Preface
Eu nunca tive muita certeza sobre nada em minha vida. Eu não tinha certeza sobre quem eu queria ser e sobre talvez não saber ao certo quem eu era. Eu nunca pensei sobre os meus planos, sobre meu futuro ou sobre o meu passado. Eu costumava achar que viver o agora bastava. Eu queria tanta coisa, literalmente o topo do mundo e tudo a mais que me coubesse, e eu conseguia todas as vezes que o pico acontecia.
A sensação da droga correndo em minhas veias se tornou uma velha conhecida, era um veneno. O meu veneno. O veneno que acelerava meus batimentos e contaminava minha mente perturbada e alucinada. Eu me arrastei até o inferno e me acorrentei para nunca mais sair.
Pessoas boas vão para o céu, as malvadas não merecem piedade.
Preste bem atenção nos detalhes, não deixe que eles te confundam.
A sensação da droga correndo em minhas veias se tornou uma velha conhecida, era um veneno. O meu veneno. O veneno que acelerava meus batimentos e contaminava minha mente perturbada e alucinada. Eu me arrastei até o inferno e me acorrentei para nunca mais sair.
Pessoas boas vão para o céu, as malvadas não merecem piedade.
Preste bem atenção nos detalhes, não deixe que eles te confundam.
Prologue
Ou know that it's true
Cause it's beautiful people like you, who get whatever they want
and it's beautiful people like you, who suck the life right outta my heart
and it's beautiful people like you, who make me cry
'cause nobody else could be nearly as cruel as you
Outubro - 2018.
seis meses antes.
Cause it's beautiful people like you, who get whatever they want
and it's beautiful people like you, who suck the life right outta my heart
and it's beautiful people like you, who make me cry
'cause nobody else could be nearly as cruel as you
Outubro - 2018.
seis meses antes.
Era mais uma típica noite tediosa na vida de , e como todas as noites ela se rendia a um hábito tóxico e cruel que adquiriu após a morte de sua irmã mais nova. A Heroína.
Se fosse injetada diretamente no sangue através de seringas ou inalada, a heroína produz efeitos que duram de duas a quatro horas. E era esses efeitos que buscava, ela queria reduzir a dor, diminuir sua ansiedade e espantar o desânimo e as vozes que insistem em gritar em sua cabeça. Era a tal liberdade e a euforia que todos os jovens lutaram tanto para ter, e ela tinha demasiadamente.
Mas, no final da noite, a sensação de solidão era algo inexplicável, sempre muito doloroso e aterrorizante. Na primeira vez que experimentou havia jurado a si que não estava em busca de um vício, mas sim uma fuga do episódio mais assombroso de sua adolescência. Por que se lembrar de um dia que tirou uma das coisas que era mais importante para ela? O dia que ficou marcado por gritos, choros, bebidas, cigarros, drogas, histeria, sangue, morte e culpa!
chorou tanto aquele dia que hoje em dia uma lágrima sequer caía dos seus olhos. Mesmo que tentasse, e ela tentou, as marcas em seu pulso deixaram explícitos todas as tentativas de voltar a sentir alguma coisa, qualquer coisa para afastar aquele enorme "nada" que se espalhava por seu corpo. Eram 19 cortes, 19 motivos… Foram 19 meses.
19 de Abril foi o dia de sua morte, e não precisou ser enterrada para isso.
passou os olhos pela caixa onde ficavam suas drogas e soltou um suspiro prolongado ao sentir a agulha penetrando em sua veia. A sensação de euforia e liberdade preencheu seu corpo no mesmo instante. Ela esperou cinco minutos para enfim abrir os olhos e acender o baseado dando uma enorme tragada, sentindo seu corpo relaxar cada vez mais. E então a primeira alucinação começou.
A imagem de Summer, sua garotinha, seu anjinho apareceu. Desta vez havia um sorriso doce e amigável em seu rosto angelical unido a um olhar tranquilizante e esperançoso repousando em sua face.
- Minha princesa preciosa, minha Summer. Você está tão linda hoje… – o sussurro fraco saiu de seus lábios e se perdiam no meio da escuridão que se aproximava.
- Você precisa acordar, !
A saudade foi apertando em seu peito cada vez mais, trazendo uma sensação de falta de ar ainda mais forte.
- Não! Preciso ficar com você! Por favor? – implorou mais uma vez e dessa vez outra coisa lhe chamou atenção. - Eu estou chorando?
- , você precisa acordar…
O corpo de deu o primeiro espasmo e dessa vez a falta de ar ficou ainda mais visível.
- É coisa de gêmeos , lembra? precisa que você acorde.
“É coisa de gêmeos…” a voz de estava mais próxima e mais clara em seu ouvido. poderia não nutrir nenhuma fé em sua vida, mas nutria fé na ligação com seu irmão gêmeo.
- Você precisa acordar, ...
Aos poucos a imagem de Summer foi sumindo e dando lugar a uma imagem centena de vezes pior.
O corpo de escorregou até o chão do quarto, mas a menina continuou inerte na escuridão que se acomodou de todos os cantos de sua alma. Sua pele estava tão fria que não estremeceu ao entrar em contato com o chão gelado do quarto. À voz de estava cada vez mais alta em seus ouvidos trazendo o sentimento de disforia para seu corpo.
“É coisa de gêmeos, você sabe, não é?”
Um grito alto, doloroso e medonho escapou de seus lábios no instante em que o coração de decidiu não ter forças para continuar batendo. Não era mais a alucinação que tomava conta de , era a overdose que tomava o controle e a afastava cada vez mais de sua vida.
Do outro lado do oceano o coração de se partia em milhões de pedaços que partiam em milhões de outros pedaços em um ciclo doloroso e frenético.
Você sabe o que dizem, não sabe? A ligação entre gêmeos está enraizada por toda vida e ultrapassa todas as fronteiras da morte. É coisa de gêmeos.
Janeiro de 2019.
três meses depois.
três meses depois.
estacionou o carro na área de desembarque no aeroporto de Nova Orleans e checou o relógio pelo o que parecia a milésima vez no último minuto. Ela ia aparecer ali a qualquer instante, ou pelo menos era isso que ele imaginava, e desejava com todas as forças. A razão de todo nervosismo - e esforço - era preciosa demais para não valer a pena.
Não foi preciso esperar muito para olhar pela janela e encontrar a figura esguia que vinha caminhando em sua direção e, por um breve instante, teve a visão que seu íntimo sempre quis ter: reencontrar sua irmã depois de meses e ficar feliz e em paz com ela. Mas a realidade era muito pior do que ele pode imaginar.
O corpo magro, pálido e fraco de ficou mais nítido em sua visão e um arrepio medonho surgiu em seu corpo ao observá-la. A cada passo que sua irmã dava, era uma dor equivalente a farpas embaixo de suas unhas.
saiu do carro o mais rápido que pode e envolveu os braços ao redor do corpo flácido dela. Sentiu a respiração pesada do corpo de , sentiu a tremedeira da abstinência presente em cada centímetro de seu corpo e sentiu as lágrimas encharcando sua camisa.
- Você está em casa, mamu. Está em casa!
- Sinto muito, mamu! - a voz abatida soou baixa em seu ouvido e jurou ouvir seu coração se partindo em milhões de pedaços em seu peito novamente.
Single Chapter
It's my last big breath, what you want me to do
When you went all cool, like you already knew
Cause it's beautiful people like you, who get whatever they want
and it's beautiful people like you, who suck the life right outta my heart
Janeiro de 2019.
dias atuais.
.
When you went all cool, like you already knew
Cause it's beautiful people like you, who get whatever they want
and it's beautiful people like you, who suck the life right outta my heart
Janeiro de 2019.
dias atuais.
.
Meu nome é Hyde. Eu tenho 25 anos. Eu sobrevivi a uma overdose e estou a três meses sem usar droga. Eu sou uma vitoriosa… Meu nome é Hyde…
O motivo que me fez perceber que as coisas fugiram do controle não foi a overdose, não foi com a parada cardíaca ou a segunda experiência de quase morte. Eu percebi que a situação estava fora de controle quando recobrei a consciência e segurava minha mão na UTI do hospital, foi naquele exato momento que eu admiti que precisava de ajuda.
não era mais o menino que precisava de cuidados e minha proteção a todo instante, com 25 anos ele era um homem feito, com princípios e motivações que eu não fui capaz de ter. Eu era um segundo mais velha que ele e isso nunca me impediu de agir como se fosse 10 anos, mas, desde o fatídico acidente, parecia que eu havia voltado a ser uma adolescente inconsequente e desprovida de noção, o que era a grande verdade.
A culpa da morte de Summer me acorrentou ao inferno por tanto tempo, mas nem isso foi capaz de me afastar dele, nem todas as merdas que eu cometi foram capazes de destruir a ligação que tínhamos e era isso que me manteve viva até hoje.
esperou 15 longos dias para que eu acordasse do coma e, mesmo ouvindo do médico que as chances eram baixas, meu irmão jamais desistiu e foi isso que me trouxe de volta, foi isso que me tirou do vácuo frio e silencioso que existia do outro lado. Foi isso que me manteve sadia e lúcida durante os três meses em que eu fiquei internada no hospital. Foi a fé de meu irmão que me fez decidir e querer mudar de vida. O fato de eu ter sido salva da overdose a tempo de evitar algo fatal me trouxe de volta a noção de que outra pessoa no mundo precisava de mim. Talvez fosse o sinal de que eu ainda viveria algo incrível ou apenas sorte. Mas no fundo eu sabia que era Deus mantendo um de seus filhos sadio. era uma muralha, mas não aguentaria perder outro irmão. Não de novo. Não sua irmã gêmea.
Agora eu tinha uma semana ao lado dele antes de enfrentar uma clínica de reabilitação por três anos. Era esse o trato: mudar de cidade, mudar de casa, mudar de vida! O tratamento da heroína é um dos mais agressivos e longos, mas eu estava disposta. Por ele eu estava disposta.
Senti um aperto gentil em minhas costas e virei meu rosto sorrindo ao observar o olhar preocupado de meu irmão.
- Está se sentindo bem?
estendeu a mão e me passou uma xícara de chá com um sorriso encorajador nos lábios. Respirei fundo duas vezes e tentei ignorar o tremor de meus dedos e me concentrei em apenas um ato: pegar a xícara.
O líquido balançou um pouco mais do que o normal, mas pela primeira vez em dois dias nenhuma gota caiu.
- Vitórias pequenas também precisam ser comemoradas! - beijou o topo de minha cabeça e sentou-se ao meu lado passando os braços ao redor de meus ombros e me abraçando. - No que está pensando?
Meu nome é Hyde. Eu tenho 25 anos. Eu sobrevivi a uma overdose e estou a três meses sem usar droga…
- Em muitas coisas ao mesmo tempo…
respirou fundo e apertou o abraço ainda mais em reposta.
A ideia de começar a frequentar um grupo de apoio foi descartada tão rápido quanto apareceu por nós dois, eu não estava em condições de opinar em algo, mas me recusava a frequentar esse tipo de local. A segunda opção de - já que meu pai desistiu de mim na primeira crise - foi a associação dos narcóticos anônimos, o objetivo era se encontrava duas vezes por semana no sótão de uma igreja no centro da minha cidade. Eu não precisei dizer o quão ridículo aquilo era, prontamente percebeu que o AA não iria me manter longe das drogas, e me conhecendo bem ele sabia que eu odiava fielmente três coisas: pessoas, associações e religião.
- Você está queimando em febre, …
A voz de começou a ficar distante e eu respirei fundo fechando os olhos tentando afastar o bolor que surgia em minha garganta. Eu conseguia sentir todos os efeitos da abstinência retornando.
Os monstros em minha cabeça que me impediam de dormir. A dor em cada centímetro de minha pele era angustiante. As alucinações que ficavam piores a cada dia…
Senti quando levantou meu corpo da cama e me pegou no colo, eu estava tão exausta de tudo aquilo. Exausta de olhar para meu irmão e, invés de alegria, só encontrar desespero e tristeza. Os delírios estavam começando a ficar cada vez mais vivos, e eu já não estava sabendo distinguir o que era real ou não. E talvez isso fosse o melhor, a realidade dói.
entrou junto comigo na banheira e continuou abraçado enquanto meu corpo emergia na água gelada. Eu tentava esboçar qualquer que fosse o sentimento, seja insatisfação ou dor, mas já não tinha mais poder sob os meus sentidos.
- Mamu, fique comigo! Ouça a minha voz e fique acordada! Você lembra? É coisa de gêmeos, eu estou aqui!
Meu nome é Hyde. Eu tenho 25 anos. Eu sobrevivi a uma overdose e estou a três meses sem usar droga…
"… Venha comigo!"
Meu nome é Hyde. Eu tenho 25 anos. Eu sobrevivi a uma overdose e eu sou um caso perdido.
Eu sou um caso perdido...
Eu sou a minha própria droga.
Eu queria estar morta.
Eu deveria estar morta.
Deixei um soluço escapar e fechei os olhos com força tentando ignorar a dor física que sentia, aquilo era muito pior do que eu poderia aguentar, era muito pior do que tudo que havia sentido na vida. Meus lábios se abriram involuntariamente e mais uma onda de urros indecentes saíram deles. Ouvi os passos de do outro lado da porta e me praguejei mentalmente por não conseguir encontrar forças para ter o controle de meu corpo.
Eu mereço sofrer, mas não mereço que ele sofra comigo.
Para qualquer outra pessoa comum, o dia tinha 24 horas. Mas para mim meu dia tinha de cinco a seis, nunca passava disso e, se passasse, eu não me lembraria. Rara eram as horas que eu me obrigava a ficar acordada e só fazia isso quando tinha certeza que poderia ver meu irmão como uma pessoa normal, mas isso não durava mais do que vinte minutos.
Meu nome é Hyde. Eu tenho 25 anos. Eu sobrevivi a uma overdose e estou a três meses sem usar drogas.
Por favor, eu quero morrer.
Por favor, por favor, por favor…
Em algum momento de minha inconsciência o barulho da porta abrindo trouxe uma pena parte de volta e não demorou muito para eu sentir as mãos geladas de em minha testa.
- Não, eles não estão aqui, ! E não vão tirar você daqui.
Eu queria gritar e perguntar porque ele estava chorando, queria o abraçar e dizer que estava tudo bem, mas não era isso que saia de meus lábios.
- Faz… Isso… Parar… Por favor, faz parar...
Eu não conseguia mais me manter 100% acordada, a minha realidade não passava de um borrão negro em minha vista, mas eu sabia que essa parte era real. passava a maior parte do dia tentando me acalmar, sussurrando palavras motivadoras para eu não desistir, rezando baixinho para eu ter força. Era a força dele que ainda estava me deixando viva. Você sabe o que dizem, a ligação dos gêmeos ultrapassa a morte.
- Faltam apenas três dias, mamu, e eu não vou sair do teu lado.
A voz do meu irmão era suave, e mesmo de olhos fechados e sem a mínima noção de realidade eu sabia que contradizia com sua feição e seus sentimentos. E isso me matava ainda mais.
- Você se lembra quando nós brincávamos no jardim de casa e você fingia ser uma fada das flores e eu te protegia dos bárbaros? Eu sempre vou te proteger!
- Você… Sempre… Vai… Me… Proteger…
A sensação que acometeu meu peito não era de libertação, eu sabia que essa parte que respondia a ele era pequena e fraca, mas mesmo assim eu precisava me agarrar a isso, eu precisava acreditar. Eu queria acreditar.
"Você se lembra do acidente de Summer?" "Como pode matar sua irmãzinha mais nova?"
Meu nome é … Eu sobrevivi a uma overdose, mas eu não queria ter sobrevivido.
Meu nome é Hyde, por favor me ajude.
.
substantivo masculino.
1. estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de qualquer ação; desalento.
2. estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança.
Era exatamente isso que eu sentia. Desesperança. Olhar minha gêmea definhando em minha frente me deixava desesperado, ouvir seus pedidos de ajuda me deixava desesperado, ouvir os gritos alucinados que saía de seus lábios pálidos me deixava desesperado. Não poder ajudar me deixava desesperado. Viver me deixava desesperado.
e eu costumávamos ter sonhos malucos. E todos eles estranhamente concretizavam-se. Minha mãe nos dizia que éramos sensitivos, que a ligação de irmãos gêmeos era tão forte que nada poderia explicar, e nós gostávamos disso, até saber o quão perturbador era essa ligação.
Eu sonhei com a morte da minha mãe dois meses antes. Eu sabia que ela ia cortar o próprio pescoço e que seria quem iria a encontrar. Eu assisti o enterro da minha irmã mais nova seis meses antes dela morrer. Eu sabia o local, o motivo e sabia que ao contrário de Summer, ia viver. E minha irmã gêmea também sonhava, também sabia e consequentemente sofria mais. Em meu sonho, eu vi o carro derrapando na pista, eu vi à margem do rio, eu vi o carro afundando e vi minhas duas irmãs indo junto. Eu também vi minha mãe recebendo Summer e me dizendo que eu precisava cuidar de e eu sabia bem o motivo.
Existia duas , uma antes e uma depois do acidente. A de antes, sempre foi mais sensível do que a maioria das pessoas, ela sempre sofreu mais, chorou mas, sentiu mais, ela era a emoção e eu a razão. Sempre com um sorriso brilhante no rosto e uma piada pronta na ponta da língua. Mas, essa parte ficou presa no fundo do rio, a que voltou era mais insensível do que a maioria das pessoas, sofria menos, chorava menos, não sentia mais, não era nem emoção e muito menos razão, era um vácuo vazio no mundo. E eu senti isso muito antes do acidente acontecer. Quando visitei minha irmã no hospital, foi a primeira vez que ouvi algo dentro de minha cabeça sussurrar: hoje duas irmãs suas morreram, a diferença é que uma delas não precisou ser enterrada.
E essa foi a maior verdade que alguém poderia ter me dito...
Senti o corpo de amolecer e um suspiro pesado sair de seus lábios denunciando que enfim ela havia dormido e chamando minha atenção de volta a realidade. Peguei-a em meus braços e a ajeitei na cama, sequei sua testa e pelo menos a febre havia baixado, o que era bom.
Eu estava cansado. Frustrado. Apavorado. Desesperado. Eu afastava o sentimento que pairava em mim sempre que a olhava, o sentimento de perda. Eu sabia que ela estava piorando a cada dia, eu sabia que poderia estar perdendo-a. E isso me quebrava.
Quando nós decidimos juntos que ela iria para uma clínica de reabilitação aqui em Nova Orleans, eu não imaginei que todas as etapas fossem ser tão dolorosas, mas era o preço que e eu estávamos dispostos a pagar já que a clínica só aceitaria minha irmã se ela conseguisse passar uma semana totalmente limpa, e ao que parece, os três meses no hospital não serviam.
Agora faltavam apenas três dias, e eu teria a minha irmã gêmea de volta.
Olhei mais uma vez e depositei um beijo suave em sua testa, o dedo mínimo dela ainda estava entrelaçado com o meu - igual quando éramos crianças e os pesadelos se tornavam reais - e não tinha pretensão nenhuma de me mexer. Peguei um dos calmantes em meu bolso e engolir no seco de forma mecânica - isso acabou virando um hábito que eu sabia que teria que combater no futuro - encostei na cabeceira da cama e fechei os olhos tentando descansar nem que fosse por cinco minutos…
Mas não foi exatamente isso que aconteceu.
Eu não saberia dizer se o que eu estava vendo era de fato real ou algo simplesmente criado pela minha mente cansada. E se tudo aquilo não existisse? É como o ar, você não pode o ver, então é plausível concluir que somos capazes de sentir coisas que não existe. Ou pelo menos não deveria existir. Para a mente humana é mais fácil criar um contexto que aparentemente faz sentido do que encarar a realidade.
Mas eu sabia que estava sonhando...
E não era um sonho normal, não existia um cenário, um contexto, alguém. Só existia meu reflexo e eu. Os espelhos nos dão a oportunidade de "ver a nós mesmos como os outros nos veem". Mas, existe uma crença muito antiga e frequente na antiguidade, que diz que os espelhos têm a capacidade de capturar e reter o que quer que eles refletissem para uso próprio e desconhecido. E eu acreditava demais nisso.
Olhei o espelho mais de perto e fui puxado para uma memória de anos atrás, mas dessa vez eu era o telespectador do meu próprio sonho. E isso era sempre pior.
e eu tínhamos 16 anos quando visitamos nosso avô na fazenda, e como ele estava muito debilitado após a morte de nossa mãe e sua neta mais nova, meu pai uniu o útil ao agradável e nos mandou passar as férias com ele. A casa era bonita e bem grande, mas tinha um cômodo em especial que cantarolava para nós todos os dias.
O porão era bem limpo, tinha um tapete branco, uma televisão antiga, um sofá confortável, mas sempre odiou o porão e relutava de todas as formas entrar.
- Você não sente como aqui embaixo é mais frio do que qualquer outro cômodo, mamu?
Infelizmente eu sentia… Mas não dá forma que ela.
O grande fato curioso do porão era o espelho grande, que estava sempre coberto com um pano branco e uma cruz pendurada.
- Você consegue escutar a vozinha pedindo ajuda? - a voz de era reduzida a um sussurro quase inaudível naquele cômodo. - Vamos embora?
Infelizmente eu conseguia… Mas não dá forma que ela.
Um dia eu cheguei no ápice de minha curiosidade e questionei o meu avô:
- Vô, porque o espelho fica coberto com o pano preto?
A feição dele ficou brusca e violenta no mesmo instante.
- Jamais tire o pano daquele espelho. Existem portais que não podem ser fechados e muito menos tocado.
A harmonia reinou por uma semana. Eu comecei a evitar olhar na direção do espelho em respeito à minha irmã, e às vezes até esquecia que ele existia. Na segunda semana comecei a ter pesadelos onde via uma garota implorando por ajuda. A garota falava como minha irmã, agia como minha irmã, mas não era a minha Summer.
Na terceira semana senti uma mão tocar meu ombro e escutei um chorinho baixo saindo das paredes, mas quando olhei, não vi ninguém. As coisas começaram a piorar um pouco mais a cada dia, na quarta semana eu passei a ouvir a voz de uma garota me chamando:
"… … Me tira daqui... Estou sozinha e com medo."
- … A Summer...
- Shh… Tá tudo bem, !
Infelizmente não estava nada bem. E eu deveria ter ido embora.
Uma noite, eu me rendi ao único lugar que calava meus pensamentos e me dava o silêncio necessário para me acalmar.
O porão.
Eu ouvi um barulho atrás do sofá onde eu ficava e, ao verificar encontrei a pequena cruz empoeirada, olhei para o espelho e vi que uma parte do cobertor estava solta, não pensei duas vezes e fui ajeitar.
Foi quando eu a ouvi pela segunda vez.
", me ajuda a sair daqui… Estou sofrendo!"
Em um ato muito precipitado puxei o cobertor com força e encarei o espelho.
Eu comecei abrindo bem a boca e arregalando os olhos, depois olhei em volta para me certificar que o arrepio em minha espinha não era nada demais. Quanto mais sério eu encarava o reflexo, mais o reflexo ficava cada vez mais nítido em minha vida frente, a impressão que eu tinha era de que a qualquer momento ele ia se mexer. Ouvi a voz de em meus pensamentos em uma súplica angustiante para que eu não fizesse isso, mas infelizmente a minha curiosidade foi maior.
É incrível e um pouco psicótico o quanto a mente humana pode nos enganar, mesmo que eu quisesse me convencer de que estava tudo normal, eu sabia que nada de normal estava acontecendo. Aos 16 anos eu conheci uma das piores sensações que existem: a paralisia.
O perturbador reflexo se mexeu por um milímetro e eu precisei de bastante atenção para perceber, e ao contrário de mim, ele agora sorria. E ao contrário dele, eu não me mexia.
", por favor, você pode me ouvir?"
Eu queria responder minha irmã, mas meus lábios continuavam fechados. Eu acompanhei o reflexo mais uma vez com o olhar e minha visão ficou turva e logo após escura, minha respiração quente bateu de encontro ao vidro do espelho e o embaçou, a mesma voz soou ainda mais próxima.
- Não é você que olha para o espelho, é o espelho que está olhando para você!
Acordei no primeiro espasmo que meu corpo deu e agradeci. Aquela lembrança desencadeou gatilhos insuportáveis ao longo de minha juventude. Diversas vezes durante noites incontáveis eu me peguei imaginando se o que eu vivi ali era apenas uma realidade criada por mim. Eu me questionava se era mesmo real estar vendo aquele mundo com meus olhos. Me questionei tanto que não observei algo mais real ainda em minha frente: a dependência química de .
A madrugada chegou fria naquele dia e como de costume eu acordei primeiro do que minha irmã e encarei a parede branca com algumas sombras dos galhos das árvores.
Eu me sentia cansado, eu me sentia esgotado e exausto, mas não podia me dar o luxo de dormir de moto.
- ! - meu corpo se arrepiou e minha espinha gelou quando eu ouvi pela primeira vez alguém ao longe me chamar. - ...
Poderia ser um sonho. Deveria ser um sonho.
A voz continuou repetindo diversas vezes meu nome e, a cada pedido, a tristeza em meu peito aumentava e que eu podia sentir também a sensação de estar sendo repetida vezes chutado.
- Não! Não dessa vez, minha irmã precisa de mim... — eu respondia de olhos fechados.
- , por favor, aqui está frio... — era a voz da minha Summer, eu sabia que era e ela estava chorando.
- Eu nunca vou deixar você. — agora a minha voz saia baixa e quase inaudível. Estiquei minha mão na tentativa de segurar as de e tudo que eu encontrei foi o vazio.
- Você sabe o que dizem, é coisa de gêmeos… - eu conhecia aquela voz.
Então tudo sumiu como um último suspiro.
.
ACORDE!
Eu tinha que acordar, mas meu corpo não obedecia aos meus comandos, assim como minha voz que se recusava a sair e meus olhos se recusava a ficar abertos… Mas algo fez a chavinha do meu cérebro virar e como se alguém tivesse estalado os dedos eu acordei. Olhei em volta e tentei reconhecer um quarto claro, tentei reconhecer as pessoas ao meu redor, tentei reconhecer o que todo mundo falava. Mas sem sucesso.
Onde está minha irmã?
Eu tentava chamar, gemer, berrar e me mexer, mas eu não conseguia. Eles me olhavam, mas nada fazia e isso trouxe de volta a sensação de desespero para meu peito. Então tudo ficou escuro outra vez.
Onde está minha irmã?
Quando acordei, dessa vez a primeira coisa que eu vi foi a lua que iluminava meu quarto tanto quanto antes, eu estava deitado em minha cama em um completo e assustador silêncio. Suspirei pesadamente e entendi que sim, algo de bem grave estaria acontecendo.
- ? - eu reconheci a voz. Era a voz de minha Summer.
Eu quero acordar.
- Você não é real… - murmurei baixinho.
- Alguma melhora, doutora Summer? - a outra voz mais grossa chamou minha atenção com rapidez.
- Achei que, à essa altura, as coisas estavam melhorando…
", acorde! Você precisa acordar!"
Agora era a voz de que estava cada vez mais perto, mas eu não a via em lugar algum, e tinha certeza que Summer não era médica. De olhos fechados eu podia sentir o toque, sentir o cheiro, um cheiro de perfume misturado com as gostas de suor. Eu estava enlouquecendo.
- Onde eu estou? Summer, você estava morta.
Mas aquela não era a minha irmã, pelo menos não a que eu me lembrava. A feição da mulher em minha frente se tornou mais triste e reservada, ela lançou um olhar para o médico em seu lado e ele balançou a cabeça negando em resposta. Foi aí que eu me dei conta de onde estava e porque eu não conseguia me mexer. Eu estava amarrado, preso.
Tentei me levantar mais uma vez e senti a minha respiração pesar e meu coração acelerar. Eu estava com medo.
- Do que você se lembra? - apertei as unhas em minha carne tentando me acordar desse pesadelo e não senti nada. - , seja verdadeiro, eu sou sua médica!
"Não fale com ela, ela vai te tirar de mim…" - acompanhei com o olhar e vi a figura solitária de minha irmã gêmea no canto da sala. Um arrepio de medo voltar a assolar meu corpo. ", não dê ouvidos…"
Eu sentia a agonia banhando meu corpo como se todo meu sangue tivesse se congelado e eu tivesse virado uma pedra de mármore. Aquela voz doce continuava sussurrando conselhos e palavras encorajador, eu sabia que a parte mecânica estava respondendo, mas eu não conseguia assimilar isso também, tudo que eu vi era a figura pálida da minha irmã na parede me encarando.
Uma respiração rápida e quente chamou minha atenção ao encostar a minha face fria, o perfume familiar invadiu meus pensamentos e resgatou a parte perdida e calada.
- Me ajude, por favor, por favor, por favor, eu não aguento mais!
A médica levou suas mãos até meu rosto e limpou as lágrimas que rolavam. Eu estava enlouquecendo.
- , sua irmã morreu há três anos quando salvou você da overdose… Você nunca teve uma irmã chamada Summer, a única Summer que você conheceu é a sua psicóloga. - eu juro que pude ouvir meu coração quebrando em milhares de cacos no exato momento em que minhas memórias retornaram como água límpida e clara.
- Você está internado há três anos, você se lembra disso?
- O que aconteceu comigo?
- Você criou uma irmã em sua cabeça, e se escondeu em um pseudônimo.
Meus olhos se fecharam e se abriram repetidas vezes, eu sentia mais nada, não queria ouvir mais nada. Olhei a figura magra e mórbida de minha irmã gêmea no canto do quarto e ela sorria medonhamente.
"São belas pessoas como você que sugam a vida do meu coração, irmão… Porque ninguém poderia ser tão cruel como você."
É coisa de gêmeos.
Fim.
Nota da autora: Eu não sei qual foi o momento em que pensei sobre a música e decidir criar esse mundo tão louco, mas confesso que foi extremamente prazeroso escrever algo fora da minha zona de conforto. É uma história mais curta do que o normal pelo mesmo motivo.
E me deixo aqui totalmente disponível se alguém estiver passando por problemas parecido ou não para conversar e estar ao lado.
Espero de coração que vocês gostem tanto quanto eu, pois escrevi com muito amor para esse álbum lindo.
Com amor e carinho, Analua.
Outras Fanfics:
Between Secrets (Originais - Em andamento - Restrita)
The Take (Baseado na música de Tory Lanez - Finalizada - Restritas)
Nota da beta: Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
E me deixo aqui totalmente disponível se alguém estiver passando por problemas parecido ou não para conversar e estar ao lado.
Espero de coração que vocês gostem tanto quanto eu, pois escrevi com muito amor para esse álbum lindo.
Com amor e carinho, Analua.
Outras Fanfics: