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[ 18 ] – Brick by brick

🎵 Ouça aqui:
Brick By Brick - Arctic Monkeys

"Eu quero te construir (tijolo por tijolo)
Eu quero te quebrar (tijolo por tijolo)
Eu quero reconstruir (tijolo por tijolo)
Eu quero sentir o seu amor."

pressentiu que não seria uma boa ideia.
A cada intervalo de tempo que teve desde o banho demorado até o caminho para a calçada do prédio, as placas de alerta gritavam em sua cabeça: volte. Isso é uma péssima ideia. Eu juro que é.
Por um longo momento, pensou em colocar Candice no táxi e voltar correndo para dentro. Mas não era tão ingênua a ponto de pensar que não seria impedida.
Mesmo assim, ir ainda parecia uma bela ideia de merda. Pensou nisso enquanto escolhia uma roupa qualquer, prendia o cabelo em duas mechas para trás, calçava os mesmos tênis de sempre, pegava sua nova Minolta e ouvia a música alta do aparelho de som. Pensou nisso constantemente já dentro do carro, enquanto encarava silenciosamente a cidade passeando do lado de fora do vidro como se encarasse um adversário. Pensou nisso porque era mais interessante focar nos problemas do agora do que no turbilhão caótico que a esperava dentro de suas próprias suposições.
Ela ainda estava pensando quando o motorista estacionou bem na frente do condomínio de Yoongi, e Candice precisou empurrá-la com os ombros para que saíssem de uma vez.
Mesmo quando ele abriu a porta cordialmente e o cheiro inebriante de pimentão com algo parecido com salsa escapou para o vento, ainda parecia uma péssima ideia.
— Vocês demoraram — ele murmurou com um breve olhar para Candice, que exibia um sorriso muito diferente do habitual — Entrem. Por favor.
Candice se apressou na frente, agarrando nos braços de para não ter que fazer isso nos braços já estendidos de Yoongi. Pelo amor de Deus. A situação poderia ficar ainda mais ridícula?
Deviam ser quase 10 da noite. A casa estava tão limpa que não encontrava nenhuma lembrança anterior dela na cabeça. Não foi aqui que veio numa social há um tempo atrás? Não tinha sido naquela cozinha que lavou louças com Jungkook recheada de farpas? Não tinha sido lá fora que tirou as fotos das lanternas voando há alguns meses?
passou um dedo sobre o lábio. Também não era aqui onde estava um dia depois de se despedir de Jaehyun?
O pensamento foi barrado antes que se tornasse desnecessário. Holly desceu as escadas em espiral com latidos altos, correndo direto na direção de Candice tão rápido que se desequilibrou no meio do caminho. Parecia que estava recebendo a visita de um membro da família.
— Holly! — a loira gritou, abaixando-se o suficiente para se sentar no sofá e deixar que o cachorrinho pulasse para o seu lado, direto para o seu colo. A língua pra fora demonstrava o quanto ele estava feliz por vê-la. Tipo muito feliz.
— Caramba, ele estava com saudades — comentou com o cenho franzido e uma risada curta, abaixando-se também para fazer um carinho leve na cabeça do cachorro. Ele estava ocupado demais ficando eufórico com a presença de Candice.
— Claro que sentiu! Ele sempre espera por mim, não é, meu amor? — Candice afinou a voz em uma série de ruídos que não se pareciam em nada com palavras que pessoas normais falavam entre si – a famosa linguagem separada para cães e bebês. No entanto, olhou de canto para Yoongi, e o que viu serviu para que aquele mesmo sino mental tocasse de novo: blém-blém! Péssima ideia, !
Porque o sorriso vindo daquele cara era tão doce e carinhoso, parado ali no batente da cozinha, observando Candice com Holly como se literalmente fossem uma família feliz, que fizeram abraçar a si mesma. E quando se diz a palavra família, parecia literalmente como soava. Como se Candice tivesse finalmente voltado para casa. Como se ele agora estivesse completo.
O único detalhe do sorriso é que ele era contido, receoso, apertado entre os dentes. Triste, até. Consequências de uma briga anterior que não fazia ideia do que se tratava, mas que Yoongi ainda nutria esperanças de ser resolvida.
Com um pigarro, se virou para ele, gesticulando para a cozinha.
— Você quer ajuda? — perguntou com uma leve súplica. Por favor, parem com essa cena antes que eu vomite ou tenha depressão, vocês que escolhem.
Ele ainda demorou longos segundos para acordar e olhar pra ela.
— Ahm... Na verdade não precisa, estou tentando fazer uma tourtière…
— Você está tentando mesmo fazer isso? — Candice ergueu a cabeça com tudo para olhá-lo. Yoongi estreitou os ombros.
— Vi algumas receitas na internet. A base é a mesma.
— Não precisa fazer uma tourtière.
O silêncio pesou repentinamente. olhou de um para outro em busca de alguma explicação, mas encontrou os dois se olhando também. Do nada. Sem nenhuma explicação. Até Holly pareceu inquieto por um instante. Tentou pescar alguma coisa da conversa, mas só o que sabia era que tourtière era um prato típico do Canadá. Um prato típico da casa dos Chaperman.
Ah. Claro.
— Eu posso cortar as bata… — começou.
— Não precisa, , eu vou fazer isso — Candice prontamente se colocou de pé da forma mais rápida que conseguia com a bota de gesso, o que arrancou uma bufada de Yoongi.
— Candice, você não pode...
— Não. Eu posso lidar com isso. Você não está fazendo questão de tentar impressionar? Não vou deixar você levar todo o crédito — ela resmungou mais pra si mesma, mancando rapidamente na direção da cozinha grande, onde a ilha estava lotada de pacotes abertos e muita farinha.
O caos do desespero.
— Por que você sempre pensa que eu quero impressionar você? — Yoongi foi atrás dela a passos pesados, dizendo entre dentes como se tentasse se controlar — Não posso simplesmente querer experimentar uma coisa diferente? Fazer uma coisa diferente?
— Tourtière não está no topo da lista das coisas mais diferentes que você já experimentou, Min. Não comemos naquele restaurante de Sokcho daquela vez?
— Sim, mas não terminamos de comer porque você simplesmente quis ir embora quando eu disse que pretendia fazer todas as tourtières que você quisesse!
— Isso foi um exagero, Min Yoongi! Pelo amor de Deus, não pode dizer uma coisa dessas quando uma garota te apresenta a comida favorita dela.
— Mas é exatamente por ser a sua comida favorita.
— Você está fazendo de novo!
— O quê? — Yoongi guinchou.
— Está sendo um fofo comigo! Para com isso agora!
Yoongi travou todo o maxilar. Candice se segurava pra não gritar. Seus dentes já deviam ter perdido um pedaço aquela hora de tanto que ela os apertava.
Ah, Deus.
Ah, meu Deus.
tinha que sair dali agora mesmo.
— Pessoal, se eu puder aju...
— Não. , pode ir trabalhar — Candice mancou mais uma vez para a lateral da cozinha, agora puxando batatas e tomates de um móvel — Pega a sua câmera nova e vá até o jardim, ou ao estúdio, ou qualquer lugar que você ache bonitinho aqui.
Yoongi encarou com os olhos baixos, como um pedido de desculpas. Não era de costume que ela presenciasse brigas entre os dois, ou qualquer briga que envolvesse Min Yoongi no geral. Mas logo depois já voltou a encarar Candice, com muitos sentimentos naquele olhar, incluindo raiva e frustração.
— Pode ir lá em cima, . Abri um quarto onde pinto alguns quadros pra distrair e coloquei os móveis que eu fiz. Eu comecei...
— O lance da marcenaria. Tô sabendo.
— É — ele deu de ombros, um pouco acanhado — Não é nada demais, mas se quiser tirar umas fotos, fica à vontade. E ah, já ia me esquecendo, o...
— Puta merda! — o resmungo de Candice veio da cozinha, acompanhado do barulho de um impacto no chão. Aparentemente, um dos legumes tinha rolado para longe e a bota não permitia que ela abaixasse para pegá-lo.
Yoongi estalou a língua, não se demorando por mais nenhum segundo para correr em direção à Candice, puxando-a pelo quadril para que ela não fizesse o que pretendia fazer: ajoelhar. Ela ralhou algumas coisas como "não preciso da sua ajuda" e ele fez aquela mesma expressão como quem clama aos 4 ventos por paciência, mas não estava interessada em ver mais do que isso. Ela já estava vendo demais!
E de novo: péssima ideia, péssima ideia.
Bem, agora não tinha mais volta. A única coisa que podia fazer era seguir o conselho do anfitrião e tentar tornar aquela visita mais útil: tanto para o seu trabalho quanto para a sua mente.
Tentou dizer, pela última vez, que estava indo, mas percebeu logo que gastaria saliva à toa, então desistiu de bom grado e seguiu para o segundo andar.

・ ❬📸💔❭ ・


As portas eram todas iguais.
Com a informação pela metade, não sabia qual tentar primeiro. Todas eram um conjunto de madeira branca, com maçanetas em marrom escuro e dispostas de um só lado do corredor. Podiam ser qualquer coisa: a suíte principal, quarto de brinquedos ou até um banheiro.
Só havia uma que era um pouco diferente das outras. Nada no tamanho e na cor. O diferencial era uma placa bem em cima dela, escrita com "silêncio" em letras garrafais, um pedido muito coerente para o que ele disse que fazia lá dentro.
As pessoas precisavam de silêncio para pintar. Ou precisavam de silêncio pra fazer mais barulho. Tipo o de uma serra elétrica, e tudo que envolvia o lance da marcenaria.
Então, andou até à frente da porta com a placa, empurrando sua maçaneta imediatamente.
Quando olhou lá para dentro, viu que estava no lugar errado. Não era o quarto dos outros talentos de Yoongi. Era o estúdio.
E ele não estava vazio.
— Ah…
Jungkook esboçou tanta surpresa quanto ela. Ele tinha os braços soltos, ombros caídos e olheiras levemente escuras. O cabelo meio bagunçado indicou que estava trabalhando – ou tentando. Ele parecia estar com as mesmas botas da noite passada, e o cheiro que exalou dele a partir do momento em que apareceu também era o mesmo de ontem.
não conseguiu nem impedir o carnaval no coração com a presença dele. Uma batida diferente, misturada com um embaraço tão óbvio que teve medo de se sentir observada por quem nem estava ali.
— Oi — ela cumprimentou, abrindo um sorriso instantâneo — Que surpresa.
Jungkook moveu os olhos pelo seu rosto rapidamente, travando como quem não sabe o que dizer.
— É. Surpresa — disse ele por fim. — O que faz aqui?
respondeu:
— Ah... Candice — deu de ombros. — Estão lá embaixo. Fazendo o jantar.
— Ah, é — ele enrugou a testa por um momento — Acho que ele tentou me dizer.
— Por enquanto, é mais seguro aqui em cima. Parece que eles brigaram. Yoongi estava sendo cavalheiro demais com ela.
— Isso pode causar uma briga?
— Pra Candice Chaperman sim. Ela não curte homens apaixonados.
As feições severas de Jungkook finalmente relaxaram, e um sorrisinho quis escapar por míseros dois segundos até que sumissem de novo. Ele não parecia muito disposto a deixar seu lado simpático exposto naquele momento.
Mas não conseguia desprender os olhos dela. De um jeito bizarro.
— E você? — perguntou depois do breve momento de silêncio desconfortável.
— Eu o quê? — ele moveu a boca devagar.
— O que faz aqui? Estava trabalhando? — levantou os pés para observar além dos ombros dele. Jungkook olhou para trás e depois para ela de novo, como se tivesse esquecido por um momento onde estava.
— É... A música. Acho que terminei. Ou é o que tô tentando fazer.
— Sério? Conseguiu terminar? — os olhos de cintilaram na mesma hora. Uma felicidade genuína pela informação a fez dar um passo para a frente automaticamente, e sua boca se abriu em preparação para pedir um posso ouvir? Por favor?
Mas, agora mais perto dele, talvez ela tenha reparado melhor nos traços rígidos de suas sobrancelhas, e em como seus ombros se afastaram instintivamente um milímetro para trás, como se aquela aproximação o assustasse. E coisas que o assustam não eram bem-vindas, nunca foram.
Os resquícios da noite passada estavam naquela mínima atitude. E sentiu o estômago afundar.
Bem, ele não estava bravo, não estava gritando, não tentou ir embora, mas também não estava feliz. Talvez não tenha gostado. Como pode pensar que ele gostaria?!
— Você trouxe ela — disse Jungkook quase em um sussurro, olhando para as mãos de .
Ela ergueu a Minolta até o peito, com um sorrisinho de canto.
— É, Yoongi me deu passe livre para fotografar o cômodo das pinturas. Parece que só entrei na porta errada.
— Não te julgo, elas são todas iguais.
— Não é? Como ele não se perde na própria casa?
Desta vez, uma risada verdadeira se projetou da garganta de Jungkook, mas que não se estendeu muito no silêncio que se seguiu. se sentia mais nervosa a cada giro no relógio de pulso. Como se lidava com situações estranhamente constrangedoras onde não se entendia porquê estavam sendo constrangedoras? Quer dizer, eles só tinham se beijado! E isso parecia muito mais inocente do que esfregar a boceta na cara dele.
— Pode fotografar aqui dentro, se quiser — ele finalmente disse, gesticulando para o interior do estúdio.
— Sério? — pareceu apreensiva.
— Ele não te deu passe livre?
— Deu mesmo — ela deu de ombros — E acho que o jantar não vai ficar pronto agora.
Assentindo, Jungkook chegou para trás e abriu espaço para que ela passasse. Lá dentro, os pequenos olhos de precisaram inchar de maneira mais eficiente para conseguir captar tudo, assim como se sentiu no Covil. Eram muitos aparelhos grandes, brilhantes e caros. Instrumentos modernos misturados com alguns discos de vinil, modeladores de sampler vintage e o enorme piano de cauda no canto, terminando de enfeitar o belo espaço terapêutico de Yoongi. Aquele lugar era uma bonita toca sonhadora, feita por um cara que também tinha muitos talentos.
— Nossa. Nunca entrei aqui dentro. É irado — ela suspirou, impressionada. Talvez não tenha sido redirecionada para o lugar errado da casa, afinal.
— Pois é. Coisa de profissional. No sentido mais literal da palavra — disse Jungkook, caminhando direto para a mesa cheia de botões bem no meio do cômodo, sentando-se na poltrona grande e confortável enquanto tentava dar um jeito nos papéis espalhados.
— Você não trouxe seu caderno? — começou a ligar a câmera. Seu tom não era cortante ou acusatório, mas ainda fez Jungkook ranger os dentes, frustrado consigo mesmo.
— É, achei que não precisaria dele. Mas parece que sempre me engano nessa parte.
Ultimamente, Jungkook vivia um looping de amor e ódio por Motoserra. Como se as páginas rabiscadas tivessem se rabiscado por conta própria e jogassem um bando de palavras sem sentido por aí, revelando os segredos mais sórdidos dele.
Mais uma sessão de silêncio enquanto olhava atentamente cada traço do papel de parede, cada reflexo do painel de gravação, cada pedaço de poeira em cima do teclado do piano. Aquela coisa era mais gigante do que se imaginava. Além disso, aquele em específico guardava uma história, uma parte de Yoongi que as pessoas tinham uma ideia, mas não sabiam tanto assim.
E era tão bonito que mereceu um retrato.
Jungkook aproveitou a quietude novamente para apreciá-la de costas. Aquela sensação estava ali de novo: como se ela estivesse perdida na sua própria redoma particular e se esquecesse de tudo em volta. Tudo que importava era aquela câmera maneira e as coisas bonitas que podiam ser eternizadas pelas suas lentes. Esse lado de destacava algo diferente em Jungkook. Parecia um programa de entretenimento: Venha assistir transformar um pedaço de concreto em um quadro renascentista.
Ele largou as folhas em cima da mesa, recostando-se na poltrona sem tirar os olhos dela. Não tinha a necessidade de falar. Nem ela. Pelo contrário: se sentia mais confortável para se concentrar nas possíveis fotos porque Jungkook estava ali. Por mais estranho que isso possa parecer.
E mais estranho ainda foi o que ele fez logo depois.
— Você quer ouvir?
Ela virou pra trás, sem entender.
— Ouvir o quê?
— A música.
— Você quer me mostrar? — ela arqueou as duas sobrancelhas. Jungkook segurou um suspiro.
— Quero.
Não precisou observar muito para ver se ele estava tirando sarro. Aquela expressão fechada e anormal estava ali de novo, do tipo quando ele estava mesmo falando sério.
— Então sim. Claro que eu quero.
Animada, saltitou para a outra poltrona preta ao lado de Jungkook. Ele voltou a puxar o violão preso no suporte e o apoiou no colo, virando-se com o banco de frente pra ela.
Jungkook precisou de um instante para se dar conta do que estava prestes a fazer, mas não deixaria de fazer. E sentiu um frio esquisito na barriga quando avaliou que nunca o tinha visto tocar e cantar tão de perto – e sozinha.
Ele posicionou os dedos nas cordas e começou.

“Então estou aqui novamente
E essas luzes quase parecem me cegar
O brilho dessa cidade nunca esteve tão opaco
Os dias que passamos justos parecem tão distantes assim como a harmonia dessa cidade que era tão familiar para mim

Aquela foto que tiramos agora parece me perfurar
Estou tão cansado de você
Tão cansado de ter meu coração partido por você
Me diga, quantas vezes precisarei dizer adeus para você?

E eu digo tudo isso, mas eu ainda espero por você
Porque você sabe que eu faria tudo de novo
Se eu pudesse, se eu pudesse ter você

E não é engraçado
Você disse que precisava de um tempo 
Engraçado como você usou esse tempo para me substituir
E agora todos os rumores ressoam na minha cabeça
E não há bebida o suficiente para substituir esse amargo da minha boca

Você se esqueceu de todos os planos que já fez comigo? 
Porque, amor, eu não esqueci
E eu digo tudo isso, mas eu ainda espero por você
Porque você sabe que eu faria tudo de novo
Se eu pudesse, se eu pudesse ter você
Eu só preciso de você.”
[1]


E com uma pausa pensativa, prosseguiu:

“E se eu te visse
Se eu te visse de novo agora
Descobriria que o amor é uma dádiva
Ou um tempo jogado fora?”


Na última linha, segurava um arquejo forte, misturado com uma expressão absorta. Os olhos de Jungkook a penetravam como navalhas. Ela sentia o sangue bater nos ouvidos, e a forma como ele cantava despertava algo bom e dolorido dentro dela, algo que nem sabia que poderia existir simultaneamente. Se estava no estúdio de Yoongi, em sua própria casa ou até no meio de uma praça pública perto do rio Han, nem dava pra saber. Só sabia que o resultado final do conteúdo caótico daquelas folhas pálidas de Motosserra tinham sido pra lá de marcantes.
Ela ainda não conseguia emitir nenhuma palavra quando ele deslizou os dedos para baixo em uma última nota, finalizando de vez.
Jungkook a encarou em espera. Com nervosismo. Não era um teste de admissão e nem nada, mas ele queria ouvir a opinião de . Queria saber se estava tão bom – ou tão ruim – como estava pensando que estava. Queria saber se podia lançar a música na semana que vem ou só no próximo outono.
— Preciso mudar um acorde ou outro, mas no geral... é isso — disse ele, sentindo as orelhas queimarem. Nunca tinha tocado desse jeito pra nenhuma garota. Não desde a última primavera, quando tentou mostrar o rascunho de My Time para Ali enquanto ela fazia as unhas.
— Uau — suspirou forte, juntando as duas mãos no colo — Isso foi tão… Uau. Como se mostra uma coisa dessas pro mundo?
— Como assim?
— É que é tão... pessoal. Sensível. É tão você que vai desestabilizar todas as escritoras de fanfics do mundo, tô falando sério.
Ele não conseguiu segurar a risadinha cômica. Porém, ela ainda parecia conter uma pontinha de ironia.
— Como pode falar com tanta certeza que sou eu?
— Você não acha o mesmo? — franziu o cenho, confusa — Não acha que tem um pouco da gente em tudo que a gente cria?
Agora ele franziu os lábios. Considerando todas as merdas que andava pensando sobre si mesmo nos últimos dias, aquilo não soava como um elogio. Não soava nem como uma coisa minimamente boa sobre o trabalho. Só deixava um rastro de preocupação de que aquela música poderia estar cercada de muita mágoa e dor desnecessária, e que as pessoas não mereciam ouvir uma coisa dessas.
— É, deve ser… — balbuciou, colocando o violão marrom e laranja de volta no lugar aos seus pés.
viu bem a mudança de sua fisionomia, e coçou a garganta para afastar o aperto de culpa pela opinião imprópria.
— E você tá legal? — perguntou, sentindo repentinamente um formigamento no abdômen que não deveria estar ali — Digo, sobre a música.
Ele assentiu com a cabeça, apoiando um cotovelo no braço da poltrona.
— É, tô sim. Era o que eu queria, não é? E terminei — disse, um pouco cabisbaixo, voltando-se para arrumar os papéis — Tudo tranquilo.
— Tenho certeza que os meninos vão gostar.
— Também acho.
Mais um minuto de silêncio.
— Ah, e como…
— Diz logo o que você quer dizer, .
Jungkook parou de remexer nos papéis, virando-se para ela com o semblante em tédio. parou com a boca semi aberta, surpresa com a interrupção.
— O quê?
— Você tá fazendo aquilo de novo. Sabe aquilo que fez na festa do clube? Tagarelar para dispersar a tensão. Tentar me distrair dos problemas. Você faz isso quando tá nervosa.
— Sério? — parecia genuinamente surpresa. De repente, percebeu que fazia mesmo isso. E então estava dividida entre o assombro de suas manias e a ansiedade das palavras entaladas — Quer dizer, eu… Na verdade, eu queria mesmo falar sobre ontem à noite…
— Não vai mais acontecer.
Jungkook disse as palavras de um jeito tão descontraído que era como se estivesse lhe informando as horas. Ele nem a encarou quando falou. Apenas juntou todas as folhas e se colocou de pé, indo até o outro lado na direção de uma escrivaninha para procurar um grampeador.
— O-o quê? — a voz de foi um sopro. De repente, ela queria mesmo verificar se tinha perguntado que horas são.
Jungkook remexeu em uma gaveta por 3 segundos antes de se virar para ela, com um suspiro forte.
— Você ouviu. O que aconteceu ontem não vai mais acontecer. É isso.
— Ah, eu... eu não...
— Falei isso quando fiz o convite pro encontro. Disse que era só um teste, uma experiência. Isso inclui a noite toda — ele parou, e encostou o quadril na mesma mesa de equipamentos — Não vai mais acontecer.
A voz dele não tremeu nenhum centímetro. Mesmo assim, foi como se tivesse girado o punho e acertado-a no meio do tórax.
Foi um impacto tão brutal que teve um branco sobre o que realmente iria dizer e coçou a garganta várias vezes para espantar o nó que a comprimiu, absorvendo as palavras dele devagar.
— Ah. Tudo bem. Entendi — ela instintivamente olhou para o relógio. 10:27. A vinda até aqui agora tinha um novo cheiro de péssima ideia — Se isso é pelo beijo, tudo bem, eu entendo, mas...
— O que você entende? — Jungkook falou na frente, e agora sim parecia mais expressivo do que quando o viu na porta. Uma pontada muito mais explícita de aborrecimento foi notada em sua voz, mesmo que ele não tenha aumentado em nada no tom — Hum? Achei que também tinha entendido que a gente não devia se beijar, mas talvez você seja o tipo de pessoa que age de acordo com o que te convém pra fazer o que quer. E não tô te julgando por isso. Todo mundo faz essas coisas de vez em quando. E se quer saber, gostei pra caralho de beijar você — declarou, dando de ombros logo depois — Mas não muda nada. Não sei o que você pretendia, mas as coisas continuam na mesma. Não vamos nos beijar.
Abalada era pouco. parecia ter levado dois golpes simultâneos: o primeiro soco de satisfação profunda quando ouviu que ele disse que gostou de beijá-la, injetando borboletas estúpidas no seu estômago já quase aposentado delas, e o outro murro que se assemelhou muito a um banho de água fria, que matou todas as borboletinhas recém nascidas de novo.
Mas não muda nada. Nada.
Deus, por que escutar isso foi tão decepcionante? Ela podia jurar que o ponteiro dos segundos no relógio deu 3 voltas inteiras até que falasse de novo, completamente aérea:
— Também gostei de beijar você — declarou, com a voz tão firme quanto a dele, e rouca pela garganta ainda seca — E não foi minha intenção desrespeitar o acordo. Juro. Mas…
— Mas o quê?
— Mas eu quis te beijar. Só quis — ela disparou imediatamente, fazendo os músculos de Jungkook se enrijecerem contra a barra da mesa. Não existia muito o que explicar. Era só isso. Tudo bem que em pouco mais de uma hora depois do ocorrido, ela tenha se tocado da besteira que fez e se martirizou até o próximo dia, mas na hora a única coisa que a moveu era a mais simples e pura vontade — É só que… Estávamos ali, e tivemos uma noite tão… boa. Diferente. Você foi surpreendentemente perfeito comigo e disse que podíamos ser amigos, e era o meu primeiro encontro, então acho que imaginei demais. Pensei que nós…
Nós? — Jungkook a interrompe com uma careta de escárnio. Uma de suas mãos se abriram na superfície da mesa, e as veias dispararam no torso de sua pele — Não, linda, você viajou. Não tem nós em lugar nenhum. Se te levar a um encontro te faz cogitar coisas malucas, que bom que foi só um test drive. Melhor guardar suas expectativas pra quem você tá esperando em primeiro lugar.
Foi como se a barriga de tivesse passeado por duas estações. Na primeira, um pedaço imenso de gelo desceu por sua espinha, constatando aquele rosto sacana e a risada idiota de quando debochava dela. Na segunda, sua pele e seu rosto ficaram tão quentes que ela precisou se colocar de pé, olhando-o com pura raiva.
— Expectativas? Achou que eu tive expectativas? Em você? — ela parecia mais do que surpresa; parecia horrorizada — O que se passou pela sua cabeça? Achou que se eu colocasse um beijo no meio de toda a putaria que a gente faz me faria ficar louca por Jeon Jungkook igual às dezenas de garotas que não te encontram na manhã seguinte? Que só porque te beijei uma vez, vou esquecer toda a minha decência e te atacar de novo?
— É, espero muito que você não tenha pensado em nenhuma dessas coisas.
captou o olhar sério de Jungkook e arregalou ainda mais os olhos.
— Meu deus, como você está sendo ridículo e exagerado.
Exagerado?!
— Sim, tá exagerando por causa de um beijo idiota que não durou nem 1 minuto, qual é, Jungkook. Desse jeito você me ofende.
— Ah, claro. Um beijo idiota. É assim que as coisas são pra você, ? — irritado, Jungkook se aproximou a pelo menos dois passos de , observando-a balançar a cabeça de negação — Pois que seja. Não tô pedindo pra você concordar com a minha forma de pensar, só que não tô afim de fazer isso outra vez. Consegue me entender? Quero ser claro antes que você pense em tomar as rédeas da situação de novo.
trincou os dentes com mais raiva.
— Tomar as rédeas de novo? Não, não — ela ergueu o dedo indicador para tocar no peito dele inconscientemente — Ficar zangado porque desrespeitei nosso acordo tudo bem, agora você tá adiantando coisas absurdas sobre mim como se tivesse significado mais do que significou! Qual é a sua, Jeon? Trata um beijo na boca com essa importância toda como se estivesse preocupado da chavinha de homem apaixonado girar de novo? É isso? Tá surtando como um imbecil por que tá com medo de se apaixonar por mim?
O rosto dele se revezou entre uma careta de ódio e uma risada de deboche, mas que não se parece em nada com as que já tinha feito. Todos os seus músculos faciais ficaram plenamente visíveis quando se trincaram no maxilar.
— Essa foi a coisa mais ridícula que você já disse.
— Mesmo? Confiar que você saberia lidar com a situação também foi a coisa mais ridícula que eu já fiz — ela cuspiu, fuzilando os olhos dele — E agora estou muito arrependida daquela porcaria de beijo, pode ter certeza.
— Ótimo, e o que eu deveria sentir? Alívio? Alegria? Tesão? Aliás, se me beijasse daquele jeito enquanto a gente transa teria sido menos pior. Seria um contexto mais válido!
— Acha mesmo que eu nunca pensei nisso? Eu te beijaria se você deixasse… — respondeu, entredentes.
— Mas não vou deixar. Não posso deixar. Como deixo claro de uma vez por todas que não quero esse tipo de coisa com você?
De repente, aquilo não era mais sobre o beijo. Pareceu uma rejeição pessoal. Rejeição não somente ao beijo dela, mas à intimidade com ela, à qualquer afeto extravagante, à tudo que se dedicava a uma pessoa quando pensava em chamá-la de algo além de amiga. Não era mais um “Jeon Jungkook não estava afim de um relacionamento com alguém” e sim “Jeon Jungkook não estava afim de um relacionamento com . O que contradiz todo o discurso dele sobre beijos e acordos e todas as regras idiotas que criou. Quando percebeu isso, foi como se ele a tivesse pegado nos ombros e sacudido-a 30 vezes, até que a venda nos seus olhos caísse e ela enxergasse a verdade. Só serviu para magoá-la ainda mais.
O silêncio dela disse tudo. Tinha algo escrito em seus olhos que fizeram o coração dele murchar como massa. Algo nos lábios franzidos e nas bochechas coradas que o fizeram cair em si e se achar ainda mais miserável do que quando tinha iniciado aquela conversa.
Frustrado, Jungkook bagunçou uma porção do cabelo, inspirando fundo antes de voltar a falar.
— Olha… eu não quero ser um babaca. Juro que não quero. Cansei desse pé de guerra com você, cansei de me desgastar com o passado, cansei de um monte de coisas — ele parou para observá-la. apenas engoliu em seco — Por isso quero ficar de boa com você, . De verdade. Descobri a pessoa legal e admirável que você é, e não vou mais tentar fugir quando digo que podemos ser amigos. Que quero ser seu amigo, mesmo. E faço uma porrada de coisas pelos meus amigos, inclusive ajudá-los e estar lá pra quando precisam conversar. Eles sempre podem contar comigo — mais uma pausa. Era como se esperasse que ela fosse interrompê-lo a qualquer momento, ou simplesmente sair pela porta. Mas as feições dela eram atentas e duras como uma rocha — Mas… não passo muito dessa linha quando se trata de amizade, entende? Não durmo com meus amigos. Não beijo eles. Não misturo essas coisas. E é por isso que falo muito sério quando digo que não vamos nos beijar de novo.
Desta vez, Jungkook terminou de falar com um timbre mais forte e autoritário, ainda que sua voz tenha sido suave e gentil. Grudou os olhos diretamente em com o recado, e uma segunda mensagem escondida naquele sermão foi a última e mais forte pontada incômoda que ela sentia dentro daquela sala.
Quero ser seu amigo, mesmo.
Não durmo com meus amigos.
Não vamos nos beijar de novo.
Mais um nó atarraxou sua garganta até a altura do queixo. sentiu o gosto de areia na boca quando perguntou:
— O que você quer dizer com isso?
Mas antes que Jungkook respondesse, a porta pesada foi aberta novamente, invadindo o cômodo com um ruído alto e oco.
— Ah, vocês estão aí — suspirou Yoongi, colocando os pés no batente — Consegui domar a fera e terminar o jantar. Não tá muito bonito, mas o que vale é a intenção. Já foi difícil demais convencer Candice a me deixar cortar as cebolas. Acho que ela tava certa quando disse que eu não levo jeito pra isso — ele levantou as mãos pálidas para mostrar os dois curativos com gaze improvisada que escondiam cortes e deformações feitas por aquela faca imensa que estavam usando antes de sumir pelas escadas.
Nenhum dos dois disse nada. A chegada de Yoongi foi como um balde de água fria em alguém que dormia um sono profundo. Primeiro vinha o susto, e depois o cérebro ia juntando as pecinhas da realidade. O coração de ainda batia rápido pela última pergunta e a feição de Jungkook ainda era um esboço de raiva e fracasso.
No entanto, Yoongi julgou a situação com base no histórico já conhecido de Jungkook e .
— O que tá rolando aqui? — perguntou com desconfiança. Antes que qualquer um deles abrisse a boca, ele já continuava: — Vocês não estavam brigando, não é?! De novo? Jungkook, cara, fala sério…
— Não, não, não tá acontecendo nada — JK se defendeu na frente, afastando-se da garota a tempo de apontar vagarosamente para a pilha de papéis com dezenas de palavras improvisadas — Eu ia sair, mas queria tirar fotos…
— Ah, as fotos. Você deve ter errado a porta, , foi mal aí. Preciso colocar as placas que eu falei. Conseguiu o material?
— Claro. Consegui — ela respondeu, e se assustou com o quanto a voz estava rouca. Rapidamente, se apressou em puxar a câmera para guardá-la, com um desespero repentino de sair dali — Consegui bastante coisa — e olhou rapidamente para Jungkook quando disse.
Yoongi estreitou os olhos, mas logo deu de ombros. Qualquer que tivesse sido a conversa que tiveram, não terminou em gritos e móveis quebrados, então estava tudo bem.
— Beleza então. Venham, antes que Candice venha buscar vocês — Yoongi se preparou para sair, quando viu Jungkook abrir a boca para contestar — Não, cara, qual é, fica pra jantar. Esse papo de fingir que você não tá aqui não era mesmo sério, né? Desce agora. Tô esperando — e saiu pelo corredor.
apertou a alça gasta e irregular da bolsa marrom e deu uma última olhada no cara de jaqueta preta. Ele retribuiu por alguns segundos antes que ela sentisse o peito doer novamente e mandasse as pernas direto para a escada, escapando desesperadamente daquele clima sufocante.
Ao ver as costas dela, Jungkook quis realmente quebrar alguma coisa.

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Tarã! Uma tourtière clássica pra vocês, estrangeiros!
Yoongi pareceu feliz quando Candice depositou a travessa no centro da mesa. A receita tinha sido incorporada de uma maneira mais difícil e exótica do que normalmente se encontraria em qualquer padaria de Montreal, mas ninguém esperava que Candice Chaperman fizesse algo dentro da bolha do normal.
Ela insistiu em cortar as fatias tantas vezes que Yoongi desistiu de tentar fazer ele mesmo. Algo na textura daquela massa não parecia compatível para que forasteiros como ele cortassem de forma perfeita — ou pessoas com cortes recentes nas mãos, como ele também —, ou qualquer um que não fosse simplesmente e naturalmente Candice Chaperman.
Deus! Ele babava como um cachorro quando olhava para essa mulher. Ou qualquer outro animal que baba.
Jungkook não entendeu porque estava gastando energia reparando em como seu amigo estava hipnotizado pela loira bonita no recinto, mas talvez isso fosse a desculpa perfeita para manter os olhos em dois pontos fixos: um no tampo da mesa e outro neles. O teto também era uma opção aceitável. Qualquer direção que não fosse à sua frente, na panorâmica, onde tinha sido posta para se sentar, bem do outro lado da mesa que não era tão larga assim.
Ele tentou não olhar para ela, é claro que tentou. No entanto, lá estava ele, com as costas rígidas na cadeira, olhando pra ela de novo.
Alguma coisa na feição dela o perturbava. Todo o cenário de menos de 10 minutos atrás estava expresso ali, naquelas linhas finas das sobrancelhas e nas maçãs do rosto levemente coradas, como se jogasse na cara dele o quanto tinha acabado de bater um papo com um imbecil. Mesmo que ela, vez ou outra, soltasse um sorriso bonitinho para agradecer à Candy pela torta desconhecida, ou apenas para balançar a cabeça e mostrar que estava escutando, ainda parecia tão forçado que gritava para ele: Ei, você é o motivo disso, seu idiota. Babaca do cacete.
Ele se sentia um babaca do cacete desde o momento em que tinha aberto a boca naquela noite.
A ideia era dizer à que eles não podiam mais se beijar? Sim.
A ideia era manter a dicção e a confiança enquanto fizesse isso? Sim.
A ideia era se sentir um merda e se arrepender das palavras assim que elas saíssem? Absolutamente não.
Cadê todo aquele papo de alienígenas comerem nossos cérebros com o telefone quando ele mais precisava? Podiam tê-lo feito entrar em colapso e calar a boca.
A verdade era que Jungkook não disse metade do que queria dizer, apenas o que achou que deveria dizer. Por um bem maior ou sei lá o quê.
— Obrigada, Candy — agradeceu mais uma vez quando a loira colocou uma fatia bem recheada no seu prato. O sorriso veio e foi. Em um lapso, ela ergueu os olhos para o cara do outro lado da mesa, mas logo baixou de novo e se concentrou em comer. Corando.
Jungkook teve vontade de pedir pra que ela enfiasse aquele garfo na garganta dele.
— Que nada, . Espero que seja o suficiente pra nós 4 — Candice lançou um olhar nada disfarçado para Jungkook, sentado ao lado de Yoongi e que se mantinha inexpressivo desde que apareceu inesperadamente na sala de jantar, alguns vários minutos atrás.
Vendo de fora, ela poderia soar como alguém que não o desejava ali, ou que se sentia levemente estranha com mais uma pessoa incluída na bolha das “pessoas que sabiam de seu caso nada muito secreto com Min Yoongi”, mas não estava usando nada mais, nada menos que o tom habitual de aviso quando ele e estavam no mesmo ambiente. Algo que pendia entre recado e ameaça. E com um toque mínimo de curiosidade, porque com certeza ela estava fervendo para saber o que esses dois conversaram por mais de 30 minutos no andar de cima.
— Claro que vai, Candice. O Jungkook aprendeu a comer como gente normal depois dos 21 — Yoongi comentou enquanto Candice se sentava.
— Não falei só dele, Min Yoongi.
— Hein? — Yoongi ergueu a cabeça enquanto ainda mastigava — Você mesma diz que eu como igual um passarinho.
— Já viu um passarinho com fome?
— Você já?
— Já! Tem muitos passarinhos em Montreal.
— Tem muitos passarinhos em qualquer lugar do mundo.
— Eles acasalam muito mais em Montreal.
— Bom, talvez os daqui sejam mais monogâmicos, sabe? Existe esse tipo de coisa no reino animal também.
As narinas de Candice inflaram na mesma hora.
— Os animais se reproduzem com o intuito de multiplicação, Yoongi. É da natureza bizarra deles: vou fazer sexo porque preciso inundar o mundo com cópias minhas, sem nem entender porquê fazem esse tipo de coisa. Daí, quando a evolução e a seleção natural constroem um ser de carne e osso que pode gostar de sexo sem pensar em fazer bebês descontroladamente como um besouro, ele é impedido? O ser humano tem direito a transar sem procriar, mas perde o direito de fazer isso com quantos quiser? Pavões tem vários parceiros diferentes durante a vida, sabia?
— Eles têm uma taxa de sobrevivência ridícula por causa disso.
— Então agora você virou um canal da Animal Planet?
— Não sou eu que tô baseando meu medo de exclusividade no mundo animal.
— Eu não…
Pessoal. — interrompeu, e Jungkook sentiu um alívio instantâneo. Minha nossa, eles eram sempre assim? — A torta que cortou o dedo do Yoongi vai esfriar. Comam.
Os dois resmungaram alguma coisa e voltaram a abaixar as cabeças, comendo silenciosamente depois disso.
— Tá muito bom, Candice — a voz de Jungkook soou pela primeira vez à mesa, mesmo que não tenha se mexido para fazer o elogio.
Na verdade, ele se mexeu para o lugar errado. Olhou diretamente para em reação automática, e o lapso durou vários segundos até que olhasse para Candice e depois voltasse a comer. O elogio foi educado e sincero, mesmo que ele tenha feito principalmente para que a mesa não sustentasse aquele silêncio tenso.
— Obrigada, Jungkook — Candice agradeceu com o início de um sorriso — Conseguiu terminar a sua música?
Jungkook esboçou uma leve reação surpresa.
— Yoongi comentou — ela se apressou em explicar.
— Ah. É, consegui. Eu acho. Ainda precisa de uns ajustes, mas…
— Eu tô louco pra ver isso — Yoongi sorriu com simpatia para o amigo.
— Bom, essas coisas devem ser complicadas pra levarem tanto tempo, não é? Compor, criar e etc. Não era mais fácil contratar alguém pra fazer isso?
— Já contratamos muito no início da carreira. E não tem nada de errado nisso. Mas um trabalho autêntico é mais a nossa praia — Jungkook respondeu com seu melhor tom profissional, mesmo que não tivesse necessidade nenhuma disso. Mas a própria forma como se portava sobre o trabalho sempre era um pouco surpreendente.
— E ele está escrevendo uma música pra ex-namorada, claro que não seria fácil — Yoongi comentou de repente, chamando a atenção de todos os olhos da mesa.
O olhar de Jungkook parecia surpreso e… indiferente. Não se lembrava de ter contado para alguém além de Minji — e talvez — que a música era sobre Ali, mas não era como se ninguém fosse desconfiar assim que ouvisse a primeira frase.
— Uau. Finalmente o BTS vai usar a palavra vadia em alto e bom som? — Candice perguntou junto com uma risada, que desapareceu assim que olhou muito feio para ela — Tá legal, desculpa, não devia ter dito isso.
Porém, um mínimo sorriso pareceu iluminar os olhos de Jungkook.
— Como seria uma coreografia com a palavra vadia? — ele se virou para Yoongi, que tratou a pergunta como talvez não trataria: uma piada.
— O Hobi com certeza criaria algo legal — o mais velho respondeu com um dar de ombros, descontraído.
— Ele faria questão de incluir um gingado no quadril. E talvez um dedo do meio.
— O Jin também, mesmo que a culpa daquele último término tenha sido praticamente dele.
— Ela quis dar um apelido para o pau dele, cara.
— E daí? Nunca te deram um também?
— Ah, que legal, então vocês apelidam suas ex-namoradas propositalmente assim? — Candice interrompeu o diálogo com os olhos semicerrados. Um segundo depois, estava virando o rosto para — Que apelido podemos dar ao querido Phil da Califórnia?
As orelhas de Jungkook se empinaram como uma antena. Desta vez, nem se preocupou de ter travado o garfo da torta no meio do caminho e encarado sem disfarce, ouvindo e reouvindo aquele nome como se tateasse nas próprias letras no ar.
Phil? Quem porra era Phil? O cara com quem tinha transado e nunca falado sobre isso?
, igualmente sem controle nenhum sobre suas reações, olhou para ele primeiro antes que se virasse para a amiga, com os olhos muito abertos.
— Phil? Por que estamos falando do Phil? — ela rangeu os dentes, atrapalhando-se na última letra — Ele não é um ex-namorado. Phil não é meu ex-namorado — e olhou rapidamente para Jungkook quando disse, mesmo sem entender porque quis fazer isso.
— Querer transar com você e deixar isso claro 24 horas por dia é o máximo de exemplo que posso usar da sua vida amorosa, — Candice ergueu uma sobrancelha, tocada por algum Deus da Distração para não perceber como o peito de arfou sem parar por 3 segundos — Ou não. Temos outro. O espécime de Don Juan que te deu uns amassos, fez promessas ridículas e agora tá virando shots e se esbaldando na América em alguma edição barata do Woodstock.
Talvez Candice quis ser engraçada, mas só conseguiu fazer com que toda a mesa afundasse num tipo estranho de tensão. Daquelas que não precisava fazer nenhuma pergunta do tipo “o que está havendo?” porque todo mundo sabia o que estava havendo.
Todo mundo sabia daquele rolo-não-rolo de e Jaehyun, mesmo que nem os dois soubessem direito o que era.
— Candice, ele não fez promessas…
— Ele fez um combinado, é quase a mesma coisa. Eu o julgaria menos se ele só tivesse entrado no avião sem dar um pio. Homens precisam sustentar sua palavra, , não tem como ser diferente — Candice cuspiu as palavras com um tom de autoridade no assunto, ainda que a mesa silenciosa do outro lado ainda esperasse que ela gritasse um “é uma piada, rapazes”. No entanto, quando se tratava de e de possíveis situações em que sairia minimamente triste ou chateada, Candice Chaperman nunca estava brincando.
Quando notou os olhos do garoto de jaqueta preta cravados nela, Candice suspirou e largou o garfo.
— Não leve a mal, sei que é seu amigo, Jungkook, mas ele está chegando perto de ser um babaca com a . Sabe daqueles bem idiotas que dizem uma coisa quando querem outra?
Um sorriso seco e afetado cruzou o rosto de Jungkook, que respondeu, por fim:
— É a falha de produção de 1997.
— Bem lembrado — Candy deu uma piscadinha para ele, voltando para — E é por isso que eu continuo insistindo pra que você saia com outras pessoas. De preferência, um cara gato que não te faça correr e se esconder, mas sim que te faça ter vontade de pular na cama dele e saciar as suas necessidades corporais como qualquer ser humano biologicamente vivo precisa — as bochechas de esquentaram no mesmo minuto. Não era por timidez, era apenas pela mentira. E de novo: lá estava ela girando os olhos para o cara à sua frente; o cara que, por um acaso louco do destino, já estava cuidando muito bem dessa parte.
Pensar nisso foi o que fez Jungkook baixar os olhos para a torta, subitamente embaraçado, como se Candice tivesse chegado muito perto da portinha “flagrante” que ele compartilhava com .
— Vocês não acham que estou certa? não precisa de um encontro? — A pergunta agora foi generalizada. Sem parar para esperar uma resposta, Candice estalou a língua com desdém e continuou — Se bem que vocês não entendem. Jungkook, considerando todo o show de horrores que você armou pra cima da minha amiga desde que se conheceram, e o quanto insiste em manter o prêmio de maior canalha da história nomeado por mim mesma, acho que a sua obrigação é arrumar um encontro pra minha melhor amiga.
Candice! — arquejou imediatamente, virando o corpo todo na cadeira. Desta vez, ela não se virou para ver a reação de Jungkook, mas talvez tenha sido a escolha certa. Não dava pra entender direito no que aquele rosto se transformou. Os ombros não estavam mais caídos, as sobrancelhas se juntaram no meio da testa, as narinas inflaram e os olhos brilharam em uma… Raiva? Aversão? Era difícil dizer. Foi como se Candice o tivesse chamado de um nome muito, muito feio.
Mas com a feição totalmente límpida e inocente de Candice para todos na mesa — chocada, Jungkook com aquela cara estranha e Yoongi sufocando uma gargalhada —, ela dificilmente reconheceria que tinha falado alguma coisa errada.
— O quê? Falei alguma mentira? — ela disse para , ainda com a boca entreaberta e sem palavras para o absurdo ambulante que saía da boca de Candice — Só tô tentando livrar esse garoto do karma futuro, ele foi um otário com você.
— Esquece isso…
— E então, JK? O que me diz? — Candice a ignorou. Jungkook ainda mantinha aquela mesma expressão esquisita, como se tivessem congelado o seu rosto.
— Você bebeu? — ele disse, em um tom que misturava perplexidade e… mais raiva? — Não vou arrumar um encontro pra ninguém. Isso é ridículo. E eu já me desculpei por tudo…
— Você chama aquilo de desculpas?
— É, cara, se desculpar e amarrar a cara pelos próximos meses não pode ser chamado de desculpas — Yoongi se meteu, e parecia ser o único da mesa que ainda estava comendo.
— Você quebrou a câmera dela! — Candice acusou.
— Eu paguei por ela depois.
— Não pagou não, porque nunca aceita um pagamento quando ele vem com centavos a mais, que dirá milhares de dólares! Ela precisou tirar das economias que guarda desde os 16 anos pra arrumar aquela…
Candice! — a chutou por debaixo da mesa, agora com toda a certeza sentindo raiva. E um pouco de agonia. Ela se deu conta de que era exatamente aquilo que a incomodava a respeito de sua melhor amiga: sua necessidade incontrolável de defendê-la.
Agora o rosto de Jungkook não estava mais enigmático; estava explicitamente boquiaberto. Todos os traços se suavizaram com o choque da informação, e a frustração de fez até mesmo Candice se encolher. Estava óbvio que aquele era um assunto que não devia entrar em pauta em lugar nenhum.
ignorou o semblante dele. Ignorou o fato de que ele não sabia. Ignorou o biquinho de Candice. Ignorou os olhos vagarosos de Yoongi.
— Será que tem como vocês pararem de falar da minha vida enquanto eu tô presente?
Ninguém disse nada. Por dois segundos.
— Eu só tô tentando fazer uma reparação histórica aqui, tá legal? — Candice insistiu, fazendo revirar os olhos — Não tem nada mais justo do que Jeon Jungkook ser legal com você e arrumar alguém pra beijar na sua boca.
Quê?!, Jungkook endireitou a postura na mesma hora.
Não!
— Nem fodendo — ele respondeu no mesmo segundo, com a mandíbula tão travada que era fora de contexto — Ninguém vai beijá-la.
De jeito nenhum! Eu beijei nessa boca e só a ideia de imaginar alguém fazendo a mesma coisa já me deixa… Deixa…
Estranho!
Mais estranho foram os 3 pares de olhos fitando-o com espanto e encabulação. Ele nem pensou direito quando disse. O rosto de estava pintado com um pigmento misterioso, um muito mais vermelho do que o vermelho normal.
Foi quando ele deve ter percebido a merda que fez.
Mas, estranhamente, não fez nada pra consertar isso.
sentiu uma vibração espontânea vinda das costas, atravessando toda a madeira da cadeira. Foi como se um raio tivesse atingido sua costela, e ela acordou rapidamente da cena para passar o braço para trás e puxar a bolsa, pegando o telefone desesperado por atenção.
Alguém estava ligando. E ela se preocuparia em verificar quem era se não estivesse em um momento tão… Constrangedor e esquisito em um jantar constrangedor e esquisito.
— Isso é ridículo — trincou os dentes, falando para ninguém em específico. Ou pra todo mundo — Será que a gente pode…
Ninguém vai beijá-la? Por acaso você é doido? — agora Candice a interrompeu, e percebeu que ela só estava passando o tempo calada porque estava digerindo a reação anormal de Jungkook — é muito mais do que você pensa, Jeon. Tenho certeza que todo mundo, sem exceção gostaria de beijá-la, e muito mais do que isso! Ela é linda, simpática, inteligente, gosta de Breaking Bad, faz as fotos mais…
— Candice…
— … Lindas que você já viu, é independente e com certeza muita areia pra qualquer caminhão. Não é pro seu bico e nem pra nenhum dos seus amigos sequelados que pensam como você. Será que…
— Cand-
estava prestes a chutá-la de novo por baixo da mesa quando a vibração surgiu novamente, desta vez em suas mãos que ainda seguravam o celular. Automaticamente, ela girou os olhos para ver. E automaticamente, todo o barulho ao redor da sala desapareceu.
Se Candice estava falando, não estava mais. Se Jungkook tentou se justificar, também não dava pra saber. Tudo que existia ali, naquele momento, era o número com DDD de seu país natal piscando na tela e os órgãos de completamente paralisados.
Seus olhos se grudaram no visor, como se implorasse para o cérebro mostrar a chamada real, ou que a convencesse de que aquela era só uma alucinação. Mas a ligação não sumiu e estava ali, pedindo uma chance de ser atendida, mesmo que não tivesse nada de bom a dizer — porque pesadelos nunca tinham algo de bom a dizer.
Do outro lado, Jungkook tinha os olhos arregalados diante do discurso ferrenho de Candice Chaperman em defesa de , como se agora ele fosse a pessoa a chamá-la de um nome muito, muito feio. E não foi nada disso. Ela não tinha pescado o verdadeiro sentido de sua resposta?!
Mas ele não usou nada para se defender, porque inventou de olhar para mais uma vez e a viu perder toda a cor do rosto e paralisar os músculos ao fitar o celular tremendo em uma mão.
E a voz de Candice sumiu novamente no ambiente.
Tem algo errado, ele pensou imediatamente assim que traçou e retraçou toda a postura de . Mas antes que pudesse perguntar — e ele chegou muito perto de fazer isso —, a garota arrastou a cadeira para trás com os tornozelos, colocando-se de pé e, agora de verdade, calando a boca de Candice.
— Com licença, já volto — ela disse, com a voz repentinamente rouca. Abalada. Distraída.
E saiu da sala sem dar nenhuma explicação.

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— Alô? — disse ao telefone assim que abriu a porta da área externa de Yoongi.
Oi, pequena.
A voz melodiosa, dita em seu idioma original, trouxe um silêncio sepulcral. O batimento cardíaco de parou, voltou a uma velocidade alarmante e depois parou de novo. Seus órgãos foram congelados. Um tsunami rompeu a barragem do cérebro e jorrou uma pilha de lembranças grotescas a torto e direita.
? — A voz chamou seu nome de novo, como um monstro louco surfando em cima de toda essa lama de memórias, provando que não era uma alucinação.
— O-o que v-você quer? — as palavras saíram mais trêmulas do que gostaria. Parecia que sua boca guardava um monte de cascalho — Como me achou? C-como tem meu número? O que você quer?
Ei, calma. Que isso — e fez uma pausa. — Não é assim que se fala com a família.
Família. O conceito se repetiu como um eco tenebroso. Fez todas as articulações de doerem. Havia algo nefasto a respeito daquela palavra, e ela tinha certeza de que seria considerada uma aberração se dissesse isso abertamente.
— Como me achou? — perguntou de novo, incisiva.
Eu tenho meus métodos — respondeu o timbre masculino e enigmático, como sempre foi.
O coração apertou de novo. Não. Não, não podia ser.
Família.
Essa palavra não pertencia ao mundo de há muito tempo. Há mais tempo do que gostaria. E preferia que as coisas ficassem assim.
— Você prometeu — ela disse em voz baixa, os dentes trincando para não gritar — Prometeu que não me ligaria mais. Prometeu que não faria mais isso, você…
Desculpe, princesa, mas temos uma emergência aqui.
— Não quero saber — interrompeu, lutando contra o pânico — Não quero, não preciso. Não é da minha conta.
Ah, creio que é sim da sua conta…
— Não é! Assim como não era da minha conta aquele carro, ou aquele aborto, ou todas as dívidas, nada dessa merda era da minha conta! Então se você…
Agda está doente — o homem pontuou, e parecia extremamente calmo. — Câncer de mama. Foi diagnosticada na semana passada.
ficou muito tempo em silêncio.
Além dele, existia o choque. O espanto. A dúvida. A linha tênue entre dar atenção ao que seu padrasto dizia ou simplesmente julgar que nada do que falava prestava. Ou era verdade. Não, não era. Nunca foi. Ela podia quase ler os seus lábios e olhos cínicos dali, e odiou profundamente nunca ter se esquecido deles.
Precisa começar a quimioterapia imediatamente — ele continuou, e uma pontinha anormal de tristeza absurda escapou de sua voz.
A reação óbvia e totalmente condizente com seus últimos anos seria desligar aquele telefone imediatamente, respirar fundo e voltar para a sala de jantar. Até mesmo o constrangimento que Candice estava armando naquele cômodo era melhor do que isso. Encarar Jungkook e sentir aquela coisa dolorosa no peito também parecia mais razoável. Brincar com Holly enquanto ele tentava furtar um pedaço da torta era mais divertido. Rir de Yoongi enquanto tentava segurar a colher com aquela bola de gaze e algodão no dedo era o esperado.
Mas o óbvio não aconteceu. Em vez disso, se manteve petrificada no lugar, imaginando a situação ouvida com um imenso terror crescendo desde o estômago.
— C-como… Câncer de mama? — até a palavra era assustadora. Se parecia com a morte — M-mas…
Já tinha uns meses que ela vinha reclamando de fraqueza e falta de disposição. Aí um dia achou um caroço esquisito no peito e o resto você já sabe. Gastamos as últimas economias nos exames por imagem. Aquela porra é muito cara.
As pálpebras dela tremeram por um instante. O ar saiu pelas narinas em parcelas. Era como se todo o entorno daquela casa fosse envolta por uma neblina escura e pesada e estivesse no meio dela.
— C-como… Como ela está? — perguntou em sussurro. O homem suspirou.
Péssima. Quase quebrou a sala do médico quando ele disse que ela teria que cortar o cabelo. Surtou legal. Vomita todos os dias, quase não come, e disseram que vai ser pior durante a quimio. Mas se vai salvar a vida dela, o que podemos fazer?
Ele estalou a língua. apertou o lábio inferior e segurou uma respiração estremecida. O choque estava começando a se dissipar. O lado racional começava a tomar o seu lugar de novo. E então, ela ficou em silêncio, esperando por mais, esperando que ele seguisse em frente e dissesse o que realmente queria.
Vai salvar a vida dela, pequena — continuou, com aquele timbre doce que não era nada parecido com os outros que usava — E ainda estou desempregado.
nem se deu ao trabalho de ficar surpresa. Seria amador demais. Finalmente, com o corpo obedecendo aos seus comandos, trocou o telefone de lado e olhou à sua volta, para as árvores que a cercava, afastando-se um pouco mais da porta.
— Quanto é? — perguntou com cautela. A imagem da mãe que se lembrava, magra e fraca por conta de remédios, perdendo o cabelo longo e lindo que batia até a cintura, assim como o brilho nos olhos e o sorriso confiante martelava sua mente como flashes de pólvora.
2 mil cada sessão. 4 semanas. Inclui uma porrada de remédios e todas as máquinas. Depois uma biópsia pra checar se deu tudo certo.
Uma das características de era ser boa com matemática financeira. As contas que fez na cabeça sobre cada item citado, trazendo uma margem de erro para mais ou para menos, ainda mostrou um número exorbitante que a fez arregalar os olhos e fechar um punho na testa.
— O plano não cobre? — ela disse com esperança, ou com desespero; com qualquer coisa que fizesse aquela ligação acabar mais rápido.
Desde quando desempregados têm plano de saúde?
— E o restaurante?
Fechou.
— Ela parou de fazer faxina?
Parou. O problema nas costas piorou.
— E os artesanatos? Como ela…
Parou também. , não temos grana! — o homem rosnou, o que inevitavelmente trouxe arrepios familiares pela nuca de Sei que você ouviu da primeira vez. Vai se fazer de sonsa como sempre?
Ela preferia ter essa opção, mas já estava ali, parada ao telefone com ele. Já tinha sido encontrada. E quando ele a encontrava, ela nunca conseguia escapar imediatamente, não importa o que faça.
Os cifrões faziam uma ciranda-cirandinha no seu cérebro, multiplicando-se como loucos, aumentando para 20, 40, 60 e vários zeros no banco de reserva que com certeza seriam usados para caso qualquer coisa desse errado.
Mas o valor… Era alto demais. Era tão alto que perguntou a si mesma como alguém comum tinha tanto dinheiro imediatamente.
Bem, talvez ela tivesse. Mas era uma quantia trazida através dos anos, resultado de muitos sacrifícios e abdicações que ninguém aos 23 anos merecia ter passado tanto.
— Eu não tenho esse dinheiro — mentiu, e a voz saiu tão seca e falhada que ela imediatamente quis procurar água — Eu não…
Mentirosa.
— Eu não posso…
Não pode ajudar a sua própria mãe? Nenhuma novidade vinda de você, fedelha — disse ele, com um novo rosnado — Você sai do país depois de limpar a pensão do seu velho, cruza um oceano depois do outro, some do mapa e quer que eu acredite que não fez nenhum dinheiro? Deve ter comprado uma casa e um carro fazendo sei lá o que, e diz que não pode ajudar a sua mãe? Depois de tudo que ela fez por você?
Fez o quê?!, ela quis imediatamente berrar com ele. O nariz ardeu junto com os olhos. O nó na garganta impediu a passagem de ar por quase um minuto. Seu lábio tremeu repentinamente quando sentiu a banda direita do rosto queimar, o mesmo lugar em que Agda tinha deixado sua última marca nela com os dedos, fazendo o que fazia de melhor: humilhar, desprezar e atacar. De várias formas. Com a ajuda dele ou não.
O que ela tinha feito pra mim? O que vocês dois fizeram além de transformar a minha vida em um inferno? O que fizeram com a casa, os livros, os objetos de memórias do meu pai? Vocês destruíram tudo, destruíram as câmeras dele, destruíram qualquer pedaço de legado dele! E você, o que você tinha feito com ela para deixá-la do jeito que ficou? Uma mulher dependente, arrasada, frágil. Trouxe o pior dela à tona! Me privaram de ter uma infância e uma adolescência, me privaram de necessidades básicas, de ter sonhos e planos, de uma vida longe de violência física e psicológica, me prenderam num redemoinho de traumas da mesma forma que me prendiam no quintal de trás quando chovia, me deixaram sozinha e no escuro naquele armário, sozinha no meio da tempestade, sozinha com aqueles malditos raios…
Seja o que for, você fez isso com ela. Você é o verdadeiro câncer, Antônio Villa.
— Aquele dinheiro era meu — trincou os dentes, segurando um soluço.
Você só tinha 16 anos, . Nada era seu. Era só uma merdinha. Do mesmo jeito que está sendo agora — e então, ele disse tão abafado e calculista como a personificação do bicho papão que sempre teve certeza que era — Acha mesmo que não sei onde você tá agora? Coreia do Sul? Porra, foi longe pra caralho. Fiz a conversão de wons. Seja lá o que quer que esteja fazendo aí, dá mais grana do que se fizesse aqui. O país tá quebrado. Você deve ter ouvido nos jornais.
— Não tenho nada a ver com isso.
Pois eu acho que tem. Agda é sua mãe. Cuidou de você por um tempão. Eu também ajudei, será que você esquece tão fácil? — ele emitiu algo parecido com uma risada — Vai ter coragem de dizer que não cuidei bem de você?
Os raios pipocaram de novo em sua cabeça. engoliu em seco. Lembrou das noites apavorantes em que era obrigada a abraçar os joelhos no meio da chuva, junto com Elis, a vira-lata que latia desesperada para os roncos atravessando o céu escuro, tão angustiada quanto a garotinha de 11 anos, mas não conseguia acalmá-la… Não conseguia acalmar a si mesma. Não conseguia dizer nada para melhorar a situação. Só conseguia chorar e sentir raiva, chorar e sentir falta, chorar e desistir.
E no meio de tudo isso, Tony e seu olhar venenoso a observava da janela, os lábios franzidos enquanto assoprava uma xícara de café quente.
— Você é um nojento…
Que seja. Você não passa de uma vadia ingrata. Agda perdeu toda a fé em você, garantiu que nem se estivesse definhando pediria sua ajuda de novo, mas estou sendo a pessoa racional aqui, . Seu velho já morreu na sua frente, vai deixar que sua mãe encontre ele tão cedo? Suas costas não vão pesar um pouquinho?
sentiu algo molhado no antebraço erguido que segurava o telefone. Uma gota e depois outra. Olhou para o céu, mas estava limpo e estrelado. Então, sentiu o vento gelado fazer cócegas em suas bochechas. Ela imediatamente passou as costas da mão embaixo dos olhos, horrorizada com as lágrimas.
— Eu não tenho todo esse dinheiro.
Arruma.
— E-existem programas no governo…
Vai levar uma eternidade. Sua mãe vai morrer antes da primeira sessão.
Ela fechou os olhos com força. Mais lágrimas rolaram. Mais ódio inundou seu coração. Um ódio direcionado: para ela, para Antônio, sua mãe, para o seu status de filha, por doenças no geral, seu ódio por ter ignorado a possibilidade de voltar a enfrentá-los, ódio por ter guardado cada centavo que recebeu desde que começou a trabalhar, ódio por ter ido embora daquela casa tão nova, ódio por não estar em um lugar sozinha, no apartamento, para pensar melhor…
O não era a resposta certa. Era o plano, sempre foi. Diga não, para qualquer coisa que eles disserem, diga não, apenas não…
Mas uma vozinha no canto da mente, aquela que sempre tentava convencer de que ela estava sendo dura demais, não concordava com isso. A voz a fez lembrar de que tratava de sua mãe. E tudo bem que ser sua mãe não era argumento para convencê-la de alguma coisa normalmente, mas se tratava de sua mãe à beira da morte. E não gostava de morte, definitivamente não gostava e muito menos pensava no assunto.
Ela não refletiu sobre a estranheza da história, nem se existia alguma estranheza. Sabia perfeitamente das condições daquele casal. Sabia perfeitamente que nenhum dos dois tinha trabalho fixo e jamais teriam. Sabia de todas as merdas em que se meteram juntos, como jogos de azar e um filho indesejado que foi tirado clandestinamente em qualquer ponto sujo de São Paulo. Sabia que, se não fizesse nada, sua mãe iria morrer.
E não esperava ficar tão aterrorizada com a ideia. Mas ficou.
— Eu… vou ver o que posso fazer — foi sua resposta final. quase pode vê-lo sorrindo.
Excelente resposta, garota. Sabia que você ainda não era um caso perdido. Vou passar a conta do depósito.
— Antônio, espera — chamou — Como realmente me achou?
O homem ficou em silêncio. A sugestão de sua possível resposta certamente não faria sentido, mas sabia que Tony era um homem prático. Mau-caráter. Que tinha boa lábia para fazer perguntas e bom senso para guardar as respostas.
Quando falou, não havia nada além de um prenúncio de ameaça em sua voz.
Eu sempre vou achar você.
E desligou a chamada.
não sabe quanto tempo ficou ali fora, tremendo, ainda com o celular no ouvido.
Os resquícios da presença dele ainda estavam ali, descendo pelos seus olhos, ainda que ela não soluçasse, não fungasse, não percebesse.
nunca chorava. Chorar era o cúmulo de vulnerabilidade em um mundo naturalmente cruel. Era deixar que essa mesma crueldade vencesse. Era como voltar por um caminho muito longo e tortuoso depois de ter decidido seguir em frente. Voltava sem querer. Voltava porque sentia que tinha deixado algo pra trás.
Casa. Essa era minha casa. Aquele cara era minha casa. Tem uma mulher morrendo na minha casa! Ela é minha mãe! Minha mãe está morrendo!
O telefone quase deslizou de seus dedos quando ela o abaixou, sentindo as pernas um tanto fracas. Fechou os olhos, recompondo-se do ódio, recompondo-se dos pesadelos, concentrando-se no aqui e no agora. Era a única coisa que tinha. Mas até isso… Até o presente não tinha mais importância na sua mente bagunçada. Ele parecia uma mentira, uma utopia que perseguiu com muito afinco para no final… Ser uma miragem. Como se estivesse, lentamente, fadada a morrer na praia.
Ela disse que recomeçaria na Coreia. Disse que iria seguir em frente, passar a viver. Odiava o vitimismo de se sentir injustiçada, mas quando olhava para trás, era só isso que enxergava. Uma vida que começou com tanto amor e que mudou tão de repente que não deixou sua cabeça se recuperar. Até hoje. O recomeço era só uma desculpa pra fugir. Porque pra viver de verdade, era necessário confiança. Na vida, no lugar, em si mesmo, nas pessoas. Mas como teria o luxo de confiar nas pessoas se não conseguia nem confiar na própria família?
Família! Aquilo já tinha sido uma família?
Uma família não faz o que eles fizeram. Uma família não mina todas as coisas boas que você tinha. Não suga sua felicidade e seus planos. Não se ancora em você por interesses sórdidos. Ter uma família significa ter amor, união e um lar, e agora não achava que tinha isso em lugar nenhum.
Mesmo que esse tenha sido o plano o tempo todo desde que entrou naquele avião com Candice. Desde que pisou nesse país. Um lar. queria desesperadamente um lar.
E, escondendo o rosto entre as mãos, ela chorou quando percebeu que isso talvez nunca fosse acontecer.

⏩⏩⏩


— Cadê o resto das suas coisas? — Candice perguntou enquanto jogava as dezenas de malas, de todos os tamanhos e formatos, dentro do táxi.
— Estão aqui — apontou para a bagagem de mão e uma única mala grande que conseguiu suportar perfeitamente todas as suas roupas.
A loira riu e pegou os pesos em suas mãos.
— Ah, vou sentir falta desse sol — ela sorriu ao olhar para o céu através dos óculos escuros e abriu a porta de trás para entrar no táxi — Partiu Coreia! — a palavra “partiu” saiu em português como a havia ensinado meses atrás e as duas riram.
Demorou menos do que se esperava a entrada de supetão de no quarto de Candice dizendo que aceitava embarcar na sua jornada. Tendo em vista que ela raramente expressava uma opinião a favor de Candice quando a amiga apresentava planos bizarros, ela já havia sido 30% convencida no restaurante mexicano; os outros 70 vieram das crises existenciais e pesquisas que fez sobre o país. Não deu outra: a palavra de Candice Chaperman reinou no final.
Não seria tão difícil para arrumar um emprego em sua área e a Universidade de Seul tinha ótimas avaliações, tanto quanto a de Londres. O ano letivo estava prestes a começar, mas Candice já havia enviado o pedido de matrícula e mandado todos os documentos de , completamente pelas suas costas. A garota tinha dinheiro guardado o suficiente para pagar uma passagem e alugar um apartamento com Candy, assim como custear os primeiros meses da Universidade até sair o resultado da bolsa de estudos, mas não podia se acomodar muito nisso. O custo de vida não era tão viável assim.
Havia muitas coisas com as quais ela teria de se acostumar, mas esse era o menor dos problemas. Adaptação nunca foi um empecilho para .
As 15 horas de voo a assustavam mais do que o país e a cultura nova. Candice já havia feito os preparativos para aquela que poderia ser a viagem mais longa de toda a sua vida. deve ter tomado pelo menos dois comprimidos para cinetose, mas eles não estavam fazendo efeito rápido como esperou. Até um pouco depois que o avião alçou voo, ela ainda estava acordada e alerta sobre tudo ao redor. Candice já estava se encaixando perfeitamente no banco e colocando a máscara de dormir e não quis perturbá-la para lhe fazer companhia enquanto estivesse sem sono. Bufou e pegou o tablet que sempre levava na bolsa com os objetos mais importantes e continuou sua pesquisa.
Por “sua pesquisa”, queria dizer continuar assistindo clipes de k-pop. Não ia negar, estava realmente gostando da coisa. Aproveitou os momentos de procrastinação do desemprego e passou a assistir todos que apareciam de sugestão, e sua conta já mostrava apenas isso. Ela não era ligada em música, mas a batida era boa e as coreografias eram o que mais a deixavam admirada. Mesmo sem entender uma palavra sequer, ainda tentava arranhar uma estrofe.
Nos vídeos do BTS, ela não via o cara bonito do VMA em lugar algum. Será que ele era apenas um amigo de Jungkook, como Candice havia falado? Ou algum parente que foi acompanhá-lo? se achou a maior idiota do mundo por querer vê-lo de novo. Um cara daqueles jamais olharia pra ela. Nem mesmo para aceitar suas desculpas por ter esbarrado nele daquele jeito.
Depois de dormir e acordar algumas vezes, despertou pela última vez com o cutucão de Candice dizendo que tinham chegado. Precisou de alguns minutos para se livrar da moleza no corpo, e gemeu ao perceber que o dia amanhecia lá fora. Teria de fazer um imenso esforço para se adaptar ao fuso horário.
O apartamento de 80m² ficava localizado em um bairro chamado Seongdong-gu, na margem norte do rio Han. O porteiro as recebeu bem e conseguiu falar um inglês meio arrastado, mas compreensível. O apartamento era uma graça e já estava praticamente mobiliado, faltando apenas deixá-lo com a cara das duas, o que Candice já foi adiantando ao puxar quadros e fotos de uma de suas malas.
— Você não perde tempo mesmo — resmungou, sentando-se no sofá reclinável de três lugares no centro do cômodo. Se fechasse os olhos, dormiria ali mesmo.
— Mas é claro, eu preciso me sentir em casa em qualquer lugar que seja. Isso é definitivo pro meu sono e bom humor.
Isso era verdade. O apartamento em LA era tomado por coisas à lá Candice Chaperman. Toda a decoração da casa ficava por sua conta, e haviam tantas fotos de sua família que demorou a se sentir realmente uma moradora, e não apenas uma visita. Além disso, os quadros de seu pai, o famoso artista plástico Bill Chaperman, enfeitavam o ambiente como nenhum outro. Em poucos minutos, já se sentia como se nunca tivesse saído de LA.
Uma nova tentativa de um lar.
Ela lutava para manter os olhos abertos. Não queria dormir agora para ficar acordada à noite, e se perguntava como Candice estava tão bem e descansada. Quer dizer, dormir no avião não é a mesma coisa que dormir em uma cama.
— Acho que vou começar a organizar o quarto… — “e talvez aproveitar para tirar uma soneca”, mas omitiu essa parte. Levantou do sofá e foi seguindo para o corredor estreito.
— Você vai ficar bem sem mim? — Candice perguntou enquanto ainda abria e fechava as malas no chão.
— Pra onde você vai? — deu meia volta e retornou para a sala.
— Preciso me apresentar na empresa — ela deu de ombros, concentrada em suas echarpes de cinco cores diferentes — Parece que eles já terão as demandas pra me passar.
— Mas você acabou de chegar. E hoje é sábado!
— Eu sei, não é empolgante? — ela sorriu e se levantou do chão — Não fica preocupada, eu vou me virar bem, com certeza eles irão me ceder um guia turístico exclusivo pra me situar na cidade. Assim que eu memorizar algumas rotas, nós vamos sair pra um tour completo por Seul. Ou pelo menos até eu aprender onde ficam os pontos de táxi mais próximos.
não teve mais o que dizer. Candice era viciada em trabalho e produtividade, uma completa aspirante a mulher de negócios. A amiga apenas concordou e lhe deu um abraço antes de entrar na penúltima porta à direita do corredor.
Ela não fez questão do quarto grande, o que deixou Candice aliviada. Tinha inúmeros motivos pra isso, como ter um bom espaço que contemplasse suas necessidades e luxos. Mas se surpreendeu em como aquele quarto era maior do que esperava. O piso de madeira clara em contraste com a luz que vinha da janela ampla distribuía a iluminação por todo o cômodo, e ela agradeceu pela cortina já instalada. Os móveis eram todos planejados, desde a escrivaninha até a mesa de cabeceira, e já havia também uma cama. O armário embutido era grande e alto e serviria muito bem. Largou a mala em um canto e sentou no colchão, sentindo sua maciez e deitando logo em seguida, virada para a janela.
O céu tinha um tom de azul, mas não estava quente. Era começo de março. Ela podia ver o pico dos prédios altos ao longe, talvez de Gangnam, talvez da Namsan Tower. Estavam apenas no quarto andar, mas ela sentia como se fosse mais alto do que isso. Ou a cidade toda tinha mania de arranha-céu. Talvez aquilo a inspirasse a querer ir mais alto também.
Com esse pensamento, fechou os olhos e deixou que o sono a levasse.

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Por um milagre, conseguiu encontrar a sala de jantar vazia quando voltou.
Vazia, a não ser por Jungkook, que brincava distraidamente com Holly agachado perto da mesa e que ergueu todo o tronco quando a viu se aproximar, como se já estivesse com os olhos na porta da área externa o tempo todo. Esperando.
Ele percebeu na hora. não sabe como, mas ele percebeu. Todos os seus músculos da face ficaram rijos e os olhos dele se deslocaram de um lado para o outro, buscando algo no rosto dela, esperando pescar alguma coisa nele que explicasse a vermelhidão bizarra dos olhos e as bochechas inchadas, por mais que ela tenha se esforçado muito para não deixar transparecer.
acompanhou o vaivém dos olhos dele sobre ela, em silêncio, e virou o rosto para o lado em um gesto explicitamente incômodo.
— Onde estão…
Ela não terminou de falar. Jungkook de repente estava na sua frente. O cheiro característico de cranberry trouxe seu rosto de volta com a surpresa, e os dedos dele se ergueram em direção ao seu queixo como se quisesse pegá-los e puxá-los para perto, mas de novo, acabaram pendendo ao lado de seu corpo. sentiu de novo a garganta seca (desesperadamente à procura de água), o ponto dolorido no peito, uma vontade de pedir o afeto que jamais pediria para ele — ou qualquer outra pessoa.
Ele teria feito perguntas impossíveis de serem respondidas se a voz de Candice não invadisse o cômodo naquele segundo.
, finalmente! O que você foi fazer lá fora? A torta esfriou! E não me diga que foi tirar fotos porque sua câmera…
Jungkook se afastou imediatamente, mas não foi tão longe.
E então, como um pesadelo desenhado em tempo real, Candice parou, franzindo o cenho.
— O que aconteceu?
— Nada. Nada — balançou as mãos imediatamente, tentando pensar rápido para que aquilo não se transformasse em um interrogatório — Eu só… Acho que não estou me sentindo bem. Podemos ir pra casa?
— O que você tá sentindo? — Candice levou uma mão à sua testa. Jungkook se aproximou devagarinho.
— Nada. Nada demais. Candy, para tirou a mão da amiga delicadamente de sua pele gelada — Não estou doente, é só uma dor de cabeça. Eu preciso…
— É porque você não comeu. Tá vendo? Acha que fiz a receita da minha avó pra você ficar olhando? Vem, vou esquentar o seu pedaço…
— Não. Candy, não é fome — se afastou antes que pudesse ser arrastada de volta. Antes que pudesse ser tocada de novo. Os olhos cinzas de Candice a olharam terrivelmente desconfiados, e um tanto preocupados — Eu só quero dormir. E reler as notas de amanhã. Enfim, ir pra casa.
Candice demorou um tempo, mas assentiu, ainda com a expressão embaraçada.
— Tudo bem, só vou pegar as minhas…
— Não, você pode ficar — interrompeu imediatamente. A ideia veio do nada. Veio dos olhos levemente decepcionados da amiga por precisar deixar Yoongi e a possível reconciliação que acontecia durante as risadinhas na pia da cozinha — Sei que você quer ficar.
!
— Vai me dizer que não quer ficar aqui?
Candice abriu a boca, mas não teve coragem de negar. Aquela sobrancelha erguida de deixava-a em um estado de nudez de suas verdadeiras intenções. Não era algo muito comum.
— Mas você…
— Posso pegar um táxi, sem problemas. Vou terminar de organizar meu equipamento e dormir. Amanhã tenho um primeiro dia cheio pela frente.
— Vai pegar um táxi sozinha a essa hora? — Candice emitiu uma risada perplexa — De jeito nenhum. Jungkook, leva ela.
Jungkook, em silêncio até então, continuou do mesmo jeito. Só pareceu ter a brecha necessária para caminhar para mais perto das duas, colocando as mãos nos bolsos.
Um gelo passeou novamente pela espinha de .
— Não. Candy, não preciso…
— Claro que precisa, não reparou no jeito em que esses caras olham pra estrangeiras aqui? Veja todas as reportagens do inverno passado. Vou me sentir mais tranquila até mesmo se Jeon Jungkook te der uma carona — disse ela, olhando-o de soslaio com os olhos estreitados — Você tem certeza que não quer que eu vá com você?
— Tenho. Tá tudo bem.
Na verdade, ela não tinha. Na verdade, estava louca pra voltar pra casa com Candice. Estava louca pra não ficar sozinha naquele apartamento. Estava louca para deitar na cama e saber que as coisas que mais amava nos últimos anos — seu trabalho, suas câmeras e Candice — estariam ali no dia seguinte quando acordasse.
Mas era impossível para ser egoísta naquela hora. Era impossível reparar nas mãos molhadas e no sorriso anterior da amiga e fingir que não sabia o que ela realmente queria porque não queria a mesma coisa. E se estava com o coração dilacerado e a mente tumultuada naquela noite, Candice não tinha nada a ver com isso.
A loira se virou para o garoto parado um pouco atrás, esperando sua resposta.
— Certo. É claro — ele respondeu com a voz baixa e abafada, e sentiu seus olhos em sua nuca.
Candice assentiu e se virou para .
— Vou estar em casa amanhã bem cedo… Ou talvez um pouco tarde. Vamos jantar pra comemorar o seu primeiro dia.
— Tudo bem. Trouxe os seus analgésicos?
— Claro que sim. Vai lá.
Com a mente enevoada, nem se lembrou do exato momento em que caminhou até a cozinha para se despedir de Yoongi. Ou de quando passou as unhas na barriga virada de Holly com um sorriso triste. Ou quando abraçou Candice de livre e espontânea vontade e ficou ali por mais tempo que o necessário. Ou quando caminhou para o lado de fora, tragando o ar puro pelas narinas, quase se esquecendo que precisava entrar na Mercedes estacionada no meio fio e que Jungkook vinha logo em seu encalço.
O caminho até Seongdong-gu foi revestido de um silêncio que nem mesmo Daniel Caesar no aparelho de som era capaz de salvar.
Ele pensou em perguntar. Na verdade, estava louco para fazer isso. Mas, novamente, a expressão insossa e sem vida de tirava sua coragem. Tudo que ela demonstrou antes, quando adentrou aquela sala de jantar de novo, eram olhos desnorteados, sem brilho. Algo — ou alguém — tinha terminado de tirar toda a característica pacífica do rosto de .
Alguém terminou de fazer isso. Quem tinha feito parte do trabalho foi Jeon Jungkook e suas palavras de merda naquele estúdio.
Quando passou pela barraca de frutas e estacionou em frente ao edifício já conhecido, Jungkook se sentia estranho. Ansioso. Calando mais vozes na cabeça que o normal. O semblante de estava quebrando alguma coisa dentro dele.
Ela pareceu levar um tempo para perceber que tinham chegado.
— Obrigada pela carona — agradeceu, envergonhada, retirando o cinto de segurança.
— Não foi nada.
Ela pousou as mãos na maçaneta para sair, mas travou no mesmo lugar. Tinha um pânico silencioso se apoderando dentro de si. Um arrependimento por não ter insistido para Candice voltar junto com ela, mesmo que não pretendesse contar o que tinha acontecido. Não pretendia se abrir sobre o que estava pensando em fazer nem tão cedo. Não queria nem pensar naquela ligação, naquelas palavras, naquela voz…
Pela primeira vez em muito tempo, estava apavorada com a ideia de ficar sozinha.
Jungkook percebeu a hesitação de suas mãos ao juntar as coisas devagar, e a lentidão dos dedos indo e vindo na maçaneta.
Ele limpou a garganta.
— Sobre o que eu disse hoje à noite…
girou o pescoço em sua direção, assustando-se levemente com o barulho de sua voz.
— Tá tudo bem, você tem todo o direito de não querer se envolver. Isso não te torna uma pessoa ruim — respondeu ela após um tempo, tentando dar um sorriso de canto — Desculpa eu ter te chamado de imbecil. Esquisito por não querer beijar? É. Imbecil por isso? Não.
Ele piscou os olhos, e sentiu outro aperto estranho no peito. Havia uma quantidade indescritível de beleza e tristeza nos olhos de , muita coisa para se processar naquele espaço mínimo de segundos que precediam sua ida.
— Desculpa por eu ainda ter sido um imbecil depois — ele continuou. apenas deu de ombros.
— Nada que eu já não tenha visto.
O silêncio se fez presente de novo. Os ombros tensos de eram muito perceptíveis naquela distância.
— Você tá legal? — ele perguntou assim que ela voltou a colocar os dedos na maçaneta.
— Estou, por que?
— Não sei, só… Curiosidade.
— Estou bem. Só um pouco… Cansada — ela respondeu em voz baixa, fitando-o de novo. Não era a resposta que ele estava imaginando. Cansada era um adjetivo invisível, raso. Mas Jungkook percebeu, com uma certeza insana, que ela precisava de um abraço. Um beijo. Um toque de mãos. Percebeu que queria desesperadamente tocá-la também — Você vai pra casa?
usou os últimos segundos de coragem para ser direta naquele momento. O gelo nas costelas não existia mais. Ali, seus olhos se cravaram em Jungkook de um jeito confiante para fazer um pedido. Ela estava pedindo. Pedindo por ele.
O estômago dele desatinou a embrulhar. O frio na barriga fazia parecer que era impossível que fosse verão lá fora. Mas não era mais impossível do que sua vontade de passar uma borracha em tudo que tinha dito e feito até aquela hora — o acordo de semanas atrás, as regras de nunca beijá-la e as últimas palavras idiotas no estúdio — para simplesmente soltar aquele cinto e dar o que ela quisesse.
Mas essa coisa de passar a borracha no que já estava feito não existia no mundo real.
— Vou.
sentiu o desapontamento descer até o estômago e estacionar ali. Se sentia tão idiota. Jungkook tinha dito em alto e bom som que… Bem, ele não disse exatamente o que seria deles depois daquela conversa, mas sinceramente, isso nem importava agora. Ela não estava pedindo exatamente um beijo ou um abraço pela noite toda. Ela só queria… companhia. Outra presença. Algo pra ocupar sua cabeça até pegar no sono. Algo que não a fizesse se lembrar. Algo como os lábios dele em seu pescoço ou suas mãos quentes ao redor de sua cintura.
Não beijo meus amigos. Não durmo com eles. Não misturo essas coisas.”
Bom, era isso então.
— Claro… Certo — agora ela agarrou firmemente a maçaneta, desviando os olhos — Então… Até mais, eu acho.
— É. Até mais — ele segurou o próprio cinto, como se impedisse suas mãos de tirá-lo também — Boa noite, .
A voz dele era seca e apressada. apenas assentiu, sem pensar na conclusão que ele havia chegado. Era mais uma das coisas que não queria pensar sobre.
Ao vê-la se afastando para dentro, Jungkook desabou a cabeça no encosto do banco. Fechou os olhos com força, soltando um ligeiro rosnado de frustração para o teto estofado.
Meu Deus, que situação de merda. Situação idiota. Ridícula e idiota. Como é possível querer tanto alguém quando você nem… Nem gostava dela! Não podia dizer que gostava dela! Gostar de alguém, para Jeon Jungkook, era algo louco, desenfreado, um êxtase cósmico que sentiu por Ali Dalphin, algo que ia além do tesão, algo que fazia seu coração saltar como um tolo, algo que o deixava levianamente disposto a fazer planos futuros, a desejar uma vida inteira ao lado de alguém…
Algo que o fazia esquecer do que podia e do que não podia fazer.
Ele posicionou os dedos em cima da chave na ignição e se preparou para girá-la. O motor iria rugir lento debaixo do capô e ele iria voltar para casa, deitar e finalmente ter uma boa noite de sono para conseguir pensar no que fazer amanhã. Só amanhã. Com a cabeça limpa. Limpa daquela música finalizada, limpa de e seu beijo, e de seus olhos amendoados implorando para que ele ficasse.
Sua mão escorregou para o colo. Os dentes rangeram de nervoso. Ela nunca pede nada. Nunca. E estava pedindo por mim…
Esqueceu de falar pra Minji o quanto amava quando pedia por ele. E o quanto era um desgraçado que não sabia mais se controlar.
— Droga — grunhiu, desfazendo seu cinto — Você me paga, .
Jungkook bateu a porta do carro e seguiu para dentro do prédio sem olhar para trás. Sem pensar nem por um segundo se existiam olhos furtivos observando. Sem pensar que estava sendo um babaca filho da puta que diz coisas e age ao contrário. Sem pensar que estava confundindo não só ela, mas ele mesmo.
A única coisa que pensou era que queria. Queria muito. Queria tanto que o deixava cego pra tudo que fosse sensato.
Os passos pesados cruzaram o hall, o elevador e o corredor até que tocasse sua campainha. Seu peito descia e subia em silêncio, o maxilar pressionando a pele para disfarçar a expressão desnorteada do rosto. Não sei o que estou fazendo. Ou sei até demais. Sei tanto que me corrói. Sei que estou jogando as regras para escanteio. Sei que não posso beijá-la de novo, mesmo que eu queira muito fazer isso. Sei de todas as consequências de não dar meia volta e sair desse lugar agora.
Mas, sinceramente, que se foda. Por hoje.
abriu a porta em uma puxada rápida, olhando-o com os olhos muito abertos.
— Nada de beijo — Jungkook sentenciou, sem nenhum tom de pergunta. As sobrancelhas retas mostravam a seriedade da questão.
engoliu em seco. Uma mistura de sensações passeou do peito até o ventre. E sua cabeça já estava pronta para concordar.
— Nada de beijo.
E ele mal esperou sua próxima respiração. Com um passo, Jeon já estava lá dentro, fechando a porta com o pé enquanto puxava a cintura da garota e passava suas pernas ao redor de seu corpo.

[1]: trecho autoral, por Luana Andrade.


[ 19 ] – Don't worry, I'm sure that you're still breaking hearts

🎵 Ouça aqui:
Love is a Laserquest - Arctic Monkeys

"Não se preocupe, eu tenho certeza que você ainda está partindo corações
Com a eficiência que apenas a juventude pode proporcionar
﹝...﹞
E quando eu estou segurando firme
Pelas olheiras em volta dos meus olhos
E eu me convenço de que eu preciso de outra pessoa
Por um minuto fica mais fácil
Fingir que você foi apenas mais um amor qualquer."

James era educado o bastante para perguntar se Ali queria um chá de camomila antes de oferecer algo mais forte. Ela era esperta o bastante para recusar todas as opções de enrolação.
Olhar para ele a deixou desgostosa desde o primeiro momento. Não tinha nada a ver com a aparência. Assim como no telão lá embaixo, James Parker parecia bem… apessoado. Um homem nada desagradável de se olhar. Ainda que, ao contrário de Ali, parecera imediatamente que ser educado não era muito seu estilo. Ele parecia apenas curioso e cauteloso com a visita repentina.
— Ali Dalphin em pessoa — sorriu ele assim que a viu se instalar atrás da cadeira na frente de sua mesa. Atrás, não em cima dela. Ali parecia decidida a ser rápida — O que a traz a Los Angeles?
— Infelizmente, não a liquidação da Prada de Beverly Hills.
— Mas temos o sol de Malibu…
— A matéria. Quero falar sobre ela.
James piscou os olhos algumas vezes pela interrupção, reparando bem nas sobrancelhas juntas de Ali e nos cantos dos lábios puxados de irritação. Sua vontade era pedir para que ela, por favor, se sentasse, porque vê-la de pé daquele jeito começaria a causar um tique em sua pálpebra pela falta de padrão na sala, mas ele apenas forçou um sorriso e disse:
— Que matéria?
— A foto. O meu nome na sua capa — ela cruzou os braços, e seus dentes rangeram facilmente quando se lembrou — A capa que salvou esse lugar, aparentemente.
O sorriso de James pareceu mais verdadeiro. Aparentemente, para ele, uma ofensa não tinha a mesma cara para o resto das pessoas. Ele, na verdade, se sentira elogiado.
— Ah, claro. O que tem ela?
Ali se sentiu um pouco indignada. Não havia um pingo de arrependimento ou intenção de retratação vinda daquele homem. Não havia nenhum intuito de se explicar. Não havia nada naqueles olhos além de apatia. Na verdade, ela jurou ter pescado um pouco de orgulho quando ele disse.
O que ela esperava? Que ele pedisse desculpas?!
— Vocês acabaram com o meu relacionamento — ela ergueu uma sobrancelha, em uma constatação óbvia. Como se dissesse a Jeffrey Dahmer que era errado matar pessoas, mesmo depois de ele ter matado muitas pessoas — E, por pouco, não fizeram o mesmo com a minha carreira.
— Entendo a forma como enxerga a situação, senhorita Dalphin — agora ele se afastou do tampo da mesa, recostando-se na grande poltrona presidente que certamente agora era feita de couro muito caro — Mas nós não acabamos com nada. Nós apenas divulgamos os fatos. Vocês terminaram porque quiseram.
— Vocês…
— E, se bem me lembro, a Dior, a Chanel e a própria Donatella Versace mandaram várias propostas excelentes de campanhas novas de verão mesmo depois de toda aquela confusão e, ainda assim, a senhorita recusou todas. Aposto que tem uma pilha de ofertas em cima de sua mesa que estão sendo brutalmente ignoradas.
— Posso te garantir que teriam muito mais se aquela foto não tivesse ido ao ar — ela respondeu, encarando aquele rosto tranquilo com sua mais pura prepotência.
James não parecia nem um pouco atingido pelo descontentamento de Ali.
— Eu não trabalho com “se”, senhorita Dalphin. O que aconteceu foi o seguinte: estávamos fodidos há meses no vermelho e precisávamos apelar. Essa droga de geração Z não quer mais saber de revistas em formato físico, e como ganharíamos dinheiro com disseminação de notícias se hoje em dia a porra do Twitter já faz todo o trabalho pra você? Aquele esgoto da internet nunca foi muito relevante pra mim, mas se mostrou muito útil quando a fofoca precisou ser espalhada. Chamei as duas fotógrafas da empresa na época, que…
Paparazzis, você quer dizer.
— … eram muito boas pra conseguir uma matéria que prestasse e talvez alavancasse o nosso negócio. Aproveitei a ocorrência do VMA e mandei as duas pra Nova York. Elas podiam me trazer qualquer capa, senhorita Dalphin. Podiam falar com qualquer pessoa, flagrar qualquer caso de traição ou uso de cocaína. Literalmente qualquer coisa. Mas estávamos sobrevivendo às custas de qualquer merda, então o nível tinha que mudar. Como o artista mais cobiçado do momento ter uma namorada secreta — mais um sorriso venenoso pintou os lábios do homem. Ali pareceu ainda mais incomodada — Então coloquei o emprego delas em jogo, e disse que somente a melhor ficaria. Os esforços que aplicaram resultaram na sua situação, mas te garanto que ninguém saiu de casa naquele dia mirando em você ou no celular do seu namorado.
Como você pode saber disso?, ela pensou em perguntar, mas isso a faria parecer ridícula. Mesmo que soubesse, James não se importaria. O olhar dele, tão sereno, tão tranquilo com a situação, como se acreditasse fielmente ter feito um favor ao mundo, deixava-a em um estado perturbado, questionando a si mesma e seus motivos, o que não era muito o estilo de Ali Dalphin.
Começou a desejar que Jaehyun estivesse ali. Mesmo que fosse estranho. Mesmo que, definitivamente, geraria suposições confusas.
No entanto, Jaehyun estava muito bem parado do lado de fora do edifício e Ali precisava resolver o que estava tão determinada a resolver sozinha. Inclinando a cabeça para o lado, ela semicerrou os olhos e perguntou:
— Quem é ela?
— O quê? — James franziu o cenho. A garota deu dois passos para a frente.
Quem tirou a foto?
Ele ficou parado em silêncio por um tempo. Depois, uma risada alta trovejou de sua garganta.
— Você não acha que vou revelar uma informação dessas tão fácil assim, acha?
James a encarou como se Ali tivesse pedido para que ele a entregasse sua caneta de 5 mil dólares presa no bolso da camisa. A forma como ele a olhava — como se ela fosse um pouco louca — trazia coisas como raiva e impaciência para Ali, que sentia um sibilar subindo até os ouvidos, deixando-a com ainda mais vontade de gritar para afastá-lo.
Mas ela tinha prometido não gritar. Então, resolveu se atentar à brisa ligeira de verão que farfalhava nas janelas imensas do cômodo e abriu um singelo sorriso falso.
— Por que não revelaria? Já revelou todo o processo.
— Porque não faz parte das normas…
— Você não se parece com alguém que se preocupa com normas, Parker. Aliás, aposto que você nem sabe delas.
Não havia mais tanto equilíbrio nos olhos tiranos de James, e sua boca se abriu e fechou algumas vezes enquanto esperava que Ali reconsiderasse o pedido.
Por fim, quando ela não disse nada, ele liberou uma grande expiração pelo nariz.
— Qual a importância de saber quem foi? Isso tem meses. As pessoas já se esqueceram do assunto. Ela só trouxe a foto pra gente, e depois…
— Vocês fizeram uma varredura da minha vida e expuseram meu nome pra todo mundo.
— Isso é uma meia verdade, Dalphin. A internet abriu a sua vida pra todos. A própria Dispatch da Coreia já tinha centenas de fotos e provas guardadas sobre o relacionamento de vocês, apenas esperando o momento certo pra fazer rios de dinheiro com elas.
Ali trincou os dentes de novo. A raiva escaldou sua garganta.
— Ela agrediu o Jungkook. Você não sabe dessa parte? — respondeu ela, antes que fosse pega pelo argumento mais odioso de todos outra vez: ninguém mais se lembra. Supera isso. Volte ao trabalho.
Acontece que ela lembrava muito bem de toda a agressão virtual generalizada a que foi submetida por meses — até hoje, em menor escala — só porque tinha um namorado. Não era algo a que tinha se preparado psicologicamente antes.
James ficou em silêncio, apenas erguendo uma sobrancelha de surpresa. Ali continuou:
— Quando sua querida paparazzi anônima foi descoberta dentro daquele camarim, ela tentou fugir, eles tiveram uma briga, ela fez uma gracinha, quebrou a própria câmera, causou um alvoroço sem necessidade que quase se transformou na maior confusão do evento. Você não sabia?
James continuou com a mesma expressão. Aqueles olhos não diziam nada. Parecia um pouco fascinado com a história, mas nada curioso. Nada interessado por mais. Como se ouvisse na fila do banco que um acidente de carro aconteceu do outro lado da cidade, mas que ninguém tinha se ferido. Pronto. Vida que segue.
No entanto, Ali pareceu chocada com a calmaria do homem. Ele devia dizer alguma coisa. Algo firme, que censurasse aquela atitude desprezível. Mas sua aura reflexiva não demonstrava a menor intenção em fazer isso.
O que você esperava, Alison? Sabe que terroristas dormem bem, independentemente do caos que plantam.
— A forma como os empregados conseguem o material não é da minha conta — e foi sua resposta definitiva, seguida de um silêncio de fim do assunto.
Ali ordenou as pernas a ficarem no mesmo lugar. Ordenou que o berro sufocado voltasse aos confins do estômago e que suas mãos ficassem paradas para que não puxasse o colarinho daquele cara e o obrigasse a dar respostas mais claras do que aquele conjunto de palavras ridículas e arrogantes, tratando-a como se ela fosse a errada da situação. Como se fosse errada por buscar um pouco de paz de espírito, errada por investir sua energia em descobrir a verdade, errada por tentar lutar para consertar algo que estragou, errada por pensar que um nome seria o suficiente para ter Jungkook de volta, errada por se agarrar na única explicação plausível que poderia dar a ele, errada por querer voltar a ser feliz!
Suas mãos tremeram. Agora o sibilar da raiva nos ouvidos era definitivamente mais que um sibilar. Aquela voz de desespero, ignorada no fundo da mente, farfalhou de novo: ele não liga. Ninguém liga pra isso! O que você está fazendo aqui? Acabou! Volta pra casa.
Mas Ali, como sempre, era boa em ignorar a razão.
— Você tá de brincadeira? — perguntou, sua voz se transformando em algo distinto, seco, sussurrado. James apenas deu de ombros.
— Eles não têm carteira assinada, entende, Dalphin? É um bando de pobres coitados que sobrevivem pelas ruas almoçando sanduíche de manteiga de amendoim e flagrando bundas de famosos por uns dólares a mais no fim do dia. Essas duas garotas tinham um contrato trimestral… Até que não podiam mais ter. Só uma deveria ficar, aquela que me trouxesse a matéria da capa.
— Se são pobres coitadas, você não hesitaria em me dizer o nome.
— Tenho muito porquê hesitar, Ali. Mortos de fome ainda têm direitos e podem abrir boletins de ocorrência. Você me ouviu dizer das normas?
Todos os músculos faciais de Ali se retesaram.
— Por quanto?
— O quê…
— Quanto você quer?
— Você quer me pagar pra saber o nome dela?
— Ou pode me levar até ela, se preferir. Ela está aqui?
Pela primeira vez, Ali notou uma mudança de posição significativa no homem sentado, que girou os olhos para vasculhar por todos os lugares da sala, até mesmo nas janelas. Empertigando-se no assento, ele coçou a garganta e começou a prosseguir:
— Ela…
— Com licença, James.
Uma voz suave entrou na sala na forma de uma ruiva de pernas longas e muitas sardas. A mini saia não parecia uma vestimenta adequada de nenhum trabalho de escritório, mas isso não era da conta de Ali. A garota trazia em mãos duas canecas cheias de café, entregando uma para a modelo de pé e caminhando delicadamente para se abaixar e depositar a outra bem em cima do porta-copos de James.
Ele balançou a cabeça discretamente quando se virou para olhá-la, repuxando os cantos dos lábios para dar-lhe um aviso silencioso para sair. Só então Ali percebeu que ela tentava dizer algo para ele em um sussurro. E só então percebeu os músculos rijos do homem por debaixo do relógio caro e a forma como os olhos nervosos dele saíram da ruiva para ela logo atrás, de um modo incomum.
E suspeito.
Ali olhou de um para o outro, abrindo a boca aos poucos conforme a compreensão tomava uma forma física diante de seus olhos.
Com um arfar de surpresa, ela largou a caneca em cima do tampo caro, abrindo bem os olhos.
— Eu tô impressionada — e com uma risada perplexa, apontou diretamente para a ruiva: — Então é ela?
James fechou a cara, incapaz de dizer alguma coisa. A garota enrugou a testa, sem entender.
— Perdão?
— Ali…
Para o alívio de James, Ali apenas colocou as duas palmas sobre a mesa, aproximando o tronco para repetir entredentes:
— Responda a pergunta.
James não gostou nem um pouco da revirada em seu estômago com aquele tom ameaçador de Dalphin, mas ainda assim engoliu em seco e disse:
— Essa é… Hilary Smith. Minha secretária — e com uma pausa tensa, completou: — E ex-paparazzi.
Não era preciso que ele falasse de novo. Virando-se para a garota, Ali a encarou por um tempo indeterminado. Olhos verdes mirando outros olhos verdes. Hilary olhou do homem para a convidada, desejando pedir para que explicassem o que estava acontecendo ali, mas a presença imóvel e intimidadora de Ali era capaz de deixar alguém sem vontade de abrir a boca.
O farfalhar sibilado veio de novo. Ecoou nos ouvidos da modelo, surfando em todos os seus pensamentos frenéticos. Ali imaginou aquele momento um milhão de vezes, sempre com a certeza de que saberia o que fazer. De planos tolos a agressivos, impulsivos, incoerentes e, por fim, pacíficos, a fumaça do choque fez com que todas essas opções sumissem. E então, para sua própria surpresa, ela não sabia o que fazer.
Queria ficar com raiva. Parecia a reação mais óbvia. No pior dos casos, ficaria com tanta raiva que partiria para uma ação desprezível, que nunca havia feito parte dos planos. Mas tudo que tinha em sua mente era um quadro branco. Uma compressão involuntária no peito lhe tirou o fôlego. As pernas levaram o corpo um passo para trás inconscientemente. Ela ouviu, de muito longe, a cadeira de rodinhas se mexer quando James se colocou de pé e chamou seu nome.
Alguém pensaria facilmente que Ali não deve ter escutado a declaração de James. Seu semblante estava quebradiço demais. De repente, tudo que queria fazer era chorar. Chorar e pedir para que ele repetisse o que tinha dito. Ela gostaria de ter ouvido com mais afinco, e ter uma reação fonética melhor do que ficar paralisada e sentir todas as frases sumindo dentro da boca porque nada parecia ter o mesmo sentido que tinham há 2 minutos atrás.
— Você tirou as fotos do VMA? — quando percebeu que estava falando, foi mais fácil trocar o peso de uma perna para outra e voltar à realidade.
A menina arregalou os olhos.
— Ah, eu… Eu fui…
— Só me diz se você tirou as malditas fotos! — Ali imitou a expressão dela, voltando a sentir o sangue correr e queimar nas veias. Hilary se assustou com o tom repentino, mas não recuou.
— Eu… Tirei, eu… — e nada mais saiu. Ainda que conseguisse, Ali não estava mais ouvindo.
— Por que? — perguntou em um murmúrio. Uma necessidade. Inesperadamente, parecia que aquela pergunta era a mais importante de todas, o verdadeiro motivo para ter se deslocado de seu país até chegar ali.
Mas era uma pergunta sem resposta. Hilary não precisava dizer nada, por mais que tenha tentado pelo nervosismo da presença da modelo. Não existia explicação para o egoísmo humano generalizado, por mais que ela quisesse desesperadamente que existisse. Era óbvio que James Parker era um homem repugnante, mas tinha feito tudo aquilo para salvar o seu negócio. Hilary, por mais que obviamente estivesse transando com ele, também tinha aplicado todos os esforços que conhecia para garantir o seu emprego, o único que era capaz de fazer, aparentemente. E Ali, naquela noite fatídica do evento, perdia a paciência com Jungkook porque ele estava falando, de novo, sobre aquele papo incômodo de revelar o relacionamento para todos. Uma briga que parecia tão insignificante agora.
A ideia de expor o namoro sempre pareceu maluca e assustadora. Sempre soou como uma péssima ideia. Mas ela nunca pensou que ficaria tão frustrada por estar tão certa.
James coçou a parte de trás da cabeça raspada, aguardando com nervosismo alguma outra reação de Ali que não fosse ficar parada e olhando para Hilary daquele jeito contido, refreado. Se igualava a uma bomba prestes a explodir.
Foi mais simples do que isso. O ar ao redor pareceu inchar com algo fétido e denso. Embaçou a visão de Ali. Sufocou o restante de oxigênio na glote. E, por fim, incapaz de pensar ou agir, olhou para o homem atrás da mesa com o mais puro desprezo e andou rápido para a porta.
— Ei, Dalphin, você não ia me pagar? — ouviu a voz dele em suas costas, o que a fez apressar o passo — Eu te falei o nome dela!

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Jaehyun não fumava, mas isso não significa que não tinha vontade algumas vezes.
Todos os seus amigos de Seul mantinham certos hábitos que, se caíssem nos ouvidos da mídia, muito dinheiro precisaria ser investido para transformar as pessoas em surdas e mudas. A Coreia não era um lugar muito bom pra ser uma figura pública na maioria das vezes. Mas Jeong Jaehyun, dentre todos os seus companheiros que só queriam curtir a juventude dos 25 anos, realmente não tinha muitas coisas a esconder.
A não ser, claro, o fato de que queria muito pedir um cigarro ao cara de moicano tragando a fumaça na outra extremidade do estacionamento. Ele com certeza iria responder um claro, tudo bem, e Jaehyun nem se envergonharia de tossir como um idiota quando tentasse puxar aquela coisa pela garganta. Talvez nem ficasse com a consciência pesada depois. Principalmente se isso o deixasse menos tenso na sua espera infinita por Ali Dalphin.
Já fazia longos minutos que ela tinha subido naquele elevador depois do olhar intimidante que lançou para a pobre funcionária do balcão. Jaehyun tentou ir atrás, mas percebeu rápido que não faria muito sentido. Era a palavra de Ali que precisava acabar com aquela história (eram as letras do nome dela que estamparam a capa), ou pelo menos responder as suas dúvidas cruéis — dúvidas que também eram de Jaehyun, mas ele sentia que saberia de qualquer forma quando ela saísse de lá.
Quando estava prestes a dar um passo na direção do cara, que agora parecia estar lendo um livro em latim, a vibração de seu telefone nos bolsos de trás o fez recuar.
— Alô…
Cale a boca. Onde você está?
A voz foi familiar desde o primeiro momento.
— Johnny? — Jaehyun franziu a testa — Que número é esse?
Meu número de Chicago, gênio. Por que não salvou ele ainda?
— Porque você mora na Coreia — ergueu as sobrancelhas, como se Johnny pudesse ver.
Mas meus pais são de Chicago. Cadê a sua empatia familiar? — ele suspirou, e Jaehyun teve certeza de que estava revirando os olhos — Enfim, pode me responder? Onde caralho você se meteu?
Ele hesitou por um segundo antes de falar.
— Já disse. Tô em Los Angeles.
Resposta errada, meu amigo. Você quer dizer que está saindo de Los Angeles, não é? Seus três malditos dias acabaram, Jeong. Taeyong te quer de volta!
Jaehyun passou a mão no rosto, estalando a língua em completa frustração. Droga.
— Já se passou tudo isso? — murmurou. Já conseguia ouvir Taeyong falando e repetindo um milhão de broncas no seu ouvido a partir do momento em que pisasse no Texas.
“Já se passou tudo isso?”, por acaso você tava num buraco? Temos que ir para a Europa em menos de dois dias. Primeira parada em Paris. O que você tem na cabeça?
— Merda… — de novo aquele golpe de desilusão. Tinha se esquecido de Paris. Tinha se esquecido da coisa toda — Tá bem, confesso que perdi a noção do tempo, mas já vou estar de volta, prometo.
Aproveita o rodízio bem intercalado do aeroporto LAX porque você precisa chegar literalmente voando. Deus do céu, o Taeyong vai te matar…
— Diz pra ele que vou chegar o mais rápido possível. Eu realmente…
Você realmente esqueceu que tá trabalhando! Aliás, viajar pra tão longe por tão pouco tempo foi uma maluquice. Falei a mesma coisa com o JK há uns dias; o que diabos você quis fazer no território das estrelas pornô? Temos praias no Texas.
— Não vim pela praia — Jaehyun corrigiu, mesmo sabendo que toda a situação estava aberta a uma interpretação muito errada — E você sabe que não sou educado duas vezes pra dizer que o que vim fazer aqui não é da sua conta.
É assim que vai falar com seu melhor amigo? Grande exemplo, Jae. O que você acharia quando eu não batesse mais na sua mão em Kick It? Nada? Tudo?
Jaehyun se preparou para revirar os olhos de novo, mas o barulho específico de saltos finos no concreto fizeram com que os mesmos olhos se voltassem como dardos para o som.
A espera acabou.
— Preciso desligar. Diz pra ele que vou chegar a tempo de pegar o vôo.
Ei, ei, espera aí — Johnny aumentou a voz antes que o amigo desligasse. — É uma garota, não é?
Jaehyun soltou o ar com força.
— De novo isso?
E com certeza não é a fotógrafa. O Jungwoo também me disse que você tava apaixonado por ela e fiquei feliz por você, mas acho que todo mundo se enganou. Você baixou o Tinder ou coisa assim? Tem como configurar a distância pra tão longe?
— Johnny, tchau…
Ei, tá bom, tá bom! — ele gritou com pressa. Jaehyun voltou o celular aos ouvidos mais uma vez — Vou te dar uma cobertura pro papai até conseguir chegar. Te aconselho a pegar algum desses aviões sem parada, mesmo que custem um rim. Se pousarmos na França sem Jeong Jaehyun, os ingressos podem cair pela metade.
— Tá bom — grunhiu. Ali andava cada vez mais rápido — Eu vou…
E só mais uma coisa: cuidado com os paparazzi.
Jaehyun desligou a chamada antes de ouvi-lo exclamar mais algum conselho.
A escuridão predominava grande parte do espaço onde ele estava parado. Bem debaixo do teto cinzento e espesso, a única iluminação vinha das dezenas de lâmpadas fluorescentes enfileiradas acima, que também destacavam as divisórias em LED que delimitavam o espaço para cada carro. A Range Rover alugada foi estacionada nas últimas vagas, evitando olhos e ouvidos curiosos. Mas Jaehyun estava parado na entrada do estacionamento, debaixo das sombras das paredes grossas, ficando visível apenas para que Ali o reconhecesse pela silhueta e, dali, seguissem de volta para o carro.
Mas à medida que se aproximava, a cabeça dela ia ficando mais baixa e seus passos mais erráticos na direção contrária.
Ela o tinha visto. Deveria ter visto. Mas continuava se afastando para o meio-fio como se estivesse desorientada.
— Ei, ei — Jaehyun sibilou o chamado, correndo para agarrar em seu cotovelo assim que ela passou perto o suficiente. Ali parou na mesma hora, virando-se para ele ligeiramente com susto — O que houve?
— Nada, vamos embora — respondeu, soltando-se do aperto e finalmente começando a caminhar na direção certa, para o interior do estacionamento coberto.
Com um grunhido, Jaehyun adentrou no semi breu atrás dela, fazendo-a parar novamente com os dedos no antebraço.
— O que você quer dizer com isso? O que ele disse? O que você descobriu? — arfou. As palavras se embolaram com a pressa. A agonia salpicava seus olhos. O pensamento em o deixava loucamente ansioso. Se ela não dissesse nada até que chegassem naquele veículo…
— Você me ouviu dizer pra ir embora?! — Ali se soltou de novo, perigosamente instável. O tom de sua voz aumentou e diminuiu duas vezes na mesma frase. E outra coisa escapou dela nesse meio tempo.
Um fungar no nariz. O tremular do lábio inferior. As mãos rápidas em ajeitar os óculos escuros. As sobrancelhas retas em uma expressão nada, nada feliz.
Jaehyun franziu o cenho na mesma hora, aproximando-se devagar da modelo o bastante para colocar uma mão em seu ombro e se abaixar para tentar ver os seus olhos.
— Tá chorando?
— Não! — o lábio tremeu de novo. — Talvez… Eu não… — e sua voz terminou de falhar, porque o que tinha acontecido talvez fosse diferente de um choro. Ela não sabia qual palavra usar para descrever aquele turbilhão de coisas que aconteceram entre a sala de James e o ar quente do lado de fora do prédio — Que seja. Não quero um pirulito, bom samaritano. Só quero ir pra bem longe dessa espelunca o mais rápido possível.
E voltou a bater os pés para os fundos da galeria de carros, passando pelo cara com o mesmo livro com o título em latim, que agora estava no fim da bituca enquanto Ali puxava seu próprio maço pela metade dos bolsos do jeans skinny, tateando os outros em busca do maldito isqueiro Zippo que sempre desaparecia quando mais precisava.
Ali conhecia a sensação do desequilíbrio emocional, mas não sabia lidar muito bem com ela, apesar de todas as situações estressantes dos últimos meses. Quando aquele calor no peito começava, seguido dos batimentos frenéticos, das mãos ficando úmidas e os lábios secando e rachando, ela prontamente arrumava um jeito de fugir. De esquecer. De fingir que aquilo não estava acontecendo. E tudo começaria com um bom e velho Marlboro e sua retirada daquela porra de avenida, daquela porra de bairro e daquela porra de país, onde até as árvores pareciam apontar para ela e sussurrar o seu nome.
Mas antes que chegasse à porta, aquela segunda presença mandona parou bem ao seu lado.
— Me dá as chaves.
Ali prendeu o cigarro nos dentes, puxando o bolo de metal de outro bolso.
— Vai sonhando.
— É sério, Ali.
— Eu quero dirigir.
— Você quer andar a 120 por hora em uma pista do centro da cidade e isso parece que vai nos matar. Anda, as chaves.
Ali se virou para ele com aborrecimento. Aquele tom que ele usava, autoritário sem ser rude, era algo que a tirava do sério. Sugava as palavras de sua boca. Deixava-a se sentindo novamente a errada de toda a história, uma fazedora de merdas ambulante.
É você, Jeong Jaehyun, que deveria estar lá quando James me disse todas aquelas coisas horríveis. É você que devia tê-lo feito calar a boca quando nem se importou com a minha história. É você que devia fazê-lo pagar por todas as abominações que mandou escrever sobre mim.
É você que devia ter segurado meu cabelo quando coloquei tudo pra fora naquele banheiro. Quando lembrei de todas as ameaças e xingamentos dos últimos meses. Quando me toquei de que não importa o quanto tenha me fodido, ninguém liga pra isso.
Ninguém liga. Ninguém liga. A constatação disso a assombrava mais do que esperou. E talvez isso fosse motivo suficiente para que quisesse, sim, correr a 120 por hora numa pista qualquer.
Ela estendeu as chaves para ele com relutância, e sentiu um arrepio com a possibilidade do que aconteceria se pegasse naquele volante. Quando se acomodou no banco do carona, Ali finalmente achou o isqueiro no porta-luvas e acendeu seu cigarro. Jaehyun fez uma careta automática quando entrou.
— O dia já tá uma merda sem você e essa cara feia. Não vou repensar nas minhas escolhas de vida com esse seu olhar, Jeong. Agora não.
O rapaz apenas suspirou e puxou o cinto de segurança.
— Vou te levar de volta para o hotel. E depois vou direto pro aeroporto — disse ele, girando a chave da ignição — Preciso voltar ao trabalho.
Ali tragou e encheu o carro de fumaça sem qualquer reação até virar a cabeça para a janela, assentir e murmurar um simples:
— Ok.
Jaehyun olhou para a frente. A próxima sequência de ações foram feitas muito devagar; ligar o carro, pisar na embreagem, manobrar para sair do estacionamento e voltar a dirigir pela Venice Beach ao fim da tarde. Tudo isso feito lentamente em uma eterna espera de mais palavras de Ali; de um relato decente. Ou, sendo mais específico: um nome. Um nome que Jaehyun queria muito ouvir, ou torcia para que não ouvisse.
Vendo que ela não mostrava nenhuma intenção de abrir a boca, ele perguntou:
— O que aconteceu lá dentro?
Ali esperou um tempo para fungar pela última vez e jogar os óculos para cima da cabeça. Os olhos verdes estavam se recuperando do tom avermelhado. A ponta do nariz estava da mesma cor.
— O que eu esperava — respondeu com um dar de ombros — Mentiras, indiferença, antipatia… O pacote completo de Hollywood.
— E a verdade?
A modelo puxou as pernas longas para cima do banco.
— Ela também estava lá.
O estômago de Jaehyun embrulhou imediatamente. Os lábios enrugaram de nervosismo. Sua ansiedade voltou a anunciar que nada de feliz era capaz de ter acontecido naquela sala presidencial.
— E quem é ela?
Por incrível que pareça, Ali soltou uma risada. Nada escandaloso ou forçado demais. Foi apenas… Como se ele tivesse dito que uma chuva naquele calor seria uma boa. Um riso de conveniência.
— Sei lá. Hilary, eu acho. Uma desgraçada que foi paparazzi, mas hoje trabalha como camareira e amante daquele filho da puta — ela cuspiu as palavras, ainda olhando pela janela. Elas vieram de seus sentimentos mais profundos. Aqueles que estavam revoltados com toda a realidade que estava contra todos os seus interesses — Pelo menos é ruiva de verdade. Deu pra ver pelas sardas.
Jaehyun assumiu uma postura boquiaberta, mesmo que fosse escondida de Ali e seus olhos grudados na cidade passando pelo vidro. Ele não soube o que sentiu na hora; choque, alívio, medo, ainda mais ansiedade.
A boca abriu e fechou a boca milhares de vezes antes que conseguisse soltar um surpreso:
— Hilary?!
Ali levantou os ombros de novo, como se a informação tivesse se reduzido a um grão de poeira.
— Pois é. Bem comum, não é? Parece que é americana nata. Mal me reconheceu quando entrei. Também acho que não ligou muito pra isso. Muito menos ele. Ninguém se importou — e seu tom diminuiu várias oitavas, contrastando com o barulho do motor baixo — Ninguém.
Jaehyun pressionou a mão livre contra a face, como se precisasse urgentemente desfazer o semblante chocado e talvez liberto e talvez vermelho do frio e calor simultâneos que sentiu com a notícia. Quem estivesse no banco de trás, veria claramente pelo espelho retrovisor interno aqueles olhos arregalados e o rosto transparecendo todo o espanto e animação que Jaehyun sentia.
Eles não contaram. Por que não contaram?!
— Eles só disseram esse nome? Nada mais?
— Eu não queria outros nomes, Jaehyun. Só queria o nome da desgraçada e consegui. Consegui até mesmo o rosto dela. E quer saber o que eu fiz com tudo isso? — agora sua risada foi arrastada, medonha. Denotava tanta tristeza quanto raiva — Saí correndo como uma menininha assustada e fui abrir o berreiro no primeiro banheiro que encontrei. Incrível, não? Viajar por milhares de quilômetros em busca de um confronto que calaria a minha mente e terminar o dia como uma garotinha patética.
Ela continuou com os olhos nas árvores. Jaehyun limpou a garganta, se recuperando do baque grotesco de sensações e engoliu em seco.
— Você não é patética — talvez um pouco impulsiva, pensou ele. Incrivelmente teimosa. Mas não patética.
Ela riu de novo, porque era difícil acreditar nisso naquele momento.
— Claro que sou, Jaehyun. Estou sendo patética desde que fui embora de Seul. Desde que saí da casa dele daquele jeito — ela tragou novamente o cigarro antes que o lábio tremesse de novo. Ele não precisava perguntar para saber a quem ela se referia — Quer saber o que vem acontecendo desde aquela época? Nada. Minha vida parou no tempo. Virou um trem descarrilando. Nas primeiras semanas, fiquei tão chapada que nem sabia onde estava — Ali fez uma careta com a lembrança. Ou do que achava que se lembrava — Um dia estava em Bali. Depois fui parar em Capri. Roma. Talvez Ibiza. Até as Maldivas… E não me lembro de um aeroporto sequer.
Jaehyun a encarou pelo canto do olho. A voz dela era melancólica. Ele não teve certeza se queria ouvir o resto.
Mas ela o encarou de volta na mesma hora e suspirou.
— Sei o que você está pensando.
— Garanto que não sabe — e ela não sabia mesmo. Porque ele dividia a atenção presente entre o trânsito, o relato de Ali e um pouco em e, repentinamente, na sua mensagem não respondida.
Em um inglês trôpego, Ali retorquiu:
— Sei, sim. Sei o que imagina que eu fiz. Sei o que todo mundo deve estar pensando — ela cerrou os dentes, desviando o rosto logo em seguida para a estrada — E sinceramente, podem estar certos. A minha tentativa de me manter discreta durante toda a minha carreira, mantendo prazos, um padrão de imagem perfeito, sendo proporcionalmente desejada… Tudo isso ruiu de um dia pro outro. Não imaginei que aconteceria nunca. Não imaginei que eu quebraria completamente por causa disso.
Mesmo naquela luz do fim da tarde, Ali Dalphin ainda parecia o estereótipo perfeito de sua profissão: linda de um jeito inalcançável, alheia à realidade, o objeto de desejo de uma nação. Porém, toda essa montagem agora trazia alguns detalhes não mostrados pela mídia, como a nicotina preenchendo seus pulmões, a depressão alarmante nos olhos e os ombros caídos que não combinavam com a postura de super modelos.
Jaehyun pensou em dizer que ela não precisava falar se não quisesse, mas estava mais do que na cara que Ali Dalphin raramente falou sobre o assunto desde que tudo aconteceu.
— Você fazia o seu trabalho de pessoa pública: mostrar o que os outros querem ver. Chega uma hora em que isso enche o saco. Ninguém é de ferro — comentou ele em voz baixa, porque de alguma forma, se identificava um pouco com aquele sentimento sufocante.
— Mas mesmo longe das câmeras, eu estava longe de ser o que eu queria ser — ela permaneceu parada, encarando o movimento da rua como se não a visse de verdade — Com o Jungkook, isso se tornou mais natural. Mais leve. Era um sentimento tão novo. Ele fazia eu me sentir eu mesma, só a Alison. Tão jovem e aventureira, tão intensa e viva — Ali juntou as sobrancelhas ao tirar aquelas palavras de algum lugar da mente. Era estranho tentar traduzir sentimentos em vocábulos. Parecia que ficavam mais pesados, e se transformavam em coisas vivas, físicas — Quando perdi isso, eu desmoronei. E sei que ele também.
— Eu sei — Jaehyun a encarou de soslaio de novo — E também sei que tudo isso podia ter sido evitado.
— Talvez. Na época, eu não pensei nisso — balançou a cabeça, abraçando um dos joelhos. — Não queria pensar. Só queria correr. Ir pra bem longe. Esfriar a cabeça. Mas a última coisa que fiz foi isso. Quando cheguei em casa, percebi que uma cabeça fria não significa uma cabeça vazia. E os comentários continuavam, as fotos, as notícias… Então, fui atrás de um pouco de paz. Até as Maldivas, pelo menos — Ali baixou os olhos. Sabia o que aquela parte significava. Conseguir ver a história em vez de ouvi-la. Sentir toda aquela confusão da cabeça aos pés.
Jaehyun arriscou.
— Tá falando daquele cara?
— Talvez. Não faço ideia de quem ele seja, Jaehyun. Por mais que eu saiba das teorias sobre eu ter um amante por todo esse tempo — ela riu sem humor. Nossa, aquela história tinha mesmo atingido o cúmulo do ridículo — Ele era só um qualquer que Miranda enfiou naquele iate no meio da Cocoa Island e eu não estava sóbria há mais de uma semana. Não faço ideia do que aconteceu. Não prestei atenção a nada. Acordei no outro dia com as fotos em todo canto. E pensei no Jungkook na mesma hora.
Fechando os olhos, Ali tragou mais uma vez, desta vez firme, desesperada. O borrão daquele dia sempre foi motivo de uma dor de cabeça. Tentar se lembrar era inútil. Na verdade, depois daquelas fotos, ela preferiu não se lembrar de nada.
No banco do motorista, Jaehyun pensou por um momento. Não sabia por qual motivo era impelido a acreditar no que ela dizia. Mas conseguia traduzir suas verdadeiras intenções apenas naqueles olhos, e confirmou que ela estava sendo sincera. Jeong Jaehyun tinha esse poder de observação sobre as pessoas que geralmente faltava em todo mundo. Existia mais verdade na loucura do que na racionalidade, e Ali estava pendendo muito mais para o lado da insanidade nos últimos dias do que qualquer outra coisa.
— Foi uma merda pra ele — ele disse depois de um tempo. Era um fato simples o suficiente. Não precisava jogar na cara dela que merda significava uma situação extremamente insustentável.
— Não duvido. Foi uma merda pra mim também. Não quero me fazer de vítima ou tirar minha culpa, só foi… uma merda. Uma que não tive coragem nenhuma de resolver na hora — ela crispou os lábios. E nem podia resolver na hora. Tinha se livrado do seu telefone. Se livrado das intenções de voltar. Se livrado de qualquer ambiente ou coisa que a levasse de volta ao inferno da internet, onde provavelmente leria ou escutaria mentiras sobre ela ditas em caixa alta — Pensei em ligar pra ele, sabe? Pensei mesmo. Rodei aquele barco inteiro com o telefone de Miranda na mão por horas. Dias. Mas toda vez que discava o número, pensava em como eu ia explicar aquilo. Como ia explicar que tava um bagaço e enchendo o rabo daquelas pílulas que eu tinha largado quando nos conhecemos e que não me lembrava de como minha língua tinha ido parar na boca daquele cara? Em que mundo isso seria uma explicação plausível?
— Ele te escutaria — Jaehyun afirmou com determinação, despertando a atenção de Ali — Você sabe que ele tentaria entender. Sei lá. Que ele pelo menos pararia pra ouvir…
— Eu não queria que ele entendesse, Jaehyun. Eu tava fodida. E percebi naquela hora que tava me destruindo por absolutamente nada. Ou nada que valesse a pena… — ela balançou a cabeça de novo, como se detestasse ter que se colocar como a errada da situação, mas não vendo outra maneira de elucidar as coisas — Sei que o Jungkook me escutaria. Que ele me perdoaria, até, caso eu insistisse nessa linha. Mas ele não merecia ser jogado pra dentro do meu caos. Ele ainda não merece.
Desta vez, Ali abraçou ainda mais os joelhos. Tinha largado os sapatos no fundo do carro e inclinava a cabeça para jogar a fumaça no teto. Ela passeava por todo o veículo até ser expulsa para fora na abertura pequena de ambas as janelas. Jaehyun já não se importava com o cheiro; não é como se não estivesse acostumado. Seus amigos mais próximos faziam isso o tempo todo. E tinha plena consciência de que não devia sugerir que adultos repensassem os seus atos. As pessoas estavam cheias de vícios.
— Isso ainda não te torna patética — disse depois de um momento de silêncio, permitindo-se pensar como Ali e acreditar em tudo que tinha escutado — Só te faz humana.
— Foi patético pensar que eu poderia consertar isso tão fácil. Foi sim — um pouco triste, Ali acrescentou: — Fui patética por não ter simplesmente ligado pra ele. Aparecido. Pedido desculpas. Fui patética ao ir embora e pensar que estava fazendo a coisa certa. Mas acima de tudo, fui patética por pensar que as pessoas ainda se importavam — ela engoliu em seco ao olhar a janela mais uma vez — Enfim, foi patético vir até aqui, como você pode ver. Descobri quem era a garota, confirmei que só queriam a grana, mas o que posso fazer com essa informação? Eu deveria fazer alguma coisa. Fazer e me sentir satisfeita depois. Uma sensação de dever cumprido. Mas não consegui fazer nada. Só ficar ali, olhando pra ela enquanto tentava ver… Algo. O que eu esperava? Que ela tivesse a cara do bicho papão? Que podia reverter a situação de algum jeito? Que apagasse aquela foto e minha semana nas Maldivas? Eu não sei… Não sei, só… — Ali parou de novo, levando as duas mãos para as orelhas como se não quisesse ouvir o próprio esclarecimento. A sua própria constatação dos fatos. Como se doesse apenas por se lembrar — Só quero ir pra casa.
Os pensamentos de Jaehyun murmuravam entre si, guiando-o por um caminho que não viu antes. Ele não suportava ver os amigos sofrendo. Não suportou a situação de Jungkook por um tempo, mesmo que o amigo tenha se mostrado mais inconsequente do que realmente chateado. Pela lógica, não haveria nada de errado em deixar um desprezo por Ali ser despertado dentro de si. Mingyu e Yugyeom tinham feito o mesmo. No entanto, algum sentimento estranho e perturbador não o deixava fazer isso, como se tivesse uma dívida com Ali Dalphin agora porque 1) ela tinha feito um de seus melhores amigos muito feliz e com certeza seria o remédio para fazê-lo voltar a sorrir de novo, 2) ela com certeza tinha desistido completamente daquela busca idiota pela paparazzi e jamais descobriria sobre , o que o livrava de todas as travas que tinha em relação à garota que gostava, e isso queria dizer que poderia ligar para ela assim que pisasse em Paris, e 3) estava sendo honesta como talvez jamais tenha sido na vida.
E honestidade era muito importante para Jaehyun.
— Você ainda pode ligar pra ele — disse, girando o pescoço completamente para ela.
Ali balançou a cabeça em negativa.
— Não posso. Não tenho coragem.
— Você tem coragem pra muitas coisas…
— Não tenho nada pra mostrar pra ele. Nada pra falar. Nada pra explicar. Não quero que ele saiba desse momento estranho e horrível daquela época, não quero que ele olhe pra mim e veja…
— Você de verdade? — ele ergueu uma sobrancelha — Não quer que ele veja seu pior lado? Que tipo de história é essa? Não é você que disse que se sentia você mesma quando estava com ele? Que isso te deixava bem? Então por que esse papo?
— Ele me amava naquela época…
— E o que te faz pensar que ele não te ama agora? — Jaehyun levantou um braço livre, ligeiramente indignado. Por um momento, quis sacudir ela. Como era difícil ser a pessoa que via o óbvio e tentar convencer a outra a abrir os olhos — O que te faz pensar que ele já superou você, mesmo com toda essa merda?
Ali ficou em silêncio. A ideia era tentadora. Já tinha pensado nela um milhão de vezes, mas não existia garantia nenhuma. Ela não sabia se podia suportar a rejeição de Jungkook, mesmo que ele nunca tenha tido essa preocupação em relação a ela.
Mas ouvir Jaehyun falar daquele jeito… Com uma certeza infame, um sucesso garantido que ela não via, a deixou com os pelos arrepiados. Algo gelado deslizando pelo estômago. Ficou olhando para ele, esperando um “porém”, uma mudança de discurso, mas ele continuou confiante no que sabia da situação. No que tinha visto. E, pela primeira vez em muito tempo, Ali sentiu a pontinha de esperança faiscar dentro do peito.
— Você acha que ele me ama? — ela sussurrou, porque aquilo ainda era confuso. Era muita coisa para assimilar — Acha que ele ainda pode me amar?
— Da última vez que chequei, ele ainda te amava. Daquele jeito dele, recluso, desenfreado, chapado, mas sim… Ele ainda te ama.
O coração de Ali inchou. O vento de fora apagou a chama do Marlboro, mas ela não se importou. Teve a sensação intensa de que as coisas podiam voltar a ser como eram antes. Não só porque era Jeong Jaehyun — o detentor da verdade — que estava falando pra ela, mas sim porque conhecia Jungkook. Conhecia aquele cara que a ofereceu uma bebida no bar. Aquele menino que estava testando o inglês de forma engraçada e que arrombaria todas as portas do seu coração.
Ali Dalphin estava fodida há três anos atrás e tinha plena consciência disso. A exaustão mental a fez tomar decisões que se arrependia, tanto para sua saúde quanto nas relações que não queria mais manter. Jeon Jungkook parecia ser um caso perfeito de uma noite, alguém que não chegaria muito perto, alguém a quem ela não precisaria se preocupar em decepcionar, mas acabou mergulhando de cabeça em seu coração. E Ali descobriu que podia ser um lago mais profundo do que imaginava; mais limpo e mais bonito.
— Quem te garante que ele não conheceu outra pessoa nesse meio tempo? — ela gaguejou, jogando a bituca apagada para fora, que errou e bateu em seu colo. Ela a pegou e jogou para fora de novo. Estava nervosa com as possibilidades. Atônita. Precisava de mais garantias…
— Acordar com estranhas não pode ser considerado conhecer. Ele nem deve saber o nome da metade — Jaehyun observou parcialmente os movimentos atrapalhados de Ali — E o mais importante a gente sabe: ele não beijou nenhuma delas.
Ali riu imediatamente. Aquela história era engraçada, sempre foi. Quando conheceu Jungkook, ele não tinha mostrado nenhuma barreira em querer beijá-la depois de uma dança, ou depois de alguns martinis. Quando o papo de “não beijo na boca em sexo casual” veio à tona, se tornou mais hilária ainda. Jungkook deixou bem claro o que sentiu por Ali desde o início, e que nunca tinha sido algo apenas carnal, mas ainda assim, saber que ele se estabeleceu uma regra tão ridícula por tantos anos era bizarro e um tanto triste. Ele era o único seguidor daquela religião estranha de contra beijos, aparentemente. Deixava até uma desconfiança no ar de que poderia não ter experiência o suficiente no assunto.
Mas tinha. E sabia muito bem o que estava fazendo. Muito mesmo. Ali sentia um arrepio quando se lembrava de cada detalhe do beijo de Jungkook.
— Sinto a falta dele, Jaehyun — disse ela com um grande suspiro. As árvores passando pela janela estavam de prova que seu rosto transparecia verdade — Sinto tanta, tanta falta dele. Me deixa louca.
— Então liga pra ele, Ali. Ligue antes que o coração dele vire pedra. Ou pior — Jaehyun a encarou — Que acelere por outra pessoa.

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Candice decidiu trocar o jantar de comemoração por um almoço.
Não houve muita explicação para isso. A mensagem que recebeu no meio da manhã dizia apenas que iriam desfrutar de uma bela refeição no melhor lugar para se estar em um país que ainda insistia em comer cachorros. Só serviam carne bovina fatiada na hora e massas importadas, ela se assegurou disso. tentou falar ao telefone que ela precisava entender os motivos da cultura alheia, mas o discurso sobre seu falecido melhor amigo Peanutbutter tomou uma proporção que fez achar melhor se manter calada. Mais do que já estava.
O lugar ficava em Banpo-dong, há 20 minutos de metrô de Yongsan-gu e da Hybe. Por incrível que pareça, agradeceu internamente pela amiga não ter sequer mencionado um lugar mais perto. Foi a desculpa perfeita para sair do prédio mais cedo no início da tarde e ir comer especiarias coreanas com um toque ocidental do outro lado da cidade com Candice sem causar nenhuma má impressão.
A não ser pelo fato de ter recusado os convites para almoço de Yoona e da equipe, mas parecia que já estavam marcando um jantar para todo o departamento no fim da semana. Ou depois que todo o planejamento estivesse pronto. não captou direito a chamada. Só pensava em sair para espairecer — ou tentar.
Ela nem cogitou existir algum motivo especial para a mudança de planos repentina de Candice. Já almoçavam juntas pelo menos 3 vezes por semana. Claro que em nenhuma dessas vezes precisava se deslocar para tão longe e muito menos que comia bife Wagyu, mas era uma ocasião especial. Até reconhecia isso. Diretora de fotografia, caramba!
Quando entrou no Sandeulhae Banpo, a comida já estava sendo servida, com aquilo que Candice já sabia que pediria. Às vezes, ela não sabia se amava ou odiava a amiga por isso; sentia como se fosse uma criança que não sabia se comunicar pra fazer o próprio pedido. Mas não tinha como argumentar contra os fatos: mesmo se lesse o cardápio por 3 vezes, ainda escolheria exatamente a mesma coisa que Candy escolheu para ela.
Ao se aproximar da mesa, viu Candice dar uma risadinha curta ao garçom, que murmurou alguma coisa antes de se retirar com a bandeja e outro sorriso. a encarou com as sobrancelhas arqueadas. Candice crispou os lábios e olhou para o guardanapo rabiscado deixado em sua frente com um certo tipo de apatia.
— O que houve? — perguntou, tomando seu lugar e puxando uma garrafa de água da mesa. Candice balançou a cabeça.
— Nada. Nada — ela amassou o guarnapo, jogando-o em algum lugar ao lado da cadeira — Nada importante. Como você está?
olhou na direção da bola de papel enrugada de qualquer jeito no chão.
— Você acabou de descartar o número de um cara? — ela estreitou os olhos, em tom casual de julgamento — E um cara bonito!
Candice revirou os olhos. Tentou abrir a boca para se justificar, mas no fundo, sabia que não tinha argumentos. Não tinha o que falar. Se estivesse a fim de uma aventura sem compromisso com um bonitinho qualquer, aquele número já estaria salvo. Se não quisesse, teria se levantado daquela cadeira e devolvido gentilmente o pedaço de papel porque Candice Chaperman não tinha princípios ou compaixão na hora de rejeitar um cara.
Mas aquele rejeitar meio envergonhado, perdido, confuso não fazia parte de sua personalidade. Aquele não quero, mas não sei porque não quero também.
— Não é isso… Para de me olhar como se eu fosse uma extraterrestre — grunhiu ela. deu de ombros.
— Acho que algum deles finalmente conseguiu acessar seu cérebro. Não era isso que você falava? Que só aceitaria exclusividade antes dos 30 quando homenzinhos verdes entrassem pelas suas orelhas?
— Fica quieta. Não quero falar sobre isso — ela puxou seus talheres, remexendo a comida com pressa — Não tem extraterrestres em lugar nenhum. Essas coisas não existem, o que quer dizer que minha teoria não existe, e quer dizer que nada fora do meu planejamento vai acontecer. Ponto final.
segurou uma risada. Candice aborrecida com ela mesma sempre era uma visão rara e divertida.
— Tudo bem, tudo bem. Não quero te fazer enxergar o óbvio da situação e me dar mal depois.
A loira soltou um rosnado. Fazia muito tempo que ela não tinha aquele brilho nos olhos; dois pontos incandescentes que representavam raiva ou medo. Ou as duas coisas juntas.
— Sem gracinha ou não te deixo comer a sobremesa. Podemos mudar de assunto? O dia é seu! O que você fez hoje?
— Em que?
— No trabalho. Como foi o primeiro dia?
— Ah, é…
começou a contar sobre os afazeres empolgantes de montar relatórios atrás de relatórios, reuniões que não acabavam nunca e toda a parte teórica e burocrática que existia antes de realmente colocar a mão na massa. Era chato, mas compreensível. O planejamento exagerado do audiovisual servia para traçar todas as possibilidades de problemas futuros e como eles seriam resolvidos; era uma lista interminável de “planos B”, porque era lógico que atrasos e erros aconteceriam, independentemente da organização de ponta.
Foi o que a senhora Kang Sooyeon deixou claro naquela primeira reunião de 50 só entre as 8 e 10 da manhã.
A parte boa era que tinha se aproximado ainda mais dos garotos do TXT e confirmou que eles eram realmente muito agradáveis, talvez mais do que as entrevistas mostravam. Yeonjun era animado, Soobin era divertido, Beomgyu fazia piadas ácidas, Taehyun era observador e Kai… Não precisava falar de Kai — gostou dele desde o primeiro momento. Foi o mais empolgado com as ideias de para as fotos, e aquela alegria contagiou o restante do grupo. Ela teve certeza de que não existia nenhum motivo para não amar eles.
Isso era o que tinha selecionado para contar à Candice, com um meio sorriso. Omitiu a parte em que não prestou muita atenção em nenhuma dessas etapas. A parte em que quase perdeu a hora de manhã porque não se lembrava do momento em que adormeceu na noite anterior. Só tinha certeza que era tarde, muito tarde. Não dava pra olhar as horas muito bem quando tinha um cara gato te chupando gostoso embaixo da coberta. E Jungkook a chupou muitas e muitas vezes ontem. Em qualquer brecha que parecesse cansada demais. Qualquer mísero intervalo de tempo. Parecia um lobo faminto, cortando qualquer oportunidade que poderia ter para se lembrar de todas as coisas que ele havia dito algumas horas antes sobre não fazerem mais aquilo.
Fez efeito. O momento do estúdio evaporou como fumaça. Não só isso, mas o dia inteiro ganhou um peso enorme de insignificância.
Ela também não mencionou que acordou sozinha, desorientada e nua na cama bagunçada, sem um sinal de Jungkook, que saiu em alguma hora da madrugada. A parte em que tomou banho, se vestiu e fez todas as tarefas anteriores no piloto automático, voltando a pensar sem parar naquela maldita ligação da noite anterior e segurando um embrulho terrível no estômago.
E ainda continuava tão desatenta do mundo exterior que com certeza não notou os olhos rápidos e agoniados de Candice sobre ela.
— Tá bom, eu preciso contar! — a loira interrompeu, e parecia igualmente alheia à tudo que disse.
— Contar o quê? O que houve?
Candice torceu os dedos das mãos.
— Você sabe que trabalho na Vogue, não é? Digo, claro que sabe, minha nossa, não é isso — ela suspirou, puxando o copo de suco de laranja ao lado do prato — Você sabe que sou redatora da Vogue, não é? E que tanto a Vogue, a W, a GQ, todas são empresas que engajam bastante nos artistas coreanos, ainda mais com o k-pop e os dramas em alta.
— Sim, claro — franziu o cenho — Não precisa me perguntar isso. O que tem?
— E sabe que eu tenho acesso à agenda anual da revista, não sabe?
— Claro…
— E sabe que eu fico sabendo bem antes quando um contrato vai ser fechado, não sabe?
— Candice, fala logo! Você tá me enrolando!
— Tá bom, tá bom — Candice pareceu sobressaltada. Mordeu os lábios, dando um último suspiro — O Jaehyun… Parece que está nessa lista.
Rapidamente, a postura de se enrijeceu no assento. Mas ainda assim não demonstrou ter entendido alguma coisa.
— Quer dizer, ele foi colocado de repente na edição de setembro às pressas por causa da coleção de inverno da Prada e a nomeação oficial dele como embaixador, e vão ter uma sequência de desfiles e uma viagem à Milão, e bem…
Candice travou de novo. A resposta de era ficar parada, porque ainda não estava entendendo. Sua testa enrugada era um pedido para Candy traduzir o que estava querendo dizer.
Levou um tempo para que ela respondesse diante do silêncio da amiga.
— E o que? O que você tá esperando, Candy? — levantou os ombros — O que tem o Jaehyun com a Vogue? Acha que ele vai me contar de cada contrato que assina?
— Não, ele nem sabe ainda.
— Então o quê? Vão tentar me convidar pra tirar as fotos pra revista?
— Não é isso…
— Então vai direto ao ponto!
— Tá legal. Ai, que inferno — Candice grunhiu e depositou o suco com força no tampo. A faceta de indignação com certeza era pela falta do álcool na bebida — A capa do Jaehyun para a Esquire deveria sair no mês que vem, em setembro, pelo contrato assinado desde maio quando estávamos tentando consegui-lo também. A SM só ignorava a gente porque ele estava ocupado com o NCT, com o álbum novo e tudo que a gente sabe. Mas o alto escalão da Vogue não desiste tão fácil assim. Quando conseguimos a parceria com a Prada, Jeong Jaehyun finalmente seria nosso e não tinha mais como a SM interferir. Só que ainda tinha a Esquire no caminho, e por isso precisávamos ser rápidos. Mas então o nome da capa deles do próximo mês saiu e, voilá, onde está o rosto do príncipe encantado? Foi substituído pelo Lee Jong Suk — mais uma vez, Candice soltou o ar pelo nariz — Ah, não me entenda mal, Lee Jong Suk também é um gato de morrer, mas esses não eram os planos. Foi aí que Daph meteu os pés pelas mãos e ligou diretamente pro agente do Jaehyun perguntando qual tinha sido o problema, porque se ele por acaso tivesse rescindido o contrato, adeus Vogue! Não preciso nem traduzir pra você entender o que essa merda significa. Mas Daph descobriu que as fotos foram adiadas. Sabe o que isso quer dizer?
fez que “não” com a cabeça muito devagar.
— Quer dizer que ele não vai estar aqui pra tirar as fotos, . Estavam marcadas para o fim da turnê, mas… Parece que ela não vai acabar agora. Foi estendida para a Europa. Por mais um mês.
Quando Candice disse, não sentiu nada de imediato. Parecia que a informação ainda estava chegando, sendo construída aos poucos, tijolo por tijolo, até finalmente se tornar clara e compreensível.
E quando isso aconteceu, surpreendentemente, algo dentro dela se apertou e apertou e apertou até ela finalmente falar:
— Ah… Sério?
Candice assentiu.
— Sim. Parece que não estava nos planos, mas os ingressos venderam como nunca e… É isso. Ele não vai voltar agora.
— Entendi — murmurou. E então, pegou os talheres em cima da mesa e puxou o macarrão para a boca, ou o que quer que fosse aquilo. Se distraiu com as bolhas na garrafa de água com gás. Ela sempre achou um absurdo que Candice não gostasse de água com gás. Achava um absurdo que ela não gostasse de sapatos baixos. Ou que não gostasse de gatos.
Também era um absurdo toda aquela história de Jaehyun demorar ainda mais.
— Que bom. Eu acho. Digo… É ótimo.
Ouvindo a própria resposta, se achou ainda mais idiota.
— Ele não te contou, não é? — agora Candice sussurrou, e parecia… triste? Com pena? Indignada? não sabia, mas deveria estar com uma cara que fizesse Candice sentir essas coisas.
— Você sabe que não — respondeu, por fim.
Os dedos de Candice ainda estavam torcidos sobre a mesa.
, eu…
— Podemos só almoçar, por favor? Esse não é o tipo de papo que eu quero ter comendo um bife de… — ela espiou o telão em cima do caixa, onde a foto de um prato idêntico ao seu revelava seu valor com um 8 e dezenas de zeros na frente.
Candice apenas balançou a cabeça, cabisbaixa.
— Tudo bem.
Mas não estava tudo bem. continuou com os olhos vidrados no número, e suas mãos foram despencando lentamente até a superfície quando se tocou do que ele significava.
Era muito dinheiro. Uma quantia significativa na soma final que mandaria para o Brasil. Ou na que estava pensando em mandar. Ainda não sabia o que a traria mais alívio: fazer diversas ligações para se informar do plano de saúde mais em conta e mandar o valor exato ou mandar mais do que pedissem para garantir que Agda ficasse viva e, quem sabe, pudesse voltar ao salão de beleza e sair pra jantar…
Ela encarou a comida. 80.000 wons. Não parecia mais tão bonita, tão cheirosa, tão convidativa. Tinha perdido toda a graça e sabor. Comer aquilo era menos 300 reais para salvar sua mãe. Parecia errado, e odiou esse sentimento. Desde que Londres não fazia mais parte dos planos, sua primeira tentativa de recomeçar era finalmente passar a abrir a mão e apreciar coisas que antigamente a fariam fazer um milhão de contas matemáticas na cabeça pensando nos próximos 5 anos. Não. Fazia tempo que isso não acontecia. Agora ela conseguia pensar que existia vida no aqui e no agora, uma vida legal a ser aproveitada, um prêmio a ser desfrutado depois de tanto esforço e tantos sacrifícios…
Mas não foi assim. Naquela hora, queria desesperadamente ir embora. Mesmo que Candice não fosse entender nada, mesmo que fosse perguntá-la mais tarde, mesmo que não se sentisse pronta para contar. Era como se cada canto daquele prato olhasse para ela, a desafiasse a continuar e risse logo em seguida com sua insegurança.
O pânico. As lágrimas. Queriam aparecer de novo. não sabia porquê. Só sabia que algo estava errado, muito errado…
— … Hoje.
A voz de Candice a fez levantar os olhos depressa.
— O quê?
— Você me ouviu? Falei que não vou pra casa hoje.
— Ah, tá — murmurou, voltando a olhar para baixo — Tudo bem. Não é como se fosse uma surpresa.
! — Candice guinchou. juntou as sobrancelhas — Você tá chateada?
— Por que estaria?
— Por eu não estar dormindo em casa direito.
— Você não dorme em casa direito desde que conheceu o Yoongi.
— Eu sei, mas agora parece…
— Rotina? — ela ergueu uma sobrancelha. Candice arregalou os olhos ligeiramente.
— Acho que sim. Mas isso não significa nada. Entendeu? Já disse que a casa dele fica mais perto do hospital e não posso dirigir.
desviou os olhos de novo. “Mas pode pegar um Uber”, pensou. Mas jamais diria isso.
— Claro. Eu te entendo.
— Você entende? Que bom. Tive a estranha impressão de que estava te deixando sozinha e você não estava gostando disso.
Um outro frio na barriga terminou de tomar os músculos de — o remorso. Aquele que dizia que ela não deveria estar demonstrando coisas desnecessárias para Candice, como seu recente desequilíbrio emocional. Essas coisas podiam fazê-la se sentir mal, principalmente pelo fato de que não receberia nenhuma explicação. não era o tipo de pessoa que fazia as outras se preocuparem, pelo contrário. Ela geralmente as fazia relaxar, porque era confiável e exalava a impressão de que sabia perfeitamente se cuidar sozinha, sempre achando uma saída para tudo, independente do problema.
Porém, naquele momento, ela estava certa de que não importava quantos anos se passassem longe de suas raízes, ainda não conseguia achar uma saída daquela bolha de medo do bicho papão.
— Candy, não é isso, por fav… — já parecia cansada conforme ia moldando a frase, mas parou a tentativa com a grande vibração do telefone no bolso de trás. Seria fácil ignorar qualquer recado no momento se ela já não estivesse louca para fugir do assunto que com certeza terminaria com possíveis questionamentos do tipo: , você está bem? Tá meio estranha desde ontem…
Então, apenas sibilou um pedido de desculpas e puxou o telefone para olhar. E, novamente, como se não tivesse passado várias horas desde o ocorrido, ela paralisou exatamente como no dia anterior.
Desta vez, não pensou que poderia estar errada. Não tinha salvado aquele número porque em hipótese alguma traria mais resquícios de Antônio Villa para sua vida, mais do que o que já guardava na mente. Aquela voz ainda estava ecoando em sua cabeça o tempo inteiro. E só o dono daquela maldita voz mandaria uma mensagem no meio da tarde contendo apenas números aleatórios. Alguns números que, juntos, formavam o código de uma conta bancária. Só isso.
O ar pesou de forma grotesca bem nos ouvidos de . Ela não achava que estava alucinando quando falou com seu padrasto na noite anterior, mas também não pensou que ele a pressionaria tão depressa.
É a Agda, ! Agda está morrendo! Sua mãe está morrendo! Não temos tempo!
O terror tinha voltado. Eu sei que ela está morrendo, mas… ainda não tenho certeza. Não sei o que fazer. Não sei no que acreditar. Não sei como abrir mão de tudo. Não sei como dizer isso sem parecer um monstro…
? ! — Candice interrompeu todos os ecos mentais novamente, batendo com a garrafa de água no tampo da mesa e fazendo tremer no assento — Você chegou a me ouvir? Caramba, você tá toda… — e Candice parou ao olhar o rosto da amiga. E suas próximas palavras recuaram na própria boca — , o que foi?
demorou a responder. Era como se as palavras de Candice estivessem soando em câmera lenta, acontecendo há quilômetros de distância.
— Nada. Nada… — respondeu com um sobressalto quando voltou ao mundo real, limpando a garganta enquanto guardava o telefone apressada. A sequência de movimentos rápidos a fez bater o cotovelo na mesma garrafa de água com gás aberta, derrubando-a sobre a superfície de madeira — Droga! Desculpa… — ela prontamente puxou a embalagem e agarrou quantos guardanapos conseguisse pegar para arrumar a quase catástrofe.
Candice ainda se mantinha com o cenho franzido, agora somado com os olhos arregalados.
— Minha nossa, o que houve?
— Não houve nada, Candy. Pelo amor de…
— Você tá pálida. , suas mãos estão tremendo.
olhou para as próprias mãos molhadas no guardanapo. Odiou a forma como os dedos seguravam fracos no papel, e em como estava deixando claro que tinha algo errado. Sentiu a garganta seca e não precisou verificar para saber que os lábios deviam estar rachados. Brancos. Que seu rosto tinha se transformado totalmente em um piscar de olhos e que Candice não era idiota.
Agora que pensava na questão, detestou o fato de não ter cogitado que Antônio poderia tentar um novo contato. E odiou ter acreditado que isso não mexeria mais com ela, por mais patético que fosse. Era patético o quanto essa gente ainda tinha tanto poder sobre ela.
— Me deixa ver — Candice disse em voz baixa, com preocupação evidente. levou mais um tempo para perceber do que ela falava.
— Não.

E estava de pé no próximo segundo, guardando o telefone que acabava de vibrar mais uma vez, estimulando todos os sentidos de alerta de seu corpo, ordenando para que ela corresse, corresse para muito longe ou Antônio a pegaria como antes.
— Preciso ir. Obrigada pelo almoço.
, ainda falta uma hora pro seu horário. O que está acontecendo?
— Não quero chegar atrasada. E… — ela engoliu em seco, agitada à procura da bolsa — Preciso ir ao banco.
— Por que precisa ir ao banco?
passou a alça pelo ombro. Olhou pra Candice com um pesar nada habitual. As desculpas que poderia dar fugiram da mente, então o que lhe restava era encarar a amiga com aquele pedido silencioso nos olhos, suplicando para que ela não perguntasse mais nada. No entanto, essa comunicação por olhares não funcionava sempre com Candice. Ainda mais quando se tratava de um assunto sobre , um assunto que a estava deixando particularmente estranha. Repetindo: Chaperman não era idiota.
E aquelas sobrancelhas juntas no meio da testa queriam uma resposta decente e perceberiam na hora qualquer mentira fajuta que dissesse.
Mas aquele olhar de Candice sobre ela… Aquele olhar amoroso, preocupado, aflito, que exibia um cuidado selvagem por ela, uma leoa com seu filhote… atingia partes normalmente inalcançáveis de . Tornava Candice Chaperman sua única família do coração. A única certeza de que não estava completamente sozinha no mundo. Fazia e seu coração estável inchar de maneira desconcertante e o nó em sua garganta não ser forte o suficiente para travar suas verdades.
— Estou com… Alguns problemas — soltou em um sussurro, os olhos se desviando pra qualquer lugar que não fosse para a frente. Candice se levantou imediatamente, aproximando-se dela.
— Que problemas? Tem a ver com o aluguel? Seu contrato novo? Tem…
— Não, não, não é nada grave, Candy, eu juro. Só uns cálculos mal feitos e… mudanças de planejamento. Só isso — conseguiu manter a voz firme enquanto a olhava. Candice piscou os olhos, sem perder a expressão desconfiada, e não tinha mais acervo pra desviar sua atenção — Juro que tá tudo bem. Não tenho tempo de explicar agora, preciso voltar. Te ligo depois.

Mas não esperou sua resposta. Com um aceno rápido, se esquivou na direção da porta e saiu para fora sem saber exatamente pra onde estava indo.
Imediatamente, ela pegou o telefone nos bolsos para verificar o conteúdo da segunda mensagem e arfou de alívio quando viu que era apenas Yoona e seu famoso “quer que eu prepare um chá?”. Mas o arfar inocente se transformou em um fungar. E o fungar se transformou no vento gelado nas bochechas. E percebeu, com ódio e humilhação, que estava chorando de novo. De repente.
Que droga. Isso era degradante. Nada nessa vida a fazia chorar. Nenhuma das situações difíceis que passou a fizeram mergulhar tão fundo no tormento a ponto de se deixar quebrar daquele jeito. Ser vencida pelos pesadelos. Mas em qualquer brecha, sua maldita memória se lembrava de tudo que havia sido dito por aquele homem ontem e então era motivo suficiente para que ela se lembrasse de outras coisas, outros traumas, outras vezes em que chorou igual à garotinha de 11 anos no quintal dos fundos.
quase trombou com uma senhora com um carrinho de bebê quando notou o caminho que estava pegando. Seocho-dong, em direção à estação do metrô. De repente parou no asfalto, sem saber se continuava. O metrô a levaria de volta ao trabalho. A faixa de pedestres ao lado a levaria para o banco. Era uma bifurcação para uma escolha: ignorar o assunto ou enfrentá-lo de uma vez.
Mas ela tinha experimentado ignorar o assunto naquela manhã. Experimentou se distrair com suas câmeras, suas reuniões, suas novas ideias e nada disso tomava mais do que 30 minutos de espaço no cérebro. Depois, a voz de Antônio voltava, a possível imagem enfraquecida de sua mãe e várias e várias dúvidas, de mãos dadas com vários e vários medos.
Ela colocou uma das mãos no rosto, sentindo agora um esbarrão violento nos ombros de alguém que passava apressado ao seu lado, acordando-a para a realidade. O carinha de blazer gritou uma série de palavrões em coreano, claramente irritado pela garota parada no meio da calçada abarrotada no horário de pico. engoliu em seco, murmurando um pedido de desculpas e seguindo na direção da estação, escolhendo ignorar o assunto de novo, escolhendo resolvê-lo amanhã.
Mas a verdade era que, provavelmente, ela não resolveria nada amanhã. Provavelmente, adiaria aquilo até que Antônio voltasse a ligar. Até que dissesse que Agda não tinha mais tempo. Só a ideia disso a deixava com calafrios. Mas aquela decisão impulsiva de ignorar o conflito por ora veio do desespero de fugir da realidade que odiava. O desespero que a fez fugir de casa há 7 anos. ainda estava fugindo de casa.
— Desculpe — disse ela para mais uma pessoa em que esbarrou na estação lotada. Finalmente, se recostou no concreto gelado ao lado de uma pilastra, onde um homem de meia idade tocava violão serenamente em cima de um futon colorido com um chapéu virado para cima, cheio de moedinhas. Ela soltou o ar preso nos pulmões. Tentou se lembrar do momento presente e que muita coisa estava em jogo na sua vida recém transformada para que deixasse que monstros puxassem seu pé à noite. Era injusto consigo mesma. Injusto com tudo que tinha conquistado.
Quando o metrô passou como uma bala à sua frente, ela se lembrou das palavras de Candice. Não vou pra casa hoje. E uma nova onda de medo quis tomar mais rápido do que aquele transporte. Medo de ficar sozinha, medo de chorar, medo de se lembrar de mais do que deveria, medo de dormir e ter pesadelos com a morte do pai, com a morte da própria mãe…
Sou um monstro. Uma deformidade da natureza. A ovelha negra contra os dogmas familiares. A vadia ingrata e covarde que Antônio sempre deixou claro que eu sou.
Ela segurou um soluço. O mais lógico a se fazer, em seu estado mais vulnerável, era engolir o orgulho e fazer um pedido simples à pessoa que mais amava no mundo: Reconsidere essa ideia de dormir fora. Volte pra casa. Fica. Não me odeie por isso. Por favor.
Mas não chegou nem perto de fazer isso. Inconscientemente, já tinha decidido não sobrecarregar Candice com seus problemas, por maiores que fossem. Principalmente no momento atual, onde a grande felicidade da amiga estava do outro lado da cidade com alguém que logicamente já estava apaixonada, mesmo que estivesse apavorada com isso. Nada nesse mundo faria interromper esse processo inédito, mesmo sabendo que Candy largaria tudo para escutá-la.
No entanto, outra pessoa surgiu em sua mente. Alguém que provavelmente não faria tanto sentido quanto Candice. Alguém com quem não tinha exatamente uma relação. Alguém que mal se enquadrava no diagrama de amizade. Mas era alguém que ela não ligaria de chamar. Na verdade, queria isso. Naquele instante, queria mais do que tudo.
Foi tão rápido que ela só notou o que fez depois de ter feito. Em um jato, puxou o telefone e digitou uma mensagem. Logo depois, bloqueou o celular, limpou o que restava das lágrimas quase secas, respirou fundo, jogou duas moedas no chapéu do homem e seguiu para as portas recém abertas do vagão.

Nos próximos 3 dias, Candice não dormiu em casa.
Mesmo com as insistências sobre ela e precisarem ter uma conversa séria, e que algo não estava cheirando bem para o faro aguçado de Candice Chaperman, repetiu o mesmo argumento de que: a casa de Yoongi ficar mais perto do trabalho e do hospital, o que facilitaria as coisas na hora de tirar aquele negócio do pé. Também disse algo sobre Holly precisar de atenção redobrada antes que ela fosse embora de novo. E talvez também tenha comentado algo sobre Yoongi estar com mais saudades do que Holly. Candice pareceu ter sido vencida pela insistência. Devia estar muito concentrada com toda aquela história de contrato com a Prada para se lembrar de ser teimosa ou ranzinza.
E já fazia 3 dias que e Jungkook falavam pouco e transavam muito.
Em cada ponto possível do apartamento.
Em todos os cômodos que não tinham feito.
Em cada metro quadrado onde as leis da física sobre dois corpos no mesmo espaço se tornavam um pouco questionáveis.
Era difícil explicar. Tinha algo completamente novo entre os dois desde que ele tinha retrocedido naquele domingo à noite e batido na sua porta quando ela mais desejou uma companhia. Claro que ele não fazia ideia disso, mas de algum jeito, andava pensando nele e no seu sexo perfeito, seu cheiro inebriante e o sorriso cafajeste com muita ansiedade. Com vontade. Mais do que já teve algum dia.
Era somente quando Jungkook chegava que parava de pensar em todo aquele inferno que a consumia. Como se ele tivesse se transformado, de repente, em uma zona segura. O local onde seus pesadelos não a encontravam.
Quando não estava com ele, aqueles 3 dias parcialmente sozinha foram levados no piloto automático. Dormir, acordar, ir para o novo trabalho — que a deixava contente, mas deixaria muito mais se não estivesse tão avoada —, almoçar com Yoona e Seojun, voltar para casa, estudar suas técnicas, reler roteiros, pesquisar sobre planos de saúde e tratamentos para câncer de mama no Brasil até que sua cabeça explodisse novamente com os dilemas e ela o contatasse. Nessa hora, finalmente, o corpo de começava a reagir como uma mulher normal. Uma mulher com tesão, viva, e uma mulher que estava acumulando uma quantidade escrota de estresse e precisava descarregar toda a merda do dia se atracando com um cara muito lindo e muito sexy.
No dia seguinte, acordava leve como uma pluma e tinha força suficiente para se concentrar nos primeiros horários da manhã, lembrando-se que tinha um projeto gigantesco para tocar, que a colaboração de toda a equipe era necessária, que era responsável por tirar as ideias de Yoona do papel e transpô-las para a tela em um trabalho lindo que era a fotografia.
Era muito trabalho acontecendo para se preocupar com as pequenas coisas que tinham acontecido na casa de Yoongi.
Mas no fim do dia, as feras saíram do escuro e se viu inquieta todas as vezes em que abriu a porta de casa e não encontrou Candice. Ainda que tenha falado com ela durante todo o dia, ainda que não pretendesse contar a verdade mesmo se a dona do quarto vizinho ao seu estivesse ali. E, à medida que as horas passavam e sua atenção ficava dividida entre qualquer tarefa tosca do trabalho e os olhos amedrontados fitavam o telefone à espera de uma nova mensagem assustadora, finalmente o chamava.
Simplesmente chamava. E ele vinha.
No dia anterior, ela nem esperou chegar em casa. Já estava mandando uma mensagem para ele na esquina do prédio.
E Jungkook ia. Duas ou três horas depois, mas estava lá, tocando a campainha, e ela não o deixava falar uma palavra. Simplesmente o puxava para dentro e começava a trilha de roupas até a primeira porta do corredor.
Se Jungkook pensava que ela estava louca, não fez questão de dizer. Era melhor assim. não estava afim de explicar nada. Não queria perguntas do tipo “por que você está uma máquina de tesão ultimamente?”, ou “pode deixar o meu pau descansar por 5 minutos e me dar um boa noite?” porque não queria falar a verdade. Não queria demonstrar que seus piores traumas haviam voltado e estavam ali, presentes, à espreita, querendo tomar tudo que ela tinha conquistado e que ela não resistia em dizer sim à eles e isso estava fodendo com tudo. Deixando-a desesperada, com medo. E não gostava de enfrentar essas coisas, nunca gostou. E isso gerava um acúmulo de estresse que não a deixava dormir direito. E ela precisava dormir direito para conseguir trabalhar bem no dia seguinte.
Era uma conta fácil. Ele não precisava disso. Podiam ficar apenas com as partes divertidas. Jungkook podia refletir sobre os motivos daquela mudança de comportamento o quanto quisesse, mas sabia que ele também queria. Intensamente. Seus olhos já estavam brilhando de excitação assim que ela abria a porta, e o jeito como sorria e dizia “oi, gata” na base de sua orelha e colocava as mãos imediatamente para trabalhar, mostrava que ele também havia esperado aquele momento durante todo o dia.
Deus, esse cara sabia muito bem fazer um cérebro perfeitamente racional parar de funcionar.
Por outro lado, se sentia extremamente atenta quando ele abria a boca para falar. Seja pra proferir alguma putaria do momento ou até mesmo para fazer uma piada sobre seu dia. pensou que não conversariam — era a lógica, já que o único som que saía de suas bocas por horas a fio eram gemidos sufocados e ainda mais sacanagem. Mas então, de repente, com a mente exaurida, abria a boca e um “o que você fez hoje?” saía.
E conversavam. Um pouco. E riam. Muito. E não fazia sentido, mas era legal. Como se essa parte das regras do acordo de sexo sem compromisso tivesse sido riscada da cláusula.
Regras! Esse assunto parecia tão, tão distante. Principalmente pela notícia que tinha saído na internet há 2 dias atrás. A notícia que Jungkook e nem ousaram comentar — porque estavam ocupados —, mas que, se fosse analisada e refletida com cuidado, causaria a grande pergunta que valia um milhão de dólares: o que nós ainda estamos fazendo? Seu grande encontro com o príncipe encantado parece cada vez mais distante de acontecer!
No meio de toda essa confusão, notou que Jungkook não parecia com o cara que tinha dito aquelas coisas no estúdio. Não parecia alguém que queria parar o que estavam fazendo. E, sinceramente, não parecia alguém que não quisesse beijá-la de novo. Suas mãos fortes agarravam seu corpo com destreza, seu rosto pendia na curva de sua clavícula e sua boca procurava cada pedaço de automaticamente. Sua língua buscava sentir seu gosto por cada centímetro de pele, por cada borda de osso, e sua boca procurava prová-la de todos os jeitos possíveis e alucinantes como nunca tinha buscado antes, como se quisesse desesperadamente marcá-la na memória e nos próprios lábios.
Mas não voltaram a se beijar.
Em nenhum momento durante aqueles 3 dias, Jungkook se permitiu quebrar a última regra, mesmo que tenha chegado muito perto disso duas ou três vezes.
E continuou postergando o assunto principal até que ele se tornasse pequeno. Antônio não tinha voltado a fazer contato. Suas pesquisas e cálculos dos prós e contras daquela decisão não a deixavam relaxar. A antecipação daquele passo gigantesco de perder tudo e o horror crescente de perder a pessoa que mais desejou que a amasse a faziam chorar. Mas o envio final…
Ela poderia pensar nisso amanhã. Só amanhã. Quando acordasse nas nuvens depois de alguns orgasmos.


[ 20 ] – I saw this coming from the start

🎵 Ouça aqui:
One For the Road - Arctic Monkeys

"Eu sabia que isso estaria nas cartas
Eu sabia que você não iria se abrir
Eu previ isso desde o início
O chocalho agitado."

Jungkook soltou os dedos da barra fixa, deixando o corpo desabar no carpete rígido da academia, ofegante, sentindo a camiseta pesada colar por todo o corpo. Taehyung fez a mesma coisa, esparramando um braço suado sobre a barriga arfante do mais novo, que afastou aquela folga imediatamente.
— Ai, vai com calma aí — Tae gemeu — Eu tô morrendo aqui. Alguém podia falar pra esse personal que ele não precisa torturar a gente desse jeito.
— Você não pisa aqui faz duas semanas, o que você queria?
— Queria uma barriga tanquinho feita em uma cabine de bronzeamento artificial sem manutenção e pílulas, por favor — Taehyung tirou o cabelo molhado da testa, sentindo os músculos queimarem sob a pele — E não me olha com essa cara de julgamento, você acabou de sair de um treino de boxe e ainda veio se exibir fazendo essas flexões ridículas. Acha que todo mundo tem a disposição de uma criança de 7 anos?
— A criança de 7 anos tem o tanquinho que não vai murchar antes de chegar na próxima esquina.
Taehyung esticou o joelho para chutar a canela de Jungkook, que soltou um palavrão seguido de uma risada.
— Babaca miserável — grunhiu, virando o corpo para Jungkook — Você tem a caligrafia de uma criança de 7 anos mesmo, se quer saber. Vai escrever mais coisas no seu amado Chainsaw ou podemos beber uma cerveja depois daqui?
— Cerveja? Você não aprende nada mesmo — respondeu Jungkook, conseguindo finalmente se sentar e puxar uma das toalhas empilhadas ao lado dos pesos para secar o suor da nuca.
Taehyung estreitou os olhos.
— Você não é de negar uma cerveja. Que foi? Vai começar a se desfazer das suas origens?
— Não, mas hoje é sexta-feira e com você nunca é só uma cerveja.
— Claro que não… É vinho também — ele abriu um sorriso orgulhoso.
— Claro — Jungkook revirou os olhos e pegou o telefone deixado perto do suporte de garrafas de água. A notificação que procurou não estava lá. Ele geralmente não usava o celular e nem nada do tipo enquanto malhava; sabia bem quais eram as chaves de suas distrações e eliminava todas elas com a maior destreza possível. Só que, nos últimos três dias, ele genuinamente estava esperando uma resposta. Ou um aviso. Um chamado. Qualquer coisa que fizesse aquela sensação gelada no estômago passar.
E uma dessas respostas precisava vir de um cara do outro lado do oceano que não estava se importando em dizer se iria voltar ou não.
A mensagem estava bem ali, parada há 12 horas atrás com a pergunta: “O que você diria se eu falasse que Mia e Sebastian são toscos?” Poderia funcionar caso ele batesse os olhos rápido pelo Kakao e visse aquela pergunta descabida. Não existia nada mais eficiente para provocar Jeong Jaehyun do que falar mal de seu filme musical favorito.
Antes disso, tinha uma mensagem de áudio. E antes dela, havia outra, todas com as mesmas perguntas ditas de formas diferentes e escorregadias, mas que queriam dizer a mesma coisa: “Que história é essa de turnê na Europa? Achei que beberíamos uma bomba de soju daqui há duas semanas. Achei que você voltaria. Achei que você tinha compromissos aqui.
E nada. Absolutamente nada. Então, esse nada começou a se transformar em um borrão de possibilidades e confirmações que ele não queria ter, como aceitar de uma vez por todas que o lance de e Jaehyun que tinha ajudado a construir estava indo por água abaixo.
E Jungkook não queria se sentir bem com isso, absolutamente não queria, mas já estava com as costas mais leves à medida que pensava sobre o assunto.
— Olha só, vocês ainda estão aqui — a voz mais alta de Hobi trouxe Jungkook de volta a tempo de vê-lo se aproximar com os pés arrastados e um pouco de suor na testa por baixo do boné. Ele parou de pé em frente aos dois amigos sentados e disse: — 9 horas de uma sexta feira e você — apontou para Jungkook — não tá dando uma festa de arromba na sua casa e você — virou-se para Tae — não tá entornando 5 garrafas de vinho ouvindo um jazz com… Bem, há quanto tempo você não sai com alguém?
— Quer mesmo saber disso?
— Sinceramente, não — Hoseok flexionou os joelhos até se sentar igual aos outros, puxando uma garrafa de água ao lado das toalhas sem perguntar de quem era — E você, JK, não tem nada planejado com seus amigos de 97 que façam vocês irem parar na primeira página da Dispatch?
— Infelizmente, ainda não me disseram nada. Estamos um pouco desmembrados no momento. Por que? Você gostaria de ir? — perguntou Jungkook, levantando os olhos do telefone para abrir um sorriso presunçoso. Taehyung respondeu por ele:
— Tá brincando? Ele não consegue acompanhar vocês. Já tá velho pra isso.
Jungkook soltou uma risada. Hoseok fuzilou o outro amigo com o olhar, dizendo entre dentes: “obrigado, filho da puta.”
— Mas pelo visto não tá velho pra ficar preso no estúdio ensaiando até essa hora — disse Jungkook, voltando rapidamente a olhar o telefone, como se alguma mensagem milagrosa fosse surgir de repente.
— Tô seguindo as orientações do líder: me exercitando. Acha que vou deitar nessa coisa e levantar pesos como um idiota? Não, valeu.
Taehyung abriu um sorriso largo pelo deboche. Jungkook apenas revirou os olhos e jogou a toalha suada no peito de Hobi.
— Mas sério, dançar é a única coisa que tá me deixando animado e relaxado antes da Califórnia. Já pensaram como deve ser se apresentar na porra do Grammy? Só de imaginar, já sinto tudo frio, meu cérebro fica mais lento… Uma loucura — ele suspirou. Os outros dois igualmente ficaram em silêncio em um momento de reflexão. Hoseok não pretendia levá-los firmemente para baixo com aquela perspectiva, já que dali há duas semanas estariam viajando para fazerem o que sempre faziam: se apresentar. Cantar. Dançar. O mesmo de sempre. Mas o peso que algo como o Grammy Music Awards tinha, mudava tudo. Tornava as coisas maiores, muito maiores do que deveriam ser. Tornava tudo que tinham feito até hoje um borrão de movimentos imprecisos que precisavam urgentemente de ajuste, mesmo que teoricamente os tinha colocado naquela posição de indicados.
Ao mesmo tempo, as 3 cabeças se ergueram para olhar umas às outras e, gradualmente, o ar à volta deles começou a aquecer.
— Cerveja? — sugeriu Hobi.
— Sim! — Taehyung respondeu imediatamente. Jungkook apenas bufou.
— Não vou beber hoje.
— Por que não? Você nunca nega uma cerveja depois dessa palhaçada de hétero nas barras. Ainda mais que já quase morreu naquela aula de boxe hoje.
— Eu falei! — Taehyung bateu uma palma de exasperação, apontando para Jungkook — Ele simplesmente não quer beber. Não é muito estranho? Por acaso você tem algum compromisso hoje?
Jungkook tentou pensar em alguma resposta esparsa que não revelasse o verdadeiro motivo de sua hesitação. Se já não tivesse revelado que seus outros amigos não estavam disponíveis pra farra, talvez colasse. Poderia falar que iria a Itaewon com Eunwoo, mas ele já tinha deixado bem claro a quem quisesse ouvir que jamais — repetindo: jamais — voltaria àquele bairro em qualquer dia razoavelmente lotado sozinho com Jungkook e sangrias e qualquer coisa que poderia deixá-lo minimamente propenso a socar as pessoas. Mingyu estava ocupado com promoções do novo álbum e… talvez ocupado ficando chapado também. Nitro não mantinha os olhos abertos depois das 23:30 da noite e… bem, ele não tinha outro grande amigo pra apontar alguma desculpa esfarrapada.
Se Hobi e Taehyung pensassem direito, talvez soubessem exatamente seu motivo para largar uma rodada de cerveja, mesmo que nem Jungkook soubesse direito o porquê.
— Não é da conta de vocês, intrometidos — por fim, Jungkook deu de ombros, puxando sua garrafa de água das mãos de Hoseok e bebendo um grande gole.
Taehyung abriu um sorriso largo demais, e talvez tenha entendido parte da coisa.
— Caramba, você não sossega mesmo. Será que toda essa fase boêmia foi o que te inspirou a terminar sua música?
— Inclusive, quando vai mostrar pra gente? Vamos voltar a ter reuniões do novo álbum na semana que vem — perguntou Hobi.
Jungkook secou a testa pegajosa do verão e do suor novamente com a toalha e suspirou.
— Sei lá, eu queria mostrar assim que terminei, mas parece que disseram ao Namjoon que o estúdio tá incompleto. Pegaram o nosso hardware analógico, o conversor digital e outras coisas pro estúdio do TXT porque o deles deu problema e eles precisam repassar os últimos preparativos do CB. Parece que os equipamentos andam dando muita merda ultimamente o senhor Ahn tá muito puto com isso.
— Verdade, os pequenos precisam de prioridade agora. Esse novo álbum tá prometendo — Hobi deu um sorriso vigoroso. Assuntos que envolviam o futuro dos novatos sempre o animavam, porque ele tinha nascido com aquela coisa de paizão e etc.
Do outro lado, Taehyung compartilhou da mesma animação.
— E como. Ainda mais com o branding por trás da title. Coisas de adolescentes rebeldes que escutam Black Sabbath, tem crise de identidade e se esfregam uns nos outros em festa duvidosa. Se existe um sucesso memorável pra eles, é esse. Soube que a e a equipe do audiovisual vão usar um conceito analógico, o que é mais irado ainda.
— É, também soube dessa história. Eles vão virar os próprios discípulos do Jim Stark*. Não tenho certeza se ouvi direito, mas ela vai usar uma Panasonic ou uma Leica pra fotos externas e os filtros são do caralho. Não vai ser aquela coisa chata emo melancólica, vão ser os Jim Carroll e cia em plena tarde de verão! Não consigo nem imaginar o que vai sair disso. Você consegue, JK?
Jungkook levou quase um minuto para responder.
— Consigo o que?
— Imaginar esse photoshoot. Pensar no que a vai fazer. Qual é, sei que você escutou.
— Ah, claro… Inclusive, você anda assistindo esse monte de filmes cult mesmo ou leu em algum catálogo da HBO? — Jungkook apontou para a extensão do rosto do amigo como uma forma sutil de fugir da pergunta. Hoseok estreitou os olhos em tédio, ainda esperando — Sei lá, cara, como eu saberia disso? Ela vai tirar as fotos… e pronto.
E é lógico que vai ficar bom, fala sério, tudo que aquela garota tem a audácia de tocar fica estupidamente profissional, mas vocês não podem esperar que eu diga isso, não é? Pelo menos não pra vocês. Não pra alguém que possa ficar pensando coisas demais depois. Me deixem. Vou pelo melhor caminho que eu conheço: falsa indiferença. Sei fazer isso muito bem.
Diante da resposta, agora Tae e Hobi o encaravam com o olhar em tédio.
— Meu Deus, você é péssimo — disse Taehyung.
— Ainda tá com essa birra? — Hobi estalou a língua — Isso é ridículo. Depois que lavaram pratos sem se matar naquela sua festa achei que estavam se dando bem. Bem do jeito que pessoas normais se dão por aí. Você pelo menos a parabenizou pela promoção? Não seja tão azedo, Jungkook. Esquece o que aconteceu no outono. Ela tem trabalhado até tarde ultimamente, vai saber se tá se alimentando bem, e seria bom ceder um elogio pro trabalho das pessoas de vez em quando. Ela parece bem cansada…
Cansada. É, ela estava cansada mesmo. De tantos orgasmos múltiplos, principalmente.
Mas a única resposta verbal de Jungkook foi revirar os olhos e rir sem humor.
— Cara, não é nada disso. Já passei dessa fase.
— A fase da imaturidade ou a fase do não gostar dela?
— Não sei, talvez as duas.
Hoseok e Taehyung imediatamente soltaram risadas altas com direito a mãos que espalmaram o ar como se espantassem um mosquito. Jungkook prontamente juntou as sobrancelhas, sem entender.
— Eu tô falando sério — disse ele em sua defesa, mas os outros dois amigos continuaram balançando a cabeça.
— Ah, tá! — Hobi puxou os joelhos para cima e deu um tapa no braço tatuado de Jungkook — Você vive passando dos limites quando o assunto é a , cara. Vive se doendo por causa daquela foto, nunca se dispôs a ter uma conversa decente com ela e agora, nem quando ela praticamente trabalha com a gente e vai destacar ainda mais o nome da empresa, você não vai ser mais legal? Fingir que ela não existe não é ser legal, caso você ainda não saiba.
Jungkook arregalou os olhos na mesma hora. Abriu a boca para tentar uma resposta, mas Taehyung falou na frente.
— E ela é uma garota incrível, sabia? As coisas foram difíceis pra ela no começo também, você sabe…
— Mas eu…
— É, cara, você vacilou…
— Eu dei os parabéns pra ela! — ele bufou antes que algum dos outros dois falasse. Hobi e Taehyung franziram o cenho com a declaração. E Jungkook engoliu em seco — Eu fui legal com ela e não precisei da orientação de nenhum dos coachs para isso, se querem saber. E entrei na trégua depois da confusão, não falei mais dos meus problemas e repito: fui muito legal. Por que vocês insistem em me ver como o canalha quando não chega nem perto de ser um problema pra mim?
O silêncio que se seguiu pareceu enorme de repente. Hoseok e Taehyung viraram o rosto para a esquerda por um momento, depois para o rosto de Jungkook e viram que não tinha como ele estar brincando. E um minuto depois das palavras terem saído livremente de sua boca, ele percebeu o que disse e as ambiguidades que poderia carregar.
O rapaz se perguntou o que seus amigos iriam encontrar se fuçassem direito todos os sentidos de sua frase, mas ah, que se foda. O que mais ele poderia fazer para mostrar de uma vez por todas que não odiava mais ? Gritar pra Deus e o mundo que chupava sua boceta dia sim, dia não?
— Isso é uma novidade e tanto — Hobi finalmente falou, ainda com ar de desconfiança.
— Então você não quer mais jogá-la pela janela? — perguntou Taehyung.
Não — Jungkook voltou a frisar. Os amigos ainda o olhavam como se estivessem procurando a mínima brecha da mentira, ou tentando reconhecer se aquele cara de camisa larga e com tatuagens idênticas às do Jungkook que conheciam era mesmo Jeon Jungkook ou uma cópia hibernada daqueles aliens do filme… de aliens. — Estou sendo legal com ela… ou tentando — tentando, porque nem tudo era perfeito e ele ainda podia ser um babaca completo como aquele cara no estúdio de Yoongi tinha sido, como o cara que dava um chilique por um beijo que tinha gostado ou o cara que ainda escondia por baixo de uma personalidade ácida a grande vontade de passar o tempo com aquela mulher. Mas, bem, ele tentava compensar isso com as convulsões de prazer que causava em várias vezes durante uma única noite, então isso contava um pouco, não contava?
— Tentando… — Hobi estreitou os olhos de novo, mas logo deu de ombros, se dando por vencido — É, isso me parece bem legal da sua parte mesmo.
Jungkook revirou os olhos. Taehyung soltou uma risadinha e puxou a água das mãos dele.
— Um brinde ao homem que finalmente caiu em si — disse ele, bagunçando o cabelo já caótico de Jungkook — Fico feliz em saber que agora você não vai mais fazer da vida da um inferno. O verão faz mesmo milagres. Se der uma chance de conhecê-la melhor, vai ver que toda aquela sua raiva foi direcionada pra pessoa errada.
Ela não parece querer isso, cara, o pensamento se materializou para Jungkook de uma forma muito óbvia de repente. não parecia querer falar da própria vida, mesmo que ele tivesse muita vontade de perguntar sobre o assunto, de muitos assuntos, na verdade, mas sua mente estava tão carregada de dúvidas e ansiedade com toda aquela questão de poder/não poder que ele se sentia incapaz de investir nessa curiosidade. O que era bom, porque conhecê-la de perto o deixaria ainda mais afundado em toda essa confusão, afundado até o pescoço.
— Tá legal, é sério que vamos ficar falando da ? Não temos nada mais interessante pra falar? Tipo tricô? Músicas do MeloMance?
— Vamos falar do fato do JK estar fodendo a mesma pessoa há mais de 1 mês.
Taehyung soltou a frase no ar de repente, totalmente fora de lugar, o que arrancou uma gargalhada imediata de Hobi, transformando aquela simples constatação em uma piada interna já feita entre os dois há muito tempo.
E isso irritou Jungkook, irritou tanto que nem deu tempo de se sentir chocado.
— É o quê?
Hoseok riu mais ainda. Taehyung encarou o mais novo com um olhar sugestivo.
— Foi mal, Kookie, sei que você teve anos e anos pra aprender a ser discreto e até agora tinha conseguido isso sem muito esforço, mas ultimamente você anda abandonando esses princípios. Tá na cara que tem alguma coisa diferente rolando.
— É, você fica rindo sozinho olhando pra esse celular de vez em quando, é bizarro. Tá assim desde o Japão. Mal te vi com a Sunny naquele festival porque tava ocupado demais digitando nesse troço.
— Deve ter sido a primeira vez que não trepou com ela desde que ficou solteiro.
— De que porra vocês estão falando? — Jungkook trincou os dentes. Não dava pra acreditar. Era óbvio que tinha transado com Sunny naquele dia. Talvez não do jeito que pensou – nem com as pessoas que pensou, já que ela sempre arrastava mais alguém. Talvez tenha ficado tão entorpecido com a ligação de Jaehyun que só queria ir pra casa. Talvez tenha deixado isso claro para Sunny e daí, então, transaram no mustang vermelho dela a caminho do aeroporto. Talvez tenha sido só isso antes que ele se despedisse e entrasse no avião particular. Talvez ainda tinha tanto álcool, cigarro, aquela merda de essência de pêssego que ela o tinha feito experimentar, , a ideia do cachorro e todas essas coisas na cabeça que adormeceu assim que sentou na poltrona e esqueceu do celular desligado.
Mas tinha acontecido! Naquele mustang, o último modelo de mustang, porque Sunny também era fã dessas coisas conceituais.
— E ele desapareceu assim que pisamos na Coreia — continuou Taehyung, ignorando Jungkook e sua pergunta completamente.
— Na verdade, ele simplesmente desaparece do nada em alguns dias. Lembra da primeira festa na casa nova dele?
— Evaporou junto com as louças sujas.
— E no sábado passado, ele simplesmente não atendia o celular bem no dia que marcamos de jogar Valorant. Você reconhece essa criança, Tae? — Hobi riu mais uma vez, metendo as costas das mãos nos ombros de Jungkook, que fechou a cara ainda mais — Cheio de segredos ultimamente. E nem adianta falar da Yuju ou de algum remember com a Rosé porque ela não pisa na Coreia há meses.
— Aquela outra que vive procurando ele também, como é mesmo o nome dela?
— A tailandesa? Chicha, ou Kitty.
— Isso. Muito gata!
— Uma gata que tá sempre indisponível e é inalcançável. Ou seja, as principais fodas dele vieram procurá-lo como cadelas no cio, o que só mostra que ele não tá com nenhuma delas, e isso significa que tem alguém novo no pedaço.
— Alguém bem diferente…
— Ei, eu ainda tô aqui, lembram? É de mim que vocês estão falando — Jungkook se pronunciou com os dentes cerrados. Num primeiro momento, a recapitulação de todas aquelas garotas o incomodou. Não pela quantidade de sexo fútil, mas pelo fato de que ele realmente pareceu ter se esquecido de todas elas — E se não for pedir muito, podem me fazer um favor e ir cuidar da vida de vocês? Agradeço.
Ele se levantou logo depois, ainda com a toalha na mão, colocando o telefone mudo nos bolsos e procurando a bolsa que havia trazido, desorientado.
— Ah, qual é, deixa a gente te zoar um pouco. Você acabou de recusar uma rodada sem nenhum motivo, e tem uma diferença muito grande de quando você recusa uma noitada com a gente quando vai pra outra noitada ou quando vai ter planos secretos e picantes. Todo mundo sabe disso. A última vez que isso aconteceu foi quando… — Hobi parou. Pareceu que seu cérebro tinha sido coberto de lama apenas pela possibilidade da ideia — Ah, merda, não me diga que é a…
— Claro que não, Hobi, não fala merda — Jungkook se virou imediatamente pra ele, e seu rosto se mostrou tão sério como só ficava quando aquele assunto vinha à tona. Hoseok apenas assentiu, e uma inspeção mais atenta mostrou que ele tinha arrependimento salpicado nos olhos.
— Quem é então? A gente conhece? — Taehyung não se abalou com o possível assunto Ali Dalphin pairando no ar e abriu mais um sorriso prepotente. Jungkook bufou e abriu a boca para rebater — Ah para cara, vai mesmo tentar inventar que vai ouvir discos do JP Saxe naquela oficina do Nitro? Tá na cara que tem mulher na parada.
Na realidade, tinha mesmo mulher. Uma única mulher. UMA!
E esse fato pareceu tão claro e límpido quanto o céu estava naquela tarde de verão.
Jeon Jungkook estava se envolvendo com uma mulher por semanas. Dias. Uma mulher com quem estava trepando, é claro, mas que tomou banho com ela, dormiu com ela, levou-a em um encontro e beijou ela!
Só uma. Só ela.
Em quantas camadas isso estava escondido para que ele só pensasse nisso agora?
— Não, você não conhece — ele respondeu, relutante. Nem percebeu como sua voz saiu mais baixa porque as engrenagens da mente estavam funcionando a todo vapor. As palavras estavam ficando presas aos montes nas fendas do seu cérebro: só uma. Só ela.
Quando notou, os dois o encaravam com os olhos focados, daquele mesmo jeito estático como se o ET daquele filme antigo dos anos 80 tivesse trocado seu amigo de lugar.
— O que foi?! Inferno.
— Confesso que eu tinha jogado um verde e agora não acredito que é mesmo verdade — Hobi segurou uma risada. Jungkook revirou os olhos e logo voltou a procurar sua bolsa novamente. Um calor de 5 verões tomou seu rosto e o resto do corpo, e ele quis loucamente arrancar aquela camisa preta como já estava querendo desde que deu o primeiro soco em Tommy com as luvas de boxe mais cedo, mas não podia fazer isso a não ser que quisesse exibir as unhas de por todo o seu torso para os curiosos inconvenientes na sala. As únicas unhas da única garota que ele estava comendo! Puta que pariu — Ei, não foge, não. Você não costuma encontrar a mesma garota por mais de 2 dias.
— Que dirá uma semana! — Taehyung participou da inquisição.
Jungkook se virou a tempo de ver os amigos de pé também. Aquele olhar zangado dizia que eles estavam certos e que ele odiava isso porque não era o que estava planejando! Não era mesmo!
— Não foi a mesma garota, foram 2 diferentes… talvez 3. Enfim, parem de deduzir essas merdas — ele se embolou na última frase, correndo para voltar a procurar sua mochila, que parecia estar se escondendo dele tanto quanto suas desculpas esfarrapadas estavam.
Taehyung puxou a bolsa de academia repousada no canto da parede, ao lado da esteira, e jogou para o mais novo, que a pegou no ar com um olhar surpreso.
— Eu acredito no que eu vejo — afirmou, com outro olhar insinuante e um sorriso venenoso de quem não seria manipulado. Hobi soltou mais uma risada e talvez Jungkook tenha pensado em jogá-los debaixo de um carro caso tivesse um por perto.
— Não vou discutir com vocês — respondeu por fim, com uma intensa expressão de tédio. Talvez pudesse só enrolar suas línguas em torno do pára-choque dianteiro da Mercedes. Qualquer coisa que os fizesse parar de falar sobre aquele assunto ou qualquer outro que tivesse relação com Jungkook e sua nova percepção sobre si mesmo.
Só uma. Só ela.
Que ridículo.
— Relaxa, JK, acha que a gente vai te julgar por isso? É bom dar uma desacelerada de vez em quando, quem sabe você até volte a namorar.
O tronco de Jungkook se enrijeceu no caminho para a porta. Ele mal deu dois passos até ouvir a gargalhada estrondosa de Hoseok ecoar por todas as paredes. Taehyung riu logo depois, e Jungkook certamente deveria imitá-los se não sentisse um negócio estranho no peito, que desceu até o estômago e trouxe um sentimento clássico de medo. A situação namoro o lembrava de velhos naufrágios, coisas profundas demais que faziam estragos demais. E poucas pessoas conseguiam rir quando estavam com medo.
Medo de quê, caralho? Esses idiotas estão falando idiotices!
— Jungkook namorando de novo. Conta outra — Hobi quase secou os olhos pelo ataque de risos.
— Foi a piada mais imbecil que você já fez — Jungkook abriu um sorriso duro e forçado para Taehyung, agarrando o celular e começando a caminhar para fora — Tô dando o fora.
— Ei, vamos com você — Tae falou enquanto puxava um Hoseok ainda segurando um riso para fora, acompanhando o mais novo pelo corredor iluminado do quinto andar do prédio da Hybe, que às 9 da noite estava mais vazio do que as pistas de patinação de shopping em pleno verão.
Taehyung rapidamente passou um braço pelos ombros de Jungkook, andando logo ao seu lado.
— Você não ficou chateado pelo lance do namoro, não é?
— Não vou ficar chateado por algo que nem vai acontecer.
— Verdade, você tem a péssima mania de enjoar rápido demais. Isso já tá antigo. Mas olha, independentemente de quem for essa garota, tá tudo bem, curte o momento. Não sendo nenhuma das minhas amigas, tá ótimo, vai fundo.
— Ele já não pegou todas as suas amigas? — Hoseok perguntou, se colocando do outro lado de Jungkook.
— Argh, claro que não, nisso ele soube respeitar os limites — Taehyung fez uma careta. Os três se aproximaram de um outro corredor estreito que era tomado por ventoinhas de ar condicionado e que levava para fora dali — E não são tantas amigas assim.
— Mas se elas quisessem…
— Nem fala uma coisa dessas — ele interrompeu Hoseok assim que Jungkook revirava os olhos e parava em frente a última máquina de salgadinhos antes da saída. Tocou nos botões para escolher o primeiro café que estivesse à vista. Nesse meio tempo, parou para observar o celular de novo por um instante.
Ele ouviu claramente o momento em que Hobi estalou a língua e apoiou os ombros na parede ao lado da máquina.
— Não entendo o tesão que a mulherada tem em um cara que com certeza não vai querer nada além de uma trepada. Enquanto eu tô aqui, cheio de amor pra dar…
— Ah, de novo não — Taehyung interrompeu com tédio antecipado. Jungkook balançou a cabeça para o amigo ao mesmo tempo em que a lata de café gelado caía com um estrondo espalhafatoso na abertura da máquina embaixo — Muda o disco, Hobi.
— Tá legal, tá legal — ele levantou os ombros, se dando por vencido. Observou Jungkook abrir a lata do café ao mesmo tempo em que olhava para o telefone de novo. Clicava em alguns aplicativos sem sentido. Abria a aba de mensagens. Olhava para a tela por um tempão, mais do que o necessário, como se esperasse alguma coisa, ou escolhendo alguma coisa.
Jungkook não ouviu o que os amigos disseram depois. Seu único pensamento estava vidrado no botãozinho de mensagem nova e na lista de contatos não muito extensa que se abriu depois. Ele chutou que devia haver pessoas ali que mal se lembrava mais do rosto, mas essa era a menor das preocupações no momento. Aquela frase do cômodo anterior estava queimando seus neurônios como bombinhas de festim.
Só uma. Só ela.
Isso era tão… Inaceitável, tão… fora dos planos, tão… cômodo, íntimo, invasivo. De repente, estar com do jeito que estava não pareceu um problema apenas pela questão de seu melhor amigo, mas um problema para ele mesmo e todas as regras que tinha se colocado sobre exclusividade e compromissos. Ele não os teria, pelo menos por um bom tempo, pelo menos para aproveitar mais o mustang de pneus enormes e caros de Sunny, aproveitar uns anos sem possíveis mágoas, aproveitar uma era onde não precisasse se entregar pra ninguém e estar disposto a sofrer as consequências disso.
Jeon Jungkook não queria enfrentar consequência nenhuma de um relacionamento porque não estava disposto a ter um. E qualquer coisa que podia estar soando como um potencial disso precisava ser… detido? Eliminado? Devia, não devia?
Começando pela parte dessa exclusividade bizarra que estava acontecendo.
— Hmm… Ele não perde tempo mesmo — a voz de Hobi veio em cima de seus ouvidos assim que ele terminava de digitar “E aí, tá livre hoje?” na caixa de mensagem para… Tina? Alguma garota morena com piercings no nariz que provavelmente tinha pegado alguma vez na vida.
Jungkook viu que ele olhava mais de perto e revirou os olhos, guardando o celular de novo.
— Cuidar da própria vida, lembra? — ele grunhiu, entornando mais um gole grande de café e ajeitando a bolsa nos ombros — É sexta-feira, não é possível que você não tenha uma festa no submundo, onde você pode ir conversar com seus amigos sobre acessórios caros da Kaws ou seja lá o que essa gangue de rappers conversa. Não te interessa mais a aventura de sair pra beijar na boca?
Hobi levantou uma sobrancelha.
— Eu escolho bem quem eu vou beijar na boca, não sou como o Tae que não tem nenhum critério.
— Ei — Taehyung levantou os olhos do celular — Isso é uma piada por eu ser bissexual ou por eu gostar de beijar?
— Da última vez, você beijou aquele cara com alargadores que pareciam tampa de lixeira na festa da Jamie. Você não tem critério.
— Era só uns aros grandes, que exagero.
— Mas suas amigas são lindas, independentemente das tatuagens bizarras na testa e dos moicanos que tem. Até o Jungkook repensaria sobre essa maluquice de não beijar.
— Nunca conheci uma garota de moicano — Jungkook abriu um sorriso tendencioso para entrar na conversa. Tinha um novo olhar ali, um que aceitaria desesperadamente uma nova garota na bolha de sexo regular para quebrar imediatamente aquele ciclo de sexo exclusivo com .
Puta merda, ele precisava desesperadamente avisar ao seu pau que existiam outras garotas e que precisavam existir, mesmo que aquele órgão não parecesse nem um pouco interessado nisso.
Em contrapartida, Taehyung franziu o cenho para o amigo, desconfiado.
— Não acho que elas sejam o seu tipo…
— Eu não tenho tipo!
— É, cara, dentro de um carro com filme escuro nos vidros não existe tipo. Vai fundo — Hobi bateu em um ombro de Jungkook — Mas da minha parte, você não vai chegar perto de nenhuma das minhas amigas. Elas já são poucas e não quero que me odeiem por sua causa.
— Infelizmente, existe grande chance de elas irem até ele — disse Taehyung com um suspiro triste. Hoseok pareceu refletir pelo dobro de minutos sobre a questão até dar de ombros.
— Tá tudo bem. Existe pelo menos uma delas que tenho certeza absoluta que jamais iria para cama com o JK, custe o que custar.
— Difícil. Quem é a soberana?
— Quem você acha? .
Hobi e Taehyung explodiram de risadas imediatas com o comentário, enquanto Jungkook parou a lata de café no meio do caminho e agradeceu por isso porque com certeza o líquido gelado travaria na glote e o faria engasgar com a surpresa. Ele apostaria todo o dinheiro do mundo que Hoseok chutaria suas bolas por um mês inteiro caso descobrisse a verdade.
— Nossa, que engraçado, vocês são hilários pra caralho. Vou até pedir pra mudarem seus crachás no RH — ele abriu um sorriso quadrado de ironia, bebeu o restante do café e jogou a lata vazia na lixeira mais próxima. Agora se sentia plenamente acordado, disposto, faminto, menos suado e pronto pra ir embora e se encontrar com uma garota. Ouviu, cabeça número 2? Uma garota, não qualquer uma, mas uma diferente, porque essa era nossa proposta desde que abandonamos a monogamia. Se lembra? Espero que sim.
Quando começou a caminhar pra fora de novo, em direção à porta vermelha lateral que levaria ao estacionamento de cima, os dois amigos ainda estavam em seu encalço.
Jungkook soltou uma longa expiração.
— Vocês realmente não tem mais o que fazer? — perguntou, puxando as chaves de algum bolso da mochila.
— Temos a cerveja que você tá recusando — respondeu Taehyung.
— Recusando pra ir ficar com a peguete fixa que tá cada vez mais fixa.
Vão se foder, ele teria dito, mas isso só expressaria ainda mais o quanto estava puto. Porque estava, e muito, mas era um tipo diferente de estar puto. Parecia um estou puto porque parece que é verdade, e essas coisas estão se transformando em uma bola de neve, e por favor calem a boca e finjam que não perceberam nada, vou mudar isso a partir de hoje.
Ah, ele ia mesmo. O telefone estava queimando no bolso, antecipando a resposta da garota Tina que viria daqui a pouco, ele sabia que viria.
— Ela não é fixa — disse ele com toda a firmeza que conseguia emitir — E não vou me encontrar com ela hoje.
— Ué, por que não?
— Porque ela não é fixa — ele expressou seu tom óbvio. A risada que os outros dois deram só serviu para mostrar que sua convicção não era nada convincente.
— Você tá bravo que a sua ficante fixa se fixou demais? — Taehyung ergueu uma sobrancelha em desafio. Tinham chegado à Mercedes estacionada ao lado da pilastra. Jungkook o olhou com aborrecimento.
— Calem a boca — e ouviram o “tuc” baixo e raso do carro destrancando.
Taehyung colocou uma palma da mão em cima da porta.
— Então aceita ir tomar uma cerveja com a gente. Assim, vou acreditar 100% que você continua livre, leve e solto e não está levando as coisas a sério demais.
Jungkook o encarou por debaixo dos fios meio molhados em cima dos olhos. Pensou em dizer não, assim como pensou em mandá-lo ir para a puta que pariu, o que não seria nenhuma surpresa já que os dois pareciam estar pedindo por isso, mas talvez, mesmo de forma perturbada e muito rasa, Taehyung tenha conseguido plantar alguma coisa para deixar Jungkook propenso a aceitar aquele convite.
Porque ele estava livre, leve e solto e não estava levando as coisas a sério demais. Se em algum momento pensou que estava, agora se viu eliminando essa possibilidade para dentro da privada porque isso aqui não era uma comédia romântica e acordos permaneciam como acordos até o dia em que a data limite chegava.
Mesmo que essa data limite, agora, tinha desaparecido por debaixo da poeira que era a aba de conversas dele e Jaehyun. Onde estava esse filho da puta?! Tinha mesmo desaparecido em alguma rodovia dos Estados Unidos?
E agora a Europa, por Deus, Jaehyun, só me dá uma resposta pra eu não fazer nenhuma loucura, como considerar que você e já eram.
Mas antes que sua boca emitisse um sim para o convite maldito das cervejas, o celular apitou nos bolsos e ele imediatamente sentiu o impulso de pegá-lo, mas respirou fundo e abriu a porta de trás do carro, jogando a bolsa da academia bem em cima de uns adesivos do Blink-182 que tinha comprado pra Nitro.
— É, talvez… — ele suspirou quando começou a dizer, e pegou o telefone.
Abaixo da foto da Tina, havia a mensagem: “Que surpresa, gatinho. Achei que nunca mais ia te ver. A que horas você me pega?
Ele nem se lembrava de onde ela morava ou se já chegou a saber algum dia, e seu corpo não anunciou nenhum centímetro de reação com a possibilidade do encontro, mesmo que seu cérebro se lembrasse vagamente de como ela era gostosa e em como o sexo era bom, mas Jungkook mal teve tempo de digitar uma resposta quando outra mensagem chegou um minuto depois.
E essa, sim. Ativou todos os seus hormônios e terminações nervosas como um adolescente com apenas uma frase.
Candice volta pra casa amanhã.
Na mesma hora, pequenas explosões foram fazendo ninhos no seu corpo, como uma linha de dinamite pegando fogo em várias direções. O mesmo fogo que sentia quando se lembrava de nua em cima daquela mesa da cozinha dela, ou a forma de suas pernas abertas no tapete da sala, ou de sua boca em volta de seu pau que agora, sem esforço nenhum, estava animado como nunca e implorando para que ele deixasse de ser burro e fosse em busca do que realmente o faria feliz naquele dia.
E não era uma cerveja com Taehyung e Hobi. Não era escrever músicas em Chainsaw. Não era transar com outra garota. Lógico que não era.
— É… A cerveja fica pra outro dia — ele se viu falando sem notar, guardando o telefone com pressa e fechando a porta de trás.
— Tá brincando — Hobi pareceu decepcionado.
— Vou pagar uma rodada na terça. Depois que mostrar a música — disse Jungkook, olhando para os amigos um a um com o olhar ansioso — Prometo. Fui.
Ele entrou no carro e fechou a porta do motorista. Com um aceno rápido, os pneus daquela grande máquina preta já estavam cantando no piso de concreto para o lado de fora em um piscar de olhos.
Taehyung abriu e fechou a boca algumas vezes, segurando a garrafa de água com muita imprecisão.
— Cara… Ele nem tá tentando lutar contra isso.
— Você sabe o que isso significa, não sabe? — Hobi comentou, ainda olhando para os resquícios de fumaça que os pneus traseiros da Mercedes causaram no ar. Taehyung o encarou de canto de olho e riu uma vez — E lá vamos nós de novo…
— Tão previsível o garoto.
Hoseok deu de ombros e suspirou de maneira cortante.
— Já era hora de alguém invadir aquela concha.
— A concha de Haeundae Beach. Quem sabe aquele garotinho de Busan não volta a aparecer, hein?
E virando-se um para o outro, Hoseok perguntou:
— Cerveja?

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Jungkook afastou o caos do cabelo de para contornar suas costas com a língua.
O colchão de molas afundou quando ele apertou os dedos ao redor de seu quadril e succionou a pele úmida e grudenta de suor com um grunhido de satisfação. A respiração rápida e entrecortada que escapava da garganta dela deixava-a ainda mais quente, e o cheiro característico de óleo de banho com a fragrância inconfundível de sexo tornava tudo mais gostoso. Eram doses repetidas da mesma coisa que nunca o deixavam cansado. Mal dava pra acreditar que Taehyung havia dito há algumas horas atrás que ele enjoava fácil das coisas. Se existisse algo que Jungkook estava muito certo ultimamente era de que não iria enjoar ou se entediar daquela pele macia que deslizava sobre sua boca, e em como seus poros se retraíam em um arrepio por causa disso.
franziu o cenho quando ele a impulsionou para a frente, puxando sua bunda para cima, deixando-a de maneira totalmente empinada na base da cama, já bagunçada como uma vítima de furacão. Todas as coisas naquele quarto estavam fora de lugar, incluindo o dispositivo de relógio digital que sempre ficava em cima da mesinha de cabeceira e que agora estava jogado em algum canto, provavelmente também vítima da afobação maluca entre os dois, que transformava qualquer lugar em um bom lugar para se ter as costas apoiadas e as pernas abertas. Antigamente, as horas eram muito importantes naquela dinâmica e hoje viraram apenas um conjunto tosco de números que não queriam dizer mais nada.
A bochecha dela foi cuidadosamente posicionada rente ao colchão e Jungkook se ajeitou em seu lugar por trás, dando a centésima estocada com energia, segurando firme em uma das nádegas vermelhas dos tapas anteriores, conduzindo mais um gemido sôfrego que partiu por debaixo daqueles cachos rebeldes que quase escondiam seu rosto. O gemido dela era música para os seus ouvidos. Dava mais vontade de se enterrar, de meter, de fazer rápido do jeito que ela gostava mesmo que isso significasse que ela fosse se retorcer e gozar com menos de 15 minutos, mas era bom pra caralho. Encaixava tão bem igual um quebra cabeça. Não deixava ele pensar em mais nada, só na combustão que estava vindo.
— Ah, deus… — ela arfou em prazer absoluto, sentindo ele aumentar a velocidade, sentindo o fogo que se acumulava na barriga com cada investida, deixando que o sorriso sapeca brotasse em seus lábios, os dentes morderem a boca, tudo e mais um pouco — Merda, Jungkook…
Ele agarrou seu cabelo desgovernado, puxando levemente sua cabeça para trás enquanto afundava os dedos no quadril para estabilizá-lo, afundando-se até que ela aumentasse os gritos.
Que se fodam os vizinhos, já deviam estar acostumados. Aquele era Jeon Jungkook no seu lugar favorito do momento e Jeon Jungkook pagaria todas as multas de má conduta que quisessem com um sorriso no rosto se ninguém se atrevesse a interrompê-lo.
Mas algo estava queimando e queimando com força no peito, atravessando suas duas pernas em sinal de exaustão, mais uma onda de prazer subindo querendo sair, e ele não queria parar agora, de jeito nenhum, não depois de ver que o quadril de se mexia por conta própria porque os movimentos retos e ritmados dele não pareciam estar sendo o suficiente.
— Porra, … — ele disse em uma redoma abafada, falhada pelo tesão. A bunda dela, perfeitamente erguida, era uma visão do paraíso. Ficava ainda mais linda com o encaixe dos dois. Ficava extremamente divina com a mobilidade de sua cintura, como se pedisse para que ele enfiasse a cara ali e morasse de vez.
E foi o que fez. Com um rosnado, ele interrompeu os botes que o fariam gozar ainda mais rápido e se abaixou na altura de sua bunda, afastando suas nádegas para sorver o ar de sua boceta e colocar a língua rapidamente, voraz, faminto. Era gostoso pra um caralho, gostoso como nunca tinha sido. arfou em surpresa, sentindo o corpo ainda mais mole, sentindo a cabeça girar em 360º quando aquela língua se deslocou como um chicote.
Jungkook — ela choramingou, e fechou os olhos com a sensação tórrida que derretia suas paredes. Nossa, o que era aquilo que ele estava fazendo? Fazendo de novo! Um vai e vem úmido e entusiástico, delicioso, rápido como seu próprio pau estava fazendo, mas muito, muito mais direcionado — Meu deus… Não para…
E ela rebolou de novo em cima da língua dele, rebolou porque queria estender a sensação umectante e ardente para todo o corpo, rebolou porque a impressão das mãos firmes dele sobre a sua bunda somada com a língua travessa era boa demais pra ser verdade, porque ela gostava do que estava acontecendo e gostava de tê-lo ali, e nunca na vida tinha sentido coisa parecida com essa, e parecia tão certo que a fazia se perguntar porque tinha atrasado isso a vida toda.
Se todos os orais do mundo fossem iguais o daquele cara, tinha perdido tempo recusando encontros e possibilidades de sexo casual nos últimos anos, mas alguma coisa a dizia que não… Não, nada seria igual aquilo, nada seria igual a ele.
Pensar desse jeito poderia não ser muito bom pra um futuro próximo, mas agora existia uma formigação perfeita no ventre que estava prestes a explodir por causa da língua magnífica desse cara, então não era hora de ponderar sobre essas coisas.
— Ah, caralho… — ele soprou lá dentro, um hálito quente e aconchegante que quase a fez gozar com uma frase — Eu te chuparia a noite inteira…
As pernas de ficaram bambas. Os joelhos flexionados começaram a ceder, mas Jungkook firmou-os de novo na cama. Com os dois dedos, ele a penetrou bem devagar, servindo como um impulso para que ela alçasse o tronco de novo, empinasse a bunda com ainda mais vontade, gemesse sem reservas enquanto balbuciava pedidos incompreensíveis, mas que um se pareceu mais claro:
— Volta… quero você…
— Você quer o quê?
— Quero você.
— Fala isso de novo.
resmungou, agarrando ainda mais o lençol.
Eu quero você.
E Jungkook abriu o maior sorriso do universo, mesmo já tendo ouvido aquele tipo de coisa um milhão de vezes de um milhão de pessoas diferentes.
— Ah,
E ele se colocou atrás dela novamente, puxando sua cintura para que abrisse mais as pernas e, então, se afundou dentro dela de novo como se nunca tivesse saído.
gritou aos quatro cantos do quarto. Jungkook agarrou seu cabelo outra vez, focado na forma de suas curvas, no jeito como um de seus braços se esparramou na cama quando o corpo queria cair, em como ela virava uma escultura do trovadorismo naquela posição. Tanta sensualidade genuína envolta em uma garota de 1 metro e sessenta e alguma coisa, atraindo Jungkook como se ela fosse uma vara de radiestesia e ele um pedacinho de metal qualquer. Era bizarro. O deixava totalmente descontrolado.
Ele sorriu quando ela se virou em sua direção, prevendo o inevitável: que ele gozaria ao menor dos movimentos. agarrou os dois ombros dele e puxou-o em direção ao meio da cama, onde se colocou por cima com o olhar fixo nos dele, remexendo tudo dentro de Jungkook, encaixando-se novamente em seu pau com destreza enquanto adiantava a vez dele de gemer.
— Assim vou gozar, gata, tô falando sério… — ele fixou o olhar em seu seios preenchidos, brilhando de suor na luz baixa, porque imaginá-los pulando loucamente enquanto ela subisse e descesse já era fantasia forte o suficiente para que ele se sentisse ainda mais perto de explodir.
— É o que eu quero… — se mexeu por um centímetro e Jungkook trincou os dentes.
— Primeiro as damas…
— Então você vai gozar comigo.
E foi assim que ela mordeu novamente o lábio inferior e sorriu com ele entre os dentes, encostando sua testa na de Jungkook e gingando o quadril como se ele tivesse vida própria.
A boca dela era uma perdição. Era algo que destruía as fiações de seu cérebro, toda a sanidade contida em um homem racional, e se tornava insuportável não fazer nada, não ceder. Era nessa hora que ele agarrava seu corpo dos dois lados e metia a boca na curva de seu pescoço, nos seus mamilos duros e inchados enquanto se concentrava na forma como sua boceta o engolia com vontade, deixando-o sem saber o que fazer, só sentir.
— Caralho… , porra… — ele grunhiu em tom de bronca, a respiração ofegante impedindo-o de terminar uma frase.
— Cala a boca — ela fechou os olhos e sentou com mais força. Sabia o que estava vindo, tanto pra ela quanto pra ele. Sabia e queria o que estava vindo. Jungkook pareceu ficar ainda mais duro, se é que isso fosse possível, pelo simples fato de que ela estava mandando. E porra, a garota tinha mesmo pegado o jeito da coisa, porque aqueles olhos felinos por baixo do cabelo rebelde fariam-no sair na rua em pleno inverno com uma fantasia de Tarzan. Fariam-no escalar o Everest com essa mesma fantasia. Ou pior: fariam-no ler um dos livros de Namjoon em menos de 3 dias.
Que se foda, ele faria o que ela quisesse. Se tivesse a audácia e coragem de pedir um beijo agora, ele a beijaria antes que ela terminasse a frase.
Me pede um beijo agora, . Eu só vou fazer isso se você pedir, só vou burlar toda essa merda se você quiser muito também, e sei que eu sou um desgraçado que anda pensando em você mais do que já pensava antes, e pensando em você como um homem pensa numa mulher e que isso é um pouco perigoso, mas só quero uma verificação para confirmar o quanto eu talvez esteja fodido, mas sério, só um beijo…
— Jungk…
Ela explodiu ao mesmo tempo que ele, e seus corpos estavam mais grudados do que nunca. O som que saiu da garganta de Jungkook foi algo parecido com um resmungo, um grunhido sufocado de alívio. A cabeça de estava tombada para trás, sorvendo o ar em volta enquanto viajava no próprio mundo, com os braços em volta do pescoço dele, a mente apagada por alguns instantes, e depois voltou com os olhos minguados, as pálpebras baixinhas de cansaço e o sorriso satisfeito que derrubava ele mais do que Tommy nas aulas de boxe.
Ah, entendi a porra da exclusividade, pensou ele. Entendi porque a mensagem de Tina vai ficar sem resposta por um tempo. Porque isso aqui só tem aqui e não pode ser uma coincidência. Se cruzou a porra de um oceano inteiro pra acabar com a minha reputação, tá conseguindo isso lindamente, puta merda, tá conseguindo com louvor.
Jungkook nunca dizia abertamente sobre o quanto se sentia cada vez mais perdido quando ela o fazia gozar daquele jeito, mas levantou um dos braços antes apoiados em sua cintura e passou os dedos pela nuca dela, encarando o fundo de seus olhos vagarosos com pesar, esperando que ela entendesse uma coisa muito simples:
— Você vai me deixar louco… — ele soprou em meio ao peito que subia e descia sem parar, mais arfante do que ficava depois de puxar alguns pesos. Ela não pareceu ouvir direito, ou não reagiu imediatamente, apenas o encarou de volta e abriu um sorriso ainda maior, um sorriso de júbilo, de dever cumprido e deixou o corpo cair no colchão, sendo acompanhada de Jungkook tomando o outro lado, logo depois de se livrar do preservativo naquela lixeira em formato de um botão de rosa ao lado da cama. Presente de Candice, com certeza.
Os dois fitaram o teto por alguns minutos, recuperando a respiração acelerada, juntando as pernas e os dedos da mão no espaço entre eles distraidamente.
— Vou ter uma cãibra na perna da próxima vez que ficar ajoelhada daquele jeito de novo — riu, virando a cabeça para ele.
Jungkook revirou os olhos e tentou dar uma risada que não se parecesse com alguém que fumou 2 cigarros antes de estar ali. A garganta estava seca e seu corpo inteiro estava dolorido, mas ainda assim, ele impulsionou o tronco para o lado e ficou de frente para ela.
— É claro, deve ter sido uma experiência bem ruim, , vou parar de te comer de quatro e esperar os próximos capítulos.
— Achei que você tinha dito que não era mais convencido.
— Você não devia acreditar em tudo que eu digo.
girou o torso para ficar na mesma posição. Olhar para ele daquele ângulo trazia o mesmo sentimento que experimentou no quarto dele há algumas semanas atrás, quando aquela chuva horrorosa imitava um dilúvio do lado de fora e os raios a assustaram da mesma forma que assustaram quando era criança. A presença de Jungkook bloqueou toda aquela atmosfera de angústia, e tinha sido tão estranho naquela época que jamais voltou a pensar no assunto.
Mas ele estava ali de novo e não estava chovendo, nem ao menos tinha música saindo das paredes, mas ele estava ali… e toda a confusão externa da vida de não existiam e não importavam.
Isso era bom. Era legal. Reconfortante. Mesmo que fosse de mentira. Que ela fosse de mentira. E que ele não passasse de uma ilusão.
— Você está certo. A história de que não goza duas vezes era charme, mas eu sempre soube disso.
Ele riu imediatamente, apoiando o cotovelo no colchão.
— Você anda sendo uma exceção, . Mas só quando rebola na velocidade 5. É extremamente lindo de se ver — e ele baixou os olhos para todo o seu corpo, fascinado com uma lembrança acumulada e recente — E de ouvir.
Em contrapartida, fez uma careta engraçada.
— Ah, não...
— O quê? — ele deu de ombros, e riu de novo. Riu da expressão dela e riu do jeito que o cabelo estava espalhado pelo travesseiro. Como ela ficava bonita no estado natural, com algumas olheiras, exposta na cama sem tentar se esconder e riu do jeito como ela riu de volta pra ele.
Meu deus. Quando Hobi e Taehyung avisaram que ele andava rindo de tudo, podia mesmo ser verdade?
— Tá arrependida de ter cavalgado em cima de mim como uma atleta de hipismo ou de ter elogiado o meu pau? Várias e várias vezes, inclusive.
— Eu não sei, qual delas aumenta mais o seu ego?
— Resposta difícil. Mas acho que "merda, Jungkook, quero casar com o seu pau" me enche de tesão só de lembrar... — ele bufou quando recebeu o tapa dela no ombro. De novo, riu quando ela gemeu um “não acredito” e colocou as duas mãos para esconder o rosto corado. Riu quando puxou a mão dela da frente do nariz e acabou puxando demais, para mais perto, e aproximou mais o corpo dele, e então seus rostos ficaram ali, alegres e próximos, mesmo que o sorriso dele fosse diminuindo e o dela aumentando à medida que focava naqueles olhos pequenos.
E então, veio o silêncio. Um silêncio que seria preenchido pelo barulho ferrenho do coração de Jungkook batendo forte, caso pudesse ouvi-lo. A garota foi tomada por uma sensação esquisita de aconchego. Um querer estar, querer ficar, querer respirar fundo e tirar as sacolas pesadas dos braços, como quando a gente chega em casa depois de um dia exaustivo de trabalho. E essa era uma sensação boa, real, muito diferente do imaginário que estava esperando sentir com Jaehyun.
Ainda sorrindo minimamente, ela esticou a mão e passou pelo cabelo de Jungkook, que tinha as pontas um pouco molhadas pelo suor na testa, e essas mesmas pontas desciam até formarem curvas por debaixo do lóbulo da orelha, e todo o restante dos fios estava mais cheio e mais armado do que há alguns meses, e ele gostou muito disso.
— Já pensou em deixar o cabelo crescer? — perguntou ela em voz baixa, contornando o comprimento do cabelo que estava quase na nuca.
Jungkook olhou bem nos olhos dela.
— Você gosta?
— Gosto — deu de ombros.
Jungkook não pensou muito sobre o assunto. Só sentiu uma faísca violenta no peito, daquele tipo que derretia todos os seus órgãos e encarou aquele sorriso aberto para ele que o deixava duro na mesma hora, mas também o deixava estranhamente relaxado, seja lá como essas duas coisas se misturavam.
O que ela quiser, não é?! Faria o que ela quisesse. Meu deus, o que tem de errado comigo?
— Acho que posso pensar nisso com carinho, .
Ao ouvir o nome, repuxou os lábios e perdeu um pouco da compostura. Ele era tão bonito. Sempre tinha sido, mas agora que estava feliz e bem-humorado na maior parte do tempo, parecia ainda mais. via claramente o quanto ele queria estar ali, assim como ela, e o quanto gostava dessa coisa dos dois, o que tornava ainda mais confuso o aparecimento daquele imbecil com cara de Jungkook no estúdio de Yoongi, mas não importava. Esse Jungkook de agora era tão leve e gentil. O Jungkook que a ajudou no hospital, fez piadinhas sobre seus vestidos, a levou em um encontro, se abriu com ela, emprestou sua relíquia que custava uma fortuna e acreditou no seu trabalho como ninguém. Engraçado, sorridente e animado. Trazia uma paz inexplicável para o coração letárgico de .
E talvez por isso ela tenha permanecido com os dedos no seu cabelo por mais tempo. E esses mesmos dedos fugiram dos fios e foram parar na sua bochecha. E o sorriso dele, que antes estava iluminando o quarto, foi diminuindo levemente, mas não apagando.
— Talvez… — ela começou, e se aproximou, não necessariamente nessa ordem — Talvez eu…
Jungkook prendeu a respiração.
— Você o que? — ele perguntou quando a viu se calar. Seus olhos examinaram o rosto dela com ansiedade, procurando uma resposta direta — O que você quer agora?
queria passar por cima do grande aviso do estúdio, passar por cima de acordos malucos que tinha se envolvido com esse cara e se deixar levar pelo grande desejo do agora, mas isso geraria uma briga. E não queria brigar. Só que Jungkook não parecia alguém que iria brigar. Pelo contrário. O pescoço dele se aproximou como o dela e sua mão tomou os dedos ainda parados em sua bochecha, e os puxaram para mais perto, e aqueles lábios que alugaram um triplex na sua mente durante toda a semana estavam ficando tão perto, tão perto…
Uma batida ligeira na porta do quarto soou como um estouro de ataque terrorista. Destruiu a bolha do quase beijo como uma agulha gigante. A voz de fora disse com um grito embargado:
! , você está aí?
Jungkook e paralisaram no mesmo lugar antes de se sentarem com os olhos arregalados. Instintivamente, ela puxou o lençol para se cobrir, como se de repente estivesse sendo vista por alguém que não fosse o cara tatuado ao seu lado.
— Candice? — sussurrou quase sem voz. Olhou para Jungkook, assustada de novo, e de repente estava movendo as pernas para se levantar, começando a ficar pálida — Droga. Droga, droga, droga.
— Ela não ia voltar amanhã? — Jungkook sussurrou de volta. Não sabia o que pensar. Não sabia o que fazer. Ainda estava preso no momento de 1 segundo atrás, na boca de implorando pra ser beijada.
— Ia! Mas eu não…
! Eu sei que você tá aí! Tá dormindo?
se virou para a porta em um salto. Ela estava trancada por pura força do hábito. Não era algo que Candice questionaria, mas… minha nossa, e se não estivesse trancada? E se ela e Jungkook estivessem fazendo o que estavam fazendo em cima do sofá de novo? Ou da pia da cozinha? E se…
Sua cabeça parecia o próprio Cirque du Soleil. Ela lembrou-se imediatamente das roupas jogadas em algumas partes da sala — a jaqueta de Jungkook no tapete e as botas dele na soleira, e talvez o vestido dela jogado ao lado da porta já que foi ali que recebeu o primeiro oral de vários do dia — e pensou que poderia começar a passar mal.
— Minha nossa… Merda, merda — se viu perdida por um instante, até olhar para o canto do quarto em busca de uma saída e se virar para Jungkook novamente — Armário. Agora.
— O quê?! — ele arregalou ainda mais os olhos. não o deixou responder mais do que isso. Desesperada, cruzou todo o quarto até achar a boxer dele jogada ao pé da cama, junto com a camiseta e – graças a Deus – a calça jeans wide lag da Balenciaga. Garimpou todo o resto que lhe pertencia e jogou no peito de Jungkook, que acabava de ficar de pé com o mesmo semblante de choque.
— Você vai pro armário. Não discute, só entra.
O diálogo era feito praticamente por leitura labial, e Jungkook realmente pensou em retrucar a decisão, mas sentiu a firmeza e seriedade de apenas pelos olhos autoritários que o fuzilavam como radiação. Ele encarou a direção em que ela apontava, para a porta dupla do armário planejado na parede, e engoliu em seco imediatamente.
— Você tá falando sério? — por que você está falando sério?!, era o que ele realmente queria perguntar.
— Liiiiz…
gemeu, novamente em pânico, e imediatamente caminhou até Jungkook, começando a empurrá-lo em direção à porta ripada do móvel.
— Sim, eu estou falando sério. Agora entra!
! — Candice bateu com mais força e puxou a porta, onde Jungkook não teve a menor oportunidade de avaliar sua nova estadia; quando viu, já estava lá dentro, pelado, segurando as roupas e sentindo outras nas suas partes íntimas, incluindo uma família de cabides que batiam em sua testa.
— Ai. O que está acontecendo? Ela tá doente?
— Não sei, não diga uma única palavra, não se mexa, não resmunga, não respire, entendeu? — ela se preparou para fechar a porta, mas Jungkook a parou com uma mão.
— Vamos conversar sobre isso mais tarde, mocinha.
Ela assentiu uma única vez e empurrou os dois suportes com certa força, correndo para a porta do quarto que Candice quase colocava ao chão.
No meio do caminho, se lembrou, com a graça de Deus, que ainda estava enrolada no lençol e rapidamente se despiu para pegar a primeira camisola na gaveta de cima da cômoda, ao mesmo tempo em que ouviu a voz estranha que Candice estava fazendo com:
— Liiiz… Sério…
E um fungar anormal fez passar dois dedos pelos cabelos em uma questão de milissegundos e, finalmente, girar a chave na fechadura.
— Candy, mas o que acont…
Ela começou a perguntar, mas então, de repente, o furacão loiro chamado Candice Chaperman entrou no quarto em um piscar de olhos e tomou em um abraço apertado. O fungar ficou mais alto, assim como os soluços e… Candice estava chorando?!
— Acabou, ! Acabou tudo! — ela respondeu, mas não parecia ter feito isso. O choro aumentou ainda mais, assim como o aperto no abraço. se esqueceu de toda a adrenalina caótica de alguns segundos atrás porque estava muito chocada com… meu deus, aquilo era Candice Chaperman? E Candice Chaperman estava chorando?
Quer dizer, Candice chorava de vez em quando, por vários motivos, principalmente quando envolvia filmes de romance e bandas acabadas, mas aquilo era uma imagem de desespero. Era botar lágrimas pra fora da mesma forma que botar tripas pra fora.
— O que acabou? Por que você está chorando? O que aconteceu? — O desespero de era mais real do que antes. Candice balbuciou alguma resposta incompreensível, afogada naquelas lágrimas surreais. Não dava pra entender nada a não ser alguns: “ele disse… Eu não sei, … Eu não quero…” — Tá bom, vem aqui.
se desfez do abraço e olhou para o rosto da amiga. Estava inchado, a maquiagem escorrendo pela bochecha, os cachos loiros revoltados em um coque, e sentiu um leve cheiro de álcool escapando da boca com gloss borrado.
Mesmo assim, ela fez uma careta confusa. Nunca tinha visto Candice assim. Nunca pensou que veria algum dia.
Ela puxou a amiga para se sentar na cama, mantendo-a a uma distância considerável do armário. Ela deveria se deslocar mais rápido graças à retirada da bota, mas Candice se movimentou tão lentamente como se andasse em cima de geleia.
— Agora, por favor, pode me explicar o que aconteceu?
Candice fungou mais uma vez, e puxou uma… toalha? achou que fosse uma toalha, jogada um pouco de lado como se tivesse caído da mesinha de cabeceira, e ela estava prestes a assoar o nariz nela quando teve um estalo de horror.
— Não, não usa isso! — ela puxou o tecido antes que Candice expelisse qualquer coisa nela.
— O que foi? — Candice disse com a voz embargada. , pálida, jogou aquela coisa do outro lado do quarto e andou até a gaveta da cômoda, a última desta vez, pegando um rolo de lenços para resfriados.
— Nada, usa isso, é melhor — ela balançou a cabeça e estendeu a coisa pra Candice evacuar a vontade. O nariz dela, quer dizer. Era melhor fazer isso ali do que no tecido que Jungkook tinha usado para limpar o esperma que tinha jorrado no peito, no queixo e na barriga de … Por lugares que ela nem imaginava — Agora, fala, por que raios você…
— O Yoongi me pediu em namoro.
travou. Todas as vezes, desde que presenciou o momento em que Candice e Yoongi se viram pela primeira vez, ou até mesmo quando se falaram pela primeira vez, desde quando comentários bobos de Candice como “ele é um gato, não é?” ou “acho que eu deveria beijá-lo” ocorreram, sabia que isso aconteceria. Sabia que Candice tinha encontrado alguém diferente e que perceberia isso alguma hora. Sempre soube que escutaria aquela frase: “Yoongi me pediu em namoro.”
Mas sempre achou que seria dita de um jeito feliz e animado, e não… aquilo.
— Ah… sério? — disse ela, incerta, e Candice apenas assentiu antes de abrir o berreiro de novo e afundar o nariz em mais um lenço. continuou confusa. Ela quase olhou na direção da porta do armário, esperando encontrar os olhos de Jungkook para pedir ajuda: você sabia disso ou também tá surpreso? — E… isso te surpreende?
Candice virou para ela com uma expressão consternada.
— Como assim?
— É, vocês estão juntos há sei lá… uns 4 meses? Desde que nos mudamos praticamente, isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde, não é? Então não…
— Como assim?! O que você tá dizendo? É claro que não, ! — Candice agora disse com a voz aguda, os olhos arregalados de susto, de medo, como se tivesse dito que ela tinha uma doença grave, uma doença grave há muito tempo — Essa é a última coisa que deveria acontecer, você sabe! Eu não pretendia namorar e ele também estava ciente disso!
— Sim, mas achei que era isso que estava acontecendo. Vocês dois se conheceram, se gostaram, criaram intimidade, não estavam saindo com mais ninguém…
Nessa hora, Candice virou a cabeça com tanta força na direção de que roubou as próximas palavras de sua boca, e aquele olhar que recebeu da amiga, como se agora tivesse dito que ela tinha apenas 2 semanas de vida além da doença grave, também a fizeram se encolher na cama.
— Eu não estava… Não, isso… — Candice sussurrou, mas parou logo em seguida quando absorveu tudo que dizia. Era verdade, apenas isso. E a verdade a fazia ter vontade de vomitar — Eu não estava saindo com mais ninguém.
balançou a cabeça que sim, e colocou uma das mãos nos ombros de Candice, fazendo um afago.
— Sim, senhorita Chaperman, você não estava saindo com mais ninguém. Ninguém mesmo. E quando isso acontece, as pessoas geralmente chamam de namoro…
travou o carinho na mesma hora quando pensou sobre suas próprias palavras. Porque pensou em si mesma. E pensou no cara pelado no armário. E pensou que isso era completamente absurdo.
— Quer dizer, nem sempre… — ela se corrigiu precisamente, mas Candice já estava com os cotovelos apoiados nos joelhos, segurando o queixo que estava quase indo ao chão.
— Meu deus! Meu santo deus! — ela chiou, encarando o chão — Como fui deixar isso acontecer? Por que deixei isso acontecer? — ela se virou para e pegou em seus dois ombros, encarando-a de frente. Estava tão verde que jurou que ela vomitaria no seu colo — Me diz, , como pude deixar isso acontecer?
— O quê? Ter um ficante exclusivo?
— É!
— Porque você gosta dele (?) — usou o tom óbvio e despreocupado.
— É!
— E… tá tudo bem gostar dele (?)
— É… Não — Candice se preparou para chorar mais uma vez e puxou um lenço, agora deixando a cabeça desabar no ombro de — Não, não tá tudo bem, eu não acredito que isso tá acontecendo…
franziu a testa. Se ela estava confusa, que dirá a pessoa que a escutava.
— Por que isso não pode estar acontecendo? Caramba, Candice! Olha pra mim — ela puxou os ombros de Candy para cima, e olhou-a como uma professora olha para uma criança fazendo birra — Qual é o problema de gostar dele? Hm? É o Yoongi. Te conheço há 4 anos e nunca te vi olhar pra ninguém como olha pra ele, nunca te vi indo pra casa de um cara em plena terça feira e nunca te vi cozinhar Bannock para alguém além de mim. Você tá apaixonada e sabe disso, e seria um problema se ele não sentisse o mesmo, mas não é o que tá acontecendo, então qual é a porra do problema?!
Finalmente, Candice desfez a careta, ficando apenas com os soluços remanescentes da última choradeira e abriu e fechou a boca várias vezes antes de dizer:
— Eu não… , eu não sei. Gosto dele, gosto dele como nunca gostei de ninguém, mas… Essa coisa de namoro… Eu não sei, não é o que eu quero, ainda mais depois do Noah, aquele…
— Aquele babaca não tem nada a ver com o Yoongi, Candy, sai dessa. Você nem o conhecia direito.
— Mas ele era… sei lá, ele era uma pessoa normal, . Normal do tipo que não tinha um mundo inteiro de olho nele — Candice se soltou do aperto de e ficou de pé, balançando as mãos com agitação — Ele era só um advogado idiota que trabalhava na empresa dos pais, e nem sei onde ele está agora mas com certeza continua no mesmo lugar dirigindo aquele mesmo Porsche de modelo antigo, mas o nome dele não vai sair de Montreal. Nossos vizinhos de Los Angeles nunca vão saber quem é aquele boçal, e nem que ele me traiu com metade da cidade. Meu assistente Gook Doo nem vai chegar perto de sentir o cheiro desse nome. Mas Min Yoongi, ! Ah, pode ter certeza que todos conhecem a porra desse nome, não importa pra onde eu vá. E se eu deixar isso acontecer, nunca vou poder fugir dele. Nunca!
Ela estava gritando e não percebeu. pensou em dizer para ela se acalmar porque eram… bem, da última vez que olhou já tinha passado da meia noite, mas estava tudo bem, os vizinhos não se importariam com a nova sonoridade vinda daquele andar. No entanto, não havia o que retrucar na análise de Candice porque ela era, bem… verdadeira.
— Candy…
— Você percebe o quanto isso é insano? Quero dizer, você sabe que ele não é o primeiro cara famoso que eu me envolvo, qual é, eu frequentei milhares de after parties na minha vida, o próprio Henry Cavill já pediu meu número na surdina, flertei com o The Weeknd dentro de um Mustang e beijei o Michael B. Jordan depois da estreia de Creed, mas… mas isso…
— Nada disso é comparável com o que você tem com o Yoongi e você sabe disso.
Candice parou para encarar , como se ela tivesse dito algo muito louco… mas que fazia muito, muito sentido.
Suspirando, ela observou quando as mãos de Candice penderam ao lado do corpo depois do fracasso em achar uma resposta.
— Candy… — puxou essas mesmas mãos para perto, trazendo Candice de volta para a cama — O que você fez quando ouviu o pedido?
— O-o que? — Candice respondeu devagar, os olhos desfocados.
— O pedido de namoro. O que você respondeu ao Yoongi?
— Ah, eu… — as palavras se perderam e ela baixou os olhos, recuperando a lembrança. Engoliu em seco quando conseguiu. Parecia estar ingerindo areia — Eu acho que ri no primeiro momento… parecia muito piada, eu juro. Depois ele começou a se declarar, e eu ainda tentei rir mas ele não ria de volta, e tudo pareceu sério demais e eu não conseguia respirar… Não sei o que me deu, . Tinha alguma coisa na minha garganta e gritei com ele para ver se saía de mim, mas ele continuou falando e fui ficando cada vez mais nervosa e só pensava em chegar no carro, e aí…
— Você entrou em pânico.
— Isso. É. Acho que sim.
— E deixou ele lá?
— É.
passou uma língua pelos lábios. Pobre Yoongi. Candice deve ter saído como uma desvairada. Com certeza tinha desligado o telefone, largado ele em qualquer canto, talvez em um canto tão escondido que só poderiam achá-lo com uma vara de radiestesia, e com aquele comportamento brusco ele não se atreveria a vir atrás e bater naquela porta da frente a essa hora pra ser enxotado como um cachorro.
Ela também deve ter ficado parada no carro por um tempo, talvez estacionada na frente de uma loja de conveniência qualquer enquanto entornava uma garrafa de soju.
sentiu que não deveria ficar surpresa com aquela reação maluca de Candice, mas bem, quando um cara a pedia em namoro durante aqueles 4 anos, ela chegava em casa explodindo de gargalhadas em vez de soluçando.
— Candy… olha pra mim. Preciso que você me responda com sinceridade — pegou novamente nos ombros da amiga. Candice a encarou com os olhinhos cinzentos pequenos, as pálpebras estufadas, provavelmente esperando um conselho de , mesmo que ela nunca tenha sido boa nessas coisas — Você gosta do Yoongi, não gosta? E — ela levantou um dedo para calar Candice antes que respondesse — sei que vai dizer que gosta, mas quero que você pense que não é um gostar comum. Não é do mesmo jeito que você gosta de mim, ou da sua mãe, ou da Yoona, ou do seu estagiário… Sabe as primeiras pessoas que vem na sua cabeça quando falamos de gostar? Elas não são comparáveis quando você pensa nele também, não é?
Candice baixou os ombros em derrota. As relações que seu cérebro fazia a deixavam com ainda mais vontade de chorar.
No fim, ela apenas balançou a cabeça que não. balançou a cabeça junto, apreensiva em lidar com aquela conversa onde não sabia o que dizer e nem como dizer porque não se achava apta a dar conselhos sentimentais pra ninguém.
— Então… tecnicamente, o que dizem por aí, é que se você gosta de alguém assim, não tem nada de errado em passar o tempo com ela. Não que você já não estivesse fazendo isso, porque por favor, estava na cara. Mas… vocês se dão bem, tem uma química legal, estabeleceram uma rotina e todas essas coisas que existem num casal. Não entendo do negócio, mas acho que isso quer dizer que devem namorar. Que estão namorando. Então por que não… sabe? — deu de ombros e abriu um sorrisinho pequeno de canto — Por que não tenta conversar com ele de novo?
Candice piscou os olhos várias vezes, absorvendo as palavras de devagar como se tivesse ouvido pela primeira vez que a Terra é redonda. Mais um gesto de choro veio, antecipando uma quantidade brusca de lágrimas que explodiria como uma barragem, mas ela apenas puxou o ar e aguentou firme.
— Acho que ele me odeia… , ele me odeia agora — ela deixou a cabeça despencar nos ombros de mais uma vez — Gritei com ele, o chamei de louco, disse que isso nunca aconteceria e… e… eu não sei, eu estava errada, , eu acho que quero namorar com ele. Que droga, é lógico que quero ser a namorada dele! Como sou estúpida — ela soluçou alto, derramando-se em mais um lenço. só conseguiu ficar imóvel e dar algumas batidinhas leves nos braços dela. A solução mais imediata para o problema era ir pegar aquele saco de papelão que morava no porta-malas do Toyota Prius de Candice para fazê-la chorar dentro dele antes que acordasse os vizinhos do outro prédio.
— É claro que ele não te odeia, Candice, isso é impossível…
— Mas eu falei não! Eu falei não várias vezes! Isso significa que ele vai achar outra pessoa? — Candice perguntou e logo ergueu a cabeça pra cima, esbugalhando os olhos — Ele vai achar outra pessoa, ? Então já era? — e abriu a boca para chorar de novo, mas a pegou pelos ombros.
— Não, não! Yoongi não vai achar outra pessoa, ele é louco por você! É sério, você sabe disso. Mas agora você precisa limpar esse rosto, beber um chá, respirar fundo e ligar pra ele pra mudar a sua resposta. Tudo bem?
Candice balançou a cabeça como uma criança acatando a ordem. Um monte de fios amarelados se grudavam na lateral de seu rosto.
— Eu vou… Vou ligar pra ele… Tô com medo,
— Eu sei.
— Tô com muito medo.
— Eu sei que está. Mas você vai ficar bem — você é Candice Chaperman, a mulher-maravilha, uma leoa corajosa, muito diferente de mim.
Candice entendeu a mensagem naquele olhar. Ela era o outro lado de , sempre foi. O sol radiante, o verão escaldante, a luz na escuridão… Gente assim não tinha o que temer na vida. Não tinha medo de ser enganada, não tinha medo de se afogar. Candice não estava com medo de gostar de Yoongi por uma possível rejeição futura ou algo dando errado, como estava pensando. Ela estava com medo porque sabia o que uma pessoa podia roubar de outra. Tinha medo do que o amor podia fazer se tomado em doses demais. Tinha medo de ter a personalidade raptada, a luz apagada, de perder Candice Chaperman e não conseguir achá-la de novo.
Mas isso não aconteceria. sabia. Não sabia como, mas sabia.
Candice afagou os dedos de apoiados no seu ombro, e conseguiu dar um sorrisinho.
— Tá bom, eu vou… acho que vou ligar pra ele.
assentiu junto com ela. Então, viu a amiga secar os olhos com as costas das mãos e encará-la finalmente, agora vendo de fato que estava ali, fora de toda aquela aura perturbada de quando entrou como um foguete por aquela porta.
— Eu acordei você? — perguntou ela, olhando sorrateiramente para a cama bagunçada — Desculpa, eu não quis…
— Não. Tá tudo bem. Eu estava… — apontou pra qualquer canto do quarto, pensando rápido — Lendo um livro. Mexendo na câmera. Nada demais. Não estava dormindo.
— Então por que demorou tanto a atender?
— É que… — mordeu os lábios. Porque eu estava quase beijando um idol depois de ter trepado loucamente com ele, que agora tá escondido pelado no meu armário e achei que esconder isso fosse mais importante do que o seu desespero, e por favor, Candice, por tudo que é mais sagrado, não inventa de ir verificar as costuras dos meus jeans agora, não faça nada que precise chegar perto daquela porta — Eu estava ouvindo música. É, isso. Sabe aquela banda que eu gosto? Que tem um som bem alto, A Day to Remember, você se lembra deles. Pois é, tiraram toda a minha atenção. Só fui ouvir bem depois.
Candice assentiu devagar e olhou de relance para os lados de novo. prendeu a respiração. Ela com certeza estava tão transtornada com o pedido de Yoongi que não reparou em nada. Não deve ter visto o casaco caro dele no sofá porque a luz da sala estava apagada. Não reparou no par de sapatos a mais na soleira. Não ligou pra cama bagunçada à primeira vista. Mas se parasse e analisasse demais, ela começaria a ver coisas, coisas anormais que veria de longe, como o cabelo de , o ar abafado, o cheiro leve de cranberry em cada metro quadrado da parede…
Meu deus, Candice precisava sair daqui agora.
— Acho que ele vai ficar feliz de falar com você o quanto antes — começou, e tornou a voz mais baixa e enfática: — E tá ficando tarde, então…
Acho melhor você ir embora, era o que esperava que Candice entendesse, mas não entendesse tanto porque não queria expulsá-la. De jeito nenhum. Talvez expulsá-la por alguns minutos, só até que Jungkook pudesse sair de fininho e em segurança como sempre, e então depois tudo voltava ao normal para que ela acompanhasse aquele grande passo de Candice Chaperman bem de perto.
Entendendo ou não, a outra concordou com a cabeça rapidamente.
— É, você tá certa. Vou falar com ele. Me deseje sorte — e finalmente abriu um sorriso razoavelmente animado, preparando-se para levantar, mas voltou para trás — Ei, espera. Como você está?
— Estou bem — não entendeu a pergunta repentina — Por que?
Candice a fitou por tempo demais, avaliando se a informação era verdadeira ou não.
— Naquele dia que almoçamos, deu tudo certo no banco? Você disse que ia ao banco, se lembra? Nem se abalou quando falei do Jaehyun. Disse que estava com problemas.
Os músculos de se enrijeceram, especificamente os da garganta, aqueles que estimulavam a voz e que também a travava quando mais se precisava dar uma resposta coerente. Ela sentiu aquela coisa gelada descendo pelo estômago, aquele medo característico do confronto, e teve vontade de se aprontar para sair no momento seguinte porque estava ficando cada vez mais insuportável ver aquele assunto voltando outra vez, obrigando-a a mentir para Candice de novo.
Responda, mentirosa. Ela te fez uma pergunta!
— Ah, isso… — baixou os olhos. Se chegasse ao ponto de ser sincera consigo mesma, diria que talvez toda aquela distração necessária com Jungkook estava ajudando, mas não tinham aplacado completamente o terror da escolha que precisava tomar, da decisão que a deixava dividida. Não tinham mesmo. E agora ela estava ali, sentada de frente para a sua melhor amiga e pessoa favorita do mundo inteiro, sentindo um desespero crescente e a vontade louca de deixar a história jorrar inteira para fora, sem censura. Mas não faria isso com ela; não hoje. Não naquela situação. podia dar conta. O fundo do tapete aguentava mais um pouco de sujeira — Claro, deu tudo certo, não era nada demais. Acho que não contabilizei bem o dinheiro que ganhei quando levava os cachorros da senhora Kincaid para passear nos domingos antes da gente se mudar, mas não precisa se preocu…
— Então você está precisando de dinheiro, é isso?
— O-o que? Não…
— O proprietário me ligou, . Disse que não recebeu seu depósito do aluguel. Para de me enrolar.
A boca escancarada de revelou o baque da realidade que ela tanto estava fugindo nos últimos dias.
— E-ele… Espera, que dia é hoje?
— É agosto, . Começamos o mês há uns 5 dias. Você nunca se esquece.
— Candice… Candy, eu sinto muito, eu vou ligar pra ele e…
— Não se preocupa com isso, já resolvi. Isso não é o importante. É isso que não quis me contar aquele dia? Você está precisando de dinheiro, não está?
— Candy…
queria loucamente ter algo a dizer. Uma explicação plausível, uma que ela aceitasse de primeira e fosse finalmente resolver suas questões pessoais com Yoongi. Queria inventar que, além de não contabilizar o dinheiro dos cachorros do domingo, também não guardou o dinheiro das quintas onde fazia os bicos de garçonete naquele restaurante da Rodeo Drive, mas quem estava tentando enganar? Candice Chaperman, caramba! A única pessoa do mundo que podia não conhecê-la 100%, mas chegava muito perto disso, fora que sabia de toda a sua agenda e manias financeiras desde que assinaram um contrato de aluguel.
Como contaria o verdadeiro motivo pra ela? Como diria que sua mãe — sua mãe, aquela mesma mulher horrível que havia contado uma vez, há 3 anos, quando tinha recebido aquela ligação tenebrosa onde Agda dizia que não estava trabalhando há duas semanas por causa dos enjoos fortíssimos e que sabia o que aquilo significava, e que precisava tomar providências porque Deus me livre parir outra decepção como você, garota. Pra quê vou dar de comer e beber pra um pivete que vai dar as costas pra mim assim que aprender a contar? Posso começar dando as costas para ele primeiro. Então, o que vai ser? Prefere que eu mesma faça em casa? — estava morrendo, e que teoricamente isso deveria mudar tudo já que ela era sua mãe, oras! Uma mãe que não via há muitos anos, uma mãe que amava mais as unhas postiças do que a própria filha, mas ainda era sua mãe e deveria ser salva, mas no fundo… bem no fundo, no subsolo do inconsciente de , duas forças brigavam sem parar, porque ainda existia uma parte muito presente e muito real que simplesmente não se importava com Agda e outra parte que tinha calafrios e ataques de pânico quando pensava que ela estava morrendo, assim como meu pai morreu, e se ela morresse, eu não teria mais ninguém, absolutamente ninguém!
Como contaria para Candice que estava disposta a ficar sem dinheiro para salvar a única família que lhe restava nesse mundo, mesmo que isso parecesse injusto? Mesmo que não mudaria nada? Mesmo que acreditasse, de verdade, que Agda não a amaria um pouco mais por causa disso, mas que queria isso desesperadamente?
Não. Era difícil admitir esse fato até pra si mesma, que dirá colocar para fora. Candice não lidava bem com diplomacia. Além disso, eram problemas pessoais demais, obscuros demais para envolver qualquer pessoa.
E enquanto isso, a loira suspirou diante do silêncio hesitante de .
— Já entendi, você não vai me contar. Tudo bem. Mesmo que tivesse de morar embaixo da ponte você não me contaria. Mas quero te ajudar, . Eu posso te ajudar. Você sabe que eu tenho…
Não. — se levantou na mesma hora, os olhos explodindo de repreensão — Não, de jeito nenhum, Candice. Por favor. Não é tão grave assim, eu só perdi a noção do tempo, só isso. Eu vou devolver…
— Devolver o quê? Por acaso sou qualquer pessoa? Você não confia mais em mim? Por que não aceita…
— Não, eu não preciso de ajuda. Desse tipo de ajuda. Não quero o seu dinheiro — ela deu um passo para trás, desnorteada de repente, aflita com a sensação sufocante que tinha com a percepção de Candice estar se aproximando dela. Se aproximando da verdade, da parte feia que rodeava a vida de . Se aproximando das mentiras. Tantas mentiras que estavam, finalmente, começando a pesar sobre ela.

— Não quero mais falar sobre isso. Por favor. Hoje não.
E talvez, naquele ponto, Candice tenha entendido do que tudo se tratava, porque tinha sido assim que havia se recolhido da última vez. “Não quero mais falar sobre isso. É coisa minha. Por favor. Hoje não”, e alguns dias depois, a notícia do aborto e de que dois desgraçados estavam pressionando-a de outro fuso horário a fizeram querer gritar com um advogado e exigir que mudasse o número de telefone, o que não foi recebido tão bem assim pela outra parte, gerando uma das piores brigas que as duas já tiveram. A situação chegou a tal ponto que não conseguia encarar a amiga nos olhos durante as refeições. Mas era uma atitude mais sincera do que quando passou o tempo mentindo sobre o assunto.
E seja lá qual fosse o assunto daquela vez, Candice sabia que contaria. Era questão de tempo. Era impossível que ela aguentasse tanta bagagem por tanto tempo.
— Tudo bem. Tudo bem, não vai adiantar discutir com você — Candice levantou as mãos em rendição, e nem mesmo diante disso pareceu relaxar os ombros — Mas quero que saiba que se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, eu vou estar aqui. Você sabe, não é?
— É claro, sei disso. Digo o mesmo.
— Você é a primeira pessoa que eu pensei em contar sobre hoje — e agora, Candice se aproximou dela para tomá-la em um outro abraço, desta vez mais fraco e suave, e que passou a esperada segurança que sentia com ela — Eu te amo. Vai se lembrar disso?
engoliu em seco. Ela pensou em sua trajetória há vários oceanos atrás e em como sempre tinha sido fácil abandonar pessoas, coisas e sonhos até chegar ao ponto de ter medo de se apegar em qualquer coisa, até mesmo naquele intenso abraço de Candice.
Mas por um segundo, pelo menos por uma respiração, ela poderia fazer isso.
— Claro. Sempre vou lembrar.
A loira se afastou e sorriu minimamente para antes de ceder os ombros e bufar de indignação de novo.
— Vou pro meu quarto. Será que ele vai me atender a essa hora?
— Ele não vai dormir enquanto você não ligar.
— Tomara. Vou nessa — respirando fundo, Candice balançou as mãos em nervosismo e lançou um último sorriso para antes de saltitar em direção à porta.
— Candy — chamou antes que ela saísse. A garota parou bem na soleira — Boa sorte. Você merece ser feliz.
E aquela aura radiante que emanou de Candice quando sorriu de novo foi tudo que precisou para não sentir o coração se afundar tanto.
Não existia ninguém nesse mundo que merecesse tantas coisas boas quanto Candice. Ela havia encontrado uma maneira muito inteligente de conciliar passado e presente. Não dava a mínima para o patrimônio e histórico familiar de prestígio. Trabalhava tanto quanto qualquer pessoa precisa trabalhar para pagar as contas. Era generosa, doce, empoderada e aceitava os próprios defeitos. Conhecia todas as facetas do amor e não tinha problemas em se entregar aos próprios desejos. Tinha medos, preocupações, ansiedades e tudo que envolve um adulto na faixa dos 20 anos. Todas as coisas que regiam o universo se uniam para iluminar o caminho de Candice Chaperman porque ela amava a vida e tudo que a natureza colocava em seu caminho.
sempre achou que não a merecia. Mas também achou que precisava dela. E, com o tempo, percebeu que Candice também precisava dela. De uma forma diferente, mas ao mesmo tempo igual: queria ter uma primeira pessoa a contar sobre os problemas. Problemas comuns, problemas da idade, coisas banais que não se dizia em uma roda social e muito menos para os pais.
Candice estava seguindo à risca essa regra. Enquanto , espatifada por dentro, era incapaz de fazer a mesma coisa porque não achava, nem por um segundo, que seus problemas precisavam incomodar outras pessoas.
Isso era ser egoísta? Ela queria o bem de Candice ou só não queria manchar sua imagem para uma pessoa que gostava dela?
Um barulho mínimo de plástico arranhando gesso tirou sua atenção e impulsionou seus olhos na direção do armário. O armário! Jungkook!
correu até o móvel embutido, abrindo as duas portas para encontrar o rapaz agora sentado no meio de alguns sapatos, com um cinto atravessado pelos ombros enquanto ele tentava afastar a manga de um casaco xadrez da frente dos olhos, o que acabou embolando a peça em torno do seu pescoço. Por um momento, parecia com um dos cães da senhora Kincaid que ela levava para passear na Califórnia.
— Ah Deus, você tá legal? — prontamente afastou as roupas dele enquanto Jungkook grunhia e gemia baixinho para se levantar, abaixando a cabeça para conseguir ficar de pé porque, é claro, ele era maior do que aquele cubículo.
— Claro. Tão legal quanto o Han Solo e Cia ficaram nos compactadores de lixo da Estrela da Morte, mas tá tudo bem, já tô de saída mesmo.
revirou os olhos e quis rir, e ficou feliz que ele não parecia muito bravo, e muito feliz que não tinha feito nenhum barulho ou que seu telefone não havia tocado. Jungkook já estava com a boxer vestida, seja lá como tinha feito isso, e agora terminava de passar as pernas pelos jeans.
— Me desculpe, eu precisei pensar rápido.
— Não esquenta, foi divertido. Nenhuma garota nunca tentou me esconder antes, ainda mais dentro do armário. Achei que só acontecia em filmes da sessão da tarde — ele deu de ombros, descontraído — Mas acho que agora você me deve um suco de maçã e uma bota de cano alto, caso Candice ache aquelas e jogue fora. E ah, um boquete, é claro.
sufocou uma risada e balançou a cabeça como quem refuta qualquer uma das opções anteriores.
— As pessoas diriam que transar com uma celebridade é coisa de filme mesmo.
— Namorar com uma também é. Pelo visto, meu hyung finalmente tomou coragem.
parou.
— Ah… você ouviu tudo, não é?
Jungkook segurou a camiseta sem colocá-la, vendo o sorriso de diminuir bruscamente e a bochecha começar a corar.
— Um pouco difícil não ouvir. Não tinha muita distração ali dentro, sabe?
Ele continuava com o tom de voz brincalhão, mas o rosto de demonstrava visivelmente o efeito negativo desse fato. Alô, garota, é claro que ele escutou tudo, não só a parte do drama mexicano de Candice, e isso é péssimo, é ridículo, o que ele deve estar pensando agora?!
Não quero que ele pense droga nenhuma. Não quero que pergunte nada. Gostaria que fingisse que não escutou.
Mas estava escrito, em letras garrafais, fonte extra grande como um outdoor na testa de Jungkook, que ele havia escutado, e escutado muitas coisas.
— Ah… Pois é, se Candice não tiver nenhum outro surto no meio da madrugada, amanhã acordaremos com o mais novo casal — tentou soar despreocupada, caminhando até a cômoda para arrumar coisas já arrumadas, tentar dar um jeito no lençol bagunçado, e qualquer coisa imediata que estivesse à mão para que não precisasse olhar para ele.
— É, vai ser divertido — Jungkook comentou, ainda com um sorriso que não se sustentou por muito tempo à medida que percebia o comportamento dela se tornar… esquisito — Acha que eles vão abrir o jogo pra todo mundo?
— Não é assim que um namoro funciona? — puxou um travesseiro jogado no chão e se lembrou do mais importante em um estalo: idols, ! Estamos falando de idols, por favor. O cara com quem você acabou de trepar é um ótimo exemplo de que essa frase não se aplica de forma geral — Quer dizer, não necessariamente…
Jungkook entendeu a premissa, assentindo com a cabeça.
— É, talvez…
E estava pronta para acabar com aquilo, com aquela atmosfera constrangedora que tinha se instalado de repente, roubando as palavras dos dois. Ela porque não parava de pensar que estava exposta de um jeito desagradável para esse cara e ele porque estava curioso. Como se tivesse olhado sem querer pela fresta da fechadura do quarto particular de e visse coisas novas, inquietantes, coisas que pareciam dolorosas, e era terrível imaginá-la sentindo dor.
Ela estava pronta para alegar que Candice ainda estava em casa e que ele precisava se livrar daquelas coisas na sala antes que a amiga decidisse ir tomar uma água ou correr para Yoongi a essa hora da madrugada, mas antes disso, viu os ombros dele se erguerem quando respirou fundo e perguntou:
— Mas e você?
Ah, não.
— O que tem eu?
— Você tá… bem?
cerrou os dentes na mesma hora. Aquele era o inconfundível timbre educado de Jungkook, o que usava quando estava trabalhando, quando estava falando sério, o que usava para transformar um garoto de 24 anos em 30. Certamente, irritou na mesma hora. Porque era completamente insuportável. Era insuportável aquele interesse inconveniente!
— Sim, estou bem. Estou muito bem.
— Eu sei, é que…
— Sei que você ouviu coisas demais, mas não precisa levar a sério. A Candice é um pouco dramática, vê as coisas de um jeito muito além do que são. Ela se preocupa demais.
— Não estou falando dela, estou falando de você. Você tá com problemas ou…
— Eu já disse que não! — abriu bem os olhos quando notou a voz saindo em um sonoro alto. Mais alto do que estava acostumada. Mais alto do que podia naquela hora, naquele lugar e com aquela pessoa. Jungkook ficou surpreso, mas não se mexeu. Não desviou o olhar. umedeceu os lábios e travou o maxilar, desviando o rosto quente para outro lado — Não tem nada demais acontecendo e isso é tudo. Vocês conseguem entender quando eu falo que não preciso de ajuda? Que posso resolver as coisas sozinha? E você não precisa se importar com nada disso, não tem nada a ver com você.
Ele fechou a cara quando ajustou a posição e encarou-a com os olhos fundos, que não se desviaram.
Era nítido o quanto o lábio dela estava tremendo.
— É, talvez de repente passei a me importar com o que você tá escondendo — ele disse com ironia, carregado de tom desafiador, aproximando-se dela para ser mais firme: — Vou perguntar de novo: você precisa de alguma coisa? Sei que não tenho nada a ver, mas talvez eu…
— Vai embora.
Jungkook juntou as sobrancelhas, um pouco baqueado. Esperou que ela demonstrasse incerteza, mas o estava olhando com… que olhar era aquele? Ele nunca a viu assim.
, qual é…
— Vai embora. Agora. Tá na sua hora — ela se afastou dele e andou em direção à porta, pegando na maçaneta — Candice está em casa e já fizemos o que tínhamos que fazer. Agora você precisa ir.
Ele continuou parado, com a camiseta embolada em uma mão, olhando para ela de um jeito estupefato. Jungkook sabia que teria que ir embora. Sabia desde o começo, porque era arriscado demais permanecer ali com Candice em casa e acordada, mas… não esperava ser dispensado daquele jeito. Não quando “fazer o que tinha que fazer” parecia tão pouco em relação a tudo que queria fazer.
Mas aquele olhar fulminante de dispensava negociações. Estava carregado de coisas que certamente ele não saberia agora, e que certamente tinha se intensificado com sua indiscrição idiota de querer burlar a armadura de , e essa percepção pesou como uma bigorna de arrependimento. Deixei você mal de novo?! Por favor, , não foi minha intenção…
Engolindo a seco, ele se aproximou da porta devagar, mirando no rosto duro como pedra de , sentindo toda a sua coragem evaporar para bem longe.
, eu não quis…
— Esquece. Tá tarde. Preciso dormir e você também — ela foi incisiva, direta. Sempre estava preparada para dispensar as pessoas curiosas demais sobre sua vida, curiosas para dar uma espiadinha no caos interno de — Desculpa pelo armário. Não vai se repetir.
Ele balançou a cabeça em negação e colocou a camiseta. Esperou que ela dissesse outra coisa, qualquer outra coisa, que até pedisse pra ele ficar mais um pouco porque ele conseguia ver nos olhos dela que ela queria que ele ficasse mais um pouco, mas nada veio. o apressava naquele olhar cortante. Uma tentativa muito forte de fazer seu segredo – qualquer que fosse – durar o tempo máximo.
— Ok, como quiser… — ele murmurou, passando os dedos pelo cabelo para jogá-lo para trás e ajeitar como pudesse. assentiu e saiu para o corredor a passadas fortes demais para quem queria passar despercebida. Chegou ao próximo cômodo já pegando o casaco dele no tapete e todo o restante das coisas, entregando-o enquanto evitava seus olhos a todo instante. Já na porta, segurou na maçaneta com avidez, com urgência para girá-la.
Jungkook analisou toda aquela impaciência com desânimo.
— Você tá bem mesmo?
apenas balançou a cabeça que sim, exageradamente rápido, ainda com os olhos cravados na madeira escura da porta.
— Claro. Super bem. A gente se vê por aí.
E ele esperou de novo algo mais do que essa despedida tosca, mesmo que não tenha sido diferente das outras vezes – tirando o fato de que esta estava sendo sussurrada e que, graças a deus, o quarto de Candice era longe o bastante –, mas ela pelo menos olhava pra ele na hora de dar tchau. E até sorria. Estava sorrindo muito nos últimos dias. Sorrindo de todas as formas pervertidas que ele conhecia, aquelas que mostravam que ela estava se divertindo como nunca na cama.
E ninguém sorri tanto, o tempo todo, se não estivesse desesperado. Fingindo. Fugindo de alguma coisa.
A epifania atingiu Jungkook antes mesmo que pisasse no limiar da porta.
ainda via aqueles olhos mirando-a com ímpeto, insistindo em enxergar o fundo de sua alma, e ela não sabia ao certo como se sentia com o fato de Jungkook possivelmente ter percebido que ela tinha segredos. Segredos profundos, complicados, desagradáveis; segredos que não seriam revelados com doses de álcool e nem por suas pedras de confissão.
— Tchau, Jungkook.
Ele ainda hesitou no batente, segurando na borda da porta, esperando que ela voltasse atrás ou esperando uma mudança de expressão, mas ela estava louca para vê-lo fora de sua vista.
— Tchau, … — e ela fechou a porta antes que ele chegasse à última letra do nome.
Jungkook ficou imobilizado no mesmo lugar por pelo menos um minuto inteiro. E quando se preparou para girar o corpo e seguir o caminho extenso do corredor, ouviu um barulho grave, imaginário, vindo de perto e ao mesmo tempo longe, que não seria sonoramente possível se não fossem 2 da manhã e Seul inteira estivesse afogada no silêncio.
Um fungar. Um soluço sufocado. O mesmo som que Candice estava fazendo quando entrou no quarto. Algo muito parecido com um choro.
Apareceu e desapareceu no mesmo instante. Tão rápido que ele pensou que estava delirando, ou que o som pertencesse a outra porta, não aquela porta, porque atrás dela estava e era muito estranho e paradoxal imaginar chorando, seja por qualquer motivo.
Mas o som existiu, e acompanhou Jungkook durante todos os segundos dos seus passos lentos até o elevador, das ações desnorteadas de pegar chaves e entrar no carro, de toda a sequência de movimentos que fez para deitar na própria cama e encarar o teto. O ruído ainda estava ali, martelando em seus ouvidos, enchendo seu peito de dúvidas e receios.
E em algum momento daquela noite, Jungkook chegou à conclusão que, em todos os segundos que passou com aquela garota nos últimos 3 dias, ela estava descontando alguma coisa. Maquiando uma realidade. Escondendo rachaduras. Tentando não quebrar.
Tentando desesperadamente não quebrar.


[ 21 ] – Forever isn’t for everyone

🎵 Ouça aqui:
Snap Out of It - Arctic Monkeys

"Ouvi dizer que você se apaixonou
Ou algo assim
Eu tenho que te dizer a verdade
Quero agarrar ambos os seus ombros e te sacudir, amor
Saia dessa (saia dessa)
Tenho a impressão de que avisei muito tarde, mas, amor
Saia dessa (saia dessa)"

Ninguém disse nada de primeira.
O olhar de Namjoon e Yoongi estavam perdidos no vazio, fitando as luzes do aparelho de som como se esperassem o restante de uma apresentação. Os demais estavam concentrados em torno do estúdio gigante, sentados ou não, mexendo os pés e inclinando cabeças para tentar avaliar e reter o que tinham acabado de escutar. Mas novamente: sem verbalizar nada.
Jungkook não tinha certeza de como isso funcionaria exatamente. Fazia muito tempo desde que tinha composto pela última vez, e mais tempo ainda desde que transformou as palavras em melodia e mostrou isso para os outros. Na primeira vez, com Begin, existiram questões internas na produção que foram um empecilho na época, mas que tinham sido resolvidas de forma inteligente — problemas normais como a insegurança de um garoto que sempre achou que não tinha histórias boas pra contar.
Porém, nem quando mostrou aquela coisa cheia de imperfeições e totalmente amadora pela primeira vez lá em 2015, causou uma reação generalizada tão apreensiva como a que estava causando agora.
— E então? — ele tentou, quebrando o silêncio e chamando a atenção de todos para si — Vocês querem que eu tente adivinhar o que vocês estão pensando?
Hoseok voltou a arrastar os pés. Yoongi olhou de novo para Namjoon e ajeitou a postura. Apesar do interesse hesitante que tinha mostrado no início na música de Jungkook, agora ele parecia seriamente receoso.
— Bem…
— Mas que porra melosa foi essa?! — Jimin exclamou direto do carpete onde estava com as pernas cruzadas. Yoongi revirou os olhos para ele.
— Cala a boca, Jimin — e se voltou para Jungkook, que pareceu levemente surpreso com o comentário — Olha… A música é boa. De verdade. Uma das melhores que você já fez. Mas…
— Mas ela não é boa pro nosso álbum — completou Namjoon.
Jungkook ergueu uma sobrancelha. Olhou automaticamente para os outros, esperando uma resposta contrária, algo que refutasse a observação de Namjoon, mas, assim como já tinha visto um milhão de vezes, seus amigos estavam agindo como uma unidade (uma única entidade com múltiplas cabeças) e ninguém estava nem um pouco inclinado a discordar do líder.
Isso foi um pouco… intimidante.
— Por que? — a pergunta saiu em tom baixo, mas muito sedenta por uma resposta.
O grupo hesitou de novo. Normalmente, a presença de cada um deles era importante nessas horas. Deixava Jungkook mais confiante quando se tratava de suas criações. Mas naquele momento, quando todos pareciam inquietos e se esforçavam para fugir de seu olhar, estava insuportável.
Namjoon era o único que o encarava sem nenhuma tensão.
— Essa música não é pra gente, cara. Ela é sua.
Jungkook rangeu os dentes na mesma hora. Suas pernas estavam dispostas, uma de cada lado em uma cadeira simples, com o encosto virado para a frente, onde ele apoiava os antebraços na superfície dela. Era uma pose relaxada e descontraída, mas que se tornou desconfortável de repente quando quis apertar o couro do assento com os dedos de leve. Olhou para Namjoon com a expressão confusa, esperando que ele se retificasse, mas isso não aconteceu.
— Como não é pra gente? As músicas que fizemos são exatamente pra isso. Para o nosso álbum.
— O nosso álbum não é sobre a sua ex-namorada, JK — Jin suspirou, assoprando distraidamente seu café em uma caneca grande.
— Seria muito perigoso se fosse — Taehyung complementou, com os olhos no celular e os ombros apoiados na porta da entrada.
— A gente não canta essas coisas românticas, cara. Não desse jeito. Só faltou você dizer o nome dela — Jimin voltou a falar, ainda explicitamente alarmado. Jungkook abriu a boca para respondê-lo, e talvez não fosse uma boa resposta porque Namjoon logo fez um barulho ínfimo com a garganta junto com um olhar feroz que fazia o mais novo se calar antes que tentasse falar.
— O que eles querem dizer, JK, é que essa música não combina com a proposta do próximo álbum — explicou, gesticulando com as mãos — Queremos algo individual, é claro. Mostrar nossas raízes familiares e o que nos trouxe até aqui. Gosto de pensar que somos uma unidade, sim, mas também temos nossas próprias vidas e jornadas separadas e creio que as pessoas vão gostar de nos conhecer de um jeito mais particular. Sei que essa letra diz muito sobre você e tudo que sentiu nos últimos meses, mas… falando sobre a parte empresarial, ela definitivamente não seria boa para o grupo.
O silêncio pareceu ainda mais pesado depois. Os braços de Jungkook saíram do encosto e penderam ao lado do corpo. Ninguém se atreveu a falar de novo, por mais que agora Jungkook quisesse muito que fizessem isso, principalmente para dizer que Namjoon estava errado. Ou que estava exagerando.
Mas aquela música realmente tinha nome, sobrenome e um rosto muito bem demarcado.
— Ah… — foi a única coisa que Jungkook foi capaz de dizer, baixando os olhos para os próprios dedos — Quanto tempo tenho para começar uma nova?
Desta vez, Yoongi estalou a língua, balançando a cabeça em negação.
— Não é isso que estamos dizendo. A sua música é ótima. A batida, os acordes, toda essa carga de melodrama pop, a sua voz se espaçando com a letra… Ela é boa de verdade. Mas isso significa que você tem que lançá-la, não a gente.
Agora as sobrancelhas de Jungkook se concentraram no meio da testa. Ele viu quando Namjoon concordou com a cabeça devagar, assim como Jin atrás dele e Hoseok parado com os braços cruzados. Taehyung o encarou com aquela mesma cara de quando dizia: “dãaaa!”
— Deixa eu ver se entendi — Jungkook começou, erguendo um dedo para Yoongi — Você diz que minha música não combina com o nosso álbum, mas quer que eu a lance de qualquer jeito? Um solo?
Namjoon prontamente assentiu.
— Se você estiver disposto a fazer isso.
Automaticamente, Jungkook olhou para Jimin. O amigo estava concordando de seu lugar, fervorosamente, como se dissesse que não havia outra opção para aquela música que não fosse um solo. Algo que partisse totalmente de Jungkook e não envolvesse nenhum dos outros 6 caras.
Jeon permaneceu parado por um tempo. A ideia o causava um misto de sensações. Principalmente uma adrenalina misturada com o medo do desconhecido. Ele nunca tinha lançado uma música sozinho antes, e queria explorar a ideia tanto quanto os outros, mas ainda assim…
— Não sei — murmurou, balançando os ombros — Não sei se posso fazer isso. Pode não ser muito legal, e estamos nos preparando para algo em grupo, talvez eu não…
— Você não precisa fazer isso agora — Namjoon interrompeu, cedendo um olhar paciente para o mais novo — Também não precisa se preocupar com o nosso lançamento. Vamos estar na Billboard Hot 100 de qualquer maneira, só resta saber se você quer acompanhar.
Tão logo Jungkook se viu sorrindo e sentiu o nervosismo despencar dos ombros. Yoongi revirou os olhos para o líder, mas também abria um sorriso pequeno de quem apoia tudo que foi dito. Os outros balbuciaram a mesma coisa. Não era uma questão de se colocar acima de todos os outros artistas que trabalhavam tanto quanto eles – era apenas uma evidência já testada várias vezes: quando o BTS surgia com novidades, as maiores premiações e charts musicais certamente chamariam seus nomes.
Mas o fabuloso Bangtan Boys era um grupo, e Jeon Jungkook ainda não se via capaz de trilhar um caminho separado dos amigos.
— Vou pensar no assunto — respondeu, apoiando um braço novamente na cadeira — Desculpem, eu… sei lá, me distraí. Ainda posso fazer minha parte, posso…
— Calma, JK. Você não é o primeiro e muito menos o último de nós a escrever uma música pra uma garota — Hoseok deu de ombros, levando as mãos aos bolsos — E não precisa se apressar com seu novo rascunho. Temos bastante material guardado — e lançou uma piscadinha para Yoongi, que esboçou um sorriso de canto.
Jungkook riu com escárnio. É claro. Aqui estavam os dois maiores compositores do BTS, e dois compositores que escreviam as coisas certas, coisas que combinavam, coisas que não deixavam um estúdio inteiro afogado em um silêncio constrangedor porque colocaram sentimentos demais para fora.
Ainda assim, escrever tudo aquilo foi necessário para descarregar o entulho que nem sabia existir. E ouvir sua voz na gravação final foi surpreendentemente bom. A música era boa. Merecia ser ouvida. Merecia ser aplaudida.
— Músicas cantadas para ex-namoradas são sempre icônicas — disse Taehyung, tranquilamente — Eu apoio em você arrecadar alguns milhões no YouTube com essa belezinha. Vai dar certo.
E provavelmente daria, quando ele acreditasse nisso.
A pequena reunião não durou muito. Depois de mais alguns avisos de Namjoon sobre a title, apontamentos de Yoongi sobre a fase de pré-produção e algumas anotações gerais sobre a coreografia, os garotos começaram a deixar o estúdio, um a um. Jungkook ainda permaneceu no cômodo, olhando para o etiquetamento da gravação antes reproduzida com uma sensação de afundamento. De um receio do tamanho do mundo. O sentimento mais louco de todos era imaginar aquela coisa tocando nas salas de estar ao redor do planeta; alcançando os charts que alcançava com seus amigos; sendo cantada por milhões de pessoas.
Isso era bom. Mas também era um pouco assustador.
E ele tinha uma decisão a tomar sobre isso. Uma decisão que precisava ser tomada sozinho, mas não significava que não queria conversar sobre o assunto. E queria conversar com uma pessoa específica, uma que tinha pescado toda a carga pessoal de seu trabalho desde o início.
Quando Jungkook se virou para deixar a sala, encontrou Yoongi retornando para dentro, caminhando em direção à outra mesa lateral de equipamentos.
— Desistiu de ir tomar um café? — Jungkook perguntou enquanto puxava o pequeno botão de desligar em sua parte da mesa. Yoongi deu de ombros, estendendo o braço para abrir a portinhola do pequeno frigobar embaixo de um móvel de madeira, puxando uma garrafa transparente que Jungkook suspeitou ser um drink de vodka com suco de laranja.
— Quero tomar outra coisa antes de voltar ao trabalho — ele abriu a garrafa rapidamente e entornou um grande gole. Jungkook permaneceu parado, agora com uma sobrancelha erguida. Essa era uma cena incomum. Yoongi se transformava em outra pessoa quando entrava no estúdio – mais focado, mais profissional –, mas geralmente não precisava de álcool pra isso.
Em um estalo, Jungkook talvez tenha se lembrado do possível motivo daquilo tudo.
— E você? O que vai fazer agora? — Yoongi puxou uma cadeira grande. Jungkook umedeceu os lábios e recostou o quadril na mesa.
— Não sei… tomar um café?
— Por que não foi com os outros?
— Quero outro café — respondeu, e logo desviou os olhos — De outro lugar.
— Saquei — o mais velho balançou a cabeça, agora se concentrando na tela do monitor, aberta na página inicial de algum software de gravação, encarando as linhas de som subindo e descendo como montanhas — Tá nervoso com o lance da música, não é?
Jungkook olhou para a própria mão apoiada no tampo da mesa.
— Um pouco.
— Não precisa ficar nervoso. É um pouco medonho mesmo. Senti a mesma coisa quando lancei o Agust D. E Namjoon com seu mixtape. O medo de ser um fracasso, medo dos comentários tóxicos, medo de expor pro mundo nosso lado pessoal. Essas coisas pesam e é normal. Mas, sabe… é seu. E isso é mais empolgante do que o medo — Yoongi olhou para ele com um sorriso indolente, mas que foi capaz de iluminar o espaço amplo daquelas quatro paredes.
Jungkook se sentiu um pouco mais corajoso com isso.
— Valeu, hyung — ele abriu um sorrisinho, e voltou a encarar os próprios pés — Eu só preciso… sei lá, contar pra alguém. Encarar essa cova de leões sem medo de entrar.
— Uma cova de leoas, você quer dizer. É o que se espera das fãs do cara mais cobiçado do momento.
Jungkook riu fraco diante de Yoongi e seu coquetel fora de hora. Pouco importava o que a multidão diria. Esse era o menor dos problemas. Uma das maiores vantagens de lançar um trabalho solo e independente seria justamente a chance de não falar sobre o assunto se não quisesse. E talvez, isso estava sendo mais um pretexto para motivá-lo a considerar a ideia ainda mais.
Sem dizer nada por um momento, ele viu Yoongi suspirar e voltar a olhar para as batidas desconexas do restante da gravação. A luz da manhã através da pequena janela à esquerda transformava o drinque na embalagem em um amarelo brilhante, translúcido. Eram dez da manhã. Algo mais podia ter acontecido com seu amigo desde o momento em que o dispensou até passar pela porta do estúdio há 2 horas atrás?
Curioso, Jungkook estendeu a mão para a bebida e perguntou:
— E como vai você e a Candice?
— Por que tá perguntando? — ele ajeitou o relógio no punho automaticamente. Encarou as horas pelo tempo de 1 minuto.
O garoto deu de ombros, não que Yoongi estivesse prestando atenção.
— Só curiosidade. Aquele dia no jantar, vocês pareciam estar com problemas. O clima tava um pouco pesado.
Mais um minuto inteiro se arrastou até que Yoongi virasse o rosto sério na direção de Jungkook, como se avaliasse internamente o quanto ele realmente sabia da situação. Depois, com um sorriso atípico se alargando de orelha a outra, que surpreendentemente combinava com sua jaqueta verde-menta, ele disse com alegria:
— A gente tá namorando, cara.
Do outro lado, Jungkook ergueu as duas sobrancelhas para cima, fingindo uma surpresa mediana.
— Jura?
— É. Hoje é nosso primeiro dia — Yoongi continuou sorrindo. Seu copo já estava quase vazio — Quer dizer, fiz o pedido ontem e ela rejeitou, ficou um pouco histérica e eu fiquei arrasado, mas depois ela me ligou e disse que pensou melhor. Que quer ser a minha namorada. E vamos jantar daqui há 8 horas.
— Entendi — Jeon assentiu com a cabeça devagar — Você não tá nervoso demais pra quem já jantou com ela tipo um milhão de vezes?
— Eu sei, mas agora é diferente. Vou levar minha namorada pra jantar. Minha namorada, JK. Fechei um restaurante e tudo. Tô uma pilha de nervos, como se fosse encontrá-la pela primeira vez. Não é muito doido isso?
— É, imagino que seja — Jungkook respondeu. Ele parecia tão animado como uma senhora de meia idade planejando um piquenique no parque em dia de domingo.
Yoongi estreitou os olhos para ele.
— Você sabe.
— Bom, eu sou de outra geração, sabe. Na sua época, as pessoas namoravam na sala sob supervisão dos pais. Uma pegada na mão e tomava um tiro de espingarda.
— Idiota — ele revirou os olhos, agora suspirando forte e trazendo a cadeira para mais perto de Jungkook — Sei que é um pouco estranho estar nervoso já que é a Candice, mas… Ao mesmo tempo, é a Candice. Entende? E eu a amo. Amo de verdade. E acho que ainda não caiu a ficha que estamos juntos pra valer.
— Ela ainda pode fugir pro Canadá antes de chegar no restaurante. Não disse que ela surtou? — blefou. Jungkook viu uma sombra de dúvida passear diante do olhar do amigo, mas ela se dissipou tão rápido quanto apareceu. O que sobrou foram olhos límpidos e uma voz muito firme e confiante:
— Ela não vai fazer isso. Tenho certeza que não vai.
Jungkook não pode fazer nada a não ser concordar. Jamais saberia o que se passava no relacionamento de Candice e Yoongi para que ele se agarrasse naquela convicção com tanta certeza, mesmo ela tendo fugido dele de primeira. Literalmente fugido. E ainda assim, ele tinha uma segurança surpreendente de que ela não fugiria de novo, nunca mais.
Esse tipo de coisa era forte demais. Ou tão especial que ganhava força com o tempo. Jungkook encarou aquele rosto feliz e ansioso e viu a si próprio durante os 3 anos passados, mas a única coisa que tinha parecida com o Yoongi de agora era a certeza de que amava Ali Dalphin. Amava muito, e não tinha qualquer medo de demonstrar isso diariamente, nos mínimos detalhes.
Mas percebeu, com uma tristeza repentina, que nunca sentiu estabilidade suficiente de que ela sentisse a mesma coisa por ele. Que faria as mesmas coisas. Da mesma forma que Yoongi parecia sentir com Candice agora. Jeon Jungkook apaixonado sentia um medo fantasma de que Ali mudasse de ideia sobre ele em qualquer momento aleatório do dia, como levar seus cães de Lyon para passear. Um medo que era dele e somente dele, mas que afetava sua confiança e ele nunca conseguira dizer nada disso a ela.
— Fico feliz por você, hyung. Mesmo — disse com sinceridade latente. Da cadeira com listras azuis à sua frente, Yoongi sorriu — Achei que você pudesse ser o único do grupo que morreria solteiro, mas agora achou alguém pra trocar suas fraldas geriátricas no futuro — Jungkook riu enquanto se esquivava de um chute nos tornozelos — É brincadeira! Mas… Você vai contar aos outros?
Yoongi bebericou seu drink e fez uma careta de desagrado.
— Vou. Só não sei quando. Talvez na semana que vem. Em algum momento antes de subirmos naquele avião e conquistarmos o grande prêmio da noite.
Os dois sorriram ao mesmo tempo. Ah, esse dia. Muita coisa mudaria nesse dia.
— Vai aguentar tanta felicidade?
— Não sei. Gente da minha idade não pode se emocionar tanto — Yoongi o lançou uma piscadinha divertida. Parecia muito contente para o horário. Parecia muito contente para uma semana inteira. Eles deviam colocar muita vodca naqueles drinks.
— Eu sempre erro o início de Black Swan, mas… É, vamos ficar bem felizes.
— Já estamos felizes, cara — disse um Yoongi sorridente, virando o rosto na direção da janela — Já estamos felizes.
E então, Jungkook olhou para o amigo satisfeito e se sentiu feliz de verdade. Não aquele pico de euforia contagiosa que se esvai rápido como o vento. Não aquela vontade de sorrir, que era tanta que te fazia sorrir de forma triste. Não uma felicidade sonhadora que era apenas um reflexo do quanto se queria estar feliz na vida real.
Jeon Jungkook se sentiu inteiramente na realidade e estava feliz como estava. Com todos os receios sobre suas dúvidas, seus sentimentos, seus planos futuros, seus medos e tudo que andava refletindo ultimamente. Podia querer dar passos para trás e se encolher diante da grandeza que o esperava, mas não se sentia com vontade de fazer isso quando olhava para os amigos. Quando olhava para si mesmo. Seja lá o que faria com aquela música que tinha saído dele na marra, ainda era melhor do que manter as palavras entaladas enquanto elas o iam destruindo por dentro.
Ele não se sentia mais destruído. Se sentia mais forte. Se levantando. Pronto para conquistar o mundo. Pronto para merecê-lo.
— Tem razão — disse, com um esplêndido sorriso de canto que o fazia, finalmente, deixá-lo parecendo o garoto de 24 anos que era. Ele se desencostou da mesa e colocou uma mão no bolso do jeans, sentindo o celular. Não tinha vibrado nenhuma vez nas últimas 2 horas. — Vou pegar um café e depois passar na gravação dos pivetes. Taehyun tinha me pedido umas dicas de vocal.
Yoongi tinha voltado a atenção brevemente para o programa rodando na tela, e a distração momentânea o fez olhar para o mais novo de perfil até responder:
— Ah, claro. Não bagunça muito por lá, sabe que a Sooyeon gosta de silêncio absoluto no estúdio.
— Sim, senhor.
— Eu vou ficar aqui até… — ele olhou novamente as horas no relógio de pulso e soltou um suspiro de frustração — Bem, até uma hora aceitável para colocar um terno.
Jungkook riu com um quê de ligeira censura, e começou a caminhar devagar para a porta.
— Boa sorte no seu encontro de oficialização.
— Valeu. Vou precisar.
E saiu do cômodo com um fugaz calor no peito.

・ ❬📸💔❭ ・


Jaehyun desabou no banco, fechando olhos e dentes com força para apaziguar a dor vinda do pé esquerdo. Era esperado que se sentar fosse uma boa alternativa para que ela amenizasse, mas não é todo dia que se é vítima de um salto quadrado de 6cm em uma área lisa lotada de papel prateado.
O barulho lá fora estava quase chegando ao fim. Quando ergueu a cabeça novamente, sentiu o lenço de papel molhado bem no meio da testa, e a respiração acelerada de outra pessoa bem perto de sua pele.
— Eu faço isso, Dabin — murmurou, afastando as mãos da assistente delicadamente e assumindo a tarefa de lidar com seu próprio suor. Dabin deu um longo suspiro.
— Aquele dançarino esbarrou em você de novo. No mesmo lugar. E dessa vez pisou no seu pé. Isso não pode acontecer…
— Ele só está nervoso, é normal. É a nossa primeira tour na Europa, a empolgação do público novo gera mais ansiedade.
— Então ele precisa se acostumar. A empresa gastou uma fortuna para disponibilizar salas extras para os ensaios, coisa que não fizeram nem para o Super Junior. Falei sobre isso ontem com os dançarinos, e no dia anterior, e no outro. Onde já se viu, você é o center, se sair do palco mancando de novo porque os pés de outra pessoa…
— Dabin, tá tudo bem. Taeyong já conversou com ele e as coisas vão se resolver. Não é como se ele fosse irrelevante, todos os elementos de palco são necessários. Não existem dançarinos descartáveis, não somos assim — foi a vez de Jaehyun suspirar, apesar do som parecer inteiramente de exaustão e não de impaciência. Ah, no fundo, Dabin desejava vê-lo impaciente algum dia. Perdendo a cabeça por qualquer motivo que fosse, mesmo que essa imagem não combinasse em nada com o sujeito — Agora pode me trazer mais gelo, por favor? E o meu celular.
— Seu gelo é pra já, mas o seu celular ainda está em posse do Taeyong e não tenho autorização de pegá-lo.
— Aquele babaca ainda não liberou meu celular? — uma faísca da tal irritação escapou daquele olhar e no grunhido da garganta. Dabin apenas negou com a cabeça, deixando-o ainda mais frustrado — Tudo bem, só traz o meu gelo antes que os outros cheguem.
Ela saiu logo em seguida. Jaehyun afundou ainda mais as costas na poltrona de couro, encarando o teto alto do camarim com a mais pura decepção estampada no rosto.
Tudo que havia feito nas últimas semanas tinham sido decepcionantes. Mais para uns do que para outros. Depois que pisou no Texas com atraso e sem desculpas convincentes, percebeu que a pior coisa que poderia acontecer (depois do pior que pensou que fosse acontecer) era ter que lidar com um Taeyong furioso. E um Taeyong furioso havia confiscado seu celular e dito que só o devolveria depois dos intensos ensaios de 3 dias para a primeira noite em Paris, como se ele fosse uma criança de 10 anos sendo posta de castigo. Jaehyun só o tinha visto assim algumas vezes, mas nunca deixava de ser perturbador.
O jeito foi aceitar e fazer o que tinha que ser feito. Jaehyun era bom em consertar as coisas, mas isso funcionava melhor para questões dos outros do que em seus assuntos pessoais. E com toda certeza, haviam coisas que precisavam ser urgentemente consertadas naquele aparelho.
Dabin voltou com menos de 5 minutos, estendendo a bolsa de gelo para Jaehyun, que a puxou enquanto começava a retirar as botas.
— Como ficaram as coisas lá fora? — perguntou, segurando uma careta ao se desfazer do calçado. Tinha algo inchado e errado na região, dava para sentir antes de ver.
— Eufóricas. A tragédia aconteceu bem no final, pelo menos. As pessoas conseguiram ver o bastante de Jeong Jaehyun.
— Ótimo. Preciso que você faça uma coisa pra mim.
— Fazer o quê?
— Me dar o seu celular. Quero mandar uma mensagem pra alguém.
— Pra quem?
— Pra uma pessoa na Coreia. Quero…
— Isso vai ter que esperar, Jeong.
A nova voz veio da porta, junto com o trotar intenso das botas de Taeyong, que eram as mesmas de Jaehyun, agora jogadas para o lado. Ele fechava os dedos longos em um objeto ao lado do corpo e, quando parou na frente do rapaz na poltrona, estava com o rosto vermelho de irritação.
— A gente precisa conversar.
Dabin automaticamente encolheu os ombros e deu um passo para trás, como se aquele cara tivesse ganhado 2 metros de repente. Jaehyun engoliu em seco, constatando que Taeyong tinha a mesma expressão enfurecida de alguns dias antes. E essa fúria direcionada a ele fez sua pele ficar instantaneamente fria e úmida.
— O que houve?
O que houve?! Bom, a pior situação possível — grunhindo, ele jogou o aparelho quadrado no colo de Jaehyun. O iPad caiu com a tela para cima, piscando o título de um tablóide em inglês com vários pontos de exclamação — Acabou de sair. Não tem nem cinco minutos e a merda do Twitter já tá pegando fogo.
Jaehyun piscou os olhos algumas vezes, ainda confuso nos primeiros dois segundos até virar o rosto na direção da luz branca e dar uma olhada no motivo daquela entrada abrupta de Taeyong.
E, quando leu, percebeu que seu líder estava certo em estar bufando como um touro.
— Mas o quê… — e deixou a frase inacabada. Ele se levantaria, se não fosse pelo pé acidentado. Se levantaria e correria. Talvez gritaria para todas as pessoas na rua que não abrissem sites de fofoca naquele dia porque só leriam mentiras em cima de mentiras. Aquilo era uma mentira! Uma calúnia que não fazia sentido.
Mas quando a mentira vem acompanhada de uma foto comprometedora, fica difícil sustentar qualquer argumento contra.
Ele encarou o amigo ainda parado à sua frente, abrindo e fechando a boca conforme as palavras iam faltando. Taeyong obviamente esperava uma explicação. Mas que explicação tinha para dar diante de uma imagem dele ao lado de uma mulher ruiva de capuz debaixo de um estacionamento escuro enquanto entravam em uma Land Rover?
Uma mulher que não era sua empresária, família ou qualquer pessoa que não fosse considerada estranha o suficiente para andar por aí com um idol.
A palidez começou a tomar seu rosto devagar. O número de compartilhamentos nas redes sociais estava crescendo diante de seus olhos, crescendo desordenadamente. Em poucos minutos, ele estaria diante dos carrascos da internet e não teria para onde fugir.
— Eu só te pedi uma coisa, uma única coisa — Taeyong interrompeu seu pânico, falando entredentes — Mas você sempre insiste em ficar no caminho dos paparazzis.
— Cara, isso não… Não é o que você tá pensando… — tentou, ainda encarando a foto na tela. Parecia embaçada, mas o rosto dele era nítido por baixo do boné. Os ombros de Ali estavam caídos enquanto caminhava para o carro, assim como sua cabeça, impedindo qualquer visão de seu cenho. A sombra vinda das luzes fluorescentes não permitiram captar grande coisa por dentro do veículo.
Mas aquele ângulo era de uma perfeição inquestionável. Não deixava espaço para suposições, apenas certeza: Jeong Jaehyun com uma garota misteriosa. Seja lá quem tenha tirado, se escondeu perfeitamente como um franco atirador. Estava perto, muito perto, em um lugar tão vazio e silencioso que deixou apenas o barulho do salto de Ali marchar pelas paredes em ecos penetrantes. Isso tornava tudo mais perturbador: não havia ninguém. Parecia não haver ninguém. Ele não viu, muito menos ouviu um mísero suspiro. A não ser que…
Jaehyun travou quando se lembrou de repente. O cara do cigarro. O livro esquisito nas mãos. O único elemento anormal do cenário, totalmente insignificante.
— Eu… Porra. — Foi a vez de ele trincar os dentes à medida que recordava a situação — Eu posso explicar…
— Não é pra mim que você tem que explicar alguma coisa. Eu não vou amarrar você no quarto ou te mandar pra um convento porque foi sair com uma garota, por favor — o líder revirou os olhos, aproximando-se dele — Mas eu não dou nem 5 minutos pro Gregory invadir esse camarim pra terminar de deixar as coisas caóticas pro seu lado. Você saiu escondido dele, esqueceu?
Jaehyun suspirou em derrota e jogou o aparelho para o lado, afundando o rosto nas duas mãos.
— Eu sei. Eu sei. Eu não ia…
— Esconder dele por muito tempo? Ia sim. Claro que ia, Jaehyun. Sou seu amigo quase desde que nasceu e garanto que você ia. Mas repito: o que você foi fazer não é da minha conta, e nem de ninguém lá fora. Só que isso não significa que não vão falar — Lee ainda estava bufando. Parecia mais desorientado ainda do que Jaehyun — Eu não sei o que você pretende, mas precisa resolver isso. É sério. Isso tá com cara de ser uma dor de cabeça daquelas, e fui arrastado pra isso tanto quanto os outros também vão ser.
Jaehyun franziu os lábios quando encarou o amigo novamente. Não tinha como se defender. Não tinha o que mostrar para garantir que as coisas dariam certo. Vendo a situação como um todo dentro do seu mercado de trabalho, aquilo era a receita perfeita para um caos. Não havia como se dar bem na indústria do K-Pop se você tinha uma namorada, quanto mais uma namorada secreta. A maioria dos relacionamentos eram clandestinos por um motivo, e bastava fazer uma pesquisa de histórico para entender o porquê.
Mas pior do que ser pego no flagra, era ser pego no flagra com a pessoa errada! Dando a entender um relacionamento que nem existia – nem chegava perto de ser um. Parecia uma piada de mau gosto, uma que ele nem podia rir porque nos bastidores da indústria ria ao ver idols namorando. Absolutamente ninguém.
Assim, Taeyong se virou para ele pela última vez, com as mãos na cintura e uma expressão de puro cansaço quando disse:
— Só… resolve isso. Beleza? Por favor — e saiu da sala, sacudindo a cabeça em negação.
Jaehyun sabia o que significava "resolver isso”. Era padrão. Resolva isso, termine com ela ou com ele, não os deixe contar isso nem pra mãe, sacou? Nada disso. Não pode vazar de jeito nenhum. Era tipo um protocolo. Quando envolvia casais homoafetivos, o buraco era bem mais embaixo, incluindo inúmeros contratos de confidencialidade e afins porque a figura do macho alfa coreano ainda era muito importante para toda uma nação.
Mas naquele caso, pouco importava. Ali ficaria ainda mais puta do que ele estava quando visse aquela foto. Não era necessário pedir que ela não comentasse sobre o assunto. Jaehyun não estava preocupado com protocolo nenhum, e certamente as pessoas esqueceriam aquilo rápido caso não vissem a fofoca se desenrolar por mais tempo. Mas nem sabendo de todas essas coisas foi o suficiente para impedir que ele ficasse maluco com a notícia.
Porque ela estava se espalhando como uma praga. E logo logo, chegaria aos olhos e ouvidos dela, pronta para interpretar tudo errado.
Que droga.

・ ❬📸💔❭ ・


O final daquela reunião foi um alívio.
A única coisa que pescou durante todo o seguimento foram as piadas de Yoona sobre o cabelo rosa de Soobin e o carrão de oito cilindros que Yeonjun tinha aparentemente comprado. Ela disse a palavra “aparentemente” com uma certeza absurda, uma certeza de quem havia visto a coisa com os próprios olhos.
Sooyeon, a diretora executiva e cabeça principal na frente de todo o projeto, continuou falando sobre a importância das etapas individuais do processo, e de como precisavam ser cumpridas com diligência porque uma dependia da outra e essa sucessão já estava começando a exibir os erros banais. Típico de toda produção. Um cara tinha se embolado na hora de passar as partituras para os responsáveis do estúdio e Taehyun ficou sem linhas para cantar na gravação porque simplesmente não sabia qual parte iria cantar. O vocalista principal não tinha o que cantar.
Bem, dava pra imaginar perfeitamente o humor geral dessa reunião. As piadas de Yoona ajudaram um pouco, mas a voz da mulher esbelta de meia idade ainda estava brava e artificialmente animada quando dizia “vamos melhorar. Fighting!"
O fato de estar bem consciente apenas das horas passando e do aperto no peito, esperando somente o encerramento para se levantar e ir direto ao outro lado da cidade resolver o que tinha resolvido debaixo de lágrimas na noite anterior, tornou a ferroada de Sooyeon ainda pior. Ela estava planejando ser uma funcionária exemplar, altiva, diferenciada desde o começo. Não era qualquer cargo, não era para fazer qualquer coisa, não era para qualquer pessoa. Ainda assim, não se sentia com a menor vontade de sair distribuindo beijos e abraços aos garotos sempre que os via, por mais que estivessem dando tudo de si naquele álbum.
No fundo, ela sentia que não estava ajudando em nada. Porque estava ocupada demais ficando na corda bamba da indecisão, e isso precisava acabar, precisava acabar .
Quando sua chefe enfim anunciou o término da reunião, o barulho das cadeiras se afastando da imensa mesa central foi a única coisa que despertou a fazer o mesmo. Com um pigarro, ela encarou o relógio de pulso e moveu as pernas rapidamente para a porta enquanto um pensamento tosco a invadia como um fantasma: já vou, mãe. Estou indo salvar a sua vida. Relaxa.
— Srta. — a voz branda de Sooyeon a fez parar antes que chegasse ao batente, e se virou imediatamente — Vem aqui, por favor.
Um gelo atravessou a espinha de . Ela engoliu em seco antes de se aproximar da mulher, pensando em coisas absurdas que não devia pensar em momentos como esse, como sua substituição, rescisão de contrato, demissão com míseras 2 semanas de trabalho. Ela achou que isso nunca iria acontecer em tão pouco tempo.
Mas Sooyeon abriu um pequeno sorriso enquanto puxava delicadamente uma garota baixinha de cabelos presos em dois coques em cima da cabeça, pintados de cores diversas como azul, vermelho, verde e rosa.
, quero que conheça a Go Won. Ela acabou de se formar na Universidade de Seul e passou pelo processo seletivo dos novos recrutas da empresa. Ela é sua nova assistente — Sooyeon deu mais um sorriso, mediano em comparação ao outro — Mas não se preocupe, ela tem experiência com outras agências, assim como você.
— Se pudermos falar o nome da SM sob esse teto, te passo a minha ficha completa — a garota assegurou, e o sorriso dela sim era gigantesco, não acompanhava em nada com o sorriso da chefe. franziu levemente o cenho, absorvendo a informação.
— Ah… Muito prazer, Go Won — fez uma breve reverência à garota, que parecia ser uns dois anos mais nova do que ela.
Go Won balançou as mãos no ar em repreensão.
— Ah, pára com isso, não precisa dessas formalidades comigo, eu sou da nova geração. Pode me chamar de Woonie.
— Woonie?
— É. Go Won é um pouco brega, sabe? Meus pais tiveram a péssima ideia de colocar o meu nome com apenas uma sílaba e por aqui isso é quase um motivo para bullying, não que exista motivos para bullying, mas então decidi seguir o barco e criar o meu próprio nome. Woonie é legal, parece nome de idol, não é? Aliás, você conheceu muitos idols? Aposto que conheceu.
olhou brevemente para Sooyeon, que agora segurava um riso. Os cantos de seus olhos estavam puxados como nunca estiveram. Algo naquela expressão dizia para que, a partir de agora, ela teria mais um trabalho à parte do que já estava fazendo.
— É… Não foram tantos assim…
— Ah, imagino que sim, já que tirar fotos é literalmente ficar perto deles. Respirar o mesmo ar. Você tem ideia de que tem o trabalho dos sonhos? Melhor do que isso só aquelas staffs que são pagas pra passarem óleo de bebê no peitoral de gente como I.M do Monsta…
— Go Won — Sooyeon interviu com um olhar afiado. Go Won, ou Woonie, abriu um sorriso amarelo na mesma hora.
— Perdão, senhorita Kim — ela abaixou a cabeça, e se virou para da mesma forma, desta vez com as costas mais eretas — Perdão, senhorita . Às vezes eu perco um pouco do filtro, mas prometo ser uma ótima aquisição pra Hybe.
— Sem problemas. É um prazer te conhecer — e achou mesmo um prazer. A garotinha lhe lançou um sorriso doce que a fez gostar dela quase imediatamente. Mesmo que não soubesse quanto tempo isso duraria.
— Go Won já está com o cronograma das próximas atividades e tem uma mesa reservada ao lado da sua no departamento, . Expliquei o básico, mas confio em você pra passar as demais informações e situá-la nessa loucura de lançamento. Por que não aproveitam e almoçam juntas? Temos muito trabalho pela tarde — a mulher disse com sua voz imperial de sempre e segurou em sua bolsa Prada enquanto se virava na direção da porta — Agora, se não se importam, preciso dirigir aquele Camaro velho e barulhento que é o equivalente masculino desses sapatos horríveis que parecem de papelão — ela apontou para os próprios saltos. Pareciam caros, muito caros, mas talvez Sooyeon gostasse de coisas ainda mais caras — Aproveitem bem o tempo. Vejo vocês mais tarde.
E ela se foi antes mesmo que tentasse perguntar porque toda essa coisa de almoçar com a novata não podia ficar para amanhã. Para daqui há duas horas, talvez.
— Uh. Ela dá arrepios, não dá? — a voz da garota soou divertida ao pé de seu ouvido, e levou um susto ao percebê-la bem em suas costas — Linda de morrer, mas sinto que ela chega em casa e bebe vinho até dormir. Será que é divorciada?
piscou os olhos e seguiu o olhar na direção de onde Sooyeon atravessara minutos antes. Sua resposta foi apenas um dar de ombros.
— É uma pergunta de milhões de dólares — ela murmurou, e antes que Woonie dissesse algo, olhou novamente no relógio — Então, Woonie, sei que a senhorita Kim falou do almoço, mas eu…
— Sim! Você ia dizer a barraquinha de burritos veganos do outro lado da rua? Por favor! É a única coisa que posso comer nessa região de Yongsan-gu, ninguém faz nada que não leve a droga de manteiga, e não vejo como num país que fabrica robôs e mentes brilhantes como Faker não saibam que existe queijo vegano! Acredite em mim, eles já deveriam saber uma coisa dessas, onde já se viu…
— Na verdade — disse , antes que a garota recomeçasse um monólogo — Eu não pretendia comer agora. Preciso sair e resolver uma coisa urgente, então se você não se importa, nos vemos mais tarde.
deu um sorrisinho de canto enquanto puxava sua própria bolsa transversal e andava até a porta. Quando menos esperou, a voz aguda de Woonie já estava no pé de seus ouvidos de novo, desta vez ainda mais animada.
— Tem algo urgente pra fazer? Tem a ver com todo o mundo corporativo dos idols? Minha nossa, você está indo fazer um outro trabalho? Quer dizer, a Hybe exige exclusividade, mas quem liga, já colocaram chips nos nossos cérebros pra saber cada passo que damos? Você acredita nessa conspiração? Aliás, o conceito do comeback do aespa não era sobre isso?
suspirou, vendo a garota segui-la pelo corredor sem nenhuma hesitação. Ela rapidamente puxou um pequeno bloco de papel da bolsa, onde tinha anotado os números da conta bancária que tinha recebido por SMS.
— Não, não é nenhum trabalho.
— Então é alguma coisa do mestrado? Soube que você também estuda na SNU no programa de pós graduação, devo me inscrever no ano que vem caso não consiga me dar bem nessa área de gestão. O que, inclusive, sou muito boa, juro! Consigo decorar e catalogar qualquer peça de roupa, partitura, baterias Sony, passos e compromissos que você quiser. É a função perfeita pra entrar no entretenimento, você não acha? Não me diga que prefere redigir uma dissertação de mestrado a ficar perto de gente como Park Jimin. Me diga que somos um pouco parecidas nisso, . Aliás, posso te chamar de ?
— Na verdade…
Distraída, travou os pés em um susto antes que trombasse com alguém que empacou na sua frente como uma parede. Arfando, ela olhou para cima ao mesmo tempo em que Woonie, pela primeira vez nos últimos 10 minutos que a tinha conhecido, parou de falar. E pelo visto, tinha parado de respirar também.
Talvez ela não estivesse acostumada a encontrar Jeon Jungkook surgindo pelo corredor aberto entre os andares, vestido casualmente de preto e segurando uma embalagem de papelão em uma das mãos. Uma embalagem que cheirava a café.
Alguma coisa muito pesada pairou naqueles longos centímetros entre os dois, onde o único barulho audível era do ar entrecortado tentava sair da boca de Woonie.
— Oi — disse ele, sem desviar os olhos de .
E foi assim que ela sentiu o coração bater como um louco. Por causa de um oi.
— Oi — respondeu, um pouco perdida naqueles olhos, ainda impactada pela presença repentina dele.
Jungkook sustentou esse olhar até desviá-los para o lado e encontrar Woonie. A garota de cabelo colorido tinha a boca entreaberta e os olhos arregalados como se visse uma assombração. Típica reação de fã. Normalmente, Sooyeon a daria uma bela bronca se visse isso, mas estava tudo bem para Jungkook; nem precisava perguntar para saber que ela era novata.
acordou a tempo de limpar a garganta e se recolocar na realidade.
— Essa é Woonie — respondeu, e se assustou por um momento com o quanto a garganta estava seca — Go Won. Minha assistente.
Um sorrisinho brilhante esboçou os lábios de Jungkook. Ele nem ao menos mostrou os dentes, mas foi o suficiente para causar aquele terremoto catastrófico no peito de novamente. Com esse mesmo sorriso, ele se virou para a garota, com um mísero aceno de cabeça.
— É um prazer, Woonie. Eu sou…
— Ah, por favor. — ela estalou a língua no automático. Suas pálpebras se moviam tão rápido como as asas de um inseto. Quando viu o jeito cauteloso que a encarou, ela soltou uma risada abafada pelo nariz parecido com um ronco — Quero dizer… Jesus Cristo, sei quem v-você é… E-eu…
— O que faz aqui? — se virou para ele, procurando poupar a todos de um momento constrangedor onde tivesse que reanimar uma garota desmaiada. Jungkook parecia estar se divertindo internamente, mesmo com a careta de .
Ainda assim, o rapaz esperou um tempo para falar, pensando no que responder.
— Você tomou café?
— Ainda não — respondeu rápido, e logo o viu estendendo as mãos com a embalagem em sua direção.
Na mesma hora, uma onda de pânico a tomou quando olhou de relance para Woonie e viu aquelas pupilas dilatadas acompanhando cada centímetro de movimento de JK naquela atitude com assombro.
— Você não precisa — ela disse imediatamente, embolando-se nas palavras — Digo, eu não preciso. Não gosto de cappuccino.
Ele franziu o cenho, sem entender aqueles olhos arregalados. moveu uma sobrancelha para ele, como se gritasse com todas as forças: pelo amor de deus, o que você pensa que está fazendo?! Estamos no meio do corredor.
Mas ele não parecia captar isso. Na verdade, não estava nem aí pra isso.
— É café preto. Coado. Com muito açúcar — ele estendeu o copo novamente, e desta vez colocou-o direto nas mãos de — Com embalagem de lona reciclada e tudo.
— Fofo — a voz de Woonie atravessou o espaço entre os dois, e ela logo limpou a garganta para se recompor — Desculpem. O meio ambiente suspira de alívio.
emitiu um leve grunhido na garganta. Olhou para aquele cara com irritação, com verdadeira indignação, porque percebeu que mais pessoas estavam passando, e todas elas grudavam os olhos naquela jaqueta como se não acreditassem no que viam. O que Jeon Jungkook estava fazendo no departamento de criação?
E o que estava fazendo batendo papo com uma funcionária?
Bem, tecnicamente havia duas, mas ninguém era tão lesado para não perceber que ele só olhava para uma.
agarrou o café e prontamente deu um pequeno passo para trás, agarrando a alça da bolsa com mais força.
— Obrigada… por isso — ela disse, procurando uma brecha para dar as costas e sair. Jungkook ainda a observava com aquela curiosidade que esperava por mais — Eu preciso…
— Você está melhor?
A pergunta dele não tinha um pingo de falsa gentileza. Soava presente, interessado, preocupado. E isso talvez tenha feito se tocar do motivo de ter esbarrado naquele cara de quase 1,80 em plena hora do almoço e desejou derrubar aquele café na primeira lixeira que encontrasse antes de dar um golinho sequer. É claro.
Sabia que não tinha ouvido seus passos se afastando assim que fechou a porta ontem. Sabia que tinha algo estranho. Ele ainda estava lá. Ainda estava lá quando ela abriu o berreiro como uma criança antes de correr para abrir o berreiro devidamente embaixo das cobertas.
Isso era péssimo.
— Sim, estou bem — torceu o nariz e lançou um olhar irado para Jungkook. Ele assentiu com a cabeça, irredutível, como se esperasse uma resposta melhor que aquela. Se percebeu que ela não queria conversa, não demonstrou isso em momento algum. Não se importou, era uma observação melhor.
Woonie ainda parecia martirizada, e dava pra ver pelos seus olhos que seu cérebro trabalhava a mil por hora. Ela devia estar segurando a língua no céu da boca para não gritar.
— Você precisa de ajuda? — perguntou para apressá-lo. Uma mulher de rabo de cavalo estava atravessando de uma sala para outra em passos lentos, muito lentos, com os olhos grudados na parte de trás da nuca de Jungkook.
Após uma pausa, ele suspirou e colocou uma das mãos no bolso.
— Na verdade, preciso. Até que horas vai o seu turno?
Ah, não.
Não. Ele não estava fazendo isso.
Não no meio de um corredor lotado. Não na frente de uma desconhecida.
Não com o coração de batendo daquele jeito esquisito. Não com a vergonha que estava sentindo por ele tê-la ouvido chorar.
Parecia a hora certa de inventar uma desculpa e correr para a rua, mas aquela postura firme e intacta dele, fazendo perguntas casuais que poderiam ser facilmente mal interpretadas sem se importar, a tinha deixado completamente sem reação. Ela até se esqueceu que estava irritada com ele.
— E-eu… Na verdade, eu não vou…
! ! — o berro estrondoso atravessou todo aquele corredor como uma sirene. pulou no mesmo lugar, voltando-se na direção do som a tempo de ver Yoona correr pela extensão do lugar bem nas costas de Jungkook, segurando o celular no tórax — Até que enfim te achei! Você não vai acreditar no que…
Como esperado, a presença de Jungkook também roubou sua fala. Desta vez, até entendia. A garota saiu correndo loucamente lá de trás, sem notar um cara qualquer parado na frente da amiga até que, de repente, quando ele se vira, puf: um idol mundialmente famoso. O cérebro precisava de um tempo pra processar uma coisa dessas.
Mesmo que o cérebro de Woonie ainda não parecia ter voltado ao normal.
— Ah… a-ah… — Yoona gesticulou com as mãos, falando em uma voz ligeiramente mais suave — J-Jungkook… Jungkook.
E depois de abrir e fechar a boca algumas vezes, foi apenas isso.
quase revirou os olhos. Woonie dava pra entender, mas já não era hora de Yoona aprender a disfarçar?
Seria bom se ele percebesse que a situação tinha ficado um pouquinho desconfortável. Mas em vez disso, Jungkook simplesmente abriu o mesmo sorrisinho de canto e estendeu uma mão quando disse:
— Como vai?
Yoona olhou para aquela mão por tempo demais até apertá-la de leve.
Desde que foi aceita no projeto, uma das principais coisas que a amiga tinha dito para era que: trabalhar em uma empresa de entretenimento para idols era como dirigir um Eclipse 1995 – rápido, intenso e emocionante. Só que Eclipses tinham algo muito importante: os air bags. Os air bags precisavam estar sempre a postos, por uma questão de contrato. Diferente do que muita gente desconfia, trabalhar para idols era diferente do que trabalhar com idols. E ser fã nesse meio era obrigatório o uso dos air bags; quando avistar um idol, ligue seus air bags pra não dar uma de histérica e ir parar na rua.
Bem, os air bags de Yoona pareceram estar ligados naquela hora, para alívio de . O carro dela tinha muitos airbags.
— V-vou bem… Que surpresa vê-lo por aqui. Veio ver a senhorita Kim?
— Vim dar uma olhada nas gravações dos garotos, mas acho que Sooyeon não gosta muito quando eu fico dando dicas do outro lado. Na verdade, ela odeia — destacou ele, arrancando uma risada nasalada de Yoona e algo parecido com um sorriso de Woonie — Mas o estúdio é perto daqui e aproveitei pra pegar um café e trazer um pra…
— O que aconteceu, Yoona? — interrompeu, sem qualquer preocupação de estar sendo mal educada. Se ele continuasse ali, casualmente, como se fosse qualquer pessoa normal, Gong Yoona começaria a se aproximar demais e roubaria um fio de cabelo dele para cultivar em um vaso. Não dava pra duvidar de alguém que tinha fotos de idols em tamanho real de papelão espalhados pelo apartamento.
Acordando para a vida, Yoona se virou para , assim como Jungkook, que enrugou a testa em uma nova careta de confusão. quis automaticamente sair daquele corredor empurrando-o para longe. Sim, estou louca pra que você vá embora, não vê como isso é estranho?
Mas não pensou muito nisso porque logo Yoona voltou a fazer aquela mesma expressão que fazia quando gritou lá longe: assustada. Apreensiva. Os olhos esbugalhados como um espantalho.
— Ah, isso. É, isso. Então… Acabei de ver uma coisa na internet… Tá uma loucura, uma loucura muito feia. E lembrei do que Candice disse naquele naquele dia no karaokê… — Disse ela, e seus olhos varreram o rosto das três pessoas presentes, como se estivesse se decidindo se deveria contar o que sabia. Quando parou em novamente, ela bufou e estendeu o celular — Ah, que seja. Essa é a nova fofoca bombástica do momento.
A tela foi parar no rosto de . E ela nem precisou terminar de ler o título para entender tudo.
Por um momento, foi como se tivesse caído de uma bicicleta em movimento.
De pé, ela nem percebeu quando pegou o aparelho nas mãos, acompanhando as palavras da matéria com uma inquietação que murchava a cada segundo:

A passagem do NCT 127 pela América finalmente gerou algumas novidades que não fossem o banho de espuma de Johnny ao vivo e o solo de Doyoung à là rock ‘n roll. Com novos shows marcados pela Europa para as próximas semanas, o membro do 127, Jaehyun (25), decidiu tirar uma folguinha entre um país e outro desfrutando do verão simbólico da Califórnia como um bom ex-morador do nosso país. Mas parece que não quis fazer isso sozinho.
No último dia 5, por volta das 4 da tarde, o idol foi visto com uma garota nos arredores de Venice Beach com a pose padrão de quem não quer parecer suspeito. O rosto dela não foi identificado, mas dá pra ver que nenhuma coreana de legging verde atravessou o oceano pra ir ver o pôr-do-sol com o rei das Valentines. Será que todos os boatos de que Jeong Jaehyun prefere as estrangeiras é mesmo verdade? Descobrimos mais um namoro secreto dos idols do k-pop? Precisamos de mais informações! Alguém vai…


O celular foi tomado de suas mãos antes que terminasse o texto, mas não era necessário que brigasse por isso. Sua mente estava girando como um pião. Ela esperou sentir alguma coisa com isso, sentir algo por ver sua desconfiança ganhando vida, mas… não sentiu nada.
Quando ergueu os olhos, viu que Jungkook era a pessoa que tinha tomado o telefone, e olhava para a notícia com os olhos rápidos, traçando de uma ponta a outra da tela ferozmente.
Quando os dois se olharam, nenhum deles soube o que dizer.
— Minha nossa, Jeong Jaehyun tem uma namorada! — a voz estridente de Woonie quebrou o silêncio enquanto olhava para o próprio celular — Quem diria, achei que ele fosse casado em segredo. Quer dizer, quem garante que não é casado com essa aqui? Será que eles têm filhos? Um cachorrinho chamado Peach? Entenderam a referência?
se distraiu da falação assim que começou. Seus ombros penderam em desânimo e uma recapitulação do último ano quis fervorosamente invadir sua mente. Aquele tipo de coisa reflexiva, como “o que estou fazendo da minha vida?”, mas não tinha tempo pra isso agora. Não tinha tempo de pensar nos outros problemas menores.
… — ela ouviu Jungkook ao mesmo tempo em que sentiu-o se aproximando, identificando aquele cheiro de cranberry agora a centímetros breves, e seu coração foi tomado pela adrenalina e pelo medo outra vez, o que a fez se afastar dele num sobressalto.
— Posso ir agora? — ela perguntou para ninguém em específico, e apertou ainda mais a alça da bolsa em transversal — Eu volto logo, Woonie. Yoona, pode levá-la pra almoçar enquanto isso? — e sem esperar resposta, se virou para Jungkook — Obrigada pelo café.
E saiu antes que ouvisse qualquer tentativa de fazê-la ficar. Nada a faria ficar enquanto tivesse problemas familiares a serem resolvidos, enquanto Jaehyun revelava a verdade de seu sumiço para o mundo, enquanto queria parar tudo e se perguntar o que faria a partir de agora e, principalmente, não ficaria enquanto Jungkook estivesse por perto, fazendo suas palmas suarem e seu coração pensar que estava numa rave de música eletrônica, curtindo a onda louca lotado de ecstasy e energético.
Ela fitou a embalagem de café. Preto e com muito açúcar. Droga. Ele se lembrava.
E isso causou uma nova convulsão nos seus abrimos cardíacos.
Antes que ela passasse pelas portas giratórias da agência, começou a desconfiar que estava encrencada.


[ 22 ] – Don't act like it's not happening

🎵 Ouça aqui:
Dancing Shoes - Arctic Monkeys

"Coloque seus sapatos de dança
Só tem uma coisa em sua cabeça
﹝...﹞
Oh, mas isto é tão absurdo
Para você dizer a primeira palavra
Então você está esperando e esperando
﹝...﹞
Então do que você tem medo?
Não faça sempre o mesmo
É para isso que você está lá, você não sabe?"

Ali Dalphin tinha planejado não falar com ninguém até que a poeira baixasse.
O tipo de perseguição que sofreu como a “namorada revelada” foi muito diferente da pressão imposta à Jungkook. Com ele, as pessoas estavam preocupadas apenas com os motivos que o haviam levado a namorar uma mulher estrangeira, mais velha e, segundo as análises alheias da internet, nada a ver com ele.
Com ela, as palavras eram dedos apontados e uma onda enorme de comentários indignados que simplesmente não aceitavam que aquela mulher havia sido ousada o suficiente para seduzir um dos maiores astros do mundo, quando não chegava nem perto de ser boa para ele.
Foi a primeira vez na vida que Ali Dalphin não era boa para alguma coisa. Não era perfeita para alguém.
Talvez isso não devesse importar tanto, mas um psicológico abalado te fazia acreditar em coisas que não eram reais; acrescentavam palavras que antes não faziam parte do seu vocabulário, acompanhadas de expressões irracionais como “maldita bulímica de merda”,
não é à toa que a França é cheia de ratos”,
ela não tem cara de alguém que cuidaria e pensaria no bem-estar do JK como merece. É uma vaca descarada” e
morra em cima dos seus sapatos Gucci, vadia padrão” e aguentar isso não parecia uma opção muito boa.
A única pessoa com quem falou ao telefone antes de pegar um voo de última hora naquela manhã no aeroporto de Incheon, meses atrás – antes de se livrar do próprio celular–, foi Marco, seu agente, um italiano de 32 anos que já havia provado de diversas formas que daria seu sangue, suor e lágrimas por aquela francesa destemida. Porém, após um momento de consideração, Ali concluiu que nem mesmo ele parecia ser a pessoa certa para desabafar sobre o caos instaurado. A melhor escolha era fingir que nada estava acontecendo. Que eles não tinham acontecido.
Agora, no entanto, depois de 5 longos meses de vida em off, Ali pegou o telefone, discando os números que sabia de cabeça e escutou o “tuu-tuu” da chamada enquanto acendia um Marlboro da janela do Lamp Lighter Inn em frente à reserva natural de Carmel.
Alô?
— Oi, Marco. Sou eu.
Houve um momento de silêncio. Ela pensou em acrescentar com “sua cliente mais especial, Ali Dalphin”, mas permaneceu quieta.
Ali? É Ali Dalphin?
Bingo.
— A mesma. Não precisa ficar tão surpreso assim.
Marco não diz nada. O único barulho do outro lado da linha é do som característico de uma cadeira de rodinhas se mexendo.
Não precisa ficar surpreso? Tá brincando comigo, gata? — Guinchou, estupefato. Sem dúvidas, ele queria dar um soco em alguém. De ânimo, de euforia, de uma aposta ganha — Você sumiu do mapa. Ninguém sabia onde te encontrar, e olha que liguei pra muitas pessoas. Cacete, onde você está?
— Longe. Por enquanto. Tenho um voo pra casa daqui há 5 horas, mas vou dar uma passada em Lyon primeiro. Acho que já tá na hora de dar um sinal de vida pra mamãe, por mais que ela vá perceber a minha recaída assim que bater os olhos em mim.
Principalmente no cabelo, ela pensou, colocando o polegar dentro da mão. Os membros loiros e lindos da família Dalphin se importavam bastante com padrões.
Que recaída? Não me diga que…
— Você sabe o que significa recaída. Foi uma pena quebrar minha medalhinha de 3 anos de sobriedade, mas agora já foi. Tô me recuperando. Acho… — ela suspirou, fitando as árvores ao longe — Acho que eu precisava disso.
Talvez ainda precise com a iminência de mais uma bomba prestes a explodir, mas ok. Vou tentar lidar com as coisas de uma forma diferente.
Não. Não diga isso — Marco disse apressadamente. — Você não precisava de mais Zolpidem ou daquela outra coisa amarela. Esqueceu pra onde essas porcarias te levaram da última vez? Por isso você estava saindo dessa onda, se lembra, linda? Isso e o coreano tatuado. Ele foi… — o homem parou de falar. Em seguida, soltou um suspiro tão forte que Ali jurou ter sentido o bafo quente nos ouvidos — Dios mio. Estava chapada quando fez aquela viagem de barco? Quando beijou aquele cara?
Ali não respondeu de primeira. O silêncio era o suficiente entre ela e Marco. Mesmo assim, ouvindo a frustração em sua voz, sentiu como se precisasse, ao menos, dizer que sentia muito.
Não tô te julgando, Ali. Sabe que eu te amo. Sei que as coisas foram uma merda pra você, que elas sempre ficam uma merda pra quem já tava mal antes, mas você não deveria ter sumido daquele jeito. Não devia ter fugido de mim.
— Eu sei, amati. Eu sei — disse Ali. — Me perdoe por isso. Finja que eu ainda tenho algum poder sobre você.
Finalmente, uma pequena risada ressoa na linha. Ela sabia que ele acabaria rindo, mais cedo ou mais tarde. Teria rido de volta, se ele não tivesse perguntado logo depois:
E o Jungkook?
Ali não tinha certeza de como reagir àquilo. Precisava se lembrar que Marco estava desatualizado. E contar a história do começo era cansativo.
— O que tem ele?
Ora essa. O que disse a ele sobre as fotos? Deram um ponto final? Depois delas, nunca mais recebi uma tentativa de ligação daquele garoto.
A fumaça do cigarro se espalhou pelo vidro grosso da janela do hotel como um leque invisível. Ali não gostou da palavra ponto final. Se Jaehyun falou a verdade naquele dia, aquela situação era apenas uma reticências.
— Não. Não falei com ele — e foi só isso para que Marco entendesse que, talvez, muito talvez, ela não tivesse mais toda a sorte de controle sobre Jungkook. Mas para Ali, não importava quantas mulheres passassem pela vida e pela cama dele, seus sentimentos por ela não mudariam tão facilmente. — Mas talvez eu fale.
Alison… — Marco alongou a palavra com um timbre de repreensão.
— Não te liguei pra pedir um conselho amoroso. Sou uma cliente que quer voltar ao trabalho — e com mais firmeza, reiterou: — Preciso voltar ao trabalho.
O tom generalista indicou que trabalho era amplo, sem muita exigência. Seja para tomar um café com Stefano Gabbana ou tirar fotos para uma coleção de roupas de marca local. Era o tom que normalmente usava para ultimatos ou censuras de ofertas – e Marco amava esse tom.
Sim, bellissima, sim — ele suspirou de satisfação. Não era segredo para ninguém que esteve esperando aquela ligação por meses — Valentino me perguntou de você há duas semanas, e me garantiu que seu lugar no desfile da coleção de inverno está mais do que garantido. As esperanças nunca se foram. É só me dizer quando e onde que vou te buscar imediatamente.
— O desfile ainda vai ser em Tóquio? — perguntou como quem já soubesse a resposta. Quando Marco confirmou, ela simplesmente disse: — Na semana que vem. No meu apartamento em Saint Germain. Preciso passar um tempo em Lyon antes enquanto outra tempestade se acalma.
Ela virou a cabeça para o lado, direto para o iPad aberto em cima da mesinha de centro na frente da TV, com a tela exibindo a manchete espalhafatosa de mais um idol pego no flagra.
Desta vez, Ali não pediria desculpas. Não seria descoberta, por mais que um medo invisível se rastejasse em seu peito, temendo o cenário catastrófico de seu nome estampado nos tabloides mais uma vez, pelo mesmo motivo. Aquele era Jeong Jaehyun, por Deus. Ela sim não tinha nada a ver com ele.
Por sorte, ou pelo entusiasmo acumulado do contato, Marco não fez perguntas. “Tempestade” para ele poderia muito bem significar a volta às pílulas de sua cliente.
Ótimo, ótimo… — disse ele, com certeza sorrindo — Vou te levar para comer no Les Deux Magots. Pode pedir o bolo que quiser, sem se preocupar com as calorias. Por mais que devia ter me contado que pretendia fazer o que eu não queria que fizesse naquela última ligação, vou te perdoar e fazer o que você desejar, bellissima. Como sempre. Bem-vinda de volta.
Chegou a vez de ela retribuir a risada. Saiu curta e fraca, mas era sincera. Realizar os meus desejos? Ah, Marco… por onde começo?
E disse:
— Me espere com begônias, amati.
Te espero com uma floricultura inteira, principessa. Temos muito o que conversar.
— Você tem muito o que ouvir — ela sopra mais uma dose recheada de gás na janela fechada e apaga a guimba no cinzeiro — Vou desligar. Preciso fazer as malas. Sozinha.
Marco ri da piada do outro lado e se despede com sua voz suave:
Até a semana que vem.
Ali encarou a fumaça enclausurada se dispersando em frente a paisagem verde por mais um tempo até se mexer.
Abriu a caixa de mensagens do celular enquanto se locomovia pelo quarto extenso, puxando um par de sapatos Manolo Blahnik com uma só mão. Havia um último recado de uma sequência imensa de Jaehyun, há 2 horas e outra de 2 dias atrás.
Não se preocupe, escreveu ele. Só continue fazendo o que você já está fazendo. Isso vai desaparecer.
E logo embaixo:
O loiro realça melhor os seus olhos. Não pensa em mudar de ideia?
E é claro que ela riu. Porque era engraçado ver o cara das soluções preso em um beco apertado, procurando uma saída.
Por um momento, Ali se viu tentada a abrir os comentários, mas desistiu da ideia no último minuto. Querendo ou não, ela era a mulher na foto borrada, e leria coisas horríveis ditas por pessoas sem nome e sem rosto que não faziam ideia de quem se tratava, mas que não hesitariam em ser cruéis.
Pobre Jaehyun. Tinha virado o alvo da vez.
Ela o respondeu com a simples frase: Pode deixar. Tô voando pra longe desse círculo de fogo, e voltou a juntar suas coisas.
Em menos de 2 minutos, o celular voltou a tocar.
Ali bufou com o som. Teve medo de que, com os nervos à flor da pele, ele tivesse sentido o nível de estranheza no tom dela cercando as mensagens, como se fizesse a promessa de ir embora para sempre. Atendeu sem olhar, planejando uma conversa rápida.
— O que foi?
Ali Dalphin?
Ali travou a mão em cima da garrafa de Jack Daniels no móvel lateral à sacada. Pretendia dar um último gole do drinque antes de se despedir de Carmel, mas a voz feminina saída do aparelho teve o mesmo efeito amargo da bebida no organismo.
Puxou o telefone para verificar o contato. Desconhecido.
O amargo se transformou em fogo. Queimou como veneno. Atiçou um déjà-vu maluco, onde o nome dela se espalhou pelo globo terrestre e uma dezena de números anônimos faziam seu telefone tocar sem parar, como uma matilha de lobos famintos encarando coelhos em gaiolas. Ela sente uma mão tremer. Não vou ser descoberta. Não tem como. A foto está borrada. A foto está perfeitamente ilegível.
Ali? — A voz repete, e Ali inspira bastante fôlego antes de dizer com uma voz ronronante:
— Você errou o número. Até…
Não desliga. Tenho algo que você quer.
Em um instante, seus olhos correram sobre todo o cômodo da suíte inundada pela luz do sol. Imediatamente, ela pensou: o que você pode ter que eu ainda não tenha?
Impossível que tivesse a fórmula mágica para consertar a cabeça fodida de Ali e plantar um perdão instantâneo no coração de Jungkook para que voltassem a ser um casal feliz, marcando de ir ao cinema na próxima sexta-feira.
Está ouvindo? Tenho algo que você quer.
Desta vez, um detalhe na voz chamou a atenção quando começou alto e murchou no final, como se a pessoa estivesse falando escondido. Fazendo uma ligação secreta. Esse timbre mediano ativou uma parte fresca da memória de Ali.
— Quem está falando? — perguntou em sílabas. A outra voz estalou a língua.
Quem você acha? Aqui é Hilary Smith. Ex-paparazzi.

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Nosso treino pode ser transferido para amanhã? Vou ao cinema com Euntak.”
Jungkook respondeu que tudo bem, mesmo que não estivesse exatamente se sentindo assim. Trocar socos com Tommy andava sendo a melhor atividade física para relaxar a mente, mesmo que existissem outras coisas repetitivas que martelavam a cabeça de um homem até fazê-lo pegar no sono mais rápido.
Ele não tinha planejado nenhum desses outros para essa noite. Apenas o boxe. O único suor satisfatório que o deixaria tão esgotado a ponto de desistir de fazer o que queria fazer.
Mas hoje não teria boxe. E, pela forma escancarada com que o estava evitando, também não teria ela.
Ele franze o cenho ao olhar o telefone. As gotículas de água do banho recente descem em cascata pela nuca. Uma delas bateu na tela do celular ao mesmo tempo em que ele passou para a mensagem seguinte, uma aba de conversa unilateral. Jungkook já tinha visto muitas coisas na vida, mas Jeong Jaehyun sendo um ser incomunicável era a primeira vez.
Precisava falar com ele. Precisava perguntar.
E foi assim que apertou o botão de chamada.
O estúdio de sua casa ficou claustrofóbico de repente. As básculas sempre estiveram fechadas, o painel de gravação sempre estava à postos, e ele prometeu instalar os apoiadores de violão para que não ficassem espalhados, mas também tinha prometido frequentar as aulas de inglês toda semana, prometido visitar Sunny a cada 3 meses, ler os livros da lista de Namjoon e, principalmente, tinha prometido ajudar com seu melhor amigo.
Suas promessas não andavam valendo de nada.
Por um momento, Jaehyun não parece que vai atender. A chamada apitava sem nunca completar. Eram apenas algumas horas atrás na Europa, e ele fez seu dever de casa para saber que o NCT 127 não se apresentaria para um público gigante às 9 da manhã.
Quando ele chegou perto de desistir, escutou a voz característica do amigo.
Alô…
— Jaehyun — Jungkook suspira com o cumprimento. Em uma fração de segundo, levou um susto ao escutá-lo, evidenciando que uma parte sua, uma parte bem de dentro, não desejava que isso acontecesse (ao mesmo tempo que desejava).
Oi. Jungkook, o que foi? — parecia ligeiramente preocupado, inquieto. Estava pedindo, sem palavras, para que a conversa fosse direta.
Mas Jungkook queria o oposto. Precisaria de tempo para perguntar o que queria perguntar sem deixar tão na cara a sua própria pressa. Sua curiosidade em saber o que o amigo queria de verdade – e então, caso não quisesse o que queria antes, seria uma ótima oportunidade para que JK encerrasse sua função de guru sexual e, talvez… quem sabe… aceitar certas coisas.
Como a atração extraordinária que sentia por .
Jungkook?
Ele voltou à realidade tentando se lembrar das palavras que usaria para perguntá-lo, palavras que pensou durante o trajeto de carro, naquele banho gelado demorado e todas as coisas feitas no automático desde que a amiga de tinha mostrado a notícia.
Mas lá fora era quase noite, e não havia tempo para enrolações de cinema como as que Tommy assistiria mais tarde.
— Que história é essa de namorada?
O silêncio durou menos do que ele esperava. Ouviu apenas um grande suspiro, especialmente de cansaço.
Não tem história nenhuma. Não tem namorada — respondeu ávido — É sério. Não tem.
— Sei, amigão. Só garantindo se você esqueceu de contar as novidades. — Para disfarçar, Jungkook abriu um sorriso debochado, porque sabia que Jaehyun conseguia distinguir o timbre — Seja lá qual for a história, é por causa dela que tá ignorando a porra do celular há dias? Tá ficando bem ocupadinho no hotel?
Não é nada disso — Jaehyun trinca os dentes audivelmente, e ainda parece anormalmente irrequieto — Se você viu algo sobre isso, não é o que está pensando. Ela é… eu não a conheço.
— Não a conhece? — Jungkook prende uma risada no nariz, jogando-se na poltrona preta em frente à mesa V8S — Conta outra. E desde quando você dá uma caroninha pros seus casos de uma noite? Aliás, você não tem casos de uma noite. Isso é coisa do restante do grupo.
Ela não é uma noitada.
— Então ela é mais que isso? — os dedos longos passearam pela superfície de madeira até a primeira gaveta. Ele observou o emblema no maço amassado bem em cima de alguns papéis. Ainda tinha metade — Não me pareceu que ela era uma coitada que precisou de ajuda no meio da estrada. Talvez você goste de ruivas e nunca falou sobre isso.
Talvez você não esteja me contando alguma coisa agora, Jungkook pensa imediatamente, e puxa a caixinha frágil para cima do tampo enquanto escuta Jaehyun fazer um barulho semelhante a uma expiração perplexa.
Eu não tenho esse ego enorme, sabia? — o amigo solta um muxoxo, esquivando-se levemente — E não. Não é disso que se trata. A garota… não a conheço direito. Você não vai conhecê-la.
A voz tremeu junto com o lábio do outro lado da linha, mas Jungkook não perceberia. Era péssimo nisso. Sua atenção estava voltada para os cilindros de Dunhill e algum isqueiro perdido na mesma gaveta.
— Imagino que sim, não conheço muitas americanas. Mas você, pelo visto…
Não, cara. Não me diga que ligou por isso — Jaehyun dispara em sua voz esgotada — Não acha que já recebi várias perguntas como essa hoje?
Sua intenção não era ser grosseiro. Era um ponto que Jungkook podia garantir, mesmo com seu frágil senso de observação. Mas, sem dúvida, tinha escolhido o momento errado para ligar.
Mas também parecia errado ficar com o cérebro fervendo de dúvidas que não eram sanadas.
— Acho sim. Eu sei que sim — pontua com precisão, como só um exemplo vivo de quem sente a pressão na pele conseguiria — E sei que devem ter perguntado se vocês estão namorando ou coisa assim, mas isso não interessa. Tô pouco me lixando pra isso. Só preciso saber o que você sente por ela.
O quê? — A sombra de uma risada chocada ecoa da chamada — O que você tá dizendo?
— O que as pessoas não querem saber — ele acha o isqueiro, levanta as pernas para apoiá-las na mesa e acende o cigarro — Fiquei tão surpreso com a foto quanto o bando de jacarés da imprensa, mas ao contrário deles, eu conheço você. E sei que você não é de cometer um deslize tão amador quanto ser flagrado daquele jeito. Então, se você decidiu tirar uns dias de folga pra se divertir em Los Angeles, quem sou eu pra julgar? Mas você se lembra da conversa que tivemos, dias e dias atrás?
Agora o silêncio parece mais real. Não por uma questão de cansaço, mas porque Jaehyun está revisitando os dias passados até parar naquela noite de julho onde fez uma ligação de vídeo para Jungkook no meio de um festival.
Lembro.
E realmente se lembrava. De todas as letras e da mesma tensão na voz quando declarou: “Eu gosto da , JK. Sei que você sabe disso, sei que ela também sabe, mas preciso que você continue sabendo. Independente do que possa aparecer depois, ou de qualquer coisa que possa acontecer, você sabe que gosto dela. Mesmo que eu não esteja sendo merecedor de nada disso agora.”
— Então me diga se é proposital deixar a garota que você gosta pensando que você tá com outra ou se tudo isso é uma terrível coincidência.
Se prestasse mais atenção, Jungkook o escutaria engolindo em seco.
Sobre isso… não foi de propósito — explica, ainda mais vacilante. — Não foi. É complicado… Ah, cara, é muito complicado. Eu falei que não pretendia dizer a ela.
— Nem quando supostamente voltaria daqui a duas semanas?
Exatamente.
Uma pequena faísca de raiva se deslocou para o maxilar de Jungkook, onde ele segurou a língua para não dizer coisas que não devem ser ditas por um cara que esconde segredos. Ele não diria a o que sentia? Ainda sentia alguma coisa? Então não faria nada sobre isso? E se ela ainda sentisse algo por ele?
Quem estava esperando quem? Quem ele estava ajudando? Se é que ainda estava fazendo isso… Ou só estava tentando amarrar dois fios vermelhos que já estavam soltos, por uma mera conveniência? Acordo? Qual dos acordos? Todos eles já estavam quebrados.
Já estavam quebrados.
Ele soltou a fumaça com força.
— É a única coisa que vai dizer? — era mais uma resposta do que uma pergunta. Com certeza, deu pra notar seu tom irritadiço — Tá voltando atrás, é isso? Qual o sentido de me contar que gosta da garota se não vai fazer nada sobre isso?
Mas Jaehyun também estava sob uma pilha de muito estresse.
Por que isso te importa? — o amigo parece confuso, um confuso com indignação — Naquele dia, você deixou bem claro que não tava nem aí pra isso. Nunca esteve. Sei que odeia o fato de eu ter ficado afim da garota que você detesta, mas não justifica seu interesse repentino. Não vou voltar daqui há duas semanas e ainda não é o momento de eu planejar qualquer confissão, qual é o problema? Por que tá me fazendo essas perguntas?
— Porque agora somos amigos e vou odiar se você for mais um motivo pra deixá-la triste.
Ele solta tão rápido que não para pra pensar nas interpretações alheias. Imediatamente, Jungkook quis pegar um drink. Alguma coisa forte, como o que Yoongi tomava mais cedo. Se não teria o boxe para tirar a imagem atípica da fisionomia cabisbaixa de da cabeça, o álcool sempre estaria esperando-o em qualquer canto da casa.
Por mais que fosse difícil imaginar que ela estaria daquele jeito por causa de qualquer influência de Jaehyun, era bom riscar todas as opções.
Ela não podia gostar tanto dele assim, podia?
Você não tá falando sério.
Jungkook revira os olhos.
— Não é tão estranho assim.
Claro que é. É bizarro. Amigos?! Pelo amor de deus… Não importa o quanto você seja legal, estava na sua lista negra.
— É, rasguei essa lista. Ela estava cheia demais.
Esperou que Jaehyun retrucasse. O barulho que fez com a garganta explicitamente na ligação mostrou que ele pretendia fazê-lo. Mas desistiu no meio do caminho, julgando a situação como não merecedora de seu tempo.
Tá, isso… é bom, eu acho. Não estou entendendo nada, mas é bom. Quantas pessoas te pressionaram a cair em si?
— Ainda não respondeu minha pergunta.
Não quero responder. Agora — Jaehyun é incisivo quando bafora alto direto da Europa, uma atitude lenta e cansada — Cara, você não sabe a confusão acontecendo agora nos bastidores. Nem sei como Taeyong deixou o meu nariz no lugar.
— Eu sei exatamente como é essa merda.
A questão era que sua foto era verdade. Sua história foi de verdade. E você não hesitou nem por um momento em confirmar isso — o amigo abaixa o tom de voz para completar: — Você é corajoso, JK. Sempre foi. Muito diferente de mim.
Jungkook tem vontade de rir escandalosamente. Era lógico que ele estava falando de outra pessoa.
Mas Jaehyun sempre preferiu observar outras pessoas tendo picos de atitude insana, as quais renderiam boas histórias na mesa depois, do que fazê-lo ele mesmo. Jungkook era o oposto. Gostava de sentir as coisas na pele. Ter mais a mostrar do que a dizer.
— Acho que não sou tão corajoso assim. Tá mais pra inconsequente.
Os inconsequentes são sempre os protagonistas dos filmes.
Ao invés de uma gargalhada, um sorriso começou pequeno nos lábios de Jungkook, que decide encarar a guitarra recém comprada ainda dentro da caixa aos pés de um quadro não pendurado. Seria seu próximo projeto de verão. Algo que necessitaria de esforço e coragem para uns, e apenas tempo para ele, porque música era fácil, era genético, fluía naturalmente sobre ele como eletricidade em cabos de força.
Imediatamente, ele pensa que todos os seus talentos começaram pela coragem até se assentarem com sucesso na rotina. Ser corajoso talvez fosse mesmo um traço de Jeon Jungkook. Quando gostava de algo, não conseguia não fazer. Mas para algumas coisas, se encontrava tão ligeiramente acompanhado da covardia que era vergonhoso.
Talvez entendeu parte da reação de Jaehyun.
Olha, preciso ir. Tenho que voltar ao estúdio improvisado e sorrir e acenar como se nada estivesse acontecendo. Faz parte do trabalho.
Jungkook umedece os lábios rapidamente.
— Claro. Quando quiser conversar…
Não quero falar sobre ou sobre essa situação de hoje. Não posso pensar nisso agora. Se você quer minha sinceridade, estou tão confuso que nada do que falar vai ser coerente. Sinto que há coisas mais urgentes que precisam da minha atenção no momento do que incertezas.
Jungkook bufa na cadeira de rodinhas com um barulho alto, recostando o cabelo molhado no couro gelado enquanto encara o nome americano original da guitarra na caixa: Fender. Modelo Stratocaster. Usada pelo Jimi Hendrix e pelo Eric Clapton. Tinha sido uma recomendação de Yugyeom, que não tocava absolutamente nada, mas gostava da onda que o som daquelas coisinhas fazia. Sabia muito, sobre várias coisas. Tinha um olhar oportunista em cada janela do cotidiano para apreciar detalhes que ninguém via.
As incertezas soltas pela boca de Jaehyun no telefone fez Jungkook estremecer, ferver, relaxar e vibrar baixinho. Tantas sensações em milissegundos que não sabia qual veio primeiro: a irritação ou o alívio.
Uma janela de oportunidade. Seja lá pra qual fosse.
— Tudo bem. Não vou mais falar sobre isso.
Valeu — ele suspira mais uma vez e então diz: — A gente se fala outra hora. Até mais.
Mesmo depois da chamada encerrada, Jungkook permanece com o telefone na orelha, fitando o acinzentado fosco da parede por tempo demais.
Acabou.
Estava quebrado.

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A mulher do outro lado da mesa ainda espera que ela desista.
Através daqueles óculos arredondados, ela encara a postura rígida da garota estrangeira, que não sabe onde fixar os olhos: nos pés, nas mãos, no teto veneziano ou na lateral do monitor em cima da mesa. É uma postura de “tanto faz”, misturada com certa impaciência de alguém que estava louca para sair dali, porque era quase sexta à noite e ela era jovem e bonita.
Ao mesmo tempo, um de seus joelhos balançava insistentemente por debaixo da mesa, e ela se viu obrigada a cruzar as pernas para pará-lo.
— 14 milhões e 420 mil wons coreanos. Convertidos em 60 mil reais brasileiro. Está correto?
Ela ergue uma sobrancelha na direção da garota, como um desafio a fazê-la entender os números. Já os tinha dito naquele dia umas 3 vezes, mas trabalhava naquele ramo há mais de 15 anos. Conhecia todo tipo de cliente: aqueles que sabiam o que estavam fazendo e aqueles que não sabiam.
Aquela garota entrava na primeira opção, mas ainda assim, não passava muita confiança.
— Sim. Correto — ela responde em uma voz sussurrada, pequena, tocando levemente a ponta do cadarço do tênis.
A tela do monitor está aberta na página de transferência bancária, pronta para executar o comando com apenas um Enter. Agora, a garota presta atenção nessa etapa, erguendo os ombros rijos como se estivesse prendendo a respiração antes de uma injeção. O que vai fazer com esse dinheiro?, a mulher pensa, lendo as inseguranças nos ombros trincados da estrangeira. Aliás, o que vão fazer com ele?
— Mais alguma coisa? — pergunta ela, pela última vez. A garota hesita por dois segundos apenas antes de assentir com a cabeça.
E, sem mais perguntas, aperta o botão. Em um piscar de olhos, os esforços dos últimos 7 anos se reduzem a um número muito próximo de zero.
— Está feito.
procura a alça da bolsa imediatamente. Observa a mulher digitando no teclado e entende que não deve se levantar ainda. Talvez nem consiga fazer isso. Sua cabeça ainda estava rebobinando, retornando para o ponto inicial como um vídeo acontecendo ao contrário.
Quando um outro papel é colocado em sua frente, a mulher com olhos simpáticos dá um pequeno sorriso pela primeira vez.
— Aqui está o seu recibo. O dinheiro vai estar disponível na conta internacional em até 24 horas.
pega a folha, mas não se dá ao trabalho de fazer uma leitura. Dobra e enfia na bolsa, desviando os olhos dos números. Doía um pouco pensar neles. Só o que importava era a causa para que foram usados.
— Muito obrigada — ela agradece, fazendo uma pequena reverência cotidiana enquanto se levanta da cadeira, rápida demais e agitada demais, recebendo outro aceno de volta.
— Tenha um ótimo dia.
a encara por quase um minuto e se vira para a porta. Para o dia, que talvez não tivesse nada de ótimo.
Mas assim que chega do lado de fora, é surpreendida pela brisa fresca e pelo céu alaranjado do fim da tarde. O Woori Bank fica localizado no topo de uma escadaria larga, na saída de Jung-gu, ao lado da estação do metrô e de uma barraquinha de bolinho de peixe. Não havia carros na avenida estreita à frente, uma raridade, e muito menos pessoas para compartilharem daquela visão imprevista que parecia estar esperando por ela.
Ela desce dois degraus e para novamente. Pega o celular do bolso de trás e manda uma mensagem para o número transatlântico. Está feito.
E então, respira fundo como se fosse a primeira vez que respirava na vida.
Está feito.
Está feito.
E agora, mais do que há 5 meses atrás quando entrou naquele avião, estava de frente para um recomeço de verdade.

A liberdade era algo curioso.
Ela tirava pesos de seus ombros, massageava seus pés, desenhava caminhos elegantes e atraentes na sua cabeça e, acima de tudo, massacravam o medo que se disfarçava de sensatez. O medo que atrasava as conquistas, e impediam boas experiências antes mesmo de serem tentadas.
sempre vestiu a armadura do medo e da cautela. Medo da escassez, medo do desequilíbrio, medo do muito, medo do fracasso. Sentimentos típicos de quem levou uma vida linear, porque tinha que fazer isso. A determinação pelo dinheiro não era por uma questão de status, de ter e ser, mas pela autonomia. Segurança. Porque ter dinheiro significava ter escolhas. O maior desejo de , no fim das contas, era a de ter escolhas.
Mesmo que jamais soubesse como fazê-las.
Seus 23 anos de vida são resumidos a uma corrida insana dentro de um labirinto, onde as pequenas paradas divertidas eram consideradas perda de tempo, e ela precisava voltar a correr para chegar no ponto de partida “escolha”.
Mas não percebeu que já estava escolhendo. Que as decisões estavam distribuídas por todo o canto. Que algumas eram inofensivas, outras gigantes, outras muito pequenas, mas que todas elas foram apuradas como “não valiam o seu tempo”. Saiu distribuindo nãos.
Mas, quem diria, que assim que abrisse mão de todos aqueles números acumulados, de todas aquelas escolhas não aproveitadas, de todo o medo reunido em uma conta numérica, finalmente fosse se sentir livre. E nisso, tinha certeza que não estava mentindo para si mesma.
A ponte do rio Han exibia seu espetáculo de cores ao longe. Direto do parque Yeouido Hangang, dedilhou o parapeito de metal enquanto inspirava a brisa fresca do rio, apagando passado e futuro enquanto pensava no que quer fazer agora.
Ela sabia perfeitamente o que queria.
Primeiro: queria ficar por mais alguns minutos olhando aquela paisagem, sentindo no peito a leveza do tédio, a calmaria do não ter planos. Segundo: queria ouvir uma música que gosta, e cantar também, mesmo que não saiba fazer isso. Terceiro: queria comer uma coisa gostosa, com bastante queijo de preferência, e beber uma bebida diferente. Como aquele chá de batata doce que Yoona recomendou.
Quarto: queria dançar a mesma música que escutou. Pode ser lenta e melancólica, agitada ou metaleira.
Quinto: queria ouvir uma piada. Uma das boas, daquelas que a faria chorar de rir.
Sexto: queria ficar descalço no gramado da Hybe. Se fosse bem rápido, eles provavelmente não diriam nada.
Sétimo: queria tirar uma foto. Sua. Sorrindo, de preferência. Podia ser na frente da Catedral de Myeong-dong, e podia ser com o casaco cinzento que comprou no Brasil antes de ir embora. Candice odiava aquela coisa.
Oitavo: queria assistir a todos os filmes do Rambo, ainda que fiquem piores a cada sequência.
Nono: queria ouvir todos os LPs de Daniel Caesar enquanto testava câmeras antigas em um porão antiquado chamado Covil, sem ter hora para ir embora.
Décimo: queria vê-lo.
Décimo primeiro…
O telefone estava preguiçosamente em suas mãos, digitando os números lentamente. Ela percebeu que sabia seu número de cabeça desde que demorou a tomar coragem para salvá-lo. Quando ele atendeu no terceiro toque, seu coração dá a largada em uma intensa corrida de São Silvestre.
? — Ele parece um pouco surpreso. Seu timbre transparece uma certa ansiedade. Há um pouco de barulho ao redor de sua voz, indicando que ele talvez não esteja sozinho.
Olhando para as luzes, abre um sorriso vacilante, sem costume.
— Preciso de um favor.
O barulho secundário da chamada se esvai quando Jungkook se afasta para um canto mais quieto.
Mudou de ideia sobre os brinquedos? — Ele debocha como sempre, e o imagina com aquele sorriso radiante que iluminava um cômodo inteiro.
Ela ri pelo nariz.
— Ainda não. Preciso que você me faça um desenho.
Um desenho?
— Sim. Para uma tatuagem.
A surpresa dele é evidente pelo silêncio que fica do outro lado. Uma música agitada estoura no pano de fundo. Um rap bem explícito onde o cara deixa bem claro o que quer fazer com a garota no banco do passageiro de um Camaro.
Você quer fazer uma tatuagem?
— Quero. Mas não é qualquer coisa. Nada que vem daqueles livros prontos de estúdio, é algo mais… íntimo. Vai durar pra sempre, não é? Então quero uma coisa minha, pra mim. Algo que represente um tipo de liberdade... ou a ilusão de uma.
Por que você quer uma tatuagem? — ele pergunta com atordoamento, e quase pode vê-lo bagunçar o cabelo — Tá tudo bem?
Um pouco do seu sorriso se vai. O show colorido da ponte a deixava genuinamente cheia de euforia e com desejos na cabeça, e toda aquela lista eram as coisas mais verdadeiras que já foi capaz de admitir a si mesma. Ela nunca andara para a frente antes, dando passos inéditos para direções inéditas, e isso talvez assustasse mais as pessoas ao seu redor do que ela mesma.
— Olha, esquece, foi uma ideia idiota, você não precisa...
Não. De jeito nenhum — ele não a deixa terminar a frase, e a música ao fundo fica ainda mais distante — Onde você está?
— No parque Hangang.
Não sai daí, chego em 10 minutos. Vou te levar em um lugar.


[ 23 ] – I know you're certain we'll fail

🎵 Ouça aqui:
Perhaps Vampires Is a Bit Strong But... - Arctic Monkeys

"Eu vi seus olhos enquanto eles se fixavam em mim
O que ele está fazendo? Qual é o plano?
Ele tem algum?
É melhor você me dar alguns sinais
Já que você é o grande lança foguetes
E eu sou apenas a espingarda
﹝...﹞
Você estaria melhor ficando por perto de nós
Pensando sobre coisas
Mas não as fazendo de verdade."

caminhou sob as luzes vermelhas e o ar sufocante do subterrâneo com certa apreensão.
Ela ordenou as pernas a continuarem se movendo, ordenou aos olhos que focassem nos ombros largos que a guiavam pelo corredor estreito, para que os ouvidos prestassem atenção no som das botas trotando no chão de pedra, mas esse conjunto de percepções não tornava as coisas menos assustadoras e bizarras. Sua visão estava arruinada pela falta de iluminação, que não se apresentava em feixe nenhum à frente, não importava quantos metros percorresse.
— Qual foi a palavra que você usou mesmo pra descrever isso aqui? Diferente?
Jungkook abre um largo sorriso por sobre o ombro, diminuindo um pouco os passos.
— Eu disse imprevisível.
A descrição não teve um efeito muito animador sobre .
Finalmente, Jungkook se virou em um novo corredor, andando em direção a uma mínima fonte de luz amarelada, que invadia o escarlate das paredes, crescendo mais a cada passada. Ele reduziu a marcha conforme chegavam a um batente de madeira, uma entrada sem portas ou placas, onde o cheiro de cigarro se misturava com álcool etílico, pimenta e tinta permanente.
Os aromas vinham acompanhados do som agudo de uma máquina rotativa ao longe, cercada de um pequeno barulho de protesto humano quando ela tocava a pele do sujeito como borracha.
gira a cabeça para os lados assim que entra no hall, enxergando tudo e nada ao mesmo tempo. A luz amarela se fundia com a vermelha, com a verde, com as incandescentes de um abajur, jorrando claridade o suficiente apenas para que ninguém tropece e para atrair os olhos para o trabalho bem feito dos grafites na parede de pedra, iguais às do corredor, grossas, geladas e totalmente imunes ao Sol. Alguns quadros pendurados em fileiras traziam harmônicas fotografias de um mesmo rosto junto com outros rostos famosos, como Yugyeom, Crush, Dawon, Johnny, Suran e Minnie.
E, claro, uma delas era com o cara bem ao seu lado.
Ele tinha um sorriso aberto e juvenil. As pontas do cabelo mostravam um tom mais claro, e os braços e ombros estavam mais magros, menos disciplinados com os exercícios físicos. se aproxima dessa parede específica, observando o garoto apontar para a nova tatuagem no braço direito, um grande desenho complexo que ia do topo do ombro até um pouco antes do cotovelo.
Ela traçou o dedo pela moldura, supondo que a fotografia datasse de 2 ou 3 anos atrás.
— Ele fez todas as suas tatuagens? — apontou para o rosto padronizado não só naquele retrato, mas em todos eles.
— Não todas. Mas a grande maioria. Quando ele me deu acesso pra brincar com a imaginação e criar os desenhos, soube que não sairia mais daqui. Ele também fez um ótimo trabalho em cobrir algumas tatuagens que me arrependi. É o melhor que eu conheço.
checa os outros quadros rapidamente. Além dos convidados, também havia quadros em mosaico muito coloridos, e muito grandes. A especialidade do tatuador ia pela rota contrária com a vibe daquele lugar: desenhos extremamente coloridos e vivos, feitos no subsolo do Centro, abafados por uma escuridão avermelhada e insossa.
Ainda assim, combinava. Tanto com Jungkook quanto com o que estava querendo fazer.
— Vai doer? — perguntou baixinho, virando-se para ele.
Ele abriu um sorriso tranquilo e atirou dardos de adrenalina no peito de mais uma vez.
— Talvez. Um pouco. Nada que vá te fazer chorar.
assentiu devagar. Bom. Chorar não estava mais nos seus planos pelos próximos 10 anos.
Estranhamente, ele parecia querer isso também.
— Vem.
Os dois seguiram em frente na direção de mais um corredor apertado. O cheiro se intensificava, junto com a luz, expandindo e expandindo em um cômodo grande com decoração semelhante ao anterior, mas agora com um balcão de tijolos pintados de preto, pegando de uma parede a outra e uma garota lendo uma HQ, sentada atrás da mesa com as pernas cruzadas e com os dois braços cobertos de tatuagens.
— Boni — Jungkook cumprimenta assim que se aproxima do balcão. A garota ergueu os olhos do livrinho na mesma hora, e abriu um grande sorriso ao ver quem era.
— Ora, ora, se não é meu idol favorito — ela se levantou e se inclinou sobre o tampo, apoiando-se nos cotovelos — Vai finalmente passar para o outro braço?
— É tentador, mas por enquanto não. Polyc está?
Antes de responder, a mulher leva alguns segundos para encarar a postura de Jungkook de forma confusa e desinibida. Para quem era bom de observação, suporia que ela esperava que ele se aproximasse mais, tocasse mais e que não fosse tão formal como estava sendo. Em seguida, ela gira os olhos para finalmente notar a segunda sombra que acompanha o garoto, uma sombra que ainda está virando a cabeça para todas as direções possíveis.
Boni suspira e parece compreender um recado implícito.
— Lá dentro. Sempre pronto pra você.
Com um sorriso, ele encarou antes de seguir para uma porta à direita. Ela cumprimentou Boni com um pequeno aceno de cabeça, e a mulher lhe lança um olhar da cabeça aos pés antes de retribuir.
— Aliás, já disseram que isso aqui parece um cassino? — pergunta em suas costas quando adentram em outro corredor, desta vez um que se inclina ligeiramente para baixo. Embrenhando-se ainda mais no subsolo. Jungkook ri com gosto, diminuindo os passos para andar ao lado dela.
— E quem disse que não é? Imprevisível, lembra?
Ela ergue uma das sobrancelhas.
— Essa é uma das suas “pra mentir, tem que contar a verdade primeiro?
— Isso você decide.
— É tarde demais pra pedir pra voltar pro carro?
— Você não quer isso.
Ela ri pelo nariz. O fato de Jungkook dizer esse tipo de coisa sem um pingo de hesitação era reconfortante. Não precisava perguntar nada à ela; ele simplesmente sabia.
Finalmente, o barulho da máquina ficou mais alto, agora acompanhado de um hip hop dos anos 90 soando baixo em um aparelho de som que não estava visível. Quando abriu uma porta de madeira alta, com uma placa de “onde ninguém desliga os motores, vadias” posicionada bem no meio, finalmente se viu abraçada por uma iluminação de verdade.
— Polyc! — Jungkook imediatamente anda mais rápido quando vê o homem alto de pé ao lado de uma espécie de maca, testando aparelhos com agulhas gigantes que fazem barulhos de máquinas de dentista. Enquanto ergue os olhos, ele desliga o pequeno instrumento nas mãos, abrindo um enorme sorriso convidativo.
— Caralho, você veio mesmo — eles se abraçam no meio do caminho. Ela sente uma estranha vibração com a cena. Sempre era bom presenciar Jungkook em lugares que ninguém imagina, com pessoas que não imaginam – ou preferem não imaginar. Porque certamente seria um motivo de falação estúpida o virem com um cara com tantos piercings no rosto quanto uma parede de pregos e uma tatuagem colorida que ocupava o pescoço inteiro.
Eles se separaram com sorrisos e tapinhas nas costas.
— Caramba, bom te ver. Sunny ligou pra perguntar da minha agenda essa semana. Parece que quer fazer uma visita em breve — ele destila a frase com um tom muito ligeiro de malícia, mas não recebe nenhuma reação significativa de Jungkook — Ela não te contou?
— Não, mas não precisa. Se for uma surpresa, você acabou de estragá-la — brinca, revirando os olhos irônicos como quem diz “clássico de você.”
— Duvido que eu estrague alguma coisa entre vocês — Polyc estreita os olhos, e finalmente direciona o olhar para além dos ombros de Jeon, diretamente para a garota parada há alguns metros, com os ombros rígidos e os olhos agitados pelo ambiente colorido e, ao mesmo tempo, escuro como os outros — Você eu nunca vi.
Ela o observa por alguns segundos até notar que ele não estava afim de ser formal.
— Eu já te vi — responde, quase mecanicamente — Digo, nas fotos lá fora. São muitas.
Polyc sorri com seu embaraço.
— E o que achou das fotos?
— São bonitas. Algumas falhas no papel porque foram tiradas de algum iPhone e reveladas com impressão em papel couché, mas a qualidade da imagem não era o foco ali. O corredor tem um conceito muito… único, é a melhor palavra que achei. Acho… — ela para e olha para Jungkook, que tem a boca contorcida em um riso sufocado, um riso que a faria se calar na mesma hora e se tocar do que está se tocando agora — Acho que você não perguntou nada disso — completa com um sussurro constrangido.
Os dois caras levam um tempo até começarem a rir, e Jungkook passa uma das mãos atrás das costas de para aproximá-la dele.
— Sua crítica exclusiva é . Muito talentosa com câmeras. Mexe com coisa de qualidade, não com a lata-velha de qualquer coisa escrita Pro Max — ele pisca para Polyc, que ergue as duas sobrancelhas antes de rir novamente — Melhor considerar isso quando for fazer aquela reforma do corredor de exposição da próxima vez.
vira o rosto totalmente para ele, e tenta rir para acompanhar a piada, mas mal consegue mostrar os dentes.
— Ah, é? Interessante. A fotógrafa tem interesse nos meus rabiscos além de melhorar os meus clássicos únicos lá fora?
sorri levemente em sua direção. Um mais verdadeiro que o anterior.
— Na verdade, tenho sim.
— Ótimo. Acha que eles valem uma foto particular?
se volta para as máquinas na outra mesa, antes em movimento, observando vagamente a pilha de papéis espalhados, as tintas que borravam um desenho abstrato e a adrenalina da ideia da transferência daquilo para o corpo.
— Vamos ver se você vai caprichar primeiro — ela responde, ainda com os olhos nos desenhos — Depois posso responder à sua pergunta.
Polyc a examinou de cima a baixo sem qualquer discrição. Jungkook olha para com uma sobrancelha erguida e um sorriso vacilante, deslocando a atenção para o amigo e seu brilho divertido nos olhos.
não parecia nem um pouco incomodada com uma possível inconveniência.
— Um desafio. Gostei — Polyc morde o lábio inferior. Jungkook limpou a garganta, estendendo o braço para ficar de frente para o outro.
— É a primeira dela, cara. Caprichar é mais do que a sua obrigação.
De novo o brilho selvagem faiscou no par de olhos castanhos do tatuador. Ele enruga a testa e sorri como se tivesse tirado um bilhete premiado.
— Nossa. Me sinto ainda mais honrado — comentou, aproximando-se ligeiramente da garota — Já temos ideias? Inspirações? Exigências? É só me dizer.
suspira. Existia um esboço montado na mente, mas parecia um depósito bagunçado. Um mundo cheio de coisas que gostava ou desejava, ansiava e sonhava, planejava e aguardava e toda essa baderna não parecia caber em um único desenho. Ele precisava de uma representação justa. Precisava ser condensado e resumido em apenas uma coisa, o sentimento mais genuíno que sentira até então.
— Ainda não — responde ela, virando-se para Jungkook — Mas vamos trabalhar nisso.
O rosto dele se ilumina no mesmo minuto, mesmo que não tenha existido nenhum motivo aparente. Talvez tenha sido aquele sorrisinho de , concentrado no canto da boca. Talvez tenha sido a confiança que depositava nele. Talvez seja a coragem que demonstrava em apenas estar ali.
Não dava para saber naquela hora. Ele só sabia que os nós de seus dedos começariam a ficar pálidos se não respondesse logo.
— Posso usar a sala? — perguntou para Polyc, apontando levemente com a cabeça para uma das portas grandes do cômodo.
Polyc vasculha o rosto dele por dois segundos antes de olhar para e assentir, fazendo de novo aquela expressão insinuante que seria irritante na maioria dos dias, mas naquele dia não.
— Saquei. Ela é toda sua, amigão. Use pelo tempo que precisar — ele aponta para a porta e volta a andar em direção aos seus materiais. Jungkook murmura para que vá na frente, virando-se para uma das cômodas para agarrar coisas naturalmente sem avisar: blocos de papel, canetas e um frasco de tinta. Polyc sorri e diz: — Vou te esperar, . Estou louco pra te marcar pra sempre.
se vira para ele antes de atravessar o batente, retribuindo o gesto com ternura.
— Eu também.

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A impressão que tem é que Jungkook está em casa.
Seus passos são certeiros em cada canto do pequeno aposento. Sabe onde é a gaveta exata onde pode achar uma prancheta. Sabe onde pendurar a jaqueta jeans escura, bem ao lado de um armário. Sabe onde ligar o ar condicionado. Sabe onde pedir para se sentar – em cima de um sofá de dois lugares ao lado de um quadro que imita uma janela – enquanto ele selecionava o material que usaria e outros que poderiam esperar.
Quando ele se acomoda à sua frente, repara nos braços desnudos, nos ossos pressionados através da pele, no perfume que se espalhou de repente, no cabelo igualmente cheiroso, crescendo até a nuca, fazendo as primeiras voltas completas ao redor do lóbulo da orelha…
— Tem alguma coisa no meu rosto?
Ele pergunta inocentemente, tirando da névoa de hipnose que acabara de ter com aquele cheiro… ou os cílios longos dele, ou o cabelo se rebelando contra o mundo, ou como sua boca ficava tão bonita quando ele estava concentrado ou distraído. Coisas, coisas demais, desconcertantes demais.
Ela pigarreia em seu lugar e desvia os olhos, sentindo todas aquelas luzes vermelhas de mais cedo brilharem ao longo da superfície de seu rosto.
— Nada, não tem nada no seu rosto. Por onde começamos?
Ele ri, mas não diz nada sobre o assunto. Gostava da ideia de que ela estava olhando pra ele.
— Calma aí, antes disso… — ele larga a prancheta e as folhas por cima do tampo da mesinha de vidro entre os dois, levantando-se e andando em direção ao amontoado de bebidas em cima de um tambor decorativo — Você parece combinar com gin.
Ele a encara por breves segundos em busca de uma recusa. Quando não a recebe, volta a atenção para o bar e agarra a vidraria de Tanqueray London Dry, tratando-a com o máximo de cuidado.
ri pelo nariz, um pouco perplexa pela rapidez dele em não esperar uma resposta.
— Isso foi um elogio ou você precisa dizer isso pra eu avaliar bem o serviço do seu amigo?
— Como se ele precisasse de alguma propaganda — Jungkook revira os olhos, mas não vê — Acho que já notou isso. E por que você supõe que gin seja um elogio?
— Porque é gostoso.
Ele franze os lábios, dando de ombros em derrota logo em seguida.
— Tem razão, fique com o seu elogio.
Ela ri e recebe a bebida nas mãos. Não era apenas o gin, puro e transparente que Candice gostava de beber. Por mais que uma bebida sem extravagância fosse contra tudo que representasse Candice Chaperman, a loira gostava de gin puro e simples, sem gelo ou cores. Muito diferente daquele que Jungkook havia montado, com uma rodela de limão, pedaços de cravo, canela e hibisco. bebe um gole e também sente o gosto de pimenta rosa. Ela examina todo o entorno da taça com um pequeno sorriso.
— Achei que seu maior talento com bebidas fosse abrir uma garrafa de cerveja na pia da cozinha.
Ele bufa.
— Como você é engraçada.
Ele se aproxima e senta na poltrona em frente à ela, trazendo apenas uma cerveja Kloud com ele. Para e observa provar a bebida, em silêncio. Era engraçado como a diferença de suas personalidades estavam estampadas na forma de líquidos – ele jamais compactuaria com uma bebida tão sem graça como aquela –, mas, mesmo assim, Jungkook se viu gostando bastante de gin naquele momento. Mesmo que fosse apenas para olhar.
— Então — diz ele, chamando sua atenção e apoderando-se novamente da prancheta — O que temos?
limpa a garganta, batucando os dedos no joelho em uma tentativa de pensar.
— Hum… Coisas bagunçadas.
— É, uma boa bagunça — dava pra saber disso apenas olhando para aquela expressão aérea de e as órbitas vagando por toda a sala. Jungkook decide começar por aí. Não era grande coisa, mas havia uma particularidade a respeito de seu processo criativo que consistia em começar primeiro e pensar depois. Sua mente clareava mais à medida que agia. A cegueira era o ponto de partida perfeito para um resultado final promissor — Por onde a gente começa em toda essa propriedade privada da cabeça de ?
Ele quis ser divertido. vê isso quando seus olhos se encontram mais uma vez, mas ainda assim, as coisas para ela não fluíam dessa forma tão imediatista. Jungkook logo percebeu, pelo seu silêncio, que sua cabeça estava tão caótica que tinha virado uma área remota. Eram tantas coisas entulhadas que nada se mexia. Nenhuma ideia mordia a isca de anzol. estava paralisada diante dessa baderna.
Ele suspira, esticando-se para trás com tranquilidade.
— Se estivesse na frente de toda essa bagunça agora, qual a primeira coisa que puxaria dela?
pensou mais um pouco com o direcionamento, estreitando os olhos para ninguém exatamente.
— Alívio. Acho que… Isso.
— Uma situação ou uma pessoa?
— Uma pessoa — ela responde rápido. — Talvez duas. Até três.
Jungkook baixa os olhos para o papel em branco. não sabia exatamente o que ele estava rabiscando, mas percebeu a faísca naqueles olhos antes que desaparecesse. Talvez uma faísca de curiosidade, de aprofundamento, e temeu perguntas inesperadas que não saberia como responder.
Jungkook suspirou, tirando da cabeça o impulso de perguntar, de saber, de se informar diretamente com ela sobre o andamento de seus sentimentos em relação a um nome que ainda estava estampado na primeira página dos sites de entretenimento, um nome que estava cantando e dançando na Europa por mais sei lá quanto tempo, e se seu sentimento de alívio tinha algo a ver com isso. De brinde, também queria saber sua opinião sobre acordos que não eram mais acordos e como poderiam resolver a bagunça que eles mesmos estavam fazendo, mas não era hora de ir por esse caminho.
— Isso é bom? — perguntou ele, escolhendo as palavras com cuidado para não avançar demais, para que soubesse que não precisaria atirar nele por invasão de privacidade — Ficar aliviada te deixou melhor?
Ela não pareceu entender direito a pergunta.
— Achei que era pra isso que servia o alívio.
— É, também achava. Mas alguém me disse recentemente que podemos nos sentir culpados por nos sentirmos bem. Por mais bizarro que isso pareça.
Ele abaixou o rosto para desenhar de novo e permaneceu com a sua expressão confusa. Se sentir culpado por sentir coisas boas não fazia sentido. Só para um serial-killer talvez. Alguém com algum desajuste na cabeça. Coisas erradas que precisavam de uma certa atenção, ainda que nem todo mundo estivesse preparado pra isso.
Ela pensou mais um pouco. Nenhuma culpa foi detectada. Pensou no pôr do sol que presenciou das escadas de pedra e no silêncio oportuno da avenida ao redor, como se o trânsito tivesse se calado por um momento apenas para deixar que o grito guardado na garganta de finalmente tivesse sua vez de sair.
— Eu me sinto bem. Me sinto... eufórica — disse ela, com um ínfimo sorriso de canto — Animada. Entusiasmada. Ansiosa, de um jeito bom.
— E a bagunça diminui — constatou ele, sem desviar os olhos do papel — Continua.
— Eu... — ela escutou o barulho do lápis 3B raspando na folha grossa, e tentou erguer os olhos para ver alguma coisa — Como vai fazer um desenho com isso?
— Não sei, só quero ir te ouvindo até você decidir me contar porque quer fazer uma tatuagem.
revirou os olhos. É claro. Ele estava sendo cauteloso e educado até o momento, mas não terminaria o dia sem fazer as tais perguntas que ela não queria responder.
Ou achava que não queria. Na verdade, ali, naquele momento, em cima daquela poltrona cor de ciano e bebendo aquela cerveja cara, Jungkook poderia perguntar o que bem quisesse e talvez tivesse uma resposta.
— Era só ter me perguntado.
— Ah, então as coisas ficaram simples assim? — agora ele estava olhando para ela, com as sobrancelhas arqueadas de ironia — Muito bem, : por que quer fazer uma tatuagem?
Ele pensa que a pergunta é simples, mas não é tão simples assim. Na verdade, era difícil. Fazia com que ela pensasse demais, profundamente demais.
— Bem, eu nunca disse que não queria fazer uma — respondeu por fim, dando de ombros.
— Também nunca disse que gostava de gin, e olha só, terminando uma taça em menos de dez minutos — ele apontou para o copo, e se sentiu um pouco constrangida pela certificação de que a bebida estava realmente em menos da metade sem ela sequer ter notado — Acho que você poderia começar a dizer algumas coisas. Sabe? Pelo bem do seu desenho.
— O que você quer que eu diga?
— Pode começar com o que aconteceu. Como o alívio se sobressaiu na sua bagunça — retorquiu Jungkook, olhando-a em tom de desafio.
passou uma língua pelo lábio inferior. De novo: as respostas não eram tão simples assim. Não era como se fosse jogar pra cima dele tudo de uma única vez, porque o tudo era tudo, e o tempo não era compatível com isso.
Talvez Jungkook também não fosse compatível para ser mais um envolvido naquele passado insano de infelicidade.
— Hoje eu... precisei desistir — começou, com a voz baixa e um pouco fina, mas puxando a atenção dele como um ímã. Seus olhos a seguiram atentamente — Desisti da única coisa que prometi que não desistiria nunca.
Ele olhou de relance para o desenho e a bebida mais uma vez, reparando com total atenção na sua expressão séria, mas que escondia uma vontade de falar mais.
Mas não estava aqui para ser forçada a vomitar problemas que eram claramente difíceis até para ela mesma. Ele não gostaria que fizessem isso com ele.
— Por favor, não me diga que é das lingeries que Candice te dá. Seus peitos ficam lindos nela — brinca, fazendo-a revirar os olhos.
— Depois que “vendi” a última, duvido que ela me dê mais alguma. E meus peitos ficam lindos em qualquer roupa.
— Justo. Não tenho mais argumentos. Mas sou péssimo com adivinhações… — ele faz uma careta, esperando que ela complete. permaneceu parada, sem saber como continuar. Uma nevasca de instantes pesados e corridos se passa entre os dois até que ele finalmente volta a falar: — E está na sua cara que não pretende me dizer.
não responde; apenas continua imóvel, na mesma posição, segurando a taça de gin com um pouco mais de cuidado. O mistério dela o envolvia como neblina. Com aqueles olhos indecisos, ela pareceu mais jovem do que nunca, só uma menina que não sabia em quem confiar, não a mulher formada que sabia perfeitamente em quem não confiar.
Jungkook suspirou, voltando a atenção ao ponto seguro na sala: o papel.
— Ele tem forma física? É abstrato? Um sonho? Um aparelho...
— Uma meta — respondeu rápido, os olhos estreitos de quem escolheu a primeira palavra que veio à mente, mas que agora precisava dar um contexto convincente para ela — Tive uma meta. A vida toda. E... Bom, pensando agora, não sei exatamente para o que ela servia, mas sempre esteve ali, então... criei uma regra em cima dela. E vivi em cima disso tão religiosamente que virou automático.
— Uma meta jogada no lixo — disse ele, repuxando os lábios para baixo em uma expressão altamente surpresa — Isso é surpreendente. Tem certeza que não foi atrás desse balde que você chutou?
— Se você não tivesse me atendido, talvez eu estaria fazendo isso agora. Falando nisso, onde você estava?
— Na casa do Yugyeom. Festa de retorno. Ele terminou a turnê na Europa.
— Ah meu deus, eu não sabia...
— Relaxa, ele nem estava na festa. Vamos voltar para a sua meta — ele balançou as mãos como se o assunto não importasse e bagunçou um pouco os cabelos, retornando a atenção para as linhas tortas da folha — Jogou uma coisa grande no lixo e como se sentiu com isso?
— Com medo. Literalmente morri de medo nos primeiros cinco minutos.
— E depois?
— Depois... — mordeu os lábios, pensativa novamente. De alguma forma, depois de dizer a palavra “medo”, seus traços pareciam um pouco mais relaxados — Eu pensei em tudo que queria fazer.
— Tipo o que?
— Tipo uma tatuagem — ela dá de ombros, encarando a prancheta de novo. Jungkook soltou uma risada generosa.
— Então fazer uma tatuagem, o marco na vida de todo jovem, era tipo a primeira coisa na sua lista de "coisas que quero muito fazer quando tudo for pro saco?"
riu. Riu abertamente, o som ressoando pela sala como o som mais bonito que Jungkook tinha escutado naquele dia.
— Não era a primeira, mas as coisas foram mesmo pro saco, como você diz, então... Sim. É.
— Tudo bem, você sempre foi pomposa e equilibrada demais pra querer tatuar uma caveira com 15 anos, não precisa se gabar por isso — ele revirou os olhos com o sarcasmo — Mas agora quero saber… Por que não fez uma tatuagem antes?
Ela mordeu o lábio inferior enquanto pensava. De maneira bem estranha, nunca tinha pensado nisso antes.
— Porque as coisas estavam boas. Estavam normais.
— Olha, você vai me ofender se relacionar tatuagens a momentos ruins.
— Não, não é isso — ela riu, mesmo que os olhos de Jungkook tenham tomado um brilho temeroso — Eu só não... não tinha coragem. Nunca tive coragem. E também nunca soube o que fazer.
desviou os olhos, sendo tomada por uma seriedade um pouco atípica, mas que significava que lembranças estavam tomando tudo dentro daquela caixa torácica. Era a mesma cena da cozinha de Yoongi de alguns meses atrás, a mesma conversa que tiveram onde Jungkook tinha mil e uma linhas para escrever em uma lanterna, enquanto ela não tinha nada. Nenhum desejo ou saudade. As partes realmente significativas de sua vida eram tomadas por Candice, câmeras e seu sonho profissional. Nada além disso. precisava continuar vivendo apenas para manter esses três pilares intactos, e o resto podia esperar.
Incluindo tatuagens e garotos.
Ele parou de desenhar mais uma vez, esperando por mais, mas compreendendo rápido que talvez aquilo fosse tudo que teria por ora.
— Então desistir foi seu ato de coragem? — perguntou.
— Foi — balançou a cabeça que sim. — Acho que foi o primeiro ato de coragem que eu tive em anos.
— Quando foi a última vez?
— Quando fugi de casa há 7 anos.
O barulho do lápis parou novamente. Jungkook abriu a boca para responder, ou para perguntar, ou para qualquer coisa que cortasse o silêncio pesado como uma faca, mas não o fez. Os olhos de também não se desviaram dos dele, como se tivesse aberto uma jaula de morcegos sem querer, mas agora precisaria lidar com eles. Ela esperou as indagações que moravam naquele olhar curioso. Esperou para poder rejeitá-las de forma correta. Não posso contar pra ele, pensou. Nunca vou poder contar pra ele.
Jungkook limpou a garganta, impedindo as dúvidas de saírem e apenas voltando a agir normalmente quando disse, casualmente:
— Então também foi uma desistência.
Ele voltou a olhar o desenho, e soube que esse era seu jeito de lhe dar espaço.
— É, olhando por esse lado.
— E quando a desistência é acompanhada da coragem... — ele moveu as mãos com mais rapidez e, então, ergueu as costas para a frente e virou a prancheta para — Temos a liberdade.
parou por um momento para que os olhos conseguissem absorver todas as linhas da ilustração.[1]
Na folha de papel, um esboço sombreado e um pouco bagunçado mostrava a silhueta de um rosto. Um maxilar não muito demarcado, com bochechas preenchidas, lábios levemente cheios no inferior, o nariz semi destacado, charmoso, um pouco empinado para cima. Parecia familiar. Parecia com ela.
Não existia olhos na imagem; apenas um vórtex caótico de traços e mais traços que substituíam a parte superior do rosto por… Pássaros. Borboletas. Nuvens. Estrelas. Fumaça. Uma explosão do cérebro, deixando tudo e mais um pouco vir à tona.
Abaixo disso, um pescoço sustentava a cabeça explosiva, fino e angulado, rodeado de mais figuras desconexas, escuras, confusas, com formas de cifrões, onomatopéias, cadeados, grades, pontos de interrogação, todos eles conectados por uma linha circular de arame farpado. Havia uma diferença gritante da parte debaixo para a de cima. Tensão e angústia no inferior dando lugar à explosão de liberdade e fortúnio na parte superior, onde os elementos eram espalhados e completamente livres.
— Como você… — ela tomou o papel nas mãos, apontando o dedo ligeiramente para o lápis 3B nas mãos dele, como se não acreditasse que aquela coisinha tinha feito isso tudo.
— O que você achou? — Ela não percebia o quanto ele também estava um pouco nervoso. Fazia tempo que não desenhava. Fazia tempo que nem tentava. Quando recebeu a ligação de , não parou pra pensar nisso porque o que importava era ajudá-la, mas desde que estacionara na frente do estúdio de Polyc, suas inseguranças deram às caras e tudo que não queria era decepcioná-la — Você não especificou tamanho, então eu posso ter exagerado. Acho que a parte debaixo não ficou exatamente como imaginei, errei nesse arco ao redor do arame, e essa linha devia ter ido mais para o lado, mas Polyc é especialista em tintas coloridas, então pensei em uma brecha para que ele pudesse usá-las a partir desse traço, e eu…
— Eu amei — sussurrou, ainda com os olhos arregalados de choque, mas com um sorriso nos lábios que lentamente ia aumentando — Eu amei mesmo.
Jungkook sentiu o rosto queimar, mesmo que ela não estivesse olhando exatamente para ele. Isso aconteceu depois de um minuto inteiro, quando finalmente conseguiu desprender os olhos da imagem e encará-lo com algo novo no peito, algo que triplicou a euforia de antes, que terminou de assentar os sentimentos bons daquele dia.
— É, eu… — ele tentou dizer, bagunçando um pouco mais o cabelo — Quis que você olhasse pra isso pelo resto da sua vida e se lembrasse das coisas que sentiu hoje. Acho que devia ser uma regra geral de primeiras tatuagens: marcar nosso primeiro impulso de felicidade. A explosão de epifania. Grifar essa certeza que vai mudar nossa vida pra sempre. Como você e sua desistência — ele arrastou os pés, e encostou os cotovelos nos joelhos — Espero que você desista de ainda mais coisas que te impeçam de ser sua melhor versão, .
Ela olhou para ele com um pouco de espanto. Não pelas palavras, mas pelas sensações. O caos que ele estava causando com aquele olhar. Ela poderia beijá-lo ali mesmo, naquela hora. Poderia beijá-lo como louca, fazer uma contagem mental de 5 minutos e então largá-lo, se recompor e sair por aquela porta da frente como se nada tivesse acontecido. Só 5 minutinhos seriam suficientes.
Talvez 10 fossem o suficiente de verdade, mas não queria abusar.
— Não vou — ela sorriu como uma promessa. Ele retribuiu, começando a aceitar o que já estava nítido desde muito antes da conversa ao telefone com Jaehyun: é incrível. Em cada linha de expressão, em cada mistério não contado, em cada sorriso que deixa sair. É atraente como o inferno. O deixava tão maluco que o fazia esquecer que algum dia teve medo de sentir essas coisas de novo.
Jungkook foi incapaz de desviar os olhos dela. Incapaz de não sentir uma alegria imensurável com um gesto tão simples. era tão simples. E ao mesmo tempo, fazia-o sentir coisas tão complexas, tão antigas e ao mesmo tempo novas, deixando-o em pane reflexivo, tentando entender quem ou o que teria capacidade de causá-la uma tristeza tão grande a ponto de conseguir furar aquela armadura impenetrável.
Naquele momento, ela parecia uma garota que não conhecia nenhum lado ruim da vida. E ele sentiu a necessidade de manter isso o máximo que pudesse, fazendo o que estivesse ao seu alcance.
— Então… — ele desviou o olhar, antes que não pudesse mais se controlar — Tá pronta?
Ela anuiu imediatamente, se levantando junto com ele para seguirem para a porta, até que Jungkook parou mais uma vez.
— Ah. Já decidiu o lugar que vai fazer?
sorriu novamente, assentindo.
— Acho que você ajudou com isso também.

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— Isso parece cor de berinjela.
Jungkook fez uma careta para a paleta que tinha escolhido. Ela riu pelo nariz, fitando-o com olhos cerrados.
— Isso é roxo. Achei que você gostasse muito de roxo, senhor “I Purple You”.
— Você disse isso em um tom muito desrespeitoso, não gostei.
Polyc riu do outro lado da sala enquanto colocava luvas de látex e organizava seu pequeno espaço de apetrechos para começar. Quando ligou uma das máquinas rotativas, sentiu um pequeno aperto no peito, o medo da futura dor se intensificando. Não sabia quanto poderia doer, mas sabia que com certeza doeria.
Mas nada que a faria chorar, certo? Certo.
Jungkook deve ter percebido seus músculos da face trincados, porque logo chamou sua atenção com um “Ei” e lhe lançou um sorriso encorajador.
Um sorriso lindo. Magnífico. Um que certamente tiraria seus pés do chão, caso já não estivessem no alto por causa da maca.
— Muito bem — Polyc pegou tudo de que precisava e se acomodou no banco ao lado deles, colocando uma máscara — Preciso dizer que tô surpreso, . E muito aliviado por você não ter escolhido nenhum desenho de cobras ou coisa parecida.
— Só se eu gostasse muito da Sonserina — ela riu com desdém, e Polyc e Jungkook imediatamente se viraram na direção dela com uma expressão neutra. parou de sorrir — Eu gosto da Sonserina.
— Ah, bom — os dois disseram ao mesmo tempo, e Jungkook caminhou até um pouco à frente dos dois para se sentar no sofá de couro negro no canto da sala. Ali, bem na sala privativa de Polyc, não havia janelas de verdade ou nenhum meio de contato com o exterior, mas podia jurar que tinha sentido o cheiro de chuva, e agradeceu por não estar em nenhum outro lugar onde pudesse sentir o chão ribombando com os trovões.
— Certo, tá na mão — Polyc puxou o papel com os contornos prontos e finalizados em forma de decalque. suspirou, desta vez de pura satisfação, porque sentia que jamais se cansaria de olhar aquele desenho — O garoto caprichou mesmo. Fazia tempo que eu não via um desses. Não quer largar sua vida de palco e trabalhar pra mim, JK?
— Não curto escritórios, Polyc, sinto muito. Mas na minha primeira crise existencial depois do 30, esse vai ser o primeiro lugar que vou correr — Jungkook deu uma piscadinha debochada, jogando os dois braços para trás da cabeça.
Polyc revirou os olhos, sem deixar de rir. Em seguida, virou-se para mais uma vez, apontando para o seu braço direito.
— Vamos começar?
Ela hesitou por um milésimo de segundo antes de assentir com a cabeça, firme, e puxar a alça fina da camiseta.
— Vamos.
Ele se aproximou da maca e aplicou o decalque na altura de seu ombro, descendo até o braço na linha do tórax. Quando o puxou de volta, o esboço em tinta roxa removível já deixava se sentir outra pessoa. O arame da parte debaixo era delicado e dava uma volta completa por todo o seu bíceps. Uma borboleta batia asas perto de sua clavícula. Uma pequena constelação se aglomerava em ramos de uma flor. Era tudo diferente; todo o rosto de uma pessoa transmutado por causa de um simples desenho.
Ela acentuou o sorriso para o espelho grande na outra parede, ficando ainda mais ansiosa.
— Se a posição está boa pra você, então vamos trabalhar.
Quando ouviu o barulho da máquina, olhou imediatamente para Jungkook, procurando aquele sorriso de novo, procurando uma forma de passar por aquilo sem soar tão vergonhosamente iniciante. Ele lançou-lhe o sorriso desejado, mas não foi o suficiente para que a garganta de relaxasse, já que estava se fechando mais a cada segundo em que Polyc se aproximava. não tinha medo de agulhas, mas também não gostava delas, o que atrapalhava um pouco no processo do “não passar vergonha”.
Vendo o desconforto translúcido naquele rosto, Jungkook se colocou de pé casualmente e caminhou até a outra maca vizinha à , no mesmo instante em que Polyc finalmente atingia a pele dela pela primeira vez.
A careta inicial não durou muito. Ela mordeu os lábios e fez um barulho estranho com a garganta, como um grito que morria e voltava para dentro, mas a testa enrugada permaneceu por muito tempo. se manteve estática nos primeiros minutos, até olhar para o lado e ver que a agulha grande nas mãos de Polyc piscava em cor vermelha constantemente, um vermelho escuro e líquido, um que parecia…
Ah, Deus. Ninguém disse que teria sangue.
Jungkook reparou na mesma coisa, e trincou um pouco os dentes pela falta de sua própria atenção, pensando imediatamente em fazer uma piada, mas não existia espaço e nem vontade pra fazer uma coisa dessas quando via torcer o nariz e virar o rosto para o lado devagar.
— Polyc, Dante tá por aí? — ele perguntou sem tirar os olhos do algodão, que oscilava entre vermelho e laranja enquanto o tatuador traçava as linhas no braço da garota.
— Acho que tá lá em cima, por que?
— Chama ele aqui, por favor. Diz que vou transferir.
Polyc desligou a máquina e se virou para o garoto, com os olhos um tanto arregalados.
— Tá falando sério? Do nada?
— Eu ia mais cedo ou mais tarde, não faz diferença. Meu portfólio tá com a Boni — disse Jungkook, tirando chaves e celular dos bolsos e apoiando-os no mesmo assento de onde saiu.
Polyc emitiu uma risada alta, abaixando a máscara e se levantando.
— Cacete, você é foda — ainda rindo, o homem andou até o outro lado da sala e apertou em um botão aleatório na parede, que fez um barulho alto antes que ele dissesse: — Ei, Boni. Chama o Dante aqui pra baixo. E dá o portfólio do JK.
Boni exclamou algo incompreensível, que não fez se virar para checar. Seus olhos ainda estavam cravados no cara à sua frente, que ainda lhe lançava um sorrisinho sacana, o típico, aquele que a desafiava a adivinhar o que ele estava pensando. A pele de seu braço ainda estava latejando com os resquícios da agulha, sem dá-la a chance de dizer algo mais firme do que:
— Você vai…? — ela não terminou, porque esperou que ele dissesse que não, mas seu sorriso aumentou ainda mais e talvez essa fosse sua resposta.
abriu ainda mais a boca. De surpresa. De confusão. De não estou entendendo nada.
Em poucos minutos, um outro homem entrou na sala, esse alguns centímetros mais baixo que Polyc e sem olhos puxados, usando um boné escuro que escondia muito de seu rosto mas que, mesmo assim, fosse possível para reconhecê-lo brevemente de uma das fotografias do andar de cima. Aquela tatuagem de baleia tomando toda a parte frontal da perna era difícil de esquecer.
— Deixa eu ver se entendi — ele ergueu um dedo e apontou-o para Jungkook — Você vem aqui em pleno verão sem avisar, não pede nenhuma cerveja, traz uma garota bonita — ele deu uma breve olhada para na maca — E agora me diz que vai transferir?! Sem nem falar nada comigo antes?
Jungkook deu de ombros, segurando um riso.
— De repente eu decidi.
— Qual o número?
— Doze.
— Pra onde?
— Costas.
Dante riu alto.
— É pra já!
abriu ainda mais os olhos quando viu os três rapazes começarem a falar ao mesmo tempo enquanto Jungkook começava a se desfazer do casaco, e então a camisa estava indo embora, e de repente ele estava tirando a corrente de prata do pescoço e depois estava olhando pra ela de novo, inocentemente, e aí…
E aí a ficha caiu de vez.
— Você vai fazer uma tatuagem? — sua voz saiu quase em agudo. Ele assentiu, se aproximando de sua maca.
— Vou. Acho que te ver me deixou com vontade de adiantar algumas.
— Obrigado por ter vindo, bonitinha — disse Dante, pegando as mesmas coisas que Polyc enquanto tinha o caderno de desenhos aberto ao lado da mesa — Faz meses que ele tá prometendo transferir, mas sempre fica mexendo nas que já tem. Entulhando coisas desnecessárias. Não tem mais espaço nessa porra de braço.
— E faz meses que não tira um desenho novo desse portfólio — falou Polyc, voltando a tomar o seu lugar no banco ao lado de — O que vai ser dessa vez? Não me diga que…
Jungkook riu, mas assentiu. Dante gritou do fundo da sala:
— Aham. A fênix!
se empertigou no banco, levando os olhos automaticamente na direção de Dante para tentar enxergar o desenho. Estava longe e, principalmente, escuro, mas o brilho fuzilante nos olhos de Jungkook mostraram que a coisa era bela. Era imensa. Não de tamanho, mas de importância. Era algo que todos estavam empolgados para apreciar, e estava silenciosamente sendo contagiada por isso.
Quando viu, ela abria e fechava a boca, procurando o que dizer mas conseguindo apenas desistir e rir, porque aquele garoto não podia ser real.
— Vamos, então — Dante puxou suas coisas para a outra maca na frente de .
— Espera. Vamos fazer diferente — Jungkook olhou para ela — Um espacinho, .
sentiu as mãos dele em sua cintura para afastá-la para o lado enquanto ele tomava o lugar na outra ponta em cima da superfície acolchoada. Ela o olhou com o cenho franzido.
— Qual sua escala de dor? — perguntou ele, virando-se para ela sem se intimidar com os outros caras na sala.
levou um tempo para entender e responder a pergunta.
— Ahm… Foram só alguns minutos, acho que… 7.
Ele levantou uma sobrancelha descrente.
— Um 8 — corrigiu, em voz baixa. — Mas por que…
— Ótimo. Vou precisar me distrair.
E de repente, seus braços estavam rodeando-a de novo, desta vez para puxá-la para cima até que fosse parar na sua coxa, agarrando na curva de seu pescoço automaticamente para se segurar com a surpresa.
Jungkook — ela arfou, trincando os dentes na mesma hora pelo susto, as bochechas ardendo.
— Dante — ele a ignorou, chamando o outro, que tinha uma expressão claramente abismada no rosto, mas que passou tão rápido quanto apareceu — Vamos começar.
Jungkook apontou com a cabeça para o espaço atrás dele, enquanto o outro só murmurou uma concordância e se posicionou em outra poltrona atrás do garoto.
— Um maldito cavalheiro, como sempre — Polyc riu, recolocando a máscara e voltando a pegar sua máquina. O som do instrumento de Dante começou a soar ao mesmo tempo — Vamos voltar à parte legal, . Espero que a dor não seja um problema agora.
Ela revirou os olhos e olhou para Jungkook.
— Você é maluco? — ela sussurrou, desconcertada, sem saída alguma, presa ao colo dele. O que não era desconfortável, mas devia ser. Tinham pessoas ali que ela não conhecia, pessoas que não deviam fazer ideia do que se baseava a relação dela com Jungkook, estando livres para interpretarem o que bem entenderem, mas nem isso tornava as coisas menos confortáveis.
Ele apenas riu, abaixando um pouco a cabeça para que Dante grudasse o decalque nas suas costas.
— De nada, bonitinha — ele sussurrou de volta com uma piscadela, e ela desviou o rosto para que ele não a visse sorrindo.
A agulha voltou a encontrar a pele de , causando-a o mesmo arrepio preliminar e a careta contorcida na boca, mas não perdurou muito, porque os dedos de Jungkook apertaram-se no circuito de seu quadril na mesma hora, tirando sua atenção da dor.
Quando a agulha de Dante raspou na pele dele, Jungkook se manteve neutro como sempre.
— Não tá doendo? — ela procurou qualquer indício de chateação no seu rosto, qualquer coisa que o incluísse no que ela sentia no momento. Ele balançou a cabeça, irrelevante.
— Um pouco, mas já acostumei — respondeu com tranquilidade, e aquilo acabou deixando um pouco mais tranquila em relação à sua própria dor.
A pior parte era pintar. teve certeza de que nunca se acostumaria com aquilo. Polyc parecia estar segurando um lápis qualquer e estava usando o braço dela como uma folha de papel, as mãos firmes e seguras, tateando nos pontos certos e doloridos. Ela chegou a pedir mentalmente: por favor, não chora, tudo menos isso, você prometeu que não choraria.
Em vez disso, ela virou a cabeça para o outro trabalho acontecendo simultaneamente nas costas de Jungkook, observando os traços se ligando através das mãos de Dante.
Um par de asas pegava da ponta de um ombro até o outro, abertas até o início das costelas, lindas e marcantes. se concentrou nos detalhes, no tamanho, em como elas não se pareciam com asas de anjo. Eram mais finas e curtas, desenhadas apenas nas laterais do corpo, sem nenhum ponto que as ligasse no meio da espinha, como um pássaro. Penas demarcadas com um pouco de tinta alaranjada em algumas pontas, como pequenas faíscas de fogo. Como…
Asas de fênix.
não se conteve em perguntar:
— O que elas significam?
Jungkook levou alguns segundos até virar a cabeça e olhar para ela, com os lábios levemente franzidos como se pensasse na resposta. Aquela expressão genuína roubou toda a curiosidade dela. Talvez não devesse ter perguntado.
— Significam um monte de coisas — ele respondeu por fim, sem nenhum resíduo de incômodo — Muita coisa mesmo. Um tipo de desejo.
— Qual desejo?
Jungkook riu pelo nariz, apertando um pouco mais os dedos na cintura dela.
— De tatuar um dia com uma garota bonita no meu colo.
revirou os olhos, mas não era sério o suficiente. Jungkook riu, fez uma pequena careta de dor com a curvatura da agulha mais grossa e seguiu a explicação:
— É uma tatuagem de momento certo. Teria que vir em alguma hora, e acabou sendo nessa. Essa é sua resposta.
puxou um sorriso para o canto da boca, o máximo que podia fazer depois de Polyc ter aprofundado ainda mais o traço.
— Justo. Não precisamos saber de questões profundas demais.
— E as não profundas? — ele arqueou uma sobrancelha — Qual a sua cor favorita?
vincou a testa pela pergunta repentina, mas disse:
— Não sei. Bege?
— Bege?!
— É, ou nude. Candice disse que fico bonita com essa cor.
— A maioria das coisas no seu quarto são azuis ou verdes.
— São? — ela se mexeu um pouco em seu colo. Polyc resmungou algo para que ela pegasse leve nos movimentos. assentiu e se desculpou baixinho — Nunca reparei nisso. O que a psicologia das cores diz sobre isso?
— Que você sente falta do seu país — respondeu Jungkook, descontraído. — Espero que o verão daqui esteja à sua altura, brasileira.
O frio no estômago de não foi tão perturbador quanto achou que seria. Em algo ele estava mais do que certo: sentia falta do país, não de casa. Hoje em dia, era muito fácil distinguir as duas coisas.
— E a sua cor favorita? — retrucou ela, abrindo a boca em surpresa logo depois — Ah, espera…
Escuro — Jungkook respondeu na frente — Fiquei sabendo que preto não é exatamente uma cor, então fui obrigado a mudar para escuro. Azul escuro, verde escuro, roxo escuro e por aí vai. Quando é o seu aniversário?
— Em abril. O clima é sempre bom.
— O que você fez esse ano?
— Passei deprimida o dia inteiro na cama comendo cookies veganos horríveis depois de ter perdido o emprego que eu odiava — riu. A expressão de Jungkook se fechou — Candice ganhou os cookies de algum empresário. Não gastaria meu dinheiro com comida ruim.
— Seu emprego na revista?
— É. Me demitiram porque não entreguei a capa bombástica que eles queriam. Ou fizeram com que eu não entregasse. Também não ganhei rescisão ou uma despedida, mas levei os filtros de café da cozinha. Eles eram ótimos — ela estreitou os olhos com um sorriso divertido. Jungkook permanecia com o mesmo semblante apático, e buscou uma forma de amenizar a situação — Mas acho que você já conhece essa história.
Ele se remexeu minimamente no seu lugar até dizer:
— Não conhecia a parte do aniversário.
— Isso é o menos empolgante de tudo. Candice me comprou um cupcake de chocolate e me obrigou a apagar uma vela. Pronto. Só mais um dia.
Pela expressão dele, talvez aniversários estivessem longe de serem mais um dia. E, após um momento em que percebeu que ele não falaria nada, continuou:
— O que vai fazer no seu aniversário?
— Ainda não sei. Fazer 25 anos parece pedir a maior festa da cidade.
— Você já deve estar acostumado com isso.
— Não tanto quanto você pensa.
Ela umedeceu os lábios e o encarou. Parecia o estereótipo perfeito do cara que entulharia sua casa de novo como naquela primeira festa da casa nova, faria competições de beer pong, tocaria de Justin Bieber a Nirvana e terminaria a noite com no mínimo duas garotas na sua cama. já tinha visto festas incríveis assim antes dos grandes nomes de Los Angeles, e Jeon Jungkook tinha um poderio tão ou mais alto do que eles.
Mas o cara de verdade, o garoto escondido debaixo de todas aquelas tatuagens e que se mantinha presente ao lado dela para que se distraísse de uma das maiores loucuras que tinha feito, era só… Um cara normal. Sem apreço pela extravagância. Mas também sem apreço pela solidão. O tipo de pessoa que enxergava o copo meio cheio.
O tipo de cara que não queria vê-la chorar.
— Vai à minha festa? — perguntou ele, com um sorriso contido — Se eu der uma.
— Depende. Vai chamar seus amigos bonitos da 97 line?
Ele semicerrou os olhos.
— Vou… — parecia uma pergunta — E eles não gostam de fazer novas amizades.
— Mas o Yugyeom me conhece…
— Yugyeom vai fumar tanta maconha que vai terminar a noite dormindo em cima de uma boia de flamingo. Na água.
ficou atônita enquanto notou que Polyc e Jungkook trocaram um olhar cheio de chacota, mostrando claramente que a fama de Yugyeom já era bem difundida talvez na cidade inteira.
— Bem, se for assim, o Mingyu e o Eunwoo parecem bem mais tranquilos…
— Tranquilos? Não, não — Jungkook riu, mas parecia um pouco engasgado — Não tranquilos do seu tipo. Eles são atenciosos, comprometidos com bom papo e tudo mais, mas são calculistas sobre coisas que acontecem em festas. Eunwoo até pode ser um pouco mais romântico, mas ele tem exigências demais, e Mingyu não tem…
levantou uma sobrancelha até o meio da testa.
— Meu tipo? — interrompeu, desconsiderando todo o resto da fala dele.
— É, seu tipo, sabe… Caras que te levam pra jantar e essas coisas.
sufocou um riso, fingindo ignorar que Jungkook era esse cara que a levou pra jantar. O único cara.
Ele desviou os olhos, parecendo fingir a mesma coisa.Também fingiu que não sentiu aquele bolo idiota no estômago com a mera sensação, ou o mero pensamento de seus amigos decidindo olhar um pouco mais de perto para .
Eles eram manés, mas não eram exatamente burros.
— Tudo bem, então… — ela pensa em dar de ombros, mas se lembra da agulha ainda furando sua pele — Quantas tatuagens você tem?
— Adivinhe.
— Hum… Menos de 30?
— Não.
— Mais de 90?
— Não.
— Umas 60?
— Quase. Contando com as que cobri, 67.
— Caramba — pisca os olhos com a surpresa — Parece uma pergunta idiota, mas como se lembra de todas elas?
— Eu convivo com elas, seria estranho não lembrar — respondeu irônico, passeando com os dedos sob a pele da cintura de — Mas as da parte de trás do braço são mais fáceis de esquecer. A das costas tenho certeza que vou me lembrar só enquanto doer, depois acabou. Por maior significado que tenha.
— Todas elas têm significado?
— Nem todas. A maioria foram feitas no impulso. Tive ideias de esboços de uma hora pra outra, chegava no tatuador e acabava fazendo mais 3 na empolgação. Um cara de Los Angeles me convenceu a fazer uma teia no cotovelo e foi de longe a pior delas. Tanto no traço quanto na dor. O desenho veio dessas pastas prontas que tem em todo estúdio, gostei logo de cara e foi isso. Muitas delas vieram assim. Nada demais.
— Somos o que gostamos, não é? — ela inferiu, trazendo o olhar dele de novo — Então, pra te conhecer, basta olhar pros seus desenhos?
Ele a encarou sem ter o que dizer por quase um minuto inteiro, depois abriu um sorriso sacana, o inconfundível, aquele que pesca uma armadilha antes de cair.
— Pra te conhecer, basta olhar pras suas fotos?
— Precisa de muito mais do que isso pra me conhecer.
— É um desafio?
abriu a boca para responder, mas nada do que diria seria uma explicação plausível. Diria a ele que era melhor que não quisesse esse desafio, porque nada de interessante acontecia no país e seus problemas familiares. Que existiam monstros muito grandes e perturbadores guardados no armário que o colocariam para correr em dois segundos.
E ela não queria que ele corresse. Não ainda. Não por isso.
Eles se entreolharam por um tempo, um tempo imensurável onde Jungkook ainda tinha os dedos agarrados ao seu redor e a respiração se exasperando um pouco, o peito inflando e voltando com mais rapidez, o que não soube dizer se era uma forma de suportar a aflição nas costas ou se ele estava simplesmente… Excitado. Encarando-a daquele jeito, com as pupilas se dilatando enquanto tinha uma agulha perfurando sua pele, foi o suficiente para deixá-la com uma espécie de sensação de vitória.
nem percebeu quando as mãos de Polyc se afastaram de seu braço.
— Caramba, — disse ele, jogando as costas inteiras sobre a poltrona — Diga que vai mostrar isso pra todas as suas amigas. E que vai me deixar tirar uma foto.
rapidamente se mexeu para sair do colo de Jungkook, andando rápido até o espelho grande do chão ao teto ao lado da porta, virando o braço direito para avaliar o trabalho.
Aquilo era… impressionante. Bem, era mais do que isso. Era empolgante. Comovente.
Ela ouviu Jungkook balbuciar, junto com Dante e Polyc, os três certamente elogiando e apontando para o mar de cores no braço de , mas tudo em que a garota conseguia pensar era nos detalhes. Nas cores que pulsavam em sua pele ainda um pouco avermelhada. Nos contornos finos se alternando com os mais pesados. Na genialidade da mensagem a ser passada, com a aquarela concentrada apenas nos elementos de cima. Em como aquele reflexo no espelho não se parecia com , paparazzi de revista de fofoca, insegura e acanhada, centrada em um sonho distante de Londres e que jamais entraria pela porta da frente da National Geographic com um crachá. Essa mesma que estava desempregada e com a mesma mente parada no tempo há anos, vivendo a vida no automático.
Não, aquela no espelho era a imagem nítida da que estava lentamente tomando forma desde que entrara no avião para a Coreia do Sul. Da que explodiu na saída do banco naquela tarde. Da que ligou para ele, que parou em um parque e teve vontade de coisas aleatórias e cotidianas, quase sempre rejeitadas por alguém que era incapaz de ser generosa consigo mesma – generosidades que sempre achou que teria quando pudesse finalmente descansar. E esse descanso sempre foi Londres, a entrevista de emprego em uma grande revista cultural, uma casa própria, dinheiro o bastante para não pensar em trabalho, e dinheiro para finalmente pagar uma terapia e investir em uma limpeza emocional para conseguir, quem sabe, comprar passagens para o Brasil, dinheiro para outras emergências, e mais dinheiro…
O tempo passou em uma tomada só diante de seus olhos e teve certeza de que poderia descansar agora. Cansou de esperar. Poderia descansar, e trabalhar, e sonhar, e perdoar, e rir e viver. Poderia começar o futuro que planejou agora, na próxima hora, no próximo minuto, e finalmente poderia apontar uma câmera para sua própria vida e começar a colecionar alguns momentos reais, ser a protagonista daquela coisa toda, olhar os momentos simples como grandiosos.
E ela provavelmente não tinha mais dinheiro pra comer um bife Wagyu com Candice nem tão cedo, mas nunca foi tão feliz por saber disso.
— … E preciso colocar seu curativo — a voz de Polyc se materializou ao seu lado, e levou um susto pela presença repentina. Ele segurava um plástico nas mãos e sorria como ela.
— Obrigada — se virou pra ele — Isso é muito, muito melhor do que eu esperava. Com certeza merece uma foto particular. Essa é a sua resposta de mais cedo.
Polyc riu agradavelmente, sem grandes surpresas.
— Só fiz o meu trabalho. Você aguentou bem — ele tocou em um ponto de seu ombro não pintado, fazendo-a rir um pouco — Aquele cara ali parecia estar com mais medo do que você.
Ele apontou com a cabeça para Jungkook. virou o rosto para ele, e viu seus olhos endurecerem na direção de Polyc, mas nada que durasse muito. estava ali, estava feliz, estava mais linda do que nunca e nada mais importava. Nada, nenhum fio de tragédia estragaria o dia dele hoje.
voltou a mirar seu perfil no espelho. Estava bonita, estava renovada, estava na porta de sua melhor versão. E sentiu que Jungkook viu isso o tempo todo, viu o que ela não era capaz de ver embaixo de uma vida cheia de travas.
E então, ela teve outro lampejo de decisão, enquanto ainda se olhava.
— Quero fazer outra, Polyc.
Tanto Jungkook quanto o amigo ergueram os olhos para ela, aturdidos.
— O quê? — Polyc riu com perplexidade, mas parecia ainda mais contente do que antes — Quer fazer outra tatuagem?
— Quero. Passei anos tentando dar um jeito numa coisa e consegui. Você pode? — Ela se virou pra ele, decidida. O rapaz a encarou daquele mesmo jeito na entrada, de cima a baixo.
— Claro que posso. O que você quer?
— Escreva coragem. Em português. Significa 용기. Só isso.
Polyc arqueou uma sobrancelha.
— Só isso?
— Sim. Só isso.
Polyc esperou um tempo, talvez para que ela dissesse outra coisa, ou dissesse mais coisas, mas permaneceu com a feição firme e o tatuador apenas assentiu, aceitando com simpatia. Parecia achar aquilo muito sexy.
— Tá legal. É só escrever em um papel pra mim que faço agora. Onde vai querer?
segurou a vontade de olhar para Jungkook naquele exato momento.
— Me disseram que eu ficaria muito bem com uma tatuagem no quadril.
Ela conseguiu ver Polyc errar uma piscada.
— Tudo bem. Escreva.
assentiu, andando até a mesa em que ele mexia antes e agarrando um pedaço de papel qualquer, escrevendo com uma letra torta e o sangue fervendo. Quando terminou, deixou o lugar para Polyc e fitou Jungkook, ainda na maca, com os dedos cravados na lateral do suporte enquanto a agulha dançava na sua pele.
Ele estava sorrindo tanto que tinha precisado morder os lábios para disfarçar. Tinha alguma coisa nova naquele olhar, uma coisa que a deixava confiante para lhe agradecer devidamente quando saíssem dali. Podia ser no carro mesmo. Em qualquer lugar que fosse seguro para fazer barulho, porque tudo que mais queria era se afundar naquele cara e fazê-lo sorrir daquele jeito pelo resto da noite.
E as pupilas dele aumentaram ainda mais, claramente pensando na mesma coisa.
— Vai demorar muito, Dante? — perguntou ele, sem desviar os olhos de .
— Mais 40 minutos. Polyc vai terminar ao mesmo tempo.
escondeu os lábios entre os dentes, e andou até a outra maca, bem de frente para Jungkook. Ali, o foco de luz era o mais forte em toda a sala. Ele esquadrinhou cada centímetro da garota, olhou para o desenho reluzente e jamais admitiria para alguém o quanto perdeu o fôlego.
— Suba, . Deita, de preferência — Polyc se aproximou, empolgado. se preparou para puxar as pernas para cima, quando ele disse: — Ah. Vou precisar que você tire a blusa.
Havia algo no timbre da voz dele que surpreendeu . Pareceu mais sério e profissional. A voz de quem não se aproveitava do pedido, por mais que seus olhares fossem recheados de zombaria a noite inteira.
puxou a blusa para cima, deitando-se de lado sobre o braço sem figuras até encarar Jungkook. Ele tinha chamas escapando dos olhos. As mesmas que estava pintando nas costas.
Seriam os 40 minutos mais longos de toda a sua vida.

[1]: Esboço autoral da tatuagem da protagonista, feita por Luana Andrade. Confira aqui.


[ 24 ] – The confidence is the balaclava

🎵 Ouça aqui:
Balaclava - Arctic Monkeys

"É mais uma questão de adrenalina
Que uma questão de diversão
﹝...﹞
Só pode esperar que o fim seja
Tão prazeroso quanto o começo
A confiança é a balaclava
Estou certo que você os confundirá bem
Isso é errado, errado, errado
Ela mal pode esperar
﹝...﹞
Ela implorou para você tirá-la
Mas você resistiu e lutou
Desculpe-me querida, prefiro muito mais
Manter a máscara."

Tinha realmente chovido lá fora.
Apesar disso, o clima abafado fazia esse fato passar despercebido. A calçada de pedregulhos já estava praticamente seca de novo às 1 da manhã, quando Jungkook e emergiram do subsolo, parando na avenida vazia, sem carros ou risco de encontrarem pequenas poças alheias no asfalto.
respirou fundo o aroma de terra molhada. Não gostava de temporais, mas não podia negar a sensação de limpeza que o mau tempo causava na atmosfera em geral. Desde que nasceu, seu pai dizia que a chuva era um milagre. Que sem ela, não existiria arco-íris. amava a chuva até sua mãe e seu padrasto acabarem com essa percepção na marra.
Candice disse que voltaria a amar a chuva quando beijasse seu verdadeiro amor no meio de uma cortina de água. A ideia era tão boba que não valia sua atenção.
Jungkook destravou a Mercedes estacionada no meio fio, virando-se para logo em seguida com o casaco embrulhado no antebraço.
— Tá com fome?
ergueu a cabeça até encontrar seus olhos. Estavam tão intensos quanto lá dentro, intensos de uma forma muito explícita, como se ele não fosse lutar contra caso ela sugerisse qualquer programa no carro ou fora dele. Estava aberto a todas as opções – até ir à Busan no meio da madrugada de trem.
Mesmo que quisesse muito materializar todos os pensamentos sujos e pervertidos que estava tendo desde o lado de dentro, a pergunta de Jungkook acordou um monstro que ela não iria conseguir calar por muito tempo.
— Estou morrendo de fome.
Ele riu e começou a caminhar até o carro.
— Vem, vamos comer.
— O que a gente vai comer? — A essa hora da noite, ela queria completar. Era madrugada, mas as outras ruas da capital não estavam exatamente vazias. E ela estava com Jeon Jungkook, pelo amor de deus. Não era como se pudessem entrar pela porta da frente do McDonald’s tranquilamente.
— O que você quiser — ele levantou os ombros, mais leve desta vez porque ainda devia estar doendo um pouco — Tá com vontade de comer o que?
mordeu o lábio inferior enquanto abria a porta e se acomodava no banco do passageiro.
— Hum… Você vai rir?
— Acha que fico rindo de misturas bizarras? Você não me conhece? — ele estreitou os olhos para ela, puxando o cinto de segurança.
— Mas seu gosto é peculiar demais. Aqueles funny moments do YouTube já mostraram umas coisas preocupantes.
— Ah, então andou me pesquisando na internet?
A bochecha dela ardeu um pouco.
— Claro que não. Eu não queria ver você.
— É? Quem você queria ver?
— Queria ver vocês. Trabalho com idols agora, sabia? Tenho que pegar umas referências do maior grupo do momento — ela deu de ombros, mas Jungkook não pareceu acreditar em nenhuma vírgula.
— Aham, tá bom — ele passou uma língua pelo lábio inferior e ligou o ar-condicionado — Agora vai dizer o que quer comer?
Bungeoppang. Aqueles bolos com formato de peixinho.
Ele a encarou por quase um minuto inteiro antes de cair na gargalhada. revirou os olhos e cruzou os braços, virando-se para ele do banco.
— Você disse que não ia rir, babaca — ela queria dizer canalha, mas perderia a pose e começaria a rir também.
Bungeoppang? Você ainda não comeu isso? É comida de barraquinha.
— Comida de barraquinha de praça. Ainda não saí pra ser uma turista de verdade em Seul, muito menos Candice que só conhece Gangnam e Cheongdam-dong.
— Então você ainda não conhece a Namsan Tower? — balançou a cabeça que não. Jungkook abriu bem os olhos junto com a boca em um pequeno choque — Jesus Cristo, , devia ter me falado antes. Você faria fotos incríveis lá em cima.
— Falar com você antes? E o que você faria, me jogaria lá de cima?
— Talvez — ele riu, e ligou a ignição. — Mas hoje quero te ver suspirando pela vista.
Ele arrancou com o carro subitamente e, de repente, a Mercedes estava costurando a avenida a uma velocidade no limite do permitido, indo em uma direção que não fazia ideia de onde era. Tudo foi tão rápido que ela não teve tempo de raciocinar.
— Espera, e se lá estiver fechado?
Ele a olhou de soslaio, e articulou um sorriso tão insinuante e malicioso que foi grande parte da resposta que estava prestes a dar.
— Isso se resolve.
o encarou, esperando que ele dissesse que estava brincando ou que tinha mais um dos tantos mil amigos especiais que dariam um jeito naquilo pra ele, mas Jungkook apenas esticou um dos braços para o aparelho de som e inundou o carro com Daniel Caesar e o single novo, Do You Like Me? Ela quis chamá-lo de maluco, porque sentia no coração que aquele cara sentia prazer em agir por impulso, mas ali, olhando para ele novamente sob aquele brilho de led escarlate em uma alameda semi vazia enquanto o sangue e as veias de ferviam em desejo por aqueles braços e todo o calor que podiam oferecer, ela só conseguiu pensar que ele estava fazendo-a suspirar pela vista. Por outra vista. Pela sua vista. Pensou tanto que estava prestes a falar isso, mas essa declaração era forte demais e ela logo perdeu a coragem. Talvez não fosse algo muito aceitável a se dizer entre amigos.
De formas legais ou não, Jungkook estava girando o carro em direção à entrada de uma subida quase infinita, onde dirigiu um bom pedaço de caminho até parar ao lado de uma guarita iluminada com luz fraca e ocupada por uma silhueta lendo um jornal. Ele nem hesitou quando saiu do carro e caminhou até o outro lado da rua, encontrando com um senhor de mais ou menos 70 anos que tilintava chaves nos dedos enquanto passava páginas do jornal, segurando uma caneca de chá na outra mão. arregalou os olhos quando percebeu o que Jungkook devia estar tentando fazer – o que provavelmente poderia fazer, porque tinha uma grande vantagem na persuasão, mais do que a maioria das pessoas, e essa vantagem estava demarcada com muitos zeros no banco principal da Coreia.
Pelo amor de deus.
Ela olhou pela janela enquanto tudo que via eram as costas dele e o rosto do homem sério, vários centímetros abaixo de Jungkook. Sua boca se mexia pouco, ouvindo o garoto falar com uma expressão de puro tédio, e não o viu pegar a carteira em momento nenhum. Bem, era o que se esperava. Por qual outro motivo um segurança os deixaria entrar depois do horário do expediente? Eles não tinham nenhum pretexto alarmante demais para servirem de exceção.
Mas então, de repente, um sorriso grande e generoso escapou dos lábios do homem, se transformando em uma gargalhada logo em seguida, e então ele estava dando tapinhas nos braços de Jungkook, e riu mais um pouco até que fizesse um sinal estranho com os dedos, entregasse alguma coisa nas mãos dele e fizesse um sinal para que ele voltasse para o carro estacionado.
Jungkook sorriu, dizendo palavras incompreensíveis ao longe, fazendo uma reverência com as costas e retornando para o carro, guardando algo no bolso no meio do caminho.
E de novo: não tocou na carteira nenhuma vez. Não pegou nem o celular. A única coisa que fez foi abrir a boca.
Quando ele entrou, ainda estava olhando para o funcionário, que andava lentamente com uma perna meio manca até o grande portão fechado, digitando números na parede lateral até que o tranco das grades sendo abertas soasse audivelmente por toda a rua vazia.
arregalou os olhos.
— O que você fez?
Jungkook olhou para ela com um sorriso, ligando novamente a ignição.
— Só conversei com ele.
— Uma conversa que não envolveu um suborno, não é?
— Claro que não. Quem você pensa que eu sou? — ele franziu o cenho, ligeiramente ofendido. Mas semicerrou os olhos, desconfiada — Tá bom, não sou exatamente um exemplo de cidadão, mas aquele cara não aceitaria nem 1 milhão de wons se eu oferecesse. Acredite, eu tentei. Mas ele pediu algo mais específico.
Jungkook puxou o freio de mão e começou a subida eterna e cheia de curvas, abaixando o vidro do carro o bastante para acenar um adeus ao seu mais novo amigo e passar pelo portão.
— Um autógrafo? — arriscou. Ele estalou a língua.
— Que nada. Ele pensou que eu fosse um presidiário, não um ídolo pop.
colocou a mão na boca para rir. Quase perguntou o que o levaria a pensar isso, mas era só olhar para Jungkook para saber. Sem a jaqueta, suas tatuagens estavam expostas e para toda a comunidade não cega da Coreia, aquilo era um convite para críticas em aberto.
— Tá falando sério?
— É sério. Me apresentei como Jeon Jungkook e ele continuou com cara de tacho. Foi muito bom — ele riu, virando o volante com uma das mãos enquanto trocava a marcha. Estava sorrindo muito mesmo — Esqueci como essa sensação era boa.
— Qual? A de não precisar socorrer ninguém que desmaia quando te vê?
— A de ser um zé ninguém, — ele a encarou de lado por um instante — De ser normal. Como um presidiário sequestrando uma garota para o topo da Namsan Tower.
riu e teve vontade de beijá-lo. De novo. Quis mandá-lo parar aquele carro e morder o lóbulo de sua orelha, ou pedir que tirasse aquela camisa porque devia estar incomodando o curativo da tatuagem, e dizer que eles poderiam comer depois, ou ver o topo e as estrelas depois, quando elas estivessem quase indo embora.
Mas ele parecia estar apreciando um momento particular e muito especial consigo mesmo, e aquilo era mais importante do que seus desejos malucos momentâneos.
— E afinal, o que ele pediu pra você?
Jungkook fez mais uma curva, e as luzes dos postes fluorescentes no meio do caminho faziam conseguir enxergar apenas os troncos úmidos das árvores e os telhados das construções antigas.
— Você vai ver lá em cima — respondeu ele, com um sorriso ainda mais radiante.

・ ❬📸💔❭ ・


Era inacreditável.
estava pasma. Mais do que isso. Estava atônita. Espantada.
Ele era louco?
Ou o outro cara era louco? Os dois eram? Um tinha feito o outro fazer aquela loucura? Não podia ter sido por vontade própria.
Quando o viu finalmente tirar a carteira do bolso, ela entendeu que os zeros estavam entrando em ação, e o outro cara carregando uma barraquinha de Bungeoppang presa por um guincho na parte traseira de uma picape não parecia nem um pouco triste de ter se deslocando sabe-se lá da onde em plena madrugada para se apoderar daquela quantia.
Uma barraquinha inteira de Bungeoppang. E estavam cheirando o ambiente inteiro.
Observando de longe, ela abriu e fechou a boca várias vezes sem acreditar. Quando Jungkook disse para que ela esperasse naquele banquinho de pedra em frente a um parapeito de madeira, onde uma das vistas mais lindas de Seul irradiava lá embaixo, não imaginou que fosse para receber um delivery tão diferenciado.
Não era só ela que estava surpresa. Os olhos do cara prestando o serviço eram desacreditados, tanto pela grana preta que estava recebendo quanto pela pessoa que cedia o dinheiro. Ele com certeza não pulava a seção de entretenimento do jornal e sabia que o cara tatuado não era um presidiário. Então, se apossando das cédulas emboladas, ele cumprimentou Jungkook pela última vez e entrou de volta na picape, arrancando e desaparecendo um minuto depois.
Ela repetiu na mente: inacreditável.
Quando Jungkook voltou para o banco segurando pelo menos três bolinhos na mão, aparentemente muito frescos e cheirosos, ainda estava em falta de palavras e reações.
— Espero que ainda esteja com fome — disse ele, sorrindo inocentemente enquanto lhe entregava um deles — Toma, é de queijo. Também tem de creme, pasta de amendoim e feijão vermelho doce. Tem mais duas dúzias ali, se você quiser…
— O que foi isso? — protestou, agarrando a comida sem pestanejar. Seja lá como aquilo tinha ido parar ali em cima, já estava ali, junto com sua barriga roncando de fome.
Ele mordeu um pedaço do bolinho enquanto se sentava.
Isso foi o nosso pagamento por burlar as regras de um ponto turístico nacional — ele deu de ombros, pacientemente. se sentou ao seu lado, ainda sem entender — Aquele senhor muito simpático não parecia muito interessado no meu dinheiro, então depois de muito insistir falei que estava com uma garota faminta no carro e perguntei onde eu podia achar uma barraquinha de Bungeoppang aberta a essa hora. Foi quando ele teve uma brilhante ideia para me vender a entrada: se eu comprasse bolinhos do sobrinho dele e prometesse não vandalizar o patrimônio, ele me deixaria passar. Melhorei a oferta e comprei tudo.
arregalou os olhos, enquanto ele comia mais um pedaço.
— Você comprou a barraquinha toda?!
— Comprei.
— Mas o que vai fazer com isso depois?
— Hã? — ele franziu o cenho, como se a pergunta dela não tivesse sentido nenhum. Depois, quando realmente entendeu, jogou as sobrancelhas para cima e riu um pouco — Ah, eu disse que ele poderia pegá-la de volta antes do amanhecer. O tio da guarita vem buscá-la antes de terminar o turno. Até lá, podemos comer todos os Bungeoppang que quisermos.
Ele sorriu enquanto comia novamente. Parecia muito feliz, independentemente do petisco duvidoso ou do dinheiro gasto inconsequentemente. Era como tudo aquilo soava: inconsequência. Mesmo que Jungkook nunca tenha sido exigente com refeição nenhuma e não sentisse nem cócegas com 100 milhões a menos na conta.
Era uma atitude tão espontânea e tão diferente de que a assustava por alguns minutos.
Mas quando esse susto passou, a alegria dos impulsos de Jungkook contagiaram seu coração, fazendo-a rir do mesmo jeito que aquele cara, com certa perplexidade.
— Já te falaram que você é meio maluco?
— Toda pessoa certinha que eu conheço me diz a mesma coisa.
Ela suspirou e finalmente mordeu um pedaço do bolinho. Era suave e delicioso. Um pouco crocante por fora e mole por dentro. Tinha um gosto forte de pimenta e orégano, combinando perfeitamente com o queijo. Para alguém com fome, aquilo tinha cara de banquete.
— Isso é muito bom — disse ela, abocanhando outro pedaço, mastigando com apreciação — Muito bom mesmo.
— Eu concordo. Não importa a frescura de gente rica e idiota, isso aqui é uma preciosidade cultural.
— Isso vai além de ser idiota. É ser sem coração.
— E esses nem são os melhores que eu já comi — acrescentou ele, com uma piscadela. revirou os olhos e riu, fazendo planos de pedir um delivery daquilo com menos estardalhaço na primeira oportunidade que tivesse.
— Candice morreria se me visse comendo isso.
— Fala sério — ele bufou. — Às vezes ela parece a sua mãe.
— Minha mãe não é assim — argumentou com a boca cheia, mordendo o próximo pedaço antes de engolir o outro. Já estava no fim deste e pensando no próximo. E talvez no próximo depois desse.
Jungkook estendeu o terceiro bolinho restante em suas mãos para ela, que pegou sem hesitar enquanto limpava os cantos da boca com as costas das mãos. Ele riu com diversão e se levantou para andar de volta para o carrinho, retornando depois com guardanapos de papel e duas coca-colas.
— Você tá brincando — disse com os dentes na massa, apontando para a bebida.
— O cara veio preparado. Eu não brinco com o meu dinheiro, o serviço tinha que ser completo — afirmou, abrindo a lata para ela. pegou a bebida e deu um grande gole, fazendo uma careta pelo gás e pela temperatura ambiente do líquido. Não era de hoje que notava que o conceito de bebidas geladas era muito diferente fora do Brasil.
E de repente, ela esticou as costas e se virou para Jungkook com os olhos arregalados.
— Nós podemos comer isso?
— Como assim?
— As tatuagens. Não tem toda aquela história de evitar certos tipos de comida? Tipo quando se coloca um piercing e essas coisas?
— Ah… — Jungkook mordeu o lábio inferior, esboçando um pouco de surpresa por nem sequer ter cogitado o assunto antes — São bolinhos cozidos. Polyc nunca disse nada sobre eles.
piscou os olhos algumas vezes, duas ou três, até sufocar uma risada por trás da lata do refrigerante, rindo da expressão de palerma que Jungkook tinha feito, e ele riu junto porque era bom ouvi-la rir. Era bom de ver. Melhor do que esperava.
— Você parece feliz — disse ele quando a viu morder um pedaço. Parecia contente sem fingimento.
— Eu estou feliz. De verdade — respondeu.
— Isso é bom. Você não combina com tristeza — e ele suspirou, virando os olhos para o seu rosto — E muito menos com choro.
O sorriso de foi lentamente dando espaço para uma linha fina estendida, uma faixa onde antes se mostrava dentes e uma expressão feliz. Jungkook pensou imediatamente em pedir desculpas, mas por que, afinal, se desculparia? Por dizer o que pensa? Por querer demonstrar confiança?
Ela apenas limpou a garganta, depositando o refrigerante com cuidado ao seu lado no banco.
— Aquele dia, você…
— Ouvi — ele confessou na frente, agora girando o corpo inteiro em sua direção. — Não foi de propósito, mas ouvi. E não foi a melhor experiência da minha vida.
não olhou direto para ele, mas riu. Não foi a risada mais natural e alegre do mundo, mas Jungkook esperava que ela ficasse irritada com ele, como parecia irritada naquela manhã nos corredores da agência, quando percebeu que ele estava do outro lado daquela porta.
— Não é como se você nunca tivesse ouvido uma garota chorar.
— Nenhuma garota nunca chorou depois de trepar comigo. Eu juro. Sou um pouco mais cavalheiro do que isso.
— Não chorei por sua causa.
— Ah, disso eu sei, porque olá, você é . Que poder eu, um pobre mortal, tenho de fazer uma coisa dessas? — Jungkook ironizou enquanto puxava um dos joelhos para cima do banco. Viu o canto dos lábios dela se abrirem em um novo sorrisinho, e percebeu que a solução de todos os problemas do mundo estava em ser um idiota.
— É. Você me deixa brava.
— Só isso?
— Já é muita coisa.
— Mas precisa ter mais.
— Hum… Curiosa também. Envergonhada, algumas vezes. Animada, de certas formas.
— Vamos lá, você não vai morrer se for mais sincera que isso — ele semicerrou os olhos, destilando sarcasmo.
— O quê? Você quer que eu diga com tesão? — ela se virou em sua direção também, ficando de frente para ele.
— Isso não precisa nem ser falado.
Me deixa molhada sussurrou em sílabas, abrindo e fechando a boca devagar como se revelasse um segredo de Estado. Os dois riram logo em seguida; ela pela fisionomia abobada dele, e ele por pensar que era o único sortudo em um mundo de azarados que não tinham oportunidade de ver aquela garota realmente molhada.
— Se estiver ficando com tesão enquanto comemos Bungeoppang em um parque deserto, não vou recusar o convite, , não tenho problemas com essas coisas. O banco de trás é bem confortável — ele deu de ombros, e sabia que por debaixo daquele sorrisinho existia uma ponta – ou um iceberg inteiro – de verdade.
— Ah, como você é engraçadinho. Se eu sorrisse da maneira certa, você interpretaria como um convite, não é? Uma confirmação. Com você, o diabo está nos detalhes, Jeon.
— O diabo está em tudo que eu quero fazer com você, . Coisas tiradas daqueles eBooks eróticos da Amazon ou dos guias indianos de kamasutra — soltou uma gargalhada imediata. O bolinho em suas mãos quase caiu no chão. Jungkook observou seus olhos se fechando e umedeceu os lábios — Imagino que essa seja a risadinha de confirmação.
— Não, você só me fez rir. É bom, eu gosto de rir. Me faz bem.
Bem?
— É. Bem. Você me deixa bem — soltou, sem a menor precaução. Talvez um silêncio barulhento preenchido com fogos de artifícios tenha se assentado no meio daquele banco de pedra por um segundo, um réveillon acontecendo bem no peito de Jungkook — Satisfeito?
Ele demorou ainda alguns instantes para conseguir mover a boca e rir, batendo duas palmas de deboche.
— Que reviravolta, meus amigos. Eu deixo bem. Entre brava e bem existe um precipício — brincou, observando-a revirar os olhos e assentir, enquanto bebia mais um gole do refrigerante — E quem te deixou triste?
desviou os olhos para o lado, de volta para a paisagem brilhante de Seul.
— Isso não importa.
— Vai, , qual é — Jungkook suspirou, continuando no mesmo lugar. A ideia de não insistir na sua curiosidade tinha ido por água abaixo — Não quero ser cruel, só quero entender. Teve a ver com o Jaehyun? Com todo esse lance do atraso da turnê, e agora as fotos…
— O quê? — se virou bruscamente para o garoto, a testa enrugada até tocarem nas sobrancelhas — Não, não é nada disso.
— Então o que aconteceu?
Ela ficou quieta de novo. Desta vez, encarou aqueles olhos curiosos com um tipo de aborrecimento, um que estava inflando suas narinas junto com o peito, os dois gritando em seus ouvidos que ela deveria se levantar daquele banco idiota naquela noite idiota com aquela companhia idiota e dizer a ele que estava tudo bem e estava tarde. Que já bastava de explosões de verdades por uma noite, já bastava ser marcada por elas. Agora poderia voltar a sua vida normal de alguém que enterra o passado e mente para sobreviver.
Mas tinha algo inconvenientemente magnético em Jungkook, um algo sem nome que a atingia cada vez mais, que mudava coisas de lugar, que chamava, e pedia, e solicitava, e procurava, e se via pronta para dar, soltar e mostrar.
— Minha mãe... Está doente. Câncer de mama.
Os ombros dele despencaram por um momento. Uma respiração entrecortada escapou por suas narinas, e o silêncio novo finalmente teve o peso esperado.
— Puta merda, ... — ele arfou em silêncio, os olhos cheios de pesar — Eu... não sei o que dizer. Não imaginei que fosse isso.
Ela deu de ombros de novo, virando-se para a cidade.
— Não precisa dizer nada. Ela vai ficar bem. Vai fazer todo o tratamento e vai ficar bem. Ela sempre foi muito forte pra essas coisas.
— Há quanto tempo você sabe?
— Pouco. Descobri no jantar daquele dia. Foi complicado — suspirou, e seu pescoço se recusava a olhar para ele. Estava claro que não era algo que contava para as pessoas normalmente. Qualquer menção à família de era um território resguardado, misterioso, uma porta de ferro cercada por grades elétricas.
Apesar disso, Jungkook achou uma pequena brecha para ficar aliviado no meio de uma notícia ruim. Aliviado por não ter Jaehyun em sua lista de tristezas.
Mas os últimos dias foram retornando gradativamente à ele naquele minuto de quietude, e as peças encaixadas o fizeram entender o porquê ela provavelmente jamais o contaria uma coisa dessas.
— Pagou o tratamento dela, não é? — perguntou. travou o maxilar e apenas confirmou com a cabeça, ainda sem encará-lo — Por que não contou pra Candice? Naquele dia.
— Porque eu ainda não tinha feito nada e ela abriria o aplicativo do banco e faria uma transferência na mesma hora, mesmo eu implorando pra que não fizesse isso — ela levou um dos dedos para trás da nuca, a voz exprimindo cansaço — Ia querer ser a solução de todos os meus problemas, como sempre, mas algumas situações precisam ser enfrentadas cara a cara. Até as mais difíceis.
— Como o fato de você ter mandado quase toda a sua grana? — agora se virou para ele, as sobrancelhas se espetando no centro da testa — Não me olha assim, todo mundo sabe da sua reputação financeira. E não faço a mínima ideia de quanto custa uma quimioterapia no Brasil, mas creio que seja caro. Pra te fazer desistir — pontuou ele. prendeu ainda mais a mandíbula — Seja lá quanto tenha sido… Você vai recuperar. Tenho certeza. O dobro, o triplo. Agora o único caminho disponível é em frente, mas pode ir devagar, se quiser. Você é uma excelente profissional e foi uma ótima filha.
sentiu o nariz arder instantaneamente, a bochecha e a garganta formigarem, todas as suas glândulas lacrimais se agitarem para estourarem pelos olhos, que foram desviados agora para baixo, para os seus pés balançando minimamente pela altura do banco.
— É. Fui uma ótima filha. Ponto pra . Um lugar garantido no céu — ela dá uma risada engasgada, representando tudo menos satisfação. Um fungar indiscreto escapou de seu nariz, ao passo que ela logo o calou com as costas das mãos — É assim com a vida e o futuro: você os planeja, mas eles rabiscam em cima. Ou tropeçam bem no meio da sua torre de cartas. Ou chutam seu castelinho na areia por pura diversão. No fim, o poder deles é muito maior que o nosso, mesmo que eu não aceite isso de jeito nenhum.
Jungkook umedeceu os lábios, aproximando-se furtivamente para mais perto de , se sentindo a cada minuto mais interessado.
— Por que tinha tanto dinheiro guardado?
— Todo mundo tem uma reserva de emergência, não tem?
— Não igual a sua. Reservas são o pouco que a gente tira do muito, e não o contrário.
Ela o encarou de novo de soslaio. O semblante dele tinha aquela pergunta reforçada, as sobrancelhas erguidas com um “e então?”, mesmo que ela não soubesse como respondê-lo direito.
Não era algo que pretendia responder. Nunca. E quando pensou sobre o que diria, seu rosto ficou instantaneamente quente.
— Eu... A gente nunca teve muito dinheiro — começou, em um sussurro — Meu pai trabalhava em uma empresa de metalúrgica e fazia uns bicos de fotógrafo, que era o que ele realmente gostava, mas nada que desse pra crescer. Por muitas vezes, ele faltava ao trabalho porque escolhia fotografar um evento de 3 dias na cidade mais próxima, alegando que a quantia daria mais do que o mês na fábrica, mas era mentira. Ele ia porque não suportava aquele lugar. E pulou por vários empregos na vida. Apesar disso, ele nunca deixou que faltasse algo pra mim e minha mãe. E cresci com essa falsa sensação de que tudo ficaria bem, a partir do momento em que ele estivesse ali — suspirou, trocando um pouco os pés. — Quando ele morreu, descobri as verdades que se escondiam por trás da imagem pacífica que ele me mostrava. As dívidas, os empréstimos, o aluguel não pago há meses... em um dia, eu o via sair de casa dentro de um saco preto e no outro, estou arrumando minhas coisas pra me mudar pra uma cidade grande que não conheço e onde tudo me assusta. Era muita informação para uma criança de 11 anos. Mas o dinheiro, bem... dinheiro é o degrau das conquistas. Naquela idade, eu não tinha ambições sobre o futuro e nem por nada material. Era fascinada pela história do meu pai, pelos seus sonhos abandonados e aos poucos esse sonho foi entrando em mim, se tornando meu. Mas fui crescendo e percebendo que a realidade mata a maioria deles. Estávamos sozinhas, vivendo de aluguel, e o básico começou a faltar. Minha mãe teve uma depressão grave e perigosa, do tipo que transforma uma pessoa em outra e tive que começar a me virar. Consegui um emprego no almoxarifado da biblioteca da cidade aos 13 anos. O dinheiro era ridículo e os órgãos públicos não sabiam, mas foi a única coisa que achei. E aí, ela conheceu o Antônio…
Ela engoliu em seco. Jungkook a observava com apreensão.
— Foi tudo tão rápido. Em um dia, ela não se levantava da cama e no outro estava passando maquiagem de novo. Me mandava limpar a casa aos sábados e depois me trancar no quarto sem sair de jeito nenhum. Eu ouvia a voz de um homem e não entendia. Ou não queria entender. A ideia não passava pela minha cabeça até que um dia os ouvi no quarto, e senti tanta... Raiva, repulsa. Papai tinha morrido há menos de um ano, e era... nojento. Não sei explicar. Esperei que ele saísse e fui confrontá-la, aquele mesmo sentimento queimando dentro de mim como nunca, e... foi a primeira vez que ela me bateu.
“E quando eu percebi, estávamos dividindo a casa com mais uma pessoa e roubaram a minha voz. Eu não sabia onde ela estava. Quando um A saía de mim, era calada com um hematoma. Tanto dele quanto dela. Quando queriam aplicar um castigo mais intenso, meu quarto durante à noite era o quintal dos fundos no meio da chuva. Sempre tinham os raios, e os trovões, como um filme de terror. Daí comecei a perceber as mesmas marcas nela, e as brigas eram tão altas, tão barulhentas, tão... horríveis. Uma coisa que criança nenhuma deveria presenciar. E então, pra fechar o circo dos horrores, ela estava chorando aos pés dele pedindo perdão por sei lá o quê. Por não ter esquentado a janta. Não ter comprado as cebolinhas. Não ter lavado a camiseta que ele queria. Chorava pateticamente como uma maluca, dizendo que o amava, apavorada com a ideia de ser abandonada. A simples menção de Antônio ir embora era um pesadelo para ela, uma sentença de morte. Ele definia tanto a vida dela que me deixava... assustada. Ela usava a palavra amor com tanta força, tanta certeza, mas eu não conseguia associar à realidade com suas palavras. Se o amor era aquilo... essa dependência violenta que a deixava sem rumo, então eu não queria isso. Porque, aos poucos, percebi que se ela considerava aquilo amor, queria dizer que ela não me amava.”
“E sabe, achei que sofreria mais quando percebesse isso, mas na verdade, pareceu uma libertação. Uma surpresa que a gente já espera. Ela era uma boa mãe até a morte do papai, e talvez o luto tenha tirado a sua âncora de volta e ela se viu perdida, sem ter onde se agarrar, mesmo que eu estivesse ali o tempo todo. Mas ela nunca procurou por mim, nunca me viu como uma companhia. Então, respondendo a sua pergunta: a partir do momento em que percebi que se continuasse naquele ambiente, eu não teria ajuda e muito menos escolhas, fui atrás de consegui-las. Ou tentar. O caminho para uma situação melhor é sempre o mesmo, sem segredo: ninguém escapa de trabalhar para ganhar a vida. É um fato incontestável. Naquela situação, eu poderia ter pensado em ter um trabalho comum e estável, onde minhas chances de conhecer o mundo seriam poucas e a mesmice acabaria comigo, porém a segurança seria garantida. Só que pensei o seguinte: se estou sozinha nessa, e vou ter que passar por todos os perrengues sem o apoio e amor que meu pai havia prometido, vou me dar ao luxo de fazer uma escolha. Apenas uma: adotar o sonho dele. Torná-lo possível de uma forma mais responsável. Me apaixonar por uma câmera e pelo parar do tempo. Viajar o mundo e vê-lo com meus próprios olhos. Eu podia fazer isso. Era a única coisa que eu podia fazer.”
E teve finalmente coragem de encarar o garoto ao seu lado, vendo um par de olhos castanhos cravados em seu rosto e a boca entreaberta em uma ligeira expressão de surpresa, mas não uma surpresa amedrontada. Não aquela em que o sujeito balbuciava palavras de conforto atropeladas e corria para a primeira porta de saída que encontrasse. Jungkook queria saber mais, mesmo que no fundo tivesse que se concentrar em dobro para não deixar o músculo trincado na mandíbula tão evidente assim.
quis rir daquela reação, mas apenas balançou a cabeça.
— É por isso que guardei tanto dinheiro — sussurrou. — Porque precisava sobreviver sozinha. Era o único jeito de sobreviver sozinha.
Ele não disse nada. Provavelmente não conseguiria, já que havia dito tudo. Dito tudo, mostrado tudo e sofrido tudo. Ele enxergava o brilho lacrimal em seus olhos, a ponte do nariz se curvando para um choro, mas nada saiu. Ela continuava na mesma posição, e mesmo com o único poste de luz fluorescente estando há vários metros de distância naquela madrugada escura, não tinha sombra nenhuma pela primeira vez em muitos anos.
Jungkook se sentiu meio idiota. Mais do que isso, se sentiu um canalha. Tinha pensando tantas coisas daquela garota com o passar dos meses desde que a conhecera, feito tantas pré-suposições, uma pior que a outra, mesmo depois de ter cogitado que ela tinha algum motivo pertinente para ser tão inabalável.
Depois de um tempo, Jungkook teve certeza que não viera de lugares que ele pensou que viera, mas não chegou a imaginar… Isso. Não chegou a imaginar que as coisas poderiam ser piores do que pensou; e mais do que isso, não chegou a pensar que os poucos sorrisos que captava daquela garota eram tão corajosos contra toda uma realidade. Ela nunca nem estava triste.
Ela não quebra fácil. Como nada era capaz de atingir essa garota?
Porque ela já tinha sido atingida por coisas maiores e mais graves do que uma celebridade de merda descontando o seu coração partido em Deus e o mundo.
Meu deus, como ele era idiota! Essa era apenas a primeira das coisas de uma imensa lista que passaria a vida para compensá-la.
Quando viu que os ombros dela estavam prestes a murchar um pouco, ele passou um dos braços ao seu redor, puxando-a para mais perto sem dizer uma palavra, que não eram necessárias. A cabeça de tombou em seu ombro e os dois se viraram para o horizonte.
— Como eu não sei de metade das coisas que você passou… — disse ele, em voz baixa, apoiando o queixo em sua cabeça — Posso só dizer que você se saiu muito bem. Sobreviveu com louvor, conquistou seu espaço. Seu pai estaria orgulhoso de você, .
Ele a escutou suspirar forte, provavelmente se segurando em todas as forças que podia para não soluçar, mas ele não se viraria para verificar. Não era algo que queria ver, de qualquer maneira. Em contrapartida, rapidamente se recuperou, soltando uma singela risadinha para substituir o momento triste, sem querer dar sopa para o azar de abrir o berreiro na frente de Jungkook.
— Ele gostaria mesmo de me ver tirando fotos de rockstars? — brincou, fazendo Jungkook estalar a língua. fantasiou por um momento que o tempo havia voltado e ela tinha começado a fazer perguntas ao pai sobre a câmera que carregava por aí, e a resposta certeira dele só poderia ser uma: isso serve pra guardar seus momentos preferidos, . É uma pausa no tempo que vai durar pra sempre. Não desperdice suas pausas com qualquer coisa, ou qualquer pessoa.
Pensando agora, ela tinha desperdiçado bastante suas pausas, quase todas elas, em busca de uma subsistência, porque flagrar Orlando Bloom exibindo um dedo do meio na saída da Starbucks não era algo que ela gostaria de guardar para sempre.
Mas, ao mesmo tempo, percebeu porque nunca gostou de fotografar pessoas para sua coleção particular. Talvez tenha levado esse recado do pai muito a sério. Talvez seja por isso que só tinha fotos com Candice no seu pequeno acervo pessoal. Talvez seja por isso que notou como estava presa em seu próprio medo de se apegar. Do medo de que as coisas desaparecessem, ou do medo de que não a amassem.
— E se me permite dizer… — Jungkook quebrou o silêncio, raspando os dedos por seus ombros — O amor é muito mais bonito do que o que foi mostrado para você. É intenso, é cego, irracional na maior parte das vezes… Mas não é pra te deixar mal. Ele não existe pra isso.
quis abraçá-lo. Quis dizer que não entendia direito sobre aquele assunto, não entendia absolutamente nada sobre relacionamentos, mas que se gostar de alguém significava aquela vontade de abraçar que estava tendo agora e o desejo de ficar naquela posição com ele a noite inteira, poderia ser o que estava acontecendo no momento.
Um gostar sem desespero. Sem querer ser uma pessoa diferente. Sem querer agradá-lo. Apenas um gostar, algo genuíno do fundo do coração que transcendia a atração carnal que sentia por Jungkook desde uma época que mal se lembrava.
Queria beijá-lo também, em vez de ter aquela conversa. Queria falar sobre o clima e sobre as aulas que iria fazer no próximo semestre. Quando olhou para cima para olhá-lo de novo, podia sentir que ele queria a mesma coisa, mesmo que uma sombra nas pálpebras indicasse que talvez ele estivesse a um passo atrás de coragem do que ela.
Mesmo assim, quando lhe lançou um sorriso tão perto de seu nariz, parecia que o rosto dela nunca iria parar de queimar.
O que era aquilo? Tinha acabado de admitir que gostava dele?
— Vamos voltar — disse ele, em voz baixa e fluida, sem uma pergunta. assentiu na mesma hora, sem perguntar para onde, para qual casa, sem perguntar se poderia mesmo beijá-lo, sem perguntar por que raios eles não poderiam parar com aquele jogo idiota de sexo quando queriam adicionar beijos e sentimentos na roda?
Meu Deus. Ela queria adicionar beijos e todos os sentimentos do mundo na roda! Tinha certeza absoluta disso, mais do que nunca.
Mal sentiu quando ele afastou ligeiramente seus braços, se levantando devagar do banco.
— Só preciso fazer uma coisa antes.
E então, Jungkook caminhou direto para o lado direito do parapeito, há alguns metros de um pilar de aço com escrituras chinesas da era Joseon, onde uma pequena escadaria se inclinava para um espaço aberto, sediando uma visão ainda mais magnífica da metrópole. Ele caminhou até a extremidade, onde um cinturão de grades era revestido de centenas de milhares de pequenas faixas entrelaçadas umas às outras, balançando com o vento da altitude, exibindo desejos e orações amarrados com fios vermelhos.
Jungkook colocou uma mão no bolso de trás, tirando de lá o que tinha recebido do segurança lá embaixo, que ainda não conseguia identificar o que seria. Era mais uma fitinha, muito parecida com as outras, a qual ele mirou por um instante antes de fazer um nó em uma das pontas e, então, incluí-la no bolo de fitas, amarrando-a junto de suas semelhantes com um fio vermelho.
Ele permaneceu um bom tempo parado ali depois de terminar, talvez para repetir uma oração conhecida e fazer tudo como manda o figurino.
Quando voltou, estendeu a mão para e disse com a voz cheia de carinho:
— Vem. Vamos ouvir um pouco de drunk paparazzi.
E ela agarrou seus dedos de volta como resposta, sabendo com toda certeza de onde vinha o bater descompassado de seu coração.

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— O que estamos fazendo aqui?
Ali não temeu nem por um segundo soar um pouco dura demais. Não havia motivos pra isso. Aquela ruiva tinha dito coisas ridículas e manipuladoras para fazê-la sair do hotel e se sentar naquele banco desconfortável de uma cafeteria qualquer porque aparentemente tinha coisas boas a dizer.
Hilary suspirou, um pouco surpresa pela abordagem. Ali tinha acabado de chegar, assim como os expressos; dois copos com muito chantilly e decorados com uma cereja por cima. Ali torceu o nariz diante dos pedidos. Aquilo lhe soava totalmente como enrolação.
— Não estamos aqui pra matar o tempo — disse Hilary.
— Ótimo. Eu ficaria bastante chateada se fosse por isso — respondeu Ali. Os óculos escuros ainda continuavam no rosto, mas ainda assim, Hilary conseguiu vê-la pressionar os olhos por trás deles impacientemente — Desembucha.
A garota olhou para baixo e se contentou com apenas uma golada básica de café. Não era assim que pretendia ser recepcionada por Ali Dalphin, mas no fundo o que ela esperava realmente? Tinha visto com toda a clareza do mundo a reação que a mulher havia tido na sala de seu chefe, há dois dias atrás.
— Eu sei que você quer saber das fotos…
— Ah, por favor — Ali riu com perplexidade. — Por favor, não diga que me ligou pra tentar me vender alguma história. Não. Aceitei de bom grado sair daquela espelunca sem isso, porque não quero mais saber sobre isso. Aquelas fotos causaram estragos demais na minha vida, coisas que vocês não fazem nem ideia e que vou precisar me esforçar pra que não voltem a acontecer. Agora, se não se importa…
— Ali, não fui eu que tirei aquelas fotos.
Por um momento, o silêncio estabelecido foi desconfortável, como se Hilary tivesse passado uma faca bem em cima das próximas palavras de Ali sem o menor respeito.
Então a francesa disse, com os olhos vagando pelo rosto da outra:
— De que merda você tá falando?
— Eu disse…
— Acha que eu tenho tempo pra vocês ficarem me confundindo? — interrompeu ela, com uma voz mais normal — Tenho um voo para Lyon daqui há 3 horas. Só quero voltar a pensar na minha vida. Que direito vocês acham que tem pra ficar me falando mentiras a essa altura do campeonato?
— James não mentiu pra você. Eu realmente entreguei sua foto e do Jungkook pra ele publicar. Mas não apertei o botão de disparo da câmera, e não invadi o maldito VMA pra isso.
Ali mordeu o interior da bochecha, segurando a vontade de agarrar na gola alta horrorosa daquela garota e pedi-la para explicar detalhe por detalhe da grande confusão que estava contando.
— Ah. Que legal. Obrigada por me contar — disse ela, irônica, tentando parecer indiferente. — Então está me dizendo que você fez um serviço de delivery exclusivo para capas de revista? Que o crédito dessa grande produção foi todo pra você, quando você na verdade não fez nada? — Ela riu com ceticismo — Quer dizer, isso é ridículo, isso…
Ali parou de falar quando viu o rosto da garota abaixar para o tampo da mesa, direto no líquido negro do café, que ia se esfriando gradativamente à medida que o sangue de Ali começava a ferver. Ela não era boa em observar pessoas, mas Hilary não tinha exatamente uma expressão que queria esconder algo. Havia vergonha e arrependimento naquelas bochechas coradas, tanta vergonha – ou raiva, seja lá o que fosse – que a fizeram confiar a Ali uma informação daquelas.
Com os dentes trincados, porém ainda cautelosa, Ali inclinou o corpo sobre a mesa, falando entredentes:
— De que. Merda. Você está. Falando?
Hilary se encolheu no banco com o tom, mas se sentiu aliviada. O semblante confuso de Ali dizia que ela estava disposta a escutar, ou exigindo isso.
— Eu… Eu tinha uma colega na revista. Era uma estrangeira, não nos falávamos muito bem, e ela era muito melhor do que eu, o que me irritava porque James sempre a privilegiava com as melhores demandas e tudo isso. A empresa estava no vermelho, e James nos deu uma proposta…
— Sei, sei — Ali interrompeu, apressando-a em um tom ácido antes que desistisse daquela ideia idiota de ceder tempo para aquela garota — Já sei do desafio ridículo de quem se intrometia na vida alheia primeiro.
— Isso — Hilary respondeu, assentindo. — Bom, tínhamos que ir ao VMA, mas eu não tinha nenhum plano. Estava numa fase em que fui perdendo tudo: meus contatos em outras revistas, acordos com staffs e seguranças das principais celebridades, que me informavam de todos os seus passos, e decidi pedir ajuda ao outro cara da redação que era bem conhecido no mundo do entretenimento. Phil Dickson, o nome do idiota. Ele é um babaca com quem dormi quando comecei a trabalhar na LA Parker, mas bem, ele tinha dormido com todo mundo. Mas essa garota… ele tinha algo diferente com ela, ou era apenas ego ferido por ter sido a única que o rejeitou, mas quando fui pedir sua ajuda, fui informada que ela tinha chegado primeiro e recebido seu socorro. Ainda me contou como se sentia em relação à ela, em relação à proposta de James e deixou claro que todo o histórico dela desbancaria o meu na mesma hora. Eu sabia disso. Sabia que James a escolheria, independentemente da capa que trouxesse — Hilary engoliu em seco e voltou a fitar a mesa. Quando tornou a encarar Ali, não havia mais aquele arrependimento que tinha demonstrado antes. Havia apenas raiva; e um certo lampejo de vitória — Então roubei o trabalho dela.
Ali não soube o que dizer. Não iria censurá-la por isso; não era tão hipócrita assim. Alison Dalphin também já tinha roubado coisas de pessoas aos 21 anos, e sentido uma verdadeira euforia com o que poder e status proporcionavam, mas aquilo ainda não era o que queria saber.
— Que bonito — ironizou ela, recostando-se para trás. — E ela ficou sem nada?
— Primeiro, troquei a bateria da câmera dela por uma prestes a descarregar. Esperava que se ela não conseguisse nada, podíamos voltar empatadas e James repensaria a proposta. Mas então, quando vi a câmera dela dando sopa de novo depois do evento, vi que ela tinha conseguido um bom material. Era melhor do que eu pensei, do que esperei. Sua foto com Jungkook. E aquela tonta conseguiu isso com uma bateria defeituosa — agora outro lampejo de raiva cintilou nos olhos taciturnos de Hilary. Raiva da outra. Raiva de sua derrota — Ela era como a Madre Teresa, sempre vivendo em cima das regras da empresa, e mesmo quando decidiu ser um pouco mais radical, ainda assim fez um flagrante incrível que eu jamais faria.
Ali balançou os pés por debaixo da mesa. A conversa estava se estendendo mais do que imaginou. Sentia uma mão invisível querer sufocá-la, porque engolia várias perguntas de uma vez, inconformada por ainda estar sentada naquela cafeteria, ouvindo aquela garota.
— Ok. Você não tirou a foto, mas foi a responsável por fazê-la chegar ao mundo. É tão culpada quanto — ela constatou, dando de ombros. — É pra isso que me procurou? Pra me fazer aliviar o seu peso na balança?
Hilary sorriu pesarosamente, não soando muito verdadeiro.
— Só queria que você visse o quando James é um mentiroso.
— E por que tá entregando seu querido chefe agora? Você ainda tinha uma boca cheia de dentes e histórias pra contar quando pisei naquele lugar.
— Porque ele tentou me vender pra você — admitiu ela, com outro clarão de ódio, um que nasceu de uma raiva frustrada, culminada em uma vingança infantil e cheia de mágoa — Aquele desgraçado tinha prometido que nunca mais tocaria no assunto dessa foto. Mas desde que contei a verdade pra ele, que sabotei o trabalho daquela vaca e que a fiz ser demitida porque sabia que ele a escolheria, James passou a me tratar diferente. Fui promovida, ganhei honorários, consegui novos contatos, mas sinto que me transformei em alguém completamente substituível pra ele. Que, no fim, meu destino vai ser o mesmo que o dela: a demissão. E ele estava prestes a revelar o meu nome pra você naquele dia, mesmo sem saber o que você faria.
— Minha nossa — Ali riu com descrença, se sentindo um tanto enojada. — Essa é uma história difícil mesmo de resumir. Sinto que você é muito mais fodida do que eu, pra aceitar se sujeitar a dormir com aquele nojento que só pensa no dinheiro e ainda por cima não consegue esquecer a outra. Assim como seu outro amiguinho que não quis te ajudar por causa dela — o deboche nítido veio acompanhado de um sorriso aberto. A raiva de Hilary agora estava sendo direcionada para ela. Ali não estava nem aí, e se inclinou para o meio da mesa para sussurrar: — Mas já que teve coragem o suficiente de me chamar aqui pra abrir a boca, pode me dizer o nome dessa desgraçada que pode até não ter colocado a boca no trombone, mas teve a coragem estúpida de invadir o camarim do Jungkook, tirar aquelas fotos e ainda agredi-lo para sair correndo. Ela deve ser uma das piores paparazzi de todo o país por ter feito algo tão amador, mas sacie a minha curiosidade, Hilary. Vamos, qual é o nome dela?
Hilary tentou não encará-la com desdém, mas já era tarde. Ali Dalphin estava claramente se divertindo às suas custas, fazendo-a falar e falar, sem acreditar em nada. Mas ao mesmo tempo, Ali emanava uma posição de poder e intimidação, mesmo que aparentemente fosse apenas um rostinho bonito que posava de lingerie; a mulher também dizia, em cada movimento dos olhos e boca, como não perdia tempo tendo escrúpulos para conseguir o que quer.
E gente assim era um tanto imprevisível. E imprevisibilidade e perigo eram quase a mesma coisa.
— Tudo bem — Hilary disse sem desviar o olhar, os lábios pressionados de nervosismo — O nome dela é . Trabalhou conosco durante 3 anos. Veio do Brasil, Colômbia, ou sei lá qual país latino. Tinha uma melhor amiga que era redatora da revista, mas depois da demissão, não faço ideia de onde as duas foram parar. não tem rede social, e não tem telef…
Ali paralisou em cima do banco de couro do estabelecimento. Tinha ouvido menos da metade das palavras de Hilary, por mais que a boca da garota continuasse a se mexer. Seus ouvidos foram vedados antes, quando ouviu as palavras .
Ela tinha certeza de ter ouvido aquele nome. Um nome incomum e familiar.
Um nome que ela conhecia. Um rosto amigável que era sinônimo de acolhimento, um rosto que a humanizou como uma pessoa normal do outro lado do mundo.




Impossível.

⏩️⏩️⏩️


Começar uma vida nova no meio de um caos era o oposto do que a internet queria para Ali Dalphin, o rosto popularmente conhecido no mundo da moda e, agora, reconhecido no mundo inteiro.
Os tabloides eram os mesmos: “Alison Dalphin: quem é a namorada de longa data de Jeon Jungkook, o astro do BTS?”
Talvez a grande maioria da Universidade de Seul não quisesse realmente saber disso, já que só o que importava era a ligação que o nome trazia. Do dia para a noite, andar pelos corredores dos prédios do campus lhe dava a sensação agitada de uma seringa de adrenalina. Os cochichos eram intermináveis. As denúncias de assédio também começaram a se acumular na mesa do fórum.
Mas Ali permanecia firme, ignorando todas as picadas que as pessoas irresponsáveis com palavras soltavam por aí, a maioria não sendo exatamente maldosa, mas curiosa demais e irritada demais por não obter respostas. Ela só queria ter uma vida normal. Pelo menos, um curto período de tempo de vida normal.
Sua expectativa de normalidade não incluía invadir o banheiro no começo da manhã, fingindo uma alergia qualquer antes de entrar na sala oval, para se olhar no espelho largo e ver olhos vermelhos e um nariz queimando por causa de… Por causa de pessoas que nem a conheciam. E que ela muito menos os conhecia. Já fazia mais de 2 semanas que a notícia tinha saído, e não houve um dia sequer em que Ali não escutava os dedos apontados e os julgamentos que nem faziam sentido! As pessoas eram a sua alergia.
Ela chorou mais um pouco, um tempo particularmente longo, sem se lembrar de onde estava. Era um choro silencioso, contido, apenas ela e sua imagem no reflexo, deixando as lágrimas de raiva rolarem pelo prazo que quisessem, deixando a careta se intensificar e se livrando dos óculos escuros para que se entristecesse livremente. Tirou a bolsa que guardava a câmera nova dos ombros, a que tinha comprado para o curso, a melhor delas, a câmera que Jungkook havia indicado – porque estava ali para entrar no mundo dele, dissera ela. Entrar no mundo dele por um ano sabático, porque ele já tinha feito tantas coisas por ela, já tinha se dedicado em situações que ela não se via tão disposta a ser recíproca.
Que droga, ele era perfeito. Sempre tinha sido. Não havia um pensamento ruim sequer sobre Jeon Jungkook em todo aquele relacionamento. Mas por que, naquele momento, Ali sentia tanta raiva de ser sua namorada “sortuda”? Se aquelas pessoas da internet o conheciam tão bem assim, não deviam estar chamando-a desse jeito em vez de vadia e outros xingamentos terríveis?
Merda de internet. Merda de foto. Merda de fama. Merda de bandas, passarelas, músicas, câmeras, merda de…
— Você vai molhá-la — uma voz veio da porta de entrada. Ali se virou repentinamente para ela, encontrando uma garota parada com os olhos grudados em um ponto abaixo do espelho.
Ali engoliu em seco e viu. A bolsa com a máquina estava bem dentro da cuba, onde a torneira liberava pingos grossos de água, que batiam bem em cima do tecido fino.
— Merda — ela trincou os dentes, alarmada, fechando a corrente de água. Não tinha causado grandes estragos, mas a possibilidade disso já a deixou cheia de arrependimento.
Ela sentiu a presença da garota chegando perto enquanto abria a bolsa. Os olhos da estranha estavam cravados na câmera, como se quisesse atestar que o objeto estava mesmo bem, porque era precioso demais pra isso. Quando viu que ela estava guardada por uma Queenser em formato de estojo, pareceu relaxar e finalmente erguer o queixo para cima, na direção do rosto da garota alta e loira.
O nariz vermelho entregava tudo, mas as lágrimas ainda molhadas nas bochechas não precisavam de explicação. Ali notou sua inspeção e desviou o rosto rápido, secando as lágrimas com as costas das mãos e se sentindo ridícula, desejando que a desconhecida encontrasse um ninho de marimbondos no chão para fazê-la esquecer do que viu.
— É… Sinto muito se te assustei — ela disse em um inglês fluente, puxando um sotaque leve de alguma região da América do Sul — Sou um pouco obcecada por cuidados de câmeras e não notei que você tinha uma Queenser. Se tivesse visto, não precisaria me preocupar. Essa é uma Canon Rebel?
Ali piscou os olhos, um pouco aturdida pela pergunta sobre câmeras e não sobre “por que você está chorando a essa hora da manhã?
— Ah… É, uma Canon Rebel T100. Eu acho.
— É, vi algumas Canon nas aulas iniciais do curso de Fotografia, mas eram todas do modelo 6D Mark e precisei me segurar pra não dizer que estavam começando pelo mais difícil. Você é a única com um bom início — com um sorriso de canto, a garota baixou os olhos para a bolsa em volta do tronco e casualmente puxou um lenço simples e sutil do bolso da frente, estendendo-o para Ali de forma envergonhada — Aqui. Não queria te interromper. Já estou de saída.
Ali aceitou o lenço sem notar. Quando viu as costas da garota se afastando, logo chamou:
— Espera — disse ela. A garota parou e se virou — Você é da turma de Poéticas Visuais, não é?
Ela assentiu, com outro mísero sorriso. Ali agora se lembrava daquele rosto claramente; não que tivesse algo realmente marcante a ser lembrado, mas porque era uma das poucas estrangeiras como ela na turma, e que se ocupava apenas em se sentar na frente e fazer anotações ainda em caneta e papel, contrastando com a quantidade absurda de iPads e notebooks espalhados pela sala.
Mas Ali notava outra coisa nela: o conhecimento. Sabia que não eram da mesma turma, mas também sabia que câmeras eram 100% o território sagrado daquela garota.
— Sou da pós-graduação. Preciso pegar umas matérias optativas, e optei por Poéticas Visuais.
— Você fez fotografia? — perguntou Ali. A garota assentiu de novo — E… Acha que eu consigo aprender como essa coisa funciona? Ou tirar fotos é coisa de quem tem talento e pronto?
A garota trocou o peso de uma perna para outra, soltando um suspiro sossegado, mesmo diante do nítido nervosismo de Ali. Ela percebeu, naquela hora, que nunca tinha tido coragem de fazer aquela pergunta em voz alta, pra ninguém, nem mesmo para Jungkook. Que pensava, genuinamente, que nunca seria capaz de tirar fotos como ele, ou fazer parte daquele mundo dele porque não conseguia olhar para árvores e enxergar algo mais. Não conseguia transformar sua panorâmica em um quadro de respeito.
A garota se aproximou a dois passos e continuou sorrindo de canto.
— Olha, eu não acredito em dons. Acredito em vontade e esforço, e um pouquinho de romance. Fotografia, escrita, desenho, oratória, poses… tudo isso é técnica. Nossos interesses nascem quando a gente não sabe nem falar ainda, e as pessoas chamam isso de predisposição, mas não tem importância… Sua dedicação importa. E você é a única responsável por isso, então é claro que acredito que você consegue aprender.
Ali ficou em silêncio enquanto a olhava. No fundo, ainda esperava uma pergunta, algo como “ah, e está tudo bem com você? Estamos no campus e você está chorando no banheiro, e nem é fim do semestre ainda” mas a pergunta não veio. Mesmo que a garota olhasse em seus olhos por míseros segundos, desviasse como se estivesse constrangida pela ousadia de falar com ela e até mesmo aconselhá-la, só serviu para deixá-la ainda mais gentil na visão de Ali.
Sentiu uma simpatia surreal por ela quase que imediatamente. E, quando viu, já estava estendendo uma mão, tentando abrir um sorriso fraco.
— Sou Ali Dalphin.
A garota olhou para a palma estendida antes de subir os olhos para a modelo, dando outro sorriso compreensivo, como se deixasse claro que sabia quem ela era, porque só uma abelha presa em um casulo não saberia.
Mesmo assim, apertou sua mão com afeição e respondeu:
. Prazer em conhecê-la.


To be continued...

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