Quando os moradores da pacata Witch Castle descobriram sobre seu mais novo hóspede, imaginaram que, na pior das hipóteses, a presença de um um astro mundialmente conhecido faria com que as pousadas da região passassem meses sem um quarto disponível. Semanas depois, tendo suas vidas atormentadas pelo problemático fiel escudeiro do músico, tudo o que alguns deles mais desejam é que os dois saiam dali o mais rápido possível.
Cleptomania: compulsão que leva um indivíduo a roubar objetos, independentemente de seu valor.
Cleptomania: compulsão que leva um indivíduo a roubar objetos, independentemente de seu valor.
Capítulo Único: o gato cleptomaníaco
Sábado, 10h48 - celeiro da cidade de Witch Castle, Inglaterra.
Havia uma mosca no celeiro.
Camuflado em meio às demais manchas no forro de madeira, o pontinho preto passara despercebido a princípio. E a um observador míope qualquer, talvez assim permanecesse. , no entanto, era hiperativo e estava entediado, o que o levara a encarar o teto por tempo suficiente para notar que um dos borrões estava se mexendo.
Quando implorara à sua agente por uma pausa na carreira, esperava apenas que McGonagall encontrasse alguma brecha em seu contrato que lhe permitisse passar o próximo semestre viajando pelo mundo. Em nenhum momento ele imaginara que seu pedido acabaria levando-o a passar uma temporada no lugarzinho mais monótono da face do planeta Terra.
- Honestamente, Dixon. - Alguém dizia. havia deixado de prestar atenção cerca de três minutos depois de chegar. Era apenas a segunda vez que presenciava uma das reuniões quinzenais dos moradores de Witch Castle, mas já descobrira ser humanamente impossível (ao menos para qualquer pessoa sã) continuar acompanhando as discussões por mais tempo do que isso. - A situação está insustentável!
A escolha do vilarejo de pouco mais de três mil habitantes como destino resultara de uma sugestão da própria McGonagall, que vivera ali em sua juventude. Talvez isso justificasse o sorriso descrente que ela ostentara ao finalizar sua reserva no Quiddich Inn, uma das únicas pousadas existentes em toda Witch Castle.
É paz e tranquilidade que você vai ter, , nada de festas, luxo e agitação. Você tem certeza de que quer férias?
A oferta soara tentadora demais para ser recusada e não se dera ao trabalho de ler as entrelinhas. A exaustão havia atingido um nível crítico e ele sentia que caso não conseguisse um tempo afastado da rotina de composição-gravação-divulgação-turnê, acabaria colocando tudo a perder em um colapso mental.
E precisava admitir que o primeiro final de semana fora como a realização de um sonho. Ele não se lembrava da última vez em que pudera se dar ao luxo de passar o dia todo de pijama, comendo porcarias enquanto maratonava alguma série com na almofada ao lado. Sair para fazer algo simples como sentar em um banco e observar o movimento, sem ser assediado por um punhado de paparazzi, então? Céus, fazia muito tempo.
O único inconveniente agora era o receio de voltar a Londres para então descobrir que todo o seu espírito criativo fora consumido pelo tédio existencial. Sua carreira talvez nunca se recuperasse. Seus fãs certamente não iriam.
- Aquele animal insiste em arruinar a minha coleção de cactos! - Outra pessoa protestou, soando bastante indignada.
- Eu juro que se mais uma das minhas tabelas periódicas sumir, vou abrir um boletim de ocorrência.
ergueu os olhos e cerrou os lábios para não rir. A queixa de Sigmund Stuart, um rapaz de oleosos cabelos escuros e sem qualquer senso de humor, combinava bastante com a sua aparência.
- Não acho que seja para tanto, Sigmund. - Albus Dixon, o presidente do conselho de moradores, respondeu. - Você, a senhorita Lewis e Lucian Mendes levantaram uma questão importante, mas se não me engano, nós já discutimos esse assunto na penúltima reunião.
- Isso foi antes. - O último citado protestou. - Quando fizemos aquela votação, não sabíamos que estávamos concordando em abrigar um meliante!
- Os senhores estavam cientes das histórias. - Dixon argumentou com paciência, ajeitando os óculos que teimavam em escorregar por sobre o nariz fino. - E se eu me lembro bem, Lucian, o senhor se mostrou bastante favorável quando descobriu o quanto a economia de Witch Castle poderia crescer.
O homem grunhiu e levantou-se para encarar a multidão composta pelos demais habitantes do vilarejo.
- Sim, mas a que custo? É a reputação dessa mesma Witch Castle que está em jogo! - Ele exclamou, seu tom insatisfeito provocando murmúrios. - Durante mais de um século nós mantivemos o título de melhor e mais organizada vizinhança do interior da Inglaterra! Nossa qualidade de vida é invejada em toda a Europa e há mais de uma década nossa delegacia foi transferida para a cidade ao lado, pois não temos crimes! É inadmissível que tudo isso seja colocado em risco por causa de um maldito animal.
Alguém bateu palmas e Albus Dixon usou os dedos para massagear as próprias têmporas.
- E o que o senhor propõe que seja feito?
Mendes sorriu como se estivesse esperando por aquela pergunta desde que nascera.
- Eu proponho expulsá-lo de uma vez!
Do outro lado do celeiro, um jovem gargalhou e vociferou um “dramático” que fez o rosto pálido de Lucian Mendes tingir-se de vermelho.
- Você quer expulsar o gato?
O homem assentiu e Frank Longtop, autor da pergunta, balançou a cabeça para expressar sua incredulidade.
- Faz sentido. - Uma mulher de cabelos escuros e cacheados que estava algumas fileiras à frente de , a mesma que reclamara acerca da coleção de cactos, concordou. - Tirá-lo daqui antes que algo mais valioso seja levado para Merlin sabe onde.
- Está mesmo sugerindo o abandono de animais, Beatrice?
Foi quem questionou, seu tom indicando que ela compartilhava do tédio que sentia naquele momento. Sua atraente nova vizinha era uma das únicas pessoas com quem ele havia conseguido interagir normalmente desde que chegara a Witch Castle.
Apesar de a agitação ter diminuído, passado o período de novidade, a presença do músico em qualquer estabelecimento ainda tendia a intimidar os demais habitantes da cidade, o que dificultava bastante à socialização. O interesse pela moça, que tivera a coragem de bater em sua porta logo na primeira noite, carregando um inexpressivo nos braços, fora instantâneo.
Fitá-la ali, de braços cruzados e expressão desafiadora no rosto, portanto, o forçava a desviar ainda mais sua atenção do debate que acontecia, a fim de controlar os próprios pensamentos.
- Claro que não, . - Beatrice respondeu, e havia uma irritante condescendência em suas palavras. - Em momento algum eu disse que o dono não estaria convidado a ir junto.
Do alto de seu palanque, Albus Dixon acariciou a longa e grisalha barba com visível ansiedade. Houve uma agitação entre os demais presentes e diversas cabeças viraram-se para trás.
- O quê? - indagou confuso ao notar que era à sua figura que todos fitavam com expectativa. Ele endireitou a postura na cadeira de plástico, incomodado com a atenção repentina (algo irônico, considerando que ele era famoso mundialmente e tudo mais) - É a minha opinião que vocês querem? - Dixon assentiu e franziu o cenho, pensando no que dizer. - Eu acabei de chegar, são vocês que decidem.
O presidente estreitou os olhos por trás dos óculos de meia lua. foi tomado pela súbita sensação de que estava de volta à adolescência e acabara de dar uma resposta incorreta em algum tipo de prova.
- O senhor está ciente de que uma vez que a decisão for tomada, não haverá revogação? - Indagou outra vez e repetiu o aceno com a cabeça, ainda sem entender onde Dixon pretendia chegar com aquela história. - E sabe também que o regimento interno do vilarejo de Witch Castle atribui ao conselho poder de escolha quanto àqueles que aqui residem? Ou seja, assim que entrarmos em um acordo, eu, como presidente deste mesmo conselho, serei obrigado a anunciar que o senhor terá um total de quinze dias úteis para providenciar sua saída da suíte ocupada na rua do Artilheiro, número vinte e um.
estava prestes a dizer que tudo bem quando percebeu que não,não estava tudo bem.
- Espera, o quê? - Indagou, franzindo o cenho enquanto tentava entender que caralhos havia acabado de acontecer ali. - Como assim? O que eu fiz?
- Falhou em conter aquele animal! - Beatrice exclamou, jogando as mãos para o alto.
- Eu sei que não é preciso muito para fazer sucesso nos dias de hoje, . - Sigmund Muggleborn parecia lutar contra a vontade de sorrir com satisfação. sentia-se compadecido às pobres almas que eram obrigadas a conviver com um professor de química como aquele, a tarefa não lhe parecia das mais fáceis. - Mas podia apostar que o requisito mínimo para um músico decente era uma boa audição.
Escolhendo ignorar a provocação, finalmente entendeu.
- Era de que vocês estavam falando?
- Por acaso o senhor conhece outro gato de tendências cleptomaníacas? - Beatrice Lestrange rebateu cínica, arqueando uma sobrancelha.
- Eu sei que ele às vezes pega uma coisinha ou outra por aí. - tentou justificar, mas o eufemismo em suas palavras o levou a passar uma das mãos pelo cabelo, nervoso. - Mas chamar de cleptomania é exagerar um pouco, não acha?
- O cotidiano de toda a cidade está sendo afetado pelos furtos do seu gato e você acha que nossas reclamações são um exagero? - Lucian Mendes quase gritou, uma veia grossa saltando em sua testa.
- Não, claro que não. - Ele torceu para que as palavras não tivessem soado tão sarcásticas quanto em sua mente, já que aquilo não ajudaria em nada a situação. Não era possível que pudessem mesmo obrigá-lo a sair da cidade, era? tinha um total de zero experiência e conhecimento na área, mas não imaginava que uma cláusula dessas pudesse existir com qualquer embasamento legal. - Mas me expulsar não é uma medida, assim… Drástica demais?
- Certamente. - Dixon anuiu. - Acredito que precisaremos trabalhar com outras alternativas.
deixou que a cabeça pendesse para trás, fitando o teto com desesperança.
A mosca ainda estava ali.
**
notou que algo estava errado assim que avistou .
As ruas que levavam ao Quidditch Inn haviam sido ridiculamente bem planejadas e o dia mal havia começado (honestamente, que tipo de ser humano planeja uma reunião de moradores às nove horas da manhã de um sábado e ainda estipula a presença como obrigatória?), de modo que ele tivera todo o percurso de volta para martirizar-se quanto ao que faria nos próximos dias.
Ir embora era uma opção, apesar de ser a última coisa que o rapaz queria no momento. Por mais lenta e banal que fosse a rotina de Witch Castle, suas três semanas ali ainda não haviam sido suficientes para recuperar cinco anos de noites mal dormidas e incontáveis compromissos. ansiava afastar-se da toxicidade dos holofotes há tempo demais e seria impossível abrir mão da oportunidade no primeiro obstáculo. No entanto, ele também não estava nem um pouco empolgado para abraçar a alternativa que lhe restava.
A tarefa a ser cumprida era delicada demais e qualquer equívoco poderia causar seu convite de retirada do vilarejo – um eufemismo elaborado para expulsão definitiva.
Maldito transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Talvez, se estivesse de fato prestando atenção nos assuntos discutidos e - sabe-se lá como - tentado participar, pessoas como Beatrice Lestrange, Lucian Mendes e Sigmund Muggleborn teriam tido seu tempo de fala reduzido, não podendo expor aos demais todos os problemas causados por .
balançou a cabeça, incrédulo, e fitou o gato, que estava confortavelmente sentado na grama de uma casa amarela e sem cercas. Por mais escuro que fosse o pelo do bichano, teria sido difícil passar pela calçada sem notá-lo: ao lado de suas patas monocromáticas, algo destoava em um tom de vermelho berrante.
Céus, tinha se certificado de fechar as janelas antes de sair, não tinha?
- O que você está fazendo aqui? - Indagou, aproximando-se do felino com cautela para que ele não fugisse. - , por favor me diz que você não fez nada grave. - O gato ergueu os olhos cinzentos com o desinteresse típico de quem tenta disfarçar alguma coisa. Quando tombou o corpo para deitar, poderia jurar que sentiu o coração parar de bater.
Sob o sol do meio dia, o sutiã de renda parecia brilhar como um letreiro neon em Las Vegas.
- Eu vou castrar você. - grunhiu, sem conseguir decidir se fitava o gato, a peça de lingerie ou a fachada da casa que provavelmente abrigava sua dona.
Caso Dixon não tivesse acabado de incumbi-lo de devolver todos os objetos furtados por nas últimas semanas, ele provavelmente teria feito a egípcia, fingindo não ver o que o gato havia acabado de fazer. Agora, entretanto, aquela já não era uma alternativa plausível.
parou em frente à porta, sentindo um nervosismo comparável àquele que antecedia sua entrada nos palcos, e apertou o botão da campainha.
- Oi. - Disse sem jeito quando uma figura de cabelos acaju surgiu à sua frente.
Como a moça chegara tão rápido ali depois da reunião, ele não saberia dizer. não se lembrava de ter perdido tanto tempo observando as vitrines da loja de artigos esportivos.
- Oi, astro da música! - Ela retribuiu o cumprimento e franziu o cenho ao notar sua postura tensa. imaginou que estivesse listando mentalmente os motivos que o teriam levado até ali. - Aconteceu alguma coisa?
Não havia espaço para enrolação quando se tratava de . Mas o rapaz ainda não havia atingido o mesmo nível de desprendimento social.
- Tudo bem? - Ele apertou com mais força a peça de lingerie que escondia atrás do corpo e apoiou-se contra a parede mais próxima. estreitou os olhos, notando a clara tentativa de mudar de assunto.
- Aham. E com você?
- Também.
- Legal.
Ela escorou o corpo contra o batente de madeira claro e cruzou os braços.
- Legal. - Repetiu o comentário, no mesmo tom de quem não sabe mais o que dizer para continuar o assunto. Após alguns segundos fitando-o em um silêncio incômodo, se rendeu à curiosidade e repetiu a pergunta. - Aconteceu alguma coisa?
mordeu o lábio, envergonhado.
- É… Mais ou menos. - Admitiu. - Você lembra daquela parte da reunião em que me disseram que eu deveria encontrar os donos de todas as coisas que meu gato pegou? - No meio tempo que ela levou para assentir, conseguiu pensar em meia dúzia de rimas diferentes para o tom daquelas íris. Ele balançou a cabeça para retornar o foco ao que importava - Então… - Buscando pela coragem dentro de si, ele ergueu o sutiã por uma das alças.
A primeira reação de fora abrir a boca em um adorável “o” de surpresa. Então ela riu.
- Acho que eu deveria me sentir lisonjeada por você achar que é meu. - Disse, as bochechas ainda levemente coradas. - Mas tenho quase certeza de que é da Beatrice, ela ama esse tipo de coisa. - Em momentos como aquele, não podia deixar de agradecer por ter escolhido a música à atuação. A decepção deveria estar estampada em seu rosto. - É que ela mora ali. - explicou com humor, apontando para o sobrado vizinho ao dela.
quis rir também. Então notou que aquilo significava ter de repetir a mesma cena vergonhosa de minutos atrás, dessa vez com uma das pessoas que acabara de tentar mandá-lo embora da cidade, e a vontade se esvaiu.
- Você conhece o pessoal daqui, tão bem assim? - Perguntou, curioso e assistiu enquanto dava de ombros, como se não fosse nada demais.
- Eu moro aqui desde sempre. - Ela explicou, parecendo envergonhada pela primeira vez desde que haviam se conhecido. - E algumas pessoas têm gostos peculiares, acaba sendo fácil de identificar.
deixou escapar um sorriso, o esboço de um plano começando a se formar em sua mente criativa.
- Sabe, tem um fetiche pelas meias de lã de alguém. - Disse com a mesma simplicidade de quem avisa que irá chover. - Tem uma pilha só de pés direitos lá no hotel, alguma ideia de quem é o dono?
riu, a postura mais relaxada.
- Se eu tivesse de chutar, diria que são do Lucian.
- Um conjunto de bonecas russas?
- Hm… - Ela hesitou por alguns segundos, uma pequena ruga se formando entre as sobrancelhas enquanto pensava. - Muggleborn, eu acho.
- Gravatas com estampas de bolinhas?
- Lucian de novo. Mas não devolva isso em público, ele jamais vai admitir.
- Você está muito ocupada? - Ela negou com um aceno e quando seus olhos se encontraram, sorriu. pareceu entender onde ele queria chegar. - Eu poderia mesmo usar sua ajuda.
**
Domingo, 19h23 – Residência de Evas, rua do Apanhador nº 23 – Witch Castle, Inglaterra.
- Eu sabia! - exclamou, depois de finalmente render-se à curiosidade e espiar a panela por sobre seus ombros. - Você não sabe cozinhar.
soltou a colher de madeira sobre o balcão e fingiu estar ofendido.
- É claro que eu sei. Todo mundo sabe fazer miojo, .
- Você claramente não é todo mundo. - Ela riu e se aproximou o suficiente para desligar o fogo. - Você deixou toda a água evaporar e queimou o macarrão, posso sentir o cheiro do meu quarto.
- Ops. - disse, sentindo as bochechas esquentarem. - Escolhe algum lugar legal pra a gente pedir comida, então. Eu pago.
riu ao abrir uma gaveta e retirar de lá uma série de folhetos de restaurantes locais.
- Com a sua conta bancária, celebridade, pode contar com isso.
Ela foi até a sala, em busca do telefone para fazer o pedido e passou os momentos seguintes contemplando a catástrofe sobre o fogão. Os dois haviam passado o final de semana inteiro associando os donos aos pertences furtados por (e o rapaz percebeu que os moradores mais irritáveis de Witch Castle talvez tivessem um pouco de razão ao reclamar. O gato havia acumulado muita coisa no curto espaço de tempo em que estiveram ali) e a fim de retribuir a ajuda de alguma forma, ele havia sugerido cozinhar algo para na casa dela, já que a suíte dele não portava qualquer tipo de aparato culinário.
Teria sido uma ótima ideia caso o músico soubesse o que estava fazendo.
- Como eu limpo isso?
- Você não sabe lavar uma panela? - Ela devolveu a pergunta, parecendo esforçar-se para não julgá-lo demais.
sentiu que corava outra vez.
- Eu não costumo passar muito tempo em casa. - Tentou disfarçar a vergonha com um passar de mãos pelos cabelos.
assentiu em compreensão e abriu a porta de um armarinho, tirando de lá um par de luvas de borrachas amarelas.
- É uma tarefa bem simples, na verdade. Tudo o que você precisa é…
Foram precisos poucos segundos para que ele já não estivesse mais prestando atenção. Seus olhos percorriam a garota da cabeça aos pés; alguns fios do cabelo dela escapavam do rabo de cavalo, e acumulando-se em torno de seu pescoço, o cenho levemente franzido por conta da concentração dividida entre esfregar o objeto com a esponja e explicar como se fazia; os olhos de demoraram-se um pouco mais ao analisar os lábios dela agora: moviam-se de maneira rápida, jorrando frases em um sotaque carregado muito diferente daqueles que o músico costumava ouvir.
Seus olhos desceram um pouco mais, até chegar ao colo desnudo, com o pingente acomodado próximo à clavícula; pintinhas decoravam os ombros, algumas escondendo-se por trás das alças finas do vestido. O tecido azul marinho da peça, no entanto, escondia as partes sobre as quais ele estava mais intrigado.
- E é assim que se faz. – disse, entregando a ele a panela ainda ensaboada, mas livre da crosta escura e queimada. - Você também pode colocar na lava-louças, mas ocupa muito espaço e, dependendo do material, pode manchar. – assentiu, torcendo para não transparecer o quão perdido se sentia. Céus, ele havia perdido toda a explicação. – Você por acaso ouviu alguma parte do que eu acabei de dizer?
esboçou um sorriso culpado.
- Eu me distraio fácil.
- Percebe-se. - riu e puxou o corpo para sentar sobre o mármore ao lado da pia. - É só enxaguar agora.
Os olhos de foram da mangueirinha que saía da pia até a garota à sua frente. Antes que pudesse pensar muito, ele pegou o esguicho e direcionou-o à panela.
- Como eu faço pra ligar isso?
Ela balançou a cabeça com incredulidade e esticou o tronco para alcançar a torneira.
- Prontinho.
- Você tem certeza? - questionou, forçando uma expressão confusa. Ajudava bastante que agora não tivesse muitas expectativas quanto às suas habilidades domésticas. - Não está funcionando.
- Claro que tenho.
- Mas a água não está saindo.
- , é só apertar o botão. - bufou e quando aproximou o rosto o suficiente, ele soube que era o momento de seguir a recomendação.
O jato de água a atingiu com força na região do tórax e ela gritou - se pelo susto ou pelo choque térmico do líquido em contato com sua pele, ou um misto dos dois, era difícil dizer -. gargalhou, erguendo o esguicho para molhá-la ainda mais.
Recuperando a compostura, estreitou os olhos verdes e começou a aproximar-se dele com um sorriso maldoso no rosto, estavam tão próximos agora que parte da água que a atingia respingava no rapaz. Rendido pelo contato visual, ele quase não percebeu quando tentou tirar o esguicho de sua mão.
– Nem pensar. – disse, erguendo a mangueirinha para que a garota não o alcançasse e ainda recebesse jatos d’água na cabeça.
soltou um gritinho e, na tentativa de descer do balcão, escorregou na direção dele. Pego em um imprevisto abraço molhado, baixou a guarda por tempo suficiente para que ela alcançasse o esguicho.
Notando estar a instantes de receber um jato d’água diretamente no rosto, optou por unir o útil ao agradável e, assim, tomou a atitude pela qual ansiava há semanas, juntando seus lábios ao dela.
cambaleou com o impacto de seus corpos e o rapaz passou um dos braços pela cintura dela, aproximando-os ainda mais. Ela suspirou, libertando as mãos que estavam presas contra o peito de - juntamente da mangueirinha da torneira que seguia molhando-os cada vez mais – para entrelaçá-las nos fios de cabelo dele e, assim, soube que tinha a permissão necessária para que pudesse aprofundar seus gestos e, por consequência, o beijo.
Ela entreabriu os lábios e as coisas se tornaram muito intensas, muito rápido. teria sentido certa satisfação ao constatar não ser o único com tanto desejo reprimido caso conseguisse raciocinar naquele momento. A proximidade de atordoava-o em um nível que beirava o absurdo. Céus, quando ela mordiscou seu lábio inferior, teve certeza de que poderia ganhar prêmios com uma composição inspirada nas sensações que o corpo dela lhe estava proporcionando.
Ar fez-se necessário e afastou-o por um segundo, a fim de ajudá-lo a retirar a camiseta que vestia, para então usar um dos passadores da calça jeans para puxá-lo para mais perto outra vez. , no entanto, esquivou-se de seus lábios inchados, o nariz passeando lentamente desde a linha do maxilar até o pescoço dela, o cheiro do perfume adocicado privando-o dos demais sentidos. Ele teve o prazer de poder assistir enquanto a pele dela se arrepiava por completo sob seu toque.
guiou-o pelo queixo de volta a seus lábios e passou as unhas da outra mão pela nuca dele, descendo-a por suas costas, até que apertou sua bunda. Entretanto, ao invés de instigá-lo, o gesto desconcentrou-o. estava a ponto de rir quando a campainha tocou.
- Boa noite. - O entregador disse em um tom entediado quando ele abriu a porta, pouco depois. - São trinta e oito libras.
- Pode ficar com o troco.
O rapaz de cabelos cor de areia arregalou os olhos para a nota de cem libras que havia recebido. Ele agradeceu uma porção de vezes antes de reconhecer a celebridade que tinha à sua frente.
- Ninguém vai acreditar se eu disser que te encontrei justo aqui, em Witch Castle! - Exclamou e agora a empolgação em sua voz era genuína. - A gente pode tirar uma selfie?
notou que ainda estava sem camisa, mas deu de ombros, assentindo. Terminadas as despedidas, ele deixou a comida chinesa na mesinha ao lado da porta, sendo a fome a última de suas preocupações.
Sentada convidativamente sobre a bancada da cozinha, o esperava.
**
Segunda-feira, 5h17 – Quidditch Inn, rua do Apanhador nº 21 – Witch Castle, Inglaterra.
Ao abrir a porta do quarto, descobriu que tinha em suas patas uma nova peça de lingerie. Dessa vez, no entanto, o músico sabia muito bem a quem ela pertencia.
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Havia uma mosca no celeiro.
Camuflado em meio às demais manchas no forro de madeira, o pontinho preto passara despercebido a princípio. E a um observador míope qualquer, talvez assim permanecesse. , no entanto, era hiperativo e estava entediado, o que o levara a encarar o teto por tempo suficiente para notar que um dos borrões estava se mexendo.
Quando implorara à sua agente por uma pausa na carreira, esperava apenas que McGonagall encontrasse alguma brecha em seu contrato que lhe permitisse passar o próximo semestre viajando pelo mundo. Em nenhum momento ele imaginara que seu pedido acabaria levando-o a passar uma temporada no lugarzinho mais monótono da face do planeta Terra.
- Honestamente, Dixon. - Alguém dizia. havia deixado de prestar atenção cerca de três minutos depois de chegar. Era apenas a segunda vez que presenciava uma das reuniões quinzenais dos moradores de Witch Castle, mas já descobrira ser humanamente impossível (ao menos para qualquer pessoa sã) continuar acompanhando as discussões por mais tempo do que isso. - A situação está insustentável!
A escolha do vilarejo de pouco mais de três mil habitantes como destino resultara de uma sugestão da própria McGonagall, que vivera ali em sua juventude. Talvez isso justificasse o sorriso descrente que ela ostentara ao finalizar sua reserva no Quiddich Inn, uma das únicas pousadas existentes em toda Witch Castle.
É paz e tranquilidade que você vai ter, , nada de festas, luxo e agitação. Você tem certeza de que quer férias?
A oferta soara tentadora demais para ser recusada e não se dera ao trabalho de ler as entrelinhas. A exaustão havia atingido um nível crítico e ele sentia que caso não conseguisse um tempo afastado da rotina de composição-gravação-divulgação-turnê, acabaria colocando tudo a perder em um colapso mental.
E precisava admitir que o primeiro final de semana fora como a realização de um sonho. Ele não se lembrava da última vez em que pudera se dar ao luxo de passar o dia todo de pijama, comendo porcarias enquanto maratonava alguma série com na almofada ao lado. Sair para fazer algo simples como sentar em um banco e observar o movimento, sem ser assediado por um punhado de paparazzi, então? Céus, fazia muito tempo.
O único inconveniente agora era o receio de voltar a Londres para então descobrir que todo o seu espírito criativo fora consumido pelo tédio existencial. Sua carreira talvez nunca se recuperasse. Seus fãs certamente não iriam.
- Aquele animal insiste em arruinar a minha coleção de cactos! - Outra pessoa protestou, soando bastante indignada.
- Eu juro que se mais uma das minhas tabelas periódicas sumir, vou abrir um boletim de ocorrência.
ergueu os olhos e cerrou os lábios para não rir. A queixa de Sigmund Stuart, um rapaz de oleosos cabelos escuros e sem qualquer senso de humor, combinava bastante com a sua aparência.
- Não acho que seja para tanto, Sigmund. - Albus Dixon, o presidente do conselho de moradores, respondeu. - Você, a senhorita Lewis e Lucian Mendes levantaram uma questão importante, mas se não me engano, nós já discutimos esse assunto na penúltima reunião.
- Isso foi antes. - O último citado protestou. - Quando fizemos aquela votação, não sabíamos que estávamos concordando em abrigar um meliante!
- Os senhores estavam cientes das histórias. - Dixon argumentou com paciência, ajeitando os óculos que teimavam em escorregar por sobre o nariz fino. - E se eu me lembro bem, Lucian, o senhor se mostrou bastante favorável quando descobriu o quanto a economia de Witch Castle poderia crescer.
O homem grunhiu e levantou-se para encarar a multidão composta pelos demais habitantes do vilarejo.
- Sim, mas a que custo? É a reputação dessa mesma Witch Castle que está em jogo! - Ele exclamou, seu tom insatisfeito provocando murmúrios. - Durante mais de um século nós mantivemos o título de melhor e mais organizada vizinhança do interior da Inglaterra! Nossa qualidade de vida é invejada em toda a Europa e há mais de uma década nossa delegacia foi transferida para a cidade ao lado, pois não temos crimes! É inadmissível que tudo isso seja colocado em risco por causa de um maldito animal.
Alguém bateu palmas e Albus Dixon usou os dedos para massagear as próprias têmporas.
- E o que o senhor propõe que seja feito?
Mendes sorriu como se estivesse esperando por aquela pergunta desde que nascera.
- Eu proponho expulsá-lo de uma vez!
Do outro lado do celeiro, um jovem gargalhou e vociferou um “dramático” que fez o rosto pálido de Lucian Mendes tingir-se de vermelho.
- Você quer expulsar o gato?
O homem assentiu e Frank Longtop, autor da pergunta, balançou a cabeça para expressar sua incredulidade.
- Faz sentido. - Uma mulher de cabelos escuros e cacheados que estava algumas fileiras à frente de , a mesma que reclamara acerca da coleção de cactos, concordou. - Tirá-lo daqui antes que algo mais valioso seja levado para Merlin sabe onde.
- Está mesmo sugerindo o abandono de animais, Beatrice?
Foi quem questionou, seu tom indicando que ela compartilhava do tédio que sentia naquele momento. Sua atraente nova vizinha era uma das únicas pessoas com quem ele havia conseguido interagir normalmente desde que chegara a Witch Castle.
Apesar de a agitação ter diminuído, passado o período de novidade, a presença do músico em qualquer estabelecimento ainda tendia a intimidar os demais habitantes da cidade, o que dificultava bastante à socialização. O interesse pela moça, que tivera a coragem de bater em sua porta logo na primeira noite, carregando um inexpressivo nos braços, fora instantâneo.
Fitá-la ali, de braços cruzados e expressão desafiadora no rosto, portanto, o forçava a desviar ainda mais sua atenção do debate que acontecia, a fim de controlar os próprios pensamentos.
- Claro que não, . - Beatrice respondeu, e havia uma irritante condescendência em suas palavras. - Em momento algum eu disse que o dono não estaria convidado a ir junto.
Do alto de seu palanque, Albus Dixon acariciou a longa e grisalha barba com visível ansiedade. Houve uma agitação entre os demais presentes e diversas cabeças viraram-se para trás.
- O quê? - indagou confuso ao notar que era à sua figura que todos fitavam com expectativa. Ele endireitou a postura na cadeira de plástico, incomodado com a atenção repentina (algo irônico, considerando que ele era famoso mundialmente e tudo mais) - É a minha opinião que vocês querem? - Dixon assentiu e franziu o cenho, pensando no que dizer. - Eu acabei de chegar, são vocês que decidem.
O presidente estreitou os olhos por trás dos óculos de meia lua. foi tomado pela súbita sensação de que estava de volta à adolescência e acabara de dar uma resposta incorreta em algum tipo de prova.
- O senhor está ciente de que uma vez que a decisão for tomada, não haverá revogação? - Indagou outra vez e repetiu o aceno com a cabeça, ainda sem entender onde Dixon pretendia chegar com aquela história. - E sabe também que o regimento interno do vilarejo de Witch Castle atribui ao conselho poder de escolha quanto àqueles que aqui residem? Ou seja, assim que entrarmos em um acordo, eu, como presidente deste mesmo conselho, serei obrigado a anunciar que o senhor terá um total de quinze dias úteis para providenciar sua saída da suíte ocupada na rua do Artilheiro, número vinte e um.
estava prestes a dizer que tudo bem quando percebeu que não,não estava tudo bem.
- Espera, o quê? - Indagou, franzindo o cenho enquanto tentava entender que caralhos havia acabado de acontecer ali. - Como assim? O que eu fiz?
- Falhou em conter aquele animal! - Beatrice exclamou, jogando as mãos para o alto.
- Eu sei que não é preciso muito para fazer sucesso nos dias de hoje, . - Sigmund Muggleborn parecia lutar contra a vontade de sorrir com satisfação. sentia-se compadecido às pobres almas que eram obrigadas a conviver com um professor de química como aquele, a tarefa não lhe parecia das mais fáceis. - Mas podia apostar que o requisito mínimo para um músico decente era uma boa audição.
Escolhendo ignorar a provocação, finalmente entendeu.
- Era de que vocês estavam falando?
- Por acaso o senhor conhece outro gato de tendências cleptomaníacas? - Beatrice Lestrange rebateu cínica, arqueando uma sobrancelha.
- Eu sei que ele às vezes pega uma coisinha ou outra por aí. - tentou justificar, mas o eufemismo em suas palavras o levou a passar uma das mãos pelo cabelo, nervoso. - Mas chamar de cleptomania é exagerar um pouco, não acha?
- O cotidiano de toda a cidade está sendo afetado pelos furtos do seu gato e você acha que nossas reclamações são um exagero? - Lucian Mendes quase gritou, uma veia grossa saltando em sua testa.
- Não, claro que não. - Ele torceu para que as palavras não tivessem soado tão sarcásticas quanto em sua mente, já que aquilo não ajudaria em nada a situação. Não era possível que pudessem mesmo obrigá-lo a sair da cidade, era? tinha um total de zero experiência e conhecimento na área, mas não imaginava que uma cláusula dessas pudesse existir com qualquer embasamento legal. - Mas me expulsar não é uma medida, assim… Drástica demais?
- Certamente. - Dixon anuiu. - Acredito que precisaremos trabalhar com outras alternativas.
deixou que a cabeça pendesse para trás, fitando o teto com desesperança.
A mosca ainda estava ali.
notou que algo estava errado assim que avistou .
As ruas que levavam ao Quidditch Inn haviam sido ridiculamente bem planejadas e o dia mal havia começado (honestamente, que tipo de ser humano planeja uma reunião de moradores às nove horas da manhã de um sábado e ainda estipula a presença como obrigatória?), de modo que ele tivera todo o percurso de volta para martirizar-se quanto ao que faria nos próximos dias.
Ir embora era uma opção, apesar de ser a última coisa que o rapaz queria no momento. Por mais lenta e banal que fosse a rotina de Witch Castle, suas três semanas ali ainda não haviam sido suficientes para recuperar cinco anos de noites mal dormidas e incontáveis compromissos. ansiava afastar-se da toxicidade dos holofotes há tempo demais e seria impossível abrir mão da oportunidade no primeiro obstáculo. No entanto, ele também não estava nem um pouco empolgado para abraçar a alternativa que lhe restava.
A tarefa a ser cumprida era delicada demais e qualquer equívoco poderia causar seu convite de retirada do vilarejo – um eufemismo elaborado para expulsão definitiva.
Maldito transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Talvez, se estivesse de fato prestando atenção nos assuntos discutidos e - sabe-se lá como - tentado participar, pessoas como Beatrice Lestrange, Lucian Mendes e Sigmund Muggleborn teriam tido seu tempo de fala reduzido, não podendo expor aos demais todos os problemas causados por .
balançou a cabeça, incrédulo, e fitou o gato, que estava confortavelmente sentado na grama de uma casa amarela e sem cercas. Por mais escuro que fosse o pelo do bichano, teria sido difícil passar pela calçada sem notá-lo: ao lado de suas patas monocromáticas, algo destoava em um tom de vermelho berrante.
Céus, tinha se certificado de fechar as janelas antes de sair, não tinha?
- O que você está fazendo aqui? - Indagou, aproximando-se do felino com cautela para que ele não fugisse. - , por favor me diz que você não fez nada grave. - O gato ergueu os olhos cinzentos com o desinteresse típico de quem tenta disfarçar alguma coisa. Quando tombou o corpo para deitar, poderia jurar que sentiu o coração parar de bater.
Sob o sol do meio dia, o sutiã de renda parecia brilhar como um letreiro neon em Las Vegas.
- Eu vou castrar você. - grunhiu, sem conseguir decidir se fitava o gato, a peça de lingerie ou a fachada da casa que provavelmente abrigava sua dona.
Caso Dixon não tivesse acabado de incumbi-lo de devolver todos os objetos furtados por nas últimas semanas, ele provavelmente teria feito a egípcia, fingindo não ver o que o gato havia acabado de fazer. Agora, entretanto, aquela já não era uma alternativa plausível.
parou em frente à porta, sentindo um nervosismo comparável àquele que antecedia sua entrada nos palcos, e apertou o botão da campainha.
- Oi. - Disse sem jeito quando uma figura de cabelos acaju surgiu à sua frente.
Como a moça chegara tão rápido ali depois da reunião, ele não saberia dizer. não se lembrava de ter perdido tanto tempo observando as vitrines da loja de artigos esportivos.
- Oi, astro da música! - Ela retribuiu o cumprimento e franziu o cenho ao notar sua postura tensa. imaginou que estivesse listando mentalmente os motivos que o teriam levado até ali. - Aconteceu alguma coisa?
Não havia espaço para enrolação quando se tratava de . Mas o rapaz ainda não havia atingido o mesmo nível de desprendimento social.
- Tudo bem? - Ele apertou com mais força a peça de lingerie que escondia atrás do corpo e apoiou-se contra a parede mais próxima. estreitou os olhos, notando a clara tentativa de mudar de assunto.
- Aham. E com você?
- Também.
- Legal.
Ela escorou o corpo contra o batente de madeira claro e cruzou os braços.
- Legal. - Repetiu o comentário, no mesmo tom de quem não sabe mais o que dizer para continuar o assunto. Após alguns segundos fitando-o em um silêncio incômodo, se rendeu à curiosidade e repetiu a pergunta. - Aconteceu alguma coisa?
mordeu o lábio, envergonhado.
- É… Mais ou menos. - Admitiu. - Você lembra daquela parte da reunião em que me disseram que eu deveria encontrar os donos de todas as coisas que meu gato pegou? - No meio tempo que ela levou para assentir, conseguiu pensar em meia dúzia de rimas diferentes para o tom daquelas íris. Ele balançou a cabeça para retornar o foco ao que importava - Então… - Buscando pela coragem dentro de si, ele ergueu o sutiã por uma das alças.
A primeira reação de fora abrir a boca em um adorável “o” de surpresa. Então ela riu.
- Acho que eu deveria me sentir lisonjeada por você achar que é meu. - Disse, as bochechas ainda levemente coradas. - Mas tenho quase certeza de que é da Beatrice, ela ama esse tipo de coisa. - Em momentos como aquele, não podia deixar de agradecer por ter escolhido a música à atuação. A decepção deveria estar estampada em seu rosto. - É que ela mora ali. - explicou com humor, apontando para o sobrado vizinho ao dela.
quis rir também. Então notou que aquilo significava ter de repetir a mesma cena vergonhosa de minutos atrás, dessa vez com uma das pessoas que acabara de tentar mandá-lo embora da cidade, e a vontade se esvaiu.
- Você conhece o pessoal daqui, tão bem assim? - Perguntou, curioso e assistiu enquanto dava de ombros, como se não fosse nada demais.
- Eu moro aqui desde sempre. - Ela explicou, parecendo envergonhada pela primeira vez desde que haviam se conhecido. - E algumas pessoas têm gostos peculiares, acaba sendo fácil de identificar.
deixou escapar um sorriso, o esboço de um plano começando a se formar em sua mente criativa.
- Sabe, tem um fetiche pelas meias de lã de alguém. - Disse com a mesma simplicidade de quem avisa que irá chover. - Tem uma pilha só de pés direitos lá no hotel, alguma ideia de quem é o dono?
riu, a postura mais relaxada.
- Se eu tivesse de chutar, diria que são do Lucian.
- Um conjunto de bonecas russas?
- Hm… - Ela hesitou por alguns segundos, uma pequena ruga se formando entre as sobrancelhas enquanto pensava. - Muggleborn, eu acho.
- Gravatas com estampas de bolinhas?
- Lucian de novo. Mas não devolva isso em público, ele jamais vai admitir.
- Você está muito ocupada? - Ela negou com um aceno e quando seus olhos se encontraram, sorriu. pareceu entender onde ele queria chegar. - Eu poderia mesmo usar sua ajuda.
Domingo, 19h23 – Residência de Evas, rua do Apanhador nº 23 – Witch Castle, Inglaterra.
- Eu sabia! - exclamou, depois de finalmente render-se à curiosidade e espiar a panela por sobre seus ombros. - Você não sabe cozinhar.
soltou a colher de madeira sobre o balcão e fingiu estar ofendido.
- É claro que eu sei. Todo mundo sabe fazer miojo, .
- Você claramente não é todo mundo. - Ela riu e se aproximou o suficiente para desligar o fogo. - Você deixou toda a água evaporar e queimou o macarrão, posso sentir o cheiro do meu quarto.
- Ops. - disse, sentindo as bochechas esquentarem. - Escolhe algum lugar legal pra a gente pedir comida, então. Eu pago.
riu ao abrir uma gaveta e retirar de lá uma série de folhetos de restaurantes locais.
- Com a sua conta bancária, celebridade, pode contar com isso.
Ela foi até a sala, em busca do telefone para fazer o pedido e passou os momentos seguintes contemplando a catástrofe sobre o fogão. Os dois haviam passado o final de semana inteiro associando os donos aos pertences furtados por (e o rapaz percebeu que os moradores mais irritáveis de Witch Castle talvez tivessem um pouco de razão ao reclamar. O gato havia acumulado muita coisa no curto espaço de tempo em que estiveram ali) e a fim de retribuir a ajuda de alguma forma, ele havia sugerido cozinhar algo para na casa dela, já que a suíte dele não portava qualquer tipo de aparato culinário.
Teria sido uma ótima ideia caso o músico soubesse o que estava fazendo.
- Como eu limpo isso?
- Você não sabe lavar uma panela? - Ela devolveu a pergunta, parecendo esforçar-se para não julgá-lo demais.
sentiu que corava outra vez.
- Eu não costumo passar muito tempo em casa. - Tentou disfarçar a vergonha com um passar de mãos pelos cabelos.
assentiu em compreensão e abriu a porta de um armarinho, tirando de lá um par de luvas de borrachas amarelas.
- É uma tarefa bem simples, na verdade. Tudo o que você precisa é…
Foram precisos poucos segundos para que ele já não estivesse mais prestando atenção. Seus olhos percorriam a garota da cabeça aos pés; alguns fios do cabelo dela escapavam do rabo de cavalo, e acumulando-se em torno de seu pescoço, o cenho levemente franzido por conta da concentração dividida entre esfregar o objeto com a esponja e explicar como se fazia; os olhos de demoraram-se um pouco mais ao analisar os lábios dela agora: moviam-se de maneira rápida, jorrando frases em um sotaque carregado muito diferente daqueles que o músico costumava ouvir.
Seus olhos desceram um pouco mais, até chegar ao colo desnudo, com o pingente acomodado próximo à clavícula; pintinhas decoravam os ombros, algumas escondendo-se por trás das alças finas do vestido. O tecido azul marinho da peça, no entanto, escondia as partes sobre as quais ele estava mais intrigado.
- E é assim que se faz. – disse, entregando a ele a panela ainda ensaboada, mas livre da crosta escura e queimada. - Você também pode colocar na lava-louças, mas ocupa muito espaço e, dependendo do material, pode manchar. – assentiu, torcendo para não transparecer o quão perdido se sentia. Céus, ele havia perdido toda a explicação. – Você por acaso ouviu alguma parte do que eu acabei de dizer?
esboçou um sorriso culpado.
- Eu me distraio fácil.
- Percebe-se. - riu e puxou o corpo para sentar sobre o mármore ao lado da pia. - É só enxaguar agora.
Os olhos de foram da mangueirinha que saía da pia até a garota à sua frente. Antes que pudesse pensar muito, ele pegou o esguicho e direcionou-o à panela.
- Como eu faço pra ligar isso?
Ela balançou a cabeça com incredulidade e esticou o tronco para alcançar a torneira.
- Prontinho.
- Você tem certeza? - questionou, forçando uma expressão confusa. Ajudava bastante que agora não tivesse muitas expectativas quanto às suas habilidades domésticas. - Não está funcionando.
- Claro que tenho.
- Mas a água não está saindo.
- , é só apertar o botão. - bufou e quando aproximou o rosto o suficiente, ele soube que era o momento de seguir a recomendação.
O jato de água a atingiu com força na região do tórax e ela gritou - se pelo susto ou pelo choque térmico do líquido em contato com sua pele, ou um misto dos dois, era difícil dizer -. gargalhou, erguendo o esguicho para molhá-la ainda mais.
Recuperando a compostura, estreitou os olhos verdes e começou a aproximar-se dele com um sorriso maldoso no rosto, estavam tão próximos agora que parte da água que a atingia respingava no rapaz. Rendido pelo contato visual, ele quase não percebeu quando tentou tirar o esguicho de sua mão.
– Nem pensar. – disse, erguendo a mangueirinha para que a garota não o alcançasse e ainda recebesse jatos d’água na cabeça.
soltou um gritinho e, na tentativa de descer do balcão, escorregou na direção dele. Pego em um imprevisto abraço molhado, baixou a guarda por tempo suficiente para que ela alcançasse o esguicho.
Notando estar a instantes de receber um jato d’água diretamente no rosto, optou por unir o útil ao agradável e, assim, tomou a atitude pela qual ansiava há semanas, juntando seus lábios ao dela.
cambaleou com o impacto de seus corpos e o rapaz passou um dos braços pela cintura dela, aproximando-os ainda mais. Ela suspirou, libertando as mãos que estavam presas contra o peito de - juntamente da mangueirinha da torneira que seguia molhando-os cada vez mais – para entrelaçá-las nos fios de cabelo dele e, assim, soube que tinha a permissão necessária para que pudesse aprofundar seus gestos e, por consequência, o beijo.
Ela entreabriu os lábios e as coisas se tornaram muito intensas, muito rápido. teria sentido certa satisfação ao constatar não ser o único com tanto desejo reprimido caso conseguisse raciocinar naquele momento. A proximidade de atordoava-o em um nível que beirava o absurdo. Céus, quando ela mordiscou seu lábio inferior, teve certeza de que poderia ganhar prêmios com uma composição inspirada nas sensações que o corpo dela lhe estava proporcionando.
Ar fez-se necessário e afastou-o por um segundo, a fim de ajudá-lo a retirar a camiseta que vestia, para então usar um dos passadores da calça jeans para puxá-lo para mais perto outra vez. , no entanto, esquivou-se de seus lábios inchados, o nariz passeando lentamente desde a linha do maxilar até o pescoço dela, o cheiro do perfume adocicado privando-o dos demais sentidos. Ele teve o prazer de poder assistir enquanto a pele dela se arrepiava por completo sob seu toque.
guiou-o pelo queixo de volta a seus lábios e passou as unhas da outra mão pela nuca dele, descendo-a por suas costas, até que apertou sua bunda. Entretanto, ao invés de instigá-lo, o gesto desconcentrou-o. estava a ponto de rir quando a campainha tocou.
- Boa noite. - O entregador disse em um tom entediado quando ele abriu a porta, pouco depois. - São trinta e oito libras.
- Pode ficar com o troco.
O rapaz de cabelos cor de areia arregalou os olhos para a nota de cem libras que havia recebido. Ele agradeceu uma porção de vezes antes de reconhecer a celebridade que tinha à sua frente.
- Ninguém vai acreditar se eu disser que te encontrei justo aqui, em Witch Castle! - Exclamou e agora a empolgação em sua voz era genuína. - A gente pode tirar uma selfie?
notou que ainda estava sem camisa, mas deu de ombros, assentindo. Terminadas as despedidas, ele deixou a comida chinesa na mesinha ao lado da porta, sendo a fome a última de suas preocupações.
Sentada convidativamente sobre a bancada da cozinha, o esperava.
Segunda-feira, 5h17 – Quidditch Inn, rua do Apanhador nº 21 – Witch Castle, Inglaterra.
Ao abrir a porta do quarto, descobriu que tinha em suas patas uma nova peça de lingerie. Dessa vez, no entanto, o músico sabia muito bem a quem ela pertencia.
Fim.
Nota da autora: Oi pessoal! Eu espero de verdade que vocês tenham gostado e se divertido como eu com as loucuras dos habitantes de Witch, a ideia foi levemente inspirada em Gilmore Girls e talvez alguns de vocês tenham notado a quantidade de referências ao universo de Harry Potter. Isso, porque essa short foi escrita pra um concurso promovido pelo @fanctions no twitter e eu achei válido adaptar pra postar aqui no ffobs, assim todo mundo podia ler com o próprio ídolo!
Eu não descarto a possibilidade de escrever uma continuação pra essa história, eu realmente me diverti com esse plot e adoraria explorar mais o universo desse vilarejo e seus habitantes de gostos peculiares. Mas como tenho outros projetos, investir nisso ou não acabaria dependendo muito do feedback de vocês. Então por favor, me digam o que acharam!
Um beijão a todos!
PS: caso você tenha gostado da minha escrita, tenho algumas outras histórias já postadas aqui no site! Os links você encontra aqui embaixo:
PS²: Quem quiser pode me achar no twitter pelo user @rvolcov e eu também tenho um grupo no facebook (ícone abaixo)!
Outras Fanfics:
Present Perfect
Mixtape: Outros/Em Andamento
Should I Stay or Should I Go
Mixtape: Classic Rock/Finalizada
Nota da beta: Você pode ir providenciando uma continuação hahaha, cara que história mais gostosinha, eu ameeei demais! <3
Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.
Um beijão a todos!
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