Última atualização: 21/10/2019

Capítulo 15 – Bloody Mother Fucking Asshole.

Música do Capítulo


Romero.

Eu poderia sentar aqui e esperar o mundo girar sozinho ao meu redor ou poderia girar o mundo com minhas próprias mãos.
O difícil seria o peso dele, os problemas para enfrentar na passagem e o medo do inesperado. Mas se continuasse aqui, o esperado me amedrontava ainda mais, sendo óbvia a falta de um resultado favorável – para mim -, o que me deu força para me levantar da cama e ir à busca de Lionel.
Cada mancha, agora, já invisível, que ele havia marcado em meu corpo, era um tipo de combustível de raiva e sede daquilo mais próximo que chamamos de vingança. Ela tinha que ser preparada lentamente e aos poucos eu concretizava tudo que tinha contra e a meu favor.
Lionel ainda não sabia que eu morava no mesmo teto que ele, o que era horrível para o mesmo, já que eu era provavelmente a última pessoa a vê-lo antes de colocar seu plano sujo em ação.
Me aproximei da mesa onde ele estava sentado tomando café da manhã e percebi a falta do seu braço esquerdo. Como aquilo aconteceu?
Ele notou minha presença e voltou sua atenção para o prato, largando o pão lentamente na mesa, adotando uma expressão rígida.
Ridículo o quão notório sua falta de tanto egocentrismo quando eu era a pessoa que estava na dianteira dessa vez. De leão valente e asqueroso, passou para uma ovelha assustada sem saber para onde correr.
Sentei ao seu lado e colei meus olhos em seu rosto.
Eu não estava com medo.
O que ele poderia fazer comigo aqui? Não estava mais sozinha, tinha uma faca em minha cintura, aliados no pátio e muita testemunha, contra somente um cara que se mostrou alguém totalmente repulsivo, e o pior de tudo, também era covarde.
- Por que você fez aquilo? – perguntei intensamente, fitando seu rosto que ainda se mantinha no prato vazio. Suor escorria de sua testa.
- Aquilo? – repetiu fraco. – Você é nova aqui?
Então ele iria jogar dessa maneira. Fingir que não me conhecia... Era mais covarde do que eu imaginava.
- É a única coisa que tem para me falar Lionel? – frisei seu nome para dar detalhes de que já sabia mais sobre sua existência do que o contrario.
- Não sei do que você tá falando... – olhou para o céu que ameaçava alguns pingos de chuva – Melhor entrar que logo o mundo vai cair.
Eu gargalhei. Forçadamente, mas gargalhei. Isso chamou sua atenção.
- Jura? – Quase lágrimas brotavam em meus olhos e coloquei as duas mãos em minha cara balançando a cabeça em negação. – Foram dias sonhando com aqueles malditos segundos no trailer que pareceu durarem horas, dias sem conseguir tocar uma pessoa, dias esperando minha mão se curar e as marcas desaparecerem, num processo de dormir com uma faca em baixo do meu travesseiro, para encontrar o causador de toda essa discórdia, e ele finge que não me conhece e me deixar falando sozinha alegando estar com medo de derreter por causa de uma chuva?
Eu estava histérica, não raciocinava direito. Passei um bom tempo com medo e relembrando aquela cena, indagando o que seria de mim se o quase não tivesse acontecido. E se Barbie não aparecesse? Eu estaria destruída para sempre.
Mas ela apareceu, eu me reergui, fiquei mais forte e isso me fez renascer ainda mais corajosa.
Talvez tudo tivesse haver com as amizades repentinas dos últimos dias, o breve romance, se conectava ao dia no trailer.
Podem pensar que é besteira ou exagero meu, mas foi real, uma experiência reveladora.
Os mortos vivos eram algo já batido se não aparecessem em grande quantidade, era fácil fugir deles mantendo uma lista de ‘como sobreviver’ que todos possuem e guardam para si mesmos. Contudo um ataque vindo de um próprio ser um humano, que te faz perceber que você não é imbatível, te mostra questões sobre o que aconteceria se você morresse naquele momento.
Eu escolhi viver.
- Você não deveria abrir tanto a boca sem ter exata certeza do que está falando boneca – Lionel disse virado de costas para mim.
Sua postura havia mudado.
- Se eu não tivesse certeza do que estou falando, você não estaria não tenso com a minha presença – disse com firmeza.
- É... Talvez – se virou pra mim com a carcaça de homem com medo já longe, e eu temia suas palavras dessa vez, colocando meu tronco em posição de defesa. – Mas o que pode fazer contra mim? É somente uma bonequinha perdida no mundo real que felizmente o destino acabou te colocando aqui. Será que gostou e voltou por mais? – sorriu, enrugando a parte do seu rosto queimado. E eu só sabia esboçar nojo de toda aquela situação.
- Você não teria coragem. Diz que eu sou a bonequinha medrosa e mal teve iniciativa de olhar em minha cara, tampouco admite o que fez.
- Por ser tudo da sua cabeça. Ainda não sei seu nome, o que é bom pra mim. Está há pouco tempo aqui e tudo leva ao fim da linha.
- E qual seria esse fim? – perguntei sem interesse.
- É minha palavra contra a sua boneca. E digamos que e eu viemos lavando a mão um do outro por alguns anos. Pode ter certeza de que não é uma ninfeta que vai mudar essa situação.
Com estas palavras ele se foi, me deixando insegura e com uma pitada de veneno correndo entre minhas veias.

***


Eu usava um short minúsculo e uma blusa de manga comprida qualquer, atrás de um caminhão camuflado com algumas pessoas dentro e pensando na conversa de mais cedo.
Baby estava ao meu lado, Jerry, Nico e Lacey também na traseira, enquanto Slade dirigia com o seu braço direito, Lionel.
Pensei nas formas em que poderia matá-lo ou jogá-lo daquele precipício atrás do QG. Colocá-lo entre a parede dentro do shopping que estávamos a caminho e atirar uma bala dentro de sua cabeça. Muitas opções.
Nico se voltou para Slade e falou alto, sua voz passando pelos fortes pingos de chuva que caiam no teto do pequeno caminhão.
- Devíamos aproveitar toda essa chuva, Chefe. Da última vez que choveu, enfrentamos alguns meses de seca.
Verdade. Lembro-me de passar pela temporada deserta com minha irmã nas estradas.
Slade o respondeu falando com a voz igualmente alterada.
- Abrimos o reservatório mais cedo. E as demais famílias já estavam preparando os baldes quando saímos.
Assim que terminou de falar, um raio acertou algum ponto próximo demais, fazendo Baby – que já estava nervosa – se assustar e segurar com força minha mão. Seu susto me assustou; o que fez Jerry rir.
- É só chuva Baby tente ficar calma.
Ela respirou profundamente e falou para que somente eu pudesse ouvi-la.
- Não é só chuva, é um compilado de tudo. me fazendo passar por isso. Eu já estava acostumada sendo a caseira do QG, não faz sentido eu vir para fora agora.
- Eu acho que é o certo – rebati sem segundas intenções de uma possível briga, em uma medida de encorajamento – Você é jovem e saudável. Com a ameaça sempre provável e aumentando a cada dia, é melhor criar mais soldados do que aumentar a presença dos que cuidam da mordomia. Mais alguma coisa? – perguntei sorrindo, era estranho ver ela assim, normalmente era somente uma garota magrinha e loirinha demais no meio do QG, nervosa de socializar com as pessoas, mas quando socializava, era extremamente carinhosa. Aqui eu precisava ser aquela que abre os braços para que ela tome esta nova fase como uma boa experiência, assim como ela fez comigo no dia em que cheguei ao QG, me dando uma cama fofinha.
- Estou nervosa por você também – ela sussurrou – Ele tá lá na frente como se nada tivesse acontecido.
Eu dei de ombros como se não ligasse. Era óbvio que eu ligava e ela sabia disso, mas o que era dele estava guardado para mais tarde.
Quando fui lhe acalmar, outro trovão soou mais forte do que esperávamos, acordando qualquer morto vivo que ainda estivesse apagado. Baby pulou em seu acento e a abracei de lado, colocando meu braço em suas costas e deitando sua cabeça em meu ombro.
- Eu tinha medo de tempestades também. Até que um belo dia minha tia me disse que eu precisava ter certa confiança na mãe natureza que ela sabia o que fazer. E pra isso dar certo, eu precisava ficar exposta nos primeiros pingos de chuva que iria gerar trovoadas. Fiz isso e funcionou. Então compreendi que era algo mais psicológico. Um dia vamos entrar de cabeça na tempestade juntas, e seu medo vai desaparecer completamente.
Ela sorriu fraco, e assentiu concordando com minha proposta. Mesmo que internamente eu estivesse com medo de não voltar depois dessa missão, juras do bem ainda estavam permitidas.
Continuei abraçada a Baby e olhei para o espelho retrovisor, notando que Slade me fitava com aquele olhar profundo. Segurei o contato por alguns instantes e logo ele teve que prestar atenção na estrada a sua frente, para o bem de todos.
Essa foi a primeira vez que ao menos mantivemos um contato visual depois dos beijos trocados, afinal, eu havia saído para me encontrar com e agradeci aos céus ele não ter descoberto sobre isso. Seria uma discussão inevitável.
Mesmo com toda a alteração psicológica que nos fez ficar juntos por alguns minutos, eu sentia que era um misto de descontrole hormonal e emocional, que eu experimentava toda vez que estava próxima a ele. O que me fazia enxergar com clareza este fato.
E com todas essas circunstâncias, eu continuava a ter dúvidas se foi rápido demais ou não.
Seria bom conhecê-lo antes, mas na minha escolha de viver tinha um parágrafo mencionando que eu poderia morrer no dia seguinte sem ter provado o gosto da boca dele. Então a hesitação de ser rápido demais acabava evaporando da minha mente.
Sexo entre pessoas desconhecidas já era algo tão comum na vida antes do apocalipse... Imagina se não poderia acontecer depois.
O caminhão estacionou e saímos os sete de dentro. Todos equipados, inclusive eu, com um coldre desta vez e duas pistolas, melhor do que a última saída em que ganhei uma pistola e uma surpresa ruim. E alguns beijos.
A localização era no centro da cidade e me surpreendi por estar completamente deserta, cinza e destruída. Por isso eu e evitávamos aparecer naquela região.
Slade fechou a porta do motorista e se virou para Baby e eu.
- Essa é a chance de vocês duas provarem que são sobreviventes natas. De alguma forma a partir daqui vão se virar sozinhas. Estaremos em dois grupos, mas por conta própria para manter-se a salvo. Ative o modo máximo de defensa que possuírem, nunca baixe a retaguarda, olhos e ouvidos sempre atentos. E o mais importante a seguir – sorriu – o silêncio é nossa maior arma.
Após dizer isso, levantou a metralhadora que estava presa em seu pescoço e a ativou. Irônico.
Subimos uma boa quantidade de degraus até chegar à entrada que continha muito vidro quebrado no chão. Slade dessa vez sussurrou, mantendo seu conselho de fazer o mínimo possível de barulho.
- Lionel, Nico e Baby, vocês irão vir comigo. , você lidera o resto. Siga as placas que tem ao decorrer do trajeto, no teto de cada corredor, para encontrar a farmácia. Podem ir pela esquerda a partir daqui, estaremos na loja de conveniência, quando acabarmos mandarei alguém buscar vocês. O objetivo é pegar o necessário de primeiros socorros – eu assenti memorizando cada palavra – O silêncio é vital pra que não acordem os falecidos ali dentro por uma segunda vez – ele riu. Há. Ótima Slade – Passamos por esse lado da cidade uma semana atrás, dentro de um caminhão de bombeiro com a sirene ligada, boa quantidade foi atraída para fora desse lado do mapa, então vamos deixar o resto que não ouviram o som, onde estão mesmo. Boa sorte.
Finalizou e piscou um olho para mim.
Estávamos entre adultos e felizmente nenhum contestou a ordem de Slade, era algo para as pessoas mais isoladas do QG se mostrarem prestativos para operações no campo, e se me encontraram no meio de uma mata ainda viva, era possível uma consideração a mais por minhas habilidades.
Segurei a pistola em posição de tiro com a mão direita e equilibrei a mira com a esquerda. Andamos os três preparados, passando pelos corredores, inicialmente pela esquerda, e tendo a sorte de não encontrar nenhum morto vivo.
Em predomínio as lojas estavam intactas, por não tão incrível que pareça. Quando o apocalipse ocorre, grande parte da população pensa em ir para um local extenso e protetor, como uma escola ou prisão, neste caso, o shopping. Isso resulta pequenos grupos sendo atacados e transformados dentro desses estabelecimentos, enchendo ainda mais do perigo iminente. Por esta razão foi uma ideia bem pensada de atrair para fora a comunidade morta que vivia ali.
Finalmente avistamos a farmácia e corremos em sua direção. Antes de entrar, avistei uma vitrine quebrada com uma bota marrom de altura até a coxa. Era fina, então foi fácil prendê-la no meu cinto. Difícil viver com apenas um calçado.
Voltei para Lacey e Jerry, observando o lugar. Era dia, e mesmo com os relâmpagos lá fora, dava pra ter uma noção do que havia lá dentro. Ou seja, estava escuro, mas com esforço, nos achávamos.
Na entrada havia cestas vermelhas aglomeradas uma em cima da outra, peguei toda a pilha colocando em cima do balcão de vidro. Caminhei até atrás deste mesmo balcão em busca de alguma bolsa de plástico.
- Peguem o que for necessário para feridas ou doenças regulares. Não em tão grande quantidade, para que dê espaço pra tudo. Soro e água oxigenada principalmente. – falei para os dois, e Jerry rapidamente revistou as prateleiras enquanto Lacey fazia sua cara de nojo habitual.
Com uma ordem minha essa expressão havia piorado, é claro.
- Estou tentando saber por que devo receber ordens vindas de você. De tudo bem afinal ele me mantém há mais tempo.
- Não quer fazer? Não estou ligando. Pode ir atrás do Slade, só não garanto que ele irá aceitar isso de boa forma. – falei sem dar importância, alcançando sacolas para Jerry.
- É muito egocentrismo para alguém que está aqui poucos dias. E acuso muita liberdade também. – ela se aproximou de mim, fazendo-me virar para ela automaticamente – Mas é esperado, né?
Empinou seu nariz enquanto eu arqueava a sobrancelha para suas palavras.
- Tá tentando insinuar alguma coisa? Prefiro que falem na minha cara a aguentar joguinhos inúteis Lacey.
- Funcionário que dorme com o chefe sempre se dá bem na empresa.
Relevei.
- Quem sabe se você dormisse também não acordaria com bom humor depois. Jesus garota, só faça o que lhe foi pedido. E abra as caixinhas para que caiba tudo na bolsa. – falei calma, lhe oferecendo algumas sacolas.
Voltei a encaixar os objetos nas cestas e Jerry chamou nossa atenção fazendo uma pergunta.
- Qual a pior história de ex que vocês possuem? – ele segurava um trem de brinquedo, na sessão de fraldas e mamadeiras. – Minha mãe descobriu que eu não era mais virgem quando eu lhe disse que seria pai. Ela chorou bastante, mas depois ficou mais feliz que eu. Finalmente eu lhe daria algo que a fizesse orgulhosa. Comprei um trem igual esse para meu futuro filho, fazia um barulho insuportável.
- O que aconteceu com eles? – perguntei curiosa.
- No nono mês de gravidez percebi que a barriga dela continuava chapada. – ele sorriu forçadamente e colocou o objeto na prateleira novamente, trazendo utensílios para limpeza pessoal. Eu ri levemente de sua história.
- Isso é bom né? – tentei trazer um lado bom para aquilo. – Eu estaria careca se tivesse um filho nessa nova realidade, de tanta preocupação que teria. Já fico assim com a minha irmã, imagine com um pequeno ser que saiu de mim.
Lacey trouxe caixas de xaropes e começou a abri-los, colocando dentro da sacola em cima da mesa, para organizar e não se quebrarem na viagem.
- Odeio namorados, principalmente os ex-namorados. Toda historia que tenho com cada um deles foi tenebrosa, podem apostar. – ela comentou.
Jerry olhou para mim como se esperasse uma resposta e tentei cavar no fundo da minha memória.
- Nunca me dei bem com um ex e felizmente fiquei livre da doença de querer voltar. Acho que o pior foi um que não parava de mandar mensagens e ligar. Eu tentei dizer que já estava em outra, mas ele não se tocava.
- Os grudentos são os piores – Jerry afirmou.
- Sim. Então eu bolei um plano. Minha irmã e eu fomos para uma cidade vizinha comemorar o feriado de São Patrício. Ficamos bêbadas por três dias diretos, e eu tinha marcado o número desse meu ex no braço. Beijei muita boca nesses três dias bêbada e acabei dando o número do meu ex pra cada cara que pediu o meu celular. – sorri.
Ele ouvia com a boca aberta, num misto de diversão e surpresa.
- Por incrível que pareça, quando voltei pra Oklahoma ele nunca mais me ligou. – ironizei.
- Você não tem coração. Por isso conquistou o homem de gelo. – ele riu baixo.
Huh.
Apertei os dentes sem saber como agir e continuei organizando os remédios e produtos de limpeza. Minha atenção se voltou então para Lacey, que me apontou uma porta atrás de uma prateleira de madeira, com rodas em seus pés. Ela somente não empurrou para o lado, pois conseguíamos ouvir agora nitidamente uma horda de mortos vivos gemendo por trás daquela porta.
- É o deposito, precisamos entrar lá dentro. – disse Lacey ao lado do local.
Ponderei aquilo por alguns segundos. Não valeria a pena.
- Temos o que é necessário aqui. Se abrirmos isso não será possível atacar em silencio.
- Acorda . A sala de medicação no Quartel é podre, não temos nada que preste de verdade, esse é claramente o deposito então faremos o impossível pra entrar lá dentro, e você tem a obrigação de nos ajudar.
- Nos? – questionou Jerry.
- Sim, cara. Ou você acha que estaria feliz pela gente deixar passar essa oportunidade?
Ele se deu por vencido e sem vontade ia caminhar até Lacey, se eu não colocasse uma mão em seu peito o impedindo.
- Quais as chances de ter algo lá dentro Lacey? Se está, tem um motivo, já entraram lá e acabou sendo o fim de algumas pessoas, e os que sobraram não teve alternativa a não ser prendê-los lá dentro. A farmácia está cheia, significa que o deposito está vazio.
- Como pode se achar a líder se é tão covarde?
- Não sou covarde. Sou realista e penso com clareza, não com raiva ou com sentimentos atrapalhando meu raciocínio. Se Slade reclamar, ele que entre ali dentro e pegue as coisas por si só. Não somos sobreviventes entrando em qualquer buraco arriscando a vida como em um jogo de roleta russa.
A raiva que ela sentia era clara e nosso contato visual foi interrompido por uma tossida. Lionel estava ali.
- está chamando vocês. – falou baixo.
Jerry e eu terminamos de encher as cestas vermelhas e prendi com uma fita nas laterais para que pudéssemos levar uma em cima da outra.
- Lionel – ela disse em tom de esperança – Você me ajuda certo? Aqui nessa porta – ela apontou – tem poucos deles, talvez cinco ou menos, você tem que me ajudar a pegar o que tem lá dentro. pode até nos dar uma recompensa a partir disso. E não será dividido com aqueles que simplesmente abandonam o grupo na maior dificuldade.
Revirei os olhos.
- Vai ser moleza. – disse sorrindo fraco. Tudo na sua expressão era pouco. Poucos sorrisos, pouca fala e pouca presença, um braço só...
À medida que ele entrou no local, eu saí de fininho. Parte por nojo e a outra metade, insegurança.
- Vão até . Digam que estou ajudando Lacey a pegar o principal, já que vocês não estão aptos para isso.
Me virei e tive que puxar Jerry para ele ter coragem de sair dali. Como eu disse no primeiro dia que cheguei ao QG, todos faziam algo para que tivessem o dedão positivo do papi. Saímos, não antes de ouvir “ vai ficar decepcionado com a novata” saindo debochadamente da boca do energúmeno.

***


Nos deparamos com a placa da loja de produtos essenciais e Jerry chamou minha atenção para uma cena um pouco chocante.
Era uma morta viva sem as pernas e com algum tipo de obesidade mórbida. Até aí tudo bem, o problema era que ela estava comendo um dos seus...
Eu encarava aquilo enojada e Jerry ria para mim como se fosse uma atração.
O garoto estava segurando tudo, então peguei a faca em seu cinto e me aproximei dela, que estava ocupada já se alimentando de algo para que desse atenção para mim.
Me agachei e pude sentir o meu almoço quase voltar para a terra plana com o cheiro evidente. Já fazia mais de um ano, e eu nunca me acostumaria com todo aquele odor de carne podre.
Com força coloquei a faca em sua têmpora e ela parou de mastigar. Limpei a lâmina na barra da camisa dela e coloquei novamente no cinto de Jerry.
Neste momento avistamos Slade com a cara séria e tão leve quanto uma pedra em cima de um tapete de espinhos, esperando qualquer sinal de ataque. Nico com um sorriso de “é bom te ver” e por fim Baby, os olhos mais abertos do que o habitual e uma arma pequena na sua mão direita virada para baixo, e eu desejava mentalmente que o objeto não estivesse destravado.
- Como foi o passeio? – perguntou Slade observando as cestas vermelhas.
- Rendeu – disse Jerry levantando o que conseguimos.
- Sobrevivemos – dei de ombros.
- E isso é ótimo – afirmou, mas havia uma ruga de interrogação em seu rosto – Mas eu não queria enviar um para perder dois de vista.
Assim que soltou essa frase, um alarme extremamente alto para toda aquela calmaria - vindo do local onde antes eu estava - soou.
A expressão de Slade mudou completamente e ele voltou à tensão do principio.
Alguns mortos vivos começaram a acordar lentamente, vindos da loja que o segundo grupo estava e das outras demais. A quantidade era pequena, e aos poucos aumentava. Nico pegou rapidamente as cestas de Jerry, e Slade o mandou resgatar os dois ainda na farmácia. Entreguei a bota que estava na minha cintura para Baby que estava assustada e ela negou com a cabeça, tentando me impedir de ir.
Sai correndo com Jerry atrás dos dois e consegui ouvir Slade gritando meu nome com raiva em seu tom. Mas o próprio foi impedido de nos seguir pela manada, que conseguimos passar por estar apenas em dois, indo pelo canto do largo corredor.
Corremos em alta velocidade, e já na farmácia, Lacey tentava ao máximo fechar a porta e mais mortos vivos nos rodeavam pela entrada. O alarme não parava de apitar e aquilo fazia meu coração se acelerar ainda mais.
Jerry começou a atirar nos que se aproximavam enquanto eu tentava ajudar Lacey a fechar aquela porta.
Gritei para que ele atirasse no alarme vermelho acima da nossa cabeça e ele seguiu a instrução.
Deixamos dois escapar do deposito, pois estavam presos com a metade do corpo para fora, e nos protegendo de sermos atacadas conseguimos trancar a porta agora livre, antes dos outros que gemiam para nosso cheiro, interferissem o caminho novamente.
Ao som de dois tiros nos viramos para Jerry ofegantes. Escutei o choro de Lacey em negação e ela rastejou de costas para a porta até o chão, com lágrimas em seus olhos.
Havia sangue em nossas caras e blusas.
O mesmo sangue que jorrava do braço de Jerry.
Não havia sinal de Lionel, ou uma cobertura do mesmo.
Jerry havia sido mordido, e toda aquela farmácia branca estava agora vermelha.

***



A fúria crescia dentro de mim.
Estávamos dentro do caminhão novamente, Jerry com seu braço quase decepado pela mordida e Lionel no banco de carona, sã e salvo, mostrando-se o verdadeiro inútil que era. O cara que tentou se mostrar alguém ao ajudar Lacey, e fugiu no primeiro sinal de perigo.
Minha indignação era tanta que eu me achava burra de pensar que uma saída até a cidade não resultaria em algo do tipo.
Ir até o centro era sinônimo de se ferir, se machucar, ou perder alguém. Infelizmente aquela viagem não foi diferente.
Jerry era alguém a mais na nossa equipe, um soldado que era útil, um garoto jovem e cheio de vida, inocente por seus meios, que estava a caminho dos setes passos abaixo da terra por um pequeno descuido.
Era ridícula a forma que vivíamos.
E pensar que se eu tivesse mudado minhas táticas um pouco mais cedo, ele estaria inteiro agora...
Respirei fundo tentando me acalmar.
Meu coração não parava de acelerar e sentia que estava em sintonia com a fúria de Slade dirigindo em alta velocidade voltando para o Quartel.
O pior de tudo é que ele não tinha nem ao menos quem culpar. Perdeu o soldado por pura besteira de equipes pequenas e eu entendia sua dor e gana.
Mas aquele verme não sairia impune se dependesse de mim... Escolher viver é fazer acontecer. E o ódio já tinha se mostrado um ótimo combustível para mim.
Lacey que estava chorando - e me irritando por seu choro -, tomou minha atenção.
- Eu falei para ele que o alarme iria soar, tinha algum tipo de gerador no shopping. Eu queria desligar, mas ele disse que conseguiria, eram poucos vagantes. – fungou limpando as lágrimas. – Ele me deixou sozinha lá e vai me castigar por isso , ele não vai me ouvir.
Continuou a gemer e levei suas palavras em consideração, assentindo para a garota ter calma.
Baby apertava com força a mordida no braço de Jerry para que não escapasse o sangue... Como se o inevitável não estivesse a caminho.
Ouvi o som do portão se abrindo e logo estávamos dentro do Quartel General. Todos saíram do caminhão, inclusive o fantoche de Slade. Mas o próprio chefe continuou bufando em silêncio atrás do volante.
Alguns soldados que ficaram ali ampararam o ferido na saída e pude deixar minha vista longe de Baby sem medo, afinal, logo ele se transformaria e ela precisaria estar longe dele quando isso acontecesse.
Rapidamente me movi dentro do veículo até estar ao lado de Slade e me sentei com as pernas dobradas, onde estava antes Lionel, o inútil. Pude ver através do parabrisa uma fila se formando entre alguns soldados armados e o pessoal que saiu nessa missão de campo, com Jerry - praticamente verde e febril - jogado no chão.
- O que você vai fazer? – cortei com o silêncio.
Ele demorou alguns instantes para me responder.
- Preciso agir como um líder – disse como se fosse óbvio.
- Você mesmo disse que gosta de colocar medo pra ter um pouco de autoridade nessa merda de local. Mas tá pensando em que? Que droga Slade, você sabe o que tem que fazer e quem você precisa punir.
- E eu já te disse que não sou um monstro porra. Não posso simplesmente punir alguém próximo.
Suspirei.
- Punir... Você quer dizer matar?
- Líderes precisam fazer o que tem que ser feito – replicou.
- Você está bem longe da questão inicial.
Eu estava em um campo minado e teria que escolher muito bem minhas palavras. Tentando guiar seu caminho para o que eu achava certo.
- E do que se trata? Por favor, esclareça minha mente. – ele soltou com a voz um pouco alterada, eu tentava encontrar seu olhar, mas ele continuava encarando a frente ou o volante.
- Tem que ser justo. Avaliar o que aconteceu lá dentro.
- E como posso avaliar toda a merda que ocorreu se eu não estava lá para analisar? Um líder precisa fazer o certo, mas comecei errando a porra toda por não estar lá. Então como posso julgar algo sem ter visto com meus próprios olhos. – toda a indignação que eu estava guardando, ele começa a mostrar. Sua íris voltou a escurecer com a irritação interior.
- Primeiramente, eu estou com muita raiva também. Perdemos um soldado, um muito importante e foi por uma besteira. Mas você tem que esfriar a mente antes de qualquer movimento. Não se martirize tão cedo. – aconselhei.
O que não adiantou, já que ele socou o vidro da janela com força e pude sentir com um arrepio na minha espinha sua pele nas juntas dos dedos se abrindo em uma fenda. Fechei os olhos com força tentando reprimir o que eu estava sentindo. Se era a sensibilidade, eu era a razão, e algum dia desses iria acabar como a garota no filme tendo algum surto no clímax. No meu caso seria raiva.
De algo eu tinha certeza, ele estava com ódio, sem saber a quem culpar a não ser a si mesmo, sobre tudo o que aconteceu anteriormente. E naquela troca de olhares percebi que eu precisaria de determinação para manter o foco.
- Você confia nele? – fui direto ao ponto.
- Não tenho melhores amigos, mas tenho aliados. – assumiu.
- Precisa se confiar para ter aliados, por isso eles são aliados. Então presumo que você confia. – ele deu de ombros, sem entender onde eu queria chegar. - Minha aliada era minha irmã . Lá fora nós lutávamos para sobreviver todo dia. Dormindo em árvores, antenas de rádio. Sempre esperando o mundo nos dar um bote. Dias antes de você me encontrar, nós achamos um trailer na estrada principal, perto da placa de boas-vindas. Lá fomos atacadas por um cara que me prendeu no chão daquele trailer, arrancou o botão do meu short e torceu meu pulso, tentando me calar. Eu pensei que nunca mais veria a luz do sol de novo. Mas eu vi. E pensei que depois daquele dia em que sobrevivi, eu nunca mais reencontraria aquele cara com a face queimada novamente. Mas eu vi.
Compreensão preenchia sua feição.
– E o que aconteceu com aquele homem? – fiz a pergunta que queria sair de seus lábios – bom, era um ataque em grupo, ele e mais dois caras estavam lá, foram caçar na floresta enquanto eu e minha irmã nos apossamos de suas coisas. Mas a mira deles não éramos nós. Era Barbie. Uma senhora que nos acolheu em meu último lar, a Colônia.
Ele não ficou totalmente surpreso com aquela revelação, mas eu já havia pensado que estava na hora de ele saber sobre aquilo. Na nossa conversa, este tópico teria que entrar mais tarde, e era tudo ou nada, se não confiasse em mim o suficiente, não iria saber sobre minha família ou lugares que eu prezava.
– Desencontros me trouxeram até aqui Slade. E culpo também meu senso de direção que é um lixo.
Mordi os lábios engolindo seco, sentindo minha garganta fechar. Ele apertou a mandíbula e pude ver que toda aquela tensão havia voltado.
- Ele me marcou, e você viu no dia da fogueira. – disse me referindo às manchas verdes em meu corpo que ele reparou, nesse momento ele voltou sua visão para meu corpo, não encontrou mais nada, mas torceu seu pescoço e ele bufou com aversão, ideias palpitavam em sua mente e eu queria saber cada uma delas.
Continuei.
- O máximo que consegui foi arranhar seu rosto – todas as pistas já estavam claras demais para ele.
- Então, você o encontrou novamente. – Assumiu, presumindo a conclusão da conversa.
Talvez agora palpitasse a resposta da minha pergunta inicial. Slade confiava em Lionel? Lionel era capacho de Slade por vontade própria, capricho ou falta de opções?
- Sim. Ele fingiu que não me reconhecia. E quando pressionei, ele revelou que não somente sabia quem eu era, mas que iria me apunhalar pelas costas se voltasse a mencionar o ocorrido – eu ri, com meus olhos marejando. Ocorrido. – Contudo fiquei surpreendida por ele não estar fazendo parte do grupo que o encontrei inicialmente.
- Fica ainda mais claro que isso? – perguntou com o veneno escorrendo em suas palavras.
Assenti.
- Quando cheguei aqui, descobri que ele foi o único soldado de sua patrulha que sumiu, Slade.
Quem era os outros dois Slade? Provavelmente era o que ele se perguntava.
Deu confiança ao cara que fazia ataques a uma Colônia pacifista, que Slade havia prometido proteção, indo contra as regras daquela convivência e tinha a coragem de lhe dizer que foi atacado pelos mesmos. Digno de nojo era Lionel.
- Barbie conseguiu apagá-lo com uma frigideira na cabeça. Fiquei surpresa ao encontrá-lo sem o braço.
E aí estava o ponto final. Ele mesmo arrancou o próprio braço? Seria o medo puro da reação de Slade ao descobrir que o seu comparsa tinha ligações com uma galera diferente?
O cara era doente a esse ponto?
Compreensão veio ao seu olhar, que estavam apertados, assim como a mandíbula.
- Eu espero que esse silêncio seja porque você está pensando no que fazer, General. E mesmo assim, que seja rápido, porque você não tem muito tempo a perder. – disse soando como uma ameaça, apontando com o rosto para a situação de Jerry.
Com isto o deixei com os seus pensamentos antes de sair do caminhão. De fora pude vê-lo pegando uma pistola no porta-luvas colocando no coldre em sua cintura.
Ele era a própria ira.
Este era Slade. Eu poderia tomar cuidado com o que dizer para ele, todas as suas ações poderiam ser impulsivas demais ou sem cuidados externos para qualquer escapatória.
No momento em que ele saiu do carro, eu temi o que ele seria capaz de fazer.
E também sorri. Não me arrependendo de nada.

Capítulo 16 – Wicked Games.

Música do Capítulo


Romero.

É como dizem: mente vazia é a oficina do Diabo.
Mas infelizmente minha mente não ficava vazia há tempos. Principalmente depois de ter me resolvido comigo mesma.
Reencontrar havia me feito bem, porque até então, o inferno diário que eu vivia pensando no pior havia acabado. Mas também pensar que minha irmãzinha estava com , bom, não era uma coisa muito reconfortante. Principalmente depois que consegui arrancar de o que os dois fizeram juntos enquanto eu estava no meu reencontro.
Esmagar um crânio com um taco de baseball... pesado.
Mas desde que reencontrei minha irmã consegui dormir, me alimentar e recuperar um pouco de mim mesma. Pois de qualquer forma, agora, eu sabia que ela estava sendo bem alimentada e mantida em um local seguro, e não era novidade que eu já confiava nela e em seus extintos de sobrevivência. E tendo a certeza de que ela estava viva, apenas me dava mais um motivo para respirar novamente sem sentir uma tonelada nas minhas costas.
E um dos meus objetivos nesse momento era conseguir descobrir mais coisas sobre o Hospital e o que mais escondia de mim. Afinal, havia sido por isso que voltei para Colônia.
Pode ser errado de minha parte, ok, eu concordo, e mesmo assim fiz.
Não confiava mais em cegamente como confiava antes mesmo sem demonstrar. E não havia voltado para ficar perto dele ou dos outros. Eu havia voltado para descobrir mais sobre nosso maior inimigo para quando o pior acontecesse, colocasse minha irmã dentro de nossa camionete e fugirmos. Apenas isso.
Entrei no escritório vazio de lentamente, com medo de dar um passo em falso e estragar toda a minha pesquisa. Eu ia ao seu escritório geralmente umas duas ou três vezes ao dia – às vezes mais quando ele me chamava. Até então não havia descoberto nada de útil sobre o Hospital, provavelmente porque nem e nem também haviam descoberto nada.
Caminhei até sua mesa e me sentei em sua cadeira. Não havia nada nos montes de papéis que estavam em cima da mesma. Então abri suas gavetas, mas a maioria estava fechada ou com algo completamente inútil. E a mais importante de todas estava trancada, como sempre.
Não sou burra. Sabia que sabia que eu estava o espionando e tentando descobrir as coisas dele. Sabia que ele sabia que não confiava nele, por isso não me surpreendia quando escondia as coisas de mim. Mantinha sempre tudo trancado apenas para atiçar minha curiosidade e aumentar minha desconfiança.
Vasculhei até a lata de lixo do lado de sua mesa – por mais nojento que fosse - e também não havia nada. Era uma perda de tempo, assim como todos os outros dias. Só tinha alguma chance quando estava na sala e eu ficava decorando seus movimentos, para repeti-los quando estivesse sozinha no escritório.
Abri uma última gaveta que também sempre vivia sozinha, mas dessa vez não estava completamente vazia. Rezei mentalmente pedindo para que fosse uma pista, mas não era.
Era algo melhor.
Segurei o porta-retratos, focada na foto da mulher de lindos dourados cabelos ondulados. Era impressionante como a mulher era linda, jovem e extremamente elegante para alguém que vivia em Oklahoma e era mulher de um Xerife.
Mas o que mais me chamava atenção era seus olhos azuis que eram tão chamativos quanto os de . Eles com certeza eram um daqueles casais troféus que todos invejavam.
Não me incomodava e muito menos me importava não me contar sobre sua mulher, afinal, era um assunto delicado para ele. E há coisas em nossas vidas que é melhor guardarmos para nós mesmos e muito menos dividirmos com as pessoas com quem mais confiamos.
Permaneci por alguns minutos encarando a foto e decifrando qual dos filhos pareciam mais com ela. Com certeza Jolie, era muito mais parecida com a mãe do que com o pai.
O barulho da maçaneta e o rangido da porta me assustaram, fazendo com que o porta-retratos caísse no chão, trincando o vidro.
- Merda. – murmurei.
Me abaixei para pegá-lo com cuidado e o joguei dentro da gaveta, fechando-a em seguida. Quando me levantei, a imagem de uma Barbie com os braços cruzados e me encarando desconfiada era a melhor opção para aquele momento.
Meu medo que fosse ou ou o espírito vingativo de sua mulher falou mais alto. Principalmente a segunda opção, agora que quebrei a lembrança poderei ser assombrada por eternidades.
- ? O que está fazendo aqui? – A senhora me encarava e eu podia sentir ela me julgando.
- Nada. – disfarcei. – Só estava procurando umas coisas aqui, mas não encontrei. – Me levantei e sai de trás da mesa de , evitando olhar para a gaveta entreaberta e rezando para que minha culpa não fosse farejada.
- O sabe que você está aqui? – Neguei com a cabeça.
- Ele precisa saber?
Barbie bufou alto.
- O Friedrich está te procurando. – me alertou. – Ele está na enfermaria.
Assenti e me despedi da senhora, andando rapidamente entre os corredores da Grande Casa, rezando para não trombar com ninguém que faça perguntas.
Eu era uma péssima Veronica Mars, eu sei. Entrava em pânico rapidamente e entregava todo o jogo. Péssima mentirosa e muito péssima investigadora. Por isso deixo esse trabalho para enquanto eu fico com o mais sujo.
Me direcionei até a enfermaria com pressa, talvez Friedrich me desse algo útil para fazer, já que nós últimos dias os grupos estavam se separando para ir até as cidades próximas a procura de mantimentos, armas, medicamentos e segurança.
Ao pisar na enfermaria, o senhor se virou até mim e respirei fundo, imaginando que também pudesse farejar minha culpa.
Ok, eu havia quebrado um retrato da falecida mulher de , eu era uma péssima pessoa.
- Está tudo bem? – perguntou desconfiado. Limpei a gota de suor em minha testa e assenti. Droga.
- Precisa de algo? – Assentiu.
- Preciso que vá até a farmácia da cidade para pegar o restante de medicamentos de lá. Tenho uma lista com algumas coisas importantes que tenho certeza que devem ter lá.
- Já não varreram o lugar todo? – Franzi a sobrancelha.
- Não. Ele estava cheio de andarilhos da última vez que foram.
Dei os ombros.
- Tudo bem então. – O senhor abriu um sorriso e me entregou a lista. Muitos nomes difíceis que eu não saberia, mas se este fosse o caso era só pegar todos os remédios e esperar que sejam os certos. – Vou me preparar e saio em breve.
Frid concordou e eu sai da enfermaria, em direção à minha casa.
Entrei na mesma e Willa estava sentada no sofá, lendo alguma coisa enquanto ouvia música no seu mp3 velho, mal notou minha presença. Esses adolescentes...
No meu quarto, preparei uma pequena mochila com alguns mantimentos, já que não sabia quanto tempo ficaria fora e outra para trazer todos os medicamentos.
Passei novamente pela sala de estar e Willa permanecia na mesma posição, sem prestar atenção em mim. Dei os ombros. era idêntica quando criança. Se houvesse um incêndio em casa ela não se importaria contanto que não atrapalhasse seu episódio de South Park.
Fora de casa, fui até o depósito para me armar. Ao entrar rapidamente, diminui o passo ao ver uma das moradoras completamente desconfortável com minha presença. Ela fez uma careta, então sua postura enrijeceu e então voltou sua atenção para as armas.
- Tem algo para me dizer? – perguntei um pouco impaciente.
Ela murmurou algo e eu ignorei. Procurei uma arma qualquer, junto com algumas balas e não esqueci do meu facão companheiro. Não iria perder muito do meu tempo.
- Estávamos melhor sem você aqui. – A voz forte da mulher saiu, mas por dentro tremia. – O é estúpido em deixar o grupo dividir o teto com alguém tão... – Então ela deu uma checada em mim, dos pés à cabeça.
Eu mesma me chequei, para garantir que não havia sangue ou restos mortais em minhas roupas. Mas a minha camiseta estampada e chamativa – que era a única que tinha para usar –, meus shorts jeans e minhas botas de cowboy estavam limpos. Eu estava limpa e saudável.
- Alguém tão...?
- Selvagem. – rasgou, repetindo a mesma careta.
Dei uma risada baixa, não me importando com isso. Para mim era um elogio ser considerada uma selvagem por um bando de pessoas inúteis que não saberiam se defender caso precisassem. Afinal, quem os ajudou no ataque enquanto pessoas como ela se escondiam embaixo da cama fui eu.
- Quem sabe quando você matar um morto-vivo na vida o te note. – dei uma piscadela e saí do depósito.
Atrás do depósito, em uma das casas próximas, pude ouvir uma comoção. Não uma das boas.
Meu instinto investigador me levou até mais perto, ficando mais colada na janela aberta para ouvir com atenção o que acontecia naquela reunião que eu mesma não sabia da existência. E pela forma com que o tom da conversa seguia, coisa boa não era.
- Ele nunca vai deixar o poder. – Um morador disse.
- Mas ele não tem que deixar o poder, nós tiraremos ele! Vocês querem esse tipo de líder aqui? O homem não consegue liderar nem seu grupo em patrulhas. Isso vai acabar nos matando. Quase nos matou, vocês lembram do ataque do grupo norte, certo? Tudo por incompetência dele!
Ouvi murmúrios com alguns moradores concordando e senti meu sangue ferver. Maldito seja . Se ele fosse mais duro, pessoas como Toby não iriam querer o ver pelas costas. Mas não, ele com essa regra pacifista pode sim matar nós todos.
Mas mesmo assim, Toby nunca conseguiria ser nosso líder, ele mal sabia se virar sozinho, como cuidaria de todos? tinha seus defeitos, mas ele era o melhor que nós podíamos ter. E mesmo que Toby conseguisse tirar o homem do poder, quem assumiria no lugar? Friedrich ou Judas. Era ilusão de sua cabeça achar que um dia se tornaria líder da Colônia.
Ignorei o resto da reunião, porque na verdade esses moradores são covardes o suficiente para fazer um motim contra . Pior ainda se ficar sabendo disso, então aí que eles se calariam e voltariam com o rabo entre as pernas. São covardes demais para enfrentar as consequências que isso traria, por isso não me importei.
Completamente preparada para minha patrulha, caminhei até o grande portão. Ao mesmo momento o grupo de voltava de patrulha. Eu indo e ele voltando.
O homem me encarou e foi atrás de Friedrich. Seu grupo descia dos caminhões carregando caixas e vários mantimentos. De todo o tempo que eu estava na Colônia, nunca havia visto uma patrulha que havia dado tão certo. Isso sim era liderar.
Toby nunca saberia.
Pude ouvir os passos apressados de até mim. Porra, ele foi mais rápido do que eu esperava. Da próxima vez prometo não ficar esperando que ele venha atrás apenas para ter o prazer de sua companhia.
- Eu vou com você. – Ele disse enquanto contava as balas de sua arma e andava até o portão.
- Ah, mas não vai mesmo. – Disse o fazendo parar e se virar para mim. Eu já sentia que seria uma batalha difícil.
Mas não argumentou. Não de primeira. Apenas deu um sorriso e tirou as chaves da minha mão, proclamando um “eu dirijo” convicto de que teria ganhado essa batalha. Mas era comigo que ele estava competindo.
Tirei as chaves de sua mão e ele fechou a cara.
- Meu pai proibiu meninos da Pussy Wagon, sinto muito. – Fiz um bico e dei as costas para , indo até o portão e girando as chaves em meus dedos.
Sei que ele não desistiria também e essa era a graça de jogar com ele.
Ele correu até meu lado.
- Vamos apostar uma corrida? – Parei ao ouvi-lo.
Era muito imaturo um líder, pai e adulto sugerir algo assim. Talvez fosse apenas para quebrar o gelo entre nós, ou apenas para descontrair o clima mórbido que se tornou nossas vidas. Mas a chama de competividade que ascendeu em meu corpo fez com que eu me sentisse tão imatura quanto ele.
- Tem certeza disso, Xerife? – Ele assentiu, com um olhar ameaçador.
- Pode ter certeza.
- Então tá. – Rolei os olhos.
- Tá.
- Tá. – Imitei.
- Ótimo! – Cruzou os braços.
- Ótimo! – Bati os pés e dei as costas.
- Te vejo lá.
- A única coisa que você verá será a minha traseira. – Ameacei, me tocando logo depois de notar a conotação sexual de minha frase.
Ele já havia se tocado e um sorriso um pouco malicioso preenchia seus lábios.
- É com isso que eu estou contando.
Fechei a cara.

***



Desci da camionete, observando estacionar logo após. Cruzei os braços e eu estava com um sorriso vitorioso nos lábios.
- Não abra a boca ou eu juro por Deus... – Me ameaçou e eu ignorei, permanecendo com meu ar vitorioso.
Não havia ninguém mais competitivo que Romero, disso pode ter certeza. Puxei isso de minha mãe, a que era capaz de vencer uma maratona se a duvidassem de fazer.
A rua estava vazia, o que era estranho, já que Frid havia dito que antes era lotada de mortos-vivos. Ou eles haviam seguido para outro rumo, ou alguém já havia passado por aqui.
abriu a porta da farmácia, rezei mentalmente para que não houvesse um sino em cima da porta para atrair os bichos até nós.
Sem sino.
Entramos juntos na farmácia e pude sentir o ar quente contra meu corpo, junto com o aroma de poeira e medicamentos. Tossi rapidamente, sentindo minha asma dar um alô. Mas meus olhos brilharam ao ver as prateleiras abastecidas, indicando que nenhum grupo havia chegado perto.
O que me fez pensar que algo estava errado.
Qual é. Era praticamente impossível um lugar como esse ficar abastecido no meio do fim do mundo! Era uma armadilha, com certeza. Ou uma horda de mortos-vivos nos atacaria a qualquer momento, ou a farmácia explodiria e nós morreríamos queimados.
Dei uma olhada pelas prateleiras, de uma forma um pouco discreta. Verificando se encontrava algum sinal de pessoas, mortos ou bombas relógio. Me sentia aflita só de imaginar a pressão que teríamos em escolher cortar o fio vermelho ou o azul.
estava próximo a mim, seu aroma me deixava um pouco arrepiada e estarmos dividindo o mesmo espaço sozinhos por tanto tempo era demais para a minha cabeça e hormônios.
- Por que você veio junto? – Perguntei em um tom indiferente, mas eu não estava realmente tão indiferente assim.
- Porque eu queria ficar mais um tempo a sós com você, oras. E na Colônia você só foge de mim... – disse baixo, parecendo distraído com os medicamentos. – E porque precisamos conversar.
Me virei para já irritada, o mesmo mantinha a pose calma e controlada. Seus olhos azuis não escondiam nada e eu já queria socá-lo.
Talvez eu fosse mais difícil que eu pensava.
- Não temos o que conversar, , você sabe bem disso.
Eu já estava impaciente e irritada, não queria conversar porque não queria ouvir. Inclusive o que ouvi, já era demais.
- Temos sim. Temos que conversar sobre o que aconteceu... Não sou tão estúpido assim, . Quero saber o motivo de ter voltado para Colônia sem ressentimentos, mesmo depois do que fiz.
Respirei fundo.
- Porque eu queria descobrir mais sobre o Hospital.
pareceu um pouco chocado com a minha franqueza. Talvez esperasse que eu dissesse que voltei porque meu coração doía quando não ficava perto dele. Ri baixo ao imaginar essa cena.
- E nós? Estamos bem? Você está bem? Eu sei que deve ser muito para você e...
Nem o deixei terminar.
Bufei alto e então soltei as palavras entaladas em minha garganta. Mas não as que estavam entaladas desde que ele mentiu para mim em relação à minha irmã, mas sim as que se entalaram no momento que eu ouvi a reunião de Toby mais cedo.
- Sabe, você deveria se preocupar menos com nós e se preocupar com a sua comunidade, que tal? Você sabia que o Toby quer um motim contra você? Sabe que ele quer te tirar do poder de qualquer forma e isso me faz imaginar que inclui te matar? Não, não sabe. Você não sabe de nada que acontece bem abaixo do seu nariz, porque você só sabe pensar em mim e nessa sua obsessão de domesticar a selvagem! Mas quer saber uma novidade? Isso nunca vai acontecer, não assim. Você é o líder de pessoas que precisam de você. Então você deveria parar de pensar nisso e se focar nas pessoas vivas que realmente precisam de você, cuidar e liderar como deve. Ou esse motim se concretizará e eu não poderei fazer nada a não ser te ver morrer. E meu amigo, eu não quero ver isso.
A força que minhas palavras atingiram foram a mesma com que caíram de meu ombro, eu me sentia leve. Eu não conseguia segurar, eu falei e ele ouviu. Ele entendeu e agora estava por contra própria.
Aparentemente minhas palavras acabaram o atingindo, pois rapidamente ele abaixou a cabeça e coçou as têmporas realmente incomodado.
- Você acha que eu me importo? – Sua expressão mudou. Havia um misto de raiva, mas ao mesmo tempo uma indiferença ao seu próprio grupo. – Deus, eles mal sabem cuidar de si mesmos, jamais seriam capazes de um motim contra mim. – ele riu. – Desde que Toby entrou no grupo ele tenta um motim sempre que o convêm, mas na hora H todos gelam de medo. Sem mim eles estariam mortos.
Dessa eu não sabia.
- Eu estou cansado. – suspirou. – Cansado de dar de tudo para cuidar desse bando e eles sempre reclamarem, se queixarem e planejarem coisas contra mim. Não consigo levar a sério. É muita ingratidão.
- Mas há uma diferença em tudo isso, . As vidas deles estão entregues a você. Por mais ingratos e covardes que sejam, eles dependem de você. Não eu. Eles precisam que você lute por eles. Não eu. – fitei bem seus olhos, para que ele pudesse sentir minha sinceridade.
Mas então senti a mão de tocar a minha, indicando que nossa conversa havia acabado. Ele apenas pegou a lista de Friedrich e me entregou outra.
- Eu cuido dessa. – Ele disse baixo.
Desdobrei o papel que ele me entregou e senti aquela náusea atingir meu corpo. Era a lista de Toby e seus amigos. E eu não acreditava no que estava lendo.
Eram coisas normais que homens querem, barbeadores, cremes para barbear, desodorantes corporais, shampoos, suplementos físicos porque eles acreditavam que conseguiriam alguma massa corporal ou um corpo blindado no fim do mundo. Mas o último pedido fez com que toda essa lista não passasse de uma brincadeira idiota do destino. Camisinhas, porque eles realmente acreditavam que iriam transar com alguém.
- Você só pode estar brincando. – Disse um pouco incrédula, mesmo sendo algo retórico e eu tendo a noção de que era real. Rolei os olhos e bufei alto.
deu uma risada baixa. Essa era um tipo de vingança pessoal por eu ter dito na cara dele as coisas que ele precisava ouvir? Um castigo tipo “você não precisa de mim, então fica com a lista fútil”?
- Vai ter volta. – Ameacei e ele abriu os braços.
- Pode vir.
Rolei os olhos e dei as costas.
Ao trabalho, Romero.
Deixei para trás e peguei uma cesta qualquer de uma forma um pouco bruta, sem conseguir controlar minha impaciência e raiva. Procurei a área masculina e fui atrás de cada pedido fútil deles. Enquanto procurava coisas sérias, remédios importantes, eu ficaria atrás pegando mimos para um bando de marmanjos inúteis.
Mentalmente agradeci ao porque não fazia ideia de quais remédios eram e provavelmente iria pegar qualquer coisa que visse na frente.
Agora só precisaria ir atrás das camisinhas que estavam no lado do fundo da farmácia, me amaldiçoando mentalmente por ter chegado até esse ponto. Segui desatenta pelo caminho até achar a caixa com várias. Eu estava levando não porque acreditava que eles usariam isso algum dia, mas sim só para depois ter algo para usar contra eles.
Afinal, o que é pior que um homem com o ego ferido sabendo que tem uma caixa de camisinhas e não vai usar nenhuma? Ruim para eles, ótimo para mim. Inclusive, todas com o tamanho GG, só pra complementar a ideia de que não usariam mesmo.
Segurei a caixa na mão, agradecendo mentalmente por ter terminado meu trabalho, então senti uma mão em meu ombro. De primeira achei que fosse , então virei para xingá-lo pelo susto.
Mas não era.
O homem vestido de preto me agarrou com força e eu só fui capaz de gritar o mais alto que pude, antes que ele tampasse minha boca.
Mordi sua mão e consegui me livrar de seus braços, tirei o facão da capa e esfaqueei o homem rapidamente, que cambaleou para trás e caiu. Respirei fundo ainda assustada, mas meu inferno só estava começando.
Outro apareceu, também vestido de preto e me derrubou, ficando por cima de mim dessa vez.
- Socorro! – Berrei com toda a força em meus pulmões antes de receber um tapa na cara desse mesmo homem.
Ele segurava meu pescoço com mão e com a outra tampava minha boca, ele estava por cima de mim e eu não fazia ideia do que ele iria fazer, mas eu temia demais.
Me debatia o máximo que podia e sentia as lágrimas quentes escorrendo pelos meus olhos. Ele me enforcava, me fazendo perder o ar e sentir minhas pálpebras pesadas. Eu tentava tirá-lo de cima de mim, mas não tinha sucesso. Eu iria morrer pelas mãos de um homem sujo e desconhecido.
Eu só queria que aparecesse.
Usei uma de minhas mãos livres e tateei algo para que pudesse me auxiliar nesse momento, algo que pudesse fazer barulho para chamar atenção de . Mas antes mesmo de conseguir, o homem tirou sua mão de minha boca e pegou na minha. Estremeci vendo seu sorriso e imaginando o que ele faria com minha mão.
- Socorro... – pedi de novo, mas em um grito mudo.
então apareceu – graças a Deus e um desses milagres – e tirou o homem de cima de mim, puxando-o pelo colarinho e o jogando para trás. Me sentei e tossi conforme recuperava o ar que aquele homem quase me tirou de vez.
Não satisfeito, arrastou o homem pelo colarinho até a porta dos fundos da farmácia. Me arrastei até perto, para ver o que faria. A porta dos fundos levava até um beco, com lixeiras e uma grade de ferro que impedia que os mortos-vivos invadissem.
Eu estava horrorizada, não pela situação, mas sim pela rapidez com que aconteceu e pela surpresa. Fui pega desprevenida e isso me aterrorizou, porque sempre sentia que estava um passo à frente de tudo, mas não dessa vez. Dessa vez havia perdido o controle de tudo.
estava lá, socando o homem que me atacou, dando chutes fortes em seu estômago enquanto o outro apenas apanhava sem revidar.
- Quem é você? – perguntou demonstrando o quão puto ele estava naquele momento. E eu nunca havia o visto tão irritado. – Que merda você pensa que está fazendo?
O vi dar uma surra de verdade no meu agressor, socos fortes e chutes. O homem sangrava em minha frente enquanto pedia clemência, mas não se importava. Ele surrava aquele homem com tanto ódio e raiva que o mesmo poderia morrer pelas próprias mãos de .
Eu estava em pé já, escorada na batente da porta. Um pouco sem fôlego e ainda assustada, mas minhas pernas pelo menos ainda funcionavam.
depois de cansar de surrar o outro homem, tirou sua arma do coldre e apontou para a cabeça do agressor, destravando-a em seguida.
- Não vai falar o que eu quero saber? – O tom de era baixo e ameaçador. O Xerife estava em uma com uma atitude completamente estranha para mim.
O homem implorava por clemência, implorava para que o poupasse, como um gatinho indefeso. Mas sem forças para responder o que fora perguntado, como se estivesse com mais medo de abrir a boca do que ser baleado. O nojo percorria minha alma. Mas não esboçou nenhuma reação. Então ele me encarou, encarou meus olhos.
Ele queria que eu traçasse o destino do homem.
Eu o daria a direção que seguiria. Ou ele morria ou sobreviveria, graças a mim.
Apenas levantei meu nariz, em um sinal de que pouco me importava a vida desse ser que quase arrancou a minha.
assentiu e então encarou o homem que novamente berrou, mas o som de seus gritos fora coberto pelo som da arma sendo disparada. Um tiro certeiro na cabeça do homem, destruindo seu cérebro e o matando rapidamente.
O barulho do tiro atraiu alguns mortos-vivos na grade, apenas encarou a mesma e caminhou até ela, abrindo-a em seguida deixando que os bichos entrassem. Ele matou os que tentaram o atacar e voltou para dentro da farmácia comigo, fechando a porta e deixando o homem ser devorado por aqueles bichos.
Ele matou um homem em minha frente. Mas ele matou o homem porque me feriu, para me proteger e foi isso que acordou o animal dentro dele. Eu nunca o vi dessa forma, nunca o vi tão agressivo.
E não me sentia assustada, me sentia segura.
aproveitou e enfiou sua faca na têmpora do outro que matei, garantindo que ele não se transformasse.
Senti minhas pernas pesarem e me sentei no chão, minha cabeça doía e eu me sentia completamente fraca. Uma vulnerabilidade que nunca havia sentido.
Abracei minhas pernas e mantive minha cabeça abaixada, sentindo-a latejar e meu pulmão arder.
se agachou em minha frente, tocando meu rosto e garantindo que eu não estava ferida. Mas sua mão estava ferida de tanto que socou aquele homem, segurei as duas com as minhas e encarei os machucados e o sangue eu já não sabia se era só dele ou do outro.
- Está tudo bem. – Ele sussurrou e a preocupação em sua voz não me fez me tocar o quão grave eu estava.
Eu estava chorando.
Não entendia o porquê, não entendia o que estava sentido. Eu estava com medo, estava assustada, estava mal e a mão de estava machucada.
- Eu estou bem, .
Assenti e respirei fundo, sem conseguir falar. Minha voz não saía, eu respirava com dificuldade e eu chorava. Eu estava completamente fodida, quase morrer muda tudo. Eu via tudo diferente e me sentia como jamais havia me sentido antes.
Vulnerável.
Passei todo esse tempo me sentindo a pessoa mais foda de todas, porque consegui sobreviver sem perder – totalmente – a cabeça. Porque não sentia medo, acreditava que o fim do mundo caiu bem para mim.
Agora eu estava sentada no chão da farmácia, completamente assustada e me sentindo inútil por ter perdido tanto tempo da minha vida esquecendo de viver, só pensando em proteger e esquecendo de me proteger.
limpou minhas lágrimas e então ele ficou rígido, de princípio não entendi o porquê, mas então quando senti seus dedos em minha barriga, o arrepio e o leve incomodo indicou. Eu estava ferida.
Tirei minha camiseta, ficando apenas sutiã na frente de . Isso mesmo, de sutiã na frente do homem que eu me sentia atraída e provavelmente se sentia atraído por mim também. Senti seus dedos no corte em minha barriga e ele parecia mais assustado que eu.
Parei de focar nos ‘eu’ para dar atenção ao homem minha frente.
A expressão assustada dele com certeza foi a mesma que a minha quando vi sua mão. O corte não era fundo, era mais superficial e sangrava pouco. Deve ter cortado na hora que caí.
Seus dedos desceram do corte para o resto do meu tronco, acariciando minha pele e cada marca roxa que eu tinha em meu corpo. Marcas de velhas batalhas. Eu suspirava baixo a cada toque e meu corpo arrepiado se rendia aos toques do homem.
- ... – Seu tom de voz preocupado era nítido. Ele estava mais preocupado comigo do que consigo mesmo. Mesmo me vendo bem em sua frente – meio bem –, ele se preocupava. Mas me sentia irritada por ter ele preocupado comigo, mas ao mesmo tempo meu cérebro ria de ironia que havia se tornado.
Eu havia dito de boca cheia que não precisava de para me proteger, mas naquele momento eu era exatamente como um dos membros da Colônia. E ele me protegeu quando eu mais precisei de proteção.
Mas não queria e nem iria dizer isso em voz alta.
- Cala a boca, por favor. – Pedi baixo, a primeira fala que consegui depois de tudo.
me encarou confuso e eu retribui o olhar. Olhei no fundo de seus olhos e ele entendeu o que eu queria naquele momento.
Eu o queria, eu o teria.
Então eu o beijei.

The world was on fire and no one could save me but you.
It's strange what desire will make foolish people do.

Dessa vez eu estava no controle. Quando nossos lábios se tocaram de início, o senti receoso, hesitante, mas eu o faria se soltar. Minha mão estava em sua nuca e as dele em meu tronco. Era uma sensação completamente diferente para mim, porque por mais que eu pudesse fugir, havia tanto desejo...
Eu quase morri sem ao menos ter a chance de tê-lo só para mim, não deixaria mais chances como essa passarem.

I never dreamed that I'd meet somebody like you.
And I never dreamed that I'd lose somebody like you.

Me deitei no chão sem me importar que aquilo fosse uma farmácia abandonada, com mortos-vivos do lado de fora e estávamos na porra do fim do mundo.
estava por cima de mim, com uma de minhas pernas em sua cintura e seu corpo encaixado perfeitamente no meu. O beijo quente e forte me tirava o fôlego, mas aquecia meu corpo. Nossas línguas dançavam juntas, sentíamos o gosto um do outro e íamos cada vez mais fundo.

No, I don't want to fall in love
No, I don't want to fall in love
With you, with you.

Ele levantou seu tronco e mesmo com as mãos machucadas, desabotoou os botões da sua camiseta, tirando-a de vez e me entregando uma visão de seu peitoral e resto.
Não era o mais malhado, não era o mais gostoso dos homens que eu já havia ficado. Tinha até uma cicatriz que ouvi ter sido de um tiro que levou antes de tudo começar. Mas não me importava.
Tudo que me importava era tê-lo para mim, naquela farmácia, naquele momento.
Deitado por cima de mim de novo, beijou meu pescoço e descia até meus seios ainda cobertos pelo sutiã que ele não se importava. Não o atrapalhava nem um pouco.
A sensação de seus lábios em minha pele e de sua barba me arranhando levemente, eu não conseguia descrever, não sei dizer. Os sussurros que saiam de minha boca que pediam por mais eram frequentes e eu não sabia mais como resistir.
Sua boca já estava em minha barriga, beijando minha pele e depois meu umbigo. Ele descia mais e mais. Quando ele chegou ao cós do meu short, arqueei minhas costas para vê-lo.
Ele subiu o rosto de novo até o meu, segurando em meu rosto e me beijou de novo.
Deitamos.

What a wicked game you play to make me feel this way.
What a wicked thing to do, to let me dream of you.

Desci minhas mãos até o botão do meu short e o soltei, abrindo o cós. Agradeci mentalmente por ter escolhido uma calcinha branca simples, sem nenhuma surpresa. Só de pensar que quase usei uma bege ou uma de ursinhos...
Puxei meu short para baixo o máximo que pude e ao mesmo tempo ouvi soltando o cinto dele, jogando-o para o lado junto com sua camisa e depois abrindo sua calça.
Tateei o chão a procura de algo. Algo essencial, que eu não seria louca de fazer sem. Camisinhas. Afinal, se Toby nunca as usaria, eu usarei.
riu baixo quando entreguei a ele uma embalagem de camisinha e então, novamente por cima de mim, me encarou.
Aquele olhar de novo, aquele que me dá a escolha de ficar ou fugir. Matar ou morrer. Respondi selando nossos lábios, agora mais suavemente.
Ele rasgou a embalagem com a camisinha e eu fechei meus olhos. Eu estava pronta para tê-lo e para me entregar.
Pela primeira vez eu me entregaria a alguém, pela primeira vez sem qualquer tipo de defesa, de muro. estava tendo algo que nenhum homem jamais teve: Romero.
A real, a verdadeira, a completa vulnerável, fodida, problemática, instável.

What a wicked thing to say, you never felt this way.
What a wicked thing to do, to make me dream of you

Ele entrou em mim com calma, com cuidado, e eu apenas gemi ao senti-lo. Agarrei em suas costas e ele espalmou uma de suas mãos ao meu lado, a outra em minha cintura.
Começou a se movimentar levemente, me explorando aos poucos enquanto eu respondia com gemidos baixos. Aos poucos ele foi aumentando seu ritmo, mas sem tentar me ferir ou me apressar. Ele estava fazendo tudo em meu tempo.
Enquanto se movimentava dentro de mim, me beijava. Talvez fosse para que eu não gritasse e atraísse bichos até nós, ou porque ele gostava de me beijar.
A segunda opção era a certa.
- ... – Disse em um sussurro, rouco e ofegante.
- Shh...
Eu não gostava de falar, eu gostava de fazer. Não gostava de trocar palavras amorosas nessas horas ou promessas. Eu só queria aquele momento, eu e ele juntos.
Ele estava me completando aos poucos.
Nossos ritmos se juntavam e íamos juntos, com nossos corpos sincronicamente perfeitos e encaixados da forma mais certa possível. Ele me satisfazia enquanto eu o satisfazia. Ele ia mais forte cada vez que eu arranhava suas costas, então eu arranhava com mais frequência. Ele beijava cada gemido alto que eu dava e depois beijava o meu pescoço.
Eu estava completamente entregue e acesa de forma que jamais estive, eu queria mais, eu queria tudo. Eu queria reproduzir todo o Kama Sutra com ele naquele chão, eu queria rasgar cada peça de roupa e usar todas as camisinhas daquele pacote.
Eu jamais havia me sentido assim. Viva.
Continuamos com nossos movimentos em nosso ritmo torto até que chegássemos ao êxtase, juntos. Estávamos mais unidos que jamais estivemos, ele por cima de mim, suado e descabelado, com as costas arranhadas. Eu por baixo, ofegante, entregue e satisfeita.
Ele deitou sua testa na minha e ficamos assim, em silêncio, ofegantes a procura de ar. Eu queria respirar o mesmo ar que ele e ele o mesmo ar que eu.
Encarei aqueles olhos azuis que só tem, tentando decifrar o que se passava pela cabeça dele naquele momento e eu pude ver. Não havia neblina nenhuma, seus olhos eram claros e limpos, então eu me vi. Eu me vi em seus olhos.
Não sabia ao certo o que se passava dentro de mim naquele momento. O que sentia, o que queria sentir. Não sabia se estava indo em um terreno perigoso demais para .
Nesse momento, eu não confiava nem em mim mesma.

This girl is only gonna break your heart
This girl is only gonna break your heart
Nobody loves no one...

***


O caminho de volta, meus óculos escuros, vento em meus cabelos e músicas em um volume moderado foram essenciais para que eu tirasse minha cabeça para pensar.
Não sabia ao acerto o que fazer depois disso. Naquele momento, eu estava completamente vulnerável e aproveitei disso para me conectar ao , porque ele me completava nesses momentos. Eu confiava nele, podia me entregar para ele e sabia que ele não abusaria da minha vulnerabilidade.
Mas mesmo assim, não sabia ao certo se o que fiz foi certo. Minha insegurança de me entregar a uma pessoa antes era já algo que me deixava paranoica. Agora no fim do mundo, minha paranoia aumentava.
Minha cabeça estava confusa demais para pensar. Eu sentia raiva, sentia satisfação, me sentia bem, me sentia mal. Queria mais e mais, mas também me julgava por estar me entregando para ele.
Não tinha medo que ele fodesse com a minha cabeça. Eu tinha medo de foder com a cabeça dele.
Chegamos na Colônia e já estava anoitecendo, logo ficaríamos cercados de mortos-vivos e eu não estava pronta para matar ninguém. A camionete entrou dentro da Colônia e na frente, me guiando para onde estacioná-la.
Desci da camionete tranquila, vendo passar por mim e dar um sorriso. Um sorriso considerado meigo que amoleceu meu coração. Merda.
Se estivesse aqui, com certeza estaria debochando da manteiga derretida que eu estava virando. Ri ao me lembrar dela. Então eu vi.
Toby com seus amigos, rindo, aproveitando a boa vida que a Colônia os proporcionou. O sangue ferveu rapidamente. Flashes na minha cabeça se passaram, eu sendo ataca e quase morrendo. O matando o homem, suas mãos machucadas. Eu machucada, desesperada e assustada, completamente vulnerável.
Tudo foi culpa dele.
Peguei a sacola especial que estava as coisas que ele pediu e fui até o grupo, batendo os pés já completamente alterada. Eles pararam de rir quando me viram e Toby adotou uma postura mais charmosa, esperando me seduzir.
Hoje não.
- Aqui está seu shampoo. – Taquei em um dos amigos dele. – Seu creme de barbear, seus barbeadores, cremes, desodorantes e géis de cabelo. – Taquei o resto das coisas nos rapazes que ficaram assustados com minha atitude.
- Relaxa aí, gatinha.
Ah, ele não fez isso.
- Ah, antes que eu me esqueça. Aqui está seu pacote de camisinhas. – Taquei o pacote em Toby na frente de todos os moradores que levaram suas atenções para o pequeno show. – É até risível acreditar que qualquer mulher em sã consciência gastaria o precioso e curto tempo de vida transando com algum babaca que nem você.
Sua postura mudou e ele ficou constrangido, com o ego ferido e isso o irritou.
- Para com isso.
- Ah, mais uma coisa. – Tateei meu bolso e tirei uma pequena embalagem com alguns comprimidos azuis. Os famosos azulzinhos. Entreguei a Toby.
- Que merda é essa? – Perguntou incrédulo.
- Prepotência não levanta o pênis de ninguém. – Dei uma piscadela e sai andando até a minha casa. Precisava ficar sozinha.
Mas sentia algo diferente em mim e na forma como todos me olhavam, algo na Colônia havia mudado para mim depois de tudo que aconteceu.
Eles me odiavam, todos. E não me importava.
Eu tinha o líder em minhas mãos e isso mudava tudo.

***


A noite caía na Colônia junto com uma leve garoa. Se o dia começou lindo, a noite terminaria feia.
convocou uma reunião com todos os moradores da Colônia, pediu para que nos reuníssemos na frente da Grande Casa, onde geralmente ele dá seus avisos importantes.
Pela primeira vez eu não sabia exatamente o que queria, não conversamos desde da farmácia, mas eu desconfiei que algo estava se passando pela sua cabeça. Por isso permaneci em silêncio o tempo todo, porque em um momento ele esteve entregue para mim e logo voltou para sua nuvem cinza. Dessa vez essa reunião era tão surpresa para mim quanto para os outros.
Logo apareceu com Jolie em seu colo e se posicionou na escadaria da Grande Casa, depositando um beijo na testa de sua filha e a entregando para Max.
Todos ficaram em silêncio e focados no homem que respirou fundo, eu senti uma pontada estranha. Ele estava diferente.
- Hoje, eu e , em nossa busca por medicamentos, fomos atacados por um grupo desconhecido. Não sabíamos exatamente quem eram e o quê estavam fazendo lá, se estavam de passagem ou preparando um ataque. Nossas ameaças se expandiram de andarilhos para humanos, como pudemos ver com o ataque recente à nossa Colônia. Mas a ameaça real não está só fora dos muros, mas aqui dentro também. Um pássaro azul me contou que há pessoas, pessoas que eu salvei e abriguei, querendo me tirar do poder, um motim. Uns de vocês acreditam que eu não sou um bom líder e vocês estão condenados em minhas mãos. E o motivo? Porque vocês se acham melhores que os selvagens, só porque não tem que lutar para suas míseras sobrevivências. E é até engraçado imaginar vocês, que mal sobreviveriam lá fora criando um motim. Iam fazer o quê? Me matar? Essa história de motim, junto com o ataque desse grupo desconhecido me fez repensar várias coisas e várias coisas irão mudar por aqui. E quem não gostar está convidado a se retirar, pode sair por aquele portão, duvido que sobrevivam. Se não gostam de quem eu considero de minha confiança, se vocês se acham melhores que a selvagem que salvou a vida de vocês mesmo sabendo que suas vidas valem porra nenhuma para ela, vocês podem cair fora. – Ele fez uma pausa, respirou e continuou: - Ingratos, vocês são ingratos. Vocês não têm ideia do quanto que eu fiz para manter todos a salvo, para erguer esse lugar, cuidar e proporcionar uma vida digna a vocês e é isso que eu recebo? Ingratidão? Eu posso dar a cada um de vocês uma arma, mesmo assim vocês não saberiam batalhar, morreriam fácil demais. Vocês são fracos, inexperientes, precisam de gente como eu, gente como meu grupo, gente como a selvagem. Mas vocês não andam merecendo isso. Enfim, a brincadeira de casinha acabou. Está na hora de nos prepararmos para o que está nos esperando do lado de fora e todos vamos lutar, se tivermos de fazer. Isso aqui não é mais uma democracia, vocês vão me ouvir e me obedecer, seguir regras e cumpri-las. Vão respeitar a todos que eu confio e me ajudam a manter esse lugar. Não importa se vocês gostam ou não. Não importa se é selvagem ou não. Não gostou? Faça uma reclamação. Se você tiver passado um bom tempo lá fora, ter visto tudo que eu vi e ter passado por tudo que eu passei, levarei sua reclamação em consideração. Fora isso, agora vão retribuir tudo que eu fiz por vocês.
então se retirou deixando todos incrédulos e chocados com sua declaração.
Eu não sabia o que fazer a partir de agora, minha vontade era de sair correndo para o lado de fora da Colônia, ou ir correndo para dentro do quarto de . Mas eu estava lá, com um sorriso de satisfação nos lábios, satisfeita com as expressões aterrorizadas daqueles que não são fiéis. Estava completamente excitada com a nova postura de e como o poder lhe favorece.
Agora é só esperar o que seria a ascensão ou a queda do nosso líder.
Que Deus abençoe a Colônia e a todos nós.


Capítulo 17 – O’ Children.

Música do Capítulo


Romero.

Todos que saíram conosco em uma missão no centro continuavam em uma fila, o que fazia sentido agora o choro de Lacey anteriormente ser destinado ao medo do que Slade seria capaz de fazer. Ele andou em uma linha reta, numa velocidade regular, encostando sua mão no ombro de algumas pessoas.
Baby, Lionel, Nico e qualquer outro soldado que se preparava para o fim próximo de Jerry. Todas estas pessoas que receberam o toque de Slade saíram da fila, se aproximando dos familiares, amigos ou da multidão que se aglomeravam nas mesas ao redor do jardim onde tudo acontecia.
- Está vendo isso Lacey?
Jerry estava no chão ao lado dela com todos os sintomas apontando que logo ele se transformaria. Ela chorava tentando ampará-lo, sem ter realmente o que fazer. Aquela cena me deu uma pontada no coração, pois mesmo não possuindo contato positivo com Lacey ou não conhecendo Jerry há anos, era fácil perceber que a ligação dos dois era profunda e deixava as coisas ainda piores para presenciar a situação.
- Eu considero você, realmente. Pena que ainda não faço ideia do que o fazer depois da burrada cometida naquele shopping! – ele misturava raiva e indignação em sua voz, por ter ser obrigado a transformar nossa volta em um mártir desnecessário.
Tudo que ele queria provavelmente era que todos ali tivessem mais remédio e comida. E eles teriam, mas outra vez, arriscamos demais e perdemos outra pessoa.
- , por favor... – ela lamentou arrependida. Os olhos inchados e ainda de joelhos buscando clemência. Parecia um deja vu. – Não foi culpa minha, eu te juro... Lionel estava lá, ele pode te falar o que realmente aconteceu.
Com estas palavras me virei para o loiro que abaixou o rosto sem indicar algum resgate à garota. Não que ele pudesse se redimir a meu ver dessa forma, nada do que ele fizesse poderia apagar o passado, e como o esperado apenas se fez de desentendido.
Com o silêncio dele, Lacey esperou alguns segundos antes de se tomar por vencida. Para ela não haveria mais esperança.
O que a fazia trabalhar para uma pessoa que sofria de tanto medo e insegurança? É impossível que somente eu veja Slade por outros olhos, menos julgador e esperando o pior de cada passo que ele dava. Ele não mudou sua feição para a atitude de Lionel, e acabou esperando alguns segundos, talvez esperando que haja algo de bom dentro do seu velho amigo.
E nesse silêncio arrebatador com somente o choro da garota ao chão se ressaltando, Jerry veio ao chão. Já não havia mais febre ou dor. Ele estava morto.
E assim que seu corpo encontrou a terra, um garoto jovem correu em sua direção gritando seu nome com a expressão similar à de Lacey. Lágrimas nos olhos e desespero em seus gestos. Antes que o menino chegasse perto do corpo, Nico o prendeu em um abraço, e o mesmo aceitou aquele abrigo com o calor humano, soluçando na camiseta dele.
Suspirei profundamente olhando para cima rezando para que o fim daquela noite não seguisse para mais uma tragédia. Slade voltou a falar:
- E lá se vai mais um dos nossos. Há seis meses éramos trezentos, hoje estamos em cem – entortou o pescoço encarando a cena de Lacey abraçando Jerry, que espiritualmente já estava longe dali. Dessa vez ele falou alto para que todos pudessem escutá-lo – Talvez você devesse comparecer ao treino com as crianças que acontece toda semana em nossa laje, aquele que todos pensam que eu não faço ideia que existe – ele ri sarcástico. – Aquelas crianças devem ter mais coordenação do que você. Ao menos treinam antes de se acharem aptas para saírem e foderem com uma missão inteira.
Slade fica quieto, eu te imploro.
Ele caminhou até Lionel e pude o ouvir chamar seu grande companheiro para esperá-lo no corredor dos fundos. Sentiram o sarcasmo? Antes que Lionel partisse, Slade também pediu sua pistola emprestada. Lionel engoliu seco lhe alcançando o objeto, até seguir seu caminho para o local vazio atrás do QG.
Ele já tinha uma pistola em seu cinto. Estava tentando desarmar Lionel, ou estaria tentando fazer com que o próximo tiro disparado naquele local não saísse de sua própria arma. Eu apostaria na primeira opção.
Meus pensamentos foram interrompidos quando ele voltou a falar e o povo continuava com suas bocas costuradas. Era como o discurso do prefeito em pleno feriado nacional. Não havia novidade alguma, e mesmo assim todos paravam para escutar.
E eu contava os segundos intencionalmente para ter conhecimento de quanto tempo duraria para que o corpo de Jerry voltasse a se mover, colocando em risco todos ali dentro. Mas era de Slade que estávamos tratando, o homem que tinha controle de tudo ao seu redor. Vivo ou morto.
- O que aconteceu foi o seguinte pessoal, – sua oratória gesticulando com a arma em mãos, era digna de uma palestra de terror – Todos aqui temos responsabilidades, certo? O padeiro faz o pão, como a arrumadeira cuida de roupas, e sabemos o fim da história. Meu grupo de campo se trata dos melhores. Os melhores dos melhores. Aqueles que vão para fora com toda a coragem contida nas veias pensando no bem dos que estão aqui dentro, e neles mesmo, até porque irão usufruir cada pedaço de comida que roubamos do outro lado do muro. Somos como uma colônia de formigas, se cem formigas passam um grão de milho na mão de cada uma, e uma dessas quebra uma pata, tudo desmorona. Aquele trabalho árduo acaba sendo destruído pelo descuido de uma formiguinha que não estava bem preparada – se aproximou de Lacey – e você acabou sendo essa formiguinha, Lacey. Meu Deus, a loirinha não fez burrada nenhuma seguindo o próprio líder e eu sei que ela me odeia, poderia ter me jogado contra uma sala cheia de vagantes, mas não. E você com essa mania ridícula de querer se sair bem por cima de todos, argh – colocou as mãos em seus olhos cansados, era difícil vê-lo irritado, se estivesse sorrindo ao fazer aquilo, eu me sentiria melhor porque era sua expressão mais comum, o sadismo lhe servia bem. – Estava óbvio que acabaria em merda, mais cedo ou mais tarde. O mais cedo foi hoje. E o pior, foi que contestou as ordens da líder do seu grupo, colocou em perigo – ele falava como se não acreditasse em seus atos e eu prendi a respiração ao ouvir meu nome sendo exposto, como se o pessoal do QG já não falasse o bastante nos últimos dias. – A novata te superou ao conseguir ser mais madura que você em poucos dias nessa comunidade.
O choro já tinha cessado e ela estava calada como uma rocha, encostada a Jerry. Creio que uma das piores maneiras de quebrar uma pessoa é compará-la como alguém inferior de sua percepção. E ele havia feito isso sem pestanejar.
- Levante-se daí – Slade ordenou e ela ergueu-se cambaleante, tendo dificuldade em deixar o amigo.
E então o cadáver se mexeu. Aquele rosnado do fundo da garganta, com o único desejo atiçado por comida em seu cérebro morto, estava acima de qualquer voz de espanto no ambiente.
Os próximos segundos foram rápidos demais. Slade entregou a arma que havia pegado com Lionel nas mãos de Lacey, pedindo para que ela terminasse com o serviço, afinal era responsabilidade dela.
Nico tentava não transparecer a tristeza em perder o próprio parceiro, segurando em um forte abraço o garoto que estava desesperado gritando pelo irmão mais velho, resistindo à segurança para tentar se aproximar.
Lacey rejeitava a ideia, chutando com os pés aquele corpo vagante que minutos atrás era Jerry nos contando uma piada para aliviar a tensão entre nós duas na farmácia. Ela não queria fazer aquilo. O peso nas costas de ter que matar uma pessoa que você conhecia e conviveu junto, era demais para qualquer um de nós. Infelizmente eu duvidava que Slade fosse reverter o processo e matasse ele mesmo Jerry em sinal de benevolência. Não por ser uma atitude altruísta, mas por serem ordens que precisavam ser cumpridas. Era como se ele tivesse uma agenda com tópicos em sua mente, e quando marcou lá que aqueles que fodiam com uma missão precisavam ser punidos. Eles seriam punidos. Se havia uma corte, Slade era o juiz.
Jerry estava perto demais e automaticamente andei em direção a eles para fazer algo que não permitisse ele se aproximar.
- Faça logo! – Slade gritou para a garota com a arma em mãos.
Quando cheguei à frente de Jerry, aquele som me deixou surda e paralisada por alguns instantes antes de me dar conta de que Lacey por fim havia atirado em Jerry. O sangue em seu cérebro pingou na plateia que estava horrorizada como o esperado.
Afinal, nunca iríamos nos acostumar.
- Dá um jeito nesse corpo. Queime, enterre, jogue do precipício. Veja o que o irmão dele preferir. Não vamos conseguir jantar com esse cheiro no quintal. – Slade falou para Nico.
Ainda estática naquele centro, desconstruí aos poucos minha pose respirando com calma. Olhei para Baby ao lado de Teddy e iria seguir meu caminho em sua direção, percebendo que minha bota ainda estava em suas mãos.
Contudo era triste ver seu olhar dolorido para a poça de sangue no chão. Havia na sua blusa também. Baby era tão forte, resistiu todos os últimos momentos de Jerry tentando fechar sua ferida, o otimismo dela era algo invejável que eu gostaria que fosse contagioso.
Prestes a dar um passo, Slade virou sua atenção para mim.
- , venha comigo. – disse com o sotaque mais forte por sua voz grave e sem emoção.
Há muito tempo não sentia minhas pernas tremerem com o nervosismo.

***



Segui Slade e ignorei a cara feia de Lionel para mim ao acompanhá-los, tendo um mau pressentimento do caminho que seguíamos. Marchamos pelo corredor em direção àquela porta solitária, descemos as escadas e eu não sabia o que pensar. Logo estávamos dentro da sala vazia onde havia somente uma porta para o precipício nos fundos, e a cela.
A cela onde Jacob acordou assustado ao ver que tinha visita.
Meu instinto protetor estava ligado e eu ficaria em sua frente, impedindo que algum daqueles homens fizesse mal a ele, o que não foi necessário.
- Saia daqui logo garoto, que a coisa vai ficar feia. – Slade falou.
Jacob tinha sua pequena face assustada, me encarou como se pedisse ajuda e permissão, ou talvez ele estivesse oferecendo ajuda para mim. Assenti para ele, gesticulando que estava tudo bem e Jacob voou escada acima.
Então Slade não somente tinha conhecimento do treino com as crianças acima do QG, como também estava ciente da vivência de Jacob ali dentro. E eu não conhecia me decidir sobre como me sentia com estas informações. Talvez um pouco mais confiante com meu julgamento não ser somente sobre maldade com todas as suas atitudes, pois se fosse, cada uma dessas regras que os moradores quebravam já teriam suas punições há muito tempo. Por outro lado, era um pouco desconfortante saber que a cada passo que dávamos, ele já providenciava seus ratinhos para conseguir todas as informações.
O silêncio predominou o local até que ouvimos a porta de cima se bater, informando que Jacob estava longe. Slade e eu fitamos Lionel por alguns segundos, e aos poucos eu entendia o que estava acontecendo. Só não sabia se seria bom ou ruim. E então compreendi que mesmo estando na presença de Lionel, eu me sentia consideravelmente segura, porque Slade estava ali comigo. E no meu interior eu acreditava que mesmo parecendo assustador ao me chamar para acompanhá-lo, o final nada feliz aqui não seria o meu.
E parecia que a ideia já estava na mente de Lionel, que alterava seus olhares entre nós dois e o suor apareceu em sua testa. O nervosismo. Na sua face estava clara a dúvida e o medo inconfundível.
Alargou o colarinho que parecia sufocá-lo e tentou sair andando novamente para as escadas, mas Slade o impediu, passando por seu espaço pessoal, encostando-se muito próximo a Lionel, e quando pareceu que iria contar um segredo em seu ouvido, em um gesto brusco o nocauteou, socando direto sua têmpora.
Fiquei assustada com o comportamento de oito a oitenta, mas consegui me conter, cruzando os braços observando cada passo de Slade. Mesmo com a vida selvagem que levei com a minha irmã antes de chegar aqui, em algumas ocasiões todos os atos dele eram algo novo para mim, e talvez, no fim de tudo, isso seria bom. Se no meu próprio lar eu passava por experiências traumatizantes, isso apenas me deixaria mais forte no futuro. Parece que o otimismo de Baby era contagiante no fim das contas. Ou era apenas a parte ilusória da minha mente falando por si mesma.
- Vai me contar o que pretende fazer? – perguntei tensa.
Ele ignorou minha pergunta e entrou na cela onde Jacob dormia. Sem muito esforço retirou o colchão de cima, o largando encostado na parede. Retirou o lençol e colocou em seu ombro. Puxou a cama de ferro para fora e deixou ao lado do corpo sem movimentos de Lionel.
Slade rasgou aquele lençol, cortando uma parte com os dentes e continuando a fenda com a força dos braços. Foram quatro partes. Parou por um segundo e me encarou.
- Como já havia dito, agradeço por clarear minha mente . Mas agora preciso colocar o papo em dia com esse cara aqui.
Ele pegou Lionel no colo, o que não foi difícil, pois o homem conseguia ser mais magro do que eu, e o posicionou no estrado de ferro em cima da cama sem colchão. Pegou um pedaço do pano que cortou do lençol branco e amarrou o único braço de Lionel no ferro da cama. Fez o mesmo com o pescoço. Ele tentava prendê-lo para que não houvesse escapatória daquela conversa que parecia um próximo interrogatório e tortura.
- Temos regras claras aqui dentro. E não serve só para quando estivermos com os pés no QG, lá fora também é valido, sem estas regras estaríamos convivendo com um bando de selvagens – disse retirando os sapatos de Lionel, sem olhar para mim – Estupradores não possuem segundas chances nesta comunidade.
Espera. O que ele estava fazendo?
- Uma dama não deveria ver isso. – com isso, ele retirou o cinto de Lionel e abaixou suas calças. Meu coração parou na garganta.
Slade estava prendendo as pernas com o pano do lençol agora, deixando um homem sem saídas, acorrentando e nu.
- Pensa bem no que você vai fazer, pode se arrepender disso mais tarde – aconselhei, não havendo um pingo de certeza em minhas palavras.
- – falou, se levantando e aproximando-se de mim – Ele não é somente o cara que fodeu com a nossa missão e abusou de você. Ele acaba de colocar toda a vida nessa comunidade em risco por estar trabalhando em cima do muro. Tenho minhas apostas para quem ele está trabalhando, e logo você vai se ligar de quem estou falando. Com isso, ele acaba de adquirir uma passagem sem volta para o inferno, porque ultrapassou os limites de covardia e mau-caratismo ao enganar quem lhe acolheu quando estava praticamente na merda.
Seu rosto estava a alguns centímetros do meu, seu olhar penetrava minha alma, e ele sussurrou para que as palavras impregnassem para sempre.
- Acha mesmo que ele deve sair impune depois do que fez com você? Acha de verdade que vou deixá-lo livre, fácil assim?
Não encontrei entusiasmo no meu tom.
- Você não é Deus para decidir isso.
- Deus nos deixou sozinhos há muito tempo – rebateu.
Dei-me por vencida até porque não estaria ali lutando para que ele não fizesse o que desejei fazer naquele dia dentro do trailer. Abri o armário ao lado da porta que parecia ser uma dispensa resgatando uma garrafa de bebida. Subi as escadas sem falar nada. Deixando subtendido que ele poderia fazer o que bem entendesse.
Minha última visão foi Lionel com as pernas abertas em cima daquela cama que agora estava na vertical, com sua cabeça para baixo e Slade virado para ele, retirando a faca de sua cintura.
Ao abrir a porta, um peso caiu sobre ela e notei que Jacob ainda estava ali, pálido e com as mãos abraçando os joelhos.
- O que houve?
- vai me mandar embora daqui, , como Baby disse.
Cortou-me o coração ele estar tão assustado.
- Ninguém vai tocar em você enquanto eu estiver aqui – assegurei, me agachando a sua frente.
Slade não faria nada contra ele, eu sabia daquilo. Se não havia feito todo esse tempo quando claramente sabia que Jacob morava no QG, por que faria agora? Não havia motivos para preocupação, mas não era com a mente de um adulto que eu estava lidando. Precisaria acalmá-lo e lhe contar tudo o que sabia, lhe dando motivos o suficiente para ele estar confiante de sair dali sem necessidade de se esconder outra vez.
- Eu espero – falou baixo e um pouco triste.
Neste momento ouvimos Lionel soltar um grito de dor em baixo das escadas. Mesmo que a distância abafasse o som para o resto do QG, ao lado da porta era impossível de ignorar.
- Vamos.
Abracei o menino que parecia ainda menor com tanto medo, e o peguei no colo. Ele grudou suas pernas em minha cintura e me abraçou com força. Saí dali o carregando para fora de toda aquela loucura que não era saudável para alguém de tão pouca idade.

***


Já era madrugada no Quartel e eu parecia estar em algum tipo de menopausa precoce para o tanto de calor que sentia. Usava somente meu vestido branco que parecia uma camiseta com uma calcinha simples por baixo.
Calor me causava irritação, irritação gerava ignorância da minha parte pra qualquer coisa ao meu redor. Como andar descalço e de calcinha pelos corredores. E a raiva também me dava fome.
Tudo isso se englobou e me fez seguir o caminho até o escritório do antigo general, agora de Slade, em busca daquelas balas coloridas que eu havia encontrado outro dia.
Jacob ficou em meu colchão dormindo ao lado de Baby. Eu o levei para passar a noite conosco e tive uma grande conversa com os dois. Sobre o chefe já saber que o menino vivia ali e não tinha o porquê de tanto medo da liberdade de conviver na comunidade. Foram muitas horas de discussão e foi difícil convencer Baby de que estava tudo bem, mas com muitas palavras persuasivas, foi possível acalmá-la. Claro que ainda havia um passo em falso por parte da loira, mas teria que ser trabalho aos poucos.
Eu não estava pedindo que ela confiasse 100% em Slade. Mas que confiasse em mim, porque se dependesse de , ninguém machucaria Jacob, e eu estava a ponto de jurar de mindinho.
Finalmente cheguei ao escritório e estava tudo escuro e abafado. Estranhei o cheiro de cigarro e andei até a mesa procurando pelo pote de vidro. Infelizmente não encontrei nada.
Calor e fome.
Sentei-me na grande cadeira abrindo cada gaveta dali e abaixo da mesa, pude ver uma lata de lixo. Ao lado da lata, estava o pote de balas. Suspirei em felicidade, me acomodando com os pés em cima de toda aquela papelada e saboreando uma balinha de menta.
Uma das piores coisas sobre o apocalipse era a falta de açúcar. E eu sempre fui muito fissurada por doces, conviver em uma dieta forçada de apenas alimentos naturais era demais pra mim no começo, mas quando a coisa começou a apertar e tudo que tínhamos para comer era mato... Até a terra tinha gosto de chocolate.
Estava viajando com o gosto da bala quando o abajur ao lado do sofá preto se acendeu e pulei com o susto da imagem de Slade apagando um cigarro.
O cara estava ali todo esse tempo?
- Pensei que estava atrás de alguma coisa interessante, mas parece só fome da madrugada.
Continuei sentada ainda um pouco nervosa com todas as situações de mais cedo.
- Esse pote de balas deve ser a coisa mais interessante do escritório, ao menos para mim – disse, não mencionando que já havia entrado ali para procurar algo sobre sua vida.
Contudo não tinha o que perder, se ele sabia que eu sabia da existência daquelas balas, já tinha ideia que andei bisbilhotando a sala. E nesta altura do campeonato eu estava nem aí. Se Slade quisesse meu mal, já teria providenciado há muito tempo. Green card com o chefe eu já poderia ter certeza de que tinha.
- Por incrível que pareça, concordo com você.
Pensei por alguns segundos antes de tomar coragem para fazer a pergunta.
- O que fez com ele? – falei, imaginando sua resposta. Ou a falta dela.
- Me prontifiquei de que seria impossível ele pensar em ir contra a vontade de qualquer mulher outra vez. – disse, com um sorriso de lado.
Ew.
Seria possível fazer xixi sem o... Enfim.
Uau.
Havia alguns fatos que eu já conhecia sobre Slade, criatura peculiar ele era.
- E por que você me levou lá pra baixo? Não seria mais fácil simplesmente, fazer e mencionar mais tarde que finalmente puniu o covarde? Provavelmente eu já estaria mais relaxada agora e dormindo como os outros. – Claro que nem todos, Lacey deveria estar com insônia também.
Ele pareceu pensar em uma resposta.
- Eu pude notar seu olhar, sabe? Não que eu já não acreditasse em tudo que você me contou antes. Mesmo se sentindo um pouco segura por eu estar lá, ainda assim, foi como um combustível notar o medo na sua íris para que eu conseguisse ir até o final.
- Há alguma razão para que não conseguisse?
- Sim. A mesma que me fez não desconfiar dele, que me fez cegamente buscar vingança contra a Colônia não pensando que de alguma forma a história dele poderia estar sendo contada de forma que eu não o visse como o verdadeiro vilão. A verdade é que eu e Lionel estávamos juntos há muito tempo, e vê-lo dar as costas para tudo que foi criado aqui dentro... Pode ser que parte de mim já sabia, mas preferia não acreditar.
Franzi o cenho, levemente afetada com suas palavras.
- Sinto muito, mal posso imaginar, na verdade. Nunca passei por esse tipo de traição. Provavelmente porque a única pessoa em que confiava nos últimos meses fora minha irmã.
Ele riu, sem sentir algo engraçado.
- Isso é bom. Assim quando alguém importante te apunhala pelas costas o sentimento gerado se torna menor e cada vez é mais fácil passar por isso.
- Não parece ter diminuído para você. – arqueei uma sobrancelha.
Ele deu de ombros.
- Quanto menor a quantidade de pessoas que estão ao seu redor que realmente gostam da sua companhia, você escolhe com melhor facilidade em quem confiar, infelizmente só aumentam as chances da decepção.
Claramente Lionel não era o primeiro a lhe dar um tiro pelas costas. O difícil era ter qualquer informação a mais sobre isso. Nós dois nos dávamos bem para falar sobre o presente, o passado de outra maneira, era difícil se tornar uma página escrita. Eu apostava que no fundo Slade gostava de minha companhia por conseguir escrever uma nova história naquelas páginas em branco sem precisar colocar notas no rodapé sobre tudo que o transformou no homem que era hoje.
- Quem destruiu seu coração, Slade? – declarei com um pequeno sorriso.
- Muitas pessoas. Amizades em primeiro lugar, esses são os piores. Você não será a próxima, certo Romero? De qualquer forma, você me fez chegar a um ponto aqui. Tudo que te disse na noite da fogueira, dentro daquele carro, foram pelo os dias que te observei no QG, foram pelas vezes que presenciei sua personalidade. Porém ainda me sinto cego sem saber sobre o seu passado.
Pensávamos juntos agora?
- Não tem muitas coisas interessantes sobre mim, na verdade. Meu pai não é o presidente, meu sangue não é imune ao vírus ao nosso redor. Não sou uma duplicata fugindo do governo que estava fazendo pesquisas na semente original.
- Alguém já lhe disse que você faz muitas referências cinemáticas? – falou, descontraído.
- Sim, e você acabou de ganhar dez pontos comigo por entendê-las. – disse rindo.
- Sorte a minha. Mas uma dúvida grande que tenho desde o dia em que te vi na sala de medicamentos é a corrente que carrega no pescoço, quero saber a quem pertencia. – falou ainda sentado.
Segurei em mãos para que ele visse o nome.
BLAKE ROMERO.
- Era de meu pai. – disse, sem intenção de mais informações. Não havia muito que falar.
Pude relacionar as histórias. Meu pai e Slade. Os dois foram soldados. Mas ao contrário de Slade, meu pai não ficara dessa forma, tão intensivo quanto tudo ao seu redor. Saiu do exército para buscar minha mãe e formar uma família, para ele tudo era família, não as pessoas em geral.
Se a família estava unida, nada mais importava...
Slade tentava cuidar de tudo e todos. Para ele missão dada era missão cumprida. Era visível sua falta de otimismo, por isso se algo em sua mente se concretizava, ele precisava fazer aquilo acontecer, ou, explodiria como aconteceu assim que perdemos um soldado mais cedo. Não estava nos planos dele.
- Você teve família? Filhos? Mulher? – perguntei antes que mencionasse algo.
Ele respondeu simplesmente:
- Nada muito interessante também. Pai ruim, mãe ausente, o de sempre. – tragou o cigarro.
- Boa resposta. E isso me deixa em um quarto vazio e escuro quando tento te conhecer e entender tudo o que você faz. – retruquei.
- Não havia assumido que era apenas loucura? – disse irônico, se levantando e acendendo a luz ao lado da porta. Sua presença preenchendo o quarto, usando uma camiseta justa, preta e calça bege, o habitual.
- Todo louco tem seus motivos.
- Faça sua aposta. – falou quase brincando.
- Hm... – olhei para a luz, tentando pensar em algo. – Pode ser muitas coisas. Culpa dos seus pais, culpa de algum amigo, alguma ex-namorada... Porém minha aposta maior é sua nacionalidade.
Ele gargalhou.
- Você não faz nada bem ao meu ego, sabia disso? Primeiro já me disse que sou velho demais pra você, e agora também é contra britânicos?
- Bom, não pode ser normal alguém de tão longe ter se perdido no Alabama, qual é. Como veio parar aqui? Pode ser que você esteja fingindo o sotaque também, para atrair as garotas.
Ele arqueou a sobrancelha antes de se levantar e ir em direção a estante.
- Está funcionando? – perguntou em tom grave.
>Você não faz ideia, pensei comigo mesma. Até mesmo sua sobrancelha falhada fazia com que seu charme aumentasse. O corpo tatuado e atitude de macho alfa eram somente bônus.
- Puff, prefiro os caipiras do sul, mas como não há muitas opções para mim no momento...
- Bom, eu sou mesmo da Europa, não minto sobre isso, e me mudei para cá quando tinha, não sei, sete anos? – alcançou alguns dardos dentro de um prato branco na exposição de vidro e começou a atirar com força e precisão contra a parede que agora eu havia notado que continha alguns furos já causados pelo mesmo.
- Está aqui desde os sete anos e continua deixando os R’s inaudíveis? Sabia que havia algo de errado com você. - Ou novamente, só forçava aquilo pra melar calcinha. Mas ele não precisava ouvir sobre isso.
- Acho que foi uma maneira que minha mente encontrou de me manter perto de casa, de uma forma estranha talvez. E também, vocês usam R’s demais, não queria pegar esse vírus.
Revirei os olhos. Acertou com força o último dardo e se virou para a estante novamente, retirando de dentro a foto do General, pai de Baby. Se sentou na cadeira do mesmo e deixou aquela foto a minha frente.
- Este aqui – apontou para a foto – era o homem que eu queria ser. Era alguém que me ensinou como ser forte quando era um apenas um menino assustado com os adultos ao meu redor, um exemplo não só pra mim, mas para todos os meus amigos também, jovens sem futuro ou alguém decente para poder se espelhar, e ele serviu por um tempo, para ser alguém que eu contava como o correto. Seus ideais eram... Cadê conseguiu salvar milhões de vidas antes de a insanidade lhe corromper. – riu sem acreditar – Rebater a ele foi um dos momentos mais difíceis em minha vida, afinal, ele era como um herói para mim. Mas eu precisava fazer algo para salvar todas aquelas pessoas. Para salvá-la... – suspirou. Salvá-la? – Descobrir que o General era um completo covarde que não colocava a cara lá fora foi algo que me deixou sem estruturas. Ele mudou com o tempo. Ele preferia perder soldados a achar uma melhor solução para mantê-los unidos e vivos. A própria filha estava presa em um porão dentro de casa e ele não teve coragem de buscá-la até aqui onde havia um muro gigante para protegê-la, todo esse lugar apenas estava esperando que alguém a altura aparecesse e o comandasse, para virar uma boa resistência. Como somos hoje. Mas não. Ele fazia questão de fechar o portão na cara de sobreviventes que não pareciam limpos o bastante – ele se levantou com os punhos fechados, sua pele dos dedos estava branca. Abaixou a moldura com a imagem do General e se acalmou internamente. – Não estou tentando me justificar, é só... algo. O resto faz parte de mim mesmo. Se não gostou, pode ir. Ainda acredito que você está tentando encontrar alguma justificativa para me transformar em um ser humano melhor, talvez assim você pudesse gostar de mim com a consciência limpa.
Arqueei uma sobrancelha.
- Pode me culpar? Você não é a pessoa mais famosa ou confiável aqui dentro, Slade, ao menos, é o que dizem. Me alertam sobre você.
Ele assentiu distante.
- O mínimo que você faz é dizer isso a mim . Nunca fui um livro fechado, falta apenas um leitor ávido que tente abrir as páginas sem se assustar.
- E você acha que eu tenho medo de você? – falei sem precedentes.
Nossa troca de olhares não cessava e como se fosse possível, a sala estava ainda mais quente. Com isso, Slade se aproximou lentamente.
- São poucas as chances que consigo ficar sozinho com você – ele se ajoelhou na minha frente e me sentei, estávamos da mesma altura. Ele alcançou meu pé descalço e plantou um beijo leve ali. – Quando consigo um momento só, você foge de mim.
Tentei manter o foco na pseudo discussão, e não em seus toques.
- Ah, amor – imitei seu sotaque dramaticamente. – Isso é intriga da oposição e não concordo. Nunca fugi de um assunto não acabado. Nunca fugi de meus atos.
- E como posso saber que não está fugindo agora... – ele continuava a me beijar, criou uma trilha de beijos em meu pé, minha cicatriz na canela, joelhos... Coxas. Beijos molhados. E quando chegou próximo ao meu melhor ponto, suspirei levemente, ele voltou a falar, sua respiração batendo por dentro de minhas pernas –... Só por que virou uma garrafa de bebida inteira?
Ele parou de beijar minha pele e chorei internamente querendo seu toque outra vez. Minhas pernas estavam abertas ao seu redor e ele colocou sua face contra o material da poltrona, como se tentasse limpar sua mente.
Aproveitei o momento para acariciar seu cabelo.
- Eu não bebi, Slade... Você precisa entender que mesmo você sendo milhares de anos mais velhos do que eu – ele arqueou a sobrancelha, tentando entender onde isso daria. – Não significa que eu seja uma criança, ok? Eu já passei por maus bocados e você sabe disso, você confiou em mim dentro daquela farmácia. Me deu uma chance porque sabe que fiquei sozinha sem a ajuda de alguém lá fora por algumas noites também.
- Tudo bem – ele assentiu – você está dizendo que sabe o que quer, é isso? – disse baixo, sem quebrar o clima. Nossos olhares não se desviavam e eu me encontrava cada vez mais... Encantada por ele. Ele sabia segurar um olhar sem quebrar a intensidade. Como se tentasse memorizar cada traço do meu rosto.
Eu concordei balançando a cabeça. Ele pegou a palma da minha mão beijando meus dedos.
- Se eu falar baixo talvez não pareça real ou você não escute, enfim, – sussurrei – eu vim até aqui esperando de alguma forma encontrar você. Eu precisava entender o que estava... Está acontecendo entre nós. E você precisa também, eu sei que sim.
- Entender o que, ? – ele levantou seus olhos para mim e encontrei sinceridade ali dentro. – Eu pensei que isso já fosse resposta o suficiente.
Ele falou antes de fazer um carinho leve por toda a extensão da minha coxa, e entendi que ele se referia a todos aqueles choques deliciosos que aconteciam toda vez que estávamos próximos um do outro. Eu não era a única a senti-los.
Abri a boca não encontrando palavras, grunhi olhando para o teto e mordi os lábios.
- Eu só... Sabe quando falamos sobre eu conseguir confiar somente na minha irmã? É isso que me deixa nervosa para qualquer passo em frente com você. Eu preciso de algo que me dê segurança. Ficar com você por uma noite porque estou com medo de morrer no dia seguinte não é o bastante. Eu quero ter certeza do que preciso em você e saber se talvez no fundo, você também precise de mim.
Dessa vez ele ficou em uma posição sólida, sua mão segurando com força minha cintura.
- Acha que não preciso? Acha que não sinto nada? Você provoca o fogo em mim. É como uma esperança nessa merda de fim do mundo. Alguém que eu poderia recomeçar e que já não fizesse parte da merda de todos os meus atos – se aproximou, fazendo com que minhas pernas se abrissem ainda mais, deixando a mostra minha calcinha. – E mesmo com todas as merdas, você continua aqui... Eu quero você aqui. Não quero você fugindo de mim. E o bom é que... – plantou um beijo em meu pulso que segurava seu pescoço – Você não é santa, , – sorriu com malicia e eu estremeci. – Aguentou tudo sem pestanejar. Às vezes acredito que você tá bagunçando minha mente. Mas clareá-la para fazer o que fiz mais cedo possa até ser a melhor bagunça mental que tive em anos.
- Boa bagunça? Tem certeza? Minha última recordação não é muito boa... – me referindo ao homem preso na vertical.
- Você acabou trazendo um pouco de verdade para a maioria das minhas dúvidas. Isso é bom...
- Então sua atual situação não deve estar tão boa assim se isso é algo positivo. – falei com minha expressão sendo pura dúvida. Ele gargalhou.
- Você não faz ideia. E da mesma forma isso não tira seus créditos. Além de tudo isso, olhe para nós Romero. – ele se aproximou de mim e me senti encurralada, não de uma forma ruim. Slade segurou com força minha bunda e apertou até me jogar sem delicadeza em cima do sofá, me moldando até que estávamos deitados ali os dois com o seu peso em cima de mim. – Você sente isso também.
Ele percorreu seus dedos pela minha pele macia e meu corpo respondeu instantaneamente, tremendo e se arrepiando como se uma pena estivesse passeando pelos meus poros e deixando um leve incêndio para trás.
Fechei os olhos contendo um gemido.
- Você realmente fala demais, .
Senti seus lábios sorrindo contra minha boca antes dele depositar um leve beijo úmido e passear pelo meu rosto, continuando com as palavras, os toques e caricias, abaixando as mangas de meu vestido largo até meus seios ficarem completamente expostos. O ar sumiu completamente de meus pulmões.
- Tudo sua culpa, . Você tá mexendo comigo. – selou os lábios em meu pescoço, me arrepiando. – O que me faz ter certeza de que te quero, e dos meus sentimentos sobre você apesar de tudo.
Eu estava ali, somente de calcinha, desnuda à sua frente, e seu olhar era de completo desejo. Eu fervia por dentro.
- E se você não tem certeza dos seus sentimentos, eu posso te ajudar – senti sua respiração em meu rosto, mordendo com uma delicadeza tortuosa meu lábio inferior, puxando para si.
Fechei os olhos quando ele abaixou sua cabeça para meu corpo. Ele segurou um dos meus seios com a mão e chupou o outro com leveza. Ele conseguia me acender com sua forma calma. Mas eu precisava de mais.
Continuou lambendo e mordiscando meu mamilo até que sua mão foi deslizando pela minha coxa até alcançar a virilha. Senti seus dedos grossos me acariciarem através da calcinha fina e gemi com a aspereza da sua pele quando encontrou o meu ponto tão sensível. Ele iniciou uma sequência de movimentos circulares e hipnóticos enquanto sussurrava em meu ouvido:
- Eu quero muito mais que isso. Mas por hoje, vou somente me deliciar com seu gosto e você vai aproveitar cada segundo. - Slade puxou as laterais de minha calcinha e ajudei levantando as pernas. Retirei por cima o vestido e o beijei.
A sensação de estar conectada a ele completamente nua, mesmo ele estando ainda tão vestido... Meus seios em contato contra seu peitoral duro e nossas línguas se massageavam com cuidado, fazendo crescer aquele velho sentimento dentro de mim.
Slade deixou meus lábios e foi para meu ponto de deleite. Agarrei seus cabelos com vontade e gemi quando sua língua entrou em contato com a minha pele frágil. Fazia tanto tempo, e meu desejo por ele era tão grande, que eu tinha certeza de que não demoraria a vir.
Slade massageou os lábios com um movimento de vai e vem, me encharcando sem tocar no ponto principal. Eu contorcia meus dedos do pé, ofegando sem me controlar, seus cabelos já não era o suficiente e sentei minhas costas retas no sofá, arranhando o material fofinho atrás de mim.
Minhas pernas estavam abertas ao máximo e Slade. Não. Parava. Se parasse, eu o mataria. Ele me lambia como se estivesse me devorando, e depois de muita preliminar, massageou meu clitóris com sua língua, me fazendo gemer alto e sem medo de que o segurança do portão poderia me ouvir.
Na verdade, eu não conseguia pensar em nada, a não ser em sua boca me devorando. Ele estava faminto.
Estava chegando perto e eu não queria esperar. Eu estava suada, nua e o cheiro de sexo no ambiente embaçava minha visão. Ele apertou com força minha coxa e cada pensamento sujo que já tive algum dia com ele fora respondido: ele fazia com força. Ele tinha tanta raiva dentro de si quanto eu tinha e toda a delicadeza do início dizia adeus quando as investidas ferozes acordavam a fera dentro de nós dois.
Sorri para ele, rebolando minha cintura em sua mão. Não durou muito, ele colocou dois dedos dentro de mim, fazendo movimentos rápidos, entrando e saindo, enquanto sua boca ainda continuava lá e seu olhar para mim era de puro desejo. Eu gritei sem voz e puxei seus cabelos, sem machucá-lo, não conseguindo me manter no lugar com aquela sensação monstruosa de prazer tomando conta de meu corpo inteiro.
Revirei os olhos quando Slade me segurou com força contra o sofá esperando cada espasmo do meu corpo passar e ele podia sentir todos eles. A fraqueza dos meus músculos se agarrava em seus braços me impedindo de me sentir sozinha dentro daquele abraço e de todo o calor humano que me cercava.
Depois da explosão, me deitei novamente no sofá esperando aquela sensação passar. Eu estava tão leve que mal conseguia abrir os olhos, e quando os abri, vi Slade ao meu lado ainda de joelhos, com aquele olhar escuro como se ainda me desejasse. Afinal, deveria estar desejando. Entretanto, a escolha do prazer ser somente meu essa noite fora inteiramente dele, e se talvez ele pedisse por uma vez, eu poderia mudar isso. Sorri mordendo os lábios e tentei repensar o que havia acabado de fazer.
Slade.
Sério ?
Gargalhei alto.
Slade me olhava como se não entendesse a minha reação, mas ele não ficou bravo, pelo contrário, ele tinha um sorriso leve no rosto. Ele havia gostado do sentimento que me fez saborear. Um prazer sem estruturas que me deixou sutil e sorrindo sem ter motivo.
E aquele olhar em sua face... Aquele era o Slade mais bonito que já tive a sorte de presenciar. Era um leve, sem rédeas, sem ninguém o cobrando proteção ou o que fazer. E o principal, um sem medo de qualquer julgamento que recebia. Porque ele confiava em mim.
Eu já esperava que mais nada acontecesse aquela noite, para alguém que não tinha um orgasmo há muito tempo, sexo oral já era uma bomba atômica. Não que meu desejo estivesse totalmente atendido, mesmo assim resolvi colocar novamente meu vestido sentindo seu olhar a cada movimento meu.
- Você estava nervosa demais quando chegou aqui mais cedo.
Dei de ombros, com um pouco de sono.
- Algumas pessoas não conseguem extravasar a raiva em qualquer coisa que vê pela frente. Tudo acumula.
- Isso não é saudável. - Eu sorri. O rei da saúde estava falando. – Eu sei que não sou o melhor para lhe dar um conselho sobre isso, mas acredite em mim, isso muda as pessoas. Você poderia tentar algum hobbie.
- Estou relaxada agora , muito obrigada.
- Gosto quando você não me chama de Slade. – sorriu de leve. Eu bocejei.
- É o seu nome, não é?
Ele suspirou.
- O garoto conseguiu algum lugar para dormir?
Levei alguns segundos para entender a abrupta mudança de assunto e perceber que ele estava falando de Jacob. E que também respondeu minha pergunta com outra pergunta.
- Uh sim... Ele vai dormir comigo e com a Baby essa noite.
- Tenho uma ideia melhor. – ele disse se levantando e estendendo sua mão para mim.
Então o segui.


Capítulo 18 – Fake Happy.

Música do Capítulo


Romero.

Alguma coisa estava fora do lugar.
Aquela sensação de que algo estava errado não saía de mim. Meus olhos vidrados por todo o lugar, esperando que então eu conseguisse notar o erro. Só que não havia nada.
Mas estava tudo bagunçado por trás da falsa organização da Colônia.
As pessoas obedecendo as regras de , tentando seu melhor para manter a paz no lugar, tudo falsidade. Todos estavam aterrorizados, estavam mais preocupados em fingir, enganar e encenar a naturalidade, para que então dessem o bote.
Toby ainda não havia desistido de tentar tirar do trono, isso era óbvio. Dava para sentir quando ele passava por mim de cabeça erguida e um sorriso podre nos lábios. Era tudo mentira.
Só que as pessoas esqueciam que eu conseguia ver através delas, afinal, já fui tão falsa quanto elas. Já fingi algo para conseguir dar o bote. Era o que eu e minha irmã mais fazíamos pelos grupos que passávamos e não confiávamos. Não havia nenhuma sinceridade em nossas atitudes.
Agora era diferente, nós duas estávamos sendo sérias e sinceras em nossos grupos, contanto no meu ninguém estava.
estava mais focado em patrulhas e buscas, não queria mais aceitar pessoas na Colônia, agora só queria mais armas. O desejo de tentar descobrir quem era os homens que me atacaram na farmácia e destruí-los estava tomando conta de , mas dessa vez eu não queria pará-lo, não queria salvá-lo. Eu não me importava.
Algo em mim estava deixando que todos ao meu redor se autodestruíssem contanto que no fim destruíssem o Hospital.
E depois da farmácia conversamos menos, isso estava errado. Dessa vez eu não estava fugindo dele, ele estava parecendo fugir de mim. Ou talvez fosse acaso do destino de não ficarmos mais sozinhos e por isso não tivemos a sorte de conversarmos sobre o que aconteceu. Não que eu quisesse conversar.
Não dessa vez.
Com Judas focado em dar aulas de tiro, muitos moradores estavam aprendendo a se defender, o que era bom. De outro lado, Lola ensinava luta corporal e com facas, o que preparava os moradores para uma possível luta ou uma possível fuga da Colônia, caso o pior acontecesse.
Felizmente não precisei participar de nenhuma aula e nem ao menos ensinar, não tinha paciência para isso. Sabe aquele tipo de professora que tacaria giz em alunos quando não calam a boca? Então, por mais errado que fosse, eu seria assim. Eu não tenho paciência para explicar dez vezes a mesma coisa, me irrita e me desgasta.
Ironicamente eu andava bastante desgastada nos últimos dias. Desde que encontrei , tantas coisas aconteceram, coisas que deveriam ser boas, mas acabaram comigo emocionalmente e fisicamente. Era como se eu tivesse corrido várias maratonas, e no fim, mal havia saído do lugar.
Eu estava no refeitório com Paige e Bailey ao meu lado conversando algo totalmente interessante – para elas – enquanto eu as ignorava descaradamente. Na verdade, elas acreditavam que eu estava prestando atenção, mas não estava.
- Sabe, ? – Bailey perguntou e virei o rosto para ela assentindo.
- Sim, sei. Mingau de aveia é muito melhor mesmo, minha mãe fazia direto. Paige, você deveria experimentar – menti e Bailey comemorou a expressão de derrota no rosto da namorada.
Uau, foi completamente um tiro no escuro. De todos os assuntos possíveis, as duas conversavam sobre mingau. É...
Minha mãe odiava mingau de qualquer tipo, então ela nunca fazia; então eu nunca comi.
Sei que era rude da minha parte ignorar a conversa superinteressante das duas sobre mingaus e gatos, mas na verdade não me importava muito. Eu andava não me importando com muitas coisas, aliás, vivia mais alheia em minha bolha pessoal do que exatamente convivendo com as pessoas.
E não entendia o porquê.
Ou talvez eu estivesse no processo de negação.
Meus olhos corriam pelo refeitório todo, mas nada me interessava o suficiente. Continuei ouvindo a conversa de Bailey com Paige no fundo da minha mente, mas meu foco foi para outra coisa.
e Judas, estavam conversando sobre algo perto da porta. estava realmente preocupado ou irritado com alguma coisa que eu não conseguia ouvir e muito menos descobrir do que se tratava.
Fiquei os encarando tentando saber sobre o que era por suas linguagens corporais. Se eu estivesse certa, era sobre armas ou sobre o grupo que tanto queria descobrir, aquele que nos atacou.
percebeu meu olhar e passamos a nos fitar, foram longos e tortuosos minutos trocando contato visual, em público, enquanto ele ignorava Judas e eu ignorava Bailey.
Eu não sabia ao certo o que havia mudado. Talvez para ele havia sido mais importante nosso momento do que para mim. Ou talvez ele estava tentando me manter afastada de alguma forma para minha proteção.
Tempos difíceis geravam medidas difíceis.
cortou o contato visual, me deixando com um vazio rápido e saiu do refeitório com Judas o seguindo. Bufei mentalmente e encarei o prato com batatas fritas de Bailey. Enfiei a mão no mesmo pegando algumas, comendo em seguida, enquanto Bailey protestava ao meu lado.
- Prometo te comprar mingau de aveia, tá? – disse em um tom sarcástico, mas Bailey comemorou mesmo assim e dei os ombros.
Me levantei do banco em que eu estava e me despedi das duas, deixando-as conversando e discutindo sobre a melhor forma de mingau. Saí do refeitório e ao primeiro passo fora do mesmo, já pude ouvir o barulho das vozes misturadas em uma das aulas de Lola.
As crianças - enquanto os mais velhos aprendiam como lutar - iam para “aula” na garagem de uma das casas, com Barbie como professora. O barulho das crianças correndo para a garagem se misturava com os dos pais lutando e minha cabeça doía. Muito barulho.
Corri meus olhos pelo pátio da Colônia, mas principalmente para o portão, onde Judas estava – sozinho dessa vez. Claramente se arrumando para sair em uma patrulha, mas estranhei a falta de . Eles iriam sair, não me comovia não ter sido chamada e agradecia mentalmente por isso. Desci as escadas de fora do refeitório e segui meu caminho até a Grande Casa. Ouvi passos, mas demorei para me virar.
Era Judas.
- Não quer vir conosco? – Ele perguntou naquele sotaque bem caipira dele, chamando minha atenção e me fazendo parar de andar.
- Não foi o que te mandou me chamar, certo? – Perguntei desconfiada e Judas negou com a cabeça.
Fiquei quieta, esperando que o homem em minha frente dissesse mais alguma coisa. Mas o silêncio me fez continuar:
- Judas, você está mentindo, né? – Ele assentiu. – Falando no Diabo, onde ele está?
- No escritório dele provavelmente. – Agradeci.
Eu já sabia o motivo de ter me chamado e sabia também o que ele estava planejando. Logo depois de todo o acontecimento na farmácia, consegui entrar em contato com mais uma vez para encontrá-la. Minha irmãzinha então pediu para que eu fosse até o QG visitá-la, e em uma das raras vezes que consegui dialogar com , trouxe esse assunto. Ele não havia dito não, mas também não havia concordado. Típico dele.
Ele estava tentando evitar que eu saísse para ir à Colônia. Não por causa de , já superamos isso, mas por causa de . Acho que meu querido Xerife estava amedrontado em me imaginar no mesmo lugar com seu ex-melhor amigo e agora arqui-inimigo.
Entrei em seu escritório. estava de pé e de costas para porta. Ouvia o barulho que fazia verificando sua arma, colocando-a em seguida no coldre. Dei algumas batidas na porta e ele se virou para mim.
Sua expressão não havia se suavizado, permanecia dura, com a cara mais fechada que nunca. Ele sabia o porquê de minha visita.
- Sim? – Disse ríspido.
Alguém não tomou o café da manhã, acho.
- Está indo patrulhar? – Perguntei o mais impaciente possível. Ele apenas assentiu, me dando passagem para continuar. – Ótimo, então estou indo ao QG.
Sua expressão se fechou mais ainda, já eu dei meu próprio sorrisinho de canto.
- Certeza disso? – Assenti. Ele coçou as têmporas e respirou fundo. – Só toma cuidado, ok? É sério.
Fui até mais perto dele, ficando bem próxima de seu corpo. Encostei minhas mãos em seus ombros e senti seu corpo relaxar com meu toque. Levantei meu rosto para encará-lo, esperando que sua expressão também tivesse relaxado. Mas ainda estava gélido.
- Relaxa. Eu não gosto dos psicopatas. – Sorri e encostei delicadamente meus lábios em seu pescoço, dando um breve beijo em sua pele. O ouvi suspirar com meu toque e então me afastei. Saindo do seu escritório.
- ? – Me chamou e parei, me virando para ele. – Por que você tem que ir mesmo? – Agora ele estava emburrado, como uma criancinha.
- Saudades de minha irmã. – Dei os ombros. – E lembre-se, quando mais eu ficar perto, mais vou conseguir saber o que eles sabem. E isso vai ser muito bom para derrubarmos o Hospital.
passava as mãos pelo cabelo impacientemente. Negando com a cabeça.
- Pra quê? Eu e o estávamos juntos nessa. Ele não vai me esconder nada.
Ri.
- Fique com essa então. Eu farei do jeito mais prático. – Dei os ombros e saí do escritório, ouvindo me mandar ter cuidado e algumas outras coisas que não consegui ouvir com clareza.
E nem queria.
Saí da Grande Casa, em direção à minha casa, pegar as coisas que eu precisaria. Nada mais que uma arma – que havia liberado ficar comigo e não voltar para o depósito –, junto com meu usual facão, as balas e uma mochila para caso achasse coisas úteis no caminho.
Do lado de fora, estava na escadaria da Grande Casa separando um grupo de pessoas para sua patrulha. Observei de longe a movimentação e a divisão, sem me importar muito. Andei até o portão, mas antes de sair senti alguém me segurando.
Me virei e Willa estava com os braços cruzados com uma expressão séria.
Por favor Deus, não era hora de ter uma DR adolescente.
- O quê? – Perguntei.
- Está saindo?
- Aham, vou para o QG encontrar a . Por quê? – A garota abriu um sorriso e seus olhos brilharam.
Ah não.
- Sério?! Então eu vou junto! Adoraria conhecer a sua irmã. – Ela estava tão animada e seria eu que cortaria seu barato.
- Não, você não vai. – Willa fechou a cara. – Desculpa, mas não dá. Não sei o quanto o QG é seguro para eu te arrastar até ele.
- Por favor ... – E junto com a voz manhosa veio a expressão de cachorrinho que caiu da mudança.
- Não. Em outra oportunidade, quem sabe. – Permaneci dura em minha decisão, porque estava convicta que não era a hora de tirá-la da Colônia.
Max veio até o portão, aparentemente pronto para a patrulha com o pai. Seriam dois adolescentes que eu teria que enfrentar hoje então.
- Max? – O chamei e ele veio mais perto. – Você poderia ficar de olho na Willa para mim? – O garoto tirou uns segundos, provavelmente pensando no que valeria mais a pena: ir patrulhar ou cuidar de Willa. Então assentiu.
Bom garoto.
- Qual é, eu não preciso de uma babá. – Willa revirou os olhos emburrada.
- Não é uma babá, é o Max. – A menina bateu o pé e eu ignorei. – Max, cuide bem dela por mim, ok? E se eu descobrir que você fez algo errado.... – Ameacei.
- Tá bom, mãe – debochou.
- Ótimo.
Dei as costas e saí da Colônia, indo até minha camionete. Aliviada, no fundo eu estava aliviada.
Max era um garoto responsável, nada de ruim aconteceria com Willa na supervisão dele.
O que poderia dar errado?

***


Willa.

Eu não era um animalzinho doméstico. Não era!
Desde o ataque todos me tratavam como se eu fosse uma criancinha indefesa, como se não fosse capaz de me defender sozinha. Nunca podia sair, todos ficavam de olho em mim vinte e quatro horas. Eu estava exausta disso!
estava sendo ótima comigo, cuidando de mim e me protegendo, como se fosse minha irmã mais velha, mas mesmo assim... Poxa, eu queria ter o direito de sair e ser tratada como uma sobrevivente, assim como todos eles.
Mas eles jamais me tratariam assim, então eu deveria fazer isso sozinha.
Max estava no ponto de patrulha, observando alguma coisa. Aproveitei que não estava de olho e me levantei da cadeira de balanço, correndo até o depósito de armas.
Não sabia ao certo qual usar, afinal, para mim era tudo a mesma coisa. Peguei qualquer calibre e as balas, guardando-as em meu bolso. Eu estava agitada, muito elétrica, trêmula com a oportunidade de dar o fora da Colônia até que chegue.
Peguei um facão também, já que usava muito desses quando saía e isso era algo que eu prestava bastante atenção nela.
Tentava decorar e aprender as coisas que fazia. Como usava as armas e como lutava lá fora, para que então eu pudesse fazer as mesmas coisas sozinha. Mas como ela evitava de me ver do lado de fora, teria então que improvisar.
Ouvi passos atrás de mim e me assustei ao ver Max me encarando sério e um pouco surpreso com a minha atitude.
- Onde você está indo? – Perguntou desconfiado.
- Patrulhar.
- Não Will, você não vai a lugar nenhum. Pode tirar isso da cabeça. – Ele veio até mim, tentando tirar a arma de minha mão e eu dei passos para trás.
- Você não manda em mim, Max! – Bati o pé.
- Eu prometi à que tomaria conta de você. Por favor, não inventa. – Ele pediu mais uma vez, tentando me convencer. Então sorri com a ideia que se iluminou.
Nossa querida conseguiu tirar nossas duas saídas, trancando-nos do lado de dentro da Colônia. Então, poderíamos então resolver isso juntos.
- Quer ir junto? – Perguntei e sua expressão mudou. – Assim você estará tomando conta de mim e não deixará que nada aconteça comigo. – O garoto sorriu e assentiu.
Aprendi com a melhor.
Saímos do depósito e nos escondemos, esperando que um dos guardas do portão ficasse desatendo, nem que fosse por breves segundos.
E foi.
Corremos até o portão, abrindo rapidamente enquanto um dos guardas estava ocupado descarregando um dos carros.
Estávamos fora! Conseguimos!
Você não esperaria por isso, não é ?

***

Romero.

Não conseguia entrar no QG. Minhas pernas não queriam descer da camionete e entrar naquele lugar. Talvez fosse como a aura militar que aquele lugar tinha me assustasse um pouco, não parecia ser tão confortável como eu imaginava.
Permaneci imóvel e tão desligada, que me assustei ao ver minha irmã sentada ao meu lado, com uma expressão bastante preocupada. Não consegui falar nada.
- Deus, o que aconteceu com você, ? – perguntou em um tom calmo. Dei os ombros, não havia resposta.
- Desde o nosso último encontro? – Ela assentiu. – Bom, eu voltei para a Colônia, voltei a me dar bem com o . Saímos em uma patrulha juntos, quase morri nas mãos de uns caras completamente estanhos que junto serem do Hospital. Fiquei bem íntima do , bem íntima mesmo. Ele está agindo que nem um ditador e botando a Colônia nas rédeas, mas eu ando me sentindo complemente estranha, como se algo estivesse fora do lugar. – Disse tudo de uma vez.
Minha irmã abria a boca e fechava, sem sair qualquer coisa, completamente chocada e eu sabia exatamente o porquê.
- Você e o , sério? – Deu uma risadinha. – ditador? Isso que é algo que eu pagaria para ver. – Rolei os olhos com o deboche. – , você precisa descansar. Alguma coisa está sim fora do lugar e é você. Você tá tomando muita coisa pra si, mana.
- Você também está diferente, , o que aconteceu? – Desconfiei. estava agindo diferente, como se algo estivesse mudado de lugar para ela também.
- Tudo bem... Eu tenho algo pra te contar – respirou fundo. – Você se lembra daquele dia no trailer, quando fomos atacadas? – Assenti. – Eu não queria te contar porque, bem, você também tinha sido perseguida por um deles e... De qualquer forma, dentro do trailer. Lionel estava lá. – minha expressão endureceu.
- Não fode.
Ela assentiu.
- Eu não achei que seria importante te contar sobre isso, mas ontem de noite...
- Não fode .
Então deu os ombros, engolindo seco.
Soquei o volante com ódio, socando o painel e respirando com ódio. Eu estava mais irritada do que o esperado. Aquele filho da puta...
- Eu não acredito... – Cocei minhas têmporas, sentindo meu corpo trêmulo e minha cabeça girando. – Eu tive esse filho da puta debaixo do meu teto, eu poderia ter o matado e não fiz. Eu não matei o desgraçado que feriu minha irmã. – Eu estava descontrolada, sem saber o que fazer.
Foi minha culpa. Tudo minha culpa.
Falhei com minha irmã, não a protegi e ainda deixei o monstro que a feriu andando livremente. Parabéns , você é um lixo.
- Para! – me segurou pelos braços, me fazendo retomar a consciência. Vi minhas mãos vermelhas e algumas marcas pelo meu braço. Eu estava tendo uma crise de nervos, tentando extravasar minha raiva da pior forma possível. E assustando minha irmã. – , para. Tá tudo bem. Você não tinha como saber e agora está tudo bem, realmente está.
- Como vai ficar bem, ? Esse desgraçado... – Senti minha voz falhar.
- Está sem seu pênis. – Meu queixo caiu e vi uma sombra de um sorriso nos lábios de minha irmã. – Eu contei para o . Não conseguia o ver andando por aí agindo como se não tivesse feito nada, então contei. E bom... Você já o conhece, ele tem a sua forma de resolver as coisas por aqui.
- Cadê o seu herói? Será que tem alguma forma dele me levar até o Lionel e me deixar o levar para Colônia dar para os porcos comerem? – riu.
- Credo, . Estou decepcionada com você. – Respirou fundo. – Achei que ia fazer um churrasquinho de Lionel vivo. Você já foi mais perversa.
Rolei os olhos.
Minha irmã segurou em minha mão, me passando toda a energia positiva e força, tentando entender o que havia de errado comigo e nem eu ao menos sabia.
- Vamos lá, vou te apresentar a gangue e te ajudar a relaxar um pouco. Você precisa se divertir mana, acho que o não está dando conta. – Brincou e eu soquei seu braço de leve.
Minha irmã me levou até o lado de dentro do QG, tentei ignorar o lugar mais fechado e não tão amigável quanto a Colônia, mas as pessoas pareciam até menos falsas e irritantes como o próprio pessoal que vivia pelos lados do que eu chamava de lar.
Fomos até um grupo de pessoas que estava a nossa espera. Uma loira, um gigante e uma criancinha. Se eu não estivesse enganada, a loira era Baby, o gigante Jacob e o pequeno Teddy.
- Baby. – Apontou para a loira. – Teddy. – Apontou para o gigante. – Jacob. – Apontou para o pequeno. – Essa é minha irmã mais velha, . , esse é meu grupo.
Droga, foi por pouco.
Os cumprimentei, sentindo até uma diferença na forma com que eles agiam. Aquilo me passou uma sensação muito melhor, como se eu estivesse me sentindo mais perto de gente real novamente. Pessoas que eu não ignoraria as conversas.
- A fala muito de você! – Baby sorriu, me cumprimentando em uma forma de abraço que de início me deixou desconfortável. Muito contato pessoal. Mas até gostei.
- Espero que você se sinta bem conosco. Cozinhei algo que pelo o que sua irmã disse, você vai adorar. – Teddy fez meus olhos brilharem ao imaginar o prato que deliciaria meu fino paladar.
Pensei na comida de Barbie que era tão boa quanto a de minha mãe e senti falta da senhora por um momento. Quando eu voltasse, a agradeceria pelo o que fez pela minha irmã. Jamais esquecerei.
- Vem! Vou te mostrar o carrinho em que eu ficava escondido! – Ele sorriu, enchendo minhas mãos com algumas balinhas e depois segurando na outra, me puxando pelo pátio.
Agora conseguia entender o porquê da gostar tanto do QG para não conseguir abandoná-lo, porque ela havia feito laços.
E para nós Romero, laços são inquebráveis.

***

Willa.

- Vamos! – Puxei Max para mais dentro da floresta, enquanto me perdia no verde e sentia meu pulmão comemorar um pouco do ar fresco e diferente.
- Vamos com calma, Willa, cuidado. – Ele me alertou e eu ignorei, caminhando dentro da mata, atenta com os andarilhos que poderiam aparecer.
Seguindo o rumo contrário ao riacho, eu estava mais dentro da floresta e mais longe da Colônia. Não sabia por onde ir, mas aquela coisa chamada instinto me chamava para esse caminho. Max apenas me seguia, se mostrando mais atento para que alguma coisa nos atacasse do que eu.
Mais dentro da floresta, mais andarilhos mortos – que não fomos nós que matamos – e mais exaustão, encontramos um acampamento. Ou meio que.
Era uma barraca amarela bem suja, com uma cadeira de praia com listras brancas e rosas. Uma caixa com primeiros socorros e outra com comidas, água e outras coisas. Ambas vazias.
- Calma, Willa. – Max segurou meu braço, me puxando para trás. – Você não pode chegar assim, se tiver andarilhos por aqui você morre. Tem que ficar atenta.
- Ah, tá bom. – Bufei. – É só uma barraca vazia, eu não sou burra.
- Dá pra parar? Ninguém tá dizendo que você é burra ou qualquer coisa, mas se quiser patrulhar tem que se manter atenta!
Max estava até certo, talvez eu estivesse agindo um pouco como uma amadora, mas eu só queria ir direto ao assunto e trazer os suplementos, para poder provar para que conseguia.
A barraca chamava minha atenção e juro por Deus que a vi se mexer, segurando meu facão decidi abri-la. Aos poucos segurei no zíper que a abria, subindo-os de pouco em pouco, abrindo a barraca e revelando o cheiro podre de morte.
Um corpo caiu no chão morto e eu pulei para trás.
Dei um grito e Max me calou com sua palma, segurando meu corpo e me impedindo de fazer mais barulho.
- Fica quieta e calma aqui, ok? – Assenti. – Eu vou entrar.
Max entrou na barraca sem muito esforço, parecendo pouco se importar com os corpos mortos que estavam fedendo lá dentro. Saiu então com uma expressão derrotada, mas com uma nova arma nas mãos.
- Bom, pelo menos não estamos desarmados. – Fiz uma piadinha e o mesmo deu uma risada rápida.
- Vamos continuar.
Corri até ele e andamos lado a lado. Eu segurando meu facão e ele as armas, completamente atento a tudo ao nosso redor.
Me sentia segura ao lado de Max, porque acima de tudo ele me entendia. Ele entendia como era difícil tudo isso para mim, porque ele também estava sozinho nessa.
Mesmo com o pai, ele não tinha uma mãe. Assim como eu. E para nós, sobreviver ao fim do mundo sem uma mãe, era devastador.
Continuamos andando juntos, até ouvir passos e aquilo me aterrorizou. Fiquei parada e não conseguia me mover.
- Vamos, Willa. Vamos. – Max me puxou, mas eu permanecia no lugar assustada demais com que poderia aparecer.
Ouvi uns gemidos e me virei para trás, dando de cara com um andarilho assustador que queria me devorar. Gritei e cambaleei para trás, caindo no chão logo em seguida.
Fechei meus olhos, berrando e já sentindo o bicho me devorar, mas apenas ouvi o som de um tiro que me ensurdeceu por alguns segundos e ouvi o bicho cair ao meu lado. Abri meus olhos, me vendo viva e intacta.
Me levantei trêmula e Max me abraçou, tentando me acalmar.
- Eu quase... Quase... – Choramingava, assustada demais para falar.
- Tudo bem, tá tudo bem agora.
Nos soltamos e ouvimos mais passos se aproximando de nós. Respirei fundo, sabendo o que viria a seguir. O grupo de andarilhos que nos cercaram e me assustei, mas evitei gritar. Segurei com força em meu facão e esperei o pior que estava por vir.
Estávamos fodidos.

***


Romero.

Até que o QG não era tão assustador assim. Principalmente quando estávamos todos juntos.
havia nos levado até o rio atrás do QG, porque ela considerava aquilo uma paisagem muito linda e Teddy sabia pescar. O mesmo estava sentado em seu barco bem calmo, esperando os peixes enquanto eu, minha irmã e Baby flutuávamos pela água.
Havia tempos que não me sentia assim, tão normal.
Naquele momento não parecia que estávamos no fim do mundo. Era como se fosse uma das nossas viagens em que ficávamos nadando em rios por horas, nos divertindo e depois voltávamos para casa mais tranquilas que nunca.
- Como é a Colônia, ? – Baby perguntou.
- Ah, é normal. Não é como aqui, parece mais normal. Como se fosse um bairro ou uma pequena comunidade cheia de casas.
- E como são as pessoas lá?
- Alheias. – disse a primeira palavra que se passou por minha cabeça. – Como se não estivessem lá, sabe? Como se não estivéssemos vivendo isso tudo.
- Mas isso é bom, . – Teddy continuou. – Afinal, se não fosse por essas pessoas que se seguram na ideologia de que tudo está bem, talvez nós estivéssemos em um estado mais caótico. – O tom do homem era calmo, ele parecia mais preocupado em não assustar os peixes. – Pessoas como nós vivemos sabendo o que realmente existe do outro lado dos muros e dos portões, de toda a segurança que nos cerca. Só que essas pessoas preferem esquecer do lado de fora e se focar no lado de dentro, viver como se nada estivesse errado e está tudo bem ser assim. Porque sem essas pessoas nós perderíamos o nosso lado humano. E no fim, se houver um fim, essas pessoas retribuirão tudo que fizemos para as manter vivas restaurando o nosso lado humano e a nossa esperança em viver novamente.
Por um lado, Teddy estava realmente certo, porque essas pessoas são as únicas que saberão o que fazer se houver um recomeço para humanidade. Pessoas como eu não. Jamais saberia como recomeçar tudo, como recriar tudo e ter uma vida esperançosa.
Pessoas como eu são como soldados depois que saem da guerra, estão machucados demais e vivem assombrados pelo terror que viveram, sempre traumatizados e assustados. Pessoas como eu não saberiam como viver em paz, porque paz é um sentimento que a cada dia vivendo nessa realidade se torna desconhecido.
- Você é muito sábio, Teddy. – Elogiei o homem. jogou água em mim, rindo baixo.
- Por favor, ele era um sorveteiro! – Brincou e eu joguei água na mesma. Começamos então uma guerra de água entre nós mesmas enquanto Baby ria atrás de nós.
- Shhhh, quietas! – Teddy nos deu uma bronca. – Assim vão assustar os peixes e arruinar o jantar.
Minha irmã veio até mim, flutuando ao meu lado e me abraçando pelos ombros.
- Ele me lembra do papai. – comecei. – Ele ficava uma fera quando atrapalhávamos a sua pescaria...
- Então mamãe ficava uma fera por ele ficar uma fera conosco... – Minha irmã continuou.
- E no fim não pescávamos nada e acabávamos comendo pizza com batatas fritas...
- E o papai exagerava no milk-shake e sorvete para que nós o perdoássemos por gritar. – Nós duas rimos juntas, relembrado uma das cenas típicas em que vivíamos juntas.
Era tão nostálgica a sensação de ter eles sempre do nosso lado e como era tão estranho não tê-los mais aqui, mas ter pessoas que sempre acabavam nos lembrando deles de alguma forma.
Era como se eles ainda estivessem aqui de alguma forma.
Nós três voltamos para o barco e Teddy tirou sua rede, contente pela quantidade de peixes que havia conseguido em sua pescaria. Remou até a beira do rio e nós voltamos para terra firme.
- Então, peixe frito ou assado? – Brincou, se gabando.
Jacob apareceu correndo animado, indo em direção à e pulando em seu colo, completamente impressionado com a quantidade de peixes que Teddy pescou e o homem puxou o garoto, contando-o as suas melhores histórias de pescador.
- Vamos, precisamos de um banho e de roupas secas! – Baby segurou em um dos meus braços e no outro.
- Hoje teremos um banquete, mana. E depois disso você estará convencida que o QG é maravilhoso.
- Por que diz isso? – Desconfiei.
- Porque seu julgamento se resume ao seu estômago. – Deu os ombros e me puxou.
Talvez ela estivesse certa.
Mas eu negaria isso para sempre.

***

Willa.

Abri os olhos e não estávamos mortos, mas os andarilhos sim. Max respirava ofegantemente e notei que não estávamos mais sozinhos. e Judas estavam entre nós.
E não estava com uma expressão muito amigável.
- Que merda é essa, Max? – Deu uma bronca em seu filho. – Você prometeu a que ficaria com a Willa na Colônia!
- Sinto muito, pai. Ela quis sair e eu achei que não teria problema nisso.
Me sentia mal. Estava agindo egoistamente, pensando apenas em querer mostrar minha independência, mas não estava fazendo nada certo. Eu estava tremendo de medo e querendo voltar para a Colônia correndo. Eu não era tão corajosa assim.
Eu não era a .
- Vamos voltar pra Colônia. – ordenou e nós fomos. Caminhando de volta pela floresta.
Quando começamos a caminhar, um barulho de um dos arbustos chamou nossa atenção e bufei forte só de imaginar termos que matar mais um grupo de andarilhos. Mas era algo pior.
A mulher que saiu do arbusto, na faixa dos trinta e cinco anos, cabelos castanhos compridos e ondulados, mas bem bagunçados. Com um suéter azul e uma calça jeans completamente suja.
Era a minha mãe.
Ela estava lá, em minha frente. Mas não era a minha mãe, era... um deles.
O grupo todo estava chocado com aquilo, até mais que eu. Não sabia ao certo o que fazer. Talvez eu esperava que ela me reconhecesse, mas ela jamais o faria. Eu não era mais o bebê dela porque ela não era mais minha mãe.
A mulher se aproximava bem devagar, não era uma total ameaça, mas mesmo assim, Max segurou em minha mão, me encarando. E eu sabia o que ele queria.
- Eu posso... Eu posso matá-la, se você deixar. – Ele me encarava com total apoio, como se estivesse tomando cuidado com as palavras. Eu apenas tirei a arma que estava em sua mão e a segurei.
- Esse trabalho é meu.
Então me aproximei mais de minha mãe, ou do bicho que ela havia se transformado. Seus dentes batiam e ela gemia algo que era indecifrável para mim. Apontei a arma para a cabeça da mulher, que parou de andar imediatamente. As lágrimas teimosas escorriam pelo meu rosto, deixando minha bochecha mais vermelha que o normal.
Destravei a arma e fechei os olhos. Respirei fundo.
Atirei.
O som ecoou entre as árvores e com sorte, os andarilhos não conseguiriam filtrar de onde o som vinha, já que estávamos no meio da floresta. Poderia ter vindo de qualquer lugar, eu desejaria que esse tiro tivesse saído de qualquer outro lugar.
O corpo da mulher caiu no chão, morto de vez e soltei a arma. Eu não sabia o que fazer agora, se chorava ou se tentava ver se dessa vez ela voltaria como a minha mãe, mas algo em mim não reagia assim.
Estava acabado para mim há muito tempo.
Limpei as lágrimas com o torso de minhas mãos e voltou para Max, segurando em sua mão.
- Vamos. – Disse e Max assentiu, um pouco confuso por causa dessa cena. Todo o grupo estava confuso, mas eu não.
Havia feito o que deveria ser feito.
Talvez eu não fosse tão covarde assim.

***

Romero.

Estávamos deitadas na grama, escarando as estrelas daquela noite como sempre fazíamos nas noites passadas em cima das velhas antenas de rádio em que vivíamos. Respirei fundo, um pouco apreensiva. Minha irmã apenas me encarou, como se soubesse o que me afligia.
- Você sente também, né? – Perguntou.
- O quê? – Rebati confusa.
- Essa sensação de uma guerra eminente, como se a cada passo que déssemos eles dão mais dois, mais três. A cada passo estão mais próximos e não podemos fazer nada. Ou regredimos ou lutamos.
- Não podemos fugir, certo? – negou com a cabeça. – Eu sei. Precisamos recuperar nosso Império, unir forças e lutar pelos nossos. Desistir agora não é uma opção. Mas tenho medo, tenho medo do que não podemos ver. Tenho medo deles, porque já os tive perto de mim e sei o quão perigoso são. – As lembranças daquele dia fatídico, que viam sempre a minha lembrança quando fechava os olhos. – Eu tenho medo.
- Estaremos juntas , não importa o que aconteça. Essa guerra nós iremos lutar e iremos triunfar. Não vamos nos esconder debaixo da cama, ou pegar nossa camionete e sumir. Nós iremos lutar, como as sobreviventes que somos. E vamos lutar juntas, como uma família.
segurou a minha mão, apertando-a carinhosamente. Isso que éramos. De todas as formas e das formais mais absurdas, éramos uma família. E reinaríamos juntos o Império.
Talvez fosse tudo que estava me afligindo nos últimos dias. Essa sensação de que algo estava errado, porque eu estava com medo. E medo era algo que fingia que não existia em minha vida. Era essa tentativa frustrada de sempre parecer corajosa e forte, dessa vez não me sentia assim.
Me sentia amedrontada e assustada. Me sentia vencida e quebrada, um pouco entorpecida por tantas coisas acontecendo ao meu redor. Precisava de um tempo para mim, mas nunca parava.
A cada piscada que dava, mais perto da guerra estávamos e mais longe da vitória ficávamos. Não queria ser fraca, não queria desapontar a todos que depositaram suas fés em mim.
Eu queria triunfar.
Mas primeiro teria que resolver o furacão que estava em minha cabeça, arrumar uma força para continuar lutando. Ou pelo menos fingir.
Talvez se eu fingisse bastante, no fim, eles acreditariam.
No fim, eu acreditaria.
Meus pensamentos passaram com minha irmã se levantando da grama e puxando para cima. O grupo estava diante mim e sorrindo. Essa seria a parte mais difícil, a parte em que eu me despediria.
- Volte sempre, por favor. – Baby me abraçou forte e eu retribuí, me sentindo confortável com aquela demonstração de afeto que me assustava tanto.
- Volte mesmo, quero ver se seu pai ensinou vocês a pescarem tão bem quanto faz questão de se gabar. – Teddy brincou e me deu um daqueles abraços de ursos, fazendo até que meus pés saíssem do chão por alguns instantes. E eu lembrei novamente de meu pai e como aquilo era bom.
Meu coração se enchia de boas vibrações.
- Prometo, prometo, prometo tudo que vocês pedirem. – Disse sem ar e Teddy que me soltou, rimos juntos e então o menorzinho me abraçou com força, fechando os olhinhos.
Meu coração se apertou. Sempre achei que eu afastava as crianças com meu jeito duro e meio rude, mas Jacob... Ele era a segunda coisa mais fofa que tinha um lugar em meu coração. A primeira era Jolie.
- Quando você se cansar dos chatos da Colônia, volta pra cá, ok? Você pode dormir até na minha cama se quiser, eu fico no chão! – A criança pedia e seus olhos brilhavam, levemente marejados e eu o abracei, com toda a minha força.
- Posso te contar um segredo? – Ele assentiu. – De todos aqui, você é meu favorito. – Sussurrei. – Mas é segredo, ok? – Ele assentiu novamente e suas bochechas coraram.
O soltei e me levantei, encarando o grupo que com certeza me faria falta.
- Ha ha ha! A gosta mais de mim do que de vocês! La la la. – Jacob cantarolou, esfregando o “segredo” na cara dos mais velhos que riam do brilho da criança.
Me despedi pela última vez do grupo e caminhou comigo até a camionete. Me abraçando forte em nossa despedida.
- Vou sentir sua falta, maninha. – Disse, apertando a minha irmã com força.
- Céus, um dia no QG e você tá toda mole. – Debochou. – Eu disse que éramos um máximo por aqui.
- Nem estou com inveja. – Dei a língua e minha irmã riu.
Ficamos por alguns instantes nos encarando, sem ter o que dizer. A pior parte da despedida era que nos afastaríamos de novo e mesmo estando uma do lado da outra, ainda era difícil deixar partir.
- Você vai ficar bem? – Perguntou sinceramente e eu assenti.
- Eu já estou bem. – Sorri firmemente e minha irmã sorriu em seguida, me abraçando com força. Eu só queria que ela tivesse acredito em minha falsa felicidade para que não se preocupasse.
Entrei na camionete e respirei fundo, deixando o QG para trás. Deixando minha irmã e um grupo especial para trás, sentindo o arrependimento me corroendo.
Mas estava na hora de voltar para a realidade.
E era isso que faria.

***


Estacionei a camionete e saí da mesma, correndo os olhos pela Colônia vazia. Provavelmente todos já estavam dormindo. Queria eu estar com sono.
O silêncio na Colônia não me incomodava, era o que eu mais queria naquele momento. Um pouco de paz. Corri meus olhos até a enfermaria que estava apagada e fui até a mesma, sem muita pressa.
Entrei na mesma que vivia destrancada e acendi a luz, torcendo mentalmente que ninguém acordasse. Fui até os armários de medicamento que não estavam mais tão escassos assim depois de minha ida à farmácia com e peguei alguns comprimidos. Alguns para dormir, outros para me ajudar a seguir em frente a partir de agora.
Já que eu não estava mais conseguindo fingir, provavelmente se estiver dopada conseguirei ter uma melhora. Precisava de uma forma para continuar essa batalha e a solução teria que estar nesses frascos cheios de comprimidos.
Os guardei dentro de minha mochila e fechei os armários, organizando para que não desconfiassem de nada. Apaguei as luzes e saí.
Mal havia pisado na Colônia e já sentia todo o peso em minhas costas de novo e o sentimento de bagunça em todos os cantos completamente organizados e tranquilos.
Respirei fundo, precisando de algo que me fizesse relaxar e me acalmar. E sabia exatamente onde eu encontraria um bom relaxante.
Caminhei até a Grande Casa, mais precisamente para o escritório de . Lá haviam algumas garrafas de bebidas fortes que deveriam servir para ele quando tudo pesava e se servia para ele, poderia servir para mim também.
Abri a porta destrancada lentamente e o lugar todo escuro me deixou mais tranquila. Imaginava dormindo essa hora e seria o melhor momento para encher a cara sem reclamações.
Acendi a luz e me assustei com sentado em sua cadeira, com as mãos no rosto e o copo cheio do seu lado. Droga, ele havia tido a mesma ideia que eu?
Ele se virou para mim e não sorriu, permaneceu frio e tirou outro copo daquela gaveta que vivia trancada.
Espertinho.
- Veio beber, né? – Perguntou sem rodeios e eu assenti, me sentando na cadeira na frente de sua mesa. Ele encheu meu copo e me entregou. Tomei o uísque de uma vez sem frescura e o entreguei para encher. – Dia difícil, hum?
- Ano difícil. – Cocei minhas têmporas e ele riu. O encarei confusa.
- Você está ficando igualzinha a mim.
Neguei a cabeça de uma forma desesperada.
- Sem ofensas, mas a última coisa que eu quero é estar no seu lugar.
deu os ombros.
- Não ofendeu. E te entendo, nem eu queria estar no meu lugar. Mas são coisas que tenho que fazer por essas pessoas tão... tontas.
O repreendi.
- Acho que você deveria dar mais valor para essas pessoas tontas, porque querendo ou não, elas são importantes para o que seremos quando tudo isso acabar. Se isso acabar. Enquanto isso, elas vão ficar fingindo uma falsa normalidade que no fundo é tudo que nós precisamos.
pareceu um pouco surpreso com a minha atitude e sorriu para mim.
- Quem diria, Romero defendendo aqueles que mais a criticam.
- Um homem muito sábio abriu meus olhos.
- Então suponho que sua visita ao QG tenha valido a pena. Quase a perdemos então?
Neguei.
- Eles são bons demais para mim. Me dou melhor aqui.
- Agradeço por ser seu prêmio de consolação. – Ele fechou a cara e eu ri com vontade. Talvez fosse o álcool em meu organismo, mas a minha risada até o surpreendeu.
Bebemos mais um pouco, nos enchendo de álcool e tentando arrancar todo aquele peso que nós estávamos segurando em nossas costas.
- Enquanto você estava fora, a Willa... Ela fugiu com o Max, os peguei na floresta. Estavam rodeados por andarilhos.
Gelei.
- Não fode.
Ele deu os ombros e continuou.
- , as coisas só ficaram piores. – O homem tirou alguns instantes, respirou fundo e coçou as têmporas. – Ela matou a própria mãe. – Meu queixo caiu. – Estávamos voltando e um andarilho apareceu e era a mãe dela. A garota pegou a arma e atirou na cabeça sem nem hesitar. Ela tem muito mais bolas do que imaginávamos.
Agora fui eu quem tirou alguns instantes para conseguir assimilar aquilo.
Eu sempre soube que Willa era uma garota forte, uma garota que não deixaria o fim do mundo derrubar ela. Sabia muito bem que cedo ou tarde ela sairia do casulo e se mostraria tão forte quanto eu. E isso foi apenas uma prova que a garota tem sangue de sobrevivente.
Bebi toda a bebida em um gole novamente, precisando de mais álcool dentro de mim e depois mais um, mas não me sentia embriagada. Ainda me sentia muito sóbria.
Talvez consegui uma tolerância depois de sempre ficar bêbada quando as coisas apertavam.
Ficamos nos encarando por alguns segundos que pareciam minutos, da mesma forma que nos encaramos no refeitório. Como se estivéssemos evitando algo e fugindo disso. Me levantei e fez o mesmo.
Caminhei até a porta do escritório e a fechei, trancando-a para que não nos atrapalhassem. Virei e já estava em minha frente. E tudo foi novamente muito rápido.
Já estávamos nos beijando com um misto de muito desejo e carinho, um beijo precisamente necessário. Algo que queríamos ter feito mais vezes, só que nos impedíamos de ficar sozinhos para que isso acontecesse.
Ainda com nossos lábios colados, jogou as coisas que estavam em sua mesa para o chão com urgência. Já eu segurava com força em sua camisa, desabotoando-a e segurando-a.
Em um movimento completamente atrapalhado, eu caí para trás e junto, mas com sorte a mesa amorteceu a nossa queda, fazendo com que minhas costas se chocassem com a madeira.
me encarou e eu a ele, novamente caímos na gargalhada. Éramos um desastre até quando tentávamos ficar juntos.
Ele acariciava meu rosto com nossas testas coladas, delicadamente em um carinho que era gostoso demais. Fechei meus olhos e deixei aquilo me embalar.
- Ei, quer dormir no meu quarto e comigo essa noite? – Seu tom baixo e rouco me arrepiava e meus dedos acariciando meu braço traziam mais que só arrepios. – É uma cama de casal... Tem espaço o suficiente para nós dois...
Sorri, respirando fundo o mesmo ar que ele.
- Preciso fazer uma coisa importante primeiro. – Abri meus olhos.

***

Willa estava sentada na cabeça do sofá e encarando a janela, observando o que estava do lado de fora. Mas mesmo assim notou minha proximidade dela.
- Ei. – ela disse em um tom baixo, sem tirar sua atenção da janela.
- Ei. – a imitei. – Soube o que você fez hoje. Estou orgulhosa.
- Ela já estava morta, sabe? – começou, ainda encarando a janela. – Eu sabia que estava morta quando eu nunca mais a vi. E sempre soube que havia uma possibilidade de encontrá-la como um deles, mas eu sabia que se a visse, ela não seria minha mãe mais. – Então se virou para mim, que já estava em sua frente. – Ela morreu, , ela morreu e eu sinto sua falta todos os dias, mas eu prefiro lembrá-la na versão humana e boa dela, e não a versão podre e perigosa. – A forma como suas palavras eram firmes e ela parecia completamente certa do que dizia, sem um pingo de tristeza, dor ou algo do tipo me impressionou. – Doeu ter que matá-la sim, mas era o certo e eu sei que ela está orgulhosa de mim.
Segurei em sua mão, porque no fundo, eu sabia exatamente como ela se sentia.
- Eu matei meu pai, sabia? - Ela me encarou um pouco mais surpresa que eu esperava.
- Como?
- Havia uma época que éramos apenas eu, e meu pai. Nós duas éramos a que faziam o trabalho sujo e meu pai tentava deixar as coisas mais normais. Só que certo dia entramos no quarto de hotel que nos escondíamos e lá estava ele. Só que não era mais ele, era um dos mortos-vivos que havíamos matado minutos antes de entrar. – Willa me fitava completamente focada em minha história, como sempre ficava quando eu contava algo sobre meu passado. – Foi horrível. Eu e estávamos sem chão e eu achei que se eu o fizesse eu conseguiria proteger a minha irmã. Então eu fiz, matei o morto-vivo que um dia foi meu pai. – Respirei fundo, sentindo a minha garganta se fechar. – A pior parte nem foi matá-lo, foi me lembrar dele depois. Toda as lembranças que eu tinha dele não conseguia mais ver seu rosto, eu via apenas podridão e morte. Eu não conseguia lembrar o rosto vivo de meu pai. O rosto que eu havia visto horas antes de tudo desabar.
Senti o polegar se Willa em meu rosto, limpando as lágrimas que escorriam e eu nem ao menos havia percebido.
- Como o seu pai era?
- Ele era igualzinho todos daqui. Ele era um iludido, que esperou meses para o Exército nos resgatar e depois, mesmo depois de tudo que viu e teve que presenciar, ainda achava que havia alguma salvação. Que encontrariam uma cura e que tudo voltaria ao normal. Se ele estivesse vivo seria exatamente como todos da Colônia, vivendo uma vida que não é a dele. Fingindo que estava tudo bem e que o mundo não estava acabando do outro lado dos muros. – Fechei meus olhos com força e o nó em minha garganta apertou com força. – E só Deus sabe o quanto eu daria, tudo que eu trocaria para que ele estivesse aqui e agora fazendo isso.
Willa me abraçou com força e eu me prendi naquilo. Tomando forças e me recompondo. Respirei fundo e limpei as lágrimas que caíam de seu rosto enquanto ela limpava as minhas. Sorri para a garota e dei um beijo em sua testa, me levantando em seguida.
A garota se levantou e foi até a sua cama, demonstrando que já estava pronta para dormir ou só estava me esperando voltar intacta para isso. Ela se cobriu e segurou nos braços um bicho de pelúcia que eram umas das poucas lembranças do seu passado.
Me dirigi até a porta, pronta para deixá-la ter seu merecido sono depois de tudo que havia passado.
- Ela foi o primeiro andarilho que eu mandei. – Willa disse e eu me virei para ela, me encostei no batente da porta e sorri.
- Pelo menos o seu primeiro estava realmente morto.
O meu não.

***


Meu corpo já apresentava cansaço e sono, algo que não estava acontecendo há dias – não sem medicamento. Mas eu tinha mais uma coisa a fazer antes.
Entrei no pequeno quarto na Grande Casa. O quarto quente e aconchegante com o berço bem posicionado. Me posicionei na frente do mesmo, encarando Jolie que dormia como uma pedra. Sem se preocupar com nada, apenas em ser criança.
Acariciei sua bochecha delicadamente e a garotinha segurou em meu dedo com suas mãozinhas. Sorri, me sentindo completa depois dessa pequena dose de amor.
Tirei do meu bolso algumas das balinhas que um pequenino também muito especial havia me dado mais cedo e as deixei em cima do pequeno criado-mudo que estava perto do berço. Tinha certeza que na manhã seguinte ela aproveitaria esse agrado.
Respirei fundo e sentindo meu corpo já pedindo por uma cama, dei um beijo na testinha de Jolie sussurrando um “boa noite” e me virei para sair.
Não me assustei com a figura de não totalmente vestido em minha frente com um sorriso que me aqueceu por inteira.
- Vamos? – Ele me estendeu a mão e eu a segurei, indo com ele para onde quisesse me levar.
Eu sabia no fundo o porquê eu ficava na Colônia mesmo me sentindo doente dentro dela, porque lá estava que me completava de sua forma, mesmo vivendo fingindo tanto quanto eu. Lá estava Willa que para mim, lá dentro, era tudo. Estava Max que mesmo não parecendo, era minha sensatez. E lá estava Jolie, que era a minha gotinha de esperança em dias melhores. E da forma mais Romero possível, eles eram meus laços.
E para nós Romero, laços são inquebráveis.


Capítulo 19 – Every Breath You Take.

Música do Capítulo


Romero.

- Demolidor? – perguntou Baby com estranheza estampada em uma ruga na sua testa. – Não tem cara de Demolidor.
- Claro que tem. Seus dentes não são tão afiados ainda, mas quando crescer ele vai ficar assustador. – retrucou Jacob.
Baby, Jacob, Teddy e eu encarávamos aquele filhote de cachorro marrom, com a aparência um pouco estranha e pelos rasos, que otimistamente poderia mudar quando ele ficasse maior.
- Ele é fofo demais para esse nome – falou Baby novamente. Fofo? Huh.
- Bom, ele também é meio esquisito igual o Zeus, podemos chamá-lo assim. Quero mesmo algo impac... impa... – se enrolou com a palavra.
-Impactante? – conclui para o pequeno.
Teddy riu.
- A cara feia dele já é bem impactante. – O grandão falou e Baby fez uma careta para o comentário, batendo de leve em seu braço.
Sorri para a cena, era algo comum demais para o dia a dia. Meu grupo de aliados em um armário de vassouras encarando um filhote de olhos gigantes e tentando escolher um nome que fizesse jus a sua aparência e atitude. Pensei na sua ideia para o nome e realmente seria estranho demais colocar o nome do inimigo no cachorro, e se Z fosse tudo que Jacob nos informou ser, o pobre cão não merecia tal xingamento. Sem falar que seria ruim chamá-lo toda hora e nos lembrarmos do dono do Hospital. Se adotássemos um porco, quem sabe o chamaríamos de Zeus. Pobre porco.
- Não dá pra chamá-lo de Zeus, Jacob. Traz mau agouro. – falou Baby delicadamente, retirando as palavras de minha boca.
- De qualquer jeito tem que ser um bom nome. Ele é meu novo melhor amigo. Vocês também são, é claro. – sorriu – Mas ele me salvou na floresta enquanto eu estava pegando algumas amoras, se ele não tivesse aparecido do nada e latido para aqueles bichos, talvez eu não estivesse mais aqui com vocês. Então sim, ele é especial pra mim e precisa de um bom nome também.
Fiquei feliz por isso, era bom pra ele ter um novo amigo, mas sua história não passou despercebida pelo meu sentimento crônico de proteção, por isso, ralhei com ele.
- Quem você pensa que é pra sair do QG e entrar na floresta sozinho? Se quisesse frutinhas eu poderia colher algumas no meu turno.
Ele me olhou inocente, percebendo que falou demais e eu não deveria ter descoberto sua saída. Sim, eu sabia que Jacob era um menino do mundo que possivelmente era mais corajoso do que eu sobrevivendo lá fora com pelo menos vinte anos a menos, e também sabia que nada justificava, ele ainda era uma criança e eu me sentia no poder de fazê-lo me obedecer. Jacob precisava de uma figura materna ou paterna para lhe dar algumas instruções simples como essa e mesmo alguém para se sentir confiante de que não está sozinho. Não necessariamente eu... Mesmo sendo eu que no final de contas cuidaria disso por enquanto.
- Eu estava com fome de algo doce... – continuei o fitando com a expressão dura – Me desculpe. – suavizei.
- Tudo bem, o importante é que você está bem e trouxe um novo coleguinha pra casa.
- Coleguinha que vai precisar de ração – Teddy revirou os olhos – mais um objeto pra pegar no centro daqui em diante.
- Que bom que você já está se voluntariando pra isso, grandão – sorri falsa.
Ele suspirou alto.
- Ele parece o Owen Wilson – Baby falou.
Teddy e eu concordamos.
- Quem? – Jacob perguntou.
Sorri empolgada.
- Ah é aquele ator que fez aquele filme com o labrador que no final... – desmanchei meu sorriso. – Péssima ideia pra nome.
- Que tal Totó? – Baby falou.
- Muito comum.
- Pluto? – Insistiu.
- Muito amarelo.
- Beethoven?
- Muito clássico.
- Tudo bem, já cansei, sem ideias. Mais fácil adotar um gato e o chamar de cachorro. – Baby reclamou.
- E se o chamarmos de gato?
Baby e Teddy arquearam uma sobrancelha para o pequeno.
- Acho que não, meu bem. – sorri de leve.
- Ok... Que tal... Backup. - Nós quatro o encaramos com a dúvida estampada e ele continuou – Antigamente havia uma propaganda de um advogado que solucionava 99,9% dos casos. Seu sobrenome era Backup, autoexplicativo, quando o chamávamos ele nos ajudava e ganhava nosso caso. Minha mãe um dia o contratou quando a multaram por alta velocidade e de algum jeito, ele conseguiu inocentá-la. – deu de ombros – É um nome legal.
- Gostei, é amigável – concordou Baby enquanto o animalzinho colocava suas patinhas grossas em seus joelhos, tentando pegar sua mão.
- Impactante – Jacob sorriu abertamente, incendiando meu coração. Tão fofo.
- Então somos 4/4. Vai se chamar Backup – anunciei. – A conversa foi boa, porém meus caros amigos, temos que nos arrumar pra patrulha dessa noite.
Dessa forma, saímos todos do armário de vassouras em direção ao nosso quarto. Isso soou estranho. De qualquer forma, era hora de se preparar.

***

Com a ameaça cada vez mais próxima, decretou que o QG precisava estar vazio para que um grupo específico inspecionasse o local, em busca de armas escondidas ou esconderijos fortalecidos, afinal, é uma base militar de que estamos falando. Também como um plano antecipado em caso de uma emboscada.
Eu estava usando minha nova bota que se mostrou útil para a caminhada que fazíamos agora na floresta.
O grupo maior estava a nossa frente, deixando e eu atrás, dando uma brecha para uma conversa básica. E eu estava tentando ignorar o olhar de desgosto em minha direção vinda dos meus queridos amigos pelo simples fato de estar perto dele. Se eles ao menos imaginassem o que estava rolando nos últimos dias de baixo do lençol... A careta só viraria algo constante, daria pra aguentar. Ou não.
- Não vai falar nada sobre ontem de noite? - falou simplesmente, segurando um rifle em mãos, ao meu lado, eu conseguia sentir seus passos firmes com o grande coturno ao impactar com o chão. Sua presença era forte.
- Tem algo que você queira escutar? Seja claro. – nunca fui grande fã de meias palavras e não seria naquele momento que me tornaria.
- Um agradecimento, um comentário, uma encomenda para a próxima vez, um especifico convite para o seu quarto essa madrugada. – avistei seu sorriso de lado.
Ele estava falando sobre mais uma das minhas escapadas de madrugada para o seu quarto. Nada havia acontecido entre nós na noite passada, apenas, é claro, o ritual de pegação que durava muito tempo até ele não conseguir aguentar mais e parássemos antes de acontecer algo. Especificamente dentro das calças dele. E, nada mais.
O estranho é que se fosse a do passado, ela teria transado com ele sem hesitar, e a razão disso é que se tratava de todos os meus (mesmos) hormônios que me fizeram em primeira mão dar uma chance para algo com tão rápido. E agora algo dentro de mim simplesmente não conseguia seguir em frente, sexualmente falando.
Poderia ser o medo do julgamento de todos, da minha irmã ou mesmo de meus amigos. Mas diabos, nem camisinhas tínhamos no QG!? Apenas algum milagre ou sinal divino faria com que eu tivesse coragem de ir até o fim com Slade.
No final de contas, apenas dormíamos juntos. E sim gostava da famosa conchinha. Estranho não? Mais estranho era eu estar me acostumando com isso e aos poucos deixando meu quarto completamente sozinho para a loira e meu filhote filho de outra mãe. Claro que ele não precisava saber disso.
- Eu gosto de dormir sozinha. – respondi vaga.
- Arisca – ele fez um som com a boca como se tivesse tocado em ferro quente. - Tudo bem, eu vou fingir que acredito. Por favor, esquente minha memória, lhe fiz algo que não me lembro? Já posso te pedir desculpa por isso e passamos dessa fase de poucas palavras?
Revirei os olhos.
- As pessoas hoje em dia são tão sensíveis. Não há necessidade de confundir uma frase curta com grosseria, não sou um gato para estar arisca.
- Então qual é o problema?
Bom, ao menos ele perguntou antes de presumir que fosse TPM.
- Só estou em um status de pensar.
Ele assentiu. E provavelmente já tinha algo em mente, talvez o que fez ele me abraçar à noite toda como se não quisesse me perder, e mesmo assim, o que o fez levantar tão cedo para pensar, me fazendo acordar sozinha esta manhã. Não que eu me importe.
- Se quiser eu fico quieto, mas lembre-se que diálogos também ajudam a expandir nossos pensamentos de mais tarde, e se for algo que eu já posso te livrar de quebrar a cabeça por tal coisa, podemos concluir aqui mesmo.
- Você não fez nada de errado, Slade – sorri.
Não a mim.
- Zumbis. Irmã. Pai ou mãe. Seu grupinho da Grifinória. O Hospital. Muitas coisas podem estar passando por essa sua cabecinha linda e te incomodando agora.
- Tem alguma aposta em superior?
- Sim. O que todos estamos pensando.
Bingo.
Obviamente a relação com Slade era importante, mas como sempre o bem estar vinha em primeiro lugar. Estávamos todos aqui fora, esperando que algo de interessante e que nos desse um bônus acontecesse dentro do QG, para que quando o ataque ocorresse, estaríamos um passo à frente de tudo. E todos. Eles.
O grupo do Hospital. Ele me dava dor de cabeça, todavia, eu preferia concluir tudo o que sabia sobre ele agora que estava com a mente levemente calma. Bem, obrigada então pelas ações de madrugada, .
Do que o pessoal de lá seria capaz? Já havia falado com Baby, Teddy e Jacob, todos confirmaram a mesma história, sobre um líder de má índole que criava uma espécie de soldados para combate e segurança do local.
Aparentemente mortos vivos não eram uma ameaça suficiente, seu objetivo era afastar ainda mais os humanos em uma guerra definitiva, separando famílias, raptando os homens com saúde para se tornarem sua arma fatal em qualquer sinal de luta, e dando um fim infeliz para cada mulher e criança sem utilidade na visão de Zeus.
E isso provavelmente se passava na mente de cada pessoa aqui fora, afinal, eram nossas vidas em jogo, e se prometi a dessa vez que a ajudaria com informações mesmo que mínimas, teria que encontrá-la logo. Essa movimentação no QG alertava , logo, me alertava. Ele não era uma pessoa que gostava de mudanças, então se fez 90% saírem de seus sofás para ajudar numa melhor organização, me apontava que seus sentidos estavam aguçados, na pior das hipóteses eu diria que ele estava com medo.
precisava saber disso. Eu confiava em para que ela conseguisse persuadir o caipira a ponto de fazê-lo movimentar sua comunidade em busca da própria proteção, mas para frisar de melhor forma, precisaria apontar como andava tudo na área dos três estados, ou seja, o Quartel que já se preparava para o abate.
Finalmente o respondi.
- É obvio então o que se passa em minha mente, estou preocupada com todos e tendo ideias para como vamos melhorar essa situação, sem ao menos ter certeza do caminho em que estamos andando. Quais as suas ideias sobre isso, Slade? Afinal, você é o cara que conhece o Hospital e Zeus. Assumiu que eu já sabia de toda a história, mas nunca realmente se virou para mim com um assunto tão importante como esse.
- Prefiro falar de negócios em um escritório com uísque. – fechou a cara – Porém se está tão interessada, estou tentando fazer o que um líder deve fazer. Proteger, liderar, acalmar o caos que logo se instalará e acima de tudo, recolhendo informações.
Ele resolveu ignorar minha questão principal, o que me fez perceber que provavelmente aquele fosse o verdadeiro motivo daquele pequeno suor resultante do medo. O inimigo era desconhecido...
Mais para mim do que para ele com toda a certeza, o mínimo que consegui foram boatos de pessoas que estiveram por lá, e se ele conseguiu manter o Quartel General todo esse tempo escondido, significa que um encontro mano a mano com Zeus nunca foi cogitado. Talvez seus fatos viessem das próprias comunidades que ele redigia não diretamente, ou por ataques e membros da nossa comunidade que faziam parte do Hospital, pois mesmo o lema do mesmo ser “ninguém que entra sai”, Jacob estava vivo e intacto, certo? Falando nele...
- Você sabe sobre o Jacob, eu sei que sabe.
- Seu amante? – olhei estranha.
- Não... O menino que vivia no porão do QG até você usar o lugar para outros fins medicinais.
- Ah sim, o menino chinês. – comentou sem importância.
- Coreano. E sim, ele. Por que não fala com ele? Ele esteve lá, ele entrou e saiu do QG. – isso pareceu gerar interesse na forma de sua expressão – Tenta falar com ele, descobrir algo, posso perguntar junto com você se sentir dificuldade com isso, afinal ele é só uma criança. Mas ele pode ser uma luz em um longo túnel escuro. Ele sabe das coisas , ele vivenciou aquilo. Com pouca idade? Sim. Admito que pelo mesmo fator eu ache que a mente dele deve ter apagado as piores partes, de qualquer forma, ele é importante.
Ele somente deu de ombros, dizendo que pensaria neste caso. Mas me senti confiante de que ele realmente pensaria sobre isso, até chegar à decisão de que falaria com Jacob, afinal toda oportunidade era válida para um líder, não é mesmo?
Resolvi quebrar o clima, nada faria com que ele se abrisse completamente para mim de qualquer forma. Em momentos como esse era nítido que falar de relacionamentos era muito mais fácil que conviver com o perigo e apontar suas causas e combates.
- É só manter esse otimismo que você carrega como um broche estampado contigo e tudo ficará bem. – debochei sorrindo levemente.
- Pode me culpar por querer conviver com a realidade? É difícil esperar algo de bom depois de tudo.
- Bom. Isso é bom.
- O que, amor? – britânico asqueroso. Se repetisse isso várias vezes, me faria acreditar nessas palavras.
- Humanidade vinda de você.
- Estava suspeitando dela não existir contando que arranquei mais um membro do corpo humano de alguém semana passada? – riu.
- Ah não, aquele mereceu. Se for pra bancar o taxidermista que seja com pessoas que não merecem a vida que têm.
E isso estava acontecendo comigo, subitamente tortura era algo tão comum quanto os mortos voltando à vida. Eu não era burra, ele era sádico, minha irmã ficaria louca se soubesse que estava dando passagem para ele entrar em minha vida e quase dando outras coisas também.
Ao menor sinal de um quase elogio sobre ele possuir humanidade dentro de si, resolveu soltar uma frase fria pra que não chegássemos lá. Naquela área. Sentimentos. Afeição. Empatia. Mas eu sei que você confia em mim , só não está completamente preparado para aceitar alguém na sua vida. Assim como eu não estou.
Odiava esses três Is. Impasses, inseguranças e indecisões. Parecia o título de um livro de autoajuda.
- Isso também tem a ver com ser realista? É nojento. Deu um soco em alguém, vou cortar sua mão. Na vida real você já estaria preso, mocinho. – foi um comentário estupido, mas quem está fiscalizando? Obviamente ele riu. – Legal que divirto você.
- É como falei, estamos longe da vida real agora. – olhou para o céu, com o olhar perdido entre as árvores. – Estamos caminhando em uma floresta que parece ter saído de um filme de terror de baixo orçamento, pra poder encontrar algo de interessante na nossa própria casa, do contrário vamos estar completamente fodidos e um ataque sem permissão será permitido contra uma comunidade que tem pelo menos 40% de crianças. Essa é a nova realidade e eu não queria estar aqui, mas estou, e realista é o que prefiro ser, se garante a seguridade de que meu povo vai continuar vivo no final de tudo.
Por estas palavras o respeito.
- Continue falando bonito assim, como um orador, daqui a pouco já terei coragem o suficiente de nos assumir para o mundo. Ou para a minha irmã. – brinquei.
- Oh, por favor, sou das antigas, preciso de um momento especial para que eu mesmo possa fazer isso aqui oficial. – levou adiante meu comentário. – Onde está seu pai? Podemos encontrar o corpo dele para eu pedir permissão. Infelizmente, aposto que ele não entenderia.
Paralisei por um segundo o encarando enquanto tentava conter minha risada.
- Humor negro vive dentro de você, . – Ele sorriu de lado me provocando.
- Essa foi péssima, Slade, meu Deus. – respirei fundo. – E sinto muito, não preciso dar indiretas, mas sem um anel não vai acontecer, Slade. Sou uma moça comportada e nem seguro a mão de um rapaz antes do casamento.
Ele gargalhou, meu teatro irônico não funcionou. Ou pode ter funcionado, e algumas atitudes entre quatro paredes me entregaram...
- Se é o que deseja meu bem, minhas buscas de hoje estarão objetivadas a uma aliança. – aquilo me causou um frio na barriga e sorri levemente nervosa.
- Um dia, quem sabe. – dei de ombros.
Ele bufou.
- Nunca vai acontecer. Você está me enganando, tenho certeza. É uma quebradora de corações, vai usar e abusar de mim e depois me largar. Não tenho idade pra isso viu .
Dessa eu dei risada, notando que o grupo a frente liderado por Nico já se aproximava do ponto sem árvores na floresta, onde estava nossa largada para separação.
Segurei pelo colarinho de sua blusa o levando para trás de uma árvore larga e ele automaticamente abaixou sua arma puxando minha cintura contra si.
- Nunca duvide do que eu posso fazer com o coração de um cara, meu bem. Mesmo com aqueles que não possuem um. – pisquei para ele. E senhoras e senhores, Slade estava calado.
Suas pupilas estavam dilatas pela luz do luar e ele mantinha esse sorriso torto, como se soubesse o dia em que o mundo iria acabar. Mordeu levemente meu lábio, antes de inverter nossos lugares com rapidez. E ele me beijou. Dessa vez com leveza, me fazendo arfar.
Até que Nico chamou nossa atenção, gritando por seu chefe e quebrando todo o clima.
suspirou e largou meu rosto, mas não minha cintura. E todo aquele assunto me fez pensar no meu passado com os garotos, e o principal, o passado de Slade amorosamente falando.
“Salvar a todos e a ela”. Fora isso que ele disse quando desabafou depois de um dia cansativo. Seria possível conseguir arrancar algo dele com um clima leve e espontâneo? Dentro e mim havia aquele medo de não poder mais tocar em um assunto com ele ou com qualquer outra pessoa, pois estávamos do lado de fora da seguridade, estávamos em uma colmeia, e o qualquer pisar em falso poderia nos assustar com a presença daquela ameaça constante que vivíamos. Deixar o lado da abelha rainha era sinal de perigo.
- Você não é obrigado a responder, mas eu prefiro que sim, quero te entender melhor e você me deu apenas uma casquinha de si todos esses dias. Minha pergunta é: quem é/era ela? Você contou ontem sobre o General, e que sacrificou aquilo com a pessoa que você se espelhava por causa de todos e por causa dela. Queria protegê-la. Mas quem é ela, Slade?
Finalmente perguntei, e vi sua expressão mudar, sua mandíbula agora estava trincada. Mesmo que ele divagasse ou preferisse ignorar, fiz minha parte e esperava que o gato não me matasse pela curiosidade.
Ele respirou fundo deixando uma mão ao lado da minha cabeça, na árvore, depois de reposicionar sua arma.
- Alguém que me fez repensar tudo que eu sabia sobre a vida. Sempre a quis para mim, mas era de outra pessoa. Do meu melhor amigo. – riu sem achar graça. - E quando a tive, ela me fez crer em algo que eu não pensava que era verdadeiro, afinal, nem com minha própria família eu obtive aquele sentimento. Mas como dizem, depois da calmaria vem a tempestade. E junto com todo o sentimento bom veio aquela loucura. Insanidade.
Então era realmente sobre uma garota que ele gostava e se a insanidade o tocou quando a teve, era amor. Porém aquele amor era proibido, ela era de seu melhor amigo. Foi uma traição partindo do próprio, não era de se surpreender que a insanidade atacasse sua cabeça, afinal, era algo problematicamente psíquico demais pra encarar no meio de tudo que já combatíamos para conseguir viver.
Fiquei séria por alguns segundos, esperando ele continuar, e quando obtive nada, lhe dei mais uma iniciativa.
- O que houve com ela? – perguntei, tentando decifrar seu rosto.
Ele continuava sério, e voltou a caminhar. Fui ao seu lado, percebendo que logo chegaríamos ao resto do grupo. Abaixou a voz e terminou de falar, tentando não demonstrar sentimento algum. E por incrível que pareça, não demonstrou.
- Teve uma filha. Me deixou. Nos encontramos por uma última vez, tivemos uma discussão feia, ela foi embora, fui atrás dela, mas... – não conseguiu terminar, e compreendi.
- Já era tarde demais. – terminei sua sentença e ele assentiu.
Algo dentro de mim estalou, como um baque para uma revelação.
- Uma filha... Sua filha, ? – perguntei, parando onde estava levemente em choque.
Mesmo possuindo apenas um terço da história, dúvidas e confirmações esvoaçavam em minha mente. Ele era alguém sozinho que conheceu o amor em uma realidade completamente desgraçada, mas ela era de seu melhor amigo, logo a bagunça que se fez em sua personalidade, tentando escolher entre os dois, poderia estragar uma pessoa.
Amor é o sentimento mais forte com o que podemos lidar e lutar entre uma amizade e uma paixão... Seria capaz de estragar um ser humano por completo.
Contudo havia pontas soltas que eu gostaria de ter conhecimento logo. Quem era esse melhor amigo? Ele ainda vive no Quartel General? O que aconteceu com a amizade dos dois? Certamente ele fugiu com a mulher após ela ter rejeitado Slade, mas se os dois se encontraram um tempo depois, era possível que não estaria tão longe quanto deveria estar. E uma filha...
Uma luz piscava em minha mente para uma possível e forte conexão de Slade que poderia ser considerada uma rixa com motivos passados. Essa pessoa tinha nome, sobrenome, profissões parecidas e dois filhos, uma delas tinha uma idade mínima. E com tudo que havia me dito na última noite que passou comigo, poderia encaixar.
No final de contas eu preferia estar no processo de pensar demais, pensando abundantemente, completamente louca, não havia parentesco de Jolie com Slade, ela era a cara do Xerife. E poderia ser qualquer outro ex melhor amigo, certo?
Meu. Deus.
Ele me ignorou completamente até chegarmos ao clarão da floresta gerada pela lua na falta de árvores e os grupos estavam ali armados, somente esperando por uma ordem do Chefe.
- Norte – apontou para o céu, do lado esquerdo – Sul – repetiu a ação opostamente. – Seguindo a linha famosa, quando a lua estiver no topo, em cima da minha cabeça, voltaremos para este local. Cada um de vocês possui algum objeto de ponta afiada; marquem as árvores ou joguem um pão pra saberem o caminho de volta, não estou a fim de ser babá e ter que buscar João ou Maria, perdidos na floresta. Prestem atenção para que os pássaros não comam as migalhas.
Fomos divididos em grupos, todos com líderes experientes e contendo pessoas que a julgar pelo físico, seriam necessárias aqui fora dessa vez, como Baby, que há alguns dias entrou no shopping conosco e se saiu bem.
Mesmo eu internamente sabendo que Slade a colocou em seu grupo da última vez para que nada acontecesse a ela. Claro que essa proteção não viria à tona por parte dele, e também não seria acreditado ou creditado por parte dela.
Acabei ficando como líder de Lacey e Baby, observando Teddy nos desejar boa sorte e para que tomássemos cuidado com o caminho. Às vezes acho que simplesmente gosta de ver o circo pegar fogo, me colocando em uma posição mais alta que a de Lacey.
Mesmo sabendo que logo estaríamos de volta, todo cuidado era pouco e para aguçar ainda mais meus sentidos, fiquei em alerta ao ouvir um latido abafado pelas vozes que se comunicavam. Huh. Se aos poucos aquela sensação de eu estar sendo observada por um garoto de nove anos tomasse conta de mim, não estaria surpresa.

***


Já tiveram a sensação se estar sendo observada?
Pareciam dez horas de mesmice e a lua ainda não estava no topo do céu. Sim, eu estava tentando agir como uma líder, tentando não, agindo e tomando conta para cada passo que as duas davam, mas não havia nada para combater. Nenhum vilão, ser humano ou morto vivo. Nada. Nenhuma barata com asas ou um palhaço faminto.
Apenas uma sensação estranha, e obviamente não iniciamos uma guerra pelo o que parecia ser ânsia.
Baby chegava ao ponto de bocejar. Baby. Aquela que tremia ao somente olhar através do forte do QG.
Nosso objetivo era simples, varrer a área o máximo que conseguir, mas como havia percebido na noite da fogueira, o pessoal de tentava sempre se movimentar aos redores dos três espaços para que tudo ficasse limpo, evitando que um forasteiro inocente ou mesmo uma pessoa que morasse em uma das comunidades acabasse se perdendo e se deparando com um vagante, assim, apenas se perderia e aos poucos encontraria o caminho até um dos líderes.
Mas aqui estávamos as três, finalmente sem bocejar, por encontrar no topo de uma colina, uma igreja. E ao lado dela, um cemitério. Sim, estranho.
- Tudo bem, eu preferia quando estávamos vendo só mato. – Baby comentou ao meu lado e sorri incrédula, percebendo que seu braço estava arrepiado. Encontrar um manicômio agora não faria diferença alguma.
O cemitério parecia estar completamente vazio, e como eu estava em um posto obrigada a não ignorar estabelecimentos como igrejas com possíveis vagantes dentro, teria que entrar. Mas que era macabro, eu concordava com Baby.
- Lacey – tomei sua atenção – inspecione o jardim. Baby e eu entraremos.
A loira ao meu lado gemeu e a morena apenas concordou sem hesitar. E eu não poderia sorrir para tal atitude, sendo o caso por ter perdido alguém importante em sua vida que eu admirava também, e a culpa sem dúvida a corroía por não ter escutado sua imediata – eu -, indo contra as regras e acabando sendo um dos motivos pelo qual Jerry fora levado dessa para a pior.
Não me entendam mal, a atitude de Slade de ridicularizá-la na frente de todos do QG era algo abominável. Contudo eu tentava descartá-la, desejando que Lacey estivesse fazendo o mesmo, e mesmo assim aprendendo que a desobediência a favor do egocentrismo não a levaria longe nesse mundo...
Mas sem pensamentos negativos agora.
Principalmente em uma igreja ao lado de um cemitério no meio de um apocalipse zumbi. Huh.
O certo a se fazer agora era entrar lá dentro, matar tudo o que conseguisse, por sorte Baby aliviaria para o meu lado e mostraria seu lado corajoso, tentando até mesmo me proteger. Mesmo que não fosse um fardo para eu ter que protegê-la ou orientá-la...
E essa foi a primeira vez que havia batido nessa tecla.
Ter que liderar algo nunca fora um problema minha vida, afinal, eu passava o dia todo em uma sala de aula com vinte crianças de três anos, aos dezessete anos de idade. E aos dezoito, a idade das crianças aumentou para doze.
Era algo natural para mim, ter estratégias para melhor comunicação, saber ouvir, tentar fazer o que era certo evitando pensar emocionalmente, buscando o racional sempre, com disciplina e automotivação. Todas as características necessárias para lidar com seres humanos em uma sala de aula, transpassadas para a nova realidade em que vivíamos.
Logo, naturalmente eu conseguiria adotar tal posto. Não que Slade soubesse de meu passado, suas apostas provavelmente foram pela minha pouca idade e forma ardilosa de sobreviver sozinha no lado sujo da floresta. Então isso poderia se somar e resultar em duas lideranças de minha parte para com as pessoas em missões de campo.
A confiança que ele havia gerado aos poucos também fazia parte do pacote, mas eu preferia dizer que era apenas mérito de sobrevivente.
Mas acima de tudo, eu me importava com aquele povo. Abriram os braços para uma nova companheira, dando me abrigo, comida e uma cama macia. O mais importante, abriram os braços para me darem amizade. Família é o lugar onde você sente aquela confiança quente, um sentimento forte dentro de seu peito, e quando eu sinto uma dor em meu coração apenas pensando no que aconteceria com cada família dentro do Quartel se algo acontecesse aqueles, sei que aquele sentimento forte já tomava conta de mim por completo.
Eu era uma deles agora. Fazia parte do grupo. E os protegeria com unhas e dentes, e lealdade era uma das características mais importantes no meu conceito.
Deixei toda aquela epifania de lado retirando a arma de meu coldre e a destravando. Mirar com a esquerda e apoiar com a direita. Uma pequena lanterna em cima. Baby e eu nos aproximamos da igreja e seu aspecto me trouxe memórias do passado, quando conheci o vírus pela primeira vez.
Era uma igreja média, feita de madeira e toda pintada na cor branca, causando um destaque para a noite escura que nos abraçava. Poucas árvores com folhas alaranjadas preenchiam o terreno, ao lado, as criptas de cimento se embaraçavam com a névoa fria e eu estava esperançosa para que todos estivessem bem, e que principalmente Lacey não encontrasse um morto vivo, mesmo sendo clichê demais para o local e praticamente impossível surgirem da terra, ainda me preocupava com a segurança dela.
Na entrada, tivemos que nos esquivar de alguns pedaços de madeira pontudos, virados para nossa direção, talvez uma forma de armadilha para parar aqueles que não têm consciência nenhuma do que está a sua frente. A ideia era boa e poderia refazer futuramente. Porém se estava lá, alguém a criou antes e poderia ainda estar ali.
Passamos pelas estacas e fiquei a frente de Baby. Para minha surpresa a porta estava aberta, e ao empurra-la, o grande gemer tomou conta do local de quatro paredes, como um eco que poderia arrepiar todos os pelos do corpo. E realmente fez.
Dentro, por cima parecia estar vazio, olhei para Baby e a mesma sussurrou se poderia chamar por alguém, neguei com a cabeça, pois o esperado seria que mesmo chamando, por segurança tal pessoa poderia nos atacar ou sequer existir.
Com nossas armas miradas, observamos o local. Parecia tudo novo, como se nada tivesse acontecido, um tapete grande e azul, a madeira forte ainda brilhante com dez bancos de cada lado. No altar um órgão pequeno na parte esquerda e algumas velhas espalhadas. Lamparinas de cor ouro revestiam o teto, nenhuma acesa, deixando a luz de fora tomar conta do espaço. Caminhamos com calma avistando cada banco e abaixo dele. Nada.
Não poderia negar que havia alguma culpa interior por estar com uma arma carregada dentro de uma igreja, infelizmente era uma proteção que seria impossível de largar.
Tudo bem que em algumas histórias de caças as bruxas pareciam ser comuns os aldeões entrarem em igrejas com armas e foices para se protegerem, porém hoje... Somente parecia errado. Como se todo o ódio e medo que vivíamos aparecesse em um segundo só, em toda essa força espiritual que me alcançava no segundo em que coloquei os pés ali dentro.
Atrás do altar havia uma porta escondida pela viga decorada em um papel de parede semelhante a pedras. Fiz sinais para que Baby abrisse tal porta e eu pudesse entrar primeiro. Ela concordou.
1, 2, 3.
Ao abrir, encontramos nada novamente.
Um quarto pequeno demais para qualquer esconderijo, nada no teto, uma cama sem colchão e um armário com todas as portas abertas, sem nada interessante reutilizável.
- Zeradas outra vez. – comentei baixo para que os ecos não voltassem a nos atormentar.
- Pode não parecer, mas estou comemorando. – ri. É claro que está. Obviamente preferia o monótono a qualquer ataque horripilante. E eu não falava aquilo sarcasticamente, pois concordava.
Guardei a arma e me sentei no primeiro banco com Baby ao meu lado, observando os vitrais vermelho e branco.
- Um lugar como esse me enche de nostalgia.
- Jura? A mim também. Meus avós e eu costumávamos a ir para a igreja todo domingo. – Surpreendente. – Mas fiquei chocada, você em uma igreja?
- Eu não sou o anticristo Baby – ri baixinho, olhando para o chão. E tampei minha boca assustada. Poderia falar anticristo na igreja? Provavelmente sim. Minha irmã e eu lemos toda a Bíblia quando éramos crianças e marcamos as palavras mais feias como inferno ou satanás, no que mais tarde virou uma regra de palavrões que poderíamos falar no dia a dia, já que estavam na Bíblia.
-Não chega a esse ponto, esse posto é ocupado por outra pessoa que convivemos – disse insinuantemente e me segurei para não revirar os olhos, sabendo que falava de Slade. – É que nunca vi você rezando a noite ou algo do tipo.
- Não é como se eu tivesse perdido a fé... Claro que antes ela estava mais presente, mesmo eu precisando dela agora mais que nunca. Eu sempre ia pra igreja com meus pais, era a única coisa que eles pediam que eu fizesse, porque seis dias podem ser nossos...
- E o domingo de manhã tem que ser Dele. – Baby completou.
- Sim, egoísta né? – brinquei. – Havia esse grupo de crianças que sempre incomodavam na hora da palavra e a partir de um momento o padre criou um tipo de projeto com as irmãs eu passei a ser uma professora de uma capela ao lado da igreja, – suspirei – foi em uma dessas aulas como catequista que tive minha primeira experiência com os vagantes.
- Acho que essa é a parte mais difícil. A transição. Nos sentimentos solitários a partir desse ponto, e a cada dia perdemos mais a quem amamos. Seja fisicamente ou psicologicamente. Minha experiência foi estar trancafiada no porão da minha casa por alguns dias, foi naquela época que me tornei a pessoa mais covarde que qualquer um poderia conhecer. – lamentou.
Nisso eu poderia compreendê-la, mas quando eu estava trancada no porão esperando resgate, eu estava com minha família.
- Bem, era noite, eu estava dando aula e o padre apareceu suando de nervoso e completamente vermelho. Ele nos trancou dentro da capela gritando aos quatro ventos sobre o dia do juízo final e aos poucos ouvimos os gritos dos pais das crianças vindo da igreja – fechei os olhos com força, tendo lembranças da vermelhidão que fora aquela noite. – Tive que passar algumas horas tentando trancar as janelas e portas, ao mesmo tempo acalmando o padre e os pequenos, algumas crianças até me ajudaram, mas foi difícil passar por aquilo tudo. Quando amanheceu fui obrigada a abandoná-los por alguns instantes pra buscar ajuda. A carnificina no jardim da igreja me fez vomitar por dez minutos. Quando voltei com ajuda, as crianças e o padre haviam sumido e até hoje não faço ideia do que aconteceu com eles. Minha intuição é de que tenha acontecido o mesmo que com tios, avós, pais... – me virei para seu olhar assustado – Minha família inteira não está mais aqui Baby, somente minha irmã e nem ao lado dela estou mais. Então, no momento que você consegue transpassar por isso tudo sem um arranhão, você se torna uma sobrevivente. Eu tenho meus medos, Teddy possui seus medos e até mesmo tem medo. Esse medo se converte para algo bom, algo que nos faz fluir e caminhar em frente. E isso você tem. Sanidade e otimismo são tudo que podemos conseguir, e você mantém tais coisas, e o principal, sua integridade e valores continuam os mesmos. Nessa caminhada toda, você continua sendo você mesma, e isso é o mais importante. A coragem para uma luta, aos poucos você encontra, aprende, tem aulas com outros caçadores e patrulheiros, mas por ser uma garota boa e justa, saiba que você praticamente está acima da maioria que conhece.
Seu rosto agora era emotivo, e não de lamentação. Suspirou por um segundo e me abraçou com força, então ri de leve com o afeto que incendiou meu coração por completo.
Sim, eu sou a irmã manteiga derretida.

***


Caminhamos para fora da igreja logo em seguida, procurando por Lacey. No meio da trilha senti algo estranho ao pisar com meu pé esquerdo, e ao levantar a bota metade da palmilha estava descolada ou descosturada.
Sério?
Eu tinha apenas um coturno pedindo socorro e quando consigo outro sapato que é bom para trilhas ao ar livre ele acaba me decepcionando e se estragando em menos de um dia. Gemi de aflição e pena.
Baby pelo contrário, não ligou muito, somente olhou para meus pés e deu gargalhada.
Realmente querida, muito engraçado.
- Me desculpe, eu não queria rir, – disse ainda rindo com suas bochechas se tornando vermelha quando voltamos a andar, com minha sola desconfortável. – É que você me deu esse sapato com tanta convicção no dia do shopping, que parecia se importar mais com ele do que sua vida quando voltou para a farmácia.
- Estamos no fim do mundo, e ainda não somos selvagens, Baby. Eu preciso de sapatos.
Ela deu de ombros ainda sorrindo. O som da fricção da borracha estava começando a me incomodar e não demorou muito para que o outro lado se soltasse da mesma forma. Bufei e no momento em que Baby percebeu, riu por mais alguns minutos, enquanto eu tentava concertar e amaldiçoava todos os metros não existentes da Cochinchina.
Me encostei a uma cripta de cimento e retirei as solas de uma vez só, torcendo para que o resto do material durasse até chegar ao QG. Naquela distração, as risadas de Baby foram cortadas em um segundo, e neste mesmo tempo eu não a via mais. Com alguns passos à frente, avistei uma cova, e lá estava a loira gemendo pela calça jeans suja de lama e pavor do local em que havia caído.
Castigo vem cedo minha filha.
E dessa vez, eu gargalhei com sua falta de noção.
- Você está bem? – perguntei, ainda rindo.
- Claro, meu maior pesadelo acabou de se realizar, mas estou bem. – choramingou. - Não tem graça . Me ajude a sair daqui, podem ter vagantes aqui dentro.
Impossível, mas tudo bem, além de precisarmos sair logo dali, a ausência de Lacey estava começando a me incomodar. Ela já deveria estar ao nosso lado após ouvir a crise de riso de Baby, a não ser que estivesse longe demais, o que significava perigo e problemas. Para ela e para mim.
Tentei puxar sua mão me agachando e ainda assim continuava longe. Tive que me deitar no chão sujo para que alcançasse e no momento em que nós tocamos, pude ouvir um som de galhos se quebrando, chamativo demais para o silêncio em que nos encontrávamos.
- Espere um segundo. – Ela ralhou, mas aguardou.
Me levantei observando ao redor com a mão já posicionada para resgatar a arma em meu quadril. Lembrando-me dos latidos que ouvi mais cedo, chamei por Jacob algumas vezes e não houve resposta. O mesmo para Lacey, então a preocupação tomou conta de mim.
- É Lacey? – a loira perguntou.
- Ouvi algo, mas não parece ser ninguém que conheçamos. Talvez fosse apenas minha mente assustada.
Desmanchei os pensamentos dando uma última olhada através das árvores escuras.
O caminho reto descendo aquele morro seria o correto de voltar para o círculo onde nos encontramos no início, se entrássemos ali, naquela floresta, nos perderíamos, a não ser que a história de marcar as árvores realmente funcionasse.
E o motivo para que eu estivesse prestando tanta atenção naquele matagal, era porque meu cérebro apontava um sinal gigantesco de perigo para aquela direção, na qual surgiu o som de galhos e instantes depois, aquela sensação de estar sendo observada por um vulto negro sobre meu olhar.
- É difícil te puxar aí em baixo certo? – sussurrei para Baby, não me movendo para sua direção ou olhando para a mesma.
- Bom, sim. – respondeu sem entender. - Me ajude a sair , por favor, eu estou ficando com medo.
Se não a viram até aquele momento, poderia despistar quem quer que fosse. Talvez até mesmo pudesse ser o pessoal do Slade que acabou se esbarrando na mesma área que nós estávamos conferindo.
- Confie em mim Baby, deite com a cara no chão e não saía daí até eu voltar, por favor. Não chame a atenção de ninguém. – falei aflita e num piado de voz para ela.
Apanhei meu revolver e finalmente andei em direção à gigantesca árvore que parecia guardar alguém atrás de si.
Destravei a arma, direcionando de forma correta para qualquer pessoa que tentasse me assustar ou atacar, precaver era a solução. Naquele segundo meus batimentos começaram a se acelerar, temendo o que viria a seguir. Dando a volta pela árvore lentamente, já estando há pelo menos 50 passos da cova, ali estava ele, o causador de tanto alarde, assustador e imprevisível.
Backup.
O cachorrinho marrom com manchas pretas que ainda parecia um ratinho, abanando o pequeno rabo ao sentir meu cheiro.
Olhei para o céu, e meu coração saiu da garganta voltando para meu corpo.
Guardei novamente a arma e me abaixei para pegá-lo, se Jacob não estava por perto, ele poderia se perder ali sozinho.
Foi estranho, em um segundo estava lá, calma, já sem medo, ainda agachada e o cachorrinho em minhas mãos continha um batimento cardíaco que ultrapassava o meu anterior. Ele estava com medo. E ao tentar acalmá-lo, senti algo me puxando para trás com força, no impacto fazendo com que o cachorrinho fugisse de minhas mãos, correndo em direção contrária.
Braços agasalhados e grandes me apertavam no tórax, me fazendo arfar. Tentei bater algumas vezes sem sucesso, com as mãos e lhe dando cotoveladas.
O homem parecia ter dois metros de altura e um oponente muito superior ao meu tipo físico. Seus braços se voltaram a meu pescoço e tive que pensar rapidamente no que fazer, em um instante mordi sua mão com força, me soltando e adentrando a floresta com pavor a quem me perseguia.
Não era um conhecido e suas feições não se gravaram em minha mente com tanta adrenalina correndo por meu sangue em tão pouco tempo.
Corri o máximo que consegui e com a máxima velocidade possível, sentindo minhas coxas arderem e meus músculos se contorcerem assim como meu pulmão pegando fogo.
Meu interior queimava acelerado e meu exterior tentava se contiver ao respirar e pisando como uma bailarina para despistar o homem que eu ainda conseguia ouvir e que vinha a meu encontro.
Em certo tempo a floresta estava deserta e decidi que era hora de parar, mesmo o terror ainda me contaminando. Me encostei a uma árvore de tronco grosso e uma grande quantidade de ramos que eu poderia subir e retirei minha faca de dentro da bota, riscando minha inicial com força contra a madeira velha. Aquilo teria que chamar a atenção se algo acontecesse comigo.
Ledo engano achar que estava sozinha. Eles nunca desistem.
O homem velho com um capuz negro de antes reapareceu distante e acertei sua perna em uma facada, colocando rapidamente meu pé direito no tronco atrás de mim fazendo força para subir.
Segurei um dos ramos desalinhados e antes que conseguisse atingir uma altura descente, senti o abominável homem da floresta segurando meu calcanhar sem escrúpulos.
O impacto de cair no chão de costas fez a dor no meu calcanhar cessar quando ele o segurou com força, me puxando para o chão. Meu pulmão perdeu o ar completamente por segundos que pareciam eternos para aquela luta que poderia me dizer se meu destino teria mais anos a seguir.
Sem ar e no chão, ele rapidamente apanhou minha arma e faca, chutando para longe. E quando achou que já havia ganhado se ajoelhou ao meu lado e segurou uma rocha pequena. No instante em que mirou ao centro do meu crânio, enchi meu pulmão com força e iniciamos uma luta braçal sem quaisquer regras senão a vontade de libertação.
O homem largou a pedra do lado da minha cabeça e forçou suas grandes mãos para meu pescoço fino, enquanto eu arranhava seu rosto.
Consegui chutar seu tórax o deixando se desequilibrar por um segundo, mas suas mãos se encaixaram. Assim como meus dedos em sua face.
Nossas feições de força e ódio traduzidas ali.
Ele estava tentando me matar.
Antes que perdesse o ar novamente, puxei minha perna para seu antebraço, forçando meu polegar para sua esfera na face. Com muita força, aquilo aconteceu. Lentamente meu dedo afundou em seu olho e sangue jorrava, com seus gritos tomando conta da floresta. A adrenalina me fazia ignorar cada segundo em que suas batidas agravavam minha dor e também cada aflição que eu teria em produzir algo como aquele ataque normalmente.
Situações drásticas geravam medidas desesperadas.
Me levantei vendo-o se contorcer com seu rosto completo de sangue assim como minhas roupas, mão e face, e sua voz surgiu, me chamando de todas as palavras ardilosas possíveis.
. Esperança?
Deixando minhas armas onde estavam afinal o cara estava sem o olho e não sem uma perna, me virei rapidamente para que eu pudesse fugir, direcionando a resgatar Baby e contar a Slade sobre mais um ataque que acontecia em seus domínios sem alguma permissão.
Ah, ledo engano.
Ao me virar, me deparei com outro ser. Este tinha minha arma mirada para minha cabeça e nada mais que pensasse naquele segundo poderia me livrar daquela situação.
Não por ser um desconhecido querendo me matar, mas por ser ele, obviamente com o mesmo objetivo.
Lionel.
Na falta de um braço, e um membro, seu rosto estava abatido. O cabelo loiro amarrado e suado, com um sorriso psicótico tomando conta de sua face queimada.
E não durou muito.
Uma pessoa que me odiava completamente estava ali sem testemunhas. Eu estava desarmada e ele tinha meu próprio revolver me julgando como um dia de juízo final.
Contudo, não vi ação partindo dele e no momento em que folhas secas compartilharam um sonido na direção em que eu não poderia olhar, foi questão de milésimos para que eu sentisse aquele elemento duro como uma pedra em minha cabeça, tirando todos os meus sentidos.
Um piscar de olhos. Eu estava no chão.
E tudo ficou escuro.

***

Jacob

Desci da árvore me sentindo sozinho por alguns instantes, como sempre, mas não demorou até que Backup – meu novo cachorro que havia conhecido esta manhã na floresta, – aparecesse. Ele estava agoniado, seu coração acelerado e latindo sem parar.
E eu sabia o porquê, já que aquele homem gigante com um capuz preto me assustou também, me fazendo correr como sempre fiz em direção a uma das árvores da floresta, ali ninguém poderia me pegar, já que correr era um dos meus melhores talentos. Talvez o único, ao lado de conseguir me esconder. Teddy já havia dito que eu só era bom nisso porque era pequeno e não chamava a atenção, e havia argumentado com ele, dizendo que eu era muito fofo e minhas bochechas chamavam sim a atenção. Eles brigavam por cada coisa...
E eu não era fofo, era um sobrevivente, quase um homem. Logo estaria fazendo dez anos e aos poucos me adaptando com patrulhas no QG, assim como me não precisava mais me esconder lá dentro. Acostumar-se com isso seria difícil, pois nunca conseguiria confiar totalmente no líder que tínhamos depois de ouvir todas as histórias de Baby, mas disse que nada iria acontecer comigo e que eu poderia confiar nela nessa questão, e eu com toda certeza confiava. Ela era legal.
Backup parou de latir por uns instantes e saiu correndo com suas quatro patinhas que conseguiam dar uma volta em mim com a velocidade, e gritei o chamando, mas não houve outra saída a não ser segui-lo.
Ele alternava entre latir, correr e fungar naquelas folhas secas. Quando me deparei, estávamos ao lado da rodovia e fiquei nervoso por uns instantes. Ali na floresta já me sentia em casa, conseguia subir em árvores ou me esconder entre moitas, mas na rua com cimento liso, aqueles monstros poderiam aparecer e não havia como me defender.
O filhote a minha frente finalmente parou e o peguei no colo, um pouco sem fôlego. Quando ia me virar para voltar até Teddy para lhe contar sobre aquele homem estranho que havia aparecido do nada, ouvi o som de uma porta de carro se fechando.
E na entrada da trilha, escondido, havia um daqueles carros com uma parte aberta atrás que eu não sabia bem para o que servia.
Me assustei ao perceber que havia alguém naquela parte, com os braços, pernas e boca, amarrados com uma fita cinza. Ela era alta, seus cabelos compridos eram castanhos e...
- Lacey. – exclamei assustado.
Não éramos amigos, mas ela era uma das soldadas do QG e estavam a levando sem sua permissão. Eu teria que impedir que aquilo acontecesse.
Poderia seguir em frente, mas seria arriscado, havia me dito que eu precisava parar de colocar minha vida em risco. Teria de voltar e avisar a todos que ela estava ali. Sim, isso era o certo a se fazer.
- Vamos, Backup – falei para meu colega o colocando no chão.
A movimentação lá em baixo ao lado do carro voltou e finalmente apareceram os mestres do crime. Porém tinha mais uma pessoa com eles... O cara do capuz negro estava lá e outro que me parecia familiar, mas não me lembrava de onde.
Começaram uma discussão entre si e franzi a testa quando ficaram quietos e largaram sem delicadeza outro corpo ao lado de Lacey. Cabelo escuro, blusa branca e bota alta. Tudo manchado de sangue.
Meus olhos arderam e não conseguia raciocinar direito com a imagem de ali, parecendo sem vida.
E se estivesse morta?
Sem mais analisar, disparei em direção ao carro.
Antes que chegasse ao meio da descida daquele morro, tropecei em uma pedra ralando meu próprio joelho, e notei que Backup continuava a seguir o veículo.
O motor ligou e as luzes traseiras se acenderam menos a vermelha. O carro acelerou e já estavam na estrada. Me levantei rapidamente e segui correndo para ele, sem me importar se já estava sem ar ou que pudessem me pegar também. Não pensava nessas coisas, só tinha que salvá-las.
Estávamos na estrada reta e o carro acelerou, e então a distancia entre nós era gigante. Peguei uma pedra pequena do chão e cheguei a jogar na direção da lataria tentando pegar sua atenção, mas não ligaram para mim.
Me ajoelhei no asfalto e Backup voltou para minha direção, me lambendo.
Tudo bem, nem tudo estava perdido. Precisava avisar a quem eu confiava dessa vez.

***

Every breath you take
Every move you make
Every bond you break
Every step you take
I'll be watching you

Romero

Abri minhas pálpebras lentamente sentindo meu cérebro latejar de dor. Aos poucos recordando a consciência, avistei o local onde estava.
Era um tipo de frigorifico branco com as paredes manchadas em vermelho, a sujeira ali dentro era tóxica e estava muito, muito frio.
Meus braços estavam dormentes e tentei decifrar o que havia de errado com eles. Bingo. Os dois amarrados em fendas que parecia ser inox, próximos ao teto e atrás de mim outro par de braços, me virando com dificuldade, percebi que era Lacey.
Cara, estávamos tão ferradas.
Abaixo de mim um longo compartimento de também inox, com aproximadamente um metro de altura, mas nós estávamos tão no alto que seria impossível de alcançar o mesmo com nossos pés. E pra ajudar, Lacey não acordava.
Sem armas no bolso como esperado e minhas roupas manchadas de sangue e terra. Todo aquele cheiro misturado estava impossível de suportar, mas havia algo a mais ali.
Uma porta se abriu ao lado de Lacey e eu não conseguia ver quem entrou, e em um instante percebi a serra se ligando a nossa frente.
Estávamos em um açougue, numa linha de inox feita para cortar carne, correndo em direção a uma serra que tinha minha altura, projetada para atravessar ossos de animais.
Perdi o ar por alguns instantes e comecei a me movimentar com aquelas cordas presas em minhas mãos, somente aumentando meu pavor, pois aos poucos já não sentia mais minhas juntas e minhas pernas já estavam adormecidas completamente. E com todo aquele barulho, Lacey abriu os olhos, provavelmente assustada, e se contorcia como eu.
A um metro em frente a serra, a máquina parou.
Consegui soltar todo o ar que estava preso dentro de mim e Lacey continuava a se remexer, procurando saber o que estava acontecendo.
- Quem são vocês?! – Lacey praticamente gritou e fiquei sem entender, apenas ouvindo passos naquele quarto branco e frio.
Os passos se aproximavam muito pesados, e meu pescoço se arrepiava com aquela sensação de fraqueza, sem ter como nos defender.
Então uma criatura se mostrou à minha frente. Estávamos presas e ele continuava centímetros maiores do que nós duas ali. Praticamente um gigante. O homem com capuz na floresta era grande, mas aquele...
Suas roupas eram escuras, com alguns rasgos e o sapato de couro, grande demais. O gerador de passos barulhentos e que poderiam dar arrepios numa sala silenciosa. Eu não gostaria de ser inimiga daquele cara...
E seu rosto... Estava contaminado?
Não vinha para nossa direção, querendo nossa carne, mas sua pele... Roxa, completamente podre. A esclerótica de seu olhar completamente vermelha, íris azul escura de uma forma anormal e fungos deformavam sua bochecha e testa, caminhando até seu pescoço. Amarelo e infeccionado.
Eu queria vomitar apenas de olhar para ele. Ou somente sair correndo porque em questão de segundos poderia começar a chorar de medo como um bebê conhecendo o próprio bicho papão.
- O que querem conosco? – Lacey, por favor, fique quieta.
Ao lado daquele homem morto que parecia uma montanha e me dava calafrios, se instalou um senhor de aproximadamente cinquenta anos, sem cabelos na parte de cima usando óculos e um avental branco que contrastava para a sujeira do ambiente. Parecia um cientista maluco. O médico e o monstro.
- Finalmente acordaram, estava ficando entediado. – disse uma voz masculina lotada de desprezo.
Seria três contra duas amarradas, amedrontadas e congeladas?
Ele nos rodeou e consegui ver sua face. O nariz empinado. Como um gavião atrás de sua presa. O grandão e o professor maluco estavam encostados na parede, como guardas esperando uma ordem sua, e internamente eu já desconfiava de quem estávamos lidando. Eu poderia estar eufórica por finalmente encontrá-lo ou por querer logo sair daqui, sem precisar que ele me provasse tudo sobre suas histórias nojentas que corriam pela boca do povo.
Parou em minha frente, silencioso, seu rosto era oval, o cabelo amarelado, lábios finos que quase não poderiam ser vistos e o pior de tudo eram seus olhos. Mesmo a sobrancelha quase sem cor, ainda os deixava com ódio. Como se tal pessoa acordasse de manhã querendo atirar em um passarinho que está cantando em sua janela, a íris completamente morta, nos olhando com uma superioridade que doeria a quem tivesse uma autoestima baixa. Seu olhar se achava tão superior que por segundos me senti um lixo apenas estando em sua presença, mas também o odiava pela falta de empatia e por eu estar sem saídas para ao menos lidar com ele a altura, porque neste momento, ele tinha total controle sobre mim.
- Tirem-nas dali. – o loiro falou para o grandão sem vontade.
Em instantes ele nos tirou ao mesmo tempo daquele gancho e eu comprovava que sua força era poderosa, assim como minha dor nas pernas no momento em que ele nos jogou em cima de um banco de madeira, e nessa posição, pude ver que naquela fenda, à frente de Lacey, havia três porcos abatidos presos da mesma forma que estávamos antes.
- Deus, o fedor dessa sala está insuportável. Lavem com lavanda da próxima vez, é muita vergonha apresentarem um local desse para alguém como eu, - reclamou com os outros dois. – E obviamente essas ninfetinhas precisam estar abaixo de mim enquanto interrogo, em pouco tempo iriam chorar pela dor e não suporto ouvir mulheres chorando, é irritante. Das outras vezes não consegui me controlar e vocês continuam cometendo os mesmos erros.
- Desculpe por isso, senhor. Da próxima vez o transportaremos para a sala descarregada.
- Se há uma sala descarregada, por que não as colocaram diretamente lá? Estou cercado de inúteis – revirou os olhos massageando as têmporas.
Desejei que aquela discussão estupida durasse por mais algum tempo, assim ele não tomaria as rédeas para o nosso problema tão cedo. Preces não atendidas.
O grandão ao lado nos deixou na madeira e o professor maluco o seguiu, prendendo nossos pulsos em uma só corda, eu já estava me sentindo como uma bonequinha de porcelana sendo moldada em uma casinha de boneca/abate de animais.
- Vocês estão no meu Hospital. Uma comunidade grande na qual vocês não são bem vindas. Somos basicamente a maior do estado e continuamos a limpar sempre a área para que não tenhamos problema em conseguir mantimentos para meu exército sempre que desejam. Se não estão conosco estão contra nós.
- O que você quer dizer sobre estar com vocês?
- Ah, vocês falam, que bom. Não estou lidando com retardadas. Meia hora pra acordar, meia hora pra falar... Estou dizendo que, obviamente, teriam que renunciar cada atividade em suas comunidades e passarem a trabalhar pra mim, simples. E isso se eu decidir se vocês estarão aptas ou não para o trabalho que precisamos.
- E qual seria esse trabalho?
- Eu não sei garota burra. São apenas suposições de que está faltando alguém para tal lugar. E também se não está o caminho daqui até sete palmos abaixo da terra é inevitável. Se bem que com duas ninfetinhas haverá muitas opções para um fim – sorriu, franzindo todo seu rosto. – Tenho certeza que Gut aqui se divertiria com as duas por uma noite. E há um exército de caras esfomeados lá fora também.
Sinto-o se aproximar de Lacey atrás de mim e a garota não relevou suas palavras, cuspindo em sua cara, com um alto e bom som “vá se foder”. E em seguida, o som de um tapa extremamente forte e o rosto de Lacey se virou com força. Senti a ardência daquela agressão como se tivesse sido direcionada a mim.
- Estou na minha casa e exijo respeito. Não gosto que falem quando estou falando, entendeu? Principalmente pessoas como você. Tão baixas quanto a areia do meu sapato. Eu sou o líder da minha própria casa e enquanto está no meu território, posso punir você pra cada atitude que me desagrade. Estamos claros? Não responda. Atitudes que valem. E também não me olhe com esta cara de sonsa, seus olhos irão saltar para fora desse jeito.
Ele deu a volta estando na minha visão dessa vez e aos poucos o frio estava sumindo, com meu sangue correndo tão rápido por todo meu cérebro e corpo, tendo meu psicológico trabalhando para qualquer forma de fugir daquele lugar.
- Quer se pronunciar também? Não gosto de perder a compostura e provavelmente não daria um tapa pela segunda vez, quer fazer algo, faça, mas terá que dar conta de Gut em cima de você. – suspirei com lentidão olhando para seus sapatos, abaixo de suas pernas finas, o garoto parecia ser mais novo do que eu, magricela e egocêntrico. Mas outra vez, ele tinha controle sobre mim e para qualquer ataque verbal a melhor opção era ficar calada. – Não vai reclamar? Muito bem. Irei ser claro dessa vez. Meu nome é Zeus, mas não me chamem assim, aliás, nem me chamem, não atendo quem está em um nível abaixo da anarquia aqui construída. Anarquia esta que faz parte do Império. O Hospital que estamos é um Império, que eu construí a partir do zero. Minhas instalações, minhas ideias, meus planos. Todos montados a partir de minha voz e convicção, cada oratória destinada a fortalecer um grupo de minorias que precisava de minha ajuda e agora estamos aqui no topo da cadeia alimentar mais uma vez. Deus, temos até mesmo um cientista aqui dentro. Então pode se dizer que graça a tudo que fiz por eles, continuam aqui, porque como podem ver, ainda estamos vivos. Das ruínas para o topo. Mas tem algo que atrapalha todo nosso andamento que me deixa muito irritado, e olha que não sou um cara de perder a cabeça, tenho pessoas que trabalham pra mim e fazem isso no meu lugar. – ele olhou para os porcos pendurados por alguns segundos e fez uma careta antes de prestar atenção novamente na conversa. – Comunidades afetam aqui. O Império se fortalece a partir de humanos que estão dentro dele, e quando encontramos seres humanos que não fazem parte do nosso trabalho, se tornam apenas fardos nos quais não queremos lidar, apenas limpar o caminho, se é que são capazes de me entender.
Basicamente, quem não trabalhava pra ele, morria. Sim, entendemos isso quando você entrou nessa sala falando a mesma coisa. Então continuou.
- Mortos vivos já não é tendência há algum tempo, hoje em dia eles trabalham para nós. – Devo ter feito alguma cara diferente da monótona e a de medo, pois ele ergueu as sobrancelhas confirmando o que disse como se fosse algo interessantíssimo. – Sim, eles estão presos ao nosso redor para que outros seres vivos não cheguem aqui dentro. E os que tentam sair, – ele gargalhou pela primeira vez – é até mesmo ridículo pensar nessa hipótese. Se você tentar sair sem ao menos deixar suas pernas ou braços para trás na tentativa de uma distração, é impossível. Ninguém entra e ninguém sai sem minha autorização.
Frise mais suas tentativas de me deixar sem esperança, grande rei. Por um momento pude pensar que você é inseguro.
- E vocês são seres humanos com sinal vermelho estampado na testa. Simplesmente duas ninfetas jogadas na floresta, com armas e boa conduta física, sobrevivendo até aqui, o que não é fácil, todos sabemos. Não é de grande relevância, mas qual o nome de cada uma.
Lacey e eu nos mantivemos caladas enquanto ele continuava a nos rodear, gesticulando cada palavra sua como uma ameaça.
- Começamos fácil assim e sem resposta. Tudo bem, só vou precisar de mais controle. Gut, coloque-as na linha da serra mais uma vez, aquilo acaba abrindo cada poro de uma pele que talvez por dentro possamos enxergar alguma verdade nas duas. Literalmente.
Com isso, Hagrid saiu de seu canto do pensamento e nos levantou novamente no colo. Por um instante nos contorcemos para tentar fazer algo, já que agora nossas pernas já se movimentavam bem e o frio era indiferente, entretanto foi de pouco esforço ele colocar duas garotas acorrentadas na mesa de inox que agora se movia também, a frente daquela serra maldita que passou a zumbir, agitando minhas entranhas desagrado e medo de serem cortadas ao meio em um futuro próximo.
- Vou perguntar outra vez. Nome?
- Zoe.
- . – respondi. E sim, situação de risco faz nos pensar em quem amamos. Sem vergonha nisso.
- Agora gostei – pude notar o sorriso em sua voz. – Adestradas.
Ah, Zeus, você vai se arrepender por cada palavra que sai da sua maldita boca. Não agora, mas vai. Não caminhei por tanta merda em minha vida para acabar como um pedaço de carne no açougue.
- Idade?
- 24 – respondemos ao mesmo tempo.
- Família?
Era pegadinha?
- Dois irmãos, mas não estão na cidade. Tampouco acho que estão vivos – respondeu Lacey e me surpreendi com suas palavras, e obviamente ela não estava mentindo.
Vi que Zeus agora olhava pra mim e rapidamente disse que era órfã e filha única. Felizmente, sempre uma boa mentirosa. Não é uma característica de orgulho, mas nessa fase...
O loiro rapidamente pulou para a próxima pergunta, todas elas eram perguntadas em sequencia e a serra parou quando ele levantou uma mão para Dexter, o professor de guarda-pó branco, que estava ao lado dos botões da máquina de frigorífico.
- O que faziam na colina? – curto e simples.
- Patrulhando. – respondi, mantendo Lacey quieta.
- E para quem?
- Nós mesmas.
- Vocês duas? Sozinhas?
- Sim, estamos sozinhas desde o nosso último grupo nos largou na entrada da cidade.
- E tem conhecimento de onde está tal grupo? – ele chegou à sua pergunta principal, sem ao menos se tocar de toda a mentira.
- Não sabemos. – falou Lacey com a voz baixa e tentei reforçar sua resposta.
- Não sabemos, apenas nos largaram por diferenças irreconciliáveis com outras pessoas e lideres daquele bando e passamos a ficar na floresta, dormindo em árvores e algo do tipo.
Ele sustentou sua visão para meus olhos por um longo tempo, e permaneci ali, não quebrando e sem deixar de fortalecer minha história. Meu nome é e estou sozinha na floresta, não há nenhum grupo para você perseguir e massacrar, Zeus.
- Não acredito. Se fosse alguém mais fraco aqui, acreditaria sim, mulheres conseguem ser repugnantes com a falta de sinceridade que carregam consigo mesmas, mas veja bem, ninguém patrulha porque querem, as pessoas têm medo de ir lá fora, e vocês estavam sem comida, sem bolsas e nem qualquer outra coisa segundo meus soldados. Provavelmente estavam em algum grupo tentando limpar a área. E preciso que me digam que grupo infeliz é este, que vem pegando minha caça dia pós dia e matando os mortos vivos que protegem meu hospital. – sua voz se alterou completamente, braveza e raiva expelindo naquele veneno. – A ralé desgraçada que compactua com esse crime pensa que pode passar por baixo de meu nariz, mas não vai! Estou cansado disso tudo, da falta de respeito desse povo achando que pode se estabelecer em qualquer lugar e tomar o que é meu por direito. Eu fiz isso tudo acontecer. Os esfomeados que se danem, não sabem para onde ir a acabam fazendo da minha área uma favela e –
- Egocêntrico do caralho! Comida não tem dono. – Lacey gritou atrás de mim. Me ajuda a te ajudar, amiga.
Zeus toma todo o ar da sala e seu rosto está vermelho, como se ele quisesse chutar tudo a sua frente e colocar fogo nas coisas. Para quem teve classe no inicio, tinha muita raiva dentro de si agora.
- Uma coisa – fechou as mãos como implorando. – Me digam da onde vocês duas são. Cadê a comunidade que pertencem, onde no mapa, me respondam isso.
- Vá se foder.
Uh.
Ela estava virada para a direção contraria e com certeza não teria respondido isso se visse que estávamos a menos de um metro daquela maldita serra. O zunido tomou conta da minha audição por completo. Fechei os olhos com força, não, não e não.
Minhas pernas estavam abertas para aquele pedaço de metal e minha garganta se trancou. Como eu poderia pensar em uma reposta decente que salvasse nossas peles desse jeito? Professor Ludovico saiu da sala rindo, e não via nada de engraçado ali.
Tentava andar para trás, mas o gigante acabou prendendo Lacey pelas pernas e não havia alternativa para mim. Zeus foi para o local onde antes estava o professor e colocou sua mão acima do botão vermelho e gritou para que pudessemos ouvir acima de toda aquela bagunça sonora. Lacey gritando, uma serra entre minhas pernas, Zeus dando ordens, Gut rindo enquanto prendia o corpo da garota atrás de mim na mesa.
- Revelem a localização!
Emudeci. Sem chances de uma facada nas costas de meus amigos.
- REVELEM! – ele gritou.
Lacey com total horror ao gigante zumbi alterado a sua frente, acabou pedindo clemencia, também, com a pressão de minhas costas a empurrando para ajudar na sua resposta. De um lado, uma serra nos cortaria em duas, do outro, seríamos devoradas lentamente por uma criatura não identificada.
- TÁ TUDO BEM, SE ELA NÃO QUER FALAR EU FALO.
- Não Lacey... – sussureio, me sentindo já perdida.
- NÃO, . ESTOU CANSADA DELES MESMO, NÃO HÁ PARA O QUE LUTAR MAIS, NINGUÉM DE LÁ ME RESPEITA E MUITO MENOS OS RESPEITO O BASTANTE PARA DAR MINHA VIDA EM TROCA.
- LACEY, FICA QUIETA – Acabei gritando para interrompê-la.
Uma serie de gritos bem recebidos para Zeus, que nos olhava como um show particular.
A serra estava desligada, e ele caminhou até a frente dela, Gut nos deixando livre finalmente.
- Diga-me, Lacey, qual o grupo que não te respeita? O que vocês fazem parte? Onde fica ele?
Senti suas costas tensas na minha e ela poderia ter desistido. Talvez fosse um blefe para desligar a serra e agora ela não sabia como continuar com a história.
- Ela não pode responder você.
Ele revirou os olhos.
- E por que não, ?
Tudo bem, aquilo me deu mal-estar. Meu nome em sua língua. Não era uma estratégia, ela havia falado meu nome.
- Porque não fazemos parte a ninguém.
- Vamos começar tudo isso de novo? Porque sinceramente...
- Não. – interrompi. – Não fazemos parte, e sim pertencemos a outro líder.
Agora ele estava interessado.
- É isso. Não temos medo de você, Zeus, porque há alguém pior lá fora. E se quiser passar por nós, terá que lidar com ele primeiro. E se nos matar, estará nos fazendo um favor. Voltar para casa após estar aqui é que será uma verdadeira tortura. Serra de porco? – dei uma risada de leve – Ele nos colocaria no abate com seu próprio machado. Sem mandar alguém fazer por ele, seria por si só, em uma sala com quatro paredes. E não importa se estamos com ele por anos. Confiança é algo inexistente.
- Me diga um nome. – Ele apertou meu queixo com força e sussurrou como um psicopata, me fazendo olhar para seus olhos raivosos.
- Slade. – sussurrei sem delongas.
Compreensão sustentou suas emoções. Estava ali, claro como cristal em seu rosto, que ele já conhecia esse nome, e a história por trás disso não era boa. Ao menos, não para ele.
Zeus passou a mão por seus cabelos, pensando, o olhar perdido, então retirou uma faca de seu coldre e se aproximou de mim. Meus olhos abriram imensos e acho que meu coração havia parado de bater naquele momento.
Mas foi um leve arder, aquela lamina fina fazendo um corte de três linhas na minha bochecha. Ele passou o dedo de leve em meu queixo e quando se afastou voltei a respirar. Neste momento o professor chegou e sussurrou algo em seu ouvido enquanto Zeus continuava a me fitar, e eu não conseguia decifrar seus pensamentos.
- Chame as camareiras – disse se virando para o mais velho e deixou o recinto, com nossos corações acelerados.
O medo ainda vivia, mas conseguimos deixar toda a tensão mais leve por algum tempo. O corte na minha bochecha flamejada e algumas gotas de sangue caía em minha blusa que um dia fora branca. Mas somente uma questão conseguia tomar conta de todos os meus pensamentos.
Como iriamos sair dali?

***

Professor Edwin Snyder

Eu realmente abominava quando meu mestre ficava desse jeito. Pessoas estranhas o faziam perder sua postura e tirava toda sua confiança merecida, colocando sua mente para trabalhar, mesmo que estejamos todos aqui por ele. Era só mandar, que faríamos para seu próprio bem.
Neste caso, poderíamos apenas acabar com as duas meninas e fingir que não havia comunidade lá fora roubando nossa comida, mas seria inevitável, e como o próprio gostava de interrogar novas pessoas, o deixamos a par daquela situação que acabaria lhe dando uma grande dor de cabeça, que aliás, estava lhe dando há algum tempo.
Tudo sumindo, rastros de carros, pegadas, mas sem sucesso. Apenas preparação para que quando os encontrássemos, a morte certa para os inimigos viria, já que nossa casa já estava fechada para quaisquer outros convidados.
E aquele caminho de glória estava cada vez mais próximo, principalmente quando recebi a visita de um dos nossos que acabou se perdendo em uma de nossas patrulhas, e que agora estava de volta e seria necessário apenas algo de sua identidade para que o mestre tivesse toda convicção e confiança para que ele ainda fosse um dos nossos.
- Lionel está nessa sala, senhor.
Zeus continuou a me acompanhar até seu escritório e ao abrir a porta, o avistamos. Tive um pouco de compaixão por ele, estava completamente destruído e magro, até mesmo sem um braço.
Os selvagens que continham em outras comunidades poderiam ser realmente baixos com seus métodos...
O rapaz de cabelo comprido apenas sorriu para meu mestre e tentou levantar a manga do seu casaco na quina da mesa de madeira, sem sucesso. Me aproximei para ajuda-lo e retirei o tecido da frente da marca que sempre fazíamos para nossos membros.
Inicialmente no abate, depois Zeus fazia suas escolhas e passávamos o ferro quente. Era uma espécie de tatuagem para encontrarmos aqueles que não tinham negação para qualquer atividade em nosso grupo, buscando ferir até mesmo sua pele pela honra de estar conosco.
E lá estava a cicatriz de um Z no pulso do garoto Lionel. Meu mestre sorriu com aquilo, o que me fez feliz, isso mudaria seu humor para algo melhor.
- Bem-vindo de volta ao lar. – meu mestre falou, apertando a mão de seu mais novo/antigo soldado com força.
O mesmo seria uma bolsa de informações com uma valiosa importância.

***

Romero

Algumas senhoras com aventais compridos e brancos, usando luvas azuis, entraram no frigorifico gelado e nos levaram dali, sem forças acabamos cedendo, também por Gut continuar nos vigiando para que nada tentássemos.
Percorremos o corredor branco e sinistro com luzes que poderia nos cegar se olhássemos muito tempo diretamente. O chão era branco, as paredes eram brancas. Tudo branco. Eu estava bem longe de casa. Longe do QG. De Slade, Teddy, Jacob, Baby...
Ah, Baby.
Desejei que estivesse bem, colocando o fato de que ela não fora interrogada conosco, poderia ainda estar naquela cova suja e pelo menos longe do Hospital, que eu ainda tentava imaginar as rotas de fuga, isso se todos aqueles seguranças e câmeras humanas dormissem por pelo menos um segundo me deixando tempo para escapar sem ser vista. Ou ao menos pensar direito sem pressão.
Chegamos a frente de uma porta e as tais camareiras colocaram um saco escuro nas nossas cabeças, nos impedindo de saber para onde estávamos indo. Havia um cheiro naquele saco que me deixou sonolenta, sem movimentos bruscos e cheguei a tropeçar ao descobrir que estávamos descendo uma porção de escadas em linha reta.
Quando pareceu que já estávamos no quarto certo, nos jogaram contra uma parede de cimento e ouvi Lacey gemer de dor.
As mulheres mais velhas resgataram cada uma, uma tesoura de seus aventais e começaram a cortar nossas roupas. Mentalmente eu tentava impedi-las de toda aquela exposição ridícula e desnecessária, mas quem eu queria enganar, por fora estava completamente dopada, por provavelmente clorofórmio que havia dentro daqueles sacos.
Era uma sala completamente cinza, com luzes baixas, uma mureta no meio de duas paredes e uma das camareiras me colocou contra o concreto, indo para um canto onde continha uma espécie de chaminé preta antiga, e a fumaça vinha para o lugar sem janelas. Ela remexeu um ferro ali dentro e meu corpo começou a tremer com o frio, minha vista estava embaçada e com pouco esforço tentei prestar atenção no que ela estava fazendo.
Fechei os olhos por um segundo e ouvi o barulho de um jato de água batendo contra o corpo de Lacey do outro lado daquela mureta. A pressão conseguia ser tão forte que ela gritava de dor, mesmo no estado dormente que se encontrava.
Perdi tanto tempo prestando atenção aos gritos de Lacey que levei um susto com a face da camareira ao meu lado.
Então a explosão.
Meu pulso queimava. Uma pontada de fogo que durou dois segundos, mas continuava a incendiar. Tentei não gritar, mas chegou a um ponto que não conseguia mais me conter. E gritei com toda a força de meus pulmões.
Logo apareceu a outra camareira, jogando a potência daquela água contra todo meu corpo.
Não havia o que pensar só havia o que sentir. O fogo no pulso, a pressão na minha pele nua daquela água forte. Eu mal conseguia me manter em pé. E aquilo se profetizou, em segundos eu estava naquele chão duro e molhado, sentindo uma dor inimaginável.

***

Jacob

Estava na colina onde havia mandado que as meninas fizessem sua patrulha e consegui ouvir alguns gritos de vozes familiares que chamavam por mim. Segui aquele rastro e acabei encontrando Teddy e Baby, e fiquei com medo de sua face, totalmente descabelada e com lágrimas em seus olhos. Mas não estava aqui para saber de sua aparência ou motivo dela, tinha algo importante para falar. Respirei com dificuldade e me sentei no chão a frente deles.
- O que aconteceu garoto? – perguntou o grandão, e Backup que estava comigo o caminho todo foi direito para o colo de minha amiga.
- Eles levaram as duas.
- Quem? – perguntou Baby, aflita.
- e Lacey. Dois caras grandões, apareceram na floresta do nada, me escondi, mas logo Backup sumiu e fui atrás dele, encontramos então um carro grande e naquela parte de ferro colocaram as duas desmaiadas. estava cheia de sangue e estou com medo do que pode ter acontecido. – despejei tudo de uma vez.
Os dois se olharam assustados.
- Temos que ir atrás delas.
- Eu tentei, fui estupido demais, queria buscar ajuda, mas fui pelo impulso e tentei segui-los, joguei uma pedra e mal notaram.
Baby notou meu cansaço e disse que estava tudo bem, acabei me deitando naquela grama com falta de folego.
- Tudo bem, iremos até o QG, pegar tudo o que for suficiente para nos mantermos e sairemos pela porta do seu antigo quarto sem que veja a gente fugindo. Ele não vai gostar nada de saber que suas escravas estão longe de seu templo.
Sim ele tinha um ponto, nenhum de nós confiava em para aquilo, teríamos que ser discretos e não contar para ninguém, do contrário, ele poderia deixar lá, sozinha e sem proteção, não faria nada para ajudá-la como o monstro sem coração que ele é.
- Isso não pode sair daqui – Baby confirmou. – Se souber, vai rir de nós e nos prender dentro do QG. Temos que buscá-la, mas ela provavelmente está fora de nossos domínios, e eu não faço ideia de onde começar.
Mas eu sabia.
- Eram caras conhecidos, um com roupas escuras e o porte de soldado. Eu sei da onde ele é, e pelo caminho que seguiram, provavelmente pegaram a rodovia para entrar na trilha correta, do outro lado do rio, para chegarem ao...
- Hospital. – os dois completaram minha frase e concordei com a cabeça.
Fomos interrompidos pelo grupo principal, e percebi que a lua já estava se pondo. Demoramos demais. E lá estava , atrás de nós, com cara desconfiada e bravo, ele sempre estava bravo, e quando não estava, seguia rindo de coisas que eu não achava graça nenhuma. O cara me assustava demais e virei meu rosto com o coração batendo no peito muito forte com o efeito de sua presença.
E assim negamos. Negamos que sabíamos onde estava e Lacey, negamos que havíamos visto elas há pouco tempo, para onde foram ou se avisaram algo.
não poderia ajudar, afinal, ele não se importava. era minha amiga e com a ajuda de meus amigos, que realmente se importam com o bem estar dela, conseguiríamos resgatá-la, sem a ajuda de ninguém.

***


Romero

Meus olhos estavam fechados, minha respiração calma, minhas costas ereta na parede atrás de mim e por incrível que pareça já não havia dor alguma.
Queria ficar ali pra sempre, sem problemas, sem responsabilidades. Apenas dormindo, sem ter coragem de abrir os olhos para ter que enfrentar o que viria a seguir.
Meu braço esquerdo estava preso em algum lugar, havia notado. E algo fazia carinho em meu pé.
Poderia ser Backup, o cachorro amigo que sempre aparece para ajudar.
Virei a cabeça para o lado, a luz muito branca queimando minha visão. Lacey estava a minha direita ainda apagada, com seu braço também preso na parede a pelo menos um metro de altura. Nossas pernas também estavam presas. Meu olho ardia.
Puxei a algema com força e de nada adiantou. Suspirei. Cocei os olhos com minha mão ainda livre e senti aquela coisa no meu pé novamente. Foi um pouco estupida a minha reação, mas ao ver que aquela coisa era realmente uma coisa, me assustei e dei um leve grito me encolhendo para trás.
Lacey e eu estávamos dentro de uma cela com uma perna e uma mão presa na parede de concreto, e a frente de nós, mortos vivos serviam como guardas, cada um deles emitindo seus sons vindo do fundo da garganta, famintos para ter um pedaço de carne, e nós seriamos sua próxima refeição.


Capítulo 20 – My Songs Know What You Did In The Dark (Light ‘Em Up).

Música do Capítulo


Romero.

- Então, o que sabemos até agora? – Barbie perguntou um pouco empolgada.
- Nada. – permanecia com a cara fechada. – Só que o Hospital está por trás de todos os “incidentes”. Desde o ataque na floresta contra você, até o ataque contra a na farmácia. – O homem coçou as têmporas, dando longas respiradas. – Eles são tão insuportavelmente organizados e limpos que nunca sabemos o que está acontecendo no nosso próprio quintal!
Essa era só mais uma daquelas reuniões diárias em que sentávamos e discutíamos sobre os progressos contra o Hospital, só que continuávamos sem progresso algum. Era como se não estivéssemos nem fazendo barulho.
A pior parte era que fazia um tempo que não havíamos mais tido uma ligação direta com o QG. Desde que eu os visitei, tudo havia ficado quieto e uma parte de mim se preocupava com . Já que quanto mais quieta ela ficava, mais me assustava.
Esperava até que o fim do dia ela me mandasse o pombo correio ou algum sinal de vida, ou então eu iria atrás dela.
Eu estava completamente deitada na cadeira, com minhas pernas esticadas no braço da mesma. O tédio da conversa entre , Friedrich, Barbie e Judas na sala do líder me fazia querer dormir, mas como primeira dama, deveria parecer mais preocupada.
Só que não me sentia culpada, já que o próprio líder também parecia tão desatento quanto eu. Minha pele queimava sentindo sua atenção. Ele tinha os seus olhos vidrados em minha perna, com a mão na boca e uma sombra de um sorriso de canto nos lábios enquanto ficava observando cada traço de meu corpo.
Me sentia nua em seu olhar.
Eu apenas vestia um vestido simples, branco, com uma alça fina e o decote um pouco justo, que deixava meus seios um pouco apertados. Só um pouco – e era isso que, em alguns momentos, devorava com os olhos. Tirando o vestido, usava minhas queridas botas. Quase uma fashionista.
Era visível o quão desinteressado estava dessa conversa, já que a cada movimento que eu dava na cadeira seus olhos mudavam de direção.
Sempre soube que meu Xerife era do tipo detalhista, ele prestava atenção em todos os meus detalhes. Da forma que meus cabelos loiros caiam sob meu corpo. Como eu enrolava uma mecha em meu dedo enquanto o encarava me olhar na maior cara de pau possível.
Não me importava. Gostava quando ele me devorava com o olhar.
Porque já sabia o que ele faria depois.
O resto do grupo na sala apenas murmurava coisas, como se conversassem entre si. apenas murmurava algo em resposta, mas permanecia me encarando.
- Não podemos simplesmente atacá-los, certo? – Frid perguntou um pouco confuso e acordou, apenas balançou a cabeça. Ele tirou os olhos de mim e eu quase xinguei o velho Frid.
- Se atacássemos, teríamos que ser competentes o suficiente para guerrear contra eles e sozinhos não conseguiríamos de forma alguma. Precisaríamos de soldados. Muitos soldados.
- Precisariam do QG. – Judas se intrometeu e se enrijeceu.
- É. Precisamos.
- Algum contato com o ? – Barbie perguntou e o líder negou com a cabeça.
- Silêncio total. – Respirou fundo. – Por agora, teremos que lidar por contra própria.
Quando Slade calava a boca, era porque algo sério estava acontecendo e isso era o que mais tirava o meu sono.
- Graças a ida de vocês à farmácia, temos bastante medicamentos, o suficiente para meses se não houverem complicações. – Frid disse em um tom baixo, mantendo a calma e tentando passar para uma segurança.
- Então do que mais precisamos? – me encarou e eu desviei o olhar para qualquer outro canto. Não sou boa com ideias.
Acabei acidentalmente olhando para Judas e seu olhar cruzou com o meu, rapidamente, a conexão de dois selvagens se instalou e eu já sabia do que precisávamos.
A melhor coisa de ter Judas ao meu lado, era que por ele ser tão fodido quanto eu, nos dávamos bem, como irmãos. Melhores amigos e afins.
- Armas, precisamos de armas. – respondi em um tom firme e se impressionou.
- Bom ponto. – elogiou.
- Nós podíamos dar uma olhada no Centro. – Judas completou minha ideia, se referindo ao centro da cidade. Lá era o lugar que tinham mais lojas e casas, era o Grande Formigueiro e ocasionalmente se tornou o lugar mais perigoso da cidade, sendo onde se reúnem os maiores bandos de mortos-vivos. A maioria deles vieram de lá. Era o campo suicida.
Mas por sorte, quanto mais perigoso, mais abastecido está.
- Arriscado demais. – negou.
- Acho que não. – comecei. – Se irmos em grande grupo, se for o caso nos separemos já dentro do Centro, mas fora isso, com todos juntos fica difícil eles nos pegarem desprevenidos.
Todos me encaravam surpresos e eu não entendi porque tanto alarde. Eu continuava sendo a garota que estava sentada folgadamente na cadeira e ignorando metade da reunião tediosa.
- Podemos tentar. – então concordou e “bateu o martelo” declarando o fim da reunião.
Aos poucos, o grupo que estava lá se levantou e saiu do escritório. Me levantei e fui até a porta, fechando-a após o último sair. Ficamos apenas eu e naquele espaço.
Ainda encostada na porta, me virei para o homem e inclinei minha cabeça para o lado. Enrolando uma mecha de cabelo em meu dedo e sorrindo para o mesmo que há minutos atrás me devorava com o olhar.
- Ei. – Sorri e o mesmo sorriu rapidamente, mas logo fechou a cara.
- Nem vem. – Cruzou os braços e eu fiquei confusa.
- Como?
- Toda vez que você fica aqui, toda bonitinha, é porque você quer algo que eu não vou aceitar que você faça. E eu sei muito bem o que você quer dessa vez, Romero.
Fechei a cara.
Quantas vezes eu já havia feito esse truque com ele?
- E o que você acha que eu quero dessa vez, Grimes? – Cruzei os braços.
- Você quer me amolecer. Para que eu não arrume motivos para te deixar aqui.
Dei os ombros.
- De qualquer forma, eu irei ao Centro com o grupo. Você gostando da ideia ou não.
- Eu sei.
- Pelo menos estava disposta a te dar algo para que você ficasse relaxado. – Sorri, voltando para a minha posição inicial e se enrijeceu.
- Não provoca, .
- Quem não tirava os olhos de mim era você, Xerife. – Disse, caminhando lentamente até o homem que não tirava os olhos de mim. Me sentei devagar em seu colo, o mesmo agarrou a minha cintura e decidia para que parte do meu corpo olhar.
Mas preferiu encarar meu rosto.
- E você sabe muito bem o motivo. – A mão que estava em minha cintura, descia pela minha perna descoberta e fazia com que meus pelos se arrepiassem, alguns sussurros fugissem de minha boca e meu corpo todo se esquentasse.
Sua mão acariciava toda a minha perna e subia, subia para debaixo de meu vestido e tocasse parte do meu corpo que só ele conseguia. Seus dedos grossos passeavam pelo tecido da minha calcinha e já estávamos entrando em um terreno perigoso.
- Novo estilo? – perguntei curiosa com a camiseta cinza escuro que ele usava. O tecido liso e a manga curta que que deixava seus músculos do braço mais evidentes. Não era uma daquelas camisas de botões que ele usava. Era diferente. E eu gostava.
- Gostou? – Sorriu, passando em seguida os lábios pelo meu pescoço e arrancando mais suspiros meus. Assenti.
- Mas fica melhor sem.
deu os olhos e me soltou por um instante, aquilo deveria ter sido considerado um crime contra a humanidade. Já que havia me deixado a mercê e completamente desesperada por mais.
Mas felizmente aquilo havia sido apenas para que ele tirasse a camiseta e a jogasse em algum canto. Agora estávamos pele com pele. E suas mãos voltaram a acariciar minha pele e descer minha calcinha aos poucos.
- Quanto tempo temos até sair? – perguntei.
- Quanto tempo você quiser, amor.
- Ótimo. – Sorri e me ajeitei em seu colo. Soltando o cinto de e abrindo sua calça aos poucos.
E assim passaríamos um bom tempo trancados no escritório de .
Pelo menos não poderiam dizer que andávamos monótonos.

***


Eu gostava tanto da inocência de Jolie. Era a única coisa que me mantinha esperançosa nesse fim do mundo.
Ela estava em meu colo, completamente animada e sorridente, conversando comigo em algum idioma que eu ainda não havia dominado. E rindo, ela ria demais.
Não de mim, mas sim da aula de defesa que Lola estava dando no pátio. A cada grito que ela dava ou posição que ela ensinava e os alunos tentavam repetir da forma mais falha possível Jolie gargalhava.
Não achava que a garotinha estava entendendo alguma coisa, já que mal tinha idade para falar, quem dirá entender. Ou talvez eles fossem tão ruins mesmo que era engraçado. Admito que até eu queria ir ora ou outra.
Os gritos e broncas constantes que saiam da boca de Lola ecoavam por toda a Colônia.
Sua aula não ia bem.
Aparentemente ela não era tão calma e fã de dar aulas para pessoas inexperientes. Estava quase enfiando a faca na cabeça de um dos alunos que vivia contrariando todas suas lições. E adivinhem quem era esse aluno?
Oh, Toby....
Eu estava com Jolie em meu colo observando de longe a aula de Lola, que a cada momento perdia mais sua paciência e se ela o matasse, eu fingiria que não havia visto, ainda a ajudaria a enterrar. Pelo bem da comunidade, certo?
Meus olhos correram pelos alunos, eram pessoas normais. Pais, mães, filhos, adolescentes, idosos, menos crianças. As crianças tinham que ser crianças o máximo que podiam. Mas alguém estava faltando.
Corri mais meus olhos e então avistei o casal de irmãos apenas assistindo, se mantendo longe de qualquer coisa afiada. Liam – o que perdeu o braço – e Brianna sua irmã, estavam bastante intrigados com a aula, mas não foram corajosos o suficiente para fazer parte.
Não os culpava para querer evitar fazer parte disso, mas se o pior vir, eles teriam que lutar. Não teríamos tempo para salvá-los se eles não o fizesse.
Andei até os dois que se assustaram com minha presenta, a menina se retraiu e o rapaz apenas me ignorou. E Jolie gargalhou.
- Por que não estão na aula? – perguntei indiferente.
- Para quê? Eu jamais irei lá fora novamente. E também do que adianta? Eu sou incompleto, sou inútil sem um braço. Morrerei rapidamente. – O menino suspirou convicto de que estava certo sobre isso.
- Não é bem assim, Liam... – tentei argumentar, mas o mesmo me interrompeu.
- Não é bem assim? Por favor. Estamos sozinhos aqui e ninguém se importa conosco. Nossa irmã mais velha desapareceu e provavelmente tá morta, então só temos nós mesmos e eu não tenho um braço. Que proteção foi conseguir dar para minha irmã?
- Ninguém é inútil na hora da batalha, Liam. Você escolhe se você vai lutar ou se esconder, mas saiba que pior que morrer é ver alguém que você ama morrer e não ser capaz de fazer nada. E saibam que eu não arriscarei minha vida para protegê-los caso escolham se esconder.
O mesmo permaneceu em silêncio e eu continuei....
- E você não está sozinho, você tem sua irmã e aposto que no momento de necessidade, ela arriscaria a vida por você. E vice-versa, você também arriscaria sua vida por ela. Com dois, um ou nenhum braço. Vocês não precisam de mais nada, vocês têm um ao outro e isso já é o bastante para sobreviverem lá fora. Digo isso por experiência própria.
- Sua irmã é a que se sacrificou para tirar as crianças daqui no ataque? – Brianna perguntou e eu assenti. – Eu acho ela muito corajosa.
- Bom, eu acho ela estúpida. Mas pelo menos está viva. – Dei os ombros e Jolie gargalhou. Às vezes achava que ela me entendia. – Então, vamos?
Os dois irmãos se entreolharam, se convencendo a fazer o melhor e então foram até a mesa com as armas, cada um pegando um facão e aquilo me deu um gás. Poderiam desistir, mas eles decidiram permanecer lutando.
Poderia sentir apenas naquele pequeno gesto, a partir de agora seriam os dois contra o mundo. E no fim isso era muito mais que o bastante.
Esse conselho servia para mim mesma, sabia que o pior que morrer é ver alguém morrer e eu vi, várias vezes. Sofri demais, tomei decisões que me deixariam um dia mais viva e minha irmã um dia mais segura.
Ou você luta, ou você morre.
Mas pior que morrer, é permanecer vivo.
Vivo e sozinho.
- Eu sou demais, né Jolie? – Sorri, encarando a bebê que murmurava algo enquanto brincava com meus cabelos. Ela gargalhava para mim e juntas vimos o Toby ser escorraçado e humilhado até por um menino sem braço.
Nada novo sob o sol.

***


Deixei Jolie em seu berço. A garotinha adormecera em meus braços depois de termos uma tarde tentando distrair a cabeça.
Enquanto saía da Grande Casa, dei de cara com Max que veio até mim. Ele estava fugindo de mim desde do incidente com a Willa e quando se aproximava, percebi um pouco do arrependimento em si.
- ... – começou, mas não deixei.
- Tá tudo bem Max, sério.
- Eu prometi para você que tomaria conta da Willa e falhei, podíamos ter morrido se meu pai não tivesse aparecido.
Encostei no seu ombro e o garoto levantou a cabeça para me encarar. Eu sorria, já que aquele gesto era muito genuíno. Via muito de em Max, como o garoto queria ser tão leal e forte como pai, para ser um verdadeiro líder. E me incomodava vê-lo sentindo como se tivesse falhado comigo.
- Por favor, não se sinta mal. Ela fez o que eu faria com o seu pai para conseguir algo. – Dei os ombros. – Pelo menos você estava lá, protegendo-a, e isso me conforta. Porque quando ela precisar, ela te terá ao lado dela.
- Jamais abandonarei Willa.
- Eu acredito em você, Max.
- E meu pai jamais te abandonará também. – Sorriu e eu não pude evitar de sorrir também. Principalmente quando vi a figura de saindo de seu escritório e passando por nós, parando para apreciar aquela cena.
Não disse nada, nem se aproximou. Apenas ficou nos olhando e aquilo transmitia bastante o que estava acontecendo aos poucos conosco. Estávamos formando um tipo de família, porque mesmo eu não tendo nenhuma ligação genética com Max ou com Jolie, algo em mim havia criado uma ligação mais forte e real que sanguínea.
E na minha cabeça podia ouvir meus pais celebrando finalmente sua garotinha se importando com outras pessoas que não fosse ela mesma e a irmãzinha. E podia ouvir também, rindo e me chamando de molenga e debochando, querendo saber quando a sua irmã se transformou em um marshmellow.
Por isso jamais a contaria isso.
reuniu um grupo na frente da Grande Casa, mas não qualquer grupo, o único grupo que seria capaz de ir para o lado de fora sem morrer. Eu não sabia qual seriam as divisões, mas esperava não ter que ficar com ele e muito menos com o Toby.
Porque nunca havia ficado do lado de fora com e conforme as coisas andavam acontecendo conosco, seria desconcertante ficar com ele enquanto ele matava mortos-vivos e demonstrava toda sua virilidade sendo o líder. E Toby, bom, só um de nós voltaria e havia uma chance de 99% de certeza que não seria ele.
- Bom, os reuni para nova missão de busca no Centro. – começou. – Dividirei vocês em grupos, iremos juntos, mas cada grupo se focará em um lugar. Se acabarmos sendo separados, se mantenham perto do seu grupo. – ele correu os olhos pelo grupo e encarou Toby. – sem gracinhas, entendido?
Todos pararam e encararam Toby, que apenas levantou as mãos em um sinal de rendição. Deus sabe o quanto eu o queria morto.
- O grupo que cuidará dos suplementos gerais será: Judas, Liam, e – respirou fundo em um sinal de decepção e desânimo. – Toby.
- Isso! Até que enfim! – Comemorou o rapaz, parecendo um adolescente que foi chamado para o time de futebol.
- Menos, cara. – Judas reprovou.
Meu sorrisinho nos lábios não era por imaginar que Toby não voltaria para a Colônia depois dessa patrulha – não com no comando. Mas também, pela possibilidade de ter um grupo só para mim.
- O segundo grupo, o que cuidará das armas será: , Lola, Max e Paige. – Percebi um pouco de preocupação em sua voz, um pouco preocupado talvez em me deixar sozinha em um lugar totalmente desconhecido e perigoso.
Eu me daria bem.
- O terceiro e último grupo que cuidará de mais alguns medicamentos será: Bailey, Willa, Barbie e Brianna. – estava indiferente nesse momento, mas eu estava completamente preocupada. Principalmente por Willa, que sinceramente, depois que matou a própria mãe parecia dez anos mais velha.
Meu medo era dela não ser corajosa o bastante do outro lado.
- Sairemos daqui a pouco, estejam prontos. – terminou e desceu as escadas, indo para o arsenal. Eu fiquei parada lá, por uns minutos, pensando em como não me preocupar com Willa sozinha.
Bom, pelo menos ela estava com Barbie e se havia alguém que se sacrificaria por essa garota e não fosse eu, seria Barbie.
Mas aparentemente eu não era a única com preocupações.
Paige estava sentada na escadaria, quieta, um pouco assustada e mais preocupada que eu. Caminhei até o lado da morena com rabo-de-cavalo e me sentei ao seu lado.
- O que houve? – Perguntei em um tom cauteloso.
- Tirando o fato de que eu fui chamada para ir até uma missão em um lugar cheio de andarilhos perigosos e que há uma chance de que eu foda tudo? Nada. – Ela deu os ombros.
- Você sabe que não vai foder tudo, Paige.
- Você não sabe! As patrulhas por aqui são um porre, nas cidades mais próximas também, mas eu estou feliz assim! – A forma escandalosa que ela falava me fazia querer rir, mas não podia. Ela estava mal. – Quer dizer, e se eu não for boa o bastante para lá fora?
A mulher abaixou a cabeça e eu acariciei seus cabelos, fazendo um cafuné na tentativa de consolá-la.
- Eu sempre achei que morreria na primeira vez que ficasse sem minha irmã, – comecei e Paige levantou a cabeça – mas eu não morri. Eu fiquei perdida na floresta, tive que jogar corpos mortos por cima de mim, mas não morri. Sabe por quê?
- Por quê?
- Não faço ideia. – Ela gargalhou com minha resposta. – É sério, eu não sei o que me deu de início para ir, mas depois de quase morrer, eu percebi que estava viva e isso foi o bastante para continuar.
- E isso quer dizer o quê?
- Que você vai estar segura, Lola e Max atiram bem. – Dei dois tapinhas nas costas dela e me levantei.
- E nós?
- Nós corremos. – Pisquei.
A Colônia estava toda separada. Os que iam para patrulha estavam se preparando para sair e os que ficariam, estavam em suas casas em silêncio provavelmente rezando para que todos voltassem inteiros. Já que todos que estavam saindo eram os únicos com habilidades para lutar. Sem nós, a Colônia estaria desprotegida até voltarmos.
Algumas pessoas já estavam prontas para ir e eu só precisava de uma arma, me amaldiçoei mentalmente por ter devolvido a da . Caminhei até o arsenal, mas não havia nenhuma. Bufei mentalmente.
- Você quer a minha? – A voz de Toby me deu uma náusea momentânea.
- Não, obrigada. – Forcei um sorriso.
- Tem certeza?
- Acho que você precisará mais.
- Para quê?
- Para atirar na própria cabeça. – Sorri e saí do arsenal.
Fora do arsenal, caminhei até Max que estava sentado com Jolie em seu colo, a garotinha havia acordado e parecia que também sabia que estávamos prestes a sair. Então permanecia chorosa no colo do irmão.
- Ela sempre fica assim quando eu e meu pai saímos para patrulhar em um lugar meio perigoso. Parece que ela sente e então fica assim... – Max virou para mim e ele também parecia um pouco mais assustado que o normal.
- Você está preocupado, né? – perguntei e ele assentiu.
- Pois trate de não ficar. – continuei, ficando mais firme. – Estaremos juntos nessa e eu confio em você. Você é um Grimes, então não vai me desapontar. E eu sou uma Romero, não volto para a Colônia antes de coletar todas as armas possíveis.
Nunca fui boa com discursos, mas naquele momento era a única que não estava assustada e tentando fugir da ida ao Centro. Porque eu sabia que éramos bons o suficiente para sobreviver do lado de fora.
E se me convencesse que seria apenas uma patrulha normal e rápida, no fim, seria.
Mas Max havia entendido o recado. O medo era a pior arma do sobrevivente, já que era algo duvidoso. O medo pode dar gás para lutarmos e pode tirar o gás, fazendo-nos retrair e fugir. Ser devorados.
Não devíamos temer.
Conseguindo conquistar o Centro, aos pouquinhos nos reergueríamos e isso nos convenceria que somos bons o bastante para destruirmos o Hospital.
Corri os olhos pela Colônia a procura de e o encontrei em um dos postos de observação, estranhei. Mas ignorei a minha própria observação e subi até o mesmo posto, ficando ao seu lado. Ele me entregou os binóculos e dei uma olhada pelo terreno.
- Tudo vazio.
- Lá deve estar cheio.
- Estamos em uma boa quantidade.
- Eles são inexperientes demais, . – virou-se para mim, com um misto de preocupação e cansaço em seu rosto. Era difícil demais para ele ser o líder fortão, ele se preocupava demais.
- Vai dar tudo certo. – Tentei acalmá-lo, mas parece que não deu certo.
- Não quero que você vá.
A preocupação não era com eles, era comigo.
- Eu vou ficar bem , você sabe muito bem disso. – Respondi um pouco impaciente com sua preocupação.
- Pode me culpar se eu me preocupo com você? – Ele abriu os braços como se estivesse se rendendo, eu ri de cabeça baixa.
- Eu te culparia se não se preocupasse. – Sorri e ele me segurou. – Não se preocupe, no fim do dia estaremos armados, medicados e abastecidos.
- Então vamos comemorar? – perguntou e eu assenti, mordendo meus próximos lábios.
- A noite toda se possível.
O homem sorriu para mim e acariciei seu rosto, em um gesto de despedida.
Me preparei para descer, mas segurou meu braço.
- Antes de ir, queria te dar uma coisa. – Parei ao ouvi-lo. Ele tirou de seu coldre um revólver. Não era o que ele sempre usava, era outro que sempre carregava. Achava que era algum tipo de reserva. – Vi que você não tinha uma.
- Uma arma? – Arqueei as sobrancelhas e ele riu.
- Foi uma das minhas primeiras. Cada bala dela valeu a pena para mim. Tenho certeza que valera a pena para você também. – Permaneci risonha para todo aquele gesto. – Só não a aponte para minha testa, ok? Jamais.
Dei os ombros.
- Não me dê motivos para isso, Xerife.
sorriu e se aproximou mais de mim, segurando em minha mão e então beijando a minha testa lentamente, me segurando em seus braços.
Me confortei em seus braços, aproveitando aquele tipo de carinho que me tranquilizava e me completava.
Jamais poderia tirar dele a forma com que se importava, se preocupava e tentava o máximo me manter segura. Era algo dele que jamais mudaria. A mesma forma que ele jamais conseguiria controlar meu lado selvagem e livre, mas as coisas haviam mudado. Tudo estava diferente.
Porque de uma forma ou outra, estávamos juntos nessa. Nos fortalecendo, nos protegendo e nos completando. Pegando o que cada um tem de melhor e de pior, juntando e nos tornando nisso. Uma forma diferente de vida.
O fim do mundo não é o fim da vida, contanto que você tenha alguém que te faça querer viver.
E eu encontrei essa pessoa.

***


O caminho para o Centro foi demorado, quase dormi umas várias vezes. O céu estava nublado e provavelmente choveria. Isso foderia tudo.
Paige estava elétrica ao meu lado, ansiosa e medrosa ao mesmo tempo. Ansiosa para matar vários mortos-vivos e ansiosa para acabar logo essa missão para voltar aos braços de sua amada Bailey. Medrosa para morrer e nunca mais ver sua amada.
Lola estava completamente impaciente, verificando sua arma ora ou outra, garantindo as balas e se preparando para o ataque. Junto com Max que discutiam planos estratégicos para matar os mortos-vivos que enfrentaríamos.
Já eu, bom, estava encarando o revolver que havia me presenteado, um pouco preocupada por Paige e pensando em .
Todo esse ato suicida e estúpido que havia me metido me fazia pensar na minha irmã e na forma em que ela havia sido corajosa uma vez, eu só precisava fazer o mesmo. Ser corajosa.
Ela estava me contagiando.
Descemos da van, logo após veio o grupo do e de Bailey. Todos juntos encaramos o mar de mortos-vivos nas ruas do Centro. Seria basicamente impossível de passar por todos.
- Será basicamente impossível de passar por todos. – Disse o que estava em minha cabeça.
- Vai ser moleza. – Judas disse animado.
- Estamos fodidos. – Paige disse derrotada.
- Se mantenham juntos. Não desperdicem balas. – contou as balas de sua Phyton. – Acertem no cérebro e corram, corram pra caralho.
Todos se juntamos e corremos para dentro das ruas. Eu corri para a multidão de bichos, acertando-os na cabeça com meu facão enquanto Max e Lola me davam cobertura com suas armas com silenciadores. Paige, por mais assustada que estivesse, estava me ajudando a abrir caminho.
Estava dando tudo certo.
Só estava.
Pingos de chuva começaram a cair sob nós, dificultando um pouco nossos movimentos, mas mesmo assim me focava em continuar acertando os crânios dos malditos monstrengos.
Mas não era apenas chuva.
A tempestade começou a se formar, alguns trovões e a ventania, a cada momento ficava mais difícil de atingi-los. As nuvens pesadas fechavam o céu que escurecia como se estivesse anoitecendo, mas não estava.
- Recuar! Recuar! – Gritava , indicando para voltarmos.
Mas já era tarde.
Com tempo mais mortos-vivos nos cercaram, Max e Lola continuavam dando cobertura para mim e para Paige, que estávamos focadas em matar os podres. Mas com a chuva forte, ficava difícil de enxergar e não daria para voltar até a van.
Teríamos que nos abrigar
- Para lá! – Gritei e apontei para uma das lojas que parecia mais fácil para passar.
- , recuar! – gritou, pelo seu walkie, atraindo mais atenção dos bichos para nós, mas eu apenas o desliguei. Me focando em matar um por um, e usando a arma que havia me dado também. Fazendo com que os bichos caíssem um por um.
Corremos até a loja, matando todos para abrir o caminho. Ficando mais próxima então da loja em que nos abrigaríamos até a tempestade passar.
Eles eram como animais e nós como vítimas indefesas.
Indefesas o caralho.
Conseguimos entrar na loja, batendo a porta e segurando para que os mortos-vivos não conseguissem quebrá-la. Mas ela parecia mais frágil que qualquer coisa.
E estávamos ensopadas demais para ligar.
- Que merda! – Lola xingou os quatros ventos em espanhol, enquanto eu tentava bolar um plano mental para sair de lá.
- , tem certeza que isso aqui é seguro? Olha para isso, parece que não está forte o suficiente para aguentar uma tempestade como essa. – Max me alertou e eu senti uma preocupação momentânea.
- Verdade. – disse Paige ofegante. – Essa loja foi abandonada logo que tudo começou, a maioria das lojas estão aqui há anos, apodrecendo e a cada tempo mais e mais são destruídas pelos bichos. Temos que sair daqui logo.
- Não dá! – gritei um pouco assustada com tantas informações. – Se sairmos agora, morreremos. São muitos deles lá fora e poucas de nós aqui dentro.
Respirei fundo, tentando recuperar a atenção e pensar no que faríamos a seguir. Mas os mortos-vivos faziam barulho do lado de fora e minha cabeça doía demais.
O que a faria em um momento desses? O que ela faria?
Meu walkie tocou mais uma vez.
- , onde vocês estão? Os perdemos de vista. Por favor, responda. – A voz cortada de saia pelo pequeno radiozinho em minha mão e aquilo me irritava mais ainda.
- Está tudo bem! – disse alto até demais. – Estamos em uma marcenaria e ficaremos aqui até a chuva passar, depois arrumaremos um jeito de fugir. Fica tranquilo. Te chamo quando precisar de uma distração para sairmos.
Desliguei, antes que ele pudesse responder e me sentei um dos bancos. Respirando fundo enquanto minha cabeça parava de doer aos poucos. Inspirava e expirava, tentando me acalmar.
- , tá tudo bem? – Max me perguntou, obviamente percebendo meu leve ataque de pânico. Assenti com dificuldade. – Eu confio em você. O que quiser fazer, eu te ajudarei. – O garoto tocou em meu ombro e eu usei aquele incentivo para pensar.
- Ok. – Me levantei, chamando a atenção do grupo. – Estamos em uma marcenaria velha e abandonada que provavelmente não vai resistir a tantos mortos-vivos. – comecei da pior forma possível, fazendo Paige quase desmaiar. – Mas, também estamos em um lugar cheio de objetos que podemos usar de armamento. Então procurem tudo que possa servir de arma. Desde pedaços de madeira até objetos realmente úteis. Qualquer coisa que ajude a furar o crânio dos bichos está valendo. Vamos nessa!
Liguei minha lanterna e a usei para verificar os objetos que me serviriam. Peguei umas barras de metal pontiagudas, pedaços de madeira, até alguns objetos realmente cortantes. E então nos reunimos no centro da loja, formando todos unidos e armados.
- Seja o que Deus quiser.
Os trovões, raios e ventanias não cessavam e sabia que haviam casas que nesses momentos podiam desabar. Via direto isso nos noticiários e sempre debochava.
Achava que isso jamais aconteceria comigo.
Mas aconteceu.
Os mortos-vivos tentando quebrar as portas e janelas, a ventania cada vez mais forte e a tempestade avassaladora.
Mas não cairíamos sem lutar. De forma alguma.
A estrutura da loja era fraca demais.
Então começou a desabar sob nossas cabeças.
Fodeu.

***


Grimes.

Tudo estava ficando mais difícil de enxergar. Os andarilhos nos cercavam e eu os matava sem pensar. Tiros na cabeça, bem rápidos e precisos para que eles não conseguissem me acertar.
Me sentia idiota por ter ouvido essa ideia que agora na prática havia se tornado mais perigosa do que esperávamos.
Os grupos acabaram se separando sem que tivéssemos planejado isso e vi o grupo de se afastando cada vez mais de nós. E aquilo me aterrorizada demais, porque aos poucos os andarilhos nos cercavam mais ainda e ficava mais difícil de ter qualquer tipo de visão dela.
A chuva caía, ficando mais difícil ainda para atacar, alguns raios e trovões nos desconcentrava. E mais andarilhos apareciam, um por um, nos atacando na tentativa de devorar. Mas matávamos quanto mais podíamos.
- Recuar! Recuar! – Gritei, tentando chamar os grupos de volta antes que a coisa ficasse pior do que já estava.
Mas ela não estava voltando. Apenas meu grupo estava recuando e as coisas estavam indo completamente fora o planejado. Que merda.
- , recuar! – Gritei pelo walkie, chamando-a, insistindo para que voltasse comigo. Mas não ouve resposta, apenas quando nos afastamos um pouco pude ver sombras de seu grupo se alojando em alguma das lojas.
Mas ainda não era o bastante.
Precisaria saber mais para resgatá-la antes que fosse tarde demais.
Meu filho e estavam correndo um risco e eu não poderia não fazer nada. Mas Judas me conduzia para longe do aglomerado de andarilhos, para que pudéssemos recuperar o ar e voltar a atacar.
- Que porra, não achei que ia ter tantos bichos assim. – Judas se queixou. – Parece que todos se reuniram aqui por algum motivo.
- São andarilhos e não pombas a procura de pão. – Revidei, um pouco impaciente demais.
Eu havia dito para todos que seria uma má ideia, mas ninguém me escuta. Todos queriam ser corajosos o suficiente para sair da Colônia e quando saem, acontece tudo isso.
Um incidente que tentei alertar.
Tirei mais uma vez meu walkie, completamente desesperado por alguma resposta de , para saber como ela estava e conseguir tirá-la de lá.
- , onde vocês estão? Os perdemos de vista. Por favor, responda.
A demora por resposta me deixava agoniado. Ela não entendia como a situação estava séria.
- Está tudo bem! Estamos em uma marcenaria e ficaremos aqui até a chuva passar, depois arrumaremos um jeito de fugir. Fica tranquilo. Te chamo quando precisar de uma distração para sairmos.
Respirei tranquilizado, rindo baixo naquele momento. Mesmo em uma situação dessas, em que fico completamente preocupado, ela mantém a personalidade difícil, me dando broncas e sendo mandona.
Respirei fundo, me segurando no carro e pensando no que faríamos para tirar os andarilhos do caminho da marcenaria para que entrássemos.
Mas então tudo aconteceu muito rapidamente diante meus olhos.
Os andarilhos estavam cercando a marcenaria e conforme a ventania se intensificava, a estrutura balançava e com a ajuda dos andarilhos ficava mais instável conforme a tempestade aumentava.
E então desmoronou. Tudo. De uma vez só.
Aos poucos a estrutura foi caindo.
E eles estavam lá dentro.


Capítulo 21 – Stairway To Heaven.

Música do Capítulo


Romero

3:00am


Encolhi minhas pernas segundos antes de um morto-vivo bater suas presas tentando descobrir o sabor da minha carne.
Lacey e eu continuávamos naquela mesma situação, trancafiadas e aos poucos perdendo a força de ter alguma boa ideia pela falta de hidratação.
- Lacey, olha pra mim, tenta ficar acordada e lúcida. Nós temos que sair daqui o mais rápido possível, se nós continuarmos paradas não vai abrir um portal mágico do nosso lado. – sussurrei para a garota ao meu lado.
Mesmo com os guardas da nossa frente, sentíamos a presença de alguns completamente vivos ainda no corredor branco e vazio, mas não conseguíamos vê-los, o que complicava a situação para trocar algumas palavras que ajudaria a bolar um plano pra sair. Aparentemente nós duas havíamos conversado mentalmente e decidido que iríamos esperar os humanos saírem dali para que pudéssemos fazer algo.
Seja para pausa de café ou outras necessidades naturais, eles saíam de tempo em tempo, e em alguns minutos deveriam estar aqui mais uma vez. E finalmente poderíamos expor qualquer esquema que fosse necessário para fugir do buraco em que Zeus nos enfiou.
Eu já tinha uma ideia, inicial, que seria nojento demais executá-la. Puro gore, pra combinar com o ambiente.
- Não diga, Sherlock. Temos que nos livrar das algemas antes, meu braço tá começando a formigar. Se continuar assim, vou perder os movimentos dele antes de poder servir de alguma ajuda.
Aquela cela em que estávamos fez-me lembrar do que Jacob falou há algum tempo atrás, sobre sua mãe estar presa com outras mulheres e ele conseguia sempre entrar e sair, escondido entre a fumaça, conseguindo falar com a mãe e sendo praticamente um parasita dentro do Hospital.
Se ele conseguiu sair, ainda havia uma chance para nós. E era possível que os guardas/mortos-vivos à nossa frente, provavelmente, apareceram após a fuga de Jacob... Resolveram aumentar a segurança.
- Você é mais magra do que eu, tenta fazer um esforço pra puxar seu braço. – disse para Lacey.
Vi a careta em sua face enquanto ela empurrava sua perna contra a parede branca de concreto, tentando aos poucos se livrar do metal que a prendia. Suspirei voltando à primeira ideia.
Minhas pernas estranharam ficarem eretas novamente após tantas horas no chão. Me aproximei do mesmo morto-vivo que há pouco tinha tentado abocanhar minha canela e segurei seu braço.
Em um impulso, sem ficar perto de seus dentes, puxei tanto quanto consegui o seu braço completamente podre e coberto de larvas. Ignorei a aversão automática e senti Lacey ao meu lado, em pé, me ajudando a desmembrar o indivíduo mesmo sem saber o porquê daquilo.
Assim que o ligamento foi solto, nossos corpos foram jogados para a parede de trás com o impacto. Mesmo com suas peles se dissolvendo e sem células inteiras, havia uma razão para que eles ainda conseguissem se mantiver de pé, e é à força de seus ossos.
Um banho de sangue nos abraçou e sorri para Lacey que me encarou assustada. Tudo bem, hora de explicar.
- Aqui – falei jogando o líquido espesso misturado com oleosidade em cima da perna e mão presa de Lacey. Ela parecia ter entendido na hora, pois em seguida seus movimentos se intensificaram para sair de suas amarras.
Joguei o sangue do braço em cima de minhas próprias algemas e depois de um minuto nos ajudando conseguimos nos soltar finalmente.
- Bom, , você sabe que isso vai ser um tiro no escuro, saímos de uma armadilha pra possivelmente cair em outra. Não temos uma planta baixa do Hospital ou um grupo de soldados vindo em nosso resgate. pode até mesmo não saber ainda onde estamos.
Por um momento, pensei em Slade e nas pessoas que estão do lado de fora. Baby conseguiu se salvar? Presumi que sim, ou ela estaria do nosso lado agora.
Eu praticamente havia prometido a que não havia com o que se preocupar quando ela saiu do QG, e aqui estava eu. Havia muito com o que se preocupar.
Como por exemplo, a sensação de angustia na minha parte intima após o banho dolorido que levamos por uma mangueira de caminhão de bombeiros, a potência em que a água nos atingiu ainda queimava nossa pele. Tinha certeza que ainda doía em Lacey também.
E a marca de gado em nossos pulsos. Apenas uma letra, “Z”. Como se agora estivéssemos corrompidas, pertencêssemos ao exército dele. Ou se nos rebelássemos quem poderia confiar em nós duas, afinal esta marca era como uma coleira de identificação. Quem confiaria em um policial mostrando o distintivo ao tentar entrar para a máfia?
Entretanto, não tínhamos o que temer, pois tínhamos um propósito. Muitas pessoas fora desse lugar precisavam de mim e eu precisava delas, eu tinha um motivo para sair dessa droga de Hospital, e a fé em mim mesma faria com que isso se concretizasse.
Com uma nova motivação, me remexi dentro do cubículo e voltei para o braço do morto vivo.
Em um processo rápido e repulsivo retirei toda a pele que faltava até sobrar apenas o osso. Estava quebrado. Afiado. Perfeito.
- É um tiro no escuro, e vamos atirar. Não importa quem essa bala atinja desde que não seja na nossa cabeça. Em uma forma pior do que literal, se é que me entende. – com cuidado impulsionei os músculos do meu braço mirando a testa de um dos bichos que tentavam entrar em nossa cela, nos impedindo de sair. – Estamos lidando com o pior ser vivo aqui, o humano. E não, não estou falando dos andarilhos. Pra sair daqui haverá os sacrifícios de ter que ignorar isso. Mas uma coisa eu te prometo – me virei para ela – não vamos morrer aqui dentro.
Ofereci a ela o osso afiado e ela assentiu em um leve gesto, em seguida acertando mais um deles diretamente na têmpora.

***

Slade

- A merda do meu pai. A que ele fazia contra seu próprio filho e o que ele mesmo era, começou tudo por aí. Dizem que isso pode ser genética ou formação de caráter a partir do que você vê, mas tudo que eu queria era não ser como ele. Aquele temperamento de merda. Ao menos os sádicos me acham engraçado. E o bastardinho vem pra Oklahoma tentar recomeçar com a família Grimes, a perfeita família Grimes, digna de comercial de margarina. Alguns diziam ter sido sorte um amigo do meu pai tentar me dar uma segunda chance, já que adoção alguma ligaria pra um moleque de quinze anos – lamentei debochando do óbvio, sentindo o uísque puro queimar minha garganta, uma queimadura gostosa.
- Sabia que eu já tive medo de andar de avião? E foi tudo bem. Seguir tudo ao contrário de meu pai, este era o objetivo. Ele foi preso, eu tentei o exercito. Atravessar o oceano e salvar o país... Nessa época eu ainda sentia um arrepio, talvez chegasse próximo do medo, mas tudo passava, quando acabava estava tudo bem, não era nada demais. Aquilo não era medo – encarei a expressão atormentada do senhor a minha frente. Ele não parecia estar entendendo uma palavra do que eu dizia, ou estava só chocado com a visita repentina. – Até que meus amigos começaram a morrer... Um por um... Voltar pra casa foi interessante. Segundo o governo eu era invencível e digno de respeito, tentando me espelhar no general que era como um herói para mim. Hoje eu me olho no espelho e tudo que vejo é apenas um retrato do meu pai, como se minhas atitudes pudessem ser melhores e quando as faço, simplesmente não consigo contornar, e aquele último segundo se transforma em algo que me fez o que sou hoje. O que eles chamavam de orgulho da pátria, aparentemente, era só PTSD – ri amargo da piada inútil. – Eu não era invencível, eu ainda não estava completo. Faltava algo. E tinha isso. Não sei se chamava felicidade ou apenas gratidão, algo que não constava no meu dicionário, mas a visão romantizada me fazia querer isso, era como a resposta de todos os meus problemas. Meu melhor amigo tinha isso, uma esposa, um filho, aquela era a fórmula. Quando toda essa merda começou eu aprendi a comer pelas beiradas e só me restou o que já não fazia parte da felicidade dele. Mariah Grimes tinha raiva das escolhas de pra tentar nos fazer mais seguros e aliviava tudo isso comigo, e eu, de bom grado lhe servia.
Suspirei pensando no idiota de tempos atrás. Ela não poderia ligar menos pra mim, as únicas pessoas que importavam pra ela ainda era o homem que tinha uma aliança com o seu nome no dedo, e seu filho. Talvez fora infantilidade minha na época pensar que eu poderia chegar a um status tão alto no coração de alguém que já tinha toda sua vida formada, enquanto tento construir minha árvore de caráter até hoje.
- E nada enchia meu copo. Eu tinha tanto respeito por ele e pela aquela mentalidade que conseguia fazer com que ele ainda continuasse grato pelas coisas que tinha e abdiquei tudo isso, a amizade... Por uma imagem distorcida. Eu queria ser como ele. Possivelmente no futuro ele simplesmente vire o que eu sou hoje e perca a cabeça como eu perdi. Chega de paciência, chega de se importar demais. Isso acontece quando nos importamos... Um apreço que nos leva a ficar bebendo e contando o que temos em mente pra não perder o resto da sanidade. Eu sinto agora, aquela merda de sentimento que eu tentei evitar desde que meu pai me queimava com butucas de cigarro. Medo. Hoje é diferente, pois não é um medo por mim, não pela minha vida ou tudo de bom que tive até os quinze anos. Acho que todo o sentimento puro que ainda existe dentro de mim apareceu novamente com o único intuito de se firmar na direção da garota que estava bebendo demais na frente de uma casinha de madeira. Chame de agressividade, obsessão ou muito investimento.
A garota era forte, tinha se cicatrizado sozinha perdida no escuro e bebia como um velho de setenta anos. Suspirei, levemente rindo daquela noite. Era difícil pensar em cada memória de onde ela estava tensa ou assustada. Muito pelo contrário, qualquer momento próximo daquela garota a áurea do ambiente poderia ser mudado como se quilos de culpa em cima de suas costas fossem para o céu.
Um sentimento completamente estranho, ao estar do lado dela eu parecia me importar menos, qualquer assunto era sobre tudo e nada ao mesmo tempo, sem andarilhos, sem patrulhas. O que fazia eu me importar sim, mas não com o mundo e quando tempo eu estaria vivo nele, e sim com o mundo e quanto tempo ela estaria ali para mim.
Até quando eu poderia olhar para e observar seu sorriso que parecia esconder que ela sabia exatamente qual dia o mundo iria acabar.
Ah, Slade... É muito bom que os pensamentos sejam algo privado, se seus inimigos ouvissem essas palavras, você seria uma piada.
- Ela vai aparecer, . Se for como a irmã dela, o que parece ser... Ela vai conseguir se salvar.
- Ela arriscou a própria vida pra salvar algumas crianças que conhecia por um dia aqui, não foi o que você disse? – suspirei, massageando as têmporas. merece muito mais do que a vida lhe deu até agora, muito mais. – Se ela não aparecer em um dia, está morta ou está com eles, eu não tenho muito mais o que perder Friedrich, você sabe mais do que ninguém. Eu perdi as últimas pessoas que amava quando deixei esse grupo, e deixei estas pessoas sob os cuidados de outros porque não confiava em mim o bastante pra fazer isso.
- O que você está dizendo, ? – Friedrich perguntou arqueando uma de suas sobrancelhas brancas que combinava com a barba.
- Um dia – seria o máximo que eu poderia esperar, com um pouco de consideração as pessoas e à irmã de . - Eu não tenho o que perder... Se ela não aparecer, estamos indo atrás deles. Infelizmente, vocês irão perder muito. E eu não vou dar a mínima importância. Não mais.
Bati o copo na mesa e deixei a Colônia. não tinha vindo atrás da irmã, que estava em alguma patrulha com . O que me deixava algumas horas de inutilidade a não ser unir grupos de busca pela floresta atrás dela e de seus amiguinhos.

***


Romero

3:15am


Como que Zeus, um garoto basicamente mimado, poderia fazer com que tantas pessoas o seguissem? As enfiando em celas esperando perderem suas cabeças até que não há outra opção a não ser desistir de seus ideais e seguir o de outra pessoa, que acredita em uma sociedade de classes, onde ele tem a maior, ou, puro medo?
Eu acreditava na segunda teoria.
Lacey havia terminado de afundar o osso no crânio de todos eles, e agora metade superior de seus corpos magros estavam por entre as barras de ferro e virados em direção ao chão. Completamente sem vida, e sem instintos famintos desta vez.
Tudo que precisávamos para sair dali era conseguir abrir o cadeado que nos trancava para dentro. O que era algo muito fácil se tivesse um objeto simples ao nosso alcance. Qualquer coisa pequena, resistente e que conseguisse entrar e sair. Fechaduras não são códigos de bancos multimilionários, são fáceis de manusear.
E iríamos sair dali, afinal, se as pessoas de Zeus se mantinham ali somente por medo, no fundo elas tinham algum valor sentimental na vida, fazendo com que meu pescoço ainda possuísse a dog tag que havia ganhado de meu pai há muitos anos atrás.
Alguém se importou o suficiente para não tirar ela de meu pescoço.
Arrebentei a corrente sem remorsos pelos anos em que ela esteve ali contra minha pele e diretamente passei a enfiar as minúsculas circunferências de metal dentro da grande abertura – para o receptor, era grande – que havia no objeto. O silêncio era tanto que fora possível ouvir quando a peça ultrapassou os níveis de segredo, se ajustando com algumas remexidas de minha parte. Em pouco tempo estávamos finalmente livres.
Fomos cuidadosas o suficiente para pelo menos deixar os corpos onde estavam e evitar deixar à primeira vista de quem entrasse, que eles já não estavam cumprindo o seu emprego de seguradores.
Simulando os mortos-vivos estarem vivos após mortos. Interessante, não?
Segurei o osso novamente, já que seria nossa única arma, e poderia pegar o outro braço, mas levaria ainda mais tempo e era uma coisa que não tínhamos de sobra. Lacey estava atrás de mim em alerta e aos poucos caminhávamos para o único local que possuía uma porta.
O corredor era branco, as luzes eram brancas e fortes, em um dos lados era tudo vazio apenas com uma lâmpada piscando, outras celas ao nosso lado estavam vazias e como o esperado, todas brancas. A quantidade de pessoas que estavam lá fora precisando de abrigo, como eu e minha irmã há meses atrás, e poderiam usar locais como este para ficar por algumas noites... Apenas pensar nisso me fez sentir ainda mais nojo de Zeus.
E tudo piorou quando abrimos a única porta com uma luz led indicando saída em vermelho, e avistamos toda a paisagem excêntrica e inumana através dela.
Aqui já não havia mais branco, aqui tudo era escuro. A não ser pelas pequenas luzes vindas das maquinas hospitalares ao lado das dezenas de macas que não estavam solitárias.
Havia coisas em cima daquelas macas... Mortos-vivos? Com aparências mais limpas, e algumas pessoas que já não respiravam mais. Deformidades ao lado de figuras repulsivas que aparentavam estar com dor, que ao juntar-se parecia ser um show de horrores.
O que diabos eram aquelas coisas? Uma sala de experimentos? Cientistas estavam extintos para se preocuparem em achar uma cura pra toda essa merda, e aquilo somente se parecia com vinte replicas do Frankenstein gemendo baixo de dor.
Lacey e eu nos olhamos sem ter certeza do que fazer e engoli em seco. Ao mesmo tempo, uma porta se abriu no que parecia ser o segundo andar daquele quarto e a puxei imediatamente para dentro de um armário mediano.
Tentei ignorar o meu coração tremendo e tranquei a boca de Lacey com as mãos, já que ela estava respirando alto demais e eu não poderia culpa-la. Mesmo dentro daquele armário, eu conseguia ver entre algumas frestas o que acontecia do outro lado.
Com passos leves como uma pena, o óbvio apareceu com a imagem do professor da noite passada que formava o trio dos mosqueteiros que nos atacaram no frigorifico de porcos congelados.
Senti o corpo de Lacey ficar tenso na minha frente quando o professor se aproximou da porta em que saímos. Se ele entrasse lá dentro, tudo estaria perdido. Tão perto... E ele se virou. Só então consegui soltar o ar que nem sabia que estava o segurando.
Outra pessoa abriu a porta. Levou alguns segundos pra sua feição se mostrar assim que ele chegou ao primeiro andar, seus passos não eram leves como o do professor, afinal, ele tinha o triplo de seu tamanho.
Aquele era Gut. Era mais que apenas um morto-vivo, ele conseguia se controlar e entender as ordens do professor e de Zeus. Ele estava a um passo adiante de todos, era uma força superior que interligava a resistência de um andarilho com a consciência de um ser humano, e tudo isso fazia com que eu me mantivesse ainda mais em silêncio, temendo estar entre o seu caminho.
Os ignorei por um segundo tomando minha atenção para a direção que Lacey tentava apontar entre o espaço que conseguíamos ver o lado de fora. O armário parecia cada vez mais apertado e mesmo não tendo algum objeto de importância ali dentro, tentei me esquivar de algumas seringas e frascos de vidro, evitando o pior.
Foquei para onde Lacey apontava e parecia ser a resposta de todos os nossos problemas. Uma abertura na parede. Não havia sequer qualquer outra porta naquele local a não ser de onde os dois teriam vindo, e meu instinto alertava que haveria muito mais deles e duas pessoas com apenas um osso não tão pontudo assim não conseguiriam dar conta de praticamente um exército. Aliás, quantos deles teriam ali dentro?
O velho professor e Gut trocavam algumas palavras unilaterais, um mandava, o outro fazia, então o gigante se deitou em uma das macas vazias e afastadas das demais e o professor iniciou sua arte no tórax de Gut.
Foram horas ou décadas até que o professor retirasse as roupas de Gut, cobrisse suas partes inferiores e iniciasse seu trabalho. Ele limpava cada ferimento de seu corpo e o tratava com medicamentos fortes como se estivesse tratando de um ser humano comum, porém com uma resistência sobrenatural à dor.
Não era somente sobre cuidar, ele também estava fazendo algo com ele, retirando pedaços de sua pele e reciclando com outras partes que vieram de um cooler com gelo. O que restava iam direto para a abertura na parede que Lacey havia apontado mais cedo.
Com cada segundo que passava ali dentro, me sentia ainda mais claustrofóbica e ainda assim, sabia que não poderia fazer nada a não ser esperar até que eles já não estivessem mais ali.
Ao passar do tempo, o professor dizia palavras positivas para o gigante, algo como se ele se comportasse desta vez, poderia visitar as duas novas carnes que eles tinham acabado de apanhar e senti meu estômago embrulhar.


***


Isabelle Cade (Baby)

- deve estar à beira da loucura agora. Não é somente desaparecida, nós dois estamos longe também, e isso na mesma semana em que Jerry se foi.
- Encontrar as garotas me parece muito mais importante do que estarmos lá pra lavar a roupa e fazer o almoço, Baby. – Teddy disse depois de arrancar seu facão da cabeça de um dos andarilhos e voltarmos para nossa trilha em busca de .
Não estávamos em grande quantidade, mas tínhamos um grande propósito, e conhecendo , tinha certeza de que ela se sentiria grata quando finalmente a encontrássemos.
- Não deveríamos ter ido atrás de primeiro, pra avisar que a irmã dela sumiu e conseguir ajuda? – perguntei avistando Jacob a nossa frente com Backup, seu novo cãozinho, ele estava testando suas habilidades de farejador.
- Acho que demoraria ainda mais, já estamos a noite toda aqui, se tivéssemos pegado um veículo todos suspeitariam e não nos deixaria passar. E se entrássemos na Colônia sem algum identificador ou conhecido eles poderiam nos interpretar mal e mais pessoas poderiam acabar se machucando por apenas um mal-entendido – ele se virou para o garoto, sua feição duvidosa e preocupada. – Você tem certeza que Lacey estava com eles, Jacob?
O menino deu de ombros.
- Eu vi uma mulher morena lá, a que estava patrulhando com a Baby e mais cedo. Eu nunca falei com ela de verdade, mas todos a chamavam de Lacey. Ela estava atrás da caminhonete desacordada.
Senti uma pontada de preocupação, mesmo não sendo exatamente amiga de Lacey, ela era uma das nossas.
- Será que ela não estava... – perdi a voz antes de completar.
- Não – Teddy engrossou a voz. – Não vamos falar dessa forma, tudo bem? – suavizou ao ver que congelei por um segundo – Estamos aqui e esperança é tudo o que nos resta, tente passar o tempo se concentrando em uma forma na qual podemos entrar lá dentro sem sermos pegos, principalmente você Jacob.
Era estranho ver Teddy dessa forma, ele sempre foi como um irmão mais velho para mim e ainda não havia chegado aos seus extremos de preocupação quando algo acontecia comigo. Claro que eu ainda sentia essa proteção que eles no dava, mas dentro de mim temia que seus sentimentos estivessem à flor da pele por uma garota em questão e não era nossa amiga .
Ele queria a resgatar também, é claro, porém um mês depois de eu ter chegado ao Quartel General ele também chegou, e com a ajuda de Lacey. Ela resgatou toda a equipe dele, pessoas aleatórias que não eram sua família e aos poucos todos eles perderam sua vida ou mesmo o contato com Teddy, menos Lacey.
Tudo o que eu podia desejar é que ele mantivesse em mente que o pior poderia acontecer... Esse é o lema que precisamos levar para todos os nossos dias.

***


Romero

9:00am

- Gut não está mais aqui, é agora ou nunca. Se não conseguimos derrubar esse professorzinho, não merecemos sair daqui. – sussurrei para Lacey. Ela assentiu.
Em um piscar de olhos, abrimos o armário. Ele não estava prestando a atenção atrás de si, e assim que sentiu algo se movimentando, virou-se lentamente e em um piscar de olhos Lacey havia o imobilizado e tampado sua boca, deixando o osso de lado.
Peguei uma das seringas que tinha dentro do armário e me agachei para encher o instrumento com água sanitária que tinha abaixo de uma das macas. Tínhamos ficado tanto tempo espionando que era possível se movimentar por aquele espaço mesmo com as luzes apagadas.
Alcancei os dois depois de experimentar minha nova arma e encostei a agulha em uma das veias visíveis no pescoço do cientista maluco.
- E então Dexter – sussurrei com fogo nos olhos – está na hora de você nos ajudar a dar o fora do seu laboratório. Faz algumas horas que não como ou sequer durmo, eu estou extremamente cansada e com muita raiva. Não fico com bom humor quando estou com sono, então, por favor, não tente alguma gracinha.
A sua respiração estava desregulada e apenas piorou com o aperto de Lacey contra o seu pulmão.
- Que tal lá em cima? Algo me diz que teríamos muitas surpresas ao subir essas escadas. Me diga quantos de vocês vamos encontrar.
Um rugido leve soou atrás de mim e me virei por alguns segundos antes de perceber que nossos movimentos estavam atraindo as atenções de alguns pacientes que não estavam tão sedados quanto imaginei, e percebi que era por isso que o professor somente sussurrava aqui dentro e o local não tinha tantas visitas.
- Estamos ficando sem tempo professor.
Enfiei a agulha em seu pescoço e ele bufou com dor. Engraçado que ao recortar tantas peles horas antes ele não tinha feito tanta careta assim.
- Não... – sussurrou.
- Não vou apertar, se me disser o que vou encontrar lá em cima.
Seu rosto estava suando.
- Isso pode envenenar o meu sangue, e minhas crianças... Eu trato deles, senhorita. Eles precisam de alguém diariamente aqui com eles... – fechou os olhos. – Há mais corredores, há mais andares, talvez 30 andares. Este hospital foi construído há mais de 100 anos e com algumas reformas conseguiram fazer com que ele sobrevivesse por tanto tempo mesmo com os vilarejos se decepando ao redor. Temos uma ótima estrutura e mais de trezentos, ou até mesmo quinhentos soldados conosco.
Quinhentos. Arfei sem reação. Nem mesmo juntando as colônias que eu conhecia chegaria ao total deste número. Uma guerra com o Hospital seria arriscado demais.
Balancei a cabeça voltando a prestar a atenção nele. Aquele lixeiro que havia sido usado mais cedo era provavelmente a nossa saída mais segura, que se foda o segundo andar, aquele era o nosso passe para o inferno ou liberdade.
- O que tem naquele buraco? – Lacey perguntou. O volume atrás de mim se aproximou. Ele se recusava a falar.
Desta vez não era por manha, e sim medo da criatura que se aproximava de mim, e ele realmente pensou que eu não me ligaria tempo o suficiente de me virar. E foi o que eu fiz, não sem trazê-lo antes comigo.
O professor soltou um grito de desespero e se desvencilhou da criatura rapidamente, revirei os olhos chutando o quadril do andarilho com força para que ele perdesse sua postura indo ao chão.
- Está tudo bem aqui senhor... – uma das mulheres vestidas de branco que parecia ter me acompanhado até aqui ontem a noite apareceu na porta acima das escadas e entrou em choque com a cena. Em um piscar de olhos, ela nos deixou e correu novamente para o corredor de onde tinha surgido. Bufei e Lacey correu para a porta empurrando um cômodo para tentar segurar quem quer que saia dali.
Segurei o professor pela gola de seu jaleco e o forcei contra a boca de um dos andarilhos que estava deitado preso em uma maca, mas acordado e esfomeado com seus dentes apodrecidos batendo em direção ao crânio do professor que agora estava centímetros próximos.
- O que tem lá em baixo? – gritei e notei que a agulha havia caído ao chão.
- É apenas o lixeiro, senhorita... – tremeu o magricela se empurrando contra mim. Ele percebeu que eu estava o ameaçando seriamente quando sentiu os dentes do morto vivo atrás dele pronto para uma dentada. O retirei outra vez. – Têm apenas sobras e restos mortais das minhas crianças, toneladas talvez, o que pode amortecer a queda.
- E depois?
- Depois tem o mar dos melhores seguranças que podemos arranjar no apocalipse, senhorita... – ele sorriu pra mim, maliciosamente e o joguei contra o chão chamando Lacey para vir diretamente comigo.
- Não vai adiantar de nada, ! – ele gritou – Temos uma quantidade ridícula maior que a de vocês. Não vai adiantar... Se morrerem no nosso quintal, é apenas menos dois de vocês contra os nossos soldados treinados que estão dispostos a ferrar com toda sua Colônia pobre e caipira, seu chefinho infeliz e cada família que há lá dentro. Todos que você se importa estão com um passo mais próximo do inferno, sua vadia inútil – antes que ele finalizasse sua sentença, me aproximei com ódio e alcancei a seringa do chão.
A porta começou a bater, alguém queria entrar.
- Vamos, ! – ouvi Lacey dizer atrás de mim. Ela pulou para o buraco na parede.
Eu enfiei a seringa com o produto tóxico no pescoço dele, sem ressentimentos, e apertei até cada gota estar em seu sangue. Seus olhos queimavam com a dor e eu assisti aquilo queimar como se o reflexo dos seus sentidos estivesse em mim.
Não era o primeiro ser humano que eu matava, mas com certeza era mais uma marca na minha alma que levaria posteriormente sem esquecer um segundo da cena.
Em seguida corri atrás de Lacey, me atirando no buraco da parede.
Como o professor tinha falado, havia muitos objetos não identificados capazes de amortecer nossa queda. Estava muito escuro também, mas não demorou até que pudéssemos avistar a luz no fim do túnel – literalmente – e correr em direção a ela. Notei que Lacey torceu o pé com nossa caída e tentei ajudá-la a se reerguer e caminhar rapidamente, pois ela não iria mencionar nada se somente sua opinião valesse aqui. Dar o braço a torcer é difícil pra quem tem personalidade forte. Minha irmã era assim.
Já conseguia avistar grades ao redor do quintal coberto de folhas secas com pelo menos três metros de altura. Suspirei ao perceber que as vozes apenas aumentavam e o sangue em nossas blusas brancas e nosso próprio cheiro de suor e medo começava a atrair a atenção dos “seguranças” em nossa direção.
- Vamos lá. – Lacey continuava mancando e tentei ajudá-la a seguir mais rápido para a grade. Acabei a jogando no chão poucos centímetros da nossa escapatória quando os andarilhos estavam próximos demais.
O osso estava perdido dentro do túnel então resgatei uma pedra do tamanho da minha mão e forcei para a têmpora de alguns deles. Lacey se levantou rapidamente e iniciou sua escalada para nossa libertação.
Tentei focar em acertar mais alguns deles até que a voz de seres humanos atraiu minha atenção e meu coração se acelerou. Ignorei a horda e corri diretamente atrás de Lacey, tentando empurrá-la para cima.
Meu estômago ignorava completamente a fome e meu corpo obrigava a agir mesmo depois de algum tempo acostumada a ter água quando quisesse, pois toda a adrenalina forçada no meu físico estava direcionada para a quantidade de mortos-vivos que tentavam escalar a grade de três metros de altura.
- Vamos, Lacey, vamos. – chorei ao perceber que sua postura estava caída e algumas gotas de sangue caíam de sua canela. O acidente parecia mais grave do que apenas uma torção.
- Eu estou tentando, me ajuda, .
Senti dentes na pele descoberta de minhas pernas e me assustei balançando a grade e chutando com força a cabeça do ser para baixo.
Ultrapassei Lacey a segurando pela cintura tentando com todo meu esforço restante a trazer para cima.
Mas estava muito difícil. Eu estava fraca.
- Estamos quase lá. – gritei indo para o topo e puxando seu braço com força para cima. – Não, não, não...
Todo o terreno que havíamos percorrido estava lotado de mortos-vivos. Completamente lotado. Havia ao menos cem corpos direcionados ao nosso cheiro e montados um acima do outro podendo facilmente encostar Lacey que não conseguia movimentar o seu pé esquerdo.
E isso aconteceu.
- ARGGGGGGGGH – Ela gritou em pura dor e mordi os lábios ignorando a pontada do arame me rasgando quando me curvei em uma posição tentando puxar Lacey novamente pra cima.
- EU PROMETI PRA VOCÊ QUE NÃO VAMOS MORRER AQUI, LACEY, NÃO VAMOS. – seus olhos brilhavam de dor e desespero e eu tentava ignorar o morto-vivo mastigando sua pele, poderíamos arrancá-la mais tarde, ela conseguiria, Lacey era uma garota forte. – NÓS TEMOS PESSOAS QUE PRECISAM DA GENTE E...
Um estrondo de tiro atrás dela me assustou. Os soldados de Zeus já estavam ao nosso redor. Eles estavam atirando nos andarilhos para que apenas conseguissem atravessar e nos capturar novamente.
Eu não poderia morrer daquela forma, mas eu também não deixaria Lacey para trás.
- VAI EMBORA DAQUI, !
Ignorei cada palavra de sua boca seja de dor ou preces tentando ainda puxá-la comigo. Mas dentro de mim, no meu subconsciente, ele percebeu algo. A partir do momento em que eu havia dito que tínhamos alguém para quem voltar, seus olhos perderam o brilho.
Lacey já não tinha mais esperança.
- Não... Lacey...
Ela me empurrou. Caindo diretamente para o braço deles. O braço dos mortos vivos, os braços das dezenas de soldados de Zeus que estavam prontos para fazer dela um deles, e agora, tudo o que ela poderia ser era uma paciente na sala onde tudo parecia ser um show de horrores.
Minhas pernas doíam com o baque de ser jogada contra o chão e meu pulmão poderia explodir a qualquer momento.
Levou dois segundos para eu poder entender onde eu estava e o que estava acontecendo.
Então eu corri. Diretamente para a floresta.

Jacob

- Backup, espera – andei atrás dele em passos mais rápidos – o que você encontrou aí?
Fiquei um pouco nervoso por estar a alguns passos longe de Baby e Teddy, mas se eu gritasse sabia que eles ainda poderiam saber onde eu estava. Backup acabou saindo da trilha e o acompanhei percebendo que estávamos perto do rio e um sinal alertava na minha cabeça notando que seria perigoso demais estar em campo aberto.
Reparei que havia uma figura negra ao lado do rio, ela estava gemendo baixinho, era uma garota, e meu coração pulou quando notei quem era.
- ?! – gritei sorrindo sem me importar de ter soado alto demais. Ela estava ali! Não precisaríamos entrar naquela droga de lugar e ela parecia estar bem.
estava com roupas brancas sujas de sangue e barro e seus olhos estavam inchados, mesmo assim quando ela me avistou se pôs a sorrir genuinamente. Corri para seus braços e ela me pegou no colo me apertando com força.
- Oi, pequeno.
Fiquei um pouco constrangido por ela ter sentido minhas lágrimas no seu pescoço. Eu já estava grande demais para chorar, era o que minha mãe costumava dizer...
Backup não parava de latir no chão e balançava seu rabo, o que significa que ele também estava feliz. Não demorou muito para que eu ouvisse as vozes de Baby me chamando e se aproximando de nós.
Ela e Teddy sorriram por alguns momentos, antes de ele fechar a cara completamente e continuar procurando ao redor de . E eu acho que sabia o que Teddy estava procurando, era a garota que ele vinha perguntando sobre desde que partimos daquela igreja em busca das duas.
- Onde está Lacey? – ele perguntou e seu rosto não demonstrava emoção, como lágrimas, mas eu podia sentir a angustia em sua voz.
- Ela... Não conseguiu. – sussurrou finalmente.
Baby suspirou e Teddy se virou com o seu facão, bufando.
- O que você quer dizer com ela não conseguiu? Você não estava lá, ? – gritou – NÃO PODERIA AJUDÁ-LA?
Ele era um cara grande, então mesmo sendo meu amigo, era difícil não temer qualquer coisa que ele faça quando estava a este nível de raiva. Apesar disso seu tom estava começando a me incomodar, viemos atrás delas pra brigar com ela? Se ela passou metade do que minha mãe passou lá dentro, não deveríamos abrir nossos braços para atacar pedras.
- Eu sinto muito... Eu estou me sentindo tão estúpida, meu Deus, vocês vieram atrás de mim? – exclamou em um misto de fascinação e apreensão. Ela também estava preocupada com nós três. E Teddy simplesmente não parava.
- Não só atrás de você, , você não é tão importante assim. E Lacey estava com você, você ao menos tentou protegê-la?
Ele não poderia falar assim com ela, o que tinha de errado com ele?
Fiquei tão irritado que não pensei direito quando me aproximei de Teddy e o empurrei diversas vezes para que ele parasse de se aproximar de dizendo tais palavras.
- Ela é importante pra mim! – empurrei o seu estômago, era o máximo que conseguia alcançar nele. – E pra mais pessoas também! Viemos aqui salvá-la e você está apenas a deixando mais triste.
Baby me segurou pelos braços e eu não conseguia me soltar. Teddy colocou as duas mãos na cabeça e gritou. Rugiu. Alguns pássaros voaram para longe com o susto da quebra do silêncio e eu congelei no meu lugar.
- Lacey era importante pra mim, Jacob. – ele sussurrou, antes de deixar o seu facão ir ao chão, junto com o seu próprio peso. Eu não conseguia mais ver seu rosto que estava entre seus joelhos, mas eu poderia ouvir a dor novamente em pequenos chiados da sua voz. Ele estava chorando.
Baby estava completamente horrorizada com a cena e eu não sabia o que fazer.
- Eu sinto tanto, Teddy... – disse baixo e havia lágrimas em seus olhos também.
Ela se aproximou sem medo do grandão e o abraçou com força. Ele tentou lutar contra seu toque inicialmente, até que se deu por vencido. Ele precisava daquilo. Suspirei me ajoelhando ao lado de Backup.
Era um pouco estranho pensar em como uma pessoa pode afetar a vida de outra e você não sabe sobre isso até que algo acontece com uma delas.
Com o início da manhã, tínhamos que resolver para onde iríamos, o que comeríamos, onde dormiríamos... Mas parece que Teddy precisaria de um pouco mais de tempo antes de seguir adiante.


Capítulo 22 – Beliver.

Música do Capítulo


Grimes.

Sem reação. Eu estava sem reação.
A estrutura da marcenaria foi ao chão rapidamente e uma grande nuvem de poeira subiu junto com os destroços. A bagunça de andarilhos cercando a casa, uns sendo puxados para baixo. A chuva não dava descanso.
Merda.
Respirei fundo, observando toda aquela cena e meu cérebro acendeu. Tínhamos muito o que fazer agora e de forma alguma virar as costas. Viemos com um objetivo e mesmo com a mudança de planos, ainda tínhamos coisas aqui. E eu não iria embora sem Max, e o grupo.
Me virei para Judas que também estava de queixo caído.
- Mas que merda... – Ele parecia tão incrédulo quanto eu.
- Vamos. – Avisei, enquanto passava por ele, indo em direção aos nossos carros.
Minha cabeça estava quente, mas não por uma vontade de matar quem aprovou essa ideia suicida, e sim porque eu sabia como poderíamos ajudar o grupo a sair vivo – ou quase – dessa merda que eles se meteram.
Chegamos onde os carros estavam estacionados e Liam estava junto de Toby, os dois estavam quietos, mas Toby tinha um sorrisinho que indicava que quando abrisse a boca, só merda sairia dela.
E nessa altura do campeonato, eu o daria de ração para os andarilhos se fosse ajudar o grupo a fugir.
Respirei fundo, me encostando no capô do carro e tentando pensar.
Não poderia ir embora dessa forma sem ter certeza de que eles estavam bem. Mesmo que o grupo todo fosse, eu ficaria e os ajudaria. Só precisava saber como. Uma forma de ajudá-los sem cometer suicídio.
Respirava fundo, botando meu tico e teco para funcionarem e pensando qual seria a reação da nesse momento.
Provavelmente ela estaria ao redor da casa, certo? Primeiro arrumaria uma forma de proteger o grupo e depois pensaria em uma forma de fugir dos andarilhos. Então eu só teria que arrumar uma forma de preparar os carros para o primeiro sinal de vida dela.
Agora eu precisava esfriar a cabeça e botar meu plano em execução.
- Eu avisei... – Toby abriu a boca e meu sangue subiu. E minha racionalidade sumiu. – Não devemos chamar meninas pra essas coisas. Não é brincadeira de casinha. – Ele riu e eu já estava quase partindo para cima dele. – Porque só pra isso elas servem. Pra cuidar da casa e pra serem fod... – Ele não terminou a frase. Eu não deixei.
Meu punho já havia atravessado sua mandíbula em um forte soco e eu o segurava pelo colarinho. O rapaz tremia e estava prestes a se mijar.
- Ou você cala a boca, ou você vai ficar por aqui. Ok? – Perguntei e ele assentiu trêmulo. Então o joguei no chão, me preparando para chutá-lo, mas Judas me impediu.
- Fica calmo cara. Fica calmo. – Judas me segurou e eu me soltei dele, empurrando-o para longe.
- Tô calmo. Tô. – Respirei fundo, coçando minhas têmporas e chutando o carro em seguida, para extravasar a raiva.
E então tive uma ideia.
- Todo mundo em um carro. – Encarei o grupo. – Vamos passar por cima de uns andarilhos.
Entrei em um carro, Judas em outro, Toby e Liam em outro. Eu não tinha noção se minha ideia era boa ou não, mas foi a primeira coisa que passou na minha cabeça e eu não poderia deixar de tentar.
Dei partida no carro e o resto do grupo me acompanhou. Atravessamos então a rua coberta por andarilhos, tentando o máximo passar por cima de todos e atropelá-los.
E dessa vez, sem armas.
Sentia meu carro subir e descer a cada vez que passava por cima de um andarilho e mais se jogavam para frente do veículo, tentando quebrar os vidros. E cada vez que o grupo de andarilhos engolia o carro, aumentava a força para me livrar deles. Arrasando todos pela rua e deixando seus rastros.
Não era o melhor plano, mas com sorte conseguimos limpar um pouco para conseguir procurar pelo grupo.
Tentei dar uma olhada nos destroços da marcenaria enquanto dirigia por perto, mas não vi nada. Nada a não ser os destroços e vários andarilhos no chão. Mas não ver nenhum deles lá, me fez acreditar por um momento que eles conseguiram fugir. E com a nossa ajuda, eles iriam mais longe.
Continuei dirigindo e passando por cima dos andarilhos, dando voltas pela rua até que a quantidade diminuísse, não totalmente, mas o suficiente para não sermos devorados quando saíssemos do carro.
Ao perceber uma comoção diferente em uma das lojas ao lado dos destroços, ri para mim mesmo.
Ela conseguiu. Romero mais uma vez me surpreendeu.
Estacionei o carro mais perto junto com meu grupo e nos juntamos, nós quatro preparamos nossos facões e demos com as lâminas nas têmporas dos andarilhos enquanto caminhávamos para perto da loja em que o grupo havia dado o sinal.
Nos dividimos então, eu e Judas fomos por um lado e Toby e Liam por outro, para dar a volta até o lado de trás da loja e tendo a noção se era o grupo mesmo ou eram andarilhos nos enganando.
E então aconteceu.
Cheguei no lado de trás da loja, o silêncio e escuro não me fez prestar atenção e apenas senti o gélido cano da arma em minha testa. Levantei as mãos como um sinal de rendição, mas eu não estava. Já sabia quem era.
- Eu disse para não apontar mais essa arma pra mim! – Briguei, tirando a arma das mãos da rapidamente. E ela pareceu bastante surpresa em me ver.
- O que você tá fazendo aqui? – estava ofegante e não tirava os olhos de mim, como se ainda não acreditasse que eu havia voltado.
- Viemos tirar vocês daqui.
- , precisamos ir. – Judas me apressou. – A tempestade está para se intensificar, precisamos ir antes que fique mais difícil de irmos embora.
- Ok, vamos. – Afirmei, mas nem , nem Max e nenhuma das garotas de seu grupo saíram do lugar. – O quê?
- Não vou embora sem as armas, . – disse e eu neguei com a cabeça. Nem pensar.
Já havia me acostumado com a ideia de que a gostava de enfrentar perigosos, era corajosa e todo o caralho a quatro, mas isso não me faria aceitar. Não nesse caso.
Quase a perdi uma vez nesse dia, não a deixaria correr o risco mais uma vez por algumas armas que o Slade tiraria de nós quando viesse em uma das suas visitas inconvenientes.
- , por favor. Agora não. – Já estava impaciente e convicto que iriamos embora todos juntos ou nenhum de nós iria.
- Pai, por favor. – Max se intrometeu e então percebi que já era caso perdido. – A teve um ótimo plano. Nos deixe tentar.
- Que plano é esse? O que vai precisar que eu faça? – Encarei e ela esboçou um sorriso de canto nos lábios.
- Ir embora.
Eu fechei a cara.
- Nem fodendo.
Comecei a andar até o grupo e me segurou pelo braço, me puxando para ela e um pouco eufórica demais com a sua ideia, me encarando com aqueles olhos esverdeados na tentativa de me convencer.
- você precisa voltar para Colônia. Ela tá desprotegida sem você, Judas e o resto. Caso algo aconteça até que voltarmos com as armas, você precisa estar lá pra cuidar de tudo.
- E deixar vocês dois aqui? Sozinhos? Com esse bando de andarilhos famintos? Nem. Fodendo.
Permaneci rígido e convicto, bruto se fosse necessário, mas não deixaria a fazer idiotices por algumas armas. Principalmente envolvendo arriscar Max no plano. Não havia como.
Por mais que eu confiasse na – e eu confiava –, por mais que acreditasse que ela seria capaz de montar um plano e executá-lo da melhor forma, não queria dar sorte para o azar. E nesse caso, só tivemos azar.
Encarei e ela parecia mais convicta que eu nesse quesito. Ela não abriria mão e eu teria que ser mais duro para que ela entendesse minhas razões e voltasse comigo em segurança.
- , confia em mim. – Pediu firme e eu a encarei, negando com a cabeça. Não havia qualquer possibilidade de deixá-la fazer isso.
Mas a chuva começou a dar sinais novamente e foi ficando mais intensa conforme ficávamos parados encarnado um ao outro esperando que um abrisse mão.
- , precisamos ir. Agora! – Eu pedi, caminhando até a os carros, matando os andarilhos no caminho, mas permanecia imóvel.
- Eu vou buscar as armas, , com ou sem você. Com grupo ou sem grupo. Só resta você me ajudar e me dar a certeza que estamos juntos nessa.
Cocei minhas têmporas impaciente e bufei alto irritado. Não faria mal confiar na , certo? O que poderia dar errado?
Que não saiba do que estávamos fazendo.
- O que quer que eu faça? – Disse e então abriu um sorriso de orelha a orelha.
Conforme o plano – que eu achava estúpido e suicida – de estava sendo botado em prática, houve sim uma esperança para que conseguíssemos sair ilesos e ainda com um estoque ótimo de armas para a futura guerra contra o Hospital.
Entrei no carro e estava ao meu lado, ela havia fuçado no porta-luvas do carro por alguns minutos e havia achado um CD qualquer, ela me entregou e sorriu. Eu não estava sorridente e muito menos animado. Nem um pouco.
permaneceu me encarando sem dizer nada e eu permaneci com minha expressão dura, esperando que ela se tocasse que era uma péssima ideia e voltasse comigo. Mas ela era tão difícil quanto eu, não desistiria sem lutar e isso era algo que admirava nela.
- Quando for a hora, eu dou o sinal. – Avisou, abrindo a porta ao meu lado e eu a segurei por um instante.
- A arma mais foda vai ser a minha. – Pedi e ela riu.
- Vamos ver, cowboy. – Piscou e eu beijei rapidamente sua testa. Então ela saiu do carro e correu junto com seu grupo.
Respirei fundo, coloquei o CD no player e apertei o play.
Rapidamente a música começou a gritar pelos autofalantes, atraindo a atenção de vários andarilhos. Dei partida no carro e fui dirigindo, junto com o resto do meu grupo em outros carros atraindo a atenção da maior quantidade de andarilhos possíveis para longe do centro.
Sentia a vitória em minhas veias e ri sozinho novamente, surpreendido mais uma vez por Romero.
Essa garota era uma caixinha de surpresas.

***

Romero.

Vi os carros irem embora e levando junto com eles uma boa quantidade de mortos-vivos. Ainda não era seguro para nós, tínhamos que tomar cuidado a todo instante para os que eram mais inteligentes que os outros. Mas fora isso, o plano estava quase completo.
Avistava de longe a loja de armas que ficava adiante, aparentemente fechada. Mas meu único pedido era a falta de alarmes que atraíssem mais bichos para onde estávamos.
- Então, estamos prontas? – Perguntei, encarando Paige, Lola e Max que estavam com seus facões e prontos para sair correndo loucamente até a loja.
A chuva era uma inimiga, já que ela nos impedia de prestar atenção e nos deixava mais lerdas. Mas com sorte, conseguiríamos passar pelos obstáculos e nem a chuva nos pararia.
Só a Paige, no caso.
Quando a garota foi levantar, a mesma quase cedeu ao chão se Lola não tivesse a segurado. Fui até a mesma tentar entender o motivo da fraqueza e o que vi conseguia ser pior do que eu esperava.
O machucado em sua perna – o qual ela ocultou – estava escorrendo sangue e não seria nada que Fried não cuidasse, mas mesmo assim seria um peso para nós carregarmos até voltarmos.
- Por que diabos você não avisou do machucado antes? – Perguntei calmamente, mas meu sangue já estava fervido.
- Eu não queria ir embora com os meninos, queria chegar ao final.
Pude sentir o arrependimento e as palavras sinceras saírem da garota, mas mesmo assim, não era o bastante.
- Com essa perna você não vai chegar ao final. – Max se intrometeu, dizendo o que estava em minha cabeça.
- Consegue andar? – Ela assentiu em resposta a minha pergunta, então dei os ombros. – Não fique para trás. Corra pra caralho. Vamos chegar ao final.
Assentiu novamente e juntamos o grupo. Era a hora. E momentaneamente me arrependi de não ter pedido um carro emprestado pro .
Juntos, corremos até a rua que estava mais limpa e com mais mortos de fato mortos do que com os famintos que nos queriam. Corremos pelas ruas, tentando ir o mais longe possível. Enquanto isso, focava em matar os mortos-vivos que nos atacavam, evitando que chegassem perto de Paige, mas o cheiro de seu sangue escorrendo os atraia como imã.
Não conseguimos passar da metade, até que finalmente, Paige cedeu ao chão e os mortos-vivos nos cercaram.
Eu e Max nos juntamos e os matamos enquanto Lola focava em levantar a parceira e correr com ela até a loja mais próxima. E nós a seguimos.
Terminamos em uma loja de bebês que estava destrancada e mais protegida. Ao entrarmos, dei um jeito de forçar a porta para que nenhum dos bichos conseguisse a quebrar e enquanto isso, Lola pensava em uma forma para ajudar Paige que estava machucada e fraca demais.
E um grito da mesma nos alertou para o pequeno grupo de mortos-vivos que estavam escondidos em algum lugar da loja.
Nós três – eu, Max e Lola – os matamos rapidamente, os cortando com nossos facões afiados e limpando a loja para que permanecêssemos em segurança até alguém ter um melhor plano.
Que até então, eu não tinha.
Precisava de um tempo para pensar e a tempestade só aumentava do lado de fora. E do lado de dentro, eram todos fazendo uma tempestade em um copo d’água.
Paige estava jogada no chão se culpando e dizendo que deveria ficar para trás, Max concordava e tentava me convencer de que era melhor deixá-la para morrer. Enquanto Lola o xingava em espanhol em defesa da amiga.
Os três não se calavam e a minha cabeça doía, enquanto eu tentava pensar em um plano para que pudesse nos tirar daqui da melhor forma possível.
E a loja parecia rodar enquanto eu ficava tonta e minha dor de cabeça mais forte, já aos fundos eu só ouvia reclamações e xingamentos, discussões e briguinhas idiotas por uma decisão que tomaria seria eu, não eles.
- CALEM A BOCA! – Gritei e os três se calaram. – Vamos deixar uma coisa registrada aqui: a líder dessa merda sou eu e quem decide quem vai morrer ou não também sou eu. – Respirei fundo. – Paige, não vou te deixar pra trás e nenhum de nós vai, você vai voltar conosco para a Colônia. – Encarei a garota. – Faça-me o favor, você só cortou a perna, não é nada demais. Menos, por favor. – Rolei os olhos. – Agora vocês podem por favor calarem suas boquinhas e me deixarem pensar em uma forma de sairmos daqui?
Todos ficaram quietos, me encarando um pouco incrédulos e eu bufei, indo até o balcão da loja. Procurei no lado da caixa registradora algo que nos fosse útil ou alguma arma interessante, mas não havia nada.
Respirei fundo e encarei o lado de fora pela janela. A chuva continua intensa e estava escuro demais para sermos idiotas para sair, ainda mais com a Paige machucada daquela forma.
Peguei entre as mercadorias um kit de primeiros socorros e dei para Lola.
- Cuide do machucado dela e arrumem uma forma de ficarem confortáveis, porque vamos passar a noite aqui. – Eles permaneceram quietos e evitando me encarar.
Voltei para trás do balcão e me ajeitei na cadeira reclinável que deveria ficar uma das pessoas que trabalhava no caixa. Respirei fundo, deitei minha cabeça e descansei meus olhos. Mas de minuto a minuto eu prestava em Paige, para caso algo acontecesse, eu a botasse pra dormir antes que ela fizesse isso com alguém.
Não sabia que ser líder dava tanto trabalho.
Da próxima vez, eu mataria todos e viria sozinha.

***


Grimes.

Na Colônia não havia ainda nenhuma notícia das meninas, mas felizmente havíamos conseguido tirar a maioria dos andarilhos do centro e garantir a segurança delas até que desse o sinal.
Estava tudo silencioso e organizado, o que indicava que não houve vizinhas indesejadas enquanto estávamos fora. Bom, era o que eu pensei.
Ao ver Friedrich tenso, tive a certeza de quem mais do que a tediosa monotonia veio fazer uma visita enquanto eu estava fora.
- O que ele queria? – Perguntei já impaciente e Frid deu os ombros.
- Nem eu sei. Ele veio querer saber de que havia sumido, deu um ultimato e tudo.
- sumiu? – Fiquei preocupado. Quando voltasse isso a abalaria muito. – Ele precisa de ajuda para encontrá-la? Se sim, não pensarei duas vezes.
O senhor negou com a cabeça.
- Não. Ainda não.
- Ele acha que foi o Hospital que a raptou? – Perguntei e o senhor assentiu. – Então eles são capazes disso também.
- Não estamos seguros com eles lá fora, .
- Não estaremos seguros enquanto Zeus estiver vivo e comandando um grupo.
Por mais egoísta e estúpido que seja meu pensamento, uma das únicas razões que deixei no centro, foi porque confiava que ela conseguiria pegar as armas e só assim poderíamos botar um fim no Hospital.
E eu sabia que ela queria o mesmo.
O que todos nós queríamos era acabar com essa praga em nosso terreno desde que eles deram seus primeiros indícios de guerra.
- E a ? – O senhor me chamou a atenção e eu dei os ombros.
- Estou no meio de um plano que ela teve para pegar as armas.
- E está dando certo?
- Saberei quando ela der o sinal.
Caminhei pelo pátio da Colônia e vi Toby me encarando um pouco assustado, junto com seu bando todo. Todos me encarando com desgosto. E como conheço a figura, provavelmente falou merdas e mais merdas de como eu o bati sem motivo, porque sou um sociopata maluco e ele um coitado.
Não que eu me importasse.
Dentro da Grande Casa, passei perto do quarto de Jolie e a mesma estava dormindo, completamente alheia de tudo que acontecia. Sempre que as coisas apertavam, eu parava para encará-la, assisti-la ser criança. Porque era a melhor coisa que havia nesse fim de mundo.
A esperança dela se tornou a minha.
A deixei dormir e fui até meu escritório. Não acendi a luz, apenas sentei-me em minha cadeira e enchi meu copo com uísque. Em uma mão segurava o copo e na outra segurava o walkie, na espera do sinal.
Só precisava do sinal.
E então a guerra começaria.

***

Romero.

A única certeza daquela manhã era que a chuva havia parado e que Paige não havia se transformado.
Viu, eu disse que era apenas um cortezinho na parte. Algo inofensivo que ela quis dramatizar.
- Acordem. – Disse alto, acordando os três que estavam encostados juntos e bem afastados de mim. Ainda não superaram isso?
Enquanto os três acordavam, dei mais uma olhada do lado de fora para ver como a rua estava e graças a manhã, estava mais calma e agora só precisávamos pensar em uma forma de sair da loja em atrair tanta atenção.
- O que faremos, ? – Max me perguntou e eu dei os ombros.
- Estou pensando nisso.
Continuei andando pela loja pensando no que nos seria útil para ir embora, até que vi os corpos dos mortos-vivos que matamos no chão. E a lâmpada em cima da minha cabeça ascendeu, assim como um desenho animado. Eu havia tido uma ideia que poderia salvar nossas vidas.
- Ok, eu tive uma ideia. Mas vai ser bem nojenta. – Avisei e os três se entreolharam.
E como não havia nenhuma melhor ideia, a minha foi a escolhida para realizar o ato.
Eu e Max arrastamos os corpos mortos até o centro da loja e Lola trouxe lençóis. Os quais cortamos para podermos vesti-los.
Peguei meu facão e abri os mortos-vivos, um por um. O sangue e o fedor que preencheu o local me fez querer vomitar de primeiro instante, mas superei e engoli seco, pegando seus sangues e todas suas imundices e passando nos lençóis.
Era óbvio que quando mascarávamos nossos cheiros com os dos mortos, eles não teriam como nos reconhecer. Tudo se resume ao olfato. Quando os predadores vão atrás de suas caças, eles focam em seus olfatos e os cheiros distintos os mostram quem são suas presas. E quando a presa se veste de predador, não há como ser caçada.
E era isso que faríamos. Não seriamos caçadas.
Cada um vestiu um lençol imundo e apesar da nojeira que sentíamos, era o que indicava que daria mais certo. Quanto mais repulsa sentíssemos, melhor preparados estávamos para sair.
- Vamos? – Perguntei e o grupo concordou.
Peguei meu facão e cada um suas armas. Max destrancou a porta e a abriu. Antes de sair, avistei uma boneca delicada feita de pano em uma vitrine. Lentamente a tirei de lá e a escondi por baixo do lençol, tentando protegê-la da minha imundice.
Saímos da loja assustados, já preparados para atacar caso algo desse errado. Mas até então, nada deu. Os bichos não nos reconheceram. Era como se para eles, éramos invisíveis.
Exatamente como deveríamos.
Passamos pelos mortos-vivos calmamente, evitando dar qualquer movimento brusco que poderia afundar nosso plano. Lentamente passávamos pelos bichos e chegávamos mais perto a loja de armas. Que estava mais próxima a cada passo que dávamos.
Respirei fundo, aliviada. Contente por finalmente tudo ter dado certo.
Mas era óbvio que algo daria errado. Porque sempre que achamos que estamos tendo sorte, era na verdade o azar mascarado.
O azar ficou óbvio com o berro que Paige deu atrás de nós, quando pisou em falso e sua perna relembrou que estava machucada e fraca. Seu berro atraiu a atenção de vários mortos-vivos para ela e Lola que estava ao seu lado.
E com o tempo, estávamos cercadas por mortos-vivos famintos que agora estavam nos vendo.
Preparei para matá-los, mas logo os tiros começaram a matar os mais próximos e das sombras saíram Barbie, Willa, Bailey e Brianna, nos ajudando a matar os mortos-vivos que nos cercavam.
- Minhas heroínas! – Comemorei e nos juntamos para matar o resto dos bichos que nos cercavam. Fomos puxando Paige até a loja de armas que estava próxima o suficiente para arriscarmos.
E conseguimos, trazendo conosco uma horda de mortos-vivos famintos.
Entramos na loja rapidamente, trancando-a e a protegendo sem dar mole para que qualquer um deles entrasse. E dentro da loja, estávamos finalmente seguras.
Respirei fundo.
- Missão cumprida. – Disse, olhando para as várias armas e munições, coletes e afins que nos ajudaria para a guerra que estava por vir. E o mais importante ainda, nos ajudaria a sairmos vivas dessa.
- É o paraíso. – Os olhos de Lola brilhavam enquanto examinava todas as armas que haviam na loja.
- É só isso? – Max reclamou. – Como lutaremos só com essas armas e munições? Precisaríamos de um estoque completo.
Olhei ao redor, procurando a porta que nos levaria para o depósito. E parei em frente à porta branca que cumpria uma parede toda.
- O depósito fica atrás dessa porta.
- Como sabe disso? – Lola desconfiou. – E como vamos entrar nisso?
Dei os ombros.
- Bom, no colegial eu namorei um cara e ele trabalhava em uma loja dessas. – Caminhei até o balcão e procurei por algum lugar a chave que abrisse a porta. – E toda vez que ele queria ficar sozinho comigo para nós... bom, vocês sabem. Ele ia até o depósito comigo. – Tirei de um fundo falso de uma das gavetas o par de chaves grossas. Fui até a porta e enfiei a chave na fechadura, abrindo-a na primeira volta e vindo junto com uma fumaça de poeira que indicava que ninguém entrava no depósito há tempos.
- Legal. – Willa entrou no depósito primeiro e o resto do grupo foi em seguida.
Haviam algumas caixas etiquetadas com os nomes das armas. Desde pistolas à fuzis e armas muito mais pesadas. Outras caixas com maior quantidade de munições para qualquer tipo de arma. Era realmente tudo que precisávamos para a guerra.
- Ele me levava para o depósito e ficava se exibindo com a arma que ele sonhava em ter posse. – Peguei um revólver e o examinei enquanto falava. – Ele achava que seria mais sensual se ele tivesse uma arma em mãos. Mas o coitado não sabia nem ao menos atirar em uma latinha. – E disparei a mesma, acertando uma das latinhas que estava atrás de Barbie que se assustou com meu gesto. – Ele era muito patético. Mas tinha um bom coração. – Larguei o revólver.
- E como levaremos isso embora? É muita coisa! – Barbie se queixou, encarando as várias caixas e ainda mais as coisas que ficam do outro lado da loja.
- Deixe isso comigo, Barb. Essa foi só a primeira parte do plano. O resto ainda está por vir. – Disse, saindo do depósito e o grupo veio atrás de mim. – Escolham uma arma, qualquer uma. Eu vou dar o sinal e vamos ir embora daqui. – Me virei para eles e peguei um fuzil. – Vamos acabar com os mortos.
E depois... acabaremos com os vivos.
Zeus, seus dias estão contados.


Capítulo 23 – Have You Ever Seen The Rain?

Música do Capítulo


Romero.

Quando eu tinha apenas sete anos, minha amiga Nancy me convidou para dormir na casa dela. Meus pais pensaram muito sobre a decisão alegando que eu era muito nova pra isso. Eu debati com eles dizendo que todas as minhas amigas iriam também e elas já haviam dormido várias vezes uma na casa da outra. Eles me deixaram ir, mas riram levemente “pressentindo” que eu ligaria para eles de madrugada querendo voltar para casa.
Eu certamente não teria ligado para eles me buscarem (chorando) se a maldita Nancy não tivesse me colocado no quarto do irmão dela que tinha ido viajar para qualquer lugar, onde tinha uma maldita janela com uma árvore ao lado e seus galhos pareciam braços escuros arranhando o vidro, em plena noite de tempestade, onde o ambiente cheirava a chulé e pizza velha e a cama tinha algumas molas fora do lugar que faziam minhas costas de sete anos doerem.
Esse era o tanto de tempo que eu me lembrava de ser a pior noite da minha vida, a que eu menos dormi e acordei com olheiras maiores que a de um andarilho. Irônico, não?
Cá estava eu, olhando para o horizonte desejando matar alguém, porque a noite passada foi dez vezes pior do que dormir na droga do quarto do irmão da Nancy.
Eu poderia citar alguns fatores que resultaram e resultou para essa não agradável manhã:

1. Mesmo sabendo que eu estava completamente segura na Colônia, meu coração se acelerava com cada voz de alguém lá fora, ou até mesmo um passarinho cantando no telhado. Eu estava agindo como uma paranoica louca que a cada movimento brusco ou não ao meu redor, meu coração pulava para a garganta; 2. O medo não me deixava dormir;
3. Sim, eu estava na Colônia. Infelizmente a maldita não estava aqui porque entrou em uma maldita missão suicida junto com os outros malditos Colonizadores desse maldito lugar que estavam atrás de alguma coisa que agora, pra mim, era inútil, e ainda teriam que enfrentar um Império de mortos pra resolver tudo;
4. A preocupação com não me deixava dormir;
5. Cada vez que em eu fechava os olhos eu me lembrava da maldita enfermeira queimando meu pulso o que ainda doía pra cacete;
6. Os malditos cortes no meu estômago, causados pela droga do arame farpado na fuga do Hospital não me deixava dormir;
7. Friedrich me acordando a cada hora para me espetar com uma seringa (carma) tentando devolver minha hidratação com soro e também trazendo comida, não me deixava dormir. Pelo menos ele estava cuidando de mim...
8. O olhar de Lacey ao morrer na minha frente não me deixava dormir;
9. Teddy não falar comigo não me deixava dormir.

Eu simplesmente não conseguia relaxar mais. Estava fadada a matar um ou sair correndo atrás de logo.
Suspirei e saiu mais como um bufo quando Frid levantou minha blusa para trocar novamente meus curativos.
- Você precisa de algo para beber, ? – ele perguntou.
- Não estou com sede. – franzi a testa.
- Não... Quis dizer beber.
Eu quase ri. Quase. Por que ele fazia álcool soar como contrabando?
- Não posso beber, senhor. Tenho que me manter sóbria até minha irmã voltar.
Ele assentiu, voltando a se concentrar nos machucados. Ele estava sem o material para conseguir fazer pontos, e mesmo sendo poucos, eu ainda optava por não fazê-los, então apenas levaria mais um tempo dele cuidando com mais proporção dessas feridas. E eu estava grata por Frid existir.
- Isso vai sair logo, certo? – reclamei levantando um pequeno espelho e observando a fina letra Z na minha bochecha. – Zeus poderia simplesmente urinar ao redor das pessoas, seria mais prático e meus glóbulos brancos agradeceriam o descanso.
Frid ergueu as sobrancelhas, e pareceu lutar internamente se deveria falar algo ou não.
- Sabe... Slade esteve aqui. – disse baixo.
Eu tentei controlar qualquer reação minha sobre isso. De qualquer forma eu não sei se estava surpresa feliz e aliviada ou interessada e desdenhosa. Sinceramente, não sei.
- Ele mencionou algumas coisas que me surpreenderam.
- Eu vou querer saber dessas coisas? – suspirei duvidosa.
- Talvez se fizer alguma diferença, considerando que era praticamente um desabafo sobre como ele estava prestes a arriscar a vida de todos se você não aparecesse logo. – ofeguei por um momento e não tinha o que dizer. Meu Deus.
- Senhor, por favor, seja mais específico, agora eu preciso saber de verdade. – praticamente implorei.
Ele deu de ombros e começou a passar uma pomada que parecia ser cicatrizante em algumas partes do meu corpo. Sem querer dizer 90%. Eu estava toda trabalhada na jaca podre, se Deus me assoprasse eu cairia.
- Já me chamaram de fofoqueiro antes, mas saiba que isso é para o seu próprio bem – de novo o tom do chefe do contrabando. já havia bebido alguns drinques, veio procurar por você e o grupo de já estava fora, então ele não sabe que o chefe do QG esteve aqui. Ele falava sobre tudo da vida dele, começando pelo pai que parecia ser abusivo até mesmo a roubar a mulher do melhor amigo.
Abri a boca em um círculo. Quem seria essa pessoa que chamou Frid de fofoqueiro, ultrajante, nem fazia jus.
- Ok, isso é muita informação... – pensei por um segundo. – O que mais?
É claro que eu estava interessada.
- Contou sobre como veio morar com e sua família quando seu pai foi preso, e achou essa nova chance no exército. E depois repetiu muitas vezes a palavra gratidão e como ele queria ser feliz, e o resto acho que você sabe.
- Sei? – estranhei.
- Bom... Sobre Mariah...
- Oh, sim, Mariah...
Ele assentiu.
– Devo confessar que pensei que ele já havia superado esta história. Ele teve sim algumas desavenças com após ter tido um caso com sua esposa, mas pelo jeito que se comporta achei que já era tudo passado. Até mesmo tem mais olhos para a sua irmã do que para a falecida esposa.
Meudeusdocéu. Será que Frid tinha noção das informações preciosas que ele tinha me dado sem o tanto de suspense que a anta do Slade tinha botado em cima dessa história? Uau.
E com o Xerife... O que posso dizer... Acho que ela merecia algo melhor. Mas quem sou eu pra falar de gosto alheio.
- E no final, tudo se voltou para você – assenti como uma psicóloga compreendendo tudo e fingindo que aquilo não era total bizarrice. Ele tomou uma voz séria dessa vez. – Você não precisa ter nos seus ombros a culpa das atitudes dele , e se quiser se livrar de algo em que acabou se colocando sem querer, e depois o conheceu de verdade, saiba que não está sozinha se precisa de ajuda. Mas estou querendo dizer que estava prestes a sacrificar todo seu exército e passaria por cima do que tinha na frente dele para ir atrás de você. E tudo indica que isso pode ser impulsividade, ou até mesmo, se me permite dizer, amor.

...

Aquele merdinha estava cogitando a ideia de ir atrás de um ataque surpresa pra salvar a minha bunda? Porra, nem minha mãe faria isso.
Até porque ela não era estúpida.
Eu não sabia se isso me deixava mais chocada ou com ânsia. Por todo esse tempo, eu havia falado que todas as coisas com Slade pareciam ser mais intensas, porém isso era intensidade demais, e eu ainda não estava nesse nível ou preparada para aceitar. Ou estava?
É claro que não.
Quando o visse novamente, poderia arrancar sua língua ou beija-la. Sem ideia do que eu estava com mais vontade. Provavelmente de batê-lo. Com certeza esse era meu sentimento por agora. Raiva. Que ideia de girino egoísta era aquela? O que ele tinha na cabeça? Frid estava certo ao presumir que eu estaria sentindo a culpa cair sobre mim se alguma merda dessas tivesse se concluído ao final. Mesmo que eu estivesse morta, minha consciência pesaria no céu. Provavelmente no inferno.
- Não estou interessado em qualquer tipo de relacionamento que você tenha com ele, , mas espero que saiba o que está fazendo. – ele terminou ao ver que meu cérebro havia pifado e guardou seu material finalmente.
Se não está interessado, pra que fazer esse comentário Frid? Fritar ainda mais minha psico?
Peguei meu boné preto que Jacob havia usurpado já há algum tempo e coloquei na minha cabeça antes de sair como um monstro da caverna, me curvando corcundamente tentando me proteger de... Sei lá o que.

***

Como já estava me sentindo eufórica por muito tempo, eu apresentei este plano para Frid sobre eu e mais algumas pessoas que estivessem vagas para irmos até a parte de fora do portão e limpar um pouco do quintal dos andarilhos, facilitando a passagem do grupo param quando eles voltarem.
Em alguns minutos o local já estava limpo e depois de dar muitas voltas na trilha de entrada resolvi me acalmar um pouco. Ainda estávamos na parte de fora da Colônia e eu me concentrava em dar pequenas aulas de tiro para Baby, sem realmente atirar e chamar a atenção de todos os andarilhos da redondeza novamente.
Os garotos que nos ajudaram a fazer a limpa estavam do nosso lado, sentados de qualquer forma em alguns troncos cortados, prestando atenção em um garoto moreno se queixando que eu tentava ignorar.
- Tente se acalmar – Baby falou talvez com medo de eu acabar dando um tiro nela. – vai chegar logo, você vai ver.
- Eu já estou mais calma – sorri, não era completamente mentira. – Tenho fé nela, sempre evitou sair sozinha para patrulhar ou qualquer outra coisa, mas sei que ela consegue, e ela não está sozinha.
Suspirei.
- O problema é que quando saímos, nunca é fácil, nunca é simples. É sempre uma luta. Mas nós duas voltamos de coisas piores e lugares mais longes. Só estou... Tentando não pensar muito nisso e focar em outra coisa. Vamos lá Baby, é sua hora de brilhar, não se preocupe comigo.
Abri o mecanismo – Carregador vazio – fechei novamente. Ela assentiu. – Trava de ferrolho.
Continuei apontando algumas características e a forma que a pistola deveria estar sendo usada por pouco tempo.
- Sei que você já sabe disso tudo, apenas relembrando.
- Tenho mais experiências com facas – deu de ombros.
Sim ela tinha. Baby sempre fora uma das últimas escolhidas por Slade para ir patrulhar por ter falta de ensinamentos nesta área, mas desde que a levei no grupo para limpar a área comercial do Shopping, eu tentava usar qualquer oportunidade para avaliar as experiências dela e reforçar sua autoconfiança, afinal ela era uma garota forte e não usar isso seria um desperdício. Coloquei a pistola em sua mão esquerda.
- Levante a arma até seu olho. Mantenha essa posição – fiquei próxima ao seu lado arrumando seus membros para a posição correta sem risco de se machucar, mesmo não dando tiros hoje deveríamos treinar da maneira certa. – Tem que ser forte pra esperar a hora certa de atirar.
Retirei seu dedo da onde automaticamente os iniciantes colocavam.
- Nunca segure o gatilho se não estiver preparada pra atirar.
Desmontei a arma completamente e a deixei perto da garota dando leves instruções para que ela a montasse novamente sem esquecer qualquer peça, menor que fosse.
Avistei os garotos conversando e o moreno parecia estar querendo chamar a atenção, revirei os olhos voltando para Baby.
- Viu Teddy? – perguntei, sabendo a resposta. – Ele ainda não falou comigo.
- Ele estava cortando lenha, não? – assenti. – Ele também não falou comigo , não acho que ele esteja bravo com você de qualquer maneira, mas está se tentando recuperar aos poucos, liberando um pouco de raiva.
Eu poderia ajuda-lo mais tarde, liberar toda a endorfina do meu corpo para ver se adiantaria de alguma forma para tapar o sono e resquícios de ódio das atitudes de Slade, e também a aflição de ter que lidar com ele quando resolvesse aparecer por aqui.
- Pra que todo esse preparo, meninas? Com esse gerenciamento vamos acabar morrendo logo de qualquer forma – o garoto moreno falou e arqueei uma sobrancelha.
- Cala a boca, Toby – a expressão de tédio na cara de seus amigos era visível. Na do rapaz era visível algumas marcas de briga. E ele voltou a falar.
- Mais um grupo se perde pela falta de responsabilidade do seu líder. Como posso chamar isso de líder? Ele toma decisões erradas que sempre nos deixam sem fundos.
Tive que me meter.
- A Colônia é o único grupo que o Slade mantém contato que tem plantações, não é à toa que mensalmente ele pega mantimentos aqui. Eu olhei ao redor também, o estoque tem comida e água o bastante, o muro é forte e vai aguentar. Do que você ta falando?
- Da falta de competência dele – falou como se fosse óbvio.
- Bom, ao menos ele está fazendo algo – dessa vez eu apontei o óbvio. – Discurso irritado de motim não vai fazer você ser mais importante aqui dentro...
Falei, e era verdade. Desde que saímos para matar os andarilhos ele não para de reclamar de tal pessoa, minha mente automaticamente ignorava porque eu tinha coisas mais importantes para pensar, mas agora vejo que de quem ele estava reclamando era .
- Você deveria ser a última a defendê-lo – se levantou, e fiz o mesmo, meio que protegendo eu e Baby de qualquer farpada que ele tentasse atacar. – Devido às circunstâncias, o estoque de erros do tá acabando e não vai demorar até que ele aprove algo que custe nossa vida, e não é tempo de arriscar, está na hora de colocar um ponto final nessa história, não concordam?
Ele praticamente gritou para seus amigos, alguns acenaram alguns pareciam acordar do sono para ver nosso embate, sem estar realmente interessado no discurso de Toby.
- nem está aqui pra se defender e você tá tentando encher a cabeça do pessoal que claramente tá cansado de você também. Se você quer tomar a liderança e acha que tem punho pra isso, tudo bem, mas faça você mesmo o trabalho sujo e converse diretamente com seu líder. Não espere que o pessoal se irrite com ele e peça que você entre no seu lugar.
Minha voz estava calma e eu tentava compreender o seu lado, ele poderia ser alguns anos mais velhos do que eu e parecia se comunicar como um adolescente. Tinha que ter pulso firme com esse tipo de pessoa sem desmotivar suas ideias. Se eu deixasse tanto na cara que não ligava pro que ele estava falando, ele berraria como uma criancinha querendo atenção.
Toby se afastou um pouco como se tivesse levado um tapa e disse desdenhoso:
- Qualquer um que tomasse a liderança seria bom o bastante.
Suspirei.
- Olha Toby, você tem que entender que nenhum de nós queria estar aqui. Muito menos que além de cuidar dos filhos, precisa manter um olho em todo esse pessoal, e cada coisa errada que acontece seja razão do destino ou mau caráter de alguém, acaba se tornando um fardo pra ele. E eu realmente duvido que ele tenha feito uma campanha pra ficar onde está, é apenas altruísmo ter coragem o suficiente de estar onde ele está e por tanto tempo. De qualquer forma, ele está fazendo um bom trabalho com isso.
Ele tinha que entender o lado de , mesmo Toby pensando infantilmente, não dava pra simplesmente matá-lo ou ignorá-lo, se uma atitude mais madura não ocorresse logo Toby poderia ser um problema ainda maior no futuro.
Seria um erro prolongar o problema com Toby até chegar a um ponto trágico. Mesmo que as pessoas não o levassem a sério, no lugar de , eu ficaria extremamente puta com alguém do meu bando discordando com minha ações e trazendo instabilidade para o resto do grupo.
- E do que você sabe? – ele gritou e fiquei ainda mais brava, seus amigos o seguraram antes dele se aproximar demais. – Eu ouvi conversando com Friedrich sobre o Hospital, e parece que a cada momento estamos mais parados e vazios. Nunca entramos em guerra e desse jeito nunca iremos conseguir qualquer coisa.
Oh, mansplaining. Como se eu já não soubesse disso tudo.
- Agora eu tenho completa certeza de que você não faz ideia do que está falando. Eu estive lá. É por isso que estou aqui. Eu acabei parando naquela merda de Hospital e fiquei acorrentada por horas desgastando o meu corpo no que pareciam ser um momento infinito de dor. Aquele foi um risco que eu corri Toby, e graças a Deus eu consegui sobreviver pra contar história. Graças a Deus eu tô aqui pra dizer pra todos que cada espera e minuto pra poderem conseguir se preparar vale a pena. É o dobro da nossa gente com o dobro de preparo. Não é uma pequena ameaça, é uma das grandes. E precisamos dos melhores líderes para conseguir detê-la.
Seu olhar estava diferente, mais compreensivo, e com um leve toque de medo. Ele bufou puxando seus membros de seus amigos que o seguravam e voltou a se sentar, mais calmo.
- Espera voltar pra falar na cara dele tudo isso se ainda estiver pensando em tomar seu lugar. Até lá, pense melhor se espalhar as fraquezas do seu líder melhoram a qualidade de vida nesse local, e se você realmente quer tomar um posto tão alto. Porque não é somente a sua vida que você vai precisar salvar, é de todos aqui dentro, incluindo a de . Porque mesmo quando você continua falando asneiras dele, ele permite que você tenha um teto pra morar.
- Eu estou é feliz que ele está preso naquela merda de escritório o dia todo. Depois de ter destruído o meu rosto com um ataque de pelanca...
Terminei verifiquei a pistola com Baby e desmontei rapidamente quando notei que algumas peças não tinham entrado no jogo.
- não está no escritório, ele está com o grupo lá fora – informei.
Ouvimos o barulho de um motor se aproximando, uma SUV negra correndo em direção ao portão da Colônia. Ele não nos veria entre as árvores, estávamos camuflados, mas eu pude ver em um flash o rosto de Slade fumando com a expressão fechada. E ao seu lado... Jacob?
O que diabos...?
- Ah isso vai ser bom, o Xerife já está meio maluco, Slade só vai acabar com o resto dele – um dos amigos de Toby disse e eu estranhei. Ele percebeu minha expressão.
- não está aqui, ele está lá fora, com o grupo – com . Completei mentalmente.
- Oh, não te contaram? já voltou faz horas, meu bem, e spoiler: sua irmã não está com ele.
- Não, não, não... – meu coração começou a se acelerar e me voltei para Baby que estava suspirando. – Frid me disse que estava com minha irmã lá fora, eu estou esperando a merda desse Xerife a tarde toda, ele está lá fora não está?
Apertei os braços da loira esperando uma resposta.
- , eu não sei de nada, eu estive observando Teddy o tempo todo e...
Um garoto ruivo nos interrompeu.
- Ela nem saberia se quisesse, ele somente chegou e se trancou no escritório, moça. Não temos porque mentir, você pode ver por si só.
O sangue sumiu pelo meu corpo e estava completamente na cabeça. Se alguém me tocasse poderia se queimar com o ódio que tomou conta da minha visão no momento que corri em disparada para o portão. O portão que estava abrindo. Com Judas e Frid ao seu lado. Dando boas-vindas ao Slade. Que estava com Jacob em seu carro.
Um dos garotos assoviou.
- Isso vai ser interessante.
Apertei a mandíbula com força vendo rapidamente se Baby me acompanhava.
Eu estava prestes a matar um.

***


Caminhei até a frente de e Frid estava ao seu lado. Ignorei qualquer outra pessoa mesmo sabendo que uma multidão já chegava perto para saber o que acontecia.
- Que droga é essa? – vociferei. – Desde quando você está aqui? Por que não me falou nada Frid?
- Querida calma, por favor, você chegou completamente destruída e depois do que te disse de manhã parecia que você não aguentaria ainda mais preocupações – o velhinho disse como se estivesse pedindo desculpas. Eu sentia a verdade em sua voz, mas mesmo assim, não era por ele ser um senhor de idade que eu deveria ignorar aquela facada nas costas.
- Ah, você achou? – aumentei a voz, senti meu olho lacrimejar, mas não havia tristeza, somente um bando de sentimentos descontrolados. – Você não está posição para achar qualquer coisa quando se trata de minha irmã estar lá fora sozinha!
- Ela não está sozinha, ... – O Xerife se pronunciou. Seus olhos estavam tão vermelhos quanto o meu.
- Cala a boca! – apertei as mãos em punho.
Jacob ainda estava ao lado de Slade que se concentrava em cada atitude minha. Puxei o garoto pela mão e o entreguei para Baby que estava atrás de mim, mais longe do que eu imaginava. Aliás, ninguém estava tão perto.
- Você tinha apenas que trazer a minha irmã de volta... – mordi os lábios com força. - E aí? Ela tá morta? É isso? Ou ainda não vão me contar. Se eu não descobrisse, iam apenas tratar como se fosse algo emprestado, não é? Devolveriam quando eu não estivesse olhando.
- Pelo menos você não estaria tendo essa crise agora – Slade disse, não estava sorrindo, mas seu tom estava leve demais e isso me deixou ainda mais irritada. Ele estava ligando mais para o fato de que eu estava viva e bem do que se importando com minhas palavras ou minha irmã estar perdida lá fora.
- Você nem comece, Slade – joga areia nele em um gesto sem pensar. – O que diabos você estava fazendo com Jacob no seu carro? – esbravejei em uma pergunta e quando ele tomou ar para responder, gritei novamente. – NÃO QUERO SABER.
Desde que cheguei onde estava, caminhava em círculos movimentando demais minhas mãos e sentindo que a adrenalina realmente pudesse me fazer cometer alguma loucura.
- Leva ele lá pra dentro – aconselhei Baby. Ou ordenei. Tanto faz. Vi os dois entrando na casa onde eu havia passado a noite e era de quando escutei a voz do caipira outra vez.
- Como eu estava dizendo – começou dizendo cinicamente – ela não está sozinha. E o plano de me largar pra eu voltar aqui e arcar com outras responsabilidades fora dela...
- Eu não dou a mínima merda de importância se ela não está sozinha, , porque ela deveria é estar aqui dentro. ELA ESTAVA COM O SEU GRUPO E ERA PRA TER VOLTADO COM VOCÊ JUNTO COM OS OUTROS. MAS AGORA ELA ESTA LÁ FORA, LONGE DO MURO E DA PROTEÇÃO. VOCÊ TINHA APENAS UM TRABALHO, QUE PORRA, .
Aproximei-me rapidamente do amigo do Toby, o ruivo, que tinha seus olhos arregalados.
- Você foi com eles, não foi? Sabe onde o grupo perdido está agora? – Ele assentiu engolindo seco. – Ótimo. Entre no carro.
Slade não estava com as chaves em suas mãos ou no bolso, aparentemente, então deveria estar na ignição, contando que ninguém teria coragem o suficiente ali dentro para roubar o seu carro.
Comecei a me locomover dura como uma pedra e bufando como um trem até o veículo. Abri a porta e antes de conseguir colocar um pé lá dentro senti braços largos dono de um corpo mais alto que o meu me puxando para trás, contra o seu peitoral.
Ele não me segurava para machucar, mas com certeza me segurava para prender.
- Ei, precisamos conversar com mais calma antes de você tentar fazer qualquer besteira – senti a droga do cheiro de hortelã e fiquei ainda mais puta pelo meu corpo continuar a ter essas sensações perto desse traidor.
- Me larga, cacete! – tentei empurrá-lo uma série de vezes, até mesmo chutá-lo. Era como se eu estivesse tentando resistir a prisão ou uma criança não querendo ir para o dentista.
Mas qualquer criança que lutasse o bastante assim para não entrar no consultório não tinha o uso da extensão de palavrões que eu soltei no meio do processo de tentar me libertar daquele brutamonte inglês.
- EI – ele gritou me forçando prestar atenção nele e urrei, como uma completa selvagem. Slade segurou meus dois braços com um só e posicionou meu rosto segurando meu queixo para que estivéssemos cara a cara. Não havia saída a não ser escutá-lo. – ELA ESTÁ BEM E A PRÓPRIA MANDOU VOLTAR PRA SABER COMO TUDO ESTAVA AQUI. ELA ESTAVA PREOCUPADA COM QUALQUER ATAQUE DO HOSPITAL CONTRA COLÔNIA, JÁ QUE O HISTÓRICO DOS ÚLTIMOS DIAS CRESCEU. VOCÊ DEVERIA TER MAIS FÉ NA SUA IRMÃ, .
Aquele filho de uma boa mãe acabou virando o jogo e meu ódio contra eu mesma. Quem era ele pra dizer que eu não acreditava no potencial da ?
Eu estava lá quando ficamos órfãs e passamos por toda aquela merda juntas. Eu vi ela se reerguer.
Segui por alguns segundos somente olhando profundamente em suas íris que transpassavam apenas preocupação.
Respirei fundo antes de me empurrar pra longe e bater sua mão de meu queixo.
- Se isso era pra me fazer me sentir melhor, não fez. – Todavia eu estava mais calma, sim. Meu tom estava grave e baixo.
Slade revirou os olhos e me afastei dele. Ele sabia que havia ganhado, eu não iria entrar em um carro dirigindo desgovernadamente, mas ele também não tinha um sorriso convencido no rosto. Ele olhava pra mim como se tivesse compreendido algo.
- Quando ela der um sinal, vamos atrás dela, Romero... Ela vai dar o sinal.
Me virei para dentro da casa quando senti que uma lágrima iria escorrer pela minha bochecha. Odiava chorar quando estava com tanta raiva, demonstrava fraqueza. Limpei-a rapidamente e me virei para e . Minha voz estava tão fria quanto gelo e poderia cortar papel.
- Se ela não voltar, ou todo esse plano de resgate ir por água abaixo, eu juro que... – respirei fundo. – Não posso matá-los, mas sei exatamente como machucar alguém.
Eu poderia simplesmente ir atrás dela pra ajudá-la, eles não me deixaram sair. Se algo acontecesse com , o que acabaria sendo minha culpa por não ter ido até lá, eu também não me responsabilizaria pelos meus atos contra esses dois.

***

- Antes de qualquer coisa, o que Jacob estava fazendo com você? – perguntei tomando minha segunda garrafa de água enquanto me sentava na cadeira grande de atrás da mesa do que parecia ser o escritório dele. Slade me trouxe até aqui e já estava chegando, esperava que ele não se importasse de eu ter pegado seu lugar.
Meu calmante estava fazendo efeito, mas não queria dar o braço a torcer e conversar sobre qualquer outra coisa que não seja profissional com aqueles dois.
entrou no escritório e torceu a boca a me ver com as pernas em sua mesa e sentada na sua preciosa cadeira. Ergui uma sobrancelha como se o desafiasse a me tirar dali e ele somente suspirou pegando algo para beber.
Que bom que ele não ligou.
- Eu ouvi sua dica sobre falar com o garoto e você tinha razão – é claro que eu tinha. – Ele sabia pouco, mas já esteve lá. E o que ele falou só comprovou minha teoria. – Slade disse largado em uma cadeira a minha frente aceitando a bebida.
O Xerife me ofereceu um copo e antes que pudesse recusar Slade retirou da sua mão dizendo que eu estava sob o efeito de alguns remédios, o que não era mentira, Frid estava me dopando fazia um dia pra ver se minha dor aliviava.
- Que seria? – perguntou para Slade.
- Que Zeus é um mimado filho da puta que não tem medo de usar qualquer pessoa que estiver ao redor dele pra ter o seu momento para brilhar – o outro respondeu.
Concordei mentalmente. Se procurássemos Zeus no dicionário essa seria a definição do cara que encontrei lá dentro.
- Então temos certeza de que estamos lidando com um psicopata – comentou. – Legal, mas o que isso significa?
- Que não podemos economizar munição – falei tomando um gole da minha água, vendo Slade assentir antes de dizer:
- Ele vai vir até nós, e estamos um passo atrás por não saber quando.
- Mas estamos um passo à frente por ter mais informações sobre ele do que ao contrario – tentou amenizar.
- Isso é verdade. E a Colônia não está completamente envolvida ainda, tudo que ele tem são rastros do QG, que no fim das contas seria o melhor local para estarmos preparados para o seu ataque. É um forte de guerra por natureza, não é? – indaguei para o antigo General.
- Sim, estes quartéis são praticamente abrigos utilizados em épocas de guerra, e este de Oklahoma em questão fora construído com reforço extra pra evitar qualquer ataque da época – ele confirmou, dando uma luz para nossas ideias.
- E vocês têm soldados, grande porcentagens do QG são guerrilheiros, não é à toa que fornecem proteção pros outros campos.
apontou uma questão que acabou me dando uma ideia e alcancei uma caneta marcando um X em minha mão para que eu me lembrasse de falar aquilo mais tarde.
- E isso me deixaria muito confiante no passado, se eu não tivesse entrado lá dentro – falei sem paciência, não com eles, mas por toda a situação. – Os soldados do QG foram treinados antes do apocalipse, estes de Zeus foram depois. O que significa que pra manter uma luta justa teríamos que pedir pra que cada um de nós abdicasse a própria humanidade e qualquer resquício de compaixão na hora de lutar, e eu acho que seria um pedido forte demais.
Eles sabiam do que eu estava falando. Os soldados de Slade poderiam ser fortes, mas foram treinados quando ainda tinham famílias e ainda hoje possuem tal aspiração familiar. Era a métrica do sucesso, a razão para estarmos fazendo tudo isso... Alguém pra quem voltar...
E obviamente soldados que foram forçados a serem soldados que provavelmente não tinham mais afetos ou laços vivos não tinham o que temer quando atacassem alguém.
- Nós sabemos onde eles estão. Eles não sabem onde estamos – tentou trazer outra esperança e fechei a cara. Slade e eu estávamos como o reflexo do casal desanimado pra vida porque a cada passo que dávamos, eram mais cinco para trás.
- Apenas uma questão de tempo – Slade disse passando a mão por sua têmpora e a cicatriz na sobrancelha esquerda que eu achava bastante atraente, mas aquele não era o caso. – Zeus sempre foi idiota o suficiente pra não sair do hospital e deixar que todos fizessem tudo por ele, inclusive limparem a cidade. Obviamente os seus subordinados pararam quando chegaram a uma marca muito grande de pessoas vivendo no Hospital, talvez pra poderem economizar comida e indo contra as ordens do Zeus, porque eu não acredito que ele pensaria em algo tão inteligente. Mas eles não limparam tudo, afinal, estamos aqui.
- Derrotar o Quartel General é como derrotar a abelha rainha – olhei para o X na minha mão, me perdendo ali por um tempo. – Você é a abelha rainha Slade, e eu tenho certeza que você pode ser persuasivo o bastante pra conseguir aumentar nosso exército em poucos minutos.
assentiu compreendendo e começou falando:
- Todos os grupos que você mantém um olho sobre, todos eles possuem pelo menos um esquadrão que cuida de patrulhas ou algo assim, e eles podem ajudar.
Aquilo poderia melhorar.
- Exatamente – falei. – E sabe o que mais? Temos espaço no QG, as famílias podem se apertar um pouco mais em cada quarto, mas não estamos sofrendo de superlotação. Mês passado comecei um plantio com algumas das crianças e já está crescendo, isso já aumenta nosso estoque de comida. Você pode transportar essas pessoas com um dos caminhões até o QG, até mesmo o pessoal aqui da Colônia, e os que não estão aptos pra entrarem em combate ficam em suas respectivas resistências.
- Essa é uma ótima ideia, amor. Mas temo que estes locais possam ficar sem devida proteção com os melhores do lado de fora.
Ignorei a forma que ele me chamou, mas não. Pra mim era normal, até porque aquele maluco vinha me chamando de amor desde que coloquei os pés naquele Quartel.
- Os líderes de cada local podem ficar pra cuidar das coisas – rebati tentando mostrar-lhe que minha ideia completa poderia funcionar em nos ajudar. – De qualquer forma podemos limpar o local de entrada e deixar algumas surpresas que avisem se algum carro estiver passando, surpresas que explodem, se é que me entendem. Assim o pessoal pode ou se preparar ou se esconderem. Nos porões de casa, por exemplo – falei me lembrando da vez em que Frid nos escondeu com algumas crianças no porão da casa que agora era de . – Zeus não perderia tanto tempo em um local que parece estar abandonado, e a comida estaria escondida com eles no porão. E antes qualquer valor material do que suas vidas, ainda assim não imagino seus soldados pulando o muro em quantidade gigantesca para perder tempo observando uma área que parece ser uma cidade fantasma.
Eles me observavam sério, concordando. Naquele segundo acabei me recordando de um grande problema, notando minha feição eles perguntaram o que havia de errado.
- Temos uma pedra no caminho chamada Lionel – disse.
- Ele sumiu – Slade falou com a voz mais grave apertando seus olhos e depois riu. – O maior exemplo sobre vasos ruins não quebrarem
- E eu sei onde ele está. Dentro do Hospital, sendo o parceiro do incrível Zeus. Lacey e eu acordamos amarradas em um frigorífico e ele entrou depois de algum tempo, eu fiquei realmente chocada com aquilo. E nem voltou como um andarilho. Eu pensei que... Sei lá... Era pra ele estar morto, não? – direcionando a pergunta a Slade sabendo que ele entenderia.
- Quem é Lionel? – perguntou.
- Um amigo de que se revelou um vira casaca que estava trabalhando para ele e Zeus ao mesmo tempo. – Falei sem me importar. Com estes dois, era mais fácil do que eu pensava poder apontar alguns erros da sua vida na frente de outra pessoa. Nem foi de propósito.
- Ele tinha alguma preferência entre os dois? – o Xerife perguntou.
- Depois do nosso último encontro, tenho certeza que sim – Slade debochou sabendo que o amigo não entenderia.
- Do que diabos vocês estão falando? – levantou a voz querendo saber sobre o membro cortado de Lionel. Agora que eu sabia que ele não estava morto, eu não tinha essa vontade de não mencionar por sei lá, luto, eu só sentia nojo mesmo. E acho que levemente corei ao pensar nisso.
- Agora sabemos que isso não mata, não é ? – ergui as sobrancelhas, concordando como se fosse uma dúvida universal. – Eunucos podem viver, só garanto que o orgulho dele está na fossa.
virou sua cabeça resmungando com nojo e bebendo seu uísque.
- Neste momento Lionel já deve ter aberto a boca contando cada traço e forma para entrar e sair do QG – Slade reclamou.
Aproximei minha cadeira legal na mesa e alcancei um papel em branco, com a caneta comecei a desenhar rapidamente o Hospital da melhor forma possível que minha mente poderia se lembrar. Os lugares em que eu poderia ter entrado e a forma que eu saí. O mar de seguranças mortos-vivos e onde os seres humanos se escondiam para pegar algum fugitivo ou pessoa que estivesse por perto.
- Estes são os traços que temos sobre o Hospital, e nem precisamos disso. Porque vamos jogar sujo – falei ao entregar o papel para ele.
- Do que você ta falando? – o Xerife chamou minha atenção.
- O método honrado não é o mais eficaz para vencer um confronto – Slade disse e eu concordei. Ótimo, ele já tinha entendido do que tudo aqui se tratou e se tratava.
- Não tenho certeza se gosto de como isso soa – desdenhou.
- E como você pretende vencer a guerra? Pedindo com educação? – sorri cínica e inocentemente para o Xerife. – É tudo o que falamos aqui, só de modo mais cru. Eles vêm até nós , nós vamos estar preparados. Eles querem fazer um ataque surpresa e fiel como uma guerra, esperando que joguemos nossas lanças e lutemos cara a cara, mas eu sei que podemos diminuir um grande número de inimigos antes mesmo de eles chegarem até nossos portões.
- Há mais um problema – Slade falou e nos viramos para ele. – Não temos mais gasolina.
Moleza.

***


Entrei no quarto que tinha tentado dormir aquela noite – que também era de – e tentava me concentrar em trocar o curativo no meu estômago. Depois de toda a gritaria no portão parecia que eles não conseguiram segurar tanta pressão.
- Droga – reclamei com uma careta ao ver que o sangue tinha passado na blusa. Pelo menos não estava doendo.
Retirei meu boné e amarrei meu cabelo no alto entrando no banheiro com uma toalha e uma faixa de crepe branca. Retirei a camiseta jogando em cima da cama e molhei a toalha.
Antes de começar a me limpar escutei uma batida vinda da porta.
- Quem é?
- Eu – reconheci a voz de Slade e gritei novamente.
- Não tem ninguém.
Um “haha” sem achar graça alguma foi o que ouvi assim que sua silhueta se aproximava do batente da porta do banheiro.
- Nem vem, Slade. Eu não estou falando com você. Aquilo na sala do Xerife foi apenas meu espírito estrategista e madura tomando conta do meu corpo o suficiente pra não ignorar vocês dois e agir de um jeito que eu poderia ajudar – lavei a toalhinha branca com sangue. – Mas depois do que o Frid falou sobre você eu ainda tô com muita raiva.
- Muita? – levantou a sobrancelha.
- Muita – cerrei os olhos lhe enxergando através do espelho.
- E posso saber o que ele te falou?
Dei de ombros.
- Talvez sobre aquela sua estúpida ideia de querer me trazer de volta a qualquer custo.
Ele balançou a cabeça como se já esperasse que fosse sobre isso.
- Me lembre de não voltar aqui pra conversar com Frid mais, ele tem essa mania de espalhar as coisas que eu falo por aí.
Bufei retirando qualquer resíduo restante e lavando a toalha antes de pendurá-la.
- De 1 a 10, suas emoções hoje foram do extremo ao mínimo muito rápido – ele disse suavemente.
- Ah, por que será? – perguntei sarcasticamente.
Abri a faixa e comecei a girá-la em torno da minha cintura. Ele se aproximou tentando ajudar e empurrei sua mão.
- Para com isso – reclamou. Suspirei deixando que ele enrolasse o resto do tecido nos meus machucados.
Ele fazia com delicadeza tendo certeza que pegaria toda a parte machucada, para que não infeccionasse. Minha pele queimava em cada ponto que ele tocava sem querer e tentei não fazer comoção sobre isso.
Perdi muito tempo apenas olhando seu rosto. Ele estava muito diferente. Não fisicamente, mas como pessoa.
Minutos atrás e ele estavam na mesma sala discutindo táticas de combate, como amigos, para poderem acabar com um mal maior.
Eu não sabia o que tinha de errado com ele, mas era um errado muito certo que eu esperava que ficasse por aqui por algum tempo. Deixar seu lado sádico de lado e dar boas-vindas a um Slade que tem noção do que é se preocupar com alguém é algo saudável não só pra ele, mas pra todos que convivem com ele.
Ele notou que eu o observava e levantou seu olhar para mim. Na noite da fogueira tudo que eu via quando olhava para ele era fogo. Agora eu só podia enxergar pesar. Áurea de arrependimento.
- Como você está? – perguntou e acariciou meu queixo com seus dedos ásperos.
Me livrei de seu toque indo até o quarto para colocar uma camiseta limpa. Nunca tínhamos feito sexo, apenas chegado perto disso, mesmo assim eu me sentia completamente tranquila para andar ao lado dele somente com roupas íntimas.
- Como assim? – não entendi o propósito de pergunta.
Ele bufou.
- Como assim? , você foi levada de mim. De todos nós. Será que seus maravilhosos amigos não lhe deram essa ideia? Em um piscar de olhos você estava segura e depois não estava mais. Você foi sequestrada. E anda agindo como se fosse capaz de tampar os sentimentos desse tipo de trauma.
Eu entendi o que ele quis dizer. Mas eu não estava esperando uma faixa de boas-vindas pela volta. Meus três amigos vieram atrás de mim e ficaram preocupados comigo, claro que eles não estavam muito interessados sobre o que passei, e eu não podia culpá-los, Teddy mesmo estava sofrendo mais do que eu.
- Me diz, olha pra mim – olhei. – Me conta com toda a sinceridade do mundo o que você está sentindo nesse momento.
Meus lábios se abriram pensando no que eu podia soltar. No que eu não podia soltar. O que eu estava sentindo?
- Raiva – uma palavra que podia resumir tudo. – Raiva pela minha grande estupidez de ser levada até lá dentro. De não ser inteligente o suficiente pra não ter entrado nessa roubada, não ter arriscado a vida de Baby da forma que fiz quando deixei sozinha aquela noite. Como eu queria voltar tudo, rebobinar a fita, pra quando eu não tinha entrado naquele maldito trailer e eu e minha irmã seguiríamos reto sem remorso porque agora eu não me preocuparia tanto com tantas pessoas ao mesmo tempo. Tantas pessoas que eu nem consigo cuidar de mim mesma.
Ele continuava com aquele olhar de preocupação e se sentou na cama me puxando para perto de si abraçando minha cintura.
- Você estava brava pela minha decisão de não me importar com qualquer outra coisa se eu tivesse uma chance de ter você de volta, mas você fez o mesmo ao enfrentar para conseguir ir atrás de sua irmã, . Se não tivéssemos te convencido a ficar, você teria ido lá e sabe-se Deus o que teríamos perdido com sua partida. No final, somos mais parecidos do que eu mesmo imaginava. Eu entendi que minha própria decisão seria errada. E você também está errada.
- Estou? – Slade eu estou no meio de uma quebra de sentimentos aqui, não diga que eu estou errada, só me apoie, homem.
- Sim você está. Você não é estúpida por ter passado por tanto sufoco e desafios na sua vida, – ele olhou para mim. – Você é forte o suficiente por ter saído viva de todos eles e com sua humanidade intacta.
O deixei me abraçar novamente e apertei seus cabelos sem colocar tanta força. Meu coração ainda estava pesado e eu não estava triste. Eu queria bater em alguém, desabafar, chutar a bunda de um cadáver que andava por aí vivo.
Mas naquele momento eu fiquei ali, pensando no forte impacto das suas palavras para a fé em minha mesma.
Ele quebrou o silêncio.
- Quer sair daqui?

***

- A partir de agora, sem mais atitudes egoístas – Slade disse me passando um cigarro.
Eu nem sabia que cigarros ainda existiam, a última vez que fumei um foi quando... Meu pai morreu? Não tinha certeza.
Estávamos no meio do pasto de uma fazenda. Eu estava sentada no cercado branco observando a paisagem, era tudo amarelo e destacava com força o cinza azulado do céu que estava prestes a despencar uma baita chuva.
Fazia pelo menos uma semana que chovia diariamente. Eu estava cansada disso, mas ajudava as pessoas que não tinham abrigo por aí e despistava o cheiro dos humanos no meio dos andarilhos.
- Você tinha um relacionamento legal com Lacey? – perguntei.
Ele franziu o cenho, pegando algumas garrafas de cerveja vazias no porta malas da SUV.
- Nunca nos envolvemos.
Revirei os olhos, indignada pra onde a mente dele o levou.
- Eu tô nem aí pra quem você pegou, Slade, só tô tentando descobrir se ela tinha pessoas que se importavam com ela, e que ela sabia disso.
Eu havia falado para ele a forma em que a moça faleceu, ele apenas me consolou dizendo que no final não havia outra coisa a se fazer, e se eu me sacrificasse para salvar a vida dela, ele iria até o além para me caçar.
- Teddy – deu de ombros. – Foi em uma das patrulhas dela que ele apareceu. Ele não está cortando lenha sem parar como um doido? Então. Poderia não ser um envolvimento amoroso ou romântico, mas ela salvou a vida dele, ele se importa o suficiente para ela ser lembrada no dia de finados.
Aquilo estranhamente me acalmou.
Ele alinhou as garrafas na cerca onde eu estava sentada e entrou no carro rapidamente. Antes de eu puder pensar que ele iria embora e me deixaria aqui, colocou uma música alta que parecia ser emo estilo anos 2000 com um cara berrando que odiava tudo sobre a ex dele. Abriu a porta do carro o máximo para o som fluir e pulou a cerca, se afastou bons metros chamando meu nome para que eu o acompanhasse.
O que esse louco estava fazendo?
- Aqui – ele me deu uma arma
- O que é isso?
- A pistola de alguma pessoa da Colônia que estava dando sopa. É só emprestada. Tente acertar uma daquelas garrafas. Imagine que é a cabeça de Zeus.
Eu dei alguns pulinhos de alegria.
- Se eu acertar, tudo acaba aqui – sorri falsamente.
- Vamos lá, espertinha. Tem muita raiva nesse coraçãozinho que precisa ser liberado, e alguns tiros podem resolver isso.
Sem dar grande importância, chequei a arma que continha todas as balas e apontei para as garrafas.
Ao menos eu pensei que tinha apontado, mas cada tiro fugiu para qualquer lado e eu ri sentindo meu coração acelerar.
- Jesus Cristo! – Slade dramaticamente reclamou. – O que foi isso , que vergonha, você nem tentou.
Ele sabia que aquilo estava dando certo. Virei meu boné para trás e entreguei meu cigarro a ele.
A primeira vez que atirei com uma arma foi depois de toda essa bagunça mundial. E foi algo inesquecível. Não exatamente bom ou ruim, mas marcante.
Me lembrei de todos os passos que meu pai havia me ensinado. Toda a concentração colocada.
A dobrada força que se aumentava nos braços para conseguir estabilidade para o impacto.
A adrenalina é acionada instantaneamente, ao sentir o poderoso objeto que eu estava a cargo de utilizar.
Suspirei levantando meu braço rente ao meu olhar, onde eu conseguia ter uma mira convicta da garrafa. E não era somente ali que deveria ter todos os seus membros fixos, mas a partir do momento que a bala saía do cano, aquela era a hora exata de colocar todos os funcionamentos para funcionar ao mesmo tempo.
BINGO!
Slade bateu palmas e eu sorri.
- Viu, essa é minha garota, aprende rápido.
Não tão surpreendentemente, aqueles tiros realmente me ajudaram a extravasar toda a raiva que eu tinha dentro de mim.
- Muito bem, agora se Zeus estiver nessa distância, eu só tenho que atirar 16 vezes antes de acertá-lo.
Um trovão estourou no céu junto com uma chuva forte e eu soltei um leve grito. Ele gargalhou.
- Ok – falei. – Vamos embora. já deve ter passado a perna e os braços no e deve estar voltando sem a nossa ajuda.
Rapidamente a chuva nos encharcou e corremos pulando a cerca chegando até o carro.

***

Eu desliguei o som do CD na metade do caminho para a Colônia querendo ouvir somente o chiado das gotas de chuva caindo contra o metal do carro. Este era um som maravilhoso que eu poderia aproveitar a noite inteira para dormir.
Tínhamos combinado que eu iria ficar com até chegar o tempo do resgate e podermos ir atrás de minha irmã. Se eu tivesse coragem de deixá-la, eu voltaria para o QG, afinal tinha muita coisa pra fazer lá também. Teria que falar com algumas pessoas.
Ele desligou o carro e esperei que abrisse a porta para que eu fosse embora. Mas também esperei que ele dissesse alguma coisa, algo que sua expressão estava mostrando que ele tentava dizer.
- Eu tive medo ontem – sussurrou com a sobrancelha franzida.
- Todos nós temos medo, Slade.
- Eu não deveria – disse grave, para si mesmo.
Eu estava testemunhando ele mesmo perceber que havia algo de diferente com ele, ao contrário de mim, ele não achava que isso era bom. Mas ele tinha que compreender que a vida era uma merda e as pessoas que amávamos ficavam em perigo o tempo todo.
- Eu achei que você fosse morrer, e foi cedo demais, . Doeu – ele riu, e não olhava pra mim, quase que com vergonha de si mesmo por falar essas palavras.
Me dei conta que Slade não tinha um amigo, alguém para conversar, alguém que contava os próprios segredos pra ele e fazia ele se sentir comum por ter suas próprias suplicas por uma vida melhor. E aquilo doeu.
- Morrer não é difícil, Slade, é a parte fácil. Perder aqueles que nos importamos é a parte insuportável. Por isso quando nos sacrificamos por quem amamos, nem ao menos pensamos no quão errado isso soa, porque pra nós vale a pena.
Suspirei e comecei a lhe contar algo que nunca tinha falado em voz alta antes. Pra ninguém.
- No primeiro ano da epidemia, eu ainda vivia com meus pais e . Ambos se suicidaram. Eu sempre achei que eles eram fracos demais pra viver aqui, mas com o tempo compreendi que eu não poderia fazer pouco caso de seus motivos. Com a minha mãe foi mais difícil, ela se foi primeiro, era religiosa e ainda acreditava que poderia ter salvação. Minha família tinha saído para patrulhar com o grupo que estávamos no momento e ela estava exausta, terrivelmente cansada. Achou que eu não estava na casinha aquele momento e usou uma das armas que escondeu do nosso líder da época. Eu me assustei. Corri as escadas e ela estava lá, caída com uma poça de sangue ao seu lado. Eu chorei como nunca havia chorado na minha vida e não sabia o que fazer. Foram horas ali deitada do seu lado esperando ela se transformar para que eu não deixasse ela se transformar em uma daquelas coisas. Ela não iria querer isso. Eu a matei. Entrei em choque. E depois foi o meu pai. tomou as rédeas naquele momento. E em nestes anos eu fazia tudo que podia para não me acomodar ao que eu era de verdade, porque não sobrevivemos neste mundo sendo o mocinho. Sobrevivemos sendo humanos que tem vontade de estar aqui. E eu tenho. Não era porque eu sou a caçula que deveria ficar quieta no meu canto esperando ser salva. Não. Eu tentei procurar estabilidade para as coisas que eu fazia e tentava me esforçar para conseguir cuidar de mim e dos outros. Com minha irmã eu estava mais calma, depois o número de pessoas somente aumentou e parece que eu fiquei mais louca com o tempo.
- Você tem este instinto fundado de tentar salvar todos.
- Do que você está falando?
- Estamos juntos, não estamos? – Slade deu de ombros. E fiquei um pouco brava agora.
- Isso não tem nada a ver com o que nós temos Slade. Eu estou tentando dizer que... A pessoa que eu sou agora, ou a que fui momentos antes de entrar no Quartel, não teria pensado duas vezes antes de voltar para a Colônia porque minha irmã estava lá. E quando eu a vi novamente, eu pensei que estava tudo bem, ela estava conseguindo fazer tudo sozinha e não precisava de mim. Mas a Baby precisava, Jacob e Teddy precisavam. Você precisa. Se for ou não minha culpa, eu só consigo apontar este erro de ter me distanciado tanto da minha única família no fato de que eu estava um trem desgovernado sentimentalmente falando. Eu estava mais fraca. Lionel me deixou daquele jeito.
- Eu nunca olhei para você como uma pessoa fraca.
Eu sabia disso. Seu olhar tinha apenas dor. Eu estava tentando ajudá-lo e parece que saiu tudo errado.
- Slade – me virei completamente pra ele, de joelhos no banco. – Está tudo bem ter medo, se sentir fraco ou se sentir estúpido. Mas você tem que entender que é forte o suficiente para ainda estar aqui e lutando pra reconquistar toda sua humanidade de volta.
Lhe disse as palavras que ele me disse mais cedo, levemente alteradas, porque sua situação era diferente da minha. Eu não queria salvá-lo, ele não precisava disso, ele poderia fazer por si só.
E eu já havia compreendido que não importava qual Slade fosse, o pós-humanidade ou o que fazia atrocidades desumanas, algo dentro de mim já havia criado um laço com ele que não seria facilmente quebrado.
Seus olhos estavam limpos com compreensão, sua postura mudou e ele adotou uma forma atenta, pronto para a próxima batalha.
- Se lembra disso? – retirou uma faca de um dos coldres em sua calça e me deu. Era a mesma faca de cabo branco que ele havia colocado em minha mão a primeira vez que conversamos na pequena sala de remédios do QG. Era como uma escolha sobre confiar nele ou fugir sem pensar. Eu escolhi confiar. – Eu tenho que ir para o Quartel, você sabe, aparentemente todo mundo precisa de um líder hoje em dia.
Revirou os olhos e ri levemente.
- Vou confiar em você novamente, ok, ? Guarde esta faca, nunca se sabe quando vai precisar - assenti. Ele confiava em mim para não fazer alguma merda como fugir sozinha atrás de . – E se precisar de qualquer coisa, é só pedir.
Tive uma ideia.
- Na verdade... Tem algo que você pode fazer sim.

***

Baby.

Você pode fazer isso Baby, relaxa. Você consegue.
Pulei quando outro estrondo ruiu no céu.
- Eu tinha medo de tempestades também. Até que um belo dia minha tia me disse que eu precisava ter certa confiança na mãe natureza que ela sabia o que fazer. E pra isso dar certo, eu precisava ficar exposta nos primeiros pingos de chuva que iria gerar trovoadas. Fiz isso e funcionou. Então compreendi que era algo mais psicológico. Um dia vamos entrar de cabeça na tempestade juntas, e seu medo vai desaparecer completamente.
Era o que havia me dito quando descobriu que eu tinha medo de tempestades. E eu estava tentando testar sua teoria.
E estava conseguindo. Um pouco.
Eu estava ali sim, mas não queria estar. Poderia muito bem ter esperado chegar ou deixado para outro dia, todavia eu sentia que minha vida era lotada de pedidos de ajuda e atrasos pelo medo de fazer algo completamente sozinha.
O portão da Colônia abriu e surgiu completamente molhada, ela sorriu abertamente e correu em minha direção. Eu tentei sorrir, mas poderia ter saído como “feição estou com dor de barriga”.
- Eu sabia que você tentaria fazer por si só.
Assenti tremendo. Outro trovão, outro pulo. Nós duas gritamos.
- E-eu pensei que você não tivesse medo... De tempestades...
Ela deu de ombros sorrindo amarelo.
- Ainda tô trabalhando nisso.
Olhei para ela chocada. Ela tinha me colocado a força neste lugar horrível com o seu conselho horrível e também – fui interrompida com um monte de lama sendo jogado contra minha bunda.
- Guerra de lama! – Jacob gritou e gargalhou correndo atrás de uma árvore para jogar um punhado na direção do garoto também.
Outro trovão e nós três gritamos. Olhamos um para os outros e gargalhamos forte. Me juntei na guerra jogando duas bolas de lama na direção deles rapidamente, os acertando com sucesso.
Um medo não era algo tão fácil de deixar para trás, mas aos poucos poderíamos aprender a conviver com ele sem deixar passar os prazeres da vida.


Capítulo 24 – Esmerelda.

Música do Capítulo


Romero.

O plano era simples e único, rápido e eficaz. Cheio de falhas, provavelmente, mas útil. Útil o suficiente para nos tirar dali o mais rápido possível, sem que nenhuma de nós morresse no processo.
Meus olhos corriam pelas ruas cercadas de mortos-vivos, sentindo a brisa em meu rosto e apertando o walkie talk em minha mão esquerda. Eu não estava com medo, sinceramente, estava mais segura do que nunca. E nem mesmo um mar de mortos-vivos nos cercando me assustaria por um tempo.
Sobrevivemos a uma situação para qual não estávamos preparadas e no fim estávamos aqui, de pé. Elas estavam com medo, mas eu não. Elas não tinham fé, mas eu tinha. Elas não acreditavam em mim, mas eu sim. Como jamais acreditei.
E tudo que eu precisava era uma chance. Uma chance de mostrar para elas o que era o lado de fora de verdade. O que realmente se passava do outro lado dos muros protegidos da Colônia.
Elas acreditavam que haviam visto de tudo, mas não haviam visto um terço do que eu e minha irmã vimos desde que tudo começou.
- ? – Max me chamou, tocando meu ombro, iniciando um contato que não havíamos tido desde que gritei com todos eles na loja de bebês.
- Sim? – Me virei para ele e o mesmo deu discretamente um passo para trás. Irônico.
- Temos um problema.
Desci para a loja novamente, um pouco de cabeça quente ainda. Haviam sido dois dias puxados para mim que havia esquecido um pouco de como era estar do lado de fora lutando.
Ouvia de longe uma pequena comoção, vozes altas e uma discussão entre quem eu julgava ser Barbie e Lola. E ao passar pela grande porta branca que levava para a loja, todas se calaram. E me encararam.
- O que está acontecendo aqui?
- Isso é loucura, ! – Barbie tomou um passo à frente, despejando sua opinião. – Não há como fugir daqui. É arriscado demais, principalmente com Paige machucada. São muitos andarilhos e nós não podemos sair com as armas à mostra, atrairia atenção indesejada. Muito arriscado e é um risco que não podemos correr.
Não reagi.
- Todas estão de acordo com a Barbie? – Perguntei. – Não vamos conseguir correr esse risco?
Mas todas permaneceram caladas, nenhuma das garotas e muito menos Max abriu a boca para concordar ou não com Barbie, mas quem cala, consente.
Irônico o silêncio. Quando Paige estava a ponto de sacrificar, todos entraram em um debate – indesejado e barulhento – sobre matá-la ou não. Agora, quando a opinião realmente importava todos se calavam.
Ótimo, fica melhor para mim.
- Pois bem. Depois que eu tirar todas vivas daqui, vocês me respondam se conseguimos ou não correr o risco. – Virei as costas, mas antes de passar novamente pela porta branca, terminei: – Até lá, cada um segue restritamente o plano. E reclamem baixo, não queremos atrair mais atenção que já temos. – Passei então pela porta branca, voltando para o terraço.
Encarei novamente as ruas cheias de mortos-vivos, andando de um lado para o outro a procura de o que caçar. Respirei fundo, apertando o walkie talk em minha mão esperando o sinal.
Eu só precisava do sinal e então as tiraria daqui. E não falharia, pois, falhas eram imperdoáveis.
Não daria o gostinho para falarem de mim depois.

***

Grimes.

- Todos posicionados? – perguntei, vendo os dois carros cheios com soldados. Uns nossos e uns do QG.
- Você agradece o Slade depois. – disse como se estivesse lendo meus pensamentos. Não sei como, mas ela fez.
Obviamente o desejo de salvar a irmã de onde quer que estivesse era o bastante para que ela conseguisse convencer a liberar alguns soldados – não os melhores – para irmos resgatá-las, já que não sabíamos o que encontraríamos no caminho e qualquer ameaça era temida quando sabíamos quem estava querendo nos derrubar.
- Você não precisa ir. – Avisei . Uma parte de mim não queria a levar nisso, porque se algo acontecesse com ela, duas pessoas jamais me perdoariam. E essas duas pessoas seriam capazes de se unirem para me fazer pagar por isso. – Se ela chegar antes seria reconfortante para ela ver a irmã.
me encarou, arqueando as sobrancelhas.
- Você que não precisa ir. – começou. – Qual de nós ela gostaria de ver primeiro?
Ri.
- Bom ponto.
Entramos nos carros, cada um em um. E dirigimos seguindo a rota que nos levaria para o lado oposto do centro, mas que no fim, nos deixaria perto da floresta que cerca toda Oklahoma, que seria o ponto de encontro entre nós.
O caminho foi quieto. A situação requisitava todo um controle e calma. parecia firme quando repassou o plano para mim passo a passo, dizendo exatamente o que precisaríamos fazer para encontrar o grupo e resgatá-lo. E uma onda de orgulho me preencheu ao saber que ela havia conseguido achar o estoque de armas.
Por mais que fosse assustador perder um grupo todo dessa forma, ver uma loja desmoronar onde o grupo estava e todas as coisas intensas que aconteceram, eu estava seguro. Porque confiava em e toda essa situação havia mostrado o quanto era ela no que se proporcionava a fazer.
Ela havia se proposto a ser líder, a trazer o grupo para Colônia sem nenhuma perda e até então estava conseguindo. Fez algo que até eu mesmo talvez não fosse capaz de fazer com tanta força e sem experiência alguma.
Não havia dúvidas que Romero tinha a liderança nas veias, junto com a irmã. Por mais que machucasse meu ego admitir, as duas eram muito mais líderes que muitos líderes. Até mesmo mais que eu.
O carro parou e estranhei, pois, estávamos no meio do trajeto. Não havíamos chegado ainda no ponto certo para se estacionar. Desci do carro e me seguiu.
- O que houve?
- Há perigos à frente, senhor. – O motorista alertou me entregando um dos binóculos. O usei para enxergar adiante, e lá estavam os soldados de Zeus estacionados entre uma das passagens de ida e volta do nosso percurso.
- Merda.
- Será que devemos avançar? – Judas perguntou, segurando em uma das armas, mas não permitiu o avanço.
- Ainda não. Há poucos deles, cedo ou tarde sairão para algo. O certo é ficarmos escondidos esperando saírem, então damos o bote.
- Mas teremos pouco tempo para ir e voltar.
- Teremos que ser os mais rápidos possíveis.
- Escondam os carros. – alertei os motoristas. – Iremos nos esconder e quando eles liberarem, nós avançaremos. Sem armas, sem barulho, sem chamar atenção. Para o que constar, nós nunca estivemos aqui.
Os motoristas pegaram os carros e se esconderam entre as árvores. Eu e fomos para dentro da mata, nos escondendo entre árvores e arbustos altos. Isso ajudava a ver os grupos do Zeus, mas os impedia que nos vissem.
que me perdoasse.
Mas iríamos atrasar um pouco.

***

Romero.

Passei novamente pela grande porta branca e todas as meninas estavam organizadas, mas sabia que tudo aquilo não era por boa vontade. Elas não haviam me dado o voto de confiança.
- Todas prontas? – Elas me encararam e Barbie apenas assentiu em resposta. – Ótimo. Cada uma em suas posições. – Peguei uma das armas. – Vamos sair daqui.
Não era um plano difícil e a sorte de estarmos em grande grupo ajudaria a distrair os mortos-vivos da região até chegarmos ao ponto de encontro. E com sorte, o grupo de resgate já estaria lá nos esperando.
Não tínhamos tempo o suficiente para ficarmos esperando o sinal de , havia coisas que devíamos fazer e eu precisava manter o grupo vivo até lá. Quanto mais tempo ficássemos presas nessa loja, mais dor de cabeça estaria me trazendo e chegaria a um ponto que eu largaria todas para trás.
Sempre esperei por esse momento. O momento em que eu tomaria o controle, eu conseguiria ser a líder e independente de minha irmã ou , e chegou o momento. Mas não sabia ao certo se meu trabalho estava dando certo. E com certeza, não queria passar por aquilo de novo.
Sou muito melhor sozinha do que com um grupo todo perdido. Eu confiava mais em mim do que eles. E por isso eu sobreviveria. Já eles...
Todas em posição, Paige e Bailey subiram para o terraço enquanto Lola e Willa saíram da loja, para matar os mortos-vivos que cercavam a porta dos fundos.
Ao ouvir os dois disparos do lado de cima e o barulho do choque dos sinalizadores com algumas lojas como sinal, eu, Barbie e Max saímos da loja pela mesma porta que Willa e Lola. Paige e Bailey vieram atrás.
Do lado de fora, os mortos-vivos apareciam e sem demora, logo estavam no chão. Lola, Willa, Paige e Bailey usavam suas armas com os silenciadores para evitar que os mortos-vivos chegassem a mim, Max e Barbie, e nós três íamos à frente usando nossos facões para matar os que nos alcançavam.
As liderei até chegarmos a uma loja, a mais próxima da de armas e mais próxima da floresta que seria nosso ponto de fuga. Ficamos do lado de trás da mesma e eu pude ter uma visão da mesma. Tinham um, no máximo dois mortos-vivos escondidos nela esperando para dar o bote. Na porta da frente, havia mortos-vivos cercando-a.
Gesticulei o número três e depois fechei a mão. Indicando que só três entrariam na loja e o resto ficaria do lado de fora, nos dando cobertura.
Fui até a porta dos fundos da loja e a empurrei com força com meu pé, chutando-a com toda minha força para arrombá-la. Minha perna em seguida doeu, fraquejando quando pisei no chão. Quase caí.
O arrombamento atraiu a atenção dos mortos-vivos dentro da loja. Eu, Max e Barbie entramos, matando os bichos antes que eles nos atacassem. Não havia sido difícil e pela pouca quantidade, a loja estava limpa. Poderíamos então prosseguir com o plano.
Max e Barbie pegaram o lado de fora dois galões de gasolina – que encontramos na loja de armas – e jogaram por toda a loja. Enquanto isso, eu arrastava os mortos vivos até a porta da frente.
Ao deixá-los lá, tirei do meu bolso um canivete que arranjei na loja de armas, o abri e encarei a lâmina.
- Você tem certeza disso? – Max perguntou.
- É, . Não precisa fazer isso. – Barbie concordou. Mas eu não dei ouvido a nenhum dos dois.
Para salvar a vida das pessoas, você precisa correr risco. E eu correria esses riscos, mesmo que achassem bárbaros demais para serem cometidos. Se isso fosse o suficiente para tirá-los dessa merda, eu faria. Porque eu tinha certeza disso e precisava fazer isso.
Então passei a lâmina em meu braço, cortando-o.
Mordi meus lábios para evitar o grito que quase escapara. Em pouco tempo minha pele já ardia e pingava sangue. O mesmo sangue pingava no chão, pingava sob os mortos-vivos. Espalhei o máximo que pude de meu sangue pela entrada da loja.
Max veio até mim, me entregando o kit de primeiros socorros que estava atrás do balcão da loja e eu enfaixei o meu braço cortado para que não atraísse mais atenção do que eu queria.
- Saiam daqui. Agora. – Mandei e os dois foram embora, se juntando com o resto do grupo.
A loja fedia sangue, morte, podridão e gasolina. Era bom o bastante.
Então eu abri a porta e os mortos-vivos ao redor me farejaram. Farejaram meu sangue. Fiquei parada, esperando que eles viessem até mim, e eles vieram. Quando mais próximos eles chegavam, mais para trás eu ia. E logo um grande grupo de mortos-vivos entrou na loja. E eu já estava na porta.
O grupo já estava afastado, então quando eu tomei certa distância, atirei na trilha de gasolina até que se acendesse o fogo. A trilha de chamas levava até a loja que se incendiou diante os meus olhos. As grandes chamas engoliam os mortos-vivos dentro da loja e atraiam mais outros para a mesma. E isso foi o bastante para que eu e o grupo corrêssemos.
Corremos o mais rápido possível e o mais longe. Assim conseguimos fugir até a floresta. Passando pela mata. Correndo sem olhar para trás.
Havíamos conseguido fugir do centro e de todos os mortos-vivos que nos prenderam lá por tanto tempo. Finalmente havíamos completado a mais difícil tarefa que nos metemos. E todos estavam vivos, seguros e prontos para voltar para a Colônia.
E na mata, procurávamos o ponto de fuga. Meus cansados olhos corriam por toda mata, procurando por e o resgate. Mas não havia ninguém. Só estávamos nós na mata, provavelmente perdidas.
Então um grito alto nos parou.
E visitas indesejadas nos atrasariam por mais um tempinho.
Merda.

***

Grimes.

O silêncio já estava ficando desconfortável e não havia nada para se fizer, a não ser ficar encarando um ao outro esperando que os soldados saíssem do lugar. Mas eles não saíam.
Tudo aquilo me deixava impaciente e irritado. Com vontade de entrar atirando em todos, para que enfim liberassem as passagens para nós. Não me importava se Zeus ia bater o pé e chorar que nem a criança mimada que era. Estava cansada desse pirralho sempre se metendo no meu caminho.
Respirei fundo.
- Não aguento mais isso.
- Alguma coisa deve estar acontecendo para que eles fiquem tanto tempo parados. – reclamou. – Zeus deve estar puto com a minha fuga. Pra não ser egomaníaca, ele deve estar puto com todos nós. Estamos dando tanto trabalho pra ele quanto o contrário.
- Ele está se sentindo contrariado. Perdido. Agora vai atirar pra todos os lados na esperança de acertar um de nós.
- Estou disposta a ficar na frente dela, de qualquer forma... – A irmã se lamentou.
- Não irá cair em nenhum de nó... – Fui interrompido com um barulho alto. Sons de algo se chocando com estruturas. Se não estivesse enganado, julgava serem sons de sinalizadores. E aquilo me alertou.
- . – eu e dissemos em uníssono.
Os soldados de Zeus ao perceberem o som vindo do centro, se deslocaram e pegaram seus carros, liberando a passagem de volta para o centro. Mas a passagem de ida ainda estava bloqueada.
- Vamos? – Perguntei.
- Agora. – se levantou e sinalizou para os soldados que trouxemos atacarem.
Tivemos a mais rápida e silenciosa troca de tiros com os soldados, antes que eles nos percebessem e atacassem com suas armas muito mais pesadas. O bom dos soldados do QG serem mais treinados para usarem armas silenciosas e falharem menos.
Assim, um por um dos soldados que bloqueavam a nossa ideia caíram.
- Para os carros, agora! – Gritei, entrando junto com eles nos carros antes que mais soldados aparecessem e nos parassem.
Os motoristas dirigiram o mais rápido que puderam para o centro. Os soldados do lado de trás estavam atentos, de olho para saber se havia algum soldado de Zeus a ponto para uma armadilha. E se tivesse, eles o matariam.
No centro, descemos do carro rapidamente. Estabelecemos um perímetro e a distância que nos levaria até a loja de armas e até o ponto de fuga. Por sorte, não havia nenhum soldado dos Zeus pelo caminho. Apenas lojas incendiadas e andarilhos mortos perdidos.
- Será que elas já saíram? – perguntou, procurando pelas lojas algum sinal.
O barulho forte das chamas quebrando os vidros e a fumaça alta respondia a nossa pergunta.
- Elas realmente conseguiram. – Ri novamente impressionado pela força de .
Continuamos estabelecendo o perímetro, matando os andarilhos próximos e seguindo até a loja de armas. Sem pressa.
Matávamos os andarilhos que vinham em nossa direção e a cada passo mais próximos da loja, mais quente ficava por causa da enorme fumaça que formava ao redor. E de repente tudo ficou quieto.
Quieto demais.
E o som de um tiro fez tudo parar.
Encarei e a mesma estava tão preocupada quanto eu sobre o que aquilo significaria. E então toda a calma se evaporou, dando lugar a um desespero momentâneo que nos fez correr rapidamente para a loja de armas, sem nos importar com o que encontraríamos no caminho.
O foco havia mudado.
Agora mais do que nunca deveríamos encontrar o grupo.

***

Romero.

O grito havia assustado a todas e em um movimento brusco me virei, apontando a minha arma na direção do barulho. E tudo que pude ver era um dos soldados do Zeus segurando Barbie por trás com uma faca no pescoço da mesma, que tremia assustada.
- Não faça isso. – Pedi calmamente, abaixando a minha arma lentamente para que ele não ferisse Barbie.
Mas ele apenas sorriu.
- Parar? Calma gatinha. Eu só tô começando. – O sorriso pobre nos lábios dele enquanto segurava Barbie da forma mais nojenta possível, subiu meu sangue, fazendo apontar a minha arma novamente para ele. Apontando firmemente para a cabeça dele que já estava em minha mira.
O mesmo parou por alguns segundos, mantendo a postura rígida e sem fazer qualquer movimento brusco. Achei que ele aceitaria largá-la, mas eu estava enganada.
Ele riu. A risada mais podre possível que já ouvi em minha vida. Senti arrepios e a sensação de nojo me percorrendo por inteira. E meu sangue? Já estava fervendo.
- Se eu fosse você, eu abaixaria isso. – Mandou, em um tom autoritário. – Isso não é brinquedinho de menina.
Mas não dei ouvidos.
Destravei a arma, mantendo-a apontada para o homem em minha mira. Eu não tremia, não fraquejava. Estava fria o suficiente para matá-lo dali. E eu sabia que se quisesse, acertaria sua cabeça.
A cabeça dele era igualzinha uma daquelas latinhas.
Percebendo a minha insistência, o soldado ficou mais irritado ainda. Fechando a cara e pressionando mais a faca no pescoço de Barbie que choramingava assustada.
- Eu mandei você abaixar! – Ele gritou. – Ou você abaixa essa merda, ou quando eu acabar com essa vadia aqui eu farei questão de enfiar meu pa... – mas ele não terminou a frase. Atirei certeiramente em sua cabeça e o mesmo caiu para trás, junto com Barbie.
Exatamente como uma daquelas latinhas.
O grupo todo foi até Barbie ajudá-la a levantar e também fui. Encarando seu olhar assustado.
- Tá tudo bem? – Perguntei e seus olhos brilharam.
- Muito obrigada.
Apenas assenti como resposta e dei as costas.
- Vamos antes que os mortos-vivos ou mais soldados apareçam. – Avisei já avistando alguns mortos-vivos saírem da mata em direção ao corpo morto.
Eu e o grupo nos enfiamos mais ainda dentro da mata. Enquanto elas não sabiam ao certo o que procurar, eu sabia. Procurava uma fuga para nós, já que não havia tido nenhuma novidade do grupo de resgate. Não ficaríamos paradas esperando.
Nos metemos na mata até que ela nos levou para a estrada de terra. A mesma estrada que nos levaria para a de concreto e no fim nos levaria de volta para a Colônia.
E estacionado entre as árvores havia um dos veículos que era de Zeus. O grupo todo entrou no mesmo, se apertando no fundo enquanto eu ficava no banco do motorista.
Procurei por chaves, mas não havia nada. Então tirei do painel os fios, procurando os dois que juntos faria o carro lugar. Os peguei delicadamente e os juntei, até que faiscassem e o carro ligasse.
Willa me encarou intrigada.
- Onde você aprendeu isso?
- Na igreja.
E dei partida.
Dirigi o carro até a estrada, seguindo o caminho que havia memorizado quando viemos. Dirigi o mais rápido que pude, sem prestar atenção ao redor. Só queria que chegássemos logo na Colônia.
Quanto mais longe ficávamos do centro, mais leve eu me sentia. Já imaginava o banho quente que tomaria, as horas de sono que teria, o quanto que comeria. Tudo que eu queria era chegar logo e esquecer dessa patrulha. E ainda mais esquecer da forma tão nojenta que o soldado havia sido.
O sorriso dele enquanto segurava Barbie...
Eles não tinham medo. Eram completamente monstruosos. Feras, animais. Eles eram mortos, mas vivos.
Meus olhos estavam tão focados na estrada que tudo havia acontecido rápido demais para que eu tivesse como pensar no que fazer a seguir.
- , soldados! – Willa gritou e eu olhei para o lado, vendo soldados de Zeus parados e apontando as armas em nossas direções.
Só ouvi então o tiro acertar o nosso pneu e eu perder o controle do veículo. E então a árvore em nossa frente. Tentei frear, mas não dava. E o grito de todos ao meu redor só me deixava mais confusa ainda, sem entender o que fazer.
Foi impossível.
Quando pensei, o carro já estava batendo na árvore.
Tarde demais.

***


Grimes.

Chutei a porta da loja de armas sem esperar, entrando na mesma junto com e o grupo. Mas na loja não havia sinal nenhum de , apenas algumas malas e caixas.
Caminhei até as caixas, em especial uma que havia um papelzinho em cima, como um bilhete. O peguei em minha mão e respirei fundo.
“Papai Noel esteve aqui”. Estava escrito. Ri e me virei para o grupo.
- Peguem as caixas. Carreguem os carros com tudo que está aqui. – Encarei e com o olhar ela me respondeu para onde seguiríamos. – Os esperaremos no ponto de fuga.
Eu e saímos pela porta dos fundos e seguimos para onde o grupo de devia nos esperar. Adentramos na mata, evitando os andarilhos no caminho e matando os que não se afastavam.
Paramos no ponto, vazio. Sem sinal de ou o grupo. Apenas um corpo morto de um soldado que julgava ser de Zeus. Encarei a irmã que não parecia surpresa com os atos da outra.
- Elas estiveram por aqui. – Respirou fundo, andando mais para frente, procurando mais pistas da irmã mais velha.
- Se elas já foram embora, devem estar voltando para a Colônia, certo?
- Provavelmente – disse em tom de cansaço como se já esperasse que isso acontecesse.
Peguei meu walkie talk e encarei esperando seu consentimento. Ela apenas assentiu.
Não havia mais nada a fazer, podíamos ficar parados esperando alguma notícia ou ir direto para onde elas deveriam ir. Porque querendo ou não, no fim, todas voltariam para a Colônia. Com a nossa ajuda ou não.
- Preparem os carros. Vamos voltar.

***

Romero.

Nos escondemos atrás das árvores, com os olhos focados no carro e na isca que usamos para atraí-los até o mesmo. E como patos, eles caíram.
Os soldados procuraram pelos carros alguma pista de nós e abaixaram a guarda. Abaixaram o suficiente para sairmos de trás das árvores apontando nossas armas para eles. E ao nos virem, apontaram para nós também.
Com as armas apontadas, só havia dois deles e muito mais de nós. E o “líder” deles estava com uma expressão que indicava que não queria brigar, não queria morrer essa noite. E para ser sincera, eu não queria o matar.
- Abaixem as armas. – Ele pediu, com a voz menos trêmula.
- Vocês abaixem também. – Pedi e ele cerrou os olhos.
Mas eles não abaixaram e muito menos nós abaixamos. E assim ficamos por severos minutos, apontando as armas uns para os outros sem objetivo algum, sendo que no fim, nenhum atiraria.
- Vamos fazer um acordo. – comecei e o soldado assentiu. – Nós abaixamos as armas, vocês abaixaram as armas e vamos embora sem olhar pra trás. Fingimos que nada aconteceu e pronto. Ninguém mais precisa morrer hoje.
O rapaz me encarou e pude ver em seu olhar o cansaço. Ele também não queria passar mais por isso. E esse seu cansaço deixaria mais fácil irmos embora.
- Ok, faremos isso.
E então nós todos abaixamos as armas.
Mas por mais que houvesse verdade no acordo, eu não confiava nele. Não dava para confiar nos nossos maiores inimigos nem que fosse a um gesto desses. Um gesto de ajuda mútua.
Então ao darmos as costas para eles e eles para nós, em um movimento brusco todos nós viramos e voltamos a apontar as armas uns para os outros.
E lá vamos nós...
Ficamos por mais severos minutos apontando a arma um para o outro, sem reação, sem ataque e nem contra-ataque, apenas nos protegendo.
- Como posso saber se vocês não vão descumprir o acordo? – perguntou.
- Eu não vou. – O encarei. – Você vai? – Ele negou com a cabeça.
Então eu abaixei a minha arma e meu grupo seguiu. Todos nós demos para eles o voto de confiança, não atiraríamos. Eu o encarei com verdade e ele confiou, então abaixou as armas também.
Mas tudo deu errado.
Quando os dois abaixaram a guarda, Max atirou em seu parceiro a queima-roupa. E tanto eu, quanto o soldado ficamos em choque.
- Mas que merda! – Ele gritou. E eu, pela primeira vez, fiquei sem reação.
- Me desculpa. – Pedi sinceras, então atirei nele, antes que ele matasse um de nós para defender o parceiro que morreu.
E sinceramente? Eu não o culparia se ele o fizesse. Ele havia confiado em mim quando disse que não atiraria e então simplesmente, atiraram. Sem a minha permissão.
Mas o sangue desses dois soldados estava em minhas mãos. Só nas minhas.
Me virei para Max, completamente cheia de fúria, ira, por ter sido contrariada de tal maneira.
- Que merda foi essa, garoto? – Gritei completamente irritada e ignorando a possibilidade de mortos-vivos nos cercarem.
- Eu só fiz o certo. – Ele se defendeu e as garotas nos cercaram, chamando meu nome, pedindo para que fôssemos embora a cada momento que um morto-vivo se aproximava. – Eu fiz o que você deveria fazer!
Eu encarei o garoto, não vendo nada do que eu achei que ele era. O garoto doce, gentil e parceiro, que havia me ajudado a cuidar de Willa havia se transformado em um poço de grandeza. Se achava O líder porque o pai não estava aqui. Me arrependi de ter agradecido por ele estar em meu grupo.
- Você não é o encarregado daqui. – Disse fria. – Da próxima vez que você fazer algo sem ser MANDADO, teremos um problema. – O garoto apenas reagiu com desdém. – Cresça.
Os mortos-vivos cercaram o grupo e eu apenas encarei Willa, que estava aterrorizada com tudo aquilo. Então chamei Barbie para perto.
- Corra. Leve-os de volta para a Colônia. – Ordenei e Barbie assentiu confusa.
- E você?
- Só faça o que eu mandei.
Ela assentiu e liderou o grupo que correu dentro da mata, seguindo o caminho que sabiam até chegar de volta para Colônia.
Já eu, peguei as armas que estavam com os soldados e matei os mortos-vivos que se aproximavam e que os seguiriam até a Colônia. Mas havia mais uma coisa que eu queria fazer, o verdadeiro motivo de ter ficado para trás.
Queria arrumar a merda que Max fez, e a culpa que eu sentia.

***

Grimes.

Voltamos para a Colônia e ela permanecia silenciosa sem e o grupo. Mas o bom de tudo isso era o estoque completo que conseguimos graças a ela. fez algo que nem eu mesmo seria capaz de fazer com tão facilidade, com tanta disciplina e organização.
Não houve falha alguma e se meus cálculos estivessem corretos, e o grupo passariam pelos portões em pouco tempo.
E esperei. Esperei e esperei. Até que os portões fossem se abrindo.
Mas tudo caiu por terra quando algo estava fora do lugar. Quando a realidade não havia sido como eu imaginava.
O grupo estava todo lá, Bailey, Paige, Barbie, Willa, Max e até Brianna, mas nada de . De todos que eu esperava ver – depois do meu filho – não estava lá. E aquela onda de desespero não havia só me tomado. Havia tomado também.
A mesma foi correndo até Barbie que tinha preocupação no olhar.
- Cadê e a ? – perguntou sem perceber o tom desesperado em sua voz. – Onde ela está? Cadê a minha irmã?!
- Ela ficou para trás.
- Quê?
Vi o olhar de ao meu lado mudar de preocupação, desespero e medo para raiva, desconfiança e ira. Infelizmente eu já tinha aprendido que quando seus sentimentos se elevavam ela não chorava de medo e dor, mas apresentava um nível de raiva que assustava.
- Repete. – Seu tom forte assustou a senhora que apenas deu um passo para trás.
- Calma, ... – Pedi e ela surpreendentemente não me ignorou.
- Tudo bem – respirou fundo, provavelmente se lembrando do dia anterior e como nada havia adiantado. Ela teria que aprender a controlar seus nervos. – Cadê ela?
- Tudo estava confuso. A estava confusa, irritada, grossa, fria, mandona, parecia outra pessoa. Então o Max atirou no cara e ela surtou, ameaçou ele e tudo mais... – Não a deixei terminar.
- Ela ameaçou meu filho?
- Sim. E depois ela disse para irmos e deu cobertura para que nós saíssemos da floresta. Ela nos protegeu e quando vi, ela tinha ficado pra trás! Ela só me mandou correr.
Já tinha ouvido o bastante. Eu iria atrás dela e resolvera essa situação.
- Eu vou atrás dela. – Disse, mas me segurou e negou com a cabeça. – Nem vem . Eu não vou atrás de você no QG dar palpite de como você faz suas coisas lá, não venha dar palpite nas minhas.
- Viu? É ótimo quando tentam te conter, não é? Mas você não vai – se opôs. – Vai atrás dela por quê? Pra gritar com ela por ter ameaçado o seu filhinho? Vai reclamar com ela por ter ficado pra trás proteger pessoas que precisavam dela? Eu já tinha compreendido isso desde o início. Você não. Se eu não fui pra lá, é porque sabia que o grupo precisava dela tanto quanto ela precisava deles, largar tudo por uma pessoa só é apenas egoísmo. Então não, muito obrigada. Eu vou atrás da minha irmã e eu vou ajudá-la no que ela precisar de ajuda. E se você encher demais a porra do meu saco, eu faço questão de não a trazer de volta. Não precisamos disso , e estamos aqui de qualquer forma.
Ela me deu as costas e passou pelo portão, sem me deixar argumentar.
Respirei fundo.
- Max. – Chamei meu filho. – Nós temos que conversar.
Eu só queria saber o que aconteceu e o porquê aconteceu. E por mais que eu me importe, tenha carinho por , não poderia deixar esse sentimento acima do meu filho. Essa história iria sair a limpo e Max me contaria tudo.
Então eu decidiria o que fazer sobre isso com .

***


Romero.

Esperei por tanto tempo que não sabia mais ao certo quanto tempo eu esperei. Apenas sabia que estava do lado daquele corpo por uma eternidade. Até que então ele se transformou diante os meus olhos. E eu o matei.
Não sei o porquê fiz isso. Talvez para me convencer que eu o matei quando ele havia se transformado em um deles e não quando ele era um dos nossos.
A diferença entre a podridão e o medo ficou clara para mim. A diferença entre um que era tão sujo que seria capaz de ferir alguém e morrer no processo, e um que não queria morrer e seria capaz de dar as costas para evitar que mais pessoas se machucassem era gritante.
E só um deles eu me sentia culpada.
Depois que eu o matei, caminhei sem rumo pela floresta sem saber ao certo se queria voltar para a Colônia ou se eu queria mesmo voltar para algum lugar. Só queria caminhar por aí, sentindo o gostinho da minha liberdade que custaria muito depois que eu passasse pelos portões da Colônia.
Mas o barulho de motor chamou a atenção e a camionete vermelha estacionada em minha frente, fez meu coração bater mais forte e a única pessoa que eu queria ver nesse momento estava aqui. Minha irmã.
saiu do veículo e nós corremos uma até a outra, igual em uma cena de filme, em um abraço forte que nos consolava. Nos consolava após tudo que passamos e mesmo sem me dizer, eu já sabia que ela havia passado por alguma merda tão grande quanto a minha.
E ficou óbvio quando vi o Z em seu pulso, aquilo me desesperou por um minuto e o meu sangue subiu. A vontade de matar todos aqueles monstros que nos perseguiam, nos separavam e nos destruíam era enorme.
- Tá tudo bem. – sorriu e mesmo com toda minha preocupação, tirei algum consolo e calmaria disso.
Então ela viu o meu braço enfaixado e repetiu a minha preocupação. Os mesmos olhares, os mesmos pensamentos. Igualzinho o que eu havia feito.
- Tá tudo bem. – A imitei e ela bufou.
- Em um dia longe uma da outra e olha só. – Riu. – Estamos perdendo o jeito, maninha.
- Estamos ficando mole. – Completei.
- Você tá ficando mole – revirou os olhos brincando.
me levou até a nossa camionete e eu me sentei no banco do lado, ela se sentou no do motorista. Ficamos as duas quietas, desabafando uma para outra no silêncio.
- O tá uma fera com você. A Barbie disse que você ameaçou o Max por ter matado um cara...
- Ele matou um soldado do Zeus.
franziu as sobrancelhas.
- E isso não é bom? – Neguei com a cabeça.
- Eu matei um soldado do Zeus, mas há uma diferença. Nem todos são como o Zeus, nem todos querem ser como o Zeus. Muitos deles são que nem nós duas éramos, duas perdidas a procura de teto, comida e segurança. E para isso, eles são capazes de fazer qualquer coisa. Cada um conquista o líder do grupo da forma que pode. E eles conquistam matando as pessoas mesmo sem querer. Uns deles são nojentos, podres, doentes, pervertidos por natureza. Outros não. E esses outros só precisavam de uma oportunidade melhor. Uma oportunidade que nem o e nem o deram.
estava tentando me compreender.
- Essas pessoas não têm um currículo estampado na testa , você não pode se martirizar por isso também. Ele poderia tanto ser um santo quanto um monstro e nós não podemos salvar todo mundo, .
- Ele me olhou nos olhos, . Ele não queria morrer. – Respirei fundo, sentindo um nó em minha garganta. – E eu o matei para proteger o Max.
Ela suspirou.
- Às vezes não consigo te entender. Quando veio pra Colônia não conseguia confiar em ninguém e eu só queria te explicar que quando tudo que esperamos de alguém é ser nosso inimigo, acabamos encontrando somente inimigos no nosso caminho. E agora você tenta ver o lado de uma pessoa que tem um histórico sujo que poderia ter pelo menos tentado fugir de Zeus... Eu entendo o seu lado, juro, a mãe de Jacob era um deles. Mas ela se recusava a entrar em um esquadrão assim, e estes soldados parecem ter apenas escolhido deixar a humanidade de lado...
- Bom, quem é você pra dizer alguma coisa, ? – falei alto. – A razão pela qual nos separamos foi porque você tentou livrar a cabeça de várias pessoas que você não conhecia, não é?
- Crianças. Sim – me olhou balançando a cabeça. – Não vamos brigar, só não quero que você fique com o peso na consciência, ok?
- Você tá fazendo isso de novo – adverti. – Eu sou a irmã mais velha, eu cuido de você, não é o contrário. Mamãe e papai não diziam antes de nós saímos que você deveria cuidar de mim.
- Tanto faz. Eu só tô tentando dizer que... Vivemos falando sobre uma guerra que vai chegar. Então você tem que se decidir se a vida dessas pessoas vale tanto a pena assim. Porque eu não acredito que eles pouparão nossas vidas por compaixão.
Ambas havíamos passado por um inferno nesse último ano. Tentando sobreviver, lutar, ter o mínimo de paz e já estava claro que isso tudo estava bem longe de acabar. E teríamos que sobreviver e passar por isso.
Com sorte, com a queda de Zeus isso acabaria. Acabaria todo o inferno que os outros têm que passar por culpa dele. Os monstros que ele criou. As famílias que destruiu. Tudo chegaria um fim. E eu não me contaria com nada que fosse menos que a cabeça dele.
- Para onde quer ir? – me encarou.
- Para longe.
- Vamos dar uma volta. – Sorriu levemente e tirou do porta-luvas os nossos óculos. Me entregou os meus e colocou os dela.
Mesmo sendo esquentada às vezes, tinha este sorriso e uma áurea leve que nos fazia se sentir mais calmos ao lado dela, mais confiantes. Dava pra entender os laços dela do QG facilmente.
Então deu partida na camionete e seguiu a estrada, para qualquer lugar. Para que assim tivéssemos nossa paz. Pelo menos só por aquele momento, nos lembraríamos da época fácil, em que vivíamos nas antenas sem se preocupar com um psicopata querendo nos matar.
Bons tempos... Velhos tempos.

***


Caminhei silenciosamente pela Colônia. Estava de madrugada, tudo escuro. Ninguém me incomodaria. Me arrastei pelo pátio até a Grande Casa.
Só havia algo que eu queria fazer. Antes de deitar em minha cama e dizer “missão cumprida”, havia mais uma coisa que eu tinha que fazer.
Entrei no quarto de Jolie quietamente, tirando de trás das minhas costas a boneca de pano que havia pegado na loja de bebês. A coloquei delicadamente em seu berço, sem acordá-la.
Saí da Grande Casa sem olhar para trás.
E finalmente pude descansar meus olhos.
Missão cumprida.


Capítulo 25 – Die For You.

Música do Capítulo


Romero.

Abri a porta da SUV observando a grande fábrica abandonada. Dias atrás Slade havia dito que teríamos um problema ao transportar as pessoas de outras resistências para ajudar o Quartel e se proteger porque não havia gasolina o suficiente.
Depois de muita pesquisa e verificação de terreno, encontramos uma das pequenas distribuidoras de combustível do país e o resto da gasolina que tínhamos estava sendo gasta nesta viagem.
- Não é uma fábrica de petróleo, mas dá para o gasto – Slade comentou deixando o banco de motorista.
- Estamos do lado da cidade capital Slade. Qualquer fábrica com visibilidade o suficiente que tenha tanto combustível assim foi usada pelo próprio governo na tentativa falha de salvar o que restava do mundo – argumentei, mesmo sabendo que ele estava brincando.
- Ou eles realmente salvaram o mundo e nos largaram pra trás – se juntou a nós.
Slade bufou.
- Eu sou amigo do presidente, ele teria me contado.
- Ele claramente esqueceu o memorando – chegou, completando o nosso time enquanto checávamos nossas armas.
- Ou te chamaria apenas pra ser isca, Slade – sorri delicadamente, antes de levar o papo a sério. – Com todos esses eletrônicos podemos facilmente encontrar um painel de controle aqui fora ou lá dentro.

***

A entrada era como de uma escola qualquer, porém cinza, mas ao pular este portão, víamos as imensas e longas estruturas de algum tipo de metal que abraçava todo o perímetro do grande terreno. E a partir do momento em que o terreno acabava o mar iniciava.
Slade ajudou e eu a descer do muro nos pegando pela cintura uma de cada vez, desceu em seguida e recolhi minha mochila do chão tentando ignorar a grandiosidade daquele local.
Um som de vidro se quebrando chamou minha atenção e me assustei ao ver que os dois haviam quebrado o que parecia ser a janela da sala de segurança com uma pedra. Não tão seguro assim.
Coloquei meu casaco nos cacos de vidro e pulei para o outro lado.
- Todas as usinas possuem um gerador, certo? – perguntou apontando para o computador do pequeno escritório.
concordou.
- O mundo para, mas os motores continuam.
Slade retirou uma faca de seu bolso e uma lanterna entrando pelo corredor escuro que havia atrás de nós, procurando por qualquer andarilho que estivesse ali. Ele tinha esse lema que meu pai carregava também com ele, quanto mais silencioso, melhor.
Com certeza Deus nos fez assim pra ter um destaque de yin-yang, pena que nos últimos dias o babaca estava me ignorando completamente.
- Vamos lá, meu bem – apertei o botão verde do velho computador, esperando que ele ligasse. E ligou. – Temos energia. Então eu só preciso encontrar uma planta baixa disso aqui, coisa que qualquer estagiário poderia ter recebido por e-mail, e vamos atrás de alguns interruptores e galões.
- Como você sabe que vão ter galões? Não pode ser só uma daquelas fabricas que pegam óleo? – perguntou.
- Poderia ser, mas é uma refinaria. E os principais produtos dessas usinas são gasolina e diesel.
- Como você sabe que é uma refinaria? , meu Deus, pare de bancar a espertinha – reclamou, como toda irmã mais velha.
- Querida, eu sou professora – falei abrindo o computador, a senha era o nome da cidade. – Mas se quiser mesmo saber, estava escrito REFINARIA em letras prateadas em cima da janela.
- É claro que estava – riu.
- Bingo! – exclamei encontrando o arquivo. Tentei imprimir, mas acho que aquilo era pedir demais, nem mesmo no mundo liderado por vivos as impressoras tinham qualquer tinta, imagina no Apocalipse. – Temos duas partes importantes aqui, as caixas de energia que estão no subsolo deste lado e os barris do que eu acredito ser gasolina, deste lado.
Apontei em direções contrárias.
- Tudo bem, podemos nos dividir – falou e concordei.
- Assim não podemos nos perder, então vamos tentar desenhar com cuidado essas entradas e saídas.
- Ok – iria segurar a caneta e o papel, mas acabou pegando de sua mão, fazendo aquela famosa expressão de “Deixa comigo”.
e eu nos olhamos quase rindo até que percebemos que poderia ser um Xerife formado em arquitetura afinal de contas.
- Você não me disse que desenhava tão bem – pegou o papel olhando chocada.
Ele deu de ombros, levemente envergonhado.
- Desenha o meu também – dei o papel pra ele sem esperar que ele aceitasse fazer ou não. Então levantei minha voz. – Slade?
- Sim? – recebi a resposta instantaneamente.
- Ainda está vivo?
- Sim – respondeu amigável e sua cabeça se formou novamente no corredor. Sem sinal de sangue, ele deveria estar só dando uma de George O Curioso.
- Que bom. Vem, vamos nos separar.
- Alguma preferência? – perguntou.
- Sim, QG contra Colônia – respondeu e eu não teria dito melhor.
- Não gostariam de ir juntas? – Slade estranhou.
- Claro que sim, mas isso implicaria deixar vocês sozinhos por aí e não confiamos muito nisso – defendi minha irmã. Ela assentiu devagar como se estivesse pensando que “jovens de hoje em dia não são confiáveis”.
- Ok... – Slade pegou o papel da minha mão e o papel de . – Alguma preferência?
Perguntou e neguei.
- Então vamos atrás dos barris – ele falou.
Torci a boca.
- Mudei de ideia, vamos atrás da caixa de energia.
Ele bufou pegando o papel indo na frente. estranhava meu comportamento, mas ela não entendia que o querido Slade estava me dando um gelo que precisava de um ataque reverso. Até porque, ela nem entendia o motivo de me importar com um gelo vindo dele.
- Romero e Grimes prestem atenção, neste papel temos um mapa até o local que precisamos chegar e se vocês perceberam vamos por caminhos diferentes e terminamos na mesma trilha. Encontramos vocês lá em uma hora, se não estiverem lá, ligaremos os walkie talk.
Eles assentiram e foram pela direção contrária. Acho que até aqui, tudo bem.

***


- Agora vai fingir que eu não existo? – perguntei para Slade no meio da escuridão, que segurava sua lanterna com uma precisão dos deuses.
Eu estava passando as últimas noites na Colônia dormindo de conchinha com e queria voltar logo para o QG, já que minha própria irmã não estava mais me aguentando pelo tamanho grude que me tornei. E no final, eu tinha que dar privacidade para ela e meu cunhado. No entanto, ficava um pouco difícil voltar para o QG quando Slade passava pela Colônia sem falar comigo e acabaria levando esse tratamento para quando eu voltasse para minha segunda casa.
Novamente, ele não respondeu.
- Eu fiz alguma coisa? – perguntei.
Nada.
- Você fez alguma coisa?
Nothing.
- Slade?
Nada. De novo. Desta vez em espanhol.
Me aborreci.
- Que droga, Slade – me sentei em uma pedra pensando no que fazer enquanto ele se aproximava de um elevador velho e amarelo. Um andarilho começou a falar do seu jeito sem palavras perto de nós e ele nem ligou. Ao menos percebeu. Fiquei perto do andarilho deixando ele se aproximar do meu braço.
Ele chegava perto e eu me afastava.
- Slade? – o chamei. – Uma ajudinha?
O desgraçado estava quase me mordendo real e ele estava nem aí. Bufei afundando a maldita faca branca na têmpora do andarilho imaginando ser a cabeça de Slade.
- Vem – ele me chamou apontando para o elevador que aparentemente tinha voltado a funcionar. Não que eu me importasse afinal minha vida quase tinha chegado ao seu fim segundos atrás. Graças a ele.
Entrei no elevador. Puta da vida. De novo.
- Quando chegarmos lá embaixo eu vou segurar o elevador e você sai correndo, é possível que ele atravesse o destino.
- Ah, ele fala! – gritei exagerada e ele colocou a mão na minha boca, bravo. O mordi rapidamente.
- Que droga, .
- Slade que fazia piadinhas a cada frase não somente está morto como enterrado, ao lado de mim agora está Britney Spears depois de 2004.
- Que? – não entendeu.
- Precisa de playback pra falar, Slade? – perguntei indignada. – Eu tô aqui, sabia? Oi?! Eu quase morri e você não fez nada – soquei seu braço.
- Você não “quase morreu”, só estava tentando chamar a atenção – revirou os olhos.
- Eu podia morrer! Você não sabe de nada Slade. E segura essa bolsa que está pesada. – joguei a mochila pra ele. Ele segurou mesmo tendo que segurar o elevador depois. Tô nem aí, que quebre o braço.
- Vai acampar e trouxe pedras? – quis saber.
- Bom, nunca se sabe o que pode acontecer enquanto estamos aqui fora, não é? – tinha só o básico, comida e curativos.
Quando o elevador finalmente chegou, ele passou um pouco do ponto pela falta de algum mecanismo e Slade se esforçou para conseguir segurar aquele negócio. E ainda piorava com a minha mochila pesada em seu ombro. Coitadinho.
Caminhei diretamente para a caixa de luzes com o desenho da planta baixa em mãos e acabamos por sair em um tipo de escritório que tinham vidros para conseguir observar toda a área do primeiro andar. Lá estavam os barris.
Havia outra porta para sair daquele escritório que dariam escadas para o primeiro andar, que também era térreo, mas estava trancada.
Atrás de mim estavam milhares de caixas de ferro e tentei desvendar o que deveria fazer com aquilo. Infelizmente eu era de humanas. Mas humanas que insistia bastante.
Slade finalmente chegou e avisei para ele que precisávamos abrir a porta para deixar a entrada para minha irmã e o Xerife. Que no caso significava que ele deveria descobrir algum jeito por si só de abrir aquela porta.
Me concentrei nos interruptores e não tinha muito que fazer apenas ligar e desligar as luzes descobrindo qual parte seria melhor para chamar a atenção de qualquer andarilho que vivia ali para longe de nós.
Evitei ligar as luzes do térreo para que não houvesse claridade e os atraísse para lá.
Suspirei me sentando na cadeira daquele escritório estranho e acinzentado sabendo que demoraria alguns minutos para minha irmã chegar. Observei Slade bater com uma ferramenta grande que parecia ser de carro contra a maçaneta da porta e voilà. A porta estava aberta. Ele largou o objeto no chão sem cuidado e se sentou na minha frente olhando em seu relógio.
- 10 minutos.
Me virei na cadeira de rodinhas observando através do vidro esticada na cadeira. Me surpreendi com sua voz atrás de mim.
- Você me disse que estava fraca quando me conheceu.
- O que? – perguntei me virando para ele.
- Você disse que graças a Lionel você estava fraca. O que isso significa?
- Como assim?
Ele respirou profundamente.
- Será que... Então tudo, desde o começo, tudo o que tivemos era praticamente eu me aproveitando de sua fraqueza?
Eu quase bati a minha cabeça contra a mesa. Ele tinha que entender tudo errado não? Nem poderia culpá-lo. Minha ajuda parecia ter sido uma merda, afinal de contas.
- Sim eu estava fraca pra caralho – comecei a lhe explicar. - Sem saber o que fazer, mas nunca em hipótese nenhuma eu iria me envolver com alguém sem saber se eu realmente queria Slade. Foi minha decisão estar com você todo esse tempo, não foi nenhum feitiço pélvico seu ou insanidade. Mesmo nos meus momentos mais loucos eu tento focar em alguma paz interior pra não decidir qualquer bobagem.
Ele me fitou por instantes, calmo, e eu queria ler seus pensamentos.
- Você daria uma boa líder. Já pensou nisso?
Gargalhei.
- Não. – fui sincera. E felizmente nenhuma oportunidade havia caído por cima de mim, tentar dar ideias era uma coisa, mostrar minhas estratégias era outra, mas ser forçada a cuidar de um grupo parecia ser muita responsabilidade pra pouca eu. – Eu não acredito que você estava me ignorando esse tempo todo por causa disso. Que droga Slade, poderíamos ter resolvido isso faz tempo se você abrisse a boca pra falar.
- Frid me deixou traumatizado – deu de ombros.
- Ele é fofoqueiro, eu não. Fale comigo, estou sempre a ouvidos.
- Então quer saber, ? Eu acho que nós nunca daríamos certo. – pare de falar...
- Perdão?
- É isso. Você sempre empaca na metade do caminho, eu sinto que é uma relação unilateral e eu sou essa parte. O que sente demais, o que tenta demais e no meio levo apenas patadas.
- Por que diabos você pensa isso?
- Você nunca me deu algo sustentado, , nunca. Você acha que isso não vai durar, do contrário, já teria ao menos falado sobre mim para sua irmã.
Dessa vez eu estava sem palavras. Será? Provavelmente. Nem mesmo subconscientemente, eu já havia pensado várias vezes que não deveria manter algo com ele porque ele acabaria comigo no final, mas parece que o contrário estava acontecendo. O que seria estranho para a que conhecia apenas o lado sádico do Slade, e no final ele era apenas um cara sentimental demais. E um puta bicho dramático.
- Pelo menos você me avisou.
- Avisei o que? – perguntei suspirando, não querendo ouvir de verdade.
- Que poderia machucar o coração de um cara, até mesmo dos que não possuem um.
Revirei os olhos. Viram? Puro drama. Eu tento seduzir o cara com algumas palavrinhas bobas e ele joga contra mim dias depois achando que vai ter a mesma intensidade.
- E acha o que? Que vamos seguir nossas vidas daqui pra frente como se tudo que aconteceu, não tivesse acontecido? – perguntei com ódio. Ele não poderia passar a borracha em toda a minha existência. Ele não deveria sequer dar uma ideia dessas.
- Nunca é tarde pra começar uma nova amizade – sorriu asquerosamente.
- Sai daqui – resmunguei virando a cadeira para frente outra vez.
- Ah, você vai... – ele começou. Eu não queria ouvir. Aquilo tinha doído. Só um pouco.
- Sai! – gritei.
Ele socou ou chutou a parede algumas vezes, não sabia dizer por que não estava olhando, e ignorei completamente.
- Eu quem deveria estar puto com toda essa merda de situação – gritou antes de sair.

***

Romero.

O silêncio não era tão desconfortável, principalmente quando não se sabia muito bem o que falar. Mas o que mais incomodava era o escuro. No escuro podíamos dizer que estávamos quietos para não atrair atenção, mas assim que as luzes se acenderam repentinamente, o silêncio não era mais uma opção.
Eu e não tínhamos tido uma conversa profunda sobre o que aconteceu na patrulha, meu desentendimento com o Max e nada disso, estávamos mais ocupados planejando, pensando e criando estratégias para derrubar o Hospital. E quando não estávamos fazendo isso, ficávamos nos amassando pelos cantos na Colônia quando ninguém estava vendo para liberar a tensão.
Não houve oportunidade para uma conversa séria.
E nem haveria.
- Espera. – Ele se posicionou em minha frente, me empurrando delicadamente para trás. Tirando sua arma do coldre e olhando para os lados. – Vamos.
- O que foi isso? – Perguntei confusa, me posicionando ao seu lado novamente.
- Achei que era algum andarilho.
O encarei com a minha melhor expressão de deboche e ele rolou os olhos.
- Sério, ? Eu não ouvi nada.
Ele deu os ombros.
- Eu ouvi.
O ignorei, seguindo com ele pelos corredores mal iluminados que nos levariam até os barris. Torcia para que estivessem cheios e fosse algo rápido. Achar, pegar e vazar.
Não confiava em deixar a Colônia no controle de Max.
Meu olhar estava um pouco perdido na figura de , mesmo sem ele notar – ou fingindo que não notava. Ele se mantinha tão focado e ciente de tudo que estava fazendo, não dava nenhum passo em falso e não deixava nenhum som o desconcentrar.
Quando o percebi sorrir de canto perdi o foco. E então eu dei o passo em falso.
O morto-vivo cruzou meu caminho e me assustei, tampando a boca para não gritar e tropeçando para trás, mas não caindo. Pude ver apenas enfiando seu facão no crânio do bicho e o matando brutamente.
Ele me segurou, conferindo se eu estava firme o bastante para continuar andando. Foi um susto e tanto. E eu o mataria se ele abrisse a boca e contasse para alguém o que aconteceu.
- Eu disse que ouvi algo. – tinha um sorrisinho debochado nos lábios, se sentindo vitorioso por ter acertado e eu errado.
Mas não abri a boca, muito menos mudei a minha expressão de assustada e raivosa por ter sido tão tonta. Romero, você está perdendo o jeito, irmã.
- , você tá bem? – me perguntou, alisando meus braços e com seu olhar preocupado. Seus olhos fixos nos meu. Arrepios me percorreram e eu balancei a cabeça, tirando alguns pensamentos dela. Assenti em resposta. – Vamos? – Assenti. – Eu te protejo. – Disse em um tom risonho e eu cruzei os braços.
- Sério?
- Eu tô brincando. Vamos.
Voltei para o lado dele, um pouco mais calma e com as minhas pernas mais firmes. Agora também muito mais atenta para o que pudesse aparecer em meu caminho. Mas eu estava com sede por mortos-vivos, descontar toda minha frustação em seus crânios podres.
Seguimos o caminho e não tirava os olhos do desenho que fez, para não perder o caminho. Mais uma vez me perdi em sua visão. Mas logo voltei a analisar o espaço, apertando meu facão em minha mão para não ser pega de surpresa novamente.
era a minha tentação, quando estava perto dele conseguia perder o foco em instantes, era impressionante. Como um imã que me atraía para prestar atenção em cada reação, em cada expressão que ele dava. E assim, conseguia facilmente me perder pelos cantos.
Era pior que meu déficit de atenção.
- Aqui. – Me alertou. Fomos mais rápido para os barris de gasolina que estavam visíveis. E com sorte, quem sabe, haveria mais escondidos na mesma área.
- Eureca.
Lá havia alguns barris, mais ou menos uns seis, talvez mais escondidos pelo espaço. ia de um em um, conferindo todos se estavam cheios. Fiz o mesmo em alguns. Alguns pareciam estar mais cheios que outros, mas nenhuma diferença tão gritante.
Tinha gasolina o suficiente e até um pouco mais para que pudéssemos seguir com o plano estabelecido por . Agora só deveríamos voltar para e .
Cruzei os barris para ir até a escada que me levaria para o segundo andar, mas me segurou, me puxando para ele. Eu já sabia o que isso significava. Ele queria ter a conversa que não daria para ter, não naquele momento.
Mas eram sempre nos momentos mais inconvenientes ele me puxava para conversar. Impressionante.
- Espera um pouquinho. – Não havia como fugir, porque naquele momento eu já estava em seus braços e ele não me soltaria.
- Fala.
- Nós estamos bem? – Ele me fitava firmemente, com seus olhos azuis queimando os meus. Não entendia o porquê de sua pergunta. Se não estivéssemos bem, não estaríamos juntos nesse momento.
- Claro que sim. Por que não estaríamos? – Ele abaixou a cabeça e vi resquícios de um sorriso em seus lábios.
- Por causa do “problema” com Max.
- Por favor, , não sou do tipo de mulher que deixa um garoto de quinze anos estragar o meu relacionamento com o pai dele. – Dei os ombros e abaixou a cabeça novamente, repetindo o mesmo gesto genuíno que fez da primeira vez. Se escondendo quando sorria.
- Então... – Levantou a cabeça aos poucos, com a sobrancelha arqueada e um brilho nos olhos típico de um adolescente quando é correspondido pela garota mais popular do colégio. – Então nós temos um relacionamento? – Seu sorriso de canto era sedutor e me deixaria com maus pensamentos se ele não estivesse mais meigo do que sedutor.
- Se você continuar me olhando assim, não por muito tempo. – Sorri e ele apertou a minha cintura, encostando sua testa na minha. E de repente todo o ar no ambiente faltou, ficou mais quente que o normal. Muito quente por sinal. Nem parecia que lá fora estava chuvoso e com um ar gélido.
- Desculpa. – Um sussurro rouco saiu de sua boca, mas dessa vez ele não estava tentando ser meigo. Dessa vez foi o contrário.
Um suspiro baixo saiu de meus lábios, quase como um gemido e eu rezei mentalmente para não ter dito “fode” em voz alta, porque era tudo que estava em minha cabeça naquele momento.
Pelo sorriso de canto que estampava, provavelmente não disse, mas ele pôde ler meus pensamentos e meus gestos. Por isso me soltou, afastando seu corpo do meu e isso trouxe todo o frio para o salão. Mas pelo menos esfriou a minha cabeça, o suficiente para me trazer à realidade.
- Vamos? – Perguntou, segurando em minha mão e me guiando para o andar de cima.
Subimos a escada e ao chegar aos geradores, onde estava, e minha mão soltou a de bruscamente. Um ato covarde meu, que ele não ignorou, mas também não se importou, porque permaneceu ao meu lado.
- Encontramos os geradores. – se pronunciou, atraindo a atenção de que assentiu.
- Sucesso.
parecia estranha, quieta, mas agitada. Procurando pelo andar qualquer informação de mais barris pela fábrica. Não a perguntei o que aconteceu, porque no mesmo momento que chegamos, apareceu e passou por mim, com uma expressão nada amigável e com fumaça saindo das orelhas.
Saí de sua frente para que ele pudesse descer as escadas. Não queria mexer com o em sua forma furiosa, de qualquer forma.
Eu e nos encaramos, nos comunicando mentalmente. Trocando olhares como, “Você vai atrás dele ou eu vou?” ou “Por favor, volte vivo depois disso”.
- Ok, eu vou ir atrás do ver se ele precisa de ajuda. – pronunciou novamente, mas apenas murmurou um “não foi ainda?” e eu dei os ombros. Então ele desceu as escadas.
Fui até minha irmã e toquei em seu ombro, ela se virou para mim, mas não disse nada. Também sabia que não me diria. O que quer que esteja acontecendo entre ela e seu líder, eu sabia que não iria gostar.
Obviamente eu confiava em pra não se envolver com um cara louco como aquele, e mesmo assim eles estavam tão próximos que eu ficava com uma pulga atrás da orelha, apenas desejando que fossem paranoias minhas.
- Tá tudo bem? – Ela assentiu em resposta e eu dei os ombros. – Homens...
- O que? Como assim? Amo eles... – Ri de sua resposta carregada de sarcasmo e a tensão sumiu, seus ombros relaxaram um pouco e então continuaríamos com os nossos objetivos. Depois iríamos embora, cada um voltaria para seu mundinho.
Um barulho chamou nossa atenção, junto com o que pareciam ser vozes no andar de baixo. Mas não as vozes de ou . Percebemos uma movimentação estranha, tudo muito suspeito.
- Mas que merda... – dissemos juntas. segurou com força sua arma e eu o meu facão.
Mas nem fodendo eu desceria lá. Nem. Fodendo.
- Vamos. – disse.
- Bora.

***

Grimes.

Descemos as escadas, estava mais a minha frente e não havia dito nada. Mal abriu a boca. E eu não queria saber o que aconteceu.
Não era do meu interesse e por não ser do meu interesse, não me importava. Nem um pouco.
Desatento, batia os pés e caminhava mais para frente, em direção aos barris que eu e havíamos encontrado. Mas no meio do caminho parou e quando cheguei mais perto, pude ver os dois homens apontando armas para ele. O mesmo apenas levantou as mãos se rendendo.
- O que faremos com ele? – Disse um deles.
- Podemos levá-los para o chefe e de lá, ele vê o que vai fazer com esse.
- E as meninas?
- Que meninas? – O cara estranhou. – Surtou, irmão.
Fui lentamente e silenciosamente até um deles, dando uma coronhada em sua cabeça. O homem resmungou e cambaleou para trás, foi o suficiente para eu puxá-lo pelo pescoço. Mas o mesmo se soltou, tentando pegar sua arma que havia caído no chão.
Enquanto isso, com o susto que o parceiro levou, abaixando a guarda, o pegou. Arrancando a arma da mão do homem e o jogando no chão, enchendo-o de socos.
Ele precisava extravasar a raiva de algum jeito.
No meu caso, não precisei surrar o homem. O mesmo se rastejava no chão desastradamente, tentando pegar sua arma de qualquer jeito. Então eu pisei em sua mão, antes que ele a alcançasse. O rapaz gritou de dor e eu o peguei pelo colarinho, levantando-o a força.
- Quem diabos são vocês? – Perguntei, poupando simpatias.
- Eu... Eu... – choramingava de dor. Apertei então a sua mão machucada. – Mas que merda. – Gritou, choramingando mais alto.
- Eu te fiz uma pergunta.
O homem se passava de um completo inútil, não abria a boca para nada. Nem mesmo para algo que pudesse poupar sua vida. Covardes...
- Ei! – Uma terceira voz, de um terceiro cara chamou nossas atenções. Minha e de Slade que já havia botado o que apontou a arma para ele para dormir há minutos.
Em resposta, eu joguei o que segurava no chão e apontei minha arma para o terceiro que apareceu. repetiu, apontando também sua arma para o homem que apenas levantou as mãos e caminhou para a luz, se revelando.
Puta merda...
- Não fode... – murmurei.
- Sou eu! – Will saiu das sombras, se relevando. O mesmo que eu e havíamos sequestrado há um tempo, que havia passado a perna em nós e deixado puto, mais puto do que eu já havia deixado.
- Melhor ainda. – Slade disse, transbordando de fúria e destravando a arma, pronto para estourar os miolos do rapaz. E devidas às circunstâncias do nosso último encontro, não faria mal nenhum matá-lo.
- Ei, esperem, não atirem! – Pediu, tentando manter a calma. – Eu só quero conversar com vocês, apenas isso.
- Eu já estou cansado de conversar – se opôs e o rapaz apenas balançou a cabeça, um pouco desnorteado. Ele achou que seria tão fácil assim?
- Nós podemos entrar em um acordo. Não precisa terminar assim, cara. Qual é... Me ouçam.
Eu permanecia com minha arma apontada para o garoto, fazia o mesmo, nenhum de nós estávamos com a mínima vontade de abaixá-las. Mas então me encarou e na troca de olhares, fomos abaixando nossas armas lentamente.
- Ótimo! Então vamos poder conversar? – Will perguntou em um tom mais animado, convicto de que não morreria essa noite.
- Nah. – respondeu. E nós apontamos as armas para ele de novo.
- Mas que merda... – resmungou.

***

Romero.

Descemos as escadas em silêncio, pelo vidro do comando de todas as máquinas podíamos ver o que estava acontecendo, então guardamos nossas armas, mas uma estava facilmente acessível para qualquer surpresa no meio do caminho.
Não havia luzes acima da cabeça dos garotos ou por nosso trajeto, o que facilitava nossa passagem até o grande portão de metal que parecia uma entrada de garagem, e era pra lá que nós duas estávamos indo. Dessa forma seria mais fácil transportar os barris, ainda assim precisaríamos de um Backup. Não o cachorro, mas ajuda de alguns caras de Slade que tinham um caminhão.
Quando chegamos ao mecanismo ao lado da grande porta de metal, nos mantemos atrás de um dos containers, e entreguei meu walkie talk para . Ela também tinha o dela, mas dessa vez iríamos chamar Nico que estava naquela linha de comunicação.
- Quem vai estar aí do outro lado é Nico, ele veio junto conosco e mais alguns caras pra cidade, mas ficou em um mercantil para pegarem algumas coisas e esperava a barra ficar limpa para serem chamados. Apenas dê as instruções de como eles podem chegar até essa porta, se eu estiver certa, haverá apenas um terreno vazio do outro lado.
Minha irmã assentiu e apertou o botão orientando Nico a como chegar ali. Eu mantinha minha cabeça ligada para qualquer pessoa ou morto-vivo que pudesse se aproximar, e notei que ela se distanciava cada vez mais para melhorar o sinal que sofria interferência.
Suspirei olhando outra caixa cheia de fios cortados que pareciam não ter solução.
- Se fosse em “Medalha de Honra” teria apenas um botão grande e vermelho e já seria o suficiente – ouvi os sons de Slade e fazendo sabe-se lá o que com as pessoas que estavam aqui dentro e revirei os olhos. – Parece que não é tão diferente assim do jogo.
Coloquei a lanterna em minha boca apontando para a caixa de fios acima da altura da minha cabeça e alcancei uma fita isolante. Era hora de trabalhar.
Infeliz ou felizmente antes de a lanterna apontar diretamente para onde deveria, percebi que entre alguns containers no canto do local havia pelo menos cinco colchões todos eles amontoados, com algumas panelas, roupas e sapatos ao lado. Alguns destes eram infantis.
Então não somente tínhamos invadido a resistência de um grupo minúsculo como Slade estava perdendo tempo querendo bancar o justiceiro com essa gente. Ótimo. Eu amava as atitudes do meu novo amigo, demais.

***


Romero.

- Mesmo que o portão ainda não esteja aberto, abra o caminhão e espere por nós – observei e “conversarem” com os três homens que estavam aqui dentro e estranhei. – Não faça barulho algum também, se precisarmos de algo chamamos pelo walkie.
- Tudo bem. Câmbio e desligo.
Os dois estavam prestando atenção apenas em um cara loiro que parecia ter a minha idade, e era muito familiar também. Mas antes que um dos que estavam jogados no chão pegasse uma arma, alcancei a minha apontando para sua cabeça fazendo um sinal para que ele a largasse no chão.
- Como é seu nome, outra vez? – perguntou para o rapaz e tentei me focar na conversa deles para entender alguma coisa.
- William. Pode me chamar de Will – sorriu apertando os lábios. Ele estava de joelho no chão com as mãos para cima. Não demonstrava medo, parecia um daqueles caras com lábia o suficiente para enganar um grupo de trouxas.
- Da última vez que você nos enganou eu fiquei com muita raiva Will, sabe por quê?
Suspirei. Ok então ele realmente havia passado a perna em alguns de nós...
Ele assentiu.
- Tenho uma ideia do por que você ficaria tão zangado, e acredite em mim, no seu lugar eu também ficaria, mas eu tinha um bom motivo – foi interrompido.
- A criança? – revirou os olhos. – Todos nós temos motivos para o que fazemos e por quem fazemos Will, mas devo admitir... Você não irá viver para ver o sol de amanhã, por mera vingança da minha parte. Eu acho que você não entende o quão ruim e implica para o patriarca ser contrariado na frente de seus subordinados, não é? E você fez isso, me fez de bobo na frente das minhas pessoas.
Will bufou quase divertido.
- Você está fazendo isso agora – apontou o óbvio. E não gostou disso, pois um segundo depois um chute fora transferido para o estômago do cara.
Intervi inocentemente já não aguentando mais aquele show grátis de violência.
- Já chamei, Nico, logo ele estará aqui, e minha irmã está abrindo o portão.
se virou pra mim concordando e começou a falar:
- Você sabia, – apontou sua arma para Will – que esse merdinha trabalhava pra Zeus?
Me surpreendi com a revelação. Olhei para o rapaz e honestamente ele não tinha cara de um dos soldados sem coração de Zeus, entretanto, possuía a mesma marca no seu pulso que agora tinha.
- Ele não está mais lá dentro, – tentei argumentar – talvez ele não seja tão ruim quanto os outros.
riu. Não, ele gargalhou. E aquilo me deixou enfurecida como se ele não estivesse me levando a sério. O rapaz loiro olhava pra mim com curiosidade estampada e ignorei.
- Perdão, Slade, mas você ainda não ouviu o meu lado da história.
Neste momento a porta da garagem começou a levantar lentamente, era muito, muito grande, e toda a iluminação de fora tomou conta de nós. Era possível ver o sangue de Will na blusa de e a grande quantidade de containers atrás de mim.
- Tudo bem então – pegou um pequeno banco de madeira e colocou ao lado do rapaz se sentado e olhando intensamente pra ele com a arma em mãos, a mão leve, como se segurasse um brinquedo. E aquilo era ainda mais aterrorizante, qualquer movimento o seu dedo no gatilho poderia disparar, mesmo sem querer. – Conte para nós, compre sua liberdade.
Will suspirou já cansado daquelas brincadeiras nada divertidas.
- Eu não tenho nada para dar a vocês a não ser a minha palavra de que nunca, em hipótese alguma, entraria no Hospital e seria um deles de boa vontade. Até mesmo acredito que nenhum dos soldados dele está lá por vontade própria, mas minha razão é diferente por eu ter um motivo maior. Meu irmão foi capturado por eles e eu não tinha um grupo gigante como vocês parecem ter, ok? Somente eu e eu mesmo encontrando a maneira mais fácil que eu saberia que seria capaz de completar. Entrar lá dentro e fingir ser um deles, apenas pra pegar meu irmão, apenas isso. E no dia em que Zeus conseguiu colocar confiança em cima de mim, armamos um jeito para ele entrar no porta-malas e escapamos com Louis, que achava que eu era somente um dos soldados de Zeus, mas tinha suas desconfianças. Era pra sairmos de lá e somente isso. Ficou um pouco difícil depois que vocês apareceram é claro, porém no final de tudo eu consegui encontrar meu irmão e eu preciso continuar tomando conta dele – levantou o olhar para , o encarando profundamente. - Eu sou tudo o que ele tem senhor.
Minha garganta apertou e bufei. Em horas como essa eu agradecia por não estar no comando e ter que fazer essas merdas de decisões. Apelar para uma história de irmãos, que me remetia a mim e , era pedir que meu coração amolecesse.

***

Romero

- Slade, o que você tá fazendo? – tentei descobrir, com toda leveza que meu espírito poderia lhe dar. – De verdade, o que tá fazendo?
- Eu vou fazer esse merdinha pagar...
- Pagar pelo o que? Pelos seus nervos? O que aconteceu com manter a lógica em situações de decisão? Pra mim tá tudo muito fácil de decidir aqui. O cara atravessou seu caminho sem querer, você sequestrou ele, você bateu nele e exigiu saber de respostas, ele tá te dando bandeira branca pra você se livrar desse peso na consciência e você só quer matar ele por uma vingança estúpida? Não há vingança, apenas ódio.
Ele olhou pra mim furiosamente, apontando a arma na cabeça de Will. Me aproximei ficando na frente e ele abaixou o cano imediatamente.
- Tem gasolina o bastante aqui pra nós todos e eles nem estão interessados nisso. Só querem viver – aleguei.
- E se eles vierem com um grupo maior atrás de nós, hein, Romero? Tenho certeza que você vai adorar tomar as rédeas se uma merda dessas acontecer porque se sim, será toda a merda da sua culpa.
Que elegante.
- Eles estão com mais medo de nós do que ao contrário. Estamos em menor número agora, mas eles estão de joelho. Tem mais colchões lá atrás, no máximo cinco. Você tem noção que tá tentando destruir uma comunidade com menos número de pessoas que minhas duas mãos podem contar?
Aos poucos eu poderia quebrar suas barreiras.
- Ele é o caralho de um inimigo, todos eles são.
- Se continuar pensando que todos são seus inimigos, essa é a única coisa que vai encontrar.
- Olha pra isso – ele praticamente me ignorou, pegando o pulso de Will e mostrando a cicatriz de um Z. – Ele é um deles, Romero, ele esteve lá caralho.
- Ele não sabe onde estamos, Slade, ele não sabe onde vivemos. Você tem medo de 10 pessoas tentando tomar o seu lugar? Acorda e se prepara para o exército que está vindo atrás da sua pele. Uma marca no pulso não replica seu caráter.
Não precisei explicar. Eu sabia que ele lembrava que agora eu também tinha uma marca daquelas, e talvez essa fosse a real razão por ele estar sendo um verdadeiro merda nos últimos dias.
Sua mão ainda estava com a pistola tentando apontar para Will e um garoto surgiu por trás dos containers. Ele abraçou o irmão e chorou baixinho, soluçando, tentando entrar na frente, estando disposto a levar aquela bala pelo irmão.
Will sussurrou palavras reconfortantes e Slade respirava fundo ao meu lado sem ter certeza do que fazer. Ele não iria atirar. Ele era cabeça dura sim, mas não era burro. Atirar uma bala na cabeça de um cara inocente implicava a minha decisão de sair pra sempre de sua vida e ele não estaria disposto a arriscar isso.
Então ele saiu, seus olhos estavam mortos e saí de seu caminho para que ele fosse para fora. Era melhor para ele esperar Nico do outro lado do muro.
e continuavam com a arma apontada para os caras no chão e não debati sobre isso, mesmo que já soubessem que iriam viver por hoje, era melhor não dar tanta abertura.
Eu havia exagerado aumentando o número de possíveis pessoas que estariam ali. Cinco minutos atrás um container estava batendo perto da entrada da porta e resolvi verificar, poderia tanto ser mortos quanto vivos. E a segunda opção estava certa, porém havia somente três mulheres e um pequeno garoto loiro embargados de lágrimas com medo do que estava acontecendo ali. Fiz o sinal mundial com um dedo na frente dos lábios para que eles ficassem quietos e pretendia fingir que não havia visto coisa alguma.
Até ouvir a história de Will, as injustiças de Slade e ter que me meter de alguma forma. Não era difícil, como 1+1 são 2. Eram apenas poucas pessoas que por uma infeliz coincidência haviam parado na nossa frente. Eles não mereciam morrer.
De qualquer forma era bom saber que nem e nem decidiram dizer o quanto eu estava errada e louca em decidir que eles não mereciam um futuro injusto e na frente do público.
- você pode ir lá fora, por favor? – perguntei calma para minha irmã e ela entendeu meu pedido apenas um olhar. Por favor, , veja se Slade não se enforcou lá fora ou fez qualquer outra coisa errada, temos que manter um olho na criança do grupo.
Coloquei minha pesada mochila no chão e fiquei de joelhos ao lado de Will e seu irmão pequeno. O menor ainda tremia de medo e observei o que tentava ver desde o início. Alguns cortes na perna do garoto. Eram pequenos, mas estavam ali.
- Posso perguntar como ganhou estes? – me referi aos seus machucados. Ele arregalou os olhos para o irmão e ele lhe deu confiança para me responder.
- Naquele negócio – apontou para o container. Fazia sentido, eram velhos, mas feitos de metal, o que significava que poderia ter o risco de infecção pela ferrugem.
Abri minha mochila e retirei de dentro um desodorante.
- Posso? – perguntei para seu irmão mais velho que arqueou uma sobrancelha assentindo desconfiado. O pequeno perguntou o que era aquilo e respondi com honestidade. – Segundo meu pai esse negócio tem algum produto que pode curar seu machucado e fechá-lo com rapidez. Não queremos que isso fique aqui por muito tempo, certo?
Ele concordou, e seu olhar parecia de novo como de uma criança. Curioso.
Retirei o produto da bolinha com o dedo e apliquei em seus cortes com leveza, pela sua cara, ardeu um pouco, mas ele era um garoto forte. Percebi quando ele notou o Z em meu pulso e olhou para o seu mesmo, sorri tentando lhe passar confiança, como se soubesse pelo o que ele tinha passado.
Mas eu sei que nunca saberia. Ele era apenas uma criança.
- Eu conheço você? – Will perguntou com seu sotaque okie, parecido com o meu e de toda minha família.
Encarei seu rosto. Ele tinha a idade de . Talvez mais velho. O cabelo loiro areia bagunçado para cima, olhos verdes, boca vagamente carnuda e algumas cicatrizes que combinavam com o olho roxo que apareceria em algumas horas graças a Slade. Dessa forma era possível ter uma pequena noção da sua aparência.
Eu apenas sorri de leve, sem lhe dizer nada.
Assim que acabei com o seu irmão caçula, me levantei dando atenção a que estava me chamando.
- Nico chegou, meu walkie está dando sinais.
- Ok. – falei.
- Acho que seria melhor para todos nós se esse pessoal fosse lá pra cima e evitássemos outro desencontro. – Me apoiei nesta ideia.
Em poucos minutos os levei para o segundo andar, com as três idosas do container e os caras que estavam no chão. Naquele acordo silencioso de não tente fazer alguma coisa que também não faremos nada contra vocês.
Antes de fechar a porta da sala de comando com eles dentro deixei minha mochila lá. Eles precisariam mais do que eu.
- Até mais, – Will disse baixo.
Isso poderia soar estranho, como se ele soubesse da onde eu vinha como da Colônia ou Quartel e estivesse perto de executar um plano gigantesco para vir atrás desses dois locais e roubarmos tudo o que tínhamos.
Mas aquele era apenas Will. William Bear. O garoto que trabalhava na Clínica Veterinária de seu pai, que meu pai frequentava todo final de semana para ver se havia algo de errado com o seu peixe.
Will com certeza não se recordava de mim tão bem quanto eu me lembrava dele e de sua milésima vez suspirando e rindo tentando explicar para o velho Senhor Romero que era normal um peixe não ligar para nossa existência ou não abanar o rabinho. Pelo menos alguns deles.
Quando desci as escadas todos já carregavam os barris de diesel em cima de alguns carrinhos que havia em um canto daquele espaço cheio de máquinas e eletrônicos diversos.
É claro que eu e tínhamos capacidade de ajudar a carregarem, afinal, choquem, também tínhamos duas mãos. Mas se homens são lerdos o suficiente para tomarem a dianteira alegando sermos muito delicadas pra esse tipo de trabalho, que eles soem sozinhos enquanto dávamos as ordens.

***


A viagem de volta foi uma tortura. Eu não queria abrir a boca e certamente ele não iria recitar um poema a qualquer momento.
- ...
- É o meu nome.
- Podemos... Esquecer tudo?
- Pensei que isso já estava decidido quando você sozinho decidiu que iria ignorar qualquer coisa que tivemos antes.
- Eu só quero dizer que antes... Eu já fui pior. Mas lá dentro, com aquele garoto? Eu não queria machucá-lo. Porém eu o via como a personificação de tudo que representava você ter sido levada pelo Hospital.
Como se não pudesse ficar ainda mais difícil compreende-lo.
- e eu estávamos a alguns meses tentando apanhar um deles sem sucesso, e quando finalmente aconteceu... Uma semana depois você é levada.
Fiquei quieta.
- Então você acha que foi sua culpa?
Ele balançou a cabeça.
- Quando você os capturou, o que tinha em mente?
- Bom... Queríamos saber mais coisas sobre os nossos inimigos para não continuar em quartinho escuro de informações.
- Então você não achou que isso de alguma forma se contornaria e seria ruim para mim? – perguntei esperando sua resposta óbvia.
- É CLARO QUE NÃO! – Se alterou. – , eu nunca faria algo que de alguma forma acabasse te machucando.
- Então aí está sua resposta Slade.
Liguei a música aumentando o volume. Um rock suave preenchia nossos ouvidos. Três faixas depois e notei que ele tinha um sorriso no rosto, com o braço apoiado na janela aberta.
- O que? – mordi meu lábio tentando esconder meu sorriso.
- Eu estou ficando mais louco a cada dia que passa – disse ainda rindo e passando a mão pelo seu cabelo.
Eu ri.
- Ah, por favor, meu bem, pare de se preocupar. Agora você tem uma amigona aqui do seu lado pra evitar que isso aconteça – sorri maliciosa.
- Somos definitivamente só amigos agora?
- Pois é, culpa sua. Ainda poderíamos ter o melhor dos dois mundos...
- Um brinde a amizade – seu comentário soou amargo.
- Vai durar pra sempre. – disse antes de levantar a mão em um punho para socar sua mão de leve como um toquinho de cúmplices.

***

A amizade durou cerca de 5 horas e 53 minutos.
O tempo em que chegamos ao Quartel. Slade mandou os caras tirarem os barris de diesel do caminhão e guardarem em um local seguro. Verifiquei o plantio do QG e passei a tarde conversando com algumas mulheres que queriam saber sobre minha experiência no famigerado Hospital.
Tomei um longo banho. Dormi por algumas horas agarrada contra um travesseiro. Sentiram a solidão? Aí a tempestade começou.
Eu tinha outros amigos no Quartel, mas eu não achava que seria adequado eu aparecer de pijama no quarto de Nico de madrugada. Ele poderia ter uma namorada lá com ele que não gostaria nada disso.
Tudo estaria muito bem se meus lindos amigos não tivessem me abandonado para tirarem férias na Colônia, não é mesmo?
Lamentando o caminho todo andei pelos corredores do Quartel, não havia ninguém lá fora essa hora e quando dei por mim estava na frente da porta do quarto dele.
Bati com um pouco insegurança e em alguns segundos Slade abriu, me deixando passar. Sim, ele já esperava que eu estivesse ali.
- Ainda com medo de uma chuvinha, amor? – sorriu sacana.
Dei de ombros passando reto por ele e me joguei em sua cama que estava completamente arrumada.
Não tinha nada de especial em seu quarto, a não ser sua cama deliciosamente gigante, algumas armas e claro, ele. Slade e seu cheiro pós-banho. O cara nem usava perfume e conseguia deixar minhas pernas tremendo com aquele aroma inebriante. Algo como vinho e grama cortada, se isso faz sentido.
Sua janela era grande e mesmo com a grade de ferro eu conseguia ver o céu preto com gotas grossas de chuva caindo contra o vidro. Suspirei tentando ficar confortável, mas tinha algo faltando.
E este algo de 1,87m estava limpando suas armas como se fossem a coisa mais interessante do mundo.
Agora eu estava entediada.
Deitei de barriga pra baixo procurando silenciosamente chamar a sua atenção, e ele me ignorava como quando entramos no elevador.
Eu não sei se ele havia percebido, mas uma garota com um bronzeado incrível estava somente de blusão e calcinha na cama dele, extremamente carente.
Me deitei no seu lado da cama e comecei a brincar com a pequena vela aromatizada e vermelha em cima da cômoda. Meu dedo não queimava por passar rápido demais, mas causava algumas sombras e o fogo sambava com o vento ao redor.
- ?
- Sim? – perguntei ansiosa.
- Pare.
Soltei um longo ar pela boca. Eu juro que não foi de propósito a vela ter apagado, era apenas uma longa reclamação em forma de ar.
- Sinceramente, eu acho que às vezes estou lidando com uma criança – ele falou retirando um isqueiro de seu bolso jogando em minha direção.
Peguei com facilidade acendendo a vela outra vez para que ele pudesse enxergar e limpar suas preciosas armas e joguei o objeto em sua direção, com força. Acabou acertando a parede atrás dele, mas quem ligava.
- Slade?
- Chora.
- Há alguma chance de Zeus nos atacar agora?
- Não – franziu o cenho enfiando um arame com um pano envolta dele dentro do cano – não há sentido em sair de casa com um objetivo tão grande sabendo que a pólvora iria molhar.
- Ok... Há soldados que irão patrulhar ainda essa madrugada esperando sua benção?
- Não. Como havia dito, tem muita chuva.
- Está esperando alguma visita?
- Claro que não. – riu de leve.
- E você vai sair? – perguntei sem paciência.
- Não também.
- Então por que diabos você está aí e não aqui em cima dessa cama me dando atenção? – gritei indignada.
Ele riu colocando a arma em cima da mesinha e passou a mão pelo seu rosto como se não soubesse o que fazer comigo.
Mas eu sei que ele sabia exatamente o que fazer e o que eu queria.
Slade se levantou com seus lábios comprimidos e os olhos semicerrados com bom humor. Me ajoelhei na cama e mesmo assim chegava à altura de seu abdome. Abdome este que estava de fora pela falta de camiseta. Ele usava apenas uma calça tática escura e seus músculos se cobriam pelas tatuagens.
Ele segurou minha mandíbula aproximando meu rosto do seu, muito perto e fechei meus olhos, sedenta pra ter de volta todas aquelas sensações que há tanto tempo não sentia.
Minhas mãos seguraram o cós da sua calça e ele suspirou. Nossas faces se acariciando. Sua boca escovou contra a minha e avancei mais para frente, enquanto ele mantinha um limite indo para trás.
- O que aconteceu com a amizade? – sussurrou.
Fiz bico quase chorando querendo todo o nosso fogo de volta.
- Seria um grande desperdício, Slade.
E finalmente ele me beijou.
Suas mãos foram parar em minha cintura e ele me levantou com cuidado pela quantidade de machucados que tinham em meu corpo. Eu estava mais alta que ele agora e conseguia abraçá-lo e acariciar seus cabelos com ternura e saudade.
Sua língua começou a massagear a minha e a cada segundo tudo ficava mais intenso, eu o apertava contra mim com mais força e ele puxou meu cabelo afastando minha boca para dar pequenos beijos no meu pescoço. Aquilo era golpe baixo.
- ? – disse grave contra a minha pele, deixando ela arrepiada.
- Sim... – gemi com os olhos fechados ainda para cima.
- Eu acho que você deveria ficar na Colônia também – ele tentou. Apenas tentou se aproveitar de minhas necessidades carnais pra soltar aquilo como se não fosse nada. Abri os olhos imediatamente e olhei pra ele sem conseguir conectar inicialmente. – Sabe... Pra quando eles chegarem...
O cortei.
- Eu não estar aqui? Por que eu sou inútil no meio de um tiroteio?
O clima foi cortado completamente. Ele ficou nervoso.
- Porque você é inútil morta – desabafou.
- E quem disse que eu vou morrer?
- Olha só, eu nem sei por que caminhamos pra essa direção na conversa. Eu só tô dizendo que você seria mais utilizada na Colônia, porque...
- Por que não é a área que Zeus pretende atacar e você está preocupadinho demais com a minha vida? – falei quase debochando.
Ele olhou para o céu como se pedisse clemência e força para o Senhor e pulei para o chão, olhando para baixo e pedindo que o Diabo não usurpasse meu corpo porque eu estava prestes a ter uma crise mortal contra aquele homem.
- Esquece – disse bravo.
- Esquece o caramba, Slade, não me beije como uma mulher se vai me tratar como uma criança. Eu já lhe disse isso, eu tô cansada da sua insegurança. Vive pagando de fodão pra todas as resistências por aí, mas quando o assunto é sobre nós, tudo que você faz é fugir. Você não para de arranjar desculpas pra nos separar. Quer colocar a culpa em mim por eu não contar para minha irmã sobre o que temos? Ótimo, mas outra vez Slade, o que nós temos se tudo que você faz é me empurrar pra fora?
Ele abriu os braços gesticulando brandamente.
- Depende do dia, se você não estiver agindo como uma vadia sem coração ou o dia que você está apenas desejando minha atenção porque tem uma coceira que precisa ser aliviada – sorriu maliciosamente com raiva e abri minha boca em um círculo perfeito, chocada.
- Você me respeite – bati com o travesseiro nele que se virou tempo o suficiente para atingir suas costas. – Eu não sou a merda de um dos seus soldados.
- É claro que não, eles não dão tanto trabalho – comentou tranquilamente.
- Porque eu claramente sou especial – sim, às vezes, não somente quando estava bêbada... Meu ego crescia. Se eu não me amasse quem iria?
- Você é um pé no saco – reclamou.
- Um pé no saco que você não desiste de perseguir – argumentei levantando as sobrancelhas.
- Eu te persigo? – perguntou abismado. – Então vamos falar sobre as madrugadas que você fugia do quarto da sua amiga pra passar a noite comigo.
Não, não vamos falar sobre isso. Em um segundo ele estava quase colando o seu rosto no meu e meu sistema falhou.
- Você tem uma king size – parecia ser um bom motivo na minha mente.
- Então você só vem pela minha cama? – Sem aviso prévio para minha sanidade Slade me pegou pela bunda com força me colocando em cima da sua mesa, empurrando as armas para o lado, as deixando cair no chão.
É assim que você trata outros objetos quando eu estou na sua frente, oras.
- É claro que sim... – minha voz ficou fraca com sua boca tão perto. Vai, me beija de novo, esquece isso e brigamos depois.
- Muito bem então – ele me pegou novamente no colo e me jogou em cima da cama. Quando pensei que ele se juntaria ao meu lado... Ele simplesmente se foi. – Faça bom proveito dela.
Urrei com ódio ficando de joelhos e socando aquela merda de colchão. O que eu não deveria ter feito, já que meus machucados ainda não estavam fechados.
- Ai... – gemi de dor.
Os passos de Slade saindo pelo corredor estavam voltando para o quarto outra vez e corri para a porta fechando na cara dele e trancando rapidamente.
Ele socou algumas vezes a madeira e eu ri uma vilã de desenho animado. E depois gemi de dor outra vez. Carma era uma merda.
- Abre – gritou.
- Vá embora.
- Este é o meu quarto, .
- Observe eu me importar. – respondi.
- , meu amor... – choramingou. – Abre a porta.
E volta o cão arrependido...
Permaneci em silêncio.
- Por favor.
Ele poderia fazer melhor que isso.
- Você sabe que eu posso ser muito chato, insistente, irritante e sim às vezes inseguro. Mas é porque você é a melhor coisa que eu tive em muitos anos. Por favor, vamos recomeçar.
Quase bom. Abri a porta lentamente, com a cara fechada e ele tinha essa feição de dor que me forcei a não revirar os olhos. Por que ele tinha que fazer tudo ser um drama?
- Posso entrar? – perguntou em expectativa.
Bom, aquele era o quarto dele, mas agora estava sob minha posse.
- Um pouco – falei empinando meu nariz.
- Eu, honestamente, acho que você vai ser obrigada a me perdoar.
- Eu tô usando drogas?
- Não?
- Então em qual outra situação você acha que eu seria tão fraca assim pra te perdoar tão rápido?
- Na situação onde estamos fadados a conviver um com o outro pra sempre e ter que aguentar você rebolando perto do meu pau toda noite e comprometer nossa amizade seria muito mais fácil se você me perdoasse.
- E por que eu faria isso toda noite? – puff. É claro que eu faria.
- – ele sorriu chegando perto demais do meu círculo pessoal e caminhei para trás até cair na cama. – Você me quer o tanto quanto eu te quero e tudo o que eu quero é você.
Slade me deu um leve selinho que acabou tomando o lugar de um beijo. Minhas pernas já o abraçavam para perto de mim e toda minha autopreservação já tinha ido para o espaço.
- Eu vou estar aqui quando Zeus chegar – parei o beijo sem fôlego.
- Sim, você vai – não deu importância voltando a me beijar.
- E eu vou lutar não somente pelo QG, mas por cada pessoa que vive nele – sua língua lambeu meu lábio inferior trazendo-o para sua boca terminando por morder com força. Uma força deliciosa.
- Com certeza – sorriu malicioso.
- Eu não estou pedindo permissão – cerrei meus olhos.
Ele segurou meus dois braços para cima enquanto sua cintura trabalhava com leves gestos contra minha parte sensível. Arfei quase perdendo minha linha de raciocínio.
- E eu não estou te dando...
- E chega de – sua boca esmagou a minha antes de ele soltar apenas uma frase.
- , cala a boca.
Puxei minha blusa sobre minha cabeça e a joguei em qualquer lugar no quarto, sentindo minha pele tomar arrepios pelo seu olhar carregado de erotismo para cada curva minha. Eu estava sem sutiã como sempre e meus mamilos já estavam duros e doloridos querendo sua atenção. Ele mordeu com leveza e empurrei sua cabeça para o lado, subindo em cima dele. Joguei meu longo cabelo para trás e abri seu zíper e botão, sem delicadeza, tirando sua calça com rapidez revelando nada por baixo.
Minha calcinha minúscula ainda estava no caminho, mas eu fiquei em cima dele, notando seu olhar sobre mim. Ele estava lambendo seus próprios lábios como se eu fosse à última gota de água no deserto e eu o encarei de volta, passando meus dedos pelos seus músculos e tatuagens, sorri pensando na quantidade de coisas que poderia fazer com aquele corpo e me divertir.
- Deliciosa – ele falou e com cuidado me colocou abaixo dele novamente.
Ele evitada tocar na faixa em volta da minha cintura e eu evitava tocar em pontos roxos do seu corpo. Cada vez que nos apertávamos um pouco demais, alguns gemidos saíam tanto por satisfação quanto por dor. Seria engraçado se não fosse trágico. Nada que nos impediria de finalmente tirar todas as dúvidas do caminho.
Seus lábios voltaram para o meu e ele tinha um gosto incrível. Suas mãos me alisavam com uma delicadeza sofrida e eu estava derretida em baixo dele, seguiu dos meus braços até minha barriga, da barriga até minha coxa, onde ele abriu minhas pernas e fez um carinho gostoso por cima da calcinha. Ele já conhecia meu corpo com a palma da sua mão, e cada vez que chegávamos tão próximo, algo dentro de mim acendia e nos fazia parar, seja qualquer preocupação externa ou interna da minha mente paranoica.
Mas naquela noite, nem mesmo um cometa caindo sobre nós me faria parar.
Sua atenção se voltou para meus seios e meu colo. Eu arranhava suas costas e braços e ele voltava a segurar meu pulso com força contra a cama. Ele era um dominador nato. E eu estava mais do que bem com isso.
Leves gemidos saíam da minha garganta e arfei com a adrenalina que se estocou no meu estômago quando percebi que minha calcinha estava sendo retirada. Ele enfiou dois dedos dentro de mim e eu gemi antes dele sussurrar no meu ouvido:
- Você está mais do que pronta pra mim, .
Ele fazia movimentos de vai e vem, com força, procurando aquele ponto maravilhoso que foi encontrado e neste momento não demorou até que a famosa explosão se iniciasse dentro de mim.
E agora eu gemia como uma verdadeira vadia. E amava cada segundo daquilo.
Slade tirou seus dedos de dentro de mim, e colocou na minha boca. Eu chupei com vontade sentindo meu próprio gosto em sua mão, o encarando firme e sensualmente. Aquilo era pura insanidade, se alguém nos interrompesse, eu usaria aquelas balas em cima da mesa contra essa pessoa.
Ele segurou seu pau encaixando na minha entrada e forçou para dentro. Eu apertei seus ombros com força não me importando com o volume alto que reproduzi. Naquele momento nada importava.
Ele metia forte. Com raiva. Com força. Sua boca se preocupava se cada parte do meu corpo tinha atenção e eu apenas continuava lhe dando um show de erotismo sobre uma garota que gemia alto a cada estocada deliciosa que recebia.
- Slade – implorei sussurrando em seu ouvido e eu sabia que nenhum de nós aguentaria um minuto a mais.
Beijei sua boca e ele deu um forte tapa na minha bunda, puxando com força minha pele contra o seu quadril. Ele acelerou e eu só conseguia sentir. Meu coração explodindo, minha mente viajando, minha pele ardendo enquanto o causador da chama não perdia o ritmo.
E então eu gozei. Deliciosamente. Com Slade dentro de mim. Logo em seguida ele veio também, e eu observei seu rosto completamente encantada tendo a visão perfeita do que o prazer se parecia.
Ele se deitou ao meu lado para não me esmagar e de qualquer forma, se ele fizesse, eu não me importaria.
- Slade? – perguntei baixinho, respirando forte.
- Sim? – sorriu com os olhos fechados.
- Não dorme. Eu já dormi o dia inteiro e você estava certo, essa garota aqui tem uma coceira que precisa ser coçada a noite toda.
Ele gargalhou.
- Se você soubesse a metade das coisas que eu estou imaginando em fazer com você, ... – suspirou. – Você é muito pura pra mim.
- Senhor, podemos sair para... –
Uma voz estranha surgiu da porta que, choquem, estava aberta, e eu gritei me jogando ao lado da cama. O dono da voz, Nico, também gritou com medo e tampou seus olhos.
- Me desculpe... – ele disse rapidamente se virando.
- Sai daqui! – Slade gritou não se importando em sair de sua posição pós-sexo, inicio de relaxamento.
- Sim, mas será que podemos... – ele começou outra vez e eu gritei.
- Nico, pelo amor de Deus! Sai!
- Ah, que droga – resmungou ao se virar para a saída e eu arregalei os olhos para Slade que se segurava para não rir.
- Isso não é engraçado! – berrei.
Me levantei rapidamente com um lençol envolto de mim como um fantasma e fechei a porta, pegando o travesseiro do chão que havia batido em Slade e bati novamente nele que gargalhava da situação.
- Você está vermelhinha... – debochou.
Cerrei os olhos.
- Eu vou embora – apontei para a porta ameaçando.
- Não, não... – levantou as mãos inocentemente. – Volta aqui.
Bufei voltando para o seu colo.
E esta foi a história de como nosso dia de brigas e pequena duração de amizade foi concertada da melhor maneira possível.




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Outras Fanfics:
Atlas: Outros, Restritas, Colegial, Em Andamento.
Caça ao Tesouro: Outros, Short, Finalizada.


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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