Sun Tzu — A arte da guerra
Capítulo 1
“Quem não sabe de onde veio, nunca encontrará o seu destino.”
(Provérbio Filipino)
(Provérbio Filipino)
A primeira coisa que eu percebi era que estava muito frio e escuro. Eu estava congelando. E minha cabeça doía muito em um ponto acima da testa, que fazia espalhar a dor pelo resto.
Fiz um esforço para me lembrar de onde estava ou como tinha ido parar ali, mas não conseguia sabe o que havia acontecido na noite anterior ou há poucas horas. Era como se houvesse um borrão na minha mente. Tudo o que eu sabia era que da última vez não estava tão frio.
Apoiei meus braços no chão e levantei meu corpo, ainda sentindo muita dor de cabeça. Algo viscoso, como sangue, parecia grudado na minha testa quando eu movia as sobrancelhas. Será que eu havia caído e batido a cabeça em algum lugar? Era horrível não conseguir lembrar nada.
Toquei o lugar e cheirei meus dedos. Era realmente sangue.
— Levante com as mãos para cima.
Uma voz masculina vinda de algum lugar na minha frente falou e eu me levantei, em alerta, ficando momentaneamente tonta e perdendo a visão já precária. Pisquei os olhos para me estabilizar e tentei tatear algo para me segurar.
— Quem é você? — minha boca tinha um gosto amargo e minha voz estava embolada quando perguntei.
— Eu disse para se levantar com as mãos para cima. — a voz repetiu, parecendo sem paciência.
O quarto estava escuro, então eu não conseguia enxergar muita coisa, mesmo com a luz da Lua e dos postes que vinham de fora e iluminavam precariamente o quarto. Só sabia que não fazia a mínima ideia de que lugar era aquele. E nem quem era aquele homem que estava falando comigo.
Eu ouvi os passos do homem na minha frente se aproximando. Fui me afastando para trás, procurando uma rota de fuga.
— Quem é você? — eu perguntei novamente.
Antes que eu pudesse fazer alguma coisa, as luzes se acenderam, me cegando temporariamente.
Quando abri meus olhos e finalmente consegui enxergar alguma coisa, o homem pulou em cima de mim e nós rolamos pelo chão gelado. Eu fiquei embaixo dele e o seu braço me segurou pela garganta. Eu chutei suas costas por trás com o calcanhar e rolei para cima dele, acertando o soco duplo na parte esquerda do seu rosto. Minhas faixas pretas em taekwondo e em outras variedades de lutas que meu pai havia me obrigado a aprender durante a infância realmente tinham servido para alguma coisa.
— O que você está fazendo na minha casa?
Ele inverteu nossa posição e segurou minhas duas mãos no alto da minha cabeça, seu joelho amassando a minha barriga, me prendendo no chão. Ele era muito maior e mais forte do que eu, então poderia manter aquela posição por muito tempo.
— Eu não sei quem é você e não sei o que estou fazendo aqui. — eu confessei e uma de suas mãos segurou meu pescoço com força. Eu comecei a sufocar, sem ar.
— Estou sendo muito paciente com você. Não vou continuar assim, então me responda. Quem é você?
— Eu... Eu... Você...
Seus olhos eram muito perigosos. Eram escuros e no fundo, tinham aquele toque de perigo que mandava você se afastar. Ele estava falando sério sobre me matar, dada a expressão em seu rosto. Ele iria esmagar minha garganta até separar minha cabeça do resto do corpo se eu não começasse a falar rápido. Meu coração estava batendo aceleradamente pelo medo.
— Não sei o que estou fazendo aqui. — repeti baixo, com a voz esganiçada e ele soltou minha garganta, me segurando pelo queixo para encará-lo, sem gentileza nenhuma. Provavelmente seus dedos deixariam marcas vermelhas na minha pele, pela força que ele segurava.
Eu tentei recuperar o ar, enquanto tentava me explicar.
— Eu não estou de brincadeira. — ele sibilou.
— E nem eu. — falei.
— Comece a falar agora.
— Se você me soltasse um pouco, talvez... — parei de falar rapidamente quando ele empurrou seu joelho mais forte na minha barriga, provavelmente na área do meu diafragma, já que minha respiração logo foi cortada novamente. — Eu disse que eu não sei.
— E eu não acredito em você.
— Eu acabei de acordar. — falei, tossindo. — Eu juro, não faço ideia de onde estou. Eu não lembro como vim parar aqui.
— Me dê uma boa razão para não quebrar um de seus braços agora.
— Se você me soltasse um pouco, talvez pudéssemos conversar adequadamente.
Seus olhos se estreitaram, ficando ainda menores, como duas fendas.
— Você invade a minha casa e quer conversar?
— Eu não invadi sua casa. Eu não... Talvez... — ele exigia uma explicação que eu não podia dar. Não fazia ideia de como havia ido parar ali.
Agindo puramente por instinto, eu dei uma cabeçada nele com força, fazendo a minha própria cabeça latejar pior do que antes.
Eu o empurrei para trás e corri o máximo que eu podia.
A porta do quarto estava a uma distância maior e ele estava entre ela e eu, então corri para a janela e a abri, fazendo o vento frio me acertar com força. Os pelos dos meus braços se eriçaram.
O homem desconhecido se recuperou da cabeçada e levantou de novo. Ele me segurou pelos pés, me derrubando. Bati o rosto com força no chão. Pela falta do barulho, nada havia sido quebrado, mas, em contrapartida, sangue começou a jorrar pelo meu rosto, junto com uma dor lancinante. Minha visão escureceu e eu achei que iria desmaiar.
Levantei, rapidamente, me recuperando, e ele também. Isso me deu uma oportunidade de analisá-lo pela primeira vez. Ele era bem alto, talvez quinze ou dezoito centímetros mais alto do que eu. Como estava vestindo apenas uma calça de moletom, pude perceber que era magro, mas pelos músculos sobressalentes e suas técnicas em me imobilizar, ele era tão bom quanto eu. Seus olhos, esticados, eram assassinos.
Eu não me lembrava de conhecê-lo ou ter visto alguma coisa sobre ele em lugar nenhum. Eu não fazia ideia de quem ele era.
Nós lutamos, tentando derrubar um ao outro, até eu conseguir chutá-lo no estômago e correr para fora, saltando pela janela. O que foi uma droga, já que estávamos no segundo andar e, quando caí, o impacto foi todo absolvido pelo meu braço esquerdo, enviando uma fisgada de dor pelo resto do corpo todo. Ele hesitou um pouco antes de pular, mas não fiquei esperando para ver o que aconteceria em seguida.
Eu não conseguia sentir meu braço, estava machucada, com muita dor de cabeça e uma amnésia temporária, mas corri como se a minha vida dependesse disso. E ela meio que dependia.
O medo fazia meu sangue ferver e lutar contra o frio que cortava o meu rosto enquanto eu corria para longe do maluco atrás de mim. Estava com dor em todos os lugares, mas nada me faria parar. Eu precisava chegar na delegacia mais próxima para ficar segura.
Tinha um homem atrás de mim alegando que eu havia invadido sua casa. Ele poderia muito bem ter sido aquele que havia me levado até ali ou algo pior.
Será que eu havia sido sequestrada? Drogada? Nunca visitei baladas antes, sempre recusei todos os convites de festas de fraternidade. Como ele havia conseguido me pegar?
Eu estava andando cegamente por um lugar que eu não sabia onde no planeta se localizava, mas fui estúpida para roubar uma olhada por cima do ombro. Foram apenas três segundos até vê-lo me alcançando e me derrubando na calçada. De novo. Dessa vez eu usei os braços para proteger o rosto e meu corpo todo protestou. Eu me rastejei para longe, sem forças, apoiada no braço bom. Ele também estava machucado, mancando de uma perna, mas sua determinação era assassina.
— Olhe, eu realmente não...
Quase engoli a língua quando ele levantou uma arma apontada para mim. Quem atira em uma pessoa indefesa? Que tipo de criminoso era aquele? Eu levantei as mãos, em sinal de rendição.
— Por favor, não me mate! Por favor! — implorei.
— Você vai me responder agora?
Ele ainda estava sem camisa e, igual a mim, estava tremendo de frio. Mas parecia mais concentrado em me matar do que na baixa temperatura.
— Eu já disse que não sei o que aconteceu e porque eu fui parar na sua casa. Eu não sei quem é você, eu não sei o que está acontecendo. Por favor, não me mate.
Ele soltou uma risada amarga, fazendo-o parecer ainda mais assustador.
Eu nunca havia pensado em como morreria ou em que idade, mas aquela situação era a última em que eu imaginava estar metida. Em um lugar desconhecido, com uma pessoa desconhecida. Será que meu pai encontraria meu corpo? Será que doeria muito levar um tiro?
— Eu vou contar até três para você falar e vou atirar. Um...
Ele ia se aproximando lentamente e eu ia tentando me afastar, ainda rastejando pela rua. Ignorei os arranhões que ia ganhando enquanto fazia isso.
— Por favor, acredite em mim. — implorei.
— Dois... — ele destravou a arma.
— Meu nome é . — gritei.
— Então é estrangeira?
— O quê? Estrangeira? Onde estamos?
Me coloquei de pé com esforço e o encarei, em confusão. Onde no planeta Terra eu estava?
— Quem está fazendo as perguntas aqui sou eu.
— Por favor, abaixe a arma. Eu não quero te fazer mal. — tentei passar a inocência na minha voz, mas ele não parecia muito convencido. Sua expressão não tinha nenhuma alteração.
— Você invade a minha casa, me agride e não quer me fazer mal?
Parecia realmente um absurdo, mas, mesmo a situação parecendo impossível, eu nunca faria mal a ninguém do jeito que ele estava alegando.
— Foi você quem me atacou primeiro. — eu levantei o tom da voz, indignada, e ele levantou a arma mais ameaçadoramente. — Desculpa. — falei apressadamente, antes que ele fizesse algum movimento impulsivo. — Eu acho que bati a cabeça. Não sei onde eu estou, sinto muito.
— Você deve ser uma imigrante ilegal. Ou uma espiã. Vou te entregar às autoridades coreanas assim que te derrubar.
— Coreanas? — minha voz saiu esganiçada com a surpresa pelo comentário dele. — Onde é que estamos?
— Gangnam, Seul, Coreia do Sul. — respondeu. — Ou você acha que o coreano é falado em todos os países do mundo?
— Não, eu só pensei...
Não tinha percebido que estávamos falando em coreano, provavelmente por causa da maneira que nos encontramos. Falar coreano para mim era tão natural como a minha primeira língua.
Por que eu estava do outro lado do mundo? Como eu havia parado naquele lugar? Será que eu havia sido sequestrada? Será que aquele homem era um traficante de seres humanos?
Tinha visto muitos documentários sobre tráfico humano para roubo de órgãos e prostituição forçada, mas nunca achei que aquilo pudesse realmente acontecer comigo. Nunca achamos que isso realmente acontece até sermos as vítimas. Sempre me achei muito esperta por não falar com desconhecidos ou por não aceitar bebidas e nem alimentos de estranhos, mas ali estava eu.
— Será que você pode abaixar sua arma para que possamos conversar? Eu não quero te fazer mal, eu posso tentar me lembrar de como cheguei aqui. Eu posso te dar todas as informações que você deseja.
Ele não parecia muito convencido das minhas palavras.
Ele vai te matar. Saia daí o mais rápido possível.
Desesperada com a possibilidade de morrer daquele jeito, podendo nunca mais reencontrar a minha família, eu voltei a correr, mas um disparo e o ardor em meu braço me fizeram parar abruptamente. Olhei para o sangue que começou a encharcar minha blusa e para o homem na minha frente.
— Você... Você atirou...?
Eu queria chorar. Ou cair durinha ali mesmo.
O universo atendeu o meu pedido e foi o que aconteceu. Não, não chorei. Só caí durinha ali mesmo.
Capítulo 2
“Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
Pela segunda vez eu acordei com uma dor de cabeça matadora. Eu nunca havia sido vítima de enxaquecas ou dores como aquela, então a falta de costume piorava ainda mais. Meu rosto estava todo endurecido por causa de alguma coisa seca em cima dele. Será que eu havia derramado bebida em cima de mim mesma? Vomitado? Quão patético isso seria?
Me mexi um pouco e levantei uma das mãos para tentar tirar aquilo do meu rosto, mas percebi que minhas mãos estavam presas acima da minha cabeça.
Abri os olhos rapidamente e vi que o que as estavam prendendo eram um par de algemas. Tentei puxar com força, desesperada, o que resultou em uma dor que se espalhou pelos meus braços. Eu gritei com a dor.
— Finalmente você acordou.
Me assustei com a pessoa que entrou no recinto e virei a cabeça para constatar o óbvio. Não havia sido um sonho. Ou melhor, um pesadelo. Era real e ainda estava acontecendo.
O estranho que havia me enchido de porrada estava ao meu lado. Ele vestia roupas limpas e algumas marcas roxas cobriam seu rosto, além de um curativo no lábio. Eu não havia feito um estrago tão grande, pelo que parecia. Ao contrário dele, que parecia ter feito picadinho do meu rosto.
A arma não estava em nenhum lugar à vista, mas o medo ainda latejava nas minhas têmporas. Aquele homem queria me matar. Ele quase o havia feito.
Olhei para o meu braço e apenas encontrei um curativo malfeito cobrindo a ferida da bala. Não parecia muito machucado, mas ainda doía, principalmente pelo jeito como meu braço estava posicionado.
— A bala foi de raspão, mas da próxima vez minha mira vai ser diferente. — ele comentou, vendo a direção do meu olhar. — Eu não erro meu alvo.
O homem desconhecido sentou na cadeira ao lado da cama e se aproximou. Eu tentei recuar o mais longe dele possível, mas era muito difícil com as duas mãos presas.
— Dessa vez você não vai conseguir escapar tão fácil.
— O que você quer de mim? — minha voz estava rouca e embolada.
Tossi, tentando recuperar, mas arranhou minha garganta, fazendo doer ainda mais.
— Não deveria ser eu a fazer essa pergunta, já que foi você que invadiu a minha casa? — ele perguntou.
— Já disse que não consigo me lembrar do porquê estava na sua casa. Por favor, me solte. Só quero ir para casa.
Senti as lágrimas se acumulando atrás dos meus olhos e meu nariz pinicando com a vontade de chorar.
— E você quer que eu acredite nessa sua história?
— Não quero parecer repetitiva, mas é a minha palavra contra a sua desconfiança. Já disse meu nome. Não sou estrangeira. Se estamos realmente na Coreia do Sul, eu não sou estrangeira, sou daqui. Nasci em Incheon. Pode pesquisar.
— Não tenha dúvida de que é isso que eu estou fazendo agora.
— Então... — pigarreei, tentando consertar minha voz. — Quem é você e por que eu teria tanto interesse em invadir a sua casa ou fazer algum mal a você?
— Por que eu iria responder às suas perguntas? — ele desafiou.
— Até aqui eu fui bem-educada respondendo tudo o que você me perguntou. Tentei me explicar o tempo todo e você partiu para a violência. Você deveria retribuir o favor e ser educado também.
— Iremos conversar quando eu confirmar a sua identidade.
Ele se levantou, prestes a deixar o quarto, e eu não poderia deixar aquilo acontecer.
— Espera, você vai me deixar aqui sozinha? — ele se virou, levantando uma sobrancelha. — Eu estou toda machucada, com amnésia temporária e levei um tiro. Você vai me deixar aqui nessas condições? Eu posso pegar uma infecção nas minhas feridas ou machucar ainda mais meu braço. Eu posso te processar por essa violência depois que confirmar quem eu sou.
— Você é uma prisioneira. — ele lembrou. — Eu não te devo nada.
— Aonde eu posso ir cheia de hematomas desse jeito? Ainda mais sem dinheiro, sem nenhum documento ou arma. Provavelmente você já me revistou. — eu não conseguia deixar de sentir nojo ao pensar em suas mãos tateando meu corpo, procurando por qualquer coisa que eu estivesse carregando. Engoli a náusea e continuei. — Já deve ser manhã, você me encontraria muito rápido. Me deixe, pelo menos, ir ao banheiro. — ele continuou me encarando com uma sobrancelha erguida. — Ou você pode simplesmente me deixar mijar nas calças.
— Eu não deveria ser tão gentil com você.
Ele pegou uma chave do bolso e soltou as algemas. Eu puxei minhas mãos, tocando os pulsos machucados e marcados.
— Gentil? Acho que você quebrou o meu nariz e ainda atirou em mim.
— Não está quebrado e já disse que a bala foi de raspão. Pode ir ao banheiro. Trarei roupas limpas para você se trocar. Sua aparência é lamentável. Mas nem pense em fugir. Minha mira é muito boa.
Ele me deixou sozinha no quarto e eu corri para a porta em anexo, que parecia o banheiro.
O quarto era diferente daquele em que eu havia acordado, era muito limpo e confortável, mas ainda sim parecia uma prisão. Não havia janelas e apenas uma porta de saída que eu poderia apostar meu braço direito que estava trancada por fora. Era um pouco melhor do que uma masmorra, mas ainda assustador.
Entrei no banheiro e corri para o espelho. Minha aparência era realmente lamentável, como o estranho havia dito. Eu quase não conseguia me reconhecer. Meu olho estava arroxeado e quase fechado, sangue cobria meu nariz e bochechas, meu lábio inferior estava manchado e havia vários arranhões pelo meu rosto. Além da terra cobrindo meu cabelo, pescoço e debaixo das minhas unhas.
Mas não foi só a minha cara moída que chamou a minha atenção. Eu estava diferente. Meu rosto estava mais magro e meu cabelo estava mais curto do que eu me lembrava. Na verdade, estava muito mais curto, quase não alcançando os ombros, sendo que da última vez que eu havia ido a um salão, saí com o mesmo comprimento de sempre: quase alcançando a cintura. Meu corpo parecia mais forte e eu sentia músculos que nem sabia que tinha. Eu parecia uma estranha para mim mesma, como se o tempo tivesse passado sem que eu percebesse.
Não tomei banho. Não ficaria pelada naquele lugar de maneira nenhuma. Poderia ter câmeras me vigiando naquele momento ou poderia facilitar o trabalho do estranho se ele fosse um estuprador ou um psicopata e só estivesse esperando o momento que eu estivesse vulnerável. Ou fazer um vídeo meu para chantagear meu pai ou espalhar pela internet.
Apenas lavei o rosto e usei as toalhas limpas para enxugá-lo, tirando o sangue com cuidado para não piorar os ferimentos. Lavado, a situação não parecia tão ruim. Meu nariz estava bem machucado, mas os outros eram apenas arranhões que seriam fáceis de curar. Tirei o curativo do braço para examinar a ferida. O tiro tinha sido de raspão e o lugar não estava muito ferido, mas precisava tratar com antisséptico para não infecionar.
Levantei a blusa procurando por outros hematomas. Meu pescoço estava vermelho, meus braços estavam machucados e vários círculos roxos cobriam a minha barriga. Realmente, aquele homem havia acabado comigo. Em pensar que aquilo havia sido apenas para me pegar, estremeci ao imaginar como seria se ele tentasse me matar com as próprias mãos.
Saindo do quarto, vi as roupas que ele havia colocado em cima da cama para eu me trocar, mas eu nunca vestiria aquilo.
Comecei a calcular maneiras de fugir daquele lugar. Não poderia ser prisioneira daquele homem. Se estávamos realmente na Coreia, eu precisava deixar o país com urgência. Não fazia ideia de como havia parado ali, mas chegando à polícia o mais rápido possível, eu poderia achar as respostas das minhas perguntas e ir para casa em segurança.
Procurei pelo quarto algo que pudesse me servir de auxílio para escapar e encontrei um ventilador em um canto. Desmontei a parte de fora, o batendo no chão e puxando com as duas mãos até a parte de plástico quebrar, e tirei um pedaço de arame do motor.
Gostaria, naquele momento, de dar um grande beijo no meu pai por ter me ensinado todas essas coisas no tempo que foi da polícia.
Com o arame, eu consegui abrir a fechadura da porta e soltei a respiração quando percebi que não havia ninguém do lado de fora. Qual era a pior coisa que poderia acontecer comigo? O estranho atirar em mim de novo e me prender? Ele me matar? Aquilo eu sabia que ele faria de qualquer maneira, mas eu precisava lutar e não me entregaria facilmente. Precisava arriscar para pedir socorro, pois não ficaria presa naquele lugar de jeito nenhum. Já havia visto documentários e reportagens suficientes sobre o que acontecia quando as pessoas eram sequestradas e levadas para o exterior. Não queria nem imaginar que drogas eles poderiam ter injetado em mim, ou pior, colocado dentro do meu corpo para me fazerem de mula1.
Fui andando o mais silenciosamente possível, passando por um corredor com várias portas. Testei algumas, mas todas elas estavam trancadas.
No final do corredor havia uma porta entreaberta. Pensei que o estranho estaria ali dentro e já estava preparada para brigar de novo, mas quando a abri, não havia ninguém. O lugar me chamou a atenção automaticamente e eu entrei na sala, fechando a porta atrás de mim e acendendo a luz no interruptor perto, esquecendo, momentaneamente, que estava tentando escapar daquele lugar.
Era como um escritório com uma mesa e uma poltrona confortável atrás, mas que parecia nunca ter sido usada. Sem janelas ou sistema de aquecimento visível. A parede oposta estava coberta de fotos e anotações. Fios de lã ligavam um ponto ao outro, presos com alfinete e anotações com piloto preto em todos os lugares. Já tinha visto aquilo vezes demais para não saber o que era. Uma sala de investigação. E, a julgar pelo tamanho do painel de informações, era uma investigação muito grande.
Será que o estranho era da polícia? Isso explicaria a arma, as algemas e as medidas de segurança na casa.
Me aproximei do painel e comecei a analisar as fotos e os recortes das matérias. De uma maneira assustadora, elas pareciam muito familiares para mim, o que era muito estranho, porque, de acordo com o que eu me lembrava, nunca tinha visto aquelas fotos antes. Ou será que já?
Nunca fui muito interessada pelo trabalho do meu pai e ele sempre fez questão de me deixar longe das investigações, então aquilo não tinha nada a ver com o trabalho dele.
Comecei a olhar atentamente. Havia vários recortes de jornais e relatórios da polícia falando sobre assassinatos, pelo pouco que pude entender do coreano, já que não lia tão bem quanto falava. Pela semelhança entre as fotos, eu chutaria que se tratava de um assassino em série. Havia uma linha do tempo inacabada para a esquerda e para a direita, com pontos de interrogação antes do primeiro assassinato colado no painel. Cada ponto tinha seu conjunto de dados, com fotos um pouco perturbadoras das cenas dos crimes.
Encarando aqueles pontos de interrogação e as imagens, um flash apareceu na minha mente. Como uma memória antiga. Uma memória que eu não me lembrava de ter antes daquele dia.
Aquele havia sido o primeiro assassinato. Não havia nenhum caso antes dele.
Eu lembrava de mim mesma fazendo uma linha do tempo como aquela na parede do meu quarto na faculdade, com recortes e até mesmo com fotos parecidas com aquelas. Aquilo havia realmente acontecido ou meu cérebro havia começado a misturar a realidade com sonhos?
Uma sensação angustiante tomou conta do meu corpo. Eu não conseguia me lembrar do que eu havia feito no dia anterior. Ou no dia antes dele. Comecei a ficar em pânico. Eu estava realmente com amnésia.
O que eu estava fazendo naquele lugar?
Como eu estava envolvida com aquela investigação que eu nem sabia sobre o que se tratava?
Quem eram aquelas pessoas mortas?
Como eu as conhecia?
Alguém empurrou a porta, o que a fez bater contra a parede com um estrondo e eu pulei com o susto.
— Você fez exatamente o que eu disse para não fazer. Qual será a sua desculpa agora?
Eu virei para a porta aberta, como uma criança sendo pega com a mão no pote do biscoito pela mãe. E a mãe, naquele caso, era um homem bravo e com um instinto assassino.
A parte boa era que, pelo menos, ele não estava segurando uma arma.
1Mula: é o nome que se dá a pessoa usada por traficantes para transportar a droga ilegal por fronteiras policiadas, mediante pagamento ou coação.
Capítulo 3
“O cão não ladra por valentia e sim por medo.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
— Eu disse para você não escapar, porque eu não teria tanta paciência dessa vez.
Eu olhei curiosamente para o rosto do homem que havia invadido a sala e interrompido meu pensamento. Eu sabia quem era aquele homem. No início, o medo havia nublado minha visão, mas vendo-o claramente, eu consegui reconhecê-lo. Já havia visto seu rosto milhares de vezes antes.
— Você é ?
— Você não disse que não se lembrava de nada? — aquela pergunta era suficiente para mim.
— Mas eu me lembro de você. Lembro do que aconteceu com a sua família. Você foi o único que conseguiu escapar há dezesseis anos e agora investiga o que aconteceu com todas aquelas pessoas. Eu lembro de ter lido sobre você e de ter visto suas entrevistas na internet.
foi se aproximando e eu fui andando para trás, tentando me afastar. Se ele me atacasse, eu fugiria por debaixo dele. Suas pernas eram longas e eu era pequena, então conseguiria passar engatinhando. Era mais fácil fugir do que tentar lutar com ele de novo.
— O que você sabe sobre isso?
— Foi a única coisa que eu consegui lembrar. Quando olhei essas fotos e li essas matérias... Eu... Eu sabia alguma coisa sobre esse caso. Antes de acordar aqui hoje. Alguma coisa aconteceu.
— Como você conseguiu sair do quarto? — eu engoli em seco.
— Conheço algumas técnicas.
— Você precisa de uma explicação muito boa para que eu acredite nisso porque, de acordo com as minhas pesquisas, não existe aqui e em lugar nenhum. Principalmente uma nascida em Incheon. Você não deu entrada na Coreia do Sul em nenhum aeroporto nos últimos dias e nem nos últimos meses. Não há rastros seus em lugar nenhum nesse país. Para quem você trabalha? Por que você está aqui? Você é uma espiã norte-coreana? Uma desertora?
jogou alguns papéis para mim e eu os agarrei. Eram os resultados das buscas dele. Eu não conseguia entender muito bem, mas nos hospitais, na polícia, em lugar nenhum havia uma nascida em Incheon. O que estava acontecendo?
— Isso não é possível. — falei com descrença.
— Qual a sua explicação agora?
Eu ainda estava muito chocada com os resultados para pensar em qualquer coisa. Toda a minha vida havia sido apagada. O que estava acontecendo? O que seria de mim?
— Você tem certeza que essa busca está certa? Não é possível. Eu sei quem eu sou. — tentei argumentar.
— Incompetente não é uma palavra que se aplica ao trabalho que eu faço.
— Eu posso não saber como vim parar aqui, mas eu tenho certeza de quem eu sou. Meu nome é , nascida em trinta de outubro de 1996, em Incheon, Coreia do Sul. Filha de Alexandre e Tereza . Não importa o que esses resultados dizem, eu sei quem eu sou.
— Isso não é o suficiente para acreditar em quem você é. Você conseguiu passar por toda a minha segurança, entrou na minha casa, não, no meu quarto, e quer que eu simplesmente acredite na sua palavra?
— Qual a data de hoje? — ele franziu o cenho para mim.
— O quê?
— Qual a data de hoje? — repeti.
— 20 de setembro de 2017.
— O que você disse? — perguntei, incapaz de acreditar.
Nove meses. Eu havia perdido a memória dos últimos nove meses devido a alguma pancada na cabeça que eu havia levado. Nove meses estavam em algum lugar da minha mente, onde também estariam as respostas para as minhas outras tantas perguntas.
— Estamos no dia 20, do mês de setembro, no ano de 2017.
— Eu perdi a lembrança dos últimos nove meses da minha vida. De alguma maneira, eu estou envolvida nessa investigação. Eu lembro de poucas coisas, mas lembro de ter pesquisado e lido sobre você. Lembro de ter visto esses casos antes.
— Então você pode estar envolvida com o assassino. — não era uma pergunta.
— Os casos começaram há dezesseis anos, eu tinha cinco anos na época. Como isso é possível?
Antes que pudesse responder alguma coisa, a porta foi aberta e um homem vestindo um terno e com uma expressão nada agradável entrou.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou.
— Vejo que você conseguiu achá-la. — o homem falou, sem me olhar. — Iremos levá-la para a embaixada?
— Descobri que ela tem pistas sobre o caso da minha família. Vou levá-la para o hospital primeiro, para confirmar se pode ter ocorrido alguma coisa com o cérebro dela.
Uma luz de esperança se acendeu.
— Isso quer dizer que você vai confiar em mim? — ele me olhou com cara de poucos amigos.
— Você ainda é minha prisioneira. — eu revirei os olhos. — Estamos saindo. Vista as roupas que eu peguei para você.
— Estou muito confortável com as minhas roupas, obrigada.
levantou uma sobrancelha para mim como se dissesse que não dava a mínima se eu fosse trocar de roupa ou continuasse com as minhas sujas e fedorentas.
Suspirei e peguei a roupas que ele havia separado para mim.
Saí do escritório e voltei para o quarto onde havia ficado algemada sendo escoltada pelos dois homens.
Precisava me juntar a eles para descobrir o que havia acontecido comigo e com a minha identidade. Queria que o meu pai estivesse ali para me ajudar, mas não o via há quase um ano. Bom, se eu havia realmente perdido a memória, seriam quase dois anos.
Troquei minhas roupas rasgadas e sujas pelas roupas que havia colocado no quarto. Era uma calça e simples e um moletom, junto com sapatos. Tinha ficado um pouco grande, mas eram roupas femininas, então foi mais fácil adaptar.
— Estou pronta.
e o cara sinistro que estava junto com ele me levaram por uma escada para o andar de baixo.
— Vocês por acaso não me enganaram e agora vão me matar?
— Se ele quisesse te matar, já teria feito isso. — o sinistro falou e eu estremeci com o pensamento.
Quem eram aqueles dois? Sobre eu só lembrava o nome e o passado. Quem ele havia se tornado? Será que um traficante ou mafioso? Na Coreia existia isso?
— Ei, quem é você? — perguntei ao estranho sem expressão.
Pensando bem, os dois poderiam se passar por irmãos, já que nenhum deles tinha expressões faciais normais. Ambos tinham uma cara séria, com os lábios quase apertados de tão tensos e o maxilar tensionado.
— O funcionário dele. — o sinistro respondeu, simplesmente.
Entramos em um estacionamento subterrâneo e eles me colocaram no banco traseiro de um carro preto grande. entrou no lado do motorista e o sinistrão, entrou no passageiro. Assim que ele entrou, pude perceber que tinha uma arma na cintura por debaixo do terno. Funcionário? Em que estava metido para andar com um homem armado, ter um carro daquele e ainda saber atirar tão bem? Agiotagem? Tráfico? Máfia?
— Então... Você é , não é?
Ele me lançou um olhar nada amigável pelo espelho retrovisor.
— Sinto muito, eu me esqueci. Do que devo chamar você já que estamos realmente na Coreia? Devo começar a usar os honoríficos2? Fiquei tão longe daqui que esqueci as considerações. O que você vai ser? Sr. ? ? Sunbaenim3? apenas? Você é mais velho do que eu. Pode ser... Oppa4?
Se um olhar pudesse matar alguém, eu estaria mortinha naquele momento. O Sr. Terno-e-arma tossiu para disfarçar a risada.
— -ssi5. — o Terno-e-arma respondeu, recuperando a compostura.
— Apenas está bom. — respondeu.
— Tudo bem, Apenas está bom. Você deve ter se tornado uma pessoa muito importante para precisar de um segurança e um carro desses.
— Você pode ficar calada até chegarmos ao hospital? Não aja como se eu tivesse acreditado realmente na sua história. Ainda precisamos saber se você está falando a verdade.
— Ou apenas podemos desmaiá-la até chegarmos.
Dei de ombros como se a ameaça não significasse nada e fiquei o resto do caminho em silêncio.
Olhando pela janela, realmente percebi que estávamos na Coreia. Havia passado tanto tempo fora que havia quase esquecido de como era o meu país natal — se lembranças de uma garota de cinco anos contassem como memórias.
Estávamos na metrópole, mas o antigo se misturava com o moderno. Os prédios enormes e luxuosos de Gangnam, o grande fluxo de gente nas ruas — como esperado de uma cidade tão desenvolvida em todos os sentidos —, mas no fundo as antigas casas. Estava encantada com tudo o que via do lado de fora da janela, já que eu não tinha quase nenhuma lembrança da Coreia quando era criança e só tinha visto imagens de Seul pela televisão ou pela internet.
Entramos no estacionamento do hospital e enquanto saiu do carro, seu segurança sinistro ficou tomando conta de mim. Leia-se: vigiando.
— Qual o seu nome? — perguntei para ele, tentando puxar assunto, cortar o silêncio assustador e ser simpática.
Talvez se ele gostasse de mim, não quisesse me matar a cada três segundos.
— Isso não é importante. — ele me tirou de tempo.
— Você sabe, se o que eu falo for realmente comprovado verdade, não vai me deixar ir. Eu posso ter pistas sobre o assassinato da família dele. Provavelmente vamos nos ver muito daqui para frente.
— Você realmente não pode ficar calada? Eu sou um ex-oficial do exército e sunbae6 é um investigador, ex-tenente da Agência de Polícia Metropolitana de Seul. Poderíamos facilmente desaparecer com você sem deixar nenhum rastro.
Queria dizer para ele que meu pai era um oficial condecorado da polícia coreana e eu sabia reconhecer ameaças vazias, mas apareceu e nos mandou sair do carro antes disso.
Na sala, o médico me colocou para fazer uma tomografia e fez alguns outros exames de praxe para ver se havia algo de errado com o meu cérebro. Eu fiquei silenciosa o tempo todo, observando cada passo. Estar em um hospital, com o cheiro tão característico, me levou de volta as minhas práticas da faculdade.
Sentia muita falta de ajudar os outros como enfermeira. Também sentia falta dos meus livros de estudo, das ligações noturnas para o meu pai, dos presentes que ele me enviava, de saber que estava segura. Sentia falta da minha vida antiga, antes de cair naquela loucura. Tinha sido tudo muito rápido para pensar no antes.
Tudo tinha ido embora de uma maneira tão rápida e confusa, que meu peito doía em pensar no que eu estava metida. Queria que aquilo tudo fosse apenas um sonho e eu acordasse no meu quarto na faculdade, feliz, sabendo que estava bem. Mas não era um sonho. Eu estava confusa, sem saber como realmente me sentir diante daquilo tudo. Me senti tão pequena que achei que poderia desaparecer.
Eu estava cercada de gente desconhecida, que parecia me odiar e me ameaçava a cada dois minutos como se eu fosse uma pessoa perigosa.
Engoli as lágrimas que queriam descer e esperei pacientemente a maca voltar para o lugar, saindo do tomógrafo. O médico me chamou do outro lado da sala e entrou comigo, mesmo sem ser convidado.
— Como esperado pelos seus sintomas, você tem um leve inchaço no córtex motor, responsável pela memória processual, que inclui eventos pessoas importantes ou intensos, o que explica a amnésia temporária. Você bateu a cabeça muito forte em algum lugar, certo?
— Sim. — respondeu por mim. — Ela caiu e ficou desacordada por um tempo.
— Bom, o inchaço não é grande então não há perigo e nem necessidade de cirurgia, aparentemente. Cada organismo responde de uma maneira diferente, então eu não garanto que a sua memória vai voltar, mas talvez, aos poucos, você se lembre do que perdeu. Recomendo descanso por alguns dias e curativos nesses outros machucados. Deve tomar bastante cuidado porque pancadas futuras podem resultar em um problema ainda maior e mais perigoso para a sua saúde. Espero vê-la mais vezes nas próximas semanas para acompanharmos sua recuperação. A área é muito sensível, mas a recuperação vai ser rápida. Se sentir alguma tontura, enjoo, visão turva ou desmaios, você deverá voltar para novos exames.
— Obrigada, doutor.
apertou a mão do homem e uma enfermeira nos guiou para outra sala, onde minhas feridas foram desinfecionadas e cuidadas.
Em nenhum momento ela lançou olhares estranhos para o homem parado ao meu lado, olhando tudo com olhos de falcão. Ninguém desconfiava que eu pudesse ter sido sequestrada ou atacada por ele. Foi estranho.
Ela nos deixou sozinhos quando acabou.
— Será que agora você acredita em mim? — perguntei, segurando a vontade de dizer: “Eu tinha razão.”
— É possível que você esteja envolvida de algum modo com o que aconteceu a minha família e por isso vou mantê-la por perto, mas isso não quer dizer que eu confio em você. — ele falou baixo, quando eu comecei a me levantar. — Você pode ter perdido sua memória, mas isso não te torna inocente, nem agora e nem antes. Além disso, não tente fugir. Eu posso te encontrar em qualquer lugar.
— Eu estou em outro país, sem documentos e dinheiro. Como eu poderia fugir de você? — eu quase gritei de frustração.
— É só um aviso. — soou alto e claro. — Vamos embora.
— Você não vai me levar para a polícia ou para a embaixada? Talvez eles possam encontrar alguma coisa que você não conseguiu. — quis saber.
— Temos coisas mais importantes para resolver antes disso.
Voltamos para a casa de e eu fui colocada para tomar banho. Literalmente colocada, porque ele me empurrou para dentro do banheiro e fechou a porta antes que eu pudesse falar mais alguma coisa.
Ele e o segurança estranho ficaram do lado de fora me vigiando, porque eu podia ouvir suas vozes abafadas.
Depois do banho, eu troquei meus curativos com o kit que tinha colocado à minha disposição. Estava me sentindo muito melhor por causa dos analgésicos que havia tomado. Minha barriga e pernas estavam doloridas, além do meu nariz que — felizmente — não estava quebrado, mas eu estava longe de estar confortável e bem.
Eu queria ir para casa. Queria meu pai. Queria sair daquela loucura e voltar para a minha normalidade entediante. Nunca havia feito o estilo aventureira e muito atrevida. Só era corajosa na frente de cadáveres nas salas de prática.
Eu estava abrindo a porta do banheiro para sair, quando ouvi um pedaço da conversa dos dois homens do lado de fora:
— ...poderia mantê-la aqui enquanto suas memórias não voltam. Ou entregá-la à polícia.
— Não posso deixá-la presa, ela nunca vai aceitar assim. E eu preciso da sua ajuda para descobrir o que aconteceu. Se eu a levar para alguma autoridade agora, vai ser difícil manter contato com ela. — falou baixo.
— Então você decidiu confiar nela? — o Terno-e-arma perguntou, como se a ideia parecesse absurda.
— Talvez. Acho que ela é a pessoa que estava me enviando as mensagens esse tempo todo com as pistas.
— Isso é muito estranho, sunbae. Pode ser uma armadilha.
— Meu instinto diz que não é. Seria muita coincidência ela aparecer justamente quando a pessoa da mensagem sugeriu que nos encontrássemos.
— Ela pode ser essa pessoa, mas ainda estar armando. Não sabemos nada sobre essa mulher. Seu nome não está em lugar nenhum, é um indício muito forte de que ela está mentindo.
Eu abri a porta com força, assustando os dois.
— Os senhores estão falando sobre mim pelas costas, que coisa feia. No meu país, chamamos isso de fofoca. Se vão começar a falar sobre mim, é bom que eu esteja presente.
2A Coreia usa sufixos de tratamento, geralmente usados para se referir à pessoa com quem se está falando, ou quando se refere a um terceiro.
3Sunbae: termo usado para se dirigir a colegas mais velhos ou mentores. Nim: sufixo usado para se dirigir de maneira formal a alguém geralmente mais velho ou mais respeitado do que você.
4Oppa: É uma forma amigável de uma mulher se dirigir à um homem que seja mais velho. Pode também ser usado para se dirigir a namorados.
5-ssi: sufixo usado para se dirigir de maneira formal a alguém que você não conhece ou que você não é próximo.
6Sunbae: Referindo-se a alguém de um grau elevado, como um chefe ou alguém numa série acima.
Capítulo 4
“É muito fácil ser pedra, o difícil é ser vidraça.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
pigarreou, parecendo quase envergonhado por ter sido pego no flagra.
— Vejo que você terminou o seu banho. — constatou o óbvio. — Está se sentindo melhor? — levantei uma sobrancelha.
— Sua gentileza me comove. Você mudou da água para o vinho agora que quer a minha ajuda. — acusei, sem vergonha.
— Sinto muito, não era a intenção. Antes você era uma possível ameaça, agora é alguém que pode estar falando a verdade.
— Ninguém pediu nada a você.
colocou a mão na frente, para segurar o seu cachorro valente na coleira.
— Vocês estavam falando sobre uma pessoa que o enviou mensagens. Quem é essa pessoa?
— Nós realmente não somos obrigados a te contar nada. Você ainda está aqui como uma possível criminosa. Você invadiu a casa, agrediu uma pessoa que não conhecia e não encontramos nada que comprove sua identidade.
— Tudo bem, . Eu realmente preciso conversar com ela. Você pode tomar conta de tudo na empresa hoje até eu resolver as coisas por aqui? — o mandou sair de maneira pouco gentil.
— Sunbae, você tem certeza de que pode confiar nela?
olhou para o segurança sinistro – – e concordou com a cabeça. Talvez tenha sido uma comunicação Jedi, porque, depois disso, saiu do quarto, me deixando sozinha com .
— Você está com fome?
me levou para a cozinha e me deu ramen com kimchi requentado para comer. Não tinha percebido o quanto estava com fome. Não lembrava a última vez que havia comido, mas meu estômago agradeceu quando coloquei a comida para dentro. Comi tudo, até bebi o caldo que ficou no final, tentando ter calma para não vomitar tudo depois, mas estava com tanta fome que, se isso acontecesse, eu não me importaria muito. me ofereceu água e um guardanapo, enquanto sentava à minha frente na mesa.
— Sinto muito pelo...
— Você acha que eu sou a pessoa que estava te enviando mensagens? — cortei a conversa fiada.
continuou com a expressão inalterada. Durante toda a manhã, eu não o vi esboçar nenhuma emoção em seu rosto. Enquanto lutava, enquanto conversava ou em qualquer outro momento. Será que ele não sorria? Seus olhos continuavam escuros e ameaçadores.
— Há alguns meses venho recebendo mensagens de um número secreto impossível de rastrear com pistas sobre o assassinato da minha família. Essa pessoa nunca se identificou e na semana passada, pediu para se encontrar comigo aqui na Coreia. Então você simplesmente aparece na minha casa sem memória. Isso me leva a acreditar que talvez tenha sido você a pessoa que estava me enviando as mensagens e alguém chegou em você antes de você chegar a mim. Creio que tenha sido essa pessoa que fez você perder a memória.
— E você tirou essa conclusão antes ou depois de atirar em mim? — falei, controlando a raiva e a vontade de chorar.
Se ele tivesse sido um pouco mais racional, eu não teria passando por aquele sofrimento e humilhação.
— Eu precisava te parar.
— Você pulou em cima de mim. — eu acusei, já com raiva.
Ele não deveria ter me feito passar por aquilo, sabendo desde o início que eu poderia ser inocente e que estava do lado dele.
— Você estava tão assustada quanto eu. Não poderia te deixar escapar.
— Será que você ficou ofendido pela surra que levou? — ele bufou.
— Surra? Por favor, foi o contrário, não?
— Você tem quase o dobro do meu tamanho e acabou com mais do que um olho roxo. Além do mais, não foi justo. Você tinha uma arma.
— Eu vou aceitar dizer que foi empate. — ele finalizou o assunto e eu rolei os olhos, ainda com raiva.
levou os pratos sujos para a pia e mudou de assunto. Ele não me parecia uma pessoa que gostava muito de falar sobre outras coisas que não fosse trabalho.
— Do que você se lembra? — tentei pensar.
— Minha última lembrança é de agosto de 2016. Lembro de estar muito nervosa e estressada por causa dos exames finais do semestre. Lembro de tentar entrar em contato com meu pai e dormir cedo. Nada muito específico, apenas minha rotina normal. Mas não lembro nada sobre o caso do assassinato dos seus pais. Eu sei que conheço o caso e estou bem familiarizada com ele, assim como os outros que se seguiram, mas, na verdade, não me lembro de como nem o porquê de ter essas informações na minha mente. Do mesmo jeito que você conhece alguém a vida toda, mas não sabe, exatamente, quando foi o primeiro encontro.
— O que você sabe sobre ele?
— Sei que há dezesseis anos uma família de Anyang foi brutalmente assassinada e apenas o filho mais novo dessa família sobreviveu. O pai foi o primeiro a ser morto, com três facadas no pescoço. O filho mais velho foi o segundo, com cinco facadas na barriga. A mãe tentou proteger a filha do meio, mas as duas levaram três facadas no pescoço e morreram por último no chão da cozinha. O filho mais novo estava dormindo no andar de cima e só descobriu os corpos algumas horas depois.
“Os policiais e os jornais acharam que havia sido um crime de vingança, por conta da brutalidade dos assassinatos, mas algum tempo depois, em Incheon, outra família foi morta do mesmo jeito. Nenhuma digital e nem a arma dos crimes foram encontradas. Pelos anos que se seguiram, outros assassinatos do mesmo estilo foram acontecendo e novas investigações foram abertas. Depois de três anos e quatro casos com as mesmas características e as mesmas faltas de provas, a polícia classificou como assassinato em série, conhecido como o Açougueiro de Anyang. Outros voltaram a acontecer, mas durante algum tempo nada aconteceu, ninguém ouviu falar do assassino ou se chegou a uma conclusão sobre o que aconteceu. Não conseguiram ligar as vítimas e por isso as investigações foram arquivadas por falta de provas.”
Pela primeira vez desde de que eu o vi pela primeira vez, naquela manhã, eu vi um flash de emoção cruzar o rosto de . Foi bem rápido, mas eu vi a tristeza profunda nos olhos dele. Tinha me esquecido completamente que foi ele a criança que encontrou seus pais e dois irmãos mortos, mergulhados em poças do seu próprio sangue, quando saiu do quarto para beber água.
Não podia nem imaginar o quanto aquilo deveria ter sido duro para ele. Havia perdido a minha mãe, mas como ela havia morrido no parto, não conseguia ter saudades de uma coisa que eu nem lembrava. Mas para ele deveria ser duro acordar todos os dias e lembrar.
Queria abraçá-lo para confortá-lo como eu fazia com as famílias que recebiam no hospital que seus entes queridos não haviam sobrevivido a cirurgia, mas sabia que se tentasse fazer aquilo, ele me daria uma chave de braço. Além do mais, coreanos nem gostavam de abraços.
— Sinto muito. — falei, cheia de pesar.
— Tudo bem. Suas lembranças estão certas.
— Eu gostaria de voltar para a sua sala, lá em cima, para aprender mais sobre os casos ou tentar lembrar de alguma coisa, se estiver tudo bem.
— , há dez anos, eu tomei a decisão de descobrir o que aconteceu com a minha família e por isso abri uma agência de investigações. O que me manteve nesse ramo há tanto tempo e o que me fez tão bom nisso foi o meu instinto. Esse instinto me disse para onde ir e se eu deveria confiar ou não nas pessoas. E esse mesmo instinto diz que eu posso confiar em você. Realmente não queria acreditar, já que você foi a pessoa que acordou no meu quarto, aparentemente sem memória de como havia parado lá e sem nenhuma informação do seu passado. Parece loucura, pensando racionalmente, mas eu vou confiar em você a partir de hoje. Vou ouvir o que você tem a dizer, vou confiar nas coisas que você lembra.
Reprimi um sorriso satisfeito. Aquele era o primeiro passo.
Finalmente ele estava acreditando em mim. Quer dizer, se ele não tivesse acreditado em mim, não saberia o que fazer. era a única pessoa que poderia me ajudar. Ele era a minha única maneira de descobrir o que havia acontecido comigo e me ajudar a conseguir a minha identidade de volta. E por conta daquele voto de confiança dele para mim, eu também confiaria nele.
— Obrigada, . Eu vou fazer de tudo para conseguir lembrar o que aconteceu com a sua família.
— Também farei de tudo para descobrir o que aconteceu com a sua identidade. Tenho meu pessoal nisso. Iremos procurar por casos de desaparecimentos onde pudermos. Se você tem uma família, ela deve estar procurando por você agora. — ele prometeu e eu me senti um pouco aliviada.
me levou de volta para a sua sala de investigação particular e eu passei o resto do dia, lendo todas as informações que ele tinha. Cada detalhe sobre cada família que havia sido vítima do serial killer. Apaguei do vidro o ponto de interrogação antes do caso da família dele e escrevi em cima “1º caso”, atualizando a informação.
Me esforcei, repassando várias vezes os artigos que lia com a ajuda de um tradutor na internet e as imagens, para tentar lembrar mais alguma coisa ou despertar algum flash da minha memória, mas tinha sido inútil.
Ji-soo, trabalhador da construção civil, casado com Woo Soo Ji, dona de casa e ex-professora de primário, moradores de Anyang e pais de Min-ho, Eun-ho e Dak-ho, todos estudantes, com idades próximas. A família foi morta em 2001, o primeiro dos crimes.
A família de Cha Dal-bong e Cha Ho Rang morreu em 2003 e eles viviam em Incheon, mas poucas coisas se sabiam sobre os dois. Cha Ho Rang parecia ter sido dona de casa e Cha Dal-bong tinha algumas passagens pela polícia. Tinham apenas dois filhos, Cha Se Hee e Cha Moon Hee.
Moon Tae-joo também era um trabalhador de construção civil em Anyang e era casado com Go Jung Min, antiga escritora de livros infantis, mas que só trabalhava como dona de casa. O assassinato ocorreu no meio de 2005, tirando suas vidas e a vida de sua filha doente.
Cha Jung-Hwan, funcionário público de um cartório. Cha So-Min, enfermeira em Incheon, casados há mais de vinte anos e pais de Cha Mi-Young e Cha Ra-Young, de 16 e 18 anos, estudantes. Morreram em 2007.
Em 2009 aconteceu o assassinato mais difícil de investigar. O assassinato da família de Seo Dong-won. Poucas coisas se sabiam sobre ele e sua família. Não conseguiram nada sobre sua profissão ou de sua esposa, Seo Myung Ja, porque os dois mudavam muito de cidade e usavam nomes falsos. Inclusive seus filhos So-Hee e Min-Hee.
Os dois últimos mudaram um pouco o padrão, porque, geralmente, os crimes aconteciam com dois anos de diferença, mas esses diferiram em apenas um ano. O de Goo Dae Young, antigo delegado em Anyang e morador de Busan, esposo da advogada Goo So Hyun. Tinha três filhos e todos foram mortos. O mais velho tinha dezessete anos e a mais nova tinha nove. E em 2013 aconteceu o último assassinato, que foi o de Lee Won Seok, advogado criminalista, sua esposa, a professora Lee Bong Soon, e suas duas filhas.
Lendo cada um dos dados, eu tentei fazer minha mente voltar, mas ficava cada vez mais frustrada.
Quanto mais rápido eu conseguisse ajudar , mais rápido eu descobriria o que havia acontecido comigo.
Naquela noite, depois de comer sozinha outro pacote de ramen – porque era a única coisa que tinha dentro do armário – eu deitei na cama do quarto que seria meu dali para frente. Encarando o teto branco, as lágrimas começaram a cair involuntariamente. Meu coração doía da saudade e da angústia. Eu queria voltar para o meu quarto, para a minha rotina, para os meus colegas, as minhas aulas, o meu conforto. Queria voltar para a minha velha vida.
Tudo que havia acontecido naquele dia, desde acordar no quarto de um estranho, levar um tiro de raspão no braço, apanhar, ser levada ao hospital e descobrir o sofrimento que todas aquelas famílias haviam passado, tudo voltou para mim com força e eu chorei em silêncio, no travesseiro.
— Por favor, meu Deus, me ajude.
Peguei no sono, enquanto repetia aquela frase incansáveis vezes.
Capítulo 5
“Se quiser derrubar uma árvore na metade do tempo, passe o dobro do tempo amolando o machado.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
— Você disse agência de investigação e não uma mega empresa de investigação. — exclamei, olhando a faixada do alto prédio na minha frente.
era muito rico. Não só rico, ou riquinho, mas sim podre de rico. Ele era dono de uma das maiores empresas – se não fosse a maior – de investigação de toda a Coreia do Sul. Ele estava em todos os lugares, ajudava pessoas de todo o país, contando com a ajuda de muitas organizações políticas. Pelo tamanho da casa dele, eu já tinha imaginado o quanto ele tinha, mas vendo a empresa e a quantidade de pessoas que entravam e saíam dela, pude ver a grandiosidade de sua fortuna.
Ele estendeu o braço para que eu entrasse na frente dele e seguimos para dentro. Por todo lugar que passávamos, os funcionários o cumprimentavam com uma profunda reverência1 de 90 graus, mostrando o seu respeito. Alguns falavam comigo e eu devolvia a reverência, do jeito que havia sido ensinada quando era pequena.
— Uau. Tudo aqui é tão grande e... brilhante. — falei, quando entramos no elevador particular que nos levaria para a sala dele.
— Brilhante? Esse é um adjeto diferente de tudo que eu já ouvi sobre a minha empresa.
— Você é muito bem-sucedido, mesmo muito jovem.
— A determinação faz isso com você. Por aqui, por favor.
Nós saímos do elevador e ele me guiou por um longo corredor cheio de portas. Assim que entramos na porta no final do corredor, ela foi novamente escancarada e algumas pessoas entraram apressadamente na sala.
Uma mulher se destacou entre as três pessoas que haviam entrado, falando diretamente com , sem usar os honoríficos e sem cumprimentar ninguém mais na sala:
— Você pode me explicar o que é isso?
Eles deviam ser próximos. Bom dia para você também, unnie2.
— , por favor...
— Uma pessoa simplesmente aparece e você acredita em tudo que ela fala? — a mulher exigiu, parecendo furiosa.
— Por favor, , você pode levar a para conhecer a empresa? Preciso conversar com .
– ou segurança sinistro – me segurou pelo braço e me colocou para fora da sala.
— Meu braço. — reclamei. — Já entendi que preciso sair.
— Pode deixar, -ah. Eu a levarei para conhecer o resto da empresa. — falou a terceira pessoa que havia entrado na sala e que eu não havia notado até aquele momento.
Será que o só tinha funcionários loucos? Com uma cara ainda fechada, me liberou para sair com o outro segurança, ou sei lá o que ele era.
— Quem é você?
— Jinhwan, mas todo mundo me chama de Jay. Você vai querer o tour que damos às crianças quando as escolas vêm nos visitar ou o tour legal?
Sorri para Jay. Ele tinha um sorriso carismático e foi a primeira pessoa que me tratou bem desde que eu havia acordado naquele lugar. Senti uma empatia instantânea por ele. Precisava mantê-lo ao meu lado.
Ele começou me explicando como o lugar funcionava. Cada área especializada em uma coisa. A parte das denúncias, das pesquisas, forense, publicidade e hackers. O lugar era formidável e muito bem organizado.
Perambulamos de cima para baixo, algumas salas eu não pude acessar, já que o sistema de passagem de informações era dividido em níveis e eu não podia conhecer todos.
Jay me levou por quase todos os andares, me apresentando às pessoas e tirando minhas dúvidas pacientemente. A cada coisa que eu via, ficava ainda mais curiosa pelo lugar e com vontade de trabalhar ali e com aquelas pessoas, mesmo não tendo nada a ver com a minha área. Nunca tinha visto de perto uma empresa daquela magnitude. era responsável por uma enorme equipe de pessoas que ajudavam outras pessoas. Comecei a entender o nível de segurança da sua casa, com biometria na porta principal e várias câmeras espalhadas.
— Tudo começou com a vontade do sunbae de vingar a morte da família dele, mas logo ele se tornou uma espécie de justiceiro. A população, a polícia e até os nossos governantes enxergaram os esforços dele e o ajudaram, principalmente financeiramente. Foram surgindo vários casos no meio do caminho e logo a vontade de fazer justiça por outros surgiu. Mesmo enganando pela casca grossa do lado de fora, ele tem essa essência boa, sabe? De não esperar recompensa de ninguém pelo bem que faz. Quando crescer, quero ser como ele.
havia construído uma fortaleza e mesmo com tudo aquilo não havia conseguido pegar o assassino da sua família. Isso queria dizer que ele estava lidando com alguém tão bom quanto ele e que dispunha de tantos recursos e tanta força quanto. Não conseguia enxergar como eu poderia ajudar mais do que aquelas coisas.
— Você está com fome?
Jay me levou para o refeitório da empresa e eu coloquei no prato várias comidas que eu não conhecia. Nunca tinha sido fresca para comida e do jeito que eu estava com fome, não teria nenhuma dificuldade de comer aquilo tudo.
— Tem certeza de que vai comer isso tudo? — ele perguntou, quando sentamos em uma mesa.
— Eu estou morrendo de fome e o não tem muita coisa em casa para me alimentar.
— Eu ainda não acredito que o sunbae deixou você ficar.
— Até você já conhece a história?
— Não é que eu esteja chamando o de fofoqueiro, mas ontem ele estava com muita raiva do que aconteceu. sunbae realmente surpreendeu todos nós acreditando em você. Ele nunca consegue confiar em uma pessoa logo de cara. Levou três anos para ele me deixar chamá-lo de hyung3 e é só quando ninguém está por perto. — dei de ombros.
— Não sei o que aconteceu, mas fico feliz que ele tenha escolhido confiar em mim. Mesmo eu tendo apanhado primeiro para que isso viesse a acontecer. — nós dois rimos.
— Você ficou bem machucada. — Jay apontou para o meu rosto. — Imagino o quanto deve ter doído.
— Parece pior do que realmente é.
Jay levantou uma sobrancelha, sabendo que eu estava brincando.
O hematoma no meu olho estava bem arroxeado, mas parecia menos inchado depois de várias compressas de água em cima e os outros machucados ainda eram visíveis, mas ninguém havia olhado torto na minha direção, logo, havia avisado a todos sobre o fato ou aquela era uma visão constante dentro da empresa. Meu rosto ainda estava dolorido e eu precisava tomar cuidado quando tomava banho. As outras partes do meu corpo estavam menos arruinadas.
Estava muito mais relaxada naquela manhã. Conhecendo a ajuda que eu teria, estava muito mais confiante de que iria descobrir logo o que havia acontecido comigo e aquela situação iria mudar. Logo estaria de volta em casa.
— O que você faz aqui?
— Sou formado em ciência da computação. Não há alguém nesse mundo que eu não consiga rastrear, não com as minhas habilidades e com os equipamentos que nós temos. Fui eu quem investigou sobre você e voltou com as mãos vazias. Realmente me surpreendeu muito. É como se você nunca tivesse existido. Confiando que você nos deu seu nome verdadeiro, acreditamos que sua identidade tenha sido apagada. Procuramos pelo nome do seu pai e da sua falecida mãe, mas nenhum dos dois puderam ser achados.
Do jeito que Jay estava olhando para mim, parecia que a mesma pergunta que rodava na minha mente, rodava na dele.
— Você acha que a pancada pode ter afetado isso também? — ele assentiu para a minha pergunta. — Não consigo explicar, mas eu tenho certeza de quem eu sou. Tudo de vários meses atrás e antes disso, eu consigo lembrar. Cada memória da minha infância, a minha família e quem eu sou. Lembro até das minhas aulas na faculdade. Lembro que não gosto de amendoins e de sorvete de baunilha. Não acredito que isso tenha acontecido. Acho que, realmente, a minha identidade foi apagada.
— Para apagar a identidade de uma pessoa, é necessário muito esforço, dinheiro e habilidade. Quero muito conhecer essa pessoa.
— Muito mais do que você, eu quero conhecê-la.
Estávamos no meio da nossa conversa quando um som de algo disparando interrompeu o garfo de chegar à minha boca.
— Isso foi o que eu acho que foi?
Meu coração começou a bater com força no meu peito e eu larguei o garfo com força dentro do prato.
— Um... tiro?
Jay se levantou, em alerta, assim como várias pessoas ao nosso redor. Outro som de tiro e dessa vez foi mais alto e nítido. Vários outros disparos se sucederam.
— Como alguém conseguiu passar pela segurança desse lugar?
Uma sirene alta começou a tocar e várias pessoas foram ao chão. Quem não havia abaixado, sacou suas armas. Jay me derrubou no chão com força, cobrindo a minha cabeça, me forçando a ficar abaixada.
— O que está acontecendo? — perguntei, assustada.
— Fique parada e com a cabeça baixa.
Ele pegou um celular e colocou no ouvido.
— Estamos no refeitório do térreo.
— Mantenha Anna segura, chego aí em dois minutos. — a pessoa do outro lado da linha gritou. .
Jay ligou para outra pessoa e começou a falar tão rápido que eu não conseguia processar as palavras.
— O que está acontecendo? — perguntei para Jay, quando terminou a ligação.
Ele continuava pressionando minha cabeça para baixo, contra o chão.
— Permaneça abaixada.
Alguém me puxou pelo braço e rolou comigo para debaixo de outra mesa, eu ia gritar, mas colocou a mão na minha boca. Ele se aproximou do meu ouvido e meu corpo todo gelou.
— Vou levá-la para um lugar seguro. Mantenha sua cabeça abaixada e protegida. Vou contar até três e você vai correr como quando você correu fugindo de mim, tudo bem? — concordei com um aceno.
No três, me puxou de pé e nós corremos para fora do refeitório por uma saída que eu não tinha visto antes.
— O que está acontecendo? — perguntei frenética, quando paramos de correr.
Me dobrei, com as mãos nos joelhos, tentando tomar respirações profundas, com o peito queimando pelo esforço.
— Alguém está aqui por você. Pelas câmeras, vi que a pessoa estava se dirigindo ao refeitório, onde você estava.
Fiquei ainda mais sem ar. Alguém estava tentando me... matar?
— Isso nunca aconteceu antes. Alguém daqui de dentro fez isso.
— Será que foi a mesma pessoa que me fez perder a memória e apagou a minha identidade?
— Não sei, mas é provável. Acho que o já conseguiu conter a situação.
sacou o celular e começou a gritar para do outro lado da linha, pedindo – leia-se exigindo – explicações. Aquele pessoal só sabia falar gritando?
— O que aconteceu? — perguntei.
— Foi uma pessoa que fez alarde e acabou sendo baleada, antes de conseguir prenderem ele. A situação já está contida, mas eu preciso tirar você daqui e descobrir o que realmente aconteceu, porque isso não é algo convencional. Vamos.
Nós voltamos para o refeitório, onde tudo parecia como antes. A diferença era que todo mundo estava mais atento, olhando para um para o outro e um pouco assustados também.
Jay veio caminhando na nossa direção, junto com .
— Já levaram o corpo dele.
— , eu preciso de respostas. Como alguém conseguiu entrar aqui com uma arma sem estar autorizado? Como alguém conseguiu passar pela minha segurança? — estava com raiva, mas sua expressão ainda era inalterada, como sempre. Só sua voz estava mais dura e seus olhos mais estreitos.
— Foi um dos nossos funcionários. Ele começou no corredor 1B e tudo indica que estava indo em direção ao refeitório, mas foi detido antes de conseguir chegar lá. Ele sabia que não conseguiria.
Jay passou uma série de papéis para , que automaticamente começou a ler as informações.
— Lee Jinyoung, aqui mesmo de Seul, vinte e sete anos, especialista em criminalística. Nenhuma ligação suspeita, nenhum antecedente. Nós o contratamos há três anos através das nossas seleções anuais. A arma era nossa.
— Eu preciso de todas informações sobre essa pessoa em vinte minutos na minha mesa. Preciso descobrir de que maneira que ela pode estar envolvida com o assassino que procuramos.
— , eu sei que você está...
— Como posso trabalhar em uma empresa onde nem nos meus funcionários eu posso confiar? Você sabe o que isso quer dizer? Todo o nosso esforço vai por água abaixo.
— Em cinco anos, algo como isso nunca aconteceu. Não é possível um funcionário qualquer, simplesmente ter decidido sozinho, com um revólver simples, investir contra uma empresa onde ele sabe que setenta por cento tem porte de armas e treinamento militar. Ele estava procurando por alguém ou simplesmente querendo chamar a nossa atenção.
— Vocês acham que é por causa dela? — apontou com o queixo para a minha direção.
— Isso é uma prova de que a minha intuição estava certa.
segurou minha mão de novo e nós fizemos o mesmo caminho do início da manhã para o escritório dele, com e Jay em nosso encalço. Eu me sentia como uma criança sendo guiada pelo professor, perdida no meio dos adultos.
— Libere uma nota para a imprensa explicando o que aconteceu aqui. Eu não quero que... — a fala de ficou no ar quando ele abriu a porta do escritório e todos nós olhamos para dentro.
A mão dele que ainda segurava a minha, apertou com força e ele abaixou a minha cabeça para o lado contrário, em seu peito, de uma maneira que me impedia de olhar para dentro do escritório, mas, infelizmente, a cena que eu havia acabado de ver, mesmo que por apenas poucos segundos, estava gravada como com ferro na minha mente.
Senti minhas entranhas apertando e o vômito chegar até a minha garganta quando virei minha cabeça para o outro lado, forçando minha visão para o que estava na minha frente.
O escritório de estava um caos de sangue e papéis jogados por todos os lados, como se tivesse acontecido uma briga no local. E no chão estava a histérica daquela manhã, , morta com várias facadas.
1Na Coreia, os cumprimentos são feitos por reverências com o corpo curvado e quanto mais profunda a reverência, mostra o nível da pessoa a quem se dirige a reverência.
2Unnie: Usado para uma mulher se dirigir a uma mulher um pouco mais velha.
3Hyung: Maneira de um homem tratar outro homem que seja mais velho e próximo. Também pode significar irmão mais velho.
Capítulo 6
“Pouco se aprende com a vitória, mas muito com a derrota.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
Como uma estudante de enfermagem, eu já vi muitas coisas que me abalaram. Muitos corpos mortos, de vários formatos, cores e tamanhos diferentes. Com várias causas de mortes diferentes. Não havia escolhido aquela profissão por amar ver gente morta, mas pela minha vontade de ajudar outras pessoas. Com a parte de ver gente morta eu apenas tive que me acostumar com o passar do tempo.
Mas uma coisa era ver gente morta depois que seus corpos estavam limpos e prontos para a prática. Outra coisa era ver um corpo fresco, com tantas facadas no pescoço que a cabeça quase se desprendia da base, como uma boneca de pano descosturada, com o fedor de sangue pinicando no nariz. Ainda mais de uma pessoa que você tinha visto viva em poucas horas.
— Você está bem?
Eu acenei apenas, não confiando na minha voz para falar nada. Terminei de beber a água que estava na minha mão e coloquei as mãos em cima dos joelhos, tentando fazê-las pararem de tremer.
Jay estava em um canto, devastado e com os olhos vermelhos de tanto chorar. estava em outro canto, apenas observando e telefonava para alguém diferente a cada três segundos, falando com uma voz friamente calma.
Quando descobrimos o corpo de , nos levou para outro lugar e os peritos apareceram. Mesmo estando em uma empresa especializada em investigação, a polícia precisava ser a primeira a ter contato com a cena do crime. Pelo grande barulho do lado de fora da porta, eles ainda estavam lá, fazendo o trabalho deles.
Eu estou bem. Tudo vai ficar bem. Era tudo que eu dizia para mim mesma, mas no fundo eu sabia que não ia. Assim como havia sido , poderia ter sido eu. Poderia ter sido eu no meio daquela carnificina, brutalmente assassinada, sem saber por quem e nem por quê. O que eu temia de verdade era que, provavelmente, deveria ter sido eu.
— Sunbae, lá fora. Nós precisamos conversar.
— Eu sei o que você vai falar, . Por favor, não se intimide pela minha presença. — falei, olhando diretamente para ele, mostrando que não estava intimidada.
Ele respondeu à altura:
— Os tiros foram uma distração para ele fazer o que tinha vindo fazer. Esse foi o primeiro aviso que você recebeu em tantos anos de investigação e logo quando ela aparece. Você não acha coincidência demais?
— Está dizendo que é minha culpa? — eu o acusei, ofendida.
— . — reclamou. — Obviamente estar aqui e viva não era o plano dele. Alguma coisa deu errado e ele está avisando. Nunca estivemos tão perto e foi o preço a pagar por isso, infelizmente.
Jay saiu da sala e bateu a porta fechada com força depois do comentário de . Até para mim pareceu frio demais diante de tudo que havíamos acabado de presenciar.
— Ele está muito chateado, não é? por acaso era namorada dele? — nenhum dos dois me respondeu.
— vai te levar de volta para casa enquanto resolvo as coisas por aqui.
— Sunbae...
— Não, . Você é o único em quem eu confio para deixá-la protegida longe das minhas vistas. Se alguma coisa acontecer, não hesite em me ligar. Já tivemos problemas demais hoje.
— Você não acha que eu mereço estar a par do que acontece aqui, já que isso está diretamente ligado comigo? — exigi.
— Até eu saber o que aconteceu aqui, você fica longe. — começou a me puxar para fora.
— Você não acha que estar em contato com a investigação me faria relembrar alguma coisa? — usei a única carta que tinha, tentando me desvencilhar dele.
— É por isso que você precisa ficar longe daqui. Se algo desse tipo acontecer novamente e eu não puder protegê-la, poderei perder a maior oportunidade em anos de conseguir solucionar esse caso. Vá para casa.
Deixei me conduzir para fora, descendo pelo elevador ligado diretamente ao escritório de para o estacionamento, de volta para o carro que tínhamos utilizado naquela manhã.
Quando saímos, tomamos um caminho diferente, porque a pista principal que levava à empresa estava tomada por pessoas da imprensa e curiosos, além dos carros da polícia. , por sua vez, não falou nada durante todo o caminho. Nem se dignou a olhar na minha direção, como se eu não existisse. Preferi pensar que aquilo era melhor do que um olhar ameaçador.
Em casa, no quarto que havia sido designado para mim, eu andava de um lado para o outro, tentando pensar algo para trazer minhas memórias de volta. A sensação de vazio, de um buraco em branco no meio das memórias, trazia um sentimento desesperador de perda. Era como uma névoa que cobria as memórias, sabendo que elas estavam ali em algum lugar.
No meio dos meus devaneios, algo na parte de baixo da casa fez um barulho alto e eu quase me joguei pela escada, descendo para ver o que estava acontecendo. Antes enfrentar o perigo de cara do que ficar esperando ele chegar até você, alguém tinha dito isso alguma vez.
Será que a pessoa que havia matado estava naquela casa para me matar também?
— ?
Chamei pelo amigo de , mas ninguém respondeu. Ele não havia sido designado para me proteger? Onde ele estava quando eu mais precisava dele?
— ?
Olhando pela janela, eu vi que o carro estacionado quando havíamos chegado não estava mais ali. tinha ido embora? E se alguém aparecesse para me matar como havia acontecido na empresa? Realmente, aquele idiota tinha aproveitado a primeira oportunidade para me deixar sozinha para morrer. Não sabia que ele me odiava tanto.
Será que ele estaria me culpando pela morte de Hae Won? Um pensamento bem pior correu a minha mente. Será que eu tinha sido realmente culpada daquela morte? Ouvi passos bem leves atrás de mim e eu virei com tudo, dando uma rasteira e subindo em cima da pessoa, segurando-o pelo pescoço e com um soco pronto. Meu corpo machucado protestou pelo esforço.
— Você queria me testar, não?
não me afastou. Apenas me avaliou com olhos desafiadores.
— Você é um idiota.
Eu o empurrei com força e me coloquei de pé, controlando a vontade de socá-lo até minha raiva passar. Meus olhos se encheram de água. Como ele pôde me assustar daquele jeito, sabendo que minha vida estava em risco de verdade?
— Seus movimentos não são nada maus. — ele falou, se levantando e tirando a poeira do terno, como se não fosse nada.
— Será que agora que você sabe que eu não vou fugir, você vai confiar em mim? — seus olhos diziam que não. — Você não confia no julgamento do seu amigo?
— O sunbae pode estar cego pela necessidade de resolver esse caso e não enxergou quem você é de verdade. — ele admitiu, impassível.
— Eu não sou, supostamente, a pessoa que está conversando com ele há vários meses?
— Supostamente. — ele frisou a palavra. — E ninguém nunca disse que essa pessoa queria nos ajudar.
— Ela não ofereceu várias pistas sobre os casos? — ele deu de ombros.
— Trabalho nesse ramo há tempo demais para aprender a não confiar nas pessoas. Está com fome?
Eu o olhei com os olhos semicerrados. Qual o problema com aquelas pessoas?
— Vou tomar banho. Peço, por gentileza, que você não invada o banho para me matar.
Subi, enxugando as lágrimas que estavam prestes a cair. Eu não me envergonharia chorando na frente dele. não merecia.
Continuei no quarto, tentando juntar as pistas que tinha anotado em uma velha agenda encontrada no escritório de , até quando o ouvi chegar no andar de baixo. De jeito nenhum teria ficado sozinha no mesmo cômodo com o estranho do , que estava esperando só pela oportunidade para me matar ou pelo menos me torturar em troca das informações que ele achava que eu escondia. Nem todos haviam me dado um voto de confiança, como .
— Você está bem? — meu anfitrião me perguntou quando desci as escadas.
Segurei a calça de moletom que vestia com as duas mãos, para me impedir de tropeçar na barra grande demais. Precisava de roupas de verdade.
parecia cansado, como uma pessoa que não dormia bem há dias ou que tivesse algo atormentando a sua mente.
— Sim. E você? — ele acenou com a cabeça.
— As características do homicídio de batem perfeitamente com o estilo do serial killer que procuramos. — ele falou diretamente. — Foi encontrado na cena do crime um livro de psicologia com um autógrafo para Lee Bong Soon. Lee Bong Soon era o nome de uma das vítimas do último caso no ano passado. Como nos anteriores, um item do último caso foi deixado na cena seguinte. A única diferença é que apenas uma vítima foi encontrada dessa vez, fugindo do padrão, o que nos faz concluir que esse crime não foi planejado como antes, mas uma medida extrema.
— Nunca estivemos tão perto dele antes.
— Ele nunca esteve tão perto de nós antes. — corrigiu e eu estremeci. — A única razão para isso ter acontecido é porque , finalmente, está aqui. Você deve saber coisas importantes e o assassino sabe disso.
— Eu só preciso saber como me meti no meio dessa confusão. — ambos olharam para mim. — Quer dizer, como eu acabei metida nessa história? Por que eu comecei a investigar esses casos? O que isso tem a ver comigo?
— Talvez essa seja a chave da resolução.
— Você pode me mostrar a mensagens que eu supostamente te enviei?
me passou o celular dele, nas mensagens que a pessoa, que todos achavam que era eu, havia mandado.
Número desconhecido: Você é Park Minho?
Aquela mensagem parecia tanto comigo. Direta.
Park Minho: Quem é você?
Número desconhecido: Você é a única vítima do caso do assassinato da família em Anyang em 2001. Park Minho: Se não me disser quem é, irei bloquear o número. Número desconhecido: Eu sou alguém que está investigando o caso e tem pistas sobre o que aconteceu com a sua família.
Depois dessa mensagem, só voltou a responder no dia seguinte. Provavelmente havia tentado rastrear o número ou descobrir mais sobre a pessoa anônima. Apenas a mensagem que foi enviada no dia seguinte o fez voltar a responder o número desconhecido. Foi uma maneira esperta que eu – supostamente – havia encontrado de chamar a atenção dele.
Número desconhecido: Sei que o assassino deixa itens dos assassinatos anteriores nas cenas dos crimes seguintes.
Park Minho: Quem é você?
Número desconhecido: Preciso manter a minha identidade protegida para não correr perigo, mas quero ajudá-lo. Possuo informações que podem ser desconhecidas para você.
Nas mensagens seguintes, com grandes intervalos entre os dias, e a pessoa desconhecida conversaram sobre os homicídios. não falava quase nada sobre o que sabia, mas a pessoa que estava enviando as mensagens deu várias pistas que, pelas respostas dele, pareciam novas.
Estava quase no final da conversa quando uma mensagem em particular chamou a minha atenção.
— Sei que posso confiar em você, porque também fui vítima dele. — li em voz alta.
— O quê? — perguntou.
— Essa mensagem é familiar. Talvez eu lembre de ter escrito isso.
Olhei para o homem na minha frente e ele me encarava com esperança. Algo na minha mente apitou. Eu me lembrava de ter escrito algo como aquilo em algum momento da minha vida, mas não sabia quando. Forcei as lembranças, mas nada chegou. Aquelas palavras eram muito familiares para mim. Será que aquilo era um sinal?
pegou o celular da minha mão e leu a mensagem que eu indiquei.
— E o que isso significa? — dei de ombros.
— Não faço ideia, mas essas palavras parecem familiares para mim. Não lembro totalmente, mas tenho a vaga memória de conhecê-las e, possivelmente, tê-las digitado. Então eu posso, realmente, ser essa pessoa.
— Que conveniente se lembrar disso agora.
Rolei os olhos para . Ele nunca ajudava, só enchia com dúvidas sobre mim.
— , por favor. Decidimos dar um voto de confiança a ela e por isso acredito em suas palavras. Se essa mensagem parece familiar para ela, a probabilidade de que tenha sido ela a pessoa que estava me contatando todo esse tempo é muito mais alta. As coisas começaram a se encaixar. Podemos estar cada vez mais próximos da resposta.
— Sunbae, você precisa comer e descansar. Teremos muito trabalho contatando a família de e com os procedimentos seguintes.
— Você tem razão, . Obrigado por me lembrar. Por favor, podem começar a comer sem mim. Não vou demorar muito.
subiu e eu fiquei novamente sozinha com o sinistro que me odiava.
— Você sabe que não está ajudando em nada desse jeito. já tomou sua decisão. — falei, querendo mostrar que ele estava errado.
— Vamos comer. — ele falou simplesmente, ignorando meu comentário.
— Você vai ser simplesmente assim? Nenhum pedido de desculpas?
Ele se levantou e começou a mexer nas panelas.
— Todos são culpados até que se prove o contrário. — disse em tom acusatório. — Não te devo nenhum pedido de desculpas.
— Eu tenho quase certeza de que a frase certa não é assim. — falei e ele continuou não dando a mínima. — Se você não estiver satisfeito, é só sair. Você não é obrigado a conviver comigo.
— Você pode pegar aquela sacola para mim, por favor?
Eu dei um sorriso amarelo para a maneira como ele me ignorava.
— Pois fique sabendo que eu também não confio totalmente em você.
— Não fui eu que apareceu no quarto de um estranho e alegou não saber porque estava ali, além de não ter identidade e nem rastro em lugar nenhum.
Olhando por aquele lado, eu realmente parecia suspeita. Droga, ele tinha razão e eu odiava admitir.
não demorou em descer, com uma roupa limpa e o cabelo molhado, então logo pude encher minha barriga que se embrulhava de fome, jantando o que havia comprado, com os dois, na sala, e lendo alguns papéis que ele havia levado sobre o relatório da polícia.
As fotos da cena do crime foram jogadas em cima da mesinha de centro e meu estômago cheio deu um salto, quase me fazendo vomitar o jantar inteiro em cima delas. Era horrível. se encontrava em um estado deplorável, praticamente desumano. Até mesmo olhar era difícil. As fotos eram semelhantes àquelas dos crimes anteriores, mas eu nunca tinha visto as evidências tão vívidas e recentes como aquelas. Olhando para elas, eu podia lembrar da cena vista pessoalmente. Os relatos nos jornais e nos sites não faziam jus à crueldade daquela pessoa.
Tentei enxergar na expressão algum traço de nostalgia ou tristeza, mas ele estava concentrado nos documentos à sua frente, com a comida inacabada esquecida de lado. Seus olhos eram rápidos correndo pelas palavras e eu imaginei o que poderia estar passando pela cabeça dele.
— O quê?
Ele havia levantado a cabeça e olhado para mim. também me olhou, para ver o que estava acontecendo.
— Nada. — sacudi a cabeça e voltei para os papéis, tentando forçar minha mente a recordar de algo, com aqueles relatos.
O que você sabe, Anna? O que tem escondido dentro da sua cabeça?
Capítulo 7
“A morte é mais leve que uma pluma. A responsabilidade de viver é mais pesada que uma montanha.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
— Pedi para que alguém comprasse uma roupa preta e sapatos para você.
deixou a sacola em cima da cômoda
— Obrigada. Algum resultado na procura?
Meu rosto se encheu de esperança, mas sua expressão me fez murchar.
No dia anterior, sua empresa havia começado uma procura mais profunda pelo meu pai e pela minha mãe nos registros do país, já que eles não tinham como encontrar registros do meu país. Também pedi que procurassem nos noticiários e artigos na internet por algum aviso de desaparecimento famoso. Queria tentar todos os meios possíveis de obter respostas.
— Infelizmente não conseguimos encontrar nada, mas vamos continuar procurando. Não se preocupe.
— Tudo bem. Obrigada assim mesmo. Estarei pronta em vinte minutos.
— Estarei esperando lá embaixo.
Ele acenou e fui para o banheiro, me arrumar. Estaríamos indo para o primeiro dia da jang-rye-shik1 de .
O vestido que haviam comprado para mim era preto e simples, com comprimento até o joelho. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo simples e fiquei avaliando minha aparência no banheiro. Com certeza não estava em meus melhores dias. Minha pele, que costumava ser bronzeada por conta do clima do país onde eu morava, estava pálida. Eu também estava mais magra. A única coisa boa na minha aparência era que, depois de quase uma semana, os hematomas visíveis estavam perdendo a cor. O arroxeado estava desbotado e meu nariz parecia melhor, também não sentia mais tanta dor.
Assim como havia me dito, ele estava me esperando na sala. Vestia um terno preto simples, perfeitamente alinhado. Suas feições estavam mais sérias do que o costume.
— Onde está ? — perguntei.
— Ele tinha algumas coisas para resolver antes de ir. Vamos? — acenei e ele me conduziu para o carro.
— Há quanto tempo você conhecia ? — quebrei o silêncio que sempre se fazia quando estávamos sozinhos no mesmo lugar.
nunca parecia querer conversar sobre nada a não ser sobre o trabalho. Se ele não precisasse me consultar para algo, era como se eu não existisse.
— Há uns dez anos. Eu a conheci na faculdade. Seu pai foi o meu orientador. — não imaginava que eles eram amigos há tanto tempo.
Pela reação de à morte de , não parecia que eles eram tão próximos. Ele não estava tão abalado quanto Jay – que parecia bem mais próximo dela – havia ficado. Mas talvez ele apenas não era apegado sentimentalmente a ninguém.
— Jay também vai estar lá?
— Você quer dizer Jinhwan?
Concordei com a cabeça. Ele não parecia gostar do apelido, mas pelo menos falava o nome de Jay de maneira informal2.
— Eles pareciam bem próximos pela reação dele no dia da morte dela.
— Jinhwan é uma pessoa muito emocional. Eles dois tinham uma relação de trabalho e se conheciam há um bom tempo também, mas ele reage daquele jeito quando é submetido a emoções fortes.
— Entendo. Mas... Está bem com a minha ida? Quer dizer, eu sei como esses funerais coreanos são bem íntimos. E a julgar como as coisas aconteceram...
— A família de deixou o convite aberto para todos da empresa. Não tem nenhum problema. E é muito melhor do que deixá-la em casa sozinha, em risco. — uma coisa conveniente, ele queria dizer.
— Você acha que a pessoa que cometeu todos esses crimes me conhece? — demorou um pouco para responder.
— Pensei sobre isso assim que foi assassinada. O assassino, de alguma forma, sabe que você estava investigando os casos e talvez tenha chegado à resposta. E sabe que você entrou em contato comigo e que estava na Coreia. Ele é alguém que tinha acesso ao que você sabia. Acesso a você. — um calafrio involuntário, arrepiou todos os pelos do meu braço quando pensei naquilo. — Então, sim. É provável que você tenha despertado a curiosidade dele. Ou o medo.
— É por isso que estou em perigo?
— É por isso que você está em perigo. — ele afirmou. — Chegamos.
estacionou o carro e nós entramos no salão onde estava acontecendo a cerimônia fúnebre de . O lugar estava cheio e, assim que entramos, uma mulher veio abraçar . Seus olhos estavam inchados e vermelhos de tanto chorar. Sua aparência era desalinhada, mas era óbvio que ela estava tentando se segurar para não desabar. Provavelmente era a mãe de , a julgar pela fita branca na manga do vestido preto3.
— Ahjumma4, eu sinto muito que isso tenha acontecido. — a mulher acenou e o abraçou novamente.
— Eu estou feliz que você esteja aqui. — quando ela soltou , eu a cumprimentei e dei meus pêsames.
— Onde está o pai dela? — perguntei para depois que ela saiu.
— Morreu há dois anos.
Fomos até o lugar onde as cinzas de estavam, junto com sua foto e várias flores. Como eu lembrava, era uma mulher muito bonita, com um sorriso simpático que enrugava as pontas dos seus olhos puxados sem pálpebras duplas.
— Você não precisa fazer isso se não quiser. — ele falava sobre o ritual budista de se ajoelhar diante da foto do falecido.
— Tudo bem, eu faço questão.
e eu nos ajoelhamos em cima do tapete e prestamos o nosso respeito em frente a e depois em frente à sua mãe. Não pude ignorar o bolo que se formou na minha garganta no momento que pus os pés naquele lugar. Meu coração estava dolorido pela família e pelos amigos de que choravam em todos os lugares do salão e eu não pude não me culpar por aquilo. A minha presença havia feito aquilo a , uma mulher muito jovem que teve sua vida interrompida.
— Você está bem? — perguntou e eu concordei com a cabeça. — Você parece que vai cair no choro a qualquer momento.
Tomei uma respiração profunda, antes de responder:
— Eu estou bem. É só um pouco estranho estar aqui. Vamos sentar.
Sentamos no chão, em uma das mesas baixas dispostas pelo salão, e logo alguém veio servir algumas bebidas para nós. Eu bebi apenas água, tentando acalmar minhas emoções. continuou com a cara de paisagem de sempre, recusando tudo que tentavam servi-lo, agradecendo apenas com um aceno.
Vários minutos de silêncio mortal depois, apareceu na entrada, junto com Jay. Depois de falar com a família de e prestar respeito, os dois ficaram correndo os olhos pela sala, provavelmente procurando por .
— Jay!
Eu levantei a mão e chamei sua atenção para onde estávamos. Jay sorriu ao me ver e me fuzilou com os olhos, me repreendendo.
— ! Fico feliz em te ver.
Ele apertou minha mão e os dois sentaram.
— Você precisa, pelo menos, falar formalmente quando estivermos em público. — me repreendeu e eu olhei feio para ele. — Até o sunbae você trata de maneira informal.
— Eu estou morando na casa dele e, além disso, para todas essas pessoas, eu sou estrangeira. Então não é estranho não aplicar as regras.
— Isso se chama educação. — ele insistiu, com implicância.
— , está tudo bem. Você conseguiu o que eu te pedi?
tirou do terno uma pasta e colocou em cima da mesa.
— Vocês vão falar sobre isso no meio do funeral dela? Eu não acredito. A mãe dela está logo ali ao lado. Vamos comer alguma coisa, . Não tenho estômago para esses dois.
Jay me levou para a mesa onde as comidas estavam sendo servidas e nós pegamos um prato.
— Não os entenda mal. — tentei defender. — Essa é a maneira deles de fazerem com que a morte de não tenha sido em vão.
— Eu posso parecer ingrato para a pessoa que me deu um trabalho que pôde mudar a minha vida, mas, às vezes, eu odeio fazer isso. — Jay admitiu de maneira dolorosa. — Estar ao lado de tantas pessoas mortas, perto de famílias desesperadas, pessoas que acham que nós somos super-heróis e que vamos trazer justiça para a morte de seus amados... Às vezes não quero fazer parte disso. É doloroso quando não conseguimos chegar à resposta que eles querem.
— Mas ajudar essas famílias a encontrar a solução para o que aconteceu para os seus entes queridos não dá satisfação e amor pelo que você faz? — tentei fazê-lo pensar pelo outro lado.
— Nem sempre. Nunca achamos que vai acontecer com alguém perto de nós.
Eu coloquei minha mão em cima da dele e apertei.
— A morte é a única coisa que nós não conseguimos vencer, então tudo que podemos fazer é aceitá-la.
— Acho que nunca vou me acostumar com a ideia da morte. Não a minha morte ou de pessoas próximas a mim. — ele admitiu.
— Você tem medo de deixar tudo o que conquistou para trás? — perguntei.
— Tenho medo do que vem depois. Nós aqui não falamos muito sobre isso, o que vem após a morte. Acreditamos em outras vidas, reencarnação, mas isso me assusta um pouco.
— Está tudo bem. Isso é comum para a maioria das pessoas.
— E você? Em que acredita? — ele perguntou.
— Acredito que o que fazemos nessa vida decidirá o que irá acontecer com a nossa alma. Ir para o descanso ou sofrimento eterno.
— Essa ideia é muito difundida no ocidente, não? — eu ri um pouco. — Muitas pessoas que conheço também acreditam nisso. Então se isso for mesmo real, a pessoa que fez isso com irá pagar, certo?
— Você pode chamar de karma ou de qualquer outra coisa, mas a lei do retorno do universo é real. Eu posso te garantir isso. O que nós semeamos, iremos colher e ele irá colher todo mal que fez, eu tenho certeza. Pode não ser agora, mas, em breve, ele vai. Isso está fora do nosso alcance ou da justiça que fazemos com as nossas próprias mãos. Agora coma o seu olho de boi, antes que fique frio.
Jay riu um pouco, tornando o clima mais leve. Seu sorriso brilhante voltou e eu fiquei mais feliz.
— Ainda não consigo acreditar que vocês conseguem comer isso.
— Você não vai começar a criticar a nossa culinária, vai?
— Você tem que agradecer que ainda não perguntei se você come cachorro. — brinquei e Jay me olhou ofendido.
— Por favor, nunca pergunte isso. Vou ficar muito ofendido. Isso é coisa do passado. Vocês do ocidente têm pensamentos muito errados sobre o que comemos. Acho que todos aqueles filmes produzidos por Hollywood os deixaram com péssimas ideias sobre nós. Não somos de outro planeta. — dei de ombros.
— Vocês também acham que nossos hábitos alimentares são ruins, fast food e coca todo dia? — ele também deu de ombros, me imitado e nós dois rimos. — Está se sentimento melhor?
— Sim, obrigado.
— Só uma pergunta. Eu realmente preciso falar formalmente com você?
Por favor, que a resposta seja não. Por favor, que a resposta seja não. Ele riu.
— Claro que não. é um pouco paranoico demais.
Me senti quase aliviada, porque nunca conseguiria me acostumar a tratar alguém, principalmente Jay, de maneira formal.
— , estamos indo. — falou, chegou ao meu lado, junto com um carrancudo. — Jinhwan estava com razão quando disse que esse não é o melhor lugar para discutir isso. Não vamos deixar que a morte de tenha sido em vão. Vamos fazer o nosso trabalho.
— Tudo bem. Jay, você virá conosco?
— Não, eu ficarei mais um pouco.
Todos nós nos despedimos da família de e fomos embora.
— Se você quiser, podemos passar em alguma loja para comprar roupas que sejam do seu tamanho. — eu reprimi uma risada.
— Eu agradeceria a gentileza.
1Jang-rye-shik: é como é chamada da cerimônia fúnebre coreana.
2Falar formalmente é utilizar o sufixo formal Ssi para se referir a uma pessoa que não se tem intimidade.
3Nos funerais coreanos, os familiares usam braçadeiras brancas.
4Ahjumma: Maneira de chamar mulheres mais velhas geralmente nos seus 35–50 anos.
Capítulo 8
“Volta teu rosto sempre na direção do Sol, e então as sombras ficarão para trás.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
— Vamos para Incheon.
O ramen desceu pelo lado errado e eu comecei a tossir descontroladamente. Bebi um copo de água rapidamente, tentando me recompor depois da notícia.
Nós estaríamos realmente voltando para o lugar onde nasci e passei cinco anos da minha vida? Estava feliz e assustada ao mesmo tempo.
— O quê? — perguntei, para que ele pudesse repetir.
— Estamos indo para Incheon. Já investiguei muita coisa lá, mas talvez tenha deixado passar algo. Além de ser o lugar onde o terceiro crime aconteceu, é o lugar onde você nasceu. Podemos achar pistas sobre sua identidade e sobre quem a apagou. — parou de falar quando seu celular começou a tocar.
— Eu já ouvi, . Mas eu tenho algo para resolver antes disso.
Ao mesmo tempo, na televisão, o plantão começou a falar sobre o caso do assassinato de , com várias fotos sobre a cena do crime. Quando a foto de apareceu na tela, junto com a legenda acusando-o de ser o novo suspeito do caso, eu tirei a televisão do mudo e aumentei o volume.
— , que antes estava fora da lista dos suspeitos, foi convidado para dar um novo depoimento com o aparecimento de novas provas. O fato de não ter um álibi para a hora do crime faz com que a necessidade do novo depoimento seja mais urgente. A população está revoltada com a desconfiança da polícia com o dono de uma das maiores empresas de investigação da Coreia e alguns já estão em frente à delegacia desde cedo, protestando. O Delegado Choi, responsável pelo caso, ainda não...
desligou a televisão.
— Sim, eu estou ciente. Conheço os riscos.
Ele desligou o celular e eu tive que tomar o resto da água do meu copo para conseguir engolir.
— O que está acontecendo? Por que você está sendo investigado como suspeito do assassinato de se quem matou ela foi a mesma pessoa que matou os seus pais? — falei de uma vez só.
— Porque a polícia não tem as provas que nós temos. Eles acreditam que o assassino dos meus pais, o serial killer que matou tantas pessoas no passado, já morreu ou foi preso por outro crime, por estar há tempo sem cometer mais nada. A investigação está parada há muitos anos. Fazer uma reinvestigação não é vantajoso para nenhum deles.
— Ou seja, uma desculpa para ineficácia em encontrar o assassino. — ele concordou com um aceno.
— A polícia acha que se trata de um imitador, já que algumas características não batem com o serial killer original.
Eu estava abismada. Como a situação havia sido transformada daquele jeito? não parecia desesperado ou surpreso. Seu controle era louvável.
— Quando você recebeu a intimação?
— Ontem. Tenho cinco dias para aparecer na delegacia para prestar um novo depoimento e responder às novas perguntas.
entrou com tudo na sala, soltando fogo pelas ventas. Ele sim parecia muito surpreso e desesperado. A situação não era nem um pouco boa, a julgar pela expressão no rosto dele.
— Quando isso aconteceu? — ele exigiu, sem nos cumprimentar.
— Eu desconfiava que isso fosse acontecer quando o escritório da polícia nos negou tomar a investigação do caso. Não acredito que se trate de um imitador porque, mesmo que algumas coisas sejam diferentes, eu conheço demais o estilo desse homem para duvidar que tenha sido ele.
— E por que você está sendo considerado suspeito?
espalhou na mesa fotos do corpo de na cena do crime que estavam arrumadas em um canto, junto com outros papéis.
— Primeiro lugar, a vítima foi atípica. — ele apontou para o perfil de . — Dessa vez, não foi uma família e sim uma pessoa só e longe de sua casa. Pela posição dos cortes, o assassino usou a mão esquerda para dar as facadas, diferente de antes. Eu sou canhoto e o assassino original era destro. A segunda prova é que eu sou o único sem álibi para o horário do crime.
— Você tem muito conhecimento sobre perícia e a maneira de investigação da polícia, por que fazer isso onde todos poderiam ver, ou melhor, dentro da sua própria empresa? — perguntei.
— Para me remover diretamente como suspeito. — respondeu.
— E sobre o fato de que um objeto da vítima anterior foi encontrado na cena do crime?
— Foi dado à nossa empresa o poder de investigar as cenas dos crimes anteriores. De acordo com ele, eu poderia ter acesso aos pertences das outras vítimas.
— Foi uma armação perfeita.
— Não consegui enxergar isso no dia do ocorrido, mas venho pensando nisso há alguns dias. A morte de foi mais do que um aviso. Por isso eu preciso ir a Incheon o mais rápido possível. Talvez lá tenha as respostas que eu preciso.
— Sair de Seul enquanto está sendo investigado não é a melhor opção.
Eu tinha que concordar com em relação àquilo. Poderia gerar mais desconfiança em torno de .
— Não temos tempo a perder. Farei de tudo para as pessoas não me reconhecerem no caminho. Levarei comigo, porque ninguém a conhece e você ficará tomando conta para que nada saia do controle na empresa. Não vou demorar mais do que dois dias.
— Sunbae...
— Confie em mim. — ele interrompeu . — Nunca tomo decisões sem estar certo do que faço.
— Eu confio em você, hyung.
Pela primeira vez ouvi chamar de hyung e isso me fez temer que a situação fosse pior do que mostrava.
— Estaremos saindo em uma hora, . Arrume uma mochila com poucas coisas.
Eu coloquei na mochila apenas uma blusa para trocar, roupas íntimas e itens de higiene, porque não sabia quanto tempo precisaríamos ficar – dois dias, de acordo com – caso acontecesse algum imprevisto. Do lado de fora, não havia muito frio, então eu vesti apenas um casaco por cima da blusa.
No andar de baixo, já havia saído e estava assistindo aos noticiários.
— Alguma mudança?
— Não. Meu rosto já está sendo divulgado em todos os lugares.
Ele levantou e colocou nas costas a mochila que estava ao seu lado.
— Você está bem com isso? — acenei. — Já comprei as passagens de trem. Vamos levar, no máximo, uma hora até lá.
colocou um boné preto na cabeça e uma máscara tapando o nariz e a boca. Eu já tinha visto aquilo na televisão, várias pessoas na Coreia usavam quando estavam gripadas ou queriam se esconder.
— Você poderia ser, facilmente, confundido com um k-idol5. — ele rolou os olhos para mim e desligou a televisão.
Nunca tinha o visto se vestir de uma maneira tão casual desde o dia em que o conheci. Ele vestia uma calça preta com buracos nos joelhos, camisa preta, um casaco comum e um tênis branco. Nada de terno, jaqueta de couro ou itens caros. Provavelmente a única coisa realmente cara que ele estava usando era um relógio escondido pelo sobretudo e o tênis que, com certeza, era de uma marca muito famosa. Foi um pouco estranho vê-lo daquela forma. Como uma pessoa... Casual. Isso mostrava o quanto ele estava preocupado em se misturar.
O táxi que chamou nos deixou na Estação Seul, onde pegamos um trem direto para Incheon. Lá dentro, relaxamos mais e tirou a máscara, mantendo apenas o boné para esconder o rosto. Eu não podia evitar sempre olhar por cima do ombro, com medo de que alguém o reconhecesse e o entregasse a polícia, que acharia que ele estaria fugindo e acabaria prendendo-o.
— Está com fome? — neguei com a cabeça. — Você pode relaxar agora. Já conseguimos atravessar Seul sem sermos reconhecidos.
— Eu estou bem. O que você acha que vamos encontrar em Incheon?
— Não sei. Já estive naquela cidade vezes demais para contar, mas nunca soube o que procurar. Sei tudo sobre a vida de cada uma das vítimas. Como você já deve saber pelo que leu, Cha Jung-Hwan, o pai de 45 anos, trabalhava em um cartório como funcionário público. Cha So-Min, a mãe, tinha 40 anos e era enfermeira do Hospital Internacional de St. Mary. Cha Mi-Young e Cha Ra-Young eram as duas filhas, 16 e 17 anos, ambas eram estudantes.
— Onde você disse que Cha So-Min trabalhava? — perguntei.
— No Hospital Internacional de St. Mary. — ele repetiu.
— Esse é o hospital onde eu nasci. Não tinha pensado nisso antes quando revia as informações porque não pareceu importante, mas agora eu me lembrei porque morávamos perto do hospital.
me olhou com os olhos semicerrados, pensativo.
— Você acha que eu estou envolvida diretamente com tudo que aconteceu?
— Talvez. O que você lembra da época que você morava em Incheon?
— Não muito. Na verdade, não consigo me lembrar de quase nada, apenas dos parques que meu pai me levava e do meu quarto. Saí daqui com cinco anos e as memórias da minha infância são do período depois disso.
— Como consegue falar coreano tão bem?
— Meu pai me manteve falando coreano por muito tempo em casa. Ele trabalhou aqui na Coreia por muitos anos e insistia que eu precisava saber coreano, caso voltássemos a morar aqui de novo.
— Podemos encontrar alguma coisa sobre você através dos registros da sua mãe no hospital ou onde seu pai trabalhava.
— Infelizmente, não sei muita coisa sobre o trabalho dele aqui também. Nunca falamos muito sobre o tempo que passamos na Coreia ou a vida dele e da minha mãe antes de mim. Eu tinha medo disso trazer dores do passado que fizessem com que meu pai sofresse. Ele sempre evitava falar sobre o que aconteceu com minha mãe e as lembranças de antes.
Engoli as lágrimas que queriam descer sempre que eu falava ou pensava sobre eles. Não era hora de chorar de saudade. Precisava focar em encontrar as respostas para voltar o mais rápido possível para casa.
— Ele só falava que morávamos em um bairro muito bonito em Incheon e que trabalhava na polícia.
— Você sente muita falta deles?
— Da minha mãe não porque nunca a conheci, então não posso sentir falta de algo que nunca tive. Mas sinto falta do meu pai. — confessei. — Fico pensando se ele está comendo direito, se está tomando os remédios na hora certa ou está lembrando de pagar as contas em dia por causa de preocupação. Ele sempre colocou o trabalho na frente de tudo e, com o meu desaparecimento, com certeza deixou de cuidar de si mesmo. Quase nunca nos víamos pessoalmente por causa da minha faculdade ou do trabalho dele, mas quase todos os dias ele me ligava para saber como eu estava ou se precisava de algo. Tenho medo de ele ficar perdido sem mim ou até de perder as esperanças se passar muito tempo. Ele já perdeu uma pessoa muito importante para ele, não sei se conseguiria lidar com a perda de outra.
— Você vai conseguir voltar para casa. — falou.
— Você sente falta dos seus? — perguntei, de maneira ousada, já que não parecia muito a fim de falar sobre seus pais. Ou de nada sobre sua vida pessoal.
— Não gosto de falar ou pensar sobre eles. Mesmo estando em contato o tempo todo com o que aconteceu, nunca penso neles como meus pais ou a minha família. Apenas como vítimas que precisam de justiça sobre com o aconteceu com eles, como todos os outros.
“Porque se eu pensar neles como a minha família, nunca vou conseguir me concentrar para encontrar quem fez isso com eles. Minhas emoções falarão mais forte do que a razão.” Ele não precisava completar, porque eu sabia o que ele estava querendo dizer.
— ? — eu o chamei.
— Sim? — ele respondeu, olhando para o meu rosto.
— Obrigada por confiar em mim. Obrigada por me deixar ficar, por acreditar em mim e por me ajudar. Se não fosse por você eu...
Balancei a cabeça, tentando tirar todos os pensamentos do que teria acontecido comigo se não tivesse me ajudado. Eu poderia nem estar mais viva ou presa para o resto da minha vida por não ter conseguido confirmar a minha identidade. Nenhuma possibilidade era boa longe dele.
— A melhor maneira de retribuir esse favor é não morrendo. Se isso acontecer, vai ser muito difícil conseguir explicar para a polícia porque uma estrangeira sem registro estava comigo.
Pareceu ser uma brincadeira, mas pelo tom sério de , cogitei o pensamento de ele realmente não querer a minha morte realmente só por aquele motivo. Ele não seria tão insensível, seria?
— Eu não vou morrer sem descobrir como parei nessa bagunça.
5K-idol: Korean Idols, ou ídolo coreano. São as celebridades ou ídolos da música pop coreana (K–pop).
6Hangul: Alfabeto usado na língua coreana.
Capítulo 9
“É melhor acender algumas velas ao invés de amaldiçoar a escuridão.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
Nós comemos na Estação de Incheon e fomos direto para o Hospital Internacional de St. Mary. O lugar era enorme, cheio de gente entrando e saindo, ambulâncias chegando e pessoas de todos os tipos, assim como um hospital internacional precisava ser. Aquele lugar parecia incrível, mas não me causava nenhuma lembrança. Acho que nunca estive naquele lugar depois do meu nascimento. Como conseguiríamos as informações sem levantar suspeitas em um hospital tão grande e famoso como aquele?
— Provavelmente os registros do meu nascimento estão arquivados em algum lugar, já que, naquela época, as coisas não eram organizadas e não tinha uso de alta tecnologia. Vai ser difícil convencê-los a procurar.
— Trabalhei como investigador por tempo demais para saber como isso funciona.
Nós entramos no hospital e foi para a recepção, procurar informações. Na verdade, eu não sabia qual era o plano dele – ou se ele tinha um plano – para conseguir as informações.
Algumas pessoas que passavam por mim, me encaravam um pouco, me lembrando que eu era uma estranha no meio daquelas pessoas. Filha de pais ocidentais, minha cor de pele, meu cabelo e o tamanho dos meus olhos me faziam estranha naquele lugar.
voltou com duas credenciais de visitantes.
— Como você conseguiu fazer isso?
— Eu te disse que estou há muito tempo nesse ramo. Usei nossos nomes reais e, de acordo com a solicitação, viemos fazer tour programado pelo hospital com permissão de acesso aos antigos casos do hospital para uma pesquisa. Temos duas horas, vamos.
me guiou habilidosamente pelos corredores do hospital, usando nossas credenciais de visitantes. Ele conhecia muito bem aquele lugar, já que esteve ali muitas vezes antes.
Entramos no almoxarifado e uma mulher com cara de pouco amigos estava vigiando a entrada. Eu queria estar corajosa e confiante de que tudo daria certo, mas, na verdade, estava tremendo de medo de sermos descobertos e acabarmos na cadeia. O que a polícia faria se encontrasse uma pessoa sem documentos de identificação que não sabia como havia entrado no país estrangeiro? Provavelmente eu ficaria presa para sempre e nunca poderia rever meu pai ou voltar para a minha vida normal.
— Boa tarde. — ele levantou nossas credenciais — Estamos fazendo um tour e precisamos de alguns arquivos do ano de 1997 sobre casos de Síndrome de Turner ocorrentes nesse ano, nesse hospital.
— Corredor 27, Seção G. — ela falou de maneira entediada, sem parar de olhar para o celular, e nós entramos.
— O que aconteceu? — nos deteve quando entramos no almoxarifado.
— Sei que não deveria pensar sobre isso, mas tenho medo do que pode acontecer se o assassino descobrir que estamos seguindo seus passos.
— ?
Ele me segurou pelos ombros e olhou dentro dos meus olhos. Tentei forçar a respiração para dentro e para fora. Nunca estive em uma situação como aquela antes.
— Vai dar tudo certo, está bem? Vamos conseguir o que precisamos. Agora, preciso saber: você sabe ler hangul6?
— Um pouco...
— Bom, pelo menos usamos os mesmos números que vocês no ocidente. Vamos procurar pela sua data de nascimento entre os livros dos nascidos e ver se o assassino foi tão astuto em apagar a sua identidade.
Foi difícil acharmos o lugar corretor sem levantar suspeitas, já que a mulher na entrada havia nos dado informações sobre os casos de Síndrome de Turner do ano e não dos nascidos, mas com a destreza de , acabamos no Corredor 24, com nossos olhos correndo pelos livros, à procura da minha data de nascimento.
— Por que algumas pastas estão trancadas?
As pastas de plástico estavam fechadas com cadeados de verdade. Nunca tinha visto aquilo antes.
— Arquivos confidenciais, provavelmente novos experimentos, casos VIPs ou coisas que deram errado.
— Aqui não usam computador para guardar arquivos? Em que ano estão vivendo? Qualquer um poderia arrombar isso.
— São casos antigos que, na maioria das vezes, não é preciso guardar tudo em um computador.
No livro de nascidos, na minha data de nascimento não tinha nenhuma . Ele foi, realmente, muito cuidadoso apagando a minha identidade.
— Pensei que estava enfrentando uma pessoa perfeita demais, investigando um crime perfeito, mas depois de todo esse tempo, descobri que não existe crime perfeito, apenas alguém com muita prática, muito tempo e muito recurso. Nesse caso, a pessoa em questão estava com muita pressa quando descobriu que você estava perto de me contatar. Consegue ver essas ondulações no miolo?
me mostrou o miolo do livro de registros que segurava.
— Parece que alguma página foi arrancada. Mas... Não há nenhuma página faltando. Todas as datas batem. E as letras são semelhantes.
— Quando alguém arranca e coloca de volta, nunca é igual. Como um jarro quebrado e colado de novo, sempre haverá marcas. A página foi refeita e colada, mas não foi perfeito.
— Mas isso não consegue provar nada sobre a mentira da minha identidade. Além disso, a prova foi conseguida de maneira considerada ilegal. A polícia nunca aceitaria como parte das investigações.
— Mas nos mostra que estamos com uma pessoa que ficou sem opções. Você o deixou sem opções quando veio ao país. Ele agiu de uma maneira desesperada, quando você o colocou nessa posição. Eu nunca tinha visto isso em anos de investigação. — uma luz de esperança se acendeu.
— Podemos pesquisar sobre a enfermeira assassinada aqui. Talvez algum dos casos que ela cuidou, talvez o assassino tenha usado um disfarce de paciente para conhecê-la melhor. Serial killers costumam investigar bem suas vítimas antes do ataque.
Infelizmente, a área dos registros dos funcionários era fechada apenas para pessoal autorizado e não consegui destrancá-la por causa das câmeras. Pegamos alguns casos sobre Síndrome de Turner e caímos fora do lugar, abandonando as pastas na recepção e devolvendo as credenciais.
— Voltamos à estaca zero. — comentei, desatinada.
— Não acredito nisso. Nunca estive tão perto dele. Antes, ele parecia uma pessoa irreal, distante da realidade e perfeita. Um robô. Mas agora parece uma pessoa real e passível a erros.
— Você pensa como um investigador, eu penso como uma enfermeira. — dei de ombros. — Para onde vamos agora?
— Comer e descansar. Lembro-me bem o quanto você precisa descansar para o seu cérebro se recuperar e o seu corpo sarar.
— Meu organismo se recupera bem, acho que já podemos começar a investigar o trabalho de Cha Jung-Hwan no cartório e ver se algum dos clientes pode estar associado.
— , temos um bom planejamento. Seu corpo não está acostumado a tanto estresse. Vamos descansar. Você deve estar com fome.
— Para onde vamos?
— Já aluguei quartos em um hotel que não fica muito longe daqui. Eles servem uma boa comida ocidental, pelo que ouvi falar.
Fomos de táxi até o hotel que havia falado e logo estávamos acomodados em nossos quartos. Tomei um banho longo, troquei meu curativo e estava me preparando para descer quando ouvi batidas na porta. Não tinha pedido serviço de quarto. Era .
— Achei que preferiria comer longe de todos os olhares no restaurante. E aqui podemos conversar mais confortavelmente. Posso entrar?
Acenei e ele passou pela porta com várias sacolas. Ele havia comprado uma variedade de pães, saladas, molhos e massas. Eu, realmente, estava morrendo de fome, já que não tinha tido tempo para comer nada desde que a viagem havia sido anunciada.
— Não consegui o código de acesso para ligar a televisão. Como estão os noticiários? — terminou de mastigar para falar.
Estávamos quase no final do nosso jantar, com papéis espalhados por todos os lugares. Aquela cena já era tão típica para mim quanto abrir cadáveres nas salas de prática.
— A mesma coisa. Nenhuma prova nova e as pessoas continuam pressionando para que eu apareça na delegacia, já que não tenho nada a esconder.
— Você acha que esse tempo fará com que elas comecem a desconfiar da sua inocência? — perguntei.
— A opinião popular é muito influenciável, infelizmente. Isso não me ajuda nem me atrapalha, então não preciso delas. Preciso de provas, enquanto tenho tempo para encontrá-las.
— Estou curiosa sobre como você conseguiu uma identidade para mim e nos colocou dentro de um hospital grande como aquele.
— Eu tenho uma empresa de investigação onde os melhores engenheiros da computação estão trabalhando. Posso não confiar em todos eles, mas aquelas pessoas são meus funcionários, algumas coisas vêm facilmente para mim.
— Então qual será o nosso próximo passo? — quis saber.
— Como você disse, precisaremos ter acesso aos clientes de Cha Jung-Hwan para saber se tem alguma coisa a ver com o suspeito e...
Algo iluminou a minha mente e eu franzi o cenho para os papéis na minha frente. Lembrava de focar bastante no nome daquela mulher. Da enfermeira. Não do marido ou das filhas. Como se ela fosse a peça principal daquele tabuleiro. O que aquilo poderia significar? Mais imagens de mim mesma, que eu não me lembrava perfeitamente, começaram a aparecer.
— O que foi?
— E se... Cada crime tivesse um alvo principal?
— Sobre o que você está falando? Você lembrou de alguma coisa?
Eu tentava colocar as informações que recebia em ordem na minha mente.
— , você tem a hora da morte de todas as vítimas de todas as cenas de crimes? A diferença entre os horários de cada vítima foi muito grande, não foi?
Ele mexeu em algumas coisas e abriu no computador um arquivo com os horários das mortes.
— Os corpos eram achados, geralmente, sete ou oito horas após o ocorrido, isso dá um tempo muito curto para definir a diferença entre os horários das mortes de cada vítima, além da época em que os crimes aconteceram.
— E por se tratar de uma família com o pai presente, foi deduzido que ele era sempre o primeiro a morrer tentando proteger o resto da sua família, mas... E se não foi isso que aconteceu?
Os olhos confusos de se clarearam finalmente, entendendo aonde eu queria chegar.
— Isso muda completamente o rumo das coisas.
— Eu acho que a enfermeira foi a vítima principal dessa cena de crime. Eu lembro de... Marcar o nome dela. Cha So-Min. Circulei vária vezes esse nome e coloquei um post-it com outras informações nele. Por algum motivo, ela me parece muito importante, porque acho que não fiz nisso com mais ninguém nesse caso.
— Então o foco do serial killer não são famílias e sim pessoas específicas dessas famílias? — acenei. — Os outros membros eram consequências por estarem no mesmo lugar? — acenei novamente.
parecia surpreso. Pela primeira vez, vi sua expressão mudar. Aquilo o tinha chocado por completo.
— , você entende o que isso muda? As outras vítimas nas cenas eram apenas queima de arquivo. Precisamos encontrar o alvo de todos os crimes e os porquês de eles estarem na mira de um serial killer. O que eles tinham em comum, o que na vida deles fez com que um serial killer quisesse mata-los.
Aquela era uma notícia muito boa, mas também me fazia ficar aflita pela necessidade de me lembrar os fragmentos da minha memória que eu havia perdido. Eu queria ajudar mais, fazer mais, lembrar mais. Mas como uma estudante da área de saúde, eu sabia que pouca coisa eu podia fazer em relação a isso. Cada organismo tinha uma maneira diferente de lidar com o trauma e o choque, então as coisas viriam naturalmente. Ou não viriam.
Parecendo ler meus pensamentos, apertou a minha mão, em conforto e um pouco como sinal de gratidão.
— Muito obrigada. Isso foi mais do que eu e a polícia coreana conseguimos fazer em dezesseis anos.
Capítulo 10
“Lembre-se de cavar o poço bem antes de sentir sede.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
É frustrante quando criamos altas expectativas e não conseguimos alcançá-las.
Eu dormi na noite anterior pensando que conseguiríamos respostas mais sólidas no dia seguinte, mas nosso plano falhou quando não conseguimos ter acesso ao quadro de pacientes de uma funcionária. Nem o charme de funcionou – sim, eu vi a mudança de homem sério e concentrado para um jovem que adorava flertar em poucos minutos – e tivemos que voltar para o hotel com as mãos abanando. Não pude evitar a expressão de decepção no meu rosto.
Assim que chegamos em nossos quartos, ouvi o telefone de . Pelo silêncio dele, percebi que não eram boas notícias.
— Você não consegue segurar isso mais um pouco? — eu consegui ouvir com o rosto grudado na parece que dividia os nossos quartos. Uma pausa longa se seguiu. — Eu preciso de mais um dia. — pausa ainda maior. — Eu darei um jeito nisso. — pausa. — Tudo bem, tchau.
Fiquei esperando que ele viesse ao meu quarto contar as novidades, mas tudo que eu recebi da parte dele foi silêncio. Fiquei perambulando de um lado para o outro no quarto, prestes a abrir um buraco no chão, mas não me importei. Estava nervosa demais. Se eu tivesse o hábito de roer as unhas, com certeza não teria restado mais nenhuma.
Depois do que pareceu ser uma eternidade, bateu na porta do quarto com a mochila nas costas.
— O que aconteceu?
— Já fiz o nosso check-out, estamos indo hoje mesmo. Parece que a situação saiu do controle em Seul. Estaremos voltando para resolver isso depois.
— Era no telefone? — nem me dei ao trabalho de fingir que não tinha ouvido a ligação.
— Sim. Estou sendo pressionado cada vez mais pela polícia. Parece que novas provas que me colocam ainda mais como suspeito foram achadas. Se eu não me adiantar, vou acabar recebendo um mandado de prisão ao invés de apenas um para depor.
Eu arrumei minhas coisas em menos de meia hora e nós voltamos de trem para Seul antes de o Sol estar alto no céu.
Claro que nos esperava na casa de . Diferente de todas as vezes que eu o havia visto, seu cabelo estava despenteado e a roupa era comum, com cara de que não havia dormido em um pouco, com olheiras profundas. Não parecia mais o cara durão que eu havia conhecido. Comecei a ficar nervosa de novo com a possibilidade de acabar na cadeia.
— Alguém descobriu a presença de aqui? — foi a primeira coisa que perguntou.
— Não, mas se isso acontecer, ela continuará usando a identidade falsa. Sua vida pessoal sempre foi escondida, então não vai ser uma coisa de outro mundo se começarem a achar que ela é alguma namorada estrangeira sua. O pessoal da empresa pode confirmar. Isso não é o que me preocupa.
— Não tem problema, amanhã estarei na delegacia para prestar o meu novo depoimento. Qual a novidade nas provas?
— Ainda não foi divulgado, mas nosso infiltrado disse que eles estão sendo muito sigilosos com a nova prova. Talvez seja algo que faça você ir direto para a cadeia sem dar depoimento nenhum. O Promotor Kang ligou em busca da sua posição no caso. Ninguém que te conhece acredita que tenha sido realmente você, mas as provas apontam o contrário. Vai tentar defesa ou vai se fazer culpado?
Se fazer culpado? Que conversa era aquela?
— Espera, você vai se deixar ser preso? — quis saber.
— Talvez a melhor maneira de o capturar seja fazendo-o achar que está um passo à nossa frente. — ele falou, como se fosse a coisa mais certa a fazer. Não consegui deixar de achar um absurdo.
— Mas isso é muito perigoso. O que vamos fazer sem você aqui fora? E se você não conseguir sair?
— , esse é o plano B. Vamos fazer de tudo para que não precise chegar a esse extremo. Prometo.
Mas aquilo não conseguiu acalmar o meu coração. Se era difícil encontrar provas e fazer as conexões com , o que eu poderia fazer sem ?
Aquele assunto não foi mais tocado durante a noite. Os dois homens ficaram na sala, trocando as informações que tinham e tentando traçar o próximo plano enquanto eu estava no quarto, cuidando dos meus ferimentos quase secos. Os hematomas tinham praticamente sumido e o curativo no meu ombro quase não era mais necessário. Aquilo me fez lembrar há quanto tempo eu estava na Coreia e quanto tempo fazia que a minha vida tinha dado uma volta de 180º. De estudante dedicada a forasteira estrangeira sem memória.
Se antes não tivesse trazido as informações de onde eu estudava e dos meus colegas de turma, eu ainda estaria duvidando da minha própria identidade. Queria ligar para cada um deles e confirmar que eles me conheciam de antes. Quem eu era, se meu pai estava me procurando, se a polícia estava me procurando, mas tinha ciência do quanto aquilo seria perigoso. Não queria que pessoas inocentes se machucassem por minha causa.
Ainda no banheiro, eu peguei a tesoura que estava em cima da bancada e cortei vários dedos do meu cabelo que já havia crescido um pouco. Há cinco anos, eu havia começado a cortar meu cabelo sozinha. No início, demorei muito para tentar estilos diferentes, mas depois apenas as pontas, deixando-o longo sem graça. Depois de acordar com o cabelo curto, eu havia percebido o quanto era prático.
As mechas iam caindo dentro da pia enquanto eu aparava o tamanho que tinha crescido, deixando na altura do pescoço. Era muito mais prático. O resultado ficou como eu esperava. Limpei a bagunça que havia feito e fui deitar.
Demorei a pegar no sono, mas quando dormi, tive vários pesadelos horríveis. Sonhei que lutava com alguém e que acabava muito machucada. Foi tão real que acordei suando e ofegante. Orei pelo dia seguinte chegar logo e para me livrar daquela noite, mas se soubesse o que aconteceria, teria preferido o tormento dos pesadelos.
Acordei no dia seguinte com a polícia batendo no andar de baixo e vozes altas.
— Será que ele vai ficar bem? — perguntei, apreensiva.
— Você já perguntou isso e eu já te respondi. — respondeu, sem paciência.
— Já fazem três horas.
— Interrogatórios costumam demorar. Nunca assistiu filmes? — levantei uma sobrancelha e suspirou. — É só um depoimento. Agora sunbae é o principal suspeito do que aconteceu, vão tentar extrair o máximo de informações dele.
— Eu sei, mas...
— Ele saiu.
Fiquei de pé rápido quando vi saindo da delegacia. Ele havia feito questão de nos mandar esperar do lado de fora, longe da imprensa.
me conduziu para o carro antes que eu pudesse falar com ele. Fiquei olhando pela janela ele lidar com os repórteres como uma criança fica olhando os adultos conversarem.
Meu coração estava apreensivo. Mesmo com a expressão de sempre de , eu temia pelo resultado daquilo. Se eu falasse que era apenas por não saber o que aconteceria comigo, eu estaria mentindo. era alguém que eu prezava e que merecia saber o que havia acontecido com seus pais. Ser preso daquele jeito era uma injustiça muito grande.
Ele entrou no carro e ninguém falou nada.
Por favor, comecem a conversar sobre o que aconteceu. Por favor, comecem a conversar sobre o que aconteceu. Eu quero saber o que aconteceu.
— Eles não revelaram a tal prova que haviam sugerido. — finalmente. — Acho que eles estão blefando para pegar o verdadeiro assassino ou para fazer com que eu me incriminasse.
— Isso pode acabar de uma maneira muito ruim.
— Eles estão sem saída e irão usar todas as armas que tiverem. A cena do crime aponta para mim. Meu álibi é duvidoso e caráter nunca foi o suficiente para inocentar alguém. Vamos ver o desenrolar do resultado disso. Me leve direto para a empresa, preciso trabalhar. , você vai ficar bem? — nem tentei disfarçar que estava atenta na conversa deles.
— Estarei melhor onde mais poderei ajudar.
O clima na empresa era o mesmo de sempre. Achei que o pessoal ficaria olhando enquanto passávamos e comentariam entre si, mas todos estavam concentrados em seus próprios trabalhos, cuidando de suas próprias vidas.
Não havia estado naquele lugar desde a morte de , mas aquele ar de que algo ruim havia acontecido ainda estava lá. A nuvem de tristeza era tão espessa que quase podia tocá-la.
O escritório de estava fechado por ainda ser uma cena de crime e ainda estar sob investigação, então suas coisas – aquilo que não foi apreendido para a investigação – haviam sido movidas para outra sala no mesmo andar.
— Sunbae, eu preciso sair. Não deixe de me chamar se algo surgir. — falou.
— Tudo bem, . Não se esqueça da reunião com o advogado Byun às 18h. — lembrou.
— Certo, chefe.
Na casa de , eu havia achado o meu espaço em meio às provas que eu já estava familiarizada, mas ali eu me sentia deslocada. sentou atrás da mesa e começou a trabalhar como se nada tivesse acontecido e eu sentei no sofá no canto, observando o local, torcendo as mãos, como se eu tivesse em uma festa na casa de alguém, onde eu não sabia o que fazer e nem o que falar.
— Algum problema? — levantei meus olhos quando a voz de me chamou. — Sua expressão parece a de alguém que comeu algo e não gostou.
Se eu pudesse corar de vergonha, teria corado naquele momento. Não queria que achasse que eu estava infeliz por estar ali.
— Desculpa. É que eu queria ajudar com alguma coisa e não ficar aqui parada como um enfeite. — admiti.
— Na verdade, meu trabalho é muito menos glamoroso do que parece. Na maioria das vezes, eu fico reunindo provas e fazendo telefonemas aqui trancado no escritório. Pode me ajudar, se quiser, mas hoje o dia parece bem entediante, até para mim.
Ele puxou uma cadeira de rodinhas para que eu me sentasse ao seu lado e separou uma pilha de papéis para mim.
— Acho que não tem muito a ver com o que você fazia antes, mas pode tentar ajudar de alguma forma.
— Como vocês recebem os casos para investigação?
— A maioria deles são casos sem soluções ou arquivados pela polícia. Outras vezes, temos o contato direto com a polícia e eles nos passam as evidências e trabalhamos juntos. Todos aqueles que trabalham diretamente no caso eram oficiais nacionais com seus postos ainda ativos, por isso podemos fazer o que fazemos. Recebemos casos de desaparecimentos, homicídios e sequestros. Nossa porcentagem de solução é 70% maior do que a da polícia, então eles aprendem a confiar em nós. — explicou.
— Como você consegue? — perguntei, achando que ele não iria me responder.
— Lidar com tantos papéis?
— Ver tantos desastres e tanta crueldade e manter a sanidade? — ele deu um sorriso azedo.
— Acho que deve ser por isso que os meus funcionários me chamam de frio. — admitiu.
— Você parece frio. — falei sinceramente.
— Pode ser uma maneira fria de agir sim, mas digo sempre a mim mesmo que o caos que está fora não pode entrar quando me deparado com uma situação aterrorizante. Penso sempre que outras pessoas dependem de mim. Outros filhos precisam saber o que aconteceu com seus pais. E pais precisam saber o que aconteceu com seus filhos. Esposas, tias, namorados, amigos.
Aquela me parecia uma maneira de dizer que aquele trabalho aliviava a culpa de não ter sido capaz de descobrir o que havia acontecido com seus pais.
— Como um médico que perdeu a esposa em uma cirurgia e precisa operar outras pessoas.
— Sim, mas meu trabalho não é tão legal.
Nós dois achamos graça, mas antes do riso sair, fomos interrompidos por um grito agudo. Outros vieram logo em seguida e levantou, assustado.
— Aish. De novo?
Telefones começaram a tocar na sala. Barulho de pessoas correndo e gritando era abafado pela porta.
— Fique aqui. — colocou o celular no ouvido e saiu da sala.
Eu queria, para o meu próprio bem e proteção, ter obedecido, mas poucos segundos depois dele ter saído, eu o segui. Uma massa de gente estava na frente da porta e as costas de taparam a minha visão.
— , o que está acontecendo? — suas costas retesaram e ele virou para mim. Seu rosto estava petrificado e seus olhos não conseguiam focar meu rosto.
— Acho melhor você entrar. Por favor. — ele sussurrou, tentando me afastar, mas eu fiquei na ponta dos pés para enxergar por cima do ombro dele.
Assim que conseguir um vislumbre da cena, tive que segurar as mãos estendidas de para não cair com o choque.
Mais uma vez encarando uma pessoa morta naquela empresa de uma maneira brutal.
Capítulo 11
“Nossos cílios estão tão próximos que não os enxergamos.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
Era .
estava morto.
Não conseguia emitir nenhum som. Todas as palavras tinham sido roubadas da minha boca.
Ele estava nas mesmas condições de . Ou talvez pior.
Queria desviar os olhos, mas não conseguia. Eu queria acreditar no que eles estavam vendo, mas não conseguia.
— ...
voltou a olhar o corpo do amigo no chão e se ajoelhou ao lado dele.
— ? , por favor.
segurou a cabeça o amigo, sujando-se todo de sangue. Até eu, como enfermeira sabia que o que ele estava fazendo era errado, adulterando a cena do crime, mas eu podia entender porque era o melhor amigo dele.
Nunca tinha visto atordoado daquele jeito. Ele parecia perdido e vulnerável. Havíamos acabado de conversar sobre ele parecer frio e distante, mas ali estava ele mostrando que era humano e que também sofria. E aquilo me assustava muito.
“O caos que está fora não pode entrar.” O problema era que, na maioria das vezes, não conseguíamos evitar que ele entrasse.
A polícia chegou pouco tempo depois e continuava chorando sobre o corpo do amigo morto.
— Senhorita, por favor, leve-o para casa. Entraremos em contato em breve.
Estar em contato com a polícia era assustador para mim com o risco de ser descoberta e presa, mas fiz como o policial havia mandado, arrastando para longe daquele lugar.
— Vamos, . Você não pode ficar aqui. Vamos para casa.
Ele se levantou, ainda com os olhos vidrados e as lágrimas secas nas bochechas. Estava coberto com o sangue de e eu agradeci internamente quando um policial se ofereceu para nos levar para casa, eu não sabia o que faria se ele não tivesse me ajudado. se apoiou em mim para entrar e sair do carro e entramos trôpegos, direto para o banheiro, onde eu o coloquei debaixo do chuveiro e liguei o jato em cima dele. A água acabou molhando nós dois.
— Por favor, tome banho. — implorei, vendo como ele pouco reagiu debaixo da água. — Eu preciso de você inteiro. Lembre-se que o caos que está fora não pode entrar. Existem pessoas dependendo de você.
Ele estava chocado e apavorado ao mesmo tempo por ter visto o amigo daquele jeito.
Era injusto pedir para superar a morte do amigo, mas eu só tinha a ele para me ajudar. Se jogasse a toalha, eu seria só uma pessoa sem identidade, sem documentos, em um país desconhecido, com uma história que parecia mais falsa do que verdadeira. Porque, até para mim, aquela história parecia um absurdo e eu não sei se acreditaria se alguém invadisse meu quarto me contando aquilo. Provavelmente teria reagido muito pior que ele.
Tomei banho para também tirar o sangue de que estava grudado em mim, mas mesmo passando o sabonete, o cheiro continuava impregnado no meu corpo. Debaixo do chuveiro, eu tentei segurar as lágrimas, mas elas foram inevitáveis. Eu não conseguia tirar a imagem do corpo morto da minha frente. Eu lembrei de e meu estômago revirou.
Vomitei no ralo do banheiro até não haver mais nada no meu estômago. As lágrimas se misturaram com as mechas de cabelo no meu rosto. Quando fechava os olhos, só conseguia ver aquela imagem na minha mente.
Demorei o dobro do tempo para terminar o banho, secar o cabelo e me vestir, mas, na verdade, era o tempo para se recompor. Estava assustada com a perspectiva de continuar aquela caminhada sozinha.
Quando voltei para a cozinha, ele estava limpo, com os cabelos secos de mau jeito e preparando chá, como se nada tivesse acontecido. Se seus olhos não estivessem inchados e vermelhos, poderia realmente achar que ele não tinha acabado de perder o melhor amigo.
— Você está bem? — aquela frase era quase um mantra, a maneira de ele perguntar transmitia preocupação e cuidado e era muito confortável para mim.
— Você está bem? — devolvi a pergunta do mesmo jeito, tentando mostrar que estava preocupada e ele acenou, confirmando, mesmo sabendo que ele não estava bem coisa nenhuma.
— Estou melhor. Obrigado pelo banho. Acho que entrei em estado de choque, nunca havia acontecido antes. — ele se desculpou sem olhar para mim, mas eu sabia que as palavras que ele falava eram muito diferentes da realidade. — Desculpa por ter deixado você lidar com tudo sozinha. Chá ou café?
— Chá. Não tem problema. Eu sinto muito pelo que aconteceu com o . — falei com sinceridade, mas parecia friamente distante.
— A polícia já está pedindo os nossos depoimentos.
Naquele momento, eu soube que ele iria começar a tratar o caso como os outros, mas eu não sabia se aquilo era bom ou ruim. Eu sabia apenas de uma coisa: não era nem um pouco saudável para ele reter tudo aquilo dentro de si. Decidi não falar nada sobre aquilo.
— Você foi vista e reconhecida como uma testemunha e eu acho que a sua identidade falsa não é boa o suficiente para passar pela polícia. E se eles descobrirem que a identidade é falsa, nós dois seremos detidos.
— Então o que nós vamos fazer?
— Ainda não tive tempo para pensar nisso, mas, até agora, apenas eu concordei em falar com eles.
desligou o fogo e colocou uma caneca fumegante com o chá na minha frente. O gosto estava muito bom e a sensação do líquido queimando a minha língua me trouxe uma nostalgia boa.
Ele colocou várias fotos da cena do crime em cima da mesa e eu quase cuspi o chá dentro da caneca com a visão de brutalmente assassinado. Quase vomitei de novo em cima das fotos. permaneceu inalterado, muito diferente da pessoa apavorada e atordoada que eu havia visto há poucas horas.
— Você tem certeza de que está bem? Não precisa descansar mais? Podemos ver isso amanhã. — ele negou com a cabeça.
— Acabei de receber isso de um colega meu da polícia. As características do crime são as mesmas do de .
Olhando atentamente para as fotos, percebi que ele tinha razão. Era como se fosse o mesmo caso, apenas com uma pessoa diferente no lugar da vítima.
— Dessa vez, ele colocou ao lado do corpo de uma caneta com as iniciais de . A caneta que ela usava para assinar documentos e que só ela tinha. Não foi uma cópia.
— Então novamente o assassino está tentando te incriminar? — perguntei, constatando algo que já estava um pouco óbvio.
— Assim como da outra vez, meu álibi não é sólido o suficiente. Ele sabe que você não pode testemunhar a meu favor por causa da sua condição ilegal, então ele mexeu as peças para nos deixar encurralados.
— Ele nos prendeu. Está um passo na nossa frente de novo. Nenhuma prova com as câmeras de segurança?
— Os vídeos foram adulterados. — ele respondeu. — Ele nem se importou de fazer um trabalho limpo. Ele quer mostrar para a polícia que o assassino estava tentando encobrir seu crime de maneira rápida e descuidada.
— Como foi possível essa pessoa atacar alguém em um lugar tão aberto dentro da empresa?
— A polícia acha que estava semiconsciente quando chegou lá. O carro dele nunca deixou a empresa.
— Arrastar um corpo de 80 kg semiacordado? Novamente o assassino conseguiu agir de maneira quase impossível por detrás dos olhos de todos. — falei.
— Ainda não sei se e foram distrações ou avisos. — ele falou, pensativo.
— Ele não seria burro o suficiente para achar que esse tipo de coisa impediria as nossas investigações de irem para frente.
— Então ele quer realmente me tirar da jogada para continuar os seus planos.
— Isso quer dizer que você é uma ameaça.
— Que nós somos. — ele corrigiu. — Ter batido em você não foi para deixá-la desacordada, foi para te matar.
Um calafrio sinistro subiu pela minha coluna e o chá ficou amargo de uma hora para outra. Alguém estava serialmente tentando nos matar, mas não sabíamos quem era e nem quando ele chegaria. As impossibilidades me fizeram temer.
— Se não conseguimos provar a sua inocência, — perguntei, cautelosamente — o que vamos fazer?
— Fugir. — a palavra parecia quase uma maldição. — De dentro da cadeia não dá para descobrir nada. Não é mais um plano B viável. Na verdade, não temos mais plano nenhum.
A empresa foi fechada no dia seguinte. Ninguém mais queria trabalhar em um lugar em que não se sentia seguro. Dois funcionários já haviam sido mortos, ninguém queria ser o próximo. Além do mais, a polícia não tinha mais apenas uma cena de crime, mas um prédio todo como cenário. As perdas haviam sido incalculáveis, mas concordou que era a melhor opção.
Na tarde daquele mesmo dia, uma equipe foi colher nossos depoimentos. Ficaram desconfiados por me encontrarem na casa de . Eu não podia ler pensamentos, mas podia apostar que eles estavam pensando se eu poderia ser cúmplice de . Teríamos poucos dias até a polícia confirmar a minha identidade e pedir outros documentos. Meu coração batia alto em meus ouvidos enquanto contava tudo que havia acontecido. Não omiti nenhum detalhe, havia ficado implícito que eu e estávamos tendo um caso, por isso eles não foram taxativos em relação a quem eu era, me deixando falar sem crítica. Me senti imensamente grata por aquilo, mesmo precisando estar naquela posição.
Foi aconselhado que não saíssemos de casa por alguns dias, principalmente por causa da imprensa. Além disso, ligando a televisão, todos os noticiários tinham a foto de e as imagens das pessoas protestando com cartazes e faixas na frente do prédio, pedindo justiça.
— Por favor, não assista isso.
tomou o controle da minha mão e desligou a televisão.
— Eles estão do seu lado ou contra você? — ele simplesmente deu de ombros.
— Como eu disse, a opinião pública é facilmente influenciada.
Só naquele momento eu notei que ele estava pronto para sair.
— Aonde você vai?
— Encontrar com o Promotor Kang para receber atualização sobre o caso. Não posso mais usar telefone para a comunicação.
— E você confia nele?
Eu falava aquilo porque conhecia a polícia. Em qualquer país existiam pessoas querendo tirar proveito das situações, mas estava há anos naquele ramo e conhecia aquelas pessoas muito melhor do que eu.
— Nos formamos juntos e é ele quem vem me ajudando todos esses anos de dentro da polícia. — traduzindo, os dois estavam no mesmo barco.
— E qual é o plano?
— Como assim? — ele perguntou, confuso com minha pergunta.
— O plano de ação. — expliquei. — Vamos só ficar parados esperando o assassino vir nos pegar?
— Sinto muito não ter conversado com você sobre isso.
“Sinto muito por ficar o dia todo trancado no escritório ignorando a sua existência, porque você mais atrapalha do que ajuda com todas as suas perguntas.”
— Pedi para o Promotor Kang conseguir uma relação dos pacientes da Enfermeira Cha que se encaixam no perfil que temos no dia em que voltamos de Incheon, e por ela ser uma funcionária antiga, ele demorou muito para conseguir. O outro caso que decidi procurar a vítima principal é o de Anyang. A esposa era dona de casa, os dois filhos eram estudantes e o pai fazia bicos, então é difícil saber com quem ele trabalhava para encontrar alguma conexão com as outras vítimas. O Promotor Kang vai puxar a ficha deles hoje para ver se descobrimos algumas coisas.
— Não é um pouco avançado estarmos relacionando as vítimas e os assassinos apenas com seus trabalhos? Pode ser por causa de uma briga de rua, ou apenas uma característica parecida que o assassino está usando para escolher suas vítimas.
— Estudando cada caso, é óbvio que o assassino entrou na rotina dessa família. Ele não atacaria de qualquer jeito, até porque, é o assassinato de várias pessoas, sem nenhuma testemunha, no horário mais propício. É preciso estudo e saber a rotina dessa família. Conversando com vizinhos e colegas de escola, não conseguimos encontrar nada, por isso estou focando no trabalho.
— Mas e se os filhos ou a esposa fossem o alvo? — perguntei, pensando além.
— Você se lembrou de algo? — ele me olhou com esperançoso, mas logo murchou com a minha resposta.
— Não, é só um palpite.
— Se for, não sabemos, mas estamos indo até onde podemos e é mais fácil rastrear as pessoas que foram envolvidas com Moon Tae-joo, o pai da família, do que com os outros membros.
— Mesmo assim, parece que estamos procurando uma agulha no palheiro. — falei, não querendo parece muito desanimada, mas soando assim.
— É a nossa única pista. Não podemos ficar parados esperando que você se lembre mais alguma coisa. Em quase todos os casos, o pai é mais fácil de procurar porque tem a vida mais aberta. Como eu disse, temos os depoimentos das escolas dos filhos das vítimas e nada foi revelado. As mães são quase todas donas de casa pacíficas que não têm muitos amigos ou contato com a família. Achamos que esse seria o design do assassino, esse tipo de família. A única em exceção foi a enfermeira e não conseguimos encontrar o porquê.
— Isso mostra que a hipótese é falha.
— É cheia de buracos, mas é tudo o que temos. — ele admitiu.
— Me deixe trocar de roupa que eu vou com você.
— Eu prefiro ir sozinho. Lá não é seguro para você, pode gerar muita desconfiança. — confirmei com a cabeça, não muito convencida. Tentei não pensar que não me queria com ele porque eu poderia atrapalhar se as coisas apertassem, porque era assim que eu me sentia quando ele me afastava ou não me contava onde estávamos com as investigações. — Mas não vou demorar. — ele logo acrescentou. — Qualquer coisa você pode usar esse celular para me ligar.
— Você disse que prefere não usar telefones para se comunicar.
— Esse é o único telefone descartável que consegui salvar e é para casos de emergência. — ele colocou o aparelho na minha mão. — Meu número é o único salvo.
— Obrigada. E... não morra. — falei, sem nenhum traço de brincadeira.
— Você também. — ele também não parecia estar brincando.
Capítulo 12
“A pena faz mais estragos que a espada. Com a pena, escreve-se a sentença de morte; e com ela apaga-se toda uma nação. Na ponta da pena está o destino do mundo, e ante uma palavra escrita se inclinam, às vezes, as cabeças mais soberbas.”
(Sabedoria Oriental)
(Sabedoria Oriental)
Durante toda a minha vida nunca fui a pessoa mais distraída do mundo, mas também nunca fui a mais observadora. Quando você está acostumado a andar só, você começa a perceber algumas coisas que os outros não notam. Como a maneira de um casal dar as mãos, dá para perceber se estão brigados ou não. Ou as olheiras cobertas de maquiagem nos olhos das mães solteiras. Eu admirava minha habilidade de observação que me fazia tão boa no meu trabalho quando estava na frente de um paciente difícil, uma esposa espancada pelo marido ou um viciado em medicamentos que só queria que o médico desse uma receita para manter o vício.
Naquela noite, quando saí do quarto para comer alguma coisa, eu percebi que algo de errado estava acontecendo. Foi um detalhe bem pequeno, mas eu vi a porta do escritório de encostada e não fechada, o que indicava que alguém havia estado ali. Pelo que me lembrava, eu havia sido a última pessoa a sair daquele cômodo, e pela minha mania de manter as portas sempre fechadas, eu sabia que tinha fechado antes de sair. Então algo não estava certo.
— ? — chamei da ponta da escada, mas como eu desconfiava, ele ainda não tinha chegado em casa.
Tinha outra pessoa dentro daquela casa e eu seria muito estúpida se acreditasse que era um ladrão e não o assassino querendo tirar a minha vida. De novo.
O silêncio era tão assustador que eu conseguia ouvir o meu próprio coração batendo em meus ouvidos, pesadamente.
Desci as escadas orando para que os chinelos que eu usava dentro de casa não fizessem barulho. A cozinha e a sala estavam vazias. Onde ele estaria?
— , é você?
Senti o cheiro antes de vê-lo. O perfume era assustadoramente familiar.
Antes de me virar, ele atacou por trás, me derrubando com tudo no chão. Minha vista embaçou com as lágrimas, por causa da dor. Ao invés de pular em cima de mim, a pessoa correu em direção à porta, mas eu me virei e agarrei seu pé, fazendo-o cair. Ele não olhou para trás, só puxou o pé com força e correu para fora. Por causa da dor, não consegui alcançá-lo.
Demorei um pouco para me recompor e com as mãos tremendo, depois de várias tentativas, consegui ligar para .
— Já estou perto de casa. O que...
— Ele estava aqui. — minha voz saiu trêmula e ofegante. Eu não conseguia pensar direito, só precisava me segurar em algo para não cair no chão.
— O que você disse?
— O assassino. Ele-Ele... Ele estava aqui. O assassino estava aqui dentro da casa. Ele me atacou, mas eu não consegui... Eu não...
— Respire, . Tome um copo de água e tranque as portas. Estarei aí em dois minutos.
Pareceu uma eternidade até ele chegar. Eu estava no sofá, tentando segurar o copo de água firmemente, tomando-o aos poucos, tentando me acalmar. correu para mim assim que passou pela porta.
— Você está bem? Está machucada? — ele tirou o copo das minhas mãos e me examinou, segurando meus olhos. — Como isso aconteceu?
— Eu não sei. Ele apenas estava aqui. Ele entrou no escritório e quando desci, ele me atacou. Não consegui segurá-lo. — tentei firmar minha voz através das lágrimas. — Ele me derrubou e foi embora.
— Você poderia ter se machucado.
Ele levantou a mão, como se fosse tocar na minha bochecha arroxeada, mas abaixou um segundo depois. “Você deveria ter entrado no quarto, trancado a porta e ligado para mim, não ter cometido a estupidez de brigar com um assassino profissional.” Era o que ele deveria ter dito, mas não falou nada. Eu estava assustada demais.
— Você precisa descansar para me contar exatamente o que aconteceu.
— Eu estou bem. Vamos...
— Vá fazer um curativo nessa mão e passar uma pomada nesse machucado. Tem todos os materiais que você precisa na segunda gaveta do seu banheiro. Durma um pouco. Quando levantar, trocaremos as informações que temos.
Eu fiz como ele mandou, mas quando fechei meus olhos para tentar dormir, as cenas da hora anterior não deixaram a minha mente. Uma sensação de deja vu muito grande tomava conta da minha mente. Com certeza eu já havia confrontado aquele homem antes. Seu perfume era familiar, o contorno do seu corpo no escuro era familiar. Até a textura áspera e pesada de suas roupas era familiar. Eu não sabia se queria realmente lembrar o que ele havia feito comigo.
— Não conseguiu dormir? — estava na cozinha quando desci. Eu neguei com a cabeça.
— Estou pronta para falar agora.
— Chá? — acenei. — Não sou muito bom cozinhando, mas durante tantos anos morando sozinho fiz muito chá. Aqui na Coreia preferimos chá.
— Assim como os ingleses.
— Na verdade, nunca viajei para o exterior, então não faço ideia de como é o outro lado do mundo.
— É muito parecido com o que passa na televisão.
— Eu não assisto muito. — ele me passou uma xícara. — Está com fome?
— Não, obrigada.
Ele começou a jogar vários acompanhamentos que estava em vasilhas plásticas na geladeira dentro de uma panela no fogo e misturou tudo com o arroz da máquina. Em pouco tempo, ele se juntou a mim na mesa, com sua panela e uma colher. Tentei não olhar com nojo.
— Minha especialidade. Arroz temperado. — ele disse, colocando uma colherada grande de arroz na boca.
Se não visse aquela cena com meus próprios olhos, continuaria acreditando que se alimentava de fotossíntese. Ele quase nunca comia. Quando eu colocava a água do ramen no fogo, ele sempre estava sem fome ou ocupado demais.
— Passei tempo demais com vítimas de traumas como o seu e sabia que se a pressionasse demais naquele momento, sua memória seria comprometida e tudo seria arruinado. Com o descanso, você pôde colocar seus pensamentos em ordem e fazer um relato mais preciso. Estou tentando te fazer relaxar agora e se sentir confortável para falar comigo.
— Eu já estou bem. Já consigo falar sobre o que aconteceu.
Eu o esperei terminar de comer seu arroz de gororoba para pegamos nossas canecas de chá e subirmos para sua sala de guerra – nome que eu havia dado na minha mente porque para ele era só seu escritório.
Visivelmente, nada havia sido alterado no lugar. Tudo estava exatamente no mesmo lugar que eu havia deixado. Me fez questionar o real motivo da visita dele.
— Foi um movimento ousado. Ele poderia ter te atacado sem que visse e você teria virado uma vítima, mas ele simplesmente entrou, olhou e saiu.
— Ele não esperava que eu estivesse em casa.
— Ele não esperava que você aparecesse. Agora que estamos tratando desse assunto aqui, ele não faz ideia até onde sabemos.
— Ele realmente não queria me matar. Ele teve a oportunidade para isso. — tremi internamente só de pensar. — Mas ele estava mais preocupado em fugir do que me enfrentar.
— Isso torna a situação mais difícil de entender.
— Será que ele... — falei o mais baixo que pude, praticamente só mexendo os lábios. — Colocou uma câmera ou uma escuta aqui?
— É provável. — me pegou pelo braço e me levou até o banheiro, onde ligou o chuveiro. — Onde você estava quando ele apareceu? Quanto tempo aproximadamente ele ficou dentro da casa? Tente se lembrar de cada detalhe.
O chuveiro estava ligado para abafar tudo que falávamos, mas continuei falando baixo próxima ao ouvido de .
— Eu estava no quarto, só notei que alguém estava aqui por causa do perfume familiar. Não sabia de onde, mas conhecia o cheiro dele. Ele me atacou por trás antes que eu pudesse me virar, me derrubando no chão. Não tentou me bater e nem fazer mais nada. Ele correu e, quando eu o segurei, ele pisou na minha mão e foi embora. A sala estava escura, mas a silhueta também era familiar também. — tomei uma respiração, tentando extrair o máximo da minha memória. — Ele tinha em torno de 1,75 de altura, peso normal, mais velho que 30, mais novo que 50 pela forma do corpo, mas parecia muito ágil e habilidoso. Não usava nenhuma arma visível. Vestia roupas pretas, boné e eu pude ver rapidamente o elástico de uma máscara.
— Prático. Ele realmente não queria te matar. Cada passo dele é bem calculado, o que o torna tão bom. As câmeras da casa conseguiram gravar pouco porque estava escuro e ele usava boné.
— Ele estava usando luvas, então não poderia comparar suas digitais. — pontuei.
— Seria um movimento trabalhoso e demorado. Não valeria a pena.
— Podemos levar essas gravações para a polícia como evidência.
— Ajudaria pouco. A polícia está procurando uma brecha para me acusar depois do que aconteceu com e isso só os deixaria mais desconfiados de mim.
Encontrei a mão dele e a apertei. Ele retesou um pouco, mas não me empurrou.
— Sinto muito. — queria poder falar mais do que aquilo, mas o sentimento de pesar era a única coisa que eu conseguia transmitir. — Sinto muito por você ter que passar por tudo isso.
— Tudo bem, encontraremos outra coisa para ajudar.
Ele desvencilhou a mão da minha e eu tentei não levar aquilo para o lado pessoal.
— O que conseguiu com o Promotor Kang?
— Tenho a lista dos pacientes que se enquadram no perfil que procuramos, mas foi mais difícil encontrar os trabalhos associados ao Moon Tae-joo. É muito complicado encontrar um ponto comum entre os dois. Algo que tenha acontecido com os dois, que tenha despertado a atenção do assassino para eles.
— Qual o nosso próximo passo? Nos esconder?
— Não, esperar.
Quase ri com o ultraje daquela ideia. Ele queria mesmo que esperássemos o assassino bater na nossa porta e nos matar?
— Eu sei que é perigoso e eu odeio ter que colocar a sua vida em risco desse jeito, mas ele vai voltar. Ele precisa saber o que descobrimos hoje e a única maneira de saber é vindo aqui. Vamos agir de maneira normal e esperar por ele.
— Não sei se acho essa ideia inteligente ou estúpida demais.
— Confie em mim.
— A pior parte disso tudo é que eu confio.
Ele soltou uma risada sem humor e desligou o chuveiro, encerrando a conversa sobre o homem que poderia estar nos observando. Só o pensamento de ele poder estar nos vendo ou ouvindo fazia os cabelos da minha nuca se eriçarem.
— Como está sua mão? — ele fez menção de pegar a mão machucada, mas abaixou rapidamente a sua própria. Aquele tipo de demonstração de preocupação não era comum para ele.
— Um pouco dolorida, mas vou sobreviver. O dano não foi sério.
— E a bochecha?
— Você já machucou mais.
— Sairemos para cuidar disso amanhã.
— Consigo cuidar de mim mesma. Esqueceu que é perigoso sairmos de casa com a ameaça de protestantes furiosos ou a imprensa descobrirem onde é a sua casa?
— Isso me faz ainda mais curioso para saber como você descobriu.
— Vá por mim, também quero descobrir como me tornei essa pessoa inteligente, corajosa e que atravessa o planeta por uma investigação que nunca tinha ouvido falar na vida. Foi uma imbecilidade minha ter me metido nessa confusão.
— Uma o quê? — ele pareceu prender uma risada. podia... rir? Aquilo era uma novidade, achei que ele havia nascido sem essa capacidade. Seus olhos brilharam com humor.
— Qual a graça?
— Essa palavra. Nunca ouvi antes.
— Falamos muito de onde eu venho. Significa que foi uma estupidez minha ter me metido nisso.
— ? — ele chamou.
— O quê? — me aproximei ainda mais.
— Por que ainda está sussurrando? Já acabamos de falar sobre o que aconteceu. — me afastei automaticamente com o susto.
— Desculpa. — não pude deixar de me sentir envergonhada.
— Tudo bem, você deve estar cansada por tudo que passou hoje, deve tentar dormir agora. Eu vou procurar escutas ou câmeras escondidas pelos cômodos. Sinais da visita dele em outros lugares da casa, ver se ele mexeu em alguma coisa, ver se deixou alguma pista.
— Sim, você está certo. Eu já vou indo. Boa noite.
Saí do banheiro e fui direto para a cama.
Capítulo 13
“O caminho da verdade se revela para quem demonstra determinação.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
Dizer que os dias que se seguiram foram difíceis seria um eufemismo. Estávamos em estado de alerta 24/7. Conversávamos normalmente em voz alta, mas conversávamos sobre qualquer detalhe do caso em voz baixa, mesmo depois de ter feito uma vistoria pela casa e não ter descoberto nada.
Eu ia para a cama, tomava banho e comia com medo. Queria mesmo era sair correndo daquele lugar, mas estava confiante no plano.
Com o passar dos dias fomos agindo em uma normalidade quase entediante. A polícia ainda estava investigando o caso, então continuava como o principal suspeito. Só saíamos de casa quando era extremamente necessário ou quando ia se encontrar com o Promotor Kang para conseguir alguma informação. Eu matava as horas do meu dia fazendo faxina, estudando coreano pela internet e tentando juntar as peças do quebra-cabeça da investigação.
havia mergulhado no trabalho e nunca mais havia falado sobre , mas era óbvio quanto ele sentia falta do melhor amigo. Às vezes ele ficava parado olhando para a porta, como se esperasse passar por ali a qualquer momento e aquilo cortava o meu coração.
O corpo de ainda não havia sido liberado, mas seria o responsável por ele assim que a investigação terminasse, já que não tinha nenhum parente vivo.
Em algumas noites, a saudade de casa era tão grande que eu chorava até dormir. Em outras, eu tinha uma esperança quase cega de que o dia seguinte seria diferente. Mas eu não perdia a fé.
Trabalhamos dia e noite, listando pacientes da Enfermeira Cha que se encaixavam no novo perfil que tínhamos, mas era complicado porque ela trabalhou na área da maternidade quase sua vida toda.
começou a planejar uma viagem para Anyang, mas eu não achava que seria a melhor opção por termos que investigar novamente também o caso da família dele. Mesmo ele estando mais confortável para falar sobre aquilo do que eu.
— Com certeza foi o pai. — ele falou quando começamos a levantar hipóteses sobre quem seria o alvo principal em cada crime. — Eu lembro da posição que o encontrei. Ele, com certeza, foi o primeiro a morrer.
Sempre que ele falava sobre o caso da sua família, eu pensava se depois de tantos anos pensar na própria família morta era menos doloroso.
Jay havia me contado certa vez que não era uma pessoa muito sentimental e todas suas emoções eram convertidas em trabalho. Me peguei querendo ser esse tipo de pessoa, mas cresci aprendendo a colocar para fora tudo o que seria. Meu pai costumava dizer que guardar sentimentos ruins no coração era perigoso. O melhor remédio era liberar tudo.
Quase duas semanas depois da primeira aparição do Açougueiro de Anyang naquela casa, quando tudo tinha voltado ao normal e eu já não esperava mais nada, percebi uma movimentação estranha no andar de cima. Era barulho de passos leves demais para ser , que sempre andava arrastando o pé por onde fosse. Eu me coloquei em estado de alerta.
Da última vez que o vi, ele havia entrado no quarto para tomar banho depois que o Promotor Kang havia ido embora. O celular descartável começou a vibrar em cima do sofá.
: Ele está aqui.
Não consegui impedir que a colher que eu segurava caísse dentro do prato com o susto. Outra mensagem.
: Ele está no escritório. Saia da casa agora.
Eu tentei fazer o que falou, mas meus pés não me obedeciam. Ao invés de fugir, eu peguei uma faca na cozinha e comecei a subir as escadas. Se me perguntassem o que eu estava fazendo com ela, não saberia responder porque nunca havia usado uma faca para me defender antes. Mas sabia usar meus punhos e pernas muito bem.
Esperei no meio da escada, mas de onde estava não conseguia ver nada. não havia mandado mais nenhuma mensagem e eu fiquei com medo dele tentar fazer alguma coisa estúpida.
: O que você vai fazer?
Nenhuma resposta.
: ?
O barulho de algo caindo no andar de cima me assustou. Logo em seguida, outras coisas começaram a cair e eu corri para ver o que estava acontecendo, não pensando na ideia idiota que era.
Encontrei em seu quarto, com a mão cobrindo a lateral da barriga, que sangrava muito.
— O que aconteceu? — tirei suas mãos para examinar o corte, mas o cheiro de fumaça começou a encher o quarto.
— Ele pulou a janela. Corra atrás dele.
Sem pensar duas vezes eu saltei de novo pela janela do quarto de , aterrissando no chão de maneira não muito elegante, assim como da última vez. A diferença era que, dessa vez eu era o perseguidor e não o perseguido.
Corri atrás do homem que estava vários metros na minha frente, mas não consegui alcançá-lo. Meus pulmões já estavam queimando, meu pé doía pela queda e não adiantava me desgastar ainda mais porque precisava voltar para ver as condições de . Corri de volta para casa.
O fogo já havia se alastrado por uma parte da casa toda, porque a maior parte de sua constituição era de madeira. O andar de cima e as escadas estavam todos tomados pelas chamas e como não achei no andar de baixo, depois de gritar seu nome, deduzi que ele ainda estaria no andar de cima, no fogo.
— ! Onde você está? — subi, passando pelas chamas, com um pedaço da blusa cobrindo a boca e o nariz, mas a fumaça era muita. Meus olhos ardiam e eu parava para tossir a cada três segundos.
Era horrível tentar enxergar qualquer coisa. Tudo estava sendo consumido pelo fogo e pela fumaça rapidamente. As coisas começaram a desabar do teto e eu temi cair dentro do fogo. Encontrei no escritório colocando vários papéis dentro de uma mochila. Sua ferida havia sido esquecida.
— O que você está fazendo? — perguntei, assustada.
— Precisamos fugir antes que as pessoas comecem a notar o fogo. Vá ao meu quarto, coloque tudo que está na última gaveta da cômoda dentro de uma mochila e vamos embora. — ele também falava com dificuldade, tentando cobrir a boca e o nariz com a camisa.
— Você está machucado! — tentei contestar.
— Não podemos perder tempo, o fogo já está chamando atenção. Alguém vai comunicar aos bombeiros. E eu não quero morrer aqui dentro.
Fiz tudo que ele mandou, colocando tudo dentro da mochila, sem nem olhar o que era. Tentei não pensar racionalmente e agir apenas por instinto. Se pensasse no que realmente estava acontecendo, não teria forças para lutar pela minha vida. Se demorasse qualquer minuto além do necessário, nós dois iríamos morrer.
se apoiou em mim e com dificuldade saímos da casa. Ele estava pálido pela quantidade de sangue que havia perdido e pela dor do ferimento.
— Para onde vamos?
— Precisamos... de um táxi.
— Você precisa ir para um hospital. — não tinha pretensão de gritar, mas estava quase tendo um ataque de pânico.
— Você é enfermeira. Um táxi, por favor.
Parei um táxi há poucos quilômetros da casa e o motorista nos olhou desconfiado quando coloquei no banco de trás. Estava escuro, então ele não podia ver o sangue encharcando a camisa que havia colocado para estancar o sangue. Ele olhava o tempo inteiro para o retrovisor.
— Ele está bem?
— Sim, só com uma dor de estômago muito forte. — literalmente.
— Para o hospital? — ia concordar, mas me interrompeu antes, passando outro endereço para o taxista. Olhei para ele, petrificada. Para onde estávamos indo?
Não demoramos a chegar ao endereço indicado por . Eu o ajudei a descer do táxi e paguei ao homem com o dinheiro de dentro da mochila.
— Pode ficar com o troco.
— Mas tem quase o dobro da corrida aqui.
— Não tem problema. Tenha uma boa noite. — cumprimentei o homem mais velho com uma reverência e o esperei sair para surtar de novo. — Por que estamos aqui? Que ideia maluca é essa?
— Há poucos metros daqui fica uma jjimjilbang1. Pegue uma camisa limpa para mim dentro da mochila e um pano para amarrar a ferida e estancar o sangue. — agi rápido, mesmo contrariada. rasgou a camisa que vestia e o desviei os olhos automaticamente. — Me ajude a vestir a camisa.
— Estamos no meio da rua!
— Se você não percebeu, somos as únicas pessoas aqui. Se você não parar o sangramento, ninguém vai me deixar entrar na sauna.
Eu amarrei a camisa rasgada para estancar o sangramento e o vesti com outra camisa, desviando o olhar o tempo todo. parecia que poderia desmaiar a qualquer momento. “Deixe de idiotice, . Ele é um paciente.” Temi que sua ferida infeccionasse ou que ele caísse ali na minha frente.
— Você vai entrar, pagar e nós vamos cada um para sua seção de banho. Sabe como funciona uma jjimjilbang?
— Mais ou menos.
— Você vai trocar de roupa e conseguir um jeito de me achar. Vou estar em algum lugar escondido, mas vou deixar um sinal para você me encontrar.
— Não seria mais seguro irmos para um hotel?
— Vai ser o primeiro lugar que a polícia vai procurar. É o mais óbvio. Não podemos ir para nenhum lugar longe demais com um táxi porque eles vão notar que há algo de errado comigo. Consiga um kit de primeiros socorros porque eu acho que não vou aguentar muito.
— , acho que... Eu não sei se...
— , calma. Você vai conseguir. Vai dá tudo certo. Confie em mim.
Tudo que eu queria era chorar de desespero e acordar daquele pesadelo. Eu não era corajosa. Não era aquela . Ela estava guardada em algum lugar no fundo da minha mente que eu não tinha acesso.
Entrei antes de , depois de limpar o máximo de sangue que consegui com a garrafinha de água de dentro da mochila e vestir outra camisa por cima. Paguei e ajudei a entrar sem parecer suspeito.
O lugar estava quase vazio e as poucas pessoas cuidavam da sua própria vida. Troquei minhas roupas sujas pelo uniforme da sauna e amarrei uma toalha no cabelo.
— Boa noite. Meu amigo acabou machucado a barriga. Como posso conseguir um kit de primeiros socorros? — a mulher atrás do balcão largou o celular e me olhou genuinamente preocupada.
— Ele está bem? Foi muito grande?
— Ele está bem, só precisa de alguns cuidados.
— Não quer levá-lo ao médico? Posso ajudar a chamar um...
— Não, eu sou enfermeira. Posso cuidar dele. É que... — abaixei um pouco o tom de voz, como se tivesse contando um segredo. — Os planos estão tão caros hoje em dia, não estão?
— Concordo com você, querida. Então espero que ele fique bem. São W100 won. Só não faça nenhuma bagunça ou o trate nas áreas públicas, certo? Fique longe dos outros.
— Obrigada, ahjumma. — paguei pela caixa com os suprimentos. — Onde posso comprar algo para comer?
— Nunca veio a uma casa de banho, querida? — neguei com a cabeça. — Ali naquela área há várias máquinas de comida, além do refeitório da sauna. O movimento é lento nessa época do ano porque todos estão viajando, então você pode cuidar do seu amigo na área da sauna externa, que normalmente fica vazia.
— Obrigada, ahjumma. — agradeci novamente, grata pela gentileza.
Comprei vários tipos de lanches baratos e entrei furtivamente na área masculina. Os poucos homens no local conversavam alto e não notaram a minha presença.
Sabia que não estaria em nenhum dos espaços abertos, nem nos chuveiros compartilhados, então entrei para as saunas internas orando para não encontrar nenhum homem pelado. Uma pequena mancha vermelha sujava a frente de uma das salas e eu entrei rápido, encontrando no chão, semiconsciente e gemendo de dor.
— Eu disse que daria tudo certo. — se ele não estivesse naquele estado, eu teria dado um soco na cara nele.
Levantei a camisa e examinei a ferida atentamente pela primeira vez. Não era muito profunda e, com sorte, não teria atingido nenhum órgão. Pela quantidade de sangue e por ainda estra acordado por tanto tempo, não tinha causado uma lesão tão grande quanto eu havia imaginado. Talvez precisasse de alguns pontos, mas tentei o meu melhor com o que tinha.
Limpei a ferida, a fechei habilmente e passei pomada, enquanto variava entre a consciência e a inconsciência. Ele não reclamou em nenhum momento e pelas outras cicatrizes que encontrei em sua barriga, ele tinha muita experiência naquele tipo de situação.
Pareceram horas até eu terminar o trabalho e limpar o que havia feito. Enquanto observava descansar, fiquei em um canto, comendo o que havia comprado. Eu quase chorei. Senti as lágrimas chegarem e meu nariz pinicar, mas respirei fundo várias vezes e tentei focar no que era importante. Não tínhamos morrido. Estávamos bem. Bem para aquelas circunstâncias.
Assim que acabei de costurar a facada, minhas mãos voltaram a tremer, junto com meu corpo todo.
— Você está bem?
Voltei meus olhos para , que havia acordado, e apenas o encarei. Quantas vezes nas últimas horas eu havia achado que ele morreria?
— O que foi que aconteceu entre vocês dois? — ignorei sua pergunta.
— Ele apareceu antes que eu pudesse surpreendê-lo. Sempre um passo à nossa frente.
Eu me aproximei dele e o ajudei a levantar o corpo. O fiz tomar um analgésico que estava dentro da mochila
— Eu deveria tomar um banho para sairmos daqui. Estarei de volta em trinta minutos.
— Você não pode levantar agora. Se mover muito pode fazer com que seus pontos abram e sua situação piore.
— Vai ser pior se me encontrarem aqui. Eu darei um jeito de sair. Me encontre na área externa em trinta minutos.
Não lutei, apenas suspirei e saí. Naquelas condições, ele não deveria nem estar se movendo, quanto mais fugindo de alguém.
Tomei banho, esfregando com força o sangue dos meus dedos e unhas, querendo tirar aquela sensação horrível de pavor e medo do meu corpo. Continuava prendendo as lágrimas porque eu não queria chorar por causa daquele homem medonho. Queria usar aquilo para ficar mais forte, mas o estresse era muito grande. Havia dado tudo errado e nós não estávamos mais seguros. Eu nem queria pensar como seria dali para frente. Nosso futuro era incerto.
Não me surpreendi ao encontrar no nosso ponto de encontro, com sacos de dormir. Ele vestia o uniforme azul da casa de banho e uma toalha na cabeça, amarrada para trás.
— Como você chegou aqui?
— Eu consegui ajuda na ala masculina. — sentei ao lado dele.
— Como você está sentindo? A ferida está doendo muito?
— Parece com uma picada de mosquito. — eu olhei para ele com raiva. — Está tudo bem, . Eu estou bem. Os analgésicos fizeram efeito, não estou sentindo quase dor nenhuma.
— Você levou uma facada. Não atingiu nenhum órgão vital pelo que eu vi, mas você precisa de um exame mais apurado. Deveríamos estar em um hospital agora. Por que fugimos como bandidos?
— Porque eu sou suspeito de assassinato e a minha casa pegou fogo. Estar em uma delegacia não seria a melhor coisa para nós hoje.
— Conseguiu alguma coisa?
— Além de uma facada? — continuei olhando para ele. — Vamos dormir, o dia amanhã vai ser longo.
Deitei no meu saco de dormir e fechei os olhos.
— ? — ele falou nas minhas costas. — Já está dormindo?
— Sim. — não me virei para encará-lo, mas abri os olhos.
— Você está com muita raiva de mim?
— Acho que o termo certo seria “morrendo de medo”.
— Me desculpe. — ele falou baixo.
— Pelo quê? — respondi no mesmo tom, já que as outras pessoas começaram a deitar para dormir também.
— Pelo meu plano não ter dado certo e estarmos nessa situação.
— Não é culpa sua. Às vezes, as coisas saem do nosso controle. Eu também concordei porque achávamos que seria a melhor escolha. Na verdade, não tínhamos muitas escolhas.
— Eu não vou deixar algo desse tipo acontecer com você de novo.
— Você não pode prometer isso.
— Pensando hoje, eu vejo que teria sido melhor ter entregado você às autoridades. Estaria mais segura. Depois que decidi te deixar comigo, você sofreu vários atentados à sua vida. Sou responsável por você porque te coloquei nessa situação nesses últimos dias. Não vou deixar isso acontecer de novo.
— É uma promessa?
— É uma promessa. — ele concordou.
Queria dizer que nunca confiaria a minha vida na mão do homem e que minha segurança sempre esteve com Deus, mas me senti estranhamente segura com aquela promessa, mesmo sabendo que ele não poderia cumpri-la.
Lentamente o cansaço foi vencendo e a sonolência foi se espalhando pelo meu corpo, me levando para uma noite de sono sem sonhos.
1Jjimjilbang: é uma casa de banho pública segregada por gênero na Coreia, equipadas com banheiras de hidromassagem, chuveiros, saunas de fornos tradicionais coreanos e mesa de massagem.
Capítulo 14
“Jamais se desespere em meio às sombrias aflições de sua vida, pois das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
“Deus, obrigada por estar viva.”
Foi a primeira coisa que pensei quando abri meus olhos na manhã seguinte. Estava inteira e bem. Quer dizer, se não estar morta ou ferida fosse estar bem, eu estava muito bem.
não estava ao meu lado no saco de dormir, então eu deduzi que ele já havia se levantado e estava se recuperando bem.
Prendi o cabelo em um cabo de cavalo e me ajeitei para levantar.
— Que bom que acordou. — apareceu ao meu lado, com a aparência muito melhor.
— Como está a ferida?
— Troquei o curativo.
— Você não deveria estar de pé tão cedo.
— Eu estou bem. O analgésico funcionou perfeitamente.
Limpei meus olhos para tirar a névoa do sono, mas meu corpo ainda estava mole.
— Para onde você foi tão cedo?
— Comprar roupas e uma passagem para Anyang. — aquilo foi o suficiente para me fazer despertar totalmente.
— Vamos prosseguir com o plano?
— Sim, existe uma pessoa que eu conheço em Anyang que pode nos ajudar. Não quero que fique preocupada, mas, no momento, estamos sendo procurados pela polícia de Seul. — quase cuspi a água que estava bebendo. — A última coisa que é recomendada fazer enquanto se é suspeito de um assassinato é desaparecer depois que sua casa pega fogo.
— Eles devem achar que foi uma maneira de despistá-los para fugir. Realmente, muito suspeito.
— Não vai demorar até a polícia começar a espalhar o meu rosto pela televisão. A única parte boa é que eles não sabem quem é você e não têm nenhuma foto sua. Em duas horas estaremos partindo. Aqui estão suas roupas e alguns produtos de higiene. Te vejo na recepção.
Não contestei que ele precisava de mais descanso por causa da ferida porque seria como falar com uma pedra. Apenas peguei a sacola que estendeu para mim e me separei dele. Meu cabelo parecia palha seca e meus olhos estavam fundos. Nunca ia superar aquela aparência doente que eu havia adquirido desde que havia chegado à Coreia.
Consertei o rabo de cavalo e vesti as roupas que havia comprado. Escovei os dentes e passei o BB Cream que encontrei na sacola.
Assim que nos encontramos de novo, olhei para a minha própria camisa e a dele.
— O que é isso?
— Desculpa, peguei a primeira coisa que encontrei.
Vestíamos moletons de casal. O dele, azul, dizia “Minha esposa é demais” e no meu, cor de rosa, estava escrito “Meu marido é o melhor”.
— Tudo bem, vamos. É o disfarce perfeito.
Deixamos as roupas sujas de sangue em uma lixeira próxima e tudo que pesava nossas mochilas. Tomamos café da manhã em um restaurante de ramen e seguimos direto para o ônibus que nos levaria para Anyang. usou um casaco com capuz e uma máscara, como da última vez, para que não o reconhecerem.
Anyang ficava há duas horas de Gangnam. Era uma cidade da província de Gyonggi. Nunca havia estado ali antes, pelos menos não que eu lembrasse. Passei a viagem toda jogando palavras cruzadas no jornal, enquanto fazia várias ligações para pessoas diferentes, falando rápido demais para eu acompanhar, como ele costumava fazer quando tinha muitos problemas para resolver. Não parecia nem um pouco impactado por estar voltando para sua terra natal.
Descemos na estação e pegamos um ônibus direto para o nosso destino.
— Estamos indo para casa de uma antiga amiga. Morei com ela por alguns anos depois que os meus pais morreram. Podemos ficar aqui enquanto estivermos em Anyang. É seguro.
— E ela sabe da nossa situação?
A verdadeira pergunta por trás daquilo era “Podemos confiar nela?”
— Expliquei tudo durante a viagem e ela está disposta a nos cobrir. Esse é o nosso ponto.
Descemos do ônibus e andamos alguns metros até chegarmos à casa certa. O lugar era menor do que a casa de , mas tinha um aspecto diferente. Algo que a casa de nunca teve. Família. Lar. Tinha um lindo jardim na frente e seguia o padrão coreano para casas de classe média. A casa de era grande e moderna, com todos os móveis e eletrodomésticos da última geração, mas era só aquilo. Uma casa. Um lugar para dormir e comer. Sem fotos, lembranças ou coisas pessoais. Quase como um quarto de hotel.
Quando bateu na porta, uma adolescente atendeu a porta com um grande sorriso no rosto.
— Oppa!
Oppa? A quem ela estava chamando de oppa?
— Yoo Jung-a!
Sim, era com . era oppa de alguém e falava informalmente com alguém.
— Omma1! O oppa está aqui! — ela gritou para dentro da casa e eu achei que ficaria surda.
A garota parecia que estava conhecendo seu k-idol favorito. Uma ahjumma apareceu e veio nos cumprimentar calorosamente.
— Olá, noona2. — a senhora abriu um grande sorriso quando viu .
— Quanto tempo não nos vemos. Sentimos muito a sua falta. Você é , certo?
Fiz uma reverência de noventa graus, morrendo de vergonha.
— Olá, eu sou a . Muito prazer.
A senhora me pegou pelo braço, me forçando a encará-la nos olhos.
— Não precisamos disso, querida. Pode me chamar de eomeoni3. me chama de noona para me enganar e me fazer acreditar que pareço ser mais nova.
— Eu não estou enganando ninguém, já pedi para você me chamar de oppa. — o rosto dela se acendeu e ficou vermelho com o elogio. Trocamos nossos sapatos pelos chinelos de casa.
Era a primeira pessoa que falava tão carinhosamente. Nem com ele era daquele jeito. Com a voz suave e a sombra de um sorriso. Aquilo mostrava o quanto elas significavam para ele. A frieza que eu estava acostumada parecia um pouco derretida.
— Estou muito feliz que ele tenha trazido você aqui. Posso imaginar os maus momentos que ele te obrigou a passar. Essa é a minha filha Yoo Jung-a.
Eu cumprimentei a garota que não teria mais do que dezesseis anos. Ela respondeu meu cumprimento com um leve movimento de cabeça me ignorando totalmente e, em seguida, agarrando o braço de .
— Ommo4, você ficou ainda mais alto desde a última vez. Oppa, você precisa ver a minha nova coleção.
Ela o arrastou para dentro da casa e eu tive um mini ataque de pânico com a ausência de .
— Não se preocupe, você está segura. Yoo Jung-a adora e faz de tudo para monopolizar a atenção dele quando ele está aqui. Por favor, entre. Com certeza você quer trocar de roupa e descansar. — ela me conduziu para dentro. — me contou que vocês viriam um pouco em cima da hora, mas conseguimos arrumar algumas coisas. Na segunda porta à esquerda tem um banheiro com roupas limpas. Não tivemos tempo para comprar roupas novas, então, se ficarem muito grandes, podemos fazer alguns ajustes até comprarmos outras. Escolhi roupas minhas de quando era mais nova porque as da Yoo Jung-a não caberiam. — provavelmente porque a filha dela pesava uns quinze quilos a menos que eu. Agradeci com vários acenos.
— Muito obrigada, ahjumma. Quer dizer, harmeoni5. Desculpa. Eomeoni. — ela riu.
— Seu coreano é muito bom.
— Eu nasci aqui, mas fui embora quando ainda era criança.
— me contou um pouco sobre a sua história.
— Geralmente eu consigo falar melhor. Eu estou apenas nervosa.
— Eu entendo, mas pode ficar tranquila. Aqui estamos em família. Acabei de tirar biscoitos do forno. Quando terminar, venha comer comigo. Yoo Jung-a não vai deixar livre tão cedo.
Depois do banho, troquei a roupa que havia comprado por um conjunto de moletons muito confortáveis. Não couberam perfeitamente, mas, por aquele momento, estavam perfeitas. Cheiravam a amaciante. Sequei o cabelo e o prendi antes de sair.
— Ficaram muito boas. Está com fome? Que pergunta, claro que sim. — ela respondeu à própria pergunta antes que eu tivesse a chance. — Yoo Jung-a ainda está prendendo , então espero que você não se importe de ficar com essa velha senhora.
— Onde está a velha senhora?
Nós duas rimos. Eu a ajudei a levar os biscoitos para a mesa que era no chão, rodeada por almofadas, como as mesas coreanas das casas mais tradicionais.
— Sente com as pernas cruzadas. Se sentar em cima das pernas não vai conseguir levantar nunca mais.
Cruzei as pernas na frente do corpo, como ela fez, e me servi dos biscoitos.
— Chá ou café?
— Chá, por favor.
Levantei a xícara, segurando o pulso estendido com a outra mão, gesto que havia visto e Jay fazerem quando aceitavam algo ou ofereciam.
— me contou o que aconteceu com você. Fico feliz que ele tenha decidido te ajudar. Nem imagino quão ruim deve ter sido para você.
— Parece que aconteceu há muito tempo, mas não perco a fé.
— Eu espero, sinceramente, que tudo se resolva. Sei que tem muito mais por detrás da história que me contou e ele quer me deixar no escuro para não nos machucar, mas nenhum de vocês merece passar pelo que estão passando. é uma pessoa com um bom coração e o que aconteceu com sua família foi horrível. Nenhuma criança deveria passar por isso.
— Foi um desastre. Não sei se conseguiria suportar e transformar isso em algo tão bom para ajudar as outras pessoas, como ele fez.
— Ainda lembro dele quando chegou. — ela falou, com um toque de nostalgia na voz e no olhar. — Era bem baixinho e magricelo, diferente do homem que se tornou. Tinha olhos pequenos e uma franja grande demais que o dava um olhar um pouco assustador. Demorou quase um ano para ver o primeiro sorriso dele. Quase não falava.
Eu tentei imaginar em uma versão criança. Sua carranca habitual vinte anos mais jovens. Será que ele sempre teve aquela ruga entre as sobrancelhas?
— Depois mostro as fotos que consegui tirar dele. Sempre foi muito sério, mas muito atencioso e responsável. Fiquei feliz por ter sido escolhida pelos pais dele para cria-lo.
— Sempre foi amiga dos pais dele? — ela acenou.
— Meu marido era um antigo colega de escola do pai dele. Depois que casei e vim morar em Anyang, eles foram meus únicos conhecidos. Eram um casal ímpar e ficamos muito felizes de poder criar no lugar deles. Depois de dois anos, meu marido morreu e fomos só nós três. Ele se transformou no homem da casa e era como um irmão mais velho para a Yoo Jung-a. Por isso ela é tão apegada a ele.
— Deve ter sido muito difícil para todos.
— No início foi, mas sempre foi para mim fonte de orgulho. Sempre foi um exemplo para Yoo Jung-a dentro de casa, na escola e quando ele escolheu entrar para a polícia nos deixou muito feliz. Ele sempre foi bom em tudo que fazia, sempre colocando seu coração e esforço.
— Oppa, por favor. — a voz de Yoo Jung entrando na cozinha interrompeu a nossa conversa.
— Prometo que, quando voltar, nós conversamos sobre isso. — também havia trocado de roupa. — Vamos?
— Vocês acabaram de chegar, já vão sair?
— Temos muita coisa para procurar aqui. Não podemos perder tempo.
— Coma um pouco, pelo menos.
— Quando voltarmos.
Se eu tivesse contado a condição de saúde atual de , nenhuma das duas deixariam ele sair.
— Você não mudou nem um pouco em todos esses anos.
Eu troquei rapidamente de roupa novamente e harmeoni me puxou para um canto antes de sairmos.
— Não o deixe fazer coisas estúpidas e o faça comer alguma coisa. Ele nunca lembra.
1Omma: significa mãe.
2Noona: Maneira de os homens tratarem mulheres mais velhas do que eles. Muito usado por homens chamando suas irmãs mais velhas.
3Eomeoni: Significa mãe.
4Ommo: É uma expressão de surpresa.
5Harmeoni: Significa avó.
Capítulo 15
“Até a mais longa jornada começa com um único passo.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
Começamos as investigações refazendo os passos da última vez de naquele lugar.
Fomos aos mesmos lugares: a antiga casa, restaurante favorito e bar favorito. O dono do bar não quis conversar conosco, como também havia acontecido com , mas um antigo funcionário atrás do balcão nos contou algumas histórias.
— Moon Tae-joo era o funcionário que toda empresa queria contratar. Ele aceitava qualquer coisa, mesmo sem contrato, ganhando muito menos e sem benefícios nenhum. Ele dava o melhor dele em todos os lugares. Ele estava sempre metido com essas empresas de baixo orçamento que o faziam trabalhar como escrava, por isso estava sempre bebendo.
— Sabe dizer alguma empresa que ele trabalhou? — ele negou com a cabeça.
— E sobre a esposa dele?
— Ela era uma dona de casa que cozinhava bem e vinha buscar o marido sempre que ele ficava bêbado como um cachorro. Ela não era muito de sair de casa.
— Porque a filha era doente. — completou.
— Sim. Ela tinha uma dessas doenças difíceis que ninguém sabia direito o que era, mas que debilitava toda a família e fazia todo mundo olhá-los com pena. Aquela família já sofria demais para merecer o que aconteceu com eles.
— Nós estamos lutando para descobrir o motivo de tudo. — tentei confortá-lo.
— Foi há tanto tempo que nem acreditamos mais que será possível descobrir o que aconteceu. Se esses anos de paz dizem que ele não vai mais cometer esse tipo de atrocidade no nosso país, acho melhor deixar desse jeito.
O homem voltou a enxugar os copos e nós agradecemos antes de sair.
Paramos em um café para começar a cruzar as informações de empresas que trouxeram construções para Anyang entre 1995 e 2005 e que tinham baixo orçamento. Conseguimos entrar em contato com três delas e duas já haviam falido. Marcamos um encontro para fins de pesquisa, uma para duas horas depois dali e as outras duas para o dia seguinte.
Investigar a família de foi mais difícil e não por causa da parte emocional e sim por causa do ano do caso. Em 2001, as coisas eram arquivadas de maneira diferente e mesmo com uma testemunha em carne e osso, foi muito difícil.
A antiga casa de estava fechada. Depois de dezesseis anos, todos os vizinhos ao redor haviam se mudado – provavelmente com medo de se tornarem vítimas também. O lugar onde a mãe dele trabalhava por meio período também estava fechado e a empresa onde o pai dele trabalhava havia falido. Era muito difícil encontrar o que havia de comum com as outras famílias.
— A probabilidade de ele ter tido contato direto com as sete famílias e isso o ligar com todas as vítimas é muito baixa.
— Não precisa necessariamente ter sido desse jeito. Pode ter sido no trabalho. Mas sabemos que é improvável que eles tenham sido escolhidos de maneira aleatória com o apontar de um dedo.
— Talvez não tenha sido um acontecimento e sim um detalhe na vida de cada alvo principal.
— O padrão dos serial killers faz com que as vítimas sejam ligadas por algo. No início, tentamos investigar sobre o padrão das famílias, mas não conseguimos encontrar nada, por isso, tentamos procurar algum acontecimento que faça o assassino se identificar e escolhê-los. Um estupro com algum deles, um acidente, abuso doméstico, algo do passado em comum entre as vítimas.
— Ou personalidades semelhantes?
— Você acha que o serial killer poderia escolher vítimas baseadas na personalidade de alguém que lhe causou algum trauma? Uma mãe, o pai ou o irmão?
— É possível, não? — ele acenou. — Para isso, precisaríamos traçar o perfil psicológico de cada vítima.
— Eu não tenho o perfil, mas tenho os testemunhos de pessoas próximas das vítimas. Daqueles que conhecemos o alvo principal, podemos excluir os testemunhos sobre as outras vítimas da família, facilitando o nosso trabalho.
— E sobre os itens encontrados em cada cena?
— Isso me deixa curioso. Se o item fala alguma coisa sobre a vítima, não faz sentido o item tirado da casa da enfermeira ter sido um frasco do perfume do marido dela.
Realmente, aquilo não fazia sentido para a nossa teoria. Ou fazia e nós não conseguíamos ver.
— Precisamos nos encontrar com o representante da empresa.
O encontro seria no prédio da própria empresa. De acordo com o que pesquisamos, a empresa não havia crescido muito. Eles eram apenas um andar no prédio e contava com poucos funcionários. Eram especializados na construção de comércios de pequeno porte. Quem nos recebeu foi o representante comercial.
— Fico muito feliz que tenham se interessado na nossa empresa para fazer esse artigo. Por favor, me acompanhem.
Entramos em um pequeno escritório.
— Café, água ou outra coisa que eu posso oferecer?
Nós dois negamos e sentamos nas cadeiras indicadas. começou com as perguntas padrão sobre a história da empresa e quando o homem estava à vontade, começamos a perguntar o que realmente queríamos saber.
— Sabemos que o início, quando o investimento é trazido para uma nova cidade, enfrentamos vários problemas. Vocês chegaram a contratar alguns funcionários além do contrato?
O homem soltou uma risada e se ajeitou na cadeira, se mostrando desconfortável com a pergunta.
— Bom, todos precisamos de empurrões no início, não? Mas... Isso vai estar no artigo? — quis saber, preocupado.
— Não se preocupe com isso. Protegeremos o nome da empresa, o que nos interessa são as informações. — garanti.
— Você sabe de algum funcionário daqui envolvido com algum caso de polícia? — foi direto.
— Você quer dizer algo ilegal?
— Mais para algum caso de homicídio envolvendo algum dos funcionários. — o homem nos olhou assustado.
— De jeito nenhum, disso eu tenho certeza. Mesmo desesperados, sempre tivemos filtro com os funcionários.
Terminamos o encontro com outras perguntas padrão.
Pegamos um táxi de volta para a casa da Sra. e foi Yoo Jung quem abriu a porta de novo.
— Oppa, seu rosto está na televisão. — Olá para você também.
— Eu estava preocupada. Vocês estão bem? — harmeoni nos conduziu para dentro, parecendo bastante preocupada ao fechar a porta.
— O que aconteceu?
— Está em todos os noticiários. Vocês estão sendo procurados.
Yoo Jung aumentou o volume da televisão que estava no noticiário nacional.
— ...vistos pela última vez em uma sauna, em Gangnam onde morava e trabalhava. A identidade da estrangeira que o acompanha ainda não foi confirmada. ainda não foi acusado como o culpado dos homicídios de e , amigos próximos dele, que aconteceram em seu prédio, onde os três trabalhavam juntos. Porém, com seu sumiço repentino, a polícia ficou em estado de alerta sobre a inocência de . Algumas pessoas que estiveram em contato com os dois foram ouvidas. Qualquer informação sobre ou sua acompanhante misteriosa será bem-vinda para a polícia. As manifestações em frente à empresa tomaram proporções maiores. Os moradores locais...
Yoo Jung desligou a televisão.
— Ficará mais difícil para vocês saírem agora.
mexeu em algumas coisas no celular e balançou a cabeça, como se tivesse confirmando algo que já sabia.
— Meus cartões e contas foram bloqueados.
— Podemos te ajudar financeiramente. — harmeoni falou.
— O dinheiro que tenho em mãos vai ser suficiente por enquanto. — garantiu.
— Tudo bem, chega de notícias ruins por hoje. Vocês devem estar cansados. Vamos jantar.
Eu e seguimos para o corredor dos banheiros, mas antes de entrar, vi tocar a barriga com uma cara feia.
— Você está bem? — eu o segurei pelo braço, o parando.
— Está tudo bem. — ele tentou passar confiança na voz, mas estava visivelmente incomodado com a dor.
— Você não precisa mentir para mim, sua cara diz que não está nada bem. A ferida está doendo? — ele acenou levemente, ainda hesitante em responder. — Você não deveria ter feito tanto esforço. Não comeu direito e ainda andou muito. Vamos dar uma olhada?
Entrei no banheiro com , depois de conferir se alguém estaria por perto.
Ele entrou no banheiro primeiro e eu fechei a porta atrás de mim. Tirou a camisa com cuidado e meus olhos foram instantaneamente atraídos para a ferida. O curativo estava manchado de sangue e eu me preocupei se algo pior pudesse ter acontecido.
Colocando-o sentado na privada com a tampa abaixada e tirei o curativo que ele havia feito, tentando o máximo não encostar em sua pele descoberta. A ferida parecia um pouco inflamada, mas os pontos ainda estavam no lugar.
— Parece que foi só o esforço que a fez sangrar, mas você precisa ter cuidado com os pontos. Vai precisar que eu refaça o curativo? — ele negou com a cabeça.
— Eu consigo sozinho. — eu acenei e me levantei. Antes que eu me virasse, me segurou pelo pulso, me parando. — Por favor, não conte nada para a noona. Só vai fazer com que ela se preocupe desnecessariamente.
— Não é se preocupar desnecessariamente. Você está machucado e é preocupante. E não se preocupe, eu não estava pensando em contar, mas só se você prometer descansar amanhã.
— Mas...
— A sua ferida não foi grave, graças a Deus, mas não deixa de ser uma facada. Você precisa de, pelo menos, uma semana de recuperação, mas estou te dando o dia de hoje porque sei que você não vai aceitar mais do que isso.
Ele soltou meu pulso, se afastando.
— Tudo bem, não vamos a mais nenhum lugar hoje.
— Você vai descansar. — eu o corrigi.
— Eu vou descansar.
— Você não morre só quando alguém mata você, mas também pode morrer quando não cuida do seu corpo da maneira devida.
Eu o deixei cuidar do seu ferimento e fui para o outro banheiro, tomar banho.
Eu não conhecia muito bem os hábitos de higiene dos coreanos, mas os meus, no mínimo, dois banhos por dia eram religiosos. Eu vesti a roupa que harmeoni havia separado para mim e, ao julgar pela etiqueta, ela havia ido às compras. Logo depois, desci para comer.
Sentamos todos no chão depois de ajudar harmeoni a colocar a mesa e eu estendi a mão para me servir.
— Obrigado pela comida.
e Yoo Jung agradeceram e eu soltei o prato, rapidamente, fazendo o mesmo. Todo mundo começou a pegar sopa da grande panela no centro da mesa e eu timidamente comecei a colocar alguns acompanhamentos em cima do arroz, mesmo não conhecendo o que era, usando pauzinhos – horrivelmente, devo acrescentar. pegou um garfo na ponta da mesa e os substituiu pelos pauzinhos na minha mão.
— Obrigada. — agradeci e sorri pela gentileza.
Ele conhecia alguns dos meus costumes e sabia que eu não conseguia de jeito nenhum comer o arroz com pauzinhos ou de colher.
Enquanto eu comia, harmeoni colocou em cima do meu montinho de arroz um pedaço de algo que parecia carne. Eu agradeci com um aceno. Sabia que aquilo era sinal de carinho e apreciação porque meu pai fazia sempre durante a minha infância e quando jantávamos juntos.
O jantar continuou silencioso a não ser por Yoo Jung que não parava de falar com . Eu quase não conseguia acompanhar o que ela falava e algumas vezes, quando ele deixava de dar atenção para ela, eu recebia olhares assustadores.
Ela era a típica adolescente eu que imaginava. Franja, cabelo médio, corpo pequeno e magro, voz mansa, fofa e roupas da moda. Assim como sua mãe, ela era bem bonita e usava pouca maquiagem. Sua devoção por era evidente. Provavelmente por ter crescido ao redor dele, admirando sua evolução. Não podia negar, ele era bonito adulto, então provavelmente era bonito também quando criança e adolescente. Ser mais velho também era um fator para torná-lo inalcançável e, automaticamente, fascinante para Yoo Jung. Além do fato de ter aquele ar sério e contido.
Eu e nos voluntariamos para lavar os pratos depois que todos terminaram.
— Pode deixar comigo. Você pode descansar, unnie.
O “unnie” foi daquele jeito falsamente doce que as adolescentes enciumadas costumavam fazer.
— Tudo bem, Yoo Jung-ssi. — exagerei também no sufixo da fala formal. — Preciso agradecer pelo ótimo jantar.
Sorri para ela e comecei a tirar os pratos de cima da mesa. Eu ia lavando e passando para enxaguar na pia ao lado.
— Nós temos que ir embora em pouco tempo. — ele falou baixo e eu concordei.
— Estamos colocando-as em perigo estando aqui, não é?
— Eu acredito que sim. A polícia ou o próprio assassino pode fazer a ligação e nos encontrar aqui.
— Você acha que ele está nos procurando?
— Se o objetivo dele é nos tirar da jogada, sim. Não podemos ficar muito tempo em lugar nenhum para não deixarmos pistas.
— Aquela reportagem te deixou assustado?
Ele não respondeu, mas também não precisava.
— Quero começar a traçar o perfil o mais rápido possível.
— Você precisa estar descansado para irmos embora.
— Não vou me esforçar muito.
Concordamos em nos encontrar na sala algumas horas mais tardes, depois que Yoo Jung fosse dormir, para começarmos o trabalho.
Desci antes dele e fiquei esperando enquanto observava a sala, já que não tinha tido tempo de fazer isso antes. O lugar era cheio de retratos. Havia Yoo Jung em todas as fases da vida. Bebê, pequena e banguela, depois uma sorridente ao lado de um garoto alto com a franja caída em cima dos olhos. Demorei um pouco para me dar conta de que aquele garoto era . Ele estava presente em algumas outras fotos, junto com Yoo Jung e harmeoni. Sua formatura na escola e na academia de polícia, sempre sério com a testa franzida. Depois disso, ele desapareceu das fotos, provavelmente quando se mudou para Seul.
— Não sei por que noona ainda mantém essas fotos. — falou atrás de mim.
— Ela o considera como um filho.
— Sou muito grato a ela por tudo.
— Onde ela está?
— Consegui fazê-la deitar, mas não duvido que ela desça em algum momento para tentar ajudar.
— Ela sempre fica do seu lado, não é?
— Elas são a minha única família. — assim como meu pai era a minha.
Trabalhar nos perfis não foi fácil. Os testemunhos eram muito longos e a maioria era escrito. Ou seja, muita coisa para ler e analisar. tentou me deixar mais assistindo os vídeos que ele tinha em seu notebook salvo do fogo, mas eram poucos, porque os casos eram antigos. Minha leitura em coreano tinha saído do três para o oito e eu conseguia entender grande parte, mas o esforço extremo fazia minha cabeça e meus olhos doerem. Muitas vezes eu parava para pedir ajuda com alguma expressão ou alguma palavra.
— Você pode ir dormir se quiser. — falou depois do meu vigésimo bocejo.
— Eu estou bem. — garanti.
Continuamos com os perfis, mas depois do décimo testemunho, comecei a achar que as personalidades não eram comuns entre os assassinatos. Mesmo assim, eu descobri outros detalhes interessantes, que haviam passados desapercebidos antes. Fiz várias anotações do que achei importante e vi que fazia o mesmo.
— Você acha que... — eu fui tirar uma dúvida e vi u filete de sangue escorrendo pelo nariz de . — Você está sangrando!
— O quê? — ele levantou a cabeça rapidamente.
— Seu nariz. Você está sangrando.
Ele tocou o local e olhou o sangue. Eu peguei vários lenços e coloquei em seu nariz, contendo o sangramento. Ele segurou os lenços e tirou a minha mão. Me afastei.
— O que tinha para falar?
Ele descartou os lenços sujos e prendeu um no nariz para não escorrer.
— Eu acabei esquecendo. Por que isso aconteceu? — perguntei, ainda preocupada. Nunca tinha visto aquilo em nenhum paciente que aparentava estar normal. — Será que sua pressão está alta? Ou pode ser o...
— Não é muito comum, mas não se preocupe. — ele me interrompeu. — Eu estou bem.
— Você quer parar por agora?
— Não, podemos continuar, se você quiser. Não temos muito tempo para perder.
Segui o conselho dele e continuei, ainda preocupada com sua saúde. não deixava transparecer, mas suas olheiras estavam mais profundas e seu rosto mais magro. Desde o assassinato dos seus amigos eles não dormia e nem comia em paz. Sempre que eu passava para beber água no meio da noite, eu o encontrava trabalhando na sala, e nas refeições, ele sempre comia depois. Eu estava muito preocupada com ele, mas era teimoso como uma mula. Tudo que eu podia fazer era ajudá-lo e orar pela sua melhora.
Não sei quando aconteceu, mas acabei caindo no sono em cima dos papéis em uma noite com sonhos cheios de imagens conturbadas.
Capítulo 16
“O Sol não sabe dos bons, o Sol não sabe dos maus. O Sol ilumina e aquece a todos igualmente. Quem encontra a si mesmo é como o Sol.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
Acordei na mesma posição de antes, sentada no chão, com a cabeça apoiada nos braços em cima do sofá. Me afastei com um pulo, encontrando deitado com a cabeça próxima da minha. Alguém havia colocado um cobertor em cima da gente.
— ? — eu o chamei devagar e fiquei de pé porque ninguém merecia acordar com uma baforada matinal de dragão na cara. Seus olhos se abriram e ele demorou um pouco para se localizar.
Minha coluna reclamou. Meu corpo estava todo dolorido. Fiquei de pé e me alonguei. O dia tinha acabado de nascer e ninguém havia acordado ainda.
— Que horas são?
— Iremos sair daqui a duas horas.
Ele ficou de pé, parecendo estar com as mesmas dores que eu.
— Comprarei nossos bilhetes para Mokpo hoje.
Sabia que era o melhor, mas não queria ir embora. Aquela casa me trazia uma sensação de conforto e segurança. Ali, parecia que não éramos fugitivos ou que tínhamos um assassino para capturar.
— Partiremos hoje?
— Provavelmente. De lá iremos para Geojedo. — aquele nome era familiar. — É uma ilha onde Cha Dal-bong e sua esposa nasceram. A casa onde ele e sua família moravam foi demolida com quase todo o bairro junto. A mãe dele é a única parente viva dos dois e ainda mora na ilha, depois do último relatório de polícia. Depois da morte de seu filho, ela praticamente desapareceu. Nenhum testemunho nem nada. Nem foi reconhecer o corpo do filho morto, só descobriram sobre ela porque o filho falava sempre em voltar para ilha para morar com sua mãe e alguns conhecidos citaram isso durante os depoimentos.
— É ele o homem envolvido com jogos? — ele acenou, concordando.
— Ele faliu alguns anos antes da sua morte e foi detido várias vezes, metido em jogos de azar e com identidades falsas. Talvez sua mãe tenha algumas respostas. Sua esposa também veio dessa ilha, eles se mudaram para Incheon assim que se casaram.
— Talvez a mãe dele possa nem estar mais na ilha.
— Provavelmente, mas agora é a coisa mais concreta que podemos procurar.
— Você acha que o fato de os assassinatos acontecerem na mesma cidade pode ser algo a se investigar?
— Já foi considerado. Fizemos uma investigação, mas não levou a lugar nenhum. Os crimes são, obviamente, crimes de ódio. Algo aconteceu com o assassino que o marcou profundamente e a maneira de ele punir alguém foi fazendo isso com outras pessoas. Você pensou nisso ao olhar os perfis ontem? — concordei. — Algo mais?
— Nada. As vítimas parecem não ter nada em comum. Enquanto alguns são dedicados ao lar, outros são alcoólatras, apostadores e viciados em trabalho. Alguns tem problemas com raiva, outros com a polícia e outros nunca receberam nem uma multa na vida. É um conjunto bem variado de seres humanos.
— Então a personalidade não é o método de escolha.
— Então podemos começar a achar que foi algum acontecimento da vida dessas vítimas que os deixem parecidos com aquele que marcou o assassino no passado?
— Isso é o que eu acho também. Espero que nessa viagem possamos conseguir alguma pista.
— Investigar a infância das vítimas é uma opção também.
— Vamos tentar todas as maneiras, testar todas as hipóteses.
— Ter pouco é melhor do que não ter nada.
Arrumamos a bagunça na sala e saímos antes de Yoo Jung ou harmeoni acordarem. já havia conversado com harmeoni no dia anterior e deixou um recado explicando o que estávamos fazendo, para que nenhuma das duas ficasse preocupada.
Naquela manhã, precisou usar capuz o tempo todo, com medo de ser reconhecido. As duas entrevistas ocorreram como a primeira. Saímos sem resultados e com a certeza que Moon Tae-joo não havia trabalhado em nenhuma das empresas que havíamos conseguido falar. Mais uma parede sem porta.
Fomos embora naquela tarde. Yoo Jung chorou e harmeoni temeu pela segurança de e encheu nossas mochilas com ginseng vermelho1. Nos despedimos com várias promessas de voltar, que não sabíamos se conseguiríamos cumprir. tentou confortá-las ao máximo, garantindo que entraríamos em contato, mas aquilo também era difícil cumprir.
Pegamos dois trens e, durante quase oito horas de viagem, cada um ficou perdido em seus próprios pensamentos. Eu pensava em todos os cenários que poderíamos encontrar. Em tudo que poderia acontecer. Se a polícia nos encontrasse, eu iria apodrecer na cadeia pelo resto da minha vida, sem direito de ser deportada, e nunca encontraria meu pai novamente. Mas era um paradoxo.
Assim que acordei naquele lugar, meu primeiro pensamento era que eu precisava sair dali o mais rápido possível, mas depois de ter estado em contato com aquela nova realidade de todas as vítimas e de , já não sabia qual seria a minha resposta se pudesse voltar naquele momento para o meu país e para minha família. Não ficaria em paz comigo mesma. Mesmo sentindo uma falta sufocante do antes, como poderia viver meus dias normalmente sabendo que alguém do outro lado do oceano precisava da minha vida?
Toda vez que eu abria meus olhos, meus primeiros pensamentos na manhã eram: “Como eu acabei me metendo nessa confusão?”, “Como eu me tornei essa pessoa?”. Eu havia adquirido habilidades, conhecimentos e necessidades que nem eu mesma conhecia. Era difícil estar naquela situação e o medo me deixava apavorada, mas não descobrir o que havia acontecido não era uma opção viável.
— . — me despertou. Eu nem havia percebido que tinha dormido. — Chegamos.
parou para procurar informações sobre os horários das balsas, mas nossas esperanças murcharam quando o homem na bilheteria nos avisou que a última balsa já havia saído e a próxima só sairia às 5h do dia seguinte.
— Precisamos das nossas identidades para alugar quartos em algum hotel e, de acordo com ele, não há nenhuma casa de banho por perto. Meu celular está quase morrendo, precisarei de uma tomada o mais rápido possível. Teremos que dormir por aqui essa madrugada.
Me perguntei se nunca mais iríamos dormir em uma cama confortável de novo.
— Vamos morrer de frio. — contestei, não querendo parecer reclamona.
— Nunca teve a experiência de ficar a noite toda esperando na porta de uma delegacia por migalhas de informações durante o inverno?
Quê?
— Não, obrigada. A minha experiência mais gelada foi tocar em um cadáver com vários dias na geladeira.
— E a neve? — quis saber.
— Onde eu moro não tem neve. — expliquei.
— E o inverno?
— 25º nos piores dias.
Ele me olhou com as sobrancelhas juntas e o cenho franzido.
— Você realmente não assiste televisão, não é? — ele continuava confuso. — Nosso inverno é quase como o verão, não somos atingidos com as mudanças das estações como vocês. Poucas chuvas e leves mudanças climáticas.
— Bom, nossas noites são quase sempre frias. Só vamos precisar de alguns casacos para conseguirmos sobreviver.
Na loja de departamento ao lado da estação, comprou casacos e luvas. Não era inverno ainda, então estaríamos salvos. Vestimos nossas roupas e sentamos um ao lado do outro em um banco da estação. Coloquei as mãos dentro do casaco e soprei o ar para minhas bochechas não ficarem paradas e acabarem congelando.
— Você vai ficar bem dormindo aqui?
— Se não pegar hipotermia, sim.
— Não estamos no inverno, a temperatura só cai um pouco durante a noite. É que seu corpo não está acostumado, mas logo melhora.
— Prefiro ficar a noite toda movendo os braços para me aquecer.
Dito isso, menos de dez minutos depois eu dormi e acordei babando no ombro de quando o funcionário da bilheteria nos acordou. Fiquei ereta imediatamente limpando a baba do rosto, mas uma pequena mancha ficou no casaco de . Fingi que nada tinha acontecido.
— A balsa sai daqui trinta minutos, vocês precisam correr até a baía.
Pegamos um ônibus que nos deixou no local em quase metade do tempo e compramos os bilhetes, embarcando no ferry em seguida.
— Não acredito que nunca andei de ferry antes. — comentei para mim mesma, enquanto a embarcação ia deixando o porto.
— Também não tem isso no seu país?
— Na verdade, sim, mas nunca surgiu a oportunidade. Nunca viajei muito porque estava sempre estudando. Quem sempre viajava era o meu pai, por causa do trabalho.
— Imagino o quanto ele deve estar preocupado com você. Vocês parecem ser bem próximos.
Me dei conta de que durante tantas vezes que conversei com ele, nunca falamos sobre a minha família. Na verdade, nunca falávamos sobre assuntos pessoais.
— Sempre fomos só eu e ele. Nunca tive uma mãe, então ele foi minha mãe e meu pai enquanto eu crescia. Para quem vê de fora, ele pode parecer um pai ausente porque nunca estava por perto fisicamente, mas ele sempre me apoiou e se importou comigo de outras formas. Sempre apoiou meus sonhos e me deixou tomar minhas próprias decisões. Nunca deixou de ligar ou de oferecer toda ajuda possível.
— Meu pai também era do tipo que se importava muito com a família. — ele comentou, me surpreendendo.
Aquilo nunca tinha acontecido antes. Vê-lo perder aquela máscara de serenidade e se tornar vulnerável me assustou um pouco porque não era vulnerável. Ele era forte e frio. A melhor palavra para isso seria distante. A única vez que aquilo tinha acontecido tinha sido na morte de .
— Na verdade, — ele continuou — toda minha família era assim.
— Você sente muita saudade.
— Outra palavra que eu não conheço. Saudade.
— Significa que você sente falta deles de uma maneira especial. Muito mais do que simplesmente sentir falta. — ele suspirou.
— Então sim, eu sinto saudade.
Não sei porque fiz, mas acabei o abraçando desajeitadamente por conta do tom sofrido em sua voz. Comecei a olhá-lo como vítima daquela situação. Seu corpo retesou automaticamente e rechaçou o meu contato.
— O que você está fazendo?
— Hm... Te confortando. — respondi, com a voz abafada por suas roupas. — Vocês não fazem isso por aqui?
— Não. — eu o soltei rapidamente.
— Desculpa.
O silencio que se estendeu foi constrangedor e eu mudei de assunto rapidamente para aquela vergonha passar. Anotado: nunca mais abraçar . Pigarrei.
— Então, eu não queria parecer pessimista, mas e se nada do que fizermos der certo? Se não conseguirmos juntar as peças do quebra-cabeça até a polícia nos encontrar? Ou se no final a resposta que encontrarmos não for o que esperávamos?
— Então nossas vidas estarão nas mãos da lei e o nosso fim vai ser o que eles decidirem.
— Você confia tanto assim nessas pessoas?
— Eu confio na lei e na justiça, não nas pessoas. A lei é sempre boa e justa, por isso sempre quis ser policial.
— Sejam bem-vindos a Geojedo. — a voz do condutor nos interrompeu e eu me dei conta de que a balsa tinha parado.
Soltei uma exclamação de surpresa quando olhei para a ilha. Era uma das coisas mais bonitas que eu já tinha visto.
As montanhas eram cobertas de vegetação bem verde e de casas que dividiam lugar com as árvores e as plantações. A costa era cheia de pedras onde as ondas chegavam. Era tudo bonito e impressionante. Parecia bem cheia e era óbvio o porquê de as embarcações chegarem tão cheias de turistas de vários lugares.
— Esse lugar é incrível. — falei enquanto me ajudava a descer.
— Nunca estive aqui pessoalmente. Sabemos que a mãe de Cha Dal-bong mora aqui, mas nunca conseguimos encontrá-la. — ele fez uma pausa. — Assim como a polícia, veio aqui há cinco anos em busca de respostas, mas voltou com as mãos vazias.
— E estamos aqui em busca de resultados diferentes?
— Parece idiotice, mas sim. Pelo menos agora tenho um recurso que não tínhamos antes.
— O que você tem agora?
— Você.
guardou os casacos e as luvas que tiramos no caminho e começamos a andar pelo lugar, fazendo um reconhecimento de perímetro.
Procuramos pelo nome dos conhecidos em bares, restaurante, lojas e entre os moradores mais antigos, mas ninguém conseguia dar nenhuma informação. Andamos até nossos pés criarem calos. Paramos nos pés de uma ladeira que subia em forma de zigue-zague pela montanha que levava até um conjunto de casas bem no topo. O Sol estava no pico e eu suava muito. Quase desmaiei imaginando subir aquilo tudo.
— Vamos?
Queria resmungar para desistirmos da procura porque parecia que estávamos perdendo o nosso tempo, mas acabei seguindo que já tinha começado a subir.
1Ginseng vermelho: O ginseng coreano vermelho é uma planta estimulante, reconstituinte e ajuda a revigorar o corpo. O medicamento é famoso por ser eficaz no tratamento do cansaço, com efeito relaxante que ajuda o corpo a suportar a pressão do dia a dia.
Capítulo 17
“Até a jornada de mil milhas começa com um pequeno passo.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
— Eles trouxeram mais jovens para ajudar! — uma ahjumma gritou do alto da ladeira quando nos avistou.
Outras ahjummas se juntaram a ela. Elas vestiam calças e blusas floridas, com chapéus presos embaixo do queixo com fitas, galochas e luvas.
— Que bom que vocês vieram.
Eu e as cumprimentamos, sem graça.
— Nós estamos aqui por...
— A produção sempre aumenta nessa época do ano e quase ninguém vem aqui nos ajudar.
— E esses turistas passam longe.
— Venham trocar de roupa, venham. O trabalho não pode ficar parado. Não podemos perder tempo.
As ahjummas não nos deixaram falar nada, só nos deram roupas como as delas e nos empurraram em cubículos de madeira para nos trocarmos.
Eu prendi os cabelos para fora do rosto e vesti a roupa junto com as galochas, o chapéu e as luvas de borracha. Saindo, eu vi que vestia o mesmo que eu. Prendi a risada com sua aparência. A roupa era um pouco menor que ele então um pedaço da sua canela ficou aparecendo. Sem falar que ele ficava ótimo com vários tons de rosa e as estampas de flores.
— O que nós vamos fazer?
— Tenho minhas desconfianças. Acho que é ki–
— Baek kimchi1, isso mesmo. — ela bateu palmas, animada. — Venham, venham. Temos muito trabalho.
Algumas ahjummas estavam sentadas em banquinhos, curvadas sobre suas bacias e outras descascavam algo em cima de uma mesa quase no nível do chão. Elas falavam e riam bastante.
— Isso não vai nos atrasar? — perguntei em um sussurro para a ahjumma sorridente ao nosso lado não nos ouvir.
— Elas nunca vão nos deixar ir se não terminarmos. O que podemos fazer é adiantar o trabalho o máximo possível. Podemos também tentar descobrir alguma informação útil.
— E em que vamos ter que ajudar?
Tirar folhas ruins da acelga, lavar milhares de acelgas, cortar e retirar o excesso do talo. Passamos a manhã e uma parte da tarde fazendo isso. Eu acabei cansada, suada, com fome e toda molhada. Minha coluna doía assim como meus joelhos e braços.
foi obrigado a carregar várias bacias pesadas. Eu nunca mais veria kimchi do mesmo jeito. Não conseguia entender como todas aquelas mulheres aguentavam fazer aquilo todos os dias.
Elas me colocaram, depois do primeiro processo, para abrir as folhas e passar água com sal em todas elas. Enquanto nos concentrávamos em não morrer de exaustão ou fome, as ahjummas conversavam alegremente, rindo e falando alto.
— Você e o seu marido estão aqui há quanto tempo?
Demorei um pouco para perceber que ela estava falando comigo. Preferi não corrigir.
— Não faz muito tempo. Chegamos mais cedo, na primeira balsa.
— Vocês fazem um casal muito bonito.
— Vocês já têm filhos?
— Ele é muito alto.
— E muito bonito.
— Meu marido era assim quando nos conhecemos.
— E agora ele reduziu de tamanho?
— Dobrou de tamanho, você quer dizer. Para os lados.
Todas riram. As ahjummas se juntaram ainda mais à minha volta e começaram a falar sobre seus casamentos.
— O que a família dele achou sobre o casamento dele com uma estrangeira?
— Na verdade, eu nasci aqui, mas meus pais são estrangeiros.
— Você é muito bonita.
— Seu coreano é muito bom.
— Seus filhos serão lindos.
— O pai dele ainda é casado?
— Seu pai ainda é solteiro? — a outra falou com malícia e todas riram histericamente.
olhou para mim de onde estava trabalhando com um olhar confuso e eu dei de ombros, sorrindo.
— Na verdade, viemos aqui procurar uma pessoa, mas ninguém conseguiu nos dar nenhuma informação. Vocês conhecem alguma Cha Soon-Geum?
Elas pensaram por um instante, discutiram, mas ninguém conseguia se lembrar de ninguém com aquele nome.
— Quem é ela? — quiseram saber.
— Alguém que poderia nos ajudar com algumas questões, mas não tem problema se não conhecerem.
— Você é tão gentil.
— Vocês são o primeiro casal em muito tempo que conseguimos enganar para nos ajudar.
Eu só conseguia rir para as ahjummas adoráveis e engraçadas.
— , — veio até onde estávamos. — você deve estar com fome e cansada.
As ahjummas soltaram risinhos com o comentário.
— Ele é tão gentil.
— Olha como ele se importa com ela.
— Queria um homem desses.
— Precisamos parar. — ele falou para elas. — Sinto muito não podermos ajudar mais.
— Você tem uma fala mansa. — uma ahjumma bateu no ombro dele. — Pode levar sua esposa para comer. O melhor restaurante da ilha fica a poucos quilômetros daqui, pode comer por nossa conta.
— Peçam pelo Bibimbap2. A Sra. Choi faz o melhor Bibimbap que eu já comi na minha vida.
— Diga que as ahjummas do alto da montanha mandaram vocês.
Trocamos de roupa e elas se despediram com várias risadas, comentários maliciosos e sacolas com acompanhamentos – provavelmente, a maioria era kimchi. Acenamos até perdê-las de vista.
— Eu acho que nunca trabalhei tanto na minha vida.
— Minha coluna virou geleia.
— O Sol já está se pondo. Passamos muito tempo sem comer. Você prefere a comida das ahjummas ou visitar o restaurante que elas indicaram?
— Acho melhor o restaurante, até porque, pelo que parece, fica perto das balsas. E eu não vou aguentar sentir cheiro de kimchi tão cedo depois de hoje.
Nós seguimos o caminho inverso que tínhamos feito e encontramos o restaurante perto do embarque e desembarque das balsas. Vários turistas entravam e saíam do lugar. A placa na frente anunciava comida caseira e local. Encontramos uma mesa no canto e uma ahjumma veio pegar nossos pedidos.
— Pela aparência cansada de vocês e as sacolas, deduzo que foram mandados para cá pelas ahjummas da montanha, certo? — provavelmente aquela era a Sra. Choi. — Vou mandar um prato de Bibimbap para vocês e um ótimo Samgyetang3.
Agradecemos a simpática ahjumma e esperamos ela voltar com nossos pratos.
A mesa ficou cheia de acompanhamentos e pratos que cheiravam muito bem. Assim que experimentei a comida da Sra. Choi, tive a certeza que nunca tinha provado algo tão gostoso em toda minha vida. Coloquei vários acompanhamentos no prato e fui experimentando um por um, sem falar da deliciosa sopa que havia chegado junto que eu não fazia ideia do que era feita.
— Acho que valeu a pena todo o trabalho de hoje por uma comida tão boa como essa. — falei, tentando comer pausadamente.
Enquanto ajeitava tudo à nossa volta, fiquei admirando a parede coberta de fotos, do lado oposto de onde estávamos. Todo mundo que visitava o lugar podia deixar uma foto ou uma assinatura e eu achei a ideia adorável. Tinha gente de várias partes do mundo e eu quis deixar a minha assinatura também. Quando procurei um espaço vazio para deixar meu nome, uma foto chamou a minha atenção. Na foto estava a Sra. Choi muitos anos mais nova, mas obviamente era ela por conta do seu sorriso enorme, com um homem ao seu lado que parecia muito com ela. Provavelmente seu filho. Ela parecia muito mais feliz e muito menos cansada.
— Tudo pronto? — voltou e me encontrou analisando a parede.
— A Sra. Choi não parece muito diferente aqui?
Mostrei a foto no canto e se aproximou para enxergar melhor.
— Esse parece...
— Sim, parece ser o filho dela. — eu conformei.
— Não, esse é Cha Dal-bong. Sra. Choi é a Sra. Cha Soon-Geum que estamos procurando.
Arregalei os olhos, surpresa.
— A encontramos.
tirou a foto do mural e chamou a Sra. Choi.
— Vocês já estão de saída? Querem deixar uma foto no mural também?
— Na verdade, queremos perguntar uma coisa. Sra. Choi, esse é o seu filho?
mostrou a foto e ela concordou, com um sorriso nostálgico.
— Parece muito comigo, não?
— Sra. Choi, me desculpa, mas qual é o seu nome completo?
— Choi Soon-Geum.
— E quem é Cha Soon-Geum?
— Esse é o meu nome de solteira. — eu estava chocada demais para esboçar qualquer reação. — Como vocês sabem sobre isso?
— Sra. Choi, podemos conversar sobre o que aconteceu com seu filho?
Ela suspirou e concordou, se dando conta pela primeira vez do motivo de estarmos ali.
— Me acompanhem. — a Sra. Choi pediu para outro funcionário tomar conta do lugar e nos levou até o fundo da loja, onde ninguém poderia ouvir a nossa conversa. — Quem são vocês?
— Nós somos investigadores que não aceitam terminar o caso do assassinato do seu filho sem solução.
— Vocês são da polícia? — nós negamos com a cabeça. — Eles já estiveram aqui, já tentaram descobrir o que aconteceu.
— A senhora conversou com a polícia?
— Logo quando descobri o que aconteceu, viajei a Makpo para saber o que tinha acontecido, mas meu filho já tinha se envolvido com a polícia várias vezes e eles não se importaram muito. Depois de vários anos, desconfiaram que ele não tivesse morrido por conta disso, mas ninguém entrou em contato comigo e eu não posso viajar muito por causa da minha saúde.
— Provavelmente eles não conseguiram te achar por causa do nome diferente, assim como nós.
— A senhora disse que seu filho se envolveu com a polícia antes. Foi por causa dos jogos?
— Não só por isso. Depois que seu pequeno negócio faliu, ele virou a cabeça. Perdi o número de vezes que sua esposa me ligou desesperada. Ela tinha dois filhos para criar. Ela não conseguiria sobreviver sem o marido.
— Então a polícia achou incialmente que ele tinha sido morto por causa das coisas erradas que fazia?
— Eu não perdi meu filho quando ele foi assassinado. Perdi meu filho quando ele faliu. A pessoa que estava roubando, sequestrando, ameaçando e ferindo tanta gente não era o filho que eu criei com tanto amor.
O olhar em seu rosto era triste e vazio. Naquele olhar eu podia ver o sofrimento pelo qual ela tinha passado.
— A senhora consegue lembrar de algo que aconteceu com seu filho ou algo em que ele se envolveu que tenha causado um grande impacto?
— Eu não sei o que foi, mas a esposa dele me ligou uma vez mais desesperada do que as outras vezes. Ela não conseguia falar nada, apenas chorar. No dia seguinte, não consegui mais entrar em contato com ela. Meu marido, que na época ainda estava vivo, não deixou que eu viajasse para saber o que aconteceu. Para ele, o nosso filho já estava morto.
fez mais algumas perguntas, mas precisávamos ir embora por causa do nosso horário. Seu rosto ainda estava lavado com a dor, a saudade e a perda. Eu senti por ela e por tudo que teve que passar.
— Agradecemos muito pela oportunidade que a senhora nos concedeu. Obrigada por confiar em nós.
— Sabemos que não é fácil reviver memórias tão dolorosas.
— Eu agradeço a vocês por realmente considerarem meu filho e se importarem em trazer a resposta para tudo que aconteceu. Mesmo depois de tanto tempo, eu gostaria de saber o que levaria alguém a matar uma família com tanta crueldade.
Dei um abraço nela e abaixei a boca para sussurrar em seu ouvido.
— Vamos voltar com a resposta.
— Muito obrigada.
Saímos do restaurante em disparada para pegar a embarcação, mas só encontramos alguns funcionários recolhendo tudo.
— O que está acontecendo?
— Onde está a balsa do último horário? — perguntei e olhou para o relógio em seu pulso.
— Ainda não são 20h.
— Fizemos uma chamada há vinte minutos avisando que sairíamos mais cedo por causa das condições do vento. A próxima balsa sairá amanhã, às 10h.
— O quê?
Aquilo significava que teríamos que passar a noite na ilha. Mas a grande questão era: onde?
1Baek kimchi: é um tipo de kimchi feito sem o pó de pimenta comumente usado para fermentar o kimchi, com um gosto mais suave.
2Bibimbap: É um tipo de mexido de arroz com legumes e carne, feito também com molho de pimenta e gema de ovo.
3Samgyetang: É uma sopa coreana feita com galinha e ginseng.
Capítulo 18
“Ao erguermos as vistas, não vemos fronteiras.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
Haviam poucos hotéis, hostels e pousadas na ilha porque, geralmente, os turistas voltavam para a cidade. Fizemos uma procura em todos que poderíamos, mas não encontramos nenhum com quartos disponíveis porque as reservas eram feitas geralmente on-line e naquela temporada eles recebiam muitas visitas.
Estava tarde, escuro e estávamos cansados do dia exaustivo que tivemos. Eu quase não conseguia manter meus olhos abertos, quando paramos com nossas coisas para descansar em um banco.
— Ei, vocês dois! — uma das ahjummas do alto da montanha nos encontrou. — Perderam a última balsa? Eu tenho um quarto livre na minha casa. Não gosto de convidar ninguém para ficar lá, mas como vocês são um casal e nos ajudaram tanto hoje, seria um prazer deixá-los ficar.
— Casal? — perguntou baixo perto do meu ouvido para que a ahjumma não ouvisse. Eu dei de ombros.
— Elas presumiram isso mais cedo. Você vai corrigi-la agora?
— Minha casa é logo ali na frente. Vamos.
A seguimos com nossas sacolas para a casa adorável do outro lado da rua.
— Eu moro aqui sozinha. Meu marido morreu há muito tempo e meus filhos trabalham na cidade. Precisam de roupas para trocar?
— Por favor.
A ahjumma nos mostrou o banheiro e o quarto onde dormiríamos. Juntos. Ela nos lançou um olhar malicioso e eu quase explodi em risadas na frente dela quando disse:
— Não se incomodem comigo.
deixou que eu entrasse no banheiro primeiro. Eu tomei banho e vesti as roupas da ahjumma. O quarto era espaçoso, com uma cama tradicional coreana que consistia em um edredom no chão, com dois travesseiros.
saiu do banho, vestindo roupas largas e bem maiores do que ele. Provavelmente do filho dela.
— Você está ótimo.
— Na verdade, esse tipo de roupa é bem confortável.
Nós dois rimos, mas eu não conseguia esconder o nervosismo. Nunca tinha dormido no mesmo cômodo que um homem em toda minha vida, nem mesmo com o meu pai. Era estranho e eu estava com vergonha de até mesmo encarar .
— Então nós vamos... Hm... — pigarrei, tentando encontrar as palavras certas.
— Você pode dormir na cama. Eu vou dormir no chão, do outro lado. Não se preocupe, você vai estar segura.
— Tudo bem. Você... Vai ficar bem? — queria enfiar minha cabeça na terra.
— Não se preocupe comigo. Precisamos apenas descansar para amanhã.
pegou um travesseiro e um lençol e deixou no chão, afastado de mim. Eu podia apostar que ele acordaria no dia seguinte com uma dor matadora na coluna. Ele deitou de costas para mim e eu virei para ele, encarando suas costas, esperando o sono chegar.
— ? Está dormindo?
Quando eu o vi começando a se virar, eu virei para o outro lado, envergonhada.
— O que foi?
— Para onde vamos depois daqui?
— Sinceramente? Não sei. Queria voltar para Seul e enterrar como ele merece, mas eu sei que é o último lugar que podemos ir agora. Ainda não tracei um plano depois de tudo que aconteceu hoje, mas talvez possamos ir para Busan, investigar os outros dois assassinatos.
— Você acha que o acontecimento importante que a Sra. Choi citou tem a ver com o assassinato do filho dela anos depois? Será que isso pode estar ligado ao assassino e às outras vítimas?
— Queria pensar que sim, mas é muito cedo para afirmarmos alguma coisa. Não é impossível que isso possa ter alguma conexão.
— O problema é descobrirmos o que aconteceu. Perder o contato com a polícia dificultou nossos planos.
— Vá descansar, . Nós dois estamos muito cansados por causa do dia de hoje. Ainda mais pelo fato de que quase não dormimos ontem. Sei que sua mente não consegue parar de pensar em tudo que ouviu, porque a minha está do mesmo jeito, mas descansar é o melhor que podemos fazer agora.
— Você... Quer dormir aqui comigo? — assim que falei, desejei poder colocar as palavras de volta para dentro. Meu rosto aqueceu com a vergonha. — Quer dizer, não desse jeito. Eu sei que é muito desconfortável dormir no chão e amanhã você não vai conseguir fazer nada por causa da dor nas costas. E você merece essa cama tanto quando eu. E eu durmo como uma pedra. Além disso, você não vai fazer nada e eu...
— . — ele me parou. — Tudo bem, eu já entendi.
— Eu confio em você. — expliquei.
— Tem certeza?
Acenei, esperando que ele estivesse vendo e fechei os olhos apertados.
Tremi levemente quando senti deitando ao meu lado, no edredom. Tentei ficar o mais longe possível dele, continuando virada para o outro lado. Coloquei as mãos em cima do coração para acalmá-lo.
Não sabia de onde tinha tirado aquela coragem e ousadia para fazer o convite. Usei as razões que havia dado a ele para convencer a mim mesma de que estava fazendo a coisa certa. Eu havia feito o convite sem pensar na razão, então aquilo estava me roendo por dentro.
— Obrigado. — ele falou, mais perto do que eu esperava. — Boa noite, .
— Boa noite.
Demorei a pegar no sono. A maior dificuldade era ignorar que tinha alguém ao meu lado e conseguir relaxar, mas o cansaço era tanto que o sono foi chegando e me levando para a inconsciência.
Meus sonhos foram conturbados. Eu sonhei com meu pai, sonhei com as vítimas, seus corpos mutilados e suas casas destruídas. No meu sonho tinha raiva, sangue e violência. Eu não conseguia parar de chorar com tudo que via. Acordei suada, ofegante e muito assustada.
— ? O que aconteceu? — estava ao meu lado, com um olhar preocupado e assustado.
— Eu tive um pesadelo horrível.
Minha garganta estava seca e minha pele, pegajosa. Peguei uma garrafa de água e bebi para parar de tremer. Comecei a lembrar de uma cena que eu não sabia se vinha do sonho ou de alguma lembrança escondida no meu cérebro.
— Quer falar sobre ele?
— Na verdade, tive uma recordação.
— Sobre o caso? — acenei.
— Acho que consegui enxergar alguma coisa.
Peguei um bloco de papel e uma caneta dentro da mochila e comecei a escrever tudo que eu lembrava que havia visto no sonho. Cada detalhe importante daquele fragmento de memória. Algumas coisas não faziam sentido, eram informações aleatórias que eu tinha conseguido ver e entender no sonho, mas quando juntei as partes, vi que fazia sentido e que a informação importante. pegou o bloco da minha mão e leu o que estava escrito.
— É isso? — acenei. — Tem certeza?
— Não sei se isso foi realmente um sonho ou uma lembrança, mas é um caminho para seguir.
— Isso quer dizer que precisamos voltar para Anyang.
Eu havia conseguido enxergar minhas próprias provas no sonho e, juntando com o que tínhamos, deduzi que o pai de e Moon Tae-joo trabalhavam na mesma empresa e estavam ligados por um acontecimento que eu não tinha conseguido ver. Se aquilo fosse real, poderia ser a chave para a solução. A perspectiva de realmente descobrir tudo e resolver aquela situação causava emoções conflitantes dentro de mim.
Trocamos nossas roupas, arrumamos tudo que precisávamos e fomos embora, depois de agradecer a gentileza da ahjumma, e mesmo ela insistindo para que ficássemos um pouco mais, saímos sem nem mesmo tomar café da manhã. Assim que desembarcamos, fomos direto para a estação, pegar o trem para Anyang. Meu corpo pedia mais descanso, mas minha mente estava ligada.
— Você ligou para avisar que estamos voltando? — perguntei no caminho.
— Acho melhor não as colocar em perigo, sabendo onde nós estamos.
— Acha que a polícia já foi atrás delas em busca de informações?
— Se eles estão seguindo nossos passos, então é provável que sim. A noona é a única com quem eu tenho ligação e para quem eu pediria ajuda, e eles sabem disso. Meu maior medo é que o assassino também pense como eles e as use de alguma maneira, por isso é melhor nos mantermos longe.
Eu não conseguia nem imaginar se o assassino fizesse com elas o que havia feito com e . A melhor escolha era realmente deixá-las fora de perigo.
— Como estão as notícias? — perguntei, me referindo ao jornal que ele sempre gostava de ler de manhã para procurar novidades.
— Nenhuma novidade. A polícia nos colocou como desaparecidos, mas ainda não somos o rosto da matéria principal do jornal.
— Nenhuma nova prova sobre o caso de e ? — ele nem tentou esconder o fato de que tinha entrado em contato com alguém de Seul.
— Nada. Ainda sou o único suspeito.
— Pelo menos ainda não te consideram culpado.
Fizemos a viagem de volta para a cidade natal de em silêncio. Sem discutir teorias sobre os casos e nem qualquer outro assunto. Estando tanto tempo com ele notei que quanto mais quieto e silencioso ele ficava, significava que mais incapaz ele estava se sentindo. Minha vontade era apertar sua mão e dizer para ter fé que tínhamos uma pista diferente de antes e que aquilo era um bom sinal, mas não tínhamos aquele tipo de relacionamento e não era o tipo de pessoa que aceitava consolo ou qualquer tipo de contato.
Assim que chegamos, fomos direto para o bar, conversar com o homem que havia nos dado as informações antes porque ele era a única pessoa viva que conhecia os falecidos o suficiente para saber algo útil, mas ele não tinha mais nada novo para nos oferecer, mesmo com as nossas próprias informações recém-adquiridas para ajudar sua memória.
— Vocês podem conseguir alguma coisa com o chefe, mas ele nunca aceitou falar com a polícia. — ele revelou.
— Não somos da polícia, somos investigadores independentes. — esclareceu. — Você pode falar com ele para nos receber?
— O chefe não é muito comunicativo.
— Você pode pedir a ele de novo? — insisti mais uma vez.
— Como eu disse, ele...
— Onde é o escritório dele?
Capítulo 19
“A gente tropeça nas pedras pequenas, porque as grandes a gente logo enxerga.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
— , você não pode invadir o escritório dele. — acompanhei seus passos largos escada acima.
— Eu não vou invadir o escritório dele, vou apenas pedir diretamente.
Seguimos as instruções do barista e encontramos o escritório do dono do bar. bateu sem hesitação.
Sem desconfiar de quem seria, o homem nos mandou entrar. Assim que nos viu, ele ficou de pé.
— Quem são vocês?
— Viemos pedir a sua ajuda com o caso do assassinato de Moon Tae-joo e sua família.
— Quem deixou vocês subirem? — ele estendeu a mão para pegar o telefone, mas deu um passo à frente, fazendo-o parar.
— Nós não somos da polícia, somos investigadores particulares.
O homem saiu de trás da mesa com um pouco de dificuldade, mancando de uma perna.
— Falei no passado e vou falar agora de novo. Não sei quem deu informações falsas sobre mim, mas eu não sei sobre Moon Tae-joo e não estou interessado em falar com ninguém, então, por favor, saiam do meu escritório. Agora.
— Nós não queremos te colocar em perigo e seu nome não vai aparecer em nenhum lugar, se o problema for esse. Só vamos fazer poucas perguntas e vamos embora.
— Senhorita, não sei quem te falou que poderia conseguir alguma coisa comigo, mas eu não sei nada que possa te ajudar.
— Nos deixe decidir isso.
Eu achei que era loucura ou que estava vendo coisas, mas ao olhar atentamente para aquele homem, vi a mesma coisa nos olhos da Sra. Choi. Provavelmente havia visto aquilo antes de mim e por isso insistia tanto. Ele sabia que aquele homem tinha algo para nos dar.
— Ele era seu amigo, não era?
— Eu já disse que não sei de nada. — o homem insistiu.
— Sinto muito por estarmos forçando você a reviver lembranças dolorosas, mas queremos ajudar e descobrir o que aconteceu com ele.
— Qualquer informação é importante. Acredite em nós.
— Eu realmente não sei de nada que possa ajudar você.
— Nenhum acontecimento importante?
— Moon Tae-joo era muito ocupado pulando de emprego em emprego e tentando sustentar a família. Seu tempo era dividido em beber e trabalhar.
— Nunca arrumou confusão com ninguém enquanto estava bêbado?
— Não, ele apenas bebia e ficava jogando no canto esperando a esposa vir buscá-lo. Era meio louco da cabeça por causa da pressão de sustentar a família, mas odiava brigas ou violência. Não havia nenhuma razão para acontecer aquilo com ele. Nada do que ele fazia poderia tê-lo tornado o alvo ou qualquer outra pessoa da sua família. Nenhuma deles nunca fez mal a ninguém.
— E alguma coisa na infância dele? Ou de sua esposa?
— Eu o conheci por muito tempo e não achei nenhum motivo que os tenha colocado na mira do Açougueiro de Anyang.
— Você tentou investigar o que aconteceu, não foi? — perguntou, o que, até então, era novidade para mim.
— Tentei de tudo e em todos os lugares. Coloquei detetives particulares e até gente ilegal para descobrir o que aconteceu. Perdi incontáveis noites atrás de resposta. É por isso que não perco meu tempo falando com a polícia e com investigadores que só me farão ter esperanças vãs.
— De onde você começou a investigar?
— Da última empresa na qual ele trabalhou. Depois dali ele pediu demissão e começou a fazer serviços na construção de casas. Foi de uma hora para outra, simplesmente desistiu.
— E não descobriu nada lá?
— A empresa havia falido.
— Qual foi a empresa?
— Ela usava o nome fantasia de PK Investimentos, mas na verdade se chamava JM Serviços de Construções.
Já tínhamos pesquisado aquela empresa antes, mas também não havíamos encontrado nenhuma resposta. Talvez porque não estávamos pesquisando com o nome verdadeiro.
— Qual era o nome verdadeiro da empresa? — pediu.
— JM Serviços de Construções.
— Eu conheço esse nome. Era a empresa que o meu pai trabalhava.
Eu não consegui segurar a exclamação de surpresa.
— E o que isso tem a ver? — o homem quis saber.
— Sou testemunha de um dos casos e com essa informação podemos ligar duas vítimas completamente diferentes no mesmo lugar. O outro caso que aconteceu aqui em Anyang.
— Quer dizer que houve sim algo para que as vítimas fossem ligadas. — concluí, olhando para .
— Então esse não é um caso de assassinatos em série aleatórios onde vítimas são escolhidas baseadas em uma característica em comum?
— São ligadas por um acontecimento comum. — concluiu o que nós três pensamos.
— Isso, na verdade, está mais para um crime de...
Uma batida na porta nos interrompeu.
— Pode entrar. — o barista que nos recebeu no andar de baixo, entrou afoito e assustado. — O que foi?
— A polícia está aqui. — apontou com o queixo em nossa direção. — Atrás desses dois.
— Vocês são procurados da polícia de Anyang?
— De Seul, na verdade. — corrigiu. — Alguém deve ter nos reconhecido e nos denunciado.
— Não é o que parece. Algumas coisas saíram do controle em Seul e agora temos a polícia nos procurando. — expliquei.
— Na verdade, o verdadeiro assassino nos fez entrar nessa situação.
— Então a polícia de Seul e um assassino em série estão atrás de vocês? — ele falando daquele jeito, parecia mais absurdo.
— Por favor, você pode nos ajudar? — pedi, com um sorriso, mas morrendo de medo de aquele homem nos entregar à polícia.
Contrariando a todos, principalmente , a julgar pela expressão dele, o dono do bar abriu uma portilha na parede lateral do escritório.
— Podem descer por aqui. Vocês vão sair pelos fundos do bar e terão alguns minutos na frente dos policiais.
— Você, por acaso, não teria... Bem... Um carro para nos emprestar?
O homem levantou a sobrancelha. Era aquela conversa: pedir a mão e querer o braço. Ele provavelmente se meteria em problemas nos ajudando, mas eu não queria pensar naquilo com o perigo batendo na porta.
— Sorte sua que eu tenho muito dinheiro e estou disposto a ajudar. — ele jogou uma chave para , que a agarrou no ar. — Eu estarei esperando as respostas.
Não só você.
— Obrigada.
Fiz uma reverência e corri pelas escadas de alumínio com atrás de mim. Nem quis imaginar porque aquele homem tinha uma passagem daquele jeito dentro do próprio escritório.
O carro dele era o único que estava estacionado nos fundos, então foi mais fácil para sairmos.
— Alguém com certeza nos reconheceu e nos denunciou.
— Mas porque estamos sendo tratados como bandidos perigosos?
— A essa altura do campeonato, eles devem ter descoberto que a sua identidade era falsa.
— Então eu sou a criminosa?
— Um suspeito de duplo homicídio e uma falsificadora de identidades. Que bela dupla nós formamos.
— Se eles nos pegarem, todas as nossas informações não vão adiantar de nada. Eles nunca vão acreditar em dois fugitivos.
— Então eles não podem nos pegar. — lançou um olhar no espelho retrovisor e seu rosto escureceu.
— O que foi? — ele amaldiçoou baixo.
— A polícia está nos seguindo.
— O quê? — olhei para trás e vi um carro preto de aproximando. — Como eles já conseguiram nos alcançar?
aumentou a velocidade e começou a ziguezaguear entre os outros carros na pista. Segurei-me nos bancos com o coração disparando e o medo em meus ouvidos. Eles continuavam nos seguindo e, junto eles, mais dois carros idênticos começaram a se aproximar.
— Eles devem ter nos visto deixando o lugar.
— Se eles nos alcançarem, estaremos mortos. — em todos sentidos da palavra.
Suor brotou em minha testa. O carro começou a se aproximar mais rapidamente. Se éramos suspeitos de alguma coisa antes, fugindo da polícia daquele jeito, passaríamos a ser completamente culpados.
— O que vamos fazer?
— Vou tentar despistá-los.
tirou o carro da rodovia movimentada e começou a correr em uma pista livre. A cada curva em que virávamos, meu coração balançava junto com o carro.
— Eu tenho uma ideia. — ele falou, mas eu já não gostava antes mesmo de ouvir o que era.
— Vai colocar nossas vidas em risco?
— Nossas vidas já estão em risco.
O nosso carro foi diminuindo a velocidade aos poucos e o carro preto foi chegando mais perto, até quase encostar em nós.
— Confie em mim.
O nosso carro parou abruptamente e, mesmo com o cinto, minha cabeça foi arremessada com força para frente. O carro preto parou um pouco a nossa frente e os policiais desceram com armas na mão.
me puxou para descer do carro e ficamos do lado oposto ao deles, com o carro na nossa frente, nos separando – só não sabia por quanto tempo. Estávamos cercados de todos os lados, porque os policiais estavam na nossa frente e atrás de nós havia um barranco que levava para um matagal.
— Segure as mochilas com força.
Coloquei uma pendurada na minha frente e a outra atrás. me colocou atrás dele, me bloqueando com seu corpo.
— , você está protegendo uma criminosa nacional.
Meu coração batia em meus ouvidos e meu corpo inteiro tremia sob a mira das armas. Os outros dois carros pararam e mais pessoas surgiram apontado armas para nós. Eu nunca tinha levado sequer uma multa de trânsito na minha vida e agora era uma criminosa nacional.
— Senhorita, dê um passo para frente com as mãos para o alto.
— Segure na minha camisa. — sussurrou. — Segure com força e não solte.
— Não é melhor eu...
— Confie em mim. — ele insistiu.
— Temos um mandado de prisão para essa mulher que você está protegendo. Ela entrou na Coreia ilegalmente, com uma identidade falsa. Se não entregá-la, você será preso como cúmplice e responderá em regime fechado. Pense bem antes de cometer qualquer ato impulsivo.
— Ela não é uma criminosa. Eu a entregarei se ela for submetida aos mesmos direitos que os cidadãos coreanos. — gritou de volta, colocando as mãos para cima.
— Não queremos usar violência.
O policial que falava mirou a mais precisamente e minha visão ficou turva. Aquele homem iria atirar a qualquer momento. Temi por nossa vida.
— Eu não vou falar de novo. Entregue-a ou eu atiro nos dois.
— Não solte a camisa. — colocou as mãos em cima das minhas, que seguravam sua camisa com força.
— , por favor...
— Um. — ele começou a contagem em voz alta e quase quinze pessoas miraram suas armas exatamente para nós, fazendo um eco com o som de suas armas.
Eu enterrei o rosto nas costas de , sentindo sua respiração ofegante através de sua pele.
— Três.
Ele se jogou para trás, nos empurrando precipício abaixo.
Capítulo 20
“Não basta dirigir-se ao rio com a intenção de pescar peixes; é preciso levar também a rede.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
Seu corpo abraçava o meu enquanto rolávamos pelo mato abaixo. A mochila machucava minhas costas, mas eu sabia que era aquele que se machucava mais, amortecendo todo o impacto por causa do seu tamanho e por estar me protegendo.
Quando paramos de rolar, continuou na mesma posição.
— Não se mova, eles podem estar por perto.
Não sei quanto tempo ficamos parados escutando apenas o barulho das nossas respirações e os barulhos da mata. Poderiam ter sido apenas três minutos, poderiam ter sido trinta, mas também poderiam ter sido três horas. Eu continuei com os olhos fechados e o coração disparado, tentando não gritar de medo.
— Você está bem? — abri os olhos com a voz de . — Está machucada em algum lugar?
— Não sei, mas acho que não. E você?
— Eu estou bem.
— Já podemos levantar?
— Acho que não tem mais nenhum perigo.
levantou cautelosamente e me ajudou a me erguer. Ele pegou uma das mochilas que eu segurava, enquanto tirava as folhas secas e os pedaços de pau presos em suas roupas. Seus braços estavam cheios de cortes e arranhões, mas nada que parecesse muito grave.
— Vamos andando. Provavelmente eles foram buscar reforços para uma procura especialista dentro da floresta. Temos cerca de vinte minutos para sair daqui.
Começamos a caminhar entre as árvores e tudo que eu fazia era seguir , que parecia conhecer o caminho muito bem. Para mim, era tudo árvore e parecia que estávamos andando em círculos, mas logo chegamos à pista principal, mostrando que sabia para onde estávamos indo.
— Eles não vão nos encontrar aqui?
— Estamos na rodovia oposta. Vamos para a cidade vizinha. Se eles não pensaram nisso de primeira, vão demorar um pouco até chegarem desse lado pela pista ou mesmo pela mata.
Tentamos o máximo possível parecer mais como viajantes do que como fugitivos quando entramos no ônibus que nos levaria para a cidade ao lado de Anyang. Além do motorista, só havia eu, e um ahjussi1 dormindo com a cabeça encostada na janela.
Assim que sentamos no fundo, eu fiz de tudo para impedir que as lágrimas caíssem. Meu nariz começou a pinicar com o esforço, mas conseguiu notar as lágrimas acumuladas em meus olhos.
— O que aconteceu? — eu neguei com a cabeça, sem conseguir falar. — Por que você está chorando?
Eu queria dizer que não estava chorando e que não havia nada de errado, mas as lágrimas começaram a cair sem que eu conseguisse conter.
Era como se uma barragem tivesse aberta. Eu não conseguia mais guardar aquelas emoções dentro de mim. Grandes soluços começaram a explodir do meu peito e eu chorei alto, com uma cara feia e sujando todo o rosto.
Chorei tudo que estava preso durante as últimas semanas. Era como se alguém tivesse tirado a rolha da pia e toda água que estava presa começasse a descer. Chorei por estar naquela situação angustiante. Chorei por ter que estar passando por tudo aquilo. Chorei pelas vítimas. Chorei por não ter uma cama para dormir à noite e por não ter nem mesmo uma mesa para comer em segurança.
— Desculpa. — eu falei, em meio aos soluços.
Fiquei pedindo desculpas enquanto as lágrimas continuavam descendo, sem que eu pudesse impedir.
Eu havia me tornado uma procurada da polícia federal da Coreia. Eu não estava apenas fugindo de um assassino perigoso e perverso, estava também fugindo da polícia e aquilo pesava o meu coração. Quanto mais tentávamos fazer as coisas certas, mais parecia que tudo se tornava errado.
As lágrimas foram parando lentamente, mas os grandes soluços continuavam. tirou de dentro da mochila um lenço para que eu pudesse secar minhas lágrimas.
— Está melhor? — acenei com a cabeça, ainda sem poder falar. — Quer conversar? — neguei.
A cidade vizinha a Anyang era Gunpo e novamente nos levou para passar a noite em uma sauna, porque era o lugar mais seguro e improvável de sermos procurados.
Cada um foi para sua ala dividida por gêneros e ficamos de nos encontrar na ala externa, como da última vez.
Eu tentei ao máximo tirar toda a terra do meu cabelo e das minhas unhas, mas os cortes nos meus braços ardiam por causa da água quente. Imaginei como os de estariam, já que além dos machucados, sua facada não devia estar totalmente curada.
Depois do banho, fiquei na área externa esperando por , depois de passar pomada em meus machucados e usar alguns band-aids que estavam na mochila.
Eu aproveitei meu tempo sozinha para cruzar as pernas, fechar os olhos e ignorar qualquer som, me concentrando para orar. Com tudo pelo que eu tinha passado, aquela era a única coisa que eu poderia fazer.
— Deus, — falei baixinho. — muitas coisas aconteceram nesses últimos dias e eu nem tive a oportunidade de falar contigo. Estou desesperada porque o inimigo é forte e vem contra mim sem me dar a chance de reagir. Eu não tenho mais ninguém para pedir ajuda, porque mais ninguém pode me livrar dessa situação. A minha força física não é suficiente para que eu possa vencer, então me ajude. Desde que eu cheguei neste lugar, enfrentei a morte muitas vezes e o Senhor me livrou, então eu agradeço por isso. Mas antes de querer que a minha situação se resolva, peço que aqueles que cometem injustiça contra mim sejam julgados por suas mãos justas e que aqueles que confiam em Ti prevaleçam. O Senhor é Deus de justiça e tudo coopera para o bem daqueles que amam a Ti, então eu vou esperar em Ti que o justo prevaleça sobre o injusto. Minha confiança está em Ti e todas as minhas preocupações eu Te entrego. Cuide daqueles que eu amo e nos proteja de todo mau. Confio em Ti. Amém.
“O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei? Quando os malvados, meus adversários e meus inimigos, se chegaram contra mim, para comerem as minhas carnes, tropeçaram e caíram. Ainda que um exército me cercasse, o meu coração não temeria; ainda que a guerra se levantasse contra mim, nele confiaria.”
— O que você está fazendo? Está orando?
Me assustei assim que abri os olhos e vi que estava na minha frente, me encarando.
— A única coisa que eu consegui entender foi o “amém”.
— E você sabe o que significa isso? — ele negou com a cabeça.
— Alguma coisa religiosa?
— Na verdade, é uma confirmação. Depois de falar com Deus, nós confirmamos tudo com essa palavra.
— Deus? Que deus?
— O Deus da bíblia, aquele dos judeus e do cristianismo. Conhece?
Peguei um dos ovos cozidos que ele havia trazido e comecei a descascar.
— Sim, o catolicismo e o protestantismo são muito fortes aqui no país, mas nunca tive curiosidade para conhecer. Nunca tive tempo para religião.
— Quando era mais nova, fui ensinada sobre a crença nesse Deus e decidi seguir, não de forma religiosa, mas com fé. Por isso que quando estou com problemas, eu simplesmente falo com Ele.
— Ora? — confirmei com a cabeça. — Mas se você não o vê, como você sabe que ele está te ouvindo?
— É aí que entra a fé. Você sabe o que é fé, porque todo mundo tem fé. Estamos correndo atrás dessas pistas que parecem sem futuro nenhum, mas temos fé de que vamos entrar algo, não é? — ele acenou. — Isso é a fé natural. A mesma coisa é a fé espiritual. O meu Deus é invisível, mas eu tenho fé de que Ele me escuta e me atende.
— Então ele deve ser muito poderoso para te ajudar através de uma oração.
— Ele é. — confirmei. — Tenho certeza de que Ele me ajuda.
— E você não precisa de uma imagem para mentalizá-lo quando fecha os olhos e fala com ele?
— Na verdade, não. Não preciso ver, só preciso crer.
— E o que você dá em troca disso?
— Devoção total. Fazer as coisas certas e crer Nele como o único que pode me ajudar.
— E em troca ele te protege?
— Ele me dá paz e me ajuda.
— Eu não consigo entender. Se ele é tão poderoso e pode ajudar qualquer um, porque ele deixa tantas injustiças acontecerem no mundo?
— Ele não deixa. Nada disso é culpa Dele. , posso te contar uma história? — ele acenou e eu continuei. — Provavelmente você já deve ter ouvido falar de Moisés que abriu o mar vermelho para o povo de Israel passar. Antes de Moisés ter feito isso, o povo de Deus, o povo de Israel, que era o verdadeiro povo de Moisés vivia escravo no Egito. Eles eram os escolhidos de Deus, mas por que viviam daquele jeito? Não era porque Deus queria ou havia feito aquilo, até porque Ele sempre quer o melhor para os seus filhos, mas aquele povo se afastou de Deus. Quando as primeiras aflições começaram a aparecer, eles acharam que Deus não era mais com eles, então O abandonaram. Eles acharam que não valia mais apena continuar crendo e largaram sua fé em Deus para ter fé em outros deuses estranhos. E isso fez com que eles começassem a afundar em seus próprios erros. Mas a culpa não foi de Deus. Deus estava lá o tempo todo esperando que eles voltassem e quisessem sua ajuda de novo. Quando eles perceberam que tinham apenas perdido tempo e voltaram, Deus enviou Moisés que foi o salvador deles e que os salvou da terra de escravidão no Egito e os levou para a terra prometida, que seria deles.
— Então ele só quer fidelidade?
— Isso, fidelidade. Quando somos fiéis a Ele e seguimos Seus princípios, podemos ter proteção e paz. Ele é justo e não aceita nenhuma injustiça dos que O servem.
— E qualquer pessoa pode pedir por isso?
— Claro, ele não faz acepção de pessoas. Qualquer um que escolher servi-lo poderá desfrutar de Suas graças.
— E como eu faço isso?
Eu fiquei imensamente feliz por ter perguntado aquilo. Ele parecia ser uma pessoa inteligente e que contava muito com a própria força e os próprios conhecimentos para vencer suas batalhas, mas aquela pergunta provava que ele queria contar com uma ajuda maior para vencer suas dificuldades.
— Você pode falar com Ele.
— Isso é mais difícil do que você imagina.
— Eu entendo. No início, eu também encontrei dificuldade para conseguir, mas você pode começar fechando os olhos. — ele fez como eu instruí. — Agora você vai imaginar que Ele está na sua frente. Não precisa sentir nada, só crer.
— E como eu vou imaginar? Careca? Alto? Magro? Gordo?
Eu quis rir dele, mas não queria deixá-lo envergonhado.
— Você só precisa imaginá-lo como um ser de luz.
— É um pouco estranho, mas eu estou imaginando.
— Agora é só falar com Ele. Não vou escutar o que você for falar.
Eu deixei com seu momento e aproveitei para comprar água na máquina de bebidas. Quando eu voltei, ele parecia bem. Quase pude ver um sorriso.
— Como foi? — perguntei.
— Acho que deu certo.
— É incrível, não é? Quando a gente crer que vai dar certo, mesmo que pareça que não vai dar, não duvidamos.
— É suspeito falar isso assim logo de cara?
— Claro que não. Você pode até sentir medo, porque nós somos humanos e não somos perfeitos, mas quando você confia, tudo acaba dando certo.
— Então Ele vai nos ajudar, não é?
— Ele sempre ajuda. Você contou para Ele tudo e no momento certo Ele vai fazer a parte Dele.
— Até agora tive confiança em mim mesmo e não consegui ganhar nada com isso. Quero confiar em alguém que vai me fazer vencer.
— Quando eu era bem nova, uma babá me ensinou sobre essa fé. Eu chorava o tempo todo por não ter uma mãe e sentia muita falta do meu pai. Tinha medo de ficar sozinha e de sair na rua. Ela me mostrou como confiar em Deus e perder o medo. Foi o que mais me ajudou em todos os meus momentos difíceis.
— Ela parece ter sido uma ótima pessoa. Queria ter conhecido pessoas assim.
— Você me conheceu e, com certeza, vai ter a oportunidade de conhecer outras assim. — eu sorri para ele. — Então, para onde iremos amanhã?
— Provavelmente teremos que ficar aqui na cidade por, pelo menos, dois dias. A polícia estará em nossa cola e agora estamos um passo à frente porque eles não sabem onde estamos. Depois disso, podemos ir para Busan continuar as investigações. Você parece feliz em saber isso.
— Amanhã é o meu aniversário. Não queria passar o dia fugindo.
— Sinto muito que uma data tão importante seja comemorada nessas circunstâncias.
— Pelo menos estaremos aqui “seguros”.
— O que você gostaria de fazer no seu aniversário?
— Nada em particular. Nunca fui muito de comemorar meu aniversário. Quando era pequena, minhas babás faziam bolo e quando cresci meu pai me enviava cupcakes especiais de aniversário.
— Acho que não posso te proporcionar um aniversário tão bom quando os que você teve até agora.
— O melhor presente que eu poderia receber seria resolver toda essa situação e voltar para casa em segurança.
— Infelizmente eu não posso te dar esse presente agora.
— Tudo bem, eu sei que logo você poderá me dá-lo. Falando em aniversários, quando é o seu?
— Faço aniversário no início do ano. Sou do ano do macaco2.
— Você é mais velho do que eu pensei que era.
— Eu sou de 1992. — ele falou e eu o olhei de sobrancelha erguida.
— Você acha que eu pensei que você teria nascido 1980?
Ele deu de ombros e eu rolei os olhos. Era velho, mas nem tanto.
— Às vezes, eu acho que sou mais velho do que a minha idade diz, por tantas coisas que eu já vivi.
— Você não parece muito fã de comemorações. Nunca comemorou seu aniversário? — perguntei.
— Minha mãe consumava fazer um jantar com meus pratos preferidos e a noona comprava bolo e presentes todo ano, mas depois que entrei para a polícia, não dei muita importância para a data.
— Então é um milagre você saber quantos anos tem.
Ele riu e eu me peguei observando seu sorriso. Seu rosto se transformava completamente quando ele sorria. As linhas duras de sua boca suavizavam e seus olhos brilhavam. Ele parecia ainda mais bonito.
Nunca tinha observado seu rosto de tão perto antes. As duas pintas embaixo de seu olho esquerdo e a pequena cicatriz na bochecha. Estava tão perto que se eu me aproximasse mais um pouco, nossos rostos se tocariam.
Me repreendi internamente, quase saltando para trás.
— O que foi? — ele me despertou do meu devaneio.
— Nada.
Peguei um ovo dentro do prato e comecei a descascá-lo, com o coração disparado. Não conseguia entender o que tinha acabado de acontecer. E nem sabia se queria entender.
1Ahjussi: Homem de mais idade, senhor.
2No calendário coreano, os anos são representados por animais que se seguem em uma determinada ordem que se repete a cada 12 anos. Anos do macaco: Nascidos em: 2016, 2004, 1992, 1980, 1968, 1956.
Capítulo 21
“A gente todos os dias arruma os cabelos: por que não o coração?”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
Assim que saí da área dos banheiros depois do banho, estava me esperando com um grande sorriso.
— Feliz aniversário! — ele disse.
— Obrigada, . — sem abraços.
— Depois do café da manhã, temos um lugar para ir.
Semicerrei os olhos na direção dele, desconfiada.
— O que você fez?
— Nada, só não vamos deixar a situação em que nos encontramos atrapalhar o seu dia especial.
— Eu já disse que não me importo com comemorações. Além disso, o nosso rosto já é conhecido, não podemos sair na rua dando bandeira, correndo o risco de sermos encontrados.
— Eu já cuidei desse detalhe.
tirou da mochila dois bonés e duas máscaras.
— Hoje nós dois estaremos disfarçados.
Ele colocou o boné em minha cabeça e os elásticos da máscara preta presos em minhas orelhas.
— , e se isso não funcionar? E se estragar nossas investigações? Eu não quero que... — eu não queria ser a estraga prazeres, mas nossa segurança era mais importante do que aquilo.
— Não se preocupe. — ele me tranquilizou. — Você merece pelo menos um dia longe dessa loucura. Vamos?
Tomamos um tradicional café da manhã coreano com arroz e vários outros acompanhamentos. tentou me ensinar a usar os pauzinhos no restaurante, mas desistiu quando viu que eu era um caso perdido.
Nunca achei que o clima ficaria tão leve entre a gente. Desde que havíamos nos conhecido, era sempre tensão, nervosismo, medo e desconfiança. Naquele momento, não éramos mais duas pessoas fugindo de alguém, ou correndo atrás de provas, mas duas pessoas passando um bom tempo juntas sem preocupações. Melhor, fingindo que não tinham preocupações.
Percorremos as ruas de Gunpo, visitando todos os locais. Passamos pelo Royal Azalea Festival, que era a atração mais bonita de Gunpo, quando as lindas azaleias floresciam. Os parques e as praças ficavam todos coloridos e cheirosos. As flores estavam em todos os lugares e eram tão lindas, e eu não queria mais sair dali. Elas cobriam os jardins públicos quase totalmente e, assim como nós, outros turistas também aproveitavam para tirar fotos.
Visitamos um monte local que nos fez subir uma escadaria enorme para encontrar uma linda vista da cidade com as flores rosa, vermelhas e brancas decorando o ambiente, como um casamento. A cidade era cheia de casas tradicionais com lanternas de papel penduradas pelas ruas.
Durante o passeio, eu experimentei das barracas de rua cakefish1, um tipo de salsicha empanada no palito, e odeng2 que combinou perfeitamente com o clima. Compramos chaveiros e camisas como turistas de verdade.
era mais divertido do que eu achei que seria. Na verdade, eu esperava um passeio silencioso e simples, mas ele me deu momentos inesquecíveis. Ele sabia muita coisa sobre história e me contava tudo enquanto passávamos pelos locais, usando uma linguagem fácil de compreender. Além de que pude ver seu sorriso por mais de meio segundo, o que era desconcertante, e eu acabei ficando com medo de ele perceber o quão envergonhada eu estava por aquela situação e parasse de sorrir.
Depois da longa caminhada dividimos um prato de Tteokbokki3 comendo em palitinhos em um banco de praça, observando as crianças e os mais velhos alimentando os pombos.
— Para onde vamos agora?
enfiou a mão no bolso e, me surpreendendo achando que ele tiraria um mapa do bolso, ele tirou um bolo de tickets de um parque de diversões.
— Surpresa! — eu peguei os tickets, sem acreditar.
— Eu não acredito que você lembrou. — falei, emocionada.
Há várias semanas, quando tentávamos matar tempo em casa esperando pelo assassino, havia me perguntado se havia algo que eu me arrependia e a única coisa que pude pensar no momento para responder foi de nunca ter ido a um parque de diversões quando meu pai tentou me levar. E ele havia lembrado, me dando aquele presente. Não pude deixar de ficar comovida pelo gesto.
acabou transformando um dia que eu havia achado que seria chato e preocupante em um dia maravilhosamente divertido e legal.
O parque ficava um pouco longe de onde estávamos, mas conseguimos chegar de ônibus. Era exatamente do jeito que eu esperava que fosse um parque de diversões. Trocamos as máscaras por óculos de Sol em formato de coração — o que me fez rir muito de como pareceu — e fomos gastar todos os tickets que havia comprado.
— Quando você conseguiu planejar isso tudo? — eu perguntei enquanto esperávamos na fila.
— Enquanto você dormia. O pessoal da casa de banho me ajudou a encontrar os lugares certos. Parece que estamos isolados aqui.
Nas barracas de tiro, ganhou todos os maiores presentes possíveis e tivemos que recusar todos, porque eram muito grandes para movermos. Eu sempre acabava com chaveiros sem graça ou um pacote de lenços.
me convenceu a experimentar todos os brinquedos arriscados, o que me fez pensar que ele também nunca tinha ido a um parque de diversões pela maneira que ficou animado. Experimentamos a montanha-russa, roda-gigante, martelo, barca e qualquer outro brinquedo que testava a saúde do meu coração. Quase vomitei na maioria deles, mas se manteve pleno, levantando as mãos em cada volta. Só faltou soltar os gritos de animação como as outras pessoas.
Comi pipoca doce, maçã do amor e algodão-doce, já que não gostava de doces. Sorte foi a dele, porque a mistura de tantas comidas me rendeu uma péssima dor no estômago poucas horas depois de termos chegado. Comecei a me sentir mal quando saí do carrossel.
— Você está meio pálida. — ele observou.
— Acho que vou vomitar. — admiti, segurando a barriga.
— É indigestão por causa de todas as besteiras que comeu, não é? — acenei, como uma criança.
me fez sentar em um dos bancos do parque se segurou meu dedo.
— O que você vai fazer? — perguntei, temerosa.
Ele começou a passar as mãos pelos meus braços, como se tivessem tentando transferir a dor para as minhas mãos. A aproximação me fez ficar um pouco nervosa.
— Vou fazer sua dor passar.
tirou uma agulha de dentro da carteira e meus olhos cresceram.
— , o que você está fazendo?
— Confie em mim, sua dor vai passar.
— Eu não sei a procedência dessa agulha e nem o quão bem ela foi limpa. — contestei, como boa profissional da saúde que eu era.
Antes que eu puxasse minha mão, ele furou a ponta do meu dedo com a agulha e um filete de sangue apareceu. Ele pressionou uma parte da minha mão com os dedos e eu senti a dor passar aos poucos. Eu peguei meu dedo da mão dele e fiquei encarando o pontinho vermelho.
— Eu não acredito nisso. O que você acabou de fazer?
— Esse é um truque que aprendemos desde cedo. — eu o encarei, surpresa. tinha as bochechas coradas e um sorriso animado. — Algo sobre medicina tradicional oriental.
Durante aqueles passeios eu estava vendo outro . Ele estava animado e parecia muito mais jovem do que era. A ruga entre as sobrancelhas tinha sumido e ele não se importava em sorrir ou rir de nada.
Se alguém me falasse que eu estaria comemorando meu aniversário confortavelmente ao lado do homem que havia me dado uma surra e um tiro, eu teria rido da piada, mas ali estava eu.
— O que foi? — ele perguntou.
— O quê? — eu despertei dos meus pensamentos.
— Você quer falar alguma coisa comigo?
— Não, por quê?
— Desde ontem você fica me encarando com esse olhar questionador, como se quisesse me perguntar algo.
Sutileza não era uma virtude que eu dominava bem. Fiquei feliz por não puder corar, porque se não estaria parecendo um tomate de tão envergonhada que fiquei.
— Nada, desculpe. Só fico divagando por causa da preocupação. — não era exatamente uma mentira.
— Hoje não temos nada para nos preocupar, lembra? O dia ainda não acabou. Vamos.
— Há quanto tempo você não se divertia assim? — ele pensou um pouco.
— Para falar a verdade, acho que nunca me diverti desse jeito. — olhei, fingindo indignação.
— Sua vida deve ter sido muito chata.
— Ocupada. — ele corrigiu.
— Que tipo de amigos você estava arrumando?
Só depois de perguntar, eu prestei atenção no que havia falado, mas eu não pude descobrir a reação que havia causado nele por causa dos óculos de coração cobrindo seus olhos.
— Todos tão sem graça quanto eu. — ele falou de maneira leve, provavelmente para não estragar o clima.
O dia começou a virar noite e a animação do dia deu lugar ao cansaço e à preocupação. Onde dormiríamos? O que faríamos no dia seguinte? Eu não queria que aquele dia acabasse, não queria voltar a pensar em tudo de novo, mas precisávamos acordar.
— Eu tenho um presente para você. — ele anunciou quando saímos do parque.
— Achei que eu já tinha recebido meus presentes várias vezes durante o dia.
Ele tirou do bolso dois cartões de aceso de quartos de hotel.
— Feliz aniversário. — meu queixo caiu e eu reprimi o grito de alegria.
— O quê? Mas como...?
— Eu tenho meus meios. Com duas ligações tudo foi arranjado. Hoje podemos fingir que somos normais.
— Mas e o dinheiro? Não temos tanto assim para continuar e...
— Não se preocupe com isso. Hoje é o seu aniversário. — eu sorri, grata.
— Muito obrigada. Esse foi o melhor presente de aniversário que você poderia me dar hoje.
— Você é muito fácil de agradar.
O lugar em que ficaríamos era lindo, chique e muito discreto. Eu me perguntava como havia conseguido aquele lugar para passar a noite.
— Iremos jantar no restaurante do hotel. Nos encontramos em uma hora, tudo bem? E tente ser o mais discreta possível.
“Eu não tenho nada para usar”, era tudo que eu podia pensar, mas não falei nada, apenas agradeci e subi para o meu quarto.
O lugar era enorme e muito confortável, como os quartos de hotéis dos filmes. Era tudo limpo e impecável. Joguei-me na enorme cama, apreciando o colchão confortável embaixo de mim. A Coreia era incrível, mas eu nunca trocaria as camas ocidentais.
Aquele era um luxo que eu sabia que, se não fosse bem aproveitado, nos colocaria em risco, e pensar que estava se colocando naquela situação por mim me fazia experimentar um tipo de emoção diferente.
Queria ficar para sempre deitada naquela cama com os lençóis limpos e cheirosos, mas arrastei meu corpo para o banheiro, para ficar limpa e pronta para o jantar. O lugar provavelmente teria pessoas bem-vestidas, mas eu só tinha jeans, camisa, um sapato simples e meu cabelo sem graça que eu havia tentado secar com o secador do banheiro, mas acabou ficando pior do que nunca, então eu só o deixei preso como sempre.
Tomei várias respirações profundas com medo de que alguém me reconhece pelo meio do caminho e fui encontrar . Sentamo-nos em uma mesa afastada, no canto, longe dos olhos dos outros.
— Eu me sinto uma mendiga nesse lugar. Olhe a roupa dessas pessoas.
— Não se preocupe com isso. Você está ótima. — aquilo tinha sido um elogio? Vindo de ?
— Todo mundo aqui é muito bem arrumado e parecem ser pessoas importantes.
— Mesmo não sendo, todos querem passar uma boa imagem. O hotel não é tudo isso, mas muitas celebridades vêm aqui, por isso foi mais fácil conseguir os quartos sem revelar nossas identidades.
O hotel era frequentado por celebridades e não era tudo isso? Será que sabia que o único hotel que eu conhecia eram os dos filmes?
— Eu fiz o nosso pedido, espero que não se importe.
— E se alguém nos reconhecer? — eu sussurrei para ele.
— Vamos orar para que isso não aconteça.
Durante o jantar, conversamos sobre coisas aleatórias até nossa comida chegar. Falei sobre a minha infância, meus sonhos e como havia sido para mim acordar naquele lugar sem lembrar de nada. falou um pouco sobre a sua infância e sobre a empresa. Falou sobre como foi ser criado pela eomeoni, como foram seus dias na academia de polícia e como foi desistir de seu emprego para abrir a empresa, com o desejo de ajudar outras pessoas.
A comida tinha um gosto diferente do que tinha comido até ali, mas nunca havia provado nenhum dos pratos. No final, acabei gostando de todos que escolheu. Para a sobremesa, o garçom colocou em cima da mesa um cupcake com uma vela em cima. Eu quase chorei emocionada quando percebi do que se tratava.
— Eu sei que não vai substituir o que seu pai faria por você, mas eu não poderia deixar de fazer isso.
— Obrigada. Nunca tive um aniversário como esse.
— Você merece depois de tudo que fez por mim. — meu coração se aqueceu com aquelas palavras. — Depois de um dia cansativo como hoje, eu sei que você quer descansar. Vamos subir.
pagou a conta e nós dois subimos juntos para os nossos quartos que acabaram por ser um ao lado do outro.
— Queria que esse dia não acabasse. — falei, baixinho, no elevador. — Não sei o que fazer para agradecer tudo que fez por mim hoje. Foi um dia inesquecível, principalmente diante das nossas circunstâncias.
— Só continue me ajudando e confiando em mim que estará agradecendo.
— Eu sei que parece estranho falar isso agora, pela situação ruim na qual estamos, mas eu fico feliz por ter vindo parar aqui. Descobri muitas coisas que eu nunca saberia sobre mim mesma se não tivesse passado por esses momentos difíceis. Fico feliz por ter sido você e nenhum outro.
— E eu fico muito feliz por ter sido você a parar no meu quarto.
— Não fale sobre isso. Meu braço ainda dói quando me lembro daquele tiro. — eu toquei no braço com a cicatriz e nós dois rimos.
— Ainda me lembro da sua cara de assustada.
— Ainda me lembro da sua cara de assassino. Você era tão assustador. — ele riu junto comigo de novo.
O elevador parou e nós dois saímos juntos. Andamos tão perto um do outro no corredor que nossos braços roçavam um no outro, e se nos aproximássemos mais, poderíamos dar as mãos. Não que a gente fosse fazer isso.
Paramos na frente das nossas portas e eu tirei meu cartão de acesso do bolso.
— Então... Acho que é isso. Novamente, muito obrigada por hoje. Boa noite, te vejo amanhã.
— ? — levantei a cabeça para olhá-lo e percebi o quanto ele estava perto de mim.
— Sim? — acho que eu sussurrei.
— Aqui está o presente que eu realmente queria ter dado durante todo o dia.
Então ele me puxou para perto e me beijou.
ELE ME BEIJOU.
1Cakefish: Ou eomuk, são filetes de peixe coreanos, típico snack de rua servido, geralmente, em palitos.
2Odeng: popular sopa coreana de bolinho de peixe.
3Tteokbokki: é um típico snack coreano de rua que pode ser picante, com queijo, molho de soja etc.
Capítulo 22
“As dificuldades são como as montanhas. Elas só se aplainam quando avançamos sobre elas.”
(Provérbio Japonês)
(Provérbio Japonês)
me beijou. Me beijou mesmo. Quer dizer, ele encostou os lábios nos meus levemente, me segurando pelo pescoço por, no máximo, cinco segundos, mas aquilo era um beijo. Eu senti o toque dos lábios até a ponta dos meus dedos do pé. Aquilo. Foi. Um. Beijo.
O frígido, sério e distante , que não alterava sua expressão nem quando falava sobre seus pais, estava me beijando. Minha mente ficou em branco e eu só consegui ficar petrificada no lugar.
— Boa noite.
Ele se afastou e entrou no próprio quarto, me deixando sem reação, parada do lado de fora.
Aquilo realmente tinha acontecido ou eu tinha acabado de imaginar aquela cena? O que significava aquilo? Por que meu coração estava batendo daquele jeito?
Me embaracei para conseguir abrir a porta, derrubando o cartão de acesso duas vezes no chão, mas depois de conseguir entrar, a única coisa que eu conseguia fazer era ficar deitada, pensando naquele beijo. O porquê de ele ter feito aquilo. Será que ele gostava de mim ou só havia sido pelo estado de animação daquele dia? não era uma pessoa impulsiva.
Toquei a ponta dos dedos nos lábios para constatar que havia sido mesmo real e eu me dei conta de que ainda podia sentir o calor da respiração dele ali. A pressão que ele havia feito em meu pescoço também. Aquele momento havia acontecido e eu estava parecendo uma otária sorrindo para o teto, tentando acalmar meu coração.
Eu queria que aquilo acontecesse? Sim. Eu gostava dele? Não sabia, mas nunca tinha me sentido daquele jeito com ninguém antes. Nunca havia dado atenção para a minha vida amorosa, e eu tinha tido um total de zero namorados na minha vida toda, então não sabia muito o que pensar. Sempre estive muito ocupada para aquele tipo de coisa. Nunca havia confiado em ninguém para conseguir dividir algo tão importante. Não até aquele momento.
Mas que espécie de beijo havia sido aquele? Foi o meu primeiro, mas em lugar nenhum eu havia visto as pessoas se beijando pela primeira vez daquele jeito de forma tão reprimida. E eu nem tive tempo de reagir e corresponder ao beijo, como eu queria ter feito.
Reunindo coragem, eu respirei fundo várias vezes e fui bater na porta dele, para resolver aquelas dúvidas. Nunca fui uma pessoa de deixar as coisas pela metade. E eu não queria que, no dia seguinte, acabássemos com um clima ruim, sem saber o que fazer depois do que havia acontecido. Não queria que um silêncio constrangedor se instalasse entre nós e nem que no dia seguinte ele me pedisse desculpas pelo beijo. Ou ainda pior, dissesse que havia sido um erro. Eu me sentiria péssima.
Não sei quando tempo eu havia ficado deitada pensando naquele beijo, mas quando abriu a porta do seu quarto, ele estava exatamente do jeito que estava antes. Também parecia atormentado pelo pseudo-beijo.
— O que há de errado? — ele perguntou, parecendo assustado e confuso.
Eu respirei fundo, olhando em seus olhos. Nunca tinha pensado nele daquele jeito, mas depois dos meus olhos serem abertos, não conseguia parar de pensar no quanto queria aquilo.
Fiquei na ponta dos pés, o agarrei pela gola da camisa e o beijei. Não um leve toque de lábios, mas com a boca aberta e tudo mais. Sua língua tímida entrou na minha boca e eu o incentivei a ir mais fundo. Suas mãos subiram para minhas costas, me trazendo para mais perto e eu mergulhei naquelas sensações, apertando os olhos fechados.
Eu tirei o apoio dos meus próprios pés e deixei que ele se segurasse com sua força, me apoiando totalmente nele.
me puxou para dentro do quarto, fechando a porta atrás de nós e me apoiando contra ela, aprofundando o beijo. Minhas mãos se apoiaram em seu pescoço, sentindo as pontas de seu cabelo curto pinicarem minha pele. A sensação era incrível. Eu não queria mais parar.
Ele se afastou um pouco para respirarmos e me olhou. Eu fiquei com vergonha.
— Olá. — ele sorriu.
— Olá. — eu sorri de volta.
— Você tem certeza disso?
Acenei com a cabeça e ele voltou a me beijar calorosamente. Ele me arrastou da porta para me deitar na cama cuidadosamente, onde ficamos deitados, de mãos dadas, olhando para o teto tentando recuperar o fôlego. Tudo que eu escutava eram as nossas respirações.
— Acho que gosto de você. — eu disse, franca, quebrando o silêncio.
— Eu gosto de você.
Meus dedos do pé se enrolaram de prazer. Ele me abraçou apertado, colocando minha cabeça em seu peito. Eu respirei fundo, sentindo seu perfume. Ele estava em todos os lugares e naquele momento eu percebi o quanto gostava dele. O quanto eu realmente desejei aquilo.
— Essas são as piores circunstâncias para isso, mas prometo que vou te proteger. Farei de tudo para que nada aconteça com você.
— Só não saia do meu lado.
— Eu não vou sair.
— Por favor.
Por favor, não vá. Por favor, não me deixe. Por favor, não me decepcione. Por favor, seja constante.
Não sei quando dormimos, mas acordados exatamente do mesmo jeito. Abraçados.
O dia seguinte não foi estranho como eu achei que seria. Voltei para o meu quarto ainda com a sensação de estar flutuando. Eu gostava de . Gostava de como ele me tocava, de como falava comigo, me explicando tudo com paciência e como ele conseguia me passar segurança. Eu confiava em como não havia confiado em ninguém.
Parecia que nada tinha mudado se alguém olhasse de fora, mas os detalhes eram pequenos. Os sorrisos tímidos, o leve roçar das mãos e os olhares. Como um casal. E aquilo causava uma excitação diferente e um frio na barriga.
Pegamos um trem para Busan ao meio-dia e traçamos um plano de ação.
— Eu tive uma ideia sobre as pistas dos objetos. — falei.
— Lembrou de alguma coisa? — ele perguntou.
— Não é uma lembrança. É mais como um... instinto, sabe? Pensei sobre isso e me pareceu o caminho certo a seguir. — ele fez um gesto para que eu continuasse a falar. — E se os objetos achados nas cenas foram realmente dos alvos?
— Mas nós...
— Não o que parece, — interrompi, antes que ele continuasse. — mas a quem realmente pertenciam os objetos? — tirou da mochila a pasta com a relação dos objetos encontrados nas cenas dos crimes.
— O objeto encontrado na segunda cena foi um CD autografado do meu pai. Esse bate com o alvo mais provável, mas o objeto da cena de crime seguinte, da enfermeira, não foi algo da enfermeira, mas sim do marido dela. O problema é que você tem certeza de que o alvo desse crime é a própria enfermeira.
Peguei as fotos da cena de crime onde foi encontrado o relógio do marido dela com as iniciais dele. Analisei cada detalhe do objeto na foto.
— E se esse relógio realmente pertencesse à enfermeira Cha? — palpitei. — E se ela comprou para dar de presente ao marido?
— Então tecnicamente era dela primeiro. Ele está fazendo um jogo mental com quem está investigando os crimes.
— E se encaixa com o meu palpite. Assim como no caso da outra família de Anyang. O objeto foi da esposa, mas pelas pistas que temos, é o pai que foi a vítima principal. Isso é um sinal de que o relógio pode ter sido dado de presente pela esposa.
Baseado nisso, começamos a fazer associações, observando atentamente cada objeto e tecendo ideais, até termo os alvos principais em cada cena.
— Já sabemos que um acontecimento liga as vítimas.
— Como uma enfermeira em Incheon está na mesma cena de dois trabalhadores civis, um detetive, um caloteiro de Busan, um apostador e várias outras pessoas diferentes umas das outras?
O mapa mental na nossa frente estava cheio de pontos de interrogação.
— Eles podem não estar envolvidos diretamente nesse incidente. — opinou.
— Todos os antecedentes criminais das vítimas foram estudados?
— Todos que conseguimos acesso.
— Históricos de viagem? De banco? Compras? — perguntei.
— Conseguimos poucas informações na época, porque não era muito útil para a nossa linha de investigação. — explicou.
— Um contato direto com a polícia seria perfeito agora para descobrirmos essas coisas. — falei, lamentando.
— Não posso envolver mais nenhum dos meus contatos dentro da polícia de Gangnam por causa do perigo que nós e eles poderíamos correr.
Mordi o lábio inferior, tentando pensar em uma solução.
— O que vamos buscar primeiro em Busan?
— Investigar um detetive da polícia enquanto é foragido não é a coisa mais sensata a se fazer. — ele falou.
— Então vamos procurar o outro bandido da nossa lista? — perguntei.
— Sim, o nosso possível alvo principal.
Peguei no sono com a cabeça no ombro de e acordei com medo de estar babando de novo em suas roupas. Em Busan estava frio, então compramos roupas mais quentes, além dos bonés e das máscaras que já estávamos usando.
— Quanto mais você tem guardado dentro dessa mochila? — eu perguntei, um pouco preocupada, pois aquela era a única fonte de renda que tínhamos e estava nos ajudando muito.
— O suficiente, mas não podemos mais exagerar muito. Eu sabia que assim que desaparecêssemos a polícia congelaria minhas contas e cartões, então peguei tudo que tinha guardado em casa. Não precisa se preocupar.
— Eu não estou preocupada com isso. Confio em você.
Ele pegou minha mão, entrelaçando nossos dedos, enviando calor por todo meu braço e espalhando pelo meu corpo.
Fiquei a viagem toda desejando que ele não largasse minha mão para continuar experimentando aquela sensação de conforto e foi isso que ele fez, até quando descemos no ponto.
Eu não negava, queria que ele me beijasse novamente até eu perder o fôlego esquecer o que precisávamos fazer, mas sabia que procurar pistas era muito mais importante do que aquilo.
Foi fácil achar a casa da mãe de Seo Dong-won. Assim como seu filho, ela era conhecida no bairro por seus atos ilegais. O acesso a ela também foi muito fácil, usando um pedido aos seus serviços.
— Você tem certeza que quer entrar? Aqui não é como os outros lugares em que fomos.
— Nunca fiquei de fora de nenhum até hoje, não importando o quão perigoso fosse. Claro que vou entrar.
A casa era a última da rua, cheia de enfeites bizarros na varanda. Um homem grande e careca estava na porta nos esperando. Ele nos conduziu para dentro depois de confirmar nossas identidades e eu percebi o porquê daquele lugar ser diferente dos demais.
A casa fedia a fumaça e não era apenas de incenso. Tinha um grupo de homens conversando em cada canto do lugar e que nos encaravam enquanto passávamos. A sala em que entramos era toda forrada por carpete e na parede, vários quadros estranhos, além de ter uma iluminação ruim, dando uma aparência mais assustadora ao local. Pensei no quão perigosa aquela gente era.
— Vocês estão aqui para encontrar a Madame Oh?
— Sim, marcamos um horário logo cedo. — respondeu ao careca que nos guiava.
— Como você conseguiu isso? — perguntei em um sussurro para . — Ela parece ser perigosa.
— Madame Oh é uma velha conhecida minha. Já estive aqui antes.
— Por causa do filho dela?
— Não só por isso.
Queria muito saber como ele havia se metido com aquela mulher, mas guardei a curiosidade para depois porque passamos por uma cortina de contas para entrar em outro cômodo. Ao que parecia, a sala da Madame Oh.
— Olá. — eu e a cumprimentados formalmente, com uma reverência quase sincronizada.
— Eu me lembro de você. — a mulher sentada do outro lado da sala falou com uma voz grave.
— Sim, nós já nos... — começou a falar, mas ela o interrompeu, levantando uma mão para fazê-lo parar de falar.
— Você não. Ela. — Madame Oh apontou para mim com uma de suas unhas incrivelmente longas. — , não é?
Capítulo 23
“Mesmo se você está encurralado por um tigre, se manter a calma você pode sobreviver.”
(Provérbio Coreano)
(Provérbio Coreano)
Madame Oh era diferente do que eu imaginava. Deveria ter, no máximo, cinquenta nos, mas era esbelta, alta e com o rosto bem maquiado. Suas roupas eram simples, mas pareciam caras, assim como as joias nos dedos e nas orelhas. Seu rosto era bonito, com uma expressão levemente prepotente, mas nada familiar. Eu não conhecia aquela pessoa.
— Já nos vimos antes? — perguntei, confusa.
— Não, mas eu me lembro da sua voz. O sotaque é bem singular.
— Eu já falei com você? — ela soltou uma risadinha.
— Você não lembra?
— Desculpa, eu tive um acidente recentemente e perdi a minha memória. — revelei.
Ela me olhou como um bicho curioso em um zoológico. Quase me encolhi. Como eu havia entrado em contato com aquele tipo de gente?
— Interessante. Por favor, sentem-se. Temos muito que conversar.
— Você pode nos contar tudo o que sabe sobre mim? — eu pedi, sem fazer menção de sentar.
— Podemos pagar. — falou sem rodeios.
— Eu sei que você pode, . Mas você me deve muito mais do que pensa. Eu a trouxe para você.
— O que você está falando? — ele perguntou com um tom nada agradável.
— Há um tempo, a Srta. entrou em contato comigo para investigar a morte do meu filho e eu achei muito interessante o fato de o Sr. ter me encontrado há muito tempo para pedir a mesma coisa.
— Então quer dizer que eu realmente estava investigando os casos ligados a esse serial killer?
— Você sabia de algumas coisas e eu fiquei muito surpresa quando conseguiu entrar em contato comigo do outro lado do mundo, mas você pareceu muito interessada em saber coisas que ninguém nunca perguntou antes. Eu passei o número de para você entrar em contato com ele porque sabia que ele estava investigando do mesmo jeito que você e eu não tinha tantas informações para ajudar. Depois de alguns meses você me contou que estava vindo para a Coreia e que iria se encontrar comigo, mas nunca apareceu. Sem ligações e nem mensagens. Achei que você tinha desistido de tudo ou estava morta. — na verdade, eu estava quase morta. — Não sabe a minha surpresa quando vi vocês dois aqui, juntos, de mãos dadas ainda por cima.
Soltamos as mãos imediatamente, como se tivéssemos levado um choque.
— O que eu contei a você? O que você me contou? — exigi.
— Por favor, sentem-se. Temos muito que conversar.
Eu e sentamos nas poltronas de veludo na frente da mesa dela.
— Você sabia que os crimes estavam conectados entre si e que cada um tinha uma vítima específica. Você também sabia do envolvimento do meu filho com as outras vítimas e queria que eu contasse o que havia acontecido.
— Como eu descobri tudo isso em questão de meses?
— Não sei, mas também desconfiei, para uma pessoa do outro lado do mundo, mas decidi confiar em você. Você mostrou algo que nem a polícia mostrou. Empatia e a vontade de trazer paz para a morte horrível do meu filho.
— Foi por isso que você não me contou nada? — perguntou a ela.
— Você chegou aqui muito arrogante, disposto a pagar o quanto eu pedisse pelas minhas lembranças sobre o meu filho. Ela me fez confiar nela com as palavras que eu ouvi.
— Mas você trabalha com dinheiro. — se justificou.
— Mas são as memórias de uma mãe. — eu o expliquei e ela me agradeceu com um sorriso.
— Esse é o porquê de você, com tantos recursos, não ter conseguido chegar a lugar nenhum, e ela, em poucos meses e ainda do outro lado do mundo, ter conseguido juntar todas as peças do quebra-cabeça e encontrar a solução.
— Eu encontrei a solução? Eu descobri o que aconteceu com aquelas pessoas? — eu e ficamos perturbados com aquela notícia. Nenhum de nós havia imaginado que eu teria conseguido chegar tão longe.
— Foi por isso que você veio à Coreia. Você iria encontrar para fazer uma finalização.
— Mas fui achada antes pelo assassino. — contei. — Você sabe como ele me conhecia? Como ele descobriu que eu viria? Você sabe qual o meu envolvimento com ele? Você sabe quem é ele?
— Não sei muita coisa sobre você. Não sabia nem de que país você falava comigo. Só conversávamos sobre o que eu sabia em relação ao que você me contava. No último mês que nos falamos, as ligações eram mais raras e curtas. Além disso, você parecia com medo e muito assustada com tudo, usando códigos nas conversas. Chegou a dizer que estava em perigo várias vezes.
Minhas mãos começaram a tremer quando as lembranças chegaram depois das palavras dela. O medo era horrível. Eu tinha pavor do que me cercava e sabia que poderia morrer a qualquer momento. Queria ir embora e fugir daquilo. A sensação era muito vívida.
— Você lembrou, não foi?
— Eu estava desesperada. — confirmei.
— Quanto mais perto da resposta você fica, mais medo você tem.
— Mas por que eu comecei essa procura? Não me lembro de ter visto nada sobre essa investigação em nenhum lugar. Qual o motivo que fez isso se tornar o objetivo da minha vida, a ponto de me colocar em risco para descobrir a resposta? — ela deu de ombros.
— Como eu disse, as ligações começaram de repente, então não conheço nada sobre você antes disso.
— Você pode nos contar o que contou para ela sobre seu filho? — pediu. — Talvez ajude.
— Meu filho deixou de trabalhar comigo aos dezenove anos para construir seu próprio negócio, mas ele mexia com coisas muito mais baixas do que eu. Enquanto eu mexo com agiotagem e informações secretas, ele mexia com falsificações, sequestros e roubos. Ele foi preso várias vezes e faliu várias vezes também. Não sou a pessoa mais honesta do mundo, mas meu filho fez coisas que me envergonharam muito. Ele passou do limite várias vezes.
— Mas algo aconteceu, não foi? Algo importante.
— Ele se juntou com um homem chamado Cha Dal-bong. Na época, ambos usavam nomes falsos e foi muito difícil para os meus homens conseguirem uma associação entre eles, mas eu tentava seguir todos os seus passos.
— Cha Dal-bong é o nome da outra vítima.
— Então eles realmente estão ligados.
— Seo Dong-won e Cha Dal-bong fizeram muitas coisas erradas. Eles sequestraram e mataram uma família juntos, além de vários outros furtos. Foram indiciados, mas considerados inocentes. Não sei o que aconteceu. Eu também queria que ele tivesse pagado.
— Mas como a polícia não descobriu o envolvimento deles dois e juntaram as peças sobre o acontecimento que ligava as vítimas?
— Porque os tempos eram outros. Meu filho usou muitos nomes falsos enquanto passava pela polícia, ele era especialista nisso. Além disso, houve um incêndio na delegacia de Anyang e vários casos foram perdidos. Como esse já havia sido finalizado, não houve muita preocupação.
— Espera. Você disse Anyang?
— Sim, foi lá que meu filho e Cha Dal-bong foram indiciados pelo homicídio. Isso esclarece alguma coisa?
— Muita coisa.
Aquelas informações faziam com que nossos olhos fossem abertos para algo que não tínhamos pensado antes.
— Por acaso você sabe alguma coisa sobre o ex-detetive Goo Dae Young? — ela negou com a cabeça.
— Esse nome não é estranho, mas nada sobre ele me vem à memória. — Madame Oh falou.
— O que nos contou até agora foi o suficiente. — eu disse.
— Para onde vocês irão a partir daqui? — ela perguntou.
— Descobrir sobre o delegado Goo Dae Young e depois voltar para Gangnam. — contou.
— Com a polícia os caçando?
Éramos tão famosos daquele jeito?
— Como você sabe disso?
— O rosto de vocês já está bem conhecido nos jornais.
Meu coração gelou. Será que ela nos entregaria?
— Posso ler seus pensamentos daqui. Eu não vou te entregar à polícia. E não é porque também sou uma criminosa.
— O que te faz confiar em nós? — perguntou.
— Eu não confio em você. Não confio em ninguém que tem muito dinheiro.
— E o que vai fazer? Nos ajudar?
— Na verdade, sim. Posso emprestar um quarto, enquanto vocês estiverem na cidade. Dinheiro também, mas acho que esse não é um problema para vocês. — ela provocou .
— Muito obrigada. — eu curvei a cabeça.
Aquela mulher não era diferente da Sra. Choi. Mesmo sendo uma criminosa, uma mulher que comandava uma rede de serviços ilegais, Madame Oh era uma mãe que queria saber o que havia acontecido com seu filho.
— Hoshi vai mostrá-los onde vai ficar o quarto de vocês. Creio que não precisaram de dois, certo?
Ela piscou maliciosamente e eu senti meu rosto esquentar com a vergonha. também não respondeu nada, provavelmente tão envergonhado quanto eu.
O careca — Hoshi — nos levou escada acima e nos indicou um quarto onde, novamente, dormiríamos juntos. Era muito safado achar aquela ideia muito boa? Dois beijos e eu já estava me transformando naquele tipo de pessoa.
— O que a cama fez para você? — despertei do transe.
— O quê? — perguntei como se tivesse sido pega fazendo algo de errado. Como uma criança pega pela mãe com a mão no pote de biscoitos. Me envergonhei dos meus pensamentos.
— Você está olhando para a cama de um jeito assustador. Se está preocupada com isso, eu posso dormir no chão.
— Não! — falei muito rápido e um pouco alto demais. Pigarreei para consertar a voz. Que tipo de estúpida eu era? — Já fizemos isso antes, não tem problema.
— E o que te preocupa? — ele amansou a voz e me abraçou. Eu amava quando ele fazia aquilo. Eu podia passar os braços por sua cintura e encostar o rosto em seu peito quente, ouvindo seu coração bater rápido, assim como o meu. Eu me sentia estranhamente conectada a ele, segura e confortável quando ele me abraçava daquele jeito.
— Você confia nela? — perguntei.
— Sim. E ela também confia em nós.
— Em mim. — corrigi, com graça.
— Em nós. Se ela não confiasse em mim, não teria te mandado diretamente ao meu encontro.
Eu olhei para cima, encarando seus olhos.
— Quando vamos começar a pensar no próximo passo?
— Depois. Agora eu só quero te beijar.
E ele me beijou. Muito. E, dessa vez, foi um beijo de verdade.
Capítulo 24
“Sem o fogo do entusiasmo, não há o calor da vitória.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
Meu pesadelo naquela noite não foi como nas outras noites. Ele começou com meu pai. Seus olhos tristes me dizendo que teríamos que ir embora. Sua voz em cada ligação, as nossas memórias felizes quando ele conseguia me visitar. Mas então as memórias foram substituídas pelo medo e pela desconfiança.
— , onde você está? — sua voz perguntou no telefone.
— Eu estou ocupada. — eu fui curta e grossa.
Nunca tinha usado aquele tom de voz com ele antes. Eu estava muito chateada. Ouso dizer que estava... com raiva dele. Eu não sentia raiva com facilidade e não conseguia enxergar meu pai me fazendo ficar daquele jeito.
— , por favor, pare com isso.
— Vai responder o que eu quero saber? — gritei.
— Não há nada para saber. Está tudo no passado, deixe esse assunto para lá. — eu me senti ressentida com suas palavras.
— Eu vou até o fim para descobrir tudo.
— Você não vai querer cavar isso, . Acredite em mim. Eu não quero que você se envolva com isso.
— Eu não posso mais confiar em você.
As lágrimas acumuladas em meus olhos começaram a cair.
— Aquilo que você viu...
— Eu não quero suas desculpas, Henrique Sanchez.
Aquele nome era como um veneno na minha boca.
— Não me chame por esse nome.
— Por quê? Te faz lembrar coisa do passado que você está tentando esconder embaixo do tapete?
— Eu amo você, filha. Independentemente de qualquer coisa.
— Não ama. Suas mãos estão sujas de sangue.
Sangue. Sangue. Por que meu pai havia feito aquilo?
Meu pai. Meu super-herói. A pessoa que eu mais amava no mundo.
Naquela noite, eu chorei no meu travesseiro com a dor da traição. Meu coração doía de uma maneira que eu nunca imaginei que poderia doer.
Acordei soluçando no peito de . Meu nariz estava entupido com tantas lágrimas e eu não conseguia parar os soluços.
— , o que aconteceu?
Eu não sabia explicar, mas eu me sentia tão triste que só sabia chorar.
— Eu não sei.
me abraçou e eu chorei em sua camisa. Ele tentava me consolar alisando as minhas costas e dizendo que tudo ia passar, mas eu estava angustiada com algo que nem sabia o que era.
O que havia acontecido comigo e com meu pai? Por que não confiava mais nele? Por que eu o chamei por aquele nome? Quem era Henrique Sanchez? Por que algo me dizia que aquilo tinha alguma coisa a ver com as investigações que eu havia feito? Logo meu pai, que parecia tão distante de tudo aquilo. Será que ele havia descoberto o que eu estava investigando e queria me impedir para que eu não me machucasse? Mas por que aqueles sentimentos horríveis em relação a ele?
Queria as respostas, mas ao mesmo tempo temia sobre o que poderia encontrar se cavasse fundo demais. Pela primeira vez, eu não queria lembrar.
— Você conseguiu lembrar de alguma coisa?
— Não, só foi um pesadelo horrível.
Não menti, porque eu não sabia se aquilo era apenas um sonho ou uma lembrança real, mesmo algo no fundo de mim dizendo que aquilo poderia me ajudar com alguma coisa. Preferi guardar até ter certeza dos meus pensamentos e aquilo me doeu.
Aos poucos fui parando de chorar e os soluços foram cessando enquanto me segurava. Não pude evitar me sentir culpada por não conseguir falar para ele.
— Talvez você devesse descansar um pouco hoje. Pode ser o estresse dos últimos dias. — ele falou.
— E deixar você ir sozinho? De jeito nenhum.
Levantei a cabeça de seu peito e enxuguei as lágrimas.
— Eu consigo me proteger.
— Disso eu não tenho dúvidas, mas você também precisa descansar. Ou você se esqueceu dos pontos que ainda não cicatrizaram na sua barriga?
— Eu já estou bem. — ele falou.
— Então vamos juntos.
— Nunca vou conseguir te convencer a ficar?
Neguei com a cabeça, tentando sorrir, fingindo que nada tinha acontecido. Dei um beijo em sua bochecha para mostrar que estava realmente bem.
Quando saímos, levamos conosco todas as coisas, mesmo pretendendo voltar, já que não tínhamos lugar nenhum para ficar e ali era o abrigo mais seguro. Madame Oh não estava na casa, então só cumprimentamos algumas pessoas na saída e fomos embora.
— Não conseguiremos falar com ninguém da família, nem com os vizinhos e nem com os colegas de trabalho. Ou seja, será impossível colher mais do que já temos.
— Então não estamos indo para o delegado Goo Dae Young?
— Não, estamos indo para a casa do advogado e da professora Lee.
— As duas últimas vítimas. — ele confirmou.
— Foi encontrado a mochila da filha mais velha na cena do crime de .
— Era o primeiro ano dela na escola. Havia sido educada em casa pela mãe, assim como sua outra irmã, a mais nova, estava sendo. — eu consegui lembrar os detalhes daquele caso.
— A mochila pode ter sido dada pela mãe ou pelo pai. Quem nós marcamos como alvo principal? — ele perguntou.
— Diferente dos outros casos, tanto a mãe quanto o pai poderiam ter tido acesso ao acontecimento junto às outras vítimas, porque a Professora Lee era uma tutora particular e o marido dela era um advogado bem conhecido da época. — respondi.
— Mas analisando o histórico do advogado Lee, todos os seus casos foram de homicídio, onde ele, geralmente, defendia o réu e não a vítima. — opinou.
— Por causa do relacionamento das filhas com a mãe, de acordo com os testemunhos, achei que ela havia dado a mochila de presente, logo, ela seria o alvo principal. Mas, olhando por esse lado, é mais provável que o advogado Lee estivesse envolvido. — eu falei.
— Pelo histórico do advogado Lee, ele poderia ter se envolvido com um dos criminosos. Ou com ambos.
— Mas o que eu não consigo entender é o que uma enfermeira de Incheon estaria fazendo no meio disso tudo.
— O acontecimento do sequestro e homicídio liga as duas vítimas com ficha criminal. Talvez o advogado e o detetive também. Trabalhar na mesma empresa liga as duas vítimas de Anyang e a cidade liga esses dois casos.
— Mas nada os liga à enfermeira. — insisti.
— Ou liga e nós não sabemos.
— Em algum momento ela trabalhou em Anynag? — perguntei.
— Ela nunca trabalhou em nenhum lugar a não ser no St. Mary. E eles não transferem seus funcionários.
— Pode ter sido um passeio para a cidade, talvez.
— Não temos acesso ao histórico de viagens dela e nem da família, isso dificulta as pesquisas.
— Algum deles poderia ter sido tratado por ela. — eu opinei.
— Então a chave é o acontecimento do sequestro. Precisamos descobrir o que aconteceu naquele dia.
Como não poderíamos voltar para investigar e Anyang, usamos os computadores de uma biblioteca pública para pesquisar sobre o sequestro de uma família em Anynag relacionando com os nomes dos culpados, mas era tudo muito difícil de encontrar por conta do ano do acontecimento. A internet não conseguia fornecer muitas informações.
Li várias matérias diferentes, mas nenhuma batia com o que estávamos procurando. Desistimos quando percebemos que aquilo havia sido tempo perdido.
— Você sabe quem pode nos ajudar com essa procura. — falei, com a ideia.
— Você acha que Madame Oh teria guardado matérias com os crimes do filho?
— Ela é uma mãe, no final de tudo. O sentimento de culpa sempre permanecerá com ela. — argumentei.
— Então vamos voltar.
Como eu havia dito, Madame Oh tinha guardado todas as informações das vítimas e dos julgamentos que seu filho estava envolvido. Os jornais eram muito antigos, mas as informações estavam lá. Em quase todos ele tinha um nome diferente e eu pensei no trabalho que ela tinha tido para conseguir aquelas matérias. Lemos cada um dos papéis até acharmos o que se encaixava com o que queríamos.
Um casal de Gangnam que estava de férias em Anyang. A mãe, grávida do segundo filho, dona de casa, o pai, diretor de uma empresa de artigos esportivos e a filha mais velha de quatorze anos. Passaram quatro dias em cativeiro e foram mortos a facadas em um terreno nos limites da cidade. O crime havia abalado Anyang. A foto do jornal estava um pouco apagada, mas eles pareciam uma família muito feliz. Um dos jornais havia divulgado a foto da cena do crime, e mesmo um pouco desfocada, as semelhanças eram inconfundíveis.
— Você pensou a mesma coisa que eu? — perguntou depois que lemos as informações.
— A mesma quantidade de facadas de todas as vítimas. — respondi.
— Os crimes são muito parecidos.
— Um imitador? — perguntei.
— Os criminosos foram mortos do mesmo jeito. Imitadores devotam a quem imitam. Essa pessoa repetiu todo o crime de propósito.
— Isso parece com um crime de ódio.
— Porque é um crime de ódio. — confirmou. — Uma vingança a todos que estiveram envolvidos com o assassinato dessa família.
— Isso muda tudo. — eu falei, um pouco assustada. — Precisamos levar essas informações à polícia.
— Só podemos ir à polícia quando tivermos certeza e não apenas palpites.
— Nós vamos tentar descobrir quem foi o assassino dessa família? — ele acenou. — E o que vamos fazer? Continuar fugindo?
— Vamos voltar para Seul e obter as nossas respostas sobre essa família. — revelou. — Precisamos saber quem mais sofreu com a perda dessas pessoas e que se encaixa com o perfil. Quem sofreu tanto a ponto de querer vingança, planejar e executar algo tão bem feito.
— Como podemos conhecer essa família se o nosso rosto pode ser identificado por qualquer um?
— O meu rosto é conhecido, não o seu. — falou.
— Mas eu também estou sendo incriminada. — argumentei.
— A mente humana tem a tendência de guardar as informações mais importantes e mais fáceis. É muito mais fácil para um coreano guardar o rosto de outro coreano. Além disso, seu rosto está distorcido nas fotos que eles liberaram. — comecei a entender onde ele queria chegar.
— Você quer que eu vá investigá-los sozinha?
— Você não vai sozinha, porque eu estaria com você o tempo todo, mas é seu rosto que eles verão. É arriscado e eu não quero colocar sua vida em risco. Nós precisamos, na verdade, você precisa pensar muito bem antes de aceitar isso.
— Mas é nossa melhor chance também.
— Estaremos lidando diretamente com o assassino, se estivermos certos.
— Eu estou disposta a correr esse risco. — falei com confiança. Já tínhamos chegado até ali, não tinha mais como voltar a trás.
— Se conseguirmos, poderemos entregar nossas informações à polícia e você finalmente poderá recuperar sua identidade. Vamos tentar conseguir mais informações sobre essa família antes de voltarmos para casa.
O pensamento de voltar para o lugar no qual enfrentamos o assassino cara a cara e quase morremos, além de ser onde a polícia estava nos esperando, me causava pânico e pavor.
— Eles estarão nos esperando. Como chegaremos em segurança?
— A resposta está bem aqui. — ele falou. — Madame Oh.
— Foi por isso que você precisou dos serviços dela no passado? — perguntei, sem esconder minha curiosidade sobre o que tinha acontecido.
— Também. Ela é muito boa em encontrar pessoas e revelar informações secretas que ninguém tem acesso. — aquilo despertou uma ideia na minha mente. Madame Oh poderia me ajudar a desvendar o meu sonho. — Você parece ter pensado em alguma coisa que poderia ajudar. O que foi?
— Não é nada. — escondi, não por falta de confiança nele, mas por falta de coragem. — Só estou animada com a perspectiva de voltar em segurança.
— Eu vou fazer de tudo para garantir a sua segurança, mas agora você namora um suspeito de assassinado, o que torna as coisas mais difíceis.
Minha mente imatura só conseguiu fixar a palavra “namoro”, que causou algo em meu estômago.
— Namorada? — levantei uma sobrancelha provocativa para ele. — Nunca recebi um pedido formal.
— Você quer que eu faça isso agora? — eu ri, batendo levemente em seu peito, de brincadeira.
— Bom, então somos dois fora da lei.
Capítulo 25
“Os nossos desejos são como crianças pequenas: quanto mais lhes cedemos, mais exigentes se tornam.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
— Onde está ? — Madame Oh perguntou assim que eu entrei em sua sala.
— Ele ainda está dormindo. — respondi.
— Ele não sabe que você está aqui, não é?
— Não, não sabe.
Sentei-me na frente dela, depois de fechar a porta.
— Sabia que você viria aqui sozinha mais cedo ou mais tarde. — ela falou, com os olhos ainda nos documentos em sua frente.
— Você deixou de nos contar alguma coisa ontem. — não perguntei.
— Não, mas você é mais inteligente do que .
Ela guardou os papéis e me encarou intimamente, com o queixo apoiado nas mãos.
— Você consegue enxergar o que ele não pode. Além de tudo, você está mais familiarizada com a verdade do que ele e pensa muito além.
— Eu posso confiar em você?
— Eu deixei vocês ficarem dentro da minha casa e respondi todas as suas perguntas. Acho que isso é o suficiente.
— Preciso dos seus serviços para encontrar uma pessoa.
— A empresa de não poderia ter feito isso melhor do que eu?
Eu não queria que ela ficasse com a impressão de que eu não confiava em , então queria deixar claro.
— Essa informação é nova, além disso, a lei limita . Você é diferente. — falei.
— O que você quer de mim?
— Alexandre e Henrique Sanchez. — só se citar aquele nome, meu coração disparava, mas de uma maneira ruim. — Preciso dessas informações ainda hoje, antes de voltarmos para Seul.
— Pelo menos me diga quem são essas duas pessoas. — Madame Oh pediu.
— Na verdade, eu acho que são a mesma pessoa.
— Seu pai?
— Como você sabia disso? — perguntei, surpresa por ela saber daquilo. — Eu te contei alguma coisa sobre ele?
— Não, mas vocês dois tem o mesmo sobrenome e vendo como você está querendo esconder isso de , me pareceu que ele poderia ter alguma coisa a ver com tudo isso.
— Eu não estou escondendo nada de . — respondi, na defensiva. — Só quero confirmar antes de levar apenas desconfianças e esperanças desnecessárias para ele.
— Você não precisa me dar nenhuma desculpa, querida.
Ela me deu um sorriso único que escondia muitas ideias por trás.
— Você sabe que isso não é um favor, não sabe?
Madame Oh sabia muito bem que eu não tinha dinheiro nenhum e não poderia pedir a para pagar aquela dívida, então ela estava me provocando.
— Pagarei antes de sair da Coreia. — respondi.
— Você tem tanta certeza que vai conseguir descobrir?
— Como você disse, eu consegui uma vez, posso conseguir de novo. Eu vou conseguir de novo. — falei com certeza,
— Você receberá as informações antes de ir. — Madame Oh garantiu.
— Obrigada pela ajuda. — ela parecia querer falar mais alguma coisa, mas apenas me mandou voltar para cima para me preparar para a viagem.
Vendo no andar de cima, meu coração se apertou com a culpa. Ele havia confiado em mim quando apareci de repente em sua casa no meio da noite e eu estava quebrando aquela confiança escondendo aquela informação, que poderia ser importante, dele.
— Onde você estava? — não consegui mentir.
— Lá embaixo com Madame Oh. — respondi.
— Ela falou alguma coisa sobre a viagem?
— Sim, sairemos pela tarde. Hoshi irá nos levar. Teremos que dormir nas proximidades e voltar à viagem amanhã. Chegaremos a Seul pela manhã.
— Você parece preocupada. — ele se aproximou e me segurou pelos ombros. Apoiei as mãos em seu peito, quase não olhando em seus olhos.
— Tenho medo que a polícia nos encontre.
— Confio que Deus irá nos proteger, assim como você disse. — suas palavras entraram e aqueceram meu coração.
Fiquei na ponta dos pés e o beijei. Foi leve no início, como ele havia feito em nosso primeiro beijo, com os lábios se tocando e os olhos cerrados, mas ele abriu a boca e me beijou mais profundamente. Suas mãos seguraram minha cintura e me ergueu até eu chegar à sua altura. Meus dedos do pé se enrolaram com as sensações que ele me causava. Eu o segurei e desejei que pudéssemos fundir nossos corpos em um. Queria sentir a sensação de seu cabelo sedoso em minhas mãos.
Alguém bateu na porta e nós nos afastamentos como se tivéssemos levado um choque, pulando para longe um do outro. tentou ajeitar a aparência, mas seu rosto estava todo rosado e sua boca vermelha por causa do beijo. Ele parecia assustado e eu o achei tão fofo que quase pulei nele de novo. causava uns efeitos tão estranhos em mim que eu quase não me reconhecia.
— Pode entrar.
Hoshi nos cumprimentou e avisou que o café da manhã estava pronto e Madame Oh estava nos convidando para comer com eles.
— Tomar café como se fossemos uma família? Estranho.
— Pelo preço que eu paguei? Ela deveria nos servir em taças de ouro.
Não queria nem imaginar o preço que aquela viagem segura tinha custado. Temi não termos mais dinheiro para continuar aquela investigação, mas nunca falaria comigo se tivéssemos passando por problemas financeiros.
— Ela conseguiu encontrar os parentes vivos da família assassinada ontem?
— Até a hora que eu voltei para o quarto, só acharam duas primas que moravam no exterior e uma avó.
— Nenhum irmão ou amigo próximo? — ele negou com a cabeça.
— Nenhum parente ou amigo relevante do sexo masculino.
— Ou seja, nada do assassino.
Encerramos a conversa assim que chegamos ao andar de baixo. Achei que Madame Oh lançaria algum olhar sugestivo na minha direção por causa da conversa de mais cedo, mas ela agiu como se nada tivesse acontecido.
— Não vou perdoar se você não me ligar com notícias. — Madame Oh falou e me abraçou.
— Tenho uma dívida para pagar, não posso sumir. — sussurrei em seu ouvido, retribuindo o abraço.
— E nem ser presa porquê da prisão não vai conseguir pagar também. — Madame Oh respondeu.
— Eu prometi que traria as respostas.
Ela pegou em cima da mesa um envelope lacrado em colocou em minhas mãos de maneira discreta.
— Aqui está. Lembre-se que nem todas as respostas que procuramos são as que queremos encontrar.
— Você leu? — eu perguntei com expectativa, mas ela ignorou a pergunta.
Tentei decifrar sua expressão, mas ela não revelava nada.
— Espero que faça bom proveito das informações que ler.
Depois disso ela foi se despedir de que estava conversando com Hoshi. Coloquei o envelope às pressas dentro da mochila antes que percebesse alguma coisa. Se percebeu, não comentou nada.
— Dormiremos em um pequeno hotel de beira de estrada para não levantar suspeitas. — falou, quando entramos no carro.
A viagem até o lugar que passaríamos a noite não demorou. Logo o dia ficou escuro e o cansaço começou a bater. Não contei para , mas estava com medo. Não era medo de ser descoberta ou ser presa, era medo de lembrar.
— Vocês ficarão em quartos separados.
Hoshi nos entregou as chaves e foi concluir nosso check-in. Despedimo-nos, cada um perdido em seus próprios pensamentos para entrarmos em nossos quartos.
Assim que constatei que estava sozinha, tirei o envelope lacrado da mochila e deixei em cima da cama. Fiquei por muito tempo encarando-o como se fosse um extraterreste que havia pousado ali. Meu maior medo era das minhas desconfianças estarem certas e meu pai ter algum envolvimento com aquela investigação. Outros pensamentos piores do que aqueles rodavam minha mente, mas eu não ousava dar brecha para eles.
Por um segundo eu quis apenas rasgar os papéis e fingir que nunca havia pedido por eles, mas eu não tinha coragem suficiente para passar por cima daquilo. Minha curiosidade – e instinto – quase me obrigavam a abrir o envelope.
Ele deve ter sido um policial envolvido na investigação, só isso.
Não tem nada a ver com o que eu estou pensando que é.
Ele deve ter tido suas razões para fazer qualquer coisa que tenha feito.
Ele é meu pai, nunca me decepcionaria.
Ele nunca faria algo errado.
Eu o conheço.
Mas será que conhecia mesmo?
Comecei a me perguntar quem era o homem que eu chamava de pai. O que eu sabia sobre ele? A pergunta tinha uma resposta simples: quase nada. Nunca tive curiosidade ou malícia para saber mais além do que ele me dizia.
Com o coração disparado, eu agarrei o envelope e o rasguei ansiosamente, tirando os papéis de dentro.
Confirmei o que já desconfiava. Alexandre e Henrique Sanchez eram a mesma pessoa.
Enquanto esteve na Coreia, meu pai usou o nome de Henrique Sanchez até o ano do meu nascimento, mas as informações mostravam que ele havia saído da Coreia no mesmo ano e ido para o Brasil, mas a verdade era outra. Ele havia mudado seu nome para Alexandre e viajado apenas cinco anos depois para o Brasil e trabalhado lá desde então. Seus cinco anos de vida na Coreia como Alexandre não tinham nenhum registro. Assim como eu. Era como se Alexandre tivesse nascido cinco anos depois. Aquela era a prova de que meu pai havia mentido não só para a lei, mas principalmente para mim.
Ele, durante toda minha vida, estava usando um nome falso e mentindo sobre sua própria história. Provavelmente sobre minha mãe também.
Eu me senti uma farsa. Traída e enganada. Meu próprio pai havia mentido para mim. A pessoa que eu mais confiava. Quando achei que estaria mais perto de descobrir a verdade, apenas me enchi de mais dúvidas. Nunca poderia recuperar a minha identidade porque eu não tinha nenhuma para recuperar.
Os resultados seguintes eram incertos. Não havia muita coisa sobre os dezessete anos seguintes da vida de Alexandre , até porque as buscas de Madame Oh se limitavam ao território coreano.
Outras páginas descreviam a vida de Henrique Sanchez na Coreia. Um policial que havia chegado à Coreia com sua esposa Sanchez em 1985 e morava em Incheon. Começou a trabalhar em Anyang três anos depois, após passar em uma prova para transferência e se mudou com toda sua família para a cidade. Eu não tinha conhecimento de nada daquilo. De acordo com o que ele havia me contado, tínhamos morado em Incheon durante os meus cinco primeiros anos de vida, antes de voltarmos para o Brasil. Eu não sabia nada sobre Anyang.
As datas batiam perfeitamente com o incidente do homicídio da família que ligava as vítimas. Ou seja, meu pai, possivelmente, também estava envolvido com o crime. Provavelmente havia mudado de nome e fugido da Coreia por medo, quando começou a ligar os crimes. Com medo de virar uma vítima também.
Mesmo pensando daquele jeito, a sensação de traição permanecia. Eu entendia os motivos dele, mas nada justificava a mentira. Eu já não tinha nome, nem identidade. Não tinha uma casa para voltar quando aquilo acabasse. não existia. Era uma mentira. Eu era uma mentira. Por isso havia sido tão fácil para o assassino apagar minha identidade.
Batidas na porta me assustaram e eu enfiei todos os papéis dentro da mochila, antes de abrir. Tomei várias respirações profundas, entendo me acalmar. Era . Ele já havia tomado banho e trocado de roupa.
— Venha para fora, o céu está lindo.
— Vou me trocar. — falei, me referindo as roupas da viagem, que eu vestia. — Te encontro em vinte minutos.
— Vista algo quente, não queremos que você fique doente.
Por que sua preocupação me deixou culpada?
Capítulo 26
“Há algumas estradas que não devem ser percorridas; e inimigos que não devem ser capturadas. Há algumas cidades que não devem ser atacados e algumas ordens do supremo que não precisam ser obedecidas.”
(A arte da guerra)
(A arte da guerra)
Não demorei muito para ficar pronta. Assim que saí, encontrei do lado de fora me esperando, encostado na parede com as mãos nos bolsos. Sua visão era um colírio para os olhos. Alto, sério, com uma boca irresistível. Como eu não tinha enxergado aquilo antes?
— Você está pronta? — eu acenei. — O que você está fazendo aí? Me olhando?
Eu o segui para onde ele estava me levando.
— Às vezes acho que você é bonito demais para ser real.
Ele parou, me encarando envergonhado. Parecia um pouco sem palavras, mas eu não queria me limitar perto dele. Queria que ele soubesse o quanto gostava dele.
— Você está roubando as frases que me pertencem. É o homem precisa dizer isso para a mulher.
— Sei que você pode pensar em outras tão boas quanto essa. — respondi.
— Você é a única que consegue me deixar envergonhado e sem palavras. Em toda a minha vida.
— Deve ser desconcertante, julgando a personalidade que você tinha quando nos conhecemos.
— Um pouco mal-humorado, eu admito.
— Um pouco? Você era quase uma pedra. Estava começando a pensar que aquela era a única expressão que você tinha a capacidade de expressar. — me guiou por vários lances de escada. — Para onde você está me levando?
— Vai valer a pena, prometo.
No último lance de escadas, chegamos a uma porta pequena que nos dava acesso ao terraço. Ele não parou, então apenas atravessamos e subimos os últimos degraus.
A visão realmente valia a pena. Tínhamos uma linda paisagem da cidade com as luzes das casas acesas, com a metrópole de prédios altos ao longe. Além disso, o céu límpido cheio de estrelas e a linda Lua brilhante do nosso lado.
— Tem certeza de que podemos estar aqui? — perguntei, temerosa.
— Não vi nenhuma placa proibindo a entrada. — falou.
— Não quero ser expulsa do único hotel normal que pudemos ficar depois de muito tempo.
— Não se preocupe, nada vai acontecer com você. — ele garantiu e eu me senti instantaneamente segura. conseguia passar aquele tipo que sentimos para mim independentemente de onde estivéssemos.
— É lindo daqui de cima. Como descobriu esse lugar? Já veio aqui antes?
— Não, foi Hoshi que comentou e eu achei que você gostaria.
— Eu amei.
Me aproximei do parapeito do terraço e fechei um dos olhos, medindo a Lua com a ponta do polegar.
— Nunca tive a oportunidade para parar e observar o céu à noite. — falou.
— Nunca vi um céu tão estrelado. — comentei.
— É porque estamos longe do centro. Em Seul, é muito raro conseguirmos ver tantas estrelas como aqui.
— Você não sente falta do que você era? — franzi o cenho, sem entender a pergunta repentina. — Não digo da sua vida antes dessa bagunça, ou sua família, porque eu sei que você sente, mas eu digo da pessoa que você não sabe quem é.
— Se eu sinto falta das lembranças que eu perdi? — acenou. — É muito difícil você sentir falta de algo que nem sabe o que é.
— Qual a sensação?
— É estranho. É como um buraco no meio das suas memórias. Um salto no tempo. Algo que você sabe que deveria estar lá, mas não está.
— Você não tem medo de nunca conseguir lembrar tudo? Não só sobre a investigação, mas sobre tudo que você viveu. — eu pensei atentamente.
— Eu já tentei imaginar várias versões do que eu esqueci. Várias atitudes que eu tomei e não lembro, mas acho que se eu ficar pensando só sobre isso, eu não vou conseguir prosseguir com a minha vida.
— Já pensou se você esqueceu uma pessoa muito importante que conheceu nesse período que foi perdido da sua mente?
— Nunca pensei sobre isso, mas se eu a esqueci, isso ficou para trás. O que importa para mim é o presente. Se ficar pensando em tudo que vivi e que não me lembro mais, penso que nunca conseguirei viver o que tenho agora e que é muito mais importante para mim. Se isso realmente aconteceu, eu só vou poder saber depois que tudo acabar.
— Se tudo acabar. — ele corrigiu.
— , — eu me virei para ele. — Eu amei vir aqui, eu gosto muito de conversar com você sobre qualquer coisa, mas sei que você quer me falar alguma coisa. No pouco tempo em que convivemos, eu conheci você. Pode me falar qualquer coisa. — ele suspirou novamente, pesaroso.
— Eu preciso prometer algo a você essa noite.
Naquele momento eu me dei conta do que ele pretendia com aquilo tudo.
— , não...
— Apenas me escute, . — quando ele me chamava por aquele nome, eu lembrava o que estava escondendo e a culpa me engalfinhava. — Eu não sei o que irá acontecer em Seul.
— Você não tem fé de que as coisas darão certo?
— Eu tenho. Muita. Mas, às vezes, as coisas não saem do jeito que a gente espera. Talvez outras coisas precisem acontecer antes. Então, não importa o que aconteça em Seul, eu quero te prometer. — eu segurei sua mão, tentando fazê-lo parar de falar. — Por favor.
Não importava como aquilo acabasse – entregando o assassino à polícia ou não – as coisas entre nós não ficariam bem se ele descobrisse que eu estava escondendo algo dele.
— Eu prometo que eu vou fazer de tudo para protegê-la. Você é minha responsabilidade.
— Não prometa algo que você não pode cumprir. — pedi.
— Eu não faço promessas vazias. Se for preciso me entregar para polícia para te proteger, eu farei isso.
— O que você está falando? Não seja estúpido. — as palavras saíram mais duras do que eu pretendia, mas eu não sabia no que estava pensando para falar aquilo. Eu o conhecia, aquilo não era por impulso. Alguma coisa tinha acontecido.
— Eu amo você. — as palavras me abalaram mais do que um dia eu sonhei que me abalariam.
— O que aconteceu? — ele me olhou, perplexo.
— Você não vai falar nada? Eu acabei de me declarar para você e é isso que você responde?
— O que Madame Oh te contou? Por favor, . Fale comigo. — ele suspirou, virando de costas para mim. Comecei a ficar preocupada.
— Descobri hoje que não sou mais um suspeito do assassinato de e . — a alegria que me invadiu durou menos de cinco segundos quando ele continuou a falar. — Fui declarado culpado pelo assassinado dos dois.
— O quê? Por quê? Eles não podem fazer isso.
— Foi encontrado DNA meu debaixo das unhas de , me colocando na cena do crime. Ainda estão investigando o seu envolvimento com os dois crimes.
— Eu sei que não foi você que fez nada disso.
— Eu nunca duvidei que você acreditaria em mim.
— Por isso precisamos de Hoshi para nos levar em segurança? — eu o forcei a me encarar de frente.
— Não quis contar antes para não causar preocupação.
— Você achou que eu recusaria ir para Seul se eu soubesse, não foi? — exigi, quase gritando.
— Eu sei que você faria a mesma coisa por mim. — eu senti meus olhos se encherem de lágrimas.
— Não, . Não pode ficar assim. Nós podemos ir lá, nós podemos contar o que sabemos. Podemos reverter a situação. Você já pensou nessa possibilidade antes e conseguimos virar o jogo. Podemos estar nessa situação agora, mas vamos conseguir resolver tudo.
— É apenas um plano B, caso não tenhamos mais tempo.
Aquilo não era um plano B, eu sabia. Ele queria se entregar se fossemos pegos porque ele sabia se seríamos pegos. Ele queria que eu desse continuação ao plano sem ele. Meu peito se apertou tanto que eu fiquei sem ar.
— Você não pode fazer isso comigo. Eu não sei o que fazer sem você. — admiti, com a voz embargada.
— Você não precisa de mim. Em todos esses anos, você foi a melhor parceira que eu tive. Sei que se estivesse aqui, me daria um soco por falar isso, mas só cheguei aqui por causa de você.
— Mas foi você quem me ajudou, você foi meu apoio.
— Você não notou, mas todo esse tempo, você foi o meu apoio. Você foi minha auxiliadora, minha amiga, a pessoa que me segurou na tormenta. Você é a peça chave nessa operação. Sem você aqui, eu não teria chegado a lugar nenhum. — eu não consegui mais segurar as lágrimas que estava prendendo. — Eu perdi muitas pessoas importantes para mim em todo esse tempo, não vou conseguir passar por isso se acabar perdendo você também.
— Você prometeu que não me deixaria sozinha.
— E eu não vou. Eu consegui alguém para cuidar de você se eu estiver longe.
— Eu não quero mais ninguém além de você. — falei, em meio as lágrimas.
Ele tirou do bolso um colar e colocou na palma da minha mão. Nunca tinha visto uma peça tão bonita antes. Era um fio dourado delicado segurando uma aliança de ouro branco com uma pedrinha azul no centro.
— Tem um valor maior do que tudo que eu tenho. Foi a única coisa que, realmente, me pertenceu. Era da minha mãe. Ela ganhou do meu pai no dia do aniversário de casamento deles. No dia em que foram assassinados.
— Eu não mereço isso. — a peça tinha significado demais para dá-la a alguém sem futuro como eu.
— Você é a única que poderia merecê-la. E você nunca vai estar sozinha. Deus está com você o tempo todo, você me mostrou isso.
— Mas eu também quero você.
— Eu vou voltar para você.
— Você não pode me prometer isso.
— Mas colocarei todas as minhas forças para fazer isso se tornar verdade.
Eu o segurei pela camisa, chorando alto. Não era uma cena bonita, mas nada ali era bonito. Seus olhos eram tristes, mas determinados. Ninguém o pararia.
— Eu não posso deixar você fazer isso. Eu posso me entregar em seu lugar. Você pode dar continuidade sem mim.
— A responsabilidade de estarmos hoje assim é minha. Além do mais, você não tem identidade, não é considerada uma cidadã coreana. Eles nunca irão tratar você do mesmo jeito. Eles irão torturá-la e tentar arrancar qualquer coisa de você. Eu não deixaria isso acontecer.
— E como você acha que eu me sinto deixando isso acontecer com você? — gritei, com raiva. — Por que você tem tanta certeza que vai dar errado? Podemos chegar a Seul seguros e escondidos. Podemos descobrir tudo antes que alguma coisa aconteça com a gente. Antes que eles nos encontrem.
— Madame Oh me mostrou a real situação. A verdade é que estamos cercados. Podemos chegar a Seul em segurança, mas não sei quanto tempo duraremos lá até alguém nos descobrir. — sua falta de confiança machucava, mas como eu poderia exigir alguma coisa se agia do mesmo jeito que ele?
— Eu odeio quando você me deixa de fora como antes.
— Do mesmo jeito que você não me contou o que Madame Oh fez por você hoje.
Sabia que a intenção dele não tinha sido ruim, mas eu senti como se tivesse sido. Doeu do mesmo jeito. Eu o larguei, me afastando.
— Eu sinto muito.
— Eu não estou cobrando nada. — senti, pela primeira vez desde que havia subido para o terraço, o vento frio da noite incomodar, mesmo com todas as roupas que eu vestia.
Eu andei em passos largos para longe dele, até a saída do terraço. Antes que eu pudesse abrir a porta, sua mão voou pela minha esquerda, batendo a porta fechada. Eu me virei para encará-lo.
— Eu não terminei de falar.
— Mas eu decidi que terminei de ouvir. Se acha que eu vou ficar parada aceitando pacientemente as suas ideias suicidas, está muito enganado.
— Nós dois sabemos que essa é a maior chance de sobrevivermos.
— Você está pensando como se não tivéssemos mais chances nenhuma. Para uma pessoa inteligente, você está pensando de uma maneira muito burra. Não se dá conta de que se você se entregar se fazendo de culpado, tirar as acusações de você vai ser muito mais difícil?
— Alguém de nós precisa fazer isso. — ele me segurou pelos ombros, me forçando a encará-lo.
Eu gostava tanto dele que doía. Eu podia até amá-lo, mas falar aquilo doeria mais do que ouvir. Encheria nós dois de esperanças. Queria virar aquela situação, segurando-o pelos ombros e contato a ele que estaria se colocando em risco por alguém que não valia tanto a pena assim.
Meu maior medo era não atender às expectativas de . Com a força dele somada à minha, eu acreditava que conseguiria encontrar a solução, mas sozinha eu não tinha tanta certeza. E se eu não conseguisse? E se eu fosse levada antes de conseguir salvá-lo. Percebi que estávamos discutindo um talvez. Antes de deixar aquilo acontecer, eu lutaria até o fim para não chegarmos naquele extremo.
— Não precisamos pensar nisso agora.
Coloquei a mão em seu rosto macio, acariciando sua bochecha, tocando suas pintas, suas sobrancelhas e seu cabelo.
— Vai acontecer, mais cedo ou mais tarde. E quando acontecer, precisamos estar preparados.
Eu alcancei seu lábio superior, beijando-o entre os meus, acariciando seu rosto, gravando com minhas mãos cada pedaço que eu conhecida, aspirando seu cheiro que eu já conhecia tão bem e que me cercava em todos os lugares. Em sua casa, nas suas roupas, na mochila e até nos papéis. Ele retribuiu o beijo calidamente. Eu o segurei o mais perto que pude, querendo misturar nossos corpos em um só. Eu também faria de tudo para protegê-lo.
— Eu nunca vou aceitar isso. — falei no meio do beijo.
— Eu quero casar com você. — segurou meu rosto entre suas mãos. — Quero vê-la acordar todos os dias. Quero construir uma família e viver em paz com você. Quero aprender tudo sobre você. Eu te amo e quero tudo isso com você. Se sofrer por um tempo for o preço a pagar por isso, eu ficarei feliz em pagá-lo. Não pense no agora. Pense no que virá depois.
— Eles não vão nos pegar. — afirmei.
— Eu cansei de fugir. Vou dar o meu melhor, mas se eles nos encontrarem eu não vou lutar. Promotor Kang é o responsável pelo caso, ele vai me ajudar.
Não importava quantos motivos ou saídas ele me desse, nunca aceitaria aquele plano. E faria de tudo para impedi-lo.
— Preciso dormir. — me afastei de seus braços e abri a porta, dessa vez ele deixou que eu passasse.
— Você vai recusar o meu amor?
Não me virei para encará-lo. Olhei para o colar preso firme em minha mão.
— Não poderia nem se quisesse. — voltei a andar, descendo as escadas.
— Boa noite, . — ele falou, ainda do lado de fora.
— Boa noite, .
Naquela noite, eu senti falta dele. Do seu calor me aquecendo e dos seus braços à minha volta. Não foi uma boa noite de sono. Virei de um lado para o outro na cama pensando em tudo que eu havia lido e ouvido naquele dia. Sobre meu pai, sobre mim, sobre . Todas as ideias giravam na minha mente, me impedindo de relaxar e conseguir dormir.
Queria conversar com meu pai. Responder todas as minhas perguntas e colocar tudo em pratos limpos. Ele havia mentido, mas ainda era meu pai. Eu sabia que, se ele me contasse tudo, eu ficaria bem.
Ali, eu orei de joelhos com lágrimas nos olhos, pedindo a Deus pela vida de . Eu o amava e se o visse sofrer, sofreria na minha própria pele. Sua teimosia seria sua ruína e, consequentemente, a minha também.
Dormi quase duas da manhã e fui acordada por Hoshi com o Sol ainda nascendo, avisando que estaríamos saindo. Quando entrei no carro de novo, eu estava cansada, de mau humor e cheia de olheiras. Cumprimentei Hoshi e quando entrei no banco de trás, mas depois disso não falei mais nada.
me olhou pelo retrovisor e eu fiz apenas um sinal de negação com a cabeça, mostrando que a minha opinião permanecia a mesma. Fiquei encarando a janela por todo o caminho seguinte que fizemos.
— Algum lugar específico em Seul para levá-los? — Hoshi perguntou quando passamos da entrada de Gangnam.
passou o endereço e Hoshi o colocou no GPS. Dez minutos depois entramos em Seul e eu senti um arrepio de antecipação.
Estávamos quase concluindo a nossa jornada.
Capítulo 27
“As oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas.”
(A arte da guerra)
(A arte da guerra)
— Onde nós estamos? — perguntei assim que descemos do carro e Hoshi foi embora.
O lugar era em um bairro bem localizado e a casa parecia bonita pelo grande muro na frente. Pensei se havia alugado o local. Tinha aparência de cara.
— Nosso novo esconderijo.
apertou a campainha e a minha curiosidade cresceu. Quem nos esconderia em Seul? A resposta foi óbvia quando o portão de madeira pintado de branco foi aberto.
— Omo! Vocês estão vivos.
— Jay! — corri e o abracei.
Como havia crescido nos Estados Unidos, Jay não se importava com meus hábitos ocidentais. Ele me apertou e eu quase chorei de felicidade. Ele me lembrava da época onde as coisas eram simples.
— Acho que já somos íntimos o suficiente para você me chamar de oppa. — eu ri com seu comentário e pigarreou, lançando um olhar sério para Jay. — Ah, sunbae. Nem tinha te visto aí. Entrem, entrem. Vocês não querem ficar aí fora perto dos olhares dos vizinhos curiosos.
Jay nos guiou para dentro e eu notei o quanto o lugar era bonito. Antes de chegarmos à casa, o lugar tinha um jardim lindo na frente, com um caminho de pedras e uma varanda larga. A casa era grande, de madeira, cheia de plantas e com um ar rústico. Não poderia ser mais bonita.
— Essa casa foi construída pelo meu avô. É uma herança de família. — Jay falou, notando o meu deslumbramento.
— É linda.
Nós entramos e trocamos nossos sapatos por chinelos. Divergindo da aparência exterior, a casa tinha um interior moderno e amplo.
— Por que as câmeras? — apontei para os pontos quase despercebidos na parede.
— A última vez que nos vimos me ensinou muitas lições. Não recebo muitas visitas, então é quase como se elas nem estivessem aqui.
— A polícia veio te ver? — perguntou, interrompendo nossa conversa.
— Um par de vezes. Todos os funcionários foram investigados depois que hyung morreu.
Aparentemente Jay parecia exatamente como antes, exceto pelo cabelo que estava um pouco maior, preso com um elástico. Mas alguns detalhes sobre ele não conseguiam passar despercebidos, pelo menos não por mim. Seus olhos estavam mais sérios e as linhas de expressão estavam mais acentuadas, dando-lhe uma aparência mais experiente, diferente de como ele era antes, com um ar de moleque. O que mostrava que ele também havia sofrido com aquilo. Nem podia imaginar o que ele havia passado por causa daquela situação.
— Sintam-se em casa. Podem escolher qualquer quarto. Mi casa, su casa.
Sem outra palavra, passou por nós e entrou em um dos quartos.
— Ele está mais mal-humorado do que o normal hoje. — justifiquei. — Ontem não foi um dia muito bom.
— E você precisa me contar o que aconteceu entre vocês dois.
Senti meu rosto esquentar de vergonha e Jay me deu um olhar malicioso.
— É tão óbvio?
— Óbvio para alguém como sunbae que não sabe muito como demonstrar emoções. Além disso, aquele olhar matador quando pedi que me chamasse de oppa deixou tudo claro. Faz quanto tempo?
— Pouco tempo. — respondi.
— Você parece apaixonada. — dei de ombros. Deveria parecer mesmo.
— Não sei como você conseguiu enxergar isso sob essas camadas de cansaço e preocupação.
— Os olhos se vocês quase brilham quando olham um para o outro. Isso não acontecia antes. — o comentário me deixou ainda mais envergonhada. — Vá tomar um banho para comermos. Não sei o que vai ser de mim se o sunbae nos encontrar aqui conversando sozinhos.
O quarto que escolhi era amplo e bem arejado, assim como todos os cômodos. Parecia simples, mas era uma suíte com cama, guarda-roupas e penteadeira. Tomei um banho, sequei o cabelo lentamente, já que daquela vez tinha tempo, e prendi o cabelo de qualquer jeito. Estava bem maior do que da última vez e eu já estava querendo cortá-lo novamente.
Jay havia deixado em cima da cama, enquanto eu tomava banho, uma calça e uma blusa de moletom. O banho havia me deixado reavivada e muito melhor, mesmo depois da noite mal dormida que havia tido.
Quando saí do quarto, estava parado na frente da porta, como se fosse bater a qualquer momento.
— Estava me esperando?
“Não, estou fazendo cosplay de estátua.”
— Precisamos resolver algumas coisas antes de sairmos. — respondeu, simplesmente.
— Vamos hoje? Achei que descansaríamos por pelo menos um dia.
— Você pode ficar. — aquela frase em sua boca soava muito estranha. Sabia que sua última vontade era me deixar sozinha com Jay naquela casa, mas ele parecia um pouco bravo.
— Você sabe que eu nunca ficaria. Vamos, Jay está cozinhando e eu estou com fome. — trancou o maxilar e me seguiu.
O clima entre a gente estava estranho desde nossa conversa na noite anterior. A tensão e as perguntas sem respostas estavam no ar, mas nenhum de nós dois tocou no assunto.
Jay havia posto a mesa com as coisas comuns do café da manhã. Fazia tanto tempo que eu já tinha me acostumado com aquelas refeições. Nada de café, cereais ou frutas. Minha rotina matinal havia dado lugar a arroz e acompanhamentos variados. Além de sopas e chás.
— Obrigada pela comida. — eu cumprimentei e comecei a comer com a colher. Tomamos café em silêncio com os olhos de Jay correndo entre e eu.
— Tudo bem, eu sei que você estão se contendo para não falarem muita coisa. — Jay falou, sarcasticamente. — Podem ir em frente, já estou preparado.
— Nosso contato não conseguiu encontrar nenhum parente relevante do sexo masculino, então eu preciso que você marque um encontro com a irmã mais velha e a mãe da vítima que estava grávida no sequestro para ver se conseguimos alguma coisa com elas duas enquanto meu contato continua procurando.
— Não consegui encontrar ninguém que pudesse me ajudar.
Pela conversa entre os dois eu percebi que já havia deixado Jay ciente de tudo que estava acontecendo com a investigação. E eu boba de esperar que Jay ainda estivesse leigo em relação a tudo. Coloquei a colher para baixo ruidosamente.
— Vejo que vocês dois já conversaram bastante. — falei, cheia de ressentimento na voz.
— Eu o liguei ontem à noite para pedir ajuda. Tive que contar tudo que aconteceu conosco nessas últimas semanas.
E nem havia pensado em mencionar isso durante a viagem?
Aquilo me incomodava antes e estava me incomodando no momento também. me deixando de fora de novo. Talvez pelo medo de que eu não concordasse com ele, mas eu não conseguia ver o motivo daquilo.
“Melhor parceira de investigação que eu já tive.” Claro, . Com certeza.
— Não estou mais com fome. — levantei da mesa no chão e retirei meus pratos para a pia. — Quando marcar o encontro, me avisa para que eu possa fazer a minha parte.
parecia me deixar de fora de propósito para me irritar. Ou talvez ele não notasse que afastava as pessoas que queriam ajudá-lo quando as coisas começavam a ficar mais difíceis. Não quis parecer imatura ou mimada, então simplesmente preferi sair. Minha cabeça já estava muito quente com as outras coisas não resolvidas entre nós dois e comigo mesmo.
No quarto, eu encarei meu reflexo no espelho. O colar em meu pescoço com a aliança refletia a luz do Sol. Odiava o que fazia, era muito mais do que simplesmente por ele me afastar. Eu sentia como se ele me tratasse como uma desajustada que não entenderia. Ele, provavelmente, não tinha aquela intenção, mas era como eu me sentia.
Fiquei no quarto, olhando para o teto, até bater na porta pedindo para conversarmos, como eu sabia que ele faria.
— Onde está Jay?
Nos sentamos na mesa que ficava na varanda, onde havia colocado vários papéis.
— Foi ao mercado. Podemos conversar com calma e armarmos nosso plano de ação.
Seus olhos diziam “Por favor, me desculpe. Vamos passar por tudo isso.” Eu dei de ombros e comecei a ler os papéis que estavam na mesa.
— Eu irei disfarçada de novo?
— Você estará escrevendo um artigo novamente, mas as duas concordaram em conversar abertamente sobre o assunto. Só uma delas poderá te encontrar hoje, a irmã da vítima. Amanhã será a mãe, por causa de uma consulta médica que ela terá hoje. Eu separei algumas perguntas, mas vou estar com você o tempo todo. — ele me estendeu um pequeno aparelho que não era maior que o meu polegar. Nunca tinha visto aquilo antes. — É um comunicador.
— Você quer que eu use isso?
— Você estará mais segura assim. Eu poderia falar com você o tempo todo.
Ele sentou ao meu lado, prendendo o comunicador na minha orelha, afagando meu cabelo no processo. Talvez, só talvez, eu tenha me inclinado na direção da sua carícia, aproveitando.
— Eu poderei ouvir tudo também.
Eu me sentia como uma espiã do FBI com aquilo
— Consegue me ouvir? — ele falou no microfone e eu ouvi sua voz clara em meu ouvido.
— Sim, pode falar mais baixo.
tirou o comunicador da minha orelha e colocou em minhas mãos.
— Você encontrará com ela em uma cafeteria às 15h. — ele informou. — Estarei a algumas mesas de distância, observando tudo.
— Não seria melhor estar em um carro? — falei.
— Estarei disfarçado. Se algo acontecer com você, eu estarei por perto.
— Para que se arriscar tanto?
— Pela sua segurança. — respondeu.
— Jay não poderia ir? — contestei, sabendo que aquilo o irritava.
— Ele não vai conseguir protegê-la tão bem se algo der errado. Ele também vai estar lá, mas do lado de fora.
— Vejo que vocês já se entenderam. — Jay entrou animado, como sempre, cheio de sacolas. — Trouxe fast food e Jjajangmyun1.
— O que é Jjajangmyun?
— É a comida favorita do sunbae. Principalmente com carne de porco agridoce.
Aquele fato me fez ficar com vergonha. Eu não sabia qual era a comida favorita de , na verdade, eu nem sabia que ele tinha uma comida favorita. Não conhecia quase nada sobre ele. Sua cor favorita, o filme que o havia feito chorar, sua música favorita ou a melhor lembrança de infância. Eu não conhecia .
— Preciso fazer o melhor para os meus convidados.
Passamos a manhã terminando os detalhes do plano que os dois haviam montado, enquanto eu estava no quarto. Não podia negar que estava muito nervosa. Mesmo que fosse estar comigo o tempo todo, eu teria que enfrentar aquelas pessoas por mim mesma. Era o meu rosto que elas estariam vendo. Minha voz que estariam ouvindo.
Jay comprou para mim roupas bonitas e muito diferentes de tudo que eu havia vestido desde que havia chegado à Coréia. Penteei meu cabelo para trás em um coque para combinar com o personagem e até passei um pouco de maquiagem para esconder as marcas do Sol. Fazia tempo que não me via no espelho daquele jeito. Parecendo menos com um saco de tralhas e mais com uma mulher.
Jay piscou para mim quando saí do quarto e eu vi a ponta da boca de se curvar para cima, em um quase sorriso.
— Vamos em carros separados para não levantarmos suspeitas. — falou, se referindo a nós dois.
— Eu vou te levar, dongsaeng2. — Jay falou, pegando uma das chaves na bancada e saindo.
se aproximou de mim e abaixou a boca até o meu ouvido.
— Você está bonita.
Meu estômago deu uma cambalhota e eu tinha quase certeza de que não era por causa do nervosismo pelo que ia fazer.
— Obrigada, .
— Queria muito te beijar agora.
Dizem que quem muito fala, pouco faz, então eu me virei para ele, segurei seu rosto e o beijei, tudo em um movimento só. Seus lábios ficaram brilhantes e rosados por causa do meu batom. Eu passei o polegar para limpá-los, com um sorriso.
— Senti sua falta ontem à noite.
— Sinto sua falta a todo momento. — queria dizer que ele também estava muito bonito com a camisa de gola alta preta e o sobretudo, mas Jay nos chamou do lado de fora.
Depois de ver por tanto tempo usando roupas baratas de loja de departamento, eu havia me esquecido o quão bem ele ficava com suas roupas habituais. Seu cabelo, que geralmente caía em cima da testa sem pentear, estava arrumado com gel do jeito que ele usava antes.
Entrei no carro com Jay e nós saímos antes de , mas sempre que olhava pelo retrovisor, conseguia ver o carro que ele estava usando.
— ? — falei baixo no comunicador para Jay não ouvir.
— Estou ouvindo. — ele respondeu.
— Qual sua cor favorita?
1Jjajangmyun: é um prato coreano de macarrão chinês coberto com um molho chunjang, carne de porco em cubos e legumes.
2Dongsaeng: é o termo usado por pessoas mais velhas para se referirem a alguém mais novo do que ela.
Capítulo 28
“Não é preciso ter olhos abertos para ver o Sol, nem é preciso ter ouvidos afiados para ouvir o trovão. Para ser vitorioso você precisa ver o que não está visível.”
(A arte da guerra)
(A arte da guerra)
Sua risada entrou pelo comunicador e se espalhou pela minha pele. O som era lindo e era uma pena que ele quase não ria normalmente. Alguns sorrisos secretos para mim, mas quase nunca risadas altas daquele jeito.
— Por que você quer saber isso? — ele perguntou, ainda com humor na voz.
— Porque eu quero te conhecer. — falei.
— , você me conhece mais do que qualquer pessoa. — admitiu.
— Como eu posso te conhecer tão bem e não saber sua cor favorita? — argumentei.
— É azul escuro. — ele respondeu.
— E seu livro favorito?
— Há um mês era O apanhador dos campos de centeio, mas hoje estou inclinado a acreditar que é a Bíblia, estou aprendendo muita coisa com ela.
— A música que você ouviria para sempre?
— Você sabe que eu não sou uma pessoa muito musical.
— Filme favorito?
— O último que eu assisti. Midnight runners.
— Não sabia que você gostava de assistir filmes. — comentei, curiosa.
— Não é o meu melhor passatempo, — ele admitiu. — mas assisto quando estou com tempo livre.
— Eu não sabia nem que você tinha tempo livre. Sua época favorita do ano?
— Hm... A primeira neve.
— Por que tão específico?
— Porque vai ser quando eu te pedir para casar comigo. — eu senti meu rosto queimar. Não tinha mais nada para responder. — E você?
— Verde, a Bíblia, terceira sinfonia de Beethoven, Batman: O Cavaleiro das Trevas e eu acho que também vai ser a primeira neve. — ele riu alto de novo.
— Você gosta de música clássica? — ele perguntou.
— Não muito, mas meu pai ama, então eu passei muito tempo da minha vida ouvindo. Acabei me apaixonando por ela.
— E por que Batman?
— Sou fã de filmes de super-heróis.
— Vocês dois parecem um casal de recém-casados. — me atrapalhei toda tirando o comunicador do ouvido, quando Jay comentou ao meu lado.
— Você ouviu tudo? — perguntei, com o coração disparando.
— Uma parte. — meu rosto quase explodiu com vergonha. — É engraçado e estranho, na verdade. Nunca achei que o sunbae seria capaz de ter uma conversa assim com alguém.
— Como ele era antes? — perguntei.
— Sério e mal-humorado. Sem senso de humor nenhum.
— Não está muito diferente disso agora.
— Ele mudou muito. Parece mais feliz. Só alguém como você poderia fazê-lo mudar desse jeito.
— Ele já... Hm... — fiquei sem jeito de perguntar diretamente e acabei gaguejando.
— Namorou antes? — prendi o comunicador com força dentro da mão, para ter certeza que não ouvisse o que eu estava falando. Concordei com a cabeça. — Namorou com livros de direito e folhas de ofício impressas.
Quase soltei um suspiro de alívio. Ele era o meu primeiro também.
— Todos achávamos que ele não tinha nem interesse em mulheres. — Jay revelou.
— Ninguém nunca mostrou interesse antes?
— E nem podiam. Essa capa fria dele afastava todos que quisessem tentar alguma coisa. sunbae nunca foi do tipo que perdia tempo com isso. Estava sempre ocupado demais.
— Ele está ocupado agora também.
— Então era porque as outras mulheres simplesmente não eram você.
O café onde eu encontraria a irmã da vítima era longe do centro de Seul e bem mais calmo, onde as pessoas conversavam em tom baixo. Eu aproveitei o fato de Park Hyun-Ha, a irmã de Park Sun-Ha, ainda não ter chegado para ir ao banheiro repassar as perguntas e tentar me acalmar.
Jay estava do lado de fora e estava a algumas mesas de distância. Não tinha nenhuma razão para ficar nervosa. Park Hyun-Ha poderia ter informações preciosas sobre o que estávamos procurando. E talvez sobre meu pai também.
Sequei as mãos e saí do banheiro, sentando no nosso ponto de encontro.
— Tudo bem? — perguntou pelo comunicador.
— Sim. — disse, tentando não levantar suspeitas. Pontualmente, Park Hyun-Ha chegou.
— Choi Mikaela? — me levantei para cumprimenta-la formalmente, sem negar nem afirmar, para não mentir. — Muito prazer.
— O prazer é meu. Estou grata por essa oportunidade.
— Inglês ou coreano? — eu nem sabia que estava me passando por uma jornalista americana.
— Coreano está muito bom.
Fizemos nossos pedidos – um frappuccino para ela e um latte para mim – e eu tirei um bloquinho de anotações e um gravador da bolsa.
— Não posso negar que fiquei muito surpresa quando entraram em contato comigo para falarem sobre o que aconteceu com a minha irmã, depois de tanto tempo.
— Foi um caso interessante, se me permite usar esses termos. Explicaram para você sobre a nossa série de artigos? — ela confirmou com a cabeça. — Ficamos muito felizes por conseguir contato com você e com sua mãe. Não achamos nenhum irmão, tio ou amigo para marcarmos mais entrevistas.
— Nossa família é pequena. Minhas duas irmãs morreram, assim como meu pai. — ela contou.
— Então nenhum sobrinho ou amigo da sua falecida irmã?
— Apenas suas sobrinhas que estudam no exterior. Minha irmã não tinha muitos amigos, assim como o marido dela. Eram bem reservados.
— Lembre-se de gravar tudo. — falou no meu ouvido, quase me tirando do personagem. Eu acabei me esquecendo de que ele estava ali.
— Se importa se eu gravar nossa conversa para não perder nenhum detalhe? — ela negou e eu liguei o gravador.
— Prefere que eu conte o que lembro ou que responda suas perguntas?
— Podemos deixar as perguntas para a segunda parte. Pode me contar tudo que você se lembra sobre o que aconteceu.
— Bom, por onde devo começar? Faz tanto tempo que eu não falo sobre isso. — ela deu um gole no café que foi servido.
— Você pode começar falando sobre a sua irmã e a família dela antes de tudo. Que tipo de pessoa ela era e o tipo de pessoa que estava ao redor dela.
— Sun-Ha era uma pessoa adorável. Daquele tipo que fazia todo mundo gostar dela automaticamente. A história de amor dela com o marido foi muito comum. Se conheceram, se casaram e se mudaram para o centro. Ela era advogada, mas decidiu largar tudo quando engravidou do primeiro filho para virar mãe em tempo integral.
— A pedido do marido? — perguntei.
— Não. Sun-Ha sonhava em ser mãe mais do que qualquer coisa. Foi uma coisa prazerosa para ela ficar em casa e cuidar dos filhos.
— E quem eles visitaram em Anynag naquela temporada?
— A mãe de Cha Kyung-Soo, meu cunhado. Ela vivia lá com os outros filhos.
— Cha Kyung-Soo tinha irmãos? — perguntei, interessada.
— Sim, dois. Eles eram bem mais novos na época, frutos de outro relacionamento da mãe dele.
— Você lembra as idades deles?
— Não especificamente, mas eram bem jovens. Dez e doze anos, aproximadamente.
Minhas ideias murcharam. Não tinha como ser nenhum dos dois irmãos de Cha Kyung-Soo.
— E como era a relação deles com os amigos? — mudei a direção dos pensamentos.
— Como eu falei, eu não conhecia muitos amigos deles. Cha Kyung-Soo vivia para o trabalho e para esposa. Minha irmã não saía muito de casa. Se eles tinham amigos, eu não conhecia.
— Não lembra ninguém das festas de aniversários ou comemorações?
— Ninguém muito relevante para lembrar. — anotei os pontos que achei importantes no bloco em minhas mãos.
— Está confortável para falar o que aconteceu com eles naquele dia? — ela confirmou com a cabeça.
— Foi um verdadeiro choque. Minha mãe quase não conseguiu resistir. Eles eram as pessoas mais gentis que eu conhecia. Não houve explicações para o que fizeram com eles. — mesmo depois de muito tempo, sua voz ainda pesava quando falava daquele assunto. As rugas nos cantos dos solhos aumentavam, fazendo-a parecer mais velha.
— Eles foram sequestrados antes, não foram?
— Sim. Eles ficaram desaparecidos por quatro dias. No início achávamos que eles tinham parado em algum lugar ou algum acidente tinha acontecido. Ficamos preocupados por causa do bebê, mas no segundo dia fomos até a polícia. Em Anyang e em Gangnam haviam equipes procurando por eles. Excluímos a opção de sequestro porque ninguém entrou em contato pedindo resgate, mas depois que encontraram os corpos, a investigação revelou que eles haviam passado por sessões de torturas durante todo o tempo que ficaram desaparecidos.
— Nenhuma testemunha?
— Do sequestro, não. A investigação mostrou que o sequestro havia sido à noite e eles já estavam dentro dos limites de Anyang. Foram mantidos em um armazém em uma área isolada e depois mortos no local. Mas os corpos foram deixados em um terreno longe do armazém.
— Do sequestro não? — perguntei, curiosa.
— Não, mas duas pessoas viram quando os corpos foram descartados. As identidades das testemunhas não foram reveladas.
— Se houve testemunhas, por que os culpados não foram condenados? — perguntei, sem entender.
— A investigação durou muito tempo. Levou todas as nossas forças e esperanças. Foram meses até conseguirem descobrir quem foram os autores do crime. E mais tempo ainda para conseguirem encontrá-los e, no final, nada ficou provado. A polícia conseguiu prendê-los e mantê-los com os testemunhos, mas de uma hora para outra as testemunhas mudaram de ideia e já não conseguiam apresentar um depoimento sólido, sendo descartados logo depois.
— Então não tiveram provas o suficiente nem mesmo para deixá-los presos? — quis saber, aflita. Havia acontecido muito tempo, mas parecia muito real. A revolta que eu sentia por ouvir aquelas coisas era muito grande.
— As pessoas envolvidas no caso tentaram apelações, mas foi impossível provar alguma coisa sem as testemunhas. Não havia mais nenhuma prova contra ele.
Eu imaginava em que a pessoa que estava se vingado tinha baseado sua vingança. Era alguém que procurava a justiça e havia encontrado seus próprios meios para fazer aquilo. Não era a coisa certa e eu também não concordava, mas entendia.
— Então os culpados foram liberados?
— Não se ouviu falar nada deles depois disso. Simplesmente desapareceram.
— A polícia não deu continuação às investigações?
— As investigações foram conduzidas pela polícia de Anyang que, anos mais tarde, sofreu um grande incêndio que destruiu grande parte dos documentos do local. Inclusive toda investigação sobre o caso da minha irmã e sua família.
— Você não ficou sabendo de mais nada sobre os culpados depois disso?
— Depois do que aconteceu, ficamos tão tristes e desolados que tentamos de tudo para conseguir justiça, mas nada foi feito. Eu e a minha família decidimos seguir em frente porque era menos doloroso. Quando não tínhamos mais nenhuma esperança sobre a justiça ser feita, minha sobrinha acabou descobrindo que um deles havia tido uma morte que fora noticiada em vários lugares. Não associei que seria um dos responsáveis pelo que tinha acontecido com minha irmã, mas não deixei de ficar aliviada. Pelo menos um deles havia pagado pelo que havia feito.
— Você lembra de algum noticiário ter anunciado sua morte como uma das vítimas do Açougueiro de Anyang?
— Eu ouvi algo parecido com isso nos noticiários.
— Você achou que, na época, pareceu um crime de ódio ou vingança por alguma coisa que ele fez anteriormente?
— Não tão direta. — falou no comunicador e eu ignorei.
— Vingança por minha irmã e sua família? — acenei. — Não conheço ninguém que poderia ter feito isso. Nenhum parente ou amigo. Mas se ele foi morto por um serial killer, não teria muito a ver, teria?
— Estamos analisando algumas possibilidades. Posso te mostrar uma lista que pessoas para você me dizer se conhece ou não? — pedi e ela acenou.
— Posso tentar.
— , agora não. Você a está deixando desconfiada. — falou, apressado, quando comecei a tirar as pastas da bolsa.
— Eu sei o que estou fazendo. — falei, disfarçando com o copo de café na frente da boca, enquanto tomava um gole.
— Você vai nos entregar. Siga com o plano. — ele insistiu.
— Cala a boca. — acabei falando alto demais.
— O quê? — Park Hyun-Ha perguntou.
— Saia daí agora. — quase gritou, mas eu desliguei o comunicador com um leve toque na orelha e nem me atrevi a olhar na direção dele. Pedi desculpas e coloquei as pastas em cima da mesa. Mostrei primeiro a foto da enfermeira.
— Já viu esse rosto antes? Seu nome é Cha So-Min.
— Não que eu me lembre. — ela negou com a cabeça.
— E esse?
Mostrei várias fotos das vítimas, mas ela só conseguiu reconhecer o advogado que defendeu os assassinos da irmã dela. Não me atrevi a mostrar as fotos dos assassinos. Não precisava que ela confirmasse que eram deles.
— Esse rosto, eu queria que você olhasse atentamente. — coloquei na mesa a foto em preto e branco que Madame Oh havia colocado no perfil do meu pai. Meu coração disparou quando os olhos da mulher na minha frente se encheram de reconhecimento. Desliguei o gravador com as mãos tremendo. — Você o conhece.
— Talvez... Hm... Sim, eu me lembro vagamente desse rosto.
— Henrique Sanchez?
— Isso, Oficial Sanchez. Ele estava mais novo e alguns detalhes em sua aparência mudaram também, mas é ele mesmo. Foi uma das pessoas responsáveis pela investigação. Ele nos ajudou bastante e estava empenhado em conseguir a justiça. Não estava reconhecendo, mas esse é um rosto que não posso esquecer por causa do que aconteceu a ele na época.
— O que aconteceu?
— Não sei muito dos detalhes, mas durante as investigações, quando os dois suspeitos haviam sido soltos, ele começou a perseguir os oficiais responsáveis pelo caso para amedrontá-los e o Oficial Sanchez acabou perdendo a esposa. — minha respiração ficou presa em minha garganta.
— Eles mataram a esposa do Oficial Sanchez?
— Sim, me lembro de algumas coisas agora. Ela foi levada para dar à luz em Incheon porque era muito arriscado para as pessoas envolvidas com o caso manterem suas famílias por perto. Alguns já tinham sido machucados anteriormente e ela estava dando à luz ao primeiro filho deles dois. Foi uma perda muito grande. Ele teve que ser afastado do cargo e foi proibido de ter acesso a qualquer coisa relacionada por causa do estado que ficou depois disso. Ele fazia muita confusão na delegacia por aparecer sempre bêbado. Estava mentalmente instável, de acordo com os outros policiais, mas eu consigo entendê-lo. Lembro-me de seus gritos e suas lágrimas. Podíamos sentir a dor dele só o observando.
Meu nariz começou a pinicar com a força que eu fazia para segurar o choro. Havia um bolo na minha garganta e meu coração doía tanto que eu não sabia dizer como ainda estava agindo como se não tivesse nada a ver com aquilo na frente da mulher.
Guardei tudo dentro da bolsa e coloquei uma nota em cima da mesa para pagar pelo meu café.
— Muito obrigada pela sua entrevista. Eu tenho um compromisso marcado para daqui a alguns minutos.
— Foi o suficiente? Você tem tudo que precisa? — ela parecia um pouco assustada com meu comportamento, mas eu não tinha condições de ficar mais naquele lugar.
— Foi sim. Obrigada novamente.
Não a deixei falar mais nada, apenas saí quase correndo do café, com medo de chorar na frente de todo mundo.
Capítulo 29
“Não importa quantos passos você deu para trás, o importante é quantos passos agora você vai dar pra frente.”
(Provérbio Chinês)
(Provérbio Chinês)
— O que aconteceu?
Jay se assustou quando eu entrei no carro e fechei a porta com força. Vi correndo na direção do carro e abaixei a cabeça para não o olhar. Ele bateu no vidro da janela e me chamou, mas eu só conseguia chorar.
— Você pode dar a partida? — pedi.
— O quê? Ele está te chamando. — Jay olhava para do outro lado do vidro, tentando enxergar o lado de dentro.
— Não abra a janela. Só saia daqui. — Jay acelerou o carro, deixando para trás.
— O que aconteceu lá dentro? Por que você está chorando? — Jay perguntou.
— Por favor, só me leve para qualquer lugar.
O celular de Jay começou a tocar e eu sabia que era ele. Jay atendeu no fone e respondeu tudo monossilabicamente, enquanto eu tentava controlar as lágrimas.
Quando estávamos longe o suficiente, pedi para Jay parar o carro no acostamento. Eu saí e fui direto para fora da estrada, vomitando tudo que estava no meu estômago, enquanto as lágrimas caiam sem parar. Jay não chegou perto. Meu rosto virou uma confusão de cabelos e lágrimas. Eu queria ficar sozinha. Queria me enrolar em posição fetal e chorar até não ter mais lágrimas.
Não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Não meu pai. Só de pensar naquilo, o vômito ameaçava voltar. Não sei por quanto tempo eu fiquei agachada chorando tão alto com soluços tão fortes que pareciam querer rasgar meu peito.
Em algum momento eu vi estacionar longe e descer do carro. Não me atrevi a olhá-lo. Nem sabia se conseguiria mais algum dia. Chorei tanto que Jay teve que me ajudar a entrar no carro depois que minhas lágrimas acabaram.
Quando chegamos à casa, fui direto para o quarto e me tranquei lá dentro. A realidade era demais para aguentar e eu não queria acreditar no que a minha mente me falava.
Finalmente eu havia encontrado alguém com um motivo grande o suficiente para se vingar e matar todas aquelas pessoas. Mas eu nunca poderia pensar que seria ele. As coisas começaram a fazer sentido e aquilo doía muito. As peças começaram a, magicamente, se encaixar como um pesadelo horrível. Eu queria acordar. Eu queria nunca ter descoberto a verdade. Queria continuar cega para aquela realidade.
Eu teria coragem de contar para alguém? A resposta era óbvia.
Fiquei muito tempo deitada, encolhida, sem saber o que fazer. Sem forças.
Jay entrou em algum momento com um prato de sopa. Só de olhar para seus olhos cheios de pena eu tive vontade de chorar de novo.
— Estamos preocupados com você. — ele deixou o prato em cima da cômoda.
— Eu estou bem. — minha voz estava estranha. Grossa. Quebrada.
— Sunbae está preocupado. Ele vai entrar. Não aguenta mais esperar.
Eu queria pedir para ele não deixar entrar, mas apenas enterrei o rosto mais fundo no travesseiro para não vê-lo. Jay saiu e entrou. Reconheci seu cheiro assim que ele sentou na ponta da cama.
— Não vou perguntar o que aconteceu porque eu sei que você não vai falar. E nem vai mentir para mim, então vou esperar. Mas queria te lembrar de que sempre vou estar aqui. — preferia que não tivesse e que fosse embora.
dormiu ali naquela noite. Não me tocou, mas não precisava. Apenas sua presença acalmava meu coração. Mesmo sabendo que aquilo o machucaria profundamente. Eu queria abraçá-lo e chorar de verdade em seu peito, mas me segurei. Não consegui pregar os olhos, mesmo com o ronco suave de ao meu lado.
Levantei com o Sol nascendo e mergulhar direto nos papéis, transcrevendo as partes importantes da entrevista. Sentia-me uma idiota e uma hipócrita fazendo aquilo, mas enquanto não decidia quando contar, teria que manter as aparências.
— Bom dia. — Jay foi o primeiro a levantar. Ele pareceu confuso ao me ver, mas apenas dei de ombros. Como explicar aquela situação? — Onde está o sunbae?
— Dormindo. — Jay levantou uma sobrancelha. — Desculpa por ontem.
— Não é isso que eu quero ouvir. — mas era tudo que eu podia falar.
— Podemos conversar depois? — pedi.
— Você está bem? — ele perguntou.
— Eu vou ficar. — dei um sorriso falso. Tudo aquilo era falso. Eu estava sendo uma pessoa falsa. Não merecia aquelas amizades, aquele cuidado e carinho.
— Não vou te forçar a nada. Tudo em seu momento.
Ele me ofereceu chá no lugar do café da manhã para acalmar meu estômago.
— Dei uma olhada na gravação de ontem e parece que estamos em uma rua sem saída. Dei uma pesquisada também, mas não encontrei nada relevante.
Meu coração saltou. Não sei se foi pela culpa do que Jay havia falado ou pela visão de saído da cama. Cabelo despenteado, rosto amassado e olhos pequenos. Desviei o olhar.
— ? — bebi o chá para manter a boca ocupada. — Você está bem?
— Estou melhor. — continuei sem olhá-lo, mas ele sentou ao meu lado.
— Vou ao banheiro. — Jay saiu da sala, me deixando sozinha com de propósito.
— Depois de ontem você quer que eu aceite isso? — parecia bravo.
— Você disse que esperaria o meu tempo.
Ele me olhou com uma expressão derrotada, quebrando meu coração. Algo ontem havia se partido no meu sentimento por ele.
— Você não pode me deixar no escuro assim, por favor. — não era só por curiosidade, eu sabia que estava preocupado comigo.
— Eu estou bem agora. — falei, tentando tranquilizá-lo.
— Eu quero te ajudar, seja com o que for.
— Eu não preciso de ajuda com nada.
— Eu te amo. — malditas lágrimas de novo. Eu nunca tinha sido uma chorona. — Você está me matando fazendo isso.
— Podemos conversar depois? — comecei a olhar os papéis, procurando algo para me distrair. — Temos muita coisa para trabalhar.
— Você se lembrou de algo?
— Nada relevante.
— Eu conheço você. Eu vejo você. Aquele tipo de reação não é decorrente de um simples estresse. Algo maior aconteceu, não foi?
Eu suspirei e concordei. Não conseguia mentir. Ele me segurou pelos ombros, delicadamente.
— Podemos, por favor, falar sobre isso depois? — pedi. — Eu não estou preparada para isso agora.
— Tudo bem, eu acredito em você. — ele cedeu, vendo que não conseguiria tirar mais nada de mim.
— Jay, pode sair do esconderijo. — chamei e pouco tempo depois ele apareceu. — Podemos conversar sobre o que acontecerá hoje?
— , não posso deixar você ir hoje.
— O quê? Por quê?
— Depois do que aconteceu ontem, decidimos que seria melhor cancelar a entrevista de hoje. — falou.
— Vocês decidiram? E eu? Não tenho opinião? — perguntei, indignada.
— , não é necessária outra entrevista. Hyun-Ha nos deu informações suficientes e falar com a mãe dela seria uma perca de tempo. Ela está em uma idade muito avançada.
— Não mintam para mim.
— Você sabe que eu nunca mentiria para você. — falou.
— Isso é uma maneira pelo que eu não estou contando? — perguntei.
— Acho que vou ao banheiro de novo...
— Que tipo de pessoa você pensa que eu sou? — pareceu ofendido com minhas palavras.
— Então me deixe ir. Nunca vamos saber se não tentarmos.
— Vai ser uma perda de tempo. — eu odiava brigar com , odiava agir daquele jeito.
— Você mudou o plano por causa do que aconteceu ontem.
— Mudamos o plano porque vimos necessidade. Você disse que não aconteceu nada demais e agora está falando isso. Você está se entregando.
— Vocês mudaram sem nem perguntar a minha opinião.
— Você estava doente. Vamos trabalhar com o que temos e ver se haverá necessidade de outra entrevista. Se você não se lembra, precisamos tomar cuidado com cada passo que damos fora daqui. Nossa vida está em risco. Jay, você pode mandar um e-mail remarcando a entrevista?
Eu sabia que teria que contar para mais cedo ou mais tarde sobre o que havia descoberto. Ele não poderia encontrar a solução sem mim. Mas como contar aquilo e quebrar o coração do homem que eu amava?
Enquanto conversavam, eles tentaram me inteirar no assunto, mas eu não conseguia responder muita coisa com coerência.
— Algum resultado com os e-mails dos amigos? — perguntou a Jay.
— O único homem que encontrei é japonês e está de férias em Osaka. — ele respondeu.
— Conseguiu alguma coisa sobre as sobrinhas? — perguntei.
— Nada que pudesse relacionar com a investigação.
— Parece que estamos caminhando na direção errada. Não há ninguém que bata com o nosso perfil que poderia estar procurando vingança. — falou.
Porque vocês estão procurando na vítima errada. Se moverem um pouco o campo de visão, vão encontrar.
Queria juntar coragem e contar, mas eu era muito covarde para aquilo.
— O que o Promotor Kang falou? — perguntei.
— Ele pode nos encontrar em algum lugar escondido.
— Acho que vou voltar para o quarto.
Eu não esperei para ouvir nenhum comentário de Jay ou de , apenas voltei para o quarto.
Fiquei encarando o teto, pensando. Como contar? O que falar? Será que ele me odiaria muito? Por que era tão difícil contar? A resposta era simples: porque eu estava com medo de perder se ele descobrisse. Era egoísta, mas não podia mentir para mim mesma.
Eu não conseguiria resolver aquilo sozinha, então orei. Pedi que Deus me ajudasse, implorei para que ele me desse forças e que me mostrasse a saída, a melhor decisão a tomar. Eu entreguei meus medos e minhas tristezas. Quando levantei, parecia que um peso tinha sido tirado das minhas costas.
Quando saí do quarto era tarde, porque estava tudo escuro do lado de fora e não tinha ninguém em casa. Na geladeira, um bilhete dizia que os dois haviam saído para encontrar o Promotor Kang e havia sopa para mim na geladeira. Quando abri a geladeira para tirar o prato ouvi um barulho perto.
— ? — nenhuma resposta. — Jay?
Larguei o prato em cima da mesa e saí em busca do som. O cheiro me atingiu antes de chegar à porta da casa. Virei, mas não consegui enxergar nada. Alcancei o interruptor o mais rápido que pude e liguei a luz.
O tempo pareceu parar e minha respiração ficou suspensa.
— Fiquei sabendo que você teve um longo trabalho procurando por mim.
Quem era que eu estava procurando por todo aquele tempo? Isso mesmo. O assassino.
— Olá, querida.
Meu pai.