Finalizada em: 25/01/2015

18.

Pray to your god, open your heart, whatever you do don't be afraid of the dark. Cover your eyes, the devil's inside…

abriu os olhos na penumbra de um quarto confortável em sua quentura e esfregou os pés, puxando mais o edredom para o pescoço e as mãos, suspirando enquanto se virava. Lentamente, enquanto suas pupilas se acostumavam com a pouca luminosidade, ela começava a ver os dois pontos olivas brilhando no escuro, no canto do cômodo, próximo da porta.
Franzindo o cenho, ela não conseguia se lembrar muito bem do que tinha acontecido. se esticou, sentindo dor nos músculos, e acendeu a luz do abajur posto na mesinha de cabeceira, encolhendo os olhos, sentindo as têmporas e a testa palpitarem. Quando virou novamente o rosto para o par brilhante de esmeraldas, ela viu Richard e não conseguiu segurar um grito na garganta. Em um impulso, encolheu as pernas e puxou o edredom para perto dos ombros, como uma criança.
Aquilo o fez rir tão malicioso como quando ela tentou se defender com um caco de vidro.
— Não se assuste comigo aqui — disse ele, sussurrando, levantando da poltrona.
Richard não tinha nenhuma cicatriz nos ombros e no pescoço. Diferente de como deveria estar, parecia ainda mais perfeito, com a beleza ainda mais impecável — a pele que cobria seu corpo estava ainda mais brilhante e revigorada, assim como o resto de toda sua aparência.
— Estou cuidando de você — completou, espalmando a mão no colchão, que afundou com seu toque pesado. Ele sorriu maliciosamente pelo canto alaranjado de seus lábios, e, desviando o olhar, percebeu louças empilhadas no divã próximo da janela.
Ela estava em uma dieta de carne vermelha quase crua, muito ferro e vitaminas que a fizessem melhorar logo, ficar mais forte e resistente, já que Lilith não podia contaminar seu sangue com os de outros amaldiçoados ou de outras criaturas sobrenaturais. Ela selou seus cortes e esperou três dias e quatro noites, até que a quantidade certa estivesse correndo pelas veias novamente. Com o sangue individualizado e mais poderoso, a recuperação — e a intensidade de poder que um demônio recebe, a ingerir seu sangue — é muito mais rápida.
Quanto a Richard, o fez jurar lealdade em troca de sua sobrevivência — mas, mesmo assim, agora ele era um demônio desalmado, incapaz de possuir outros corpos ou entrar sua forma original, mas ainda era dotado de todas suas habilidades de demônio.
Assim que chegaram à mansão, a sala estava repleta de corpos humanos, alguns ainda vivos. Lilith ainda estava consumida em ódio — de , agora, por permitir a sobrevivência de Richard — e não via jeito melhor de saciar sua fome que matando virgens, além de melhorar sua impecável aparência.
Ela estava sentada no sofá quando eles abriram a porta, segurando uma Cascavel gigantesca enrolada em seu braço esquerdo, acariciando a cabeça com o dedo indicador como se fosse um filhote de gato, olhando fixamente para o fogo com a boca, o queixo e o colo sujos de sangue.
O barulho da madeira queimando e de algum humano gemendo em agonia foi a única coisa que ouviram assim que a porta bateu.
carregava e Richard se esforçava para continuar acompanhando a corrida extremamente rápida do mais velho. Ele sequer deu atenção à mãe quando viu a extrema sujeira que ela havia feito — apenas subiu com a garota para seu quarto e tratou de fechar seus cortes, esquentá-la e reanimá-la.
Richard ficou parado à porta, com a boca aberta e o corpo imundo em preto. Quando Lilith — impecavelmente perfeita, em uma forma insana, virou-se e o encarou, ele ficou petrificado, encarando-a de volta, em um respeito que não coube em seu corpo — ele se ajoelhou, apoiando a testa no chão. Lilith moveu apenas os olhos, arqueando uma das sobrancelhas com um quê de nojo.
— Tu estás sujando meu chão — disse com a voz tão suave que mal passou de um cantarolar.
— Perdão, minha rainha — respondeu, colocando-se de pé com dificuldade.
— Alimente-se — ordenou, tornando a olhar o fogo. A cobra levantou a cabeça e esticou a língua para fora. — Não quero ter de encarar-te horrendo todos os dias e lembrar-me da desgraça que me causaria caso tivesse matado minha preciosa amaldiçoada por extrema deficiência intelectual — ele não soube como responder.
Em vez disso, se jogou no chão novamente em busca de algum corpo que ainda tivesse sangue. Talvez por escolha, o único restante era o que se encontrava aos pés de Lilith. Richard ficou de joelhos e tomou o pescoço do velho padre pelos dentes, sugando-o com tanta força que seu pescoço ainda machucado doeu. O dedo do pé dela tocou a testa dele, de modo que, ainda com a boca presa no pescoço do homem, ele subiu os olhos para encará-la. Lilith baixou o tronco, olhando-o profundamente nos olhos; a cobra se enroscou mais em seu braço, subindo por seu ombro até seu pescoço, tocando seus aveludados cabelos, indo para o outro braço, enrolando-se ali como se fizesse parte de seu corpo.
— Tua alma pertence a mim agora; se quiser tê-la de volta, jure lealdade a mim.
— Eu juro lealdade a ti, minha rainha, mas não somente pela alma. Será sua, se quiser tê-la — ele beijou os pés dela e, após o segundo roçar de lábios, ela puxou a perna para que não houvesse outro contato.
— Tuas palavras não me valem absolutamente nada — disse de forma óbvia, até um pouco ríspida, e franziu o cenho, negando com a cabeça. — Preciso de algo mais valioso que isso.
— O quê? — ele rasgou a blusa do homem e abriu um buraco em seu peito, começando a comer seus órgãos. Lilith passou os olhos nas feridas dos ombros de Richard, vendo a pele cristalina tornar a nascer. Uma ponta de ódio eriçou seus pelos.
— Preciso — ela pigarreou, tornando a encostar o tronco no sofá — que sirva-me favores, vários deles, e só então saberei se valerá a pena ter-te perto o bastante de mim. Terei de saber se tu és de confiança, criatura infeliz.
— Claro — assentiu ele, enquanto mastigava de boca aberta um ventrículo —, e qual seria o primeiro deles?
— Preciso que encontre-me alguém.

já se sentia mais forte quando a madrugada começou a colorir o céu de ameixa, onde as nuvens tornavam-se gordas de água, anunciando que mais para frente uma forte chuva cairia. Depois de anunciar o porquê estava ali, Richard não abriu mais a boca nem para respirar. Parecia petrificado, com os olhos grudados em todos os mínimos movimentos da garota que, agora, estava sentada com as pernas cruzadas, segurando um copo pela metade de suco de beterraba com cenoura. Quando esticou o braço para colocá-lo na mesa de cabeceira, Richard se levantou com pressa e o fez por ela. o lançou um olhar feio, com o cenho franzido, e logo abriu a boca para contestar aquele tratamento ridículo.
Mas algo a fez calar-se e olhar em direção à porta. Um grito agudo, de pavor, que vinha do andar de baixo. Quando tornou a olhar Richard, ele sorria daquela forma diabólica e doentia que ela tanto desgostava.
empurrou o grosso e pesado edredom para fora do corpo e se colocou de pé, sentindo a cabeça pesar, fazendo seu frágil corpo cambalear; depois, as mãos de Richard estavam presas em sua cintura, dando apoio para ela caminhar.
— O que quer? Eu pego para você — ele começou a virá-la de volta para cama. — Lilith foi bastante clara quando ordenou que você não levantasse.
— Eu preciso caminhar um pouco... — disse. — Fazer o sangue circular.
— Você só quer saber o que está acontecendo lá embaixo — ele riu fraco, próximo de seu cabelo sujo pelos dias que passou amassado contra um travesseiro, fazendo-o balançar para frente de sua bochecha. — Não acho uma ideia sensata.
A garota gritou de novo e um móvel caiu bruscamente no chão.
Por favor, não! — ela gritou.
— O que estão fazendo? — indagou , com uma pontada de agonia beirando a voz. Ela se esticava para a porta, sentindo as mãos de Richard tão bem presas em sua cintura que pareciam parte de sua pele.
Servo! — a voz de Lilith ecoou na casa e teve a impressão de que as paredes tremeram; depois, tudo ficou estranhamente quieto, de forma que ela pudesse escutar os gemidos de dor e pavor da garota que ainda estava viva no andar de baixo.
— Parece ser seu dia de sorte — disse ele, sorrindo. — Não posso deixá-la sozinha quando desperta, então terá de vir comigo.
Richard segurou o pulso de com uma delicadeza que não o pertencia, trazendo-a sem dificuldade para o corredor, até o alto da escada. Ali, ela parou e não conseguiu mais caminhar sem que ele a puxasse.
O queixo de caiu em horror e seus olhos ficaram petrificados no desespero daquela imagem de carnificina.
estava com os punhos fechados, sem blusa, com a respiração extremamente ofegante e um sorriso mole no canto dos lábios, embora ainda com o cenho franzido; ele pisava no pulso de uma garota de cabelos pretos, que ainda parecia viva, piscando lentamente, encarando-o fundo nos olhos, com a boca aberta e o pescoço completamente rasgado.
No chão de madeira havia tantos corpos que não foi capaz de contar — e nem sequer quis saber a quantidade certa. Lilith estava com o cabelo ainda mais vermelho, a pele ainda mais clara e o rosto ainda mais perfeito. Quando ela se virou, a encarou fundo nas pupilas extremamente pretas, tomadas em seus olhos — e então o demônio sorriu de uma forma quase educada, caminhando, passando pelos cadáveres como se fossem galhos, pulando docemente seus braços, fazendo-os rolarem quando a ponta de seus dedos dos pés tocavam suas peles mordidas. Ela juntou as mãos ensanguentadas na altura da cintura — no mesmo momento em que , com o queixo sujo de sangue, o subiu para encarar somente de camisola ao lado de Richard no topo da escada — e parou no meio dos degraus, encarando com os olhos arqueados.
— Minha preciosa amaldiçoada — disse ela, tão suave como um anjo, encarando a alma de , de tão profundo que a fitava. — Vejo que está sentindo-se forte o bastante para pôr-se de pé daquela cama — ela sorriu, mostrando os dentes sujos de vermelho.
— Ela estava curiosa pela gritaria — acusou Richard, recebendo um olhar gélido de Lilith, que sumiu seu sorriso lentamente, enquanto girava o queixo em sua direção. O calor que sua pele irradiava, quando ela o olhou, simplesmente desapareceu.
— Chamei-te porque tua carne já está servida — disse ela, tão mais grosseira do que havia sido com . — Eu e minha prole já estamos devidamente alimentados. Tu já podes servir-te dos restos.
Ele agradeceu, abaixando a cabeça em uma reverência, então desceu a escadaria e procurou algum corpo que restasse sangue.
acompanhou com os olhos enquanto ele, como um abutre, caçava a carniça que se alimentaria. Todas aquelas pessoas mortas ali e apenas encarando como reagiria...
Ele chutou o pulso da garota — que agora já estava morta — e caminhou ainda com os punhos fechados para o outro lado da sala. , ainda acompanhando com os olhos, notou que havia sobrado uma garota — uma criança que não devia ter mais de dez anos.
— Pensei que vocês só podiam se alimentar dos virgens que já haviam provado da luxúria, que já havia, no mínimo, pensado nela... — disse ela, tentando desviar os olhos da criança, que começava a chorar percebendo caminhando em sua direção. Lilith subiu uma das sobrancelhas, piscando pesado.
— Sim...
— Vejo crianças aqui...
— E...? — ela moveu a cabeça. — Não nos alimentamos somente para ficarmos jovens. Sentimos fome, também — ela moveu o queixo e viu o que via. Então abriu um sorriso e se virou. — Querido filho — se virou. encarou a menina se encolher e a escutou chorar de medo. — Traga-me a criança que se esconde atrás do móvel.
desceu as escadas com pressa, sentindo os cortes arderem e a cabeça pesar. sorriu diabolicamente e assentiu, correndo para trás do sofá, agarrando a criança pelos cabelos, puxando-a para fora dali. escutou seu grito assombrado, depois o choro esganiçado e seus vários pedidos de misericórdia.
Não faz isso! — gritou , chegando à madeira da sala, próxima demais de todos aqueles cadáveres. Ela respirava com a boca aberta, sentindo-se enjoada. Quando tentou desviar os olhos daquelas pessoas mortas, viu Richard se alimentando, sugando o sangue de alguém, depois comendo sua carne para matar sua fome. Quando se virou para trás, viu o sorriso insanamente doentio e malvado de Lilith, que se alimentava daquele medo, tanto de quanto da criança. — , não faz isso! — ela se virou para o demônio mais novo, com os olhos marejados, encarando-o de uma forma que nunca o tinha visto. Ele negou com a cabeça.
A garota chorou mais, sentindo também dor por estar pendurada pelos cabelos — mesmo estando na ponta dos pés, ela não conseguia tocar o chão.
— Ela é só uma garotinha! — implorou , sentindo uma lágrima cair de seu olho.
— Eu não ligo — disse . — Eu nem me fodo para o que essa garota é, para o que ela foi ou para o que ela vai ser um dia — ele olhou para Lilith, que ergueu o queixo, com a sombra de um sorriso no lábio. — E sabe por quê?
— Por favor, , não faz isso! Deixe-a viver!
— Porque eu sou o filho de Lilith e não tenho humanidade dentro de mim.
Então num movimento brusco, ele jogou a garota contra a parede com tanta força que sua coluna quebrou, silenciando seu choro e seus gritos. Ele ficou encarando , sem olhar a mãe uma segunda vez. Virou-se e seguiu para fora da casa, deixando-a sozinha, chorando, completamente apavorada com o novo mundo que se encontrava presa, sem mínima escapatória.

Quando já era quase de tarde, permanecia trancada no quarto, com os olhos inchados e o rosto ainda vermelho, coberta até metade da barriga, com um prato cheio de carne e um copo pela metade com suco de beterraba e cenoura.
Ela não tirava a menina da cabeça.
Qual era o nome dela? Ela tinha mãe? E como essa mulher deve estar se sentindo agora, procurando a menina que nunca mais será encontrada?
virou o rosto e fechou os olhos quando ouviu o estalo da porta — não se interessou em saber se era Richard ou , já que percebeu um peitoril branco e nu.
— Você tem que se alimentar — disse . Ela respirou fundo, sentindo o estômago embrulhar. Ele trancou a porta.
— Não estou com fome.
— Por que está se sentindo tão mal por aquela garota, ? — disse ele, franzindo o cenho, caminhando em direção a ela.
— Porque eu sou humana — ela abriu os olhos quando sentiu a cama afundar. — O que pensa que está fazendo? — ela indagou com um quê de fúria na voz quando sentiu a mão dele tocando sua panturrilha, subindo para sua coxa coberta por uma legging preta. franziu o cenho e puxou a perna, assistindo um sorriso sujo aparecer na boca do demônio perfeito, iluminado pelo céu azul turquesa da gigantesca janela ao seu lado esquerdo.
— Te consolando... — ele soltou uma risada nasalada, inclinando o tronco para ela. não se afastou, acompanhando com os olhos enquanto ele trazia seu rosto para perto, parando próximo o bastante de sua boca para que ela pudesse sentir o hálito quente de sua respiração.
Quando ele se aproximou um centímetro a mais, ela deu um tapa forte, estalado no alto de sua bochecha, levantando da cama. Ele ficou sentado, esticado em direção à cabeceira, com a língua na bochecha e um sorriso malicioso nos lábios. Ele elevou os olhos escuros em direção à , que permanecia com o cenho franzido, incrédula ao que ele tentara.
— Você é podre — disse ela, com nojo. Seus braços estavam cruzados de modo que seus seios, naquela regata preta com decote em U, ficassem ainda mais tentadores aos olhos dele. — Eu não quero sua presença aqui, . Vai embora — ela negou com a cabeça, mordendo o lábio inferior.
Quando se virou, em um milésimo de segundo, sentiu seu corpo ser pressionado na parede e o peso de prensando-a ali. Ele elevou seus pulsos para cima de sua cabeça, deixando-os extremamente bem presos apenas com seu indicador e polegar, de forma que, mesmo que ela tentasse — e tentava, com força — tirá-los dali, não conseguiria; as pálpebras dele estavam pesadas enquanto ele passava os olhos por todos os mínimos detalhes de seu rosto, no mesmo momento em que roçava o nariz e os lábios com os dela.
— Você fica maravilhosa quando está com raiva — disse ele, acariciando as curvas de seu corpo com a mão direita, livre, apertando-a no quadril e na cintura. — Minha vontade é arrancar todas essas roupas e te foder de um jeito que você nunca vai esquecer — ele abriu um sorriso fraco, extasiado, depois mordeu o lábio inferior de e o sugou por um segundo, soltando-o brilhante e úmido.
negou com a cabeça, tentando de novo soltar seus pulsos ou mover as pernas, que estavam presas com o peso do corpo dele. soltou uma risada nasalada, começando uma trilha de beijos pela linha da bochecha dela até seu maxilar, indo até o lóbulo de sua orelha, descendo pelo pescoço até as clavículas.
— Não, . Vai embora.
Quando deixou de sentir o peso do corpo e as mãos de apertando seus pulsos, finalmente abriu os olhos, mas franziu o cenho em dúvida. Olhou em volta e não o viu, então deu um passo à frente.
Seu corpo foi brutalmente jogando contra a cama em um baque que seus olhos não conseguiram acompanhar. Ela gemeu, mas de dor. Seus braços foram esticados para cima, amarrados à cabeceira de madeira preta com duas correntes, um para cada extremidade, assim como seus tornozelos. tinha um sorriso sujo nos lábios e seus olhos estavam cegos em insanidade e luxúria enquanto encaravam o corpo dela, moldado pelo pijama justo. Ele, antes mesmo de escutá-la pedir por algo, apenas vendo sua boca se mexer, rasgou sua regata, liberando os seios que subiam e desciam com sua respiração rápida — aquela maldita e tentadora pinta ainda mais atraente na pele mais pálida, os mamilos ainda mais rosados, arrepiados —, passando a língua pelo meio de sua barriga, do umbigo até o alto do queixo, soprando uma risada contra sua boca entreaberta, olhando-a diretamente nas órbitas.
Os olhos dela estavam assustados, mas tinham resquícios de excitação. E ele se extasiou ainda mais com aquilo.
colocou as pernas entre a cintura de , descendo o rosto para seu pescoço, beijando-o e mordendo-o, indo para o busto, começando a ficar mais bruto, mordendo-a com um pouco mais de força. Quando ele abocanhou seu mamilo, soltou um gemido de dor e prazer, se odiando por isso. Ela mordeu seu lábio, fechando os olhos e negando com a cabeça enquanto sentia a mão dele moldada na lateral de suas costelas, abaixo de seus braços, segurando-a na pressão certa, arranhando-a com a suavidade que a fazia enlouquecer. Ele movia a língua e sugava seu mamilo, beijando a pinta, arranhando os dentes, descendo a boca pela barriga até a altura da primeira costela saltada, indo para o outro seio.
gemeu o nome dele, fazendo-o rir, roçando seu membro rígido no meio das pernas entreabertas dela. Ela negou com a cabeça, ofegando, abrindo os olhos quando o sentiu roçando o nariz e a barba por fazer por sua pele, indo até a cintura, rasgando sua calça preta ao meio, jogando-a para os lados. Ela olhou os músculos de seus ombros trabalharem enquanto ele fazia aquilo e jogou a cabeça para trás, se odiando ao máximo por estar excitada.
Ela não podia, simplesmente, não podia estar completamente excitada, completamente extasiada, completamente entorpecida por ele.
Quando abocanhou seu clitóris, ela jogou o peito para cima com a surpresa, soltando um gemido com os lábios úmidos entreabertos, sentindo as correntes estreitarem seus pulsos, fazendo barulho. Ela encolheu os dedos dos pés com a pressão ritmada que ele propunha, sem parar um segundo sequer. abraçou suas coxas, roçando seu nariz em sua vulva, beijando e sugando seu clitóris.
encolheu suas sobrancelhas, já sentindo seu quadril começar a queimar. afundou as unhas na pele de sua cintura, arranhando-a até o meio das coxas, fazendo-a inteira se arrepiar, soltando outro gemido. Ele trouxe uma das mãos para o interior de sua coxa, acariciando-a com certa impaciência, guiando-a para sua virilha — ali, sem muita demora, começou com leves arranhões. Quando parou os movimentos com a língua e os lábios, quase soltou um urro de ódio, prevendo que o orgasmo estava a um segundo de chegar — mas sua boca emudeceu em uma lufada mínima de ar quando ele a penetrou com dois dedos, indo e vindo em uma velocidade que ela não conseguia contar. ficou olhando para seu rosto, vendo seu comportamento em meio a tanta vulnerabilidade, em tanto êxtase e deleite.
Os dedos das mãos de apertaram com força a corrente enquanto ela virava seu rosto, respirando com dificuldade contra seu bíceps, mordendo-o, às vezes, erguendo seu peitoral sempre que uma onda de prazer ameaçava explodir suas células em um bilhão de fragmentos de endorfina. As ondas iam e vinham cada vez mais fortes e, quando ele tornou a chupar com força seu clitóris, ela arregalou os olhos e sentiu o nariz arder com tamanha intensidade de seu orgasmo. não parou de mover seus dedos, sentindo a intimidade dela contrair e relaxar várias contra sua pele.
parou de estimular quando seu intenso orgasmo terminou, olhando diretamente para o movimento rápido de seus seios, que subiam e desciam rosados e um pouco suados. Ele sorriu sujo enquanto desabotoava sua calça jeans e tirava-a junto de sua boxer, liberando seu membro rígido, roçando-o nos grandes lábios extremamente úmidos da intimidade de . Ela virou seu rosto para ele, com alguns fios escuros da testa suados e as sobrancelhas encolhidas.
— Não faz isso — pediu em um sussurro. Ele riu sujo, tocando a lateral de seu corpo de uma maneira quase gentil, fazendo-a fechar os olhos e puxar o ar de uma maneira quase instintiva.
encaixou o rosto na linha de seu pescoço.
— Sua boca diz “não” — ele soltou uma risada nasalada, sentindo o mamilo excitado dela roçando em seu peitoral; depois, passou a ponta de seu membro na intimidade dela, indo desde o clitóris até o vão, adentrando apenas a glande. se odiou por soltar um gemido fraco, sem controle. — Mas seu corpo implora por “sim”.
Então, sem dar um segundo aviso, ele começou a se movimentar com força violenta e animalesca, sentindo o corpo dela deslizar sobre o lençol, indo e vindo, acompanhando-o de uma forma quase forçada. Ele franziu seu cenho, sentindo o deleite crescer em picos em seu corpo, indo do meio do estômago até o a ponta da glande afundada na excitação de ; com uma das mãos segurou sua cintura, enquanto, com a outra, tocava a lateral de seu seio, apertando-o sempre que o pico se elevava em um ponto mais alto, fazendo-o se arrepiar.
O barulho de seus corpos colidindo parecia ainda mais doentio e maravilhoso quando só ele podia controlá-lo. sorriu em meio ao êxtase, jogando a cabeça para trás, arranhando-a, apertando seu seio com mais força. Depois, abaixou a cabeça e começou a morder de leve seu busto, subindo para o pescoço e orelha, arfando baixo, assistindo o eriçar gentil de seus pelos.
sentia o quadril queimar uma segunda vez e mordia com força os lábios, molhando-os sempre que ficavam secos por sua respiração. Ela rolava seus olhos, apertando-os, assim como os dedos das mãos e dos pés, em uma tentativa ridícula e extremamente falha em se controlar, tentando não sentir prazer com aquilo. Quando abria os olhos, via os músculos das costas de se movendo — os da lombar, da bunda —, então enlouquecia, querendo arranhá-lo, apertá-lo, socá-lo. Quando os mantinha fechado, seus ofegos e arfadas confundidas em gemidos as tiravam ainda mais da lucidez. Ela, então, virou o rosto e fechou com força os olhos, soltando um gemido baixo quando exalou uma respiração profunda.
— Abre os olhos — ordenou ele, mas ela preferiu não fazer. Ele olhava para ela, agora, e aquilo só contribuiria para sua completa insanidade. — Olha para mim! — ele gritou, tocando sua bochecha com brutalidade, virando seu rosto para que seus olhos ficassem na mesma direção.
Aquilo a deixou com raiva. Ela franziu o cenho e cuspiu no rosto de .
Ele parou com seus intensos movimentos, cessando, de repente, o movimento contínuo de vai-e-vem do corpo dela sobre a cama. respirou, por um milésimo, aliviada, mas sabia que ele faria aqueles segundos ainda mais torturantes, depois. Ela franziu a sobrancelha, sentindo-o apertar seu rosto com força. O peso do corpo dele ficou inteiro sobre o dela, o membro inteiro dentro dela. pressentiu um orgasmo e respirou com dificuldade. A irritabilidade dele a deixava ainda mais excitada.
Aquilo era insano!
Ele limpou seu cuspe, rindo com deleite aparente.
— Às vezes — disse ele, sussurrando, chegando próximo dela, ainda apertando com muita força sua bochecha, quase juntando as extremidades de seus lábios — eu acho que você esquece que eu amo a sua raiva — ele riu de novo, abocanhando seus lábios com uma violência sobrenatural, penetrando-a com ainda mais brutalidade e força, de modo que sua cabeça quase batesse na parede, se não fosse pelas correntes em seus tornozelos.
arregalou seus olhos com tamanho deleite que cresceu em seu corpo, em proporções das quais ela nunca havia sentido igual. Seu pescoço foi impulsionado para trás e seu peito para cima, roçando com o tórax dele, suado, que roçavam e pareciam soltar faísca. A temperatura do quarto estava mais que infernal, mesmo com as janelas abertas. Ela estreitou as mãos em torno das correntes, sentindo a ponta dos dedos perderem sangue de tão apertados, e as unhas quase perfurando a palma de suas mãos, ao mesmo tempo em que ele soltava sua cintura para apoiar parte do peso do corpo no lençol, apertando-o enquanto soltava um ofego misturado a um gemido entorpecido em tanto prazer.
Quando trouxe sua cabeça para cima, viu as veias dela esticadas por sua pele, pela força de sua pulsação e intensidade de seu orgasmo duplo, e pôde escutar o fluxo sanguíneo de . Em meio a seu descontrole, ele simplesmente a abocanhou em uma mordida só, bem no centro do pescoço, e sugou seu sangue, engolindo-o de uma vez só.
sentiu suas pupilas quadriplicarem de tamanho e um arrepio tomar conta de seu corpo quando o sangue amaldiçoado entrou em contato com seu organismo. gemeu de dor, arregalando os olhos, sentindo o corpo contorcer em prazer quando outro orgasmo ameaçava chegar, conforme ele não parava de se mover. Quando encarou os braços dele, era como se seus pelos tivessem se tornado, por alguns segundos, enquanto se arrepiavam em uma onda do topo de sua nuca até o final de sua panturrilha, penas pretas, de mais ou menos três milímetros.
Ele jogou o pescoço para trás, torcendo-o, depois tombou o corpo em cima do dela, fazendo a cama quicar e um gemido miado escapar dos lábios entreabertos dela. Ainda penetrando-a, trouxe as mãos por trás dos braços presos de , abraçando-a, tocando com as mãos espalmadas sua nuca, trazendo seu pescoço para cima de modo que seus lábios ficassem encaixados na mordida em sua pele.
Ele sugou de novo, penetrando com mais força e mais intensidade, cada vez mais rápido e com mais energia.
pensou que morreria afogada em tanto deleite. Ela não conseguia respirar. Sua cabeça girava, seu corpo estava completamente entorpecido, mas doía. E doía muito. Cada sugada, uma pontada de eletricidade, uma brasa quente no lugar de sua língua. Ela franziu o cenho, sussurrando que ele parasse. Mas estava surdo, completamente descontrolado. E ela não podia empurrá-lo, já que estava com as mãos presas.
NÃO A MORDA! — gritou Lilith, direto na cabeça de . — NÃO SEJA TÃO ESTÚPIDO!
Ele virou o pescoço de uma vez, estalando-o, como se quisesse espantar um mosquito. Parou de sugá-la por apenas um segundo, tornando, milésimos depois, com ainda mais vontade.
PARE, SER IMPRESTÁVEL! NÃO A MATE! NÃO A MORDA!
— SAI DA PORRA MINHA CABEÇA! — ele gritou de volta, puxando as mãos do lençol para tocar os cabelos, puxando-os para os lados. arregalou os olhos, com medo da expressão dele. — CALA A BOCA!
NÃO A MATE, NÃO A MATE, NÃO A MATE!
rosnou de ódio, liberando seus dentes, enrugando o rosto em pura ira, estalando o pescoço para os lados com força e rapidez. Ele fincou as garras na cintura de , puxando sua coxa para seu quadril com tanta força que estourou um dos elos da corrente, liberando seu tornozelo.
Ela gritou de dor, sentindo uma lágrima cair de seus olhos para sua têmpora.
PARE DE FAZÊ-LA SANGRAR!
— SAI DA MINHA CABEÇA! SAI, PORRA! SAI! CALA A BOCA!
sentiu o medo preencher seu peito, engolindo-a em um vácuo quente. Ela arregalou seus olhos, soltando um gemido miado quando as asas dele também foram expelidas, quebrando os abajures, derrubando as mesas de cabeceira. não parava de penetrá-la com força, machucando-a de uma forma que não era prazerosa. As garras fincadas, afundadas em sua coxa, criavam caminhos vermelhos que pingavam no lençol. Mesmo que implorasse, gritando, para parar, ele estava surdo pela voz de Lilith, que não parava de gritar e soar em sua cabeça que não a matasse, que parasse de machucá-la e fazê-la sangrar. E ele repetia gritando, como um disco travado, que ela saísse de sua cabeça, que o deixasse em paz.
Quando finalmente se calou, um silêncio absurdo tomou os ouvidos dela. Segundos depois, ele jogou seu pescoço para trás de uma forma brusca e bruta, fazendo os ossos de sua coluna estralarem como se fossem quebrar. Ele virou o pescoço e o queixo, como se o alongasse rápido demais, rindo em meio ao êxtase. O prazer impregnado em seu sangue, intensificado pela maldição, fez com que seu orgasmo fosse muito mais forte do que normalmente já era. As penas se afiaram como navalhas, em sua envergadura de quatro metros, esticadas ao máximo; um gemido rouco e alto saiu do fundo de sua garganta, franzindo seu cenho enquanto seu corpo continuava roçando com o dela. As garras já dentro da pele dela, ficaram ainda mais fundas, fazendo-a gritar de dor, chorar ainda mais, esticando o pescoço para trás e morder com força os lábios, implorando para que aquilo não durasse tempo demais.
fechou seus olhos, sentindo mais lágrimas caírem para suas têmporas.
Quando acabou, durando mais tempo, também, que o normal, ela permaneceu com os olhos fechados e o rosto virado, sentindo a respiração descompassada dele batendo no alto de seu busto e o calor de sua testa próximo de seu queixo.
levantou o rosto, vendo-a amedrontada e chorando. Ele franziu seu cenho, olhando ao redor, fitando a bagunça que suas asas causaram. Depois, lentamente, os baixou para as garras ainda fincadas na pele de sua coxa.
— Oh lorde... — ele sussurrou, recolhendo-as, passando a ponta dos dedos nos cinco buracos na parte superior da coxa direita dela, afundando-os as pontas ali. Depois sussurrou seu nome de uma forma quase pesada, como se o ar o faltasse, mas ela não se virou para encará-lo em sua forma humana quase humano, ainda com as asas expostas e os olhos vermelhos.
Sentia medo, asco dele. Sua boca estava travada e os olhos fechados com força, com medo do que poderia ver.
Quando os lábios secos e ásperos de tocaram com suavidade a linha do maxilar dela, sentiu o corpo inteiro ficar tenso. Ele tirou o membro de dentro de sua intimidade machucada, esticando-se — sentindo o suor fazê-los roçarem — para libertá-la das correntes. Diferente de como imaginou, ela não se moveu, apavorada demais para sequer respirar.
Ele encarou então o que havia feito nela. A mordida em seu pescoço, feita por todos os dentes afiados, poderia ter aberto um buraco caso ele girasse um pouco a cabeça para um dos lados; sangrava, formando uma lágrima vermelha que escorria por sua clavícula até morrer no lençol. Os pulsos estavam machucados, vermelhos de uma forma que logo se tornariam roxos. O lábio mordido em uma lembrança que ele não recordava, a lateral do corpo arranhada, o quadril extremamente vermelho e a parte inferior da cama, onde ele amarrou seus calcanhares, destruída pela força de suas estocadas.
se sentou nos calcanhares, deixando-a respirar. Ele passou os olhos por seu corpo nu, demorando-se em seus detalhes preferidos nos seios e na barriga, mas sentiu algo estranho quando chegou à altura de seu rosto — que permanecia virado, mas agora com os olhos abertos, que ainda choravam. Era um misto de infelicidade com vergonha.
lentamente puxou as pernas agora livres e juntou os joelhos, espalmando as mãos no colchão, tomando impulso para ficar de pé. Andando devagar, ela foi até o armário e pegou uma regata que batia no meio de suas coxas — a direta, machucada, tremia — e uma calcinha, se vestindo com dificuldade, se apoiando na poltrona de veludo e fazendo esforço para não soltar nenhum mínimo ruído.
De costas para ele, ela chorava em silêncio, com os lábios em uma linha e os olhos contornados em vermelho, com lágrimas que caíam sem parar, confundidas em dor, ódio e raiva de si mesma por permitir que toda aquela desgraça acontecesse.
Vestida, ela abriu a porta e seguiu pelo corredor para distante dele. O máximo que conseguisse até alguém impedi-la.


19.

I think I’m drowning, asphyxiated.

Já era tarde da noite quando o motor de um carro anunciou que Richard havia voltado de onde quer que houvesse ido. Lilith tomava conta de de uma forma quase espiã, sem quase mover os olhos em sua direção, que estava sentada próxima ao fogo para se aquecer do extremo frio daquele dia, usando uma calça jeans azul escura e um cardigã de lã cinza, com os cabelos presos em um coque quase frouxo.
A porta se abriu e os olhos azuis da mais nova foram os únicos que se viraram para encarar a beleza insana daquele homem com olheiras profundas e pele de aparência áspera — o sangue que lhe restava não era suficiente para mantê-lo jovem o suficiente para ser perfeito como Lilith, mas ainda assim Richard era dono de uma beleza tão ímpar que não conseguia se cansar; mesmo consumida por todos aqueles pavorosos acontecimentos, afogada em seus próprios pesadelos, ela conseguia manter a cabeça sã, imersa a toda aquela imensa bagunça que se meteu por descontrole de seus pecados — se nunca tivesse caído na conversa e nos encantos de , naquela maldita noite, estaria aqui hoje, sentada à frente do fogo, sendo vigiada por Lilith?
— Sinto dizer-lhe que minha busca fora inútil — sussurrou Richard, juntando os lábios alaranjados secos e rachados em uma linha fina, com medo de respirar e olhando para baixo.
— Por que voltastes para cá, então, servo? — Lilith proferira tranquila, molhando os lábios aveludados e vermelhos, levantando-se como se estivesse flutuando, caminhando de costas para Richard a caminho de Laurie, sua cobra e milenar amiga. — Pensei que havia sido clara quando ordenei que não retornasse até encontrar-me aquela pessoa.
— E foi, minha rainha, mas...
— Mas? — ela repetiu e inclinou suavemente o queixo, sorrindo leve pelo canto dos lados enquanto soltava uma risada nasalada.
— Perdoe-me — ele se virou, batendo a porta. O carro voltou a ser ligado e tudo que tornou a ouvir fora o barulho dos pneus arrastando a terra para trás com extrema velocidade, cantando.
Quando Lilith voltou para o sofá, carregava a cobra como se fosse um filhote de gato, com cuidado e carinho, acariciando sua cabeça e seu comprido corpo. se encantou por aquele animal, por mais que fosse extremamente perigoso e, com absoluta certeza, não exatamente um animal — ela sabia que, como castigo, às vezes alguns humanos eram transformados em seus piores medos.
— Qual é a história dela? — indagou, encarando diretamente a cobra. Lilith, por um segundo, se iluminou. Ela subiu os olhos negros como o universo para o rosto machucado de e sorriu maliciosa, segurando o corpo da cobra que se esticava na direção da garota sentada com as pernas dobradas, apoiadas na almofada da poltrona.
— Não sei se o que sinto por ti, humana, é afeto ou apenas obrigação de aceitá-la e não repudiá-la como realmente deveria fazer — havia uma pontada de falsidade em sua voz que pôde perceber, mas preferiu ignorar. A cobra se esticava mais, mas seu corpo parecia não ter fim, ainda enrolado abaixo dos seios de Lilith. — Tu és a única que poderia dar-me o Anticristo, mas tens algo na alma que gera um sentimento em mim — piscou, sem outra expressão.
Lilith se levantou e aquela foi a deixa para a cobra tocar o corpo em sua pele. O instinto de mandou com que ela retirasse a mão assim que sentisse a pegajosa e fria pele da cobra em contato com a sua, mas seu fascínio a impediu. Ela deixou que Laurie encostasse a cabeça na parte de cima de sua mão, subindo lentamente por seu braço até chegar aos ombros, esticando a língua, cantando em seu ouvido. se arrepiou.
— Laurie costumava ser uma mulher pacata e sábia quando jovem, mas fora amaldiçoada por um forasteiro que lhe deu a praga de duas crianças inquietas que lhe tiraram a sanidade mental — a cobra tocou a pele nua de seu pescoço, caminhando por sua nuca até o outro lado, descendo pelo busto. A respiração de se tornou um pouco mais acelerada. — Naquela época, Lúcifer ainda era anjo, mas mentia e induzia humanos a pecarem para que sua credibilidade perante a Deus fosse cada vez maior. Em uma semana depois que o inverno se deu início, Laurie não conseguia mais dormir por causa do choro incessante de sua maldição siamesa — Lilith sorriu com pena, acariciando o que restava do corpo da cobra enrolado ao seu. — Lúcifer então desceu à Terra trajando roupas de anjo em uma visão tão celestial que minha doce amiga imaginou enfim ter perdido o resto de lucidez que ainda pairava em sua mente; disse a ela, então, que a única forma de fazê-los calarem, salvando-a da desgraça completa, era matando-os. Disse que, sem eles, ela poderia sair daquela miserável cidade e seguir para qualquer outro lugar daquele glorioso mundo, porque ele inteiro pertencia a ela. Minha amiga não tinha mais opções... — ela sussurrou. A cobra estava inteira no corpo de , que tinha os olhos fixos no fogo, sem piscar. Naquele vai e vem vermelho e laranja, ela via a história de Laurie, sentindo-a acariciar seu busto e pescoço a cada movimento. A voz de Lilith era como uma canção de ninar. — Ela não tinha marido, emprego, dignidade, então os afogou no rio, onde apenas cobras poderiam ser testemunhas de seu assassinato. Laurie chorou, ofegante, mas suspirou aliviada quando enfim pôde ouvir seus pensamentos. Mas eles sussurravam coisas cruéis — Lilith negou com a cabeça, franzindo seu cenho. — Era Lúcifer outra vez. Ele a fez ver o horror que havia causado aos seus filhos, a única coisa boa que realmente havia feito em sua deplorável vida — Laurie se enroscou um pouco mais no pescoço de , que o esticou para poder respirar melhor, inclinando o queixo para o lado, ainda hipnotizada. — Ele ficou repetindo e repetindo o quão horrível ela era e gritava que Laurie havia assassinado seus filhos. Então, quando os olhou de novo, roxos e mortos, ela os arrancou a cabeça como bonecos e os devorou — Lilith sorriu meiga no exato segundo em que a cobra escorregava pelo pescoço de , caindo entre suas pernas, na poltrona, fazendo-a dar um pulo pelo susto, despertando.
Ela abriu a boca e esticou as presas para fora, enrolada sob a almofada com a cabeça erguida para cima, olhando diretamente para o fogo, que crescia para cima e se alargava para os lados. Lilith se virou lentamente, com o cenho franzido e o maxilar travado, erguendo o queixo para cima enquanto dava um passo para trás.
O fogo se tornou meramente azulado quando cresceu quatro metros para cima, quase tocando o teto. A cobra caiu para o chão e rastejou para o lado de Lilith, ficando em posição de ataque. O demônio, por sua vez, em menos de um segundo tomou sua forma original. Ela rosnou, inclinando o tronco para frente, quando uma mão demoníaca, com garras extremamente afiadas, coberta de sangue preto, tocou o chão e se fincou ali, tomando apoio como se escalasse alguma coisa.
perdeu o fôlego com o pavor que tomou seu peito. Ela se levantou e correu para o alto da escada, apoiando as mãos na parede, se escondendo ali. Caso fosse preciso, ela se trancaria na sala dos amaldiçoados, cujo apenas seu sangue e da família Giansanti poderiam abrir a porta.
A mão com garras fincadas de apoio para a outra, que surgiu tão lentamente quanto a primeira. Como se um arrepio corresse pelo corpo do demônio por atravessar a barreira entre aqueles mundos, os pelos de seu corpo ficaram grossos e eriçados, tornando-se tão negros que mal se sobressairiam no pastoso sangue demoníaco que cobria seu corpo metade demônio metade humano se não estivessem tão arrepiados. Os músculos de seu antebraço se tornaram rígidos quando ele fez força para sair do fogo, que contornava seu corpo como se o puxasse de volta para o inferno, impedindo que ele saísse dali.
Lilith estava pronta para atacar quando ele surgisse — ela não podia atacar sem antes ter certeza da quantidade de demônios; se fossem muitos, seria preciso voltar fugir. Ela — ainda — não teria forças para lutar sozinha contra os demônios de Lúcifer, que há muito não a procuravam.
Parte do peitoril do demônio se tornou evidente, mas seu pescoço estava estirado para trás como se outras garras estivessem segurando os ossos de sua mandíbula. As veias saltavam do sujo de sua pele. O fogo ia para frente, avançando em direção à Lilith, todas as vezes que ele batia suas gigantescas asas, como um pássaro que tenta fugir de uma armadilha.
Quando o demônio finalmente conseguiu puxar sua cabeça, ele tinha os olhos pretos extremamente arregalados e a boca aberta, com todos os dentes afiados. Seus cabelos estavam pregados e sujos, mas eram curtos e lisos de uma cor irreconhecível pela quantidade de sangue.
Ele era um dos antigos.
Lilith rosnou outra vez.
O rosto dele se contorceu quando fez força outra vez e ele estalou o pescoço para os lados e para trás, fazendo buracos no chão quando trouxe as garras para frente, trazendo as asas para dentro da mansão de Lilith — asas imensas de morcego, sem penas, com dois ossos tão afiados quanto facas em suas pontas — esticadas nas paredes para ajudá-lo a subir forçado — ou escondido — do inferno.
Ele enfim conseguiu pôr seu corpo todo para fora, mantendo-se deitado no chão sem se mover por tempo suficiente para que Lilith entortasse o pescoço, duvidosa, e franzisse ainda mais o cenho em dúvida. O demônio tinha chifres tão grandes quanto os dela, tão negros e fortes, além de seus olhos, que continham apenas um resquício de azul marinho. Ela se aproximou dele, vendo o sangue escorrer de suas costas nuas, onde suas asas gigantescas não tinham movimento algum. O fogo havia se quietado, voltando ao tamanho de antes. Quando Lilith se pôs perto o bastante, o demônio saltou em seu pescoço, cravando as unhas em sua traqueia, ameaçando arrancá-la. Ele rosnou e franziu o nariz junto com as sobrancelhas, olhando-a fixa e profundamente nos olhos com uma auréola vermelha. O sangue preto escorreu das mãos dele para o vestido antes impecavelmente limpo dela.
Lilith rosnou de ódio e o segurou no antebraço, torcendo-o para o lado, ouvindo-o rachar; depois, enfiou a mão dentro de sua barriga, subindo-a com dificuldade, por sua pele ser tão dura, até metade das costelas, antes do demônio bater suas asas nuas e fincar as garras no teto, de cabeça para baixo, olhando na direção de .
Ela então viu que era sua vez de correr. Puxou fôlego e tornou a descer as escadas, quase se jogando nos últimos degraus. O demônio mergulhou no ar e, a um centímetro de agarrar o cabelo de e erguê-la, Lilith o abocanhou o queixo, empurrando-o de volta para o fogo.
Seus cabelos vermelhos ficaram eriçados com o contato e sua pele derreteu, tornando-se uma confusão vermelha e preta, de sangue. Tudo que ouvia eram rosnados. Ela se virou para ver a briga, por pura estupidez, e paralisou com tamanho horror. O demônio tentava abocanhar Lilith enquanto ela o empurrava pelos ombros, então os ossos na ponta das asas dele entraram nos rins dela, fazendo-a rosnar de dor e atacá-lo no pescoço, tentando arrancar sua pele dura que insistia em não sair.
Para completa confusão de ambas, o demônio recolheu seus chifres, seus dentes e suas asas, jogando o pescoço para trás enquanto começava a gargalhar. O fogo que lambia e devorava sua pele criava uma silhueta assustadoramente diabólica para a cabeça já conturbada de , que encolheu as sobrancelhas como uma criança, dando um passo para trás, sentindo o coração nos tímpanos e o medo escurecer seu peito em um vácuo quente.
Lilith o empurrou no chão e rosnou alto o bastante para o fogo rodeá-la como um manto, começando a se encaminhar para dentro da boca aberta do demônio que ainda ria insana e descontroladamente, com os braços abertos, mal tentando se defender.
— Olhe para mim! — gritou ele. — Olhe para mim, velha estúpida!
O demônio ergueu o pescoço para Lilith e a olhou fundo nos olhos. Ela tinha seu rosto contorcido em raiva e as penas de suas asas gigantescas, abertas para os lados e para cima daquela lareira, pegavam fogo como palha. Ele gritou de novo, de forma ainda mais desatinada, com as veias do pescoço saltadas e o rosto próximo do da mais velha.
Reconheça-me! — ele gargalhou, jogando a cabeça para trás no fogo.
Lilith travou seu maxilar, sentindo as chamas consumirem seus olhos. Ela manteve os lábios entreabertos, com as garras dentro do peitoral daquele demônio, sentada em seu quadril para evitar que ele fugisse. Mas fora simples com que ele fizesse ela se mover: de forma rápida, espalmou as mãos queimadas e derretidas em seus ombros nus, empurrando-a para as rochas que formavam a lareira. Olhou fundo em seus olhos consumidos por chamas e sorriu de forma doentia, inclinando a cabeça, esticando o pescoço. O sangue e o fogo fizeram com que sua cabeça ficasse lisa, preta; a silhueta estava horrenda com aquele sorriso com os lábios entreabertos.
Samael! — ela quase não teve fôlego para dizer seu nome.

ainda estava com o cenho franzido e olhos levemente arregalados, encolhida novamente na poltrona, quase abraçando os joelhos de tão aterrorizada. A cena dos dois brigando não saía de sua cabeça. Os dois, agora, que riam e quase se abraçavam, em pé, devidamente vestidos em suas peles novamente.
Samael tinha os cabelos louros platinados — antes de cor irreconhecível graças ao sangue que o inferno jorrava nos demônios que ousavam escapar daquela dança de chamas sem a autorização de Lúcifer — e sobrancelhas tão negras quanto os olhos. O rosto limpo e pálido era quadrado, com o maxilar bem definido, lábios finos e olhos de gato, retos, que ficavam encolhidos quando ele ria, mostrando seus caninos afiados mesmo quando em sua forma humana, tão terrivelmente atraente quanto os outros.
— É bom ver que ainda tens o mesmo fôlego para lutas que quando jovem, Lilith — ele riu novamente, fazendo os músculos ainda machucados de seu abdome contraírem. desviou o seu olhar.
— Ainda sou jovem — corrigiu, sentindo o olhar escuro dele por cima de seus ombros. Ela encarou a garota, que fitava fixamente o chão.
— Quem és a adorável garota? — ele ainda olhava para ela. não retribuiria o olhar.
— Apenas uma mascote — respondeu indiferente. — Mas por que tu vens até mim, Samael? — ela direcionou as auréolas vermelhas para as dele, de um azul profundo. Como se estivesse de ressaca, de forma lenta e quase irônica, ele a encarou de volta.
— Há quem diga no inferno de que uma criatura caça sangues amaldiçoados e os destroça — Lilith franziu o cenho, assim como , que finalmente os encarou. Samael notou sua curiosidade, rindo para ela. — Ela não os come, apenas os drena e deixa o sangue secar na terra.
— Não há criatura capaz de caçar amaldiçoados — riu. Samael permaneceu sério, com a sombra de um sorriso cafajeste na boca.
— Aparentemente, há.
— Como sabes que são amaldiçoados aqueles mortos que o inferno acolheu?
— Provei um de seus sangues — ele adotou um tom gélido na voz, abaixando suavemente o queixo, fitando diretamente os olhos de Lilith. — Segui o rastro das mortes e vi que todos eram amaldiçoados.
— Então por que não parastes aquela besta?! — ela gritou, se colocando de pé. Laurie, depois da briga no fogo, estava arisca com Samael. Qualquer mínima mudança no humor de Lilith em relação a ele e a cobra já se preparava para atacar.
— Era uma alma que não pude reconhecer — respondeu ele, quase como um pedido de desculpas, se levantando também. Os olhos de caminharam no corpo dele coberto apenas por uma calça jeans qualquer de . — Não era divina, tampouco infernal. Por Satã, precisas aprender a controlar teu humor, demônio! Tens milênios de vida e ainda comporta-te como uma criança mimada — ele rolou os olhos, deixando as sobrancelhas grossas franzidas.
Lilith tentou amenizar sua raiva, se virando para a única mortal na sala. Então ela abriu um sorriso extremamente felino e assustador enquanto cruzava um dos braços — o sorriso mais assustador que já a vira dar.
— Acolheu novos servos, velha amiga? — ele tornou a indagar, olhando-a por cima de seu ombro. Mas Lilith estava enfeitiçada em , incapaz de responder a Samael. — Veio a meu conhecimento que um demônio desalmado procurava-me na Terra. Como tens coragem de acolher demônios desalmados? — ele encolheu os olhos de gato em incredulidade. — São pesos mortos.
— Um peso morto útil o bastante para fazer-te vir até mim, não? — ela se virou para ele com aquele mesmo sorriso. estava fria e respirava com dificuldade. O fogo não era o bastante para mantê-la quente. — Este era meu plano: atrair-te para mim. Estou reunindo meu exército — Samael pareceu rolar os olhos, colocando as mãos na cintura.
— Tu ainda tens aquela ideia insana e completamente estúpida de enfrentar nosso Deus, Lúcifer? Estás ultrapassada... — ele negou com a cabeça.
— Tenho armas invencíveis — tentou.
— Tu nunca vencerias — ele tornou a encará-la no mesmo momento em que lambia os lábios.
Naquele momento, a porta se abriu.
tinha os olhos direcionados para o chão e os braços cobertos por uma jaqueta preta. Ao seu lado, Richard estava com a cara fechada e a boca mastigava algum resto de carne.
Samael se virou lentamente, com as mãos na cintura nua de camisa e os lábios ainda meio sérios, com a sombra de um sorriso cafajeste pela atenção de e o êxtase do reencontro milenar com Lilith.
franziu seu cenho com força e fora notável seu espanto pavoroso, praticamente infeliz. Ele quase soltou o ar dos pulmões com um suspiro entediado. Pulando seus olhos ainda mais negros da mãe para o homem que o criou, ele não conseguiu falar nada.
— Ei, garotão — Samael disse em tom de brincadeira, animado e alto. — Ainda lembras-te de mim?

estava com o corpo submerso em água quente, com as pálpebras pesadas e o queixo recostado na clavícula direita, com os olhos direcionados para o pulso em cima do ilíaco quase tão branco quanto o mármore da banheira. O único som do banheiro era a água corrente dos canos, e sempre que escutava um passo, uma respiração, ou uma mínima lufada de ar vinda do lado de fora da casa, ela erguia seu tronco e punha o corpo quase inteiro para fora da água, olhando ao redor do banheiro, procurando algo que pudesse ter feito aquele segundo barulho com o coração acelerado pelo terror.
Ela estava apavorada. Tinha medo de qualquer mínimo ruído que não tivesse sido feito por ela e tinha motivos para isso. Seu corpo inteiro era um vácuo de pavor que a consumia em um frio sem igual, sugando-a cada vez mais para baixo de um véu escuro de medo do qual ela não tinha ideia de como sair. Não podia confiar em ninguém, porque todos ao seu redor eram demônios. E não havia circunstância mais patética e surreal que aquela em que se encontrava agora, afogada em uma ilusão assombrosa da qual não havia escapatória, onde o futuro era ainda mais pavoroso que o presente.
fechou seus olhos e respirava fundo; sentiu que choraria. Mordeu os lábios em uma linha fina, trazendo os joelhos para próximo do peito, encolhendo-se naquela posição enquanto apoiava a bochecha na borda da banheira, olhando fixamente para a maçaneta de metal preto da porta branca. Seus cabelos molhados boiavam e seus fios escuros tocavam suas costas em um carinho quase confortável. O sono a atingia lentamente por uma segunda vez, fazendo-a adormecer por apenas um segundo.
Fora o bastante para fazê-la sonhar.
Ela abriu os olhos e tudo ao seu redor estava escuro, fazendo-a arregalá-los em uma ação instantânea que aprendeu nos dias que passara na mansão de Lilith. Seu corpo já estava seco e, finalmente, quente. Abaixo de seus pés, pôde sentir a confortável textura do carpete de sua antiga casa na Inglaterra. Ela ainda estava encolhida, com a parede de madeira grossa segurando suas costas; ela estava em um vão, no final do corredor.
Com o cenho franzido e as pupilas já acostumadas com tamanho breu, finalmente encontrou um feixe de luz quando a porta gemeu a ser aberta por uma brisa extremamente gélida que vinha do infinito. Seus ouvidos captaram vozes sorridentes que cantavam canções de sua infância, conversando e rindo no intervalo entre uma e outra. Ela conseguia sentir o cheiro de sua nostalgia, da comida de sua avó; podia sentir o calor da lareira da casa de seus tios e, se olhasse bem, podia até vê-los no vão daquele feixe dourado de luz, distante, no final do corredor, que iluminava parte de seu rosto curioso pelas informações que bombardeavam sua mente, aparecendo tão de repente quanto a claridade, como se um vento empurrasse a porta do armário que ela se escondia, como fazia quando criança em uma das brincadeiras com seus primos mais velhos durante o Natal.
apoiou a mão espalmada no chão do armário de casacos, comprido como um corredor, e ficou de quatro, averiguando se aqueles eram mesmo seus parentes e se aquela era mesmo a época natalina de sua infância.
Seus familiares estavam de costas, mas mesmo assim suas silhuetas eram o bastante para fazê-la sentir o coração bater com tamanha força que não lhe cabia dentro do peito. Ela olhou ao redor com extrema vontade, mexendo a cabeça, e abriu um sorriso tão grande que quase rasgou suas bochechas.
Tudo aquilo fora apenas um pesadelo. Um pesadelo tão horrível e profundo que a fez acreditar que era realidade.
ficou de pé em um pulo tão ligeiro que quase a fez bater a cabeça na tábua que sustentava os chapéus. Ela empurrou a porta de persianas de madeira caramelo e chamou seus parentes pelo nome, clamando saudades.
De princípio, eles não olharam, mas apenas se silenciaram. Um silêncio tão horrível que fez desmanchar seu sorriso muito lentamente, olhando ao redor.
Era estranho, porque, ao mesmo tempo em que tudo parecia igual, tudo parecia diferente.
A mesma brisa que mostrou o feixe de luz no armário para tornou a aparecer e apagou o fogo da lareira, tornando a casa pavorosamente escura. Seus parentes, ainda silenciosos, começaram a se virar lentamente, mostrando-se à penumbra para .
O rosto de todos eles estava podre, com partes comidas por vermes que escorriam por seus olhos com partes que faltavam. Os lábios estavam roxos e caídos, com dentes pretos e buracos que antes não existiam. A pele de suas bochechas, busto e ombros estavam derretendo acinzentada, pingando no chão como se fosse cera de vela. Sua mãe sorriu, esticando os braços devorados por vermes em sua direção.
— Minha filha, meu amor... Eu senti tanta a sua falta...
Eles se levantaram, começando a caminhar em sua direção.
deu um passo para trás, horrorizada, com os olhos arregalados e lágrimas que caíam sem seu consentimento.
Ela, então, começou a correr. Virou-se e correu pela parte de trás da sala, indo pelo corredor até a porta da cozinha, onde, antes, uma escada a levaria até o andar de cima. Mas as paredes derretiam sangue e os degraus pareciam uma cachoeira vermelha. O líquido vermelho molhou até seus tornozelos, fazendo-a congelar pelo horror repentino. Em um segundo, olhou para trás e viu dedos agarrando-se às paredes, tomando impulso para serem mais rápidos que suas pernas que caíam aos pedaços.
não tinha para onde fugir, vendo que a passagem pela sala estava impedida por seus parentes devorados e a porta da cozinha já não funcionava desde muito tempo.
Então ela começou a subir os degraus, chorando, desesperada, sujando suas mãos, suas roupas, seu corpo de sangue, sentindo-o nas dobras de seus dedos, no meio de seus seios, escorrendo por sua barriga. Ela tocava nas paredes, com medo de escorregar, e puxava-se pelo corrimão. O sangue escorria pelos degraus como se alguém o jogasse em baldes, mas não havia — pelo menos não antes — ninguém no andar de cima.
De joelhos, chegou ao último degrau e olhou para trás, vendo que seus parentes já não estavam a seguindo mais. Quando olhou para cima, sentindo os cabelos grudando em seu pescoço e bochechas, viu um par de panturrilhas sujas de sangue, com uma bermuda preta e uma regata comprida branca.
subiu seus olhos trêmulos, molhados de lágrimas para o rosto daquela pessoa bem lentamente. Os pulsos daquela mulher estavam dilacerados, com rasgos tão profundos que os olhos não conseguiam ver seus limites. Os antebraços acompanhavam aqueles cortes, indo além dos bíceps até as clavículas e pescoço.
Ela gemeu de medo quando viu o rosto da mulher.
Era ela. Aquela garota era e estava sorrindo de um modo assombrosamente diabólico, macabro, assustador. Ela tinha os olhos inteiramente pretos, os cabelos bagunçados, as veias saltadas em roxo, abaixo dos olhos e no pescoço.
A garota se abaixou em uma rapidez sobre-humana e agarrou o pescoço de , segurando-a com os pés fora do chão. Quase sem conseguir respirar, ela segurou em seus pulsos extremamente machucados e afundou as unhas ali em uma tentativa de machucá-la, mas obviamente aquela coisa não sentia dor. Ela apenas riu em um som ainda mais perturbador e a jogou contra a parede que ainda derretia em sangue.
Mãos apareceram de dentro do papel de parede e a seguraram com tanta força que não pôde sequer sentir seu coração bater. Seguraram seu corpo inteiro, seu queixo, sua testa, sua boca e seu nariz, então começaram a puxá-la para dentro da parede. A outra , sua figura diabólica e dilacerada, ficava rindo de sua desgraça, de seu medo, e acompanhava lentamente com passos lerdos enquanto ela era puxada para a escuridão.
Seus ossos foram engolidos e quebrados em fragmentos minúsculos. queria gritar, mas não conseguia. Sua boca foi aberta e poeira entrou em sua garganta, depois, dedos das mãos da parede puxaram sua bochecha por dentro, rasgando-a.
Pouco a pouco, a escuridão foi novamente tomando os olhos de . A última coisa que ela vira, entretanto, fora seu próprio riso macabro; o quão assustadora ela poderia ser.

Ela despertou inteiramente submersa na água; arregalou seus olhos e viu o mármore da banheira. espalmou as mãos com força no chão e subiu o corpo para fora da água, respirando fundo, tossindo, empurrando os cabelos do rosto para trás da nuca, tentando respirar. Olhou ao seu redor, procurando vestígios daquele pesadelo horrível, e se viu presente de novo naquela triste realidade de demônios novamente.
Respirando fundo, sentiu lágrimas tomando seus olhos ardentes e recostou o corpo na banheira, unhando o couro cabeludo em tamanha raiva e desespero.
Não podia mais dormir sem ter pesadelos? Não podia mais sonhar?
A maçaneta virou. Ela girou o pescoço com raiva e puxou os joelhos, ficando de pé. Quando a porta se abriu, era Samael.
Ele estava com a boca aberta, pronto para falar, e o canto de seu lábio se arqueou em malícia quando a encarou completamente nua. Samael soltou uma risada nasalada e não escondeu enquanto passava os olhos extremamente escuros, sem resquício de outra cor senão preto, no corpo da garota, que também não escondeu a pele.
— Lilith a espera para o jantar — disse ele, quando tornou a olhá-la nos olhos.
— Diga que estou indo — respondeu.
Samael assentiu com o queixo, olhando-a outra vez antes de fechar a porta e seguir pelo corredor.
Sozinha por outra vez, suspirou e soltou a água da banheira, ocupando os ouvidos com a água sendo sugada. Sentindo-se arrepiada pelo frio, caminhou até o espelho de corpo e encarou-se por apenas um vislumbre, parando, franzindo o cenho, dando um passo para trás. Aproximou-se e tocou seu reflexo com a mão esquerda, enquanto, com a direita, tocava as olheiras quase profundas, puxando ligeiramente o olho para baixo.
Estavam um tom mais escuro que o normal.


20.

I feel my heart implode and I’m breaking out. Escaping now, feeling my faith erode.

não conseguia mais dormir — sempre que fechava os olhos, alguma imagem horrível aparecia por detrás de suas pupilas, fazendo-a despertar em um baque assombroso, como se estivesse caindo nas entranhas da morte. A partir do terceiro dia encarando escuridão sem ter sono que a segurasse por mais de dois minutos, escutando o zunindo de demônios inquietos, se arrastando pelo piso daquela mansão infernal e se agonizando em tanto desespero, ela começou a evitar espelhos. Sentia-se tão deplorável que não se reconhecia mais. A pele pálida tomava seu corpo e tornava-se já arroxeada; os cabelos não tinham mais brilho, de forma que pareciam pertencer aos cadáveres que não eram comidos, amontoando-se podres nos fundos da casa; os olhos outrora azuis cristalinos tinham uma coloração parecida com a de petróleo, tão gosmento e sem vida quanto; seus lábios rachados não esboçavam sorrisos desde muitas semanas que se encontrava naquele terrível cativeiro.
Sempre que ouvia um demônio se aproximando, ela franzia com tamanha força seu cenho que pressentia sua pele se desfazendo, por estar tão seca e mal tratada, e até podia sentir o sangue escorrer grosso por seu rosto, sujando o colchão, então fingia dormir para que não falassem com ela, não tocassem nela. Mas Lilith fora clara quando dissera que queria seu Anticristo — Pandora escrevera a Profecia, mas ambos deveriam trabalhar para que ela se desse início.
era obrigado a visitá-la ao menos seis vezes ao dia, e mesmo assim seu primogênito não estava sendo gerado.
Ela se remexeu na cama com o mesmo lençol por quase um mês e duas semanas. Seu cheiro confuso em suor a fazia querer vomitar, embrulhando seu estômago vazio desde a manhã do dia anterior.
se amaldiçoou quando sentiu ar nos pulmões, já não sentindo vontade de chorar por falta de emoções.
Um móvel foi brutalmente jogado contra a parede atrás de seus fios embaralhados e sujos, fazendo a parede tremer e pó cair em seu antebraço. Quando ergueu o pescoço, era como se a pintura Barroca de demônios em forma de anjo estivesse se movendo.
TU ÉS TÃO INÚTIL, ! TÃO INÚTIL, TÃO INÚTIL! — Lilith urrou do outro lado das paredes, então tudo tornou a tremer.
empurrou o edredom que cobria suas panturrilhas para o chão, com os olhos fixos nos desenhos que se movimentavam. Ali, retratando Afrodite e o pecado da luxúria em meio aos demônios de uma forma gentil, com anjos e um campo que se perdia em um horizonte turquesa, Eros lançava flechas em direção à Terra. Ali os homens matavam e eram mortos por causa da paixão causada pelos deuses.
A ÚNICA COISA QUE TU DEVERIAS FAZER ERA DAR-ME O ANTICRISTO E NEM ISSO TU ÉS CAPAZ! ÉS UM FARDO! A DESGRAÇA DE UM FARDO! AMALDIÇOADO. SEJA O DIA QUE ROUBEI TUA ALMA PARA FAZÊ-LA MINHA E DO MALDITO DE TEU PAI! TU ÉS TAMANHA ABERRAÇÃO QUE SE NÃO FOSSE PELA PROFECIA, JÁ ESTARIA MORTO! SE NÃO FOSSE PELA CRIAÇÃO QUE EU COORDENEI A SAMAEL, ESTARIA MORTO! PORQUE TU ÉS UM POÇO DE DECEPÇÃO, UM POÇO DE DESGRAÇA, UM POÇO DE ESTUPIDEZ! — ela gritava tão alto, mas tão alto, que podia escutá-la estourando seus tímpanos. Sua voz demoníaca, grossa e rouca, se confundia com sua voz normal, até um pouco angelical, que se tornava feroz e assustadora quando se punha aos berros.
Mas não se importava com aqueles gritos, porque estava acostumada a eles. Não só pelas diárias discussões entre e Lilith — e ela se perguntava, em seu íntimo subconsciente que ainda não havia sido devorado pela insanidade daquele pesadelo, até quando ele se submeteria àqueles tratamentos e àquelas humilhações —, mas também pelas brigas entre seus pais, os quais ela quase já não se lembrava dos rostos — sempre que pensava em sua mãe, o zumbi de seu pesadelo atormentava sua visão, fazendo-a apertar os ouvidos e cantarolar uma música qualquer, com os olhos abertos fixos em qualquer história desenhada na parede de seu quarto.
Eros, depois de mandar suas flechas para Terra, voltou-se para o paraíso com demônios encapuzados. Os pequenos demônios desviaram seus olhos pretos do horizonte para — olharam diretamente para ela, fazendo-a perder o ar, puxando-o em uma lufada só. Eles viraram suas cabeças, ficando de frente para ela; o canto de seus lábios finos e mal contornados, apagados pelo tempo, abriu um daqueles sorrisos macabros que ela tanto temia em seus pesadelos e em sua vida real, fazendo-a dar um passo para trás, quase caindo da cama, tropeçando na mesa de cabeceira, derrubando o abajur. As flechas voaram como balas, acertando os anjos que não se moviam, mas sangravam. O sangue vermelho vivo escorreu pelas paredes como se elas chorassem, e, bem em cima do rosto de , Afrodite chorava sangue preto que caía em grossas e pesadas gotas direto na bochecha extremamente pálida da garota que mal conseguia respirar.
A maçaneta da porta girou para a esquerda, depois para a direita — não fora gentil, mas sim bruto. O demônio empurrou a porta, mas estava bloqueada. Por sua sombra, ela pôde ver que era um homem com chifres gigantescos. O cheiro podre de enxofre entupiu suas vias respiratórias e uma fumaça avermelhada começou a adentrar o quarto pelo vão da porta, junto de sangue demoníaco.
— Meu Deus — ela gemeu, encolhendo-se e apertando as têmporas. O silêncio assombrou seus ouvidos por um segundo apenas e, depois, o urro de ódio de Lilith e a porta sendo brutalmente esmurrada, a maçaneta girando e o gotejar insistente do choro de Afrodite em cima de sua cabeça.
gritou com toda força de seus pulmões e sentiu o gosto do sangue de sua garganta na língua. Apertou os olhos com muita força e unhou a lateral dos olhos e parte superior das bochechas quando fechou a mão em um punho.
Quando arregalou os olhos, tudo estava normal e a porta estava aberta.
Não tinha ninguém ali.

Quando o sol bateu no meio da cortina, soube que logo abriria a porta para estuprá-la uma quarta vez ao dia. Mas, daquela vez, ele não se antecipou ou sequer apareceu. Ela abriu os olhos e franziu suavemente o cenho, molhando os lábios secos enquanto se encolhia ainda mais sob o edredom pesado que suava suas têmporas e pinicava sua lombar.
Maior parte da consciência ainda sã de a ordenou que ficasse deitada como maior parte dos dias do resto da sua existência, enquanto o restante pediu que ela se levantasse e, com cautela, se informasse do motivo de ele não obedecer como um cachorro as ordens de sua mãe.
respirou fundo e se obrigou a levantar. Encostou os pés no chão frio e sentiu um arrepio, caminhando lentamente até seu armário em busca de alguma roupa. Olhando aqueles tecidos, não sentiu vontade de vestir nada. Queria voltar e se deitar, esperando morrer. Depois que o Anticristo nascesse, ela não seria mais útil.
Seus ouvidos tremeram quando ela ouviu passos tão leves quanto plumas. Seu coração já cansado de sentir medo se afundou ainda mais em seu peito, tornando a doer. Virando lentamente o olhar para trás, não viu nada além de vultos.
Não iria sobreviver a mais um pesadelo com os olhos abertos.
pegou uma roupa qualquer, agarrando um tecido pesado, de um jeans azul marinho, e uma blusa preta de mangas compridas, e se vestiu, prendendo o cabelo em um coque tão mal feito quanto o resto de sua aparência. Quando abriu as cortinas e o sol tocou seu rosto, suas órbitas arderam como se alguém tivesse jogado spray de pimenta nelas. Revirando sua bolsa, encontrou óculos escuros e os postou nos olhos, sentindo medo da lembrança que cortou seus pensamentos quando a haste roçou nos novos machucados causados por suas unhas lascadas, nas têmporas, bochecha e lateral dos olhos.
Ela abriu a porta de seu próprio quarto e, descalça, pisou no carpete do corredor. Com a ponta dos dedos arrastando nas paredes e os olhos fixos no andar mole de suas pernas, desceu as escadas, sentindo arrepios e a presença de espíritos rondando seu corpo. Ela respirava com dificuldade e, se prestasse atenção, veria vapor sair por entre seus lábios entreabertos.
Só precisava estar na companhia de alguém, talvez, e tudo ficaria um pouco melhor.
então seguiu pelo corredor lateral a escada, que ligava a sala à cozinha, se direcionando para os fundos, onde , deitado em uma cadeira de sol, admirava a pilha de corpos se consumir em chamas. Ela não olhou; apenas continuou olhando para os pés, para as unhas cumpridas e sem cuido.
Ele estava sério, ela podia até sentir. Estava com raiva, faiscando e deixando exalar. O vento frio não o atingia como atingia , deixando-a congelada, paralisada; ele estava confortável naquela camiseta preta, com os pés também descalços balançando impacientes, suspensos no ar. As mãos espalmadas na nuca deixavam seu olhar direcionado para o céu, embora seus pensamentos estivessem muito abaixo do celestial.
Uma trêmula se aproximou, puxando uma cadeira para não tão próximo dele.
— Ora, veja só, quem resolveu enfim aparecer — disse, com o sarcasmo escorrendo por sua boca ressecada. não o olhou de volta. — Desculpe por não aparecer no nosso encontro — ele quase riu com sua ironia.
sentia dor ao respirar. Tudo à sua volta a aterrorizava e, quando, sem querer, olhou para a pilha de cadáveres, viu o olhar agonizante de um morto, o braço estendido clamando por ajuda. Ela virou o rosto e, em um impulso, se colocou de pé.
— Já está indo embora? Fique um pouco mais comigo. Dentre todos aqui, você é a que mais gosto de ter por perto — ele se sentou. não se dava mais ao trabalho de reconhecer seu tom de voz; estava enlouquecendo ali. A folhagem do jardim era o local ideal para um demônio assombroso se esconder; se ela olhasse para lá, tinha certeza que veria seus olhos e escutaria seu riso macabro.
— Eu tenho que... — ela revirou as mãos, dando passos para trás.
ficou de pé e segurou seu braço com força, trazendo-a para perto. Aquilo doeu, como em todos seus outros encontros. Ela negou com a cabeça e tentou se soltar, mas não tinha força suficiente ao menos para tentar.
— Eu estou com fome — mentiu. abriu um sorriso infernal.
De repente, sem ao menos se explicar, ele ergueu seu queixo e a beijou. Durante seus encontros, ela evitava olhá-lo e ele não a obrigava fazer mais que o bastante: abrir suas pernas.
Então se lembrou do gosto dele. Se lembrou do calor de sua pele, da suavidade de seus movimentos. Sentiu a mão dele em seu cotovelo, enquanto a outra subia por seu ombro até chegar ao maxilar, agarrando-o de uma forma que, por vezes, não machucava, mas a agradava. Roçaram seus narizes, trocaram seus calores, então finalmente ela sentiu, naquela parte ainda sã de sua consciência, algo parecido com segurança.
mordiscou o lábio inferior de , puxando-o por um segundo antes de dar um beijo rápido em sua boca, tornando a beijá-la com intensidade quando aproximou ainda mais seus corpos, colando seus peitorais. A mão que estava em seu cotovelo subiu até seu outro maxilar, erguendo-a o pescoço. Seu indicador tocou sua bochecha machucada, fazendo-a, em um baque estrondoso, como se um caminhão a houvesse empurrado em um precipício, afundar-se em seu pesadelo novamente.
abaixou a cabeça, juntando os lábios em uma linha. Primeiro caminhou pela grama, depois correu.
puxou, com o polegar e o indicador, seu lábio superior, colocando a outra mão na cintura, negando com a cabeça enquanto se entregava, novamente, a um ódio demoníaco que não lhe cabia dentro do corpo.
Ela subiu pela escadaria com os olhos cheios de lágrimas, com um aperto tão significativo no peito que sempre que respirava seus ossos doíam. O medo a puxava da realidade, afundando-a em sua miséria. Parada no corredor com as mãos espalmadas na altura de sua lombar, tocando a parede, ela respirava com dificuldade, escorregando até sentar-se no chão.
Nunca havia se sentido tão só em toda sua existência.
Quando as lágrimas secaram, segundos depois, ainda com o rosto molhado, ergueu o olhar para o corredor submerso em uma névoa de alucinações.
Ela estava presa em um pesadelo, mesmo quando acordada.
Ouviu passos ao seu lado e virou com força o queixo para encarar a panturrilha nua e pálida de Samael, com os pés e os tornozelos sujos de barro. Ela subiu os olhos ainda cobertos pelos óculos por seu corpo coberto apenas por uma bermuda surrada, de aparência extremamente velha, então viu sua expressão facial mudar completamente para algo curioso e até um pouco sombriamente encantado.
— Tu não achas que já está escuro demais para usar estes óculos? — ele abaixou o queixo para poder encará-la melhor, com os olhos de ressaca afiados como lâminas.
Ela negou com a cabeça e engoliu em seco, encolhendo os dedos dos pés e das mãos quando um vulto frio passou ao seu lado, correndo e rindo para a outra extremidade do corredor.
— Nós estamos do teu lado — sua voz não tinha emoção; era fria e séria. — Não deverias sentir pavor de estar conosco.
Sem esperar uma resposta, ele seguiu por seu caminho. Olhando por onde aquele demônio seguiu, ela teve o vislumbre dos cabelos lisos e escuros de enquanto ele subia as escadas com os olhos direcionados para o chão e o maxilar travado, junto com os punhos fechados e os nós dos dedos a ponto de explosão.
Ele se guiou até ela, que, respirando com os lábios levemente entreabertos, os sentia secos, assim como parte de sua bochecha. parou a dez centímetros de e estendeu sua mão para ela — a pegou e se ergueu com sua puxada firme.
— É preciso que nós dois desejemos a criança — sussurrou ele, com a voz rouca. — E eu sei que está apavorada, , mas está me perturbando fazer isso com você dessa forma — havia um quê de verdade em sua voz, por detrás de toda aquela asneira demoníaca em instigar pecados nos de carne e cabeça mais fracos. — Você não tem que imaginá-lo como um demônio, mas sim como a junção de nós dois — ela negou com a cabeça e contraiu o cenho, se perdendo em imagens horríveis que sua cabeça criava quando tentava unir demônios a bebês e partos. — Dentro de você, ele não terá nada de demoníaco — embora ela olhasse diretamente para o chão, podia senti-lo encarando o fundo de sua negra alma. — Minha parte humana se unirá à sua e então seu corpo gerará um bebê normal, um bebê humano — ela franziu o cenho e lambeu o lábio inferior, ainda relutante em deixar sua mente acompanhar aquelas palavras. — Pandora explicou isso a você e à minha mãe. Ele será uma parte minha e sua, , uma lembrança concreta e tocável da minha humanidade e de como eu poderia ser, de como meu filho poderia ser, caso eu não tivesse sido roubado por Lilith. sentiu empatia por ele, mordendo a boca, hesitando em encará-lo.
O indicador dele subiu por seu braço até seu pescoço, encaixando em seu maxilar para erguer seu queixo. Ela o olhou por detrás das lentes escuras de seus óculos.
— Me dê essa chance, — por mais que duvidoso, seu tom parecia realmente honesto. — Me dê essa chance de poder viver uma vida humana.

Quando abriu os olhos, depois de um sono pesado que a levara em dimensões altíssimas, sem ver nada além do completo breu da escuridão, sentiu-se estranha — havia um quê de lascívia rondando por suas veias ou outro sonho com final trágico tinha se dado início?
Olhando para o lado, se encontrou sozinha em seu próprio quarto, vendo tudo com os olhos embaçados, como se uma cortina os cobrisse de uma forma irritante — ela tentou, com a lateral dos dedos indicadores, espantar aquela ofusques, mas ela persistia em ficar.
empurrou o edredom para fora do corpo e encostou a sola dos pés no chão frio, sentindo um arrepio correr por seus calcanhares até o alto de sua nuca. Tornando tudo ainda mais estranho, a única coisa de que se lembrava era de ter conversado com . Não sabia como havia ido para cama, ou sequer como aquele sono chegou.
Ela negou com a cabeça e franziu o cenho, seguindo para o banheiro. O chão ainda estava sujo com cacos ensanguentados, fazendo-a escolher onde pisar. Em um nojo de sua própria pele suja, impregnada com suores e arranhões, ela sentiu, pela primeira vez, vontade de se cuidar. Dentro de sua cabeça, as palavras de iam e vinham como um vendaval, martelando com cada vez mais força — mas não parecia natural, dentro de sua consciência, sentir-se daquela forma; era como se algo a estivesse controlando para fazer tal coisa.
tomou um longo e demorado banho, sentindo a pele arder onde suas unhas formaram caminhos de pele levantada e pequenas bolas de sangue seco. Molhou os cabelos e os perfumou com uma lavanda qualquer que Lilith deixara ali, sabe-se lá quanto tempo antes, deixando-os limpos, ainda que secos e mal tratados. A pele arroxeada logo abaixo de seus olhos — que tinham um tom escuro, quase tão possuído e sem resquício de outra cor como os de Samael — a deixava com a aparência ainda mais doentia — graças à falta de fome, ela podia contar suas próprias costelas sem mínima dificuldade, quase como todos os ossos saltados de seu corpo pálido.
Ela se levantou da banheira, sentindo a água escorrer por sua pele avermelhada pelo calor e, com a boca levemente rosada entreaberta e molhada, ela se cobriu com uma toalha e partiu pelo quarto, seguindo pelo corredor.
O quarto de ficava na extrema esquerda, duas portas além do quarto de .
Com as pegadas brilhando no chão de madeira, ela girou a maçaneta e ouviu o estalo da porta abrir.
A primeira coisa que vira dentro do quarto dele, no entanto, a fez sentir aquela imensa excitação de antes do pesadelo se dar início.
também havia tido a ideia de tomar banho, então seus cabelos já um pouco compridos pingavam gotas quentes por seu tórax bem definido, criando um caminho deleitoso por seu abdome rijo, coberto por pintas bem posicionadas. Ele estava de lado para ela, com a barba por fazer aparentemente mais escura por causa do tom alvo de sua pele, deixando seus lábios extremamente vermelhos ainda mais convidativos aos dela.
não conseguia olhar para outro lugar no corpo de que não fosse seu busto e suas pernas. Ainda que muito mais magra que o seu normal, ela permanecia perfeita aos olhos humanos e demoníacos dele.
Quando ela sorriu daquela temível forma que derretia luxúria e lascívia, deixou que uma risada nasalada corresse por seu rosto, mostrando um sorriso lateral.
Ela deixou que a toalha caísse no chão, então molhou os lábios e caminhou até ele, tocando, com a ponta dos dedos, seu peitoral molhado, empurrando-o com brutalidade e força para a parede.
Então o beijou como nunca o havia beijado antes, com um fervor que crescia do inferno ao Paraíso.


21.

Her face seems slowly sinking, wasting, crumbling like pastries. And they scream: the worst things in life come free to us.

sentia-se presa em um sonho, perdendo-se da realidade de segundos em segundos. Uma hora estavam se beijando de forma violenta e animalesca, enroscando seus corpos e prensando-os contra a parede, enquanto na outra já estavam deitados na cama, com entre suas pernas, roçando seu membro já rígido no interior de sua coxa, descendo os lábios úmidos e os beijos quentes por toda a extensão de seu busto, demorando-se nos mamilos excitados e rosados. A palma de sua mão apertava a lateral de seu corpo ainda molhado, desde a lateral do seio até o final da cintura.
Ela se sentia viva e quente depois de quase um mês presa em uma morte sem escapatória.
roçou sua barba por fazer pelo meio dos fartos seios dela, subindo por seu pescoço até seu maxilar, beijando e mordendo o caminho que seguia até sua boca, dando início a outro beijo ainda mais fervoroso e violento, empurrando a nuca para baixo do colchão. Entre suas pernas, sentia-a pele roçar quente contra a sua conforme movimentava seu quadril levemente — apenas para deixá-la ainda mais excitada, roçando sua glande no clitóris dela.
abriu seus olhos para vê-la consumida no pecado do prazer.
Seus olhos estavam fechados, seu pescoço direcionado para trás, os lábios mordiscados e úmidos.
Antes que pudesse sequer estar em si novamente, se viu com as mãos no pescoço de , quase perfurando sua pele com a força que usava nas unhas presas na linha de seu maxilar; então arqueou sua nuca e o beijou com ainda mais força — fazendo-o, pela primeira vez, sentir seu rosto ser empurrado para trás por tamanha intensidade. se posicionou sentada nas coxas de , abraçando com as pernas com força; ele colocou umas das mãos em sua cintura, enquanto a outra se entrelaçava em seus cabelos molhados e a puxava para mais perto. Quando um arrepio eriçou os pelos dela, quase pôde vê-los negros e afiados. Ela mordeu com força o lábio inferior dele, sugando por um minuto ou menos, antes de jogar seu pescoço para cima, com os olhos fechados, e sorria para o teto, consumida em êxtase.
arranhou com força a pele de sua cintura, fazendo-a soltar um mínimo urro de dor que o deixou ainda mais excitado, sorrindo em meio ao transe de tê-la, depois de muito tempo, entregue ao seu prazer, respondendo seus estímulos.
mordeu com força a boca antes de encaixar-se no colo dele de forma que ele pudesse penetrá-la. A única coisa que queria era senti-lo o mais fundo possível e o mais rápido possível; então começou a se mover por cima dele, indo o mais rápido que conseguia, ouvindo o som de seus corpos colidindo e os ofegos dele, que pouco a pouco se convertiam a curtos e miúdos gemidos. Ele a trouxe para perto, descendo as mãos por seu tronco até metade de suas costas, empurrando-a para que seus tórax ficassem o mais próximo possível. adorava sentir o movimento da respiração de — mais especificamente o movimento de seus mamilos úmidos contra o peitoral dele.
Ambos se moviam em seu máximo para que aquele prazer chegasse a alturas inimagináveis.
abocanhou a pele abaixo da clavícula de , chupando-a enquanto movimentava seu quadril com extrema brutalidade. Já ela entrelaçou seus finos dedos nos cabelos negros da nuca dele, puxando-o com tanta força que o fez gemer em um arrepio profundo que percorreu todo seu corpo na mais pura lascívia. Ele moveu a língua em direção ao pescoço dela, dando mais chupões ali, sentindo a pulsação acelerada de na ponta de sua língua, deixando-o ainda mais ludibriado em estar chupando-a também o sangue. O gosto doce de sua pele, quando continha deleite e luxúria correndo junto às células sanguíneas, era tão saboroso quanto bebê-la o sangue puro, direto da artéria do pescoço.
Ela posicionou suas duas mãos nos ombros de , empurrando-o para trás. Desceu-as até seu peitoral e então, em formato de garra, o arranhou até o início dos ilíacos saltados. colocou as mãos em sua cintura, auxiliando-a a intensificar seus movimentos. Ela praticamente pulava em seu colo, fazendo-o perder o contato visual para assistir o sincronismo de seus corpos, o vai-e-vem extremamente rápido e insano de seu membro penetrando dentro dela; também movia seu quadril para cima e para baixo, fazendo-o senti-la ainda mais.
Quando uma pequena brisa adentrou o quarto pela janela entreaberta e empurrou os escuros e longos cabelos molhados de para trás, ela sorriu ainda mais extasiada, sentindo um arrepio longo explodir suas células em fragmentos incontáveis, dando início a um espiral interminável de puro êxtase que ia desde os dedos dos pés até o último folículo capilar. Seus mamilos ainda mais arrepiados tinham total atenção dos olhos de , completamente hipnotizado pela nostalgia de ter . Ela levou suas próprias mãos para a lateral do corpo e as subiu até os seios, apertando-os e puxando os mamilos, lembrando-se, por um segundo, do principal ensinamento de Alysha: “Faça o que eles desejam fazer em você”.
riu com os olhos fechados e soltou um gemido baixo quando mordeu seus lábios e sentiu, como um trovão em meio ao silêncio, as unhas dele percorrendo o mesmo caminho delicado que antes fizera, tocando-a em seus seios com tanta brutalidade que outro maravilhoso e longo orgasmo se deu início. Ela rolava as auréolas por detrás das pálpebras de seus olhos, de tão consumida em deleite.
então arranhou a lateral de seu corpo quando a puxou para que deitasse em seu peitoral; depois, desceu-as até suas nádegas, agarrando-as enquanto se movia com extrema rapidez dentro dela. Com a boca bem próxima ao ouvido dele, seria ingenuidade não gemer baixo ali, levando-o a intensa loucura. virou com força o pescoço em um momento de descontrole, sentindo os arrepios de êxtase se tornarem cada vez mais constantes na altura de seu abdome até o alto de sua glande. Ele jogou seu pescoço para trás e o deixou livre para que ela o mordesse e o chupasse, arranhando seus dentes por seus tendões até a altura de seu peitoral.
elevou o tronco, empinando a bunda, jogando o cabelo para trás de forma que as pontas tocassem a mão dele — ela mostrava seu prazer sem medo de que os outros demônios dentro da casa a pudessem escutar.
impulsionou o tronco para se sentar na cama, entrelaçando os dedos nos cabelos da nuca de , puxando-a para que seu pescoço ficasse ereto, livre para que ele o pudesse chupar e morder. Movendo seu quadril em sincronia à cintura dela, sentiu as unhas de passarem com extrema força em ambos seus ombros.
deitou o corpo para trás, permitindo que passasse os olhos por todo seu busto e abdome; ele apertou seus seios com bruta força, mordendo os lábios enquanto, suavemente, franzia seu cenho com outro pico de prazer que arrepiava todos os mínimos pelos de seu corpo. Ela passou a mão nos cabelos, puxando-os como um leque negro para cima de sua cabeça, esticando o tronco para cima quando outro orgasmo a atingiu, clamando baixo o nome dele em meio à embriaguez, mordendo os lábios com muita força, quase os fazendo sangrar, enquanto franzia o cenho e trazia o pulso para o olho esquerdo, esticando os dedos para que eles tocassem nos cabelos de sua testa, puxando-os em meio à falta de sentidos sóbrios. Ele passou a mão por todo o corpo dela, arranhando-a com força, movendo-se com ainda mais animalesca intensidade; segurando sua cintura, a puxava para que suas estocadas fossem mais profundas, sentindo-a ao máximo, de forma que nunca havia sentido com outra mortal. Ele se deitou por cima dela, chupando e beijando seus seios em uma vontade incontrolável, vendo-os se moverem para cima e para baixo conforme o movimento de seus quadris. Segurando com força — de modo que, sob a pele dela, se formassem relevos — a parte de cima de suas coxas, suas estocadas ainda mais fortes faziam com que o corpo dela escorregasse no lençol.
O suor que nascia em seus corpos os fazia deslizar — e quando deslizava sua mão pela coxa de , apertando-a com extremo deleite, sentia o ofego dela contra seu ouvido, e o pressionar forte de suas unhas em seus ombros e costas.
Ele se separou dela por um segundo, sentando-se em seus calcanhares. se virou de barriga para baixo, sentindo-o pressionar a mão espalmada em sua lombar para que ela permanecesse daquela forma. Ele abriu um pouco suas pernas, vendo-a apoiar a bochecha no travesseiro, mordendo a boca — então sorriu com extrema lascívia pela inquietação dela. Penetrou-a com já extrema força e então começou a se mover de forma muito rápida, segurando na bunda de . Com as pernas mais fechadas, a sensação estreita era indescritível. jogou sua cabeça para trás e franziu o cenho, sentindo-a empinar a bunda para que a penetração fosse mais profunda, indo e vindo junto com ele. Quando moveu os olhos para encará-la, viu que apertava o lençol, gemendo baixo, junto com os ofegos dele. Os cabelos úmidos de sua nuca estavam tão negros quanto os olhos dele.
O som do quarto era o mesmo das outras vezes: suas respirações descompassadas entrelaçadas com seus ofegos e gemidos, também misturadas com o baque forte de seus corpos, que deslizavam sobre os lençóis, cada vez mais rápidos.
apoiou o cotovelo na cama, ainda com o tronco na diagonal, sentindo-o apertar com força, com a ponta dos dedos e as unhas, sua bunda, puxando-a para trás toda vez que seu quadril a empurrava para frente. Ela encolheu a ponta dos dedos dos pés quando outra espiral de êxtase começou a elevar seu corpo em diversas direções, fazendo-a rebolar e impulsionar o quadril para trás com mais brutalidade. Ela esticou os dedos das mãos quando o sentiu puxar seus cabelos de uma vez, estourando alguns fios, empurrando seu queixo para que seu pescoço ficasse de lado, de forma que seus lábios pudessem tocar toda a linha de seu maxilar e bochecha, mordendo-a, sugando-a e chupando-a conforme continuavam a se mover. tocou seu seio esquerdo, apertando-o e massageando-o, roçando seus lábios úmidos em seu ombro quando soltou um gemido contra sua pele, misturando-o com um arfar.
Ela abriu suas pernas e se virou de frente para ele, empurrando-o pelos ombros, tornando a ficar por cima. Encaixando-se em seu membro rígido, já se movia sem sua ajuda, deitando-se por cima de seu corpo, roçando seus mamilos duros e úmidos em seu peitoril rijo, soprando seu hálito quente em sua boca vermelha entreaberta. abocanhou seus lábios, beijando-a com violência, puxando os cabelos de sua nuca com a mão direita, enquanto com a esquerda guiava os movimentos de sua cintura. Ele elevou os joelhos, sentindo a bunda dela tocando a parte superior de suas coxas em cada movimento rápido que fazia. Cada vez que roçavam seus narizes, o som de suas respirações se tornava mais alto, assim como seus gemidos. Quando não conseguiram mais respirar, separaram as bocas, juntando as testas, ficando com os olhos fechados. franziu o cenho e impulsionou o quadril para cima quando um pico de prazer cresceu no alto de seu estômago e caiu em queda livre por seu corpo, eriçando todos os seus pelos, fazendo-o tombar o pescoço para trás e gemer, puxando com mais força o cabelo de , ouvindo-a soltar um delicioso gemido de dor.
Ele arranhou com força a pele de sua cintura e subiu as unhas pela lateral de seu corpo, formando três caminhos vermelhos em sua pele já rosada pelo calor, apertando o seio também com força, depois empurrando a cabeça dela para que se beijassem de novo. Mordeu seu lábio inferior, sugando-o, arranhando seus dentes na parte de dentro daquela pele molhada, quente e macia, cortando-o na ponta. o puxou, franzindo o cenho, sugando seu próprio sangue. Quando abriu os olhos, viu sorrir extasiado com o poder que o sangue amaldiçoado causou eu seu sistema. Ela apoiou os joelhos na cama, ficando com a bunda arrebitada, sentindo as mãos dele de novo em sua cintura, mantendo-a naquela posição. Então, como uma sequência de choques ritmados e extremamente deleitosos, começou a se mover dentro dela, com os olhos fixos na reação de , que mantinha os olhos fechados.
Aquele orgasmo duplo quase a fez chorar, tamanha intensidade. Ela franziu seu cenho e encolheu as sobrancelhas, sentindo o nariz arder e os olhos marejarem. Soltando gemidos pelos lábios entreabertos, ela baixou a cabeça e encurvou a coluna como um gato, mordendo a boca, soltando-a milésimos depois para poder respirar. riu com sua vulnerabilidade, estocando com mais força ainda. quase o pediu para parar, mas outro orgasmo fez sua voz emudecer em um gemido miado, quase sem fôlego.
afundou as unhas em sua cintura, subindo-as por suas costas até os cabelos de sua nuca, puxando-os para que ela elevasse o pescoço, deixando-o livre para seus lábios. Ele mordeu sua pele, sugando-a e beijando-a, arranhando seus dentes com força e leveza, a fim de proporcionar os mais variados sentidos nela.
negou com a cabeça, incapaz daquilo. a impulsionou para trás, deixando-a com as pernas abertas quase em uma abertura total. Ele se deitou por cima de sua barriga, com o membro inteiro dentro de sua intimidade, movendo-se tão vagaroso e torturante que mal poderia calcular sua insanidade. Ele roçou de leve seus lábios e narizes, com as pálpebras moles quase fechadas. Ela respirava descompassadamente e tinha o canto interno dos olhos fechados úmidos por lágrimas. riu, trazendo a palma da mão até ali, tapando a vista.
Então tornou a movimentar-se como um animal, ouvindo os gemidos de , agora, próximos demais de seu ouvido, levando-o à loucura da lascívia. As mãos dela estavam em sua lombar, arranhando-a em uma tentativa falha de se controlar, e os joelhos apertavam as laterais de seu quadril. Seu corpo ainda ia e vinha por cima do lençol, arrastado pelo dele.
continuou se movimentando mesmo quando seu corpo inteiro explodiu em endorfina, partindo todas as suas células em quinhentos mil pedaços. Em meio ao seu deleite, pela primeira vez em milênios, ele sussurrou seu nome, puxando seu cabelo e beijando sua boca, mordendo seu lábio para poder sugar seu sangue pelo milimétrico buraco que seu canino havia feito minutos antes. Ele gemeu, ouvindo o som de seus corpos colidindo.
quase teve outro orgasmo quando entreabriu os olhos por um segundo e se perdeu na expressão facial que fez quando jorrou seu líquido para dentro dela, deslizando por sua barriga enquanto aqueles segundos não passavam. Ela agarrou com força as extremidades do rosto dele, puxando-o com o cenho franzido e os olhos pesados para outro beijo furioso. Ela mordeu o lábio inferior dele antes de soltá-lo para deixá-lo respirar, ouvindo o doce cantar de um gemido vulnerável que saía rouco e pesado dos lábios molhados de .
Quando acabou, ambos respiravam com dificuldade. Ela ainda mantinha os olhos abertos, mas o queixo direcionado para a janela — o céu brilhava em um tom único de anil, sem nenhum vestígio de nuvens de chuva. As árvores que cercavam a mansão de Lilith dançavam com o vento e quando quietaram, em um segundo, não sentiu mais nada; estava imersa no sonho novamente, sem saber o que era realidade, o que era ficção. Fechou seus olhos com sonolência e deixou que fizesse o que mais quisesse nela. Ele, muito distante, sussurrava tão baixo que ela não conseguia distinguir suas palavras — pareciam sons roucos de uma televisão com o sinal ruim, mesmo quando os lábios dele estavam praticamente colados em seu ouvido, proferindo baixo enquanto a beijava e mordia o lóbulo da orelha.
franziu o cenho para a claridade e se virou na cama, deitando-se de bruços. franziu o cenho e molhou o lábio inferior, olhando para a lateral do rosto sonolento dela, que evitava deixar os olhos abertos porque insistiam em arder na presença de — ou de Samael, ou de Lilith; somente quando estava sozinha podia deixá-los escancarados sem que doessem.
Ela então levantou da cama e foi até a porta do quarto, cobrindo o corpo enquanto voltava para seu próprio cômodo. Ela teve a impressão de escutá-lo chamar seu nome enquanto também se levantava e a seguia, mas não queria olhar — queria apenas seu quarto e, de volta, sua banheira com cacos de vidro, para que pudesse sonhar com o breu mais uma vez, antes que aquela sessão longa e demorada de pesadelos se desse início outra vez.
Bateu a porta e a trancou no mesmo segundo, levantando os olhos com certo ódio carregado nas pretas auréolas que não se diferenciavam mais das pupilas, que reluziam branco como as de um animal noturno.
Ela então se virou e, deixando a toalha cair pelo corpo para o chão por uma segunda vez, fechou a porta do banheiro e se deleitou na água fervente da banheira, com os dedos entrelaçados na altura de seu útero.

Era exatamente três horas da manhã quando abriu os olhos para a escuridão de seu quarto. Ela não sabia quanto tempo passou desacordada.
Levantou-se da banheira com água já fria e sentiu o gélido vento da madrugada arrepiar sua pele, deixando-a com um peculiar e familiar peso de medo entre os seios. No escuro, ela não sabia onde pisar para não ter o pé cortado — gemendo pela dor quando deu seu primeiro passo, seu nariz, com extrema perfeição, captou o cheiro de ferrugem de seu sangue. O barulho do silêncio da noite a incomodava de uma forma estranha.
Quando, finalmente, conseguiu ligar a luz, viu ainda mais sangue no chão e, pelo reflexo de um dos cacos espalhados pelo chão, o estado assustador de seu rosto e principalmente olhos.
não se reconhecia mais.
Pulou os vestígios de espelho espalhados pelo chão e foi até seu armário, pegando uma legging preta e um casaco grosso, de cor grafite, enrolando os cabelos molhados em um coque apertado antes de destrancar a porta e, silenciosamente, descer a escadaria a caminho da cozinha. De uma forma assombrosa, ela não sentia tanta dificuldade para ver no escuro como normalmente sentiria, mas o pavor em seu peito se alojava mais e aumentava a cada passo que dava.
Quando a palma das mãos tocou a porta fria da cozinha, ela a empurrou e fechou em um baque só, encostando a traseira do corpo na madeira fria.
Ali, o vento frio era mais intenso. Ela pôde sentir a presença de outra pessoa a observando em uma proximidade extremamente clara — então hesitou em acender a luz, com medo do que poderia ver. Respirando com a boca entreaberta, ouviu passos. Sua mão bateu com força na parede em busca do interruptor, mas ele parecia ter desaparecido. A coisa no escuro que a observava sorriu para ela, mostrando seus dentes afiados e brilhantes. se virou e, batendo com mais força a mão na parede, quase se ajoelhou e se encolheu. Quando olhou para o lado novamente, o brilho daquele sorriso havia ido, mas sua presença ainda era bastante perceptível.
direcionou os olhos para o chão e o silêncio da madrugada congelou seus tímpanos. Quando lentamente os arqueou para a porta, tentando empurrá-la, era como se alguém do outro lado a segurasse com força para que não abrisse. Ela olhou para o escuro novamente e, em um piscar de olhos, o sorriso e os olhos brilhantes voltaram com força, quase a atravessando de tão próximos que apareceram.
Ela gritou, mas sua voz não existia mais. não tinha mais forças e, quando o demônio no escuro apareceu de novo, voando com tanta força para cima dela, ele a atravessou, levando junto de si toda a vitalidade que existia dentro da garota.


22.

I’ve lived a lot of different lives, been different people many times.

No momento em que Lilith despertou, soube que a aurora matinal havia adquirido outro tom, outro cheiro, mostrando que algo naquela atmosfera havia mudado. Abrindo seus olhos vermelhos, encarou a escuridão e flutuou pela mansão até o andar debaixo. A aurora do início da manhã, tão tímida e clara quanto gélida, clareava o corpo esguio e nu, machucado em tantas várias partes por arranhões severos e cortes profundo de uma lâmina afiada, de , que tinha os longos cabelos escuros lhe tampando boa parte do tronco. Uma das pernas estava estirada para frente, virando seu quadril, enquanto a outra se esticava para baixo, mostrando à Lilith que ela caíra enquanto andava pelo jardim durante a madrugada.
Naquele momento, a garota antes adormecida escancarou seus olhos impenetravelmente negros, olhando fixamente para um ponto invisível no ar. Seu corpo pressentiu os passos lentos do demônio, acusando-a com um arrepio peculiar, talvez de medo ou angústia, no meio da espinha. As unhas dela afundaram na grama mal cuidada, com resquícios de cinzas dos cadáveres queimados na noite passada, sujando-se com barro e vísceras em formato de pó.
Quando o pé desnudo de Lilith tocou a grama, se ergueu com um pulo sobrenatural, colocando-se em posição de ataque, olhando fixamente para os olhos escuros, porém com uma única auréola vermelha, de Lilith.
O demônio mais velho soltou um urro de raiva, vendo que sua protegida amaldiçoada estava com o corpo possuído por outra alma de índoles maliciosas, permanecendo com o corpo ereto, mas as garras e chifres já expostos, querendo mostrar quem era, exigindo respeito. soltou um grito agudo que arranhava a pele fraca de sua garganta, fazendo-a sangrar. Olhou para os céus e, com os olhos virando, amaldiçoou-a em latim, torcendo o pescoço enquanto babava a se pronunciar.
Lilith correu em direção à menina, segurando-a com força no pescoço, erguendo-a com os pés fora do chão. Sentiu suas unhas quebradas e mal cuidadas, ásperas e afiadas, arranharem-na com extrema violência a pele do pulso e dos braços, tentando se segurar.
— Diga-me quem és! — exigiu ela, gritando. Seus dentes quadriplicaram de tamanho, as veias surgiram exaltadas sob a pele já arroxeada. — Sou rainha do inferno! Ordeno que digas quem tu és!
— TU NÃO ÉS RAINHA DO SUBMUNDO! — cuspiu o demônio, esticando as pernas de para empurrar Lilith de seu encontro. O baque dos pés da garota no peitoral da mais velha fez com que ela enrijecesse, jogando-a no chão com brutalidade. — NÃO ÉS RAINHA DE NADA, LILITH! HÁ MUITO MEU VERDADEIRO REI TE PROCURAS A FIM DE EXTERMINÁ-LA DE UMA VEZ POR TODAS! TU ÉS UMA TRAIDORA, DEMÔNIO! NÃO NOMEIE-SE RAINHA OU IGUALE-SE A MEU SOBERANO REI, LÚCIFER!
— QUEM ÉS TU?! — gritou mais uma vez, com voz de demônio, falando alto, com o rosto franzido em imensurável ódio.
Os gritos roucos e ríspidos dos demônios afugentaram os corvos que repousavam nas árvores secas dos fundos da mansão. Eles planaram alto, cantando seu medo.
O demônio que possuía soltou uma risada tão fúnebre quanto pavorosa, deixando extremamente claro os caninos levemente mais afiados de . Ele jogou o pescoço da mortal para trás, silenciando-a com um estalo. As mãos voaram até seu rosto, arranhando-o enquanto ela, em um segundo de lucidez, gritava de dor.
Lilith correu até o chão e segurou os pulsos cortados dela, empurrando-a no chão com força para que parasse de se debater. O demônio fazia com que soltasse gritos que oscilavam entre pavor, angústia e extrema dor, estirando seu peito para cima enquanto debatia suas pernas, tentando puxar os braços para machucar a mais velha. Embora muito mais forte que o normal, por estar possuída, e o demônio que a possuía, juntos, não tinham força o suficiente para derrotar Lilith.
Por um segundo, o demônio que possuía a garota se quietou, fazendo-a parar com o rosto estirado para o céu e os olhos extremamente negros úmidos com uma coleção de lágrimas que a deixavam ainda mais pálida.
— Diga-me teu nome, demônio! — ordenou Lilith, com um rosnado.
— Chamam-me de Larkin, servo leal de meu primeiro rei, Lúcifer, e apenas ele — Lilith negou com a cabeça. Já ouvira aquele nome antes, mas dizia-se de um amigo, não de um parasita.
— De quem são as ordens de possuir este corpo? — ele olhou diretamente para ela, depois dobrou-se em gargalhar um som horroroso e rouco. Lilith deu um soco em seu supercílio, fazendo-o rir mais.
— Bata-me mais! Mais! A dor e o sofrimento dessa pobre alma delicia meus sentidos! Bata-me! — gritou ele, arregalando os olhos. — Bata-me, falsária ingrata!
QUEM ÉS TU?! — Lilith já não tinha mais controle de seu ódio. Ela aproximou o rosto demoníaco do de , rosnando próxima de sua boca.
— Chamo-me Larkin! — repetiu ele, gritando também. — Tu não sabes quem sou eu?! — gritou novamente.
— Que porra está acontecendo? — indagou , parado próximo da porta da cozinha. Larkin riu ainda mais descontrolado, começando a debater-se de novo.
— Tua recepção me desagrada, nomeada em egocentrismo de Rainha do Submundo — uma gota de sangue escorreu de onde ele havia arranhado o rosto de , no maxilar, próximo da orelha. A gota formou um caminho corrente em vermelho que morria na grama verde acinzentada. — Já a de tua cria, deixou-me ainda mais apegado ao corpo desta humana tão desprezível que lhe parece ser de extrema importância.
— Sugue a alma dele! — gritou , com o cenho franzido.
— Sugue! — concordou o demônio. — Sugue e leve consigo a alma do anticristo que este corpo carrega em seu útero!
Lilith se afastou como se tivesse acabado de levar um choque. Larkin fez com que se sentasse, olhando diretamente para os olhos azulados de .
— Estás tomando as rédeas de uma vida frágil, minha rainha — disse Larkin, em sua voz áspera e rouca, que movia rápido os lábios da garota. — Não percebes que já se passa da primeira vez que perde a oportunidade de perceber algo simples, como a presença de um demônio em tua própria morada? — ele negou com a cabeça. — Já não era sem tempo que tua prole ocupasse teu lugar nesta maldita batalha que crava com Lúcifer desde as primeiras eras.
— Quem ocupará meu lugar será o Anticristo! — esbravejou. franziu o cenho e travou o maxilar, sentindo-se completamente vulnerável.
— E percebes o tanto que fora fácil, para mim, subir até esse centro e ocupá-lo com minha alma? Tão debilitada, sofrida e mal cuidada, afogada em uma depressão sem aparente cura, pedindo aos gritos que alguém se alimentasse de tamanha desorientação e sugasse enfim todo este desespero.
— Quem és tu...? — indagou de novo, franzindo o cenho e encolhendo os olhos.
Larkin! — ele gritou, fazendo as veias saltarem do pescoço e ombros. — Tu estás velha, Lilith! Não tens mais força suficiente ou soberana inteligência de vencer esta batalha!
— Por que veio até aqui? — indagou . Seu tom firme chamou os olhos de Lilith para ele.
Larkin virou seus olhos para a prole.
— Digo que tuas habilidades reprodutivas de demônio não se sobressaem aos sentimentos de tua alma humana. Bastou mostrar fragilidade para que alguma chama dentro da garota se despertasse como um sol, atingindo-a com uma esperança tão vaga de que este poderia ser teu verdadeiro eu. E lhe faço a pergunta: seria? — ele encolheu os olhos da garota.
— É óbvio que não! Sou um demônio, sou a prole de Lilith e Lúcifer! — era clara o tom ofendido em sua voz.
— Tu és apenas uma alma humana roubada para a estupidez de dois demônios ignorantes!
— Como sabes destas mentiras, demônio?!
— TU TENS PLENA CERTEZA QUE NÃO SÃO MENTIRAS! — Larkin ficou de pé, com as mãos em garras, olhando diretamente para Lilith. — COMO TENS A AUDÁCIA DE SER TÃO IMBECIL, DEMÔNIO? COMO NÃO SABES QUEM SOU EU?
Larkin fez com que jogasse seu pescoço para trás e convulsionasse em pé. A espuma preta que saía de sua boca fazia seus olhos negros se virarem para dentro, enquanto todos seus dedos eram contorcidos em visível dor. Os arrepios fortes que passaram por seu corpo a deixava ainda mais arrepiada; os cabelos negros tocavam o alto de sua lombar, molhados pelo chão e pela chuva que tinha se iniciado.
O demônio tocou as extremidades da ponta da boca de como se ela fosse um saco onde ele se escondia. Seus dedos eram compridos e ossudos, de cor azulada, de pele áspera e sem humidade; suas garras eram compridas e amarronzadas, tanto sujas quanto velhas. Ele empurrou a boca de e colocou sua mão inteira para fora, escalando o interior da garota para se colocar para fora.
Lilith só havia visto um demônio com aquela figura uma vez na vida: há milênios.
Larkin colocou-se para fora com o corpo coberto por um líquido gosmento e incolor, com cheiro forte de sangue. Tinha os cabelos molhados de cor loura escura, pele tão pálida que chegava realmente a ser azulada, mesmo quando fora de sua forma demoníaca. Os dentes permaneciam compridos mesmo quando em forma humana, com duas áreas pontiagudas ao lado das têmporas, onde nasciam os chifres em tronos de cor de petróleo.
caiu para o lado e se chocou com o chão úmido desmaiada, com os olhos vidrados já de cor natural — a lateral da boca estava cortada.
Quando tornou a olhar para frente, Larkin mostrou seus olhos de demônio com duas auréolas amareladas, uma mais dourada que a outra. Seu nariz era pequeno e achatado, estando extremamente enrugado por mostrar-se com o rosto franzido, rosnando. Ele era alto, com quase dois metros de altura. Era velho e Lilith sabia disso.
— Tu não tens mais a prática de ser o demônio que era antes, minha querida Lilith — disse Larkin, com a voz suavemente alterada depois que exposto em sua forma humana. Ainda era rouca, rápida e extremamente grossa. — Não deve permitir que estas falhas continuem degradando teus planos, senão ele derruirá antes mesmo que tenha a oportunidade de enfim mostrar a Lúcifer tua nova e talvez poderosa arma.
Larkin parou, notando os olhos curiosos de Lilith. Ele logo seria reconhecido.
— Passei mais de catorze dias dentro do corpo de tua humana sem que alguém me notasse, mesmo quando me deitei com tua prole — sentiu um arrepio de nojo embrulhar seu estômago. — É frágil e patética sua proteção com este corpo.
— Cale-se, Larkin! — gritou ela. — São falhas que jamais se repetirão!
— Samael voltou-se do Inferno para cá sem que notasse tua presença nas chamas de tua própria lareira! — esbravejou em resposta. — Admita! Admita que ruinará!
Lilith rosnou novamente antes de atacá-lo direto no pescoço.
nunca a tinha visto ser arremessada mais de nove metros quando tentava arrancar a cabeça de seu oponente.
Larkin negou com a cabeça, com vergonha.
— Vou dar-te a chance de reconhecer-me uma última vez.
— Clichê! — gritou Samael, enfim aparecendo. Ele tinha o rosto coberto de sangue, mostrando que havia ido além das fronteiras da mansão para se alimentar. — Estás apresentando-se a nós possuindo o corpo de nossa mascote? — gritou ele, rindo, andando até o demônio nu. — Ouvi teus ruídos do outro lado da montanha — explicou-se ele, encarando Lilith se levantando com os olhos arregalados e os lábios espumando raiva. — Estávamos tão desnorteados com a confirmação de que nossa cria — ele apontou para , sem encará-lo, com a palma da mão estendida para cima — não tens, aparentemente, força o bastante para procriar com uma raça extinta, que não notamos tua presença. Peço perdão em nome de Lilith. Nossa Majestade demonstra visível perturbação em relação à falta de utilidade de tua prole com o Lorde do Submundo.
— Se tanto ouviu nossa conversa, sabe que o Anticristo já está sendo criado no útero dela — rosnou .
Samael se virou com um sorriso brincalhão nos lábios finos. Bateu palmas com sarcasmo.
— Larkin! — enfim gritou Lilith, virando-se rápido para ele. — Lorde das terras amaldiçoadas da Europa, demônio que espalhara a Peste Negra e devastou milhões de almas ao Inferno! — ela arregalou os olhos. — Larkin!
— Esquecera-se de mencionar: querido espião em meu nome à demanda do paradeiro de Lúcifer no começo de minha imortal, exaustiva e completamente inútil fuga.
— Não fora completamente inútil — tentou-se defender.
— Vejo — ele olhou com repulsa e desdém a bagunça que se encontrava aquela mansão, aquelas almas, aqueles, aparentes, soldados. E, principalmente, sentiu pena da garota que carregava dentro de si a alma ainda pura do Anticristo, a junção de dois sangues roubados, amaldiçoados por sua humanidade.

Larkin fora um dos pioneiros da legião de Lúcifer, criada a partir do sangue dele, com Lilith ainda sendo sua esposa e então rainha do Inferno. Ele era responsável pelo país da Europa, onde a peste começara no século XIV, levando almas condenadas a serem escravos eternos do Diabo na restauração de seu império subterrâneo. Durante a fuga de Lilith, depois que o paraíso de lavas de Lúcifer começou a desmoronar com o roubo do antes Anticristo, ele se viu persuadido, nutrindo um estranho sentimento fraternal pelo demônio fêmea — diferente de Samael, não a desejava como sua, mas almejava sua segurança longe das montanhas rugosas do Inferno. Sem direcionar uma palavra de sua nociva traição ao primeiro demônio ou quaisquer uns de seus lacaios, ele a ajudou a escapar para as entranhas de um novo mundo ainda pouco habitado — a Terra. Depois de pouco mais de um milênio, enfim Lilith tornou a vê-lo. Seus trajes e sua impecável aparência deixavam claro que ele havia subido à nobreza, convencendo Lúcifer de que algum outro demônio havia ajudado Lilith a escapar. Agora Larkin fazia parte da confiança do rei e tudo que ele dissesse, pensasse ou fizesse, estaria certo aos olhos malignos de Lúcifer.
Depois de quase mais dezenove milênios, estavam enfim se vendo novamente em uma estranha situação.
Se já era do conhecimento de Larkin que não era o Anticristo que os demônios acreditavam, de um modo ou outro, em uma fração de tempo, Lúcifer também descobriria; então não demoraria até que ele também soubesse que o verdadeiro Anticristo já estava sendo criado dentro do útero de uma amaldiçoada — e seu paradeiro, obviamente, era na Terra, aos cuidados da maldita Lilith.
O plano inicial de Lúcifer era conquistar os três mundos para derrotar seu maior inimigo, o Anjo Celestial, e ser o único Deus que a humanidade e o sobrenatural um dia conheceram. Poder indescritível era a única coisa que ele almejava, nem que precisasse destruir todos ao seu redor para consegui-lo — e, com o Anticristo ao lado de Lilith, com as histórias que ela contaria, fazendo-o ser a praga e o monstro, Lúcifer não conseguiria vencer, então Lilith tomaria seu lugar e procederia com seu plano.
Lúcifer contra-atacaria com ainda mais força e poder a busca do paradeiro de Lilith, de sua amaldiçoada e de seu Anticristo.
Ele não descansaria até que todos estivessem mortos.

Quando o sino das três horas da manhã bateu, sentiu uma pontada estrondosa em seu útero que a despertou de um turvo sono. A dor fora infinitamente maior que a pior cólica que já tivera em toda sua vida.
Seu corpo estava tentando expulsar aquele organismo estranho alojado em seu útero.
gemeu, abraçando as extremidades do quadril enquanto se punha sentada, suando frio. A escuridão a abraçava como uma manta quente e úmida, deixando-a com a incômoda sensação de falta de ar.
Em meio à sua alucinante dor, ela chamou o nome de e de Lilith na esperança de que algum daqueles demônios a pudesse salvar daquela cólica.
Ela se levantou da cama e jogou o edredom no chão, cambaleando frágil e debilitada até o abajur próximo da janela, acendendo a luz amarelada. Ali, vendo seu perfil pelo espelho do armário, encontrou-se muito mais pálida. Arqueou o algodão cinza de sua regata para dormir e viu que, no final de sua barriga, abaixo de seu umbigo, a pele se encontrava sobre relevos levemente mais avermelhados e quentes que o resto do corpo. Franzindo o cenho, com muito cuidado e delicadeza, passou a ponta dos dedos com unhas cortadas em cima de seu útero.
Ela podia senti-lo ali, a protuberância do corpo estranho pressionando seu útero, lutando para permanecer preso ao seu corpo.
Seu pavor deu espaço ao encantamento. Por um segundo, parou de sentir as terríveis cólicas que aquela batalha proporcionava e enxergou a beleza por trás de tanto horror — lembrou-se de que aquilo era a união do seu corpo com o de , e enquanto aquele feto permanecesse dentro dela, pelos próximos nove meses, ele não passaria de um adorável bebê. Quando nascesse, ainda poderia aproveitá-lo por um ano antes que Lilith o roubasse.
Com uma última pontada, a dor se foi. A pressão diminuiu até que seu útero voltasse ao tamanho e cor normais, ainda permanecendo levemente mais quente.
arqueou seus olhos para seu rosto no reflexo, então, em um momento quase insano, imaginou como seria seu filho com aquele demônio.


23.

Tell me: would you kill to save your life?

— Vi que tu precisavas de ajuda — disse Cornellius, acariciando a pele de urso preto que cobria seus ombros nus —, não só em relação ao seu deplorável exército, como também na batalha que logo virá — Lilith assentiu com respeito e o maxilar travado, sentada com as pernas cruzadas enquanto o acompanhava andar de um lado para o outro à sua frente, na sala. — Preciso que tudo esteja pronto ao anoitecer.
— Estará — garantiu, colocando-se de pé. — É de imenso prazer o que estás fazendo por mim — sua sinceridade brilhou nos olhos enquanto o fitava diretamente. Cornellius apenas assentiu uma vez, piscando lentamente.
— Tenha certeza que tua amaldiçoada saiba se defender; é de vital importância que não necessite de ajuda enquanto sozinha. Além de ridículo, é irritante — ele se virou de costas, começando a caminhar para a porta da frente. Lilith apertou os punhos e contraiu ainda mais o maxilar. — Demônios de várias legiões virão à tua cerimônia. Quando sentirem o cheiro de carne humana, que exala do corpo débil daquela criatura, não posso garantir-lhe de que serão autocontroláveis. Conheço meus servos tão bem quanto a mim, mas entenda-me que não os controlo com minha mente — ela assentiu outra vez. — São demônios com sentidos aguçados, dos quais não se lembravam quando presos no Submundo; não estavam expostos a tal atmosfera terrestre.
— Compreendo-te — Lilith parou de andar quando Cornellius também quietou os passos. A casa se cobriu com um silêncio perturbador.
— Tenha em seu conhecimento — ele se virou lentamente — de que aprecio tua companhia — ele abaixou o queixo enquanto Lilith concordava com a cabeça.
— Aprecio-te também, meu amigo.
— Mas pressenti muitas coisas das quais desgostei. Tua prole é frágil como demônio quando deverias ser mais carniceiro que o próprio Lúcifer — uma chama de ódio ruborizou a pele do demônio fêmea. — A presença da amaldiçoada aprofunda a alma de demônio e impulsiona a de humano. Seja cuidadosa com as ações daquela criança.
— Tomarei as devidas providências — assentiu. — Não te preocupas com isto, meu amigo. Se alimente e voltaremos a nos ver ao entardecer. A mansão estará preparada para tua legião.

acordou pouco antes do sol se pôr. Colocou-se de pé e seguiu o barulho de móveis se arrastando, parando no alto da escada de mármore.
A sala tinha aparência de um imenso salão livre. O lustre aceso iluminava em amarelo as paredes escuras, o chão brilhante e livre de quaisquer móveis que antes se espalhavam por ali. Havia uma mesa de buffet com travessas e tigelas fundas e o cheiro de carne e sangue que estava impregnado no ar era impossível de não sentir. As chamas estavam acesas e, quando o último móvel foi devidamente retirado de vista, o único som que se ouvia era o borbulhar de um líquido já servido.
Richard adentrou a sala com os ombros, peitoral e testa suados, de forma que seu cabelo preto ficasse ainda mais escuro. Ele suspirou e averiguou o trabalho, assentindo consigo só.
— O que está acontecendo? — indagou. Mesmo em tom normal, sua voz ecoara pelas paredes.
Só então Richard notou sua presença, erguendo o queixo para olhá-la no alto da escada, com as mãos espalmadas no corrimão.
— Lilith fará uma reunião com sua legião — ele deu alguns passos em sua direção. — É melhor que se vista de acordo, porque ela não vai gostar de chegar e te ver com esses trajes.
olhou para o próprio corpo, depois subiu os olhos para o peitoral de Richard. Seus músculos brilhavam com o molhado do suor; seus olhos verdes pareciam faiscar agora que livres do preto que os contornava quando transvestido em demônio, em sua forma original; seus lábios já haviam a mesma tonalidade alaranjada de antes, embora ainda ressecados pela falta de sangue virgem. As rugas que apareciam na lateral de seus lábios e olhos eram charmosas ao ver da garota.
— Eu não tenho roupas — disse enfim, quando tornou à realidade.
— Sabemos disso — riu. — Suas roupas estão no quarto de Lilith.
assentiu e se virou antes que se colocasse a analisá-lo uma segunda vez. Caminhou apressada pelo corredor até chegar ao quarto principal, que estava com a porta fechada. Cautelosa, girou a maçaneta e se deparou com um cheiro de jasmim, janelas que cobriam a parede inteira, com cortinas vermelhas transparentes que iam desde o teto até o chão. A cama de casal estava arrumada com almofadas douradas e escarlates, forrada com um tecido preto que protegia o vestido que Lilith havia separado para . Fechando a porta, andou poucos passos até que seus joelhos tocassem ao veludo do edredom bege. Com cuidado e suavidade, tocou a palma da mão no zíper e o puxou em um estrondo para o silêncio daquele quarto, liberando o tecido suave e branco de seu vestido.
Se tivesse riso, riria. Era engraçada a comparação do branco com a pureza, virgindade, associada a seu sangue amaldiçoado de primeira linhagem.
Lilith queria mostrar aos outros que a herdeira sanguínea de Eugine estava sob suas posses.
Mas ela perdeu o ar. Não sabia como teria coragem de usá-lo em uma ocasião tão fútil quanto uma reunião com demônios. Na verdade, mal sabia se iria por sua cara ao ver daqueles seres do submundo — ela não queria vê-los, não sentia-se apta o bastante para encará-los depois do pesadelo de ser possuída; tinha medo do que veria.
Com uma respiração profunda e longa, ela passou a ponta dos dedos nos adornos de diamantes.
— Eu também achei de muito bom gosto — uma voz soprou quente em sua nuca, fazendo-a dar um pulo ao se virar com o coração batendo alto e rápido contra o peito. Com um sorriso de soslaio nos lábios avermelhados, encarava-a diretamente nos olhos.
! — disse com um quê de riso, tentando sorrir. — Não sabia que estava aqui.
O silêncio se implantou entre seus corpos quentes. O vento frio que soprava do oeste trazia consigo a chuva e a neblina, que começava a turvar o chão que rodeava a mansão, tornando tudo ridiculamente clichê.
— Algo te incomoda — soprou , com o cenho tão levemente franzido que mais parecia outra alucinação da mente de . Ela o olhou e soprou um riso nervoso, negando com a cabeça. — Minha mãe pediu que eu te treinasse — ele voltara a adotar seu tom sem resquício de sentimento, duro.
— O quê? — ela temia a resposta.
— Se defender.
Antes mesmo de terminar sua frase, ele a atacou. Segurou seu pescoço e a jogou no chão, rosnando próximo de seu rosto. Pelo susto, ela cravou os dedos com unhas em cotocos em seu pulso, tentando arranhá-lo para que ele a soltasse. Os joelhos dele seguravam a cintura de de modo que ela não conseguisse se virar. Aos poucos, as unhas de iam se transformando em garras.
— Defenda-se! — ele berrou com voz de demônio.
franziu o cenho e ergueu o joelho, chutando-o no pulmão, entre a costela e o osso do ilíaco. cambaleou, deixando-a livre por um segundo ou dois. Naquele momento, se livrou de sua mão, empurrando-o com força para o lado oposto.
Ela nunca havia notado como era boa naquilo.
Ficando de joelhos, se colocou de pé no mesmo momento em que ele se agachava para atacá-la novamente. Ela sentiu uma onda de adrenalina correr por seu corpo, fazendo-a franzir o rosto quando ele correu para cima de seu esguio corpo. Desviando com uma rapidez incrível, ela o agarrou pelo pescoço e arranhou sua nuca, empurrando-a para dar uma joelhada em seu nariz. fora mais rápido que sua perna, entretanto, e se guiou para trás dela, segurando-a pelos cotovelos, unindo-os em suas costas. sentiu os pés saírem do chão quando ele a puxou. A respiração um pouco descompassada de tocou a lateral de seu pescoço, excitando-a de uma forma peculiar.
— Não sabia que era tão boa nisso — disse ele, rindo contra sua pele. Roçou os dentes afiados e a barba em sua pele frágil, sentindo o cheiro de seu sangue.
Outra onda de adrenalina passou como fogo por suas veias, fazendo-a impulsionar o quadril para trás e fazê-lo deitar-se em suas costas pelo momento que puxava os braços e o cotovelava no alto do peito. Seus braços finos escorregaram pelas mãos dele e, ainda curvado pelo soco, ele não se defendeu quando ela chutou seu rosto e o fez cair no chão, com a barriga para cima. Antes mesmo de deixá-lo respirar, ela já preparou a perna para outro chute, sentindo apenas o ar quando a moveu. estava com as garras fincadas na parede, rosnando para ela. sorriu com aquilo, achando graça naquela luta.
Quando ele se preparou para atacá-la, abaixando sugestivamente seu tronco, não o viu se mover — fora muito mais rápido que um piscar dos olhos —, apenas sentiu suas mãos preencherem suas costelas, estreitando seus braços até que fosse difícil respirar. impulsionou a cabeça para trás e pisou com força nos pés dele, ouvindo-o gemer baixo em seu ouvido pela dor, soprando uma risada em sua nuca. Os cabelos dela estavam embaralhados, com fios que lhe caíam a face quente e rosada; sua respiração saía pela boca para facilitar entrada e saída. A barba de roçou em seu pescoço e ela sentiu um arrepio pela excitação que a contração de seus músculos, tensos, causou. Quando reparou, seus olhos estavam entreabertos.
— Eu senti falta da sua alma, — sussurrou ele, mordendo lentamente o lóbulo de sua orelha. — Dessa ferocidade que a acompanha.
Ele tocou com a ponta dos dedos longos a outra extensão de seu pescoço, juntando os cabelos em um rabo-de-cavalo lateral, prendendo-o com o polegar e o indicador. Roçou seus lábios ásperos contra a pele alva e aveludada dela, beijando-a tão suavemente que mal pareceu um toque. A respiração de ficou pesada quando ele desceu um pouco mais as mãos de suas costelas para o baixo de seu umbigo.
Uma onda de adrenalina cortou suas células ao meio, fazendo-a arregalar seus olhos. Lembrou-se de que deveria se proteger, que aquele era um treinamento.
colocou a mão no rosto de , tocando seu maxilar e, em um segundo, puxou seus cabelos com força no mesmo momento em que impulsionava o cotovelo para trás e o dava um golpe no meio das costelas. O ar que saiu da boca dele tocou seu pescoço, fazendo seus cabelos voarem suavemente. Ela sorriu como uma criança quando, por uma segunda vez, se viu livre de seus estreitos braços.
negou com a cabeça, reprovando-a enquanto sorria malicioso.
— Ah, ... — soprou, voando em sua direção. — O que vou fazer com você?
Com reflexos antes desconhecidos, desviou das garras de , fazendo-o fincá-las na parede. Ela correu para o outro lado da cama, abaixando levemente o tronco, imitando-o em sua posição de ataque. Quando ele se virou para ela, estava ereto, com as mãos em punhos. Os olhos vermelhos a fazia palpitar, assim como o afiado de seus quatro caninos — lembrava-se de que ele era um demônio.
subiu na cama com rapidez, movendo os braços e as pernas como um lobo que ataca. Pulando nela, agarrou-a pelos ombros e a pressionou no chão. esticou a perna e o chutou na parte superior da coxa direita, empurrando-o para o lado. No mesmo segundo, montou em seu quadril e puxou seus pulsos para cima de sua cabeça, fincando as unhas em sua pele dura, vendo os dedos afundarem sob sua tez.
— O que eu vou fazer com você? — disse ela, sentindo-o tentar puxar as mãos. Não sabia que tinha tanta força quando movida por impulso.
rosnou, fazendo-a soltar uma risada debochada. Vendo-o franzir o cenho e enrugar o nariz com bastante ódio, ela abaixou o rosto e roçou seus cabelos nos ombros robustos e fortes dele; beijando o canto da boca.
Uma sinfonia de palmas irônicas cortou o silêncio de suas respirações. Quando virou o rosto, viu Lilith com os braços cruzados e o cenho suavemente franzido. Colocando-se de pé, ela puxou as mechas soltas de seus cabelos escuros para trás das orelhas, escutando suspirar enquanto também se punha em pé.
— Vejo que o Anticristo não só a deixa mais feroz, como também mais forte — murmurou ela, dando apenas um passo para dentro de seu quarto. — A presença dele sob tua pele é fascinante — ela alargou um sorriso sombrio, abaixando os olhos negros, com vestígios escarlates, para o vestido amassado em cima do revirar do edredom da cama. — Já provou teu vestido?
— Não — respondeu simplesmente, com uma frieza que nunca usara antes com o demônio. virou os olhos para ela, encolhendo-os. Sentiu-se suavemente extasiado com o afrontamento com Lilith, principalmente quando vinha daquela pequena garota humana.
— Então prove — Lilith também adotara o tom bruto que usava com seus outros servos. — Meus convidados estão a caminho e não gostaria que chegassem sem que tu e minha prole estivessem em teus devidos lugares, no salão principal, por estarem brincando em meus aposentos.
— Não estávamos brincando — interrompeu —, ele estava fazendo o que você mandou que ele fizesse — piscou um par de vezes; nem ele falaria assim com Lilith. O demônio soltou uma risada fria, negando com a cabeça.
— Não fora isto que pedi — ela apontou para eles com a mão direita espalmada para cima. — Se estivessem, de fato, treinando, não estariam em lugar fechado, e provavelmente o demônio não estaria em tua forma humana — ela negou com a cabeça novamente. — Saia — ordenou. logo se pôs a caminhar, mas permaneceu parada. — SAIA!
lançou um último olhar à Lilith antes de se esticar pela cama e agarrar brutamente seu vestido, caminhando com ódio para a porta de acesso ao corredor principal.
Nunca, nem em um milhão de anos, a antiga agiria assim com tal força sobrenatural — tinha medo de Lilith. Mas agora tudo que lhe sobrou fora um gigantesco quê de raiva e desgosto — não gostava de como ela tratava seu único filho, mesmo que roubado, mesmo que fosse um demônio desprovido de sentimentos maternais; e odiava ainda mais a ideia da submissão ridícula de .
Se ele se opusesse, talvez ela notasse a capacidade que ele tinha e o trataria de forma menos humilhante.

Já era final de tarde, começo de noite, quando tudo estava pronto. Richard estava trancado no banheiro de hóspedes, se arrumando, enquanto Samael e terminavam de amarrar suas gravatas-borboleta.
tinha os olhos fixos nos movimentos de seus dedos enquanto notava o olhar curioso de Samael penetrando sua pele.
— O que o faz ser tão apegado à humana? — indagou ele, enfim. moveu os olhos negros para fitá-lo com desdém; aquela era a primeira conversa que realmente tinham, depois de todos aqueles milênios. — Obviamente, não sou tolo para deixar de perceber o quão bonita é, mas não compreendo porque tamanha afeição. Depois da certeza de que o óvulo amaldiçoado fosse fecundado, não deveriam mais se ver.
— Minha mãe quer que eu a treine para defender-se dos outros demônios — no mesmo segundo em que a frase terminou, Samael soltou uma gargalhada alta.
— Acredita mesmo que aquele saco de ossos é capaz de se defender de um de nós? — ele negou com a cabeça. — Francamente, , não imaginava que tua ingenuidade fosse tamanha.
— Não acredito que ela seja capaz de se defender — concordou ele, virando-se de frente para o outro demônio. — Sigo ordens de Lilith assim como você — ele ergueu uma das sobrancelhas de forma sugestiva. — Obviamente, não sou tolo para deixar de perceber que ela o mandou aqui — ele abriu um sorriso de soslaio.
Samael assentiu com respeito.
— Se não fosse por tua alma humana, serias um demônio das mais altas classes, — ele caminhou até a porta, parando com a mão no batente. — Sei que a fraqueza vem impregnada a um terço de tua alma, mas parece sobressair-se a todas as outras.

estava quase pronta; faltava apenas o teimoso zíper traseiro, que ia desde o final da lombar até o final das costelas — ele havia empacado no meio do caminho e, se ela pusesse mais força, teria grandes chances de estourá-lo.
Soltando um suspiro e um gemido impaciente, ela largou os braços ao lado do corpo e encarou o folgado feio que aquele defeito do zíper trazia às alças, bufando outra vez, com raiva. Esticou o braço para trás, mas o zíper teimava em não se mover. Derrotada, o puxou com força para baixo e acompanhou o vestido cair em um círculo em seus pés.
Tornou a olhar seu reflexo no espelho, passando a ponta do indicador abaixo dos olhos para corrigir a minúscula falha de seu lápis nos cílios inferiores. Depois, ajeitou o batom vermelho, aprofundando o V em seu lábio superior.
A maçaneta girou e, bastando virar os olhos para a porta, Samael entrou em seu quarto. Por reflexo, se virou sobressaltada.
Os olhos dele faiscaram quando a viram seminua, fazendo crescer um malicioso sorriso na lateral de seus lábios avermelhados.
— Permita-me ajudá-la — ofereceu, caminhando até ela.
, rígida e tensa, voltou a encarar seu reflexo.
Samael se ajoelhou e puxou o vestido longo e branco até esconder os seios arrepiados e alvos da garota; depois, com os dedos pálidos, puxou o zíper com facilidade, até que estivesse no final. Ele não emperrou uma única vez.
O caimento, quando posto da forma certa, ficara perfeito. O tecido valorizava suas minuciosas curvas, deixando-a favorecida; os seios pareciam maiores e mais empinados, deixando qualquer um que a encarasse certo de que aquele era um corpo de demônio, que atiça a luxúria — um dos pecados mais simples de se cometer, que também alimenta qualquer ser do submundo — a energia vital dispersa no sexo.
Os cabelos estavam presos em um coque formal. O prendedor era de safira — para, finalmente, combinar com o anel que a presenteara há meses.
— Tu ficaste encantadora — disse Samael, encarando-a diretamente nos olhos. se virou.
— Obrigada — ela tentou retribuir seu olhar, tentando soar intimidadora e confiante. Mas ele atiçava vulnerabilidade nela, como se estivesse com a alma exposta.
— Tenho uma pergunta a ti — Samael abaixou os olhos. — Tu sentes algo pelo primogênito de nossa Majestade?
? — sem que ele a olhasse nos olhos, sentia-se mais confiante para falar.
Era ridículo não ter medo de Lilith, mas ter de Samael. Na verdade, sentia-se intimidada com ele. Talvez por sua desconcertante beleza, mas todos eram bonitos — até mesmo Richard sem a presença de sangue virgem em seu sistema.
— Não — mentiu ela. Samael encolheu os olhos de gato.
— Tens certeza?
— Claro que tenho certeza dos meus sentimentos! — ela rolou os olhos. Samael trouxe a mão para o meio da barriga e coçou sua palma. Ela soube que, por lembranças mais antigas e quase apagadas de sua memória, que ele queria bater nela.
— Imaginei que, como muito juntos, tu pudesses sentir algo por ele. Talvez afeição — tentou. negou com a cabeça.
— Coloco-me no meu lugar de prisioneira — disse o que ele queria ouvir; ou, melhor, o que Lilith queria ouvir. — Sei que só estou aqui porque sou a mãe do Anticristo, do contrário estaria acorrentada no porão da casa, servindo de coquetel para os convidados da noite.
Samael exalou uma risada.
— Tua audácia me agrada — ele permaneceu com o sorriso nos lábios. — Entendo o motivo dele, sim, sentir afeição por ti. És arisca, , como um animal selvagem — ela abriu um sorriso irônico. — Talvez tenha agido com a mesma ferocidade e rebeldia quando na missão de gerar o Anticristo — ela franziu o cenho.
— Talvez — concordou. — Era preciso que ambos o quisessem — repetiu as palavras de , que soavam como um sonho turvo e oco.
— Não te assombras que um demônio cresce em teu ventre? — ela negou com a cabeça no mesmo instante.
— Não é um demônio enquanto dentro de mim — corrigiu.
— Entendo — ele puxou o ar, colocando as mãos para trás enquanto dava um passo em direção à porta. — Lilith ordenou que viesse aqui lhe chamar para o jantar.
— Tenho uma pergunta para você — ela ergueu os olhos e, com coragem, encarou o mar preto e profundo nos olhos de Samael.
— Faça-a.
— Por que todos se submetem às ordens de Lilith, se humilham perante sua figura? — Samael virou suavemente o queixo, sorrindo pelo canto dos lábios.
— Ela é nossa rainha — disse de forma óbvia.
— Sim, mas se vocês se unissem, seriam mais fortes que ela. Acho ridículo o modo que são tratados, mesmo quando ela não faz mais parte do trono do Inferno.
— Tu não medes tuas palavras? — ele adotara um tom sombrio. — Lilith é nossa rainha, mesmo que não se sente ao lado de Lúcifer no Inferno.
Toda aquela coragem se esvaiu quando ele tornou a dar um passo em sua direção, desunindo as mãos para apontar o indicador no meio de seus olhos.
— Não ouse — ele pausou, franzindo mais o cenho. Seus olhos ficaram ainda mais escuros. — Não ouse confrontá-la, achando que o Anticristo a protegerá de teus devidos castigos, quando expelido de teu útero. Depois de tê-lo, saibas que não passará de uma arrogante amaldiçoada qualquer.
assentiu, engolindo em seco.
— Goze desses nove meses, — advertiu, tornando a ficar ereto, com as mãos atrás do corpo —, porque, quando acabarem, já sabes teu lugar na cadeia alimentar.


24.

Into your lives hopeless and taken, we stole our new lives through blood and pain.

suspirou, ajeitando-se na cadeira, deixando a coluna ereta enquanto lambia timidamente os lábios, pegando sua taça de champanhe para dar mais outro gole.
Estava morrendo de tédio. As bolinhas que dançavam em sua taça de cristal estavam mais interessantes que todo aquele baile.
Olhando de longe, não parecia uma casa infestada de demônios — parecia mesmo um baile cheio de pessoas bonitas e bem vestidas. Lilith ainda não tinha aparecido, e a noite adentrava rápida pelas longas janelas barrocas no alto das paredes. Uma música suave, instrumental, era tocada ao vivo por humanos — e, notou, os garçons também não eram demônios. Eles não notavam que o ar fedia a sangue e carne crua? Ou que, dentro daqueles potinhos brancos que ofereciam aos convidados, circulando em bandejas brilhantes de ouro, não era carne de vaca, mas sim de gente? sentia o estômago embrulhar com aquela informação exagerada.
Encarou sua volta, assistindo alguns casais dançarem de forma graciosa, como se já tivessem nascido fazendo tal arte.
As mulheres, em sua quase que total maioria, tinham cabelos brilhantes e afáveis, de cores vibrantes e vivas — mesmo as louras platinadas, com cabelos quase brancos, pareciam ter menos de trinta e cinco anos. Os olhos eram de vários tons escuros, quase se igualando ao preto, com resquícios de pintas, auréolas, extremidades em cores de olhos humanos. Seus trajes eram impecáveis e brilhavam na rala luz amarelada que o lustre de cristal oferecia à gigantesca sala, que se tornara um perfeito salão, na mansão de Lilith.
Os homens, entretanto, eram os que chamavam mais a atenção da garota.
Sua maioria mantinha os traços medievais de sua era de nascimento, como, por exemplo, os cabelos que batiam nos ombros, ondulados e bem penteados. Outros, que mantinham os cabelos curtos, os tinham bem penteados para o lado. Alguns poucos, como , Samael e Richard, ousavam seguir o século presente, deixando-os bagunçados e infernalmente atraentes.
Outro grupo pequeno, de mulheres e homens, não abusava do sangue virgem, como Cornellius, para mostrar aos olhos de quem visse sua idade e sabedoria.
Cornellius, aliás, estava no topo da escada de marfim, bebendo junto de outro demônio de aparência velha. Este tinha cabelos escuros e pele parda, com os quatro caninos afiados mesmo fora de sua forma demoníaca. Quando riram, se viu obrigada a desviar o rosto com o estranho incômodo que sentiu ao percebê-los virando os olhos para encará-la — estavam falando dela.
Sentado à mesa junto dela, fazendo uma companhia obrigada, estava Richard. A velhice lhe caía muito bem — as pouquíssimas rugas de expressão que apareciam ao lado de sua boca e olhos combinavam com os tímidos fios brancos que apareciam ao lado de suas têmporas fundas. A pele ainda brilhava em uma nostalgia jovial e o corpo permanecia extremamente rígido, robusto e forte. Sua boca suavemente seca ainda tinha o tom alaranjado que tanto chamava atenção, e seus olhos tinham um vago resquício do quão atraentes e hipnotizantes eram quando tinha acesso fácil a sangue virgem.
Richard era o único ali que aparentava ter, no mínimo, quarenta e três anos, mas mesmo assim estava terrivelmente atraente.
Ele se virou para ela e deixou que as costas relaxassem na cadeira, pouco se importando com o que os outros falariam de suas atitudes.
— Você gostaria de dançar? — indagou rouco.
— Pensei que não pudéssemos sair da mesa — ele deu de ombros.
— Só não posso deixá-la fora de vista.
avaliou sua pergunta e, não vendo mal, se colocou de pé. Richard abriu um sorriso de soslaio satisfeito, parecendo uma criança que acaba de ganhar um presente — que o tiraria do tédio, obviamente. Ele se colocou de pé também e esticou a mão para ela, sentindo o choque térmico entre suas peles. Ele estava quente, enquanto ela, fria.
Seguiram para o meio do salão, então Richard e se entreolharam. Ele colocou uma das mãos no alto de sua cintura, enquanto ela punha a sua em seu largo ombro, e uniram as outras.
Então seus pés guiaram-se sozinhos.
não sabia que podia dançar daquela forma, tão natural e graciosa — mesmo quando conduzida por um demônio com séculos de experiência.
Richard ergueu sua mão, fazendo girar. Ela soltou um riso escondido, envergonhado, sentindo a bainha do vestido girar mais que suas pernas. Quando tornaram a encostar as mãos, ele sorriu de forma maliciosa. molhou e mordeu os lábios, escondendo outra risada.
Estava se divertindo, enfim. Uma diversão peculiar.
Richard girou com ela pelo salão, fazendo-a pressionar as costas contra a palma de sua mão, com a pressão de seus passos. Os pés de Richard se escondiam na saia branca, rodada e gigantesca do vestido dela.
— Sinto muito por tentar te matar — disse ele, quando pararam de girar. negou com a cabeça e deu de ombros.
— Você não foi o último — ela sorriu. Não se importava mais com o fato de ser apenas uma bolsa de sangue; pelo menos não agora.
— Depois da misericórdia de nossa Majestade, vejo o quão importante é mantê-los como nossos reféns.
assentiu uma vez, sorrindo falsa enquanto virava o rosto.
Não gostava do fato de Lilith ser tão respeitada e admirada por tudo e todos. Ela era maldosa, desrespeitosa e grosseira, sendo que não se encontrava mais como, de fato, rainha do Inferno.
Desde que ficara grávida do Anticristo, quando ele realmente se acomodou em seu útero para não sair até que fosse um pequeno humano, ela adquirira raiva de Lilith e, de alguma forma, queria-a abaixo de alguém que estivesse ao seu lado. Como, por exemplo, .
negou com a cabeça quando o pensamento surgiu em sua mente. Imaginou, por um segundo, como seria caso Lilith não tivesse o poder que tem, se caso e ela se colocassem em sua posição.
Se, talvez, Lilith não existisse mais...
— No que está pensando? — indagou Richard, com a curiosidade estampada na voz. o olhou.
— Nada que lhe interesse, Richard — ela sorriu um pouco mais verdadeira.
Quando ele abriu a boca para responder, a música parou e aplausos tomaram o ar. franziu o cenho e se soltou das mãos de Richard, olhando em volta.
Ninguém aplaudiu quando as outras músicas acabaram.
— Meus amados, amados amigos... — a voz de Lilith ecoou pelo silêncio.
Lilith resplandecia no alto da escadaria. Diamantes cintilavam em seu pescoço, em suas orelhas, em seus pulsos, até mesmo em seus cabelos bem cuidados, brilhantes e compridos. Usava um vestido azul-petróleo escuro, bordado com adornos pretos, com um decote cavado para realçar o volume generoso dos seios. Ela sorria como uma felina — os lábios ainda maiores e brilhantes com o batom vermelho. Seus dentes brancos, afiados, iluminavam o salão.
Todos a encaravam com louvor, menos .
Sentia raiva de Lilith, mas não sabia o porquê. Aquilo a deixava frustrada.
— Sinto enorme honra de vê-los à minha companhia nesta noite — sorriu radiante, olhando para cada demônio presente no salão. — Agradeço a presença de vocês, soldados, e espero que tenham uma confortável noite. De princípio, adianto-lhes o motivo do convite — ela caminhou pela beirada da escada, com a mão graciosamente posta no corrimão, deslizando conforme seus passos. — Travamos uma batalha infinita entre o Céu e o Inferno, onde encontrava-me em meu devido posto de Rainha, junto de meu rei, Lúcifer — franziu o cenho. Pelo que sabia, Lilith cultivava ódio pelo Diabo. — Fui banida de minha própria morada para este mundo de fraqueza e humilhação, então dediquei-me a uma interminável vingança — ela moveu os olhos com precisão, encarando , próximo de uma pilastra na parede da porta principal. — Começando por minha prole — ela adotou um estranho tom maternal, quase afetivo. — Tê-lo como meu, em um mundo como este, seria de proporções inteligentíssimas, vendo que Lúcifer tinha temíveis planos para minha pequena alma de criança humana; não era justo com ele servir-lhe o pai sem que tivesse a chance de saber quem ele realmente era. O chamado Anticristo — ela ergueu uma das mãos com orgulho —, adotado como mito, lenda, um ser que poderia não existir, pois ninguém nunca o vira de fato. Mas lá está ele! — ela gritou, apontando para o filho. — Minha prole!
Os olhos vagaram até ele, então se endireitou e manteve os olhos fixos na mãe.
— Meu mais amado soldado — ela abriu um sorriso caloroso. rolou os olhos e cruzou os braços, colocando a ponta dos dedos na testa. — Mas não vos deixe enganar, queridos amigos — ela falou um tom mais baixo. — Minha prole não é a mais poderosa dentre os mundos que conhecemos — ela sorriu maliciosa. Ouviu-se murmúrios e indagações. — Nossa mais poderosa arma na batalha contra o Rei das Mentiras, está sendo gerado no ventre de nossa querida Burwell, descendente universal, única, pura — ela encolheu os olhos felinos — de Eugine McGully.
Ouve um borbulho de emoções e murmúrios. Todos os olhares caírem em cima da garota de grandes olhos azuis, que perdera completa cor com as palavras de Lilith.
Ela estava maluca? Expor seu sangue assim, no meio de um salão cheio de demônios? Sabe-se lá se são inteligentes o suficiente para não matá-la por sua maldição.
viu, pelo canto dos olhos, um demônio lamber os lábios enquanto uma faísca corria por seus olhos.
— Aconselho-vos a não tocar tuas garras em minha humana — avisou com aquele tom grosseiro que tanto odiava, mas, naquele momento, tornou-se reconfortante. — Se algo acontecer com ela, meus amados amigos — ela sorriu docemente —, caçar-vos-ei um por um.

estava observando cada mínimo passo de , enquanto demônios das mais diversas partes do mundo se aproximavam para beijar-lhe a mão e sussurrar com os lábios colados em sua pele que sentiam extremo orgulho e prazer em enfim conhecê-la. Sentindo-se lisonjeada e levemente incomodada com tal atenção, ela sorria de forma cronometrada e agradecia, almejando que todos ali estivessem sendo sinceros quando juravam lealdade para com ela.
Alguém contava histórias sobre seu passado em Esparta, mas não ouvia. Estava hipnotizado pela garota pálida que sorria de forma falsa, mas convincente. Quando seus olhos se encontraram, ele sentiu uma peculiar faísca ascender no alto de seu estômago, descendo até o meio de suas pernas, atiçando suas entranhas. Erguendo o queixo, ele pediu licença ao demônio, interrompendo-o no meio de uma frase, e seguiu com passos apressados até onde ela estava.
Lilith via-se entretida em uma conversa séria sobre planejamento de batalhas com Cornellius, ignorando todos os outros à sua volta. Ainda mais acessada e admirada que , os homens e mulheres que vinham falar com ela imploravam por uma gota de atenção — que, naturalmente, evaporava, sem ao menos aparecer.
— Temo que terei de lhe proteger desses animais bestiais — sussurrou , tocando-a no cotovelo. sorriu para outro casal que a reverenciava. — Vamos sair daqui.
— Não acredito que sua mãe aprovaria tal ato — respondeu sem encará-lo.
— Não me importo com o que ela pensa.
Pela primeira vez, sorriu verdadeiramente naquela noite. Um sorriso perverso, cheio de malícia.
— Não? — ela se curvou quando outra mulher a reverenciou. — Pensei que tentasse ser o filho perfeito — ele soprou uma risada.
— Faz parte do costume de um demônio reverenciar Lilith e Lúcifer, seja qual for a desavença que tenha com um deles. São pioneiros, merecem tal tratamento — ele se virou para ela. — Se não podemos sair, dance comigo — ela inclinou o lábio em um sorriso de soslaio e negou.
— Tenho uma fila de pretendentes.
— Eles te veem como um pedaço de carne, uma bolsa de sangue — soltou uma risada divertida.
— E você não? — ela o olhou diretamente nos olhos. — Com licença, .
seguiu pelo salão sem olhar para trás. Richard logo pegou seu braço e seguiram juntos até o centro do salão, tornando a dançar.
A garota riu enquanto o demônio sorria com sinceridade e os olhos encolhidos.
sentiu um misto de inquietação, ciúme e muita, muita raiva.

A madrugada começava a adentrar as paredes daquela mansão. Lilith subiu ao lado de Cornellius até o alto da escadaria, chamando a atenção de todos os presentes naquele baile.
Os garçons franceses não se davam conta de que aquilo era um cativeiro do qual nunca sairiam, ao menos não com vida. Conversavam em sua língua entre si e desentendiam sempre que alguém começava outro discurso. Só quando pediu a décima quinta ou décima sexta taça de champanhe, percebeu que eles não compreendiam inglês ou latim.
— O tempo está se esgotando — começou Cornellius, quando todos estavam em silêncio, encarando-os com louvor e respeito. — A noite logo terá seu fim e o sol esquentará a Terra. Se alistem, peço como amigo e lhe ordeno como teu superior, ao exército que enfrentará Lúcifer daqui a um ano e oito meses. O tempo de treinamento será curto, mas lembre-se de que teu lugar nos patamares do Inferno crescerá gradualmente de acordo com tua glória na batalha — Lilith assentiu.
— Recordam-te de que aquele que os governa jamais será soberano ou justo como sou. Usa teu infinito ódio contido para juntar-te a mim e dominaremos, juntos, o Submundo.
O murmúrio se alastrou pelo salão; os demônios conversavam entre si, indagando se valia a pena entrar em uma batalha que não os pertencia.
Lilith e Cornellius se entreolharam.
— Não acredito que o número seja grande, e os poucos alistados serão uns covardes que exalam fraqueza — resmungou ela.
— Não sejas apressada — ele lançou um olhar esguio para Lilith. — Teremos horas até que o prazo se cumpra e, entretanto, sabemos que o número de alistados poderá crescer de acordo que o Anticristo se desenvolve. Conheço meus aliados — completou; todos são competentes e devidamente corajosos.
— Não estou confiante — ela cruzou os braços.
— Irias enfrentá-lo sozinha, antes de minha presença! — esbravejou, elevando sutilmente o tom de voz, franzindo o cenho. — Terias como exército uma criança, um fardo, e dois aliados de eras passadas, que apenas almejam por liberdade? — ele negou com a cabeça. — Estás completamente desvairada; não calcula teus passos e logo se atirará de um precipício.
— Como tens tanta certeza de que teus aliados também não almejam liberdade? Lúcifer os aprisiona de forma muito pior que eu um dia faria; são escravos no Inferno para elevá-lo. Tuas funções são arrancar almas e torturá-las para que sejam guerreiros. Almas humanas — ela retorceu o rosto com nojo. — De que são capazes? São impensantes.
— Lilith, permita-me indagar o que pretende quando conquistar o trono de Lúcifer.
Ela sorriu fria para as paredes.
— Tua mente não imagina nada, meu caro amigo Cornellius? — ele permaneceu imóvel, então ela prosseguiu, soprando uma risada. — A vingança já será suficientemente deliciosa. Vê-lo soberano a mim como fui a ele, quando persuadida com tuas mentirosas palavras. Fazê-lo como meu escravo, que almeja compaixão perante mim, de joelhos ao chão... — ela fechou os olhos e sorriu ainda mais. — Quero vê-lo destruído.
— Então terás o trono teu — tornou a perguntar. — O que fará com tal poder?
— Não espero reinar para a eternidade, ou prosseguir com o plano dele de conquistar os Três Mundos; não sou paranoica, interligada com ideias tão velhas — Cornellius ergueu uma das sobrancelhas. — É meu orgulho — completou, entendendo o que ele dizia. — Tu compreendes o que Lúcifer fizeste comigo, por que encara-me de tal forma? — ele negou com a cabeça.
— Quando tua prole terá o poder que lhe pertence? — ela deu de ombros.
— Quando souber deste poder.
— Tu nunca comentaste com o menino que, quando Lúcifer for morto, de acordo com as Leis do Inferno, ele será nosso rei?
Eu serei tua rainha — sibilou. — não tem capacidade para tal ato.
— Ele é filho de Lúcifer!
— E eu sou tua esposa! — seus olhos faiscaram enquanto ela franzia o cenho. — Tenho muito mais direito sob aquele trono que ele.
Cornellius se quietou, erguendo o queixo enquanto começava a caminhar de volta para o salão.
Lilith se virou e espalmou as mãos no batente daquele camarim, admirando os possíveis candidatos à sua legião.
Se tudo ocorresse como o planejado, o Inferno pertenceria a ela.
Lilith sorriu, sentindo as garras crescerem em seus dedos com a expectativa. Ela, lentamente, arranhou o mármore, formando caminhos fundos por onde o negro de suas unhas passou.


25.

The man was persuasive, the man I could not trust. The man was bad, the man was dangerous.

Faltavam menos de quarenta minutos para o sol nascer. Com os olhos pesados pelo sono, sentou-se e esticou as pernas para frente, colocando suas mãos por cima do tecido volumoso do vestido. Suspirando, ela olhou a conversa e os lábios vermelhos pelo sangue que tomavam em taças de vinho.
Os garçons inocentes mal se davam conta de que as garrafas continham as entranhas derretidas de seus primos, colegas, vizinhos. Era enojado sentir aquele cheiro, mas talvez estivessem, como ela, tão cansados, que mal notavam por onde andavam ou quem serviam. O dinheiro que aquela noite os daria pagaria grande parte do que mais de trinta outras festas.
Lilith sumira de seus olhos por mais uma vez. Cornellius dançava com uma jovem senhora de cabelos longos e pretos azulados, enquanto Richard observava, do outro lado do salão, uma jovem garota com cabelos acobreados, com uma garrafa e uma taça vermelha em mãos.
Por um minuto de euforia, ela notou uma movimentação antes desconhecida. Talvez por falta de atenção ou somente descuido, ela não notara um dos convidados.
Ele tinha grandes olhos acinzentados com uma ou duas auréolas cor-de-mel; dentre todos os outros que se espalhavam pela mansão, aquele parecia ter os olhos mais humanos. O nariz era grande, pontudo e reto, em uma simetria perfeita com as sobrancelhas de cor louro-trigo. Seus cabelos eram ondulados e os fios, cortados rentes à nuca; embora bem penteados para o lado e para trás, pareciam desorganizados, como se o vento contribuísse para aquele penteado — não estava ruim, entretanto, pelo contrário; a cor era castanho escuro e não havia resquício de fios grisalhos. Os lábios alaranjados não eram tão fartos, mas ainda assim eram grossos, e tinham finas linhas mais vermelhas; arqueados nas pontas, lembravam-na um gato — havia ali um vestígio de sorriso, mas ela não podia saber ao certo se era angelical ou demoníaco. O homem se virou para a convidada, que se deleitava com suas histórias, e riu, deixando que notasse todos os seus retos dentes — nem mesmo os caninos eram tão afiados quanto os dos outros demônios, nem mesmo as crianças, que tinham finas pontas de filhote em todos os dentes. O corpo robusto, rijo e alto, estava coberto com um caro smoking azul-marinho de seda que valorizava sua pele parda, quase como chocolate com bastante leite; algumas sardas mais escuras apareciam no alto de suas bochechas salientes e em suas têmporas.
Aquele homem era, dentre todos os convidados, o mais humano, com características tão pouco comparáveis com demônios que quase a fez acreditar que ele era como ela — uma pessoa perdida no meio daquela fantasia — ou, quem sabe, outra pessoa que logo se transformaria em jantar.
Ele exalava confiança, de forma que se via hipnotizada por ele. Ela se colocou de pé mesmo com o ardor em seus dedos dos pés. Caminhou cegamente por entre os convidados e parou próxima daquele homem que ainda conversava com a mulher de cabelos azulados.
— Não é de se espantar que acabem extintos, sendo tão burros — comentou ele.
A voz era grossa, rouca, e parecia arranhar nas paredes da garganta sempre que o som saía por sua boca de gato. Quando ele soltou uma risada, acompanhada daquela mulher, sentiu um peculiar arrepio na espinha, que descia até a frente de seu corpo, no útero.
Outro enjoo a atiçou, deixando-a pálida e tonta por alguns milésimos. Ela colocou a mão na testa, virando-se enquanto procurava algum conhecido que pudesse acudi-la — Richard seria uma ótima opção, mas ela não o via nas extremidades, guardando-a.
Ao sentir mãos quentes, fortes e grandes em seus cotovelos, segurando-a, permitiu que o corpo tombasse. Os olhos entreabertos, zonzos, não reconheceram o rosto de quem a agarrou.
— Parece-me não estar sentindo-te bem — disse aquele mesmo homem. negou com a cabeça, virando o rosto para o alto da escadaria. estava de costas e conversava com Samael, que não prestava atenção no salão. — Vamos, sente-se nesta cadeira.
Os pés da poltrona de veludo vermelho arrastaram no piso de forma quase inaudível. se sentou e colocou os cotovelos nos joelhos, apoiando o rosto entre as mãos, escondendo-o.
— Está sentindo algum incômodo no estômago? — indagou, abaixando-se para vê-la. negou com a cabeça. — No intestino? — ela negou de novo. — No útero? — enfim assentiu. — Você se alimentou? — quando um garçom passou, ele ordenou, em francês, que trouxesse imediatamente uma água para a dama.
— Não comeria cadáveres — ironizou por detrás da falta de ar.
O homem abriu um sorriso e exalou uma risada. Um segundo depois, o garçom tornou a aparecer.
— Beba, minha querida — ele ofereceu a água. aceitou como uma criança, dando quatro goles seguidos. — É de maus pensamentos beber tanto champanhe sem ter o estômago forrado com algo sólido. O feto está sentindo fome.
— Não vou comer o que estão servindo — ela sentiu o estômago embrulhar ainda mais. — Acho que vou vomitar.
A garota ficou ainda mais pálida. O homem a ergueu e, com delicadeza e força, a guiou pelo salão até o banheiro de hóspedes próximo da entrada da cozinha.
O cômodo vazio e escuro parecia ter o dinamismo maior. Quando as luzes se acenderam em pontos específicos, o espelho reluziu sua deplorável aparência — desviou o olhar e apoiou as duas mãos no acento do sanitário, olhando para seu reflexo na água cristalina. O homem atrás de seu corpo afagou suas costas quando o primeiro jato escorreu por sua garganta, passando por sua língua até pingar na água.
Uma lágrima pela falta de ar caiu de seus olhos e escorregou por sua bochecha sem cor. Ela tossiu, sentindo mais afagos do homem.
— Quem é você? — indagou rouca.
— Meu nome é Larkin LaBeouff, sou um dos Nove Condes do Inferno.
— O que está fazendo aqui, então? — ela tentou virar o rosto para encará-lo, mas outro jato a fez encurvar a coluna como um gato arisco.
— Apreciar o discurso de Lilith. Talvez alistar-me ao teu exército sem que caiba ao conhecimento de Lúcifer, que outrora fora grande amigo meu.
— Isso te faz um espião? Veio ouvi-la para dizer tudo ao seu íntimo amigo?
— Não — ele negou com a cabeça para enfatizar sua resposta. — Na verdade, desgosto das ações dele tanto quanto aquela mulher. Aprecio o modo que une as palavras em frases tão comoventes e persuasivas. Vejo que ensinaram-na bem. Além do mais, tenho interesse pela vida humana. Nunca havia estado aqui antes.
vomitou mais.
— Imagino que sua visita esteja sendo fascinante — ironizou ela, tentando sorrir. Com as costas das mãos, limpou os lábios úmidos. Larkin soltou uma risada nasalada.
— O que está acontecendo? — a voz rouca que soou nas paredes de mármore do banheiro era de .
virou o rosto e o encarou. Ele estava sério, com raiva, o cenho franzido. A mão que apertava a maçaneta quase a amassava em uma coisa abstrata.
— A garota passou mal — explicou Larkin. — Não comeu nada durante a noite e bebeu demais — assentiu e molhou os lábios, se colocando no lugar do outro demônio.
— Obrigado pelo auxílio, mas posso tomar conta dela — ele sorriu frio.
Larkin, ao contrário, abriu um caloroso sorriso fúnebre. vomitou de novo e, sozinha, segurou as madeixas soltas de seu coque atrás da orelha.
— Teu pai teria orgulho do demônio que tu és, — sua voz tornou-se levemente mais grossa e rouca. assentiu de novo. — De sua maneira... — completou, rindo. — E, ah — ele olhou diretamente para . — Tome cuidado com estas pestes do Submundo que se espalham por aqui hoje — ela o fitou com os olhos marejados e vermelhos —, o Diabo pode assumir várias faces para conseguir o que deseja.

Enquanto os convidados saíam pela aberta e gigantesca porta da frente, guiando-se pelo sol até onde quisessem, os que desejavam, assinavam seus nomes com gotas de sangue e permaneciam no salão às ordens de Lilith. Pouco antes de porem-se a andar, ela fizera seu último discurso. Em resumo, agradeceu a presença dos que ali vieram e assinaram, almejando vê-los logo. Como presente em comemoração à deliciosa noite que tiveram juntos, poderiam sentir o gosto da Terra — naquele momento, fechou seus olhos e virou-se para a matança que deu-se início.
A primeira mordida, em geral, fora a menos dolorosa. O garçom mais próximo, o músico que terminava de guardar seu violino. Os berros que se alastraram e ecoaram pela mansão eram mais pavorosos que o ato em si.
Ela estava sozinha, abraçando os cotovelos enquanto pressionava com força os ouvidos na esperança invisível de ficar surda. Ninguém a abraçava, consolando-a, porque todos estavam ocupados demais se alimentando. Até mesmo — ele era o que mais parecia querer mostrar-se feroz. Avançava nos pescoços dos pobres homens e os dilacerava em uma mordida só; os que escapavam, eram brutalmente espancados até que houvesse um buraco no meio de seus tórax, que servia de tigela para o sangue quente e amedrontado. Os outros, mesmo com fome, não eram de longe tão violentos. Sugavam-nos os pescoços da mesma forma dolorosa, mas com um pouco menos de força — seguravam-nos as nucas com as garras, puxando seus pescoços para cima, mordendo a garganta, engolindo seus ossos.
Quando acabou, o silêncio pavoroso era a única coisa que a garota ouvia, além de curtos e baixos gemidos de quem permanecia vivo. se virou com medo do que veria, então permaneceu olhando para seus pés. Sentindo um par de mãos em seus ombros, por reflexo, lembrou-se do treino que teve com e o cotovelou no alto do estômago.
— Não estou tentando te atacar! — Richard disse alto, curvando-se pelo golpe. Ela não pediu desculpas. — Lilith ordenou que eu te levasse para cama — rosnou, com o paletó sujo de sangue.
— Posso ir sozinha — respondeu em mesmo tom, procurando-a com o olhar.
Lilith assistia àquela cena como quem contempla uma ópera. Tinha os olhos brilhantes e um sorriso teimoso nos lábios ainda limpos de sangue.
Mesmo que um número pequeno — em torno de vinte demônios —, seu exército causava-lhe certo orgulho. também podia notar o desejo por sangue daquelas criaturas que dançavam naquela batalha de sangue. Respiravam ofegantes, com os olhos brilhando quando viam morte; sorriam para os céus, para os infernos, extasiados e idealizados.
chegou próximo dela quando o salto de sua sandália tocou no primeiro degrau da escadaria de marfim. Ele tocou-a pelo braço e não sorriu quando seus olhos se encontraram. franziu o cenho e puxou o pulso.
— Preciso ficar sozinha — disse, subindo outro degrau.
— O que houve contigo desde a possessão? — ele subiu junto dela.
— É uma pergunta ridícula de se fazer — rolou os olhos.
— Você não está se lembrando do seu lugar em relação a mim? — ele franziu ainda mais o cenho, tornando a apertar o pulso dela.
— Não sou nada sua, .
— É aí que você se engana — ele exalou uma risada sem humor. — Você me pertence, a partir de hoje. É minha — ficou com a pergunta entalada na garganta.
Dele?
— O que quer dizer com isso? — enfim perguntou, com a voz trazendo resquícios de tremor.
Nunca pertencera, também nunca pertenceria a pessoa nenhuma; nem mesmo se esta pessoa fosse um demônio, filho de Lúcifer e Lilith.
— Conversei com minha mãe durante a cerimônia e tive direito sob teu corpo. A princípio, não lhe agradou saber que sua prole tem afeições carnais por algo tão inferior quanto uma humana, mas aceitou que minha diversão fosse dada a partir de você.
Diversão? — ela encolheu os olhos, incrédula.
— Sim, diversão — enfatizou. — Agora você é minha.
se libertou de seu braço com brutalidade, sem direcionar uma segunda palavra a ele. Subiu a escadaria pisando duro, de forma que o estalido de suas sandálias fosse o único som irritante aos ouvidos daqueles demônios. ficou encarando-a seguir pelo corredor até que seu corpo estivesse tapado pelas paredes. Negando com a cabeça, virou-se nos calcanhares e se alimentou do último humano que ainda respirava.

entrou em seu quarto e bateu com força a porta. Tateou as paredes, de costas para a janela, e bateu com força no interruptor de luz, libertando-a. Quando se virou, deparou-se com a figura morena de Larkin, que tinha as mãos estiradas para frente, depositando um prato com carne e brócolis na mesinha de canto. Ao vê-la, ele abriu aquele sorriso caloroso. Ela soltara um pequeno grito mudo, sentindo o coração bater violento em seu peito.
— Desculpe-me se a assustei — disse logo, colocando-se ereto, com as mãos relaxadas ao lado do corpo. — Só queria ter certeza de que comeria algo antes de se deitar.
— Não... — ela desviou o olhar e piscou várias vezes, colocando uma das mãos na testa úmida. — Não se preocupa — soltou um riso nervoso. — Estou bem.
Ela caminhou pelo quarto e sentou-se na beirada da cama. Ouviu o estalido dos sapatos do homem atravessarem o quarto, depois o peso de seu corpo abaixou suavemente o colchão, ao seu lado.
— Algo a perturba, além do estômago vazio? — seu tom era afetuoso. negou com a cabeça e reprimiu o choro. — Em milênios de vida, perdi dois filhos que tive com humanas diferentes, um casal — ela olhou para ele com os olhos pesados e melancólicos. — A garota, Amy, tinha seus olhos... — ele ergueu a mão para seu rosto e a tocou gentilmente nas têmporas, contornando o amendoado de seus olhos com o polegar. — Você tem características que me lembram minha adorável pequena.
— Sinto muito pela morte delas — disse com sinceridade. Larkin balbuciou o ar.
— Quando se é um demônio, tende-se a aprender a conviver com a morte, porque ela nos alimenta e deixa mais forte, como a dor, o sofrimento, a agonia. Não é natural de minha parte dizer que sentia afeição pela cria, talvez porque via muito de mim na garota, mas algo em minha alma tende à fraqueza humana — ele a fitou diretamente nos olhos. — Sem querer ofendê-la — negou com a cabeça.
— Não me ofende.
— O que há? — tentou mais uma vez.
— Não me sinto confortável em relação ao que eles propõem em relação ao meu filho — disse de uma vez, piscando. — Algo em mim mudou desde o dia em que soube que estava grávida. Nunca tive... realmente vontade de ser mãe, mas algo tornou a me convencer o contrário.
— Você sente algo pela prole de Lilith?
— Não sei ao certo — negou com a cabeça. — De tempos para cá, sinto-me confusa em relação ao que pensava antes. Não tenho mais certeza de nada.
nunca fora de falar sobre seus sentimentos com outra pessoa, mas algo em Larkin a convencia de que era seguro falar com ele sobre qualquer coisa. Sempre que exalava, parecia convencê-la de que aquilo era certo e normal. Embora suas ações fossem contraditórias ao que um demônio geralmente faz — e também seus olhos —, suas palavras pareciam sinceras.
Talvez Larkin fosse um tipo diferente de demônio. Ou talvez fosse um anjo...
— Desde que teve seus genes individualizados, nada do que pensava se torna certo. Você mudou por fora, então é racional que mude também por dentro — ele afagou sua mão repousada por cima da coxa coberta pela saia do vestido. — Não se preocupe com isso. Logo tudo se acertará em seus devidos lugares.
o olhou profundamente, assistindo-o abrir um sorriso. Por algum motivo, sentiu conforto ali — um conforto que não sentia há muito tempo.
— Sinta-se confiante para me chamar de novo aliado, ou amigo — ele apertou sua mão. — Não hesite em pedir-me ajuda. Creio que nos veremos muito, ainda. Mas, por ora, apenas coma — ela, enfim, olhou o generoso prato. — Você precisa comer, .
— Você vai ficar por aqui?
— Ficarei por perto — concordou. — Não se preocupe com minha estadia.
assentiu e, com um sorriso que não mostrava os lábios, o sentiu dar um beijo estalado em sua testa. Larkin se levantou e fechou a porta ao sair.
Enfim, ela estava sozinha.
Jogou o corpo para trás e fechou os olhos, recolhendo-se para seu mundo de sono até tarde do dia.

Eu danço a minha vida para mim mesma
Sou inteira
Sou completa
Digo o que penso
E penso o que digo

Eu danço a escuridão e a luz
O consciente e o inconsciente
O sadio e o insano
E falo por mim mesma
Autenticamente
Com total convicção
Sem me importar com as aparências

Todas as partes de mim
Fluem para o todo
Todos os meus aspectos divergentes tornam-se um


Ela acordou com o calor que o sol proporcionava em seu corpo ainda coberto pelo vestido da madrugada passada. Estava encolhida, com um dos antebraços por cima dos olhos e da testa. O cheiro de carne vermelha e sangrenta inundava seu quarto, deixando-a ainda mais enjoada e sem vontade de comer, com ânsia.
Suspirando, apoiou as mãos ao lado do corpo e ergueu-se apenas para perceber a presença de outra pessoa em seu quarto. Ela não se espantou — já havia se acostumado em ser observada enquanto dormia.
Era , que mantinha os olhos extremamente sérios enquanto arranhava suavemente, com a ponta dos dedos, a madeira do encosto de mãos da poltrona do quarto.
— Como foi a noite, ? — não havia emoção em sua voz, ele estava sério e a penetrava com o olhar. Ela girou o rosto, empurrando o colchão enquanto ficava de pé.
Ela não respondeu. Ao invés disso, ficou de pé e se guiou até o banheiro para lavar o rosto e começar sua higiene matinal. Abaixou-se e encheu as mãos com água, fechando os olhos ao molhar o rosto. Quando tornou a olhar-se pelo reflexo, viu atrás de seu corpo.
Seus olhos estavam frios e seu corpo, mais rígido que costume. Quando ela deu um passo para sair, ele a agarrou brutalmente e girou-a para sua frente, segurando-a com força pelos bíceps.
— Você está me machucando — sibilou ela.
— Vejo que não perdeu a dádiva das palavras — ele sorriu, irônico. — O que há de errado com você, ?
— Não há nada de errado comigo! — ela puxou os braços, mas ele os apertou mais. — Me solta!

Expresso-a como deve ser expressa
Do âmago do meu ser
Da totalidade da minha dança


— Você se lembra das minhas palavras de ontem? — ele rosnou baixo. — “Você é minha”, fora o que eu disse.
— Eu sei — retrucou, impaciente. — Eu me lembro delas.
— Não parece — ele aproximou suas bocas, ainda olhando-a diretamente nos olhos. — Não aprendeu ainda seu lugar, mas há de aprender.
— O que está querendo insinuar com isso, ? — ela franziu o cenho, retrucando seu olhar. Ele sorriu fraco enquanto exalava uma risada.
Seus corpos estavam unidos e só então notou isso. A respiração dele se confundia com a sua, saindo por seus lábios entreabertos. Os narizes estavam tão próximos que se roçavam.
diminuiu seu sorriso até que os lábios ficassem sombriamente atraentes. Seus olhos azulados se perderam no contorno do rosto da garota, encarando-a os mínimos detalhes de sua transformação, de sua teimosia e brutalidade.
Havia algo diferente nela. Não mais só fisicamente, mas a mudança só se mostrava realmente aparente depois que o Anticristo fora fecundado — aquele parecia ser o ponto de partida para seu organismo se reconhecer como quem era depois de individualizado e possuído.
As mãos de estavam presas atrás de seu corpo, no baixo de sua lombar — os dedos dele pressionavam suas veias de forma que a ponta de sua mão formigasse com a força.
Sua respiração se tornou pesada quando o sentiu tocar os lábios em sua boca, indo de um lado para o outro, roçando junto seus narizes e a barba dele em seu rosto aveludado e sem resquício de rubor.
Sem ao menos se controlar, fechou os olhos pesados. exalou outra risada, mordendo-a com força o lábio inferior, puxando-o ao máximo que a pele permitia, soltando-o rosado por sua saliva. Depois, passou a boca pela linha de seu queixo e maxilar, descendo por seu pescoço até a clavícula esquerda.
— O seu cheiro é fascinante, — murmurou contra sua pele, fazendo-a arrepiar-se em excitação.
Segurando-a ainda com força com apenas uma das mãos, subiu a outra pelo decote de suas costas até o penteado bagunçado dos cabelos. Embaralhou ali seus dedos e, com força, os puxou de uma vez só, fazendo-a esticar o pescoço, deixando-o livre para seus dentes.
Os olhos de faiscaram com total liberdade de pele e cheiro. Passou a língua pelo osso de sua garganta, lambendo até o alto de seu lábio superior. entreabriu os lábios, mesmo que não quisesse se render a ele.
Não havia controle quando se tocavam.
Ele se meteu entre suas pernas, encostando seu joelho ao mármore do armário inferior da pia.
Então, sem aviso, a beijou com tamanha força que tivera que segurar sua nuca para que seu rosto não fosse levado com brutalidade para trás.
Um gemido de saudade ficou preso na garganta de enquanto a explorava com tamanha vontade jamais vista antes, recordando-se, depois de tantos meses, de como era seu gosto quando o desejava de volta.
As vezes que tentaram procriar, dias atrás, envolta pela maldita depressão, não o beijava ou sequer encarava seus olhos. Quando conseguiram, não estava dentro de seu próprio ser, de modo que não se lembrava de como era desejá-lo o mesmo tanto.
E a desejava muito.
O movimento de seu quadril contra o dela, por baixo de tantas peças de roupa, a fez perceber sua excitação no baixo do umbigo, fazendo-a gemer por antecipação.
Ela não se lembrava do quanto ele era bom.
Talvez aquela fosse a chave para se redescobrir — .
Ele era a única lembrança vívida do antes de ser quem é agora; seus pais estavam mortos e as outras pessoas eram inúteis em suas memórias. O único que a conheceu no cru de sua alma, tanto a nova quanto a velha, confusa, era , de forma que ele se tornasse a única pessoa a fazê-la lembrar-se de quem é, quem sempre deveria ter sido.
A confusão de seus genes, de seus demônios do antepassado, a destruiu. Lilith a trouxe de volta à vida, mas a fez tornar-se um ser imerso em dúvidas que não seriam sanadas tão cedo.
Tudo que sentia era um misto de ódio entrelaçado à lascívia, que confundia a mente e entorpecia os pensamentos. Não havia mais espaço para nada além disso em sua cabeça. Não sabia mais por quem sentia afeição, em quem confiava.
Mas algo era certo: .
Ele recuou a boca quando percebeu que o ar lhe faltava. Partiu os lábios para a bochecha dela, descendo por seu rosto até chegar ao pescoço. Ali, distribuiu um par de chupões, beijos e mordidas fortes, sentindo o gosto de sua carne em sua língua. O som que saía da boca de o deixava inconsciente por alguns milésimos, elevando-o a um grau peculiar de prazer.
Queria senti-la ao fundo, mas a vontade de torturá-la tornava-se cada vez maior.
Os desaforos que fizera noite passada o deixara com tanto ódio que o sono lhe fugiu — mas não somente suas palavras, mas também a comilança, a excitação das mulheres de sua espécie, o poder de sua existência, como o tratavam só por apenas ser a prole de Lilith...

Eu ouço
O que é preciso ouvir
Nunca peço desculpas
Sinto os meus sentimentos

Eu nunca me escondo
Vivo a minha sexualidade
Para agradar a mim mesma
E agradar aos outros.


recuou dois passos e libertou os pulsos de . A pele dela estava mais rosada e suas entranhas palpitavam em esperança e deleite dele. Olhando-o confusa, ela respirava com a boca aberta e esperava por seu próximo passo. Suas pernas estavam entreabertas e as mãos, quando libertas, espalmaram-se atrás de seu quadril, prontas para dar apoio a subir e sentar-se no balcão da pia.
— Você é minha — repetiu ele. — E apenas minha.


26.

I want to fuck you like an animal; I want to feel you from the inside. My whole existence is flawed, you get me closer to god.

se virou e caminhou até o quarto, deixando-a sozinha. Depois, tudo que se ouviu fora o barulho da porta se trancando. encolheu milimetricamente seus olhos e deu apenas dois passos até por seu rosto para fora do banheiro, apoiando as mãos no batente da porta, encarando-o de costas fitar o chão.
— Hoje, por algum motivo, lembrei-me de seu nome quando trabalhava com Richard — disse baixo, sua voz se tornando mais grossa e até um pouco fria. — Scarlet... — ele soltou uma risada baixa, balançando os ombros.
Então virou-se e fitou-a diretamente nos olhos. Os dele, com a distância de Lilith, que estaria com Cornellius, fora das extremidades da conexão com , estavam azuis cristalinos, claro como água.
abriu um sorriso malicioso, mostrando todos os dentes, então, bem lentamente, se sentou na mesma poltrona de antes, abrindo os joelhos e apoiando os braços no espaldar de madeira, forrado com veludo vermelho escuro.
— Venha aqui — ele continuou encarando-a fundo nos olhos. — Deixe-me ver seu vestido.
, por um milésimo, hesitou. Aquele tom dele a fez sentir uma ligeira tremedeira nos joelhos, uma palpitação na intimidade. Deslizando as mãos na parede, obedeceu, ficando com os braços parados ao lado do corpo enquanto tinha, nos olhos, um brilho excitado com o que poderia vir a seguir.
Ele a olhou dos pés até a cabeça, analisando-a em cada mínimo vestígio de pele e tecido. molhou o lábio inferior e o mordeu, sugando-o. negou com a cabeça.
— Venha até aqui — ordenou de novo.
Desta vez, ela não hesitou. Deu quatro ou cinco passos estalados por seus saltos até que estivesse postada à frente dele, com as mãos ainda soltas ao lado das extremidades da cintura. se posicionou melhor na poltrona, depois ficou de pé.
— Vire-se de costas — ela obedeceu e fechou os olhos, arrepiando quando as mãos dele tocaram suavemente seus ombros nus.
caminhou lentamente a ponta dos dedos por toda a pele que cobria suas costas e nuca, puxando seu cabelo, empurrando-o para cima de uma das clavículas. Depois, escorregou a mão por todo o decote traseiro até o zíper, puxando-o para baixo de uma vez só. O vestido desabou de seu corpo em um círculo em torno de seus pés. abriu um sorriso malicioso, pelo canto dos lábios, com os olhos ainda fechados. Quando deixou de senti-lo tocando sua pele, virou o pescoço e apoiou o queixo no ombro direito, encarando-o voltar a se sentar.
— Deixe-me vê-la agora — ordenou ainda mais firme. deu um passo para frente, então se virou.
A calcinha de renda branca mostrava mais que escondia e ela não usava sutiã. Os seios já excitados pelos singelos toques dele chamaram a atenção de no momento que expostos. Ele não evitou sorrir de soslaio, subindo lentamente os olhos por ela até encontrar sua boca mordiscada.
— Venha mais perto — mandou, acompanhando-a o movimento das coxas enquanto ficava novamente na frente dele.
segurou-a pelos quadris e a puxou, unhando-a, para que deitasse em seu colo de barriga para baixo. esticou os braços para baixo, tocando a ponta dos dedos no chão.
A mão dele passeou pelo volume de suas nádegas, indo e vindo em carinhos pesados. Depois, ele afundou os dedos no vão entre suas pernas, pressionando a calcinha para dentro de sua intimidade já úmida.
Deitada daquela forma, podia sentir a excitação dele na barriga, atiçando-a à lascívia.
girou os olhos por debaixo das pálpebras, sentindo-o repetir o mesmo movimento outro par de vezes. Depois, sem mínimo aviso, estapeou-a com imensa força na nádega esquerda.
Ela soltou um grito pela surpresa, mas não sentiu dor. A ardência, na verdade, era até gostosa.
— Isso é por você ter sido grosseira comigo — disse, sussurrando próximo de seu maxilar.
A mão que não se ocupava indo e vindo na nádega estapeada e o vão entre suas pernas, logo se guiou até o prendedor de safira em seus negros cabelos ondulados. Quando o destravou, as largas ondas caíram por seu rosto rosado, com boca entreaberta. O coração dela batia forte pela expectativa. analisou o enfeite por um momento apenas, antes de aplicar ainda mais força em um segundo tapa.
, por essa vez, não gritou, apenas gemeu e mordeu os lábios. Ele desceu a mão novamente, subindo, pressionando-a o clitóris já inchado, então a estapeou novamente, formando, assim, uma sequência até que se completassem trinta tapas.
— Eu adoro essa cor em você, o cheiro do sangue circulando mais rápido — ele sorriu extasiado para a pele vermelha de sua bunda, abaixando o rosto e a boca para beijar e chupar o meio de suas costas, subindo a língua e os lábios até encontrar sua nuca.
As mãos então se ocuparam em fazer uma trança bem apertada, ligeira, sem muito cuidado. Usou o enfeite de safira para prender a ponta, deixando bem apertado. Quando soltou a grossa e comprida trança, segurou-a pela mandíbula e virou seu rosto, beijando a boca dela com violência, mordendo e chupando seus lábios enquanto começava a acariciar seus mamilos excitados, puxando-os e apertando-a com força os seios.
— Lembra-se de quando te presenteei com este anel? — indagou com os lábios úmidos colados à sua boca. — Você disse que nunca usaria — ela encolheu as sobrancelhas quando ele puxou sua calcinha com tanta força que as costuras estalaram, se tornando inutilizável. Depois, penetrou o dedo indicador e o anelar com força, fundo, fazendo círculos dentro de sua intimidade quente. — Mas, veja... — ele mordeu com mais força seu lábio inferior, retirando os dedos, umidificando o clitóris, pressionando-o com os dedos em um rápido movimento de ir e vir; depois a penetrou com ainda mais força, fazendo-a esfregar a barriga em sua ereção. — Você ficou ainda mais deslumbrante que em meus pensamentos.
sorriu, tirando as mãos de no mesmo momento que se colocava de pé. Com o baque, caiu de quatro no chão, apoiando-se nos cotovelos e antebraços. Ele, em pé, tinha os olhos azuis extremamente excitados com aquela figura. O volume entre suas pernas parecia não parar de crescer, tornando-se cada vez mais evidente; as mãos estavam fechadas em punhos.
girou o pescoço e o encarou com os lábios vermelhos entreabertos. A trança escorregou por suas costas até as pontas encontrarem o chão.
Ele foi até a cama, ficando parado de frente para ela enquanto desabotoava, um por um, os botões de sua camisa branca, fitando-a diretamente nos olhos, estabelecendo, assim, uma conexão que parecia inquebrável.
sentiu o corpo inteiro palpitar e ondas de prazer circularem por suas veias, fazendo seu coração bater violento. A ardência na pele, onde ele batera, se tornava um círculo quente que crescia até o alto de sua nuca, passando pelas coxas e ventre.
nunca havia se sentido mais excitada, vulnerável ou submissa em toda sua vida.
Jogando a blusa no chão, ele mandou que ela se colocasse de pé em um movimento com a mão. Com a calcinha estourada e ela em pé, o tecido escorregou por suas coxas avermelhadas e caiu ao chão em uma pilha difusa ao lado do vestido. Agora ela só tinha os cabelos presos e os saltos altos.
lambeu e molhou o lábio inferior e caminhou até ela, ouvindo sua respiração acelerada. Colocou a mão por trás de sua cintura e agarrou com força a trança que havia feito, puxando-a com força para baixo de forma que o pescoço de ficasse completamente esticado. Com a robustez e surpresa, ela soltou outro gemido enquanto entreabria os lábios. No mesmo momento, ele tomou sua boca em um beijo tão intenso quanto violento, sugando-a todo o ar. quis tocá-lo, mas, antes mesmo de mover as mãos, elas já estavam atadas por entre os dedos de . Ele a empurrou contra a parede, pressionando seu corpo excitado contra o dela, deixando-a sentir sua ereção dura na barriga.
o retribuía com a mesma intensidade que propunha, embora começasse a sentir a cabeça ficar mais leve. Quando desgrudaram as bocas, o ar continuou lhe faltando enquanto ele beijava e sugava com força seu pescoço, mordendo-a conforme descia os beijos para as clavículas e os seios. Mordeu seu mamilo direito, soltando-a os braços para poder massagear o esquerdo — deixando-a ainda imobilizada, segurando-a nos pulsos com a mesma mão que ainda puxava com muita força a trança. Sugando-o e lambendo-o, desceu a mão esquerda para o meio de suas pernas, começando a movimentar os dedos em movimentos circulares acima do clitóris. não conseguiu evitar que seu quadril se movesse junto com os dedos dele, enquanto gemidos cresciam no fundo de sua garganta.
trouxe os lábios novamente para seu maxilar, olhando-a nos olhos enquanto continuava a masturbá-la. Via sua boca entreaberta soltar o ar quente contra seus lábios, enquanto a sentia rebolar sob sua mão; assistia quando seu cenho franzia e os olhos giravam com o prazer que ele proporcionava nela com simples movimentos nos dedos.
Quando a sentiu palpitar, retirou a mão de dentro de , rindo com o olhar de ódio que ela o lançou. Negando com a cabeça, soltou sua trança e seus pulsos, deixando-a se mover conforme ele dava passos para trás.
Com as pernas bambas e sentindo que flutuava sempre que dava um passo, o empurrou na cama, ouvindo sua risada maliciosa. Sorrindo em mesmo tom, ela colocou as pernas em torno de seu quadril e empurrou a trança para o lado direito, enquanto o beijava toda a extensão nua do peitoril, descendo por entre seu abdome rijo até encontrar a linha de pelos no final de sua barriga. Ali, maliciosa, o encarou da mesma forma que ele enquanto, em movimentos lentos e torturantes, o acariciava por cima da calça, masturbando-o tão forte quanto lenta, indo e vindo em movimentos circulares com a mão. mordeu os lábios enquanto a encarava, assistindo o filme da tortura que faria com ela daqui a pouco.
puxou o zíper de sua calça e a desabotoou, puxando-a de uma vez junto com a boxer preta, liberando o membro já extremamente duro. Primeiro ela lambeu a glande inteira, de uma ponta à outra, passando a língua por toda a extensão até sua base, primeiro de um lado, depois do outro. Então, quando o sentiu contrair o abdome para olhá-la se mover, o sugou de uma vez só, engolindo-o até a base, começando a se mover de forma rápida e precisa.
Um sorriso malicioso apareceu em seus lábios quando o gemido rouco dele ecoou pelo quarto e seu quadril se moveu para cima, instigando-a a continuar. colocou a mão esquerda na base do membro e conciliou os movimentos da boca com a mão, sincronizando-os. Empinou a bunda, olhando-o no rosto enquanto o proporcionava tal prazer.
tinha os olhos transbordando luxúria. Mordia os lábios e soltava ofegos enquanto girava os olhos na teimosia do corpo, tornando logo a encará-la engolir seu membro inteiro de uma vez só. Quando a mão chegava de volta à base, ela as guiava para os testículos, arranhando-os suavemente com as unhas, logo tornando-a para abaixo de sua boca, que subia e descia sincronizada com o quadril dele.
A mão de se guiou para a nuca de e seus dedos afoitos procuraram cabelos para agarrar. A trança novamente foi puxada, acompanhando-a nos movimentos com a boca.
Quando o sentiu palpitar contra seus lábios, puxou o pescoço com força e passou o indicador nos cantos dos lábios, sorrindo para ele com a boca vermelha e úmida.
Os olhos de faiscaram ódio; os de , riso.
— Ah, ... — sua voz era rouca enquanto ele proferia negando com a cabeça. — O que eu vou fazer com você?
Em um movimento brusco, ele a agarrou pela trança e a jogou de costas no colchão. Com as pernas já abertas e os joelhos posicionados para cima, ela perdeu o fôlego ao vê-lo se masturbar com uma das mãos enquanto, com a outra, tocava-a suavemente na cintura, afundando as unhas ali.
O ardor da dor intensificou as palpitações em sua intimidade.
Ele se deitou por cima de seu corpo, ainda se masturbando lentamente, e tornou a beijá-la e chupá-la com força os seios. mordeu os lábios e esticou o pescoço para trás, sentindo cada vez mais prazer quando, no momento em que ele acariciava a própria glande, sua mão roçava na abertura quente e extremamente molhada de sua intimidade.
— O que você quer que eu faça com você? — indagou, soprando o ar em seu mamilo úmido por sua língua. arfou, sem conseguir falar. Ele apertou com ainda mais força sua cintura, descendo as unhas até o começo de sua coxa. gemeu e rolou os olhos. — Diga, . O que você quer que eu faça com você?
— Me foda — ela sussurrou.
— O quê? Eu não ouvi.
— Me foda! — ela gritou, se emudecendo logo que ele a penetrou com força o bastante para impulsionar seu corpo inteiro para cima. Se não fosse por suas mãos esticadas, ela com certeza bateria a cabeça com tamanha força que ele se moveu.
arregalou os olhos e impulsionou o peito para cima, gemendo alto quando ele tornou a penetrá-la. Ela trouxe as mãos para os robustos ombros dele, arranhando-o toda a extensão das costas, até sua lombar, enquanto ele não colocava segundos entre um movimento e outro.
soltava o ar, gemidos e ofegos à beirada de seu ouvido, mordendo-o, beijando-a o maxilar, a mandíbula, o queixo e os lábios entreabertos, que não sustentavam um animalesco beijo pela pressão de seus corpos, pela falta de ar, pelo excesso de deleite.
O barulho de seus corpos colidindo era a melhor sinfonia daquela tarde silenciosa; seus gemidos consumidos em prazer e desejo se tornavam ainda mais deleitosos quando unidos.
apertou-a a cintura, trazendo-a para cima de seu colo. continuou movendo seu quadril para frente e para trás, depois para cima e para baixo, rebolando em cima de seu membro. O sentiu apertá-la as costelas, puxando sua trança, esticando seu pescoço; tomou os lábios no osso de sua garganta, mordendo-a a pele até o lóbulo de sua orelha, onde soltava vestígios de sua excitação. Moviam-se juntos, sincronizados e cada vez mais fundo. O suor e o calor parecia não perturbar nenhum deles.
O orgasmo que veio fora forte e demorado. Espirou o prazer por entre seus corpos, crescendo desde as solas dos pés até o final da cabeça. Subiram e caíram juntos, intensificando ainda mais seus movimentos contínuos para que aquele sentimento não acabasse. Os dentes de se expuseram quando o arrepio do orgasmo o cortou a pele, fazendo-o gemer rouco, com os lábios entreabertos e o cenho franzido.
jogou seu corpo para trás antes mesmo de o soltá-lo. Sentiu a pressão de suas mãos no alto de suas costas e, em seguida, o toque úmido e afiado de seus lábios no meio de seus peitos, arranhando-os com os dentes. Deixando-a cair na cama, seus olhos faiscaram ao vê-la daquela forma tão vulnerável, brilhante pelo suor e arrepiada pelo que ele fazia com seu corpo.
E ele queria vê-la mais daquela forma.
Deitou-se novamente por cima dela, puxando sua trança para a lateral, deixando-a o rosto virado. O peito de subia e descia, roçando-se ao peitoril dele, sempre que ela respirava.
— O seu cheiro é fascinante, — ele soprou contra seus cabelos, roçando o nariz pela linha de seu maxilar e a mandíbula. Ela sentiu o corpo inteiro se contorcer em um arrepio prazeroso. passou a língua por trás de sua orelha, descendo até a clavícula. — E o seu gosto... — ele sorriu com os olhos fechados. piscou os seus, tremendo um sorriso frágil, extasiado. — O seu gosto é a melhor coisa que já provei em toda a minha imortal vida.
Desencostando seus corpos, ele sentou nos calcanhares enquanto virava de barriga para cima. Passou as mãos no meio de seu corpo, massageando os seios até chegar à nuca, encaixando-as ali, puxando-a para que se sentasse e o beijasse na boca. Esticada, suspensa pelas mãos dele em seu pescoço, o segurou pelos pulsos para melhor sustentar seu peso.
puxou as mãos como se tivesse tomado um choque, recuando o rosto, deixando-a com os olhos fechados e lábios molhados. Ele soltou um riso soprado, mantendo o sorriso malicioso na boca enquanto puxava uma de suas pernas, avaliando o comprimento. Longilíneas, finas e rijas. Com o polegar e o indicador, ele desatou a fivela da sandália do pé direito, jogando-a no chão. Passou a ponta do nariz pela panturrilha dela, assistindo-a se contrair e esconder um riso com as costas da mão. Deitada, tinha os cabelos trançados estirados para a esquerda, com vários fios desalinhados, soltos daquelas intermináveis voltas.
Com certa delicadeza, mordeu-a o dedão do pé, beijando-o a parte de baixo. Fez a mesma coisa nos quatro dedos restantes, mordendo com mais força quando chegou ao mindinho. soprou um riso, hesitando em puxar a perna. As mordidas faziam cócegas, mas os beijos eram bons e quentes. começou uma nova trilha com os lábios, passando pelo interior de sua panturrilha até metade da parte traseira de seus joelhos. A respiração de se tornou mais intensa quando os lábios dele foram se aproximando de suas coxas; naquele momento, os beijos e lambidas se tornaram mais lentos e torturantes. Pulando da coxa para o osso do ilíaco, ele continuou beijando-a até o seio direito, deliciando-se com a pinta marrom-escura que parecia brilhar ainda mais escura que antes, reluzindo, contrastando perfeitamente com o pálido-rosado da pele de seu corpo desnudo. O lambeu, o mordiscou, o puxou até que ficasse novamente vermelho, com o sangue correndo mais rápido, deixando-o ereto e quente. Subiu novamente os lábios até sua clavícula, seu pescoço, a parte de trás de sua orelha, então, rouco e grosso, sussurrou:
— Me responde, : você é minha?
Ela se perdeu por um segundo, emudecendo outra vez. Ele puxou seu cabelo com força, mordendo-a com igual brutalidade. Ela gemeu por ambas as dores.
— Me responde, porra.
— Sim — gemeu baixo.
— Sim o quê?
— Eu sou sua.
Ele sorriu satisfeito. Afastou a boca de sua orelha e tornou a beijá-la pelo mesmo caminho de antes, só que voltando pelo lado esquerdo. Tirou a outra sandália e repetiu o mesmo ritual. Ao olhá-la no rosto, estava petrificada, com os olhos paralisados em tudo que ele fazia; soltava o ar de forma pesada, mas o tomava lentamente, fazendo o corpo inteiro mostrar sua respiração, abaixando e levantando. Ele conseguia ouvir os batimentos fortes de seu coração, conseguindo, também, ver a coloração rosa de seu corpo excitado.
Quando ele tornou a beijá-la pelo interior da perna até o interior da coxa, fechou os olhos e esticou a cabeça pelo travesseiro, respirando fundo. O sentiu passando a língua por sua virilha, os grandes lábios, introduzi-la dentro de sua intimidade, girando-a, sugando-a, para só então pressioná-la em seu clitóris em rápidos movimentos circulatórios. As mãos abraçavam suas coxas abertas, arranhando-a em seu interior com as unhas curtas. Abaixando a mão esquerda, segurou e puxou com força seus pelos pubianos, roçando os dentes em seu clitóris.
A respiração de se tornou mais intensa.
tornou a penetrá-la com a língua, indo e vindo enquanto a masturbava com o polegar. Depois, permaneceu masturbando-a, sentindo-a acompanhar, movendo o quadril. Enfiou o polegar dentro de sua intimidade quente, molhada, e o girou, pressionando-a o interior. Com a outra mão, continuou com os movimentos da esquerda para a direita, ouvindo-a e vendo-a gemer, apertar entre os dedos o edredom abaixo de seus corpos.
A excitação dele trouxe um arrepio para seu corpo, fazendo-o gemer baixo, tornando a sugá-la com muito mais intensidade, penetrando-a rápido com os dedos indicador e anelar.
Não demorou até que outro orgasmo a invadisse com ainda mais força que antes. Ela apertou as unhas no edredom, impulsionando o peito para cima, sentindo o corpo inteiro contrair em prazer. O gemido que saíra de seus lábios fora tão alto quanto preso, completamente extasiado e descontrolado. Mesmo vendo-a partir em mil pedaços, contraindo até mesmo os dedos dos pés, ele não parou de chupá-la até que sentisse vontade.
Logo depois, com o clitóris muito mais sensível, sentiu as mãos serem guiadas automaticamente para a nuca de . Ele continuou com os movimentos de vai-e-vem com os dedos, lambendo-a rápido em círculos o clitóris.
O prazer era tamanho que ela sentia que poderia chorar. Fechou com força os olhos, jogando a cabeça para trás enquanto arqueava suavemente os joelhos.
Bastou que ele puxasse seus pelos pubianos uma segunda vez, no mesmo momento em que a arranhava a barriga, subindo até seus seios, puxando com força seu mamilo, que outro orgasmo ainda mais forte a preencheu em espirais intermináveis.
soltou uma risada soprada em sua úmida intimidade que ainda se contraía diversas vezes em um orgasmo extremamente forte. Levantou o rosto para ela, puxando-a pelo cabelo para que ficasse com as pernas abertas, esticadas, e o tronco para fora da cama, com as mãos apoiadas no chão. A trança permaneceu envolta à mão dele e, quando a penetrou, puxou sua trança, fazendo-a erguer ainda mais o pescoço. Com a bunda empinada e a ponta dos dedos roçando no chão, gemia a cada estocada, sentindo o choque de seus corpos estourar suas células em quinhentos fragmentos de endorfina, cada vez mais sensíveis e próximas de outro orgasmo. colocou sua mão na bunda de , apertando-a sempre que se movia, mantendo-a presa ao seu corpo. Depois, subiu-as pela lateral de seu corpo até tocar os volumosos seios, apertando-os e massageando-os, puxando-a para ele. , agora, ficara de joelhos na cama, com a cabeça apoiada no ombro esquerdo de , já que aquela mão puxava seus cabelos para baixo. A mão direita dele continuava em seu seio enquanto seus quadris se chocavam a cada milésimo que se passava.
não aguentava mais. Abriu seus olhos, fitando diretamente a luz do lustre acima de suas cabeças. Ouviu o rosnado de à beira de seu ouvido, sentiu suas unhas em seu seio, arranhando-o com tamanha força que fazia arder.
Mas o ardor era gostoso e não conseguia controlar tamanho deleite. Sentiu o nariz arder e previu uma gota de lágrima escorrendo pela lateral de seu rosto. Seus gemidos não eram suficientes para controlar aquele prazer todo — era pouco, embora fossem altos.
riu mais uma vez, penetrando-a com ainda mais força e mais rápido. Apertou com ainda mais força a mão envolta em seu cabelo, puxando-a ainda mais a nuca; desceu as unhas por toda sua barriga, formando cinco caminhos vermelhos até abaixo de seu umbigo. Abocanhou seu pescoço, chupando-a sucessivamente até que a sentisse palpitar em outro orgasmo, contraindo e relaxando os músculos de sua intimidade. apertou a mão de e soltou um último gemido antes que o orgasmo se desse início.
continuava se movendo sem parar, sentindo queimação nos músculos do abdômen. Depois de pouco tempo, ele também gemeu alto, confundindo-o com um rosnado. Estirou a cabeça para trás, sentindo o membro palpitar todo dentro dela. Encarando-o ir e vir um par de últimas vezes, sentiu o orgasmo ser ainda mais intenso a ver seu líquido escorrendo pelo interior da coxa de .
Ele se retirou de dentro dela e se sentou nos calcanhares, acompanhando-a cair de bruços na cama, fechando as pernas em torno dos joelhos dele.
puxou os cabelos molhados da testa e, com os dedos em garra, os penteou para trás. Ficou acompanhando a respiração de ir e vir até que se tornasse parcialmente tranquila.
Apoiando-se com dificuldade nas mãos, ela se levantou da cama e, cambaleante, se virou para ele.
— Não quero que me destrate novamente, — disse sério, encarando-a nos olhos. Ainda estavam cristalinos. — Ou senão você vai apanhar.


27.

What if this storm ends and leaves us nothing except a memory, a distant echo?

Escute!

Quando acordou, ainda estava dormindo. Deitada naquela confusão de lençóis, ela analisava as curvas que seu corpo formava junto ao dele. Traçou as costas do maior por um momento, observando-o adormecido de forma angelical, tão calma — tão não — . Quando este soltou um suspiro baixo, se remexendo na cama e estreitando ainda mais os braços em torno da cintura de — ainda desacordado —, ela sorriu pelo canto dos lábios — um singelo sorriso lateral, quase invisível. Com cuidado, ela percorreu a ponta dos dedos finos no braço dele.
A linha dos lábios dele não se moveu quando ela, com extremo cuidado, se arrastou para a extremidade da cama, tentando se esquivar de seu pesado braço. Ela colocou a mão em seu pulso e, com extrema delicadeza, o ergueu pelo momento que separava seus corpos, sentindo um ligeiro frio pela brisa noturna que adentrava pela janela aberta, fazendo as cortinas dançarem. Quando de pé, soltou um suspiro e se espreguiçou, puxando a trança bagunçada para frente do ombro, desatando os nós com os dedos, desfazendo-a gradualmente. Depois de soltos e marcados em ondas amassadas, ela os puxou para cima em um rabo-de-cavalo bem apertado, prendendo-a com a mesma fivela de safira da noite passada.
Os diamantes do anel de safira grudaram em alguns fios de cabelo quando ela trouxe a mão para baixo do rosto. Analisando-o, lembrou-se da promessa que ele fizera nos tempos da Burlesque, que a foderia usando apenas aquele anel.
soltou uma risada nasalada enquanto negava com a cabeça e pegava o vestido largado no chão. Cobrindo apenas a parte da frente do corpo, foi até a porta e a destrancou, girando a maçaneta. Avaliando os dois lados desertos do corredor, correu até seu próprio quarto e se trancou ali.
Estava morno e escuro. Quando acendeu a luz, ficou feliz por não ver ninguém além dela ali — o que, de fato, começava a se tornar cada dia mais raro.
Foi direto ao seu armário, procurando um conjunto de lingerie e uma regata cinza, vestindo-a junto de sua calça skinny bem justa e preta. Com os pés descalços e o anel ainda no dedo, ela se virou e desceu pela escadaria de marfim, guiando-se até a cozinha sempre solitária.
A primeira coisa que pensara em fazer fora se alimentar. O estômago roncava, recordando-se que não punha nada sólido ali desde que sabe que horas de ontem — a noite fora regada de champanhe e vômito.
Sentia-se tonta de tanta fome.
Guiou-se coberta pela penumbra da noite e pelas fracas luzes amareladas até a geladeira de aço inox brilhante, que refletia sua imagem como um espelho meio disforme. Primeiro olhou para seu próprio rosto suavemente abatido, ainda pálido pelas mudanças que ocorreram com a individualização de seus genes, meio abatido pelo sono mal dormido. Quando desviou suavemente seus olhos do reflexo, viu um vulto atrás de seus ombros.
O vulto tinha silhueta de homem, mas era alto demais para ser alguém que já morasse na mansão. Tinha os ombros tão largos quanto uma besta e os punhos estavam fechados com muita força. Chifres cresciam em espirais até onde sua vista não alcançava.
soltou um grito mudo e deu um pulo para trás, não vendo nada além de armários de vidro preto.
Seu coração batia alto contra seus tímpanos e, talvez por pura alucinação, o vento em seus tornozelos nus se tornou mais gelado. O vento cantava alto lá fora, criando uma atmosfera fantasmagórica.
— Quem está aí? — indagou baixo, mordendo o lábio inferior.
Ninguém respondeu.
, se for você com mais uma de suas brincadeiras...
Mas ela tinha certeza que não era ele.
De repente, as palavras de Larkin vieram-lhe à mente: “O Diabo pode assumir várias faces para conseguir o que deseja.”
Ela negou com a cabeça e tratou de se controlar. Virou-se novamente e puxou a porta da geladeira, respirando fundo aquele ar gélido. Pegou um pote de geleia de amora que só ela comia, depois, ao lado, guardada dentro do armário de vidro e aço, uma tigela fechada com torradas doces. Pegou também um bule e botou água para ferver.
Ainda com o medo forrando-lhe o peito, ela tratou de se controlar, respirando fundo. Sentou-se na cadeira de madeira escura e encolheu as pernas, trazendo-as para perto da barriga e do peito; abraçando-as, arrastou a cadeira para que ficassem presas contra a mesa — esticou a cabeça para trás e, por escolher sentar-se ali, sentiu a parede de madeira roçar em seus cabelos presos. Abriu a tigela e tirou sete torradas, girando a tampa fria e metálica do pote de geleia.
O bule começou a fazer barulho, chamando sua atenção.
respirou fundo, tentando sugar coragem, e empurrou a mesa para ficar de pé e preparar café.
Ao fazê-lo, sentiu um corpo correndo por trás de suas costas, fazendo-a virar sobressaltada. A tampa do pote de torradas estava balançando, mas não havia corrente de ar para fazê-la se mover.
— Para com isso! — gritou alto. O bule começou a fazer mais barulho. — Me deixa em paz!
— Alguma coisa errada, querida? — uma voz de homem apareceu na porta dos fundos, que era de vidro.
soltou um grito quando se virou novamente, respirando descompassada, com lágrimas umedecendo os cílios.
Era Larkin. Ele estava protegido com um suéter grosso e preto e calças jeans cinzas-grafite.
olhou à sua volta — o vulto pareceu desaparecer, deixando-a no barulho ensurdecedor do bule. Voltando a si, engoliu em seco, piscou rápido e desligou o fogo. Depois deu alguns passos e destrancou a porta. Larkin olhou-a nos olhos, transmitindo confiança.
— Não há nada... — ela tentou completar a frase, mas um nó em sua garganta a fez parar.
— Vejo que está comendo — mudou de assunto. — Isso é realmente muito bom — ele abriu um sorriso caloroso. — Posso entrar?
Larkin olhou para a cozinha. deu um passo para trás e assentiu meio zonza. Com o pé direito, ele pisou no porcelanato frio e adentrou a mansão de Lilith.
— Deixe-me preparar teu café — disse, colocando as mãos em seus ombros nus. assentiu, embora não o houvesse escutado. Havia um zunindo infernal em seus ouvidos. — Sente-se. Coma. Conversaremos e tu te acalmarás.
fez o que ele mandou, pegando uma faca sem ponta para passar em suas torradas. Mas parecia não ter mais tanta fome quanto antes. Afundou a faca na geleia, vendo o vermelho forrar o cinza-frio, então jogou a pasta mole em uma das torradas selecionadas.
A primeira mordida fez com que sua fome voltasse, então ela logo terminou de devorar a primeira torrada. Larkin a olhou pelo canto dos olhos e sorriu calorosamente.
— Por que está aqui, Larkin? — indagou, pegando outra torrada, cruzando as pernas.
O ar ficou quente, agradável. O barulho do vento parecera cessar e o céu se tornando mais claro dizia que a madrugada já estava terminando. Todo aquele medo que a engolia antes pareceu se dispersar em outras áreas longe dela.
Larkin olhou-a pelo canto dos olhos enquanto terminava de servir seu café em uma funda xícara de porcelana preta. Sorriu pelo instante que exalava uma risada, então se virou completamente e pôs o café à sua frente. agradeceu com um sorriso e tomou um gole.
— Já lhe disse — molhou os lábios e puxou a cadeira para se sentar. — Para alistar-me ao exército de Lilith.
— Mas não vejo sentido — ela parou de comer por um minuto, encolhendo as pernas frias. — Você faz parte daquele troço dos Condes do Inferno — deu de ombros, sem dar muita importância.
— Está certa.
— Então por que vai se desvencilhar disso para ficar do lado de dela? Digo, Lilith pode ter poder, mas está encoberta por disfarces e cheiros de humanidade, está fugindo e se escondendo desde a eternidade; é meio fraco, medroso. Ela não está lá, lutando frente a frente com ele, encarando-o a fim que a briga seja só entre eles dois; porque isto que deveria ser: uma briga entre eles dois. Isso é quase um caso familiar — ela enjoou a dizer aquilo, largando a torrada no prato. Larkin soltou outro riso.
— Você não consegue enxergar além dos limites de teus humanos olhos. A briga entre os dois vai bem acima de ; ela tê-lo roubado fora apenas um passo de sua teimosia arisca de aborrecê-lo e destruí-lo. Quando sentiu-se traída, Lilith o roubou e arruinou os planos do Deus do Submundo.
— Mas não era de fato o Anticristo — lembrou-se, franzindo o cenho. — Por que ele era tão importante para Lúcifer? — Larkin deu de ombros, repuxando os cantos dos lábios para baixo.
— Digo que era íntimo dele, não seu diário de confissões e pensamentos. Não conversávamos tanto quanto pensa. Sabemos da rivalidade entre macho e fêmea pelas histórias que ouvimos desde nossa criação, direcionando-nos a escolher o lado dele.
— Então por que veio aqui? Deveria estar concreto na sua cabeça que era dele a sua obediência — ele assentiu, entendendo onde ela queria chegar.
— É quase como ler um livro em primeira pessoa — ele sorriu pelo canto dos lábios. — Nunca se saberá a verdade, porque é implícita e direcionada a um só ponto de vista.
Quando abriu a boca para fazer-lhe outro par de perguntas, a porta moveu o ar para dentro da cozinha, mostrando o corpo longilíneo de Lilith coberto por um robe preto de seda reluzente. Ela olhou para o demônio e a amaldiçoada com os olhos franzidos e os dentes quase à mostra, com parte do nariz franzido, pronta para rosnar e atacar.
Larkin se colocou de pé e reverenciou sua presença.
— Quem és tu? — indagou com a voz fria, dura e grossa.
— Larkin LaBeouff. Sou um dos Nove Condes do Inferno.
— O que de traz à minha morada? Por que conversas com minha ? — só então notara suas garras expostas, amassando a madeira da porta sem tranca. Ela molhou os lábios e engoliu em seco, tornando a sentir aquele medo de antes. Sem a concentração de Larkin nela, se dispersava.
— Queria apresentar-me formalmente — ele esticou a mão, esperando que Lilith a segurasse com delicadeza, para que então pudesse dá-la um beijo; mas ela não o fez, apenas o encarou com extrema repudia e inquietação.
— Para quê? — ela franziu ainda mais o cenho. — Não respondera todas minhas perguntas.
— Bombardeia-me com muitas delas, minha rainha — ele ousou sorrir com sarcasmo. A espinha de Lilith se contraiu e ela sentiu um arrepio de ódio eriçar seus pelos. — Estive aqui noite passada para ouvir teu discurso sobre como deveriam alistar-se ao teu exército na luta de vingança contra nosso Deus do Submundo.
— E fora de bom grado para teus ouvidos? — ela ergueu o queixo.
— Sim, foram.
— E por que não li teu nome na lista?
— Não achei que fosse necessário assinar meu nome com sangue em um pergaminho que logo será esquecido nas entranhas de qualquer gaveta. Achei que me apresentando a ti, pessoalmente, poderia convencer-te de que sou ágil e útil o bastante para servir-lhe na batalha contra aquele que vos trai.
— Não parece-me como um guerreiro — ela o olhou de cima a baixo. — Parece-me mais com um conselheiro.
— Perdoa-me, mas nenhum daqueles alistados se parece com um — ele sorriu pelo canto dos lábios, colocando as mãos para trás. — E não digo que estás equivocada, minha rainha, pois, sim, meu cargo era aconselhá-lo na política de almas do Inferno, na organização dos exércitos de batalha e... desenvolvimento estrutural, diremos nestes termos.
— Fizeste um bom trabalho — disse com amargura, virando o rosto para . — Responda-me o que estavam conversando — abriu a boca para falar.
— Nada que não pudesse passar por teus gloriosos ouvidos antes. Conversávamos sobre o feto, o Anticristo, que a amaldiçoada carrega no útero — o fitou com olhos encolhidos. — Dizia-se perturbada pelo modo com que o denominam.
— Sente-se desta forma, minha ? — ela a olhou. sentiu o sangue sumir-lhe as faces. — Por quê?
Ela o arrancaria os olhos quando tivesse oportunidade.
— Só não acho confortável que fiquemos o chamando de Anticristo — miou, dando de ombros; molhou os lábios e desviou os olhos.
— Mas isto que ele é — disse ainda mais fria, rígida, com um quê de tédio na voz. — Como esperava que eu o chamasse? — ela negou com a cabeça, levantando um dos ombros. Lilith rolou os olhos, impaciente, e voltou a encarar Larkin. — Prova-me tua força, habilidade de batalha e fome demoníaca — ele, que encarava , virou-se com os olhos ligeiramente mais claros.
— Não me lembro de vê-los, os outros, obedecerem tal ordem. Na verdade, não me lembro de tais ordens.
— Não se lembra porque não as dei àqueles que se alistara — ela disse de forma óbvia. — Não desejo isto deles, mas sim de tu.
— Posso perguntar por que tal favoritismo? — ele encolheu os olhos, girando suavemente o rosto.
— Não.
Larkin assentiu.
— Quer que eu o faça aqui, na tua cozinha? — ele abriu os braços e apontou para a perfeita e moderna cozinha nova, feita especialmente para a humana.
— Não é muito utilizada — ela olhou de soslaio para , que mordeu os lábios em uma linha.
— Quer que eu enfrente o vento? Ora, não será tão difícil provar minha destreza desta forma.
— Vejo que és brincalhão, Larkin LaBeouff — ela também sorriu fria. — Gosta de ver sorrisos amargos pelas idiotices que fala?
— Na verdade, minha rainha, gosto, sim.
— Proponho-lhe um desafio, então! — ela ergueu o dedo, falando mais alto. — Denomina-se um bom guerreiro, pertencente aos Nove Condes do Inferno, mesmo que tua função não o obrigasse a utilizar força bruta ou sequer movimentos musculares mais amplos e pesados que um leve mover de língua.
— Sou mesmo um bom guerreiro — concordou.
— Então digo-lhe para provar-me da seguinte forma: enfrenta meu filho e o derrote na frente de todos meus servos que aqui vivem, e o deixarei ser meu Marechal.
— Não gostaria de machucá-lo, minha rainha — mesmo que parecesse modéstia, via muita sinceridade na voz dele. — Entrega-me um bom soldado qualquer que, em troca, lutarei em minha forma humana, sem utilizar nada além de meus dentes em forma de demônio.
Lilith pareceu pensar por um momento.
podia imaginá-la escolhendo a dedo quem mandaria para a morte — ou, quem sabe, para a vitória...
— Concordo, então — enfim disse. — Trarei um dos soldados alistados, o primeiro dentre todos.
— Que assim seja, então.

A cena era ridícula. Richard e parados, com os braços cruzados e pernas cobertas por calças jeans iguais, encarando com ar de riso enquanto Larkin estralava os dedos das mãos, despreocupado demais para alguém que vai arriscar a vida lutando com um demônio com sede por sangue.
Cornellius e Lilith estavam mais afastados, sentados ambos no alto de uma pedra no jardim. Samael estava com ar de tédio, logo atrás do tal soldado que, já em forma de demônio, respirava profundamente enquanto encarava com os olhos sangrentos o corpo de carne frouxa de Larkin.
parecia ser, ali, a única que realmente temia por qualquer uma das vidas. Não achava que fosse realmente necessário colocá-los para brigar sem antes, ao menos, haver um treinamento.
O demônio chamado era uma criança, quase um adolescente. Não devia ter mais de quinze anos. Era baixo, tinha cabelos pretos bem lisos, espetados para cima, quando na forma humana; olhos tão negros quanto dóceis, em uma ironia bastante incomum. Tinha os lábios escuros e a pele sardenta. Em forma de demônio, as asas eram pequenas e desprovidas de tantas penas negras e afáveis; pareciam pequenas navalhas — nas pontas, havia um osso pontudo, côncavo, virado para frente, de modo a agarrar e perfurar as costas de seu oponente. Os dentes, entretanto, eram gigantescos e bem afiados. O nariz franzido e o urro que, aos poucos, saía confundido ao ar de sua respiração, cronometravam os segundos que faltavam para a luta dar seu início.
Com o grito de Lilith, teve de se concentrar para poder vê-lo se mover. O demônio adolescente voou com os pés na direção de Larkin, com as garras afiadas direcionadas para seu pescoço. Este, em um mínimo e lento movimento, deu um passo para o lado e se esquivou.
pôde ver e ouvir Richard e soltarem um “uh”.
Larkin se virou com destreza quando o demônio deu um passo para trás e tentou golpear sua costela com as garras. Pôde-se ouvir o barulho de seu movimento errado.
Seu urro de ódio fez corvos voarem assustados. Larkin soltou uma risada e manteve o sorriso fúnebre e sombrio nos lábios quando se virou e, com a mão fechada e os nós dos dedos bem rígidos, golpeou o demônio no supercílio com tanta força que ele cambaleou para trás. Balançou a cabeça, tentando recuperar-se da tontura, então bateu as asas e foi alto o bastante para cegar a tentar vê-lo no céu das seis da manhã. O demônio desceu em uma queda livre numa velocidade que atingia quase cento e trinta quilômetros. Tinha as partes côncavas da asa apontadas para o pescoço de Larkin, que o encarava cair.
Em um movimento muito rápido para se acompanhar com certeza do que vira, ele se abaixou em posição de ataque, mostrou os dentes e segurou pelas costelas, fincando seus dedos humanos em sua pele, aprofundando-a quase a ponto de perfurá-la, o demônio quando ele caiu em cima de seu corpo.
acreditava que aquele monstro do Inferno deveria pesar o suficiente para esmagar qualquer humano.
Mas Larkin não era humano e ela não podia esquecer isso.
O demônio em forma de homem ergueu o adolescente por cima de sua cabeça e o jogou com imensa força no chão. Depois, virando-se de costas, esperou que ele se pusesse de pé para dar um único e direto golpe em sua garganta, fazendo-o urrar de dor. Então, virou-se novamente e empurrou o demônio para o chão, sentando-se no alto de sua barriga, prendendo os joelhos na base de seus gigantescos braços.
Rosnando também, Larkin afundou a mão no pescoço do demônio e, urrando, puxou seu osso de uma vez só, com uma força impressionante, de forma que ele saísse do contato com o resto de seu corpo. Com a mão ensanguentada, ele jogou o osso para os pés de Lilith e Cornellius. Depois, abaixou o rosto com rapidez, mordendo-o a extremidade esquerda do pescoço, arrancando-a e jogando-a para trás dos ombros. Apoiou os pés no chão, segurando a cabeça do demônio mais jovem pelas extremidades; girou-a com tanta força que tudo que se ouviu fora o som da pele rasgando, o cheiro do sangue impregnando o ar à sua volta. Ele puxou a mão e a trouxe para cima da orelha, batendo com força na mesma lateral do rosto do demônio desfigurado e degolado, arrancando a metade de sua cabeça, expondo seu cérebro.
Larkin ficou de pé, sem ao menos ter a respiração descompassada, e pisou em cima do rosto do demônio. Enfiou a mão dentro do buraco de seu pescoço até sentir o coração, espremendo-o entre os dedos como se não passasse de um bolo de areia. Depois, com um chute, o virou de costas e arrancou suas míseras asas, deixando um buraco generoso nas omoplatas — ali, com a mão já intensamente ensanguentada, ele puxou o osso de sua coluna, fazendo-o quebrar-se com uma ponta bastante fina, a qual, com ódio no olhar, enfiou, com força, entre as pernas do demônio já morto. Chutando-o outra vez, fechando as mãos sujas de sangue em punhos bem apertados, ele olhou diretamente para os olhos de Lilith.
Ela estava excitada com aquela demonstração crua de ódio e destreza em batalha. Tinha um sorriso extremamente satisfeito nos lábios vermelhos e, quando se colocou de pé, bateu um par de palmas.
não tinha fôlego, mas não sentia pavor, nojo ou até mesmo enjoo. Não que fosse uma cena para se repetir, mas não via tanto mal, depois de tanto ouvir sobre aquilo, em uma batalha sangrenta e tão avassaladora quanto àquela que presenciou a poucos centímetros dos olhos. Nada passava em sua cabeça. Nem mesmo pena, ou um ruído de sua antiga eu — aquela que poderia estar rindo do sangue ou tremendo por ele.

Depois de devidamente alistado, cumprimentado e elogiado, continuava sentada com as pernas cruzadas, encarando-os falarem com sua boca fechada e respiração normal. Todos já haviam entrado, exceto Larkin e ela.
— Digo-lhe uma verdade, minha ... — o olhou, mas não porque falava com ela, mas pelo modo que a chamou. — Alistar-me-ei a este patético exército não por Lilith ou por Lúcifer, mas sim por ti, que, dentre todos, é a que mais precisa de proteção.
Ela engoliu em seco e assentiu, tentando sorrir. Larkin ainda exalava cheiro de sangue e, em seus olhos, havia o brilho da excitação pelo escarlate quente do sangue do demônio que matara como barata.


28.

Love is strong, but I am evil. You are wrong about me.

— Nós vamos mesmo tentar isso outra vez? — indagou com certo ar de tédio, cruzando as pernas ao sentar-se na beira da cerca de pedras cinzas-escuras, apoiando as mãos em sua áspera superfície.
— Juro que será recompensada, se ganhar — disse , com ar de riso e um sorriso malicioso nos lábios vermelhos.
Desta vez, ele usava uma blusa de mangas curtas e decote em V; as pernas estavam cobertas por uma calça folgada, preta, de algodão grosso. Larkin estava atrás de seu corpo, para analisá-los. Lilith achara suas estratégias de batalha realmente úteis, dignas de ensino — ela o colocara para treinar todos os outros demônios, mas começaria com a mais frágil e necessitada: .
A garota rolou os olhos e negou com a cabeça estirada para o céu.
— Deixe-me começar com isto — disse Larkin; o olhou pelo canto dos olhos, enquanto ele se punha à sua frente e tirava a manta que esquentava seus ombros, braços e costas. — Querida, ponha-se em sua posição de ataque.
saltou e, soltando um suspiro baixo, ficou parada com as mãos soltas ao lado do corpo. Larkin arqueou uma das sobrancelhas com desdém; sorriu pelo canto dos lábios, tombou a cabeça e assentiu uma só vez.
Então a atacou.
Atacara apenas uma vez, no ombro, com força para deslocá-lo, sem o fazer. Ela gritou, girou e caiu. franziu o cenho, mas permaneceu rígido. Estavam-na ensinando; ele não poderia intervir.
— Disse para pôr-se em posição de ataque! — gritou ele, expelindo os dentes, deixando seus olhos inteiramente negros, com duas bolas brilhantes e marfins nos centros.
sentiu ódio passando por suas veias, crescendo desde o útero até o final da nuca. Ela franziu o cenho com raiva, respirando com a boca aberta, tentando colocar-se de pé. Mas antes que ficasse com os joelhos apoiados no chão, Larkin a empurrou com o calcanhar, fazendo-a tombar novamente, rolando até ficar de barriga para cima.
— Acha que seremos frágeis contigo, na guerra, só por tua total inutilidade perante o nosso extremo poder? — ele proferiu com nojo, cuspindo ao lado dela.
arranhou o chão e tomou impulso para correr. A risada de Larkin fora terrivelmente demoníaca e assustadora. Ela se escondeu atrás da grande pedra, ouvindo a risada também debochada de .
Seu ódio cresceu.
— Brincaremos de gato e rato, então, minha querida.
O farfalhar do vento anunciou que Larkin havia exposto as asas. Ele foi para o alto do céu, caindo em um derrapante voo até acima de , agarrando-a pelos ombros, fincando suas unhas por dentro de sua pele. Ela gritou de dor, arregalando os olhos quando impulsionou o corpo para cima, ficando de cabeça para baixo, e chutou o centro do rosto do demônio. Quando caiu, girou-se até que as palmas das mãos encostassem o chão. Colocou-se de pé e amaldiçoou Larkin. Ele tornou a descer, desta vez, parando à frente dela.
— É impressionante como o Anticristo lhe entrega certos poderes que não teria antes — ele começou a cercá-la, caminhando em torno de seu corpo. respirava descompassadamente.
— Não o chame assim — sibilou, franzindo o cenho. Sua coluna estava ereta e seus dedos, em garra, contorcidos.
— E quer que eu o chame como, minha querida? Este é o nome dele — Larkin soltou outra risada, dando um pulo para cima do corpo pequeno e magro da garota.
Ela se esquivou e o agarrou pelos cabelos, puxando-o para o chão. Chutou-o no rosto, gemendo quando ele agarrou seu tornozelo e a derrubou na grama, pondo-se no meio de suas pernas, rosnando ao ir, de uma vez, com o rosto para baixo, para mordê-la o pescoço. colocou o antebraço no osso da garganta dele, sentindo-o apertá-lo para puxá-lo também. Ela gritou, apertando as pernas em torno de sua cintura, tentando se virar para ficar por cima dele.
Outro choque de adrenalina percorreu seu corpo. Suas pupilas se tornaram menores quando, com um rosnado, ela trouxe a outra mão para seu rosto e o unhou com tanta força que rasgou sua tez demoníaca. Larkin urrou e deu um pulo para trás, pondo uma das mãos no rosto. correu até ele, agarrando-o as extremidades de seu pescoço, fincando suas duras unhas no osso de sua garganta. As pernas estavam envoltas em torno de sua barriga, tão bem presas que, se alguém tentasse arrancá-la dali, teria que por bastante força.
Quando a mão de Larkin tocou o baixo de sua cintura, ela soltou outro rosnado. Puxou o braço e deu uma cotovelada no alto do supercílio de Larkin, fazendo-o virar o rosto e urrar. Antes de esquivar de seu segundo golpe, o demônio segurou com força seu pulso, rosnando em sua boca, fazendo-a sentir o hálito quente do Inferno, e a jogou no chão, de lado.
A dor percorreu seus músculos como um choque, fazendo-a gemer alto, franzindo o rosto. fitou diretamente os olhos de Larkin, respirando com a boca aberta.
— Não machuque meu Alexander... — gemeu baixo.
Larkin virou o rosto como um cachorro curioso.
— Alexander? É assim que quer chamá-lo? — ele se ajoelhou. Uma lágrima caiu dos olhos de e ela escondeu o rosto.
Larkin hesitou por um minuto em atacá-la novamente. Poderia, e deveria, estava autorizado a agir como numa luta de verdade, mas sentiu uma ponta de indagação, algo real.
Ele franziu o rosto, encolhendo as asas. Colocou-se de pé, virando-se.
Naquele momento, saltou como um gato em seu pescoço, fincando as unhas em seu pescoço, puxando-o para o lado. Quando as asas dele se expuseram de novo, como um pássaro assustado, ele as bateu e voou alto. sentiu o coração bater rápido, com raiva. Larkin se virou de barriga para cima, tentando agarrar os braços de — mas ela parecia muito mais ágil, escorregadia como uma cobra, calculando os passos que ele faria, como se lesse sua mente. Ambos urraram, um tentando ser mais alto que o outro. Os pássaros voaram assustados. Ele parou de bater as asas, começando, ambos, a cair. O corpo de , exceto suas mãos — agarradas ao pescoço do demônio —, se esticou, como se saltasse de um precipício para mergulhar. Os cabelos dela estavam estirados em uma nuvem preta que se movia com o vento.
Quando estavam prestes a atingir o chão, colocou os pés nos ossos do ilíaco de Larkin e saltou novamente, desta vez para cima, pulando de costas, como um gato.
Com o impulso para baixo, Larkin se confundiu no bater de asas e, como um pássaro confuso, caiu no chão com as asas embaralhadas com o cima e o baixo, com a gravidade e o chão, que se aproximava rápido demais. Ele bateu na grama do jardim como uma bomba, abrindo um buraco.
também caía, mas era como um gato, contorcendo-se no ar, virando até que estivesse com os joelhos, mãos e pés preparados para o impacto. Quando caiu, seus cabelos cobriram-lhe a face. Ela aterrissou com destreza.
Quando levantou o rosto, seus olhos estavam finos e frios como os de um réptil. A pupila parecia brilhante, enquanto o azul era ainda mais turquesa-cristalino.
sorriu excitado, ouvindo um riso feminino acima de sua cabeça. Lilith assistia a luta com o barulho de seus animalescos urros e rosnados.
— Fascinante — bateu um par de palmas. — Simplesmente fascinante. O Anticristo, por ser do sexo masculino, dispersa mais testosterona dentro do sistema dela, tornando-a cem vezes mais irritadiça e arisca.
— Já disse que o nome dele não é esse! — ela urrou, olhando diretamente para Lilith. Esta, por sua vez, riu.
— Tenho apego por este animal — mordeu o lábio inferior. — Extremo apego.

— Realmente acho que não é uma boa ideia — sussurrou , enquanto puxava os braços para frente a fim de ajeitar a jaqueta de couro preto no corpo. Ela usava uma calça jeans justa, preta, uma regata branca com decote em V, e os cabelos estavam presos em um coque bem apertado. O anel de safira ainda pesava em seu dedo anelar da mão direita.
— Nós precisamos sair um pouco dessa realidade — incentivou , também sussurrando.
Richard estava parado à porta, aquecendo as mãos frias, deslizando-as em velocidade rápida, o máximo que conseguia. Seu nariz avermelhado expelia vapor quente e, mesmo coberto com um grosso paletó de lã, calça jeans pregada e justa, além de tênis pretos, ele parecia tremer como se estivesse nu.
Era quase uma hora da manhã quando acordou com batendo à sua porta. Sua ideia era levá-la para a cidade, para que sentisse novamente o ar sujo de New York.
A verdade era que a Burlesque, hoje, estaria abrindo novamente, sob outra diretoria.
O nome do cara era William James Humphrey, vinte e quatro anos. Era formado em administração e havia comprado a boate assim que, depois da briga, foi posta à venda.
queria, além de conhecer novas pessoas, ver a cara que Richard fizesse quando soubesse que seu império estava ao cuidado de novas mãos. Ele ouvira dizer que algumas das meninas ainda continuavam lá e, interiormente, achava que seria saudável para vê-las novamente.
Ela não sabia onde estavam indo e tampouco sentia imensurável vontade de acompanhá-los — Richard carregava consigo metade da empolgação de , embora almejasse a hora de se ver livre de trabalhos braçais para Lilith, também podendo aproveitar a oportunidade de se alimentar de algumas virgens e recompor sua impecável aparência jovial.
Quando entraram no carro, logo ligou o aquecedor e o rádio, juntando as mãos entre as pernas enquanto dava a ré. Ele tinha a boca entreaberta e, conforme se afastavam, seus olhos iam adquirindo tons gradualmente mais claros.
— Aonde vamos, afinal? — indagou Richard; sua voz estava grossa e trêmula.
— Você vai saber quando chegarmos lá — sorriu.
Quando ele tornou a olhar para frente, seus olhos se conectaram com os de por apenas um segundo. Sua boca estava mais vermelha pelo tempo frio e seus olhos estavam mais escuros pela pouca claridade. sorriu, exalando uma risada, então pisou fundo no acelerador.

Escute!

A rua estava movimentada e havia uma luz vermelha iluminando o asfalto molhado. A fila que se estendia à frente da gigantesca porta de metal da Burlesque quase atravessava metade do quarteirão. A música saía pelas paredes de concreto cinza escuro e as conversas paralelas, o cheiro de álcool, de sexo, de drogas entorpecia qualquer mente ainda sóbria.
Richard sentiu o cenho se franzir, lentamente, enquanto sua boca abria. Ele xingou alto, fazendo soltar uma risada e manter o sorriso no rosto até que estacionasse o Camaro em uma única vaga livre bem na porta da Burlesque.
— Não acredito que viemos aqui! — gritou ele, batendo com força a porta.
— Vai com calma aí, porra. Não amassa meu carro — também bateu a porta, rindo. Caminhou com pressa e parou ao lado de , passando seu braço por cima de seus ombros, puxando-a para um abraço lateral. — Lembra-se? — ele a olhou, inclinando o rosto para ela. abriu um sorriso de soslaio, malicioso.
Atravessaram a rua e foram direto para a porta. Richard estava inquieto, vendo as mudanças que haviam feito em sua preciosa boate, seu inferno particular. pensou que, em qualquer momento, ele poderia começar a chorar em uma angústia mixada com nostalgia e melancolia.
soltou seu corpo para trocar poucas palavras com o segurança alto, que usava óculos escuros e um fone para se comunicar com outros seguranças lá dentro. Ele deu passagem para os três, abrindo a porta. sorriu, puxando novamente. Richard fora o último a entrar, com os dedos embaralhados nos cabelos, os mindinhos quase tampando seus olhos para a atrocidade, em sua cabeça, que havia acontecido com seu estabelecimento.
As paredes continuavam altas e pretas, como o brilhante chão frio, mas o segundo andar havia se transformado em um gigantesco bar. A cabine de DJ havia sido movida para a extrema parede direita, onde, agora, era um palco com uma banda de rock que tocava ao vivo; tinha grades pretas altas, que lembravam uma jaula, onde a vocalista se esfregava. A alta música saía de cantos específicos para criar uma única onda que movia aquele mundo de pessoas que se espalhavam na nova Burlesque.
As dançarinas de pole-dance haviam sido mudadas também — agora havia quatro cavernas em cada uma das paredes, onde uma luz vermelha iluminava suas silhuetas extremamente definidas, tornando-as sombras pretas, enquanto se esfregavam e davam piruetas naqueles postes de metal.
— Que caralho eles fizeram com minha boate? — gemeu Richard.
virou sutilmente o rosto para vê-lo sumir em meio de quatro mulheres e dois homens.
Havia mesas com acentos de couro vermelho escuro que circulavam em torno das paredes; champanhe era servido de graça, por garçons extremamente bem vestidos e bonitos. Ninguém ali tinha a aparência feia ou desarrumada. William havia especificado beleza, juventude e irradiação à insanidade.
Se antes a Burlesque era uma pequena casa pornô, agora era uma boate realmente produtiva, que atraía muito além de lésbicas e solitários homens infelizes com suas vidas sexuais.
— Preciso conversar com alguém — disse alto à beira de seu ouvido e, ao vê-la assentir, partiu no meio da confusão de pessoas que dançavam e bebiam.
mordeu os lábios e puxou fundo o ar. Olhou em volta e se perguntou como teriam sido as coisas caso a Burlesque sempre tivesse sido daquela forma.
Um garçom parou ao seu lado e ofereceu a ela uma taça de champanhe. Ela aceitou, dando logo três goles seguidos. Foi caminhando em meio às pessoas, chegando perto de uma caverna, encostando-se à parede para esperar voltar.
O ar quente era confortável aos seus pulmões e a atiçava a tirar o casaco.
A garota do pole-dance se ajoelhou e, sob a luz dançante posta ao teto, viu parte de seu rosto.
Tinha cabelos curtos, com a lateral raspada, loiros e lisos; rosto claro, tatuagens, corpo longilíneo, um tanto quanto magro demais. Sua maquiagem era pesada — olhos bem pretos e boca brilhante, rosa claro.
tomou outro gole de champanhe e a viu dançando, esticando o corpo para trás enquanto jogava a perna para cima, com a boca aberta.
— Elas são incríveis, não? — alguém dissera com a boca próxima demais de seu lóbulo, fazendo-a sentir arrepio com o sopro de sua voz. girou a cabeça e ergueu-a para olhar no rosto do homem que falara com ela.
Era alto, cerca de 1,92, tinha robustos e largos ombros cobertos por uma blusa simples, preta, com um tímido decote em V, pescoço grosso, bochechas salientes, dentes brancos e retos, que forravam um gigantesco sorriso tentador. Seus olhos encolhidos pelo riso orgulhoso eram de tom cinza-névoa com resquícios de amarelo, redondos e grandes. A sobrancelha extremamente escura, grossa fazia par com seus cabelos lisos, cortados de forma que cobrisse parte de sua testa, mais curto nas laterais e nuca. As coxas torneadas estavam marcadas pela calça levemente justa, também preta.
— Aliás, sou William — esticou a gigantesca mão para ela, fazendo-a, sem pensar, esticar a sua até que suas peles se tocassem.
Com a distância que manteve de seres humanos normais, era estranho enfim tocar em um. William tinha a pele quente, bronzeada, e seu sangue circulava rápido por suas veias, excitado com a inauguração mais que perfeita, um tremendo sucesso.
— Sou — gritou por cima da música. — Algumas das antigas dançarinas ficaram aqui?
— Por que o interesse? — ele sorriu outra vez. deu de ombros, dando um gole em seu champanhe.
— Costumava trabalhar com Richard — ele assentiu, lambendo sutilmente o lábio inferior.
— É uma pena que seu nome não estivesse na lista — ele colocou as mãos no bolso fronteiro da calça. — Seria ótimo te ver aqui todas as noites.
riu, negando com a cabeça enquanto virava o rosto e tomava outro gole.
— Quem ficou? — tornou a encará-lo.
— Angel Backwell... — ela rolou os olhos; William percebeu e riu. — O quê? Não gosta dela?
— Na verdade, não — sorriu pelo canto dos lábios.
— Bom, diga-me quem gostava, então, que respondo se ficou — ele cruzou os braços e continuou fitando-a fundo nos olhos escuros.
— Alysha Bennet — soara como uma pergunta, intensificando-a com o inclinar suave de seu rosto e o encolher de seus olhos.
— Ora, veja só — ele subiu uma de suas grossas sobrancelhas. — Tinha afinidade com ela, então?
— Éramos boas amigas — assentiu. — Ela que me trouxe para cá.
— Tem bons olhos, é bom saber dessa qualidade — riu outra vez. — Ela ficou.
— Ficou? — tomou o último gole de sua bebida, desencostando da parede.
Ao fazê-lo, ficara próxima demais de William James. Ela ergueu seu queixo quando sentiu o sopro de sua risada tocar sua testa.
— Posso pegar outra bebida para você, ? — ele encarava-a os lábios e sorriu ao vê-la sorrir.
— Claro — assentiu com o cenho levemente franzido —, por que não?
William sorriu e assentiu, passando, junto dela, pelas pessoas até chegaram à escadaria — também mudada —, que se retorcia em degraus de ferro preto, postas nas duas extremidades do final da boate. Lá em cima o ar era mais gélido e o cheiro de jasmim era um pouco mais forte. Havia pufes duros, vermelhos e pretos espalhados por um quadrado na extrema esquerda, onde um tapete de pele de urso branco estava servindo de cama para uma loira de vestido dourado brilhante — ela segurava sua bebida vermelha enquanto um rapaz de cabelos de trigo, lisos, ria da risada dela, voltando a contar a história que a prendia em gargalhadas bêbadas.
A fumaça de cigarros sumia pelas saídas de ar circulares postas em torno de toda a Burlesque.
O bar, agora, era gigantesco, de vidro fosco e preto. Três barmans preparavam coquetéis excêntricos, coloridos, entupidos de álcool.
— Duas doses de tequila — alguém logo o serviu, sem ao menos dar tempo de se apoiar num milimétrico lugar livre no balcão. Ela segurou sua dose e a esticou para cima, brindando com William. Ela bebeu em um gole só. William riu.
— Em qual caverna está Alysha? — ela lambeu os lábios. Sentia falta daquilo. Tanta falta!
— Na primeira — ele apontou para aquela onde estava perto. Sua sobrancelha ergueu. — Gostaria de vê-la? Posso chamá-la aqui.
— Pode? — ela alargou seu sorriso. — Chame-a então.
William fez um sinal para um dos seguranças, que logo foi atendê-lo, chegando o rosto próximo do mais alto, segurando a gravata ao abaixar-se para ouvi-lo. William fez sua ordem e o segurança negro a repetiu em seu microfone, logo voltando ao seu posto original.
— Como se conheceram? — ele pediu outra dose com um erguer de dedos. lambeu os lábios e sorriu outra vez, como uma criança.
— Quando me mudei para cá, trabalhei por alguns dias em uma lanchonete. Ela e Angel foram lá e acharam que eu tinha capacidade para dançar em cima de um balcão. Estavam precisando de dançarinas — ela inclinou a cabeça por um segundo, agradecendo quando lhe entregaram a segunda dose. Tomou em um gole, de novo. Dessa vez, apertou os olhos e lambeu os lábios molhados. William riu outra vez, seguindo-a.
— Você tem namorado, ? — enfim perguntou.
deu de ombros.
— Acho que não — ele riu de novo.
— Acha? — ele manteve o sorriso nos lábios. — Como assim?
— É difícil explicar — ela o olhou.
— Tente: sim ou não? — ele molhou os lábios e manteve um sorriso malicioso nos lábios.
Ela pensou por um segundo.
— Não — respondeu seu olhar e riu. — Quero outra dose — arqueou uma das sobrancelhas.
— Calma, garota, senão você acaba ficando bêbada — a voz de Alysha inundou seus tímpanos, fazendo-a virar o rosto com pressa e reprimir um grito de alegria.
Ela desencostou do balcão e correu para abraçar a amiga. As roupas da nova Burlesque também eram mais bonitas — ela usava um conjunto de corpete branco com adornos de renda preta; a calcinha e a cinta liga eram de mesmo tecido transparente, com furinhos pretos. Seu salto era gigantesco, fino. Alysha, que já era alta, ficava ainda maior. Seus peitos batiam no pescoço de .
— Alysha! — gritou , sorrindo, apertando mais a amiga entre seus braços.
— Você está tão maravilhosa! — Alysha retribuiu seu abraço apertado, afagando sua nuca. — Seu cabelo parece mais escuro, você emagreceu, parece radiante! O que há?
— Qualquer dieta pode te fazer igual — ela riu com ironia. William sorria, fantasiando com as duas ao mesmo tempo.
Alysha olhou por cima dos ombros de .
— Posso fazer uma pausa? Recompenso ficando além de meu horário — ela franziu as sobrancelhas.
William balbuciou o ar, permitindo com um sorriso.
As duas, então, seguiram com pressa para a porta que ficava escondida, encoberta por cortinas pretas transparentes, dando acesso à varanda traseira da boate. Ali era o ponto de descanso das dançarinas de hora em hora, onde podiam beber e comer se sentissem vontade.
O chão era de cimento queimado e o andar era protegido por uma grade de aço cinza claro, frio. Havia pufes duros, pretos, postos à frente da parede para que elas pudessem se recostar ali; à frente dos pufes, um tapete felpudo vermelho; ao lado, uma estante para colocarem seus saltos, descansando os pés. Havia um teto de lona preta que protegia tudo da chuva.
Era fresco, um tanto quanto frio, e o som da música ao vivo ficava quase inaudível quando a porta se fechava. Era possível ver a alma de New York, os estalidos dos apressados saltos, o resquício da chuva e seu barulho, cheiro.
— Não sei explicar quem é mais gostoso: Richard ou William — disse Alysha assim que a porta de metal bateu. soltou uma risada nasalada e jogou seu corpo no pufe ao lado do frigobar. Dali de dentro, pegou uma cerveja e a abriu, dando logo um gole.
— William — assentiu. — Richard está meio acabado.
— Você ainda o vê? — indagou saudosa. abriu um riso malicioso. — Digo isso em termos profissionais.
— Entendo — ironizou. — Ainda temos contato.
— Fiquei sabendo que estava aqui no dia do acidente, da briga, sei lá que porra houve — ela mudou seu tom para algo levemente preocupado. virou o rosto e encarou o negro céu de New York. — O que aconteceu? Como escapou?
— Fui salva, na verdade — falou sincera. — Alguém me puxou para fora antes que o desastre acontecesse.
— Quem? — ela mordeu os lábios pintados de rosa brilhante. deu de ombros.
— Eu estava desmaiada.
— Mas o que aconteceu depois que subiu para a antiga cabine? Era pra você trepar com o Richard e dar o fora.
— Essa era a ideia — tornou a olhá-la. — Um cara entrou na boate depois que ela estava fechada, então Richard achou melhor enfrentá-lo; sabe como os homens são — rolou os olhos. — Aí começaram a brigar.
— Fiquei sabendo que o tal cara era Giansanti, o gostoso que gostava de te foder. Ele veio aqui quando a reforma terminou, há alguns dias, antes da inauguração.
— Veio? — olhou para a amiga, que assentiu. — E aí?
— Nada — ela deu de ombros. — Bebeu e conversou alguma coisa com William enquanto eu e algumas meninas novas ensaiávamos. Agora as regras são um cu, você deu uma puta sorte por ter conseguido algo melhor, em outro lugar. Suponho... — franziu as sobrancelhas e estalou os saltos até se sentar no pufe à frente dela. — O que você está fazendo agora?
— Nada, por enquanto. Conheci um cara — ela sorriu perversa.
— Não brinca! Sério? É rico? — ela mordeu o canto do lábio.
— Sim, ele é. Me sustenta; não mexo a porra de um dedo para nada.
— Mas eu nunca mais te vi — ela virou o rosto, curiosa. — Por onde esteve? Depois que enriqueceu esqueceu dos pobres?
— Não tive tempo de fazer muita coisa — disse sincera. — Ele me mantém em cativeiro.
— Escrava sexual? — ela riu maliciosa. assentiu. — É gostoso te ter por perto, deveríamos fazer isso mais vezes — ela mordeu os lábios novamente.
— Concordo — sorriu e deu outro gole em sua cerveja. — Agora você não é mais obrigada a ter aqueles “efeitos colaterais”? — ela riu a fazer aspas com os dedos. Alysha a acompanhou, depois negou com a cabeça.
— Somos apenas dançarinas, agora. Ganho mais dinheiro, mas não fodo com ninguém — ergueu um dos ombros. Seus olhos tombaram no anel de — Ah, meu Deus, que porra é essa no seu dedo?! — ela gritou, ficando de joelhos para segurar a mão da amiga e encarar a safira. — Puta que pariu, deve ter custado um dinheirão do caralho!
— Era de algum familiar dele — chutou, analisando-o também. Nunca tinha notado como era bonito. — Ganhei enquanto ainda trabalhava na Burlesque, mas não quis usar.
— Por quê? Você é idiota ou o quê? — ela passou o polegar pela brilhante pedra.
— Não achava que era certo.
— Meu cu para o que é cert...
Antes que ela terminasse sua frase, um bater forte de asas fez o vento tornar-se mais intenso, empurrando seus cabelos.
Um demônio sem rosto, sem corpo e penas pousou e rosnou para as duas, mostrando suas quatro fileiras de dentes, um mais afiado que o outro. Os olhos do animal eram mais pretos que tudo que já havia visto em toda sua vida. Suas asas eram nuas de penas, com duas adagas afiadas nas pontas, côncavas para perfurar o corpo de qualquer coisa.
Aquele era o mesmo demônio que possuíra Claire Stevens, a psiquiatra do hospital que a atendera quando Maya fora assassinada e comida por Richard.
Alysha soltou um berro alto e tentou se pôr de pé, confundindo-se e torcendo o pé com o tamanho do salto. se encolheu, mas não tinha fôlego para gritar. Seus olhos estavam arregalados e a boca aberta.
O demônio rasgou a lona do teto, aproximando-se com suas patas de dragão, compridas, com unhas extremamente afiadas, tentando abocanhar uma das meninas.
Alysha ainda gritava, com dor no tornozelo, se arrastando no chão para a porta. O demônio achou mais convincente atacá-la primeiro, já que era um alvo mais fácil. Ele rosnou — um som agudo, que lembrava um grito de ave —, bateu as asas cinzas e secas, derrubando os móveis.
se colocou de pé, quando viu o demônio fincando as adagas das asas no chão e indo em direção à Alysha, e pegou um pufe, erguendo-o por cima de sua cabeça, jogando nas costas ossudas da besta. Ela se virou e rosnou ainda mais alto, começando a perseguir , que deu a volta até chegar à beira da grade de proteção. Alysha esmurrou com força a porta, mas ninguém parecia ouvi-la por causa da alta música. Ela chorava desesperada e acabou por bater a lateral da mão em uma ponta afiada da maçaneta, por acidente.
O cheiro do sangue fez os olhos do animal ficarem ainda mais escuros. Ele se virou de e tornou a voar até Alysha, atacando-a de uma vez só na cabeça. Seus gritos ficaram mudos; sua cabeça fora desgrudada de seu corpo e o sangue jorrava de seu pescoço aberto, pintando o chão. A besta a comera de uma vez só, depois grudou as adagas das asas na cintura tatuada e fina de Alysha, erguendo-a de cabeça para baixo, drenando seu sangue.
não conseguia piscar, pensar, respirar. Estava paralisada, apertando com força as barras de metal. O vento e a chuva empurrava seu cabelo já solto para o lado, umedecendo-o, deixando-o mais escuro.
Quando já não tinha sangue no corpo de Alysha, a besta a jogou para o térreo, virando-se ensanguentada para .
Ela ouviu o berro assustado das pessoas que esperavam na fila, o som de carros colidindo e vidros sendo quebrados.
A besta voou em sua direção e tudo que ela pôde fazer fora fechar com força seus olhos, sentindo o vento do farfalhar de suas asas empurrar seu corpo para trás e fazê-la cair. O demônio mergulhou para pegá-la e drená-la como fizera com Alysha, mas alguém a agarrara antes, voando com muita destreza e rapidez para os céus. Quando abriu os olhos, não viu , como imaginava, mas Larkin.
O berro do demônio sem rosto continuou seguindo-a por entre as nuvens de chuva. Ela voava pesado, movendo o corpo inteiro como uma cobra com asas.
Larkin afundou para as luzes da cidade, franzindo seu rosto humano com a força que usava nos ombros machucados pela luta que tiveram mais cedo. A besta continuava seguindo-os com precisão. O cheiro do sangue de era muito mais forte que qualquer outro.
Larkin voou com ainda mais pressa, ziguezagueando os prédios até adentrar em um beco escuro, quando a besta havia se perdido em meio aos arranha-céus.
tentava respirar, sentindo-se trêmula não apenas pelo frio e chuva. Sua pele não tinha cor, seus olhos estavam petrificados.
Larkin também respirava descompassado, mas tinha as asas recolhidas e o corpo rente à parede, com os olhos presos no céu. O grito de ave da besta fora alto, escondido no céu, e uma trovoada contornou sua silhueta longe o bastante para não os ver.
Larkin virou o rosto e encarou a garota, que o encarou de volta.
Então, ao assistir o passado correr seus olhos de novo, ela começou a chorar sem fôlego.


29.

Don’t you run away from me, cause I will run away from you.

O enterro estava mais cheio do que realmente pensou. Chovia, embora estivesse quente. Os guarda-chuvas formavam uma cabana de luto que abrigava os rostos chorosos de parentes — sua mãe, irmã e irmão mais velhos —, sérios e pálidos, de amigos, e saudosos, de clientes. Dentre eles estava William, que não carregava expressão, com os olhos petrificados no caixão que descia lentamente, em silêncio, para a cova funda.
fora a primeira a se mover para jogar uma rosa branca em cima da madeira de lei escura. Seu rosto continha um pouco de cada sentimento exposto ali, com um quê de choque pela verdade por trás de seu assassinato — ela era a única ali que realmente sabia. Estava sozinha, com relutância da parte de Lilith, embora tivesse quase certeza de que havia sido seguida por alguém.
Em toda sua vida, sempre gostara de ficar sozinha, mesmo que antes atormentada por sua consciência; mas desde que ficara grávida de Alexander, não havia sentido mais a solidão, mesmo quando sabia de sua realidade de prisioneira. Era como se eles se comunicassem em silêncio.
Instintivamente, pôs sua mão acima do útero já um pouco inchado, molhado pela chuva que a cobria as vestes desde que saíra do aconchego dos guarda-chuvas para despejar a flor acima do caixão de Alysha.
Fechando seus olhos, visualizou a penumbra de suas lembranças. Era estranho, porque, na noite passada, enquanto conversara com William sobre como foi trabalhar na Burlesque, esquecera-se de como era a figura de sua mãe. Não tinha certeza de como eram suas feições e sua voz, então, não fazia ideia de qual era o som. Indagava-se se era por causa da individualização que Lilith havia feito em seus genes. Não sentia falta dela, de sua antiga vida. Não que realmente fosse apaixonada pelo presente, mas o preferiria caso o pusesse ao lado do passado. Mesmo que fosse prisioneira de demônios, estivesse gerando o Anticristo em seu útero e vivesse em um cativeiro medieval, era preferível ao que vivia antes, naquele inferno ignorante preenchido por seu pai e sua mãe.
A pergunta que sempre rondava sua cabeça era: “o que teria acontecido caso eu não tivesse ido àquela festa? Onde estaria agora?”.
Mãos quentes preencheram seus ombros molhados e a água cessou, deixando apenas seu barulho sobre o tecido impermeável do guarda-chuva preto. Abrindo os olhos, viu os lábios sérios de William. Ele a olhou, afagando seu ombro esquerdo, puxando-a para um abraço lateral.
— Deixe-me pagar seu café-da-manhã — disse baixo. — Não aguento mais ficar aqui olhando para essas pessoas.
Sem ao menos pensar se estava com fome, aceitou e virou-se nos calcanhares, seguindo com ele para sua Land Rover cinza grafite, entrando no banco do carona, protegida ainda pelo guarda-chuva dele, que segurava a porta para ela, esperando-a sentar-se no banco de couro.
Seus cabelos molhados faziam-na sentir ainda mais frios; seus dedos tremiam junto de seus joelhos.
— Vou te levar até meu apartamento para trocarmos nossas roupas — avisou com a voz rouca, sussurrando. , por uma segunda vez, não respondeu; encostou sua cabeça no vidro frio e fechou os olhos, tentando não ver nada além da penumbra.

A viagem fora tão silenciosa quanto demorada. só despertou quando o carro estacionou e a porta do motorista bateu com certa força, fazendo-a arregalar os olhos enquanto se punha alerta, ereta.
— Desculpa — ele sorriu fraco, movendo os lábios por trás do vidro. Quando ela deu espaço, ele abriu sua porta e ajudou-a a pular do alto carro.
O condomínio de William era tão luxuoso quanto ela imaginava. As ruas eram largas e havia cerca de seis casas em cada extremidade, todas grandes, com muitas janelas e belíssimos jardins.
Tudo ali era muito vivo e as cores fortes faziam os olhos de arderem.
O sol havia aparecido e não havia resquício de que uma hora havia chovido. Ele a guiou pela garagem clara, de piso frio, até a porta da entrada dos fundos. Destrancando-a, empurrou e cheiro de jasmins invadiram as narinas de . Sorrindo, ela adentrou a cozinha.
A casa de William era muito mais bonita por dentro que por fora. A cozinha era gigantesca, com porcelanato branco no chão, ladrilhos e pastilhas pretas nos três resquícios de parede que apareciam — uma era de vidro, que dava uma visão linda do jardim dos fundos, da churrasqueira e da piscina, enquanto as outras eram forradas por balcões e armários de vidro fosco, preto. Os eletrodomésticos eram prateados, de inox, e brilhavam com o reluz do lustre central e a iluminação natural que adentrava pela parede de vidro. A mesa posta ao lado daquela mesma parede era redonda, de vidro preto brilhante, com cadeiras forradas com couro também preto, detalhada com prata. Estava posta para três pessoas — com pratinhos de sobremesa, xícaras grandes e um bule que exalava cheiro de café recém-preparado, que se fundia com cheiro de pão doce. A cozinha estava quente e tudo ali compartilhava uma emoção há muito não sentida por ela: conforto e proteção — uma proteção natural.
— Jaro deve ter preparado algo para comermos quando liguei avisando que traria alguém para cá — disse William com a voz grossa, sedutora, caminhando pela cozinha até uma portinha escondida, que o levaria até a área de serviço.
acompanhou com os olhos, sentindo certo arrepio nas pernas, quando ele puxou sua camisa molhada pela nuca, colocando-a dentro da máquina de secar roupas. O barulho do motor a fez pigarrear e desviar os olhos para o chão.
Quando ele voltou, estava usando apenas uma calça azul escura, par de um moletom qualquer. Seu cabelo molhado estava bagunçado como o de um cachorro, arrepiado e brilhante. Seu corpo era contornado por músculos bem definidos e a pele parda, um pouco bronzeada, parecia estar sempre brilhando.
— Jaro? — indagou em um miado, mordendo os lábios. A beleza de William era intimidadora.
— Ela cuida de mim e da casa desde que eu era moleque — abriu um sorriso lateral infernalmente perfeito, encolhendo os olhos. — Venha, vou te levar até o quarto e te dar umas roupas secas.
Ele tocou suavemente em seu ombro, instigando-a a segui-lo pelo resto da casa.
Propositalmente tão bonita quanto a cozinha, a sala abrigava um enorme sofá em formato de L de cor grafite, com almofadas verdes e brancas; à frente, havia uma mesinha de descanso com revistas sobre negócios, um telefone sem fio preto e os controles da televisão de plasma posta no meio de duas outras paredes de vidro — estas, cobertas por cortinas leves e brancas, davam uma linda vista para o restante do condomínio iluminado pelo glorioso sol. Embaixo do sofá e da mesa de centro estava um felpudo tapete branco, que instigava qualquer um a jogar fora seus sapatos e esfregar os dedos naqueles pelos. Atrás do sofá, uma mesa comprida e fina servia de apoio para jarros de madeira escura que seguravam gigantescos jasmins arroxeados e brancos. Mais atrás, havia quadros desenhados com carvão grudados às paredes altas, brancas e limpas como neve. O lustre redondo, de cristal e prata, iluminava a sala ao seu meio, pendurado a mais de cinco metros do chão.
As paredes eram bem altas. A casa de William era de dois andares, mas não havia um segundo andar acima da sala.
Do outro lado, havia um pequeno escritório com mesa de mogno, um MacBook Air, canetas de ouro, alguns porta-retratos contra o campo de visão de , que a impedia de ver as fotos que carregava, e, atrás, uma gigantesca prateleira dos mais variados livros, desde os grossos até os minúsculos e coloridos. Ao lado esquerdo do escritório, a sala de jantar. Ao lado direito, uma escada de vidro bem grosso sem corrimão.
Ele se dirigiu até ali, levando-a até o suposto segundo andar.
Ele era inteiramente pertencente ao quarto de William, com carpete bege escuro e paredes azul petróleo; a cama podia, fácil e confortavelmente, abrigar cerca de quatro pessoas — estava revirada, com os sete travesseiros jogados por todo o lençol preto que se fundia com o edredom cinza. Ao lado esquerdo da cama, um amontoado de almofadas lembrava a cama de um cachorro grande, embora não tivesse visto nenhum. Ao lado direito, uma arara alta com roupas separadas por cor e, acima, uma única prateleira que sustentava todos os seus pares de sapatos e tênis. A terceira parede, contrária da entrada da casa, também era de vidro — ali, a paisagem era ainda mais bonita, porque mostrava o horizonte azul turquesa da ilha de Manhattan contrastando com a grama extremamente verde do condomínio onde morava.
William separou um moletom comprido, branco, e uma samba canção preta, entregando-os nas mãos dela.
— Sinta-se em casa — desejou com um sorriso de soslaio.
agradeceu e acompanhou o movimento de seus robustos ombros nus enquanto ele tornava a descer e se acomodar na cozinha.
Naquele momento, ficou imersa no silêncio de seus pensamentos.
Virou-se de costas, indo até a parede de vidro, puxando com certa dificuldade a blusa outrora grudada às suas costas devido à chuva. Jogou-a no chão, já puxando a calça e a calcinha. Secou-se rapidamente com uma toalha que achou dobrada perto da prateleira, vestindo-se rápida por causa do arrepio de frio; prendeu os cabelos ainda úmidos em um coque bem preso, colocando para trás das orelhas algumas pequenas mechas que se soltaram ao enrolar dos fios. Suspirando, abaixou-se e pegou as roupas molhadas, caminhando lentamente até a grade de metal que envolvia a “varanda” do quarto dele.
Ela imaginou como seria sua vida caso pudesse escapar daquela realidade tão assombrosa da qual se sentia imergida agora; perguntou-se como seria caso William fosse seu cara, e não um demônio de quatrocentos milênios, com uma mãe completamente insana e obcecada. Perguntou-se como seria caso ela pudesse escolher entre ser ou não prisioneira de um ser sobrenatural só por causa de seu maldito sangue especial. Se não estivesse grávida de Alexander — porque aquele era seu nome, sendo ou não o Anticristo. E era tão maluco como as coisas estavam decorrendo naqueles últimos meses que ela podia pausar por alguns instantes a sua própria vida e rever os passos que deu para chegar aonde se encontrava.
Queria nunca ter se envolvido tão profundamente com . As consequências a trariam até Manhattan, de qualquer forma, e William estaria lá.
Perguntou-se se havia alguma forma de escapar. Fugir com Alexander e se esconder, viver uma vida normal, sem demônios, bruxas e maldições. Como Lilith fez. Queria poder viver afogada naquele conforto maravilhoso que sentia na presença de William, mesmo o tendo visto pela primeira vez há uma noite. Não se importaria de largar e suas frustrações por alguém como ele.
Por uma fração de segundo, o ar não entrava mais em seus pulmões. Fora uma pontada violenta, tão rápida quanto um piscar de olhos. Seu útero começou a queimar de uma forma tão brusca que ela teve de contorcer seu tronco para frente. Ela soltou um gemido agudo de dor quando suas pernas vacilaram e seu corpo tombou no chão. Sua pele parecia estar sendo puxada por dentro, seus ossos pareciam estar sendo quebrados, distorcidos, amassados por canhões de fogo. Seu interior queimava, ardia, doía.
Fechou seus olhos e gemeu com ainda mais força, arregalando os olhos quando sentiu a pele queimar, como se alguém tivesse pressionado ferro quente sob sua cintura e esfregando de um lado para o outro na carne viva. Tentou mover a cabeça, mas não conseguia, sentia como se um osso quebrasse sempre que ela pensava em se mover.
! — William subiu correndo as escadas e se ajoelhou ao lado da garota vermelha, que começava a chorar de dor. — , o que aconteceu?! — gritou.
Mas ela não tinha fôlego para responder. Sua traqueia estava tampada por um bolo que mais parecia sangue seco, que ia para cima e para baixo, arranhando nas paredes de sua garganta. Sempre que tentava respirar, fazia força com os pulmões, sentindo dor nos ossos ao fazê-lo — parecia que havia se formado espinhos em seu interior, de forma que qualquer movimento fosse extremamente violento e doloroso, fazendo-a sangrar.
— Jaro, chame uma ambulância! — ele gritou.
teve medo de morder os lábios e parti-los como carne mal passada, arrancando-o do resto de seu corpo. Quando William tocou-a no braço, a dor fora ainda mais aguda. William parecia ter adagas em brasa no lugar dos dedos, rasgando e queimando sua pele sempre que a tocava.
Com medo e cuidado, ele ergueu o moletom que cobria seu corpo suado.
Aquela imagem o fez recuar instintivamente.
O útero dela estava disforme, sugado para dentro do corpo em uma hemorragia interna, deixando a pele roxa, com bolas vermelhas. O carpete em torno do corpo dela ficou vermelho e molhado pelo sangue que começou a escorrer do meio de suas pernas. Era mais escuro que sangue normal.
William arregalou os olhos e, mesmo contra a vontade dela, sabendo que a machucava sempre que a tocava, ele a ergueu em seu colo e pulou de dois em dois degraus até o andar de baixo.
gritava sem conseguir se controlar. Sua testa estava suada e seus cabelos grudavam na pele.
A ambulância estava parada do lado de fora e logo os paramédicos pularam da traseira do carro, trazendo consigo a maca móvel. Quando ela passou de um braço para o outro, sentiu um alívio momentâneo. Fora tirada das chamas para o gelo, que ainda assim parecia queimar. Gritou quando seu corpo foi posto na maca, afundando a carne nos espinhos de seus ossos.
— Eu não sei o que há com ela! — gritou William, com as mãos na nuca e os braços ensanguentados. — Estávamos bem, então de repente ela começou a gritar e se contorcer! — ele parecia que logo cairia em lágrimas.
O paramédico assentiu e correu para a ambulância.
— Vai, vai! — disse a mulher.
O homem pegou uma tesoura e cortou o moletom de William, expondo o corpo de . Sua pele estava mole, como se estivesse apodrecendo; em todos os cantos de sua pele, havia bolas disformes e vermelhas dos mais variados tamanhos. Eram pequenos vasos de hemorragia. Mas o útero em si era o mais assustador: a pele estava repuxada, de um tom escuro de roxo. A samba-canção de William estava vermelha de tanto sangue, que chegava escorrer para o chão estéril do carro.
— É um aborto, mas eu nunca vi algo tão estranho — disse a mulher. — Cheque a pressão — ordenou, tentando enfiar uma agulha de soro dentro da veia de . Sua pele parecia impenetrável. A agulha entortava. — Não estou conseguindo aplicar a intravenal!
— Como é o seu nome? — indagou o homem, olhando diretamente para ela enquanto tentava puxar seu braço para medir sua pressão. Até o aparelho no dedo, de medir a frequência cardíaca, estava afundando sua pele, fazendo-a ter a impressão que estava derretendo.
Seus olhos começaram a vagar pelas luzes da ambulância, perdidos em várias direções. Ela já não gemia alto ou gritava, restringindo-se a pequenos ofegos desesperados de tanta dor. Não tinha mais forças.
— Fique comigo! — gritou o paramédico. A mulher começou a puxar os cabelos molhados de sua testa, empurrando-os para trás.
— Oxigênio insuficiente! — a máquina começou a apitar muito rápido. — Arritmia cardíaca!
— Aplique a medicação! — gritou, colocando a máscara de oxigênio no nariz e na boca de .
— Não consigo, a agulha não penetra a pele dela!
— Dê-me isto aqui — puxou a seringa da mão dela e, achando a veia com facilidade, empurrou-a com força, mas realmente não entrou. Ela arranhava com força a pele, mas não entrava, deslizava.
— Estamos chegando! — gritou o motorista.
— Nós a estamos perdendo!
— Chegamos, chegamos!
A porta da ambulância abriu e logo a maca se moveu às pressas pelo corredor do hospital.
sentia-se flutuando, embora ainda pudesse ver e ouvir tudo que diziam ao seu redor.
Uma médica loira tinha os olhos arregalados conforme a paramédica ia relatando seu quadro de aborto e extrema hemorragia. O sangue deixava um rastro pelo hospital.
Ela só adormeceu quando o oxigênio fora substituído por gás anestésico.


30.

And all I can taste is this moment, and all I can breathe is your life. And sooner or later it’s over, I just don’t want to miss you tonight.

acordou quando um gel frio foi passado por toda a extensão de seu útero. Ela estava com o rosto virado, os cabelos presos em um coque bagunçado e os braços, estirados para cima; usava uma camisola azul escura amarrada na cintura, aberta até metade de suas costelas, deixando todo o tórax e busto expostos. Piscou algumas vezes até que sua visão turva estivesse perfeita. Lambeu os lábios extremamente secos, suspirando e encolhendo a barriga quando o gel foi melhor espalhado. Olhando assustada para baixo, viu uma mão branca, com unhas pintadas de rosa, manejando um potinho branco quase terminado, esmagado, com o nome do gel em verde.
A mulher era ruiva e tinha curtos cabelos bem cacheados que emolduravam seu rosto em formato de coração. Podia ver que, em suas têmporas, havia hastes roxas de óculos de grau. Ela olhava fixamente para a tela em preto de um aparelho de ultrassonografia. Quando se virou novamente para , não esperava vê-la acordada.
— Oh — suspirou, abrindo um sorriso extremamente gentil. Seus olhos tinham cor de caramelo bem claro e seus lábios finos estavam pintados de vermelho bem claro. — Olá, querida, como está se sentindo?
— Alexander — sussurrou, voltando à sua realidade. Olhou em volta, ainda mais assustada, começando a respirar com dificuldade. — Meu filho — suas sobrancelhas se franziram. — Onde ele está? O que aconteceu?
A enfermeira logo espalmou uma de suas mãos cobertas com uma luva de silicone azul no ombro nu de , afagando-a para tranquilizá-la. Seus olhos adquiriram um quê ainda mais confortável que seu sorriso.
— Nada aconteceu com seu bebê — disse enquanto alargava seu sorriso.
— Nada? Ah, meu Deus — ela suspirou aliviada e recostou-se na maca, trazendo uma das mãos para a testa. Fechando os olhos, ouviu a enfermeira rir. — Mas eu estava sangrando — abriu os olhos como se tivesse tomado um choque. — Disseram que era um aborto...
A cena que se estabilizou por detrás de suas pálpebras era pior que um pesadelo, porque soubera que fora real. Havia sangue para todos os lados, escorrendo principalmente do meio de suas pernas; seu útero estava roxo, cheio de hematomas, e o mínimo toque de William a fazia querer morrer.
— O médico encarregado do seu caso é o doutor Joseph Garrett. Ele é muito bom no que faz, tem muitos anos de prática, mas não soube explicar o que realmente houve com você. Parece que foi apenas um sangramento normal, sem nenhuma ligação com aborto.
— Mas havia muito sangue — repetiu. — Não é possível que seja normal.
— Estamos fazendo alguns exames para ter certeza que não há nada errado com o bebê — sorriu ainda mais doce. — Vamos nos concentrar nas partes boas, tudo bem para você? — ela assentiu depois de alguns segundos, sem ar. — Ótimo — ela se voltou para a tela. — Sabe de quantas semanas está grávida, ? — ela negou ainda sem falar. — Descobriremos agora, então — sorriu para a tela e pressionou o aparelho na barriga dela.
Primeiro não conseguiu distinguir nada. Era só um barulho confuso e um conjunto de imagens bagunçadas em cinza e preto. Depois viu uma sombra que logo começava a tomar foco e se tornar uma imagem.
Aquele era seu bebê.
— Veja só ele aqui — ela apontou para aquela sombra. — Veja só a cabecinha dele... — sorriu sentindo que logo começaria a chorar. — Está vendo o perfil? — riu, apontando para o rostinho do bebê. — Por aqui, tenho certeza que você está grávida de no mínimo dezoito semanas. Veja aqui... — ela apontou para o meio de suas pernas. — Você estava certa quando dizia que era um garoto — ela sorriu extremamente animada ao virar-se para , que mantinha os olhos fixos no contorno de seu filho.
Alexander pareceu virar o rosto, mas a outra imagem que se formou não era nem de longe angelical ou normal. Os olhos dele estavam extremamente pretos e arregalados, com dois brilhos difusos e bem brancos. Suas mãozinha se encolheram até que seus dedos estivessem em formato de garra. Alexander pareceu sorrir, mas era demoníaco. Em sua cabeça, havia pequenos vestígios, ou sombras, de chifres.
Os olhos de se arregalaram e ela não conseguia expelir nenhum som. Vendo tal ação nos olhos de , a enfermeira se virou e soltou um grito, largando o aparelho que mostrava tal infernal imagem.
— Ah, meu Deus — sussurrou ela. Seus olhos estavam cheios de lágrimas quando ela voltou a olhar para . — Ah, meu Deus...
Elas se entreolharam por um segundo antes que a enfermeira desse um passo para trás.
— Onde você... — tentou , mas não tinha fôlego para continuar.
— Vou chamar o... o doutor Garrett — ela continuou andando de costas até que trombasse com a parede, soltando um gemido pela dor e talvez susto. — Fique... fique aqui. Não saia daqui.
E então desapareceu.
No momento que se viu sozinha, começou a chorar descontroladamente. Soluçava, implorava, perdia o fôlego e chorava mais.
A porta se abriu, mas não quis ver quem era. A pessoa se abaixou e, sem dizer nada, pegou o aparelho de novo e o colocou na barriga dela. A imagem estava de lado, agora, mas ainda havia resquícios do que era de frente. Os pequenos chifres, os dedinhos em garra.
— Que porra é essa? — chorou . — Que porra está acontecendo comigo?
Quando abriu os olhos, seu choro cessou. Sentiu medo e seu coração bateu mais forte.
Era e ele olhava encantado para a imagem que, para ele, era linda.
— Isto é lindo, não é? — sorriu realmente sincero. — Acho que se parece mais comigo que com você.

Ele a levou de volta para casa sem esperar que a enfermeira voltasse com o tal médico. Saíram pela janela, atravessaram a varanda e pularam para o céu alaranjado das seis da tarde antes que alguém pudesse contar até quatro.
não sentia mais dor e não conseguia mais chorar. Estava envolta em uma nuvem de falta de sentimentos e emoções — ela mal sentia o vento tocando seu corpo conforme ele batia suas asas de volta para a mansão de Lilith.
Pousaram, então ele a jogou no chão de forma bruta e violenta. Ela caíra e gemera com o impacto. Quando o olhou de novo, com as sobrancelhas franzidas, enfim percebeu que ele respirava depressa e tinha o rosto com certo quê de ódio. Seus olhos estavam cristalinos, seus cabelos estavam bagunçados e as asas estiradas para quatro metros acima dele estavam eriçadas como em lutas.
— Eu estou com tanta vontade de matar você — mordeu o lábio inferior, virando o rosto enquanto apertava os punhos. — Não sei nem por onde começar — soltou uma risada nervosa, agachando-se para que a linha entre seus olhares se conectasse. Molhou os lábios. — Que porra você esperava com William? — ele falou sério, olhando-a fixamente. preferiu não responder. — Queria viver sua bosta de vida fugindo como uma imprestável grotesca imaginando que não descobriríamos onde você estava com meu filho?
Ela franziu o cenho e virou o rosto.
segurou as extremidades do seu rosto com a mão, apertando-a as bochechas com muita força.
Não desvie o caralho do olhar enquanto estiver falando comigo, sua vagabunda filha da puta — ele a soltou empurrando seu rosto. soltou outro ofego, outro gemido. — Você... — ele parou para soltar uma risada concentrada em raiva. se virou para ele com os olhos e nariz vermelhos, cheios de lágrimas de raiva e indignação. — Você realmente pensou que conseguiria viver uma vida normal com William? Você acha que é normal, ? — ele encolheu os olhos e franziu as sobrancelhas. Depois soltou uma gargalhada. — Você é tão escrotamente imbecil! — gritou, colocando-se de pé novamente.
se virou de costas para ela e colocou uma das mãos na cintura. Seus músculos da omoplata e as covinhas em sua cintura eram ainda mais excitantes quando ele estava com raiva. Quando se virou, ela quase perdeu o fôlego.
Era doentio se sentir excitada com o extremo ódio dele!
— Quero que entre comigo, quero te mostrar uma coisa — ele a pegou pelo bíceps e a ergueu. sentiu dor, mordendo os lábios para não soltar nenhum ruído.
Quando entraram na casa, as asas dele se encolherem até sumir. Ele andava rápido, mal deixando com que os pés de tocassem no chão.
Ele subiu as escadas e abriu a porta do quarto. Jogou-a no chão, fazendo-a rolar. Os cabelos dela cobriram-lhe o rosto. Quando a olhou, molhou e mordeu os lábios, trazendo a mão para a nuca, puxando alguns fios de cabelo.
— Você deveria sentir sorte por minha mãe não imaginar o que você queria fazer — ele riu, negando com a cabeça. — Ela te mataria, arrancaria seu útero e terminaria de criar o Anticristo dentro dela, ingerindo seu sangue. Você realmente tem sorte de apenas eu ter noção da merda que você queria fazer.
— Eu não queria fazer nad...
NÃO MINTA PARA MIM, PORRA! — as paredes tremeram quando suas veias saltaram de seu pescoço por gritar tão alto.
— Tudo bem, — ela colocou as duas mãos no chão, tomando impulso para levantar. — Você quer saber o motivo de eu querer fugir dessa merda de realidade? — ele arregalou os olhos pelo tom de voz dela. Sua mão coçou para estapeá-la no meio da cara. — Isso tudo é insanamente doentio — ela riu sem humor. — Essa porra de vida em que me meti só por ter entrado naquele caralho de carro com você — ela franziu o cenho. — Você não teria me encontrado — ela virou o rosto, negando com a cabeça. — Nós não teríamos nos conhecido e nada disso estaria acontecendo.
— Você estaria morta — ele elevou seu tom de voz.
Não difere dessa porra onde estamos! — gritou. — Sua mãe é completamente maluca e você não está tão longe de ser como ela!
praticamente voou em sua direção quando deu um estalado e alto tapa na lateral de seu rosto. Fora tão forte que ela caiu para o lado.
— Eu quero tanto matar você! — ele repetiu gritando. — O que você acha que teria conseguido com William? Acha que se sentiria do jeito que está se sentindo agora? — ela riu e negou com a cabeça.
— Não me venha com essa conversa de novo — ela se levantou e começou a caminhar para fora do quarto. Não queria mais ficar nenhum segundo próxima dele.
Achou incrível que, quando abriu a porta, ele não a segurou pelos cabelos e a puxou de volta para o chão.

Quando acordou, sentiu-se cansada. Sabia que havia dormido tempo suficiente, porque o dia começava a nascer por fora do vidro frio que a separava da brisa matinal. O céu tinha um tom ainda escuro de azul, mas o sol começava a torná-lo alaranjado, com nuvens rosadas e ainda azuis turquesas. Aquele resquício de iluminação amarelada começava lenta e timidamente colorir sua pele pálida e nua de lençóis e roupas.
Seus olhos ainda doíam tanto pela claridade — que, embora rala, ainda a incomodava as pupilas — quanto pelo sono, mas sabia que, mesmo se tentasse, não conseguiria voltar ao sono de antes. Sentia os cabelos estirados em um leque preto azulado pelo lado direito de seu ombro e uma mecha irritante repuxava a pele de sua nuca. Quando levou a mão para tirá-la dali, não conseguiu movê-las — o barulho de correntes chamou a atenção de seus olhos mais claros pelas pequenas pupilas até aqueles elos de metal. Franzindo o cenho, tornou a olhar seu corpo e percebeu que estava completamente nua, mesmo tendo indo se deitar vestindo uma blusa velha e shorts. Tentando novamente puxar os pulsos para frente, notou que aquele tipo de corrente parecia coleira de cachorro: quanto mais puxava, mais apertada ficava a circunferência em torno de sua carne, sufocando-a.
bufou e jogou a cabeça para trás com certa irritabilidade começando a aflorar sua pele.
Ficou ali, naquela desconfortável posição, por intermináveis vinte minutos. Não havia resquício de som em lugar nenhum, nem mesmo dos pássaros no jardim ou o vento que visivelmente soprava pelo balanço das árvores.
Seus tornozelos, ao mínimo, estavam soltos, de forma que movê-los de forma impaciente não fazia barulho ou machucava.
A maçaneta da porta tremeu, fazendo-a contrair o abdome para levantar a cabeça e assistir enquanto um despreocupado , que vestia apenas uma calça de moletom cinza claro, adentrava o quarto com uma bandeja de café-da-manhã.
Sem encará-la, ele colocou a bandeja em cima da mesinha de canto ao lado de uma poltrona, virando-se, então, para ela.
— Você dorme muito — disse ele. — Tem o sono muito pesado.
Seus olhos estavam tão claros quanto frios; eram dois icebergs de um azul quase transparente.
perdeu o fôlego, embora não quisesse. Seu corpo arrepiou.
— Por onde Lilith anda? — perguntou com a voz rouca.
Lembrava-se de ter saído do hospital no final de tarde, não demorando muito para dormir quando caiu na cama de seu quarto depois de bater a porta com força, trancando-a junto da janela para não ser perturbada por mais ninguém — embora soubesse que qualquer um deles, com um peteleco, poderia quebrar qualquer parede daquela casa.
Não conseguia se recordar do dia em que dormira tanto e tão profundamente.
— De noite ela estará aqui.
tornou a se virar, começando a passar mel em uma torrada bastante morena.
sentiu certo incômodo e impaciência. Estava acorrentada e nua, mas ele parecia não se importar — na verdade, mal a encarava; parecia muito mais entretido na comida do que no corpo arrepiado dela, rosado pelo começo de uma excitação. Mas sentia-se profundamente vulnerável, desconfortável. Era isso que ele queria.
se sentou na poltrona e colocou o tornozelo da perna direita por cima da esquerda. Continuou entretido em seu café, despejando água quente em uma xícara preta com um sachê de chá inglês.
A iluminação que saía da janela posta bem ao lado direito dele o deixava ainda mais inacreditável. Ele havia acabado de sair do banho, de forma que ainda houvesse algumas mínimas gotículas em seus ombros robustos e nus com algumas mínimas sardas marrons; o cheiro amadeirado que seu corpo exalava era entorpecente quando entrosado ao mel e ao café; seus cabelos estavam molhados, cortados, bagunçados, escuros; seus olhos reluziam como água, sua barba estava feita, seu corpo estava exposto.
era perfeito e se odiava por tê-lo conhecido. Odiava não controlar os próprios pecados.
Ela tentou juntar os joelhos para amenizar a palpitação que começava a se apresentar no meio de suas pernas. O mover de seu corpo fez as correntes cantarem. moveu os olhos como um gato — uma hora entretidos com a cor brilhante do mel sob o sol, no segundo seguinte, focalizados no corpo dela. Ali, ela conseguiu perceber um quê de malícia tanto no azul quanto no rosa dos lábios, que se ergueram em algo pervertido, lateral e curto. Molhando-os ao percebê-la presa ali, deu uma mordida em sua torrada, ainda com o olhar bem preso no corpo dela, em tudo que fazia para responder sua agonia.
Ela estava sofrendo. Era isso que ele queria.
— Sinto muito por ontem — disse com um quê de sarcasmo na voz. — Não devia ter sido tão grosseiro com você.
Ela não respondeu. Ele deu outra mordida na torrada.
Algumas pequenas migalhas escorregaram por seu peitoril e morreram no baixo de seu umbigo.
— Estive pensando muito em você durante a noite — ele repousou a torrada no prato, esticando o tronco para frente enquanto apoiava os cotovelos nos joelhos. — Estive pensando em como te castigaria pelo que fez — ele olhou para o chão por apenas um segundo, depois voltou a encará-la.
Seus olhos haviam mudado de controlados e frios para calorosos e excitados, maliciosos. Havia aparecido também uma sombra de sorriso no baixo de seu lábio inferior.
mordeu os lábios. A palpitação tornou-se mais forte. Pequenos arrepios passavam pelo meio de seu peito até o alto de seu clitóris.
— Mas acredito que seja errado castigar sem que a pessoa entenda o que fez, não acha, ? — ele ergueu uma sobrancelha. — Quero que diga o motivo de eu estar te castigando.
— Eu não sei qual é — miou. molhou os lábios, depois riu negando com a cabeça.
— Não sabe mesmo, ? — ele tornou a olhá-la com a mesma sobrancelha ainda erguida.
— Não, .
Ele se levantou lentamente.
— Bem, então acho que eu terei de dizer.
colocou as mãos no quadril, encaixando os polegares no elástico de sua calça; virou o rosto para a janela, tornando-o ainda mais perfeito e iluminado, então respirou fundo, tornando a olhar para o chão.
— Você fugiu — começou dizendo, caminhando em direção à cama. — Você preferiu um humano a mim — ele sorriu sem humor. — Isso já é motivo suficiente para você?
Se ajoelhando lentamente na cama, não tirava os olhos dos dela quanto falava. O ar era escasso nos pulmões de e ela logo começaria a arfar. O mínimo que conseguiu fazer fora negar a cabeça tão lentamente que não soube ao certo se ele entenderia. assentiu uma vez, abaixando o queixo. Ele estava quase de quatro na cama, com os punhos fechados afundando o colchão.
— Você não quis mais ser minha — ele inclinou sutilmente o rosto. — Mas eu te pergunto, ... — ele abaixou o tronco, trazendo a boca para o meio dos seios dela, dando um demorado beijo ali. Os músculos das costas dele se contraíram. — Por quê? — ele roçou os lábios úmidos pelo mamilo direito dela. — Eu não sou suficiente para você ou bom o bastante? — ele abaixou os antebraços e sentou nos calcanhares, passando a língua naquele mesmo mamilo, depois, o mordeu lentamente, puxando-o com os dentes. — Você não gosta do modo que eu te trato? — uma de suas mãos foi até a coxa nua dela, acariciando-a de cima para baixo com pesar.
O toque quente de sua mão em sua pele fria era extremamente maravilhoso. Ele ficava ziguezagueando entre o interior de sua coxa e o alto do osso de seu ilíaco, mas não ia até a virilha. Sua boca escorregou lentamente de seu mamilo para o volume de seu seio, roçando-os junto de sua respiração até sua barriga.
Sua mão antes ocupada com a coxa subiu pela lateral de seu corpo até sua costela, acariciando até a lateral do seio, descendo para a barriga, subindo para o seio.
Enfim sua boca chegou até o final do umbigo. Ele esticou a língua para fora, descendo-a até o alto de sua vulva, pressionando-a para baixo até o clitóris. Puxando a língua e descendo a cabeça, encostou os dentes ali, roçando-os no clitóris até mordê-lo de uma forma quase gentil. De uma vez, o sugou com muita força.
O peito de se impulsionou para cima e as correntes apertaram mais seus pulsos. Ela soltou um gemido baixo, controlado, jogando a cabeça para trás. pressionou seu útero para baixo, para que ela não se movesse demais. Afundou as unhas na lateral do corpo onde a acariciava, começando a arranhá-la com o mesmo pesar do carinho. Alguns vergões logo apareceram, onde a carne ficava fraca e rasgava em ralados de peles arrepiadas. Ela gemeu e arfou um pouco mais alto.
parou o que estava fazendo e a encarou com a testa franzida.
— O seu castigo, ... — ela se contorceu, implorando muda por mais. Não queria mover as pernas ou se mexer demais com medo de apanhar muito forte, já que percebera que ele poria bastante força desta vez. — Vai ser não gozar.
Antes mesmo de sugar fôlego para pestanejar, a boca de já estava brutalmente grudada à sua e o peso de seu corpo estava todo sob o dela, prensando-a sob o lençol branco. As mãos dele se guiaram para a lateral de seu corpo, apertando suas coxas para que ela as colocasse em sua lombar, entrelaçadas. O beijo era tão violento e animalesco que ela logo perdeu o ar, começando a arfar e gemer baixo, mas sem quebrá-lo por simplesmente não conseguir parar de senti-lo acariciar sua língua daquela forma tão deleitosa.
Uma das mãos dele permaneceu na lateral de sua coxa, mantendo-a bem presa ali com o afundo de seus dedos sob sua carne, apertando-a com bastante força, enquanto a outra subiu em direção a seu queixo, apertando-a também com os dedos as laterais de sua mandíbula, desgrudando suas bocas enquanto a mordia o lábio inferior, sugando-o e mordendo-o.
deixou a boca aberta em busca de mais oxigênio, rolando os olhos por baixo das pálpebras quando ele começou a morder e chupar seu pescoço, descendo em direção às clavículas e ao busto.
A mão que estava presa em sua coxa a soltou de uma forma brusca e rápida. O peso de seu corpo sumiu de repente, junto com o calor de sua língua.
Ela precisou abrir os olhos para entender o que estava acontecendo. estava de joelhos e o volume no meio de suas pernas era bastante significativo. Ele também respirava com dificuldade, mas com certeza uma dificuldade menor que a dela, presa e amedrontada por seu castigo. Ele tocou seu membro por cima da calça com a mão esquerda e o contornou em seu formato, se masturbando, olhando-a diretamente, quase sem piscar. Meteu a mão por dentro da calça e se masturbou.
ficou petrificada, sem conseguir respirar. Aquilo a excitou ainda mais.
Ele abaixou a calça e retirou o membro duro e ereto do moletom, que logo caiu junto ao chão. Tornou a sentar-se nos calcanhares, deixando o rosto bem próximo do final da barriga dela, que descia e subia de acordo com sua descompassada respiração.
Lambeu-a provocando, descendo desde a vulva até o períneo. Depois, com ainda muita lentidão, exalando tortura, respirou contra sua pele quando a sugou pela primeira vez. Desde aí, não parou por um único segundo. Sua língua criava círculos por cima de seu clitóris enquanto seus dentes o arranhavam sutilmente; sua mão acariciava e arranhava gentilmente sua pele do interior da coxa, os dedos de sua outra mão se preocupavam em massagear o alto da vulva, puxando-a de vez em quando para que seu deleite fosse ainda mais rápido. Quando tirou a boca e manteve os olhos presos no que fazia, seus dedos começaram a ziguezaguear sua intimidade extremamente úmida e brilhante para estimulá-la ao delírio. A mão que se ocupava com a coxa também subiu para a intimidade, contornou os grandes lábios abertos e molhados, ameaçando penetrá-los dentro dela, mas sempre recuando. O quadril dela subiu e desceu involuntariamente em um estímulo para que fosse em frente, mesmo quando tinha plena e absoluta certeza que ele faria de tudo para deixá-la a beira da insanidade.
Quando finalmente os penetrou, o corpo dela pareceu se contorcer em todos os mínimos músculos. soltou um gemido satisfeito, apertando as correntes enquanto subia e descia o quadril de modo que sincronizasse com o que ele fazia com os dedos. Mas sempre que se movia, ele diminuía o ritmo; quando tornava a quietar o quadril na cama, ele voltava com os brutais e violentos movimentos com os dedos.
— Saiba, — disse com a voz rouca, cheia de lascívia —, que o seu castigo será dividido em pequenas etapas.
Ela sentiu-se palpitar enquanto ele falava. A intimidade tornou-se mais apertada conforme o orgasmo se aproximava, crescendo em pequenos pulos por dentro de seu corpo, instigando-o a explodir em algo imensamente maravilhoso. Quanto mais próximo chegava, mais ansiosa ela se sentia. Previu a falta de ar que a lascívia causaria em seu organismo, mas não pôde senti-la enfim. Ela não o escutava falar e tampouco queria saber do que se tratava.
retirou a mão e simplesmente parou com todos os movimentos que fazia. Sentou-se com as pernas abertas em cima da barriga dela e, próximo demais de sua boca e rosto, começou a se masturbar com intensa velocidade. Os ofegos que saíam de seus lábios estavam direcionados para os olhos e lábios dela. sentia-se rosa pela quantidade de sangue que circulava por suas veias — raiva, indignação, excitação, pré-orgasmo; tudo.
Não demorou muito para que ele soltasse um jato quente e branco por cima dos peitos e pescoço de , gemendo seu nome enquanto continuava a mover a mão no extenso membro vermelho e palpitante.
sentiu inveja de seu gozo.
Saindo de cima dela, ele soltou um suspiro satisfeito, como um cliente de puta. Vestiu o moletom, empurrou os cabelos para trás e direcionou um frio olhar para as correntes que apertavam os pulsos da garota.
— Vou deixá-los assim — fitou-a os olhos. — Não quero correr o risco de você trapacear e se masturbar para conseguir o que eu não lhe dei.


31.

Regrets collect like old friends, here to relive you darkest moments and all of the ghouls come out to play.

Três horas da tarde e ainda estava presa. Seu estômago doía, afundado em fome; ela não sentia mais as mãos e os pés não encontravam posição confortável. Em seu milionésimo suspiro no dia, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos com pesar — começava a sentir sono de novo, mas estava certa que era só pelo tédio.
A porta destrancou. Era . Ele ainda usava o mesmo moletom, mas o cabelo curto estava seco, ainda bagunçado. O cheiro amadeirado ainda estava bem evidente, como se constantemente ele borrifasse perfume nos pulsos e pescoço.
— Acho que deu tempo de pensar no que fez — disse com um quê de riso na voz. não respondeu, porque sabia que o mandaria tomar no cu. — Você está com fome? Richard te preparou um almoço bastante digno.
Ele caminhou até ela e desatou a corrente da cabeceira de princesa, soltando os pulsos dela. As mãos de caíram na cama como dois pedaços de carniça, pálidos pela pouca circulação. Aos poucos se tornaram vermelhos e ela os sentiu formigar.
A primeira coisa que fizera fora se levantar com pressa e se trancar no banheiro, ligando o chuveiro. Se amaldiçoou por não tê-la trancado. adentrou com um rosto sorridente.
— Não posso tomar banho sozinha? — perguntou com ironia.
— Não. Tenho que vigiá-la até quando fizer coisas das quais eu não queira saber.
rolou os olhos e bufou alto, metendo-se embaixo do chuveiro.

Ficou ali por mais tempo que o usual. Lavou os cabelos tão demoradamente que não poderiam estar mais limpos. Secou o corpo, enrolou a toalha na cabeça, passou creme hidratante, óleo corporal, perfume e, por último, penteou cada fio de cabelo a fim que não terminasse nunca. Tirou a toalha dos cabelos, tornando a enrolá-la no corpo quando saiu do box e foi até o espelho.
— Terminou? — não parecia impaciente.
— Não — disse seca, encarando apenas seu próprio reflexo.
abriu a porta e sentiu o bafo frio arrepiar todos seus pelos. Na ponta dos pés, correu até o armário e jogou em cima da cama um conjunto de lingerie de renda preta, uma calça jeans skinny de mesma cor e um suéter grande de lã cor cinza chumbo. Deixando a toalha cair em um círculo no chão, em seus tornozelos, ela logo se vestiu para espantar o frio.
estava parado junto à porta do banheiro, com o corpo recostado ao batente de madeira, os braços estavam cruzados. Ele manteve os olhos hipnotizados nos movimentos dela, sem movê-los ou retirá-los de seu corpo rosado que exalava cheiro de jasmim.
Enfim ela estava pronta. Virou-se para ele com os olhos entediados e cabelos úmidos, esperando pelo próximo passo. Evitaria falar alguma coisa, mais por pirraça que por raiva.
— Acabou? — perguntou erguendo uma das sobrancelhas, desencostando o corpo da porta. assentiu. — Então vamos descer.
Ele passou por sua frente e abriu a porta, esperando que passasse. Seguiu à frente dela, descendo ao seu lado pela escada até a cozinha. Ali, a cena era de puro asco. O estômago de revirou e ela, no mesmo minuto, parou de sentir fome.
Era um cérebro humano posto em um prato, com talheres ao seu lado. Estava cru e ainda parecia sangrar.
— Que porra é essa? — ela perguntou com a mão na boca, franzindo o cenho com a repentina vontade de vomitar.
— Seu almoço — disse quase rindo. — Precisa se alimentar de coisas que deixe o feto forte.
— Eu não vou comer isso — tentou se virar e sair da cozinha, mas ele agarrou seu braço.
— Ah, você vai, sim. Ou isso, ou nada.
— Prefiro nada.
— Mas eu prefiro isso. Você vai comer, vai fazer o que eu estou mandando.
— Você não manda em mim.
— Ainda duvida disso? — ele ergueu uma das sobrancelhas. se calou. — Foi o que pensei. Senta e come.
— Não vou comer um cérebro, . Isso é nojento, por favor — ela mordeu os lábios e tentou puxar o braço, mas ele o apertou com mais força.
— Vai comer — ele perdeu aquele tom de pedido, tornando-o uma ordem.
soltou um gemido agoniado. Sentiu-se ser puxada até a cadeira, sendo jogada para se sentar. Ele ficou ao seu lado de braços cruzados como um segurança, esperando que ela pegasse os talheres e desse uma primeira garfada.
Ela não se moveu; não conseguia encarar aquilo como comida. Sabia que vomitaria no momento que o colocasse na boca.
perdeu a paciência. Inclinou-se para o prato, pegando os talheres com brutalidade, cortando um pedaço daquele órgão como se fosse uma deliciosa carne bovina; espetou-a no garfo e esticou em direção à boca dela. juntou os lábios em uma linha como uma criança e virou o rosto. trouxe a outra mão para suas duas bochechas, apertando-a as extremidades com todos os dedos, pressionando-as para que sua boca abrisse um pouco. Parecia tentar alimentar um cachorro. No primeiro deslize, ele enfiou o pedaço dentro da boca dela e tapou sua boca e nariz para que mastigasse e engolisse.
mastigou com nojo, sentindo que podia vomitar a qualquer segundo — a ânsia ia e vinha cada vez mais forte. Era salgado, ferruginoso e tinha gosto de sangue, como se ele tivesse rasgado alguma parte da boca e o sentisse logo ali. Ela segurou e puxou a mão dele quando engoliu, querendo respirar. Assim que ele a tirou, sugou o ar com força e tossiu, movendo a língua na esperança de tirar aquele gosto horrível de suas papilas. tinha o rosto contorcido em uma careta de nojo e seus dentes estavam extremamente vermelhos.
— Gostoso? — ele perguntou sério. — Uma delícia — respondeu por si só, já que ela não o faria ou negaria. — Agora coma tudo sozinha se não quer que eu enfie na sua boca de novo.
se encolheu com o barulho alto do garfo quicando na mesa. saiu de seu lado para esperar com a traseira da coxa apoiada no frio do mármore da pia. Ela o pegou com nojo, conseguindo apenas ver as gotículas de sangue respingadas no vidro e na louça branca.
Fechando os olhos, deu outra mordida, fazendo careta.
sorriu pelo canto dos lábios de maneira demoníaca, abaixando o queixo, assentindo.

Só quando a noite começou a cair se viu inteiramente sozinha em seu quarto. Estava mentalmente cansada, com o estômago cheio e a garganta cheia de ânsia. Ela jogou seu corpo enjoado na cama, respirando fundo o cheiro que seus cabelos ainda exalavam pelo demorado banho de tarde.
Quando fechou os olhos, por sorte, não viu nada além do escuro de seus pensamentos ocos. Sentiu-se sozinha, mas de uma maneira agradável e confortável. Não ouvia ruídos, nem mesmo o som de sua própria respiração e vento, sabendo que uma tempestade ameaçava vir do sul. A noite teria ruídos calmos de uma chuva que pouco a pouco ganha intensidade, pingando rápida na grama daquele jardim.
A tranquilidade que rondava sua cabeça e ouvidos logo foi interrompida por um bater insistente na madeira da porta. Esperando que por não responder o demônio partiria, ficou em silêncio, mas ele não se foi. Sua primeira reação fora escancarar os olhos como uma mãe cansada dos berros da criança mais nova. Depois ficou de pé, bufando, pisando duro, e enfim abriu a porta para um véu preto e mãos pálidas, as de Richard.
Ele estava bonito e bem vestido, então ela já sabia do que se tratava: outra reunião de demônios. Outra carnificina?
— O que vai acontecer? — indagou já pegando o embrulho pesado que protegia seu vestido.
— Um jantar — disse sem muita emoção; parecia cansado, com bolsas roxas abaixo dos olhos ainda bem brilhantes.
— Um jantar “jantar” ou um jantar de verdade, com comida de gente? — ela ergueu uma das sobrancelhas. — Porque se for a primeira opção, ocupe meu lugar; eu não vou.
— Ninguém pergunta o que você quer — rolou os olhos, entrando no quarto e fechando a porta.
— Vai ficar me vigiando também? — ela o olhou com tédio e raiva. Richard apenas assentiu.
— Prometo não olhá-la enquanto estiver nua — abriu um sorriso sujo, com um quê de sincero riso. sorriu por ele, ainda que meio irônica.
Ela se virou, rendida, e abriu o zíper, expondo o tecido macio da seda preta com adornos brilhantes em renda de seu vestido.
— Preto? — indagou confusa, puxando o vestido. Por uma segunda vez, perdeu seu fôlego com aquele traje. — Por que não branco?
— As coisas mudaram — continuou encarando-a com o mesmo desinteresse de antes; ele tinha as mãos para trás, com os dedos entrelaçados, esperando-a como, de fato, um segurança. — Já te apresentaram como a virgem que gera o Anticristo; já te conhecem. Agora você faz parte do bando.
— Bastante empolgante e excitante — rolou os olhos novamente, começando a se despir. — É um jantar de quê?
— Parece que alguma data importante — deu de ombros, encarando os ossos das costas de .
— Que tipo de data importante? A crucificação de Cristo? — riu com ironia, abaixando as calças. Richard não esboçou som, mas sorriu fraco. — Haverá muitos demônios?
— Somente alguns da legião, alguns amigos.
— Parece idiota — pensou consigo mesma, falando baixo.
Depois de alguns momentos em silêncio, ela já estava pronta. Virou-se, sentindo a bainha dançar em seus tornozelos nus.
— Você já está bonita — disse Richard. , que encarava o vestido no corpo, o olhou com o sorriso ainda no rosto.
— Obrigada — disse agradecida, embora concordasse.

Escute!

O baile estava em proporções inimagináveis, mais parecido com um conto de fadas que algo assombroso e fúnebre, como ela havia posto em sua mente quando disseram que haveria outra reunião entre os alistados e alguns colegas de milênios.
As pilastras estavam adornadas com veludos vermelhos que se enrolavam como trepadeiras que iam desde o chão ao teto; as extremidades da gigantesca sala abrigavam mesas de buffet com diversos pratos, tanto carnívoros — com uma aparência até um pouco comestíveis, embora se denominasse vegetariana após aquele terrível episódio com o cérebro — quanto veganos, como grandes tigelas com alface romana e tomate seco — todos tinham algo em comum: a cor vermelha; garçons novamente bem vestidos circulavam pelos corredores de pessoas com suas bandejas reluzentes, que brilhavam conforme a iluminação fornecida pelo maravilhoso lustre de cristal, que induzia uma luz amarelada por todo aqueles seres subterrâneos de aparência grotesca, tamanho seu perfeccionismo.
Não era de se espantar que estivessem bem vestidos, impecavelmente arrumados para um jantar de gala em uma mansão, mesmo que não fosse demoníaca. As cores variavam de vinho, azul marinho e vermelho — ninguém ali, além de , usava preto. Seus cabelos em maioria estavam presos e o mais solto se resumia a um meio rabo adornado de um pingente de diamante que combinava com seu vestido safira — uma fêmea de cabelos vermelhos escuros e brilhantes, de pele pálida como a neve.
A diferença entre o primeiro baile que tivera na mansão e aquele era, sem dúvida, a maioridade dos enfeites, do requinte, embora houvesse muito menor quantidade de pessoas. Em duas mãos, poderia contá-las e estudá-las em seus trajes de gala, enumerando-as em “mais bem vestido” para passar o tempo conforme a noite se estendesse em tédio, como da primeira vez.
Ela passeava lentamente pelo gigantesco corredor que a exporia para aqueles seres, olhando para frente com uma confiança que não lhe parecia sua, embora ali presente. Tinha terminado de arrumar os cabelos, deixando-os soltos em seu volume natural, ondulados até metade do pescoço nu de qualquer joia; o jasmim exalava por seus poros como se ela o tivesse ingerido, impregnando naturalidade na bolha que a envolvia em sua sanidade humana; os saltos a deixavam quinze centímetros mais alta, quase da mesma altura de Richard, que a seguia como um cão de guarda, sem respirar mais alto com intuito de não ser notado — estava ali exatamente para aquilo: manter os olhos fixos na figura angelical daquela mulher (porque desde o momento que fora chamada como pertencente a , ela não poderia mais ser tratada como garota, algo banal e mortal, de aparência física e intelectual de humana) que trajava preto. A maquiagem exuberava seus olhos, deixando-os marcados pelo côncavo esfumado de marrom escuro, com os cílios e pálpebras delineados de preto, com um puxado sutil além do final de seus olhos; os lábios estavam contornados de vermelho sangue.
Parando junto à escadaria de marfim e veludo, ela apoiou suavemente a palma da mão no corrimão do lado esquerdo, analisando cada rosto desconhecido até encontrá-lo em meio a uma roda de demônios machos.
Seus olhos azuis estavam brilhando junto de seu sorriso impecavelmente branco; os cabelos curtos estavam penteados para o lado e, em sua mão, havia uma taça de cristal que servia champanhe. O smoking lhe caía tão bem quanto qualquer noite, tão preto quanto o céu estampado de nuvens carregadas de água. Por um milésimo de distração ao que o demônio à sua frente falava, ergueu seus grandes olhos para o topo da escada, e mesmo que não quisesse seu sorriso curto se alargou um pouco mais. Ela leu aqueles rosados lábios doces quando pediram licença, e acompanhou com os olhos enquanto ele atravessava o salão a caminho da mesma escada que ela se encontrava diante, parada, esperando.
Subiu degrau por degrau sem perder a compostura, sem parecer afobado. Parou diante dela, um degrau abaixo, de forma que a cabeça dela ficasse centímetros mais alta que a dele. Pela primeira vez, ele precisou erguer seu queixo para olhá-la nos olhos de mesma cor.
— Seus olhos ainda estão claros — observou, mantendo aquela forte conexão visual. exalou um sorriso, erguendo ainda mais o queixo. Ele esticou a mão para que ela a segurasse. Olhando-a com desdém, mantendo um sorriso malicioso nos lábios, ela a segurou.
— É muito bem observado, senhora Giansanti.
sentiu-se acelerar, sentiu-se palpitar, sentia-se extasiada. Aquelas palavras ferveram o íntimo de seu sangue, atiçaram o mínimo de suas células. Sentia-se assim, dele, embora não quisesse, não desejasse. Não temia pelo que obviamente ocorreria nos próximos dias, meses, anos, mas sentia-se encurralada em uma verdade excitante, a qual deveria de fato aceitar o quanto antes. Não lembrava-se mais do que ele fizera com ela, do que ainda a faria passar. Queria senti-lo ali, pertencendo a ele da mesma forma que ele pertencia a ela.
Desceram a escadaria de braços dados, com olhares de fêmeas enciumadas por cima de seus unidos corpos, de seus sincronizados olhares. sentia-se preenchida de um poder, algo virgem, completamente inédito.
Quando pararam ao meio do salão, a rodou e a prensou contra seu corpo, segurando firme em sua cintura; ergueu o outro braço, segurando suavemente sua mão, mantendo seus olhos conectados em algo inquebrável. Então começaram a dançar em um sincronismo e perfeição inatingíveis. A barra de seu vestido rodava conforme seu corpo e cabelos, mas sentia-se extremamente presa junto ao corpo dele. Não machucava, mesmo sabendo que ele a segurava com força, tentando quebrar as leis estúpidas e mal pensadas da física onde se dizia que dois corpos não poderiam ocupar o mesmo espaço no universo. Se ele tentasse, conseguiria.
— Queria ter mais autocontrole em relação a você, — disse ele. Embora estivessem dançando, rodopiando em meio a um salão com pessoas que conversavam em meio à melodia da música, ela o entendia e escutava com perfeição em seu tom baixo de voz.
— O que quer dizer com isso? — ela o olhou fundo nos olhos. Sentiu a mão dele apertar mais seus tórax, começando a sentir o sopro de sua respiração chocando-se com seus lábios. Não havia notado que estavam com o rosto tão próximo.
Não houve maneira de controlar o impulso de admirá-lo com tamanha proximidade. O contorno de seu rosto era perfeito em qualquer ângulo, qualquer luz, qualquer circunstância. Seu cheiro, sua voz rouca e grave, seu sorriso e seu hálito; as finas linhas em sua boca, o mover dos lábios quando pronunciava seu nome. sentiu um formigamento no alto do estômago. Os olhos passearam desde os cabelos até o final do queixo, mas voltaram direto para os lábios vermelhos.
— Não consigo parar de imaginá-la gemendo, sentada em uma madeira, perdendo o controle comigo no meio de suas pernas — ela, lentamente, abriu um sorriso malicioso. — Porra, ... — ele soprou um sorriso, desunindo suas mãos para levá-la até a linha de seu maxilar, encaixando-a ali com tamanha perfeição, colocando o polegar no meio de sua bochecha. Puxou-a de uma vez, de modo que o impulso chocasse suas bocas com brutalidade.
O beijo de início fora apenas o encostar infernal de seus lábios, mas logo ele — como avisara antes — perdera o controle e pedira por mais, pressionando a língua por cima dos lábios dela. jogou suave e lentamente o pescoço para trás, sentindo-se carregada por ele enquanto continuavam a dançar lentamente, se beijando com tamanha brutalidade. Embora correspondesse, queria sentir o quão feroz ele poderia ser no meio de tanta gente conhecida. Ele a empurrava o rosto e a nuca, beijando-a com fervor, como se não o fizesse há bastante tempo. Sentia suas línguas em contato, roçando sincronizadas. Quando ela deu impulso com o rosto, beijando-o da mesma forma, um riso cortou o contato com seus lábios. levou as mãos para a nuca dele, entrelaçando seus finos dedos com os cabelos de sua nuca, puxando-os conforme sentia-se caminhar de costas a caminho de algum breu.
O choque de suas costas com uma parede a fez gemer. As mãos dele desceram de sua cintura para sua bunda, prensando-a com força no membro já rígido dele. Para provocá-lo, ela abriu as pernas e rebolou sua intimidade em contato com a excitação dele. Um urro de descontrole dele a fez sorrir. Quando suas línguas se desgrudaram e seus narizes roçaram, o ar tornou-se rarefeito; ambos arfavam sem ar, mas não interromperiam aquele beijo violento. mordeu com força o lábio inferior de , puxando-o e chupando-o; ela entreabriu seus olhos para vê-lo encarando-a daquela forma tão desejosa. Quando ele soltou seu lábio, encarou-a com a boca entreaberta, vermelha tanto pelo sangue quanto por algum mínimo resquício do batom dela, bem fixo em seus próprios lábios.
— Pensei que estivesse de castigo — murmurou rouca, sentindo a mão dele passar de sua bunda para a parte da frente de seu vestido, afundando-a no meio de suas pernas, ainda por cima do tecido. Ela não usava calcinha.
— Cala a boca — ordenou firme, começando a masturbá-la por cima do vestido.
arfou, já excitada, com o clitóris sensível. Rolou os olhos para trás das pálpebras que se fechavam lentamente, ouvindo o riso soprado de batendo em seu queixo. Ele logo começou a beijá-la desde a mandíbula até o lóbulo da orelha, mordendo-o, arfando contra seu ouvido. Desceu a língua pela artéria de seu pescoço, ouvindo sua palpitação, e mordeu-a suavemente a pele, puxando-a. Quando ela abaixou a cabeça, atacou sua boca novamente. Os movimentos com os dedos eram bem rápidos, e conforme ela rebolava por cima de sua mão, mais excitado ele se sentia.
Sabia que atrás daquela pequena escuridão em um canto do salão haviam convidados, também sabia que se sua mãe o visse ali, naquele estado, o condenaria ao sacrilégio por tamanho embaraçoso momento.
Aquilo tornava a expectativa ainda maior.
A mão dela se guiou para o membro duro por baixo da calça preta de seu smoking, pressionando-o em sua extremidade roliça e grossa até a glande. Ele soltou um gemido nervoso contra sua boca, beijando-a com ainda mais fervor. trouxe a mão até a barra da calça, enfiando o dedo indicador e o polegar por dentro do tecido.
mordeu seu lábio com força, puxando-o com brutalidade de forma que quase o rasgasse. Tirou a mão do meio de suas pernas, trazendo-a a infeliz lembrança de não ter um orgasmo tão premeditado. Já o sentia caminhando por dentro das paredes molhadas de sua intimidade que palpitava em um pedido aos berros por senti-lo ali dentro, indo e vindo cada vez mais forte, mais duro e fundo.
— Ainda não — sussurrou ele, mais para si mesmo que para ela.
não quis escutá-lo. Tentou instigá-lo novamente com beijos em seu pescoço, passando as mãos em seu peitoril e nuca, arranhando-o e puxando suavemente seus cabelos.
— Ainda não — repetiu ele, agora mais convicto.
Puxou as mãos dela de seu corpo e as jogou de volta em seus lugares. Depois caminhou para longe, deixando-a sozinha, sem ar e extremamente excitada.
bufou alto, passando as mãos no rosto e cabelo, puxando-os para trás. Aquilo a estava deixando completamente louca — tanto de tesão quanto de insanidade. Respirou fundo, de olhos fechados, então os arregalou de repente.
Precisava de vento, de ar frio e puro. Deu passadas largas, estalando seu salto agulha no chão brilhante, passando pelos demônios que a reconheciam como uma do bando, já devidamente apresentada como pertencente a tal círculo sobrenatural, gerando o ser que os salvaria do fogo da ira de Lúcifer. Ela foi até a porta principal da casa, a qual estava aberta, e respirou fundo com o soco gelado que recebeu no rosto quando se expôs ao jardim iluminado e solitário. A música ali fora era bem baixa e as conversas paralelas eram quase tão passantes quanto o barulho do cantar do vento e do chicotear das folhas e galhos das árvores.
molhou os lábios que ainda tinham o gosto dos dele e sentou-se em uma cadeira de madeira branca, cruzando as pernas.
Um cigarro cairia bem naquele momento, mas não havia ninguém para pedir. Ela olhou para as unhas, para as mãos pálidas e reluzentes pela lua cheia escondida em meio a gigantescas e gordas nuvens negras. Toda aquela aparente submissão e aceitação dos termos que a propôs no início daquela noite pareciam facilmente esquecidos quando a frustração do deleite insatisfeito atingia sua memória.
Ela sentia a raiva borbulhar seu estômago. Odiava aquele castigo, odiava tê-lo que viver e odiava ainda mais a encruzilhada que se encontrava.
Seus pensamentos odiosos foram interrompidos por passadas também largas, mas lentas. Ela virou o queixo para encarar Larkin, com seu casaco pesado e luvas pretas. Mesmo velho, ele estava charmoso e atraente. O grisalho caía bem em alguns demônios, e poderia dizer, com absoluta certeza, que Larkin pertencia àquele vasto grupo.
— Sente-se bem? — indagou com um quê de sinceridade na preocupação. abriu um pequeno sorriso falso e assentiu com os olhos direcionados ao chão. Ele suspirou e sentou-se ao seu lado. — Queria poder acreditar em suas palavras, pequena alma.
— Só estou um pouco cansada — deu de ombros. — Não acho que me acostumarei com facilidade a essa minha nova vida.
— Que nova vida? — ele soprou um riso. o olhou. — Não existe nova vida. Esta é a sua vida, mas sempre foi a mesma; você só se encontrou de fronte ao seu destino desde o nascimento.
molhou os lábios e tentou digerir aquelas palavras como realmente sinceras. Mas não conseguiu.
— Não queria que o rumo tivesse sido este — miou. — Não quero estar aqui...
— Pense como seria sua vida, se é que pode chamá-la desta forma, se não o tivesse conhecido naquela noite — ela franziu o cenho, ainda com os olhos para baixo, então encarou o demônio ao seu lado.
Como ele sabia que e haviam se conhecido em uma noite? Talvez fosse paranoia de sua cabeça que qualquer mínima coincidência fosse realmente relevante. Embora confiasse naquele homem, havia algo em sua exalação que ameaçava corromper sua familiaridade e conforto.
— Talvez eu estivesse morta — deu de ombros depois de algum tempo. Larkin assentiu. — Talvez tivesse cometido suicídio.
— É verdade; e então nada disso estaria acontecendo hoje. Não estaríamos reunidos aqui, nesta mansão, comemorando nossa já certeira vitória contra Lúcifer — sua boca ferveu a dizer aquele nome. — Você é a chave para que nossas vidas se direcionem para o lado certo. Lilith não poderia estar mais agradecida — ela rolou os olhos ao ouvi-lo pronunciá-la. Larkin riu. — Vejo que ainda há desavenças entre você e aquela.
— Não suporto a ideia de todos sermos submissos às suas vontades — desabafou. — Existem outros demônios mais fortes que ela, mais sagazes e jovens. é o sucessor de seu trono, mas quando ela o deixará assumi-lo? Duvido que depois da batalha ela o deixe sentar-se na pilha de ossos que Lúcifer senta hoje. Ela vai ficar ali por mais quarenta milênios.
— Está indignada com as ações de uma mãe com um filho? — ele falou baixo.
— Estou! — soltou de uma vez. — Não é possível que ele seja tão submisso a ela! Tão estupidamente animalizado e humilhado, sem coragem de expor o que realmente vê e sente! Se é que sente algo! — ela rolou os olhos. A mão de Larkin repousou suavemente por cima de sua coxa. o olhou e suspirou.
— O que sente é humano — explicou calmamente.
— Não, você está errado. O que eu sinto é intenso demais para caber em qualquer corpo humano. Sinto muito ódio por ela e por ele, que não se impõe. Ela nunca parará de infernizá-lo com xingamentos e rebaixamentos se ele não se impuser.
— Entre as relações demoníacas, pequena, é normal que o filho seja menosprezado pela mãe; não é de nosso instinto mantê-los aconchegados em nossos braços, protegendo-os de tudo e todos, porque um dia estaremos separados e ele terá de se cuidar sozinho. Agimos de tão fria forma que nem mesmo os animais podem servir de exemplo. Enquanto são crianças, levam socos e xingos dos pais para não pestanejarem e caírem quando mais velhos.
— Você tem filhos, Larkin?
— Tenho apenas um.
— Você o vê?
— Eu o reconheço.
— Faz muito tempo que não o vê? — ele não tinha expressão, ou era algo muito controlado para que conseguisse interpretar.
— Não. Na verdade, o vi esta tarde — ele pareceu relaxar.
— Esta tarde? Onde? — ela franziu suavemente o cenho.
— Aqui.
— Verdade? — ela arregalou os olhos suavemente. — E ele ainda está aqui?
— Está — sorriu.
— Você poderia nos apresentar.
— Mas vocês já se conhecem... — o sorriso que ele abriu fora fúnebre e gelado; tão assombroso e infernal que sentiu um arrepio na costela que ia até o alto de sua nuca, percorrendo sua espinha.
se afastou milimetricamente, encostando o ombro nas costas da cadeira para parecer relaxada, embora não se sentisse assim.
— Algo errado, pequena? — ela negou veemente com a cabeça. Larkin sorriu de novo, mas, desta vez, um sorriso quase normal. — Permita-me perguntar-te algo que assombra minha mente desde o dia que soube de sua infelicidade — ele se ajeitou na cadeira, aproximando-se suavemente dela. — Se tem tanto desapego pelos almejos que este clã tem contigo, pelo poder que lhe pertence enquanto carrega o feto que nos afetará na guerra, pelo filho de Lilith e pela dita e enojada, por que não pega seu corpo e desaparece pelas matas em busca de sua libertação?
Seu tom de voz era baixo e ruidoso, um tanto quanto cuidadoso e rouco, sugestivo. Seus olhos faiscaram conforme seus lábios se moviam rápido, dizendo aquelas palavras que já a atingiram em mente, de forma mais sutil, um dia atrás.
— Me caçariam — enfim disse, como um sopro. Parecia não respirar desde o momento em que ele se pusera a falar novamente. — Me caçariam da mesma forma que fizeram antes, então meu castigo seria ainda pior.
— Da primeira vez que tentaste, fora sozinha? Sem o auxílio de qualquer ser sobrenatural que almejasse sua felicidade, e não a vitória centenária dessa interminável briga entre os pioneiros do mundo demoníaco?
— Não tive ajuda... — ela parecia uma criança que levava sugestões à beira do ouvido; era assim que se sentia. Cortejada pelas palavras dele, enfeitiçada mesmo quando seu subconsciente dizia que ela deveria, e deveria mesmo, continuar naquela mansão, porque algo bastante ruim aconteceria se ela se hipnotizasse ainda mais pela voz e comandos de Larkin.
— Posso ajudá-la a escapar — propôs com um sorriso nos lábios. — Mas dito-lhe uma condição: quando o Anticristo nascer, você deverá dá-lo para mim, de forma que a briga não seja imparcial e nosso lado ganhe contra Lúcifer, com ou sem sua presença.
passou um minuto ou mais em silêncio, pensando.
— Você me ajudaria? — ele abriu um sorriso encantador.
— Sim.
— Então eu aceito.

Lilith se mostrou no salão de forma sublime, caminhando lentamente ao lado de Samael. Seu vestido negro contrastava com o pálido gélido de sua pele e o brilho das esmeraldas em suas orelhas e pescoço era ainda mais forte que o brilho insano em seu olhar cronometrado, que passeava de rosto em rosto dos presentes naquele jantar.
Seu sorriso era minucioso, embora transbordasse orgulho e pecado ao mostrar-se para seus demônios. De braços dados aos de Samael, ela parou ao topo da escada e ouviu os murmúrios se calarem quando seu estalido também calou.
Os ali presentes eram, além de soldados, amigos de milênios de existência. Não só presentes ali para ouvi-la proclamar seu discurso de incentivo, eles também queria prestigiá-la por tamanha perfeição e astúcia com o passar dos séculos, já que naquela noite completava-se mais um desde o primórdio de sua existência.
Ao encará-los pausadamente, encontrou-se com o olhar na Senhora das Terras do Oriente, Xiao Wen Ju. Uma das pioneiras junto de Lilith, Xiao nasceu das cinzas de uma fênix, jogada contra as nuvens por Miguel, o Arcanjo Guardião do Senhor dos Céus; desde a criação, cultiva ódio e imensa ira pelo dito Santo e seu Criador juntamente da primeira fêmea. Xiao foi responsável pelo ódio nazista implantado no planeta por um homem cujo poder e soberania era capaz de devastar um país inteiro; ela estava ao seu lado para sorrir com a morte nos campos de concentração, as almas que eram subitamente mandadas ao Inferno, à eternidade de escravidão e agonia.
Ela era uma das mais velhas, embora seu rosto aparentasse juventude e sublimidade. Tinha os cabelos castanhos escuros lisos e o corpo miúdo, com um vestido que parecia à altura de princesas da antiga China. Enrolada em seu pescoço como um amuleto da sorte, estava a cobra de Lilith, reluzindo conforme as joias e ao brilho do lustre de cristal. Seus olhos orientais estavam esfumados de escuro, sublinhados de preto; os lábios finos em formato de coração tinham cor vermelha. Ao ver a fiel amiga, sorriu em algo íntimo, recordando-se da devastação e dor que causaram à humanidade que tanto enojavam em sintonia.
Xiao voltou-se contra Lúcifer um século após a partida de Lilith, quando descobriu de fato a história que encobria as paredes do Inferno aos queridos da primeira fêmea; diferente dos revoltosos inconscientes, que planejaram a revolução antes do tempo estimado para sucesso, ficou num silêncio mórbido até o dia da dita ridícula batalha, onde metade dos voltados para o lado de Lilith foram brutalmente mortos. Xiao não se pôs em lado algum, mas se afastou dos murmúrios. Como Samael, ela permanece no Inferno sem mostrar-se presente em nenhum dos lados.
Não só demônios, Pandora também estava lá, sendo a única a usar branco. Seu vestido brilhava como as estrelas, com uma fenda nas costas desde os ombros até o cós da espinha, de mangas compridas. Seus cabelos acobreados estavam presos em uma trança lateral e a maquiagem era tão natural que não parecia nada além do afável de sua pele.
estava próximo da porta e virou o rosto da mãe para encarar enquanto Larkin voltava ao salão com os olhos tão sublimes quanto a respiração. Ele encarou fixamente o corpo e reluz de Lilith, prendendo-se nela por um segundo ou mais.
— Meus queridos amigos — começou ela. — Agradeço-lhes pessoalmente pela ilustre presença e pelas deliciosas recordações que trouxeram junto de si quando aceitaram meus silenciosos convites. Gostaria, antes de qualquer outro comunicado, pedir-lhes aceitação de um novo ser à nossa legião. Não algo sobrenatural, mas sim um algo tão grotesco e frágil quanto uma criança, mesmo de nossa espécie, tão facilmente morto quanto qualquer inseto, mas tão importante para nossa vitória quanto qualquer um de nós. Sendo objeto pertencente de meu primogênito, aconselho-lhes tratá-la como alguém muito mais importante que uma simples esposa. Ela, não só geradora de nossa mais poderosa arma de defesa e ataque, também mostrou certas habilidades desconhecidas por demônios, já que nunca houvera um ser natural, vindo de um útero sujo, de um animal tão bestial quanto inocente e fraco que pudesse gerar outro demônio talvez mais forte que qualquer já nascido, que poderá ser-nos úteis na batalha. A humana que lhes digo é Giansanti, apresentada a alguns de vocês, em nossa passada reunião, como a Virgem Amaldiçoada. Engulo meu demoníaco orgulho para oferecer-lhe um carinho maternal, cujo supro em meu íntimo em algo afetivo, como se fostes um de meus animais de estimação.
Lilith passou os olhos na dúzia de convidados que se calou em choque. Talvez nunca, em milênios de existência, ela tenha suprido uma afeição por outro animal senão sua cobra, que não expressava som ou se contorcia mais que somente para atacar seu alimento semanal, ficando estática, acariciando seus ombros e braços, durante todo o resto do dia.
Xiao ergueu uma das finas sobrancelhas escuras e olhou ao seu redor. Ainda não conhecia a tal Virgem Amaldiçoada, mas seja lá quem for não expressou algum som ou se moveu em direção às escadas. Quando tornou seus olhos para o demônio ruivo, ela parecia pegar fogo. Sua pele pálida se transformou em algo rosado e os cabelos bem penteados em ondas perfeitas e espaçosas ficaram ariscos como pelo de gato atacado.
— Onde ela está? Não a noto em nenhum dos rostos — murmurou para Samael.
Ele também franziu o cenho, passando rápido os olhos pelos rostos, de um em um.
Ela não estava ali, de fato. Não escutara aquele curto discurso de “afeição” e não a responderia com um sorriso de compaixão humana como Lilith pensara antes de começar a falar.
— Acho que ela não está aqui. Acho que tentou fugir outra vez — disse Samael.
Xiao abriu um sorriso extremamente felino e malicioso, encarando a amiga perder o controle.
Antes com o braço entrelaçado ao de Samael, agora estavam soltos ao lado do curvilíneo corpo coberto pelo vestido que lentamente era rasgado por sua forma demoníaca.
— Demônios! — ela gritou com a voz alterada, grossa e rouca. — Hoje teremos uma caçada!
Os demônios riram como diabos afoitos por uma noite de carnificina — o que talvez ocorreria. Pareciam lobos selvagens uivando para a lua cheia em seu primeiro dia. De um em um foram transformando-se em demônios, um mais tenebroso que outro, um maior que o outro, um mais grotesco que o outro.
Com o pescoço estalando pela rapidez que o virou, Lilith encarou fixamente Pandora, como se pudesse fazê-la ler seus pensamentos.
— Achem-na! — ordenou com um berro. — ACHEM-NA! — ela urrou para os céus de forma tão alta que as veias de seu pescoço saltaram e quase romperam sua pele de escamas vermelhas.


32.

And I’m damned if I do, and I’m damned if I don’t, so here’s to drinks in the dark.

corria como nunca. Sua respiração pesada adentrava seus pulmões e os arranhavam as paredes como se fossem espinhos bem duros; seus cabelos voavam para trás conforme pulava e se abaixava das armadilhas soltas pela floresta de árvores espaçadas, de forma que o brilho lunar iluminasse seu caminho. Os músculos de suas coxas e panturrilhas queimavam, mas nem se morresse pararia de correr por sua liberdade.
Ouviu-se o urro dos demônios e uma aflição preencheu suas feições, fazendo-a gemer em agonia e medo. Olhou para os céus, em uma recordação de quando fora caçada pela primeira vez, e depois para os lados. O vestido dançava em suas pernas como quando dançou com . Seu peito se comprimiu. Sentiria falta dele, se sobrevivesse.
Seus joelhos falharam e seu corpo derrapou em um pequeno íngreme, fazendo-a rasgar a parte da frente da perna esquerda, rolando alguns metros para baixo em um pequeno desfiladeiro. Pôs a palma das mãos afrente do corpo quando pressentiu o chão próximo demais de seu rosto, ralando a pele na grama molhada, com pedrinhas tão pequenas que mal apareciam sob a luz da noite.
Quando seu corpo parou, não sentiu dor. O silêncio da noite, sintonizado com sua respiração pausada pela aflição em ser pega, era ainda mais aterrorizante. Ela molhou os lábios secos, tentando ficar de pé, mas mancou. Sua perna estava com um rasgo incrível, que ia desde o joelho em uma diagonal até o meio de sua coxa. Sentiu vontade de chorar, mas não de dor, e sim por raiva. Não era possível que todas suas tentativas fossem tão patéticas.
Retomou sua fuga em passadas lentas e arrastadas. Lágrimas caíram de seus olhos.
De repente, cortando o silêncio mortal daquela floresta, um par de patas quebraram folhas secas em suas duas laterais. olhou para os lados assustada, sentindo os cabelos taparem-lhe parte da vista.
Fora apenas o segundo que piscou os olhos e tornou a olhar para frente que um monstro gigantesco e vermelho caiu ajoelhado bem à sua frente.
não hesitou em gritar pelo susto e pelo pavor. Iriam matá-la, não havia escapatória.
Aquele diabo de dois metros de altura, quatro de envergadura, era o pior que ela já havia visto em toda a sua estranha realidade. Seu rosto era animalesco, com presas tão grandes e afiadas que era difícil deixar a boca completamente fechada; o cenho franzido, as sobrancelhas bem grossas e os chifres que cresciam em espirais até um metro e meio acima de sua cabeça sem cabelos eram ambos pretos como o sangue de um demônio terrível e quente. Seu corpo robusto estava rígido pelas grotescas asas pesadas — tinham cinco metros de altura e eram fortes o bastante para carregar seu pesado corpo e um búfalo agarrado nas garras das patas dos pés, que mais pareciam pernas de um leão; tinham cor cinza chumbo e brilhavam em azul turquesa conforme a lua as iluminava; eram afiadas como lâminas e eriçadas, embora parecessem afáveis aos olhos arregalados e marejados de .
A mão de cinquenta centímetros do demônio se ergueu na direção dela. recuou e gemeu em medo. Os dedos dele eram grossos e as garras eram pontudas e bem pretas.
— Não grite, humana estúpida! — esbravejou o demônio. Sua voz era rouca e grossa, como se soasse em alto-falantes de setenta metros de altura. — Sou eu; Larkin! — com uma ventania, ela o olhou novamente. Era o homem que conhecia.
Ela não conseguiu falar.
— Estão vindo te caçar — continuou sério, falando rápido para poupar tempo. — A legião inteira está solta por essas terras em busca de sua carne. Não quero que morra, por isso trouxe algo que a auxiliará na fuga.
Ele assobiou para os céus.
Em menos de um segundo, um outro monstro caiu ao lado de Larkin. Era um cachorro de pelo curto, cinza fumaça. Seu rosto era contorcido e difuso, cinza chumbo, suas bochechas eram largas e, quando rosnou, seus dentes eram ainda mais afiados que os de Larkin em sua forma de demônio.
— Esta é Lamnia, filha de Cérbero. Não me dou ao trabalho de explicar-lhe a história.
ainda estava sem ação.
— Suba em seu torso que ela a levará a algum lugar seguro. Ela sabe aonde ir — ele franziu o cenho, esticando a mão para a mulher que tremia. — ! — ele sibilou baixo seu nome. — Suba! — ela acordou como se tomasse um choque. Agarrou a mão de Larkin e subiu com certa dificuldade no cachorro com tamanho de cavalo.
Quando acomodou-se com as pernas no quadril de Lamnia, ela começou a correr.
Corria mais rápido que qualquer coisa que ela já cavalgara. Seus cabelos voavam conjuntamente com seu vestido, enquanto ela tentava se agarrar aos poucos pelos daquele animal do inferno. Lamnia bufava, e o vapor quente que saía de suas narinas redondas era jogado para trás de seu corpo em menos de um milésimo. O nevoeiro cegava , mas Lamnia enxergava com perfeição nas piores das fumaças.
Como Larkin avisara, logo demônios se mostraram na escuridão, correndo em direção de Lamnia e , tentando encurralá-las. A mulher olhou assustada para os lados, mas Lamnia parecia imparcial, começando a correr mais rápido. Suas patas afundavam na lama daquela parte da floresta e os demônios riam na escuridão, com os olhos vermelhos brilhando no meio do breu, juntamente com suas enormes presas brancas reluzentes.
Conforme se aproximavam, mais aflição sentia das pisadas de Lamnia, prevendo que seriam pegas em uma questão de segundos. Eles se aproximavam muito rápido, correndo como cachorros de corrida, movendo todas as vértebras da coluna para enganarem o vento; olhavam diretamente para o corpo, o rosto de , assombrando-a como quando tinha pesadelos com os olhos abertos. O pavor era bombeado no lugar do sangue. Ela estreitou os dedos nos pelos do pescoço de Lamnia, inclinando o corpo para frente na ideia que iriam mais rápido.
O demônio da direita se aproximou ainda mais rápido que o da esquerda. Ele esticou a mão rugosa e acinzentada na direção do vestido de , quase agarrando a saia esvoaçante suja de sangue amaldiçoado. Ele riu, deliciado com tanto medo.
Lamnia deu um pulo inesperado, fazendo-a quicar tão alto que se desequilibrou. Agarrou-se aos seus — quase — pelos, ainda sentindo que iria cair logo. Lamnia uivou raivosa e virou o rosto para tentar ajudar a tornar às suas costas e fixar-se novamente ali. Os pés descalços de arrastavam no chão e, quando o animal deu outro pulo, sentiu como se houvesse um bolo de vermes andando pelas partes laterais do corpo de Lamnia, atravessando seu corpo por dentro. Aquele bolo foi até seus ombros e começaram a ficar pontudas. Lamnia ajudou novamente a se posicionar em suas costas, que, impulsionando-se com a perna boa, conseguiu de alguma forma se arrumar melhor na lateral do corpo do animal.
O demônio começou a fechar os dedos no ar conforme os fios de cabelo de acariciavam sua grotesca mão. Ele estava muito perto de alcançá-la.
Gemendo pelo esforço, ela tornou a respirar um pouco mais tranquila quando conseguiu agarrar as pernas no quadril do animal. Ela olhou assombrada para o demônio que quase a pegou, que riu diabolicamente, gritando que ainda a agarraria pelos cabelos e a jogaria no chão de forma que o Diabo no Inferno ouviria o estrondo de seus ossos se quebrando.
Gigantescas asas pretas de morcego surgiram tão rápido quanto um piscar de olhos e Lamnia começou a voar, mover o corpo como uma cobra, tomando impulso para ir bastante alto. Os demônios riram e pularam também, começando a voar atrás do animal.
Pelos céus, sentia-se ainda mais insegura.
Mais demônios surgiram quando aquele gigantesco animal se mostrou aos céus. Agora havia um conjunto de cinco, todos uivando, gritando, rindo, se aproximando.
Um deles se aproximou demais do corpo de Lamnia e segurou sua asa com as garras fazendo um buraco de sangue vermelho vivo. Lamnia rosnou, virando o rosto tão rápido que o demônio não teve tempo de assimilar. Aquele gigantesco animal abriu sua bocarra e mordeu o meio do corpo do demônio, arrancando um pedaço para cuspi-lo ao chão. O demônio queimou e se desfez em gritos de dor.
Lamnia rosnou ainda mais alto, para a lua, e parou de voar. foi impulsionada para frente pelo baque daquela freada. Ela olhou para o animal e bateu as pernas em seu quadril, como se fosse de fato um cavalo, para ela voltar a voar. Mas ela havia paralisado e ainda bufava vapor quente e branco.
Um demônio agarrou sua perna, puxando-a para baixo. Lamnia virou o rosto e mordeu o braço de , impedindo que ela caísse; puxou-a, trazendo o demônio junto, bem agarrado em sua panturrilha. O diabo riu, agarrando o animal nas extremidades do rosto, com as garras das mãos, comandando-a diretamente para o chão. prendeu o fôlego, sentindo a respiração afobada, quente e úmida dele em sua nuca arrepiada pelo temor. Lamnia levantou a cabeça e girou o corpo em um piscar de olhos, com tamanha força que fez o diabo perder o equilíbrio e cair fronte ao rosto do animal de Lúcifer. Ela fez apenas um movimento para que a cabeça do demônio estivesse inteira dentro de sua boca, entre seus dentes, arrancando-a do restante do corpo que se desfez com cheiro de enxofre. Lamnia cuspiu a cabeça do diabo, que caiu os metros que os separavam do chão.
Os demônios que ainda as rondavam, como pragas, atacaram todos de uma vez só. O céu fora cortado com uma luz vermelha pulsante que cegava os simplórios olhos mortais de , fazendo-a sentir-se debilmente confusa, sem saber para onde olhar, de quem se defender.
O brilho vermelho vinha de Lilith, que se aproximava rapidamente com as batidas enfurecidas de suas asas em chamas. Seus olhos estavam vermelhos como o inferno e suas feições se reviravam em um ódio que nenhum olho humano poderia descrever; seus cabelos estavam eriçados como os pelos de um gato e suas garras negras e duras, encurvadas para dentro, como as de um gavião, estavam apontadas diretamente para o pescoço de .
Lamnia bateu forte suas asas e voou novamente para o negro do céu, tentando, de um lado ao outro, abocanhar as mãos e pés afoitos dos demônios que agiam em conjunto para derrubá-la e matá-la. O animal mordia forte o vento e, às vezes, podia sentir o bafo quente de sua mordida a poucos centímetros de suas mãos e pernas. Os diabos apareciam como mãos do além, agarrando-a as pernas e seus cabelos, puxando-a como uma boneca de linhas, tentando estourar seus ligamentos e esquartejá-la. O cheiro de seu sangue inundava as narinas afoitas daqueles vermes.
Antes que pudesse novamente respirar, garras mais pesadas afundaram-se na carne de suas costas e a puxou violentamente de cima de Lamnia, que fora atacada por todos aqueles demônios. Lilith jogou com força em direção ao chão e empurrou todos os demônios de perto do animal; olhou-a fundo nos olhos antes de vê-la pulando em sua direção, como um cachorro que ataca. Bastou apenas um movimento com sua garra para que o animal virasse o pescoço quebrado para o lado, quase rodando; depois, Lilith segurou as extremidades de sua mandíbula e puxou-as para cima de modo que sua cabeça rasgasse ao meio e o cérebro se expusesse em uma confusão vermelha de sua pele rasgada. Suas asas eriçadas acolheram o restante do corpo de Lamnia e, segurando-o, queimaram-na no fogo de sua ira.
O cheiro de carne e pelo queimados era insuportável.
continuava caindo.
Lilith virou o rosto com rigidez para o corpo mortal de sua amaldiçoada e mergulhou para agarrá-la novamente. gritou. Seu corpo estava a um milímetro do chão quando Lilith a fincou nas garras de novo e, com extrema força, a jogou contra um tronco de árvore.
Os demônios vibraram como na Roma Antiga, rindo, cuspindo suas línguas de cobra para fora de suas bocas.
gemeu de dor e sentiu seu sangue escorrer por sua costela e braço. Ela olhou Lilith com ódio.
— TU ÉS O SER MAIS REPULSIVO E ODIOSO QUE JÁ CRIEI EM MINHA MORADA! QUERO MATAR-TE, QUERO COMER TUA ALMA E DEIXAR QUE TEU MALDITO CORPO APODREÇA PARA QUE OS DEMÔNIOS DO INFERNO ASSOMBROSO O SUGUEM PARA TEUS INTERIORES AMALDIÇOADOS! QUERO QUE TU SOFRAS COMO NENHUM MISERÁVEL UM DIA PENSOU QUE SOFRIA! QUERO QUE O DIABO ABUSE DE TUA SANIDADE E FAÇA-A SOFRER! — urrou ela; os demônios riram mais — Arrancá-lo-ei de teu útero, comerei tua carne, beberei de teu sangue e depois deixarei teus imundos ossos para estes demônios famintos por teu grotesco interior! Quero vê-la queimar no sangue do inferno junto de teus pais, da alma de teu filho e de todos que tu conhecias! — os olhos de Lilith estavam arregalados e os dentes de demônio ficavam ainda mais assombrosos quando ela enrugava o nariz para urrar ao gritar mais alto.
— FAÇA-O, ENTÃO! — gritou , de volta. Ela sentiu o gosto de seu sangue nas paredes de sua garganta e seu berro ecoou pela floresta. — FAÇA-O, MAS TENHA NA SUA CABEÇA DE MERDA QUE TUDO QUE ERA SEU PERTENCEU A MIM! SEU ANTICRISTO, SUA VITÓRIA, SEU FILHO!
Lilith voou para e agarrou-a pelo pescoço, jogando-a com força no chão. Chutou-a o alto da costela, abaixando o tronco para rosnar bem próxima de seu rosto. estava caída de barriga para cima, com lágrimas nos olhos e o sangue palpitando forte por ódio — tanto seu quanto de Alexander.
Algo remexeu em seu útero, aumentando seu ódio por aquela mulher.
— A sua alma é minha — Lilith urrou para os céus e os demônios ao seu redor a acompanharam.
Um vulto cortou o cantar de ódio de Lilith, empurrando-a contra uma rocha de montanha com tamanha força que a partiu ao meio.
tentou se por de pé, sentindo-se cada vez mais forte, embora os ossos quebrados que pareciam se consertar. A força vinha de dentro, de Alexander.
O vulto foi, aos poucos, tomando forma.
Era .
Ele estava em sua forma de demônio, em posição de ataque, e rosnava para a mãe.
Lilith arregalou seus olhos por um segundo, e, antes de insultá-lo como previra, o atacou direto na jugular. Agarrou-o as extremidades do pescoço, abocanhando-o o alto da cabeça. fincou suas garras na cintura da mãe, atirando-a de seu corpo para o chão; meteu-se por cima de seu quadril, prendendo-a no chão, e urrou como nunca havia urrado em todos seus milênios de existência. Fora alto, forte, bruto e extremamente enfurecido. Lilith pareceu perder a fala por um segundo. Os pulsos dela estavam presos pelas mãos dele, que perfuravam, com as garras, as laterais de seu antebraço, arrancando-a sangue.
Lilith urrou e se levantou com certa facilidade; soltou, em um movimento brusco, as garras de de seus pulsos e o esmurrou o alto do supercílio, cortando-o profundamente. O golpeou de novo e de novo, até que ele fraquejasse e amolecesse os joelhos; ele ficou com sua cabeça baixa quando Lilith ergueu as garras acima de sua cabeça, pronta para rasgar a nuca de seu primogênito e degolá-lo.
ergueu o pescoço e olhou para Lilith. Seus olhos estavam pretos e sua sobrancelha franzida o dava um ar extremamente ameaçador; ele mostrava os dentes afiados em um rosnado baixo.
Ela é minha! — ele urrou e pulou novamente no pescoço da mãe. Agarrou-a pelas extremidades e bateu forte as asas para que fossem alto o bastante.
Soltando-a, bateu, com o osso da palma da mão, na mandíbula de Lilith, fazendo-a jogar o pescoço para trás, deixando-o exposto. abocanhou a veia de Lilith, tentando perfurar sua carne extremamente dura. Com as mãos livres, agarrou seus cabelos e os puxou para baixo, ignorando o ardor em sua carne exposta, queimada pelos fios em chamas dela.
Lilith reagiu. Girou o pescoço e abocanhou a traqueia de , que gritou. Os dentes dela eram mais fortes, ela tinha mais experiência. Os cabelos dela ficaram mais quentes, de forma que ele fosse obrigado a soltá-los e ficar pendurado pelos dentes de Lilith presos em seu pescoço. Ele tentava bater as asas e se soltar, mas sentia-se fraco. O sangue jorrava forte e o empalidecia. Ele parecia uma ave com a cabeça presa, debatendo-se inutilmente contra algo muito mais forte.
Lilith o golpeou na nuca, batendo repetidas vezes. Arranhou suas costas, marcando-o com quatro fundos cortes; agarrou seus cabelos, puxando-o a cabeça de forma que sua pele e músculo fossem arrancados. Depois ela o largou.
caía pelos céus e não reagia.
sentiu um enorme aperto no peito e sentiu vontade de chorar. Lágrimas preencheram seus olhos e um nó gigantesco se implantou no meio de sua garganta. Ela gritou como nunca havia gritado antes, com ódio, dor.
Lilith estava suja com o sangue do filho, que despencou no chão, rachando-o ao meio em um buraco gigantesco.
correu até ele, vendo-o tremer, com os olhos abertos e sangue preto por todos os cantos do corpo. Ele a olhou. Ela nunca havia sentido tanta intimidade com alguém com apenas um olhar como sentira naquele momento. Seus olhos estavam inundados de lágrimas e ela mal conseguia respirar por seus soluços. Ajoelhou-se ao lado de , tomando cuidado em onde o tocava. Ele engoliu em seco, esticando os dedos da mão em direção a ela. Ela segurou sua mão, tendo medo em apertá-la e machucá-lo.
— Eu não quero que você morra — suplicou ela, soluçando. — Eu não posso te ver morrer.
sentiu o pescoço ser puxado com força — alguém a puxava pelo cabelo.
Lilith estava com as mãos pregando com o sangue do filho. Jogou no chão, empurrando-a com o pé descalço. Ela estava pronta para atacá-la tão brutalmente como fez com o filho, quando um grito ensurdecedor cortou a noite. Lilith virou o rosto por curiosidade, vendo Pandora com o rosto franzido em ódio e os olhos arregalados.
— Não desfaça a profecia! — gritou ela, com as mãos em punhos. — Não o faça!
Quero matá-la — urrou Lilith, enfurecida, espumando em ódio.
— O ódio que estás sentindo agora não poderá ser comparado ao que sentirá quando Lúcifer vencê-la e fazer-te de escrava nas profundezas amargas e imundas do Inferno — Pandora franziu o cenho e, como um anjo, caminhou pela destruição que aquela briga causara à floresta. — Sei que és um demônio — encarou fundo os olhos de Lilith —, mas não devo perder meu controle da natureza por teus devaneios, raios de ódio. Não a mate, não gere o Anticristo como pretendias — franziu o cenho —, não fora o modo que escrevi, não é o modo que deve acontecer. E não acontecerá.
— Não posso suportá-la mais! — gritou Lilith, dando um tapa com as costas da mão na cabeça de .
Ela caiu para o lado e bateu a cabeça em uma pedra pontuda, desmaiando. Lilith urrou de ódio.
— Não a maltrate mais! — gritou Pandora, agarrando com força o pulso ensanguentado de preto de Lilith. — Não-sejas-estúpida — sibilou. — E quanto ao teu filho — olhou com olhos penosos para , que ainda agonizava. — Alimente-o com o sangue amaldiçoado da garota.
— NÃO! — gritou Lilith, rosnando no rosto de Pandora. Os cabelos dela foram para trás, mas seu rosto permanecia sério e petrificado. — Não irei devolvê-lo à vida!
— Tens de fazer! — disse alto. — Não podes mexer na profecia, demônio!
— Não irei alimentá-lo — relutou Lilith. — Se queres vê-lo vivo, alimente-o tu mesma.
Ela se soltou de Pandora e pulou aos céus. Seus demônios a seguiram, ambos para o lado da cidade.
Pandora respirou fundo e puxou para seu colo. Levou-a desacordada até o corpo rasgado de , pondo-a deitada ao seu lado. Ele olhou para ela, engoliu em seco, depois olhou para Pandora, como se pedisse permissão, como se perguntasse se era o certo a fazer, se era a única opção.
Pandora assentiu.
Em um piscar de olhos, a boca dele estava pressionando-a o pescoço. Então ele se alimentou dela como nunca havia feito antes.


33.

I’m in love with my own sins.

acordou sentindo-se enérgica. Abriu os olhos e enxergou turvo, tendo de piscá-los outro par de vezes para começar a ver melhor. Franzindo o cenho, molhou os lábios e puxou o ar confortavelmente quente daquele cômodo de luzes amenas e amareladas.
Quando os rolou para ver a decoração sombria e medieval de seu quarto na mansão de Lilith, não a reconheceu. Estava em um quarto de teto côncavo, feito de terra firme; o piso era de pedras paralelepipedais cinza-chumbo; as luzes vinham de velas redondas milimetricamente posicionadas. Havia uma prateleira comprida, de madeira escura, que estava repleta de livros com títulos arcaicos e capas grossas.
virou o rosto lentamente para o logo oposto ao que olhava.
a fitava com interesse e olhos sérios. Tinha a mão segurando a lateral da cabeça e os lábios carregavam a sombra de um sorriso, digamos, feliz.
se sobressaltou, ficando sentada. mostrou aquele sorriso escondido, apoiando as mãos ao lado do corpo para sentar-se também. o encarava como se não acreditasse que ele estava, de fato, ali, perfeito e sem nenhuma cicatriz, nenhum vestígio que fora atacado tão brutalmente por sua própria mãe.
? — ela sussurrou incrédula. Encolheu os olhos e fitou todos os mínimos espaços de pele nua dele; ele vestia apenas um moletom cinza claro que cobria as pernas.
— Eu estou bem — disse logo. — Como você se sente?
— O que aconteceu? — ela sentiu o nariz queimar e os olhos marejarem.
Ela achava que o havia perdido para sempre.
soltou uma risada nasalada e assistiu lágrimas desenfreadas caírem pelas bochechas pálidas de . Abrindo outro sorriso, puxou-a pela nuca e a abraçou forte. As mãos dela permaneceram em seu corpo, sem envolvê-lo.
— Eu pensei que estivesse morto — sussurrou ela por entre soluços. negou com a cabeça.
— Desculpe desapontá-la — ela deu um soco fraco em seu peitoril e mostrou os olhos vermelhos e o rosto molhado para ele, passeando seus olhos por todos os detalhes perfeitos de seu rosto.
Seus olhos estavam tão azuis quanto o oceano.
— Significa então que você não pode viver sem mim? — disse com ar convencido. negou e rolou os olhos, limpando as lágrimas.
— Ver a morte de perto não o deixou menos convencido — riu irônica, fungando e virando o rosto. — Onde estamos?
— Na casa de Pandora — disse ele, pondo-se de pé. — Ela nos trouxe para cá e fez nossos curativos.
Até então não havia notado que não sentia mínima dor. As costelas quebradas pareciam estar concretadas em seus devidos lugares e não havia nenhum arranhão em sua pele, apesar de uma incômoda dor abaixo da mandíbula. Ela pôs a mão ali e sentiu um relevo fundo em duas cicatrizes retas.
— Desculpe por isto também — disse ele, esticando a mão para tocar naquelas cicatrizes também. — Era a única forma de me fazer curar.
olhou fundo em seus olhos, vendo-os próximos demais dos dela. Acompanhou a linha de seu nariz e repousou os olhos, queimando em uma pequena luxúria que começava a nascer, nos lábios finos, vermelhos e doces dele. também encarou todos os detalhes do rosto dela, aproximando-se vagarosamente de sua boca.
Roçaram os lábios em algo quase inocente, pressionando-os timidamente.
A mão de segurava delicadamente o pulso de , que tinha os dedos contornando com perfeição o pescoço e nuca dela.
Quando separaram suas bocas, entreolharam-se novamente. Sem esboçar nada, ele tornou a pressionar seus lábios contra os dela, mas agora com um pouco mais de fervor. Mordeu-a os lábios e os puxou para sua boca, tornando a beijá-los quando ela os deixou entreabertos. Suas línguas roçaram saudosas, em sincronia. Os dedos dele pressionaram sua pele para que seu rosto fosse mais para frente e a mão dela acariciou seu antebraço, indo até sua nuca, puxando-o também. Sentada com os joelhos para cima, fora fácil para ele encaixar-se entre suas pernas para que seus corpos ficassem juntos.
deitou-se e permitiu que ele deitasse por cima de seu corpo; suas mãos desceram da nuca dele para suas costas, arranhando-a suavemente, fazendo-o arrepiar.
O beijo que começara inocente tornou-se violento, como de praxe; suas línguas se debatiam em uma batalha sem fim e seus lábios eram mordiscados e puxados, arranhados com os dentes do outro. havia entrelaçado seus dedos nos cabelos da nuca de e os puxava sempre que uma onda de prazer cortava seu corpo desde a nuca até a sola dos pés.
Uma de suas mãos desceu de sua nuca para a barra de sua blusa, adentrando-a sem pestanejar. Acariciou sua barriga quente, a lateral de sua cintura, subindo até o seio descoberto, encaixando-se ali. Seus quadris estavam na mesma linha e bastou apenas um impulso pequeno dela, um rebolado, para que suas intimidades excitadas se encontrassem em um perigoso choque de prazer mútuo. Ele arranhou e apertou seu seio, fazendo-a gemer baixo contra seus lábios. Seus narizes roçaram uma vez quando ele mordeu a lateral de sua boca, descendo seus beijos pela bochecha e maxilar até o pescoço, acima das cicatrizes que causara sob sua pele, o ombro, as clavículas e o busto. A mão que entrelaçava seus cabelos desceu até sua coxa nua, apertando-a fundo, encaixando-a em seu quadril.
jogou a cabeça para trás quando sentiu os beijos dele descendo por seu corpo. Ele se sentou nos calcanhares, sentindo-a subir o quadril para permanecê-lo junto do seu. Aquilo o permitia, com facilidade, por as duas mãos na lateral de sua cintura e subir, apertando-a as laterais do corpo, sua blusa de mangas compridas. Quando tirou-a por sua cabeça, os olhos azuis de passaram por todo seu corpo, admirando-o. molhou e mordeu os lábios, escondendo um sorriso malicioso. o mostrou, fazendo-a arrepiar e palpitar. Ela ergueu seu corpo e sentou-se no colo ele, ficando mais alta, de modo que ele precisasse levantar seu queixo para poder beijá-la com a intensidade que ela propunha. As mãos dele se encaixaram perfeitamente em sua cintura, enquanto as dela puxavam os fios escuros de seu cabelo. Ela moveu o quadril para frente e para trás, sentindo o membro duro de roçando em sua intimidade úmida. apertou com força sua pele, gemendo baixo por cima de seus lábios.
impulsionou seus seios para cima, de modo que ele fosse ligeiramente para trás. Descendo as mãos de sua nuca para seus ombros, ela o empurrou. deitou na cama e prendeu seus olhos no corpo de , assistindo-a hipnotizado enquanto ela puxava seus cabelos para trás, empurrando-os para o lado, e deitava-se em cima de seu tronco, começando uma trilha de beijos demorados, quentes e delicados por toda a extensão de seu abdome rijo, descendo até o grande volume entre suas pernas. mordeu o canto do lábio, rindo baixo com o jeito que ele a ficava assistindo. Lenta e delicadamente, beijou o topo de sua excitação, puxando sua calça para expô-lo duro e ereto. olhou para no momento que pôs seus lábios no alto da glande, descendo-os molhados pelas duas laterais até a base. Ele respirou fundo e mordeu os lábios. Ela, então, tornou a boca para o alto do membro e, sem esperar mais, o sugou de uma vez só. , pego de surpresa, soltou um gemido e impulsionou instintivamente seu quadril para cima. não parou de mover a boca, indo e vindo sem intervalos. Pôs a mão na base do membro, intercalando-a com os movimentos da boca. Com a outra mão, arranhava delicadamente seus testículos e estimulava o períneo. movia o quadril mesmo sem querer, mesmo que pouco, de forma instintiva, estimulando-a a não parar de sugá-lo.
estava de quatro, com a bunda para cima. via o movimento de seu corpo naquele vai-e-vem extremamente estimulante, o contorno perfeito de sua cintura fina e o quadril largo. A mão dele guiou-se para a nuca dela, entrelaçando seus dedos em seus cabelos, acompanhando os movimentos que ela fazia. Os olhos assistiam o modo perfeito que ela o dava prazer, enquanto a boca, constantemente mordida com força, reprimia gemidos de excitação.
o sugou com mais força, lambendo a glande. Com a mão, começou a masturbá-lo em movimentos circulares e bem rápidos, enquanto os lábios molhados e a língua se concentravam apenas na glande vermelha.
estava perdendo o fôlego, arfando. Jogou sua cabeça para trás e fechou os olhos, mordendo com força os lábios. Franziu o cenho e contraiu o abdome quando sentiu uma onda muito forte de prazer, anunciando seu orgasmo.
— Eu vou gozar — disse ele, rouco, apertando com bastante força os cabelos da nuca dela.
não se importou. Continuou sugando-o com vontade, arranhando os dentes com delicadeza em toda a extensão grossa do membro de . A mão livre ainda estimulava os testículos, enquanto ela gemia para provocá-lo. Ela engoliu seu membro inteiro, voltando bem lentamente, tornando a sugar com bastante vontade a glande.
franziu o cenho e moveu o quadril para cima um par de vezes, pressionando a cabeça dela. Mordeu com força os lábios, soltando-os logo em seguida, por não conseguir respirar, arfando e gemendo rouco quando seu líquido jorrou dentro da boca dela, quente e merecido.
o engoliu sem nojo, continuando a chupá-lo, principalmente a glande, mesmo depois dele já ter gozado.
Quando terminou, sentou-se em seus próprios calcanhares e passou a mão na lateral do lábio, sorrindo diabolicamente enquanto o encarava direto nos olhos.
descontrolou-se em sua própria excitação. Sentou-se com tanta pressa que parecia que iria atacá-la para devorá-la. Segurou com força seus cabelos, puxando-os para baixo de forma que ela ficasse com os lábios entreabertos e o pescoço bem esticado. Ele olhou fundo em seus olhos, depois encarou sua deliciosa boca. Riu por um segundo, entorpecido, vendo o sorriso diabólico e debochado dela aumentar.
— Você é perfeita, — disse ele, antes de abocanhá-la violentamente os lábios, segurando sua nuca.
sorriu em meio ao beijo e esticou os braços para trás, apoiando a ponta dos dedos no colchão. Os corpos deles estavam perfeitamente unidos. Os mamilos excitados dela, sempre que respirava, roçavam no peitoril dele. Qualquer mínimo contato o fazia delirar de tanto prazer e excitação.
Mesmo tendo-a pouco antes naquela mesma noite, sentia-se como se não a tocasse havia eras. Tudo que ela fazia era como novidade, até mesmo o gosto maravilhoso de sua boca e seu entorpecente cheiro de jasmim.
Ele parou de beijá-la, sentindo-a, no mesmo instante, jogar a cabeça para trás. Segurou-a na cintura e desceu os lábios molhados por sua traqueia até o meio de seus peitos; depois, encarou a pinta ao lado do mamilo rosa duro, mordiscando-a e puxando-a sem medo de machucá-la. Puxando-o enquanto a língua o lambia, soltou-o e viu brilhar molhado, ainda mais excitado; passou o lábio em sua superfície por apenas um segundo, antes de abocanhá-lo para chupá-lo novamente. Arranhou sua pele, mordendo-a e chupando-a. Passou de um para o outro, ouvindo-a gemer positivamente, tão excitada quanto ele. Impulsionou seu corpo para cima do dela, fazendo-a deitar. Desceu a mão de sua cintura para seu quadril, contornando o osso do quadril enquanto descia o dedo médio e o indicador até sua virilha. Da mesma forma que ela caminhou os beijos, mais rápidos que os dela, até o meio de suas pernas. Lambeu-a a intimidade úmida de seu final até a ponta do clitóris, começando logo a chupá-lo em movimentos rotatórios. Não parava nem por um segundo, arranhando-a e puxando-a os mamilos.
arregalou seus olhos com aquela intensidade toda que ele estava usando em seu clitóris e mamilos. Sentia as ondas de prazer correrem muito rápido por seu corpo inteiro, eletrocutando-a de uma forma prazerosa demais. Quando uma veio forte demais, ela impulsionou seu peito para cima, sentando-se inclinada para trás. Uma das mãos apoiou-se atrás de seu quadril para dar sustentabilidade, enquanto a outra prendeu-se nos cabelos do topo da cabeça dele. Sempre que uma onda forte demais atravessava seu corpo, ela o puxava com força. Seu quadril rebolava na boca dele, que não parava de chupá-la por um segundo.
Ela gemeu seu nome em uma tentativa de deixá-la respirar por um segundo sequer — ele não a escutaria de qualquer forma, não a provocaria; queria fazê-la perder a cabeça em tanta excitação, queria fazê-la gozar como nunca fez antes.
puxou com força os cabelos de , jogando sua cabeça para trás enquanto franzia o cenho com força, arfando repetidas vezes. Aquele fogo de deleite subia e descia em espirais intermináveis por dentro de seu corpo, fazendo-a perder completamente o controle de suas ações. Seu quadril rebolava instintivamente; quando ele roçava seu nariz em sua vulva, ela queria gritar. Seus gemidos se tornavam cada vez menos espaçados. Ele desceu uma de suas mãos para sua virilha e, lentamente, começou a acariciar seus grandes lábios, quase como se fizesse cócegas; deslizava-os em sua excitação e, novamente sem avisar ou parar, penetrou-a em seu ponto G, movimentando com força os dedos dentro dela.
gemeu alto, arregalando os olhos. Não bastou um minuto para que ela gozasse. Ele bebeu seu gozo como água, lambendo-a dentro da intimidade, seus pequenos e grandes lábios, chupando-a inteira.
Ninguém nunca a havia feito gozar.
não conseguia respirar. Seu corpo era eletrocutado com prazer, fazendo-a arrepiar o tempo todo. Aquele orgasmo múltiplo a fez perder completamente o controle.
Depois que parou de gozar, puxou-o pelos cabelos com tanta força que ele a acompanhou rindo. Ela o empurrou e o beijou com muita brutalidade, fazendo-o morder seu lábio e chupá-lo por apenas um segundo, antes que ela voltasse a sugá-lo a língua com fúria. Com as mãos livres, ele puxou sua cintura, fazendo-a sentar-se inteira dentro de seu membro já rígido novamente. não conseguiu continuar a beijá-lo, porque o gemido de satisfação que saíra de seus lábios fora sufocante demais.
Inteira dentro dele, ela sentiu novamente aquela mesma satisfação. Movia-se rápido para cima e para baixo, sendo acompanhada por ele. Os lábios de estavam entreabertos, para que ele pudesse respirar, seu cenho estava franzido e seus olhos se perdiam no corpo e rosto de — ele não sabia para onde olhar. Ela mantinha suas mãos na nuca dele, puxando seus cabelos.
ia para frente e para trás com fúria, depois para cima e para baixo. Estava próxima de outro orgasmo. As mãos dele em sua cintura guiavam seus movimentos para que fossem ainda mais intensos e profundos; ele impulsionava seu quadril para cima sempre que se via dentro dela, a fim de senti-la inteira.
soltou um gemido misturado de um rosnado. Mordeu o pescoço dela, sugando sua pele com gosto de sangue — já que palpitava tão rápido. Respirou fundo seu cheiro entorpecente e gemeu, franzindo o cenho, quando a intimidade dela palpitou forte em outro orgasmo extremamente intenso. Ele empurrou seu corpo para trás, deitando-se por cima de . Segurou-a as coxas, colocando-as entrelaçadas em seu quadril, e começou a penetrá-la novamente com fúria, força e rapidez. Seus corpos deslizavam em sincronia pelo suor. Ele abaixou o rosto e tomou-a os lábios em um beijo violentamente apaixonado. gemia contra seus lábios, sendo acompanhada por ele.
Embora quisessem se beijar, não conseguiam pela falta de ar. mordeu com força o lábio inferior de , fechando os olhos e franzindo o cenho enquanto continuava a penetrá-la bastante fundo e rápido. segurou as extremidades de seu pescoço, arranhando-o enquanto gemia; estreitou as pernas em torno do quadril dele a fim de senti-lo mais fundo ainda, levantando um pouco seu próprio quadril — com isso, ele pôde por suas mãos na bunda dela, puxando-a com força para cima sempre que a penetrava.
— Sugue meu sangue — gemeu ela, sentindo-o arrepiar e apertá-la com mais força. — Sugue-o.
não a olhou para ter certeza se era necessária aprovação. Expulsou os caninos e abocanhou as cicatrizes, sugando aquele maravilhoso líquido quente temperado com imenso, imenso deleite. Ele precisou parar para gemer, com os lábios sujos de sangue, quase gozando de novo. Seu quadril não parava de se mover e suas mãos apertavam com força a bunda de . Ela já estava em outro orgasmo, delirando, rolando os olhos, mordendo com força os lábios, gemendo, impulsionando o peito para cima.
O quarto parecia o Inferno. Estava muito quente.
tornou a sugá-la o sangue, puxando-a novamente para sentar-se em seu colo, continuando a segurar com força sua bunda. ia para cima e para baixo, rebolando com força com o membro todo inteiro dela. Ele puxava a pele de sua nádega, empurrando-a depois com força. Não queria que aquilo acabasse nunca. Ele arfou alto, metendo com muita força quando ela apoiou o peso do corpo nos joelhos. não conseguia mais se controlar. rosnou.
Depois que ela se deitou por cima dele, ele saiu de baixo de seu corpo e foi para trás de , masturbando-se enquanto acariciava sua bunda. mordeu os lábios e impulsionou o quadril para trás, estimulando-o. riu por um segundo, bêbado de tanto prazer, e roçou sua glande nos grandes lábios extremamente molhados de , torturando-a e torturando-se. Adentrou-o, tirou-o e roçou-o em seu clitóris. Os arrepios que passavam por sua espinha jamais haviam sido tão intensos e prazerosos. Ele, então, encaixou-se dentro dela e começou a penetrá-la de novo com a mesma intensidade e violência de antes. Com muita força. Segurava em sua cintura para puxá-la de volta sempre que o baque de seus corpos a fazia ir para frente. não sabia se ficava com a cabeça abaixada ou erguida. Perdia o fôlego, sentia vontade de chorar de tanto prazer, gemia, mordia os lábios. Não sabia o que fazer para retomar o controle.
franzia o cenho enquanto a penetrava, mordendo e soltando os lábios, ofegando, arfando e gemendo. Assistia enquanto seu membro saía inteiro de dentro dela, brilhante, e, milésimos depois, voltava inteiro para fundo de sua intimidade quente e extremamente úmida. Aquela sensação era extremamente maravilhosa.
Ele colocou uma de suas mãos no cabelo dela e a puxou com força, fazendo-a gemer um pouco mais alto. Segurou-a em seus peitos, apertando-os e puxando o mamilo enquanto continuava a penetrá-la.
O som de seus corpos e de suas respirações era o melhor barulho do mundo.
Com a outra mão livre, masturbou-a o clitóris. abriu a boca e perdeu o fôlego, jogando a cabeça para trás. Estava muito sensível, já estava tendo outro orgasmo quando ele riu em seu ouvido e a fez delirar.
— Meu Deus, isso — gemeu sem fôlego, com o cenho franzido e a boca aberta, respirando com dificuldade.
— Não, ... — sussurrou ele, com a voz rouca e grossa. — Sou só eu.
Ele a jogou de novo na cama, vendo-a virar-se de barriga para cima. Seus seios eram maravilhosos, o rosado de sua pele era extremamente excitante. estava hipnotizado. Deitou-se por cima dela, já puxando suas pernas, metendo-se entre elas. Penetrou-a novamente com a mesma fúria, já começando a sentir os músculos queimarem. Franziu seu cenho, mordendo com força o lábio.
O orgasmo começava a crescer desde seu íntimo até os folículos capilares de sua pele. Crescia, cada vez mais forte, mas não despencava em um jato demorado e quente dentro dela. Aquele prazer que subia desde a cabeça de seu membro, enterrada dentro de , até o começo de seu estômago, queimando em um prazer tão infinito quanto o universo, parecia interminável e imensurável.
Quando despencou, ele não conseguiu segurar um gemido. Moveu com mais força seu quadril dentro dela, sentindo-se trêmulo de tanto deleite. Todos seus pelos estavam arrepiados, eriçados, e ele não conseguia respirar, tendo de arfar sempre que outro jato começava. Assim foram três vezes, uma mais forte e demorada que a outra. Seu coração nunca batera tão forte em todos seus milênios de vida.
Ele estava suando, seus cabelos estavam molhados. não estava tão diferente dele.
Ainda enterrado dentro dela, retirou-se tão lentamente que outro orgasmo quase começou. Seu membro estava extremamente brilhante pelo gozo e excitação de , e vermelho. Ele o olhou, assistindo a mão de o tocar lentamente, masturbando-o enquanto duro. Ele se sentou nos calcanhares e se ajoelhou, abaixando-se para pô-lo na boca, apenas a glande.
jogou a cabeça para trás, colocando a mão na nuca molhada dela. Aqueles lábios, juntos daquela língua, o fariam gozar de novo. ainda estava todo arrepiado, sem conseguir respirar, gemendo e arfando. Ele moveu o quadril, se vendo excitado novamente.
tocou a base de seu membro e começou a masturbá-lo enquanto chupava sua glande. Ficou assim, sem parar, mesmo que um pouco mais lenta que antes, até ele gemer seu nome repetidas vezes enquanto gozava arrepiado, entorpecido, bêbado de deleite. Ela se sentou em seu quadril, deixando o membro entre suas barrigas, rebolando em seus testículos com sua intimidade bem molhada, enquanto o abraçava pelos ombros e o beijava a boca. Ele a segurou primeiro na bunda, depois na cintura e ali ficou.
— Você é o meu maior pecado, — sussurrou ele, rouco. — É algo que eu não deveria fazer, mas sempre que faço, abuso, e isso me condena para o inferno, o meu inferno particular.


34.

She’s scared to breathe, I hold her hand, I got no choice.

já havia tomado um banho frio, tentando desviar a cabeça do corpo de , deitado nu na cama, e terminava de pentear os cabelos molhados para trás. Tinha posto um vestido que encontrara posto em cima de uma poltrona de palha, do mesmo modelo dos quais Pandora sempre usava casualmente — de cor clara, seda marfim e alças cruzadas nas costas.
Quando passou pelo quarto, evitou olhar para , escutando-o rir e chamá-la.
Já havia dormido uma hora ou menos, sendo acordada por beijos de em todo seu ombro, seguido de carícias e cócegas com o nariz em seu pescoço e nuca. Ela se virou, conversaram por menos de dez minutos, então começaram de novo. Depois de novo, até completarem seis vezes.
estava fisicamente acabada. Não aguentaria de novo.
... — provocou ele, com voz manhosa. — Vem cá... — ela riu, negando com a cabeça. Abriu a porta do quarto e saiu, escutando-o rir.
O dia estava clareando e, metida no meio da floresta, os sons eram ainda mais angelicais, dentro de um contexto geral. Não tinha medo de atravessar a porta e ver um bando de demônios com olhares subjetivos e maliciosos, mas sim uma casa adorável, de pedra e madeira, sem a presença de ninguém além deles dois.
Pandora havia saído na noite passada, pelo que a contara, para conversar com Lilith sobre a profecia ou algo parecido — ela não prestou muita atenção, hipnotizada pelo movimento dos lábios dele; tanto que ele riu e, segundos depois, já estavam se beijando. não se importava por onde Pandora andava, entretanto que não voltasse em nenhuma hora desapropriada.
Quando bateu à porta, virada de costas para a saleta, negou com a cabeça e sentiu o estômago revirar. Olhando para baixo, viu o útero inchado, lembrando-se, repentinamente, pela primeira vez desde a noite passada, de seu filho. Ela pôs a mão na barriga e a acariciou, virando-se para frente.
, vou preparar um banho — disse do outro lado da porta. — Espero que você apareça — e riu.
estava paralisada e mal pôde respondê-lo.
Aquele demônio maldito estava parado ali, à sua frente, com as mãos entrelaçadas e o rosto mais pálido, até um pouco cansado — a devastação que fez na cidade não significava sangue virgem em suas veias imortais. Ela estava com os cabelos vermelhos presos em um coque e um vestido de veludo preto, de mangas compridas, com um decote generoso em V quase até o meio de sua barriga magra.
— Quero falar contigo — disse baixo, a fim de que não a escutasse.
A água começou a bater no mármore do banheiro.
piscou algumas vezes, desnorteada, e franziu o cenho, olhando para baixo.
— Sente-se faminta? — indagou Lilith, quase carinhosa. — Farei algo que possa comer; algo que goste. Carne branca, de ave? Come, gosta? — , com o cenho franzido, encarou Lilith com certa dúvida. O demônio riu e balançou as mãos. — Ora, minha jovem, não seja tola. Não envenenarei tua comida, e vá por minhas palavras, sei cozinhar. Tenho muitos anos de prática — ela riu divertida, virando-se.
O vestido justo fez um pequeno buraco negro na altura de seus tornozelos descalços, então ela pegou uma sacola de papelão de algum supermercado da cidade e foi até a cozinha improvisada, com fogão de lenha. Retirou dali de dentro um frango, batatas, tomate e cebolas.
sentiu o cenho se franzir ainda mais.
— O que está fazendo aqu...
— Espero que goste do que prepararei — interrompeu-a, sacando uma faca de dentro da sacola. deu um passo para trás e Lilith notou. Ela virou o pescoço por cima do ombro, encarando-a de soslaio. — Não tenha medo de mim. Quero pedir-lhe perdão pela noite passada — ela molhou seus lábios e se virou, largando a faca em cima do balcão de pedra. — Estive fora de mim, inundada por meus mais obscuros instintos e sensações — parecia haver um resquício de sinceridade em sua voz embargada.
Lilith molhou os lábios novamente — pareciam terrivelmente secos — e seus olhos tremeram.
— Quero que acredite que não acontecerá novamente — pediu.
— Pandora falou com você? — recordou-se como se levasse um tapa. Ela não conseguia olhar diretamente para os olhos de Lilith. Sentiu ódio preencher seu corpo. Alexander se inquietou.
— Sim — admitiu. — Disse-me o que já deveria saber — sorriu sem mostrar os dentes. — Tu és minha vitória, sabes disso, e és a única forma que tenho de conseguir o que almejo. Queria poder-lhe retribuir de uma forma mais sagaz que lhe espancar por almejar tua liberdade, coisa a qual todos os animais enjaulados almejam. E reconheço: enjaulei-te. Prendi-te dentro daquele calabouço requintado com meus passados e não deixei-te livre como o animal, o ser humano, que és — Lilith caminhou em sua direção lentamente. — Quero poder dizer-te que, por hoje, por amanhã e pelos outros dias que ainda virão até que meu neto nasça — sentiu vontade de vomitar — irei deixar-te livre para viver por onde quiser estar. Não a acorrentarei, ou a restringirei a um antigo quarto naquela morada, tendo apenas minha companhia e de meus mais fiéis amigos para poder conversar, sendo que tenho em mente que nossos assuntos não são interligados — ela levantou um dos ombros. — Entendo que não lhe agrade ficar lá. Agora consigo ver, e espero que possa me perdoar por estes intermináveis meses que compartilhamos o mesmo teto de forma tão absurdamente desagradável.
Lilith parou bem afrente de , colocando gentilmente as mãos em seus ombros nus. estava petrificada. Alexander fez um movimento que parecia um chute, mesmo quando sabia que ele estava muito pequeno para tal proeza.
Lilith se aproximou demais de . Suas bocas estavam próximas. Lilith pressionou seus lábios nos dela. Era o selo de seu compromisso com — beijar o diabo com quem fez um acordo.
Os lábios de Lilith eram tão macios e quentes quando aparentavam. O gosto era um misto de sangue com doce.
Ela pôs suas mãos na lateral do rosto de e a segurou, lambendo-a a boca com sua língua áspera, de cobra.
Embora sutil e delicada, seu beijo era agressivo e pesado mesmo em um roçar de lábios.
Quando se separam, a porta atrás de se abriu e ela deu um pulo, sobressaltada. estava com a mesma calça de antes, de moletom, e seus cabelos pingavam úmidos gotículas perigosas por seu abdome mais rijo que o comum. Ele estava olhando para baixo e, quando olhou na direção de , sorriu de forma apaixonante, de soslaio. Seus olhos estavam brilhando e de uma forma estranha, ele parecia mais humano que um dia jamais fora, embora sua beleza continuasse irritantemente demoníaca — ou angelical.
Ela franziu o cenho e se virou. Lilith não estava mais lá.
— Você vai cozinhar? — indagou ele, caminhando em sua direção. Pôs uma das mãos em sua lombar, puxando-a para que se beijassem de forma rápida.
se virou novamente, ainda confusa. Ela esteve ali, de fato e de verdade, porque as compras daquele supermercado ainda estavam acima do balcão de pedra escura.
— Não sabia que era uma garota tão prendada — riu, caminhando até a sacola. — Você quem comprou essas coisas? — indagou com o cenho franzido. — Que horas? — ele se virou para ela.
sorriu amarelo, levantando os braços.

estava dormindo de forma extremamente tranquila, deitado de fronte para , na cama. Ambos já tinham comido e haviam se deitado para descansar. Não demorou muito para ele cair no sono, mas ela permanecia estática e nervosa desde a visita de Lilith.
se levantou e seguiu, no escuro, até a sala, sentando-se com as pernas cruzadas no aglomerado de almofadas que Pandora chamava de sofá. O gato preto da bruxa ziguezagueou as pernas da garota, pulando ao seu lado para receber carinho.
A porta de madeira pesada rangeu e a figura pálida de Pandora se mostrou. Seus cabelos estavam extremamente ondulados, divididos ao meio — ela parecia ter pego uma tempestade no caminho de volta. Seu vestido estava grudado ao corpo, evidenciando suas poucas curvas de deusa grega. Ela não tinha cor nas bochechas.
se colocou de pé e o gato foi miar perto de sua dona, que sorriu e se abaixou para dá-lo um beijo na cabeça. Quando ela se levantou de novo, olhou diretamente para e seu vestido emprestado.
— Não tinha roupas — explicou-se, mesmo sem receber nenhum olhar de desaprovação.
— Não há problema — sussurrou Pandora; parecia não querer acordar , tendo algum assunto a tratar com . — Como estás se sentindo? — ela começou a caminhar em direção à improvisação de cozinha, separando um bule, servindo-o de água e pondo-o para esquentar no fogo.
— Estou me sentindo bem, obrigada — mentiu, esperando que a hesitação em sua voz não fosse tão aparente para Pandora. A bruxa riu suavemente; havia notado.
— Como está Alexander? — hesitou novamente e Pandora a fitou ereta. — Não é este o nome da criança?
piscou um par de vezes e sorriu fraco por um instante.
— Você é a primeira que o chama pelo nome — explicou, caminhando em direção a ela. — Lilith esteve aqui esta manhã — disse baixo, molhando os lábios. Pandora se ocupou com algumas ervas enquanto enroscava os dedos uns nos outros.
— Eu sei — disse simplesmente. — Eu a mandei falar contigo — não a encarou. franziu o cenho.
— Mandou por quê?
— Vi que tua relação com ela estava abalada; era meio óbvio, tendo em vista que ela tentou matar-te umas cinco vezes. Sente-se ameaçada por tua criança, porque sabes que ela irá roubá-lo de ti assim que nascer. Equivocada ou não, é um instinto animalesco materno que carrega consigo. Vocês duas precisam manter uma relação saudável até exato momento — ela jogou as ervas na água fervente e voltou a encarar , que sentiu-se levemente incomodada.
— Ela me deixou livre — lembrou-se. — Posso fugir do país caso queira — arqueou uma das sobrancelhas e Pandora soltou uma risada leve.
— Sabemos que não irá fazê-lo. Tu estás acorrentada a esta cidade, e sabes disso.
— Estou? — provocou-a. — Por quem?
— Pelo filho dela — Pandora respondeu sem hesitar.
não soube o que responder. Não negaria algo que era verdade, não para Pandora — não havia porquê. Ainda sentia-se estranha em relação a ela.
— Não entendo o que está acontecendo comigo durante esses dois meses — admitiu. — Está tudo uma bagunça dentro da minha cabeça.
— Não entendes o quê? — ela franziu o cenho.
— Não entendo o que acontecerá depois que Alexander nascer. Como ele se tornará o Anticristo, se dentro de mim ele é apenas um bebê normal? E o que acontece quando estamos brigando, que, de repente, fico extremamente agressiva e forte? Isso nunca aconteceu antes — segurou-se nas extremidades dos cotovelos, franzindo o cenho. — Sinto-me tão animal quanto eles.
— O Anticristo não surgirá do além — disse Pandora, com um quê de riso. — Há de ter um ritual para transformá-lo, logo depois que ele perder total contato contigo.
— Perder contato comigo?
— Sim, parar de beber do teu leite, começar a alimentar-se, quase de forma como se ele já fosse dono de si só.
— Mas ele ainda será só um bebê — ela quase falou mais alto, franzindo mais o cenho.
— Por ser macho — continuou Pandora, ignorando-a —, ele tem testosterona em teu sistema. Como nos animais, ele libera isto para tua corrente sanguínea, deixando-a naturalmente mais agressiva. Quando estás brigando com alguém, os níveis de adrenalina juntos à testosterona dele fazem-na ficar mais agressiva que o normal. O fato de transformar-se — deu de ombros, por falta de palavra melhor — é só por ele ser filho de um demônio — sentiu um arrepio na coluna. — E quanto ao fato de perdê-lo... — ela se virou e começou a servir chá em duas xícaras — Temos de acostumarmo-nos com a partida dos filhos — ela se virou e sorriu. — Aceita chá?
não sabia como reagir. Não queria perder o filho depois de apenas seis meses. Ela se remexeu e, com um sorriso falso, olhou para o chão.
— Pandora... — puxou o fôlego enquanto encontrava o modo certo de indagar sem ofendê-la; molhou os lábios e franziu suavemente o cenho, enquanto aceitava a xícara que a bruxa a oferecia. — Você escolheu seu lado na batalha só pela amizade com Lilith? Quero dizer, o que Lúcifer fez de tão mal, além de apenas usá-la?
Pandora deu de ombros e se sentou enquanto exalava uma risada nasalada.
— O Diabo não é ruim — sua voz era angelical enquanto falava; ela levantou os olhos por debaixo das grossas pestanas, acompanhando enquanto sentava-se ao seu lado. — A reputação que o cerca foi herdada da ignorância alheia em relação ao que ocorrera naquela era, naquele céu, uma herança maldita que carregam por falta de informações. Não escolhi meu lado, como coloca e pensas. Cultivo amizade pelo primeiro demônio fêmea, mas não repelo seu maior inimigo.
— Se ele pedisse sua ajuda, o ajudaria? — Pandora tomou um gole de seu chá. Pensou por um segundo e, depois, arqueou um dos ombros.
— Não escolho lados — tornou a repetir, esquivando-se da resposta.
— O que, de fato, aconteceu? — ela se aproximou de Pandora. — Não sei em quem acreditar...
— Então por que acreditarias em mim? — Pandora quase sorriu, realmente achando graça. não soube o que responder. — Compreendo tua confusão, não posso ajudar-te.
Pandora não falou mais e, sabendo que suas respostas seriam devolvidas como incógnitas piores ainda, também não disse mais nada durante todo o resto da noite.

Quando a madrugada invadiu as paredes daquela casa, arregalou seus olhos com um chiado irritante em seu ouvido. Colocou os pés no chão frio e, imersa àquele irritante barulho, franziu o cenho e virou o rosto, procurando-o. A atmosfera estava impregnada por um cheiro de queimado insuportável — embora não houvesse nenhum clarão que intimasse algum fogo, continuava perturbada.
dormia tão profundamente que ela teve receio de acordá-lo. Já Pandora havia saído ao entardecer, indo para qualquer lugar que não se deu ao trabalho de saber.
Ela seguiu o cheiro pelo corredor, procurando o clarão com os olhos — sabia que o encontraria em algum lugar. Indo até a janela improvisada — um buraco forrado de vidro sujo — ela ficou na ponta dos pés e grudou o nariz no vidro embaçado, procurando na floresta a luz que tanto a incomodava o nariz e a cabeça.
O céu estava preto e as árvores dançavam em uma sintonia assombrada; os pássaros voavam para longe e nenhum animal ousava uivar.
Ela se virou, confusa, e então quase soltou um grito de pavor.
Larkin estava parado próximo da lareira antes apagada e saía fumaça de suas roupas. O cheiro de queimado vinha dele — de sua pele, que, vermelha, parecia ter saído do fogo. Ele estava sério, petrificado, e seu cenho mantinha-se contraído, como se estivesse com raiva. Ele usava um sobretudo preto, de lã, e calças de alfaiataria pretas. Tinha os pés descalços, sujos de carvão. Seus cabelos estavam embaralhados por uma ventania quente.
— O que está fazendo aqui? — sussurrou , por não conseguir falar mais alto.
— Entendo o porquê de seu espanto — disse Larkin. — Desculpe-me aparecer no meio da madrugada, sem avisar — ele deu um passo para o lado; seus pés marcaram a terra, queimando-a em preto. Ele parecia estar pegando fogo em seu interior. — Precisava falar com você.
— Eu acho que não temos o que conversar — disse ela, dando um passo para trás. Larkin parou, franzindo o cenho.
, sejamos francos um com o outro — ele respirou fundo, mostrando-se já um pouco impaciente. — Eu salvei a sua vida.
— Não, você tentou me enganar! — ela falou um pouco mais alto, se amaldiçoando logo em seguida, olhando para a porta do quarto. — Assim como fez com Lilith, você me usou! — disse baixo, porém firme.
— Eu não te usei — defendeu-se Larkin. — Fiz um acordo com você; um acordo bastante justo. Sua liberdade em troca de seu filho. Você o aceitou, lembre-se disto.
— Eu não consegui minha liberdade — ela arqueou uma das sobrancelhas, acusando-o. — Lembre-se disto.
— Não? — ele inclinou suavemente o rosto e sorriu de forma maliciosa.
lembrou-se, subitamente, da visita de Lilith. Da promessa que selaram, de sua liberdade. Ela estava livre.
Ela franziu o cenho com raiva.
— Você já sabe quem eu sou — disse Larkin —, mas não sabe minha história.
— Eu não tenho interesse por mentiras, Larkin; se é que posso chamá-lo desta forma.
— Chame-me do que desejar, tenho muitos nomes...
— O que está fazendo aqui? — ela colocou uma das mãos na cintura, a outra, na nuca; puxou seus cabelos, sem paciência. Sentia-se feliz, em partes, por não sentir medo dele, sequer sentia-se ameaçada.
— Você queria saber o que realmente aconteceu, não queria? — ele se deu o luxo de sentar-se no sofá improvisado, apontando para ela se sentar à sua frente. — Então venha, contarei o que quiser saber.
— Não tenho mais certeza disso — disse com um quê de sinceridade.
— Por favor, — ele falou um pouco mais sério. — Sente-se — ela não o obedeceu. Larkin respirou fundo e hesitou em sorrir. — Sabe, , aprecio seu gênio — ele se levantou —, lembra-me muito quem fui um dia — ela franziu o cenho. — Impertinente com minhas próprias verdades e com quem não acreditava nelas, teimoso, arisco, egoísta... — ele arqueou uma das sobrancelhas e ela teve de arfar para conseguir respirar. Estava se sentindo mal.
— O que está fazendo aqui? — tornou a repetir, sentindo-se ainda pior quando ele, suavemente, tocou-a a mandíbula.
— Há quase um milênio eu e Lilith fizemos um acordo quase inofensivo; éramos dois demônios relativamente jovens que compartilhavam os mesmos sonhos de destruição e vingança. Queríamos que o universo fosse nosso e tínhamos poder para fazê-lo — ele olhou-a diretamente nos olhos. — Juntos, poderíamos seguir a profecia de uma velha bruxa demoníaca, a qual dizia que, se juntássemos nossas almas, poderíamos criar uma criança com todas as nossas principais qualidades. Ele seria perfeito: seria insistente, inteligente, extremamente devastador e incrivelmente forte. Tínhamos o poder em nossas mãos, a chance de destruição que tanto almejávamos. A bruxa, entretanto, disse que precisaríamos de um corpo humano para possuir. Não era difícil conseguir um — ele deu de ombros, ainda com a mão na mandíbula dela. — Qualquer mulher humana, grávida, poderia dar-nos o que queríamos. Lilith sabia convencer — reconheceu — e, principalmente, podia subir até a Terra sem que ninguém realmente a importunasse por ser demônio.
— Você pode ser quem quiser — o interrompeu —, então por que não foi no lugar dela?
Larkin sorriu diabolicamente, sem que precisasse de alguma resposta. mordeu os lábios.
— Os anjos guardiões de Deus estavam me procurando; as coisas ainda estavam muito frescas na cabeça dele. Pegamos a criança — voltou, molhando os lábios, dando um passo para trás. Finalmente pôde respirar. — Lilith mente quando diz que o gerou — Larkin negou com a cabeça. — A mãe da criança permaneceu gerando-a na Terra e só no dia de seu nascimento poderíamos roubá-la — ele sorriu com nostalgia.

ALGUM VILAREJO PRÓXIMO A VENEZA, ITÁLIA. 300 a.c.


A noite se arrastava tão lentamente que os segundos pareciam não passar. A cada milésimo, o céu ficava mais escuro e o vento parecia mais forte e frio. Entretanto, dentro daquele quarto, o calor era quase insuportável.
A mulher estava deitada com as pernas abertas e o tronco inclinado com a ajuda de dois amontoados de plumas ensacadas em sacos de batata, coberta apenas na cintura por um pano fino, de tecido vagabundo. Ao seu lado estava sua irmã mais nova, Émilie, e sua filha mais velha, Josephine. Entre suas pernas, a parteira do vilarejo, Marie.
— Vamos, Estephanie! Mais força! — gritou Marie. — Esse menino precisa de você para viver!
No mesmo instante, a mulher apertou a mão de sua irmã e franziu o cenho, prendendo a respiração enquanto fazia mais força que da última vez. Ela já estava suada e cansada, mas não poderia parar. Era como se a criança não quisesse sair.
Estephanie era mulher de um fazendeiro do interior, dono de uma pequena fábrica de leite e carne de cordeiro. Ela tinha dezessete anos e estava grávida de seu primeiro menino — ela sentia, do fundo de sua alma, que aquele era seu pequeno .
A gravidez havia sido um tanto quanto complicada. Logo nos primeiros meses, Estephanie havia tido terríveis crises de vômito, algo tão grotescamente forte que ela precisou ficar deitada por vários dias, se alimentando a base de muita carne e água. Seu marido, Bernardo, já até havia prometido aos deuses que, se a criança vingasse, mataria sua vaca que desse mais leite — ele também desejava muito um pequeno garoto que o pudesse ajudar com o negócio da família Giansanti Colluzi. Tão subitamente quanto começaram, as crises de vômito pararam e a mulher sentia-se inundada de muita vitalidade e força. Parecia ter sido abençoada pelos céus com tamanha felicidade.
Marie colocou a mão no alto de sua volumosa barriga de grávida, empurrando-a para baixo. Estephanie parou de fazer força pelo minuto que puxava fôlego, depois tornou a pressionar o bebê, começando a gritar pela força que fazia.
De repente, os gritos foram cortados por um choro agudo.
Estephanie jogou seu pescoço para trás, sorrindo embriagada com tamanho amor que a inundou ao ouvi-lo chorar.
Marie segurava o pequeno ser ensanguentado com orgulho, erguendo-o para os céus, pedindo que os deuses abençoassem tamanha perfeição. Era um bebê grande, com negros cabelos sujos no topo de sua cabeça e pele bem clara.
— É ! — gritou Émilie, com um sorriso largo nos lábios trêmulos. — Irmã, é seu pequeno ! — ela riu emocionada.
Marie cortou o cordão umbilical e o enrolou em um lençol limpo, limpando-o o rosto e entregando-o para os braços suados de Estephanie. Ela o segurou com amor, beijando-o o topo da cabeça. O pequeno logo parou de chorar, abrindo os olhos incrivelmente azuis.
— Ele é tão bonito, minha mãe — sussurrou Josephine.
Estephanie sentia-se cansada e zonza, mas tinha certeza que era por tamanho esforço. Respirava com dificuldade e sentia os olhos pesados cheios de lágrimas. Antes que pudesse admirar por mais tempo seu pequeno milagre, Marie o tomou de seus braços, sendo seguida de Émilie, que queria ver o pequeno e lindo sobrinho.
— Irei avisar ao meu pai — disse Josephine, correndo para a porta.
— Irei deixá-la descansar, minha amada irmã — sussurrou Émilie, beijando o topo da cabeça suada de Estephanie.
Quando as garotas saíram, Marie trancou a porta.
— Está fraca — explicou. — Precisa ficar isolada até que se recupere.
Aquela senhora não era de longe amigável e gentil. Era uma mulher de cinquenta e sete anos, muitas rugas e cabelos brancos. Tinha até certo ar de bruxa, mas era a melhor parteira que a Itália inteira já tinha ouvido falar.
Estephanie deitou-se para trás e, rendida, fechou os olhos. Marie começou a limpar o pequeno garoto, que estava estranhamente quieto, mas aparentava ser muito saudável.
O silêncio, dentro do quarto, tornou-se agradável. Na sala, os parentes gritavam e comemoravam com brindes de álcool.
Marie rolou os olhos para as atitudes animalescas daquela família, excluindo seus ouvidos para a barulheira que faziam do outro lado da porta. De qualquer forma, independente do que fizessem, não os deixariam entrar de volta pelo simples motivo da exaustão de Estephanie — era óbvio, para os olhos da velha, que a mulher não queria receber ninguém além de seu filho.
Depois de limpo, Marie o levou até a mulher que, ao percebê-la, abriu os olhos cansados como se levasse um susto. Ao ver o filho, ela sorriu e esticou os braços para pegá-lo no colo. A velha o entregou, dizendo que os deixariam sozinhos para que ela criasse intimidade com a criança, mas que logo estaria de volta. Acertaria o pagamento com o velho pai, comeria e beberia alguma coisa, então voltaria para o quarto. Estephanie mal a olhou, assentindo muito levemente com a cabeça. Estava hipnotizada por seu novo e perfeito bebê e parecia não escutar nada além dos gemidos dele.
se alimentou pela primeira vez e Estephanie se desconectou do mundo à sua volta, inundando o pequeno bebê com todo seu amor. Ela sussurrou uma canção de ninar.
Os cavalos no celeiro começaram a se inquietar, relinchando e pulando, tentando se esquivar das cordas que os mantinham presos no celeiro da família Giansanti. Os pássaros voaram rápido, mesmo de noite, a fim de fugir. Pela janela, era possível ver que o vento tornava-se mais forte a cada segundo — as árvores pareciam feitas de borracha, dobrando-se para os lados com a força estranha daquela brisa de inverno. De longe, o preto do céu tornou-se avermelhado e começou a se aproximar da fazenda Giansanti. Houve um estalo forte no chão, como se algo rachasse ao meio. Uma fumaça alaranjada começou a surgir daquele buraco e o cheiro forte de enxofre, misturado ao fogo, impregnou a atmosfera daquela cidade.
Estephanie não a notava, ou sequer ouvia. começou a chorar e a mulher continuou a cantar, segurando-o com cuidado em meio aos seus seios, afagando sua cabeça.
A fumaça alaranjada subiu ao céu vermelho e dali surgiu uma fumaça preta, com silhueta de mulher. Ela subia as rochas quebradas como uma deusa, com as duas mãos segurando em ossos pretos que surgiam do buraco, sujos de algo grudento e preto. Quando ela pisou na terra da fazenda, os braços foram sugados e um grito agudo, de dor, surgiu em meio ao vento.
A mulher de longos cabelos vermelhos levantou os braços e o rosto para os céus. Atrás dela, o fogo surgiu como um trovão, com quase sete metros de altura. Ele dançava conforme os passos dela, indo de um lado para o outro, queimando a floresta, o estábulo, os cavalos, as vacas e as cabras. O cheiro de enxofre começou a se misturar com o de carne queimada. Os animais gritavam agonizados, presos entre paredes de fogo. A mulher riu com suas desgraças.
Bernardo abriu a porta com seu machado em mãos, gritando em indagações eufóricas de quem era aquele diabo traiçoeiro. Parte de seus parentes, italianos altos e gordos, correram para o estábulo a fim de libertar os animais e talvez salvar alguns.
Lilith gargalhou, achando graça daqueles coitados. Quando um chegou próximo o bastante de seu corpo, ela, em um pulo, desapareceu em uma fumaça preta e voou na direção dele. Quando a fumaça o tocou, adentrou seu corpo por suas narinas, ouvidos e boca. Seus olhos e veias começaram a ficar pretos e ele gritava, por meio de seu sufoco, por socorro, desvairando-se em agonia.
Bernardo correu até o velho, segurando-o no momento em que caiu. Ele começou a tremer e sangrar pelos poros. Gritava como se estivesse se afogando, por detrás de um bolo de fumaça preta. Mesmo quando a fumaça saiu pelos mesmos locais que entrou, o homem continuou atormentado; gritava e olhava para os lados como se visse demônios, pedindo aos prantos por misericórdia.
Bernardo levantou em um pulo, com o cenho franzido, e gritou de ódio. A fumaça veio em sua direção, então ele apontou seu machado no centro de Lilith e o jogou com toda a sua força. O barulho do fogo, do grito agoniado dos animais e do possuído parente se confundiu com o eco do metal quebrando alguns ossos.
O rosto de Lilith se fez na fumaça, tanto na que dançava à frente de Bernardo quanto na que consumia a grande fazenda dos Giansanti Colluzi; o rosto dela estava enrugado, como o demônio irritadiço que era — todos aqueles traços angelicais contradiziam a ira que aquela mulher expelia pelos poros; a língua de cobra se expondo enquanto ela esticava seu pescoço e a expelia para cima, mexendo-a como uma cobra que fareja carne para se alimentar. Aquela coluna vermelha, laranja e amarela crescia a cada segundo que se passava, numa velocidade formidável, engolindo tudo que passava à sua frente. Quando alguém se aproximava, algo parecido com uma mão o acolhia e o puxava para o meio do fogo. Era possível vê-los queimando vivos, com as peles derretendo e a carne sangrenta se expondo em buracos.
Ao lado de Bernardo, um pouco atrás, chorando de medo, gritando por piedade, estavam as duas mulheres da família — Marie estava dentro da casa, rezando com os joelhos no chão e os olhos fechados; pedia que seu Deus protegesse aquela família recém-formada, nem que fosse apenas um e que ele pudesse sobreviver pelo tempo que Ele o estimou viver.
A fumaça do corpo de Lilith expeliu o machado, acertando-o em Bernardo no meio da testa. O homem chicoteou para trás com a força daqueles golpe, caindo morto no chão.
Josephine fora a que gritou e chorou mais alto, completamente desesperada. Correu até o corpo morto do pai e o segurou a cabeça, balançando-o na esperança de vê-lo acordar e correr para longe com ela.
A fumaça do corpo de Lilith tornou a tomar forma de mulher, que sorria diabolicamente com toda aquela devastação. Seus cabelos vermelhos estavam eriçados e queimavam. Com a ponta delicada dos dedos compridos, ela expeliu fogo para cima dos corpos de Bernardo e Josephine, gargalhando por vê-los arderem e agonizarem. A garota gritou ainda mais alto — seus cabelos pegavam fogo, derretiam seu couro cabeludo e desciam em chamas para suas roupas.
Lilith saltou em cima dela, segurando-a as extremidades da boca, abrindo-a para que aquela gritaria cessasse. Deitou-se por cima do corpo em chamas dela e bebeu de seu sangue, que jorrava por sua artéria do pescoço. As roupas de Lilith começaram a pegar fogo, mas seu corpo permanecia intacto. Ela se levantou do corpo de Josephine e, em chamas, com o rosto sujo pelo sangue virgem da menina, começou a caminhar lentamente em direção à Émilie. A mulher, sem conseguir se mover, caiu de joelhos e chorou muda. Quando Lilith chegou próxima o bastante, ela negou com a cabeça e olhou para baixo, juntou as mãos e começou a rezar.
Lilith torceu o pescoço, incomodada. A reza não era tão forte quanto se fosse pronunciada por alguém que realmente soubesse as palavras certas, no latim, para usar, mas mesmo assim a incomodava.
O demônio gritou rouco, abaixando o tronco para fincar suas unhas no pescoço da mulher, erguendo-a para cima até que ela calasse a boca. Os olhos azuis da mulher estavam tão molhados de lágrimas que refletiam a devastação em vermelho por trás do corpo em chamas de Lilith. Ela riu com luxúria e esticou sua língua de cobra para fora da boca. Émilie gemeu de medo, arranhando os pulsos de Lilith a fim de machucá-la, para que ela a soltasse — obviamente, ela não soltou, mas a carne mole pelo fogo rasgou e sangrou preto; aquilo pareceu assombrar mais Émilie, que chorou com os olhos fechados e começou a mexer freneticamente suas pernas, balançando-se. Lilith riu por cima de sua língua exposta, depois esticou-a ainda mais, até que entrasse dentro da boca de Émilie e a sugasse a alma.
Émilie ficou com os olhos arregalados, chorosos, enquanto sufocava. Seus dedos apertaram com mais força os pulsos de Lilith e, pouco a pouco, suas pernas pararam de mexer. Suas veias saltaram e ela quis tossir, impedida. Émilie morreu asfixiada. Lilith soltou o corpo da garota no chão e o viu se consumir em chamas. Depois, tornou seu caminho para a casa dos Giansanti Colluzi, onde seu maior prêmio a esperava.
Ela ainda estava consumida pelas chamas, de modo que todo passo que desse botasse fogo no chão, criando um rastro que crescia dois metros em meio segundo. Havia um incêndio de proporções gigantescas, de modo que aquela fazenda se assemelhasse com o inferno. Havia cheiro de morte e carne queimada; o calor era agradável e os gritos de agonia dos poucos que ainda queimavam era a sinfonia perfeita para aquela noite que começara tão simpática.
Quando Lilith estava parada à porta da simplória casa de madeira, arqueou seus braços para os céus e, de dentro do buraco ainda feito no chão, almas negras voaram e destruíram a madeira da parede da frente. Aqueles demônios sem corpo, sujos, arquearam o corpo da velha Marie até o teto, possuindo-a. A velha caiu no chão e começou a convulsionar; seus olhos viraram e, conforme o branco aparecia, era consumido pelo preto dos demônios; suas veias saltaram e seu peito foi impulsionado para cima — por trás de sua careta de agonia, um demônio a fazia sorrir. Com o peito impulsionado para cima, não bastou muito para que o som de seu tronco quebrando fosse estalado nas paredes de fogo daquela casa. Mesmo quebrado, os demônios continuaram a impulsioná-lo para cima, até que o osso rasgasse sua pele e fizesse uma poça de sangue que refletia o sorriso apaixonado de Lilith. Depois de rasgada, os demônios torceram as extremidades de seu corpo, dividindo-o em dois. As almas negras saíram do corpo morto da mulher e guiaram Lilith até o quarto de Estephanie.
Era simples reconhecê-lo, já que o pequeno não parava de chorar. A porta estava trancada por fora e Estephanie não tinha força para quebrar a janela, de forma que estivesse presa ali o tempo inteiro. O fogo logo a consumiria, e manteria vivo o prêmio de Lilith.
Os demônios passaram pelo vão da porta e Lilith se embriagou de prazer quando os gritos de Estephanie se tornaram mais intensos e apavorados. Pôde-se ouvir o som de ossos quebrando, pele rasgando, cabelos sendo puxados e trazendo junto a cabeça de um ser morto, arrancada do resto de seu corpo.
Lilith girou a maçaneta e viu aquela cena maravilhosa: o corpo em chamas de Estephanie estava desgrudado de sua cabeça, erguida para cima pelas mãos de um dos demônios; seus cabelos começaram a pegar fogo, de forma que derretessem e fizessem sua cabeça cair e rolar no chão. Os demônios riram e quebraram a janela, consumindo-se do sangue e da carne dos mortos do lado de fora.
Lilith virou-se para o choro incessante de , jogado no chão — o lençol que o envolvia havia sido queimado, mas Lilith o protegera. O fogo tentava atacá-lo, mas contornava-o em uma espécie de bolha que o abrigava. O pequeno recém-nascido estava vermelho, quase sem ar, de tanto chorar.
Lilith franziu suas sobrancelhas como uma mãe que sente pena, abaixando-se para pegá-lo em seus braços e o abraçar contra seu seio. gritou ainda mais, balançando as perninhas e os bracinhos.
— Não tenha medo, meu pequeno primogênito... — sussurrou ela, por detrás do barulho ensurdecedor da casa queimando. — Tu agora pertences a mim... — ela sorriu e, quase delicadamente, o beijou na testa.

NEW YORK, ESTADOS UNIDOS. DIAS ATUAIS


tinha o cenho franzido e puxava o lábio inferior, com as pernas encolhidas próximas do peito, sentada no sofá da casa de Pandora. A voz de Lúcifer era hipnotizante, de forma que a fizesse ficar tão vidrada que sentia-se presente no massacre dos Giansanti Colluzi.
— Lilith o trouxe para o Inferno e realizamos o ritual para transferir parte de nossas almas para ele — terminou.
precisou de mais de um minuto para assimilar tudo em um conjunto de palavras. Ela puxou fundo o ar e então o olhou. Ele mantinha a expressão séria, embora um pouco amigável em relação a ela.
— Tudo que ele pensa que aconteceu... — ela franziu mais o cenho, engolindo em seco — É mentira... Lilith mentiu durante todo esse tempo! E por quê? — ela encolheu os olhos. — Qual o problema daquela mulher e...?
Larkin negou com a cabeça e deu de ombros.
— Talvez quisesse fazê-los ficar do lado dela de uma forma ou outra. Porque, ... — ele se aproximou dela, inclinando o tronco. — Não vou mentir dizendo que não queria que você estivesse do meu lado, para destruí-la de uma vez por todas.
— Por que vocês se odeiam? — ela quase se exaltou. Larkin tornou a ficar ereto, lentamente, e soltou uma risada nasalada.
— Depois que o garoto cresceu, perguntávamo-nos quando ele expressaria os tão incríveis poderes do Anticristo. era uma criança de três anos bastante normal. Não era excepcionalmente inteligente, incrivelmente forte ou apresentava qualquer uma das características que pensávamos. Ele era curioso de sua própria maneira. Tinha vontade de aprender nossos golpes e ria com facilidade de qualquer simplória desgraça que acontecia em nossa morada. Lilith perdera a paciência com ele em seu primeiro choro de fome — ele negou com a cabeça. — Pensava que assim que o ritual fosse completado, ele já seria fonte do maior mal já presenciado por todos os demônios existentes. Não discordei com o pensamento dela, antes, e não discordarei agora — ele fora sincero, pelo menos aos olhos de . — Quando o garoto completou quatro anos, Lilith resolveu, por suas próprias maneiras, tirar conclusões com a bruxa que recitara o ritual e a profecia. A mulher estava delirando em seus próprios pensamentos e riu na cara dela. Lilith a matou, naturalmente, porque ela nunca soube se controlar. Nunca soubemos qual foi o erro no ritual, ou na profecia. Lilith queria se livrar do garoto, conversou disso comigo, mas eu disse que era melhor esperarmos até uma idade mais avançada, onde até mesmo os demônios “normais” começam a maturar seus instintos. Mas ela não queria esperar. Tivemos uma discussão e, naquela mesma madrugada, Lilith o roubou a fim de abandoná-lo na Terra para ser devorado por algum animal. Sempre soube que ele, de alguma forma, traria o que esperávamos. Botei minha alma dentro daquela criança, não era possível que fosse apenas um demônio normal! Lilith não nos deu a chance de vê-lo tornar-se um adulto, de forma que nunca soubéssemos quais eram suas dádivas! Botei meus anjos guardiões atrás dela e de meu primogênito, mas ela o soube esconder bem. Depois que soube que eu o queria de volta para ensiná-lo a ser o que eu queria que fosse, viu que talvez o garoto tivesse suas peculiaridades que o tornassem algo, não tão forte quanto um Anticristo, mas próximo disto, então resolveu tê-lo para si. Escondeu-o com algum de seus lacaios e o enfeitiçou para crer que eu a havia feito mal.
respirou fundo e assentiu, aspirando todas aquelas informações. Larkin — ou Lúcifer — esperou pacientemente até que ela perguntasse outra coisa.
— Como posso saber que sua palavra é a verdadeira? — ela se levantou, sendo acompanhada dele. O dia quase nascia e Pandora logo estaria de volta; poderia acordar a qualquer momento.
— Você saberá — sorriu Larkin. — Sei que saberá.
A maçaneta da porta do quarto tremeu, então deu um pulo sobressaltado para trás. Houve o barulho de chamas e, quando ela se virou, Larkin havia desaparecido.

estava atordoada com aquele bando de informações que Larkin a havia contado há poucas horas — toda aquela história se contradizia com o pouco que sabia em relação à história de Lilith.
Na versão dela, era seu filho legítimo, gerado em seu próprio útero; na versão de Larkin, a mãe de era uma mortal, uma italiana cuja havia sido brutalmente assassinada por Lilith, que almejava seu filho para tomá-lo como seu Anticristo. Na versão de Lilith, Lúcifer a havia persuadido a ser quase uma escrava, obedecendo sem esbravejar suas ordens, e, depois de usá-la até o ponto máximo, baniu-a do Inferno; na versão de Larkin, ela havia sequestrado seu filho e o escondido por maldade, porque sabia que ele o desejava para cumprir sua missão de ensiná-lo a ser o impetuoso guerreiro para qual foi criado.
estava confusa. Não sabia ao menos se poderia perguntar a , porque ele também era tão cego quanto ela, em relação ao seu passado. Era devastador, e até um pouco triste, sentir tamanha confusão.
Ela segurava entre suas mãos frias uma xícara do chá que Pandora havia feito mais cedo. estava ao seu lado, olhando para o teto; ela tinha seu cenho franzido, revendo ambas as histórias, comparando suas verdades.
nascia, em ambas as histórias, há mais de dois milênios; tinha origem italiana e havia sido criado por Samael, de qualquer forma, quando Lilith o roubou e o levou de volta para a Terra. E aí a história se distingue de novo. Porque Lilith havia contado que ele ainda era um bebê, enquanto Lúcifer dizia que ele já havia completado quatro anos de idade. E de qualquer maneira não poderia perguntar a , porque ele, com certeza, diria que não se lembrava — se ela, com vinte anos, não conseguia se lembrar de sua infância, então imagine ele, com mais de um milênio de existência.
respirou fundo e a encarou, curioso.
— No que tanto pensa? — indagou baixo, um pouco rouco. Ele havia acordado há quase dez minutos. Ela negou com a cabeça e sorriu fraco, dando um gole em seu chá já frio.
Perguntar não doía, naquelas circunstâncias.
— Você se lembra da sua infância? — indagou de uma vez, olhando-o diretamente nos olhos claros. , um pouco confuso pela pergunta, franziu o cenho e levantou um dos ombros.
— Depende — respondeu simplesmente.
— Lembra-se de quando tinha quatro anos? — ele quase riu.
— Lembro-me de muita areia e calor — franziu seu cenho, parecendo forçar a memória. — Talvez estivesse na Roma, ou talvez na Grécia... — ele riu, olhando-a rendido. — Faz muito tempo, .
— Pensei que sua memória fosse extraordinária — forçou ela, sorrindo de soslaio, provocando-o. — Pensei que demônios fossem extraordinários — deu de ombros, repuxando as extremidades dos lábios para baixo em uma careta de conformação. — Acho que me enganei...
Ela se levantou para despejar o conteúdo enjoativo do chá na pia, mas não conseguiu caminhar. agarrou-a pela cintura e a puxou com tanta força que ela quase deixou todo o líquido amarelado cair no chão. Com uma risada verdadeira, ela se deitou no ombro dele e resistiu aos seus beijos teimosos em seus ombros e pescoço.
— Por que quer saber do meu passado? — perguntou ele, com a voz abafada pela pele dela. Ela deu de ombros, fugindo da resposta. a mordeu e ela resmungou um “ai”, sentindo mais cócegas que dor. — Diga-me a verdade, .
— Só estou curiosa! — falou mais alto, sentindo-o apertar sua barriga e mordê-la com mais força.
Ela soltou uma risada e ele deixou que ela se movesse, sentando-se melhor em seu colo. Ele pôs os braços para o lado, deixando-a livre. se esticou e colocou a xícara no chão, virando-se de frente para ele, acomodando suas pernas em torno da cintura dele, com os joelhos para cima. começou a acariciar as panturrilhas dela, com a ponta das unhas curtas.
— Bem, não me lembro direito — ele deu de ombros novamente. — Talvez tudo que tenho em minha mente seja um filme com as lembranças que Lilith pôs nela, me contando como Samael me criou depois que ela fugiu do Inferno.
assentiu, sentindo-se derrotada e frustrada. Não sabia em quem acreditar e, por Deus, queria saber a verdade!
— Lembro-me, com clareza, de ter sido treinado por um humano já velho, na Roma, para ser gladiador e poder me alimentar e me divertir — ele a olhou, esperando que estremecesse por nojo ou aflição, mas ela não o fez. Ele sorriu satisfeito, até um pouco orgulhoso. — Ele me contava, à noite, que minha mãe era uma poderosa rainha que fora obrigada a me deixar com ele para minha proteção. Eu não devia ser tão velho... Talvez estivesse com cinco ou seis anos quando comecei a treinar — deu de ombros, ignorando aquele pequeno detalhe de um ano ou menos. — Ele dizia que, como os espartanos, eu deveria me separar dela para poder focar nas minhas batalhas. Quando fosse mais velho ele me contaria a verdadeira história — ele riu, apoiando o pescoço no espaldar do sofá. sorriu sem perceber, olhando-o diretamente no rosto. — Eu me lembro de esperar todas as noites para ouvir aquela história. Devia ter uns doze ou treze anos quando minha fome despertou de verdade e ele me explicou minha origem. A partir daí, tentei me desvencilhar de todas as verdades que conhecia da natureza humana. Quis experimentar meu lado demônio para ver o quão forte eu poderia ser. Minhas estratégias não eram as melhores — admitiu ele, com um arquear de um dos ombros —, mas também não eram tão ruins para a idade que eu tinha. Treinava junto dos garotos mais velhos, porque os da minha idade eram muito lentos e tinham os reflexos muito retardatários, era bastante óbvio que eu os venceria — ele arqueou uma das sobrancelhas com desdém, enquanto ela arqueava as suas como se duvidasse, exalando uma risada. a acompanhou, puxando-a pelo quadril para que ficasse mais próxima. — Então o resto é história — ele endireitou o tronco, de forma que suas bocas ficassem bastante próximas.
Seus narizes roçaram quando ele inclinou suavemente o rosto e a encarou profundamente nos olhos. sorriu embriagada, colocando suas mãos nos ombros dele, subindo-as para sua nuca. apertou seu quadril e impulsionou o rosto para frente, tomando-a os lábios. Ela soltou um suspiro, apertando seus cabelos e o empurrando para mais perto.
Ele abraçou sua cintura, deixando-a mais alta que ele. Seus narizes roçaram novamente quando ele a mordiscou o lábio inferior, fazendo-a sorrir de forma estupidamente apaixonada.

Mais tarde naquele dia, Pandora retornou de onde quer que estivesse. Estava brilhante e com o cenho franzido, com a aparência cansada, como se tivesse discutido com alguém irritantemente imaturo e pertinente. se levantou prontamente, fazendo a fitá-la com interesse. Eles estavam deitados juntos, quase dormindo no sofá, entediados demais até para conversar.
— Preciso falar com você — disse baixo, olhando nos olhos de Pandora. A bruxa negou com a cabeça e pediu licença. — É sério — sibilou a garota.
, dê-nos licença — disse ela, suspirando irritada. não se moveu. — Anda, demônio! — gritou.
— O que está acontecendo? — indagou ele, com o cenho franzido.
— Não sejas imbecil — disse de forma brusca. — Ouço o revirar de teu estômago há metros de distância! Quando fora a última vez que se alimentou do que realmente come? — ele deu de ombros e ignorou a fome de sangue.
— Eu quero saber o que vocês têm para conversar de tão sério — ele encarou , que puxou o ar, franziu suavemente o cenho e, constrangida, abaixou o rosto. Era sufocante não poder dizer para ele tudo que estava acontecendo. — , o que aconteceu?
— Nada, eu só...
— Queremos falar sobre a maldição que cresce no útero dela — interveio Pandora. — É de seu interesse?
— É! — gritou.
— Não faça-me apagá-lo com um feitiço, demônio — ela encolheu os olhos como uma mãe impaciente. — Vá alimentar-se antes que destrua algo mais importante que um caçador qualquer.
— Eu não quero ir, eu quero saber o que...
Vá logo! — urrou Pandora, empurrando-o para fora com uma lufada de vento. rosnou, do lado de fora, olhando diretamente para a bruxa, que o encarou com tédio e ódio. Ele expeliu as asas e voou para a cidade. — O que você quer? — indagou mais baixo. logo se recuperou.
— Lúcifer esteve aqui — disse rápido. Os olhos da bruxa se arregalaram e ela se virou completamente para a garota. — Ele me contou a verdade sobre o nascimento de e o que Lilith fez com ele.
— E tu acreditaste? — perguntou depois de um minuto em silêncio.
— Não sei — disse com sinceridade, rápido demais. — As histórias têm um ponto em comum, mas depois se diferem de uma forma grotesca — fez uma careta de frustração, colocando a mão nos cabelos do topo da cabeça.
— Quais são os pontos que coletou?
explicou, detalhadamente, a história de Lúcifer, ignorando a de Lilith, tendo em mente que Pandora já a saberia. Entrelaçou os pontos que pareciam verdade e, depois, os intragáveis.
— Não sei quem é o cara mau da história — suspirou, puxando os cabelos pelo calor repentino que sentiu. Sentia-se enjoada e cansada. Alexander fazia acrobacias dentro dela.
— O que seu interior diz? — o cenho de Pandora esteve franzido durante todo o tempo.
— Quero acreditar que Lúcifer está certo — admitiu depois de prender o cabelo em um coque. — Mas sinto receio, porque... — ela deixou que sua voz emudecesse. Pandora riu.
— Por que ele é o Diabo? — completou para ela. não quis rir pelo tom óbvio que Pandora usou. — Ele engana e trapaceia como qualquer demônio, mas suas habilidades são mais intensas que nos outros. Lilith tem este mesmo poder, mas sente-se encurralada pelo fato de cultivar ódio pela fêmea, e nada contra o macho — assentiu, como se escutasse as verdades de uma terapeuta. — Não posso dizer-lhe com certeza quem está certo. Eu ainda não havia sido criada, escuto os dois lados da história, mas não apresento meu ponto de vista.
— Por quê? — ela a interrompeu, franzindo o cenho.
— Não me cabe dizer a verdade de algo que não sei — disse novamente de forma óbvia. — Não posso apresentar-te provas de uma história da qual não estou a par. Mas digo-lhe que, em minha posição, não poderíamos de qualquer fato escolher lados. Escrevo profecias, porque a alma da natureza manda-me espíritos do destino. Nenhuma delas destrói ou devasta completamente nações; é apenas a força do destino sendo posta em pergaminhos. Se os espíritos quiseram que ela se ludibriasse pelo demônio, assim foi feito, da mesma forma que eles quiseram que teu útero fosse fonte do Anticristo — negou com a cabeça.
— Somos capazes de mudar nossos destinos — disse baixo.
— Você fora capaz de dizer não quando aquele homem ofereceu seu carro para levar-te até aquela festa? — franziu suavemente o cenho. Aquela falta de palavras fazia parte da profecia de Pandora? — O destino prega-nos peças porque não podemos lutar contra ele; temos de aceitá-lo.
— Por que você não pode escolher lados? — desviou o assunto, suspirando baixo.
— Porque sou um ser da natureza, e não demoníaca ou divina. Em guerras, permanecemos neutras. Nosso dever é cuidar da natureza e só.
— Mas Lúcifer recebeu a profecia de que seria o Anticristo por uma bruxa demoníaca, não? — ela arqueou a sobrancelha. Pandora negou.
— Não existem bruxas demoníacas — ela sorriu, achando graça. — Existem bruxas que são capturadas por demônios.
— Bruxas possuídas? — ela encolheu os olhos. Pandora assentiu. — Meu Deus! — suspirou. Aquela era uma realidade assombrosa.
— Demônios as possuem para que possam escrever profecias que os glorifiquem. Não são convictas, por isso podem não funcionar. Mas a profecia de uma bruxa é sempre bastante forte — ela deu de ombros.
— Então a profecia do Anticristo, sendo ele , poderia ser real? — Pandora assentiu.
— Mas bruxas não vivem para sempre e, possuídas, vivem ainda menos. Como disse, somos seres da natureza. Se algo está errado, a natureza trabalha para que volte ao normal, sugando ambas as almas presentes no corpo da bruxa possuída.
— Quem mandou que possuíssem o corpo daquela bruxa para fazer a profecia dele? — Pandora deu de ombros.
— Não somente a profecia dele, , mas várias outras devastações que aconteceram no decorrer da história — ela franziu suavemente o cenho. — Não foi a primeira e nem a última vez que possuíram o corpo de uma bruxa para próprio bem.
— Por que você mantém contato com Lilith, então? Vocês são amigas, não são? — Pandora deu de ombros novamente.
— Não me restingo de amizades sobrenaturais, do mesmo modo que tu não te restringiste de um romance com um ser sobrenatural — assentiu, não querendo desviar o foco da conversa para sua relação com . — Sinto-te dizer que não sei, de fato, quem diz a verdade — ela disse com um ar sincero. — Conheço histórias da mesma forma que tu, mas são apenas histórias. Mas por que te agonia tanto essa busca pela verdade? Pretendes mudar de lado, ? — Pandora adotou um tom subjetivo. a encarou e negou levemente com a cabeça.
— Também não tenho lados — disse enquanto via um sorriso de, poderia se dizer orgulho, vindo de Pandora. — Só quero saber a verdade.


35.

Is this the end, I feel. Up in the air, fucked up our life. All of the laws I’ve broken, loves that I’ve sacrificed. Is this the end?

Havia um estranho ar de familiaridade quando abriu seus olhos, entretanto, sua visão lateral estava um pouco comprometida, confusa; sua cabeça estava doendo, palpitando e ela sentia uma imensa dor em todo o corpo. Com cuidado para não deslocar um músculo, ela se colocou sentada na superfície dura onde estava deitada.
Sentia-se drogada. Excessivamente drogada. Sua cabeça dava voltas e seu estômago também. Ela sabia que logo vomitaria. Sua barriga pesava — era Alexander.
Olhando à sua volta com a mão espalmada na cabeça, encontrou-se jogada em um jardim extremamente mal cuidado. As ervas daninhas pareciam engolir a antiga construção de uma casa simples, rodeada de várias outras mais simples e mais mal cuidadas ainda.
Com cuidado, ela se pôs de pé, seguindo, manca, para dentro da casa. A porta estava aberta e , com cuidado, olhou o cômodo que a revestia. Os móveis estavam revirados, chutados e quebrados. Havia roedores correndo por seus pés e controlou um grunhido de nojo mordendo os lábios; dando um passo apressado para trás, ouviu uma louça quebrar. A luz da cozinha estava acesa e, de repente, braços deram apoio para um corpo pálido e cansado — sua respiração estava pesada e era fácil perceber que ela estava bufando de ódio.
— Preciso mantê-lo o mais afastado possível dos anjos dele — murmurou a mulher. — Preciso de tua ajuda.
— Não conte comigo — disse um homem. — Eu já tenho problemas demais com Lúcifer para ficar do seu lado em mais um desses seus planos imbecis. Você precisa parar — ele abaixou seu tom de voz.
A mulher riu nervosa, movendo os braços quando se virou para o homem. hesitou em chegar mais perto, talvez eles a vissem — seu instinto de curiosidade falou mais alto e ela deu um tímido passo, esticando o pescoço.
Por sua silhueta, viu que tinha compridos cabelos vermelhos enrolados em uma trança frouxa e usava um vestido de época preto. O homem era louro e forte, usando apenas uma regata branca, calça de alfaiataria e suspensórios vermelhos.
Era Lilith e Samael. prendeu o fôlego e franziu o cenho, olhando à sua volta.
Em que porra de lugar estava?
Era uma casa velha, com a madeira lascando nas paredes. Estava imunda e o chão era composto de barro preto; o teto tinha buracos e o céu, tão arroxeado, anunciava que uma chuva logo cairia e aquela casa se transformaria em uma nojenta banheira.
Ela não reconhecia nada. Estava suja do barro do quintal e seus cabelos pareciam molhados de tanto suor, mas não sabia como havia chegado ali.
— Tenho de lhe dizer algo antes que negue completamente meu pedido — continuou Lilith. desvirtuou-se de sua própria confusão para prestar atenção nas palavras dela. — Tenho armas secretas — Samael riu com indiferença. Lilith o ignorou.
— Sempre tens armas secretas — ironizou ele.
— Sim, mas esta realmente vale a pena — ela parecia sorrir. — Lembra-te de Katherine? — ouve uma pausa.
— A bruxa?
— Sim, a bruxa. Fizemos um pacto.
— Que tipo de pacto?
— Ela está grávida — Samael puxou o fôlego. — Está gerando algo que é também meu.
— Como assim?
— Dei parte de meu sangue para ela gerar a bruxa perfeita. Ela trabalhará para nós — ouve uma pausa.
— Não vai funcionar.
— Duvidas de mim?
— Não de tu, mas de teus planos.
— Sabes que tenho uma amizade especial com Katherine, e tens em mente que ela é a primeira bruxa existente dentro de nosso conhecimento, portanto a mais poderosa. Já fez pactos com Deus e com o Diabo. Temos a proteção necessária, agora preciso de tua ajuda. Preciso esconder-me antes que os cachorros de Lúcifer encontrem-me e roubem meu filho.
— Ele nunca foi teu.
— Não importa — o cortou com a voz levemente mais irritada.
deu outro passo para frente, mais curiosa. Sem querer, esbarrou em uma madeira, que bateu em um pedaço de vidro, que caiu e quebrou ao meio. Xingando baixo, ela correu para se esconder.
— O que foi isso?
Lilith deu um passo para fora da cozinha, parecendo caminhar para onde estava.
tinha seu coração batendo forte na boca do estômago, deixando-a ainda mais enjoada. Não conseguia respirar ou pensar. Tudo que se encontrava ao lado dela eram destroços de madeira, de forma que não houvesse onde se esconder. Se Lilith a visse, a mataria; era óbvio. Correu para trás de uma mesa quebrada ao meio e se encolheu ali, respirando com dificuldade.
Lilith passou bem ao seu lado, lentamente, caminhando até a janela.
— Não temos muito tempo — disse ela, se virando para Samael, que também tinha saído da cozinha. — Katherine está gerando esse bebê que nos ajudará. O nome dela será Pandora, e ela será uma bruxa muito poderosa. Ela escreverá profecias que nos fará mais poderosos e nos protegerá de Lúcifer, o manterá ocupado enquanto meu filho cresce protegido. Leve-o para fora da cidade; do país, se conseguir. Se perguntarem, tu não sabes onde estou — ela falava rápido, quase sem parar para respirar. franziu o cenho, respirando pela boca. — Quando ela nascer, Katherine a criará até certa idade, depois a deixará virar-se por si só em sua morada, na floresta, em contato direto com a terra e a natureza. Lúcifer não pode saber, em hipótese alguma, que nós mantemos tratos. Pandora glorificará meu filho, o fará poderoso, forte e impenetrável. A natureza se comunicará com ele, os animais negros, silvestres, e agirão conforme as ordens dele graças a ela. Ela será programada a apenas isso: glorificá-lo, torná-lo um deus soberano na Terra para que seja-me útil quando quiser usá-lo novamente. Ele terá a proteção de bruxas, e tu também. Já conversei com Katherine sobre tua proteção. Teu cheiro será mascarado.
Ela saiu de perto da janela e andou até a mesa. Era claro que ela estava vendo , mas não parecia; sequer a notava ou se importava com sua presença.
— Não quero cuidar de uma criança — resmungou. — Notarão que não envelheço, aliás.
— Tu és capaz de possuir um corpo — disse já sem paciência, encolhendo os olhos.
Lilith passou pela cozinha, indo até outra sala. se ajoelhou, sabendo que não a estavam vendo, e se levantou lentamente.
O demônio voltou segurando a mão de uma criança com roupa de lã branca. Lilith não o olhava, ou sequer parecia sentir afeto por ele. Caminhou apressada até Samael, que, com nojo e uma careta, segurou a mão do menino, que se sentou ao seu lado.
Ele era baixo e gordinho. Tinha os cabelos bem lisos e escuros, que contrastavam em perfeita sintonia com seus olhos bastante azuis. Sua pele era clara e seus lábios, extremamente vermelhos. Tinha a ponta arrebitada do nariz suavemente avermelhada — provavelmente sentia frio. Seus joelhos estavam machucados, mostrando que era arisco. Seus pés estavam quentes por pequenos sapatos pretos, que mais pareciam meias. Ele estava com sono, soltando um bocejo.
— Mamãe, estou cansado — murmurou ele, coçando o olho. — O que estamos fazendo aqui? Por que não estamos em casa? Esta terra é fria...
Lilith suspirou como se estivesse sem paciência. Ela passou a mão na testa, empurrando alguns fios bem vermelhos para trás da orelha.
— Cria, escute — ela se ajoelhou, segurando-o no quadril. — Você vai passar um tempo com o Samael.
— Isso é ridículo — Samael se levantou histérico, agarrando os fios do cabelo da nuca. — Deixe o garoto com Lúcifer e fuja você sozinha. Pacto com bruxas? Não, Lilith. A natureza nos escuta, você bem sabe.
— Cale a porra da boca, Samael — levantou-se com ódio, sibilando entre dentes. — O meu trato com as bruxas é bem convicto, rígido, inquebrável. Katherine me deve sua vida.
— Deve? Realmente? — Samael riu.
— Sim, demônio! — ela o olhou com ódio. — E responda-me: por que contesta-me com tanto fervor? Sou tua rainha, jurai-me obediência e respeito! Não tens direito de negar-me uma ordem!
— Digo que ela pode trair-te, apenas — disse ele, depois de um tempo, buscando não perder o tom rijo de antes, incontestável. — Bruxas são inconfiáveis.
— Tenho tudo sobre controle — ela se voltou para . Ele tinha os olhos bem fixos nela, escutando tudo com muita atenção.
— Não sei se nos veremos novamente. Seja firme, seja forte, honre minha alma — sibilou, fitando-o fundo os olhos. — Diga-me que entendeste.
— Eu entendi, mamãe. Mas por que você não vai ficar com a gente?
— Eu não posso — inclinou suavemente o rosto. — Tire-o daqui. Deixe-me sozinha.
— Você age como se importasse — Samael rolou seus olhos e pegou pelo pulso com um pouco de brutalidade.
o seguiu até a porta, vendo ainda manter seus olhos fixos na mãe, vendo-a se afastar. Andava de lado, tropeçando nos pés, sendo praticamente arrastado por Samael. Quando saiu, ele bateu a porta. Lilith ficou ao lado de , na janela, e encarou até o momento que uma fumaça preta envolveu o corpo de e Samael, transportando-os para outro lugar.
Olhos de demônio brilharam no escuro. Lilith rolou seus olhos, bufando. Foi até o meio da sala, sentou-se nos calcanhares e, de olhos fechados, começou a murmurar um ritual em latim. Lobos uivaram, passos se tornaram mais próximos. Os lábios de Lilith se moviam muito rápido.
Um fogo azul rodeou-a todo o corpo, então ela abriu os olhos. Ergueu o pescoço para cima e, quando a porta foi aberta pelos demônios de Lúcifer, o fogo em torno dela os atacou, entrando por suas bocas e queimando-os por dentro. Lilith ficou de pé, falando mais alto, gritando, com a voz rouca. Suas mãos estavam em garras e o fogo a obedecia.
Ela parecia uma bruxa poderosa. Talvez Katherine tivesse feito mais de que apenas gerar uma bruxa com seu sangue.
Pandora, então, tinha alguma ligação com Lilith. Por causa do sangue dela, Katherine fora capaz de gerar a bruxa perfeita para qualquer demônio. Os sopros que os espíritos do destino sussurravam nos ouvidos de Pandora seriam bons apenas para os demônios. E, de alguma forma, fazia bastante sentido, por que qual o motivo do destino querer um Anticristo? A natureza não pediria algo tão sobrenatural. Aquela guerra seria na Terra, o que a devastaria.
Independente de quem ganhasse, o mundo teria de ser recriado. E era isso que Lilith queria: um novo mundo para dominar, para começar do zero. E qual seria o melhor lugar, se um com sete bilhões de escravos, de gente cheia de medo para ser devorada? Esse era o plano de Lilith. Ela não queria somente destruir Lúcifer, como acabar com a concorrência também.
Talvez Pandora nunca soube da sua verdadeira história — sua criação sendo apenas um acordo entre Lilith e a primeira bruxa, Katherine.
sentiu-se sufocando. Parecia que estava preste a chegar na superfície, mas alguém a puxasse para baixo. Seus joelhos falharam e ela caiu no chão, olhando para cima. Lilith continuou lutando com os demônios, que caíam mortos no chão.
Sua vista ficou preta, então ela foi sugada novamente para a realidade.
Estava deitada em uma rocha na casa de Pandora, que segurava-a nas têmporas com o rosto molhado.
Depois, com um sorriso mole e lágrimas nos olhos, ela caiu para o lado, morta.

estava um pouco histérica, com o coração batendo forte contra o peito. Andava de um lado para o outro enquanto puxava o lábio inferior, mordiscando-o por dentro, com o polegar e indicador.
não conseguia entender o que estava acontecendo bem diante de seus olhos e aquilo o deixava irado. Ele estava com uma das mãos na testa, enquanto a outra apertava o quadril coberto por uma calça qualquer.
— Nós precisamos sair daqui — disse , se virando para o quarto. bufou e a seguiu.
— Nós até podemos sair daqui, mas você precisa me contar o que está acontecendo.
não respondeu. Ao invés disso, arrancou o vestido de Pandora e vestiu suas roupas sujas, sentindo-se pesada ao usá-las.
— Vamos para meu antigo apartamento, podemos ficar seguros lá.
! — ele gritou, segurando-a pelos ombros. Os olhos dela estavam arregalados e sua pele parecia mais branca que o normal. Ela molhou os lábios, mordendo-os enquanto respirava fundo.
— Você gosta da sua mãe, ? — ela o olhou fundo nos olhos. — Sente alguma coisa além de respeito por ela? Algum sentimento de carinho, compaixão? Sente pena dela, pelo que seu pai fez?
Ele não esperava aquela pergunta. Soltou-a lentamente e, depois de um tempo, levantou um dos ombros.
— Eu não sei. Por quê?
— Você acredita nas coisas que ela diz a respeito de seu pai?
— Eu não sei, — ele parecia sem paciência. — Por quê?
— Onde Pandora foi antes de voltar para cá?
— Disse que precisava resolver alguns assuntos pendentes com minha mãe. Eu estava voltando quando ela saiu; estava apressada.
suspirou, mordeu os lábios novamente e assentiu. Virou-se de costas, penteou os cabelos com os dedos e segurou-os, puxando, na altura da nuca.
— Tenho que te contar a verdade... — sussurrou, virando-se para ele. — Por que não se senta?
— Estou bem de pé.
— Certo — ela puxou fundo o ar. — Sua mãe mente — soltou uma risada nasalada.
— Bem, disso eu já sabia.
— Você não está entendendo — ela o olhou fundo. — Ela mentiu em relação a tudo emudeceu completamente e mal parecia respirar.
— Como assim?
— Mentiu em relação a tudo, . Pandora soube da verdade depois que conversamos.
— O que vocês conversaram?
— Sobre uma visita que recebi.
— Visita de quem?
se calou por um segundo. Não sabia se era certo contar.
— Visita de quem, ? — ele gritou, as veias de seu pescoço saltando, vermelhas.
— Do seu pai...
soltou uma risada fraca, depois de quase um minuto imerso em completo silêncio.
— Você conversou com meu pai? — indagou olhando-a com descrença. — Com o Diabo?
— Ele esteve aqui durante muito tempo, morando na casa de Lilith. Queria conquistar minha confiança para que eu desse Alexander para ele. — E você concordou? — seu tom ainda era zombeteiro.
— Não é essa nossa discussão, — ela o olhou com certo ódio. — O fato foi que ele me contou outra versão de sua vida, de seu suposto sequestro.
— O que ele disse?
suspirou e contou todos os detalhes que Lúcifer a havia contado; depois, estudando todas as reações dele, contou de quando ela pediu que Samael o levasse para outro lugar, para que ela pudesse fugir.
— Lilith tinha um pacto com uma bruxa chamada Katherine, a qual ela também mantinha um relacionamento bem antes de toda essa bagunça acontecer, por isso ela sabe de tanta coisa em relação à essa raça. Ela queria, desde o começo, que você não estivesse perto de Lúcifer para que ela pudesse criar sua história fantasiosa e você acreditar nela, por falta de versões, e derrotá-lo para que ela pudesse reinar o Inferno e conquistar a Terra para ter mais escravos e carnificina. Desse pacto com essa bruxa surgiu Pandora e ela não sabia que havia sido criada para servir apenas os demônios. Todas as profecias que ela escreveu foram somente voltadas para os demônios. O fato de você acabar indo para Bristol, termos nos conhecido, mantermos aquele relacionamento e agora Alexander. Não fazia sentido essa profecia beneficiar mais alguém que um demônio. Pandora não aguentou saber da verdade e preferiu ser levada para debaixo da terra — ela negou com a cabeça, sentindo pena da mulher. — Nós precisamos sair daqui.
não emitia muitos sons ou sequer movia bem os olhos e as pálpebras — estava quase em estado de transe, de choque. Toda sua vida havia sido uma mentira, uma história que Lilith contara para que ele ficasse do lado dela, temendo respeito por tudo que ela havia feito por ele, protegendo-o de seu maldito pai, que só o queria usar para benefício próprio.
— Como você sabe que essa história é verdade? Ele também pode ter mentido — disse com um tom acusador. negou com a cabeça.
— Pandora foi buscar a verdade quando eu contei a versão dele. Ao falar com Lilith, de um modo, conseguiu a verdadeira história e me mostrou por uma visão.
— Por que ele nunca me procurou? — ele franziu o cenho. segurou o ar nos pulmões, franzindo as sobrancelhas. Sentiu pena de , de toda aquela confusão de Lilith havia criado.
— Ele procurou, sim — ela se aproximou lentamente dele, erguendo a mão para tocá-lo o rosto. se esquivou.
— Você disse que ele estava na casa de Lilith — repetiu frio. — Quem era ele?
— Larkin.
— Preciso falar com ela — se virou, caminhando com pressa até a porta. correu atrás dele, segurando-o o braço.
— Não vale a pena! Você precisa acreditar em mim. Se você for lá, botará tudo a perder.
— Tudo o quê, ?! — ele se virou para ela, puxando seu braço bruscamente.
— Temos que ficar do lado dele — disse baixo, olhando-o nos olhos. Estavam ficando vermelhos. — Agora que sabemos a verdade, temos que ficar do lado dele. Se Lilith ganhar, ela devastará a Terra.
— E o que nos garante que ele não fará o mesmo?
— Temos que confiar em alguém.
— E você decide que essa pessoa deverá ser o Diabo? — ele riu com ironia.
— Ele não quer criar outro império — franziu o cenho. — Ele só quer destruí-la e acabar de vez com essa história.
— Ele te contou isso também? — seu tom acusatório a fez recuar com raiva. — Você está bancando a ingênua.
— Bem, então de que lado devemos lutar? No de Lilith, que fez o que fez com você, comigo, com Pandora? Ela é um monstro, !
— E ele também é! — gritou. — Escute o que está dizendo!
— E o que você espera que façamos, ?! — ela também gritou. — Alguém já deve estar esperando até que Alexander nasça para que ela possa roubá-lo de mim. Ela quer que ele fique do lado dela, como você ficou. Com ele, ela poderá derrotar tudo e todos; ela conseguirá o respeito de todos os outros demônios, que ficarão do lado dela. Pense comigo, use seu lado demônio e bloqueie todos os outros pensamentos: vocês terão um novo mundo inteiro para conquistar; sete bilhões de pessoas apavoradas para comer. Há meses, você me disse que o plano inicial de Lúcifer era conquistar os Três Mundos, mas esse é o plano de Lilith. Poder, sangue, desespero. Um império inteiro, três mundos, todos ao comando dela.
Ele negou com a cabeça e soltou uma lufada de ar pesado.
Ele quer conquistar os Três Mundos.
— Quem te contou isso? — ela colocou uma das mãos na cintura e franziu o cenho com raiva. — Sua mãezinha?
Ele não respondeu, fazendo-a largar as mãos e se virar em direção à porta.
— Faça o que você quiser. Se quer tanto falar com ela, vai, sabe onde encontrá-la. Tire suas próprias conclusões sobre essa história maluca e acredite em quem quiser acreditar. Eu vou para meu apartamento em Manhattan e ficarei lá até Alexander nascer. Vou levar minha vida como antes, — ela o olhou por cima do ombro. — Com ou sem você. Nunca precisei de ninguém e não vai ser agora que precisarei da sombra de um demônio.


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