Prólogo
Isso é só fantasia?
Pego num desmoronamento
Sem escapatória da realidade
Abra seus olhos
Olhe para os céus e veja
Eu sou só um pobre garoto
Eu não preciso de compaixão
Porque eu fácil venho, fácil vou
E possuo altos e baixos
Não importa pra onde o vento sopre
Nada realmente importa para mim"
— Não compreendo o porquê de terem vindo até mim — a voz calma e suave do anfitrião soa. Não parecia afetado, ou preocupado, ou até meramente interessado em saber o que aqueles dois desconhecidos gostariam de lhe dizer. A palavra que poderia definir aquele homem era simples e certeira: vazio. Suas ações, sua expressão e seus sentimentos: um enorme vazio.
O anfitrião era um homem magro de altura mediana. Seus cabelos eram loiros em um tom quase branco, jogados para o lado de forma despojada.
O homem de cabelos negros sentado à sua frente fechou os olhos fortemente, saboreando o líquido adocicado que descia por sua garganta. Sorriu ao sentir a última gota ser digerida, lambendo os lábios em sinal de deleite. Seus olhos negros se fixaram novamente nos do anfitrião, enfim se pronunciando:
— O que é isso? É tão bom.
O anfitrião franziu o cenho, confuso diante do rumo em que as palavras do desconhecido estavam tomando. O incomodava e muito quando alguém simplesmente se desviava do assunto principal.
— Os mortais batizaram isso de vinho. — ele responde contra a sua própria vontade.
O desconhecido sorriu com a resposta, tomando mais um gole daquele líquido, visivelmente aprovando.
— Os mortais criam coisas realmente interessantes... Já estou me sentindo em casa.
— Perdão, mas ainda não me responderam... — o anfitrião diz novamente, dessa vez soando irritado. — Por que vieram até mim?
O outro homem presente ali engoliu em seco, lançando um olhar penetrante para o amigo que continuava a degustar o vinho. Ele tinha cabelos azuis, este caindo-lhe por seus olhos teimosamente. Comparado ao homem de cabelos escuros ele parecia uma mera criança, já que sua postura denunciava seu nervosismo diante da situação.
— Nós... — a voz do estranho rapaz de cabelos azuis era suave. Ele se pronuncia de forma falha, fechando os olhos enquanto tentava inutilmente manter a calma. — Fomos mandados por nossos senhores para encontrar alguém.
O anfitrião não parecia surpreso, muito pelo contrário: tinha certeza absoluta de quem procuravam. Apenas temeu a ideia de que houvessem de fato o encontrado.
— Admito que não é todo dia que vejo criaturas como vocês andando lado a lado como iguais. Vocês dois são poderosos demais, e aparentam estar unindo forças para achar esse alguém. O encontraram?
O homem de cabelos negros que ainda degustava o vinho riu sonoramente, parecendo achar a reação do anfitrião indiscutivelmente divertida.
— Estamos na Terra há muito tempo, porém longe da civilização. Fomos expulsos dos nossos lugares de origem, e nossos senhores deram-nos essa tarefa para que possamos ser perdoados. Porém, admito... Eu não quero ser perdoado. Eu não quero voltar para o meu suposto lar. — o homem frisa a última frase com fúria, seus olhos escurecendo a ponto de adquirirem uma cor grotesca e definitivamente não mundana: negro absoluto. As suas órbitas negras e assustadoras fixaram-se no anfitrião, que apenas o observou impassível. — Então sim, o encontramos. Mas não precisamos fazer nada, outro já fez o trabalho por nós.
— Outro...? — o anfitrião pergunta em um sussurro. — Quem?
— Por uma criatura com o mesmo sangue desse alguém que procurávamos, ela nos fez o favor de exterminá-lo. Existe coisa melhor do que uma traição familiar? — o homem do vinho provoca, fazendo o outro de voz suave gemer em desgosto.
— Não fale coisas cruéis assim, eu te imploro!
O anfitrião apenas continuava observando tudo, sentindo agora seu vazio ser substituído por algo que não sabia definir o que era.
— Vamos direto ao ponto. Você sabe o motivo de termos recorrido até você. Pelo o que ouvi, essa cidade foi enfeitiçada. Ela atrai seres sobrenaturais, e principalmente: os torna incapazes de serem rastreados. Nem mesmo seres tão poderosos como criaturas demoníacas e divinas poderiam nos rastrear aqui.
— Está correto. — o anfitrião admite, mesmo que a contragosto. — Criaturas podem viver em paz. Aqui elas são atraídas e aqui elas se unem.
— Queremos ficar aqui. — o homem de voz suave diz baixo, fazendo o anfitrião prontamente assentir com a cabeça. Parecia querer fazer qualquer coisa para poder sair dali.
— Então fiquem, seguindo a condição de que não me tragam problemas, tudo é válido. Se me dão licença, eu tenho assuntos a resolver.
E assim o anfitrião se levanta, caminhando sem rumo até a saída de sua própria casa, enfim reconhecendo o sentimento que se apossou de seu profundo vazio.
Perda. Culpa. Dor.
O sentimento de perda misturado com a culpa lhe provocava uma dor excruciante, dor esta que o homem passaria os próximos anos sentindo-a constantemente em seu ser e se vendo incapaz de livrar-se dela.
Capítulo 01
É um sinal dos tempos
Temos que sair daqui
Apenas pare de chorar
Vai ficar tudo bem
Eles me disseram que o fim está próximo
Temos que sair daqui"
Música é simplesmente a melhor invenção do homem. Existe algo mais gratificante do que fechar os olhos e sentir inúmeras sensações diferentes lhe invadindo e provocando um sentimento instantâneo de puro êxtase fundido a mais harmoniosa felicidade? Pelo menos era dessa forma que se sentia, e esperava de coração que as pessoas se sentissem também. Era um bom sentimento. Um sentimento único, que desencadeava uma série de pensamentos únicos... Única. Essa definitivamente era a palavra certa para descrever a jovem Daurat, ou para os íntimos, que se resumia apenas em seus familiares: .
não era como os jovens comuns, pelo menos não como os jovens que conhecia. Ela era diferente, tinha uma peculiaridade que a destacava dos demais e a tornava única em sua própria maneira. E ela simplesmente odiava aquilo. Odiava ser o centro das atenções, odiava que as pessoas a notassem. Se tinha um objetivo que havia estabelecido em seus poucos recém completados dezessete anos de existência era que faria de tudo para que passasse despercebida no meio de uma multidão, e infelizmente aquilo não era possível: afinal, era única. E teria que conviver com esse título para sempre.
O som do sino em cima da porta da livraria anunciou que a garota saíra, seguido também pelo som de um estrondoso trovão. A jovem havia se permitido ir à livraria e comprar alguns livros antes que a tempestade anunciada no noticiário começasse. Achou que merecia esse pequeno agrado para si mesma, ainda mais naquela data tão odiada. A sacola que segurava estava realmente pesada, mas ela não se incomodou. Se havia algo que a menina amava mais que música eram livros, afinal a música lhe provocava o ápice da alegria e os livros lhe proporcionavam refúgio. Quando queria fugir de sua realidade ela apenas abria um livro e assim apreciava sua história, se perdendo em cada palavra enquanto avançava as páginas. Era uma sensação maravilhosa. Novamente desejou que todos sentissem o mesmo que ela, afinal, para ela, encontrar felicidade em pequenas coisas era o que dava um verdadeiro significado a uma vida monótona.
Virou a esquina daquele bairro meio sombrio, caminhando um pouco mais rápido. O bairro em que morava não era muito movimentado, então o índice de criminalidade dele era alarmante. Àquela altura já havia começado a chover, e a cada segundo a chuva engrossava mais, fazendo com que as gordas gotas a molhassem. apressou o passo, por temer ser interceptada por pessoas com más intenções, por medo de molhar seus livros e também por estar preocupada com a irmã mais nova. Respirou fundo ao pensar em Lara, com medo de que quando chegasse lá ela estivesse aprontando algo. Sabia que era muito provável que sim.
Finalmente chegou em frente ao velho prédio amarelo em que vivia. A pintura das paredes estava descascando tanto no lado de fora quanto no lado de dentro e já havia perdido as contas de quantas vezes Lara havia reclamado com o síndico sobre isso. Segundo a mais nova, viver em um lugar feio deixava sua vida feia. não poderia dizer que discordava, pois aquilo até que fazia sentido: a vida delas ali não era uma das melhores.
A garota atravessou o hall, cumprimentando o porteiro com um aceno, este que a ignorou. Ela estava acostumada com aquele tipo de coisa, o porteiro não era um dos mais educados. Subiu o lance de escadas com certa dificuldade, chegando ao primeiro andar e já se encaminhando até o apartamento 7, tirando o molho de chaves de seu bolso e destrancando a porta, adentrando-o em seguida.
Um par de rubis brilhantes a fitava de trás do sofá, escondendo a cabeça rapidamente ao ver que a havia visto.
— Lara? — a mais velha chama a irmã, falando mais alto do que o necessário.
Lara saiu de trás do sofá, carregando em mãos algo que ao se aproximar, percebeu o que era. Lara lhe disse alguma coisa, mas a música nos fones de ouvido da mais velha estava no volume máximo, impossibilitando-a de ouvir o que sua irmãzinha parecia querer dizer. Os retirou, olhando-a novamente como se pedisse para que repetisse o que havia dito.
— Feliz aniversário, maninha. Assopre as velinhas! — Lara cantarolava, parecendo incrivelmente feliz.
observou o bolo de chocolate nas mãos da menininha com o cenho franzido, não parecendo exatamente aprová-lo. Seria um bolo comum se não fosse pelos dizeres ''Parabéns'' e as duas solitárias velas em formato do um e do sete acesas, indicando que obviamente aquilo se tratava de um bolo de aniversário. entortou a boca em desgosto. Havia pedido, não apenas pedido, implorado, para sua irmã não preparar nada em seu aniversário, mas é claro que seu desejo fora ignorado pela criança.
— Eu te disse que não precisava... — diz, forçando a si mesma a não parecer rude. Não queria magoar os sentimentos de Lara. — Mas de qualquer forma... Obrigada. — e assim ela respira fundo, fechando os olhos e assoprando as velas, desejando mentalmente que no próximo ano sua irmã esquecesse aquela data maldita.
Adentrou seu quarto com pressa, fechando a porta atrás de si em um baque, fazendo o som ecoar pelo silencioso apartamento. Colocou a sacola de livros em sua estante, anotando mentalmente que deveria colocá-los perfeitamente posicionados ali com os demais livros mais tarde. Bufou irritada, rapidamente se livrando de seus próprios sapatos e se jogando em sua cama, afundando a cabeça em seu travesseiro. Não conseguiu evitar que as lágrimas caíssem.
Todos os anos era a mesma coisa.
odiava aniversários. Desde que havia perdido alguém de suma importância para si bem naquele maldito dia, começou a odiá-lo com todas as suas forças, abominando-o como se fosse um crime comemorá-lo. E nos primeiros anos funcionava... Até que Lara surgiu. Sua irmã, oito anos mais nova, desde que atingiu idade o suficiente para entender o que havia acontecido a sua volta, todos os anos fazia pelo menos um bolo para lembrar a irmã daquela desprezível data. Já havia perdido a conta de quantas vezes disse à garotinha que não precisava fazer nada daquilo, que aquilo mais a fazia se sentir farta de tudo do que qualquer outra coisa positiva.
Lara a ouvia? Obviamente não.
Não culpava sua irmã. Lara havia completado nove anos naquele ano e era uma menina muito inteligente e meiga, muito apegada a sua irmã mais velha. também a amava e muito, afinal sempre havia sido apenas as duas contra o mundo, mas não conseguia evitar de se sentir nervosa e frustrada por ter seu pedido ignorado pela mais nova em mais um ano.
A garota grunhiu, levantando seu rosto e dando uma boa olhada em seu quarto. Os pôsteres das bandas que tanto venerava pareciam estar zombando dela naquele momento. Desviou o olhar para o espelho do canto superior do quarto, vendo seu próprio reflexo. E céus, ela estava terrível. O lápis preto havia borrado e escorrido por seu rosto junto com as lágrimas, a deixando com uma aparência completamente selvagem. Seus cabelos negros presos em um rabo de cavalo desgrenhado estavam implorando por cuidados, enquanto suas roupas também negras encontravam-se amarrotadas. não era única apenas em sua personalidade, mas também era única na aparência.
— Droga. — ela resmungou, levantando-se da cama e rapidamente pegando uma toalha em seu guarda-roupa. Rumou ao banheiro, a fim de tomar banho e pelo menos relaxar por alguns minutos diante a tantos pensamentos conturbados que lhe passavam na cabeça.
— Mamãe ligou. — a voz fina de Lara soou ao ver a irmã adentrando a sala, já perfeitamente apresentável depois do banho.
— Sério? Que maravilha. — ironiza a mais velha, aproximando-se de Lara e se sentando ao seu lado no sofá. — O que ela disse?
Os olhos verdes da garotinha parecerem vacilar, desviando sua íris para qualquer canto do local que não focasse na irmã mais velha. Os olhos cinza de pareciam perfurá-la para que lhe contasse a verdade.
— Te desejou feliz aniversário. — Lara respondeu por fim, contra sua própria vontade.
— Mas o quê...?!
— E de costume disse que sente muito por não estar aqui. — completou, levando as mãos à frente de seu corpo como se quisesse se proteger do provável ataque que a irmã daria.
Porém a surpreendeu.
A mais velha apenas fechou os olhos fortemente, sentindo seu interior borbulhar, não de raiva, mas sim... Tristeza.
— Ela não entende, Lara. — a garota diz, cansada.
Lara fez um pequeno bico com os lábios, sinal óbvio que estava tomando a dor de para si. Sabia quanto o aniversário da garota era uma data delicada, e era exatamente por isso que tentava fazer com que ela se sentisse bem todos os anos, por mais que sempre falhasse miseravelmente em tal tarefa.
— Você não precisa que ela entenda, irmã. Eu te entendo e é isso que importa. — Lara diz com cuidado, se aproximando da mais velha e a abraçando pelos ombros.
apenas sorriu de forma triste, abrindo os olhos e olhando para a pequena menininha que a abraçava com tanta ternura.
A porta do apartamento se abriu de súbito, fazendo com que as duas meninas virassem assustadas para a porta da entrada. Melissa Daurat adentrou o local, completamente ensopada devido a enorme tempestade que caía no lado de fora. Trajava roupas beges destinadas à safaris, com um chapéu pendurado precariamente em seus cabelos castanhos molhados, e em suas mãos carregava enormes sacolas juntamente a sua mala de viagem.
— Surpresa! — a mulher gritou, animada.
Lara e não conseguiram disfarçar o espanto e choque ao vê-la ali.
Melissa Daurat não era uma mãe exatamente presente. Desde o trágico acidente que havia a tornado viúva, a mulher viajava pelo mundo sozinha, com a desculpa de estar atrás do verdadeiro sentido da própria vida e fazia isso com o dinheiro da herança de seu falecido marido, e simplesmente deixava as filhas para trás e aparecia ocasionalmente para vê-las... Como agora. a achava uma completa lunática e não conseguia ficar alguns segundos em sua presença sem começar a brigar com a mulher.
— Pensei que ainda estava na África do Sul. — diz, entediada. — O que faz aqui?
Melissa ri nervosamente, deixando seu chapéu cair ao fazê-lo. Levou as mãos aos cabelos castanhos, torcendo-os por entre os dedos. Seus olhos verdes passeavam de para Lara, parecendo indecisos no lugar mais seguro para se fixar. Optou por focar em Lara, andando até a mais nova e entregando uma sacola pequena a ela, com um sorriso no rosto.
— Eu menti para fazer uma surpresa a vocês. Aqui, Lara, te trouxe um presente.
Lara se virou para , como se pedisse permissão da mais velha para pegar. apenas assentiu em resposta. Lara pegou.
— Obrigada. — ela sussurrou, já se deslocando para perto da irmã.
— Não respondeu minha pergunta, mãe. O que faz aqui?
— É seu aniversário, . — a mulher diz impaciente, andando até a garota. fez uma careta ao ouvir seu nome verdadeiro ser pronunciado daquela forma. — Eu sou sua mãe, eu estou no meu direito de vir ver minhas filhas, ainda mais em uma data tão importante para a minha mais velha. E, ah! — Melissa estende outra sacola pequena, idêntica a de Lara, para . — Te trouxe um presente também, feliz aniversário.
pega a sacola com brutalidade, tratando de retirar o que havia ali em seguida.
Se tratava de uma passagem de ônibus, onde se lia claramente ser para o dia seguinte, com destino a...
— Mysthical? — perguntou, confusa.
— Eu também ganhei isso. — Lara mostra para a irmã.
— Mysthical é a cidade onde mora o irmão de seu pai, seu tio Jhotaz. — Melissa diz, de repente ficando mortalmente séria. — Eu quero que vocês se mudem para lá.
Capítulo 02
Não importa o que eles dizem
Eu vou te segurar mais perto
Eu costumava ser um vagabundo bobo
Tão cansado de tudo isso
Caindo cansado, mas você me deu asas
Você é meu A N J O, me faz sorrir quando estou triste"
O som suave do piano da introdução de Angel soou, e aquilo fora o suficiente para fazer com que sorrisse de forma relaxada. tinha um gosto musical eclético e admirava a si mesma por isso.
Ela gostava de boa música, não importava de onde ela vinha.
Angel era a música de uma artista americana-coreana chamada Yoonmirae. A letra é visivelmente direcionada para o filho da cantora, e sentia-se representada por isso, afinal aquela canção a remetia ao mais próximo do amor de mãe que ela nutria: o amor que tinha por Lara. Seu anjo, a única pessoa a qual realmente importava para .
A garotinha dormia com a cabeça apoiada em seu ombro, os cabelos castanhos desgrenhados caindo por seu rosto tão branco quanto porcelana; seus lábios vermelhos fechados em uma linha reta e sua expressão serena indicando que deveria estar tendo um sono tranquilo.
"Ela deve estar cansada... A viagem está sendo longa demais". — pensou, enquanto desviava sua atenção para a janela.
Haviam pegado o ônibus pela manhã. Melissa as levou até a rodoviária, alegando que queria ver suas menininhas partindo em segurança. Patética.
Na noite anterior, ao ouvir as palavras da mulher anunciando que elas deveriam partir, não disse nada. Não sentiu nada, não conseguiu demonstrar nada. Apenas ficou encarando a mulher de forma impassível, e tudo o que pronunciou foi:
— Quando partiremos?
E foi fácil assim. Nem se dera o trabalho de dar mais que um aceno como despedida para sua mãe e já entrou no ônibus, levando a chorosa Lara consigo. A menina chorou muito nas primeiras duas horas no ônibus, até que acabou por se cansar e adormeceu apoiada em . A mais velha sabia que ela iria superar a partida em breve, Lara não conseguia ficar triste por tanto tempo.
Os olhos cinza de observavam a paisagem sem muito interesse. Não sabia o que lhe aguardava em Mysthical, e nem queria saber. Partir não havia sido difícil: seus únicos amigos sempre foram seus livros e seu celular, e claro: Lara. Sair da cidade e largar seu lar e escola havia sido fácil até demais.
Já largar sua mãe... não poderia dizer o mesmo.
No caminho da rodoviária, dentro daquele cubículo metálico que parecia mais sufocante que o normal naquela manhã, quis gritar. Uma parte dela queria berrar para Melissa tudo o que estava guardado dentro de si, toda a mágoa e ressentimento que tinha por sua mãe simplesmente se recusar ser uma mãe de verdade. Desde a morte de seu pai ela havia mudado, era como se ao morrer ele houvesse levado uma parte dela também: e aparentemente nessa parte estava todo o amor que tinha pelas filhas, fazendo com que em Terra não sobrasse nada que não fosse indiferença.
Indiferença doía. Se havia algo capaz de matar Daurat era sentir que alguém a qual ela amava era indiferente a ela, indiferente aos seus problemas, indiferente à sua dor... Indiferente à sua existência. E foi quando seu olhar se voltou para sua irmãzinha. Lara se mexeu um pouco, mudando sua posição de forma que seu rosto se escondesse na curva do pescoço de . A menina riu, recordando-se de quando a pequena ainda era um bebê e dormia exatamente desse jeito em seu colo. Se lembrou das canções de ninar que cantava para ela, especificamente a cantiga "Se essa rua fosse minha". cantava com a voz suave e contida, recordou-se que no final de sua cantoria Lara sempre dormia pesadamente. Aquela era uma boa lembrança, uma lembrança feliz.
— Com licença, senhorita Daurat? — uma voz soa interrompendo de seus pensamentos, e ela apenas fita um senhor parado na sua frente.
Ele era baixo e gorducho; tinha cabelos grisalhos e usava uma roupa conhecida por . Ele era o motorista! Como não havia visto o ônibus parar?!
— Ãhn... Sim?
— Já chegamos ao seu destino, o senhor Jhotaz Daurat está lhe aguardando.
franziu o cenho, arqueando seu corpo para frente enquanto olhava novamente para a janela, fazendo Lara acordar. Estavam parados em frente a uma enorme casa de pedra, está escondido por um portão dourado encrostado também de pedras, estas muito semelhantes a pedras preciosas; ao fitá-lo por muito tempo achou que o brilho do portão se intensificava. Estranho. Havia algo de muito estranho naquele lugar.
Voltou sua atenção para o motorista, que ainda a aguardava com um sorriso simpático no rosto.
— Nós chegamos? — Lara pergunta sonolenta, piscando algumas vezes enquanto bocejava.
— Aparentemente sim, vamos. — e assim Lara se levanta para dar espaço para passar.
As duas dão as mãos, seguindo o motorista que já carregava as duas pesadas malas das jovens. olhou em volta, percebendo que o motorista havia parado exatamente em frente a casa de seu tio. Estranhou ainda mais a situação, afinal aquele não era um ônibus particular ou algo do tipo. Pensou que parariam na rodoviária da cidade... Estranho.
Olhou em volta novamente... Todos os passageiros a encaravam. sentiu seu braço se arrepiar, desviando o olhar para os próprios pés. Não gostava quando olhavam diretamente para ela. Afinal, qual era o problema?!
— O senhor Daurat deixou bem claro que gostaria que vocês fossem deixadas diretamente em sua casa. — o motorista comenta, falando de Jhotaz com visível respeito.
Jhotaz deveria ser bem mais novo que o senhor que se dirigia a elas, não conseguia entender. Talvez seu tio tivesse um cargo importante na cidade, o que explicaria muita coisa.
As meninas descem do ônibus, seguindo o motorista que agora deixava suas malas em frente ao portão. Visto de perto ele era ainda mais impressionante e sinistro. Atrás daqueles peculiares portões estendia-se um enorme e bem cuidado jardim nas laterais, parte dele formando arcos de flores enfileirados em cima do caminho de pedras idênticas as encrostadas no portão.
— O senhor Daurat parece ser um cara bem importante. — ironiza, fazendo o motorista assentir orgulhoso.
— Ele é sim, Jhotaz é um menino de ouro, tenho muito respeito por ele. Aposto que vocês irão adorar morar no casarão! Jhotaz é um coitado, sempre tão solitário... A companhia de suas adoráveis sobrinhas vai mudar isso. — e Lara nada dizem, apenas se encaram longamente de forma cúmplices. Ambas estavam achando tudo realmente muito estranho. O motorista suspira, de repente parecendo voltar a realidade depois de seus devaneios sobre o tio das garotas. — Bem, essa é a minha hora de partir. Até mais, garotas. — e assim o homem dá meia volta, caminhando de volta para o ônibus.
observou ele partir, ainda sentindo os olhares dos passageiros sobre si. Arriscou dar uma última olhada neles, se arrependendo instantaneamente.
Ao contrário do alegre motorista, as feições dos passageiros não eram nada amigáveis. sentia o olhar deles pesar sobre si.
Um som estridente fez com que ela se sobressaltasse, olhando para trás e vendo Lara chocada fitar o portão.
— Ele abriu sozinho!
— Tem como ser mais cenário de filme de terror que isso? — pergunta rindo, fazendo Lara se encolher. A mais velha apenas revira os olhos, pegando a mais nova pelo pulso e assim adentrando o terreno de seu tio.
Dentro do ônibus vários pares de olhos ainda faiscavam com pesar sobre as duas garotinhas, lamentando silenciosamente, como se previssem o futuro que as aguardavam.
— Margaridas, ! Eu amo margaridas! — Lara exclamava, encantada.
Andavam pelo caminho de pedras, seguindo até a casa. Se surpreenderam ao perceber que a casa era mais distante do que parecia dos lados de fora do portão, mas não reclamaram. Era tudo bonito e impressionante demais para que se sentissem incomodadas.
O jardim era ainda mais belo visto de perto, com inúmeras espécies de flores e variedade de cores. Ele parecia realmente bem cuidado, e quase sentiu vontade de abraçar o jardineiro que deveria cuidar daquele lugar com tanto carinho.
— Parece que não têm rosas, é realmente uma pena. — comenta em um tom um tanto chateado.
— Essa casa é enorme, talvez tenha mais jardins no outro lado. — Lara comenta, fazendo pouco caso.
A menininha retirou uma margarida do jardim, ajeitando em seus próprios cabelos, fazendo com que ela estivesse arrumada com perfeição entre os fios castanhos. Sorriu radiante, começando a correr na frente de e deixando-a para trás enquanto carregava as malas.
— Lara! — a mais velha a chamou, mas a garotinha já estava muito na frente, correndo em disparada para a casa.
— Sua irmã é engraçada. Tão animada e cheia de vida... Jhotaz vai apreciar sua companhia.
pulou de susto, olhando para o lado e de repente notando que não estava mais sozinha. Havia ali um rapaz um pouco mais alto que ela, este com uma tesoura de poda em uma mão e um regador na outra. Ele tinha os cabelos negros e seus olhos eram castanhos, contendo duas escuras bolsas embaixo destes, denunciando suas prováveis noites mal dormidas.
— Ela é assim mesmo, tão animada que chega a ser irritante. — ela comenta baixinho, desviando o olhar, desconfortável.
O homem ri sonoramente, assentindo devagar com a cabeça como se concordasse.
— Mesmo assim, precisamos desse tipo de animação por aqui. Chega a ser cansativo ser o único que tenta animar Jhotaz, acho que ela vai se sair bem nisso.
— E quem é você?
— Oh, que falta de educação a minha. — o rapaz deixa o regador no chão, estendendo a mão livre para , essa que prontamente a apertou, cumprimentando-o. — Eu me chamo Victor, sou o jardineiro, mordomo, cozinheiro, faxineiro, motorista ou qualquer coisa que você possa imaginar dessa casa. E, ah: também sou melhor amigo do Jhotaz, seu tio.
— Você é realmente tudo isso? — a menina pergunta surpresa, fazendo Victor apenas rir em resposta, assentindo. — Isso deveria ser considerado trabalho escravo.
— Como eu disse: também sou amigo do seu tio... O que eu puder fazer para ajudá-lo, eu farei. Então até que o trabalho escravo vale a pena. — ele ri pelo nariz, desviando o olhar para as mãos de e percebendo que esta ainda tinha as malas em seus braços. Ele prontamente largou a tesoura de poda ao lado do regador, pegando as malas de e já começando a andar na frente.
— Não é necessário, eu posso carregar...
— Não, pode deixar comigo. Venha, vamos indo. Sua irmã já deve ter entrado lá dentro.
apenas suspirou em resposta, não vendo outra opção que não fosse seguir Victor pelo extenso caminho até a casa.
— Bem, obrigada. — ela agradece, e ele apenas sorri em resposta.
Apesar da aparência cansada ele parecia ser alguém muito simpático, seu bom humor e simpatia natural era visíveis mesmo que fosse a primeira vez que estivesse o vendo.
Um silêncio confortável se instala entre eles enquanto andavam, e se permitiu divagar. Olhou para cima, fitando as enormes árvores que faziam o caminho parecer mais um bosque do que um jardim de uma casa, mas não achou aquilo um problema. Muito pelo contrário, aquele lugar era um sonho. Perguntou-se quanto tempo levaria para sentir que pertencia àquele lugar, que aquele realmente era seu novo lar... Talvez nunca. O pensamento lhe doeu um pouco, mas não era novidade. nunca se sentiu aceita em lugar algum, nunca sentiu que se encaixasse em um meio, esse sendo a escola, sua antiga casa ou até mesmo entre os integrantes da sua família materna (que eram os únicos que ainda mantinha contato). Não. sentia como se fosse única no mundo e tentava não se incomodar com isso, mas de alguma forma estando ali com Lara e morando com o tio, naquela cidade a qual nunca ouvira falar... Ela queria sentir algo novo. Ela queria se sentir bem. Odiava criar expectativas, mas não conseguia evitar.
— Você tem os olhos do seu pai. — as palavras de Victor a atingem em cheio, fazendo-a subitamente arregalar os olhos e fitá-lo confusa.
— Você conheceu meu pai? — perguntou, sentindo seu peito se apertar. Raramente mencionava qualquer coisa relacionada ao seu progenitor em voz alta, preferia apenas se referir a ele sozinha, na segurança de seus pensamentos.
— Se eu conheci seu pai?! Eu cresci com ele — Victor responde com um risinho baixo, parecendo perder-se em pensamentos nostálgicos. — Eu o conheci em um período muito conturbado da minha vida e ele me estendeu a mão... Eu, seu pai e seu tio éramos inseparáveis. Até que seu pai conheceu Melissa e bem... Foi embora de Mysthical. — de repente a expressão de Victor se tornou sombria. — Ir embora foi a pior coisa que ele poderia ter feito, mas eu não o culpo. O amor faz isso com as pessoas, faz com que elas percam a razão e assim percam a noção do que é certo e do que é errado.
— Eu não sabia que meu pai havia ido embora daqui por causa de minha mãe.
— Eu acho que você não sabe de muita coisa, .
— Como assim?
— Sabe, eu era realmente próximo da minha avó quando era pequeno. E ela me contava histórias. Histórias sobre Mysthical e seus habitantes, histórias sobre os segredos desse lugar que faria com que até o mais corajoso dos homens implorasse para partir. Todas as histórias que ela me contava sempre começavam da mesma forma: alguém, na maioria das vezes o mocinho, vinha para Mysthical por um único e exclusivo motivo.
— Que seria...? — pergunta, visivelmente interessada e entretida na conversa. Victor apreciou aquilo.
— Você quer mesmo saber?
— Claro que quero!
— O motivo é.... — Victor faz uma pausa, fazendo bufar em impaciência. Aquilo arrancou uma gostosa gargalhada do mais velho.
— Diz logo.
— Respostas. — ele finalmente diz, sua voz soando sombria e séria. Os olhos castanhos do rapaz se fixaram na menina, e um sorriso esperto contornava seus lábios. — Todos que vieram para Mysthical, mesmo sem saber, queriam respostas.
— E eles a encontraram?
— Alguns encontraram em poucos dias, outros em anos... E tem os que estão até hoje querendo encontrá-las. — Victor desvia o olhar para o enorme casarão, que agora estava bem na sua frente. Ao olhar a enorme casa o rapaz parecia perdido em pensamentos... Lembranças. não o conhecia, mas ao julgá-lo pelos momentos em que ele entrava em tal estado de reflexão, ela só podia concluir que algo o incomodava profundamente.
— Essas são... Histórias realmente interessantes. — diz com cuidado. — Mas são só histórias. Isso não deveria incomodá-lo.
— Será mesmo que são histórias, ? — Victor rebate. — Toda história tem um fundo de verdade, ainda mais em Mysthical. Nunca se esqueça disso.
As enormes portas de madeira se abriram de súbito, fazendo pular de susto. Na sua frente, olhando-a com desinteresse gritante, estava Jhotaz Daurat.
Jhotaz não era um tio presente. tinha uma vaga lembrança da última vez que haviam se visto, quando era mais nova que Lara. Mas não se recordava de nenhum momento realmente agradável com aquele homem, nem mesmo uma demonstração de afeto antigo que devesse caracterizar a relação de tio para sobrinha. E ao encará-lo cara a cara como naquele momento, a menina percebeu o porquê.
Jhotaz parecia realmente jovem, como se os anos não tivessem o atingido da forma que deveriam. Ele era alto e magro, trajava roupas modernas e descoladas que jurou já ter visto os adolescentes de sua antiga escola usando. Os fios loiros de sua cabeça estavam bagunçados de forma despojada, seus olhos cinza idênticos aos de continuavam a observá-la. Ele era realmente parecido com seu pai. Uma versão bem mais jovem dele, é verdade, mas não poderia negar tal semelhança.
— Não vão se cumprimentar? Vocês são tio e sobrinha, deveriam dar um abraço caloroso. — Victor diz, quebrando o silêncio que havia se instalado. e Jhotaz apenas desviaram os olhares para ele, que se encolheu. Os dois pares de olhos árticos fixados em si o fizeram vacilar. — Certo, desculpe.
— Olá, . Espero que tenha feito boa viagem. — Jhotaz se pronuncia pela primeira vez, a voz soando arrastada e... Entediada. — Lara já está lá em cima, Victor vai te mostrar seu quarto. Se me dão licença, eu preciso ir.
O tio passa por e Victor sem nem olhá-los, começando a andar.
— Para onde você vai?! — Victor grita, indignado.
— Para a biblioteca. — Jhotaz responde sem nem ao menos levantar a voz. — Fique de olho nelas para mim.
E assim ele parte.
— Vamos, , vamos entrando. — Victor diz, parecendo magoado.
— Certo...
olhou para trás novamente a fim de ver o tio caminhando pela estrada de pedras, surpreendendo-se ao ver que o mesmo já havia sumido sem deixar nenhum rastro.
Ao entrar no casarão já havia dado de cara com um enorme hall de entrada, onde duas escadas de madeira em espirais que possuíam dois caminhos de destino se faziam presentes. A casa tinha uma aparência antiga, mas isso não retirava seu indiscutível charme de luxo.
— A escada que leva à direita é a que você deve seguir, pois lá fica o seu quarto e o de Lara. Eu aconselho a nunca subir a escada da esquerda... É onde fica meu quarto e o quarto de seu tio. Ele não gosta de barulho, está sempre prezando pelo seu tão amado silêncio, mas, sabe de uma coisa? Uns gritos aqui e ali não seriam tão ruins. Na verdade, me fariam muito feliz: amo ver seu tio irritado. — Victor sorri de forma sapeca, arrancando um riso baixo por parte de .
— Meu tio parece ser um pé no saco. — ela desabafa, enquanto analisava as duas escadas. — Quer dizer, eu simplesmente não posso subir uma das escadas... O que ele é, a Fera de A Bela e a Fera? Isso é ridículo.
— Ele só está acostumado a ficar sozinho... Isso me irrita também. Mas para evitar problemas o melhor que você tem a fazer é ficar longe daquela região.
— Tanto faz.
Victor sobe a escada que leva ao destino para direita, fazendo o seguir. Ao chegarem no topo, ele virou em um extenso corredor, já ouvindo gritos cada vez mais alto ao começarem a adentrá-lo. subitamente gelou.
Lara.
— Aonde você está indo?! — Victor pergunta assustado atrás de si, mas a menina não lhe deu ouvidos.
começou a correr pelo corredor escuro. Não reparava em nada em sua volta, estava completamente submersa na terrível sensação de que algo havia acontecido a sua irmãzinha. Começou a tentar abrir as portas que via, forçando as maçanetas, mas essas estando trancadas. Grunhia em frustração, continuando a correr.
— Lara?! — ela grita, chamando pela menina, recebendo nada mais do que mais gritos em resposta.
Continuou a correr, tropeçando em algo no caminho. Xingou baixo, prosseguindo. Céus, o que estava acontecendo?!
E foi então que, no fim do corredor, a porta estava entreaberta e o grito se fazia audível. correu até lá, adentrando o local e surpreendendo-se com o que vira.
Não pôde evitar que um suspiro admirado escapasse de seus lábios. Lara gritava, correndo em volta do ambiente com os bracinhos abertos, saltando em cima dos luxuosos móveis e fazendo malabarismos para demonstrar sua alegria. riu com a cena.
— Você é maluca! — ela grita para a irmã, pegando uma almofada que estava em cima do sofá de veludo azul que se encontrava no canto do quarto, jogando na menina e acertando sua cabeça. Lara soltou mais um grito estridente. — Eu fiquei preocupada, achei que algo tivesse acontecido com você!
— Ei! Eu não sou maluca, eu sou feliz! Afinal, QUEM NÃO SERIA FELIZ MORANDO EM UM LUGAR COMO ESSE?! — Lara berrou, obrigando a levar as mãos aos próprios ouvidos.
Bem, não poderia negar que aquilo era verdade.
Ao olhar em volta pôde perceber que estavam em um quarto o qual o teto era pintado para parecer uma galáxia, como se todas as estrelas e constelações estivessem ali, visíveis aos olhos nus. No meio daquela imensidão de astros tinha uma enorme borboleta azul, esta tão perfeitamente desenhada que parecia real. No meio do quarto tinha uma cama de casal com um véu azul contornando-a, e ao seu lado uma penteadeira de madeira enfeitado com desenhos de borboletas da mesma cor. Havia ali um armário preto, e a seu lado duas enormes estantes também pretas embutidas na parede, estas abarrotadas de livros. Contradizendo-se com a casa antiga, aquele quarto era muito moderno e aconchegante. automaticamente se sentiu bem ao vê-lo.
— Olha, ! Tem uma sacada aqui! — Lara anuncia, abrindo a porta de correr também preta, que estava escondida pela cortina, revelando a sacada a qual se referia.
Lara correu até lá e a seguiu. A sacana era larga e bem posicionado, dando-as uma vista privilegiada da cidade. Lara correu até a beirada, segurando no parapeito e olhando ali com admiração visível.
— Você realmente gostou daqui, não é? — perguntou baixinho, aproximando da irmã e ficando ao seu lado.
A menininha apenas assente com a cabeça, voltando seus olhinhos verdes para .
— Sim. Você não?
— Eu não sei... Acho que estou com medo.
Lara ficou em silêncio assimilando as palavras da irmã. Parecia realmente contemplada em entender o significado daquelas palavras, mas desistiu depois de poucos segundos. Sua irmã mais velha sempre seria uma incógnita para ela.
— Você é corajosa. Passou por tanta coisa e continua aqui... Você é muito corajosa. — a pequena diz baixinho, entrelaçando uma de suas mãos na mão da mais velha.
nada respondeu, apenas deixou com que seu olhar vagasse pelo horizonte.
Naquele breve momento, observando o sol despontando no céu e iluminando aquela peculiar, mas de certa forma bela cidade desconhecida, sentiu que tudo ficaria bem, contanto que tivesse Lara a seu lado.
Capítulo 03
Eu era um anjo
Vivendo no jardim do mal”
estava sentada na mesa juntamente a Lara. As duas estavam na luxuosa sala de jantar e olhavam em volta encantada com o cômodo. Havia uma enorme mesa de madeira no meio do ambiente, esta iluminada com um enorme lustre de cristais que se encontrava no teto. Haviam passado o dia no casarão e aquilo não estava indo tão mal assim. Assistiram a filmes, comeram pipoca que fora estourada por Victor e se divertiram com a companhia do rapaz. Ele estava se esforçando para deixar tudo agradável para as duas, e não podia se sentir mais grata a ele por isso.
No momento as duas estavam jogando um jogo de cartas, enquanto aguardavam a chegada de Victor com o almoço.
— Você está roubando. — bufa irritada, jogando as cartas na mesa com raiva.
— Isso não é roubar, isso é ganhar com vantagem. — Lara diz sorrindo sapeca, recebendo um tapa no braço dado pela irmã. — Ei! Sua maluca!
— Isso é para aprender a não ser uma trapaceira. Não te criei com todo o amor e leite ninho para isso!
— Você não me criou com amor e leite ninho... Ou criou?
— Claro que criei. Eu te ensinei tudo o que você sabe e eu não criei irmã minha para ser trapaceira, pode parando. — dá mais um tapa fraco no braço de Lara, esta que segura o bracinho com uma expressão extremamente dramática.
— PARE! Assim você vai arrancar meu braço! — ela geme, arrancando uma gargalhada de .
— Além de trapaceira é uma má atriz, céus. Eu definitivamente falhei na forma que você foi criada.
— Eu sou uma princesinha, tá legal? Você acertou na forma de me criar sim. Eu sou a maior alegria da sua vida!
— Para de ser convencida, garota.
— AH! Então você admite? — Lara grita empolgada, começando a pular na cadeira e fazendo rir ainda mais.
Sua irmã não era normal.
— Você é doida demais para ser minha irmã, tenho quase certeza que você foi adotada.
— Eu não acredito mais nessa história, . — Lara diz séria, fazendo segurar o riso.
Quando Lara tinha quatro anos, inventou uma história realmente elaborada dizendo que Lara havia sido achada em uma lata de lixo sendo criada por ratos, e por pena seus pais haviam a adotado. Lara chorou ao ouvir aquela história, dizendo que queria voltar para o lixo para encontrar sua família biológica de roedores. nunca riu tanto em sua vida como naquele dia, tanto que o castigo que recebera de Melissa por isso não foi nada comparado ao seu divertimento.
— Sua família de ratazanas devem sentir sua falta! — ela provoca, fazendo Lara gritar de indignação. Sua irmã era realmente escandalosa.
— Eu não sou de uma família de ratos!
— Claro que é, olha seus dentinhos! — aponta para os dentes levemente salientes da mais nova, arrancando mais um grito indignado da mesma. apenas riu.
A porta da sala de jantar se abre, revelando um Victor concentrado em segurar uma bandeja com o almoço, olhando para as meninas curioso.
— Posso saber por que dos gritos?
— Lara não aceita que seus pais biológicas são ratos. A culpa não é minha se ela não aceita suas origens! — se adianta, levantando as mãos em sinal de inocência. Lara bufa alto ao seu lado.
— Não dê atenção a minha irmã, Victor. Ela é uma bobona.
— O que há de errado em ser de uma família de ratos? Ratos são... Legais. Bem flexíveis e rápidos, como ninjas. Você não gosta de ninjas? — Victor pergunta divertido, deixando a bandeja em cima da mesa e começando a arrumar os pratos.
— Eu não sei nada sobre ninjas. — Lara confessa constrangida, arrancando uma risada baixa de Victor.
— Eu posso te contar histórias sobre ninjas mais tarde.
— Sério?
— Claro.
— Obrigada, Victor. — ela agradece tímida, e Victor apenas pisca para ela com um sorriso.
apenas observou a cena, incrédula. Sua irmã era uma menininha muito difícil de se aproximar das pessoas, mas parecia que Victor já havia a conquistado sem precisar de muito. Afinal, o cara era tão simpático e convincente que havia feito ratos parecerem algo legal como ninjas. deveria tomar cuidado com a lábia de Victor.
— Mas então... Onde está tio Jhotaz? Ele não costuma comer aqui? — pergunta, enquanto pegava os talheres e já começava a comer.
— Seu tio Jhotaz provavelmente deve estar na biblioteca, e se não estiver lá é provável que tenha ido resolver algo na Coup D’etat. Ele não costuma fazer nenhuma refeição por aqui... Jhotaz é um saco. — Victor conclui, sentando-se à mesa junto as meninas.
— Coup D’etat? Que nome engraçado. O que é isso? — Lara pergunta rindo, fazendo Victor rir também.
— É um estabelecimento o qual seu tio é proprietário, nada demais.
— Que tipo de estabelecimento? — questiona, fazendo Victor olhá-la surpreso com o seu interesse.
— Um estabelecimento que não permite crianças. E eu já falei demais, está bem? Jhotaz não gosta que se metam em seus negócios. Como eu te disse: seu tio é um saco.
Mas não havia engolido aquilo que lhe foi dito.
Eles continuaram comendo sem mais interrupções de conversa, e se encontrava pensativa sobre tudo aquilo. Havia algo de muito errado com aquela cidade que nunca havia ouvido falar, e algo ainda mais errado com seu misterioso tio e seu melhor amigo. Haviam peças ali que simplesmente não se encaixavam, e como a boa curiosa que era queria saber o porquê de tal desencaixe.
— Eu percebi que aqui não tem internet. — começa a dizer, ganhando a atenção de Victor. — Será que teria alguma maneira de eu ter acesso à internet? Eu gostaria de fazer algumas pesquisas.
Victor mastiga, desviando o olhar, parecendo pensativo. Parecia refletir sobre o pedido de com cuidado, e a mais nova não entendeu bem o motivo de tal hesitação.
— Claro. — ele consente, por fim. — Na biblioteca da cidade tem computadores com internet disponibilizada para toda a população. Infelizmente seu tio Jhotaz abomina maiores tecnologias, por isso não temos internet por aqui. O aparelho de DVD e o notebook que deixamos no seu quarto foi comprado às pressas, sabe? Eu achei que como você é adolescente você iria gostar de algo assim.
— “Como eu sou adolescente”? — pergunta, achando graça daquilo. — Por eu ser adolescente eu automaticamente gosto de eletrônicos?
— Foi o que me disseram. — Victor disse rindo, fazendo rir junto. — De qualquer forma eu posso levar você até a praça da cidade, a biblioteca fica lá.
E o jantar fluiu sem mais diálogos, um silêncio agradável se instalou entre eles, como se aquele tipo de situação fosse rotineira.
sentiu que podia se acostumar com isso.
— Aquilo é realmente uma loja de brinquedos ou eu estou sonhando? Alguém pode me beliscar, por favor? — Lara diz, levando as mãozinhas ao peito, fingindo estar emocionada.
— Sim, aquilo é uma loja de brinquedos. Presumo que eu deva te levar até lá, levando em conta a sua reação exagerada. — Victor diz rindo, fazendo Lara prontamente entrelaçar sua mão na do rapaz, puxando-o para arrastá-lo até a loja.
— Vamos, vamos! Olha quantos ursos de pelúcia, eu já te contei que amo ursos de pelúcia? Não? POIS EU AMO URSOS DE PELÚCIA! Eles são tão lindos! — Lara dizia empolgada, fazendo Victor rir.
— A biblioteca é bem ali, . Você pode ir lá e daqui a pouco iremos te encontrar, tudo bem?
olha para o local que ele indicou como sendo a biblioteca, assentindo com a cabeça.
— Sem problema algum, mas... Você não precisa ir comprar algo para Lara só porque ela quer.
— Não se preocupe, eu insisto.
— Vamos, Victor! — Lara grunhe, puxando-o e assim adentrando a loja de brinquedos.
Estavam na praça da cidade, e não pôde deixar de olhar com curiosidade em volta. O que Mysthical tinha de misteriosa tinha de bela. A praça era simples, mas de certa forma aconchegante, tinha um chafariz em formato de sereia, com meia dúzia de bancos em volta de um pequeno jardim. Haviam apenas três estabelecimentos, sendo estes um do lado do outro: um restaurante, a biblioteca e a loja de brinquedos que Lara havia feito Victor entrar.
apenas suspira, andando até a biblioteca. Havia nela uma vitrine esfumaçada, impossibilitando olhar com clareza como ela era por dentro. Para entrar lá dentro ela deveria passar por uma porta de madeira com desenhos que simulavam uma história entalhados. se aproximou para vê-los melhor, tocando na madeira ao fazê-lo. Era uma história de três cenas, demonstrando claramente o começo, meio e fim: se iniciava com um garoto representado com cores claras e outro com cores escuras, um caindo do céu e o outro emergindo da superfície saindo da terra. Na segunda imagem mostra os dois ajoelhados diante a um ser superior, este representado com faíscas. Eles pareciam implorar por clemência. Na terceira imagem só havia a paisagem: os dois garotos haviam sumido. sentiu um inexplicável arrepio na espinha ao ver aquilo.
apenas suspirou, ignorando a sensação horrível que havia se instalado em seu peito. E assim empurrou a porta da biblioteca, ouvindo o sino que se encontrava em cima soar anunciando sua chegada. Enormes estantes lotadas de livros separados cuidadosamente em categorias específicas tomaram sua visão, fazendo-a sorrir. Era reconfortante ver algo que era familiarizada. O local parecia antigo, mas de certa forma elegante. Havia uma escada em espiral no canto, esta que tinha uma placa escrito "acesso restrito".
— Olá? — a menina chamou, com a voz tímida.
Não havia ninguém no balcão, por isso não sabia se poderia avançar livremente para o fundo do local, onde acreditava estar os computadores e as mesas de estudo que Victor havia mencionado. Ninguém respondeu ao seu chamado, o que levou a menina a avançar pelo ambiente, ainda timidamente. Observava as estantes com admiração visível, sentindo certo conforto por apenas ver os títulos saltando das capas dos livros, convidando-a para pegar algum. Um livro lhe chamou a atenção, este com o título sendo “Mysthical: A Cidade E Seus Segredos”. A menina esticou a mão para pegar, sendo interrompida subitamente por uma voz que a fez dar um pulo de susto.
— Posso ajudar?
A menina se virou assustada, dando de cara com um homem desconhecido. Ela olhou em seus olhos escondidos por trás da armação preta de seus óculos, assim causando um calafrio em seu corpo. As íris do rapaz eram tão negras e opacas que chegavam a provocar certa agonia se observadas por muito tempo, fazendo com que rapidamente desviasse seu olhar.
— E-eu n-não, e-eu... — começou a tentar se explicar, gaguejando ao fazê-lo.
— Você...? É gaga por acaso? — o homem pergunta divertido, se aproximando de . A menina se encolhe ao vê-lo tão perto, perguntando-se o que diabos ele iria fazer. Observou-o esticar o braço, arregalando os olhos com a ideia dele tocá-la... O que não aconteceu.
— “Mysthical: A Cidade E Seus Segredos”. Era este livro que você ia pegar, certo?
o olhou confusa, o vendo analisar o livro.
— Hum... É... — a menina pigarreia. — Sim, é esse mesmo.
— Eu nunca te vi por aqui. Suponho que seja nova na cidade... Você é a sobrinha de Jhotaz, não é?
— Como você sabe? — a menina pergunta surpresa, fazendo o homem sorrir.
— Moramos em uma cidade pequena, é óbvio que as notícias correm depressa. Por que se mudou para cá? Jhotaz não é muito receptivo. Sua mãe deve ter tido um bom motivo para mandá-la para um lugar como este.
fica em silêncio diante a pergunta do homem, por algum motivo vendo no tom do rapaz que ela não deveria responder aquela pergunta, afinal nem ela sabia como responder. Ele pareceu apreciar o silêncio da menina, mudando de assunto em seguida:
— Meu nome é , sou o bibliotecário que toma conta das coisas por aqui. E você? Como se chama?
— Me chamo , mas prefiro ser chamada de . Prazer em te conhecer, .
— Hum... “Raio de sol”, derivada de “a reluzente”, “resplandecente”... Claramente uma menina cheia de luz. Hum... “A iluminada”. São bons nomes, ambos remetem à luz... Interessante. — o homem murmura consigo mesmo, enquanto arrumava o óculos que escorregava por seu nariz. — Oh, desculpe. Eu costumo divagar bastante. Me diga, ... O que te trouxe a minha biblioteca? Presumo que queria saber mais da história da cidade.
— Sim. Eu queria pesquisar sobre a cidade e usar o computador... Victor me disse que eu poderia vir.
— Victor... O capacho de Jhotaz. Hum... Sim, ele está certo. Você pode achar tudo o que procura por aqui... Claro que seria bom se tivesse pedido antes de fuçar nas coisas, mas irei relevar por você ser uma novata. Aqui, pegue o livro.
pega o livro das mãos do homem rapidamente, fazendo-o rir divertido.
A menina analisou o livro em suas mãos. O livro era de capa dura e aparentava ser bem antigo devido suas páginas amareladas. Na capa havia uma foto que deveria ser da cidade antigamente, o título se encontrava em cima da imagem em letras garrafais e embaixo lia-se o nome do autor. Arregalou os olhos, chocada.
— “Jacques Daurat” — menina leu o nome do autor, virando-se para . — Meu pai escreveu esse livro?!
— Sim. Você parece tão surpresa, não sabia que seu pai estudava sobre a cidade? Ele era um dos líderes, tinha que ter conhecimento elevado sobre o lugar.
— Líderes?
— Oh. Você realmente não sabe nada, pobrezinha... Enfim. Nossa cidade não possui prefeito ou qualquer sistema de governo implantado, abominamos esse tipo de coisa. A família Daurat fundou a cidade, e até hoje ela se encontra na liderança. Não como uma autoridade, mas sim como um líder responsável por guiar os habitantes em momentos de crise.
— Então.... Meu tio é o líder dessa cidade?
— Digamos que ele é responsável pela maioria das coisas. Jhotaz é o morador mais antigo daqui. A maioria das pessoas acaba partindo ou simplesmente sumindo com o tempo... Acho isso engraçado.
— Como assim sumindo?!
solta uma gargalhada, olhando para com um enorme sorriso. Ela era engraçada.
— Não se assuste tanto, . Estou brincando com você. As pessoas simplesmente partem com o tempo, é natural.
— Essa cidade é muito esquisita.
— Você ainda não viu nada. — o rapaz diz misterioso, acabando por rir no fim de sua frase. — De qualquer forma, se você ficar na sua não há nada a temer.
— Como assim "ficar na minha"?
— Não se misture com gente que não irá lhe render bons frutos. Eu aconselharia a ficar longe da Coup D'etat e das pessoas que a frequentam, de e seus amigos baderneiros... E do bibliotecário da biblioteca da cidade.
— Mas esse é você.
— Exatamente.
O som do sino indicando que alguém entrou soa, fazendo desviar o olhar para a porta e ver Lara e Victor adentrarem o local. Ao se virar novamente para ... Este havia sumido.
— Mas o quê...? — a menina olha para os lados assustada, vendo que não havia mais nem sinal do homem. Lara e Victor vinham se aproximando.
— Lara! Eu estava falando com o bibliotecário agora e ele simplesmente... Nossa. Esse lugar é tão estranho.
— Você estava falando com ? — Victor perguntou com a voz falha, se aproximando ainda mais da garota. — Eu deveria ter avisado... não é muito sociável e raramente trata bem as pessoas que vem até aqui bem. Eu deveria ter deixado você vir quando ele não estivesse por aqui.
— Mas até que ele foi... — a menina fixa seu olhar no topo da escada em espiral, confusa. se encontrava no topo, olhando-a com curiosidade. — Gentil... — ela sopra com a voz baixa, vendo-o sorrir. Ela se virou para os dois presentes novamente. — Ele até que foi gentil. — e ao olhar para a escada novamente, havia sumido.
A música alta era ensurdecedora. O jogo de luzes e a fumaça colorida que se instalava no ambiente deixava um ar ainda mais místico ao local, e por mais que Jhotaz adorasse locais assim, ele não estava no clima.
Olhou em volta, procurando aquele maldito rapaz. Precisava falar com ele o mais breve possível.
Passou pelo bar do local, vendo várias mulheres seminuas rebolando em cima do balcão como forma de fazer com que os homens as notassem e as possuíssem nessa noite. Havia homens na mesma situação, mas Jhotaz não reparou neles.
Foi quando o viu, no canto do local se atracando com uma garota, atacando seu pescoço com uma fome que se Jhotaz não o conhecesse acharia que era com paixão.
Pobre iludida.
— . — ele o chama, fazendo instantaneamente se afastar da menina, olhando-o com cara de tédio.
— O que você quer?
— Quero falar com você.
— Diga.
— A sós.
— Que saco. — grunhe, se virando para a menina e sussurrando algo em seu ouvido. Ela apenas sorri, assentindo com a cabeça e se afastando. Assim ele se vira novamente para Jhotaz. — O que você quer? — ele repete.
— Quero te pedir algo.
— Fala logo, Jhotaz.
— Venha comigo.
apenas bufa frustrado. Assentiu com a cabeça, seguindo Jhotaz.
Algo estranho aconteceu. De repente eles já não estavam mais na boate, e sim em uma espécie de escritório. Nenhum dos dois estranhou aquilo.
— Sente-se, . — Jhotaz apontou para a cadeira em frente a mesa. se sentou.
— Anda logo com isso, Daurat. Eu tenho mais o que fazer.
— Irei direto ao ponto então: minhas sobrinhas estão morando comigo agora.
instantaneamente ajeitou sua postura, rindo incrédulo.
— As filhas de Jacques estão aqui?
— Sim.
— E o que eu tenho a ver com esses filhotes do capeta?
— Não fale dessa forma, .
— Falo sim. Você sabe o quanto eu odiava seu irmão, Jhotaz.
— Sei bem o porquê de odiá-lo tanto...
— CALE A BOCA! — grita, fazendo Jhotaz fechar os olhos, irritado.
— Tanto faz, . O que eu quero dizer é: você tem tanto poder quanto eu... E eu preciso protegê-las. Principalmente a mais velha.
— A mais velha... Espero que ela queime no inferno.
— Vai mudar de ideia quando vê-la.
— Espero. Que. Ela. Queime. No. Inferno. — grunhe, levantando-se e já caminhando até a saída.
— Você deveria fazer isso... Por ela.
para com as mãos na maçaneta. Virou devagar, olhando para Jhotaz novamente. Parecia estar começando a ponderar.
— Eu não vou ficar de babá delas, Jhotaz.
— Você me deve isso.
— Eu não devo nada a ninguém!
— Você deve. Sabe que deve.
revirou os olhos, abrindo a porta e saindo dali, fechando-a com um estrondo.
Jhotaz sabia que ele concordaria. Quando se tratava dela ele sempre concordaria.
Capítulo 04
Eu não quero ficar presa dentro de lembranças
Não me deixe sozinha, eu quero me encontrar com você”
suspirou, olhando de forma cansada para as folhas esparramadas por sua cama. As imprimiu dias atrás, na biblioteca municipal.
Nada fazia sentido.
As folhas impressas foram os poucos artigos que encontrou sobre a cidade na internet, e nenhuma era realmente interessante. Com exceção de uma específica.
as pegou, lendo o conteúdo com o cenho franzido, como fizera durante todos os dias que se passaram. Se tratava de uma reportagem que tinha como título: “Mysthical: A Cidade Fantasma”. Uma cidade sem governo, com habitantes estranhos e costumes estranhos. Não havia detalhes na reportagem, o que achou uma pena, mas havia o suficiente para fazê-la ter a certeza de que a cidade não era normal. Longe disso.
A jovem se deitou na cama cansada, fitando o teto que representava a galáxia atentamente. Queria achar as respostas para suas perguntas naquele teto, mas obviamente não as encontrou.
Ela e Lara estavam na cidade há uma semana. Lara estava se adaptando bem até demais, ela e Victor haviam se tornado grandes amigos e isso não surpreendeu . Sua irmã saía com Victor e passeava pela cidade, já fazendo algumas amizades as quais ela sempre contava empolgada para a mais velha. Jhotaz raramente as encontrava, estando sempre ocupado com assuntos particulares para perder seu precioso tempo com as sobrinhas. não se importava. Nunca teve uma presença adulta em sua vida, não seria por ter mudado de cidade que começaria a ter.
— Toc toc, está aí? Posso entrar? — Lara chama na porta, batendo nela enquanto sorria para a mais velha.
— Claro.
Lara adentra o quarto, correndo até e deitando-se na cama ao seu lado, tomando cuidado para não amassar as folhas.
— O que é isso? — perguntou, enquanto analisava uma delas. — Ah não, . Ainda está encanada com a cidade?!
— Estou. — pegou a folha das mãos da criança, colocando-a em cima da escrivaninha ao lado de sua cama junto com as outras. — E você não tem o direito de me julgar.
— Admita que é maluquice, irmã. Aqui é incrível. Amanhã nós iremos para a escola nova e enfim iremos nos adaptar a esse lugar maravilhoso! Você deveria estar feliz, não desconfiada.
— Você não acha estranho ninguém saber da existência de Mysthical? Você não acha igualmente bizarro nosso querido tio que é conhecido como uma espécie de chefe da cidade sempre estar fora e mal falar conosco?
— Não. Na verdade, por ele ser o chefão, é até normal ele sair assim. — revira os olhos diante ao comentário da irmã e Lara respira fundo. — Olha, eu comentei com o Victor sobre suas desconfianças e ele disse que você está sendo paranóica.
— É claro que Victor disse isso. Ele está encobrindo seja lá o que Jhotaz faz.
— Você realmente ficou doida... Pobrezinha. Enfim, eu só vim te desejar boa noite. Amanhã é nosso primeiro dia de aula então temos que dormir cedo.
revirou os olhos ao se lembrar que mais um ano letivo se iniciaria, em uma cidade desconhecida, com pessoas desconhecidas. Já fazia um mês que as aulas haviam começado, mas Victor havia permitido que elas ficassem essa semana sem ir como um descanso para se adaptarem à casa e a cidade. Isso deu muito certo para Lara, mas não poderia dizer o mesmo. A menina estava tudo, menos descansada.
— Boa noite, Lara. — diz contra sua própria vontade, dando um beijo no rosto de Lara.
— Boa noite, . — dito isso Lara sorri, saindo da cama e caminhando até a porta, se retirando.
apenas suspirou, deitando-se novamente na cama. Permitiu-se fitar novamente seu teto de galáxia, dizendo a si mesma que talvez as respostas que procurava estavam realmente ali... Nas estrelas.
A fachada da escola municipal de Mysthical entrou em seu campo de visão. A escola era antiga, mas como tudo naquela cidade, isso não impedia dela ser elegante de sua forma única. A frente da escola se assemelhava aos antigos castelos medievais, tendo até mesmo gárgulas de pedra entalhadas nos quatro parapeitos principais. Lara havia ficado na parte infantil, que era separada por um enorme muro. estava sozinha.
Olhou em volta do campus, observando os alunos se dispersarem enquanto chegavam, alguns adentrando a escola e outros fazendo hora na frente da mesma. queria sair correndo dali. Nunca foi boa em socializar no meio estudantil, então já tinha a triste consciência de que seu primeiro dia de aula provavelmente seria um desastre.
— Uau, você realmente parece muito empolgada, novata. — uma voz desconhecida ironiza.
se sobressaltou, olhando para o lado e se deparando com um rapaz. Ele usava um moletom com o símbolo que reconheceu como sendo dos Jedi, de Star Wars. Seus olhos brilhavam. reparou que ele tinha uma estranha cicatriz embaixo de seu olho direito. O desconhecido sorriu para , deixando com que os dentes perfeitamente brancos estivessem a mostra.
— Eu não costumo... Me empolgar tanto. — diz com uma careta, arrancando mais uma risada do desconhecido.
— Então você faz do tipo triste, novata?
— Eu não diria triste...
— Ok, deixe-me reformular: incompreendida. Você diria que faz do tipo incompreendida?
— Hum... Acho que sim.
— Então você é das minhas. — o rapaz sorri abertamente, estendendo a mão para . — Eu me chamo . E você é...?
— Daurat.
— Nome legal.
— Obrigada? — agradeceu, mas seu agradecimento saiu mais em forma de pergunta.
— De nada. Nos vemos por aí, . — e assim ele parte, indo em direção a entrada da escola.
olha para os lados confusa, procurando uma forma de fugir dali. Obviamente não seria possível.
Respirou fundo, criando coragem enquanto começava a andar devagar, ignorando alguns olhares curiosos que se direcionavam a ela enquanto seguia seu caminho.
Adentrou a sala de aula que tinha os dizeres “terceiro ano”, já tratando de sentar na última carteira da primeira fileira. Colocou seus fones de ouvido, abaixando a cabeça e fazendo de tudo para não chamar qualquer tipo de atenção para si.
O resto do dia se passou normalmente. teve que se apresentar algumas vezes nas aulas, mas nada que não fizesse rapidamente e já pudesse voltar rápido para seu lugar. Não falou com mais ninguém depois de , passando os intervalos sozinha. Apenas ela e sua música, como sempre fora.
Ajeitou a mochila no ombro, esperando a pequena multidão de alunos que se instalou na porta passar. Quando já havia diminuído consideravelmente, foi andando até lá a fim de sair, sendo subitamente surpreendida por duas mãos fortes segurando-a pelo ombro.
— Oi, garota incompreendida. — a saúda, sorrindo. piscou algumas vezes, desconcertada com a aproximação repentina. — Eu não te vi pelo resto do dia, onde você se escondeu? Enfim, não importa. Temos coisas a fazer.
— Coisas? Que tipo de coisas?
— Preciso te apresentar um lugar.
— Por quê?
— Porque você é novata e eu quero te mostrar! Vamos!
puxou consigo pela mão, saindo da sala e começando a correr com a garota pelo corredor. riu, chocada com a ação repentina e doida do rapaz, e ele apenas a acompanhou no riso.
— Você é sempre assim?
— Assim como?
— Atirado desse jeito?
riu, achando indiscutivelmente engraçado o comentário da jovem.
— Ei, eu não sou atirado. Sou apenas simpático. — o rapaz piscou um olho, enquanto continuava guiando a menina pelos corredores da escola.
percebeu que a escola já estava praticamente deserta, onde apenas alguns alunos circulavam aqui e ali.
— Certo, “rapaz simpático”. — ironiza. — Para onde estamos indo? Não é como se eu confiasse em você.
— E você está certíssima em não confiar, afinal, estamos em Mysthical: não se deve confiar em ninguém por aqui. Mas veja a minha pessoa como uma exceção.
— Por quê?
— Porque eu te conheço, . Te conheço melhor do que você imagina.
parou, estacando no chão. Olhou para com a sobrancelha arqueada, achando-o um perfeito lunático. Ele apenas riu.
— Qual é o problema?
— Você tem noção do quão estranho soou o que você me disse agora?
— As coisas são assim por aqui, acostume-se. Enfim, chegamos. — ele anuncia, abrindo uma porta que parecia passar despercebida por quem andava pelos corredores. Ali havia uma escada e logo tratou de subi-las, levando consigo. Ao chegar no topo ela logo sentiu a brisa fria da noite tocar seu rosto, fazendo-a fechar os olhos para aproveitar.
havia a levado para o terraço da escola, este que era composto por um jardim muito bem cuidado e diversos bancos espalhadas pelo local.
O rapaz a olhou, vendo-a com os olhos fechados. Aquilo inexplicavelmente (ou nem tão inexplicavelmente assim) o fez sorrir de forma triste.
“Tudo de novo, ...” — pensou, suspirando.
abriu os olhos, o olhando com curiosidade.
— O que foi?
— Nada. Estava apenas olhando pra você... Não posso? — ele ri, aproximando-se da jovem.
— Não gosto que olhem pra mim...
— Você é realmente difícil, garota incompreendida. Mas eu gosto. — a guiou até a beirada do local, onde havia um parapeito. Ele apoiou suas mãos ali e a fez apoiar também. — É o pôr do sol. — ele anunciou, apontando para as cores alaranjadas que o céu estava formando.
— É bonito.
— É o processo em que a luz vai embora e dá espaço para as trevas reinarem.
— Você não gosta da noite? — perguntou, curiosa.
— Sim e não. Eu gosto da noite pois gosto da Lua e das estrelas que a compõem para deixá-la ainda mais bela... Mas não gosto do que vem com a noite. Do que se é capaz de encontrar pelas ruas ao anoitecer.
— Por que não...?
— Porque é perigoso demais. O que se tem por aí... É algo tão horrendo, tão grotesco, de uma índole tão terrível. Apenas... Não é bom. Eu sempre procuro ver bondade nas pessoas, mas nas noites de Mysthical eu não consigo vê-las em lugar algum.
— Você sempre cita Mysthical... Aqui é uma cidade estranha demais, não acha?
— Acho. Mas com o tempo você se acostuma; todos acabam se acostumando. — suspira, virando-se novamente para . — Está na hora de nos despedirmos. Daqui a pouco será noite e o mal estará à solta. Não quero que você o encontre.
Dito isso, simplesmente sai dali, sem ao menos esperar e deixando-a com ainda mais perguntas.
adentrou o casarão em silêncio, tomando cuidado para não ser escutada. Não estava de bom humor para conversar com Lara ou Victor. O encontro com havia a deixado intrigada, as palavras do rapaz ainda ecoavam em sua mente.
Ela começou a subiu as escadas, parando no meio dos degraus e dando uma boa olhada para o caminho esquerdo, onde levava ao lugar que Victor as proibiu de ir por causa de Jhotaz. imaginou o que teria lá de tão importante para ela não poder ir. Suspirou, continuando seu caminho, passando pelo extenso corredor e já chegando ao seu quarto. Adentrou-o e já deitou em sua cama. Adormeceu.
A luz era tão forte que a cegava. Pôde enxergar a bela silhueta de uma mulher, esta que usava um vestido rendado dourado, os longos cabelos loiros caiam em cascatas em seu ombro fazendo com que ele entrasse em contraste com o vestido. Ela usava joias também douradas: um par de brincos de argola que brilhavam tanto quanto o colar em formato de estrela que usava. Ela estendeu a mão, como se convidasse a quem a observasse que se juntasse a ela.
quis aquilo. Quis se juntar a desconhecida e, por instinto, abraçá-la apertado. Como se ao abraçar a desconhecida ela fosse achar todas as respostas que vinha procurando, como se a desconhecida fosse ajudá-la a resolver todos os seus problemas.
Não era possível ver o rosto da mulher com clareza. A luz era forte demais e ainda não conseguia adaptar sua visão a tamanha claridade. Mas a mulher ainda olhava em sua direção.
— Eu não aguento mais me recordar de tudo com tanta frequência, . Eu não aguento mais. Encontre-me e eu compartilharei tudo com você. Encontre-me e seremos um.
esticou os braços, suas mãos se preparando para tocar os dedos delicados da desconhecida.
Ela pensou que ao tocá-la ela iria levá-la para longe e dizer tudo aquilo que ela precisaria ouvir.
Estava tão perto, seus dedos quase se encostavam...
E de repente a desconhecida não estava mais ali.
Já não estava mais claro: era noite. estava em uma floresta. Estava embaixo de uma majestosa árvore de tronco realmente grosso, suas raízes fincadas no chão espalhadas em volta de todo ambiente. Ela era enorme e antiga, e quase conseguia sentir no ar o que aquela árvore já havia presenciado durante os anos.
— Sente falta dela? — uma voz suave a questionou.
Olhou em volta, procurando o dono da voz. Não havia ninguém ali.
— Eu queria vê-la. — ouviu a si mesma dizer. — Eu sinto que ao vê-la e conversar com ela eu posso saber de tudo.
— Não é tão simples assim, minha criança.
sentiu uma leve carícia em sua bochecha. Era como se a voz a confortasse, e ela não fazia ideia de como.
— Por que não pode ser simples?
— É seu destino. Você voltou para seu lar e agora tem um caminho tão longo a percorrer... Quando conseguir cumprir seu dever, ela aparecerá para você.
— Você promete?
— Eu não posso prometer, meu amor. A única certeza que tenho é que não importa quanto tempo permaneceremos nessa jornada: eu continuarei aqui por você.
— Por que...? — perguntou confusa. Poderia jurar que a voz desconhecida suspirou ao ouvir sua pergunta.
— Porque é meu dever protegê-la daqueles que querem destruí-la.
O rangido exagerado do portão do andar de baixo foi tão ensurdecedor que pulou da cama, assustada. Havia acordado.
— Mas que porra...?! — xingou, levantando de sua cama e caminhando até a janela de seu quarto.
Jhotaz saía pelo portão, com a expressão irritada. Tomou seu rumo pela direita da rua, começando a apressar seu passo.
não precisou pensar muito: calçou seus sapatos e saiu de seu quarto, correndo o mais rápido possível a fim de alcançar o tio.
Capítulo 05
Nunca querem dizer o que dizem
Eu tenho um coração renegado
E ele está gritando seu nome”
correu, sentindo a brisa gelada da madrugada batendo em seu rosto, fazendo com que seu corpo tremesse da cabeça aos pés. Ela realmente corria, corria tanto que já sentia seus pés doendo. Acelerava o passo a cada segundo, seus olhos cor de gelo tomando cuidado para não ver a cabeleireira loira de seu tio fugir de sua vista.
Estava decidida a saber o que ele tanto fazia escondido todas as noites, e sabia que dessa noite não passaria.
Jhotaz andava em linha reta, parecendo distraído. Tinha as mãos nos bolsos e sua co estava curvada para frente, enquanto seus olhos continuavam fixos no chão. Ele parecia estar perdido demais em pensamentos para perceber que uma adolescente maluca corria atrás dele.
não sabia como confrontá-lo ainda, afinal estava apenas seguindo seus instintos. Estava tão profundamente incomodada com o mistério que a rondava que tudo o que ela gostaria é de gritar com o tio e forçá-lo a lhe dar todas as respostas que procurava.
Jhotaz chegou no fim da rua, parando na esquina. Respirou fundo, de repente parecendo notar uma movimentação atrás de si. gelou, rapidamente escondendo-se precariamente atrás de uma árvore, a tempo do tio virar e não vê-la. Jhotaz apenas deu de ombros, virando à esquerda e sumindo da vista de .
— Droga. — Ela murmura, correndo até lá e também virando a esquerda.
Deixou com que um “uau” escapasse de seus lábios.
Estava em frente de um enorme estabelecimento comercial que parecia uma espécie de casa de festas; mas não uma casa de festas comum. Se tratava de um enorme galpão pintado de preto, com um colorido letreiro que se lia “Coup D’etat”; as cores se espalhavam jogando luzes para toda a entrada do local. nunca havia visto nada parecido com aquilo, por isso estava tão surpresa.
— Você vai entrar? — uma voz atrás de si a assustou, fazendo— a pular e virar. Pelo jeito os habitantes daquela cidade tinham uma estranha mania de assustar os novatos.
Em sua frente havia uma mulher de altura mediana; ela tinha cabelo castanho curto e olhos pequenos e estreitos para os lados. Seus lábios estavam pintados de rosa, combinando com a cor de seu vestido colado ao corpo. Ela era bonita, concluiu.
— Sim, eu vou entrar.
— Eu nunca te vi por aqui. — a mulher diz, olhando-a desconfiada. — Acabou de se mudar? Não ouvi falar sobre qualquer novato na cidade.
— Eu me mudei ontem. — mentiu. — Vim para Mysthical a trabalho... Sou jornalista.
— Ah. — a mulher assentiu com a cabeça, parecendo engolir a mentira da mais jovem. — Bem, eu me chamo Gainy. Qual seu nome?
— .
— Bem, , se possível eu gostaria que você passasse na delegacia da cidade amanhã para me mostrar sua autorização para sua pesquisa. Ninguém me avisou nada e eu não gosto disso.
— Você é a delegada da cidade? — perguntou, sentindo-se incrivelmente patética.
— Uma das delegadas; sou sim. Como não estou a trabalho hoje gostaria que passasse lá amanhã, tudo bem?
— Claro.
— Obrigada. — a mulher sorriu. — Vamos entrando então? Lá dentro deve estar lotado a essa hora.
apenas assente, seguindo a mulher e logo adentrando o local.
Mal sabia ela que havia ali escondida precariamente atrás de um poste... Uma menininha de olhos verdes.
A música alta entrou em seus ouvidos, enchendo-os com melodia e batida envolventes. As luzes coloridas iluminavam o ambiente escuro. A Coup D’etat era o lugar mais bonito e ao mesmo tempo bizarro que já havia visto em sua vida. Ali parecia reunir o melhor tipo de gente com o pior, os desavisados com aqueles que lhe fariam mal. As presas com seus predadores.
não conseguia compreender o que seu tio estava fazendo ali.
Olhou em volta, começando a procurá-lo. Havia uma multidão de pessoas pulando e berrando em volta dela, e ela não poderia ver muita coisa: aquela barreira humana parecia impenetrável. Aqueles corpos se movimentando de acordo a música, gritando palavras incompreensíveis enquanto pareciam viver aquele momento como se fosse o último... nunca havia visto algo parecido. Nunca havia visto tanta paixão em algo, e já estava começando a se animar.
Havia algo estranho naquele lugar, algo que não permitia más vibrações o romper.
De repente todo seu recém descoberto vibrante sentimento foi dissipado, afinal, entre os corpos adultos das pessoas que se estendiam em sua frente... Havia um mini ser humano de camisola branca, os cabelos castanhos caindo por seus ombros enquanto seus olhos verdes pareciam procurar alguém na multidão. gritou, exasperada.
— LARA! — berrou, mas a menininha não a ouviu. Longe disso, ela sumiu a escada decorada em espiral que havia na lateral do local. tinha que chegar até ela o mais rápido o possível.
Lara andava pelos desconhecidos, esbarrando em alguns e sussurrando um pedido de desculpas ao pisar no pé de outros. Olhava para os lados alarmada, procurando , mas não conseguindo encontrá-la em lugar nenhum.
Foi quando ela deu um forte esbarrão em alguém, fazendo um grito irritado soar.
— Olha por onde anda, criança imbecil! — o desconhecido ruge, olhando para o pequeno acidente que Lara havia feito, manchando sua camisa com a bebida que ele segurava antes.
— Me de-desculpe.... E-eu só quero minha irmã.
— Desculpar? Você vai é me pagar, garota.
— Ela é só uma criança, Yan. Ela não deveria estar aqui. — o outro rapaz diz, olhando para Lara como se ela fosse de outro mundo.
— Exatamente por isso tenho que dar uma lição nela, Kyle. Obviamente o dono dessa espelunca não está pensando direito ao deixar garotinhas indefesas por aí... Podem ter lobos maus à solta. — Yan diz, um sorriso sádico se fazendo presente em seus lábios. Lara se encolheu.
— Basta, Yan. — uma voz entediada ecoou pelo ambiente, até mesmo acima da música.
Sentado no sofá de veludo vermelho que havia no canto do estabelecimento estava um homem vestido todo de preto, usando óculos escuros mesmo que estivessem em um ambiente fechado. Ele parecia uma espécie de líder dos outros dois. — Não vamos perder nosso tempo com crianças inúteis.
— ! — Lara gritou, indiscutivelmente aliviada em ver a irmã no andar de cima, correndo até ela.
— Lara! Eu fiquei tão preocupada.
— Então essa é a outra? Parece bem mais interessante. — o líder que permanecia sentado diz com um sorriso brincando em seus lábios.
— Pensei que você tivesse dito para pararmos... — Yan começa a dizer, sendo repreendido em seguida.
— Fique quieto. — O rapaz se levanta, andando em direção a . — Agora sim tudo parece consideravelmente melhor. — Ele sorri, seus olhos brilhando de uma forma obscura. — Então você é a ? Fala sério, olha pra você. Que gracinha. — Os olhos fissurados do rapaz apenas rolaram por todo o corpo da garota, desde a cabeça até os pés, e no fim, ele apenas soltou um "uau" descarado, rindo baixo em seguida. — Eu sou . Mas vindo dos seus lábios, eu aceitaria ser qualquer coisa. Você é sangue novo, certo? Nunca te vi por aqui.
estremeceu, completamente chocada diante a todas as ações do maior. Não sabia o que fazer e nem como reagir.
— Me larga. — ela murmura, mas suas ações não pareciam dizer o mesmo que suas palavras. Ela não fazia nada, estava completamente paralisada.
sorriu maliciosamente, focando o olhar nos lábios da menina, antes de morder os próprios lábios, com várias possibilidades rondando-lhe a mente. Foi ao focar a atenção nos olhos da garota que ele parou, sentindo todo seu ser se acender com a descoberta.
Ele conheceria aqueles olhos cinza em qualquer lugar do mundo. E céus, como os odiava.
— Você é a sobrinha do Jhotaz. — ele afirmou, sua voz soando cada vez mais interessada. ainda não sabia como reagir.
Não sabia o porquê, mas havia algo extremamente perturbador na presença daquele rapaz. Era como se ele a deixasse ansiosa demais, como se com sua presença uma sensação horrível de medo e expectativa se apossasse em seu corpo. apenas ri sonoramente, indiscutivelmente amando cada atitude tensa da garota. Ele retira seus óculos, deixando-nos presos na gola de sua camiseta, e assim ele encara . A menina estremeceu.
Os olhos dele eram negros, duas órbitas negras de escuridão que cintilavam. Nele tinha fogo, tinha a sede por destruição... Fome. Uma fome que só seria saciada com o caos. não conseguia compreender como com apenas aquela troca de olhares ela poderia saber tanto e aquilo estava verdadeiramente a assustando.
— Você parece assustada, ... Não gosta do que vê? A realidade é dura demais para uma garotinha como você? — cada palavra de transbordava deboche. odiou a forma invasiva a qual ele a olhava e odiou ainda mais seu jeito prepotente de ser. Ele parecia tão confiante, tão cheio de si... realmente o odiou.
— Realidade? O que você está falando? Nada do que você me diz faz sentido!
— Apenas veja nos meus olhos, . Você consegue ver toda a verdade. — tinha um sorriso diabólico em seus lábios. O divertimento que ele parecia estar tendo apenas era refletido em seus lábios, levando em conta que seus olhos continuavam do mesmo jeito: cintilantes e perigosos, os dois buracos negros que fitavam com o pesar de um julgamento. segurou o pulso da menina, puxando-a para si e assim a obrigando a não ter outra opção que não fosse olhá-lo.
— O que você pensa que está fazendo?! — ela protesta, intimidada. Ouviu um risinho atrás de si masculino atrás de si, enquanto Lara dizia algo que parecia muito distante.
Visto de perto parecia ainda mais assustador e de certa forma belo. Belo do jeito dele, de uma forma que nunca havia visto antes. Seus olhos eram pequenos e invasivos. Suas bochechas eram salientes e seus lábios eram inchados e avermelhados, contrastando com a pele pálida que ele tinha. Quando ele sorriu novamente, daquele jeito torto e repleto de segundas intenções, sentiu vontade de sair correndo dali. Não conseguia compreender a sensação avassaladora que a predominou por ter tão perto de si daquela forma. Era tudo tão intrigante, tão assustador e de certa forma... Tentador.
— Jhotaz me contou sobre você, . Ele me disse o quanto deseja esconder todas as respostas que você procura, como se você fosse uma mera menininha tola que não aguentaria a verdade. Eu não concordo, sabe? Eu acho que você tem mais a oferecer ao mundo do que ser a pirralha inútil filha de Jacques Daurat. Que tal você provar que estou certo? — levanta a sobrancelha em desafio, fazendo balançar a cabeça em negação, apavorada.
— Por favor, deixe-me em paz...
— Isso não vai acontecer, princesa. Se é paz que você procura você definitivamente está no lugar errado. Digamos que essa cidade está mais para o purgatório, e aqui você pagará por todos seus pecados.
— Mas eu não fiz nada......
— Oh, não fez? — ri novamente, a trazendo para mais perto. — Cadê seu pai, ?
Aquela pergunta a atingiu em cheio. Uma parte de si que desconhecia se remexeu em agonia, fazendo-a se soltar com brutalidade de .
Já o odiava por ter a confrontado daquela forma tão bruta e inconveniente.
— Mas o que vocês pensam que estão fazendo?! — a voz irritada de Jhotaz soou acima dos demais, fazendo enfim recuperar o bom senso e olhar em volta.
Lara estava em um canto, chorando. Os dois rapazes que descobriu se chamarem Kyle e Yan apenas a observavam, esse último parecendo incrivelmente entretido em encará-la daquela forma tão invasiva como havia feito.
— Eu acabei de conhecer suas sobrinhas, Jhotaz. — se adianta a dizer. — é realmente interessante, sabia? Você deveria ter me falado as características físicas dela. Eu iria ter adorado saber antes, para me preparar.
— Basta. — Jhotaz rugiu, fazendo rir. — Elas não deveriam estar aqui.
— Nisso concordamos. Realmente, é tremendamente gata. Pena que parece tão nervosinha pro meu gosto. Mas é sério, Jhotaz: Espero que não as deixe no nosso pé. Você sabe que isso não daria bons frutos.
— Você acha? Eu já acho que tê-las por perto acabaria bem até demais... — Yan disse rindo
— Você vai fazer o que eu te disse para fazer, .
— Você não consegue entender, não é? Olha em volta, esse território é meu, Jhotaz. Elas por perto nunca daria em boa coisa. Olha pra mim, você acha que eu vou me controlar e me privar da enorme vontade que eu estou de...
— JÁ ENTENDEMOS. — Kyle grita, fazendo revirar os olhos.
— ... Como eu dizia, eu não vou me privar de fazer o que eu quero. Agora, se mais tarde isso ferrar pro meu lado ou prejudicar a sua princesinha, eu não quero saber, eu vou apenas dizer que avisei que isso acabaria acontecendo. Então, como eu disse: Não vai dar bons frutos.
— Já conversamos sobre isso, . Eu não ligo para o que você diga. — Jhotaz diz, parecendo cada vez mais cansado. — Vamos embora, garotas.
apenas observava o estranho diálogo que se desenrolava em sua frente com pesar. Lara correu até ela, abraçando-a pela cintura e afundando sua cabecinha contra sua barriga. apenas afagou seus cabelos, sem conseguir dizer nada. Estava em um estado catatônico. havia feito isso com ela.
— Ela já olhou nos meus olhos. — diz, rindo nervosamente. — É tarde demais. Você pode tentar a manter longe, mas ela vai acabar procurando a verdade. Eu realmente não quero problemas para o meu lado. — dito isso apenas dá de ombros, dando meia volta e fazendo com que Yan e Kyle o acompanhassem.
Jhotaz suspira, virando-se para as sobrinhas:
— Vamos embora daqui.
Confusa e com uma enorme dor de cabeça que estava fazendo com que seu crânio martelasse de dor, apenas segue o tio.
andava pelas ruas da cidade chutando cada pedrinha que se encontrava no chão com agressividade desnecessária.
Estava se sentindo tão frustrado, sentindo tanta raiva de si mesmo.
E tudo por causa dela, porque simplesmente não conseguia parar de pensar nela.
Não queria aceitar a tarefa que Jhotaz havia o dado. Não queria ter que se aproximar dela, pois sabia que as lembranças doeriam demais. Aquela pirralha era tão bonita, mas tão perigosa...
Conhecia aqueles olhos. Aquelas íris cor de gelo as quais já havia fitado profundamente tantas outras vezes... Aqueles malditos olhos.
para, franzindo o cenho, sem conseguir acreditar no que via mais à frente. No meio do trajeto, ele avistou uma silhueta feminina. Ele sabia quem era. Quase como se todas as curvas daquela silhueta fossem gravadas em sua mente. Mas não poderia ser ela... Poderia? Não, era impossível.
— Quanto tempo, .
Aquela voz pronunciando seu nome apenas o fez grunhir.
Era ela. Mas não exatamente ela. sabia que não.
apenas se permitiu andar até mais perto do rapaz, ficando em sua frente. Analisou-o da cabeça aos pés, mordendo seus lábios ao realizar tal ato, fazendo olhá-la desacreditado. O que diabos estava acontecendo?!
— Eu senti sua falta. — o rapaz deixou escapar, e automaticamente se odiando por aquilo.
Não era dela quem sentia saudade.
— Eu também senti a sua, . — e então ela sorriu, seus lábios completamente pintados em um tom escuro de vermelho. Seus olhos cinza brilhavam em direção ao rapaz, com algo que ele julgou sendo... Malícia. Céus, ele estava tão confuso. — Você... É realmente interessante. Estranho, mas interessante. Você se afastou sem necessidade, . Tem algo te incomodando?
apenas riu, completamente desacreditado. Mas que bela filha da puta.
— Há algo me incomodando, sim.
Ele apenas se aproximou ao máximo que ainda podia, e como se mandasse toda sua racionalidade para o inferno, deixou com que suas mãos fossem parar na cintura da jovem. Uma sensação que já sentia, começou a despertar de forma ainda mais intensa dentro de si. Estava tocando-a. A cada segundo parecia mais perigoso, mas incontrolável... E ele odiava estar adorando tanto aquilo.
— Mas, ao mesmo tempo... Eu gosto daquilo que me incomoda. — Riu baixo mais uma vez, antes de novamente passar a observar os lábios avermelhados de . Eles pareciam pedir por contato, tão intensamente escurecidos naquela tonalidade vermelha que simplesmente parecia tentador demais para ser ignorado. E aqueles olhos, carregando um olhar tão diferente da forma que a menina o olhara mais cedo... De uma hora para outra, havia se tornado algo que o instigava ainda mais a se meter dentro daquele tentador perigo. — Assim como você me disse, eu te digo da mesma forma: Você é realmente interessante, . Profundamente. Me pergunto se tem alguma noção do quanto... Mas deve ter, já que parece estar usando disso para me instigar... Pena que isso provavelmente não irá acabar bem para você.
— Como você pode ter tanta certeza de que não acabará bem só para mim, ...? — a menina pergunta com a voz baixa, olhando o rapaz com um sorriso malicioso brincando em seus lábios. entrelaça suas mãos em volta do pescoço do rapaz, parecendo estar se divertindo — e ao mesmo tempo se aproveitando da situação. — Há algo que eu nunca admitiria normalmente, porém não há como negar: eu posso não gostar de você, mas eu não sou idiota. Eu sinto a tensão que nos envolveu, e sei que você também sentiu. É algo... Diferente. De um jeito muito bom e ao mesmo tempo assustador. Eu queria saber o por quê... Mas no fundo sinto que não posso. — a menina faz um pequeno biquinho com os lábios. — Não saber de algo é torturante, sabia? Não gosto disso. Você deveria me ajudar a descobrir... Não seria divertido vermos os dois se foderem juntos no final...?
— Você... — Sem fala. O rapaz havia simplesmente ficado sem fala. Como ele poderia ficar sem fala diante de uma garota? Ainda mais ELA?! Novamente ele riu, porém, dessa vez, não era em divertimento e sim em incredulidade. Além de um tremendo perigo, ela era um tremendo desafio? Aquilo estava começando a se tornar algo tão imensamente interessante... E ele se odiava por estar se deixando envolver daquela forma. — Eu adoraria, eu realmente amaria terminar com nós dois nos fodendo. — mordeu novamente os lábios, tentado a fazer uma besteira. A cada segundo aquela garota parecia mais interessante, mais diferente... Ele adorava aquela coragem, a forma como ela era destemida e estampava aquele desafio no olhar. — Mas... Você está indo além dos limites de seu próprio conhecimento. Você não faz ideia de com quem está mexendo, . E é por isso que acho que você vai acabar em um perigo ainda maior do que eu. Não deveria me instigar sem saber das coisas que eu posso fazer quando explodir, hum?
— Mas é essa a questão, ! — diz manhosa, deixando com que uma das mãos que estavam no pescoço do rapaz deslizassem até seu ombro, apertando ali levemente com as unhas como se estivesse "punindo— o". — Você não vê que eu quero muito saber com quem estou mexendo...? Que eu quero respostas para todas as minhas perguntas, que eu quero simplesmente entender tudo isso? E principalmente... — a menina acaba com todo o espaço restante que haviam entre seus corpos, a fim de apoiar o queixo em seu ombro para soprar em seu ouvido: — ... Você não vê que tudo o que eu mais quero é ver você explodir?
Aquelas palavras. Aquela voz. Aquela garota. Todos os pelos do seu corpo se arrepiaram, e ele precisou suspirar pesadamente ao ouvir o que havia acabado de lhe dizer.
— Você não deveria ter dito isso... — De fato, ela não deveria. Os impulsos de agora falavam mil vezes mais alto. O perigo parecia não existir mais, apenas o desejo. Os instintos. Nada sobre o que ele pudesse manter o controle. Deu uma risada rouca, sem acreditar no que a garota havia feito com ele. Consigo mesma. Com os dois. — Agora sim... Eu tenho certeza que nós iremos nos foder. E a culpa disso será completamente sua, que foi uma menina tão má e resolveu instigar um perigo do qual você não sabe as proporções. E agora... Ah. Eu tenho pena de você. — Dito isso, o rapaz apenas empurrou a jovem firmemente para qualquer lugar onde pudesse fixar as costas dela, o qual obviamente ele não se daria o trabalho de olhar qual era. Sua expressão havia mudado. Seu olhar havia mudado. Talvez ele soubesse que no fim das contas, aquilo aconteceria. E agora, apenas não era mais o mesmo. — Eu quero devorar você... — Disse rouco, com os olhos grudados no rosto dela. Suas mãos agarraram os pulsos da menina, levando-os para cima, prendendo-os na altura de sua cabeça. — Você pediu por isso, certo? Não reclame caso eu perca o controle do meu próprio corpo.
— Então me devore. — ela diz em um sussurro, ainda olhando o rapaz como se estivesse hipnotizada. — O que é isso, ...? Por que isso parece tão bom...?
apenas permaneceu parado, fitando com os olhos brilhando em desejo. Como ela podia... Mexer daquela forma consigo? Céus, tão malvada... Tão digna de uma punição, e ao mesmo tempo tão merecedora de um beijo. "Então me devore." Aquelas palavras pareciam constantemente se repetir em sua mente, fazendo seu sangue ferver, a adrenalina em seu corpo aumentar, toda aquela vontade de simplesmente descontar todo o seu desejo, se tornar ainda maior. Ah, ele queria ela. E a queria como um louco.
— Eu é que te pergunto: O que está acontecendo? Essa é a questão, : NÃO DEVERIA ser tão bom. Simplesmente não deveria, é algo que vai acabar com nós dois... Mas como eu disse, eu só... Não me importo. Tudo em você... — Ele faz uma pausa, suspirando de forma realmente pesada e longa. — Ah... É tão bom que chega a doer. Você sente isso também? Essa sensação de que tudo está errado, e precisamos parar, mas eu apenas não consigo porque preciso tanto disso... — Mais uma vez, ele riu. Riu porque não acreditava no que estava acontecendo. Porque a necessidade em suas veias já gritava por ela. E com essa necessidade lhe predominando, o rapaz apenas soltou as mãos da jovem, apenas para tocar firmemente suas coxas e erguer suas pernas do chão, envolvendo— as ao redor de seu quadril. — Você é tão perigosa... Mas eu sei que eu sou também. E é exatamente por isso que vamos acabar tão fodidos. É tanto perigo envolvido, que chega a ser gostoso pra caralho. E, convenhamos... Nenhum de nós liga para o quão acabados vamos estar quando tudo isso chegar ao fim. Eu só sei... Que eu vou me certificar de que você definitivamente fique BEM acabada, princesinha. — E assim, ele sorri. De forma desejosa e maliciosa, ele sorri. Sabendo que a partir daquele momento, ambos já estavam completamente perdidos naquele perigo tão envolvente.
— Faça o que você bem entender comigo, . — ela diz em um sussurro rouco, enquanto puxava o rapaz para que seus rostos estivessem próximos. Ele sorriu. Seus narizes se encostaram e mantinha seu olhar fixo nos lábios dela.
Queria prová-los, queria sentir o gosto dela em sua boca.
Queria acima de tudo que ele a possuísse da forma que bem entendesse.
E foi com isso que avançou nos lábios de , a fim de finalmente uni-los e dar o primeiro passo para um caminho sem volta.
Capítulo 06
“Eu amei e te amei e te perdi
E dói como o inferno
Sim, dói como o inferno”
O rapaz praticamente deu um pulo da cama, completamente assustado. Mas o quê...? O que havia acabado de acontecer? Que sonho havia sido aquele...?
— Droga, mas que diabos... — para, ao perceber sua notável ereção. — ... Ah, não. Não, não, não, não, não, NÃO.
Ele rapidamente levanta, praticamente correndo até o banheiro, onde se olhou no espelho. Não conseguia acreditar no sonho que acabara de ter. Não conseguia acreditar que havia sido tudo apenas um sonho. Talvez o mais real de toda sua vida, porém, ainda um sonho.
— Você não pode, . Você simplesmente não... Argh!
Bagunçou os cabelos, completamente nervoso. Aquilo era... Ridículo. As imagens daquele sonho pareciam tão presas em sua mente, passando e repassando em sua cabeça como um filme do qual ele não tinha a capacidade de esquecer, uma memória nascida e selada em seu cérebro. decidiu que conversaria com Jhotaz. Ele precisava conversar sobre aquilo, sobre o quanto ele simplesmente não queria aquela tarefa. Sendo assim, o rapaz rapidamente tomou um banho, em seguida vestindo-se absolutamente de preto, complementando por um óculos escuro, já que sairia no sol, e ele detestava a droga do sol. Assim que saiu de casa, recebeu uma ligação. Era Kyle.
— O que foi, porra? — Perguntou irritado ao entender o telefone.
— Uh, alguém parece irritado. Não dormiu bem, princesa?
— Nada bem.
— Vish... Pelo jeito não transou essa noite, então.
suspirou, revirando os olhos, ainda mais nervoso do que antes.
— Não, Kyle. Não, eu não transei, porra.
— Nota-se. Ei, onde você tá?
— Indo ver o filho da puta do Jhotaz.
— Jhotaz? O que você quer com ele?
— Mandar ele pro inferno.
— E isso é algo tão urgente...?
— Muito.
— Olha aqui, , me explica essa porra direito. Esse mau humor todo é falta de sexo?
— Falta de sexo... Uma coisa dessas não acontece comigo, você sabe.
— Tá bom, tá bom, pegador do caralho que não transou essa noite. Me fala o que houve pra você estar tão puto.
— É a sangue novo.
Do outro lado da linha, Kyle ficou em silêncio por alguns segundos, o que pareceu apenas ignorar.
— ?
— .
— O que tem ela?
— Eu... Merda. Eu sonhei com ela.
— O quê?
— Sim, porra. Eu sonhei com ela, e foi a porcaria de sonho mais real que eu já tive na porcaria da vida.
— Como foi...?
— Eu... — O homem suspira de forma frustrada. Se sentia irritado toda vez que lembrava daquela droga de sonho. — Eu quase comi a garota.
— ESPERA, O QUÊ?!
— É! Foi exatamente isso! E sabe qual é a pior parte de tudo? Eu acordei antes de a gente foder de verdade! Puta que pariu...
Kyle apenas explodiu em risadas histéricas, fazendo ficar ainda mais irritado.
— Kyle! Isso é sério!
— Você... Sonhou... VOCÊ SONHOU QUE COMEU A SOBRINHA DO JHOTAZ!
— Kyle Park. Se você continuar rindo eu dou na porcaria da sua cara.
— Acordou de pau duro, ?
— ... Eu te odeio. — Como resposta, o rapaz riu ainda mais alto, fazendo afastar levemente o celular do ouvido. — Caralho, Kyle, você parece uma bicha histérica, que saco.
— Se aliviou pelo menos, grande pegador?
— KYLE!
— EU NÃO CONSIGOO ACREDITAAAR NISSOO!
— Você é um filho da puta, Kyle.
— Yes, e você me ama mesmo assim.
— Eu tenho que dar um jeito de tirar essa menina da minha cola. Eu não nasci pra ficar de babá de uma gostosa e ainda ter que evitar de comer ela.
— Ah, ... Você é mais irresponsável que uma mula, seu cabeça de vento. Por que você acha que Jhotaz se preocupa tanto em mantê-las a salvo?
— Ahn... Por que ele é um velho careta e paranoico?
— Porque ela é filha de quem é, seu imbecil! Porque ele não quer que nossa cidade seque e exploda!
fechou os olhos com força, trincando os dentes diante o comentário de Kyle. Droga. Ele tinha mesmo que lembrar dos pais dessa garota?!
— Eu disse: Careta. Não vai acontecer nada com a porra da cidade, caralho. Deveríamos nos preocupar com o meu pau, isso sim. Ele que vai explodir se eu não pegar aquela menina e rasgar ela ao meio.
— ... Você está falando isso no meio da rua?
— Foda-se, eu não quero saber.
— Tá certo então. Mas tenha consciência de que nossa cidade é mais importante que o seu pau, tá?
— Como ousa dizer uma atrocidade dessas?
Kyle solta uma risada alta.
— Seu escroto do caralho.
— Yes. E você me ama mesmo assim. — rebate com um sorriso vitorioso, rindo ao ouvir Kyle resmungar no outro lado da linha.
desligou o telefone, deixando-o em seu bolso. Grunhiu, sentindo sua cabeça instantaneamente doer ao sentir a luz do sol entrar em contato com sua pele. Ele realmente odiava aquele excesso de luz.
Resmungando, o rapaz colocou as mãos no bolso, começando a andar pelas sombras (como estava acostumado a fazer toda vez que ousava sair de dia). Ao ir virando as ruas estreitas na parte deserta que morava, finalmente chegou a parte civilizada da cidade, começando a receber olhares dos habitantes recém-acordados.
— Aquele é .
— O que ele está fazendo aqui?
— Ele é um monstro, monstros não deveriam sair de dia.
se remexeu, desconfortável. Respirou fundo (algo que havia se tornado um hábito difícil de largar) e assim continuou a andar, ignorando o que diziam em sua volta.
Era sempre assim: as pessoas pensavam atrocidades sobre ele, e ele não poderia culpá-las. Grande parte do que diziam era verdade, então ele não tinha o direito de se sentir incomodado.
— Bom dia, ! — uma voz grossa e gentil o parou, fazendo-o olhar para trás.
Hime o olhou sorrindo. Ele era um homem com a aparência um pouco mais velha que , alto e esguio. Estava na porta de seu restaurante, o único que tinha na praça, e olhava para com um sorriso cordial nos lábios.
— Bom dia. — respondeu, incerto.
— Gostaria de comer alguma coisa? Acabei de tirar os pães do forno e...
— Não, eu não quero. — respondeu, curto e grosso. De repente se arrependeu, revirando os olhos e completando: — Mas obrigado.
— Por nada! Tenha um ótimo dia, !
continuou a andar, de repente se sentindo ainda mais desconfortável. Logo a imagem do enorme casarão de pedra se fez presente em sua frente, fazendo-o adentrar seus portões sem precisar de qualquer permissão para isso.
Jhotaz não tinha o direito de lhe exigir cordialidade. não era assim.
— Posso saber em que posso te ajudar, ?
— Bom dia para você também, Victor. — diz debochado, vendo o jardineiro podar as plantas, olhando-o com pesar.
— Você não deveria estar aqui.
— Não se preocupe, eu vim para ser o mais rápido possível e depois sumir daqui.
— Que bom. Espero que diga a Jhotaz que não quer cuidar das meninas... Eu já disse pra ele que ter você por perto só vai nos causar danos.
Uma risada baixa saiu por entre os lábios grossos de . O rapaz havia visivelmente achado indiscutivelmente engraçado o comentário de Victor.
Como se fosse ficar longe de encrenca.
— Oh, danos? Eu gosto de danos. — sorri, o sorriso torto e sádico o qual estava acostumado a dar. — Mas dessa vez eu não quero problemas, sabe? A vadiazinha, prole do Jacques, não me interessa.
— Não a chame assim! — Victor grunhe, fazendo rir. — Você diz isso porque elas são semelhantes.
De repente, o riso de cessou.
Em um movimento rápido ele estava com uma mão em volta do pescoço de Victor, enquanto o olhava com os olhos flamejando em ódio.
— Não. Se. Atreva.
— Larga ele!
sentiu um soco fraco em sua perna, fazendo-o olhar para o chão e dar de cara com uma garotinha de cabelos castanhos e olhos verdes furiosos, a qual batia nele com raiva visível. Lara. A reconheceu da noite passada.
— Tá bem, já larguei. — ele diz rindo, soltando Victor. — Você é corajosa, hein? Gostei disso.
— Você é um bobão! — Lara diz irritada, fazendo rir.
— Não fale com ele, Lara. — Victor diz, levando as mãos ao pescoço que doía.
— Ontem ele assustou minha irmã e agora veio assustar você... Quem é ele, afinal?
O semblante de se modifica, tornando-se mais sombrio que o normal. Ele encara a menininha por longos segundos, até que enfim suspirou, assim se pronunciando:
— Eu sou o monstro de todas as histórias de terror que você já ouviu em sua medíocre vida. — dá de ombros. — Quero falar com Jhotaz, Victor. Quero falar com ele agora.
— Entre, . E suma daqui o mais rápido o possível.
— É o que eu pretendo.
A garota penteava as longas madeixas negras, fitando o espelho concentrada. A cada passada do pente por entre seus fios ela se permitia divagar mais.
Sua cabeça estava confusa. Seus pensamentos se entrelaçam um nos outros, fazendo com que ela se visse incapaz de raciocinar diante a tamanha confusão. Cenas da noite passada passavam em sua mente, fazendo-a sentir um tremor desconfortável no corpo, como se pudesse sentir a presença de , a frieza de seu corpo e o sorriso torto que ele insistia em lançar.
E de fato ela não estava errada. Enquanto isso, na fresta da porta, havia um homem esgueirando-se para dentro, a fim de olhá-la melhor.
jurava que se de fato tivesse um coração, ele estaria doendo no momento. Sentia um horrível aperto no peito, esse misturado com a sensação horrível em seu estômago, que o deixava completamente desarmado. Ele não conseguia parar de olhar para a jovem. Ela parecia ainda mais impressionante vista na luz do dia, com os raios solares tocando suavemente sua pele e fazendo-a brilhar. já a odiava tanto por isso. A odiava tanto por ser tão parecida com ela. A odiava tanto por ela já ter um efeito tão profundo em seu ser, mesmo sem nem conhecê-la.
— Por quanto tempo você pretende ficar aí parado me olhando como um psicopata? — o questiona, fazendo instintivamente colocar seu corpo para dentro do quarto, a fim de ouvi-la e observá-la melhor (por mais que isso relativamente não fosse necessário, afinal sua audição era excelente).
— O tempo que eu julgar necessário. — ele rebate, dando de ombros. — Isso incomoda você?
— Ter você por perto me incomoda. — diz, seca. A jovem deixa o pente em cima de sua penteadeira, virando-se para . — O que diabos está fazendo aqui?
— Você não parece tão incomodada assim, senão já teria chamado Jhotaz. — sorri torto, se aproximando da jovem.
— O que você quer de mim?
— A pergunta certa é: o que você quer de mim?
— O quê?! Eu não quero nada! — retruca indignada.
apenas sorri, deixando com que suas mãos segurassem fortemente a cintura da garota, enquanto ele colava seus corpos, dessa maneira abraçando-a por trás.
— Olhe para o espelho.
— O que você pensa que está fazendo?!
— Olhe o espelho.
grunhe, fazendo o que o rapaz pediu contra sua vontade. Foi quando percebeu, com choque, que a abraçava com ternura, seu queixo apoiado em seu ombro enquanto a olhava com curiosidade. já havia visto aquela cena antes, ela tinha certeza que já...
— Eu... Eu conheço você?
— Eu pareço familiar pra você?
— Sim... Muito. — a menina sopra em um sussurro.
passa alguns segundos em silêncio, seu olhar se perdendo no reflexo dos dois, mais especificamente em .
— Qual é o problema? — a menina questiona, fazendo-o balançar a cabeça em negação.
— Se nós já tivéssemos nos conhecido, eu com certeza me lembraria, princesa. Uma garota gostosa como você seria lembrada eternamente por mim, acredite. — ele diz, seu tom voltando ao debochado e prepotente de sempre. ri rouco contra a orelha da menina, soltando-a. — De qualquer forma, eu tenho que ir conversar com seu tio Jhotaz.
— Conversar com meu tio? Sobre o quê?
— Você é muito intrometida, sabia? — reclama, andando até a porta. — Tenho negócios a tratar com ele que envolvem a senhorita... Digamos que não estou interessado no cargo de babá que ele me ofereceu.
— Babá? Eu não preciso de babá. — a menina diz irritada, andando até com os braços cruzados. — Por que Jhotaz quer que você cuide de mim? É evidente que você é perigoso.
fita a garota, se perdendo novamente em sua imagem. Ele sorriu. Dessa vez seu sorriso era triste.
— Porque eu sou o único que pode ferir você verdadeiramente... Como também sou o único que pode salvá-la.
Dito isso, apenas dá meia volta, saindo dali.
O modesto escritório de Jhotaz estava da mesma forma de sempre: mal iluminado, de forma quase sombria, com diversos papéis espalhados na mesa central e o sempre tão presente, a garrafa de uísque já pela metade.
Jhotaz observava o homem a sua frente, entediado. Aquele rapaz o cansava.
— Não deveria estar aqui. — Jhotaz diz.
, que andava por seu escritório, tocando em cada objeto que via com interesse, parecendo alheio a qualquer incômodo que estivesse causando em Jhotaz.
— Eu sei. — responde com simplicidade.
— Então por que veio?
— Eu ia dizer que não quero mais ser babá da garota.
— “Ia”? Por que “ia”?
— Porque eu mudei de ideia. Eu quero ficar de olho na sua princesinha. — diz simplesmente, passando os dedos pelo armário antigo de Jhotaz, o qual tinha um conjunto de porta-retratos. Um dele lhe chamou atenção. Ele o pegou, fitando longamente as pessoas posando ali.
Jhotaz instantaneamente se levantou, as mãos espalmadas na mesa. Olhava de forma crítica para .
— Por quê? — ele o questiona.
ri, colocando o porta-retratos de volta na estante, mas colocando ao contrário, de forma que a foto ali presente não pudesse mais ser vista.
— Porque eu estou curioso sobre uma coisa, e acho que tendo-a por perto eu posso tirar essa curiosidade. — pega um pequeno globo de vidro em mãos, que estava ao lado do retrato. Nele havia um líquido colorido. Ele começa a balançá-lo.
— Posso saber que coisa seria essa?
— Assunto meu, Jhotaz. O que importa é que eu vou perder meu precioso tempo sendo babá da pirralha, isso não te deixa feliz?
— Me deixa preocupado, isso sim. Você nunca faz nada sem tiver a garantia que irá ganhar algo em troca.
— Exatamente, Daurat. — ri. — Eu só quero testar uma teoria.
O rapaz olhou para o globo atentamente, analisando por entre suas mãos. Balançou-o, vendo o líquido mudar de cor aos poucos. Ele havia se tornado vermelho. E sem precisar pensar muito, suas mãos se soltam do objeto, fazendo-o cair no chão com um estrondo, os cacos de vidros voando pelo ambiente e o líquido vermelho escorrendo pelo chão. As mãos de sangravam, se misturando com a cor artificial do líquido. Ele sorriu.
Ardia, mas era uma ardência boa. Uma dor boa. Ter aquele sangue escorrendo por seus dedos o fazia se sentir ótimo.
Jhotaz o fitava, chocado.
— Não sei o que tinha na cabeça quando chamei você para cuidar delas.
— Você sabe exatamente o que pensou. — ri seco. — Honestamente eu não me importo mais. Você realmente tem uma dívida comigo, e se acha que é dessa forma que poderá pagá-la... Eu é que não irei me opor. Só vou sentar e aproveitar o conjunto de desastres que virá com sua decisão.
E assim simplesmente caminha a passos firmes até a porta, saindo dali.
Jhotaz suspirou, andando até em frente à sua estante, desvirando a foto que observava anteriormente.
Sorriu de forma triste.
A foto era antiga. Eles usavam roupas antigas. Jhotaz estava sério, abraçado ao seu irmão que também tinha a mesma expressão. Pareciam comtemplados em fitar a lente da câmera.
Mas no fundo da foto era possível ver uma bela e inocente dama de passagem.
Jhotaz suspirou, voltando para sua mesa. Pegou a garrafa de uísque, bebendo o conteúdo e sentindo-o queimar dentro de si.
deitada com a cabeça na carteira da escola, os olhos fechados enquanto a música ecoava em seus ouvidos.
O professor de geografia discursava alguma coisa sobre a guerra fria, mas estava longe demais para prestar atenção.
Estava exausta. Havia tido uma madrugada conturbada depois da boate, e estava ainda mais intrigada com o encontro que teve com mais cedo.
A ideia de que ele tinha que ficar de olho nela sem motivo aparente a incomodava e muito. não confiava naquele rapaz. A aura prepotente e superior dele a tirava do sério.
— Licença, professor. — uma voz soou acima de sua música, fazendo-a retirar os fones para ver o que se tratava.
Na porta estava um rapaz com os lábios finos abertos em um sorriso gentil e tímido, as mãos escondidas no bolso da calça jeans enquanto ele mexia o pé de forma instintiva, talvez pelo nervosismo em ter que falar na frente de tantas pessoas.
— Sim, ? — o professor diz, olhando-o como se esperasse sua resposta.
— A diretora pediu para chamar a Daurat.
— Certo, vá, .
se remexeu desconfortável na cadeira, levantando-se e caminhando até a porta, ignorando os olhares dos alunos que seguiam-na. Passou por , saindo da sala e assistindo-o fechá-la em seguida.
— O que a diretora quer comigo?
— Ela quer que você dê uma volta pelo campus comigo. — responde, um sorriso esperto moldando seus lábios.
— Ah... Você não deveria ter feito isso. Nós podemos nos encrencar, .
— Não seja tão careta, . Eu não te chamaria se não soubesse que é seguro. Todos os alunos estão em aula e nesse horário os inspetores estão tomando café da manhã na sala dos professores. Não tem erro.
— Você só sabe me levar para lugares, nós mal conversamos. — diz emburrada, enquanto acompanhava para fora do prédio.
— Eu me sinto mais à vontade conversando com você a sós.
— Nós já estamos a sós!
— Shhh, não. — faz um sinal de silêncio com o dedo, aproximando-se de . — Não estamos. As paredes têm ouvidos.
— ... Você é doido?
— Um pouquinho.
— Um pouquinho?!
— Vem logo, .
apressa o passo, fazendo acompanhá-lo. Deram a volta pela lateral do campus, e não ousava pronunciar uma palavra.
— Está brava comigo agora? — a questiona, depois de um tempo em silêncio.
— Não. Eu só... Estou cansada.
— Do quê?
— De não ter as respostas que eu procuro.
coloca as mãos nos bolsos, deixando-se desfrutar pela brisa agradável do ambiente que batia em seu rosto. Ele olhava para com pesar, seu coração se apertando ao fazê-lo.
Será que havia alguma noção de tudo o que estava em jogo ali? Será que ela tinha alguma mínima ideia? Alguma pista?
Mas tinha certeza que não.
Se dependesse dele, a mostraria tudo. Se dependesse dele tudo o que ela queria saber já teria sido exposto.
Mas como não dependia, ele apenas estava procurando fazer o possível para mostrar o máximo que podia.
— Chegamos. — ele anunciou.
olhou em volta, chocada.
De repente o terreno da escola havia acabado, dando lugar a uma floresta. Estava em frente a uma majestosa árvore de tronco realmente grosso, suas raízes fincadas no chão espalhadas em volta de todo ambiente. Ela conhecia aquela árvore.
— Eu já estive aqui. — diz convicta, fazendo olhá-la curioso.
— Já? Quando?
— Em um sonho que tive ontem à noite. Mas... Mas eu estive aqui. Foi exatamente aqui.
— E o que mais aconteceu nesse sonho? — pergunta curioso, pegando uma das mãos da jovem e guiando-a até embaixo da árvore, sentando-se em sua sombra e fazendo-a se sentar também.
— Havia uma voz... Uma voz suave falando comigo. E antes disso tudo estava... Iluminado. Havia tanta luz que quase me cegava. E havia uma mulher, uma mulher de dourado.
— Uma voz suave? — pergunta com cuidado. — Você consegue se lembrar dessa voz?
— Não. É como se eu a tivesse ouvido de forma distante demais....
— Eu entendo. — diz, apoiando suas costas na árvore. — E a mulher? Do que se lembra?
— Ela... Ela me dizia coisas estranhas.
— Que tipo de coisas?
— Por que você quer saber?! — pergunta olhando-o inquisitiva, fazendo subitamente rir devido a atitude repentina da mesma.
— Porque me interesso por você.
— ... Isso nunca aconteceu antes.
— Alguém se interessar por você?
— Alguém se importar com o que eu digo. — sorri sem jeito, olhando para o chão.
não soube explicar o que sentiu ao ver aquele sorriso.
— Você pode sempre me contar o que quiser, ... Sempre estarei disposto a ouvir, porque sim, eu me importo. Me importo mais do que você imagina. — e então sorri, aquele sorriso gentil e acolhedor, ao qual estava começando a se tornar um hábito aparecer na presença da jovem.
— Obrigada, . — ela agradece de forma sincera, sorrindo minimamente. — É muito bom saber disso. — sorri, se encostando preguiçosamente no tronco da árvore.
E de repente uma luz a cegou.
Estava claro. Absurdamente iluminado, como em seu sonho. Cores fortes de dourado entraram em seu campo de visão, obrigando-a a fechar os olhos.
— ? — ela o chamou, assustada.
Não obteve resposta.
se levanta com dificuldade, apoiando-se nos joelhos. Finalmente se permitiu abrir os olhos.
Olhou em volta, procurando por . Ele não estava mais ali. A árvore também tinha sumido, junto com toda a paisagem da floresta.
Ela estava sozinha.
— Tem alguém aí? — questionou, andando em passos incertos pela paisagem dourada.
Um silêncio sepulcral havia se instalado no ambiente, onde tudo o que se ouvia era o som dos passos de , seus pés derrapando pelo piso incerto daquele peculiar cenário.
Continuou andando sem destino aparente, olhando em volta e se desesperando ao ver que tudo o que se deparava era com o vazio.
Um frio congelante cruzou sua espinha.
Um grito arrepiante cortou o silêncio.
fechou os olhos, sentindo sua respiração acelerar e o pânico se instalar em seu corpo.
— Por favor, me deixe em paz. — uma voz feminina soou no ambiente. — Eu só quero voltar, por favor me deixe em paz. Eu não aguento mais ser torturada. — ela geme com dor.
abriu os olhos novamente, começando a correr pelo ambiente a fim de encontrar a mulher que sofria tanto. Os gemidos de dor dela eram cada vez mais evidentes, mais horrendos, cortando o silêncio e fincando-se nos ouvidos de como navalhas, proporcionando tanta dor que julgou que pudesse perder as orelhas depois de ouvir aquilo.
— Quem é você? Deixe-me ajudá-la! Onde você está?
— Criança tola! — a mulher ruge. — Você não pode me ajudar, ninguém pode. A não ser que... Você não faria isso... Faria?
— O que eu tenho que fazer? Me conte!
— Estenda sua mão, . — de repente a imagem da mulher se fez presente.
Era a mesma mulher do sonho. Ela estava com as mesmas vestes douradas, estas não apresentando o mesmo luxo de ontem: eram esfarrapadas, puídas e sujas. Ela estava encolhida no canto do cenário, segurando seu corpo raquítico. Não era possível ver seu rosto: a luz ainda o escondia. Sua mão estava estendida a . Ela a pegou.
De repente, o manto dourado grudou no corpo da jovem Daurat, fazendo-a soltar um grito de dor semelhante ao da mulher. Rugiu, contorcendo-se de pavor ao sentir aquela estranha veste queimar sua pele, grudando-se ali como um sanguessuga. Berrou, clamando por ajuda, enquanto ouvia a risada alta da mulher ecoar.
— ! — gritou, segurando-a pelos ombros e obrigando-a a olhá-lo nos olhos.
Ela chorava.
tinha a respiração acelerada, assustado depois de implorar para que a menina falasse com ele. Ele a abraça fortemente, e se encolhia nos braços do rapaz, deixando com que seu choro se intensificasse.
— Vai ficar tudo bem... — ele sussurra, acariciando seus cabelos enquanto a apertava mais forte contra si. — Você está comigo, vai ficar tudo bem.
— Aquela mulher...
— O quê? O que aquela mulher fez?
— Ela... Ela me causou dor.
De repente os olhos de adquiriram uma compreensão que estava além do julgamento de . Ele a olhava sério, os olhos tão mortalmente sombrios... Não combinavam com a áurea gentil que ele sempre ostentava.
— Acredite, não vai ser e a última vez que ela fará isso.
Capítulo 07
“Você está gotejando como um nascer do sol saturado
Você está derramando como uma pia transbordando
Você está rasgado em cada extremidade mas você é uma obra-prima
E eu estou rasgando as páginas e a tinta
Tudo é azul
Suas pílulas, suas mãos, seus jeans
E agora eu estou coberta com as cores
Despedaçada pelas costuras
E isso é triste”
O choro havia se cessado, e no lugar dele tudo o que sobrou foi o vazio.
fitava o nada, ainda com os braços fortes de a acolhendo contra seu peito.
Era uma boa sensação. Se sentir protegida daquela forma, com tanto cuidado... Era uma sensação realmente boa. A jovem Daurat se sentia bem ao lado de , e por mais que o conhecesse há tão pouco tempo já sentia que poderia confiar nele.
— Me desculpe por ter chorado... É que eu realmente fiquei assustada. — ela se justifica, fazendo prontamente negar com a cabeça.
— Você não tem que se desculpar. Nossa mente nos prega peças que às vezes é realmente difícil não cair nelas. Está tudo bem.
— Você... Sabe... — começa a dizer sem jeito.
— Sim?
— Você pode me soltar agora.
— Oh! — prontamente tira seus braços da garota, olhando-a com as bochechas rubras. — Sinto muito.
sentiu um estranho vazio ao ter as mãos de longe de si.
— Está tudo bem... Você me ajudou.
— Ajudei? Mas eu não fiz nada...
— Você me ajuda. Eu não sei o que você tem, mas... Eu sinto como se eu pudesse confiar cegamente em você, porque sei que você não me faria nenhum mal.
arregalou os olhos, surpreso diante a profundidade dos pensamentos de . Se sentiu feliz. Era bom saber que a jovem sentia confiança nele a ponto de expor sentimentos tão íntimos como aquele, e ele não poderia se sentir mais grato.
— E você está certa. — ele responde, lançando-a mais um de seus sorrisos gentis. — Sempre que precisar você poderá contar comigo.
— Você jura?
— Juro.
— De mindinho? — estende o dedinho, fazendo rir diante da atitude infantil. — Ei, isso é um juramento bem sério, tá legal? Pelo menos eu ainda levo a sério.
— Se você leva a sério eu também vou levar: aqui. — ele estende seu dedo, entrelaçando no de . — Juro de dedinho.
— Você não pode mais descumprir nosso trato, foi selado com muita seriedade no acordo dos dedos.
— Isso parece profundo e realmente sério, prometo que vou levar esse tipo de coisa pra valer.
— Muito obrigada.
Os dois sorriem cúmplices, afastando as mãos.
— Sabe, você poderia sair comigo hoje à noite. — diz devagar. — Eu não costumo confiar nas noites de Mysthical, já te disse isso, mas se você estiver comigo não acho que tem problema. Além que posso te levar para um lugar legal.
— Um lugar legal? Já te digo que sou bem exigente. Talvez seu lugar legal não esteja à minha altura. — a menina diz brincando, arrancando uma risada do rapaz.
— Prometo que estará à sua altura, madame. É um restaurante da praça, o The Crow. Meu amigo é o proprietário... É um lugar bem legal.
— Para um lugar que tem corvo como nome do estabelecimento eu não sei se é tão legal, hein?
— Boba. É sério, lá tem boa música, boa comida e boas pessoas. É o equilíbrio ideal para se divertir. Além que você terá como acompanhante a minha ilustre pessoa a qual você adora, certo?
riu, assentindo com a cabeça.
— Certo, mas não seja tão convencido. Meu tio não está muito feliz comigo, mas acho que eu posso dar um jeito de ir.
— Ótimo. Você não vai se arrepender.
O sinal indicando o intervalo soa, fazendo instintivamente se levantar e fazer o mesmo.
— Você vai para a cantina? — ela pergunta, fazendo-o negar com a cabeça.
— Não, tenho umas coisas a fazer antes... Acho que não vou voltar para a aula. Nos vemos mais tarde?
— Combinado. — sorri, dando meia volta e saindo da floresta, indo a caminho da escola.
apenas a observou partir com um sorriso amargo estampado em sua face.
— Você já pode sair. Eu sei que você está aí.
Uma risada baixa soa, e subitamente aparece de trás de uma árvore, com as mãos nos bolsos e olhando para com um sorriso sujo nos lábios.
— Você tem um encontro? — ele provoca.
— Tenho. Isso te incomoda? — retruca, cruzando os braços. — Deveria estar na sua biblioteca, não em território escolar bisbilhotando a minha vida.
— Eu fiquei curioso sobre a garota... Ouvi dizer que ela pode ser a que todos esperavam. E é claro que eu sabia que você seria o primeiro a se aproximar dela. — balança a cabeça em negação, olhando para com visível reprovação em seu olhar. — Você não toma jeito, não é, ? Sempre querendo sair como o bom moço da história. Será que essa jovem garota iria gostar de sair com você se soubesse o quão podre você é?
— Posso não ser a melhor das companhias, mas não sou mais podre que você, . — diz amargo, olhando com pesar. — Eu gosto de . Quero protegê-la.
— Quer protegê-la? Você não consegue proteger ninguém, . Você é inútil, como todos os outros seres da sua prole.
— Não fale do que não sabe.
— Ah, mas eu não estou falando do que não sei. — se aproxima de , deixando com que um de seus braços pousasse em seus ombros, abraçando-o por ali. — Eu conheço você, . Conheço você melhor do que qualquer um. E posso te garantir, você não vai conseguir. Você vai confundir tudo de novo e isso irá resultar no caos.
— Quem é você para falar sobre caos?! — grunhe, afastando-se de . — Você venera o caos. Anseia por ele. Você não é ninguém para me alertar sobre qualquer coisa.
— Você sabe que sou sim, . Nós dois podemos ser diferentes, mas ao mesmo tempo somos iguais.
— Eu prefiro a morte do que à semelhança a você.
— Então que você queime no inferno. — diz, dando de ombros. — Espero que se divirta com a garota hoje, mas cuidado: pelo que eu ouvi você não é o único que pensa que tem que protegê-la.
— Não sou o único...?
— terá que ficar de olho nela.
— O QUÊ?! — grita exaltado, fazendo soltar mais um de seus risos baixos.
— Está surpreso? Sério? Jhotaz confia a própria vida ao e todos sabem disso. Ele sente que está em eterna dívida com ele.
— é um monstro. — diz de forma sombria, fazendo assentir.
— Oh, sim, ele é. As coisas que esse garoto faz não são brincadeira, até eu sou obrigado a aplaudir de pé seu trabalho. Mas mesmo assim, eu não o acho tão ruim assim.
— O sujo falando do mal lavado. — murmura, fazendo rir.
— Pode até ser, mas a questão é que pode acabar causando mais danos que você ao descobrir o que não deve. Precisamos afastá-lo da menina.
— “Precisamos”? Nós dois?
— Por que não? Fazemos uma boa dupla.
— Eu não entendo o porquê de você querer ajudar.
— Eu estou realmente curioso sobre aquela jovem. Se desencadear o que eu gostaria de ver nela antes da hora eu vou ficar muito irritado. é uma criatura impulsiva, não podemos deixá-lo se aproximar demais. Se você insiste em protegê-la, temo que terá que convencê-la a se afastar de .
— E você me ajudará nisso?
— Sim.
— Sabe que não confio mais em você.
— E você sabe muito bem que eu nunca lhe disse para confiar, afinal esperto é aquele que não confia em mim. Eu não sou o ser mais confiável. — dá de ombros. — Mas por hora você terá que acreditar em minha palavra.
suspira, abaixando a cabeça e sentindo ela latejar. Céus, tudo parecia tão difícil. Tão imensamente complicado, como se qualquer decisão que fosse tomar fosse desencadear mais confusão.
— Está bem.
— Ótimo. É sempre bom conversar com você, , mas temo que já passou do meu horário. Preciso voltar para a biblioteca.
— Adeus, .
— Até logo, velho amigo.
A tensão do ambiente era palpável.
Jhotaz cortava os alimentos, levando-os até a boca com classe e delicadeza.
Victor tentava puxar assunto, toda hora sendo reprimido.
Lara tremia.
apenas presenciava tudo impassível, olhando para sua própria comida sem ter vontade alguma de consumi-la.
Aquilo era o tal jantar em família? Não parecia tão bom.
— Gainy me disse que há uma jornalista na cidade e que ela quer que a mesma se dirija até a delegacia o mais rápido possível. Tem alguma ideia de quem seja? — Victor pergunta para Jhotaz, e o mesmo apenas nega com a cabeça.
gelou. Droga, a delegada da cidade. Ela tinha que ter ido até lá, mas obviamente não o faria. Se ela soubesse, estaria muito encrencada.
— Você não tocou em sua comida, . — Victor diz, preocupado. — Tem algo te incomodando?
— Não.
— Estranho, levando em conta do que houve ontem à noite você deveria estar muito incomodada. — Jhotaz se pronuncia pela primeira vez, falando sem olhar para .
— Você quer dizer sobre eu ter o seguido? Pois eu não estou incomodada sobre isso. Na verdade foi muito esclarecedor para mim perceber que meu tio não passa de um adulto irresponsável admirador de boates.
— Como você ousa? — Jhotaz diz entredentes, fazendo olhá-lo com raiva.
— Você me obrigou a fazer aquilo! Nunca nos víamos, estava sempre ocupado. Eu queria saber o que você fazia de tão importante!
— E você descobriu: eu tomo conta de um estabelecimento. Você poderia ter me perguntado, ao invés de ir para um lugar proibido para menores e ainda por cima ter levado sua irmã junto.
— Eu não queria que Lara tivesse ido até lá! — diz exasperada.
— Mas ela foi, e quase foi ferida.
— Ferida? Por quem? Aqueles homens iriam realmente me ferir? — Lara interfere assustada.
— Não, meu doce, Jhotaz nunca deixaria alguém te machucar. — Victor a conforta.
— Mas e se eu não estivesse chegado a tempo? Já pensou nisso, ? Já pensou em como estaria sua irmã? — Jhotaz grunhe, fazendo negar com a cabeça.
— Eu nunca deixaria que fizessem mal a minha irmã. Eu prefiro morrer a deixar que algo de ruim acontecesse com a Lara.
Jhotaz arregala os olhos, de repente se recordando de algo que há muito tempo vinha bloqueando de sua mente.
— Como você pôde fazer isso, Jacques?! — a mulher berrava a plenos pulmões, olhando para o filho mais velho com o semblante completamente decepcionado.
Estavam no luxuoso salão principal do casarão da família Daurat, este estava escuro devido as grossas cortinas que bloqueavam a luz da janela.
Jacques estava com o peito estufado, olhando para a mulher com a expressão séria e contemplada, ouvindo seu sermão sem ousar desviar o olhar e a atenção. Ele merecia aquilo.
— Eu não sabia que Jhotaz estava me seguindo, mãe.
— Você tentou sair dos limites da cidade e ainda por cima quase arrastou seu irmão junto com você. Você não percebe o perigo?
— Não foi culpa do Jacques. — a voz de Jhotaz soa de trás do irmão. A cabeleireira loira estava bagunçada depois de ser fortemente puxada pela mãe, e os olhos claros a fitavam assustado. — Eu que o segui, a culpa é minha.
— NÃO ME INTERESSA! — esbraveja a mulher, apontando o dedo indicador na face do menino. — Você poderia ter morrido! E tudo pela irresponsabilidade de seu irmão, que quis se encontrar com aquela traidora!
— Eu nunca deixaria que fizessem mal ao meu irmão. Eu prefiro morrer a deixar que algo de ruim acontecesse com Jhotaz.
Jhotaz subitamente se levanta, arrastando a cadeira para trás em um estrondo, deixando com que todos os presentes o olhassem chocados.
— Jhotaz... — Victor se levanta, chamando-o com alarde.
O homem apenas aponta o dedo em riste para , olhando-a com o semblante contorcido em raiva.
— Que sua irresponsabilidade te leve para a morte, então. Só lembre-se que eu te avisei. — e assim o homem simplesmente se retira, não antes de ouvir gritar:
— Eu ODEIO você!
E o ambiente se afundou no mais profundo silêncio.
A menina abriu a porta de seu quarto em um estrondo, batendo em seguida com a mesma força, deixando com que o som ecoasse pelo ambiente. Soltou um grito irritado, retirando seus sapatos enquanto começava a se despir. Chutava suas roupas de qualquer jeito, logo ficando apenas de roupas íntimas.
— Eu odeio você, odeio você. — ela murmurava enfezada.
Jhotaz havia se provado ser uma pessoa detestável. não entendia o porquê dele agir daquela forma tão ridícula e se irritava ainda mais por sentir que ele continuava a esconder algo dela.
A menina caminha até a própria cama, preparando-se para deitar nela e afundar-se ali.
Foi quando um par de olhos negros entrou em seu campo de visão e o sorriso torto mais cheio de segundas intenções acompanhando-o à mostra.
— MAS O QUE É ISSO?! — diz completamente exaltada, fazendo o homem rir.
estava deitado confortavelmente na cama da garota, observando-a com divertimento visível.
— “Isso” sou eu, oras. E essa é você, realmente maravilhosa, devo acrescentar. — deixa um assobio baixo escapar ao pousar seus olhos nas curvas da jovem, obrigando-a a correr até o armário e tirar um roupão dali, colocando-o. — Você é realmente uma estraga prazeres.
— O que você está fazendo aqui?! Quem disse que você tem o direito de entrar no meu quarto quando bem entender?
— Eu sou seu protetor, princesa. Você vai ter que se acostumar com a minha presença. — diz fazendo pouco caso, sentando-se na cama enquanto se espreguiçava, seus músculos flexionando com o ato. — Eu passei o dia aqui, sua cama é realmente confortável. Eu dormi muito bem, obrigado. Sua cama é macia e seu cheiro nela deixa tudo ainda mais delicioso.
— Vai embora daqui.
— Por que está tão estressada? — pergunta curioso, levantando-se e aproximando-se da jovem. — Seu tio pegou seus brinquedos?
— Apenas me deixe em paz. Não estou com cabeça para conversar agora.
— Nós não precisamos conversar... — diz com a voz suave.
Suas mãos tocam sutilmente os ombros da jovem, afastando o roupão e deixando ele cair dos ombros da garota. dedilhou ali com a ponta dos dedos, acariciando a região com um sorriso no rosto.
— Eu sei de coisas bem mais interessantes para nós fazermos... — ele abaixa a cabeça, deixando seus lábios na altura do ouvido da jovem. — E tenho certeza que você irá adorar.
Um arrepio percorreu todo o corpo de , fazendo todos seus pelos se arrepiarem. Trincou os dentes, empurrando com toda a força que tinha.
— Eu já mandei você ir.
O homem apenas dá uma risada baixa, assentindo com a cabeça, enfim dando-se por vencido.
— Eu anotei meu número e deixei na sua cabeceira, caso você precise de algo. Mas dica: evite me chamar, não sou muito receptivo.
— Não foi essa a impressão que você passou há segundos.
— Não me culpe, mulheres seminuas são meu ponto fraco. — ele pisca para a jovem, fazendo-a revirar os olhos. — De qualquer forma, eu tenho que me encontrar com meus amigos.
— Aqueles dois da boate?
— Exatamente.
— O que vocês fazem à noite?
— Digamos que nós gostamos de sair para brincar. — dá um sorriso diabólico, fazendo com que novamente sentisse a sensação horrível que sentiu na primeira vez que o viu.
dá meia volta, caminhando despreocupadamente até a janela, fazendo menção de sair por ali.
— Você faz coisas ruins, não faz?
Ele para ao ouvir as palavras da jovem, virando-se apenas para olhá-la.
Não havia ficado surpreso com a pergunta da jovem, e sim com o tom decepcionado que ela usou para fazê-la. Abriu a boca algumas vezes, a fim de lhe dar como resposta um comentário sarcástico, alguma brincadeirinha, um flerte, qualquer coisa...
Mas tudo o que fez foi dar meia volta, pulando a janela e saindo dali.
tomou um banho, a fim de se livrar de seus próprios pensamentos que a conturbavam. Precisava se aprontar para se encontrar com , e achava que tal encontro a faria esfriar a cabeça.
Encontro... Nem sabia se podia chamar o que iriam fazer disso. Aquilo realmente seria interessante.
Colocou suas roupas íntimas, seguido de um short preto e uma camisa também preta, colocando uma camisa xadrez vermelha de manga comprida por cima. Calçou sua meia e tênis, penteando seu cabelo com os dedos e já ficando pronta para sair.
Rumou até a saída do ambiente, abrindo a porta de seu quarto e dando de cara com Victor.
— Oi, .
— Victor! Que susto. — ela diz, levando a mão ao próprio peito. — Aconteceu alguma coisa?
— Você não comeu, eu pensei que algo tivesse acontecido. Você vai sair? — ele pergunta olhando para a roupa da jovem, e ela apenas assente com a cabeça.
— Vou encontrar um amigo na praça.
— Ah! — Victor sorri abertamente. — Qual é o nome dele? Talvez eu o conheça.
— .
— ? É claro que eu conheço, ele é um bom garoto.
— É, ele é legal. — diz um tanto desconfortável.
— Já que você vai na praça poderia ir na biblioteca da cidade pegar algo pra mim, não? Eu estou precisando de um livro de receitas que tem lá. Será que você poderia pegá-lo?
— Tudo bem.
— Ótimo! Não vou te atrasar mais, você pode ir.
apenas sorri fraco para Victor, seguindo seu caminho.
A praça estava iluminada, luzes espalhadas pelos postes a deixavam com a aparência ainda mais agradável. O chafariz em formato de sereia jorrava água colorida, e achou aquilo realmente bonito.
Havia poucas pessoas no local, e ao olhar para o restaurante The Crow não viu ali. Provavelmente ele ainda não havia chegado.
respirou fundo, dando meia volta e se encaminhando até a biblioteca da cidade. Abriu a porta, fazendo com que o sino indicando sua entrada soasse. Como no dia em que ela foi ali na primeira vez, aparentemente não havia ninguém. Apenas aparentemente.
Já que uma voz grossa no fundo do local chamou sua atenção.
— Venha até aqui, .
respirou fundo, sentindo suas pernas fraquejarem. Conhecia aquela voz.
Atravessou o cômodo, passando pelas prateleiras abarrotadas de livros e chegando ao local que haviam diversas mesas de estudo e computadores.
estava ali.
Ele estava diferente, percebeu. Estava sem o óculos de grau e usava roupas mais leves, estas escondidas pelo avental branco sujo de tinta que usava. Havia um cavalete com um quadro em cima, virado de costas para e impossibilitando ela de ver a pintura.
— Olá, . — a cumprimenta, dando um meio sorriso. — O que a trouxe até a minha biblioteca?
— Eu vim pegar um livro de receitas para Victor. — ela diz, tirando o peso de um pé e colocando em outro, aparentando estar muito nervosa.
— Deixe eu só terminar que já pegarei pra você.
— Ãhn... Tudo bem.
Um breve e desconfortável silêncio se instalou, enquanto esperava impacientemente terminar de pincelar o quadro.
— Você gosta de arte, ? — ele pergunta, quebrando o silêncio.
— Desculpe?
— Arte. Você gosta?
— Arte propriamente dita, como quadros e afins, honestamente não.
— E que tipo de arte você gosta então?
— Música. E literatura. Eu amo ouvir música e amo ler... São duas coisas que me relaxam.
— Fazem você se sentir bem, não fazem? Faz com que você se sinta... Completa.
— Sim. Exatamente. — se aproxima, de repente não se sentindo mais tão desconfortável. — E você gosta de pintar?
— Eu gosto. Obras de arte são minha fraqueza, e para mim a melhor coisa que o homem poderia ter inventado. Não é maravilhoso a ideia de você ter um pensamento em mente e simplesmente expor seu corpo e alma no papel, usando das mais diversas cores para dar vida ao seu pensamento? A arte está em todo lugar. Desde o cantarolar dos pássaros até as cores das flores. Está em nossos pensamentos, na nossa personalidade, na forma que vemos o mundo. A arte é tudo. E eu simplesmente admiro tanto isso que não consigo não me sentir um idiota falando sobre. — sorri. sorriu junto.
— Eu... Eu gosto disso. Você pinta sobre o que você pensa?
— Sim. O que predominar meu pensamento eu estarei pintando.
— E você pensa em coisas boas?
— Mais ou menos.
— Por que mais ou menos?
— Eu penso em você. — admite. — Admito que fiquei muito curioso sobre você. E também penso sobre o perigo que você corre.
— Perigo...?
— Você conhece , ?
— Ah, ele. — revira os olhos. — O que tem esse cara?
— Você não parece gostar dele. — diz divertido. — Fico feliz com isso. Ele não é o tipo de criatura que se deve ter qualquer tipo de aproximação.
— Criatura...?
— Ele é um monstro. Você ficaria surpresa diante as coisas horríveis que ele já fez. — ri rouco. — As mãos daquele rapaz são banhadas com sangue de inocentes. Você deveria temê-lo.
— Quer mesmo que eu acredite que meu tio deixaria alguém assim perto de mim?
— Veja com seus próprios olhos. — sussurra, virando o cavalete para .
A menina soltou um grito.
A pintura era de cores escuras, um cenário perfeito de filme de terror. estava no centro, com a mesma roupa que usava naquele momento, nos braços de . Este tinha a expressão retorcida, o rosto largo e os olhos completamente negros. Ele a segurava, presas alongadas se fazendo presentes em seus lábios enquanto sangue pingavam nelas.
Havia um enorme rasgo no pescoço de , em carne viva.
A menina apenas saiu correndo dali, ouvindo a risada alta de ecoar pelo ambiente, perfurando seus tímpanos.
Capítulo 08
“Segredos que eu tenha ocupado em meu coração
São mais difíceis de esconder do que eu pensava
Talvez eu só quero ser seu
Eu quero ser seu, quero ser seu”
Glamorous Indie Rock n’ Roll (The Killers)
“Fique, se você quiser me amar, fique
Oh, não seja tímida, vamos fazer uma cena
Como amantes fazem no cinema
Vamos fazer isso, nós faremos uma cena
Isto é indie rock n’ roll para mim”
— Ei, eu estava te esperando! — diz ao avistar a garota caminhando até ele. Estava parado na porta do restaurante, as mãos no bolso enquanto a fitava com um sorriso gentil nos lábios. Ao vê-la se aproximando subitamente mudou sua expressão. — O que aconteceu?
— Eu... Eu... — ela nega com a cabeça, incapaz de completar a frase.
apenas assentiu com a cabeça, como se compreendesse. Pegou ela pelas mãos, guiando-a até a entrada do restaurante. Adentraram.
Era um lugar bonito e confortável. A decoração dava a uma vaga lembrança dos restaurantes da década de 50, como no filme Grease. Havia um enorme balcão no fundo e mesas com sofá duplos confortáveis. Havia uma jukebox tocando.
— Hime é o dono daqui. Ele meio que viveu a época da brilhantina e não conseguiu superar até hoje. — diz, apontando para um rapaz que não aparentava ter vivido tal época. Muito pelo contrário, ele parecia ter nascido décadas depois.
a guiou até uma mesa, deixando-a sentada enquanto rapidamente já sentava em sua frente.
— Aqui é legal. — sopra, timidamente. sorri.
— É sim. Como eu te disse: boa música, boa comida e boa gente.
— Oi, ! — Hime gritou animado, caminhando até a mesa do rapaz.
— E aí, cara.
— Como vai? Faz muito tempo que não te vejo por aqui.
— Eu andei ocupado resolvendo uns assuntos.
— Aquele tipo de assunto? — Hime levanta a sobrancelha, fazendo olhar curiosa do mais novo conhecido para .
— É, aquele tipo de assunto.
— Sinto muito, cara.
— Já estou acostumado. — sorri de forma amarga, enfim voltando-se para . — Essa é Daurat, Hime. , esse é o Hime.
— Oh, muito prazer em te conhecer, ! — Hime diz animado, apressando-se em cumprimentá-la.
— Prazer, Hime. — sorri. — Gostei do lugar.
— Obrigado! — o rapaz diz com um enorme sorriso. Parecia ter muito orgulho de seu estabelecimento. — O que vão querer?
— Eu quero um copo de whiskey. — diz, e assim olha para . — E acho que a quer... Uma Coca-Cola?
— Perfeito.
— Uma Coca-Cola para a dama então. — Hime anuncia, saindo a fim de pegar o que pediram.
— Agora você vai me dizer o que aconteceu? — diz, voltando-se para .
— Eu apenas fiquei assustada com algo. Agora estou melhor.
— Jura?
— Sim... Você faz com que eu me sinta melhor.
piscou algumas vezes, desconcertado diante ao comentário da garota. Aquilo o fez sorrir tímido.
Uma melodia calma começou a soar no ambiente, fazendo soltar um gritinho animado ao reconhecer a música. I Wanna Be Yours, do Arctic Monkeys.
“I wanna be your vacuum cleaner
Breathing in your dust
I wanna be your ford cortina
I'll never rust
If you like your coffee hot
Let me be your coffee pot
You call the shots, babe
I just wanna be yours”
— Eu amo essa música!
— Vamos dançar então.
— Dançar? Não, eu não danço. — diz rindo nervosamente ao ver levantar-se, estendendo a mão pra ela.
— Eu te ensino. — ele pisca um olho galanteador, fazendo rir.
— Para com isso, eu não vou dançar com você.
— Ah, mas você vai sim.
— Não, ! — a menina protesta, mas o garoto a ignora, puxando-a.
“Secrets I have held in my heart
Are harder to hide than I thought
Maybe I just wanna be yours
I wanna be yours, I wanna be yours
Wanna be yours
Wanna be yours
Wanna be yours”
a levou até o meio do estabelecimento, girando-a como uma bailarina, acolhendo-a em seus braços quando ela parou. O rapaz leva as mãos até a cintura de , fazendo-a pousar as mãos em seus ombros. Suas mãos tremiam. Seu corpo tremia.
A grande verdade era que nunca havia ficado tão próxima de um garoto como daquela forma. Conhecia tão pouco, mas ele já era imensamente importante para si, afinal: ele a ouvia. Ele se importava com ela. não poderia se sentir mais grata por isso.
— Você está indo bem... — sussurra contra sua orelha, fazendo-a estremecer.
— Eu tenho um bom professor. — ela sopra em resposta, fazendo rir.
“Let me be your 'leccy meter
And I'll never run out
Let me be the portable heater
That you'll get cold without
I wanna be your setting lotion (wanna be)
Hold your hair in deep devotion (how deep?)
At least as deep as the pacific ocean
I wanna be yours”
Os corpos unidos se movimentavam de acordo com a música. A proximidade possibilitava ambos de sentirem os corações acelerados um do outro. não conseguia parar de sorrir.
— É bom te ver sorrindo. — diz. — Ver você feliz é tudo o que eu sempre quis.
— Sempre? — questiona, confusa. — Como assim sempre?
suspira, desviando o olhar. De repente ele parecia alguém milênios mais velho.
— Eu gostaria de te contar, mas você não entenderia. Por enquanto eu gostaria que você apenas desfrutasse desse momento, está bem? E eu te juro, , eu sempre farei de tudo para que você tenha bons momentos como esse. Para que você se sinta feliz da forma que está se sentindo agora.
— Como sabe que eu estou feliz...?
— Eu sinto. — diz, abrindo um belo e sincero sorriso. — Eu sinto, pois quando você está feliz todo meu ser fica feliz também. Eu ficarei bem contanto que você esteja bem, .
“Secrets I have held in my heart
Are harder to hide than I thought
Maybe I just wanna be yours
I wanna be yours, I wanna be yours
Wanna be yours
Wanna be yours
Wanna be yours
Wanna be yours
Wanna be yours
Wanna be yours
Wanna be yours”
— Você vai ficar comigo então?
— Até o fim dos tempos.
— E não vai me contar por quê?
— Eu não posso, minha querida. Eu simplesmente não posso. — para de dançar, os olhos tristes fixados em . Ele pega as mãos da jovem, beijando-as suavemente. — Mas eu te juro: nada irá acontecer a você. Nada. Eu não vou deixar.
— Você diz coisas que não fazem sentido... — diz com cuidado. — Mas eu confio em você.
— Fico feliz em ouvir isso.
Os dois se olham longamente. se aproxima, tocando suavemente no rosto da jovem. fecha os olhos, antecipando o que viria...
— Suas bebidas, casal! — a voz de Hime soa, fazendo tanto quanto se afastarem.
— Obrigado, Hime. — agradece, piscando para . A menina apenas ri.
E assim o “casal” passa o resto da noite, se divertindo e desfrutando da companhia um do outro.
“(Wanna be yours), breathing in your dust
(Wanna be yours), I wanna be your ford cortina
(Wanna be yours), I will never rust
(Wanna be yours), I just wanna be yours
(Wanna be yours), I just wanna be yours
(Wanna be yours), I just wanna be yours
(Wanna be yours)”
Era madrugada. andava com as mãos nos bolsos, como sempre escondendo-se nas sombras.
E de longe, ele a avistou. Não era possível. Só podia ser uma tremenda alucinação. Uma maravilhosa e extremamente satisfatória alucinação. O que ela estaria fazendo ali, na região de sua casa? Em uma parte tão obscura da cidade? Ela deve ter se perdido. Era perigoso... E se fosse parar pra pensar... Extremamente interessante. era perigoso. Ele era um dos perigos escondidos naquela parte da cidade. E definitivamente, ele iria se certificar de que ele seria o único perigo capaz de atingi-la. Aquela menina era sua presa. Ninguém mais poderia ser tão ameaçador para ela, apenas ele. Sorriu. O cheiro de perigo estava no ar, e aquele era seu cheiro favorito.
— Uma deliciosa princesa não deveria estar andando por essa área, ainda mais tão tarde. — Disse ao aparecer do nada atrás de , assim abraçando-a por trás pela cintura com um dos braços, enquanto usava a mão do outro para tapar a boca da jovem. — Shh. Não diga nada. É perigoso. Sabe o que dizem sobre essa parte da cidade...? Que você nunca deve entrar aqui sozinho. Quase todas as lendas da cidade surgem daqui, e acredite, como alguém que conhece essa área muito bem, eu posso te dizer: Você tem muita sorte de eu estar aqui, princesa.
Os olhos de instantaneamente se arregalaram. Um arrepio tomou todo seu corpo, fazendo-a tremer. Ele havia chegado do nada. Depois do que ouvira falar sobre ele, ele estava bem ali. Abraçando-a, tocando-a e sussurrando em seu ouvido com aquela voz extremamente provocativa que a fazia se sentir torturada apenas por estar sendo dirigida diretamente a ela.
fincou os dentes na mão do rapaz, mordendo ali fortemente e sentindo-o soltá-la com o susto, fazendo-a instantaneamente se afastar dele, e assim virando-se para finalmente olhá-lo.
— Sorte?! Você apareceu do nada e ainda por cima me agarra como o pervertido insano que você é! — ralha com o rapaz, descontando sua frustração. — Eu me perco, acabo chegando em uma área perigosa e como se não bastasse eu acabo encontrando a última pessoa que eu quero ver. Sorte não é bem palavra que eu usaria para descrever essa situação. — A menina olha em volta, sentindo certo medo ao fazê-lo.
Um pouco mais distante dali, iluminado pela luz fraca do luar, havia a sombra de um enorme castelo, este que parecia digno de filmes de terror. A menina sentiu seu corpo estremecer.
— Eu preciso ir embora daqui, até mais. — ela diz com simplicidade, dando meia volta em busca de encontrar o caminho de volta.
apenas revirou os olhos, cansado de correr atrás toda vez que ela dava as costas.
— É sério, porra. — ele vai atrás da mais nova, segurando seu braço para que ela parasse. — É perigoso, você não pode andar sozinha por aqui. Você nem deveria estar aqui pra começo de conversa. E você tem noção de que se Jhotaz souber que eu te deixei andar sozinha por essa área, ele vai arrancar meu pênis? Por favor, é sério, se você quer ir embora, pelo menos deixa eu te levar. Eu na verdade aconselharia você a passar a noite comigo... Mas já que eu sei que a princesa é muito nervosinha, não vai aceitar, apesar de eu saber que quer muito. Enfim, só peço que não saia andando por aqui sozinha, pode acabar acontecendo algo grave.
— O fato de que ele irá arrancar seu pênis só faz eu me sentir mais satisfeita em ir sozinha. — a menina puxa seu braço de volta. — Não toque em mim, que saco. — ela murmura irritada. — Eu sei que eu não deveria estar aqui. Eu só fiquei assustada e perdi a noção das direções... A culpa não é minha. — ela dá um passo para trás, enquanto parecia ponderar suas opções. Não queria ficar tão perto de , pois sabia que o mesmo só a faria sair de seu próprio auto controle, além que as palavras de a respeito do rapaz ainda ecoavam em sua mente. Entretanto era o único que conhecia e por mais que sempre fosse alertada, o único que confiava pelo menos um pouco. Por isso apenas soltou um suspiro cansado, olhando para o rapaz com visível desconfiança. — Você pode simplesmente me dizer o caminho de volta para o casarão... Não precisa me acompanhar, você pode dizer e depois sair para voltar a fazer seja lá o que você faz de madrugada brincando com seus amiguinhos, o que é muito suspeito e eu não irei fazer perguntas porque eu simplesmente não dou a mínima. Apenas quero ir pra casa e ficar o mais longe o possível de você, obrigada.
piscou algumas vezes depois do extenso monólogo de . Quando a garota decidia falar ela desatava sem pausas, ele já estava começando a se acostumar com aquilo.
fez um sinal de negação com a cabeça, processando com relutância todas as palavras da menina. Por fim se pronunciou:
— Caralho, mas que porra deu em você hoje? — O rapaz pergunta frustrado, desistindo de tentar se aproximar de . Por que ela estava tão teimosa? Ou melhor, mais teimosa do que o normal? — É sério mesmo que você prefere sair andando sozinha por uma região extremamente perigosa do que ficar perto de mim?! O que está acontecendo com você, garota? Enlouqueceu, por acaso? — Ele suspira em frustração, novamente andando para perto da mais nova. Tão exaustivo. — Eu não vou deixar você ir sozinha, já disse. Não apenas porque você vai se foder bonito se não me ouvir, mas porque EU PRECISO. Então deixa de ser teimosa e pelo menos deixa eu te levar e então você nunca mais volta aqui. Dá pra ser? Ou o fato de você estar toda irritadinha sem motivos hoje vai impedir até mesmo isso? Se liga, isso aqui é sério. Esse lugar não foi feito pra garotinhas como você, você precisa vazar daqui, e com alguém QUE CONHEÇA os perigos do lugar, caso algo aconteça. Dá pra parar de deixar sua teimosa te cegar e tentar... Não morrer?!
— Qualquer coisa é melhor do que ficar perto de você... — a menina murmura irritada, suspirando ao dar-se por vencida. — Eu não preciso que você fique sendo minha babá a mando do Jhotaz. Sei muito bem me virar sozinha. Não sou uma garotinha indefesa, . Mas como eu sei que você vai ficar enchendo meu saco até eu ficar irritada o suficiente para começar a agredir você descontando toda a raiva que estou sentindo agora... Apenas me leve até lá de uma vez. — revira os olhos, focando sua visão em qualquer lugar que não fosse no rapaz. Sua raiva foi substituída por chateação. Não acreditava que estivesse mentindo. Por algum motivo que desconhecia ela conseguia ver sinceridade nas palavras daquele tão estranho homem, por mais que naquele momento não quisesse acreditar. era tão errado para ela... Alguém que ela simplesmente deveria ter distância. — Eu não estou irritada sem motivo. Eu... Ouvi coisas sobre você. — ela admite baixinho, parecendo dizer aquilo contra sua vontade. Bufou em escárnio. — Mas nada disso é da minha conta, levando em conta que eu não tenho qualquer tipo de relação com você. Então, por favor, apenas me leve diretamente até minha casa.
No primeiro momento, apenas arqueou a sobrancelha, confuso. Porém, não foi necessário nem mais um segundo para que ele entendesse. Claro, era tão óbvio. A fama dele naquela cidade realmente não era boa, e ele costumava não se importar com aquilo, porque afinal... Todos estavam certos quando diziam que ele era perigoso. riu baixo, abrindo o sorriso malicioso característico.
— Coisas sobre mim... — Ele se aproxima sutilmente da menina, a passos lentos. automaticamente entrou em estado de alerta. Ele a puxou pela cintura, colando seus corpos. grunhiu, sem reação. — O que andaram te dizendo sobre mim, hum? Que eu sou mau? Que eu sou perigoso? Que você deve ficar longe de mim?
— Pior. Bem pior. — ela responde em tom baixo.
Mais uma vez ele riu, antes de levar uma das mãos ao queixo da jovem, assim segurando ali, fazendo-a olhá-lo.
— Você já não sabia de tudo isso, ? Não seja ingênua, princesa. Você sabe muito bem que eu não sou bonzinho. E aliás... Você adora isso, não adora? — mordeu brevemente o lábio inferior, enquanto seu olhar se fixava nos dela. De repente desejou tanto prová-los... — Você mesma adora mexer comigo com esse jeito teimoso, justamente porque você quer me ver explodir, você quer ver do que eu sou capaz. Então... Por que a surpresa? Hum, claro... As pessoas tendem a achar que eu vou te machucar, mas, sabe... Eu não vou te machucar, princesa. A menos que você queira, é claro. — Riu ele mais uma vez, antes de afastar o toque em seu queixo, voltando a tocar sua cintura com as duas mãos. — Você sabe muito bem que eu apenas faria com você absolutamente tudo o que você quisesse. E o que mais te irrita é que você não pode negar que iria querer um monte de coisas interessantes... — Ele já ia aproximar seus lábios dos dela, até que sentiu certo impacto ardido em sua bochecha. havia lhe dado um tapa.
— Como você se atreve a sugerir esse tipo de coisa?! Eu não tenho interesse em você. Eu te abomino, ! Te. Abomino. Você é um porco perigoso e nojento o qual eu quero manter distância.
— Você tem razão, eu realmente mereço ser chamado disso. — ele diz, dando-se por vencido. — Mas sou tudo o que você tem.
— Isso não é verdade.
— Acredite, sou sim. Eu sou o único que te compreende, .
— Como você pode dizer uma barbaridade desse tipo? Eu nem ao menos te conheço. Você não me conhece. Não sabe absolutamente nada sobre mim.
— Eu sei que você passou sua infância recebendo a culpa pela morte de seu pai. — diz, curto e grosso. gela. — Eu sei que Lara é tudo o que importa pra você, pois é a única que nunca te culpou. Eu sei que você se odeia por não conseguir entender o que aconteceu, e se odeia ainda mais por ter vindo para um lugar desconhecido e também não entender nada do que se passa. Eu sei que você odeia seu tio por te esconder algo e o odeia ainda mais por ter me colocado em seu caminho quando tudo o que você quer é me tirar dele. Mas sabe por que você quer me tirar dele, ? — segura o braço da jovem, puxando-a para si. Dessa vez ela não se afastou. — Porque você sente medo. Medo do que pode descobrir comigo por perto. Você está tão sedenta pelas verdades, mas quando sabe que pode as ter, você teme. Teme quem pode dizê-las a você.
— Por que você saberia? — pergunta em um sussurro. — Que relação você tem comigo para saber?
— Com você? Nenhuma. Com pessoas ligadas a você? Eu tenho até demais. É uma história mais tensa do que você imagina, princesa.
— E por que não me conta?
— Porque você ainda não está pronta para saber. Sabe... Eu não quero proteger você apenas porque Jhotaz me mataria se caso algo lhe acontecesse, mas também porque você é muito interessante, princesa. Eu não iria te deixar exposta ao perigo quando eu mesmo devo ser o seu único perigo, certo? E ah, vamos lembrar: Eu apenas sou o único que pode ser perigoso para você, porque você gosta disso extremamente. Então, amor... Não me culpe pelos seus desejos de cair nas minhas garras, certo? Oh, é óbvio que eu também gosto disso, e muito inclusive. A questão, é: Não aja como se eu fosse um tarado malvado que quer abusar de você contra a sua vontade porque não é assim que a coisa funciona, e nós dois sabemos disso. Você me quer, e eu quero você. É assim que as coisas são. Então, dá próxima vez que alguém for te dizer "coisas" sobre mim, por que você simplesmente não responde que já sabe do quão perigoso e mau eu sou, e inclusive adora isso mais que tudo, hum? Nos pouparia muitas confusões, linda.
abriu a boca, incapaz de pronunciar qualquer coisa. era tão prepotente, tão convencido, tão absurdamente detestável. Ela o empurra com toda a força que tem, fazendo-o soltá-la enquanto cambaleava para trás. Ele riu.
— Vai continuar negando?
— Você está alucinando. Já disse que não tenho nenhum tipo de interesse em você.
— Mas vai ter, princesa. Você definitivamente vai ter.
nada disse. riu, começando a andar. apenas o seguiu, percebendo que ele havia virado em uma rua mais movimentada. começou a reconhecer o caminho de volta para o casarão.
Mais à frente, olha para o céu por um momento, sorrindo amargamente enquanto vislumbrava a bela lua cheia que despontava no breu absoluto. Sempre amou a escuridão, sobretudo estar sozinho envolvido a ela. Por um momento achou estranho estar na rua aquela hora, tendo como sua companhia.
Em situações normais sua companhia não conseguiria ficar mais de cinco minutos ao seu lado sem sofrer sérios danos.
Foi quando se lembrou de não ter perguntado o que a menina fazia ali sozinha.
— O que você estava fazendo, ?
A menina franze o cenho ao vê-lo se dirigir a ela novamente.
— Saí com um amigo.
— Que amigo?
— Não é da sua conta.
— Deixa eu adivinhar... ?— pergunta em tom risonho, fazendo olhá-lo chocada.
— Como você o conhece?
— Era óbvio que te procuraria, aquele imbecil não perde tempo.
— Não fale assim dele.
arqueia a sobrancelha, estranhando o tom defensivo o qual usou para falar sobre .
— Você gosta dele?
— Ele é meu amigo.
— Ele é um idiota. Você não sabe o que ele já fez.
— Que moral você tem para falar algo assim?
— Oh. Certo, agora você me pegou. — ri sem jeito, dando de ombros. — E onde ele te levou? No The Crow?
— Sim.
— Típico. Um lugar completamente livre de diversão. Bem a cara do mesmo.
— Pois eu discordo! — diz, irritada com . — Lá é bem legal... Tem boa gente, boa comida e boa música. — ela repete o que lhe disse mais cedo.
— Boa música?
— Sim. sabe apreciar boa música, gostei disso nele.
Logo o casarão de pedra se fez presente mais à frente. suspirou aliviada, começando a andar até os enormes portões ignorando .
— Stay if you wanna love me, stay... (Fique, se você quiser me amar, fique)
arregalou os olhos, virando-se lentamente a tempo de ver com as mãos na altura de sua boca, fingindo ser um microfone. Ele cantava um trecho de Glamurous Indie Rock & Roll, do The Killers. amava aquela música.
— Oh don't be shy, let's cause a scene (Oh, não seja tímida, vamos fazer uma cena) — prosseguiu a cantoria, sua expressão concentrada em se encaixar perfeitamente com a canção. Ele parecia querer encarnar Brandon Flowers em si. — Like lovers do on silver screens (Como amantes fazem no cinema) — seus olhos estavam fechados e seu corpo se movimentava de acordo com a batida da música, a qual ele provavelmente tinha em sua imaginação. também a ouvia em sua mente. — Let's make it yeah, we'll cause a scene (Vamos fazer isso, nós faremos uma cena)— uma pausa. abriu os olhos, olhando diretamente para . — It's Indie rock'n'roll for me (Isto é indie rock n’ roll para mim).
Aquilo foi o suficiente. A menina se virou, já abrindo os portões e correndo pela estrada de pedra. Seus ombros estavam chacoalhando e sua barriga doía.
A menina gargalhava, uma risada pura e contagiante.
poderia ser tudo de pior que ela já havia visto, mas não poderia negar o quanto ele a divertia.
Capítulo 09
“A dor cresce como uma doença. Todas as portas viram paredes.
Seu maior inimigo é a pessoa que você vê no espelho. Isso não é doloroso?”
O homem estava sentado na cadeira da mesa de seu escritório. Seus olhos fitavam os papéis ali presentes sem muita alegria, afinal era apenas uma papelada sem sentido. Odiava ter que lidar com aquilo.
Suspirou, virando-se para seu copo de whiskey que estava ao lado dos papéis. Pegou-o, levando aos seus lábios e sentindo com prazer o líquido descer por sua garganta, queimando suas paredes. Era bom. Aquela sensação de seu vazio sendo preenchido pela bebida era maravilhosa.
As portas de seu escritório foram abertas de súbito, fazendo-o pular de susto. Não costumava receber visitas naquela hora. As pessoas estavam ocupadas demais se divertindo na boate para se lembrarem que ele estava em seu escritório cuidando da parte administrativa.
Mas quando viu os cabelos curtos e o vestido colado e bem moldado em seu corpo, acentuando as curvas as quais ele já havia passado suas mãos diversas vezes... Compreendeu quem seria o louco de procurá-lo a aquela hora.
— Você não cansa, Gainy? — Jhotaz pergunta a delegada, olhando-a com escárnio. — Passa o dia inteiro trabalhando e depois simplesmente vem até a boate como se o cansaço de seu corpo não existisse. O que sempre te traz aqui?
— Você. — Gainy responde com um meio sorriso, se aproximando de Jhotaz. — Você é o motivo pelo qual eu venho aqui todas as noites.
— Um péssimo motivo, não?
— Realmente, um péssimo motivo. — Gainy dá a volta, sentando-se no colo de Jhotaz. O homem a ajeita ali, abraçando-a pela cintura e deixando suas mãos pousarem em sua coxa. — Voltou a falar com ela?
— Quem? — ele pergunta distraído, enquanto focava sua atenção nas pernas da moça.
— . Voltou a falar com ela?
— Eu não a suporto, Gainy. — ele grunhe, instantaneamente irritando-se com o assunto. — Aquele jeito teimoso e curioso, a ingenuidade perante a maldade do mundo... É como se eu estivesse vendo Jacques em minha frente. Como se ele não tivesse morrido. Você não faz ideia do quanto eu quero odiá-la por isso, por ter a porcaria da personalidade tão idêntica a dele.
— Você sabe que ela não tem culpa de ser parecida com o pai.
— Mas eu sei que ela tem culpa na morte dele. — Jhotaz grunhe novamente.
— E para castigá-la por isso você coloca um monstro como para ficar de olho nela. Sabe que isso é errado, não sabe, Jhotaz?
Jhotaz suspirou, indiscutivelmente sem paciência para discutir aquilo com Gainy. Aparentava já ter falado sobre aquilo mil vezes com a garota e ela parecia ser incapaz de compreendê-lo.
— Como xerife eu sei que você pensa que ele é ruim devido às diversas atrocidades que o acusam de ter feito. Mas ele é um bom garoto, Gainy. Bem no fundo eu sei que ele é.
— Primeiro: não o acusam em vão, Jhotaz. É ele que faz aquilo. Não sei como ele não deixa nenhum rastro em seus crimes, mas eu sei que é ele que os realiza. Eu sei. Segundo: você apenas sente isso em relação a ele pois acha que tem uma dívida com o rapaz.
— E eu tenho. O que aconteceu com ele foi terrível.
— Mas já faz muito tempo. Aposto que ele está ocupado demais propagando o caos para se lembrar de seu passado doloroso.
— Talvez ele propague o caos exatamente por não saber lidar com tal passado.
Gainy balança a cabeça em negação, levantando-se do colo do rapaz.
— Você sabe que não confio nele e sabe que acho uma maluquice deixá-lo perto de . Ele irá ferí-la, e quando isso acontecer a culpa será sua.
— Ele não irá ferí-la.
— Essa confiança cega em já te arruinou uma vez, Jhotaz. Não quero estar aqui para ver a segunda. — e assim Gainy sai, os saltos batendo fortemente contra o piso enquanto ela abria a porta e a fechava em um estrondo.
— Qual é o problema dessa garota comigo? — pergunta, espreguiçando-se preguiçosamente no parapeito da janela, apoiando suas costas enquanto se aconchegava ali. Jhotaz apenas o olhou, surpreso.
— Você poderia ter usado a porta.
— A janela estava aberta, me convidando para entrar.
— Tanto faz. — Jhotaz bufa, levando as mãos aos cabelos, bagunçando-os em um sinal claro de nervosismo.
— Vamos lá, Jhotaz. Você já é um velho careta demais, piora sua situação ficar se estressando por qualquer coisinha.
— Você não deveria estar por aí com seus amiguinhos?
— Ultimamente eu ando fazendo coisas mais interessantes do que sair com meus amigos.
— Que tipo de coisas?
— Ah, você sabe. Bancando a babá de certa sobrinha gostosa do chefe da cidade.
— Não fale assim dela, .
— Como eu deveria falar então? “Estou saindo por aí com a sobrinha detestável do velho careta que comanda a cidade”. Melhorou?
— Ainda com esse ódio cego pela menina?
— Na verdade, não. Ela não é tão ruim assim. — para alguns segundos, seu olhar perdido na paisagem em que via pela janela. — Ela é bem teimosa, sabe? E aparenta não conseguir confiar em mim, ainda mais com algumas pessoas à espreita sussurrando coisas ruins a meu respeito. Acredita nisso? Como podem arrumar algo terrível para dizer de alguém como eu? Eu sou praticamente um santo.
— Um santo, é? — Jhotaz pergunta divertido, olhando com escárnio. — Nós dois sabemos de que de santo você não tem nada.
— Verdade, não posso mentir. — ri. — E eu falei isso pra ela. Fui direto com ela, eu disse o quão perigoso eu sou. Ela pareceu apreciar tal fato.
— Sério?
— Claro que não, ela ficou apavorada. — ri sonoramente, jogando a cabeça para trás ao fazê-lo. — Mas eu gosto disso. Eu gosto da companhia dela.
— Gosta?
— Sim. Ela é uma menina estranha, mas de um jeito interessante. A cada dia que passa ela vem instigando cada vez mais a minha curiosidade.
— Só tome cuidado para não revelar demais... E cuidado para não se envolver mais do que o necessário.
— Eu não me sinto tão atraído pela princesinha, se é isso o que você pensa, Jhotaz.
— Ótimo.
— Eu me sinto mortalmente atraído.— abre mais um de seus típicos sorrisos maliciosos. — Mas eu não farei nada com a garota. A não ser que ela queira, daí eu serei incapaz de recusar.
— Já se esqueceu de quem ela é filha?
automaticamente fica sério. Suspirou, dando de ombros.
— Não, não me esqueci. Mas ela é melhor que eles.
— Como você pode ter tanta certeza?
— Eu não tenho. É algo que eu pretendo descobrir em breve.
— Como?
— Jogar conversa fora com você foi maravilhoso, Jhotaz, mas agora eu preciso ir. — diz, descendo do parapeito e adentrando o escritório de Jhotaz. — Agora que sei que a nossa princesinha está em segurança eu tenho meus próprios assuntos a tratar.
— Ela tinha saído?
— Sim, eu acabei de encontrá-la e a levei para o casarão. Acredita que ela estava perdida na região onde eu moro? Lá é perigoso. Ainda bem que a encontrei. — ri, lembrando-se do encontro com a garota. — Antes disso ela estava no restaurante no The Crow com o .
— O já se aproximou dela?! — Jhotaz pergunta, levantando-se alarmado.
— Aparentemente sim. Mas quem liga? Ele é inofensivo. Você deveria estar mais preocupado comigo perto dela do que ele.
— A diferença é que em você eu posso ficar de olho, . No não.
— É, tanto faz. Eu só não me preocuparia com o . Ele é um imbecil e sempre foi um imbecil.
— Você acha que possa estar gostando dele?
— Gostar dele? Claro que não. não é patética assim. — responde, mas podia-se ver em seus olhos que ele não tinha tanta certeza assim. — De qualquer maneira eu realmente preciso ir, Jhotaz. Adeus.
Dito isso o jovem apenas sai do escritório de Jhotaz, não se importando ao bater a porta com força ao sair.
Jhotaz fechou os olhos fortemente, as lembranças vindo com tudo em seu pensamento.
— Não bata tão forte!
— Perdão, mãe! — o pequeno berra em resposta.
O rapazinho usava suas melhores vestes, estas com um caimento perfeito em seu corpo. Usava uma casaca dada por seu irmão mais velho, e desfilava orgulhoso com ela.
Jhotaz o observava no portão do castelo dos , esperando pacientemente o menininho descer as escadas no hall. Ao ver Jhotaz o rapaz sorriu, correndo o mais rápido que podia para chegar até o mais velho.
— Olá, Jhotaz. O que faremos hoje? — o menino pergunta, com irrefragável entusiasmo.
— Eu pensei em irmos passear na praça.
— Apenas para as belas moças te cortejarem por estar sendo bom com uma criança? Eu já compreendo seus truques, Jhotaz. — o pequeno diz rindo, fazendo Jhotaz acompanhá-lo no riso.
— Certo, você me descobriu. Faremos o que você quiser então.
— Podemos passear na praça mesmo, não tem problema. Eu só gostaria de sair.
— Sua mãe ainda te proíbe de sair sozinho?
— Sim. Você é o único com quem eu tenho permissão. É uma grande injustiça. — o menino bufa, fazendo Jhotaz rir baixinho.
Os dois começaram a andar lado a lado. A região em que o belo e bem cuidado castelo da família se encontrava era a área da elite de Mysthical, e muitos habitantes nutriam um ódio profundo pelas famílias que lá viviam. Era compreensível a mãe de só o deixar sair acompanhado de Jhotaz, um valioso amigo da família.
A praça estava enfeitada com belas flores de diferentes cores, trabalho feito pelo fiel escudeiro de Jhotaz, Victor. Jhotaz viu sorrir discretamente, visivelmente aprovando a repaginada que a praça havia levado. O pai do jovem dizia que sua paixão por plantas era coisa de maricas e que deveria ser contida. Jhotaz não aprovava o fato do senhor ligar tópicos tão distintos quanto interesse por floricultura à sexualidade, por isso tentava agradar dando-lhe discretamente a chance de admirar sua paixão por onde ia.
— Jhotaz! — Jacques o chama com um sorriso. O irmão estava sentado no banco em frente ao chafariz em formato de sereia, de mãos dadas com uma dama. Não era possível vê-la com clareza devido ao enorme chapéu rosa que tampava sua face.
subitamente fechou sua expressão, olhando para Jacques com visível tédio. Jhotaz se dirigiu até lá, obrigando o menino a fazer o mesmo.
— Oh, vejo que está acompanhado novamente do pequeno . — ele diz com um sorriso, bagunçando os cabelos de . O pequeno lança um olhar feio para o homem.
— Claro que Jhotaz está acompanhado comigo, ele é meu melhor amigo. — diz com tom de superioridade, arrancando uma risada sonora da dama que acompanhava Jacques.
— Quem você pensa que é para rir de mim? — pergunta mal-educado para a mulher.
— ! — Jhotaz o repreende.
— Não é necessário ralhar com essa criança, Jhotaz. Ele não me ofendeu.
Enfim foi possível ver seu rosto. Ela tinha olhos cinza, nariz pequeno e arrebitado, onde pequenas sardas o contornavam. Seus lábios eram carnudos e intensamente pintados de vermelho. Seus cabelos eram loiros e volumosos, caindo em cascatas por seu ombro. a observava com vislumbre. Jhotaz percebeu aquilo.
— E eu nem queria ofender... Peço perdão. — o menininho diz em um sussurro, fazendo a mulher sorrir.
— Te perdoarei se der um beijo na minha mão. Ela está dolorida depois do passeio a cavalo que fui com Jacques, segurar rédeas não é meu dom.
Os olhos de se arregalaram, enquanto ele lentamente se aproximava da mulher. Pegou uma de suas mãos, sentindo a maciez de sua pele. Suas mãos eram pequenas e seus dedos eram finos e longos. Ele aproximou seus lábios nas costas da mão da moça, beijando ali com suavidade e demorando mais que o necessário no ato. Ao se afastar suas bochechas estavam completamente rubras.
— Vejam só, o garoto é um galanteador! — Jacques exclama, fazendo se encolher e esconder-se atrás de Jhotaz.
— Já chega. Vamos indo, . — Jhotaz diz, já chamando o rapaz para se retirar com ele.
Não antes de ouvirem a mulher pronunciar, com a voz suave e sedutora:
— Foi um prazer conhecê-lo, pequeno .
As luzes da boate entraram em seu campo de visão, fazendo-o bufar. realmente odiava qualquer tipo de luz em excesso, então não era de se surpreender ele se sentir tão incomodado. Olhou em volta, observando minuciosamente o amontoado de pessoas que já se faziam presentes perto da área que se encontrava o escritório de Jhotaz.
Ali havia dois tipos de pessoas: as bem intencionadas e as mal avisadas, que se metem em perigo ao se meter com o tipo de gente errado.
era o tipo errado.
Sorriu diabolicamente com esse pensamento, começando a andar despreocupadamente pelo ambiente.
A música que tocava era alguma música eletrônica que ele desconhecia. não era muito apto a acompanhar as tendências musicais atuais.
— Finalmente você chegou!
se dispersou de seus próprios pensamentos, virando-se e dando de cara com Kyle que o olhava com a sobrancelha arqueada e um sorriso débil nos lábios. Ele tinha um copo de cerveja em mãos. Aquilo fez rir.
— Você está bêbado, cara?
— Talvez. Não sei. Só um pouco.
— Você deve ter bebido muito para chegar nesse estado. Ficar sem mim te deixa em um estado de melancolia tão profundo assim?
— Vai se foder, . — Kyle ri, fazendo acompanhá-lo.
Kyle era mais novo que . Recém-transformado, ainda aprendendo. apreciava a companhia dele. Se tem alguém que ele poderia chamar de um real amigo esse alguém era Kyle.
— Cadê o Yan?
— Nos sofás, te esperando. Vamos lá! — Kyle cantarola, andando na frente. apenas o segue.
Começaram a caminhar no andar de cima, passando pelo pela multidão que se estendia até chegar na área onde estavam presentes os sofás de veludo vermelho, os quais eles sempre ocupavam.
E foi quando viu Yan, deitado em um deles com duas meninas: uma sentada em seu colo, sussurrando prováveis obscenidades em seu ouvido enquanto a outra mordia seu sensualmente seu pescoço. revirou os olhos diante a cena.
— ! Finalmente você chegou! — Yan saúda o rapaz ao vê-lo, afastando as meninas de si. — Por onde você andou?
— Por aí. Sabe como é, bela noite, boa para uma caminhada noturna.
— E boa para uma foda noturna, não é meu bom homem? Mais especificamente uma foda com a sua querida protegida. — Yan sorri maliciosamente ao se referir a . — Estava com ela, não estava?
— Se eu tenho que ficar de olho nela prefiro fazer direito. Não é como se fosse um sacrifício ficar de olho em uma garota como ela. — ri, sentando-se preguiçosamente na ponta do sofá.
A menina que anteriormente mordia o pescoço de Yan se virou para olhá-lo. Ela era bonita, pôde observar. Alta, loira, magra e cheia de curvas, pernas longas e aparentemente macias.
— Ela é bonita? — a garota pergunta com a voz suave.
— Ela é.
— Você gosta dela?
foi pego de surpresa por tal pergunta. Gostar de alguém... Nunca conseguiu definir o que seria gostar de uma pessoa. Definir o que ele sentia por era uma maluquice, ainda mais se fosse colocá-la na vazia categoria de alguém que gostasse. não gostava de ninguém além de si mesmo, e continuaria assim pelo resto da eternidade.
— Eu não diria que gosto dela. Ela é muito complicada. — abana as mãos em sinal de descaso.
— Bem, eu não sou nenhum pouco complicada. — a mulher diz, levantando-se e sentando no colo de .
Kyle e Yan riem ao lado.
— gosta de um desafio. Ele sempre acha garotas muito fáceis. Se é um desafio quer dizer que ela é muito interessante. — Yan diz com um brilho anormal em seus olhos.
— Mas não é para o seu bico. — o repreendeu. Virou-se para a garota em seu colo, sorrindo. — Eu gosto assim. Sem complicação, direto ao ponto para atingir o prazer.
— Eu adoraria atingir o prazer com você. — a mulher diz, cavalgando no colo de .
Surpreendendo a garota, ri. Mas não uma risada qualquer: ali tinha a mais pura crueldade. E como se estivesse dando um ultimato para a jovem, ele proferiu:
— Isso é exclusivamente para atingir o MEU prazer. Você é apenas um objeto para que eu alcance meu objetivo. E acredite... Eu estou sedento por isso.
E então ele a ataca, fazendo Yan e Kyle rirem ainda mais.
Os gritos da mulher foram abafados pela música eletrônica, que continuava tocando enquanto a moça sangrava, falecendo lentamente nos braços de .
Em breve amanheceria.
estava sentado na beirada da cama de , observando-a. Velando seu sono minuciosamente, da forma que um visitante indesejado faria.
Suas mãos ainda ainda continham sangue. Sangue inocente. Mais uma vítima, dentre várias que ele já se livrou. A vida era uma piada. Nenhum ser humano é digno de viver, na concepção de . E ele os eliminava sem um pingo de remorso. Era tudo parte de um eterno jogo, onde nenhum dos lados sairia vitorioso.
Foi então que voltou-se para . Perguntou-se se ela merecia morrer, e se fosse para ela morrer, de que forma o faria. É claro, ele não deixaria morrer nas mãos de qualquer outra pessoa. Suas mãos banhadas de sangue não se importariam de matar mais uma, por mais que essa seja especial para si. Especial pois tem ligação com um passado que ele adoraria esquecer.
não se parecia com ela. Aquela horrenda mulher a qual insistia em compará-la. Na verdade era parecida com , mas antes. Antes do caos, antes da dor, o de antes. Era como se ele estivesse vendo seu próprio reflexo do passado: ingênuo, teimoso, pavio curto, curioso e de certa forma encantador. costumava encantar quem o visse antigamente. tinha o mesmo efeito.
Tocou sua bochecha, sentindo a textura macia de sua pele. A respiração serena da jovem dormindo bateu contra sua palma, aquecendo a pele fria de . Aquilo fez com que um imperceptível sorriso triste tomasse conta de seus lábios.
Ali tinha vida. abominava vida, ao mesmo tempo que ansiava por ela. Ansiava por tê-la por perto e talvez assim destruí-la. era um espelho e ele desejou quebrá-lo. Queria destruí-lo. Perguntou a si mesmo se o odiaria ainda mais se soubesse de seus segredos, de seus reais erros, de tudo o que já fez para chegar até onde chegou. Ele não a iludiu. Desde o início mostrou-se de verdade, sua realidade, seu pecaminoso ser.
Ele queria tanto quebrá-la...
Sentia inveja. Queria saber sobre ela. Queria ver o que ela via. Queria sentir o que ela sentia. Queria entendê-la.
Odiava-se por olhá-la e se enxergar. Ver ele ali.
amava a si mesmo acima de qualquer coisa, mas abominava seu antigo ser.
Se se parecia com ele, então ela não se parecia com ela.
— Impossível. — sussurra para si mesmo, subitamente afastando-se sua mão de . — Ela é igual a ela. Impossível ser diferente.
Mas no fundo, duvidou. Sabia que aquilo não era verdade. Mas afinal, qual era a verdade? ansiava saber.
E foi com esse pensamento que ele se levantou, caminhando calmamente até a janela e pulando dali.
Tinha planos para o dia seguinte.
Capítulo 10
“Não me importo se dói
Eu pagarei meu peso no sangue
Para sentir meus nervos acordarem
Então me ame agora ou deixe-me ir
Deixe-me sentir estes altos e baixos
Antes que as portas do meu coração se fechem
Toque-me alguém
Sou muito jovem para me sentir tão
Entorpecido, entorpecido, entorpecido, entorpecido
Você poderia ser a única a
Me fazer sentir algo, algo”
estava no restaurante de Hime, almoçando. Porém, dessa vez, sozinha. Sairia com Lara mais tarde, para conhecer algum parque que havia em Mysthical o qual a criança estava muito empolgada para vê-lo. Enquanto a irmã se aprontava, resolveu almoçar fora. Odiaria comer olhando a cara de Jhotaz novamente. De qualquer forma, apenas deu de ombros. Já havia terminado sua refeição, e estava prestes a sair do local quando viu uma pessoa adentrando o mesmo. . Droga. Aquilo era estranho. Exatamente quando a viu, ele passou a andar em sua direção. Céus, o que ele queria agora?
— Você pretende me seguir até quando?
— Até eu me cansar de você. Sorte a sua que pelo jeito isso vai demorar para acontecer. Você é imensamente interessante.
— E você é imensamente nojento.
— Nós dois sabemos que você tem frases melhores que essa, .
— Tanto faz. O que você quer?
— Te mostrar algo. E tenho certeza que você vai aceitar.
— O que você quer me mostrar?
apenas ficou em silêncio por alguns segundos, logo abrindo um de seus típicos sorrisos mal-intencionados. Aquilo seria tão fácil.
— Não diga nada, apenas me siga.
— O quê? Mas por quê?
— Apenas me siga, pirralha. — Dito isso, ele já foi andando para fora do lugar, obrigando a se levantar as pressas e assim segui-lo. Droga de curiosidade que fazia com que ela agisse acima da racionalidade.
— Você sabe que eu não confio em você, né? Se está planejando me levar pro meio de mato e me esfaquear, é melhor mudar os planos.
— Nah. Não sou idiota de gastar meu tempo com isso. Além disso e do fato de que Jhotaz me mataria, tem também a parte de que eu não poderia te mostrar o que quero mostrar, certo?
— Se é que existe algo. Você pode muito bem ter inventado isso como uma desculpa.
— Fique quieta e apenas me siga, princesa. — E em resposta, apenas revirou os olhos, por fim ficando em silêncio e aceitando aquilo.
Conforme iam andando, ia percebendo que estavam se movendo para algum lugar um pouco afastado do resto da cidade, e aquilo lhe deixou levemente apreensiva, por não saber exatamente para onde estava indo. Conhecia aquele lugar. Apenas ficou em silêncio, observando aquela região da cidade, aquela que era perigosa. Estava começando a ficar assustada, e achar que não deveria ter aceitado aquilo. Até que enfim, começaram a se aproximar de uma grande construção. Na hora arregalou os olhos, chocada com o tamanho daquele lugar. Ela havia o visto na noite em que se perdeu e acabou encontrando . Era um castelo, porém, parecia extremamente assustador. Um castelo assustador e abandonado.
— Eu espero que valha a pena, faz muito tempo que eu não trago alguém aqui.
E foi tudo o que disse, antes de voltar a andar, dessa vez indo em direção da construção. nada disse, apenas continuou seguindo o rapaz, apesar de se perguntar porquê diabos estavam indo para aquele antigo castelo sombrio, e por que ele parecia tão irritado por estar fazendo aquilo. Porém, assim que chegaram na enorme porta de entrada, o rapaz simplesmente tirou velhas chaves do bolso, e abriu a grande porta. Ela congelou.
— Como você...?
A jovem olhou na direção do homem, um misto de curiosidade e medo se encontrava em seus olhos. O mais velho apenas revirou os olhos, e em seguida fez sinal com a cabeça para que ela entrasse. A jovem demorou certo tempo pra obedecer, sentindo-se um tanto desconcertada. Será que ele faria mal a ela? Será que, finalmente, se provaria ser o monstro horrendo o qual todos falavam sobre? Apenas... Entrou. Se encheu de coragem, e adentrou o lugar assustador.
Lá dentro, o choque foi ainda maior do que fora. Estava no início de um corredor gigante, extremamente longo e extremamente espaçoso. O teto era extremamente longe do chão, e nele não se encontrava nenhum tipo de fonte de iluminação, talvez justamente por ser tão longe do chão. Era tudo tão... Luxuoso, chique. Os tons de preto, vermelho e roxo de misturavam, sendo assim espalhados por todos os cantos. Ainda sim, não se podia enxergar tudo, pelo fato de que as enormes janelas daquela área eram cobertas por enormes cortinas pretas e vermelhas. As únicas luzes se encontravam nas paredes, na altura certa para que pelo menos na altura onde pessoas andavam, pudesse ter iluminação. Porém, as luzes eram fracas. Enquanto observava aquele imenso corredor luxuoso sem saber onde fixar seus olhos, ouviu atrás de si a porta de entrada fechando novamente, e logo o rapaz apareceu em seu campo de visão, andando para o final do corredor.
Como já sabia que deveria fazer, apenas o seguiu. Quando chegaram ao fim do corredor, ele deu a uma porta, esta quase tão grande quanto a porta de entrada, e assim que o rapaz abriu tal porta, ambos entraram em algo que parecia uma sala de jantar. No centro havia uma enorme mesa chique nos tons de preto e roxo, combinando com as luxuosas cadeiras almofadadas. No centro do teto havia um enorme lustre, e a luz que o mesmo emanava parecia o suficiente para proporcionar certa claridade no cômodo, por mais que novamente o telhado ficasse um pouco longe do chão, porém ali era menos do que no grande corredor de entrada. Nas laterais do cômodo, haviam duas grandes escadas com os degraus cobertos por enormes tapetes de veludo vermelhos, que davam em uma espécie de sacada interna, que ficava entre o final das duas escadas, no segundo andar. Assim, quem estivesse lá em cima poderia ter uma vista dali de baixo e vice-versa. Ao fundo daquele cômodo, no espaço entre as duas grandes escadas, exatamente embaixo da plataforma que formava a sacada interna, havia um piano que também parecia antigo. E novamente: Todas as janelas eram cobertas por cortinas grandes e grossas. arqueou uma das sobrancelhas. Aquilo... Era uma casa. Uma casa bem vintage, gótica e excêntrica, mas era uma casa. Agora as coisas começavam a fazer sentido.
— Você... Mora aqui? — Perguntou a garota com a voz baixinha, esta que ecoou pelo cômodo.
— Oh meu deus, ela descobriu o mundo! Sim, princesa. Eu moro aqui. — Enquanto respondia, ele continuava andando, dessa vez em direção a uma das grandes escadas, já subindo-a. , mais uma vez, não esperou que ele pedisse, apenas o seguiu.
— E por que é tão escuro aqui...? — Em resposta, apenas deu de ombros. O rapaz parecia realmente incomodado por alguma razão. Ele não parecia exatamente irritado, apenas... Ansioso. Como se estivesse esperando por algo.
— Eu odeio a luz do sol. – Respondeu simplesmente, dando de ombros em seguida. estranhou, mas apenas concordou com a cabeça, enquanto seguia . Haviam chegado no topo da escada, onde havia dois caminhos além de ir para a sacada que tinha vista para a sala de jantar: Um corredor na direita e um corredor na esquerda. seguiu pelo corredor da direita, e assim a jovem o seguiu. Enquanto andavam por aquele corredor, a menina pôde perceber que ali havia várias portas, mas apenas passavam por elas, sem entrar em nenhuma. No fim do corredor, havia um elevador, e era para lá que andava.
instantaneamente gelou com a ideia de ficar sozinha em um cubículo com . Mas ele não pareceu ter notado, afinal quando ela entrou no elevador e ele apertou o número do último andar, o silêncio que se fez entre eles foi até mesmo constrangedor. parecia perdido demais em pensamentos para provocar .
Ao finalmente o elevador soar indicando o último andar, sai, sendo seguido por .
— Como você não se perde sozinho nessa casa enorme? Isso aqui realmente parece um castelo.
— Digamos que... Eu moro aqui há tempo suficiente pra conhecer cada detalhe.
— Uau... Você deve morar aqui há muitos anos. Mas... Não é solitário? E você mora aqui desde criança?
— Criança? Nossa, isso faz tempo pra caralho...
— Hum? Como assim?
— Ah? Nada. Olha, chegamos.
Apontou ele para uma porta no fim de um dos corredores do último andar da casa, esta sendo uma das portas mais decoradas. Ela tinha um tom de roxo bem escuro, quase chegando ao preto, e por cima do roxo era pintado de vermelho, como se a tinta vermelha estivesse escorrendo por cima do roxo, e no centro superior, havia um brilhante detalhe de morcego prateado. abriu aquela porta com cuidado, já adentrando o cômodo. Era seu quarto. olhou de relance para o rapaz, que apenas fez uma expressão irritada.
— Entra.
E então a menina obedeceu. Cruzou a porta, novamente ouvindo ele fechá-la atrás de si. O quarto dele era tão excêntrico quanto o resto da casa. Não sabia definir a sensação que a predominou ao estar ali, mas... Era assustador pra caramba, ao mesmo tempo em que era muito bonito. Como sempre, as janelas eram tapadas por cortinas, e assim como em todo o resto da casa, a iluminação era: ou pouca, ou muita, porém com as luzes em tons que davam impressão de estar mais escuro do que realmente estava. Naquele cômodo, em específico, as luzes eram vermelhas e roxas. As paredes eram pintadas de vermelho, roxo e preto, com muitos quadros antigos, pinturas velhas, decorações de morcego, de caveiras, árvores secas, e coisas do gênero. Pelo quarto também havia enfeites das mesmas coisas, porém também incluindo candelabros, e todas aquelas coisas que lembravam castelos antigos. Haviam poltronas e sofás chiques, aparentemente bem confortáveis, e o chão inteiro era coberto por um tapete de pelos vermelhos e roxos. Realmente, parecia uma luxuosa e refinada combinação entre antigo e moderno. Enquanto estava completamente distraída observando cada parte mínima do cômodo, a voz do rapaz gritando consigo lhe assustou, fazendo-a dar um pulo e se virar na direção dele.
— Caramba, princesa, como você é distraída.
— Desculpa... — respirou fundo, olhando o ambiente completamente impressionada. — É que aqui é realmente muito bonito.
— Fico feliz que tenha gostado, princesa. — dá de ombros, dirigindo-se até sua cama, onde se abaixou para pegar algo que havia embaixo da mesma.
— O que você está fazendo?
— Pegando o que eu quero te mostrar. — ele responde com simplicidade, tirando de lá uma caixa dourada pequena. Levantou-se, voltando-se para .
— O que é isso?
— Isso... É algo importante pra mim. — diz com simplicidade, abrindo a caixa.
não soube explicar o que a predominou naquele momento.
Uma luz forte a cegou. De repente tudo havia... Ficado dourado.
Era noite. A menina não sabia explicar como poderia saber, já que as grossas cortinas tampavam qualquer abertura para ver o mundo exterior, mas ela imaginou que fosse noite.
Estava deitada na cama confortável do quarto, os lençóis moldando suas curvas descobertas. Estava nua. Seus cabelos caíam pelo travesseiro, fios dourados e longos. Franziu o cenho, confusa. Aquele cabelo não era seu.
— ? — ela ouviu sua própria voz chamar. Aquela voz também não era sua. Era doce e suave, mas com uma pitada de malícia. já havia ouvido aquela voz. — Você está demorando muito, sabe que não tenho tempo.
— Perdão pela demora. — a voz de soa no ambiente. Mas ela era diferente. Não havia o costumeiro sarcasmo em seu tom.
adentrou o cômodo. Ele estava com o abdômen nu, onde apenas uma toalha branca pendia precariamente em seu quadril. deixou com que seus olhos passeassem pelo corpo descoberto do rapaz sem censura. Ela nunca faria aquilo sem ter as bochechas queimando de vergonha, mas acreditou que a mulher que estava ali não sentia qualquer tipo de constrangimento olhando com tal intimidade.
— O que você veio me mostrar?
— Isso. — o rapaz retira uma pequena caixa que escondia atrás de seu corpo, mostrando para a mulher. A abriu, fazendo-a exclamar em surpresa.
Era um colar. Sua corrente era negra, e seu pingente tinha o formato de uma cruz, onde havia rosas negras em cada extremidade. No centro havia um coração de um vermelho intenso, ele parecia pulsar, como se de fato fosse real.
— É... É lindo, . — soprou, fazendo o jovem sorrir.
— É pra você.
ficou séria de repente. Seus olhos voltaram para o rapaz, sua boca se fechando em uma linha reta de desgosto.
— Sabe que não posso aceitar.
— Por que não?
— Sei o que isso significa pra você, .
— Sabe?
— Eu não posso aceitar seu coração. Simplesmente não posso. — a mulher se levanta alarmada, começando a procurar suas vestes para dar o fora dali.
tinha o olhar perdido no amontoado de lençóis onde estava o corpo dela.
— Por que não pode aceitá-lo? — ele perguntou, depois de longos minutos.
ajeitou as roupas que usava com cuidado, vestindo os saltos com maestria. Caminhou até a porta, disposta a ignorar a pergunta de .
— Por que não pode aceitá-lo, Lauranna?
— Porque ele não existe, . — a mulher responde amarga, olhando-o com ódio. Seus olhos cinza haviam se escurecido, sendo substituídos por dois globos negros. — Você não tem um coração, e nunca terá um. Você não é capaz de amar. Você é um monstro.
E com isso a luz dourada voltou novamente, cegando .
A menina respirava fundo, buscando o ar em seus pulmões. a segurava fortemente pela cintura, olhando-a alarmado.
— Qual o problema? — pergunta.
— Quem é Lauranna?
Subitamente ele a soltou.
se afastou da jovem que ainda tentava se recuperar, olhando-a como se não conseguisse acreditar.
Havia dado certo.
— Você a viu? — ele pergunta com cuidado. Sua voz estava mortalmente séria.
— Não. Eu... Eu era ela.
ficou alguns segundos em silêncio, processando o que foi dito por .
— Faz sentido.
se calou. Sua mente estava ainda mais confusa. Toda a cena que se desenrolou entre Lauranna e era repassada em sua mente, como um filme dramático que lhe causava a mais profunda reflexão. Não conseguia compreender. Quem era aquela mulher? Por que ela havia tratado de forma tão grotesca?
Ele parecia tão vulnerável naquela visão. Parecia que aquela mulher poderia controlá-lo o quanto quisesse, que ele consentiria sem pestanejar.
Foi quando compreendeu.
— Você a amava. — ela afirma.
apenas a olhou. Seus olhos estavam perdidos, completamente desolados.
— Não, eu não a amava. Eu queria amá-la. Queria tão desesperadamente sentir algo que em um ato impulsivo eu quis dar meu coração a ela.
— E ela não aceitou.
— Exato. E foi assim que eu a perdi para sempre.
respirou fundo, sentindo-se mal ao sentir o peso daquelas palavras.
— Sinto muito.
— Não importa. Já faz muito tempo.
O celular de tocando ecoou pelo ambiente, fazendo-a pegá-lo em seu bolso e atendê-lo.
— Lara? Sim, sim... Eu já estou indo. Me espere. — desligou, virando-se para . — Eu preciso ir.
— É só entrar no elevador e apertar o térreo.
— Certo... Até mais, . — a menina se vira, andando até a porta.
— ?
— Sim?
a olha por alguns segundos. Seus olhos continuavam perdidos.
— Obrigado por ter vindo. Você não sabe o quanto isso significou pra mim.
— De nada.
E assim a menina parte. Deixou e sua solidão, estes eternamente presentes naquele mórbido castelo.
empurrava as costas de Lara com delicadeza, fazendo a menina pegar impulso e balançar cada vez mais alto. A brisa agradável da tarde batia contra seu rosto, fazendo-a se sentir bem. Lara também sentia aquilo.
A menininha estava tão contente por poder ter aquele momento a sós com a sua irmã. Fazia muito tempo que as duas não ficavam juntas daquela forma... andava tão esquisita. Parecia que sua irmã mais velha havia se fechado em seu próprio mundo, e por algum motivo não havia espaço para Lara em tal mundo. Aquilo a apavorava. A ideia de perder a irmã a assustava de verdade.
Até que ouviu um som. Um som baixo e horrendo, como se animais selvagens estivessem por perto.
— Algum problema, Lara? — a questiona.
Lara ignora a irmã, dando meia volta. chamou por ela, mas ela começou a correr.
A criança começou a andar em direção ao som, aumentando ainda mais a velocidade de seus passos a medida que ia ouvindo o som ficar mais alto. Correu cegamente em direção ao som, sem sequer olhar para onde ia. Até que então, a menina pisou em falso. O chão embaixo de si pareceu simplesmente ter sumido, fazendo com que a menina tivesse uma grande queda. Gritava em desespero, sem saber o que fazer. Estava simplesmente caindo no nada. Uma imensidão de, apenas... Nada. Até que, de repente, lá estava ela, caída no chão de algum lugar. Havia caído, caído, caído... E agora estava ali. Levantou devagar ajeitando suas roupas. E quando olhou ao redor, seu queixo caiu completamente.
Aquilo... Céus, o que era aquilo? Que lugar era aquele, e como ela voltaria? O lugar era simplesmente... Muito, muito bonito, assim como a maioria dos lugares daquela cidade. Era uma espécie de pequeno vale, mas de alguma forma ele parecia... Mágico. Haviam várias plantas, todas de um verde tão vivo, as mais diversas flores das cores mais chamativas, e um lago repleto de pequenos peixes que nadavam pelas águas tão lindamente mágicas quanto tudo naquele lugar. O lugar era tão calmo, belo, bonito... E o som atordoante havia parado. Porém, outro som se fez presente. Este, parecia gemidos de dor. Gemidos femininos. Lara franziu o cenho, andando em direção a eles. E lá estava. Escondida atrás de uma grande planta, estava uma mulher. Lara sentiu seu coração doer ao ver o estado em que se encontrava a mulher. Estava presa no chão, por uma rocha pesada que se encontrava em cima de seu corpo. Ela estava de bruços, e pelo fato de estar deitada no chão úmido daquele lugar, seu cabelo e corpo se encontravam levemente molhados. A mulher tinha lágrimas em seus olhos, e pedia por ajuda. Ela estava ali, presa por uma rocha que parecia estar lhe machucando, completamente sozinha. Isolada, abandonada, chorando e pedindo por ajuda.
Sem hesitar, Lara correu até ela. Porém, logo depois, descobriu que aquilo talvez não houvesse sido uma boa ideia. Assim que chegou perto da mulher, ela arregalou os olhos, e se encolheu ao máximo que pôde.
— N-não me machuque! — Disse a mulher, sofregamente, fungando em seguida. — P-p-por favor... — Soluçou, gemendo de dor de forma manhosa em seguida. — Por favor, não me machuque!
— Eu não vou te machucar! Por favor, me deixe ajudar você.
— Qu-quem é você...? P-por que está aqui...? E como? Como?! C-como você chegou aqui? Você... — A mulher ia falar mais, porém novamente sua fala foi cortada por um gemido sôfrego.
— Calma, eu vou te tirar daí primeiro. — E assim ela o fez. Se pôs ao lado da rocha, empurrando a mesma com toda a sua infantil força. Não era exatamente muito grande, apenas o suficiente para provavelmente estar causando tanta dor em alguém tão magra como a mulher embaixo dela.
E assim, usando todas as forças presentes em si, empurrou a rocha, tirando-a de cima da garota. E foi exatamente naquele momento em que veio o choque. Assim que a rocha saiu de cima das costas da mulher, ela pôde ver a provável razão pela qual aquilo estava doendo tanto na mulher. Aquilo eram... Asas. Aquela mulher tinha asas. Elas pareciam asas de borboleta, em um belo tom colorido. Porém, estavam completamente amassadas e quebradas. Aquilo só poderia ser uma alucinação.
— Você... Você tem asas? — Lara perguntou, ofegante devido a toda força que havia feito.
— E-eu te i-imploro, nã-não m-me machuque! — Gritou desesperada, tentando correr para longe da menina, tentando buscar algum canto para se esconder.
Mas ao tentar correr, apenas caiu ao chão, o que lhe fez gemer ainda mais em dor. Estava muito fraca e machucada para poder correr. Desesperada e em pânico, a garota se encolheu em um canto, abraçando os próprios joelhos. Lágrimas não paravam de cair por seus olhos.
— Eu juro que não vou machucar você... — Disse a menina, sentindo seu coração doer ainda mais. Como aquela garota poderia estar sozinha, e ainda por cima naquele estado? Não gostaria nem de imaginar o que teria acontecido se ela não tivesse aparecido. Mas ao mesmo tempo, estava completamente confusa. Que lugar era aquele? Aquilo era mesmo real? Aquela mulher tinha asas! Como ela poderia ser real? Céus, aquele lugar não era apenas estranho, era... Surreal! Como poderia? Como? Ignorando todos os questionamentos e o choque evidente, Lara se aproximou devagar da garota, vendo-a se encolher ainda mais. — Ei... Qual é o seu nome?
A garota apenas a encarou, com seus olhos marejados. Lara sentiu seu coração apertar.
— Linzyne.
— Linzyne. O que aconteceu com você, Linzyne? Por que estava presa ali?
— Aquela criatura horrenda! E-ela invadiu meu vale! E-eu precisava fazer alguma coisa, então eu fui enfrenta-la, m-mas ela e-emitiu ondas sonoras que derrubaram essa rocha em cima de mim! Mi-minhas a-asas... M-meu corpo... Tudo dói tanto! — A garota disse aos prantos, fechando os olhos fortemente.
Lara queria tanto ajudá-la, ela parecia estar sofrendo tanto... Mas apenas não sabia como.
— O som que eu ouvi... Era isso, então. Uma dessas... Criaturas. — A menina suspira, desviando seu olhar para Linzyne. — Quando a está triste eu dou um abraço nela. Isso faz ela melhorar na hora.
— Q-quem é ?
— Minha irmã.
Lara olhou hesitante para Linzyne, mas resolveu seguir seus impulsos, sem ter consciência do que estava fazendo. Puxou a garota devagar para si, lhe abraçando da mesma forma que abraçava Lara. Linzyne, surpreendida por tal ação, soltou um leve grunhido de medo, até que entendesse o que Lara havia feito.
— Linzyne... Eu sou Lara. Vê? Eu não vou machucar você.
— Eu achei que fosse... Humanos geralmente me machucam... Até os pequenos como você me machucam.
— Humanos... Machucam você? Eu... Caramba, que horrível. — Suspirou, balançando a cabeça em seguida. Não acreditava que estava mesmo abraçando uma fada toda machucada. Ela parecia tão inofensiva, por que alguém lhe machucaria...? — Você ainda está sentindo muita dor? Quer que eu... Faça alguma coisa...?
— Na verdade... — Linzyne para no meio da frase, se dando conta do que havia acontecido. Não estava mais sentindo dor. Seu corpo não doía mais, e suas asas haviam se regenerado. Arregalou os olhos, afastando a menina de si. — Como fez isso?!
— O quê? Isso o quê...?
— Você não está vendo?! — Ela aponta para as próprias asas, estas que já não se encontravam mais amassadas e quebradas, e sim completamente curadas, assim como o resto de seu corpo e até mesmo sua energia. Lara piscou algumas vezes, voltando ao estado de choque.
— E-eu fiz isso?!
— Só pode ter sido você! Eu não tenho poderes de cura, eu não... Você não é humana, é? Como fez isso?
— Eu não fiz nada! Eu não sei, eu... Eu não sei!
Linzyne apenas permaneceu em silêncio por algum tempo, acabando por suspirar longamente.
— De qualquer forma, você me curou... Obrigada, Lara. Agora me diga... Como chegou aqui?
— N-não sei.
— Mas... Como não sabe? É impossível chegar aqui, a menos que você saiba exatamente onde é aqui. Como você chegou?
— Eu realmente não sei... Eu estava com a minha irmã, então eu ouvi o som da criatura e vim parar aqui. Eu sei lá...
— Sua irmã...? Vocês são as filhas de Jacques Daurat? — Linzyne parecia extremamente chocada, o que fez Lara dar um passo para trás, assustada.
— Somos. — Respondeu, baixinho. Linzyne arregalou os olhos. Parecia com medo novamente.
— V-Vá embora!
— Ma-mas...
— Anda, vá embora! Agora!
— Mas por quê?! O que eu fiz, eu só...
— Se apresse em sair daqui, anda! — A garota corre até um lugar perto dali, indicando um caminho com o dedo indicador. — Siga por esse caminho. Você vai estar de volta a parte exposta da cidade logo. Mas seja rápida, porque logo depois que você voltar, ele vai sumir.
— O... O quê...?
— Vá embora logo, você não deveria estar aqui! Ande!
— Mas e você? E se te atacarem de novo?
— Se você se preocupa realmente com isso, eu sugiro que você realmente vá embora.
Em resposta, Lara apenas suspirou, cansada de todos aqueles enigmas.
— Tudo bem, eu vou. Mas nós ainda vamos nos encontrar de novo, e você vai me contar o porquê disso.
— Não será preciso, em breve você provavelmente irá saber. Adeus. — E assim, ela dá as costas para Lara, simplesmente saindo a voar pelo vale, se distanciando rapidamente da menina, que como opção final, só teve a de seguir o tal caminho e quem sabe assim, acordar daquele sonho.
— Lara! — chama a mais nova, nervosa diante o súbito afastamento dela.
Pensou em segui-la, porém igual a mesma, um som a distraiu.
Parecia ser alguém cantando. A voz era suave e limpa, soando de forma tão prazerosa aos ouvidos de quem a ouvia que era impossível não se deixar encantar-se por ela. não sabia de onde aquilo estava vindo, porém por algum motivo sentiu a vontade inexplicável de ir atrás do belo som. E assim ela deu meia volta, andando na direção oposta à que Lara havia seguido. Andava com certa pressa, parecendo realmente necessitada de ouvir a melodia ao vivo e assim poder descobrir quem era a responsável por isso.
Quando deu por si, estava em frente a uma entrada com areia fofa, esta só vista em praias. A entrada estava tampada por enormes palmeiras, onde suas folhas estavam tão densas que se enrolavam formando uma exagerada sombra e um bloqueio da visão de quem ousava prestar atenção naquilo. avançou, pois era dali que o belo som vinha.
E então... Ela viu o oceano.
observou o mar à sua frente com a testa franzida. Era tão... Bonito. O oceano se estendia à sua frente, com uma coloração tão profundamente azul e cristalina que parecia estar convidando-a para adentrá-lo. Como tudo naquela cidade, a água parecia inexplicavelmente mágica. não compreendia. Não havia sinal de praia naquele lugar, e de repente havia encontrado uma. Era como se estivesse ocultada aos olhos das outras pessoas e aquilo parecia esquisito demais. Tudo tão confuso...
havia ficado tão surpresa que não percebeu que o belo som que a fez ir até ali havia cessado.
— Como você chegou aqui?
Uma voz desconhecida soa, fazendo arregalar os olhos e desviar sua atenção para ela. Não poderia se sentir mais confusa.
Quem havia lhe dirigido a palavra era... Uma garota. Deveria ter a idade de por sua aparência, porém seus olhos faziam com que ela parecesse... Mais velha. Era como se aqueles olhos já tivessem visto de tudo, e aquilo assustou . A desconhecida tinha cabelos vermelhos e médios, seus lábios eram pequenos e muito vermelhos. Ela usava um biquíni de pérolas, o que acentuava o quão magra e de certa forma esbelta ela era. A desconhecida era realmente bonita, percebera com inveja.
— Perdão?
— Como. Você. Chegou. Aqui?! — a desconhecida repete, dessa vez pausadamente. Falava em um tom petulante e olhava para como se não a quisesse ali.
— Eu... Ouvi um som. Alguém cantava de forma tão bonita... Então eu acabei seguindo o som e vim parar aqui... — diz gaguejando. Piscou algumas vezes, se sentindo patética ao perceber o quão boba sua explicação soou. — Algum problema em eu estar aqui?
— Sim. Você não é bem-vinda aqui. — a menina a acusa novamente, dessa vez se aproximando. instantaneamente deu um passo para trás, sentindo seus pés se afundando a areia.
— Por que eu não sou bem-vinda?
— O tipo de mundana horrenda como você não é bem-vinda, não quero que prejudique meu lar. Apenas vá embora.
— Eu não vou embora só porque você quer. E como assim mundana? E lar...? Você mora na praia por acaso? — pergunta curiosa, parecendo decidida a não sair dali.
Olhou para a garota, completamente confusa. A ruiva não parecia ser alguém pobre: a parte de cima do seu biquíni era de pérolas, encrostado com pedras preciosas que pareciam verdadeiras. Ela tinha uma canga também perolada enrolada na cintura, caindo por seu quadril. Ela parecia indiscutivelmente bonita e chique. Deveria ter uma casa de praia mais à frente, isso justificaria seu escândalo.
volta a si ao ver a desconhecida bufar, parecendo perder a paciência. A garota se aproxima ainda mais de , colocando suas mãos na cintura da mais nova e puxando-a para si com uma força que parecia não lhe pertencer. observou a cena chocada.
— Você irá embora. — a menina diz, agora com a voz doce. Era aquela voz. Era ela quem ouvira. A mulher olhava diretamente nos olhos de , sorrindo de forma carinhosa enquanto ainda tinha suas mãos firmes em sua cintura. Deslizou seus dedos por ali, subindo sua mão até o rosto da mais nova, começando a acariciá-la. ainda estava em choque. — E nunca mais irá voltar. Faria isso por mim? — e então a menina se aproxima, fazendo perceber o que ela estava prestes a fazer. Ela realmente iria... beijá-la?!
— AAAAAHHH, VOCÊ É DOIDA! — grita, empurrando a desconhecida.
— Como você...? — a ruiva pergunta, visivelmente chocada com o afastamento de . Aquilo não deveria ter acontecido.
— Você iria me beijar?! Você é uma doida tarada, garota?!
— Eu... Eu só ia te expulsar daqui... Ninguém resiste a mim, como você...?
— “Ninguém resiste a você” me poupe, sua doida. Agora que eu realmente vou dar o fora daqui. — já ia dar meia volta, sendo detida pela desconhecida.
A menina segura pelas mãos. O toque suave da desconhecida a fez franzir o cenho, frustrada.
— Você não é uma mortal comum, é? Eu... Eu pensei que fosse. Talvez nem mortal você seja, mas isso não justifica eu não conseguir provocar efeito sobre você... — ela sussurra, parecendo realmente afetada. — Eu me chamo . Qual é o seu nome?
— . Meu nome é . Pode me soltar agora, ?
— Eu... Eu sinto muito. — a ruiva a solta.
As duas ficam por longos segundos encarando uma a outra, ambas com o mesmo questionamento: o que estava acontecendo?
— Eu vou ir embora.
— É melhor você ir.
E assim se vira e começa a andar pela praia, em busca de ficar longe daquela ruiva tão estranha.
Já apenas suspira. Ficou observando ir, com o olhar alarmado. Precisava informá-lo mais tarde.
E então uma estranha cena se sucede, onde a bela desconhecida caminha em direção ao mar, indo até o fundo. Assim, ela mergulha. A última visão que pôde se ver dela foi uma estranha colisão na água, causada por uma enorme cauda semelhante à de um peixe.
Capítulo 11
“Aqui nós deveremos viver
Nesta terrível cidade
Onde o preço por nossos olhos
Vai espremê-las como um punho cerrado
E as paredes terão olhos
E as portas terão ouvidos
Mas nós dançaremos no escuro
E eles brincarão com nossas vidas
Como uma raiva controlada
Nos levando cada vez mais
(cada vez mais)
Como uma raiva controlada
Nos revirando
(e revirando, e revirando)”
— Nunca mais fuja de mim, está me ouvindo?
— Desculpa. — Lara diz pelo o que pareceu a milésima vez.
As duas voltaram para casa juntas depois de achar Lara andando confusa pelos arredores da cidade. A garotinha não parava de falar sobre um estranho encontro com uma garota.
— É sério, Lara. Você é uma criança, sair correndo de mim da forma que você fez foi tão irresponsável!
— Mas eu ouvi um som terrível! Era uma criatura e ela machucou a pobre Linzyne!
— Quem é Linzyne?
— Uma fada! Uma fada linda, com asas de borboleta e voz de princesa! Minha nova amiga!
— Você não está fazendo sentido nenhum, Lara.
— Eu juro, . Eu fui para um lugar mágico e Linzyne estava lá, com uma pedra a espremendo contra o chão. Eu a ajudei e depois a curei.
— Sabe que é muito mais bonito você dizer a verdade do que inventar histórias dessa forma, não sabe?
— Eu estou dizendo a verdade, por que você não acredita em mim? — Lara abaixa a cabeça, triste.
suspirou, pegando-a pelas mãos e trazendo-a para perto de si, abraçando-a pelos ombros.
— Me desculpe. Mas você tem que admitir que sua história é surreal demais para que eu acredite.
— Você tem que acreditar em mim, , é tudo verdade.
ia abrir a boca para dizer algo, quando foi interrompida pelo som da porta se abrindo. Victor as observava com curiosidade.
— Aconteceu alguma coisa, garotas? — ele pergunta, entrando ali com cautela. — Eu ouvi gritos.
— A não quer acredi... — Lara ia dizer, mas tampou sua boca com as mãos. Sorriu cordialmente para Victor.
— Não é nada. Estamos bem.
— Vocês tem certeza? Não quero que briguem. Eu posso conversar com vocês e resolveremos a briga juntos.
— Está realmente tudo bem, Victor. — diz, fazendo Victor assentir com a cabeça, derrotado.
— Certo. Mas se precisarem de algo não hesitem em me chamar.
— Pode deixar.
— Ah! Quase me esqueci, . — Victor diz, parecendo se lembrar de algo. — Você pegou o livro de receitas que eu te disse para pegar?
— Oh. Eu esqueci.
— Sério? Que pena. — Victor diz, ressentido. — Será que você poderia ir amanhã pegar pra mim? Não estou podendo sair de casa ultimamente.
— Certo, eu irei pegá-lo.
— Obrigado. — Victor sorri, assim se retirando do quarto.
— Por que ele insiste em mandar você ir nessa biblioteca?
— Não sei. Sinceramente não sei. — suspira, largando a mais nova. — Vai para o seu quarto tomar banho e depois direto pra cama.
— Mas ...
— Anda logo.
— Ok. — Lara bufa, já caminhando até a porta.
— Lara?
— O que foi?
— Não conta isso da fada pra ninguém, tá bem? É melhor.
Lara piscou algumas vezes, processando o que a irmã havia lhe dito. E assim a garotinha apenas assentiu com a cabeça, abrindo a porta e se retirando.
A biblioteca estava iluminada naquela manhã. Os raios solares batendo contra a vidraça iluminavam o ambiente, proporcionando uma sensação agradável a quem o observasse. Como na última vez que o viu, estava nos fundos do local. Mas dessa vez ele estava sentado em uma das mesas, com seus costumeiros óculos de grau enquanto lia um livro em mãos. Seu semblante era sério e contemplado, parecendo concentrado demais no livro que tinha em mãos para notar a presença de qualquer outra pessoa ali.
tossiu brevemente, a fim de chamar a atenção do mais velho.
Os olhos negros de se desviaram de seu livro, olhando-a por alguns segundos com visível surpresa.
— . Eu não esperava vê-la aqui novamente tão cedo. — ele diz, fechando o livro em mãos. Sorriu de forma misteriosa, olhando-a cuidadosamente. Ele estava analisando-a.
— Eu quero conversar com você.
— Conversar? Não sou um grande fã de conversas. — o homem admite, a contragosto. — Mas já que você insiste... — ele se levanta, andando até .
A menina engole em seco, sentindo seu coração se acelerar ao ver o homem vindo em sua direção. Mas contrariando todos os seus pensamentos, passa direto por ela, saindo dos fundos da biblioteca. Ela o seguiu.
— Eu acho que se formos conversar temos que fazê-lo em um lugar mais privado. — ele anuncia, enquanto mudava a placa da porta de “aberto” para “fechado”.
engoliu em seco.
— Isso é realmente necessário?
— Sim. Se teremos uma conversa privada eu gostaria que fosse lá em cima. Não confio nas paredes daqui de baixo... Elas gostam de propagar os segredos que escutam.
franziu o cenho, lembrando-se de dizer algo parecido sobre as paredes ter ouvidos. Estranhou.
— Por aqui, . — ele a chamou, enquanto se dirigia até a escada em espiral. Tirou a corrente com a placa que dizia “proibida a entrada”, dando espaço para passar.
A garota seguiu em silêncio. Ao chegar no topo da escada havia um extenso corredor repleto de portas fechadas, todos eles tendo quadros pendurados em suas paredes. Ao atravessá-lo enquanto seguia , percebeu que os quadros eram sem lógica alguma, com ênfase em tipos absurdos de arte.
— “Eu redijo este manifesto para mostrar que é possível fazer as ações opostas simultaneamente, numa única fresca respiração; sou contra a ação pela contínua contradição, pela afirmação também, eu não sou nem pró nem contra e não explico por que odeio o bom senso”. Tristan Tzara. — sorri ao final de seu monólogo. — Sou fissurado em muitos movimentos artísticos, mas o dadaísmo consegue ser meu favorito entre todos. Não consigo não me sentir atraído pela crítica ao capitalismo e ao maldito consumismo que o compõe, pela forma que ele se opõe às artes institucionalizadas propondo uma arte própria e única. Além do caráter pessimista e irônico das obras, que fazem com que eu me sinta...
— Representado? — o interrompe, fazendo-o rir baixinho.
— Sim. Eu me sinto representado. O dadaísmo é como eu: sem sentido, contra os padrões colocados por uma ditadura imposta por aqueles que prezam pelo bom senso. O bom senso é ridículo. Eu o abomino. Gosto de não fazer sentido.
— Se você gosta disso devo dizer que você o faz muito bem. Uma coisa que você é expert é em não fazer sentido.
— Estou conseguindo alcançar meu objetivo então.
abre a última porta do corredor, adentrando-a e fazendo adentra-la também.
Se tratava de uma sala com uma mesa cheia de livros. Haviam cavaletes com quadros recém-pintados ou em branco por toda a extremidade do cômodo. Havia tintas espalhadas por todo o ambiente. O lugar era uma bagunça de cores e literatura, uma bagunça artística que julgou ser tão a cara de que não poderia se sentir menos surpresa.
— Perdoe-me a bagunça, eu ando trabalhando em alguns novos projetos. — ele diz, encaminhando-se até a mesa. Puxou uma cadeira, fazendo sinal para que sentasse. Assim ela o fez.
— Aqui combina com você. — diz.
— Oh, você acha? É verdade que eu me sinto muito à vontade nesse lugar. — ele sorri minimamente. — Você aceita um copo de vinho?
— Vinho? Às nove horas da manhã?
— Nunca é cedo ou tarde demais para se apreciar um bom vinho. Mas irei levar sua resposta como um não. — sorri, encaminhando-se até a parede atrás de sua mesa, onde percebeu haver diversas castas de vinho. Pegou uma garrafa, abrindo-a e colocando em uma taça. Se sentou de frente para . — Me diga, . O que quer saber?
— Bem.... — se ajeita na cadeira, tossindo brevemente. — Você mora aqui há muito tempo, certo?
— Está correto.
— Existe praias em Mysthical?
— Sim, mas é muito difícil encontrá-las.
— Como pode ser difícil encontrar o mar? — perguntou confusa, fazendo dar de ombros.
— É difícil. Não tenho muito o que dizer sobre isso. — ele pega a taça, levando aos lábios. Fechou os olhos. Deleitou-se com o sabor, sentindo o líquido adocicado banhar sua boca.
— Você conhece uma garota chamada ?
instantaneamente abriu os olhos, olhando para com curiosidade.
— Você a conhece?
— Eu a encontrei na praia.
— É uma garota interessante. Pertence a uma família rica, tem tudo o que há de melhor. Não gosta de ser contrariada. É realmente difícil encontrá-la, fico surpreso que tenha a conhecido.
— Entendo. — piscou algumas vezes, desconcertada. — E Linzyne? Você a conhece?
sorriu abertamente, deixando todos seus dentes aparecerem. sentiu um frio na espinha.
— Sim, eu a conheço. Garota tola.
— Tola? Só isso que tem a dizer sobre ela?
— Sim. Suponho que você não a conheça.
— Não... Quem a conheceu foi...
— Sua irmã Lara. — a interrompe. — Sim, só pode ser.
— Como você sabe disso?
— É o mais óbvio. E aposto que sua irmã inventou histórias sobre essa menina ter asas de borboleta e estar machucada.
— Como você pode saber disso?! — pergunta exaltada, fazendo rir.
— Porque Linzyne é uma lunática que gosta de enganar as pobres crianças que passam em seu caminho. Eu não me preocuparia com ela.
— Lara me disse que criaturas a atacaram...
— Criaturas, huh?
— Sim.
ficou alguns segundos em silêncio, refletindo sobre o que havia lhe dito.
— Você contou ao seu tio?
— Não, não acho que ele iria querer saber sobre histórias inventadas por Lara.
— E para Victor? Contou a ele?
— Eu pedi para que Lara não contasse. A história é tão absurda que eu disse que era melhor escondê-la. Ela parece realmente acreditar que conheceu uma fada.
— Alguém já te contou sobre as noites de Mysthical, ? — pergunta de repente, fazendo-a olhá-lo confusa.
— Já comentaram sobre isso comigo. — ela responde, lembrando-se das palavras de .
— As noites de Mysthical são perigosas porque sempre há estrelas enfeitando o céu. Sabe por que isso é perigoso?
— Não.
— Mysthical é uma cidade diferente. Uma das lendas locais da cidade diz que ela foi feita para abrigar criaturas místicas e protegê-las enquanto elas estivessem dentro dos limites do lugar. Diziam que em Mysthical vivia milhares espécies de criaturas que você possa imaginar, todas vivendo juntas em harmonia. Mysthical significava uma cidade de paz entre espécies, e a antiga família Daurat não poderia se sentir mais orgulhosa por tomar conta de uma cidade assim.
— Família Daurat? Meus ancestrais estão nessa lenda?
— Sim, eles estão. Como eu ia dizendo: depois de um tempo as coisas começaram a desandar. A cidade que era exclusivamente para as espécies mágicas foi ganhando novos habitantes... Habitantes humanos. Esses habitantes privavam as espécies de serem elas mesmas, obrigando-a a se esconder atrás de um personagem que inventavam para viverem em harmonia com tais humanos. Foi quando tais criaturas mágicas se revoltaram. Todas as noites elas sussurravam seus desejos para as estrelas do céu, desejando liberdade. Desejando poderem finalmente serem elas mesmas. Diziam que se pedissem de todo o coração as estrelas ouviriam. Mas elas nunca ouviam, afinal o desejo de viver sendo elas mesmas não era maior que o desejo de serem aceitos pelos humanos. — faz um pausa, olhando para a janela de sua sala. De repente seus olhos estavam distantes, ele parecia estar longe dali. — Acontece que uma família humana se mudou para cá. Um jovem casal fazendeiro, eles tinham duas filhas: gêmeas idênticas. A menina que nasceu primeiro tinha um ódio absurdo pela irmã, uma inveja incontrolável pois a garota era amável e divertida, enquanto ela era cruel e manipuladora. A mais nova se dava bem com todos os habitantes, mesmo no fundo sabendo que tinha algo estranho neles. A mais velha soube sobre a lenda de desejar algo para as estrelas e elas a concederiam, e foi o que ela fez: ela pediu de todo o coração que ela ganhasse um dom. Um presente que a fizesse ser melhor e diferente que a irmã em todos os sentidos. E as estrelas a deram tal dom, um dom divino para a garota se ver satisfeita. Ela já não era mais idêntica à irmã: a cor de seus cabelos e seus olhos haviam mudado, sua aparência se assemelhava a um anjo. Os habitantes da cidade começaram a cortejá-la, achando-a mais bonita, gentil e muito mais interessante que a irmã mais nova. Mas isso não passou despercebido por forças maiores. Os cruéis habitantes do subsolo perceberam as intenções impuras da irmã mais velha ao desejar tal dom, e por isso decidiram dar a ela um dom demoníaco por eles mesmo. A jovem que antes era cortejada por ser bela e angelical, começou a ter pensamentos horrendos em sua mente. Pensamentos de índole tão macabra que até o mais cruel homem a temeria.
— E o que ela fez?
— A irmã mais velha fez o ato mais cruel que alguém pode fazer: ela tirou a vida de outro ser humano. No meio de uma discussão com os pais, tomada pela raiva, ela matou brutalmente o casal de fazendeiros. A mais nova viu tudo, e horrorizada ameaçou contar para as autoridades da cidade. Com medo da irmã a dedurar, a mais velha deu-lhe uma pancada na cabeça, fazendo-a desmaiar. Com a irmã desacordada, ela mesma foi até as autoridades e contou que a irmã mais nova havia assassinado seus pais e que ela estava arrasada. As autoridades puniram a gêmea mais nova, deixando-a durante semanas na prisão sem comida, enquanto aguardava seu julgamento. O chefe da família Daurat enfim tomou sua decisão: a jovem gêmea seria expulsa de Mysthical, sendo eternamente proibida de voltar para cá. A gêmea mais velha comemorou, ficando aqui. Desde então as estrelas no céu e as criaturas do subsolo se tornaram seus aliados, fazendo com que as noites de Mysthical se tornassem mais assustadoras do que deveriam ser, incentivando as pobres almas que nelas rondam a fazerem o mal.
— Isso é terrível! — exclama ao fim da história, olhando para chocada. — A gêmea mais velha foi descoberta, não foi?
— É apenas uma lenda, . Não é verdade.
— Mas é uma lenda terrível. Como puderam expulsar a gêmea mais nova? Isso é um absurdo!
— Você parece ser uma menina que preza pela justiça, . — diz, sorrindo. — Admiro isso em você. Mas repito: é só uma lenda. Não há nada que possamos fazer.
— E por que você me contou sobre isso?
— Eu quero que você saiba que isso pode ser uma lenda, mas não deixa de ser verdade, de fato as noites de Mysthical foram tomadas por criaturas terríveis: seres humanos com sede por destruição. Nossa cidade não é normal, .
— E que relação isso tem com as duas meninas que eu perguntei para você, sobre e Linzyne?
— Nenhuma.
— Mas...
— Você esperava realmente que eu fizesse sentido, ?
Aquilo fez rir incrédula. É claro que não. Era sobre que ela estava falando, era óbvio que o que saísse dos lábios daquele homem não iria lhe dar respostas e sim mais perguntas.
— Bem, obrigada. — diz, levantando-se e caminhando até a porta.
Tudo aconteceu rápido demais.
Uma hora estava sentado na cadeira, e em outra ele estava em frente à , prensando-a com as costas encostadas na porta. Seus braços fortes seguravam-a pelos braços, fazendo-a não ter outra opção que não fosse ficar presa ali contra o corpo de .
— O que você está fazendo?! — ela exclama horrorizada.
— Fiquei curioso sobre algo.
— O quê?!
Os olhos negros de fitavam com o pesar de um julgamento. Ele parecia analisá-la a fundo, olhando por dentro dela: como se ele soubesse todos os seus pecados, todos os seus mais impronunciáveis desejos.
— Eu sei o que você fez, . — disse, seus lábios abrindo em um sorriso cruel. — Eu sei o que você fez. — ele repete. — E sei o quanto isso te perturba, o quanto isso tira seu sono à noite... O quão quebrada você se sente por ter feito. Mas acredite, , isso não foi ruim.
— Não foi? — perguntou, espantada. A menina estava em um estado de êxtase absoluto, como se estivesse hipnotizando-a.
— Claro que não. Afinal, era você ou era ele. E eu me sinto satisfeito em ver que foi você quem ficou... Você aqui é muito mais interessante.
E então o homem avançou nos lábios da jovem, beijando-a.
A menina não sabia o que fazer, o que pensar, o que sentir.
As mãos do homem soltaram suas mãos, escorregando pelo seu corpo, puxando-a com agressividade para que seus corpos se encostassem mais, intensificando o beijo.
se sentia no inferno. Se sentia no inferno porque beijar aquele homem, sentir aquele homem tocando-a, sentir a língua dele com a sua, parecia uma estimulação feita para fazê-la ser destruída. Seu corpo fervia, como na primeira vez que o viu. Ter seu corpo contra si a fazia queimar.
Tão rápido quanto começou logo acabou, pois se afastou dela em um súbito de sanidade. Seu corpo também queimava.
— Interessante. — ele pronuncia, sorrindo diabolicamente. — Muito interessante.
Tudo o que a garota fez foi correr para longe dali, sentindo suas pernas fraquejarem e seu corpo reagir aos batimentos acelerados de seu coração.
Capítulo 12
“Eu tenho procurado
Desde a base até o topo
Por tal visão
Como a que eu peguei quando eu vi os seus
Dedos diminuindo as luzes
Como se você estivesse acostumada de ser chamada de problema
E eu passei a noite toda
Preso no quebra-cabeça”
A garota se trancou em seu quarto, sentindo sua cabeça girar. Seu estômago estava embrulhado. Seu coração tão acelerado que ela conseguia senti-lo contra sua costelas.
Seu corpo ainda queimava.
grunhiu, não conseguindo colocar seus pensamentos no lugar. Ela não compreendia. Não compreendia o porquê de ter lhe contado tudo aquilo e depois simplesmente beijá-la como se não fosse nada. esperava isso de qualquer outra pessoa no mundo, menos de .
As mãos dela tremiam. Ela sentia um frio, o que não fazia sentido levando em conta a elevada temperatura em que se encontrava seu corpo.
Ou talvez fizesse.
chegou à conclusão de que estava ardendo em febre.
Com um suspiro de resignação, a jovem se encaminha até a própria cama, cobrindo-se até o pescoço enquanto sentia todo seu corpo se aconchegar no macio do cobertor.
— Você está bem? — ela escuta uma conhecida voz.
estava na janela, olhando-a com... não soube definir o que era aquilo em seu olhar. Ele adentra o cômodo, andando até a jovem. Sentou-se na beirada de sua cama, tocando-lhe a testa. Automaticamente retirou a mão.
— Você está queimando em febre, . Está doente?
— Eu... Eu não sei. — ela responde, começando a sentir seus lábios tremerem também.
assentiu devagar com a cabeça, se levantando. Parecia pensar.
— O que você veio fazer aqui? — perguntou com a voz trêmula.
— Eu costumo checar se está tudo ok antes de você acordar. Mas vejo que hoje acordou bem cedo. — desvia o olhar, incomodado. — Quer que eu chame Victor? Ou Lara?
— Não! — exclama, fazendo olhá-la confuso.
— Por que não?
— Lara... Lara não pode me ver doente.
— Eu não entendo. A pirralha tem algo contra doentes? — levanta a sobrancelha em deboche, fazendo revirar os olhos.
— Não. Se ela me ver assim ela vai surtar, estou falando sério.
— Certo, nada de Lara e Victor. Você deixa minhas opções escassas, .
— Você... — respira fundo, de repente mudando de ideia. Ela balança a cabeça em negação. — Nada.
— O quê? Me diga! — diz frustrado, fazendo-a suspirar.
— Você poderia me ajudar.
— Você quer que eu... Cuide de você? — o homem pergunta, fazendo careta.
— Você é meu protetor, não é? Faça seu papel!
fechou os olhos, irritado. Céus, tudo o que precisava era ser babá de naquela manhã. Como se ele fosse o bonzinho. Patético.
— Tire esse cobertor. Ficar coberta vai fazer com que prenda o calor e a febre só vai durar mais.
— Mas... Está tão frio. — geme, fazendo fechar os olhos fortemente de novo.
— Você não precisa gemer desse jeito, precisa? Estou tentando cuidar de você. Não me desconcentre, princesa.
— Você é ridículo.
— Apenas tire os cobertores, está bem? Eu vou lá embaixo ver se acho algum remédio.
— Não deixe com que eles te vejam.
— Sou especialista nisso.
sai do quarto devagar, se esgueirando pelo corredor e em seguida descendo as escadas. Chegou até a cozinha sem dificuldades, já abrindo os armários e caçando qualquer remédio que pudesse curar a febre de .
— Esse deve servir. — ele murmura consigo mesmo, pegando uma cartela de comprimidos e colocando no bolso, em seguida pegando um copo de água.
— O que você está fazendo?
pulou com o susto, dando de cara com Jhotaz. Revirou os olhos, bufando.
— Cuidando da sua sobrinha. Ela está com febre. — ele diz com simplicidade, enquanto terminava de encher o copo.
Jhotaz franziu o cenho, confuso. realmente estava cuidando de ? Agora não fazia sentido algum.
— Victor pode fazer isso.
— Se Victor souber Lara saberá e ela não está a fim de deixar a irmã surtar. — dá de ombros. — Eu realmente não me importo, só quero acabar logo com isso para vazar daqui. Se me der licença eu vou voltar pra lá.
E assim ele dá meia volta, se retirando da cozinha.
Jhotaz riu, incrédulo. E como sempre as lembranças vieram, assombrando-o e deixando-o cada vez mais imerso no passado.
— Bom dia, senhora . — Jhotaz a saúda, fazendo a mulher sorrir.
A senhora era uma mulher muito bonita e elegante. Usava um lindo vestido branco de babados, feito sob medida. Ele se encaixava de forma perfeita acentuando as curvas de sua cintura, dando-a uma aparência sofisticada e ao mesmo tempo sensual. O jovem Jhotaz e seus hormônios à flor da pele não poderiam deixar de notar.
A senhora era uma mulher bonita. Tinha longos cabelos negros, os olhos pequenos e estreitos, e o nariz pequeno e arrebitado. se parecia mais com o pai, apesar de às vezes conseguir ser delicado como a mãe.
— Bom dia, jovem Jhotaz. Presumo que tenha vindo ver meu caçula.
— Sim, eu trouxe umas flores e alguns doces que comprei na confeitaria.
— Oh, ele vai adorar! Por favor, entre!
Jhotaz sorriu, adentrando o lar dos .
— Você já sabe onde é o quarto do meu pequeno. Pode subir.
Jhotaz assentiu com a cabeça, se dirigindo as escadas e começando a subir. Depois dos diversos lances de escadas e corredores que teve que passar, finalmente chegou ao último andar, onde se encontrava o quarto de . A porta estava entreaberta e era possível ouvir risos lá de dentro. Jhotaz franziu o cenho, batendo algumas vezes na porta.
— Pode entrar! — ele ouviu a voz mais madura de . O rapaz acabara de entrar na fase da adolescência, então a puberdade estava dando alterações em sua voz.
Jhotaz adentrou o cômodo, vendo deitado na cama, adoecido. Ao seu lado, Jhotaz percebeu com choque, estava ela.
Seus longos cabelos loiros brilhavam no quarto iluminado pelas velas. Seus lábios carnudos e convidativos incitavam a desejar quem os olhasse por muito tempo.
Lauranna realmente era uma perdição em forma de gente e aquilo era ridiculamente previsível. Jhotaz sabia de tudo sobre a garota e nunca cairia em seus truques, não como seu irmão fez.
— Oi, Jhotaz! — sorri. — Lauranna veio me visitar também.
— Eu não poderia deixar sozinho em um momento que a doença toma seu corpo. Eu tinha que estar aqui para cuidar do meu pequeno. — Lauranna diz, sorrindo galanteadora para o mais novo.
Jhotaz sentia náuseas só de olhá-la.
— Acredito que meu irmão saiba que está aqui...?
— Claro que sabe. Jacques sabe o quanto eu prezo pela saúde e bem-estar do meu jovem amiguinho . Ele não se importa em eu vir visitá-lo.
— Jacques é um imbecil, já disse a vocês dois. — diz enquanto revirava os olhos, fazendo Lauranna rir.
— Não fale assim dele, bobinho. Sei que não é isso o que pensa de verdade.
Jhotaz deixou as flores em um vaso que havia ali, sabendo que nunca o perdoaria se falasse sobre elas perto de Lauranna. Deixou os doces do menino ao lado, empilhando-os em ordem de sabores, já que sabia que ele gostava de comê-los naquela ordem.
— Obrigado, Jhotaz. — diz, sorrindo verdadeiramente. — Você é um ótimo amigo.
— Você também é. — Jhotaz diz, acabando por sorrir. — Eu só vim ver se você está bem, e vejo que está se recuperando na medida do possível.
— Eu estou servindo como enfermeira, não se preocupe com ele. — Lauranna diz rindo, fazendo Jhotaz tossir brevemente.
— Certo. Até mais, .
— Até mais, Jhotaz. — diz, sorrindo.
O homem dá meia volta, saindo do cômodo. Enquanto ia em direção às escadas, era possível ouvir os sussurros sensuais de Lauranna no silêncio do corredor, e o inexperiente caindo em seus encantos.
adentrou o quarto de , andando até sua cama e entregando o copo de água. A menina o pega com as mãos trêmulas.
— Vai com calma, ok? — diz enquanto a olhava. Retirou um comprimido da cartela, entregando a . Ela o colocou na boca, engolindo com a água em seguida.
— É normal ver o quarto girando assim enquanto eu estou nua no centro? — ela pergunta em um sussurro.
prontamente nega com a cabeça.
— Não, não é normal. Se deite de novo. — ele a empurra de volta para a cama. — Certo, eu já sei o que fazer. Você está começando a alucinar, eu preciso fazer algo.
— Espera... Eu acho que não sou eu. Eu acho que é Lauranna.
para, olhando-a com pesar. Balançou a cabeça em negação, a fim de espantar os pensamentos que insistiam invadir sua mente. Ele precisava de foco. Se levantou, caminhando até a cômoda de e retirando dali um pedaço de tecido qualquer. Foi até o banheiro, abrindo a torneira morna e colocando água no copo da água antes usado pela garota. Voltou até ela, sentando-se na cama a tempo de vê-la sussurrar para o nada, como se falasse com alguém:
— Lauranna, você é má. Muito má. Você o chamou de monstro mas agora o monstro está aqui cuidando de mim.
engoliu em seco, ignorando o incômodo que começava a se apossar em seu ser. Ele molhou o pano, colocando-o na testa de . Começou a passar naquela região, tentando ser cuidadoso. Continuou passando o pano molhado, enquanto os sussurros de insanidades que dizia em uma suposta discussão com Lauranna continuavam a sair dos lábios da menina. Depois de um tempo os olhos de começaram a pesar, indicando que em breve ela seria vencida pelo sono.
— Ele não é tão ruim assim, Lauranna. Ele não é. — ouviu ela dizer, antes de enfim se entregar para o sono.
O homem suspirou, molhando o pano pela última vez e deixando-o colocado na testa da jovem. Levou uma das mãos ao rosto da garota, sentindo a queimação de sua pele ter diminuído drasticamente.
se deita cansado ao lado de , tomando cuidado para não tocá-la. Não queria que ela sentisse o frio de seu corpo. Deixou com que seus olhos passeassem pela imagem serena da jovem que dormia. Novamente sentiu aquele embrulho em seu estômago, aquela sensação de que algo estava errado quando olhava para a menina cheia de vida. Ela era tão bonita. adoraria corrompê-la da melhor forma que pudesse, mas... Ao mesmo tempo ela era tão pura. Corrompê-la seria um erro tão grande. Vendo-a dormir daquela maneira ela se assemelhava a uma criança, a um recém-nascido sem maldade nenhuma em seu coração.
não conseguia entender. De repente ele percebeu a enorme enrascada que havia se metido ao aceitar proteger e não sabia como se livrar disso. Ele estava preso no enorme quebra cabeças que havia virado sua relação com Daurat, a mais nova incógnita de sua vida.
— Você a ouviu, não ouviu Lauranna? — se pronuncia em voz alta, como se Lauranna pudesse de fato ouvi-lo. — Eu não sou tão ruim assim.
“Você é um monstro”
As palavras de anos atrás da mulher ecoaram em sua mente, fazendo-o rir de forma amarga.
De fato, ele era um monstro.
Então por que não parecia mais temê-lo como tal?
adentrou a biblioteca, fechando a porta atrás de si em um estrondo. , que estava organizando alguns livros nas respectivas categorias nas prateleiras, o olhou, surpreso.
— Está nervosinho por quê, ?
— O que você fez com ela?
— Perdão?
se aproxima, os punhos cerrados enquanto fitava com ódio visível. O rapaz parecia estar fora de si.
— O. Que. Você. Fez. Com. Ela?!
— Oh. Você sentiu. — diz com um sorriso, assentindo com a cabeça. — Eu a beijei. Precisava tentar uma coisa. Por mais que não tenha dado certo, valeu a pena. — faz uma pequena pausa, sorrindo diabolicamente. — Ela tem um gosto delicioso.
Aquilo foi o suficiente para fazer com que explodisse.
O rapaz foi para cima de , socando-o no rosto. Aquilo fez com que o maior cambaleasse para trás, e assim ele continuou acertando-o certeiramente, tomado pela fúria.
ria. Uma risada seca e tenebrosa a quem a ouvia. não parava de acertá-lo.
— O que foi, ? Dói? A ideia de outro a tocando dói em você? — diz debochado. Sangue já pingava dos pontos atingidos por , mas ele não parecia se importar.
— Você nem ao menos gosta dela.
— Seu erro, , é que você se apaixona fácil demais. — empurra com toda a sua força, fazendo-o sair de cima de si. — Apenas olhou para os olhos da garota e decidiu que cairia em seus encantos novamente. Decidiu que seria condenado pela paixão que sente por uma mulher... DE NOVO.
— Pensei que você fosse meu amigo. É o meu castigo por tentar confiar em você.
— Não seja tão dramático. — diz, pegando um lenço de seu bolso, começando a limpar o sangue de seu rosto. — Você sabe, criaturas demoníacas têm o costume de sugar a alma do corpo de um humano, a fim de absorvê-la para si.
— Uma criatura demoníaca com uma alma humana... Um monstro terrível de poder inimaginável.
— Exatamente. E então eu pensei se tentou fazer isso, pegar a alma de para si. Mas ele não o fez. Eu a beijei para testar isso. Qualquer humano iria morrer em meus braços com o tipo de contato, . Já não. O que eu concluo é que não é humana. Como imaginávamos, ela é como o pai. Basta descobrir se ela também é como a mãe.
— Você está me dizendo... Que realmente é como Jacques?
— Foi o que eu disse.
— Então ela é tão poderosa quanto ele.
— Provavelmente, mas isso é algo que descobriremos em breve. Por enquanto a garota está submersa demais com os mistérios da cidade para perceber que ela mesma é um mistério maior a ser desvendado.
— Eu ficarei de olho nela.
— Tente se manter distante por enquanto, . Deixe que ela procure as respostas por si mesma. Acho que tem competência suficiente para descobrir por si só.
assentiu relutante com a cabeça.
— Então o que faremos agora?
— Esperamos.
A jovem corria livremente pelo jardim. Seus braços estavam abertos, e ela corria pelas rosas como se estivesse voando entre elas. Seu estômago doía, de tanto que ela ria. Ela estava feliz, indiscutivelmente feliz.
— Você vai acabar caindo. — escuta uma voz conhecida alertá-la.
estava encostado em uma árvore, esperando pacientemente a garota terminar seja lá o que ela estivesse fazendo.
— Quem é você? — ouviu a si mesma perguntar. Mas aquela voz não era sua.
— Eu me chamo .
— Você é real? — a menina perguntou, confusa. usava roupas completamente brancas e ela jurou que era possível vê-lo brilhando.
— Sim, eu sou real. Mas não estou aqui agora. — ele diz com cuidado. — É complicado. Digamos que eu apareci aqui para tomar conta de você, mas minha forma verdadeira está em outro lugar.
— E onde ela está?
olhou pra cima, apontando para o céu. A menina olhou também.
— Nas estrelas? — ela perguntou baixinho.
assentiu com um sorriso.
— Sim, nas estrelas.
— Parece um bom lugar para se morar.
— Acredite, é um ótimo lugar.
— E o que você quer de mim, ? — a jovem volta seus grandes olhos cinza para o rapaz, fazendo-o sorrir.
— Eu quero protegê-la. Quero protegê-la para sempre.
acordou em um salto, abrindo os olhos assustada. Sentou-se na cama, olhando em volta como se procurasse o jardim e a jovem que conversava, a qual tinha certeza não ser ela.
— Você melhorou? — a voz cansada de soa ao seu lado, fazendo-a ficar ainda mais assustada.
O rapaz estava deitado ao seu lado, olhando-a com curiosidade. não conseguiu definir o que sentiu ao ver um homem como ele deitado em sua cama, só sabia que aquilo a constrangia e muito. Por isso ela desviou o olhar. riu.
— O que foi? Não sei se você percebeu, mas dormiu a tarde toda ao meu lado.
— Você deveria ter ido.
— Eu queria me certificar de que você houvesse melhorado. — diz, dando de ombros como se o que havia dito não fosse nada. Mas para aquilo significava muita coisa.
— Você queria... Ver se eu estava melhor? Você tipo... Se preocupou comigo?
piscou algumas vezes, desconcertado. Prontamente negou com a cabeça, olhando para como se ela houvesse dito o maior dos absurdos.
— Claro que não, pirralha. Eu tenho cara de quem liga para o bem-estar de outras pessoas? Eu só queria me certificar de que você estaria viva e inteira para Jhotaz não encher meu saco.
— Você se importa comigo. — diz com um sorriso, fazendo levantar-se e olhá-la com ainda mais espanto.
— É claro que não. Eu não me importo com ninguém.
— Então pode me chamar de ninguém. Sabe por quê? — se aproxima do rapaz, deixando com que um sorriso convencido aparecesse em seu rosto. — Porque você se importa comigo! — ela cantarola, provocando-o.
— Se você quer se iludir achando isso, perfeito. Só saiba que é impossível.
— Por que é impossível?
— Eu sou um monstro, lembra? Você me abomina. Eu vou ferir você. Eu só me importo comigo mesmo. Esse mesmo discurso que todos fazem. — revira os olhos.
De repente assente com a cabeça, lembrando-se de tudo o que já havia ouvido sobre . De fato ele não era bom. Mas um monstro? Não estariam todos exagerando demais? Talvez não.
Lembrou-se do quadro que fez, sentindo seu corpo tremer. com presas à mostra, rasgando sua garganta...
Talvez ele fosse um monstro afinal.
— Bem, você pode ir então, “monstro”. Eu estou bem e não preciso mais de você por perto.
— O quê? Eu que sei a hora que eu tenho que partir. — diz indignado, fazendo rir irônica.
— Não. Eu estou mandando você ir agora então você tem que ir.
arqueia a sobrancelha, deixando com que um dos seus típicos sorrisos maliciosos aparecessem em seus lábios.
— Está querendo ficar longe de mim, princesa? — ele pergunta em tom malicioso, se aproximando mais de . — O que foi, hum? Tem medo de mim?
vira completamente seu corpo na direção da jovem, aproximando seus rostos, enquanto sorria malicioso.
— Eu tenho motivos para te temer. — diz, com a voz trêmula. — Você sabe que eu tenho.
— Ah, você tem? Quer saber o que eu realmente acho? É que você tem medo de gostar de ficar assim tão perto de mim. — ele leva uma das mãos ao queixo da mais nova, segurando ali delicadamente. — É inevitável, princesa... Você já está sendo sugada pelo seu medo, bem devagar. Você está se deixando envolver. — ele então fechou os olhos, tocando seu nariz com o dela. — Admita... Você pode fingir, tentar enganar a si mesma, mas no fundo... — leva a mão livre até a nuca de , acariciando ali. — Você sabe que quer. — sorri malicioso novamente, aproximando ainda mais seus lábios nos dela, apenas para morder brevemente o lábio inferior de . — Não tente mentir pra mim. Eu sei o que você quer. E sabe de uma coisa? Fingir que não me quer te deixa mais atraente ainda. Princesa. — e assim, suga o lábio inferior de com vontade, dando uma breve mordida nele em seguida. — Tão jovem. E tão perigosamente tentadora. Me agrada muito.
Ele afasta seu corpo, enfim abrindo os olhos. Lançou mais um sorrisinho malicioso para , levantando-se da cama e se espreguiçando. A menina o observava estupefata.
— Vai. Embora. Daqui. — ela grunhe. Ele ri.
— Eu irei, princesa. Mas pode ter certeza que eu volto. Meu novo prazer na vida é vir até aqui importuná-la.
E assim mais uma risada maliciosa escapa dos lábios do rapaz, enquanto ele andava até a janela do quarto de . Sentou-se no parapeito, simplesmente pulando dali.
levou as mãos aos lábios, tocando-os com a ponta dos dedos. Tentou sem sucesso ignorar as batidas frenéticas e descompassadas de seu coração.
Capítulo 13
“Meu amor é como uma rosa vermelha
Isso pode ser bonito agora
Mas meus espinhos afiados irão machucar você
Meu amor é como uma rosa vermelha
Sim, posso até ser perfumada
Mas, quanto mais perto você chegar mais eu irei te machucar”
não conseguia dormir.
Ela revirava na cama, seu corpo dando voltas e mais voltas na maciez do lençol sem conseguir arrumar uma posição que lhe favorecesse para enfim cair no sono.
Sua mente estava cheia depois de todos os acontecimentos do dia.
Não conseguia parar de pensar na lenda que havia lhe contado, do beijo que ele havia lhe roubado e do estranho estado febril que ela ficou depois disso. Não conseguia parar de pensar nas mãos delicadas de tocando sua testa e certificando-se de que ela melhoraria, cuidando dela da forma que ninguém nunca havia feito antes. Era seu pai quem cuidava dela quando ficava doente. Era seu pai quem a acolhia em seus braços e a abraçava apertado quando ela sentia a doença tomar seu corpo por completo, e depois do abraço era como se magicamente fosse curada. Era seu pai que cuidava dela, e desde que ele morreu, ninguém mais o fez. Mas ali estava , e ele havia o feito. não sabia o que pensar sobre isso.
O sonho que havia tido com também a encabulava e lhe tirava o sono. Que ligação tinha com aquela mulher? Por que ele queria protegê-la? Quem era ELA?! não conseguia compreender. Acima de não conseguir compreender ela sentia um incômodo crescente dentro de si ao imaginar dando atenção e carinho para aquela desconhecida.
— Ah não, . — a menina murmurou para si mesma. — Ciúme não.
De fato era aquilo que sentia. Ciúme por outra garota ter recebido a atenção que a dava, a qual ela julgou ser exclusivamente para si. Mas aparentemente não.
Ou talvez aquilo fosse só um sonho, e ela houvesse julgado mal... Não. não acreditava nisso. Seus sonhos e visões provaram-se reais demais para serem invenções de sua cabeça. Havia algo muito estranho ali e ela descobriria. Só não sabia como.
Mais perguntas, todas sem respostas. não sabia como continuaria vivendo com esses diversos enigmas em seu caminho.
Ela bufou frustrada, girando para o outro lado da cama. Automaticamente se arrependeu de ter o feito.
Um irresistível cheiro de rosas misturado com sabonete adentrou suas narinas, fazendo-a recuar. Tal cheiro estava impregnada no travesseiro ao lado.
Aquele era o cheiro de . Aquela maldito rapaz havia deixado seu perfume na cama de .
E foi quando ela lembrou da aproximação dele. Dos lábios dele sugando os seus com tamanha precisão e malícia, como ele sempre fazia exclusivamente para desarmá-la. E a pior parte era que ultimamente isso não a irritava tanto quanto deveria. deveria tomar cuidado com e com suas atitudes impensadas a respeito dela. Deveria pará-lo o quanto antes, afinal ele não era de confiança.
— Pensando bem... Quem aqui nessa cidade é de confiança? — murmurou para si mesma, enquanto deixava sua cabeça afundar no travesseiro que antes se encontrava .
Automaticamente a imagem de veio em sua mente. dançando com ela. com suas mãos em sua cintura e seus corpos em sincronia. Ela poderia confiar nele.
Fechou os olhos, de repente sentindo-se uma paz interior a invadir.
Tudo estaria perfeito... Se não fosse pela última imagem que grudou em sua mente, como um aviso constante de alerta: , com um pano molhado em mãos tocando delicadamente em sua testa, cuidando dela como seu pai fazia.
E assim adormeceu.
No dia seguinte, ao chegar ao colégio, não conseguiu evitar procurar com o olhar. Precisava falar com ele sobre o que ela sonhou, precisava que alguém lhe desse algum tipo de resposta.
Foi quando o viu, passando apressado por entre os alunos.
— ! — chamou.
Ele não a ouviu, e se a ouviu pareceu ignora-lá: saiu correndo até a outra extremidade da escola, a caminho da floresta. Sumiu matagal à dentro.
suspirou, dando de ombros. Poderia falar com ele mais tarde, não era como se fosse o fim do mundo. Talvez ele estivesse ocupado. Ele não poderia ignorá-la de propósito, não era uma pessoa rude.
ajeitou a mochila nas costas, dando meia volta rumo à sala de aula. Sua primeira aula seria de biologia no laboratório. A aula consistia em fazer experimentos com seus respectivos parceiros, mas havia ficado sozinha por ter chegado depois e todos os alunos já terem se estabilizado com alguém. Era um pouco solitário, mas trabalhar sozinha não era tão ruim, já que conseguia ser mais produtiva quando estava só, o que andava lhe rendendo boas notas na matéria.
Adentrou a sala, ouvindo os risos das panelinhas de alunos que já se amontoavam em cada canto da sala. Andou calmamente até sua carteira, sentando-se ali enquanto colocava os fones de ouvido, abaixando a cabeça e desfrutando de boa música enquanto a aula não começava.
Quatro músicas depois e o professor finalmente adentrou a sala, sorrindo cordialmente enquanto dava bom dia para a turma. respondeu o “bom dia” sem muito entusiasmo, enquanto retirava os fones e colocava seu caderno em cima da mesa.
Uma batida na porta distraiu a sala, fazendo todos olharem para lá.
— Com licença, professor?
— Oh, olá.
gelou.
Ali, na porta, usando uma camisa cor de vinho grudada com uma calça jeans apertada, um colar de pérolas enfeitando seu fino pescoço e os cabelos ruivos soltos e lisos estava . Ela sorriu de forma meiga para o professor.
— Eu me chamo , sou a aluna nova.
— Eu não fui informado de nenhuma aluna nova. — o professor diz com desconfiança. A menina apenas ri de forma doce.
— Agora o senhor foi.
— Agora eu fui. — o professor repete, abobado.
— Então agora eu devo entrar.
— Agora você deve entrar. — ele repete novamente.
franze o cenho, confusa. Parece que havia deixado o professor em um estado abobalhado ridículo, como se ele estivesse hipnotizado e ela tivesse o controle sobre ele. Estranho, muito estranho.
adentrou a classe, andando graciosamente até o centro e olhando rapidamente para a sala. Alguns garotos soltaram risinhos maliciosos, cochichando prováveis comentários pervertidos a respeito da aluna nova. Algumas garotas a olhavam com inveja; e outros, alunos mais parecidos com , não davam a mínima. se encaixaria nessa categoria se não estivesse tão surpresa com o fato daquela estranha garota ter começado a estudar em sua escola.
— Você pode se sentar ao lado da senhorita Daurat, ela não possui um parceiro. — o professor diz.
Enfim fixa seu olhar na mesa de , assim olhando diretamente para ela. Caminhou até lá graciosamente, sentando-se ao seu lado e se ajeitando ali.
— Bem, vamos dar início a aula!
A aula já estava na metade e não ousou falar nada a . Nem olhá-la ela o fez, fingindo-se concentrada demais em fitar as instruções que o professor passava na lousa para dar atenção a ela.
— Você realmente vai me ignorar? — a voz doce da garota soa ao seu lado, fazendo-a pular de susto.
— Desculpe. — sussurra, ainda sem olhá-la.
— Você pode deixar as coisas mais fáceis para nós duas e conversar comigo.
— Eu não acho que temos sobre o que conversar.
— Ah, você não acha? — segura pelo queixo, virando-a para si e obrigando ela a olhá-la. A soltou, sorrindo. — Bem melhor. Temos muito o que conversar, .
— Você me mandou ir embora da praia. — a alertou. — Você me queria longe. Por que está aqui agora?
— Acha que estou aqui por sua causa?
— É o que parece.
— Talvez eu só seja uma menina em busca de conhecimento. — diz, debochada. Pegou um dos lápis de , começando a brincar com eles por entre seus dedos.
— Acha mesmo que vou acreditar nisso?
— Ok. Você quer saber a verdade? Irei lhe contar a verdade. — se aproxima, sorrindo abertamente. — Eu estou aqui para ficar de olho em você. Quero me certificar de que você não vai fazer nenhuma besteira.
— Olha, eu aprecio sua preocupação. — começa a dizer, já farta daquilo. — Mas acredite, já há muitas pessoas preocupadas com o que eu faço ou deixo de fazer, que também estão de olho em mim. Eu tenho até mesmo uma babá, então se você quer ser mais uma pode entrar na fila.
ri alto, sendo obrigada a tampar os lábios para o professor não notá-la.
— Deve estar sendo difícil pra você. — ela diz, divertida.
sorriu, de repente sentindo-se feliz que alguém entendesse a forma que ela se sentia.
— Você não faz ideia.
— Podemos ser amigas, . — diz de súbito. — Acredito que você esteja muito confusa com tudo o que anda acontecendo, e com razão. Talvez seja bom pra você ter alguém por perto... Alguém comum.
— Você não é comum.
— Tem razão, eu não sou. Mas sou o mais perto de comum que você irá arrumar. — ri brevemente.
— Eu não entendo. — diz, de repente sentindo-se confusa. — Você me tratou muito mal na praia e agora vem falar comigo dessa forma. Eu realmente não entendo.
— Na praia eu pensei que você fosse fazer mal ao meu lar. — a menina confessa. — Outra pessoa que também carregava o sobrenome Daurat arruinou meu lar uma vez, pensei que você também pudesse fazer o mesmo. Mas aparentemente você não é como tal parente. Pelo o que eu ouvi sobre você... Você é boa.
— Eu sou boa? Quem te disse isso? — pergunta, ainda mais confusa.
— Amigos meus. Amigos meus que conversam com muita gente. Estamos em uma cidade pequena, . As notícias correm por aqui.
— Pensei que a praia fosse um lugar recluso.
— E é. Mas eu tenho meus próprios contatos lá. — dá de ombros, dando o assunto como encerrado.
— Então... Somos amigas agora?
— Depende. — diz, sorrindo novamente daquele jeito de criança sapeca o qual já estava começando a se acostumar. Ela estende a mão delicada para . — Amigas?
olha a mão da garota por alguns segundos, rindo incrédula com o que faria a seguir. Ela estende a mão, apertando-a.
— Sim, amigas.
levou as mãos ao nariz, sentindo-se enojado ao sentir o cheiro podre intoxicar suas narinas. Embaixo da majestosa árvore que se encontrava naquela parte da escola havia um corpo. Era triste de ser ver. Aquilo que um dia fora uma mulher estava completamente irreconhecível, suas tripas estavam para fora e completamente mastigadas.
— Você veio. — a voz feminina disse, fazendo apenas agora notar que não estava sozinho.
— Recebi seu chamado. — ele diz, se aproximando da mulher.
Gainy estavam com a roupa de xerife, olhando fixamente para o corpo entrando em estado de decomposição em sua frente. Ao seu lado haviam mais três mulheres, estas trajando a mesma roupa que a mulher. As quatro xerifes da cidade estavam reunidas no mesmo local, e quando isso acontecia era porque um grave crime havia acabado de ser cometido.
— É uma aluna da escola. — ela diz. Seu olhar estava perdido no corpo. — Ela foi mastigada por um animal. Uma fera horrenda, como pode notar. Você não viu nada por aqui, ?
— Não que eu tenha notado. — ele diz.
— Eu já sei quem fez isso.
— Deixe-me adivinhar... ? — pergunta com a sobrancelha arqueada. Todos sabiam que Gainy insistia ligar todos os crimes ao rapaz.
— Quem mais seria? Apenas ele e seus dois amigos são capazes de cometer tais atrocidades.
— Desculpe, Gainy, mas eu não consigo imaginar mastigando um corpo. Não parece ser do fetiche dele.
— Está defendendo-o, ? Pensei que o odiasse tanto quanto eu.
— Eu realmente não gosto dele. Mas não acho que seja justo acusá-lo sem provas. É isso. — diz, suspirando frustrado. — Prometo que ficarei de olho com o que acontecer por essas bandas.
— Tem certeza que nunca viu aqui por perto?
— Ele não viria pra cá.
— Por que não?
— Porque é minha área. — rosna irritado. — Ele não é bem-vindo e sabe disso.
— Acredito que para ficar perto de ele viria. Ele é o protetor dela. — Gainy diz, deixando óbvio em suas palavras o quão ridículo achava a atitude de Jhotaz em chamar para prestar tal papel.
— Ele não precisa proteger ela enquanto eu estou por perto. Jhotaz deveria ter vindo falar comigo, não com . — não conseguia disfarçar seu desgosto. Como alguém poderia confiar a uma tarefa que era óbvia que deveria ser dele? Jhotaz perdeu o juízo.
— Jhotaz e tem uma história antiga. Juro que tento entender a lealdade que Jhotaz tem ao garoto, mas simplesmente não consigo. Vai além da minha compreensão. — Gainy suspira, fazendo sinal para as outras mulheres. Elas vão caminhando até o corpo. — Enfim, obrigada por sua ajuda, . Eu mantenho contato.
— Não há de quê, Gainy.
Gainy vai andando para se juntar às outras, quando em um estalo se vira para trás. Pareceu se lembrar de algo.
— Obrigada por estar cuidando dela, . Jhotaz não entende que é cruel. Fico feliz que tenha você.
— Parece gostar muito de . — observou, confuso. — Você a conheceu?
— A encontrei uma única vez. Ela foi adorável, mentiu dizendo que era uma jornalista e eu disse que gostaria de interrogá-la. Não a encontrei depois disso.
— Então por que gosta tanto dela?
Gainy suspira, de repente parecendo distante. Sorriu de forma triste, balançando a cabeça em negação.
— Jhotaz tem muito ódio. Ele sente um rancor absurdo e olha para a menina como se ela tivesse culpa do que aconteceu... Mas no fundo, bem no fundo, ele a ama. E ela é importante pra ele. — Gainy sorri. — Acho que eu acabei me apegando a menina por Jhotaz, mesmo sem conhecê-la.
— Nós fazemos isso por quem amamos. Ele sabe que você a ama?
Gainy pisca algumas vezes, desconcertada. A menina pigarreia, dando meia volta.
— Foi bom te ver, .
apenas ri, balançando a cabeça em negação. O amor alheio era algo adorável e o divertia muito.
O jardim atrás do castelo era bem cuidado. Era a única parte da propriedade que não deixou envelhecer como o resto. Ele tratava de ir ali pelo menos uma vez ao dia. Regava suas flores com paixão, sentindo-se sempre um pouco feliz quando saía dali.
Um pouco. Afinal nada realmente poderia preencher o enorme vazio que havia no lugar que deveria ser sua alma.
terminou de regar as rosas, sua espécie de flor favorita daquela jardim. Deixou-se sentar no banco que havia debaixo de um ramo de flores em formato de pilastra. Olhou para a imensidão colorida à sua frente, sentindo uma paz conhecida o invadir. Lembrava-se perfeitamente de sua mãe o puxando pela mão enquanto dizia os diferentes tipos de espécies de flores e o quão especiais cada uma era. Ela dizia que as flores eram como humanos: se tratadas com carinho e ternura elas cresceriam e se tornariam belos seres, os quais até o mais frio coração iria se aquecer ao vê-las.
amou sua mãe. Ela sim era uma mulher que ele amou. Amou com toda a sua vida, tratando-a sempre que podia como a rainha que ela era para ele.
Sentia falta dela. Doía pensar que nunca mais teria as mãos delicadas da mulher acariciando seus fios negros com ternura, sussurrando que ele era bom e que a enchia de orgulho.
— Como você se sentiria se me visse agora, mãe? — perguntou para o nada, rindo amargamente. — As coisas que eu fiz, com as minhas próprias mãos. Como você se sentiria se visse isso? Eu seria seu bom menino ainda? — mais uma risada seca, sem qualquer humor, apenas amargura.
Pensar em sua mãe doía. Pensar nela era a mesma coisa do que pensar em tudo que um dia realmente importou para ele. E agora se foi.
Sua razão para continuar vivo se foi.
levantou-se do banco, sentindo a dor da perda predomina-lo de forma avassaladora novamente. Mas na verdade não doía como antes, pois era mais uma dor misturada com frustração. Afinal não havia nada que ele pudesse fazer que não fosse conviver com a culpa.
A culpa o esmagava.
voltou-se novamente para a diversidade de flores brancas, se assustando ao ver uma ali, bem no meio se destacando das demais. Andou até lá, analisando-a de perto.
Ela era vermelha e brilhava em contraste com as rosas brancas. se perguntou como ela havia parado ali.
Aquela flor o lembrou . quis rir. Uma bela e peculiar flor, destacando-se no meio das outras exatamente por ser diferente. Se ele fosse pegá-la com brutalidade, suas mãos iriam ser espetadas com os espinhos. Se ele a pegasse com delicadeza já era outra história.
— Eu não faço o tipo delicado. — ele murmurou consigo mesmo, pegando a flor com brutalidade e sentindo os espinhos rasgarem a pele de sua mão.
O sangue começou a pingar, mas não se importou. Era bom sentir algo.
— Então é assim, ? — ele murmurou para si mesmo, enquanto analisava a flor de mais perto. — Tocar em você é a mesma coisa de se ferir? Parece bom pra mim. Parece maravilhosamente bom.
E de fato era.
Capítulo 14
“Solte essas correntes, meu amigo
Eu mostrarei a raiva que tenho escondido
Perece o sacramento
Engolido, mas nada está perdoado
Eu e você não podemos decidir
Qual de nós foi dado como certo
Se recomponha
Alguns de nós estão destinados a sobreviver
Dê um passo a frente, veja o diabo em mim
Por muitas vezes deixamos chegar a esse ponto
Dê um passo a frente, veja o diabo em mim
Você irá perceber que eu não sou o seu demônio”
— Dizem que acharam um corpo no terreno da escola.
— Um corpo? Isso é loucura!
— Aparentemente uma menina foi assassinada por aqui.
— Vocês acham que foi...?
— ? Provavelmente. Isso é o tipo de coisa que ele faria.
— Aquele monstro... Como as autoridades da cidade deixam ele andar por aí?
— Ultimamente eu vejo ele na luz do dia com mais frequência. Ele nunca sai na luz, o que será que ele anda fazendo?
— Planejando seu próximo assassinato, é claro.
— Aquele bastardo. Não vejo a hora das pessoas fazerem justiça com as próprias mãos contra ele.
— Que ele queime no inferno.
sentiu seu corpo estremecer ao ouvir as palavras dos alunos, falando sobre daquela forma tão cruel.
Perguntou-se quem realmente era o monstro: ou as pessoas que falavam coisas terríveis assim?
se encolheu, abraçando fortemente os livros que carregava contra seu corpo. Continuou a andar, ignorando os diversos comentários que os estudantes faziam a sua volta.
Naquela semana tudo o que se falava era do corpo achado na propriedade escolar.
não sabia muito sobre isso: diziam que ele havia sido mutilado, mastigado por um animal selvagem e jogado fora.
— Você conhecia? — pergunta de súbito, colocando as mãos no ombro de e começando a andar com ela.
— Quem?
— A garota que se foi. Você a conhecia?
— Acho que não.
— Estranho. — franziu o cenho. — Quem você acha que fez aquilo?
— Não sei.
— Dizem que foi . Você acha que foi ele?
— Não.
se afastou da menina, olhando-a com curiosidade.
— Não? Esse é o tipo de coisa que ele faria.
— Eu não acho que ele faria isso. — diz com convicção. — não é tão mau quanto dizem.
— Você o conhece?
— Sim. Nós somos... — respirou fundo, por um momento procurando palavras para descrever o que ela e eram. — Próximos.
— Próximos? — arqueia a sobrancelha, sorrindo maliciosamente. — O quão próximos?
— Não é o que você está pensando. — se apressa a dizer, fazendo rir.
— Você não sabe o que eu estou pensando.
— Eu consigo imaginar.
— Então... Ele tem pegada?
— !
— O que foi? Eu ouvi dizer que não tem de bruta apenas a personalidade. É verdade?
— Eu nunca... Fiz nada com ele. — diz, frustrada. — Eu não tenho interesse nele.
— Parece que essa frustração é tensão sexual acumulada. Aposto que falta pouco para você abrir essas suas lindas pernas para o gostoso do .
— Cale a boca, meu Deus. Você só fala merda. — diz desacreditada, enquanto se encaminhava até a sala e tratava de ignorar a amiga.
— Você ainda vai cair nos encantos do ! — diz em um tom mais alto.
olha alarmada para os lados, vendo alguns alunos a olharem curiosos.
Foi quando um par de olhos castanhos apareceu em seu campo de visão, encarando-a avidamente, em seguida sumindo por entre os alunos.
— Droga, será que ele ouviu? — murmurou.
— Você também se envolve com o ? Caramba, . e . Você não quer guardar um pouco pra mim?
— Ah, cala a boca, . — bufa, dando meia volta e indo para a sala. a seguiu, rindo.
Victor limpava os corredores. Ele tinha uma vassoura em uma mão e uma pá enrolada em uma cordinha na outra. Ele varria e já tratava de levar a sujeira até a pá.
Passou pelo quarto de Jhotaz, começando a varrer ali.
Foi quando algo estranho foi ouvido.
Gemidos baixos podiam ser escutados de dentro do quarto de Jhotaz. Victor franziu o cenho, confuso. Jhotaz não fazia o tipo pervertido.
O homem adentra o quarto de Jhotaz, com cautela. O dono da casa estava sem camisa, fazendo movimentos circulares com as mãos nas feridas que se encontravam expostas em seu corpo.
— O que está fazendo? — Victor pergunta com cuidado.
Jhotaz subitamente o olha alarmado, voltando-se para sua camisa e vestindo-a.
— Deveria ter batido, Victor.
— Onde conseguiu esses ferimentos? — Victor pergunta, se aproximando.
— Em lugar nenhum. — Jhotaz responde seco.
Victor bufa, sentando-se ao lado da cama de Jhotaz e o olhando intrigado.
— Sabe que pode me contar. Isso tem algo a ver com o assassinato? Eu sei o quão perturbado você fica com os problemas da cidade.
— Gainy acha que foi o . — Jhotaz diz, dando-se por vencido. — E eu quero provar que não.
— Por que é tão importante pra você provar a inocência desse garoto? Ele nem ao menos gosta de você, Jhotaz. E você insiste em protegê-lo e confiar cegamente nele como se ele valesse o esforço.
— Ele vale. Tenho uma dívida com ele.
— Essa dívida está acabando com a sua razão. Me responda agora: como conseguiu os ferimentos?
— Eu comecei a procurar seja lá o que fez aquilo com aquela jovem.
— E então?
— Eu acho que encontrei... E honestamente é pior do que eu imaginava.
suspirou, andando pelo território da escola com as mãos no bolso. Chutava as pedras que apareciam em seu caminho com ódio.
não parecia estar com paciência.
Nem havia se dado o trabalho de ir para a aula, a fim de ficar de olho nos arredores do colégio caso algo fora do comum acontecesse.
— ? — uma voz doce soou, fazendo-o virar alarmado.
— Linzyne? — ele pergunta, chocado. — O que faz aqui?
A magra e delicada Linzyne se aproxima de . Seus ombros estavam arqueados para a frente, obrigando-a a abraçar seu próprio corpo enquanto se encolhia contra si própria. Ela parecia indiscutivelmente assustada.
— Eu vim à sua procura. — Linzyne responde, meio incerta de como se portar. Fazia muito tempo que não saía de sua floresta, então estar ali, em um ambiente humano, era estranho para ela.
— Por quê? O que houve?
— Eu... Eu tenho algo para te contar.
franziu o cenho, fazendo sinal para a menina andar com ele pelo ambiente. Os dois foram andando lado a lado, fazendo o caminho sinuoso até a floresta.
— Sabe que pode me contar qualquer coisa. Apenas diga.
— Eu acho que sei quem fez aquilo com a garota que morreu.
— Sabe?
— Sim.
— E quem foi?
Linzyne faz uma pausa, sentindo seu corpo tremer.
— Eu tenho quase certeza de que foi .
— Impossível.
— Veja bem, recentemente em fui atacada em minha terra. Eram criaturas terríveis de índole claramente demoníaca. Não consigo pensar em outra pessoa que tenha contato com tal tipo de criaturas para ordenar um ataque.
fechou os olhos fortemente, rindo de forma amarga. Ele sabia quem havia comandado aquilo.
— É, mas eu consigo.
estava em seu quarto, sentado na beirada da cama. Analisava o colar em suas mãos, passando seus dedos pelas rosas negras de cada extremidade do crucifixo. Perguntou-se se um dia daria ele para outra pessoa.
não estava com vontade de sair com seus amigos. De se divertir. Como também não estava com vontade de ir atrás de e se humilhar para a garota.
Achava que aquele afastamento era o melhor para ambos. Por enquanto não parecia certo ele insistir em uma aproximação, ainda mais depois de tudo que andou deduzindo sobre se aproximar da garota significar dor para si. amava a dor, ansiava por ela, mas não queria se machucar com . Não ainda.
Ele não era parecido com ela, mas mesmo assim ele ainda a temia.
E foi quando seu olhar se voltou novamente para o colar em suas mãos. Por que ele não jogava aquilo fora de uma vez? Não tinha utilidade. Era apenas um objeto sem qualquer valor que ninguém iria aceitar.
Afinal, era um monstro.
Suspirou, rindo baixo ao pensar sobre aquilo. Chamar a si mesmo de monstro havia virado rotina.
Seu telefone tocou, ecoando pelo silêncio do quarto. o pegou, já vendo o nome de Kyle no identificador de chamadas.
— O que você quer? — ele pergunta, entediado. Kyle ri no outro lado da linha.
— Anoiteceu, . O que significa que é hora de diversão!
— Eu não estou a fim de sair hoje, cara.
— ... Faz dias que você não sai com a gente. Estou ficando seriamente preocupado.
— Eu só ando com a cabeça cheia.
— Deixa eu adivinhar: ? — Kyle ri. — Você não acha que está se deixando envolver demais com a garota?
— Eu sinto algo forte por ela.
— Uh, sente? — Kyle pergunta, surpreso. Era extremamente raro ouvir admitindo seus sentimentos. — E o que seria?
— Tesão reprimido. — diz com um sorriso malicioso nos lábios.
— Você é um filho da puta, . Eu não sei por que ainda perco meu tempo dando ouvidos pra você.
— Também te amo, Kyle. — ri brevemente. — Mas sério... Essa menina... Ela é diferente.
— Eu imagino. Para conseguir traçar o grande tem que ser realmente um ser único.
— Ela não me traçou. — diz revirando os olhos. — Ela só me deixa muito curioso. Ela faz com que eu sinta vontade de desvendar ela.
— Isso também é chamado de amor.
— Olha minha cara de quem vai amar alguém na vida, Kyle. Me poupe.
— Não descarte a possibilidade, . Essa menina está mexendo demais com você.
— Eu só quero foder ela. — diz. De repente as suas palavras não tinham a mesma convicção que antes.
— Só? Não senti firmeza.
— Me deixa em paz!
— Ok, ok. Bem, acho que serei só eu essa noite.
— Onde está Yan?
— Eu acho que ele arrumou uma namorada. Acredita nisso? Eu sou o único encalhado do trio. Sério, , se você souber de alguma amiga da solteira e desesperada, passe meu número. Só assim terei chances.
— Que bom que você sabe. — diz rindo. — E pare de falar como se eu estivesse comprometido. Eu e não temos nada.
— Vocês não tem nada AINDA. Quando vocês tiverem eu serei o solteirão mal-amado. Você tem noção do que é isso? Eu só queria transar, cara.
— Boa sorte com isso. — ri alto. — Fala onde você está.
— Onde mais eu estaria? Estou á caminho da Coup D’etat.
— Nos encontramos lá.
desliga o telefone, não antes de ouvir um grito animado de comemoração por parte de Kyle. Realmente, seu amigo não tinha jeito.
Era noite. Gainy andava pela floresta com o arco e flecha empunhados em frente ao seu corpo. Observava minuciosamente o ambiente à sua volta, procurando por qualquer pista que fosse levá-la ao assassino.
Qualquer coisa que ligasse a .
Bufou ao pensar no maldito rapaz, desejando com todas as suas forças conseguir finalmente provar que ele era o culpado e o colocar atrás das grades.
Ouviu uma movimentação atrás de si, fazendo-a correr até a árvore mais próxima, escalando-a com maestria e aguardando. Se escondeu entre os ramos, tomando precauções suficientes para se camuflar ali. Ela olhou para baixo, vendo os passos começarem a se aproximar.
Um homem alto e esguio parou bem embaixo da árvore. Ele usava óculos de armação preta e os ajeitava ocasionalmente. Conversava com um outro rapaz, parecendo entretido com o assunto. Gainy os conhecia. As vozes eram extremamente familiares, por mais que não pudesse ver seus rostos.
— Eu a quero. — a voz rouca do rapaz diz, sem emoção. — Eu a quero agora.
— E eu adoraria dar o que você quer. — o outro homem responde com um riso baixo. — Mas para isso eu tenho meu próprio preço.
— Me diga o que você quer.
— Eu quero o dom.
— Como ?
— Sim.
— Será feito. — o homem sorri diabolicamente, fazendo o outro rir.
— Eu quero ser tão poderoso quanto ele. Na verdade, quero ser tão superior que ele deverá me respeitar.
— Eu o farei, você não precisa se preocupar.
— Ótimo. Sobre a garota... Quando você quer pegá-la?
— No solstício de verão.
— Honestamente... Eu fico curioso. Por que ela é tão importante pra você?
O homem dá de ombros, parecendo se entreter com a pergunta do rapaz.
— é extremamente interessante, sabia? Me agrada muito. Por isso eu a quero exclusivamente para mim. Ela é minha presa e eu sou seu predador, preciso tê-la.
— Faz sentido. — o outro menino grunhiu. De repente ele olhou para cima, analisando a árvore em que Gainy estava com interesse. A menina estremeceu. — Parece que temos companhia! — ele anuncia, com um sorriso nos lábios.
— Temos? — o mais alto grunhe, também olhando para cima. — Eu não havia percebido.
— O que deveremos fazer com esse pequeno espião?
Gainy gelou.
A árvore a qual estava escondida foi balançada brutalmente, uma força sobre-humana fazia aquilo.
Gainy escorregou, caindo. Uma série de risos altos foram ouvidos, e dois homens se aproximaram da jovem.
Uma risada alta e grava se sobressaiu. Demoníaca. Perversa. Gainy sentiu todo o seu interior borbulhar de dor, como se alguém estivesse queimando-a com ferro quente. Grunhiu, tentou gritar por socorro, mas sua voz não saía.
Tudo o que se via eram os olhos negros absolutos observando-a em divertimento. Gainy sentiu sua garganta apertar.
Seu grito cortou o silêncio da noite.
Capítulo 15
“Medo do escuro, medo do escuro
Tenho um medo constante que sempre há algo perto
Medo do escuro, medo do escuro
Eu tenho uma fobia de que alguém sempre está lá”
— Gainy? Sou eu, Jhotaz. — o homem diz ao celular, incerto sobre suas palavras. — Me desculpe por ter tentado defender o . Eu sei que você não aprova isso e eu sinto muito. Eu não queria fazer com que você se afastasse de alguma forma... — Jhotaz suspirou. Respirou fundo, buscando de seu vocabulário formas de expressar o quão abalado estava com o distanciamento da garota. — Por favor, quando você ouvir essa mensagem certifique-se de pensar em minhas palavras e se quiser me perdoar, venha diretamente a Coup D’etat hoje à noite. Eu... Sinto sua falta. Muita. Ficar uma semana sem te ver está sendo horrível pra mim. — e então ele desliga o celular.
O jogou na mesa da cozinha, levando as mãos aos cabelos e os bagunçando em frustração.
— Sua amiga sumiu? — a voz infantil de Lara pergunta. Ela estava parada na porta e parecia ter ouvido tudo.
— Eu não sei o que houve. — ele responde em um resmungo. — Já faz uma semana e nada dela. Estou preocupado.
— Talvez ela queira um tempo pra si mesma. A tem muito disso. — Lara comenta despreocupada, sentando-se à mesa e enchendo um copo de refrigerante para si.
— Gainy não é como . — Jhotaz rebate, com amargura.
— Então sua amiga não quer ser sua namorada.
— Desculpe?
— Você gosta dela, não gosta?
— É claro que não!
— Isso foi um sim. Talvez ela não goste de você e está se afastando porque não quer magoar seus sentimentos. — Lara pega o copo, levando aos lábios e se deliciando com o refrigerante.
— Eu não acredito que estou discutindo sobre relacionamentos com uma criança.
— Acredite, pois você está. Você chegou ao fundo do poço, meu querido tio.
Jhotaz ri, desacreditado com as palavras da jovem. Por um momento ponderou ter conversado com Lara antes, a jovem não parecia ser tão ruim assim. Na verdade ela parecia com Melissa. Jhotaz já foi muito amigo de Melissa Daurat no passado, e Lara realmente tinha o jeito meigo e energético da mulher.
— Está fazendo calor hoje. — Jhotaz comenta despreocupadamente.
— Está sim.
— Você quer sair para tomar sorvete?
Lara arregala os olhos, olhando para o tio completamente chocada. Não esperava aquele tipo de convite dele.
— Você quer dizer... Com o Victor?
— Não. Comigo. Você quer?
— Quero. — Lara prontamente assente com a cabeça, deixando com que um sorriso infantil fizesse presente em seus lábios.
Ela se levantou da cadeira, correndo até o tio e entrelaçando seus dedos. E assim ela simplesmente o puxou casa afora, a fim de sair dali e ir em destino da sorveteria.
— Podemos sair para tomar sorvete.
— Jhotaz... Eu tenho dezessete anos. — o rapaz diz. — Não é exatamente adequado um menino de dezessete anos sair para tomar sorvete com um outro rapaz. Na verdade isso se chamaria suicídio social.
— Você costumava sair comigo. — Jhotaz diz, incomodado. apenas riu.
— Sim, eu costumava. Mas agora eu não saio mais.
Os dois estavam sentados na praça, olhando despreocupadamente as pessoas passando. em sua maioria olhava as garotas com malícia. Parecia corteja-las com o olhar, tentando de alguma forma seduzi-las sem sucesso. O menino tinha muito o que aprender.
— Você sabe que não irá conquistar ninguém com esses seus olhos de psicopata fincados nas garotas, certo?
— Você é ridículo, Jhotaz. — o menino bufa. — E eu não tenho interesse em nenhuma garota. Só estou praticando para quando eu tiver.
— E sobre Lauranna? — Jhotaz o questionou.
instantaneamente o olhou, surpreso. Balançou a cabeça em negação, murmurando palavras incompreensíveis que só se tornaram compreensíveis quando ele conseguiu falar de forma mais calma:
— Eu não tenho nada com ela. Não sei o que você está falando.
— Acha que não sei que ela trai Jacques com você?
engoliu em seco. Não sabia como reagir a tal acusação. Quis imediatamente um buraco para colocar sua cabeça e se esconder dos olhos inquisitivos de Jhotaz.
— Eu não tenho nada com ela. — ele repete, dessa vez com mais firmeza.
E assim o jovem se levanta do banco, ajeitando suas vestes e saindo dali.
Cada vez mais ele se distanciava de Jhotaz e consequentemente se via ainda mais preso nas garras de Lauranna.
Uma semana. Já havia se passado uma semana. Para muitos poderia parecer pouco tempo, mas para , já parecia uma eternidade. Aquela cidade era o lugar mais louco em que já havia pisado. Quanto mais conhecia daquele lugar, mais confusa e curiosa ela ficava.
Durante aquele período, ela e começaram buscas constantes por respostas a todos os mistérios que cercavam aquela estranha cidade. E oh, é claro: As noites de sono de haviam se passado quase todas em claro. Sentia que algo estava faltando. Dia após dia, noite após noite, não importava o quanto ela tentasse pensar em outra coisa, não importava seus esforços para tirar a ideia de que algo faltava de sua mente, esse algo invadia seus pensamentos. E toda noite, passava em claro, repassando mentalmente para si mesma cada detalhe daquela situação. Ela só queria esquecê-lo. Esquecê-lo, porque além de não ser confiável, ela estava cogitando a ideia de ir embora daquele lugar.
havia a convidado para ir na Coup D’etat à noite. Segundo ela isso serviria para aliviar a cabeça de diante a tensão que todos os acontecimentos estão dando para si. Aparentemente uma das xerifes da cidade havia sumido na floresta dos arredores da escola. parecia submerso demais em seus próprios problemas para voltar a falar com . E ... Ele havia sumido. Mas não é como se estivesse ligando para isso, claro que não.
saiu do casarão com cuidado, encontrando na porta a esperando.
— Uau. Você está gata. — elogia, mas não conseguiu levar a sério.
estava deslumbrante. Usava um vestido sereia preto que caía perfeitamente em seu corpo magro, acentuando suas curvas e valorizando seus seios. Em seu pescoço usava seu costumeiro colar de pérolas.
— Olha quem fala. — rebate. sorri.
As duas atravessam o caminho até a Coup D'etat tranquilamente. Por algum motivo se sentia familiarizada com as ruas da cidade como se morasse ali há anos, e aquilo era extremamente estranho. Logo as luzes coloridas em contraste com as luzes preto e branco do letreiro com o nome da boate entraram em seu campo de visão. As meninas respiram fundo, e sem dizer nada uma para a outra, encaixam seus braços e entram. A boate estava exatamente do mesmo jeito quando veio na última vez. Incrivelmente iluminada, com o som alto ecoando e as pessoas dançando, sendo iluminadas pelos holofotes com os jogos de luzes coloridos. e não precisaram pensar muito. Já se dirigiram até as escadas exageradamente decoradas, rumo ao segundo andar.
— Vocês vieram. Por que vieram? — a voz de Victor soa com uma clareza anormal, levando em conta que ao o procurarem com os olhos este estava no outro extremo do local, andando até elas com um sorriso. Ao finalmente estar próximo o suficiente seu sorriso se alarga ao ver com clareza, olhando-a com os olhos brilhando por trás dos óculos escuros que usava. — . Você nunca sai, estou surpreso que esteja aqui. Você... Você está muito bonita. — ele elogia, abaixando a cabeça um tanto tímido.
— O que faz aqui? — pergunta confusa. Nunca havia visto Victor lá.
— Jhotaz está ocupado e pediu para eu vir. Estou surpreso que você tenha vindo sem a permissão de ninguém, . Mas tudo bem. Aqui é um lugar feito para celebrar, certo?
olhava Victor com interesse. Deixou com que um sorriso pecaminoso aparecesse em seus lábios, pôde perceber.
— Então você é o Victor, fiel escudeiro de Jhotaz?
— Eu mesmo.
— É um prazer conhecê-lo.
— E você é , filha das águas. Também é um prazer conhecê-la.
Os dois se encararam longamente e não foi preciso de muito para sentir que estava sobrando.
Esquisito. Nunca imaginaria aquilo.
Deu meia volta, começando a andar no ambiente.
Sem que conseguisse evitar a menina procurava alguém no meio daquela multidão que havia no segundo andar. Passou pelos sofás de veludo vermelhos, sentindo uma estranha decepção ao constatar que certo alguém não estava ali. Suspirou, decidida a prosseguir.
Chegou ao final do ambiente, sentindo-se decepcionada ao ver mais sofás espalhadas com pessoas desconhecidas sentadas ali, e um segundo bar com suas cadeiras no balcão quase vazias. Quase. Iria dar meia volta, porém seus olhos se fixaram nas costas do único rapaz que ocupava aquele bar.
Instantaneamente sorriu.
Sem querer havia chegado àquele que não queria, mas estava procurando.
Se aproximou ainda mais, enfim podendo observá-lo. Ele estava sozinho, não havendo sinal de seus amigos em volta. Bebia de uma garrafa, parecendo um tanto solitário e pensativo.
se aproximou, ficando ao seu lado com cuidado. Ele ainda não havia a percebido.
— Você sumiu. — ela diz baixinho. Sabia que era errado, sabia que tudo indicava que ela deveria dar o fora dali, porém... No momento ela simplesmente não pensava mais em nada. Apenas queria ficar. E ela faria exatamente isso. — Sentiu minha falta?
Todos os pelos de seu corpo se arrepiaram da cabeça aos pés. Não, não podia ser. Aquela voz... Pronunciando aquelas palavras... Céus, o que era aquilo? Como ela podia? Ele sentiu que perderia o controle. Ela estava ali. O perigo em forma de gente. Aquele perigo no qual ele sentia tanto prazer em desafiar, sem se importar com as consequências finais. Céus, aquela garota era um maldito inferno paradisíaco! Depois de uma semana, uma maldita e longa semana fantasiando devorá-la de todas as maneiras possíveis, vivendo em frustração por não poder tê-la, ela simplesmente aparecia ali, quando ele menos esperava, e usava justamente aquelas palavras. O que estava acontecendo...?
— Eu poderia até perguntar se você sentiu a minha, mas eu sei que sentiu. — Sorriu, antes de se virar para encarar a garota. E quando deu de cara com a mesma, quase precisou reprimir um gemido. A porra de um gemido. Céus... Como ele adorava aquilo. era tão perigosa. Era tão errado, proibido, e ele adorava tanto aquilo. Sabia que iria se foder tanto por culpa daquela garota, e aquilo apenas o fazia desejá-la ainda mais. — Achei que tinha desaparecido, princesinha. Por que demorou tanto pra voltar pra mim?
riu diante as palavras de , umedecendo os lábios enquanto abaixava seu olhar, um tanto tímida. Apoiou-se no balcão, fazendo um pequeno bico com os lábios enquanto parecia pensar no que dizer a seguir.
— Eu não vou muito com a sua cara... Então por que eu sentiria sua falta? — retruca com simplicidade, lançando um sorriso sarcástico para o rapaz. — Além que é você que vem atrás de mim, não ao contrário. — olhou em volta. — Por que está sozinho? Você costumava ter uma gangue em volta de você na boate, e agora... Está tão solitário. Aconteceu alguma coisa?
— Hum... Geralmente em horas como essa, eu e os caras gostamos de sair pra... Brincar. Você sabe. — riu maliciosamente. "Brincar" talvez fosse a expressão menos apropriada para ser usada ali. Ele somente deu de ombros, desviando o olhar de para o nada. — Eu não quis ir com eles hoje. De novo. Digamos que minha cabeça esteja meio... Cheia.
Por ela. Por . Seus pensamentos sempre acabavam se direcionando até ela, por mais que ele não quisesse. Seu desejo por aquela garota estava transformando-o em um animal sedento e irracional. Logo seria difícil de se comportar e agir como o cachorrinho domesticado de Jhotaz.
— Cabeça cheia, huh? Bem que eu achei estranho você ter desaparecido. — murmura, dando de ombros. — Não que seja importante.
voltou a olhar para a jovem, olhando profundamente naqueles olhos que perseguiam sua mente. Era de se inconformar a forma como ela era tentadora. Cada pedacinho de o fazia irritar-se por querer tanto algo daquela forma. O problema não era o fato de ser proibido, porque novamente: Aquilo só o agradava. Amava o perigoso, o errado, o proibido. Sendo assim, o real problema era que... Aquilo estava passando dos limites. estava começando a ter controle sobre ele, mesmo que de forma indireta, e céus, se tinha algo que ele odiava, era que alguém possuísse algum tipo de controle sobre si. Por isso nos últimos dias andava tão estressado. O desejo que sentia por só crescia mais e mais a cada dia, e aquilo ia controlando . E para piorar, Jhotaz simplesmente impedia com que ele pudesse fazer algo para mudar aquilo. Mas ali, naquele momento... Como ele poderia se controlar? era um completo louco indomável, odiava ter pessoas prendendo-o, impedindo-o de fazer o que quisesse. E em algum momento, ele iria acabar seguindo seus instintos. Ele iria devorar , mais cedo ou mais tarde.
— Você sentiu minha falta. — Afirmou ele, ainda olhando profundamente nos olhos de . Mordeu o próprio lábio de forma agressiva a fim de manter o controle. Aquele jogo de provocações era tão estupidamente bom. — Eu sei que sentiu, por isso está aqui. Mas não se preocupe, princesa, eu senti também. Você se lembra do que eu disse? Que não faria com você nada que você não quisesse...? Aí é que está a questão, amor: O que eu quero fazer com você, é exatamente o mesmo que você quer que eu faça. Você quer tanto quanto eu, e apenas finge que não. E sabe... Eu até gosto. Esse seu jeitinho estressado e falsamente enojado só me faz te achar ainda mais interessante. Desde que seja dos seus lábios, e que aliás, são lindos, eu aceito ser qualquer coisa. Não ligo de você fingir que me odeia e não deseja o mesmo que eu, . Enquanto você estiver falando sobre mim, eu não ligo se é bom ou ruim, apenas quero que continue, porque toda vez que meu nome sair da sua boca, eu vou estar satisfeito.
— Você é muito cara de pau. — diz desacreditada. — Você age como se fosse o centro do universo, como se eu de fato sentisse tudo isso por você ser o maioral.
— E não é isso? — sorri. — É a verdade. Eu apenas exponho os fatos.
— Você é ridículo. — revira os olhos, procurando outro lugar para fixá-los.
De repente sentiu mãos pegajosas tocar seu braço, puxando-a com uma velocidade impressionante. Grunhiu.
— Você... — a voz embriagada diz. Era um homem, com a aparência bem mais velha que ela. Ele a olhava com repulsa. — Você é Daurat. Você matou nosso herói. — ele a sacudiu, de repente começando a gritar tais palavras: — VOCÊ MATOU NOSOS HERÓI!!! COMO SE ATREVE ANDAR POR AÍ QUANDO MATOU NOSSO HERÓI?!
O homem é empurrado violentamente para longe de , recebendo um soco dado por .
— Quem você pensa que é? — rosna, completamente irritado. — Toque nela de novo e eu te mato.
— Ela é quem deveria morrer, não eu. — o homem diz. — Ela matou nosso herói! Eu devo matá-la!
dá mais um soco no homem, o qual dessa vez cai para trás. Estava desacordado.
olha em volta, procurando por . Ela não estava mais ali.
A garota estava fora da boate, andando pelas ruas com as mãos abraçadas ao corpo, este que tremia. O braço que havia sido tocado por aquele homem odioso ainda doía, mas não mais que a ferida em seu coração.
— Aonde pensa que vai?
— Embora daqui. — ela sussurra.
vinha andando atrás dela.
— Pare, . Vamos conversar.
— Ele morreu por minha causa. — grunhiu, completamente desolada. — Ele se foi por minha causa. É tudo culpa minha. Eu deveria ter morrido, não ele. Ele não. Ele era bom, e eu sou... Isso. Essa coisa. Eu me odeio, eu me odeio tanto... — as lágrimas já se faziam presentes em seu rosto, banhando suas bochechas e expondo sua dor.
não soube o que aconteceu. Se alguém o perguntasse ele não saberia o que levou ele a fazer aquilo. Ele sempre fazia as coisas para tirar vantagem, mas naquele momento não era isso. Ele simplesmente... A compreendia. Compartilhava da dor, da culpa de perder alguém de suma importância pra si. E foi por isso que ele a abraçou, tomando o corpo da garota contra o seu.
A menina estava com a cabeça escondida no peito no rapaz, agarrada em seu corpo. Seu coração estava completamente acelerado, e seu corpo sempre naturalmente quente estava começando a tremer. não conseguia ouvir o coração de , e ao ter seus corpos tão juntos daquela forma estranhou o fato do rapaz ser estranhamente frio. Completamente gélido. Mas aquilo era apenas reparando mais do que o necessário no rapaz e criando teorias em sua cabeça, algo que ela sempre fez em toda sua vida para tentar entender as coisas estranhas que lhe aconteciam. Como naquele momento em que estava tão assustada... sempre temeu o escuro, pelo simples fato de sempre achar que algo ruim se escondia nele. E de certa forma, em muitas ocasiões quando ainda era criança, ela sabia que estava certa.
— Minha mãe se foi por minha causa. — diz, com cuidado. Falar aquilo em voz alta doía. — Ela, meu irmão e meu pai... Eles se foram por minha causa.
— Eu sinto muito. — murmura. apenas balança a cabeça em negação.
— A culpa não é sua. Sobre seu pai... Não é culpa sua.
— E de quem mais seria?
— De outra pessoa. Mas não sua. — a abraça mais apertado. — Você é boa, . Você é bonita, gentil e tem um coração enorme. Você é boa.
— Você... Falou isso sério...? — a menina pergunta em um sussurro, parecendo um tanto hesitante ao fazê-lo. — Você nunca falou assim comigo. Cuidado... Eu posso acabar acreditando. — a menina acabou sorrindo de nervoso. falar com ela daquela forma era algo que ela realmente não esperava. Se soltou dele. Não pôde evitar que um sentimento de vazio a predominasse ao fazê-lo, mas ela havia decidido ignorar. Já estava fodida o suficiente, não queria se foder ainda mais confundindo seus sentimentos e ousando gostar do rapaz. Não. Definitivamente não.
— Eu preciso ir para a casa.
— Eu te levo. — se prontifica.
E então eles ouviram um barulho. Muito alto. Era como se algo os observassem na escuridão. franziu o cenho confusa, sentindo o medo lhe predominar.
E foi quando viu.
Havia ali, na escuridão, uma criatura de estatura mediana. Tinha enormes chifres em sua cabeça, e seus olhos vermelhos brilhavam em fendas. Aquela coisa observava .
— . — a voz dela tremeu, segurando o pulso do rapaz com força.
Apontou para onde a criatura estava, sentindo de repente tudo começar a girar. Sua pele queimava, quase do mesmo jeito que havia queimado quando havia a tocado, porém... Aquilo não era bom. Aquilo doía. Era como se a pele de estivesse sendo queimada e ficando em carne viva, sendo que ao observar a si própria ela estava completamente normal. A criatura ainda estava ali, espionando-a e parecendo ver a boa hora em que iria atacá-la.
E foi quando tudo aconteceu.
Os olhos de haviam se transformado em duas órbitas completamente negras e em seus lábios ela começou a recitar uma cantiga desconhecida.
A criatura fugiu, gritando palavras incompreensíveis.
E simplesmente piscou, voltando ao normal e acabando por cair nos braços de , completamente incapaz de sustentar seu próprio corpo. Tudo aquilo havia acontecido em segundos.
— ... — ela diz o nome do rapaz em um sussurro, enquanto sentia sua cabeça rodar.
E assim, tudo se tornou a mais profunda e assustadora escuridão.
Capítulo 16
“Mas você nunca ficará sozinha
Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer
Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer
Amor, eu estou bem aqui”
— ?!! — O rapaz tentava acordar a menina em seus braços, completamente surpreso com o que havia acontecido.
Céus, ele conhecia cada perigo de Mysthical, mas aquilo... Aquilo havia o pego de surpresa. E caramba, nada lhe pegava de surpresa. E ... Será que aquilo tinha algo a ver com o que ela era? O que ela poderia ser, por que algo assim aconteceria? Merda, ele precisava avisar Jhotaz. Mas não naquele momento. No momento, tudo o que precisava fazer era levar a menina para um lugar seguro, para um lugar onde ele soubesse que nada poderia acontecer de mau a ela, e um lugar... Onde pudesse ficar de olho nela. Respirou profundamente, antes de ir andando com a jovem em seus braços em destino a parte deserta da cidade. Estava... Preocupado. Odiava admitir, odiava saber, mas estava tremendamente preocupado. Vendo seu rosto adormecido, só conseguia temer pela garota. Ele realmente precisava protegê-la.
Logo o enorme castelo de se fez presente em sua frente. Caminhou rapidamente até lá. Depois de entrar no grande castelo e já fazer todo o caminho até o último andar, finalmente chegou na porta de seu quarto, a qual ele já abriu prontamente, adentrando o cômodo ainda com em seus braços. Aquilo estava o deixando apreensivo. Será que ela demoraria muito para acordar?
Depositou cuidadosamente o corpo dela sobre sua cama, assim ficando sentado ao seu lado. Sem saber direito o que estava fazendo, pegou uma das mãos da jovem, e assim ele ficou ali, apenas... Parado, observando-a, segurando uma de suas mãos. Se sentia tão preocupado... O que será que havia acontecido com ela, e será que estava bem? Céus, como aquilo poderia estar acontecendo?
— Que merda frustrante do caralho... — Sussurrou ele, bufando em seguida. Como qualquer criatura do universo poderia se atrever a mexer com ? Ela estava com ele, ela era dele. Ninguém podia lhe fazer mal, aquilo era um absurdo. Novamente suspirou, observando a imagem desacordada de . É claro que sempre havia a achado linda, porém não se lembrava da última vez em que havia pensado em uma garota da forma que estava pensando nela naquele momento. Aquilo... Céus. Céus, não! Não podia! Não podia, não devia e não queria! Ou será que queria...? Caramba, não! Merda. As coisas não podiam estar saindo do controle, simplesmente não podiam. Soltou a mão dela, suspirando baixinho. Aquilo tudo não podia estar acontecendo.
abriu os olhos devagar, piscando algumas vezes para que seus olhos se acostumassem com a pouca iluminação. Seu corpo todo doía, fazendo com que ela se sentisse completamente esgotada. Estava confusa e não conseguiu se lembrar de muita coisa. Esticou a cabeça, sentindo-se ainda mais confusa e zonza com o que estava vendo. Estava em um quarto, porém não tinha ideia de quem ele poderia pertencer. Luzes vermelhas e roxas o predominavam, dando um ar completamente excêntrico àquele lugar. Havia tantas pinturas antigas, decorações assustadoras que poderiam facilmente compor uma festa de dia das bruxas... Ao finalmente olhar para seu lado na cama, o viu.
parecia distraído e não a olhava.
E como um baque tudo o que havia acontecido mais cedo começou a ser repassado por sua mente.
— Você é algum personagem de conto de terror por acaso? — perguntou em um sussurro rouco enquanto se colocava sentada na cama, sentindo sua cabeça doer ao fazer aquilo. — Por favor... Me diga que eu não estou dormindo e tendo um sonho com você. Aparecer um animal horrendo para me atacar em um sonho já foi o fim da meada, agora estar em um cenário de filme de terror com você parece pior ainda... Eu quero acordar.
piscou algumas vezes, olhando para a jovem. Aquilo que estava sentindo, era... Puro alívio. Que droga.
— Talvez eu seja. Por quê? Isso te agrada? — Perguntou em um tom de voz malicioso, rindo baixinho em seguida. — Não, é só o meu quarto. Você não está sonhando, você está segura. — Disse, se aproximando um pouco dela. — Ainda bem que acordou, eu já achei que tinha dado uma tremenda merda. Está tudo bem com você, você não se machucou? — perguntou enquanto seus olhos rolavam por todo o corpo da mais nova, procurando por algum machucado ali e sentindo certo alívio ao não encontrar nenhum.
— Eu estou bem. Minha cabeça só está doendo muito e eu me sinto esgotada... Mas já que não me machuquei é válido, certo? Foi tudo tão rápido... E muito estranho. — a menina diz confusa, gemendo ao sentir sua cabeça latejar. Droga. Seu olhar se desviou para , e em seguida para seu quarto. Realmente estava na casa do rapaz de novo? Aquilo só poderia ser brincadeira. Precisava dar o fora dali. Sentindo todo seu corpo protestar, a menina se mexe a fim de sair da cama. — Eu preciso ir pra casa...
— O quê? Cara, você não viu o que aconteceu? — Ele diz já alarmado, pegando novamente uma das mãos de para impedir que ela saísse da cama. — Você foi atacada, e está mal. Lá fora é muito perigoso, e eu... Estou... Preocupado com você. — Admitiu, parecendo realmente irritado consigo mesmo por ter dito aquilo. — Você não pode sair por aqui antes de o sol nascer, . É perigoso demais, eu não vou deixar. — Cruzou os braços, convicto.
Entretanto, depois de alguns segundos pensando, novamente o típico sorriso malicioso brotou em seus lábios, e mais uma vez ele chegou mais perto da mais nova.
— Por que toda essa pressa em ir embora? Está com medo da minha casa também? Ou de mim, hum? Você está com medo de gostar de passar a noite comigo, princesa?
— Já estava até demorando. Você sente um prazer em me provocar... Tão irritante. — a menina diz em tom irritado, porém não conseguindo evitar que um sorriso aparecesse em seus lábios. Ela estava começando a realmente gostar dos comentários e provocações de , e isso era algo que nunca admitiria em voz alta. O jeito do rapaz ao mesmo tempo que a divertia, fazia com que ela tivesse vontade de agredi-lo por ser tão cara de pau. — É você quem deveria ter medo de ficar comigo, . Afinal, foi você que estava todo preocupadinho agora há pouco. Estranhamente fofo, não combina com você. — a menina sorri maliciosa e ao mesmo tempo convencida.
Não soube o que deu nela naquele momento. Ela simplesmente... Seguiu seus instintos.
E assim, puxa o rapaz para a cama, fazendo-o se deitar e consequentemente a menina se aproximar e ficar por cima dele. Sorriu maliciosa diante daquilo, de repente sentindo a dor que predominava sua cabeça desaparecer. A menina leva as mãos a jaqueta de , retirando-a enquanto em seguida já guiava suas mãos até a barra de sua camisa, levantando-a e já retirando-a com a ajuda do mesmo. Sorriu ao observar seu tronco nu. Fitou suas tatuagens por alguns segundos, levando a ponta dos dedos até uma em específico, que era a face de uma mulher com os traços parecidos com o de . Seria alguma parente...? decidiu não perguntar, afinal poderia ser algo de cunho pessoal demais. Em silêncio, contornou a tatuagem com a ponta dos dedos, sentindo-os gelarem em contato com a pele extremamente fria do rapaz. Recuou, confusa. — Você não se aquece nunca...? — ela pergunta baixinho, olhando-o em um misto de curiosidade e ao mesmo tempo admiração. Tê-lo embaixo de si daquela forma quase vulnerável era maravilhoso demais para ser real. Não esperou a resposta do rapaz, aproximando seus lábios no abdômen do mesmo, depositando um beijo ali e sentindo seus lábios gelarem. Sorriu. Continuou a falar, dessa vez mudando de assunto:
— Respondendo sua pergunta... Para ser honesta... A ideia de dormir na sua casa não é ruim. — a menina aproxima seu rosto no do rapaz rindo, enquanto simplesmente depositou um breve selinho em seus lábios, chupando seu lábio inferior e em seguida mordendo-o brevemente, soltando-o em seguida. — Admito que isso seria muito interessante... — ela leva as unhas aos ombros do rapaz, arranhando ali com um sorriso enorme brincando em seus lábios. — Realmente é uma pena... Levando em conta que eu definitivamente não vou transar com você hoje. Sofra aí sentindo vontade, cara malvado. — e assim a menina sai de cima do rapaz, deitando ao seu lado enquanto ria.
apenas riu, de forma rouca. Ah, não. Ela não havia feito isso.
O que havia acontecido com ?! Quem era aquela garota provocando-o daquela forma?! Aquilo havia o deixado insano. Completamente insano.
— O que aconteceu com você...? A criatura fez com que você batesse a cabeça? — perguntou rindo. — A cada dia que passa você me deixa mais louco. — Sorriu maliciosamente, enquanto fechava os olhos e mordia o lábio inferior. Estava tão ferrado por culpa daquela garota, e gostava tanto daquilo. Riu baixinho de si mesmo, porque simplesmente sentia prazer em pensar no quão fodido ele estava. Tudo por culpa dela. — Você é tão má. — O rapaz afirma em um tom extremamente malicioso, simplesmente se colocando por cima da jovem.
Era tão gostoso sentir o choque térmico entre seus corpos toda vez que lhe tocava. Céus, aquele desejo ia aumentando cada vez mais.
— Um dia eu vou cansar dessas provocações e vou te dar o que você merece, sabia? E eu sei que você vai gostar. Você é uma menina muito espertinha, . Me atiçando tanto só pra que eu cumpra minha promessa e devore você? Que cruel. E ao mesmo tempo... Excelente. — Ele aproximou seu rosto do dela, com o olhar fixo em seus lábios. Necessitava provar deles. — Sabe... Acho que vai ser ainda mais delicioso de devorar você se demorar um pouquinho. Quanto mais a espera, mais eu sinto que quando chegar a hora nós dois vamos simplesmente enlouquecer de tanto prazer. Enquanto essa hora não chega... Eu não me importo. Eu só quero você, princesa. — E assim, a distância entre seus lábios deixa de existir.
e gemeram juntos.
No momento em que ele sentiu a carne macia dos lábios dela em contato com os seus, sentiu um forte arrepio percorrendo todo o seu corpo, o que o fez pressionar ainda mais seus lábios contra os dela. Aquele gosto. Aquele gosto único e irresistível, que a partir de hoje parecia profundamente cravado em sua memória, impossível de esquecê-lo. A boca dela. Aquela boca que sentia tanta necessidade de explorar, de provar de forma animalesca. Suas mãos foram até os pulsos da mais nova, levando-os até a altura de sua cabeça e assim prendendo-os ali daquela forma, apertando-os firmemente. Merda, tão bom. O gosto dela apenas parecia se derreter em sua boca, levando-o aos poucos ao delírio. E a cada segundo, tudo o que queria era mais e mais. Assim que seus lábios se afastaram, ele já foi direto em direção ao pescoço de , onde chupou com vontade. Aquilo aguçava ainda mais sua maldita vontade de prova-lo à fundo. Aquela carne tão macia parecia implorar para que ele lhe mordesse, e aquilo simplesmente lhe tirava toda a sanidade. Afinal de contas, o que ela era? O que era aquela garota, céus?! A cada segundo ficava mais curioso, se perguntando como as pessoas de onde ela vivia antes simplesmente não percebiam o quão sobrenatural ela era. Ela era muito mais que uma mera humana, isso podia ser dito apenas olhando naqueles olhos. Incomparável, simplesmente incomparável.
— Merda, você... Você me deixa tão louco, céus... Isso é tão cruel, . Tão cruel. Eu deveria punir tanto você...
não conseguia acreditar. Ela estava completamente alucinada, não respondendo mais aos comandos de seu corpo. Ela havia se deixado envolver com . Não havia mais volta.
Ela ouvia uma voz sussurrando em sua mente, instigando-a a desejar mais. Instigando-a a se envolver.
E ela não conseguia parar aquela voz.
— Eu não me sinto bem. — diz em um sussurro.
a observou confuso.
— O que foi?
A menina pegou uma das mãos de , levando-a até seu coração. Ele estava um caos. Completamente acelerado como nunca esteve antes. sorriu.
— É por isso que você não se sente bem?
— Eu nunca me senti assim. — a menina confessa. — Eu não gosto do que você me faz sentir. É por isso que sempre quis você longe.
— Eu também não gosto do que você me faz sentir. — o rapaz também confessa. — Mas eu não consigo parar. Desde o primeiro momento que eu botei meus olhos em você... Eu simplesmente não consegui mais parar.
— Isso é muito ruim, não é?
— Sim, é ruim. — ri brevemente. Conversar com daquela forma era o mesmo que falar com uma criança. Era fofo. — Mas sabe... Você pode tentar não fugir mais de mim.
— Eu não sei se eu consigo. — diz, franzindo o cenho. — Te afastar é o que eu faço de melhor.
— Você pode tentar não fazer isso. Sabe... Eu posso ir com calma se você quiser. — diz, enquanto deitava ao lado da garota. A abraçou pela cintura, acariciando ali.
— O que quer dizer?
— Eu posso tentar não te assustar tanto. Eu posso... Tentar ser seu amigo.
— Meu amigo? Você acha que isso daria certo?
— Eu quero proteger você, . Depois de hoje eu percebi o quão séria é a tarefa que Jhotaz me deu. E eu quero fazer isso não porque ele pediu, mas porque eu me importo com você. — ri amargamente. — Eu nunca pensei que diria isso em voz alta, mas acho que eu realmente me importo com você, pirralha. Meus parabéns.
— Somos amigos então? — o questiona, ignorando a última parte. Era informação demais para processar.
— Somos.
— E você vai me ajudar a entender tudo isso?
— Você pode contar comigo. Apenas não fuja mais, está bem?
— Está bem.
bocejou, sentindo o cansaço afetá-la de novo. sorriu.
— Você pode dormir.
— Depois de tudo o que começamos você quer que eu durma? E se você fizer algo comigo?
— Confie em mim. Eu vou cuidar de você. — diz piscando um olho, fazendo rir. — Eu vou velar seu sono, está bem? Você pode dormir tranquila. Aqui nada de ruim acontecerá com você.
E aparentemente era verdade. Contrariando a todos daquela cidade, enquanto tivesse o monstruoso consigo, nada de ruim aconteceria a Daurat.
Capítulo 17
“Eu tenho armas em minha cabeça e elas não se vão
Espíritos em minha cabeça e eles não se vão
Eu tenho armas na minha cabeça e elas não se vão”
Jhotaz e Lara dormiam na sala. Na TV ainda passava um filme infantil qualquer o qual a menininha insistiu em maratonar com Jhotaz na noite passada. Os dois estavam se dando muito bem.
Victor adentra a sala a fim de limpá-la, sendo surpreendido pela cena. Jhotaz estava deitado no sofá e Lara estava encolhida em seus braços. Se alguém de fora observasse aquilo pensaria que os dois eram pai e filha. Victor apreciou aquilo. Ver os dois juntos daquela forma realmente acendeu um fio de esperança no rapaz.
Jhotaz não estava completamente perdido na angústia. Ele tinha um coração e seu coração ainda era capaz de amar. Ali estava a prova. Agora Victor desejava que ele também demonstrasse o amor que sente por .
— Bom dia! — ele grita, animado.
Lara resmungou alguma coisa incompreensível, enquanto Jhotaz apenas abriu os olhos devagar, olhando para Victor mal-humorado.
— Precisava nos acordar assim?
— De que outra maneira eu poderia fazer? Foi necessário. — o rapaz comenta rindo.
— Como foi na Coup D’etat?
— Oh. Ocorreu tudo bem. — Victor diz, de repente sentindo suas bochechas ficarem rubras. Jhotaz percebeu aquilo.
— Passou uma boa noite?
— Definitivamente sim.
— Fico feliz. — Jhotaz sorri verdadeiramente. E assim ele se vira para Lara. — Levante-se, Victor vai fazer seu café da manhã.
— Mas o sofá está tão gostoso, tio. — a menina diz manhosa, fazendo Jhotaz revirar os olhos.
— Vá escovar os dentes e depois desça aqui para comer.
— Tá bem. — Lara bufa, levantando-se. Subitamente ela dá um beijo na bochecha de Jhotaz, sussurrando um bom dia enquanto se preparava para sair do cômodo. E assim ela partiu.
Victor observou a cena abobalhado. Céus, por quanto tempo ficou fora? Foi apenas uma noite, mas pareceu uma eternidade.
— Se divertiram?
— Supreendentemente Lara não é uma companhia desagradável. — Jhotaz admite a contragosto, fazendo Victor sorrir.
— Ela é uma menina de ouro. também.
— Nisso eu tenho que discordar.
Victor revira os olhos, irritado.
— não é tão ruim assim. Ela só é adolescente, adolescentes costumam ser complicados.
— Se você diz.
— Falando em ... Ela voltou muito tarde?
— O que quer dizer?
— Ontem ela estava na Coup D’etat.
Jhotaz franze o cenho confuso.
— O quê?
— Ela estava na Coup D’etat. Ela foi lá com a .
— ... Por que ela está andando com a ?
— Aparentemente as duas são amigas.
— Essa menina nunca sai das águas, isso é impossível.
— Ela está frequentando a escola de .
— O que diabos está acontecendo, Victor? — Jhotaz murmura, frustrado. — Onde está ? Eu não a vi entrando. E se aconteceu com ela o mesmo que aconteceu com Gainy?
— O que houve com Gainy?
— Eu não sei! Esse é o problema, eu sinto que algo horrível aconteceu a ela e eu não posso fazer nada para mudar isso.
— Precisamos descobrir o que houve. As outras delegadas devem estar desoladas sem sua líder.
— Talvez ela saiba.
— Ela? Não, Jhotaz. Você não deveria falar com ela.
— É o único jeito. Você sabe que ela vê tudo o que acontece... Eu preciso falar com ela.
Sua cabeça latejava. Havia uma espécie de venda tampando sua visão, fazendo com que ela não enxergasse nada a sua volta, apenas o completo escuro. Suas mãos estavam presas atrás de seu corpo, amarradas fortemente por uma corda. Tentou se movimentar, totalmente sem sucesso. Tentou chamar por ajuda, mas sua boca também estava bloqueada por uma espécie de pano preso em sua boca.
Gainy sentia a adrenalina correndo em suas veias, fazendo seu coração acelerar. Seu corpo estava fraco e machucado. Ela foi agredida rudemente e agora estava em um lugar desconhecido, mantida ali como uma prisioneira.
Passos foram ouvidos, e o som da porta abrindo pôde ser escutada pela jovem. Alguém se aproximava. Ela instantaneamente encolheu-se.
— Eu não irei te machucar. — o homem diz, entediado. — Eu apenas irei te manter aqui enquanto me convém. Não quero que seu querido Jhotaz descubra o que eu andei tramando.
Gainy sentiu seu coração doer na menção do nome de Jhotaz. Perguntou a si mesma se ele havia dado falta dela, percebido a sua ausência e se preocupado. Queria com todas as suas forças acreditar que sim, por mais que duvidasse. Ela não era tão importante para Jhotaz quanto ele era para si.
— Entretanto você pode me ser útil. — o homem diz. Pelo seu tom de voz ele parecia sorrir. — Suas habilidades são de dar inveja. Garotas como você servem a um propósito e são leais a ele. Eu gosto dessa determinação. É por isso que quero que você compartilhe o que sabe comigo.
Gainy balança a cabeça em negação. Mesmo que não pudesse ver o homem ela imaginava suas feições retorcidas em desagrado. Ele deu um tapa forte em sua bochecha, fazendo-a grunhir.
— Garota insolente. Como se atreve a negar algo a mim? Você vai dividir tudo o que sabe por bem ou por mal. Eu sei que Jhotaz confia em você, e sei que deve te contar coisas realmente interessantes. Eu quero saber de tudo.
De repente o homem se aproxima, segurando a garota pelo queixo e aproximando seus rostos. A sempre tão corajosa Gainy sentiu seu corpo tremer.
— Você irá compartilhar absolutamente tudo e se sentirá honrada por isso. Eu mesmo me certificarei de que você sinta tal honra.
adentrou a biblioteca, procurando por . Estava se tornando cansativo voltar ali. Na verdade, todo o contato que era obrigado a ter com aquele homem era cansativo demais para ele. Ele não gostava de , não confiava nele. havia o prejudicado muito ao decorrer de sua vida para ser digno de qualquer afeição e confiança.
— O que faz aqui, ? — pergunta, surpreso. Estava no alto da escada em espiral, e assim ele começa a descê-la a fim de se juntar a .
— Eu fui atrás das criaturas demoníacas a fim de descobrir quem poderia ter as convocado. — diz, curto e grosso. — E tudo indica que foi você. Eu passei os últimos dias procurando minuciosamente por isso e acredite, eu posso provar.
— Você pode provar? Então prove. Eu não tenho nada a ver com isso. — cruza os braços na altura do peito, olhando seriamente para . — Eu tenho mais o que fazer do que me envolver com ataques sem fundamento pela cidade, . Nós dois sabemos que qualquer passo em falso que dermos seremos expulsos daqui. Por que eu faria algo para sacrificar minha liberdade?
— Eu não sei. Desde que se mudou para cá você mudou. — se aproxima, o olhando inquisitivo. — Está diferente. Mais quieto que o normal, fazendo ainda menos sentido do que antes. Eu sinto como se com aqui você houvesse desencadeado o seu eu antigo. E acredite: eu consigo odiar aquele homem mais do que odeio o você de agora.
— Eu não posso negar que a presença da garota anda mudando não apenas a mim, mas todos dessa cidade. Sabemos que o que tê-la aqui significa, e todos ficam apreensivos esperando o pior. Mas isso não significa que eu voltei a ser como antes. Faz muito tempo que não assumo minha verdadeira forma.
— E eu também. — admite. — Mas eu te conheço, . Eu sei que está escondendo algo.
— Sabe? Então me conte o que é. Eu adoraria saber o que eu estou escondendo de tão impressionante que nem ao menos eu sei.
— Você poderia simplesmente me contar. Deixaria as coisas mais simples.
— Você sabe que odeio facilitar as coisas pra você.
— É por isso que eu vivo no inferno em Terra. Você faz isso comigo.
— Sabe o quanto eu te valorizo, velho amigo.
— Vai se foder.
ri, balançando a cabeça em negação. não tinha jeito.
bufou, dando meia volta.
Ele sabia que mentia. Só poderia ser ele, quem mais seria capaz de convocar tais criaturas?! Só ele tinha esse poder. É claro que era ele...
Não era?
estava começando a duvidar.
o observava minuciosamente. Suas mãos acariciavam os cabelos de .
Ela não sabia o que estava acontecendo consigo, mas honestamente não gostaria de parar. Ela havia deixado a si mesma se envolver. Ela havia beijado , ela havia tocado em seu corpo. Olhou para o peito nu do rapaz, lembrando de suas mãos passeando por ali enquanto se beijavam. Não conseguia acreditar. Parecia loucura. Ela queria muito ter acordado e colocado em sua mente que tudo havia sido um erro e que ela iria superar.
Mas aquele havia sido o melhor erro que ela havia cometido. E ela não achava que iria deixar de errar tão cedo.
ainda mantinha os olhos fechados, sentindo todas as sensações maravilhosas que estava fazendo-o sentir apenas tocando em seus fios escuros. Seus lábios se abriram em um sorriso. Um sorriso infantil. Não seu típico sorriso malicioso, mas algo mais íntimo que isso.
— Aproveitando enquanto eu não acordo, princesa?
— Quando você acorda se torna difícil lidar com você. — admite, rindo baixinho. — Por isso prefiro você desacordado.
— Outch, cruel. — ele abriu os olhos. — Eu posso ficar quietinho e me certificar de que você lide direitinho comigo. É só dizer.
— Cala a boca, . — grunhe, dando um tapa no braço do rapaz. Ela sorria. — Eu preciso ir. Eu não deveria ter dormido aqui.
— Ah, não. Você vai ficar. — diz, abraçando como uma criança fazendo manha. A garota riu.
— Me solta. Eu realmente preciso ir. — ela diz, se soltando do rapaz.
Levou as mãos aos próprios bolsos, tirando dali seu celular. Havia dezoito chamadas perdidas da . Merda.
— Oh não. deve estar preocupada comigo! — diz, mandando uma rápida mensagem para a jovem. grunhe.
— E daí? Você está comigo. Ninguém precisa se preocupar com a sua segurança enquanto você estiver comigo.
— O fato de eu estar com você faz com que as pessoas DEFINITIVAMENTE tenham que se preocupar com a minha segurança.
— Uau. Você é malvada. Amo garotas malvadas.
— Eu vou pra casa, tá bem? — a menina o ignora, ajeitando seus cabelos com os dedos.
revira os olhos, levantando-se e colocando uma camisa. Pegou seus óculos escuros, colocando em seus olhos. apenas o observou impassível.
— O que você está fazendo?
— O que você acha? Eu vou com você. Vou te levar até sua casa.
— Não precisa.
— , querida... Somos amigos. — diz rindo. — Amigos fazem isso um pelo outro.
— Você acabou de inventar isso. — a menina diz incomodada. apenas ri.
— Vem, vamos logo.
O rapaz sai de seu quarto, fazendo o seguir. Ele para, de repente se lembrando de algo.
— O que foi? — pergunta assustada.
— Esqueci de algo importante! — ele diz, simplesmente se aproximando de e dando-lhe um rápido selinho, seguido por uma mordida em seu lábio. Sorriu ao se afastar. — Eu amo essa intimidade que amigos tem.
— Vai se foder, . — ela xinga.
Mas não pôde evitar que um sorriso idiota se fizesse presente em seus lábios.
A praça se encontrava confortável e com poucas pessoas, como sempre. franziu o cenho ao ver guiando-a até o restaurante de Hime. Achou que iriam direto para o casarão.
— Eu realmente preciso ir pra casa, .
— Você deve estar com fome. — insiste, puxando-a consigo.
O som agradável da conversa das pessoas no estabelecimento se desfez ao verem e juntos. olhou incomodada para aqueles diversos pares de olhos que se fixaram nos dois. Murmúrios começaram a ser ouvidos aqui e ali, e apostava que o assunto era sobre os dois.
— ! Como vai? — Hime vai até a entrada, cumprimentando . — Oh. ! Que surpresa te ver por aqui acompanhada de . Aposto que vocês querem um café da manhã reforçado, venham. Podem sentar aqui. — ele falava tudo com simpatia, guiando-os até uma mesa vaga.
e se sentaram sem falar nada, enquanto Hime saía já buscando seus pedidos sem eles nem ao menos precisarem pedir.
Hime era um homem estranho.
— Por que eu sinto que está todo mundo olhando pra gente? — pergunta incomodada. ri.
— Porque você, Daurat, está sentada em uma mesa com . O monstro da cidade, o assassino, o ser terrível que é temido por todos e quase nunca sai na luz do dia.
— Oh. Isso parece um bom motivo.
— Realmente é um bom motivo. — uma cadeira é puxada e subitamente se senta ao lado de .
A menina arregala os olhos, surpresa em tê-lo ali. apenas ri, achando a atitude de indiscutivelmente divertida.
— Você é realmente estraga prazeres, .
— Por que está com ele, ? — pergunta, dirigindo-se diretamente a . A menina apenas engole em seco. Os olhos acusadores de a julgavam, fazendo-a perguntar-se o que fazia de tão errado.
— Não fale de mim como se eu não estivesse aqui. — o alerta. — Ela está comigo porque depois da noite maravilhosa que passamos em minha casa decidimos tomar um delicioso café da manhã juntos. Você não entenderia, , você não sabe como é se deitar com uma mulher.
— Você dormiu da casa dele? — pergunta chocado.
— Dormi. Mas não é o que parece.
— Pois é, não é o que parece. — diz, abrindo um sorriso malicioso ao dizer em seguida: — É bem pior do que parece.
— Se você fez algo com ela... — grunhe, pela primeira vez se dirigindo a .
— Se eu fiz algo com ela o quê? O que você vai fazer? — o provoca.
— Chega! — diz, irritada. — Aconteceu algo, ! Eu vi uma criatura terrível e depois... Depois...
— Uma criatura?
— Sim, gênio. Uma criatura demoníaca a atacou ontem. E eu cuidei dela. De nada.
— Criatura demoníaca? — pergunta, chocada. — Como assim?
— Você tem muito o que aprender ainda, princesa.
— Você a matou? — pergunta para . Ele parecia surpreso demais.
— Não. ficou com os olhos completamente negros e começou a recitar uma cantiga antiga. A criatura saiu correndo.
— Ah, não.
— Ah, sim. Sabemos o que isso significa.
— Não pode ser... Como você pode estar tão tranquilo?!
dá de ombros, ajeitando-se preguiçosamente na cadeira.
— Eu gosto do caos. Quanto mais caos, mais diversão pra mim.
— Você não se importa com a segurança de ?!
— Claro que me importo, imbecil. Mas enquanto ela estiver comigo eu cuidarei dela.
— Estar com você é sinônimo de perigo.
— E estar com você é sinônimo de morte. Qual dos dois parece melhor? — rebate. — Você não protegeria nem uma mosca, . Já falhou uma vez e vai falhar de novo. É por isso que Jhotaz veio diretamente até mim.
— Você não sabe o que diz.
— Será que alguém pode me explicar o que está acontecendo?!
— Não! — e dizem, juntos. bufa.
— Vocês são ridículos.
— Estamos em uma situação crítica, .
— Eu sei que estamos.
— Para contornar isso... Acho que precisaremos fazer algo.
— O quê?
respira fundo, balançando a cabeça em negação. Estava desacreditado. Não conseguir crer que realmente diria o que diria a seguir:
— Teremos que trabalhar juntos.
Lara descia as escadas, pronta para ir tomar seu café da manhã com Jhotaz e Victor. Já havia escovado seus dentes e penteado seu cabelo, estando completamente apresentável.
Mas um som foi ouvido. Era um som horripilante, como se garras estivessem raspando em uma porta. Lara automaticamente ficou em alerta.
O som vinha da esquerda, onde se encontrava o quarto de seu tio Jhotaz e era estritamente proibido a entrada de Lara e .
Mas a curiosidade falou mais alto. Lara deu meia volta, virando à esquerda e adentrando na escuridão que era o corredor escuro que se estendia por aquele canto da casa. Começou a andar, passando por uma porta que acreditou ser o quarto de Victor. O som ficava cada vez mais alto, arrepiando todos os pelos do corpo de Lara e fazendo-a estremecer. Passou por mais uma porta, esta estando entreaberta. Colocou sua cabeça lá dentro, já que a curiosidade falou mais alto. Era um quarto arrumado e elegante. Acreditou que fosse o de seu tio.
— Lara.
Uma voz soou, alta e em bom som. Lara não conhecia aquele timbre, e assim, consequentemente, duvidava conhecer quem fosse o dono da voz. O som das garras raspando contra uma porta se intensificaram. Ela saiu do quarto de Jhotaz, continuando a andar. Passou por várias portas no caminho, todas estando devidamente trancadas.
Até que uma porta em específico no fim do corredor chamou sua atenção. Ela andou até lá, sentindo seu coração se acelerar.
Girou a maçaneta. Estava trancada.
Grunhiu frustrada, resignada a dar meia volta e ir de uma vez para a cozinha.
Mas o som indiscutível da porta se abrindo atrás de si a fez voltar.
Ao olhar para o cômodo uma forte luz a cegou. Ela foi obrigada a colocar as mãozinhas nos olhos, enquanto adentrava o local.
A menina abriu os olhos, deixando com que suas pupilas se acostumassem com a luz excessiva.
E foi quando viu: ali, no canto do cômodo deserto, uma mulher. Ela usava roupas esfarrapadas e estava encolhida contra o próprio corpo. Ela abriu a boca para pronunciar algo, mas Lara não compreendeu o que ela havia dito.
— Perdão?
E com a voz soando mais firme e tenebrosa que antes, a mulher diz:
— Que bom que me encontrou, Lara.
Capítulo 18
“Seu amor está me assustando
Ninguém jamais se importou comigo
Não tanto quanto você se preocupa
Sim, eu preciso de você aqui”
A mulher se escorou na parede do quarto escuro, suas mãos tocando a superfície lisa tentando inutilmente se manter em pé. Ela encarava Lara profundamente e em seus lábios era possível ver um enorme sorriso.
— Eu não conheço você. — Lara diz com convicção. — Então como sabe meu nome?
— Eu te conheço há muito tempo, Lara.
Lara estremece, dando um passo para trás em direção a porta. Estava assustada. Aquela mulher transmitia uma energia negativa demais.
— Como pode me conhecer? Quem é você?
— Eu sou... Uma velha amiga de família. — a mulher diz, rindo roucamente. — Lara... Você é tão bonita. Se parece tanto com a sua mãe.
— Você conhece minha mãe? — Lara diz, confusa. Nunca havia visto aquela estranha mulher na vida, como ela poderia conhecê-la?
— Claro que conheço sua mãe. Eu a amava. Como eu a amava... Melissa era ótima. — a mulher sorri nostálgica. — Sabe, talvez você pudesse me tirar daqui. Eu adoraria ir me encontrar com a sua mãe.
— Ela não está em Mysthical. Ela mandou eu e para cá.
— ? — os olhos da mulher brilham ao pronunciar aquele nome. — Eu adoraria me encontrar com . Você pode me ajudar?
— Eu... Eu não sei.
— Resposta errada.
Lara foi empurrada até a mulher pelo ar. A mulher a segurou fortemente pelo pulso. Os olhos da desconhecida haviam se tornado duas órbitas negras, sua boca se abriu revelando dentes podres.
— ME TIRA DAQUI! — a mulher berra. Lara começa a chorar.
— Me solta, por favor, me solta!
De repente a desconhecida foi jogada violentamente para a outra extremidade do quarto, gemendo de dor ao sentir suas costas baterem contra a parede.
— NÃO OUSE TOCAR NELA DE NOVO! — Victor berra, os olhos faiscando em ódio.
Lara corre até o rapaz, abraçando-o. Ele a puxa consigo, se retirando do quarto e fechando a porta em um estrondo.
— Quem era ela? — Lara pergunta em meio às lágrimas.
Victor respira fundo.
— Eu irei te contar tudo. Mas você precisa prometer que não contará para seu tio que fiz isso... E também prometer que não contará para .
— Eu prometo.
e se encaravam com as feições fechadas. se sentia em meio a um fogo cruzado.
— Meninos? — ela os chama, sua voz parecendo despertar ambos do estado silencioso.
— Sem chance. Eu não vou trabalhar junto com um babaca como você. — enfim se pronuncia.
— Não seja idiota, . — o adverte. Ele apenas a olha com ódio.
— Você não entende. Está encantada demais pela imagem de bom moço que tem, mas ele não é isso. Ele sim é um idiota.
— Pare de falar sobre o que não sabe, . — grunhe. — Precisamos trabalhar juntos se quisermos dar um fim nisso, você sabe disso. Teremos que deixar nossas diferenças de lado.
— Fácil para você falar.
— Quer saber? Eu vou ficar longe de vocês. — diz de súbito, fazendo e a olharem confusos.
A menina simplesmente se levantou, andando até o balcão de Hime e sentando-se em uma das cadeiras que haviam lá.
— É difícil pra ela. Falamos de algo que ela não sabe e não entende... É difícil. — suspira.
— É claro que é. É um saco não estar por dentro do assunto.
se levanta, preparado para dar o fora dali. Antes de ir ele se vira para , enfim pronunciando-se:
— Será que poderíamos trabalhar juntos, ? Por ela?
revira os olhos, desviando seu olhar para . A garota brincava despreocupadamente com um canudinho, parecendo contemplada na tarefa como se fosse algo importante. Ela era tão aleatória, adorava isso. Sorriu.
— Sim. — assente. — Por ela.
Jhotaz discou o número de Gainy, novamente caindo na caixa postal. Estava realmente preocupado com ela, e agora também estava preocupada com .
Respirou fundo, entrando na sua lista de contatos e rapidamente discando o número de .
— Alô? — ouviu a voz masculina. Aquilo fez Jhotaz revirar os olhos.
— . Você sabe onde está?
— ? Está comigo. — responde entediado. — Por quê?
— Ela passou a noite com você?!
respira fundo no outro lado da linha, parecendo incomodado.
— Não é o que você está pensando...
— Traga minha sobrinha aqui. Traga ela agora!
E assim Jhotaz desliga o celular, completamente irado.
Sabia que não deveria ter confiado em . Sabia que ele nunca deixaria seus desejos de lado para ajudá-lo. Como havia sido burro em acreditar no rapaz, de achar que ele poderia ser confiável.
Jhotaz bagunçou os próprios cabelos, puxando-os com agressividade em sinal de ódio. Fazia tempo que não se sentia tão irritado.
Ele saiu da sala, indo até o hall do casarão e o atravessou. Ele iria até a rua, ele fazia questão de esperar os dois no portão do local.
Alguns minutos se passaram e finalmente e viraram a esquina da rua, entrando no campo de visão de Jhotaz. Ao se aproximarem o suficiente o homem pega pelo braço, puxando-a com violência.
— Você não vai mais ficar perto dele. — decretou.
— Você não manda em mim! — diz, completamente ultrajada com a atitude de Jhotaz.
— Eu sabia que não poderia confiar em você, . Eu quis acreditar, quis crer que o menino bom que eu conheci ainda está aí... Mas ele morreu há muito tempo. Você me traiu de novo. Eu fui tolo em acreditar em suas mentiras.
— O quê? — olhava para Jhotaz completamente chocado. — Eu não fiz nada com ela. Por que não me escuta?! Deixe-me explicar!
— Eu não acredito em você!
— Foi você quem me obrigou a cuidar dela para início de conversa, Jhotaz! E eu o fiz! Não aceito ser acusado de um erro que eu não cometi.
— Você tomou ela para si, não tomou? — Jhotaz estava completamente fora de si. Ele sentia tanta mágoa, tanto ódio de si mesmo por ter se deixado ser enganado de novo que estava cego diante os fatos.
— Claro que não. Eu não faria isso. Não sem ela permitir. — responde, parecendo extremamente incomodado com o assunto que havia se instalado.
— Vá embora, . E fique bem longe dela.
— Quer saber? Tanto faz. Se é isso o que você quer, eu irei.
dá meia volta, levando as mãos aos bolsos. Ele pôde ouvir as últimas palavras de Jhotaz para si:
— Todos estão certos. Você é um monstro.
E então partiu.
— ! — chama, exasperada. Mas ele continuou andando. — Como você pôde fazer isso?! Por quê?! Quando ele finalmente... Ele finalmente se torna alguém que eu posso conviver você o afasta de mim. Por que você quer ver todos que se importam comigo longe?
— Ele não se importa com você. só se importa consigo mesmo.
— VOCÊ só se importa consigo mesmo! Você não entende que ele está sendo bom pra mim? Se não fosse por ele ontem eu provavelmente teria me ferido.
— não é bom, . Criaturas como ele são incapazes de sentir qualquer coisa.
— Cale a boca, eu não acredito em você! Por que está fazendo isso? Faça ele voltar!
— Ele acha que está apaixonado, mas isso é impossível. — Jhotaz responde com simplicidade, fazendo olhá-lo irritada.
— Não seja tolo. não acha que está apaixonado por mim, isso é impossível e completamente ilógico.
— ... Já te disse, . Criaturas como não são aptas para ter qualquer tipo de relação. O máximo que ele sente por você é atração e pelo jeito está ficando cada vez mais obcecado. Foi um erro eu ter pedido sua ajuda... Deveria ter feito tudo sozinho.
— Pare de falar dele como se ele não fosse humano, pare de falar dele como se ele fosse uma pessoa ruim! Por que vocês ficam agindo como se ele fosse alguém desprezível?! Todo mundo fala dele de uma forma horrível e... Ele não é assim. — a menina respira fundo, olhando para os próprios pés parecendo perdida. De repente a ideia de ter se afastado havia a afetado e muito. Precisava ir atrás dele. — Eu preciso ir. Mais tarde nos encontramos.
E assim a menina segue o mesmo caminho que havia seguido, indo atrás do rapaz.
Continuou andando, vendo-o distraído mais à frente, escondido pelas sombras da manhã meio nublada em que se encontravam. Ele parecia tão... solitário. E aquilo de alguma forma doeu no fundo do coração de .
Não queria deixar sozinho.
Ela se aproxima do rapaz, segurando levemente seu pulso e virando-o para si. Não precisou pensar muito.
A menina coloca suas mãos em volta do pescoço de , subitamente aproximando seus rostos e assim pressionando seus lábios. Um beijo forte e quente, uma mordida no lábio inferior dele e o choque de suas línguas. A menina pressionava fortemente o corpo contra o de , como se deixasse implícito ali o quão próxima ela queria estar do rapaz. Ela queria que os dois virassem um só. Eles estavam colados, pele e tecido. Uma mistura do gelo do corpo de com o calor do corpo de , o que fazia esse choque térmico se tornar a combinação perfeita.
A menina parte o beijo, fechando os olhos fortemente enquanto deixava sua testa encostada na do rapaz.
— Jhotaz nos atrapalhou... E você não se despediu direito. Tive que vir e fazer por eu mesma.
suspirou, abaixando a cabeça.
— Por que você está fazendo isso comigo...? — Apesar da pergunta soando como algo triste, sua voz apenas... não expressava nada. — Eu sou só o cara perigoso da cidade que todo mundo manda você manter distância. Por que você não mantém, então? Ah, claro... Porque você me deseja. — Ele morde o lábio, desviando o olhar.
Sabia que não era como as outras garotas, ele tinha certeza daquilo. Sabia que não era como ela. Mas por que ele tinha certeza? Apenas porque estava despertando sensações desconhecidas dentro de si? Talvez ela não sentisse a mesma coisa. Talvez ele apenas fosse para ela o que era para todas as outras garotas, e aquilo não o deixava triste, simplesmente por ter se acostumado com tal fato. Aprendeu a viver daquele jeito, sem reclamar. Mas então... Por que sentia certo incômodo dentro de si apenas com a possibilidade de vendo-o como as outras o viam? Incômodo com a ideia de vê-lo como ela um dia o vira.
— Você... Só... Podia parar. Parar de me deixar tão estranho, parar de se deixar levar pelo o que os outros dizem de mim, e sei lá, só... Parar. — Suspirou. Não estava triste, apenas... frustrado. — Eu realmente sou perigoso, mas a culpa disso não é minha. É uma maldição com a qual eu aprendi a viver. " é tão perigoso, fique longe dele!", "Oh, você sabia que mora na parte mais deserta da cidade? Dizem que ele comete atrocidades com as pessoas lá! Ohh, tão terrível!", "Não chegue perto dele, aquela criatura do mal.", " é gostoso, mas nunca se deixe cair por completo em seus encantos, senão ele apenas irá deixar de te proporcionar qualquer tipo de prazer". É isso o que as pessoas pensam sobre mim, . E sabe, é tudo verdade. Eu sou mesmo um cara mau do caralho que só presta pra transar uma vez e depois nunca mais chegar perto. Pronto, satisfeita? É isso. É isso o que eu sou. Alguém de quem você deveria manter distância, exatamente da forma que todos te alertaram esse tempo todo. Vai, me culpe por isso. Aja como todos os outros, eu não me importo. Já se tornou um hábito não ser tratado como humano, afinal de contas já faz um bom tempo que eu não sou mais humano mesmo. — Deu de ombros. Totalmente contra a sua vontade, se afastou da mais nova, já sentindo seu corpo frio implorar para entrar em contato com o quente dela. — Você não deveria ter se envolvido comigo... V-vá embora.
abaixou a cabeça, refletindo sobre as palavras de . Estava se sentindo tão triste por ele...
— Eu só queria poder te entender... — a menina diz com a voz baixa, parecendo realmente vulnerável.
Queria abraçá-lo. Queria envolver o corpo frio do rapaz em seus braços e sussurrar que tudo ficaria bem. Aquele mero desejo a assustava muito. Ela estava criando um laço de proteção e afeto por que parecia não poder ser contido, e ela tinha muito medo de confundir as coisas dali para frente... Porém sentia que não tinha mais volta.
— Você só... Me desperta certas coisas que eu nunca senti antes. E isso te torna diferente de qualquer outra pessoa que eu já tenha conhecido... — ela se aproximava devagar, dando passos ainda extremamente hesitantes até ele. — Eu não quero ficar perto de você só porque me sinto atraída por você, . Na verdade, levando em conta a forma que eu ajo nesse tipo de situação isso seria o principal motivo para te manter longe de mim, acredite. Eu quero ficar perto de você porque... Eu realmente gosto de você. — e então ela toca no braço do rapaz com delicadeza, olhando-o nos olhos enquanto falava. Sorriu um tanto nervosa. — Eu gosto da sua inconveniência, gosto das suas piadas idiotas e gosto da forma que você age quando estamos juntos. Eu gosto da sua companhia. Não por querer transar com você, mas por gostar da pessoa que você é, seu idiota. — a menina ri, abaixando a cabeça envergonhada. — Eu não me importo com o que as pessoas dizem sobre você. Eu realmente não dou a mínima. Eu... Sei que tem algo de estranho nessa cidade e com as pessoas que moram aqui, e eu sei que isso também se aplica a você. Se referem a você como uma criatura e eu acho isso horrível. Eu apenas... Não acredito em nada no que elas dizem. E também estou pouco me fodendo para o que o Jhotaz diz também. — e então ela abraça , deixando sua cabeça encostada em seu ombro para poder vê-lo melhor. — Não estou dizendo que estou completamente apaixonada e doente de amores por você, porque me poupe, estou muito longe de sentir isso por qualquer homem do mundo, obrigada. Mas sério. O que eu estou dizendo é que... Eu gosto de você de verdade e não te vejo da forma que os outros te veem, e que inclusive parece que você mesmo se vê. Você não é um monstro, . Você é um vilão lindo de conto de terror que no fundo é bonzinho e por isso acaba ficando com a princesa. Entendeu bem? — a menina beija o pescoço do rapaz com ternura, abraçando-o mais fortemente contra si. — Você pode me considerar uma menina estranha e curiosa que vem encher seu saco, ou como uma amiga, ou como sua protegida, ou como apenas uma garota que você considera bonita e por isso quer transar... Ou tudo junto, por que não? Apenas... Não me mande ir embora, está bem? — e assim olha nos olhos do rapaz, estes escondidos pelos óculos escuros, dizendo com toda a sinceridade que tinha em seu ser: — Eu não quero e não vou te deixar sozinho.
— Você gosta mesmo de mim...? — Perguntou ele, quase tão baixo a ponto de não ser ouvido. E quando se deu conta do que havia perguntado, ele apenas suspirou, sem coragem de olhar nos olhos da mais nova. — Por que tudo isso é tão confuso? Não deveria ser assim... — Ele murmura de forma triste, apoiando a cabeça no ombro de , de forma que pudesse esconder seu rosto.
Merda, ele não era daquele jeito, simplesmente não era. Como aquela jovem estava conseguindo mexer com tudo dentro de si daquela forma? Estava tão confuso, perdido, inseguro, sem entender os seus próprios sentimentos, sem saber como lidar consigo mesmo. Apenas queria aquela garota perto de si, poder tocá-la, poder beijá-la eternamente, sentir o calor de seu corpo lhe causando arrepios gostosos, apenas sentindo eternamente seu corpo estremecer diante das sensações que ela provocava em si. Ele queria tanto . Tanto, tanto.
— O que... O que você vai fazer então? Ignorar tudo e apenas ficar perto de mim? Mesmo com todo mundo te dizendo pra que você fique longe, você apenas vai continuar comigo...? — Ele mordeu os lábios, por fim soltando um suspiro frustrado. Por que as coisas tinham que ser daquele jeito? Por que ele não podia apenas ficar com ela e viver em paz? Paz... Quis rir. Parecia impossível para alcançar essa tão idolatrada "paz". — Princesa... Você está correndo perigo. Você precisa de proteção, e eu... Eu não faço isso. Eu não sei fazer isso, eu... Eu... — Fechou os olhos fortemente, se atrapalhando com as palavras. Tão difícil. Se expressar era tão frustrantemente difícil. — Eu só me liguei a alguém dessa forma uma vez desde que eu me tornei isso, e... Deu tudo errado. Foi terrível. Desde então eu quase não me lembro mais como sentir qualquer coisa que não seja superficial... Eu apenas... Não sou o cara certo, princesa. Para proteger você, sabe? Até Jhotaz já percebeu o erro que cometeu ao pedir a minha ajuda... Eu não quero te mandar embora, . Pelo contrário, eu só queria você comigo, sendo a minha princesa. Minha e apenas minha... — Ele a abraça com mais força, soltando um suspiro ao fazê-lo. — Mas isso é sério demais e eu preciso começar a pensar mais em você do que em mim, antes que algo realmente sério aconteça... E-eu não quero te machucar...
— Eu não vou te deixar.
— ...
— Shh. Eu não irei fazer isso. — segura o rosto de , aproximando com o seu. Deixou com que suas testas se encostassem.
Ela fechou os olhos. Ele também.
E assim eles permaneceram por longos segundos, apenas aproveitando a indiscutível reconfortante presença um do outro.
Naquele momento parecia que um trato havia sido selado, uma promessa de duas almas que aparentemente se viam incapazes de viverem separadas.
Capítulo 19
“Tudo isso e você trocou por nada
Uma mentira barata que você pôs no seu bolso
Tudo isso e você trocou por nada
Eu posso ver que o seu coração encontrou seu fim
Diga olá para Judas”
Lara franziu o cenho, assentindo com a cabeça depois do longo monólogo de Victor. O rapaz a olhava com expectativa.
Estava com medo da jovem ter um surto psicótico depois de toda a história que ele havia lhe contado. Sabia que era arriscado, mas confiava em Lara. Achava que ao saber a verdade a jovem poderia ajudá-lo a controlar sua irmã.
— E o que faremos agora? — a menina pergunta com calma e serenidade admirável.
Victor pisca algumas vezes, pego de surpreso diante a reação não usual da menininha.
— Seu tio Jhotaz não pode saber que lhe contei tudo isso.
— Disso eu sei. Quero saber o que faremos a respeito de .
— Precisamos protegê-la a qualquer custo.
— Eu posso protegê-la.
— Pode? — Victor levanta a sobrancelha. — Como?
— Eu conheci uma fada. — Lara diz com firmeza, deixando claro em seu tom que não aceitaria ser ridicularizada diante tal comentário. — Ela estava ferida e eu a curei. Não sei como, mas a curei. Eu posso proteger .
Victor arregalou os olhos, completamente sendo pego de surpresa. Não esperava que Lara houvesse se encontrado com qualquer criatura mágica. Ele deveria ter sido informado disso antes.
— Uma fada...? — ele pergunta devagar. — Qual era seu nome?
— Linzyne.
— Oh, Linzyne. Eu a conheço. — Victor leva as mãos a cabeça, engolindo em seco. — Deveria ter me contado isso antes, Lara. É realmente sério.
— Eu...
Um estrondo é ouvido na porta de entrada, fazendo com que Lara jurasse que as paredes do casarão tremeram com o baque. A menina se encolheu atrás de Victor ao ouvir os passos pesados de alguém subindo as escadas. E assim, virando o corredor, a cabeleira loira de Jhotaz pôde ser vista, brilhando no corredor escuro.
— Por que ela está aqui?! — ele pergunta em tom irritado.
— Estávamos brincando de pega-pega e ela acabou se distraindo e vindo para esse lado. Mas eu já estou a levando de volta.
— Suma com ela da minha vista! — Jhotaz grunhe, passando por eles e indo em direção ao quarto em que a mulher estava. Lara o encarou, confusa.
O estrondo que se seguiu ao baque da porta batendo foi ensurdecedor. Lara estremeceu.
— O que houve? — ela perguntou baixinho.
— Eu só conheço três pessoas capazes de deixar Jhotaz tão irado... Uma dessas pessoas infelizmente se foi, e as outras duas não estão aqui no momento.
— Quem são?
Victor riu amargamente, entrelaçando sua mão na de Lara e a guiando pelo corredor.
— Seu pai, ... — ele responde, soltando uma risada seca e sem humor. — E .
A mulher estava deitada no chão, gemendo de dor depois de Victor ter a lançado pelos ares para se afastar de Lara. Jhotaz apenas a encarava de forma cética e sem um pingo de paciência.
— Levante. — ele diz em tom autoritário, fazendo com que uma risada fria e cortante saísse dos lábios da mulher.
— Se eu conseguisse levantar você acha que já não teria o feito, meu querido Jhotaz? — ela retruca.
Jhotaz bufa alto, andando até a mulher e segurando-a pelo braço. Uma mão se firmou em sua cintura enquanto a outra subiu de seu braço até seu ombro, fazendo-a apoiar no ombro dele.
— O que você quer? — ela pergunta com os dentes cerrados.
Jhotaz a observou por certo tempo.
Aquela garota um dia já fora a mulher mais bela que ele já vira em sua vida... E olhe para ela agora. Dentes podres, pele morta, cabelos oleosos e ensebados e exalando um cheiro pior que o de um cadáver.
Jhotaz gostava de pensar que aquela mulher que um dia fora tão bela estar daquela forma atualmente era uma espécie de castigo. Para ele, deixá-la apodrecer ali era a mesma coisa que tirar a máscara de beleza que ela usava e deixar com que sua verdadeira face aparecesse: alguém repulsivo, como sua horrenda personalidade.
— Uma criatura demoníaca adentrou Mysthical e causou a morte de uma estudante. — Jhotaz diz de forma direta, fazendo a mulher estreitar os olhos pra ele.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Suspeito que foi você que a conjurou.
— Como eu o faria?! — ela rosna, seu corpo se debatendo violentamente em uma brusca resposta hostil. — VOCÊ ME DEIXOU PARA APODRECER NESSE QUARTO!
— Nada do que você não mereça. — Jhotaz responde friamente. Ele solta o corpo da mulher, fazendo-a se desequilibrar e cair novamente ao chão.
— Você me arruinou, Jhotaz. Mas terá volta.
— Você mesma deu a entender que não há meios de ter uma vingança, afinal eu te deixei apodrecendo nesse quarto. — Jhotaz dá um meio sorriso.
— Uma criatura demoníaca não é nada. Em breve teremos um exército, você verá.
Jhotaz franziu o cenho, fitando a mulher completamente intrigado.
— Então foi você.
— Repito: como eu o faria? É claro que não fui eu.
Jhotaz sente uma forte náusea. Seu tempo de conversa com aquela horrenda mulher já tinha se esgotado. e já atormentavam o suficiente a mente dele no momento, ele não precisava de mais uma distração.
Ele foi até a porta, abrindo-a e se preparando para sair. Ouviu a voz rouca e assustadora da repulsiva mulher murmurando por suas costas:
— Apenas espere pra ver, meu querido Jhotaz... Todos irão morrer... Todos.
A água estava fria, tão gélida que era capaz de congelar os ossos de meros mortais. Estava gelada como se fosse inverno. não entendia aquilo. As mudanças climáticas drásticas em seu lar estavam a deixando muito preocupada. Isso significava que havia algo de muito errado em Mysthical.
A jovem nada até a superfície, imergindo ali e já fixando seu olhar na praia. Esperando na areia se encontravam três mulheres, cada uma empunhando armas pesadas em mãos. caminha até elas.
Johoney, Reusha e Jea a observavam. sorriu sem humor. As três delegadas da cidade estavam ali.
— Olá. — as saúda, sem muita boa vontade. — Conseguiram encontrá-la?
— Não. Não temos ideia de onde ela possa estar. — Johoney, a mais alta, disse. Ela era o braço direito de Gainy. — Estamos preocupadas, . Isso nunca aconteceu antes. Tememos pelo bem-estar de nossa líder.
— Vocês não podem desistir.
— Não iremos. — Reusha, a garota baixa de cabelos curtos e loiros, prontamente responde. — Nunca perderemos a esperança. Devemos o mundo a ela.
— Mas e você, ? — Jea, que ainda não havia se pronunciado, pergunta. Ela tinha longos cabelos castanhos. — Algum progresso?
— Eu estou tentando tirar da linha... Mas não sei se está dando resultado. Nós não somos tão próximas assim, apesar de eu a valorizar da forma que valorizo.
— Gainy conta com você. — Johoney diz. assente.
— Eu sei disso. E eu farei o que estiver ao meu alcance para não decepciona-la. Enquanto a vocês... Continuem procurando-a.
— Nós iremos.
iria dizer algo, mas seu celular toca em seu bolso. Ela franze o cenho, confusa. Pegou aquela geringonça moderna que achava muito útil ser à prova da água, dizendo licença para as mulheres e lendo a mensagem que havia acabado de chegar.
“Não paro de pensar em você. Espero que esteja tudo bem”.
sorri.
estava deitada em sua cama lendo “Mysthical: a história e seus segredos”, o livro escrito por seu pai. Diante os últimos acontecimentos ela havia se interessado ainda mais por tal leitura.
Passou-se uma semana desde o ataque de Jhotaz diante a atitude não comprovada de , e nesses últimos dias a menina estava fazendo o que faz de melhor: se isolando em seu quarto, só saindo para ir ao colégio. Obviamente não havia obedecido a nova regra imposta por Jhotaz sobre ter longe de si: na verdade ele estava ali, deitado ao seu lado na cama e brincando de jogar para cima um bichinho de pelúcia qualquer.
Desde aquele dia uma aliança havia sido feita entre e : todas as noites os dois saíam juntos, a fim de ir atrás das tais criaturas demoníacas as quais não fazia a mínima ideia do que são exatamente. Sua mãe é cristã e sempre a obrigou a ir nas igrejas aos domingos quando era jovem, mas desde a morte de seu pai e o distanciamento dela, nunca mais frequentou tal assembléia. Então ela não sabia exatamente se poderia acreditar em criaturas demoníacas ou divinas, entre o céu e o inferno e coisas do gênero. Havia muita fantasia envolvida naquela história, e se ela não tivesse visto a tal criatura ela honestamente acharia que e estavam enlouquecendo.
— Você está percebendo o quão chato era seu pai? — a questiona, seu tom transbordando o tédio que sentia. — Ele só escreve baboseiras no livro. Por que você insiste em lê-lo?
— Porque ler é adquirir conhecimento, . Se eu quero saber sobre a cidade o melhor que eu tenho que fazer é ler sobre ela.
— Ou perguntar pra mim. — retruca. — Eu sei de tudo.
— Mas não quer me contar.
— Não é que eu não queira te contar, estou pouco me fodendo para as regras impostas por Jhotaz a essa altura. Mas é que em parte ele tem razão: se você souber demais talvez não aguente a pressão.
— Ficaria surpreso com o quão boa eu sou trabalhando sob pressão. Já viu minha vida? Ela é vivida com a pressão pesando em meus ombros. — diz, enquanto virava despreocupadamente mais uma página. bufou.
— Deveríamos nos beijar. — ele diz de súbito, fazendo rir.
— Vai sonhando.
— Por que não? Já fizemos isso antes. Deveríamos fazer de novo.
— , cale a boca.
— Foda-se, eu só quero te beijar. — diz na maior cara de pau, se aproximando de ... E sendo empurrado pela mesma.
— Você está abusando.
— Você vai mesmo me recusar dessa forma?
— Vou. Te recusar é o que eu faço de melhor.
bufou alto, cruzando os braços enquanto fazia um bico frustrado com seus lábios. Ele parecia uma criança fazendo birra e não pôde deixar de achar aquilo adorável.
— Voltamos a estaca zero a qual eu te quero e você me reprime. Você é cruel, .
— Que pena, não é? Agora cale a boca de uma vez e me deixa ler.
— Grossa.
Algumas batidas na porta da sacada foram ouvidas, onde ela em seguida foi aberta. adentrou o lugar, respirando de forma descompassada. Ele parecia cansado.
— Tudo bem, ? — perguntou, fechando o livro que tinha em mãos.
— Mais ou menos. Eu sei que costumamos sair mais tarde, , mas temo que temos que ir um pouco mais cedo hoje.
— Que saco. — diz bufando. — Eu estava aproveitando a companhia da jovem princesa que não me dá bola.
— Não é hora disso, precisamos ir.
nada disse, apenas observou os dois rapazes, um do lado do outro. Isso fez com que ela estremecesse por um momento.
, o ápice da bondade. Ele lhe dava a sensação única de segurança e conforto, fazendo com que ela sentisse como se ele realmente estivesse no mundo para protegê-la. , o ápice da — nem tanta — maldade. Ele fazia com que ela sentisse vontade de matá-lo com seus comentários inconvenientes e seus olhares atravessados, mas atualmente não poderia negar que já se via envolvida de alguma forma profunda com ele. e eram o oposto um do outro. Não fazia sentido.
— é tão distraída. Perdeu alguma coisa nas nossas caras, princesa? — pergunta, zombando da jovem.
— Não. Vocês disseram algo?
— Estamos indo agora. — responde. — Cuide-se, está bem? Até mais tarde.
E sob o último olhar de ternura de e a piscadela prepotente de , eles partem.
Lara adentra o quarto de logo depois, fazendo a menina pular de susto. Por pouco ela não viu os dois homens ali.
— O que foi? — pergunta confusa.
— Sua amiga ligou. Ela quer que você vá à praia.
— À praia?
— Sim. Ela quer que você vá encontrá-la. Está fazendo um Sol escaldante lá fora... Achei que seria interessante irmos. Sabe, eu e você não ficamos mais juntas como antes. — Lara olha para os próprios pés, hesitante. — Eu pensei que eu também poderia ir com você. Você fica um pouco com a sua amiga e eu um pouco com Victor. Podemos nos divertir lá.
— Eu nem sei como chegar na praia... E é estranho ter ligado diretamente a vocês.
— Você não atende as ligações de ninguém, só fica isolada dentro desse quarto ignorando tudo e todos. É estranho você ainda conseguir ter um diálogo de mais de duas palavras com .
— É verdade que nos distanciamos... — murmura consigo mesmo. Os últimos dias haviam sido frustrantes. Toda a sua atenção havia sido voltada a e , por isso ela mal teve tempo de conversar com . Era uma pena, afinal a considerava muito. — Ok, podemos ir.
— Eba! — Lara comemora, saindo do quarto.
suspira, deixando seu livro de lado e já indo se arrumar.
A água respingou em seu rosto, fazendo-a levar as mãos a ele, incomodada. Respirou fundo, levando as mãos a água e movimentando-a contra . A garota riu sonoramente.
— Não é tão ruim, é?
— Definitivamente não.
O mar estava calmo. As ondas batiam com delicadeza contra as duas jovens que estavam ali. Era bom. Aquela água cristalina e gelada entrando em contato com seu corpo era uma sensação refrescante e nostálgica. costumava ir na praia quando era pequena, antes do acidente, quando ela e os pais costumavam ser felizes.
Mais adiante era possível ver Lara erguendo um castelo de areia com a ajuda de Victor. sorriu de forma triste. Seu pai também a ajudava a erguer tais castelos, sempre alegando que eles deveriam fazer um castelo muito bonito, digno da princesa que era . Bobo, mas comovente. Era bom sentir que alguém a valorizava tanto a ponto de compará-la com uma princesa.
Automaticamente sorriu. Havia outra pessoa que a chamava de princesa, e tal pessoa tinha atitudes muito semelhantes ao pai quando resolvia ser bom.
— Terra chamando ! — diz, estalando os dedos em frente à . A morena piscou algumas vezes, enfim recompondo-se.
— O que foi?
— Acho que Victor e Lara estão nos chamando. Você quer voltar para lá?
olha em volta, percebendo que as duas haviam se distanciado a ponto de estarem no fundo. Lara e Victor acenavam para elas voltarem.
— Acho uma boa ideia.
sorri, mergulhando. a acompanha.
Quando Lara insistiu para ela ir à praia não estava ponderando aceitar. Mas até que havia sido uma boa ideia ir.
Olhou em volta, vendo aquela imensidão de água e areia em seu campo de visão. A menina não se lembrava como eles vieram parar ali. Era estranho. Não havia nem sinal de praia, e de repente ali estava ela: nadando no mar com sua amiga. Muito estranho. Mas como se tratava de Mysthical ela não poderia duvidar mais de nada.
As duas finalmente chegam na areia, começando a andar pela areia fofa e sentindo seus pés afundarem nela enquanto se aproximavam de Victor e Lara.
— Olha o castelo que eu fiz, ! — Lara diz, apontando para o enorme castelo de areia que ela e Victor haviam construído.
— É muito bonito, Lara. — elogia.
— Eu e vamos dar uma volta na praia, está bem? Vocês dois podem ficar aqui?
— Claro. — Victor sorri para , que retribui tal sorriso de forma sedutora.
e dão meia volta, começando a andar em linha reta pela beirada da praia. Sentiam a água bater em seus dedos enquanto andavam na areia molhada da beirada. sorriu ao ver algumas conchas serem ocasionalmente jogadas ali pelas ondas.
— Você e Victor, huh? — diz, provocativa. ri. — Você não comentou o que houve naquela noite na boate.
— Não tinha como eu comentar, afinal você sumiu. — a olha inquisitiva. — Mas enfim... É exatamente o que você pensa. Fomos em um quarto da boate e fizemos coisas interessantes. — diz com um sorriso de orelha a orelha. ri.
— É meio estranho ouvir você falando isso de Victor. Eu o vejo como se ele fosse um membro da minha família.
— Victor é muito próximo de seu tio Jhotaz e também era muito próximo de seu pai. Isso é compreensível.
— Eu não entendo essa proximidade deles. A lealdade de Victor com meu tio a ponto dele ficar ao seu lado independente de qualquer coisa... Confesso que acreditava que ele fosse apaixonado por ele. Victor era gay na minha cabeça.
— Posso afirmar pra você que ele não é. — diz com um sorriso malicioso. ri.
— Eu queria entender tudo isso, .
— Tudo? Tudo o quê?
— Tudo. O que meus sonhos significam. O que , e significam na minha vida. O que meu tio Jhotaz esconde de mim e qual é a relação dele com . Quero entender o que é a criatura que vi dias atrás. Eu quero entender o que eu sinto pelo . Também quero entender o porquê de você ter se aproximado de mim. Eu quero... Eu quero entender tudo.
— Uau. É informação demais para processar. — diz. — Mas sobre mim... Acho que posso te dizer. Você conhece a Gainy?
— Sim. A chefe das xerifes.
— Ela mesma. Ela já defendeu meu lar em uma batalha que ocorreu um tempo atrás, então eu tenho eterna gratidão por ela. Recentemente ela desapareceu e ninguém sabe o porquê. As outras três xerifes, amigas dela, me contataram para dizer que seria de grande ajuda se eu ficasse perto de você. Perto de Jhotaz. Perto de Victor. Elas disseram que eu poderia ajudar Gainy com isso.
— Isso é sério?
— Gainy é muito próxima de Jhotaz. Ela era o equilíbrio perfeito de ser humano que o mantinha são. Sem ela por perto acho que as coisas podem ficar complicadas... E é por isso que estou aqui. Para balancear a situação do seu lado.
— E como você faz isso?
— Eu tenho um dom. Eu posso instigar as pessoas a fazerem o que eu mando a partir de olhares, sorrisos ou toques. Eu posso instigar as pessoas a cometerem seus mais profundos e impronunciáveis desejos e revelarem seu verdadeiro eu.
— Isso parece loucura.
— Você falou uma cantiga para a criatura, não falou, ? Uma cantiga que você conhecia, mas nunca havia ouvido antes. Algo que você tirou de dentro de você.
— Como você sabe disso?
— Na boate. Meus sorrisos, meu toque aos nossos braços estarem entrelaçados. Eu manipulei seu ser para que você fizesse isso. Para uma parte sua ser liberada. Tanto que ao encontrarmos Victor, você foi atrás de , não foi?
— Sim.
— Em situações normais você nunca iria. É um desejo impronunciável.
— Então quer dizer que você de alguma forma liberou partes de mim as quais eu nunca deixaria sair?
— Exatamente.
— Você é mesmo minha amiga, ? — perguntou de súbito, parando de andar. — Ou eu sou só um objeto de manipulação?
— Gainy quer que você saiba a verdade. Ela não concorda com a atitude de Jhotaz de te esconder tudo. — diz em um suspiro. — Eu estou apenas querendo ajudar. No início era só por Gainy, mas é claro que eu me afeiçoei a você, . Você é a melhor amiga que eu precisava ter depois de tanto tempo sozinha. Confie em mim.
— Eu sinceramente não sei mais em quem confiar.
se aproxima de . Suas mãos sobem até o peito da menina, e assim sua mão pousa em cima de seu coração.
— Você sabe. Sabe pois você pode sentir... Você pode sentir bem aqui.
A brisa gelada da noite bateu contra seu rosto, fazendo-o fechar os olhos. Ele tinha um cigarro em mãos, este o qual ele tragava em pausas. Amava fumar cigarros. O sabor da nicotina em seus lábios só não era melhor que o sabor do vinho.
Ele se inclinou no parapeito de sua sacada, dando uma olhada geral pela cidade. De alguma forma ele conseguia sentir cada energia que emanava nela. Energias negativas, energias positivas... Neutras. Ele conseguia sentir, era tudo tão palpável, como se apenas olhando para a paisagem da cidade ele fosse capaz de captar as emoções das pessoas.
sorriu.
Ele era fascinado pelo ser humano. Amava estudá-lo, ver desde o início tudo o que ele já foi capaz de fazer.
O que ele mais amava era a loucura. A insanidade que tomava a mente humana depois de, por exemplo, uma experiência traumática. Amava a ideia de que, ao ter apenas um dia ruim, um ser humano poderia se transformar de bom para um completo monstro. Em Mysthical havia vários exemplos de pessoas assim.
Tragou novamente o cigarro, sentindo a fumaça adentrar seus pulmões e abraçá-los com ternura. Gostava disso. A nicotina o deixava menos solitário. E assim ele soprou, liberando a fumaça pelo ambiente.
Sorriu.
Levou a mão livre aos seus próprios lábios, tocando-os brevemente. De repente a lembrança do beijo que deu em o atingiu em cheio, fazendo-o sorrir mais. Obviamente o beijo havia sido por fins puramente convencionais para , mas ele não poderia negar que havia gostado. Sua pele queimando contra a da garota, esquentando seus corpos e lhe dando a sensação de que estava no inferno mais paradisíaco que poderia presenciar. O sabor dos lábios de com os seus era seu mais novo vício. Melhor que seu amado vinho, melhor que sua amada arte, melhor que sua amada literatura, melhor que sua amada nicotina. era deliciosamente envolvente, e sentia prazer em crer que ele ainda a terá novamente em suas mãos. Era tudo uma questão de tempo até que ela se envolvesse em seus caprichos, e ele saberia exatamente como influênciá-la.
Seu celular vibrou em seu bolso, fazendo-o atendê-lo sem precisar olhar a tela. Só uma pessoa o ligaria.
— O que você quer, ? — ele questiona em tom entediado.
— Eu, você e , na árvore guardiã à meia-noite. Não se atrase.
havia desligado.
riu.
Aquilo seria indiscutivelmente interessante.
Anos atrás
Fazia frio, mas ele não conseguia sentir.
Seus olhos negros observavam a figura de seu companheiro encolhido contra a árvore guardiã. Os lábios dele tremiam, e sua pele estava completamente arrepiada. Ele sim sentia frio.
Ambos ainda estavam com a conversa que haviam tido com o anfitrião fixas em suas memórias, sendo repassadas parte por parte em suas mentes. O rapaz de cabelos azuis estava completamente apavorado. O de cabelos negros não: ele estava bem. Bem até demais.
E o motivo disso apareceu em meio às sombras, aproximando-se sorrateiramente. Ele tinha um sorriso torto nos lábios.
— Olá, . — o homem de cabelos negros o cumprimenta.
— Olá, . — sorriu ainda mais. — Eu não achei que vocês de fato viessem para cá... Fiquei surpreso.
— Estávamos observando tudo de longe, você sabe. — disse, aproximando-se de seu assustado amigo e colocando as mãos em volta de seu ombro, enquanto continuava a falar com . — Mas agora que ele se foi resolvemos vir, afinal ele não pode mais nos expulsar.
— Jacques deve estar ardendo no fogo do inferno uma hora dessas. — suspira, falsamente triste. — É realmente uma pena.... Que eu não possa ver isso com meus próprios olhos.
— Não diga coisas cruéis assim... — o outro homem geme em desgosto.
Um som semelhante a um canivete sendo sacado foi ouvido, e em seguida um breve gemido escapou dos lábios do jovem de cabelos azuis. havia o arranhado com as suas próprias garras, deixando com que um corte fundo e exposto aparecesse em seu rosto.
— Não seja covarde, . Se iremos ficar na Terra você precisa se certificar de amadurecer. Sua bondade excessiva me dá nojo. — o adverte.
— Essa bondade excessiva dá nojo a mim também... Quando eu sei que de bom você não tem nada. — se aproxima de , fazendo o outro se encolher ainda mais contra a árvore. Ele parecia desolado. — O que foi? Você falhou em sua missão. Siga em frente.
— E-ela se f-foi. — gagueja, fazendo rir sem humor.
— E daí? Estava na hora daquela vadia sem escrúpulos ter a lição que merece!
— Foi culpa minha.... Eu não pude protegê-la. Eu não pude salvá-la. É por isso que eu estou aqui. — gordas lágrimas escorregavam pela bochecha de .
— Sim, é culpa sua. Mas como eu disse: ela teve o que merece. Então pare de se lamentar como um covarde.
— Ele vai melhorar, . — interfere. — é jovem e ingênuo, é tão puro que não consegue ver a maldade em sua frente até que seja tarde demais. Mas ele vai aprender com isso, se é que já não aprendeu.
— Tanto faz. Por que me chamaram aqui? — pergunta, assumindo sua pose entediada.
— Ele nos permitiu a estadia.
— Jhotaz?
— Exato. Ficaremos aqui.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Nós queremos ficar aqui... Porém não podemos arriscar. A filha mais velha de Jacques...
— . — diz, seu tom adquirindo um teor extremamente sério.
— . Não podemos arriscar em mantê-la viva.
— Vocês querem que eu a mate? — pergunta, incrédulo. — Por que não o fazem por si próprios?
— Não podemos sair de Mysthical. Se sairmos eles irão nos encontrar.
— Você a odeia. — diz a em meio a soluços. — Não vai ser um problema acabar com sua vida.
apenas assentiu com a cabeça. De fato não seria um problema.
— Então eu o farei.
Naquela mesma noite partiu. Faria de tudo para sua viagem ser rápida e eficiente. Em situações normais ele teria negado tal pedido inconveniente que requer tanto esforço, mas quando se tratava de um Daurat sua fissuração por derramamento de sangue falava mais alto.
Não conhecia a pequena , apenas havia ouvido sobre ela. Diziam que ela era idêntica a mãe, mas sua personalidade mesmo tão jovem se assemelhava ao de seu pai. Ela tinha os olhos de ambos. Diziam que quando crescesse ela seria tão poderosa quanto eles.
Era por isso que queriam tanto destruí-la.
Tudo o que importava a é: ela é filha de Jacques. Ela é filha DELA. Ela é uma Daurat. Ela tinha que ser eliminada.
Seus olhos se fixaram no precário apartamento amarelo do subúrbio. Havia um porteiro na guarita, sentado enquanto lia distraidamente um jornal. não precisou pensar muito: se aproximou, passando pela porta de entrada sem qualquer problema. O homem nem levantou os olhos.
Subiu o lance de escadas, chegando ao primeiro andar. Não sabia qual porta era, por isso tentaria uma por uma.
Mas um choro de bebê alto partindo do apartamento 7 chamou sua atenção.
Só poderia ser ali.
Ele girou a maçaneta, adentrando o apartamento descuidadosamente aberto.
A sala estava um caos. Haviam diversos porta-retratos quebrados no chão, cacos de vidros para todos os lados. No centro havia um carrinho de bebê, e nele uma recém-nascida chorava a plenos pulmões. franziu o cenho, desconfortável. E foi então que ouviu.
Outra pessoa chorava. Seu choro era baixo, como se ela estivesse controlando a si mesma. o seguiu.
Ele abriu a porta de um quarto, dando de cara com uma estranha cena: uma menininha de longos cabelos negros chorava silenciosamente, enquanto encarava seu reflexo do espelho em sua frente com pesar.
— Você veio me matar?
A voz da menininha soou, assustando-o. Ele não achou que ela fosse nota-lo.
— Na verdade sim. — ele diz incerto.
Se aproximou da menina, ficando atrás dela. O reflexo de ambos juntos daquela forma foi refletido no espelho.
— Antes de partir... Papai disse que alguém viria. Esse alguém viria me matar.
coçou a cabeça, confuso. A menininha parecia impassível. Ela não olhava para : seus olhos estavam fixos em seu próprio reflexo. Ela olhava para si mesma com o pesar de um julgamento.
— Onde está sua mãe?
— Com papai. Em uma funerária. — mais lágrimas caíam pela bochecha da garotinha. — Papai se foi por minha culpa. É por isso que você veio me matar?
— Eu não... Eu...
não sabia o que dizer. Não esperava aquele tipo de recepção, não esperava a forma desolada em que a pequena se encontraria. Ele estava completamente sem reação.
— Posso pedir algo? — sussurra. apenas a olha.
— O quê?
— Um abraço. Papai me dava abraços e dizia que tudo ficaria bem... Mas agora ele se foi e eu não vou mais receber abraços.
— Você quer que eu te abrace?
— Depois você pode me matar. — a voz da menina estava mortalmente séria. Ela parecia resignada a aceitar seu destino. — Eu só quero um abraço... Igual papai.
se aproxima mais, extremamente hesitante. Seus braços envolvem o corpo pequeno da garota por trás, abraçando-a daquela mesma forma. fechou os olhos, deixando que mais lágrimas caíssem.
— Se você me matar... Eu vou me encontrar com ele?
— Eu... — suspirou. De repente ele a abraça com mais força, segurando o corpo pequenino da criança e pressionando ele contra o seu, buscando um conforto que ele era incapaz de dar a ela. Um conforto inexistente diante ao que ele havia sido mandado a fazer.
— Me responda, por favor. — pede.
balança a cabeça em negação, enfim tomando uma decisão.
— Feliz aniversário, .
aperta um ponto específico do braço da jovem, fazendo-a se contorcer de dor. De repente ela estava desacordada em seus braços.
Ele não sabia o que havia dado em si. Não sabia o que estava fazendo quando a pegou em seu colo e a levou até a cama. Não sabia o que estava fazendo quando a deitou ali, cobrindo-a e deixando-a naquele sono pesado.
Muito menos sabia o que estava fazendo quando deu meia volta, deixando a menina desacordada ali com a esperança de que quando acordasse acreditasse que o encontro com não havia passado de um sonho.
Estava frio. Como da noite da última vez em que os três haviam se encontrado: estava muito frio. Mas não sentia. também não sentia. era o único quem tremia.
havia acabado de chegar e os três se entreolhavam com pesar. Estavam mortalmente sérios, sem um resquício de humor qualquer em suas feições, até mesmo nas do sempre tão sarcástico e provocativo . Não havia tempo para brincadeiras.
— O que descobriram? — questiona, sendo o primeiro a quebrar o silêncio que havia se instalado no ambiente.
— A proteção da árvore... Está baixa. — diz, irritado. — Significa que alguém está convocando as criaturas demoníacas para cá e prejudicando a proteção da árvore guardiã.
— E a única pessoa que faria isso é você. — completa.
— Você também acredita nas suposições sem fundamento do , ? Muito decepcionante. Por que eu faria isso? Não há motivo.
— Você queria que ele a matasse, . — diz em um rosnado. ri.
— Você também queria! Nós três gostaríamos que ela se fosse. E falhou. E seguimos nossas vidas... Até atualmente. Quando ela retornou à Mysthical e todas essas confusões começaram a acontecer.
— Acha que a culpa é toda de ?
— De quem mais seria? Ela é muito poderosa. E voltar para a cidade apenas desencadeou tal poder. Me pergunto o que a lunática de sua mãe estava pensando quando a mandou pra cá e como Jhotaz concordou com isso...
— ... Eu sei o que fez Jhotaz concordar com isso. — diz, de repente sentindo sua cabeça doer.
— O quê?
— Concordar com Melissa em deixar voltar, estabelecer para cuidar de ... Jhotaz tinha esperança de que ao vir para Mysthical e se juntar a , ...
— Fosse morta por ele. — completa, olhando para .
— Mas não foi isso o que aconteceu. Ele ficou realmente furioso quando percebeu que eu estou começando a me importar verdadeiramente com . — diz, cruzando os braços. — Ele agiu como se eu estivesse traindo-o de novo.
— Coisa que você de fato fez, não é?
— Não faz sentido Jhotaz querer em Mysthical para ser morta por mim. Eu o conheço há muito tempo, . Ele não iria querer que a sobrinha morresse.
— Mesmo que com sua morte o irmão voltasse a vida...?
— Jacques era tudo o que importava para Jhotaz, . — interfere, olhando-o. — E nós três sabemos que há a possibilidade de ele voltar a vida se for morta.
— Eu não consigo acreditar que Jhotaz desejaria isso para ... — sussurra, dando um passo para trás.
— Isso quer dizer que as criaturas demoníacas foram convocadas por ele. — diz, de repente sentindo sua dor de cabeça se intensificar. — Além de ele é o único que tem o poder para fazer isso.
— Eu te disse que não havia sido eu. — cruza os braços.
— Não importa o quê, precisamos proteger . — diz, decidido. Virou-se para , fazendo-o assentir.
— Você pode contar comigo. Sabe que eu me afeiçoei a jovem.
Os dois velhos amigos olham para , aguardando sua resposta. apenas balança a cabeça em negação. Ele não conseguia acreditar naquilo.
— Eu irei protegê-la de qualquer forma.
— Então está feito.
Um ruído soou pelo silêncio do quarto.
abriu os olhos, assustada. Levantou a cabeça, olhando na sacada.
estava sentado no parapeito, os pés balançando para fora.
suspirou, levantando-se da cama. Vestiu rapidamente um roupão, e assim foi andando até a porta que leva a sacada, abrindo a mesma e se dirigindo até .
O rapaz tinha o olhar perdido na paisagem de Mysthical. por um momento desejou poder entrar em sua mente para descobrir o que se passava ali naquele momento. Ele parecia tão contemplado em observar a cidade, como se essa fosse a última vez que ele a veria. Como se um passo em falso e ela sumiria para sempre.
— O que foi? — perguntou, se aproximando do rapaz. Apoiou as mãos no parapeito, permitindo-se olhar para onde olhava.
— está quase certo de que Jhotaz é quem convocou as criaturas demoníacas. — responde.
— Meu tio? Vocês têm certeza?!
o encara, chocada. Aquilo não poderia ser verdade. Seu próprio tio? Por que ele faria aquilo?!
— tem. tem. Eu... Nem tanto. — o rapaz desvia o olhar para as próprias mãos. Seus braços pálidos tinham veias saltadas, estas que brilhavam na pouca luz. — Mas tudo indica que é ele. Então temos que te proteger.
— Por que isso parece te deixar tão triste? — se aproxima do rapaz. a encara, surpreso.
— Isso não me deixa triste. — ele diz devagar, parecendo incerto diante suas palavras. — Isso me deixa... Decepcionado.
— Por quê?
— Quando eu era pequeno... Jhotaz era meu herói. — ele diz, de repente sua voz adquirindo um tom nostálgico. gostou de ouvi-lo falando daquela forma. — Ele era meu único e melhor amigo. Por eu ter nascido em uma família rica minha mãe me proibia de sair de casa, então eu não tinha contato com outras crianças. Eu só tinha permissão de sair se fosse com o Jhotaz, pois minha mãe confiava na família dele. E nós nos divertíamos. Era realmente bom.
— Então você e meu tio eram próximos...
— Pode dizer que sim, mas eu estraguei tudo.
— O que você fez?
— Eu me apaixonei pela última pessoa que eu poderia me apaixonar.
— Lauranna? Qual é a relação de Lauranna com Jhotaz?
encara longamente, perdendo-se na imagem da jovem.
Ele nunca se cansaria de olhar para . Seus traços delicados não tiravam a firmeza de sua personalidade, o brilho de seu carisma. Aqueles olhos claros que sempre transbordavam os mais intensos sentimentos sem que ela percebesse. Vida. era um ser repleto de vida. E não conseguia não se sentir completamente atraído por isso. Irônico. O homem que sempre desejou a morte sendo atraído pela vida. Realmente irônico.
— Lauranna era namorada de seu pai. Ela o traía comigo.
abriu a boca para dizer algo, fechando-a imediatamente. Seus olhos estavam arregalados e sua expressão de surpresa era evidente. Ela não sabia o que pensar sobre aquilo. Nunca imaginou que Lauranna houvesse qualquer tipo de relação com Jacques, mas agora o ódio que nutria por seu pai estava começando a fazer sentido.
— É por isso que você o odiava tanto?
— Bem... Também. Eu era apaixonado por Lauranna e o odiava por tê-la. — desvia o olhar, incomodado. — Mas também odiava quando Jhotaz dizia que Jacques era muito parecido comigo. Eu queria ser único, não uma cópia barata de alguém que eu odiava por ser tão superior.
— Eu não consigo imaginar meu pai com outra mulher que não fosse minha mãe...
— Seu pai partiu de Mysthical por causa de sua mãe. Como eu, o que ele nutria por Lauranna não era amor: era paixão. A mais intensa e manipuladora paixão. Lauranna não tinha escrúpulos. Ela manipulava sem pena, tirava proveito de tudo o que tinha direito para depois simplesmente jogar fora. Ela era assim.
— Ela fez isso com você? — perguntou baixinho. — Ela te usou e jogou fora?
fica em silêncio por alguns segundos, refletindo sobre as palavras da mais nova.
— Sim.
— E doeu muito?
— Sim. — ele ri de forma amarga, balançando a cabeça em negação. — Minha família havia morrido. Ela era tudo o que eu tinha. Eu lhe dei meu coração e ela... Ela o recusou. E foi embora. Foi embora para os braços do seu pai.
— Eu sinto muito, .
— Não sinta. Não é importante pra mim. Não mais. Lauranna é só uma lembrança sem sentido. — suspira, virando seu corpo e descendo do parapeito. Olhou para . — Ela é alguém a qual tudo o que eu sinto é ódio. Eu quero que ela apodreça no inferno, que acredite: é o lugar onde ela está.
— Você sabe que não precisa fingir ser forte pra mim, certo?
— Como assim?
— Você pode confiar em mim para ser você mesmo. — sorri brevemente de forma gentil. — Você não precisa agir como se fosse indestrutível, como se nada te incomodasse ou ferisse. Você sabe disso, não sabe?
— Eu sei... — O mais velho disse com a voz pesando, no fim apenas suspirando.
A observou por certo tempo, sentindo algo estranho e desconhecido dominar seu interior. Seus olhos desceram em direção aos lábios dela, e ele simplesmente não pôde resistir. Segurou firmemente, colando seus corpos. Uniu seus lábios nos dela, iniciando o que talvez tenha sido um dos beijos mais significativos de toda a sua vida. Aquilo era mais do que o desejo de se deliciar com o sabor gostoso e inebriante de se derretendo em sua boca. Daquela forma tão sutil, dava seu primeiro passo em direção a algo que jamais iria esperar de si mesmo. Ele havia iniciado aquele beijo, e aquele toque de línguas e troca de sabores não estava sendo apressado ou recheado de luxúria e pensamentos sujos como seus beijos costumavam ser. Ele apenas... Sentia tanta vontade de explorar cada canto da boca dela, de sentir seu gosto, de unir seus corpos e sentir o calor do corpo dela em atrito com a frieza do dele. apenas se sentia tão... Diferente. A queria. Não apenas com todo o desejo que nutria por ela, mas a queria... Perto de si, em seus braços, sendo apenas dele. Não entendia. Não entendia e detestava a ideia de que simplesmente estava perdendo o controle de tudo, mas seu corpo e mente apenas não conseguiam respeitar as feridas em seu ego. Ele estava sendo introduzido a coisas tão novas, que apenas ela estava despertando em si... Apenas se perguntava como ela conseguia. A desejava tão fortemente, tão intensamente, com toda a força de seu ser. levou as mãos a nuca do rapaz, massageando ali. Ele apertou o corpo dela contra o seu, beijando-a com ainda mais vontade. Vontade dela. Uma gigantesca vontade de senti-la que estava lhe consumindo, e ele apenas intitulava aquilo como muito desejo acumulado. Apesar de estar chocado, assustado e admirado com as coisas desconhecidas que a menina estava lhe fazendo sentir, ele apenas não levava a sério o suficiente para querer se afastar dela. Não imaginava que aquilo fosse algo realmente sério, por isso apenas ignorava a responsabilidade que começava a crescer em seus ombros, tudo devido ao fato de que estava completamente, absolutamente, extremamente e verdadeiramente insano por aquela jovem.
E quando seus lábios se afastaram dos dela, tudo o que ele fez foi descer os lábios até seu pescoço, e assim apenas se deliciou com a textura da pele de em sua boca. Ela gemeu, e ele riu rouco. Ele queria mais. Queria muito mais. Suas ações não continham apenas urgência e necessidade, mas também uma pequena pitada de cuidado, delicadeza. Como se realmente zelasse por aquela a quem beijava tão desejosamente. Mordiscou levemente aquela pele macia, sentindo o efeito dela se espalhar por todo o seu corpo. Ele estava definitivamente começando a se tornar um maníaco por toda a pequena tortura que esperar para tê-la estava causando em si. Novamente: Mesmo que não soubesse ainda, não existia mais apenas desejo ali. Junto com toda aquela vontade louca por seu corpo, outra coisa florescia. Mas simplesmente era irresponsável e inconsequente demais para levar a sério os novos sentimentos que se desenvolviam juntamente com seu tão ardente desejo por aquela garota.
— Eu sei que posso ser eu mesmo com você, da mesma forma que você pode ser você mesma comigo e apenas comigo. Eu só quero você pra mim... Só pra mim... — Disse em um sussurro. Sua voz era uma mistura entre roucamente feroz e manhosamente carente. Chupou a pele da jovem com vontade, saboreando o gosto inigualável de sua carne macia, o cheiro inconfundível de sua pele. A mesma pergunta sem fim martelava em sua cabeça: Como e por que ela estava fazendo aquilo com ele?
mordeu os lábios, sentindo sua cabeça girar. Estava tão entorpecida com as ações do mais velho, tão completamente entregue aquelas reações deliciosas que ele provocou em seu corpo que não sabia o que pensar. O que dizer. O que fazer. Só queria aproveitar tudo aquilo como se fosse seu último momento.
Fracas batidas na porta são ouvidas, fazendo pular de susto, subitamente se afastando de . Ele a olha frustrado.
— ? — a voz infantil de Lara soa, fazendo suspirar.
— Já vou, Lara! — ela diz em tom mais alto, virando-se novamente para .
E quando o fez... Esse havia sumido.
levou as mãos aos próprios cabelos, prendendo-os no alto de sua cabeça a fim de refrescar a si mesma. Estava completamente quente depois do beijo. Ela dá meia volta, abrindo a porta da sacada e adentrando seu quarto.
— Entra!
Lara abre a porta devagar, deixando com que sua cabecinha aparecesse pela fresta. Ela sorri sem jeito para .
— Eu sei que está muito tarde, e eu não queria incomodar...
— Você nunca incomoda. — a adverte. — Me diga o que houve.
— Eu... Eu estou tendo pesadelos. Não consigo dormir.
sorri compreensiva, andando até a mais nova e puxando-a para dentro do quarto. A levou até a cama, fazendo sinal para que ela se deitasse ali. retira o roupão, ficando novamente com seu pijama, e assim se deita com Lara também.
— Que tipo de pesadelos?
— Uma mulher... De aparência horrível. Cabelos sujos e maltratados, dentes podres e voz assustadora. Ela vem me pegar. — Lara diz em um sussurro, enquanto se encolhia contra o corpo da irmã. acaricia seus cabelos com ternura.
— Essa mulher não vai te pegar, Lara. Eu estou aqui para proteger você.
— Eu é quem deveria proteger você. — Lara protesta, fazendo rir.
— Protegeremos uma a outra, combinado?
— Combinado.
— Tente dormir agora, está bem?
— Está bem...
faz uma pausa, olhando longamente para a irmãzinha. E então sorriu, começando a cantarolar:
— Se essa rua, se essa rua, fosse minha...
Ao final de sua cantoria Lara já dormia profundamente.
adentra o portão de sua casa, trancando-o logo em seguida. Começou a andar calmamente pelo extenso caminho de pedra, sentindo-se mais leve que o normal.
— Você demorou. — a voz prepotente de Yan soa ao seu lado, fazendo o olhá-lo surpreso.
— O que faz aqui?
— Faz tanto tempo que não conversamos, pensei em te fazer uma visitinha.
— Daqui a pouco vai amanhecer.
— Não importa. — Yan abana a mão em sinal de descaso, continuando a andar com . — Por onde você andou?
— Por aí.
— Você estava na casa de , não estava?
— Por que isso te importa? — pergunta, irritado. Yan apenas ri.
— Porque você está se deixando envolver com aquela garota. Ela vai acabar virando uma segunda Lauranna em sua vida e você simplesmente está deixando isso acontecer.
— Você não conhece . Ela não é como a Lauranna.
— Tem certeza? Honestamente, , essa sua vontade de ir pra cama com a menina está ultrapassando todos os limites. Vai foder ela de uma vez e depois dê o fora para o seu próprio bem.
— Você não é ninguém para dizer o que eu devo fazer.
— Eu sou seu amigo.
— Se você diz. — se vira para a enorme porta de seu estimado castelo. Suspirou, virando-se rapidamente para Yan: — Eu agradeço sua preocupação, mas está tudo sob controle. Eu sei como lidar com .
— Sabe mesmo, ?
— Sei. Você pode ir agora.
— Você mudou. Definitivamente não é mais o mesmo. — Yan bufa, dando meia volta.
— Ei.
— O quê?
— Como vai sua namorada?
Yan franze o cenho, olhando para de forma confusa. apenas sorri irônico.
— Kyle disse que você tem uma namorada.
— Ah. Isso. Ela vai bem, obrigado.
— Quando irei conhecê-la?
— Não sei. Talvez podemos sair em um encontro de casais, eu e ela, você e . O quão bizarro isso seria? — Yan levanta a sobrancelha, fazendo rir.
— Adeus, Yan.
— Tchau, .
Gainy não sentia seus braços. Suas pernas. Seu corpo. Ela não conseguia se mexer. Sabia que havia sido amarrada fortemente com cordas prendendo seu corpo, mas o quarto estava tão escuro que ela não conseguia enxergar a si própria. Não se lembrava da última vez que havia comido ou falado. Não conseguia se lembrar de coisa alguma.
— Está de manhã. — a voz grossa adentra seu ouvidos. O homem entra no cômodo, fazendo a luz brevemente adentra-lo, e logo sumir quando a porta foi fechada.
Gainy apenas o olhou, fraca demais para pronunciar qualquer coisa.
— Jhotaz organizou as outras xerifes para arrumarem uma equipe de busca para te encontrar. Patético, não é?
Gainy deixou com que um sorriso triste aparecesse em seus lábios. Sabia que Jhotaz não a abandonaria.
— Mas não se preocupe. O solstício de verão está próximo. Depois dele não terá mais motivos para te manter presa, afinal meu plano será revelado na frente de todos.
Um ruído é ouvido, onde o homem deitou em uma poltrona, esparramando-se ali. Gainy viu uma breve faísca de isqueiro acendendo um cigarro, e em seguida o homem traga-lo.
— Eu queria poder te matar... — o homem diz baixinho, suspirando ao fim de sua frase. — Mas não é uma boa ideia. Não quero irritar ainda mais Jhotaz, sabe? Acho que depois de Jacques ele não aguentaria mais uma morte brutal em sua vida.
Mais uma tragada no cigarro. Gainy observava com pesar aquele homem, tão tranquilo... Tão terrivelmente perigoso.
A árvore guardiã cintilava juntamente ao brilho dos raios solares que entravam em contato com a sua copa, deixando-a com a aparência mais mística que o normal.
O homem de estatura mediana estava ali. Ele olhava para cima, observando toda sua magnitude com admiração. Perguntou-se como algo que estava acostumado como a árvore guardiã poderia continuar sendo tão impressionante todas as vezes que ele ia até lá novamente. Aquela árvore representava mais do que aparentava, afinal, ela era o coração de Mysthical. Se encontrava exatamente no centro da cidade, na floresta da escola. Era por causa dela que os habitantes poderiam viver em segurança. Viver em paz.
Bem, isso em teoria. Pois se dependesse do homem que ali estava, paz era a última coisa que Mysthical teria novamente.
Ele sorriu de forma amarga. Ele tinha que fazer o que era para ser feito, o que o instruíram a fazer. Ele não tinha escolha. Ele tinha que realizar aquilo, pelo bem daqueles que amava.
O homem suspirou, retirando de seu bolso um objeto de madeira longo e fino. Ele tinha runas entalhadas ali, cada uma destas obtendo um significado diferente. Ele ergueu o objeto acima de sua cabeça, apontando para a árvore guardiã. E assim começou a recitar uma série de cantigas extremamente antigas, para a convocação dos seres demoníacos.
A fenda da árvore guardiã, que separava Mysthical do território mundano, se abriu. Era como se um enorme portal estivesse sendo aberto, e um enorme buraco no chão apareceu no meio dele. Dali, berros grotescos podiam ser ouvidos. Grunhidos animalescos que causariam calafrios até no mais corajoso homem soavam no ambiente antes silencioso da manhã.
O homem fechou os olhos, continuando a recitar a cantiga. As criaturas iam saindo da fenda, esgueirando-se pelo ambiente e sumindo pelo território da cidade. Queriam se esconder da luz excessiva, já que eram criaturas exclusivamente noturnas, com um prazer em respirar o ar das trevas da noite.
— Está feito. — o homem sussurrou, fazendo um movimento com o objeto de madeira e fechando o portal.
Essa havia sido a última vez que ele convocou tais criaturas. Havia um número suficiente para realizar aquilo que foi planejado pelo ser superior que o mandou fazer aquilo.
O caos estava a solta, e seria propagado sem dó ou piedade. Mysthical estava com seus dias contados.