada que a cobria pela metade. - Está muito, muito frio lá fora.
- Sean gosta neve. Muita, muita
. Seus olhos brilharam como safiras, desmanchando-me por dentro. Eu também adorava neve, mas odiava quando ela insistia em congelar meus dedos e a ponta de meu nariz. E parecia que nenhuma roupa grossa e quente o bastante conseguiam me manter aquecida.
- Por favor, mamãe. Um 'poutinho' só.
Eu tive vontade de morder o bico que Sean fez, querendo rir. Juntou as mãozinhas como se fosse rezar, olhando de mim para a neve que caía preguiçosamente. Suspirei derrotada, fechando os olhos com um meio sorriso nos lábios.
Como era possível que um ser de apenas três anos conseguia me render daquela maneira?
- Tudo bem, vamos brincar na neve. - Ele agitou-se em meu colo, batendo palmas. - Mas só depois que tomarmos café.
- 'Pantecas'?
- Panquecas. - Afirmei, colocando-o no chão. Sorri ao vê-lo saltitar até a cozinha, esperando que eu o acompanhasse.
Eu nunca conseguiria medir a dimensão do meu amor por Sean.
Eu nunca conseguiria entender como alguém poderia deixar de amar um ser que viera de si, que fora gerado em seu ventre e lhe chama carinhosamente de mamãe pela manhã, pela noite e em tempos difíceis.
Como se poderia ignorar alguém que te considera o mundo?
Seis anos atrás
Morar em Londres sempre fora meu sonho. Não sei bem quando começou ou o porquê daquela admiração pela magia londrina.
Talvez porque eu achasse que Peter Pan viria me buscar, algum dia.
Mas agora que meu sonho estava sendo realizado, eu desejei que ele nunca fosse real. Aquilo estava sendo mais como um pesadelo.
Desde que saíra de minha antiga casa em Nova York eu desejei que o carro quebrasse ou que o avião caísse. Claro que para o meu desgosto nossa viagem transcorreu sem maiores problemas.
Jeremy, o novo motorista que aparentava ter no máximo seus trinta anos, estacionou o carro rente aos degraus compridos do hall de entrada. Não esperei que os empregados novos viessem abrir a porta, tinha braços e pernas e podia me movimentar sozinha.
Observei a entrada de minha nova casa.
Apesar de ser no estilo vitoriano que eu tanto gostava e do jardim estar bem cuidado, não vi beleza naquele lugar. Era como se eu só conseguisse enxergar as coisas em tons de cinza.
Segui Elizabeth calada, assentindo brevemente para as empregadas que nos cumprimentavam.
- Seu quarto fica no segundo andar, última porta à esquerda. - Aquela que um dia eu me orgulhara de chamar de mãe disse em seu habitual tom de frieza. Era como se estivesse falando com um de seus empregados. - Suas coisas estão lá, espero que as organize antes do jantar. Se precisar de alguma coisa, chame uma empregada. Se for sair, Jeremy estará a disposição. Portanto, não há desculpas para você me perturbar.
Murmurei um 'sim senhora', tentando desfazer o nó que havia se formado em minha garganta. A passos largos e firmes eu me distanciei, subindo os degraus de dois em dois. Por mais que estivesse com os pensamentos longe, meu corpo me levara para a última porta em questão. Girei a maçaneta automaticamente, sem quaisquer indícios de euforia ou curiosidade. Fechei a porta atrás de mim, escorregando lentamente até o chão com as costas apoiadas na parede.
O chão estava gelado, o quarto escuro. Mas nada podia ser mais frio que Elizabeth, nada podia ser mais tenebroso que a solidão que me acompanhava nos últimos seis meses.
Por mais que vivenciasse aquilo todos os dias, eu não havia me acostumado. Não queria me acostumar com a distância que ela impôs entre nós duas, não queria estar habituada a chorar todas as noites antes de dormir. Mas era aquilo que acontecia.
Elizabeth havia se transformado da noite para o dia, da água cristalina para o vinho rubro. Meu mundo também havia desmoronado quando meu pai morrera, mas nem por isso eu a maltratava com palavras e atitudes rudes.
O que eu mais queria naquele momento era abraçá-la e dar-lhe um pouco de conforto, um mínino resquício de paz. Queria dizer-lhe que no fim ficaríamos bem e que era isso que meu pai, seu querido marido, iria querer para as duas mulheres que mais amava no mundo.
Bastou proferir estas pequenas palavras que toda nossa ligação amorosa fora pro espaço. Bastou isso para que ela enlouquecesse de vez, se entregando todas as noites a incontáveis garrafas de Whisky. Depois resolvera que queria se mudar, afastando-me de meus amigos, que eram os únicos que me apoiavam naquele momento. Afastou-me de minhas aulas de piano, que era o que me alegrava nas tardes, pois me fazia lembrar de meu pai, que tanto adorava me ver tocar. E eu não entendia nada.
E como se não bastasse sua mudança brusca, queimou o piano que meu pai havia me dado em meu décimo sexto aniversário, que ocorrera poucos meses antes do seu falecimento causado por um acidente de carro.
Elizabeth havia se tornado uma pessoa que eu nunca gostaria de odiar, mas que era impossível evitar tal sentimento depois de seus escândalos e ofensas sem cabimento.
Fechei os olhos, sentindo as lágrimas caírem ao relembrar o adeus silencioso que meu pai havia me dado. Eu nunca mais o veria, eu nunca mais o teria ao meu lado fora de minhas lembranças.
E era somente isso que eu teria a partir daquele momento. Nada mais que lembranças de um passado feliz.
- Mamãe - Sean alisou minha bochecha, espalhando o líquido quente por todo meu rosto. Meneei a cabeça ao vê-lo expressar tristeza. - Te amo mamãe.
Solucei involuntariamente, sentindo o peito inundar-se numa saudade sem tamanho. Apanhei Sean em meu colo, embalando-o com um cantarolar baixo, afirmando que tudo estava bem.
- Também te amo meu pequeno. - Beijei demoradamente sua bochecha, sentindo-o afagar minhas costas. - Para sempre e sempre!
- 'Pa' sempre é muito?
- Mais do que muito.
- Sean ama mamãe 'pa' sempre.
Chapter Two - Back to the past - I!
"Você não cansa de ficar no meu caminho?"
parou de prestar atenção no livro que trazia em seu colo, levando seu olhar para cima, encontrando-se com os olhos verdes da garota que sorria maliciosamente. estava sentada sob a sombra de um velho carvalho, como sempre fazia no horário de almoço.
Duas semanas haviam se passado e não fazia questão de fazer amizades com ninguém daquele colégio. Para ela, todas as meninas eram interesseiras e os meninos só queriam saber do conteúdo que havia sob os uniformes escolares.
Ela já tinha muito disso em sua vida.
Bufou pesadamente quando a menina continuou sorrindo, ladeada por mais duas meninas altas e brancas como ela. Permaneceu sentada, agora com a atenção focada novamente em seu livro.
"O que você quer?"
"Gostei do seu lugar, quero ficar aí"
gargalhou ironicamente, mas não se moveu um centímetro sequer. não lhe botava medo nenhum com aquela pose de popular. Na verdade, tinha pena daquela garota. Ouvira alguns boatos dentro do colégio sobre os dramas familiares da jovem de cabelos platinados, que encarava furiosamente.
"Do que você está rindo, retardada?"
se levantou, fechando o livro e colocando-o sobre o braço de forma despreocupada. Ajeitou uma mecha que escapava de seu coque desgrenhado, fechando o sorriso em traços mínimos, como um sorriso tímido.
"De você, é claro" - Rolou os olhos como se aquilo fosse o óbvio. já não agüentava mais as implicâncias daquela garota mimada.
"O que quer dizer com isso?"
"Quer mesmo que eu diga?" - arqueou uma sobrancelha, desafiadora. estufou o peito, erguendo o nariz desafiando-a também. - "Bem, por onde eu devo começar? Pelo boato de você ter dormido com seu padrasto em troca de sua Mercedes conversível, pela sua mãe alcoólatra ou pelo amor da sua vida que te trocou por sua melhor amiga? Quer dizer, ex-melhor amiga agora?"
Fez-se silêncio entre as duas. falava tão baixo e com uma expressão tão gentil que as pessoas ao redor achavam que elas estavam apenas conversando amigavelmente. não esboçou reação alguma, apenas apertou os lábios cobertos de gloss numa linha rígida.
"Eu tenho pena de você" - sussurrou, expressando sua opinião. - "Você é vazia por dentro e desconta suas tristezas em pessoas que não têm nada a ver com seus problemas. Você age como se fosse forte, quer mostrar pra todos que não dá a mínima pro que falam quando na verdade, chora todas as noites antes de dormir. As pessoas falam e fazem suas vontades por dó. E é só isso que você vai conseguir agindo assim, como se pudesse tudo contra todos" - Meneou a cabeça, não mais sorrindo - "Portanto não espere que eu faça o mesmo, porque eu não vou agir como se você fosse diferente"
Afanou a grama que se prendera em sua calça, deixando para trás com olhos marejados. Não soube distinguir se eram de raiva ou de tristeza, pois caminhou para longe antes de ver se ela reagiria ou não.
não sentiu-se mal por ter lhe dito aquelas palavras. Sabia que a verdade era necessária, em alguns momentos. conhecia esses tipos de verdades há algum tempo.
ouviu os três últimos sinais tocarem num intervalo de tempo longo demais. Era como se os ponteiros do relógio sequer se movessem. Ou talvez fosse ela que estava perdida em pensamentos tortuosos que não a deixavam escapar da melancolia.
Quando achou que ficaria para sempre sentada em sua mesa, o som acasalado que a dispensava para seu martírio tocou. Não queria estar na escola, mas achava muito pior estar em sua casa.
Casa.
Certa vez ela ouvira dizer que casa era sinônimo de bem estar, um lugar onde repousamos nossos corpos cansados para que pudéssemos nos recompor com harmonia. Aquilo não descrevia sua casa. sentia a solidão esmagar seus ossos assim que pisava no mármore claro, sempre lustroso. Só conseguia dormir depois de chorar por horas e horas a fio.
Aquilo definitivamente devia ser o inferno, então.
Suspirou pesadamente e caminhou alguns metros além do perímetro escolar, onde um carro a aguardava em um ponto estratégico. Já podia ver um pedaço da lataria preta quando ouviu alguém chamá-la. Reconheceu aquela voz e parou, virando-se para encarar a garota que se aproximava hesitante.
reparou na face avermelhada de , percebendo-a levemente inchada. Ela estava chorando, concluiu pesarosa. Não queria fazê-la chorar, pelo menos, não publicamente. Só queria que ela enxergasse o que estava fazendo a si mesma.
"Por que disse todas aquelas coisas para mim?" - perguntou com a voz embargada, percebera o conhecido nó na garganta que dificultava tudo.
"Porque você precisava ouvir de alguém" - deu de ombros, sentindo o vento bater quente em suas costas. Alguns fios teimosos faziam cócegas em seu pescoço, mas naquele momento não deu atenção. Encarava com firmeza a menina diante de si.
"Você não tinha o direito de falar aquelas coisas na frente de minhas amigas! Entende que minha reputação está arruinada?! Você entende o que é isso, garota?!" - começou a soluçar, falando histericamente. - "Você. Arruinou. Minha. Vida!"
"Você se engana. Você mesma arruinou sua vida" - deu as costas, pronta para ir, mas parou e virou-se rapidamente para , com uma expressão vazia. - "Não ignore a verdade com mentiras. E se aquelas garotas são suas amigas mesmo, ficarão do seu lado independente do que você é, fala ou faz"
"Como você pode dizer essas coisas?! Você não sabe o que é isso! Sequer tem amigos!"
"Eu nunca abro minha boca para falar de coisas que não tenho conhecimento. Não tenho amigos por escolha minha, mas já tive amigos que gostaria nunca ter perdido."
virou-se e caminhou lentamente em direção ao carro, com a mesma expressão vazia de sempre. Não quis olhar para trás e ver se ainda estava lá ou não.
"Bom dia senhorita" - Jeremy a cumprimentou, recebendo um murmúrio desanimado em resposta. - "Como foi o dia?"
"A mesma coisa dos outros dias, Jeremy" - deu de ombros, olhando sem ver a paisagem do lado externo. - "É sempre a mesma coisa"
"As pessoas te tratam bem?"
"Não sei Jeremy, não converso com elas" - Fechou os olhos e encostou a cabeça na janela, suspirando. - "Me avise quando chegarmos, está bem?"
Sua casa não estava muito longe dali, mas ela queria ficar em silêncio, sem muitas perguntas e sem as mesmas respostas de sempre. Não queria destratar Jeremy, pois se sentia exatamente como Elizabeth. Ao contrário de sua mãe, costumava tratá-los bem, com um tom de voz baixo e gentil. E Jeremy era quase como um amigo.
Arriscava alguns sorrisos, mas quando demonstravam-lhe algum tipo de preocupação achava um meio de se calar.
entendia perfeitamente , pois era a mesma coisa que ela fazia consigo mesma. Mantinha uma fachada de quem não se importa com a dor quando o que ela mais quer, e precisa, é de alguém que possa abraçá-la e confortá-la, dizendo-lhe que tudo vai ficar bem. Mas ela não tinha quem fizesse isso por ela. O único abraço que ela queria naquele momento estava muito longe de seu alcance.
Para sempre.
parou de prestar atenção no livro que trazia em seu colo, levando seu olhar para cima, encontrando-se com os olhos verdes da garota que sorria maliciosamente. estava sentada sob a sombra de um velho carvalho, como sempre fazia no horário de almoço.
Duas semanas haviam se passado e não fazia questão de fazer amizades com ninguém daquele colégio. Para ela, todas as meninas eram interesseiras e os meninos só queriam saber do conteúdo que havia sob os uniformes escolares.
Ela já tinha muito disso em sua vida.
Bufou pesadamente quando a menina continuou sorrindo, ladeada por mais duas meninas altas e brancas como ela. Permaneceu sentada, agora com a atenção focada novamente em seu livro.
"O que você quer?"
"Gostei do seu lugar, quero ficar aí"
gargalhou ironicamente, mas não se moveu um centímetro sequer. não lhe botava medo nenhum com aquela pose de popular. Na verdade, tinha pena daquela garota. Ouvira alguns boatos dentro do colégio sobre os dramas familiares da jovem de cabelos platinados, que encarava furiosamente.
"Do que você está rindo, retardada?"
se levantou, fechando o livro e colocando-o sobre o braço de forma despreocupada. Ajeitou uma mecha que escapava de seu coque desgrenhado, fechando o sorriso em traços mínimos, como um sorriso tímido.
"De você, é claro" - Rolou os olhos como se aquilo fosse o óbvio. já não agüentava mais as implicâncias daquela garota mimada.
"O que quer dizer com isso?"
"Quer mesmo que eu diga?" - arqueou uma sobrancelha, desafiadora. estufou o peito, erguendo o nariz desafiando-a também. - "Bem, por onde eu devo começar? Pelo boato de você ter dormido com seu padrasto em troca de sua Mercedes conversível, pela sua mãe alcoólatra ou pelo amor da sua vida que te trocou por sua melhor amiga? Quer dizer, ex-melhor amiga agora?"
Fez-se silêncio entre as duas. falava tão baixo e com uma expressão tão gentil que as pessoas ao redor achavam que elas estavam apenas conversando amigavelmente. não esboçou reação alguma, apenas apertou os lábios cobertos de gloss numa linha rígida.
"Eu tenho pena de você" - sussurrou, expressando sua opinião. - "Você é vazia por dentro e desconta suas tristezas em pessoas que não têm nada a ver com seus problemas. Você age como se fosse forte, quer mostrar pra todos que não dá a mínima pro que falam quando na verdade, chora todas as noites antes de dormir. As pessoas falam e fazem suas vontades por dó. E é só isso que você vai conseguir agindo assim, como se pudesse tudo contra todos" - Meneou a cabeça, não mais sorrindo - "Portanto não espere que eu faça o mesmo, porque eu não vou agir como se você fosse diferente"
Afanou a grama que se prendera em sua calça, deixando para trás com olhos marejados. Não soube distinguir se eram de raiva ou de tristeza, pois caminhou para longe antes de ver se ela reagiria ou não.
não sentiu-se mal por ter lhe dito aquelas palavras. Sabia que a verdade era necessária, em alguns momentos. conhecia esses tipos de verdades há algum tempo.
ouviu os três últimos sinais tocarem num intervalo de tempo longo demais. Era como se os ponteiros do relógio sequer se movessem. Ou talvez fosse ela que estava perdida em pensamentos tortuosos que não a deixavam escapar da melancolia.
Quando achou que ficaria para sempre sentada em sua mesa, o som acasalado que a dispensava para seu martírio tocou. Não queria estar na escola, mas achava muito pior estar em sua casa.
Casa.
Certa vez ela ouvira dizer que casa era sinônimo de bem estar, um lugar onde repousamos nossos corpos cansados para que pudéssemos nos recompor com harmonia. Aquilo não descrevia sua casa. sentia a solidão esmagar seus ossos assim que pisava no mármore claro, sempre lustroso. Só conseguia dormir depois de chorar por horas e horas a fio.
Aquilo definitivamente devia ser o inferno, então.
Suspirou pesadamente e caminhou alguns metros além do perímetro escolar, onde um carro a aguardava em um ponto estratégico. Já podia ver um pedaço da lataria preta quando ouviu alguém chamá-la. Reconheceu aquela voz e parou, virando-se para encarar a garota que se aproximava hesitante.
reparou na face avermelhada de , percebendo-a levemente inchada. Ela estava chorando, concluiu pesarosa. Não queria fazê-la chorar, pelo menos, não publicamente. Só queria que ela enxergasse o que estava fazendo a si mesma.
"Por que disse todas aquelas coisas para mim?" - perguntou com a voz embargada, percebera o conhecido nó na garganta que dificultava tudo.
"Porque você precisava ouvir de alguém" - deu de ombros, sentindo o vento bater quente em suas costas. Alguns fios teimosos faziam cócegas em seu pescoço, mas naquele momento não deu atenção. Encarava com firmeza a menina diante de si.
"Você não tinha o direito de falar aquelas coisas na frente de minhas amigas! Entende que minha reputação está arruinada?! Você entende o que é isso, garota?!" - começou a soluçar, falando histericamente. - "Você. Arruinou. Minha. Vida!"
"Você se engana. Você mesma arruinou sua vida" - deu as costas, pronta para ir, mas parou e virou-se rapidamente para , com uma expressão vazia. - "Não ignore a verdade com mentiras. E se aquelas garotas são suas amigas mesmo, ficarão do seu lado independente do que você é, fala ou faz"
"Como você pode dizer essas coisas?! Você não sabe o que é isso! Sequer tem amigos!"
"Eu nunca abro minha boca para falar de coisas que não tenho conhecimento. Não tenho amigos por escolha minha, mas já tive amigos que gostaria nunca ter perdido."
virou-se e caminhou lentamente em direção ao carro, com a mesma expressão vazia de sempre. Não quis olhar para trás e ver se ainda estava lá ou não.
"Bom dia senhorita" - Jeremy a cumprimentou, recebendo um murmúrio desanimado em resposta. - "Como foi o dia?"
"A mesma coisa dos outros dias, Jeremy" - deu de ombros, olhando sem ver a paisagem do lado externo. - "É sempre a mesma coisa"
"As pessoas te tratam bem?"
"Não sei Jeremy, não converso com elas" - Fechou os olhos e encostou a cabeça na janela, suspirando. - "Me avise quando chegarmos, está bem?"
Sua casa não estava muito longe dali, mas ela queria ficar em silêncio, sem muitas perguntas e sem as mesmas respostas de sempre. Não queria destratar Jeremy, pois se sentia exatamente como Elizabeth. Ao contrário de sua mãe, costumava tratá-los bem, com um tom de voz baixo e gentil. E Jeremy era quase como um amigo.
Arriscava alguns sorrisos, mas quando demonstravam-lhe algum tipo de preocupação achava um meio de se calar.
entendia perfeitamente , pois era a mesma coisa que ela fazia consigo mesma. Mantinha uma fachada de quem não se importa com a dor quando o que ela mais quer, e precisa, é de alguém que possa abraçá-la e confortá-la, dizendo-lhe que tudo vai ficar bem. Mas ela não tinha quem fizesse isso por ela. O único abraço que ela queria naquele momento estava muito longe de seu alcance.
Para sempre.
Chapter Three - "Back to the past - II!
olhou para o relógio mais uma vez. Cinco minutos haviam se passado desde que ela olhara da última vez. Passou os dedos finos e gelados pelos cabelos revoltos, sentindo frustração. Arrancou o edredom que a cobria e o jogou para longe, caminhando para o banheiro em seguida.
Abriu a torneira para que a água quente enchesse a banheira.
Despiu-se num movimento só, largando a camiseta e suas peças íntimas pelo chão. Apoiou-se com ambas as mãos na pia larga de um mármore negro, encarando o reflexo no espelho.
Estava abatida, com fortes olheiras roxas que apagavam o brilho de seus olhos castanhos escuros, que lembravam chocolate quente. Parecia mais pálida, com muito mais idade do que seus dezesseis anos. Aquela não era a mesma garota de um ano atrás. Sentiu o gosto amargo em sua boca e deixou um soluço se irromper pela garganta. Sentiu as grossas lágrimas escorrerem pelo rosto e num movimento brusco jogou o vaso com sais de banho contra o espelho, trincando-o e espalhando cacos de cristal para todo canto.
Caminhou até a banheira, ignorando os cortes na sola dos pés, que pisavam fortemente sobre os fragmentos cortantes. Não fechou a torneira mesmo com o nível elevado da água. Deixou que transbordasse quando seu corpo afundou por completo, uma leve coloração avermelhada misturando-se com a água cristalina.
Não pegou fôlego, nem fechou os olhos.
Ficou ali até que começasse a sufocar, as lembranças de sua antiga vida pareciam mais claras ali dentro... Queria morrer assim, com a lembrança dos pais juntos a ela.
Pensou ouvir gritos de alguém, mas não podia ser seu pai.
Não, a voz dele não era tão rouca dessa maneira, pensou em delírios. Por um momento quis levantar só pra ver quem era, mas a água parecia mais pesada agora.
Talvez porque estava penetrando seus pulmões...
"O que pensa que está fazendo, garota?!"
O corpo de fora puxado para fora da banheira, a torneira fechada. Ela tentava respirar agora que estava em contato com o ar, mas suas narinas pareciam inundadas, a passagem de sua garganta lacrada com toda água ali dentro. Estava morrendo em paz, mas agora estava desesperada, agarrando-se com firmeza nos braços que adornavam seu corpo nu.
"Você é maluca, só pode ser maluca!"
Sentiu o doloroso contato com o piso gelado em suas costas. A escuridão começara a se aproximar e ela pediu que não morresse, não mais. Sentia os olhos abertos, mas não conseguia ver nada além de borrões.
"ALGUÉM, AJUDA!"
O garoto gritou, colando os lábios nos da garota que estava diante de si. Soprou o ar para dentro, impulsionando suas mãos num movimento ritmado sobre o peito dela. sabia os movimentos básicos de um salvamento, agradeceu aos céus por ter prestado atenção nas aulas de natação. Repetiu o movimento incontáveis vezes, até que ela recobrou a consciência, expelindo a água pela boca entreaberta.
puxou o ar com força, mas ele parecia não vir até ela. Sentiu as paredes de seu nariz arderem e os olhos lacrimejarem. Seu corpo tremia em espasmos descontrolados. Abriu levemente os olhos, avistando um desconhecido ajoelhado ao seu lado.
Sentiu seu corpo ser suspenso do chão e encolheu-se nos braços fortes dele, querendo que seu calor passasse para si.
a colocou sobre a cama, cobrindo-a com o edredom que encontrou no chão. Em seguida vozes dos outros empregados tiniram pelo corredor, chegando até o quarto de em questão de poucos segundos.
ouvia tudo meio distante, mas sabia que não estava delirando. Não teve tempo de se sentir envergonhada, pois a escuridão começara a se aproximar novamente, de uma forma muito mais assustadora do que a primeira vez.
não teve tempo para explicar quando lhe perguntaram o que estava acontecendo. debatia-se violentamente ao seu lado, as órbitas tomadas pelo lado branco de seus olhos.
"Precisamos levá-la ao hospital, agora!" - apanhou-a novamente no colo, descendo as escadas apressadamente. Jeremy o encontrou no meio da sala, vestido de seus pijamas listrados. Os demais empregados o seguiam, perguntando e gritando, recomendando e choramingando. - "Você, nos leve para o hospital agora!"
Jeremy assentiu, correndo para abrir a porta de entrada. passou com ela em seu colo, enrolada no edredom. Não gostava da coloração acinzentada que ela estava aderindo.
"Corra como se sua vida dependesse disso!"
Ordenou já no banco traseiro da Mercedes com em seu colo. Lembrou-se que a garota estava nua e despiu-se de seu moletom, vestindo-a com certa dificuldade. Voltou a cobri-la, colocando o dedo dentro da boca dela, para que não morresse sufocada. não sabia como havia se lembrado dessa recomendação no meio daquela correria toda. batia os dentes fortemente e ignorou a dor, apertando os olhos com força.
Chegaram ao hospital em menos de dez minutos. parecia estar correndo para salvar a própria vida e mal esperou Jeremy parar o carro por completo. Desceu correndo com ele em seu encalço, gritando por ajuda. Dois médicos que já conheciam a pequena estavam pelo local e prontamente a atenderam. ainda ficou no corredor por longos minutos enquanto ela era levada para dentro numa maca.
"Você está bem, cara?" - Jeremy se aproximou de quando se sentou no banco, sentando-se ao lado dele.
"Não sei bem. Isso foi uma loucura" - Disse num fio de voz, sentindo as mãos tremerem agora que parara de correr contra o tempo. - " e você?"
"Jeremy Morgan, motorista da família " - Apertaram as mãos rapidamente, olhando para o corredor por onde ela sumira. - "Desculpa a pergunta, mas o que fazia na mansão da senhora ?"
"Sou um dos empregados"
"Não me lembro de tê-lo visto antes" - Jeremy franziu as sobrancelhas. Realmente, nunca vira ali antes.
"Cheguei hoje de Boston. Morava com meu pai, mas minha mãe precisa mais de mim do que ele" - deu de ombros, fitando o teto. - "Vou ficar com ela agora"
"Lamento conhecê-lo dessa maneira em seu primeiro dia de trabalho" - Jeremy exclamou, exibindo um sorriso mínimo para o garoto. - "Mas devo dizer que começou bem salvando a pequena ".
"Ouvi o barulho de coisa quebrando e resolvi ver o que era. Estranhei o barulho de água vindo do quarto dela. Ora, quem tomaria banho às duas e meia da manhã? Foi quando eu a encontrei tentando se matar"
fez uma careta ao relembrar aquele momento. Ouvira a mãe falar das e tinha certa antipatia por elas. Não sabia muita coisa sobre a filha, mas certamente sabia que a mãe não era fácil de lidar. Aceitara o emprego mesmo assim, pois queria ficar junto da mãe.
Quando pensava em esperava encontrar uma adolescente mesquinha e não uma garota que precisava de ajuda. Por que ela iria querer se matar se não precisasse?
não sabia explicar, mas sentiu que ele devia ajudá-la.
"Não deveríamos ligar para a mãe dela?" - perguntou, já imaginando a resposta. - "Vai ficar preocupada com o alarde que os outros vão fazer, não é?"
"Não se iluda tanto , a senhora mal deve se lembrar que tem uma filha como a pequena " - Jeremy o encarou com tristeza e passou a rever seus conceitos sobre uma das . - "De qualquer forma, está viajando a negócios e só deve voltar no final da semana".
tinha certeza de que aquela garota precisava dele. Não sabia como e com qual propósito, mas sentia que devia protegê-la.
Abriu a torneira para que a água quente enchesse a banheira.
Despiu-se num movimento só, largando a camiseta e suas peças íntimas pelo chão. Apoiou-se com ambas as mãos na pia larga de um mármore negro, encarando o reflexo no espelho.
Estava abatida, com fortes olheiras roxas que apagavam o brilho de seus olhos castanhos escuros, que lembravam chocolate quente. Parecia mais pálida, com muito mais idade do que seus dezesseis anos. Aquela não era a mesma garota de um ano atrás. Sentiu o gosto amargo em sua boca e deixou um soluço se irromper pela garganta. Sentiu as grossas lágrimas escorrerem pelo rosto e num movimento brusco jogou o vaso com sais de banho contra o espelho, trincando-o e espalhando cacos de cristal para todo canto.
Caminhou até a banheira, ignorando os cortes na sola dos pés, que pisavam fortemente sobre os fragmentos cortantes. Não fechou a torneira mesmo com o nível elevado da água. Deixou que transbordasse quando seu corpo afundou por completo, uma leve coloração avermelhada misturando-se com a água cristalina.
Não pegou fôlego, nem fechou os olhos.
Ficou ali até que começasse a sufocar, as lembranças de sua antiga vida pareciam mais claras ali dentro... Queria morrer assim, com a lembrança dos pais juntos a ela.
Pensou ouvir gritos de alguém, mas não podia ser seu pai.
Não, a voz dele não era tão rouca dessa maneira, pensou em delírios. Por um momento quis levantar só pra ver quem era, mas a água parecia mais pesada agora.
Talvez porque estava penetrando seus pulmões...
"O que pensa que está fazendo, garota?!"
O corpo de fora puxado para fora da banheira, a torneira fechada. Ela tentava respirar agora que estava em contato com o ar, mas suas narinas pareciam inundadas, a passagem de sua garganta lacrada com toda água ali dentro. Estava morrendo em paz, mas agora estava desesperada, agarrando-se com firmeza nos braços que adornavam seu corpo nu.
"Você é maluca, só pode ser maluca!"
Sentiu o doloroso contato com o piso gelado em suas costas. A escuridão começara a se aproximar e ela pediu que não morresse, não mais. Sentia os olhos abertos, mas não conseguia ver nada além de borrões.
"ALGUÉM, AJUDA!"
O garoto gritou, colando os lábios nos da garota que estava diante de si. Soprou o ar para dentro, impulsionando suas mãos num movimento ritmado sobre o peito dela. sabia os movimentos básicos de um salvamento, agradeceu aos céus por ter prestado atenção nas aulas de natação. Repetiu o movimento incontáveis vezes, até que ela recobrou a consciência, expelindo a água pela boca entreaberta.
puxou o ar com força, mas ele parecia não vir até ela. Sentiu as paredes de seu nariz arderem e os olhos lacrimejarem. Seu corpo tremia em espasmos descontrolados. Abriu levemente os olhos, avistando um desconhecido ajoelhado ao seu lado.
Sentiu seu corpo ser suspenso do chão e encolheu-se nos braços fortes dele, querendo que seu calor passasse para si.
a colocou sobre a cama, cobrindo-a com o edredom que encontrou no chão. Em seguida vozes dos outros empregados tiniram pelo corredor, chegando até o quarto de em questão de poucos segundos.
ouvia tudo meio distante, mas sabia que não estava delirando. Não teve tempo de se sentir envergonhada, pois a escuridão começara a se aproximar novamente, de uma forma muito mais assustadora do que a primeira vez.
não teve tempo para explicar quando lhe perguntaram o que estava acontecendo. debatia-se violentamente ao seu lado, as órbitas tomadas pelo lado branco de seus olhos.
"Precisamos levá-la ao hospital, agora!" - apanhou-a novamente no colo, descendo as escadas apressadamente. Jeremy o encontrou no meio da sala, vestido de seus pijamas listrados. Os demais empregados o seguiam, perguntando e gritando, recomendando e choramingando. - "Você, nos leve para o hospital agora!"
Jeremy assentiu, correndo para abrir a porta de entrada. passou com ela em seu colo, enrolada no edredom. Não gostava da coloração acinzentada que ela estava aderindo.
"Corra como se sua vida dependesse disso!"
Ordenou já no banco traseiro da Mercedes com em seu colo. Lembrou-se que a garota estava nua e despiu-se de seu moletom, vestindo-a com certa dificuldade. Voltou a cobri-la, colocando o dedo dentro da boca dela, para que não morresse sufocada. não sabia como havia se lembrado dessa recomendação no meio daquela correria toda. batia os dentes fortemente e ignorou a dor, apertando os olhos com força.
Chegaram ao hospital em menos de dez minutos. parecia estar correndo para salvar a própria vida e mal esperou Jeremy parar o carro por completo. Desceu correndo com ele em seu encalço, gritando por ajuda. Dois médicos que já conheciam a pequena estavam pelo local e prontamente a atenderam. ainda ficou no corredor por longos minutos enquanto ela era levada para dentro numa maca.
"Você está bem, cara?" - Jeremy se aproximou de quando se sentou no banco, sentando-se ao lado dele.
"Não sei bem. Isso foi uma loucura" - Disse num fio de voz, sentindo as mãos tremerem agora que parara de correr contra o tempo. - " e você?"
"Jeremy Morgan, motorista da família " - Apertaram as mãos rapidamente, olhando para o corredor por onde ela sumira. - "Desculpa a pergunta, mas o que fazia na mansão da senhora ?"
"Sou um dos empregados"
"Não me lembro de tê-lo visto antes" - Jeremy franziu as sobrancelhas. Realmente, nunca vira ali antes.
"Cheguei hoje de Boston. Morava com meu pai, mas minha mãe precisa mais de mim do que ele" - deu de ombros, fitando o teto. - "Vou ficar com ela agora"
"Lamento conhecê-lo dessa maneira em seu primeiro dia de trabalho" - Jeremy exclamou, exibindo um sorriso mínimo para o garoto. - "Mas devo dizer que começou bem salvando a pequena ".
"Ouvi o barulho de coisa quebrando e resolvi ver o que era. Estranhei o barulho de água vindo do quarto dela. Ora, quem tomaria banho às duas e meia da manhã? Foi quando eu a encontrei tentando se matar"
fez uma careta ao relembrar aquele momento. Ouvira a mãe falar das e tinha certa antipatia por elas. Não sabia muita coisa sobre a filha, mas certamente sabia que a mãe não era fácil de lidar. Aceitara o emprego mesmo assim, pois queria ficar junto da mãe.
Quando pensava em esperava encontrar uma adolescente mesquinha e não uma garota que precisava de ajuda. Por que ela iria querer se matar se não precisasse?
não sabia explicar, mas sentiu que ele devia ajudá-la.
"Não deveríamos ligar para a mãe dela?" - perguntou, já imaginando a resposta. - "Vai ficar preocupada com o alarde que os outros vão fazer, não é?"
"Não se iluda tanto , a senhora mal deve se lembrar que tem uma filha como a pequena " - Jeremy o encarou com tristeza e passou a rever seus conceitos sobre uma das . - "De qualquer forma, está viajando a negócios e só deve voltar no final da semana".
tinha certeza de que aquela garota precisava dele. Não sabia como e com qual propósito, mas sentia que devia protegê-la.
Chapter Four - "Present Days"
- Sean, meu querido, acorde.
Observei o pequeno ser abrir os olhos lentamente, coçando-os com ambas as mãos enquanto bocejava. Sorriu de olhos fechados, procurando meu rosto com uma mão. Aproximei-me mais da cama, deixando que encontrasse a ponta do meu nariz e, assim que o fez, deu uma leve beliscada, fazendo-me rir.
- Bom dia mamãe.
- Bom dia meu amor. - Beijei demoradamente sua testa, afagando seus cabelos claros. - Pronto para ir pra casa da tia Margareth?
- Comer bolo de chocolate?
Ri fraquinho, rolando os olhos. Peguei-o no colo, trocando-o rapidamente. Baguncei seus cabelos finos com as mãos, sorrindo para si, logo em seguida quando este fez uma careta com a bagunça de seus fios amarelados.
- Sim, comer um monte de bolo.
Sean pareceu despertar por completo, deixando para trás quaisquer vestígios de sono. Agitou-se em meu colo, cantarolando que adorava bolo de chocolate. Seguimos para o carro, cantando juntos a nossa pequena melodia.
Minha rotina resumia-se basicamente nisso: passava os finais de semana com Sean e na semana o deixava com Margareth para que pudesse trabalhar.
Margareth era uma senhora muito simpática que cuidava de Sean quase oito horas por dia, de segunda à sexta. Eu trabalhava como fotógrafa num editorial de moda de uma revista bastante conhecida em Londres. Fotografia não era bem um sonho de carreira, era mais como um hobbie. Mas a oportunidade surgiu, então eu não podia deixá-la escapar, afinal, tinha que cuidar do meu pequeno filho sozinha.
Assim que me despedi de Sean e Margareth, dei a partida no carro, chegando pontualmente no prédio de blocos avermelhados. Passei pela recepção sorrindo brevemente para o porteiro e peguei o elevador pronto para subir.
Depois de largar minha bolsa na minha pequena sala, caminhei para o estúdio menor, onde geralmente eu dava início ao meu serviço.
- E então, o que temos pra hoje?
Baguncei os cabelos sempre revoltos de meu chefe, que era mais um amigo, recebendo um copo de café fumegante. Sem tirar os olhos dos papéis sobre a mesa, ele indicou por sobre o ombro o estúdio maior.
- Três modelos, uma atriz e uma banda.
- Puxa vida, o presidente também? - Brinquei, rolando os olhos. Tão típico dele achar que dava tempo pra tudo. - Sabe que não vou conseguir fazer os três no mesmo dia.
- Ah, você consegue sim! Afinal, você é a minha melhor amiga e fotógrafa...
- Sem chances, Ky! A não ser que você queira ser demitido, não posso fazer um excelente trabalho na correria.
Ele pareceu pensar por um minuto, depois deu de ombros e sorriu animador para mim.
- Vamos fazer os modelos hoje e o resto eu transfiro pra amanhã.
Concordei, mandando um beijo no ar. Com alguns protestos pela parte dele como eu sou uma amiga muito abusada segui para mais um dia de trabalho.
O relógio marcava quatro e meia e eu ainda não havia terminado tudo o que tinha que fazer.
- Kyle, por favor, liga pra Margareth e diga que vou chegar atrasada?
- Como se ela já não soubesse disso. - Ele rolou os olhos enquanto discava o número que já havia decorado.
Estava finalizando o trabalho daquele dia, ouvindo ao fundo a conversa de Kyle. Ouvi primeiramente um 'desculpe, acho que foi engano' e ri pelo nariz. Será que ele havia esquecido o número? Mas depois ele ficou em silêncio e então começou a explicar o de sempre. 'Muito perfeccionismo dá nisso, é eu sei, já mandei ela se tratar...'
Kyle achava que eu era perfeccionista. Eu só achava que tinha que fazer meu trabalho cuidadosamente. São coisas bem diferentes.
Não são?
Rolei os olhos novamente quando ele começou a conversar com Sean. Kyle sempre me dizia que nunca entendia o que ele falava, mas que ainda assim adorava conversar com ele.
Eu sempre agradeci aos céus por ter um patrão e amigo como Kyle. Sean também gostava muito dele, o que facilitava nosso convívio fora do espaço de trabalho.
- Ky, estou indo. - Olhei para o relógio em meu pulso e ele marcava cinco e meia. - Vê se não me atola de serviço amanhã, está bem?
- Só se você der um abraço no garotão por mim.
- Eu faço isso todos os dias, chefe. - Rimos juntos e me despedi novamente assim que o elevador chegou no meu andar.
No caminho do trabalho para casa de Margareth eu tive uma sensação esquisita. Bem, eu nunca fui supersticiosa nem nada, mas era como se alguma coisa fosse mudar na minha vida. Algo em como meu coração batia apertado me garantia isso.
Ou seria apenas uma impressão?
Estacionei o carro no meio fio, saltando para fora e correndo até a varanda de Margareth. Eu não gostava de neve, mas eu preferia mil vezes que estivesse nevando do que chovendo. Observei distraidamente a rua enquanto esperava Margareth me atender. Por algum motivo meu olhar se prendeu num carro que estava estacionado na frente do meu. Fiquei focada nele até Sean abrir a porta, gritando um sonoro mamãe.
- Sean, meu pequeno, onde está tia Margareth?
- Cozinha. - Ele me puxou pelo dedo mindinho, apontando em direção à cozinha. - Vem mamãe, comer bolo de chocolate.
Olhei novamente pro carro, mas ele já havia partido. Logo aquele fato deixou de ser importante para mim porque o meu pequeno gritava meu nome de uma forma gostosa de se ouvir.
- Margareth? Sou eu, .
- Oi querida. - Beijei a testa da senhora simpática que me recebera calorosamente quando adentrei a cozinha que cheirava a chocolate e canela. - Sente-se, tome um pouco de chá. Está um frio tremendo lá fora.
- Obrigada Margareth. - Beberiquei o conteúdo fumegante que ela depositou na minha xícara, assim que me sentei ao seu lado. Não tirei meus dedos da xícara quando a pousei na mesa, a fim de esquentar as pontas deles. - Espero que Sean não tenha lhe dado muito trabalho hoje.
- Oh não, não querida. Sean não me dá trabalho algum em nenhum dia, é um doce de criança.
Sorri orgulhosa para Sean, que estava sentado ao meu lado, comendo seu bolo de chocolate. Sean realmente era uma criança amorosa, fácil de conviver e lidar, embora fosse teimoso em alguns momentos.
- Além do mais, - continuou ela sorrindo para Sean - ele passou a tarde com meu sobrinho. Se divertiram à beça, essas crianças.
Eu não sabia que Margareth tinha sobrinhos da mesma idade que Sean. Bem, na verdade eu não a conhecia muito. A tia de Kyle havia me recomendado Margareth como babá com boas referências e aquilo me bastou.
Sorri para ela, assentindo quando ela relatou que eles passaram a tarde toda montando castelinhos com as cartas que estavam esparramadas pelo tapete da sala.
Conversamos por mais alguns minutos enquanto esperávamos que a chuva diminuísse. Sean acabou dormindo no sofá e aproveitei para recolher o baralho, apanhando-o em meu colo em seguida.
Margareth me levou até o carro segurando um guarda chuva sob nossas cabeças. Ela cuidava de nós como eu cuidava de Sean, com carinho e preocupação. Eu gostava muito daquela senhora gentil.
Quando cheguei à minha casa, que ficava apenas trinta minutos longe de Margareth, Sean ainda dormia. O carreguei para sua cama, ficando ainda algum tempo deitada ao seu lado, acariciando seus cabelos.
Vendo que meu próprio corpo pedia por aquilo também, segui para o meu quarto, tomando um banho quente e relaxante antes de deitar em minha cama e voltar a ter o mesmo sonho de sempre, que mudava conforme os dias passavam.
Uma segunda vez naquele mesmo dia tive a sensação de mudança próxima.
Acordei no dia seguinte não com meu despertador tocando, mas com o afago gentil de mãos febris em minha bochecha. Abri os olhos lentamente, encontrando Sean ao lado de minha cama, o travesseiro em sua mão, arrastando no chão.
- O que foi meu pequeno? - Ergui a coberta e Sean se enfiou sob ela imediatamente. - Está com medo?
- Não. Sean está dodói.
Notei que sua voz soava fraca. Depositei uma mão sobre sua testa, sentindo-a arder.
- Oh Sean, meu amor, você está queimando em febre. Onde dói?
- Aqui. - Mostrou-me com um dedinho o pescoço.
Beijei seus cabelos e logo disquei o número de Kyle, sendo atendida na segunda tentativa.
- meu amor, são cinco e meia da manhã, ainda não está na hora de trabalhar.
- Me desculpa Kyle, mas acho que não vou poder trabalhar hoje. - Sean tossiu e choramingou depois, afundando a cabeça em meu colo. - Sean está com febre, vou levá-lo ao médico.
- Oh, o que nosso campeão tem?
- Parece ser garganta inflamada, está reclamando que dói quando tosse. Tudo bem pra você?
- Mas é claro , que pergunta. - Imaginei-o rolando os olhos, rindo fraquinho depois. - Vou visitá-los mais tarde.
Sem delongas me despedi de Kyle, trocando meus pijamas pelas primeiras coisas que encontrara em meu guarda roupa. Cobri Sean com um casaco meu e saímos para o hospital. Sean choramingava no banco traseiro, ora acordado, ora dormindo.
- Nós já estamos chegando. - Olhei pelo retrovisor para Sean, que tentou sorrir antes de tossir. - Agüenta mais um pouquinho está bem?
- Sean não quer doutor. Não quero remédio ruim. Quero bolo de chocolate.
- Oh meu querido, mamãe promete que vai à casa da tia Margareth depois que sairmos do médico, está bem?
Sean não parecia contente com nossa negociação, mas concordou cabisbaixo. Sean havia puxado isso de mim. Não gostava de médicos, hospitais, nem agulhas. Eu não gostava até hoje, mas tinha que dar confiança ao meu pequenino.
- Sean, sabia que esse médico cuidou da mamãe quando você nasceu?
Bem, eu não sabia se ele iria entender o significado real de nascer, parto e essas coisas, mas ele parecia entretido. Continuei, olhando-o constantemente pelo retrovisor.
- Doutor bonzinho?
- Sim meu amor, ele é muito bonzinho. Ele vai cuidar pra que sua garganta não doa mais.
- Mas dói o dodói de Sean. Não pode ver.
- Sean, meu amor, se você não deixar o doutor ver, não vai conseguir comer o bolo de chocolate da tia Margareth.
- Sean quer bolo. - Ele sorriu pouco, coçando a cabeça de modo pensativo. Achei engraçado o modo como ele parecia tão adulto em suas atitudes. - Sean deixa doutor ver.
Concordei com Sean e deixei o carro estacionado no meio fio. Carreguei Sean em meu colo, protegendo-o da fina garoa que caía. Enquanto o doutor examinava meu garoto, disquei o número de Margareth, estranhamente sendo atendida por um rapaz.
- É da casa da Margareth?
- Tia Margareth, telefone pra senhora! - Afastei o telefone enquanto a pessoa do outro lado gritava. - Só um instante que ela vai te atender.
Agradeci distraída, alguma coisa apitando em meu cérebro como um alerta.
Geralmente eu ficava mais afobada do que de costume quando Sean ficava doente. Talvez fosse isso. Um alerta pra se acalmar e respirar.
Porém, eu não deveria ter ficado tão confiante de que era só isso, daquela vez.
Observei o pequeno ser abrir os olhos lentamente, coçando-os com ambas as mãos enquanto bocejava. Sorriu de olhos fechados, procurando meu rosto com uma mão. Aproximei-me mais da cama, deixando que encontrasse a ponta do meu nariz e, assim que o fez, deu uma leve beliscada, fazendo-me rir.
- Bom dia mamãe.
- Bom dia meu amor. - Beijei demoradamente sua testa, afagando seus cabelos claros. - Pronto para ir pra casa da tia Margareth?
- Comer bolo de chocolate?
Ri fraquinho, rolando os olhos. Peguei-o no colo, trocando-o rapidamente. Baguncei seus cabelos finos com as mãos, sorrindo para si, logo em seguida quando este fez uma careta com a bagunça de seus fios amarelados.
- Sim, comer um monte de bolo.
Sean pareceu despertar por completo, deixando para trás quaisquer vestígios de sono. Agitou-se em meu colo, cantarolando que adorava bolo de chocolate. Seguimos para o carro, cantando juntos a nossa pequena melodia.
Minha rotina resumia-se basicamente nisso: passava os finais de semana com Sean e na semana o deixava com Margareth para que pudesse trabalhar.
Margareth era uma senhora muito simpática que cuidava de Sean quase oito horas por dia, de segunda à sexta. Eu trabalhava como fotógrafa num editorial de moda de uma revista bastante conhecida em Londres. Fotografia não era bem um sonho de carreira, era mais como um hobbie. Mas a oportunidade surgiu, então eu não podia deixá-la escapar, afinal, tinha que cuidar do meu pequeno filho sozinha.
Assim que me despedi de Sean e Margareth, dei a partida no carro, chegando pontualmente no prédio de blocos avermelhados. Passei pela recepção sorrindo brevemente para o porteiro e peguei o elevador pronto para subir.
Depois de largar minha bolsa na minha pequena sala, caminhei para o estúdio menor, onde geralmente eu dava início ao meu serviço.
- E então, o que temos pra hoje?
Baguncei os cabelos sempre revoltos de meu chefe, que era mais um amigo, recebendo um copo de café fumegante. Sem tirar os olhos dos papéis sobre a mesa, ele indicou por sobre o ombro o estúdio maior.
- Três modelos, uma atriz e uma banda.
- Puxa vida, o presidente também? - Brinquei, rolando os olhos. Tão típico dele achar que dava tempo pra tudo. - Sabe que não vou conseguir fazer os três no mesmo dia.
- Ah, você consegue sim! Afinal, você é a minha melhor amiga e fotógrafa...
- Sem chances, Ky! A não ser que você queira ser demitido, não posso fazer um excelente trabalho na correria.
Ele pareceu pensar por um minuto, depois deu de ombros e sorriu animador para mim.
- Vamos fazer os modelos hoje e o resto eu transfiro pra amanhã.
Concordei, mandando um beijo no ar. Com alguns protestos pela parte dele como eu sou uma amiga muito abusada segui para mais um dia de trabalho.
O relógio marcava quatro e meia e eu ainda não havia terminado tudo o que tinha que fazer.
- Kyle, por favor, liga pra Margareth e diga que vou chegar atrasada?
- Como se ela já não soubesse disso. - Ele rolou os olhos enquanto discava o número que já havia decorado.
Estava finalizando o trabalho daquele dia, ouvindo ao fundo a conversa de Kyle. Ouvi primeiramente um 'desculpe, acho que foi engano' e ri pelo nariz. Será que ele havia esquecido o número? Mas depois ele ficou em silêncio e então começou a explicar o de sempre. 'Muito perfeccionismo dá nisso, é eu sei, já mandei ela se tratar...'
Kyle achava que eu era perfeccionista. Eu só achava que tinha que fazer meu trabalho cuidadosamente. São coisas bem diferentes.
Não são?
Rolei os olhos novamente quando ele começou a conversar com Sean. Kyle sempre me dizia que nunca entendia o que ele falava, mas que ainda assim adorava conversar com ele.
Eu sempre agradeci aos céus por ter um patrão e amigo como Kyle. Sean também gostava muito dele, o que facilitava nosso convívio fora do espaço de trabalho.
- Ky, estou indo. - Olhei para o relógio em meu pulso e ele marcava cinco e meia. - Vê se não me atola de serviço amanhã, está bem?
- Só se você der um abraço no garotão por mim.
- Eu faço isso todos os dias, chefe. - Rimos juntos e me despedi novamente assim que o elevador chegou no meu andar.
No caminho do trabalho para casa de Margareth eu tive uma sensação esquisita. Bem, eu nunca fui supersticiosa nem nada, mas era como se alguma coisa fosse mudar na minha vida. Algo em como meu coração batia apertado me garantia isso.
Ou seria apenas uma impressão?
Estacionei o carro no meio fio, saltando para fora e correndo até a varanda de Margareth. Eu não gostava de neve, mas eu preferia mil vezes que estivesse nevando do que chovendo. Observei distraidamente a rua enquanto esperava Margareth me atender. Por algum motivo meu olhar se prendeu num carro que estava estacionado na frente do meu. Fiquei focada nele até Sean abrir a porta, gritando um sonoro mamãe.
- Sean, meu pequeno, onde está tia Margareth?
- Cozinha. - Ele me puxou pelo dedo mindinho, apontando em direção à cozinha. - Vem mamãe, comer bolo de chocolate.
Olhei novamente pro carro, mas ele já havia partido. Logo aquele fato deixou de ser importante para mim porque o meu pequeno gritava meu nome de uma forma gostosa de se ouvir.
- Margareth? Sou eu, .
- Oi querida. - Beijei a testa da senhora simpática que me recebera calorosamente quando adentrei a cozinha que cheirava a chocolate e canela. - Sente-se, tome um pouco de chá. Está um frio tremendo lá fora.
- Obrigada Margareth. - Beberiquei o conteúdo fumegante que ela depositou na minha xícara, assim que me sentei ao seu lado. Não tirei meus dedos da xícara quando a pousei na mesa, a fim de esquentar as pontas deles. - Espero que Sean não tenha lhe dado muito trabalho hoje.
- Oh não, não querida. Sean não me dá trabalho algum em nenhum dia, é um doce de criança.
Sorri orgulhosa para Sean, que estava sentado ao meu lado, comendo seu bolo de chocolate. Sean realmente era uma criança amorosa, fácil de conviver e lidar, embora fosse teimoso em alguns momentos.
- Além do mais, - continuou ela sorrindo para Sean - ele passou a tarde com meu sobrinho. Se divertiram à beça, essas crianças.
Eu não sabia que Margareth tinha sobrinhos da mesma idade que Sean. Bem, na verdade eu não a conhecia muito. A tia de Kyle havia me recomendado Margareth como babá com boas referências e aquilo me bastou.
Sorri para ela, assentindo quando ela relatou que eles passaram a tarde toda montando castelinhos com as cartas que estavam esparramadas pelo tapete da sala.
Conversamos por mais alguns minutos enquanto esperávamos que a chuva diminuísse. Sean acabou dormindo no sofá e aproveitei para recolher o baralho, apanhando-o em meu colo em seguida.
Margareth me levou até o carro segurando um guarda chuva sob nossas cabeças. Ela cuidava de nós como eu cuidava de Sean, com carinho e preocupação. Eu gostava muito daquela senhora gentil.
Quando cheguei à minha casa, que ficava apenas trinta minutos longe de Margareth, Sean ainda dormia. O carreguei para sua cama, ficando ainda algum tempo deitada ao seu lado, acariciando seus cabelos.
Vendo que meu próprio corpo pedia por aquilo também, segui para o meu quarto, tomando um banho quente e relaxante antes de deitar em minha cama e voltar a ter o mesmo sonho de sempre, que mudava conforme os dias passavam.
Uma segunda vez naquele mesmo dia tive a sensação de mudança próxima.
Acordei no dia seguinte não com meu despertador tocando, mas com o afago gentil de mãos febris em minha bochecha. Abri os olhos lentamente, encontrando Sean ao lado de minha cama, o travesseiro em sua mão, arrastando no chão.
- O que foi meu pequeno? - Ergui a coberta e Sean se enfiou sob ela imediatamente. - Está com medo?
- Não. Sean está dodói.
Notei que sua voz soava fraca. Depositei uma mão sobre sua testa, sentindo-a arder.
- Oh Sean, meu amor, você está queimando em febre. Onde dói?
- Aqui. - Mostrou-me com um dedinho o pescoço.
Beijei seus cabelos e logo disquei o número de Kyle, sendo atendida na segunda tentativa.
- meu amor, são cinco e meia da manhã, ainda não está na hora de trabalhar.
- Me desculpa Kyle, mas acho que não vou poder trabalhar hoje. - Sean tossiu e choramingou depois, afundando a cabeça em meu colo. - Sean está com febre, vou levá-lo ao médico.
- Oh, o que nosso campeão tem?
- Parece ser garganta inflamada, está reclamando que dói quando tosse. Tudo bem pra você?
- Mas é claro , que pergunta. - Imaginei-o rolando os olhos, rindo fraquinho depois. - Vou visitá-los mais tarde.
Sem delongas me despedi de Kyle, trocando meus pijamas pelas primeiras coisas que encontrara em meu guarda roupa. Cobri Sean com um casaco meu e saímos para o hospital. Sean choramingava no banco traseiro, ora acordado, ora dormindo.
- Nós já estamos chegando. - Olhei pelo retrovisor para Sean, que tentou sorrir antes de tossir. - Agüenta mais um pouquinho está bem?
- Sean não quer doutor. Não quero remédio ruim. Quero bolo de chocolate.
- Oh meu querido, mamãe promete que vai à casa da tia Margareth depois que sairmos do médico, está bem?
Sean não parecia contente com nossa negociação, mas concordou cabisbaixo. Sean havia puxado isso de mim. Não gostava de médicos, hospitais, nem agulhas. Eu não gostava até hoje, mas tinha que dar confiança ao meu pequenino.
- Sean, sabia que esse médico cuidou da mamãe quando você nasceu?
Bem, eu não sabia se ele iria entender o significado real de nascer, parto e essas coisas, mas ele parecia entretido. Continuei, olhando-o constantemente pelo retrovisor.
- Doutor bonzinho?
- Sim meu amor, ele é muito bonzinho. Ele vai cuidar pra que sua garganta não doa mais.
- Mas dói o dodói de Sean. Não pode ver.
- Sean, meu amor, se você não deixar o doutor ver, não vai conseguir comer o bolo de chocolate da tia Margareth.
- Sean quer bolo. - Ele sorriu pouco, coçando a cabeça de modo pensativo. Achei engraçado o modo como ele parecia tão adulto em suas atitudes. - Sean deixa doutor ver.
Concordei com Sean e deixei o carro estacionado no meio fio. Carreguei Sean em meu colo, protegendo-o da fina garoa que caía. Enquanto o doutor examinava meu garoto, disquei o número de Margareth, estranhamente sendo atendida por um rapaz.
- É da casa da Margareth?
- Tia Margareth, telefone pra senhora! - Afastei o telefone enquanto a pessoa do outro lado gritava. - Só um instante que ela vai te atender.
Agradeci distraída, alguma coisa apitando em meu cérebro como um alerta.
Geralmente eu ficava mais afobada do que de costume quando Sean ficava doente. Talvez fosse isso. Um alerta pra se acalmar e respirar.
Porém, eu não deveria ter ficado tão confiante de que era só isso, daquela vez.
Chapter Five - "Back to the past - III!
passou aquele dia inteiro ao lado da cama de . Jeremy se prontificou a ficar ali para que ele voltasse para casa e avisasse aos demais que ela estava bem e que logo voltaria para a mansão, mas ele negou veemente. Jeremy só fora embora depois de prometer-lhe que ligaria assim que ela acordasse.
Apesar das poucas palavras e de pouco tempo, Jeremy tinha um carinho imensurável por ambas . Via a pequena como uma irmã mais nova, aquela que a gente deseja pegar no colo e afastar todos os medos. Já com Elizabeth, Jeremy não tinha nem palavras para explicar o que sentia quando a via. Reconhecia o gênio difícil que ela possuía e não concordava com a falta de zelo com a filha, mas ainda assim não conseguia esquecer sua beleza incomparável, sua voz suave. Nunca sentira nada parecido por nenhuma outra mulher que ele conhecera em seus vinte e nove anos.
sentiu as entranhas arderem quando puxou o ar com um pouco mais de força, mas sentia-se melhor do que no dia anterior.
Remexeu-se na cama e arquejou quando mexeu o braço. Não precisava nem olhar para saber que havia agulhas ali. Reprimiu um gemido quando dores em diversas partes do corpo a atingiram.
"Hei... Você acordou"
abriu minimamente os olhos, tombando a cabeça para o lado. Deparou-se com um garoto sentado na poltrona ao lado da cama com uma expressão sorridente, apesar de cansada. Voltou a fechar os olhos, bufando.
"Foi você, não foi?" - Ela perguntou com sua voz rouca, sentindo lágrimas brotarem em seus olhos involuntariamente.
"O que?"
"Por que me salvou?" - Disparou ela, ignorando a confusão no semblante dele.
"Por que tentou se matar?" - rebateu ele, repentinamente irritado.
"Isso não é da sua conta" - Voltou a abrir os olhos, encarando-o. - "Aliás, o que você estava fazendo em meu quarto? Quem é você?"
"Se eu te disser quem sou, vai me contar o porquê?"
desviou o olhar, trincando o maxilar. Lembrava-se de ter se agarrado com firmeza em seu corpo quando pensou que realmente fosse morrer e de ter implorado mentalmente para que ele não a deixasse partir. Estava furiosa, não por ter fracassado numa tentativa de suicídio, mas por desejar que ele a abraçasse naquele momento. Sequer sabia quem era o garoto de lindos olhos que aparentemente dormira ali, preocupado de uma maneira que sua mãe nem deveria estar.
considerou seu silêncio como uma afirmação, sorrindo minimamente. Levantou-se de sua poltrona, estralando as costas e voltando a se sentar, dessa vez na beira da cama onde ela estava deitada. Esticou uma mão em sua direção, exibindo um sorriso torto.
" , um dos empregados de sua mãe" - limitou-se a assentir com a cabeça, ignorando a mão estendida do garoto. já esperava esse tipo de reação. - "Ouvi o barulho que veio do seu quarto, pensei que fosse algum ladrão. Resolvi dar uma olhada. E foi quando eu... te vi"
Somente naquele momento se deu conta de que a jovem era muito bonita. Lembrou-se do seu corpo apertado contra o seu e corou, pigarreando enquanto se levantava da cama, ficando de costas para ela, fingindo observar a janela.
também sentiu as bochechas esquentarem, mas por poucos segundos.
"Você é um intrometido"
"Mas graças a isso você ainda está aqui. Já contei a minha história, vai me contar a sua agora?"
"Eu não disse que ia contar coisa alguma" - não conseguia controlar o nervosismo que a corroía naquele momento. Não sabia explicar o que estava sentindo além das dores pelo corpo.
"Pensei que fosse uma troca justa" - Ele deu de ombros, sorrindo minimamente. Ela ficou ainda mais irritada. Estava num quarto de hospital, furada por agulhas nos braços com um garoto praticamente desconhecido que sequer se abalava com sua grosseria. Quem era aquele garoto afinal de contas? - "Mas tudo bem, você ainda vai me contar"
abriu a boca na intenção de protestar, mas o celular dele começou a tocar num volume baixo. apanhou o aparelho celular em seu bolso e atendeu prontamente, novamente dando as costas para ela.
"Oi Jeremy" - Arregalou os olhos quando ouviu o nome, sentindo as bochechas queimarem novamente. - "Sim, ela acabou de acordar"
virou-se minimamente em direção à , uma mão pousada de modo despreocupado dentro do bolso da bermuda.
"Vou falar com o médico, ver se ela já vai ter alta. Sim, estaremos esperando"
deu a volta na cama, apanhando sua jaqueta sobre o sofá. Sorriu singelo para , que o fitava com os olhos semicerrados.
"Aonde pensa que vai?" - Perguntou ao vê-lo vestir a blusa e caminhar em direção à porta. - "O que pensa que está fazendo?"
"Eu vou falar com médico, ver se ele vai te liberar. E eu estou fazendo o que comecei ontem"
"E o que é? Cuidar de mim como uma babá? Não preciso de ninguém para cuidar de mim, ouviu bem garoto?"
refez seu caminho, parando ao lado de sem deixar de encará-la. Não expressou nada além de uma confiança convicta.
"Por favor, entenda uma coisa: você sabe que precisa de mim, como eu sinto que preciso cuidar de você"
não conseguiu responder, pois a linha de seu pensamento foi perturbada pela intensidade do olhar dele sobre si. Aquela situação lembrou-lhe a conversa com dias atrás, na qual ela estava na posição de . A que aconselha e não a que é aconselhada.
Sentiu-se mal por ter julgado as atitudes de e no fim, acabara fazendo muito pior.
"Afinal," - saiu de seus devaneios, evitando os olhos dele. - "eu te salvei, você me deve uma"
queria que o tempo voltasse a passar com mais rapidez, como estava sendo antes. Cada segundo que se arrastava ela se sentia pior, tinha vergonha de si mesma pelo que fez, ou tentara fazer naquela noite de dois dias atrás. Não queria que todos naquela casa se preocupassem com ela, ou sentissem pena. Mas ela sabia que era isso que eles sentiam quando a viam calada, com o olhar vago e vazio.
Pensou que ninguém ligasse para ela, mas, naqueles dias que transcorreram ao acidente, e Jeremy não a deixavam sozinha quando estava fora de seu quarto.
Achava ridícula a preocupação de , pois sequer se conheciam. Mas no fundo, se sentia bem quando estava por perto. Não sabia explicar se era pelo fato dele ter salvado sua vida ou se era porque gostava de vê-lo sorrir.
Claro que ela jamais confidenciara isso pra alguém.
"Que bom vê-la aqui fora "
Suspirou antes de olhar para o lado e encontrar ali, sorrindo minimamente para ela. Era final de tarde e ela sentia-se bem quando avistava o pôr do sol do amplo gramado em volta do casarão. Fazia-a ter boas lembranças do pai.
Naquela parte do casarão, além do gazebo em que se encontrava, se encontrava a piscina de águas sempre calmas. nunca gostara de piscinas, agora gostava menos ainda.
"O que faz aqui?" - Perguntou de uma forma que soara ingênua para .
"Gosto da vista" - concordou com um sorriso fraco. - "Posso me sentar?"
Ela olhou de para o espaço vazio ao seu lado na grande cadeira de balanço. Chegou para o lado e sorriu, sentando-se em silêncio. Ficaram alguns minutos sem nada dizer, apenas olhando o sol exibir seus últimos raios alaranjados. Como nas outras vezes, não sabia o que dizer ou o que não dizer. Tinha receio da vontade de desabafar com alguém, principalmente com ele, que parecia conhecê-la tão bem em alguns momentos. Então deixou que ele começasse a falar, como em todas as outras vezes.
"Quando uma pessoa se acostuma com sua dor, é sempre mais difícil dividir isso com alguém depois" - Ela sentiu o coração bater mais rápido, a respiração presa no meio da garganta. Chegara a imaginar se não tinha externado seus pensamentos. Mas não, era apenas lendo seus pensamentos e a surpreendendo. - "Não se acostume com a dor, "
"Queria que alguém me dissesse isso muito antes..." - Sussurrou para si mesma, desejando não tê-lo feito, pois sentiu um braço de enlaçar seus ombros, puxando-a para mais perto dele.
"Quer me contar?"
"É meio tarde para isso" - Não se afastou do afago gentil que ele fazia em seu braço, mas não se permitiu encostar a cabeça em seu ombro.
"Bem, meu relógio me diz que não são nem seis da tarde"
o encarou seriamente, mas de um modo que agradou , se permitiu deixar escapar um riso no ar.
nunca a vira sorrindo de uma forma tão genuína daquela maneira. O som de seu riso era doce, como uma criança verdadeiramente feliz sorria. Gostou de vê-la sorrindo, gostou ainda mais da idéia de ele ter conseguido isso.
"Não sabia que era comediante"
"E não sou. Mas para vê-la sorrindo assim eu posso me tornar um"
Aos poucos, como se não tivesse mais forças para sustentar o riso, um semblante sério adornou os traços de . Não era como se ela quisesse parar de sorrir, havia se esquecido como era ter um pouco de alegria e havia lhe dado isso, mas não soube como reagir com uma simples declaração como aquela.
Até porque, uma empregada esbaforida chegara correndo, as bochechas ligeiramente brancas.
De repente o braço de em volta de seu ombro pareceu um incômodo para , mas ele sequer se moveu, continuou com o afago gentil, esperando assim como a empregada recuperar o fôlego para falar.
"Sua mãe, senhorita... no telefone... quer falar com você agora"
assentiu e levantou-se rapidamente, pronta para seguir Eleonor que a chamava com acenos apressados. Suspirou pesadamente, prevendo o que viria a seguir.
Mesmo sem virar o rosto para trás, teve a certeza de que não se movera e a observava se afastar, daquele modo que a fazia pensar que não havia nada que pudesse esconder dele.
Duas hipóteses faiscaram rapidamente pela sua mente. Ou ela era um livro muito aberto, ou era um ótimo leitor.
Antes de ser interrompida pelo chiado de Eleonor teve a certeza de que era um cara diferente, que a entendia por mais que ela se recusasse a dar explicações.
E teve medo daquilo. Um medo que traria consigo outros sentimentos que ela nunca mais esqueceria.
Depois do telefonema de sua mãe, três dias se passaram e Elizabeth estaria chegando à qualquer momento.
estava um tanto apreensiva, mas não tanto quanto Jeremy e . Sabia que nenhum dos empregados havia a delatado sobre o ocorrido, mas, provavelmente, os médicos acharam que seria o correto comunicar Elizabeth sobre o incidente com ela.
Estava deitada em sua cama, fitando o breu que as cortinas fechadas proporcionavam ao seu quarto naquele começo de noite. Dois toques em sua porta a fizeram erguer minimamente a cabeça. Pensou em fingir estar dormindo, mas ao invés de insistirem com os toques, a porta abriu-se com um rangido suave e, meio segundo depois, a silhueta de aparecera no vão, iluminada pelas luzes do corredor.
esperou que os batimentos fortes de seu coração se estabilizassem antes de tentar pronunciar qualquer coisa.
hesitou na porta, sem saber se ela estava dormindo ou não. Quando pensou em voltar, ela sussurrou seu nome de modo questionador.
"Pensei que estivesse dormindo" - Ele se explicou quando ela acendeu o abajur na cabeceira de sua cama. - "Me desculpe se te atrapalhei"
"Não estava dormindo" - sentou-se na cama, e fez o mesmo. Encararam-se por algumas frações de segundos, antes dela desviar o olhar, pigarreando baixo. - "E então, o que queria?"
"De repente eu pensei que você quisesse sair mais tarde... Sabe, pra descontrair"
"Ah"
"Ah?" - riu franzindo as sobrancelhas, intrigado com a constante mudança de humor dela. - "Isso significa um "Claro " ou um "Vê se não me enche?"
"Nem uma e nem outra, eu não posso sair... com você"
"Não, não! Você entendeu errado, não é um... encontro comigo!" - Por meio milésimo de segundo ele se sentiu esquisito com a possibilidade dela ter alguém, um namorado ou coisa do tipo. - "Meus amigos e eu vamos tocar num pub aqui perto, seria legal se você conhecesse a nossa banda"
"Olha, eu sinto muito mesmo . Não será possível"
"Por que você é tão difícil assim? É só um passeio a cinco quadras daqui. Não custa nada..."
"A questão não é eu ser a difícil , mas sim que você deposita muitas esperanças em mim. Você vai passar a vida inteira tentando me dar coisas nas quais eu não acredito mais"
"Como você pode ter tanta certeza assim?" - Seu timbre era suave, soando com uma rouquidão que ora ou outra fazia os pêlos da nuca de se eriçarem. - "Não sabe o que eu pretendo te dar ou não"
E embora suas palavras soassem com firmeza, nem mesmo ele sabia o que queria dela, o que podia dar a ela. Só sentia aquela necessidade avassaladora de ficar perto dela, custe o que custasse.
Instantaneamente o rosto de corou, fazendo-a perder por alguns momentos o fio de seu pensamento. Por que ele causava tantos sentimentos confusos nela?
"De qualquer modo, eu te agradeço pela preocupação"
"Não é... preocupação" - Ele mordiscou o canto do lábio inferior, procurando no teto pouco iluminado alguma palavra que se encaixasse melhor no seu contexto. - "Eu só quero que se divirta um pouco"
suspirou pesadamente. Articulou alguma resposta curta e não tão ríspida, mas foram interrompidos antes que ela pudesse falar ou que ele pudesse argumentar. Eleonor aparecera na porta, com aquela expressão de um hamster que acabara de se deparar com um gato siamês.
"Senhorita, sua mãe chegou. Pediu para encontrá-la daqui cinco minutos em seu escritório"
assentiu para Eleonor e se levantou lentamente, sendo acompanhada apenas pelo olhar meticuloso de .
"Eu preciso ir"
"Você vai aparecer no Mason's daqui meia hora, uma hora no máximo" - disse brincalhão, desejando que tivesse um pouco de verdade naquelas palavras. - "E você vai se tornar a fã número um da nossa banda"
limitou-se a exibir um sorriso fraco, sumindo pelo vão da porta em seguida, deixando com uma pequena ponta de frustração.
estava sempre ali perto, mas de uma maneira surreal, quase sempre inalcançável.
Apesar das poucas palavras e de pouco tempo, Jeremy tinha um carinho imensurável por ambas . Via a pequena como uma irmã mais nova, aquela que a gente deseja pegar no colo e afastar todos os medos. Já com Elizabeth, Jeremy não tinha nem palavras para explicar o que sentia quando a via. Reconhecia o gênio difícil que ela possuía e não concordava com a falta de zelo com a filha, mas ainda assim não conseguia esquecer sua beleza incomparável, sua voz suave. Nunca sentira nada parecido por nenhuma outra mulher que ele conhecera em seus vinte e nove anos.
sentiu as entranhas arderem quando puxou o ar com um pouco mais de força, mas sentia-se melhor do que no dia anterior.
Remexeu-se na cama e arquejou quando mexeu o braço. Não precisava nem olhar para saber que havia agulhas ali. Reprimiu um gemido quando dores em diversas partes do corpo a atingiram.
"Hei... Você acordou"
abriu minimamente os olhos, tombando a cabeça para o lado. Deparou-se com um garoto sentado na poltrona ao lado da cama com uma expressão sorridente, apesar de cansada. Voltou a fechar os olhos, bufando.
"Foi você, não foi?" - Ela perguntou com sua voz rouca, sentindo lágrimas brotarem em seus olhos involuntariamente.
"O que?"
"Por que me salvou?" - Disparou ela, ignorando a confusão no semblante dele.
"Por que tentou se matar?" - rebateu ele, repentinamente irritado.
"Isso não é da sua conta" - Voltou a abrir os olhos, encarando-o. - "Aliás, o que você estava fazendo em meu quarto? Quem é você?"
"Se eu te disser quem sou, vai me contar o porquê?"
desviou o olhar, trincando o maxilar. Lembrava-se de ter se agarrado com firmeza em seu corpo quando pensou que realmente fosse morrer e de ter implorado mentalmente para que ele não a deixasse partir. Estava furiosa, não por ter fracassado numa tentativa de suicídio, mas por desejar que ele a abraçasse naquele momento. Sequer sabia quem era o garoto de lindos olhos que aparentemente dormira ali, preocupado de uma maneira que sua mãe nem deveria estar.
considerou seu silêncio como uma afirmação, sorrindo minimamente. Levantou-se de sua poltrona, estralando as costas e voltando a se sentar, dessa vez na beira da cama onde ela estava deitada. Esticou uma mão em sua direção, exibindo um sorriso torto.
" , um dos empregados de sua mãe" - limitou-se a assentir com a cabeça, ignorando a mão estendida do garoto. já esperava esse tipo de reação. - "Ouvi o barulho que veio do seu quarto, pensei que fosse algum ladrão. Resolvi dar uma olhada. E foi quando eu... te vi"
Somente naquele momento se deu conta de que a jovem era muito bonita. Lembrou-se do seu corpo apertado contra o seu e corou, pigarreando enquanto se levantava da cama, ficando de costas para ela, fingindo observar a janela.
também sentiu as bochechas esquentarem, mas por poucos segundos.
"Você é um intrometido"
"Mas graças a isso você ainda está aqui. Já contei a minha história, vai me contar a sua agora?"
"Eu não disse que ia contar coisa alguma" - não conseguia controlar o nervosismo que a corroía naquele momento. Não sabia explicar o que estava sentindo além das dores pelo corpo.
"Pensei que fosse uma troca justa" - Ele deu de ombros, sorrindo minimamente. Ela ficou ainda mais irritada. Estava num quarto de hospital, furada por agulhas nos braços com um garoto praticamente desconhecido que sequer se abalava com sua grosseria. Quem era aquele garoto afinal de contas? - "Mas tudo bem, você ainda vai me contar"
abriu a boca na intenção de protestar, mas o celular dele começou a tocar num volume baixo. apanhou o aparelho celular em seu bolso e atendeu prontamente, novamente dando as costas para ela.
"Oi Jeremy" - Arregalou os olhos quando ouviu o nome, sentindo as bochechas queimarem novamente. - "Sim, ela acabou de acordar"
virou-se minimamente em direção à , uma mão pousada de modo despreocupado dentro do bolso da bermuda.
"Vou falar com o médico, ver se ela já vai ter alta. Sim, estaremos esperando"
deu a volta na cama, apanhando sua jaqueta sobre o sofá. Sorriu singelo para , que o fitava com os olhos semicerrados.
"Aonde pensa que vai?" - Perguntou ao vê-lo vestir a blusa e caminhar em direção à porta. - "O que pensa que está fazendo?"
"Eu vou falar com médico, ver se ele vai te liberar. E eu estou fazendo o que comecei ontem"
"E o que é? Cuidar de mim como uma babá? Não preciso de ninguém para cuidar de mim, ouviu bem garoto?"
refez seu caminho, parando ao lado de sem deixar de encará-la. Não expressou nada além de uma confiança convicta.
"Por favor, entenda uma coisa: você sabe que precisa de mim, como eu sinto que preciso cuidar de você"
não conseguiu responder, pois a linha de seu pensamento foi perturbada pela intensidade do olhar dele sobre si. Aquela situação lembrou-lhe a conversa com dias atrás, na qual ela estava na posição de . A que aconselha e não a que é aconselhada.
Sentiu-se mal por ter julgado as atitudes de e no fim, acabara fazendo muito pior.
"Afinal," - saiu de seus devaneios, evitando os olhos dele. - "eu te salvei, você me deve uma"
queria que o tempo voltasse a passar com mais rapidez, como estava sendo antes. Cada segundo que se arrastava ela se sentia pior, tinha vergonha de si mesma pelo que fez, ou tentara fazer naquela noite de dois dias atrás. Não queria que todos naquela casa se preocupassem com ela, ou sentissem pena. Mas ela sabia que era isso que eles sentiam quando a viam calada, com o olhar vago e vazio.
Pensou que ninguém ligasse para ela, mas, naqueles dias que transcorreram ao acidente, e Jeremy não a deixavam sozinha quando estava fora de seu quarto.
Achava ridícula a preocupação de , pois sequer se conheciam. Mas no fundo, se sentia bem quando estava por perto. Não sabia explicar se era pelo fato dele ter salvado sua vida ou se era porque gostava de vê-lo sorrir.
Claro que ela jamais confidenciara isso pra alguém.
"Que bom vê-la aqui fora "
Suspirou antes de olhar para o lado e encontrar ali, sorrindo minimamente para ela. Era final de tarde e ela sentia-se bem quando avistava o pôr do sol do amplo gramado em volta do casarão. Fazia-a ter boas lembranças do pai.
Naquela parte do casarão, além do gazebo em que se encontrava, se encontrava a piscina de águas sempre calmas. nunca gostara de piscinas, agora gostava menos ainda.
"O que faz aqui?" - Perguntou de uma forma que soara ingênua para .
"Gosto da vista" - concordou com um sorriso fraco. - "Posso me sentar?"
Ela olhou de para o espaço vazio ao seu lado na grande cadeira de balanço. Chegou para o lado e sorriu, sentando-se em silêncio. Ficaram alguns minutos sem nada dizer, apenas olhando o sol exibir seus últimos raios alaranjados. Como nas outras vezes, não sabia o que dizer ou o que não dizer. Tinha receio da vontade de desabafar com alguém, principalmente com ele, que parecia conhecê-la tão bem em alguns momentos. Então deixou que ele começasse a falar, como em todas as outras vezes.
"Quando uma pessoa se acostuma com sua dor, é sempre mais difícil dividir isso com alguém depois" - Ela sentiu o coração bater mais rápido, a respiração presa no meio da garganta. Chegara a imaginar se não tinha externado seus pensamentos. Mas não, era apenas lendo seus pensamentos e a surpreendendo. - "Não se acostume com a dor, "
"Queria que alguém me dissesse isso muito antes..." - Sussurrou para si mesma, desejando não tê-lo feito, pois sentiu um braço de enlaçar seus ombros, puxando-a para mais perto dele.
"Quer me contar?"
"É meio tarde para isso" - Não se afastou do afago gentil que ele fazia em seu braço, mas não se permitiu encostar a cabeça em seu ombro.
"Bem, meu relógio me diz que não são nem seis da tarde"
o encarou seriamente, mas de um modo que agradou , se permitiu deixar escapar um riso no ar.
nunca a vira sorrindo de uma forma tão genuína daquela maneira. O som de seu riso era doce, como uma criança verdadeiramente feliz sorria. Gostou de vê-la sorrindo, gostou ainda mais da idéia de ele ter conseguido isso.
"Não sabia que era comediante"
"E não sou. Mas para vê-la sorrindo assim eu posso me tornar um"
Aos poucos, como se não tivesse mais forças para sustentar o riso, um semblante sério adornou os traços de . Não era como se ela quisesse parar de sorrir, havia se esquecido como era ter um pouco de alegria e havia lhe dado isso, mas não soube como reagir com uma simples declaração como aquela.
Até porque, uma empregada esbaforida chegara correndo, as bochechas ligeiramente brancas.
De repente o braço de em volta de seu ombro pareceu um incômodo para , mas ele sequer se moveu, continuou com o afago gentil, esperando assim como a empregada recuperar o fôlego para falar.
"Sua mãe, senhorita... no telefone... quer falar com você agora"
assentiu e levantou-se rapidamente, pronta para seguir Eleonor que a chamava com acenos apressados. Suspirou pesadamente, prevendo o que viria a seguir.
Mesmo sem virar o rosto para trás, teve a certeza de que não se movera e a observava se afastar, daquele modo que a fazia pensar que não havia nada que pudesse esconder dele.
Duas hipóteses faiscaram rapidamente pela sua mente. Ou ela era um livro muito aberto, ou era um ótimo leitor.
Antes de ser interrompida pelo chiado de Eleonor teve a certeza de que era um cara diferente, que a entendia por mais que ela se recusasse a dar explicações.
E teve medo daquilo. Um medo que traria consigo outros sentimentos que ela nunca mais esqueceria.
Depois do telefonema de sua mãe, três dias se passaram e Elizabeth estaria chegando à qualquer momento.
estava um tanto apreensiva, mas não tanto quanto Jeremy e . Sabia que nenhum dos empregados havia a delatado sobre o ocorrido, mas, provavelmente, os médicos acharam que seria o correto comunicar Elizabeth sobre o incidente com ela.
Estava deitada em sua cama, fitando o breu que as cortinas fechadas proporcionavam ao seu quarto naquele começo de noite. Dois toques em sua porta a fizeram erguer minimamente a cabeça. Pensou em fingir estar dormindo, mas ao invés de insistirem com os toques, a porta abriu-se com um rangido suave e, meio segundo depois, a silhueta de aparecera no vão, iluminada pelas luzes do corredor.
esperou que os batimentos fortes de seu coração se estabilizassem antes de tentar pronunciar qualquer coisa.
hesitou na porta, sem saber se ela estava dormindo ou não. Quando pensou em voltar, ela sussurrou seu nome de modo questionador.
"Pensei que estivesse dormindo" - Ele se explicou quando ela acendeu o abajur na cabeceira de sua cama. - "Me desculpe se te atrapalhei"
"Não estava dormindo" - sentou-se na cama, e fez o mesmo. Encararam-se por algumas frações de segundos, antes dela desviar o olhar, pigarreando baixo. - "E então, o que queria?"
"De repente eu pensei que você quisesse sair mais tarde... Sabe, pra descontrair"
"Ah"
"Ah?" - riu franzindo as sobrancelhas, intrigado com a constante mudança de humor dela. - "Isso significa um "Claro " ou um "Vê se não me enche?"
"Nem uma e nem outra, eu não posso sair... com você"
"Não, não! Você entendeu errado, não é um... encontro comigo!" - Por meio milésimo de segundo ele se sentiu esquisito com a possibilidade dela ter alguém, um namorado ou coisa do tipo. - "Meus amigos e eu vamos tocar num pub aqui perto, seria legal se você conhecesse a nossa banda"
"Olha, eu sinto muito mesmo . Não será possível"
"Por que você é tão difícil assim? É só um passeio a cinco quadras daqui. Não custa nada..."
"A questão não é eu ser a difícil , mas sim que você deposita muitas esperanças em mim. Você vai passar a vida inteira tentando me dar coisas nas quais eu não acredito mais"
"Como você pode ter tanta certeza assim?" - Seu timbre era suave, soando com uma rouquidão que ora ou outra fazia os pêlos da nuca de se eriçarem. - "Não sabe o que eu pretendo te dar ou não"
E embora suas palavras soassem com firmeza, nem mesmo ele sabia o que queria dela, o que podia dar a ela. Só sentia aquela necessidade avassaladora de ficar perto dela, custe o que custasse.
Instantaneamente o rosto de corou, fazendo-a perder por alguns momentos o fio de seu pensamento. Por que ele causava tantos sentimentos confusos nela?
"De qualquer modo, eu te agradeço pela preocupação"
"Não é... preocupação" - Ele mordiscou o canto do lábio inferior, procurando no teto pouco iluminado alguma palavra que se encaixasse melhor no seu contexto. - "Eu só quero que se divirta um pouco"
suspirou pesadamente. Articulou alguma resposta curta e não tão ríspida, mas foram interrompidos antes que ela pudesse falar ou que ele pudesse argumentar. Eleonor aparecera na porta, com aquela expressão de um hamster que acabara de se deparar com um gato siamês.
"Senhorita, sua mãe chegou. Pediu para encontrá-la daqui cinco minutos em seu escritório"
assentiu para Eleonor e se levantou lentamente, sendo acompanhada apenas pelo olhar meticuloso de .
"Eu preciso ir"
"Você vai aparecer no Mason's daqui meia hora, uma hora no máximo" - disse brincalhão, desejando que tivesse um pouco de verdade naquelas palavras. - "E você vai se tornar a fã número um da nossa banda"
limitou-se a exibir um sorriso fraco, sumindo pelo vão da porta em seguida, deixando com uma pequena ponta de frustração.
estava sempre ali perto, mas de uma maneira surreal, quase sempre inalcançável.
Chapter Six - "Back to the past - IV!
Antes de bater na porta do escritório de Elizabeth, inspirou uma grande quantidade de ar, mantendo-o por um bom tempo dentro de seus pulmões. Suspirou rapidamente pelo nariz, dando dois toques suaves no vidro temperado de cor escura.
Ao ouvir a voz da mãe, respirou fundo novamente antes de entrar, conforme ela lhe ordenara.
Elizabeth estava sentada em sua poltrona, remexendo em algumas pastas. Os passos de mal podiam ser ouvidos sobre o carpete cor de vinho, talvez fosse a cautela que deixava o ar tão pesado daquela maneira, onde ela só podia ouvir sua própria respiração e nada mais. Nem mesmo o coração pulsando apressado ela podia ouvir naquele momento.
Raras eram as vezes em que elas dividiam um mesmo ambiente, e quando isso acontecia, não era por motivos que a deixavam confortável.
"Sente-se"
"Eu posso ficar em pé"
"Eu mandei você se sentar!" - estremeceu levemente quando Elizabeth alterou a voz e sem protestar, obedeceu-a. - "E não fale enquanto eu não terminar. Fui clara?"
"Sim... senhora" - obrigou-se a falar pausadamente para reprimir um soluço. Aquele conhecido nó na garganta que há tempos não aparecia, estava ali novamente, fazendo-a se sentir sufocada.
Elizabeth fungou, cruzando as mãos sobre a mesa, deixando de lado quaisquer papéis que prendiam sua atenção antes de entrar. Fechou os olhos e num gesto de quem ora, apoiou a testa nas mãos unidas. Ficou naquela posição por um tempo curto, mas que parecera longo demais para . Desejou profundamente que aquela conversa acabasse logo, para poder, enfim, se refugiar em seu quarto.
"Eu lhe deixo faltar algo, ?" - Elizabeth a encarou friamente, sem sinais de compaixão ou ternura. Sua voz era igualmente cortante. - "Te matriculei num colégio de prestígio, você tem a liberdade para sair quando quiser, recebe sua mesada mensalmente sem nenhum atraso"
"Sim" - Ela murmurou, desejando que ela lhe perguntasse se lhe deixara faltar amor. Aí sim, ela diria que ela deixara faltando algo muito mais importante que prestígio ou dinheiro. Ela só queria a mãe de volta.
"Então por que deseja tanto me crucificar dessa maneira?"
"Eu? Te crucificar?" - por um momento pensou ter ouvido algo diferente, mas quando a mãe lhe lançou um olhar duro, teve a certeza de que não se tratava de nenhum engano.
"Sim! O que tinha em mente quando tentou se afogar? Queria que eu me sentisse culpada? Queria que me julgassem, é isso ?"
Indignação e raiva pulsavam juntamente com seu coração carregado de tristeza. Como ela podia achar que o mundo inteiro girava em torno dela? Definitivamente, sua mãe amável e bondosa havia morrido. Aquela mulher diante de si era uma desconhecida egoísta e cruel.
"Eu não fiz aquilo tentando te atingir" - balbuciou, controlando a ira em seu tom de voz, mas parecia quase impossível. - "Nada do que eu faça atinge você"
Elizabeth levantou-se num átimo e ela permaneceu sentada na ponta da cadeira, as mãos fechadas em punho sobre os joelhos. Seus olhos estavam focados no tampo escuro e brilhoso da mesa. Ouviu o salto de sua mãe bater fortemente no piso descoberto e em seguida o tilintar de líquido num copo cristalino. 'E lá vamos nós novamente' pensou ironicamente enquanto o cheiro forte de whisky predominava no ar.
"Você é uma ingrata! O que ganharia com a morte? Me diz, me diz o que você estava pensando quando cometeu aquela estupidez?!"
sentiu as primeiras lágrimas que refreara caírem livremente pelo rosto. Apertou ainda mais os dedos sobre suas pernas, controlando a respiração. Fez movimentos negativos com a cabeça, fazendo os fios amendoados caírem pelos ombros. Sentiu Elizabeth se aproximar, mas permaneceu em sua posição defensiva.
"Você só me causa problemas garota! É só isso que você sabe fazer!"
"Vai me dar algum castigo?" - perguntou solenemente, sem alterar sua voz ou esboçar sua raiva contida. Discutir não as levaria em lugar algum. Reconhecia que cometera um erro e estava disposta a pagar com um castigo, se fosse necessário. Não que isso fizesse muita diferença....
"É só isso que você tem pra me dizer?" - Elizabeth estava cada vez mais fora de si; o cheiro de álcool que emanava de si demonstrava que aquele não era o primeiro copo da noite. - "Não vai me justificar o porquê da sua idiotice?!"
"Se você fosse uma mãe presente, saberia de tudo que acontece comigo!"
"Está insinuando que não sou uma boa mãe?"
"Não estou insinuando, estou afirmando! Se você estivesse do meu lado e me deixasse estar do seu, como éramos antes, nada disso teria acontecido!" - Agora as duas discutiam no mesmo tom. já não agüentava ter que guardar tudo aquilo consigo. - "Você pensou somente na sua dor! Você acha que tem sido fácil pra mim? Eu perdi meu pai e agora perdi minha mãe também! Eu mal te reconheço!"
"Você é hipócrita como seu pai! Exatamente como ele!"
"POIS EU PREFIRO SER COMO ELE, DO QUE SER VAZIA COMO VOCÊ!"
não teve tempo de se arrepender ou pensar nas palavras que acabara de proferir. No calor daquela discussão regada de mágoas guardadas e álcool, Elizabeth deixara a marca de seus dedos finos na pele branca do rosto da filha.
sentiu o gosto adocicado do sangue escorrer para dentro da boca, partindo de um corte pequeno no canto dos lábios.
"EU ODEIO VOCÊ!" - Gritou, antes de romper porta a fora.
De algum modo assustador, ambas perceberam que entraram num labirinto escuro, sem saídas visíveis. Elizabeth sabia que não devia descontar sua mágoa na filha pelos erros do passado e sabia que as coisas nunca mais seriam as mesmas depois daquela noite.
, e conversavam animadamente enquanto aguardavam sua vez de subir no palco.
tentava se focar na conversa, mas nada do que eles falavam parecia prender sua atenção.
era seu amigo desde que seus pais ainda eram casados e todos moravam em Londres, numa parte mais afastada dali. Poucos anos antes de se mudar com o pai para Boston, conhecera e . Os quatro amigos possuíam o sonho de montar uma banda, e com a volta de , aquele sonho estava começando a se tornar realidade.
de fato estava nervoso por aquela ser sua primeira apresentação depois de alguns anos sem tocar com os amigos, e naquele momento, desejou que estivesse ali, lhe dando incentivo. Mesmo que fosse com o seu meio sorriso singelo ou o brilho de seus olhos. Não queria parecer presunçoso, mas aquelas safiras amendoadas pareciam brilhar mais quando estavam juntos.
Não podia negar, aquela garota lhe proporcionava um enorme bem estar.
Esperava que fosse o mesmo para ela.
"Hei dude, aonde está com a cabeça?" - estalou os dedos na frente de , enfim chamando sua atenção. - "Pensei que tivesse entrado em coma ou qualquer coisa vegetativa do tipo!"
"Credo , não brinca com uma coisa dessas!" - Protestou com uma cara indignada. - "Bate na madeira dude!"
"Que coisa de gay !"
"Tudo bem , o é assim mesmo. Não é benzinho?" - fez uma voz afetada querendo abraçar o amigo, que se desvencilhou com uma careta. - "Por que estavam me chamando a atenção?"
"Ah é!" - deu um tapa em sua testa, rolando os olhos. - "Vamos entrar em dez minutos"
"Estou nervoso" - Sussurrou , esfregando as mãos no cós da calça jeans. - "Esse lugar está cheio"
"Depois eu que sou gay..." - rolou os olhos, suspirando teatralmente. Todos riram. - "Logo logo o termo certo será 'acabaram os ingressos e ainda há milhares de pessoas do lado de fora'."
"Okay , podemos sonhar depois que tocarmos. Vamos lá, é nossa vez!"
Todos acompanharam o uivo animado de , subindo no palco depois de todos se desejarem sorte.
definitivamente adorou a vista dali de cima. Agora sabia como seus ídolos se sentiam em cima de um palco. Não era como se eles fossem melhores do que aqueles que estavam ali embaixo, mas sim como se tivessem o poder de lhes transmitir aquilo que os motivavam. E para o McFly, nada era melhor do que a música.
sequer se lembrava de estar nervoso, mas não esqueceu que seria ótimo se estivesse ali.
Antes de ter qualquer pensamento sobre o possível confronto que haveria de estar acontecendo na mansão, tratou de se concentrar na música e aquilo pareceu um ato muito natural, como respirar. Mesmo longe, tocava quando podia.
A primeira de quatro músicas havia acabado e eles mal perceberam. O receio de errarem passou na segunda melodia. E estavam mais confiantes e bem à vontade quando iniciaram a terceira.
Muitos diriam que quatro canções era muito pouco para uma noite de estréia, mas só pelo fato de estarem tocando no Mason's - um dos pubs mais badalados de Londres, por sinal - já os deixaram contentes. Sabiam que aquilo era só o começo, e começos sempre são difíceis.
No começo da quarta - e última - música, passou os olhos pela multidão a sua frente e por pouco não errou sua nota. Primeiro, pensara que seus olhos estavam lhe pregando uma peça, mas depois de uma análise rápida, teve a certeza de que a garota com as roupas encharcadas e os cabelos desgrenhados era . Um sentimento de desespero o tomou quando percebeu que alguma coisa estava errada.
Sem pensar muito para não hesitar, largou seu instrumento na metade da música e pulou do palco, correndo até a figura molhada e com os olhos inchados.
Instantaneamente a abraçou pelos ombros, ouvindo-a fungar contra seu peito.
"Shiiiiu, tudo bem, tudo bem..."
Estremeceu quando as mãos dela prenderam-se com firmeza em sua cintura. Mesmo sobre a camisa, seu toque era extremamente frio. Passou uma mão sobre seus cabelos molhados e a encaminhou, ainda abraçando-a, para longe dos olhares curiosos. De algum modo os amigos conseguiram terminar aquela canção e antes de sumir pela porta do banheiro feminino, lhes lançou um olhar de desculpa e súplica.
trancou a porta e a colocou sentada no tampo do vaso sanitário. soluçava freneticamente, chorando baixinho.
Ele não sabia o que fazer e muito menos o que dizer naquela situação. Achou justo deixá-la se acalmar e derramar todas as lágrimas que quisesse, mas prometeu a si mesmo que não sairia do seu lado.
Passado alguns minutos, os soluços cessaram e ele se ajoelhou diante dela, com cuidado para não assustá-la. era quase sempre imprevisível e mais do que tudo, ele desejou que ela lhe contasse o que estava acontecendo.
"Você deveria ter me deixado morrer, ..." - Ela sussurrou, a voz sempre doce soando de uma forma esganiçada.
Com todo cuidado ele ergueu seu rosto, segurando delicadamente seu queixo. Passou as mechas que cobriam seu rosto atrás de suas orelhas e reprimiu um arquejo quando seus rostos ficaram no mesmo nível.
Além dos olhos vermelhos por causa do choro, havia um pequeno corte com sangue seco em seu lábio inferior. Ele procurou em seus olhos vestígios de qualquer coisa, mas só encontrou o vazio. Um vazio ainda mais profundo do que de costume.
Rasgando um pedaço da camisa azul que vestia, seguiu num movimento rápido até a pia, molhando a ponta enrolada em seu dedo indicador. Com ainda mais cautela, virou-se para , uma mão afagando delicadamente sua bochecha enquanto a outra fazia o trabalho de limpar o ferimento.
"Eu não quero voltar pra casa, . Hoje não, por favor" - Ela pediu, fechando os olhos depois de uma lágrima solitária escorrer.
Ao ouvir a voz da mãe, respirou fundo novamente antes de entrar, conforme ela lhe ordenara.
Elizabeth estava sentada em sua poltrona, remexendo em algumas pastas. Os passos de mal podiam ser ouvidos sobre o carpete cor de vinho, talvez fosse a cautela que deixava o ar tão pesado daquela maneira, onde ela só podia ouvir sua própria respiração e nada mais. Nem mesmo o coração pulsando apressado ela podia ouvir naquele momento.
Raras eram as vezes em que elas dividiam um mesmo ambiente, e quando isso acontecia, não era por motivos que a deixavam confortável.
"Sente-se"
"Eu posso ficar em pé"
"Eu mandei você se sentar!" - estremeceu levemente quando Elizabeth alterou a voz e sem protestar, obedeceu-a. - "E não fale enquanto eu não terminar. Fui clara?"
"Sim... senhora" - obrigou-se a falar pausadamente para reprimir um soluço. Aquele conhecido nó na garganta que há tempos não aparecia, estava ali novamente, fazendo-a se sentir sufocada.
Elizabeth fungou, cruzando as mãos sobre a mesa, deixando de lado quaisquer papéis que prendiam sua atenção antes de entrar. Fechou os olhos e num gesto de quem ora, apoiou a testa nas mãos unidas. Ficou naquela posição por um tempo curto, mas que parecera longo demais para . Desejou profundamente que aquela conversa acabasse logo, para poder, enfim, se refugiar em seu quarto.
"Eu lhe deixo faltar algo, ?" - Elizabeth a encarou friamente, sem sinais de compaixão ou ternura. Sua voz era igualmente cortante. - "Te matriculei num colégio de prestígio, você tem a liberdade para sair quando quiser, recebe sua mesada mensalmente sem nenhum atraso"
"Sim" - Ela murmurou, desejando que ela lhe perguntasse se lhe deixara faltar amor. Aí sim, ela diria que ela deixara faltando algo muito mais importante que prestígio ou dinheiro. Ela só queria a mãe de volta.
"Então por que deseja tanto me crucificar dessa maneira?"
"Eu? Te crucificar?" - por um momento pensou ter ouvido algo diferente, mas quando a mãe lhe lançou um olhar duro, teve a certeza de que não se tratava de nenhum engano.
"Sim! O que tinha em mente quando tentou se afogar? Queria que eu me sentisse culpada? Queria que me julgassem, é isso ?"
Indignação e raiva pulsavam juntamente com seu coração carregado de tristeza. Como ela podia achar que o mundo inteiro girava em torno dela? Definitivamente, sua mãe amável e bondosa havia morrido. Aquela mulher diante de si era uma desconhecida egoísta e cruel.
"Eu não fiz aquilo tentando te atingir" - balbuciou, controlando a ira em seu tom de voz, mas parecia quase impossível. - "Nada do que eu faça atinge você"
Elizabeth levantou-se num átimo e ela permaneceu sentada na ponta da cadeira, as mãos fechadas em punho sobre os joelhos. Seus olhos estavam focados no tampo escuro e brilhoso da mesa. Ouviu o salto de sua mãe bater fortemente no piso descoberto e em seguida o tilintar de líquido num copo cristalino. 'E lá vamos nós novamente' pensou ironicamente enquanto o cheiro forte de whisky predominava no ar.
"Você é uma ingrata! O que ganharia com a morte? Me diz, me diz o que você estava pensando quando cometeu aquela estupidez?!"
sentiu as primeiras lágrimas que refreara caírem livremente pelo rosto. Apertou ainda mais os dedos sobre suas pernas, controlando a respiração. Fez movimentos negativos com a cabeça, fazendo os fios amendoados caírem pelos ombros. Sentiu Elizabeth se aproximar, mas permaneceu em sua posição defensiva.
"Você só me causa problemas garota! É só isso que você sabe fazer!"
"Vai me dar algum castigo?" - perguntou solenemente, sem alterar sua voz ou esboçar sua raiva contida. Discutir não as levaria em lugar algum. Reconhecia que cometera um erro e estava disposta a pagar com um castigo, se fosse necessário. Não que isso fizesse muita diferença....
"É só isso que você tem pra me dizer?" - Elizabeth estava cada vez mais fora de si; o cheiro de álcool que emanava de si demonstrava que aquele não era o primeiro copo da noite. - "Não vai me justificar o porquê da sua idiotice?!"
"Se você fosse uma mãe presente, saberia de tudo que acontece comigo!"
"Está insinuando que não sou uma boa mãe?"
"Não estou insinuando, estou afirmando! Se você estivesse do meu lado e me deixasse estar do seu, como éramos antes, nada disso teria acontecido!" - Agora as duas discutiam no mesmo tom. já não agüentava ter que guardar tudo aquilo consigo. - "Você pensou somente na sua dor! Você acha que tem sido fácil pra mim? Eu perdi meu pai e agora perdi minha mãe também! Eu mal te reconheço!"
"Você é hipócrita como seu pai! Exatamente como ele!"
"POIS EU PREFIRO SER COMO ELE, DO QUE SER VAZIA COMO VOCÊ!"
não teve tempo de se arrepender ou pensar nas palavras que acabara de proferir. No calor daquela discussão regada de mágoas guardadas e álcool, Elizabeth deixara a marca de seus dedos finos na pele branca do rosto da filha.
sentiu o gosto adocicado do sangue escorrer para dentro da boca, partindo de um corte pequeno no canto dos lábios.
"EU ODEIO VOCÊ!" - Gritou, antes de romper porta a fora.
De algum modo assustador, ambas perceberam que entraram num labirinto escuro, sem saídas visíveis. Elizabeth sabia que não devia descontar sua mágoa na filha pelos erros do passado e sabia que as coisas nunca mais seriam as mesmas depois daquela noite.
, e conversavam animadamente enquanto aguardavam sua vez de subir no palco.
tentava se focar na conversa, mas nada do que eles falavam parecia prender sua atenção.
era seu amigo desde que seus pais ainda eram casados e todos moravam em Londres, numa parte mais afastada dali. Poucos anos antes de se mudar com o pai para Boston, conhecera e . Os quatro amigos possuíam o sonho de montar uma banda, e com a volta de , aquele sonho estava começando a se tornar realidade.
de fato estava nervoso por aquela ser sua primeira apresentação depois de alguns anos sem tocar com os amigos, e naquele momento, desejou que estivesse ali, lhe dando incentivo. Mesmo que fosse com o seu meio sorriso singelo ou o brilho de seus olhos. Não queria parecer presunçoso, mas aquelas safiras amendoadas pareciam brilhar mais quando estavam juntos.
Não podia negar, aquela garota lhe proporcionava um enorme bem estar.
Esperava que fosse o mesmo para ela.
"Hei dude, aonde está com a cabeça?" - estalou os dedos na frente de , enfim chamando sua atenção. - "Pensei que tivesse entrado em coma ou qualquer coisa vegetativa do tipo!"
"Credo , não brinca com uma coisa dessas!" - Protestou com uma cara indignada. - "Bate na madeira dude!"
"Que coisa de gay !"
"Tudo bem , o é assim mesmo. Não é benzinho?" - fez uma voz afetada querendo abraçar o amigo, que se desvencilhou com uma careta. - "Por que estavam me chamando a atenção?"
"Ah é!" - deu um tapa em sua testa, rolando os olhos. - "Vamos entrar em dez minutos"
"Estou nervoso" - Sussurrou , esfregando as mãos no cós da calça jeans. - "Esse lugar está cheio"
"Depois eu que sou gay..." - rolou os olhos, suspirando teatralmente. Todos riram. - "Logo logo o termo certo será 'acabaram os ingressos e ainda há milhares de pessoas do lado de fora'."
"Okay , podemos sonhar depois que tocarmos. Vamos lá, é nossa vez!"
Todos acompanharam o uivo animado de , subindo no palco depois de todos se desejarem sorte.
definitivamente adorou a vista dali de cima. Agora sabia como seus ídolos se sentiam em cima de um palco. Não era como se eles fossem melhores do que aqueles que estavam ali embaixo, mas sim como se tivessem o poder de lhes transmitir aquilo que os motivavam. E para o McFly, nada era melhor do que a música.
sequer se lembrava de estar nervoso, mas não esqueceu que seria ótimo se estivesse ali.
Antes de ter qualquer pensamento sobre o possível confronto que haveria de estar acontecendo na mansão, tratou de se concentrar na música e aquilo pareceu um ato muito natural, como respirar. Mesmo longe, tocava quando podia.
A primeira de quatro músicas havia acabado e eles mal perceberam. O receio de errarem passou na segunda melodia. E estavam mais confiantes e bem à vontade quando iniciaram a terceira.
Muitos diriam que quatro canções era muito pouco para uma noite de estréia, mas só pelo fato de estarem tocando no Mason's - um dos pubs mais badalados de Londres, por sinal - já os deixaram contentes. Sabiam que aquilo era só o começo, e começos sempre são difíceis.
No começo da quarta - e última - música, passou os olhos pela multidão a sua frente e por pouco não errou sua nota. Primeiro, pensara que seus olhos estavam lhe pregando uma peça, mas depois de uma análise rápida, teve a certeza de que a garota com as roupas encharcadas e os cabelos desgrenhados era . Um sentimento de desespero o tomou quando percebeu que alguma coisa estava errada.
Sem pensar muito para não hesitar, largou seu instrumento na metade da música e pulou do palco, correndo até a figura molhada e com os olhos inchados.
Instantaneamente a abraçou pelos ombros, ouvindo-a fungar contra seu peito.
"Shiiiiu, tudo bem, tudo bem..."
Estremeceu quando as mãos dela prenderam-se com firmeza em sua cintura. Mesmo sobre a camisa, seu toque era extremamente frio. Passou uma mão sobre seus cabelos molhados e a encaminhou, ainda abraçando-a, para longe dos olhares curiosos. De algum modo os amigos conseguiram terminar aquela canção e antes de sumir pela porta do banheiro feminino, lhes lançou um olhar de desculpa e súplica.
trancou a porta e a colocou sentada no tampo do vaso sanitário. soluçava freneticamente, chorando baixinho.
Ele não sabia o que fazer e muito menos o que dizer naquela situação. Achou justo deixá-la se acalmar e derramar todas as lágrimas que quisesse, mas prometeu a si mesmo que não sairia do seu lado.
Passado alguns minutos, os soluços cessaram e ele se ajoelhou diante dela, com cuidado para não assustá-la. era quase sempre imprevisível e mais do que tudo, ele desejou que ela lhe contasse o que estava acontecendo.
"Você deveria ter me deixado morrer, ..." - Ela sussurrou, a voz sempre doce soando de uma forma esganiçada.
Com todo cuidado ele ergueu seu rosto, segurando delicadamente seu queixo. Passou as mechas que cobriam seu rosto atrás de suas orelhas e reprimiu um arquejo quando seus rostos ficaram no mesmo nível.
Além dos olhos vermelhos por causa do choro, havia um pequeno corte com sangue seco em seu lábio inferior. Ele procurou em seus olhos vestígios de qualquer coisa, mas só encontrou o vazio. Um vazio ainda mais profundo do que de costume.
Rasgando um pedaço da camisa azul que vestia, seguiu num movimento rápido até a pia, molhando a ponta enrolada em seu dedo indicador. Com ainda mais cautela, virou-se para , uma mão afagando delicadamente sua bochecha enquanto a outra fazia o trabalho de limpar o ferimento.
"Eu não quero voltar pra casa, . Hoje não, por favor" - Ela pediu, fechando os olhos depois de uma lágrima solitária escorrer.
Chapter Seven - "Back to the past - V!
"Desde quando você vem aqui?"
"Esse lugar existe desde que eu sou criança"
olhava para cima, assim como . Acima da cabeça deles uma construção de madeira tingida de azul se mantinha firme em meio aos galhos robustos de um carvalho. Parecia um tanto infantil para os dois subirem ali, mas preferia passar a noite num lugar como aquele do que voltar para casa. Poderia até morar ali para sempre. Mas sabia que não ia adiantar fugir.
"É seguro?"
", e costumam vir aqui quando estão bêbados ou quando querem conversar sobre a banda" - deu de ombros, içando seu corpo na escada, parando alguns centímetros depois, virando-se para com um sorriso brincalhão no rosto. - "Nunca teve vontade de conhecer o esconderijo secreto dos meninos? Essa é sua oportunidade!"
não conseguiu refrear a vontade de sorrir ao vê-lo animado pelo simples fato de estarem subindo degraus feitos de madeira pregadas no tronco daquela velha árvore. Nem mesmo a pequena ardência em seu lábio a fez parar de rir.
"Bem, não é nenhum hotel cinco estrelas, mas temos colchonetes e... bem, coisas que levamos pro camping"
exibiu um sorriso mínimo, observando a pequena casa. Quando era criança, sempre quis ter uma casa na árvore, mas por morar no centro de Nova York, isso nunca fora possível.
Relembrando os seus sonhos de infância, uma sensação de nostalgia a dominou. Mas não queria pensar no passado, naquele momento não a faria bem e ela não queria chorar novamente. Não na frente de .
"Eu gosto desse lugar" - sentou-se no amontoado de almofadas e, diferente do que pensou, nenhuma partícula de poeira agitou-se com seu peso. - "É um bom lugar para se ficar quando queremos pensar"
olhou em volta, dessa vez demorando-se nos detalhes. As quatro paredes - incluindo a da entrada e a que tinha uma portinhola como janela - eram cobertas por pôsteres de diversas bandas conhecidas e outras nem tanto assim. Havia também prateleiras com carrinhos, revistas e cds, muitos CDs, mas nenhum aparelho de som portátil. Dois colchonetes amarrados no canto ao lado da porta e muitas caixas empilhadas sobre o tapete cor de vinho. De alguma forma, havia luz elétrica.
Era um lugar simples, mas assim como mencionara, é um bom lugar para se ficar.
estava tão absorta em seus pensamentos, que mal percebera a aproximação de . Notou que ele não estava em seu antigo lugar quando virou-se para comentar algo. Mas esqueceu-se o que ia dizer quando sentiu sua respiração morna batendo em sua nuca e em seguida, seus braços a envolverem com uma manta colorida. Virou seu rosto minimamente para o lado, sentindo a região de suas bochechas queimarem.
"Esquente-se. Melhor não pegar um resfriado"
"Obrigada" - Sussurrou agarrando-se à manta, apertando-a contra o tronco gélido e trêmulo. - "Ainda bem que parou de chover, não é?"
"Espero que não tenha goteiras aqui" - riu e não o acompanhou. Estava sentindo-se completa e vazia ao mesmo tempo. Perguntou-se se aquilo era realmente possível. - "Está com fome? Acho que tem uns salgadinhos aqui ainda..."
negou com a cabeça, sentando-se no chão encolhida com suas pernas, lutando internamente para manter-se forte diante dele. Não precisava passar mais a impressão de fragilidade.
Mas sua tentativa desmoronou quando sentou-se ao seu lado, afagando carinhosamente os cabelos parcialmente secos dela. Lágrimas encheram seus olhos novamente e, a ferida aberta em seu coração latejava, mesmo com a satisfação de saber que alguém se importava realmente com ela e que esse alguém estava ali, abraçando-a sem pedir nada em troca, sem nenhum questionamento.
Perguntou-se se algum dia poderia retribuir decentemente todo o carisma de . Temeu que esse dia nunca chegasse, pois não tinha vontade de continuar respirando depois dos últimos acontecimentos.
permaneceu abraçado ao seu corpo depois de muitos soluços e mesmo depois que ela pegara no sono. Não era preciso perguntar o que a machucava, pois sua dor estava estampada em seus olhos e em seus gestos.
precisava de carinho, de atenção. Muito mais do que isso, precisava de alguém que a ouvisse, que estivesse do seu lado em todos os momentos.
E ele estaria lá. Sempre.
Ao abrir os olhos pela manhã, sentiu-se confuso. Como ele havia parado ali?
Piscou forte duas vezes, tentando focalizar o teto com estrelas cadentes fluorescentes. Moveu-se minimamente e então sentiu o peso sobre seu peito. Levantando lentamente a cabeça, exibiu um sorriso terno ao avistar os longos fios amendoados. Com cuidado, como se aquela visão fosse parte de um sonho, afagou o topo de sua cabeça, ouvindo-a suspirar baixinho.
Minutos depois, ela mexeu-se e então ergueu a cabeça, focalizando sonolenta, os olhos de .
"Isso vai dar muita dor nas costas mais tarde" - Ele sorriu para si sem exibir seus dentes alvos, mas ela sentiu-se bem da mesma maneira. - "Como se sente hoje?"
"Um pouco melhor do que ontem, eu acho" - afastou-se de e ele desejou que isso não acontecesse. Com ela em seus braços, a sensação de que seria capaz de protegê-la de tudo era grandiosa. Sentia-se bem com a idéia de significar algo para ela. - "E você, como se sente?"
"Com fome" - Sua barriga roncou naquele momento, dando ênfase à sua frase. Riram juntos e ambos levantaram ao mesmo tempo, deixando seus rostos muito próximos com o movimento. - "Topa tomar um café comigo?"
"Parece perfeito pra mim"
E com meios sorrisos estampados em seus rostos, caminharam juntos para longe daquela pequena casa na árvore, onde uma fagulha de cumplicidade nasceu. E aquele era apenas o primeiro parágrafo de uma história onde ambos se tornariam protagonistas.
Mesmo contra sua vontade, depois de tomarem seus frappuccinos caramelados retornaram à mansão. sabia que a mãe não estaria ali - como sempre - mas não queria ter recordações desagradáveis enquanto podia ter sensações reconfortantes.
O riso infantil de , suas brincadeiras e a preocupação com ela foram capazes de suturar a ferida aberta. Mas ainda assim ela não estava completamente curada. Aquilo era apenas a ponta do iceberg.
E chegou a conclusão de que, nem mesmo se fosse a fusão de sol com um vulcão em erupção, teria a capacidade de livrá-la de todo aquele frio mortal. Não que ele fosse o incapaz, mas sim, ela. Somente ela era incapaz de se salvar.
"O que quer fazer hoje?" - encostou-se no batente da porta, cruzando os braços atrás da cabeça, fitando o teto do quarto de . Esta jogou-se de costas em sua cama e teve a sensação de que dormira meses no chão daquela cabana. Suas costelas doíam.
"Eu preciso ir pro colégio, . Já faz uma semana"
"Que chatice"
"É, mas é melhor do que ficar aqui" - Ela deu de ombros, fitando o lustre distraidamente. Reparou nas ondulações, na cor que cintilava com a claridade da manhã. Sentiu a cama afundar-se em algum ponto ao seu lado e em seguida, o perfume fraco de , que ela sentira durante a noite toda, chegando até seus pulmões de uma maneira provocante.
"Melhor do que ficar comigo?" - Ele disparou fazendo-a ganhar uma coloração avermelhada. Aquilo estava acontecendo muito quando dizia coisas assim e ela perguntou-se se aquilo era normal. - "Quero dizer, nenhum professor de biologia pode fazer você rir como eu faço. Ou pode?"
"Não, ninguém consegue fazer isso, definitivamente. Você é um palhaço"
"Um palhaço que você gosta?"
sentiu-se inebriada e completamente confusa naquele momento. Sentando-se na cama e depois de meio segundo caminhando para perto de seu closet, tentou organizar seus pensamentos para não dizer muita coisa e nem pouca coisa. A verdade já estava clara para ela desde o momento em que ele a salvou. Não só uma, mas agora duas vezes. Mas talvez não fosse necessário contar-lhe tudo, mas também não podia dizer-lhe nada.
estava sendo muito bom com ela e ele merecia saber isso.
"Sim. É o meu palhaço favorito" - Sorriu para ele. Um sorriso que fazia seus olhos se estreitarem e transmitirem a ele ondas de calor.
aproximou-se com um sorriso torto, os olhos brilhando em expectativa. Sem hesitar ergueu uma mão em direção ao rosto ainda corado de , afastando as mechas que grudavam em suas bochechas.
sentiu-se estremecer e provavelmente seu semblante transmitia surpresa, medo, receio. Não teve forças para mover músculo nenhum, apenas ficou parada. Não sabe se foi pela sua reação ou se aquela não era a real intenção de , mas seus lábios macios tomaram direção ao topo de sua cabeça, encostando-se calidamente em sua testa. E depois ele partiu, sorrindo ternamente enquanto seu coração disparava bolas de canhão por toda sua caixa torácica.
"Esse lugar existe desde que eu sou criança"
olhava para cima, assim como . Acima da cabeça deles uma construção de madeira tingida de azul se mantinha firme em meio aos galhos robustos de um carvalho. Parecia um tanto infantil para os dois subirem ali, mas preferia passar a noite num lugar como aquele do que voltar para casa. Poderia até morar ali para sempre. Mas sabia que não ia adiantar fugir.
"É seguro?"
", e costumam vir aqui quando estão bêbados ou quando querem conversar sobre a banda" - deu de ombros, içando seu corpo na escada, parando alguns centímetros depois, virando-se para com um sorriso brincalhão no rosto. - "Nunca teve vontade de conhecer o esconderijo secreto dos meninos? Essa é sua oportunidade!"
não conseguiu refrear a vontade de sorrir ao vê-lo animado pelo simples fato de estarem subindo degraus feitos de madeira pregadas no tronco daquela velha árvore. Nem mesmo a pequena ardência em seu lábio a fez parar de rir.
"Bem, não é nenhum hotel cinco estrelas, mas temos colchonetes e... bem, coisas que levamos pro camping"
exibiu um sorriso mínimo, observando a pequena casa. Quando era criança, sempre quis ter uma casa na árvore, mas por morar no centro de Nova York, isso nunca fora possível.
Relembrando os seus sonhos de infância, uma sensação de nostalgia a dominou. Mas não queria pensar no passado, naquele momento não a faria bem e ela não queria chorar novamente. Não na frente de .
"Eu gosto desse lugar" - sentou-se no amontoado de almofadas e, diferente do que pensou, nenhuma partícula de poeira agitou-se com seu peso. - "É um bom lugar para se ficar quando queremos pensar"
olhou em volta, dessa vez demorando-se nos detalhes. As quatro paredes - incluindo a da entrada e a que tinha uma portinhola como janela - eram cobertas por pôsteres de diversas bandas conhecidas e outras nem tanto assim. Havia também prateleiras com carrinhos, revistas e cds, muitos CDs, mas nenhum aparelho de som portátil. Dois colchonetes amarrados no canto ao lado da porta e muitas caixas empilhadas sobre o tapete cor de vinho. De alguma forma, havia luz elétrica.
Era um lugar simples, mas assim como mencionara, é um bom lugar para se ficar.
estava tão absorta em seus pensamentos, que mal percebera a aproximação de . Notou que ele não estava em seu antigo lugar quando virou-se para comentar algo. Mas esqueceu-se o que ia dizer quando sentiu sua respiração morna batendo em sua nuca e em seguida, seus braços a envolverem com uma manta colorida. Virou seu rosto minimamente para o lado, sentindo a região de suas bochechas queimarem.
"Esquente-se. Melhor não pegar um resfriado"
"Obrigada" - Sussurrou agarrando-se à manta, apertando-a contra o tronco gélido e trêmulo. - "Ainda bem que parou de chover, não é?"
"Espero que não tenha goteiras aqui" - riu e não o acompanhou. Estava sentindo-se completa e vazia ao mesmo tempo. Perguntou-se se aquilo era realmente possível. - "Está com fome? Acho que tem uns salgadinhos aqui ainda..."
negou com a cabeça, sentando-se no chão encolhida com suas pernas, lutando internamente para manter-se forte diante dele. Não precisava passar mais a impressão de fragilidade.
Mas sua tentativa desmoronou quando sentou-se ao seu lado, afagando carinhosamente os cabelos parcialmente secos dela. Lágrimas encheram seus olhos novamente e, a ferida aberta em seu coração latejava, mesmo com a satisfação de saber que alguém se importava realmente com ela e que esse alguém estava ali, abraçando-a sem pedir nada em troca, sem nenhum questionamento.
Perguntou-se se algum dia poderia retribuir decentemente todo o carisma de . Temeu que esse dia nunca chegasse, pois não tinha vontade de continuar respirando depois dos últimos acontecimentos.
permaneceu abraçado ao seu corpo depois de muitos soluços e mesmo depois que ela pegara no sono. Não era preciso perguntar o que a machucava, pois sua dor estava estampada em seus olhos e em seus gestos.
precisava de carinho, de atenção. Muito mais do que isso, precisava de alguém que a ouvisse, que estivesse do seu lado em todos os momentos.
E ele estaria lá. Sempre.
Ao abrir os olhos pela manhã, sentiu-se confuso. Como ele havia parado ali?
Piscou forte duas vezes, tentando focalizar o teto com estrelas cadentes fluorescentes. Moveu-se minimamente e então sentiu o peso sobre seu peito. Levantando lentamente a cabeça, exibiu um sorriso terno ao avistar os longos fios amendoados. Com cuidado, como se aquela visão fosse parte de um sonho, afagou o topo de sua cabeça, ouvindo-a suspirar baixinho.
Minutos depois, ela mexeu-se e então ergueu a cabeça, focalizando sonolenta, os olhos de .
"Isso vai dar muita dor nas costas mais tarde" - Ele sorriu para si sem exibir seus dentes alvos, mas ela sentiu-se bem da mesma maneira. - "Como se sente hoje?"
"Um pouco melhor do que ontem, eu acho" - afastou-se de e ele desejou que isso não acontecesse. Com ela em seus braços, a sensação de que seria capaz de protegê-la de tudo era grandiosa. Sentia-se bem com a idéia de significar algo para ela. - "E você, como se sente?"
"Com fome" - Sua barriga roncou naquele momento, dando ênfase à sua frase. Riram juntos e ambos levantaram ao mesmo tempo, deixando seus rostos muito próximos com o movimento. - "Topa tomar um café comigo?"
"Parece perfeito pra mim"
E com meios sorrisos estampados em seus rostos, caminharam juntos para longe daquela pequena casa na árvore, onde uma fagulha de cumplicidade nasceu. E aquele era apenas o primeiro parágrafo de uma história onde ambos se tornariam protagonistas.
Mesmo contra sua vontade, depois de tomarem seus frappuccinos caramelados retornaram à mansão. sabia que a mãe não estaria ali - como sempre - mas não queria ter recordações desagradáveis enquanto podia ter sensações reconfortantes.
O riso infantil de , suas brincadeiras e a preocupação com ela foram capazes de suturar a ferida aberta. Mas ainda assim ela não estava completamente curada. Aquilo era apenas a ponta do iceberg.
E chegou a conclusão de que, nem mesmo se fosse a fusão de sol com um vulcão em erupção, teria a capacidade de livrá-la de todo aquele frio mortal. Não que ele fosse o incapaz, mas sim, ela. Somente ela era incapaz de se salvar.
"O que quer fazer hoje?" - encostou-se no batente da porta, cruzando os braços atrás da cabeça, fitando o teto do quarto de . Esta jogou-se de costas em sua cama e teve a sensação de que dormira meses no chão daquela cabana. Suas costelas doíam.
"Eu preciso ir pro colégio, . Já faz uma semana"
"Que chatice"
"É, mas é melhor do que ficar aqui" - Ela deu de ombros, fitando o lustre distraidamente. Reparou nas ondulações, na cor que cintilava com a claridade da manhã. Sentiu a cama afundar-se em algum ponto ao seu lado e em seguida, o perfume fraco de , que ela sentira durante a noite toda, chegando até seus pulmões de uma maneira provocante.
"Melhor do que ficar comigo?" - Ele disparou fazendo-a ganhar uma coloração avermelhada. Aquilo estava acontecendo muito quando dizia coisas assim e ela perguntou-se se aquilo era normal. - "Quero dizer, nenhum professor de biologia pode fazer você rir como eu faço. Ou pode?"
"Não, ninguém consegue fazer isso, definitivamente. Você é um palhaço"
"Um palhaço que você gosta?"
sentiu-se inebriada e completamente confusa naquele momento. Sentando-se na cama e depois de meio segundo caminhando para perto de seu closet, tentou organizar seus pensamentos para não dizer muita coisa e nem pouca coisa. A verdade já estava clara para ela desde o momento em que ele a salvou. Não só uma, mas agora duas vezes. Mas talvez não fosse necessário contar-lhe tudo, mas também não podia dizer-lhe nada.
estava sendo muito bom com ela e ele merecia saber isso.
"Sim. É o meu palhaço favorito" - Sorriu para ele. Um sorriso que fazia seus olhos se estreitarem e transmitirem a ele ondas de calor.
aproximou-se com um sorriso torto, os olhos brilhando em expectativa. Sem hesitar ergueu uma mão em direção ao rosto ainda corado de , afastando as mechas que grudavam em suas bochechas.
sentiu-se estremecer e provavelmente seu semblante transmitia surpresa, medo, receio. Não teve forças para mover músculo nenhum, apenas ficou parada. Não sabe se foi pela sua reação ou se aquela não era a real intenção de , mas seus lábios macios tomaram direção ao topo de sua cabeça, encostando-se calidamente em sua testa. E depois ele partiu, sorrindo ternamente enquanto seu coração disparava bolas de canhão por toda sua caixa torácica.
Chapter Eight - "Present Days"
Sean estava dormindo no banco traseiro e ronronava um ronco suave, demonstrando seu cansaço pela noite mal dormida. Talvez fosse dormir pelo resto da tarde e eu também precisava descansar pelo menos durante algumas horas.
Tinha a certeza de que Sean cobraria aquele pedaço de bolo e fiz nota mental de ligar para Margareth assim que chegasse em casa.
Olhando pelo retrovisor, tive a certeza de que meu filho ficaria bem, mas aquela sensação de inquietação não havia passado. Era como se algo estivesse errado. Como se eu estivesse em perigo, como se tudo o que eu mais preservasse fosse deixar de existir de uma hora pra outra.
Meneando a cabeça enquanto avistava a entrada de minha casa, tentei afastar aquela impressão ruim. Não havia porque temer aquela sensação boba. Não havia nada de errado em minha vida, naquele momento.
Ou havia pequenas falhas que poderiam romper-se a qualquer instante?
Eu definitivamente espero que não.
Não queria ter de reviver coisas do passado. Aquilo estava totalmente fora de cogitação. Totalmente fora dos meus planos e eu os manteria assim pro resto de minha vida.
Eu tinha conseguido até hoje, não seria diferente daqui pra frente, seria?
Tantas perguntas martelavam em minha mente que vinte minutos se passaram e o carro permanecia ligado. Praguejando baixo para não acordar Sean, terminei de guardá-lo na garagem e embrulhei Sean em meu colo, caminhando rapidamente para a varanda.
Assim que o deixei em seu quarto, caminhei para o meu, mentalizando um banho reconfortante e um cochilo na tarde nublada. Era um ótimo programa pelas próximas horas.
Depois de um banho rápido, deitei-me na cama com o celular em mãos, discando os números de Margareth. Era bom sentir-se querida por alguém como Margareth, que era quase como uma mãe para mim.
Pensar naquela palavra causou pequenas ondas de dor em meu interior. Era como se houvesse farpas cortantes em volta daquelas três pequenas letras que traziam em si significados muito complexos para serem explicados.
Prendi-me na conversa animada de Margareth e só desliguei, pois meu celular apitava por uma outra ligação. Afastei-o apenas para olhar o número no visor.
- Oi Ky, como está?
- Hei, estou bem. E o Sean, como está?
Ri abafado pela euforia de Kyle. Até parecia que ele era o pai de Sean. Bem, embora ele tenha sido como um nos últimos anos.
- Está dormindo. Foi medicado e logo logo estará bem novamente.
- Nada grave então? - Neguei com um riso singelo, sendo acompanhada por Kyle. - Que bom! Talvez eu passe por aí mais tarde, com alguns filmes e doces, o que acha?
- Você parece um pai babão, sabia?
- Mas me diga se essa criança não é o meu filho? Ele tem o mesmo charme que eu, oras.
- Ah Ky, se você gostasse disso, eu teria certeza de que ele poderia ser seu filho. - Ri descontraída, arrancando risos abafados de Kyle.
- Hei, eu ainda sou homem. Posso gerar filhos se eu quiser. - Kyle fingiu indignação, fazendo-me rir um pouco mais. Ele geralmente não era adepto de minutos de silêncio em nossas conversas e eu sabia que viria alguma bomba. - Você nunca pensou em procurar o pai de Sean, ?
Por um minuto eu fiquei sem palavras. Eu esperava qualquer coisa, menos aquela pergunta. Poucas pessoas que me conheciam sabiam do meu passado e Kyle talvez fosse o único a saber da história quase por completo.
- Não, Ky, eu nunca pensei e nem vou pensar. Estamos bem tendo você como um quase-pai. Embora esteja mais para segunda mãe.
Ri de forma automática, esperando que aquele assunto se encerrasse ali. Mas é claro que, vindo de Kyle, nada era como eu esperava.
- Mas quando essa criança crescer e começar a entender as coisas? Ele vai precisar de uma figura paterna. Vai precisar de alguém para chamar de pai e jogar futebol, um homem para ele se espelhar, . Senão ele vai se espelhar em você e eu sei que de gay na sua vida já basta eu. Não quero disputar essa vaga com meu próprio filho.
- Talvez, em um outro momento. Quando realmente for preciso. Agora eu vou dar um cochilo, Ky, tenho certeza de que Sean vai querer ver Margareth, e ela já me fez prometer que o levaria lá para alguns mimos, sabe como é.
- Tudo bem, mas me ligue quando voltarem. Estou com saudades do meu pequeno.
- Sean, querido, estamos chegando.
Seus pequenos olhos azuis cintilaram quando olhou de mim para a janela do carro, avistando a conhecida varanda com cadeiras de balanço. Sentou-se no banco traseiro, ajeitando o capuz em sua cabeça. Sorriu carinhoso para mim enquanto eu me preparava para descer do carro e apanhá-lo no colo.
Bem, eu deveria parar logo com essa mania, pois Sean já não era tão leve como antes.
- Acho que você pode ir andando, não é mesmo Sean?
- Sim, mamãe. Sou um menino grande já. - Acenou de um modo que me fez rir por longos segundos.
Sean saltitou cambaleante para fora do carro quando abri a porta. Erguendo uma mão pequenina para mim, entrelaçamos nossos dedos e corremos em passos curtos em direção à campainha de Margareth.
Por intervenção divina, não estava chovendo naquele começo de noite. Ventava gelado, mas apenas isso.
Quando a calçada da casa de Margareth estava sob nossos pés, Sean ganhou os primeiros degraus com facilidade, batendo na porta com seus punhos pequeninos.
- Hei Sean, os vizinhos não precisam saber que você chegou também!
- É legal! - Ele sorriu travesso e eu o abracei, fazendo cócegas em seu tronco. - Tia Ma demora demais!
Rolei os olhos quando ele começou a batucar ritmadamente na porta de madeira, mordendo o lábio inferior enquanto a porta não era aberta.
- Olá, crianças! - Margareth nos saudou com um enorme sorriso, sendo abraçada pelas pernas por Sean. - Entrem, entrem! Não vamos congelar nesse frio!
Retirei meu sobretudo e o deixei no cabideiro, juntamente com minha bolsa. Depositei um beijo em sua bochecha, sendo guinchada por Sean em seguida. Sean parecia gostar muito da cozinha. Fez-me sentar na cadeira e sumiu pelas pernas de Margareth. Ela agitou as madeixas brancas e sentou-se ao meu lado depois de trazer para cima da bancada um bule amarelo.
- Parece que ele está bem melhor.
- Sim, acho que está sim. - Sorri para Margareth, aceitando a xícara de chá que cheirava a maçã verde. - É bom vê-lo desse jeito.
- Ah sim, meu sobrinho ficou preocupado com Sean também. Ligou-me de tarde perguntando se ele estaria aqui. Disse que tinha presentes para o amigão dele.
Talvez o sobrinho de Margareth não fosse tão novo como eu imaginava. Minha curiosidade afetou-me de uma maneira desagradável. Não gostava de ser bisbilhoteira. Mas também não gostava de ficar curiosa.
- Margareth...
Assim que tomei fôlego para perguntar, a campainha soou repetidas vezes. Margareth pediu um segundo e se afastou, Sean em seu encalço. Do jeito que a campainha tocava, parecia ser definitivamente, obra de uma criança. Não que Sean fizesse esse tipo de coisa, ele preferia bater diretamente na porta.
Rindo sozinha enquanto estava em devaneios comigo mesma, risos alegres irromperam pelo ar. E sessenta segundos depois, tive uma visão que nunca imaginara que teria depois de quase quatro anos.
- ?
- Vocês se conhecem? - Margareth olhou de seu sobrinho para mim, um sorriso confuso nos lábios.
- . - Sussurrei, sentindo o ar pesar dentro de meus pulmões. - .
- Tio é amigo da mamãe, tia Ma? - Só então percebi que Sean estava no colo de , sorrindo enquanto brincava com algo em sua mão. - Sean gosta do amigo da mamãe!
Aqueles breves segundos me pareceram horas e meu coração parecia não ser capaz de agüentar a onda de emoções que me dominaram.
Saudade, medo, alegria, receio. A certeza de que minha vida mudaria a partir dali.
E por Deus! Eu não podia trazer para minha vida coisas do passado! Nada e ninguém.
- Eu... Preciso ir, Margareth. - Sussurrei, sem tirar os olhos dele. Pisquei fortemente depois, como se tentasse afastar imagens de uma alucinação.
- Hei, hei! Eu não acredito que é você mesma, ! - pousou Sean ao seu lado e com duas passadas me alcançou, abraçando-me fortemente. O abraço que só ele sabia dar. E mesmo com todo aquele pavor, percebi que senti falta do seu abraço.
- Hei... Eu não...
- Consegue respirar? - Ele completou, afrouxando o aperto, mas sem me largar. Riu estrondosamente, soprando seu hálito em meu pescoço. - Então você continua a mesma garota de sempre!
Sean e Margareth riram quando ele me abraçou novamente, dessa vez erguendo-me do chão como se eu ainda tivesse dezessete anos.
- Não sabia que se conheciam, meu filho.
- É uma longa história, tia. - lançou um olhar recriminador sobre mim e no mesmo instante senti minhas bochechas queimarem. - E eu acho que temos coisas para conversar, não é ? - Seu olhar saiu de mim e pousou em Sean, sugestivamente.
- Eu realmente tenho que ir. Kyle está me esperando. - Disparei a falar, sentindo o coração bater desesperadamente.
Peguei Sean em meu colo, choramingando que queria ficar com . Margareth fez uma cara confusa e apenas me fitou num misto de curiosidade e raiva. Apanhei as chaves no bolso do meu jeans e acionei o alarme ainda na porta da casa de Margareth. Brevemente passei os olhos sobre a Audi preta e tive a certeza de que era o mesmo carro de dias atrás.
já havia estado diante de mim e eu sequer imaginei uma coisa dessas.
Com protestos manhosos de Sean arranquei com o carro, afastando-me rapidamente sem deixar possibilidades dele me seguir.
Como se isso fosse impedi-lo de me procurar, mais cedo ou mais tarde.
Tinha a certeza de que Sean cobraria aquele pedaço de bolo e fiz nota mental de ligar para Margareth assim que chegasse em casa.
Olhando pelo retrovisor, tive a certeza de que meu filho ficaria bem, mas aquela sensação de inquietação não havia passado. Era como se algo estivesse errado. Como se eu estivesse em perigo, como se tudo o que eu mais preservasse fosse deixar de existir de uma hora pra outra.
Meneando a cabeça enquanto avistava a entrada de minha casa, tentei afastar aquela impressão ruim. Não havia porque temer aquela sensação boba. Não havia nada de errado em minha vida, naquele momento.
Ou havia pequenas falhas que poderiam romper-se a qualquer instante?
Eu definitivamente espero que não.
Não queria ter de reviver coisas do passado. Aquilo estava totalmente fora de cogitação. Totalmente fora dos meus planos e eu os manteria assim pro resto de minha vida.
Eu tinha conseguido até hoje, não seria diferente daqui pra frente, seria?
Tantas perguntas martelavam em minha mente que vinte minutos se passaram e o carro permanecia ligado. Praguejando baixo para não acordar Sean, terminei de guardá-lo na garagem e embrulhei Sean em meu colo, caminhando rapidamente para a varanda.
Assim que o deixei em seu quarto, caminhei para o meu, mentalizando um banho reconfortante e um cochilo na tarde nublada. Era um ótimo programa pelas próximas horas.
Depois de um banho rápido, deitei-me na cama com o celular em mãos, discando os números de Margareth. Era bom sentir-se querida por alguém como Margareth, que era quase como uma mãe para mim.
Pensar naquela palavra causou pequenas ondas de dor em meu interior. Era como se houvesse farpas cortantes em volta daquelas três pequenas letras que traziam em si significados muito complexos para serem explicados.
Prendi-me na conversa animada de Margareth e só desliguei, pois meu celular apitava por uma outra ligação. Afastei-o apenas para olhar o número no visor.
- Oi Ky, como está?
- Hei, estou bem. E o Sean, como está?
Ri abafado pela euforia de Kyle. Até parecia que ele era o pai de Sean. Bem, embora ele tenha sido como um nos últimos anos.
- Está dormindo. Foi medicado e logo logo estará bem novamente.
- Nada grave então? - Neguei com um riso singelo, sendo acompanhada por Kyle. - Que bom! Talvez eu passe por aí mais tarde, com alguns filmes e doces, o que acha?
- Você parece um pai babão, sabia?
- Mas me diga se essa criança não é o meu filho? Ele tem o mesmo charme que eu, oras.
- Ah Ky, se você gostasse disso, eu teria certeza de que ele poderia ser seu filho. - Ri descontraída, arrancando risos abafados de Kyle.
- Hei, eu ainda sou homem. Posso gerar filhos se eu quiser. - Kyle fingiu indignação, fazendo-me rir um pouco mais. Ele geralmente não era adepto de minutos de silêncio em nossas conversas e eu sabia que viria alguma bomba. - Você nunca pensou em procurar o pai de Sean, ?
Por um minuto eu fiquei sem palavras. Eu esperava qualquer coisa, menos aquela pergunta. Poucas pessoas que me conheciam sabiam do meu passado e Kyle talvez fosse o único a saber da história quase por completo.
- Não, Ky, eu nunca pensei e nem vou pensar. Estamos bem tendo você como um quase-pai. Embora esteja mais para segunda mãe.
Ri de forma automática, esperando que aquele assunto se encerrasse ali. Mas é claro que, vindo de Kyle, nada era como eu esperava.
- Mas quando essa criança crescer e começar a entender as coisas? Ele vai precisar de uma figura paterna. Vai precisar de alguém para chamar de pai e jogar futebol, um homem para ele se espelhar, . Senão ele vai se espelhar em você e eu sei que de gay na sua vida já basta eu. Não quero disputar essa vaga com meu próprio filho.
- Talvez, em um outro momento. Quando realmente for preciso. Agora eu vou dar um cochilo, Ky, tenho certeza de que Sean vai querer ver Margareth, e ela já me fez prometer que o levaria lá para alguns mimos, sabe como é.
- Tudo bem, mas me ligue quando voltarem. Estou com saudades do meu pequeno.
- Sean, querido, estamos chegando.
Seus pequenos olhos azuis cintilaram quando olhou de mim para a janela do carro, avistando a conhecida varanda com cadeiras de balanço. Sentou-se no banco traseiro, ajeitando o capuz em sua cabeça. Sorriu carinhoso para mim enquanto eu me preparava para descer do carro e apanhá-lo no colo.
Bem, eu deveria parar logo com essa mania, pois Sean já não era tão leve como antes.
- Acho que você pode ir andando, não é mesmo Sean?
- Sim, mamãe. Sou um menino grande já. - Acenou de um modo que me fez rir por longos segundos.
Sean saltitou cambaleante para fora do carro quando abri a porta. Erguendo uma mão pequenina para mim, entrelaçamos nossos dedos e corremos em passos curtos em direção à campainha de Margareth.
Por intervenção divina, não estava chovendo naquele começo de noite. Ventava gelado, mas apenas isso.
Quando a calçada da casa de Margareth estava sob nossos pés, Sean ganhou os primeiros degraus com facilidade, batendo na porta com seus punhos pequeninos.
- Hei Sean, os vizinhos não precisam saber que você chegou também!
- É legal! - Ele sorriu travesso e eu o abracei, fazendo cócegas em seu tronco. - Tia Ma demora demais!
Rolei os olhos quando ele começou a batucar ritmadamente na porta de madeira, mordendo o lábio inferior enquanto a porta não era aberta.
- Olá, crianças! - Margareth nos saudou com um enorme sorriso, sendo abraçada pelas pernas por Sean. - Entrem, entrem! Não vamos congelar nesse frio!
Retirei meu sobretudo e o deixei no cabideiro, juntamente com minha bolsa. Depositei um beijo em sua bochecha, sendo guinchada por Sean em seguida. Sean parecia gostar muito da cozinha. Fez-me sentar na cadeira e sumiu pelas pernas de Margareth. Ela agitou as madeixas brancas e sentou-se ao meu lado depois de trazer para cima da bancada um bule amarelo.
- Parece que ele está bem melhor.
- Sim, acho que está sim. - Sorri para Margareth, aceitando a xícara de chá que cheirava a maçã verde. - É bom vê-lo desse jeito.
- Ah sim, meu sobrinho ficou preocupado com Sean também. Ligou-me de tarde perguntando se ele estaria aqui. Disse que tinha presentes para o amigão dele.
Talvez o sobrinho de Margareth não fosse tão novo como eu imaginava. Minha curiosidade afetou-me de uma maneira desagradável. Não gostava de ser bisbilhoteira. Mas também não gostava de ficar curiosa.
- Margareth...
Assim que tomei fôlego para perguntar, a campainha soou repetidas vezes. Margareth pediu um segundo e se afastou, Sean em seu encalço. Do jeito que a campainha tocava, parecia ser definitivamente, obra de uma criança. Não que Sean fizesse esse tipo de coisa, ele preferia bater diretamente na porta.
Rindo sozinha enquanto estava em devaneios comigo mesma, risos alegres irromperam pelo ar. E sessenta segundos depois, tive uma visão que nunca imaginara que teria depois de quase quatro anos.
- ?
- Vocês se conhecem? - Margareth olhou de seu sobrinho para mim, um sorriso confuso nos lábios.
- . - Sussurrei, sentindo o ar pesar dentro de meus pulmões. - .
- Tio é amigo da mamãe, tia Ma? - Só então percebi que Sean estava no colo de , sorrindo enquanto brincava com algo em sua mão. - Sean gosta do amigo da mamãe!
Aqueles breves segundos me pareceram horas e meu coração parecia não ser capaz de agüentar a onda de emoções que me dominaram.
Saudade, medo, alegria, receio. A certeza de que minha vida mudaria a partir dali.
E por Deus! Eu não podia trazer para minha vida coisas do passado! Nada e ninguém.
- Eu... Preciso ir, Margareth. - Sussurrei, sem tirar os olhos dele. Pisquei fortemente depois, como se tentasse afastar imagens de uma alucinação.
- Hei, hei! Eu não acredito que é você mesma, ! - pousou Sean ao seu lado e com duas passadas me alcançou, abraçando-me fortemente. O abraço que só ele sabia dar. E mesmo com todo aquele pavor, percebi que senti falta do seu abraço.
- Hei... Eu não...
- Consegue respirar? - Ele completou, afrouxando o aperto, mas sem me largar. Riu estrondosamente, soprando seu hálito em meu pescoço. - Então você continua a mesma garota de sempre!
Sean e Margareth riram quando ele me abraçou novamente, dessa vez erguendo-me do chão como se eu ainda tivesse dezessete anos.
- Não sabia que se conheciam, meu filho.
- É uma longa história, tia. - lançou um olhar recriminador sobre mim e no mesmo instante senti minhas bochechas queimarem. - E eu acho que temos coisas para conversar, não é ? - Seu olhar saiu de mim e pousou em Sean, sugestivamente.
- Eu realmente tenho que ir. Kyle está me esperando. - Disparei a falar, sentindo o coração bater desesperadamente.
Peguei Sean em meu colo, choramingando que queria ficar com . Margareth fez uma cara confusa e apenas me fitou num misto de curiosidade e raiva. Apanhei as chaves no bolso do meu jeans e acionei o alarme ainda na porta da casa de Margareth. Brevemente passei os olhos sobre a Audi preta e tive a certeza de que era o mesmo carro de dias atrás.
já havia estado diante de mim e eu sequer imaginei uma coisa dessas.
Com protestos manhosos de Sean arranquei com o carro, afastando-me rapidamente sem deixar possibilidades dele me seguir.
Como se isso fosse impedi-lo de me procurar, mais cedo ou mais tarde.
Chapter Nine - "Back to the past - VI!
Ao adentrar os portões do colégio, sentiu como se aquela semana ausente sequer tivesse acontecido. Caminhou com passos ritmados para sua primeira aula, os pensamentos longe daquele lugar.
Talvez estivesse perto de uma pessoa que ela não conseguia mais esquecer.
Com alguns minutos de atraso, avistou adentrando a sala esbaforida, as bochechas tomadas por uma forte coloração rosada. Apoiou-se no batente da porta por breves segundos e puxou uma grande quantidade de ar. Passou por rapidamente e, embora seus olhares não tenham se cruzado, teve a certeza de que o olhar de estava em suas costas assim que a aula teve início.
havia faltado muitos dias e como estavam apenas no começo do ano, os professores exigiram que ela tivesse a matéria copiada no caderno. O que causou profundo desânimo na garota.
não tinha amigos e não sabia se teria coragem de tentar uma aproximação repentina com qualquer um de sua turma.
Na hora do almoço, estava sentada em seu lugar sob a sombra do grande carvalho, arrancando a grama de forma entediada, jogando-a para o lado enquanto pensava nos argumentos que usaria ao seu favor com o diretor. Talvez pediria uma prova ou um trabalho. Ou aulas extras. Qualquer coisa que a mantivesse do jeito que estava nesse momento. Sozinha na sua bolha particular.
"Me disseram que você havia se mudado de escola"
Olhou assustada para o lado e logo uma expressão de surpresa tomou conta de seu rosto. Não percebera que estava sentada ao seu lado, os pedacinhos de grama que antes ela atirava, grudados em sua calça jeans.
"Não sabem o que dizem" - Voltou a arrancar as folhas verdes depois que o susto inicial fora embora.
"É, eles realmente não sabem" - usou um tom que fez voltar a atenção para si. - "Meu padrasto é uma pessoa bacana".
"Você não precisa..." - interrompeu-a quando se lembrou que a fizera chorar. Não queria que aquilo se repetisse.
"Não, eu quero te contar. Meu padrasto sempre fora amigo de nossa família. Me conhece desde que eu ainda era um feto no ventre de minha mãe e era grande amigo do meu pai. Não éramos ricos naquela época e meu pai ficou muito doente. Não tínhamos dinheiro para pagar o tratamento e ele acabou falecendo antes que eu completasse um ano de vida. Como um último pedido, ele fez Charles prometer que cuidaria de mim e de minha mãe. Charles é a pessoa mais bondosa nesse mundo e, por amor ao amigo, cumpriu com sua promessa. Minha mãe apaixonou-se por ele quando a dor do luto foi embora e isso aconteceu quando eu já estava com meus nove anos de idade. Todo o restante é mentira. Minha mãe não é uma alcoólatra, ela só... não sabe beber quando está em festas. E quanto ao meu ex, bem, ele sempre foi um canalha."
suspirou depois que se calou, sorrindo de forma aliviada para , que a encarava sem expressão. Lentamente, deixou que um sorriso mínimo esvaísse de seus lábios, assentindo para a garota ao seu lado.
"Às vezes as pessoas exageram um pouco, não é mesmo?" - concordou, imitando o gesto de , que ainda arrancava a grama ao redor de suas pernas. - "Por que... me contou?"
"Porque você foi a única que me 'enfrentou' e me fez ver no que eu estava me tornando. Acho que acabei me tornando uma garota mimada demais. Charles está sempre fazendo as minhas vontades que deixei me levar um pouco demais".
apenas sorriu. Não era o mesmo sorriso que escapava de seus lábios quando estava com e nem era o habitual sorriso sem vida. Era um sorriso diferente. O seu sorriso tímido de épocas antigas, quando sua vida ainda era perfeita.
"Você ficou muito tempo fora, acho que precisa de uma ajuda"
Ela mordiscou o lábio inferior, olhando fixamente para . O que lhe custaria aceitar a ajuda daquela que poderia ser sua amiga? Sem aquela arrogância popular era uma boa pessoa. Se talvez ela continuasse assim, poderia se tornar sua amiga. Ou seria o contrário?
"Eu sei que não começamos bem, mas eu estou disposta a não ser mais daquela maneira"
"Pensei que já tivesse sua turma"
"Alguém me disse que, se eles realmente são meus amigos, continuarão sendo independente de quem eu me tornar" - sorriu, estendendo uma mão para . - "Oi, , sou , mas pode me chamar de ".
"Pode me chamar de "
Apertaram as mãos e riram depois, rolando os olhos.
Aos poucos sentia que sua vida estava tomando rumos diferentes dos quais ela pensou que tomaria.
batia em seu coração como uma promessa de que a manteria viva para sempre e seria aquela que ela confiaria seus segredos. não se sentiu mais como se estivesse deslocada e sim, que havia um espaço para ela naquela nova vida sem dramas ou dor.
E aquela seria a parte pela qual ela lutaria para manter intacta.
Naquele final de tarde estranhou o fato do carro que a levaria para casa estar estacionado do outro lado da rua, em frente aos grandes portões de seu colégio e não no lugar de sempre. Não tinha como se enganar, conhecia bem aquele carro.
Mas na dúvida de que se seus olhos haviam a traído pela primeira vez, desceu os degraus lentamente, sem tirar os olhos dos vidros filmados. Teve que apertar a alça de sua mochila com força quando avistou a figura de descendo pela porta do motorista, exibindo um sorriso que seria capaz de parar seu coração a qualquer momento.
correu até onde ela havia parado, girando as chaves em seu dedo. Parou a poucos centímetros, muitos olhares curiosos sobre os dois.
"O que está fazendo aqui?"
"Como assim? Eu vim te buscar, é claro!" - Exclamou ele, apanhando a mochila de suas costas. - "Hoje você está sob a minha responsabilidade"
Dito isso com um sorriso travesso surgindo em seus lábios, a apanhou em seu colo, girando-a no ar antes de colocá-la no chão ao seu lado, segurando-a pela cintura de forma que não a deixasse cair.
"Pronta para ser minha durante um dia inteiro?"
"Já disse que você me assusta de vez em quando?!" - exclamou, mas de fato, estava pronta para ficar com ele. Ele era seu mundo feliz.
"Sonho de infância?"
"Acabou se realizando poucos meses atrás"
"Conhecer o príncipe encantado?" - riu quando corou violentamente.
"Me mudar para Londres" - Ela respondeu num sussurro, desviando seus olhos dos de .
Remexeu no conteúdo parcialmente derretido de seu copo e sorriu sem exibir os dentes. - "Mas acho que já falamos muito de mim, não é?"
"Lógico que não! Eu ainda não terminei minhas centenas de perguntas!"
"Eu achei que você já tinha passado dos duzentos" - Ela rolou os olhos, fazendo rir ternamente para si. - "É sério, acho que não há nada de mais interessante para descobrir sobre mim"
"Eu discordo. Ainda quero saber qual é seu lugar preferido, que lugar sonha em conhecer... E como é que eu faço pra entrar no seu coração, por exemplo."
acompanhou o riso espontâneo de e sentiu em seu íntimo aquela pergunta ressoar como uma breve afirmação que a deixou perturbada.
Ele já estava em seu coração.
"Você é inacreditável, . Vamos caminhar?"
Terminaram aquela conversa cheia de perguntas dele e caminharam pelo parque, inconscientemente chegando ao velho carvalho, onde passaram aquela noite juntos.
"Eu sempre quis ter uma casa na árvore. Achava o lugar mais seguro do mundo para se estar quando o medo nos assombra" - Sorriu para quando terminaram de subir a velha escada, largando seus corpos sobre as almofadas que cheiravam à camomila. - "Agora eu tenho certeza de que meu porto seguro é aqui"
Ele passou um braço em volta dos ombros de , puxando-a para si, fazendo-a encostar sua cabeça em seu peito, onde ela podia ouvir nitidamente os batimentos acelerados dele. Espalmou uma mão sobre seu abdômen, fechando os olhos delicadamente quando ele a abraçou, beijando calmamente o topo de sua cabeça.
Para ela, aquele momento era único. Não queria sequer se mover, desejou que o tempo não passasse nem mais um segundo a frente.
Para ele, a sensação não era diferente. Mas ele desejou infinitamente o contato com seus lábios, desejou que ela fosse definitivamente sua, para sempre.
Com um olhar breve e profundamente significativo, ambos descobriram que seus corações agora batiam juntos, como se fossem um só.
Com uma mão, permanecia envolvendo-a enquanto a outra afagava a base de seu pescoço, causando-lhe pequenas ondas de arrepios.
ora ou outra fechava os olhos, querendo apenas guardar a suavidade do toque dele em seu corpo. Soprou sua respiração de forma rápida pela boca, trazendo-o para mais perto com esse gesto.
"Você..." - Ela sussurrou e mal era possível ouvir sua voz. Abriu os olhos e os fixou nos dele, que estavam muito próximos, assim como todo seu corpo. exibiu um sorriso torto e ela sentiu seu coração disparar. - "Você já está no meu coração."
Os olhos de brilharam com aquela declaração tímida, que soara com um significado muito grande para si. Encostando sua testa na de , ele roçou a ponta de seu nariz ao dela, rindo de forma que seu hálito batesse contra a boca dela, inebriando-a.
fechou os olhos, sentindo coisas que nunca conseguiria explicar. Com era tudo diferente.
Imaginou como seria tocar os lábios dele, perguntou-se qual seria o sabor deles e quando estava prestes a ter suas perguntas respondidas, vozes masculinas irromperam porta adentro, assustando ambas as partes.
"Que merda, dude! Você quer nos matar de susto?!" - exclamou, levando uma mão ao peito enquanto a outra se apoiava no ombro de . - "Que tá fazendo aí?"
"Ai, que pergunta idiota, ! Você não tá vendo?" - replicou rolando os olhos depois de dar um tapa na cabeça do mesmo. achou aquela cena inusitada. Rapidamente passou pela sua cabeça se aquela árvore era forte o bastante para agüentar os cinco ali. - "Ele tá com uma garota!"
"Puxa vida, , pensei que ela fosse um ET!" - riu, e antes que entrassem numa discussão sem sentido, levantou-se puxando consigo.
"Eu a mandaria abduzir você!" - retrucou e voltou-se para com um semblante sério, apontando para os dois amigos ao seu lado. - "Me diga que você é um ET e que vai levá-los para longe, por favor!"
"Não, , ela não é um ET" - respondeu, puxando-a para perto sem desfazer o laço que seus dedos faziam em torno dos dela. Ele sorriu internamente com o pensamento de que suas mãos se encaixavam perfeitamente. - "Dudes, essa é . esses são , e , respectivamente"
"Finalmente conhecemos a famosa !" - exclamou, puxando-a para um abraço animado. - "Bem, não achei que fosse acontecer em cima de uma árvore, mas tudo bem!"
", você é abusado demais" - retrucou sem estar realmente zangado, abraçando o amigo pelo pescoço quando esse largou . - "Boca grande!"
Uma seqüência de risos seguiu pelo resto do dia. Não estavam mais sós, mas ainda podiam sentir o mesmo calor aquecer o coração quando seus olhares se encontravam ou quando suas peles se encostavam.
Agora estava claro. era de assim como era de .
Ambos se completavam.
Ambos queriam ser parte um do outro. Agora mais do que nunca.
Talvez estivesse perto de uma pessoa que ela não conseguia mais esquecer.
Com alguns minutos de atraso, avistou adentrando a sala esbaforida, as bochechas tomadas por uma forte coloração rosada. Apoiou-se no batente da porta por breves segundos e puxou uma grande quantidade de ar. Passou por rapidamente e, embora seus olhares não tenham se cruzado, teve a certeza de que o olhar de estava em suas costas assim que a aula teve início.
havia faltado muitos dias e como estavam apenas no começo do ano, os professores exigiram que ela tivesse a matéria copiada no caderno. O que causou profundo desânimo na garota.
não tinha amigos e não sabia se teria coragem de tentar uma aproximação repentina com qualquer um de sua turma.
Na hora do almoço, estava sentada em seu lugar sob a sombra do grande carvalho, arrancando a grama de forma entediada, jogando-a para o lado enquanto pensava nos argumentos que usaria ao seu favor com o diretor. Talvez pediria uma prova ou um trabalho. Ou aulas extras. Qualquer coisa que a mantivesse do jeito que estava nesse momento. Sozinha na sua bolha particular.
"Me disseram que você havia se mudado de escola"
Olhou assustada para o lado e logo uma expressão de surpresa tomou conta de seu rosto. Não percebera que estava sentada ao seu lado, os pedacinhos de grama que antes ela atirava, grudados em sua calça jeans.
"Não sabem o que dizem" - Voltou a arrancar as folhas verdes depois que o susto inicial fora embora.
"É, eles realmente não sabem" - usou um tom que fez voltar a atenção para si. - "Meu padrasto é uma pessoa bacana".
"Você não precisa..." - interrompeu-a quando se lembrou que a fizera chorar. Não queria que aquilo se repetisse.
"Não, eu quero te contar. Meu padrasto sempre fora amigo de nossa família. Me conhece desde que eu ainda era um feto no ventre de minha mãe e era grande amigo do meu pai. Não éramos ricos naquela época e meu pai ficou muito doente. Não tínhamos dinheiro para pagar o tratamento e ele acabou falecendo antes que eu completasse um ano de vida. Como um último pedido, ele fez Charles prometer que cuidaria de mim e de minha mãe. Charles é a pessoa mais bondosa nesse mundo e, por amor ao amigo, cumpriu com sua promessa. Minha mãe apaixonou-se por ele quando a dor do luto foi embora e isso aconteceu quando eu já estava com meus nove anos de idade. Todo o restante é mentira. Minha mãe não é uma alcoólatra, ela só... não sabe beber quando está em festas. E quanto ao meu ex, bem, ele sempre foi um canalha."
suspirou depois que se calou, sorrindo de forma aliviada para , que a encarava sem expressão. Lentamente, deixou que um sorriso mínimo esvaísse de seus lábios, assentindo para a garota ao seu lado.
"Às vezes as pessoas exageram um pouco, não é mesmo?" - concordou, imitando o gesto de , que ainda arrancava a grama ao redor de suas pernas. - "Por que... me contou?"
"Porque você foi a única que me 'enfrentou' e me fez ver no que eu estava me tornando. Acho que acabei me tornando uma garota mimada demais. Charles está sempre fazendo as minhas vontades que deixei me levar um pouco demais".
apenas sorriu. Não era o mesmo sorriso que escapava de seus lábios quando estava com e nem era o habitual sorriso sem vida. Era um sorriso diferente. O seu sorriso tímido de épocas antigas, quando sua vida ainda era perfeita.
"Você ficou muito tempo fora, acho que precisa de uma ajuda"
Ela mordiscou o lábio inferior, olhando fixamente para . O que lhe custaria aceitar a ajuda daquela que poderia ser sua amiga? Sem aquela arrogância popular era uma boa pessoa. Se talvez ela continuasse assim, poderia se tornar sua amiga. Ou seria o contrário?
"Eu sei que não começamos bem, mas eu estou disposta a não ser mais daquela maneira"
"Pensei que já tivesse sua turma"
"Alguém me disse que, se eles realmente são meus amigos, continuarão sendo independente de quem eu me tornar" - sorriu, estendendo uma mão para . - "Oi, , sou , mas pode me chamar de ".
"Pode me chamar de "
Apertaram as mãos e riram depois, rolando os olhos.
Aos poucos sentia que sua vida estava tomando rumos diferentes dos quais ela pensou que tomaria.
batia em seu coração como uma promessa de que a manteria viva para sempre e seria aquela que ela confiaria seus segredos. não se sentiu mais como se estivesse deslocada e sim, que havia um espaço para ela naquela nova vida sem dramas ou dor.
E aquela seria a parte pela qual ela lutaria para manter intacta.
Naquele final de tarde estranhou o fato do carro que a levaria para casa estar estacionado do outro lado da rua, em frente aos grandes portões de seu colégio e não no lugar de sempre. Não tinha como se enganar, conhecia bem aquele carro.
Mas na dúvida de que se seus olhos haviam a traído pela primeira vez, desceu os degraus lentamente, sem tirar os olhos dos vidros filmados. Teve que apertar a alça de sua mochila com força quando avistou a figura de descendo pela porta do motorista, exibindo um sorriso que seria capaz de parar seu coração a qualquer momento.
correu até onde ela havia parado, girando as chaves em seu dedo. Parou a poucos centímetros, muitos olhares curiosos sobre os dois.
"O que está fazendo aqui?"
"Como assim? Eu vim te buscar, é claro!" - Exclamou ele, apanhando a mochila de suas costas. - "Hoje você está sob a minha responsabilidade"
Dito isso com um sorriso travesso surgindo em seus lábios, a apanhou em seu colo, girando-a no ar antes de colocá-la no chão ao seu lado, segurando-a pela cintura de forma que não a deixasse cair.
"Pronta para ser minha durante um dia inteiro?"
"Já disse que você me assusta de vez em quando?!" - exclamou, mas de fato, estava pronta para ficar com ele. Ele era seu mundo feliz.
"Sonho de infância?"
"Acabou se realizando poucos meses atrás"
"Conhecer o príncipe encantado?" - riu quando corou violentamente.
"Me mudar para Londres" - Ela respondeu num sussurro, desviando seus olhos dos de .
Remexeu no conteúdo parcialmente derretido de seu copo e sorriu sem exibir os dentes. - "Mas acho que já falamos muito de mim, não é?"
"Lógico que não! Eu ainda não terminei minhas centenas de perguntas!"
"Eu achei que você já tinha passado dos duzentos" - Ela rolou os olhos, fazendo rir ternamente para si. - "É sério, acho que não há nada de mais interessante para descobrir sobre mim"
"Eu discordo. Ainda quero saber qual é seu lugar preferido, que lugar sonha em conhecer... E como é que eu faço pra entrar no seu coração, por exemplo."
acompanhou o riso espontâneo de e sentiu em seu íntimo aquela pergunta ressoar como uma breve afirmação que a deixou perturbada.
Ele já estava em seu coração.
"Você é inacreditável, . Vamos caminhar?"
Terminaram aquela conversa cheia de perguntas dele e caminharam pelo parque, inconscientemente chegando ao velho carvalho, onde passaram aquela noite juntos.
"Eu sempre quis ter uma casa na árvore. Achava o lugar mais seguro do mundo para se estar quando o medo nos assombra" - Sorriu para quando terminaram de subir a velha escada, largando seus corpos sobre as almofadas que cheiravam à camomila. - "Agora eu tenho certeza de que meu porto seguro é aqui"
Ele passou um braço em volta dos ombros de , puxando-a para si, fazendo-a encostar sua cabeça em seu peito, onde ela podia ouvir nitidamente os batimentos acelerados dele. Espalmou uma mão sobre seu abdômen, fechando os olhos delicadamente quando ele a abraçou, beijando calmamente o topo de sua cabeça.
Para ela, aquele momento era único. Não queria sequer se mover, desejou que o tempo não passasse nem mais um segundo a frente.
Para ele, a sensação não era diferente. Mas ele desejou infinitamente o contato com seus lábios, desejou que ela fosse definitivamente sua, para sempre.
Com um olhar breve e profundamente significativo, ambos descobriram que seus corações agora batiam juntos, como se fossem um só.
Com uma mão, permanecia envolvendo-a enquanto a outra afagava a base de seu pescoço, causando-lhe pequenas ondas de arrepios.
ora ou outra fechava os olhos, querendo apenas guardar a suavidade do toque dele em seu corpo. Soprou sua respiração de forma rápida pela boca, trazendo-o para mais perto com esse gesto.
"Você..." - Ela sussurrou e mal era possível ouvir sua voz. Abriu os olhos e os fixou nos dele, que estavam muito próximos, assim como todo seu corpo. exibiu um sorriso torto e ela sentiu seu coração disparar. - "Você já está no meu coração."
Os olhos de brilharam com aquela declaração tímida, que soara com um significado muito grande para si. Encostando sua testa na de , ele roçou a ponta de seu nariz ao dela, rindo de forma que seu hálito batesse contra a boca dela, inebriando-a.
fechou os olhos, sentindo coisas que nunca conseguiria explicar. Com era tudo diferente.
Imaginou como seria tocar os lábios dele, perguntou-se qual seria o sabor deles e quando estava prestes a ter suas perguntas respondidas, vozes masculinas irromperam porta adentro, assustando ambas as partes.
"Que merda, dude! Você quer nos matar de susto?!" - exclamou, levando uma mão ao peito enquanto a outra se apoiava no ombro de . - "Que tá fazendo aí?"
"Ai, que pergunta idiota, ! Você não tá vendo?" - replicou rolando os olhos depois de dar um tapa na cabeça do mesmo. achou aquela cena inusitada. Rapidamente passou pela sua cabeça se aquela árvore era forte o bastante para agüentar os cinco ali. - "Ele tá com uma garota!"
"Puxa vida, , pensei que ela fosse um ET!" - riu, e antes que entrassem numa discussão sem sentido, levantou-se puxando consigo.
"Eu a mandaria abduzir você!" - retrucou e voltou-se para com um semblante sério, apontando para os dois amigos ao seu lado. - "Me diga que você é um ET e que vai levá-los para longe, por favor!"
"Não, , ela não é um ET" - respondeu, puxando-a para perto sem desfazer o laço que seus dedos faziam em torno dos dela. Ele sorriu internamente com o pensamento de que suas mãos se encaixavam perfeitamente. - "Dudes, essa é . esses são , e , respectivamente"
"Finalmente conhecemos a famosa !" - exclamou, puxando-a para um abraço animado. - "Bem, não achei que fosse acontecer em cima de uma árvore, mas tudo bem!"
", você é abusado demais" - retrucou sem estar realmente zangado, abraçando o amigo pelo pescoço quando esse largou . - "Boca grande!"
Uma seqüência de risos seguiu pelo resto do dia. Não estavam mais sós, mas ainda podiam sentir o mesmo calor aquecer o coração quando seus olhares se encontravam ou quando suas peles se encostavam.
Agora estava claro. era de assim como era de .
Ambos se completavam.
Ambos queriam ser parte um do outro. Agora mais do que nunca.
Chapter Ten - "Present Days"
Aquele último encontro não me saía da cabeça. O abraço de - e todas as lembranças que vieram junto com ele - ainda estavam frescas em minha memória, em minha pele.
Em meu coração, que parecia uma locomotiva desgovernada.
E então eu tive a certeza de que aquilo que senti antes não era apenas impressão. Era um fato de que minha vida viraria de pernas para o ar.
De que quatro pessoas causariam isso.
Pessoas essas que, por mais que me fizessem falta, eu não podia trazer de volta ao meu cotidiano. Eu mudei, eles mudaram. Tudo mudou.
E ainda existiam mágoas que somente naquele momento eu me dei conta de que não estavam totalmente curadas.
A cada toque do telefone ou a cada buzinada na rua meu coração acelerava e todos meus nervos enrijeciam. Eu tinha certeza de que viria atrás de mim.
Mas, pensando bem, com ele seria fácil lidar. Ele não parecia estar com raiva de mim... Mas eu não posso dizer o mesmo dos outros. Dele.
Embora eu tivesse meus motivos para fazer o que fiz no passado.
E faria novamente no presente, se fosse preciso.
Também havia o fator de que eu nunca imaginei que aquele encontro pudesse acontecer.
- Mamãe? – Sean interrompeu meus devaneios, sacudindo a ponta de meu casaco para chamar a atenção.
- Sim, meu pequeno?
- Você não gosta do tio ? – Sean esboçou um sorriso desgostoso, como se aquela pergunta não fosse de seu agrado. – Porque eu gosto muito dele. Muitão. Mais do que muito.
- E por que você acha que eu não gosto do tio , meu amor?
- Você ficou triste quando viu ele na casa da tia Ma. Correu!
Meu pequeno fez um bico decepcionado, baixando a cabeça em seguida. Ajoelhei-me em sua frente, erguendo seu rosto com afagos gentis. Havia lágrimas umedecendo seus olhos brilhantes.
Se Sean ficara assim, não quero imaginar como ficara.
- Olha, meu amor, eu vou te contar um segredo.
- Segredo?
- É, um segredo muito especial. – Sean sentou-se em meu colo, observando-me com atenção. – Tio e eu éramos muito amigos quando éramos mais novos.
- Novos que nem eu? – Ele apontou para si com um sorriso enorme no rosto. – Pequeninininhos?
- Não, não tão pequeninininhos assim. – Ri e beijei sua bochecha. – Enfim, tio era muito amigo da mamãe e nós brigamos.
- Por que brigaram?
Céus, como eu iria resumir uma história de tantos anos em um simples diálogo com meu filho de três anos? E de uma forma que ele entendesse, não entendendo muito?
- Foi há muito tempo, meu amor, a mamãe não tem uma memória boa...
- Tio disse que quer me mostrar os amigos irados dele. Você deixa?
- Não! – Exclamei sem pensar, fazendo Sean baixar o olhar, exatamente como minutos atrás. O quanto eu magoaria meu filho com as minhas próprias magoas? – Olha, Sean, eu sei que você gosta muito do , mas...
- Por favor, mamãe... – Ele enterrou sua cabeça em meu colo, apertando com seus dedos os meus de um modo suplicante. – Ele é tãoooo legal...
Meu coração batia sufocado. Havia dor pelo passado, dor pelo presente. E dor por não saber qual seria a conseqüência daquela convivência dos dois.
sabia de alguma coisa. Claro que ele sabia. Mas será que ele entenderia se eu dissesse que não queria ter contato com ele? Com nenhum deles?
Respirei fundo e beijei os cabelos de Sean, esperando que ele esquecesse aquele assunto. Procurando ao mesmo tempo, uma saída.
Alguma coisa indolor para ambas as partes.
Se é que existia alguma.
O telefone tocou e naquele momento foi como um alívio. Mas só naquele momento. Eu estava parecendo aquelas mulheres paranóicas que acham que estão sendo seguidas por todo canto.
Sean correu de meu colo e atendeu ao telefone enquanto eu me perguntava quem poderia ser. Ou quem não poderia ser, na verdade.
- Mamãe, é o tio Ky!
Ri e suspirei com meus pensamentos sem sentido. Como é que alguém que eu não mantinha contato teria meu telefone? Poucas pessoas tinham meu número de casa... Na real, creio que somente Kyle tenha esse número. E claro, o banco. Mas eu acho que eles não seriam tão audaciosos assim...
- Mamãe, tio Ky disse pra você ir logo! – Sean gritou quando eu não me movi. Girou seu corpo pequenino enrolando-se no fio, rindo travesso. – Ele disse que você é malenga.
Dispersei os pensamentos e levantei, seguindo em direção à sala, onde Sean ainda brincava com o telefone.
- Eu sou o quê? – Perguntei quando alcancei o telefone, desenrolando Sean.
- Eu quis dizer molenga. – Kyle riu e eu acompanhei, sentando-me no sofá enquanto Sean corria para o quarto. Pelo visto, Sean não retornaria com aquele assunto tão cedo. – E você é uma molenga mesmo.
- Claro, também te amo, chefe. E a que devo a honra de sua ligação no meu telefone residencial?
Sean retornou do quarto trazendo consigo uma caixa aparentemente pesada. A deixou no chão e sentou-se em volta dela, retirando seus brinquedos de dentro dela.
- Porque você não atendeu o celular, oras. Mas enfim, eu queria perguntar...
Celular. Olhei apreensiva ao meu redor e não o encontrei em nenhum dos lugares que costumava deixar. Esticando ao máximo a extensão do telefone chequei à porta de entrada, onde eu sempre deixava minha bolsa quando chegava em casa.
E ela não estava lá.
Com certo desespero me lembrei que na pressa de sair da casa de Margareth, a deixara lá, pendurada no cabide juntamente com todos meus documentos. E com meu celular.
Ai droga.
- , você ouviu o que eu disse?
- Não.
- Sua sinceridade me comove! – Kyle bufou, exclamando alguma coisa em seguida que eu não entendi.
- Kyle, alguém atendeu meu celular?
- Quando você diz ‘atendeu’ é porque não está com ele aí? Meu Deus, você foi assaltada?
Será que percebera que eu a esquecera lá? Céus, será que ele estaria vindo? O que ia fazer? Fingir que não estava em casa?
- do céu, responde!
- Não, não, eu não fui assaltada! – Minhas mãos suavam frio. – Kyle, eu acho que estou com um problema.
- Que tipo de problema? , você pode ser um pouco mais específica?
Eu ia começar a explicar quando duas coisas aconteceram ao mesmo tempo.
Primeiro, a campainha soou duas vezes seguidas e Sean correu em disparada até a porta, deixando-me estática no telefone enquanto Kyle me perguntava alguma coisa.
Segundo, o fone escorregou de meus dedos e bateu na mesinha enquanto Sean escancarava a porta, revelando a silhueta de dois homens até entãodesconhecidos sob suas capas de chuvas e bonés. Além dos óculos escuros.
Não tornei a falar com Kyle e limitei-me a seguir até Sean, que brincava com a maçaneta enquanto um dos homens falava alguma coisa com o outro.
Eu teria que ensinar Sean a não ser tão receptivo assim.
- Mamãe, esses moços disseram que são seus amigos.
Tum-tum-tum. Meu coração comandava o ritmo da cena e quando os dois moveram-se para retirar as capas que os camuflavam, o mundo pareceu girar mais devagar.
Aquilo só podia ser um delírio.
- . .
Balbuciei enquanto os bonés e os óculos escuros saíam de cena, revelando a face daqueles que eu não via há alguns anos. Não pessoalmente, pelo menos.
- Ah, pra que tanta formalidade? – exclamou, abrindo os braços para que pudesse me abraçar. – Há quanto tempo, !
adentrou minha casa e laçou seus braços em volta de meu corpo, enquanto agachava-se para cumprimentar Sean. Assim que me largou, trocou de lugar com ele e me abraçou tão fortemente quanto o primeiro. Sean ria animado e provavelmente achava aquilo tudo muito legal.
Aquela cena seria normal se ainda fôssemos como antes, se ainda fôssemos amigos. E, mesmo que anos tenham se passado, eu estava me sentindo como aquela garotinha de quando os conheci.
E aquilo tornava tudo mais confuso e difícil.
Eles deveriam me odiar! Deveriam ter ressentimentos pela minha atitude egoísta e não era o que parecia enquanto os dois riam e se divertiam com a espontaneidade de Sean.
- Nossa. – exclamou, segurando-me pelos ombros. Eu ainda não consegui esboçar qualquer reação. – Como você mudou!
- Mamãe, seus amigos são muuuuuuuito legais.
- E você também é, campeão! – riu com Sean em seu colo. Por que meu filho tinha que ser tão dado assim? – Não vai nos convidar para entrar, ?
- Claro, claro. – Gesticulei com uma das mãos para a sala enquanto a outra sustentava meu peso na porta. Eu ainda esperava que aquilo fosse uma miragem ou algo do gênero. – Fiquem. À vontade.
- Com certeza!
e sentaram-se no sofá com Sean no meio enquanto eu consegui me sentar na poltrona de frente a eles antes que desabasse no chão como uma gelatina.
- Você tá legal, ? Parece que viu um fantasma! – riu e o acompanhou, mas não tão animado quanto antes.
- Estou um pouco chocada. Como... Como me acharam aqui?
Perguntei tolamente embora no fundo eu já soubesse a resposta. Ou parte dela, pelo menos.
- Ah, essa é uma longa história.
- Acho que todos aqui temos longas histórias, dude. – olhou de para mim e de mim para Sean, que agora estava sentado no chão mostrando seus carrinhos para .
- Sean, meu querido, por que você não vai brincar um pouquinho no seu quarto, hum?
- Mas, mamãe... – Sean gesticulou com as mãos pequeninas enquanto fazia um bico desanimado. – Eu gostei dos ‘tios’.
- Sean, meu amor, nós vamos ter uma conversa de gente grande agora, depois você pode ficar um pouco com eles, tudo bem?
- Nós prometemos! – ergueu as mãos e fez o mesmo, fazendo meu filho esboçar um largo sorriso. – Palavras de escoteiros!
Foi o bastante para Sean dar a meia volta, olhando-me intrigado.
- Mamãe, o que é esoco... Escoso...
- Depois eles contam para você, Sean. – Sean dirigiu seu olhar ainda confuso para e , as bolas de seus olhos brilhando em expectativa.
- Verdade?
- Verdade verdadeira, campeão!
E depois da afirmação de , Sean correu serelepe para o quarto, batendo a porta em seguida.
- Ótimo, agora meu filho duvida de mim. – Rolei os olhos, cruzando os braços sobre o peito. Minhas mãos suavam e estavam geladas. Aquilo era tão idiota.
- E então, por onde começamos? – indagou, fazendo-me faltar o ar.
Por tantos anos escondi aquela história de todo mundo e naquele momento a contaria para os próprios personagens que a compuseram. Em partes, pelo menos.
- Pelo começo seria ótimo. – sorriu.
Em meu coração, que parecia uma locomotiva desgovernada.
E então eu tive a certeza de que aquilo que senti antes não era apenas impressão. Era um fato de que minha vida viraria de pernas para o ar.
De que quatro pessoas causariam isso.
Pessoas essas que, por mais que me fizessem falta, eu não podia trazer de volta ao meu cotidiano. Eu mudei, eles mudaram. Tudo mudou.
E ainda existiam mágoas que somente naquele momento eu me dei conta de que não estavam totalmente curadas.
A cada toque do telefone ou a cada buzinada na rua meu coração acelerava e todos meus nervos enrijeciam. Eu tinha certeza de que viria atrás de mim.
Mas, pensando bem, com ele seria fácil lidar. Ele não parecia estar com raiva de mim... Mas eu não posso dizer o mesmo dos outros. Dele.
Embora eu tivesse meus motivos para fazer o que fiz no passado.
E faria novamente no presente, se fosse preciso.
Também havia o fator de que eu nunca imaginei que aquele encontro pudesse acontecer.
- Mamãe? – Sean interrompeu meus devaneios, sacudindo a ponta de meu casaco para chamar a atenção.
- Sim, meu pequeno?
- Você não gosta do tio ? – Sean esboçou um sorriso desgostoso, como se aquela pergunta não fosse de seu agrado. – Porque eu gosto muito dele. Muitão. Mais do que muito.
- E por que você acha que eu não gosto do tio , meu amor?
- Você ficou triste quando viu ele na casa da tia Ma. Correu!
Meu pequeno fez um bico decepcionado, baixando a cabeça em seguida. Ajoelhei-me em sua frente, erguendo seu rosto com afagos gentis. Havia lágrimas umedecendo seus olhos brilhantes.
Se Sean ficara assim, não quero imaginar como ficara.
- Olha, meu amor, eu vou te contar um segredo.
- Segredo?
- É, um segredo muito especial. – Sean sentou-se em meu colo, observando-me com atenção. – Tio e eu éramos muito amigos quando éramos mais novos.
- Novos que nem eu? – Ele apontou para si com um sorriso enorme no rosto. – Pequeninininhos?
- Não, não tão pequeninininhos assim. – Ri e beijei sua bochecha. – Enfim, tio era muito amigo da mamãe e nós brigamos.
- Por que brigaram?
Céus, como eu iria resumir uma história de tantos anos em um simples diálogo com meu filho de três anos? E de uma forma que ele entendesse, não entendendo muito?
- Foi há muito tempo, meu amor, a mamãe não tem uma memória boa...
- Tio disse que quer me mostrar os amigos irados dele. Você deixa?
- Não! – Exclamei sem pensar, fazendo Sean baixar o olhar, exatamente como minutos atrás. O quanto eu magoaria meu filho com as minhas próprias magoas? – Olha, Sean, eu sei que você gosta muito do , mas...
- Por favor, mamãe... – Ele enterrou sua cabeça em meu colo, apertando com seus dedos os meus de um modo suplicante. – Ele é tãoooo legal...
Meu coração batia sufocado. Havia dor pelo passado, dor pelo presente. E dor por não saber qual seria a conseqüência daquela convivência dos dois.
sabia de alguma coisa. Claro que ele sabia. Mas será que ele entenderia se eu dissesse que não queria ter contato com ele? Com nenhum deles?
Respirei fundo e beijei os cabelos de Sean, esperando que ele esquecesse aquele assunto. Procurando ao mesmo tempo, uma saída.
Alguma coisa indolor para ambas as partes.
Se é que existia alguma.
O telefone tocou e naquele momento foi como um alívio. Mas só naquele momento. Eu estava parecendo aquelas mulheres paranóicas que acham que estão sendo seguidas por todo canto.
Sean correu de meu colo e atendeu ao telefone enquanto eu me perguntava quem poderia ser. Ou quem não poderia ser, na verdade.
- Mamãe, é o tio Ky!
Ri e suspirei com meus pensamentos sem sentido. Como é que alguém que eu não mantinha contato teria meu telefone? Poucas pessoas tinham meu número de casa... Na real, creio que somente Kyle tenha esse número. E claro, o banco. Mas eu acho que eles não seriam tão audaciosos assim...
- Mamãe, tio Ky disse pra você ir logo! – Sean gritou quando eu não me movi. Girou seu corpo pequenino enrolando-se no fio, rindo travesso. – Ele disse que você é malenga.
Dispersei os pensamentos e levantei, seguindo em direção à sala, onde Sean ainda brincava com o telefone.
- Eu sou o quê? – Perguntei quando alcancei o telefone, desenrolando Sean.
- Eu quis dizer molenga. – Kyle riu e eu acompanhei, sentando-me no sofá enquanto Sean corria para o quarto. Pelo visto, Sean não retornaria com aquele assunto tão cedo. – E você é uma molenga mesmo.
- Claro, também te amo, chefe. E a que devo a honra de sua ligação no meu telefone residencial?
Sean retornou do quarto trazendo consigo uma caixa aparentemente pesada. A deixou no chão e sentou-se em volta dela, retirando seus brinquedos de dentro dela.
- Porque você não atendeu o celular, oras. Mas enfim, eu queria perguntar...
Celular. Olhei apreensiva ao meu redor e não o encontrei em nenhum dos lugares que costumava deixar. Esticando ao máximo a extensão do telefone chequei à porta de entrada, onde eu sempre deixava minha bolsa quando chegava em casa.
E ela não estava lá.
Com certo desespero me lembrei que na pressa de sair da casa de Margareth, a deixara lá, pendurada no cabide juntamente com todos meus documentos. E com meu celular.
Ai droga.
- , você ouviu o que eu disse?
- Não.
- Sua sinceridade me comove! – Kyle bufou, exclamando alguma coisa em seguida que eu não entendi.
- Kyle, alguém atendeu meu celular?
- Quando você diz ‘atendeu’ é porque não está com ele aí? Meu Deus, você foi assaltada?
Será que percebera que eu a esquecera lá? Céus, será que ele estaria vindo? O que ia fazer? Fingir que não estava em casa?
- do céu, responde!
- Não, não, eu não fui assaltada! – Minhas mãos suavam frio. – Kyle, eu acho que estou com um problema.
- Que tipo de problema? , você pode ser um pouco mais específica?
Eu ia começar a explicar quando duas coisas aconteceram ao mesmo tempo.
Primeiro, a campainha soou duas vezes seguidas e Sean correu em disparada até a porta, deixando-me estática no telefone enquanto Kyle me perguntava alguma coisa.
Segundo, o fone escorregou de meus dedos e bateu na mesinha enquanto Sean escancarava a porta, revelando a silhueta de dois homens até entãodesconhecidos sob suas capas de chuvas e bonés. Além dos óculos escuros.
Não tornei a falar com Kyle e limitei-me a seguir até Sean, que brincava com a maçaneta enquanto um dos homens falava alguma coisa com o outro.
Eu teria que ensinar Sean a não ser tão receptivo assim.
- Mamãe, esses moços disseram que são seus amigos.
Tum-tum-tum. Meu coração comandava o ritmo da cena e quando os dois moveram-se para retirar as capas que os camuflavam, o mundo pareceu girar mais devagar.
Aquilo só podia ser um delírio.
- . .
Balbuciei enquanto os bonés e os óculos escuros saíam de cena, revelando a face daqueles que eu não via há alguns anos. Não pessoalmente, pelo menos.
- Ah, pra que tanta formalidade? – exclamou, abrindo os braços para que pudesse me abraçar. – Há quanto tempo, !
adentrou minha casa e laçou seus braços em volta de meu corpo, enquanto agachava-se para cumprimentar Sean. Assim que me largou, trocou de lugar com ele e me abraçou tão fortemente quanto o primeiro. Sean ria animado e provavelmente achava aquilo tudo muito legal.
Aquela cena seria normal se ainda fôssemos como antes, se ainda fôssemos amigos. E, mesmo que anos tenham se passado, eu estava me sentindo como aquela garotinha de quando os conheci.
E aquilo tornava tudo mais confuso e difícil.
Eles deveriam me odiar! Deveriam ter ressentimentos pela minha atitude egoísta e não era o que parecia enquanto os dois riam e se divertiam com a espontaneidade de Sean.
- Nossa. – exclamou, segurando-me pelos ombros. Eu ainda não consegui esboçar qualquer reação. – Como você mudou!
- Mamãe, seus amigos são muuuuuuuito legais.
- E você também é, campeão! – riu com Sean em seu colo. Por que meu filho tinha que ser tão dado assim? – Não vai nos convidar para entrar, ?
- Claro, claro. – Gesticulei com uma das mãos para a sala enquanto a outra sustentava meu peso na porta. Eu ainda esperava que aquilo fosse uma miragem ou algo do gênero. – Fiquem. À vontade.
- Com certeza!
e sentaram-se no sofá com Sean no meio enquanto eu consegui me sentar na poltrona de frente a eles antes que desabasse no chão como uma gelatina.
- Você tá legal, ? Parece que viu um fantasma! – riu e o acompanhou, mas não tão animado quanto antes.
- Estou um pouco chocada. Como... Como me acharam aqui?
Perguntei tolamente embora no fundo eu já soubesse a resposta. Ou parte dela, pelo menos.
- Ah, essa é uma longa história.
- Acho que todos aqui temos longas histórias, dude. – olhou de para mim e de mim para Sean, que agora estava sentado no chão mostrando seus carrinhos para .
- Sean, meu querido, por que você não vai brincar um pouquinho no seu quarto, hum?
- Mas, mamãe... – Sean gesticulou com as mãos pequeninas enquanto fazia um bico desanimado. – Eu gostei dos ‘tios’.
- Sean, meu amor, nós vamos ter uma conversa de gente grande agora, depois você pode ficar um pouco com eles, tudo bem?
- Nós prometemos! – ergueu as mãos e fez o mesmo, fazendo meu filho esboçar um largo sorriso. – Palavras de escoteiros!
Foi o bastante para Sean dar a meia volta, olhando-me intrigado.
- Mamãe, o que é esoco... Escoso...
- Depois eles contam para você, Sean. – Sean dirigiu seu olhar ainda confuso para e , as bolas de seus olhos brilhando em expectativa.
- Verdade?
- Verdade verdadeira, campeão!
E depois da afirmação de , Sean correu serelepe para o quarto, batendo a porta em seguida.
- Ótimo, agora meu filho duvida de mim. – Rolei os olhos, cruzando os braços sobre o peito. Minhas mãos suavam e estavam geladas. Aquilo era tão idiota.
- E então, por onde começamos? – indagou, fazendo-me faltar o ar.
Por tantos anos escondi aquela história de todo mundo e naquele momento a contaria para os próprios personagens que a compuseram. Em partes, pelo menos.
- Pelo começo seria ótimo. – sorriu.
Chapter Eleven
Eu estava me sentindo meio aérea. Eu ainda não conseguia acreditar que
e estavam ali, sentados no meu sofá com sorrisos infantis nos lábios.
Eu estava me sentindo como uma adolescente diante dos seus ídolos.
Claro que não era exatamente aquilo que estava acontecendo, mas acho que a sensação é a mesma. Meu coração vai sair a qualquer momento pela boca.
- E então, , qual vai ser? – estalou os dedos na minha frente, fazendo-me piscar os olhos repetidas vezes.
- Isso é tão confuso... – Balbuciei, olhando para os dois com um sorriso torto nos lábios. – Até dias atrás eu sequer pensava em encontrá-los novamente. E agora vocês estão aqui, depois de quase quatro anos...
- Foi muito tempo mesmo. – disse, concordando com a cabeça. – Mas só foi assim porque você quis.
- Por que você fugiu, ? – indagou num tom sentido. Havia certa magoa em seu olhar.
- Primeiro a história de vocês, depois a minha.
- Ah, qual é, ?! Sua chantagista de meia tigela! – Rimos todos juntos quando exclamou, pulando no sofá ao lado de . – Não abro minha boca enquanto VOCÊ não falar primeiro!
- Tudo bem, eu conto. – olhou indignado para , que deu de ombros com a expressão tranqüila. – Relaxa, , ela não está barganhando tempo para inventar uma desculpa mirabolante, não é mesmo, ?
- Claro que não. – Sorri para , um pouco mais acostumada com a presença de ambos.
- Certo, mas eu conto então!
Rolei os olhos juntamente com , que fez uma reverência engraçada para que prosseguisse.
- É uma história meio engraçada. Nós te procuramos por toda parte e por parte toda! No começo achamos que você tinha viajado com sua mãe, sei lá. – deu de ombros e eu engoli em seco. Aquelas seriam lembranças de outras pessoas de um passado que eu nunca me permitira recordar. – Mas depois do primeiro mês você não apareceu... Fomos até sua antiga casa e ela estava à venda. As nossas buscas ficaram meio bagunçadas quando começamos a ficar conhecidos, mas sempre que podíamos nós buscávamos alguma notícia sua com conhecidos nossos. Até quando fizemos nossa primeira turnê! Foi cômico!
- andava com uma foto sua no bolso. Parecíamos pais desesperados atrás de sua filha irresponsável fugitiva! – contou entre risos, arrancando um sorriso meu. – Tentamos ir à polícia, mas...
- , eu disse que ia contar! – exclamou e fingiu trancar a boca com um zíper. – Então, conforme os anos passavam, nós reforçávamos buscas anteriores. Myspace, Facebook, Twitter, lista telefônica... – ia falando enquanto enumerava nos dedos. – Foi uma busca e tanto! E mal podíamos imaginar que você estaria tão perto!
- É, nem tão perto assim, né. Foi uma viagem de uma hora até chegarmos aqui! – sacudiu as mãos no ar, dando seu toque dramático ao fato. rolou os olhos e eu apenas sorri. – Mas eu acho que foi tudo uma questão de estar no lugar certo, na hora certa.
- Por quê? – Quis saber, franzindo levemente minhas sobrancelhas.
- vive na casa de Margareth, e pelo que eu fiquei sabendo, já faz mais de um ano que ela cuida do Sean, não é? – perguntou e parecia pensativo. Concordei e Sean surgiu na sala com um CD nas mãos.
- Os tios são iguaizinhos aos moços do CD da mamãe! – Ele apontou para a capa do CD saltitante, olhando de mim para e , que exibiam um sorriso enorme nos rostos. Como é que ele tinha achado aquilo? Eu tinha o escondido tão bem... – Olha, mamãe, não parecem?!
- Deixe-me ver? – estendeu a mão para Sean, que tomou liberdade e pulou em seu colo, colocando o CD bem próximo ao seu rosto. – Oh, campeão, eu acho que sou mais bonito do que esse aí que você diz se parecer comigo!
- Tsc, tsc! – Sean agitou um dedo no ar, sorrindo para ele. – Você é velho, esse aqui é novinho.
explodiu em gargalhadas e tentou não rir também, mas logo todos nós estávamos rindo.
- Sean é um menino admirável. – admitiu assim que meu filho veio para o meu colo, trocando o CD pelos meus cabelos. Sean gostava de brincar com eles, não sei por quê. – Agora eu entendo por que falava tanto nele.
- Sean também gostou muito de . – Disse, sentindo um nó se formar em minha garganta. – E pelo visto de vocês também.
- Eu me pergunto como o reagiria se o conhecesse também...
Apenas de ouvir aquele nome todas as articulações de meu corpo responderam. Meu coração acelerou, as pontas dos dedos formigaram. Senti as bochechas esquentarem.
- Acho que agora é a sua vez de contar a história aqui, não é? – sugeriu assim que um silêncio estranho predominou.
Suspirei rapidamente antes de tomar uma grande quantidade de ar. Beijei os cabelos de Sean, sentindo seu perfume doce, tentando me acalmar. Sorri para o meu pequeno quando ele me afagou a ponta do nariz, sorrindo.
Fechei os olhos brevemente, deixando que as lembranças daquele dia voltassem à mente.
- Foi no último show de vocês... – Comecei, sentindo os olhares atentos de meus amigos presos em mim. – Mas eu preciso contar o que aconteceu antes.
Eu não havia me dado conta de que o tempo passara tão rápido depois que entrara na minha vida. Há pouco mais de um ano eu nunca achei que pudesse ser feliz em Londres, mas ele me provou o contrário. Não somente ele, mas como todos os amigos que ganhara. , , , .
Todos estavam do meu lado, e, mesmo que somente o soubesse de minhas diferenças com Elizabeth, de alguma maneira eles me confortavam. E não era preciso muito.
- Um beijo pelos seus pensamentos?
abraçou-me pela cintura, apoiando seu queixo em meu ombro. Virei meu rosto minimamente para o lado, apenas para olhá-lo pelo canto do olho. Encostei minha cabeça na sua, afagando gentilmente suas mãos.
Eu não sabia exatamente o que éramos. Namorados, é claro, mas, havia algo a mais. Mas soaria piegas demais dizer que éramos almas gêmeas.
Pensar na palavra namorado me fez soltar um riso baixo, apertando suas mãos delicadamente.
Estávamos juntos oficialmente há quase três meses, mas eu ainda sentia que estávamos começando naquele dia. me encantava com tão pouco! Tudo começou basicamente naquele dia na casa da árvore.
Engraçado pensar que, minha relação com os outros garotos também começou naquele dia.
O nosso primeiro beijo aconteceu no dia seguinte, quando novamente ele me surpreendeu na porta do colégio, com uma rosa vermelha em uma das mãos. Foi como se o tempo tivesse parado para nós dois, para aquele momento que ansiávamos há dias.
O contato com seus lábios era melhor do que eu imaginava.
E depois daquele dia, e eu passávamos o tempo todo juntos. Jeremy deixou de me levar ao colégio e era que estava me esperando no final do dia com aquele sorriso que fazia meu coração disparar.
Isso acontecia todos os dias.
Minha mãe não fez questão de entrar em detalhes e para mim também não fazia diferença alguma.
Eu estava feliz como há muito não me sentia.
E também estava feliz. E para mim era tudo o que importava naquele momento. Nós dois.
- Estava pensando em você. – Senti seus lábios tocarem a base de meu pescoço e arrepios correram pelo meu corpo como correntes elétricas.
- Pensando coisas boas?
- Sempre. – Sorri, virando-me de frente para ele, beijando a ponta de seu nariz, fazendo-o exibir uma careta engraçada. – E você, o que está fazendo aqui? Pensei que tivesse ido ensaiar com os meninos hoje.
- Melhor ficar com você. – Rolei os olhos, rindo. – Tudo bem, tudo bem, os dudes saíram e deixaram o ensaio para amanhã.
- Quer dizer que não estaria aqui se eles não tivessem compromisso? – Esbocei mágoa, me segurando para não rir.
- Não! ...
- Hei, acalme-se! Estou brincando, seu bobo! – Depositei um tapa fraco em seu ombro, beijando seus lábios em seguida. – Você sabe que eu te amo, não sabe?
- Assim como você sabe que eu amo você.
sussurrou em meu ouvido, laçando seus braços em torno de minha cintura. Eu deveria estar acostumada com seu toque, mas eu ainda não estava. Correntes elétricas corriam pelas minhas veias, distribuindo calor de forma irregular pelo corpo todo. Logo, senti a respiração pesar e as mãos formigarem. Borboletas causavam um alvoroço em meu estômago.
Era final de tarde e a cor rosada do crepúsculo tornava o jardim uma pintura viva. Os raios solares enfraquecidos batiam no rosto de , fazendo meu coração acelerar ainda mais com aquela visão deslumbrante. Ele era tão desejável... E pra minha sorte, era meu.
Mordisquei sua bochecha e corri pelo quintal quando ele ameaçou fazer o mesmo. Aquilo era tão infantil, mas me fazia sentir tão bem!
Corremos por quase toda extensão do jardim, em torno da macieira e dos bancos com roseiras ao redor. Havia também uma estufa abandonada, com grama sintética não utilizada espalhada por todo canto juntamente com outras coisas sem utilidade para minha mãe.
- Tudo bem, eu me rendo! – Ergui os braços para o alto, ofegante. adentrou a estufa segundos depois transpirando.
- Ouvi bem? Está se rendendo? Poderia dizer um pouco mais alto? – jogou seu corpo contra o meu, fazendo com que caíssemos no chão, rindo.
- Eu disse que me rendo! Você é o vencedor. E eu nem lembro do quê! – Ri alto, perdendo o fôlego com o peso parcial de sobre mim. – Agora saia de cima de mim senão morrerei sufocada!
- Agora é a minha vez!
Seus dedos faziam cócegas em minha barriga e eu não conseguia falar nada, de tanto que ria. E eu não lembro quando foi que me senti tão viva daquela maneira.
Por fim, trocou os cutucões em minha costela por afagos gentis. E eu troquei os risos incessantes por um olhar terno. Ele deitou-se ao meu lado, e delicadamente, encostou seus lábios em meu queixo, subindo vagarosamente para meus lábios entreabertos.
passou um braço por baixo de meu pescoço, puxando-me para si juntamente com a mão que estava sob minha camisa, apertando minha cintura.
Eu sabia o que viria a seguir e não queria parar. Eu já tinha a certeza de que pertencia a ele, assim como ele pertencia a mim.
Éramos partes de um só. E nada poderia mudar aquilo.
- ... – Sussurrei, afastando minimamente seu rosto do meu.
- Me desculpe, me desculpe, não quis... – Silenciei suas desculpas com um beijo suave, sorrindo para seu semblante confuso, acariciando seus cabelos.
- Eu amo você.
E novamente o puxei para mim, sentindo mais urgência do que antes em nossos corpos.
- Pára por aí mesmo! – exclamou, erguendo um dedo no ar. – Não preciso de detalhes!
- E-eu não ia dar detalhes.
- Mas abriu a boca e provavelmente ia continuar. Fiquei com medo de como seus olhos estavam brilhando! – fez cara de pavor, agarrando o braço de , que se desvencilhou rolando os olhos.
- Fica quieto, ! – exclamou quando pensei em dizer o mesmo. Minhas bochechas queimavam. E eu não queria nem ver qual era a cor delas, naquele instante. – Continua, .
Suspirei, esquecendo que o final ainda não havia chegado. Pigarreei disfarçadamente, tentando me livrar do nó em minha garganta.
- Aquele show, o primeiro de vocês e o único em que eu compareci, - parei para exibir um sorriso tímido. – foi a última vez em que o vi.
- E...? – e indagaram ao mesmo tempo quando deixei a frase no ar. Apertei Sean em meu colo, beijando seus cabelos claros.
- Eu... Ele... Bem, nós tivemos uma discussão.
- E foi embora porque brigou com ele? – curvou as sobrancelhas, intrigado.
- Não, , não foi só por causa disso. Não pode ser só isso. – concluiu semicerrando seus olhos para mim. – Não é mesmo?
-Não. – Suspirei, resignada.
- O que foi então?
- Eu estava grávida.
Eu estava me sentindo como uma adolescente diante dos seus ídolos.
Claro que não era exatamente aquilo que estava acontecendo, mas acho que a sensação é a mesma. Meu coração vai sair a qualquer momento pela boca.
- E então, , qual vai ser? – estalou os dedos na minha frente, fazendo-me piscar os olhos repetidas vezes.
- Isso é tão confuso... – Balbuciei, olhando para os dois com um sorriso torto nos lábios. – Até dias atrás eu sequer pensava em encontrá-los novamente. E agora vocês estão aqui, depois de quase quatro anos...
- Foi muito tempo mesmo. – disse, concordando com a cabeça. – Mas só foi assim porque você quis.
- Por que você fugiu, ? – indagou num tom sentido. Havia certa magoa em seu olhar.
- Primeiro a história de vocês, depois a minha.
- Ah, qual é, ?! Sua chantagista de meia tigela! – Rimos todos juntos quando exclamou, pulando no sofá ao lado de . – Não abro minha boca enquanto VOCÊ não falar primeiro!
- Tudo bem, eu conto. – olhou indignado para , que deu de ombros com a expressão tranqüila. – Relaxa, , ela não está barganhando tempo para inventar uma desculpa mirabolante, não é mesmo, ?
- Claro que não. – Sorri para , um pouco mais acostumada com a presença de ambos.
- Certo, mas eu conto então!
Rolei os olhos juntamente com , que fez uma reverência engraçada para que prosseguisse.
- É uma história meio engraçada. Nós te procuramos por toda parte e por parte toda! No começo achamos que você tinha viajado com sua mãe, sei lá. – deu de ombros e eu engoli em seco. Aquelas seriam lembranças de outras pessoas de um passado que eu nunca me permitira recordar. – Mas depois do primeiro mês você não apareceu... Fomos até sua antiga casa e ela estava à venda. As nossas buscas ficaram meio bagunçadas quando começamos a ficar conhecidos, mas sempre que podíamos nós buscávamos alguma notícia sua com conhecidos nossos. Até quando fizemos nossa primeira turnê! Foi cômico!
- andava com uma foto sua no bolso. Parecíamos pais desesperados atrás de sua filha irresponsável fugitiva! – contou entre risos, arrancando um sorriso meu. – Tentamos ir à polícia, mas...
- , eu disse que ia contar! – exclamou e fingiu trancar a boca com um zíper. – Então, conforme os anos passavam, nós reforçávamos buscas anteriores. Myspace, Facebook, Twitter, lista telefônica... – ia falando enquanto enumerava nos dedos. – Foi uma busca e tanto! E mal podíamos imaginar que você estaria tão perto!
- É, nem tão perto assim, né. Foi uma viagem de uma hora até chegarmos aqui! – sacudiu as mãos no ar, dando seu toque dramático ao fato. rolou os olhos e eu apenas sorri. – Mas eu acho que foi tudo uma questão de estar no lugar certo, na hora certa.
- Por quê? – Quis saber, franzindo levemente minhas sobrancelhas.
- vive na casa de Margareth, e pelo que eu fiquei sabendo, já faz mais de um ano que ela cuida do Sean, não é? – perguntou e parecia pensativo. Concordei e Sean surgiu na sala com um CD nas mãos.
- Os tios são iguaizinhos aos moços do CD da mamãe! – Ele apontou para a capa do CD saltitante, olhando de mim para e , que exibiam um sorriso enorme nos rostos. Como é que ele tinha achado aquilo? Eu tinha o escondido tão bem... – Olha, mamãe, não parecem?!
- Deixe-me ver? – estendeu a mão para Sean, que tomou liberdade e pulou em seu colo, colocando o CD bem próximo ao seu rosto. – Oh, campeão, eu acho que sou mais bonito do que esse aí que você diz se parecer comigo!
- Tsc, tsc! – Sean agitou um dedo no ar, sorrindo para ele. – Você é velho, esse aqui é novinho.
explodiu em gargalhadas e tentou não rir também, mas logo todos nós estávamos rindo.
- Sean é um menino admirável. – admitiu assim que meu filho veio para o meu colo, trocando o CD pelos meus cabelos. Sean gostava de brincar com eles, não sei por quê. – Agora eu entendo por que falava tanto nele.
- Sean também gostou muito de . – Disse, sentindo um nó se formar em minha garganta. – E pelo visto de vocês também.
- Eu me pergunto como o reagiria se o conhecesse também...
Apenas de ouvir aquele nome todas as articulações de meu corpo responderam. Meu coração acelerou, as pontas dos dedos formigaram. Senti as bochechas esquentarem.
- Acho que agora é a sua vez de contar a história aqui, não é? – sugeriu assim que um silêncio estranho predominou.
Suspirei rapidamente antes de tomar uma grande quantidade de ar. Beijei os cabelos de Sean, sentindo seu perfume doce, tentando me acalmar. Sorri para o meu pequeno quando ele me afagou a ponta do nariz, sorrindo.
Fechei os olhos brevemente, deixando que as lembranças daquele dia voltassem à mente.
- Foi no último show de vocês... – Comecei, sentindo os olhares atentos de meus amigos presos em mim. – Mas eu preciso contar o que aconteceu antes.
[FLASHBACK]
Eu não havia me dado conta de que o tempo passara tão rápido depois que entrara na minha vida. Há pouco mais de um ano eu nunca achei que pudesse ser feliz em Londres, mas ele me provou o contrário. Não somente ele, mas como todos os amigos que ganhara. , , , .
Todos estavam do meu lado, e, mesmo que somente o soubesse de minhas diferenças com Elizabeth, de alguma maneira eles me confortavam. E não era preciso muito.
- Um beijo pelos seus pensamentos?
abraçou-me pela cintura, apoiando seu queixo em meu ombro. Virei meu rosto minimamente para o lado, apenas para olhá-lo pelo canto do olho. Encostei minha cabeça na sua, afagando gentilmente suas mãos.
Eu não sabia exatamente o que éramos. Namorados, é claro, mas, havia algo a mais. Mas soaria piegas demais dizer que éramos almas gêmeas.
Pensar na palavra namorado me fez soltar um riso baixo, apertando suas mãos delicadamente.
Estávamos juntos oficialmente há quase três meses, mas eu ainda sentia que estávamos começando naquele dia. me encantava com tão pouco! Tudo começou basicamente naquele dia na casa da árvore.
Engraçado pensar que, minha relação com os outros garotos também começou naquele dia.
O nosso primeiro beijo aconteceu no dia seguinte, quando novamente ele me surpreendeu na porta do colégio, com uma rosa vermelha em uma das mãos. Foi como se o tempo tivesse parado para nós dois, para aquele momento que ansiávamos há dias.
O contato com seus lábios era melhor do que eu imaginava.
E depois daquele dia, e eu passávamos o tempo todo juntos. Jeremy deixou de me levar ao colégio e era que estava me esperando no final do dia com aquele sorriso que fazia meu coração disparar.
Isso acontecia todos os dias.
Minha mãe não fez questão de entrar em detalhes e para mim também não fazia diferença alguma.
Eu estava feliz como há muito não me sentia.
E também estava feliz. E para mim era tudo o que importava naquele momento. Nós dois.
- Estava pensando em você. – Senti seus lábios tocarem a base de meu pescoço e arrepios correram pelo meu corpo como correntes elétricas.
- Pensando coisas boas?
- Sempre. – Sorri, virando-me de frente para ele, beijando a ponta de seu nariz, fazendo-o exibir uma careta engraçada. – E você, o que está fazendo aqui? Pensei que tivesse ido ensaiar com os meninos hoje.
- Melhor ficar com você. – Rolei os olhos, rindo. – Tudo bem, tudo bem, os dudes saíram e deixaram o ensaio para amanhã.
- Quer dizer que não estaria aqui se eles não tivessem compromisso? – Esbocei mágoa, me segurando para não rir.
- Não! ...
- Hei, acalme-se! Estou brincando, seu bobo! – Depositei um tapa fraco em seu ombro, beijando seus lábios em seguida. – Você sabe que eu te amo, não sabe?
- Assim como você sabe que eu amo você.
sussurrou em meu ouvido, laçando seus braços em torno de minha cintura. Eu deveria estar acostumada com seu toque, mas eu ainda não estava. Correntes elétricas corriam pelas minhas veias, distribuindo calor de forma irregular pelo corpo todo. Logo, senti a respiração pesar e as mãos formigarem. Borboletas causavam um alvoroço em meu estômago.
Era final de tarde e a cor rosada do crepúsculo tornava o jardim uma pintura viva. Os raios solares enfraquecidos batiam no rosto de , fazendo meu coração acelerar ainda mais com aquela visão deslumbrante. Ele era tão desejável... E pra minha sorte, era meu.
Mordisquei sua bochecha e corri pelo quintal quando ele ameaçou fazer o mesmo. Aquilo era tão infantil, mas me fazia sentir tão bem!
Corremos por quase toda extensão do jardim, em torno da macieira e dos bancos com roseiras ao redor. Havia também uma estufa abandonada, com grama sintética não utilizada espalhada por todo canto juntamente com outras coisas sem utilidade para minha mãe.
- Tudo bem, eu me rendo! – Ergui os braços para o alto, ofegante. adentrou a estufa segundos depois transpirando.
- Ouvi bem? Está se rendendo? Poderia dizer um pouco mais alto? – jogou seu corpo contra o meu, fazendo com que caíssemos no chão, rindo.
- Eu disse que me rendo! Você é o vencedor. E eu nem lembro do quê! – Ri alto, perdendo o fôlego com o peso parcial de sobre mim. – Agora saia de cima de mim senão morrerei sufocada!
- Agora é a minha vez!
Seus dedos faziam cócegas em minha barriga e eu não conseguia falar nada, de tanto que ria. E eu não lembro quando foi que me senti tão viva daquela maneira.
Por fim, trocou os cutucões em minha costela por afagos gentis. E eu troquei os risos incessantes por um olhar terno. Ele deitou-se ao meu lado, e delicadamente, encostou seus lábios em meu queixo, subindo vagarosamente para meus lábios entreabertos.
passou um braço por baixo de meu pescoço, puxando-me para si juntamente com a mão que estava sob minha camisa, apertando minha cintura.
Eu sabia o que viria a seguir e não queria parar. Eu já tinha a certeza de que pertencia a ele, assim como ele pertencia a mim.
Éramos partes de um só. E nada poderia mudar aquilo.
- ... – Sussurrei, afastando minimamente seu rosto do meu.
- Me desculpe, me desculpe, não quis... – Silenciei suas desculpas com um beijo suave, sorrindo para seu semblante confuso, acariciando seus cabelos.
- Eu amo você.
E novamente o puxei para mim, sentindo mais urgência do que antes em nossos corpos.
[/FLASHBACK]
- Pára por aí mesmo! – exclamou, erguendo um dedo no ar. – Não preciso de detalhes!
- E-eu não ia dar detalhes.
- Mas abriu a boca e provavelmente ia continuar. Fiquei com medo de como seus olhos estavam brilhando! – fez cara de pavor, agarrando o braço de , que se desvencilhou rolando os olhos.
- Fica quieto, ! – exclamou quando pensei em dizer o mesmo. Minhas bochechas queimavam. E eu não queria nem ver qual era a cor delas, naquele instante. – Continua, .
Suspirei, esquecendo que o final ainda não havia chegado. Pigarreei disfarçadamente, tentando me livrar do nó em minha garganta.
- Aquele show, o primeiro de vocês e o único em que eu compareci, - parei para exibir um sorriso tímido. – foi a última vez em que o vi.
- E...? – e indagaram ao mesmo tempo quando deixei a frase no ar. Apertei Sean em meu colo, beijando seus cabelos claros.
- Eu... Ele... Bem, nós tivemos uma discussão.
- E foi embora porque brigou com ele? – curvou as sobrancelhas, intrigado.
- Não, , não foi só por causa disso. Não pode ser só isso. – concluiu semicerrando seus olhos para mim. – Não é mesmo?
-Não. – Suspirei, resignada.
- O que foi então?
- Eu estava grávida.
Chapter Twelve
Afundei no sofá, suspirando entre o alívio e o pesar. Era mais doloroso do que eu me lembrava.
- Eu sinceramente pensei que ele fosse gostar. Claro que éramos jovens demais, mas, bem, nos amávamos, não era? – Sem que percebesse uma lágrima escorreu, caindo nos cabelos de Sean. – Foi nisso que eu me enganei. não disse nada quando contei que carregava um filho dele. Não disse nada. Apenas olhou para minha barriga ainda plana e deu as costas. Eu achei que ele fosse voltar depois que o susto passasse, eu também estava assustada, mas ele não voltou. E pra mim aquilo bastou para me provar que ele não estaria do meu lado quando eu precisasse. Porque quando eu realmente precisei, ele me deu as costas. Eu realmente queria dizer que ele não é o pai de uma criatura adorável como Sean, mas... Não posso. Sean é filho de .
Engoli toda a vontade de chorar, respirando fundo.
e não disseram uma só palavra. olhou fixamente para Sean, franzindo minimamente as sobrancelhas, formando ondas em sua testa.
- Foi por isso que eu fugi. De vocês, de casa, das lembranças. Não tive contato com mais ninguém, desde então. Nem com minha mãe, nem com ninguém mais. Não foi fácil, em nada. Em esquecer os únicos amigos que fiz aqui em Londres, em procurar um emprego, grávida e sozinha. Kyle foi o único que me deu um pingo de esperança depois de tudo...
- Kyle é tipo... Seu namorado? – perguntou, receoso. – Sean o chama de... Pai?
- Kyle é um grande amigo. E Sean não precisa de um pai.
- Tio Ky é muuuito legal. Eu gosto dele. Mas também gosto do tio . E de você e de você. – Sean se manifestou, apontando para e , sorrindo maroto. – Mamãe tem amigos legais. Mamãe, eles podem vir aqui em casa comer pantecas junto com o tio e o tio Ky?
- Pelo visto vejo que gostamos das panquecas da mamãe , hein Sean? – exclamou, fazendo com que Sean fosse correndo para o seu colo.
Aproveitando que toda a atenção de meu filho não estaria focada em mim e em minhas emoções, caminhei até a cozinha, enchendo um copo com água. Minhas mãos estavam trêmulas e minha mente fervilhava.
Tudo andava tão fora de ordem ultimamente...
Em silêncio, deixei que mais lágrimas escorressem pelo rosto.
- Eu sinto muito. – deixou uma mão em meu ombro, esticando os lábios num sorriso tristonho. – Não sei nem o que dizer.
- Tudo bem, . Eu só não sabia que doeria tanto dizer isso para alguém.
- Ele não...
- Não, não tente justificar o que ele fez, por favor. – Sequei as lágrimas, decidida a não chorar mais. Não pela mesma mágoa. Não novamente pelo mesmo motivo. Não pela dor da rejeição daquele que mais amei. – Não quero saber se existiu culpado ou não. O que aconteceu, aconteceu, e está no passado. E eu enterrei o passado, .
- Não totalmente. – Ele ergueu um ombro, sorrindo torto. – Nós estamos aqui. E não nos sujeitaremos a fazer parte do passado. Não agora que encontramos você, sua mula. Acredite, não te deixaremos em paz!
- Eu posso me acostumar com você. Com e . Mas, por favor, não me obrigue a encontrá-lo.
- Mas, ... Você não acha que é direito dele conhecer o filho? Não acha que é direito do seu filho conhecer o pai? Idiota, é claro, mas que ainda assim é pai?
- Por favor, não. Ele teve a oportunidade de ser pai, mas a ignorou. E isso vai permanecer assim.
- Mas, ...
- Chega, . Eu permito que vocês vejam Sean, porque são meus amigos e eu tenho a certeza de que ele não vai me deixar sossegada caso eu o proíba de ver . Mas não quero perto de mim ou dele. Não quero que ele faça parte dessa página em minha vida. Podemos lidar com isso, não é?
assentiu cabisbaixo, suspirando derrotado.
Sim, eu novamente seria egoísta, mas dessa vez, só com ele.
- Talvez, daqui um tempo, eu me arrependa e mude de idéia. Mas, enquanto a mágoa estiver viva dentro de mim, eu não vou conseguir.
- Você nunca conseguiu guardar raiva por tanto tempo...
- As pessoas mudam, .
- E por quanto tempo mais você vai sentir raiva, ? Algum dia pode ser tarde demais, depois.
- Eu sei. – Suspirei, abraçando aquele que sempre me ouvia com atenção. Um dos melhores amigos que já tivera naquela época, depois dele. – Eu sei...
Quando acordei, queria ter a sensação de que tudo fora um sonho, e nada mais.
Mas eu sabia que aquilo não aconteceria.
Naquela noite, aquele sonho que andava tendo há tanto tempo, revelou-se diferente depois que e deixaram minha casa, na noite anterior.
Praticamente, ele continua igual. Só com algumas diferenças. O rosto daquele que estava ao meu lado, vislumbrando Sean brincar na beira do mar, era o rosto de . Ele parecia maravilhado, extasiado, apaixonado.
E aquilo me fez desejar nunca mais ter sonhos. Porque era uma mentira. Desejos do meu subconsciente que nunca seriam verdade.
não me amava. Pelo menos, não me amou o suficiente.
Eu estava sendo ingrata e egoísta. Negando-me a perdoar aquele que me deu uma vida, que reconstruiu meu coração. Mas que o quebrou depois de tudo.
Por que as pessoas nos magoam com a mesma facilidade que encantam?
Mas talvez daquela maneira seria melhor. Sean não precisaria se decepcionar também, quando o visse e ainda achasse que aquilo tudo era um erro. Que Sean fora um erro.
Eu só não sabia como conseguiria evitá-lo caso decidisse retomar minha amizade com eles.
- Mamãe, vamos ao parque?
Saí de meus devaneios, fitando a face sempre risonha de Sean. Ele bebericava o leite em seu copo, olhando-me de esguelha.
Suspirei, pensando comigo mesma que Sean fazia pedidos inusitados em momentos inusitados.
Olhei para a janela, constatando que não chovia, mas também não fazia sol. Pensei em lhe propor um outro passeio, mas talvez ele precisasse se divertir um pouco. Não queria que aquele clima todo o afetasse também.
- Consegue terminar seu café sozinho enquanto eu me troco?
- Claaaaro, né, mamãe, eu sou um rapazinho já. – Ele rolou os olhos e eu ri. Ele havia herdado aquilo de mim ou aprendeu sozinho? – Os tios podem ir também?
- Acho que hoje não, meu amor. Hoje será um passeio só de nós dois, pode ser?
Sean abanou a cabeça em afirmativa, fazendo joinha com ambas as mãos. Beijei seus cabelos e os baguncei depois, seguindo para o quarto com o pensamento longe, longe.
Meus olhos estavam fixos em Sean, que corria com alguns amiguinhos que fizera minutos atrás. Por ser outono, o parquinho estava quase deserto, poucas mães corajosas – ou corujas, como eu – trouxeram seus filhos para brincar naquela manhã nublada de um domingo qualquer. Duas mulheres, um pouco mais velhas do que eu, estavam sentadas no banco mais a frente, conversando animadas entre si.
E foi os olhares curiosos e os cochichos dessas mulheres que me fizeram olhar para trás, na direção que elas apontavam discretamente e sorriam.
E o motivo pelo qual elas sorriam estava andando em minha direção, exibindo um largo sorriso para mim.
- Tiooooooooooooo ! – Ouvi Sean gritar ao longe, dando gritinhos animados enquanto corria até nós. acenou para Sean, e sentou-se ao meu lado no banco.
- Coisas inacreditáveis andam acontecendo por aqui, não? – Ele sorriu, fazendo-me esboçar um sorriso também.
- Nem me fale.
- e me contaram que te fizeram uma visita.
- Parecem duas velhas fofoqueiras.
riu, lançando a cabeça para trás. Sean pulou em seu pescoço, rindo divertido. De alguma maneira, aquela cena me cativou. Sean parecia tão feliz, assim como . Ambos sorriam enquanto trocavam algumas palavras.
- Fico contente que não tenha fugido de novo.
- Não posso fugir daquilo que sou para sempre, não é? – me olhou intrigado, não entendendo o que quis dizer. Rolei os olhos. – Quero dizer que vocês fazem parte da minha vida. Não posso fugir de vocês para sempre.
- Até porque vamos achar um meio de te encontrar. De novo. - Eu assenti, sabendo que era verdade. - Mas eu prefiro que não seja assim. Essa vida de Sherlock Holmes não é pra mim.
- E para garantir isso, andou me seguindo foi?
- Tô começando a gostar daquela frase ‘no lugar certo, no momento certo’. – Semicerrei meus olhos, fazendo-o suspirar derrotado. Exibiu um sorriu encabulado antes de continuar. – Eu estava indo até sua casa, na verdade.
- Já sabe onde eu moro, senhor ? - Arqueei uma sobrancelha, cutucando seu ombro.
Sorri quando ele gaguejou. Mas não foi como os outros sorrisos de dias anteriores. Era o sorriso típico de quando eu estava com ele. Com eles. Com meus amigos de verdade.
Era o sorriso de quem estava cedendo ao fato de que as barreiras que tentava impor não durariam por muito tempo.
E mais uma vez, eu não sabia se aquilo era bom ou ruim.
- Tudo bem, tudo bem, você me venceu, okay? – Ele ergueu as mãos pro ar, fazendo Sean erguer as suas também. – Eu tenho medo de não vê-la mais. De não ver mais o Sean.
- Eu já disse, , não vou pra lugar nenhum. – Afaguei sua mão, fazendo-o sorrir.
- O tio pode tomar café com a gente, em casa, mamãe?
- Eu tenho uma idéia melhor, campeão, por que não vamos à Starbucks comer uns muffins gostosos?
- O que são muffins?
- Uma coisa muito boa de comer. – disse enquanto o carregava em seu colo. Eu continuei estática, olhando os dois se afastarem. – E... Hei, , você não vem?
Meneei minha cabeça, aceitando sua mão estendida em minha direção, juntamente com os chamados de Sean.
A felicidade é um sentimento incompreensível. Eu tinha todos os motivos – um, na verdade – para acreditar que minha vida estaria arruinada dali em diante. Mas eu não conseguia enxergar a ameaça nisso, naquilo que estava acontecendo naquele momento.
Eu estava feliz por deixar que o passado voltasse ao presente.
Eu só não sabia se isso incluía .
- Eu sinceramente pensei que ele fosse gostar. Claro que éramos jovens demais, mas, bem, nos amávamos, não era? – Sem que percebesse uma lágrima escorreu, caindo nos cabelos de Sean. – Foi nisso que eu me enganei. não disse nada quando contei que carregava um filho dele. Não disse nada. Apenas olhou para minha barriga ainda plana e deu as costas. Eu achei que ele fosse voltar depois que o susto passasse, eu também estava assustada, mas ele não voltou. E pra mim aquilo bastou para me provar que ele não estaria do meu lado quando eu precisasse. Porque quando eu realmente precisei, ele me deu as costas. Eu realmente queria dizer que ele não é o pai de uma criatura adorável como Sean, mas... Não posso. Sean é filho de .
Engoli toda a vontade de chorar, respirando fundo.
e não disseram uma só palavra. olhou fixamente para Sean, franzindo minimamente as sobrancelhas, formando ondas em sua testa.
- Foi por isso que eu fugi. De vocês, de casa, das lembranças. Não tive contato com mais ninguém, desde então. Nem com minha mãe, nem com ninguém mais. Não foi fácil, em nada. Em esquecer os únicos amigos que fiz aqui em Londres, em procurar um emprego, grávida e sozinha. Kyle foi o único que me deu um pingo de esperança depois de tudo...
- Kyle é tipo... Seu namorado? – perguntou, receoso. – Sean o chama de... Pai?
- Kyle é um grande amigo. E Sean não precisa de um pai.
- Tio Ky é muuuito legal. Eu gosto dele. Mas também gosto do tio . E de você e de você. – Sean se manifestou, apontando para e , sorrindo maroto. – Mamãe tem amigos legais. Mamãe, eles podem vir aqui em casa comer pantecas junto com o tio e o tio Ky?
- Pelo visto vejo que gostamos das panquecas da mamãe , hein Sean? – exclamou, fazendo com que Sean fosse correndo para o seu colo.
Aproveitando que toda a atenção de meu filho não estaria focada em mim e em minhas emoções, caminhei até a cozinha, enchendo um copo com água. Minhas mãos estavam trêmulas e minha mente fervilhava.
Tudo andava tão fora de ordem ultimamente...
Em silêncio, deixei que mais lágrimas escorressem pelo rosto.
- Eu sinto muito. – deixou uma mão em meu ombro, esticando os lábios num sorriso tristonho. – Não sei nem o que dizer.
- Tudo bem, . Eu só não sabia que doeria tanto dizer isso para alguém.
- Ele não...
- Não, não tente justificar o que ele fez, por favor. – Sequei as lágrimas, decidida a não chorar mais. Não pela mesma mágoa. Não novamente pelo mesmo motivo. Não pela dor da rejeição daquele que mais amei. – Não quero saber se existiu culpado ou não. O que aconteceu, aconteceu, e está no passado. E eu enterrei o passado, .
- Não totalmente. – Ele ergueu um ombro, sorrindo torto. – Nós estamos aqui. E não nos sujeitaremos a fazer parte do passado. Não agora que encontramos você, sua mula. Acredite, não te deixaremos em paz!
- Eu posso me acostumar com você. Com e . Mas, por favor, não me obrigue a encontrá-lo.
- Mas, ... Você não acha que é direito dele conhecer o filho? Não acha que é direito do seu filho conhecer o pai? Idiota, é claro, mas que ainda assim é pai?
- Por favor, não. Ele teve a oportunidade de ser pai, mas a ignorou. E isso vai permanecer assim.
- Mas, ...
- Chega, . Eu permito que vocês vejam Sean, porque são meus amigos e eu tenho a certeza de que ele não vai me deixar sossegada caso eu o proíba de ver . Mas não quero perto de mim ou dele. Não quero que ele faça parte dessa página em minha vida. Podemos lidar com isso, não é?
assentiu cabisbaixo, suspirando derrotado.
Sim, eu novamente seria egoísta, mas dessa vez, só com ele.
- Talvez, daqui um tempo, eu me arrependa e mude de idéia. Mas, enquanto a mágoa estiver viva dentro de mim, eu não vou conseguir.
- Você nunca conseguiu guardar raiva por tanto tempo...
- As pessoas mudam, .
- E por quanto tempo mais você vai sentir raiva, ? Algum dia pode ser tarde demais, depois.
- Eu sei. – Suspirei, abraçando aquele que sempre me ouvia com atenção. Um dos melhores amigos que já tivera naquela época, depois dele. – Eu sei...
Quando acordei, queria ter a sensação de que tudo fora um sonho, e nada mais.
Mas eu sabia que aquilo não aconteceria.
Naquela noite, aquele sonho que andava tendo há tanto tempo, revelou-se diferente depois que e deixaram minha casa, na noite anterior.
Praticamente, ele continua igual. Só com algumas diferenças. O rosto daquele que estava ao meu lado, vislumbrando Sean brincar na beira do mar, era o rosto de . Ele parecia maravilhado, extasiado, apaixonado.
E aquilo me fez desejar nunca mais ter sonhos. Porque era uma mentira. Desejos do meu subconsciente que nunca seriam verdade.
não me amava. Pelo menos, não me amou o suficiente.
Eu estava sendo ingrata e egoísta. Negando-me a perdoar aquele que me deu uma vida, que reconstruiu meu coração. Mas que o quebrou depois de tudo.
Por que as pessoas nos magoam com a mesma facilidade que encantam?
Mas talvez daquela maneira seria melhor. Sean não precisaria se decepcionar também, quando o visse e ainda achasse que aquilo tudo era um erro. Que Sean fora um erro.
Eu só não sabia como conseguiria evitá-lo caso decidisse retomar minha amizade com eles.
- Mamãe, vamos ao parque?
Saí de meus devaneios, fitando a face sempre risonha de Sean. Ele bebericava o leite em seu copo, olhando-me de esguelha.
Suspirei, pensando comigo mesma que Sean fazia pedidos inusitados em momentos inusitados.
Olhei para a janela, constatando que não chovia, mas também não fazia sol. Pensei em lhe propor um outro passeio, mas talvez ele precisasse se divertir um pouco. Não queria que aquele clima todo o afetasse também.
- Consegue terminar seu café sozinho enquanto eu me troco?
- Claaaaro, né, mamãe, eu sou um rapazinho já. – Ele rolou os olhos e eu ri. Ele havia herdado aquilo de mim ou aprendeu sozinho? – Os tios podem ir também?
- Acho que hoje não, meu amor. Hoje será um passeio só de nós dois, pode ser?
Sean abanou a cabeça em afirmativa, fazendo joinha com ambas as mãos. Beijei seus cabelos e os baguncei depois, seguindo para o quarto com o pensamento longe, longe.
Meus olhos estavam fixos em Sean, que corria com alguns amiguinhos que fizera minutos atrás. Por ser outono, o parquinho estava quase deserto, poucas mães corajosas – ou corujas, como eu – trouxeram seus filhos para brincar naquela manhã nublada de um domingo qualquer. Duas mulheres, um pouco mais velhas do que eu, estavam sentadas no banco mais a frente, conversando animadas entre si.
E foi os olhares curiosos e os cochichos dessas mulheres que me fizeram olhar para trás, na direção que elas apontavam discretamente e sorriam.
E o motivo pelo qual elas sorriam estava andando em minha direção, exibindo um largo sorriso para mim.
- Tiooooooooooooo ! – Ouvi Sean gritar ao longe, dando gritinhos animados enquanto corria até nós. acenou para Sean, e sentou-se ao meu lado no banco.
- Coisas inacreditáveis andam acontecendo por aqui, não? – Ele sorriu, fazendo-me esboçar um sorriso também.
- Nem me fale.
- e me contaram que te fizeram uma visita.
- Parecem duas velhas fofoqueiras.
riu, lançando a cabeça para trás. Sean pulou em seu pescoço, rindo divertido. De alguma maneira, aquela cena me cativou. Sean parecia tão feliz, assim como . Ambos sorriam enquanto trocavam algumas palavras.
- Fico contente que não tenha fugido de novo.
- Não posso fugir daquilo que sou para sempre, não é? – me olhou intrigado, não entendendo o que quis dizer. Rolei os olhos. – Quero dizer que vocês fazem parte da minha vida. Não posso fugir de vocês para sempre.
- Até porque vamos achar um meio de te encontrar. De novo. - Eu assenti, sabendo que era verdade. - Mas eu prefiro que não seja assim. Essa vida de Sherlock Holmes não é pra mim.
- E para garantir isso, andou me seguindo foi?
- Tô começando a gostar daquela frase ‘no lugar certo, no momento certo’. – Semicerrei meus olhos, fazendo-o suspirar derrotado. Exibiu um sorriu encabulado antes de continuar. – Eu estava indo até sua casa, na verdade.
- Já sabe onde eu moro, senhor ? - Arqueei uma sobrancelha, cutucando seu ombro.
Sorri quando ele gaguejou. Mas não foi como os outros sorrisos de dias anteriores. Era o sorriso típico de quando eu estava com ele. Com eles. Com meus amigos de verdade.
Era o sorriso de quem estava cedendo ao fato de que as barreiras que tentava impor não durariam por muito tempo.
E mais uma vez, eu não sabia se aquilo era bom ou ruim.
- Tudo bem, tudo bem, você me venceu, okay? – Ele ergueu as mãos pro ar, fazendo Sean erguer as suas também. – Eu tenho medo de não vê-la mais. De não ver mais o Sean.
- Eu já disse, , não vou pra lugar nenhum. – Afaguei sua mão, fazendo-o sorrir.
- O tio pode tomar café com a gente, em casa, mamãe?
- Eu tenho uma idéia melhor, campeão, por que não vamos à Starbucks comer uns muffins gostosos?
- O que são muffins?
- Uma coisa muito boa de comer. – disse enquanto o carregava em seu colo. Eu continuei estática, olhando os dois se afastarem. – E... Hei, , você não vem?
Meneei minha cabeça, aceitando sua mão estendida em minha direção, juntamente com os chamados de Sean.
A felicidade é um sentimento incompreensível. Eu tinha todos os motivos – um, na verdade – para acreditar que minha vida estaria arruinada dali em diante. Mas eu não conseguia enxergar a ameaça nisso, naquilo que estava acontecendo naquele momento.
Eu estava feliz por deixar que o passado voltasse ao presente.
Eu só não sabia se isso incluía .
Chapter Thirteen
Eu estava me segurando ao máximo para não gargalhar no meio do metrô. Eu podia sentir minhas bochechas vermelhas, o ar se recusando a entrar pelas vias respiratórias enquanto me contentava em rir discretamente. Sean estava sentado em meu colo, alheio a minha crise de riso. Kyle não parecia tão contente assim.
O motivo real – e um tanto engraçado, no meu ponto de vista – era a revista de fofoca da semana quase sendo estrangulada pelos dedos de meu chefe. Kyle parecia abismado com o que lera ali, mas eu não conseguia parar de rir. De nervoso. E por achar aquilo muito bizarro, também.
Olhei mais uma vez o artigo, tentando ler tudo até o final antes de cair na risada.
“ROMANCE NO AR?”
“Nesse domingo (15) o integrante da banda McFly – – foi visto num café com uma bela mulher – (foi nessa parte que eu comecei a rir feito uma doida). Enquanto tomavam um delicioso café da tarde, conversavam e riam, ora ou outra trocando abraços e caricias timidamente. Ambos pareciam adolescentes apaixonados e nos resta uma única pergunta. Ou várias dela, por sinal: há quanto tempo os pombinhos se mantinham em segredo? Tempo o suficiente para gerar um filho (lindo, diga-se de passagem)? Bem, as respostas para as minhas e as suas dúvidas, teremos com o decorrer do tempo!”.
- Ai, meu Deus! – Eu soltei o ar juntamente com uma risada. – vai morrer quando ler isso!
Aquilo não era tão engraçado assim, mas eu não pude deixar de imaginar a cara de espanto dele ao ler aquilo. Era totalmente... Errado! Tirando aquela parte de que realmente era engraçado, fiquei um tanto preocupada. Não queria ser reconhecida na rua e quem sabe ser atacada por alguma fã neurótica psicótica. Existe muito dessas por aí, não é? E eu não queria muito menos que me ligassem como caso amoroso de . E muito menos ainda, que repórteres viessem me tirar o sossego por causa de um boato sem sentido.
Tudo bem, eu confesso que por algumas horas eu me esqueci que era famoso e agi como éramos antes. Sorridentes, brincalhões e melhores amigos.
- Isso me soa como uma história muito mal contada. – Kyle cerrou seus olhos para mim, ficando realmente sério, fazendo com que o sorriso esvaísse de meus lábios. Momentos assim entre Ky e eu eram raros. Bem, talvez nunca tenha acontecido antes de a minha vida dar uma guinada a rumo nenhum. – Mas muito mal contada mesmo!
- Acho que descemos nessa estação, não é? – Desconversei ao sentir o metro parar. Eu sabia que não fugiria daquele assunto mais tarde, mas por ora, estava bom. – Vamos, acho que vai chover!
E foi o que aconteceu, um pouco antes de estarmos seguros na casa de Kyle. Naquela sexta feira, nos demos uma folga do estúdio. Na verdade, Kyle resolvera que não trabalharia naquele dia e me arrastou consigo até o centro da cidade, para fazer algumas compras. O que eu não achei nem um pouco ruim. Do jeito que minha cabeça estava cheia, se não achasse algo para me distrair, acabaria enlouquecendo de vez. E fazer compras com Kyle era um bom programa, com certeza.
Mas em compensação, no final do dia, minhas pernas pareciam ter sido atropeladas por uma manada de mamutes. Sean não parecia nem um pouco afetado e parecia até mais elétrico do que pela manha. Kyle estava dividido entre Sean e eu. Não muito cansado, mas também não muito animado.
- Não sinto minhas pernas. – Reclamei, jogando-me no sofá. Sean deitou abaixo de mim, esparramando-se no tapete, entretido com o carrinho que Kyle lhe dera. – Estou ficando velha pra essas coisas.
- Minha nossa, não quero nem ver como você vai estar daqui cinco anos. E isso quer dizer que você não estará nem com trinta!
- Com trinta pretendo estar casada com um homem que suprirá todas minhas necessidades.
- Sua interesseira! Estou chocado!
- Não seja bobo, é claro que estou brincando! – Joguei a almofada de encontro ao seu rosto, do outro lado do sofá. Kyle a apanhou antes de tocar meu alvo, abraçando-a e tornando seu semblante sério. – Suas mudanças de humor me assustam.
- Você pode me contar agora o porquê de eu não saber que minha amiga conhece um dos integrantes da banda mais famosa de todo o Reino Unido E do mundo?
- Pensei que você tivesse esquecido. – Admiti decepcionada.
- Você sabe que pode confiar em mim. Não sabe?
- Eu sei, Ky. – Sorri ternamente, fazendo-o exibir um sorriso também. – É só que minha vida anda tão bagunçada ultimamente! São como nós numa linha invisível.
- Então vamos tentar desfazer um pouco desses nós. – Ele disse, sentando-se ao meu lado, fitando meus olhos com sinceridade.
- Você não vai desistir se eu não contar, não é? – Ele negou, e eu suspirei derrotada, tendo que relembrar aquele fato mais uma vez em menos de uma semana. – Foi como eu suspeitei. Bom...
E eu contei. Contei tudo, tudo que me veio na cabeça. Seguia a ordem dos acontecimentos e pacientemente retornava a um fato quando outro esquecido me ocorria.
Comecei contando como me sentia feliz quando papai estava vivo. Contei da sua morte num trágico acidente e de como Elizabeth mudou depois disso. De como ela destruiu a única lembrança que eu tinha dele, meu piano. Falei da nossa mudança de Nova York para Londres. Eu não esquecia nenhum detalhe. O cheiro que senti ao pisar pela primeira vez na minha antiga casa, a impressão que tive dela. Contei um pouco relutante, do dia em que tentei me matar e no qual ele me salvara. Demorei-me nos detalhes de quando vi seu rosto pela primeira vez, sentindo as entranhas arderem. Contei da briga com minha mãe por causa desse fato e de como ele me socorrera mais uma vez, no Mason’s. Contei do cheiro bom na casa da árvore, da amizade que surgira entre e eu. Com um sorriso saudoso nos lábios, contei de como conheci , e , ali mesmo quando descobrira que estava apaixonada por . Mencionei as músicas que eles compuseram ali, quase sempre com minha presença. Contei de como me parecia um sonho de tão lindo que era e de como ele me fazia sentir depois de tudo. Timidamente falei da nossa primeira vez, na velha estufa. E ao contrário de , Kyle me pediu detalhes que obviamente não dei. Com olhos marejados, citei o dia em que me pediu em namoro e por alguns segundos me perguntei se houve um sentimento verdadeiro em cada palavra que ele disse naquele dia. Contei de como me senti ao descobrir que estava grávida. Demorei alguns minutos para conseguir dizer, sem que a voz falhasse, o quanto doeu vê-lo dar as costas para mim e de que aquela fora a última vez que o vira, desde então. E que depois disso, eu passava longe de qualquer coisa que mencionasse o nome McFly. Mas confessei com um sorriso tímido que comprara o primeiro CD deles. Por fim, contei do sonho esquisito, da sensação que tivera antes de encontrar com , no dia em que levara Sean para o hospital. Contei da visita inesperada de e e do encontro no domingo que tentara fazer parecer coincidência, quando na verdade ele xeretara nos meus documentos e pegara meu endereço. E foi por causa daquilo – da minha bolsa que fora devolver – que fomos flagrados como um casal apaixonado.
- Nossa.
- Eu sei. – Sorri timidamente, olhando vagamente para baixo, deparando-me com um Sean vencido pelo sono no tapete extremamente macio de Kyle. – Eu também ficaria impressionada se me contassem algo assim.
- Ainda bem que você não é nenhuma stripper fugindo de um cafetão barra pesada! Eu teria de me livrar de você antes de virar petisco de cachorro!
- Seu amor por mim me emociona! – Consegui rir, um pouco menos aflita com toda aquela história. – Me desculpe.
- Por que está se desculpando?
- Por não ter te contado isso antes. Você foi o único que me acolheu nessa cidade desde que eu vim parar aqui. Não foi justo esconder o motivo de você.
- Você me contou agora, não é? E sei que deve ter sido doloroso. Se foi assim agora, imagine como você não estava no começo. Não sei por que, mas senti que você precisava de alguém quando veio me pedir emprego. E não no sentido homem e mulher. Até porque eu não poderia te ajudar, né? – Rimos juntos, entrelaçando nossas mãos num aperto firme. – Mas eu sabia que você precisava de um amigo de verdade.
- Você é um anjo que caiu do céu, Ky.
- Nossa. Isso soou bem mal intencionado. – Ele retorceu o nariz, entortando a boca. – Anjos caídos não são demônios? Sou seu inferno, então?
- Você consegue acabar com o clima. – Rolei os olhos, sorrindo. – Você entendeu o que eu quis dizer.
- Obrigado por confiar em mim para contar esse segredo de estado. Nossa! Imagino quantas menininhas estão tentando jogar um voodoo pra cima de você agora.
- Eu prefiro não pensar nisso. – Fiz uma careta, fingindo pavor. – Vou ter pesadelos à noite!
- Ainda bem que você vai dormir em casa. – Esperei que ele fizesse alguma piada sobre ele me salvar. – Também vou ter pesadelos só de pensar em espíritos malignos atrás de você!
Caí na risada, deixando para trás quaisquer resquícios de agonia sobre aquele dilema que se tornaram meus dias.
Por quanto tempo mais eu conseguiria fugir de uma coisa inevitável?
Eu tentaria pelo maior tempo possível. Não sei com que finalidade, afinal. Prolongar o inevitável só o tornava maior. E mais complicado. Cem vezes mais doloroso do que no princípio.
O motivo real – e um tanto engraçado, no meu ponto de vista – era a revista de fofoca da semana quase sendo estrangulada pelos dedos de meu chefe. Kyle parecia abismado com o que lera ali, mas eu não conseguia parar de rir. De nervoso. E por achar aquilo muito bizarro, também.
Olhei mais uma vez o artigo, tentando ler tudo até o final antes de cair na risada.
“ROMANCE NO AR?”
“Nesse domingo (15) o integrante da banda McFly – – foi visto num café com uma bela mulher – (foi nessa parte que eu comecei a rir feito uma doida). Enquanto tomavam um delicioso café da tarde, conversavam e riam, ora ou outra trocando abraços e caricias timidamente. Ambos pareciam adolescentes apaixonados e nos resta uma única pergunta. Ou várias dela, por sinal: há quanto tempo os pombinhos se mantinham em segredo? Tempo o suficiente para gerar um filho (lindo, diga-se de passagem)? Bem, as respostas para as minhas e as suas dúvidas, teremos com o decorrer do tempo!”.
- Ai, meu Deus! – Eu soltei o ar juntamente com uma risada. – vai morrer quando ler isso!
Aquilo não era tão engraçado assim, mas eu não pude deixar de imaginar a cara de espanto dele ao ler aquilo. Era totalmente... Errado! Tirando aquela parte de que realmente era engraçado, fiquei um tanto preocupada. Não queria ser reconhecida na rua e quem sabe ser atacada por alguma fã neurótica psicótica. Existe muito dessas por aí, não é? E eu não queria muito menos que me ligassem como caso amoroso de . E muito menos ainda, que repórteres viessem me tirar o sossego por causa de um boato sem sentido.
Tudo bem, eu confesso que por algumas horas eu me esqueci que era famoso e agi como éramos antes. Sorridentes, brincalhões e melhores amigos.
- Isso me soa como uma história muito mal contada. – Kyle cerrou seus olhos para mim, ficando realmente sério, fazendo com que o sorriso esvaísse de meus lábios. Momentos assim entre Ky e eu eram raros. Bem, talvez nunca tenha acontecido antes de a minha vida dar uma guinada a rumo nenhum. – Mas muito mal contada mesmo!
- Acho que descemos nessa estação, não é? – Desconversei ao sentir o metro parar. Eu sabia que não fugiria daquele assunto mais tarde, mas por ora, estava bom. – Vamos, acho que vai chover!
E foi o que aconteceu, um pouco antes de estarmos seguros na casa de Kyle. Naquela sexta feira, nos demos uma folga do estúdio. Na verdade, Kyle resolvera que não trabalharia naquele dia e me arrastou consigo até o centro da cidade, para fazer algumas compras. O que eu não achei nem um pouco ruim. Do jeito que minha cabeça estava cheia, se não achasse algo para me distrair, acabaria enlouquecendo de vez. E fazer compras com Kyle era um bom programa, com certeza.
Mas em compensação, no final do dia, minhas pernas pareciam ter sido atropeladas por uma manada de mamutes. Sean não parecia nem um pouco afetado e parecia até mais elétrico do que pela manha. Kyle estava dividido entre Sean e eu. Não muito cansado, mas também não muito animado.
- Não sinto minhas pernas. – Reclamei, jogando-me no sofá. Sean deitou abaixo de mim, esparramando-se no tapete, entretido com o carrinho que Kyle lhe dera. – Estou ficando velha pra essas coisas.
- Minha nossa, não quero nem ver como você vai estar daqui cinco anos. E isso quer dizer que você não estará nem com trinta!
- Com trinta pretendo estar casada com um homem que suprirá todas minhas necessidades.
- Sua interesseira! Estou chocado!
- Não seja bobo, é claro que estou brincando! – Joguei a almofada de encontro ao seu rosto, do outro lado do sofá. Kyle a apanhou antes de tocar meu alvo, abraçando-a e tornando seu semblante sério. – Suas mudanças de humor me assustam.
- Você pode me contar agora o porquê de eu não saber que minha amiga conhece um dos integrantes da banda mais famosa de todo o Reino Unido E do mundo?
- Pensei que você tivesse esquecido. – Admiti decepcionada.
- Você sabe que pode confiar em mim. Não sabe?
- Eu sei, Ky. – Sorri ternamente, fazendo-o exibir um sorriso também. – É só que minha vida anda tão bagunçada ultimamente! São como nós numa linha invisível.
- Então vamos tentar desfazer um pouco desses nós. – Ele disse, sentando-se ao meu lado, fitando meus olhos com sinceridade.
- Você não vai desistir se eu não contar, não é? – Ele negou, e eu suspirei derrotada, tendo que relembrar aquele fato mais uma vez em menos de uma semana. – Foi como eu suspeitei. Bom...
E eu contei. Contei tudo, tudo que me veio na cabeça. Seguia a ordem dos acontecimentos e pacientemente retornava a um fato quando outro esquecido me ocorria.
Comecei contando como me sentia feliz quando papai estava vivo. Contei da sua morte num trágico acidente e de como Elizabeth mudou depois disso. De como ela destruiu a única lembrança que eu tinha dele, meu piano. Falei da nossa mudança de Nova York para Londres. Eu não esquecia nenhum detalhe. O cheiro que senti ao pisar pela primeira vez na minha antiga casa, a impressão que tive dela. Contei um pouco relutante, do dia em que tentei me matar e no qual ele me salvara. Demorei-me nos detalhes de quando vi seu rosto pela primeira vez, sentindo as entranhas arderem. Contei da briga com minha mãe por causa desse fato e de como ele me socorrera mais uma vez, no Mason’s. Contei do cheiro bom na casa da árvore, da amizade que surgira entre e eu. Com um sorriso saudoso nos lábios, contei de como conheci , e , ali mesmo quando descobrira que estava apaixonada por . Mencionei as músicas que eles compuseram ali, quase sempre com minha presença. Contei de como me parecia um sonho de tão lindo que era e de como ele me fazia sentir depois de tudo. Timidamente falei da nossa primeira vez, na velha estufa. E ao contrário de , Kyle me pediu detalhes que obviamente não dei. Com olhos marejados, citei o dia em que me pediu em namoro e por alguns segundos me perguntei se houve um sentimento verdadeiro em cada palavra que ele disse naquele dia. Contei de como me senti ao descobrir que estava grávida. Demorei alguns minutos para conseguir dizer, sem que a voz falhasse, o quanto doeu vê-lo dar as costas para mim e de que aquela fora a última vez que o vira, desde então. E que depois disso, eu passava longe de qualquer coisa que mencionasse o nome McFly. Mas confessei com um sorriso tímido que comprara o primeiro CD deles. Por fim, contei do sonho esquisito, da sensação que tivera antes de encontrar com , no dia em que levara Sean para o hospital. Contei da visita inesperada de e e do encontro no domingo que tentara fazer parecer coincidência, quando na verdade ele xeretara nos meus documentos e pegara meu endereço. E foi por causa daquilo – da minha bolsa que fora devolver – que fomos flagrados como um casal apaixonado.
- Nossa.
- Eu sei. – Sorri timidamente, olhando vagamente para baixo, deparando-me com um Sean vencido pelo sono no tapete extremamente macio de Kyle. – Eu também ficaria impressionada se me contassem algo assim.
- Ainda bem que você não é nenhuma stripper fugindo de um cafetão barra pesada! Eu teria de me livrar de você antes de virar petisco de cachorro!
- Seu amor por mim me emociona! – Consegui rir, um pouco menos aflita com toda aquela história. – Me desculpe.
- Por que está se desculpando?
- Por não ter te contado isso antes. Você foi o único que me acolheu nessa cidade desde que eu vim parar aqui. Não foi justo esconder o motivo de você.
- Você me contou agora, não é? E sei que deve ter sido doloroso. Se foi assim agora, imagine como você não estava no começo. Não sei por que, mas senti que você precisava de alguém quando veio me pedir emprego. E não no sentido homem e mulher. Até porque eu não poderia te ajudar, né? – Rimos juntos, entrelaçando nossas mãos num aperto firme. – Mas eu sabia que você precisava de um amigo de verdade.
- Você é um anjo que caiu do céu, Ky.
- Nossa. Isso soou bem mal intencionado. – Ele retorceu o nariz, entortando a boca. – Anjos caídos não são demônios? Sou seu inferno, então?
- Você consegue acabar com o clima. – Rolei os olhos, sorrindo. – Você entendeu o que eu quis dizer.
- Obrigado por confiar em mim para contar esse segredo de estado. Nossa! Imagino quantas menininhas estão tentando jogar um voodoo pra cima de você agora.
- Eu prefiro não pensar nisso. – Fiz uma careta, fingindo pavor. – Vou ter pesadelos à noite!
- Ainda bem que você vai dormir em casa. – Esperei que ele fizesse alguma piada sobre ele me salvar. – Também vou ter pesadelos só de pensar em espíritos malignos atrás de você!
Caí na risada, deixando para trás quaisquer resquícios de agonia sobre aquele dilema que se tornaram meus dias.
Por quanto tempo mais eu conseguiria fugir de uma coisa inevitável?
Eu tentaria pelo maior tempo possível. Não sei com que finalidade, afinal. Prolongar o inevitável só o tornava maior. E mais complicado. Cem vezes mais doloroso do que no princípio.
Chapter Fourteen
Sábado. Sete horas da manhã. E eu pretendia ficar na cama até depois das nove, mas duas pestinhas decidiram que era um ótimo dia para me tirarem da cama com cócegas.
- Meu Deus, nunca mais vou deixar vocês tomarem tanto cappuccino antes de dormir! Pra que tanta animação?
- O dia tá gostoso! – Sean cantarolou, abraçando minha cabeça numa tentativa atrapalhada de se agarrar em meu pescoço. – Happy Bday do Sean tá chegando!
Com os olhos divididos entre abrir e fechar, espiei pela fresta da persiana do quarto de Kyle, encontrando um pedaço extremamente azul do céu.
- O dia esta azul hoje. – Concluí sonolenta. – Mas eu gosto do cinza...
- Chega de tons de cinza na sua vida por um tempo, né, querida? – Kyle bufou, arrancando os edredons de cima de meu corpo, provocando um leve choque térmico que me fez estremecer. – O que acham de darmos uma volta pelo shopping?
- Kyle, são sete horas da manhã. – Rolei os olhos fraquinho, cheia de sono, puxando as cobertas para cima de mim novamente. – O shopping só abre depois das dez.
- Que tédio! – Kyle exclamou sendo acompanhado de Sean.
- Por que não vão dar uma volta? Gastar um pouco dessa energia fará um bem enorme pra vocês dois.
- E você vai ficar aqui sozinha?
- Eu vou ficar bem. Aliás, como eu não tomei tanto café assim antes de dormir, não estou no mesmo pique que vocês. Vou aproveitar que sua cama é extremamente convidativa e lhe fazer companhia até vocês voltarem.
- Preguiçosa. – Kyle deu a língua, mas saindo animado do quarto com Sean agarrado em suas pernas.
Fechei os olhos e voltei a beirar um cochilo, não muito longe da realidade, sendo capaz de ouvir Kyle gritar avisando que estava saindo e murmurar alguma coisa em resposta. Mas o sono não voltou como deveria. Eu me sentia sonolenta, mas o fato de estar com os olhos fechados não me fez dormir. Imagens passavam de segundos em segundos na minha cabeça, como flashes de uma câmera que insistia em dizer: Hei, você não pode fugir disso para sempre!
Do sorriso de que inevitavelmente traçava o sorriso de Sean. O mesmo tom em seus olhos. As manias que por mais que não fossem as mesmas, me faziam sorrir debilmente.
Ele nunca esteve longe de mim. Não aquela parte que também tinha um pedaço de mim.
Eu só queria saber se o passado e o presente juntos teriam algum futuro.
Provavelmente não.
Onde cabia com certeza não suportaria a mim no mesmo ambiente.
Porque eu era egoísta e orgulhosa.
Deixei o ar fugir lentamente de meus pulmões, aceitando o fato de que voltar a dormir não seria possível naquelas alturas. Deixei a king size de Kyle, que já não me parecia mais tão confortável, e vesti seu suéter amarelo mostarda, seguindo para a cozinha para caçar meu café da manhã. O que não seria muito difícil. Kyle estava sempre estocado com cereais.
O silêncio era um pouco incômodo numa casa que não era minha, portanto, enquanto enchia um vasilhame com cereais e leite, deixei a televisão ligada em um canal qualquer. Apenas para ouvir o chiado se propagar no ar, fazendo-me companhia.
Acho que o sono viera com os cereais coloridos de Kyle e só percebi que estava dormindo quando fui acordada pelo mesmo. Sean logo apareceu em meu campo de visão, estendendo-me o broto de uma flor que não desabrochara ainda.
- Para minha mamãe linda! – Sean beijou a flor e me entregou, sorrindo gentil. Devolvi o beijo na ponta de seu nariz. – Podemos ir pra casa agora?
Olhei para meu relógio. Dez horas. Sean parecia inquieto e sorria de orelha a orelha, e só então reparei na faceta risonha de Kyle também. Pareciam cúmplices em alguma traquinagem.
- O que andaram aprontando? – Questionei, franzindo as sobrancelhas. – Meu faro de mamãe diz que alguém aprontou alguma travessura.
- Ah, tudo bem, eu confesso! – Kyle ergueu as mãos, entortando os lábios. – Eu dei a idéia!
- Do quê?
- Sean e eu estamos de acordo que você precisa se divertir. – Sean agitou a cabeça rapidamente em afirmativa. – Então, eu dei a idéia dele passar uma noite na casa de Margareth, - Sean deu um cutucão no quadril de Kyle, fazendo uma careta zangada. Kyle rolou os olhos para ele e por alguns segundos pareciam duas crianças. – tudo bem, na casa do tio para que eu pudesse te levar a um lugar muito legal.
- Pra requebrar o bumbum. – Sean riu, ensaiando uma dança com as mãos na cintura. – Tio Ky que disse.
Sentei-me no sofá, cruzando as pernas enquanto olhava de Kyle para Sean, que ainda dançava desajeitado, mas de uma maneira muito fofa. Mãe babona é tudo a mesma coisa. Mordisquei o lábio inferior, realmente considerando aquela idéia.
Há quanto tempo eu não me distraía um pouco? Não que eu considerasse isso extremamente necessário, mas seria bom. Principalmente naquele momento.
- Acho que pode ser uma boa idéia. – Murmurei, fazendo com que Sean e Kyle soltassem gritinhos animados. – Mas tem certeza de que quer dormir na casa do , meu amor? Você nunca dormiu sozinho antes!
- Ah, mamãe, Sean é um homem já. – Ele disse, fazendo uma cara muito séria. – E o tio é muito legal. Eu quero muito, muito dormir lá!
- Bem, primeiro vamos ver se ele pode ficar com você.
Seria a mesma coisa que oferecer doce pra formiga. Eu não sabia quem estava mais entusiasmado. e Sean ficaram longos minutos no telefone fazendo planos. Jogar video-game, comer porcaria e andar de cuecas pela casa.
Esses tipos de coisas que só poderiam vir do .
Combinamos o horário em que eu o deixaria lá, e me fez prometer que o deixaria lá até quando eles quisessem. E isso se resumia basicamente em deixar meu filho de três anos sob sua total responsabilidade pelo domingo inteiro. Para fazer coisas de macho. Claro. Posso imaginar Sean voltando pra casa com novas manias adotadas de . Aquilo me fez rir abertamente para o telefone, enquanto me despedia dele.
Depois disso, Sean parecia ter ingerido todo o açúcar do mundo. Fazia e desfazia sua pequena mala, em um momento achando apropriado levar seus carrinhos e no outro somente seus DVDs. Quando cansou de revirar sua gaveta atrás das roupas que levaria – Sean parecia estar se preparando para uma longa viagem e sequer me deixava ajudá-lo a escolher o que levar – remexia em seu baú atrás de brinquedos legais. Murmurava consigo mesmo que queria que visse sua coleção de soldadinhos de guerra.
Eu assistia sua euforia toda à espreita, deliciando-me com sua alegria.
E eu não podia dizer que estava insegura em deixar Sean com . Apesar de serelepe, Sean não era daqueles que davam muito trabalho. Não daqueles de deixar o coração prestes a enfartar.
- E então, pronto para sua primeira noite fora de casa? – Apoiei-me no batente da porta, vendo-o assentir sorridente.
Kyle nos esperava dentro de seu carro, cantando entusiasmado o som de Lady Gaga. Sean e eu rimos ao nos depararmos com essa cena. Expliquei para ele como chegar até a casa de , esperando que o próprio tivesse passado as coordenadas corretas. não tinha muito senso de direção... O carro parecia uma pista de dança. Kyle e Sean balançavam as partes livres do corpo, cantando mais alto do que a própria música. Eu só conseguia rir.
Foi fácil identificar a casa de . Não que ela fosse diferente das casas vizinhas, mas por reconhecer o carro que semanas atrás me apavorara. Kyle estacionara seu carro no meio fio, deixando Sean impaciente com a demora para parar por completo. Dois toques na buzina e logo a silhueta de apareceu na porta.
- Ele é mesmo bonito. – Kyle sussurrou para mim, fazendo-me rolar os olhos. – Dê um beijo nele por mim.
- Pervertido! – Mostrei-lhe a língua, fazendo-o rir. Despediu-se de Sean, que desafivelava o cinto desesperadamente. – Hei, até parece que está ansioso para se livrar de mim!
- Não ‘guento mais a Gaga. – Sean disse ainda preocupado com o cinto em volta de sua cintura. – Ajuda, mamãe!
Desci do carro, me ajeitando o máximo que pude no abraço repentino – e desengonçado – de . Eu sabia que naquele exato momento Kyle estava exibindo um sorriso malicioso. Ele ficou com essa mania depois de ler o artigo no jornal. O que me fez lembrar que eu ainda não perguntara a se ele vira aquilo.
- Parece que faz anos que eu não te vejo! – Ele murmurou, separando-se de mim e segurando-me pelos ombros. – Mas espera, realmente faz anos que eu não te vejo!
- Você diz como se essa fosse a primeira vez que me vê depois de anos. – Rolei os olhos, fazendo-o gargalhar. – Vamos socorrer Sean antes que ele tenha uma crise de ansiedade.
assentiu, abrindo a porta traseira com um grande sorriso sapeca nos lábios. Sean estendeu os braços, como se pedisse para livrá-lo logo daquele cinto que o mantinha preso dentro do carro e longe da diversão. Assim que se sentiu solto, pulou no pescoço de , rindo. Entregou sua pequena bolsa para ele, descendo do carro e correndo até minhas pernas.
- Você está super linda mamãe! – Ele disse, apertando-me com toda sua força.
- É mesmo. – disse, dando-se conta das minhas roupas naquele momento. Senti o rosto esquentar levemente. – Para onde vai? – Olhou para o carro e então se lembrou de cumprimentar rapidamente Kyle. Ele não vai dormir essa noite. Pensei comigo mesma enquanto abria um sorriso torto. – Ele é seu namorado?
- Não, é meu chefe. – Sussurrei de volta, torcendo o nariz numa careta irônica. – Mas às vezes ele quebra um galho.
arregalou os olhos, fazendo-me lançar a cabeça para trás e rir.
- O que é engraçado? – Ele perguntou, parecendo levemente irritado. Sean pulava ao nosso redor.
- Você tinha que ver sua cara, ! – Ele rolou os olhos, não demorando a se desfazer da cara de espanto e esboçando um sorriso mínimo. – Kyle é meu amigo, nós vamos a um pub chamado ‘Lothus’.
- No Lothus? – exibiu um sorriso torto, arqueando uma sobrancelha rapidamente.
- É, no Lothus. Conhece?
- Ahn, não. Quer dizer, não pessoalmente... – Ele parecia divertido com alguma coisa. – Mas ouvi dizer que é bom.
Alguma coisa, que eu não consegui captar a tempo, brilhou nos olhos de . Espero que Kyle não esteja me colocando numa enrascada. Sorri para ele, deixando de lado o que quer que tenha sido aquele sorrisinho afetado. Sean beijou-me demoradamente sendo imitado por , que se despediu depois das minhas breves recomendações.
De volta ao carro, Kyle não parou de falar em como era lindo, simpático e másculo.
Aquilo estava longe de ser um pub qualquer.
Os tons de laranja mesclado com vermelho tingiam todas as paredes, que subiam altas até o teto. A música, por mais que eu não soubesse identificar qual era, soava agradável aos meus ouvidos e ao meu corpo, que instantaneamente sentiu vontade de acompanhar a batida.
Eu estava à vontade num lugar completamente exótico.
- Vamos beber alguma coisa? – Kyle propôs no que eu concordei imediatamente. – Tem uma bebida de cor estranha que é simplesmente divina!
- Bebida de cor estranha? – Ri enquanto caminhávamos até o bar, onde uma grande flor de lótus cintilava em meio às cores escuras. Pareciam imagens de um sonho. – Eu tô dentro!
A cor era realmente estranha. Variava de rosa para azul, como se as duas cores dançassem dentro do copo. Mas a sensação era boa. Refrescante, até. Bem, pelo menos não queimava como a tequila e nem arranhava como a cerveja. Eu não gostava de cerveja.
Depois do terceiro copo, Kyle alegou que estávamos soltos o bastante para irmos até a pista de dança. Como se ele precisasse de álcool para se desinibir, ao contrário de mim. Mas eu realmente me sentia livre. Desejando apenas viver aquele momento, esquecendo por aquela noite, o maior de todos os meus desassossegos.
E ele tinha nome e sobrenome combinado por um lindo par de olhos .
Olhos esses que surpreendentemente se materializaram na minha frente segundos depois de ter esbarrado em suas costas.
Eu sabia que não deveria beber. Não estava acostumada e já estava tendo alucinações.
Mas alucinações possuem braços fortes e ainda por cima cheiram tão provocantemente bem?
- Me desc... – Ele apertou seus olhos, aproximando-se minimamente. – ?
- O-oi, .
É nessa hora em que as coisas deixam de fazer sentido e me dou conta de que não posso – e não consigo – fugir de seu olhar?
- Meu Deus, nunca mais vou deixar vocês tomarem tanto cappuccino antes de dormir! Pra que tanta animação?
- O dia tá gostoso! – Sean cantarolou, abraçando minha cabeça numa tentativa atrapalhada de se agarrar em meu pescoço. – Happy Bday do Sean tá chegando!
Com os olhos divididos entre abrir e fechar, espiei pela fresta da persiana do quarto de Kyle, encontrando um pedaço extremamente azul do céu.
- O dia esta azul hoje. – Concluí sonolenta. – Mas eu gosto do cinza...
- Chega de tons de cinza na sua vida por um tempo, né, querida? – Kyle bufou, arrancando os edredons de cima de meu corpo, provocando um leve choque térmico que me fez estremecer. – O que acham de darmos uma volta pelo shopping?
- Kyle, são sete horas da manhã. – Rolei os olhos fraquinho, cheia de sono, puxando as cobertas para cima de mim novamente. – O shopping só abre depois das dez.
- Que tédio! – Kyle exclamou sendo acompanhado de Sean.
- Por que não vão dar uma volta? Gastar um pouco dessa energia fará um bem enorme pra vocês dois.
- E você vai ficar aqui sozinha?
- Eu vou ficar bem. Aliás, como eu não tomei tanto café assim antes de dormir, não estou no mesmo pique que vocês. Vou aproveitar que sua cama é extremamente convidativa e lhe fazer companhia até vocês voltarem.
- Preguiçosa. – Kyle deu a língua, mas saindo animado do quarto com Sean agarrado em suas pernas.
Fechei os olhos e voltei a beirar um cochilo, não muito longe da realidade, sendo capaz de ouvir Kyle gritar avisando que estava saindo e murmurar alguma coisa em resposta. Mas o sono não voltou como deveria. Eu me sentia sonolenta, mas o fato de estar com os olhos fechados não me fez dormir. Imagens passavam de segundos em segundos na minha cabeça, como flashes de uma câmera que insistia em dizer: Hei, você não pode fugir disso para sempre!
Do sorriso de que inevitavelmente traçava o sorriso de Sean. O mesmo tom em seus olhos. As manias que por mais que não fossem as mesmas, me faziam sorrir debilmente.
Ele nunca esteve longe de mim. Não aquela parte que também tinha um pedaço de mim.
Eu só queria saber se o passado e o presente juntos teriam algum futuro.
Provavelmente não.
Onde cabia com certeza não suportaria a mim no mesmo ambiente.
Porque eu era egoísta e orgulhosa.
Deixei o ar fugir lentamente de meus pulmões, aceitando o fato de que voltar a dormir não seria possível naquelas alturas. Deixei a king size de Kyle, que já não me parecia mais tão confortável, e vesti seu suéter amarelo mostarda, seguindo para a cozinha para caçar meu café da manhã. O que não seria muito difícil. Kyle estava sempre estocado com cereais.
O silêncio era um pouco incômodo numa casa que não era minha, portanto, enquanto enchia um vasilhame com cereais e leite, deixei a televisão ligada em um canal qualquer. Apenas para ouvir o chiado se propagar no ar, fazendo-me companhia.
Acho que o sono viera com os cereais coloridos de Kyle e só percebi que estava dormindo quando fui acordada pelo mesmo. Sean logo apareceu em meu campo de visão, estendendo-me o broto de uma flor que não desabrochara ainda.
- Para minha mamãe linda! – Sean beijou a flor e me entregou, sorrindo gentil. Devolvi o beijo na ponta de seu nariz. – Podemos ir pra casa agora?
Olhei para meu relógio. Dez horas. Sean parecia inquieto e sorria de orelha a orelha, e só então reparei na faceta risonha de Kyle também. Pareciam cúmplices em alguma traquinagem.
- O que andaram aprontando? – Questionei, franzindo as sobrancelhas. – Meu faro de mamãe diz que alguém aprontou alguma travessura.
- Ah, tudo bem, eu confesso! – Kyle ergueu as mãos, entortando os lábios. – Eu dei a idéia!
- Do quê?
- Sean e eu estamos de acordo que você precisa se divertir. – Sean agitou a cabeça rapidamente em afirmativa. – Então, eu dei a idéia dele passar uma noite na casa de Margareth, - Sean deu um cutucão no quadril de Kyle, fazendo uma careta zangada. Kyle rolou os olhos para ele e por alguns segundos pareciam duas crianças. – tudo bem, na casa do tio para que eu pudesse te levar a um lugar muito legal.
- Pra requebrar o bumbum. – Sean riu, ensaiando uma dança com as mãos na cintura. – Tio Ky que disse.
Sentei-me no sofá, cruzando as pernas enquanto olhava de Kyle para Sean, que ainda dançava desajeitado, mas de uma maneira muito fofa. Mãe babona é tudo a mesma coisa. Mordisquei o lábio inferior, realmente considerando aquela idéia.
Há quanto tempo eu não me distraía um pouco? Não que eu considerasse isso extremamente necessário, mas seria bom. Principalmente naquele momento.
- Acho que pode ser uma boa idéia. – Murmurei, fazendo com que Sean e Kyle soltassem gritinhos animados. – Mas tem certeza de que quer dormir na casa do , meu amor? Você nunca dormiu sozinho antes!
- Ah, mamãe, Sean é um homem já. – Ele disse, fazendo uma cara muito séria. – E o tio é muito legal. Eu quero muito, muito dormir lá!
- Bem, primeiro vamos ver se ele pode ficar com você.
Seria a mesma coisa que oferecer doce pra formiga. Eu não sabia quem estava mais entusiasmado. e Sean ficaram longos minutos no telefone fazendo planos. Jogar video-game, comer porcaria e andar de cuecas pela casa.
Esses tipos de coisas que só poderiam vir do .
Combinamos o horário em que eu o deixaria lá, e me fez prometer que o deixaria lá até quando eles quisessem. E isso se resumia basicamente em deixar meu filho de três anos sob sua total responsabilidade pelo domingo inteiro. Para fazer coisas de macho. Claro. Posso imaginar Sean voltando pra casa com novas manias adotadas de . Aquilo me fez rir abertamente para o telefone, enquanto me despedia dele.
Depois disso, Sean parecia ter ingerido todo o açúcar do mundo. Fazia e desfazia sua pequena mala, em um momento achando apropriado levar seus carrinhos e no outro somente seus DVDs. Quando cansou de revirar sua gaveta atrás das roupas que levaria – Sean parecia estar se preparando para uma longa viagem e sequer me deixava ajudá-lo a escolher o que levar – remexia em seu baú atrás de brinquedos legais. Murmurava consigo mesmo que queria que visse sua coleção de soldadinhos de guerra.
Eu assistia sua euforia toda à espreita, deliciando-me com sua alegria.
E eu não podia dizer que estava insegura em deixar Sean com . Apesar de serelepe, Sean não era daqueles que davam muito trabalho. Não daqueles de deixar o coração prestes a enfartar.
- E então, pronto para sua primeira noite fora de casa? – Apoiei-me no batente da porta, vendo-o assentir sorridente.
Kyle nos esperava dentro de seu carro, cantando entusiasmado o som de Lady Gaga. Sean e eu rimos ao nos depararmos com essa cena. Expliquei para ele como chegar até a casa de , esperando que o próprio tivesse passado as coordenadas corretas. não tinha muito senso de direção... O carro parecia uma pista de dança. Kyle e Sean balançavam as partes livres do corpo, cantando mais alto do que a própria música. Eu só conseguia rir.
Foi fácil identificar a casa de . Não que ela fosse diferente das casas vizinhas, mas por reconhecer o carro que semanas atrás me apavorara. Kyle estacionara seu carro no meio fio, deixando Sean impaciente com a demora para parar por completo. Dois toques na buzina e logo a silhueta de apareceu na porta.
- Ele é mesmo bonito. – Kyle sussurrou para mim, fazendo-me rolar os olhos. – Dê um beijo nele por mim.
- Pervertido! – Mostrei-lhe a língua, fazendo-o rir. Despediu-se de Sean, que desafivelava o cinto desesperadamente. – Hei, até parece que está ansioso para se livrar de mim!
- Não ‘guento mais a Gaga. – Sean disse ainda preocupado com o cinto em volta de sua cintura. – Ajuda, mamãe!
Desci do carro, me ajeitando o máximo que pude no abraço repentino – e desengonçado – de . Eu sabia que naquele exato momento Kyle estava exibindo um sorriso malicioso. Ele ficou com essa mania depois de ler o artigo no jornal. O que me fez lembrar que eu ainda não perguntara a se ele vira aquilo.
- Parece que faz anos que eu não te vejo! – Ele murmurou, separando-se de mim e segurando-me pelos ombros. – Mas espera, realmente faz anos que eu não te vejo!
- Você diz como se essa fosse a primeira vez que me vê depois de anos. – Rolei os olhos, fazendo-o gargalhar. – Vamos socorrer Sean antes que ele tenha uma crise de ansiedade.
assentiu, abrindo a porta traseira com um grande sorriso sapeca nos lábios. Sean estendeu os braços, como se pedisse para livrá-lo logo daquele cinto que o mantinha preso dentro do carro e longe da diversão. Assim que se sentiu solto, pulou no pescoço de , rindo. Entregou sua pequena bolsa para ele, descendo do carro e correndo até minhas pernas.
- Você está super linda mamãe! – Ele disse, apertando-me com toda sua força.
- É mesmo. – disse, dando-se conta das minhas roupas naquele momento. Senti o rosto esquentar levemente. – Para onde vai? – Olhou para o carro e então se lembrou de cumprimentar rapidamente Kyle. Ele não vai dormir essa noite. Pensei comigo mesma enquanto abria um sorriso torto. – Ele é seu namorado?
- Não, é meu chefe. – Sussurrei de volta, torcendo o nariz numa careta irônica. – Mas às vezes ele quebra um galho.
arregalou os olhos, fazendo-me lançar a cabeça para trás e rir.
- O que é engraçado? – Ele perguntou, parecendo levemente irritado. Sean pulava ao nosso redor.
- Você tinha que ver sua cara, ! – Ele rolou os olhos, não demorando a se desfazer da cara de espanto e esboçando um sorriso mínimo. – Kyle é meu amigo, nós vamos a um pub chamado ‘Lothus’.
- No Lothus? – exibiu um sorriso torto, arqueando uma sobrancelha rapidamente.
- É, no Lothus. Conhece?
- Ahn, não. Quer dizer, não pessoalmente... – Ele parecia divertido com alguma coisa. – Mas ouvi dizer que é bom.
Alguma coisa, que eu não consegui captar a tempo, brilhou nos olhos de . Espero que Kyle não esteja me colocando numa enrascada. Sorri para ele, deixando de lado o que quer que tenha sido aquele sorrisinho afetado. Sean beijou-me demoradamente sendo imitado por , que se despediu depois das minhas breves recomendações.
De volta ao carro, Kyle não parou de falar em como era lindo, simpático e másculo.
Aquilo estava longe de ser um pub qualquer.
Os tons de laranja mesclado com vermelho tingiam todas as paredes, que subiam altas até o teto. A música, por mais que eu não soubesse identificar qual era, soava agradável aos meus ouvidos e ao meu corpo, que instantaneamente sentiu vontade de acompanhar a batida.
Eu estava à vontade num lugar completamente exótico.
- Vamos beber alguma coisa? – Kyle propôs no que eu concordei imediatamente. – Tem uma bebida de cor estranha que é simplesmente divina!
- Bebida de cor estranha? – Ri enquanto caminhávamos até o bar, onde uma grande flor de lótus cintilava em meio às cores escuras. Pareciam imagens de um sonho. – Eu tô dentro!
A cor era realmente estranha. Variava de rosa para azul, como se as duas cores dançassem dentro do copo. Mas a sensação era boa. Refrescante, até. Bem, pelo menos não queimava como a tequila e nem arranhava como a cerveja. Eu não gostava de cerveja.
Depois do terceiro copo, Kyle alegou que estávamos soltos o bastante para irmos até a pista de dança. Como se ele precisasse de álcool para se desinibir, ao contrário de mim. Mas eu realmente me sentia livre. Desejando apenas viver aquele momento, esquecendo por aquela noite, o maior de todos os meus desassossegos.
E ele tinha nome e sobrenome combinado por um lindo par de olhos .
Olhos esses que surpreendentemente se materializaram na minha frente segundos depois de ter esbarrado em suas costas.
Eu sabia que não deveria beber. Não estava acostumada e já estava tendo alucinações.
Mas alucinações possuem braços fortes e ainda por cima cheiram tão provocantemente bem?
- Me desc... – Ele apertou seus olhos, aproximando-se minimamente. – ?
- O-oi, .
É nessa hora em que as coisas deixam de fazer sentido e me dou conta de que não posso – e não consigo – fugir de seu olhar?
Chapter Fifteen
Eu deveria fugir, não deveria?
Deveria me lembrar do que ele me fizera, de como me magoara. Deveria dar o castigo que ele merecia, deveria dar as costas e ignorar quaisquer desculpas que ele tentasse me dar.
Eu deveria, mas não podia. Mais do que isso, eu não conseguia.
Eu queria entender por que eu não sentia mais aquele ódio me consumir por lembrar de sua feição, do som de sua voz. Eu só queria uma explicação razoável para um sentimento tão forte ter desaparecido repentinamente.
esboçou um sorriso mínimo, quase receoso. As mãos que me amparavam gentilmente pelos ombros desceram para minhas costas, formando um laço que logo se transformou num abraço. E foi então que eu tive a resposta mais óbvia do mundo.
Eu sentia saudades.
Mas era uma saudade que machucava muito mais do que a mágoa. E eu não sabia que poderia sentir mais dor do que antes. E isso significava que ele ainda era capaz de me ferir.
Afastei-me de seu abraço, visivelmente alterada.
Ganhei espaço por entre os corpos com alguma dificuldade, afastando-me para qualquer lugar que não fosse ali, perto dele. Eu precisava de ar limpo, que não estivesse carregado com seu perfume. Eu não conseguia raciocinar direito.
O Lothus ficava na cobertura de um grande edifício, o que naquele momento significava que eu não poderia simplesmente saltar do vigésimo sexto andar caso ele aparecesse ali.
Inspirei o ar gélido, deixando meu corpo cair sobre o banco de madeira. Eu não sabia o que pensar ou o que não pensar, não sabia se agira certo ou não. Eu só sabia que meu coração parecia estar sendo moído, triturado e fatiado ao mesmo tempo. Eu mal conseguia respirar direito. Fechei os olhos fortemente a fim de eliminar quaisquer vestígios de lágrimas quando ouvi a porta ser aberta atrás de mim. Eu sabia que era ele.
- ...
- Por favor. – Pedi, com a voz mais trêmula do que eu realmente gostaria. – Não. Não quero ouvir!
- Nós precisamos ter essa conversa. – Ele disse firmemente. Senti meu corpo todo enrijecer. – Você sabe que precisamos.
- Não! Eu... Eu não preciso ouvir suas desculpas, ! Eu sobrevivi todos esses anos sem elas!
- Mas eu preciso dizê-las! – Senti sua aproximação e instantaneamente levantei-me, virando-me de frente para ele. – Dê-me apenas essa chance de dizer tudo. De dizer que eu me arrependo por ter feito aquilo com você. De dizer que eu... Eu preciso do seu perdão!
- Eu até poderia dizer que te perdôo. – Sustentei seu olhar, mantendo a voz baixa para que não perdesse o controle de seu tom. Mas mesmo assim ela saía estrangulada. – Mas seria como dizer que eu não sofri com sua atitude. E o que eu mais senti todos esses anos, foi dor. E eu não consigo não sentir isso por você.
- E você acha que eu não senti a mesma coisa?! Por Deus, ! - Meu corpo estremeceu ao ouvir sua voz pronunciando meu apelido. – Eu sei que sou culpado, eu tenho absoluta certeza disso, mas eu me arrependi cada segundo que se passou depois do dia em que não te vi mais! Você não foi a única a sofrer nesses últimos anos.
- MAS FOI VOCÊ QUE ME ABANDONOU! DEU-ME AS COSTAS NO MOMENTO EM QUE EU PRECISAVA DE VOCÊ! – Dane-se meu orgulho, minha ética ou bom senso. Eu não conseguia abaixar minha voz, por mais que ela soasse esganiçada.
-EU FIQUEI ASSUSTADO, TÁ LEGAL?! É TÃO IMPERDOÁVEL ASSIM PARA VOCÊ ACEITAR QUE EU TIVE MEDO?!
- E VOCÊ ACHA QUE EU NÃO TIVE? – Gritar demais estava me deixando sem fôlego. Deixei meu corpo cair novamente sobre o banco, afundando meu rosto em minhas mãos, tentando controlar os espasmos nervosos que corriam pelo corpo. – Eu só queria uma única palavra sua. Uma única razão para não achar que estava cometendo o pior erro de minha vida. Se você tivesse me dito que não ficaria mais comigo, eu teria lidado com isso muito melhor. Mas seu silêncio foi pior do que qualquer rejeição pronunciada. Você foi egoísta demais, pensando apenas no seu maldito umbigo!
- E-eu não queria te magoar tanto assim. Eu. Eu...
- Não importa agora, . – Levantei novamente, sem olhar em seus olhos. – Você não precisa me provar mais nada agora.
- Por favor, ...
- Adeus, .
Eu não me lembro de como viera parar na minha cama, vestindo meus pijamas, mas sabia que estava segura. Abri lentamente os olhos, sentindo-os inchados. Suspirei pesadamente, afundando a cabeça contra o travesseiro, cobrindo-a com o edredom. Estava agindo como uma criança com medo do escuro.
- Hei, . – Ouvi a voz de Kyle sussurrar e afagos gentis afastarem o edredom de meu rosto. – Trouxe um pouco de chá para você.
- Como eu vim parar aqui? – Sussurrei de volta, a voz extremamente chorosa. Fechei os olhos, ignorando qualquer sentimento de compaixão nos olhos dele. – Não me diga que eu desmaiei ou coisa do tipo.
- Você ficou mais para estado de choque, na verdade. – Kyle sorriu sem mostrar os dentes, deixando o sorriso esmaecer em seu rosto depois. – Não precisa me dizer por quê.
- Você o viu, não foi? – Kyle concordou e eu tive a certeza de que não sonhara com aquilo tudo. – Por que ele tinha que estar lá? Por que ele tinha que existir...?
- Para te dar o presente mais precioso do mundo todo. Vamos, não fique assim. Tudo isso vai se resolver, você vai ver.
- Eu queria não sentir mágoa. Eu realmente queria colocar um fim nisso tudo. Mas eu... Não consigo. Não consigo não sentir dor por pensar nele e no que ele fez... Por que é tão difícil, Ky?
- Eu não sei, pequena... Mas talvez ainda existam muitos pontos sem nós entre vocês dois. Talvez não seja a melhor opção resolver tudo de uma vez e, sim, dar tempo ao tempo. Tempo para vocês.
- Mais tempo? – Uma lágrima fujona rolou pela lateral de meu rosto, caindo suavemente no travesseiro. – Não quero mais quatro anos dessa mesma forma.
- Vocês mudaram, . E, veja por esse lado... Você não precisa fingir que está tudo bem entre vocês enquanto realmente não estiver... Mas deixe-o ser o pai do seu filho nesse meio tempo. Dê uma chance a ele para ao menos tentar mostrar que pode ser um bom pai.
- Não sei se eu posso... – Eu já não sabia de mais nada. Era verdade que eu estava farta de tanto ressentimento, mas eu simplesmente não conseguia seguir a promessa de ao menos tentar. – Não sei se eu consigo ser forte o bastante para lidar com isso, entende?
- Apenas prometa para mim que vai dar tempo a você para pensar.
- Acho que isso eu posso prometer.
Kyle afagou gentilmente meus cabelos, despedindo-se em seguida.
Assim que me vi sozinha novamente, esperei que mais lágrimas chegassem até meus olhos, mas, não foi o que aconteceu. Eu sequer tive vontade de chorar. Estranhamente eu me sentia... vazia.
Ou talvez a ficha não tivesse caído ainda.
“EU FIQUEI ASSUSTADO, TÁ LEGAL?! É TÃO IMPERDOÁVEL ASSIM PARA VOCÊ ACEITAR QUE EU TIVE MEDO?!”
Fechei os olhos, ouvindo sua voz ecoar em meus pensamentos.
Havia tanta coisa nela. Sinceridade, rancor, tristeza.
Coisas que para mim já eram comuns. Mas, emaranhados com os seus, se tornavam uma grande bola de neve prestes a me esmagar. E era questão de tempo que tudo viesse abaixo.
Deveria me lembrar do que ele me fizera, de como me magoara. Deveria dar o castigo que ele merecia, deveria dar as costas e ignorar quaisquer desculpas que ele tentasse me dar.
Eu deveria, mas não podia. Mais do que isso, eu não conseguia.
Eu queria entender por que eu não sentia mais aquele ódio me consumir por lembrar de sua feição, do som de sua voz. Eu só queria uma explicação razoável para um sentimento tão forte ter desaparecido repentinamente.
esboçou um sorriso mínimo, quase receoso. As mãos que me amparavam gentilmente pelos ombros desceram para minhas costas, formando um laço que logo se transformou num abraço. E foi então que eu tive a resposta mais óbvia do mundo.
Eu sentia saudades.
Mas era uma saudade que machucava muito mais do que a mágoa. E eu não sabia que poderia sentir mais dor do que antes. E isso significava que ele ainda era capaz de me ferir.
Afastei-me de seu abraço, visivelmente alterada.
Ganhei espaço por entre os corpos com alguma dificuldade, afastando-me para qualquer lugar que não fosse ali, perto dele. Eu precisava de ar limpo, que não estivesse carregado com seu perfume. Eu não conseguia raciocinar direito.
O Lothus ficava na cobertura de um grande edifício, o que naquele momento significava que eu não poderia simplesmente saltar do vigésimo sexto andar caso ele aparecesse ali.
Inspirei o ar gélido, deixando meu corpo cair sobre o banco de madeira. Eu não sabia o que pensar ou o que não pensar, não sabia se agira certo ou não. Eu só sabia que meu coração parecia estar sendo moído, triturado e fatiado ao mesmo tempo. Eu mal conseguia respirar direito. Fechei os olhos fortemente a fim de eliminar quaisquer vestígios de lágrimas quando ouvi a porta ser aberta atrás de mim. Eu sabia que era ele.
- ...
- Por favor. – Pedi, com a voz mais trêmula do que eu realmente gostaria. – Não. Não quero ouvir!
- Nós precisamos ter essa conversa. – Ele disse firmemente. Senti meu corpo todo enrijecer. – Você sabe que precisamos.
- Não! Eu... Eu não preciso ouvir suas desculpas, ! Eu sobrevivi todos esses anos sem elas!
- Mas eu preciso dizê-las! – Senti sua aproximação e instantaneamente levantei-me, virando-me de frente para ele. – Dê-me apenas essa chance de dizer tudo. De dizer que eu me arrependo por ter feito aquilo com você. De dizer que eu... Eu preciso do seu perdão!
- Eu até poderia dizer que te perdôo. – Sustentei seu olhar, mantendo a voz baixa para que não perdesse o controle de seu tom. Mas mesmo assim ela saía estrangulada. – Mas seria como dizer que eu não sofri com sua atitude. E o que eu mais senti todos esses anos, foi dor. E eu não consigo não sentir isso por você.
- E você acha que eu não senti a mesma coisa?! Por Deus, ! - Meu corpo estremeceu ao ouvir sua voz pronunciando meu apelido. – Eu sei que sou culpado, eu tenho absoluta certeza disso, mas eu me arrependi cada segundo que se passou depois do dia em que não te vi mais! Você não foi a única a sofrer nesses últimos anos.
- MAS FOI VOCÊ QUE ME ABANDONOU! DEU-ME AS COSTAS NO MOMENTO EM QUE EU PRECISAVA DE VOCÊ! – Dane-se meu orgulho, minha ética ou bom senso. Eu não conseguia abaixar minha voz, por mais que ela soasse esganiçada.
-EU FIQUEI ASSUSTADO, TÁ LEGAL?! É TÃO IMPERDOÁVEL ASSIM PARA VOCÊ ACEITAR QUE EU TIVE MEDO?!
- E VOCÊ ACHA QUE EU NÃO TIVE? – Gritar demais estava me deixando sem fôlego. Deixei meu corpo cair novamente sobre o banco, afundando meu rosto em minhas mãos, tentando controlar os espasmos nervosos que corriam pelo corpo. – Eu só queria uma única palavra sua. Uma única razão para não achar que estava cometendo o pior erro de minha vida. Se você tivesse me dito que não ficaria mais comigo, eu teria lidado com isso muito melhor. Mas seu silêncio foi pior do que qualquer rejeição pronunciada. Você foi egoísta demais, pensando apenas no seu maldito umbigo!
- E-eu não queria te magoar tanto assim. Eu. Eu...
- Não importa agora, . – Levantei novamente, sem olhar em seus olhos. – Você não precisa me provar mais nada agora.
- Por favor, ...
- Adeus, .
Eu não me lembro de como viera parar na minha cama, vestindo meus pijamas, mas sabia que estava segura. Abri lentamente os olhos, sentindo-os inchados. Suspirei pesadamente, afundando a cabeça contra o travesseiro, cobrindo-a com o edredom. Estava agindo como uma criança com medo do escuro.
- Hei, . – Ouvi a voz de Kyle sussurrar e afagos gentis afastarem o edredom de meu rosto. – Trouxe um pouco de chá para você.
- Como eu vim parar aqui? – Sussurrei de volta, a voz extremamente chorosa. Fechei os olhos, ignorando qualquer sentimento de compaixão nos olhos dele. – Não me diga que eu desmaiei ou coisa do tipo.
- Você ficou mais para estado de choque, na verdade. – Kyle sorriu sem mostrar os dentes, deixando o sorriso esmaecer em seu rosto depois. – Não precisa me dizer por quê.
- Você o viu, não foi? – Kyle concordou e eu tive a certeza de que não sonhara com aquilo tudo. – Por que ele tinha que estar lá? Por que ele tinha que existir...?
- Para te dar o presente mais precioso do mundo todo. Vamos, não fique assim. Tudo isso vai se resolver, você vai ver.
- Eu queria não sentir mágoa. Eu realmente queria colocar um fim nisso tudo. Mas eu... Não consigo. Não consigo não sentir dor por pensar nele e no que ele fez... Por que é tão difícil, Ky?
- Eu não sei, pequena... Mas talvez ainda existam muitos pontos sem nós entre vocês dois. Talvez não seja a melhor opção resolver tudo de uma vez e, sim, dar tempo ao tempo. Tempo para vocês.
- Mais tempo? – Uma lágrima fujona rolou pela lateral de meu rosto, caindo suavemente no travesseiro. – Não quero mais quatro anos dessa mesma forma.
- Vocês mudaram, . E, veja por esse lado... Você não precisa fingir que está tudo bem entre vocês enquanto realmente não estiver... Mas deixe-o ser o pai do seu filho nesse meio tempo. Dê uma chance a ele para ao menos tentar mostrar que pode ser um bom pai.
- Não sei se eu posso... – Eu já não sabia de mais nada. Era verdade que eu estava farta de tanto ressentimento, mas eu simplesmente não conseguia seguir a promessa de ao menos tentar. – Não sei se eu consigo ser forte o bastante para lidar com isso, entende?
- Apenas prometa para mim que vai dar tempo a você para pensar.
- Acho que isso eu posso prometer.
Kyle afagou gentilmente meus cabelos, despedindo-se em seguida.
Assim que me vi sozinha novamente, esperei que mais lágrimas chegassem até meus olhos, mas, não foi o que aconteceu. Eu sequer tive vontade de chorar. Estranhamente eu me sentia... vazia.
Ou talvez a ficha não tivesse caído ainda.
“EU FIQUEI ASSUSTADO, TÁ LEGAL?! É TÃO IMPERDOÁVEL ASSIM PARA VOCÊ ACEITAR QUE EU TIVE MEDO?!”
Fechei os olhos, ouvindo sua voz ecoar em meus pensamentos.
Havia tanta coisa nela. Sinceridade, rancor, tristeza.
Coisas que para mim já eram comuns. Mas, emaranhados com os seus, se tornavam uma grande bola de neve prestes a me esmagar. E era questão de tempo que tudo viesse abaixo.
Chapter Sixteen
Relaxei os ombros tensos ao volante, inspirando uma grande quantidade de ar antes de descer do carro. A manhã estava iluminada por um sol tímido, acompanhado de ventos gelados que não deixavam o sol me esquentar.
Caminhei com as mãos enterradas nos bolsos de minha jaqueta jeans, tocando a campainha de em seguida. E uma outra vez mais. Afastei-me minimamente para olhar as janelas do andar de cima, tentando ver se havia alguém ali. Olhei para o relógio em meu pulso; dez e meia da manhã. Aonde aqueles dois poderiam estar naquela hora?
Quando estava pensando em ir embora, a porta foi aberta preguiçosamente num rangido suave, e depois o semblante sonolento e amassado de surgiu por detrás dela. estava escorado na porta, parecendo um sonâmbulo.
- Hei, senhor dorminhoco! Hora de acordar!
- Não me diga. – Ele bocejou, coçando a cabeça. – Por que me acorda no meio da madrugada?
- Quanto drama! Já são quase onze. – Sorri, beijando-lhe a bochecha depois de entrar. – Onde está Sean?
- Hei, é bom te ver também. Também senti saudades de você. – fingiu estar chorando e quase pareceu real, por causa de sua cara inchada. Rolei os olhos, fazendo-o rir.
Parecia tão simples com ! Com e com ... O que realmente era. Mas tudo muda quando o assunto é ele. Eu sequer consigo pronunciar seu nome direito!
Por que eu não podia ser uma adulta madura?
- O que aprontaram ontem à noite?
- Ah, coisas de meninos. – Ele deu de ombros, abrindo a geladeira e bebendo algo, que parecia suco de laranja, direto no gargalo. – Servida?
- Eca, . Por que não usa um copo?
- Porque dá muito trabalho.
- Oh, céus, não quero nem ver no que você transformou meu filho! – Zombei, sentando-me na bancada da cozinha. – Um mini que arrota depois de beber suco no gargalo! Estou perdida!
- Não é tão ruim assim. – enrugou o nariz numa careta engraçada. – Mas e você, como foi lá no Lothus?
- Legal. Foi... Legal. – Tirando a parte do encontro com . – Bem legal.
- Você disse legal três vezes. Faz isso sempre que fica nervosa? – riu. Será que ele ria assim sempre que acordava? – Encontrou algum conhecido por lá?
Tombei minimamente minha cabeça para o lado, fitando os olhos de que me observavam por sobre a garrafa.
- AH! Seu descarado! Safado! Sem vergonha! – Estapeei seu braço nu ao me esticar sobre o balcão, arregalando os olhos em descrença. – Você sabia! Sabia que ele ia lá! Ou foi você que o avisou? , seu traidor!
- Hei, eu não sei do que está falando! – Ele riu, correndo para a sala. Corri atrás dele, incrédula.
- , seu pilantra de meia tigela, venha aqui!
Preciso dizer como dois adultos de quase vinte e três anos pareciam duas crianças de sete correndo ao redor dos móveis, derrubando tudo quanto é tipo de objeto?
- Eu devia arrancar cada fio de seu cabelo com uma pinça!
- Estou morrendo de medo!
- , eu odeio você! – Gritei, sentando-me exausta no sofá. Eu me sentia feliz, mas não tinha mais a mesma disposição de anos atrás.
- Não odeia, não! Eu sou seu melhor amigo!
sentou no tapete, encostando-se no sofá ao lado de minhas pernas. Dei um tapa de leve em sua cabeça, fazendo-o rir. Não demorou muito e Sean apareceu no corredor, coçando os olhos sonolentos. Abriu um sorriso ao me ver, caminhando até mim com os braços abertos.
- Que saudades, mãe! E aí, tio . – Ele beijou a ponta de meu nariz, fazendo um cumprimento com em seguida.
- Você nem parece uma criança de três anos falando assim.
- Sean é um garoto de personalidade.
- Sean é muuuito esperto. – Ele mesmo concluiu, fazendo uma pose convencida. – Nem chorei de saudades de casa. E eu aprendi a arrotar como o tio ! Quer ver?
- Oh, céus, não! – riu até perder o fôlego. – estava aqui também?
- Sim, ele veio se juntar ao nosso clube do Bolinha. Então, já sabe. é que é a má influência aqui.
- Você diz isso porque ele não está aqui para se defender.
- Ah, tanto faz. Ele com certeza não se defenderia se estivesse aqui. Vamos tomar café?
- O que temos para o café?
- Cereais! – e Sean gritaram em uníssono, caminhando alegremente para a cozinha.
- Quantos anos você tem mentalmente, ? – Chacoalhei a caixa de cereais coloridos, depositando um pouco em nossas tigelas. colocou o leite, dando de ombros. Sean enterrou as colheres no meio dos cereais e nós três nos entreolhamos, caindo na risada em seguida. – Nossa, se vissem isso, realmente achariam que somos uma família feliz.
- Está falando daquele artigo na revista? – Concordei, servindo-me. – Droga, lá se vai meus planos de me casar com .
Mesmo ouvindo aquele nome que por anos eu ignorei, não consegui deixar de rir com o tom afetado que ele usou, juntamente com sua pose dramática. podia ser ator ao invés de músico.
- É, acho que vai ter que rever seus planos.
- Tio parece o tio Ky. – Sean murmurou, com a boca cheia.
- Kyle é gay? – arregalou os olhos, fazendo-nos rir. Acho que ri mais naquele dia do que na semana inteira. – Meu Deus! Sean, você não deve imitar o que ele faz. Eu me declaro, a partir desse momento, seu responsável por assuntos de masculinidade.
estufou o peito, assentindo para si mesmo. Rolei os olhos, terminando meu café da manhã colorido.
- Mas não era você que dizia quase agora que se casaria com ? - Um leve tremor correu pela minha espinha, que eu tentei ignorar com um sorriso debochado. Tanto para quanto para o que eu sentia.
- Isso não importa mais. – Ele continuou forçando a voz para soar mais grossa que o normal. Sean se divertia com as caretas de . – O futuro de Sean depende de mim.
Ficamos boa parte daquela manhã sentados ali no balcão, ouvindo Sean e contarem suas estripulias do dia anterior.
- , eu preciso ir. – Disse, depois de checar o horário em meu relógio.
- Mas é tão cedo! – Novamente, e Sean disseram em uníssono.
- Já são quase duas horas da tarde! Tenho afazeres de uma dona de casa, não sabiam?
- Caramba, o tempo passou rápido!
- Voando. – Concordei com , apanhando as almofadas que havíamos jogado no chão. – Eu realmente ficaria se não precisasse fazer outras coisas.
- Tudo bem. – Ele coçou a nuca, sorrindo enquanto caminhávamos lentamente para fora da sala. – Erm... Volte mais vezes. Sério mesmo.
- O que preciso fazer para vocês entenderem que eu não vou mais fugir, hein?
- Não disse que você ia fugir.
- É, mas aposto que pensou. – Estreitei meus olhos, fazendo-o sorrir amarelo. – Ah, daqui uma semana é aniversário de Sean. Vou fazer uma festinha lá em casa, aparece com os meninos.
- Nossa, quando você diz meninos eu me sinto com dezesseis anos novamente.
- Não mudou muito.
- Tá, tá. Aquela velha história de que mulher amadurece primeiro que o homem e blábláblá. – Ele rolou os olhos, fazendo movimentos entediados com as mãos. – Pode deixar que nós vamos estar lá.
- Então está tudo bem. – Sorri, pegando Sean pela mão. – Nos leva até a porta?
- Como se estivéssemos longe dela.
esticou o braço e a abriu, dando espaço para que Sean e eu passássemos. Sean ficou virado pra rua e eu me virei para me despedir de . Beijei docemente sua testa, abraçando-o fortemente.
Assim que nos separamos, senti na brisa da tarde aquele perfume. Virei-me lentamente, esquecendo como se respirava normalmente naquele momento.
Como ele poderia estar tão bonito? usava um jeans escuro combinando com sua camisa social branca, aberta nos dois primeiros botões. Os cabelos estavam estrategicamente bagunçados e seus olhos pareciam meio opacos.
Cinco segundos se passaram desde que nossos olhares se cruzaram e eu já fizera uma lista detalhada de seu aspecto. Patético. Não ele, eu e todo meu sentido que ficou bagunçado com sua aproximação.
- Oi, ! – Sean agitou sua mãozinha no ar, chamando a atenção dele para baixo, cortando nosso contato visual. piscou duas vezes seguida. Parecia tão surpreso quanto eu. – Tchau, !
Não sei a que se devia a perplexidade em seus olhos, mas eu estava completamente abismada pela maneira como Sean o tratou. Naturalmente, como se fossem amigos de velhas datas. Mas, como Sean sabia que ele era o ? E, além do mais, por que ele simplesmente o tratou pelo nome? Apenas o nome sem acrescentar o tio? Sean nunca chamava alguém somente pelo nome.
Oh, céus, quando que minha vida vai deixar de ser um filme de Hollywood?
- O-oi, . – Ele disse, antes que eu pudesse desviar meu olhar curioso dele. Impressão minha ou seus olhos não pareciam mais tão opacos como um minuto atrás? – Como vai?
- Surpresa. – Meneei minha cabeça, focalizando a figura de Sean caminhando até meu carro. – Quer dizer, bem. Estou bem. Estou... Bem. Tenho que ir.
Lembrei-me que estava bem atrás de nós e me virei apressada para murmurar um 'te ligo depois'. Ele assentiu, olhando vagamente para .
Ajudei Sean a subir no carro, afivelando seu cinto enquanto ele acenava por cima de minhas costas. Soltava risinhos baixos, como se risse de meu nervosismo. Assim que dei a partida no carro, evitei olhar pelo retrovisor. Eu sabia que ele ainda estaria ali.
E ter seu cheiro impregnado nas paredes de meu nariz não ajudava meu raciocínio lógico.
Caminhei com as mãos enterradas nos bolsos de minha jaqueta jeans, tocando a campainha de em seguida. E uma outra vez mais. Afastei-me minimamente para olhar as janelas do andar de cima, tentando ver se havia alguém ali. Olhei para o relógio em meu pulso; dez e meia da manhã. Aonde aqueles dois poderiam estar naquela hora?
Quando estava pensando em ir embora, a porta foi aberta preguiçosamente num rangido suave, e depois o semblante sonolento e amassado de surgiu por detrás dela. estava escorado na porta, parecendo um sonâmbulo.
- Hei, senhor dorminhoco! Hora de acordar!
- Não me diga. – Ele bocejou, coçando a cabeça. – Por que me acorda no meio da madrugada?
- Quanto drama! Já são quase onze. – Sorri, beijando-lhe a bochecha depois de entrar. – Onde está Sean?
- Hei, é bom te ver também. Também senti saudades de você. – fingiu estar chorando e quase pareceu real, por causa de sua cara inchada. Rolei os olhos, fazendo-o rir.
Parecia tão simples com ! Com e com ... O que realmente era. Mas tudo muda quando o assunto é ele. Eu sequer consigo pronunciar seu nome direito!
Por que eu não podia ser uma adulta madura?
- O que aprontaram ontem à noite?
- Ah, coisas de meninos. – Ele deu de ombros, abrindo a geladeira e bebendo algo, que parecia suco de laranja, direto no gargalo. – Servida?
- Eca, . Por que não usa um copo?
- Porque dá muito trabalho.
- Oh, céus, não quero nem ver no que você transformou meu filho! – Zombei, sentando-me na bancada da cozinha. – Um mini que arrota depois de beber suco no gargalo! Estou perdida!
- Não é tão ruim assim. – enrugou o nariz numa careta engraçada. – Mas e você, como foi lá no Lothus?
- Legal. Foi... Legal. – Tirando a parte do encontro com . – Bem legal.
- Você disse legal três vezes. Faz isso sempre que fica nervosa? – riu. Será que ele ria assim sempre que acordava? – Encontrou algum conhecido por lá?
Tombei minimamente minha cabeça para o lado, fitando os olhos de que me observavam por sobre a garrafa.
- AH! Seu descarado! Safado! Sem vergonha! – Estapeei seu braço nu ao me esticar sobre o balcão, arregalando os olhos em descrença. – Você sabia! Sabia que ele ia lá! Ou foi você que o avisou? , seu traidor!
- Hei, eu não sei do que está falando! – Ele riu, correndo para a sala. Corri atrás dele, incrédula.
- , seu pilantra de meia tigela, venha aqui!
Preciso dizer como dois adultos de quase vinte e três anos pareciam duas crianças de sete correndo ao redor dos móveis, derrubando tudo quanto é tipo de objeto?
- Eu devia arrancar cada fio de seu cabelo com uma pinça!
- Estou morrendo de medo!
- , eu odeio você! – Gritei, sentando-me exausta no sofá. Eu me sentia feliz, mas não tinha mais a mesma disposição de anos atrás.
- Não odeia, não! Eu sou seu melhor amigo!
sentou no tapete, encostando-se no sofá ao lado de minhas pernas. Dei um tapa de leve em sua cabeça, fazendo-o rir. Não demorou muito e Sean apareceu no corredor, coçando os olhos sonolentos. Abriu um sorriso ao me ver, caminhando até mim com os braços abertos.
- Que saudades, mãe! E aí, tio . – Ele beijou a ponta de meu nariz, fazendo um cumprimento com em seguida.
- Você nem parece uma criança de três anos falando assim.
- Sean é um garoto de personalidade.
- Sean é muuuito esperto. – Ele mesmo concluiu, fazendo uma pose convencida. – Nem chorei de saudades de casa. E eu aprendi a arrotar como o tio ! Quer ver?
- Oh, céus, não! – riu até perder o fôlego. – estava aqui também?
- Sim, ele veio se juntar ao nosso clube do Bolinha. Então, já sabe. é que é a má influência aqui.
- Você diz isso porque ele não está aqui para se defender.
- Ah, tanto faz. Ele com certeza não se defenderia se estivesse aqui. Vamos tomar café?
- O que temos para o café?
- Cereais! – e Sean gritaram em uníssono, caminhando alegremente para a cozinha.
- Quantos anos você tem mentalmente, ? – Chacoalhei a caixa de cereais coloridos, depositando um pouco em nossas tigelas. colocou o leite, dando de ombros. Sean enterrou as colheres no meio dos cereais e nós três nos entreolhamos, caindo na risada em seguida. – Nossa, se vissem isso, realmente achariam que somos uma família feliz.
- Está falando daquele artigo na revista? – Concordei, servindo-me. – Droga, lá se vai meus planos de me casar com .
Mesmo ouvindo aquele nome que por anos eu ignorei, não consegui deixar de rir com o tom afetado que ele usou, juntamente com sua pose dramática. podia ser ator ao invés de músico.
- É, acho que vai ter que rever seus planos.
- Tio parece o tio Ky. – Sean murmurou, com a boca cheia.
- Kyle é gay? – arregalou os olhos, fazendo-nos rir. Acho que ri mais naquele dia do que na semana inteira. – Meu Deus! Sean, você não deve imitar o que ele faz. Eu me declaro, a partir desse momento, seu responsável por assuntos de masculinidade.
estufou o peito, assentindo para si mesmo. Rolei os olhos, terminando meu café da manhã colorido.
- Mas não era você que dizia quase agora que se casaria com ? - Um leve tremor correu pela minha espinha, que eu tentei ignorar com um sorriso debochado. Tanto para quanto para o que eu sentia.
- Isso não importa mais. – Ele continuou forçando a voz para soar mais grossa que o normal. Sean se divertia com as caretas de . – O futuro de Sean depende de mim.
Ficamos boa parte daquela manhã sentados ali no balcão, ouvindo Sean e contarem suas estripulias do dia anterior.
- , eu preciso ir. – Disse, depois de checar o horário em meu relógio.
- Mas é tão cedo! – Novamente, e Sean disseram em uníssono.
- Já são quase duas horas da tarde! Tenho afazeres de uma dona de casa, não sabiam?
- Caramba, o tempo passou rápido!
- Voando. – Concordei com , apanhando as almofadas que havíamos jogado no chão. – Eu realmente ficaria se não precisasse fazer outras coisas.
- Tudo bem. – Ele coçou a nuca, sorrindo enquanto caminhávamos lentamente para fora da sala. – Erm... Volte mais vezes. Sério mesmo.
- O que preciso fazer para vocês entenderem que eu não vou mais fugir, hein?
- Não disse que você ia fugir.
- É, mas aposto que pensou. – Estreitei meus olhos, fazendo-o sorrir amarelo. – Ah, daqui uma semana é aniversário de Sean. Vou fazer uma festinha lá em casa, aparece com os meninos.
- Nossa, quando você diz meninos eu me sinto com dezesseis anos novamente.
- Não mudou muito.
- Tá, tá. Aquela velha história de que mulher amadurece primeiro que o homem e blábláblá. – Ele rolou os olhos, fazendo movimentos entediados com as mãos. – Pode deixar que nós vamos estar lá.
- Então está tudo bem. – Sorri, pegando Sean pela mão. – Nos leva até a porta?
- Como se estivéssemos longe dela.
esticou o braço e a abriu, dando espaço para que Sean e eu passássemos. Sean ficou virado pra rua e eu me virei para me despedir de . Beijei docemente sua testa, abraçando-o fortemente.
Assim que nos separamos, senti na brisa da tarde aquele perfume. Virei-me lentamente, esquecendo como se respirava normalmente naquele momento.
Como ele poderia estar tão bonito? usava um jeans escuro combinando com sua camisa social branca, aberta nos dois primeiros botões. Os cabelos estavam estrategicamente bagunçados e seus olhos pareciam meio opacos.
Cinco segundos se passaram desde que nossos olhares se cruzaram e eu já fizera uma lista detalhada de seu aspecto. Patético. Não ele, eu e todo meu sentido que ficou bagunçado com sua aproximação.
- Oi, ! – Sean agitou sua mãozinha no ar, chamando a atenção dele para baixo, cortando nosso contato visual. piscou duas vezes seguida. Parecia tão surpreso quanto eu. – Tchau, !
Não sei a que se devia a perplexidade em seus olhos, mas eu estava completamente abismada pela maneira como Sean o tratou. Naturalmente, como se fossem amigos de velhas datas. Mas, como Sean sabia que ele era o ? E, além do mais, por que ele simplesmente o tratou pelo nome? Apenas o nome sem acrescentar o tio? Sean nunca chamava alguém somente pelo nome.
Oh, céus, quando que minha vida vai deixar de ser um filme de Hollywood?
- O-oi, . – Ele disse, antes que eu pudesse desviar meu olhar curioso dele. Impressão minha ou seus olhos não pareciam mais tão opacos como um minuto atrás? – Como vai?
- Surpresa. – Meneei minha cabeça, focalizando a figura de Sean caminhando até meu carro. – Quer dizer, bem. Estou bem. Estou... Bem. Tenho que ir.
Lembrei-me que estava bem atrás de nós e me virei apressada para murmurar um 'te ligo depois'. Ele assentiu, olhando vagamente para .
Ajudei Sean a subir no carro, afivelando seu cinto enquanto ele acenava por cima de minhas costas. Soltava risinhos baixos, como se risse de meu nervosismo. Assim que dei a partida no carro, evitei olhar pelo retrovisor. Eu sabia que ele ainda estaria ali.
E ter seu cheiro impregnado nas paredes de meu nariz não ajudava meu raciocínio lógico.
Chapter Seventeen
- Tio Ky, eu não quero mais tirar foto!
Sean balbuciou do canteiro do jardim para onde fora arrastado meia hora atrás, e seus braços pequeninos estavam embolados diante do tronco, o semblante fechado num misto de irritação e diversão.
- Só mais algumas!
Meneei minha cabeça, rindo comigo mesma. Às vezes eu não sabia dizer se Sean era um adulto num corpo de criança, ou se Kyle era uma criança presa num corpo de adulto. Os dois brigavam, mas sempre se entendiam no fim.
Inevitavelmente, me peguei imaginando como teria sido com . Se eles brigariam por qualquer besteira ou se seriam os melhores amigos um do outro. Imaginei os dois correndo pela praia, mergulhados em um mundo só deles, um mundo de homens ligados não somente pelo sangue, mas pela cumplicidade, pelo amor.
Novamente abanei minha cabeça, tentando dissipar as imagens ilusórias que persistiam em rodar pela minha mente, sussurrando promessas de um futuro que estava longe de ser real.
Mas talvez, mesmo não querendo admitir, naquele momento eu percebi que nós – Sean e eu – não éramos tão completos assim. E eu tinha que admitir... Sean não poderia viver para sempre sem saber que tinha um pai. Um pai que estava tão próximo agora...
E que parecia disposto a consertar os erros do passado...
Não!
Não havia nada de errado na vida que levávamos. Não havia nada mais a ser consertado. Por que eu estava pensando nessas coisas? Por que eu estava cogitando a idéia de agir como se nada tivesse acontecido, como se fosse fácil dizer para minhas feridas que ‘o que passou, passou’? Não, não era fácil assim.
Por mais que eu quisesse que fossem...
Oh, céus. Você já sentiu como se sua cabeça fosse dar um nó e explodir depois? É assim que eu me sinto quando penso no meu presente, no passado e no futuro. Eu nem mesmo sei para que lado seguir! Numa hora, acho que estou certa em manter Sean afastado de , mas, em outras... Eu me acho uma bruxa egoísta e mimada.
O mundo pode acabar nesse instante?
- , querida, seus convidados chegaram! – Margareth apareceu no jardim, onde eu ainda remexia na mesa completamente arrumada, perdida em devaneios.
Sorri em resposta para Margareth, estendendo uma mão para que Sean me acompanhasse, livrando-o de sua interminável sessão de fotos. Ele pareceu grato por isso, e logo desfez a cara emburrada, saltitando ao meu lado enquanto atravessávamos os cômodos até chegar ao hall de entrada.
Com um sorriso cúmplice, permiti que Sean corresse até a porta e a abrisse para os nossos amigos. De todos seus aniversários comemorados, aquele com certeza seria seu preferido.
A porta nem terminara seu trajeto de encontro com a parede quando Sean pulou no colo de , fazendo-o cambalear minimamente para trás.
- Hei, campeão! Parabéns! – saudou, bagunçando os cabelos de Sean, jogando-o para o alto.
- Tio ! Saudades de você!
Sean soava tão sincero, que por um momento eu me senti um pouco... Angustiada. Eu estava privando aquele carisma todo de seu progenitor.
O quanto imatura eu estava sendo?
O quanto mais eu proporcionaria de dor para mim e para ele?
Eu realmente gostaria de saber.
- Hei, pequena. – me abraçou confortavelmente, como se adivinhasse que era daquilo que eu precisava naquele momento. – Como você está?
- Nesse exato momento? – Perguntei ainda em seus braços. – Sendo sufocada!
Como era de costume, me largou espalhando o som de sua gargalhada pelo ambiente. Ele não mudara nada desde que nos conhecemos.
Como se lembrasse do pacote em suas mãos naquele momento – como ele conseguira me abraçar carregando aquilo? – o estendeu para Sean, piscando maroto.
- Vamos nos divertir muito com isso ainda.
Sean, por mais educado que fosse, era como qualquer outra criança de quatro anos que acaba de ganhar um presente quase do seu tamanho; não hesitou em rasgar o papel naquele mesmo instante, sem se preocupar em levá-lo para seu quarto.
Aos poucos, um amontoado de papel rasgado se formou em volta da caixa, revelando seu presente tão misterioso. Eu mesma soltei um silvo baixo de surpresa.
- Obrigado, tio ! – Sean abraçou suas pernas, sem tirar os olhos do presente.
Aquela era uma réplica perfeita de um barco à vela, com todos os detalhes minuciosamente esculpidos na madeira envernizada. Parecia mais um artefato de coleção do que um mero brinquedo de controle remoto.
- É muito bonito, . – Eu assenti, sorrindo para ele com a felicidade de ambos.
- Será muito útil, daqui um tempo.
Franzi minimamente minhas sobrancelhas, me perguntando se eu realmente notara algum significado a mais por trás de suas palavras. Mas, antes que a dúvida fosse implantada em mim, a campainha tornou a ressoar, roubando a atenção de Sean, que correu para a porta antes que eu mesma pudesse pensar em ir até ela.
- Ele é rápido. – riu, acompanhando-me até a porta.
- Tio ! Tio !
Por um milésimo de segundo, meu cérebro me pregou uma peça, e eu me preparei para ouvir um ‘Oi, !’ exatamente como no dia em que eles se encontraram pela primeira vez.
Mas é claro que eu não ouviria aquilo. Porque eu não o convidara.
Soltei o ar que estivera preso desde então, sentindo-me uma tola.
- Ah, aqui está o aniversariante! – o apanhou no colo, fazendo-o sorrir e acenar para . – Quantos anos você está fazendo, campeão?
- Quatro!
- Puxa vida, pensei que fosse cinco. – disse, parecendo ligeiramente surpreso. Ele nunca foi bom em contas mesmo. – Mas bem, aqui está um presente de todos nós. Tirando o , claro, porque ele é um puxa saco e quis te dar um presente só dele. – rolou os olhos, sussurrando com Sean. – O que está esperando, garotão? Abra para a mamãe ver que você tem os melhores tios do mundo.
Como acontecera com o presente de , Sean colocou o pacote que parecia pesado no chão com a ajuda de , que sorria tão abertamente quanto o próprio Sean. Claro que, conhecendo os amigos que tinha, não demorou para que todos ajudassem meu filho a rasgar o papel de presente colorido.
- Nintendo Wii! – Sean gritou, os olhos brilhando de alegria. – Obrigado, tio ! Obrigado, tio ! Podemos jogar agora?
- Meu querido, vocês vão ter muito tempo para jogar esse tal de Nintendo Wii. Por que você não leva seus convidados lá pra fora?
- Tá bom, mamãe. Vamos, tios. – Sean sinalizou para que nós o seguíssemos. Não pude conter uma risada ao ver aquela cena. – Meu bolo é de abacaxi com morango...
E então Sean começou uma conversa animada com , e enquanto caminhávamos para o quintal. Sean apresentou Kyle aos garotos que ele ainda não conhecia e, novamente, me peguei esperando pela reação tola que meu corpo teria caso ele dissesse o nome dele. Não sei por que, mas havia algo no modo como Sean dizia seu nome que fazia eu me sentir diferente.
Talvez fosse só coisa da minha imaginação.
Sentei-me ao lado de Margareth, observando meu filho e a aura de alegria que emanava de si, contagiando todos nós. Senti alguém sentar ao meu lado e logo reconheci , que trazia um copo de refrigerante em mãos.
- Festa de criança, bebida de criança. – Eu ri para ele, assim que entornou o conteúdo lentamente.
- É bom me manter sóbrio, às vezes. – Ele respondeu rindo, virando-se para mim e dando uma leve piscadela. Voltou-se para frente ainda rindo, observando assim como eu, e correndo atrás de Sean. – Você não poderia ter me dado sobrinho melhor que ele.
- Acho que eu não poderia ter dado tios babões melhores que vocês. Eu nunca o vi tão contente dessa maneira.
- Talvez porque vocês não eram completos sem a gente. – disse ternamente, cruzando os braços sobre os joelhos, curvando-se minimamente para frente. – Somos uma família, . E família não é completa se não estivermos um na vida do outro. Sempre fomos assim, desde aquele dia na casa da árvore. Você lembra? achou que você era um ET.
- Não, , você disse que eu era um ET. me pediu para abduzi-los, ou coisa do tipo. – Eu ri, sentindo uma sensação boa de nostalgia me dominar. Desde quando as lembranças eram tão comuns para mim? – Eu sinto falta daquele lugar.
- É uma pena que ela não esteja boa como antes. E convenhamos, não temos mais idade e nem tamanho para ficarmos numa casa na árvore.
- Vocês sempre vão ter idade pra esses tipos de coisas. – rolou os olhos, dando um leve soco em meu ombro. – E isso é bom. Não acho que iria gostar de vocês se tivessem se tornado adultos chatos e maduros.
- Hei, eu sou um adulto maduro e não sou chato.
- Tudo bem então, adulto maduro, pode me explicar o que quis dizer com 'um presente de todos nós?' – Eu já tinha quase certeza do que ele iria dizer, mas sabe quando você precisa ouvir para acreditar? Pois é, eu era assim.
- Ah é. – Ele coçou a nuca, acenando para Sean que gritou seu nome, chamando-o para se juntar na brincadeira. – Sabe, não tinha como não contar para ele. Eu divido uma casa com ele, né? Ele que deu a sugestão de comprar um vídeo game para o Sean... Eu queria dar uma guitarra, mas acho que a idéia dele foi melhor.
- É, acho que sim. – Sorri, sentindo o coração dar dois pulos apressados dentro do peito.
- sempre tem as melhores idéias. Você ser a mãe do filho dele é a prova concreta disso.
E, com dois tapas gentis em meu joelho, correu até os meninos, apanhando a bola em mãos e correndo de Sean, como uma criança feliz.
E suas palavras fixaram-se em meu cérebro, ressoando em meus tímpanos como uma gravação. Você ser a mãe do filho dele é a prova concreta disso. De alguma maneira, aquelas simples palavras me atingiram com mais profundidade do que eu poderia imaginar.
E alguma coisa, alguma coisa muito pequena e quase esquecida pulsou dentro de mim.
Mas ainda era muito cedo para lhe dar um nome.
Sean balbuciou do canteiro do jardim para onde fora arrastado meia hora atrás, e seus braços pequeninos estavam embolados diante do tronco, o semblante fechado num misto de irritação e diversão.
- Só mais algumas!
Meneei minha cabeça, rindo comigo mesma. Às vezes eu não sabia dizer se Sean era um adulto num corpo de criança, ou se Kyle era uma criança presa num corpo de adulto. Os dois brigavam, mas sempre se entendiam no fim.
Inevitavelmente, me peguei imaginando como teria sido com . Se eles brigariam por qualquer besteira ou se seriam os melhores amigos um do outro. Imaginei os dois correndo pela praia, mergulhados em um mundo só deles, um mundo de homens ligados não somente pelo sangue, mas pela cumplicidade, pelo amor.
Novamente abanei minha cabeça, tentando dissipar as imagens ilusórias que persistiam em rodar pela minha mente, sussurrando promessas de um futuro que estava longe de ser real.
Mas talvez, mesmo não querendo admitir, naquele momento eu percebi que nós – Sean e eu – não éramos tão completos assim. E eu tinha que admitir... Sean não poderia viver para sempre sem saber que tinha um pai. Um pai que estava tão próximo agora...
E que parecia disposto a consertar os erros do passado...
Não!
Não havia nada de errado na vida que levávamos. Não havia nada mais a ser consertado. Por que eu estava pensando nessas coisas? Por que eu estava cogitando a idéia de agir como se nada tivesse acontecido, como se fosse fácil dizer para minhas feridas que ‘o que passou, passou’? Não, não era fácil assim.
Por mais que eu quisesse que fossem...
Oh, céus. Você já sentiu como se sua cabeça fosse dar um nó e explodir depois? É assim que eu me sinto quando penso no meu presente, no passado e no futuro. Eu nem mesmo sei para que lado seguir! Numa hora, acho que estou certa em manter Sean afastado de , mas, em outras... Eu me acho uma bruxa egoísta e mimada.
O mundo pode acabar nesse instante?
- , querida, seus convidados chegaram! – Margareth apareceu no jardim, onde eu ainda remexia na mesa completamente arrumada, perdida em devaneios.
Sorri em resposta para Margareth, estendendo uma mão para que Sean me acompanhasse, livrando-o de sua interminável sessão de fotos. Ele pareceu grato por isso, e logo desfez a cara emburrada, saltitando ao meu lado enquanto atravessávamos os cômodos até chegar ao hall de entrada.
Com um sorriso cúmplice, permiti que Sean corresse até a porta e a abrisse para os nossos amigos. De todos seus aniversários comemorados, aquele com certeza seria seu preferido.
A porta nem terminara seu trajeto de encontro com a parede quando Sean pulou no colo de , fazendo-o cambalear minimamente para trás.
- Hei, campeão! Parabéns! – saudou, bagunçando os cabelos de Sean, jogando-o para o alto.
- Tio ! Saudades de você!
Sean soava tão sincero, que por um momento eu me senti um pouco... Angustiada. Eu estava privando aquele carisma todo de seu progenitor.
O quanto imatura eu estava sendo?
O quanto mais eu proporcionaria de dor para mim e para ele?
Eu realmente gostaria de saber.
- Hei, pequena. – me abraçou confortavelmente, como se adivinhasse que era daquilo que eu precisava naquele momento. – Como você está?
- Nesse exato momento? – Perguntei ainda em seus braços. – Sendo sufocada!
Como era de costume, me largou espalhando o som de sua gargalhada pelo ambiente. Ele não mudara nada desde que nos conhecemos.
Como se lembrasse do pacote em suas mãos naquele momento – como ele conseguira me abraçar carregando aquilo? – o estendeu para Sean, piscando maroto.
- Vamos nos divertir muito com isso ainda.
Sean, por mais educado que fosse, era como qualquer outra criança de quatro anos que acaba de ganhar um presente quase do seu tamanho; não hesitou em rasgar o papel naquele mesmo instante, sem se preocupar em levá-lo para seu quarto.
Aos poucos, um amontoado de papel rasgado se formou em volta da caixa, revelando seu presente tão misterioso. Eu mesma soltei um silvo baixo de surpresa.
- Obrigado, tio ! – Sean abraçou suas pernas, sem tirar os olhos do presente.
Aquela era uma réplica perfeita de um barco à vela, com todos os detalhes minuciosamente esculpidos na madeira envernizada. Parecia mais um artefato de coleção do que um mero brinquedo de controle remoto.
- É muito bonito, . – Eu assenti, sorrindo para ele com a felicidade de ambos.
- Será muito útil, daqui um tempo.
Franzi minimamente minhas sobrancelhas, me perguntando se eu realmente notara algum significado a mais por trás de suas palavras. Mas, antes que a dúvida fosse implantada em mim, a campainha tornou a ressoar, roubando a atenção de Sean, que correu para a porta antes que eu mesma pudesse pensar em ir até ela.
- Ele é rápido. – riu, acompanhando-me até a porta.
- Tio ! Tio !
Por um milésimo de segundo, meu cérebro me pregou uma peça, e eu me preparei para ouvir um ‘Oi, !’ exatamente como no dia em que eles se encontraram pela primeira vez.
Mas é claro que eu não ouviria aquilo. Porque eu não o convidara.
Soltei o ar que estivera preso desde então, sentindo-me uma tola.
- Ah, aqui está o aniversariante! – o apanhou no colo, fazendo-o sorrir e acenar para . – Quantos anos você está fazendo, campeão?
- Quatro!
- Puxa vida, pensei que fosse cinco. – disse, parecendo ligeiramente surpreso. Ele nunca foi bom em contas mesmo. – Mas bem, aqui está um presente de todos nós. Tirando o , claro, porque ele é um puxa saco e quis te dar um presente só dele. – rolou os olhos, sussurrando com Sean. – O que está esperando, garotão? Abra para a mamãe ver que você tem os melhores tios do mundo.
Como acontecera com o presente de , Sean colocou o pacote que parecia pesado no chão com a ajuda de , que sorria tão abertamente quanto o próprio Sean. Claro que, conhecendo os amigos que tinha, não demorou para que todos ajudassem meu filho a rasgar o papel de presente colorido.
- Nintendo Wii! – Sean gritou, os olhos brilhando de alegria. – Obrigado, tio ! Obrigado, tio ! Podemos jogar agora?
- Meu querido, vocês vão ter muito tempo para jogar esse tal de Nintendo Wii. Por que você não leva seus convidados lá pra fora?
- Tá bom, mamãe. Vamos, tios. – Sean sinalizou para que nós o seguíssemos. Não pude conter uma risada ao ver aquela cena. – Meu bolo é de abacaxi com morango...
E então Sean começou uma conversa animada com , e enquanto caminhávamos para o quintal. Sean apresentou Kyle aos garotos que ele ainda não conhecia e, novamente, me peguei esperando pela reação tola que meu corpo teria caso ele dissesse o nome dele. Não sei por que, mas havia algo no modo como Sean dizia seu nome que fazia eu me sentir diferente.
Talvez fosse só coisa da minha imaginação.
Sentei-me ao lado de Margareth, observando meu filho e a aura de alegria que emanava de si, contagiando todos nós. Senti alguém sentar ao meu lado e logo reconheci , que trazia um copo de refrigerante em mãos.
- Festa de criança, bebida de criança. – Eu ri para ele, assim que entornou o conteúdo lentamente.
- É bom me manter sóbrio, às vezes. – Ele respondeu rindo, virando-se para mim e dando uma leve piscadela. Voltou-se para frente ainda rindo, observando assim como eu, e correndo atrás de Sean. – Você não poderia ter me dado sobrinho melhor que ele.
- Acho que eu não poderia ter dado tios babões melhores que vocês. Eu nunca o vi tão contente dessa maneira.
- Talvez porque vocês não eram completos sem a gente. – disse ternamente, cruzando os braços sobre os joelhos, curvando-se minimamente para frente. – Somos uma família, . E família não é completa se não estivermos um na vida do outro. Sempre fomos assim, desde aquele dia na casa da árvore. Você lembra? achou que você era um ET.
- Não, , você disse que eu era um ET. me pediu para abduzi-los, ou coisa do tipo. – Eu ri, sentindo uma sensação boa de nostalgia me dominar. Desde quando as lembranças eram tão comuns para mim? – Eu sinto falta daquele lugar.
- É uma pena que ela não esteja boa como antes. E convenhamos, não temos mais idade e nem tamanho para ficarmos numa casa na árvore.
- Vocês sempre vão ter idade pra esses tipos de coisas. – rolou os olhos, dando um leve soco em meu ombro. – E isso é bom. Não acho que iria gostar de vocês se tivessem se tornado adultos chatos e maduros.
- Hei, eu sou um adulto maduro e não sou chato.
- Tudo bem então, adulto maduro, pode me explicar o que quis dizer com 'um presente de todos nós?' – Eu já tinha quase certeza do que ele iria dizer, mas sabe quando você precisa ouvir para acreditar? Pois é, eu era assim.
- Ah é. – Ele coçou a nuca, acenando para Sean que gritou seu nome, chamando-o para se juntar na brincadeira. – Sabe, não tinha como não contar para ele. Eu divido uma casa com ele, né? Ele que deu a sugestão de comprar um vídeo game para o Sean... Eu queria dar uma guitarra, mas acho que a idéia dele foi melhor.
- É, acho que sim. – Sorri, sentindo o coração dar dois pulos apressados dentro do peito.
- sempre tem as melhores idéias. Você ser a mãe do filho dele é a prova concreta disso.
E, com dois tapas gentis em meu joelho, correu até os meninos, apanhando a bola em mãos e correndo de Sean, como uma criança feliz.
E suas palavras fixaram-se em meu cérebro, ressoando em meus tímpanos como uma gravação. Você ser a mãe do filho dele é a prova concreta disso. De alguma maneira, aquelas simples palavras me atingiram com mais profundidade do que eu poderia imaginar.
E alguma coisa, alguma coisa muito pequena e quase esquecida pulsou dentro de mim.
Mas ainda era muito cedo para lhe dar um nome.
Chapter Eighteen
Aquele seria o primeiro dia de Sean na escolinha.
Meu filho saltitava impaciente entre minhas pernas, enquanto eu terminava de arrumar seu uniforme azul marinho. Ficamos alguns minutos no ciclo interminável de eu arrumar seus cabelos e ele bagunçar de um jeito muito fofo, com um sorriso sapeca nos lábios.
- Tudo bem, você venceu. – Atirei a escova para trás, que caiu suavemente na cama. – Não vou arrumar seus cabelos.
- Obrigado, mamãe.
- Como se sente? Nervoso? Ansioso? Com medo?
Mordisquei meu lábio, porque era exatamente daquela maneira que eu me sentia. Era estranho e maravilhoso ao mesmo tempo, ter noção de que meu filho está crescendo. E também é um tanto assustador perceber que isso está acontecendo com mais rapidez do que eu realmente gostaria. Ainda me lembro da primeira vez em que o coloquei em meus braços, tão pequenino e indefeso... Acho que por ter ele sempre comigo, embrulhado numa bolha que se resumia em apenas nós dois, havia perdido a noção do tempo. Mas agora era hora dele conhecer outras crianças, aprimorar suas qualidades e conhecer um mundo além das paredes de nossa casa e da casa de Margareth. Por mais que esteja com um nozinho no coração, não posso monopolizar Sean apenas para mim. Não quero que ele cresça isolado, ofuscando seu brilho próprio.
Sean foi feito pro mundo, assim como os filhos de outras pessoas também.
- Não sei, mamãe. Sinto cosquinha na barriga. – Ele fez uma careta, enrugando o nariz. – Mas é bom. Você vai me buscar quando?
- No finalzinho da tarde, está bem? Acha que pode agüentar até lá?
- Não vou ter que dormir lá?
Tombei a cabeça minimamente para o lado, abraçando Sean e rindo ternamente.
- Não, meu querido! A escolinha é um lugar onde você aprende muitas coisas legais. Você vai conhecer um monte de amiguinhos, vai brincar bastante, mas só por algumas horas.
- Acho que vou gostar da escolinha.
- Eu tenho certeza que vai.
- Nós vamos agora? – Ele ajeitou a alça da mochila em suas costas, olhando-me com curiosidade e expectativa. – A gente não pode ir ver o tio antes?
- Oh, meu amor, não vai dar tempo. – Olhei pro relógio em meu pulso, constatando que ambos estávamos atrasados. – No sábado poderemos vê-lo, ok?
- Sábado tá longe?
- Um pouquinho.
- Ah. – Sean soltou um pequeno muxoxo, mas logo sorriu, apanhando sua lancheira e me puxando pela mão. – Vamos logo, mamãe!
Sean e suas mudanças repentinas de humor.
~*~
- E como ele reagiu?
- Você tinha que ver, Ky! Ele estava tão radiante! Quando viu aquele tanto de criança junta chegou a me perguntar se não tínhamos errado o caminho e ido para alguma festa. – Kyle riu divertido e eu o acompanhei. – Só agora percebo o quão solitário meu filho era. Digo, de pessoas com a idade dele.
- Você deveria dar um irmãozinho pra ele.
- Claro, claro. E você se disponibilizaria para ser o papai?
- Não, mas eu conheço alguém que poderia.
Senti todo o sangue se acumular em minhas bochechas, inevitavelmente. Kyle era tão descarado em certos momentos que às vezes eu me esquecia que não deveria dar continuidade a algumas conversas. Creio que ele não possuía aquele filtro que separa o que devemos falar ou não. Se ele era assim sóbrio, imagina embriagado.
- Imagina, ! Um outro Seanzinho? Ou outra zinha? Awn, como seria lindo!
- Aham, claro. – Pisquei desconcertada porque, de alguma maneira, aquela conversa começou a seguir outros rumos dentro de minha mente. Uma parte muito insana dela, devo dizer. – O que temos que fazer hoje?
- Você foge do assunto como eu fujo de mulher. Eu hein.
- Não estou fugindo, estou querendo trabalhar. – Sorri gentil, afagando sua barba por fazer. – E você não foge de mim.
- Claro, né, amor. Você não tenta dar em cima de mim 24 horas por dia. E além do mais, se eu fugisse, quem botaria juízo nessa sua cabecinha oca?
- Eu sou muito ajuizada, está bem?
- Claro, claro. – Estreitei meus olhos com o sorriso sarcástico de Kyle, dando de ombros em seguida. – Então vamos lá, senhora eu-sou-responsável-e-não-sei-me-divertir.
Rolei meus olhos, procurando pelo celular que tocava insistente em minha bolsa. Bufei ao ver o número piscando na tela, rolando os olhos mais uma vez. Aquele número tocava em meu celular pelo menos duas vezes por semana. Não tinha identificação, mas eu já sabia de onde era.
- Por que não vai atender? – Kyle perguntou quando rejeitei a chamada, desligando o celular e jogando-o de volta na bolsa.
- Lembra do artigo no jornal? Aquele de uns tempos atrás onde dizia que eu e éramos namorados? Meu celular não parou de tocar depois disso. – Bufei. – Eu sinceramente não sei como eles descobriram meu número!
- Era da tecnologia, meu amor. – Kyle estalou os dedos fazendo um movimento engraçado com sua cabeça. Kyle era tão gay quando queria. Não que eu me importasse, é claro. – Se você estiver na Colômbia e tiver um telefone, eles vão te encontrar.
- Acho que o jeito é ir morar numa caverna. – Ironizei.
- Ou você pode dar uma entrevista e dizer que seu grande amor não é o e sim o outro integrante do McFly, vulgo, . A não ser, é claro, que você tenha mudado de opinião...
- Você pode parar por um minuto e conversar comigo direito?
- Mas eu estou conversando. E abrindo seus olhos, criatura.
- Estou com os olhos bem abertos.
- Não tanto quanto precisa. é um bom partido, sabe? E eu acho que...
Eu não ouvi nada depois do ‘eu acho que’ porque, infantilmente, coloquei os fones de meu iPod em meus ouvidos e liguei a música no volume máximo.
Kyle não ficou muito contente com isso.
Mas pelo menos a bola em meu estômago parou de se remexer quando aquela conversa teve um fim.
Um fim temporário.
No final de tarde, como eu havia prometido, eu estava lá na porta da escolinha de Sean. Meu coração palpitou alucinado, como se fizesse meses que eu não via meu pequeno garoto. É, eu sei, sou uma mãe babona. Não demorou muito para que eu visualizasse os cabelos claros de Sean e seu sorriso cheio de alegria. E acredita que ele vinha de mãos dadas com uma menina que parecia uma bonequinha de porcelana? Os cachinhos arruivados dela balançavam de um lado para o outro conforme os dois se aproximavam sorridentes.
- Mamãe! – Ele gritou ao me ver acenando em sua direção, e correu até mim, trazendo sua amiguinha junto. – Mamãe, essa é a Eveline! Diz oi pra ela, mamãe!
- Olá, Eveline! – Me ajoelhei diante dos dois, que permaneciam de mãos dadas com sorrisos sapecas. Ela pareceu tímida no primeiro momento, mas depois de dirigir seu olhar para Sean e este lhe sorrir animador, ela me lançou um sorriso enorme, passando os dedinhos pelos meus cabelos. – Oh, vejo que você e Sean possuem um gosto em comum.
- Seu cabelo é bonito, tia. Posso te chamar de tia, né?
- Oh, claro que pode, Eveline. Tia .
- Eu tenho um monte de tio também, Eve. Mas não tenho nenhuma tia. Sua mamãe vem te buscar? Será que ela deixa eu chamar ela de tia?
- Não tenho mamãe. – Eve balançou a cabeça negativamente, os olhos perdendo um pouco de seu brilho esverdeado. – Ela foi morar no céu quando eu nasci. Mas eu tenho meu papai.
- Você tem pai? – Sean perguntou de uma forma esquisita e aquele bolo em meu estômago subiu para a garganta. – O que é isso?
- Sean, querido, vamos nos despedir da Eve agora?
- Eu vou ver ela amanhã de novo? – Ele questionou com certa angústia na voz.
- Claro, meu amor. Vocês irão se ver muitas vezes ainda.
- Ah, então tá bom. – Sean depositou um beijo estalado na bochecha de Eveline, que ficou sem graça de uma forma que me fez rir. – Até amanhã, amiguinha!
Eveline sorriu, correndo na direção oposta à nossa, agarrando-se nas pernas daquele que deveria ser seu pai, que assentiu para mim e para Sean quando Eveline se despediu antes de entrar no carro. Sean ficou alguns segundos com o olhar preso no carro prata que se distanciava, ignorando minha mão estendida para si.
- Vamos, meu pequeno?
Sean piscou para mim, acenando com a cabeça e correndo para o carro. Troquei algumas palavras com a professora dele que me assegurou que ele se saiu muito bem para seu primeiro dia. Por mais que eu estivesse me sentindo um pouco insegura com aquela nova experiência para nós dois, eu sabia que ele se sairia mais do que bem.
Não era porque ele era meu filho, mas Sean era uma criança excepcional.
Na volta para casa, paramos no mercado para reabastecer nossa dispensa. Sean parecia meio aéreo observando as coisas ao nosso redor e eu acreditei ser por causa do cansaço. Era muita descoberta para um único dia e conhecendo o filho que tinha, sabia que ele não pararia enquanto não saciasse toda sua sede de exploração por aquele ambiente novo.
De volta ao carro, enquanto comia seus biscoitos observando os outros carros passando por nós, Sean me chamou a atenção. E alguma coisa em meu coração de mãe pressentiu que aquele seria um momento bem delicado.
- Mamãe? – Ele não me esperou responder, já emendando o restante de sua pergunta. – Por que eu não tenho um papai também?
Sabe aquela sensação de que estão alfinetando seu coração repetidas e incessantes vezes? E a dor é tão profunda que você sente o ar lhe faltar e a cabeça girar?
Era exatamente assim que eu poderia descrever o que eu estava sentindo enquanto fitava seus olhos pelo retrovisor.
Queimando lentamente numa fogueira que inescrupulosamente lambe todas as partes de meu ser sem misericórdia. Eu me sentia incapaz de formular uma frase coerente.
Pisquei repetidas vezes para afastar a ardência que previa as lágrimas. Eu não queria chorar. Eu não devia chorar. Ainda sem saber o que fazer, desviei o assunto com um sorriso murcho, voltando minha atenção para o trânsito.
- Sean, meu amor, tudo que você precisa saber agora, é que eu te amo muito. Mais do que muito.
- Sean também ama você, mamãe.
E aquilo foi o bastante para que ele se distraísse. Mas como tudo andava sendo em minha vida, eu tinha certeza de que não duraria para sempre.
Quando chegamos em casa e depois que guardamos nossas compras, Sean foi vencido pelo cansaço e adormeceu em meu colo. Eu ainda estava com a sensação de estar sendo perfurada por todos os ângulos de meu coração. Com um beijo que carregava além de um doce boa noite, deixei Sean em seu quarto e mecanicamente, segui para o meu.
Só parei de agir no automático quando a água morna do chuveiro escorreu pelo corpo, trazendo de volta um pouco de minha sanidade. E, encolhida numa bola, as palavras de Sean ecoavam em minha mente, derrubando lágrimas e mais lágrimas que se misturavam com a água que não parecia aliviar a dor em mim.
O que eu diria da próxima vez que ele me fizesse a mesma pergunta?
Meu filho saltitava impaciente entre minhas pernas, enquanto eu terminava de arrumar seu uniforme azul marinho. Ficamos alguns minutos no ciclo interminável de eu arrumar seus cabelos e ele bagunçar de um jeito muito fofo, com um sorriso sapeca nos lábios.
- Tudo bem, você venceu. – Atirei a escova para trás, que caiu suavemente na cama. – Não vou arrumar seus cabelos.
- Obrigado, mamãe.
- Como se sente? Nervoso? Ansioso? Com medo?
Mordisquei meu lábio, porque era exatamente daquela maneira que eu me sentia. Era estranho e maravilhoso ao mesmo tempo, ter noção de que meu filho está crescendo. E também é um tanto assustador perceber que isso está acontecendo com mais rapidez do que eu realmente gostaria. Ainda me lembro da primeira vez em que o coloquei em meus braços, tão pequenino e indefeso... Acho que por ter ele sempre comigo, embrulhado numa bolha que se resumia em apenas nós dois, havia perdido a noção do tempo. Mas agora era hora dele conhecer outras crianças, aprimorar suas qualidades e conhecer um mundo além das paredes de nossa casa e da casa de Margareth. Por mais que esteja com um nozinho no coração, não posso monopolizar Sean apenas para mim. Não quero que ele cresça isolado, ofuscando seu brilho próprio.
Sean foi feito pro mundo, assim como os filhos de outras pessoas também.
- Não sei, mamãe. Sinto cosquinha na barriga. – Ele fez uma careta, enrugando o nariz. – Mas é bom. Você vai me buscar quando?
- No finalzinho da tarde, está bem? Acha que pode agüentar até lá?
- Não vou ter que dormir lá?
Tombei a cabeça minimamente para o lado, abraçando Sean e rindo ternamente.
- Não, meu querido! A escolinha é um lugar onde você aprende muitas coisas legais. Você vai conhecer um monte de amiguinhos, vai brincar bastante, mas só por algumas horas.
- Acho que vou gostar da escolinha.
- Eu tenho certeza que vai.
- Nós vamos agora? – Ele ajeitou a alça da mochila em suas costas, olhando-me com curiosidade e expectativa. – A gente não pode ir ver o tio antes?
- Oh, meu amor, não vai dar tempo. – Olhei pro relógio em meu pulso, constatando que ambos estávamos atrasados. – No sábado poderemos vê-lo, ok?
- Sábado tá longe?
- Um pouquinho.
- Ah. – Sean soltou um pequeno muxoxo, mas logo sorriu, apanhando sua lancheira e me puxando pela mão. – Vamos logo, mamãe!
Sean e suas mudanças repentinas de humor.
- E como ele reagiu?
- Você tinha que ver, Ky! Ele estava tão radiante! Quando viu aquele tanto de criança junta chegou a me perguntar se não tínhamos errado o caminho e ido para alguma festa. – Kyle riu divertido e eu o acompanhei. – Só agora percebo o quão solitário meu filho era. Digo, de pessoas com a idade dele.
- Você deveria dar um irmãozinho pra ele.
- Claro, claro. E você se disponibilizaria para ser o papai?
- Não, mas eu conheço alguém que poderia.
Senti todo o sangue se acumular em minhas bochechas, inevitavelmente. Kyle era tão descarado em certos momentos que às vezes eu me esquecia que não deveria dar continuidade a algumas conversas. Creio que ele não possuía aquele filtro que separa o que devemos falar ou não. Se ele era assim sóbrio, imagina embriagado.
- Imagina, ! Um outro Seanzinho? Ou outra zinha? Awn, como seria lindo!
- Aham, claro. – Pisquei desconcertada porque, de alguma maneira, aquela conversa começou a seguir outros rumos dentro de minha mente. Uma parte muito insana dela, devo dizer. – O que temos que fazer hoje?
- Você foge do assunto como eu fujo de mulher. Eu hein.
- Não estou fugindo, estou querendo trabalhar. – Sorri gentil, afagando sua barba por fazer. – E você não foge de mim.
- Claro, né, amor. Você não tenta dar em cima de mim 24 horas por dia. E além do mais, se eu fugisse, quem botaria juízo nessa sua cabecinha oca?
- Eu sou muito ajuizada, está bem?
- Claro, claro. – Estreitei meus olhos com o sorriso sarcástico de Kyle, dando de ombros em seguida. – Então vamos lá, senhora eu-sou-responsável-e-não-sei-me-divertir.
Rolei meus olhos, procurando pelo celular que tocava insistente em minha bolsa. Bufei ao ver o número piscando na tela, rolando os olhos mais uma vez. Aquele número tocava em meu celular pelo menos duas vezes por semana. Não tinha identificação, mas eu já sabia de onde era.
- Por que não vai atender? – Kyle perguntou quando rejeitei a chamada, desligando o celular e jogando-o de volta na bolsa.
- Lembra do artigo no jornal? Aquele de uns tempos atrás onde dizia que eu e éramos namorados? Meu celular não parou de tocar depois disso. – Bufei. – Eu sinceramente não sei como eles descobriram meu número!
- Era da tecnologia, meu amor. – Kyle estalou os dedos fazendo um movimento engraçado com sua cabeça. Kyle era tão gay quando queria. Não que eu me importasse, é claro. – Se você estiver na Colômbia e tiver um telefone, eles vão te encontrar.
- Acho que o jeito é ir morar numa caverna. – Ironizei.
- Ou você pode dar uma entrevista e dizer que seu grande amor não é o e sim o outro integrante do McFly, vulgo, . A não ser, é claro, que você tenha mudado de opinião...
- Você pode parar por um minuto e conversar comigo direito?
- Mas eu estou conversando. E abrindo seus olhos, criatura.
- Estou com os olhos bem abertos.
- Não tanto quanto precisa. é um bom partido, sabe? E eu acho que...
Eu não ouvi nada depois do ‘eu acho que’ porque, infantilmente, coloquei os fones de meu iPod em meus ouvidos e liguei a música no volume máximo.
Kyle não ficou muito contente com isso.
Mas pelo menos a bola em meu estômago parou de se remexer quando aquela conversa teve um fim.
Um fim temporário.
No final de tarde, como eu havia prometido, eu estava lá na porta da escolinha de Sean. Meu coração palpitou alucinado, como se fizesse meses que eu não via meu pequeno garoto. É, eu sei, sou uma mãe babona. Não demorou muito para que eu visualizasse os cabelos claros de Sean e seu sorriso cheio de alegria. E acredita que ele vinha de mãos dadas com uma menina que parecia uma bonequinha de porcelana? Os cachinhos arruivados dela balançavam de um lado para o outro conforme os dois se aproximavam sorridentes.
- Mamãe! – Ele gritou ao me ver acenando em sua direção, e correu até mim, trazendo sua amiguinha junto. – Mamãe, essa é a Eveline! Diz oi pra ela, mamãe!
- Olá, Eveline! – Me ajoelhei diante dos dois, que permaneciam de mãos dadas com sorrisos sapecas. Ela pareceu tímida no primeiro momento, mas depois de dirigir seu olhar para Sean e este lhe sorrir animador, ela me lançou um sorriso enorme, passando os dedinhos pelos meus cabelos. – Oh, vejo que você e Sean possuem um gosto em comum.
- Seu cabelo é bonito, tia. Posso te chamar de tia, né?
- Oh, claro que pode, Eveline. Tia .
- Eu tenho um monte de tio também, Eve. Mas não tenho nenhuma tia. Sua mamãe vem te buscar? Será que ela deixa eu chamar ela de tia?
- Não tenho mamãe. – Eve balançou a cabeça negativamente, os olhos perdendo um pouco de seu brilho esverdeado. – Ela foi morar no céu quando eu nasci. Mas eu tenho meu papai.
- Você tem pai? – Sean perguntou de uma forma esquisita e aquele bolo em meu estômago subiu para a garganta. – O que é isso?
- Sean, querido, vamos nos despedir da Eve agora?
- Eu vou ver ela amanhã de novo? – Ele questionou com certa angústia na voz.
- Claro, meu amor. Vocês irão se ver muitas vezes ainda.
- Ah, então tá bom. – Sean depositou um beijo estalado na bochecha de Eveline, que ficou sem graça de uma forma que me fez rir. – Até amanhã, amiguinha!
Eveline sorriu, correndo na direção oposta à nossa, agarrando-se nas pernas daquele que deveria ser seu pai, que assentiu para mim e para Sean quando Eveline se despediu antes de entrar no carro. Sean ficou alguns segundos com o olhar preso no carro prata que se distanciava, ignorando minha mão estendida para si.
- Vamos, meu pequeno?
Sean piscou para mim, acenando com a cabeça e correndo para o carro. Troquei algumas palavras com a professora dele que me assegurou que ele se saiu muito bem para seu primeiro dia. Por mais que eu estivesse me sentindo um pouco insegura com aquela nova experiência para nós dois, eu sabia que ele se sairia mais do que bem.
Não era porque ele era meu filho, mas Sean era uma criança excepcional.
Na volta para casa, paramos no mercado para reabastecer nossa dispensa. Sean parecia meio aéreo observando as coisas ao nosso redor e eu acreditei ser por causa do cansaço. Era muita descoberta para um único dia e conhecendo o filho que tinha, sabia que ele não pararia enquanto não saciasse toda sua sede de exploração por aquele ambiente novo.
De volta ao carro, enquanto comia seus biscoitos observando os outros carros passando por nós, Sean me chamou a atenção. E alguma coisa em meu coração de mãe pressentiu que aquele seria um momento bem delicado.
- Mamãe? – Ele não me esperou responder, já emendando o restante de sua pergunta. – Por que eu não tenho um papai também?
Sabe aquela sensação de que estão alfinetando seu coração repetidas e incessantes vezes? E a dor é tão profunda que você sente o ar lhe faltar e a cabeça girar?
Era exatamente assim que eu poderia descrever o que eu estava sentindo enquanto fitava seus olhos pelo retrovisor.
Queimando lentamente numa fogueira que inescrupulosamente lambe todas as partes de meu ser sem misericórdia. Eu me sentia incapaz de formular uma frase coerente.
Pisquei repetidas vezes para afastar a ardência que previa as lágrimas. Eu não queria chorar. Eu não devia chorar. Ainda sem saber o que fazer, desviei o assunto com um sorriso murcho, voltando minha atenção para o trânsito.
- Sean, meu amor, tudo que você precisa saber agora, é que eu te amo muito. Mais do que muito.
- Sean também ama você, mamãe.
E aquilo foi o bastante para que ele se distraísse. Mas como tudo andava sendo em minha vida, eu tinha certeza de que não duraria para sempre.
Quando chegamos em casa e depois que guardamos nossas compras, Sean foi vencido pelo cansaço e adormeceu em meu colo. Eu ainda estava com a sensação de estar sendo perfurada por todos os ângulos de meu coração. Com um beijo que carregava além de um doce boa noite, deixei Sean em seu quarto e mecanicamente, segui para o meu.
Só parei de agir no automático quando a água morna do chuveiro escorreu pelo corpo, trazendo de volta um pouco de minha sanidade. E, encolhida numa bola, as palavras de Sean ecoavam em minha mente, derrubando lágrimas e mais lágrimas que se misturavam com a água que não parecia aliviar a dor em mim.
O que eu diria da próxima vez que ele me fizesse a mesma pergunta?
Chapter Nineteen
Amanheceu.
E parecia que eu tinha acabado de fechar os olhos.
E era sempre da mesma forma, há três semanas seguidas. Eu acordava mais exausta do que quando ia dormir, deixava Sean na escolinha e as horas pareciam se arrastar dentro do estúdio. Na hora de ir buscá-lo, a sensação de angústia me dominava sempre que Sean olhava com um brilho diferente os pais de seus amiguinhos. E embora ele tenha passado a observar mais outras crianças aonde quer que nós fôssemos, não retomou a fazer perguntas que eu não tinha respostas.
Embora eu as tivesse e só não quisesse admitir.
Eu tinha medo. Medo da verdade. Medo de como Sean reagiria. Medo das conseqüências.
Talvez até medo de perdê-lo.
- Mamãe, nós podemos ir ver o tio ?
- Está tarde, meu amor.
- E o tio ?
- Também está tarde.
- O tio ?
- Sean, amor, - ri preguiçosamente, afagando seus cabelos assim que terminara de estacionar o carro na garagem. – é tarde para ver qualquer um deles agora.
- Mas eu estou com saudades... – Ele fez bico, os olhos marejados. – Faz tempo!
- Tudo bem, acho que não está tão tarde para uma ligação.
Em disparada, Sean desceu do carro arrastando sua mochila pela alça, pipocando na porta de entrada. Rolei os olhos com meu filho bipolar. Num segundo, ele estava prestes a chorar e no outro, parece um pequeno canguru. É, acho que ele teve a quem puxar.
Mal terminei de girar a maçaneta, Sean correu para dentro como um foguete, largando sua mochila pelo caminho. E vê-lo sorrindo foi como uma pequena centelha que trouxe paz para meu coração, que andava tão acabado naqueles últimos dias. Desde quando o reencontrara...
Céus! Fazia quanto tempo desde que reencontrara ?
Um mês.
Um mês completo e parecia que toda uma vida se revirou desde então.
Como aquilo era possível?
- Anda, mamãe, senão o tio vai dormir!
Apanhei o telefone de suas mãozinhas, sentando-me no sofá com ele em meu colo enquanto discava os números da casa de . O mesmo o atendeu no terceiro toque. E como fora com Sean, ouvir sua voz amiga fez meu coração esquentar brevemente. Foi como tirar por alguns segundos, um peso enorme de meus ombros. Mas eu sabia que logo tudo voltaria a cair sobre mim, quando o telefone voltasse para o gancho e minha cabeça repousasse sobre o travesseiro.
- !
- ! – Ele respondeu tolamente, fazendo-me rir. – Quanto tempo, pequena! Como está? - Estou... Bem. – Vamos lá, , você pode fazer melhor que isso. – Ótima, na verdade! E você, o que anda aprontando de bom?
- Ah, você sabe, quando eu apronto, não é nada bom. – riu divertido. Sean quicava impaciente em meu colo, agitando a mão para mim. – E o Sean, como está?
- Bem impaciente. Ele que pediu para te ligar, disse que estava com saudades.
- Oras, então me deixe falar com ele!
Despedi-me de , entregando o telefone para a mão agitada de Sean, ajeitando-o em meu colo enquanto ele começava uma lista minuciosa de tudo que aprendera na escolinha até agora. Liguei a televisão e encostei minha cabeça no respaldo do sofá, afagando os cabelos de Sean, ouvindo distraidamente o que eles conversavam.
Sean começou o relato do dia em que tentou me ensinar a jogar o tal de nintendo wii e eu pude ouvir a gargalhada de quando meu filho contou que eu quase joguei o controle pela janela. Rolei os olhos, fechando-os depois. Pelo visto, a conversa não acabaria tão cedo.
- Tio ? – Sean fez uma pausa incerta e eu apenas relaxei um pouco mais no sofá. – O é legal? Porque eu acho que ele parece ser.
Eu pensei estar sonhando. Mas, ao abrir meus olhos e ver que Sean ainda estava ao telefone, tive a certeza de que ouvira cada palavra que saíra de sua boca. Era a segunda vez que Sean dizia o seu nome e era a segunda vez que ele não incluíra o tio na frente dele.
Silêncio. Eu mal respirava enquanto Sean apenas assentia com a cabeça. E depois, ouvi apenas um sim vindo dele.
Sim o quê, Sean?
Ele respondeu antes de eu pensar em pronunciar minha pergunta.
- Oi, !
Respira. Eu tinha que respirar.
Mas eu não conseguia.
Deus, cadê o ar do planeta?
O quão irreal aquilo parecia? Muito. Minha mente não formulava nada, sequer me lembrava qual era o dia ou mês do ano e com quem Sean estava falando antes de pronunciar aquelas duas palavras que roubaram meu oxigênio. Oi, ! Sean estava... Estava no telefone com ele?
Mas... como?
Eu me senti extremamente confusa naquele momento.
- Ah, o meu dia foi legal também. Eu fui pra escolinha, aprendi a escrever meu nome! E o da mamãe também. Minha professora se chama Jasmim e mamãe disse que o nome dela é de uma flor. Você já viu a flor Jasmim? Eu acho que deve ter a cara da minha professora...
Sean conversava animado e o ar ainda se recusava a circular por meu cérebro.
Eu sentia Sean em meu colo e minhas mãos em torno de suas pernas, mas eu não conseguia me mover. Era como se eu visse a cena toda de fora, como se aquela que estava tendo o momento mais surreal de sua vida não fosse eu.
- Ah, eu também aprendi a escrever o nome do tio Kyle. Minha professora queria me ensinar a escrever o nome do meu papai, mas eu não sei se tenho um...
“E por quanto tempo mais você vai sentir raiva, ? Algum dia pode ser tarde demais, depois.”
E então, naquele momento eu percebi insanamente, que não queria que fosse tarde demais depois. Estendi a mão para Sean, que me entregou o telefone um pouco relutante. Seus olhos me olhavam como se nunca tivessem me visto antes.
Minha cara não deveria estar boa.
- ?
Silêncio. Parecia que as batidas de meu coração vinham do outro lado do telefone de tão alto que ele batia em meus tímpanos. Ou talvez fosse um reflexo do próprio coração daquele que prendia a respiração do outro lado da linha. Por fim, um suspiro fraco precedeu sua voz rouca.
- Desculpe por isso, e-eu não queria...
- Será que a gente pode se encontrar amanhã? – Interrompi o que ele falava, porque nada parecia mais importante do que a decisão que acabara de tomar. – Pra conversar?
Já disse que o silêncio estava ficando repetitivo naquela conversa?
Esperei pacientemente que ele se desse conta de que eu realmente pedira aquilo. Eu sabia como ele estava se sentindo, porque era da mesma maneira que eu me sentia. Chocada com minhas palavras. - C-claro.
- Bom. Quer dizer, que bom. Então... – Pigarreei para que a voz não saísse tão trêmula quanto minhas mãos estavam naquele momento. – A gente se vê amanhã?
- Tudo bem então. Você quer que eu vá até aí?
- Sim, por favor. pode te dar o endereço. E-eu tenho que desligar agora. Preciso colocar Sean para dormir.
- Claro, claro. Posso... Falar com ele antes?
- Tudo bem. – Entreguei o telefone para Sean e o deixei sentado no sofá enquanto eles se davam boa noite.
Meu corpo inteiro tremia quando cheguei à cozinha, enchendo um copo com água e entornando-o de uma única vez. Aos poucos, meu cérebro voltou a funcionar normalmente e esperei que o arrependimento por ter agido impulsivamente me abatesse.
Imprevisivelmente, não foi nada do que eu senti.
Pela primeira vez depois de quatro anos, o buraco em meu coração pareceu estar menor.
~*~
O serviço estava fraco no estúdio e percebendo minha inquietação – que andava pior do que nos outros dias – Kyle me dispensou na hora do almoço, sem questionar meu comportamento. Naquele momento quis contar o porquê, mas talvez fosse piorar meu estado, já que teria que entrar em detalhes e era exatamente aquilo que eu estava tentando evitar.
Pensar que dali algumas horas eu estaria frente a frente com novamente. Só que dessa vez eu estaria preparada. Ou quase.
Havíamos combinado que ele estaria em minha casa quando eu fosse buscar Sean, mas eu não agüentaria até o final da tarde daquela maneira. Eu sabia que a coragem não me deixaria, mas talvez a ansiedade fosse me matar.
Soltei um suspiro pesado, jogando-me no sofá em minha sala, pensando no que fazer. Eu queria adiar aquele encontro, mas não tinha seu número. Até passou pela minha cabeça ligar para e pedir, mas naquele momento me pareceu embaraçoso até falar com ele sobre isso. Foi então que eu me lembrei de . Eles moravam juntos! Com sorte, atenderia ao telefone e me livraria de ter que explicar o motivo de minha mudança repentina para .
Como eu explicaria uma coisa que nem eu mesma entendia?
Decidida, vasculhei minha agenda em busca do telefone dele. Meus dentes arranhavam a ponta de minhas unhas enquanto esperava alguém me atender.
Estava pronta para desligar quando no último toque, ele atendeu.
Seria tão patético dizer que engasguei com minha própria voz ao ouvir a sua?
- Hey, . – Rolei os olhos, me sentindo uma idiota. – Como está?
- ?
Deixa-me tentar explicar para você o que acontece comigo quando ele me chama pelo apelido. Eu me sinto como uma adolescente novamente. Como aquela adolescente que ele conheceu. E o mais estranho de tudo isso, é que ainda assim, eu me sinto vazia.
Eu vou mentir se disser que fogos de artifícios eclodem dentro de mim nesse momento, porque não, eu não sinto nada disso. Está mais perto da satisfação de estar fazendo o que é o certo. A teoria que acabo de formular agora é que, meu amor por Sean anulou a mágoa que eu tinha por porque de uma forma bem bizarra, Sean gosta dele. E se Sean gosta de seu pai sem ao menos saber disso, é um sinal de que nem tudo precisa ter uma explicação lógica.
Como se a cortina que tampava o que era sensato se diluísse no ar, percebi que não podia culpar por ele ter sentido medo. Também percebi que estava prejudicando meu filho com a ausência de um pai que queria se aproximar. Eu não podia ser mais egoísta. Não se isso fosse machucar Sean.
Então, eu estava fazendo aquilo tudo por meu filho, pelo nosso filho. Pelo futuro feliz dele.
Foi quase como um alívio perceber que eu não fazia aquilo por ter esperanças de que pudéssemos ficar juntos de novo. E que eu não fugira dele por ainda sentir alguma coisa e, sim, por não saber lidar com meus ressentimentos.
Eu estava crente em minha teoria.
- Sim, sou eu. – Sorri minimamente. – Está muito ocupado?
- Bem, não. Aconteceu alguma coisa?
- É que eu vou sair mais cedo do trabalho hoje, será que a gente pode almoçar?
Eu tive vontade de rir de sua insegurança clara em seu silêncio toda vez que eu terminava uma frase. Talvez ele estivesse achando que eu virei uma maníaca e que estivesse armando alguma coisa, ou talvez achasse que estava tendo um sonho. Qualquer que fosse a opção, ele parecia não estar acreditando no que estava acontecendo.
- A gente se encontra onde?
- Ahn, na verdade tem um café aqui perto do estúdio. Quer que eu te passe o endereço?
concordou, anotando as coordenadas e se despedindo em seguida.
Pela milésima vez naquele dia, tomei uma grande quantidade de ar e esperei o arrependimento dar seus sinais. Mas, naquela altura, eu já havia me convencido de que não me arrependeria.
Não tão cedo, pelo menos.
Exatos trinta minutos depois que desligamos o telefone, a figura dele apareceu em meu campo de visão. Acenei singelamente quando ele passou os olhos pelo pequeno café, sorrindo hesitante conforme se aproximava. E novamente, aquela sensação de voltar no tempo me atingiu quando seu perfume me rodeou. Continuava o mesmo.
- Oi, .
Dizer seu nome naquela situação me fez sentir engraçada. Não da maneira de fazer rir, mas como se alguma coisa borbulhasse em alguma parte do meu corpo. E isso me dava vontade de sorrir.
- Eu sei que pode parecer estranho pra você essa situação toda, - comecei num tom suave que surpreendeu até a mim mesma. – mas acredite, é do fundo do meu coração que eu te chamei até aqui.
- Ainda estou me perguntando se isso é algum tipo de brincadeira. – Ele sorriu, meneando a cabeça sem jeito. – Eu ainda não consegui assimilar tudo isso, sabe?
- Nem eu, , nem eu.
Pela primeira vez depois de quatro anos, sorrimos juntos novamente. Como peças que se encaixam sem forçar nada. Era natural como respirar.
cruzou os braços de forma descontraída sobre a mesa, assentindo com algum pensamento seu. Distraidamente, analisei sua figura. Assim como os outros, ainda parecia o mesmo. Os mesmos olhos cativantes, o sorriso iluminado e os cabelos bagunçados.
Era fácil e simples como descrever ou .
Isso era um bom sinal.
Isso era um bom sinal?
Nosso minuto silencioso foi cortado pelo garçom que chegou até nossa mesa, anotando nossos pedidos com um sorriso deslumbrado nos lábios. Era estranho ver que para os outros, era um artista famoso e que, para mim, ele ainda era aquele garoto que sonhava em ter uma banda com os amigos. Eu acho que nunca conseguiria vê-los daquela maneira. Como se eles fossem diferentes do resto do mundo.
- É um bom lugar, esse aqui. – Ele disse, observando o ambiente ao nosso redor. Acompanhei seu olhar, captando a mensagem.
- Sem muitas fãs histéricas e nem paparazzis alucinados. – Eu ri e ele sorriu. – Eu gosto desse lugar. É bem tranqüilo.
- Fico feliz que tenha me trazido num lugar que você goste.
- Bem, eu não queria que chamássemos muita atenção, né. – Tudo bem, vamos evitar certos tipos de assuntos que envolvam muitos sentimentos. Suspirei fraquinho e pigarreei para dar início à nossa importante conversa. entendeu o sinal e fixou seus olhos atentos em mim. – , eu te chamei aqui porque eu... Bem, isso é mais complexo do que eu imaginei que seria. Então, não me ache uma maluca quando eu terminar de falar, está bem? – Ele concordou, sorrindo mais abertamente, como se quisesse me confortar. E de certa maneira ele conseguiu. – Ontem eu percebi o quão tola eu estava sendo. Quero dizer, eu ia acabar embolando ainda mais essa história e você sabe que eu não gosto de me sentir assim. Eu nunca soube lidar bem com meus sentimentos e acho que isso não mudou muito. Mas acontece que, de alguma forma, compreendi que o passado não importa mais. As coisas ruins dele, sabe? Eu realmente estou disposta a esquecer.
- Esquecer...?
- Esquecer que você errou, mas que eu errei também. Não dei chance para você digerir a notícia e, bem, acabamos aqui, agindo como desconhecidos. Mas, como eu disse, o que passou, não importa mais.
- Eu morri e estou no céu? – brincou, mas parecia acreditar em alguma coisa bem próxima daquilo.
- Bem, só se eu tiver morrido também, né? – Rolei os olhos, parando de falar quando nosso pedido chegou, agradecendo o mesmo garçom sorridente e retomando o assunto com mais facilidade agora. – Não, não, isso tudo está acontecendo mesmo. Por mais surreal que pareça, é verdade.
- E como chegamos até aqui? Almoçando juntos quando você disse adeus na última vez que nos vimos?
Um pequeno calafrio percorreu minha espinha ao lembrar daquele dia. Disfarcei tomando um gole do suco que parecia de morango ou coisa do tipo. Tudo em mim estava comprometido.
- Sean foi o caminho. Eu sei que você percebeu porque é fácil perceber; ele gosta muito de você. – não pude deixar de notar como seu rosto se iluminou quando pronunciei aquele fato com um ar sonhador. – Não sei como, mas ele realmente gosta de você. E sabe como eu percebi que o carinho dele por você é diferente para com os outros?
- Como?
- Sean te chama de ao invés de tio . Não que isso queira dizer que ele gosta menos de ou por chamá-los de tio, mas é mais pela naturalidade que ele te tratou quando vocês se viram pela primeira vez. Foi como se ele soubesse que você era mais do que um tio. É assustador!
- Aquele dia... - sussurrou com um pequeno sorriso torto. - Foi como me reencontrar.
- É... Ele realmente se parece com você. – Disse distraidamente enquanto remexia o conteúdo em meu prato. Eu queria ser mais corajosa e falar tudo o que queria olhando em seus olhos, mas, por alguma razão que eu descobriria mais tarde, a comida parecia muito mais atraente. – Tem até algumas manias parecidas...
- Não. Eu quis dizer que andei perdido durante quatro anos sem ter uma notícia sua. E naquele dia, foi realmente como se tudo voltasse a fazer algum sentido. Foi como encontrar uma peça que faltava pro quebra cabeça.
- Sua peça se chama Sean . – Meu coração se esquentou ao pensar em meu filho e que agora, ele poderia dizer que tem um pai. – E olha, mesmo conhecendo o filho que tenho, não sei bem como ele vai reagir quando descobrir que você é o pai dele...
- O quê?! – parou de comer e a cena ficou cômica quando ele ficou me olhando estático, a comida acumulada em sua bochecha esquerda. - Você... Você vai contar pra ele?
- Você não... quer que eu conte?
arregalou os olhos ligeiramente, empurrando a comida para dentro com um grande gole d’água. Ele se levantou bruscamente da cadeira, chamando a atenção de todos os presentes no café. Quando comecei a pensar que ele fugiria como quatro anos atrás, subitamente ele me ergueu também, abraçando-me com força. Ele me abraçou. Nos primeiros dez segundos não soube como reagir. Em minha mente rondava a quase certeza de que não estava pronto para aquilo, e ao reagir de uma maneira completamente oposta ao que eu esperava, eu mesma fiquei sem reação.
- Não pensei que você fosse dizer isso!
Suspirei aliviada, finalmente enlaçando meus braços em torno de seu tronco desajeitadamente, me esquecendo por breves segundos de que estávamos em público e que da última vez que agira daquela forma tão despreocupada, uma notícia fajuta correu por todas as revistas de fofoca de Londres. Quem sabe do mundo inteiro também.
- Erm, , você pode... Me soltar agora?
- Desculpe. – Ele pareceu desconcertado ao me deixar, mas logo um sorriso gigante nasceu em seus lábios, conseqüentemente me obrigando a sorrir também. Obrigando no sentido figurado, porque não tinha como não sorrir ao ver o semblante alegre dele. – É só que eu não achei que você fosse contar pra ele. Não tão já. Pensei que fosse me pedir um tempo para contar pra ele ou coisa do tipo.
- Sua imaginação não é tão criativa quanto a minha, não é mesmo? - Sorri, incomodada com alguma coisa que eu não sabia bem o que era. Mentira. Eu sabia o que havia me deixado desconcertada. O abraço repentino, claro. Assim como ele, eu não estava esperando por aquilo. – Coisas inesperadas acontecem o tempo todo para todo mundo, . Não somos diferentes.
“Coisas inesperadas acontecem o tempo todo para todo mundo, ” Por que eu tinha a impressão de que um dia ainda ouviria aquelas palavras direcionadas para mim?
E parecia que eu tinha acabado de fechar os olhos.
E era sempre da mesma forma, há três semanas seguidas. Eu acordava mais exausta do que quando ia dormir, deixava Sean na escolinha e as horas pareciam se arrastar dentro do estúdio. Na hora de ir buscá-lo, a sensação de angústia me dominava sempre que Sean olhava com um brilho diferente os pais de seus amiguinhos. E embora ele tenha passado a observar mais outras crianças aonde quer que nós fôssemos, não retomou a fazer perguntas que eu não tinha respostas.
Embora eu as tivesse e só não quisesse admitir.
Eu tinha medo. Medo da verdade. Medo de como Sean reagiria. Medo das conseqüências.
Talvez até medo de perdê-lo.
- Mamãe, nós podemos ir ver o tio ?
- Está tarde, meu amor.
- E o tio ?
- Também está tarde.
- O tio ?
- Sean, amor, - ri preguiçosamente, afagando seus cabelos assim que terminara de estacionar o carro na garagem. – é tarde para ver qualquer um deles agora.
- Mas eu estou com saudades... – Ele fez bico, os olhos marejados. – Faz tempo!
- Tudo bem, acho que não está tão tarde para uma ligação.
Em disparada, Sean desceu do carro arrastando sua mochila pela alça, pipocando na porta de entrada. Rolei os olhos com meu filho bipolar. Num segundo, ele estava prestes a chorar e no outro, parece um pequeno canguru. É, acho que ele teve a quem puxar.
Mal terminei de girar a maçaneta, Sean correu para dentro como um foguete, largando sua mochila pelo caminho. E vê-lo sorrindo foi como uma pequena centelha que trouxe paz para meu coração, que andava tão acabado naqueles últimos dias. Desde quando o reencontrara...
Céus! Fazia quanto tempo desde que reencontrara ?
Um mês.
Um mês completo e parecia que toda uma vida se revirou desde então.
Como aquilo era possível?
- Anda, mamãe, senão o tio vai dormir!
Apanhei o telefone de suas mãozinhas, sentando-me no sofá com ele em meu colo enquanto discava os números da casa de . O mesmo o atendeu no terceiro toque. E como fora com Sean, ouvir sua voz amiga fez meu coração esquentar brevemente. Foi como tirar por alguns segundos, um peso enorme de meus ombros. Mas eu sabia que logo tudo voltaria a cair sobre mim, quando o telefone voltasse para o gancho e minha cabeça repousasse sobre o travesseiro.
- !
- ! – Ele respondeu tolamente, fazendo-me rir. – Quanto tempo, pequena! Como está? - Estou... Bem. – Vamos lá, , você pode fazer melhor que isso. – Ótima, na verdade! E você, o que anda aprontando de bom?
- Ah, você sabe, quando eu apronto, não é nada bom. – riu divertido. Sean quicava impaciente em meu colo, agitando a mão para mim. – E o Sean, como está?
- Bem impaciente. Ele que pediu para te ligar, disse que estava com saudades.
- Oras, então me deixe falar com ele!
Despedi-me de , entregando o telefone para a mão agitada de Sean, ajeitando-o em meu colo enquanto ele começava uma lista minuciosa de tudo que aprendera na escolinha até agora. Liguei a televisão e encostei minha cabeça no respaldo do sofá, afagando os cabelos de Sean, ouvindo distraidamente o que eles conversavam.
Sean começou o relato do dia em que tentou me ensinar a jogar o tal de nintendo wii e eu pude ouvir a gargalhada de quando meu filho contou que eu quase joguei o controle pela janela. Rolei os olhos, fechando-os depois. Pelo visto, a conversa não acabaria tão cedo.
- Tio ? – Sean fez uma pausa incerta e eu apenas relaxei um pouco mais no sofá. – O é legal? Porque eu acho que ele parece ser.
Eu pensei estar sonhando. Mas, ao abrir meus olhos e ver que Sean ainda estava ao telefone, tive a certeza de que ouvira cada palavra que saíra de sua boca. Era a segunda vez que Sean dizia o seu nome e era a segunda vez que ele não incluíra o tio na frente dele.
Silêncio. Eu mal respirava enquanto Sean apenas assentia com a cabeça. E depois, ouvi apenas um sim vindo dele.
Sim o quê, Sean?
Ele respondeu antes de eu pensar em pronunciar minha pergunta.
- Oi, !
Respira. Eu tinha que respirar.
Mas eu não conseguia.
Deus, cadê o ar do planeta?
O quão irreal aquilo parecia? Muito. Minha mente não formulava nada, sequer me lembrava qual era o dia ou mês do ano e com quem Sean estava falando antes de pronunciar aquelas duas palavras que roubaram meu oxigênio. Oi, ! Sean estava... Estava no telefone com ele?
Mas... como?
Eu me senti extremamente confusa naquele momento.
- Ah, o meu dia foi legal também. Eu fui pra escolinha, aprendi a escrever meu nome! E o da mamãe também. Minha professora se chama Jasmim e mamãe disse que o nome dela é de uma flor. Você já viu a flor Jasmim? Eu acho que deve ter a cara da minha professora...
Sean conversava animado e o ar ainda se recusava a circular por meu cérebro.
Eu sentia Sean em meu colo e minhas mãos em torno de suas pernas, mas eu não conseguia me mover. Era como se eu visse a cena toda de fora, como se aquela que estava tendo o momento mais surreal de sua vida não fosse eu.
- Ah, eu também aprendi a escrever o nome do tio Kyle. Minha professora queria me ensinar a escrever o nome do meu papai, mas eu não sei se tenho um...
“E por quanto tempo mais você vai sentir raiva, ? Algum dia pode ser tarde demais, depois.”
E então, naquele momento eu percebi insanamente, que não queria que fosse tarde demais depois. Estendi a mão para Sean, que me entregou o telefone um pouco relutante. Seus olhos me olhavam como se nunca tivessem me visto antes.
Minha cara não deveria estar boa.
- ?
Silêncio. Parecia que as batidas de meu coração vinham do outro lado do telefone de tão alto que ele batia em meus tímpanos. Ou talvez fosse um reflexo do próprio coração daquele que prendia a respiração do outro lado da linha. Por fim, um suspiro fraco precedeu sua voz rouca.
- Desculpe por isso, e-eu não queria...
- Será que a gente pode se encontrar amanhã? – Interrompi o que ele falava, porque nada parecia mais importante do que a decisão que acabara de tomar. – Pra conversar?
Já disse que o silêncio estava ficando repetitivo naquela conversa?
Esperei pacientemente que ele se desse conta de que eu realmente pedira aquilo. Eu sabia como ele estava se sentindo, porque era da mesma maneira que eu me sentia. Chocada com minhas palavras. - C-claro.
- Bom. Quer dizer, que bom. Então... – Pigarreei para que a voz não saísse tão trêmula quanto minhas mãos estavam naquele momento. – A gente se vê amanhã?
- Tudo bem então. Você quer que eu vá até aí?
- Sim, por favor. pode te dar o endereço. E-eu tenho que desligar agora. Preciso colocar Sean para dormir.
- Claro, claro. Posso... Falar com ele antes?
- Tudo bem. – Entreguei o telefone para Sean e o deixei sentado no sofá enquanto eles se davam boa noite.
Meu corpo inteiro tremia quando cheguei à cozinha, enchendo um copo com água e entornando-o de uma única vez. Aos poucos, meu cérebro voltou a funcionar normalmente e esperei que o arrependimento por ter agido impulsivamente me abatesse.
Imprevisivelmente, não foi nada do que eu senti.
Pela primeira vez depois de quatro anos, o buraco em meu coração pareceu estar menor.
O serviço estava fraco no estúdio e percebendo minha inquietação – que andava pior do que nos outros dias – Kyle me dispensou na hora do almoço, sem questionar meu comportamento. Naquele momento quis contar o porquê, mas talvez fosse piorar meu estado, já que teria que entrar em detalhes e era exatamente aquilo que eu estava tentando evitar.
Pensar que dali algumas horas eu estaria frente a frente com novamente. Só que dessa vez eu estaria preparada. Ou quase.
Havíamos combinado que ele estaria em minha casa quando eu fosse buscar Sean, mas eu não agüentaria até o final da tarde daquela maneira. Eu sabia que a coragem não me deixaria, mas talvez a ansiedade fosse me matar.
Soltei um suspiro pesado, jogando-me no sofá em minha sala, pensando no que fazer. Eu queria adiar aquele encontro, mas não tinha seu número. Até passou pela minha cabeça ligar para e pedir, mas naquele momento me pareceu embaraçoso até falar com ele sobre isso. Foi então que eu me lembrei de . Eles moravam juntos! Com sorte, atenderia ao telefone e me livraria de ter que explicar o motivo de minha mudança repentina para .
Como eu explicaria uma coisa que nem eu mesma entendia?
Decidida, vasculhei minha agenda em busca do telefone dele. Meus dentes arranhavam a ponta de minhas unhas enquanto esperava alguém me atender.
Estava pronta para desligar quando no último toque, ele atendeu.
Seria tão patético dizer que engasguei com minha própria voz ao ouvir a sua?
- Hey, . – Rolei os olhos, me sentindo uma idiota. – Como está?
- ?
Deixa-me tentar explicar para você o que acontece comigo quando ele me chama pelo apelido. Eu me sinto como uma adolescente novamente. Como aquela adolescente que ele conheceu. E o mais estranho de tudo isso, é que ainda assim, eu me sinto vazia.
Eu vou mentir se disser que fogos de artifícios eclodem dentro de mim nesse momento, porque não, eu não sinto nada disso. Está mais perto da satisfação de estar fazendo o que é o certo. A teoria que acabo de formular agora é que, meu amor por Sean anulou a mágoa que eu tinha por porque de uma forma bem bizarra, Sean gosta dele. E se Sean gosta de seu pai sem ao menos saber disso, é um sinal de que nem tudo precisa ter uma explicação lógica.
Como se a cortina que tampava o que era sensato se diluísse no ar, percebi que não podia culpar por ele ter sentido medo. Também percebi que estava prejudicando meu filho com a ausência de um pai que queria se aproximar. Eu não podia ser mais egoísta. Não se isso fosse machucar Sean.
Então, eu estava fazendo aquilo tudo por meu filho, pelo nosso filho. Pelo futuro feliz dele.
Foi quase como um alívio perceber que eu não fazia aquilo por ter esperanças de que pudéssemos ficar juntos de novo. E que eu não fugira dele por ainda sentir alguma coisa e, sim, por não saber lidar com meus ressentimentos.
Eu estava crente em minha teoria.
- Sim, sou eu. – Sorri minimamente. – Está muito ocupado?
- Bem, não. Aconteceu alguma coisa?
- É que eu vou sair mais cedo do trabalho hoje, será que a gente pode almoçar?
Eu tive vontade de rir de sua insegurança clara em seu silêncio toda vez que eu terminava uma frase. Talvez ele estivesse achando que eu virei uma maníaca e que estivesse armando alguma coisa, ou talvez achasse que estava tendo um sonho. Qualquer que fosse a opção, ele parecia não estar acreditando no que estava acontecendo.
- A gente se encontra onde?
- Ahn, na verdade tem um café aqui perto do estúdio. Quer que eu te passe o endereço?
concordou, anotando as coordenadas e se despedindo em seguida.
Pela milésima vez naquele dia, tomei uma grande quantidade de ar e esperei o arrependimento dar seus sinais. Mas, naquela altura, eu já havia me convencido de que não me arrependeria.
Não tão cedo, pelo menos.
Exatos trinta minutos depois que desligamos o telefone, a figura dele apareceu em meu campo de visão. Acenei singelamente quando ele passou os olhos pelo pequeno café, sorrindo hesitante conforme se aproximava. E novamente, aquela sensação de voltar no tempo me atingiu quando seu perfume me rodeou. Continuava o mesmo.
- Oi, .
Dizer seu nome naquela situação me fez sentir engraçada. Não da maneira de fazer rir, mas como se alguma coisa borbulhasse em alguma parte do meu corpo. E isso me dava vontade de sorrir.
- Eu sei que pode parecer estranho pra você essa situação toda, - comecei num tom suave que surpreendeu até a mim mesma. – mas acredite, é do fundo do meu coração que eu te chamei até aqui.
- Ainda estou me perguntando se isso é algum tipo de brincadeira. – Ele sorriu, meneando a cabeça sem jeito. – Eu ainda não consegui assimilar tudo isso, sabe?
- Nem eu, , nem eu.
Pela primeira vez depois de quatro anos, sorrimos juntos novamente. Como peças que se encaixam sem forçar nada. Era natural como respirar.
cruzou os braços de forma descontraída sobre a mesa, assentindo com algum pensamento seu. Distraidamente, analisei sua figura. Assim como os outros, ainda parecia o mesmo. Os mesmos olhos cativantes, o sorriso iluminado e os cabelos bagunçados.
Era fácil e simples como descrever ou .
Isso era um bom sinal.
Isso era um bom sinal?
Nosso minuto silencioso foi cortado pelo garçom que chegou até nossa mesa, anotando nossos pedidos com um sorriso deslumbrado nos lábios. Era estranho ver que para os outros, era um artista famoso e que, para mim, ele ainda era aquele garoto que sonhava em ter uma banda com os amigos. Eu acho que nunca conseguiria vê-los daquela maneira. Como se eles fossem diferentes do resto do mundo.
- É um bom lugar, esse aqui. – Ele disse, observando o ambiente ao nosso redor. Acompanhei seu olhar, captando a mensagem.
- Sem muitas fãs histéricas e nem paparazzis alucinados. – Eu ri e ele sorriu. – Eu gosto desse lugar. É bem tranqüilo.
- Fico feliz que tenha me trazido num lugar que você goste.
- Bem, eu não queria que chamássemos muita atenção, né. – Tudo bem, vamos evitar certos tipos de assuntos que envolvam muitos sentimentos. Suspirei fraquinho e pigarreei para dar início à nossa importante conversa. entendeu o sinal e fixou seus olhos atentos em mim. – , eu te chamei aqui porque eu... Bem, isso é mais complexo do que eu imaginei que seria. Então, não me ache uma maluca quando eu terminar de falar, está bem? – Ele concordou, sorrindo mais abertamente, como se quisesse me confortar. E de certa maneira ele conseguiu. – Ontem eu percebi o quão tola eu estava sendo. Quero dizer, eu ia acabar embolando ainda mais essa história e você sabe que eu não gosto de me sentir assim. Eu nunca soube lidar bem com meus sentimentos e acho que isso não mudou muito. Mas acontece que, de alguma forma, compreendi que o passado não importa mais. As coisas ruins dele, sabe? Eu realmente estou disposta a esquecer.
- Esquecer...?
- Esquecer que você errou, mas que eu errei também. Não dei chance para você digerir a notícia e, bem, acabamos aqui, agindo como desconhecidos. Mas, como eu disse, o que passou, não importa mais.
- Eu morri e estou no céu? – brincou, mas parecia acreditar em alguma coisa bem próxima daquilo.
- Bem, só se eu tiver morrido também, né? – Rolei os olhos, parando de falar quando nosso pedido chegou, agradecendo o mesmo garçom sorridente e retomando o assunto com mais facilidade agora. – Não, não, isso tudo está acontecendo mesmo. Por mais surreal que pareça, é verdade.
- E como chegamos até aqui? Almoçando juntos quando você disse adeus na última vez que nos vimos?
Um pequeno calafrio percorreu minha espinha ao lembrar daquele dia. Disfarcei tomando um gole do suco que parecia de morango ou coisa do tipo. Tudo em mim estava comprometido.
- Sean foi o caminho. Eu sei que você percebeu porque é fácil perceber; ele gosta muito de você. – não pude deixar de notar como seu rosto se iluminou quando pronunciei aquele fato com um ar sonhador. – Não sei como, mas ele realmente gosta de você. E sabe como eu percebi que o carinho dele por você é diferente para com os outros?
- Como?
- Sean te chama de ao invés de tio . Não que isso queira dizer que ele gosta menos de ou por chamá-los de tio, mas é mais pela naturalidade que ele te tratou quando vocês se viram pela primeira vez. Foi como se ele soubesse que você era mais do que um tio. É assustador!
- Aquele dia... - sussurrou com um pequeno sorriso torto. - Foi como me reencontrar.
- É... Ele realmente se parece com você. – Disse distraidamente enquanto remexia o conteúdo em meu prato. Eu queria ser mais corajosa e falar tudo o que queria olhando em seus olhos, mas, por alguma razão que eu descobriria mais tarde, a comida parecia muito mais atraente. – Tem até algumas manias parecidas...
- Não. Eu quis dizer que andei perdido durante quatro anos sem ter uma notícia sua. E naquele dia, foi realmente como se tudo voltasse a fazer algum sentido. Foi como encontrar uma peça que faltava pro quebra cabeça.
- Sua peça se chama Sean . – Meu coração se esquentou ao pensar em meu filho e que agora, ele poderia dizer que tem um pai. – E olha, mesmo conhecendo o filho que tenho, não sei bem como ele vai reagir quando descobrir que você é o pai dele...
- O quê?! – parou de comer e a cena ficou cômica quando ele ficou me olhando estático, a comida acumulada em sua bochecha esquerda. - Você... Você vai contar pra ele?
- Você não... quer que eu conte?
arregalou os olhos ligeiramente, empurrando a comida para dentro com um grande gole d’água. Ele se levantou bruscamente da cadeira, chamando a atenção de todos os presentes no café. Quando comecei a pensar que ele fugiria como quatro anos atrás, subitamente ele me ergueu também, abraçando-me com força. Ele me abraçou. Nos primeiros dez segundos não soube como reagir. Em minha mente rondava a quase certeza de que não estava pronto para aquilo, e ao reagir de uma maneira completamente oposta ao que eu esperava, eu mesma fiquei sem reação.
- Não pensei que você fosse dizer isso!
Suspirei aliviada, finalmente enlaçando meus braços em torno de seu tronco desajeitadamente, me esquecendo por breves segundos de que estávamos em público e que da última vez que agira daquela forma tão despreocupada, uma notícia fajuta correu por todas as revistas de fofoca de Londres. Quem sabe do mundo inteiro também.
- Erm, , você pode... Me soltar agora?
- Desculpe. – Ele pareceu desconcertado ao me deixar, mas logo um sorriso gigante nasceu em seus lábios, conseqüentemente me obrigando a sorrir também. Obrigando no sentido figurado, porque não tinha como não sorrir ao ver o semblante alegre dele. – É só que eu não achei que você fosse contar pra ele. Não tão já. Pensei que fosse me pedir um tempo para contar pra ele ou coisa do tipo.
- Sua imaginação não é tão criativa quanto a minha, não é mesmo? - Sorri, incomodada com alguma coisa que eu não sabia bem o que era. Mentira. Eu sabia o que havia me deixado desconcertada. O abraço repentino, claro. Assim como ele, eu não estava esperando por aquilo. – Coisas inesperadas acontecem o tempo todo para todo mundo, . Não somos diferentes.
“Coisas inesperadas acontecem o tempo todo para todo mundo, ” Por que eu tinha a impressão de que um dia ainda ouviria aquelas palavras direcionadas para mim?
Chapter Twenty
Eu planejava fazer aquilo tudo sozinha, mas quando pediu para que pudesse estar junto naquele momento, não tive como negar.
Aquela seria uma nova fase de minha vida e nessa nova fase, eu teria que me acostumar com o fato de que também estaria presente nela praticamente toda. Porque ela dizia a respeito de mim, de Sean e dele. Éramos uma família. Embora o termo ‘família’ no nosso caso não tinha o mesmo sentido que para os outros casais comuns.
Mas enfim, o que importava era que Sean tinha uma família completa agora. Com três tios babões e um pai completamente inquieto quase arrancando o volante do painel do carro.
Embora eu não possa dizer que estou totalmente tranqüila.
Como havíamos combinado no dia anterior, me buscaria no estúdio e de lá nós iríamos buscar Sean na escolinha. Tudo muito simples.
E o 'tudo' me preocupava naquele simples trajeto de vinte minutos. Qual seria a reação das pessoas ao ver ali comigo, uma pessoa completamente normal perto de um músico conhecido pelo mundo todo. (Aquilo não era tão importante assim, já que eu fora alvo dos paparazzis antes e, como eu dissera, eles ainda eram para mim aqueles garotos que sonhavam com o sucesso.) O que mais me deixava ansiosa, seria como eles reagiriam. Sean e .
- Vira na próxima esquerda. – Indiquei a rua para , que batucava o volante desde que saímos do estúdio. – , pára com isso!
- Não posso, estou inquieto!
- Você está me deixando mais nervosa dessa maneira! – Ri, colocando uma mão sobre a sua, fazendo-o parar no mesmo instante. Seus olhos focaram-se nos meus, e por um instante não quis fazer outra coisa senão olhar para eles. Sorri me afastando, disfarçando o leve constrangimento indicando o farol que acabara de abrir. – Assim é bem melhor.
Eu quis colocar a mão sobre meu peito para conferir se ele realmente estava disparado daquela maneira ou se era somente impressão minha. Bem, é claro que ele estaria disparado. Eu iria contar um segredo que escondera de meu filho por quatro anos, calma é que eu não poderia estar. Aquilo não tinha nada a ver com o contato de nossas peles.
- É ali. - Prendi a respiração inconscientemente ao avistar os portões coloridos e a movimentação em frente dele.
assentiu com um sorriso nos lábios, estacionando o carro no meio fio com o olhar fixo nas paredes desenhadas. Novamente, me peguei analisando sua feição, tentando decifrar as emoções que passavam por ali e deixavam marcas em cada linha de seu rosto.
Ansiedade, alegria, medo... Amor.
Perceber aquilo de alguma maneira, fez meu coração doer. Uma leve pontadinha nele, mas uma pontadinha boa. Não sei como isso é possível, mas foi como eu consegui traduzir no momento. E, viajando por essa ocasião tão especial, imagens de um passado que não aconteceu passaram em minha mente como um filme.
Teria sido daquela maneira que ele se comportaria ao ver Sean pela primeira vez, ainda na sala de parto? Ou quando Sean dissesse pela primeira vez 'papai'? Não há como saber. Embora eu saiba o quão bom é o coração de , no momento da descoberta da minha gravidez ele não estava pronto para ser pai e, mesmo que tivéssemos ficados juntos, não sei se teria a mesma importância que agora. A mesma intensidade de agora. Uma coisa é você amadurecer com um filho presente, outra totalmente diferente é você saber que é pai, mas não ter vivenciado isso por conta de um erro seu. Às vezes, o sentimento de culpa altera totalmente o caráter de uma pessoa.
Embora eu sinta no fundo de meu ser que aquilo não tinha nenhuma sombra de culpa. Era um amor genuíno mesmo.
- E então? Estamos prontos?
apenas afirmou com a cabeça, respirando com certa dificuldade. Eu queria dizer a ele o quão bobo ele parecia com aquele sorriso meio mole, mas eu seria uma hipócrita se o fizesse. Sem querer, eu também sorria meio abobalhada com aquela cena.
- Então vamos.
Sean estava sentado no chão com as costas apoiadas na parede, rodeado de amiguinhos. Eveline também estava lá, ao seu lado. Senti que naquele momento, nada mais seria capaz de separá-los. Eles até me lembravam como eu era com e com os outros quando nos conhecemos. Claro que, já estávamos na adolescência, mas esse fato não impediu que nossa amizade fosse tão forte como uma que vem da infância.
Saindo daquele devaneio sobre sua amiguinha que segurava sua mão, me vi presa em outros pensamentos. Chegou a hora.
Já ouviram muitos instrumentos serem tocados ao mesmo tempo, mas no mesmo ritmo? Meu coração estava daquele jeito. No momento, eu não me importava com os cochichos das pessoas ao nosso redor, nem com os sorrisos afetados que as mulheres mais provincianas lançavam para . Nem ele mesmo estava vendo. Naquele momento, uma forte sensação de dejá vù me dominou.
Era exatamente como eu havia sonhado esses anos todos. Literalmente. Eu nunca acreditei que os sonhos pudessem significar alguma coisa além de imagens aleatórias, mas, depois desse dia, eu teria que rever meus conceitos.
Muitos deles, aliás.
E, não pense que estou apaixonada só pelo fato de minha mão ter apertado a de com ternura, num gesto simbólico de que estávamos juntos nessa. De que eu estava ali. Ele soltou uma grande lufada de ar e eu podia jurar que ouvia seu coração batendo tão forte quanto o meu. Sean nos avistou assim que viramos nossos rostos em sua direção, levantando num salto animado e correndo até nós com os braços erguidos no ar.
parecia tão nervoso quanto aquelas crianças no primeiro dia de aula longe da proteção de suas mães. Soltei um riso baixo, emocionada.
Sean abraçou minhas pernas demoradamente e eu lhe afaguei o topo de sua cabeça, soltando a mão de para poder ficar na altura de meu filho, que sorriu docemente depois que lhe depositei um beijo na ponta de seu nariz. Sean reclamou um ‘não me baba na frente dos outros, mãe’ que fez rir. E naquele momento, Sean parou de prestar atenção em mim e se virou para ele, esboçando um sorriso lentamente. Como quando vamos nos dando conta de que algo bom realmente está acontecendo.
- Oi, !
Seria muito tolo de minha parte ter ficado com vontade de chorar nesse momento?
Era tão magnífica e assustadora a ligação entre eles. Não era preciso muito, como eu dissera antes, para perceber que havia alguma coisa muito intensa sobre eles. Um elo que não podia ser destruído.
Por isso era tão fácil para Sean ser dócil com ele. Ninguém precisaria dizer a ele que era importante em sua vida. Seu coração sentiu isso no primeiro olhar.
- Querido, você já conhece o , não é mesmo? – Sean acenou que sim, sem tirar seus olhos que brilhavam com a mesma intensidade que de . – Bem, e o que você acha de jantarmos com ele hoje?
- Você pode fazer suas pantecas para ele experimentar?
- Mas, querido, panqueca não é um jantar...
- Mas é bom.
- Não sei se o vai querer comer panquecas agora, querido.
- Panqueca está ótimo. – piscou para Sean, que gargalhou quando eu me virei para pronta para dizer: não é mesmo?. Por breves segundos fiquei sem reação. Mal se conheceram e já armavam contra mim?
Bem, o problema todo não era a panqueca em si. Havia um motivo bem claro para que eu quisesse que aquele primeiro encontro não acontecesse em casa. Um baque de cada vez, certo? Seria bem estranho jantar com na minha casa como se aquilo acontecesse sempre. Como se... Fôssemos um casal feliz.
A verdade é que eu não queria ficar relembrando aquele momento quando fosse dormir, porque com certeza minha mente traiçoeira se pegaria imaginando como seria se fosse verdade. Se ainda fôssemos um casal feliz como éramos antes.
- Vamos embora agora? – Sean sacudiu meus ombros, alisando meu rosto num carinho chantagista. Ele puxou isso de quem? – Tô muita fome!
Vencida, concordei com Sean, sentindo um leve formigar na boca de meu estômago.
~*~
A cena era totalmente surreal. Linda, porém difícil de acreditar.
estava sentado na minha frente, ao lado de Sean, comendo minhas panquecas. Eu forçava pequenos pedaços para dentro, apenas para não deixar transparecer o quão nervosa eu estava. Não queria demonstrar que, desde que chegamos aqui, o meu coração palpitava fora de ritmo e que leves tremores percorriam pela minha espinha sempre que o som da risada de soava descontraído pelo ambiente.
Parte de mim queria sucumbir e se deixar levar pela fantasia de que nossa história voltaria a ser escrita por nós dois, juntos. Mas a parte racional, que não se permitia iludir, permanecia forte. Não éramos mais adolescentes apaixonados. Não tinha como dar certo... Meu coração havia se fechado, não para o amor, mas para .
No fundo, sem querer admitir e demonstrar minha auto piedade, eu tinha medo.
Medo de descobrir que ele ainda pode ser o meu grande amor e não somente o pai do meu filho; medo de me entregar, de amar e, principalmente, de ser correspondida.
sempre me causou sentimentos tão profundos e tão devastadores, que eu me sentia acuada, incapaz de suportar tanta paixão. E eu não sei como reagiria agora, anos sem sentir esses tipos de coisas.
Eu queria mais do que nunca acreditar que minha teoria ainda era verdadeira.
- Não é boa a panteca da mamãe? – Sean indagou a de boca cheia, fazendo-o rir.
- Sim, a panqueca da mamãe é ótima.
Coração, pára de bater desse jeito.
Devolvi o olhar sugestivo de , sentindo o sangue borbulhar e se acumular em minhas bochechas. Inspirando uma grande quantidade de ar, assim como ele fizera depois que concordei minimamente, deixei o garfo pender sobre a mesa, virando-me na direção de Sean, que se mantinha entretido com o conteúdo de seu prato.
- Sean, querido, mamãe precisa te contar um segredo.
Olhando-me curioso, Sean deixou sua colher de lado, olhando de mim para , como se quisesse me dizer alguma coisa. Uma vez dissera que segredos eram muito especiais e que quando uma pessoa compartilhava com a outra, ninguém mais poderia saber. Creio que ele estava tentando me alertar sobre a presença de uma terceira pessoa, no caso, .
- Tudo bem, querido, pode saber do nosso segredo. – Sean sorriu, aliviado. – Tudo bem pra você se ele fizer parte do nosso segredo?
- é legal. Ele pode ouvir o segredo que a mamãe tem pra me contar.
Meu Deus. Como eu conto para meu filho que o pai dele está bem na sua frente em palavras simples e objetivas, mas ainda assim sem serem rudes?
Estendi a mão para Sean sobre a mesa, sentindo seu toque macio no mesmo segundo. Afastei minha cadeira para que Sean pudesse se acomodar em meu colo, virando-nos de frente para , que se mantinha com um sorriso tolo nos lábios. Eu desejei saber o que se passava por sua mente agora. Com um longo suspiro, apoiei meu queixo em seu ombro sem fazer força, olhando diretamente para e de alguma forma, encontrando em seus olhos, a coragem para continuar.
- Meu amor, quando a mamãe ficou grávida de você, a mamãe sentia que você seria um menino muito especial. Que seria gentil e obediente, que seria paciente e generoso. Eu já sabia quais seriam suas primeiras palavras, como seria seu rostinho e o som da sua voz. E eu tinha certeza de que você me faria sorrir nos momentos difíceis, que você seria a coisa mais importante do meu mundo e que eu nunca, nunca seria capaz de te magoar. Eu sabia que seria capaz de dar o mundo pra você e que meu amor seria para sempre e sempre e sempre. E sabe por que a mamãe sabia disso tudo? – Sean negou com a cabeça, acariciando meus braços que estavam em torno de seu tronco. Beijei seu ombro, inalando o ar juntamente com seu perfume, fechando os olhos e deixando o coração me guiar. Tudo o que dissera até ali viera de meu consciente, de lembranças dos quatro anos que se passaram. Mas, o que eu tinha a dizer agora, seria de coração. Com todo o meu coração e com toda sua verdade imutável. – Porque eu sabia que você seria exatamente como o seu pai.
Não tinha me dado conta de como eu queria dizer aquilo, olhando nos olhos dele. parecia respirar com dificuldade, e percebi o quão marejado seus olhos estavam. Naquele pequeno instante, havíamos nos tornado uma única pessoa, sentindo as mesmas coisas com o mesmo ardor. Não havia mais diferenças e mágoas, apenas... Esperança.
Esperança de que o futuro seria melhor para todos.
- E eu estava certa o tempo todo. Você é igualzinho ao seu papai. – Sean se agitou em meu colo, trazendo-me de volta dos devaneios que giravam em torno de . – A mamãe deveria ter te contado isso muito, muito tempo atrás, mas acho que você não entenderia o que era um pai, se não o tivesse por perto. Mas agora você já é quase um homenzinho e sei que entende o significado disso, não é? - Sean concordou e parecia que eu falava com um adulto e não com um menino de quatro anos recém completados. – E, sabe por que você gosta tanto do , querido? - Abracei seu tronco com firmeza, sussurrando em seu ouvido as palavras que mudariam para sempre a vida de nós três. – Porque ele é o seu pai.
Eu pude contar mentalmente quantos segundos se passaram até que qualquer um de nós se movesse ou falasse alguma coisa. Sean girou seu corpo para ficar de frente para mim, olhando intensamente em meus olhos, espalmando suas mãozinhas uma de cada lado de meu rosto. Depois que encontrou o que procurava neles, sorriu e com a serenidade de um adulto, se desfez de meu abraço, caminhando seguramente até o extremo da mesa parando ao lado de , que se ajoelhou para ficar quase da mesma altura que Sean.
Da mesma maneira que fez comigo, Sean espalmou suas mãos no rosto de , acariciando suas bochechas. Eu não sabia se meu coração batia acelerado ou se ele estava perto de parar, mas eu sabia que nunca me sentira daquela forma.
- Eu já sentia no meu tum-tum que eu tinha que amar você. – Sean sorriu, afagando os cabelos rebeldes de , fazendo-o fechar os olhos e uma pequena lágrima escorrer pelo rosto. – Mas agora, eu te amo muito mais que muito. Papai.
Carinhosamente, Sean abraçou seu pescoço, sorrindo para mim enquanto sua cabeça tombava sobre o ombro de . E eu não impedi que lágrimas escorressem livremente e me juntei ao abraço, encontrando o que buscava todos esses anos nos quais eu fugia.
Um lugar ao qual pertencia.
Aquela seria uma nova fase de minha vida e nessa nova fase, eu teria que me acostumar com o fato de que também estaria presente nela praticamente toda. Porque ela dizia a respeito de mim, de Sean e dele. Éramos uma família. Embora o termo ‘família’ no nosso caso não tinha o mesmo sentido que para os outros casais comuns.
Mas enfim, o que importava era que Sean tinha uma família completa agora. Com três tios babões e um pai completamente inquieto quase arrancando o volante do painel do carro.
Embora eu não possa dizer que estou totalmente tranqüila.
Como havíamos combinado no dia anterior, me buscaria no estúdio e de lá nós iríamos buscar Sean na escolinha. Tudo muito simples.
E o 'tudo' me preocupava naquele simples trajeto de vinte minutos. Qual seria a reação das pessoas ao ver ali comigo, uma pessoa completamente normal perto de um músico conhecido pelo mundo todo. (Aquilo não era tão importante assim, já que eu fora alvo dos paparazzis antes e, como eu dissera, eles ainda eram para mim aqueles garotos que sonhavam com o sucesso.) O que mais me deixava ansiosa, seria como eles reagiriam. Sean e .
- Vira na próxima esquerda. – Indiquei a rua para , que batucava o volante desde que saímos do estúdio. – , pára com isso!
- Não posso, estou inquieto!
- Você está me deixando mais nervosa dessa maneira! – Ri, colocando uma mão sobre a sua, fazendo-o parar no mesmo instante. Seus olhos focaram-se nos meus, e por um instante não quis fazer outra coisa senão olhar para eles. Sorri me afastando, disfarçando o leve constrangimento indicando o farol que acabara de abrir. – Assim é bem melhor.
Eu quis colocar a mão sobre meu peito para conferir se ele realmente estava disparado daquela maneira ou se era somente impressão minha. Bem, é claro que ele estaria disparado. Eu iria contar um segredo que escondera de meu filho por quatro anos, calma é que eu não poderia estar. Aquilo não tinha nada a ver com o contato de nossas peles.
- É ali. - Prendi a respiração inconscientemente ao avistar os portões coloridos e a movimentação em frente dele.
assentiu com um sorriso nos lábios, estacionando o carro no meio fio com o olhar fixo nas paredes desenhadas. Novamente, me peguei analisando sua feição, tentando decifrar as emoções que passavam por ali e deixavam marcas em cada linha de seu rosto.
Ansiedade, alegria, medo... Amor.
Perceber aquilo de alguma maneira, fez meu coração doer. Uma leve pontadinha nele, mas uma pontadinha boa. Não sei como isso é possível, mas foi como eu consegui traduzir no momento. E, viajando por essa ocasião tão especial, imagens de um passado que não aconteceu passaram em minha mente como um filme.
Teria sido daquela maneira que ele se comportaria ao ver Sean pela primeira vez, ainda na sala de parto? Ou quando Sean dissesse pela primeira vez 'papai'? Não há como saber. Embora eu saiba o quão bom é o coração de , no momento da descoberta da minha gravidez ele não estava pronto para ser pai e, mesmo que tivéssemos ficados juntos, não sei se teria a mesma importância que agora. A mesma intensidade de agora. Uma coisa é você amadurecer com um filho presente, outra totalmente diferente é você saber que é pai, mas não ter vivenciado isso por conta de um erro seu. Às vezes, o sentimento de culpa altera totalmente o caráter de uma pessoa.
Embora eu sinta no fundo de meu ser que aquilo não tinha nenhuma sombra de culpa. Era um amor genuíno mesmo.
- E então? Estamos prontos?
apenas afirmou com a cabeça, respirando com certa dificuldade. Eu queria dizer a ele o quão bobo ele parecia com aquele sorriso meio mole, mas eu seria uma hipócrita se o fizesse. Sem querer, eu também sorria meio abobalhada com aquela cena.
- Então vamos.
Sean estava sentado no chão com as costas apoiadas na parede, rodeado de amiguinhos. Eveline também estava lá, ao seu lado. Senti que naquele momento, nada mais seria capaz de separá-los. Eles até me lembravam como eu era com e com os outros quando nos conhecemos. Claro que, já estávamos na adolescência, mas esse fato não impediu que nossa amizade fosse tão forte como uma que vem da infância.
Saindo daquele devaneio sobre sua amiguinha que segurava sua mão, me vi presa em outros pensamentos. Chegou a hora.
Já ouviram muitos instrumentos serem tocados ao mesmo tempo, mas no mesmo ritmo? Meu coração estava daquele jeito. No momento, eu não me importava com os cochichos das pessoas ao nosso redor, nem com os sorrisos afetados que as mulheres mais provincianas lançavam para . Nem ele mesmo estava vendo. Naquele momento, uma forte sensação de dejá vù me dominou.
Era exatamente como eu havia sonhado esses anos todos. Literalmente. Eu nunca acreditei que os sonhos pudessem significar alguma coisa além de imagens aleatórias, mas, depois desse dia, eu teria que rever meus conceitos.
Muitos deles, aliás.
E, não pense que estou apaixonada só pelo fato de minha mão ter apertado a de com ternura, num gesto simbólico de que estávamos juntos nessa. De que eu estava ali. Ele soltou uma grande lufada de ar e eu podia jurar que ouvia seu coração batendo tão forte quanto o meu. Sean nos avistou assim que viramos nossos rostos em sua direção, levantando num salto animado e correndo até nós com os braços erguidos no ar.
parecia tão nervoso quanto aquelas crianças no primeiro dia de aula longe da proteção de suas mães. Soltei um riso baixo, emocionada.
Sean abraçou minhas pernas demoradamente e eu lhe afaguei o topo de sua cabeça, soltando a mão de para poder ficar na altura de meu filho, que sorriu docemente depois que lhe depositei um beijo na ponta de seu nariz. Sean reclamou um ‘não me baba na frente dos outros, mãe’ que fez rir. E naquele momento, Sean parou de prestar atenção em mim e se virou para ele, esboçando um sorriso lentamente. Como quando vamos nos dando conta de que algo bom realmente está acontecendo.
- Oi, !
Seria muito tolo de minha parte ter ficado com vontade de chorar nesse momento?
Era tão magnífica e assustadora a ligação entre eles. Não era preciso muito, como eu dissera antes, para perceber que havia alguma coisa muito intensa sobre eles. Um elo que não podia ser destruído.
Por isso era tão fácil para Sean ser dócil com ele. Ninguém precisaria dizer a ele que era importante em sua vida. Seu coração sentiu isso no primeiro olhar.
- Querido, você já conhece o , não é mesmo? – Sean acenou que sim, sem tirar seus olhos que brilhavam com a mesma intensidade que de . – Bem, e o que você acha de jantarmos com ele hoje?
- Você pode fazer suas pantecas para ele experimentar?
- Mas, querido, panqueca não é um jantar...
- Mas é bom.
- Não sei se o vai querer comer panquecas agora, querido.
- Panqueca está ótimo. – piscou para Sean, que gargalhou quando eu me virei para pronta para dizer: não é mesmo?. Por breves segundos fiquei sem reação. Mal se conheceram e já armavam contra mim?
Bem, o problema todo não era a panqueca em si. Havia um motivo bem claro para que eu quisesse que aquele primeiro encontro não acontecesse em casa. Um baque de cada vez, certo? Seria bem estranho jantar com na minha casa como se aquilo acontecesse sempre. Como se... Fôssemos um casal feliz.
A verdade é que eu não queria ficar relembrando aquele momento quando fosse dormir, porque com certeza minha mente traiçoeira se pegaria imaginando como seria se fosse verdade. Se ainda fôssemos um casal feliz como éramos antes.
- Vamos embora agora? – Sean sacudiu meus ombros, alisando meu rosto num carinho chantagista. Ele puxou isso de quem? – Tô muita fome!
Vencida, concordei com Sean, sentindo um leve formigar na boca de meu estômago.
A cena era totalmente surreal. Linda, porém difícil de acreditar.
estava sentado na minha frente, ao lado de Sean, comendo minhas panquecas. Eu forçava pequenos pedaços para dentro, apenas para não deixar transparecer o quão nervosa eu estava. Não queria demonstrar que, desde que chegamos aqui, o meu coração palpitava fora de ritmo e que leves tremores percorriam pela minha espinha sempre que o som da risada de soava descontraído pelo ambiente.
Parte de mim queria sucumbir e se deixar levar pela fantasia de que nossa história voltaria a ser escrita por nós dois, juntos. Mas a parte racional, que não se permitia iludir, permanecia forte. Não éramos mais adolescentes apaixonados. Não tinha como dar certo... Meu coração havia se fechado, não para o amor, mas para .
No fundo, sem querer admitir e demonstrar minha auto piedade, eu tinha medo.
Medo de descobrir que ele ainda pode ser o meu grande amor e não somente o pai do meu filho; medo de me entregar, de amar e, principalmente, de ser correspondida.
sempre me causou sentimentos tão profundos e tão devastadores, que eu me sentia acuada, incapaz de suportar tanta paixão. E eu não sei como reagiria agora, anos sem sentir esses tipos de coisas.
Eu queria mais do que nunca acreditar que minha teoria ainda era verdadeira.
- Não é boa a panteca da mamãe? – Sean indagou a de boca cheia, fazendo-o rir.
- Sim, a panqueca da mamãe é ótima.
Coração, pára de bater desse jeito.
Devolvi o olhar sugestivo de , sentindo o sangue borbulhar e se acumular em minhas bochechas. Inspirando uma grande quantidade de ar, assim como ele fizera depois que concordei minimamente, deixei o garfo pender sobre a mesa, virando-me na direção de Sean, que se mantinha entretido com o conteúdo de seu prato.
- Sean, querido, mamãe precisa te contar um segredo.
Olhando-me curioso, Sean deixou sua colher de lado, olhando de mim para , como se quisesse me dizer alguma coisa. Uma vez dissera que segredos eram muito especiais e que quando uma pessoa compartilhava com a outra, ninguém mais poderia saber. Creio que ele estava tentando me alertar sobre a presença de uma terceira pessoa, no caso, .
- Tudo bem, querido, pode saber do nosso segredo. – Sean sorriu, aliviado. – Tudo bem pra você se ele fizer parte do nosso segredo?
- é legal. Ele pode ouvir o segredo que a mamãe tem pra me contar.
Meu Deus. Como eu conto para meu filho que o pai dele está bem na sua frente em palavras simples e objetivas, mas ainda assim sem serem rudes?
Estendi a mão para Sean sobre a mesa, sentindo seu toque macio no mesmo segundo. Afastei minha cadeira para que Sean pudesse se acomodar em meu colo, virando-nos de frente para , que se mantinha com um sorriso tolo nos lábios. Eu desejei saber o que se passava por sua mente agora. Com um longo suspiro, apoiei meu queixo em seu ombro sem fazer força, olhando diretamente para e de alguma forma, encontrando em seus olhos, a coragem para continuar.
- Meu amor, quando a mamãe ficou grávida de você, a mamãe sentia que você seria um menino muito especial. Que seria gentil e obediente, que seria paciente e generoso. Eu já sabia quais seriam suas primeiras palavras, como seria seu rostinho e o som da sua voz. E eu tinha certeza de que você me faria sorrir nos momentos difíceis, que você seria a coisa mais importante do meu mundo e que eu nunca, nunca seria capaz de te magoar. Eu sabia que seria capaz de dar o mundo pra você e que meu amor seria para sempre e sempre e sempre. E sabe por que a mamãe sabia disso tudo? – Sean negou com a cabeça, acariciando meus braços que estavam em torno de seu tronco. Beijei seu ombro, inalando o ar juntamente com seu perfume, fechando os olhos e deixando o coração me guiar. Tudo o que dissera até ali viera de meu consciente, de lembranças dos quatro anos que se passaram. Mas, o que eu tinha a dizer agora, seria de coração. Com todo o meu coração e com toda sua verdade imutável. – Porque eu sabia que você seria exatamente como o seu pai.
Não tinha me dado conta de como eu queria dizer aquilo, olhando nos olhos dele. parecia respirar com dificuldade, e percebi o quão marejado seus olhos estavam. Naquele pequeno instante, havíamos nos tornado uma única pessoa, sentindo as mesmas coisas com o mesmo ardor. Não havia mais diferenças e mágoas, apenas... Esperança.
Esperança de que o futuro seria melhor para todos.
- E eu estava certa o tempo todo. Você é igualzinho ao seu papai. – Sean se agitou em meu colo, trazendo-me de volta dos devaneios que giravam em torno de . – A mamãe deveria ter te contado isso muito, muito tempo atrás, mas acho que você não entenderia o que era um pai, se não o tivesse por perto. Mas agora você já é quase um homenzinho e sei que entende o significado disso, não é? - Sean concordou e parecia que eu falava com um adulto e não com um menino de quatro anos recém completados. – E, sabe por que você gosta tanto do , querido? - Abracei seu tronco com firmeza, sussurrando em seu ouvido as palavras que mudariam para sempre a vida de nós três. – Porque ele é o seu pai.
Eu pude contar mentalmente quantos segundos se passaram até que qualquer um de nós se movesse ou falasse alguma coisa. Sean girou seu corpo para ficar de frente para mim, olhando intensamente em meus olhos, espalmando suas mãozinhas uma de cada lado de meu rosto. Depois que encontrou o que procurava neles, sorriu e com a serenidade de um adulto, se desfez de meu abraço, caminhando seguramente até o extremo da mesa parando ao lado de , que se ajoelhou para ficar quase da mesma altura que Sean.
Da mesma maneira que fez comigo, Sean espalmou suas mãos no rosto de , acariciando suas bochechas. Eu não sabia se meu coração batia acelerado ou se ele estava perto de parar, mas eu sabia que nunca me sentira daquela forma.
- Eu já sentia no meu tum-tum que eu tinha que amar você. – Sean sorriu, afagando os cabelos rebeldes de , fazendo-o fechar os olhos e uma pequena lágrima escorrer pelo rosto. – Mas agora, eu te amo muito mais que muito. Papai.
Carinhosamente, Sean abraçou seu pescoço, sorrindo para mim enquanto sua cabeça tombava sobre o ombro de . E eu não impedi que lágrimas escorressem livremente e me juntei ao abraço, encontrando o que buscava todos esses anos nos quais eu fugia.
Um lugar ao qual pertencia.
Chapter Twenty One
- Você uma bruxa!
- Como é que é?! – Fingi ultraje, mantendo a voz séria. – Pois saiba que é agora que eu não vou ouvir o que você tem pra me dizer!
- Exatamente por isso que te chamei de bruxa! Eu só disse que queria te pedir uma coisa e você já foi falando NÃO!
- , se fosse você no meu lugar, você diria a mesma coisa.
- Mas é claro que não! Eu sempre diria sim pro que quer que você pedisse.
- Ah, é? Então não me peça nada.
- Isso é covardia!
- Você disse que diria sim pra qualquer coisa que eu pedisse, ué.
- Não esse tipo de coisa! O que tem de mais em você ir ao nosso show?!
Tudo, pensei em dizer. Eu me sentia extremamente infantil, mas eu não queria estar no backstage, como as namoradas dos músicos faziam quando podiam. Eu não queria passar aquela imagem. Idiota, eu sei. Qualquer uma daria de tudo para receber aquele convite de , mas convenhamos, eu não sou como qualquer garota. Não num sentido exibicionista da coisa, mas oras, eu tenho um filho de e saí numa revista como a suposta namorada de . Seria muito mais complicado se eu aparecesse. Ainda mais com Sean gritando pai no meio de tanta gente.
E outro fator que me preocupava era que... Eu não estava preparada para ver sendo ele mesmo. Fazendo as coisas que fazia e que me levaria ao passado. Ao começo da nossa história.
Eu já tive a dose máxima de baques e lembranças, se continuasse daquela maneira, meu cérebro entraria em curto.
E eu preciso me manter sã mais do que nunca agora.
- Planeta Terra chamando , planeta Terra chamando !
- Oi, . – Rolei os olhos quando ele bufou, resmungando alguma coisa incompreensível. – Eu não sei... Tenho que pensar.
- O que mais você quer, mulher?! Você tem os amigos mais gatos de todo Reino Unido implorando para você comparecer nesse show. E nós vamos te deixar na área mais vip de todo o estágio. Quer que autografemos sua testa?
- Parece tentador, mas não, obrigada.
- Podemos autografar seus peitos.
- !
- O quê?! As garotas pedem isso o tempo todo!
- Eu não vou me sentir ofendida porque é você que está dizendo isso.
- Se fosse o você não perdoaria?
- Não, eu quis dizer que vou desconsiderar porque você não tem noção do que diz. Mas tudo bem, , isso não é culpa sua.
- Hahá, seu humor é muito mal humorado, sabia?
- Desde sempre.
- Tudo bem, nós podemos autografar qualquer coisa que você quiser.
- , suas propostas não são muito convincentes...
- Por que você sempre tem que dificultar as coisas?!
- Porque senão não teria graça. – Ri abafado, afundando ainda mais contra o sofá.
- Tá bem, sem chantagens emocionais. É um pedido de um velho amigo que não vê a amiga cantando as músicas que ela ajudou a escrever ou que serviu de inspiração para nossa banda e que nos levou ao sucesso. Então, por favor, ! Todos nós queremos ver você lá, nos dando apoio, fazendo-nos sentir como garotinhos de dezessete anos novamente! Você e Sean são muito importantes para o McFly!
- E você ainda tem coragem de dizer que isso não é chantagem emocional?!
- E você ainda tem coragem de dizer ‘não’ para mim depois de todo esse discurso?
Desliguei a televisão, suspirando fracamente. Sean apareceu na sala arrastando sua coberta, coçando os olhos e bocejando. Sorri ao avistá-lo com um pequeno sorriso nos lábios enquanto caminhava em minha direção. Chamei-o para se sentar no meu colo, o que prontamente ele fez, jogando seu cobertor sobre suas pernas.
- Eu prometo que vou pensar, okay?
- Você é má, má, má!
Ri, jogando a cabeça para trás. continuava com o mantra de que eu era má e Sean observava-me atento. Seus dedinhos estavam enroscados em meus cabelos, contorcendo-os.
- Humf. O babão está aqui perguntando se pode falar com você.
- A-ah, tudo bem.
- Mas pensando bem, eu acho que ele não deveria falar com você. Você não nos ama, não quer ia ao nosso show! E... – A voz de Danny ficou distante quando ele protestou, sendo substituído por , que ria divertido.
Tolamente, meu sangue começou a correr com mais força pelas minhas veias, bombeando meu coração com mais rapidez. Sem uma razão aparente, prendi o ar.
Aquela risada fazia cada terminação nervosa de meu corpo estalar.
- Boa noite, !
Demorei alguns segundos para entender aquela frase de três palavras. OH, céus, o quão idiota eu estou ficando ultimamente?
- O-oi, .
Bastou aquele nome deixar minha boca que Sean pareceu despertar de seu quase cochilo, ajeitando-se em meu colo para poder me encarar com seus olhinhos sonolentos. Ele sorriu quando eu fiz o mesmo para ele, dando leves palmadas e apontando para o telefone em seguida.
- Tudo bem com você?
- Tudo bem sim e com você? – Pigarreei disfarçadamente, quase deixando o telefone cair de minhas mãos. Sean abafou um riso com as duas mãozinhas, chacoalhando os ombros. Eu apenas rolei os olhos, trocando o fone de lado. – O que faz em casa? Não era para estar com o ?
- Ah, o gripou. Me mandou embora da casa dele.
- Puxa, ele está bem?
- Hei, é só uma gripe, ele não vai morrer. – brincou e eu ignorei qualquer mensagem de meu subconsciente, dizendo que havia um pequeno tom de ciúmes na voz dele. – Mas enfim, será que eu posso adiar o final de semana com o Sean?
- Sem problemas, . – Sorri ao pronunciar seu nome. E eu me senti uma boba por isso. – Você vai buscá-lo amanhã na escolinha?
- Na verdade... Eu queria passar aí agora pra buscar ele, seria pedir muito?
Olhei para Sean e depois para o relógio digital na estante, calculando brevemente o tempo que ele levaria para chegar até ali.
- Bem, não sei, . Não é perigoso pra você dirigir a essa hora?
- Problema nenhum, . A não ser que você não queira que eu vá até aí agora...
- Por mim tudo bem. E eu tenho certeza de que Sean não vai fazer objeção nenhuma.
- O que tem eu, mamãe? Eu não quero fazer nada disso aí que você falou não!
Por Sean estar próximo do telefone, ouvira o que nosso filho dissera com certo pânico, e riu, fazendo-me rir também. Beijei sua testa quando ele fez um bico, tentando cruzar os braços em sinal de desgosto. Tudo o que conseguiu foi se embolar ainda mais com o edredom e com meus cabelos.
- Papai quer levar você para dormir lá hoje, o que você acha?
- Agora? – Ele perguntou e não parava de emitir sons de risos enquanto conversávamos. – Agora, agorinha?
- É. Se você quiser.
- Sean quer! Muito, muito!
E disparou para o quarto, dando gritinhos de animação. Ri abertamente, balançando a cabeça minimamente para os lados. Como ele podia ser tão bipolar daquela maneira?
- Bem, essa é sua resposta final.
- Chego aí em quarenta minutos.
Aquele seria o primeiro final de semana de Sean com . Três dias se passaram desde que contara a ele e agora essa data parecia tão distante. Mas, como era de se esperar, Sean se acostumara fácil com aquela nova fase. Tão fácil que parecia que ele sempre tivera por perto. As coisas que ele dizia sobre ele quando conversávamos no café da manhã, o modo como seus olhinhos brilhavam quando ele dizia papai. Em nenhum momento ele estranhou o fato de que da noite pro dia – literalmente – ganhara um pai. E por mais que aquilo fosse bom, também me assustava. Eu não tinha a mesma capacidade de aceitar as coisas daquela maneira como ele. Mas eu parecia ser a única a não ter acreditado que aquele nó que havia se transformado minha gravidez e a paternidade de Sean acabara. Kyle já não via nenhuma novidade na minha relação com os integrantes do McFly e chorou rios quando eu contei sobre o encontro de Sean e . Mas foi só isso.
Por que eu não aceitava tão bem daquela forma também? Por que era como se mais alguma coisa fosse acontecer? Porque sinceramente, acho que tudo o que tinha que acontecer, já acontecera.
Ou não.
Mas como foi que viemos parar nesse assunto mesmo?
Fui tirada de meus devaneios quando a campainha soou duas vezes, fazendo Sean pular em meu colo e sair correndo em direção à porta tropegamente, abrindo-a como um desesperado.
- Papai!
Sean gritou enquanto pulava desajeitado no tronco de , que riu gostosamente com a empolgação de nosso filho às dez e meia da noite.
- Anda colocando energético no leite dele, ? – perguntou brincalhão enquanto era arrastado para dentro por Sean. Eu nem me movera desde que a campainha tocara.
- Ele é assim naturalmente.
Sorri sem mostrar os dentes, tombando minha cabeça minimamente para o lado. Naquele momento eu me senti um trapo perto dele. usava uma jaqueta de couro preta sobre uma camisa lisa branca, acompanhado de seu jeans escuro e sneakers da Nike. Tão contraditório... Ele parecia pronto para cair na noite, mas ao invés disso, estava sendo um pai que vem buscar o filho para passar o final de semana com ele.
Como ele conseguia ser tão... Perfeito dessa maneira?
Foco. , foco. Nada de ficar chamando de lindo, perfeito e afins.
Mas sabe pra onde o foco foi? Pra lua depois que depositou um tímido beijo em minha bochecha ao passar por mim no corredor.
Quem deu permissão para ele me beijar sem que eu estivesse esperando por isso?! Não que eu esperasse que ele me beijasse...
Ah, droga!
Meneei minha cabeça disfarçadamente enquanto ajeitava meus cabelos num coque frouxo, sentindo-me incomodada por estar de pijamas na frente dele. De camisão, na verdade. Mal cobria meus joelhos!
- , você tá legal? – perguntou enquanto apanhava a mochila que Sean lhe estendia. Ambos estavam ao lado do sofá, de mãos dadas. Meu coração acelerou e passou a bater mais devagar depois. Era sempre assim quando eu os via juntos.
- Estou. Estou bem. – Cocei a nuca desajeitada, pois eu tive a ligeira impressão de que exibira um mínimo sorriso de canto. Ele captara alguma coisa em meu olhar? Algo que nem eu entendia o que poderia ser? – Bem, acho que tudo o que Sean precisa está aí. Você precisa de alguma instrução?
- Não, acho que consigo me virar bem.
- Mãe, eu não sou mais bebezinho! – Sean esbravejou de uma maneira fofa, fazendo-me agarrá-lo e mordiscar sua bochecha repetidas vezes. – Pára, mamãe!
- Tudo bem, tudo bem. – O coloquei no chão ao lado de , percebendo somente naquele momento que estávamos muito, muito próximos, de uma maneira que sua respiração batia em meu rosto. Por que toda ação minha tinha que nos aproximar tanto daquela maneira? Quanto mais eu fugia, mais próxima ficava. – Qualquer coisa me liga.
- Eu o trago no domingo à noite.
Não estávamos mais sorrindo naquele momento. Não porque estávamos zangados ou por qualquer coisa do gênero. Eu não conseguia prestar atenção em nada que não fosse seus olhos e ele também parecia muito concentrado nos meus. Eu nunca passara por nenhum momento tão intenso como aquele, mesmo que estivéssemos tendo a conversa mais comum do mundo.
- Ele entra às sete na escolinha, tente não chegar atrasado, está bem? – Ele assentiu, provocando espasmos esquisitos por todo meu corpo. – E não deixe ensinar coisas como arrotar e coisas do gênero, está bem?
lançou a cabeça para trás, rindo, quebrando aquele clima intenso que se formara ao nosso redor. O que eu fiquei grata, porque também voltei a rir. apanhou Sean em seu colo, ajeitando a mochila no ombro enquanto aquele clima de minutos atrás voltava a aparecer.
- Bem, nós vamos nos comportar, não é, campeão? – desviou seu olhar de mim e Sean assentiu, fazendo gestos afirmativos com ambas as mãozinhas. – Nada de arrotar como o tio .
- Por favor. – Sorri enquanto os levava até a porta, implicando com um fio que escapava de meu coque. Uma alternativa de mudar o foco sempre que me sentisse invadida demais pelo seu olhar sem dar muito na cara. Eu achava que era uma tática infalível.
- Posso te ajudar com isso?
Ele sorriu terno, pegando o fio que estava preso em meus dedos contra meu pescoço, encostando quase que imperceptivelmente a ponta de seus dedos por ali, mas fora o bastante para fazer um arrepio correr por todo meu corpo. Ainda sem tirar o sorriso singelo de seus lábios, se aproximou, levando sua mão para trás de minha orelha, deixando o fio teimoso ali, afastando-a depois de afagar delicadamente minha bochecha.
- Boa noite, . – encostou seus lábios cálida e demoradamente em minha testa, fazendo-me perder o fio do raciocínio e instintivamente apoiar uma mão em seu peito. O que só fez minha situação piorar ao sentir seu coração bater acelerado.
Sean depositou um selinho demorado em meus lábios, apertando minhas bochechas como se eu tivesse cinco anos de idade. E depois eles se afastaram, conversando animadamente sobre os planos para os próximos três dias que se seguiriam.
Antes de suas vozes serem apenas burburinhos, ouvi claramente Sean dizer algo que se fixou no tecido do meu cérebro como uma tatuagem.
- Mamãe é a pessoa mais sortuda do mundo porque ela tem nós dois, não é, papai?
- Como é que é?! – Fingi ultraje, mantendo a voz séria. – Pois saiba que é agora que eu não vou ouvir o que você tem pra me dizer!
- Exatamente por isso que te chamei de bruxa! Eu só disse que queria te pedir uma coisa e você já foi falando NÃO!
- , se fosse você no meu lugar, você diria a mesma coisa.
- Mas é claro que não! Eu sempre diria sim pro que quer que você pedisse.
- Ah, é? Então não me peça nada.
- Isso é covardia!
- Você disse que diria sim pra qualquer coisa que eu pedisse, ué.
- Não esse tipo de coisa! O que tem de mais em você ir ao nosso show?!
Tudo, pensei em dizer. Eu me sentia extremamente infantil, mas eu não queria estar no backstage, como as namoradas dos músicos faziam quando podiam. Eu não queria passar aquela imagem. Idiota, eu sei. Qualquer uma daria de tudo para receber aquele convite de , mas convenhamos, eu não sou como qualquer garota. Não num sentido exibicionista da coisa, mas oras, eu tenho um filho de e saí numa revista como a suposta namorada de . Seria muito mais complicado se eu aparecesse. Ainda mais com Sean gritando pai no meio de tanta gente.
E outro fator que me preocupava era que... Eu não estava preparada para ver sendo ele mesmo. Fazendo as coisas que fazia e que me levaria ao passado. Ao começo da nossa história.
Eu já tive a dose máxima de baques e lembranças, se continuasse daquela maneira, meu cérebro entraria em curto.
E eu preciso me manter sã mais do que nunca agora.
- Planeta Terra chamando , planeta Terra chamando !
- Oi, . – Rolei os olhos quando ele bufou, resmungando alguma coisa incompreensível. – Eu não sei... Tenho que pensar.
- O que mais você quer, mulher?! Você tem os amigos mais gatos de todo Reino Unido implorando para você comparecer nesse show. E nós vamos te deixar na área mais vip de todo o estágio. Quer que autografemos sua testa?
- Parece tentador, mas não, obrigada.
- Podemos autografar seus peitos.
- !
- O quê?! As garotas pedem isso o tempo todo!
- Eu não vou me sentir ofendida porque é você que está dizendo isso.
- Se fosse o você não perdoaria?
- Não, eu quis dizer que vou desconsiderar porque você não tem noção do que diz. Mas tudo bem, , isso não é culpa sua.
- Hahá, seu humor é muito mal humorado, sabia?
- Desde sempre.
- Tudo bem, nós podemos autografar qualquer coisa que você quiser.
- , suas propostas não são muito convincentes...
- Por que você sempre tem que dificultar as coisas?!
- Porque senão não teria graça. – Ri abafado, afundando ainda mais contra o sofá.
- Tá bem, sem chantagens emocionais. É um pedido de um velho amigo que não vê a amiga cantando as músicas que ela ajudou a escrever ou que serviu de inspiração para nossa banda e que nos levou ao sucesso. Então, por favor, ! Todos nós queremos ver você lá, nos dando apoio, fazendo-nos sentir como garotinhos de dezessete anos novamente! Você e Sean são muito importantes para o McFly!
- E você ainda tem coragem de dizer que isso não é chantagem emocional?!
- E você ainda tem coragem de dizer ‘não’ para mim depois de todo esse discurso?
Desliguei a televisão, suspirando fracamente. Sean apareceu na sala arrastando sua coberta, coçando os olhos e bocejando. Sorri ao avistá-lo com um pequeno sorriso nos lábios enquanto caminhava em minha direção. Chamei-o para se sentar no meu colo, o que prontamente ele fez, jogando seu cobertor sobre suas pernas.
- Eu prometo que vou pensar, okay?
- Você é má, má, má!
Ri, jogando a cabeça para trás. continuava com o mantra de que eu era má e Sean observava-me atento. Seus dedinhos estavam enroscados em meus cabelos, contorcendo-os.
- Humf. O babão está aqui perguntando se pode falar com você.
- A-ah, tudo bem.
- Mas pensando bem, eu acho que ele não deveria falar com você. Você não nos ama, não quer ia ao nosso show! E... – A voz de Danny ficou distante quando ele protestou, sendo substituído por , que ria divertido.
Tolamente, meu sangue começou a correr com mais força pelas minhas veias, bombeando meu coração com mais rapidez. Sem uma razão aparente, prendi o ar.
Aquela risada fazia cada terminação nervosa de meu corpo estalar.
- Boa noite, !
Demorei alguns segundos para entender aquela frase de três palavras. OH, céus, o quão idiota eu estou ficando ultimamente?
- O-oi, .
Bastou aquele nome deixar minha boca que Sean pareceu despertar de seu quase cochilo, ajeitando-se em meu colo para poder me encarar com seus olhinhos sonolentos. Ele sorriu quando eu fiz o mesmo para ele, dando leves palmadas e apontando para o telefone em seguida.
- Tudo bem com você?
- Tudo bem sim e com você? – Pigarreei disfarçadamente, quase deixando o telefone cair de minhas mãos. Sean abafou um riso com as duas mãozinhas, chacoalhando os ombros. Eu apenas rolei os olhos, trocando o fone de lado. – O que faz em casa? Não era para estar com o ?
- Ah, o gripou. Me mandou embora da casa dele.
- Puxa, ele está bem?
- Hei, é só uma gripe, ele não vai morrer. – brincou e eu ignorei qualquer mensagem de meu subconsciente, dizendo que havia um pequeno tom de ciúmes na voz dele. – Mas enfim, será que eu posso adiar o final de semana com o Sean?
- Sem problemas, . – Sorri ao pronunciar seu nome. E eu me senti uma boba por isso. – Você vai buscá-lo amanhã na escolinha?
- Na verdade... Eu queria passar aí agora pra buscar ele, seria pedir muito?
Olhei para Sean e depois para o relógio digital na estante, calculando brevemente o tempo que ele levaria para chegar até ali.
- Bem, não sei, . Não é perigoso pra você dirigir a essa hora?
- Problema nenhum, . A não ser que você não queira que eu vá até aí agora...
- Por mim tudo bem. E eu tenho certeza de que Sean não vai fazer objeção nenhuma.
- O que tem eu, mamãe? Eu não quero fazer nada disso aí que você falou não!
Por Sean estar próximo do telefone, ouvira o que nosso filho dissera com certo pânico, e riu, fazendo-me rir também. Beijei sua testa quando ele fez um bico, tentando cruzar os braços em sinal de desgosto. Tudo o que conseguiu foi se embolar ainda mais com o edredom e com meus cabelos.
- Papai quer levar você para dormir lá hoje, o que você acha?
- Agora? – Ele perguntou e não parava de emitir sons de risos enquanto conversávamos. – Agora, agorinha?
- É. Se você quiser.
- Sean quer! Muito, muito!
E disparou para o quarto, dando gritinhos de animação. Ri abertamente, balançando a cabeça minimamente para os lados. Como ele podia ser tão bipolar daquela maneira?
- Bem, essa é sua resposta final.
- Chego aí em quarenta minutos.
Aquele seria o primeiro final de semana de Sean com . Três dias se passaram desde que contara a ele e agora essa data parecia tão distante. Mas, como era de se esperar, Sean se acostumara fácil com aquela nova fase. Tão fácil que parecia que ele sempre tivera por perto. As coisas que ele dizia sobre ele quando conversávamos no café da manhã, o modo como seus olhinhos brilhavam quando ele dizia papai. Em nenhum momento ele estranhou o fato de que da noite pro dia – literalmente – ganhara um pai. E por mais que aquilo fosse bom, também me assustava. Eu não tinha a mesma capacidade de aceitar as coisas daquela maneira como ele. Mas eu parecia ser a única a não ter acreditado que aquele nó que havia se transformado minha gravidez e a paternidade de Sean acabara. Kyle já não via nenhuma novidade na minha relação com os integrantes do McFly e chorou rios quando eu contei sobre o encontro de Sean e . Mas foi só isso.
Por que eu não aceitava tão bem daquela forma também? Por que era como se mais alguma coisa fosse acontecer? Porque sinceramente, acho que tudo o que tinha que acontecer, já acontecera.
Ou não.
Mas como foi que viemos parar nesse assunto mesmo?
Fui tirada de meus devaneios quando a campainha soou duas vezes, fazendo Sean pular em meu colo e sair correndo em direção à porta tropegamente, abrindo-a como um desesperado.
- Papai!
Sean gritou enquanto pulava desajeitado no tronco de , que riu gostosamente com a empolgação de nosso filho às dez e meia da noite.
- Anda colocando energético no leite dele, ? – perguntou brincalhão enquanto era arrastado para dentro por Sean. Eu nem me movera desde que a campainha tocara.
- Ele é assim naturalmente.
Sorri sem mostrar os dentes, tombando minha cabeça minimamente para o lado. Naquele momento eu me senti um trapo perto dele. usava uma jaqueta de couro preta sobre uma camisa lisa branca, acompanhado de seu jeans escuro e sneakers da Nike. Tão contraditório... Ele parecia pronto para cair na noite, mas ao invés disso, estava sendo um pai que vem buscar o filho para passar o final de semana com ele.
Como ele conseguia ser tão... Perfeito dessa maneira?
Foco. , foco. Nada de ficar chamando de lindo, perfeito e afins.
Mas sabe pra onde o foco foi? Pra lua depois que depositou um tímido beijo em minha bochecha ao passar por mim no corredor.
Quem deu permissão para ele me beijar sem que eu estivesse esperando por isso?! Não que eu esperasse que ele me beijasse...
Ah, droga!
Meneei minha cabeça disfarçadamente enquanto ajeitava meus cabelos num coque frouxo, sentindo-me incomodada por estar de pijamas na frente dele. De camisão, na verdade. Mal cobria meus joelhos!
- , você tá legal? – perguntou enquanto apanhava a mochila que Sean lhe estendia. Ambos estavam ao lado do sofá, de mãos dadas. Meu coração acelerou e passou a bater mais devagar depois. Era sempre assim quando eu os via juntos.
- Estou. Estou bem. – Cocei a nuca desajeitada, pois eu tive a ligeira impressão de que exibira um mínimo sorriso de canto. Ele captara alguma coisa em meu olhar? Algo que nem eu entendia o que poderia ser? – Bem, acho que tudo o que Sean precisa está aí. Você precisa de alguma instrução?
- Não, acho que consigo me virar bem.
- Mãe, eu não sou mais bebezinho! – Sean esbravejou de uma maneira fofa, fazendo-me agarrá-lo e mordiscar sua bochecha repetidas vezes. – Pára, mamãe!
- Tudo bem, tudo bem. – O coloquei no chão ao lado de , percebendo somente naquele momento que estávamos muito, muito próximos, de uma maneira que sua respiração batia em meu rosto. Por que toda ação minha tinha que nos aproximar tanto daquela maneira? Quanto mais eu fugia, mais próxima ficava. – Qualquer coisa me liga.
- Eu o trago no domingo à noite.
Não estávamos mais sorrindo naquele momento. Não porque estávamos zangados ou por qualquer coisa do gênero. Eu não conseguia prestar atenção em nada que não fosse seus olhos e ele também parecia muito concentrado nos meus. Eu nunca passara por nenhum momento tão intenso como aquele, mesmo que estivéssemos tendo a conversa mais comum do mundo.
- Ele entra às sete na escolinha, tente não chegar atrasado, está bem? – Ele assentiu, provocando espasmos esquisitos por todo meu corpo. – E não deixe ensinar coisas como arrotar e coisas do gênero, está bem?
lançou a cabeça para trás, rindo, quebrando aquele clima intenso que se formara ao nosso redor. O que eu fiquei grata, porque também voltei a rir. apanhou Sean em seu colo, ajeitando a mochila no ombro enquanto aquele clima de minutos atrás voltava a aparecer.
- Bem, nós vamos nos comportar, não é, campeão? – desviou seu olhar de mim e Sean assentiu, fazendo gestos afirmativos com ambas as mãozinhas. – Nada de arrotar como o tio .
- Por favor. – Sorri enquanto os levava até a porta, implicando com um fio que escapava de meu coque. Uma alternativa de mudar o foco sempre que me sentisse invadida demais pelo seu olhar sem dar muito na cara. Eu achava que era uma tática infalível.
- Posso te ajudar com isso?
Ele sorriu terno, pegando o fio que estava preso em meus dedos contra meu pescoço, encostando quase que imperceptivelmente a ponta de seus dedos por ali, mas fora o bastante para fazer um arrepio correr por todo meu corpo. Ainda sem tirar o sorriso singelo de seus lábios, se aproximou, levando sua mão para trás de minha orelha, deixando o fio teimoso ali, afastando-a depois de afagar delicadamente minha bochecha.
- Boa noite, . – encostou seus lábios cálida e demoradamente em minha testa, fazendo-me perder o fio do raciocínio e instintivamente apoiar uma mão em seu peito. O que só fez minha situação piorar ao sentir seu coração bater acelerado.
Sean depositou um selinho demorado em meus lábios, apertando minhas bochechas como se eu tivesse cinco anos de idade. E depois eles se afastaram, conversando animadamente sobre os planos para os próximos três dias que se seguiriam.
Antes de suas vozes serem apenas burburinhos, ouvi claramente Sean dizer algo que se fixou no tecido do meu cérebro como uma tatuagem.
- Mamãe é a pessoa mais sortuda do mundo porque ela tem nós dois, não é, papai?
Chapter Twenty Two
(PS²: Deixem a música carregando e deem play quando a letra iniciar!)
Música do capítulo: Before The Storm
’s POV.
Boom boom boom boom boom.
Aquele não parecia meu coração batendo. Aquele não parecia eu, agindo daquela maneira.
Eu simplesmente esquecera tudo o que tinha que fazer quando ela entrou no meu campo de visão. segurava Sean pelas mãos, parecendo um pouco perdida, embora soubesse exatamente onde estava. E o motivo de estar ali, entre os amplificadores e seguranças.
Sean sorriu abertamente assim que me viu olhando para eles, e acenou calorosamente com ambas as mãos, fazendo direcionar seu olhar na mesma direção que ele, quando sentiu os dedos pequenos de Sean a abandonar e tirá-la dos devaneios, fossem eles quais fossem.
Por um breve segundo de esperança eu rezei para que fossem sobre mim.
Não pude deixar de prender a respiração quando ela apertou os lábios um contra o outro, num cumprimento envergonhado. O contato de nossos olhos durou por dois segundos, mas eu senti como se toda uma eternidade tivesse passado por nós.
Ela estava tão linda! E doía tanto vê-la daquela maneira, tão perto, mas tão distante! Como ela costumava ser na época em que nos conhecemos.
E essa lembrança repentina só me mostrou o quão idiota eu fora. O quão idiota eu continuava sendo.
Oras, a quem eu queria enganar? Eu ainda amava . Eu sempre a amara.
Nenhuma das outras garotas que passaram pela minha vida significou tanto como ela. Nenhuma me fazia sorrir pelo simples fato de estar sorrindo também. Nenhuma delas me fez desejar dar o meu melhor para elas. Nenhuma delas me fazia sentir como se eu devesse protegê-las. Nenhuma delas... Nenhuma delas era .
Naquele momento eu desejei sair do meu lugar para tomá-la em meus braços e dizer o quanto eu a amava.
Mas eu não podia.
Não por estar prestes a iniciar um show ou porque nosso agente iria nos matar se eu cometesse uma loucura daquelas. Era simplesmente porque ela não queria que isso acontecesse. Em nenhum momento eu falei de meus sentimentos depois desses anos que se passaram. O máximo que eu fazia era jogar uma indireta aqui e outra ali, mas ela sempre reagia da mesma maneira. Esquivando-se e mudando de assunto sem nenhuma delicadeza.
Era evidente que ela me perdoara – ou era o que me parecia – mas ela deixava claro que isso não significava que ainda havia chances para nós dois. O que parecia uma contradição inegável, já que seu corpo dizia uma coisa, mas seus olhos denunciavam o quão forte seu coração batia.
E corações não batem por amores que morreram, não é?
Hei, isso poderia dar uma boa música, não?
Ou poderia simplesmente ser a verdade. Oh, como eu queria que ela ainda me amasse. Mas creio que não há como saber.
- Começamos em um minuto.
parou em minha frente, tomando minha total atenção a partir daquele momento. Mas eu tinha certeza de que seria muito difícil não procurá-la ali, escondida na escuridão que as luzes dos holofotes não alcançavam. Literalmente.
- Papai!
Um sorriso escapou de meus lábios quando a voz infantil tiniu pelo corredor abarrotado de gente. Fotógrafos, seguranças, fãs. Muitas fãs histéricas que pararam de gritar e me olhavam com um ponto de interrogação acima das cabeças.
Mas quem disse que eu me importava com o alarde que aquilo poderia causar? Não há nada nesse mundo que compre a felicidade que sinto ao ouvir Sean me chamar de pai.
Eu nem sei descrever o que é isso. Duas semanas se passaram desde que fomos apresentados como pai e filho, mas, em meu íntimo, bem lá no fundo – isso está soando tão gay, mas eu não ligo – eu sentia como se nunca tivéssemos ficado longe um do outro.
Claro que aquele sentimento não preenchia as lacunas vazias que existiam em mim. Eu não estava por perto quando ele nasceu. Eu não sei quais foram suas primeiras palavras. Eu não estava no seu primeiro aniversário. E essas lacunas também existiam em Sean, mas ele não parecia se importar. Era tão fácil ver a felicidade em seus olhos!
Era exatamente como mencionara certa vez. Era assustador aquele elo imediato que surgira entre nós. Assustador, mas muito gratificante.
Dude, pode me chamar de babão agora, mas eu me amarro nesse moleque.
- Hei, campeão!
Abaixei-me para agarrar Sean em meus braços, que vinha correndo desde que atravessara os portões com os braços para o alto. Seus cabelos grudavam em sua testa e suas bochechas sempre brancas estavam vermelhas. Isso indicava que ele curtira o nosso show.
Isso era bom.
Já ... Ela caminhava apressada, mas tentava não chamar muita atenção para si e não parava de olhar para os lados. Suas bochechas também tinham uma leve coloração rosada, mas não creio que seja devido ao show. Ela parecia louca para sair dali.
Isso não era bom.
Eu sabia por que ela estava tão nervosa assim. Os cochichos e os olhares que as garotas lançavam para ela estavam cada vez mais evidentes, mas aquilo parecia tão irrelevante naquele momento. O que seria mais importante do que admirar o seu rosto?
Ela sorriu para os outros caras e depois virou seu olhar para mim. Com muito cuidado, como se não quisesse ter que fazer aquilo, mas fosse obrigada porque eu estava parado na sua frente, ela sorriu.
Sabe aquela vontade de tomá-la em meus braços? Adivinha? Está ficando insuportável nesse exato segundo.
- Belo... Belo show o de vocês.
Sean agitava-se ao meu lado, balançando minha mão com a sua, cantarolando Corrupted distraidamente. concentrou-se em suas unhas depois de falar, mordiscando o lábio inferior nervosamente.
Isso é algum tipo de provação dos céus? Eu sou humano, droga! Se ela continuar me provocando dessa maneira sem intenção... Eu não respondo por mim.
Foco. Não meta os pés pelas mãos, . De novo.
- Fico feliz que tenha vindo. Eu realmente achei que não fosse aparecer...
- E eu não ia. – Ela sorriu tremulamente, parecendo constrangida. – Mas se eu não viesse Sean não pararia de me pedir. Ele disse que os finais de semana são seus. E, bem, esse seria o segundo final de semana de vocês...
- Sean sempre terá exclusividade. – Sorri para meu filho que permanecia ao meu lado alheio à nossa conversa. Ele estava bem interessado num grupo de garotas que não parava de apontar em nossa direção. – Todos meus finais de semana serão dele, não importa onde esteja.
Ela assentiu, interrompendo o contato visual que estabelecemos há cinco segundos, ficando em silêncio. Já eu tinha tanto para dizer... Eu só pensava em dizer o quanto ela estava linda, em como eu estava com saudade do seu abraço... Mas arriscar a dizer qualquer coisa parecida só a afastaria de mim. Mais ainda.
Eram raros os momentos em que conversávamos sem aquela barreira que ela levantara em volta de seu coração. E aquilo era tudo o que eu tinha e tudo o que eu não podia perder.
Não que eu me contentasse com coisas do tipo ‘boa noite, ’ ou ‘Como está o Sean?’, mas era claro que ela não estava pronta para uma aproximação mais profunda.
E eu também não estava pronto para desistir dela tão fácil assim.
Ainda divagando com meus pensamentos, fui surpreendido quando nossos dedos se tocaram. Por um segundo minha mente me pregara uma peça, fazendo-me acreditar que ela pegara em minha mão por livre e espontânea vontade. Mas no segundo depois, no exato momento em que ela me encarou assustada e afastou sua mão extremamente desconcertada, percebi que fora Sean que unira nossas mãos. Meu pequeno metido a cupido ria divertido, mas não para mim e nem para . Acho que aquela era a lição que ele dera nas meninas que não paravam de olhar feio para sua mãe. Eu acabei rindo também, quebrando aquele momento tenso entre nós, já que a mesma começara a rir fracamente.
- Hei, família feliz, hora de ir!
anunciou aos berros, provocando o rubor de e a ira de algumas garotas próximas de nós que não presenciaram a cena armada por Sean. Rolei os olhos pela infantilidade daquelas garotas. Mas nada importava muito naquela hora e então eu apenas me preocupei em admirar Sean entrelaçar sua mão a mão de , caminhando alegremente entre nós dois.
Já disse que eu não ligo nem um pouco pro que os outros vão pensar, não é?
A noite não poderia acabar melhor.
Há meia hora estávamos na estrada, indo para o hotel. Custou muito, mas conseguira convencer a ficar conosco, claro, num quarto só para ela e Sean, longe de nós e nossos roncos. Mas não era somente por isso que eu estava contente.
Em meu colo, Sean dormia tranqüilo, e ao meu lado, também se encontrava adormecida, com a cabeça encostada em meu ombro. Acho que fizera alguma piada de como eu estava parecendo um virgem apaixonado, mas eu não posso dizer com clareza. Eu estava me esforçando ao máximo para registrar aquela cena com perfeição em minha mente.
O modo regular que sua respiração soava; os suspiros que ela soltava de vez em quando. Seu perfume amadeirado, quase imperceptível. Os fios que caíam por seu rosto, modelando-o de uma forma inocente.
Céus. Onde eu estava com a cabeça quando senti medo do futuro que poderíamos ter?
Vagarosa e silenciosamente senti a van parar. e desceram sonolentos e fizera o mesmo depois de ser cutucado fortemente por um dos seguranças. Meu corpo também estava cansado, mas eu queria prolongar o quanto pudesse aquele momento. Podia ser que eu nunca mais fosse viver algo parecido.
Fechei os olhos por um segundo, inalando o ar com pesar, remexendo-me delicadamente para que ela despertasse.
- ... , acorda.
Sussurrei, ouvindo-a resmungar algo incompreensível. Já começara a me preparar para seu afastamento repentino quando ela abriu os olhos e ergueu a cabeça minimamente, colocando nossos rostos muito, muito próximos. Ela fechou os olhos novamente, e lentamente os abriu, sorrindo enviesada ao observar Sean dormir tranqüilamente.
Afastou-se e passou ambas as mãos pelos cabelos, puxando-os num coque mal feito. E então ela saiu da van, deixando-me para trás um pouco confuso.
Eu realmente esperava que ela fosse reagir mal ao perceber que estava dormindo encostada em mim.
Bem, talvez ela estivesse dormindo ainda para associar o que acontecera ali.
Com Sean em meu colo, segui os outros, perdido em meus pensamentos. Talvez as coisas fossem mudar a partir dali. E eu realmente queria que mudassem. Para melhor.
Uma pequena chama de esperança se acendeu enquanto pegávamos o elevador.
Quando chegamos ao andar em que estávamos hospedados, cada qual seguiu para seu quarto, restando apenas eu, Sean e ela no corredor silencioso. Ela caminhou para a porta do seu quarto quando percebeu que estávamos parados no meio do corredor há mais de um minuto na mesma posição.
girou a chave e empurrou a porta delicadamente, dando passagem para que eu entrasse com Sean. O silêncio ali dentro era ainda mais esmagador.
Deitei Sean cuidadosamente na cama, cobrindo-o com o edredom e virando-me inseguro para ela. Então, estávamos ali, sozinhos.
- Obrigada. – Ela disse tão baixo que pensei estar ouvindo coisas. Mas logo ela ergueu o rosto, fixando seus olhos em mim. – Obrigada por ser bom para ele.
- Não precisa agradecer por isso. Eu sou o pai dele, certo?
- Mas mesmo assim. Obrigada.
No this isn’t what I wanted
(Não, isso não é o que eu queria)
Never thought it’d come this far
(Nunca pensei que isso chegaria tão longe)
Thinking back to where we started
(Apenas pensando em voltar para onde nós começamos)
And how we lost all that we are
(E como perdemos tudo o que nós éramos)
Ela sorriu sem jeito, brincando com a ponta de seus dedos. Sem que eu pudesse me controlar, levei meu corpo para perto dela, tocando seu rosto com cautela, sentindo-a estremecer quando a ponta de meu indicador traçou a linha de seu maxilar até seu queixo, por onde ergui seu rosto delicadamente para que pudesse enxergar seus olhos. Eu queria encontrar neles a resistência que me faria desistir do que pretendia fazer.
E por mais que seu corpo continuasse rígido, seus bonitos olhos castanhos acenderam-se significativamente. E foi tudo o que precisei para beijá-la. Não brutalmente nem apressadamente. Apenas um encostar de nossos lábios.
O bastante para me fazer sentir inteiro novamente.
Como eu era há quatro anos.
We were young and times were easy
(Nós éramos tão jovens e os tempos eram fáceis)
But I could see it’s not the same
(Mas eu podia ver que isso não era o mesmo)
I’m standing here but you don’t see me
(Eu estou parado aqui, mas você não me vê)
I’d give it all for that to change
(Eu daria tudo para isso mudar)
And I don’t want to lose her
(E eu não quero perdê-la)
I don’t want to let her go
(Eu não quero deixá-la ir)
Com sutileza, aprofundei o beijo, sentindo em mim a necessidade de matar toda aquela saudade de uma única vez, mas ao mesmo tempo eu queria prolongar aquele momento, curtir cada segundo em câmera lenta.
No primeiro momento ela resistiu. Mas seu combate interno durou pouco, e logo senti suas mãos me agarrarem pela nuca, puxando-me contra ela quando sua boca se entreabriu, dando passagem para que nossas línguas se encontrassem.
Minhas mãos estavam indecisas sobre seu corpo, então me contentei em segurá-la firmemente pela cintura, apertando-a levemente e fazendo-a gemer minimamente com esse ato.
Eu queria que ela ficasse ali para sempre.
I am standing out in the rain
(Estou na chuva)
I need to know if it’s over
(Preciso saber se acabou)
Cause I will leave you alone
(Porque eu vou te deixar sozinho)
(He)
Flooded with all this pain
(Estou inundado com toda essa dor)
Knowing that I’ll never hold her
(Sabendo que eu nunca vou abraçá-la)
Like I did before the storm
(Como eu fiz antes da tempestade)
Decididamente e sem um traço da delicadeza com a qual ela me abraçava instantes atrás, me afastou de si, encarando-me chocada. Levou uma mão aos lábios e instantaneamente uma lágrima rolou de seus olhos. Eu fiquei sem reação, tentando conciliar o momento em que ela estava em meus braços e o depois que ela não estava mais.
- Por favor, não faça mais isso. – Ela pediu, encarando-me com os olhos vermelhos, mas sem nenhuma outra lágrima presente em seu rosto. Eu podia ver claramente que ela estava irritada pelo modo que seu maxilar estava rígido. – Não confunda as coisas.
- Eu não estou confundindo nada, . – Aproximei-me os passos que ela se distanciou, vendo-a recuar novamente. – Será que não dá pra ver que eu ainda...
- NÃO DIGA! – Ela aumentou seu tom de voz, abaixando-o assim que Sean se remexeu na cama. – Não diga que você me ama, . Você não pode dizer isso.
- E por que não?
Ela se calou, virando-se de costas para mim, impedindo-me de ver seus olhos ou qualquer outra parte de seu rosto.
- Porque isso não mudaria nada.
(Com todo relâmpago)
Comes a memory that lasts
(Vem uma memória que dura)
Not a word is left unspoken as the thunder starts to crash
(Nenhuma palavra fica sem ser dita quando um trovão começa a soar)
Maybe I should give up
(Talvez eu devesse desistir)
- Eu passei todos esses anos acreditando que eu estava bem sem você, . Eu passei esses quatro anos acreditando que eu não sentiria mais nada por você, em nenhum momento. E você não tem o direito de mudar tudo isso.
- Você não pode viver acreditando nas mentiras que você criou. Eu estou aqui e agora, e eu amo você.
O silêncio após minha fala se estendeu até ela rir sem humor, tão baixo quanto um suspiro. continuava de costas para mim e eu queria a todo custo olhar em seus olhos e ver o que se passava por eles. Mas eu estava congelado em meu lugar, sentindo-a escapar pelos meus dedos numa trajetória sem volta.
- Eu já acredito nelas, . E eu não amo você.
I’m standing out in the rain
(Estou na chuva)
I need to know if it’s over
(Eu preciso saber se acabou)
Cause I will leave you alone
(Porque eu vou deixar você sozinho)
(He)
Flooded with all this pain
(Estou inundado com toda essa dor)
Knowing that I’ll never hold her
(Sabendo que eu nunca vou abraçá-la)
Like I did before the storm
(Como eu fiz antes da tempestade)
As veias que bombeavam meu coração pareciam carregar gelo naquele momento.
O ar parecia mais pesado em meus pulmões, e eu não sentia nada além da frieza em suas palavras. Por um momento tentei acreditar que ela estava mentindo, mas havia tanta certeza em suas palavras, que eu não tive como argumentar mais nada. Apenas respirei fundo, esperando que o pouco de orgulho que me restava me levasse embora dali antes que me machucasse ainda mais.
Eu tinha minha parcela de culpa naquela história, mas isso não significava que eu agüentaria ouvir uma coisa daquelas sem sofrer.
Ela se virou para mim, mas eu não procurei mais seus olhos.
Trying to keep the light from going in
(Tentando evitar que as luzes sumam)
And the clouds from ripping out my broken heart
(E as nuvens de rasgarem meu coração partido)
We always say a heart is not whole without the one who gets you
(Eles sempre dizem que um coração não é uma casa sem aquele)
Through the storm
(que faz você passar através da tempestade)
Lancei um último olhar sobre meu filho adormecido, sentindo o coração bater mais pesado e muito mais dolorido. Desejei tocar seu rosto adormecido e encontrar um pouco de paz com aquele gesto, mas eu tinha que sair dali.
E o mais importante, eu tinha que deixar meu coração para trás. Eu tinha que deixá-lo ali.
Mas como abandonar o que está não só em seu coração, mas em toda parte do seu ser?
Assenti para mim mesmo, sorrindo sem humor. Definitivamente, algo mudaria aquela noite. Mas não seria para melhor.
Caminhei até a porta, hesitando na maçaneta quando ela chamou meu nome baixinho. Não me virei, nem respondi ao seu chamado, apenas permaneci parado, pronto para correr se fosse preciso.
- Me desculpe.
Ri pelo nariz, abrindo a porta com brutalidade e saindo dali antes que as lágrimas que insistiam em se acumular em meus olhos rolassem.
(Permanecendo na chuva, sabendo que realmente acabou)
Please don’t leave me alone
(Por favor, não me deixe sozinho)
Flooded with all this pain, knowing that I’ll never hold you
(Inundado com toda essa dor, sabendo que eu nunca vou abraçar você)
Like I did before the storm
(Como eu fiz antes da tempestade)
Uma tempestade enegrecia o céu de Londres naquele momento. As gotas pesadas se acumularam em minhas roupas no minuto em que coloquei os pés na rua, fora do hotel e para longe dali. Eu não sabia para onde iria e nem me importava o que aconteceria depois.
Eu só queria apagar as lembranças daquela noite.
E eu iria apagá-las, de uma maneira ou de outra.
Chapter Twenty Three
Queimava.
Minha pele, minha mente, minha alma. Tudo dentro de mim estava em chamas. As labaredas lambiam meu interior, espalhando ondas de calor e abrindo cicatrizes que eu achei estarem curadas. Cicatrizes essas que levavam um único nome. Amor. É claro que eu não falei sério quando disse... Quando disse a ele que não o amava mais. De todas as coisas na minha vida, aquela era a única certeza que eu tinha. De que meu coração ainda batia por ele.
era para mim, o que eu nunca fui para ninguém. A motivação para continuar quando tudo lhe é arrancado. Se tem uma coisa que eu nunca vou poder dizer, é que ele não foi bom para mim. vivia me salvando de meus próprios abismos e, mesmo quando não estávamos mais juntos, ele me deu um único motivo para não desistir do que quer que fosse surgir depois da escuridão. Sean.
Mas, mesmo tendo certeza da verdade inegável, eu não podia aceitar tudo isso tão naturalmente. Mais do que isso, eu não conseguia. Por mais nítido que fosse - para mim - o meu amor por , eu não conseguia trazê-lo à superfície sem destruir tudo o que eu conquistei durante esses quatro anos. E era completamente inviável a ideia de jogar tudo para o alto no meio dessa tempestade.
Nem tudo que amamos é bom para nossa sanidade.
Suspirei baixinho, cansada daqueles pensamentos que me assombravam desde o momento que ele passou por minha porta na noite anterior. O ar dentro daquele quarto de hotel parecia me sufocar, não somente por estar carregado com seu perfume, mas por carregar em si a certeza de que, mais uma vez, eu cometera um erro.
Eu sabia o que ia acontecer, eu sabia o que eu precisava fazer, mas eu ficara tão paralisada e tão assustada, que eu acabara me escondendo atrás daquele muro que construíra ao redor do meu coração, dos assuntos que nos envolviam. E, por trás daquela armadura, existia uma mulher incapaz de acreditar nos sentimentos dos outros, precisamente, nos de .
E fora ela que dera a cartada final.
Quando eu recobrara minha consciência, quando aquela onda de adrenalina passou e a névoa que encobria meus sentidos se dissipou, era tarde demais. Eu já o fizera acreditar em minhas palavras, eu pude ver em seus olhos que ele acreditara em mim. Ora, e por que ele não acreditaria? A situação - infelizmente - favorecia o meu lado. Tudo o que me restava fazer era me desculpar. Por ser infantil e medrosa e acima de tudo isso, egoísta.
Eu me concentrei no meu medo de me entregar e sequer pensei que ele se empenhara para fazer aquilo tudo funcionar. Nossa reconciliação, talvez. O primeiro pequeno passo para retomarmos as rédeas da nossa relação.
Fechei os olhos trincando a mandíbula, tentando afastar a náusea causada pelo remorso. Algo quente umedeceu minhas bochechas e ao abrir os olhos, quase me surpreendi ao perceber que estava chorando. Quase. Eu me conhecia bem o suficiente para entender o que era aquilo tudo.
Eu não tinha coragem suficiente para lutar por aquilo que queria e muito menos para aceitar que também era desejada.
Tremulamente, deixei o ar escapar pelos lábios entreabertos, controlando-me para não chorar mais. As luzes do lado externo do táxi iam diminuindo de intensidade, conforme o carro avançava pela estrada e a noite ficava para trás. E junto do asfalto que me distanciava do marco onde tudo se perdeu novamente, ficava partes do meu coração.
Mas por que somente as partes boas eram arrancadas de nós? Por que não podia arrancar de mim minha insegurança? Seria tudo mais fácil. Ou menos complicado. Tanto faz.
Agradeci mentalmente quando o táxi entrou na rua de minha casa, diminuindo a velocidade até parar por completo. Com um sorriso murcho que pareceu levantar a preocupação do senhor, de semblante juvenil, paguei a corrida e praticamente corri para fora do carro, atrapalhando-me as minhas chaves que não se firmavam em meus dedos trêmulos. Tudo o que eu queria era me trancar em alguma coisa que eu achasse seguro. E nada melhor do que nossa casa para nos passar segurança, não é mesmo?
Com cuidado para não deixar minha pressa abalar o sono tranquilo de Sean, entrei em casa depois de assentir para o taxista, que ainda estava parado em frente a minha casa como se esperasse que eu precisasse de ajuda. Não esperei para ver se ele viu ou não meu gesto, assim que senti o cheiro familiar de baunilha penetrar meus pulmões, fechei a porta e esperei que toda aquela angustia ficasse do lado de fora também. Demorei alguns minutos para me mover, ainda conciliando o fato de que estava em casa, como se o dia anterior sequer tivesse existido. Com um sorriso, que não era nada além da falsa confiança de que tudo ficaria bem, segui para o quarto de Sean, depositando-o em sua cama. Acariciei seus cabelos bagunçados e acendi seu abajur, procurando imediatamente o meu próprio descanso.
Eu iria tomar um banho, trocaria aquelas roupas que continha resquícios do cheiro dele, dormiria tranquilamente e veria que o dia de ontem fora apenas um sonho.
Mas... De que me adiantaria acreditar naquela ilusão quando isso não alteraria a realidade?
Sendo o beijo de ontem real ou não, eu ainda teria dentro de mim o sentimento por . Ainda teria meus medos e meu egoísmo. Eu ainda continuaria sendo... Eu. Com todo esse amor e nenhuma gota de coragem. Comecei a me desfazer de minhas roupas antes mesmo de entrar em meu quarto. Parecia que, quanto mais eu as tirava, mais o perfume dele ficava insuportável. Quando cheguei no banheiro, eu praticamente as arrancava de mim como se estivessem pegando fogo. Era um ato desesperado e agoniado. Mas, mesmo quando enfiei-me sob a água gelada, seu perfume continuava em meus pulmões.
Espasmos doloridos eletrocutavam meus ossos e eu esperava que fizesse o mesmo com meu cérebro. Mas nada acontece do jeito que a gente quer, isso é um fato. Contentei-me em fechar os olhos e trincar a mandíbula, para meus dentes pararem de bater, e deixei a água gelada correr pelo meu corpo.
Quando a dor física se tornou insuportável e todos meus músculos pareciam ter congelado, fechei o registro e encolhi-me no canto do box, deixando as lágrimas que vinha reprimindo rolarem soltas pelo rosto gelado. Logo, soluços escaparam de minha garganta e ouvir meu próprio choro ecoar pelo silêncio me mostrou o quanto estava quebrada, desgastada por aquela situação toda.
Por que eu sempre tenho que dificultar as coisas?
Nem mesmo quando uma voz distinta chamou pelo meu nome, eu pude conter meus soluços. Parecia que, ao saber que eu não estava mais sozinha em casa, o bolo em minha garganta triplicara de tamanho, jogando para fora lamúrias angustiadas.
- ?
A voz de Kyle estava mais próxima agora e meu choro prendeu-se em meus pulmões. Mas, bastou ele aparecer em meu campo de visão para que tudo viesse abaixo novamente, dessa vez as lágrimas pareciam queimar a pele de meu rosto.
- pequena, o que aconteceu com você, meu amor?
Kyle correu até mim e imediatamente eu me lancei em seus braços estendidos, puxando sua camisa como se dependesse de seu abraço para não cair num abismo. Os gemidos que escapavam de minha boca pareciam vir de outra pessoa, parecia muito sofrimento para uma coisa tão pouca.
- Shhh, shhh. Tá tudo bem agora. - Ele me embalou, sentando ao meu lado, ignorando a água que logo encharcou suas roupas.
Meus dedos se prenderam em seu suéter e tudo o que eu sabia era que ali, eu encontraria um pouco de consolo. Mais do que isso, eu sabia que Kyle nunca me deixaria sozinha. E aquilo me fez chorar ainda mais.
- Vem, vamos colocar uma roupa, hm? - Ele beijou minha testa, levantando-se e me puxando delicadamente pelas mãos. Rapidamente passou seu braço em volta de meu corpo com uma toalha, friccionando suas mãos sobre meus ombros para afugentar o frio. - Faço um chocolate quente para você. Vai te fazer bem.
Eu não sei se concordei ou se nem respondi, apenas segui seu embalo, sentando na cama quando ele me forçara a sentar. Funguei, parecendo extremamente infantil quando Kyle segurou meu rosto entre suas mãos, beijando docemente a ponta de meu nariz.
- Fique aqui.
Como se eu tivesse intenção de ir para outro lugar, pensei em responder. Mas qualquer palavra parecia um ato desnecessário, depois de tê-las usado pela última vez para magoar alguém que não merecia. Abracei meus joelhos, sentindo a água pingar no meu colchão. Meu olhar estava fixo no carpete, e por mais que tudo o que eu estivesse vendo naquele momento fosse a cor acizentada, imagens passavam como se eu as tivesse vendo na tevê. Clara e nitidamente perfeitas.
FLASHBACK ON.
O meio sorriso que surgiu em seu rosto, foi capaz de parar o meu coração por breves segundos. Oh céus, ele era lindo demais para ser real. deixou que o sorriso se alargasse, fazendo seus olhos se fecharem um pouco. Por mais que minha atenção estivesse focada no brilho dos seus olhos, eu consegui captar tudo à minha volta. Naquela tarde de outono, os últimos raios solares tocavam seu rosto deixando-o levemente alaranjado, quase o mesmo tom que pintava o céu. Uma brisa gelada passava por nós sorrateiramente, quase como se não quisesse nos incomodar. O silêncio a nossa volta se estendia por todo jardim, mas não era um silêncio que incomodava. Aquele era o dia perfeito, ao lado da pessoa perfeita.
- Você é linda. - Ele sussurrou, deixando o sorriso morrer em seus lábios, aderindo um semblante mais fechado, mas não totalmente serio. Era como se ele estivesse tentando se concentrar em algo muito importante. - É... Linda.
Meu coração disparou dentro do peito, como sempre acontecia quando ele me olhava com tanta intensidade.
Eu sempre fora uma garota indecisa e confusa, mas era a única certeza que eu tinha. E teria para sempre.
FLASHBACK OFF.
Inspirei a maior quantidade possível de ar, tentando assim, não sucumbir novamente. Além de covarde e egoísta, eu também me tornara masoquista? Por que meu coração sempre tinha que trair a razão?
Mudei o foco quando ouvi passos no corredor. Logo, a figura sonolenta e molhada de Kyle surgiu em meu quarto. E somente naquele momento eu me perguntei como ele fora parar ali, naquele horário. Não era para ele estar em sua casa, dormindo às cinco e meia da manhã?
- Tome um pouco, vai te fazer bem. - Ele esboçou um sorriso sem mostrar os dentes quando me entregou uma caneca fumegante que espalhou pelo quarto um delicioso cheiro de chocolate quente, sentando-se ao meu lado.
- Como...
- Eu vim parar aqui? - Ele perguntou depois de bebericar o conteúdo de seu copo. Eu assenti, fazendo o mesmo com o meu, sentindo o liquido descer pela garganta e espalhar calor por todo corpo. - Você me ligou duas vezes, .
Eu não me lembrava disso.
- Liguei? - Minha voz soou esganiçada e eu limpei a garganta depois de beber mais um gole de chocolate quente. - Liguei quando?
- Às cinco horas em ponto. - Ele tombou a cabeça para o lado, afastando os fios que grudavam em meu rosto, afagando meu queixo depois. - Eu liguei de volta, mas deu caixa postal. E, quando você me liga antes das nove da manhã, é porque tem alguma coisa errada.
Franzi minimamente minhas sobrancelhas, forçando minha memória para que eu me lembrasse de outras coisas que não fossem relacionadas ao acontecimento no hotel. E depois eu me lembrei. Estava tão atordoada que sequer me dera conta de que realmente tinha ligado para Kyle, mas desistira na primeira vez por achar cedo demais e na segunda, por me achar idiota demais.
- Então, eu só juntei os fatos. Eu sabia que você ia ao show deles e pensei: ou você estava me ligando porque estava precisando de um ombro amigo ou porque queria me contar um babado muito forte. - Kyle continuou numa fala só, suspirando quando terminou, olhando para mim com um sorriso tristonho. - Eu queria muito que fosse a segunda opção, mas não é o que está me parecendo.
- Me desculpe. - Solucei, escondendo meu rosto em seu ombro.
- Não precisa se desculpar por precisar de um amigo . - Kyle disse sincero, passando os braços em torno de meu ombro, beijando repetidas vezes meu cabelo. - Sua sorte é que eu não sou homem mesmo, né, querida? Aposto que fosse no meu lugar, não iria conseguir te ajudar em nada.
Eu iria perguntar por que e estava até me sentindo levemente insultada por ele dizer uma coisa daquelas de um dos meus melhores amigos, mas a resposta ficou óbvia no segundo seguinte, quando Kyle se levantou para procurar em meu guarda roupa roupas secas para mim e para ele. Não que Kyle fosse do tipo que gostava de se vestir como mulher, mas, ele gostava dos meus moletons largos e nada femininos.
- Imagina se ele chega aqui e vê esse mulherão pelada na frente dele? - Kyle arregalou os olhos, meneando a cabeça depois.
Pela primeira vez depois de horas, eu ri. Tanto por Kyle ter dito aquilo como pelo conteúdo da sua frase. era lindo, mas era até estranho pensar nele em outro sentido que não fosse como amigo. Então, imaginar a cena que provavelmente surgiu na cabeça de Kyle era engraçado.
- Não pare de sorrir. Você fica horrível chorando. Parece um filhote de cruz credo.
Ele falou serio, mas eu novamente dei risada. Céus, de onde é que essa criatura saiu? De qualquer forma, eu sou muito abençoada por ter um amigo como ele aqui, me fazendo esquecer - pelo menos por agora - o que não sai de minha cabeça.
~*~
- Tio Kyle, quero mais chocolate quente!
Sean chacoalhou sua caneca vazia em direção à Kyle, lambendo os beiços sujos de chocolate. Sorri ao ver que ele estava se lambuzando ainda mais e mordi sua bochecha, fazendo-o resmungar baixinho.
- E dá mais para a mamãe também, porque ela ainda está com fome!
- Sean com chocolate quente é muito gostoso, sabia? - Eu brinquei, limpando sua boca com a manga de meu moletom. - Mamãe adora Sean com chocolate quente.
- Ahn... Tio Ky, traz outra coisa para a mamãe. - Sean gritou e Kyle riu, assim como eu. - Na-não. Melhor eu ir ai te ajudar tio Ky.
E, dizendo isso saltou de meu colo, correndo serelepe até a bancada da cozinha, apontando para mim e murmurando algo como doidinha doidinha. Meneei minha cabeça depois de sorrir cúmplice para Kyle, que ouvia atentamente os relatos aleatórios de Sean.
Desde que acordara, Sean não mencionara o nome de nenhuma vez. E aquilo era estranho e ótimo ao mesmo tempo. Mas, entre uma opção e outra, eu preferia a segunda. Quanto menos perguntas ele fizesse naquele dia, melhor seria.
Bom, se meu filho não me fazia lembrar , outras pessoas fariam isso por ele. Assim que troquei de um canal para o outro, senti todo o sangue que corria por minhas veias desaparecer. Primeiro, o choque. Depois, a compreensão. E por último, a raiva. Eu não sei qual era o chamado da reportagem ou o que ele estava fazendo ali, mas era evidente que aquele era se atracando com uma loira numa boate qualquer. E ele nem se importou em estar sendo filmado! Ele... Apenas sorriu para a câmera e voltou a enfiar e lingua na boca daquela mulher. Podia ser maluquice, mas de alguma forma, eu senti que aquele sorriso sarcástico fora para mim.
Ah, as ironias da vida.
Aquilo era um tipo de castigo? Uma punição por negar meus sentimentos, por ter mentido descaradamente para ele?
Naquele instante, no mesmo segundo que a cena se repetia na tela, eu fui tomada por um sentimento que eu nunca sentira antes. Se aquilo era um tipo de punição pela parte dele, eu revidaria. Não sei como e nem exatamente com que fundamento eu faria aquilo, mas eu faria. Ah, eu faria.
Levantei do sofá abruptamente, seguindo para o quarto com passadas pesadas. Comecei revirando minhas gavetas, e depois passei a jogar as roupas sobre a cama. Parei quando encontrei o pacote ainda fechado num rosa choque extravagante, rasgando o plástico sem sutileza alguma. Não sei se aquilo realmente acontecera, mas senti uma fagulha raivosa brilhar em meus olhos.
Passei pela cabeça o moletom e o joguei sobre o monte de roupas espalhadas pelo quarto, trocando o tecido bruto por um delicado, que roçava suavemente em minha pele. Joguei meus cabelos bagunçados para trás, prendendo-os num rabo de cavalo rebelde, carregando na maquiagem escura. Eu fazia tudo com pressa e movida por uma fúria que eu sequer sabia de onde vinha, que nem sei se fizera as coisas certas. Terminei de calçar minhas sandália de salto quando Kyle entrou no quarto, recuando dois passos quando me viu vestida e totalmente transformada. Nem parecia que eu tinha chorado rios horas atrás, parecendo uma garotinha assustada.
Vi no reflexo do espelho o que ele provavelmente vira. Uma mulher que exalava confiança e nenhum tipo de piedade. Borrifei o perfume e ajeitei o caimento do vestido em meu corpo. Até ontem, eu consideraria aquele vestido vulgar demais para usar nos lugares que eu costumava frequentar. Oras, um vestido com uma abertura nas costas que pára no cóx e um decote que vai até o umbigo não é apropriado para o trabalho e muito menos para uma tarde no cinema com Sean. Mas, naquela noite eu não iria para os lugares que estava acostumada, então, eu poderia usufruir do presente que Kyle me dera dois anos atrás e que permaneceu fechado por causa da marca que estampava o pacote.
- Aonde é que você vai usando Victoria's Secret? - Kyle perguntou dois tons acima da sua voz normal, olhando-me da cabeça aos pés, totalmente chocado.
- Vou sair. Você pode ficar com Sean por hoje?
- Mas como assim sair? Até quase agora você estava disposta a envelhecer assistindo Dawnson's Creek!
- Eu mudei de ideia, você pode ficar com ele, Ky? - Retomei minha pergunta, parando de me arrumar quando ele parou ao meu lado. - Por favor, não me pergunte mais nada. Eu... Eu. Preciso sair.
Kyle assentiu sem pensar duas vezes e eu me perguntei se ele viu a mesma coisa que eu. Mas, vendo ou não, ele compreendeu o apelo gritante em meus olhos e palavras, dando-me um abraço demorado e pedindo juízo como se eu fosse sua filha adolescente.
Joguei um sobretudo sobre meu corpo para passar pela sala. Não sei porque, mas eu não me senti bem ao pensar na hipótese de sair vestida daquela maneira na frente de Sean. Ele já iria estranhar a maquiagem pesada, não precisava ver que sua mãe estava com um vestido que cobria dois palmos de suas pernas.
- Sean, meu amor. - Me ajoelhei na sua frente, vendo-o sorrir manhoso para mim. - Mamãe vai sair e o tio Ky vai ficar aqui com você, tudo bem?
- Mamãe vai sacudir o bumbum de novo? - Sean ergueu os braços pro ar como fizera meses atrás e eu reprimi qualquer lembrança a mais daquele dia. - Ouvindo a Gaga?
- Sim, acho que a mamãe vai ouvir um pouco de Gaga. - Sorri pelo nariz, acariciando suas bochechas. - Promete que vai se comportar?
- Sean não precisa prometer. Sou um bom menino. Mas o tio Ky vai ter que me dar mais chocolate quente. Senão... - Ele apontou de modo intimidante para Kyle, que fingiu tremer e concordar. Todos rimos depois. - Boa diversão, mamãe.
- Sabe que falando assim, me dá mais vontade ainda de te morder?
- Ah, então nada de diversão! - Ele se apressou em dizer, e eu apenas ri, beijando repetidas vezes seus dois lados das bochechas.
- A gente se vê mais tarde. - Beijei o topo de sua cabeça, bagunçando seus cabelos depois. Era maravilhoso estar na presença de Kyle e Sean, mas naquela noite, eu precisava de um tempo apenas para mim. Segui até a porta com Kyle em meu encalço, que parecia pouco satisfeito com a minha mudança repentina de humor. - Obrigado.
- Olha, não vai fazer nenhuma besteira, está bem?
Pelo modo como suas mãos apertaram as minhas, eu tive certeza de que ele sabia o que estava acontecendo e provavelmente sabia o que poderia acontecer.
Mas se suas suspeitas estavam certas ou não, nós só saberíamos no fim do dia. Ou no começo dele, não sei.
Apanhei minha pequena bolsa e arranquei as chaves da porta, entrando em meu carro que cheirava à infância e dei partida nele, seguindo para longe de casa. Mas não tão longe de mim mesma.
Minha pele, minha mente, minha alma. Tudo dentro de mim estava em chamas. As labaredas lambiam meu interior, espalhando ondas de calor e abrindo cicatrizes que eu achei estarem curadas. Cicatrizes essas que levavam um único nome. Amor. É claro que eu não falei sério quando disse... Quando disse a ele que não o amava mais. De todas as coisas na minha vida, aquela era a única certeza que eu tinha. De que meu coração ainda batia por ele.
era para mim, o que eu nunca fui para ninguém. A motivação para continuar quando tudo lhe é arrancado. Se tem uma coisa que eu nunca vou poder dizer, é que ele não foi bom para mim. vivia me salvando de meus próprios abismos e, mesmo quando não estávamos mais juntos, ele me deu um único motivo para não desistir do que quer que fosse surgir depois da escuridão. Sean.
Mas, mesmo tendo certeza da verdade inegável, eu não podia aceitar tudo isso tão naturalmente. Mais do que isso, eu não conseguia. Por mais nítido que fosse - para mim - o meu amor por , eu não conseguia trazê-lo à superfície sem destruir tudo o que eu conquistei durante esses quatro anos. E era completamente inviável a ideia de jogar tudo para o alto no meio dessa tempestade.
Nem tudo que amamos é bom para nossa sanidade.
Suspirei baixinho, cansada daqueles pensamentos que me assombravam desde o momento que ele passou por minha porta na noite anterior. O ar dentro daquele quarto de hotel parecia me sufocar, não somente por estar carregado com seu perfume, mas por carregar em si a certeza de que, mais uma vez, eu cometera um erro.
Eu sabia o que ia acontecer, eu sabia o que eu precisava fazer, mas eu ficara tão paralisada e tão assustada, que eu acabara me escondendo atrás daquele muro que construíra ao redor do meu coração, dos assuntos que nos envolviam. E, por trás daquela armadura, existia uma mulher incapaz de acreditar nos sentimentos dos outros, precisamente, nos de .
E fora ela que dera a cartada final.
Quando eu recobrara minha consciência, quando aquela onda de adrenalina passou e a névoa que encobria meus sentidos se dissipou, era tarde demais. Eu já o fizera acreditar em minhas palavras, eu pude ver em seus olhos que ele acreditara em mim. Ora, e por que ele não acreditaria? A situação - infelizmente - favorecia o meu lado. Tudo o que me restava fazer era me desculpar. Por ser infantil e medrosa e acima de tudo isso, egoísta.
Eu me concentrei no meu medo de me entregar e sequer pensei que ele se empenhara para fazer aquilo tudo funcionar. Nossa reconciliação, talvez. O primeiro pequeno passo para retomarmos as rédeas da nossa relação.
Fechei os olhos trincando a mandíbula, tentando afastar a náusea causada pelo remorso. Algo quente umedeceu minhas bochechas e ao abrir os olhos, quase me surpreendi ao perceber que estava chorando. Quase. Eu me conhecia bem o suficiente para entender o que era aquilo tudo.
Eu não tinha coragem suficiente para lutar por aquilo que queria e muito menos para aceitar que também era desejada.
Tremulamente, deixei o ar escapar pelos lábios entreabertos, controlando-me para não chorar mais. As luzes do lado externo do táxi iam diminuindo de intensidade, conforme o carro avançava pela estrada e a noite ficava para trás. E junto do asfalto que me distanciava do marco onde tudo se perdeu novamente, ficava partes do meu coração.
Mas por que somente as partes boas eram arrancadas de nós? Por que não podia arrancar de mim minha insegurança? Seria tudo mais fácil. Ou menos complicado. Tanto faz.
Agradeci mentalmente quando o táxi entrou na rua de minha casa, diminuindo a velocidade até parar por completo. Com um sorriso murcho que pareceu levantar a preocupação do senhor, de semblante juvenil, paguei a corrida e praticamente corri para fora do carro, atrapalhando-me as minhas chaves que não se firmavam em meus dedos trêmulos. Tudo o que eu queria era me trancar em alguma coisa que eu achasse seguro. E nada melhor do que nossa casa para nos passar segurança, não é mesmo?
Com cuidado para não deixar minha pressa abalar o sono tranquilo de Sean, entrei em casa depois de assentir para o taxista, que ainda estava parado em frente a minha casa como se esperasse que eu precisasse de ajuda. Não esperei para ver se ele viu ou não meu gesto, assim que senti o cheiro familiar de baunilha penetrar meus pulmões, fechei a porta e esperei que toda aquela angustia ficasse do lado de fora também. Demorei alguns minutos para me mover, ainda conciliando o fato de que estava em casa, como se o dia anterior sequer tivesse existido. Com um sorriso, que não era nada além da falsa confiança de que tudo ficaria bem, segui para o quarto de Sean, depositando-o em sua cama. Acariciei seus cabelos bagunçados e acendi seu abajur, procurando imediatamente o meu próprio descanso.
Eu iria tomar um banho, trocaria aquelas roupas que continha resquícios do cheiro dele, dormiria tranquilamente e veria que o dia de ontem fora apenas um sonho.
Mas... De que me adiantaria acreditar naquela ilusão quando isso não alteraria a realidade?
Sendo o beijo de ontem real ou não, eu ainda teria dentro de mim o sentimento por . Ainda teria meus medos e meu egoísmo. Eu ainda continuaria sendo... Eu. Com todo esse amor e nenhuma gota de coragem. Comecei a me desfazer de minhas roupas antes mesmo de entrar em meu quarto. Parecia que, quanto mais eu as tirava, mais o perfume dele ficava insuportável. Quando cheguei no banheiro, eu praticamente as arrancava de mim como se estivessem pegando fogo. Era um ato desesperado e agoniado. Mas, mesmo quando enfiei-me sob a água gelada, seu perfume continuava em meus pulmões.
Espasmos doloridos eletrocutavam meus ossos e eu esperava que fizesse o mesmo com meu cérebro. Mas nada acontece do jeito que a gente quer, isso é um fato. Contentei-me em fechar os olhos e trincar a mandíbula, para meus dentes pararem de bater, e deixei a água gelada correr pelo meu corpo.
Quando a dor física se tornou insuportável e todos meus músculos pareciam ter congelado, fechei o registro e encolhi-me no canto do box, deixando as lágrimas que vinha reprimindo rolarem soltas pelo rosto gelado. Logo, soluços escaparam de minha garganta e ouvir meu próprio choro ecoar pelo silêncio me mostrou o quanto estava quebrada, desgastada por aquela situação toda.
Por que eu sempre tenho que dificultar as coisas?
Nem mesmo quando uma voz distinta chamou pelo meu nome, eu pude conter meus soluços. Parecia que, ao saber que eu não estava mais sozinha em casa, o bolo em minha garganta triplicara de tamanho, jogando para fora lamúrias angustiadas.
- ?
A voz de Kyle estava mais próxima agora e meu choro prendeu-se em meus pulmões. Mas, bastou ele aparecer em meu campo de visão para que tudo viesse abaixo novamente, dessa vez as lágrimas pareciam queimar a pele de meu rosto.
- pequena, o que aconteceu com você, meu amor?
Kyle correu até mim e imediatamente eu me lancei em seus braços estendidos, puxando sua camisa como se dependesse de seu abraço para não cair num abismo. Os gemidos que escapavam de minha boca pareciam vir de outra pessoa, parecia muito sofrimento para uma coisa tão pouca.
- Shhh, shhh. Tá tudo bem agora. - Ele me embalou, sentando ao meu lado, ignorando a água que logo encharcou suas roupas.
Meus dedos se prenderam em seu suéter e tudo o que eu sabia era que ali, eu encontraria um pouco de consolo. Mais do que isso, eu sabia que Kyle nunca me deixaria sozinha. E aquilo me fez chorar ainda mais.
- Vem, vamos colocar uma roupa, hm? - Ele beijou minha testa, levantando-se e me puxando delicadamente pelas mãos. Rapidamente passou seu braço em volta de meu corpo com uma toalha, friccionando suas mãos sobre meus ombros para afugentar o frio. - Faço um chocolate quente para você. Vai te fazer bem.
Eu não sei se concordei ou se nem respondi, apenas segui seu embalo, sentando na cama quando ele me forçara a sentar. Funguei, parecendo extremamente infantil quando Kyle segurou meu rosto entre suas mãos, beijando docemente a ponta de meu nariz.
- Fique aqui.
Como se eu tivesse intenção de ir para outro lugar, pensei em responder. Mas qualquer palavra parecia um ato desnecessário, depois de tê-las usado pela última vez para magoar alguém que não merecia. Abracei meus joelhos, sentindo a água pingar no meu colchão. Meu olhar estava fixo no carpete, e por mais que tudo o que eu estivesse vendo naquele momento fosse a cor acizentada, imagens passavam como se eu as tivesse vendo na tevê. Clara e nitidamente perfeitas.
FLASHBACK ON.
O meio sorriso que surgiu em seu rosto, foi capaz de parar o meu coração por breves segundos. Oh céus, ele era lindo demais para ser real. deixou que o sorriso se alargasse, fazendo seus olhos se fecharem um pouco. Por mais que minha atenção estivesse focada no brilho dos seus olhos, eu consegui captar tudo à minha volta. Naquela tarde de outono, os últimos raios solares tocavam seu rosto deixando-o levemente alaranjado, quase o mesmo tom que pintava o céu. Uma brisa gelada passava por nós sorrateiramente, quase como se não quisesse nos incomodar. O silêncio a nossa volta se estendia por todo jardim, mas não era um silêncio que incomodava. Aquele era o dia perfeito, ao lado da pessoa perfeita.
- Você é linda. - Ele sussurrou, deixando o sorriso morrer em seus lábios, aderindo um semblante mais fechado, mas não totalmente serio. Era como se ele estivesse tentando se concentrar em algo muito importante. - É... Linda.
Meu coração disparou dentro do peito, como sempre acontecia quando ele me olhava com tanta intensidade.
Eu sempre fora uma garota indecisa e confusa, mas era a única certeza que eu tinha. E teria para sempre.
FLASHBACK OFF.
Inspirei a maior quantidade possível de ar, tentando assim, não sucumbir novamente. Além de covarde e egoísta, eu também me tornara masoquista? Por que meu coração sempre tinha que trair a razão?
Mudei o foco quando ouvi passos no corredor. Logo, a figura sonolenta e molhada de Kyle surgiu em meu quarto. E somente naquele momento eu me perguntei como ele fora parar ali, naquele horário. Não era para ele estar em sua casa, dormindo às cinco e meia da manhã?
- Tome um pouco, vai te fazer bem. - Ele esboçou um sorriso sem mostrar os dentes quando me entregou uma caneca fumegante que espalhou pelo quarto um delicioso cheiro de chocolate quente, sentando-se ao meu lado.
- Como...
- Eu vim parar aqui? - Ele perguntou depois de bebericar o conteúdo de seu copo. Eu assenti, fazendo o mesmo com o meu, sentindo o liquido descer pela garganta e espalhar calor por todo corpo. - Você me ligou duas vezes, .
Eu não me lembrava disso.
- Liguei? - Minha voz soou esganiçada e eu limpei a garganta depois de beber mais um gole de chocolate quente. - Liguei quando?
- Às cinco horas em ponto. - Ele tombou a cabeça para o lado, afastando os fios que grudavam em meu rosto, afagando meu queixo depois. - Eu liguei de volta, mas deu caixa postal. E, quando você me liga antes das nove da manhã, é porque tem alguma coisa errada.
Franzi minimamente minhas sobrancelhas, forçando minha memória para que eu me lembrasse de outras coisas que não fossem relacionadas ao acontecimento no hotel. E depois eu me lembrei. Estava tão atordoada que sequer me dera conta de que realmente tinha ligado para Kyle, mas desistira na primeira vez por achar cedo demais e na segunda, por me achar idiota demais.
- Então, eu só juntei os fatos. Eu sabia que você ia ao show deles e pensei: ou você estava me ligando porque estava precisando de um ombro amigo ou porque queria me contar um babado muito forte. - Kyle continuou numa fala só, suspirando quando terminou, olhando para mim com um sorriso tristonho. - Eu queria muito que fosse a segunda opção, mas não é o que está me parecendo.
- Me desculpe. - Solucei, escondendo meu rosto em seu ombro.
- Não precisa se desculpar por precisar de um amigo . - Kyle disse sincero, passando os braços em torno de meu ombro, beijando repetidas vezes meu cabelo. - Sua sorte é que eu não sou homem mesmo, né, querida? Aposto que fosse no meu lugar, não iria conseguir te ajudar em nada.
Eu iria perguntar por que e estava até me sentindo levemente insultada por ele dizer uma coisa daquelas de um dos meus melhores amigos, mas a resposta ficou óbvia no segundo seguinte, quando Kyle se levantou para procurar em meu guarda roupa roupas secas para mim e para ele. Não que Kyle fosse do tipo que gostava de se vestir como mulher, mas, ele gostava dos meus moletons largos e nada femininos.
- Imagina se ele chega aqui e vê esse mulherão pelada na frente dele? - Kyle arregalou os olhos, meneando a cabeça depois.
Pela primeira vez depois de horas, eu ri. Tanto por Kyle ter dito aquilo como pelo conteúdo da sua frase. era lindo, mas era até estranho pensar nele em outro sentido que não fosse como amigo. Então, imaginar a cena que provavelmente surgiu na cabeça de Kyle era engraçado.
- Não pare de sorrir. Você fica horrível chorando. Parece um filhote de cruz credo.
Ele falou serio, mas eu novamente dei risada. Céus, de onde é que essa criatura saiu? De qualquer forma, eu sou muito abençoada por ter um amigo como ele aqui, me fazendo esquecer - pelo menos por agora - o que não sai de minha cabeça.
- Tio Kyle, quero mais chocolate quente!
Sean chacoalhou sua caneca vazia em direção à Kyle, lambendo os beiços sujos de chocolate. Sorri ao ver que ele estava se lambuzando ainda mais e mordi sua bochecha, fazendo-o resmungar baixinho.
- E dá mais para a mamãe também, porque ela ainda está com fome!
- Sean com chocolate quente é muito gostoso, sabia? - Eu brinquei, limpando sua boca com a manga de meu moletom. - Mamãe adora Sean com chocolate quente.
- Ahn... Tio Ky, traz outra coisa para a mamãe. - Sean gritou e Kyle riu, assim como eu. - Na-não. Melhor eu ir ai te ajudar tio Ky.
E, dizendo isso saltou de meu colo, correndo serelepe até a bancada da cozinha, apontando para mim e murmurando algo como doidinha doidinha. Meneei minha cabeça depois de sorrir cúmplice para Kyle, que ouvia atentamente os relatos aleatórios de Sean.
Desde que acordara, Sean não mencionara o nome de nenhuma vez. E aquilo era estranho e ótimo ao mesmo tempo. Mas, entre uma opção e outra, eu preferia a segunda. Quanto menos perguntas ele fizesse naquele dia, melhor seria.
Bom, se meu filho não me fazia lembrar , outras pessoas fariam isso por ele. Assim que troquei de um canal para o outro, senti todo o sangue que corria por minhas veias desaparecer. Primeiro, o choque. Depois, a compreensão. E por último, a raiva. Eu não sei qual era o chamado da reportagem ou o que ele estava fazendo ali, mas era evidente que aquele era se atracando com uma loira numa boate qualquer. E ele nem se importou em estar sendo filmado! Ele... Apenas sorriu para a câmera e voltou a enfiar e lingua na boca daquela mulher. Podia ser maluquice, mas de alguma forma, eu senti que aquele sorriso sarcástico fora para mim.
Ah, as ironias da vida.
Aquilo era um tipo de castigo? Uma punição por negar meus sentimentos, por ter mentido descaradamente para ele?
Naquele instante, no mesmo segundo que a cena se repetia na tela, eu fui tomada por um sentimento que eu nunca sentira antes. Se aquilo era um tipo de punição pela parte dele, eu revidaria. Não sei como e nem exatamente com que fundamento eu faria aquilo, mas eu faria. Ah, eu faria.
Levantei do sofá abruptamente, seguindo para o quarto com passadas pesadas. Comecei revirando minhas gavetas, e depois passei a jogar as roupas sobre a cama. Parei quando encontrei o pacote ainda fechado num rosa choque extravagante, rasgando o plástico sem sutileza alguma. Não sei se aquilo realmente acontecera, mas senti uma fagulha raivosa brilhar em meus olhos.
Passei pela cabeça o moletom e o joguei sobre o monte de roupas espalhadas pelo quarto, trocando o tecido bruto por um delicado, que roçava suavemente em minha pele. Joguei meus cabelos bagunçados para trás, prendendo-os num rabo de cavalo rebelde, carregando na maquiagem escura. Eu fazia tudo com pressa e movida por uma fúria que eu sequer sabia de onde vinha, que nem sei se fizera as coisas certas. Terminei de calçar minhas sandália de salto quando Kyle entrou no quarto, recuando dois passos quando me viu vestida e totalmente transformada. Nem parecia que eu tinha chorado rios horas atrás, parecendo uma garotinha assustada.
Vi no reflexo do espelho o que ele provavelmente vira. Uma mulher que exalava confiança e nenhum tipo de piedade. Borrifei o perfume e ajeitei o caimento do vestido em meu corpo. Até ontem, eu consideraria aquele vestido vulgar demais para usar nos lugares que eu costumava frequentar. Oras, um vestido com uma abertura nas costas que pára no cóx e um decote que vai até o umbigo não é apropriado para o trabalho e muito menos para uma tarde no cinema com Sean. Mas, naquela noite eu não iria para os lugares que estava acostumada, então, eu poderia usufruir do presente que Kyle me dera dois anos atrás e que permaneceu fechado por causa da marca que estampava o pacote.
- Aonde é que você vai usando Victoria's Secret? - Kyle perguntou dois tons acima da sua voz normal, olhando-me da cabeça aos pés, totalmente chocado.
- Vou sair. Você pode ficar com Sean por hoje?
- Mas como assim sair? Até quase agora você estava disposta a envelhecer assistindo Dawnson's Creek!
- Eu mudei de ideia, você pode ficar com ele, Ky? - Retomei minha pergunta, parando de me arrumar quando ele parou ao meu lado. - Por favor, não me pergunte mais nada. Eu... Eu. Preciso sair.
Kyle assentiu sem pensar duas vezes e eu me perguntei se ele viu a mesma coisa que eu. Mas, vendo ou não, ele compreendeu o apelo gritante em meus olhos e palavras, dando-me um abraço demorado e pedindo juízo como se eu fosse sua filha adolescente.
Joguei um sobretudo sobre meu corpo para passar pela sala. Não sei porque, mas eu não me senti bem ao pensar na hipótese de sair vestida daquela maneira na frente de Sean. Ele já iria estranhar a maquiagem pesada, não precisava ver que sua mãe estava com um vestido que cobria dois palmos de suas pernas.
- Sean, meu amor. - Me ajoelhei na sua frente, vendo-o sorrir manhoso para mim. - Mamãe vai sair e o tio Ky vai ficar aqui com você, tudo bem?
- Mamãe vai sacudir o bumbum de novo? - Sean ergueu os braços pro ar como fizera meses atrás e eu reprimi qualquer lembrança a mais daquele dia. - Ouvindo a Gaga?
- Sim, acho que a mamãe vai ouvir um pouco de Gaga. - Sorri pelo nariz, acariciando suas bochechas. - Promete que vai se comportar?
- Sean não precisa prometer. Sou um bom menino. Mas o tio Ky vai ter que me dar mais chocolate quente. Senão... - Ele apontou de modo intimidante para Kyle, que fingiu tremer e concordar. Todos rimos depois. - Boa diversão, mamãe.
- Sabe que falando assim, me dá mais vontade ainda de te morder?
- Ah, então nada de diversão! - Ele se apressou em dizer, e eu apenas ri, beijando repetidas vezes seus dois lados das bochechas.
- A gente se vê mais tarde. - Beijei o topo de sua cabeça, bagunçando seus cabelos depois. Era maravilhoso estar na presença de Kyle e Sean, mas naquela noite, eu precisava de um tempo apenas para mim. Segui até a porta com Kyle em meu encalço, que parecia pouco satisfeito com a minha mudança repentina de humor. - Obrigado.
- Olha, não vai fazer nenhuma besteira, está bem?
Pelo modo como suas mãos apertaram as minhas, eu tive certeza de que ele sabia o que estava acontecendo e provavelmente sabia o que poderia acontecer.
Mas se suas suspeitas estavam certas ou não, nós só saberíamos no fim do dia. Ou no começo dele, não sei.
Apanhei minha pequena bolsa e arranquei as chaves da porta, entrando em meu carro que cheirava à infância e dei partida nele, seguindo para longe de casa. Mas não tão longe de mim mesma.
Chapter Twenty Four
- Ora, se eu soubesse onde eu estou, eu não teria ligado pra você.
- , quando foi que você se tornou tão irresponsável e respondona dessa maneira?
- Ahn... Três horas atrás, eu acho.
Três horas atrás, querido , eu era responsável, amigável e extremamente responsável. Huh. Acho que eu já mencionei isso, não é? Bom, o importante é que... Bom, eu não sei mais o que é mais importante. Oh droga. Como eu paro de repetir palavras que eu já disse? Não gosto de parecer repetitiva... Então é por isso que eu fugi do ? Não, não, acho que foi algo mais grave... Mas o que foi mesmo?
Droga, que confusão que eu estou fazendo na minha própria cabeça.
- , você tá me ouvindo??!
Huh, está zangadinho. Mas por que ele está zangado comigo?
Ah, deve ser porque eu estou rindo tolamente pro celular como se ele pudesse me ver, e ver que eu não estou no meu juízo normal.
- Desculpe. - Ri, fazendo bufar fofamente do outro lado. Ignorem se eu disser palavras desconhecidas do vocabulário sóbrio. - Você pode novamente dizer de novo?
- Você é inacreditável, garota!
- Hei, isso foi um comentário do tipo bom, ou do tipo ruim?
- Foi do tipo 'você está extremamente ferrada na minha mão'. - Ele bufou de novo. Eu não gosto quando ele faz isso. é sempre calmo... Mas hoje não. Ele parece bem mau. - Se eu te pedir pra ficar onde você está, você vai ficar?
- Você vai me abandonar aqui? - Choraminguei, fungando infantil. Eu não estava fazendo charme, que fique claro. conseguia me assustar às vezes. Exatamente como quando assistíamos filmes de terror no alto da casa da árvore... - Huh, eu acabei de ter uma clarividência do passado!
- Q... - ia perguntar o que eu quis dizer, eu tinha certeza. Mas, por algum motivo ele estalou a língua, resmungando alguma coisa consigo mesmo. Ou será que foi pra mim? - Ok. Você pode me dar um ponto de referência?
- Isso virou aula de gramática quando? E desde quando referência tem ponto?
- , por favor, colabore. Estou falando sério! - E quem disse que eu não estava? - Olhe à sua volta, o que você vê?
- Ih, coisa mais estranha de se dizer hein? Isso tá parecendo aqueles programas de criança, aqueles que tem que achar figuras na tela, sabe? - Um casal passou por mim fazendo cara feia. O quê? Uma mulher usando Victoria Secret's não pode gesticular como uma macaca no meio da rua, às três e meia da manhã? Eu, hein. Povo maluco.
- Deveriam proibir você de se embebedar, sabia? - Hei, como ele sabia que eu estava bêbada? Eu nem tinha contado essa parte pra ele... - Ok. O que tem na sua frente?
- Hum... Meus pés?
- Cabeça erguida, olhando em linha reta, esta bem? - parecia um velho falando com uma criança retardada. Hei! Impressão minha ou eu acabei de ofender à mim mesma?
- Bom, desse ângulo, eu consigo ver... - Estreitei meus olhos, esperando focalizar o outro lado da rua. - Uma árvore, duas árvores, três árvores. Uma casa azul, uma casa amarela, uma casa azul de novo. Ah não, é a mesma. Só em linha reta ? Eu não consigo ver outras casas se não olhar pro lado...
- , só me diga tudo que você consegue ver, esta bem?
- Ah tá. Depois da casa amarela... Huh, tem um casarão dando um festão . Eu posso ir lá enquanto você não chega?
- Nem pense em mover um músculo daí!
- Hei, eu estava pensando em pegar uma informação por lá... Sabe, talvez eles possam dizer o endereço daqui.
- Não, não e não! Quanto mais longe de encrenca você se manter, melhor. Não quero você perto de Martini's, Guinness e afins.
- , eu sei que você é músico e se dá super bem com rimas, não precisa falar rimando comigo pra provar isso, ok?
- Ai, Deus. Por favor, fique onde você está. Eu chego aí em trinta minutos.
- Ooooook. - Hum... Ele pediu pra mim ou pra Deus ficar onde está? Me confundi.
Desliguei o celular, guardando-o de volta na bolsa preta jogada em meu colo. Meu bumbum já estava dolorido de ficar sentado no asfalto duro e gelado. Mas o pediu pra eu ficar paradinha, não é? Eu não queria que meu amigo ficasse ainda mais zangado comigo...
Bom, ele não ficaria zangado se eu esticasse minhas pernas só um pouquinho, não é mesmo?
POV
Ótimo, senhor , você é um gênio. Nem com a ajuda de um GPS da Nasa você vai conseguir identificar uma rua que tem três árvores e um conjunto de casas coloridas. Ah, e tem o bônus alarmante de uma festa no outro lado da rua.
Desde quando ela virou membro do AA??!
Suspirei resignado enquanto vestia o casaco às pressas, apanhando as chaves do carro sobre o criado mudo em meu quarto. Eu conhecia o motivo por trás daquela atitude irracional por parte dela. Não seria surpresa para mim perceber que até nisso eles combinavam.
Depois da noite do show, se mudou para o pub mais badalado de Londres. Fazia duas noites que eu não o via. Bom, não pessoalmente. As notícias já corriam pelo mundo afora e eu entendo que a esteja mal.
Mas pelo amor de Deus! Ela não podia simplesmente ter um pouco mais de juízo? Sair por aí, se embebedar e ainda por cima se perder e não fazer idéia de onde está, no meio da madrugada? Ela quer morrer e nos matar de preocupação!
Cogitei a idéia de ligar para , mas essa idéia logo foi descartada. Das duas uma: ou não estaria em casa ou ele estaria mais bêbado do que... Bem, mais bêbado do que tudo.
E de bêbado na minha noite já me basta .
Manobrei o carro para fora da garagem, discando rapidamente os números de . Com uma careta de desgosto, desliguei após o segundo toque. provavelmente estaria na farra com , então seria a mesma coisa que nada.
Será que se incomodaria em me ajudar?
Bah, que se dane. Eu não vou ficar correndo atrás de ninguém. Ela me ligou, não foi? Não sei como, mas foi a mim que ela pediu ajuda e eu espero poder ajudá-la sem parecer um desesperado.
Mas uma ligaçãozinha não vai fazer mal à ninguém, não é mesmo?
Disquei os números da casa de , esperando que Kyle - era esse o nome dele, não era? - estivesse por lá.
Acho que rezei todas as preces existentes no mundo de uma única vez, quando ele me atendeu no último toque. Foi impossível não suspirar de alívio quando vi que a sorte estava do meu lado. Em partes. Não podemos esquecer de que ainda está largada - embriagada - por aí.
- Dude, que bom que você está aí!
- Queridinho, acho que você ligou pro número errado.
- Kyle, por favor, não desligue. Hum, eu não sei se você vai se lembrar, aqui quem fala é , fomos apresentados no aniversário de Sean, se lembra?
- Ah claro, você é o 'affair' dela... - Ele bocejou, relembrando o artigo daquela revista que espalhou o boato de que éramos namorados. Eu teria rido se a situação fosse outra. - Hun, olha, a não está aqui... E creio que se estivesse, não ficaria feliz em ser acordada as... Quatro horas da manhã.
- Eu sei, eu sei, mas é importante! Acredite, eu não ligaria nesse horário para ninguém, se realmente não estivesse precisando de ajuda. - Ele estalou a língua, e murmurou algo que me fez continuar antes que ele achasse que eu era um drogado que precisava de dinheiro. - A acabou de me ligar, e eu acho que ela está perdida!
- Ai. Deus.
- É, foi a mesma coisa que eu pensei quando ela me ligou. Então, hm, você faz alguma idéia de onde ela possa estar?
Houve um silêncio angustiante e eu imaginei o chefe-amigo de caindo duro no chão. Por fim, ele soltou um suspiro cansado, fazendo-me imaginá-lo agora como um pai que é obrigado a entregar a filha delinquente a policia.
- saiu daqui faz mais de cinco horas, . Ela pode ter passado por muitos lugares, mas, tenho fortes suspeitas de que ela possa ter ido primeiro ao Lothus.
O pub que ia?
- É, aquele que o outro integrante do McFLY que eu prefiro não pronunciar o nome frequenta. - Ele respondeu amargo antes que eu pensasse em fazer qualquer comentário. - Não me pergunte como ou porque, mas tem uma mania irritante de se autoflagelar de vez em quando. Foi lá que tudo 'começou', o primeiro reencontro deles e etc.
- É, ela não é muito original. - Sorri um pouco, meneando minha cabeça.
- Não mesmo. Por favor, assim que encontrá-la, traga-a direto para cá.
- Farei isso.
Desligamos com um cumprimento breve, e logo eu estava indo em direção ao pub super badalado de Londres.
- E pra onde é que ela foi?
O manobrista retorceu o nariz, incomodado com a quantidade de pessoas que se formaram ao nosso redor. Deus, eu já havia perdido quinze minutos tirando inúmeras fotos e dando mil autográfos, será que elas não poderiam ao menos me deixar interrogar o último cara que viu por ali?
- Olha, eu realmente queria poder te ajudar, mas eu não sei! Eu só sei que ela pediu o carro, e saiu com ele pra lá. - Ele apontou com a cabeça a avenida atrás de nós. - Eu ainda insisti para que pegasse um táxi; ela não estava plenamente consciente sabe?
Sei, valeu por piorar minha preocupação!
Fechei os olhos e respirei fundo duas vezes, entrando no carro com um sorriso amarelo para algumas fãs mais insistentes. Às vezes elas me assustavam, dude. De verdade. Mas o que me assustava mesmo, naquele momento, era onde fora parar dirigindo alcoolizada.
Céus, não deram juízo pra essa garota não?!
Já dentro do carro, peguei a avenida principal e comecei a me afastar do centro. Pela descrição de , ela devia estar num daqueles bairros residenciais de magnatas. Ela tinha dito casarão ou mansão quando citou a tal festa que estava tendo na rua em que ela estava?
Well, eu teria que arriscar todos os palpites.
Fazia exatos vinte e cinco minutos que eu saíra do centro, e agora rondava pelas ruas pacíficas daquele bairro que eu sequer sabia o nome. Eu cheguei a encontrar três árvores alguns minutos atrás, mas as casas não eram nem amarelas e nem azuis.
A situação começou a ficar ainda mais preocupante quando o celular dela não respondia aos meus chamados.
Por que será que eu tinha a leve sensação de que ela não obedeceria meu pedido para ficar onde estava?
Parei o carro no acostamento, batendo a cabeça contra o volante. Ia amanhecer o dia e nenhum sinal da idiota da minha amiga.
Eu não sabia se ficava com vontade de bater nela, ou no causador daquilo tudo.
Suspirei cansado, apoiando o queixo no volante, esperando algum sinal dos céus. Seria realmente um milagre encontrar ... Fechei os olhos por um instante, o bastante para que meu celular começasse a vibrar em meu bolso. Hesitante, atendi o número desconhecido que piscava na tela.
Mal abri a boca para pronunciar 'alô' quando a pessoa do outro lado começou a gritar.
- Ooooooooooooooooooooooooooooi, !
- ??
- Nãooo, é a rainha da Inglaterra, paspalhão! - Ela riu e, dude, eu quase pude sentir o cheiro de álcool dali. - Você disse que ia demorar pouco para chegar... E você demorou muito, !
Ao fundo, música e gritaria.
Eu não disse que ela não ia me obedecer?
- E eu não pedi para você ficar onde estava??!
- Hey, estava muito frio lá fora! E solitário! E... E... Eu estava indefesa!
Eu quase fiquei com pena dela. Quase. Eu não podia me esquecer de que ela estava na festa de um desconhecido, que podia fazer qualquer coisa com uma desconhecida embriagada em sua casa!
- Ah, não interessa! Você tem que...
- Eu consegui o endereço, lalalá!
Embasbacado, engoli todas as palavras que viriam a seguir. Bom, ela não estava sendo tão irresponsável assim...
- Mas eu só vou te passar se você vier e ficar um pouco aqui comigo!
Claro, não seria tão fácil assim lidar com aquele lado vida loca dela, não é?
Nas próximas festas em família, eu vou esconder todas as garrafas de vodka e tequila.
- Tudo bem. Me passe o endereço.
- O quê? Você vai vir pra festa também?
- Claro.
Que não.
Bom, ela não precisava saber disso.
Anotei mentalmente o endereço, dispensando a informação do número da residência. Pelo modo como a música soava, eu não tinha dúvidas de que não teria nenhuma dificuldade em chegar até ela.
Depois de três ruas à direita, duas à esquerda e mais uma à direita (obrigado Deus, pela invenção do GPS!), finalmente cheguei até a party all night. Sem brincadeira, tinha uma faixa com esses dizeres bem na entrada.
Estacionei o carro de qualquer maneira no meio fio, o mais próximo possível da entrada da mansão. Quanto menos rota de fuga, melhor.
Ganhei espaço pelas pessoas que dançavam sozinhas, ou em grupos. A última cena fora bem escrota, diga-se de passagem.
A sala de estar - por minha dedução - virara uma pista de dança com direito à DJ e show de luzes e gelo seco. Casais se formavam pelos cantos e no meio da casa. Eu sinceramente me senti como um virgem pela primeira vez numa boate.
Inacreditavelmente - e para meu profundo alivio - ninguém ali pareceu se dar conta da minha presença, enquanto eu tentava ganhar espaço pelos corpos dançantes, procurando avidamente por algum rastro de .
E quando a encontrei, entendi porque aqueles que não estavam se engolindo pelos cantos não prestavam atenção em mim. A atenção estava toda concentrada no show que dava. E não, não era um show de simpatia ou coisa parecida.
Com seu vestido curto e decotado, dançava para uma platéia exageradamente empolgada em cima do balcão do bar. Lembra do meu comentário sobre estar me sentido como um virgem na boate? A sensação triplicou de tamanho. E não somente por ver minha amiga dançando provocante, mas por aquela cena ter me afetado ao ponto de minha respiração ter falhado quando ela me avistou e sorriu, sem parar de mexer seu corpo no ritmo da música.
Encrenca, encrenca, encrenca.
Pego repentinamente por uma onda de constrangimento, desviei nossos olhares, pigarreando baixo. Impressão minha ou minhas bochechas esquentaram quando o cara do meu lado sorriu cúmplice para mim?
Mas eu não podia ficar para sempre evitando seu olhar, não era? Eu fora até ali para levá-la para casa e colocar um pouco de juízo na sua cabeça. Para casa dela, caso aja dúvidas.
Oh. Até mesmo minha mente resolveu jogar sujo contra mim!
Fui obrigado a olhar em sua direção quando os gritos animados aumentaram.
Ah, o que ela espera erguendo ainda mais o vestido curto daquela maneira? Matar todos do coração, só pode. E céus, por que ela fica sorrindo para mim daquela maneira?
Definitivamente, escondam todas as bebidas alcoólicas quando ela estiver por perto.
Decidido, caminhei os poucos metros que nos distanciava e sem hesitar, a puxei pelas canelas, fazendo-a cair em meu colo. Literalmente.
A reação dela? Não foi uma das melhores. A dos outros que a assistiam? Pior ainda. A minha? Bom... Depois eu respondo isso.
- Hei! Essa doeu! - exclamava enquanto dava socos em meu peito.
- Vai doer muito mais se você não parar de me bater!
- Huh, malvadão!
Estupidamente, senti minhas bochechas corarem quando ela sorriu enviesada, alisando a curvatura de meu pescoço brincalhona.
- , pára quieta.
- Mas eu estou parada! Quem está se movendo é você. Ou a terra sob seus pés. - Ela respondeu inocente, piscando os cílios longos de uma maneira infantil. sempre fora cheia de contrastes dessa maneira? - Não pode me pedir para ficar quieta quando eu já estou.
- Tudo bem, tudo bem. - Concordei, mais preocupado naquele momento em atravessar a sala novamente, só que dessa vez com ela do meu lado. No meu colo, precisamente. - Você venceu. Consegue andar sozinha?
- Claro. - respondeu com um sotaque que não era dela, o que só me fez rir no meio daquela bagunça. - Eu posso dar os parabéns para o dono da festa antes de irmos?
- Não. - Com um sorriso forçado, a empurrei para frente, segurando-a pelos ombros, claro. - Sua performance foi presente suficiente.
- Você é chato, sabia?
emburrou como faria uma criança de cinco anos, e não ache que ela não saiu porta afora batendo os pés. Ah, mas ela deveria saber que estava de salto e que não se anda de salto no gramado fofo.
Mas o que eu poderia esperar de uma pessoa completamente embriagada?
- Hei, hei, devagar aí mocinha! - Corri até ela, segurando-a pelos braços quando cambaleou para frente. - Nada de bancar a alcoolizada, ok?
- Hahá. - Ela me mostrou a língua, mas depois começou a rir. - Eu posso dirigir seu carro?
Clic. Naquele momento me lembrei que fora parar ali com um carro. E eu realmente espero que ele não tenha virado sucata.
- , cadê o seu carro?
- Xiii...
Ela tombou bruscamente a cabeça para o lado, forçando-me a abraçá-la para não deixá-la cair. Oh céus, que isso não demore muito para passar. As coisas estão ficando realmente... estranhas.
E o que há de estranho? Não sei bem.
é minha amiga há anos. Eu sempre a admirei, sempre gostei de conversar com ela. Mas nunca existiu algo além do carinho que temos com pessoas próximas, como pessoas da nossa família e que nos fazem bem. Eu via como uma irmã mais nova.
Mas tenho que confessar que essa imagem ficou um pouco abalada depois de hoje.
Hei calma, eu não sou nenhum pervertido que se aproveita de situações como essa!
- ...Então eu acho que abduziram ele. - Eu só me toquei de que estava falando quando ela começou a movimentar os braços exageradamente. - Será que o seguro cobre roubos feito por ET's, ?
É, hora de ir pra casa antes que ela comece a achar que eu sou um ET.
- Nós resolvemos isso pela manhã, está bem?
Ela concordou feliz, batendo palmas. Saltitante, entrou no carro com certa dificuldade, depois de recusar minha ajuda para sentar adequadamente no banco. Como ela mesma resmungou, era auto-suficiente e não precisava da ajuda de ninguém.
Assim que me assegurei de que o cinto estava preso firmemente em volta de seu tronco, dei partida no carro, observando encarar as luzes do lado externo com um sorriso bobo nos lábios.
No que ela estava pensando naquele momento?
- Sabe, - ela sussurrou depois de dez minutos em silêncio, assustando-me um pouco. - Hoje é o dia mais, mais, maaaaaais feliz da minha vida toda.
Não era o que estava parecendo.
- Isso só é o efeito do álcool em suas veias, linda.
- Bom, - entortou os lábios ao continuar, depois de refletir por alguns minutos. - Então eu acho que devo beber mais, não é? Há, quem disse que a felicidade não pode ser comprada? Ela está a venda em todos os bares do mundo!
E então, ela começou a rir. E eu? Bom, eu apenas me concentrei em dirigir o mais rápido que podia, respondendo às suas divagações com sorrisos e acenos de cabeça. Numa situação normal, ela me xingaria e me acusaria de não estar ouvindo o que ela estava dizendo. Mas, como aquela não era uma situação normal, ela apenas falava, falava, falava...
A viagem toda demorou cinquenta minutos. Mais um pouco, e estaria sabe-se lá onde. Na Espanha, talvez. Ok, eu exagerei. Mas ela mesma dissera que iria para lá dirigindo... E você acha que o efeito do álcool passou depois que ela deu um breve cochilo? Há, quem me dera. Quando ela despertou do seu cochilo de vinte minutos, parecia ainda mais embriagada do que inicialmente. Por um pouco, eu achei que ela fosse cair do carro quando desafivelou o cinto e abaixou o vidro, colocando metade do corpo para fora. Não foi uma boa situação dirigir e segurar suas pernas ao mesmo tempo.
Parei o carro em frente à sua casa, encontrando a luz da sala acesa. Kyle devia estar esperando-a.
- Er... ?
- O que foi, ?
- Por favor, me leva pra sua casa. - Ela olhou para mim depois de olhar para si mesma e o que encontrei em seu olhar... Não dava para explicar o que era. Um misto de vergonha, súplica e remorso, eu acho. - Por favor, por favor, por favor. Não me obrigue a entrar em casa assim. Sean...
- Shiiu, tudo bem, tudo bem. - Acalmei-a antes que o brilho que se formou em seus olhos, se transformassem em lágrimas. - Não precisa explicar nada. Vamos para minha casa e você fica por lá até se sentir bem para voltar, ok?
Ela concordou, fechando os olhos e abraçando seu tronco, permanecendo daquela maneira pelo curto caminho que nos distanciava.
Quando estacionei o carro na garagem de minha casa, parecia estar num sono tranquilo e era muito melhor vê-la daquela maneira. Com cuidado, apanhei seu corpo em meus braços pela segunda vez naquele dia, cuidando para que não batesse sua cabeça nos objetos pelo caminho.
Sutilmente percebi que ela se aconchegou em meu colo segundos antes de colocá-la no sofá, cobrindo seu corpo provisoriamente com minha jaqueta. O bom seria ela tomar um banho e comer alguma coisa, mas eu não queria acordá-la e roubar aquele momento de paz que transparecia em seus traços adormecidos.
Abaixe-me na altura do sofá, afastando os fios rebeldes que se espalhavam pelo seu rosto, acariciando levemente suas bochechas rosadas. Senti como se alguma coisa se quebrasse dentro de mim, e me machucasse de dentro para fora.
nunca esteve tão vulnerável como está agora.
Sabe quando você deseja poder retirar toda a dor da pessoa que ama e torná-la somente sua para não vê-la sofrer nunca mais? Eu seria capaz de fazer aquilo por ela. Claro que amo a . Ela é minha melhor amiga, esteve conosco no começo da nossa carreira, ela me deu o sobrinho mais incrível que eu poderia ter. O amor que sinto por ela é assim, nunca haverá maldades entre nós dois.
Tomei uma ducha rápida, sentindo o peso das poucas horas que dormi sobrecarregar minhas pálpebras. Talvez, depois que eu fizesse um café para eu poderia cochilar um pouco... Duvido que ela vá se recuperar tão cedo da bebedeira.
Vesti a primeira bermuda amarrotada que encontrei no meu guarda roupa e fui até a cozinha enquanto enxugava meus cabelos. Deixei a toalha úmida pendurada em meu pescoço, encostando-me na pia enquanto fazia uma lista breve do que teria que providenciar para as próximas horas. Um cobertor para e uma muda de roupas minhas, para que quando ela acordasse pudesse vestir roupas mais confortáveis - para ambos, diga-se de passagem -, café forte e algumas torradas, uma aspirina e depois que fizesse tudo aquilo, uma camiseta para mim. As primeiras horas da manhã eram sempre geladas, por mais que o sol aparecesse de vez em quando.
Suspirei fracamente, assentindo para mim mesmo.
Com a praticidade da cafeteria elétrica, eu já estava com o café da manhã pronto. Um cappuccino até que caíria bem, mas, naquele momento, nada era mais atraente do que minha cama. Deixei um bilhete para sobre a cafeteira, avisando que estaria no quarto, caso ela precisasse de socorro.
Eu já tive muitas ressacas, sei bem como é.
Depois de checar a mesa e ver que meu trabalho estava feito, dei a meia volta para sair da cozinha com um sorriso satisfeito nos lábios, topando com no segundo depois.
Por que ela não pode parar com essa recém mania adquirida de querer me matar do coração?
- Hei. - Disse depois de me recuperar, fitando os olhos castanhos escuros dela. - Não vi que tinha acordado...
Normalmente, ela teria dado risada da minha provável cara de susto, ou simplesmente teria dado de ombros, porque ela estaria com dor de cabeça e não estaria afim de brincadeiras. Mas, acho que já ficou claro de que aquela não era uma situação comum.
Sem que eu pudesse prever, seus lábios chocaram-se com os meus. Sua língua quente pedia passagem para aprofundar o beijo e suas mãos massageavam agressivamente meus cabelos molhados.
WTF??!
Gentil e desesperadamente, afastei pelos ombros, vendo-a abrir os olhos lentamente e o brilho feroz que encontrei neles me fez estremecer sem que pudesse evitar.
Aquela definitivamente não era uma completamente sã. O que diabos ela estava fazendo?!
- O que foi? - Ela questionou realmente intrigada, mordendo discretamente o canto inferior do seu lábio avermelhado. Novamente sem que eu pudesse evitar, um arrepio correu pelo meu corpo.
- N-nada. - Eu ainda a mantinha afastada pelos ombros, sentindo alguma coisa de errado queimar dentro de mim. - Quer dizer, tudo. O que está fazendo??!
- Nada. Ou tudo, como preferir. - Ela sorriu marota, fixando seu olhar em meu peitoral nú. - Alguma coisa, alguma coisa dentro de mim me diz que você é o único que pode me ajudar, . E eu preciso da sua ajuda antes que qualquer coisa faça sentido dentro de minha cabeça. Só... Não faça perguntas.
E novamente, entrelaçou seus dedos em meus cabelos, quebrando qualquer distância entre nossos corpos.
- , quando foi que você se tornou tão irresponsável e respondona dessa maneira?
- Ahn... Três horas atrás, eu acho.
Três horas atrás, querido , eu era responsável, amigável e extremamente responsável. Huh. Acho que eu já mencionei isso, não é? Bom, o importante é que... Bom, eu não sei mais o que é mais importante. Oh droga. Como eu paro de repetir palavras que eu já disse? Não gosto de parecer repetitiva... Então é por isso que eu fugi do ? Não, não, acho que foi algo mais grave... Mas o que foi mesmo?
Droga, que confusão que eu estou fazendo na minha própria cabeça.
- , você tá me ouvindo??!
Huh, está zangadinho. Mas por que ele está zangado comigo?
Ah, deve ser porque eu estou rindo tolamente pro celular como se ele pudesse me ver, e ver que eu não estou no meu juízo normal.
- Desculpe. - Ri, fazendo bufar fofamente do outro lado. Ignorem se eu disser palavras desconhecidas do vocabulário sóbrio. - Você pode novamente dizer de novo?
- Você é inacreditável, garota!
- Hei, isso foi um comentário do tipo bom, ou do tipo ruim?
- Foi do tipo 'você está extremamente ferrada na minha mão'. - Ele bufou de novo. Eu não gosto quando ele faz isso. é sempre calmo... Mas hoje não. Ele parece bem mau. - Se eu te pedir pra ficar onde você está, você vai ficar?
- Você vai me abandonar aqui? - Choraminguei, fungando infantil. Eu não estava fazendo charme, que fique claro. conseguia me assustar às vezes. Exatamente como quando assistíamos filmes de terror no alto da casa da árvore... - Huh, eu acabei de ter uma clarividência do passado!
- Q... - ia perguntar o que eu quis dizer, eu tinha certeza. Mas, por algum motivo ele estalou a língua, resmungando alguma coisa consigo mesmo. Ou será que foi pra mim? - Ok. Você pode me dar um ponto de referência?
- Isso virou aula de gramática quando? E desde quando referência tem ponto?
- , por favor, colabore. Estou falando sério! - E quem disse que eu não estava? - Olhe à sua volta, o que você vê?
- Ih, coisa mais estranha de se dizer hein? Isso tá parecendo aqueles programas de criança, aqueles que tem que achar figuras na tela, sabe? - Um casal passou por mim fazendo cara feia. O quê? Uma mulher usando Victoria Secret's não pode gesticular como uma macaca no meio da rua, às três e meia da manhã? Eu, hein. Povo maluco.
- Deveriam proibir você de se embebedar, sabia? - Hei, como ele sabia que eu estava bêbada? Eu nem tinha contado essa parte pra ele... - Ok. O que tem na sua frente?
- Hum... Meus pés?
- Cabeça erguida, olhando em linha reta, esta bem? - parecia um velho falando com uma criança retardada. Hei! Impressão minha ou eu acabei de ofender à mim mesma?
- Bom, desse ângulo, eu consigo ver... - Estreitei meus olhos, esperando focalizar o outro lado da rua. - Uma árvore, duas árvores, três árvores. Uma casa azul, uma casa amarela, uma casa azul de novo. Ah não, é a mesma. Só em linha reta ? Eu não consigo ver outras casas se não olhar pro lado...
- , só me diga tudo que você consegue ver, esta bem?
- Ah tá. Depois da casa amarela... Huh, tem um casarão dando um festão . Eu posso ir lá enquanto você não chega?
- Nem pense em mover um músculo daí!
- Hei, eu estava pensando em pegar uma informação por lá... Sabe, talvez eles possam dizer o endereço daqui.
- Não, não e não! Quanto mais longe de encrenca você se manter, melhor. Não quero você perto de Martini's, Guinness e afins.
- , eu sei que você é músico e se dá super bem com rimas, não precisa falar rimando comigo pra provar isso, ok?
- Ai, Deus. Por favor, fique onde você está. Eu chego aí em trinta minutos.
- Ooooook. - Hum... Ele pediu pra mim ou pra Deus ficar onde está? Me confundi.
Desliguei o celular, guardando-o de volta na bolsa preta jogada em meu colo. Meu bumbum já estava dolorido de ficar sentado no asfalto duro e gelado. Mas o pediu pra eu ficar paradinha, não é? Eu não queria que meu amigo ficasse ainda mais zangado comigo...
Bom, ele não ficaria zangado se eu esticasse minhas pernas só um pouquinho, não é mesmo?
POV
Ótimo, senhor , você é um gênio. Nem com a ajuda de um GPS da Nasa você vai conseguir identificar uma rua que tem três árvores e um conjunto de casas coloridas. Ah, e tem o bônus alarmante de uma festa no outro lado da rua.
Desde quando ela virou membro do AA??!
Suspirei resignado enquanto vestia o casaco às pressas, apanhando as chaves do carro sobre o criado mudo em meu quarto. Eu conhecia o motivo por trás daquela atitude irracional por parte dela. Não seria surpresa para mim perceber que até nisso eles combinavam.
Depois da noite do show, se mudou para o pub mais badalado de Londres. Fazia duas noites que eu não o via. Bom, não pessoalmente. As notícias já corriam pelo mundo afora e eu entendo que a esteja mal.
Mas pelo amor de Deus! Ela não podia simplesmente ter um pouco mais de juízo? Sair por aí, se embebedar e ainda por cima se perder e não fazer idéia de onde está, no meio da madrugada? Ela quer morrer e nos matar de preocupação!
Cogitei a idéia de ligar para , mas essa idéia logo foi descartada. Das duas uma: ou não estaria em casa ou ele estaria mais bêbado do que... Bem, mais bêbado do que tudo.
E de bêbado na minha noite já me basta .
Manobrei o carro para fora da garagem, discando rapidamente os números de . Com uma careta de desgosto, desliguei após o segundo toque. provavelmente estaria na farra com , então seria a mesma coisa que nada.
Será que se incomodaria em me ajudar?
Bah, que se dane. Eu não vou ficar correndo atrás de ninguém. Ela me ligou, não foi? Não sei como, mas foi a mim que ela pediu ajuda e eu espero poder ajudá-la sem parecer um desesperado.
Mas uma ligaçãozinha não vai fazer mal à ninguém, não é mesmo?
Disquei os números da casa de , esperando que Kyle - era esse o nome dele, não era? - estivesse por lá.
Acho que rezei todas as preces existentes no mundo de uma única vez, quando ele me atendeu no último toque. Foi impossível não suspirar de alívio quando vi que a sorte estava do meu lado. Em partes. Não podemos esquecer de que ainda está largada - embriagada - por aí.
- Dude, que bom que você está aí!
- Queridinho, acho que você ligou pro número errado.
- Kyle, por favor, não desligue. Hum, eu não sei se você vai se lembrar, aqui quem fala é , fomos apresentados no aniversário de Sean, se lembra?
- Ah claro, você é o 'affair' dela... - Ele bocejou, relembrando o artigo daquela revista que espalhou o boato de que éramos namorados. Eu teria rido se a situação fosse outra. - Hun, olha, a não está aqui... E creio que se estivesse, não ficaria feliz em ser acordada as... Quatro horas da manhã.
- Eu sei, eu sei, mas é importante! Acredite, eu não ligaria nesse horário para ninguém, se realmente não estivesse precisando de ajuda. - Ele estalou a língua, e murmurou algo que me fez continuar antes que ele achasse que eu era um drogado que precisava de dinheiro. - A acabou de me ligar, e eu acho que ela está perdida!
- Ai. Deus.
- É, foi a mesma coisa que eu pensei quando ela me ligou. Então, hm, você faz alguma idéia de onde ela possa estar?
Houve um silêncio angustiante e eu imaginei o chefe-amigo de caindo duro no chão. Por fim, ele soltou um suspiro cansado, fazendo-me imaginá-lo agora como um pai que é obrigado a entregar a filha delinquente a policia.
- saiu daqui faz mais de cinco horas, . Ela pode ter passado por muitos lugares, mas, tenho fortes suspeitas de que ela possa ter ido primeiro ao Lothus.
O pub que ia?
- É, aquele que o outro integrante do McFLY que eu prefiro não pronunciar o nome frequenta. - Ele respondeu amargo antes que eu pensasse em fazer qualquer comentário. - Não me pergunte como ou porque, mas tem uma mania irritante de se autoflagelar de vez em quando. Foi lá que tudo 'começou', o primeiro reencontro deles e etc.
- É, ela não é muito original. - Sorri um pouco, meneando minha cabeça.
- Não mesmo. Por favor, assim que encontrá-la, traga-a direto para cá.
- Farei isso.
Desligamos com um cumprimento breve, e logo eu estava indo em direção ao pub super badalado de Londres.
- E pra onde é que ela foi?
O manobrista retorceu o nariz, incomodado com a quantidade de pessoas que se formaram ao nosso redor. Deus, eu já havia perdido quinze minutos tirando inúmeras fotos e dando mil autográfos, será que elas não poderiam ao menos me deixar interrogar o último cara que viu por ali?
- Olha, eu realmente queria poder te ajudar, mas eu não sei! Eu só sei que ela pediu o carro, e saiu com ele pra lá. - Ele apontou com a cabeça a avenida atrás de nós. - Eu ainda insisti para que pegasse um táxi; ela não estava plenamente consciente sabe?
Sei, valeu por piorar minha preocupação!
Fechei os olhos e respirei fundo duas vezes, entrando no carro com um sorriso amarelo para algumas fãs mais insistentes. Às vezes elas me assustavam, dude. De verdade. Mas o que me assustava mesmo, naquele momento, era onde fora parar dirigindo alcoolizada.
Céus, não deram juízo pra essa garota não?!
Já dentro do carro, peguei a avenida principal e comecei a me afastar do centro. Pela descrição de , ela devia estar num daqueles bairros residenciais de magnatas. Ela tinha dito casarão ou mansão quando citou a tal festa que estava tendo na rua em que ela estava?
Well, eu teria que arriscar todos os palpites.
Fazia exatos vinte e cinco minutos que eu saíra do centro, e agora rondava pelas ruas pacíficas daquele bairro que eu sequer sabia o nome. Eu cheguei a encontrar três árvores alguns minutos atrás, mas as casas não eram nem amarelas e nem azuis.
A situação começou a ficar ainda mais preocupante quando o celular dela não respondia aos meus chamados.
Por que será que eu tinha a leve sensação de que ela não obedeceria meu pedido para ficar onde estava?
Parei o carro no acostamento, batendo a cabeça contra o volante. Ia amanhecer o dia e nenhum sinal da idiota da minha amiga.
Eu não sabia se ficava com vontade de bater nela, ou no causador daquilo tudo.
Suspirei cansado, apoiando o queixo no volante, esperando algum sinal dos céus. Seria realmente um milagre encontrar ... Fechei os olhos por um instante, o bastante para que meu celular começasse a vibrar em meu bolso. Hesitante, atendi o número desconhecido que piscava na tela.
Mal abri a boca para pronunciar 'alô' quando a pessoa do outro lado começou a gritar.
- Ooooooooooooooooooooooooooooi, !
- ??
- Nãooo, é a rainha da Inglaterra, paspalhão! - Ela riu e, dude, eu quase pude sentir o cheiro de álcool dali. - Você disse que ia demorar pouco para chegar... E você demorou muito, !
Ao fundo, música e gritaria.
Eu não disse que ela não ia me obedecer?
- E eu não pedi para você ficar onde estava??!
- Hey, estava muito frio lá fora! E solitário! E... E... Eu estava indefesa!
Eu quase fiquei com pena dela. Quase. Eu não podia me esquecer de que ela estava na festa de um desconhecido, que podia fazer qualquer coisa com uma desconhecida embriagada em sua casa!
- Ah, não interessa! Você tem que...
- Eu consegui o endereço, lalalá!
Embasbacado, engoli todas as palavras que viriam a seguir. Bom, ela não estava sendo tão irresponsável assim...
- Mas eu só vou te passar se você vier e ficar um pouco aqui comigo!
Claro, não seria tão fácil assim lidar com aquele lado vida loca dela, não é?
Nas próximas festas em família, eu vou esconder todas as garrafas de vodka e tequila.
- Tudo bem. Me passe o endereço.
- O quê? Você vai vir pra festa também?
- Claro.
Que não.
Bom, ela não precisava saber disso.
Anotei mentalmente o endereço, dispensando a informação do número da residência. Pelo modo como a música soava, eu não tinha dúvidas de que não teria nenhuma dificuldade em chegar até ela.
Depois de três ruas à direita, duas à esquerda e mais uma à direita (obrigado Deus, pela invenção do GPS!), finalmente cheguei até a party all night. Sem brincadeira, tinha uma faixa com esses dizeres bem na entrada.
Estacionei o carro de qualquer maneira no meio fio, o mais próximo possível da entrada da mansão. Quanto menos rota de fuga, melhor.
Ganhei espaço pelas pessoas que dançavam sozinhas, ou em grupos. A última cena fora bem escrota, diga-se de passagem.
A sala de estar - por minha dedução - virara uma pista de dança com direito à DJ e show de luzes e gelo seco. Casais se formavam pelos cantos e no meio da casa. Eu sinceramente me senti como um virgem pela primeira vez numa boate.
Inacreditavelmente - e para meu profundo alivio - ninguém ali pareceu se dar conta da minha presença, enquanto eu tentava ganhar espaço pelos corpos dançantes, procurando avidamente por algum rastro de .
E quando a encontrei, entendi porque aqueles que não estavam se engolindo pelos cantos não prestavam atenção em mim. A atenção estava toda concentrada no show que dava. E não, não era um show de simpatia ou coisa parecida.
Com seu vestido curto e decotado, dançava para uma platéia exageradamente empolgada em cima do balcão do bar. Lembra do meu comentário sobre estar me sentido como um virgem na boate? A sensação triplicou de tamanho. E não somente por ver minha amiga dançando provocante, mas por aquela cena ter me afetado ao ponto de minha respiração ter falhado quando ela me avistou e sorriu, sem parar de mexer seu corpo no ritmo da música.
Encrenca, encrenca, encrenca.
Pego repentinamente por uma onda de constrangimento, desviei nossos olhares, pigarreando baixo. Impressão minha ou minhas bochechas esquentaram quando o cara do meu lado sorriu cúmplice para mim?
Mas eu não podia ficar para sempre evitando seu olhar, não era? Eu fora até ali para levá-la para casa e colocar um pouco de juízo na sua cabeça. Para casa dela, caso aja dúvidas.
Oh. Até mesmo minha mente resolveu jogar sujo contra mim!
Fui obrigado a olhar em sua direção quando os gritos animados aumentaram.
Ah, o que ela espera erguendo ainda mais o vestido curto daquela maneira? Matar todos do coração, só pode. E céus, por que ela fica sorrindo para mim daquela maneira?
Definitivamente, escondam todas as bebidas alcoólicas quando ela estiver por perto.
Decidido, caminhei os poucos metros que nos distanciava e sem hesitar, a puxei pelas canelas, fazendo-a cair em meu colo. Literalmente.
A reação dela? Não foi uma das melhores. A dos outros que a assistiam? Pior ainda. A minha? Bom... Depois eu respondo isso.
- Hei! Essa doeu! - exclamava enquanto dava socos em meu peito.
- Vai doer muito mais se você não parar de me bater!
- Huh, malvadão!
Estupidamente, senti minhas bochechas corarem quando ela sorriu enviesada, alisando a curvatura de meu pescoço brincalhona.
- , pára quieta.
- Mas eu estou parada! Quem está se movendo é você. Ou a terra sob seus pés. - Ela respondeu inocente, piscando os cílios longos de uma maneira infantil. sempre fora cheia de contrastes dessa maneira? - Não pode me pedir para ficar quieta quando eu já estou.
- Tudo bem, tudo bem. - Concordei, mais preocupado naquele momento em atravessar a sala novamente, só que dessa vez com ela do meu lado. No meu colo, precisamente. - Você venceu. Consegue andar sozinha?
- Claro. - respondeu com um sotaque que não era dela, o que só me fez rir no meio daquela bagunça. - Eu posso dar os parabéns para o dono da festa antes de irmos?
- Não. - Com um sorriso forçado, a empurrei para frente, segurando-a pelos ombros, claro. - Sua performance foi presente suficiente.
- Você é chato, sabia?
emburrou como faria uma criança de cinco anos, e não ache que ela não saiu porta afora batendo os pés. Ah, mas ela deveria saber que estava de salto e que não se anda de salto no gramado fofo.
Mas o que eu poderia esperar de uma pessoa completamente embriagada?
- Hei, hei, devagar aí mocinha! - Corri até ela, segurando-a pelos braços quando cambaleou para frente. - Nada de bancar a alcoolizada, ok?
- Hahá. - Ela me mostrou a língua, mas depois começou a rir. - Eu posso dirigir seu carro?
Clic. Naquele momento me lembrei que fora parar ali com um carro. E eu realmente espero que ele não tenha virado sucata.
- , cadê o seu carro?
- Xiii...
Ela tombou bruscamente a cabeça para o lado, forçando-me a abraçá-la para não deixá-la cair. Oh céus, que isso não demore muito para passar. As coisas estão ficando realmente... estranhas.
E o que há de estranho? Não sei bem.
é minha amiga há anos. Eu sempre a admirei, sempre gostei de conversar com ela. Mas nunca existiu algo além do carinho que temos com pessoas próximas, como pessoas da nossa família e que nos fazem bem. Eu via como uma irmã mais nova.
Mas tenho que confessar que essa imagem ficou um pouco abalada depois de hoje.
Hei calma, eu não sou nenhum pervertido que se aproveita de situações como essa!
- ...Então eu acho que abduziram ele. - Eu só me toquei de que estava falando quando ela começou a movimentar os braços exageradamente. - Será que o seguro cobre roubos feito por ET's, ?
É, hora de ir pra casa antes que ela comece a achar que eu sou um ET.
- Nós resolvemos isso pela manhã, está bem?
Ela concordou feliz, batendo palmas. Saltitante, entrou no carro com certa dificuldade, depois de recusar minha ajuda para sentar adequadamente no banco. Como ela mesma resmungou, era auto-suficiente e não precisava da ajuda de ninguém.
Assim que me assegurei de que o cinto estava preso firmemente em volta de seu tronco, dei partida no carro, observando encarar as luzes do lado externo com um sorriso bobo nos lábios.
No que ela estava pensando naquele momento?
- Sabe, - ela sussurrou depois de dez minutos em silêncio, assustando-me um pouco. - Hoje é o dia mais, mais, maaaaaais feliz da minha vida toda.
Não era o que estava parecendo.
- Isso só é o efeito do álcool em suas veias, linda.
- Bom, - entortou os lábios ao continuar, depois de refletir por alguns minutos. - Então eu acho que devo beber mais, não é? Há, quem disse que a felicidade não pode ser comprada? Ela está a venda em todos os bares do mundo!
E então, ela começou a rir. E eu? Bom, eu apenas me concentrei em dirigir o mais rápido que podia, respondendo às suas divagações com sorrisos e acenos de cabeça. Numa situação normal, ela me xingaria e me acusaria de não estar ouvindo o que ela estava dizendo. Mas, como aquela não era uma situação normal, ela apenas falava, falava, falava...
A viagem toda demorou cinquenta minutos. Mais um pouco, e estaria sabe-se lá onde. Na Espanha, talvez. Ok, eu exagerei. Mas ela mesma dissera que iria para lá dirigindo... E você acha que o efeito do álcool passou depois que ela deu um breve cochilo? Há, quem me dera. Quando ela despertou do seu cochilo de vinte minutos, parecia ainda mais embriagada do que inicialmente. Por um pouco, eu achei que ela fosse cair do carro quando desafivelou o cinto e abaixou o vidro, colocando metade do corpo para fora. Não foi uma boa situação dirigir e segurar suas pernas ao mesmo tempo.
Parei o carro em frente à sua casa, encontrando a luz da sala acesa. Kyle devia estar esperando-a.
- Er... ?
- O que foi, ?
- Por favor, me leva pra sua casa. - Ela olhou para mim depois de olhar para si mesma e o que encontrei em seu olhar... Não dava para explicar o que era. Um misto de vergonha, súplica e remorso, eu acho. - Por favor, por favor, por favor. Não me obrigue a entrar em casa assim. Sean...
- Shiiu, tudo bem, tudo bem. - Acalmei-a antes que o brilho que se formou em seus olhos, se transformassem em lágrimas. - Não precisa explicar nada. Vamos para minha casa e você fica por lá até se sentir bem para voltar, ok?
Ela concordou, fechando os olhos e abraçando seu tronco, permanecendo daquela maneira pelo curto caminho que nos distanciava.
Quando estacionei o carro na garagem de minha casa, parecia estar num sono tranquilo e era muito melhor vê-la daquela maneira. Com cuidado, apanhei seu corpo em meus braços pela segunda vez naquele dia, cuidando para que não batesse sua cabeça nos objetos pelo caminho.
Sutilmente percebi que ela se aconchegou em meu colo segundos antes de colocá-la no sofá, cobrindo seu corpo provisoriamente com minha jaqueta. O bom seria ela tomar um banho e comer alguma coisa, mas eu não queria acordá-la e roubar aquele momento de paz que transparecia em seus traços adormecidos.
Abaixe-me na altura do sofá, afastando os fios rebeldes que se espalhavam pelo seu rosto, acariciando levemente suas bochechas rosadas. Senti como se alguma coisa se quebrasse dentro de mim, e me machucasse de dentro para fora.
nunca esteve tão vulnerável como está agora.
Sabe quando você deseja poder retirar toda a dor da pessoa que ama e torná-la somente sua para não vê-la sofrer nunca mais? Eu seria capaz de fazer aquilo por ela. Claro que amo a . Ela é minha melhor amiga, esteve conosco no começo da nossa carreira, ela me deu o sobrinho mais incrível que eu poderia ter. O amor que sinto por ela é assim, nunca haverá maldades entre nós dois.
Tomei uma ducha rápida, sentindo o peso das poucas horas que dormi sobrecarregar minhas pálpebras. Talvez, depois que eu fizesse um café para eu poderia cochilar um pouco... Duvido que ela vá se recuperar tão cedo da bebedeira.
Vesti a primeira bermuda amarrotada que encontrei no meu guarda roupa e fui até a cozinha enquanto enxugava meus cabelos. Deixei a toalha úmida pendurada em meu pescoço, encostando-me na pia enquanto fazia uma lista breve do que teria que providenciar para as próximas horas. Um cobertor para e uma muda de roupas minhas, para que quando ela acordasse pudesse vestir roupas mais confortáveis - para ambos, diga-se de passagem -, café forte e algumas torradas, uma aspirina e depois que fizesse tudo aquilo, uma camiseta para mim. As primeiras horas da manhã eram sempre geladas, por mais que o sol aparecesse de vez em quando.
Suspirei fracamente, assentindo para mim mesmo.
Com a praticidade da cafeteria elétrica, eu já estava com o café da manhã pronto. Um cappuccino até que caíria bem, mas, naquele momento, nada era mais atraente do que minha cama. Deixei um bilhete para sobre a cafeteira, avisando que estaria no quarto, caso ela precisasse de socorro.
Eu já tive muitas ressacas, sei bem como é.
Depois de checar a mesa e ver que meu trabalho estava feito, dei a meia volta para sair da cozinha com um sorriso satisfeito nos lábios, topando com no segundo depois.
Por que ela não pode parar com essa recém mania adquirida de querer me matar do coração?
- Hei. - Disse depois de me recuperar, fitando os olhos castanhos escuros dela. - Não vi que tinha acordado...
Normalmente, ela teria dado risada da minha provável cara de susto, ou simplesmente teria dado de ombros, porque ela estaria com dor de cabeça e não estaria afim de brincadeiras. Mas, acho que já ficou claro de que aquela não era uma situação comum.
Sem que eu pudesse prever, seus lábios chocaram-se com os meus. Sua língua quente pedia passagem para aprofundar o beijo e suas mãos massageavam agressivamente meus cabelos molhados.
WTF??!
Gentil e desesperadamente, afastei pelos ombros, vendo-a abrir os olhos lentamente e o brilho feroz que encontrei neles me fez estremecer sem que pudesse evitar.
Aquela definitivamente não era uma completamente sã. O que diabos ela estava fazendo?!
- O que foi? - Ela questionou realmente intrigada, mordendo discretamente o canto inferior do seu lábio avermelhado. Novamente sem que eu pudesse evitar, um arrepio correu pelo meu corpo.
- N-nada. - Eu ainda a mantinha afastada pelos ombros, sentindo alguma coisa de errado queimar dentro de mim. - Quer dizer, tudo. O que está fazendo??!
- Nada. Ou tudo, como preferir. - Ela sorriu marota, fixando seu olhar em meu peitoral nú. - Alguma coisa, alguma coisa dentro de mim me diz que você é o único que pode me ajudar, . E eu preciso da sua ajuda antes que qualquer coisa faça sentido dentro de minha cabeça. Só... Não faça perguntas.
E novamente, entrelaçou seus dedos em meus cabelos, quebrando qualquer distância entre nossos corpos.
Chapter Twenty Five
Gomenasai)
Eu não sabia se era pior manter meus olhos abertos ou fechados. Puxei o ar lentamente, esperando que o mal estar diminuísse. Mas, quanto mais eu tentava, pior eu ia ficando. Arfei quando uma fisgada em meu estômago me obrigou a correr para o banheiro.
Não precisei me esforçar para chegar até a privada, parecia que meu corpo já conhecia o caminho. E eu nunca havia ficado daquela maneira antes. Todo o líquido amargo que estava pesando em meu estômago, foi sendo despejado e ao invés de me sentir melhor, eu continuava me sentindo como um boneco inanimado. Minhas pernas estavam trêmulas e minha cabeça parecia prestes a explodir.
Oh senhor, castigue a criatura que inventou o álcool e todas as consequências que vem no dia seguinte.
Fiquei sentada de qualquer maneira no chão, sentindo a náusea diminuir aos poucos.
Com cuidado para não deixar minhas pernas falharem e me levarem ao chão, me levantei, apoiando todo o peso de meu corpo na pia de mármore frio. Afastei os cabelos embaraçados que se prendiam em meu rosto, sentindo pontadas de dor se espalhar por todo couro cabeludo com o movimento simples.
Inspirando fundo, molhei meu rosto, grata pela água gelada provocar alguma reação boa em mim. Depois de repetir o movimento por mais algumas inúmeras vezes, encarei o reflexo no espelho e, se não estivesse tão acabada, duvidaria de que aquela imagem fosse a minha. Preguiçosamente, deixei minhas pálpebras cederem enquanto eu ouvia o burburinho da água da torneira escorrer cano adentro.
Quando a posição começou a comprometer minha coluna, fechei a torneira e enxuguei meu rosto ainda úmido, prestando atenção nos detalhes somente naquele momento. Aquele não era o meu banheiro. Franzi minimamente minhas sobrancelhas, perguntando para mim mesma onde é que eu havia me enfiado.
Com o cuidado que eu não tive quando acordei, abri vagarosamente a porta do banheiro, tentando identificar o local na penumbra do quarto. Definitivamente, aquele não era o meu quarto. Mas, se aquele não era meu banheiro e muito menos o meu quarto, de quem era? Forcei minha memória para buscar a resposta antes de me assustar com qualquer coisa, mas, não veio nada. E junto com o sentimento de frustração, veio o de preocupação.
O que eu havia feito na noite anterior?
Eu espero que não tenha matado ninguém.
Sentindo a vista arder, comecei a caminhar lentamente para fora, tentando me manter afastada de coisas que pudessem cair ou me machucar. A cama na qual eu havia dormido ainda estava da mesma maneira que eu deixara e eu não encontrara vestígios de que outra pessoa estivera por ali. Com certo receio, segui para a janela, de onde uma pequena e quase imperceptível faixa de luz entrava e tocava o carpete formando um círculo amarelado. Como tudo deveria ser naquele dia, afastei a persiana com cuidado, fechando os olhos quando a forte claridade adentrou o quarto. Depois de acostumar minha visão com a claridade repentina, visualizei a rua calma e um dia típico em Londres. Tombei minimamente minha cabeça quando reconheci meu carro estacionado rente à calçada da casa em que me encontrava.
Eu dirigira alcoolizada?
Oh meu Deus, realmente espero que não tenha matado ninguém.
Depois de analisar meu carro e divagar comigo mesma se eu realmente teria coragem de dirigir embriagada, fui tomando pequenos conhecimentos dos detalhes da rua. Eu sentia que conhecia aquele lugar, mas os poucos fragmentos que consegui juntar não me diziam nada. Ainda segurando a cortina longe do caminho da luz, segui com meu olhar para dentro do cômodo, esperando acabar logo com aquela dúvida. Aquele era um quarto bem simples, eu diria. Não simples de mobília, mas em seu aspecto geral. Logo pude constatar que não era um quarto feminino, a julgar pelos fortes tons de azul marinho que predominavam no lugar. Tentei focalizar os porta-retratos sobre a escrivaninha, mas na minha atual situação, aquilo era exigir demais dos meus neurônios alcoolizados.
Quando eu estava prestes a desistir de encontrar alguma informação ali dentro, estaquei ao reconhecer um porta-retrato. O único maior e mais vistoso de toda a prateleira acima da cama. Nem se eu sofresse de amnésia eu conseguiria esquecer aquele enfeite dourado, com folhas metalizadas.
Por que aquele fora meu presente para no primeiro ano em que nos conhecemos.
Senti meu coração falhar algumas batidas dentro do peito. Eu deveria estar calma, não deveria? Enfim, eu estava na casa de um amigo que nunca me faria mal, e não na casa de um desconhecido que eu sequer me lembraria o nome. Mas, algo em mim me perturbava. Eu não conseguia me sentir aliviada ao perceber que de alguma maneira viera parar na casa do meu melhor amigo.
Foi quando eu foquei minha atenção nas roupas que me vestiam que eu entendi tudo. Ou quase tudo. Tudo bem que eu estivesse usando uma camisa social sua que cobria parte de minhas coxas, evidentemente eu não conseguiria dormir com aquele vestido, mas, por que eu estava usando suas boxers?
Pequenos flashes surgiram em minha mente e se eu não estivesse próxima à parede, eu certamente teria caído no chão.
Oh meu Deus. Eu dormi com meu melhor amigo. Com meu... Oh meu Deus.
Eu não queria me lembrar de mais nada. Eu não queria nem lembrar como fora parar ali e o que acontecera depois que passei por aquela porta, seja com qual pretexto que fosse.
Eu me sentia verdadeiramente suja.
Juntando toda a força que eu tinha, tratei de me livrar de suas roupas, lutando contra o tremor que corria por todo meu corpo enquanto vestia minhas roupas de qualquer maneira.
O que eu fizera?
Sem conseguir reprimir o soluço que estava entalado em minha garganta, deixei que as lágrimas rolassem livres pelo rosto, sem saber exatamente por que estava chorando. Se era por ter cometido aquela loucura ou se era por ter permitido que aquilo fosse além.
Desci as escadas, ignorando minhas sandálias jogadas no canto da sala. Por alguma sorte, não estava ali. Eu não conseguiria olhar nos olhos dele, não depois do que aconteceu. Talvez nunca mais eu seja capaz de fazer aquilo. Passei a procurar minhas coisas, ou pelo menos a chave do meu carro. Eu queria sair de lá o mais rápido possível, antes que ele voltasse ou antes que eu esgotasse toda a minha força restante e não conseguisse mais sair de lá.
Estava começando a me desesperar quando vi minha bolsa sobre a mesa de centro, juntamente com um pedaço de papel dobrado ao meio, onde continha meu nome rabiscado na caligrafia alegre de . Senti meu estomago se afundar dentro de mim. Parte de mim queria ler o que estava ali, mas a outra parte temia pelo que pudesse encontrar naquele bilhete. Um pedido de desculpas, assumindo que fora um erro o que acontecera entre nós dois ou algum tipo de declaração positiva sobre a noite de ontem. Insanamente, me doeria e me alegraria ouvir qualquer uma das duas opções.
seria o tipo certo para se envolver, se eu não já não estivesse apaixonada. E mesmo que eu tenha consciência - mas não queira tocar no assunto agora - de que meu coração pertence à outra pessoa, eu me lembrava claramente de como seus lábios se encaixaram aos meus com harmonia.
O que está acontencendo comigo agora?
Meneei minha cabeça, afastando aquela única imagem que me restara da noite anterior, saindo pela porta assim que senti a chave em meus dedos frios e trêmulos. Ignorei o bilhete endereçado a mim. Assim como ignorei a sensação de que iria magoar muito à quando passasse por aquela porta sem esperar pela sua versão dos fatos.
Mas o que aquilo mudaria o que já estava alterado dentro de mim? Eu me sentia miserável.
Ao entrar dentro do carro, esperei que o desespero não se tornasse maior. Esperei, esperei e esperei. E não foi desespero que eu encontrei. Foi somente... minha dor habitual agora com um fragmento de .
Como se não fosse bastante sofrer pelos atos de um, agora eu sofreria pelos dois? Cada um com um motivo diferente, mas ainda assim seria um sofrimento. E, o que mais me assombrava naquilo tudo era se eles também sofriam por minha culpa.
Como uma história onde há mais dor do que outra coisa pode acabar com um final feliz?
Enxuguei as lágrimas que insistiam em ficar pelo meu rosto, dando a partida no carro. Mas, minha primeira atitude não foi pisar no acelerador. Ainda com o carro ligado, revirei minha bolsa em busca do meu celular. Disquei rapidamente os números de minha casa, sendo atendida no segundo toque.
- Você tem noção de como eu estou preocupado com você?
- Eu só queria saber se você ainda estava aí. - Disse num sopro de voz, ouvindo Kyle se silenciar do outro lado. - E Sean, como está?
- Está dormindo, querida. O que foi que aconteceu? Por que não veio pra casa? Onde você está agora?
- Eu estou indo pra casa, Ky. Por favor, me espere aí, está bem?
Se ainda me restava algum motivo para não sucumbir, ele estava em minha casa, esperando por mim, adormecido em seu mundo de sonhos perfeitos.
Quando eu abri a porta de minha casa, já não existia mais lágrimas em meus olhos. Não havia sequer um rastro delas em mim. Mas o que eu realmente queria que fosse embora, não ia. Aquela sensação de culpa, aquele incômodo que se infiltrava em todas as partes de meu corpo, denunciando o quão baixo eu fora naquele dia. Eu definitivamente atingira o fundo do poço, sem deixar chances de chegar até a superfície novamente.
A porta bateu suavemente contra a fechadura, e tão silenciosamente quanto a minha entrada, Kyle apareceu na sala. Por longos segundos, ficamos apenas nos encarando. Incrivelmente, Kyle tinha aquele poder de me conhecer apenas pelo olhar e também tinha a habilidade de me fazer sentir segura apenas com aquilo, com aquela ligação inexplicável que nascera entre nós dois.
- Eu fiz besteira, Ky. - Sussurrei, desviando nosso olhar quando toquei naquela ferida que me fazia sentir tão suja quanto o solo em que pisava. - Eu... Eu. Eu não sei o que eu faço!
Fixei meu olhar no teto, mordendo fortemente meu lábio inferior. Eu não conseguia aceitar que andava agindo tão erroneamente com todos aqueles que amava. Eu não merecia o carinho de nenhum deles. Principalmente deles, e agora .
Que ótimo - concluí mentalmente - Agora terei que usar as frases no plural ao me referir a minha dor?
Kyle veio até mim em silêncio, encaixando-se em minhas formas firmemente, não deixando espaços entre nossos corpos. Senti uma tremulação em meu interior e apenas depois de alguns segundos eu percebi que estava chorando. Sofrida e desesperadamente, me agarrando com violência ao tronco de Kyle. Definitivamente, era ele que me mantinha em pé naquele momento.
- Apenas fique aqui comigo. - Kyle afagava meus cabelos, tentando passar toda sua calma para mim. - Fique aqui e deixe tudo o que está lá fora, lá fora. Aqui nada pode te machucar.
- Mas aqui pode. - Coloquei minha mão sobre meu coração, fechando os olhos ao me separar de Kyle. - Não adianta deixar tudo lá fora, Ky, se tudo o que há lá fora vem comigo aqui dentro, batendo e pulsando todos os dias.
- Não tem que ser assim, querida. Não vai ser assim para sempre.
- Mas até quando será? Até quando eu vou ser burra o suficiente para estragar tudo? Até quando eu vou magoar as pessoas que eu só quero bem, Ky? Até quando eu vou ser assim?
Eu não sei quando isso acontecera, mas quando vi, Kyle estava sentado no chão ao meu lado, com suas costas apoiadas na parede e meu corpo preso firmemente em seu abraço, como eu fazia quando Sean adormecia em meu colo. E era exatamente assim que eu me sentia, uma criança precisando de segurança, da certeza de que a escuridão vai acabar logo e que o sol vai trazer a paz que eu tanto preciso para não chorar mais.
- Eu não sei, . - Kyle sussurrou, embalando meu corpo enquanto sua mão desenhava círculos em meu ombro. - Mas pelo tempo que for, sendo quem você é ou quem vai ser, eu vou estar aqui. Nós vamos estar aqui e vamos te proteger de tudo.
Assenti mais para mim do que para ele, sentindo falta do calor de Sean. Do meu pequeno sol particular. Do meu filho.
Que tipo de criatura como eu pode ter um filho tão especial como Sean?
Eu nunca saberei, de fato.
- Eu tenho que... Tenho que ir embora daqui, Ky.
Kyle me afastou minimamente de seu colo, fitando-me intrigado. Aquela não fora uma decisão tomada no último segundo que passou. Eu viera pensando nisso, pensando em sair daquela bolha que estava me pressionando contra as incertezas e erros. Eu precisava ficar longe de tudo que mexia comigo para entender o que estava acontecendo na minha vida. Agora mais do que nunca.
- Eu preciso sair de Londres, Ky. Eu tenho que sair daqui antes que eu magoe ainda mais eles. - Eles? - Quanto mais eu falava, mais confuso Kyle ficava. - , o que foi que aconteceu de verdade?
- Eu nunca saberei explicar para você, Ky. Eu apenas quero, preciso que você não vire as costas para mim. Não agora, não nesse momento.
- Eu nunca viraria as costas para você, meu amor. Você sabe disso. - Kyle desenhou delicadamente os contornos de meu rosto, beijando demoradamente minha testa.
- Então você precisa me ajudar a sair daqui sem que ninguém saiba.
(o que eu pensei que não era meu na luz)
Was one of a kind
(Era um tipo único)
a precious pearl
(de pérola preciosa)
- Você acha que está fazendo a coisa certa?
Eu estava sentada em minha cama na mesma posição há horas, encarando a parca movimentação do lado de fora de minha casa pela janela. Os transeuntes passavam, ora correndo animados, ora andando perdidos em seus próprios tormentos. E era daquela maneira que eu via as coisas passando por mim. Como se um vidro inquebrável me afastasse de tudo o que era certo e me isolasse com meus erros.
E eu não via como romper aquela muralha.
- Não é a coisa certa, mas é a única coisa que me resta fazer.
(Quando eu quis chorar)
I couldn't cause I
(eu não pude porque eu)
Wasn't allowed
(não estava autorizada)
Um último suspiro escapou de meus lábios. Não havia mais como voltar atrás.
Nossas passagens estavam compradas, nossas malas estavam feitas. Dentro de algumas horas estaríamos dentro de um avião, saindo de Londres sem saber se voltaríamos ali.
Se eu tinha a certeza de que estava cometendo o pior e mais imperdoável erro de toda minha vida, mais uma vez? Sem nenhuma sombra de dúvida.
Se eu estava disposta a reconsiderar? Nem um pouco.
- , o táxi chega em quarenta minutos.
Sorri sem mostrar os dentes para Kyle, voltando a observar a visão do lado externo de meu quarto.
(Desculpe-me por tudo)
Gomenasai, I know I let you down
(Desculpe-me, eu sei que te decepcionei)
Gomenasai till the end
(Desculpe-me até o fim)
I never needed a friend
(Eu nunca precisei de um amigo)
Like I do now (como eu preciso agora)
- Eu só preciso passar em um lugar antes de irmos, tudo bem?
O motorista concordou, alheio ao casal estranho que Kyle e eu fazíamos com Sean no meio de nós. Meu pequeno estava quieto, um pouco sonolento ainda, talvez. Sorriu fraquinho para mim quando afaguei seus cabelos, beijando o topo de sua cabeça.
Em uma mão, o aperto suave e incentivador de Kyle e na outra, um pedaço de papel dentro do bolso de minha jaqueta, o qual eu rabiscara um pouco antes de trancar as portas de minha casa. Eu o segurava com todas minhas forças, como se ele pudesse desaparecer junto com a minha coragem. Ou o que nunca existiu dela.
(O que eu pensei não era tudo)
So innocent
(Tão inocente)
Was a delicate doll of porcelain
(Era uma boneca delicada de porcelana)
- Você ainda pode desistir.
Levantei meus olhos úmidos para Kyle depoi de observar Sean que caíra no sono novamente. Eu suspirei, negando com a cabeça. Mesmo que quisesse, eu não poderia. Não até consertar tudo que estava partido dentro de mim, não até acalmar as dores que se rebelavam em meu coração. Não até conseguir aceitar os fatos, não até mudar aquilo que eu era e que só machucava a mim e a todos que estavam ao meu redor.
Eu precisava daquele tempo apenas para mim.
E certamente agora eles também precisavam de um tempo para eles sem a minha presença por perto.
- Eu vou ficar bem.
- Talvez eu consiga fazer você mudar de idéia até chegarmos no aeroporto, hum?
(quando eu quis ligar)
And ask you for help
(e pedir sua ajuda)
I stopped myself
(Eu me contive)
Minha respiração passou a ficar pesada quando entramos na rua que minutos atrás indicara ao motorista.
Eu nunca estivera ali, mas senti como se conhecesse cada casa, cada árvore, cada detalhe daquele lugar. Eu senti como se retornasse ao meu verdadeiro lar. Um pequeno e quase vívido sorriso desenhou meus lábios, mas ele morreu assim que me lembrei onde estava e por que estava indo até ali.
Apertei os dedos em volta do papel que ainda estava escondido dentro de meu bolso, soltando o ar com um suspiro rápido.
- É aquela casa azul no final da rua. Você pode... Diminuir um pouco a velocidade?
O senhor de espessas sobrancelhas brancas assentiu e eu lhe sorri agradecida. Kyle fez o mesmo para mim, apertando minha mão como um último incentivo. É claro que Kyle sabia o que eu pretendia fazer, mesmo que eu não tenha lhe dito nada. Eu estava ali, uma primeira e última vez, fazendo a coisa certa.
(Desculpe-me por tudo)
Gomenasai, I know I let you down
(Desculpe-me, eu sei que te decepcionei)
Gomenasai till the end
(Desculpe-me até o fim)
I never needed a friend
(Eu nunca precisei de um amigo)
Like I do now
(como eu preciso agora)
Faltavam menos de duas quadras.
Para me assegurar de que o bilhete ainda estava do jeito que deixei - com um pouco mais de três linhas rabiscadas às pressas e minha assinatura -, o retirei de meu bolso, passando os olhos rapidamente pelo papel.
Eu não estava sendo muito madura, despedindo-me do pai do meu filho com um bilhete insonsso, quando na verdade eu queria estar diante dele, olhando em seus olhos e justificando minha atitude egoísta.
Mas eu não podia. Por que eu sabia que ele conseguiria mudar meus planos com apenas um olhar.
Como na primeira vez que eu o vi, e estava decidida a nunca me apaixonar por ninguém.
(O que eu pensei que era um sonho, uma miragem)
Was as real as it seemed, a privilege
(Era tão real quanto parecia, um privilégio)
Eu abri minha boca para pedir que ele parasse o táxi naquele ponto, para que eu fosse andando até a casa dele. Mas eu a fechei assim que o vi, saindo de sua casa acompanhado de outra mulher.
Suas mãos estavam firmes em sua cintura e ela exibia um sorriso enviesado, caminhando ao seu lado como se eles fizessem aquilo há muitos anos.
Oh, eu não sabia que as migalhas de meu coração podiam ser trituradas um pouco mais.
Talvez, além de egoísta, eu tenha sido presunçosa demais. não sentia minha falta, ele não sofria por mim. Ele estava seguindo em frente com a vida que eu parei por tantos anos, enfim. Eu não tinha sequer o direito de odiá-lo por aquilo.
Talvez fosse hora de eu fazer a mesma coisa, não é?
- Aonde eu devo parar, senhorita?
- Em nenhum lugar. - Respondi rapidamente, fechando os olhos para não ter que ver mais aquela cena. - Podemos ir direto pro aeroporto agora.
(Quando eu quis te contar)
I made a mistake
(Eu cometi um erro)
I walked away
(Eu me afastei)
- ...
Sorri, apesar de ter lágrimas teimosas escapando novamente de meus olhos, assentindo para Kyle.
- Não diga nada, está bem? - Pedi, ignorando os seus olhares sobre mim. - Por favor.
Meu chefe concordou, em nenhum momento sua mão deixou a minha, mas o calor que emanava de seus dedos não estava me confortando, não naquele momento. Delicadamente, separei nossas mãos com um pedido de desculpas no olhar.
Fechei meus olhos e deixei a cabeça pender para o lado, encostando-a no vidro gelado. Uma fina garoa começara a cair naquele final de tarde e, assim como a chuva que caía, eu deixei que o resto de minhas lágrimas escorressem, frias e silenciosas.
(Desculpe-me por tudo)
Gomenasai, gomenasai, gomenasai
(Desculpe-me, desculpe-me, desculpe-me)
I never needed a friend
(Eu nunca precisei de um amigo)
Like I do now
(Como eu preciso agora)
Naquele instante, percebi que procurara a pessoa errada para pedir desculpas pelo meu erro. E, admitir que eu preferia ter ido até ao invés de não melhorou em nada. Mas, eu já tinha cometido muitos erros para me importar com mais um.
E ainda que eu quisesse me desculpar por estar sendo covarde, a idéia de ligar para e lhe contar tudo ficou apenas em minha cabeça. Já bastava eu ter fugido de sua casa pela manhã, ele não precisava saber que eu estava fugindo de novo.
Talvez dali um tempo eu consiga lhe escrever e contar os motivos de todos meus pecados, mas por enquanto, o pedido de perdão ficará guardado em meu coração, com a fraca esperança de um dia ser perdoada.
(Desculpe-me, eu te decepcionei)
Gomenasai, gomenasai
(Desculpe-me, desculpe-me)
Gomenasai till the end
(Desculpe-me até o fim)
I never needed a friend
(Eu nunca precisei de um amigo)
Like I do now
(Como eu preciso agora)
- Você promete que vai me ligar todos os dias?
Kyle estava com os olhos marejados, e apertava fortemente minhas mãos. Sean estava sentado sobre a mala, entretido com as pessoas que passavam por si. Eu esperava que ele entendesse tudo e aceitasse nossa nova vida longe de Londres. Longe de tudo aquilo que era importante para nós dois.
- Eu prometo. - Beijei demoradamente sua bochecha, abraçando-o com toda minha força, sentindo o coração bater apressado. - Eu vou sentir muito a sua falta.
- E eu a de vocês. Prometa para mim que vai se cuidar. Promete que não cometer nenhuma maluquice por lá. Promete?
- Prometo tudo isso e prometo que volto para te ver quando puder.
- Você está disposta a não voltar mais para cá, não é mesmo? - Ele sorriu sem humor, sem encarar meus olhos. - Acha mesmo que vai fazer alguma diferença?
- É preciso, às vezes, dar dois passos para trás para poder seguir em frente depois. E eu não vou conseguir seguir em frente estando lá, perto deles e de toda a influência que eles possuem em minha vida.
- Você sabe que eles vão te procurar, não sabe?
- Eu sei. - Suspirei entristecida. - Mas eu sei que também vai ser melhor se eles se acostumarem a ficar sem mim por um tempo. Quando eu estiver pronta, eu vou ligar.
Kyle assentiu, suspirando pesadamente ao olhar em direção ao portão de embarque. Com um pequeno sorriso murcho, ajoelhou-se diante de Sean, acariciando-lhe os cabelos revoltos.
- Cuide bem da mamãe, está bem?
Sean concordou em silêncio, abraçando Kyle por longos minutos. Algo em meu coração de mãe dizia que Sean não estava satisfeito com aquela viagem. Levaria algum tempo até ele se acostumar, mas eu espero fielmente que isso não seja um problema entre nós dois.
- Obrigado por ter sido esse companheiro incrível que você foi, Ky. Eu nunca vou me permitir esquecer tudo o que você já fez por mim.
- Eu realmente espero que não esqueça. - Kyle sorriu um pouco mais, dando-me um último beijo de despedida. - Cuide-se. E não hesite em me ligar caso mude de idéia. Eu venho correndo te buscar.
E depois de mais algumas palavras de apoio e carinho, eu embarquei naquele avião com a única certeza de que amanhã seria um dia melhor.
Eu esperava que fosse um dia melhor.
Chapter Twenty Six
Cinco anos se passaram.
Sean acaba de completar nove anos e depois de tanto tempo, estamos retornando para casa. Para nossa verdadeira casa. No decorrer do tempo eu fui corrigindo meus erros e defeitos, hoje estou pronta para levar minha vida com meu filho sem mágoas ou arrependimentos. e eu entramos num acordo sem precisar recorrer à justiça, e decidimos que seria melhor cada um seguir sua vida, permanecendo ligados apenas pela existência de nosso filho. Além do mais, está de casamento marcado e eu estou realmente feliz por ele.
Suspirei ao deixar um sorriso morto escapar de meus lábios, sentindo o líquido quente escorrer calmamente pelo meu rosto, morrendo em meus cabelos esparramados pelo travesseiro.
Que grande mentira eu estava contando para mim mesma!
Eu realmente queria que a história terminasse daquela maneira. Eu realmente queria poder sentir que era capaz de mudar e seguir adiante, eu realmente queria poder deixar de amar . Eu sei, eu sei. O meu amor é um dos mais esquisitos possíveis. Um pouco sádico, talvez. Quando eu fugi de Londres - há dois dias - eu estava apenas pensando nele. Um pouco em e em mim, mas principalmente em e consequentemente em Sean, uma miniatura perfeita dele. Eu não queria que ele sofresse. Não queria que... Oh céus, a quem quero enganar? Eu não queria ter que assumir o quão estúpida eu era, de verdade. E o mais importante de tudo; eu não queria ver e ter a certeza de que o homem que eu amava era perfeitamente capaz de seguir com sua vida sem mim. Não queria ver que ele poderia ser feliz com outra ao seu lado.
Mas, eu pedira por aquilo, não foi?
sempre fora muito paciente comigo, desde que nos conhecemos. Esteve do meu lado, sempre atencioso com palavras confortadoras. Ele me provara o quanto me amava e eu fui capaz de duvidar disso só porque ele se calou num momento em que eu também estava sem palavras. Eu deveria saber que ele nunca me abandonaria.
Eu deveria saber que eu nunca seria boa o suficiente para ele.
Fechei meus olhos, sentindo o nó em meu peito aumentar de tamanho conforme eu lutava para reprimir os soluços, observando Sean dormir na cama ao meu lado tranquilamente.
Naquele momento senti uma grande necessidade de tomá-lo em meus braços e mante-lo ali, como se aquele fosse o último dia de nossas vidas. Eu queria sentir seu pequeno coração batendo calmamente em seu peito e pudesse tirar dali o meu conforto, a minha cura. Mas eu não queria ser tão covarde assim, porque no fundo eu saberia que, apesar do abraço de Sean ser o mais completo do mundo, ainda estaria faltando alguma coisa.
Meu Deus, será que eu não consigo não pensar no nome dele a cada cinco segundos??
Fui tirada de meus devaneios com meu celular vibrando sob o travesseiro. Atendi prontamente quando reconheci o número do estúdio de Kyle.
- Bom dia, minha flor do dia!
- Hey, Ky, como você está? - Saudei, sentindo mais saudades de casa do que eu realmente gostaria.
- Bom, considerando o fato de que minha melhor fotógrafa cruzou o oceano atlântico levando uma coisinha muito gracinha que fazia dos meus finais de semana os melhores, me deixando completamente só nesse estúdio imenso e que não teve a capacidade de me ligar ainda... É, acho que não muito bem.
Kyle e sua sinceridade descabida. Sorri um pouco, enxugando o rastro das lágrimas e seguindo para o banheiro, para não pertubar o sono de Sean. Depois de encostar a porta, sentei-me na beira da pequena banheira, sentindo minha pele se arrepiar com o contato gelado da cerâmica.
- Desculpe não ter ligado antes, ainda estou um pouco atrapalhada com tudo isso.
- Você está hospedada na casa da sua mãe?
Pisquei em choque depois da pergunta repentina de Kyle. Ele ficara em silêncio por alguns segundos, disparando a pergunta sem rodeios. Demorei alguns segundos para formular alguma resposta coerente.
- N-não, Ky, eu estou hospedada num hotel. Você sabe que eu não falo com Elizabeth desde que eu... - Eu não gostava muito de verbalizar a palavra fugir - saí de casa. Por que a pergunta?
- Ah não sei, pensei que estando em NY você iria querer procurar por algum rastro dela...
- Ela pode estar em qualquer lugar do mundo, Ky.
- Mas pelo que eu me lembre, disse certa vez que ela voltara para NY depois da sua 'mudança'. Você devia procurar por ela sabe? Se quer consertar seus erros, podia começar por ela.
Não pude evitar de me irritar um pouco com aquela declaração.
- Você ouviu o absurdo que acabou de dizer? Elizabeth nunca se importou comigo, eu não posso consertar um erro que ela cometeu.
- Um erro que ela cometeu, mas que agora você pode converter num acerto. Quatro anos se passaram, , você mudou e com certeza ela também. As pessoas mudam, por mais impossível que isso possa parecer.
- É, elas mudam para pior. - Bufei, levantando-me do chão num salto. - Podemos mudar de assunto, por favor?
- Você não me ouve mesmo, hein? Mas enfim, uma hora você vai me ouvir. E Sean, onde está?
- Ele está dormindo. - Suspirei, um pouco aliviada por mudar o foco da conversa. - Está um pouco cansado da viagem ainda.
- E quando você pretende contar para ele sobre a situação?
Quando? Me peguei fazendo a mesma pergunta, silenciosamente. E silenciosamente eu permaneci por dois minutos, abrindo e fechando a boca sem saber exatamente o que dizer. Será que Kyle não pode parar com essa mania de disparar perguntas sem respostas toda hora?
- Ainda é cedo para ter essa resposta, Ky.
- Espero só que não seja tarde, depois.
É, eu também esperava, já que aquele havia se tornado meu lema nos últimos meses.
×
- Mamãe, aqui a gente pode tomar café com muffins? - Sean cutucou minha barriga, depois de minutos deitado nela. Havia pulado de sua cama para a minha assim que eu me deitei, pensando na conversa que tivera há pouco com Kyle. - Não quero comer aquelas coisas esquisitas de novo.
- Eram torradas com geléia, Sean, não havia nada de esquisito nelas. - Eu sorri, acariciando seus cabelos revoltos.
- Tsc, tsc. Eram et's disfarçados querendo me devorar pela barriguinha! - Ele riu divertido, rolando pela cama, se embolando nos lençóis floridos. - A geléia cor de rosa ficava fazendo nham nham pra mim, mamãe!
Rolei meus olhos, sentindo uma fina camada de calor rodear meu coração desde que pousamos em Nova York. Deitei-me de bruços na cama, sendo acompanhada por Sean, ainda enrolado nos lençóis. Mordi levemente sua bochecha quando ele encostou sua cabeça em meu ombro, com as bochechas sempre brancas tomada por uma leve coloração rosada. Disposto a não deixar aquilo por menos, Sean subiu em minhas costas, cutucando minhas costelas com seus dedinhos, torturando-me com suas cócegas gentis.
Ficamos envoltos naquela aura de alegria por mais alguns minutos, rindo e conversando sobre nada. Ao ouvir a barriga de Sean roncar um pouco mais forte do que a primeira vez, levantei da cama com ele montado em minhas costas, deixando-o em pé na cama logo em seguida.
- Vamos comer muffins gostosinhos! - Sean cantarolava animado enquanto eu o trocava, mais atrapalhando do que ajudando. - Podemos passear depois?
Concordei com um sorriso, deixando que ele morresse quando Sean pulou da cama em busca dos seus tênis. Sean acreditava que estávamos ali num passeio divertido. Mas, caso eu decidisse ficar, ele aceitara a minha decisão tão bem como está agora? Pode ser que sim, mas eu tenho calafrios só de imaginar como reagiria. Eu só não sabia se tinha medo dele não se importar ou de ele querer brigar por Sean na justiça.
Meneei minha cabeça com força, querendo afastar aqueles pensamentos de mim. Mesmo que eu quisesse, não poderia ficar. Sean merecia crescer numa casa confortável, ter um espaço para brincar e ser quem ele quisesse ser. Ali nunca teríamos coisa parecida. Disso eu tinha certeza.
E não faria uma coisa daquelas só por que saimos de férias sem avisar ninguém, não é mesmo?
- Vamos, mamãe? Minha barriguinha tá com fominha!
Voltei ao meu estado de mãe feliz, assentindo para Sean enquanto seguia em sua direção. Carinhosamente ele encaixou sua mão na minha, puxando-me energeticamente pelo corredor, mal deixando que eu fechasse a porta.
Como era de sua natureza travessa, Sean batucava a porta do elevador enquanto o mesmo não chegava ao nosso andar. Eu fiquei atenta aos números no painel digital, afastando Sean quando percebera que o mesmo estava chegando ao nosso andar. Compreensivamente ele se recostou nas minhas pernas, segurando firmemente um dedo meu com sua mão esquerda. Exatamente como uma criança levada daquelas que vemos em comercias de TV, Sean estava com um dedo em sua boca enquanto sorria timidamente para os ocupantes do elevador. Bom, Sean sorria timidamente para a garotinha que aparentava ser alguns anos mais velha que ele. Sorri em cumprimento para o rapaz que a segurava pelas mãos, o pai, talvez.
- Descendo também? - Ele perguntou quando entramos, e eu concordei com um pequeno sorriso.
- Eu sou o Sean!
Observei meu pequeno estender uma mão em direção à garotinha quando as portas se fecharam, ainda exibindo seu sorriso galanteador. A garotinha que eu julgava ter entre seis e sete anos sorriu doce para meu filho, e seu movimento estreitou minimamente seus olhos, fazendo-me sorrir também.
- Natalee. - Sua voz soou melódica e eu podia jurar que Sean deixou um suspiro escapar pelos lábios risonhos.
Girei minimamente meus olhos disfarçadamente, sorrindo juntamente com o acompanhante responsável da tímida Natalee. O homem que aparentava ter no máximo trinta anos sorriu de Natalee para mim, retirando a mão livre do bolso de sua calça jeans, estendendo-a em minha direção.
- Leonard. - Ele exibiu um mínimo sorriso torto e tolamente senti minhas bochechas ferverem. Ele parecia um modelo da Calvin Klein. - Ou apenas Leo.
- . - Respondi sem tanta pompa assim.
- Hm... Belo nome. Posso te chamar de , então?
Educadamente assenti com a cabeça, sentindo a situação de minhas bochechas avermelhadas piorarem. Eu não estava acostumada com esse tipo de beleza. Não que fosse inferior naquele quesito, mas... Eram casos diferentes. De qualquer maneira, eu achei que os cinco andares restantes até o térreo estavam demorando demais para se esgotarem.
Quando as portas de abriram, quase deixei um suspiro de alívio escapar pela boca. Sean acenou para Natalee, e Leonard acenou para mim. A recepcionista do hotel não conseguiu disfarçar um olhar invejoso quando ele gritou um 'Foi um prazer te conhecer !'. Tratei de alcançar a calçada antes que mais olhares curiosos almejassem o meu rosto estupidamente vermelho.
Sean soltava risinhos contidos e eu apenas rolei os olhos, iniciando nossa caminhada pelas ruas agitadas de NY em busca de uma Starbucks.
Por sorte encontramos uma logo na esquina.
Assim que terminamos nosso café da manhã e compramos mais muffins para levar para o hotel, Sean literalmente me arrastou para o parquinho, completamente eufórico. Acho que ele nunca vira um parquinho tão grande como aquele. Seus olhinhos brilhavam tanto que compará-los com as estrelas seria perda de tempo. Deixei que ele corresse livre pela grama fofa, rindo divertido enquanto eu me sentava confortavelmente no banco de madeira sob a proteção de um grande carvalho. Pude desfrutar da brisa morna que tocava as maçãs de meu rosto, fechando os meus olhos por alguns segundos.
Aquilo me lembrava tanto minha infância.
Fazia tanto tempo, mas eu me lembrava com tanta nitidez... Todos os sábados pela manhã meu pai me levava para caminhar no Central Park. Depois, nos deitávamos na grama e ficávamos observando os formatos das nuvens, quando haviam algumas no céu azulado. Quando não, apenas ficávamos deitados, sentindo o silencio ao nosso redor.
Sorri minimamente ao me dar conta da perfeição de minhas lembranças. Era quase possível sentir o perfume dos cabelos de meu pai... Eu adorava o cheiro deles. Talvez seja por isso que Sean gosta tanto dos meus.
Ao pensar em meu filho, abri lentamente meus olhos, observando-o se balançar animado. Não havia muitas crianças naquele horário, e ainda assim Sean parecia não se importar com o fato de que nenhuma das poucas presentes estavam brincando com ele. Ele estava mergulhado em seu próprio mundinho, onde ele era verdadeiramente feliz.
Fiquei incontáveis minutos entre observar Sean e recordar coisas boas do meu passado. E pensando nele que uma conversa recente me voltou na cabeça. As palavras de Kyle martelavam em meu cérebro e sem a minha permissão a curiosidade começou a surgir. Será que Elizabeth tinha voltado para NY, para o nosso antigo apartamento? Não que eu quisesse ir visitá-la, era apenas... curiosidade.
Eu nunca iria querer encontrá-la. Elizabeth era uma página virada em minha vida, e é na parte obscura do meu passado que ela permaneceria. Eu estava decidida.
Deixei que Sean brincasse mais um pouco antes de chamá-lo para voltarmos. Meu pequeno formou um pequeno bico de descontentamento, vindo até mim com a testa molhada de suor. Sorri sem mostrar os dentes para Sean, afastando os cabelos que grudavam nela, ajoelhando-me para ficar do seu tamanho. Por mais comportado que ele fosse na maior parte tempo, Sean sabia ser manhoso quando queria ser. E nesses momentos aquela minha vontade de morder suas bochechas triplicava de tamanho.
- Mas, mamãe, eu brinquei um pouquinho só. Vamos ficar mais! Por favorzinho!
- Sean, meu amor, nós temos que voltar pro hotel, não podemos ficar aqui o dia todo. - Beijei delicadamente a ponta de seu nariz, segurando-o pelos ombros. - Nós podemos voltar amanhã, o que me diz?
- Mas amanhã a gente pode ficar um montão de tempo?
- Sim, um montão de tempo.
Sean fez um bico torto, mas depois concordou com um suspiro teatral que me fez rir. Tomando Sean pela mão, refizemos o caminho curto do parquinho até o hotel. O mau humor de Sean passou assim que entramos no quarto e ele tomou um bom banho refrescante. Acabou cochilando na cama antes do nosso café da tarde chegar. Nosso almoço? O típico cachorro quente que você encontra em todas as esquinas de parques por toda Nova York. Até mesmo aquilo me fez recordar o meu passado. De um jeito bom e saudoso, que despertou uma coisa boa dentro de mim.
Uma coisa chamada coração.
Sean acaba de completar nove anos e depois de tanto tempo, estamos retornando para casa. Para nossa verdadeira casa. No decorrer do tempo eu fui corrigindo meus erros e defeitos, hoje estou pronta para levar minha vida com meu filho sem mágoas ou arrependimentos. e eu entramos num acordo sem precisar recorrer à justiça, e decidimos que seria melhor cada um seguir sua vida, permanecendo ligados apenas pela existência de nosso filho. Além do mais, está de casamento marcado e eu estou realmente feliz por ele.
Suspirei ao deixar um sorriso morto escapar de meus lábios, sentindo o líquido quente escorrer calmamente pelo meu rosto, morrendo em meus cabelos esparramados pelo travesseiro.
Que grande mentira eu estava contando para mim mesma!
Eu realmente queria que a história terminasse daquela maneira. Eu realmente queria poder sentir que era capaz de mudar e seguir adiante, eu realmente queria poder deixar de amar . Eu sei, eu sei. O meu amor é um dos mais esquisitos possíveis. Um pouco sádico, talvez. Quando eu fugi de Londres - há dois dias - eu estava apenas pensando nele. Um pouco em e em mim, mas principalmente em e consequentemente em Sean, uma miniatura perfeita dele. Eu não queria que ele sofresse. Não queria que... Oh céus, a quem quero enganar? Eu não queria ter que assumir o quão estúpida eu era, de verdade. E o mais importante de tudo; eu não queria ver e ter a certeza de que o homem que eu amava era perfeitamente capaz de seguir com sua vida sem mim. Não queria ver que ele poderia ser feliz com outra ao seu lado.
Mas, eu pedira por aquilo, não foi?
sempre fora muito paciente comigo, desde que nos conhecemos. Esteve do meu lado, sempre atencioso com palavras confortadoras. Ele me provara o quanto me amava e eu fui capaz de duvidar disso só porque ele se calou num momento em que eu também estava sem palavras. Eu deveria saber que ele nunca me abandonaria.
Eu deveria saber que eu nunca seria boa o suficiente para ele.
Fechei meus olhos, sentindo o nó em meu peito aumentar de tamanho conforme eu lutava para reprimir os soluços, observando Sean dormir na cama ao meu lado tranquilamente.
Naquele momento senti uma grande necessidade de tomá-lo em meus braços e mante-lo ali, como se aquele fosse o último dia de nossas vidas. Eu queria sentir seu pequeno coração batendo calmamente em seu peito e pudesse tirar dali o meu conforto, a minha cura. Mas eu não queria ser tão covarde assim, porque no fundo eu saberia que, apesar do abraço de Sean ser o mais completo do mundo, ainda estaria faltando alguma coisa.
Meu Deus, será que eu não consigo não pensar no nome dele a cada cinco segundos??
Fui tirada de meus devaneios com meu celular vibrando sob o travesseiro. Atendi prontamente quando reconheci o número do estúdio de Kyle.
- Bom dia, minha flor do dia!
- Hey, Ky, como você está? - Saudei, sentindo mais saudades de casa do que eu realmente gostaria.
- Bom, considerando o fato de que minha melhor fotógrafa cruzou o oceano atlântico levando uma coisinha muito gracinha que fazia dos meus finais de semana os melhores, me deixando completamente só nesse estúdio imenso e que não teve a capacidade de me ligar ainda... É, acho que não muito bem.
Kyle e sua sinceridade descabida. Sorri um pouco, enxugando o rastro das lágrimas e seguindo para o banheiro, para não pertubar o sono de Sean. Depois de encostar a porta, sentei-me na beira da pequena banheira, sentindo minha pele se arrepiar com o contato gelado da cerâmica.
- Desculpe não ter ligado antes, ainda estou um pouco atrapalhada com tudo isso.
- Você está hospedada na casa da sua mãe?
Pisquei em choque depois da pergunta repentina de Kyle. Ele ficara em silêncio por alguns segundos, disparando a pergunta sem rodeios. Demorei alguns segundos para formular alguma resposta coerente.
- N-não, Ky, eu estou hospedada num hotel. Você sabe que eu não falo com Elizabeth desde que eu... - Eu não gostava muito de verbalizar a palavra fugir - saí de casa. Por que a pergunta?
- Ah não sei, pensei que estando em NY você iria querer procurar por algum rastro dela...
- Ela pode estar em qualquer lugar do mundo, Ky.
- Mas pelo que eu me lembre, disse certa vez que ela voltara para NY depois da sua 'mudança'. Você devia procurar por ela sabe? Se quer consertar seus erros, podia começar por ela.
Não pude evitar de me irritar um pouco com aquela declaração.
- Você ouviu o absurdo que acabou de dizer? Elizabeth nunca se importou comigo, eu não posso consertar um erro que ela cometeu.
- Um erro que ela cometeu, mas que agora você pode converter num acerto. Quatro anos se passaram, , você mudou e com certeza ela também. As pessoas mudam, por mais impossível que isso possa parecer.
- É, elas mudam para pior. - Bufei, levantando-me do chão num salto. - Podemos mudar de assunto, por favor?
- Você não me ouve mesmo, hein? Mas enfim, uma hora você vai me ouvir. E Sean, onde está?
- Ele está dormindo. - Suspirei, um pouco aliviada por mudar o foco da conversa. - Está um pouco cansado da viagem ainda.
- E quando você pretende contar para ele sobre a situação?
Quando? Me peguei fazendo a mesma pergunta, silenciosamente. E silenciosamente eu permaneci por dois minutos, abrindo e fechando a boca sem saber exatamente o que dizer. Será que Kyle não pode parar com essa mania de disparar perguntas sem respostas toda hora?
- Ainda é cedo para ter essa resposta, Ky.
- Espero só que não seja tarde, depois.
É, eu também esperava, já que aquele havia se tornado meu lema nos últimos meses.
×
- Mamãe, aqui a gente pode tomar café com muffins? - Sean cutucou minha barriga, depois de minutos deitado nela. Havia pulado de sua cama para a minha assim que eu me deitei, pensando na conversa que tivera há pouco com Kyle. - Não quero comer aquelas coisas esquisitas de novo.
- Eram torradas com geléia, Sean, não havia nada de esquisito nelas. - Eu sorri, acariciando seus cabelos revoltos.
- Tsc, tsc. Eram et's disfarçados querendo me devorar pela barriguinha! - Ele riu divertido, rolando pela cama, se embolando nos lençóis floridos. - A geléia cor de rosa ficava fazendo nham nham pra mim, mamãe!
Rolei meus olhos, sentindo uma fina camada de calor rodear meu coração desde que pousamos em Nova York. Deitei-me de bruços na cama, sendo acompanhada por Sean, ainda enrolado nos lençóis. Mordi levemente sua bochecha quando ele encostou sua cabeça em meu ombro, com as bochechas sempre brancas tomada por uma leve coloração rosada. Disposto a não deixar aquilo por menos, Sean subiu em minhas costas, cutucando minhas costelas com seus dedinhos, torturando-me com suas cócegas gentis.
Ficamos envoltos naquela aura de alegria por mais alguns minutos, rindo e conversando sobre nada. Ao ouvir a barriga de Sean roncar um pouco mais forte do que a primeira vez, levantei da cama com ele montado em minhas costas, deixando-o em pé na cama logo em seguida.
- Vamos comer muffins gostosinhos! - Sean cantarolava animado enquanto eu o trocava, mais atrapalhando do que ajudando. - Podemos passear depois?
Concordei com um sorriso, deixando que ele morresse quando Sean pulou da cama em busca dos seus tênis. Sean acreditava que estávamos ali num passeio divertido. Mas, caso eu decidisse ficar, ele aceitara a minha decisão tão bem como está agora? Pode ser que sim, mas eu tenho calafrios só de imaginar como reagiria. Eu só não sabia se tinha medo dele não se importar ou de ele querer brigar por Sean na justiça.
Meneei minha cabeça com força, querendo afastar aqueles pensamentos de mim. Mesmo que eu quisesse, não poderia ficar. Sean merecia crescer numa casa confortável, ter um espaço para brincar e ser quem ele quisesse ser. Ali nunca teríamos coisa parecida. Disso eu tinha certeza.
E não faria uma coisa daquelas só por que saimos de férias sem avisar ninguém, não é mesmo?
- Vamos, mamãe? Minha barriguinha tá com fominha!
Voltei ao meu estado de mãe feliz, assentindo para Sean enquanto seguia em sua direção. Carinhosamente ele encaixou sua mão na minha, puxando-me energeticamente pelo corredor, mal deixando que eu fechasse a porta.
Como era de sua natureza travessa, Sean batucava a porta do elevador enquanto o mesmo não chegava ao nosso andar. Eu fiquei atenta aos números no painel digital, afastando Sean quando percebera que o mesmo estava chegando ao nosso andar. Compreensivamente ele se recostou nas minhas pernas, segurando firmemente um dedo meu com sua mão esquerda. Exatamente como uma criança levada daquelas que vemos em comercias de TV, Sean estava com um dedo em sua boca enquanto sorria timidamente para os ocupantes do elevador. Bom, Sean sorria timidamente para a garotinha que aparentava ser alguns anos mais velha que ele. Sorri em cumprimento para o rapaz que a segurava pelas mãos, o pai, talvez.
- Descendo também? - Ele perguntou quando entramos, e eu concordei com um pequeno sorriso.
- Eu sou o Sean!
Observei meu pequeno estender uma mão em direção à garotinha quando as portas se fecharam, ainda exibindo seu sorriso galanteador. A garotinha que eu julgava ter entre seis e sete anos sorriu doce para meu filho, e seu movimento estreitou minimamente seus olhos, fazendo-me sorrir também.
- Natalee. - Sua voz soou melódica e eu podia jurar que Sean deixou um suspiro escapar pelos lábios risonhos.
Girei minimamente meus olhos disfarçadamente, sorrindo juntamente com o acompanhante responsável da tímida Natalee. O homem que aparentava ter no máximo trinta anos sorriu de Natalee para mim, retirando a mão livre do bolso de sua calça jeans, estendendo-a em minha direção.
- Leonard. - Ele exibiu um mínimo sorriso torto e tolamente senti minhas bochechas ferverem. Ele parecia um modelo da Calvin Klein. - Ou apenas Leo.
- . - Respondi sem tanta pompa assim.
- Hm... Belo nome. Posso te chamar de , então?
Educadamente assenti com a cabeça, sentindo a situação de minhas bochechas avermelhadas piorarem. Eu não estava acostumada com esse tipo de beleza. Não que fosse inferior naquele quesito, mas... Eram casos diferentes. De qualquer maneira, eu achei que os cinco andares restantes até o térreo estavam demorando demais para se esgotarem.
Quando as portas de abriram, quase deixei um suspiro de alívio escapar pela boca. Sean acenou para Natalee, e Leonard acenou para mim. A recepcionista do hotel não conseguiu disfarçar um olhar invejoso quando ele gritou um 'Foi um prazer te conhecer !'. Tratei de alcançar a calçada antes que mais olhares curiosos almejassem o meu rosto estupidamente vermelho.
Sean soltava risinhos contidos e eu apenas rolei os olhos, iniciando nossa caminhada pelas ruas agitadas de NY em busca de uma Starbucks.
Por sorte encontramos uma logo na esquina.
Assim que terminamos nosso café da manhã e compramos mais muffins para levar para o hotel, Sean literalmente me arrastou para o parquinho, completamente eufórico. Acho que ele nunca vira um parquinho tão grande como aquele. Seus olhinhos brilhavam tanto que compará-los com as estrelas seria perda de tempo. Deixei que ele corresse livre pela grama fofa, rindo divertido enquanto eu me sentava confortavelmente no banco de madeira sob a proteção de um grande carvalho. Pude desfrutar da brisa morna que tocava as maçãs de meu rosto, fechando os meus olhos por alguns segundos.
Aquilo me lembrava tanto minha infância.
Fazia tanto tempo, mas eu me lembrava com tanta nitidez... Todos os sábados pela manhã meu pai me levava para caminhar no Central Park. Depois, nos deitávamos na grama e ficávamos observando os formatos das nuvens, quando haviam algumas no céu azulado. Quando não, apenas ficávamos deitados, sentindo o silencio ao nosso redor.
Sorri minimamente ao me dar conta da perfeição de minhas lembranças. Era quase possível sentir o perfume dos cabelos de meu pai... Eu adorava o cheiro deles. Talvez seja por isso que Sean gosta tanto dos meus.
Ao pensar em meu filho, abri lentamente meus olhos, observando-o se balançar animado. Não havia muitas crianças naquele horário, e ainda assim Sean parecia não se importar com o fato de que nenhuma das poucas presentes estavam brincando com ele. Ele estava mergulhado em seu próprio mundinho, onde ele era verdadeiramente feliz.
Fiquei incontáveis minutos entre observar Sean e recordar coisas boas do meu passado. E pensando nele que uma conversa recente me voltou na cabeça. As palavras de Kyle martelavam em meu cérebro e sem a minha permissão a curiosidade começou a surgir. Será que Elizabeth tinha voltado para NY, para o nosso antigo apartamento? Não que eu quisesse ir visitá-la, era apenas... curiosidade.
Eu nunca iria querer encontrá-la. Elizabeth era uma página virada em minha vida, e é na parte obscura do meu passado que ela permaneceria. Eu estava decidida.
Deixei que Sean brincasse mais um pouco antes de chamá-lo para voltarmos. Meu pequeno formou um pequeno bico de descontentamento, vindo até mim com a testa molhada de suor. Sorri sem mostrar os dentes para Sean, afastando os cabelos que grudavam nela, ajoelhando-me para ficar do seu tamanho. Por mais comportado que ele fosse na maior parte tempo, Sean sabia ser manhoso quando queria ser. E nesses momentos aquela minha vontade de morder suas bochechas triplicava de tamanho.
- Mas, mamãe, eu brinquei um pouquinho só. Vamos ficar mais! Por favorzinho!
- Sean, meu amor, nós temos que voltar pro hotel, não podemos ficar aqui o dia todo. - Beijei delicadamente a ponta de seu nariz, segurando-o pelos ombros. - Nós podemos voltar amanhã, o que me diz?
- Mas amanhã a gente pode ficar um montão de tempo?
- Sim, um montão de tempo.
Sean fez um bico torto, mas depois concordou com um suspiro teatral que me fez rir. Tomando Sean pela mão, refizemos o caminho curto do parquinho até o hotel. O mau humor de Sean passou assim que entramos no quarto e ele tomou um bom banho refrescante. Acabou cochilando na cama antes do nosso café da tarde chegar. Nosso almoço? O típico cachorro quente que você encontra em todas as esquinas de parques por toda Nova York. Até mesmo aquilo me fez recordar o meu passado. De um jeito bom e saudoso, que despertou uma coisa boa dentro de mim.
Uma coisa chamada coração.
Chapter Twenty Seven
Havia se tornado uma rotina cansativa acordar todos os dias naquele quarto de hotel, perguntando-me se finalmente, o pesadelo havia terminado. Geralmente é assim que acontece, não? A noite infindável tem um fim com o amanhecer, e os pesadelos se vão quando abrimos nossos olhos e nos damos conta de que tudo permanece igual, calmo como sempre fora. Doce ilusão a minha achar que aquilo era possível no meu caso.
Aparentemente, estava tudo certo. Mas, infelizmente, o aparentemente não significa muita coisa. Agora eu sabia o que tinha que fazer, mas colocar em pratica não era tão simples assim.
Havia muito mais do que meus sentimentos em jogo. Havia e os seus sentimentos que eu feri; havia a confiança partida de , e... . Céus, eu com certeza havia magoado . Não sei em que sentido e com qual dimensão, mas eu certamente o machucara quando lhe dera as costas quando ele me estendeu a mão e representou o meu porto seguro quando eu estava internamente abalada. Eu havia sido ingrata, egoísta e infantil. poderia me odiar para sempre e, ainda assim, talvez não fosse o suficiente para me punir. Eu não merecia o carinho dele. E eu não sei o que vou dizer para e . Eles, que foram os primeiros a me encontrar. Eles, que trouxeram o McFly de volta para minha vida, com a promessa de que seriamos como antigamente. Unidos, amigos, inseparáveis. Mas eu como sempre, havia encontrado uma maneira de estragar tudo.
E dói só de pensar em . Em muitos momentos lembrar do seu sorriso me fazia bem, mas logo em seguida me vinha à lembrança do nosso último encontro. E aquilo arrancava de mim todo o fôlego, fazendo-me dobrar em duas, sendo praticamente dividida em partes desiguais. Havia a machucada, impossibilitada de consertar os erros por falta de coragem, mas também havia aquela que queria acreditar que as coisas se resolveriam logo e que tudo ficaria bem novamente.
Suspirei pesadamente, fechando os olhos e me concentrando apenas no som ritmado de minha respiração. Tentei não pensar em nada, mas muitas lembranças tentavam romper a barreira que levantara em minha cabeça e em meu coração. Aquilo também era cansativo. Não há como lutar com coisas que parecem ser tão insistentes quanto os raios de sol sobre as nuvens cinzentas. Elas sempre encontram brechas por onde conseguem entrar e tocar o solo.
- Mamãe?
Abri meus olhos marejados e me deparei com Sean ainda sonolento sentado na cama. Bocejou e coçou os olhos, descendo da cama e vindo até a minha, acariciando minhas bochechas. Estendi meus braços para que ele pudesse se aconchegar sob as cobertas também, e ele o fez quase que imediatamente.
- Você acordou primeiro hoje. – Ele observou pensativo, encarando-me firmemente, como se buscasse a explicação dentro de minha íris achocolatada. – To com fome, mamãe!
- Sabe que também estou? – Ri divertida, beijando suas bochechas. – O que acha de tomarmos um café bem gostoso e depois passear um pouquinho?
Sean concordou, levantando-se num átimo e correndo para o banheiro, sempre com aquela energia que me contagiava, não importasse qual fosse a minha real situação. Assim como as lembranças, Sean era um raio de sol que sempre me tocava, mesmo na completa escuridão. Talvez Sean fosse mais do que isso. Certamente ele é o meu próprio Sol, que ilumina meus dias e minha vida, tornando tudo suportável.
~×
Eu estava começando a me convencer de que o destino gostava de complicar as coisas para mim. Talvez não fosse nada pessoal, mas naquele exato momento, eu estava parada diante de Leonard, sem saber exatamente o que fazer a não ser sorrir sem jeito. Acho que desde sempre eu não sabia como me comportar diante de homens extremamente bonitos.
Deixe-me explicar como foi que esse encontro não intencional ocorreu. Depois que Sean e eu tomamos nosso café tradicionalmente na Starbucks, fomos dar um volta no Central Park. Enquanto tomávamos nossos sorvetes sentados na grama, folheando uma revista qualquer, Sean demonstrou interesse imediato pelo Empire State Building. Tentei convencê-lo de que poderíamos ir lá amanha, mas meu pequeno foi insistente e não desistiu enquanto eu não suspirei derrotada e concordei com seu pedido. Sean não costumava me pedir muitas coisas com tanta convicção, então acho que não faria mal ceder ao menos uma vez. Alem do mais, eu não sabia ao certo se teríamos tempo para fazer aquele passeio depois. Porque no depois, eu pretendia estar no avião, voltando para Londres. Assim que tomamos o táxi em direção à 5ª Avenida com a West 34th Street, eu soube que deveria ter insistido em outra atração turística.
Mal chegamos ao observatório no 86º andar e todos os olhares se dirigiram para mim e Sean quando Leonard gritou por nossos nomes. Era incrível como isso sempre acontecia comigo. Os holofotes sempre caem sobre mim sem que eu ao menos queira isso. Demorou alguns segundos até que eu conseguisse esboçar alguma reação racional. Sean parecia não se importar muito, pois logo localizou Natalee e correu em sua direção, abandonando-me com Leonard, um tanto quanto desajeitada.
- E então, nos encontramos de novo. – Ele sorriu, e eu tentei sorrir de volta sem parecer uma idiota. – Devo considerar isso um sinal vindo dos céus?
- Ahn... Pouco provável. Se estiver esperando por algum tipo de milagre, com certeza não.
Leonard sorriu, e aquele gesto só fez piorar a situação de minhas bochechas avermelhadas. Todos seus movimentos eram firmes e ainda assim cheios de charme. Leonard era o tipo de homem que te encanta e intimida ao mesmo tempo. Era dono de uma voz suave, hipnotizante. Seus olhos de verdes límpidos pareciam varrer qualquer lucidez de sua alma e seu sorriso era igualmente perturbador. Bonito, mas perturbador. De causar curto circuito em seu sistema nervoso com uma facilidade assombrosa.
- Os conceitos de milagres podem variar muito de pessoa para pessoa, não acha?
Pigarreei, concordando sem querer concordar. Tudo o que ele dizia parecia ter um significado oculto e eu não queria me envolver em nenhum tipo de problema.
- E Natalee, como está? – Mudei de assunto, como sempre costumava fazer. Direta e reta, sem sutileza alguma.
- Não parou de falar em Sean. – Ele sorriu, caminhando calmamente na direção dos dois que brincavam e riam como amigos de velhos tempos. – Ela tem tido dias solitários ultimamente.
Seu semblante aderiu um ar cinzento, levemente distante. Uma ruga de preocupação surgiu em sua testa e eu não pude conter minha vontade de tentar ajudar, de alguma maneira. Parecia muito errado alguém como ele ficar sem sorrir por mais de cinco segundos.
- O que... O que foi que houve?
Pareceu-me muito imprudente perguntar-lhe algo do gênero, mas ele não hesitou em fitar meus olhos, procurando algo que o fizesse se calar. Paramos rente ao parapeito, fitando a cidade por alguns segundos, sentindo o sol aquecer nossos corpos.
- Natalee perdeu os pais, há pouco mais de cinco meses.
- Você não é o pai dela? – Perguntei chocada, reprimindo-me em seguida. – Quero dizer, ela é bem parecida com você.
- Sim, ela é bem parecida comigo. - Ele sorriu, fitando a garota que sorria de mãos dadas com meu filho. – Mas na verdade Natalee é filha dos meus melhores amigos. George e Amanda eram bem aventureiros. Viviam fazendo escaladas e expedições pra lugares exóticos... Os conheci quando fotografava o Monte Nepal há sete anos. Eu tropecei e torci o tornozelo e eles me ajudaram. – Leonard dizia tudo num tom baixo, quase sonhador. Parecia tomado de lembranças felizes. Permaneci atenta, ouvindo tudo calada com um pequeno sorriso no rosto. – A partir daquele dia soube que tinha ganhado os melhores amigos do mundo. Amanda contou para George que estava grávida, no cume do monte Everest. Foi realmente incrível. Havia tanta vida naqueles dois malucos... Depois de um tempo parei de acompanhar suas viagens, mas eles continuaram fazendo aquilo que gostavam, agora com Natalee. Ela tem muito da personalidade marcante dos dois. Não tem medo de nada e gosta de insetos. É uma garota muito adorável e por mais que ela aparenta estar bem, ouço-a chorar quando dorme. Tenho me esforçado para ser bom o suficiente para que ela não sofra e tenha uma infância feliz, mas às vezes até eu mesmo tenho meus momentos de fraqueza.
Ficamos em silencio, cada um olhando para as crianças que riam um pouco mais a nossa frente, perdidos em seus próprios devaneios. Eu estava admirada e comovida, tentando entender porque não existiam mais pessoas como Leonard no mundo. Sinceramente? Minha primeira impressão sobre aquele homem havia sido de que ele era um conquistador que não liga para muita coisa a não ser em seu status ou coisa parecida. Sim, eu pensei aquilo quando o conheci no elevador do hotel. Sim, não posso ser hipócrita e dizer que não reparei na sua beleza, mas isso era um detalhe de nada, não é mesmo?
Mas, agora a imagem dele havia mudado. E mudou porque eu via, sentia que não havia um pingo de mentira em sua historia. E aquilo valia muito. Sinceridade, mesmo que seja com uma quase desconhecida.
- Me desculpe. Eu não tive a intenção de... – Ele começou a dizer com um meio sorriso sem graça, mas eu não o deixei terminar.
- Isso é... Admirável, Leonard. – Direcionei-lhe um sorriso sincero. – É realmente muito admirável. Não peça desculpas por mostrar quem você realmente é.
- E o que realmente sou?
- Um homem que deve se orgulhar por ser corajoso e com certeza por ser importante para uma garotinha tão especial quanto Natalee.
Leonard sorriu, assentindo com a cabeça. Era mais fácil estar na presença dele agora que eu sabia que ele não era feito apenas de beleza. Leonard tinha princípios dignos de serem respeitados e confiados.
- Você sabe um pouco mais de mim, mas eu continuo não sabendo muita coisa sobre você. – Ele exibiu um sorriso torto que foi capaz de arrepiar os pelos de minha nuca, e eu me vi tomada novamente por uma forte coloração avermelhada. Minha situação só não ficou muito mais constrangedora porque Natalee e Sean chegaram até nós, rindo chamando a atenção de Leonard. – Bem, seria muito inconveniente de minha parte convida-los para almoçar conosco?
- Ah mamãe, vamos almoçar com eles! Vamos, vamos! – Sean pediu alegre, sacudindo energeticamente a barra de meu vestido. – Por favorzinho!
- Ahn, tudo bem. Acho que não... Há problema nenhum.
~×
POV
“Essa é a caixa postal de . Deixe seu recado que ligarei mais tarde!”
Era a milésima vez que eu ouvia aquela bendita gravação. Tudo bem, não foi tantas vezes assim que ela ignorou minhas ligações, mas não duvido muito de que estava perto disso. Fazia quase uma semana que eu não via ou falava com .
E aquela situação era... Incômoda. Não saber o que exatamente ela estava pensando me deixava agoniado.
- Hei dude, o que ta pegando? – surgiu ao meu lado, estalando os dedos na frente dos meus olhos. – Você ta caladão ultimamente.
- Estava apenas pensando...
- Na ? “Não” eu pensei em dizer, mas, pelo modo como seus olhos me analisavam negar o impossível tornaria tudo mais complicado. Além do mais, era meu melhor amigo. Não era um dos mais brilhantes, reconheço, mas ele me conhecia e sabia quando havia algo de errado.
- É. Não é estranha essa ausência? Faz uma semana que não vemos ou Sean.
- Cara, depois dos últimos acontecimentos... Sabe... Aquela coisa toda com o ...
Por um momento, eu quis socar a cara do meu outro melhor amigo. Na verdade, eu queria socar a cara dos dois. Da e do . Céus, eles eram pior do que crianças do maternal, fazendo birra e atingindo quem não tem nada a ver com isso. Respirei fundo, ignorando a vozinha vingativa dentro da minha cabeça.
- Mas não faz sentindo, . não está apenas ignorando o . Esta ignorando todos nós. Já tentou ligar para ela?
Observei-o abrir a boca, mas nenhum som saiu dela. É, ele sabia que ela não estava atendendo a nenhum dos nossos telefonemas. De nenhum de nós quatro.
- Você acha que ela... – Ele começou, mas deixou a frase morrer. Eu sabia o que ele ia dizer. Eu também havia pensado naquela possibilidade, mas não queria cogitá-la como real. – Você sabe... Da ultima vez foi assim que tudo aconteceu.
- Ela não seria capaz de fugir. Ela não pode fazer isso com a gente. De novo não.
- É, talvez ela esteja apenas colocando as idéias no lugar, não é mesmo?
Concordei com um aceno de cabeça, mas não tinha tanta certeza assim.
~×
Naquela manhã eu acordei decidido a ir atrás da desmiolada da . Não ia ligar porque já sabia que ela não me atenderia. Eu iria até sua casa e faria plantão na sua porta e só sairia de lá depois que ela falasse comigo.
Estava mais do que na hora de termos aquela conversa.
Depois de conversar com , tive certeza de que não deixaria aquela tonta fugir de nós novamente. podia não estar percebendo que havia algo de errado – por culpa dele – mas eu não ia deixar aquela historia passar um dia a mais.
Conforme os quilômetros que nos distanciavam iam diminuindo, minha ansiedade ia aumentando. Eu não sabia ao certo o que dizer. Só sabia que queria fazer ela me ouvir. E o mais importante de tudo: eu queria vê-la e ter a certeza de que ela nunca mais iria fugir como havia prometido meses atrás.
Eu estava crente de que ela manteria a promessa.
Assim que estacionei o carro no meio fio em frente a sua casa, fui tomado pela decepcionante certeza de que ela não estava ali. Com receio, deixei meu carro e toquei a campainha. Não havia um sinal de Sean ou . Ao redor pairava um ar de abandono; folhas secas escondiam o piso da varanda e poeira estava acumulada no tapete que dizia "lar doce lar”. Cartas e jornais transbordavam da caixa de correio.
Reprimi minha vontade de agredir as paredes tingidas de azul e retomei o caminho de volta. O gosto amargo da bile tomou minha boca. Com um arranco brusco, deixei para trás a sua casa, exatamente como ela fizera com a gente.
Ela não tinha o direito de fazer isso.
Aparentemente, estava tudo certo. Mas, infelizmente, o aparentemente não significa muita coisa. Agora eu sabia o que tinha que fazer, mas colocar em pratica não era tão simples assim.
Havia muito mais do que meus sentimentos em jogo. Havia e os seus sentimentos que eu feri; havia a confiança partida de , e... . Céus, eu com certeza havia magoado . Não sei em que sentido e com qual dimensão, mas eu certamente o machucara quando lhe dera as costas quando ele me estendeu a mão e representou o meu porto seguro quando eu estava internamente abalada. Eu havia sido ingrata, egoísta e infantil. poderia me odiar para sempre e, ainda assim, talvez não fosse o suficiente para me punir. Eu não merecia o carinho dele. E eu não sei o que vou dizer para e . Eles, que foram os primeiros a me encontrar. Eles, que trouxeram o McFly de volta para minha vida, com a promessa de que seriamos como antigamente. Unidos, amigos, inseparáveis. Mas eu como sempre, havia encontrado uma maneira de estragar tudo.
E dói só de pensar em . Em muitos momentos lembrar do seu sorriso me fazia bem, mas logo em seguida me vinha à lembrança do nosso último encontro. E aquilo arrancava de mim todo o fôlego, fazendo-me dobrar em duas, sendo praticamente dividida em partes desiguais. Havia a machucada, impossibilitada de consertar os erros por falta de coragem, mas também havia aquela que queria acreditar que as coisas se resolveriam logo e que tudo ficaria bem novamente.
Suspirei pesadamente, fechando os olhos e me concentrando apenas no som ritmado de minha respiração. Tentei não pensar em nada, mas muitas lembranças tentavam romper a barreira que levantara em minha cabeça e em meu coração. Aquilo também era cansativo. Não há como lutar com coisas que parecem ser tão insistentes quanto os raios de sol sobre as nuvens cinzentas. Elas sempre encontram brechas por onde conseguem entrar e tocar o solo.
- Mamãe?
Abri meus olhos marejados e me deparei com Sean ainda sonolento sentado na cama. Bocejou e coçou os olhos, descendo da cama e vindo até a minha, acariciando minhas bochechas. Estendi meus braços para que ele pudesse se aconchegar sob as cobertas também, e ele o fez quase que imediatamente.
- Você acordou primeiro hoje. – Ele observou pensativo, encarando-me firmemente, como se buscasse a explicação dentro de minha íris achocolatada. – To com fome, mamãe!
- Sabe que também estou? – Ri divertida, beijando suas bochechas. – O que acha de tomarmos um café bem gostoso e depois passear um pouquinho?
Sean concordou, levantando-se num átimo e correndo para o banheiro, sempre com aquela energia que me contagiava, não importasse qual fosse a minha real situação. Assim como as lembranças, Sean era um raio de sol que sempre me tocava, mesmo na completa escuridão. Talvez Sean fosse mais do que isso. Certamente ele é o meu próprio Sol, que ilumina meus dias e minha vida, tornando tudo suportável.
~×
Eu estava começando a me convencer de que o destino gostava de complicar as coisas para mim. Talvez não fosse nada pessoal, mas naquele exato momento, eu estava parada diante de Leonard, sem saber exatamente o que fazer a não ser sorrir sem jeito. Acho que desde sempre eu não sabia como me comportar diante de homens extremamente bonitos.
Deixe-me explicar como foi que esse encontro não intencional ocorreu. Depois que Sean e eu tomamos nosso café tradicionalmente na Starbucks, fomos dar um volta no Central Park. Enquanto tomávamos nossos sorvetes sentados na grama, folheando uma revista qualquer, Sean demonstrou interesse imediato pelo Empire State Building. Tentei convencê-lo de que poderíamos ir lá amanha, mas meu pequeno foi insistente e não desistiu enquanto eu não suspirei derrotada e concordei com seu pedido. Sean não costumava me pedir muitas coisas com tanta convicção, então acho que não faria mal ceder ao menos uma vez. Alem do mais, eu não sabia ao certo se teríamos tempo para fazer aquele passeio depois. Porque no depois, eu pretendia estar no avião, voltando para Londres. Assim que tomamos o táxi em direção à 5ª Avenida com a West 34th Street, eu soube que deveria ter insistido em outra atração turística.
Mal chegamos ao observatório no 86º andar e todos os olhares se dirigiram para mim e Sean quando Leonard gritou por nossos nomes. Era incrível como isso sempre acontecia comigo. Os holofotes sempre caem sobre mim sem que eu ao menos queira isso. Demorou alguns segundos até que eu conseguisse esboçar alguma reação racional. Sean parecia não se importar muito, pois logo localizou Natalee e correu em sua direção, abandonando-me com Leonard, um tanto quanto desajeitada.
- E então, nos encontramos de novo. – Ele sorriu, e eu tentei sorrir de volta sem parecer uma idiota. – Devo considerar isso um sinal vindo dos céus?
- Ahn... Pouco provável. Se estiver esperando por algum tipo de milagre, com certeza não.
Leonard sorriu, e aquele gesto só fez piorar a situação de minhas bochechas avermelhadas. Todos seus movimentos eram firmes e ainda assim cheios de charme. Leonard era o tipo de homem que te encanta e intimida ao mesmo tempo. Era dono de uma voz suave, hipnotizante. Seus olhos de verdes límpidos pareciam varrer qualquer lucidez de sua alma e seu sorriso era igualmente perturbador. Bonito, mas perturbador. De causar curto circuito em seu sistema nervoso com uma facilidade assombrosa.
- Os conceitos de milagres podem variar muito de pessoa para pessoa, não acha?
Pigarreei, concordando sem querer concordar. Tudo o que ele dizia parecia ter um significado oculto e eu não queria me envolver em nenhum tipo de problema.
- E Natalee, como está? – Mudei de assunto, como sempre costumava fazer. Direta e reta, sem sutileza alguma.
- Não parou de falar em Sean. – Ele sorriu, caminhando calmamente na direção dos dois que brincavam e riam como amigos de velhos tempos. – Ela tem tido dias solitários ultimamente.
Seu semblante aderiu um ar cinzento, levemente distante. Uma ruga de preocupação surgiu em sua testa e eu não pude conter minha vontade de tentar ajudar, de alguma maneira. Parecia muito errado alguém como ele ficar sem sorrir por mais de cinco segundos.
- O que... O que foi que houve?
Pareceu-me muito imprudente perguntar-lhe algo do gênero, mas ele não hesitou em fitar meus olhos, procurando algo que o fizesse se calar. Paramos rente ao parapeito, fitando a cidade por alguns segundos, sentindo o sol aquecer nossos corpos.
- Natalee perdeu os pais, há pouco mais de cinco meses.
- Você não é o pai dela? – Perguntei chocada, reprimindo-me em seguida. – Quero dizer, ela é bem parecida com você.
- Sim, ela é bem parecida comigo. - Ele sorriu, fitando a garota que sorria de mãos dadas com meu filho. – Mas na verdade Natalee é filha dos meus melhores amigos. George e Amanda eram bem aventureiros. Viviam fazendo escaladas e expedições pra lugares exóticos... Os conheci quando fotografava o Monte Nepal há sete anos. Eu tropecei e torci o tornozelo e eles me ajudaram. – Leonard dizia tudo num tom baixo, quase sonhador. Parecia tomado de lembranças felizes. Permaneci atenta, ouvindo tudo calada com um pequeno sorriso no rosto. – A partir daquele dia soube que tinha ganhado os melhores amigos do mundo. Amanda contou para George que estava grávida, no cume do monte Everest. Foi realmente incrível. Havia tanta vida naqueles dois malucos... Depois de um tempo parei de acompanhar suas viagens, mas eles continuaram fazendo aquilo que gostavam, agora com Natalee. Ela tem muito da personalidade marcante dos dois. Não tem medo de nada e gosta de insetos. É uma garota muito adorável e por mais que ela aparenta estar bem, ouço-a chorar quando dorme. Tenho me esforçado para ser bom o suficiente para que ela não sofra e tenha uma infância feliz, mas às vezes até eu mesmo tenho meus momentos de fraqueza.
Ficamos em silencio, cada um olhando para as crianças que riam um pouco mais a nossa frente, perdidos em seus próprios devaneios. Eu estava admirada e comovida, tentando entender porque não existiam mais pessoas como Leonard no mundo. Sinceramente? Minha primeira impressão sobre aquele homem havia sido de que ele era um conquistador que não liga para muita coisa a não ser em seu status ou coisa parecida. Sim, eu pensei aquilo quando o conheci no elevador do hotel. Sim, não posso ser hipócrita e dizer que não reparei na sua beleza, mas isso era um detalhe de nada, não é mesmo?
Mas, agora a imagem dele havia mudado. E mudou porque eu via, sentia que não havia um pingo de mentira em sua historia. E aquilo valia muito. Sinceridade, mesmo que seja com uma quase desconhecida.
- Me desculpe. Eu não tive a intenção de... – Ele começou a dizer com um meio sorriso sem graça, mas eu não o deixei terminar.
- Isso é... Admirável, Leonard. – Direcionei-lhe um sorriso sincero. – É realmente muito admirável. Não peça desculpas por mostrar quem você realmente é.
- E o que realmente sou?
- Um homem que deve se orgulhar por ser corajoso e com certeza por ser importante para uma garotinha tão especial quanto Natalee.
Leonard sorriu, assentindo com a cabeça. Era mais fácil estar na presença dele agora que eu sabia que ele não era feito apenas de beleza. Leonard tinha princípios dignos de serem respeitados e confiados.
- Você sabe um pouco mais de mim, mas eu continuo não sabendo muita coisa sobre você. – Ele exibiu um sorriso torto que foi capaz de arrepiar os pelos de minha nuca, e eu me vi tomada novamente por uma forte coloração avermelhada. Minha situação só não ficou muito mais constrangedora porque Natalee e Sean chegaram até nós, rindo chamando a atenção de Leonard. – Bem, seria muito inconveniente de minha parte convida-los para almoçar conosco?
- Ah mamãe, vamos almoçar com eles! Vamos, vamos! – Sean pediu alegre, sacudindo energeticamente a barra de meu vestido. – Por favorzinho!
- Ahn, tudo bem. Acho que não... Há problema nenhum.
~×
POV
“Essa é a caixa postal de . Deixe seu recado que ligarei mais tarde!”
Era a milésima vez que eu ouvia aquela bendita gravação. Tudo bem, não foi tantas vezes assim que ela ignorou minhas ligações, mas não duvido muito de que estava perto disso. Fazia quase uma semana que eu não via ou falava com .
E aquela situação era... Incômoda. Não saber o que exatamente ela estava pensando me deixava agoniado.
- Hei dude, o que ta pegando? – surgiu ao meu lado, estalando os dedos na frente dos meus olhos. – Você ta caladão ultimamente.
- Estava apenas pensando...
- Na ? “Não” eu pensei em dizer, mas, pelo modo como seus olhos me analisavam negar o impossível tornaria tudo mais complicado. Além do mais, era meu melhor amigo. Não era um dos mais brilhantes, reconheço, mas ele me conhecia e sabia quando havia algo de errado.
- É. Não é estranha essa ausência? Faz uma semana que não vemos ou Sean.
- Cara, depois dos últimos acontecimentos... Sabe... Aquela coisa toda com o ...
Por um momento, eu quis socar a cara do meu outro melhor amigo. Na verdade, eu queria socar a cara dos dois. Da e do . Céus, eles eram pior do que crianças do maternal, fazendo birra e atingindo quem não tem nada a ver com isso. Respirei fundo, ignorando a vozinha vingativa dentro da minha cabeça.
- Mas não faz sentindo, . não está apenas ignorando o . Esta ignorando todos nós. Já tentou ligar para ela?
Observei-o abrir a boca, mas nenhum som saiu dela. É, ele sabia que ela não estava atendendo a nenhum dos nossos telefonemas. De nenhum de nós quatro.
- Você acha que ela... – Ele começou, mas deixou a frase morrer. Eu sabia o que ele ia dizer. Eu também havia pensado naquela possibilidade, mas não queria cogitá-la como real. – Você sabe... Da ultima vez foi assim que tudo aconteceu.
- Ela não seria capaz de fugir. Ela não pode fazer isso com a gente. De novo não.
- É, talvez ela esteja apenas colocando as idéias no lugar, não é mesmo?
Concordei com um aceno de cabeça, mas não tinha tanta certeza assim.
~×
Naquela manhã eu acordei decidido a ir atrás da desmiolada da . Não ia ligar porque já sabia que ela não me atenderia. Eu iria até sua casa e faria plantão na sua porta e só sairia de lá depois que ela falasse comigo.
Estava mais do que na hora de termos aquela conversa.
Depois de conversar com , tive certeza de que não deixaria aquela tonta fugir de nós novamente. podia não estar percebendo que havia algo de errado – por culpa dele – mas eu não ia deixar aquela historia passar um dia a mais.
Conforme os quilômetros que nos distanciavam iam diminuindo, minha ansiedade ia aumentando. Eu não sabia ao certo o que dizer. Só sabia que queria fazer ela me ouvir. E o mais importante de tudo: eu queria vê-la e ter a certeza de que ela nunca mais iria fugir como havia prometido meses atrás.
Eu estava crente de que ela manteria a promessa.
Assim que estacionei o carro no meio fio em frente a sua casa, fui tomado pela decepcionante certeza de que ela não estava ali. Com receio, deixei meu carro e toquei a campainha. Não havia um sinal de Sean ou . Ao redor pairava um ar de abandono; folhas secas escondiam o piso da varanda e poeira estava acumulada no tapete que dizia "lar doce lar”. Cartas e jornais transbordavam da caixa de correio.
Reprimi minha vontade de agredir as paredes tingidas de azul e retomei o caminho de volta. O gosto amargo da bile tomou minha boca. Com um arranco brusco, deixei para trás a sua casa, exatamente como ela fizera com a gente.
Ela não tinha o direito de fazer isso.
Chapter Twenty Eight
POV
O relógio na cabeceira despertou.
Sete e meia da manhã. Mais um dia naquela mesma rotina sem graça.
Deixei um suspiro cansado escapar de meus lábios, enquanto levantava da cama com dores insuportáveis na cabeça. Eu sentia como se estivessem me nocauteando de dentro pra fora, e isso não resumia somente a minha dor de cabeça. Meu estomago se revirava e calafrios percorriam minha espinha.
Maldita ressaca.
Ignorando o corpo feminino que dormia ao meu lado e vestia minhas roupas, caminhei silenciosamente para o banheiro, enfiando-me embaixo do chuveiro e deixando que as águas mornas escorressem por todo meu corpo, desejando que por alguns momentos, todas as dores me deixassem.
Aquilo era tão... Frustrante. Eu me sentia um derrotado, um verdadeiro perdedor. Eu tinha uma linda mulher naquela cama que era louca por mim e ainda assim eu continuo lembrando dela. Daquela infeliz que disse com todas as letras que não me amava mais.
Por que parecia impossível esquecê-la? Ela era apenas mais uma mulher no mundo.
Ou pelo menos... Deveria ser. era a pessoa mais irracional que eu conhecera. Era egoísta e mimada, e eu realmente queria odiá-la, mas, apesar de todos seus defeitos, ela era uma garota doce. Tinha o sorriso capaz de fazer com que eu me sentisse como um adolescente e era mãe do garoto que eu mais amava no mundo.
Aquilo anulava qualquer tentativa de apagá-la de minha vida.
Trinquei o maxilar, e sem que percebesse, esmurrava a parede à minha frente com os punhos cerrados, sentindo algo incomodar minha visão.
- Querido?
A voz sonolenta de Karen me trouxe de volta à realidade da qual eu tentava escapar. Como se saísse de um transe, aderi minha serenidade de sempre, desligando o chuveiro e enrolando a toalha em meu quadril.
Como se o momento anterior sequer tivesse acontecido, sorri abertamente para Karen assim que abri a porta do banheiro, tomando-a em meus braços e beijando-a com uma intensidade que assustou a nós dois. Meu coração batia desesperado dentro do peito e no momento associei aquilo ao fato de que Karen arranhava sutilmente minha nuca, mordiscando meu lábio inferior provocantemente.
- Que tal ficarmos um pouco mais na cama? – Sussurrei em seu ouvido, recebendo em resposta seu corpo colado ainda mais ao meu.
~×
Fazia meia hora que estávamos todos sentados naquela sala, ouvindo tediosamente o que nossos produtores falavam. Eu esperava que estivesse ouvindo tudo por todos nós, porque eu não era o único que parecia acabado ali. usava seus óculos escuros e eu tinha certeza de que ele estava cochilando. estava sentado ao meu lado, mas parecia estar muito distante daquela reunião. Havia em seu semblante um ar de preocupação que não era comum para ele.
- Hei dude, você ta legal? – Cutuquei seu braço com o cotovelo, olhando brevemente para seu rosto que parecia surpreso.
- Isso aqui ta um saco. – Ele respondeu dando de ombros, fixando seu olhar no teto. – Fletch já nos disse tudo isso ontem a noite, não sei pra que repassar tudo novamente.
Concordei com um murmúrio, mas no fundo achava que não era exatamente aquilo que o incomodava. Olha, o McFLY é uma família com muitos anos de estrada e todos nós nos conhecemos o suficiente para saber quando um de nós está mentindo.
E nunca foi bom em contar mentiras.
Talvez não fosse nada e eu apenas estivesse colocando coisa onde não tem, apenas para sentir que não era o único com problemas ali.
Afundei na cadeira, esperando que nosso agente terminasse seu monólogo de uma vez e eu pudesse enfim ficar livre de tanta falação.
Eu amo o que faço, mas às vezes isso enche o saco. O lado burocrático da coisa, sabe?
Faríamos três shows dali a dois dias e a ansiedade nos deixa um pouco mais energéticos do que de costume, o que gera um pouco de tensão em alguns momentos.
Fiquei contando quantas ramificações existiam na planta no centro da grande mesa em que estávamos, até que percebi que finalmente todos se levantavam e se cumprimentavam com breves apertos de mãos.
Aleluia!, eu quase gritei quando saímos pela porta do escritório de Fletch.
- Bom, acho que podemos almoçar agora.
- Você só pensa em comer?
replicou com , mas logo em seguida entravamos em seu carro para irmos para a Pizza Hut mais próxima.
Fazia um tempo que não fazíamos aquelas coisas. Comer pizza juntos e ficar à deriva, rindo e fazendo brincadeiras idiotas um com os outros. Era quase como se voltássemos no tempo, para a época em que não tínhamos preocupações nenhuma.
O caminho até a pizzaria foi silencioso. Querendo ou não, ainda estávamos preocupados. Segundo as informações repassadas por no carro, estávamos tendo um pequeno problema com a atual gravadora e isso poderia implicar no processo de gravação do nosso novo álbum. Por isso eu era a favor de voltarmos a produzir independentemente. Mas as coisas não são simples como a gente quer que sejam não é mesmo? Temos um contrato e temos que segui-lo até o fim.
A fina garoa que caia sobre a cidade colaborava com o clima nostálgico e só começamos a falar quando enfim nos sentamos à mesa e fizemos nossos pedidos.
O bom de ter amigos otimistas como é que tudo parece mais fácil quando ele diz: “relaxa dude, nós vamos conseguir dar um jeito em tudo”.
Eu não era otimista. Talvez eu enganasse que era, mas nem sempre conseguia enxergar a tal luz no final do túnel como a maioria.
- Dude?
me fitava com um ponto de interrogação na cara e me dei conta de que ele falara algo que eu não ouvira.
- Desculpa cara, não ouvi o que você disse.
- Eu perguntei se você tem tido noticias... – Ele não terminou e eu preferia que não tivéssemos entrado naquele assunto.
Eu evitei perguntar sobre ela para qualquer um deles, porque não queria demonstrar que me importava. Eu não precisava da piedade de ninguém, muito menos dos meus melhores amigos.
- O melhor amigo dela não é você?
O rosto de endureceu e ele retomou sua posição no banco, assentindo brevemente com a cabeça. Não era minha intenção ser rude. Na verdade, eu nem sei o que deu em mim. Sempre que ela entrava no assunto, eu reagia de maneiras estranhas. Talvez eu não quisesse admitir nem para o meu inconsciente, mas eu sentia ciúmes de . Até de e , provavelmente. Simplesmente porque eles podem falar com ela a qualquer momento, sem correrem o risco de serem rejeitados.
Meneei minha cabeça, afastando de mim aqueles pensamentos.
- Foi mal, dude. – Dei um soco de leve no ombro de , esforçando-me para expressar o máximo de sinceridade em minhas palavras. – É meio tenso falar disso.
- Eu sei, eu que fui um idiota por tocar nesse assunto com você.
- Eu falei pro que ele esta se preocupando à toa. – entrou na conversa, deixando assistindo algum programa de fofoca que sempre passava na grande tevê de LCD da lanchonete.
- Por que ele deveria se preocupar?
e trocaram um breve olhar e aquilo atiçou minha curiosidade. Eu havia prometido para mim que não me interessaria pelas coisas que tinham a ver com ela, mas algo me dizia que havia algo de errado.
- , por que ele deveria se preocupar? – Reforcei minha pergunta, sentindo o coração bater apressado.
- Eu fui até a casa da esses dias... – respondeu hesitante. – E ela não estava lá. Digo no sentido de não estar mesmo. A casa parece estar abandonada há dias.
Levei alguns minutos para digerir a informação completa. Mas ainda assim não consegui dar um sentido lógico para o que ele me dissera.
- O que quer dizer, exatamente?
- Eu não sei bem, . – estava sendo sincero e centenas de perguntas pairavam sobre sua cabeça, assim como pairavam na minha agora. – A tem aquele jeito... Meio evasivo de ser. Ela pode simplesmente na casa de alguém...
- Ou é isso que você está tentando acreditar, não é?
não respondeu, e eu sabia que tinha tocado na duvida que o remoia.
Aquilo não podia ser realmente possível.
- Essa não...
se manifestou pela primeira vez e havia angustia em sua voz. No mesmo momento, direcionamos nossas cabeças em sua direção e percebemos que ele fizera o comentário sobre algo que vira na tevê, pois seus olhos estavam vidrados na direção dela. Senti-me irritado e ia replicar com ele pelo fato dele pouco estar se importando com a atual situação que discutíamos naquela hora, quando eu vi o que ele também via.
A manchete do programa trazia o seguinte anuncio: Leonard Vonn e sua nova namorada. Eu queria que o espanto de fosse referente à qualquer outra banalidade, mas a realidade não é justa. Logo acima daquela pequena frase, se encontrava a foto do tal Leonard com . Eu queria que fosse qualquer outra do mundo, mas era a minha que estava ao lado daquele homem, exibindo o tipo de sorriso que ela dava quando estava encabulada.
Eu não sei explicar o que eu sentia naquele momento. Por dentro, uma queimação fervilhava o sangue corrente de minhas veias e eu não sei se meu coração batia pesado daquela forma porque eu estava com raiva ou se era porque machucava vê-la com outro ocupando o lugar que um dia fora meu. Corroia-me as entranhas só de imaginar aquele cara perto do meu filho, sendo para ele o que eu nem consegui ser direito nesses últimos meses.
Comecei a imaginar há quanto tempo ela estava com ele. Fora por isso que ela me dispensara naquela noite? Ela já estava comprometida com aquele produtorzinho? Senti vontade de rir. Ah, as ironias do destino.
Graças àquela reportagem que vinha cheia de suposições e historinhas que eu não queria saber, acabamos descobrindo que ela estava em Nova York.
Ela não devia ter feito isso. Definitivamente não devia.
O relógio na cabeceira despertou.
Sete e meia da manhã. Mais um dia naquela mesma rotina sem graça.
Deixei um suspiro cansado escapar de meus lábios, enquanto levantava da cama com dores insuportáveis na cabeça. Eu sentia como se estivessem me nocauteando de dentro pra fora, e isso não resumia somente a minha dor de cabeça. Meu estomago se revirava e calafrios percorriam minha espinha.
Maldita ressaca.
Ignorando o corpo feminino que dormia ao meu lado e vestia minhas roupas, caminhei silenciosamente para o banheiro, enfiando-me embaixo do chuveiro e deixando que as águas mornas escorressem por todo meu corpo, desejando que por alguns momentos, todas as dores me deixassem.
Aquilo era tão... Frustrante. Eu me sentia um derrotado, um verdadeiro perdedor. Eu tinha uma linda mulher naquela cama que era louca por mim e ainda assim eu continuo lembrando dela. Daquela infeliz que disse com todas as letras que não me amava mais.
Por que parecia impossível esquecê-la? Ela era apenas mais uma mulher no mundo.
Ou pelo menos... Deveria ser. era a pessoa mais irracional que eu conhecera. Era egoísta e mimada, e eu realmente queria odiá-la, mas, apesar de todos seus defeitos, ela era uma garota doce. Tinha o sorriso capaz de fazer com que eu me sentisse como um adolescente e era mãe do garoto que eu mais amava no mundo.
Aquilo anulava qualquer tentativa de apagá-la de minha vida.
Trinquei o maxilar, e sem que percebesse, esmurrava a parede à minha frente com os punhos cerrados, sentindo algo incomodar minha visão.
- Querido?
A voz sonolenta de Karen me trouxe de volta à realidade da qual eu tentava escapar. Como se saísse de um transe, aderi minha serenidade de sempre, desligando o chuveiro e enrolando a toalha em meu quadril.
Como se o momento anterior sequer tivesse acontecido, sorri abertamente para Karen assim que abri a porta do banheiro, tomando-a em meus braços e beijando-a com uma intensidade que assustou a nós dois. Meu coração batia desesperado dentro do peito e no momento associei aquilo ao fato de que Karen arranhava sutilmente minha nuca, mordiscando meu lábio inferior provocantemente.
- Que tal ficarmos um pouco mais na cama? – Sussurrei em seu ouvido, recebendo em resposta seu corpo colado ainda mais ao meu.
~×
Fazia meia hora que estávamos todos sentados naquela sala, ouvindo tediosamente o que nossos produtores falavam. Eu esperava que estivesse ouvindo tudo por todos nós, porque eu não era o único que parecia acabado ali. usava seus óculos escuros e eu tinha certeza de que ele estava cochilando. estava sentado ao meu lado, mas parecia estar muito distante daquela reunião. Havia em seu semblante um ar de preocupação que não era comum para ele.
- Hei dude, você ta legal? – Cutuquei seu braço com o cotovelo, olhando brevemente para seu rosto que parecia surpreso.
- Isso aqui ta um saco. – Ele respondeu dando de ombros, fixando seu olhar no teto. – Fletch já nos disse tudo isso ontem a noite, não sei pra que repassar tudo novamente.
Concordei com um murmúrio, mas no fundo achava que não era exatamente aquilo que o incomodava. Olha, o McFLY é uma família com muitos anos de estrada e todos nós nos conhecemos o suficiente para saber quando um de nós está mentindo.
E nunca foi bom em contar mentiras.
Talvez não fosse nada e eu apenas estivesse colocando coisa onde não tem, apenas para sentir que não era o único com problemas ali.
Afundei na cadeira, esperando que nosso agente terminasse seu monólogo de uma vez e eu pudesse enfim ficar livre de tanta falação.
Eu amo o que faço, mas às vezes isso enche o saco. O lado burocrático da coisa, sabe?
Faríamos três shows dali a dois dias e a ansiedade nos deixa um pouco mais energéticos do que de costume, o que gera um pouco de tensão em alguns momentos.
Fiquei contando quantas ramificações existiam na planta no centro da grande mesa em que estávamos, até que percebi que finalmente todos se levantavam e se cumprimentavam com breves apertos de mãos.
Aleluia!, eu quase gritei quando saímos pela porta do escritório de Fletch.
- Bom, acho que podemos almoçar agora.
- Você só pensa em comer?
replicou com , mas logo em seguida entravamos em seu carro para irmos para a Pizza Hut mais próxima.
Fazia um tempo que não fazíamos aquelas coisas. Comer pizza juntos e ficar à deriva, rindo e fazendo brincadeiras idiotas um com os outros. Era quase como se voltássemos no tempo, para a época em que não tínhamos preocupações nenhuma.
O caminho até a pizzaria foi silencioso. Querendo ou não, ainda estávamos preocupados. Segundo as informações repassadas por no carro, estávamos tendo um pequeno problema com a atual gravadora e isso poderia implicar no processo de gravação do nosso novo álbum. Por isso eu era a favor de voltarmos a produzir independentemente. Mas as coisas não são simples como a gente quer que sejam não é mesmo? Temos um contrato e temos que segui-lo até o fim.
A fina garoa que caia sobre a cidade colaborava com o clima nostálgico e só começamos a falar quando enfim nos sentamos à mesa e fizemos nossos pedidos.
O bom de ter amigos otimistas como é que tudo parece mais fácil quando ele diz: “relaxa dude, nós vamos conseguir dar um jeito em tudo”.
Eu não era otimista. Talvez eu enganasse que era, mas nem sempre conseguia enxergar a tal luz no final do túnel como a maioria.
- Dude?
me fitava com um ponto de interrogação na cara e me dei conta de que ele falara algo que eu não ouvira.
- Desculpa cara, não ouvi o que você disse.
- Eu perguntei se você tem tido noticias... – Ele não terminou e eu preferia que não tivéssemos entrado naquele assunto.
Eu evitei perguntar sobre ela para qualquer um deles, porque não queria demonstrar que me importava. Eu não precisava da piedade de ninguém, muito menos dos meus melhores amigos.
- O melhor amigo dela não é você?
O rosto de endureceu e ele retomou sua posição no banco, assentindo brevemente com a cabeça. Não era minha intenção ser rude. Na verdade, eu nem sei o que deu em mim. Sempre que ela entrava no assunto, eu reagia de maneiras estranhas. Talvez eu não quisesse admitir nem para o meu inconsciente, mas eu sentia ciúmes de . Até de e , provavelmente. Simplesmente porque eles podem falar com ela a qualquer momento, sem correrem o risco de serem rejeitados.
Meneei minha cabeça, afastando de mim aqueles pensamentos.
- Foi mal, dude. – Dei um soco de leve no ombro de , esforçando-me para expressar o máximo de sinceridade em minhas palavras. – É meio tenso falar disso.
- Eu sei, eu que fui um idiota por tocar nesse assunto com você.
- Eu falei pro que ele esta se preocupando à toa. – entrou na conversa, deixando assistindo algum programa de fofoca que sempre passava na grande tevê de LCD da lanchonete.
- Por que ele deveria se preocupar?
e trocaram um breve olhar e aquilo atiçou minha curiosidade. Eu havia prometido para mim que não me interessaria pelas coisas que tinham a ver com ela, mas algo me dizia que havia algo de errado.
- , por que ele deveria se preocupar? – Reforcei minha pergunta, sentindo o coração bater apressado.
- Eu fui até a casa da esses dias... – respondeu hesitante. – E ela não estava lá. Digo no sentido de não estar mesmo. A casa parece estar abandonada há dias.
Levei alguns minutos para digerir a informação completa. Mas ainda assim não consegui dar um sentido lógico para o que ele me dissera.
- O que quer dizer, exatamente?
- Eu não sei bem, . – estava sendo sincero e centenas de perguntas pairavam sobre sua cabeça, assim como pairavam na minha agora. – A tem aquele jeito... Meio evasivo de ser. Ela pode simplesmente na casa de alguém...
- Ou é isso que você está tentando acreditar, não é?
não respondeu, e eu sabia que tinha tocado na duvida que o remoia.
Aquilo não podia ser realmente possível.
- Essa não...
se manifestou pela primeira vez e havia angustia em sua voz. No mesmo momento, direcionamos nossas cabeças em sua direção e percebemos que ele fizera o comentário sobre algo que vira na tevê, pois seus olhos estavam vidrados na direção dela. Senti-me irritado e ia replicar com ele pelo fato dele pouco estar se importando com a atual situação que discutíamos naquela hora, quando eu vi o que ele também via.
A manchete do programa trazia o seguinte anuncio: Leonard Vonn e sua nova namorada. Eu queria que o espanto de fosse referente à qualquer outra banalidade, mas a realidade não é justa. Logo acima daquela pequena frase, se encontrava a foto do tal Leonard com . Eu queria que fosse qualquer outra do mundo, mas era a minha que estava ao lado daquele homem, exibindo o tipo de sorriso que ela dava quando estava encabulada.
Eu não sei explicar o que eu sentia naquele momento. Por dentro, uma queimação fervilhava o sangue corrente de minhas veias e eu não sei se meu coração batia pesado daquela forma porque eu estava com raiva ou se era porque machucava vê-la com outro ocupando o lugar que um dia fora meu. Corroia-me as entranhas só de imaginar aquele cara perto do meu filho, sendo para ele o que eu nem consegui ser direito nesses últimos meses.
Comecei a imaginar há quanto tempo ela estava com ele. Fora por isso que ela me dispensara naquela noite? Ela já estava comprometida com aquele produtorzinho? Senti vontade de rir. Ah, as ironias do destino.
Graças àquela reportagem que vinha cheia de suposições e historinhas que eu não queria saber, acabamos descobrindo que ela estava em Nova York.
Ela não devia ter feito isso. Definitivamente não devia.
Chapter Twenty Nine
Naquele momento, eu me dei conta de que aquela semana em Nova York passara como se fosse um mês. Eu não sei explicar bem, mas... Toda aquela angústia parecia fazer parte de um passado bem remoto agora. A incerteza, a insegurança, tudo. E, por mais que eu não queira admitir e nem associar, eu devia aquilo tudo a Leonard.
Eu sei, eu sei. Parece tão errado dizer uma coisa dessas, mas eu não vejo outra explicação. Quando ele está por perto eu me sinto leve. Não do tipo de querer esquecer a vida que tenho e que deixei em Londres, mas o bom humor dele me contagia e me faz ter a esperança reacendida. Como se o mundo fosse um lugar bom e tudo fosse dar certo. É um dom que ele tem, eu acho.
- Um doce pelos seus pensamentos?
Leonard sorriu assim que nossos olhares se cruzaram, e eu automaticamente fiz o mesmo. Tombei minimamente minha cabeça para o lado, cedendo espaço para que ele se sentasse ao meu lado no banco do parque. Sean já encontrara Natalee e os dois corriam pela grama, rindo e gritando como crianças alegres.
Mesmo que eu o conhecesse há pouco tempo, tive aquela sensação de Dejá-vù. Repentinamente pega por uma onda de surpresa, fiquei perdida em seus olhos, até que me dei conta de que vivera situação parecida com anos atrás. O por do sol, o sorriso me encantando, o clima suave que nos rondava.
Aquilo não podia acontecer.
- Eu só estava pensando... – Meneei minha cabeça, desviando nossos olhares. – Parece que faz anos que eu estou aqui.
- Saudades de casa?
- É, pode-se dizer que é saudades de casa.
Saudades de tudo, na verdade. Da descomplicação, da simplicidade, da amizade. Eu estava sendo um porre para mim mesma. Por mais que eu fosse difícil de entender, houve uma época em que eu conseguia lidar com meus problemas.
Quando foi que eu me tornei tão auto-destrutiva assim?
- Vem, vamos dar uma volta. – Leonard me estendeu sua mão, e eu não pude conter a vontade súbita de tocar sua pele. – Aposto que isso melhora quando tomarmos um sorvete.
- Sorvete sempre resolve tudo. – Concordei, rindo baixinho.
Sean e Natalee estavam sempre aos nossos olhos enquanto andávamos sem pressa pela calçada, apreciando os tons violetas no céu.
Leonard ia comentando sobre coisas do seu cotidiano e eu não me sentia entediada. Eu preferia que ele falasse sobre si mesmo ao invés de ficar perguntando coisas sobre mim que eu julgava serem desinteressantes.
Paramos para nos sentar em outro banco quando compramos nossos sorvetes. Alguns pontos brilhantes já podiam ser vistos no céu e um vento refrescante brincava com as copas das árvores, fazendo-as dançar e emitir um som agradável.
Parei de olhar o movimento ritmado delas quando ouvi a risada de Leonard soar baixo ao meu lado. Pisquei sem entender, fazendo-o abrir seu sorriso.
- O quê?
Ele parou de rir, trazendo sua mão para o meu queixo, passando suavemente um de seus dedos no canto de meus lábios. Eu quase fechei meus olhos com aquele gesto. Quase. Eu sabia que se fizesse aquilo, estaria traçando um caminho sem volta.
- Estava sujo de chocolate.
Sorri tremulamente, esperando que aquilo passasse. Mas, demorou um tempo até que o toque de sua mão deixasse meu rosto. Com um cuidado que eu considerava meigo, Leonard acariciou minha bochecha, passando em seguida a colocar os fios de meus cabelos atrás de minha orelha.
Nossos olhares estavam atraídos e por mais que eu tivesse a consciência de que permanecer daquela forma significaria problemas, eu não conseguia prestar atenção em mais nada. Meu coração gritava coisas desconexas e no meio daquilo tudo eu ouvia o nome de vagamente, como um sussurro em meio à tempestade.
Era aquilo que eu era no momento. Uma tempestade de sentimentos confusos.
Antes que Leonard tomasse qualquer atitude, o magnetismo entre nós foi quebrado quando meu celular tocou, trazendo-nos de volta para a realidade.
Leonard pigarreou provavelmente tão constrangido quanto eu. Era óbvio que nos demos bem logo de início, mas aquilo que quase aconteceu... Iria um pouco mais além do que parecia ser plausível.
Se antes eu achava que meu coração iria enlouquecer, tive a certeza assim que vi quem acabara de me enviar uma mensagem.
Por um milésimo de segundo eu pensei em não ler, mas logo depois eu já estava abrindo-a, mantendo meus olhos atentos somente nas letras que brilhavam na tela.
Message from :
Já sabemos que você está em N.Y. Assim que ler isso, me ligue urgentemente.
“Já sabemos que você está em N.Y.”
Eu quase pude ouvir as paredes de meu coração serem rompidas. Eles sabiam.
Fechei meus olhos, respirando fundo por um segundo.
Pressinto que as coisas não irão ficar boas para mim.
- E-eu preciso fazer uma ligação. Se importa?
- Aconteceu alguma coisa, ? – Leonard se levantou junto comigo e eu apenas gesticulei para que ele ficasse calmo e não saísse dali.
Afastei-me o máximo possível, teclando o numero de com as mãos tremulas. De repente o passado voltou a ser mais realista e mais doloroso do que quando o dia começou.
Demorou menos de meio segundo para que ele me atendesse e meu corpo reagisse. Meus batimentos cardíacos congelaram, assim como toda a circulação das minhas veias. Apenas a respiração escapava entrecortada por meus lábios.
- ?
Soltei o ar preso em meu pulmão formando um quase inaudível oi, entrando de uma vez naquela dança. Eu não queria consertar as coisas? Já estava mais do que na hora de assumir meus erros.
Mesmo sendo ali, do outro lado da linha, parecia tão difícil agir naturalmente. A noite em que o vi pela última vez voltou com força e eu tive que me controlar para não desligar.
- Oi, .
- Hei... Tudo bem? – Ele soltou um silvo baixo, como se aquelas não fossem as reais palavras que ele queria usar. Deixando que um suspiro escapasse de seus lábios, ele recomeçou a falar. – Ok, não vamos fingir que essa é uma ligação casual, porque nós dois sabemos que as coisas não andam muito bem para isso, não é mesmo? Eu posso saber o que diabos você estava pensando quando sumiu dessa maneira? Você não parou para pensar, nem um minuto sequer, o quanto iríamos ficar preocupados? Shit, ! O que está fazendo em Nova York?
Deixei que ele se acalmasse e recuperasse seu fôlego, até porque, eu mesma não sabia onde se encontrava o meu. Era possível sentir meu coração batendo violentamente sob minha pele e se eu não tivesse me sentado naquele instante, minhas pernas não iriam aguentar um segundo a mais.
- Olha, não é nada do que está pensando...
- O que eu estou pensando?! Será que você sabe mesmo o que eu estou pensando? Você sumiu, fugiu novamente!
- Não... – Seria justo mentir? Depois de tudo o que eu já lhe fizera no passado, seria certo negar a verdade? – Não era minha intenção que você descobrisse dessa forma, eu queria ligar, queria mesmo!
- É, mas você não ligou e aposto que não iria ligar se não descobríssemos que você não está mais na Inglaterra. Estou errado?
Silencio. Engoli o nó em minha garganta, sentindo o mundo girar depressa demais ao meu redor. Eu sempre estivera errada naquela história, mas perceber que também reconhecia isso e jogava a verdade contra mim, me machucava de maneira absurda. O que eu queria? Que ele me tratasse com carinho? É claro que não seria assim, e acho que era isso que tanto me machucava. Saber que mesmo aqueles que são nosso porto seguro precisam de algo para se apoiar, e quando esse apoio se vai sem se justificar, fica um enorme buraco no lugar. Um vazio que fere a cada dia.
- Não, você não está errado, . – Admiti baixinho, sentindo uma pequena lágrima rolar. Respirei fundo, encolhendo-me no banco. – Mas tudo o que eu mais queria era que as coisas voltassem a ser como eram antes. Eu sei que não vai me perdoar por ter fugido naquela noite, mas entenda que eu... Eu fiquei confusa! Eu... Eu estava assustada com tudo o que aconteceu e eu não iria ter coragem de encarar você, porque eu estava me sentindo um lixo! Eu não conseguiria encarar você depois de tudo... E ainda tem o ! Deus, eu sou um lixo de pessoa!
- Espera, espera um pouco... Como assim ‘me encarar depois de tudo’? Não estou entendendo...
- Ah, por favor, ! Fingir que nada aconteceu naquela noite não ajuda a melhorar as coisas!
- Ahn?... Ah. Ah! – pareceu surpreso e por alguns segundos sua raiva não estava mais presente em sua voz. – Não, não, você entendeu tudo errado... Você não está pensando que... Aconteceu algo entre a gente naquela noite, não é?
- Não... Aconteceu?
Pude ouvir um riso de alívio escapar por entre seus lábios, e aquilo fez meu coração disparar dentro do peito. Era como se uma nova centelha de esperança se acendesse dentro de mim.
- ... Eu nunca ia deixar que algo acontecesse entre nós dois. Sabe... Você é linda e eu te adoro, mas eu sei que seu coração pertence à outra pessoa. Sei que ele sempre pertenceu. O que aconteceu naquela noite... Bom, foi apenas aquele beijo. Nada mais.
Não fazia sentido. Eu acordara com as roupas dele. Eu me lembrava vagamente de ter tocado seu peito nu e me lembro do toque dos seus lábios nos meus. Tudo se encaixava.
- Mas... E-eu não entendo. Eu estava usando suas roupas... E...
- Você não se lembra de nada?
- Me lembro de ter... Te agarrado. Depois são como borrões.
- Depois que você me beijou, eu fui praticamente obrigado a ligar para Margareth... Você não se lembra dela ter ido até minha casa, não é?
- Margareth?
- Você precisava esfriar a cabeça, literalmente. Tia Ma te deu um banho e eu te coloquei para dormir depois que ela te deu um chá. Ela ficou com a gente até se assegurar de que você ficaria bem. Eu te deixei dormindo no meu quarto e fui levá-la de volta, e quando voltei você não estava mais lá. Se você ao menos tivesse lido o bilhete, metade dessa confusão não teria acontecido.
Um mísero pedaço de papel teria mudado tudo. As poucas palavras que nele continha teriam dado um rumo diferente às nossas vidas. Eu não sabia se chorava de alívio ou de remorso. Eu tinha preocupado à toa. No fundo eu sabia que ele não seria capaz de fazer aquilo, ele não seria capaz de estragar nossa amizade. Se fosse qualquer outro homem no lugar dele, teria se aproveitado da situação. Mas ele era o . O meu melhor amigo.
Como eu pude questionar sua lealdade por um segundo sequer?
- Ai droga. Droga, droga, droga. – Solucei sem poder me conter. – Eu sou uma idiota mesmo, não é? Como eu pude duvidar de você? Oh meu Deus, eu estou tão envergonhada!
- Shiu, pequena, o pior já passou. Agora as coisas estão claras como cristal, não estão?
- Sim, estão! Eu sei que não tenho direito de pedir isso, mas me perdoa? Por ser assim, por me precipitar demais, por fazer tudo errado, o tempo todo? Eu nunca quis magoar ninguém com isso tudo!
- Tudo bem, , isso eu posso perdoar porque foi tudo fruto de um mal entendido... Mas, não é mal entendido algum você ter fugido de nós novamente. Para começar, apenas para começar, eu quero saber o que diabos você está fazendo em Nova York?!
Eu sorri abobalhada para o céu. continuava uma fera, mas continuava sendo apenas meu melhor amigo. O pior, como ele mesmo dissera, já havia passado. Ainda havia algumas tormentas pelo caminho, mas acho que conseguiria superá-las.
- Eu precisava de um tempo para mim. Depois do que eu achei que tinha acontecido, tudo ficou muito nebuloso e eu queria me distanciar para poder pensar com clareza. Eu sei que errei novamente e não espero que me perdoe por isso. Não até eu voltar.
- Você não pode fugir sempre que alguma coisa te assustar, já te falaram isso e você continua fazendo a mesma coisa, sempre. Você tem que parar de agir como uma garotinha, . Tem que parar de dar razão às suas fraquezas.
- É o que eu estou tentando fazer, .
- Tentar não é o bastante agora. Você tem que conseguir, porque não tenho certeza se vamos continuar tolerando essas atitudes, sempre. Você sabe que somos seus amigos e que estamos aqui para você, mas você ignora isso. Não é que estamos cheios de você, nós prometemos que seríamos amigos para sempre, mas é que machuca ver alguém que amamos fugindo de nós todo o tempo, sabe? Algumas promessas simplesmente não podem ser cumpridas se isso causa dor. Custaram quase quatro anos para que conseguíssemos superar o primeiro golpe, mas agora pode custar muito mais do que o tempo; pode custar nossa confiança em você. Eu não vou mentir e dizer que está tudo bem entre a gente, porque não está. Não por completo. e estão chateados também, mas o que me preocupa mesmo é o . Ele está realmente furioso com você.
Ouvi tudo calada, porque não tinha o que argumentar. Era preciso ouvir a verdade, algumas vezes, para que tudo fizesse sentido. Eu não queria perdê-los, mas sabia que estava muito próxima disso. E, como deixara claro, poderia ser para sempre dessa vez. Agora me parecia que apenas reconhecer meus defeitos não adiantaria muita coisa.
- Você não está usando Leonard como uma forma de atingir o , não é?
- É claro que não! Leonard tem sido um bom amigo nos últimos dias, o que acontece entre a gente é apenas... Apenas...
Pronunciando aquelas palavras, percebi que usar a palavra amizade não soava extremamente convincente. Leo se demonstrou um verdadeiro cavalheiro, sempre gentil e atencioso e eu seria completamente hipócrita se dissesse que não reparei que existe um interesse por parte dele. Confesso que também o acho muito bonito e muito atraente, e tenho um carinho especial por ele e Natalee, mas era apenas aquilo. Não estava apaixonada ou coisa parecida e eu jamais usaria alguém para atingir .
- Olha, eu não estou com ele. – Esperei que aquilo explicasse o que eu sequer entendia direito. – Não amorosamente falando.
- Pode parecer loucura, mas eu acredito em você. Mas não é o que a mídia está falando e você sabe... O que eles dizem é o que todos acreditam.
- E-eu não sabia que já tinham publicado alguma coisa. – Na verdade, eu sequer percebera a presença de fotógrafos ou coisa do gênero nos momentos em que passamos juntos. – Leonard é apenas um produtor, porque fariam esse alarde todo?
- Leonard Vonn é O produtor, . Ele acabou de fechar um contrato com uma grande gravadora nos Estados Unidos e, como se não bastasse, você já foi alvo dos paparazzis uma vez, se lembra? Esse pessoal não quer saber se é verdade ou não, eles apenas publicam. Você deveria saber disso.
Suspirei derrotada. Até parecia perseguição. Mas, supondo que não adiantaria nada correr atrás da imprensa para declarar que Leonard e eu não somos namorados, eu só podia me preocupar com a dimensão dos estragos.
- ... Disse alguma coisa a respeito?
- Disse e não é nada bom. Nesse momento ele está conversando com um advogado, .
- Advogado...? C-como assim, não entendi. Para que ele precisa de um advogado?
prendeu a respiração por um segundo, e parecia realmente desconfortável em ter que dizer aquilo. Por fim, ele retomou a conversa, usando um tom cauteloso que fizera meu coração afundar dentro de minha caixa toráxica.
- Ele quer brigar pelo Sean na justiça.
Eu sei, eu sei. Parece tão errado dizer uma coisa dessas, mas eu não vejo outra explicação. Quando ele está por perto eu me sinto leve. Não do tipo de querer esquecer a vida que tenho e que deixei em Londres, mas o bom humor dele me contagia e me faz ter a esperança reacendida. Como se o mundo fosse um lugar bom e tudo fosse dar certo. É um dom que ele tem, eu acho.
- Um doce pelos seus pensamentos?
Leonard sorriu assim que nossos olhares se cruzaram, e eu automaticamente fiz o mesmo. Tombei minimamente minha cabeça para o lado, cedendo espaço para que ele se sentasse ao meu lado no banco do parque. Sean já encontrara Natalee e os dois corriam pela grama, rindo e gritando como crianças alegres.
Mesmo que eu o conhecesse há pouco tempo, tive aquela sensação de Dejá-vù. Repentinamente pega por uma onda de surpresa, fiquei perdida em seus olhos, até que me dei conta de que vivera situação parecida com anos atrás. O por do sol, o sorriso me encantando, o clima suave que nos rondava.
Aquilo não podia acontecer.
- Eu só estava pensando... – Meneei minha cabeça, desviando nossos olhares. – Parece que faz anos que eu estou aqui.
- Saudades de casa?
- É, pode-se dizer que é saudades de casa.
Saudades de tudo, na verdade. Da descomplicação, da simplicidade, da amizade. Eu estava sendo um porre para mim mesma. Por mais que eu fosse difícil de entender, houve uma época em que eu conseguia lidar com meus problemas.
Quando foi que eu me tornei tão auto-destrutiva assim?
- Vem, vamos dar uma volta. – Leonard me estendeu sua mão, e eu não pude conter a vontade súbita de tocar sua pele. – Aposto que isso melhora quando tomarmos um sorvete.
- Sorvete sempre resolve tudo. – Concordei, rindo baixinho.
Sean e Natalee estavam sempre aos nossos olhos enquanto andávamos sem pressa pela calçada, apreciando os tons violetas no céu.
Leonard ia comentando sobre coisas do seu cotidiano e eu não me sentia entediada. Eu preferia que ele falasse sobre si mesmo ao invés de ficar perguntando coisas sobre mim que eu julgava serem desinteressantes.
Paramos para nos sentar em outro banco quando compramos nossos sorvetes. Alguns pontos brilhantes já podiam ser vistos no céu e um vento refrescante brincava com as copas das árvores, fazendo-as dançar e emitir um som agradável.
Parei de olhar o movimento ritmado delas quando ouvi a risada de Leonard soar baixo ao meu lado. Pisquei sem entender, fazendo-o abrir seu sorriso.
- O quê?
Ele parou de rir, trazendo sua mão para o meu queixo, passando suavemente um de seus dedos no canto de meus lábios. Eu quase fechei meus olhos com aquele gesto. Quase. Eu sabia que se fizesse aquilo, estaria traçando um caminho sem volta.
- Estava sujo de chocolate.
Sorri tremulamente, esperando que aquilo passasse. Mas, demorou um tempo até que o toque de sua mão deixasse meu rosto. Com um cuidado que eu considerava meigo, Leonard acariciou minha bochecha, passando em seguida a colocar os fios de meus cabelos atrás de minha orelha.
Nossos olhares estavam atraídos e por mais que eu tivesse a consciência de que permanecer daquela forma significaria problemas, eu não conseguia prestar atenção em mais nada. Meu coração gritava coisas desconexas e no meio daquilo tudo eu ouvia o nome de vagamente, como um sussurro em meio à tempestade.
Era aquilo que eu era no momento. Uma tempestade de sentimentos confusos.
Antes que Leonard tomasse qualquer atitude, o magnetismo entre nós foi quebrado quando meu celular tocou, trazendo-nos de volta para a realidade.
Leonard pigarreou provavelmente tão constrangido quanto eu. Era óbvio que nos demos bem logo de início, mas aquilo que quase aconteceu... Iria um pouco mais além do que parecia ser plausível.
Se antes eu achava que meu coração iria enlouquecer, tive a certeza assim que vi quem acabara de me enviar uma mensagem.
Por um milésimo de segundo eu pensei em não ler, mas logo depois eu já estava abrindo-a, mantendo meus olhos atentos somente nas letras que brilhavam na tela.
Message from :
Já sabemos que você está em N.Y. Assim que ler isso, me ligue urgentemente.
“Já sabemos que você está em N.Y.”
Eu quase pude ouvir as paredes de meu coração serem rompidas. Eles sabiam.
Fechei meus olhos, respirando fundo por um segundo.
Pressinto que as coisas não irão ficar boas para mim.
- E-eu preciso fazer uma ligação. Se importa?
- Aconteceu alguma coisa, ? – Leonard se levantou junto comigo e eu apenas gesticulei para que ele ficasse calmo e não saísse dali.
Afastei-me o máximo possível, teclando o numero de com as mãos tremulas. De repente o passado voltou a ser mais realista e mais doloroso do que quando o dia começou.
Demorou menos de meio segundo para que ele me atendesse e meu corpo reagisse. Meus batimentos cardíacos congelaram, assim como toda a circulação das minhas veias. Apenas a respiração escapava entrecortada por meus lábios.
- ?
Soltei o ar preso em meu pulmão formando um quase inaudível oi, entrando de uma vez naquela dança. Eu não queria consertar as coisas? Já estava mais do que na hora de assumir meus erros.
Mesmo sendo ali, do outro lado da linha, parecia tão difícil agir naturalmente. A noite em que o vi pela última vez voltou com força e eu tive que me controlar para não desligar.
- Oi, .
- Hei... Tudo bem? – Ele soltou um silvo baixo, como se aquelas não fossem as reais palavras que ele queria usar. Deixando que um suspiro escapasse de seus lábios, ele recomeçou a falar. – Ok, não vamos fingir que essa é uma ligação casual, porque nós dois sabemos que as coisas não andam muito bem para isso, não é mesmo? Eu posso saber o que diabos você estava pensando quando sumiu dessa maneira? Você não parou para pensar, nem um minuto sequer, o quanto iríamos ficar preocupados? Shit, ! O que está fazendo em Nova York?
Deixei que ele se acalmasse e recuperasse seu fôlego, até porque, eu mesma não sabia onde se encontrava o meu. Era possível sentir meu coração batendo violentamente sob minha pele e se eu não tivesse me sentado naquele instante, minhas pernas não iriam aguentar um segundo a mais.
- Olha, não é nada do que está pensando...
- O que eu estou pensando?! Será que você sabe mesmo o que eu estou pensando? Você sumiu, fugiu novamente!
- Não... – Seria justo mentir? Depois de tudo o que eu já lhe fizera no passado, seria certo negar a verdade? – Não era minha intenção que você descobrisse dessa forma, eu queria ligar, queria mesmo!
- É, mas você não ligou e aposto que não iria ligar se não descobríssemos que você não está mais na Inglaterra. Estou errado?
Silencio. Engoli o nó em minha garganta, sentindo o mundo girar depressa demais ao meu redor. Eu sempre estivera errada naquela história, mas perceber que também reconhecia isso e jogava a verdade contra mim, me machucava de maneira absurda. O que eu queria? Que ele me tratasse com carinho? É claro que não seria assim, e acho que era isso que tanto me machucava. Saber que mesmo aqueles que são nosso porto seguro precisam de algo para se apoiar, e quando esse apoio se vai sem se justificar, fica um enorme buraco no lugar. Um vazio que fere a cada dia.
- Não, você não está errado, . – Admiti baixinho, sentindo uma pequena lágrima rolar. Respirei fundo, encolhendo-me no banco. – Mas tudo o que eu mais queria era que as coisas voltassem a ser como eram antes. Eu sei que não vai me perdoar por ter fugido naquela noite, mas entenda que eu... Eu fiquei confusa! Eu... Eu estava assustada com tudo o que aconteceu e eu não iria ter coragem de encarar você, porque eu estava me sentindo um lixo! Eu não conseguiria encarar você depois de tudo... E ainda tem o ! Deus, eu sou um lixo de pessoa!
- Espera, espera um pouco... Como assim ‘me encarar depois de tudo’? Não estou entendendo...
- Ah, por favor, ! Fingir que nada aconteceu naquela noite não ajuda a melhorar as coisas!
- Ahn?... Ah. Ah! – pareceu surpreso e por alguns segundos sua raiva não estava mais presente em sua voz. – Não, não, você entendeu tudo errado... Você não está pensando que... Aconteceu algo entre a gente naquela noite, não é?
- Não... Aconteceu?
Pude ouvir um riso de alívio escapar por entre seus lábios, e aquilo fez meu coração disparar dentro do peito. Era como se uma nova centelha de esperança se acendesse dentro de mim.
- ... Eu nunca ia deixar que algo acontecesse entre nós dois. Sabe... Você é linda e eu te adoro, mas eu sei que seu coração pertence à outra pessoa. Sei que ele sempre pertenceu. O que aconteceu naquela noite... Bom, foi apenas aquele beijo. Nada mais.
Não fazia sentido. Eu acordara com as roupas dele. Eu me lembrava vagamente de ter tocado seu peito nu e me lembro do toque dos seus lábios nos meus. Tudo se encaixava.
- Mas... E-eu não entendo. Eu estava usando suas roupas... E...
- Você não se lembra de nada?
- Me lembro de ter... Te agarrado. Depois são como borrões.
- Depois que você me beijou, eu fui praticamente obrigado a ligar para Margareth... Você não se lembra dela ter ido até minha casa, não é?
- Margareth?
- Você precisava esfriar a cabeça, literalmente. Tia Ma te deu um banho e eu te coloquei para dormir depois que ela te deu um chá. Ela ficou com a gente até se assegurar de que você ficaria bem. Eu te deixei dormindo no meu quarto e fui levá-la de volta, e quando voltei você não estava mais lá. Se você ao menos tivesse lido o bilhete, metade dessa confusão não teria acontecido.
Um mísero pedaço de papel teria mudado tudo. As poucas palavras que nele continha teriam dado um rumo diferente às nossas vidas. Eu não sabia se chorava de alívio ou de remorso. Eu tinha preocupado à toa. No fundo eu sabia que ele não seria capaz de fazer aquilo, ele não seria capaz de estragar nossa amizade. Se fosse qualquer outro homem no lugar dele, teria se aproveitado da situação. Mas ele era o . O meu melhor amigo.
Como eu pude questionar sua lealdade por um segundo sequer?
- Ai droga. Droga, droga, droga. – Solucei sem poder me conter. – Eu sou uma idiota mesmo, não é? Como eu pude duvidar de você? Oh meu Deus, eu estou tão envergonhada!
- Shiu, pequena, o pior já passou. Agora as coisas estão claras como cristal, não estão?
- Sim, estão! Eu sei que não tenho direito de pedir isso, mas me perdoa? Por ser assim, por me precipitar demais, por fazer tudo errado, o tempo todo? Eu nunca quis magoar ninguém com isso tudo!
- Tudo bem, , isso eu posso perdoar porque foi tudo fruto de um mal entendido... Mas, não é mal entendido algum você ter fugido de nós novamente. Para começar, apenas para começar, eu quero saber o que diabos você está fazendo em Nova York?!
Eu sorri abobalhada para o céu. continuava uma fera, mas continuava sendo apenas meu melhor amigo. O pior, como ele mesmo dissera, já havia passado. Ainda havia algumas tormentas pelo caminho, mas acho que conseguiria superá-las.
- Eu precisava de um tempo para mim. Depois do que eu achei que tinha acontecido, tudo ficou muito nebuloso e eu queria me distanciar para poder pensar com clareza. Eu sei que errei novamente e não espero que me perdoe por isso. Não até eu voltar.
- Você não pode fugir sempre que alguma coisa te assustar, já te falaram isso e você continua fazendo a mesma coisa, sempre. Você tem que parar de agir como uma garotinha, . Tem que parar de dar razão às suas fraquezas.
- É o que eu estou tentando fazer, .
- Tentar não é o bastante agora. Você tem que conseguir, porque não tenho certeza se vamos continuar tolerando essas atitudes, sempre. Você sabe que somos seus amigos e que estamos aqui para você, mas você ignora isso. Não é que estamos cheios de você, nós prometemos que seríamos amigos para sempre, mas é que machuca ver alguém que amamos fugindo de nós todo o tempo, sabe? Algumas promessas simplesmente não podem ser cumpridas se isso causa dor. Custaram quase quatro anos para que conseguíssemos superar o primeiro golpe, mas agora pode custar muito mais do que o tempo; pode custar nossa confiança em você. Eu não vou mentir e dizer que está tudo bem entre a gente, porque não está. Não por completo. e estão chateados também, mas o que me preocupa mesmo é o . Ele está realmente furioso com você.
Ouvi tudo calada, porque não tinha o que argumentar. Era preciso ouvir a verdade, algumas vezes, para que tudo fizesse sentido. Eu não queria perdê-los, mas sabia que estava muito próxima disso. E, como deixara claro, poderia ser para sempre dessa vez. Agora me parecia que apenas reconhecer meus defeitos não adiantaria muita coisa.
- Você não está usando Leonard como uma forma de atingir o , não é?
- É claro que não! Leonard tem sido um bom amigo nos últimos dias, o que acontece entre a gente é apenas... Apenas...
Pronunciando aquelas palavras, percebi que usar a palavra amizade não soava extremamente convincente. Leo se demonstrou um verdadeiro cavalheiro, sempre gentil e atencioso e eu seria completamente hipócrita se dissesse que não reparei que existe um interesse por parte dele. Confesso que também o acho muito bonito e muito atraente, e tenho um carinho especial por ele e Natalee, mas era apenas aquilo. Não estava apaixonada ou coisa parecida e eu jamais usaria alguém para atingir .
- Olha, eu não estou com ele. – Esperei que aquilo explicasse o que eu sequer entendia direito. – Não amorosamente falando.
- Pode parecer loucura, mas eu acredito em você. Mas não é o que a mídia está falando e você sabe... O que eles dizem é o que todos acreditam.
- E-eu não sabia que já tinham publicado alguma coisa. – Na verdade, eu sequer percebera a presença de fotógrafos ou coisa do gênero nos momentos em que passamos juntos. – Leonard é apenas um produtor, porque fariam esse alarde todo?
- Leonard Vonn é O produtor, . Ele acabou de fechar um contrato com uma grande gravadora nos Estados Unidos e, como se não bastasse, você já foi alvo dos paparazzis uma vez, se lembra? Esse pessoal não quer saber se é verdade ou não, eles apenas publicam. Você deveria saber disso.
Suspirei derrotada. Até parecia perseguição. Mas, supondo que não adiantaria nada correr atrás da imprensa para declarar que Leonard e eu não somos namorados, eu só podia me preocupar com a dimensão dos estragos.
- ... Disse alguma coisa a respeito?
- Disse e não é nada bom. Nesse momento ele está conversando com um advogado, .
- Advogado...? C-como assim, não entendi. Para que ele precisa de um advogado?
prendeu a respiração por um segundo, e parecia realmente desconfortável em ter que dizer aquilo. Por fim, ele retomou a conversa, usando um tom cauteloso que fizera meu coração afundar dentro de minha caixa toráxica.
- Ele quer brigar pelo Sean na justiça.
Chapter Thirty
Levei mais de dois minutos para conseguir conciliar a última frase de ao telefone. 'Ele quer brigar pelo Sean na justiça.' pretendia tirar de mim a única coisa pela qual eu continuei respirando quando tudo o que eu queria era dormir e não acordar nunca mais. Ele realmente queria que eu ficasse sem meu filho.
Eu podia ser o monstro egoísta que ele conhecia, mas eu nunca abriria mão do meu filho só porque ele não admitia que eu não o amava mais. Foi por isso que chegamos até aquele ponto, não foi? Mas isso me tornava culpada, querendo ou não. Fui eu que menti dizendo que não o amava mais; foi por isso que ele se consolou com outra; foi por isso que eu cometi o grande erro de ter fugido para Nova York e foi somente por isso que ele deduziu que eu fugira dele para reconstruir minha vida em Nova York com outro homem sem que ele soubesse.
Erros atrás de erros.
Até quando eu achava que estava fazendo alguma coisa certa, na verdade eu estava errando à longo prazo. Tudo parecia perdido de uma vez, agora.
Eu não entendia como funcionava aquela coisa de justiça, mas eu sabia que eles não poderiam tirar um filho de sua mãe, não é mesmo? Eu tinha condições de criar meu filho, eu nunca deixara nada faltar. Qualquer juíz teria o bom senso de reconhecer isso. Mas ainda assim eu tinha medo. Minha história com era em um todo, um pouco complicada e meu passado não era um dos melhores. Tentativa de suicídio, brigas constantes com minha mãe... Céus, eu não queria que Sean passasse por nada parecido do que eu passei. Eu só queria dar ao meu pequeno uma vida agradável, feliz. Eu não podia permitir que ele fosse embora. Mas o que eu deveria fazer?
A ligação caiu antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa para . Inutilmente, eu tentei retornar a ligação mas, no meu estado, eu sequer era capaz de encontrar o caminho de volta para o hotel.
Abracei meus joelhos e escondendo o meu rosto em meus braços, deixei que todas as lágrimas caíssem livremente. Por mais que os soluços irrompessem descontrolados pela garganta, o nó continuava ali, dificultando minha respiração.
Meio minuto depois ouvi a voz preocupada de Leonard chamando pelo meu nome. Um pouco depois, senti suas mãos apertando firmemente meus braços, sacudindo-me com certa urgência. Desfiz a bola que eu havia me transformado, caindo em prantos ao notar a preocupação em seus olhos, que me fitavam sem nada entender.
- , o que foi que aconteceu? Por que você está chorando?
Meu peito subia e descia descontrolado, e no momento eu não conseguia fazer nada além de chorar copiosamente. Percebendo que eu não conseguiria falar, Leonard limitou-se a me abraçar fortemente, deixando que meu rosto se escondesse na curvatura de seu pescoço, derramando ali todas as lágrimas que eu não conseguia mais controlar. Vagamente, senti sua mão afagar protetoramente meus cabelos, enquanto seu braço me apertava contra si, como se dissesse que ele não me deixaria cair.
Dez minutos ou quem sabe trinta se passaram, e eu estava seca. Não escorria uma lágrima sequer, mas a dor ainda não tinha partido. Todos meus ossos pareciam esponja e meu coração parecia estar sendo moído lenta e dolorosamente.
Vendo que eu me acalmara, Leonard se afastou minimamente, trazendo meu rosto em direção ao seu, para que pudesse olhar fixamente em meus olhos.
- O que foi que houve com você? – Ele murmurou, afagando gentilmente a base de meu pescoço, mantendo seus olhos claros fixos nos meus.
- Acabou tudo, Leo.
- O que acabou? O que foi que aconteceu que te deixou assim?
- O pai do Sean... Ele quer tirar o Sean de mim!
Pronunciar aquilo era doloroso e novas lágrimas se formaram em meus olhos. Imediatamente Leonard me reconfortou em seus braços, mantendo seus lábios junto aos meus cabelos, beijando delicadamente o topo de minha cabeça enquanto seus dedos se firmavam em torno de meus ombros.
- Shiu, shiu... Isso não vai acontecer, está bem? Ele não vai conseguir tirar o Sean de você... Não é só porque ele quer que ele vai conseguir, . Acalme-se, pequena.
- Mas... Mas e se ele conseguir, Leo? Eu não posso ficar sem meu filho!
- Você não vai ficar, confie em mim.
Fechei meus olhos, sentindo-os extremamente pesados. O sol já se fora há muito tempo atrás e tudo o que eu queria naquele instante era deitar em minha cama e não pensar mais naquilo. Eu queria que tudo não passasse de um pesadelo.
- Vamos voltar para o hotel.
Assenti inanimadamente, deixando que Leo me guiasse. Antes de irmos até onde Sean e Natalee brincavam, respirei fundo, eliminando qualquer vestígio de lágrimas ou dor em meu rosto. Não era fácil, mas eu não queria que Sean sofresse também.
- Mamãe, você está com uma cara de cansadinha!
Sean correu e pulou em minhas pernas, abraçando-as enquanto ria serelepe. Sorri sem força em resposta, acariciando seus cabelos finos enquanto aquela onda de angústia se expandia dentro de mim.
- É, a mamãe está muito cansada hoje. Vamos voltar para o hotel?
Sean concordou, seguindo a nossa frente de mãos dadas com Natalee. Depois disso apenas caminhei, alheia ao fato do braço de Leo estar em volta de minha cintura ou dos olhares preocupados que ele me lançava de cinco em cinco minutos.
Quando chegamos ao hotel, Leonard me deixou na porta do meu quarto, ainda segurando-me como se eu fosse desabar a qualquer instante.
- Mamãe, a Nate pode dormir aqui com a gente hoje? Por favorzinho?
Antes que eu respondesse qualquer coisa, Leo interveio.
- O que acha de você dormir com a gente hoje? Natalee tem um jogo muito legal, mas está lá no nosso quarto. E ai, o que me diz?
- Você deixa mamãe? - Sean me encarou com aqueles grandes olhos pidões, e eu assenti, grata por não ter que fingir estar bem para meu filho. – Boa noite mamãezinha, até amanhã!
- Boa noite, tia ! Vou cuidar muito bem de Sean!
Depois de cada um depositar um beijo em meu rosto, os dois correram escadas acima, rindo e fazendo planos para o restinho de noite que tinham pela frente. Assim que se assegurou que nenhum dos dois estava mais por perto, Leo se virou para mim, fitando-me com aquela intensidade que parecia vasculhar minha alma.
- Você vai ficar bem aqui sozinha?
Respirei fundo, forçando um pequeno sorriso, concordando com um aceno de cabeça para não ter que dizer algo e começar a chorar novamente. Mas ele não se convenceu e sem hesitar, puxou-me para um abraço. Não havia maldade, apenas... Conforto. De olhos fechados, permaneci segura na bolha que seu abraço formava em volta de mim, respirando seu perfume que me deixava levemente entontecida.
Quando se afastou, levou suas mãos de minha cintura para meu rosto, deslizando seus polegares em minhas bochechas, e vagarosamente levou seus lábios em direção aos meus. O contato durou cinco segundos e era cheio de significados. Havia carinho, preocupação e ternura em doses iguais. Não sei se era exatamente o que ele queria demonstrar, mas foi exatamente o que eu senti. Uma forma simples de dizer que ele se importava comigo e que me queria bem, acima de tudo.
- Boa noite.
Deixei que as palavras escapassem de minha boca num sussurro, e eu sabia que não precisava agradecer, pois toda minha gratidão estava estampada em meu rosto. Ele anuiu, partindo antes que a porta se fechasse por completo.
O quarto estava na penumbra total. Não era muito diferente dentro de mim. Despi-me de minhas roupas, enfiando-me sob as cobertas apenas com minhas roupas íntimas e as palavras de ecoando em minha mente.
~×
Eu mal pregara os olhos, se querem saber. Meu sono fora pingado; cochilava no máximo uns vinte minutos e depois acordava com aquela sensação de sufocamento. Fiquei quase uma hora debaixo do chuveiro, inerte como um cadáver. Porque era assim que eu me sentia desde o dia de ontem: morta por dentro.
Faltava pouco para amanhecer e eu sabia que não iria adiantar voltar para a cama. O sono não voltaria e no lugar dele viriam as lembranças que eu tento não recordar.
Olhei para o quarto iluminado parcamente pela luz do abajur, vendo sobre minha cama minha mala praticamente feita. Não tinha mais como adiar minha volta, eu estaria pegando o avião rumo a Londres no final daquele dia, quer queira ou não. Eu precisava encontrar uma forma de amenizar a situação com , ao menos. E, se não tivesse jeito, eu pelo menos estaria em casa, tendo o apoio de Kyle.
Ah Kyle! Como eu queria que ele estivesse ali, comigo. Ele certamente me faria aquele chocolate quente que ele sempre faz quando as coisas não estão boas, e com o sorriso mais simples do mundo, me diria que ficaria sempre do meu lado.
Será que ele também estava magoado comigo? Mesmo que ele tenha sido o único que sabia do meu fracassado plano de fugir para consertar as coisas?
Enrolei o roupão em volta de meu corpo, guardando o restante das minhas coisas em minha mala em questão de poucos minutos. Mas, o problema mesmo foi fazer a mala de Sean. Era impossível não lembrar que o nosso futuro era incerto, por mais que eu quisesse ser otimista. Lágrimas silenciosas escorriam e eu não lutava para impedi-las. Quanto mais eu chorasse escondido, menos vulnerável eu ficaria na frente dos outros.
Os primeiros raios de sol começaram a surgir quando eu terminara de guardar tudo. Vesti as roupas que deixara separado, prendendo meus cabelos em um coque frouxo, encarando o meu reflexo pálido no espelho. Eu não tinha a aparência de uma mulher de vinte e três anos. Havia fundas olheiras sob meus apagados olhos castanhos e meu rosto parecia ter sido moldado por longos anos pela dor. Aquilo não era em todo verdade, mas não posso negar que havia em mim resquícios de magoas passadas. A relação mal resolvida com Elizabeth, a saudades de meu pai que até hoje circunda meu interior.
Eu tinha certeza de que levaria um tempo para Sean e Natalee acordarem, então resolvi sair. Deixei um recado na recepção para avisar Leonard que eu voltaria logo e que não era para ele se preocupar.
Peguei um ônibus que ia para o lado norte de Nova York, em direção ao cemitério onde meu pai fora enterrado. Desde que ele se fora, eu nunca me atrevera ir até o seu tumulo. Mais por medo de encarar sua morte como real do que por qualquer outra coisa. Mas estava mais do que na hora de encarar a realidade.
No caminho eu só conseguia me lembrar vagamente do seu sorriso. Eu forçava minha memória para trazer detalhes mais perfeitos, mas assim como aquela época tão distante que passamos juntos, seu rosto já não era tão nítido para mim.
Quarenta minutos depois, eu caminhava por entre as lápides com formas de anjos e capelas, reconhecendo aos poucos o caminho que eu fizera uma única vez. Quando achei que estava no caminho errado, reconheci a cerejeira que ficava ao lado do seu túmulo. O que eu não esperava, era reconhecer uma silhueta em pé diante dele, carregando um punhado de margaridas. As flores preferidas de minha mãe.
Interrompi meus passos, congelando a poucos metros de onde ela se encontrava. Atonitamente, vi a surpresa se espalhar pelo seu rosto na mesma proporção que se espalhava dentro de mim.
Elizabeth conservava a postura confiante de antes, mas seu rosto já não possuía a mesma beleza. Parecia cansada, como se tivesse enfrentado invernos rigorosos muitas vezes ao ano. A pele ao redor de seus olhos estava caída e enrugada e a linhas de seus lábios estavam repuxadas para baixo, como se não sorrisse há muitos anos. Mas, assim que me reconheceu, uma pequena centelha iluminou seus olhos. Uma pequena fagulha que morreu assim que recuei dois passos incertos.
- Não vá embora. – Ela pediu e sua voz também não era mais graciosa como antes. Tudo parecia morto em Elizabeth. – .
Certamente ela esperava que eu corresse de encontro ao seu abraço e dissesse o quanto eu sentira sua falta. Por um breve momento de insanidade, eu quis fazer aquilo. Mas não dava. Não era como reconhecer que eu errara com os garotos. Elizabeth me excluíra de sua vida e eu já havia tentado reconquistá-la no começo. E ela nunca permitiu isso, por que queria que fosse diferente agora?
- Eu só vim visitar o túmulo do meu pai, não esperava encontrá-la aqui.
- Eu não esperava reencontrá-la nessa vida ainda, mas aconteceu. – Seus lábios se repuxaram minimamente para cima, moldando um sorriso de gratidão. – Há quanto tempo não vejo seu rosto...
- O que está fazendo aqui? – Perguntei bruscamente. Por mais que não quisesse prolongar aquela conversa, não conseguia entender. Elizabeth sempre deixara claro que repudiava a lembrança de meu pai dentro de nossa casa, porque estaria visitando seu túmulo depois de tudo?
Elizabeth olhou para o túmulo atrás de si, e a ponta de seu queixo tremeu, como se estivesse segurando o choro. Depois de um breve suspiro que parecia capaz de esvaziar todo o ar de seu pulmão, ela fragilmente direcionou seu olhar para o céu. Tudo nela parecia prestes a evaporar.
- A vida nos ensina muitas coisas, querida.
- E te ensinou o quê? A vir chorar sobre o túmulo daquele que você fez questão de apagar de nossas vidas depois que ele se foi?
- Não me julgue tão mal, ... – Elizabeth mantinha seu timbre controlado, mas eu podia sentir o quanto ela estava abalada. – Eu sei o quanto errei no passado, mas eu não fiz por mal.
- Por bem é que você não fez. Não vou ficar aqui ouvindo seus lamentos, passar bem, Elizabeth.
Não ouvi o que ela sussurrou em resposta e não estava curiosa para saber o que ela tinha a dizer. Era fácil vir dizer que não queria se embebedar e me bater depois que o tempo passou, não é? Mas não era assim que as coisas funcionavam. Não entre nós duas. Precisaria de muito para que eu a perdoasse. Se a perdoasse algum dia.
O restante do mundo pode me julgar da maneira que bem entender, mas os erros de Elizabeth iam muito além dos tapas e palavrões.
Ela não mentia quando dissera que não queria ter que olhar para minha cara e lembrar da desgraça que fora meu pai na vida dela.
Como ela podia dizer isso do homem que mais a amara no mundo?
Tomei o primeiro táxi de volta para o hotel, decidida a sair de Nova York antes que a encontrasse novamente. Eu não precisava de mais momentos desagradáveis naquela cidade.
Disquei os números da única pessoa que poderia me socorrer no momento em que colocasse os pés em Londres.
- Ky? Eu estou voltando.
Eu podia ser o monstro egoísta que ele conhecia, mas eu nunca abriria mão do meu filho só porque ele não admitia que eu não o amava mais. Foi por isso que chegamos até aquele ponto, não foi? Mas isso me tornava culpada, querendo ou não. Fui eu que menti dizendo que não o amava mais; foi por isso que ele se consolou com outra; foi por isso que eu cometi o grande erro de ter fugido para Nova York e foi somente por isso que ele deduziu que eu fugira dele para reconstruir minha vida em Nova York com outro homem sem que ele soubesse.
Erros atrás de erros.
Até quando eu achava que estava fazendo alguma coisa certa, na verdade eu estava errando à longo prazo. Tudo parecia perdido de uma vez, agora.
Eu não entendia como funcionava aquela coisa de justiça, mas eu sabia que eles não poderiam tirar um filho de sua mãe, não é mesmo? Eu tinha condições de criar meu filho, eu nunca deixara nada faltar. Qualquer juíz teria o bom senso de reconhecer isso. Mas ainda assim eu tinha medo. Minha história com era em um todo, um pouco complicada e meu passado não era um dos melhores. Tentativa de suicídio, brigas constantes com minha mãe... Céus, eu não queria que Sean passasse por nada parecido do que eu passei. Eu só queria dar ao meu pequeno uma vida agradável, feliz. Eu não podia permitir que ele fosse embora. Mas o que eu deveria fazer?
A ligação caiu antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa para . Inutilmente, eu tentei retornar a ligação mas, no meu estado, eu sequer era capaz de encontrar o caminho de volta para o hotel.
Abracei meus joelhos e escondendo o meu rosto em meus braços, deixei que todas as lágrimas caíssem livremente. Por mais que os soluços irrompessem descontrolados pela garganta, o nó continuava ali, dificultando minha respiração.
Meio minuto depois ouvi a voz preocupada de Leonard chamando pelo meu nome. Um pouco depois, senti suas mãos apertando firmemente meus braços, sacudindo-me com certa urgência. Desfiz a bola que eu havia me transformado, caindo em prantos ao notar a preocupação em seus olhos, que me fitavam sem nada entender.
- , o que foi que aconteceu? Por que você está chorando?
Meu peito subia e descia descontrolado, e no momento eu não conseguia fazer nada além de chorar copiosamente. Percebendo que eu não conseguiria falar, Leonard limitou-se a me abraçar fortemente, deixando que meu rosto se escondesse na curvatura de seu pescoço, derramando ali todas as lágrimas que eu não conseguia mais controlar. Vagamente, senti sua mão afagar protetoramente meus cabelos, enquanto seu braço me apertava contra si, como se dissesse que ele não me deixaria cair.
Dez minutos ou quem sabe trinta se passaram, e eu estava seca. Não escorria uma lágrima sequer, mas a dor ainda não tinha partido. Todos meus ossos pareciam esponja e meu coração parecia estar sendo moído lenta e dolorosamente.
Vendo que eu me acalmara, Leonard se afastou minimamente, trazendo meu rosto em direção ao seu, para que pudesse olhar fixamente em meus olhos.
- O que foi que houve com você? – Ele murmurou, afagando gentilmente a base de meu pescoço, mantendo seus olhos claros fixos nos meus.
- Acabou tudo, Leo.
- O que acabou? O que foi que aconteceu que te deixou assim?
- O pai do Sean... Ele quer tirar o Sean de mim!
Pronunciar aquilo era doloroso e novas lágrimas se formaram em meus olhos. Imediatamente Leonard me reconfortou em seus braços, mantendo seus lábios junto aos meus cabelos, beijando delicadamente o topo de minha cabeça enquanto seus dedos se firmavam em torno de meus ombros.
- Shiu, shiu... Isso não vai acontecer, está bem? Ele não vai conseguir tirar o Sean de você... Não é só porque ele quer que ele vai conseguir, . Acalme-se, pequena.
- Mas... Mas e se ele conseguir, Leo? Eu não posso ficar sem meu filho!
- Você não vai ficar, confie em mim.
Fechei meus olhos, sentindo-os extremamente pesados. O sol já se fora há muito tempo atrás e tudo o que eu queria naquele instante era deitar em minha cama e não pensar mais naquilo. Eu queria que tudo não passasse de um pesadelo.
- Vamos voltar para o hotel.
Assenti inanimadamente, deixando que Leo me guiasse. Antes de irmos até onde Sean e Natalee brincavam, respirei fundo, eliminando qualquer vestígio de lágrimas ou dor em meu rosto. Não era fácil, mas eu não queria que Sean sofresse também.
- Mamãe, você está com uma cara de cansadinha!
Sean correu e pulou em minhas pernas, abraçando-as enquanto ria serelepe. Sorri sem força em resposta, acariciando seus cabelos finos enquanto aquela onda de angústia se expandia dentro de mim.
- É, a mamãe está muito cansada hoje. Vamos voltar para o hotel?
Sean concordou, seguindo a nossa frente de mãos dadas com Natalee. Depois disso apenas caminhei, alheia ao fato do braço de Leo estar em volta de minha cintura ou dos olhares preocupados que ele me lançava de cinco em cinco minutos.
Quando chegamos ao hotel, Leonard me deixou na porta do meu quarto, ainda segurando-me como se eu fosse desabar a qualquer instante.
- Mamãe, a Nate pode dormir aqui com a gente hoje? Por favorzinho?
Antes que eu respondesse qualquer coisa, Leo interveio.
- O que acha de você dormir com a gente hoje? Natalee tem um jogo muito legal, mas está lá no nosso quarto. E ai, o que me diz?
- Você deixa mamãe? - Sean me encarou com aqueles grandes olhos pidões, e eu assenti, grata por não ter que fingir estar bem para meu filho. – Boa noite mamãezinha, até amanhã!
- Boa noite, tia ! Vou cuidar muito bem de Sean!
Depois de cada um depositar um beijo em meu rosto, os dois correram escadas acima, rindo e fazendo planos para o restinho de noite que tinham pela frente. Assim que se assegurou que nenhum dos dois estava mais por perto, Leo se virou para mim, fitando-me com aquela intensidade que parecia vasculhar minha alma.
- Você vai ficar bem aqui sozinha?
Respirei fundo, forçando um pequeno sorriso, concordando com um aceno de cabeça para não ter que dizer algo e começar a chorar novamente. Mas ele não se convenceu e sem hesitar, puxou-me para um abraço. Não havia maldade, apenas... Conforto. De olhos fechados, permaneci segura na bolha que seu abraço formava em volta de mim, respirando seu perfume que me deixava levemente entontecida.
Quando se afastou, levou suas mãos de minha cintura para meu rosto, deslizando seus polegares em minhas bochechas, e vagarosamente levou seus lábios em direção aos meus. O contato durou cinco segundos e era cheio de significados. Havia carinho, preocupação e ternura em doses iguais. Não sei se era exatamente o que ele queria demonstrar, mas foi exatamente o que eu senti. Uma forma simples de dizer que ele se importava comigo e que me queria bem, acima de tudo.
- Boa noite.
Deixei que as palavras escapassem de minha boca num sussurro, e eu sabia que não precisava agradecer, pois toda minha gratidão estava estampada em meu rosto. Ele anuiu, partindo antes que a porta se fechasse por completo.
O quarto estava na penumbra total. Não era muito diferente dentro de mim. Despi-me de minhas roupas, enfiando-me sob as cobertas apenas com minhas roupas íntimas e as palavras de ecoando em minha mente.
~×
Eu mal pregara os olhos, se querem saber. Meu sono fora pingado; cochilava no máximo uns vinte minutos e depois acordava com aquela sensação de sufocamento. Fiquei quase uma hora debaixo do chuveiro, inerte como um cadáver. Porque era assim que eu me sentia desde o dia de ontem: morta por dentro.
Faltava pouco para amanhecer e eu sabia que não iria adiantar voltar para a cama. O sono não voltaria e no lugar dele viriam as lembranças que eu tento não recordar.
Olhei para o quarto iluminado parcamente pela luz do abajur, vendo sobre minha cama minha mala praticamente feita. Não tinha mais como adiar minha volta, eu estaria pegando o avião rumo a Londres no final daquele dia, quer queira ou não. Eu precisava encontrar uma forma de amenizar a situação com , ao menos. E, se não tivesse jeito, eu pelo menos estaria em casa, tendo o apoio de Kyle.
Ah Kyle! Como eu queria que ele estivesse ali, comigo. Ele certamente me faria aquele chocolate quente que ele sempre faz quando as coisas não estão boas, e com o sorriso mais simples do mundo, me diria que ficaria sempre do meu lado.
Será que ele também estava magoado comigo? Mesmo que ele tenha sido o único que sabia do meu fracassado plano de fugir para consertar as coisas?
Enrolei o roupão em volta de meu corpo, guardando o restante das minhas coisas em minha mala em questão de poucos minutos. Mas, o problema mesmo foi fazer a mala de Sean. Era impossível não lembrar que o nosso futuro era incerto, por mais que eu quisesse ser otimista. Lágrimas silenciosas escorriam e eu não lutava para impedi-las. Quanto mais eu chorasse escondido, menos vulnerável eu ficaria na frente dos outros.
Os primeiros raios de sol começaram a surgir quando eu terminara de guardar tudo. Vesti as roupas que deixara separado, prendendo meus cabelos em um coque frouxo, encarando o meu reflexo pálido no espelho. Eu não tinha a aparência de uma mulher de vinte e três anos. Havia fundas olheiras sob meus apagados olhos castanhos e meu rosto parecia ter sido moldado por longos anos pela dor. Aquilo não era em todo verdade, mas não posso negar que havia em mim resquícios de magoas passadas. A relação mal resolvida com Elizabeth, a saudades de meu pai que até hoje circunda meu interior.
Eu tinha certeza de que levaria um tempo para Sean e Natalee acordarem, então resolvi sair. Deixei um recado na recepção para avisar Leonard que eu voltaria logo e que não era para ele se preocupar.
Peguei um ônibus que ia para o lado norte de Nova York, em direção ao cemitério onde meu pai fora enterrado. Desde que ele se fora, eu nunca me atrevera ir até o seu tumulo. Mais por medo de encarar sua morte como real do que por qualquer outra coisa. Mas estava mais do que na hora de encarar a realidade.
No caminho eu só conseguia me lembrar vagamente do seu sorriso. Eu forçava minha memória para trazer detalhes mais perfeitos, mas assim como aquela época tão distante que passamos juntos, seu rosto já não era tão nítido para mim.
Quarenta minutos depois, eu caminhava por entre as lápides com formas de anjos e capelas, reconhecendo aos poucos o caminho que eu fizera uma única vez. Quando achei que estava no caminho errado, reconheci a cerejeira que ficava ao lado do seu túmulo. O que eu não esperava, era reconhecer uma silhueta em pé diante dele, carregando um punhado de margaridas. As flores preferidas de minha mãe.
Interrompi meus passos, congelando a poucos metros de onde ela se encontrava. Atonitamente, vi a surpresa se espalhar pelo seu rosto na mesma proporção que se espalhava dentro de mim.
Elizabeth conservava a postura confiante de antes, mas seu rosto já não possuía a mesma beleza. Parecia cansada, como se tivesse enfrentado invernos rigorosos muitas vezes ao ano. A pele ao redor de seus olhos estava caída e enrugada e a linhas de seus lábios estavam repuxadas para baixo, como se não sorrisse há muitos anos. Mas, assim que me reconheceu, uma pequena centelha iluminou seus olhos. Uma pequena fagulha que morreu assim que recuei dois passos incertos.
- Não vá embora. – Ela pediu e sua voz também não era mais graciosa como antes. Tudo parecia morto em Elizabeth. – .
Certamente ela esperava que eu corresse de encontro ao seu abraço e dissesse o quanto eu sentira sua falta. Por um breve momento de insanidade, eu quis fazer aquilo. Mas não dava. Não era como reconhecer que eu errara com os garotos. Elizabeth me excluíra de sua vida e eu já havia tentado reconquistá-la no começo. E ela nunca permitiu isso, por que queria que fosse diferente agora?
- Eu só vim visitar o túmulo do meu pai, não esperava encontrá-la aqui.
- Eu não esperava reencontrá-la nessa vida ainda, mas aconteceu. – Seus lábios se repuxaram minimamente para cima, moldando um sorriso de gratidão. – Há quanto tempo não vejo seu rosto...
- O que está fazendo aqui? – Perguntei bruscamente. Por mais que não quisesse prolongar aquela conversa, não conseguia entender. Elizabeth sempre deixara claro que repudiava a lembrança de meu pai dentro de nossa casa, porque estaria visitando seu túmulo depois de tudo?
Elizabeth olhou para o túmulo atrás de si, e a ponta de seu queixo tremeu, como se estivesse segurando o choro. Depois de um breve suspiro que parecia capaz de esvaziar todo o ar de seu pulmão, ela fragilmente direcionou seu olhar para o céu. Tudo nela parecia prestes a evaporar.
- A vida nos ensina muitas coisas, querida.
- E te ensinou o quê? A vir chorar sobre o túmulo daquele que você fez questão de apagar de nossas vidas depois que ele se foi?
- Não me julgue tão mal, ... – Elizabeth mantinha seu timbre controlado, mas eu podia sentir o quanto ela estava abalada. – Eu sei o quanto errei no passado, mas eu não fiz por mal.
- Por bem é que você não fez. Não vou ficar aqui ouvindo seus lamentos, passar bem, Elizabeth.
Não ouvi o que ela sussurrou em resposta e não estava curiosa para saber o que ela tinha a dizer. Era fácil vir dizer que não queria se embebedar e me bater depois que o tempo passou, não é? Mas não era assim que as coisas funcionavam. Não entre nós duas. Precisaria de muito para que eu a perdoasse. Se a perdoasse algum dia.
O restante do mundo pode me julgar da maneira que bem entender, mas os erros de Elizabeth iam muito além dos tapas e palavrões.
Ela não mentia quando dissera que não queria ter que olhar para minha cara e lembrar da desgraça que fora meu pai na vida dela.
Como ela podia dizer isso do homem que mais a amara no mundo?
Tomei o primeiro táxi de volta para o hotel, decidida a sair de Nova York antes que a encontrasse novamente. Eu não precisava de mais momentos desagradáveis naquela cidade.
Disquei os números da única pessoa que poderia me socorrer no momento em que colocasse os pés em Londres.
- Ky? Eu estou voltando.
Capítulo betado por Natyh Vilanova
Chapter Thirty One
Foi preciso muito esforço para controlar a respiração, no momento em que o avião pousou em Londres. Uma energia estranha vibrava em meus ossos, partindo do coração, e eu não conseguia definir como uma coisa boa ou ruim. Eu estava feliz e satisfeita, por enfim voltar para casa, mas também estava temerosa. Eu havia avisado que chegaria hoje, e não tinha certeza se estava pronta para um reencontro tão cedo. E, além de tudo, sabia também.
Pensar no seu nome fez aquela vibração passar para uma onda de dor que corroeu todo meu corpo. Instantaneamente, meus olhos lacrimejaram, mas eu não podia desabar. Não poderia deixar que aquilo me vencesse. Eu tinha que ser forte.
Eu conseguiria ser forte o suficiente, dessa vez?
Afaguei delicadamente os dedos de Sean ao redor dos meus, exibindo um sorriso quase confiante para meu filho, que abriu seu sorriso autêntico para mim. Faltava pouco agora. Pouco para que ele voltasse para sua vida e pouco para que eu perdesse a minha. Atravessamos o portão de desembarque, e toda aquela vontade de chorar somou-se com a saudade quando avistei Kyle, com aquele olhar capaz de saturar todas as minhas feridas. Sean e eu corremos de encontro a ele, como se não houvesse mais ninguém no aeroporto. E de fato, não existia mais ninguém ali para mim. Sentir seu abraço me fez sentir instantaneamente melhor. Fez-me sentir como uma pessoa normal, sem todo aquele drama e tristeza pesando em meu interior.
Era bom ser abraçada por alguém que nunca te julgaria, por mais insana que você fosse.
- Eu senti tanto a sua falta. – Consegui balbuciar, apertando Kyle entre meus braços. – Me perdoe por ficar longe!
- Eu também senti sua falta, pequena. – A voz de Ky estava embargada, e aquilo só aumentou o nó em meu coração. – Nunca mais faça isso de novo!
Um pouco mais de soluços e abraços apertados, e depois seguimos em direção ao carro de Kyle, começando uma pequena narração de Sean de como foram seus dias em Nova York. Ky prestava atenção em cada detalhe, mas a atenção de seus olhos estava sempre em mim, vigiando-me atentamente.
Eu sorria, mas não posso afirmar que eram sorrisos verdadeiros.
Cansada de fingir, fechei meus olhos, deixando que um sono superficial me embalasse até o momento em que a realidade se tornaria mais cruel.
~×
POV
Eu tentava me convencer internamente de que nada me abalaria naquela manhã. Desde que ligara para ela, e desde que eu soubera que ela voltaria para Londres hoje, tudo parecia meio distorcido. O tempo parecia não passar e aquela sensação inquietante não parava de me corroer. Não era ansiedade em vê-la. Bom, talvez uma pequena parte fosse, mas não era como se eu quisesse apertá-la em meus braços e fazer promessas de que nunca mais nos separaríamos de novo.
Não, estava longe daquilo. Havia quase uma certeza eminente de que quando nos encontrássemos hoje, não seria como das últimas vezes.
Deixei minha cabeça pender um pouco mais sobre as mãos, pressionando meus cotovelos em meus joelhos. O suave murmúrio do vento na janela era o único som que acompanhava meu silêncio.
Há dois dias, estive com o advogado da família, mas eu ainda não tinha certeza de qual decisão definitiva tomaria. e eu nunca procuramos a justiça e era ainda um pouco mais complicado brigar por Sean, sendo que não fomos casados legalmente. Havia um monte de outros quesitos complicados naquela história e tudo o que eu ouvi, me dava nós infinitos na cabeça. Era tudo muito... Complicado.
Um pouco menos nervoso do que estava, começo a me perguntar se quero fazer isso apenas como um modo de puni-la por ter me abandonado. Eu amo Sean, mas sei o quanto é importante para ele. Eu não era tão mesquinho a ponto de punir Sean daquela maneira, não é mesmo? Porque eu sei que o maior afetado daquela história seria ele. As crianças sempre são afetadas nessas brigas.
Mas, também havia o fato de que eu não queria que outro assumisse meu lugar e criasse meu filho. Não era... Certo. Não queria admitir, mas toda aquela confusão tinha como base, acima de qualquer outro sentimento, o medo.
Quem diria, os homens também sentem medo de perder alguém especial.
O relógio em meu pulso marcou quatro horas em ponto. Com um último suspiro indeciso, segurei firmemente as chaves do meu carro em mãos, deixando para trás minha casa, e seguindo para o encontro que poderia não ser dessa maneira.
×
Estacionei o carro rente ao meio fio, deixando-o no ponto morto enquanto esvaziava meu interior de qualquer emoção que pudesse afetar minha decisão final. Eu não combinara nada com ela, então provavelmente a pegaria desprevenida. Mas consequentemente, eu também estaria. Eu não sabia se a encontraria sozinha ou não.
Também não me dei ao luxo de ficar remoendo a ideia, não precisava de muito para perder o controle da situação. Se é que havia algum controle ou situação aparente.
Como tudo que tinha a ver com ela, eu não sabia o que esperar ao certo.
Por fim, decidi que ficar me torturando dentro do carro não iria adiantar nada. Com uma rapidez quase desesperada, tirei a chave da ignição, acionando o alarme, enquanto subia os degraus da varanda da casa de .
Havia um silêncio perturbador no ar, e eu concluí que eles ainda não haviam chegado.
O que era, de certa forma, bom e ruim. Por um lado, queria acabar com aquela angústia de uma vez, mas por outro, queria um tempo a mais para me preparar.
Fisicamente, psicologicamente. Emocionalmente.
parecia acionar um mecanismo desconhecido dentro de mim. Eu ficava diferente quando ela estava por perto. E isso não ajudava. Era fácil entender porque aquele produtorzinho se encantou com ela.
Com uma nova onda de raiva se inflamando dentro de mim, percebi que meu carro não era mais o único em frente a casa dela.
Observei, de braços cruzados e postura rígida, o olhar dela captar o meu através do vidro da SUV preta, recém-estacionada em frente ao meu carro.
Por um segundo, achei que não fosse aguentar.
Só consegui retomar boa parte da minha sanidade, quando ouvi a voz alegre de Sean gritar por meu nome. Naquele momento, eu poderia esquecer qualquer outro sentimento que não fosse alegria. Com um sorriso que trazia saudade, emoção e felicidade em meu rosto, agachei-me para receber Sean em meus braços. Seu corpo pequeno, já não parecia tão pequeno assim, e parecia que fazia um longo tempo que eu não o via. Ficamos um minuto inteiro apenas sentindo o abraço um do outro.
Eu poderia ficar muito mais tempo daquela maneira, sentindo em mim algo que um homem só sente quando é pai. Não tem como explicar.
- Papai, que saudade que eu senti de você!
- Eu também senti, campeão, senti muita saudade. – Eu me sentia um completo idiota por ter a voz embargada, mas Sean não parecia ligar. Ele estava bagunçando meus cabelos, enquanto dava pulos excitados. – Você se divertiu?
- Foi muito legal papai, conheci muitos lugares legais! Ah! Eu comprei um presente muito irado para você!
Sean correu em direção ao carro, pedindo insistentemente para que Kyle abrisse o porta-malas. Eu não a procurei com o olhar, mas sentia que ela estava me observando. Eu não precisava de muito para saber que ela estava em choque.
Após alguns minutos revirando sua mala, Sean voltou correndo ao meu encontro, desembrulhando o que eu descobri ser um quadro, segundos depois.
No retrato desenhado a mão, Sean e sorriam sutilmente e havia simplicidade nos traços que definiam seus rostos. Eu não pude deixar de exibir um sorriso mínimo ao terminar de apreciar aquele presente.
- É muito lindo, Sean. Muito obrigado.
E então, o ar tornou-se quase intragável. Kyle e subiram as escadas, parando em algum ponto atrás de mim. Ainda ajoelhado de frente para meu filho, exibi meu sorriso cúmplice quando percebi que Kyle tomara uma das mãos de Sean entre as suas.
- Que tal tomar um banho bem gostoso, enquanto seu papai conversa com a mamãe?
Sean virou-se para mim antes de dar qualquer resposta, fitando-me com seus grandes e expressivos olhos .
- Claro que espero, campeão, eu estarei bem aqui. – Sorri e baguncei os cabelos de meu filho, que saltitou para dentro, meio segundo depois.
Observei Sean sumir e Kyle encostar a porta, com um aceno breve. Trocou um rápido e intenso olhar com , que demorou em olhar diretamente para mim.
Eu sentia como se todo meu interior estivesse queimando. Mas o resto... Não sei explicar o que predominava dentro de minha cabeça. Era uma mistura insana de saudade, ódio, compaixão. O brilho de seus olhos sumira e não deixara traços.
Em algum ponto de minha memória, ela me lembrou da garotinha que eu conheci anos atrás.
Ah, por que tão complicada e perturbadora assim, ?
Engoli em seco, duvidando se era realmente capaz de falar com ela naquele estado. Alguns longos e tortuosos minutos em silêncio, e ela foi a primeira a falar alguma coisa.
- .
Seu tom seco e sem emoção – aparentemente – serviu como um tapa na minha cara. Ali estava eu, perdendo-me em pensamentos confusos, enquanto a mulher que causava aquilo tudo parecia não sentir o mesmo.
Ah, é claro. O que eu esperava? Eu mal reconhecia aquela .
- O que veio fazer aqui?
- Precisa ver com meus próprios olhos que você tinha voltado mesmo.
- Não. Você precisava ver com seus próprios olhos para ter a certeza de que eu não estava mentindo. – Ela respondeu rispidamente, fitando-me com fúria. – É diferente.
- Bom, com um histórico como o seu, é preciso ter cautela, não é mesmo?
Disparei, sentindo o sangue correr rápido pelas veias, acelerando meus batimentos. Eu não sei o que mais aflorava minha irritação: meus pensamentos sobre ela, ou a indiferença da mesma. Talvez um pouco das duas coisas, somada com muitos outros fatores que não poderiam ser numerados agora.
- Não vamos ficar com essa troca de indiretas, por favor. – Ela riu sem humor, cruzando os braços diante do tronco. – Se veio aqui tentar me intimidar com esse papinho de justiça, pode ir embora . Eu já sei das suas intenções e se pensa que eu vou desistir, está enganado.
Conforme ia falando, ia se aproximando, e tenho certeza de que não tinha noção do quão próximos nós estávamos agora.
- Portanto, acho melhor você ir embora. – Usando um tom baixo, ela fitou-me com sua expressão severa. Irracionalmente eu percebi como ela ficava bonita daquela forma. Percebendo alguma coisa em meus olhos, ela se afastou. – Vá embora.
Não foi um pedido, nem uma sugestão. Foi uma ordem.
- Tudo bem, se é assim que a nova senhorita Vonn deseja.
Dei as costas, descendo os degraus e chegando ao meu carro com uma rapidez assombrosa. Não me virei para ver se ela estava me vigiando ou não, mas, a julgar pelo modo como as coisas se saíram agora, eu tenho certeza de que ela não estava mais ali.
E cada vez mais, eu me convencia de que a menina doce por quem eu me apaixonei só existia agora em minhas lembranças.
Como eu pude ter esperanças de que as coisas mudariam em algum momento?
~×
POV
- ?
Ergui meus olhos da revista que lia, sem interesse, fitando o semblante preocupado de Kyle. Sean estava no computador do meu chefe, entretido com vídeos de desenhos animados. Ky tinha me dado o dia de folga, para que eu pudesse organizar minhas malas e minha cabeça, mas eu não aguentei ficar em casa depois de ter colocado quase tudo no lugar, então, peguei Sean e vim para o estúdio.
- Que foi? – Perguntei, enquanto voltava a prestar atenção na revista. Senti o sofá ao meu lado se afundar, e segundos depois Kyle retirou a revista de minhas mãos. – Que há?
- Você está bem? – Ele disparou, segurando minhas mãos entre as suas. – Você está muda desde que chegou.
- Não estou não. Conversamos bastante hoje.
- Não é isso que eu quis dizer. Você não fala sobre o que aconteceu enquanto esteve em Nova York, não fala sobre o que está havendo entre você e o . Há um silêncio esmagador em você.
- E que mal há nisso?
- , eu te conheço. Guardar tudo pra si não vai ajudar.
- Sabe o que pode me ajudar, de verdade? – Peguei a revista de volta, dando um beijo gentil no rosto de Ky. – Aquele seu chocolate quente.
Sorri sem mostrar os dentes, desviando meus olhos dos de Kyle. Demorou alguns minutos até que ele se levantasse, e eu podia sentir seus olhos me analisando.
Eu não iria deixar que meu coração me atrapalhasse novamente. Eu não sei em que momento aquilo aconteceu, mas me dei conta de que seria mais fácil daquela forma.
Não sentir era o único meio de sobreviver, algumas vezes.
Era aquilo que eu estava fazendo. Não sentindo.
E eu estava conseguindo.
Até quando? Eu não sei. Mas talvez nem me importasse saber a resposta também.
Muito a contragosto, Kyle não tocou mais no assunto. Tivemos uma tarde agradável, e quando Sean e eu deixamos o estúdio, decidimos que era uma boa hora para matar a saudade de Margareth. E também seria uma boa maneira de distrair Sean.
Desde o dia de ontem, percebi que meu pequeno estava chateado. Ao perceber que se fora e não cumprira com sua palavra – em boa parte por minha causa –, ele andava tristonho. Desde manhã ele vem pedindo para que eu ligue para , mas eu continuava dando um jeito de mudar de assunto.
Não era um bom momento para falar com ele.
Estacionei o carro em frente à casa de Margareth, rapidamente alcançando sua porta com Sean em meu encalço. Seus olhos se acenderam significavelmente, quando quem nos recepcionou foi .
- Tio !
Sua felicidade extrema ao ser abraçado por contagiou-me, fazendo-me esquecer por alguns momentos que minha relação com ele ainda estava estremecida.
- E aí, meu garoto! Que saudade de você! Você cresceu o quê? Uns três metros?
- Não tio, acho que você está encolhendo!
Sean ria divertido enquanto agitava-o em seu colo. E eu não sabia o que fazer. Sabe quando você se sente completamente deslocada em um ambiente? E aquilo de certa forma era triste, porque eu nunca me senti daquela forma com ele.
Quando colocou Sean no chão, e esse saiu correndo casa adentro quando foi informado de que estava na cozinha, restou apenas nós dois na porta, o silêncio tomando conta de nossas vozes.
- Hei. – Ele sorriu sem mostrar os dentes, me dando um abraço murcho. – Tudo bem?
Não, não está nada bem enquanto você me trata como uma desconhecida, quis dizer, mas me limitei a sorrir da mesma maneira, agitando a cabeça vagamente, de forma positiva. Sem esperar mais por algum outro gesto que me deixasse triste, entrei na casa de Margareth, procurando por ela e me preparando para receber o mesmo tratamento de .
Enchi o pulmão com oxigênio, mantendo fixamente o mantra de que eu mesma pedi por aquilo. Senti os passos de atrás de mim, e confesso que aquilo me deixou um pouco nervosa. A tensão entre nós era quase palpável.
Quando cheguei à cozinha, Margareth estava com Sean sentado em seu colo, lhe contando sobre nossa viagem. estava sentado de frente para eles, de costas para mim. Parei na porta, sentindo o coração bater um pouco mais apressado.
- Mamãe, vem comer bolo de chocolate! – Sean chamou-me com seus dedinhos, sorrindo e apontando a cadeira vaga ao lado de . – Está uma delicia!
Ao ouvir Sean se dirigir a mim, virou seu corpo na cadeira, sorrindo um pouco mais calorosamente do que , o que de certa forma quebrou um pouco o gelo.
Hesitante, adentrei a cozinha, percebendo pela minha visão periférica que se sentou ao lado de Sean, de frente para mim.
Ah, aquele café da tarde iria ser longo. Muito longo.
Dirigi-me até Margareth, dando-lhe e recebendo com o mesmo vigor, um forte abraço saudoso, sentindo o coração se aquecer com o aconchego que só uma pessoa que é como nossa mãe consegue transmitir.
- Oh minha querida, você está tão abatida! Não andou se alimentando direito, não é? – Margareth deu leves palmadas em minhas bochechas, e os meninos riram quando elas ganharam aquela leve coloração avermelhada. – Essa juventude! Sente-se, vou lhe servir um bom chá quentinho e uma generosa fatia de bolo! Sente-se, sente-se! , dê espaço para se sentar!
Sorri divertida ao presenciar aquela cena. era tratado como uma criança por Margareth, assim como , que acabava de levar uma bronca por estar falando de boca cheia.
Parecia fácil, daquela forma. Estar com os amigos e meu filho, rindo sem se sentir pressionada pelos medos e receios.
E eu resolvi aproveitar o momento.
Sentei-me ao lado de , como Margareth ordenara, sendo servida quase que imediatamente. Ele virou-se para mim, perguntando-me como eu estava. Foi um pouco constrangedor falar com ele enquanto todos prestavam atenção em nós, mas assim que consegui responder, todos retomaram o assunto de antes de eu chegar, e sempre arranjava um jeito de me colocar na conversa, pedindo minha opinião e fazendo comentários comigo.
sempre fora o mais pacífico de todos. Não conseguia guardar rancor por muito tempo, e seu coração era tão bom quanto suas atitudes.
E aquilo só me fez me sentir dez vezes mais egoísta e idiota.
Eu certamente não merecia ter um amigo como ele. Eu queria que ele me tratasse com tanta indiferença quanto . Era insano e eu sei que iria me machucar – assim como me machucou com –, mas era o correto.
>... Não era?
Durante todo o tempo que ficamos conversando, se dirigiu a mim umas duas vezes e quando não, sorria de uma forma enviesada que não durava mais do que cinco segundos. Era visível que ele se esforçava para me tratar como antes, mas ele não conseguia. nunca foi muito bom em fingir ou mentir, e quando o fazia, fazia muito mal. Por isso era evidente que ele não conseguia me olhar direito nos olhos.
Ainda havia muitas cicatrizes em nossa amizade.
Quando começou anoitecer e Sean começara a dar indícios de sonolência, despedi-me de e , sendo levada até a porta por Margareth. Como era de costume, ela me acompanhou até o carro, observando-me atentamente enquanto eu colocava Sean na cadeirinha.
- , pequena... – Ela me abraçou fortemente quando fui me despedir, afagando gentilmente meus cabelos. – Não se preocupe, criança, vai te perdoar logo. Não sei o que houve entre vocês, mas eu conheço meu sobrinho e sei o quanto ele gosta de você. Ele não vai ser bobo de perder alguém que gosta tanto dele também.
Senti-me comovida com suas palavras e foi impossível conter as lágrimas. Margareth as enxugou com um sorriso confortador, e eu lhe agradeci pelo carinho, dando-lhe um outro abraço cheio de sentimentos.
Segui o caminho todo para casa pensando em suas palavras, torcendo para que aquilo se tornasse verdade logo. Eu odiava não ver o sorriso de .
Assim que cheguei em casa, Sean se livrou do sono ao ver que Kyle chegara também. Havíamos combinado de jantarmos juntos e assistir algum filme, como costumávamos fazer antes.
Kyle, mais do que ninguém, sabia que eu precisava daquilo, de um pouco de normalidade no meio da tempestade que ainda estava por vir.
Eu poderia ter nuances de paz, mas era impossível esquecer que o futuro era incerto.
- Tio Ky! Tio Ky, você trouxe sorvete?
Sean remexia nas sacolas recém-postas sobre o balcão da cozinha, enquanto Kyle me perguntava sobre o resto do dia. Eu preferi não entrar em muitos detalhes, sobre como me tratou e em como eu me sentia diante daquilo. Limitei-me a contar sobre as partes boas, que se resumiam em Sean e suas pérolas.
- Hmm! Mamãe, tio Ky trouxe sorvete de morango!
- Claro que eu trouxe, eu sei que é o seu preferido!
- Você é o melhor. – Sean concluiu, e nós rimos com suas caras e bocas.
- É né, só gosta de mim porque te trago doces! – Kyle fingiu chorar e Sean correu imediatamente para ele, abraçando suas pernas.
- Não chora, tio Ky, também gosto de você quando traz outras coisas de comer!
Pela segunda vez naquele dia, eu consegui ter momentos agradáveis, com sorrisos autênticos.
Depois de mais risos e brincadeiras na cozinha, fomos para a sala, onde Kyle colocou algum filme qualquer de comédia romântica. Nos últimos dias, eu não estava curtindo muito essas coisas melosas. A vida não é como um filme, onde tudo se resolve debaixo da chuva. Era exigido muito mais do que apenas algumas lágrimas e palavras bonitas.
Na metade do filme, Sean ficou impaciente e parece que se lembrou do pedido do começo do dia.
- Mamãe, liga para o papai! – Ele me cutucou, pedindo daquela maneira que ele sabia que eu não conseguiria resistir por muito tempo. – Por favorzinho?
- Ahn, Sean... Acho que seu pai deve estar dormindo nesse horário...
- Mas ele não vai ficar bravo! Ele gosta de falar comigo... Sou o filho preferido do mundo, esqueceu?
- Sean...
- Por favor, mamãe!
Kyle, ao perceber meu olhar de completo desespero, tomou as rédeas da situação, apanhando Sean no colo e pedindo o telefone que estava ao meu lado. Sussurrei um obrigado, enquanto lhe passava o aparelho. Meio minuto depois de discar os números da residência de , Kyle se pronunciou.
- Eu gostaria de falar com , por favor.
Certo, não foi ele que atendeu ao telefone da sua própria casa, o que queria dizer, evidentemente, que ele não estava sozinho. Não podia ser , porque conforme o mesmo me dissera mais cedo, estava morando com agora. Parece que o relacionamento com a loira ficara sério mesmo.
Mas aquilo não era da minha conta, não é mesmo? Meneei minha cabeça, tentando prestar atenção no filme agora. Não era uma das melhores opções, mas era a única coisa disponível, se eu me retirasse da sala iria fazer alarde demais, e Kyle iria se preocupar à toa. E eu não quero mais ninguém com pena de mim.
- ? Oi, tudo bem? Aqui quem fala é Kyle... Sim, Sean queria falar com você, pode ser? – Um segundo depois, o telefone já estava nas mãos de Sean.
- Papai! Quem mandou você ir embora ontem? – Sean falava com firmeza, e ver sua seriedade toda me fez esboçar um pequeno sorriso. – Você disse que iria me esperar!
Sean conversava como um adulto, murmurando em resposta ao que dizia, enrolando o fio nos dedos de modo distraído.
- Tá bom, eu te desculpo! – Sean sorriu abertamente, como se aquilo fosse sua intenção todo o tempo. Era tão parecido com , naquele sentido. – Eu quero sim! Tá bom, eu aviso a mamãe! O quê? A mamãe tá do meu lado, quer falar com ela?
Eu praticamente gritei “não!”, e evidentemente ouviu do outro lado, porque Sean retraiu o telefone quase que imediatamente. Trocou mais algumas palavras animadas com ele e depois desligou, saltitando para o meu colo em seguida.
- Papai disse que vai me levar no parque! – Cantarolou, enquanto bagunçava meus cabelos e pulava em minhas pernas. – Você deixa não é, mamãe?
- Claro, meu amor, mas quando?
- Logo! E ele disse que vamos passear bastante!
Assenti para Sean, e não pude negar para mim mesma de que, independente de qualquer coisa, era um bom pai e zelava pela felicidade de Sean.
Com certa dificuldade, conseguimos colocar Sean na cama. Kyle ficou mais algum tempo, me ajudando com a louça e de certa forma, me vigiando para tentar encontrar algum indício de fraqueza em meus olhos.
Vendo que eu não iria desmoronar, Kyle foi embora.
Mas foi só quando eu deitei minha cabeça no travesseiro, que me peguei vulnerável, cheia de incertezas e centenas de “por quês” girando em minha mente.
Mas a única que reinava naquele momento era se queria falar comigo, realmente. E se ele quisesse, o que iria me falar?
E o mais intrigante... O que eu responderia?
Acho que não tem como saber.
Pensar no seu nome fez aquela vibração passar para uma onda de dor que corroeu todo meu corpo. Instantaneamente, meus olhos lacrimejaram, mas eu não podia desabar. Não poderia deixar que aquilo me vencesse. Eu tinha que ser forte.
Eu conseguiria ser forte o suficiente, dessa vez?
Afaguei delicadamente os dedos de Sean ao redor dos meus, exibindo um sorriso quase confiante para meu filho, que abriu seu sorriso autêntico para mim. Faltava pouco agora. Pouco para que ele voltasse para sua vida e pouco para que eu perdesse a minha. Atravessamos o portão de desembarque, e toda aquela vontade de chorar somou-se com a saudade quando avistei Kyle, com aquele olhar capaz de saturar todas as minhas feridas. Sean e eu corremos de encontro a ele, como se não houvesse mais ninguém no aeroporto. E de fato, não existia mais ninguém ali para mim. Sentir seu abraço me fez sentir instantaneamente melhor. Fez-me sentir como uma pessoa normal, sem todo aquele drama e tristeza pesando em meu interior.
Era bom ser abraçada por alguém que nunca te julgaria, por mais insana que você fosse.
- Eu senti tanto a sua falta. – Consegui balbuciar, apertando Kyle entre meus braços. – Me perdoe por ficar longe!
- Eu também senti sua falta, pequena. – A voz de Ky estava embargada, e aquilo só aumentou o nó em meu coração. – Nunca mais faça isso de novo!
Um pouco mais de soluços e abraços apertados, e depois seguimos em direção ao carro de Kyle, começando uma pequena narração de Sean de como foram seus dias em Nova York. Ky prestava atenção em cada detalhe, mas a atenção de seus olhos estava sempre em mim, vigiando-me atentamente.
Eu sorria, mas não posso afirmar que eram sorrisos verdadeiros.
Cansada de fingir, fechei meus olhos, deixando que um sono superficial me embalasse até o momento em que a realidade se tornaria mais cruel.
~×
Eu tentava me convencer internamente de que nada me abalaria naquela manhã. Desde que ligara para ela, e desde que eu soubera que ela voltaria para Londres hoje, tudo parecia meio distorcido. O tempo parecia não passar e aquela sensação inquietante não parava de me corroer. Não era ansiedade em vê-la. Bom, talvez uma pequena parte fosse, mas não era como se eu quisesse apertá-la em meus braços e fazer promessas de que nunca mais nos separaríamos de novo.
Não, estava longe daquilo. Havia quase uma certeza eminente de que quando nos encontrássemos hoje, não seria como das últimas vezes.
Deixei minha cabeça pender um pouco mais sobre as mãos, pressionando meus cotovelos em meus joelhos. O suave murmúrio do vento na janela era o único som que acompanhava meu silêncio.
Há dois dias, estive com o advogado da família, mas eu ainda não tinha certeza de qual decisão definitiva tomaria. e eu nunca procuramos a justiça e era ainda um pouco mais complicado brigar por Sean, sendo que não fomos casados legalmente. Havia um monte de outros quesitos complicados naquela história e tudo o que eu ouvi, me dava nós infinitos na cabeça. Era tudo muito... Complicado.
Um pouco menos nervoso do que estava, começo a me perguntar se quero fazer isso apenas como um modo de puni-la por ter me abandonado. Eu amo Sean, mas sei o quanto é importante para ele. Eu não era tão mesquinho a ponto de punir Sean daquela maneira, não é mesmo? Porque eu sei que o maior afetado daquela história seria ele. As crianças sempre são afetadas nessas brigas.
Mas, também havia o fato de que eu não queria que outro assumisse meu lugar e criasse meu filho. Não era... Certo. Não queria admitir, mas toda aquela confusão tinha como base, acima de qualquer outro sentimento, o medo.
Quem diria, os homens também sentem medo de perder alguém especial.
O relógio em meu pulso marcou quatro horas em ponto. Com um último suspiro indeciso, segurei firmemente as chaves do meu carro em mãos, deixando para trás minha casa, e seguindo para o encontro que poderia não ser dessa maneira.
×
Estacionei o carro rente ao meio fio, deixando-o no ponto morto enquanto esvaziava meu interior de qualquer emoção que pudesse afetar minha decisão final. Eu não combinara nada com ela, então provavelmente a pegaria desprevenida. Mas consequentemente, eu também estaria. Eu não sabia se a encontraria sozinha ou não.
Também não me dei ao luxo de ficar remoendo a ideia, não precisava de muito para perder o controle da situação. Se é que havia algum controle ou situação aparente.
Como tudo que tinha a ver com ela, eu não sabia o que esperar ao certo.
Por fim, decidi que ficar me torturando dentro do carro não iria adiantar nada. Com uma rapidez quase desesperada, tirei a chave da ignição, acionando o alarme, enquanto subia os degraus da varanda da casa de .
Havia um silêncio perturbador no ar, e eu concluí que eles ainda não haviam chegado.
O que era, de certa forma, bom e ruim. Por um lado, queria acabar com aquela angústia de uma vez, mas por outro, queria um tempo a mais para me preparar.
Fisicamente, psicologicamente. Emocionalmente.
parecia acionar um mecanismo desconhecido dentro de mim. Eu ficava diferente quando ela estava por perto. E isso não ajudava. Era fácil entender porque aquele produtorzinho se encantou com ela.
Com uma nova onda de raiva se inflamando dentro de mim, percebi que meu carro não era mais o único em frente a casa dela.
Observei, de braços cruzados e postura rígida, o olhar dela captar o meu através do vidro da SUV preta, recém-estacionada em frente ao meu carro.
Por um segundo, achei que não fosse aguentar.
Só consegui retomar boa parte da minha sanidade, quando ouvi a voz alegre de Sean gritar por meu nome. Naquele momento, eu poderia esquecer qualquer outro sentimento que não fosse alegria. Com um sorriso que trazia saudade, emoção e felicidade em meu rosto, agachei-me para receber Sean em meus braços. Seu corpo pequeno, já não parecia tão pequeno assim, e parecia que fazia um longo tempo que eu não o via. Ficamos um minuto inteiro apenas sentindo o abraço um do outro.
Eu poderia ficar muito mais tempo daquela maneira, sentindo em mim algo que um homem só sente quando é pai. Não tem como explicar.
- Papai, que saudade que eu senti de você!
- Eu também senti, campeão, senti muita saudade. – Eu me sentia um completo idiota por ter a voz embargada, mas Sean não parecia ligar. Ele estava bagunçando meus cabelos, enquanto dava pulos excitados. – Você se divertiu?
- Foi muito legal papai, conheci muitos lugares legais! Ah! Eu comprei um presente muito irado para você!
Sean correu em direção ao carro, pedindo insistentemente para que Kyle abrisse o porta-malas. Eu não a procurei com o olhar, mas sentia que ela estava me observando. Eu não precisava de muito para saber que ela estava em choque.
Após alguns minutos revirando sua mala, Sean voltou correndo ao meu encontro, desembrulhando o que eu descobri ser um quadro, segundos depois.
No retrato desenhado a mão, Sean e sorriam sutilmente e havia simplicidade nos traços que definiam seus rostos. Eu não pude deixar de exibir um sorriso mínimo ao terminar de apreciar aquele presente.
- É muito lindo, Sean. Muito obrigado.
E então, o ar tornou-se quase intragável. Kyle e subiram as escadas, parando em algum ponto atrás de mim. Ainda ajoelhado de frente para meu filho, exibi meu sorriso cúmplice quando percebi que Kyle tomara uma das mãos de Sean entre as suas.
- Que tal tomar um banho bem gostoso, enquanto seu papai conversa com a mamãe?
Sean virou-se para mim antes de dar qualquer resposta, fitando-me com seus grandes e expressivos olhos .
- Claro que espero, campeão, eu estarei bem aqui. – Sorri e baguncei os cabelos de meu filho, que saltitou para dentro, meio segundo depois.
Observei Sean sumir e Kyle encostar a porta, com um aceno breve. Trocou um rápido e intenso olhar com , que demorou em olhar diretamente para mim.
Eu sentia como se todo meu interior estivesse queimando. Mas o resto... Não sei explicar o que predominava dentro de minha cabeça. Era uma mistura insana de saudade, ódio, compaixão. O brilho de seus olhos sumira e não deixara traços.
Em algum ponto de minha memória, ela me lembrou da garotinha que eu conheci anos atrás.
Ah, por que tão complicada e perturbadora assim, ?
Engoli em seco, duvidando se era realmente capaz de falar com ela naquele estado. Alguns longos e tortuosos minutos em silêncio, e ela foi a primeira a falar alguma coisa.
- .
Seu tom seco e sem emoção – aparentemente – serviu como um tapa na minha cara. Ali estava eu, perdendo-me em pensamentos confusos, enquanto a mulher que causava aquilo tudo parecia não sentir o mesmo.
Ah, é claro. O que eu esperava? Eu mal reconhecia aquela .
- O que veio fazer aqui?
- Precisa ver com meus próprios olhos que você tinha voltado mesmo.
- Não. Você precisava ver com seus próprios olhos para ter a certeza de que eu não estava mentindo. – Ela respondeu rispidamente, fitando-me com fúria. – É diferente.
- Bom, com um histórico como o seu, é preciso ter cautela, não é mesmo?
Disparei, sentindo o sangue correr rápido pelas veias, acelerando meus batimentos. Eu não sei o que mais aflorava minha irritação: meus pensamentos sobre ela, ou a indiferença da mesma. Talvez um pouco das duas coisas, somada com muitos outros fatores que não poderiam ser numerados agora.
- Não vamos ficar com essa troca de indiretas, por favor. – Ela riu sem humor, cruzando os braços diante do tronco. – Se veio aqui tentar me intimidar com esse papinho de justiça, pode ir embora . Eu já sei das suas intenções e se pensa que eu vou desistir, está enganado.
Conforme ia falando, ia se aproximando, e tenho certeza de que não tinha noção do quão próximos nós estávamos agora.
- Portanto, acho melhor você ir embora. – Usando um tom baixo, ela fitou-me com sua expressão severa. Irracionalmente eu percebi como ela ficava bonita daquela forma. Percebendo alguma coisa em meus olhos, ela se afastou. – Vá embora.
Não foi um pedido, nem uma sugestão. Foi uma ordem.
- Tudo bem, se é assim que a nova senhorita Vonn deseja.
Dei as costas, descendo os degraus e chegando ao meu carro com uma rapidez assombrosa. Não me virei para ver se ela estava me vigiando ou não, mas, a julgar pelo modo como as coisas se saíram agora, eu tenho certeza de que ela não estava mais ali.
E cada vez mais, eu me convencia de que a menina doce por quem eu me apaixonei só existia agora em minhas lembranças.
Como eu pude ter esperanças de que as coisas mudariam em algum momento?
~×
- ?
Ergui meus olhos da revista que lia, sem interesse, fitando o semblante preocupado de Kyle. Sean estava no computador do meu chefe, entretido com vídeos de desenhos animados. Ky tinha me dado o dia de folga, para que eu pudesse organizar minhas malas e minha cabeça, mas eu não aguentei ficar em casa depois de ter colocado quase tudo no lugar, então, peguei Sean e vim para o estúdio.
- Que foi? – Perguntei, enquanto voltava a prestar atenção na revista. Senti o sofá ao meu lado se afundar, e segundos depois Kyle retirou a revista de minhas mãos. – Que há?
- Você está bem? – Ele disparou, segurando minhas mãos entre as suas. – Você está muda desde que chegou.
- Não estou não. Conversamos bastante hoje.
- Não é isso que eu quis dizer. Você não fala sobre o que aconteceu enquanto esteve em Nova York, não fala sobre o que está havendo entre você e o . Há um silêncio esmagador em você.
- E que mal há nisso?
- , eu te conheço. Guardar tudo pra si não vai ajudar.
- Sabe o que pode me ajudar, de verdade? – Peguei a revista de volta, dando um beijo gentil no rosto de Ky. – Aquele seu chocolate quente.
Sorri sem mostrar os dentes, desviando meus olhos dos de Kyle. Demorou alguns minutos até que ele se levantasse, e eu podia sentir seus olhos me analisando.
Eu não iria deixar que meu coração me atrapalhasse novamente. Eu não sei em que momento aquilo aconteceu, mas me dei conta de que seria mais fácil daquela forma.
Não sentir era o único meio de sobreviver, algumas vezes.
Era aquilo que eu estava fazendo. Não sentindo.
E eu estava conseguindo.
Até quando? Eu não sei. Mas talvez nem me importasse saber a resposta também.
Muito a contragosto, Kyle não tocou mais no assunto. Tivemos uma tarde agradável, e quando Sean e eu deixamos o estúdio, decidimos que era uma boa hora para matar a saudade de Margareth. E também seria uma boa maneira de distrair Sean.
Desde o dia de ontem, percebi que meu pequeno estava chateado. Ao perceber que se fora e não cumprira com sua palavra – em boa parte por minha causa –, ele andava tristonho. Desde manhã ele vem pedindo para que eu ligue para , mas eu continuava dando um jeito de mudar de assunto.
Não era um bom momento para falar com ele.
Estacionei o carro em frente à casa de Margareth, rapidamente alcançando sua porta com Sean em meu encalço. Seus olhos se acenderam significavelmente, quando quem nos recepcionou foi .
- Tio !
Sua felicidade extrema ao ser abraçado por contagiou-me, fazendo-me esquecer por alguns momentos que minha relação com ele ainda estava estremecida.
- E aí, meu garoto! Que saudade de você! Você cresceu o quê? Uns três metros?
- Não tio, acho que você está encolhendo!
Sean ria divertido enquanto agitava-o em seu colo. E eu não sabia o que fazer. Sabe quando você se sente completamente deslocada em um ambiente? E aquilo de certa forma era triste, porque eu nunca me senti daquela forma com ele.
Quando colocou Sean no chão, e esse saiu correndo casa adentro quando foi informado de que estava na cozinha, restou apenas nós dois na porta, o silêncio tomando conta de nossas vozes.
- Hei. – Ele sorriu sem mostrar os dentes, me dando um abraço murcho. – Tudo bem?
Não, não está nada bem enquanto você me trata como uma desconhecida, quis dizer, mas me limitei a sorrir da mesma maneira, agitando a cabeça vagamente, de forma positiva. Sem esperar mais por algum outro gesto que me deixasse triste, entrei na casa de Margareth, procurando por ela e me preparando para receber o mesmo tratamento de .
Enchi o pulmão com oxigênio, mantendo fixamente o mantra de que eu mesma pedi por aquilo. Senti os passos de atrás de mim, e confesso que aquilo me deixou um pouco nervosa. A tensão entre nós era quase palpável.
Quando cheguei à cozinha, Margareth estava com Sean sentado em seu colo, lhe contando sobre nossa viagem. estava sentado de frente para eles, de costas para mim. Parei na porta, sentindo o coração bater um pouco mais apressado.
- Mamãe, vem comer bolo de chocolate! – Sean chamou-me com seus dedinhos, sorrindo e apontando a cadeira vaga ao lado de . – Está uma delicia!
Ao ouvir Sean se dirigir a mim, virou seu corpo na cadeira, sorrindo um pouco mais calorosamente do que , o que de certa forma quebrou um pouco o gelo.
Hesitante, adentrei a cozinha, percebendo pela minha visão periférica que se sentou ao lado de Sean, de frente para mim.
Ah, aquele café da tarde iria ser longo. Muito longo.
Dirigi-me até Margareth, dando-lhe e recebendo com o mesmo vigor, um forte abraço saudoso, sentindo o coração se aquecer com o aconchego que só uma pessoa que é como nossa mãe consegue transmitir.
- Oh minha querida, você está tão abatida! Não andou se alimentando direito, não é? – Margareth deu leves palmadas em minhas bochechas, e os meninos riram quando elas ganharam aquela leve coloração avermelhada. – Essa juventude! Sente-se, vou lhe servir um bom chá quentinho e uma generosa fatia de bolo! Sente-se, sente-se! , dê espaço para se sentar!
Sorri divertida ao presenciar aquela cena. era tratado como uma criança por Margareth, assim como , que acabava de levar uma bronca por estar falando de boca cheia.
Parecia fácil, daquela forma. Estar com os amigos e meu filho, rindo sem se sentir pressionada pelos medos e receios.
E eu resolvi aproveitar o momento.
Sentei-me ao lado de , como Margareth ordenara, sendo servida quase que imediatamente. Ele virou-se para mim, perguntando-me como eu estava. Foi um pouco constrangedor falar com ele enquanto todos prestavam atenção em nós, mas assim que consegui responder, todos retomaram o assunto de antes de eu chegar, e sempre arranjava um jeito de me colocar na conversa, pedindo minha opinião e fazendo comentários comigo.
sempre fora o mais pacífico de todos. Não conseguia guardar rancor por muito tempo, e seu coração era tão bom quanto suas atitudes.
E aquilo só me fez me sentir dez vezes mais egoísta e idiota.
Eu certamente não merecia ter um amigo como ele. Eu queria que ele me tratasse com tanta indiferença quanto . Era insano e eu sei que iria me machucar – assim como me machucou com –, mas era o correto.
>... Não era?
Durante todo o tempo que ficamos conversando, se dirigiu a mim umas duas vezes e quando não, sorria de uma forma enviesada que não durava mais do que cinco segundos. Era visível que ele se esforçava para me tratar como antes, mas ele não conseguia. nunca foi muito bom em fingir ou mentir, e quando o fazia, fazia muito mal. Por isso era evidente que ele não conseguia me olhar direito nos olhos.
Ainda havia muitas cicatrizes em nossa amizade.
Quando começou anoitecer e Sean começara a dar indícios de sonolência, despedi-me de e , sendo levada até a porta por Margareth. Como era de costume, ela me acompanhou até o carro, observando-me atentamente enquanto eu colocava Sean na cadeirinha.
- , pequena... – Ela me abraçou fortemente quando fui me despedir, afagando gentilmente meus cabelos. – Não se preocupe, criança, vai te perdoar logo. Não sei o que houve entre vocês, mas eu conheço meu sobrinho e sei o quanto ele gosta de você. Ele não vai ser bobo de perder alguém que gosta tanto dele também.
Senti-me comovida com suas palavras e foi impossível conter as lágrimas. Margareth as enxugou com um sorriso confortador, e eu lhe agradeci pelo carinho, dando-lhe um outro abraço cheio de sentimentos.
Segui o caminho todo para casa pensando em suas palavras, torcendo para que aquilo se tornasse verdade logo. Eu odiava não ver o sorriso de .
Assim que cheguei em casa, Sean se livrou do sono ao ver que Kyle chegara também. Havíamos combinado de jantarmos juntos e assistir algum filme, como costumávamos fazer antes.
Kyle, mais do que ninguém, sabia que eu precisava daquilo, de um pouco de normalidade no meio da tempestade que ainda estava por vir.
Eu poderia ter nuances de paz, mas era impossível esquecer que o futuro era incerto.
- Tio Ky! Tio Ky, você trouxe sorvete?
Sean remexia nas sacolas recém-postas sobre o balcão da cozinha, enquanto Kyle me perguntava sobre o resto do dia. Eu preferi não entrar em muitos detalhes, sobre como me tratou e em como eu me sentia diante daquilo. Limitei-me a contar sobre as partes boas, que se resumiam em Sean e suas pérolas.
- Hmm! Mamãe, tio Ky trouxe sorvete de morango!
- Claro que eu trouxe, eu sei que é o seu preferido!
- Você é o melhor. – Sean concluiu, e nós rimos com suas caras e bocas.
- É né, só gosta de mim porque te trago doces! – Kyle fingiu chorar e Sean correu imediatamente para ele, abraçando suas pernas.
- Não chora, tio Ky, também gosto de você quando traz outras coisas de comer!
Pela segunda vez naquele dia, eu consegui ter momentos agradáveis, com sorrisos autênticos.
Depois de mais risos e brincadeiras na cozinha, fomos para a sala, onde Kyle colocou algum filme qualquer de comédia romântica. Nos últimos dias, eu não estava curtindo muito essas coisas melosas. A vida não é como um filme, onde tudo se resolve debaixo da chuva. Era exigido muito mais do que apenas algumas lágrimas e palavras bonitas.
Na metade do filme, Sean ficou impaciente e parece que se lembrou do pedido do começo do dia.
- Mamãe, liga para o papai! – Ele me cutucou, pedindo daquela maneira que ele sabia que eu não conseguiria resistir por muito tempo. – Por favorzinho?
- Ahn, Sean... Acho que seu pai deve estar dormindo nesse horário...
- Mas ele não vai ficar bravo! Ele gosta de falar comigo... Sou o filho preferido do mundo, esqueceu?
- Sean...
- Por favor, mamãe!
Kyle, ao perceber meu olhar de completo desespero, tomou as rédeas da situação, apanhando Sean no colo e pedindo o telefone que estava ao meu lado. Sussurrei um obrigado, enquanto lhe passava o aparelho. Meio minuto depois de discar os números da residência de , Kyle se pronunciou.
- Eu gostaria de falar com , por favor.
Certo, não foi ele que atendeu ao telefone da sua própria casa, o que queria dizer, evidentemente, que ele não estava sozinho. Não podia ser , porque conforme o mesmo me dissera mais cedo, estava morando com agora. Parece que o relacionamento com a loira ficara sério mesmo.
Mas aquilo não era da minha conta, não é mesmo? Meneei minha cabeça, tentando prestar atenção no filme agora. Não era uma das melhores opções, mas era a única coisa disponível, se eu me retirasse da sala iria fazer alarde demais, e Kyle iria se preocupar à toa. E eu não quero mais ninguém com pena de mim.
- ? Oi, tudo bem? Aqui quem fala é Kyle... Sim, Sean queria falar com você, pode ser? – Um segundo depois, o telefone já estava nas mãos de Sean.
- Papai! Quem mandou você ir embora ontem? – Sean falava com firmeza, e ver sua seriedade toda me fez esboçar um pequeno sorriso. – Você disse que iria me esperar!
Sean conversava como um adulto, murmurando em resposta ao que dizia, enrolando o fio nos dedos de modo distraído.
- Tá bom, eu te desculpo! – Sean sorriu abertamente, como se aquilo fosse sua intenção todo o tempo. Era tão parecido com , naquele sentido. – Eu quero sim! Tá bom, eu aviso a mamãe! O quê? A mamãe tá do meu lado, quer falar com ela?
Eu praticamente gritei “não!”, e evidentemente ouviu do outro lado, porque Sean retraiu o telefone quase que imediatamente. Trocou mais algumas palavras animadas com ele e depois desligou, saltitando para o meu colo em seguida.
- Papai disse que vai me levar no parque! – Cantarolou, enquanto bagunçava meus cabelos e pulava em minhas pernas. – Você deixa não é, mamãe?
- Claro, meu amor, mas quando?
- Logo! E ele disse que vamos passear bastante!
Assenti para Sean, e não pude negar para mim mesma de que, independente de qualquer coisa, era um bom pai e zelava pela felicidade de Sean.
Com certa dificuldade, conseguimos colocar Sean na cama. Kyle ficou mais algum tempo, me ajudando com a louça e de certa forma, me vigiando para tentar encontrar algum indício de fraqueza em meus olhos.
Vendo que eu não iria desmoronar, Kyle foi embora.
Mas foi só quando eu deitei minha cabeça no travesseiro, que me peguei vulnerável, cheia de incertezas e centenas de “por quês” girando em minha mente.
Mas a única que reinava naquele momento era se queria falar comigo, realmente. E se ele quisesse, o que iria me falar?
E o mais intrigante... O que eu responderia?
Acho que não tem como saber.
Chapter Thirty Two
- Você tem certeza de que não quer que eu volte para o estúdio?
- Tenho, não tem muita coisa para fazer aqui... Pode ir para casa! Você já entregou os portfólios naquela gráfica?
- Conforme você pediu, chefinho! – Sorri para o telefone, enquanto caminhava em direção ao meu carro. – Bom, então acho que te vejo amanhã, certo?
- Amanhã você não vai se livrar de mim, eu prometo.
Despedimos-nos rapidamente com mais algumas brincadeiras, e logo eu me vi tomando o caminho de casa. Estava muito cedo para ir buscar Sean, então passei no mercado antes e comprei alguns mantimentos que estavam em falta em nossa dispensa.
Sean estava naquela época em que comia de tudo e um pouco mais, então era preciso estar sempre preparada.
Cumprido meu dever de dona de casa no mercado, peguei as ruas pouco movimentadas e cheguei em menos de quinze minutos em casa. Com tempo de sobra até ir buscar meu filho, comecei a ajeitar as coisas que ainda estavam fora do lugar desde que chegara.
Ainda havia coisas na mala e pó nos móveis.
Dedicada, como há muito tempo não me sentia, liguei o rádio e comecei com a arrumação. Era de certa forma divertido, apesar de solitário. Comecei pela sala, indo para a cozinha e lavanderia. O quarto de Sean me tomou boa parte do tempo, já que seus livros e brinquedos estavam todos espalhados pelo chão.
Sorri abobalhada ao ver seus desenhos pendurados na parede. Muitos deles retratavam seu dia-a-dia na escolinha e a sua convivência com Kyle, Margareth e os meninos. O mais recente – que Sean fizera no avião –, tinha Natalee e Leo com a Estátua da Liberdade ao fundo. Ver aquele desenho me lembrou de como Leo me ajudou, e de como eu me sentia em relação a ele.
Naquele momento, inconscientemente desejei que ele estivesse ali. Nossa despedida foi dolorosa e eu não lhe disse tudo que eu gostaria. Que ele foi um bom amigo, e que todo o apoio dele foi fundamental para que eu não sucumbisse de vez; que apesar de não ter condições de corresponder seu interesse à altura, eu gostaria de tê-lo sempre por perto. No momento me pareceu coerente não dizer nada além de um 'se cuida', mas vendo agora o quanto a falta de palavras machuca, eu gostaria de voltar no tempo e concertar, pelo menos aquilo.
Talvez uma ligação futuramente conserte isso.
Deixando de lado as lembranças de um passado recente, fui terminar a limpeza do meu quarto.
Sabe quando você acorda em um dia completamente nostálgico? Pois então, eu estava em um dia desses, hoje. Meu quarto nunca pareceu tão imensamente vazio, antes.
Desde que me mudara para essa casa – que só conseguira graças à ajuda que Kyle me dera –, sempre fora apenas Sean e eu. Desde pequeno ele dormia no seu quarto e desde sempre eu dormi sozinha. Mas, chega um momento em que tanta solidão cansa.
Parece que sempre falta um pedaço em quem Sean e eu somos, aqui.
Meneei minha cabeça, abrindo as cortinas e permitindo assim que um pouco de luz entrasse no ambiente e dispersasse meus pensamentos.
Depois de muito tempo organizando minhas roupas de volta no closet, percebi que estava em cima da hora de ir buscar meu filho.
Trocando de roupa rapidamente, peguei as chaves do meu carro e meu celular, seguindo para a escolinha de Sean.
Não demorei muito no percurso e cheguei em cima da hora, vendo a calçada recheada de crianças com seus uniformes de tons brancos e azuis.
Desliguei o carro e fui para o local onde Sean sempre me esperava, encontrando apenas Eveline ali. Estranhei, mas às vezes acontecia de Sean estar com outros coleguinhas.
A doce menina de lindos cachos ruivos sorriu ao me reconhecer, acenando energeticamente para mim.
- Tia !
- Oi, Eve! – Dei-lhe um abraço gentil, afagando seus cabelos cuidadosamente em seguida. – Como você está, pequena?
- Bem! E eu estava com saudades de você e do Sean!
- Aposto que ele também sentiu muitas saudades de você. – Sorri. – E vocês já mataram as saudades?
- Já... Mas ele só ficou o tempo todo falando da Natalee. – Eve fez um bico dengoso, que me fez abrir ainda mais o sorriso. – Ele gosta muito dela.
- Oh, minha pequena, mas ele também gosta muito de você.
- Mesmo, tia? – Seus olhos esverdeados se acenderam, e aquilo era muito fofo. – Então tudo bem!
- E onde está o nosso Sean conquistador?
- Ele disse que iria no parquinho com o papai dele. – Eve sorriu. – Eu não sabia que o Sean tinha um papai também, tia .
Naquele momento, eu senti a irritação inflar meu interior. não podia simplesmente vir buscar meu filho sem ao menos me notificar!
- Oh querida, Sean também tem um papai... Um dia você vai conhecê-lo, tudo bem? Tia precisa ir embora agora.
Sorri amável para Eveline, que se despediu com um beijo estalado em minha bochecha ao ser chamada pelo seu pai.
Só para checar, dirigi-me até a professora de Sean, recebendo a mesma informação que Eve: que Sean tinha ido pro parque com o pai.
Agora era assim então? Só porque estamos brigados, ele acha que pode fazer o que bem entender na hora que quiser? Não era assim que as coisas funcionavam. Disquei os números do celular de , sendo atendida por uma mulher no terceiro toque.
- Cadê o ?!
- Quem quer falar com ele?
- De certo, isso não é da sua conta. Chame o . Agora.
- Queridinha, não sei quem você pensa que é, mas eu não vou chamar o enquanto você não me disser o que quer com ele.
Céus, eu mereço isso? Tenho que ficar dando explicações para aquela umazinha, agora?
- Garota, não me faça perder a paciência! Cadê o ?
Tenho certeza de que ela iria ser bem mal educada, mas depois de trocar alguns murmúrios com ele, fui atendida pela voz sonolenta de .
- ?
- Não, a rainha da Inglaterra! – Ironia, sempre presente quando eu menos preciso. – Posso saber o que diabos você tem na cabeça?!
- Quê? Do que você está falando?
- Pronto! É hoje o dia de perguntas cretinas e pessoas mais cretinas ainda! – Eu falava furiosamente enquanto andava ao redor do carro como uma delinquente. Muitas pessoas me mediam enquanto passavam pela rua, mas eu não estava em condições de ligar para o que achavam de mim. – Eu não lhe dei o direito de agir como se minha opinião não importasse!
- Eu ainda não sei do que diabos você está falando. – Não havia mais indícios de sono em sua voz, agora também estava irritado. Ótimo.
- Como não? Você vem, pega meu filho e acha que eu não devo saber de nada?
- Quê? , você andou bebendo? Está drogada?
- Como você é cínico, ! Eu estou na porta da escola do Sean, e ele não está aqui. Duas pessoas diferentes me afirmaram que ele tinha ido ao parque com o pai, o que sugestivamente indica que ele está com você!
- , deve estar havendo algum engano... Eu estou doente desde a noite anterior e não coloquei os pés fora de casa hoje, o que, sugestivamente indica que eu não fui buscá-lo em lugar nenhum.
- Mas... Sean disse que você iria levá-lo ao parque. – Meu tom totalmente irritado despencou para um tom surpreso.
- Sim, eu disse, mas não disse que seria hoje.
E então, meus ossos viraram pó. Com o olhar aterrorizado, olhei em volta do quarteirão, buscando em todos os cantos, indícios de Sean. Mas o perímetro estava quase deserto agora, e as únicas crianças que ainda estavam por ali não eram Sean. Meu coração pareceu sumir dentro de mim e o terror começou a assolar todo meu ser.
- , o que está acontecendo?
Desesperadamente, corri até a portaria, perguntando pelo Sean para outra professora. A mesma me disse que viu Sean ao lado de um rapaz e que ele havia dito ser seu pai, e que depois disso, não o viu mais.
Naquela altura, eu não sabia se ainda estava do outro lado da linha, eu só sei que de alguma maneira consegui chegar até meu carro e dar partida, seguindo pelas ruas mais próximas do colégio de Sean. Ele não podia estar muito longe.
Tremulamente e com a visão embaçada, disquei os números de Kyle após finalizar a chamada com . Kyle só me atendeu na segunda tentativa, e eu quase não conseguia tomar fôlego para falar.
Fui obrigada a parar em uma rua sem saída, depois de quase bater em dois carros em menos de um minuto.
- Hei, meu amor, o que foi? Está disputando uma maratona, querida?
- O-o Sean, Ky... O Sean! – Solucei inutilmente, alarmando Ky que deixou de lado as brincadeiras. – Meu Deus, Ky, meu filho!
- Garota do céu, respira e me fala o que aconteceu! Você está me assustando!
- O Sean sumiu! Ele não está aqui, eu preciso encontrar meu filho!
Lágrimas inúteis começaram a rolar pelo meu rosto, e eu sentia que todo o oxigênio existente ao meu redor não era suficiente para circular em meus pulmões.
- Pelo amor de Deus, se acalme e me diga onde você está! Eu vou aí te encontrar!
Passei o endereço de uma praça que tinha um parque a poucas quadras dali, e pedi para que ele me encontrasse lá. Kyle tentou me convencer a esperar por ele onde eu estava, mas eu não iria conseguir ficar parada enquanto o tempo passava.
Aquilo tudo era muito surreal.
Aquilo não podia estar acontecendo de verdade. Seis horas atrás eu tinha meu filho em meus braços, e eu o deixei são e salvo no colégio.
Como aquelas coisas podiam acontecer?!
Controlei meu choro, seguindo o mais rápido que eu nunca fora por aquelas ruas, até o ponto que eu indicara para Kyle. Vagamente, ouvi meu celular tocar, mas eu não conseguiria me concentrar em nada além da direção.
Dez minutos – que me pareceram horas – depois, eu estava no parque, procurando por Sean, enquanto Kyle não chegava.
Aquele parque não era muito movimentado, mas Sean gostava de vir aqui. Circulei pelo ambiente duas vezes, até que Kyle chegou e me abraçou com força.
- Onde foi que ele foi visto pela última vez?
- E-eu não sei Ky, eu fui até o colégio, disseram que ele estava com um rapaz que eu achei ser , mas ele disse que não saiu de casa hoje! – Novamente, fui tomada pelo jorro de soluços e lágrimas, e eu não conseguia sentir minhas pernas. Teria desabado se Kyle não estivesse me segurando firmemente pelos ombros. – Sean disse que iria ao parque com o pai... Meu Deus, isso não pode estar acontecendo comigo!
- Tudo bem, se acalme. Vamos ser práticos, você procura de um lado da cidade e eu procuro do outro. – Kyle segurou firmemente em meu queixo, forçando-me a fixar meus olhos nos seus. – Você consegue ?
Assenti positivamente, separando-me de Kyle, depois de prometer que iria atender ao telefone e que iria ligar a qualquer noticia.
Entrei em meu carro depois de checar o perímetro mais uma vez. Kyle seguiu para o lado sul da cidade, e eu permaneci pelas redondezas. Iria recapitulando todos os lugares que Sean gostava de ir, como na cafeteria perto da praça, e na livraria do outro lado da rua.
Por muitas vezes eu quis parar e chorar, mas eu sabia que nada daquilo iria adiantar.
Meu celular tocou e eu atendi sem olhar o visor; a voz de soou como um choque elétrico em meu sistema.
- , você pode me explicar o que é que está havendo?
Eu não sabia se a vontade de chorar aumentou, ou se a raiva me atentou a culpar por tudo aquilo. Apesar de tudo, eu tinha que informar claramente o que estava acontecendo, para que ele também pudesse ajudar de alguma forma.
- Sean sumiu depois que saiu do colégio hoje. – Tive que mandar o nó na garganta para baixo, controlando-me para não desabar. – Eu fui buscá-lo e disseram que ele estava com um rapaz, e que ele disse que iria ao parque com o pai.
- E ninguém viu quem era? Como deixam uma criança sair, sem ter a certeza de que está com o responsável de verdade?
- Eu também não sei, mas não quero pensar em nada além de encontrar meu filho, agora.
- Onde você está?
- Perto da escola de Sean, vou dar uma busca por esses lados. Kyle foi em outra direção, eu estou esperando ele ligar, então eu preciso desocupar o telefone...
- Me espere onde você está, eu estou indo te encontrar.
Não tive como fazer objeções, quanto mais gente procurando pelo meu filho, mais rápido iríamos encontrá-lo.
Usar aquele termo, ‘encontrar meu filho’, me quebrava de maneiras torturantes. Não havia palavras que pudessem descrever como eu me sentia por dentro. Acho que morrer deveria ser daquela forma. Eu tinha noção de tudo, mas não conseguia sentir nada.
Não sei quanto tempo exatamente se passou enquanto eu estive em meu carro esperando por ; mas quando avistei seu carro estacionando em frente ao meu e o vi saindo pela porta, o tempo pareceu não existir mais.
A dor em meu peito se expandiu por todo corpo, obrigando-me a me contorcer sobre o volante, respirando entrecortadamente. Desde que reencontrara , nunca me permiti demonstrar o que realmente sentia. Eu tinha aquele pensamento de que tinha que ser forte, pelo menos, diante dele.
Talvez porque temesse necessitar do porto seguro que sempre fora seus braços.
- .
Então surpreendentemente, eu me vi envolta pelos braços de , chorando copiosamente enquanto meus dedos se firmavam em torno de seu tronco. Eu derramei todas as lágrimas que vinha reprimindo, esperando que de alguma forma, aquilo aliviasse a pressão dentro de mim. Mas, quanto mais os braços dele se apertavam em volta de meu corpo, mais distante da tranquilidade eu me via.
Não era somente o desespero por Sean; havia naquele encontro de nossos corpos lacunas vazias implorando para serem enfim, preenchidas. Era o pedido gritante de nossos corações – que batiam doloridos e no mesmo ritmo – para que não houvesse mais espaços entre nós. Nunca mais.
- O Sean...
- Shiu, nós vamos encontrá-lo. – Ele segurou firmemente meu rosto entre suas mãos, fixando seu olhar no meu. – Nós vamos achar nosso filho.
Anui, tomando consciência de nossa perigosa proximidade aos poucos. Com um cuidado excessivo, me desvencilhei de seus braços, dando a partida no carro como uma forma de mudar o rumo da situação.
Assim como Kyle, achou melhor nos separarmos para cobrir uma área maior. Depois de ver seu carro partir na direção oposta ao que eu pretendia seguir, comecei a dirigir lentamente e sem um rumo certo novamente.
A cada nova parada, uma nova decepção. Kyle e não estavam muito diferentes, mas entre nós três, eles eram os únicos que permaneciam inabaláveis.
Eu queria continuar forte, mas meu coração de mãe era irracional demais. Eu só conseguia pensar em Sean, e nas horas que já haviam se passado desde o meio dia.
Para piorar tudo, uma forte chuva começara a cair sobre Londres.
Dei mais uma volta pelo mesmo quarteirão, parando por fim, em uma rua sem movimento. Observei sem ver, a chuva escorrendo pelo para-brisa.
Aquilo só poderia ser um pesadelo. Deus! E se...
Meneei minha cabeça, afastando qualquer tipo de pensamento negativo de mim. Eu iria ver meu filho, eu não iria perdê-lo. Nem que eu tivesse que virar a Inglaterra inteira de ponta cabeça, Sean estaria em meus braços logo. Eu tinha que me manter firme naquela convicção.
Fechei meus olhos, sentindo grossas lágrimas escorrendo livremente pelo meu rosto. Como um último lampejo de esperança, meu celular tocou e o nome de brilhava na tela. Em um misto irregular de ansiedade com receio, atendi-o.
- ...?
- Eu o encontrei, . – conseguiu dizer depois de alguns segundos em silêncio. – Encontrei nosso filho!
Ouvir aquelas palavras foi o bastante para me fazer derramar as lágrimas restantes, que agora eram de alivio e felicidade. O oxigênio corria freneticamente pelo cérebro, e eu não conseguia raciocinar com clareza.
- Meu Deus, ! O-onde vocês estão? Diga-me!
Anotei o endereço mentalmente, não me cabendo em alivio enquanto tomava o caminho para onde eles estavam. Imediatamente, liguei para Kyle, dando a notícia de que encontrara Sean, não muito longe de onde ele estava, em um parque aquático que fora inaugurado semanas atrás.
Acredito que eu nunca dirigi tão rápido e tão imprudentemente como hoje. Mas nada importava, tudo o que eu queria era sentir meu filho em meus braços.
Era só o que eu queria. Ter a certeza de que ele estava bem e de que nunca mais iria sair da minha vida daquele jeito, nunca mais.
Quando parei em frente aos portões trancados, logo identifiquei a silhueta de com Sean embalado em seu colo, e eu nunca pensei que um coração fosse capaz de aguentar tanta coisa no mesmo dia.
Estacionei o carro de qualquer maneira, descendo dele e correndo até Sean, tomando-o em meus braços, de uma forma até bruta de tão desesperada.
Inalei o perfume de seus cabelos, soluçando copiosamente enquanto beijava-o e me certificava de que ele estava ali, de verdade.
- Nunca mais faça isso com a mamãe! – Sussurrei, apertando-o em meus braços. – Você não pode me assustar dessa forma!
- Me desculpa. – Sean respondeu baixinho, no tom de quem sabia que tinha feito coisa errada.
Respirei enfim com um pouco de paz, dirigindo-me a pela primeira vez depois de tudo.
- Um funcionário do parque disse que Sean o seguiu até aqui. – apontou para o rapaz que estivera com Sean o tempo todo, sorrindo sem mostrar os dentes para o nosso filho. – Reconheceu o nome do parque, e veio para cá achando que iria me encontrar aqui.
Eu não sei distinguir o que eu encontrei em seus olhos. Havia o mesmo alivio, mas também havia mágoa, vergonha, culpa.
Não posso dizer que achava o contrário, de certa forma, a culpa não deixava de ser dele. Foi ele que disse a Sean que iriam ao parque, certo?
Mas eu não podia jogar aquela acusação em sua face; estava doente e ainda assim, saiu de casa para procurar nosso filho. Se ele não se importasse, ele não teria tido aquele trabalho.
Minha opinião estava dividida entre o que era certo, e o que eu achava que era certo.
Preferi não dizer nada, limitando-me a agradecer pela ajuda, pelo apoio.
Anos podem ter se passado entre nós, mas eu ainda conseguia ler o . Ele não iria se perdoar tão facilmente por aquilo.
E, vendo-o partir com o semblante vazio, eu me pergunto...
O que vai acontecer daqui pra frente?
ainda vai querer tomar Sean de mim, depois do dia de hoje? Eu vou continuar evitando , depois de sentir tudo o que senti em relação à nós durante aquele momento no carro?
Eu realmente queria saber.
Provavelmente tornaria o dia de amanhã um pouco mais suportável.
Ou não.
- Tenho, não tem muita coisa para fazer aqui... Pode ir para casa! Você já entregou os portfólios naquela gráfica?
- Conforme você pediu, chefinho! – Sorri para o telefone, enquanto caminhava em direção ao meu carro. – Bom, então acho que te vejo amanhã, certo?
- Amanhã você não vai se livrar de mim, eu prometo.
Despedimos-nos rapidamente com mais algumas brincadeiras, e logo eu me vi tomando o caminho de casa. Estava muito cedo para ir buscar Sean, então passei no mercado antes e comprei alguns mantimentos que estavam em falta em nossa dispensa.
Sean estava naquela época em que comia de tudo e um pouco mais, então era preciso estar sempre preparada.
Cumprido meu dever de dona de casa no mercado, peguei as ruas pouco movimentadas e cheguei em menos de quinze minutos em casa. Com tempo de sobra até ir buscar meu filho, comecei a ajeitar as coisas que ainda estavam fora do lugar desde que chegara.
Ainda havia coisas na mala e pó nos móveis.
Dedicada, como há muito tempo não me sentia, liguei o rádio e comecei com a arrumação. Era de certa forma divertido, apesar de solitário. Comecei pela sala, indo para a cozinha e lavanderia. O quarto de Sean me tomou boa parte do tempo, já que seus livros e brinquedos estavam todos espalhados pelo chão.
Sorri abobalhada ao ver seus desenhos pendurados na parede. Muitos deles retratavam seu dia-a-dia na escolinha e a sua convivência com Kyle, Margareth e os meninos. O mais recente – que Sean fizera no avião –, tinha Natalee e Leo com a Estátua da Liberdade ao fundo. Ver aquele desenho me lembrou de como Leo me ajudou, e de como eu me sentia em relação a ele.
Naquele momento, inconscientemente desejei que ele estivesse ali. Nossa despedida foi dolorosa e eu não lhe disse tudo que eu gostaria. Que ele foi um bom amigo, e que todo o apoio dele foi fundamental para que eu não sucumbisse de vez; que apesar de não ter condições de corresponder seu interesse à altura, eu gostaria de tê-lo sempre por perto. No momento me pareceu coerente não dizer nada além de um 'se cuida', mas vendo agora o quanto a falta de palavras machuca, eu gostaria de voltar no tempo e concertar, pelo menos aquilo.
Talvez uma ligação futuramente conserte isso.
Deixando de lado as lembranças de um passado recente, fui terminar a limpeza do meu quarto.
Sabe quando você acorda em um dia completamente nostálgico? Pois então, eu estava em um dia desses, hoje. Meu quarto nunca pareceu tão imensamente vazio, antes.
Desde que me mudara para essa casa – que só conseguira graças à ajuda que Kyle me dera –, sempre fora apenas Sean e eu. Desde pequeno ele dormia no seu quarto e desde sempre eu dormi sozinha. Mas, chega um momento em que tanta solidão cansa.
Parece que sempre falta um pedaço em quem Sean e eu somos, aqui.
Meneei minha cabeça, abrindo as cortinas e permitindo assim que um pouco de luz entrasse no ambiente e dispersasse meus pensamentos.
Depois de muito tempo organizando minhas roupas de volta no closet, percebi que estava em cima da hora de ir buscar meu filho.
Trocando de roupa rapidamente, peguei as chaves do meu carro e meu celular, seguindo para a escolinha de Sean.
Não demorei muito no percurso e cheguei em cima da hora, vendo a calçada recheada de crianças com seus uniformes de tons brancos e azuis.
Desliguei o carro e fui para o local onde Sean sempre me esperava, encontrando apenas Eveline ali. Estranhei, mas às vezes acontecia de Sean estar com outros coleguinhas.
A doce menina de lindos cachos ruivos sorriu ao me reconhecer, acenando energeticamente para mim.
- Tia !
- Oi, Eve! – Dei-lhe um abraço gentil, afagando seus cabelos cuidadosamente em seguida. – Como você está, pequena?
- Bem! E eu estava com saudades de você e do Sean!
- Aposto que ele também sentiu muitas saudades de você. – Sorri. – E vocês já mataram as saudades?
- Já... Mas ele só ficou o tempo todo falando da Natalee. – Eve fez um bico dengoso, que me fez abrir ainda mais o sorriso. – Ele gosta muito dela.
- Oh, minha pequena, mas ele também gosta muito de você.
- Mesmo, tia? – Seus olhos esverdeados se acenderam, e aquilo era muito fofo. – Então tudo bem!
- E onde está o nosso Sean conquistador?
- Ele disse que iria no parquinho com o papai dele. – Eve sorriu. – Eu não sabia que o Sean tinha um papai também, tia .
Naquele momento, eu senti a irritação inflar meu interior. não podia simplesmente vir buscar meu filho sem ao menos me notificar!
- Oh querida, Sean também tem um papai... Um dia você vai conhecê-lo, tudo bem? Tia precisa ir embora agora.
Sorri amável para Eveline, que se despediu com um beijo estalado em minha bochecha ao ser chamada pelo seu pai.
Só para checar, dirigi-me até a professora de Sean, recebendo a mesma informação que Eve: que Sean tinha ido pro parque com o pai.
Agora era assim então? Só porque estamos brigados, ele acha que pode fazer o que bem entender na hora que quiser? Não era assim que as coisas funcionavam. Disquei os números do celular de , sendo atendida por uma mulher no terceiro toque.
- Cadê o ?!
- Quem quer falar com ele?
- De certo, isso não é da sua conta. Chame o . Agora.
- Queridinha, não sei quem você pensa que é, mas eu não vou chamar o enquanto você não me disser o que quer com ele.
Céus, eu mereço isso? Tenho que ficar dando explicações para aquela umazinha, agora?
- Garota, não me faça perder a paciência! Cadê o ?
Tenho certeza de que ela iria ser bem mal educada, mas depois de trocar alguns murmúrios com ele, fui atendida pela voz sonolenta de .
- ?
- Não, a rainha da Inglaterra! – Ironia, sempre presente quando eu menos preciso. – Posso saber o que diabos você tem na cabeça?!
- Quê? Do que você está falando?
- Pronto! É hoje o dia de perguntas cretinas e pessoas mais cretinas ainda! – Eu falava furiosamente enquanto andava ao redor do carro como uma delinquente. Muitas pessoas me mediam enquanto passavam pela rua, mas eu não estava em condições de ligar para o que achavam de mim. – Eu não lhe dei o direito de agir como se minha opinião não importasse!
- Eu ainda não sei do que diabos você está falando. – Não havia mais indícios de sono em sua voz, agora também estava irritado. Ótimo.
- Como não? Você vem, pega meu filho e acha que eu não devo saber de nada?
- Quê? , você andou bebendo? Está drogada?
- Como você é cínico, ! Eu estou na porta da escola do Sean, e ele não está aqui. Duas pessoas diferentes me afirmaram que ele tinha ido ao parque com o pai, o que sugestivamente indica que ele está com você!
- , deve estar havendo algum engano... Eu estou doente desde a noite anterior e não coloquei os pés fora de casa hoje, o que, sugestivamente indica que eu não fui buscá-lo em lugar nenhum.
- Mas... Sean disse que você iria levá-lo ao parque. – Meu tom totalmente irritado despencou para um tom surpreso.
- Sim, eu disse, mas não disse que seria hoje.
E então, meus ossos viraram pó. Com o olhar aterrorizado, olhei em volta do quarteirão, buscando em todos os cantos, indícios de Sean. Mas o perímetro estava quase deserto agora, e as únicas crianças que ainda estavam por ali não eram Sean. Meu coração pareceu sumir dentro de mim e o terror começou a assolar todo meu ser.
- , o que está acontecendo?
Desesperadamente, corri até a portaria, perguntando pelo Sean para outra professora. A mesma me disse que viu Sean ao lado de um rapaz e que ele havia dito ser seu pai, e que depois disso, não o viu mais.
Naquela altura, eu não sabia se ainda estava do outro lado da linha, eu só sei que de alguma maneira consegui chegar até meu carro e dar partida, seguindo pelas ruas mais próximas do colégio de Sean. Ele não podia estar muito longe.
Tremulamente e com a visão embaçada, disquei os números de Kyle após finalizar a chamada com . Kyle só me atendeu na segunda tentativa, e eu quase não conseguia tomar fôlego para falar.
Fui obrigada a parar em uma rua sem saída, depois de quase bater em dois carros em menos de um minuto.
- Hei, meu amor, o que foi? Está disputando uma maratona, querida?
- O-o Sean, Ky... O Sean! – Solucei inutilmente, alarmando Ky que deixou de lado as brincadeiras. – Meu Deus, Ky, meu filho!
- Garota do céu, respira e me fala o que aconteceu! Você está me assustando!
- O Sean sumiu! Ele não está aqui, eu preciso encontrar meu filho!
Lágrimas inúteis começaram a rolar pelo meu rosto, e eu sentia que todo o oxigênio existente ao meu redor não era suficiente para circular em meus pulmões.
- Pelo amor de Deus, se acalme e me diga onde você está! Eu vou aí te encontrar!
Passei o endereço de uma praça que tinha um parque a poucas quadras dali, e pedi para que ele me encontrasse lá. Kyle tentou me convencer a esperar por ele onde eu estava, mas eu não iria conseguir ficar parada enquanto o tempo passava.
Aquilo tudo era muito surreal.
Aquilo não podia estar acontecendo de verdade. Seis horas atrás eu tinha meu filho em meus braços, e eu o deixei são e salvo no colégio.
Como aquelas coisas podiam acontecer?!
Controlei meu choro, seguindo o mais rápido que eu nunca fora por aquelas ruas, até o ponto que eu indicara para Kyle. Vagamente, ouvi meu celular tocar, mas eu não conseguiria me concentrar em nada além da direção.
Dez minutos – que me pareceram horas – depois, eu estava no parque, procurando por Sean, enquanto Kyle não chegava.
Aquele parque não era muito movimentado, mas Sean gostava de vir aqui. Circulei pelo ambiente duas vezes, até que Kyle chegou e me abraçou com força.
- Onde foi que ele foi visto pela última vez?
- E-eu não sei Ky, eu fui até o colégio, disseram que ele estava com um rapaz que eu achei ser , mas ele disse que não saiu de casa hoje! – Novamente, fui tomada pelo jorro de soluços e lágrimas, e eu não conseguia sentir minhas pernas. Teria desabado se Kyle não estivesse me segurando firmemente pelos ombros. – Sean disse que iria ao parque com o pai... Meu Deus, isso não pode estar acontecendo comigo!
- Tudo bem, se acalme. Vamos ser práticos, você procura de um lado da cidade e eu procuro do outro. – Kyle segurou firmemente em meu queixo, forçando-me a fixar meus olhos nos seus. – Você consegue ?
Assenti positivamente, separando-me de Kyle, depois de prometer que iria atender ao telefone e que iria ligar a qualquer noticia.
Entrei em meu carro depois de checar o perímetro mais uma vez. Kyle seguiu para o lado sul da cidade, e eu permaneci pelas redondezas. Iria recapitulando todos os lugares que Sean gostava de ir, como na cafeteria perto da praça, e na livraria do outro lado da rua.
Por muitas vezes eu quis parar e chorar, mas eu sabia que nada daquilo iria adiantar.
Meu celular tocou e eu atendi sem olhar o visor; a voz de soou como um choque elétrico em meu sistema.
- , você pode me explicar o que é que está havendo?
Eu não sabia se a vontade de chorar aumentou, ou se a raiva me atentou a culpar por tudo aquilo. Apesar de tudo, eu tinha que informar claramente o que estava acontecendo, para que ele também pudesse ajudar de alguma forma.
- Sean sumiu depois que saiu do colégio hoje. – Tive que mandar o nó na garganta para baixo, controlando-me para não desabar. – Eu fui buscá-lo e disseram que ele estava com um rapaz, e que ele disse que iria ao parque com o pai.
- E ninguém viu quem era? Como deixam uma criança sair, sem ter a certeza de que está com o responsável de verdade?
- Eu também não sei, mas não quero pensar em nada além de encontrar meu filho, agora.
- Onde você está?
- Perto da escola de Sean, vou dar uma busca por esses lados. Kyle foi em outra direção, eu estou esperando ele ligar, então eu preciso desocupar o telefone...
- Me espere onde você está, eu estou indo te encontrar.
Não tive como fazer objeções, quanto mais gente procurando pelo meu filho, mais rápido iríamos encontrá-lo.
Usar aquele termo, ‘encontrar meu filho’, me quebrava de maneiras torturantes. Não havia palavras que pudessem descrever como eu me sentia por dentro. Acho que morrer deveria ser daquela forma. Eu tinha noção de tudo, mas não conseguia sentir nada.
Não sei quanto tempo exatamente se passou enquanto eu estive em meu carro esperando por ; mas quando avistei seu carro estacionando em frente ao meu e o vi saindo pela porta, o tempo pareceu não existir mais.
A dor em meu peito se expandiu por todo corpo, obrigando-me a me contorcer sobre o volante, respirando entrecortadamente. Desde que reencontrara , nunca me permiti demonstrar o que realmente sentia. Eu tinha aquele pensamento de que tinha que ser forte, pelo menos, diante dele.
Talvez porque temesse necessitar do porto seguro que sempre fora seus braços.
- .
Então surpreendentemente, eu me vi envolta pelos braços de , chorando copiosamente enquanto meus dedos se firmavam em torno de seu tronco. Eu derramei todas as lágrimas que vinha reprimindo, esperando que de alguma forma, aquilo aliviasse a pressão dentro de mim. Mas, quanto mais os braços dele se apertavam em volta de meu corpo, mais distante da tranquilidade eu me via.
Não era somente o desespero por Sean; havia naquele encontro de nossos corpos lacunas vazias implorando para serem enfim, preenchidas. Era o pedido gritante de nossos corações – que batiam doloridos e no mesmo ritmo – para que não houvesse mais espaços entre nós. Nunca mais.
- O Sean...
- Shiu, nós vamos encontrá-lo. – Ele segurou firmemente meu rosto entre suas mãos, fixando seu olhar no meu. – Nós vamos achar nosso filho.
Anui, tomando consciência de nossa perigosa proximidade aos poucos. Com um cuidado excessivo, me desvencilhei de seus braços, dando a partida no carro como uma forma de mudar o rumo da situação.
Assim como Kyle, achou melhor nos separarmos para cobrir uma área maior. Depois de ver seu carro partir na direção oposta ao que eu pretendia seguir, comecei a dirigir lentamente e sem um rumo certo novamente.
A cada nova parada, uma nova decepção. Kyle e não estavam muito diferentes, mas entre nós três, eles eram os únicos que permaneciam inabaláveis.
Eu queria continuar forte, mas meu coração de mãe era irracional demais. Eu só conseguia pensar em Sean, e nas horas que já haviam se passado desde o meio dia.
Para piorar tudo, uma forte chuva começara a cair sobre Londres.
Dei mais uma volta pelo mesmo quarteirão, parando por fim, em uma rua sem movimento. Observei sem ver, a chuva escorrendo pelo para-brisa.
Aquilo só poderia ser um pesadelo. Deus! E se...
Meneei minha cabeça, afastando qualquer tipo de pensamento negativo de mim. Eu iria ver meu filho, eu não iria perdê-lo. Nem que eu tivesse que virar a Inglaterra inteira de ponta cabeça, Sean estaria em meus braços logo. Eu tinha que me manter firme naquela convicção.
Fechei meus olhos, sentindo grossas lágrimas escorrendo livremente pelo meu rosto. Como um último lampejo de esperança, meu celular tocou e o nome de brilhava na tela. Em um misto irregular de ansiedade com receio, atendi-o.
- ...?
- Eu o encontrei, . – conseguiu dizer depois de alguns segundos em silêncio. – Encontrei nosso filho!
Ouvir aquelas palavras foi o bastante para me fazer derramar as lágrimas restantes, que agora eram de alivio e felicidade. O oxigênio corria freneticamente pelo cérebro, e eu não conseguia raciocinar com clareza.
- Meu Deus, ! O-onde vocês estão? Diga-me!
Anotei o endereço mentalmente, não me cabendo em alivio enquanto tomava o caminho para onde eles estavam. Imediatamente, liguei para Kyle, dando a notícia de que encontrara Sean, não muito longe de onde ele estava, em um parque aquático que fora inaugurado semanas atrás.
Acredito que eu nunca dirigi tão rápido e tão imprudentemente como hoje. Mas nada importava, tudo o que eu queria era sentir meu filho em meus braços.
Era só o que eu queria. Ter a certeza de que ele estava bem e de que nunca mais iria sair da minha vida daquele jeito, nunca mais.
Quando parei em frente aos portões trancados, logo identifiquei a silhueta de com Sean embalado em seu colo, e eu nunca pensei que um coração fosse capaz de aguentar tanta coisa no mesmo dia.
Estacionei o carro de qualquer maneira, descendo dele e correndo até Sean, tomando-o em meus braços, de uma forma até bruta de tão desesperada.
Inalei o perfume de seus cabelos, soluçando copiosamente enquanto beijava-o e me certificava de que ele estava ali, de verdade.
- Nunca mais faça isso com a mamãe! – Sussurrei, apertando-o em meus braços. – Você não pode me assustar dessa forma!
- Me desculpa. – Sean respondeu baixinho, no tom de quem sabia que tinha feito coisa errada.
Respirei enfim com um pouco de paz, dirigindo-me a pela primeira vez depois de tudo.
- Um funcionário do parque disse que Sean o seguiu até aqui. – apontou para o rapaz que estivera com Sean o tempo todo, sorrindo sem mostrar os dentes para o nosso filho. – Reconheceu o nome do parque, e veio para cá achando que iria me encontrar aqui.
Eu não sei distinguir o que eu encontrei em seus olhos. Havia o mesmo alivio, mas também havia mágoa, vergonha, culpa.
Não posso dizer que achava o contrário, de certa forma, a culpa não deixava de ser dele. Foi ele que disse a Sean que iriam ao parque, certo?
Mas eu não podia jogar aquela acusação em sua face; estava doente e ainda assim, saiu de casa para procurar nosso filho. Se ele não se importasse, ele não teria tido aquele trabalho.
Minha opinião estava dividida entre o que era certo, e o que eu achava que era certo.
Preferi não dizer nada, limitando-me a agradecer pela ajuda, pelo apoio.
Anos podem ter se passado entre nós, mas eu ainda conseguia ler o . Ele não iria se perdoar tão facilmente por aquilo.
E, vendo-o partir com o semblante vazio, eu me pergunto...
O que vai acontecer daqui pra frente?
ainda vai querer tomar Sean de mim, depois do dia de hoje? Eu vou continuar evitando , depois de sentir tudo o que senti em relação à nós durante aquele momento no carro?
Eu realmente queria saber.
Provavelmente tornaria o dia de amanhã um pouco mais suportável.
Ou não.
Capítulo betado por Natyh Vilanova