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Atualizada em: Abr/2023

[ 24 ] – The confidence is the balaclava

"É mais uma questão de adrenalina
Que uma questão de diversão
[...]
Só pode esperar que o fim seja
Tão prazeroso quanto o começo
A confiança é a balaclava
Estou certo que você os confundirá bem
Isso é errado, errado, errado
Ela mal pode esperar
[...]
Ela implorou para você tirá-la
Mas você resistiu e lutou
Desculpe-me querida, prefiro muito mais
Manter a máscara."
(🎵🔥🖤)

Tinha realmente chovido lá fora.
Apesar disso, o clima abafado fazia esse fato passar despercebido. A calçada de pedregulhos já estava praticamente seca de novo às 1 da manhã, quando Jungkook e emergiram do subsolo, parando na avenida vazia, sem carros ou risco de encontrarem pequenas poças alheias no asfalto.
respirou fundo o aroma de terra molhada. Não gostava de temporais, mas não podia negar a sensação de limpeza que o mau tempo causava na atmosfera em geral. Desde que nasceu, seu pai dizia que a chuva era um milagre. Que sem ela, não existiria arco-íris. amava a chuva até sua mãe e seu padrasto acabarem com essa percepção na marra.
Candice disse que voltaria a amar a chuva quando beijasse seu verdadeiro amor no meio de uma cortina de água. A ideia era tão boba que não valia sua atenção.
Jungkook destravou a Mercedes estacionada no meio fio, virando-se para logo em seguida com o casaco embrulhado no antebraço.
— Tá com fome?
ergueu a cabeça até encontrar seus olhos. Estavam tão intensos quanto lá dentro, intensos de uma forma muito explícita, como se ele não fosse lutar contra caso ela sugerisse qualquer programa no carro ou fora dele. Estava aberto a todas as opções – até ir à Busan no meio da madrugada de trem.
Mesmo que quisesse muito materializar todos os pensamentos sujos e pervertidos que estava tendo desde o lado de dentro, a pergunta de Jungkook acordou um monstro que ela não iria conseguir calar por muito tempo.
— Estou morrendo de fome.
Ele riu e começou a caminhar até o carro.
— Vem, vamos comer.
— O que a gente vai comer? — A essa hora da noite, ela queria completar. Era madrugada, mas as outras ruas da capital não estavam exatamente vazias. E ela estava com Jeon Jungkook, pelo amor de deus. Não era como se pudessem entrar pela porta da frente do McDonald’s tranquilamente.
— O que você quiser — ele levantou os ombros, mais leve desta vez porque ainda devia estar doendo um pouco — Tá com vontade de comer o que?
mordeu o lábio inferior enquanto abria a porta e se acomodava no banco do passageiro.
— Hum… Você vai rir?
— Acha que fico rindo de misturas bizarras? Você não me conhece? — ele estreitou os olhos para ela, puxando o cinto de segurança.
— Mas seu gosto é peculiar demais. Aqueles funny moments do YouTube já mostraram umas coisas preocupantes.
— Ah, então andou me pesquisando na internet?
A bochecha dela ardeu um pouco.
— Claro que não. Eu não queria ver você.
— É? Quem você queria ver?
— Queria ver vocês. Trabalho com idols agora, sabia? Tenho que pegar umas referências do maior grupo do momento — ela deu de ombros, mas Jungkook não pareceu acreditar em nenhuma vírgula.
— Aham, tá bom — ele passou uma língua pelo lábio inferior e ligou o ar-condicionado — Agora vai dizer o que quer comer?
Bungeoppang. Aqueles bolos com formato de peixinho.
Ele a encarou por quase um minuto inteiro antes de cair na gargalhada. revirou os olhos e cruzou os braços, virando-se para ele do banco.
— Você disse que não ia rir, babaca — ela queria dizer canalha, mas perderia a pose e começaria a rir também.
Bungeoppang? Você ainda não comeu isso? É comida de barraquinha.
— Comida de barraquinha de praça. Ainda não saí pra ser uma turista de verdade em Seul, muito menos Candice que só conhece Gangnam e Cheongdam-dong.
— Então você ainda não conhece a Namsan Tower? — balançou a cabeça que não. Jungkook abriu bem os olhos junto com a boca em um pequeno choque — Jesus Cristo, , devia ter me falado antes. Você faria fotos incríveis lá em cima.
— Falar com você antes? E o que você faria, me jogaria lá de cima?
— Talvez — ele riu, e ligou a ignição. — Mas hoje quero te ver suspirando pela vista.
Ele arrancou com o carro subitamente e, de repente, a Mercedes estava costurando a avenida a uma velocidade no limite do permitido, indo em uma direção que não fazia ideia de onde era. Tudo foi tão rápido que ela não teve tempo de raciocinar.
— Espera, e se lá estiver fechado?
Ele a olhou de soslaio, e articulou um sorriso tão insinuante e malicioso que foi grande parte da resposta que estava prestes a dar.
— Isso se resolve.
o encarou, esperando que ele dissesse que estava brincando ou que tinha mais um dos tantos mil amigos especiais que dariam um jeito naquilo pra ele, mas Jungkook apenas esticou um dos braços para o aparelho de som e inundou o carro com Daniel Caesar e o single novo, Do You Like Me? Ela quis chamá-lo de maluco, porque sentia no coração que aquele cara sentia prazer em agir por impulso, mas ali, olhando para ele novamente sob aquele brilho de led escarlate em uma alameda semi vazia enquanto o sangue e as veias de ferviam em desejo por aqueles braços e todo o calor que podiam oferecer, ela só conseguiu pensar que ele estava fazendo-a suspirar pela vista. Por outra vista. Pela sua vista. Pensou tanto que estava prestes a falar isso, mas essa declaração era forte demais e ela logo perdeu a coragem. Talvez não fosse algo muito aceitável a se dizer entre amigos.
De formas legais ou não, Jungkook estava girando o carro em direção à entrada de uma subida quase infinita, onde dirigiu um bom pedaço de caminho até parar ao lado de uma guarita iluminada com luz fraca e ocupada por uma silhueta lendo um jornal. Ele nem hesitou quando saiu do carro e caminhou até o outro lado da rua, encontrando com um senhor de mais ou menos 70 anos que tilintava chaves nos dedos enquanto passava páginas do jornal, segurando uma caneca de chá na outra mão. arregalou os olhos quando percebeu o que Jungkook devia estar tentando fazer – o que provavelmente poderia fazer, porque tinha uma grande vantagem na persuasão, mais do que a maioria das pessoas, e essa vantagem estava demarcada com muitos zeros no banco principal da Coreia.
Pelo amor de deus.
Ela olhou pela janela enquanto tudo que via eram as costas dele e o rosto do homem sério, vários centímetros abaixo de Jungkook. Sua boca se mexia pouco, ouvindo o garoto falar com uma expressão de puro tédio, e não o viu pegar a carteira em momento nenhum. Bem, era o que se esperava. Por qual outro motivo um segurança os deixaria entrar depois do horário do expediente? Eles não tinham nenhum pretexto alarmante demais para servirem de exceção.
Mas então, de repente, um sorriso grande e generoso escapou dos lábios do homem, se transformando em uma gargalhada logo em seguida, e então ele estava dando tapinhas nos braços de Jungkook, e riu mais um pouco até que fizesse um sinal estranho com os dedos, entregasse alguma coisa nas mãos dele e fizesse um sinal para que ele voltasse para o carro estacionado.
Jungkook sorriu, dizendo palavras incompreensíveis ao longe, fazendo uma reverência com as costas e retornando para o carro, guardando algo no bolso no meio do caminho.
E de novo: não tocou na carteira nenhuma vez. Não pegou nem o celular. A única coisa que fez foi abrir a boca.
Quando ele entrou, ainda estava olhando para o funcionário, que andava lentamente com uma perna meio manca até o grande portão fechado, digitando números na parede lateral até que o tranco das grades sendo abertas soasse audivelmente por toda a rua vazia.
arregalou os olhos.
— O que você fez?
Jungkook olhou para ela com um sorriso, ligando novamente a ignição.
— Só conversei com ele.
— Uma conversa que não envolveu um suborno, não é?
— Claro que não. Quem você pensa que eu sou? — ele franziu o cenho, ligeiramente ofendido. Mas semicerrou os olhos, desconfiada — Tá bom, não sou exatamente um exemplo de cidadão, mas aquele cara não aceitaria nem 1 milhão de wons se eu oferecesse. Acredite, eu tentei. Mas ele pediu algo mais específico.
Jungkook puxou o freio de mão e começou a subida eterna e cheia de curvas, abaixando o vidro do carro o bastante para acenar um adeus ao seu mais novo amigo e passar pelo portão.
— Um autógrafo? — arriscou. Ele estalou a língua.
— Que nada. Ele pensou que eu fosse um presidiário, não um ídolo pop.
colocou a mão na boca para rir. Quase perguntou o que o levaria a pensar isso, mas era só olhar para Jungkook para saber. Sem a jaqueta, suas tatuagens estavam expostas e para toda a comunidade não cega da Coreia, aquilo era um convite para críticas em aberto.
— Tá falando sério?
— É sério. Me apresentei como Jeon Jungkook e ele continuou com cara de tacho. Foi muito bom — ele riu, virando o volante com uma das mãos enquanto trocava a marcha. Estava sorrindo muito mesmo — Esqueci como essa sensação era boa.
— Qual? A de não precisar socorrer ninguém que desmaia quando te vê?
— A de ser um zé ninguém, — ele a encarou de lado por um instante — De ser normal. Como um presidiário sequestrando uma garota para o topo da Namsan Tower.
riu e teve vontade de beijá-lo. De novo. Quis mandá-lo parar aquele carro e morder o lóbulo de sua orelha, ou pedir que tirasse aquela camisa porque devia estar incomodando o curativo da tatuagem, e dizer que eles poderiam comer depois, ou ver o topo e as estrelas depois, quando elas estivessem quase indo embora.
Mas ele parecia estar apreciando um momento particular e muito especial consigo mesmo, e aquilo era mais importante do que seus desejos malucos momentâneos.
— E afinal, o que ele pediu pra você?
Jungkook fez mais uma curva, e as luzes dos postes fluorescentes no meio do caminho faziam conseguir enxergar apenas os troncos úmidos das árvores e os telhados das construções antigas.
— Você vai ver lá em cima — respondeu ele, com um sorriso ainda mais radiante.

📸💔🎤


Era inacreditável.
estava pasma. Mais do que isso. Estava atônita. Espantada.
Ele era louco?
Ou o outro cara era louco? Os dois eram? Um tinha feito o outro fazer aquela loucura? Não podia ter sido por vontade própria.
Quando o viu finalmente tirar a carteira do bolso, ela entendeu que os zeros estavam entrando em ação, e o outro cara carregando uma barraquinha de Bungeoppang presa por um guincho na parte traseira de uma picape não parecia nem um pouco triste de ter se deslocando sabe-se lá da onde em plena madrugada para se apoderar daquela quantia.
Uma barraquinha inteira de Bungeoppang. E estavam cheirando o ambiente inteiro.
Observando de longe, ela abriu e fechou a boca várias vezes sem acreditar. Quando Jungkook disse para que ela esperasse naquele banquinho de pedra em frente a um parapeito de madeira, onde uma das vistas mais lindas de Seul irradiava lá embaixo, não imaginou que fosse para receber um delivery tão diferenciado.
Não era só ela que estava surpresa. Os olhos do cara prestando o serviço eram desacreditados, tanto pela grana preta que estava recebendo quanto pela pessoa que cedia o dinheiro. Ele com certeza não pulava a seção de entretenimento do jornal e sabia que o cara tatuado não era um presidiário. Então, se apossando das cédulas emboladas, ele cumprimentou Jungkook pela última vez e entrou de volta na picape, arrancando e desaparecendo um minuto depois.
Ela repetiu na mente: inacreditável.
Quando Jungkook voltou para o banco segurando pelo menos três bolinhos na mão, aparentemente muito frescos e cheirosos, ainda estava em falta de palavras e reações.
— Espero que ainda esteja com fome — disse ele, sorrindo inocentemente enquanto lhe entregava um deles — Toma, é de queijo. Também tem de creme, pasta de amendoim e feijão vermelho doce. Tem mais duas dúzias ali, se você quiser…
— O que foi isso? — protestou, agarrando a comida sem pestanejar. Seja lá como aquilo tinha ido parar ali em cima, já estava ali, junto com sua barriga roncando de fome.
Ele mordeu um pedaço do bolinho enquanto se sentava.
Isso foi o nosso pagamento por burlar as regras de um ponto turístico nacional — ele deu de ombros, pacientemente. se sentou ao seu lado, ainda sem entender — Aquele senhor muito simpático não parecia muito interessado no meu dinheiro, então depois de muito insistir falei que estava com uma garota faminta no carro e perguntei onde eu podia achar uma barraquinha de Bungeoppang aberta a essa hora. Foi quando ele teve uma brilhante ideia para me vender a entrada: se eu comprasse bolinhos do sobrinho dele e prometesse não vandalizar o patrimônio, ele me deixaria passar. Melhorei a oferta e comprei tudo.
arregalou os olhos, enquanto ele comia mais um pedaço.
— Você comprou a barraquinha toda?!
— Comprei.
— Mas o que vai fazer com isso depois?
— Hã? — ele franziu o cenho, como se a pergunta dela não tivesse sentido nenhum. Depois, quando realmente entendeu, jogou as sobrancelhas para cima e riu um pouco — Ah, eu disse que ele poderia pegá-la de volta antes do amanhecer. O tio da guarita vem buscá-la antes de terminar o turno. Até lá, podemos comer todos os Bungeoppang que quisermos.
Ele sorriu enquanto comia novamente. Parecia muito feliz, independentemente do petisco duvidoso ou do dinheiro gasto inconsequentemente. Era como tudo aquilo soava: inconsequência. Mesmo que Jungkook nunca tenha sido exigente com refeição nenhuma e não sentisse nem cócegas com 100 milhões a menos na conta.
Era uma atitude tão espontânea e tão diferente de que a assustava por alguns minutos.
Mas quando esse susto passou, a alegria dos impulsos de Jungkook contagiaram seu coração, fazendo-a rir do mesmo jeito que aquele cara, com certa perplexidade.
— Já te falaram que você é meio maluco?
— Toda pessoa certinha que eu conheço me diz a mesma coisa.
Ela suspirou e finalmente mordeu um pedaço do bolinho. Era suave e delicioso. Um pouco crocante por fora e mole por dentro. Tinha um gosto forte de pimenta e orégano, combinando perfeitamente com o queijo. Para alguém com fome, aquilo tinha cara de banquete.
— Isso é muito bom — disse ela, abocanhando outro pedaço, mastigando com apreciação — Muito bom mesmo.
— Eu concordo. Não importa a frescura de gente rica e idiota, isso aqui é uma preciosidade cultural.
— Isso vai além de ser idiota. É ser sem coração.
— E esses nem são os melhores que eu já comi — acrescentou ele, com uma piscadela. revirou os olhos e riu, fazendo planos de pedir um delivery daquilo com menos estardalhaço na primeira oportunidade que tivesse.
— Candice morreria se me visse comendo isso.
— Fala sério — ele bufou. — Às vezes ela parece a sua mãe.
— Minha mãe não é assim — argumentou com a boca cheia, mordendo o próximo pedaço antes de engolir o outro. Já estava no fim deste e pensando no próximo. E talvez no próximo depois desse.
Jungkook estendeu o terceiro bolinho restante em suas mãos para ela, que pegou sem hesitar enquanto limpava os cantos da boca com as costas das mãos. Ele riu com diversão e se levantou para andar de volta para o carrinho, retornando depois com guardanapos de papel e duas coca-colas.
— Você tá brincando — disse com os dentes na massa, apontando para a bebida.
— O cara veio preparado. Eu não brinco com o meu dinheiro, o serviço tinha que ser completo — afirmou, abrindo a lata para ela. pegou a bebida e deu um grande gole, fazendo uma careta pelo gás e pela temperatura ambiente do líquido. Não era de hoje que notava que o conceito de bebidas geladas era muito diferente fora do Brasil.
E de repente, ela esticou as costas e se virou para Jungkook com os olhos arregalados.
— Nós podemos comer isso?
— Como assim?
— As tatuagens. Não tem toda aquela história de evitar certos tipos de comida? Tipo quando se coloca um piercing e essas coisas?
— Ah… — Jungkook mordeu o lábio inferior, esboçando um pouco de surpresa por nem sequer ter cogitado o assunto antes — São bolinhos cozidos. Polyc nunca disse nada sobre eles.
piscou os olhos algumas vezes, duas ou três, até sufocar uma risada por trás da lata do refrigerante, rindo da expressão de palerma que Jungkook tinha feito, e ele riu junto porque era bom ouvi-la rir. Era bom de ver. Melhor do que esperava.
— Você parece feliz — disse ele quando a viu morder um pedaço. Parecia contente sem fingimento.
— Eu estou feliz. De verdade — respondeu.
— Isso é bom. Você não combina com tristeza — e ele suspirou, virando os olhos para o seu rosto — E muito menos com choro.
O sorriso de foi lentamente dando espaço para uma linha fina estendida, uma faixa onde antes se mostrava dentes e uma expressão feliz. Jungkook pensou imediatamente em pedir desculpas, mas por que, afinal, se desculparia? Por dizer o que pensa? Por querer demonstrar confiança?
Ela apenas limpou a garganta, depositando o refrigerante com cuidado ao seu lado no banco.
— Aquele dia, você…
— Ouvi — ele confessou na frente, agora girando o corpo inteiro em sua direção. — Não foi de propósito, mas ouvi. E não foi a melhor experiência da minha vida.
não olhou direto para ele, mas riu. Não foi a risada mais natural e alegre do mundo, mas Jungkook esperava que ela ficasse irritada com ele, como parecia irritada naquela manhã nos corredores da agência, quando percebeu que ele estava do outro lado daquela porta.
— Não é como se você nunca tivesse ouvido uma garota chorar.
— Nenhuma garota nunca chorou depois de trepar comigo. Eu juro. Sou um pouco mais cavalheiro do que isso.
— Não chorei por sua causa.
— Ah, disso eu sei, porque olá, você é . Que poder eu, um pobre mortal, tenho de fazer uma coisa dessas? — Jungkook ironizou enquanto puxava um dos joelhos para cima do banco. Viu o canto dos lábios dela se abrirem em um novo sorrisinho, e percebeu que a solução de todos os problemas do mundo estava em ser um idiota.
— É. Você me deixa brava.
— Só isso?
— Já é muita coisa.
— Mas precisa ter mais.
— Hum… Curiosa também. Envergonhada, algumas vezes. Animada, de certas formas.
— Vamos lá, você não vai morrer se for mais sincera que isso — ele semicerrou os olhos, destilando sarcasmo.
— O quê? Você quer que eu diga com tesão? — ela se virou em sua direção também, ficando de frente para ele.
— Isso não precisa nem ser falado.
Me deixa molhada sussurrou em sílabas, abrindo e fechando a boca devagar como se revelasse um segredo de Estado. Os dois riram logo em seguida; ela pela fisionomia abobada dele, e ele por pensar que era o único sortudo em um mundo de azarados que não tinham oportunidade de ver aquela garota realmente molhada.
— Se estiver ficando com tesão enquanto comemos Bungeoppang em um parque deserto, não vou recusar o convite, , não tenho problemas com essas coisas. O banco de trás é bem confortável — ele deu de ombros, e sabia que por debaixo daquele sorrisinho existia uma ponta – ou um iceberg inteiro – de verdade.
— Ah, como você é engraçadinho. Se eu sorrisse da maneira certa, você interpretaria como um convite, não é? Uma confirmação. Com você, o diabo está nos detalhes, Jeon.
— O diabo está em tudo que eu quero fazer com você, . Coisas tiradas daqueles eBooks eróticos da Amazon ou dos guias indianos de kamasutra — soltou uma gargalhada imediata. O bolinho em suas mãos quase caiu no chão. Jungkook observou seus olhos se fechando e umedeceu os lábios — Imagino que essa seja a risadinha de confirmação.
— Não, você só me fez rir. É bom, eu gosto de rir. Me faz bem.
Bem?
— É. Bem. Você me deixa bem — soltou, sem a menor precaução. Talvez um silêncio barulhento preenchido com fogos de artifícios tenha se assentado no meio daquele banco de pedra por um segundo, um réveillon acontecendo bem no peito de Jungkook — Satisfeito?
Ele demorou ainda alguns instantes para conseguir mover a boca e rir, batendo duas palmas de deboche.
— Que reviravolta, meus amigos. Eu deixo bem. Entre brava e bem existe um precipício — brincou, observando-a revirar os olhos e assentir, enquanto bebia mais um gole do refrigerante — E quem te deixou triste?
desviou os olhos para o lado, de volta para a paisagem brilhante de Seul.
— Isso não importa.
— Vai, , qual é — Jungkook suspirou, continuando no mesmo lugar. A ideia de não insistir na sua curiosidade tinha ido por água abaixo — Não quero ser cruel, só quero entender. Teve a ver com o Jaehyun? Com todo esse lance do atraso da turnê, e agora as fotos…
— O quê? — se virou bruscamente para o garoto, a testa enrugada até tocarem nas sobrancelhas — Não, não é nada disso.
— Então o que aconteceu?
Ela ficou quieta de novo. Desta vez, encarou aqueles olhos curiosos com um tipo de aborrecimento, um que estava inflando suas narinas junto com o peito, os dois gritando em seus ouvidos que ela deveria se levantar daquele banco idiota naquela noite idiota com aquela companhia idiota e dizer a ele que estava tudo bem e estava tarde. Que já bastava de explosões de verdades por uma noite, já bastava ser marcada por elas. Agora poderia voltar a sua vida normal de alguém que enterra o passado e mente para sobreviver.
Mas tinha algo inconvenientemente magnético em Jungkook, um algo sem nome que a atingia cada vez mais, que mudava coisas de lugar, que chamava, e pedia, e solicitava, e procurava, e se via pronta para dar, soltar e mostrar.
— Minha mãe... Está doente. Câncer de mama.
Os ombros dele despencaram por um momento. Uma respiração entrecortada escapou por suas narinas, e o silêncio novo finalmente teve o peso esperado.
— Puta merda, ... — ele arfou em silêncio, os olhos cheios de pesar — Eu... não sei o que dizer. Não imaginei que fosse isso.
Ela deu de ombros de novo, virando-se para a cidade.
— Não precisa dizer nada. Ela vai ficar bem. Vai fazer todo o tratamento e vai ficar bem. Ela sempre foi muito forte pra essas coisas.
— Há quanto tempo você sabe?
— Pouco. Descobri no jantar daquele dia. Foi complicado — suspirou, e seu pescoço se recusava a olhar para ele. Estava claro que não era algo que contava para as pessoas normalmente. Qualquer menção à família de era um território resguardado, misterioso, uma porta de ferro cercada por grades elétricas.
Apesar disso, Jungkook achou uma pequena brecha para ficar aliviado no meio de uma notícia ruim. Aliviado por não ter Jaehyun em sua lista de tristezas.
Mas os últimos dias foram retornando gradativamente à ele naquele minuto de quietude, e as peças encaixadas o fizeram entender o porquê ela provavelmente jamais o contaria uma coisa dessas.
— Pagou o tratamento dela, não é? — perguntou. travou o maxilar e apenas confirmou com a cabeça, ainda sem encará-lo — Por que não contou pra Candice? Naquele dia.
— Porque eu ainda não tinha feito nada e ela abriria o aplicativo do banco e faria uma transferência na mesma hora, mesmo eu implorando pra que não fizesse isso — ela levou um dos dedos para trás da nuca, a voz exprimindo cansaço — Ia querer ser a solução de todos os meus problemas, como sempre, mas algumas situações precisam ser enfrentadas cara a cara. Até as mais difíceis.
— Como o fato de você ter mandado quase toda a sua grana? — agora se virou para ele, as sobrancelhas se espetando no centro da testa — Não me olha assim, todo mundo sabe da sua reputação financeira. E não faço a mínima ideia de quanto custa uma quimioterapia no Brasil, mas creio que seja caro. Pra te fazer desistir — pontuou ele. prendeu ainda mais a mandíbula — Seja lá quanto tenha sido… Você vai recuperar. Tenho certeza. O dobro, o triplo. Agora o único caminho disponível é em frente, mas pode ir devagar, se quiser. Você é uma excelente profissional e foi uma ótima filha.
sentiu o nariz arder instantaneamente, a bochecha e a garganta formigarem, todas as suas glândulas lacrimais se agitarem para estourarem pelos olhos, que foram desviados agora para baixo, para os seus pés balançando minimamente pela altura do banco.
— É. Fui uma ótima filha. Ponto pra . Um lugar garantido no céu — ela dá uma risada engasgada, representando tudo menos satisfação. Um fungar indiscreto escapou de seu nariz, ao passo que ela logo o calou com as costas das mãos — É assim com a vida e o futuro: você os planeja, mas eles rabiscam em cima. Ou tropeçam bem no meio da sua torre de cartas. Ou chutam seu castelinho na areia por pura diversão. No fim, o poder deles é muito maior que o nosso, mesmo que eu não aceite isso de jeito nenhum.
Jungkook umedeceu os lábios, aproximando-se furtivamente para mais perto de , se sentindo a cada minuto mais interessado.
— Por que tinha tanto dinheiro guardado?
— Todo mundo tem uma reserva de emergência, não tem?
— Não igual a sua. Reservas são o pouco que a gente tira do muito, e não o contrário.
Ela o encarou de novo de soslaio. O semblante dele tinha aquela pergunta reforçada, as sobrancelhas erguidas com um “e então?”, mesmo que ela não soubesse como respondê-lo direito.
Não era algo que pretendia responder. Nunca. E quando pensou sobre o que diria, seu rosto ficou instantaneamente quente.
— Eu... A gente nunca teve muito dinheiro — começou, em um sussurro — Meu pai trabalhava em uma empresa de metalúrgica e fazia uns bicos de fotógrafo, que era o que ele realmente gostava, mas nada que desse pra crescer. Por muitas vezes, ele faltava ao trabalho porque escolhia fotografar um evento de 3 dias na cidade mais próxima, alegando que a quantia daria mais do que o mês na fábrica, mas era mentira. Ele ia porque não suportava aquele lugar. E pulou por vários empregos na vida. Apesar disso, ele nunca deixou que faltasse algo pra mim e minha mãe. E cresci com essa falsa sensação de que tudo ficaria bem, a partir do momento em que ele estivesse ali — suspirou, trocando um pouco os pés. — Quando ele morreu, descobri as verdades que se escondiam por trás da imagem pacífica que ele me mostrava. As dívidas, os empréstimos, o aluguel não pago há meses... em um dia, eu o via sair de casa dentro de um saco preto e no outro, estou arrumando minhas coisas pra me mudar pra uma cidade grande que não conheço e onde tudo me assusta. Era muita informação para uma criança de 11 anos. Mas o dinheiro, bem... dinheiro é o degrau das conquistas. Naquela idade, eu não tinha ambições sobre o futuro e nem por nada material. Era fascinada pela história do meu pai, pelos seus sonhos abandonados e aos poucos esse sonho foi entrando em mim, se tornando meu. Mas fui crescendo e percebendo que a realidade mata a maioria deles. Estávamos sozinhas, vivendo de aluguel, e o básico começou a faltar. Minha mãe teve uma depressão grave e perigosa, do tipo que transforma uma pessoa em outra e tive que começar a me virar. Consegui um emprego no almoxarifado da biblioteca da cidade aos 13 anos. O dinheiro era ridículo e os órgãos públicos não sabiam, mas foi a única coisa que achei. E aí, ela conheceu o Antônio…
Ela engoliu em seco. Jungkook a observava com apreensão.
— Foi tudo tão rápido. Em um dia, ela não se levantava da cama e no outro estava passando maquiagem de novo. Me mandava limpar a casa aos sábados e depois me trancar no quarto sem sair de jeito nenhum. Eu ouvia a voz de um homem e não entendia. Ou não queria entender. A ideia não passava pela minha cabeça até que um dia os ouvi no quarto, e senti tanta... Raiva, repulsa. Papai tinha morrido há menos de um ano, e era... nojento. Não sei explicar. Esperei que ele saísse e fui confrontá-la, aquele mesmo sentimento queimando dentro de mim como nunca, e... foi a primeira vez que ela me bateu.
“E quando eu percebi, estávamos dividindo a casa com mais uma pessoa e roubaram a minha voz. Eu não sabia onde ela estava. Quando um A saía de mim, era calada com um hematoma. Tanto dele quanto dela. Quando queriam aplicar um castigo mais intenso, meu quarto durante à noite era o quintal dos fundos no meio da chuva. Sempre tinham os raios, e os trovões, como um filme de terror. Daí comecei a perceber as mesmas marcas nela, e as brigas eram tão altas, tão barulhentas, tão... horríveis. Uma coisa que criança nenhuma deveria presenciar. E então, pra fechar o circo dos horrores, ela estava chorando aos pés dele pedindo perdão por sei lá o quê. Por não ter esquentado a janta. Não ter comprado as cebolinhas. Não ter lavado a camiseta que ele queria. Chorava pateticamente como uma maluca, dizendo que o amava, apavorada com a ideia de ser abandonada. A simples menção de Antônio ir embora era um pesadelo para ela, uma sentença de morte. Ele definia tanto a vida dela que me deixava... assustada. Ela usava a palavra amor com tanta força, tanta certeza, mas eu não conseguia associar à realidade com suas palavras. Se o amor era aquilo... essa dependência violenta que a deixava sem rumo, então eu não queria isso. Porque, aos poucos, percebi que se ela considerava aquilo amor, queria dizer que ela não me amava.”
“E sabe, achei que sofreria mais quando percebesse isso, mas na verdade, pareceu uma libertação. Uma surpresa que a gente já espera. Ela era uma boa mãe até a morte do papai, e talvez o luto tenha tirado a sua âncora de volta e ela se viu perdida, sem ter onde se agarrar, mesmo que eu estivesse ali o tempo todo. Mas ela nunca procurou por mim, nunca me viu como uma companhia. Então, respondendo a sua pergunta: a partir do momento em que percebi que se continuasse naquele ambiente, eu não teria ajuda e muito menos escolhas, fui atrás de consegui-las. Ou tentar. O caminho para uma situação melhor é sempre o mesmo, sem segredo: ninguém escapa de trabalhar para ganhar a vida. É um fato incontestável. Naquela situação, eu poderia ter pensado em ter um trabalho comum e estável, onde minhas chances de conhecer o mundo seriam poucas e a mesmice acabaria comigo, porém a segurança seria garantida. Só que pensei o seguinte: se estou sozinha nessa, e vou ter que passar por todos os perrengues sem o apoio e amor que meu pai havia prometido, vou me dar ao luxo de fazer uma escolha. Apenas uma: adotar o sonho dele. Torná-lo possível de uma forma mais responsável. Me apaixonar por uma câmera e pelo parar do tempo. Viajar o mundo e vê-lo com meus próprios olhos. Eu podia fazer isso. Era a única coisa que eu podia fazer.”
E teve finalmente coragem de encarar o garoto ao seu lado, vendo um par de olhos castanhos cravados em seu rosto e a boca entreaberta em uma ligeira expressão de surpresa, mas não uma surpresa amedrontada. Não aquela em que o sujeito balbuciava palavras de conforto atropeladas e corria para a primeira porta de saída que encontrasse. Jungkook queria saber mais, mesmo que no fundo tivesse que se concentrar em dobro para não deixar o músculo trincado na mandíbula tão evidente assim.
quis rir daquela reação, mas apenas balançou a cabeça.
— É por isso que guardei tanto dinheiro — sussurrou. — Porque precisava sobreviver sozinha. Era o único jeito de sobreviver sozinha.
Ele não disse nada. Provavelmente não conseguiria, já que havia dito tudo. Dito tudo, mostrado tudo e sofrido tudo. Ele enxergava o brilho lacrimal em seus olhos, a ponte do nariz se curvando para um choro, mas nada saiu. Ela continuava na mesma posição, e mesmo com o único poste de luz fluorescente estando há vários metros de distância naquela madrugada escura, não tinha sombra nenhuma pela primeira vez em muitos anos.
Jungkook se sentiu meio idiota. Mais do que isso, se sentiu um canalha. Tinha pensando tantas coisas daquela garota com o passar dos meses desde que a conhecera, feito tantas pré-suposições, uma pior que a outra, mesmo depois de ter cogitado que ela tinha algum motivo pertinente para ser tão inabalável.
Depois de um tempo, Jungkook teve certeza que não viera de lugares que ele pensou que viera, mas não chegou a imaginar… Isso. Não chegou a imaginar que as coisas poderiam ser piores do que pensou; e mais do que isso, não chegou a pensar que os poucos sorrisos que captava daquela garota eram tão corajosos contra toda uma realidade. Ela nunca nem estava triste.
Ela não quebra fácil. Como nada era capaz de atingir essa garota?
Porque ela já tinha sido atingida por coisas maiores e mais graves do que uma celebridade de merda descontando o seu coração partido em Deus e o mundo.
Meu deus, como ele era idiota! Essa era apenas a primeira das coisas de uma imensa lista que passaria a vida para compensá-la.
Quando viu que os ombros dela estavam prestes a murchar um pouco, ele passou um dos braços ao seu redor, puxando-a para mais perto sem dizer uma palavra, que não eram necessárias. A cabeça de tombou em seu ombro e os dois se viraram para o horizonte.
— Como eu não sei de metade das coisas que você passou… — disse ele, em voz baixa, apoiando o queixo em sua cabeça — Posso só dizer que você se saiu muito bem. Sobreviveu com louvor, conquistou seu espaço. Seu pai estaria orgulhoso de você, .
Ele a escutou suspirar forte, provavelmente se segurando em todas as forças que podia para não soluçar, mas ele não se viraria para verificar. Não era algo que queria ver, de qualquer maneira. Em contrapartida, rapidamente se recuperou, soltando uma singela risadinha para substituir o momento triste, sem querer dar sopa para o azar de abrir o berreiro na frente de Jungkook.
— Ele gostaria mesmo de me ver tirando fotos de rockstars? — brincou, fazendo Jungkook estalar a língua. fantasiou por um momento que o tempo havia voltado e ela tinha começado a fazer perguntas ao pai sobre a câmera que carregava por aí, e a resposta certeira dele só poderia ser uma: isso serve pra guardar seus momentos preferidos, . É uma pausa no tempo que vai durar pra sempre. Não desperdice suas pausas com qualquer coisa, ou qualquer pessoa.
Pensando agora, ela tinha desperdiçado bastante suas pausas, quase todas elas, em busca de uma subsistência, porque flagrar Orlando Bloom exibindo um dedo do meio na saída da Starbucks não era algo que ela gostaria de guardar para sempre.
Mas, ao mesmo tempo, percebeu porque nunca gostou de fotografar pessoas para sua coleção particular. Talvez tenha levado esse recado do pai muito a sério. Talvez seja por isso que só tinha fotos com Candice no seu pequeno acervo pessoal. Talvez seja por isso que notou como estava presa em seu próprio medo de se apegar. Do medo de que as coisas desaparecessem, ou do medo de que não a amassem.
— E se me permite dizer… — Jungkook quebrou o silêncio, raspando os dedos por seus ombros — O amor é muito mais bonito do que o que foi mostrado para você. É intenso, é cego, irracional na maior parte das vezes… Mas não é pra te deixar mal. Ele não existe pra isso.
quis abraçá-lo. Quis dizer que não entendia direito sobre aquele assunto, não entendia absolutamente nada sobre relacionamentos, mas que se gostar de alguém significava aquela vontade de abraçar que estava tendo agora e o desejo de ficar naquela posição com ele a noite inteira, poderia ser o que estava acontecendo no momento.
Um gostar sem desespero. Sem querer ser uma pessoa diferente. Sem querer agradá-lo. Apenas um gostar, algo genuíno do fundo do coração que transcendia a atração carnal que sentia por Jungkook desde uma época que mal se lembrava.
Queria beijá-lo também, em vez de ter aquela conversa. Queria falar sobre o clima e sobre as aulas que iria fazer no próximo semestre. Quando olhou para cima para olhá-lo de novo, podia sentir que ele queria a mesma coisa, mesmo que uma sombra nas pálpebras indicasse que talvez ele estivesse a um passo atrás de coragem do que ela.
Mesmo assim, quando lhe lançou um sorriso tão perto de seu nariz, parecia que o rosto dela nunca iria parar de queimar.
O que era aquilo? Tinha acabado de admitir que gostava dele?
— Vamos voltar — disse ele, em voz baixa e fluida, sem uma pergunta. assentiu na mesma hora, sem perguntar para onde, para qual casa, sem perguntar se poderia mesmo beijá-lo, sem perguntar por que raios eles não poderiam parar com aquele jogo idiota de sexo quando queriam adicionar beijos e sentimentos na roda?
Meu Deus. Ela queria adicionar beijos e todos os sentimentos do mundo na roda! Tinha certeza absoluta disso, mais do que nunca.
Mal sentiu quando ele afastou ligeiramente seus braços, se levantando devagar do banco.
— Só preciso fazer uma coisa antes.
E então, Jungkook caminhou direto para o lado direito do parapeito, há alguns metros de um pilar de aço com escrituras chinesas da era Joseon, onde uma pequena escadaria se inclinava para um espaço aberto, sediando uma visão ainda mais magnífica da metrópole. Ele caminhou até a extremidade, onde um cinturão de grades era revestido de centenas de milhares de pequenas faixas entrelaçadas umas às outras, balançando com o vento da altitude, exibindo desejos e orações amarrados com fios vermelhos.
Jungkook colocou uma mão no bolso de trás, tirando de lá o que tinha recebido do segurança lá embaixo, que ainda não conseguia identificar o que seria. Era mais uma fitinha, muito parecida com as outras, a qual ele mirou por um instante antes de fazer um nó em uma das pontas e, então, incluí-la no bolo de fitas, amarrando-a junto de suas semelhantes com um fio vermelho.
Ele permaneceu um bom tempo parado ali depois de terminar, talvez para repetir uma oração conhecida e fazer tudo como manda o figurino.
Quando voltou, estendeu a mão para e disse com a voz cheia de carinho:
— Vem. Vamos ouvir um pouco de drunk paparazzi.
E ela agarrou seus dedos de volta como resposta, sabendo com toda certeza de onde vinha o bater descompassado de seu coração.

📸💔🎤


— O que estamos fazendo aqui?
Ali não temeu nem por um segundo soar um pouco dura demais. Não havia motivos pra isso. Aquela ruiva tinha dito coisas ridículas e manipuladoras para fazê-la sair do hotel e se sentar naquele banco desconfortável de uma cafeteria qualquer porque aparentemente tinha coisas boas a dizer.
Hilary suspirou, um pouco surpresa pela abordagem. Ali tinha acabado de chegar, assim como os expressos; dois copos com muito chantilly e decorados com uma cereja por cima. Ali torceu o nariz diante dos pedidos. Aquilo lhe soava totalmente como enrolação.
— Não estamos aqui pra matar o tempo — disse Hilary.
— Ótimo. Eu ficaria bastante chateada se fosse por isso — respondeu Ali. Os óculos escuros ainda continuavam no rosto, mas ainda assim, Hilary conseguiu vê-la pressionar os olhos por trás deles impacientemente — Desembucha.
A garota olhou para baixo e se contentou com apenas uma golada básica de café. Não era assim que pretendia ser recepcionada por Ali Dalphin, mas no fundo o que ela esperava realmente? Tinha visto com toda a clareza do mundo a reação que a mulher havia tido na sala de seu chefe, há dois dias atrás.
— Eu sei que você quer saber das fotos…
— Ah, por favor — Ali riu com perplexidade. — Por favor, não diga que me ligou pra tentar me vender alguma história. Não. Aceitei de bom grado sair daquela espelunca sem isso, porque não quero mais saber sobre isso. Aquelas fotos causaram estragos demais na minha vida, coisas que vocês não fazem nem ideia e que vou precisar me esforçar pra que não voltem a acontecer. Agora, se não se importa…
— Ali, não fui eu que tirei aquelas fotos.
Por um momento, o silêncio estabelecido foi desconfortável, como se Hilary tivesse passado uma faca bem em cima das próximas palavras de Ali sem o menor respeito.
Então a francesa disse, com os olhos vagando pelo rosto da outra:
— De que merda você tá falando?
— Eu disse…
— Acha que eu tenho tempo pra vocês ficarem me confundindo? — interrompeu ela, com uma voz mais normal — Tenho um voo para Lyon daqui há 3 horas. Só quero voltar a pensar na minha vida. Que direito vocês acham que tem pra ficar me falando mentiras a essa altura do campeonato?
— James não mentiu pra você. Eu realmente entreguei sua foto e do Jungkook pra ele publicar. Mas não apertei o botão de disparo da câmera, e não invadi o maldito VMA pra isso.
Ali mordeu o interior da bochecha, segurando a vontade de agarrar na gola alta horrorosa daquela garota e pedi-la para explicar detalhe por detalhe da grande confusão que estava contando.
— Ah. Que legal. Obrigada por me contar — disse ela, irônica, tentando parecer indiferente. — Então está me dizendo que você fez um serviço de delivery exclusivo para capas de revista? Que o crédito dessa grande produção foi todo pra você, quando você na verdade não fez nada? — Ela riu com ceticismo — Quer dizer, isso é ridículo, isso…
Ali parou de falar quando viu o rosto da garota abaixar para o tampo da mesa, direto no líquido negro do café, que ia se esfriando gradativamente à medida que o sangue de Ali começava a ferver. Ela não era boa em observar pessoas, mas Hilary não tinha exatamente uma expressão que queria esconder algo. Havia vergonha e arrependimento naquelas bochechas coradas, tanta vergonha – ou raiva, seja lá o que fosse – que a fizeram confiar a Ali uma informação daquelas.
Com os dentes trincados, porém ainda cautelosa, Ali inclinou o corpo sobre a mesa, falando entredentes:
— De que. Merda. Você está. Falando?
Hilary se encolheu no banco com o tom, mas se sentiu aliviada. O semblante confuso de Ali dizia que ela estava disposta a escutar, ou exigindo isso.
— Eu… Eu tinha uma colega na revista. Era uma estrangeira, não nos falávamos muito bem, e ela era muito melhor do que eu, o que me irritava porque James sempre a privilegiava com as melhores demandas e tudo isso. A empresa estava no vermelho, e James nos deu uma proposta…
— Sei, sei — Ali interrompeu, apressando-a em um tom ácido antes que desistisse daquela ideia idiota de ceder tempo para aquela garota — Já sei do desafio ridículo de quem se intrometia na vida alheia primeiro.
— Isso — Hilary respondeu, assentindo. — Bom, tínhamos que ir ao VMA, mas eu não tinha nenhum plano. Estava numa fase em que fui perdendo tudo: meus contatos em outras revistas, acordos com staffs e seguranças das principais celebridades, que me informavam de todos os seus passos, e decidi pedir ajuda ao outro cara da redação que era bem conhecido no mundo do entretenimento. Phil Dickson, o nome do idiota. Ele é um babaca com quem dormi quando comecei a trabalhar na LA Parker, mas bem, ele tinha dormido com todo mundo. Mas essa garota… ele tinha algo diferente com ela, ou era apenas ego ferido por ter sido a única que o rejeitou, mas quando fui pedir sua ajuda, fui informada que ela tinha chegado primeiro e recebido seu socorro. Ainda me contou como se sentia em relação à ela, em relação à proposta de James e deixou claro que todo o histórico dela desbancaria o meu na mesma hora. Eu sabia disso. Sabia que James a escolheria, independentemente da capa que trouxesse — Hilary engoliu em seco e voltou a fitar a mesa. Quando tornou a encarar Ali, não havia mais aquele arrependimento que tinha demonstrado antes. Havia apenas raiva; e um certo lampejo de vitória — Então roubei o trabalho dela.
Ali não soube o que dizer. Não iria censurá-la por isso; não era tão hipócrita assim. Alison Dalphin também já tinha roubado coisas de pessoas aos 21 anos, e sentido uma verdadeira euforia com o que poder e status proporcionavam, mas aquilo ainda não era o que queria saber.
— Que bonito — ironizou ela, recostando-se para trás. — E ela ficou sem nada?
— Primeiro, troquei a bateria da câmera dela por uma prestes a descarregar. Esperava que se ela não conseguisse nada, podíamos voltar empatadas e James repensaria a proposta. Mas então, quando vi a câmera dela dando sopa de novo depois do evento, vi que ela tinha conseguido um bom material. Era melhor do que eu pensei, do que esperei. Sua foto com Jungkook. E aquela tonta conseguiu isso com uma bateria defeituosa — agora outro lampejo de raiva cintilou nos olhos taciturnos de Hilary. Raiva da outra. Raiva de sua derrota — Ela era como a Madre Teresa, sempre vivendo em cima das regras da empresa, e mesmo quando decidiu ser um pouco mais radical, ainda assim fez um flagrante incrível que eu jamais faria.
Ali balançou os pés por debaixo da mesa. A conversa estava se estendendo mais do que imaginou. Sentia uma mão invisível querer sufocá-la, porque engolia várias perguntas de uma vez, inconformada por ainda estar sentada naquela cafeteria, ouvindo aquela garota.
— Ok. Você não tirou a foto, mas foi a responsável por fazê-la chegar ao mundo. É tão culpada quanto — ela constatou, dando de ombros. — É pra isso que me procurou? Pra me fazer aliviar o seu peso na balança?
Hilary sorriu pesarosamente, não soando muito verdadeiro.
— Só queria que você visse o quando James é um mentiroso.
— E por que tá entregando seu querido chefe agora? Você ainda tinha uma boca cheia de dentes e histórias pra contar quando pisei naquele lugar.
— Porque ele tentou me vender pra você — admitiu ela, com outro clarão de ódio, um que nasceu de uma raiva frustrada, culminada em uma vingança infantil e cheia de mágoa — Aquele desgraçado tinha prometido que nunca mais tocaria no assunto dessa foto. Mas desde que contei a verdade pra ele, que sabotei o trabalho daquela vaca e que a fiz ser demitida porque sabia que ele a escolheria, James passou a me tratar diferente. Fui promovida, ganhei honorários, consegui novos contatos, mas sinto que me transformei em alguém completamente substituível pra ele. Que, no fim, meu destino vai ser o mesmo que o dela: a demissão. E ele estava prestes a revelar o meu nome pra você naquele dia, mesmo sem saber o que você faria.
— Minha nossa — Ali riu com descrença, se sentindo um tanto enojada. — Essa é uma história difícil mesmo de resumir. Sinto que você é muito mais fodida do que eu, pra aceitar se sujeitar a dormir com aquele nojento que só pensa no dinheiro e ainda por cima não consegue esquecer a outra. Assim como seu outro amiguinho que não quis te ajudar por causa dela — o deboche nítido veio acompanhado de um sorriso aberto. A raiva de Hilary agora estava sendo direcionada para ela. Ali não estava nem aí, e se inclinou para o meio da mesa para sussurrar: — Mas já que teve coragem o suficiente de me chamar aqui pra abrir a boca, pode me dizer o nome dessa desgraçada que pode até não ter colocado a boca no trombone, mas teve a coragem estúpida de invadir o camarim do Jungkook, tirar aquelas fotos e ainda agredi-lo para sair correndo. Ela deve ser uma das piores paparazzi de todo o país por ter feito algo tão amador, mas sacie a minha curiosidade, Hilary. Vamos, qual é o nome dela?
Hilary tentou não encará-la com desdém, mas já era tarde. Ali Dalphin estava claramente se divertindo às suas custas, fazendo-a falar e falar, sem acreditar em nada. Mas ao mesmo tempo, Ali emanava uma posição de poder e intimidação, mesmo que aparentemente fosse apenas um rostinho bonito que posava de lingerie; a mulher também dizia, em cada movimento dos olhos e boca, como não perdia tempo tendo escrúpulos para conseguir o que quer.
E gente assim era um tanto imprevisível. E imprevisibilidade e perigo eram quase a mesma coisa.
— Tudo bem — Hilary disse sem desviar o olhar, os lábios pressionados de nervosismo — O nome dela é . Trabalhou conosco durante 3 anos. Veio do Brasil, Colômbia, ou sei lá qual país latino. Tinha uma melhor amiga que era redatora da revista, mas depois da demissão, não faço ideia de onde as duas foram parar. não tem rede social, e não tem telef…
Ali paralisou em cima do banco de couro do estabelecimento. Tinha ouvido menos da metade das palavras de Hilary, por mais que a boca da garota continuasse a se mexer. Seus ouvidos foram vedados antes, quando ouviu as palavras .
Ela tinha certeza de ter ouvido aquele nome. Um nome incomum e familiar.
Um nome que ela conhecia. Um rosto amigável que era sinônimo de acolhimento, um rosto que a humanizou como uma pessoa normal do outro lado do mundo.




Impossível.

⏩️⏩️⏩️


Começar uma vida nova no meio de um caos era o oposto do que a internet queria para Ali Dalphin, o rosto popularmente conhecido no mundo da moda e, agora, reconhecido no mundo inteiro.
Os tabloides eram os mesmos: “Alison Dalphin: quem é a namorada de longa data de Jeon Jungkook, o astro do BTS?”
Talvez a grande maioria da Universidade de Seul não quisesse realmente saber disso, já que só o que importava era a ligação que o nome trazia. Do dia para a noite, andar pelos corredores dos prédios do campus lhe dava a sensação agitada de uma seringa de adrenalina. Os cochichos eram intermináveis. As denúncias de assédio também começaram a se acumular na mesa do fórum.
Mas Ali permanecia firme, ignorando todas as picadas que as pessoas irresponsáveis com palavras soltavam por aí, a maioria não sendo exatamente maldosa, mas curiosa demais e irritada demais por não obter respostas. Ela só queria ter uma vida normal. Pelo menos, um curto período de tempo de vida normal.
Sua expectativa de normalidade não incluía invadir o banheiro no começo da manhã, fingindo uma alergia qualquer antes de entrar na sala oval, para se olhar no espelho largo e ver olhos vermelhos e um nariz queimando por causa de… Por causa de pessoas que nem a conheciam. E que ela muito menos os conhecia. Já fazia mais de 2 semanas que a notícia tinha saído, e não houve um dia sequer em que Ali não escutava os dedos apontados e os julgamentos que nem faziam sentido! As pessoas eram a sua alergia.
Ela chorou mais um pouco, um tempo particularmente longo, sem se lembrar de onde estava. Era um choro silencioso, contido, apenas ela e sua imagem no reflexo, deixando as lágrimas de raiva rolarem pelo prazo que quisessem, deixando a careta se intensificar e se livrando dos óculos escuros para que se entristecesse livremente. Tirou a bolsa que guardava a câmera nova dos ombros, a que tinha comprado para o curso, a melhor delas, a câmera que Jungkook havia indicado – porque estava ali para entrar no mundo dele, dissera ela. Entrar no mundo dele por um ano sabático, porque ele já tinha feito tantas coisas por ela, já tinha se dedicado em situações que ela não se via tão disposta a ser recíproca.
Que droga, ele era perfeito. Sempre tinha sido. Não havia um pensamento ruim sequer sobre Jeon Jungkook em todo aquele relacionamento. Mas por que, naquele momento, Ali sentia tanta raiva de ser sua namorada “sortuda”? Se aquelas pessoas da internet o conheciam tão bem assim, não deviam estar chamando-a desse jeito em vez de vadia e outros xingamentos terríveis?
Merda de internet. Merda de foto. Merda de fama. Merda de bandas, passarelas, músicas, câmeras, merda de…
— Você vai molhá-la — uma voz veio da porta de entrada. Ali se virou repentinamente para ela, encontrando uma garota parada com os olhos grudados em um ponto abaixo do espelho.
Ali engoliu em seco e viu. A bolsa com a máquina estava bem dentro da cuba, onde a torneira liberava pingos grossos de água, que batiam bem em cima do tecido fino.
— Merda — ela trincou os dentes, alarmada, fechando a corrente de água. Não tinha causado grandes estragos, mas a possibilidade disso já a deixou cheia de arrependimento.
Ela sentiu a presença da garota chegando perto enquanto abria a bolsa. Os olhos da estranha estavam cravados na câmera, como se quisesse atestar que o objeto estava mesmo bem, porque era precioso demais pra isso. Quando viu que ela estava guardada por uma Queenser em formato de estojo, pareceu relaxar e finalmente erguer o queixo para cima, na direção do rosto da garota alta e loira.
O nariz vermelho entregava tudo, mas as lágrimas ainda molhadas nas bochechas não precisavam de explicação. Ali notou sua inspeção e desviou o rosto rápido, secando as lágrimas com as costas das mãos e se sentindo ridícula, desejando que a desconhecida encontrasse um ninho de marimbondos no chão para fazê-la esquecer do que viu.
— É… Sinto muito se te assustei — ela disse em um inglês fluente, puxando um sotaque leve de alguma região da América do Sul — Sou um pouco obcecada por cuidados de câmeras e não notei que você tinha uma Queenser. Se tivesse visto, não precisaria me preocupar. Essa é uma Canon Rebel?
Ali piscou os olhos, um pouco aturdida pela pergunta sobre câmeras e não sobre “por que você está chorando a essa hora da manhã?
— Ah… É, uma Canon Rebel T100. Eu acho.
— É, vi algumas Canon nas aulas iniciais do curso de Fotografia, mas eram todas do modelo 6D Mark e precisei me segurar pra não dizer que estavam começando pelo mais difícil. Você é a única com um bom início — com um sorriso de canto, a garota baixou os olhos para a bolsa em volta do tronco e casualmente puxou um lenço simples e sutil do bolso da frente, estendendo-o para Ali de forma envergonhada — Aqui. Não queria te interromper. Já estou de saída.
Ali aceitou o lenço sem notar. Quando viu as costas da garota se afastando, logo chamou:
— Espera — disse ela. A garota parou e se virou — Você é da turma de Poéticas Visuais, não é?
Ela assentiu, com outro mísero sorriso. Ali agora se lembrava daquele rosto claramente; não que tivesse algo realmente marcante a ser lembrado, mas porque era uma das poucas estrangeiras como ela na turma, e que se ocupava apenas em se sentar na frente e fazer anotações ainda em caneta e papel, contrastando com a quantidade absurda de iPads e notebooks espalhados pela sala.
Mas Ali notava outra coisa nela: o conhecimento. Sabia que não eram da mesma turma, mas também sabia que câmeras eram 100% o território sagrado daquela garota.
— Sou da pós-graduação. Preciso pegar umas matérias optativas, e optei por Poéticas Visuais.
— Você fez fotografia? — perguntou Ali. A garota assentiu de novo — E… Acha que eu consigo aprender como essa coisa funciona? Ou tirar fotos é coisa de quem tem talento e pronto?
A garota trocou o peso de uma perna para outra, soltando um suspiro sossegado, mesmo diante do nítido nervosismo de Ali. Ela percebeu, naquela hora, que nunca tinha tido coragem de fazer aquela pergunta em voz alta, pra ninguém, nem mesmo para Jungkook. Que pensava, genuinamente, que nunca seria capaz de tirar fotos como ele, ou fazer parte daquele mundo dele porque não conseguia olhar para árvores e enxergar algo mais. Não conseguia transformar sua panorâmica em um quadro de respeito.
A garota se aproximou a dois passos e continuou sorrindo de canto.
— Olha, eu não acredito em dons. Acredito em vontade e esforço, e um pouquinho de romance. Fotografia, escrita, desenho, oratória, poses… tudo isso é técnica. Nossos interesses nascem quando a gente não sabe nem falar ainda, e as pessoas chamam isso de predisposição, mas não tem importância… Sua dedicação importa. E você é a única responsável por isso, então é claro que acredito que você consegue aprender.
Ali ficou em silêncio enquanto a olhava. No fundo, ainda esperava uma pergunta, algo como “ah, e está tudo bem com você? Estamos no campus e você está chorando no banheiro, e nem é fim do semestre ainda” mas a pergunta não veio. Mesmo que a garota olhasse em seus olhos por míseros segundos, desviasse como se estivesse constrangida pela ousadia de falar com ela e até mesmo aconselhá-la, só serviu para deixá-la ainda mais gentil na visão de Ali.
Sentiu uma simpatia surreal por ela quase que imediatamente. E, quando viu, já estava estendendo uma mão, tentando abrir um sorriso fraco.
— Sou Ali Dalphin.
A garota olhou para a palma estendida antes de subir os olhos para a modelo, dando outro sorriso compreensivo, como se deixasse claro que sabia quem ela era, porque só uma abelha presa em um casulo não saberia.
Mesmo assim, apertou sua mão com afeição e respondeu:
. Prazer em conhecê-la.


[ 25 ] – If I predicted tears then, I wouldn't have said it

"Vá em frente, garota, vá em frente, nos dê algo horrendo
Exigimos sua tristeza, os assassinos ajudam os ladrões
Enquanto eles estão tentando roubar as palavras da boca dela e tirar a fonte dos inocentes
[...]
Por quê? Deixe-a sozinha
Se eu previsse lágrimas, então não teria dito
Não teria dito se eu soubesse."
(🎵🔥🖤)

Go on, girl, go on, give us something gruesome, we require your grief…
A música vinha de toda parte, dançando nos ouvidos de , vibrando por cima de sua pele, baixa e suave como o vento que entrava pela janela.
O ruído a acordou primeiro que a luz do sol, que reluzia na parte frontal de seu rosto enquanto a cortina balançava lentamente pela brisa externa.
Ela tentou abrir os olhos, mas a claridade a fez recuar e apertar os lábios, virando-se para o outro lado em seguida, resmungando um pedido de mais 5 minutos. Em poucos segundos, a corrente de ar escaldou suas costas nuas, e uma pequena pontada no braço direito a obrigou a abrir os olhos mais uma vez.
O quarto não era seu, mas disso ela já sabia. Era o mesmo quarto do fim do corredor oposto à suíte principal da grande mansão de Itaewon, onde as paredes brilhavam em luzes de galáxia e a parede soltava músicas lentas ou acentuadas, como aquele conjunto de acordes de Arctic Monkeys em plenas…
Que horas eram mesmo?
se sentou devagar, coçando os olhos à medida que puxava o lençol contra o corpo. Não se lembrava da hora exata que tinha dormido. Na verdade, isso pouco importava quando o que estava fazendo antes disso era tão bom. Sempre rendia uma boa noite de sono depois, independentemente da intensidade. Há sete anos atrás, poderia ter sido mais esperançosa sobre dormir tão bem no futuro e ter feito algo sobre isso o quanto antes.
Mas havia algo errado. O silêncio preenchido pela canção era único e solitário. A cama confortável era um mar de cobertores bagunçados, a imagem que representava o caos de uma noite inteira, e o restante… Onde estava o restante?
Onde estava Jungkook, que tinha dividido isso tudo com ela?
não o encontrou na outra metade do colchão, e isso talvez tenha mexido com ela mais do que imaginou. O que era completamente insustentável. Afinal, era algo que Jeon Jungkook fazia: ia embora de manhã. Mesmo que estivesse na sua própria casa.
Suspirando, se viu frustrada por tratar o assunto como novidade. O que esperava? Que um jantar singular depois de algumas horas tatuando juntos como dois amigos fosse mudar alguma coisa?
Ainda grogue, a garota esticou os braços até a mesinha de cabeceira mais próxima, procurando o telefone. Não lembrava exatamente aonde o tinha colocado, mas se surpreendeu quando encontrou o aparelho descansando bem embaixo do travesseiro.
Assim como outra coisa.
O papel estava grudado na tela apagada do celular. tentou desbloqueá-lo para averiguar as horas, mas foi surpreendida pela falta de carga. Quando puxou a folha e a desdobrou, reconheceu imediatamente a caligrafia tão característica que amontoava um certo caderno cheio de rabiscos chamado Chainsaw.

Tá legal, sei que é brega deixar bilhetinhos, e isso não faz ninguém ser indicado para um prêmio Nobel, mas seu telefone está sem bateria e não adiantaria te mandar uma mensagem.
Tive que vir para o ensaio mais cedo do que eu gostaria, porque Namjoon de repente tá preocupado demais com um certo passo que pode quebrar nossa perna e isso é até engraçado de se ver, mas na hora não posso rir porque ele sempre parece um membro do Congresso quando está dando ordens. Você estava dormindo e eu seria o maior canalha da história se não te deixasse na mesma posição. Deixei drunk paparazzi 2.0 tocando – depois te explico sobre isso – mas não sei a que horas você vai acordar para pará-la, então talvez outras músicas interfiram no meio do caminho e você pode acordar ao som de Nirvana gritando sobre cortar os pulsos. Foi mal, nunca disse que eu era perfeito.
Mas fora a baderna do meu gosto musical, imagino que você esteja confusa, ou talvez surtando porque está sozinha na minha casa, mas como eu disse, queria tirar o peso de ser um babaca te acordando. Se não achar isso tão bizarro, deixei uma chave reserva em cima da bancada da cozinha, junto com alguma coisa que a internet me disse que é bom comer de manhã depois de furar o braço. Não se preocupe, não tem nada com pimenta. Acho que você não gosta muito de pimenta assim como não gosta de cappuccino.
Não sei exatamente a que horas vou sair daqui, mas pode levar a chave com você que busco hoje à noite na sua casa. Você vai ter muita coisa a explicar pra Candice quando aparecer com uma blusa sem manga, então vou me certificar de aparecer em um horário mais seguro. Pode me contar a reação dela depois.
Tome um banho se quiser, também. Suas roupas daquele dia estão na gaveta do banheiro. Se conseguir não transformá-lo em um ⅓ do rio Han, eu vou ficar feliz.
É brincadeira, mas se quiser usar a banheira da minha suíte também, fica a seu critério. Não lembro se tenho sais de banho, pode procurar nos armários. Também tenho escovas de dentes lacradas. E você não precisa pagar por elas.
Acho que isso tá ficando grande demais pra quem não escrevia uma redação desde a escola, então espero ter sido claro. Aceito suas broncas por não ter te acordado mais tarde.

PS: você fala dormindo, sabia disso? Nunca reparei. Foi muito engraçado.”


se levantou na mesma hora, sentindo que o chão abaixo de seus pés ou o ar à sua volta estava brandindo como trovões. Seus olhos acompanhavam cada linha da carta, lendo e relendo com incredulidade. A única coisa plausível a se pensar naquele momento era:
Que horas são, porra?
Agarrando uma camiseta qualquer dele jogada por aí, passou pela porta do quarto de hóspedes, correndo para as escadas, tentando lembrar se existia alguma parte de Jungkook que se interessava por relíquias como relógios de parede em pleno anos 2020. Ela achava que não, mas não custava tentar. Depois de examinar todos os cômodos, ela chegou até a cozinha e foi surpreendida com alívio pelo relógio digital no microondas, piscando pacificamente por cima de um forno elétrico.
O alívio de se transformou em desespero ao ler também o dia indicado na tela.
10 da manhã. De uma sexta-feira.
Sexta-feira era um dia de trabalho. Um dia útil. Um dia em que pessoas normais e adultas precisavam acordar cedo, pegar o metrô e chegar à empresa porque tinham um cargo relativamente importante no meio de um pré-lançamento. Não dava pra acreditar que tinha sido tão descuidada desse jeito.
Antes de se afligir de vez, notou que ainda segurava a folha de papel, e que existia um parágrafo não lido no rodapé, linhas escritas em menor tamanho que seu olho apressado não captou.

“E pode ficar tranquila, Sooyeon mudou o ensaio das fotos dos pivetes para a tarde. Sei disso porque Hobi está doido pra ir checar o figurino. Tenho certeza que ela também mandou uma mensagem avisando, mas você não vai ver e vai se desesperar como bem faz parte de . Se conseguir acordar antes das 14 horas, você vai ficar bem.”


foi tomada novamente pelo alívio, e também por um constrangimento sem igual. Era como se tivesse deixado algo escapar na noite passada, como se não lembrasse de tudo direito e algo mais tivesse acontecido entre os bolinhos e o sexo. Como se uma colônia de borboletas agitadas tivessem invadido seu estômago, que não era capaz de comportar todas elas, ainda mais com a confusão que estavam fazendo.
Mas seus dedos formigavam ao segurarem aquele pedaço de papel. E seus lábios sorriam sem querer. Inconscientemente, sabia que guardaria aquela carta pra sempre na memória, e Candice já tinha falado uma vez que as memórias eram como sonhos. E que seja, ela tinha certeza que sonharia com Jungkook algumas vezes depois desse dia.
Mas antes que percebesse que estava praticamente pelada entre a sala e a cozinha de sua casa, ela visualizou o brilho verde fluorescente em cima da bancada de mármore, bem ao lado da bandeja improvisada com uma tábua de madeira.
caminhou até ela, pegando a chave pequena nas mãos, com o pequeno chaveiro verde legendado com “reserva”. Então, sentiu o cheiro da salada de frutas misturada com um prato de ovos enrolados, parecido com tamagoyaki, omelete japonês, café preto e pão de castanha.
Enfim, o que mais ele queria que ela pensasse? Que ele era incrível? Que era mais atencioso e gentil do que demonstrava por aí? Que tinha mais habilidades culinárias do que dizia ter?
suspirou, sorrindo com felicidade, afastando o banco para se acomodar e começar a usufruir do seu café da manhã. Comeu feliz, satisfeita e grata, relendo a carta dele durante toda a refeição.
Talvez ela fosse mesmo usar a banheira.

📸💔🎤


— Eu voto no skate — traçou uma linha pela folha de papel A2, desenhando um sinal de OK na frente da palavra — Acho que condiz com a atmosfera Billy the Kid que estamos querendo passar. Só não sei com quem ele combinaria mais… Talvez com o Soobin? Ou ele é alto demais pra isso? Pode ser o Kai, ele ficaria bem com a touca colorida que Seojun separou. Ou talvez…
Ela parou e olhou para a frente, onde viu Yoona e seus olhos ainda imóveis e esbugalhados na direção de um ponto específico de sua pele.
revirou os olhos pela terceira vez, largando a caneta em cima do tampo da mesa.
— Até quando você vai ficar olhando para o meu braço?
Yoona acordou em um estalo com a repreensão, corrigindo a postura na mesma hora.
— Q-quê? Eu não tava olhando.
— É só uma tatuagem, Yoona. Tenho certeza que viu várias delas naquela festa chata que estava me contando mais cedo.
— Eu sei, eu sei, é que… — ela tentou dizer sem gesticular tanto com as mãos, mas sabia que estava abalada demais para isso — Ela é tão… grande. E colorida. E você é , não se espera essas coisas de .
ergueu a sobrancelha no meio de uma risada. Dedilhou o ombro direito inconscientemente com a ponta dos dedos, onde os contornos de Polyc ainda ardiam e a pele ao redor ainda estava um pouco inchada sob a blusa de mangas curtas, que cobria quase toda a parte superior do desenho. Os olhares que tinha recebido desde que chegou eram iguais ou até piores do que Yoona; seria motivo o bastante para se preocupar em dias normais, mas estava sendo uma experiência quase imperceptível. Quase.
Porque não podia deixar de concordar com Yoona quando disse que uma coisa daquelas não era esperado dela. Nem esperava esse tipo de coisa de .
— Eu te entendo. Mas algumas coisas mudam — respondeu com simplicidade, voltando a pegar a caneta. — Só investi em algo grande demais na primeira vez, mas nada fora do comum. Você nunca quis ter uma?
— Talvez. Quando eu tinha nove ou dez anos e era muito fã da Miley Cyrus — Yoona estendeu a mão para puxar uma caneca roxa largada de lado, trazendo o aroma de um novo tipo de chá fedorento — Sua nova pupila deve ter amado. Já percebi aqueles desenhos loucos que ela tem na base do pescoço. Falando nisso, onde ela está?
— Foi ajudar o Seojun com as roupas. Acho que foi uma desculpa pra ver o Hoseok tão de perto, mas não vou tentar impedi-la. Ela organizou todas as minhas demandas em 4 planilhas e ainda imprimiu um cronograma físico do lançamento em formato de banner. Tudo em uma noite.
— E ainda achou tempo de vir para o trabalho com um vestidinho preto e uma gravata vermelha. Não quer dar ela pra mim? — Yoona fez um biquinho. riu.
— De jeito nenhum. Ela disse que se chegar ao fim desse projeto sem raspar o cabelo, vai me levar em um rodízio de comida vegana com todos os pratos que puder imaginar. Achei fofo, mesmo ela tendo começado ontem — balançou a cabeça. Yoona gargalhou alto, acarretando em um olhar de advertência da outra mesa ao lado, fazendo pedir desculpas pelo barulho.
Vegana? Mas ela estava comendo camarão hoje no almoço.
— Ela não considera os peixes como animais não comestíveis porque jura que eles tremem quando saem da água por pura necessidade fisiológica, e não por dor. Vai entender. Ela leva muito a sério essa coisa de sofrimento.
Yoona já estava preparada para rir de novo.
— O que ela diria sobre Sooyeon e seu guisado de tripas de boi de todas as segundas-feiras? Sem contar das porções extras que encomenda para o resto do departamento.
— Por favor, deixa ela fora disso, ou vai começar a brincar de esconde-esconde com a gente por achar a situação cruel demais — fez uma careta — Ou nojenta demais.
A risada de Yoona que veio logo a seguir, levou junto. A ideia de que Wonnie, aquela garota tão doce, não parecesse tão velha assim para literalmente brincar de esconde-esconde e desse um jeito de evitar e o departamento de criação inteiro por causa de seus hábitos alimentares era algo a se considerar, por mais que a ideia fosse absurda e hilária ao mesmo tempo. Quando viu, as duas já estavam rindo na mesa compartilhada como se não tivessem nada para fazer.
Como se não estivessem tentando entrar em um acordo sobre as posições dos garotos para o grande dia do photoshoot promocional que estava se aproximando.
Quando as duas receberam mais um “shh” de advertência, repuxou os lábios e limpou uma lágrima do canto do olho para se conter, enquanto Yoona disfarçou a inconveniência com mais um gole de chá.
— Ah, você parece feliz de verdade, — disse ela, estreitando os olhos em seguida — Aconteceu alguma coisa especial?
franziu o cenho, sinceramente confusa.
— Como assim?
— Não sei, sabe. Você andava meio pra baixo nesses últimos dias, e juro que pensei em falar alguma coisa, mas você mal responde quando pergunto o que quer almoçar, é sempre “o que você quiser” ou “não tenho preferências” e coisas desse tipo que vão criando um enorme vácuo entre a minha preocupação com você e a vontade de perguntar de novo. Isso permite que a nossa amizade não cresça, — o suspiro de Yoona saiu com indignação, mas não parecia brava ou coisa do tipo. Parecia apenas alguém contando ao carteiro porque a grama ainda estava tão alta — E, bom, é por isso que você almoça japchae todo dia, mas esse não é o ponto. Você estava com problemas e agora parece que esses problemas nunca existiram. Pode me dizer qual foi o estopim maluco que virou sua chavinha? Quero experimentar essa onda também. Mas nada que envolva tatuagens coloridas no braço, por favor.
riu intensamente, apoiando um dos cotovelos na mesa, colocando uma mecha de cabelo ainda um pouco molhada para trás da orelha.
— Não teve nenhum boom especial, Yoona. Às vezes, eu só… Tenho dias ruins. Sabe? Dias em que eu quero me esconder atrás de um arbusto e não ver ninguém. Às vezes, esses dias ruins se estendem por vários dias ruins, mas nunca dura pra sempre. Ainda bem.
— Ia ser uma merda — Yoona concordou com a cabeça, antes de apoiar os dois cotovelos para cima e se aproximar de para sussurrar: — Mas aquela tristonha estava assim por causa de um certo idol lindo de morrer e sua aparição com outra?
A pergunta curiosa fez travar um pouco. Já se sentiu cansada antes mesmo de abrir a boca. A verdade era que estava presa em uma história de fantasia criada por Gong Yoona, onde Jaehyun e protagonizavam um romance que possivelmente nunca iria acontecer. Yoona desejava, naqueles olhos castanhos, que alimentasse isso, que se transformasse em uma contadora de histórias, revelando detalhes sórdidos sobre como era ficar com um idol.
Não havia detalhes desse tipo com Jeong Jaehyun. Na verdade, não sabia o que dizer quando pensava nele hoje em dia. Antes, as coisas eram mais fáceis; identificar e nomear seus sentimentos por ele era rotina. Mas as coisas tinham mudado. Na verdade, mesmo que tivesse certeza de que algo mágico e transformador havia acontecido de ontem para hoje, e ela notoriamente se sentisse uma pessoa diferente, suspeitava que seu coração já estava mudando há muito tempo, lentamente a passos de bebê, transformando-a em uma versão completamente diferente daquela que Jaehyun havia encontrado.
O garoto gentil que confiou e acolheu aquela história bizarra de “eu não publiquei aquelas fotos do seu amigo, por mais que isso fosse garantir o meu emprego.
Jaehyun tinha dezenas de pontos positivos. E gostava muito do sentimento de antecipação e frio na barriga que sentia quando ele estava perto, ou quando demonstrava esforço e interesse, e todas essas coisas que entraram forte em seu coração e a fizeram de repente querer ser perfeita para um cara perfeito.
Mas ser perfeita era tão cansativo. Com a vida e o passado que tinha, era custoso viver o tempo todo como se não tivesse um tapete lotado de tralhas. Um tapete que entulhava, fedia, crescia. E a possibilidade de mostrar tudo isso a ele nunca existiu.
não sabia o poder transformador de levantar uma parte do tapete até a noite de ontem.
E isso definia seus sentimentos no momento. Sentimentos secretos, ainda muito confusos e nebulosos, mas que foram plantados como uma semente no coração. E essa semente germinaria, quieta e ligeira, enquanto se ocuparia apenas em viver sua vida como nunca viveu.
Eram coisas particulares e sensíveis demais para se falar com alguém tão interessada em outra coisa. Yoona ainda a olhava do outro lado da mesa, esperando uma resposta, e reconheceu que ela não aceitaria não ouvir.
— Yoona, está quente como o Hades lá fora e você quer me ouvir repetir que não tenho nada com ele? — ela disse em voz baixa, dando uma rápida olhada para o lado.
— Mas não é possível — Yoona choramingou, largando a caneca no tampo. — Candice me contou naquele dia do karaokê, eu tenho certeza, mesmo que eu não me lembre de mais nada depois daquelas tequilas. Ela não deu detalhes, mas o NCT saiu em turnê há quase dois meses, e na primavera você já estava aqui, e não me diga que não rolou nada…
— Não vou responder.
!
— Não devo sair falando essas coisas, Gong. Mesmo que eu tenha beijado ele uma ou duas vezes, ainda é errado deixar as pessoas ficarem sabendo e criarem expectativas em malucas como você.
tinha uma expressão exasperada. Yoona piscou os olhos algumas vezes, algumas várias vezes, com as pálpebras quase ganhando vida, até murmurar:
— Você o beijou mais de uma vez? — questionou ela, mostrando que seu cérebro tinha estacionado apenas naquela parte específica — Puta merda, ! Como foi isso? Me diga que ele sabe usar a língua direito. E o tanquinho, você viu? Jeong Jaehyun deve ter um dos abdomens mais lindos da Coreia. Não me diga que não tirou uma casquinha…
— Yoona — inclinou a cabeça para a esquerda, onde os olhos de uma garota aparentemente concentrada no monitor do computador há uns 10 metros pareceram rolar para o lado e para a frente algumas vezes, os ouvidos atentos — Pode ficar satisfeita com a minha resposta? Vamos voltar ao que eu estava falando…
Argh. Não pode me contar isso no meio do trabalho — Yoona se queixou, voltando a puxar o laptop — Vamos sair pra beber de novo. Eu, você e Candice. Coisas mais leves e saudáveis, e sem karaokê ou hospitais. Quero que você fale comigo, , e me explique como homens lindos e belos não tem o poder de alcançar o seu coração.
— Talvez você tenha que convencer a Candice melhor na parte do saudável respondeu, voltando a olhar para as anotações da folha A2, tentando se lembrar de onde tinha parado. Yoona tamborilou os dedos pelo teclado, igualmente tentando voltar ao raciocínio. Demorou menos de 5 minutos para que o afastasse de novo com um grunhido de frustração.
— Mas era primavera, ! Primavera! Me diz que pelo menos foram ver as cerejeiras.
revirou os olhos, mas achou cômico. A fisionomia pateticamente desesperada de Yoona por uma fofoca era até que engraçada.
— A primavera se foi, Yoona. Estamos no verão, por que não deixa o verão ser o verão? — Foi a resposta mais óbvia que pensou. Yoona desabou as costas na cadeira.
— Então você prefere o verão?
A cabeça de pendeu levemente para o lado, onde a metade do cabelo caía em cascata ao lado do pescoço, exalando o cheiro ainda recente do shampoo que usou no banho de mais cedo.
Cranberry.
— Digamos que eu ame o verão.

📸💔🎤


saiu do elevador a passos lentos, andando para a porta do apartamento com os olhos distraídos nas mensagens de texto que deixou para ler no fim do expediente. Candice, em uma atitude severamente incomum, tinha mandando uma única mensagem dizendo que tinha reposto o iogurte que pegou emprestado. Uma única mensagem. Sem perguntas sobre almoço, frutas na promoção ou qualquer coisa sobre o fato de não ter dormido em casa.
Provavelmente porque ela também não tinha dormido em casa, mas ainda assim. Candice Chaperman era feita da energia primaveril de um golden retriever, mandando inúmeras mensagens no dia sobre qualquer coisa feliz ou triste que acontecia. Seu silêncio era prova suficiente de que estava extremamente chateada.
E se sentiu um pouco mal por ter uma grande influência nisso. Mesmo sabendo como funcionava Candice Chaperman e seu sistema temporário de mágoas, ainda era muito ruim vê-lo em andamento.
Esperava que essa vibe pesada do apartamento 402 se dissipasse assim que ela contasse a verdade para a melhor amiga. Só precisava se preparar para não chorar como uma maluca antes.
digitou uma resposta simplista: podemos jantar juntas hoje? Acho que eu quero dividir o iogurte que você comprou.
E antes que recebesse uma resposta, foi ler a próxima mensagem, uma que lhe tirou um sorriso sem querer, uma que ela tinha deixado parada de propósito só pra poder reler, sentir e falar com calma.
Jungkook: Não sabia que você conhecia tamagoyaki. Tentei olhar uma receita na internet, mas não tinha muito tempo, então só fiz o que eu lembrava. Aprovado?
: De certa maneira, deu pra comer. Você se esforçou tão bem.
Jungkook: Ambiguidade? Não sei se considero essa resposta positiva ou negativa. Vou encontrar os restos da omelete nos fundos do meu quintal?
: Que horror, eu jamais faria isso.
Mas tô torcendo para que você não saiba do bosque grande que tem ali perto dos seus vizinhos.
Jungkook: Não vacila desse jeito, gata. Mexe com a minha autoestima de competidor.
: Tô brincando, estava uma delícia. Fantasiei com você em uma dólmã escura, sua cor preferida, enquanto cozinha mais um.
Jungkook: Gosto da parte de realizar fantasias. O uniforme pode ser azul ou verde?
: Azul. Escuro. O único jeito de juntar nossas cores favoritas.
Jungkook: Eu gosto de azul.
Já chegou em casa?
: Acabei de chegar.
O botão do Enter tinha acabado de ser pressionado quando seus olhos enxergaram um par de sapatos brancos ao lado do tapete de boas-vindas brega que Candice havia trazido da Califórnia. Com um susto inesperado, ergueu os olhos e deu de cara com 1,85m de altura imóveis ao lado do número 402.
O rapaz a encarou com incerteza, sem saber se a cumprimentava ou pedia desculpas, enquanto se recuperava do sobressalto que abalou o coração, preparando-se para perguntar o que diabos um cara desconhecido estava fazendo parado ao lado de sua porta.
Mas antes que fizesse isso, ele falou primeiro, curvando as costas em uma reverência exagerada:
— Boa noite, senhorita . Já faz um tempo.
abriu e fechou a boca várias vezes, sem emitir um único som. Quando o cara voltou à posição vertical, os cantos de sua boca se abriram em um sorrisinho tímido e, então, ele não era mais um estranho.
— Gook Doo? — Perplexa, se aproximou a vários passos, atestando que ele não era uma espécie de holograma — É você?!
Gook Doo segurou um riso e assentiu com a cabeça.
— Eu mesmo, senhorita.
Não dava para acreditar. Parecia que tinham mergulhado aquele garoto travado no Poço de Lázaro, puxando de volta um cara gato, com ombros mais relaxados, postura confiante, jeans casuais, lentes de contato e sorriso solto. Uma transformação mais do que genial, na singela opinião de .
— Uau — ela suspirou, rindo um pouco. — Você está… — tentou achar as palavras, mas não era necessário. Ele corou tanto que precisou rir mais um pouco para disfarçar.
— Diferente? — completou. concordou.
— Sim, muito. O que faz aqui? Achei que estava em Xangai.
— Eu estava, até ontem. Entrei em um programa de treinamento para novos redatores na filial chinesa e agora posso tomar posse da promoção. Levou mais tempo do que imaginei, mas foi uma experiência e tanto.
— Que incrível. Então não é mais o assistente de Candice?
— Não, mas ainda não estamos no mesmo nível. Com a nova promoção dela, ainda sou seu subordinado de certa forma, mas vamos dividir uma sala. Alguns hábitos nunca se perdem.
Ele sorriu com satisfação, enquanto o sorriso de se perdeu no meio do semblante chocado.
— Candy recebeu uma promoção?
Gook Doo franziu o cenho e colocou uma das mãos nos bolsos.
— Ahm… Sim, a senhorita Chaperman agora virou a editora principal da seção de entretenimento nacional da revista. Ela vai colaborar com a Shin Eunji, que é o braço direito do editor chefe e que vai dar as devidas correções quando necessário em razão das questões sensíveis à nossa cultura, mas Candice se saiu muito bem em um desempenho geral na agência. Ela também…
não estava escutando direito. Seus olhos se perderam para além daquele rosto novo e bonito, sem vê-lo de verdade, sentindo o estômago afundar gradativamente. Em menos de cinco minutos que saiu daquele elevador, já estava se sentindo culpada por mentir para Candice pela quarta vez.
Ela parou de cutucar seu ninho de culpa quando Gook Doo encerrou seu monólogo, parecendo encabulado com a falta de reação.
— Ah… que legal. Isso é, nem sei o que dizer. Estou tão feliz por ela receber tudo o que merece.
E perdeu o resto das palavras, deixando um silêncio constrangedor no ar; tanto pela resposta nada convincente quanto pelo olhar confuso de Gook Doo, que ainda tentava disfarçar sem sucesso a estranheza do fato de não saber de algo tão importante sobre Candice Chaperman.
Meu Deus, ela devia estar muito chateada mesmo.
— Então… Você está esperando ela chegar? — perguntou , limpando a garganta enquanto puxava a chave da bolsa. Teve que olhar direito para ver se não estava pegando a chave da casa de Jungkook.
— É, vamos precisar fazer uma reunião externa com urgência e vou entregar o meu primeiro artigo, e eu só… — ele levantou uma das mãos para mexer nos óculos imaginários, atrapalhando-se por um momento — Acho que me arrumei com muita antecedência.
se conteve para não rir. Alguns hábitos não se perdiam mesmo, incluindo o fato de que Gook Doo estava sempre pronto para agarrar a bolsa e os sapatos de Candice como um perfeito lacaio.
— Tudo bem, então. É melhor você entrar antes que caia em cima desse tapete quando suas pernas se cansarem — abriu a porta, sem esperar as recusas do garoto. Quando apertou no interruptor para jorrar a luz fluorescente pela sala, ela tirou o casaco com as mangas torcidas até o meio do cotovelo, uma peça sutil que não saía de seu guarda roupa mas que não funcionava tanto em dias quentes.
Quando terminou de baixar a peça, ouviu nitidamente a expiração surpresa de Gook Doo.
Ela se virou para ele na mesma hora, que ainda estava muito perto do batente da porta, terminando de tirar os sapatos.
— Isso estava aí antes? — perguntou ele, semicerrando os olhos na direção do desenho colorido no braço, daquela maneira que as pessoas fazem quando estão se esforçando para parecer casuais.
Mas era óbvio que ver uma garota com uma tatuagem tão chamativa como aquela era qualquer coisa menos casual para ele.
riu e concordou com a cabeça.
— Antes de ontem, não — deu de ombros, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo. — Mas é uma novidade um pouco interessante, não acha?
Ele tentou rir despojadamente, mas parecia tão nervoso olhando a figura e a postura nova de que acabou voltando, em questão de segundos, a ser o mesmo Gook Doo que ela estava acostumada. Aquele que parecia estar 24 horas por dia guardando marimbondos nos bolsos do casaco.
— É… Interessante, como você disse.
— Pode sentar, vou pegar uma bebida pra você.
— Não prec…
— Suco? Tudo bem — ela abriu um sorrisinho prepotente, e se retirou para a cozinha antes de vê-lo corar novamente e tomar seu lugar no sofá, um pouco mais relaxado do que costumava ser.
Quando voltou com um copo de suco de laranja, ele aceitou de bom grado.
— E então, como é Xangai? — perguntou , conseguindo algo inédito com a questão: fazer aquele cara tão quieto falar.
Gook Doo tinha amado a China. Contou das tecnologias inovadoras em transporte, dos prédios de arquiteturas peculiares, dos parques arbóreos com propostas de urbanização, das comidas bizarras de rua – que tinham estoque de ninhos de marimbondos no chão para servir de alimento e ovos fermentados em urina, resultados de uma grande era de guerra sem fim –, dificuldade na pronúncia do mandarim e o contato com grandes marcas e seu interesse especial nos modelos chineses.
Toda essa imersão foi totalmente necessária para o conhecimento de sua nova função como redator cultural da revista, que o cederia uma página inteira a cada edição apenas para que contasse histórias de sua terra local, o que consistiria de muitas viagens pelo país, trazendo curiosidades que valorizariam ainda mais a visão da Coreia sobre si mesma e sua identificação pela própria população.
Parecia algo que gostaria muito de fazer.
— Não preciso dizer isso pra você, mas nosso povo leva muito a sério a própria história. Tudo que se conhece de épocas marcantes do país são decorebas de livros escolares e uma dezena de pequenas regrinhas, então eu acho interessante a proposta da empresa de mostrar um outro lado da narrativa. Um lado mais divertido, talvez mais informativo, sem sensacionalizar nada. Ou talvez só um pouquinho — ele sorriu abertamente, e assentiu, ainda impressionada.
— Isso é tão legal, Gook Doo. Sobre o que é a sua primeira matéria?
— As colaborações culturais e históricas entre o Sul e a China, considerando toda a nossa preocupação de preservação de certos costumes e tudo mais. É mais uma coisa de contrato, já que a China não é das melhores em relembrar o passado, mas foram muito abertos com essa questão. A primeira coisa que senti quando pisei no treinamento foi essa alfinetada sobre ter limites ao falar do pretérito deles. Mas fora isso, foram muito gentis em mostrar a antiga casa do imperador, os mausoléus de esposas, de…
Ele parou de falar com o barulho do telefone tocando em algum lugar dos bolsos da frente. Gook Doo levou um pequeno susto, como se sentisse um espinho escapando pelo tecido, e deu um sorrisinho de desculpas para puxar o aparelho e atender.
— Alô? — disse ele, e escutou ligeiramente o ruído de um grito do outro lado — Ah, senhorita Chaperman, eu já…
Eu sei, já vou chegar… Trânsito…
franziu o cenho. O barulho da chamada havia ficado mais alto, duplicando-se no ar, assim como barulho de saltos.
— Não tenha pressa, senhorita Chaperman, eu já estou…
Eu sei que você já está, você sempre está, mas tinha uma tonelada de coisas na minha mesa hoje cedo e sabe que ainda não posso me dar ao luxo de dizer não.
Agora a escutou perfeitamente, assim como o tuc tuc dos sapatos no corredor afora. Em pouco tempo, ouviu também o clique da chave na porta, e Candice entrou como um furacão, segurando o telefone entre o ombro e a bochecha.
— Eu sei que você acabou de… — Candice parou de falar ao olhar para a sala já iluminada, vendo Gook Doo imediatamente — Gook Doo! Você está aqui! Por que não me disse antes? Como você…
E Candice olhou para sentada do outro lado, com os cabelos presos e a blusa sem mangas, terminando de tomar o suco de laranja.
Os olhos cinzentos da garota foram atraídos imediatamente para o ponto colorido do braço.
— Minha nossa… — murmurou, se aproximando imediatamente, esquadrinhando a pele de para se certificar que não estava vendo errado — Mas o que foi que você fez?
— É… uma longa história — fez uma careta de desânimo. A história era mais do que longa; era complicada, triste e depressiva. Uma zona repleta de espinhos verdes. Mas se ela já estava chocada com a tatuagem como se tivesse sido atingida por um chicote, que dirá quando soubesse do resto — Eu vou te contar…
— É claro que você vai me contar — Candy a interrompeu, erguendo o queixo com descrença — Pelo menos fico feliz por eu ainda ser uma amiga suficiente pra quem você conta coisas.
se segurou para não retrucar ou revirar os olhos. Candice estava certa em ficar chateada, mas desde quando pagava as coisas na mesma moeda?
— Tudo bem, Candy, eu entendo sua irritação. Pelo visto também não fui uma boa amiga pra saber da sua promoção.
Em contrapartida, Candice não teve o menor pudor para revirar os olhos, virando-se para Gook Doo logo depois, que estava parado como uma estátua e com olhos um pouco arregalados, tanto pela chegada repentina de Candice quanto pela conversa que certamente não o dizia respeito.
Ele com certeza sentiu fisicamente na pele os olhos da loira o fuzilando.
— Fui promovida ontem — ela se voltou para novamente, frisando a palavra — E já quis mostrar serviço ficando umas boas 4 horas extras para me adaptar no cargo, mesmo que tecnicamente eu não precisasse. Aprendi isso com você — alfinetou, bagunçando um pouco dos cachos desalinhados pelo cansaço — Por isso não deu tempo de te contar. Eu faria isso o mais rápido possível. Talvez amanhã, depois de mais uma bateria de horas extras que preciso fazer com meu assistente.
— Redator — Gook Doo corrigiu timidamente em voz baixa, e Candice suspirou.
— Isso, meu redator. Eu e ele estamos há — ela olhou no relógio de pulso — 10 minutos atrasados de enfrentar aquele trânsito insano na Teheranno para chegarmos a tempo da última reunião. Então acho que precisamos ir — Candice bufou mais uma vez, agora puxando o cabelo para o topo e torcendo-o em um coque desarrumado, trocando os saltos por tênis de corrida.
sentiu uma ligeira pontada de culpa, bem pequena. Candice ainda estava usando seu terninho plissado habitual, mas a maquiagem já tinha ido para o espaço em algum banheiro da empresa e era uma visão mais rara do que um cometa Halley vê-la se desfazer de seus saltos caros e inseparáveis. O rosto denotava uma exaustão nítida, mas ela não parecia infeliz ou esgotada. Estaria mais animada se tivesse dormido por pelo menos 2 horas, mas mudar de cargo devia virar o seu mundo de ponta cabeça, ainda mais quando não se estava esperando por isso.
Os últimos dois dias de Candice Chaperman tinham sido equivalentes a 1 mês e estava pensando que sua falta de mensagens vinha de uma mágoa.
— Candice — ela chamou, e Candice a olhou de lado enquanto calçava os tênis — Estou muito feliz por você. Muito, de verdade.
Candice soltou os cadarços para lhe lançar um pequeno sorriso de canto, um que soube que era igual aos outros, sem tirar nem pôr.
— Obrigada, . Se eu não enlouquecer até a próxima semana, vamos sair pra tomar um drink. Depois que eu conseguir dar a devida atenção ao meu namorado, é claro — suspirou, e as duas ouviram um novo som de descrença vindo do embaraçado Gook Doo, que já estava devidamente perto da porta — Sim, garoto, sua colega decidiu se render ao romantismo barato da sociedade. Ando enjoada de tanta flores que eu recebo, vai se acostumando — ela lançou uma piscadinha brincalhona pra ele e se voltou pra , ou para o seu braço — E isso aqui, senhorita … Estou realmente ansiosa pra saber o que houve. Tão ansiosa que estou pensando em largar esse emprego, sentar nesse sofá e tomar pelo menos 7 dry martini.
— Você não faria isso — riu um pouco, e Candice fez uma careta de concordância — Vai lá. A nova editora de entretenimento precisa começar a treinar em gritar ordens.
— Ah, sim! Eu vou amar isso! Gook Doo, trouxe meu café? — ela se virou para ele, que apenas piscou os olhos do mesmo jeito temeroso de sempre — Desculpa, força do hábito. Vamos nessa, garoto. Vou precisar de não só 1, mas 3 cafés.
Candice agarrou a bolsa que havia jogado no sofá, e tirou os brincos grandes das orelhas, depositando-os na mesinha de centro e caminhou para a porta enquanto murmurava uma lista de check-lists que tanto ela quanto Gook Doo precisavam cumprir antes que o sol nascesse.
Já quase no corredor, Candice se virou para enquanto ela se despedia com um tchauzinho para Gook Doo.
— Nós vamos ter uma conversa bem séria, mocinha — e lançou as pupilas para o braço de mais uma vez — Bem séria mesmo.
E fechou a porta, gritando para Gook Doo esperá-la.
continuou parada por um tempo, talvez absorvendo a informação da promoção de Candice, e logo um sorriso bobo brotou de seus lábios naturalmente, genuinamente feliz pela melhor amiga. Era tão fácil se sentir feliz por Candice. Tão fácil torcer pelo seu sucesso. Um sucesso que ela sabia já ser destinado a acontecer, mas que vibrava do mesmo jeito quando de fato acontecia.
Com um suspiro de paz, juntou os copos em cima da mesinha, lavou e guardou na cozinha, pegou a bolsa que havia deixado no sofá e voltou para o seu quarto. Sentiu o celular vibrar levemente na mão, e um outro motivo para arrancar mais um sorriso:
Jungkook: O boxe acaba daqui há 20 minutos. Já jantou?
se preparou para digitar uma resposta, mas outro pensamento saltou na frente, uma vontade nascida do nada, uma que jamais teve. De repente, parecia tão pertinente querer fazer aquilo que ela nem se perguntou se era o certo, ou como seria recebida do outro lado da linha.
Quando digitou o número de Antônio, a ligação chamou e chamou. andou pelo quarto, verificando as horas no despertador digital, vendo que não passava muito das 8 da noite, e com 12 horas de diferença significava que era um horário propício para que ele estivesse acordado, assim como ela. Agda costumava encher os dois braços de roupas para lavar em pleno sábado de manhã, mas não fazia ideia se alguns hábitos se mantiveram desde a sua partida.
De algum modo, estava ansiosa para ser atendida. Ansiosa para perguntar, para saber o que estavam fazendo, se tinham recebido o dinheiro e quando iriam dar entrada em um tratamento decente. Poderia até ajudar a procurar, caso quisessem. Estava louca para confirmar o bem-estar de sua mãe, mesmo que ela provavelmente não perguntaria a mesma coisa para .
A chamada foi parar na caixa postal. suspirou e tentou mais uma vez, recebendo a mesma resposta. Talvez decidiram dormir até mais tarde no sábado, pensou ela. Era compreensível, mesmo que não fizesse ideia se os dois tinham empregos que funcionavam aos sábados. Decidiu deixar o telefone em cima da mesinha de cabeceira e se preparou para juntar sapatos bagunçados, trocar a roupa de cama, pendurar a chave de Jungkook no porta chaves ao lado da escrivaninha e outras coisas que fariam 20 ou 30 minutos passarem voando. Mas a vibração repentina do celular a fez parar tudo e se virar.
O número de Antônio estava retornando.
puxou o aparelho com rapidez, limpando a garganta ao atender.
— Alô…
O que você quer? — A voz raivosa do outro lado era feminina e firme. Estava mais cansada, talvez mais grave, mas inegavelmente familiar. notou o aperto instantâneo no estômago — Tô falando com você, cacete! Quem é?! A mesma vadia da semana passada?
franziu o cenho, tentando adivinhar se estava prestes a entrar em uma conversa comum ou em uma descoberta arrasadora.
Quando Agda começou a resmungar outros palavrões desconexos, ela lentamente disse em voz baixa:
— Mãe?
O som na outra linha parou. Não se ouvia um mísero barulho de trânsito, de pássaros, cigarras, de ar em volta. Parecia que a mulher tinha parado de respirar, assim como .
Quando estava prestes a perguntar de novo, a voz da outra soou pesarosa em seus ouvidos:
O que você quer?
umedeceu os lábios, e seus pés tinham recomeçado um novo circuito pelo quarto.
— Eu… Há quanto tempo — disse ela, se sentindo pequena, como se visse claramente os olhos severos e grandes da mãe, uma mãe que a olhava de cima e de longe, muito longe — Como você está?
Normal. Como você tem esse número?
ficou confusa de novo, mas se lembrou rápido da insistência de Antônio sobre manter seu pedido de ajuda em segredo, porque Agda tinha deixado claro que jamais recorreria à de novo.
Mas agora isso não importava mais. Estava feito.
— Antônio me ligou. Achei que já estava sabendo — respondeu ela, fechando um dedo dentro das mãos — Achei que soubesse do dinheiro.
Que dinheiro?
— O dinheiro que mandei. Para o seu tratamento.
ouviu um palavrão. E mais outro, um mais escabroso que o outro, uma série de ruídos que se misturaram a uma risada bizarra. Um arrepio anormal atravessou cada centímetro de sua espinha.
— Você… Recebeu o dinheiro, não recebeu?
Agora Agda riu abertamente, e captou ruídos de vidro batendo um contra o outro.
Essa é boa. Eu não sei que caralho de dinheiro você está falando, .
— Não, espera — sua voz saiu trêmula. As pernas estavam lentamente começando a perder o ritmo das passadas — Ele me contou do seu diagnóstico. Contou do tratamento. Mandei o dinheiro porque o seu câncer…
Câncer?! — A gargalhada da mulher foi tenebrosa. Tão alta que vibrou dentro da cabeça de , deixando-a ainda mais enojada, recordando-se daquela mesma risada antiga, que era fruto de seu vício favorito: o álcool — Eu não tenho porra de câncer nenhum. Tá ficando maluca?
paralisou como se tivesse sido atingida por uma flecha envenenada. As palavras de Agda ressoaram por cada canto da mente, indo e vindo, fazendo ecos nos seus ouvidos, tirando toda a sua coordenação motora.
— O-o quê?
Você é uma idiota mesmo — a mulher atestou, e sentiu o desprezo nítido naquele timbre por cada célula do corpo — Sabe o que fez? Mandou seja lá quantos para o desgraçado meter o pé. Ele estava devendo um homem importante por aí, talvez porque fez apostas muito burras sem a minha ajuda e não sabia onde estava se enfiando, mas não volta pra casa desde ontem e comecei a pensar que tinha fugido com alguma vagabunda. Estava com tanta pressa que nem levou o celular. Mas, quem diria… — ela riu com sarcasmo, e ouviu um fungar disfarçado, e mais vidro. Mais bebida — Você tinha que ter um dedo nisso, sua infeliz.
— O quê?! — arfou em choque, e a queimação no nariz estava ali de novo, ardendo até a alma, preparando-se para o que estava por vir — Eu não…
Você não pode ser tão burra a ponto de achar que eu te procuraria por causa de uma porcaria de câncer, direta ou indiretamente. Estaria morta antes de fazer isso, . E se acha que Antônio se preocuparia com alguma de nós duas a ponto de tentar fazer uma boa ação pelas costas, então você é mais burra ainda — cuspiu Agda, e agora começava a se sentir um pouco zonza, os olhos se abrindo e abrindo ao passo que embaçavam, o formigamento se deslocando para a garganta — Mas eu e ele poderíamos resolver juntos as coisas, garota. Nós dois passamos por poucas e boas e sobrevivemos, e não seria diferente agora, independentemente da merda que ele tenha arrumado com quem quer que seja, porque é assim que nós funcionamos. Mas você, como sempre se metendo onde não é chamada, mesmo depois de ter nos abandonado. Mandou a porra de um dinheiro que sabe-se lá como conseguiu, de algum buraco que seja que você deva estar agora, e fez ele se mandar pra longe! Parabéns, você conseguiu o que queria, o que você sempre quis, não é? Com todo esse papinho que te maltratamos e blá blá blá. Aposto que ofereceu o dinheiro para ele, torcendo para que dessa vez ele fosse mesmo embora!
ouviu um pequeno choro vindo do outro lado, acompanhado de mais lamentações de Agda, mas tanto a voz quanto os ruídos estavam agora abafados, acontecendo a quilômetros de distância. Não era mais uma voz firme e explosiva, mas um sussurro, a sombra de uma voz. a ouvia falando, mas o som se desintegrava no meio do caminho à medida que seu cérebro ia se partindo, e o corpo inteiro tremia sem parar, absorvendo o impacto das palavras nocivas. Parecia louco. sentiu tudo dando errado dentro do corpo, tudo se preparando para um colapso.
— M-mas… Eu não sabia. Mãe, eu não sabia…
Ah, claro! — Agda a cortou com outra gargalhada embargada — Não sabia que pra sua querida mãe ir parar no hospital, precisa de muito trabalho? Que a última vez que estive lá, foi quando tive você? Acorda, garota. Você foi tão enganada quanto eu — rosnou com fúria. — E se fez de idiota se pensou que o que mandou era o suficiente. Considerando toda a quantia que me roubou há 7 anos atrás, devia ter mandado o triplo. Mas fique tranquila que Antônio é um homem que sempre volta. Mas não garanto que vai voltar com o seu dinheiro nojento, então espero que não o queira de volta.
O queixo de despencou. As palavras travaram no céu da boca. A garganta se condensou em um nó tão atado que mal permitia a entrada de oxigênio. Aquilo era… O que era aquilo? Quem era aquela mulher? Por que…
Dinheiro nojento…
teve certeza de que estava tendo um tipo de ataque de pânico.
— Ele me disse que você estava doente — falou, assustada com a própria voz falha, assustada com a queimação do estômago, dos olhos, do nariz, da cabeça, de tudo — Doente, Agda! Câncer de mama, porra! Sabe o que é isso? Tem ideia do que significa isso?
Tem ideia do quanto você é patética? — a mulher retrucou, elevando ainda mais o tom — Antônio nunca nem ligou pra você. Por que te ligaria para pedir ajuda por mim? Tem dias que nem lembramos do seu nome, a não ser quando o dinheiro falta e nos sentimos dois imbecis por termos cuidado de você por tantos anos e não recebemos nada por isso. Pensamos que talvez você estivesse ganhando bem dançando em bares noturnos na América, mas daria muito trabalho pra te encontrar, então o seu nome passa e cai no esquecimento de novo. Tudo passou, . Acorda! Se não ligou pra resolver a situação e me pagar, então não me atrapalha. E se por acaso Antônio não voltar até…
desligou na mesma hora. O celular foi catapultado até o outro lado do quarto, como se pegasse fogo, como se fosse um animal vivo e nojento, transformando tudo ao redor em um pesadelo.
Imobilizada, se viu zonza, trêmula, o tórax expandindo e expandindo em busca de ar. As paredes do quarto estavam duplicadas, girando em vórtice, e seus músculos doíam tanto como se estivessem levando cem picadas.
Ela se apoiou na escrivaninha, deixando o corpo desabar na cadeira de rodinhas, os ombros tremendo violentamente conforme as duras lágrimas jorravam para fora silenciosas, fundindo-se com o entulho de palavras que tinha sido despejado em cima de sua cabeça.
Sua mãe não estava doente. Antônio tinha mentido. Tinha se esforçado para achá-la só para mentir. Sabia o ponto fraco de , conhecia seus maiores medos, ainda via aquela garotinha que ele prendia com os trovões no quintal de trás, sabia exatamente onde espetar para conseguir o que quer. E , ao ceder a isso, voltou a se sentir daquela forma, como a mesma menininha patética que chorava com medo, que não tinha escolhas, não tinha oportunidades para sonhar e que não podia inventar uma vida melhor.
Seus dedos se afundaram no couro cabeludo enquanto a realidade desabava de forma violenta. A voz de Agda estava dentro de seus ouvidos, a verdade aumentando a intensidade do choro, sentenças que se cravaram como facas no peito e abriram um rombo no lugar, puxando todos os sentimentos de uma vez só.
Tem ideia do quanto você é patética?
Um grunhido anormal estourou da garganta de , que não conseguiu mais se manter sentada. As lágrimas ofuscavam sua visão. A mágoa estava se misturando com a raiva. Uma raiva cega, frustrada, injustiçada, beirando ao ódio irracional. Ódio de seu pai e a morte repentina, ódio de Agda e sua loucura, de sua incapacidade de amá-la, ódio de Antônio por ter aparecido e estabelecido o inferno, ódio dela mesma por querer ser amada, querer ter uma mãe, ainda querer uma família, a única que a restava…
Ele não vai voltar com o seu dinheiro nojento, então espero que não o queira de volta.
chorou com fervor, chorou com fúria, chorou com tanto desespero que começou a ficar com medo. Mas as frases dançavam e dançavam sem parar no cérebro, e seus punhos estavam quentes, o rosto estava quente, a cabeça estava quente com a lembrança do banco, com as decisões difíceis tomadas um dia antes, com a sua conta agora limpa do dinheiro de tantos empregos – um dinheiro que não era nojento –, tantas não-escolhas, tanto esforço honesto a que tinha se submetido pela busca da realização do sonho distante para aquela garotinha de antes, a que tinha como prioridade sentir orgulho de si mesma, sem depender do amor e compaixão de ninguém para seguir em frente.
Mas aqui estava ela, destruída por perceber, ao longo de tantos anos, que ainda se importava. E que não receberia amor da única pessoa que deveria amá-la.
O grito escapou de novo, e não enxergava o chão. O punho estava doendo outra vez, e o choro era alto, salgado, assustador, barulhento, angustiado. O mundo estava ruindo. O ódio por si mesma e pelos outros era inédito, nefasto, nascido das trevas. nunca tinha se sentido tão amargurada, zangada, fraca, inútil, vulnerável. E essa vulnerabilidade que tanto desejou alcançar um dia, a esperança de uma vida de coragem e sem medos que sentiu há 24 horas, agora parecia uma coragem tosca, imaginária, um sentimento bom e cor-de-rosa que só existia nos livros ficcionais de Yoona, uma emoção inalcançável que a faria sentir fé no amor em geral, se isso fosse possível; fé para amar e ser amada de volta, fé para abraçar novas perspectivas e se livrar de toda a bagagem que carregava nos ombros.
Ela acreditou nisso. Por 1440 minutos.
Por fim, o lugar onde tinha chegado com essa ilusão era ali, naquele quarto, sendo vítima de um tiro de franqueza ácida. Estava explodindo naquele cubículo, explodindo por todos os lados, sentindo-se mais sozinha do que jamais esteve porque acreditou nisso.
Alguma coisa agarrou seus ombros, fazendo-a parar em algum lugar, enquanto segurava em alguma coisa, dizendo outras que não entendia. Seu corpo estava se mexendo sozinho, respondendo ao seu descontrole por si só, e um som estava tentando ultrapassar sua falha de audição, perto e longe ao mesmo tempo, indo e voltando, enquanto ela mexia os pés para alguma direção, qualquer uma que não conseguia ver.
! , calma!” A voz chamou, e dedos tomaram suas bochechas para mais perto, erguendo seu rosto para cima, direto para uma silhueta desfocada, uma miragem com olhos alarmados e uma boca que abria e fechava, emitindo sons muito, muito distantes.
— Você tá me ouvindo? Ei,
Ela expirou o cheiro de sabonete com um leve toque de tabaco. E as imagens foram lentamente voltando ao foco.
Jungkook tinha a fisionomia pasma, tensa, com um brilho atônito nos olhos. A boca dele ainda estava se mexendo, exprimindo palavras que ela não escutava direito, muito abafadas pelos soluços altos e as lágrimas que não paravam de cair. Levou um tempo considerável até que ele tomasse coragem para chegar ainda mais perto e falar um pouco mais alto:
— O que aconteceu? , o que aconteceu aqui? Você tá tremendo. O seu quarto… — ele deu uma rápida olhada ao redor, e girou a cabeça quase um minuto depois.
A cadeira de rodinhas tinha tombado para o lado, e a escrivaninha antes organizada, agora parecia um mar de caos. Duas câmeras tinham sido violentamente atiradas no chão. A luminária articulada que tinha ganhado de Candice tinha rolado até debaixo da janela. O espelho ao lado da mesa exibia um trincado na zona superior do vidro, resultado do impacto de algum objeto quebrado que exalava um perfume doce e enjoativo por todo o aposento.
Jungkook puxou seu rosto inchado de novo, cerrando os dentes com ímpeto.
, por favor, fala comigo. O que aconteceu aqui? Te ouvi gritando do corredor, por favor…
Em um segundo, acordou do transe e se livrou das mãos e dos braços dele, afastando-se a vários passos para trás. O cenário ao redor era assustador, mais assustador do que os soluços que tentava controlar.
— Não. Não, não, não, não… — murmurou para si mesma, com as mãos na cabeça e no rosto — Vai embora…
, não…
— Vai embora! — ela voltou a se aproximar de Jungkook, e seu coração batia dolorosamente forte, como se estivesse a ponto de explodir e morrer — Sai daqui, por favor… — engasgou, mantendo os olhos nele. Não fazia ideia do que tinha acontecido, mas tentou manter uma postura firme até vê-lo sair, sair e esquecer de tudo que tinha visto, de tudo que estava vendo, mas também estava torcendo para que ele não fosse real, que tudo fosse uma miragem da sua cabeça fodida e que ele não estava presente naquela hora de merda em que tinha decidido levantar o tapete.
Ou foi simplesmente forçada a isso. Forçada pela primeira pessoa da lista a quem devia amá-la. A pessoa que a ensinou que o amor é complicado, é feio, é apavorante, mas necessário. achou que poderia aceitar até esse tipo de amor, caso ela estivesse disposta a dá-la.
Estava doendo muito. Doendo como nada doeu em toda a sua vida.
Mas Jungkook continuou parado no mesmo lugar. E não teve forças para mandá-lo embora de novo.
O choro veio com toda força pela milésima vez. Porque sequer importava quem estava vendo ou não, estava sendo destroçada a cada minuto que passava. Sendo destroçada por uma verdade que estava ignorando desde muito nova, uma verdade que andava de mãos dadas com uma última esperança. Mas tudo não passou de uma mentira. Uma mentira fantasiada de um sonho de criança ferida. estava finalmente chorando todas as lágrimas que tinha deixado de chorar a vida inteira por um fato escancarado: você está sozinha. Você não tem casa. Você não tem família. Você não tem amor. Se nem Agda, sua própria mãe, estava disposta a te amar, como você seria capaz de se permitir passar por isso com outra pessoa?
Não acha que já está doendo o suficiente?
Você é mesmo tão corajosa assim?
Quando sentiu os braços de Jungkook a envolverem em um abraço, sua única opção foi se deixar cair em seu peito, se deixar afundar a testa em sua jaqueta e se deixar chorar e tremer naquele espaço apertado onde podia pelo menos fantasiar que estava segura. E toda a tristeza e cólera vieram sem esforço, derramando pela camiseta dele. Se derramando como nunca se derramou antes, na frente de ninguém.
— Ela… não me ama — disse, afogada nas lágrimas, sentindo as pernas pesarem como chumbo — Ela nunca me amou, Jungkook. Minha mãe nunca me amou. Ela mentiu pra mim. Todos eles mentiram pra mim — ela grunhiu com força, sentindo o rosto ainda mais quente, o nariz já perdendo a função.
Jungkook era um poço de desespero e aflição. Só conseguia agarrar com força, temendo que ela desabasse a qualquer minuto. Fora isso, era apenas um garoto loucamente perdido, totalmente impotente, que sentia o coração parar e se partir.
— Por que eles não me amam? — murmurou, balbuciando coisas desconexas, confissões recheadas de dor — Por que não puderam me amar, Jungkook? Por que ela nunca me amou? Por que não me escolheu? O que tem de errado comigo?
Ela não me ama.
Talvez nunca tenha amado.
Eu entreguei tudo.
Foi em vão.
Foi tudo em vão.
7 anos.
Foram 7 anos da minha vida.
7 anos evaporados em menos de 7 minutos.
Jungkook trincou o maxilar, vivenciando a tortura de um coração se partindo, as veias ardendo ao sentirem todas as coisas erradas desse mundo, toda a raiva de uma situação que não sabia e não entendia, mas olhar para já era motivação o suficiente. Apesar disso, sua boca não emitia nada. Não conseguia pensar em algo a dizer, até que teve certeza de que não devia ter algo a dizer. Não ali, naquela hora. Não quando os ouvidos de não estavam funcionando direito. Não quando sua cabeça estava explodindo. Não quando algo tão grave tinha acontecido que a quebrou por completo.
Mas ele conseguiu puxá-la para a cama, e conseguiu sussurrar alguns vários pedidos de calma enquanto a fazia se sentar, e depois deitar, aninhando sua cabeça no travesseiro e cedendo um abraço duradouro que diminuiu gradativamente os soluços até cessarem de vez. Até que pegasse no sono, infiltrando-se na inconsciência de seus sonhos ainda não destruídos.

📸💔🎤


Havia um zumbido.
Parecia que um ninho de marimbondos fazia uma festa em seu crânio. Ela abriu os olhos, mas não completamente. A imagem do quarto demorou a focar, e sua cabeça estava doendo tanto quanto a mão. Ela esfregou os olhos e se virou para olhar a janela, onde uma luz pálida e saliente entrava por uma fenda entre as cortinas.
Sonolenta, se sentou, olhando para as mesmas roupas que estava usando quando chegou no dia anterior, assim como o cabelo rebelado. Quando olhou para a frente, tudo parecia igual. A escrivaninha estava arrumada, com os papéis e os livros no mesmo lugar, de uma forma até mais organizada, mesmo que tenha certeza de que não limpou nada na última semana. A cadeira estava de pé e um pouco torta para o lado, mas a luminária e o perfume que Candice tinha dado de presente…
Ela sentiu o resquício do cheiro impregnado no ar ao mesmo tempo que viu o espelho quebrado.
E olhou para os nós dos dedos. E viu a pele descascada e a vermelhidão, combinados com o rosto igualmente inchado.
As lembranças da noite passada a picaram como os marimbondos em sua cabeça.
Antes que pudesse raciocinar, ouviu os passos se aproximando. E então, o cara de roupas pretas estava entrando no quarto, trazendo a luminária perdida em uma das mãos.
Quando olhou para , parecia morto de alívio.
— Você acordou — ele chegou mais perto, colocando o objeto em cima da mesinha de cabeceira — Nada mal para quem dormiu 12 horas direto. Fiz café.
parou, vasculhando todos os pontos do rosto dele até dizer:
— O que está fazendo aqui?
Jungkook umedeceu os lábios, e se sentou na sua frente.
— Eu passei a noite aqui.
— Por que?
— Fiquei preocupado com você.
O rosto de ardeu em chamas, e o coração convulsionou de um jeito inédito. Aquilo não deveria acontecer. Ela ainda se lembrava do discurso de Agda e das mentiras a que foi submetida, e igualmente se lembrava das lamentações que jorrou em cima do peito de Jungkook, e isso só a deixava com ainda mais vontade de sair correndo.
Mas essa era a parte difícil. Ela não queria sair correndo, não de verdade. Mesmo que a razão dissesse que deveria, principalmente depois de ele ter visto o que viu.
Envergonhada, ficou de pé de cabeça baixa, incapaz de olhar para ele.
— Me desculpa — sussurrou ela, tentando abaixar o cabelo, limpar os olhos, ajeitar as roupas amassadas e melhorar o que devia estar sendo o caos de sua aparência no momento — Eu tinha esquecido que você vinha, a sua chave está bem aqui.
Ela agarrou o chaveiro fluorescente de mais cedo, estendendo-o para ele. Jungkook a olhou com descrença, levantando-se logo em seguida.
— A chave não é importante agora — respondeu ele, em voz baixa. — Como você está se sentindo?
engoliu em seco, e o sentimento de fugir estava de novo ali, o sentimento do dever. Aquela mesma raiva borbulhante retornando, a raiva de si mesma por não ter trancado aquela porta quando Candice saiu, ou por não ter insistido que ele fosse embora na noite passada e poupado-o de tudo aquilo.
O olhar de Jungkook recaía sobre o dela com a mais pura tormenta. percebeu que ele tinha o par de olhos mais acalentadores com quem ela já cruzara. Eram seu par de olhos favoritos. Os olhos de alguém que tinha visto seu ponto máximo de fragilidade e não pulou a janela de madrugada.
Mas a razão de , aquela que ocupava um espaço maior em suas decisões, estava apavorada com tudo que tinha acontecido. Com a explosão emocional que nunca imaginou ser capaz. O estouro nefasto que vedou seus olhos e ouvidos. Estava ainda mais apavorada por ele tê-la visto nesse estado.
Olha onde ser vulnerável tinha trazido-a. Levou direto para um reboot de traumas e medos, externando fatos que ela havia ignorado por anos: se nem Agda, minha própria mãe, tinha se disposto a me amar, como poderia ser diferente com outra pessoa? Como posso me permitir passar por isso com mais alguém?
Como posso me arriscar desse jeito?
se sentia mais nua agora na frente de Jungkook do que jamais esteve antes. E isso era trágico.
— Estou bem…
— Não, , você não está bem — ele interrompeu, com a voz firme, apesar do olhar inquieto — Não precisa mentir pra mim. Por favor, não mente pra mim. Ontem, aquilo…
— Você não devia ter visto aquilo — disse ela, desviando os olhos novamente. — Nem eu queria ter visto. Recebi notícias ruins e reagi mal, foi isso. Você não precisa se preocupar.
, você machucou a mão — Jungkook interferiu no espaço entre os dois para puxar os dedos de , vítimas de alguns socos na escrivaninha ou até mesmo na parede — Tinha acabado de jogar aquele perfume no espelho quando eu cheguei. Não entendia uma palavra do que você dizia. Ainda não entendi 100% o que houve — ele chegou mais perto, obrigando-a a encará-lo — Então não me diga que está bem. Mas não precisa me contar agora, se não quiser. Vamos tomar um café, e tentar procurar o manual daquela luminária que tentei consertar sem sucesso nenhum, e acho que a cadeira perdeu uns parafusos…
— Jungkook — se empertigou, puxando a mão com rapidez, tentando esconder a voz hesitante, louca pra dizer “sim” — Podemos deixar para outro dia. Não precisamos fazer isso agora.
Precisar e querer é uma linha tênue. Garanto que o café vai estar do seu agrado. E aí, você…
— Por favor — ela gemeu com indignação, passando uma mão agitada pela nuca — Eu não quero tomar café com você. Não quero que você conserte minha luminária ou minha cadeira, que entre pelo meu quarto de manhã, que me dê uma chave da sua casa, que me empreste câmeras ou camisetas ou me leve a encontros, que me abrace ou durma comigo, não, eu não quero fazer nada disso. Eu só… eu quero ficar sozinha agora. Por favor.
Ela inspirou bastante ar. Os ombros de Jungkook cederam lentamente à medida que as sobrancelhas se juntavam no meio da testa, esperando uma resposta melhor do que essa.
Quando não veio, ele arriscou:
— O que você tá dizendo?
engoliu em seco com dificuldade e cruzou os braços. Olhar para ele doía como um soco no estômago. Doía ainda mais por saber o que sentia, por saber o que queria.
Mas não havia nada mais lógico para alguém que sofreu com uma ferida de rejeição tão profunda afastar pessoas com medo de ser magoada outra vez.
— Eu acho que… Isso precisa parar — sussurrou. Jungkook permaneceu imóvel — Isso. Nós dois. Sei que é algo que já devia ter acabado há muito tempo, que foi uma besteira toda essa história do Jaehyun, mas era bom. Era bom e levamos mesmo assim, mas… não faz mais sentido. Estamos extrapolando. O prazo bateu.
O silêncio a seguir veio de todos os lugares, assim como a música que escapava das paredes na mansão de Itaewon. Até mesmo as árvores ao redor do apartamento caíram na mudez. O único som vinha dos rugidos particulares do coração de Jungkook, que se contraiu e diminuiu os batimentos até que sua boca conseguisse encontrar as palavras e perguntar, muito devagar:
— Você tá terminando comigo?
— Não é um término quando já ia acabar de qualquer jeito.
Ele riu pelo nariz, repleto de perplexidade, esperando ela dizer que estava brincando.
— Você não pode estar falando sério…
Estou falando sério, Jungkook. Isso era um acordo, um que devia ter acabado na primeira regra quebrada. Não precisamos mais empurrar com a barriga.
Empurrar com a barriga?!
— Você me entendeu. Eu me diverti e você se divertiu, agora podemos voltar ao normal. Ser amigos normais. Caso você ainda queira.
O olhar de não combinava com a frieza de sua voz. Parecia tão perturbado quanto o seu, tão incerto sobre as coisas que dizia que ele esperou que ela voltasse atrás. Mas, ao mesmo tempo, parecia alguém inteiramente firme sobre a rocha da certeza. Alguém que não mudaria de ideia.
, não tô entendendo… — começou, e após uma pausa, acrescentou: — Isso é por causa de ontem? Porque cheguei na hora errada? Porque você chorou na minha frente? Fala sério…
— Não, isso não tem nada a ver com você, Jungkook. É sobre nós. Nós nascemos de uma brincadeira que se estendeu além da conta, e foi gostoso e tudo mais, mas agora acabou. Não é como se você já não estivesse esperando isso — ela desviou os olhos para baixo mais uma vez, encabulada com o olhar intenso dele sobre ela, um olhar que não concordava com o que estava acontecendo — Afinal, era só isso que a gente era. Um prazo de validade. Mas pelo menos agora podemos ser amigos.
Ele trincou os dentes com a retificação da palavra amigos.
A queimação no peito não era mais raiva; era a mais pura frustração, um sentimento louco de angústia ao ver afastando-o de novo, erguendo a barreira que tinham incinerado na noite anterior, pedindo desculpas nas entrelinhas por ter sido pega em flagrante em um momento tão frágil, fugindo dele logo agora que alguma coisa estava avançando.
… — ele disse entredentes. Ela bufou, impaciente.
— Por favor, sei o que você tá pensando, sei o que você quer me perguntar, mas não posso falar disso agora. Não quero falar disso agora. Podemos só voltar a ser como antes? — ela se afastou a mais um passo para trás — Antes de tudo isso. Com mais civilidade, é claro.
Jungkook passou uma língua nos lábios, controlando a mandíbula e o impulso de aumentar o tom de voz, de se indignar com as palavras dela. Não era sua intenção parecer revoltado, por mais que fosse exatamente isso que seu sangue fervendo demonstrasse.
— Então é isso que você quer? Chorar sozinha e se acovardar do mundo quando a realidade explode?
— Sim, é exatamente o que eu quero.
Jungkook respirou fundo por um minuto e a encarou com os mesmos olhos intensos, mais sério do que nunca, enquanto sustentou o olhar, ainda trêmulo, ainda inquieto, mas que não abria espaço para negociações.
Tinha sido bom levantar o tapete e mostrar a bagunça para alguém, mas ninguém tinha avisado da parte mais difícil: deixar que toquem nessa sujeira. Permitir que tropecem em uma bagunça que não pertence a eles. não queria isso, não estava pronta pra isso.
Jungkook sorriu em linha fina, um sorriso feio repleto de sarcasmo e desgosto.
— Tudo bem, então. Aproveite as suas lágrimas sozinha.
Ele esticou as mãos para pegar o casaco jogado ao pé da cama e começou a se afastar para a porta com os olhos em , ainda esperando um “espere!” ou uma risada pela piada de mau gosto, mas a garota estava em um modo irreversível. Jungkook soube, então, que era aquilo. Pronto. Estava acabado. Acabado. E um turbilhão de coisas o invadiram de forma tão violenta que tudo que queria era sair daquele apartamento antes que seguisse impulsos idiotas e implorasse para que ela contasse o que raios tinha acontecido.
Os passos pesados fizeram barulho por todo o corredor até chegar na porta de entrada, onde ele puxou as botas em movimentos mecânicos e irritados, lutando contra a vontade de voltar para o quarto, ou de dar um grito de “por que está fazendo isso?” e qualquer coisa que comprovasse o quanto estava puto e frustrado com a situação.
Desnorteado, Jungkook colocou a mão na maçaneta e apoiou o casaco no ombro. Quando a girou, encontrou uma loira parada no batente com olheiras enormes e óculos de grau quadrados, segurando duas embalagens de café enquanto puxava uma chave distraidamente do compartimento externo da bolsa.
Jungkook abriu a porta mais ainda.
— Bom dia, Candice — ele cumprimentou com um rosnado, totalmente indiferente à mulher. Passou por ela sem esperar uma resposta, ainda com a cabeça no quarto, puxando imediatamente o maço amassado do bolso de trás enquanto seguia o caminho para o elevador.
— Bom di… — Candice respondeu no automático, ainda com a mente letárgica de sono, demorando quase um minuto inteiro para reconhecer a voz fantasma que passou por ela em um flash.
Seus ouvidos não acreditaram naquilo.
Ao olhar para trás, Candice viu claramente a silhueta das costas largas do garoto se afastando, que desistiu da ideia do elevador no meio do trajeto e curvou para as escadas de emergência, desaparecendo andar abaixo com uma cortina de fumaça em seu encalço em um piscar de olhos.
Boquiaberta, Candice teve medo do que tanto café em um dia poderia fazer com o cérebro, porque Jeon Jungkook não podia ter acabado de sair do seu apartamento às 8 da manhã. Por nenhum motivo. Nenhum mesmo.
Mas foi antes de entrar de vez para dentro do número 402 que ela ouviu o barulho tímido dos soluços que vinham do quarto mais próximo.
? — chamou, fechando a porta atrás de si e andando rápido até o cômodo, vendo sentada com a cabeça entre as mãos, fungando silenciosamente um choro discreto, e muito mais leve do que na noite passada.
Foi o suficiente para fazer Candice largar as embalagens na escrivaninha e correr para ela.
? , o que houve? — ela colocou as duas mãos em seus ombros, e finalmente levantou a cabeça.
— Candy… — fungou, e parecia que queria rir para tentar disfarçar o choro, mas só durou um segundo; em seguida, já estava fazendo uma careta que adiantava ainda mais lágrimas e deixou os braços se Candice passarem ao seu redor.
— Por Deus, o que aconteceu? Eu vi o Jungkook sair daqui, o que… — Candice parou, notando a epifania óbvia. Imediatamente, puxou o rosto de para olhá-la, tornando a voz rigorosamente ameaçadora — O que aquele cara fez com você? Como ele entrou aqui, ? Me conta tudo, eu vou…
— Não. Não, não Candy, ele não fez nada — balançou a cabeça, soltando o ar lentamente. Passou as costas das mãos embaixo dos olhos, ajeitando a postura ligeiramente exausta — Ele só passou a noite aqui.
— O quê? Por que o Jungkook passaria a noite aqui?
a fitou por um tempo, um tempo particularmente longo, sabendo que estava ouvindo aquela voz que a perturbava de tempos em tempos, o sussurro que dizia: está na hora. É a Candice. Já passou da hora.
E fungando mais uma vez, colocou uma mão no ombro da amiga e antecipou:
— Que bom que você chegou. Acho que tenho algumas coisas para te contar.


[ 26 ] – But you're daft to think she'd care

"Ela nadou para fora do fantasma da noite
Agarrou minha mão e deixou muito claro
Que não há absolutamente nada para nós aqui."
(🎵🔥🖤)

Jaehyun recuou vários metros do parapeito para conseguir apertar o botão de disparo da câmera.
Ele abaixou o apetrecho para avaliar a foto. As luzes da ponte pareciam sem contraste, e o filme Kodak estava acabando, assim como a bateria. O rapaz suspirou e tateou os bolsos, mas é claro que tinha deixado o mais importante no hotel. Se aquela velharia analógica desligasse, com certeza não religaria.
Ele a colocou em modo suspensão e caminhou novamente para o peitoril margeado pelo rio Tâmisa, apoiando os cotovelos na superfície enferrujada enquanto ouvia Johnny resmungar piadas sobre um casal que estava se pegando além do permitido em um pedalinho no lago. Mais um suspiro e Jaehyun olhou a London Eye com os próprios olhos, frustrado por infelizmente não poder transpor a bela imagem que via para algo mais permanente.
— A bateria está fraca? — perguntou Johnny, dando vários cliques seguidos na câmera do telefone. Jaehyun apenas assentiu — Eu avisei.
— Por que não usa sua cara de pau e vai perguntar a alguém naquele bar caríssimo se por acaso não teriam uma bateria de Kodak Ektar H35 pra me emprestar? — sugeriu Jaehyun com um sorriso ácido. Johnny revirou os olhos.
— Eu te disse pra verificar assim que saímos. Eu não sei fazer isso, então te disse uma segunda vez. Vai você procurar uma bateria.
Foi a vez de Jeong revirar os olhos e ignorar as alfinetadas. Já que não tinha escolha, pelo menos poderia usar a bateria até que ela findasse de vez. Ele voltou a ligá-la, passando todas as fotografias que tinha conseguido capturar desde o hotel em Minories Street até ali, na paisagem da London Eye.
Johnny estendeu a mão para ver uma delas, emitindo uma expressão de satisfação.
— Ficou irado. Vai mandar para a sua namorada?
— Já disse que eu não tenho namorada — Jaehyun tomou a câmera de volta, pulando as fotos novamente.
O suspiro de Johnny saiu entrecortado e misturado com o cheiro das duas cervejas que tinha tomado.
— Mas seria muito bom se tivesse.
— Por que? — Jaehyun pressionou o botão da lente na mesma hora em que as luzes ao longe irromperam num vermelho muito intenso. Torceu para que a bateria aguentasse só mais uma.
— Porque eu sempre tô afim de quebrar padrões e ver a cabeça da população explodindo — Johnny apontou para os ouvidos e girou o dedo indicador em um movimento circular — Nunca gostei dessa imagem de perfeição do trabalho. A gente bebe, fuma alguma coisa, dá um tapinha de vez em quando, beija e fode como qualquer ser humano normal. Por que preciso fingir que sou um moleque virgem e indefeso mesmo com 28 anos?
O outro suspirou. Agora a luz estava mudando na parte esquerda da ponte, passando de um vermelho para laranja.
— É... você tá certo.
Johnny assentiu, ainda olhando para o vermelho da direita.
— Por isso ia ser fantástico se um dos personagens mais perfeitinhos do nosso ramo começasse a namorar — ele ergueu uma mão para apertar a bochecha de Jaehyun, que se esquivou rapidamente. Os dois trocaram um olhar — Se você sobrevivesse, faria nossos colegas de trabalho tomarem coragem também. Você pode ser nosso bode expiatório.
Jeong riu sem humor.
— Isso já tá acontecendo de certa forma, não? Você leu tudo que estão postando.
— Ah, tem razão. Você e a garota desconhecida de Los Angeles — disse Johnny, com uma careta. — Ainda não estamos na fase de falar sobre ela, certo?
— Não. Eu não quero falar disso.
— Algum dia vai querer?
— Provavelmente não. Mas você não consegue acreditar quando eu digo que não aconteceu nada, não é mesmo?
Tão logo Johnny sorriu, Jaehyun sabia qual seria sua resposta.
— De jeito nenhum. Mesmo toda borrada, ela ainda parecia ser uma gostosa.
Jaehyun balançou a cabeça.
— É, então deixa como está.
De repente, as luzes ao longe lentamente enfraqueceram até apagar, sobrando apenas as conversas altas dos outros turistas espalhados e os resmungos de quem ainda queria ver mais da famosa roda-gigante. Os pubs da região vibravam em pop atual e bandas de rock inglesas dos anos 80. Jaehyun se lembrava apenas de uma Londres com trovões e muita chuva em um dia de março, há pelo menos 4 anos atrás, quando podia apreciar a vista com a cabeça limpa e com preocupações ligadas apenas ao seu desempenho iniciante no palco.
Agora a única coisa que parecia no lugar era o seu desempenho como idol.
— Acho que tá na nossa hora — Johnny se espreguiçou com os braços para cima enquanto se preparava para dar as costas e voltar ao carro alugado estacionado no meio-fio, um imenso Tesla sedutor e crepitante, que tinha sido gentilmente doado por Doyoung como uma maneira de suborno para que o deixassem quieto no hotel lendo seus livros de poesia.
Antes de se mexer, Jaehyun verificou a Kodak novamente. A luz vermelha piscava em desespero, pedindo para que ele não tentasse mais porque ela não estava disposta a lhe dar mais nada. Ele passou os dedos pelo botão, olhando para a roda gigante agora iluminada apenas pela fila de postes inferiores da margem, pensando e pensando em coisas que gostaria de fazer quando saísse dali, das mensagens que queria mandar e em como provavelmente desistiria de tudo isso antes de agir.
Ainda assim, o rapaz deu as costas para o monumento e girou a lente na direção de seu rosto, afastando o braço para cima para estabilizá-la em uma posição onde sua panorâmica fosse visível junto com a paisagem, torcendo para que o clique tenha dado certo. Antes de verificar se a foto tinha sido tirada, ele sentiu algo vibrando dentro de seus bolsos, e pela forma personalizada que o som aumentava e morria, já dava pra saber quem era.
Alguém que tinha exigências sobre ser atendido no máximo ao 3º toque.
— Alô? — atendeu ele, segurando o telefone no ombro enquanto verificava a fotografia.
Esse é o 4º toque, garoto.
— E eu ainda estou bem aqui — Jaehyun bufou, e um segundo depois a câmera finalmente deu adeus à energia — É sério, você precisa me dar uma explicação lógica para essa regra do 3º toque.
Porque meus clientes que não atendem no 3º toque estão metidos em problemas.
— Gregory, você é meu agente há 5 anos, quando estive metido em problemas?
Na semana passada. Quando não me atendeu no 3º toque.
Jaehyun se cansou antes que a conversa continuasse. Johnny já estava encostado no carro, agora rindo de alguma coisa no telefone enquanto provavelmente sentia vontade de tomar mais uma cerveja.
— Não estou sozinho. Estou…
Eu sei, está com Johnny em algum lugar perto da London Eye, não que a companhia dele seja um alívio. Se estivesse com Doyoung, eu estaria mil vezes mais tranquilo. O garoto é um santo — Gregory suspirou — Mas não é sobre isso que vim falar. Vou precisar ir embora dessa cidade na semana que vem.
Jaehyun foi tomado por faíscas de expectativas no peito, as primeiras que teve desde que pisou naquele continente.
— Sério? — ele não conseguiu segurar o sorriso. Desde o incidente das fotos, Gregory tinha voado para a Europa em um piscar de olhos e estava grudado em seu pé como nunca esteve. Dizia que estava fazendo seu trabalho de não metê-lo em problemas, mas as coisas tinham passado do aceitável. Não havia explicação lógica em lhe dar horários para sair, dormir, comer e tomar banho.
Eu sei o que você está pensando — disse o homem, e soltou uma risada seca do outro lado — E você vai junto comigo.
E a faísca em Jaehyun se apagou como as luzes coloridas da roda gigante.
— Quê?
É isso que você ouviu. Arrume as malas de uma vez, você leva tempo com a sua organização.
— Gregory, tenho uma agenda com o grupo para cumprir daqui há 3 dias. Na verdade, pela próxima semana inteira.
Você acha que sabe mais dos seus compromissos do que eu? — Jaehyun quase podia vê-lo trincar os dentes — Portanto, no sentido mais chulo da anunciação, você não vai continuar a turnê na Europa, Jeong. Mas pode deixar que vai estar presente no fechamento dela, no Gocheok Sky Dome em Seul.
Jaehyun piscou os olhos várias vezes, contendo as imensas perguntas que tinha. Viajar de última hora era sempre um motivo de estresse. Gregory estava certo em uma coisa: odiava organizar as coisas com pressa, dormir com planos e acordar com outros. E era impressionante o quanto aquele homem, por maior que fosse sua eficiência, não se importasse com isso.
— Meu deus, por que isso agora? Para onde nós vamos?
Gregory soltou um suspiro pesado, e sua voz saiu arrastada de cansaço.
Vamos resolver demandas chatas de contratos milionários que assinamos e agora não podemos quebrar. Parabéns, você é a capa da Esquire do mês de setembro. Lembre-se de não colocar um grão de açúcar na boca.
Jaehyun franziu o cenho, e avistou Johnny mover os braços para apressá-lo.
— Espera. A que assinamos em abril? Quer dizer…
É, essa mesma, garoto. Nós vamos pra casa.

📸💔🎤


— E daí ela simplesmente terminou comigo.
Jungkook finalizou com um suspiro, as costas já muito afastadas do encosto da cadeira, os cotovelos massacrando os joelhos nos exatos 32 minutos em que esteve parado na mesma posição, movendo braços e dedos em um monólogo ininterrupto sobre…
Sobre tudo.
Minji não se deu ao trabalho de anotar nada. Talvez tenha tentado no início, mas com o andamento da história, pareceu que perderia o menor detalhe importante se simplesmente piscasse os olhos.
Por isso, aquele par de glóbulos castanhos por trás dos óculos meia lua estavam totalmente abertos em um choque quase indisfarçável.
— Ahm… Tudo bem — a mulher limpou a garganta, fingindo ler alguma coisa nas breves anotações enquanto pensava em uma pergunta plausível — Então vamos compilar tudo: você está me dizendo que estava em um relacionamento?
— Não usei essa palavra — Jungkook respondeu na defensiva. Minji assentiu.
— Ok, tudo bem. Você e essa garota… — ela abaixou o queixo para verificar o papel — , certo? Você e eram o que chamam de “amigos coloridos”?
— Nós não éramos amigos — ele respondeu rápido de novo, balançando a cabeça logo em seguida, sem fazer ideia do que tinha ampliado ou não para Minji — Quer dizer, antes não éramos. Depois fomos. Tipo isso.
— Tipo isso. Tudo bem — ela riscou algo no bloco de notas. Jungkook normalmente odiava aquele som, mas no momento parecia que tinha soltado lorotas sobre um amigo seu, e não exatamente sobre ele. Não sabia o que estava pensando, ou sentindo, ou o que deveria estar, e era por isso que precisava de Minji — Não eram amigos coloridos, mas tinham uma dinâmica de benefícios porque ela, originalmente, estava afim de um dos seus amigos, mas era virgem…
— Meio-virgem.
— Isso, meio-virgem. E vocês fizeram sexo no banco de trás do seu carro há quase 2 meses, e desde então, vêm vivendo esse acordo sem o conhecimento de ninguém.
— É. Tirando você, é claro — ele ergueu os dois ombros, ainda se sentindo como um espectador de todos os acontecimentos, um espectador que em uma hora estava arrumando coisas já arrumadas no estúdio de sua casa e depois estava dirigindo para a rua Namdaemun, com os vidros abertos, o Sol e o ar estremecendo à sua volta, grunhindo toda a história antes mesmo de chegar ao consultório.
Não havia sinal do sol agora. E Jungkook de repente se perguntou há quanto tempo estava naquela cadeira.
— E vocês tinham desavenças. É isso?
Desavença é um termo modesto. Digamos que eu a detestava.
— Estava fazendo sexo com alguém que detesta?
— Eu já sei. Idiota — Jungkook bufou, soltando uma expiração pesada enquanto se recostava para trás — Eu sei.
Minji umedeceu os lábios, mantendo os ombros alinhados enquanto relia as poucas palavras que escreveu, e Jungkook esperou suas perguntas indiscretas, aquelas que o analisavam até o último fio de cabelo e o faziam se sentir claustrofóbico, preso em uma sala branca sem janelas.
Esperou que ela o perguntasse quem em sã consciência doaria tanto de si mesmo para alguém que não respeitava, mas isso geraria questões muito mais profundas sobre como Jungkook enxergava o sexo, beijo, intimidade e relacionamentos de um jeito um pouco diferente das outras pessoas, e o tempo da consulta iria se estender ainda mais.
— Se bem me recordo da última sessão… é a garota que carregou a culpa pelo seu término daquela vez?
Jungkook desviou um pouco os olhos, mas assentiu lentamente.
— Acha que sempre se sentiu atraído por ela? Desde aquela época?
Ele negou com a cabeça com a mesma rapidez.
— Não. Nem perto disso.
— Entendo — Minji riscou uma linha — Se o ódio era o único sentimento que alimentava por ela, é compreensível. As emoções costumam alterar a imagem que temos de uma pessoa bem na nossa frente. Tanto para bom quanto para mau. O que você pensa sobre hoje vem das suas emoções ou de uma observação racional dela como um todo?
Jungkook franziu o cenho diante da pergunta, deixando isso bem evidente. Não sabia para onde as perguntas de Minji o estavam levando, mas desta vez não podia fazer a birra de sempre pra sair pela porta da frente. Desta vez, ele tinha entrado no carro e dirigido até ali por livre e espontânea vontade, porque caso contrário, estaria batendo na porta do apartamento 402 de Seongdong-gu como um idiota sem ter qualquer argumento na ponta da língua para fazê-la mudar de ideia.
— Eu não sei que tipo de emoção você está querendo que eu responda, mas acho ela uma das pessoas mais interessantes que conheço — respondeu, encarando-a por tempo suficiente para que engolisse em seco e suspirasse — Considerando tudo que sei hoje, claro. Tenho vontade de saber mais coisas, mas ela tem um alarme vermelho muito sólido que apita toda vez que tento chegar perto demais.
— Como quando chegou naquele quarto da última vez — Minji completou, e Jungkook assentiu novamente. — E como você está se sentindo agora?
Ele deu de ombros, trocando uma perna cruzada por outra, temendo que ela estivesse avançando lentamente pelos seus sentimentos e ele não soubesse organizá-los para responder.
— Eu não sei, eu… Acho que nunca pensei que contaria isso pra alguém.
— É uma trajetória muito intensa pra compartilhar. Nunca pensou em dizer a nenhum dos seus amigos?
— A maioria dos meus amigos a conhece, e nenhum deles ouviria tudo isso numa boa. Sério. Me mandariam apagar esse acordo da mente, fingir que nada nunca aconteceu ou ficariam jogando piadinhas desconfortáveis. No fim, não era necessário que alguém soubesse. Tudo iria acabar de qualquer jeito — ele percebeu o nó importuno na glote, e um amargo esquisito na boca — E acabou.
Minji assentiu, vendo-o trocar de posição de novo, deixando ainda mais nítida a inquietação.
— Há quanto tempo isso aconteceu?
— 4 dias, 5 horas e 25 minutos — ele verificou o relógio no pulso, e os olhos da mulher piscaram com surpresa — Não me olha assim, sou muito bom em gravar datas.
— Claro — ela limpou a garganta, guardando os comentários pessoais para si — E como anda a relação de vocês atualmente?
— Não sei. Responder mensagens com "sim", "não" e “legal” significam o que pra você?
— Que vocês estão com problemas em se comunicar.
— Não, ela está com problemas para se comunicar comigo. Parece que estou falando com uma máquina. Ela só sabe me evitar como fazia antigamente, a diferença é que naquela época eu queria isso.
— Você disse que a viu em um momento delicado. Um momento de vulnerabilidade emocional muito grande. Pelo que me contou de , isso não é algo comum. Ela não parece ser o tipo de pessoa que quebra muito fácil.
Jungkook abriu a boca para responder, mas o amargo ainda estava ali, fluindo como veneno contra a gravidade, saindo da garganta e subindo para o cérebro, onde ele abaixou a cabeça com uma intensa vontade de gritar. Quando viu, estava assentindo para Minji, um movimento mecânico, lotado de frustração. Sim, não quebra, e isso costumava me intrigava, me deixava maluco para ver o que tinha por trás daquele vidro fumê, mas quando vi…
— Preferia não ter visto — disse ele com nada mais que um sussurro, sem olhar para a terapeuta, porque sentia algo doloroso e pulsante queimando no peito quando se lembrava do terror de entrar naquele quarto e ver destroçada.
Com um bom poder de observação, Minji perguntou:
— Como se sentiu ao vê-la chorar?
Ele franziu o cenho novamente.
— É claro que me senti mal.
— Sim, imagino. Mas você nunca tinha visto isso antes, então também deve ter ficado chocado. Mas existem outras reações pertinentes. Você sentiu vontade de correr pra lhe dar privacidade primeiro ou ir para ela?
Correr? Ela tinha acabado de quebrar um espelho — ele voltou a enrijecer as costas, gesticulando com as mãos agitadas — E isso foi apenas o que eu vi. A cadeira estava no chão, as câmeras, o abajur, todas as coisas, e ela estava chorando tanto, e… E, sei lá. Eu fiquei desesperado. Só conseguia pensar “o que eu faço agora? O que eu falo agora?” porque só queria que aquilo parasse. Parecia estar doendo, e então estava doendo em mim, e sei lá…
Ele parou de repente, respirando fundo, bagunçando um pouco os cabelos pelas ideias flutuantes. Doía até mesmo agora, 4 dias depois. Doía só de pensar.
— Entendo a sua agonia. Nunca é bom assistir ao sofrimento de pessoas que gostamos — afirmou Minji. Ele não negou — Mas se é alguém que retraiu sentimentos durante a vida toda, uma explosão sem escrúpulos é totalmente esperada. Nosso corpo não foi feito pra aguentar tanta bagunça emocional. O momento que você presenciou com certeza foi peculiarmente difícil pra ela também, e deve estar sendo difícil até agora.
Jungkook olhou para o chão. Agora a dor vinha exatamente do fato de não saber o que estava acontecendo com . De não saber se ela tinha chorado até dormir na noite passada; se tinha quebrado mais algum móvel do quarto; se tinha consertado a luminária, pegado sua câmera e ido trabalhar como se nada tivesse acontecido; se tinha voltado a ser a de sempre ou se tinha desistido completamente de ser corajosa.
Era o que ele mais temia. Que ela desse passos para trás quando claramente tinha começado a avançar.
— É, eu sei — murmurou ele, apertando um pouco o braço da cadeira — Quer dizer, eu não sei. Eu não sei de nada. Não sei os motivos que a levaram a isso. Ela tinha acabado de me contar da mãe e do padrasto, e toda aquela história… — ele trincou os dentes imediatamente, sabendo guardar certos comentários que não precisavam ser ditos — A história que me fez ver que ela não quebrava porque estava quebrada. Eles a quebraram. Completamente — sua expressão era nitidamente pungente. Uma condolência misturada com raiva, e muita insatisfação. O desgosto que o fazia pensar que, se quisesse, poderia pegar um avião e resolver coisas que não lhe diziam respeito, e o mesmo desgosto de não saber como se aproximar de de novo sem que ela levantasse sua armadura e se encolhesse mais do que antes — Isso me deixou tão… Decepcionado. Não sei explicar. Fiquei com raiva de pessoas que nunca vi, mas orgulhoso dela também, mesmo com toda aquela merda, mas ainda seria capaz de fazer alguma besteira caso a magoassem de novo, e aí… Eu simplesmente não sei o que aconteceu naquele dia e isso me deixa maluco. Totalmente pirado. Não consigo relaxar quando penso que ela pode estar chorando por isso de novo. Tem alguma explicação pra essa maluquice?
Minji suspirou depois de um momento, e lentamente suas mãos foram de encontro ao bloco de notas, fechando-o completamente e olhando para o garoto.
— Jungkook, vou te fazer uma pergunta que parece meio óbvia, ou tão óbvia para todas as pessoas de fora da história — disse ela, e tinha um sorriso disfarçado nos lábios — Já pensou na mínima possibilidade de estar simplesmente se apaixonando por ?
Jungkook não demorou muito para rir. Na verdade, a única reação possível era rir, já que o formigamento no estômago pareceu soar como cócegas.
— Acho que imaginei que você diria isso. E a sua resposta é não. Não é isso — sua risada não parecia muito convincente. Minji permaneceu na mesma posição, sem a mínima mudança de expressão. Jungkook inclinou-se para apoiar os cotovelos nos joelhos — Meu Deus. Não é desse jeito, Minji. Não estou apaixonado por ela!
— De que jeito estamos falando, Jungkook?
Desse jeito. Não tem nada a ver — ele bufou, bagunçando os cabelos novamente, trazendo de volta o inigualável semblante de aborrecimento, aquele que prontamente se distanciaria de qualquer assunto que entrasse na zona proibida com um pulo — Quer dizer, sim, eu gosto dela, acho ela uma garota especial e diferenciada, torço pelo seu sucesso e desempenho, tenho vontade de ajudá-la, de ficar perto dela, de… — ele parou, enxergando as próprias palavras saírem da boca sem travas, abrindo ainda mais os olhos quando viu o pequeno sorriso de Minji de canto — Não. Não. Não quer dizer nada. Já me apaixonei antes e sei como é, Minji. E não é assim. As coisas com só estão um pouco…
— Descontroladas?
— É, descontroladas — completou ele, trazendo mais ar para os pulmões — Porque ela virou como parte da minha rotina. Nunca tive uma relação de sexo casual tão frequente por tanto tempo, e é isso. Eu me acostumei. Viramos amigos. E é por isso que estou aqui falando com você pra tentar me livrar disso.
— Quer se livrar da ideia de que pode ser mais do que uma amiga?
— Não, quero me livrar de toda essa zona de sentimentos que tá me confundindo e me impedindo de trabalhar. Te contei que vou lançar uma música solo, não é? Foi decisão de todos os outros, mal pude opinar. Também é algo que eu nunca fiz, e não sei se tô preparado pra isso.
Minji assentiu, ainda segurando o caderno fechado.
— Me parece que você está enfrentando muitas coisas novas ultimamente. E coisas novas geralmente trazem medos novos — ela puxou os óculos até o meio do nariz, fitando-o com menos seriedade — Consegue me dizer o que sua música e têm em comum?
— Sinceramente, não.
A mulher anuiu diante da afirmação rápida.
— Tudo bem. Mas esse turbilhão de sentimentos que comentou, ainda existe o desejo? — a pergunta vagou pela sala por quase um minuto até Jungkook concordar com a cabeça, relutante — Acha que a excitação que sente por pode atrapalhar sua atual amizade por ela?
— Não. Sim. Quer dizer… — ele cerrou os dentes — Se pensar que amigos normais não incluem sexo periódico no pacote, é bem difícil pensar nela como minha amiga.
Mais uma vez, Minji desviou os olhos do paciente, demonstrando as poucas mudanças na posição.
E Jungkook começou a sentir algo pesado no peito, um indicativo de mal estar, ou apenas uma sensação de sufocamento característica daquelas que o forçavam a pensar direito nas coisas, mesmo quando não queria fazer isso. A ideia de vir até Minji foi para que finalmente despejasse sua frustração em alguém com a garantia de não precisar responder perguntas insistentes e furiosas, como viria de seus amigos. Mas a que preço faria isso? Para responder as perguntas dela, que eram um milhão de vezes piores? Que o faziam confrontar suas várias camadas que não queria confrontar?
Ah, meu Deus. Sou um idiota. Um idiota que deveria estar fazendo idiotices em casa, e não falando sobre elas do outro lado da cidade.
— E você tentou ir vê-la depois de tudo? Para atestar um comportamento diferente das mensagens?
Ele balbuciou uma negação. Minji umedeceu os lábios, esperando por mais.
— Não sei se ela quer me ver.
— Você não vai saber se não tentar.
— Não quero que ela me mande embora de novo, Minji. Não quero pisar naquele apartamento com essa sensação, não quero insistir pra ficar, porque é exatamente o que vou fazer caso eu apareça por lá.
— Então você iria caso ela chamasse?
— É claro que eu iria.
— Porque também está com saudades.
— É lógi… — Jungkook analisou a resposta antes de soltá-la, rindo engasgado pelo nariz logo em seguida — Calma, não acha meio exagerado sentir saudade com 4 dias, 5 horas e 35 minutos? — ele volta a verificar o relógio.
Minji suspirou, como se estivesse diante de uma criança respondona.
— Me diga você. Achei que já tinha se apaixonado antes.
— Não é assim.
— Existe mais de uma forma de se apaixonar, Jungkook.
— Mas não é assim — ele retorquiu. E aquela queimação no peito tinha voltado, voltado com toda a força, e ele já estava pronto para tirar o pé daquele assunto que incomodava até os seus ossos — Olha, não estou apaixonado, tá bom? Estou carente. Estupidamente carente, como um adolescente. Éramos bons na cama, e isso influencia bastante por um tempo, mas vou ficar bem. É sério. Agora eu preciso…
— Acha que ela pode te magoar como sua ex-namorada?
Jungkook parou com os dedos levantados, olhando para Minji como se ela tivesse abaixado suas calças de repente e ele fosse obrigado a se cobrir.
Ele engoliu em seco, se retraindo sem perceber.
— Nada me garante que isso nunca mais vai acontecer — sussurrou ele, encarando-a logo em seguida — Mas nada me garante que eu também não possa fazer isso com ela.
Minji abriu o caderno muito lentamente, sentindo que começava a ver os ossos do processo de dissecação da alma de Jeon Jungkook.
— Então você tem medo de quebrá-la?
— Não sei. Eu posso fazer isso. Não sou o cara mais legal do mundo. O que aconteceu com a Ali me pegou de surpresa porque não esperava que essas coisas… Enfim, sei que já superei, mas nunca se sabe. E o não saber não me deixa avançar. Não estou pronto para avançar. Tanto no amor quanto na carreira — admitiu ele, e certamente não esperava que fosse falar disso tão claramente. Quando o fez, soltou um suspiro pesado, um que se assemelhou a uma risada seca — Acho que estou finalmente sofrendo o karma da Chayoung.
Minji o olhou com dúvida, buscando uma segunda confissão embaixo da primeira.
Jungkook balançou a cabeça em negação, franzindo os lábios.
— Minha primeira namorada. História curta, mas muito desagradável.
— Ainda temos mais 10 minutos.
— É o tempo suficiente para chegar no meu próximo destino — ele se levantou imediatamente, ajeitando o relógio em volta do pulso — E não, não estou indo bater na porta dela. Eu juro.
Quando deu um sorrisinho, Jungkook se preparou para sair do consultório.
— Jungkook — Minji chamou, fazendo-o parar — Por que esperou 4 dias, 5 horas e 50 minutos pra vir até mim?
Ele umedeceu os lábios, e a sinceridade que deixou escapar um segundo depois parecia até irreal.
— Porque fui um idiota que pensou que ela não estava falando sério — falou baixo, colocando uma das mãos no bolso. — Porque pensei que meu telefone tocaria com uma mensagem naquele mesmo dia. Ou no outro. Até eu me lembrar que sempre foi muito certinha com as regras. E nós quebramos todas elas — o amargo na boca voltou novamente, toda vez que era acompanhado de uma verdade dura. Se continuasse naquele cubículo com Minji, viraria um esqueleto de tanto que se autoflagelava com as confissões — Então, foi como foi. É o que aconteceu.
O que não devia estar acontecendo, pensou ele. Porque sentia – sabia – que precisava dele naquele momento. Precisava de alguém.
Mas ah, ficar ali remoendo onde deveria ou não deveria estar não iria ajudar em nada. Então, com mais um leve cumprimento, ele voltou a sair.
— Jungkook, mais uma coisa — Minji chamou mais uma vez, fazendo-o parar de novo. Desta vez, ela se colocou de pé, caminhando até a mesa de madeira branca e puxando um cartão retangular para entregar ao garoto — Dê isso pra . Quando vê-la em algum momento. Acho que vai ser bom pra ela.
Jungkook baixou os olhos para ler o nome e número no cartão. Doutor Park Sung Chul. Psicólogo.
Ele não disse nada. Apenas repetiu o cumprimento e saiu da sala, guardando a única desculpa válida para falar com que conseguiu nos últimos 4 dias, 5 horas e 55 minutos.

📸💔🎤


— Chegamos, senhorita.
A voz do homem parecia um sussurro. poderia confundi-la com o vento. Demorou mais alguns segundos para que ele repetisse a mesma coisa, até que ela finalmente captasse a proximidade do barulho e virasse a cabeça para a frente.
— Sim? Ah… — ela mirou o pára-brisa, tão limpo quanto peças de museu, enxergando o letreiro grande da cafeteria piscando em uma fachada amarela e rosa — Muito obrigada.
O motorista apenas concordou com a cabeça, decidindo não perguntar se ela estava bem e se precisava de alguma ajuda para andar 5 passos. saiu do carro, puxando o telefone para verificar a mensagem anterior de Candice: Me encontre no Dalshar. Preciso de um donut, minha glicose já caiu faz tempo.
não estava afim de sair do trabalho e ir para qualquer lugar que não fosse sua casa, mas tinha entrado em um acordo mútuo com Candice de voltarem a fazer alguns programas juntas novamente. Alguns que já faziam do outro lado do oceano, mas que tinham se perdido nos novos compromissos e também nas novas mentiras – assunto longo, difícil e histérico. Ela tinha certeza de que a amiga ainda estava digerindo toda a história.
Quando passou pela porta de vidro com o sino, quase esbarrou em um casal que saía com duas sacolas cheias de donuts. A mulher espichou os olhos de cima a baixo para ela, talvez constatando o visto de estudante ou talvez nos farrapos que cobriam seu corpo, sem nem disfarçar. Não importava com qual roupa se vestia quando saía de casa pela manhã, o outfit no fim do dia sempre escancarava seu cansaço.
Haviam pessoas demais para um horário relativamente cedo. As mesas redondas pareciam todas ocupadas por famílias ou casais, e não conseguia visualizar nenhuma fração de cachos loiros balançando por aí, ou nada que fosse minimamente parecido com a sombra de Candice Chaperman.
Mas um braço grande e revestido por camisa social levantou-se bem no fundo, em uma mesa ao lado da janela, um braço ligado a um rosto agora livre de óculos de grau.
suspirou e caminhou até Gook Doo, sentando-se do outro lado.
— Acho que eu esperava te ver — brincou ela, tirando cuidadosamente a bolsa dos ombros e apoiando-a na cadeira.
— Jura? Estou acenando há horas, você parecia bem distraída.
— É que eu estava procurando Candice. Ela se destaca bem aqui — deu de ombros, puxando os cabelos para um coque.
— Acho que você reconheceria até o esqueleto da senhorita Chaperman, mesmo em uma convenção de loiras em Santorini.
riu alto, concordando com a cabeça.
— Isso é verdade. O que você tá tomando aí?
— Ah, isso? — ele puxou o copo grande com um canudo para a frente. Tinha bastante chantilly e gelo — Se chama ice cream float. Uma invenção americana muito estranha, mas gosto de experimentar coisas novas.
— Uau — ela contorceu o rosto, rindo logo em seguida — Acho que precisa de coragem pra experimentar essas coisas.
— Achei que a senhorita fosse corajosa — ele estreitou os olhos em zombaria, e cedeu um pouco os ombros, passando uma perna torta por cima da outra.
— É, também achei — sussurrou ligeiramente, e coçou a garganta para continuar — Mas e então, achei que seu trabalho com Candice não incluía mais andar pra lá e pra cá com ela. Sei como pode ser cansativo.
— Tecnicamente, não inclui — ele fez uma careta, mexendo na bebida com o canudo — Mas hoje tivemos algumas reuniões de planejamentos, adiantando coisas para os próximos dois meses seguintes, e pudemos ir para casa mais cedo. E aí a senhorita Chaperman falou desse lugar e não vi porque não. Gosto de donuts — ele deu de ombros, bebendo um gole da bebida gasosa — Menos os de pistache. Tem gosto de menta falsificada. Mas fiquei sabendo que são seus favoritos, então…
— Ficou? — franziu levemente o cenho, esparramando as duas mãos em cima do tampo. Gook Doo assentiu com a cabeça.
— Sim, a senhorita Chaperman disse que você viria e que os seus donuts favoritos são de pistache. Assim como o milk shake, o sorvete e as bombas de chocolate. O que foi um choque pra mim, porque sempre pensei que bombas de chocolate fossem literalmente de chocolate, e fiquei completamente congelado diante dessa tragédia da gastronomia, mas já superei. Fiz o pedido há uns 5 minutos.
tentou sorrir, mas o tempo em que entrou naquele lugar, se sentou com Gook Doo e o ouviu falar sobre donuts e convites trouxe à tona elementos escondidos. Sua cabeça andava no mundo da lua nos últimos 4 dias, então foi fácil se esquecer que o doce favorito de Candice eram trufas recheadas e que só elas poderiam curar sua baixa de glicose. E o relógio bem ali mostrava que já passava das 6 da tarde, e ela podia jurar que Candice havia comentado na noite passada que se encontraria com Yoongi depois do trabalho para compensá-lo da sua ausência – consequência da promoção. virou a cabeça lentamente para o espaço aconchegante e cor-de-rosa, cheio de casais dando as mãos sobre a mesa, e a placa estampada acima do balcão com o prato do dia: sobremesa dupla → cupcakes do chefe com cobertura cremosa de chocolate na forma de coração. ₩34.000, peça já o seu!
repuxou os lábios, lutando para não ser consumida pela enorme vontade de soltar um palavrão.
— Desculpe, Gook Doo… — ela interrompeu seja lá o que ele estava tagarelando até aquele momento, encarando rapidamente aquela gravata que permanecia intacta no fim de um dia de trabalho, muito diferente dela e seu estado — Candice comentou a que horas chegaria?
Ele balançou a cabeça em um não.
— Ela disse que não ia demorar. Mas falou pra eu saber aproveitar o tempo, seja lá o que isso signifique — ele deu de ombros, um pouco tímido — Talvez eu devesse…
— Com licença — a voz doce de uma garçonete surgiu no espaço vago entre os dois, depositando os pedidos com muito cuidado no tampo: uma bebida grande de milk shake de morango, 3 donuts médios de pistache e duas bombas de chocolate: uma de chocolate e outra de pistache.
Por fim, a garota colocou um aparelho pequeno com um botão no centro da mesa e saiu sem dizer nada.
encarou os pedidos um a um, sentindo a irritação ondular sobre os montes e vales dos ossos das costelas.
Gook Doo engoliu em seco, e tentou inutilmente levantar o dedo para ajeitar os óculos que não estavam mais lá. Pura força do hábito.
— Eu, hum… Acho que exagerei um pouco na quantidade.
olhou para ele, vendo um sincero deslocamento no rapaz, que ainda não estava percebendo a verdadeira intenção de Candice naquilo tudo, mas que sabia, de algum jeito, que havia algo errado. suspirou, encarando rapidamente os próprios sapatos sujos, trincando um pouco os dentes para dissipar o aborrecimento com a melhor amiga e levantando a cabeça de volta.
— Não, não é nenhum exagero, Gook Doo — ela exibiu um sorriso intacto, puxando o milk shake para perto e tomando um grande gole — De morango. Meu segundo favorito. Combina com pistache, caso você queira mudar de ideia sobre menta falsificada — deu de ombros e puxou um donut com a calda verde bem delineada. Ele soltou uma risada fácil — E então, como foi a entrega do seu primeiro artigo?
E com isso, o observou abrir a boca e começar a falar. E fez questão de absorver cada palavra, ou demonstrar que estava, porque por dentro estava lutando para não pegar o telefone e dizer à Candice que nunca mais veria suas meias de algodão que combinavam com seus sapatos de couro. Aliás, poderia se livrar dos sapatos também, aquela coisa parecia apertar muito na altura dos tornozelos.
comeu, bebeu, riu, conversou o máximo que sua tolerância permitia até voltar a fazer perguntas e deixar Gook Doo pegar a bola do diálogo. Fez tudo isso com a maçã do rosto afundada, os dentes mordendo o interior das bochechas, mantendo um único pensamento na mente:
Você me paga, Chaperman. Ah, com certeza vai me pagar!

📸💔🎤


Jungkook tocou a campainha pela terceira vez em um intervalo de 10 segundos.
A caixa em seus braços estava ficando mais pesada. Ele a segurou com mais força, olhando brevemente para o jardim ao lado, tentando não ficar tão impaciente e bater de novo. A grama de Yoongi estava mais alta do que da última vez que esteve ali, e algumas flores no canteiro já estavam com o pé na cova. Jungkook se perguntou se foi assim que aquele antigo pé de laranja do amigo tinha morrido, simplesmente porque ele era péssimo para sair do estúdio e ver que outras coisas vivas em sua casa precisavam de atenção.
E também era péssimo para atender portas.
Quando ele estava prestes a tocar outra vez, Yoongi apareceu com rapidez, pronto para resmungar alguma coisa sobre não ser surdo.
Mas antes que abrisse a boca, ele olhou para a caixa nos braços de Jungkook. E ouviu a caixa também.
— O que é isso? — disse ele, retoricamente, porque a caixa tinha grades e latia.
— O nome dele é Bam — Jungkook respondeu com a voz inexpressiva, abrindo espaço para entrar na casa de Yoongi sem pedir licença.
Yoongi ainda ficou parado por um tempo, tentando entender. Depois de um segundo, viu o garoto fazer um som com a língua, balbuciando com o filhote preso naquele quadrado de transporte até Holly surgir de algum buraco do cômodo vizinho, latindo de encontro ao outro de sua espécie na sala.
— Ei, amigão — Jungkook fez um carinho animado no poodle, abaixando-se para apoiar a caixa no chão — Esse aqui é o Bam, um garotinho muito legal que adotei na Brewbrew. Ele tem certidão de nascimento e tudo. Temos um pedido pra te fazer, tá afim?
— Jungkook — Yoongi se aproximou como um jato na sala, apontando para Holly e o outro cachorro — O que tá fazendo?
Jungkook deu de ombros, ainda indiferente à agitação de Yoongi.
— Adotei um cachorro e queria ver se a ração do Holly vai agradar ele. Fiquei sabendo que você enfia umas coisas bem caras nesse cãozinho, mas isso não é problema, não é? Talvez o Bam não goste, mas queria saber pra passar em algum pet shop ou…
— Você veio pra isso? — Yoongi olhou rapidamente na direção das escadas, como se temesse ser ouvido. Jungkook juntou as sobrancelhas em confusão, enquanto sentia as patinhas de Holly baterem entre suas costelas, pedindo desesperadamente para sair.
Jungkook soltou o cachorro, levantando-se para encarar Yoongi.
— O que foi? Tá ocupado?
Yoongi engoliu em seco. Olhou de Bam para Jungkook, e em seguida de Jungkook para a escada, alisando rapidamente as fibras sintéticas da camiseta azul, gesticulando rapidamente com as mãos.
— Talvez… Espera, vou te dar um pacote inteiro da ração do Holly e você leva pra casa, tudo bem? É coisa boa, impermeável ao tempo, eu juro. Mas você precisa…
— Yoongi, você viu meu bracelete?
A voz feminina veio de cima para baixo. Os saltos agulhas causavam um estrondo no piso de mármore como o som do apocalipse. O perfume doce invadiu as narinas de Jungkook antes mesmo que ele visse o cabelo loiro despontando na entrada da sala.
Tudo aconteceu muito rápido.
Primeiro, Jungkook e Candice se encararam pelo tempo máximo de 1 minuto redondo. Depois disso, o grito dela surgiu junto com a corrida. Jungkook demorou a entender o que estava acontecendo até sentir o impacto forte no rosto e correr para o outro lado. Uma sombra tomou todo o lado direito das bochechas até sentir uma almofada batendo direto no nariz, enquanto o azul da camiseta de Yoongi entrava na frente e gritava pedidos de calma enquanto Candice gritava ainda mais alto, xingando Jungkook de nomes que ele nem sabia que existiam no mundo.
E quando Candice decidiu apelar usando os sapatos, Jungkook não conseguiu escapar por muito tempo. Um deles acertou seu joelho, e o outro passou de raspão pela orelha, e Candice parecia um animal raivoso, misturando-se à luz dos outros animais da sala, que latiam e pulavam enquanto Jungkook tentando falar e Yoongi precisava agarrar os braços de Candice quando ela finalmente alcançou Jungkook no corredor ao lado da cozinha, tendo certeza de que ele perderia a vida se não corresse rápido demais.
Depois de 15 minutos de caos completo, Jungkook retirou o saco de ervilhas congeladas do olho direito, encarando a loira enfurecida de pé.
— Tá legal — falou, exausto, apontando para as unhas de gel pintadas de vermelho — Abaixa essa bolsa, Candice.
— Vou abaixá-la no seu crânio, seu filho da mãe desgraçado…
— Tá bom, já entendi que vocês conversaram — Jungkook fez uma careta ao segurar o rosto de novo. Estava doendo muito, doendo como se Candice tivesse enfiado agulhas embaixo de sua pele — Quer parar e me escutar agora?
— Escutar você?! O que vou escutar de você, Jeon? Que estava gostando muito de se aproveitar da minha amiga? Que foi uma ótima distração pra você e seus problemas amorosos?
— Ei, calma aí…
— Como ousou chegar perto dela depois de tudo que você fez?
Jungkook franziu os lábios, desencostando-se do sofá e retirando o saco congelado da superfície das maçãs do rosto, que estavam saindo de vermelhas para roxas. Inclinou as costas para a frente, soltando um grande suspiro.
— O que você espera que eu diga?
— Que você é um dissimulado sem noção! O que você pretendia seduzindo ? Fazendo um acordo com ela? Como teve coragem…
— Ela te contou tudo? — Jungkook pareceu surpreso. Candice torceu tanto os lábios que ele jurou que ela o mataria apenas por se lembrar da história — Ah, claro que contou. Então você sabe porque começamos…
— Eu sei. Sei e não deixa de ser grotesco nem por um minuto. Você foi desprezível com a , por que diabos quis propor isso a ela? Por que deixou que ela aceitasse? E por que continuou por tanto tempo? — ela trincou os dentes de novo, começando a caminhar na direção de Jungkook, expelindo raiva pelo nariz. Yoongi, em silêncio, colocou uma mão nos seus ombros, balançando a cabeça em negativa porque obviamente já estava tarde e se um repeteco dos últimos 15 minutos acontecesse de novo, existia uma grande chance dos poucos vizinhos decidirem chamar a polícia.
Mas Jungkook também estava com o rosto contorcido de frustração. Sem perceber, encarou Yoongi pelas costas de Candice, e viu um lapso de censura estacionado naqueles olhos.
É claro que ele também estava sabendo de tudo.
— Candice, ela é adulta — disse ele, colocando-se de pé devagar, sentindo a área machucada latejar e doer ainda mais — Nós somos adultos. Ninguém fez nada contra a vontade, tinha consentimento, tinha…
— Não é essa questão, Jeon. Você fez um inferno na vida da . Você e sua maldita mania de culpá-la pelo seu fim com a vadia Secrets, o que me levou a questionar mais de 10 vezes como foi capaz de se submeter a esse papel, mas não dá pra esperar sensatez de uma cabeça já tão abalada por sua causa. E por mais que você tenha aparentemente melhorado, o que eu duvido muito, não vou baixar a guarda com você. E espero que também não — Candice respirou fundo, fitando o garoto como se pudesse fuzilá-lo e transformá-lo em pó ali, no meio da sala. Sem receber uma resposta imediata, ela só precisou de um minuto para puxar o telefone dos bolsos do quadril e verificar as horas — Tenho que ir. Estou atrasada — e agarrou a bolsa com mais força nas mãos, uma bolsa de couro muito bom que Jungkook sentiu antes de ver — Atrasada para buscar . De um encontro. Um bom encontro.
Ela falou provocativa, estreitando o olhar na direção de Jungkook. Ele prontamente levantou os ouvidos, sentindo todo o corpo enrijecer em estado de alerta. Ficou tão evidente que Candice abriu um sorriso venenoso.
— Ouviu só? É um aviso — ela ergueu o dedo indicador — Fica longe da . Ela não precisa de mais problemas, como os que você com certeza traria.
E com um selinho rápido em Yoongi, Candice saiu com passos altos e pesados da casa, batendo a porta dramaticamente.
Jungkook ficou parado por um tempo até desabar novamente no sofá, fazendo outra careta com a dor. Voltou a colocar o pacote de gelo no rosto, tentando ignorar toda a raiva que sentia com a situação no geral.
Ele sentiu a outra metade do sofá afundar com o peso de Yoongi, que se sentou na mesma posição do garoto, mas sem fechar os olhos de dor.
— Cara — ele começou, com um suspiro — Você é um idiota. Sabe disso, não sabe?
— Eu sei — Jungkook murmurou, a voz abafada pelo pacote — Eu sei.
— Você já sabia antes de toda essa merda ou está sabendo agora? Porque eu achei mesmo que você não podia se enfiar mais na lama, mas daí Candice aparece aqui em casa fervendo de raiva me contando absurdos como Jungkook e estão fazendo sexo há mais de 1 mês.
— Que sutil — ironizou, tirando o pacote do rosto.
— Tentei tranquilizar ela na maior parte do tempo, e só consegui raciocinar a informação depois. E continuo te achando um babaca.
— Obrigado, hyung. Sei como é — Jungkook deu um sorriso fraco, levantando a cabeça para encarar o teto — Mas se te deixa melhor, já fiz uma sessão de autocrítica bem rigorosa desde que tudo começou e já me diagnostiquei como um babaca.
— Que bom, não gosto de bater na mesma tecla — Yoongi cruzou os braços, olhando o teto junto com Jungkook — Mas falando sério, que coisa mais bizarra. Como convenceu a a fazer um acordo desses?
— Não foi tão difícil — ele deu de ombros. — A gente já tinha transado naquela festa do Grammy. Estávamos bêbados, eu estava com raiva, ela estava curiosa e foi isso. Acha que eu também não pensei que era bizarro?
— Mas fez mesmo assim.
— Porque abri a porta daquele carro, olhei pra ela e sei lá, deu branco. Não consegui pensar em mais nada. Até hoje não sei explicar — Jungkook bufou, passando uma mão pelo cabelo.
— E seguiram com isso sem contar pra ninguém.
— A gente não precisava de ninguém examinando e julgando a situação, Yoongi — Jungkook estalou a língua, erguendo as costas para cima — Nem a gente fazia isso. Acho que não fizemos por tempo demais. Nossos interesses estavam alinhados, até… Bom, até na semana passada.
Jungkook engoliu em seco, abaixando o tronco na direção do transporte de Bam, abrindo o cadeado para deixar o filhote sair afoito de lá, pulando direto para as suas mãos, que o puxaram para o seu colo.
Yoongi o viu se recostar de novo no sofá enquanto fazia um carinho no cachorro de pelagem preta com o polegar.
— Então vocês tipo… terminaram de vez?
Jungkook assentiu devagar, com a respiração frustrada presa na garganta.
— É. Parece que sim.
— E o Jaehyun?
Jungkook virou o rosto para o amigo.
— O que tem ele?
— Agora que você e , bem… fizeram o que tinha que fazer, os dois vão finalmente sair juntos, não é? Sempre achei que eles tinham um rolo mesmo, até combinam um pouco…
Yoongi parou de falar diante da face totalmente contorcida de Jungkook. Parecia o rosto de Hoseok na carteira de motorista, uma foto tirada às pressas depois de uma noite virada de bebedeira que tinha começado às cinco da tarde. Faltou muito pouco para que ele não vomitasse na própria câmera do lugar.
Jungkook tinha o rosto muito parecido com isso, mas em vez de vomitar, ele provavelmente socaria Yoongi.
— Eu não faço a mínima porra de ideia, Yoongi — rosnou, puxando Bam para mais perto antes que fugisse para o chão — Não sei se vão sair pra jantar ou tomar um sorvete, se vão dar um passeio de bondinho em Busan, amarrar fios vermelhos no Monte Fuji, alugar um trailer, se beijar, transar, eu nem quero saber disso. Não é mais da minha conta.
Jungkook estava aborrecido. Uma veia latejava na têmpora, e seus olhos furiosos fitavam a pintura de cimento queimado da sala de estar. Yoongi notou imediatamente o alvoroço incomum daquela postura, desconfiando que Jungkook estivesse mais afetado pelo "término" da não relação com do que admitia. O que não fazia sentido nenhum, porque Candice tinha deixado claro que eles estavam apenas fazendo sexo.
E se Candice havia dito, era porque pegou a informação de . E tinha sido bastante firme na parte do apenas sexo.
Mas Yoongi não insistiria nas incoerências que seus olhos estavam vendo. Estava na cara que Jungkook tinha desligado a sessão de perguntas e respostas daquele dia, preferindo se retrair e guardar os sentimentos como sempre fazia.
— Mas e então… Bam? — Yoongi perguntou, com uma careta divertida — Que raio de nome é esse?
— É um nome legal — Jungkook respondeu com um suspiro, observando a boquinha do cachorro agarrar seu dedo indicador com toda a força que as perninhas conseguiam — Não disse que era bonito, mas é legal. Ela achou legal.
— Ela?
.
Yoongi ergueu uma sobrancelha. As coisas começaram a ficar notoriamente mais óbvias.
— Você acha que ele se daria bem com um gato? — Jungkook perguntou de repente, os olhos brilhando como se a questão fosse muito importante — Se eu adotar um gato filhote amanhã, eles podem se dar bem, não acha? Não quero largar meu trabalho no meio do dia por achar que os dois estão se matando e destruindo minha casa, por isso preciso saber que isso não vai acontecer. Talvez você possa construir uma casinha pra eles pra mim, o que acha? Com seu novo hobby de marcenaria e tudo mais. E também…
Yoongi continuou encarando Jungkook falando e falando, como se esperasse que ele mesmo percebesse o que estava acontecendo. Que percebesse como estava tentando preencher seus vazios de uma forma muito peculiar. Geralmente, ele fazia isso com novas aulas de violão, vodka com cerveja e garotas selecionadas na lista de contatos, como tinha feito no término difícil e unilateral de Ali, mas agora ele parecia apenas desanimado demais para essas coisas. Queria fugir do término da vez de outra forma, buscando outros tipos de distrações.
Caramba. Alguma coisa de muito importante devia ter acontecido entre ele e em quase 2 meses de segredos.
— Como seria o nome do gato? — Yoongi perguntou, segurando uma risada — Bing? Boom?
Jungkook estreitou os olhos e riu abertamente.
— Não seria uma má ideia.
— Tem certeza? iria gostar de uma dessas opções?
— Talvez sim. Ela tem cara de nomear gatos de rua quando está entediada.
Os dois gargalharam por um tempo indeterminado, as risadas ecoando pela sala grande enquanto Bam tentava desbravar o tronco de Jungkook, apoiando as patas na sua barriga, cheirando o que não teve chance de cheirar enquanto a Mercedes rodava o motor em marcha lenta pela cidade.
— Ah, isso é muito louco — Yoongi balançou a cabeça, ainda vibrando com uma risada desacreditada — Você e , cara. A maior loucura da face da Terra.
Jungkook não respondeu imediatamente, agora olhando para o teto escuro com a mente viajante, traçando pela primeira vez a trajetória que tinha se envolvido com desde o início.
— Nem me fala.
— Ela disse mesmo pra você imaginar a Ali? — Yoongi perguntou. Jungkook se virou para ele, com as sobrancelhas arqueadas, surpreso pelo tanto que o amigo sabia.
Mas antes que respondesse ou explicasse o absurdo, os dois entraram em mais uma sessão de risadas.
— Disse sim — Jungkook assentiu, sem necessidade de contextualizar a situação de quando bateu na sua porta embriagada há 2 meses atrás.
— Meu Deus — Yoongi arregalou um pouco os olhos, lembrando-se das palavras duras de Candice quando disse que “ quando bebe só fala besteiras” — E você imaginou?
Jungkook diminuiu as risadas barulhentas, mas o sorriso permaneceu intacto.
— Nenhuma vez.


CONTINUA 🔥


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Nota da autora: Olá! Bom ter você aqui! Pra ter mais infos das próximas atualizações, entra no grupo do whatsapp que tá bem aqui embaixo! <3


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