Liebe Cake

Finalizada Em: 16/12/2018

1 - Liebe Cake

*** Dedicada a Vkonig ***


Fazia tanto frio no dia 24 de dezembro que Yoongi estava arrependendo de ter saído de casa. O problema inicial, que motivou a sua jornada, era a falta do café. Havia prometido para si mesmo que não iria tomar em café durante todo o mês, porque seu estômago não tivera o melhor dos anos.
Mesmo assim, em um momento, sentado sozinho no seu estúdio, ele pensou que era Natal. Tinha enviado presentes para seus amigos, mas não comprou nada para si. Vou me dar um café.
Assim estava Min Yoongi, enrolado em algumas camadas de roupas quentes, um cachecol grosso, e sua touca mais grossa, caminhando por Berlim na véspera do natal.
Pessoas passaram por ele exclamando a todo momento: Fröhliche Weihnachten! E ele, sério acenava com a cabeça. Algumas crianças estavam cantando, sobre a neve fina, um canto tradicional de natal em latim reconhecível em qualquer idioma. Ele parou um momento para observá-las e se permitiu sorrir. As vozes finas aqueceram seu coração e por um momento ele sentiu saudade de casa. O poder do Natal? Acho que não. Talvez eu esteja aqui tempo demais.
Yoongi estava há exatos três meses e vinte e quatro dias morando em Berlim. Havia aceitado o convite de um rapper influente para ajudá-lo a produzir um novo CD. O preço por seu trabalho não era dos maiores, mas a influência que o rapper alemão possuía podia ajudá-lo a crescer ainda mais no cenário mundial. Sem pensar muito, aceitou, uma vez que havia planejado recesso até fevereiro e não iria atrapalhar seus projetos da banda.
Ele não sabia falar alemão, mas se virava com o inglês e com a linguagem das mesas de som, onde ele se fazia entender perfeitamente. Desde que chegou, trabalhou incessantemente, não parando nem aos domingos ou feriados. Quando estava em um projeto, se entregava de coração.
Conferiu o relógio e viu que eram oito horas da noite. Uma criança que parecia um bolo de roupas com pernas veio saltitando em sua direção e ele se assustou, mas tudo o que o infante fez foi entregar um folheto de cantos natalinos com uma bala em formato de bengala e um desejar feliz natal, partindo para outro transeunte.
Yoongi riu e apanhou o folheto. Observou as pessoas sorrindo, tirando fotos, correndo com sacolas e em algumas vias, presos em engarrafamentos. Sentiu um cheiro cativante de carne de porco assada quando passou por uma janela aberta e depois, de torta de canela. Sua barriga roncou alto e ele voltou a procurar por uma cafeteria aberta, um restaurante... qualquer coisa que tivesse um café. Se é que vou encontrar.
Após andar por uns trinta minutos pelo bairro central de Berlim, ele encontrou um letreiro de madeira cheio de neve piscando em neon: Café Amour 24h. Aliviado, ele entrou pela porta com sino.
Lá dentro estava muito quente, com cheiro de tortas, vinho quente, biscoitos amanteigados e croissants. As pequenas mesas de madeira estavam vazias, cheias de enfeites de natal e mal dava espaço para que os clientes pudesse usar de fato a mesa sem esbarrar num desses enfeites. Uma mulher saiu de trás do balcão e começou a falar fervorosamente um alemão que ele não entendeu.
— Sinto muito, ainda estou estudando alemão. Você pode falar em inglês? — ele disse, se curvando gentilmente.
A mulher juntou as mãos em uma palma e sorriu. Respondendo em inglês.
— Claro! Feliz natal! Que bom que você veio tomar um café conosco nessa noite linda! Fique à vontade! Hoje nosso buffet de jantar está de graça!
Yoongi ergueu as sobrancelhas, surpreso com a boa notícia.
— Você pode comer quanto quiser. Este é o nosso cardápio de bebidas e sobremesas. Quando decidir o que quer beber, é só me chamar. — ela lhe entregou um cardápio rosa todo enfeitado.
Yoongi agradeceu e começou a despir as camadas de roupa, pendurando os casacões e o cachecol no prendedor em formato de macaron perto da porta. Ele ficou com um paletó de veludo preto por cima de sua camisa também preta (o clima da Alemanha o deixava ainda mais monocromático que o normal), deixando seu pescoço respirar um pouco depois do calor do cachecol. Duas correntes de prata refulgiram a luz quando ele se sentou numa mesa de costas para a porta. Ficou muito tempo observando os detalhes da cafeteria, as paredes de tijolinhos, a decoração rosa-bebe com marrom lhe deixava com vontade de comer algo com chocolate e morango. O que mais lhe agradou era como estava quente ali e ele podia mover os braços em paz, sem camadas de tecido o limitando.
Depois de um tempo pensando no que beber, Yoongi pediu um café expresso extra forte e uma água.
— Você deseja mais alguma coisa?
— Provavelmente vou querer um desses latto macchiato. Vou avisá-la quando decidir.
A mulher pareceu tremer um pouco a mão e se enrubesceu ao ver Yoongi.
— Tudo bem. — respondeu envergonhada e voltou para o balcão.
Yoongi riu entendendo que acabara de enrubescer uma bela mulher de meia idade alemã. Algo dentro dele sabia que essa mulher não o reconhecia, apenas ficou surpresa com sua cortesia ou com a camisa dele aberta no primeiro botão. Deixa só eu contar para todo mundo que seduzi uma mulher alemã pedindo um café. Jin vai morrer de inveja.

-


Uma mulher entrou no café. Despiu das roupas pesadas de frio e ficou com um belo vestido de lã preta e meia calças bem grossas.
— Você está natalina hoje, ! — Saudou a dona do café, atrás do balcão preparando um café.
— Obrigada, Magda! Feliz Natal. — sorriu e caminhou até o balcão para ver a amiga. Ajeitava seus cabelos longos e pretos no reflexo da vitrine de doces.
— Feliz Natal. Ah... você perdeu seu lugar, viu? — Madga apontou para o homem de cabelos descoloridos sentado exatamente no lugar preferido de no café.
— Não acredito! — exclamou baixinho.
— Pois é! É um japonês bonito... ele fala inglês... você podia falar com ele...
— Sem essa Magda. É natal. Vim aqui para te ver e para comer esses croissants de graça e ler meu livro preferido. Nada além disso.
Magda riu e tentou não mostrar que estava decepcionada por perder seu lugar favorito. Não era questão de não poder sentar em outro lugar, mas é que bem ali, onde o “japonês bonito” estava, era onde sentava para poder estudar e ler em paz. O lugar estratégico de costas para a porta e frente a parede de tijolinhos era ótimo para evitar chamar atenção e se ela poder se concentrar nos livros.
Ela sentou, um pouco entristecida, a duas mesas de distância de seu lugar. Seu lugar. Não era a mesma coisa. Dali podia ser vista da vitrine e se distraía olhando para fora, para além dos pisca-pisca de Magda do lado de fora. E toda hora que olhava, via os casais abraçados andando pela rua.
Magda serviu o rapaz em inglês e ele agradeceu com a voz baixa. , que havia acabado de abrir seu livro, prestou atenção no perfil do homem ao se virar para Magda. Seu nariz era fino e seu queixo, bem definido. Um belo perfil que indicava que aquele era um homem elegante, pelas pulseiras finas que tilintavam baixinho quando ele movia o braço. Tentou imaginá-lo sem os óculos grandes que usava, mas não conseguiu. Então, voltou para seu livro. Charles Dickens.

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Yoongi estava com um áudio cru (a voz do cantor sem edições) em um lado do ouvido e no outro, um beat que acabara de fazer. Enquanto isso seus dedos longos escreviam com pressa umas anotações de melhoria no momento exato que parava o aplicativo no celular. Seu expresso estava delicioso e o gosto amargo que tanto amava o fez passar a pensar rápido. Em quinze minutos resolveu o problema no minuto 2:31 da música que estava editando e ficou aliviado. Cansado, tirou os fones de ouvido sem fio.
Imediatamente ele ouviu algumas palavras ásperas e se virou na cadeira. A mulher que lhe serviu discutia com uma senhora de idade, que caminhava na direção dele, enquanto que uma moça sentada algumas cadeiras atrás dele escondia o rosto em um livro.
A velhinha se aproximou dele com um sorriso e seu avental sujo de chocolate. Ela trazia nas mãos um bolo bonito confeitado com esmero e começou a falar coisas que ele não entendeu. Ele olhava fixo para os olhos leitosos e azuis da senhora a sua frente, como se assim pudesse traduzir o que ela dizia. A velha estendeu o bolo e ele apontou para si.
— Pra mim? — questionou em inglês.
A velha continuou falando, até que a moça que trabalhava na cafeteria veio na direção deles.
Liebe... cake... — velha disse.
— L-liebe...?
A dona da loja apareceu atrás da senhora e elas voltaram a discutir.
— Sinto muito, senhor, minha mãe está doente da cabeça sinto muito incomodá-lo...
— Tudo bem! Não se preocupe. — Yoongi se levantou, respeitoso e continuou olhando para a velhinha sorrindo para ele. — Mas... o que ela quer dizer com bolo do amor?
A mulher ficou vermelha e desviou o olhar, nervosa.
— Ah... não é nada demais, senhor... por favor... ignore...
Então a velha voltou a falar com Yoongi fervorosamente e esticando o pequeno bolo para ele. Yoongi, vendo os braços finos segundo o bolo, rapidamente pegou a forma, imaginando que poderia estar pesado para uma idosa ficar balançando.
— Muito obrigado pelo bolo, senhora, mas... — Yoongi disse, com um sorriso tímido, se curvando brevemente.
A idosa cutucou a filha que agora estava branca como gesso ao ouvir o que a idosa disse, assustada. A moça que estava mesas atrás derrubou os guardanapos da mesa e rapidamente se abaixou para apanhá-los, parecia esconder o rosto a todo momento.
— O que tem de especial nesse bolo?
— Minha mãe disse que esse é o bolo do amor... Você precisa compartilhar com outra pessoa para poder encontrar o amor verdadeiro na noite de natal... mas isso não passa de baboseira...
Yoongi, pela primeira vez em muitos dias ali naquele país desconhecido, sorriu mostrando seus belos dentes, iluminando seu rosto pálido.
— Entendi agora! Muito obrigado, senhora.
A idosa afastou para o lado e ficou apontando para a moça sentada com o rosto enfiado no livro.
— Ela diz que você precisa compartilhar com alguém que... que... não seja o anfitrião, — a moça estava notadamente sem graça. — isso é idiotice, eu sei, me desculpe mais uma vez.
Yoongi estava um pouco envergonhado, mas se divertia com a situação. A alegria da idosa passou para ele. Ele começou a pensar se estava se divertindo porque era engraçado ou porque ele não teve muito contato com pessoas alemãs diferentes dos que trabalhavam no estúdio, estava muito curioso com as tradições do país.
— Parece interessante. — Ele pensou um pouco, ainda rindo. A moça atrás dele ainda estava com o rosto oculto. — Por que não?
Ele enfiou os fones de ouvido, o caderno e o celular no bolso do paletó e bebeu o resto do seu expresso. Segurando o bolo com as duas mãos firmes, se aproximou da mesa onde a moça estranha estava sentada.
— Com licença, sinto muito incomodá-la. — Ele disse, calmamente. — Sou novo neste país e de onde venho é falta de respeito não seguir com as tradições do país onde está. Preciso cumprir uma tradição que envolve comer este bolo. Você pode me ajudar? — e esboçou um sorriso tímido.
A moça abaixou o livro e o olhou fixamente atrás de seus óculos grandes. — Fröhliche Weihnachten. — a moça esboçou um sorriso, também tímida e continuou, em inglês um perfeito: — As pessoas aqui tem costumes estranhos no natal. É como se fosse a única noite do ano que milagres acontecem para elas.


2 - Linguística

A primeira coisa que Yoongi notara na mulher a sua frente foram seus grandes olhos escuros. A lente grossa dos óculos que ela usava não era suficiente para ofuscar o brilho deles, atentos e suaves. Quando ele se sentou, ela desviou o olhar para o pescoço e o começo do peito pálido dele, mas rapidamente voltou a encará-lo. Tentando fingir que não tinha acabado de ser analisado, Yoongi disse:
— Não é um costume estranho. Inesperado, na minha opinião.
— Ou uma estratégia de marketing. Quantos “liebe cakes” não são vendidos na noite de natal em Berlim? Durante todos os anos?
Yoongi riu.
— Não pretendo atrapalhar sua leitura. — Ele disse partindo um pedaço do bolo e servindo a moça. — Vejo que está ocupada.
— Uma leitura apropriada para o natal quando não se tem uma companhia humana. Christmas Carol é um dos meus preferidos.
O homem serviu e ambos comeram em silêncio. O bolo estava delicioso, com recheio de pedaços de morango e chocolate amargo. Yoongi aprovou a combinação, pois não gostava de comidas excessivamente doces.
Hora ou outra ele fitava a mulher sobre a sua própria fatia de bolo, enquanto ela lia em silêncio. Ao contrário da firmeza na voz que ela possuía, Yoongi notou que a moça aparentava um certo nervosismo pela ruga fina que formava testa dela e suas mãos que apertavam uma contra a outra sobre seu colo. Ela podia estar nervosa por compartilhar uma mesa com um homem estranho após uma situação tão cômica, ou apenas angustiada pela leitura. Yoongi havia lido Christmas Carol quando Namjoon lhe deu de presente alguns natais atrás e de fato não era uma leitura simples.
— Então, qual seu nome? — A voz de Yoongi vacilou e ele tossiu para limpar a garganta. Chocolate arranhava a sua voz.
.— Então ela sorriu com seus lábios brilhantes. Um sorriso que esconde os dentes era uma coisa que Yoongi sempre gostou de ver em uma mulher. Era como o convite para um mistério.
Ou era o efeito do liebe cake.
— Sou Agust.
— É um prazer conhecê-lo, Agust.
— Igualmente.
Então ela tomou um pouco de seu café e voltou a ler. Yoongi fingiu se interessar no celular, mas olhava os cabelos de caírem sobre a testa dela, enquanto se curvava sobre o livro. O homem bem queria afastá-los da testa da moça, tanto para poder vê-la melhor quanto para que não fosse atrapalhada em sua leitura absorta.
Ora! Disse uma voz em sua cabeça. No que está pensando? Volte para seu estúdio. Jungkook já deve estar a caminho.
Ele sorriu sozinho e o observou. Cada olhar dela gerava uma sensação gradual em Yoongi de admiração.
— Do que está rindo? — ela perguntou, finalmente afastando o cabelo do rosto.
— Nada demais. — Yoongi desconversou — nada demais.
— Uma moeda por seus pensamentos.
Yoongi ficou com sorriso colado no rosto.
— Comprei um presente para um amigo e mandei pelo correio, mas acho que ele não vai gostar muito.
o olhava interessada.
— Ele tem... uma tendência a gostar de roupas de marca e, como estou em Berlim esperou que eu lhe mandasse algo caro, de grife... — Yoongi tossiu. — Eu mandei um tigre de pelúcia.
riu.
— Que péssimo amigo você é! Existe uma loja algumas ruas atrás que vende réplicas muito boas... Você não precisava arruinar o natal dele.
— Ele vai sobreviver. É um bom menino, não pode ser mimado sempre. — Yoongi ainda sorria. — Me desculpe, não sei porque te disse isso.
ainda segura o sorriso, dessa vez mostrando seus dentes.
— Coisas do liebe cake. Quando Magda disse que você e eu não teríamos nada em comum, a mãe dela insistiu dizendo que o bolo se encarrega de criar assunto para nós.
Yoongi olhou para o seu prato vazio, como se realmente podia ter sido o bolo que o deixara tão comunicativo.
— Pode até ser. Mas, por favor, termine a leitura. Você parece ser o tipo de mulher que não gosta de ser interrompida enquanto lê.
— Depende da interrupção. — completou, com uma pitada de sarcasmo na voz, enquanto voltava a abrir o livro.
Yoongi ainda ficou olhando a moça. Não se lembrou há quanto tempo não se desligava por um momento para conversar sobre algo que não envolvesse o seu trabalho. De repente, sentiu-se leve. Olhou casais entrarem no café e pedirem bolos para levar. Ele não entendia os pedidos, mas compreendia o termo liebe cake ser repetido várias vezes.
Magda, a dona do café o olhava com vergonha e desviava o olhar rapidamente, como se fosse o seu pedido de desculpas pela situação.
— Acabei. — disse após alguns minutos.
— O livro todo?
—O capítulo. Me desculpe não lhe dar atenção, é que não consigo abandonar o livro no meio de um capítulo...
Yoongi assentiu.
— Eu entendo. — e sorriu. Por que estava sorrindo tanto? — Se não me engano, estávamos, em algum momento, falando das tradições.
— Ah, claro. Falando nisso, você sabia que os alemães guardam um chocolate no sapato no dia seis de dezembro?
— Para quê?
— Prevenir diabetes.
Yoongi gargalhou.
— Não, ok? É para atrair sorte ou amor. Alguma dessas coisas, porque afinal, todas as tradições acontecem por conta disso.
— Espantar maus espíritos também é uma tradição universal.
— É verdade.
Ela curvou para beber de seu café, tendo que segurar a caneca com as duas mãos.
Yoongi percebeu que a velha sorria atrás do balcão, enquanto que a mulher dona do café os olhava com preocupação. Passou-se alguns minutos cujo único barulho no café era da música de natal que tocava em um som bem baixo no teto e os barulhos de talheres atrás do balcão quando mãe e filha disfarçavam que estavam trabalhando para olhar Yoongi e . Não entraram novos clientes.
— Então, Agust, o que faz? Está passeando por Berlim?
— Sou produtor de música. — coçou a orelha. — Estou trabalhando aqui há de mais dois meses.
pareceu interessada.
— E você? — ele questionou antes que ela perguntasse mais alguma coisa.
— Sou professora e estudo linguística.
Yoongi ficou impressionado. Isso talvez explica como ela falava tão bem.
— Na verdade, sou apaixonada por linguística. Não é só o meu trabalho, é a minha maneira de entender melhor o mundo e a história. Preencher determinadas lacunas na história, eu diria.
Ele concordou, sem saber como completar a fala da mulher. Era como se apanhasse as palavras para si e não as soltasse, deixando Yoongi em silêncio e consciente que as palavras dela eram suficientes. Essa sensação o inebriou por um momento, fazendo-o se atrair por muito rapidamente.
— Você fala de lacunas...
— Sim, as lacunas comuns que todos temos em alguma fase da vida. De onde viemos, para onde vamos. Por que chocolate tem o nome de chocolate e qual a história dessa palavra. É um papo longo, senhor Agust.
— Um amigo meu se interessaria muito no que você diz. Ele gosta dessas coisas. Ele é meio existencialista, neoclássico. — Yoongi disse, em sua cabeça imaginando Namjoon corando violentamente se ficasse sabendo que Yoongi o citou numa conversa com uma mulher alemã. — Confesso que não é a minha praia.
— Você diz que trabalha com música. Linguística deveria ser sua praia. A importância das palavras que você põe nas músicas, o peso delas e o conjunto de significados que você quer que elas representem. Isso também é linguística.
Yoongi olhou profundamente , talvez assustado com a rapidez no discurso da mulher, talvez assustado com o tom de afronta que ela tinha nas palavras, achando que ele fosse um produtor de músicas sem significado.
— Sim. Pelo visto o que eu compreendo como sentimento você deve entender como uma ciência. — Ele ficou sério.
o olhou confusa. Pousou o café na mesa e desviou o olhar.
— Pode ser que sim. Eu não quis ofendê-lo.
— Não me ofendeu. As músicas que escrevo e produzo tem bastante sentimento, contam a história de muita gente, inclusive a minha. Meu trabalho tem o significado e o sentimento necessário. — Yoongi tomou um pouco de água com gás. Não sabia se estava irritado. Falar da sua música era algo sensível.
O café pareceu tremendamente amargo para , ela não voltou a fita Yoongi.
— Meu trabalho é uma pesquisa que nunca se finda. Talvez por isso eu atropelo o sentimento e coloco a ciência ou a lógica por cima. Eu sinto muito se o subjuguei.
Yoongi suspirou. Essa história de liebe cake era idiotice.
— Pelo que parece ambos somos fascinados pelas palavras.
O homem voltou a encarar . Profundamente. A raiva que surgiu nos cantos do seu coração desapareceu como uma onda sobre areia lisa.
— E-eu amo música. — disse por fim. Voltando a encarar seu colo. — Me desculpe se soei prepotente...
— Se quiser posso te mostrar um dia. — Yoongi a observou por cima do copo de água com gás que bebeu novamente. Um olhar de quem ainda não havia perdoado a afronta, mas estava curioso para ver as belas feições de ao ouvir sua música. Ela parecia a pessoa capaz de lhe dar uma opinião interessante.
— Eu adoraria. — respondeu, voltando a observá-lo profundamente e pondo o ponto final na frase com um sorriso.
Após algum tempo em silêncio, Yoongi conferiu suas mensagens no celular e olhou para fora da janela.
— O café me deixa falante e acelerada — ela disse — reservo-o para os dias úteis, para quando tenho artigos para escrever. Não para encontros forçados na noite de natal.
Yoongi continuou puxando o chat com Jungkook para atualizar, mas o amigo não o respondeu mais.
— A sua retórica poderia assustar seus pretendentes? — ele perguntou.
sorriu com a cabeça apoiada sobre a mão, ainda olhando para fora.
— Tenho poucos. Talvez seja esse o motivo. Sempre termino o jantar pedindo um café.
Yoongi parou de fingir que observava o celular e voltou a olhá-la.
— Podemos suavizar esse encontro tomando glühwein. — Ela se virou para fitá-lo, seus olhos brilharam e foi como se ela acabasse de se lembrar de algo muito bom.
— O que é isso?
— Ora, você nunca provou um glühwein? disse como se quisesse dizer que Yoongi nunca tomou água.
— Não...
— Você definitivamente nunca passou um natal do jeito certo. — apanhou sua carteira preta com estampa de gatos também pretos e tirou algumas notas.
— Estou acreditando que não.
— Então, se vir comigo, vou levá-lo a melhor feira de natal do mundo. Tem glühwein, zimtsterne... tudo o que um natal merece. — Ela já havia se erguido da mesa e apanhado o livro. Yoongi a observou de baixo e seu cabelo descolorido caiu sobre seus olhos estreitos. Olhando daquele jeito, ouvindo a determinação através de seu inglês sem sotaque, Yoongi sentiu-se leve como uma pluma.
— Vamos lá. Afinal, é Natal. — Ele concordou e se ergueu.


3 - Zimtsterne

Caminhar nas ruas escorregadias de gelo no coração de Berlim era difícil, mas guiava Yoongi com a precisão do capitão de um navio que conhece seu mar. Como suas bocas estavam enlutadas debaixo dos cachecóis, não se falaram muito além de “viramos aqui”. O vento cortava as bochechas de Yoongi, fazendo-as arder e se avermelhar.
Andaram por uma rua pequena feita apenas para pedestres, havia um padre rezando uma missa para poucas pessoas que aventuraram ouvi-lo fora de uma pequena capela. As luzes penduradas entre os prédios da rua pareciam varais trêmulos de pontos de luz e faziam um barulho cristalino sobre o vozerio das pessoas desejando feliz natal, as conversas que vazavam das janelas dos prédios e o crepitar de fogueiras a céu aberto. Conforme se aproximavam de uma praça, luzes mais fortes foram surgindo e uma música alta de Jingle Bells acústica era possível de se ouvir.
Viraram na esquina de um banco e chegaram a grande praça iluminada. Yoongi soltou um suspiro de surpresa e abaixou o cachecol para sorrir para a vista. Pessoas iam e viam a todo momento. Sete homens vestidos como papais noeis tocavam um violino, um violoncelo e outros instrumentos com sorriso no rosto. Comerciantes corriam com caixas. De repente, parecia fazer menos frio na Berlim de dezembro.
— Agust, bem vindo a Berliner Weinachtszeit! abriu os braços e também sorria com os olhos brilhando.
— É lindo! — Yoongi exclamou.
— Esta é a Alexanderplatz. Irreconhecível, não é?
Yoongi se lembrou de passar ali em um taxi há poucos dias, mas nunca imaginou que fosse um refúgio de natal com tendas de ponta vermelha, luzes e cheiros. comprou seus ingressos e ficaram em uma fila para entrar. Poucos euros depois, estavam dentro da praça. Haviam tantas pessoas que era difícil falar e ser ouvido, até mesmo se movimentar. Contudo, Yoongi não achou ruim. Ali estava mais quente, ele pôde se sentir aliviado – e suas bochechas rosadas também.
disse algo, mas ele não entendeu, ela repetiu, mas estavam passando perto de uma barraquinha de cervejas e as pessoas estavam gritando ébrios “feliz natal, porra!”. Então Yoongi a segurou pela mão e se curvou para dizer no ouvido dela:
— Acho melhor você dizer explicações no meu ouvido, está muito barulhento aqui. — disse e se afastou. Ali tão perto do pescoço de , sentiu o perfume floral que lhe deu vontade de sentir mais. Continuou segurando na mão dela.
sorriu, notadamente envergonhada e se aproximou, com o hálito quente arrepiando o frio de Yoongi para longe.
— Esta é uma edição especial do mercado noturno. Geralmente ele começa no fim de novembro. Às dez, a orquestra filarmônica de Berlim fará uma apresentação. — E se afastou.
Yoongi a puxou para mais perto e colocou a outra mão no ombro dela.
— Você é uma excelente guia turística, .
E sorriu para ela. curvou a cabeça em agradecimento e fez um sinal para ele acompanhá-la. Não soltaram as mãos.
Algumas tendas tinham mais pessoas que outras. Naquele labirinto natalino, Yoongi ficou feliz de perder a noção do tempo e de espaço. Se soltasse da mão de , sabia que não encontraria a saída e adorou essa sensação.
— Espere.
Ele parou e tirou a luva da mão direita.
— Minha mão está escorregando. — Ergueu-a para eu fez o mesmo e o segurou com firmeza.
Yoongi agradeceu as luzes vermelhas e amarelas sobre seu rosto, assim, não seria flagrado se enrubescendo.

-


Pode parecer que andaram muito, mas Yoongi e não caminharam mais de trinta metros. A cada momento eram chamados por vendedores falando em alemão, inglês, francês, árabe. Naquela babel de idiomas, um sentimento era único: faltavam poucas horas para o natal e era melhor encher a barriga e beber alguma coisa para se esquentar, porque a orquestra estava chegando.
Yoongi foi parado por um homem muito alto e largo que estava dando copinhos com algum líquido verde e vermelho.
— Boa bebida! Feliz Natal aos namorados! — disse alto em inglês. e Yoongi se entreolharam rindo e pegaram a bebida.
Quando o líquido desceu pela garganta de Yoongi ele fez uma careta. Era tão quente que parecia uma pedra de brasa. Ele agradeceu e deu uma nota de cem euros sem nem mesmo cogitar para o homem, que agradeceu muito.
— O que era isso, ? — ele perguntou, ainda fazendo careta, no ouvido de .
— Não tenho a mínima ideia. — Ela riu.
Continuaram caminhando. Estavam em uma curva onde havia menos pessoas aglomeradas. Ainda assim, não soltaram as mãos.
Zimtsterne! Zimtsterne! exclamou, feliz e correu até uma barraca. Lá era cheio de, além das típicas luzes pisca pisca, biscoitos de formas variadas. Coração, bota, chapéu e alguns não muito natalinos como um no formato de uma calcinha e outro com o formato da Angela Merkel.
começou a falar rapidamente um alemão impecável com a moça que vendia os biscoitos. Elas riram e apertavam as duas mãos sorrindo.
— Yoongi, esta é Slevanna e Alex. São os filhos da Magda do Café Amour. Eu estudei com Slevanna.
Yoongi ergueu a mão sem luva e cumprimentou a mulher e outro rapaz que deixou uma caixa pesada sobre o balcão. Ambos desejaram um feliz natal em inglês cheio de sotaque e “r”s a mais.
— Estes biscoitos são deliciosos. Escolha um para você!
— O de estrela. Zimtsterne.
o observou.
— Seu alemão é bom.
— Estou aprendendo. — Yoongi riu e pegou um biscoito coberto de algo branco em formato de estrela. Quando mordeu, sentiu o açúcar desfazer em sua boca e se encantou com o sabor. O doce não lhe foi agressivo (deve ser levado em consideração que a bebida que tomaram algumas barracas atrás ainda confundia sabores na boca de Yoongi). — É delicioso!
Todos riram e o olhou enquanto comia seu biscoito. Pegaram alguns para levar e partiram para a próxima barraca após despedidas.
— Eu gostei muito deste. — Yoongi voltou a segurar a mão quente de e entrelaçou seus dedos longos nos dela. — Tem canela...
— É um dos meus favoritos! — sorria tanto que Yoongi apostou que as bochechas dela deviam estar ardendo.
Passaram por mais um homem oferecendo uma bebida parecida com a que tomaram e não precisou de muito para que ambos a negasse veemente. Estavam com os ombros colados, apontava para as luzes que refletiam na catedral e explicava a Yoongi que o mercado era uma tradição medieval na cidade, mas que durante os períodos da guerra, não acontecia.
— Não se tem muito o que comemorar durante a guerra.
— Sem dúvida. — Yoongi concordou, sentindo um aperto no coração.
Aproximaram de uma tenda com um casal alegre que cantava enquanto um homem mais novo acenava e servia um líquido escuro de um barril. mais uma vez exclamou algo em alemão e correu até lá, fazendo Yoongi rir novamente. Ela parecia estar em seu habitat natural, com o rosto delicado espremido entre a touca, os óculos e o cachecol. Brilhava de alegria e era impossível não se deixar contagiar por ela.
Yoongi também percebeu que assim como ele, ela vestia preto dos pés à cabeça.
Glühwein! — Ela deu um copo para Yoongi e ele o segurou, surpreso pela temperatura. — Vinho quente com especiarias. — sorriu fechando os olhos para absorver o cheiro do copo. Um copo que devia ter quase 700ml.
Ficaram perto da barraca, apoiados em uma mesa sem cadeiras para saborear o vinho. Era doce e amargo, ácido e até mesmo um pouco salgado. Demorou alguns goles tímidos para Yoongi definitivamente gostar do sabor. Quando percebeu já havia tomado quase metade do seu copo e parecia a melhor bebida do mundo depois de café.
— Isso daqui é sensacional!
olhou com expressão vitoriosa.
— Agora sim o natal começou. — Ela olhou para a torre da catedral. — Ainda temos meia hora até a apresentação. Vamos garantir um lugar?
— Não antes de eu pegar mais uns dois desse. — Yoongi levantou o copo.

Após mais três glühwein, Yoongi e se acomodaram em duas cadeiras em frente a catedral para ver a orquestra. Ficaram um tempo em silêncio observando os músicos conversando e as pessoas cantando, empolgadas.
— Feliz Natal. — disse, sem olhar para ele.
— Feliz Natal. . — Yoongi pronunciou o nome dela com todas as sílabas, fazendo o som reverberar pelas cordas do seu coração.

A orquestra tocou poucas músicas e foram muito aplaudidos. Yoongi olhava para pelo canto dos olhos e via ela vidrada na música, com os olhos brilhantes de lágrimas. Assim como ele. Não havia como não se emocionar com as luzes, o calor e a música. Havia muito sentimento no ar. E Yoongi não soltou a mão de em nenhum momento.
— Sei que não vamos nos perder, mas é só para garantir.
Ela se virou, rindo e engolindo um soluço de emoção. Yoongi limpou as lágrimas dela com a outra mão e ela o repeliu, brincando.
— Não conte para ninguém que eu chorei aqui, ok?
— Também não conte que eu chorei. — ele disse e fechou os olhos quando secou as duas tímidas lágrimas no canto dos olhos estreitos, sem tirar os óculos dele.
— Eu prometo.
Quando Yoongi abriu os olhos, viu contornada pela luz, com os olhos secos mas ainda brilhantes e sem óculos, perdeu o ritmo da respiração por um momento. O rosto dela se revelou ainda mais bonito e Yoongi gostou de observá-la assim.
Eram onze da noite quando o musical acabou e eles se levantaram. As pernas de Yoongi estavam leves com o glühwein no sangue e o calor de perto de si.
— As pessoas já estão indo para suas casas comemorar a véspera. — Disse .
— Onde você mora?
— Não muito longe.
— Seus pais estão te esperando?
— Não, eu estou sozinha.
— Não está. Você está comigo.
Ela riu.
— Estou com você.
Comeram um cachorro quente com curry deliciosamente apimentado em uma tenda próxima e também mais alguns biscoitos com formato de estrela. Estavam tomando um chá preto com ervas quando Yoongi recebeu uma ligação e se afastou quando viu que era Jungkook.
— Oi, cheguei.
— Como assim chegou?
— Estou aqui, hyung.
— Aqui onde?!
— Na Alemanha.
— Você chegou mais cedo. Vou te buscar no aeroporto.
— O avião não demorou por causa da neve. Eu estou no seu estúdio.
— O quê?!
— Sim, eu peguei um taxi. Abre para mim.
— E-eu não estou aí... meu deus você está do lado de fora no frio. Está pelo menos bem agasalhado?
— Sim, hyung. Não está frio aqui. — Jungkook respondeu com a voz de tédio.
— Eu vou pegar um táxi. Devo chegar em alguns minutos.
— Não se preocupe. Estou bem, ok? Feliz Natal.
— Feliz natal.
Yoongi olhou tenso para o celular e para que conversava com o homem do cachorro quente. Suspirou pesado e caminhou até ela.
... Eu preciso ir embora.
— Tudo bem. — Ela o olhou como se realmente o entendesse.
— Eu sinto muito, mas é uma situação fora do meu controle.
— Não tem problema. Foi um prazer.
Yoongi olhou longamente para ela. Olhou para o sino da catedral, que batia anunciando que faltava pouco para o natal. Olhou para as pessoas abraçadas, cantando e nunca sozinhas.
— Nos vemos em breve?
disse e ele parou de olhar para os outros e focou nela. Yoongi podia ver uma sombra escondida de melancolia, podia ver curiosidade e podia ver calma nos olhos dela. Ele a segurou pela mão.
— Obrigado por uma das melhores noites da minha vida. — ele sorriu de lado. mordia os lábios e curvou num sorriso, então Yoongi soltou a mão dela e se afastou.
— Não há de que, Min Yoongi. — disse .
Yoongi se virou para certificar que tinha ouvido direito, mas já havia se virado para caminhar em outra direção e um homem passava um carrinho de caixas entre dos dois. Talvez, não tivesse ouvido direito.


4 - Feliz Natal

Jungkook havia mandando uma mensagem para Yoongi dizendo que seus pais viajaram para o Caribe e ele não estava muito afim de ir com eles, não demorou para o mais velho oferecer a Jungkook um teto e que claro, seria ótimo. Contudo, Jungkook havia conseguido voo para dia 26 e só chegaria bem depois da noite de natal.
Seria a oportunidade para tocarem juntos pela primeira vez a versão de Oh Holly Night. Um mês atrás Yoongi gravou o áudio perfeito do piano e mandou para o amigo, rapidamente a música foi feita e produzida por ambos e seus amigos na Big Hit, sem que a distância os atrapalhasse.
O celular de Yoongi estava sem sinal, então ele correu para os táxis que havia perto da Alexanderplatz. O primeiro, ao ouvir o destino final, se recusou a levá-lo justificando que o caminho havia sido interditado pela nevasca do dia anterior. Outro, lhe disse que era por conta da igreja de São Mateus que estava com um coral de crianças e o terceiro, disse que estava nevando muito e não iria porque estava gripado.
Frustrado e irritado, Yoongi tentou contatar as companhias de táxi por aplicativos e a resposta era parecida, não havia carros disponíveis para passarem pelo caminho indicado. Faltavam meia hora para o natal.
Uma onda de desespero passou pelo coração de Yoongi em imaginar Jungkook debaixo da neve, no frio, após horas de viagem. Sua cabeça remontava a cabeça como se fosse o próprio Charles Dickens. O vinho o deixava ainda mais preocupado.
Ele tentou mais uma vez localizar algum táxi pelo celular e desistiu. Ninguém iria atravessar o centro de Berlim as 11:34 p.m. da véspera de natal.
Só uma pessoa poderia fazer aquilo com ele.

Uma luz estalou da cabeça de Yoongi e ele correu de volta para o mercado. Pagou outro ingresso. Correu.
. .
Ele começou a procurar pela mulher em todo o lado, refazendo o caminho que fizeram minutos atrás. Seu coração estava acelerado. Poderia não dar certo, poderia estar em casa...
Então ele enxergou, ao longe, uma única pessoa sentada no meio das cadeiras vazias onde as pessoas assistiram a orquestra em frente a catedral. Yoongi se aproximou sem correr, e quando viu, era .
A sensação de alívio que sentiu foi rapidamente suprimida por tristeza. chorava com o rosto enterrado nas mãos. Sua touca estava no chão e seus óculos também. Começou a nevar.
…?
Yoongi se aproximou com calma. Se abaixou para apanhar os óculos e a touca de enquanto ela o observava calada e com o rosto moreno, agora vermelho.
— Oi. Me desculpe te deixar.
— Tudo bem.
Ele ficou de cócoras na frente dela, tirou suas luvas e pegou as mãos dela.
— Não estou chorando por sua causa, ok? Para deixar claro.
— Não imaginei que fosse.
— Sinto falta da minha família. — Ela soltou as mãos e secou o rosto, mas Yoongi as abaixou e limpou ele mesmo, sem luvas, os olhos dela. O contorno das bochechas da moça e as lágrimas que molharam a boca dela foram calmamente secos por Yoongi. A delicadeza dele fluía pelos dedos pálidos com anéis de pedra preta, até que ele passou toda sua palma pelo rosto dela e colocou o cabelo para atrás da orelha.
— Ei... — ela riu e se encolheu. — Seus dedos estão gelados.
— Desculpe. — Yoongi recolheu a mão.
— O que aconteceu com sua família?
— Eles estão longe de mim.
Yoongi sentiu um aperto no peito de se lembrar que sua família também estava. Na sua cabeça surgiu a imagem dos seus pais e rapidamente, dos seus seis outros irmãos.
— Eles estão com você. Assim como eu.
sorriu com melancolia.
— A sua também, não é?
— Sim. Sinto falta dos meus irmãos.
Yoongi conferiu o relógio no topo da catedral.
, eu preciso de um milagre de natal.
Ele se levantou e ela também.
— Um amigo chegou mais cedo do que devia no meu estúdio e não consigo nenhum táxi para me levar. Você pode me ajudar a chegar lá?
ficou séria, apanhou os seus óculos sujos de grama e sua touca molhada.
Colocou ambos em um bolso no casaco.
— Eu sei como te ajudar. — falou, determinada. — Qual é o endereço?
Yoongi lhe mostrou e assentiu, dizendo que a maioria das ruas do centro estavam interditadas pelo natal, uma medida do governo de prevenir ataques terroristas contra os pedestres. Para chegar lá, era impossível a não ser contornando o centro inteiro, o que demoraria quase duas horas.
— Tudo bem, Min Yoongi. Vamos fazer esse milagre acontecer. — Ela o puxou pelo pulso e começaram a correr.
— Ei espera, como você sabia...?
Ela apenas sorriu sobre o ombro.
Faltavam dez minutos para o natal.

conversou rápido com sua amiga dos biscoitos de estrela. Apanhou um saco de biscoitos e uma chave e saíram de lá como um relâmpago.
Yoongi estava sentindo seus pulmões sendo amassados por tanto correr quando pararam perto de uma moto velha e vermelha de entregas. colocou um capacete e ajudou Yoongi a colocar o outro.
— Espere, mas... as ruas estão bloqueadas...
— Para carros e caminhões. — ela o olhou com determinação. — Nós vamos chegar até seu amigo.

Se parecia um capitão de um navio guiando Yoongi horas atrás a pé, com uma moto, era capitã de uma caravela. Ela passou por ruas desertas, passeios, pistas de bicicleta, vias estreitas e becos que pareciam ser os fundos de grandes comércios, àquela hora, fechados.
— As vias são bloqueadas, mas é possível passar com veículos pequenos por áreas sem movimento. Conseguimos desviar das pessoas!
Yoongi continuava segurando-a firme pela cintura e fechou os olhos. Dentro do capacete, sorriu.

Depois de curvas fechadas, alguns caixotes chutados do caminho e lombadas, Yoongi e chegaram a uma rua movimentada. Yoongi já podia reconhecer o lugar, estava bem perto. Rapidamente ele apontou o prédio alto de fachada elegante para e ela parou sobre o passeio. Eles desceram e tiraram o capacete.
— Vá! — ela sorriu, exausta.
Yoongi olhou para a recepção acesa do prédio e do lado de fora não viu Jungkook sentado nos sofás.
— Vem comigo, , está frio aqui de fora. — ele puxou pelo pulso. — Eu preciso devolver a moto, não tenho onde colocá-la.
— Eu cuido disso, posso chamar um valete. Vamos entrar. Acho que meu amigo deve estar lá dentro.
— Que bom que ele não esperou no frio.
Yoongi então se virou para e vê-la ali sorrindo, com gotículas de suor na testa, se encolhendo de frio, tomou uma decisão que nunca se arrependeu.
Ele se aproximou de , que ainda segurava os dois capacetes pelas alças e a puxou para si, lentamente aproximando seu rosto do dela e a beijando com suavidade.
Eles se beijaram e sobre o desconforto das roupas de frio, dos dois capacetes e da neve molhando seus rostos, sentiram-se no ar. soltou o capacete e o abraçou como pôde. Ele, que não havia como tocá-la pelas camadas de roupa, enfiou os dedos no cabelo dela e ainda se beijaram mais um tempo sob a neve que parecia cair floco por floco sobre seus cabelos.
— Feliz natal. — Os dois sussurraram ao mesmo tempo.

Yoongi guiou pela recepção elegante do prédio, deixando os capacetes e as chaves da moto para o valete. Foi informado na recepção que um rapaz já estava no andar do seu estúdio e que lhe serviram café e água.
Yoongi ainda ficou arrependido por esquecer-se que Jungkook seria bem tratado ali, deixando o álcool aumentar seu desespero e o fazer atravessar o centro de Berlim em uma moto que deveria ter a idade dele.
Ele e subiram pelo elevador de mãos dadas e se olhando de canto de olho, num silêncio ainda com sabor de vinho quente e biscoitos.
Quando a porta do elevador se abriu, Yoongi e se sobressaltam.

Park Jimin segurava um enfeite de natal do tamanho do seu peito. Jung Hoseok sorria dentro de um pullover com escrito HOPE SWEET HOPE bordado a mão. Kim Seokjin estava de avental sujo de chocolate com os braços abertos. Jeon Jungkook segurava uma câmera. Kim Namjoon pegava algo quebrado no chão. Kim Taehyung entrou dentro do elevador para abraçar Yoongi e todos gritaram Feliz Natal.
Yoongi foi puxado do elevador pelos amigos e abraçou todos, fora de si com toda a surpresa maravilhosa. Demorou cerca de cinco minutos para todo o frison de sua chegada passar. Ainda no corredor, despiu as camadas excessivas de roupa, com os amigos pegando as peças para ele. Finalmente seu corpo se viu livre do aperto das roupas pesadas, ficando com seu paletó de veludo e a camisa aberta nos primeiros botões.
— Achamos que você estava aqui. O guarda nos disse que você saiu para tomar café. — Hoseok disse.
— Muito prazer, sou Kim Taehyung.
, encolhida em um canto, apertou a mão de um homem alto e bonito dentro de um paletó que parecia valer metade daquele prédio.
— Ah sim, . Este é o pessoal.
foi cumprimentada com gentileza e sem muitas perguntas, Yoongi a olhava com carinho de longe e sentiu-se em paz ao ver os amigos ajudando-a a ficar confortável. Namjoon pendurou o casaco dela e Taehyung lhe ofereceu uma caixa de bombons.
— Preparamos tudo para você. — Disse Jin.
— Eu fiz os enfeites do piano. — Jimin colocou um gorro vermelho na cabeça de Yoongi.
— E você mentiu para mim. — Yoongi disse para Jungkook, que deu de ombros. Após algumas risadas, Taehyung pediu:
— Ora, quero logo ouvir vocês!
Ouve um coro de aprovação de todos.
Yoongi olhou para Jungkook.
— Já regulei os graves do seu piano como gosta. — Disse o mais novo.
— Vamos nessa. — Yoongi passou o braço pelo pescoço de Jungkook e se aproximaram de uma árvore de natal alta.
Estavam na antessala do estúdio, o lugar onde havia muitas cadeiras, um mini bar, puffs e um piano acústico Yamaha sem cauda. Quando todos se acomodaram, após Yoongi conferir o mi sustenido e a tecla do sol, meio solta, Jungkook sentou-se ao lado de seu hyung no banco do piano. Com aceno de cabeça, começaram entoar Oh Holly Night.
A voz do mais novo encheu a sala, emoldurada pelo piano perfeitamente dedilhado por Yoongi, concentrado. Em um momento, seus olhos encontraram o de sobre o piano e ela sorriu de lado, com os olhos brilhando como sempre. Jin havia lhe dado uma caneca com algo fumegante.
Enquanto isso, as luzes de Berlim se estendiam pelo lado de fora da janela panorâmica, havia todas as cores e ao longe, era possível ver a Alexanderplatz brilhando. Tudo brilhava ali de fora e lá dentro, onde nenhum coração estava só. O peito de Yoongi ardia de alegria e ele percebeu que suas próprias bochechas ardiam.
Era a melhor noite de natal de todas.


Extra: Longe de casa outra vez

Passar o natal longe da Alexanderplatz fazia o coração de arder toda vez que ela via um enfeite de natal na ruas. Naquele ano, teve que viajar para a Espanha para atender a eventos da sua área de pesquisa e acabou perdendo a chance de viajar para a Alemanha na semana do natal. Quanto mais sua carreira acadêmica subia, mais seus prazos e tempo eram curtos.
Como se não bastasse esse sopro de melancolia sem festividades, Yoongi não conseguiria passar outro natal com ela. Ensaios, novo CD e shows, aquele ano não tinha sido fácil.
— Vamos fazer uma vídeo chamada quando for meia noite aí em Salamanca, combinado? — Ele tinha dito. Ela, tentando não mostrar tristeza pela tela do Skype, concordou.

-


No dia 24 disse para si mesma que iria fazer o natal de Berlim acontecer outra vez, nem que fosse ali, dentro da sua cozinha. Não demorou muito para achar a receita de zimsterne, liebe cake, glühwein e cachorro-quente com curry e ir ao mercado às compras (incluiu no carrinho duas vodkas, afinal era natal).
Após um dia inteiro atrás do fogão, farinha de trigo no rosto e o aroma da cozinha do seu pequeno apartamento num cheiro irresistível de especiarias natalinas, sorriu satisfeita.
Fröhliche Weihnachten pra mim.
Era muita comida, mas já tinha pensado no que fazer. Dividiu o liebe cake em pedaços e os colocou numa cesta, embalados em um papel colorido vermelho.
Ela bateu em cada um dos seus vizinhos e lhes contou sobre o milagre do natal.
— Bolo de Amor?
— Amor, dona Margarida. — disse, aproveitando para testar o espanhol —A senhora acredita que os alemães inventam até isso? Sem contar o chocolate no sapato.
A velha do segundo andar sorriu e aceitou o bolo, assim como todos os outros.
— Mas aí você tem que conversar com a pessoa? Como funciona? Tem que ser a meia noite? — O outro vizinho, Juan, ficou muito interessado e fez anotar num papel a história do bolo.
Havia apenas um pedaço na cesta e sabia que aquele era o dela. Voltando para seu apartamento, ela caminhou pelo corredor procurando a chave no bolso e quando achou, suspirou ao ver que não estava sozinha.
Fröhliche Weihnachten, meu amor.
Min Yoongi em carne e osso vestido de preto e usando um gorro de natal verde escuro segurava uma mochila e uma sacola de presentes. piscou os olhos várias vezes.
— Você sabe como são os milagres de natal, se contar o que vai acontecer não tem graça.
sorriu e correu para abraçá-lo. Metade com raiva e metade muito feliz, abriu a porta e ele entrou.
— Pra quem é esse banquete? Eu conheço esse cheiro… — Ele deixou a mochila no chão e começou a olhar as vasilhas sobre o balcão, curioso. — Estou morto de fome.
— Eu não acredito que você está aqui. Poderia ter me avisado...
— Poderia. Desculpa. O plano era chegar ontem, mas você sabe como fica o aeroporto de Icheon com neve. Atrase quase 5h.
escorou na porta e sorriu, calma, vendo Yoongi encher a boca com dois zimsternes dizendo algo como “delicioso” de boca cheia.
Ele a observou, ainda mastigando e riu.
— O que foi?
— Achei que passaria o natal sozinha.
— Eu sei como essa data é importante para você. Não poderia te deixar sozinha nem que quisesse. — Ele limpou a boca num guardanapo e se aproximou de braços estendidos. — Venha cá!
Se abraçaram por muito tempo.
— Temos liebe cake. — ela tirou o bolo da cesta, Yoongi abriu um sorriso grande.
Partiram a pequena fatia em duas partes e comeram, antes de terminar de mastigar, Yoongi arrastou a mulher para o sofá.
— Ainda faltam duas horas para o natal…
— O que quer dizer com este tom sugestivo?
— Ah, você sabe! O liebe cake fala por si só. — Ele disse, e a beijou com gosto de zimsterne.


Fim.



Nota da autora: Dezembro é um mês que aguardo com muito carinho, pois cada dia é pra mim um lembrete de que o natal se aproxima. Muito mais do que um momento de reunir a família e encher a barriga de comida, vejo o natal como um estado de espírito que permite a gente sonhar e arriscar ser mais feliz e alegre. É a época que até mesmo ateus e agnósticos acreditam em milagres e muitas religiões se unem para celebrar cada festa com um nome diferente. Essa fanfic foi feita sob medida para minha amiga Velúnia, que além de ser a maior entusiasta de natal que conheço, é também uma das pessoas que me ensinou a amar o BTS. Devo muito a ela e sou muito grata por nossa amizade, este é um presentinho pra ela. Também queria mencionar aqui minha gratidão a Carol Mioto, que além de ser uma das armys mais talentosas que já conheci, é uma pessoa de coração muito bom e que confio muito. Obrigada por fazer meu ano valer a pena, Carol, você é foda!
E por fim eu espero que você, leitor, também se encante com essa história e se quiser ver mais sobre o que tenho escrito, confira minha fic Des Roten Faden (http://fanficobsession.com.br/fobs/d/desrotenfaden.html) e acesse nosso grupo (https://www.facebook.com/groups/leitoresthecreepywriter/). Feliz Natal!



Outras Fanfics:

» Des Roten Faden

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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