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Última atualização: 19/09/2017

Prólogo


Ela estava com a camisa do Milan e seu nome nas costas. O nome daquele que significava mais para ela do que ela jamais imaginaria.
Ele era destaque. Corria pelo campo mostrando a que tinha vindo.
Era rotina toda sexta à tarde ela ir ao treino dele. Era quando ela tinha folga do trabalho de meio período na cafeteria.
Ele adorava quando ela estava presente. Era seu melhor dia. O técnico o elogiava. Corria, marcava os adversários, dava assistências.
Ele sabia que ela estaria ali, na beirada do campo o aguardando ir suado no final de mais um jogo vitorioso apenas para lhe roubar um beijo.
Era a rotina deles.
E mesmo assim, ele se fingia surpreso de sua presença nas sextas à tarde.
- Você veio.
- Não teria como não vir.
Ela segurou o rosto dele entre suas mãos. Era final de outubro e o frio começava a aumentar em Milão.
As luvas dela ficavam encharcadas com o suor dele. O calor do seu corpo, mais aquecido do que o normal por causa do exercício físico, fazia com ela se sentisse confortável apesar de estar ao ar livre.
Ele aproximou os lábios e a beijou. Nunca importaram com a o público. Sempre foram jovens, se davam o direito de curtir os seus 17 anos pois sabiam que aquela paz um dia iria embora.
tinha em toda a paz que ela precisava, a segurança do comum em meio a todas as mudanças que a vida podia ter. E contava com para ser aquela pessoa que sempre estaria ao seu lado, não importando os problemas.
Mas infelizmente nada dura para sempre. E a adolescência tinha um fim. Como também tinha a carreira de na categoria de base.
Agora, estava sozinha. Sozinha com as ruas de Milão.
1. il ritorno


Aquela música tocava nos fones de ouvido de . Estava frio para uma manhã de junho. “When love takes over” era um hino, uma música que sempre a fazia ficar animada.
Mas também sempre a lembrava dele.
Ele que ela passara tanto tempo evitando. Por um tempo parara de acompanhar futebol, principalmente quando a seleção italiana jogava. Seu pai no início estranhou, pois tinha na filha a companheira para os jogos.
Mas não conseguia mais. Tudo que lhe lembrava dele havia sido deixado para trás.
Tudo, menos aquela música. Aquela com a qual eles haviam dado o primeiro beijo. Uma festa quando tinha 17 anos. Se lembrava como se fosse ontem. O calor de Julho, a música em seus ouvidos.
e eram amigos de infância. Cresceram juntos entre duas quadras de Legnano, na região da Lombardia, pouco mais de uma hora do centro de Milão. Ela havia sido a primeira para quem ele contara que queria ser jogador de futebol profissional aos 12 anos de idade. Ela disse que isso não era profissão.
- Mas porque não?
- Porque você não vai trabalhar todos os dias.
Se ela soubesse o tanto que aqueles jogadores treinavam, ela não teria falado aquilo. Mas mesmo sendo contra, ela apoiava o amigo.
Fazia questão de ir em todos os jogos da base do Milan. No início seus pais a levavam, mas depois passou a ir sozinha.
Até que rolou aquele primeiro beijo. Aquele no qual ela sabia que nada mais seria como antes. Aquele que fez ele ter certeza que ela era a única em sua vida.
Mas aquela não era mais a vida dela.
era agora uma mulher de 26 anos, formada em história da arte pela Università de Milano e não fazia nenhum sentido aquela música ainda a deixava balançada.
Mas deixava. Porque ela sempre lembrava daquele sorriso. O lindo sorriso torto que se acontecia toda vez que se beijavam, a primeira coisa que ela via quando acordava em um domingo de manhã. O sorriso que ela não via há 3 anos.
Tudo que ela sabia sobre era que ele estava na inglaterra, jogando pelo Manchester United. Talvez fosse o topo da sua carreira.
Ela não saberia dizer.
Sua mente estava focada na exibição que fariam na semana seguinte. Uma retomada das obras mais importantes de Van Gogh. Ou pelo menos o que a Galeria de arte moderna de Milão conseguira reunir.
Para ela aquilo era amor. Seu trabalho. Passar boa parte do seu dia presa no passado. Mas não o passado dela, mas de diversos pintores e escultores que viveram muitos anos antes dela.
Eles haviam deixado uma marca no mundo. Agora era a vez dela deixar uma.

olhou para o computador. Finalmente comprara a passagem para Milão.
Já fazia alguns meses que não via seus pais. A correria dos jogos fora de casa raramente deixava com que ele visitasse a itália. A última vez havia sido na semana do amistoso contra a Alemanha em novembro, e ainda assim não havia tido muito tempo por causa da concentração.
Ele sempre inventava uma desculpa para não voltar. Poderia dizer que era por falta de tempo, sempre tinha uma festa, um evento, um jogo. Mas a verdade era que ele tinha medo de voltar.
Visitar aquelas ruas que eram tão conhecidas. Sentir a presença dela em todos os lugares que passasse. Visitar os museus que ela sempre teve apreciação.
Ele era feliz em Manchester. Nunca olhou para trás da sua decisão de sair da Itália. Sabia que era a chance de sua vida e jamais iria deixar passar. Mas nenhuma outra garota foi capaz de fazer o que ela tinha feito. Nenhuma outra o tinha feito sentir que a vida fazia sentido.
Porque ele sabia, que no final do dia, não era a sua conta bancária, não eram os títulos do seu time ou os gols marcados. No final do dia, o que importava era quem estava ao seu lado. E a sua cama vazia sempre mostrava que ela não estava ali.
Mas era hora de voltar.
Era hora de ir aos mesmos cafés, comer as mesmas massas e respirar o mesmo ar.
sabia que ainda morava em Milão. Nunca fora seu plano abandonar a cidade. Ali tinha tudo que ela precisava. Mas ele não sabia que o que ela mais queria, não estava ali.
2. Giugno


Pisar em solo italiano não era novidade. já havia feito esse percurso diversas vezes. Mas algo lhe dizia que aquela vez seria diferente.
Sorriu eu escutar todos conversando no mesmo idioma que ele.
É claro que já havia se habituado ao inglês, mas nada melhor do que sua língua materna para ouvidos viciados. Era uma paz que apenas quem já passara muito tempo fora do seu país e retornava saberia reconhecer.
Passar pela polizia, pegar a mala, passar na alfândega.
Já esperava que seus pais não estivessem ali para lhe buscar, mas seu motorista estava. Segurava uma placa que dizia “”. O jogador estava de boné e óculos de sol, mas ainda assim olhou ao redor para ter certeza que ninguém o havia reconhecido.
- Como foi de viagem?
- Tutto bene.
Ele entrou no carro observando a paisagem. As curvas da estrada já eram velhas conhecidas. O aeroporto de Malpensa ficava longe do centro de Milão. Era sempre uma hora para ir e outra para voltar.
Mas no final estar em casa valia a pena. O difícil era a despedida. Ele sempre preferiu quando as coisas eram rápidas. Tchau. Arrivedete. Adeus.
Nos vemos algum dia.
Essa coisa de prolongar não era com ele. já prolongava coisa o suficiente nessa vida. E essa coisa tinha um nome, sobrenome e morava em Milão.
- Tem algum caminho especial Sr. ?
- É dar muita voltar passar na porta da Galleria d'Arte Moderna?
- Claro que não.
Seu motorista estava com a família há alguns anos. Ele conhecia a história de e . Passar na porta da Galleria d'Arte Moderna a essa hora da manhã era pedir para atrasar bons minutos para chegar a casa da famiglia . Fora a volta que ele teria que dar ao ir até o centro da cidade.
Mas pela chance de passar por , valia a pena.

Ao longe já identificou aqueles cabelos castanhos. Se lembrava de como era sua textura, e sempre estavam com cheiro de morango apesar de insistir que nunca usara shampoo com esse cheiro.
Ele sempre passava por ali na tentativa de encontrá-la, rezando para que seu voo tivesse combinado o horário com o que ela entrava ou saía do museu.
Ao seu lado ia um rapaz um pouco mais alto do que ela. Ele carregava uma enorme pasta enquanto ela gesticulava o tempo inteiro.
combinava com o ar histórico da cidade. Ela respirava história, arte, ciência, modernidade. Era uma mistura de elementos que faziam com que fosse única. Faziam com que pertencessem completamente a Milão.
Quando ela já não estava em seu campo de visão, ele fechou os olhos se lembrando daqueles olhos azuis. De como eles sempre prestavam atenção em cada coisa que ele fazia.
A música que tocava no carro parecia ter sido encomendada para aquele momento. não sabia quem era aquele rapaz, mas será que alguém um dia a amaria como ele havia amado? Como ele a amava?
E naquele momento ele tomou uma decisão. Teria poucos dias na cidade, mas precisava ser o suficiente para tê-la de volta em seus braços.
Nem que fosse por apenas uma noite.

estava na correria do dia a dia. Era muita coisa que ela precisava organizar.
Claro que amava o seu trabalho mas sentia falta dos dias de estudante. Mesmo com os horários malucos e os colegas esquisitos. Era fácil só ter que chegar em casa e estudar. Se soubesse que sua rotina de trabalho seria essa loucura, ela não teria reclamado tanto.
Sua parte favorita era catalogar as obras. Posicioná-las nos lugares corretos do salão, fazendo sentido no “contar da história”. Mas essa era a parte final. Até lá precisava percorrer um longo trabalho de pesquisa e planejamento.
andava para cima e para baixo nas ruas de Milão. O calor no inicio de Junho já anunciava a chegada de um novo verão, e com ele, os turistas. É claro que tinha turista o ano inteiro, mas era naquela estação que a Itália era mais atrativa.
Exatamente por isso que o museu resolvera fazer a exposição em Junho. As obras teriam que ser organizadas para abrirem as portas no dia 25 de junho. Ou seja, tinha menos de vinte dias para estudar cada uma delas, assim como escrever um pequeno texto explicativo em quatro línguas diferentes.
Ela amava o trabalho dela. Mas tinha dias que também odiava. Tinha dias que queria ignorar as incessantes ligações telefônicas, o grosso livro de história, o cheiro de poeira e apenas ficar em casa assistindo Netflix.
E aos sábados, futebol. Revezando a televisão entre o campeonato italiano e de vez em quando, jogos do Manchester United. Porque ela poderia enganar todo mundo dizendo que não conhecia . Poderia enganar todo mundo dizendo que não o conhecia ou que o havia esquecido. Mas no final, o camisa 36 era sempre observado correndo de um lado para o outro do campo. Mesmo que ele não soubesse.
Aquele número que sempre significara tanto para eles. Aos nove anos havia dito que tinha 36 motivos para gostar dele, e desde então aquele havia sido o número deles. Algo que claramente ainda não havia deixado passar. Mesmo que agora ela tivesse muito mais do que 36 motivos para amá-lo.
Assim como os motivos para permanecer longe dele.
Seus cabelos foram bagunçados com o vento enquanto eles atravessavam a rua do Parque Cívico que dava na Galeria. Ela odiava andar de cabelo solto, mas saíra de casa tão atrasada que o seu tradicional rabo de cavalo havia sido esquecido. Seus pés doíam dentro do salto. Não havia se sentado nem um minuto sequer desde as 7 da manhã.
O sol do meio dia esquentava sua cabeça enquanto ela escutava Ravi reclamar de ter que carregar aquelas pastas para todos os lados.
- Não entendo porque temos que carregar tudo isso. Deveríamos ter pessoas para isso. Alias, porque você não contrata alguém para essa função ?
A garota respirou fundo. Já havia respondido isso diversas vezes. Odiava que tivesse que repetir toda vez porque Ravi era incapaz de compreender o que significava corte de orçamento.
- O museu está se mantendo com pouco. Me pediram para evitar qualquer mão de obra que já não estivéssemos em posse.
- Mas porque EU tenho que carregar?
Ela revirou os olhos.
- Porque você é homem e meu assistente. É pago para fazer o que eu mando.
Odiava ser grosseira, mas Ravi às vezes se acomodava e fazia questão de fingir que não havia entendido nada. Ele preferia ser conhecido como o ignorante do que ter que lidar com algumas responsabilidades.
Mas era uma boa pessoa, e o assistente que o museu havia lhe entregado, mesmo ela sabendo que seu cargo não tinha direito a um assistente.
Ravi era estudante de design em Milão, e conseguira o estágio para permanecer na Itália. Seus pais queriam que ele retornasse a Índia e se casasse com uma moça indiana com quem estava prometido desde muito jovem. Mas ele havia se apaixonado por uma espanhola colega de sala. Tudo que ele queria era permanecer na Itália pelo maior tempo possível. Talvez fosse por este motivo que ele se fingia ser tão enrolado.
entendia seu problema e gostaria de ajudá-lo. Mas ela também não poderia abrir mão de ser uma chefe. Se já se impondo ele tinha problemas de compreender seus afazeres, imagina se ela começasse a tratá-lo como um amigo?
- A gente já está chegando Ravi! É na próxima entrada.
indicou o caminho para ele e olhou para trás. Sentiu que alguém a estava observando, uma sensação que permaneceu por alguns minutos.
Mas ela não viu nada de estranho. Tudo parecia exatamente igual. Talvez fosse apenas uma impressão, ou talvez fosse um par de olhos castanhos escondidos em um óculos de sol há alguns metros de distância.

3. Fortuna


A casa de não ficava no centro da cidade. Ou melhor, a casa de seus pais. Vivera sua infância ali, e mesmo tendo se mudado com 16 anos, nunca deixou de ser sua casa. Seu porto seguro. Para onde ir quando tudo dava errado.
- Mama!
Sua mãe veio lhe receber na porta. O abraço carinhoso característico da matriarca italiana.
- Entra, entra! Como foi de viagem?
- Tutto bene. Cheguei cedo mas o trânsito estava impossível.
A mama sabia que isso não era verdade. O trânsito era ruim, mas não se demorava duas horas e meia de Malpensa até o seu endereço.
Ela sabia bem como era. E sabia também que não morava mais a duas quadras de distância.
Antes dela se mudar, sempre ia direto para sua casa quando chegava em Milão. Mas também fora antes.
Antes dele dizer o último adeus.
Antes dele se mudar para a Inglaterra.

Ao começar o futebol profissional, ainda ficou um tempo na Itália. Jogara no Torino por quatro anos, e neste tempo, tentara fazer dar certo com . Ela estava no início da faculdade e tudo era uma aventura.
Durante os fins de semana ia aos jogos dele. E quando saia do campo com uma vitória, as noites eram de glórias na cama, com promessas e carícias que nenhum dos dois achava que iria acabar.
Em uma noite de verão, eles estavam em Roma. O calor do lado de fora permitiu que passassem a noite sentados na sacada. Ele encostado na parede e ela no meio de suas pernas, enroscados um no outro e uma garrafa de vinho ao lado.
- Sabe o que eu vejo quando me perguntam o que é felicidade?
Ele sussurrava no ouvido dela, que lhe olhava da forma mais apaixonada possível.
- Isso aqui. Eu e você. O mundo lá embaixo parece que não existe.
Ela passava a unha por sua nuca, sabendo que ele adorava.
- Lucky i’m in love with my best friend.
- Lucky to have been where I have been, lucky to be coming home again.
Costumavam falar que essa era a música deles. Se beijaram na sacada, tendo certeza que sempre encontrariam um no outro a segurança que precisava.
Eram melhores amigos. Ninguém mais os entenderia do que um ao outro.
Mas nada acontecia como era planejado.

olhou pela janela em direção a casa que costumava ser de .
Se lembrou de como era mais fácil quando ambos moravam ali. Mas a vida acontecia. E ela havia acontecido.
- Filho!
Papa havia chegado na sala, tirando da sua constante viagem mental.
- Papa! Como vai a vida?
- O de sempre meu filho. E Manchester?
- Continua gelada. Anda assistindo os jogos?
- Claro! Como que eu perderia o meu jogador favorito em campo?
sorriu. Sabia que o pai estava exagerando. Seu jogador favorito era Pelé, mas Sr. Giovanni sempre iria dizer que era . O seu menino. Seu orgulho.
Ele havia sido o seu primeiro treinador. Aquele que lhe ensinara a chutar uma bola. É claro que também era seu fã número 1. Assim como papa era o primeiro ídolo de .
Os dois andaram até a mesa de jantar conversando sobre futebol, onde mama havia deixado uma enorme mesa de comida italiana.
E podia dizer que essa era a segunda coisa que ele sentia falta da Itália: a comida de sua mama.

entrou no seu apartamento no centro da cidade. A pequena cozinha, equipada com fogão, microondas, geladeira e a pequena mesa da copa era seu lugar favorito.
Seus livros ficavam espalhados pelo cômodo. Ali era o melhor aquecedor, ir para seu quarto gelado não era uma opção. Mesmo no verão.
Mas naquele dia ela não estava afim de passar pela cozinha. Ou pela micro-sala. E muito menos tomar banho.
Seu huscky siberiano veio rapidamente ao seu encontro. Klaus era o cachorro mais quieto que ela já conhecera, apesar de não ser característica de sua raça. Ele não havia crescido muito, então o espaço do apartamento e os passeios diários com eram o suficiente para o cachorro ter uma vida feliz.
Sua cama não arrumada estava lhe esperando apenas trocar de roupa.
Pegou o celular e olhou a tela. A foto de anos atrás ainda estava ali. Ela sorrindo da forma mais natural que já sorrira na vida, e a abraçando por trás.
Aquela foto havia sido tirada em uma viagem para as Bahamas. Ela achara ele um maluco por simplesmente pegar uma avião e ir para as Bahamas. E odiou que ele pagou tudo para ela, pelo menos no início.
- Ei, eu te amo e não passaria férias com ninguém mais além de você.
Aquilo a havia convencido, porque era assim que acontecia quando vocês precisavam lidar com um relacionamento a distância. E ela o amava, deveria sim aproveitar esses momentos.
Mas três anos haviam se passado.
E ela ainda o amava.
Ainda era ele quem fazia o seu mundo fazer sentido, mesmo que não estivesse mais ali.

4. Pazienza


A segunda chegara como quem não quer nada. O pai de saiu para trabalhar e sua mãe implicou que ele não havia andado pela cidade.
Ele ainda tinha alguns amigos em Milão. Primos, colegas de escolas. Mas não estava afim de avisar que estava por ali, muito pelo contrário. Tinha ido apenas para encontrar seus pais. Passar alguns dias calmos aproveitando as férias.
Geralmente gostava de viajar nessa época do ano. Iria a alguma praia nas Bahamas, ou para a Grécia ou até mesmo Nova York. Os amigos de time sempre o convidava para passar um tempo juntos em algum lugar paradisíaco.
Na maioria das vezes ele iria, mas neste ano, sentiu que precisava voltar para casa.
- Filho, você vai mesmo ficar sentado nesse sofá as suas férias inteiras?
- Já não sou mais uma criança mãe. - olhou para sua mãe com uma expressão infantil, que só fez com que ela desse de ombros comprovando que estava correta.
- Ainda é a minha criança. E você deveria tomar um sol. Sair, respirar. Sei que na Inglaterra não tem tanto sol. Você está branquelo demais. Até porque, quando seu pai chegar, vai querer te levar para algum lugar.
- Onde?
rapidamente levantou do sofá, franzindo a testa. Seu pai e suas diversas surpresas.
- Ele não me disse. Mas provavelmente é algo bom. Estava animado.
Sua mãe voltou para a cozinha, continuando sua arrumação constante da casa.
abriu o celular novamente. A página da galeria de arte em que trabalhava estava aberta. A exibição de Van Gogh ainda não havia começado. Era tão óbvio que ela fosse organizar uma mostra de seu pintor favorito. Mas ele se perguntou se, fingindo que iria ver alguma das outras, havia chances de encontrar com .
Estava sem coragem. O que faria quando a encontrasse? O que diria?
- Mãe, vou dar um volta.
- Aleluia!- A matriarca gritou da cozinha, o fazendo rir.
Seus pais sem dúvida eram a melhor coisa de vida. Havia sido o apoio deles que o levava a tão longe. Sem eles, não seria , jogador do Manchester United e da Seleção Italiana.

O dia de já começara do avesso. Seu despertador não tocara e ela acordara com Ravi lhe ligando desesperado, falando em um inglês que era incompreensível.
Ela saíra correndo de casa, mal tendo tempo para se arrumar. Estava virado uma rotina ficar atrasada. Queria saber o motivo disso além do fato que não estava dormindo.
não tinha um sono tranquilo desdes que fora embora. Ela nunca mais conseguiu achar nada que a deixasse tão calma como ele fazia. Mas ela precisava seguir em frente. Sua vida não poderia ser guiada por .
- Qual foi o problema Ravi?
- Senhor Nicolau não está acreditando nas planilhas.
- Como assim? - buscou a pasta que ela sabia de cor tudo que estava escrito nos papéis. Passara meses revirando aqueles documentos. Não era possível que alguma coisa estivesse errado tão perto da exibição.
- Ravi, o que ele disse que foi o erro exatamente? Não estou encontrando nada aqui.
- Ele disse que faltava um número. A porcentagem prevista de pessoas a visitar a exposição?
- Porcentagem prevista? Mas nunca fizemos isso! E porcentagem em cima de que número? População da terra?
- Não senhorita . Quero saber porque estamos fazendo essa exibição. Tem diversas obras de Van Gogh espalhadas pelo mundo. Porque as pessoas iriam vir especificamente nelas?
gelou ao escutar aquela voz atrás de si. Era raro Nicolau Benedict descer ao planejamento do museu, mas quando isso acontecia, ela podia ter certeza que não seria nada legal.
Respirou fundo para não dar uma resposta atravessada para o chefe.
- Isso foi afirmado no início das negociações Sr. Benedict.
- Foi? Poderia me recordar por favor? - Ele cruzou os braços. Sua cara de budogue e a barriga avantajada o deixava com uma imagem estranha.
nunca havia gostado dele. Era um péssimo chefe e agradecia quando ele ignorava a exibição. Mas claramente ele estava com algum problema com ela, uma vez que era a segunda vez seguida que ele implicava com uma ideia que havia sido dela.
Por sorte, ela havia aprendido a ter paciência.
- É uma recapitulação das obras iniciais dele. Uma mostra de quanto o seu trabalho era inovador, retomando a ideia da importância dos primeiros trabalhos dos artistas.
Nicolau ficou apenas olhando para . Ela respirava curto, com medo dele cancelar tudo tão perto.
Porque ele tinha esse poder. E não ajudava muito que ele fosse bipolar e sempre mudasse de ideia sobre as coisas rapidamente.
- Tudo bem. Só me avise quando as coisas estiverem no lugar.
respirou aliviada. Seria inútil se ele cancelasse tudo justo agora.
Juntou com Ravi os últimos documentos. No dia seguinte começariam a montar a exibição e o trabalho que mais gostava. Pensar na melhor posição para as obras, os melhores ambientes, luzes, cores. A parte realmente artística de seu trabalho.
Ela estava cansada quando finalmente saiu do escritório na hora do almoço. Liberara Ravi mais cedo porque o garoto de fato não tinha muita coisa para fazer ali.
Gostava de andar pelo museu observando como seus colegas organizavam as demais exibições. Precisavam manter uma homogeneidade no trabalho.
Mas ela não esperava encontrar algo ali.
Parado no meio do salão, olhando para uma obra qualquer.
Naquele momento, teve a certeza que seu mundo tinha parado. Fazia alguns anos que ela não via aquele rosto, aquele sorriso torto que sempre parecia ter algo para dizer, aquela covinha que ela sempre achara charmosa, o motivo pelo qual se apaixonada anos atrás.
se virou lentamente, como se um imã o tivesse atraindo. Foi então que ele a viu.
olhou para . Seus olhares intensos um no outro, tentando se recordar de anos de histórias que haviam ficado para trás.
Ele deu um passo para frente. Ela fez que não e saiu andando com toda a pressa do mundo para fora da Galeria d’Arte Moderna di Milano.

5. Blu


andava de um lado para o outro no seu apartamento. Klaus já havia deitado no tapete apenas observando a dona, tonto por tanto movimento. A foto dos dois ainda estava ao lado da televisão, como se os últimos anos não tivessem tido uma importância. Como se eles não tivessem ficado longe um do outro.
era a paz. A tranquilidade que nunca teve sozinha. Era seu melhor amigo, o que estava ali desde sempre. O seu primeiro amor.
O primeiro beijo.

Ela tinha 16 e ele 17 anos. Sair fazia parte da rotina de jovens comuns, mas não de e . Enquanto preferia ficar entre livros, tinha seus treinos pela manhã e agendas apertadas de jogos.
Ele jogava na base do Milan e estava cotado a subir para o profissional em breve, fosse no próprio time ou em algum outro.
Mas eles também eram jovens e tinham direito de aproveitar as coisas que a vida lhe proporcionava.
Por este motivo, eles estavam na fila de uma boate conhecida de Milão. estava animada. Era a primeira vez que ela iria conhecer as famosas casas noturnas. Já estava preocupado. Ele teria um jogo importante no dia seguinte.
- , eu não acho que isso seja uma boa ideia.
- Para de ser careta! Se joga.
- Falou a pessoa que vive enfiada em livros de história. - Ele cruzou os braços fazendo birra.
Ela revirou os olhos e puxou ele para dentro da festa.
- Quem é que está sendo careta agora?
Ele respirou fundo e seguiu a garota. Os cabelos castanhos de passaram em sua face e ele pode sentir o cheiro de morango que saia deles. sempre amara o cheiro de , a doçura que ela inalava tinha tudo a ver com a forma como ela andava.
era a luz no meio de toda uma escuridão.
- Vamos ! Estamos aqui para aproveitar. Já entramos, agora não tem mais nenhum perigo.
Ele sabia que ela tinha razão. Buscou uma bebida colorida para cada um e resolveram se jogar na pista de dança.
não tirava os olhos de . Ele poderia não querer admitir, mas ela o fazia sentir coisas que nenhuma outra garota conseguia.
David Guetta ecoava no autofalante. Um dj havia feito uma excelente escolha de música, e parecia ter pegado o ipod de e plugado nas caixas de som.
A garota cantava e dançava todas as músicas. apenas acompanhava os movimentos dela, a girando de um lado para o outro, rodando ao som da música.
Finalmente começou a tocar uma música que também gostava. Ele não era muito fã de música eletrônica, mas a letra daquela era o suficiente para ele enlouquecer.
Head under water now I can breath It never felt so good
começou a cantar em seu ouvido, passando os braços no pescoço de .
Cause I can feel it coming over me
O tempo começou a ir mais devagar. O barulho da boate não tinha nenhuma importância.
I wouldn't stop it if I could

Ela olhou em seus olhos castanhos, memorizando cada traço de seu rosto. sempre achara bonito, mas nunca tinha reparado o quão diferente ele poderia ser.
When love takes over, yeah
O coração de deu uma batida a mais. acelerou com a proximidade do rosto de no seu.
You know you can't deny
Os olhos de encheram de lágrimas. Como era possível que ela nunca tinha percebido isso antes?
When love takes over, yeah
Não se sabe quem tomou a atitude primeiro. Mas em algum momento eles pararam de pular, apenas respirando o mesmo ar com pouco centímetros um do outro.
Cause something's here tonight
E então seus lábios se tocaram. Primeiro lentamente, apenas sentindo a textura um do outro. Então deu passagem para a língua de que tratou de aprofundar o beijo.
E o que começou com uma calmaria foi ganhando intensidade. segurava a cintura de a puxando para mais perto possível, enquanto arranhava a nuca de sem permitir que ele tirasse a boca da sua.
Era um primeiro beijo de milhares que viriam depois. O primeiro de uma história que estava apenas começando.

sentou no sofá se lembrando daquele primeiro beijo. Na época, ela tinha acabado de entrar na faculdade e tinha certeza que ficaria com ele para sempre.
Ele era seu tudo. Seu porto seguro.
Foram três anos de amor sem fim, sempre indo para casa um do outro, até que um belo dia ele se mudou para Padua, depois para Palermo e enfim para Turim onde ficou quatro anos.
Nos dois primeiros anos eles ainda tentaram. Ela sempre ia visitá-lo e em todas as pausas dos campeonatos ele voltava para Milão. Não era fácil, mas eles davam um jeito.
Porém a faculdade dela começou a ficar apertada, as idas e vindas não eram tão frequentes. A dor de ir embora começou a ultrapassar barreiras.
No ano de 2014 eles finalmente terminaram. Já demoravam mais tempo do que o esperado para se verem e cada um tinha uma rotina própria sem espaço para o outro.
Agora, sentada no sofá olhando para a mesa de centro, se perguntava se tinha feito a escolha certa. Ela sabia que se não fosse naquele ano, teria sido no ano seguinte quando ele se mudou para a Inglaterra.
Ela ainda o amava. Não tinha dúvidas disso. Sempre havia sido ele em sua vida.
É claro que naqueles três anos ela havia ficado com outras pessoas. Mas nada sério, nada que importasse.
E, a primeira vez que ela o vira em todo esse tempo, ela havia corrido o deixando sozinho na Galeria de arte. Ele havia feito questão de ir até ela. Havia se preocupado.
Seu celular vibrou em cima da mesa. Klaus levantou do chão e foi até o seu lado, curioso com o barulho do aparelho.
Ela não acreditou na mensagem que estava lendo. Um número que há muito tempo deixara de aparecer. Ela se perguntava o porque, apesar de ter uma resposta.
Mas agora era a vez dela fazer algo.

estava sentado na sala da casa de seus pais. Lia um livro qualquer que achara na estante. Ou pelo menos tentava uma vez que seu pensamento estava longe dali.
Seu pai ainda não havia voltado, o que o deixava curioso com o que o velho estaria planejando. Não que ele fosse velho, era apenas uma forma carinhosa de chamá-lo.
O olhar de , assustada, o havia deixado com medo. Será que ele havia errado em ir atrás dela?
Ele também não tinha tido grandes experiências depois que eles terminaram. Saíra com algumas mulheres, tivera algumas noites estranhas e diversos one night stands. Mas ninguém nunca havia feito o que fora capaz de fazer.
Talvez fosse finalmente a hora dele desistir dela. Esquecer que haviam simplesmente desistindo de tentar. Já fazia três anos, não moravam mais no mesmo país.
Talvez havia sido um erro ir até ali. Voltar para a cidade onde tudo começara.
É claro que ali ainda era o lugar onde passara a sua infância. Ainda tinha seus pais, sua casa. Mas tudo ali o lembrava dela. Justamente o que ele estava tentando esquecer.
A campainha tocou.
levantou do sofá agradecendo por seu pai ter finalmente voltado. A curiosidade já o estava corroendo e ele realmente precisava de algo para se distrair.
Mas ao abrir a porta, ele viu que não era o papa. Era um par de olhos azuis que o olhava da mesma forma que há três anos atrás.
6. Papa


- ...
A voz de saia fraca. Ver aquela garota na sua frente o levava de volta para um tempo que parecia ter sido em uma outra vida. Um sonho que ele não acreditava que algum dia tinha vivido.
- Eu não sei o que estou fazendo aqui. Seu pai me ligou e..
- O que? Mas papa não está aqui.
Então havia sido isso. Ela era a grande surpresa do papa . Tentar causar um encontro dos dois.
Mal ele sabia que já tinha ido atrás dela.
- Acho que você pode ir embora.
- O que? Mas…
- , não temos mais nada o que conversar. - olhava nos olhos dela. Era visível a sua dor.
Ele ainda se lembrava das últimas palavras que haviam saído da boca de três anos atrás. “Eu não consigo mais”. Aquilo o havia machucado mais do que tudo, por mais que ele soubesse que ela estava apenas buscando uma desculpa para algo que não conseguia trabalhar.
- por favor.
Ele mordeu os lábios. Se tinha uma coisa que nunca conseguia lidar, era com os olhos de implorando por algo. Nem que seja por manter a porta aberta por mais alguns minutos.
agradeceu por ele ter segurado a porta, mas agora não sabia o que dizer.
desviou o olhar para dentro de casa escutando um barulho tão conhecido que se perguntou porque não tinha ouvido antes.
O celular de seu pai tocava. O mesmo celular Nokia de 2007, a mesma musiquinha irritante. já havia tentado comprar outro celular para ele, mas o velho Giovanni continuava insistindo no mesmo aparelho.
- Ah, vocês estão aí crianças! Entra . Sua mãe está terminando um lanche , depois tenho um lugar que preciso mostrar para vocês.
Era sim todo um plano do senhor Giovanni. deu passagem para respirando fundo.
Era nessas horas que ele se perguntava onde tinha errado. E se realmente valeria a pena tentar mais uma vez.
- Eu estou no mesmo barco que você.
segurou seu pulso de leve e sentiu as mesmas correntes elétricas que ele sentia antes. A sensação que o mundo poderia desabar, mas se aquela mulher estivesse ao seu lado, tudo ficaria bem.
O conhecido cheiro de morango do cabelo dela encheu seus pulmões de alegria, e ele não teve como não sorrir quando ela fez o mesmo.
É claro que ele se lembrava daquela noite. A noite que ele havia sentido a maior dor de sua vida. Uma dor que ultrapassava qualquer lesão que o futebol poderia lhe trazer.

fora até Turim assistir a um jogo importante do time. Como uma boa torcedora do Milan, ela odiava o Torino. Mas seu namorado jogava pelo time, e se tinha alguém que ela era fã, essa pessoa era .
Mesmo que ele viesse a vestir a camisa do Inter de Milão, ela continuaria torcendo por ele. Por mais que talvez o xingasse durante os 90 minutos de algum jogo.
Por sorte, também era um torcedor do Milan e jamais iria para o rival.
Mas ele também era um jogador de futebol e às vezes, precisava colocar qualquer paixão de lado e dedicar a defender o time que o quisesse contratar.
Eles saíram do estádio andando pelas ruas de Turim como se fossem dois turistas. O time havia perdido e não tinha nenhuma intenção de escutar uma bronca que não era para ele.
Ele havia ficado no banco todos os 90 minutos, mesmo que sua vontade era estar na arquibancada com a namorada.
, por sua vez, curtia o jogo. Ela podia não ser torcedora do Torino, mas ainda era apaixonada por futebol. Isso que acontecia quando você nascia em uma casa com mais dois rapazes e seu melhor amigo jogava na base do time de futebol da cidade.
Antes de saber falar “mama” ou “ papa” você já sabe cantar “Milan Milan solo con te, Milan Milan sempre per te”.
Mas ficou feliz quando finalmente chegou para lhe buscar na área vip, já vestido com roupas normais.
- Onde você quer ir hoje carino?
fechou os olhos. Ela sabia que isso iria doer, mas não tinha mais como fugir.
- Podemos ir para o hotel?
estranhou o pedido da namorada. Ela a conhecia o suficiente para saber que em um dia normal, ela pediria para irem a algum restaurante comer um parmegiana.
Mas ele a abraçou pelos ombros e a guiou até o hotel. Antes que eles pudessem entrar, ela segurou sua mão.
- O que foi?
puxou para um beijo. Suas mãos foram para a nuca dele e ele a abraçou pela cintura. As lágrimas começaram a descer em seu rosto. Ela sentiria falta daquilo. Daquele beijo, daquelas mãos pelo seu corpo, dos olhos que sempre lhe tinham como foco, do sorriso de lado.
sentiria falta de e de tudo aquilo que ele significava. A segurança, o carinho, a amizade.
Mas ela sabia que precisava viver sem ele, algo que ela nunca tinha feito antes.
sentiu as lágrimas dela e partiu o beijo.
- O que foi amore?
- Eu não consigo mais .
-
- É complicado sabe? Eu chego em casa a noite e tudo que eu queria era poder ter meu namorado ao meu lado. Sair todo fim de semana, acordar com um beijo de bom dia. Eu vejo minhas amigas com os namorados delas e eu nunca tenho você! Eu não consigo mais.
- Mas…
- , se tivéssemos uma certeza que você fosse jogar no Milan, eu ficaria. Mas eu ainda tenho um ano de faculdade, um estágio com uma possibilidade de emprego e não posso simplesmente largar Milão para viver com você. Até porque sabemos que sua vida não é presa em nenhuma cidade. Não consigo mais continuar levando sem ter uma certeza de um futuro. E se amanhã você sair da Itália? O que a gente faz?
ficou calado porque sabia que ela tinha razão. Eles não poderiam prever o futuro. Hoje ele estava em Turim, amanhã ele poderia estar na espanha e ainda tinha uma vida em Milão.
Mas ele quis conversar. Quis pedir que ela não fizesse isso. Quis falar sobre todos os anos de amizade, sobre os anos de amor. Quis dizer que lhe amava, porque era a maior verdade da sua vida.
amava . Jamais haveria outra pessoa que o conseguisse sentir como ele sentia.

Na época ele se culpou. Se perguntou o que teria feito de errado para afastá-la desse jeito. Mas então percebeu que não tinha culpa em ir atrás do seu sonho, da mesma forma que ela também tinha direito de ir atrás do dela.
Infelizmente a vida havia feito com que os dois seguissem caminhos diferentes. Mas agora essa mesma vida fazia com que eles se reencontrassem no mesmo lugar que tudo tinha começado: a sala de jantar da casa dos .
7. San Siro


entrou naquela casa que havia sido seu segundo lar por metade da sua vida. A decoração continuava a mesma, com exceção talvez de uma foto ou outra.
Mama estava na sala de jantar concentrada em um livro, mas, ao perceber a movimentação na sala ao lado se levantou. Papa Giovanni estava sentado no sofá falando sobre os velhos tempos enquanto e estavam claramente desconfortáveis.
- Eu sei que isso é um pouco inesperado, mas precisava de vocês dois comigo. Não faria sentido não tê-los ao meu lado.
- Para onde a gente vai Pai?
- Para o lugar onde tudo começou.

olhava para a janela vendo as ruas de Milão passarem. Ela estava acostumava com a cidade, conhecia todos os restaurantes, padarias, cafeterias. Sabia em cada cantinho ela se encontrava.
E ela também sabia quais eram os lugares preferidos de .
O jogador estava no banco da frente, mantinha uma conversa tranquila com o pai apesar de estar claramente evitando olhar para trás.
começou a analisar seu semblante. Seu nariz característico italiano, sua barba por fazer e aquela covinha de um quase sorriso que nunca saia do seu rosto.
Ela se lembrava de passar horas olhando para ele como se fosse uma pintura. Analisando cada detalhe, cada traço característico de .
E ali, naquele carro, ela sentia como se tivesse novamente 15 anos de idade.
no banco da frente falando de futebol com Giovanni, o pai dele sempre discutindo jogadas e como melhorá-las e apenas observando o garoto.
Mas ele não era mais seu namorado. O assunto não era como melhorar jogadas, e sim sobre a titularidade de no Manchester United. E o garoto não era mais um garoto. Era um jogador de futebol profissional.
Baixinho na rádio tocava uma coletânea de um cantor italiano que não gostava muito, apesar daquela música fazer todo o sentido. “Scuza se ti amo”.

viu de longe os primeiros traços do estádio. San Siro já havia sido palco de final de Champions League, de clássicos Alemanha x Itália e diversos jogos importantes. Sem dúvidas fazia parte da história do futebol europeu.
E também fazia parte da história de e .
Quando ele tinha 8 anos, seu pai lhe levaria para um jogo do Milan no sábado quando, na sexta-feira, ele viu sua vizinha de cabelos castanhos vestindo uma camisa do time e cabisbaixa.
- O que foi? O jogo é só amanhã.
- Meu papa não quer me deixar ir.
- Por que não? - Ele sentou ao lado dela na escada que dava para a casa da garota.
- Ele vai trabalhar. Nem se quer vai assistir o jogo comigo pela TV. Meu papa nunca deixou de assistir um jogo comigo.
olhou para a sua própria casa. Ali, tudo que se respirava era futebol. Ele sabia que o pai teria que mexer uns pauzinhos, mas ele poderia convidar para ir com eles.
- Você pode vir com a gente. Todo jogo eu vou com meu pai.
- Sério? - Ela sorriu, um sorriso inocente que apenas uma criança pode ter.
- Claro. Ele trabalha no Milan, certeza que consegue mais um ingresso.
A garota arregalou os olhos. Se ela já estava impressionada com seu vizinho te chamando para ir ao jogo, saber que o pai dele trabalhava no time do seu coração era extraordinário.
- Qual o seu nome?
- . E o seu?
- .
O menino estendeu a mão para que a garota pudesse apertá-la.
Se naquele momento ele soubesse o quanto seria importante na vida dele, talvez tivesse oferecido o ingresso antes.

Giovanni estacionou o carro perto da entrada 8, o portão que estava sempre aberto para os visitantes e também o que eles usariam.
O mais velho saindo andando na frente, dando espaço para que e conversassem, mas ela pegou o celular na bolsa e ele apenas observou as luzes do estádio.
É claro que naquela hora da noite as visitações já estariam fechadas, mas nada que alguns contatos não resolvessem.
O segurança concedeu entrada dos três no estádio. As luzes estavam acesas iluminando todo o campo a frente deles.
Fazia anos que não entrava ali. Ela se mantinha longe de tudo que lhe lembrava , e como a vida era cheia de ironias, agora ela estava ali justamente com ele ao seu lado.
olhava para o campo. Ele sempre fora atraído por campos de futebol. A grama verde, a linha do gol, e meio de campo. Tudo aquilo lhe dava vontade de correr como que não tivesse fim.
Não havia sido atoa que ele escolhera ser jogador de futebol.
Haviam poucas coisas na vida que achava mais emocionante do que correr em um campo com a torcida gritando pelo seu time. O gol era apenas o resultado final de um trabalho bem feito. O que ele mais gostava era a emoção do jogo.
Talvez apenas a mulher ao seu lado o fizesse sentir uma emoção parecida.
Ele se esforçou, mas não conseguiu não olhar para ela. Seu nariz fino, seu cabelo sempre preso em um rabo de cavalo frouxo e, naquele momento, as pequenas lágrimas que escorriam em suas bochechas.
- O que foi?
Ela rapidamente secou as lágrimas, se achando idiota por ter deixado a emoção vir a tona.
- Nada.
- , eu conheço você. Não choraria se não fosse nada.
- É só… Eu nunca mais entre em um estádio de futebol depois daquele dia.
Ela finalmente teve coragem de olhar para . Ambos não conseguiriam desviar o olhar um do outro, mesmo se quisessem.
sabia o que isso significava. Ele sabia que para ela, o esporte era uma das coisas mais importantes de sua vida.
- Então o que você acha de fazer essa volta valer a pena?
- Como assim?
Ele apontou para a abertura que levava até o campo. tinha certeza que deveria ser proibido pisar no gramado. Ele sabia que a preparação para um campo de futebol era além de simplesmente molhar a grama.
Mas ao ver o sorriso de , ele soube que valeria a pena qualquer sermão que os dois fossem levar.
- Vem.
foi na frente, descendo as escadas correndo e puxando pela mão.
- Espera, eu não posso entrar de sapato. - Ela ainda usava os saltos que calçara de manhã para ir trabalhar.
Parecia que a ligação de Ravi tinha sido a meses atrás e não apenas horas. Era este o Efeito .
Os saltos do lado do gramado. Uma bola rolando de uma forma desajeitada.
e correram pelo gramado como se fossem crianças brincando em um campinho de bairro.
- Olha, você ainda sabe chutar.
- Eu sempre fui melhor do que você Sr. Jogador da Seleção Italiana.
- A é? - Ele deu um chutão para o gol, acertando a rede já preparada para o jogo do fim de semana.
cruzou os braços se fingindo de brava.
- Isso não foi justo.
- Por que não? - Ele imitou a cara emburrada da garota.
- Você treina isso todo dia!
- Mas não foi você quem disse que era melhor do que eu?
- Vai a merda .
Ela pegou a bola no fundo do gol e começou a correr para o outro lado do campo.

De uma das arquibancadas, Sr. Giovanni observava o filho e a amiga correndo de um lado para o outro. Um sorriso surgiu em seus lábios.
Ele sabia que nenhum dos dois resistiria a um campo de futebol livre, principalmente aquele, palco de tantas partidas importantes.
Tanto para o futebol, quanto para e .


8. Casa


Musica sugerida: Find my way back (Eric Arjes)
A manhã seguinte chegou como se nada da noite anterior tivesse acontecido. foi acordada pelo husky siberiano que dormia no pé da sua cama. Geralmente o cachorro esperava seu despertador tocar, mas era cedo demais para isso.
- Klaus, volte a dormir. Ainda está cedo.
Ela sabia disso porque o sol ainda não batera no armário de frente a sua cama. Ela tinha a marca certinha da hora em que deveria acordar naquela época do ano.
Mas então escutou o porquê do cachorro já está de pé acreditando ser a hora de começar o dia.
Seu celular tocava sem parar na cabeceira. Não era o despertador e, se fosse do Museu, era para dizer que a Galeria teria pegado fogo. O primeiro funcionário só chegava às 9:30 da manhã e seria impossível que alguém estivesse dizendo que ela estava atrasada.
Ainda sonolenta, ela pegou o celular, e, talvez pelo ainda estado de sono, tenha tido dificuldades para entender o que aquelas palavras significavam.
: A gente podia repetir mais o de ontem né? O que você acha de um passeio turístico por Milão?
demorou para processar aquilo tudo. Os acontecimentos da noite anterior vieram devagar.
O campo, a bola, eles correndo igual crianças. Depois o jantar que Giovanni tinha preparado na casa de . Um risoto a milanese regado a vinho, risos e conversas sobre o passado.
Nenhuma das quais tocavam na memória dolorida. Aquele dia parecia adormecido como se ele nunca tivesse acontecido. E ali, parecia que não tinha se passado um dia sequer desde que saíra de Milão há 8 anos antes.
Mas isso não significava que ela estava pronta para retomar o que havia ficado para trás. Três anos já tinham se passado. Muita coisa tinha mudado.
E então se lembrou do sorriso de quando ela foi embora. O sorriso de moleque que sempre aparecia quando ele evitava falar tudo que estava em sua mente. O simples “obrigado”. O beijo no rosto.
As borboletas no estômago na volta para casa.
ainda mexia com ela e isso jamais iria negar. Mas ele ainda morava em Manchester e ela estava em Milão.
Um mês de férias não mudaria esse fato.
: não sei.
: alias, você me acordou!
: Por favor S. Afinal, quem mais vai saber me explicar os acontecimentos de séculos atrás se não for você? (desculpa)
olhou para o husky siberiano deitado ao seu lado. Klaus parecia ler as mensagens de celular e concordar com em cada uma das frases.
- Está bem seu cachorro idiota, você tem razão. É só um passeio.
: Tudo bem. Por onde você quer começar?
: Te vejo no castelo sábado as 11.


O sábado demorou demais para chegar. Ou pelo menos foi o que achou já que ele não tinha muita coisa para fazer.
Durante a semana ele havia ajudado seu pai no treino do time infantil, deixando os pequenos jogadores emocionados por jogar ao lado de um jogador da seleção italiana.
Fora isso, o sofá da sua casa estava quase tomando a forma do seu corpo. Havia maratonado três séries e se ele não estivesse fazendo seu treino diário na academia de seu pai, com certeza levaria uma bronca do preparador físico do United no início de Julho.
Mas finalmente o dia combinado havia chegado. Fazia uma semana que estava em Milão e pela primeira vez nos últimos três anos tudo parecia certo. Reencontrar o estava deixando animado. Mais uma vez se apaixonando pela vida.
E talvez ela fosse a culpada. Não que ele estivesse reclamando.
O Castello Sforzesco ficava no Parque Sempione. Naquela época do ano o lugar era lotado de turistas ansiosos para experimentar um pouco do verão europeu. Mas o Castello também era um museu, e sabia o quanto gostava de museus. E o quanto ela gostava de implicar com ele pela falta de conhecimentos sobre história.
Ela costumava dizer que para um italiano, ele era uma perdição para história. A verdade era que ele gostava de ouvir ela falando sem parar sobre acontecimentos do século XIX. sabia que era mais inteligente que ele, e esta era uma das coisas na qual ele queria ela de volta.
Porque ele queria.
Se ele tinha qualquer dúvida sobre sentimentos do passado, elas haviam ido embora naquele campo de futebol. A forma como ela sorria, como ela implicava com ele.
chegou correndo na rua que dava acesso ao Castello. Parou para esperar o trem passar e ao longe viu . Ele vestia uma camiseta azul. Ela sempre gostara dele vestido de azul.
Ele estava com óculos escuros e em suas mão já estava um pequeno folheto sobre a exposição do museu. mordeu os lábio. Ainda estava insegura sobre tudo aquilo.
Ela sabia que não deveria ir tão fundo de volta ao passado. Voltar a sentir tudo aquilo que ela sabia que ainda não havia ido embora. Levara muito tempo para colocar aquele sentimento bem no fundo de seu coração. Parecia masoquismo querer aquilo de novo.
Mas de alguma forma, vê-lo ali claramente esperando por ela, fazia com que ela quisesse tudo aquilo de novo.
As horas de conversas sobre o futuro, as séries de TV na qual ela sempre passava na frente dele e ele achava ela uma maluca por dedicar tanto tempo àquilo. Os abraços no meio do dia sem nenhum significado especial.
O cheiro dele em seu quarto quando acordava pela manhã e ia para o treino, a deixando aproveitar mais algumas horas de sono. A textura de seus cabelos castanhos e o timbre de sua voz.
sentia falta de . Isso ela jamais poderia negar. Mas ela tinha medo de que essa saudade viesse de uma memória e não do rapaz parado na sua frente.
- Vamos? - estendeu a mão para ela que, mesmo hesitando, aceitou.
- O que você acha que pode me apresentar de diferente ?
- Você pode escolher. O parque ou o museu?
sabia que a escolha óbvia seria o Museu. Porém ela já havia ido ali diversas vezes e sabia quase que de cor cada uma das salas.
Mas o parque, ah o Parque Sempione. Aquele lugar que ela sempre amara.
Nessa época do ano ele estava verde, havia espaço para caminhadas, andar de bicicleta. E muitas pessoas deitadas em toalhas achando que estavam na praia.
sempre achara curioso esse comportamento europeu. Ela preferia ir para uma praia de verdade do que tomar sol em um parque em Milão.
- O que temos de novo para ver no parque?
- Vai ter uma apresentação de um grupo de cordas. Nada grande. Estudantes tentando arrecadar um trocado. - riu. sabia o significado que aquilo tinha para eles.
- Parece que foi ontem que andávamos por esse parque vendendo ideias e poemas não é?
- Conhecemos muitas pessoas curiosas. Às vezes eu ainda saio por Manchester me perguntando o que as pessoas ao redor estão pensando.
- Eu sempre faço isso. A cada exposição eu tento adivinhar qual vai ser a reação das pessoas.
- E você acerta?
- Eu tento.
Eles andaram um pouco em silêncio. Chegaram até um pequeno lago e observaram crianças dando alimento aos patos.
sempre gostava de observar as crianças. Elas pareciam ser mais inteligentes do que ele. Se importavam com as pequenas coisas quando ele havia deixado a coisa mais importante da sua vida ir embora.
Mas ela estava ali. Era a sua chance de corrigir um erro de três anos atrás.
- Então, como anda sua vida?
- Na mesma. Não mudou muita coisa.
- Como não S?
- Estou trabalhando no mesmo lugar, com praticamente as mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas que você sempre achou chato. Nada mudou .
- Tudo mudou . Tudo mudou.
Ele sabia que precisava mudar de assunto se quisesse chegar até o final daquele passeio. Conhecia o suficiente para saber que ela iria embora sem pensar duas vezes.
- Aceita um gelatto?
- Per favore.
- Cioccolato?

- Sempre.
Eles voltaram a andar lado a lado, dessa vez sem se tocarem, até chegar ao quiosque.
Pegaram seus sorvetes e foram até um banco mais próximo. também tinha algumas perguntas.
- E Manchester? De vez em quando eu vejo alguns jogos.
- Sério? Nunca achei que a Milan fan fosse assistir jogo de outro clube.
- Ah para . Até parece que nunca assisti jogo de outros times.
- Estou brincando. - Ele desviou os olhos dela apenas para tomar coragem. Queria contar a verdade, mas não sabia que conseguiria.
A verdade era que ele estava se sentindo solitário. Adorava o Manchester United, mas às vezes queria poder ter alguém com quem dividir cada conquista. Mas ele não tinha.
O frio de Manchester às vezes era intenso para alguém que crescera em Milão.
- O time foi até bem na temporada passada. É claro que queríamos ter conquistado mais títulos, mas acho que agora que as coisas estão se acomodando, teremos mais chances.
- Como é trabalhar com o Mourinho? Já escutei muita coisa a respeito.
- Não vou mentir, é desafiante. Ele dá uma jeito de te levar ao máximo. O que às vezes consegue ser muito bom. Mas às vezes também dá vontade de dar as costas e fingir que não tem compromisso nenhum com o clube.
- Mas e o resto ?
- Que resto?
- Sua vida… - Ela falou baixo demais para o normal, mas entendeu.
É claro que, por ser um jogador de futebol, sempre saia algum boato na internet. Ele não podia nem se quer conversar com alguma torcedora na rua que já vinham jornalistas dizer que ele estava com um novo affair.
A verdade é que já fazia meses desde a última vez que ele ficara com alguém. E antes disso, haviam sido apenas casinhos isolados de uma noite. Ninguém que ele lembrasse o nome.
Ninguém além de .
- Está indo. Tenho uma rotina fixa o que me ajuda a relaxar. Tenho alguns amigos e de vez em quando saímos juntos. Mas no mais, minha melhor amiga é a Netflix.
- Fala sério !
Ele riu da incredulidade dela.
- Qual o problema?
- Eu te conheço.
Eles começaram a rir um paro o outro e de repente pararam.
Os olhares tão conhecidos perdidos um no outro. Ele via nela os mesmos olhos azuis de sempre. A boca que parecia que estava sempre com um sorriso lateral e o fino nariz levemente arrebitado.
Cada traço que ele havia feito questão de memorizar naquele dia. O dia que ele preferia fingir que não havia existido.
- Então, vamos no museu? - Ele tomou a iniciativa de sair do transe.
- Vamos. Estou curiosa para saber as coisas novas que você aprendeu sobre as estátuas do renascimento.
- Nada. Absolutamente nada.
Rindo, eles seguiram até o Museu. estava em casa. estava com . E parecia que o tempo não havia passado. Que as coisas não haviam mudado. Que o destino não havia pregado uma peça.
O ano poderia ser 2017 ou 2007. Não fariam a mínima diferença. Ali, eles eram os mesmos amigos que sempre foram.
9. Come passato


Musica sugerida: Make me cry - Noah Cyrus
O Castello já era um velho conhecido de e . A primeira vez que foram ali eles tinham 9 anos. A escola em que estudavam os levaram para um passeio.
ainda se recordava da explicação da professora sobre as obras religiosas, e o quanto aquilo havia sido importante para a Itália. Ela ficara impressionada com todos aqueles dados históricos e os detalhes das esculturas.
também se lembrava daquele passeio. Mas para ele as coisas haviam sido mais práticas. Gostara da parte de armas da Idade Média e das técnicas de luta. Pensou que poderia usar em algum vídeo game, mas nada nunca havia dado certo.
Mas agora nada parecia tão divertido assim. As instalações ainda eram um castelo quase medieval, o frio que emanava das paredes deixava arrepiada.
Começaram pelo subsolo, seguindo a recomendação do folheto do museu. de vez em quando perguntava algum dado histórico, mas eles se restringiram em falar sobre fatos. Ler os escritos nas paredes, analisar as esculturas.
- Cansei de andar. Vamos para o museu de música? - Era a parte favorita de . Não que ela fosse grande conhecedora de instrumentos musicais, mas porque aquilo fugia do seu trabalho diário e isso a ajudava relaxar.
- É só subir a escadaria né?
- Sim.
Eles voltaram a recepção do museu e seguiram pela escada que dava para a parte as outras áreas do Castello.
Primeiro passaram por uma área onde era possível ver as pessoas entrando no parque Sempione. sempre se sentia fazendo uma viagem ao passado quando subia aquelas escadas. Podia enxergar os soldados segurando armas dispostos a defender a região.
Nos dias frios era possível sentir o que pessoas de séculos atrás sentiam ao subir aquela escada.
Ela parou no lugar que sempre parava para observar o pátio. Gostava de pensar que em alguma vida passada fora uma princesa e habitava um castelo como aquele.
- Está tudo bem? - parou ao seu lado, observando cada comportamento de .
- Sim. Você já se imaginou vivendo no passado?
- Todos os dias.
Ela havia perguntado uma coisa e ele respondia outra. Aquele passado que ela conhecia tão bem. O passado deles.
-
- Eu sei.
Porque ele sabia. Os motivos continuavam os mesmos. Eles só haviam perdido a lógica para o jogador.
Ela continuou subindo e ele foi atrás. Sabia que se realmente quisesse ela de volta teria que correr atrás dela. Fazer o que nunca antes precisou.
E Mateo a queria de volta. Sem , as coisas não faziam nenhum sentido.
, por sua vez, se sentia confusa. Se odiava por ter aceitado aquele convite e o deixado bagunçar o que não precisava. O que já estava enterrado há três anos.
Mas talvez não estivesse tão morto assim.
se adiantou para abrir a porta que dava acesso ao museu da música. Não tinha mais nenhum turista naquela área do Castello, o que achou estranho. Era um sábado de manhã de verão. Aquilo deveria estar lotado.
Ela se aproximou para entrar no corredor, mas o espaço era pequeno. Esbarrou em . A diferença de altura deles não era grande e seu nariz tocou o dele. Os olhos castanhos atentos a todo e qualquer mínimo movimento dela. O pequeno momento em que respiravam o mesmo ar, a centímetros um do outro.
soltou a porta que se fechou lentamente. Suas mãos foram para a cintura de e nenhum dos dois queria desfazer aquele contato. A conexão ainda estava ali, eles sempre souberam que isto nunca iria embora. Não seria quilômetros de distância que os afastariam assim.
Ela mordeu o lábio inferior. Sentia falta do gosto dele e de como um beijo nunca era apenas um beijo. se aproximou devagar, esperando a hora que ela iria o empurrar para longe e ir embora correndo.
Mas este momento não veio. apoiou as mão nos ombros dele. Estava tão anestesiada quando ele por aquela proximidade. Seus lábios se chocaram. Lentamente o beijo foi tomando forma. Um beijo misturado de saudade, reconhecimento e liberdade.
Um beijo com gosto de passado. E ao mesmo tempo, um novo sentimento surgia. A incerteza do que aquele beijo significava.
-
- Desculpa, não deveria ter feito isso.
- Não é isso. - Ela mordeu o lábio sem ter certeza se deveria falar o que estava em seus pensamentos. Como se aquele beijo já não tivesse acabado com toda a distância que ela havia imposto tres anos antes. - Gostei que você fez isso. Ou melhor, que fizemos isso. Eu sentia sua falta.
não havia se distanciado. Seus corpos ainda estavam enroscados um no outro, sem ter coragem de se soltar. Ele não conseguia acreditar que havia escutado as quatro palavras das quais passara os últimos anos sonhando em ouvir. Eu senti sua falta.

ainda sentia o gosto do beijo quando chegou em casa. Era estranho aquela sensação de que o tempo não havia passado.
Deitada no sofá do seu apartamento, decorado exatamente como ela sempre sonhou. Ali era seu lar. Aquele cantinho que ela havia construído para si mesma. Tudo tão diferente da casa de seus pais.
Ela adorava a casa dos . Ainda tinha seu quarto todo azul decorado com diversas temáticas marinhas e a réplica de “A noite estrelada” de Van Gogh. Era seu cantinho da infância.
Mas a de 27 anos preferia as coisas mais alinhadas. O sofá era cinza, os móveis brancos. No canto da sala tinha uma caminha onde Klaus dormia. Pelo menos durante o dia já que a noite ocupava metade da cama dela. A TV de plasma com acesso direto à Netflix completava o ambiente.
E apesar de estar naquele lugar tão parte do seu presente, eram os velhos sentimentos que ocupavam a sua mente. Era o mesmo nome, o mesmo rosto, a mesma voz.
nunca havia feito nada que a desagradasse. Ela jamais o culparia de ter ido atrás de seus sonhos, pelo contrário, seria a primeira a brigar com ele se dissesse que o término tinha sido culpa dele.
Seus pensamentos ainda estavam confusos quando escutou a campainha tocar. Talvez depois da terceira vez já que Klaus estava a frente a porta olhando para ela como se fosse uma estúpida.
- Já vai!
Se perguntou quem poderia ser aquela hora. Seus pais com certeza não eram. também não. Ele teria mandado alguma mensagem. Fora que não tinha nem duas horas que eles haviam se despedido na porta do prédio dela.
Ele voltara para Lombardia. Tinha combinado de jantar com os e sabia como a mama ficava com atrasos.
Foi então que ela se deparou com uma cabeleira ruiva, pelo menos dez sentimentos mais baixa do que ela, a olhando como se fosse uma retardada.
- Para que serve a campainha se você nunca atende?
olhou no celular as horas. Eram quase onze da noite.
- E quem disse que eu estava acordada? São quase onze Giovanna!
- Ah, por favor! Tem três meses que estou fora do país e é assim que você me recebe?
começou a rir e logo Gio lhe acompanhou. As duas eram assim. Uma amizade que qualquer pessoa acharia estranha mas que por algum motivo dava certo.
Giovanna Borgogni conheceu em uma festa da universidade. A ruiva era formada em veterinária e, na faculdade, não perdia uma festa se quer.
estava no bar e, ao se virar com uma bebida colorida, esbarrou em uma garota deixando todo o conteúdo cair em seu vestido.
A menina começou a reclamar e não sabia onde se esconder.
- Me desculpa! Foi sem querer.
- Claro que foi sem querer, até porque qual motivo te levaria a jogar bebida em mim? Eu nem te conheço.
ficara com medo da reação da ruiva, mas no final ela começara a rir.
- Eu estou brincando! Nunca ouviu falar de sarcasmo? Aliás, eu sou Giovanna.
Desde então as duas se tornaram inseparáveis. Gio era o tipo de mulher que não sabia ficar quieta. Cheia de amores em todos os cantos possíveis, ela vivia viajando. Passara os últimos três meses no Brasil e tinha diversas histórias para contar.
- Anda , tira essa bunda magra da minha frente porque eu preciso te contar algumas coisas.
enfim abriu espaço deixando a amiga entrar no apartamento. Klaus rapidamente foi até a veterinária, sabendo que ganharia o seu carinho favorito. Ele amava Giovanna. Mesmo que ela também fosse a responsável por lhe dar agulhadas a cada três meses.
Gio se sentou no sofá. Na verdade ela havia se jogado no móvel como se estivesse na própria casa.
- Você tem algum vinho? O que eu tenho para contar precisa ser regado a muito álcool.
- Claro! Isso tem a ver com algum rapaz não é?
- Claro que tem pênis no meio. Qual o outro sentido de eu vir para sua casa às onze da noite se não tivesse alguma história quente para contar?
voltou para a sala com duas taças de vinho e rindo sem parar. Sentia falta da amiga. Sempre fora uma amizade diferente. Elas não se viam todos os dias, mas sabiam que sempre que as coisas apertavam, uma podia contar com a outra.
E também sempre poderiam falar as piores besteiras sem ser julgadas.
- Eu não estou bêbada o suficiente para falar sobre sexo, então resume: como foi o Brasil?
Gio se arrumou no sofá puxando Klaus para seu colo.
- O Brasil é maravilhoso. A paisagem é linda e, com algumas exceções, as pessoas costumam te receber muito bem. E talvez eu tenha conhecido alguém.
viu a amiga morder o lábio. Não era mais um de seus crushs por ai. Ou casos soltos pelo mundo a fora. Por algum motivo, Giovanna havia se apaixonado.
- Ele se chama Felipe Amorim. É engenheiro e dono do sorriso mais bonito que eu já vi. E o sexo. Nossa senhora. Aquele homem sim sabe transar.
- Giovanna!
- Ei, nem vem. Não é porque você assumiu o celibato depois que terminou com aquele jogador de futebol que eu não possa falar sobre isso.
ficou vermelha.
- Bem…
- Pode falar o nome dele !
- O que? - A morena olhou assustada.
- Quem é a pessoa que você anda transando?
- Eu não ando transando com ninguém.
- Então porque seus olhos estão com esse brilho apaixonado aí. Pensou que eu não ia perceber?
- Talvez esteja de volta a Milão.
- O QUE?

10. Incastrarsi


- Então, como é esse Felipe?
- Para de me enrolar ! Como assim o está de volta? Ele vai voltar para a Itália?
- Não! Ele está feliz no United. Ele veio passar férias na casa dos pais.
Giovanna conhecia a amiga. Sabia que ela estava enrolando para contar o que realmente tinha acontecido.
- Vocês se encontraram, transaram loucamente e agora querem passar o mês de férias dele igual dois coelhos.
- Meu Deus Giovanna! Não. A gente não transou ta legal?
- Mas você quer.
Foi a vez de morder o lábio e ficar sem palavras. Aqueles sentimentos não eram novos, mas ao mesmo tempo, eram novidade.
Por muitos anos elas pensou que eles haviam sumido. Finalmente esquecidos em um passado longínquo. Mas só quando encontrou na galeria de arte é que teve certeza que tudo ainda estava ali, rodando seus pensamentos, ainda preenchendo o vazio de sentimentos.
E o beijo. O beijo havia enfim colocado tudo para fora. E, se antes ela não queria admitir, agora ela não teria como fugir. era o amor da sua vida, mesmo que ele sempre fosse levado para longe.
Giovanna ainda estava encarando-a. Esperava uma resposta de . Palavras que ela já tinha certeza que seriam proferidas, mas precisava que a amiga colocasse para fora.
- Eu ainda o amo.
- Então fica com ele. Vocês dois sempre foram perfeitos um para o outro. Sempre se encaixaram. Não faz sentido ficarem longe. Nunca fez.
- Vou tentar.
- Não tente. Faça acontecer. Foi algo que o Felipe me ensinou.
- Me conta tudo desse moço agora, por favor.
levantou da poltrona e abraçou a amiga. Como ela sentia falta de Giovanna. Precisava de alguém moderna e feminina para a colocar no lugar.
- O que dizer do Felipe? Ele tem cabelos castanhos claro e olhos verdes. Ah, a irmã do melhor amigo dele namora um jogador de futebol.
- Sério? Quem?
- Ela chama Babi. Mas agora eu esqueci quem é o namorado dela.
- Giovanna e seu analfabetismo futebolístico.
E assim a noite delas seguiu. Colocando conversas de três meses em dia.

acordou no dia seguinte com o despertador do seu celular. E uma pequena dor de cabeça. Olhou para o lado e Giovanna dormia em paz no outro lado da cama de casal. Ela conhecia a amiga o suficiente para saber que ficaria ali até o meio dia.
Não fazia ideia da hora que tinham ido dormir. Ou se quer como tinham saído da sala e ido para o quarto. É isso que duas garrafas de vinho e uma mente barulhenta fazem.
Tomou um banho rápido tentando despertar. E só quando ela pegou a sua agenda esquecida em cima da cozinha que lembrou do porque seu despertado tinha tocado tão cedo: era o dia da abertura na exposição do Van Gogh.
Merda. Era justo o dia que ela não poderia estar de ressaca e muito menos distraída por causa de .
Respirou fundo e resolveu tomar um café no caminho. Odiava quando precisava pular o café da manhã, mas a bebedeira da noite passada ainda dava sinais de existência.
- Você está péssima.
- Não estou com tempo para sermões Ravi. O que precisamos para começar.
já estava a todo vapor, relendo diversos rascunhos enquanto tomava o seu café. Ravi ainda tentava acompanhar a historiadora, mas se perdia nos pequenos detalhes.
- , você tem certeza que não é apenas abrir as portas?
- Para a maioria dos visitantes sim. Mas a tarde tem os tours e precisamos estar preparados para eles.
Ela explicou para o indiano como que funcionava cada detalhe da exibição. Estava nervosa para saber a aceitação do público. Haviam feito um trabalho de divulgação que normalmente a Galeria não aceitava. Era uma confiança que eles estavam dando ao trabalho de e ela sabia que isto era importante.
Estava quase tendo um ataque de nervos de tão nervosa que estava. Seu celular estava no bolso de trás da calça quando ela dava a última rodada pela sala com as principais obras. Sentiu o aparelho tremer e, por algum motivo, sabia muito bem quem era.
: sucesso na exibição. Pensei em passar por ai mais tarde, mais perto da hora de fechar. O que você acha?
sentiu seu coração dar mil piruetas no peito. Aquelas palavras eram tão familiares que pareciam estar no contexto errado. Ao mesmo tempo que a fazia se sentir tranquila. Tudo iria dar certo se no final do dia ela veria .
- Por que você está sorrindo chefe?
- Nada não Ravi.
- Eu reconheço um sorriso apaixonado quando vejo um. - Ele cruzou os braços e fechou a passagem. não iria a lugar nenhum a não ser que contasse com quem estava conversando.
- É só um ex-namorado. - Um ex-namorado com quem estava trocando saliva há menos de 48 horas atrás; ela pensou.
Apenas a ideia de encontrá-lo a deixava nervosa. Era como se tivesse 20 anos de novo e ele fosse aquele mesmo moleque que apenas queria ser um jogador de futebol.
Ele não era mais aquele menino. E ela não tinha mais 20 anos.
Com esse pensamento, ela mandou uma resposta.
: passa aqui as 17h. Vai dar tempo de você fazer o último tour e como bonus me ver < 3
Era idiota. Mas quem havia dito que o amor não era idiota?

O resto do dia seguiu tão estressante como ela achou que fosse ser. Quatro turmas já haviam feito o tour e havia contado detalhes sobre cada um dos quadros.
A partir da semana seguinte ela iria revezar essa função com Ravi, mas por enquanto precisava ensiná-lo como fazer o trabalho. Quem visse de fora poderia achar que era fácil guiar uma visita pelo museu. Mas não era. O estudo que tinha por trás e o medo de não cometer nenhum erro gerava uma pressão que nem todo mundo estava preparada para ela.
Seu corpo doía, sua mente já não raciocinava quando a última turma enfim chegou para o tour. Era aquilo e finalmente iria embora.
Olhou no relógio para saber se já poderia começar o tour quando escutou o barulho da porta abrindo e um rosto conhecido entrando. se aproximou das pessoas que já estavam no saguão, fingindo que não conhecia , mas perto o suficiente para lançar um sorriso a encorajando.
Ele conhecia o trabalho dela ali. Não havia mudado nada em três anos. Na época, ele tinha muita preguiça de visitá-la. Nunca fora fã de museus. Mas ele sabia que para reconquistá-la, precisava fazer diferente. Aquele era o trabalho dela, e seu apoio era importante.
comprou o ingresso e ficou na dele apenas se misturando à multidão. Até aquele momento, apenas havia notado a sua presença e ficaria muito feliz se continuasse assim. Porém, sorte não era a palavra do dia.
começou a explicar como funcionava um tour, e, antes que pudesse falar seu nome, um garoto de 8 anos de idade usando um boné da seleção italiana interrompeu o discurso alto o suficiente para todo mundo ouvir.
- Aquele é !
E lá se ia embora a tentativa do jogador em passar despercebido. Todos as outras 7 pessoas que formavam a turma do tour passaram a olhar para ela. Um deles inclusive veio pedir autógrafo e uma das meninas claramente chegou mais para perto com uma tentativa de dar em cima dele.
Os que vieram conversar com ele, tentou ser educado, mas quando viu que aquilo iria demorar demais e começara a ficar sem paciência, precisou interromper.
- Bem, eu vim até aqui como qualquer um de vocês apenas para conhecer a nova exposição de Van Gogh. Não sou um jogador hoje, sou apenas um cidadão milanese comum. Por favor senhoria , continue.
- Vocês se conhecem? - A menina que havia se aproximado perguntou.
- Não. Acabei de conhecê-la, assim como vocês.
- Ela não havia dito o nome dela. - O menino com o boné da Itália completou.
E estava ali o vacilo. Ela não havia falado o nome dela. E, para qualquer um naquela sala ficou claro que ele não estava ali por Van Gogh e sim por .
- é um velho amigo. Mas quem quer conhecer as obras?
Com um jogo de cintura que apenas tinha, puxou a turma de volta ao foco. sinalizou que a esperaria ali. Já havia atrapalhado o suficiente.

- Você precisava ter feito o tour.
- Não quis atrapalhar mais do que já tinha feito. Amanhã venho na parte da manhã e você me dá um tour exclusivo, o que você acha?
- Você está se achando demais .
Os dois saíram do museu de mãos dadas. Riam como duas crianças enquanto passeavam pelo Parque Cívico. O lugar não tinha muitas coisas, mas ainda era um espaço para caminhar. Era o local que sempre levava Klaus para passear.
- Ah, fala sério. Adoraria ver a coleção de Van Gogh.
- E desde quando você é todo interessado por arte?
- Desde que você entrou na minha vida.
Ele parou e a puxou pela cintura. passou os braços pelo pescoço de , esperado o próximo passo.
- Tem tempo não é?
- O quê?
- Que você entrou na minha vida.
- Isso não importa. Estive fora por três anos, e, dessa vez, não pretendo deixar você ir a lugar nenhum.
Eles se beijaram como se o dia seguinte não fosse chegar. tinha apenas mais quinze dias em Milão. E pretendia aproveitar cada segundo ao lado dela.

Mostri


(Monsters - Katie Sky)
saia do banheiro com uma toalha na enrolada na cabeça e um roupão de banho. Ela havia aceitado o convite de para jantar. Fazia tanto tempo que ela não saia nesse tipo de encontro que ela estava se sentindo estranha.
Poderia ser exagero se ela dissesse que seu último encontro havia sido com quatro anos atrás, mas era a verdade. Não havia tido muito tempo em meio a faculdade e trabalho. E, pensando assim, parecia estupidez o motivo pelo qual eles haviam terminado.
Ela sentia falta de alguém ao seu lado, e, sem , nenhum outro cara conseguira chamar sua atenção. passara o final da sua faculdade vendo os amigos namorando, noivando e planejando casamentos, e, no final do dia, ela estava sozinha.
No dia de sua formatura, o mesmo dia no qual ela mudara para o apartamento do lado da Galeria d’arte Moderna, seu pai lhe presenteara com um filhote de husky siberiano. Era um sonho de criança que enfim estava sendo realizado.
Ela se lembrava da pequena caixa azul que não parava quieta nos braços do pai, e no pequeno filhote que pulou para fora quando a primeira oportunidade. O filhote de husky siberiano estava com uma fita vermelha amarrada no pescoço, e era a coisa mais fofa que havia visto na vida.
- Não quero você sozinha na cidade, mas como não posso opinar mais sobre isso e entendo os seus motivos, ao menos vou ficar tranquila que você terá companhia. Qual o nome dele?
pensou um pouco. Ela sempre quis um husky siberiano mas por algum motivo nunca havia pensado em um nome para ele. Seu vício por The Vampire Diaries falou mais alto e seu personagem favorito foi homenageado.
- Klaus.
- Oi pequeno Klaus, o que você achou da sua nova casa?
O cachorro pulou do colo de e começou a cheirar todos os movéis. sabia que em breve aquele apartamento seria pequeno para ele, mas por enquanto ele se divertia como se estivesse em um parque de diversões.
O Parque Civico era apenas dois quarteirões de distância e Klaus seria um motivo para ela também se exercitar. Se conhecia o suficiente para saber que não tinha nenhuma disciplina para frequentar uma academia, mas pelo menos algumas voltas no parque seria obrigada a dar.
Agora sua companhia estava deitado aos seus pés enquanto andava de um lado para o outro no seu quarto tentando escolher o que usar no encontro.
Parecia estranho que ela estivesse se arrumando para se encontrar com .
Eram os mesmos nomes, as mesmas cidades, mas não eram as mesmas pessoas. Mesmos que os beijos de continuavam causando as mesmas borboletas no estômago como há anos atrás. Elas não haviam sumido e começava a achar que não iriam embora.
Ela finalmente optou foi um vestido preto de alcinha estampado com detalhes rosa. não era de usar vestido, mas aquele ela gostava. E o calor de Milão pedia por uma roupa mais soltinha.
Quando ela estava finalizando a maquiagem seu celular apitou. Era avisando que a estava esperando na portaria do prédio. Klaus deitou no chão apenas observando pegar a bolsa e sair correndo porta a fora.
- O que foi? Primeiro você aprova e agora você faz cara de ciumento? - Klaus ignorou o comentário e simplesmente voltou para a caminha no quarto de .
Ela desceu o elevador sentindo seu coração na garganta. Por que estava tão nervosa se iria apenas encontrar ? Não era como se fosse a primeira vez. Tudo parecia formal demais para ela.
estava parado na porta do apartamento. Ele havia pegado o carro do pai emprestado e dispensado o motorista. Eles não precisavam de ninguém além deles mesmos.
- Você está linda. - Ele deixou um beijo na bochecha dela. Faria de tudo para ir o mais devagar possível naquela noite.
- Obrigada. Você também não está nada mal.
vestia uma camisa social azul escura e calça jean também escura. Estava arrumado o suficiente para o restaurante no qual planejava levar .
Ele sabia que o lugar favorito da garota era a Navigli. Uma rua cheia de restaurantes e barzinhos do lado do canal onde sempre tinha alguém fazendo canoagem, não importava a hora. Mas ir até lá não era tão simples. Era um lugar cheio de turistas e pessoas que com certeza não deixariam em paz. Então ele precisou buscar um plano B.
A tarde ele havia sentado com seu pai e pedido ajuda. Era até engraçado ele ir até o papa pedir conselhos sobre . sempre conhecera como a palma da sua mão. Sabia que ela enrolava a ponta do cabelo quando estava nervosa e que sempre olhava para ele antes de tomar qualquer decisão, mesmo que fosse algo banal como comprar um livro.
era o porto seguro de . E era a vela de . Juntos, eles sempre navegaram pela vida como se nada pudesse mudar o rumo. Como se nem a pior das tempestades fosse destruir o navio. Mas um dia ele havia se partido. Toda aquela segurança se esvaíra das mãos de , e agora ele precisava que alguém o guiasse de volta para ela.
Ele abriu o computador na mesa da sala e digitou no Google “restaurantes em Milão”. Mesmo sempre indo à cidade, já fazia anos que não morava mais ali. Mas o seu amigo Google não estava colaborando e nada lhe agradava.
Giovanni viu o filho inquieto e resolveu ajudar.
- O que você tanto faz nesse computador?
- Eu convidei para jantarmos hoje a noite, mas não faço ideia de onde levá-la. E Navigli infelizmente não é uma opção.
Papa sabia o que significava Navigli para eles. Haviam passado toda a adolescência indo aos bares e restaurantes do canal. Mas teria que concordar com , o lugar estaria lotado de jovens, turistas e curiosos. Ele não conseguiria ter uma noite agradável como desejava.
- Porque você não a leva ao Tartufi & Friends?
- Tar o que?
- É um restaurante com um clima bem íntimo. - O mais velho abriu o site e começou a mostrar as fotos. - Eles têm um bar muito bacana e mesa para dois. Acho que é tudo que vocês precisam. Algo intimista mas não tão sério.
deu uma fuçada no site e resolveu logo fazer a reserva. O lugar ficava ao lado do prédio de . Talvez isso até pudesse ser uma coisa boa.

- Você se importa de ir andando? - observou que não usava salto. Ele conhecia bem a garota para saber que ela era contra saltos altos.
- Andando?
- Sim. Eu juro que tentei escolher algum lugar que não ficasse perto do seu apartamento, mas aparentemente todos os restaurantes bacanas e não lotados de turistas de Milão ficam nessa área.
começou a rir. parecia um turista na cidade que ele havia nascido.
- Não vai me dizer que você pesquisou na internet?
- É claro que pesquisei! E por fim meu pai ainda me ajudou.
não conseguia parar de rir. Ele estava adorável demais com as bochechas rosas. Definitivamente havia mudado nos últimos três anos.
- Claro que não me importo de ir andando. Contanto que a gente vá.
ofereceu o braço para que aceitou de bom grado. Era bom estar ao lado dele. O céu de Milão estava azul. Um azul escuro no qual era possível ver as estrelas. E todas elas pareciam estar alinhadas.
- O que tem de diferente nesse tal restaurante?
- Paz. Espaço. E aparentemente um cardápio bem italiano. Nunca achei que fosse ser difícil achar um restaurante na Itália.
- Espero que tenha tiramisu.
- Se não tiver, a gente passa no supermercado depois que eu faço. - deu um beijo na bochecha de . Ela amava os dotes culinários dele porque ela mesma mal sabia fazer um macarrão.

O lugar era realmente agradável. Diversas mesas estavam distribuídas em um salão bem iluminado. O bar estava ao fundo, onde era possível ver um bartender preparando diversas bebidas.
- Reserva no nome de . - escutou falando com a recepcionista. O olhar da garota ao reconhecê-lo incomodou um pouco Se. Não que fosse ciúmes, era mais como um mal pressentimento.
A ideia de ir até ali era não serem incomodados. E ser reconhecido logo na chegada não era um bom presságio.
- O que foi?
- Ela te reconheceu. - viu os olhos azuis de preocupados.
- Não tem problema. Eles tem seguranças. Podemos curtir nossa noite em paz.
Ele deixou um beijo nos cabelos dela e logo entraram no restaurante. E, apesar de envolver na conversa, não conseguia parar de pensar que alguma coisa ruim iria acontecer.

Futuro


(lost boy)
- Você ainda tem aquele livro de cabeceira?
- Qual?
- Peter Pan. - se recordava do exemplar ao lado do abajur de .
Ela havia ganhado aquele livro da avó quando tinha apenas 8 anos e estava aprendendo a ler. Sempre adorara a perspectiva de que Peter Pan nunca crescia. Ele sempre parecia perdido. Terra do Nunca, o espaço onde não se crescia. E ao mesmo tempo a vida não era perfeita.
Quando criança tinha certeza que a vida dela era perfeita. Ou pelo menos, era o que seus pais tentava lhe transmitir. Paz, tranquilidade e nenhum problema. Ela e seus dois irmãos mais velhos sempre tiveram tudo.
Até que um dia deixou de ser. Seu avô adoeceu e, em poucos meses veio a falecer. Ali, era seu Capitão Gancho. O empecilho no meio da sua vida perfeita. Na mesma época, ela conheceu .
Ele nunca soube de tudo que aconteceu com o nonno . sempre soube disfarçar e fingiu que estava tudo bem. Mas ali ela tinha conhecido dois personagens: o Capitão Gancho e a Sininho.
Mais tarde, ela compartilhara com sua metáfora do Capitão Gancho. Sempre que se deparava com uma dificuldade, Gancho era chamado.
Se era o Peter Pan que não queria crescer, era a quem sempre trazia magia para sua vida.
- Sempre.
- E o Capitão Gancho?
- Ele sempre vem e volta. Papa está bem. Mama também. Por enquanto Gancho está escondido, mas ele não tarda a voltar.
segurou a mão de por cima da mesa.
- Você sabe que eu sempre estarei aqui.
Ela sorriu sem graça. Sabia que ele não pretendia ir embora. Ou melhor, sabia que ele iria embora, mas não pretendia sair da sua vida.
- Será que a gente consegue fazer isso dar certo ?
Os olhos azuis de estavam cheios de lágrimas. Ela odiava chorar, mas era sempre um ponto delicado em sua vida. É claro que ela queria que aquilo desse certo. Se tinha uma coisa que aprendera com os anos, era que aquele homem a sua frente era o amor da sua vida. E ela nem sequer acreditava nisso.
Mas antes que ele pudesse responder, o garçom chegou com os pedidos. Um delicioso e digno jantar italiano regado a bastante vinho.
observou cada detalhe de quando ela se concentrou em seu prato. Seu cabelo castanho, seu nariz arrebitado. Ele sabia que não seria fácil. Em algum momento eles teriam que decidir detalhes como onde morar, se ele voltaria para Milão ou se ela iria para Manchester.
E naquele momento, não conseguia pensar em nenhuma solução.
Talvez ela estivesse certa. Eles estavam fadados a viverem separados. Cada um em uma cidade vivendo uma vida completamente diferente uma da outra. Ou talvez, ele estivesse com razão e eles valessem a pena lutar.
O resto do jantar aconteceu sem nenhuma intervenção. Conversaram sobre frivolidades, séries de TV, trabalho dela, futebol. Mas uma coisa que não falaram e não seria dito era o futuro. Ambos temiam pelo momento em que este assunto precisasse ser retomado.
- Você nunca me contou como foi sua recepção em Manchester.
- Ah, não teve nenhuma novidade.
- Fala sério ! Você está jogando na melhor liga de futebol e não teve nenhuma novidade?
- Você está mesmo admitindo que a Premier League é a melhor liga?
- Claro que estou! Sou torcedora do Milan mas isso não significa que eu não possa ser crítica a outras ligas.
- Vai, você torce para o United.
- Eu nunca disse isso!
- , você já admitiu que assiste alguns jogos, agora fala que a Premier League é a melhor liga. O que custa admitir que você gosta do time?
- Eu não gosto do time. Eu gosto é de você.
E ali estava. Claro e cristalino em cima da mesa. As palavras que estavam guardadas no consciente de mas que ela ainda não tinha conseguido colocar para fora.
Falar que se importava era diferente de dizer que gostava. E isso estava a um passo de dizer que ainda o amava.
mordeu o lábio inferior. odiava quando ele fazia isso, mesmo que fosse uma coisa frequente. Mas ela também sabia que, sempre que isso acontecia, era porque ele tinha algo importante para dizer mas não sabia como.
- O que foi?
- Nada.
- .
- Você tem ideia de quanto tempo eu sonhei em escutar essas palavras novamente?
sorriu. Era fácil sorrir perto dele. O efeito deixava inebriada. E, por mais que fosse complicado, ela precisava admitir: era completamente apaixonada com esse efeito.
- O que você acha da gente sair daqui? - Ele perguntou levantando uma sobrancelha. Ela riu que nem boba aceitando.
Rapidamente pediram a conta e se prepararam para deixar o restaurante.
Ambos não viam a hora de chegar no apartamento de e poderem expressar tudo que palavras não eram capazes de fazer.
aceitou o braço de e eles abriram a porta do restaurante. E esta foi a última coisa consciente que teve.
No momento seguinte diversos flashes foram disparados em seu rosto. Jornalistas e fotógrafos saiam de todos os cantos. Ela escutou mais de uma vez a pergunta “qual o seu nome?” ou “há quanto tempo estão juntos”?
Ela começou a se sentir enjoada e não conseguia andar. rapidamente jogou o blazer que usava em cima de seu rosto. Eles poderiam estampar que ele estava com alguém, mas ninguém precisava saber que era .
Quando eles terminaram, já era conhecido pela mídia. Eles nunca fizeram questão de esconder o namoro. Muito pelo contrário. sempre fizera questão de responder em todas as entrevistas que tinha uma namorada.
Ele também nunca havia tido esse tipo de assédio. Era normal pararem ele para fazerem poucas perguntas, mas desde que tinha ido para a Inglaterra, isso também havia parado.
Com certeza alguém tinha dado a dica que eles estavam ali e que ele estava acompanhado.
Eles não haviam ido de carro. Não tinha como fugirem. Voltar para o apartamento de também não era uma solução. Se fossem até lá, sua identidade seria revelada e o problema agravado.
Não se importavam de ser públicos, mas não queria nenhum jornalista importunando . Sua privacidade deveria ser mantida a todo custo. Isso era o ponto mais importante.
- Você se importa se a gente sair correndo?
- Para onde?
- Confia em mim?
- Sempre.

Última volta


Eles saíram correndo em direção ao Parque Civico. Sabiam que seriam seguidos e ir em direção ao apartamento de era impossível. Foi então que viu o resto de uma casinha de madeira de algum festival que poderia ter acontecido no parque há algumas semanas.
Ele puxou e os dois se encolheram para se esconder. Observavam alguns fotógrafos indo e vindo. se acomodou e puxou para seus braços.
- Acho que nós vamos ter que ficar algum tempo aqui.
- Isso já aconteceu com você?
- O que?
- Ser perseguido por paparazi?
- Algumas vezes. Mas nunca dessa forma, nessa intensidade e quando estou de férias. Jornalistas geralmente querem uma novidade, minha vida é muito calma para ter uma novidade.
- No caso, a novidade sou eu.
Ele olhou para ela. Seus olhos azuis demonstravam insegurança. conhecia para saber que aquilo era motivo de afastá-los.
- Ei, nem começa. Não tem o que ficar com medo. - Ele colocou uma mecha de cabelo dela atrás da orelha.
- E como não ficar? Uma nota, uma foto, e todo o mundo que eu conheço vai por água abaixo. Eu não posso mudar a minha vida inteira . Não agora quando tudo está finalmente dando certo.
- Então quer dizer que não tem espaço para mim em sua vida?
parou para pensar. Era injusto ele dizer que não havia espaço para ele quando, dentro de poucos dias ele não estaria mais ali. Mais uma vez, ela se pegou pensando que eles tinham futuro. O que eles estavam fazendo ali.
- Nossos problemas continuam os mesmos. Foi um erro tentar de novo.
começou a se afastar de . Ela precisava ir embora, ficar sozinha. Era claro que eles ainda se amavam, mas será que isso era o suficiente?
- , não faz isso. Aqueles argumentos não tinham sentido três anos atrás e eles também não fazem sentido agora.
- Como não fazem ?
- Pelo simples fato de que, três anos atrás, você terminou comigo dizendo que estava cansada de ficar sozinha. Que você nunca me tinha por perto. Mas, nestes três anos, você encontrou alguém? Você conseguiu me esquecer o suficiente para deixar outra pessoa se aproximar? Não é o que parece. Pelo contrário. Se tem uma coisa que as últimas semanas me mostraram foi que a gente ainda se ama, e você, como eu, só estava esperando uma forma de tentarmos de novo. Para de arrumar desculpas S. Eu e você. Isso é verdadeiro. E a gente pode dar um jeito.
não teve coragem de olhar para trás. Ela fechou os olhos e saiu correndo do esconderijo deles rezando para que nenhum fotógrafo a identificasse. Sem , ela era apenas uma garota comum chorando porque terminara, pela segunda vez, um relacionamento com o amor da sua vida.
começou a chorar sem conseguir sair do esconderijo. Era ridículo. Ele se sentia ridículo. Pensava que poderia fazer algo para que mudasse de ideia, mas aparentemente a garota já havia se resolvido e nada que ele dissesse poderia mudar isso.
Talvez fosse finalmente a hora dele deixar essa história para trás. Mas alguma coisa em seu subconsciente dizia que aquilo não era o fim. e não era para terem esse final. As coisas não estavam certas assim.

acordou de manhã e, como previsto, a notícia de que ele estaria com uma nova namorada estava estampado em todos os jornais. Por sorte, nenhum deles mostrava o rosto de ou algo que a pudesse identificar.
Dali a dois dias ele precisaria voltar para Manchester, mas agora que não tinha mais nenhum motivo para permanecer em Milão, suas malas já estavam arrumadas e as passagens adiantadas para a manhã seguinte.
Seu pai chegou para tomar café. É claro que já tinha lido todas as notícias. odiava ser a notícia, mesmo quando era por algum motivo bom.
- Filho, você não precisa adiantar sua viagem por causa dela.
- Eu não consigo ficar aqui pai. Tudo me lembra ela. Achei que fosse possível recomeçar, mas pelo jeito estamos parados no mesmo lugar de três anos atrás.
- Nenhum de vocês são os mesmos .
- Então fala isso para ela. A desculpa foi a mesma e eu simplesmente estou cansado de conviver com ela.
se levantou da mesa com raiva. A raiva que não havia sentido da primeira vez que ela terminara tudo.
Ele foi para seu quarto, fechou a porta e se jogou na cama. Esperou que as lágrimas fossem vir, mas elas não vieram. O que veio foram as memórias. As memórias de quanto tudo para eles era novidade. As diversas primeiras vezes.
O primeiro beijo, o primeiro segredo, a primeira briga, a primeira vez. Tudo naquela época parecia tão fácil.
...
Eles definitivamente não tinham planejado isso. É claro que não era a primeira vez de nenhum dos dois, mas era a primeira vez se e .
A conexão que eles tinham era visível na troca de olhares.
Começara no jantar que ele havia preparado para ela. Seu futuro ainda era duvidoso, mas ele queria aproveitar o máximo de tempo que teria com ela.
- Pasta a carbonara.
- Você sabe que eu te amo?
Ele riu deixando um beijo curto em seus lábios.
Estavam sentados no chão do apartamento de . Ele havia saído da casa dos pais pouco depois deles ficarem juntos. Ela ainda morava com os pais por causa da faculdade e ter um cantinho que eles poderiam se curtir tinha sido a melhor ideia de .
Fazia um mês que eles haviam se beijado naquela boate. Um mês que e passaram a trocar carícias e intimidades que eles nunca acharam que ainda tivessem para descobrir um do outro.
descobriu que ele adorava dormir com ela acariciando seus cabelos e percebera que o pescoço era a parte mais sensível dela.
No chão do apartamento, ela o puxou para outro beijo.
- Vem cá.
- Mas e a comida?
- Foda-se.
Ela disse foda-se querendo dizer outra coisa.
Quando percebeu, já estava puxando a camisa dele, dando espaço para que ela pudesse explorar todo o seu peitoral definido por horas de treinos.
- Você tem certeza?
Ele segurou o rosto de em suas mãos, impedindo que ela desviasse o olhar. Ela não tinha forças para responder e o puxou para mais um beijo.
levantou do chão e a puxou pela mão em direção ao quarto.
Eles pararam em alguns momentos antes de finalmente chega ao cômodo com algumas peças de roupas a menos.
As mãos deles passavam pelo corpo um do outro explorando cada cantinho. começou a beijar o pescoço de , aos poucos descendo os beijos até a alça de seu sutiã.
sentiu seu corpo arrepiar no momento em que ele se desfez da peça de roupa. Os cabelos de começaram a ser puxados e a garota tinha certeza que iria enlouquecer.
Ele voltou com os lábios para os dela e a levantou pelas coxas levando-a até a cama. Ali foi o momento que teve certeza que era a mulher da vida dele. Nenhuma outra conseguiria fazer o que ela fazia com ele.
E era por isso que, depois do segundo término, tudo que ele conseguia sentir era um vazio. Um vazio que não tinha certeza se conseguiria ser preenchido.
Agora, ele só queria voltar a Manchester. Focar seus pensamentos no futebol e na temporada que estava para começar. Talvez assim, enfim ficasse no passado.
Senza Speranza


Fazia uma semana que havia saído correndo do parque. Uma semana que ela não tinha notícias de . E uma semana que ela havia sido demitida do Museu.
Na segunda-feira seguinte ao desastre que havia sido o jantar, foi chamada na sala de seu chefe, Nicolau Benedict. Ela já sabia que não seria boa notícia. Ele nunca convocava alguém assim do nada se não fosse porque tinha algo seriamente errado.
Enquanto ela seguia as escadas que dava para o escritório dele, repassou toda a exposição sobre Van Gogh. Os lucros que estava dando ao Museu, os bons comentários que estava recebendo. Em suas mãos, estava a pasta com todos as fichas preenchidas e todos os dados da exposição.
Estava abatida. Não havia dormido e a quantidade de maquiagem em seu rosto não tinha sido o suficiente para cobrir as olheiras. Mas nem por isso ela tinha deixado de se arrumar e ir para o trabalho. Se tinha uma coisa que a manteria inteira seria a Galeria. Ali, era o resultado de todo o seu esforço.
bateu na porta que dava acesso à sala do Sr. Benedict. Sentia um frio na barriga que há anos não sentia. A angústia tomava conta de seu corpo e ela só queria resolver qualquer problema que Nicolau tivesse com ela.
- Entra senhorita .
A sala de Nicolau Benedict era fria. O ar condicionado ligado mesmo nos dias mais rigorosos de inverno. No verão, ele parecia querer fazer nevar dentro do ambiente. sorriu para o homem robusto sentado atrás da mesa.
- Bom dia! O senhor mandou me chamar? Teve algum problema com a exposição?
- Não. A exposição está melhor do que imaginávamos. Inclusive a Galeria queria parabenizá-la pelo excelente trabalho. Está atraindo bastante os turistas. Temos recebido elogios dos tours e o seu estagiário está muito bem treinado. Mas não foi sobre isso que te chamei aqui senhorita .
franziu o cenho. Ele parecia sério e, se não era sobre a exposição, ela não conseguia pensar no que mais estaria errado.
Foi então que viu as páginas de jornais na frente dele. As mesmas páginas que ela havia evitado desde que saíra de casa. Nenhuma das fotos mostrava que era ela, mas isso não a impedia de lembrar da noite e sentir se estômago revirar mais uma vez.
- Eu tive uma conversa séria com a administração da Galeria d’Arte Moderna e nós chegamos à conclusão que não queremos jogadores de futebol em nossos estabelecimentos. Ou qualquer forma de relacionamento com o esporte. Foi do meu conhecimento que esteve aqui na semana passada e, depois dessas reportagens, não é difícil saber que você está envolvida com ele. E não podemos nos permitir ter este tipo de imagem com a mídia.
- Mas...
tentou argumentar. Benedict a cortou. Nada do que ela disesse o faria mudar de ideia.
- Você é uma excelente profissional, com um currículo brilhante e está para crescer ainda mais. Porém, nós não precisamos mais dos seus serviços senhorita . Você pode recolher suas coisas. Muito obrigado pelo excelente trabalho ao longo dos anos.
- Vocês estão me demitindo por causa de um boato numa página de jornal?
- Não podemos considerar isso como um boato uma vez que o mesmo jogador estava em nossas dependências . Eu sinto muito.
Ela ficou sentada sem saber o que fazer. Observou o parque ao fundo pela janela atrás do seu chefe. havia sim virado a sua vida de cabeça para baixo mais uma vez. E, por mais que ela soubesse que era completamente irracional a raiva que ela sentia dele, ela existia.
Por causa de , havia perdido o emprego e tudo que ela lutara na sua vida.
Agora, ela estava sozinha. Sem . Sem trabalho. Sem nada.
Mais uma vez, Capitão Gancho estava de volta em sua vida. Porém, Sininho estava longe demais para ajudá-la. Era hora de Peter Pan crescer.

- você vai mesmo ficar nessa cama pelo resto da sua vida?
- Que vida ? foi embora, e também por causa dele eu perdi meu emprego. A única coisa que valia a pena.
- , você está escutando a si mesma? Tem tanta coisa errada nessa sua frase que não sei nem por onde começar.
finalmente levantou a cabeça do travesseiro. Desde que chegara em casa daquela segunda-feira trágica, tudo que tinha feito era levantado para dar comida a Klaus e retornado à sua cama.
, finalmente recebendo atenção da amiga, começou a falar tudo que estava entalado na garganta desde o dia que lhe mandara a mensagem dizendo que havia terminado (de novo) com .
- Número 1: não é culpado que seus chefes são imbecis. Isso não é motivo para demitir alguém, fora que é sua vida pessoal. E parece que não aprenderam nada de marketing mesmo, uma vez que, para um museu como a Galeria, qualquer publicidade deveria ser bem vinda. Aquilo lá está em decadência. Número 2: , a partir do momento que você fala que a única coisa importante na sua vida é o seu emprego, é justamente a hora de você jogar tudo pro alto e ir caçar outra coisa da sua vida. Um trabalho não pode te definir! Você é muito mais do que isso. Trabalha naquele lugar desde a faculdade, você nunca nem teve tempo para pensar sobre o que você realmente quer da vida. O que te faz feliz? Quais são as motivações para você levantar da cama de manhã?
quis abrir a boca para responder, mas na verdade não tinha respostas. Ela sabia que estava certa. Ela nunca havia saído da sua zona de conforto.
Na primeira vez que ela deixara , foi pelo medo de enfrentar um relacionamento à distância. Foi o medo de mudar completamente a sua vida. Na segunda vez, foi o mesmo motivo. Não querer sair da sua zona de conforto e enfrentar o mundo de verdade.
Sempre foi cômodo para trabalhar na Galeria. O trabalho era o mesmo de anos, as pesquisas nos livros de história nunca mudavam. A rotina era a mesma e tudo sempre era perfeito. sempre foi o responsável por trazer emoção a sua vida. Sempre foi ele quem mostrara um caminho diferente.
E justo agora que ela mais precisava dele, ela havia feito ele ir embora de vez.
a havia deixado sozinha em casa depois de ver a amiga tomando um banho e tomando café. Agora estava sentada na frente da televisão onde passava um noticiário. Ela não estava prestando atenção de verdade.
Klaus, o hucky siberiano, estava deitado na sua perna exigindo por carinho. Ele queria passear, colocar energias para fora, ajudar a dona a sair da mesmice. Mas a mente de estava longe.
Ela pegou o celular, pensou em mandar uma mensagem para . Ao invés disso, ela abriu o Instagram do Manchester United. Não tinha muita coisa além de resultado de jogos e algumas fotos.
Olhou ao redor do seu próprio apartamento. De repente, tudo a sua volta pareceu pequeno demais.
Se levantou e foi até a janela que dava para o parque. Ela conhecia todos os espaços de cor. Milão havia sido sua casa em todos os seus 26 anos. Ela estava acostumada a ficar ali.
Talvez fosse a hora de buscar outros lugares. Talvez, ela devesse ir atrás de . Não porque ele seria o motivo dela viver, ou porque sem ele ela não era ninguém.
era uma mulher decidida, estudada, inteligente e ainda queria ter a sua própria carreira. Mas naquele momento, ela não fazia ideia de onde queria trabalhar. era a força que a fazia questionar e ir atrás de seus sonhos, mesmo quando ela mesma não fizesse ideia de quais eram.
Talvez, fosse a hora dela trocar as ruas calorosas de Milão pelas friorentas de Manchester.
Fino alle prossima


(Heartstrings)
A temporada de futebol Europeu estava para começar. estava ansioso com a Premier League. Tudo fluía a favor do Manchester United. A pré-temporada nos Estados Unidos havia sido um sucesso.
A única coisa que incomodava era como as coisas com tinham terminado.
Ele tentou ligar para ela, mas não recebeu nenhuma resposta. A cada dia que passava ele tentava seguir em frente, mas seu subconsciente dizia que não era o fim.
No final de mais um treino do qual tinha dado tudo de si, ele terminava de se arrumar no vestiário. Não era muito de conversar por ali, ou de ficar enrolando, mas naquele dia sua vontade de ir para casa não existia.
Sentou em um dos bancos com sua garrafinha d’agua se hidratando após o treino. Observava o comportamento dos seus colegas de time. Uns brigavam, outros riam das brincadeiras e outros apenas ficavam quietos em seus celulares.
Aos poucos o vestiário foi se esvaziando. Ele começou a brincar com o celular o girando de um lado para o outro. Henrikh Mkhitaryan observava de longe. Os dois não eram muito próximos, mas o armênio era conhecido por dar bons conselhos quando seus colegas de time precisavam. E claramente precisava de alguém para conversar.
- Você deveria ligar para quem quer que seja que esteja fazendo você revirar esse seu celular até ele quase cair no chão.
O italiano olhou para o outro sem entender. Então percebeu o aparelho na sua mão. Suas ações estavam tão inconscientes que nem se quer tinha notado o celular nas mãos.
- Já tentei. Ela não vai me atender.
- Bem, não a conheço, mas já te conheço o suficiente para saber que ela não é qualquer uma. Não deixe ela fugir .
- Ela já foi Miki. E não tinha absolutamente nada que eu pudesse fazer.
- Tem certeza? - deu de ombros. Ele estava cansado de repetir para si mesmo todas as justificativas. - Bom, espero que ela volte cara, porque se você continuar assim, em breve não poderemos contar com você.
entendeu o que Mkhitaryan quis dizer. Por enquanto o futebol estava bastando, mas em breve aqueles sentimentos iriam consumi-lo.
Quando não tinha mais ninguém no vestiário, pegou a sua bolsa de treino e deixou o AON training complex para trás.
No caminho para sua casa ele ligou o rádio. Notícias em sotaque britânico preenchiam o ambiente. Ele tentava prestar atenção nas palavras em inglês e no trânsito. Era a forma que tinha de não se distrair e causar um acidente. Última coisa que precisava agora era de bater o carro.
Seu apartamento era em uma das áreas nobres da cidade. Isso poderia significar alguma coisa para as pessoas, mas para , era apenas o apartamento do qual ele tinha se sentido confortável para chamar de lar.
O sono começou a bater. Seus pensamentos mais uma vez fugiram para . E talvez ele estivesse delirando porque ela estava parada na porta do seu apartamento.
Uma mala de um lado, os olhos azuis no celular. A tela do celular ainda era uma foto dos dois de anos atrás.
- ?
- Você chegou. - Ela sorriu. Aquele sorriso com o qual havia passado os últimos dois meses sonhando.
- O que você está fazendo aqui?
- Me mudando para Manchester. Você me empresta um colchão enquanto procuro um apartamento?
correu até ela e a abraçou. Ele não conseguia acreditar que aquilo realmente estava acontecendo. Beijou o topo da cabeça dela e a sentiu abraçando de volta. Tinha milhares de perguntas mas, naquele momento, a única coisa que lhe importava era que ela estava ali. estava nos seus braços e, se ela pensava que iria sair correndo de novo, estava completamente enganada.

O apartamento de era enorme. As janelas de vidro mostravam Manchester ao longe. As luzes da cidade eram completamente diferentes de Milão. sabia que ela precisaria se adaptar a muito mais coisas do que apenas ao idioma.
estava na cozinha preparando um jantar para os dois. Ele ainda não havia cobrado nenhuma explicação a ela e estava tentando absorver a si mesma a escolha que havia feito.
havia sido a pivô de toda essa nova situação. E ela sabia que a amiga tinha razão. Era hora de sair da sua zona de conforto. Era hora de descobrir o que ela realmente queria.
havia passado o primeiro mês pesquisando suas opções. Ela podia ficar na cidade, voltar à faculdade. Podia procurar emprego em outros Museus ou Galerias. Mas ela sabia muito bem para onde ela queria ir.
Milão havia sido seu lar por muito tempo. Ela continuava almoçando na casa dos pais todo final de semana, frequentava os mesmos parques, as mesmas lojas. Ela tinha uma sorveteria favorita no qual os donos sabiam seu nome.
Milão era uma cidade grande. Mas ela estava ficando pequena para . Ela queria se descobrir.
No segundo mês ela foi atrás de todas as suas opções.
Pensou em ir até Nova York e até conversou com uma amiga que havia morado na cidade. conhecera Missie através de um site sobre livros, e, apesar das diferenças, elas se tornaram amigas. Não tinham mais o contato como antes, mas a italiana nunca tinha ido aos Estado Unidos.
Ela também pensou na hipótese de ir até a Alemanha. Fazer um curso em Berlin. Talvez se especializar em outra área da história. havia sugerido que ela fosse para o Brasil. Talvez o ar tropical fosse bom para .
Mas, de todos os cursos, todas as possibilidades, todas as áreas, a que mais chamara sua atenção ficava em Manchester, Inglaterra. Não era um trabalho grande, nada relacionado a Museus, história ou até mesmo arte.
Durante a faculdade, havia feito um curso de restauração. Sua área favorita havia sido os livros antigos. Ela sempre amara o cheiro de poeira.
Em Manchester, ela descobrira uma pequena livraria que trabalhava com restauração de livros usados. Com a digitalização das obras, era algo que estava ficando perdido. Mas ainda existiam aqueles lugares que davam valor ao bom e velho papel.
Aquela era a chance dela embarcar em algo novo. Sabia que não seria a sua profissão para sempre, mas enquanto ela estava se encontrando, parecia uma boa opção.
E, de quebra, ela teria ao seu lado. Finalmente morando na mesma cidade.
chegou ao seu lado com uma taça de vinho. aceitou de bom grado.
- Então quer dizer que você está se mudando?
- Estou. Sei que não é o ideal eu vir atrás de você, mas eu preciso de um tempo para me estabelecer. Não, quer saber, vou falar sério. - olhou para . Seus olhos azuis estavam mais escuros do que o normal. - Eu te amo. Nunca deixei de te amar em nenhum momento em todos esses anos. Depois que você foi embora, minha vida virou de cabeça para baixo. E então eu percebi. O problema sempre fui eu. Eu que nunca me permiti . Eu que sempre fugir de mim mesma. Sempre deixei passar as coisas que eram realmente importantes para mim. E você é importante para mim. , eu não quero mais fugir.
Ele colocou a taça na mesa ao lado deles e segurou o rosto dela entre suas mãos.
- Então não fuja. Fique. Vamos descobrir juntos o que esta vida nos reserva. Só não me deixe mais ficar sem você.
Ele juntou os lábios com os dela. O beijo que havia ficado esquecido naquele esconderijo no parque. Os lábios dele se misturando nos dela. Ela se segurando nele sentindo que estava viva de novo. Porque ela estava. Pela primeira vez em anos ela se sentiu viva.
E estava na hora de começar a viver de fato. era parte importante da vida de . E ela não estava afim de ficar mais um dia sequer sem ele.
Epílogo


Dois anos haviam passado desde que se mudara de vez para Manchester. Não poderiam dizer que a vida dos dois era perfeita, porque não era.
Mas eles eram felizes.
havia encontrado o seu lugar na pequena restauradora de livros que, com um novo olhar, havia crescido e se transformado em uma empresa de referência internacional para restauração de livros, quadros, roupas e diversos outros nichos. Contava com profissionais de diversas áreas e era quase um camaleão, sempre inventando algo novo.
continuava feliz jogando no Manchester United. Não era sempre que ganhavam, mas sabia que, em algum lugar da torcida, tinha um coração especial batendo só por ele. Alguém que o amava. Ele não estava mais sozinho na gelada Inglaterra.
E, em breve, os dois se tornariam três. exibia um enorme barrigão de sete meses. A pequena Raisa era muito esperada nas duas famílias e o casal estava curtindo todos os detalhes daquela gravidez.
Às vezes a gente não conseguia compreender os desencontros dessa vida. Ou as dificuldades. Na maioria das vezes a gente só sabe reclamar ao inves de levantar da cama e fazer algo para mudar. Às vezes, a gente só precisa sair da nossa zona de conforto. A felicidade pode estar ali, virando a esquina.
Fim.



Nota da autora: Chegamos ao final de mais uma história! Muito obrigado a todos que acompanharam essa montanha russa que foi By Your Side. Nem sempre foi fácil, mas fico feliz de finalmente ter terminado. Peço desculpas por ter demorando tanto tempo para atualizar, mas a sensação de dever cumprido finalmente chegou. Para novidades, me siga no twitter @ichbin_yulia e na ask @criativoativo. Temos também o grupo do facebook! Beijos e até a próxima aventura.
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