Última atualização da parte I: 19/07/022

Prólogo

15 de dezembro
Estúdios Netflix – Albuquerque, Novo México. EUA

-
Seja bem-vinda. – diz o jornalista da grande plataforma de stream e produtora de séries, sentando-se na cadeira almofadada.
Em mãos ele segurava alguns papéis, caneta, e seu celular, trajado com uma polo de requinte e calças jeans visivelmente caras. O cabelo liso e castanho, com leves fios grisalhos, estava perfeitamente alinhado para trás e a flagrância masculina forte exalava de si.
Ele estava estrategicamente posicionado atrás das câmeras, refletores de luz, microfones e pedestais no centro do estúdio de gravação, basicamente nos bastidores de uma entrevista.
- É aqui? – A mulher questiona quando entra no ambiente, apontando para a cadeira disposta de frente ao jornalista, propositalmente colocada no centro dos holofotes.
- Isso mesmo, sinta-se à vontade. – o homem responde sorrindo simpático.
A mulher se senta, a luz forte a deixa cega por alguns instantes, mas logo os olhos se acostumam. A cor azul de sua roupa transcende pelo local, tornando-o mais vivo e acolhedor. Nas sombras atrás do jornalista ela pode perceber alguns funcionários no manuseio dos aparelhos, ajustando todas as câmeras em sua direção e transitando de um lado ao outro para os toques essenciais.
Um jovem alto de pele sardenta e cabelos ruivos se aproxima dela e pede permissão com os olhos para passar um pó em suas bochechas. Ela acena positivamente, mesmo que tivesse acabado de deixar a mesa da sua maquiadora.
Ele faz os últimos retoques e se afasta.
Os burburinhos baixos são interrompidos ao sinal do homem que vestia um colete sarja com a palavra “Diretor” destacada em preto em suas costas.
Com os dedos da mão ele faz a contagem regressiva silenciosa. Quando sua mão se fecha por completo a luz vermelha da câmera é ligada, indicando que ela começara a trabalhar.
O ato a faz se recordar de outro semelhante e recorrente em sua vida.
A largada.
- Pode se apresentar, me dizer o que você faz? – o jornalista a questiona.
- Desculpe, qual o seu nome mesmo? – ela pergunta, desconcertada.
- Sou o Tom. – ele diz sorrindo.
- Tom. – ela repete e nota um ralhar de garganta ao fundo. – Me desculpe, estou um pouco nervosa. Tudo bem, vamos lá. – a mulher endireita a postura e olha para câmera com um sorriso simpático para falar: – Eu sou Benedetti. Represento a McLaren Racing na Fórmula 1 nesta temporada como pilota principal.
- Legal. – ele diz sorridente – Então, você tem Netflix?
- Tenho. – ela assente uma vez.
- Assistiu as primeiras temporadas de Drive to Survive?
sorri desconcertada, e morde o lábio inferior ganhando tempo para a sua resposta.
- É a tal série que vocês estão fazendo sobre a Fórmula 1? – ela rebate a pergunta e o homem ri fraco, assentindo. – Se eu falar que não vocês vão parar de me filmar?
A sala é tomada por uma torrente de risadas contidas.
- Não, - Tom diz ainda com um vislumbre alegre na face – claro que não. Estamos curiosos para saber sobre Benedetti e os desafios que ela enfrenta. Como mulher, como profissional e como pilota em um esporte dominante pelo gênero masculino.
Liza suspira pesadamente.
- Só queremos saber o seu ponto de vista. – ele complementa – Sobre o que você sentiu, suas batalhas internas, as reviravoltas, as emoções... Pudemos acompanhar de perto um pouco da última temporada e pudemos ver que não foi nada fácil. Principalmente com os últimos anúncios e os rumores que rodam a mídia. Mas, claro, você só fala o que se sentir confortável em comentar. Não vamos te pressionar. – os olhos do homem lhe transmitiam confiança, mas afinal, este era o trabalho dele. Fazer com que as pessoas se sentissem confortáveis e, com isso, arrancavam-lhes até os mais ocultos segredos. Se o alvo não se controlasse, poderia gerar inúmeras polêmicas, manchetes e até contratos cancelados.
- Vocês querem a história completa. – ela sopra, os olhos correndo vagarosamente pela sala até encontrar sua empresária em um canto, ao lado do diretor da produção. A loira assente uma vez em sinal de concordância.
- Sim. – o homem à sua frente assente. – Podemos começar por meados de julho desse ano?
ri anasalado e volta os olhos para sua face simpática.
- Espertinho.
- Do começo, então? Antes de ingressar de vez no mundo automobilístico. - jornalista sugere e ela sorri. - O que fez crescer dentro de você essa paixão por correr?
Ela sorri extasiada, nunca se cansaria de falar sobre seu amor pela profissão e como cresceu através dos anos.
- “Eu me lembro de quando eu era criança, por volta dos meus seis sete anos, toda vez que tinha um Grande Prêmio na cidade eu conseguia ouvir os ecos dos motores dos carros acelerando, mesmo há quilômetros de distância do autódromo... Era como um grito me chamando.”


Capítulo 1

“Quando se está em um carro de 1000 cavalos de potência que atinge 320 quilômetros por hora, os pilotos assumem um instinto automático de caça e tudo pode acontecer dentro daquelas duas horas. Nada mais importa.”

5 MESES ANTES

29 de julho
Grande Prêmio da Hungria – Budapeste

O céu da capital do país localizado na Europa Central estava claro e aberto naquela tarde, com poucas nuvens cobrindo sua extensão e ventos agradáveis soprando as folhas do arvoredo verde e vivo que rodeava o autódromo Hungaroring.
No asfalto daquele Grande Prêmio, 20 carros voavam em velocidades máximas e alucinantes, espetáculo este que havia aglomerado setenta mil espectadores presentes naquele dia.
Nas arquibancadas a cor laranja da bandeira holandesa era consistente, país este que estava a pouco mais de uma hora de avião dali, e o alvoroço causado pela cantoria e comemorações a cada curva ou volta completada acendia a chama da paixão pelo esporte, um dos mais íntegros significados da realização da Fórmula 1.
Naquele momento não existiam diferenças políticas, religiosas, questões sociais ou mantos, uma bolha figurada cercava o autódromo, repelindo os problemas externos e focando todas as vibrações positivas e torcida para um fator predominante: correr.

“E faltando apenas três voltas para o final desta corrida já sentimos o gostinho da saudade pela pausa nas próximas duas semanas devido as férias de verão”. – o comentarista narra.
“É, Gabor.” – o segundo comentarista concorda – “Mas é um tempo necessário, foi uma temporada muito puxada desde o começo e bem interessante para estes pilotos. Foram 12 corridas espetaculares, com pódios inusitados, ultrapassagens recorrentes e, o melhor de tudo, emoção em cada uma delas.”.
“De fato elas foram.” –
o homem sorri – “Hoje, por exemplo, tivemos uma corrida com shows de direção, escapes perigosos e retomadas surpreendentes, com o pole position caindo para oitavo lugar, resistência do Hamilton depois de um pneu furado, uma só parada da Benedetti nos boxes, as ultrapassagens do Perez, constantes mudanças no grid... Mas nada tira a primeira posição dele, Max Verstappen honrando sua bandeira holandesa aos olhos de seu público fiel.”.
“Ele não podia ter feito feio, toda a arquibancada é praticamente de torcida para ele.”
“E essa vitória será mais que merecida. Bandeirada na faixa quadriculada, Verstappen em primeiro, Benedetti em segundo e Hamilton em terceiro.”

Do palco do pódio mira aquele mar de gente em comemoração pela classificação da vez. A pilota aplaude o rapaz sorridente no degrau ao centro, realmente contente pela sua vitória.
Já havia sido o tempo em que entortava o nariz por uma conquista do, agora, amigo.
Poxa... Amigo. Quem diria, Max Verstappen e Benedetti. Amigos.
Há quem ainda os vê trocando algumas farpas pelos corredores das garagens, até troca de xingamentos – ambos sempre muito geniosos e convictos em suas próprias opiniões a modo de pilotagem, mas tudo era feito na mais inofensiva das intenções. Todas as diferenças foram postas de lado e uma boa relação havia sido desenvolvida.
Liza sorri consigo mesma. Mais uma boa relação das várias e significativas que ela havia conquistado no grid.
As garrafas de champanhe são distribuídas e o líquido jorrado junto a música alegre. Os três se divertem e continua com o sorriso radiante depois da última chuva de espumantes, encerrando a primeira etapa da temporada daquele ano.
desce do palco e logo Cassandra Ricci, vulgo empresária e fiel escudeira da pilota, se aproxima com uma toalha seca.
- Estamos abertos a negociar entrevistas pós-pódio ou você continua desesperada para embarcar em um avião e se enfurnar naquela ilha o quanto antes? - a loira pergunta entregando-lhe a toalha e caminhando ao seu lado, rumo às saídas.
- Quanto tempo isso me tomaria? - Liza questiona enquanto cumprimenta alguns rostos conhecidos que cruzavam o seu caminho.
- Cerca de uma hora.
- Vetado. - a pilota rebate de imediato, causando uma careta chateada na face da empresária. - Acabou a corrida, tecnicamente eu já estou em período de férias. E eles já adiantaram essas entrevistas para antes da corrida para isso, ficarmos livres agora.
para e sorri ao lado de um rapaz com um celular na mão que os mirava, rapidamente ele registra o momento e a agradece contente. Ela continua pelo corredor.
- Aquele arrogante do seu tio me disse que diria isso, mas não custava tentar. - a empresária dá de ombros. - Aliás, ele e já seguiram ao hotel para agilizar as coisas, vocês devem pegar o primeiro voo da noite.
- Ótimo! - ela celebra sorrindo e devolve a toalha à loira, ignorando a alfinetada no tio. Já estava acostumada com a troca de farpa dos dois.
- E aí está ela. – A voz de Zak Brown, chefe de equipe da construtora soa ao entrar no corredor.
Liza sorri e bate na mão erguida do homem.
- Coloca mais uma para conta, tio Buck. – ela diz risonha e o homem franze a testa em repreensão. – Desculpa, o apelido pegou. Agora não tem mais volta.
Zak ri e assente vagamente.
- Tudo bem, poderia ser pior. O pessoal da fábrica consegue ser bem criativo quando quer. – o homem suspira conformado para voltar a atenção à mulher – Só queria te parabenizar mais uma vez antes que você fosse e ressaltar que o tempo de pausa é para descanso. Descansar, ouvir? – Liza sorri – Todos nós trabalhamos muito e merecemos nos desligarmos disso um pouco. Só assim para voltarmos com tudo na próxima corrida.
- Copiado. – ela diz e bate continência antes de abraçar o chefe, com quem tinha um relacionamento amigável.
- Te vejo em duas semanas. – ele diz e acena ao sair. – Até mais, Sandy.
- Tchau, Zak.
Quando elas estão saindo das garagens rumo ao Paddock de sua construtora, uma voz chama-lhe a atenção: - !
A pilota se vira e vislumbra a mulher de cabelos castanhos cacheados na altura de seus ombros, face sorridente, olhos castanhos escuros e macacão branco e vermelho, representando a escuderia Alfa Romeo.
- Sarah! - salda quando a mulher se aproxima delas. - Que corrida, hein?!
- Sim, espetacular! - ela concorda. - Parabéns pelo segundo lugar, foi delirante!
- Obrigada! - a brasileira sorri – A você também pela décima posição. – Sarah sorri e Liza se adianta em dizer: - Tenho certeza que trabalhando bastante em cima disso vai atingir resultados ainda melhores.
- Com certeza. - Sarah assente – Já é uma honra estar aqui, de qualquer forma.
Sarah Calderón foi a novidade colombiana do grid naquele ano. Depois que quebrado o tabu de uma mulher ocupar uma vaga principal em uma equipe da Fórmula 1 com e ela ter obtido resultados mais que satisfatórios - se tornando a mulher mais bem sucedida no esporte, cada vez mais as mulheres nas categorias de base do esporte automobilístico se esforçavam para atingir o mesmo objetivo que agora não era tão inalcançável.
Sarah ainda podia ser só a segunda mulher a competir no campeonato atualmente, mas este já era considerado um enorme passo para o avanço das mulheres no esporte. A construtora italiana se dispôs a dar a cara a tapa e mesmo que a pilota ainda não havia se destacado no grid, era algo a ser comemorado e incentivado.
Sarah tinha vinte e sete anos, muita experiência na bagagem e determinação. a admirava e estava feliz de ver um rosto não barbado ao seu lado.
- Bom, eu vou indo. - Sarah diz, se despedindo. - Até mais, te vejo em duas semanas.
- Até.

ainda estava a pensar no quanto as coisas haviam mudado no esporte e na sua vida depois do seu primeiro fatídico ano competindo, quando eles chegam ao seu destino. Um resort na ilha de Fernando de Noronha, na sua majestosa terra, Brasil.
Depois que os diretores das construtoras haviam assumido o campeonato a forma como eles haviam tomado as rédeas dos patrocínios, livrando o esporte de um controle corrupto sobre os resultados, influenciou muito nos bastidores no modo de trabalho de cada um. De uma forma positiva, claro.
Mesmo que aquela fosse uma vitória que o mundo talvez nunca saberia, devido à confidencialidade dos fatos, a carreira da pilota havia dado um solavanco impressionante.
Foi convidada diversas vezes para posar para capas de revistas famosas, era frequentemente indicada para prêmios esportivos, chamada para entrevistas em canais de televisão aberta e participar de programas onde a elite geralmente era destacada.
E, a melhor parte, um grande número de patrocínios, investidores e pessoas que acreditavam no seu potencial incentivando a sua carreira.
Estar no seu terceiro ano competindo pela escuderia dos sonhos McLaren, tendo terminado o último campeonato em terceiro lugar na tabela de classificação geral de pilotos, influenciando na pontuação da construtora ao segundo lugar, e se encaminhando mais uma vez para o topo, lhe trazia a satisfação pelos resultados.
No entanto estes apenas pressionavam ainda maiores resultados, como o título, e era tudo o que mais queria. Óbvio.
Correr era sua vida, a adrenalina estava nas suas entranhas e gasolina corria por suas veias.
Mas, por incrível que pareça, ela estava mais feliz pelo término do bimestre do que pela sua posição de chegada da corrida. O campeonato teria uma parada de descanso de 14 maravilhosos dias e a mulher já podia sentir a pele queimada pelo sol, a maresia aquecendo os ventos e o sal da água do mar.
Ela precisava daquela pausa.
poderia dizer que sua vida finalmente havia atingido uma estabilidade que ela sempre desejara. Mas como uma pilota nata ela sempre desejaria mais, e a taça de campeã mundial no seu esporte nunca esteve tão alcançável como antes.
A jovem finalmente havia aprendido que para dar o melhor de si ela precisava recarregar as baterias e já estava ansiosa por isto para que pudesse seguir os passos seguintes.
- No que tanto você pensa para ficar calada a maior parte da viagem, ma belle? - Leclerc a questiona com um sorriso doce no rosto.
Aquele sorriso que a deixava de pernas bambas.
Eles estavam sentados lado a lado no carrinho de golfe que os levavam da recepção do resort até o seu bangalô privado.
- Estava pensando no passado... No presente... - ela confessa aproximando-se do namorado para enlaçar o pescoço dele com seus braços e jogar uma de suas pernas por cima do seu colo.
- No futuro? - ele questiona olhando-a diretamente nos olhos, permitindo-a navegar naquele verde único de suas pupilas, enquanto acariciava sua cintura de leve.
- Também, claro. - ela assente, aproximando seus lábios dos dele e roçando-os calmamente. - Mas o que eu quero agora é deixar tudo isso guardado em um baú, sabe? Esquecer de campeonatos, de corridas, das nossas vidas fora daqui. - ele sorri quando capta a referência. - Só e curtindo as férias. – ela aproxima os lábios do ouvido dele e sopra sedutora: - De preferência com pouca roupa e muito sexo.
- Tirou as palavras da minha boca. – ele sorri e sela os lábios nos dela carinhosamente.
- Por favor. – a voz vinda do banco do carona os ralha, fazendo-os se separar. – Há um limite para se exigir de um tio e ficar ouvindo insinuação da vida sexual de vocês ultrapassaram todos eles.
Liza ri alto e mira o tio que os encarava com o rosto vermelho.
- Desculpe, – a jovem sorri. – mas não foi você quem me atirou ao leão aqui? Arque com as consequências.
ri.
- Tudo bem, só não se esqueçam de que ainda estão aqui para comemorar o meu aniversário. – ele diz. – Não deixem de me dar a devida atenção.
- E vamos, aliás, - ela se interrompe – estamos te dando a atenção que merece! Afinal, o que mais faria a gente viajar 27 horas de uma ponta do mundo à outra do que esse evento imperdível? – Liza rebate.
O roçar das rodas pela trilha de cimento moldurado, o canto dos pássaros nas árvores acima de suas cabeças, as ondas do mar quebrando em rochas na orla da praia há alguns metros dali e a música popular brasileira soando baixo no rádio tornaram-se notáveis em meio ao silêncio dos três. Logo o falatório é retomado.
- Preciso responder isso? – Fabio questiona.
- Talvez pelas belezas da ilha... – supõe, brincalhão.
- A paz longe da agitação com jornalistas ou pressão pelas corridas... – o tio continua.
- Privacidade... – diz sorrindo extasiado.
- Praias, comida, sol, música e cerveja gelada. – Fábio fala. – Quer que eu continue?
- São pontos positivos, claro. – Liza ri. – Mas, acima de tudo, vim pelo meu tio favorito. – ela sorri mostrando-lhe os dentes e Fábio ergue uma sobrancelha ao medi-la de cima à baixo. Ela se encolhe atrás de teatralmente intimidada, e o namorado ri baixo.
- Sei. – Fabio diz com os olhos espremidos em fendas. – Finjam melhor que vieram por mim e não porque a ideia de trepar que nem selvagens pela ilha é muito atraente, seus ninfomaníacos. Eu criei dois monstros, Jesus. – diz cruzando os braços e se vira para frente.
O casal não se segura, tamanho era o mau humor do homem, e riem.
- Tá legal, o que está realmente acontecendo para você estar nesse mal humor? – Liza questiona ainda aos risos. – O fuso horário te deixou ranzinza ou já é o pé na velhice dando seu oi?
- Nada demais, só estou cansado. – responde ao dar de ombros.
- Sabe o que eu acho que é isso, Fábio? – chama sua atenção. – Carência. Por algum motivo você não está comendo alguém e ver que depois de quase quatro anos juntos nós ainda estarmos na ativa está te incomodando.
- Rá. - o homem ri sarcasticamente. – Muito engraçado. Como se eu não estivesse na ativa. Não, esse não é o problema. – ele bufa irritado – Mulheres. Mulheres serem imprevisíveis. Esse sim é o meu problema. Vem cá – ele se vira para Liza de maneira brusca – o que se passa na cabeça de vocês que uma hora estão O.K. e no instante seguinte surtam?
Liza arregala os olhos surpresa. Ela e se entreolham.
- Como é?
- Não são vocês que gostam de se entrosar com a família, ser apresentadas como namoradas oficiais e toda essa besteira? – ele indaga – Porque quando tentamos fazer isso, vocês fogem e ainda faz com que saiamos como culpados da história?
Um momento de silêncio é tomado antes de Liza questionar chocada: - Puta merda, você está namorando?
- O quê? – Fábio rebate com a voz subindo três quartos. – Claro que não.
- Mas foi o que... deu a entender?! – argumenta.
- Não! – o homem balança as mãos freneticamente – Não é... não é bem assim. Vocês não entenderam.
- Você está apaixonado. – provoca com um sorriso maroto no rosto. – Qual o problema nisso?
- O quê? – Fábio questiona rindo em deboche. – Claro que não tem problema, eu só não estou.
- Para alguém que crê em almas gêmeas, está muito relutante quando se é óbvio. – o monegasco insiste.
- ... – Fábio respira fundo, procurando se acalmar – explica para ele?!
- Desculpe, mas você estar pirando por causa de um caso é novidade para mim também. – Liza confessa e quando o tio a fulmina com o olhar ela se vira à – É que ele diz que a alma gêmea dele é a gandaia, e não está disposto a trocá-la por ninguém.
Fábio Benedetti era um homem solteiro, livre e muitas eram as suas histórias sobre as suas ficantes internacionais, que cada semana era alguém diferente – sem figurinhas repetidas ou direito a segunda rodada – sua lista de conquista era extensa.
O perfeito canalha, por assim dizer. Fábio não era atraído à compromisso, como formar a própria família, ter filhos e, Deus o livre, se casar. Claro que isso nunca interferiu no modo como era carinhoso com aqueles que ama, responsável com sua sobrinha e protetor quando necessário. Ele só queria se isentar das responsabilidades matrimoniais e não era uma má pessoa por isso.
Por esta razão, ele estar tão incomodado com o fato de alguma mulher tê-lo desafiado, ou seja lá o que tenha acontecido, não era só surpreendente como inusitado. Não pelo fora da vez, porque estes também tinham sido inúmeros, mas o fato dele simplesmente... se importar e se submeter à oficializar.
Nunca tinha acontecido nos quase 26 anos que se dava por gente e o tinha como tio, ou seja, toda a sua vida.
- Quer saber? Esqueçam. – ele diz –Iisso não importa de qualquer forma. – murmura baixo. – Eu tenho minha família comigo, uma ilha inteira para explorar e dias para esquecer esse assunto. Ponto final.
Liza está para se aprofundar na questão, mas perde a deixa quando o motorista para em frente à casa reservada para eles.
No entanto, ela não se esqueceria, se tinha algo incomodando o tio ela queria ajudá-lo porque ele podia ser bem cabeça dura quando queria.
No centro de uma sombra gigantesca feita pelas arvores floridas e altas que dava-lhes a privacidade necessária, a estrutura moderna se contrastava do ambiente ao seu redor. Com paredes de concreto e vidro, completamente aberta e arejada, e poucos adereços em madeira, os recém-chegados podiam ver todos os ocupantes na espaçosa sala de estar e cozinha ainda do lado de fora.
- Eles chegaram! – Marcos, o pai de anuncia alegre, se levantando da poltrona feita interina de bambu na sala e caminhando rapidamente na direção deles.
O motorista se adianta em descer para recolher as bagagens enquanto Fábio se espreguiçava, esticando os músculos depois de horas sentado e oferecia a mão de apoio para a namorada descer do automóvel.
Em questão de um minuto todos estão ao lado de fora cumprimentando alegremente os três.
Liza abraça os pais com vigor, tamanha era a saudade deles; salda Ernesto, o novo namorado da mãe e dá um abraço de leve em Jéssica, a namorada de seu pai da vez; Ela dá beijinhos por toda a superfície do rosto da avó Emília, que a abraça com amor; Faz o toque de mão com Fael antes de abraçá-lo e agarra , preocupando-se em não sufocar a pequena Marcella em seu colo.
Estavam todos juntos novamente.
Ela finalmente respira aliviada.
- Férias, finalmente.


Capítulo 2

“Quando somos inseridos na sociedade nós aprendemos que devemos seguir um roteiro. Estudar, se formar, trabalhar, atingir uma carreira de sucesso, se casar e ter filhos. E somente quando essa linha tênue é cumprida você pode considerar que sua vida é bem-sucedida perante o meio social. O problema nisso é que as pessoas têm a impressão de que se não cumpre isso nessa ordem é sinal de fracasso e não leva em consideração que às vezes o propósito de um, não é o de outro.”

Após os parabéns com direito à bolo de abacaxi, bexigas coloridas espalhadas pela casa e todos os indivíduos presentes terem sido obrigados a usarem chapéus de festa graças ao pedido fofo de uma criança com espírito festeiro, Liza e estavam deitadas nas espreguiçadeiras nos fundos da casa, próximos a piscina do espaço de lazer com uma vista encantadora ao céu estrelado e mar turbulento logo à frente.
- Esse porquinho foi trabalhar na fazenda, - Liza diz apertando delicadamente o polegar minúsculo de Marcella, que estava confortavelmente deitada em seu colo – esse porquinho foi fazer compras, - ela aperta o indicador – esse porquinho foi nadar, - aperta o dedo médio – esse foi cantar, - e apertando o dedo mindinho ela finaliza: - e esse foi pilotar uma máquina veloz. Eu particularmente gosto mais desse.
Marcella sorri e bate palmas, balbuciando alguns sons que nem de longe pareciam palavras, mas eram adoráveis da mesma forma.
- É incrível como ela te adora. – diz impressionada. – Ou talvez só seja esperta demais, bajulando a tia rica para ganhar presentes caros.
ri.
- Não acredito que sua filha já fez um ano. – ela diz contente, acariciando os cabelos finos e dourados no topo da cabeça da criança – Parece que foi ontem que me contou que estava grávida.
- Não, faz um ano sim. – a loira assente cansada – Na verdade, exatos trezentos e oitenta dias que eu não durmo direito. É, eu estou contando.
As amigas riem.
- Ela estar quietinha assim é raridade, ela não ficar quieta assim com mais ninguém além de você.
- Está na hora de vir com o titio. – surge da porta dos fundos se encaminhando na direção de Liza, estendendo os braços para o bebê.
- Exceto ele, claro. – estala a língua – Fico me perguntando como ela consegue entender ele, e não vou deixar de lado a ideia de que minha filha é um prodígio poliglota. – a loira comenta vendo a criança se esticar inteira para pular no colo do monegasco, que se encanta com a pequena de bochechas salientes. – Para onde está levando minha cria, Leclerc? – pergunta em inglês – Não está pensado em dar bolo para ela, está?
- Não. – ele diz com a voz grossa mais do que o normal, fato que significava que ele estava mentindo descaradamente.
- Mon amour, ela não pode comer bolo. – Liza diz ao namorado carinhosamente – Ainda é muito novinha para tanto açúcar.
- Tá. – ele revira os olhos – Eu dou aquela gororoba verde que vocês insistem dizer que ela gosta.
- É vitamina de abacate. – esclarece. – É saudável.
- Que seja. – ele dá de ombros se afastando com o bebê no colo, erguendo-a no alto e descendo-a devagar enquanto ela se divertia.
- Está na bolsa térmica em cima do balcão da cozinha. – anuncia antes que ele atravessasse a porta.
- Tá. – responde já longe.
- Estou sendo muito folgada pedindo para o seu namorado alimentar meu bebê? – questiona com uma careta sentida, voltando-se para a amiga – O Fael foi tomar um banho, afinal ele está exausto. Ficou correndo atrás dela o dia inteiro hoje, mas a minhas costas também estão me matando.
- Claro que não, adora a . Ele faz por prazer. – a mulher diz encantada, mirando o namorado através das portas de vidro pegar a mamadeira dentro da bolsa térmica e entregá-la a bebê, que se delícia com o líquido. Ela se vira para a amiga – Mas como estão as coisas, fora o furacão Marcella?
- Diz entre mim e Fael? – a loira questiona.
- Sim.
sorri automaticamente.
- Está tudo bem. – ela dá de ombros – Digo, ele finalmente tirou a ideia de casamento da cabeça. Ufa. – finge limpar o suor da testa e ri fraco.
- Você sabe que ele sempre quis isso, não é?
- Não, ele sempre quis uma família e é isso que eu concordei em dar a ele. – rebate – Casamento é só um mero detalhe e eu finalmente o fiz enxergar que evitar gastar com uma festa que é mais para os outros do que para nós, não nos faz menos casal.
- Nunca entendi o porquê dessa sua recusa. – confessa – Vocês já moram juntos, tem uma filha linda, estão na rotina diária um do outro e se apoiam. Além de obviamente se amarem muito. Que mal faz celebrar essa união?
- Não sou que nem você, Liz. Casamento para mim são só papéis, mera formalidade. – explica – Não é algo que eu priorizo como importante agora. No entanto, se um dia mais na frente ele insistir muito, eu faço por ele. Agora o que eu quero mesmo é curtir esse momento com minha filha e ele, que é o que mais importa para mim.
reflete por um tempo e assente vagarosamente.
- Tem razão.
A atenção das duas é voltada para a gargalhada gostosa da bebê dentro da casa. Marcella se divertia com o fato de , que mesmo com o celular sobre a orelha, fazia caras e bocas engraçadas para distraí-la. Ela agita as mãozinhas alegre e a mamadeira acaba por escorregar da sua mão gorducha e cai no chão.
- Ops, deixa eu fazer um resgate. – Liza diz e se levanta rapidamente, seguindo na direção do namorado que se via embaralhado tentando manter o celular no ouvido, um bebê agitado no colo enquanto agachava para pegar a mamadeira.
Ela recupera o recipiente antes dele e devolve à criança, pegando-a do colo do namorado quando o mesmo se levanta.
- Valeu. – ele sopra em sua direção e volta a falar com a pessoa que está na linha – Sim, tudo bem. Eu mando um motorista para vocês. Ainda bem que ligou para avisar, eu já estava começando a ficar preocupado.
Liza franze a testa enquanto balançava vagarosamente o bebê de um lado ao outro e com os olhos questiona o namorado quem era.
- Tudo bem, eu falo à ela. Tchau, se cuida. – a ligação é finalizada e guarda o celular no bolso da bermuda enquanto informava: - Era , disse que o voo dele atrasou por conta do mal tempo em Dublin e que vai pegar o último do dia. Deve chegar por aqui amanhã pela tarde, no mesmo horário que o Danny.
- Ele me disse sobre esse mal tempo ainda em Budapeste, tinha visto na internet que Dublin estava um caos. – revela – Mas ele foi ver os pais, né?! É uma das coisas que ele mais prioriza em fazer e está completamente certo.
- Sim. – ele assente – Falando em pais, minha mãe te mandou um beijo. Falei com ela hoje de manhã e esqueci de te dizer.
- Eu sei, ela também me ligou hoje à tarde. – ela sorri – O que é que ela tem, hein? Senti que está ansiosa com alguma coisa.
- Sério? Não notei. – ele balança a cabeça em negativa.
- Mon amour, faz quatro dias que chegamos aqui e nesse meio tempo recebi oito ligações dela, e você deve ter recebido bem mais porque não sai desse telefone. – diz com a voz amena – Não que eu não goste, sabe que adoro conversar com sua mãe. Mas ela nunca fez isso antes. – a mulher ri – Eu te disse para convidá-la, que ela ia adorar esse lugar. Nas últimas férias ela até queria comprar uma casa em Floripa.
- Eu convidei sim, mas ela já tinha marcado de ficar com os netos nas férias.
Liza suspira.
- Então, não sei. – admite. – Mas que tem alguma coisa, tem.
Liza beija o topo da cabeça da bebê e continua com o gingado enquanto se pega preso naquela imagem.
Marcella já estava quase adormecendo nos braços de Liza, o balançar ininterrupto embalado com a brisa fresca que corria pela casa deixava a bebê entregue. E como a pequena, ele estava completamente entregue àquela cena.
Ele se aproxima e beija a testa da amada, que sorri com o gesto e descansa a cabeça em seu peito superficialmente. Ela então começa a cantarolar a cantiga que ouvia geralmente usar para fazê-la dormir, sendo acompanhada pelo monegasco.
Quando Marcella é vencida pelo sono, eles sorriem um para o outro. recolhe a mamadeira vazia e a coloca sob o balcão da cozinha enquanto Liza acomodava-a melhor em seu colo.
- Opa, vocês domaram meu dragãozinho. – Fael celebra com a voz contida ao se aproximar do casal. Ele estica os braços e Liza transfere a bebê de seu colo ao dele com cuidado – Valeu, gente, ainda bem que ela apagou cedo hoje. Se ela farejasse a minha intenção de dar uma volta, era adeus à noite livre.
- Para onde você vai? – questiona.
- No quiosque da praia tomar umas, aliás eu estava vindo te chamar. – o rapaz fala ainda aos murmúrios, tamanho era seu medo de acordar a criança – Vamos eu, Fábio, Marcos e o Ernestinho.
O trio ri com o apelido dado pela mãe de Liza ao próprio namorado.
Apelido diminutivo não condizente, aliás, porque de pequeno ele não tinha nada. Sua estrutura alta ultrapassava o um metro e oitenta de , o mais alto dali. Contudo os músculos bem trabalhados dos braços e peitoral fazia-o parecer ter o dobro do tamanho.
O homem atravessa a sala distraidamente e recolhe a carteira na mesa de centro da sala enquanto eles o observam.
Ernesto era um homem extremamente bonito, ponto para Patrícia.
Com sua pele chocolate que reluzia à melanina, cabelos constantemente aparados e estilo casual, ninguém poderia dizer que ele já passava dos 45 de idade.
Era um homem reservado e muito educado, conveniências de seu posto como empresário e dono de uma rede de academias famosa no Rio de Janeiro. Ernesto também se fazia muito carinhoso e ele e Patrícia pareciam ter muita química, ele havia se entrosado com a família há pouco menos de um ano, mas já havia conquistado seu espaço no coração de todos por tamanho carisma.
O que o fazia muito diferente de Jéssica, a terceira namorada diferente de Marcos dentre oito meses.
Liza estava feliz pela mãe, o namoro a deixava mais leve e menos inflexível. O relacionamento dos duas a muito tinha melhorado, e intensificado sua proximidade com essa sua nova fase. A companhia dela era sempre muito amável e a pilota não poderia se sentir melhor com o fato.
- Noite dos caras? – questiona, despertando do devaneio rápido.
- Com autorização das senhoras, claro. – Fael se preocupa em esclarecer – A já deu o aval.
olha significantemente à Liza, que ri ao dizer: - Eu não tenho que te autorizar a nada, você sabe que pode ir se quiser.
e Fael então batem as mãos no alto em celebração. Marcella se mexe no braço ocupado do rapaz e ele faz uma careta sofrida.
- É melhor eu ir. – ele murmura começando a ninar a criança de um lado ao outro – Te encontro lá fora em cinco minutos.
se vira à Liza quando o rapaz se afasta e sela seus lábios nos dela.
- Não volto muito tarde.
- Antes das três. – ela determina ao olhar no relógio no pulso do rapaz.
- Antes das três. – ele assente obediente e eles riem. – Tchau.
- Se divirta. – ela se despede e volta à espreguiçadeira, onde encontra a amiga a mirado com olhos ternos e sorriso paralisado nos lábios. – Por que dessa cara estranha?
- Você não tem ideia do quão adorável foi essa cena de vocês dois com a . – ela diz de súbito animada. – Muito cute-cute.
- Meu Deus, . – Liza ri – Você se tornou uma mãe babona.
- Contra fatos não há argumentos, minha filha foi a estrela dessa cena. Mas, referente aos coadjuvantes – ela se apoia no braço da espreguiçadeira sorrindo animada na direção da pilota – qual a previsão para um futuro herdeiro?
gargalha.
- Tá maluca? – questiona ainda aos risos.
- O quê? – a loira indaga – É óbvio o quanto vocês gostam de crianças.
- Claro, adoramos e queremos sim, mas não é o momento agora. – ela explica, balançando a cabeça em negativa – Estamos em uma fase ótima em ambas as carreiras e não sou só eu que tenho a intenção de ganhar um título. Temos metas para bater antes de gerar uma pessoinha que dependerá de nós o resto da vida.
- Aliás, eu vi que está quase empatada com o Hamilton na tabela. Você definitivamente é meu ídolo. – passara a acompanhar o mundo do automobilismo depois que a amiga havia voltado à ativa e gostado por demais do esporte. Frequentes eram às vezes em que a pauta da conversa das duas eram sobre a tecnologia dos carros ou as corridas em si.
Liza ri.
- Obrigada, mas ainda estamos na metade do campeonato e muita coisa pode acontecer. Tenho trabalhado feito louca e um bebê requer a atenção que eu não posso dar agora. – revela – Depois que eu estiver com meu troféu de campeã nas mãos, posso pensar em filhos.
assente, concordando.
- Então, ao menos, os sinos da igreja vão soar esse ano? – a loira questiona. - Esse é o seu próximo passo, não é?
Liza entorta a boca e suspira.
- Não sei. – admite.
- Como assim “não sabe”? – ela indaga surpresa – Não foi você que há dez minutos me falou sobre celebrar a união?
- Queremos nos casar, amiga, e vamos sim. Mas somos jovens e eu não estou com pressa. Além de, claro, sempre ter essa questão de não ser o momento certo. – esclarece – A mãe dele é muito religiosa e sabe como eles são, tem todo um cronograma para que isso aconteça. também é católico, apesar de não muito praticante. Mas seria preciso organizar chá de noivado, jantar, cerimônia na igreja e isso é o tipo de coisa que queremos nos dedicar em fazer porque vai ser importante para nós.
- Ele não te propôs ainda? – ela questiona.
Liza deixa os ombros caírem.
- Não, não propôs, mas não é algo que esteja realmente me incomodando para falar a verdade porque sei que não é por estar me enrolando ou porque não me ama o suficiente. Somos muito maduros quando a isso. – ela fala sincera – Penso que estamos muito bem, moramos juntos, nos amamos, cuidamos um do outro... Praticamente temos uma vida de casados e eu não quero pressioná-lo a fazer algo quando nem eu sei se estou preparada.
assente vagarosamente, em compreensão.
- Eu não tenho tido tempo nem para me chatear, se fosse o caso. Tenho estado tão focada em vencer esse campeonato e sinto que essa conquista está tão próxima que, de verdade, não me importo de sacrificar todo o meu tempo porque sei que ele entende isso. – ela diz motivada e extasiada com a ideia da vitória.
- Mas, no caso, se ele pedisse a sua mão agora você se dobraria em duas para fazer com que fosse possível, não faria?
- Claro que sim. – ela ri anasalado – Eu amo o . Ele é o homem da minha vida e eu tenho certeza de que não há ninguém que me faça sentir como ele faz. Nem maluca eu falaria não.

No outro dia, já pela tarde, Liza termina de amarrar os seus tênis de corrida e se analisa no espelho de chão do quarto. A roupa de ginástica bem condizia para o exercício programado e assim que arruma os cabelos castanhos em um longo rabo de cavalo ela pega sua mochila e desce as escadas da casa.
No andar de baixo, mais precisamente quase abrindo um buraco no chão de tanto andar em círculos no meio da sala, falava ao telefone e parecia frustrado.
- Cara, já tem mais de uma hora que vocês saíram do aeroporto. Onde foi que esse motorista se enfiou com vocês?
franze o cenho enquanto veste as alças da mochila, mas permanece calada até que ele terminasse a chamada.
- Eu meio que estou precisando sim. – ele a olha de soslaio e sorri desconcertado – Tá. Tudo bem. Tenho que desligar. Tchau.
desliga o telefone e passa a mão pelos cabelos.
- Aconteceu alguma coisa? – ela questiona se aproximando dele e passando os braços pela cintura do namorado carinhosamente. O simples toque da mulher fazia seus músculos relaxarem automaticamente.
- Daniel inventou de parar em um bar e pedir caipirinha porque havia prometido que seria a primeira coisa que faria quando pisasse em solo brasileiro. sentiu o cheiro e você já deve imaginar o que aconteceu. – ele explica respirando fundo.
- Aquele porre de caipirinha que ele tomou foi marcante, nunca vi o estômago de alguém se embrulhar com o cheiro depois de anos. – ela ri. – Mas, eles estão de férias, nós também, e temos bastante tempo para aproveitar a ilha. Por que está tão agoniado?
mira seus olhos avelã e suspira, se acalmando. A tranquilidade que aqueles olhos lhe transmitiam era impressionante.
era um conjunto de coisas impressionantes que faziam dela o ser mais espetacular para . E esse conjunto de emoções únicas faziam de seu relacionamento totalmente completo. Ele nunca imaginara poder se sentir tão entregue à alguém quanto ele era à ela.
- Tem razão. – ele assente abraçando-a de volta.
Ela sorri e sela os seus lábios nos dele rapidamente.
- Onde está todo mundo? – ela questiona notando o silêncio na casa.
- Foram para a praia, - ele informa – Fábio desistiu da trilha assim que viu o quanto a gente ia andar, já sua avó falou que não queria ficar de vela. Os outros nem cogitaram ir.
Liza ri.
- Admito que a preguiça é contagiante, mas como você está louco para fazer essa trilha. Lá vamos nós. – fala animada.
Liza se afasta para pegar uma maçã na fruteira em cima do balcão da cozinha.
- Os meninos disseram que já estavam vindo? – ela pergunta antes de morder a fruta.
- Sim, já tinham chegado no resort. Estavam cuidando do check-in.
Ela assente e se joga no sofá espaçoso da sala, a acompanha e repousa a cabeça na barriga da amada, que começa a fazer carícias ritmadas em seu cabelo com a mão livre.
Depois de um tempo distraída, percebe o rapaz com o olhar fixo em seu rosto. Ela sorri constrangida.
- O quê?
- Nada, é só que estava pensando que precisamos entrar com uma petição contra a Grécia. Tipo, urgente. – ele diz com as sobrancelhas duras, sério.
- Por que, mon amour? – ela questiona, já tomada pela preocupação.
- Porque é um absurdo você não ter sido reconhecida como uma deusa ainda. – fala, sorrindo no final.
dispara a rir, a acompanha.
- Já que sou deusa, – ela rebate risonha – vou ser obrigada a te fazer conhecer o céu – sorri – da minha boca.
ri ainda mais.
- Boa! – ele diz bem-humorado e ergue levemente a cabeça para selarem os lábios rapidamente.
Depois de dez minutos o carrinho de golfe para na frente do bangalô e eles seguem para a porta de entrada de mãos dadas para recebê-los.
- Casal 10! – Danny salda radiante com um copo colorido de drink em mãos, descendo do carro. – Que saudade, nem parece que nos vimos tem menos de uma semana.
Daniel Ricciardo era o tipo de amigo que não tinha como ficar muito tempo afastado. Não de uma forma inconveniente, mas porque se fazia por indispensável de tão amável. Adquirira com mérito o posto de melhor amigo do monegasco.
Já ao lado de fora eles notam que não está no mesmo carrinho que o australiano e sim vindo em um segundo, que para logo atrás.
- Vocês tinham que pegar dois carrinhos, claro. – diz abraçando o amigo.
- Não, não foi para fazer corrida. – ele se adianta em dizer – é só porque, mesmo depois de ter deixado o carro do motorista parecendo uma cena de massacre de tanto vomitar, ainda estava regurgitando com o cheiro da bebida e eu não ia jogar fora. Foram dois pelo preço de um, eu tinha que aproveitar a promoção. – Danny diz ao se separar do monegasco e seguir para abraçar a brasileira. – Foi o mais sensato a se fazer.
Liza ri quando eles se afastam e olha dentro do copo.
- Já está vazio?! – ela indaga surpresa.
- Bebi tudo no caminho até aqui, claro. E já quero outra, só me mostrar a direção do bar.
Os três riem.
Logo se aproxima.
- E aí, gente?! – ele cumprimenta alegre. A euforia transbordava de seu ser, mesmo que a pele estivesse um pouco pálida pelo recente mal-estar.
Era por isso que Liza gostava tanto do amigo, sua áurea era boa e tão contagiante que acabava com qualquer mau humor em instantes.
- Parece estar melhor. – comenta enquanto o abraçava rapidamente.
- Ar puro, o nome do remédio. Fiquei com a cabeça para fora do carrinho o caminho todo. – ele ri – Algumas coisas acabam com a gente em menos de cinco minutos.
- Memória olfativa é foda, principalmente de um PT monstruoso. – o monegasco comenta.
- Não, não. – balança a cabeça – Estou falando do Ricciardo mesmo.
O grupo ri e Daniel assente, em concordância.
Logo o britânico se direciona à amiga, esbravejando animado enquanto a erguia do chão: – Benedetti!
- ! – ela o abraça feliz e logo ele a devolve no chão. Ela olha por cima do ombro dele e franze a testa ao notar que só tinham os motoristas nos carrinhos – Onde está a Megan?
entorta a boca.
- Nós meio que estamos dando um tempo.
- O quê? – Liza questiona rindo – Sequer completaram um mês juntos e já acabou?
- , - sua expressão se torna séria, ele a segura pelos ombros para olhá-la nos olhos e dizer: – ela não gosta de Harry Potter.
Liza, e Daniel se entreolham por um instante antes de rirem.
- Tá brincando, né?! – ela indaga aos risos. – Eu sei que é algo suspeito, porque, convenhamos, é Harry Potter – Liza atenua – Mas não é razão para se terminar um namoro.
- Não tem como eu sentir uma conexão verdadeira com alguém se ela não compartilha dos mesmos gostos que eu. – ele explica, dando de ombros. – Além do mais, não é como se tivéssemos algo realmente sério. Então, vida que segue.
- Sendo assim. – ela dá de ombros.
Os motoristas começam a descarregar as bagagens dos rapazes enquanto os amigos se atualizavam de algumas novidades. Quando terminado o trabalho os homens se despedem educadamente e partem com os carrinhos.
- Então, - suspira olhando no relógio de pulso, de súbito parecendo apressado – nós estávamos de saída. Fiquem à vontade, a casa é de vocês e o que precisar é só nos ligar.
- ! – Liza o repreende com os olhos.
- O quê? – ele indaga à ela, perdido.
- Eles acabaram de chegar, vamos acomodar os meninos primeiro. Temos muito tempo para fazer trilha. – ela diz indicando a sala de estar aos recém-chegados. – Vamos entrar, gente.
- Ma belle, se demorarmos muito vamos perder o pôr do sol. – ele reclama, seguindo o grupo pela sala. – É o melhor horário para visitar o mirante.
- Temos o pôr do sol de amanhã e depois, e depois. Fica tranquilo.
- Não. – Daniel se pronuncia – Não queremos atrapalhar os planos de vocês, a intenção era chegar mais cedo e acabamos nos atrasando. Podem ir, com certeza não ficaremos mal por aqui. – fala animado olhando a sala bem arejada e moderna ao seu redor.
- Vão fazer a trilha do tal mirante dos golfinhos? Eu quero ir. – diz puxando o celular do bolso da bermuda – Eu li um artigo em um blog sobre lá, tem uma vista muito massa. – ele mostra a tela do aparelho, onde via-se o print de uma página da internet em português sobre o local.
Daniel faz uma careta para o britânico enquanto passa a mão pelo rosto, contrariado. Já Liza se anima, não notando a reação dos demais.
- Mas você está cansado. Não está, ? – Daniel o questiona tentando transmitir mensagens subliminares no olhar. – A viagem foi longa.
- Cansado do quê? Fiquei apagado a viagem inteira. – o rapaz ri distraído e se direciona até a própria mala deixada próximo as escadas. Ele a abre e começa a procurar pelos tênis de caminhada ali mesmo.
- Se não estão cansados, então vão vir com a gente sim. – Liza diz empolgada, virando-se para Daniel que sorri para ela – O lugar é um espetáculo, e podemos passar no bar a caminho para pegar aquela caipirinha e parar na praia depois... Estamos de férias, vamos aproveitar.
- Sim, claro. – Daniel assente desconcertado.
- Ah, - Liza diz pondo a mão na cabeça – eu já estava me esquecendo das garrafas de água. E vamos precisar de muitas se o for voltar a vomitar.
Quando a mulher se encaminha até a cozinha, pelas suas costas, Daniel dispara um tapa na cabeça de enquanto balançava a cabeça negativamente em sua direção.
- O quê? – ele questiona aos murmúrios, perdido.

(...)

A caminhada começa em direção ao mirante da baía dos golfinhos e os quatro estão equipados com tênis, mochilas, bonés, protetor solar, garrafas d’água e a caipirinha de Daniel.
O grupo segue passando pelas encostas da praia se encantando com paisagens únicas ao adentrar as matas verdes, com extrema fauna e flora, e tendo oportunidade de contato direto com a natureza.
Percorrem por dois quilômetros sem sequer perceber, tamanho era o entretenimento com os detalhes da beleza do lugar. Gaivotas voando no céu, os tímidos micos-leões-dourados que saltavam pelas árvores ao seu redor, tucanos com seus bicos amarelos se exibindo no seu habitat, ipês transbordando de cores e flores que esparramavam pelo chão além do horizonte em si.
Liza vibra quando eles finalmente chegam no topo do paredão de rocha de aproximadamente 60 metros com caída direta para o mar. Ela saltita pelo mirante, sem ao menos se atentar se os rapazes a seguiam, e observa por alguns instantes o comportamento dos golfinhos rotadores no imenso mar de uma cor azul estonteante.
O contraste do azul do mar com o laranja que começava a se apoderar do céu lhes ofereciam uma visão que podia se comparar à uma obra de arte, e a tela soprava toda a sua grandeza no seu rosto, jogando os seus cabelos soltos do rabo de cavalo para trás e limpando a sua alma.
fecha os olhos e se permite aproveitar daquela boa sensação que estava sentindo. O som das ondas se quebrando nas rochas abaixo de si era reconfortante.
Assim que se dá por satisfeita ela gira nos calcanhares, estranhando o extremo silêncio incomum vindo do seu grupo.
Quando se vira por completo encontra somente . Logo se assusta.
- Onde estão os meninos? – ela questiona procurando por um sinal atrás do monegasco. – Eles se perderam? Estavam atrás da gente há cinco minutos.
O rapaz então sorri e se aproxima.
E é quando Liza nota que seus olhos verdes estão mais brilhantes que o normal, e o sorriso em seu rosto é emocionado.
Alegre.
Satisfeito.
Completo.
Ela retribui o sorriso e o acolhe em um abraço, acariciando os cabelos de sua nuca com carinho.
- Está tudo bem? – ela sopra em seu ouvido.
- Está tudo perfeito. – ele responde e se afasta vagarosamente, para mirá-la nos olhos enquanto lhe segurava ambas as mãos. – Santos Benedetti, eu jamais imaginei que um dia eu me sentiria tão amado por alguém tão intensamente quanto a forma a que amo.
Ah, meu Deus, ela pensa.
- Ah, meu Deus. – escapa de sua própria garganta.
- Sinto que nossa vida foi destinada a traçar os caminhos lado a lado, com muito respeito, cuidado, apoio e carinho.
suspira, em seu peito o coração tamborilando mais que passista em escola de samba.
- Tudo o que construímos juntos até então me motiva a sempre querer mais, com você. Te contemplar e te fazer feliz se tornou a prioridade essencial dos meus dias. Um dia sem você ao meu lado é um dia perdido. – ele sorri. – Preciso disso para viver, como ar.
solta suas mãos e vagarosamente se ajoelha diante da mulher, que leva as mãos à boca comovida. Do bolso da bermuda ele tira uma pequena caixa preta, brilhosa e com o nome de uma marca de joias francesa famosa estampada em seu topo. Ao abri-la, ele a revela um anel delicado de ouro branco, com uma pedra brilhosa chamativa e detalhes em rosa bebê.
Um momento de silêncio é dado, como um preparo para a pergunta que viria a seguir.
- Ma belle, quer casar comigo?
Meio segundo de silêncio se passa.
- Sim. – a resposta vem numa voz trêmula devida tamanha emoção.
sorri radiante, fechando os olhos por um instante para suspirar e apaziguar o peito onde o coração fazia algazarra.
Ele se levanta e se aproxima da amada, tirando o anel do suporte da caixa e encaixando-a no dedo anelar de .
Ela admira a mão e se encanta pelo peso daquele acessório. Não se demora em subir os olhos aos de e se aproximar para que finalmente se beijassem.
- Je t’aime pour toute ma vie. (te amo por toda a minha vida) – ele declara em francês depois que ofegantes.
- Je t’aime pour toute ma vie e mais. – ela responde e eles se abraçam forte.


Capítulo 3

“Para mim o casamento é um ato sagrado que deve ser respeitado acima de tudo. Eu não sou muito religiosa, mas penso que a partir do momento em que você se compromete a se entregar de corpo e alma a uma pessoa, é porque a ama, e se a ama tem que estar disposta a dividir a sua vida verdadeiramente com ela porque a partir daquele momento são como um só.”

- Há quanto tempo tem planejado isso? – ela questiona enquanto, em um carrinho de golfe que estava estrategicamente preparado para uma carona, eles seguiam de volta ao bangalô.
O céu já estava escuro, e sob a luz da lua e estrelas eles não soltavam a mão um do outro, extasiados com a ideia de uma vida inteira juntos.
- Digamos que já tem um tempinho que venho pensando sobre como, onde, quando e a forma que seria feito. – ele sorri modesto. – E imaginei que você gostaria de estar próxima das pessoas que ama, num momento de paz e em casa.
sorri radiante e encosta a cabeça no ombro do amado, abraçando-o de lado.
- Você me conhece tanto. – ela sobra – Obrigada. Foi incrível.
passa o braço ao seu redor e beija o topo de sua cabeça para cantar baixo a letra de uma das suas músicas preferidas, da sua banda favorita:

Look at the starts. Look how they shine for you, and everything you do. Yeah, they were all yellow. (Olhe as estrelas. Olhe como elas brilham para você, e tudo o que você faz. Sim, elas são todas amarelas). [COLDPLAY, 2000]

Quando o carro para na frente da casa, mal tem tempo de descer do automóvel quando é recebida com uma chuva de confetes e buzinas animadas do grupo.
Suas sobrancelhas arqueiam em surpresa e ela ri para a família e amigos que vinham elétricos na direção dos dois.
- Vocês sabiam o tempo todo?! – ela questiona descendo o carro.
- Quem você acha que fez o corre da aliança para que você não descobrisse? – Daniel se pronuncia e alisa o próprio ombro, em uma pose teatral de soberba.
ri e o abraça.
- Quem recebeu a honra oficial de ser o padrinho dele, claro. – ela diz ao se separarem – Nem vi quando você e saíram de perto de nós.
- O cabeção aqui esqueceu o porquê de vocês terem de ir sozinhos. Tivemos que sair de fininho, já tinha despistado todo mundo para que fosse um momento a dois, não podia deixar que estragasse.
ri e se aproxima do amigo britânico, que a abraça forte.
- O importante é que deu tudo certo. Estou muito feliz por vocês. - diz e eles se afastam.
- Obrigada.
Quando ela se vira para abraçar o pai, se depara com o mesmo emocionado. Marcos, a quem sempre teve muito contato e um vínculo crescente entre pai e filha invejável, estava impactado porque ainda que sua filha já tivesse dado longos passos para a independência, reconhecia que o casamento era uma corrida com um único significado na chegada: ela se tornar a mulher da própria família.
- Ah, pai. - ela diz e o rodeia com seus braços.
- Não acredito que minha menininha vai se casar. - ele admite engasgado, a voz fraca. - Você está crescendo muito rápido.
ri fraco e afaga suas costas.
- Sempre vou ser sua menininha, pai. – ela sopra em seu ouvido.
Marcos assente e limpa os cantos dos olhos.
Afastando-se dele, mira seu tio que a direciona um sorriso radiante.
- Não está bravo por desviarmos a atenção do seu evento de aniversário?
- Claro que não, porra. Vocês vão casar e eu estou muito orgulhoso porque isso foi o resultado do meu trabalho como cupido. Minha intuição não falha. - ele diz e a abraça agitado, para em seguida soprar em seu ouvido – E pensar que você ainda me disse que não ia transar com o cara.
gargalha relembrando da noite em questão, quando conheceu e se viu imediatamente encantada pelo monegasco, mas com receio de se envolver com o prodígio piloto da escuderia Ferrari.
Em seguida quem a puxa para um abraço, com direito a gritinhos animados, é .
- Sua safada, você sabia! - diz a abraçando de volta. - Estava me testando ontem?
A loira se afasta para olhá-la nos olhos.
- Eu só estava preparando terreno. - ela puxa a mão de para observar o anel e se vê boquiaberta. - Que chique, meu Deus.
- Não consigo parar de olhar. – ela admite – É tão bonito e delicado.
- disse que é uma joia de família. – Patrícia se aproxima da dupla enquanto as demais vozes conversavam animadamente entre si ao fundo – Foi a aliança da mãe de Hervé, que ele deu à Pascale e agora está dando à você. – ela revela sorridente – Parabéns, meu amor!
- Obrigada, mãe. – diz entrando nos braços abertos da mãe, e logo se recorda da ansiedade da sogra, compreendendo: – Por isso ela não parava de ligar. com certeza contou à ela que pediria minha mão na viagem. Mas como que você sabe de tudo isso mesmo? – questiona afastando-se minimamente para olhá-la nos olhos.
- Ele contou quando pediu sua mão para seu pai e eu há algumas semanas. – Patrícia revela ao se afastar da filha, e se entreolham.
- Que tradicional. – a loira comenta.
- Eu te disse. – sopra em sua direção.
- Os monegascos em geral são. – Emília Benedetti comenta puxando a neta carinhosamente para afagar seus os cabelos e rodeá-la com seus braços. – E eu acho muito condescendente toda essa formalidade, revela muito sobre as intenções da pessoa e eu não poderia estar mais orgulhosa por você estar muito bem encaminhada. – a matriarca aperta no abraço carinhosamente – Estou muito feliz por você, querida.
- Obrigada vovó. – ela sorri.
Depois que reconhecera que não há nada melhor que o lar, Emília reformou a fazenda em que morou no Reino Unido por anos para se tornar uma pousada e passou a administrar somente as finanças do lugar de longe para estar no Brasil com sua família. Ainda que a empresária de 66 anos viajasse constantemente para supervisionar, não só lá como outra fazenda que arrendara no interior de Minas Gerais, ela sentia o apoio de seu vínculo maior a cada abraço.
A família Benedetti não podia estar mais unida e em sintonia.
- me passa a plena confiança e sinto que não vou me arrepender de entregar meu tesouro à ele. – Patrícia acaricia o rosto da filha com olhos úmidos.
sorri emocionada e mira o, agora, noivo de longe conversando animadamente com o sogro e demais rapazes.
Ele já fazia parte daquela família, não tinha como negar.
Havia conquistado um a um. Todos o receberam tão bem e o clima era tão favorável e descontraído que pensa que poderia explodir de tanta felicidade.
- Eu também. – admite.
flagra o olhar encantado da noiva e sorri em sua direção antes de sugerir: - Vamos celebrar, então?
Todos comemoram alegres porque tinham um motivo mais que especial para isso, e as horas no bar com conversas alegres e brindes se faziam por essencial.
Contudo o grupo mal desconfiava o que aqueles dizeres do monegasco realmente significavam. Uma madrugada inteira bagunçando os lençóis e molhando-os com o suor devido ao exercício que o casal mais gostava. Fazer amor.

(...)

2 de setembro
Autódromo Nacional de Monza – Itália

- Caramba, esse troféu está ficando mais pesado à cada ano. – comenta descontraída ao sair da sala da coletiva pós-pódio carregando o seu brilhoso e evidente troféu de primeiro lugar.
No seu encalce estavam Sandy, surpreendentemente com a cara emburrada mesmo após mais uma vitória de sua cliente, e Fábio, que sorria cordialmente, mas que também vinha com um mau humor palpável desde o fim das suas férias no Brasil.
- Nenhuma piada sobre a minha reclamação totalmente privilegiada e idiota? – ela olha de um ao outro, estranhando. Por fim, suspira. – Credo, como vocês estão ranzinzas.
- Eu me ofereço, se precisar de ajuda com isso. – uma voz grossa e simpática soa em português nas costas de e ela sorri imediatamente ao reconhecê-la. Ao girar nos calcanhares, ela o vê completamente bem-humorado: - Só não garanto que eu vá devolver.
- Como se eu já não tivesse conhecimento das suas mãos leves. Nunca mais vi aquele MP3 que eu te emprestei há, o que, 12 anos atrás. – ela brinca e eles riem.
- Na minha defesa, o seu tinha mais músicas que o meu e sua playlist era muito melhor. – ele diz. – O que te torna culpada pelo bom gosto.
- É, compreensível vendo por esse lado. – sorri e o rapaz se aproxima, eles se abraçam alegremente.
- Parabéns pela vitória. Você foi esplêndida na pista, claro. – ele fala – Deve estar até cansada de tanto ouvir isso.
- Não, é sempre bom. - ela diz e eles riem juntos ao se separar.
- Ah, parabéns pelo casório também. – o rapaz fala ao se lembrar.
- Obrigada. – agradece radiante.
- Quem diria que aquela garotinha marrenta que adorava ficar suja de graxa estaria noiva hoje em dia?
Raul Palhares era o outro brasileiro além de a estar no grid da Fórmula 1 daquele ano, o rapaz corria pela Astro Martin – substituindo Sebastian Vettel, um dos veteranos que se aposentara no final do ano anterior – e o conhecia de longa data.
O rapaz, de cabelos encaracolados sempre penteados em um topete e olhos pretos feito jabuticaba, foi o único amigo de quando ela começou a se destacar no kart, ainda no Brasil. Eles se conheciam desde os oito anos de idade e desenvolveram uma boa e próxima amizade até os quatorze, quando passara para a Fórmula 4.
Suas carreiras acabaram os separando, enquanto a jovem dava uma pausa forçada para viver “uma vida normal”, Raul acabou se destacando em outras categorias. Já havia competido pela Fórmula E, campeonatos alemães e europeus, foi campeão da Stock Car no Brasil por dois anos consecutivos, disputara a Indy e finalmente se arriscou na Fórmula 2 no ano anterior, garantindo sua vaga depois de vencer o campeonato logo na sua estreia.
Era um piloto talentoso e muito experiente apesar da pouca idade, coisa de um ano mais velho que , além de bem-humorado. Eles haviam perdido completamente o contato quando se distanciaram, mas o vínculo pela nacionalidade os fazia ter conversas divertidas e nostálgicas pelos velhos tempos.
Quem acabava não se agradando muito com isso era , que deixa explícito seu desconforto pela respiração pesada assim que sai da sala de coletiva. Já havia virado um hábito dele toda vez que o brasileiro estava ao redor.
finge que não ouve.
- Vai ter happy hour hoje? – o brasileiro pergunta.
- Hoje não, vou aproveitar que estamos perto de casa e dar uma passadinha lá com os rapazes.
- Ah sim, verdade. Você mora na França.
- É, e já tem um tempo que não vamos até lá. Não vou me surpreender se a casa estiver com uma placa de abandonada. – ela brinca e os dois riem, mas era a pura verdade.
Com tantas viagens a trabalho, a lazer e compromissos, e sequer notaram que eles já estavam a mais de dois meses sem pisar em casa.
- Você está convidado a se juntar a nós, claro. – ela anuncia – Os meninos sempre vão para lá quando estamos aos arredores. Definitivamente é mais confortável que um hotel e a gente sempre faz programas divertidos.
Raul sorri.
- Eu agradeço o convite, mas se eu não for me encontrar com a minha garota desta vez é capaz dela me chutar bonito.
faz uma careta sentida.
- Sendo assim. Fica para uma próxima.
- Fica sim, pode manter o convite de pé que eu vou. – ele assente – E prepara o estoque de cerveja, porque você já fala um bocado, junta comigo então, vamos virar a noite falando besteira.
Eles voltam a rir e se despedem rapidamente. Quando se volta ao pelotão laranja, está com uma expressão de poucos amigos no rosto.
- Pelo o que eu entendi, você o convidou. – o britânico acusa.
- E que mal há nisso? – ela questiona seguindo os passos da empresária e o tio que saem na frente em direção à saída do autódromo, sendo acompanhada por ele.
- Eu não gosto desse cara. – admite.
- Mas você nem o conhece, sequer deu oportunidade para ele.
- Já vi o suficiente para achar que ele é muito precoce. – ele rebate – Mal chegou aqui e já acha que pode sentar na janelinha. – diz em português. estava ficando bom na pronúncia da língua e já conhecia uma lista diversa de ditados, gírias e palavrões.
ri.
- , acho fofo você sentir ciúmes. – ela diz e quando ele abre a boca para rebater, ela se adianta: - Mas não precisa se preocupar. Posso ter muitas amizades, mas cada uma delas têm a sua essência, são únicas. Por isso, fique despreocupado que ninguém vai tomar o seu lugar na minha vida. Até porque você deve pegar uns dois três lugares, de tão espaçoso que é. – ela o abraça de lado rindo, sem parar de andar – Você é meu irmãozinho, uns dos meus melhores amigos. Então, vamos parando com essa putaria.
a encara nos olhos com a face séria, mas aos poucos o canto direito do seu lábio o denuncia e ele acaba por sorrir.
- Fora que, eu não fico reclamando de você e o Carlos, então fica na sua. – ela diz para descontrair e eles riem juntos.
e tinham uma relação inexplicável. Desde que se conheceram suas almas pareciam ter se reencontrado e a cumplicidade e parceria eram inigualáveis. Brigavam feito irmãos por assuntos banais, mas também se apoiavam intensamente e estavam constantemente presentes um na vida do outro. Eram uma dupla única, e todos ao seu redor sabiam e admiravam esse fato.
Logo o rapaz recupera seu bom humor e está a fazer piadas sobre a sua recente indigestão com as massas italianas.

Os parceiros então são levados ao hotel, onde eles se organizariam e descansariam até dado o horário de seus voos.
está deitada confortavelmente no sofá aveludado da sala de estar acoplada ao seu quarto, com a cabeça apoiada no colo de e os olhos quase cedendo ao embalado sonolento do carinho vagaroso dos dedos dele em seu cabelo.
Ela estava sentindo tanto sono ultimamente, que até mesmo havia dormido ainda no cockpit quando a adrenalina abaixara logo ao término do segundo treino livre aquela semana. Qualquer lugar que sentava, seus olhos já tendiam a ceder.
As vozes de e Carlos Sainz, que conversavam sobre algum patrocinador recente da escuderia vermelha, ficavam cada vez mais distantes.
No entanto, sua atenção é chamada e sua mente volta à cena quando ouve seu nome.
- Sim? - ela diz com a voz rouca.
- Oh, ma belle. - diz com a voz adocicada – Mil perdões, não percebi que estava dormindo.
- Tudo bem, eu só estava descansando os olhos um pouco. - ele diz bocejando e se ergue, sentando-se ereta no sofá, só para aos poucos se escorar no peito do noivo e deitar a cabeça em seu ombro. - O que é?
- Você acha que é muito cedo para começarmos a planejar as coisas do casório?
então se sente mais despertada, o sono some.
- Mon amour, marcamos o casamento para final de janeiro. - ela observa, afastando-se minimamente para olhá-lo nos olhos. - Temos aí uns bons quatro meses. Considerando que a temporada acaba começo de dezembro, temos quase dois meses livres para focarmos nisso. Falamos de fazer justamente em janeiro para não interferir na temporada, não foi?
- Eu sei, mas como queremos que tudo saia conforme o nosso gosto pensei que podíamos começar a pensar em alguns detalhes para não deixar para última hora. - ele comenta, dando de ombros – Sabe, eu estava relembrando do casamento do Lorenzo e em como minha mãe falava que todo detalhe era crucial, as listas, os arranjos, festa de noivado, jantar de ensaio, festa de casamento... – ele suspira pesadamente – É muita coisa.
sorri com a leve preocupação do rapaz.
- Eu sei que parece muita coisa, mas vamos conseguir lidar com isso. E no nosso tempo, se não a gente perde toda a diversão.
Apesar de ainda incerto, sela os lábios de rapidamente.
- Não quero me intrometer nos assuntos matrimoniais. – o espanhol se pronuncia na poltrona de frente à eles, chamando-lhes a atenção – Mas minha irmã, Blanca, começou com os preparativos um ano antes. Ela quase ficou loca com todas aquelas cores iguais de guardanapo, enfeites de mesa e a tal das lembrancinhas que acabaram não sendo as que ela queria. O estresse dos preparativos foi tanto que quase ela e o marido se separam antes mesmo do casório.
A jovem reflete por um instante e visto a testa franzida do monegasco ela suspira e declara: - Vou pedir à Sandy para procurar por salões disponíveis na data e cerimonialistas para começarmos a discutir sobre os tais detalhes.
- Obrigado. – ele respira aliviado.
não era uma pessoa ansiosa, tanta era a pressão que tinha que lidar devido à sua posição social que se realmente fosse, teria sucumbido à diversas crises.
No entanto sabia que o casamento não era um marco importante somente em sua vida, como triplamente significativa na do monegasco. Porque, afinal, Mônaco descendia de uma luxuosa monarquia, e todos os seus ascendentes foram criados com uma cultura muito rigorosa com o matrimônio.
Apesar de terem entrado em comum acordo de que não fariam coisas exuberantes e seguindo protocolos propostos e regrados, visto que ele carregava a nomenclatura de Lorde, ela sabia que ele não queria desapontar a mãe, a qual admirava tais formalidades. Por isso não se importava em ser flexível, se fosse deixá-lo feliz.
- E então, todo mundo pronto? – entra na sala carregando uma bagagem de mão e uma mochila nas costas. – Onde está o Mick?
O britânico questiona olhando pelas frestas das portas que coligavam os quartos.
- Em reunião com a assessora. – é quem informa. – Disse que nos encontra no aeroporto, o mais tardar.
assente.
Podia-se dizer que os anos agregaram mais maturidade, experiência, comprometimento, simpatia e inteligência a Mick Schumacher, como se isso fosse possível. E em consequência disso, não só pelo celebre sobrenome, havia se tornado uma celebridade da Fórmula 1 junto de outros nomes com maior destaque, levando nas costas a construtora a quem ninguém tinha esperanças anteriormente, a Haas.
- Beleza. – o britânico junta as mãos em um estalo antes de mirar Carlos – Você não ia para Madrid essa semana?
- Vou. E vocês vão pegar uma carona comigo. – o espanhol explica.
Sainz adorava um momento descontraído com os amigos e marcantes eram as suas falas sarristas somado ao seu bom humor, que convenientemente acabou tornando-o membro nato do chamado “GrupoG”, composto pelos pilotos mais próximos do grid. Eram esses que saíam juntos, praticavam atividades, tinham proximidade e, em alguns casos, deveras intimidade.
A pressão do campeonato tornava-os adversários, sim, mas nem por isso tinham que alimentar inimizades. Eram como uma família disfuncional, mas, afinal, qual família não era?
E Carlos, por sua vez, era um amigo companheiro, atencioso e centrado quando preciso, mas ele também prezava muito pela sua real família e aproveitava a toda e qualquer oportunidade de se juntar ao seu pai e suas irmãs. Sendo capaz até de gastar parte de sua fortuna na compra de um jato para essas convenientes visitas.
- Por isso que eu digo, ter um amigo rico é melhor do que ser rico. – diz e o grupo ri.

As viagens de avião nem sempre eram tranquilas para , que nutria profundo receio em estar à sabe-se lá quantos mil pés de altura em uma caixa de ferro flutuante. No entanto, a pilota já havia se acostumado com os calafrios e arrepios que corriam pelo seu corpo toda vez que subia a bordo, dado os anos e a frequência em que utilizava o meio de transporte.
Por tal razão ficou intrigada com o fato de ter passado tão mal em uma viagem tão curta, comparada às demais que fazia. Chegara a vomitar no banheiro minúsculo por três vezes, se concentrando em manter o equilíbrio enquanto a aeronave balançava e segurar o cabelo comprido para que este não sujasse.
Graças à essa tarefa foi concluída com êxito.
O mal-estar a deixou esmorecida ainda no caminho de carro até a sua casa. Contudo, assim que colocara os pés dentro da propriedade e ela sentiu o cheiro amadeirado dos carvalhos que tomavam a entrada, ela subitamente se sente muito melhor.
Eles passam pela gigantesca porta e a jovem habilmente tira os seus sapatos, deixando-os no hall como costumeiramente deixava, e se direciona até a espaçosa sala para se jogar e afundar no confortável sofá cor nude.
deixa as malas no hall, mais preocupado em seguir a noiva e aproxima-se vagarosamente dela para pousar a mão em sua testa e medir a sua temperatura.
Enquanto isso Mick acionava os controles para abrir as persianas das portas de vidro que rodeavam toda a sala, revelando o jardim e quintal de gramado verde nos arredores; e seguia para a cozinha em conceito aberto, abrindo a geladeira e sorrindo imediatamente ao se deparar com o esperado bolo de chocolate lá.
- Você não está com febre. – observa, acariciando a testa de – Nem com suadouro ou as mãos geladas. – constata ao descer a sua mão até as dela. – O que está sentindo?
- Para falar a verdade, nada mais. – ela confessa sorrindo em sua direção – Foi só um enjoo bobo. Sabe como é, aviões são um terror para mim. – se senta e vira a cabeça na direção da ilha da cozinha, onde cortava um pedaço do bolo – Chocolate!
- E ela não economizou na cobertura. – o britânico comemora.
se levanta num pulo e segue na sua direção já com a boca salivando.
- Madame Louise e seus dotes maravilhosos. – a jovem elogia.
Madame Louise era a senhoria que cuidava da casa de e , dada a ausência constante dos dois. Ela era uma senhora francesa de 56 anos muito atenciosa. Cuidava não só da limpeza, como organização, reposição de compras, supervisionava os jardineiros, piscineiros e rapazes da manutenção, além de garantir a segurança da casa, seus pertences e, claro, até cozinhava suas guloseimas favoritas quanto avisada que eles retornariam.
A mulher não era de muito convívio, preferia cumprir as formalidades e só entrava em contato com os chefes quanto de extrema necessidade. Era justa, honesta e boa no que fazia. O casal confiava nela e não tinham do que reclamar.
- Ma balle, não acha melhor ir com calma no chocolate? – sugere ao vê-la pegar dois pedaços consideravelmente grandes – Acabou de pôr tudo para fora.
- E já estou bem. – ela sorri – Acho que deve ter sido aquela massa italiana que também zoou o , somado ao voo. Nada demais. – explica abocanhando um pedaço do bolo.
- Ele tem razão , o estômago está vazio e fragilizado. Encher com coisas pesadas pode te deixar mal de novo. – Mick observa atencioso.
- Cadê aquele kit saúde que a Louise montou para você? – o monegasco questiona.
Ela sonda a mente rapidamente e faz uma careta ao constatar: - Deixei com meu tio. Ele estava morrendo de enxaqueca anteontem e me pediu alguma coisa.
- Legal, o kit ficou na Itália. – comenta irônico.
- Aliás, por que Tico e Teco não estão aqui? – questiona, notando a ausência incomum.
ri, era a forma que ele se referia a empresária a ao seu tio.
- Sandy preferiu ficar em casa para descansar e Fábio deve ter ido atrás de um rabo de saia. Ele é um turista assíduo da Itália agora. – ela conta e se dá conta de que: - Ah, será que é onde a tal garota que ele está a fim mora?
- A que deu um chute nele? – questiona e ela assente – Ele não te disse nada quando puxou ele para conversar lá em Noronha?
- Não. – ela deixa os ombros caírem e abocanha outra colherada do bolo, dizendo após engolir: – Ele está muito resguardado com esse assunto e confesso que tem me incomodado um pouco, porque entre nós as coisas sempre foram às claras. Mas se ele precisa de espaço para absorver essa nova fase, eu dou.
O monegasco assiste por alguns instantes se deliciar com o bolo, comendo com uma expressão tão prazerosa que não se assemelhava em nada com a sua situação há poucos instantes. A pele de suas bochechas até voltara a ficar corada.
- Eu vou na farmácia comprar alguma coisa caso você volte a se sentir mal. – diz aproximando-se da noiva para lhe dar um beijo na testa. – Pode estar bem agora, mas se piorar nós vamos à um hospital.
- Exagerado. – ela ri anasalado.
- Acho que vou aproveitar e passar no Bernie’s e ver se meus tacos de golfe estão prontos, - ele avisa – Louise disse que levou eles para a manutenção ontem.
- O.K. – ela estala a língua no céu da boca.
- Vou com você. – Mick se oferece e os dois saem porta afora.
e terminam de comer e ficam um tempo em silêncio, apenas digerindo.
- Ainda estou com fome. – ela revela de súbito e Lado ri.
- Geralmente essa fala é minha.
- O que vamos jantar? – ela questiona puxando o celular no bolso da calça e abrindo na lista de números de restaurantes das redondezas. – Não sei se aguento esperar eles voltarem para pedir alguma coisa.
- Eu... Bom, vou jantar fora. – o rapaz diz hesitante.
sobe os olhos do celular até .
- Quem é a da vez? – ela questiona – Aquela da rua de trás?
- Não, essa é aquela que conhecemos no mercado. A ruiva, gostosona.
dispara a rir.
- Ah sim, eu me lembro dela. – ela diz controlando a risada – Você derrubou farinha na menina de graça.
- Eu precisava de um pretexto para puxar assunto e perguntei se ela conhecia alguma receita de bolo. Se a caixa não tivesse caído teria sido uma boa jogada, mas não foi de todo mal. – sorri galanteador – Pelo menos eu consegui o número dela.
Eles riem.
- Deus, , como você está mulherengo.
- É sempre bom ter algumas opções, não é?
assente, ponderando.
já não era mais o garoto ingênuo e recluso que conhecera há três anos, se tornara um galanteador recorrente e sua lábia fazia de suas noites sempre agitadas com companhias femininas.
O rapaz era discreto e não falava muito sobre os seus casos, o que reforçava sua postura como um perfeito cavalheiro. No entanto, seu único problema era não se conectar de verdade com alguém, o que causava a sua frequente troca de companheiras.
Apesar de ainda ter o espírito infantil para algumas coisas, em outras já era um homem formado e por algumas vezes a amiga se esquecia disso.
- Que horas marcou com ela?
- Por volta das nove. – ele dá de ombros e ela confere o relógio em seu celular.
- Agora são sete. – ela nota – O que podemos fazer nesse meio tempo?
fecha a cara na hora.
- Não.

(...)

- Aiiiiiii! esbraveja com a face tomada pela dor – Quanto do meu couro saiu nessa? Certeza que tem um buraco na minha bochecha.
ri fraco, puxando vagarosamente e com cuidado a máscara verde já seca do rosto do parceiro, arrancando cravo por cravo. estava deitado com a cabeça em seu colo, no sofá, e ela estava quase finalizando a limpeza de pele.
- Só faltam mais alguns cravos. Vamos lá, os franceses se sentem mais atraídos por peles bem cuidadas. – ela diz e vê ele fechar os olhos com força quando ela puxa a parte sobre a sua bochecha direita.
- De onde você tirou isso? – pergunta com a voz contida.
- Acabei de inventar. – ela admite e eles riem. – Mas o cuidado com a pele nunca é demais. Depois do encontro você me fala se a francesinha ficou alisando seu rosto ou não. Confia em mim.
- Se demorar mais cinco minutos nisso vou me atrasar e pontualidade é mais importante do que ela ficar alisando meu rosto.
- Tá, chato. – ela dá a língua e passa a toalha úmida com delicadeza pelo rosto dele, limpando o resto do creme.
se levanta num pulo, suspirando aliviado.
- Soube dos rumores sobre o ano sabático que Lewis pode tirar ano que vem? – ele questiona de súbito.
- Ouvi alguma coisa sobre, sim. – ela responde, vendo-o aproximando-se das portas de vidro e aproveitar-se do reflexo para arrumar o cabelo com as mãos.
- George está animado, mas, não sei. – comenta descontraidamente. – Você acha que eles finalmente vão dar chance para ele?
- A possibilidade não é inexistente. – diz sorrindo fraco.
George Russell era piloto da academia Mercedes e tentava ir para a construtora desde sua chegada à Fórmula 1. Era extremamente talentoso, e tirava sangue do carro da Willians, que também tinha o seu potencial em dúvida pelo público devido ao baixo nível de competitividade. Mas George era jovem e esperava conquistar mais com a Mercedes, atual campeã e mais aclamada equipe do campeonato, e já havia declarado que só sairia da Willians se fosse para ir para a sonhada construtora alemã.
- Bom, eu vou tomar uma ducha rápida. – diz, virando-se em sua direção – Está O.K. para ficar sozinha, mesmo?
- Já disse que o mal-estar passou. – ela sorri. – Pode ir. Logo os meninos voltam.
dispara escadas acima e fica a refletir sobre seus últimos comentários. O nome da Mercedes tanto fixara em sua mente que ela mal percebe e Mick despontar no meio da sala com uma sacola cheia de remédios.
- Meu Deus, pensei que tinham ido fabricar os remédios. – ela comenta e ri.
- O senhorzinho da farmácia estava me explicando para que serve cada um. – ele explica sentando-se ao seu lado.
- Detalhadamente. – Mick atenua com veemência, tamanha fora seu tédio pela voz vagarosa do senhor e sua extrema paciência com as dúvidas do monegasco. – Com todas as indicações possíveis.
- O bom é que agora eu sei exatamente o que fazer se voltar a acontecer. – fala e passa os braços ao seu redor, afundando a cabeça em seu pescoço carinhosamente.
- Você é impossível, mon amour. – ela sorri acariciando os cabelos do noivo.
- E então... Qual o jantar da vez? – Mick chama a atenção dos dois – Você podia fazer aquele pastel brasileiro maravilhoso, não é ? Não encontro dele em canto nenhum da Espanha, pior ainda na Alemanha.
- Eu ia pedir por alguma coisa enquanto vocês estavam fora porque estava morrendo de fome, mas acabei me distraindo. Pastel seria uma boa. – comenta, ainda fazendo carícias nos fios de , para depois arregalar os olhos – Ah – ela exclama apontando para Mick – sabe o que seria melhor ainda?
- O que?
- Aquela tal Crema Catalana. – seus olhos brilham e a boca chega salivar.
Mick adorava aquele doce e toda vez que ia à Barcelona se empanturrava com ele só para depois reclamar sobre o quanto de açúcar tinha naquelas coisas.
Uma vez ele comprou uma a e ela gostou, mas o doce não entrara no topo da sua lista de melhores doces.
Brigadeiro, esse sim é o melhor doce, ela pensa. Mas, definitivamente, o gosto daquele creme derretendo na sua boca despertara a sua vontade.
- O doce? – questiona confuso afastando-se minimamente para encarar seu rosto e ela assente animada.
- Para o jantar? – Mick indaga.
- Ah, gente, qual é. – ela dá de ombros – É que fiquei com vontade de repente.
ri anasalado.
- Crema Catalana – ele repete.
- Que é feita só na Espanha. – Mick relembra. – Vamos voltar à uma realidade, vamos falar sobre o pastel.
- . – ela olha, procurando por seus olhos e sorri de forma doce, quase implorando com os olhos brilhantes.
Ele fica por um tempo preso àqueles olhos avelã, só para acabar por sorrir.
- Será que a gente não encontra naquela confeitaria no centro? – o rapaz se vira para o alemão.
- Se forem especializados em doces espanhóis, sim. – ele dá de ombros. – O que eu acho que não é o caso.
- Podiam pedir para eles ao menos tentarem fazer. – ela sugere – E enquanto isso eu fico aqui preparando os pastéis. – e olha sugestiva ao amigo. – Queijo, carne, pizza... Do que mais você gosta mesmo, Mick?
O loiro pondera e assente quase que imediato.
- Feito.
- Ah, e passem em uma mercearia também. Acho que cairia bem com um picles em conserva. – ela sorri enquanto Mick faz uma careta enojada.
- Você odeia coisas agridoces. – o rapaz comenta – E essa deve ser uma das combinações mais terríveis.
- Não sai da minha cabeça que deve ser uma delícia. - ela umedece os lábios. – Quero experimentar.
O monegasco ri.
- Devíamos comprar uma sacola de remédios dessa aqui toda folga, a gente tem metido cada vez mais o pé na jaca. – diz, usando o ditado brasileiro que a noiva dizia hora ou outra. – Mas, beleza. Então, uma Crema Catalana e um picles em conserva saindo.
Ele lhe dá um beijo rápido e se levanta para sair, deixando uma com um sorriso satisfeito no rosto.


Capítulo 4

“Existem mulheres que são mais sensitivas às coisas que acontecem com o próprio corpo, já outras só percebem quando a resposta está quase te estapeando na cara. Quando você tem muitas responsabilidades e seus dias são cheios de compromisso, fica à cargo do seu organismo tentar te informar que tem alguma coisa acontecendo ali. Se você ignora, as coisas tendem a ficar piores.”

16 de setembro
Circuito urbano de Marina Bay – Singapura

As luzes de alta resolução iluminavam as ruas como se fosse dia, o asfalto trepidava quando um a um os carros velozes passavam cortando o vento em alta velocidade. A temperatura elevada não era nada agradável, e isso era constatado devido ao público transpirando nas arquibancadas, mas que não deixava de vibrar e acompanhar volta a volta, curva a curva, ultrapassagem a ultrapassagem.
Pior mesmo era para os pilotos, os quais tinham que lidar com o próprio inferno dentro dos cockpits além da pressão corporal e esforço para manter-se concentrado durante as 61 voltas da corrida.
Não era à toa que aquela era a corrida mais desgastante e difícil de todo o calendário. Qualquer mínima circunstância poderia piorar o bem-estar de quem estava dentro do carro, por mais precauções que fossem tomadas. Afinal, o automobilismo, acima de tudo a própria Fórmula 1, era um esporte completamente imprevisível. Tudo podia acontecer.
- Que droga! – reclama no rádio – Mas que droga!
- “Garota, sei que estar em décimo não é animador.” – Andreas, o seu engenheiro chefe, a responde – “Mas ainda podemos retomar, estamos na metade da corrida.”.
engole em seco o bolo que cresce em sua garganta quando ela desacelera rapidamente para fazer a curva acentuada logo atrás da Alpha Tauri de Pierre Gasly.
- Não, não é isso. Tem alguma coisa... – ela grunhe, o estômago revirando. – Esse cheiro, que droga de cheiro é esse que está impregnado no volante? Estou com ele no nariz desde a largada.
- “Cheiro? Cheiro de quê?” – o homem questiona confuso.
- Parece de álcool, higienizador, produto de limpeza, não sei. – responde ofegante.
- “Seria do esterilizador que passamos para limpar o carro?”.
sente o bolo despontar no final da garganta.
- Isso mesmo. – afirma com a voz sofrida. – Nem o cheiro do meu suor superou o desse negócio. E olha que eu tô ensopada.
- “Sempre passamos esse esterilizador. Você nunca reclamou dele.”.
- Meu estômago está virado. O jantar fica subindo e descendo pela garganta. – ela confessa, mesmo que estivesse atenta ao vácuo que Pierre poderia lhe dar na reta.
- “Oh meu Deus, você quer vomitar?”.
- Não fala essa palavra, não. – ela choraminga.
- , se estiver passando mal, pare a corrida. Você vai acabar forçando o seu corpo.”.
- Não, eu estou bem. – ela mente, chacoalhando a cabeça para afastar os maus pensamentos. – Quanto falta para eu chegar no Gasly?
Andreas suspira pesadamente, mas acaba cedendo à teimosia costumeira de sua pilota: – “Temos 3.8 de distância do Pierre. Espera a próxima curva para fazer a ultrapassagem, o carro dele está sem aderência por conta dos pneus gastos”.
O canal do rádio fica em silêncio por um tempo. Mais do que o considerado normal.
- ?” – Andreas a chama.
- Sim, copiado. – ela diz com a voz enojada, a garganta rouca e tapando a respiração. – Ai, caralho.
- “Você vomitou, não vomitou?” – o engenheiro questiona e seus olhos seguem diretamente ao telão à sua frente, onde o carro laranja movimentando-se pela pista era a atração principal. Na curva rápida, mesmo que por um breve momento, a reprise mostra algo ser espirrado para fora do carro.
- Vamos em frente. – afirma pelo rádio. – Estou me sentindo bem melhor. O cheiro do vômito supre o do esterilizante.
Andreas ri, balançando a cabeça negativamente, junto de toda a equipe de que monitorava o desempenho pelos computadores.
- “O próximo é o Perez.”. – engenheiro diz ainda com resquícios de riso na voz.

Ao sair do carro, parado na sexta posição da fila na entrada da pit lane, a primeira coisa que faz é tirar o capacete e a balaclava com certa pressa em respirar ar puro sem o azedume do vômito. Tamanha era a sua aflição daquele líquido preso perto de sua boca e debaixo do seu nariz por trinta voltas.
Ela apoia os dois na dianteira do carro e olha para o próprio macacão molhado, tanto pelo suor como pelo regurgito.
- Caralho, . – George, quem vinha caminhando dos carros de trás, se aproxima dela com a voz preocupada. – Você está bem?
Ela pede um segundo para ele em silêncio e respira fundo com os olhos fechados. Tentando evitar as ânsias porque já não havia mais nada no seu estômago.
- Vamos, eu te levo até a garagem. – o rapaz a segura delicadamente, passando um de seus braços pelo seu ombro como forma de apoio e caminhando vagarosamente.
- Puta merda, ela está bem? – mesmo de olhos fechados ela reconhece ser Max. – Credo, isso é vômito?
- Ela não está bem, não. Dá uma mão aqui. – Russell diz e logo sente seu outro braço ser apoiado sobre ombros mais largos, em estatura menor.
- Não, gente. – ela diz após respirar fundo e abrir os olhos, apesar de as pernas ainda estarem moles. A pressão aparentava ter tido uma queda. – Eu tô bem.
- Vamos ali por trás, os fotógrafos adorariam pegar isso. – Max fala ignorando as contestações da amiga e eles entram no primeiro corredor da sequência de garagens.
Quando os três finalmente chegam na garagem da McLaren, eles são recebidos com olhos num misto de admiração e preocupação.
- Chamem o carro de segurança, precisamos levá-la no pronto atendimento. – Zak anuncia no meio da garagem.
- Não. – nega veemente, desapoiando-se dos braços dos rapazes, sentindo-se muito melhor de súbito. – Estou bem agora. Sério. Passou.
- Você realmente se vomitou todinha. – Andreas diz, ainda sem acreditar mesmo com os olhos em cima da pilota. – Não sei se posso chamar isso de perseverança ou de estupidez.
- Prefiro perseverança. – ela sorri, descendo o zíper do macacão e desfazendo-se das mangas com agilidade. – Afinal, eu terminei a corrida. Não terminei?
- Isso sim que é prova de resistência. – o engenheiro diz sorrindo fácil. – Eu queria te abraçar para parabenizar, mas você está nojenta.
Eles riem.
- Você realmente está melhor? – George questiona avaliando-a nos olhos.
- Sim, só preciso de um banho. Urgente. – ela responde sorrindo e vira-se aos dois. – Obrigada, gente. Fico devendo uma para vocês.
- Imagina.
- Não foi nada. – dito isso eles se encaminham para a saída – Se cuida, viu? E não se esquece da pesagem.
- Pode deixar. – ela acena e logo eles desaparecem pelos corredores.
então aceita uma garrafa de água que um assistente a oferece e não rejeita quando outro coloca uma toalha molhada sobre sua nuca, enquanto tentava argumentar com Brown que estava bem e não precisava mesmo ir à enfermaria.
- Se um dia pensei que você fosse doida, hoje tenho certeza. – Fábio afirma rindo ao se aproximar dela de braços cruzados depois de Zak se dar por vencido e se afastar. – Você está bem?
- Ótima. – ela sorri. – E já que seu bom humor voltou, faz um favor para sua sobrinha favorita e me arruma um robe limpo para eu ir me pesar antes que mais alguém me flagre imunda e queira me levar para o pronto atendimento.
- Como se ninguém soubesse que você vomitou no meio da corrida, não é todo dia que vemos resto de comida espirrar para fora do carro. – ele provoca aos risos e ela puxa a toalha do próprio pescoço para tentar acertá-lo, mas ele rapidamente corre para fora da garagem.
- As fotos com a Vogue amanhã estão canceladas. – Sandy anuncia se aproximando com nojo expresso na face ao mirar de cima abaixo.
- Por quê? – a pilota questiona incrédula – Por causa de um vomitozinho? Qual é.
- Não, quem cancelou fui eu. – a loira revela – Amanhã você vai procurar um médico e fazer exames para ver o que você tem. Já tem 15 dias que você vem tendo essas quedas de pressão, náuseas e isso não é normal. Ainda mais para quem tem uma saúde de ferro e raramente adoece.
suspira, mas acaba por assentir.
- Concordo, não aguento mais. – ela confessa – Acho que deve ser alguma virose.
- Gravidez, talvez? – Sandy indaga arqueando uma sobrancelha, suspeita.
- Claro que não, - nega imediatamente – eu tomo anticoncepcional. Vira essa boca para lá.
A empresária sorri.
- Menos mal, temos uma temporada para vencer e um bambino agora não ajudaria em nada.
- Eu não poderia concordar mais.
Logo, Fábio volta com um robe azul, com a logo da sua construtora costurada perfeitamente nas costas e estica-o na direção da sobrinha. Ela enfia os braços pelas mangas e logo amarra o cordão na cintura, para rapidamente se livrar do macacão pelas pernas, ficando com a segunda pele úmida por baixo do robe.
Ao caminho da pesagem, Fábio e Sandy a acompanham.
- Vamos aproveitar agora para falar de uns tópicos pendentes. – a loira informa com uma prancheta em mãos – A Forbes quer fazer uma entrevista com você sobre mulheres de sucesso no esporte;
- Já não fizemos uma entrevista assim? – questiona franzindo a testa.
- Sim, mas aquela foi com a revista Grande Prêmio. – Fábio quem responde – A Forbes pertence à patamar superior, querida.
- Certo. – a jovem assente.
- Enfim, vamos marcar para o próximo final de semana de corrida, O.K.? – Sandy pergunta e ela assente – Só para relembrar, temos o jogo de tênis solidário para o meio dessa semana, como já havíamos falado na semana passada.
- Verdade, tenho que dar uma treinada. – ela arqueia as sobrancelhas ao se recordar – É de um jogo com Serena Willians que estamos falando e, por mais boa que eu seja...
- Você vai levar um pau dela. – Fabio completa e eles riem.
- Pelo menos vai ser um pau da Serena Willians. – ela dá de ombros e as risadas se intensificam.
- Próximo; - Sandy diz ao voltar os olhos à prancheta – umas ONGs da Arábia Saudita entraram em contato comigo para falar com você sobre um movimento que querem que você participe.
- Movimento do quê?
- Eles te mandaram uma carta oficial, eu mando no seu celular e você lê mais tarde com atenção. Mas é sobre a primeira vez de um GP em Jeddah e a revolta do povo sobre o governo extremamente opressor com as mulheres.
- Tô dentro. – responde de imediato.
- Imaginei que diria isso. – Sandy sorri e corre os olhos pela prancheta – E o último... Ah, o Toto entrou em contato novamente.
suspira pesadamente.
- Deixa eu adivinhar, ele concordou com a contraproposta?!
- Sim, e atendeu à todas as nossas condições. Ele está mesmo interessado em ter você na equipe. – Sandy sorri animada – Aquela cesta de chocolates no seu quarto de manhã foi presente dele.
- Eu mal comi aquela cesta de queijos da semana passada, tio Fabio que deu fim nela para mim ontem. – ela fala apontando o homem com o polegar.
- E pode deixar que te ajudo com as próximas com prazer. Porra, queijos do mundo todo em um só lugar. – Fabio diz já com água na boca – Esse mimo foi realmente espetacular, o homem sabe como comprar uma pessoa.
- Ele está sendo gentil.
- Ele está sendo esperto. – Sandy corrige, alertando-a. – Ele vem te estudando desde o começo do ano e essas generosidades não são despropositais. Você é uma pilota de ouro, caminhando para o auge da carreira, jovem e ele sabe que quando o rumor de que você está aberta a receber propostas cair em conhecimento geral vai chover contratos de outras equipes. Por isso ele se adiantou. – a loira ri fraco – Ele quer te conquistar para te levar para a Mercedes, e aposto que vai fazer qualquer coisa para que isso aconteça.
ainda tinha muitas dúvidas. Gostava demasiadamente da equipe da McLaren e seus métodos de trabalho, era a sua escuderia dos sonhos – o time do coração.
Os tinham como seus aliados, parceiros, como família. Não queria mudar-se de lá, ainda mais quando se está com altas probabilidades de se ganhar um campeonato ao seu lado e trazer o título que há anos eles não conquistavam.
Porém, quando Toto Wolf apareceu com aquela oportunidade inegável ela não pôde não considerar.
O contrato de Lewis terminaria no final do ano e ele tiraria um ano sabático, que foi confirmado pelo próprio Wolf à ela, e a construtora a queria para substituí-lo naquele tempo com a pretensão de assumir o lugar de Valtteri Bottas e permanecer na vaga principal ao lado de Hamilton quando ele retornasse, se alcançar os resultados que eles determinariam.
Isso lhe acarretava variadas responsabilidades.
O peso de ser parceira de um homem que carregava vitória de diversos campeonatos nas costas sem se tornar a sua sombra; a incumbência de bater os seus números ou, ao menos, se igualar ao seu nível obrigatoriamente; superar as expectativas da equipe campeã; manter-se sempre à uma posição satisfatória sem oportunidades para margens de erro – quase beirando-se à perfeição; além de uma vida duplamente mais agitada e comprometida com seu trabalho.
No entanto, não era somente aquilo que prendia Liz na indecisão, porque ela gostava de se desafiar, de colocar sua capacidade à prova, e sabia que conseguiria com muito empenho. Mas, sim, com o fato de que a partir do momento em que ela assinasse aquele contrato ela estaria assumindo uma característica que ela repugnava.
O egoísmo.
A pilota sabia que para ter sucesso naquele esporte todo mundo tinha que ser um pouco egoísta, contudo ela não havia tido a necessidade de ser até então, e pretendia continuar desta forma porque não achava certo ter que passar a perna em alguém para crescer. Gostava de ter as próprias conquistas com méritos justos.
Todavia, o fato de ter que tratar com impessoalidade a situação de que estaria se empenhando em resultados para roubar o lugar do Bottas, trabalhando ao seu lado, enquanto fingia que nada acontecia por toda uma temporada; quebrar um acordo com Zak Brown – deixando-o na mão quando fora ele quem a havia trago ao campeonato; além de roubar a oportunidade única que a Mercedes vinha enrolando há anos a George Russell, ainda mais levando em conta o seu nível de amizade com ele; colocaria o seu caráter como questionável quando este era o que ela mais preservava ali: a humildade, honestidade, clareza e integridade.
Somando os contras aos prós, que seria a oportunidade de ela ter um respaldo da maior construtora da atualidade e que tinha a mais alta tecnologia automobilística, além de reconhecimento abrangente, diversas outras portas abertas para patrocínios, valores agregados ao currículo e uma chance muito clara de não só se manter pontuando por toda a temporada, como alcançar o seu tão desejado título com uma possibilidade percentual próximo à cem, ela realmente ainda não tinha uma resposta concreta.
Os pontos em questão em muito pesavam em sua cabeça, e ela teria que ter calma para avaliá-los minuciosamente.
- Falamos disso depois. – ela diz por final.
- Isso aí, deixe que eles briguem por você. – Fabio sorri. – Porque enquanto você não se decide a gente vai aproveitando dessa onda de generosidade.
ri fraco e se encaminha até a mesa dos fiscais, já sem a costumeira fila cheia de pilotos, exceto por Raul que finalizava a própria pesagem.
- Jesus amado. – ele ri tapando o nariz exageradamente com o braço enquanto a olhava de cima abaixo, falando com a voz abafada: – Por favor, fala que isso por baixo do robe é água de sardinha ou atum e não o que eu estou pensando.
- Por quê? Você passa mal com cheirinho de vômito, é? – ela provoca rindo.
- Você não imagina a capacidade que têm um vômito de puxar outros. – ele diz vendo-a subir na balança e cumprimentar os fiscais, que riem dos dois. – É automático. Quando menos se espera, ele vem.
ri e assina o formulário que os fiscais empurram em sua direção.
- Então tem estômago fraco, é isso? – ela arqueia uma sobrancelha olhando em sua direção com um sorriso maroto nos lábios.
- Benedetti... – ele fala mirando-a com certo receio nos olhos. – Não se atreva, sua marrenta.
desata a correr atrás de Raul, que foge com desespero explícito nos olhos pela garagem ampla. gargalha enquanto o rapaz tapava o nariz.
- Ah, meu Deus. – Sandy bufa desacreditada – Quantos anos eles têm, mesmo?
A loira se vira para Fábio, que se divertia com a situação, e lhe dá um tapa no braço em forma de repreensão.
- O quê? – ele questiona com o semblante risonho – É que é muito legal, parece que estou tendo um déjà vu desses dois pentelhando por aí nas garagens. Olha lá! – ele aponta para os dois, rindo – Ele a pegou como nos velhos tempos.
Sandy se vira e se depara com sendo agarrada pelas pernas e ser jogada com extrema facilidade sobre o ombro direito do rapaz. Ele tentava a segurar enquanto ela chacoalha as pernas em contradição.
- Me solta ou eu juro que vomito em você, o que não é muito difícil estando de ponta cabeça.
Raul fala alto em meio aos resmungos da mulher: - Não está em posição de ameaças mais, Benedetti. Você só desce daqui direto para o chuveiro, sua fedida.
se mexe, esfregando a roupa suja em Raul, que tenta controlar uma ânsia que sobe pela garganta.
- Puta merda, e tem que ser rápido. – ele diz com voz anasalada. – Reforços, reforços. Tem uma maníaca do vômito aqui.
Os espectadores não conseguem evitar rir.

GLOSSÁRIO:

Balaclava - Gorro justo de malha de lã, em forma de elmo, que cobre a cabeça, o pescoço e os ombros, usado por alpinistas, esquiadores, pilotos ou soldados em serviço.
Serena Willians - Tenista profissional norte-americana. É considerada uma das maiores atletas de todos os tempos.
Déjà vu - Forma de ilusão da memória que leva o indivíduo a crer já ter visto (e, por ext., já ter vivido) alguma coisa ou situação de fato desconhecida ou nova para si; paramnésia.

(...)

- Senhorita Benedetti, - o médico diz, sentando-se confortavelmente na cadeira atrás da mesa do consultório, com um calhamaço de papéis em mãos. – já saíram os resultados dos exames.
havia seguido à ordem de Sandy e foi à um médico fora do grupo determinado pela FIA logo pela manhã, para fazer uma bateria de exames afundo e urgentes.
Os pilotos da Fórmula 1 tinham médicos especializados e de consagro à recorrer, eles eram contratados para além de supervisionar e avaliar as suas condições físicas, fazer exames de rotina ou tratar qualquer doença simplória que viessem a contrair, e informar tudo ligado à saúde dos competidores – simplesmente tudo – à seus superiores.
Porém a empresária preferia evitar qualquer rumor de doenças que viesse a ser preocupante quando a cliente estava sendo cotada para investimentos altos e isso só era possível se a Federação que controlava o campeonato não tivesse conhecimento.
Por mais que não acreditasse que seria algo sério, estava ali em um consultório privado de alto requinte em um centro empresarial luxuoso de Singapura para desencargo de consciência.
- Vamos acabar logo com isso. – ela diz farta. Sua indisposição a distraía e ela precisava melhorar logo para pensar com clareza e tomar decisões o quanto antes.
Porém, a frase que sai da boca do médico a desestabiliza completamente e somente intensifica o seu enjoo: – Você está grávida. - Por pouco ela não vomita o café da manhã sobre a mesa.

ri fraco e procura fazer com que a tontura súbita se estabilizasse, fechando os seus olhos para respirar fundo duas vezes consecutivas, e não permitir que seu coração se acelerasse por completo em desespero, tentando manter cada célula do seu corpo calma.
Com a voz falha, ela sopra: - Não, não estou.
- Bom, aqui diz que está. – o homem de pele parda e olhos em fendas estica os papéis por cima da mesa, obrigando-a abrir os olhos. – E explica todos os sintomas que vem sentindo.
os pega das mãos do doutor e se levanta abruptamente de susto quando seus olhos correm diretamente até a palavra específica: POSITIVO.
Ela não consegue mais manter a calma.
- Mas isso é impossível! – afirma incrédula.
- Você teve relações sexuais ultimamente? – ele questiona atencioso.
não tinha que pensar muito a fundo para responder àquela pergunta porque havia sim tido relações nas últimas semanas, especialmente naquela semana anterior devido ao aniversário de namoro.
Mas visto o clima de romance que ela e estavam desde o noivado, sexo a cada dois, três dias era completamente comum.
- Sim, eu tive. – responde.
- Fez o uso da camisinha? – ele arqueia uma sobrancelha.
- Não. – ela sopra. e haviam abandonado o uso do contraceptivo depois de dois anos juntos e feitos os exames que afirmavam que estavam livre de DSTs – Mas o fato aqui é que eu tomo a porcaria do meu anticoncepcional corretamente desde quando comecei a minha vida sexual, aos 18 anos. Essa porra não serve para evitar esse tipo de surpresa?
- Você o toma corretamente? – pergunta sem perder a pose profissional, apesar das más palavras dela.
- Sim! – ela diz com obviedade – Todo santo dia no mesmo horário assim que acordo. Nunca me esqueci, sou regrada quanto à isso. Isso deve ser um falso positivo, só pode.
- Não se esqueceu de tomar nenhum dia sequer? – ele insiste – Talvez por volta de... – aperta os olhos para calcular rapidamente – Umas sete semanas atrás?
- Não eu não... – E é quando ela desce os olhos até o seu dedo anelar, a aliança de noivado em destaque, chamando a sua atenção.
Automaticamente é tomada pelas memórias do dia do pedido de casamento em questão e o recapitula etapa à etapa.
Ela tomou o remédio pela manhã, almoçaram com a família, e Danny chegaram, eles saíram para fazer a trilha, pediu a sua mão, eles voltaram ao bangalô, abriram um champanhe enquanto se arrumavam para ir à um quiosque comemorar, tiveram uma noite de muita bebedeira até altas horas da madrugada, retornaram ao bangalô e fizeram muito sexo, com direito à extensão ao dia seguinte, banhos juntos e refeições na cama para que eles continuassem na celebração do amor, alheados do mundo ao lado de fora.
O casal saiu do quarto somente um dia depois, sua rotina matinal havia ficado completamente bagunçada e podia ser que ela havia se esquecido.
E, pelos cálculos de , havia acontecido há exatas sete semanas.
M.E.R.D.A. ela pensa ao engolir em seco.
- Não, não, não, não. – ela nega, rindo descrente. – Isso não está acontecendo. Uso isso há oito anos, todos os dias. Esqueci um dia só e engravido? UM DIA?!
- Em grande parte das vezes, contraceptivos hormonais não falham. – o homem explica – Quando as pessoas usam contraceptivos hormonais de maneira consistente e correta, a gravidez ocorre em apenas 0.05 a 0.3% das pessoas.
- Mesmo usando corretamente?
- Sim, porque existe uma margem de erro. – ele assente – Quando você se esquece dele por um dia, sejam dois ou mais, já não é mais um uso consistente e essa porcentagem aumenta para 9%. “Todavia, mesmo contra os 91% de eficácia, ainda há vezes em que o contraceptivo falha sem motivo real e sem ninguém para culpar. Contracepção é uma tecnologia moderna, e nenhuma tecnologia é perfeita.” [TOLER, 2019]

Ela senta-se de volta a cadeira devido às pernas bambas, e respira fundo para não desatar a chorar na frente daquele homem.
- Você está com a menstruação atrasada? – ele indaga atencioso.
suspira antes de se recompor para fazer os seus cálculos. Ela dispensa o papel do exame em cima da mesa do consultório e faz as contas nos dedos da mão.
- Duas, três... – ela sopra baixo. – Quatro... – seu peito congelava a cada semana contabilizada, ela não acreditava que não havia notado a ausência de algo de tamanha importância. – Mas... – mesmo ofegante ela trata de atenuar – A porcentagem é tão baixa... Por que aconteceu logo comigo?
O consultório é tomado por uma onda de silêncio.
está com um turbilhão de pensamentos a consumindo e o excesso a faz levar as mãos à cabeça, a tontura a atinge com força.
- Vou pegar uma água para você. – o doutor pronúncia e sai da sala rapidamente enquanto ela se questionava mentalmente:
Como não havia percebido?
Na verdade a pergunta seria: por que havia ignorado os sintomas?
Enjoos frequentes, tonturas, cansaço, aversão a cheiros fortes, fome em excesso, desejos estranhos... Ela toca sua mama esquerda delicadamente. Ai.
- Seios sensíveis.
E ela sequer cogitara gravidez... Por conta do bendito do anticoncepcional.
Logo quando a realidade a atinge com toda a força, o médico volta e a oferece um copo d’água.
- Beba, vai se sentir melhor.
pega o copo de sua mão e o leva diretamente à boca, matando em míseros segundos a água com açúcar.
Quando termina ela sobe os olhos ao médico, eles úmidos e já com gotas grossas acumuladas, pestes à cair.
- Eu não posso, doutor. – sopra quase sem voz – Não posso estar grávida agora. Eu não consigo.
O homem umedece os lábios com a fase empática e, mesmo que receoso, se aproxima dela para ajoelhar em sua frente para ficar ao nível de seus olhos.
- Olhe, querida, eu não deveria misturar crença ou religião com ciência, porque todo o meu trabalho é baseado em fatos concretos e não seria ético. – ele sorri em compaixão: – Mas acredito que todas as coisas acontecem por uma razão. E Deus não teria posto isso em seu caminho se não tivesse a certeza de que você seria capaz de lidar. Talvez o intuito dele seja para que você tenha aprendizados vitais para a sua vida por meio dessa experiência.
- Não, você não está entendendo. – diz depois de colocar o copo sobre a mesa – Tenho mais oito corridas pela frente nos próximos meses, uma temporada para vencer e o ano que vem tem muito a prometer. Tem muito dinheiro sendo investido em mim. – ela respira fundo – Eu-não-posso-agora.
- Eu não sou à favor, mas esta é uma opção que você deve ter o conhecimento. – ele pronuncia cuidadosamente e ela o observa atentamente – Singapura é um dos países com leis pró-aborto mais flexíveis do mundo: as mulheres têm até a vigésima quarta semana de gravidez para optar pelo procedimento. E se quiser...
- O quê? Não. – ela nega imediatamente, a ideia completamente ultrajante em sua mente – Isso não.
Seu peito se aperta, era do seu filho com de quem estavam falando. Ela não queria abortá-lo, por mais a favor que ela fosse sobre essa pauta à outras pessoas, que não tinham condições monetárias ou psicológicas para isso.
- Nós podemos fazer o que for mais confortável para você. É o seu corpo, você quem decide.
umedece os lábios secos lentamente, refletindo num geral sobre tudo o que aconteceria a partir daquele momento.
Porque se fosse continuar com aquilo, coisa que faria porque não seria capaz de matar um ser decorrente de seu gene, seu sangue – sua prole, a sua vida mudaria completamente. Ela sabia disso.
Primeiramente afetaria o seu trabalho, e então seus projetos, seus objetivos, sua rotina, sua vida pessoal... Toda a forma como viveria dali adiante.
Ela sente medo, vislumbrando um campeonato favorável com chances reais de título, assim como o trabalho da sua vida, se esvair por entre os seus dedos.

- Eu posso continuar a competir por quanto tempo? – indaga com os olhos vagos, fixos em um ponto específico da mesa do doutor.
- A pilotagem requer um esforço físico intenso, mas você é uma atleta e seu corpo já está acostumado à isso. Então, acredito que possa seguir até o quarto, quinto mês, no máximo, se tudo correr bem e a gravidez for saudável. – ele esclarece, levantando-se e caminhando lentamente até sua poltrona em frente à ela – Os exercícios físicos durante a gravidez são benéficos para a mãe e o bebê, mas deverão ser adaptados. Como a sua rotina, que também deverá ser adaptada para evitarmos maiores problemas, como estresse ao estremo, cansaço, fadigas, que venham a te limitar ou causar adoecimento. Mas, com o acompanhamento contínuo e cuidados certos, não vejo o porquê de não estar nas suas oito corridas com o bebê na barriga.
estremece com a palavra.
Bebê.
Aquilo tornavam as coisas ainda mais reais.
engole em seco antes de concluir: - Então eu só tenho que... Finalizar a temporada sem maiores problemas.
E com aquilo ela queria dizer que ganhar o campeonato não era mais uma consequência ou resultado.
Se tornara a sua obrigação.

GLOSSÁRIO

As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) são causadas por vários tipos de agentes. São transmitidas, principalmente, por contato sexual sem o uso de camisinha, com uma pessoa que esteja infectada e, geralmente, se manifestam por meio de feridas, corrimentos, bolhas ou verrugas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TOLE, Sarah. Quais são as chances do seu método anticoncepcional falhar? Hello Clue, 2019. Disponível em: . Acesso em: 15 de março de 2021.


Capítulo 5

sai do consultório completamente perdida, sem chão.
Pensava em seus tantos planos, as propostas, oportunidades importantes, ela estando na segunda posição do campeonato e com chances fáceis de alcançar o líder... Essa gravidez não poderia ter acontecido em momento mais inadequado.
se recorda da conversa que havia tido com a melhor amiga, , ainda na viagem a Noronha e a pragueja mentalmente por ter citado tal façanha, por mais que não tenha sido realmente culpa dela.
Afinal, quem iria imaginar?
Ao pegar o elevador do centro empresarial, ela aperta o botão do andar onde havia combinado de encontrar Sandy mais cedo e encosta as costas na lateral gelada de aço brilhoso. A superfície fria acalmava sua pele em chamas e sanava a sua súbita enxaqueca. Ela suspira prazerosamente.
Pela grande parede de vidro no fundo do elevador, ela vê toda a grandeza daquele prédio à mostra, divido por andares movimentados, onde havia uma diversidade enorme de mercado dentre lojas, restaurantes, escritórios, laboratórios, consultórios, estúdios, entre outros; por onde as pessoas transitavam, parecendo formigas conforme maior era a distância que estavam entre aqueles trinta andares.
Três andares depois duas garotas entram no elevador e selecionam um botão da lista digital de andares, dando pouca atenção à presença da pilota – que aproveita do momento anônimo colocando uns óculos escuros sobre os olhos para prolongar até quando fosse possível.
Elas estavam com vestes escolares e cochichavam entre si com os celulares em mãos, fones no ouvido e mochilas personalizadas nas costas.
chuta que deviam ter por volta de 15 anos, ou menos, visto a estatura mediana e cores vibrantes dos seus pertences. Ela suspira lembrando-se dos próprios 15 anos.
Época difícil.
Os pais haviam a tirado das pistas, se livrado dos seus troféus, a colocado em diversos cursos e tudo o que ela queria naquele tempo era completar 18 para que fosse independente e tomasse as próprias decisões.
O que ironizava muito a sua situação atual.
Vinte e seis anos nas costas, independente, pilota aclamada, conhecida mundialmente, empresária, noiva e agora mãe, e única coisa que queria no momento era correr de volta para o colo de seus pais e implorar por ordens do que deveria fazer. Como uma boa garotinha do papai.
Treze andares depois entram mais quatro pessoas, todos homens, vestindo ternos de linho requintado, sapatos lustrados, pastas de couro com aparência cara em mãos, conversando entre si. cola no fundo do elevador para não chamar atenção.
Não eram nativos do lugar, visto a falta dos olhos puxados característicos da Ásia, e não deviam ser moradores uma vez que falavam inglês com sotaque acentuado britânico.
Eles estavam em uma conversa descontraída que procurou não prestar atenção, mas fora impossível quando ouvira uma certa palavra.
- Assistiram a corrida de ontem? – um deles questiona.
- Estava tão cansado depois da reunião que só fui capaz de jantar e me deitei. – outro responde. - Esses fusos horários acabam comigo sempre.
- Não assisti porque estava em conferência, mas aquele guri, Verstappen, ganhou. Não foi? – outro rebate com a pergunta. – Não acompanho muito, mas meu filho é um grande fã do rapaz. Quando soube que eu estaria aqui no mesmo final de semana da corrida, implorou para que o trouxesse.
- E o que você fez?
- Estou indo encontrar com ele e a babá agora mesmo para almoçar, não resisto à um pedido do moleque. – o homem ri – Ela disse que ele ainda está vibrando, de tanta emoção que foi ontem. Segundo ele, é o circuito mais emocionante que tem. Ele já assistiu alguns em Silverstone, mas disse que nem se compara com este.
- Quantos anos o Peter tem mesmo, Carl? – o terceiro homem indaga.
- Oito.
sorri automaticamente, adorava os fãs mirins.
- Acha que vale a pena investir seu menino nisso? – o primeiro homem indaga – Digo, colocá-lo para começar no kart, competir.
Inconscientemente assente, apoiava encorajar à todos ao esporte se essa realmente fosse sua paixão.
- É, acho que sim. Quem sabe meu filho não é o talento da próxima geração da Fórmula 1. – o tal Carl fala orgulhoso. – Seria demais.
- Tendo talento ou não, hoje em dia parece que qualquer um consegue entrar na Fórmula 1. – o quarto homem diz. – Vocês sabem que tem uma mulher competindo agora, não é?!
O sorriso de murcha na mesma hora. O tom que ele usava era difamante, pejorativo e afiado.
- Ouvi falar dela, sim. - Carl assente. – E me parece que ela é muito boa.
Ponto para você, Carl. pensa.
- Não sei por que as pessoas tanto idolatram essa garota. É só mais um rostinho bonito, mas que não faz nada demais. – o primeiro deles ri, gozador – Os números dela são bons, mas não o suficiente. Vai ser só mais uma que fica batendo na trave e não conquista título como tantos outros.
se encolhe automaticamente.
Ela sabia que por ser uma figura pública estava propensa à receber diversas opiniões diferentes de pessoas variadas. A maioria dos comentários que se permitia ver eram positivos, mas ela sabia que também havia os negativos. E não eram poucos.
Ela tinha que lidar com eles de uma forma pacífica, da mesma forma que ela tinha que lidar também com a indecência de torcedores que gostavam de ressaltar sua beleza, suas curvas, ou a forma que ela ficava sexy no macacão mais do que os seus números de rendimento, o crescimento no campeonato e o fato dela já ter um histórico de vitórias maior do que alguns que estavam há mais tempo que ela na categoria.
Porém, como esta era uma opinião deles em específico, ela tinha que manter a compostura. Afinal ninguém era obrigado à gostar dela, e estava tudo bem deste que houvesse respeito.
- Não sei, Sam. Esses dias vi uma reportagem falando que ela já é a mulher mais bem sucedida no esporte. – o outro da roda continua. – Agora vai saber se tem armação nisso, eu sinceramente não acho que seja um esporte sem os seus usuais podres.
Ela arqueia uma sobrancelha.
- Sim, eu acredito nisso também. – Sam diz – E falo ainda mais. Eu acho que ela deve dar para algum chefão lá armar para ela ficar entre os primeiros, não é possível. A menina é tão sem preparação que vomitou ontem no meio da corrida. – ele ri – Tenho dó é do namoradinho dela, o cara parece ser tão gente fina para levar chifre à torto e à direita.
As ventas de já estavam espumando, vermelho cobrindo a sua visão e o mínimo de sanidade a impedia de não voar no pescoço daquele Sam. Que cara ridículo.
- Ela deve ser mais rodada que maçaneta, ali todo mundo deve passar a mão. – o outro fala e eles riem humorados.
Quando a pilota está para deslanchar uma torrente de xingamentos para aqueles machistas nojentos, ela vê uma das garotas cutucar o ombro de Sam por duas vezes, chamando a atenção dele e do grupo, que se viram à ela.
- Com licença, oi. – ela fala em inglês, sorrindo simpática. – Eu estava ouvindo o discurso misógino de vocês e não pude ficar calada.
Os homens se entreolham antes de voltar o olhar à menina de cabeça erguida e dicção madura, que surpreendera mesmo que pensara que as meninas não estavam entendendo tais dizeres.
- Pensem duas vezes antes de abrirem essas suas bocas imundas para falarem de Benedetti. – ela continua, sem deixar de sorrir – Enquanto vocês estão aqui descarregando a irritação pelas suas vidinhas fúteis, insignificantes e vazias em cima do nome dela, ela provavelmente está bem tranquila em sua bela mansão, com o seu amável e fiel noivo, planejando o próximo passo em sua carreira que vai marcar a história do esporte. Porque sim, ela está fazendo história, vocês aceitando ou não. Portanto, tenham mais respeito pela próxima campeã mundial da Fórmula 1, porque eu tenho plena certeza que ela batalhou muito para estar onde está exatamente por existir homens repugnantes como vocês que não à deram o benefício de reconhecimento do grande talento que ela é. Obrigada pela atenção, passar bem.
Quando a menina finaliza o seu discurso, ela volta ao seu lugar, junto da amiga que está com os braços cruzados encarando o grupo de homens com explícito desgosto, e volta a atenção ao celular como se não tivesse acabado de dar uma declaração extraordinária.
Os quatro ficam claramente desconfortáveis com a situação, chocados o suficiente para darem uma devolutiva à menina, principalmente com a presença de outra mulher no cubículo.
só consegue pensar no quanto mais ficariam incômodos se soubessem de quem se tratava. Mas, como Sandy a pedia para evitar enfrentar ferro com ferro, se expor desnecessariamente, e tendo em vista que eles já tinham sido jantados o suficiente, fica quieta no seu canto, mesmo que estivesse com um sorriso no rosto.
Antes mesmo de ter chegado ao andar que haviam selecionado, os quatro descem do elevador deixando-a novamente sozinha com as estudantes.
É quando ela decide tirar os óculos de sol e chamar-lhes a atenção com um leve arranhar de garganta.
Quando elas batem o olho no seu rosto, suas faces se iluminam e os sorrisos ficam radiantes.
- Oh, meu Deus. !
Elas se aproximam eufóricas, porém educadamente contidas.
- Posso te dar um abraço?
- Podemos tirar uma foto?
- É, claro. – ela diz sorrindo. – Como negar esses pedidos às garotas que me defenderam?
- Cacete, você ouviu tudo! – a menina do discurso se dá conta – Eu sinto muito que tenha ouvido o que aqueles idiotas estavam falando sobre você.
- O importante é o que eu ouvi você falando sobre mim. – ela fala – Hates e comentários ofensivos eu recebo todo dia, de montes e montes. E eu sei que existem muitos que falam coisas até piores. Você não tem noção. Não vou mentir, também recebo muitos elogios e vejo pessoas me defendendo. Mas... – ela umedece os lábios – Ver alguém colocar à cara à tapa de verdade para defender com tamanha destreza me faz me orgulhar do que eu faço, me motiva a conseguir conquistar mais e mais e ter força para enfrentar todas as coisas ruins pelas quais eu passo. Vocês me motivam. E eu quero te agradecer do fundo do meu coração por isso.
A menina assente freneticamente antes de dizer: - Você nos inspira. Todo discurso, toda entrevista, sempre colocando às mulheres em pauta e mostrando o nosso valor... – ela sorri – Eu não teria tido coragem de fazer isso se não fosse você mostrando que devemos nos posicionar contra esses absurdos que falam de nós. Te admiro muito.
- Muito obrigada por tanto carinho. - diz e abre os braços em sua direção, fazendo-a se aconchegar ali quase que instantaneamente.
Depois que elas se afastam, abraça a outra – mais tímida – e faz as fotos que elas pedem.
- Eu só quero pedir uma coisa à vocês.
- Claro, qualquer coisa. – elas assentem animadas.
- Apesar de encorajar que vocês nunca devem aceitar comentários assim e que sempre se oponham àqueles que diminuem vocês, tenho que falar que o que fizeram aqui foi perigoso. – ela diz e as meninas franzem a testa, confusas.
- Por quê? – a menina do discurso questiona.
- Vocês não sabem quem são esses homens e do que são capazes. – ela esclarece – Eles poderiam e ainda podem querer machucar vocês. Hoje em dia as pessoas fazem maldades por muito menos. Então, por mais que seja contraditório, peço que não façam mais desta forma. Estando sozinhas e na mira de homens fisicamente mais fortes. Estamos entendidas?
Ambas sorriem e assentem em compreensão.
- Eu vou pedir para um segurança acompanhar vocês, para que nada aconteça e cheguem bem ao seu destino. Tudo bem?
- Eu estou sonhando que a Benedetti está cuidando da gente? – a mais falante indaga à outra – Não me belisca para não me acordar.
As três riem.
Depois que , acompanhada das meninas, encontra com Sandy e conta todo o ocorrido, a empresária as presenteia com alguns produtos que estava em sua bolsa do merchan de e as providencia uma ida segura à casa.
No caminho de volta ao hotel, fica pensando em suas fãs e tamanhas expectativas que elas colocavam em cima dela.
Em vista daquele enfrentamento da jovem contra os quatro homens, sua mente atenua a obrigação de ter que ganhar aquele campeonato. Por elas e todas as mulheres que eram tachadas como incapazes ou com seus potenciais postos à dúvida pela posição que exerciam.
De um lado a sua determinação estava em alta e do outro o vazio decorrente à sua gravidez ainda continuava. Deus, ela estava perdida.
Seus fãs ficariam decepcionados com ela quando descobrissem?
Ela seria capaz de competir outros campeonatos para continuar a inspirar elas?
Droga, ela tinha que ficar grávida justo agora?

Sua cabeça ainda está em contestação quando ela chega ao corredor do seu quarto no hotel em Singapura, este destinado à todo elenco do grid.
Não fora surpresa nenhuma quando ela encontrou Max e conversando alegremente nas charmosas poltronas dispostas no pequeno saguão daquele andar. Sua atenção, no entanto, fora chamada pela criança de seis anos rodando com o seu patinete de um lado ao outro e sendo monitorada pela mãe, Kelly Piquet.
então observa Penélope sorrir e deslizar em cima das duas rodinhas graciosamente, hora indo o mais longe possível e hora voltando até onde os três adultos estavam sentados.
Em um momento ela se aproxima de , que imediatamente interrompe sua conversa com o holandês para lhe dar total atenção, e diz algumas poucas palavras antes de descer do patinete, oferecendo-o ao monegasco, que ri.
- Essa eu quero ver. – Max caçoa. – Minhas costas já doem só de ver esse patinete, pelo tanto que ela me faz andar.
então se levanta e aceita o patinete. Mas, ao invés de subir no brinquedo, ele o ergue entre as pernas e sai correndo até o final do corredor de forma atrapalhada propositalmente, causando gargalhadas na doce menina.
fica presa na expressão de satisfação explícita no rosto do noivo ao brincar com a criança.
O monegasco sempre se demonstrara muito interessado aos pequenos ao seu redor, frequentemente dispondo de seu tempo para brincadeiras, passeios recorrentes com os sobrinhos, por mais bagunceiros que eles fossem, cuidados à Marcella e Penélope – mesmo a quem ele não tinha muito convívio, e sentia pleno prazer à alegria dos mesmos.
sempre deixara muito claro sua intenção em formar uma família, regularmente demonstrava o quão cuidadoso era com o assunto, era deveras zeloso com sua mãe, seus irmãos, até mesmo a família de , e já havia falado mais de uma vez na emoção que seria ao terem os próprios filhos.
E assim, tão subitamente quanto surgiram, todos os pensamentos negativos que estavam massacrando a sua moral simplesmente desaparecem.
- Ma belle! – sorri quando finalmente a nota, parada no meio do corredor com um olhar encantado na face. – Está tudo bem?
Penélope então se aproxima saltitante da pilota.
- Tia ! – ela fala alegre e estica os braços em sua direção. A mulher imediatamente deixa a bolsa que carregava no chão para pegá-la no colo. A pequena rodeia o seu pescoço com seus braços pequenos, dando-lhe um abraço com direito a rosto colado.
- Oi, meu amor. Que saudade que eu estava de você.
Desde que Max e Kelly reataram há alguns meses, dessa vez com todos os pingos nos i’s e o divórcio da colunista devidamente assinado, a pequena Penélope se mostrou muito afetuosa com o casal de amigos.
Eles acabaram se aproximando devido a Max não levar muito jeito com crianças e pedir conselhos à quem, no seu meio social, ele imaginava ter ciência do assunto. E esta seria .
Sendo bruto e todo desengonçado nas brincadeiras, até mesmo nos cuidados necessários, a pilota se divertia ao vê-lo tentar ser delicado e se orgulhava muito da evolução do rapaz. Tanto na sensibilidade quanto na maturidade.
e acabaram se apaixonando por Penélope porque, afinal, adoravam crianças.
E é assim que finalmente se dá conta.
Os dois não poderiam ser pais melhores.
E mesmo que por mais inconveniente fosse o momento: no meio de uma temporada propícia a ganhar um título, talvez sendo o último ano na escuderia do coração, com compromissos marcados para todos os dias, ter de lidar com a reação de seus fãs... Ela sempre quis ter filhos com .
E aquilo estava para acontecer.
O pensamento a faz finalmente se alegrar.
Ela seria mãe.
Caraca, ela e teriam um bebê.

(...)

24 de setembro
Sochi, Krai de Krasnodar – Rússia

se joga na cama do hotel, se afundando no meio das colchas grossas e com cheiro de rosas, depois de uma cansativa viagem de avião.
- Está tudo bem? – pergunta observando-a de pé aos pés da cama.
Depois do terrível episódio do vômito no cockpit a preocupação do monegasco com o bem-estar da amada havia redobrado.
- Sim. – ela sorri e em seguida chama-o com o dedo para juntar-se à ela ao raro momento de paz, que ele não nega.
engatinha sobre a cama e deita-se próximo dela, de lado e apoiando a cabeça sobre a mão para admirá-la.
- Você está com um brilho bonito. – ele comenta, aproveitando o momento para selar seus lábios rapidamente. – Está reluzindo.
- Está poético hoje. – ela ri anasalada, virando-se também de lado para olhar diretamente em seus olhos e acariciar o seu rosto vagarosamente, enquanto admirava aqueles olhos verdes que facilmente se assemelhavam a uma obra de arte. – Sabe que eu acabei de descobrir que tenho uma queda por poetas?!
- É sério. – ele ri – Foi uma boa ter feito aquela consulta, não é à toa que os médicos são médicos. As vitaminas que ele te passou foram ideais. Você está ótima.
assente.
- Já descobriram o que causou essa súbita fraqueza? – ele indaga quando a questão lhe recorre na mente. – Sandy disse algo sobre ter que fazer algum exame específico para identificar algum motivo potencial...
- Hã... – ela umedece os lábios, para mentir descaradamente – Não, na verdade não. Está tudo bem.
Pois é, vergonhoso. Ela sabia.
- Apesar de ter melhorado, ficaria mais tranquilo em saber o que realmente aconteceu para evitar no futuro. – ele diz atencioso. - Fico muito preocupado quando você não fica bem.
Uma semana havia se passado e ela ainda não tinha contado à sobre a gravidez.
Na realidade não havia contado à ninguém, justamente porque nem o pai sabia.
No entanto, havia uma boa razão.
Pelo menos, plausível, ela pensa.
Além de ambos terem passado toda a semana separados, devido à um comercial que fora gravar para uma marca de ternos finos em Paris, ela queria estar completamente confiante com a ideia para não transparecer ser um problema. Porque havia determinado que não seria.
havia se tocado que a maternidade era uma coisa linda, um milagre estava acontecendo com o seu corpo. Um serzinho estava se formando dentro dela devido ao ato de amor de duas pessoas que se amavam intensamente. Não havia como ter medo, chateação ou qualquer sentimento negativo perante a isso.
Era a mais pura felicidade, intensa, emocionante e ela se sentia preenchida de amor, não imaginava o quanto precisava daquela sensação que agora a transbordava. Estava radiante e em completa harmonia com o pequenino que ainda tinha o tamanho de uma blueberry no seu útero.
Concluiu então que algo que fosse tão amável, inocente e mágico não viria a prejudicar de forma alguma. Assim estabeleceu que ela redobraria os seus cuidados e segurança para o bem do bebê, mas que isso não iria a impedir de manter o seu foco na vitória do campeonato.
Porque sim, ela continuaria disputando. Afinal o doutor lhe deu o prazo de mais três meses, coincidentemente o tempo em que também terminaria a temporada, e ela sabia que conseguiria conciliar as coisas.
Quanto ela já não havia ouvido falar de mulheres que trabalharam até o último mês da gestação?
Então sabia que era possível.
Naquele momento esse era o seu objetivo, terminar aquela temporada vitoriosa. As demais questões ela decidiria quando necessário e junto de , a quem ela sabia que lhe daria total apoio. Assim como as pessoas que realmente se importavam com ela também a apoiariam.
Só que para isso ela teria que contar à ele.
- Aonde você vai? – questiona quando ele se levanta da cama rapidamente, o colchão balança com a movimentação.
- Mijar. – ele anuncia antes de entrar na porta da parede frontal.
Era a hora, ela pensa ansiosamente alegre.
O momento perfeito. Eles estariam com o resto da noite livre e sozinhos finalmente, ela não podia deixar a oportunidade escapar.
Por isso joga suas pernas para fora da cama rapidamente e corre silenciosamente até a sua bolsa de mão, já guardada nos grandiosos armários. De lá ela tira uma caixa pequena de papel pardo, a qual havia decorado já tinha dois dias.
corre de volta para a cama e deixa a caixa sobre o travesseiro do lado direito, o lado que era acostumado a dormir. Então pega o celular jogado em cima do móvel ao lado da cama e se senta do lado esquerdo do colchão, escorada na cabeceira e fingindo estar concentrada na tela do aparelho.
Quando sai do banheiro, ele procura pelo controle da televisão pelo quarto tranquilamente.
- Jantar no quarto hoje? – ele questiona quando encontra o aparelho na mesa de centro e se direciona de volta a cama.
- Pode ser, animação zero de me arrumar para sair. – ela diz sem tirar os olhos da tela do celular, que rolava aleatoriamente pelo feed de uma rede social qualquer.
então sobe na cama engatinhando mais uma vez, e abre as pernas de delicadamente para que se sentasse no meio delas. Ele se deita, escorando a cabeça nos seios dela confortavelmente, enquanto ligava a televisão à sua frente, fazendo o embrulho ao seu lado passar por despercebido.
revira os olhos, logo hoje ele decide não se esparramar na cama?
Bloqueando a tela do celular e deixando-o de lado, envolve o tronco do noivo com os braços e durante o processo puxa o embrulho para próximo à coxa dele, disfarçadamente, já que os olhos do monegasco já estavam presos no jogo de futebol de algum time europeu.
- Jogo de quem? – ela questiona atenciosamente.
- AS Mônaco e Metz. – ele fala sem tirar os olhos da televisão e quase bufa de frustração. Mônaco era o time do peito de , claro, e ele não dava atenção à qualquer outra coisa quando assistia aos seus jogos. – É reprise, o jogo foi quarta-feira passada. Mas eu perdi porque estava na sessão de fotos a tarde inteira.
Ela assente, já aliviada, e começa a acariciar o abdome do rapaz.
- Quanto que ficou?
- 3 x 2 para o Mônaco. – responde no automático.
então suspira.
- Ouvi algo sobre o Yedder se aposentar, é verdade? – ela mente para chamar-lhe a atenção e ele então se senta ereto, ajeitando a postura para olhar para ela sobre o ombro com olhos surpresos.
- Ele o que?
Wissam Ben Yedder era uma das estrelas do time que mais elogiava. não tinha muito conhecimento porque não os acompanhava, mas hora ou outra ela ouvia nomes saírem da boca do noivo.
- Estou brincando. – ela gargalha bem-humorada. – Meu Deus, você quase teve uma síncope.
Ele respira aliviado e ri, posando a mão na barriga.
- O time já não é lá essas coisas, se ele sai, a gente não entra na Champions nem ferrando. – diz e volta a se deitar na posição anterior, só que desta vez sua perna esbarra na caixa. – O que é isso aqui? – pergunta pegando o objeto em mãos e virando-o de um lado para o outro, como se pudesse adivinhar o que havia dentro, sem precisar abri-la. – Brindes do hotel? Não, - ele se adianta em negar – se fosse você já teria atacado os docinhos.
ri.
- Idiota. – não deixa de ralhar, porém intensifica o abraço e encosta o queixo no topo da cabeça dele para dizer com a voz o mais doce possível: – É para você.
- Para mim, hãn? – ele repete com a voz maliciosa, já prevendo mais uma noite de sexo. Pois é, eles tinham muito fogo.
Contudo para pôr um instante, antes de falar qualquer sacanagem: – Espera aí, eu não estou me esquecendo de nenhuma data comemorativa, estou? – questiona apreensivo.
- Não, . – ela não controla o riso que escapa.
- Ah tá, - ele fala puxando a fita do laço branco que fechava a caixa. – já basta ter esquecido do Dia dos Namorados uma vez e você me colocar para dormir no sofá. Tudo bem que é confortável, mas convenhamos que não é onde eu queria passar a noite.
- Foi só àquela noite, no dia seguinte te acordei com um café da manhã divino e já estávamos fornicando pela casa outra vez. – ela conta, relembrando.
- Ainda, assim. Uma dura noite e fria para o namorado aqui. – ele comenta e finalmente tira toda a fita, abrindo a tampa da caixa enquanto observava ansiosamente a sua reação
A primeira coisa que prende a atenção de é o teste de gravidez, que ela refez só para ter plena certeza do positivo. Claro.
O monegasco pega a caneta em mãos e a aproxima dos olhos curiosos.
a analisa de todos os ângulos por um tempo em silêncio, e por fim solta: - O que é isso?
- O quê? – ela se surpreende, afastando-se um pouco para olhá-lo nos olhos – Você não sabe o que é isso?
- Um tipo de caneta?! – ele supõe com a testa franzida e ri.
- É... Mais ou menos. – ela confessa – É uma caneta que identifica frações hormonais.
volta a olhar a caneta em mãos e na sequência retorna os olhos a ela ainda em dúvida.
- Legal. – ele sopra embaraçado – Obrigado?!
- Peur Dieu, . – ela diz e sai de trás do noivo, sentando-se à sua frente com as pernas cruzadas.
Á essa medida o monegasco já está sentado ereto, ainda com os objetos em cada mão com a expressão ainda mais confusa. aponta a caixa com o queixo ao dizer: - Continua, você vai entender.
então deixa a caneta de lado e apalpa o tecido ao fundo da caixa, puxando-o para fora. Quando ele abre o tecido, reconhece ser uma peça de roupa minúscula, daqueles trajes que geralmente se vendia em lojas infantis nas sessões de recém-nascidos.
Era branco e tinha a seguinte frase estampada na frente em vermelho: “Adivinha quem vai ser papai?!”.
O monegasco fica por alguns instantes absorvendo aqueles dizeres e afirma sem desviar os olhos do macacão: - Aquilo é um teste de gravidez.
assente uma vez, controlando o sorriso que quer se alargar com os dentes sobre os lábios.
O rapaz permanece imóvel por um tempo, fazendo a junção das informações e o que elas representavam. Quando parece concluir seus olhos marejam automaticamente e ele leva as mãos à boca, boquiaberta.
Pela garganta sobe um bolo e o nariz coça, assim ele precisa respirar fundo para então fazer a pergunta específica, só para confirmar: - Você está grávida?
A emoção então toma conta da jovem, imediatamente sua visão embaça e ela se permite irradiar alegria ao assentir freneticamente.
- Oh, meu Deus! – ele salta em sua direção alegremente para abraçá-la e eles caem deitados na cama. – Eu não acredito!
sente algumas lágrimas caírem, o amor eclodindo e crescente à cada instante.
- Eu sabia que tinha alguma coisa estranha com você depois da consulta. “Só fraqueza, nada demais” – ele afina a voz, para imitá-la. ri divertida – Você não me engana, não, mocinha. Eu ia te colocar contra a parede e... – suspira, ofegante. Ele disparava os dizeres completamente animado – Enfim, você está gravida. – sorri radiante e segura o peso de seu corpo por cima dela, erguendo o tronco com os braços, para encará-la nos olhos – O que aconteceu com o anticoncepcional?
- Pois é, descobri que ele é um amiguinho bem traiçoeiro. Você pode estar ao lado dele o ano inteiro, mas se esquece dele por um dia, ele te abandona. - ela diz espremendo os olhos cismada, mas dá de ombros em seguida – De qualquer forma, estou oficialmente entrando na oitava semana agora. – ela sorri, vibrando.
- Qual trepada foi a de sucesso, pelos cálculos? – ele questiona franzindo a testa pensativo.
- A da noite do pedido de casamento. – ela diz rindo.
- Caramba, duas tacadas de uma vez só. – ele fala com um sorriso safado sobre os lábios – Eu sou bom.
- Indiscutivelmente certeiro. – ela fala e eles riem.
não consegue controlar a felicidade e desde os olhos para a barriga da noiva.
- Vamos ser pais. – ele afirma.
- Vamos! – ela ri ludibriada.
- Caramba! sopra encantado. – Tem uma pessoinha crescendo aí dentro. Nosso filho.
ri. Não dava para perceber muita coisa devido a barriga chapada que ainda permanecia intacta, mas todo o contexto de olhar e saber que logo teria algo ali tinha um significado.
- Você está grávida, caramba! – ele ri extasiado, algumas gotas mínimas escorrendo dos olhos animados. então sobe os olhos, subitamente preocupados, aos de : - Mas, e a temporada?
Ela suspira, mas sorri ao afirmar: - Vou ter o acompanhamento de um obstetra, vou tomar todos os cuidados possíveis para que minha rotina não afete o desenvolvimento do bebê até o final da temporada. – então ela complementa – Bom, farei até onde eu aguentar e não mais do que isso. Prometo.
- E você está bem com isso? – ele questiona sério – Com o fato de ter que tirar um tempo, logo agora que está em ascensão? Digo, - ele fala mais baixo, como se mais alguém pudesse estar os ouvindo – você está em negociação com a Mercedes. Isso não... – sua voz some – Você está O.K.?
Pela cabeça de se passa uma retrospectiva de todos os seus pensamentos disfuncionais do início da semana. No entanto, logo ela afugenta essa visão, recordando-se de todos aqueles pensamentos que a lembravam do porquê estava tão radiante. Seu bebê estava a caminho.
Tudo bem que Mercedes não esperaria por ela e ela teria que continuar se esforçando ainda naquela temporada para alcançar à taça se quisesse continuar no auge mesmo com o período de licença maternidade, para que outras construtoras permanecessem interessadas em tê-la em sua equipe, porque no ano depois do próximo ela continuaria a brilhar em outra escuderia.
Talvez.
Enfim, ela pensa.
Mesmo que estivesse incerta sobre o futuro, ela tinha a certeza absoluta de uma coisa: - Admito que não veio na melhor das circunstâncias, mas é nosso filho, claro que estou O.K.! Eu não poderia estar mais feliz por estarmos formando a nossa família.
sorri e torna a abraçar.
suspira alegre, ela só precisava ganhar aquela taça.


Capítulo 6

30 de setembro
Sochi, Krai de Krasnodar – Rússia

- Feliz Aniversário, Max! – o coro de vozes ecoa pelo clube noturno, com palmas e assobios intensificando a comemoração. A música eletrônica que havia sido pausada para o canto dos parabéns é retomada, e logo as pessoas se dispersam pelo ambiente voltando a dançar no ritmo da música ou beber seus drinks.
A iluminação era pouca, mas havia flashes e LEDs azuis piscantes, que destacavam as imagens que eram transmitidas pelos telões: os melhores momentos de pilotagem do holandês na carreira.
A balada, que havia sido reservada para depois do término da corrida, parecia relativamente espaçosa devido ao número restrito de pessoas comparada à quantidade que realmente podia suportar. Contudo aquele fato não impedia que a festa não fosse arrojada.
Espalhados pelo salão alguns dos pilotos do grid aproveitavam o momento de descontração fosse dançando, bebendo ou conversando, enquanto outros, como Daniel e , fofocavam.
- O garoto tá um pegador de mão cheia. – Danny diz enquanto os dois observam em uma conversa intensa com a bartender. Os dois amigos estavam sentados confortavelmente nas poltronas vermelhas laterais, mais afastados da pista de dança, e tendo total visão de todo o espaço.
- Nem me fale! – cresce os olhos – E pensar que um dia cheguei a achar que ele precisava de ajuda para arrumar uma namorada. – os dois riem.
- Acho que o tiro saiu pela culatra, ele tanto gostou da coisa que não parou mais. – Danny diz risonho – E é um cara que aprecia ter variedade.
desvia os olhos de Lado ao australiano.
- Acho que ele só está curtindo a vida enquanto não encontra alguém por quem vai mudar. – ela dá de ombros – Ele é jovem e quer aproveitar.
- Isso me lembra dos meus tempos nessa idade. – Daniel revela, afundando-se na poltrona sorrindo, antes de tomar um gole da sua cerveja.
- Você também era mulherengo? – ela arqueia uma sobrancelha.
- Tive que ser. – ele ri.
- Essa é a desculpa para transar com diferentes mulheres sem compromisso? – endireita a postura para encará-lo com um sorriso descrente na face – Cafajeste.
- Não, é verdade. – Daniel diz. – É que eu me apaixonei e... Bom, - ele suspira, descendo os olhos para a garrafa em mãos – não pudemos ficar juntos. Aí eu tentava me distrair, ou, ao menos encontrar alguém parecida com ela.
murcha o sorrido a medida que ele contava. Daniel era brincalhão, bem-humorado e extremamente positivo, então quando diminuía o seu tom de voz e se encolhia era o sinal de que o papo era sério. E a jovem já era sua amiga a tempo suficiente para perceber.
- Não foi uma coisa muito sensata, porque querendo ou não, eu sempre estava com ela na cabeça, e comparar outras mulheres à ela não era saudável. – ele sorri desconfortável e toma mais uma golada da cerveja. – Depois de um tempo eu superei, mas só porque decidi que teria que esquecê-la de vez e me afastei. Ela era minha melhor amiga, mas chegou à um estágio em que eu não conseguia mais vê-la com o outro cara.
Uma música de alguma banda indie de ritmo alegre tocava e supriu um pouco o silêncio que se estabeleceu entre os dois.
- Sinto muito, Danny. – diz verdadeiramente, pousando a mão no seu ombro em forma de apoio.
- É, o amor é uma droga para algumas pessoas. – ele ri, endireitando-se na poltrona em uma postura mais descontraída. – Mas aprendi que tudo na vida tem um momento e se for para ser, será. Não é legal forçar a barra.
- Tem toda razão. – ela assente e eles sorriem um ao outro.
- Um brinde aos momentos. – Danny declara e ergue sua garrafa, já praticamente vazia. Ao notar que não está com uma na mão, questiona com a testa franzida: - Sua bebida acabou? Eu pego outra para você. – se oferece, já levantando num pulo – Está bebendo o quê? Cerveja, vodca?
- Não, - ela ri e o puxa pela mão de volta a poltrona, para dizer com a voz pouco mais baixa – eu não estou bebendo.
- Como é que é? – Daniel questiona incrédulo e risonho. – É hoje que cai um vendaval, ainda bem que já corremos. – eles riem – Por que disso? Tá em dieta?
pondera por um momento, correndo os olhos até o outro lado do salão onde conversava com Gasly alegremente.
- Digamos que sim.
Desde o dia em que havia compartilhado da notícia com o noivo, o rapaz não parava de sorrir. Cumpria os seus compromissos muito bem-humorado e realizava as suas tarefas alegremente, além de se esforçar para que eles passassem o máximo de tempo possível juntos. Ficara ainda mais atencioso do que já era, sempre questionando sobre o bem-estar de , se preocupando em providenciar qualquer coisa que ela precisasse e não deixando de afirmar o quanto a amava.
O casal ainda não havia contado para muita gente, somente aos essenciais.
A reação de Fábio não fora muito diferente da de , ele ficara ludibriado com a ideia de ter um sobrinho-neto e ter mais uma criança para influenciar.
Não que tenha sido algo ruim, afinal olha onde havia chegado mediante aos seus cuidados.
Quem não havia ficado toda a sorrisos com a notícia fora Sandy, porém também não fez pouco caso. A empresária se preocupou mais em instantaneamente tomar todas as precauções para que tudo pudesse ser um processo feito sem estresse, adequado legalmente, financeiramente, em termos de saúde e bem-estar, além de garantir a sua permanência no campeonato até o final da temporada e não perder oportunidades para as próximas.
Por isso, teve que comunicar a notícia à todos os seus superiores em conversas privadas, obviamente porque era o certo a se fazer. Logo a FIA teve que ser envolvida e fez uma lista de medidas preventivas as quais tinha que se comprometer em cumprir se quisesse continuar competindo, estas para não arriscar a vida do bebê, a própria vida e a dos seus colegas.
Portanto, por estar ocupada em providenciar os recursos solicitados, ela não teve um momento tranquilo para compartilhar com os colegas antes daquela festa em si.
Pelo fato de as notícias literalmente correrem por aquele grid e ela saber que eles acabariam sabendo, fosse pela boca dela ou não, dá de ombros e fala: - Tenho que te contar uma coisa.
- O quê? – ele pergunta alargando seu sorriso – Você sabe que eu adoro uma fofoca.
- Acho melhor chamar o , ele vai querer comunicar isso também. Aliás, - ela se adianta sorrindo – acho que é o momento certo para todo mundo ficar sabendo. – e se levanta para chamar pelo monegasco.

Em cima do palco daquela boate na Rússia, e interrompem a música pela segunda vez na noite para pedir que seus amigos se aproximassem deles. Àquela altura não haviam sobrado muito dos convidados, devido ao horário, porém os essenciais para eles.
Mesmo sem compreender a razão ou motivações, os rapazes se aproximam enquanto cochichavam entre si.
- Cinquenta pratas que não vai ter casamento. – uma das vozes diz zombeteira, aos cochichos.
- Não, Max! – Daniel repreende o holandês aos risos – Qual é.
- Estou brincando, mas fácil eu largar a Fórmula 1 do que esses dois se separarem. – o rapaz diz antes de dar uma bicada em sua bebida, reconhecendo estar muito carregada no álcool e abandonando-a disfarçadamente.
- Cinquenta pratas que é quem vai para a Mercedes no ano que vem. – quem sugere, entrando na brincadeira.
- Cinquenta pratas para você falar isso na cara do Hamilton. Ele ainda nem oficializou que vai cair fora mesmo e você está aí, já cantando a vaga aberta. – Danny diz e olha por cima do ombro do britânico. – Que vergonha, não é, Lew?
arregala os olhos assustado e olha para trás, mas somente para constatar que o piloto Mercedes não estava ali. Daniel gargalha.
- Palhaço. – o jovem ralha.
- Cinquenta pratas que eles vão só zoar a gente. – Carlos dá sua sugestão.
- Cinquenta pratas que ela está grávida. – Raul se pronuncia antes de virar o resto da sua cerveja na garrafa, tranquilo.
Um momento de silêncio se dá antes da leva de negações em meio a risadas. chega a gargalhar.
- Isso não.
- Que besteira.
- é tão paranoica com essa coisa de métodos contraceptivos que é mais fácil eu engravidar de gêmeos do que ela. – zomba.
Raul balança a cabeça negativamente com um sorriso convencido no rosto.
O burburinho vai abaixando conforme os olhares ao casal aumentavam, em expectativa.
- E então... – Max induz, ansioso.
- Vamos ter uma nova mascote na Fórmula 1 ano que vem. – informa, causando uma sonora onda de confusão.
- Mascote? – Dany questiona à eles em alto tom, com a testa franzida – Sério que nos juntaram para anunciar que vocês vão adotar um cachorro?
- Chegaram tarde, esse posto já é do Roscoe há anos. – Russell diz risonho, referindo-se ao famoso pet de Lewis.
- Não. – ri – Na verdade, a nova mascote é um bebê. – fala sorrindo, e juntos ela e pousam a mão sobre sua barriga. – Estamos grávidos.
- Eita, porra...
O silêncio toma conta da boate, pela primeira vez em anos.
Quando o instante de choque se dissipa e alguns dos pilotos se adiantam em parabenizar o casal, Daniel olha para a barriga de e sopra: - E aí, quando ia me contar sobre os gêmeos?
O britânico acorda do transe abalado e olha perdido na direção de Daniel. Só depois que compreende o sentido da frase revira os olhos e diz em risos fracos: - Eu e sua mãe havíamos combinado de te contar juntos. Mas, Danny, você vai ter irmãozinhos.
Daniel gargalha.
- Boa.

(...)

7 de outubro
Autódromo de Suzuka – Japão

A praça de alimentação comunitária montada no autódromo estava apinhada naquele meio-dia. Grande parte dos funcionários das construtoras, administração, organização e fiscalização do evento entram em horário de almoço sem cogitar adiá-lo depois de um treino livre puxado.
O burburinho de conversas e risadas mostrava o clima descontraído, além do cheiro de comida que atraía os narizes alheios. Mesas eram dispostas com guarda-sóis próximos à cada específico Paddock, para proteger os visitantes do sol do Japão enquanto se alimentavam em um ambiente mais arejado.
, Sandy e Fabio se acomodam debaixo dos guarda-sóis laranja enquanto aguardavam terminar a conversa com o homem de meio idade, cabelos cacheados, sorriso bondoso e óculos meia-lua posto na ponta do nariz há poucos metros de distância.
O trio assiste eles se despedirem e seguir na direção deles com uma expressão de poucos amigos.
Ela se senta na cadeira e suspira impaciente.
- Falta quanto tempo para nos livrarmos desse cara, mesmo? – ela questiona entre dentes. – Já não bastou o pessoal da Netflix na nossa cola o começo da temporada todinha, me perseguindo, e agora isso. – suspira pesadamente - Sabe, ele é tão terrível que estou até sentindo falta deles agora.
Os três riem fraco.
- Mon cheri, ele está conosco só tem cinco dias. – Sandy diz ainda com ar de riso – O obstetra tem que te acompanhar até o final da gestação.
- Eu não vou suportar. – ela choraminga. – Ele fica o dia inteiro me seguindo e pegando no meu pé. Fez caso com meu tênis, minha roupa, o meu aquecimento e até com o jeito que eu durmo nos tatames. Ah, e as pizzas clandestinas? Elas já eram.
- Nunca entendi essa fissura pelos tatames, - Fábio se pronuncia – você tem um belo e lindo sofá no seu camarim e ainda prefere dormir naquelas coisas.
- São tão confortáveis. – ela diz sorrindo.
- São mesmo. – concorda.
- Independentemente. , - Fabio chama sua atenção para ele – o obstetra só está garantindo o que é melhor para a sua saúde e a do mini-Leclerc. – ele sorri em apoio – Só se seguir o que ele aconselha à risca vai conseguir levar isso até o final.
Ela deixa os ombros caírem.
- Eu sei. – diz tristonha.
- Me diz o que é que você vai querer hoje. – fala indicando o cardápio na mesa, tentando descontrair – Eu vou lá pegar para você. – se oferece atencioso.
- , eu estou grávida, não doente. – ela diz irritada – Ainda posso fazer as coisas sozinha.
O rapaz ergue as sobrancelhas momentaneamente surpreso.
- Oh, meu Deus, - ela sopra de imediato, se dando conta de tamanha ranzinzes sem necessidade. Seus olhos marejam automaticamente – Me desculpe, . Eu estou sendo uma idiota. – diz com a voz fanha, segurando a mão do parceiro por cima da mesa – Você tem me ajudado tanto e eu sendo uma estúpida. Me desculpe.
Sandy e Fabio de entreolham, segurando o riso.
- Tudo bem, , eu entendo. – ele ri contido. – O mesmo de ontem, então?
- Sim, pode ser aquele wrap. El diablo disse nada de carboidratos. – ela sorri, secando os cantos dos olhos – Você é um amor, obrigada.
O britânico então acena para Fábio, que o acompanha Paddock adentro até a copa de alimentação e os dois somem depois das portas espelhadas.
- tem me ajudado tanto. – conta à Sandy – Se oferece para carregar minhas coisas, se preocupa com o meu bem-estar, faz massagem nos meus pés quando estão inchados e anteontem até encomendou um daqueles travesseiros gigantes para quando eu estiver com a barriga enorme.
Sandy acompanha a brasileira nos risos.
- Ele tem sido muito cuidadoso. – a loira afirma – O não fica com ciúmes?
- Ah, claro que não. – ela nega, rindo pelo absurdo – Ele sabe que eu e sempre fomos assim. Disse até ficar mais tranquilo por saber que tem alguém de olho em mim quando ele não está.
Sandy assente.
Pouco tempo depois o celular da loira, que está em cima da mesa, vibra e nota uma notificação de mensagem. Ela percebe um emoji de coração vinculado ao nome de um contato, mas quando aperta os olhos para reconhecer o nome Sandy puxa o celular para digitar algo.
- Então, - a empresária puxa assunto depois de bloquear a tela e guardar o aparelho no bolso – além das mudanças de humor, você percebeu algum outro distúrbio hormonal?
A pilota franze a testa.
- Não estou tendo mudanças de humor. – ela afirma, mas acaba por ponderar por um tempo – Estou?
Os rapazes chegam à mesa com as badejas repletas de comida no mesmo instante.
- Ah, eu não diria que seus últimos picos de fúria são completamente comuns. – diz ao se sentar, e não se demora a se servir. – Ontem à tarde ela arremessou os fones do rádio em mim. Aqueles que abafam o som, enormes. – explica à Sandy e Fabio, para virar-se de volta à parceira – Sabe o quanto aquelas coisas são pesadas?
- Não precisou de pico hormonal para me irritar com aquilo. Você praticamente pediu, ficou rindo quando o obstetra disse que teria que alargar o meu macacão porque eu vou dobrar de tamanho. – ela rebate tomando um gole de seu suco.
- Outro dia eu te vi chorando porque tinha comido demais. – Fabio comenta.
- Os cozinheiros da McLaren apelam. Fazem coisas deliciosas e eu não posso comê-las mais. – esclarece.
- A questão é que logo em seguida você já estava dando gargalhada sobre alguma coisa aleatória. Num súbito de humor impressionante. – Fabio continua rindo fraco – Fora os seus picos de loucura, tem atacado o pobre todo dia.
- Você tem maltratado o coitado? – Sandy questiona com a face repreensiva.
Os três na mesa riem.
- Com sexo, loira. – Fabio informa e faz um gesto com a mão, imitando uma pata – Feito uma leoa.
- Tá legal, eu admito que tenho sentido mais emoções que o normal. – diz risonha. – E o tesão triplicou, obviamente.
- Pensei que o aumento da libido era só no sexto mês. – a empresária comenta.
- O obstetra disse que varia de mulher para mulher. – dá de ombros.
- que é um homem de sorte. – Fabio fala – Já ouvi de amigos que as esposas sequer os deixavam tocarem nelas durante a gravidez. E aqui temos você não o deixando respirar. Que fogo.
Eles riem.
termina de engolir o pedaço de wrap que estava na boca para se direcionar à empresária: - Eu quero falar com você sobre aquele movimento que as ONGs me propuseram. Li a história da jornalista, que coisa mais horrível. Eu quero participar, sem dúvidas.
- Eu fiquei muito tocada com a história dela também. – Sandy assente.
- O que aconteceu? – questiona.
- Recebi uma carta de 50 entidades ligadas aos direitos humanos pedindo que eu me manifestasse durante a corrida em Jeddah sobre as violações cometidas pelo reino saudita com as mulheres.
“Nos últimos anos, a monarquia islâmica de um rei absolutista da Arábia Saudita tem usado o esporte no território como ferramenta de propaganda com a intenção de distorcer e acobertar os crimes cometidos pelo governo de constantes violações e aumento da repressão sobre o seu povo. Apesar dos protestos internacionais, a Fórmula 1 introduziu uma corrida na Arábia Saudita no calendário daquele ano.
E mesmo que os líderes sauditas quisessem usar o campeonato para abafar o caso, as ONGs contataram , sabendo de seu histórico de apoio à causas sociais, pedindo para que ela se juntasse ao movimento. Fosse em uma fala, um ato, usar uma camisa com o emblema, qualquer que fosse, que manifestasse a insatisfação com o governo por terem prendido ativistas dos direitos das mulheres por solicitar que exercessem alguns de seus direitos básicos, como dirigir.
Assim, na carta, as ONGs contam a história da ativista e jornalista saudita Loujain Al-Hathloul, que foi presa na Arábia Saudita por quatro anos em punição à esse movimento.
Depois da prisão Loujain suportou afogamento, eletrochoque, espancamentos, agressão sexual e muito mais. Depois de três anos presa, a ofertaram a liberdade em troca de fazer um vídeo afirmando que não havia sido torturada. Ela recusou e permaneceu na prisão.
O caso dela foi levado a um tribunal de terrorismo após quase três anos de prisão preventiva e Loujain foi condenada a cinco anos e oito meses de prisão. A libertação dela no início do quarto ano de prisão foi condicional, pois ela ainda tem a liberdade vigiada e uma proibição de viagem de cinco anos, impedindo-a de deixar a Arábia Saudita.
As Nações Unidas e mais de 40 Estados do Conselho de Segurança da ONU pediram a libertação dela, assim como a libertação de outras defensoras sauditas dos direitos das mulheres, muitas das quais ainda estão na prisão.”

Para saber mais sobre o assunto, acesse aqui

- Jesus, que terrível. – diz depois de ouvir atentamente a história.
- Pois é, e que afronta maior seria uma mulher pilotar no território deles com o nome da jornalista estampado no carro, hãn? – arqueia uma sobrancelha. – Sei que não podemos cancelar a corrida lá, porque está muito fora do nosso alcance. Mas quem sabe não conscientizamos as pessoas?
- Pode contar comigo, claro. – o britânico assente e ele e a amiga batem as mãos no alto.
- Eu acho a inciativa muito legal da sua parte, . – Fabio comenta admirado. – É bom aproveitar essas oportunidades agora que ainda tem tempo para focar nisso, porque depois que ganhar o Leclerc-baby não vai ser a mesma coisa.
franze a testa automaticamente refletindo sobre a fala do tio, e se encolhe inconscientemente enquanto tomava um gole do seu suco.
A frase tinha a deixado levemente incomodada, mas nenhum dos outros à mesa pareceram perceber.
- Não tinha pudim de chocolate? – Sandy pergunta ao notar a ausência do doce nas bandejas.
- Te mandei mensagem avisando que traria o mousse de maracujá porque pudim tinha acabado. – Fábio fala – Você até respondeu O.K.
sobe os olhos até a loira, que instantaneamente se vê desconcertada sob o seu olhar.
- Certo. – ela sopra ao pegar o mousse – Tinha me esquecido. Obrigada.

(...)

e estão às margens da pista do circuito vestidos com os macacões azuis caracterizados para gravar uma entrevista para uma emissora japonesa. As câmeras estão apontadas em sua direção e no apresentador simpático de olhos puxados, estatura alta e riso fácil.
- Gente, eu acho que nós precisamos saber um pouco mais sobre uma das duplas mais carismáticas e engraçadas do grid. – o rapaz fala e eles assentem – Aqui atrás – ele aponta para o carro moderno de pintura cristalizada em grafite, lataria moldada com curvas milimetricamente pensadas e motor de alta performance – temos uma McLaren com motor para uso urbano, que um de vocês vai dirigir enquanto o outro vai fazer algumas perguntas enviadas pelos fãs japoneses pelas redes sociais.
- Tá legal. – sorri.
- Então aqui está. – o rapaz entrega à os cartões com as perguntas. – Você vai ler as perguntas e ela dirigir, e vice-e-versa. Primeiro as damas.
- Todas essas perguntas são para ? – o britânico indaga.
- Não, tem para você e para ela - o apresentador responde – e então vocês trocam e ela te faz as suas perguntas.
- São muitas perguntas para uma volta só. – a brasileira comenta.
- Não, não. – o rapaz ri – Pode ser mais que uma volta. Façam algumas.
- Ah, tá certo.
- Só dirija, e quanto acabarem as perguntas vocês voltam para cá e trocam de lugar.
Os dois pilotos assentem e se encaminham para o carro que está equipado com dezenas de câmeras por seu interior e exterior, colocando seus capacetes antes de entrarem.
Eles se acomodam, colocam os cintos e a primeira coisa que faz é descer o quebra-sol enquanto fala: - Checando a aparência no espelho. Hum. – ele sorri – Isso está muito bom.
ri e faz um sinal de positivo ao apresentador fora do carro: - Estamos prontos.
Ela liga o carro e pede: - Liga o controle de tração.
- Não. – ela diz dando partida e encaminhado o carro para a saída dos boxes.
- Meu Deus, eu estou com medo. – ele ri fino.
- Por quê? – pergunta risonha.
- Olha esse carro, já é assustador estar no carona e você ainda está com o TC desligado. Vai fazer drifting, com certeza.
gargalha.
- Tinha me esquecido dessa sua fobia por um instante.
- Por favor, liga. – ele pede em risos nervosos.
- Não. – ela ri e atravessa a saída dos boxes. – Eu odeio dirigir com TC ligado. Me desculpa, mas vou tomar conta de você. Vai dar tudo certo.
acelera um pouco o carro e começa a aquecer os pneus, virando o volante de um lado a outro.
- Jesus Cristo. – diz segurando-se no banco e painel para seu corpo não ser jogado brutalmente de um lado ao outro. – Eu estou com muito medo.
- Eu também. – ela confessa aos risos. – Eu estou com medo do que esse carro é capaz.
Eles riem juntos.
- É muito potente. – fala e ajusta a sua postura para começar: - Tá legal, pergunta número... - então pisa fundo no acelerador e mantem o volante conforme a pista livre, disponível somente para ela. – Caralho. - xinga automaticamente.
ri.
- Me faz as perguntas.
- A acelerada foi mais rápida que minha voz. – ele arruma os cartões nas mãos. – Tá legal, pergunta número um: você sentiu minha falta durante as férias?
- Como, se você estava comigo na maior parte delas? – ela rebate sem tirar os olhos da pista e eles riem. – Ele não aguenta ficar sem mim, gente. É um fato.
então abre a primeira curva e se contraí no banco: - Ah, meu Deus.
O carro dá uma derrapada na zebra e a pilota xinga: - Porra.
- Vai devagar por favoooor... – pede e acaba por gritar quando o carro passa nas zebras novamente.
gargalha.
- Tranquila, . – ele diz em português com a voz num fio – Tranquila, tranquila.
A pilota acerta o carro na pista e acelera.
- É muito rápido. – ela comenta. – Tá legal, continua.
- Nós somos amigos, colegas ou alguma outra coisa? – lê.
- Um pouco dos dois, não é? – ela fala. – Amigos, colegas de trabalho... – ela se concentra na curva seguinte – É, mas eu te considero como meu melhor amigo, sim.
- Ah, as britas. – avisa – Não vai por ali.
desvia do caminho com agilidade e suspira pesadamente.
- Tá legal. Quem você gostaria de ter como parceiro de equipe além de mim? – o britânico lê.
acelera o carro na reta e gruda no banco, fazendo-a rir.
- Eu não sei, como parceiro? - ela pensa – Acho que prefiro você mesmo. Eu e somos muito competitivos no trabalho, brigaríamos sempre. Não ia dar certo.
Ela faz a curva desacelerando pouco e a traseira do carro é jogada para trás.
- Eu estou me cagando aqui. – diz assustado – Literalmente.
- Me faça as perguntas. – ela diz rindo alto.
- Se você fosse um cachorro-quente, se comeria?
olha por um segundo e ri: - Definitivamente.
Ela então acelera na reta, usando toda a potência do carro.
- Eu estou suando, sis. – ele diz apalpando o macacão.
- Está muito quente aqui. – ela comenta.
desacelera na próxima curva e ri quando faz o sinal da cruz.
- Vai, faz as perguntas. – ela esbraveja às risadas.
- Qual foi o melhor conselho que eu te dei sobre amor? – gargalha.
- Você? Para mim? – ela ri junto com o amigo. – Sobre amor?
Eles gargalham e por um instante sobe nas zebras da pista, porém logo retoma o caminho ao respirar fundo.
- Eu vou fazer xixi nas calças, sério. – confessa risonha. – O conselho que você me deu sobre amor... – ela repete, refletindo. – Você não acredita em amor à primeira vista.
- Eu disse isso à você? – questiona.
- Sim. Uma vez. – ela ri. – Não foi um conselho, mas você disse.
Eles riem.
- Pinguins tem joelhos?
- Que caralhos de pergunta é essa? – ela rebate aos risos. – Não sei, talvez.
- Se você não fosse pilota de Fórmula 1, o que você seria? – ele a indaga, mas logo responde: - Trabalharia com qualquer coisa que envolvesse corridas.
- Sim, correto. – ela diz. – Acho que não há nada mais que eu queira fazer.
- Que poder você teria se fosse um herói? – ele pergunta, já aliviado por vê-la entrar na reta dos boxes.
- Hã, - ela pensa. – me teletransportar de qualquer lugar à outro. Seria muito prático.
gargalha.
- Acho que todos nós concordamos com isso. – ele diz relembrando do episódio do avião da Itália à França.
estaciona o carro e rapidamente retira o cinto, brincando: - Pitstop. Rápido.
ri enquanto retira o próprio cinto e eles trocam de lugar.
- É a hora de você se vingar. – o apresentador fala se aproximando do carro.
- Ah, eu vou. – o britânico olha para a parceira com um olhar intimidador e ela ri, já afivelando o cinto do carona. – Minhas pernas estão tremendo.
- Meu Deus, estão mesmo! – o apresentador solta, admirado.
Os parceiros se acomodam e a passa os cartões de pergunta.
- Eu vou fazer alguns donuts.
- Não, não, não. – ela ri. – O que era para ser engraçado vai se tornar algo muito trágico.
- Você fez drifts por todo lado. – ele rebate.
- Não, eu fiz drifts pequenos. – ela diz com a cabeça balançando em negação – Eu sabia o que estava fazendo.
sorri e fecha a porta do carro.
- ... – ela ri nervosa.
- Relaxa, não vou pegar pesado e você sabe o porquê. – diz dando partida e saindo com o carro.
- O quê? – ela vira em sua direção incomodada – Por causa disso? – questiona sugestiva com os olhos.
A mídia ainda não estava à par de sua gravidez e ela não a faria em uma entrevista sem antes falar com .
- Sim, por causa disso.
- Então pode fazer donuts à vontade, você sabe que eu aguento. – ela se endireita na poltrona, com os olhos determinados na pista à sua frente.
- ...
- Não quero que pegue leve comigo por isso. – ela o interrompe. – Já disse, eu ainda sou eu mesma. Continuo pilotando e aguentando a pressão de um carro, umas leves voltas não vão me derrubar.
sorri para ela e diz: - Como queira.
Assim ele acelera o carro na saída da reta dos boxes e um grito escapa de sua garganta, que é finalizado com risadas. Quando freia para desacelerar, o cinto prende o pescoço dela e o riso de fica abafado.
Ela tosse algumas vezes pelo leve enforcamento e ri fraco.
Ele a encara risonho e ela diz: - Esse carro não é seu, só quero te lembrar isso.
gargalha e acelera novamente.
- Qual a música que mais me representa? – ela lê a pergunta.
- Representa você? – ele repete e ela assente mesmo que os olhos dele não desgrudassem da pista. – Garota de Ipanema, claro.
sorri.
- Se sua vida fosse um filme, como se chamaria? – ela lê o cartão seguinte.
não desacelera o suficiente na próxima curva e puxa o freio de mão, fazendo um drift completo.
- Filho da puta. – ela xinga em automático e eles riem. – Vai com cuidado.
Ele então sobe nas zebras e o carro todo se estremece.
- Qual o nome do seu filme? – ela torna a repetir com os olhos vidrados na pista à sua frente e as mãos segurando o painel com firmeza.
- A vida de .
- Que originaaaaal. – ela interrompe a zombaria para esbravejar quando ele acelera abruptamente na saída da curva.
- Tranquilo, hein?! – diz aos risos em português.
- Você é terrível nisso. – ela diz quando ele faz a manobra mais uma vez. – Sério, estou com medo porque você é ruim.
- É o carro de outra pessoa, não vou zoar os pneus mais do que você já fez. – rebate.
- Vai com cuidado, essa curva é perigosa. – ela diz avistando a curva mais rápida do circuito. – Ah, meu Deus. Agora eu sei por que do seu medo de ir no carona.
gargalha.
- Tá, - ela desce os olhos aos cartões novamente, respirando fundo – o que em mim te irrita? Ah, Deus. – ela respira fundo quando ele acelera por demasiado em outro ponto de uma curva rápida. – Preciso de ar, janela. – ela desce o vidro elétrico um pouco e coloca a boca na fresta. – Ar, ar.
sabia que ela estava só fazendo uma piada, por isso gargalha. Se realmente estivesse passando mal os vidros já estavam enfeitados com seu vômito.
ri e sobe o vidro novamente.
- Tá, o que em mim te irrita? – ela repete a pergunta.
- Sua arrogância.
- O quê? Eu sou arrogante? – ela questiona olhando em sua direção abismada.
gargalha.
- Claro que não. – ele controla o riso. – Mas precisava ver a sua reação. Hãn...- ele se põe a pensar. – Não sei, acho que não tenha nada em você que me irrita.
- Com certeza deve ter alguma coisa. – ela ri – Eu admito que sou muito teimosa, meio implicante com algumas coisas... – ela sugere – Vai, já te dei duas opções.
- Não me irrita mesmo. – ele diz sincero – Todo mundo tem os seus momentos e... Há, - ele abre a boca em idealização – sua beleza. Sua beleza me irrita.
- Como é que é? – ela ri.
- Você sempre está bonita. Em qualquer ocasião. – ele ri – Até depois de um cochilo no tatame. E olha que você até baba.
gargalha.
- Tá bom. – ela respira fundo, controlando a risada, e lê o outro cartão – Você sentiu minha falta nas férias?
- Na verdade, eu curti em passar um tempo...
- Você sentiu minha falta nas férias? – ela repete a pergunta encarando-o ao interrompê-lo, ao prever a finalização da sua resposta.
- Um tempo longe de você...
- Você sentiu minha falta nas férias? – ela repete mais uma vez, já está rindo novamente.
- Sim! – diz por fim.
- Ótimo. – ela ri. – Nada diferente disso. Por menos dias que foram.
engasga com a saliva, de tanto que ria.
Ela passa para o próximo cartão.
- Carlos Sainz ou Benedetti?
- O quê? – ele olha em sua direção por um instante, abismado. – Não tem essa pergunta aí.
- Não tem mesmo. – ela ri, admitindo. – Mas, tudo bem, porque eu sei que você me escolheria.
Eles riem e entra na última curva.
- Qual o melhor conselho que eu te dei sobre amor? – ela lê o cartão e volta a rir.
- Tem tantos. – ele balança a cabeça em negativa. – É basicamente a única coisa que você faz.
- Merda. – ela solta quando a traseira derrapa e os pneus gritam.
- Meu Deus. – ele também sopra, e volta com o carro no meio da pista.
- No amor, . Foca no amor. – ela diz voltando a atenção aos cartões.
- O melhor conselho que me deu sobre o amor? – ele repete e ela assente enquanto vê ele entrando na reta dos boxes. – Disse para eu namorar com a pessoa por quem sentisse uma conexão.
- Isso.
- O problema é que a única pessoa por quem senti uma conexão foi com você. – ele diz e para o carro na frente da garagem da McLaren.
encara-o completamente surpresa.
- Isso pegou mal. – ele ri, sem graça. – Podemos editar essa parte? – o rapaz indaga na direção da câmera colocada no para-brisa e logo desafivela o cinto para sair pela porta do carro rapidamente.
A pilota fica por um instante sem reação.
- , você está bem? – ela sequer tinha percebido Fabio se aproximar do carro e abrir a porta do passageiro com preocupação cravada na face.
- Estou. – ela ri fraco, disfarçando o desconforto, e desafivela o cinto ainda balançada.
- Então vamos, temos mais uma parte da entrevista para gravar.
Ele se retira e ela assente saindo do carro enquanto a história de Daniel martelava em sua cabeça.
Droga, foi tudo o que conseguiu pensar.

GLOSSÁRIO:

O TC (Traction control, tradução: Controle de tração) é um sistema eletrônico que foi inserido nos carros mais modernos, que tem a capacidade de reduzir ou evitar patinagem. Uma roda girando significa que o pneu não está mais aderindo à superfície da estrada de forma eficaz e pode levar a uma sobreviragem (onde a traseira do carro sai da linha, potencialmente causando um giro) em um carro com tração traseira, ou subviragem (onde o carro não responde o suficiente a seus comandos de direção) em um carro com tração dianteira. Geralmente os pilotos o desligam para fazer o conhecido drifting.
Drifiting é uma arte de direção de carros que se fundamenta em deslizar nas curvas escapando a traseira do carro, girando o volante de forma que as rodas dianteiras fiquem sempre em direção oposta a curva, utilizando o freio de mão para controlar o nível de derrapagem, fazendo o carro andar de lado.
Também conhecido como Zerinho no Brasil, o donuts é uma manobra praticada com carros, motocicletas entre outros veículos, onde o carro está em movimentos circulares, geralmente com a roda dianteira com menos movimento.


Capítulo 7

“Ao longo da nossa vida temos contato com diversas pessoas em diferentes níveis. São poucas pessoas, no entanto, que desenvolvem uma importância significante o suficiente para se tornem permanentes na nossa trajetória até o final. Contudo, todas essas pessoas que já passaram por nossa caminhada foram de alguma forma tocadas por nós, assim como fomos tocados por eles. E na maioria das vezes, devido ao nosso próprio ponto de vista, não sabemos quão significante e intenso possa ter sido o nosso toque em outrem.”

16 de outubro
Austin, Texas – Estados Unidos da América

se aproxima em passos sorrateiros por trás da noiva, que está concentrada em se decidir qual doce da mesa disposta com a mais rica variedade ela escolheria. Ele a abraça por trás de súbito, causando nela um leve susto.
- Porra, . – ela suspira respirando aliviada ao girar nos calcanhares e reconhecer o noivo – Que susto, mon amour. Só não te xingo mais por ter dado um susto em uma grávida porque é seu aniversário.
- Me desculpe. Me desculpe também, filho. – ele diz à sua barriga, risonho, para voltar-se aos seus olhos – Roubando mais doces, hein?! – questiona com as mãos na cintura da mulher, levemente mais larga que o usual.
- Anthony me liberou hoje. – ela comemora a permissão do obstetra de forma contida. – Disse que as taxas e vitaminas estão saudáveis, como sempre, e por isso iria me recompensar pelo meu bom comportamento. Além de eu não ter engordado nada além do peso médio do bebê.
Ela pega um brigadeiro na mesa atrás de si e leva na boca.
- Nada mais justo.
Quando ela pega a segunda bolinha de chocolate a rouba de sua mão e joga na própria boca.
- Que vacilo. – ela diz com os olhos cerrados e face risonha. – Não devia ter feito isso.
empurra os ombros do rapaz de leve e ergue os punhos rente à altura do queixo, em um usual movimento de defesa no boxe. entra na brincadeira e ergue os punhos rindo.
Frequente eram às vezes em que eles fingiam entrar em uma luta digna de UFC. Na maior parte delas, porém, faziam na cama ou no chão da sala de casa, mas ali, no canto recluso da área de lazer aberta da casa que eles haviam alugado para a semana de corrida na América, ele sabia que se limitariam à alguns socos leves até ele devolver um brigadeiro diretamente na boca da amada. E como adoravam se provocar, ele não cederia com facilidade.
ataca com o primeiro soco, que pega no ombro do rapaz. Quando ela insinua um segundo golpe pega o seu pulso e a gira até rodear o seu corpo com os braços e prendê-la num abraço.
- Isso pode ser considerado um nocaute? – ele sopra no seu ouvido e ri.
- Isso foi ilegal. Quem que agarra a oponente por trás?
- Quem tem segundas intenções com ela. – sorri malicioso e a mulher gargalha.
- Parem com isso. – uma serene voz pede, invadindo o seu momento íntimo, e os dois seguem os olhos até conferir a expressão abismada de Pascale, mãe do monegasco. – Você vai machucá-la, . Ela está grávida, não podem mais ficar brincando assim.
afrouxa o aperto desconcertado, por um instante havia se esquecido da gravidez – ainda que nunca ousasse usar de força nas brincadeiras com , porque certamente ela lhe devolveria na mesma medida, senão mais forte.
- Não há problema nenhum, Pascale. – sorri, mesmo que estivesse desconfortável. – Estávamos só nos divertindo.
- Agora tem que ser com moderação, querida. Não se esqueça. – a matriarca sorri simpática para então erguer a mão para chamá-la em sua direção – Agora venha cá, eu e sua mãe estávamos conversando sobre alguns detalhes do casamento e queríamos ter a sua aprovação.
imediatamente se arrepende de ter convidado as famílias para acompanhá-los na semana em questão. Havia levado em consideração que desde que haviam feito o anúncio da gravidez aos familiares, eles não tiveram a oportunidade de se ver pessoalmente e que seria uma boa oportunidade conciliar isso com o aniversário do monegasco.
No entanto, ao invés de se encantarem com o fato da criança à, caminho estavam a discutir questões do casamento e ainda esperar que ela as aprovasse quando suas preocupações agora eram outras.
- Mãe, eu e conversamos e pensamos que o que seria melhor devido às últimas surpresas, - ele passa o braço por cima do ombro da mulher, em forma de apoio. a conhecia tão bem. – é que adiássemos o casamento para depois do nascimento do bebê.
- O quê? – Pascale arqueia as sobrancelhas em choque e pousa a mão sobre o peito, sentida.
- É que com toda essa agitação da temporada, os cuidados redobrados com a minha saúde e a questão de fazer enxoval e todo o planejamento para recebermos um bebê, vai ficar muito em cima nos casarmos em janeiro. – explica cuidadosamente.
- Mas vocês têm que se casar antes de ganhar a criança, ou ela não será fruto de um matrimônio. – a mulher insiste.
- Mãe, o bebê já foi feito antes do matrimônio de qualquer forma. Que diferença faz? – ele ri ao dar de ombros.
- Têm diferença para o matrimônio de um Lorde. – ela fala em veemência. – E que seja feito, de preferência, o mais rápido enquanto a barriga ainda não está em evidência.
umedece os lábios vagarosamente, em seus ombros o peso dessa responsabilidade que já havia sido descartada em sua cabeça.
- Tudo bem, tudo bem. – a jovem cede suspirando, olhando para . – Podemos fazer isso.
- Podemos? – ele a questiona com olhos duvidosos. – Ma belle...
- Claro que podem, terão minha ajuda e de Patrícia. – Pascale sorri e a estende a mão novamente – Venha cá.
suspira e acompanha a matriarca, deixando um incerto para trás.

Depois de 30 minutos ouvindo ladainhas sobre bainhas, toalhas de mesa, cetim e joias, confessava que não estava mais prestando atenção na conversa animada da sogra e a própria mãe, sentadas confortavelmente nas espreguiçadeiras à beira da piscina.
Não estava se sentindo empolgada com todas aquelas formalidades que ela e haviam concordado em não fazer e tampouco com disposição de interrompê-las para mostrar o seu ponto de vista naquele momento.
Sua atenção se volta então para a mesa de bilhar no meio do jardim, onde , seu pai, Arthur e faziam uma partida concentradíssima enquanto Daniel, Carlos, Mick e Ernesto assistiam e faziam comentários entre si.
O alemão então nota o olhar perdido da amiga e a faz um sinal com a cabeça, pedindo que ela se aproximasse.
Ela sorri tristonha e aponta as duas mulheres, que sequer percebem que ela não fazia parte daquela conversa há algum tempo.
Mick então abandona a sua garrafa de cerveja que tinha em mãos e pede por um instante silenciosamente. sorri ao ver o loiro ir até a mesa de petiscos e juntar alguns em um prato para então caminhar em sua direção.
Quando se aproxima, ele pede educadamente: - Com licença, senhoras. Mas eu vou ter que roubar a de vocês um pouquinho. É que já tem duas horas desde a última refeição e, vocês sabem né, agora ela come por dois.
- Que atencioso, querido. – Patrícia sorri encantada – Claro, podem ir. Depois discutimos mais.
não pensa duas vezes antes de se levantar e se afastar rapidamente dali.
Eles seguem até a mesa de piquenique vazia próxima à entrada do jardim e após se acomodarem, sentando-se na própria mesa, ela o agradece: - Muito obrigada Mick, você é meu herói.
- Imagina. – ele dá de ombros e a entrega o prato de comida.
Eles ficam a observar a pequena reunião social em silêncio por algum tempo, o clima descontraído fazia esses pequenos momentos serem excepcionais – apesar dos pesares.
Por mais que teriam que retornar ao trabalho no dia seguinte, gostava dessa pausa para esfriar a cabeça por alguns instantes. Principalmente depois que seus hormônios resolveram desafiá-la com ansiedade, irritabilidade, estresse e cansaço em dobro.
Os olhos da brasileira vagam pelo ambiente, se sentindo grata pela companhia de todos – e sentindo falta de alguns – quando caem em .
Droga, como queria não estar com aquela sensação de que a vinha acompanhando desde aquela entrevista no Japão.
era um de seus melhores amigos, seu irmãozinho. Ela não queria que um relacionamento tão forte e bonito tomasse rumos que fossem irreversíveis e complicados.
Eles eram uma dupla, carne e unha, Hermione e Harry... Ela não estava emocionalmente preparada para que deixassem de ser ou se afastarem inconscientemente por um mal-entendido de palavras atravessadas.
havia afugentado esses pensamentos o máximo que pôde, mas hora ou outra eles voltavam porque estava literalmente ao seu lado o dia inteiro, todos os dias da semana.
Ela não teve como conversar com sobre o assunto, a amiga estava cada vez mais atarefada e pouco conseguia responder suas mensagens – que imaginava ser pela vida agitada como mãe.
Por isso, se permite comentar com Mick: - Olha, pode ser coisa que o Danny colocou na minha cabeça. – ela trata de esclarecer – Mas... – suspira, tomando coragem – Você acha que é possível que o possa estar apaixonado por mim?
Um instante de silêncio a deixa agoniada.
- Como é que é? – Mick questiona, olhando em sua direção surpreso.
- Eu sei, é muito bizarro. – ela admite, os olhos beirando ao desespero. – Mas, de uns tempos para cá, eu acho que possa ter percebido algo diferente da parte dele, sabe?
Mick franze a testa ainda mais.
- Não que eu esteja em uma recíproca, amo ele como amo um irmão e fico desconcertada em como agir se isso for real. – ela explica, os ombros caídos. – Digo, eu estou grávida e noiva de outro cara. Acha que ele pode estar sofrendo vendo tudo isso e querer se afastar, se estiver mesmo apaixonado? – mira Mick nos olhos, aqueles oceanos azuis que desde sua estreia no automobilismo transmitiam sempre tranquilidade. – Gosto tanto dele, não quero que ele se sinta desconfortável comigo.
Mick suspira, soltando ar com veracidade.
- Olha, , - ele limpa a garganta, tomando tempo – eu vou ser bem sincero com você. Isso não é impossível, não.
- Mesmo? – ela questiona tristonha.
- Claro. – ele ri anasalado – Olha só para você, quem resiste? - ri, até o rapaz fazer a próxima revelação: - Até eu já fui apaixonado por você.
- Como é? – sua testa franze em confusão e choque.
Mick ri divertido.
- Não se preocupe, já passou. – ele garante. – Mas bem lá no comecinho, quando nos conhecemos, eu fiquei louco por você. – admite.
está sem fala, por isso ele continua: - Sempre te admirei demais, sua simpatia, sua garra, a sua sinceridade, sensatez, seu carinho com todos... – ele sorri olhando-a nos olhos – O modo como trata as pessoas de igual para igual. Eu realmente estava caidinho.
- Nossa. – é tudo o que ela consegue soprar.
- Pois é. – ele dá de ombros.
- Mas... – ela olha em um ponto da grama qualquer, buscando em sua memória os tempos de Prema Racing – Eu nunca notei nada.
- Porque não deixei que notasse. – ele esclarece.
assente vagarosamente, para indagar em seguida: - E como isso passou?
- Quando eu vi que não tinha chance nenhuma contra o Leclerc. – ele fala e automaticamente os olhos dos dois seguem até o monegasco, que está a conversar alegremente com o irmão mais novo – Você olha para ele com tanta paixão que eu vi que não me cabia em um triangulo amoroso ali, porque eu estava sentindo coisas sozinho.
se força a desgrudar os olhos de , se sentia em transe toda vez que o admirava e, pelo visto, não era só ela quem notara isso.
- Me desculpe?! - ela diz em dúvida, voltando à Mick.
- Não tem pelo que se desculpar. – ele diz sorrindo gentilmente – Fico feliz de ter superado porque hoje somos grandes amigos e eu não trocaria nossa amizade por nada. – ele pousa a mão em cima da sua por alguns instantes – Além do mais, conheci a garota dos meus sonhos e estamos muito felizes juntos.
- Fico feliz por você e Mirian. – diz sincera. – Ela é uma garota muito legal.
- É, ela é demais. – ele diz com um sorriso apaixonado na face. – Então, referente ao ... – ele volta ao assunto, se recompondo – Ele é bem mais próximo de você do que éramos na época. Se ele realmente estiver sentindo alguma coisa, você não vai ter dúvidas, vai ter certeza.
vaga os olhos até eles pousarem no britânico, que erra a tacada no buraco e faz com que e Arthur já comemorassem, prevendo sua vitória no jogo.
- Ou, se quiser deixar tudo às claras mesmo, conversa com ele. Aposto que tem abertura para isso. – Mick continua – Só não se esqueça de deixar claro que ele vai continuar sendo seu amigo independente de qualquer coisa.
- Com certeza. - ela sopra e se vira sorrindo para o amigo – Obrigada, Mick.
- Sempre às ordens. – ele diz bate continência.
- Schumacher! – a atenção dos dois é chamada pela voz de Daniel. – Nossa vez de dar uma surra neles.
Mick pula da mesa e dá um aceno para antes de se afastar, indo em direção à mesa de sinuca.
pousa a mão sobre a barriga ainda imperceptível e faz um carinho leve nela, havia adquirido esse costume recentemente de tanto que o fazia.
- Olá, meu amor. estava distraída até ouvir a voz adocicada de Marcos soar e ri, vendo-o se aproximar sorrindo encantado. Ele estava todo bobo com o fato de seu primeiro netinho estar a caminho, e não se limitava em demonstrar isso.
Para quem estava preocupado com o fato de a filha estar crescendo por casar, estar esperando um bebê parecia ter feito Marcos enxergá-la como um – tratando-a com o máximo de zelo possível.
Talvez Marcos tivesse em mente que netos era uma ponte direta para os avós, e que isso fosse os aproximar ainda mais. Apesar de não ter sido o que aconteceu com e seus avós, por acasos do destino, Marcos prometeu que esse seria o seu propósito dali em diante e a filha não pôde não se sentir mais acolhida.
- Está falando comigo ou com o mini-Leclerc? – ela indaga divertida.
- Você acha que é um menino? – ele questiona com os olhos brilhando, enquanto sentava-se ao seu lado.
pousa a cabeça no ombro do pai.
- Não sei, é só o jeito que o tio Fábio o chama. O médico disse que está muito cedo para saber. – ela fala.
- Algum palpite de intuição feminina?
- Não sei. – ela sorri – No último ultrassom, que pudemos ouvir o coraçãozinho bater, senti o batimento forte, calmo e num ritmo bem pacífico. Acho que pode ser uma menininha, pela tranquilidade. Que ela com certeza vai puxar de , porque se fosse puxar à mim...
Eles riem.
- Me lembro que quando ouvi o seu coração bater pela primeira vez eu fiquei me segurando até o final do ultrassom em apoio à sua mãe. – ele revela – Depois fiquei no banheiro do consultório durante uns 15 minutos chorando. Falei que minha alergia tinha atacado.
gargalha.
- não foi tão resguardado. – ela expõe – No minuto em que olhei para ele, os olhos já estavam molhados, aí não aguentei. – sorri com a lembrança – Foi chororô para todo lado, mas muito significante.
- Vocês serão ótimos pais. – Marcos afirma.
- Você acha? – ela o questiona, erguendo a cabeça de seu ombro para olhar em seus olhos. – Admito que às vezes... – abaixa seus olhos, insegura – Fico com medo de não ser boa o suficiente. É um território novo para mim.
- E qual mãe de primeira viagem já não pensou assim? – ele rebate com um sorriso gentil nos lábios – O importante é que vai dar o seu melhor para ser aquilo que o seu bebê precisa. Eu sei que vai.
Marcos puxa a filha para um abraço e ela suspira pesadamente.
E se ela não for capaz de dar o seu melhor?

(...)

19 de outubro

“Você vai se aposentar?” e “Com todas as responsabilidades da maternidade, você terá tempo para se dedicar ao esporte?” foram as primeiras perguntas de muitas que os jornalistas fizeram na coletiva em que ela havia revelado ao mundo que estava esperando um bebê.
Depois que Anthony, o obstetra, deu uma palestra sobre todos os cuidados e precauções que eles estavam tomando para que ela pudesse terminar a temporada sem maiores riscos os entrevistadores estavam satisfeitíssimos por ter uma bombástica notícia em mãos.
No outro dia, dezenas de noticiários debatiam sobre a sua decisão.
- “A Fórmula 1 é um esporte que requer muito do físico do piloto, ela é muito irresponsável por estar arriscando a vida de um bebê inocente.”;
- “Isso se chama teimosia. Ela não está visando o que é melhor para a sua equipe, que precisa de um piloto que esteja cem por cento em todos os aspectos. Ela não quer dar o braço a torcer e vai afundar a McLaren por isso. É uma garota mimada.”;
- “Isso é puro egoísmo de uma estrelinha, segurando a vaga que poderia ser a oportunidade para alguém que realmente está em condições. A McLaren deveria tomar atitudes drásticas quanto a isso, mas eles adoram passar a mão na cabeça dela.”;
- “Podemos esquecer o nome Benedetti, ela não voltará a ser a que conhecemos.”;
- “Será que este é o fim da carreira de sucesso de Benedetti?”.

A televisão é desligada e olha por cima dos ombros, flagrando com o controle da televisão de seu camarim em mãos. Ela seca as lágrimas do rosto com as mangas da segunda pele rapidamente, só para formalidades, porque afinal ele já tinha a flagrado chorar mais de uma vez só nos últimos dois dias.
- Ma belle. – ele sopra e se aproxima com os braços abertos, entra neles como se estes fossem o seu único refúgio. – Eu disse para não ficar assistindo à essas besteiras.
- Eu não ligo para o que falam de mim, , não ligo mesmo. Nunca liguei. – ela diz, a voz rouca e abafada pelo macacão vermelho da escuderia do noivo. – Eu sabia que eles só precisavam de um mínimo motivo para me metralhar, como sempre, mas o que eles estão fazendo... – ela funga – Eles estão intensificando a dúvida em mim de que talvez eu não vá ser uma boa mãe e agora plantando a de que eu sou uma profissional irresponsável.
- Por favor, não diga isso. – o monegasco pede – Você vai ser uma ótima mãe e obviamente é uma pilota responsável. É só olhar para tudo o que está se submetendo para poder competir da forma correta e cuidar do nosso filho. – ele a relembra – Só precisa ignorar o que essa gente fala.
havia escapado do paddock da própria escuderia e tinha livre acesso às instalações da construtora laranja depois que os superiores ficaram a par da situação dos dois, o que era muito atencioso vindo de uma companhia.
Raros eram os momentos em que ele realmente via necessidade de ir até lá, mas quando precisou de fato ninguém o contestou.
- Você não tem ideia da sorte que tem em ser homem. – ela desabafa – Não está sendo responsabilizado ou apontado como insensato por nada disso.
Ele afaga seus cabelos, a respiração dela vai se tornando mais calma.
- Não vai parar a sua carreira... – ela soluça – Não está sendo acusado de afundar toda uma construtora... Decepcionar uma legião de fãs... Ah, meus fãs.
a espera se acalmar por completo para procurar por seus olhos molhados e vermelhos.
- Ma belle, se eu pudesse, pegava esse bebê e colocava na minha própria barriga. – ele diz carinhosamente – Mas infelizmente não tem como. E eu sei que não é justo tudo isso ser jogado em cima de você, por isso eu sinto muito.
Ela respira fundo e seca o rosto novamente, seus hormônios estavam em alta. Ela suspira por duas vezes seguidas e a oxigenação em seu cérebro a deixa pensar com mais clareza.
- Eu sei, e não quero parecer arrependida porque não estou. – ela afirma veemente. – Só estou reclamando mesmo, - admite – as pessoas estão falando que eu não vou ser a mesma depois da gravidez e isso está deixando minha cabeça um caos. Eu sei os meus limites, conheço o meu corpo, o que posso fazer e até onde aguento, poxa. É o meu corpo, conheço ele desde que nasci. E eu quero tanto ganhar esse título...
- Então é isto. – ele sorri olhando-a nos olhos – Você sabendo disso, o médico autorizando e o público vendo resultados que eu sei que você é capaz de dar, está calada a boca das más línguas. Eu confio em você.
Ela suspira, a cabeça baixando automaticamente.
- Nós daremos um jeito, eu estarei ao seu lado a todo momento. – puxa seu queixo delicadamente para que ela voltasse a olhar em seus olhos – Eu te prometo isso.
- Você sabe que não tem como. – ela desvia os olhos, saindo do seu abraço com cuidado – Nos últimos meses de gestação eu não vou poder mais viajar, vou parar e você vai ter que ir às corridas. E por mais que você diga que eu vou me sair bem como mãe, eu ainda estou insegura quanto à isso. É algo novo para mim, eu não sei como vou lidar com isso sozinha.
Ela lhe dá as costas para pegar a garrafa de água disposta sobre a maca de massagem.
Um momento de silêncio se dá até ser despertado com a declaração do monegasco: - Eu tiro um ano sabático com você para cuidarmos do bebê.
quase cospe toda a água que tinha na boca, tossindo após engoli-la com dificuldade.
Um momento de silêncio assume a cena enquanto ela absorvia o significado daqueles dizeres.
- Você o quê? – ela indaga virando-se à ele lentamente enquanto secava sua boca com as costas da mão.
Ele sorri terno e se aproxima dela vagarosamente enquanto repetia pausadamente: - Eu vou estar com você. Em todos os momentos. Eu prometo.
Ela olha em seus olhos e se encolhe inconscientemente.
Um ano sabático para um piloto que disputa o campeonato da Fórmula 1 pode ser determinante. Uma vez que as vagas eram de alto nível de disputa, entre os veteranos que já disputavam e o sangue novo que vinha dos campeonatos de gancho, ainda havia as eventualidades.
Trocas de assentos de uma construtora à outra, substituições sem avisos prévios ou quebras de contratos eram mais comuns do que deveriam. Principalmente no intervalo de uma temporada à outra.
Um dia você pode estar completamente seguro do seu lugar no esporte, como no próximo ficar sem uma vaga. As certezas eram instáveis. Por tal razão, os bons resultados constantes eram essenciais, dar tudo de si para confirmar o porquê você merecia aquele lugar de prestígio era necessário.
Todos os pilotos sabiam que uma vez fora da Fórmula 1, suas chances de retornar eram incertas. Uma vez que você não dispõe de um ano para provar as suas habilidades no volante aos olheiros das construtoras, as chances se faziam ainda menores.
estava em uma ótima fase com a Ferrari naquele momento, desde que entrara ele havia trilhado um caminho difícil com diversas complicações no motor, potência do carro, rebaixamento na tabela de classificação, entre outros. Porém, de duas temporadas para cá eles vinham se recolocando entre os primeiros e confirmando todo o legado Ferrari.
A probabilidade dele de ganhar o campeonato era tão alta quanto a de , e ela sabia que esse também era o objetivo primordial do rapaz.
Ela não queria ser egoísta. Por mais que não fosse justo com ela, ela não queria inviabilizar as chances as quais tanto se dedicara em alcançar também.
Por isso diz: - , um ano sabático... É demais. – ela suspira – Não é para tanto.
Ele franze a testa.
- Digo, - ela continua, por mais que suas inseguranças eram gritantes. – o tempo de licença está bom, depois disso, eu já vou ter pegado o jeito... Espero. – limpa a garganta, para afirmar: - Não tem necessidade de pular fora por todo um ano e...
- Eu sei o que está querendo fazer. – ele a interrompe sorrindo fraco. – E agradeço por querer cuidar de mim. Mas não se preocupe. Eu estou completamente ciente das minhas decisões, . Eu quero isso. Além do mais, a responsabilidade não é só sua, você não fez o bebê com o dedo.
Ela ri fraco antes de umedecer os lábios e mirar diretamente os olhos verdes que tanto amava.
- E todo o seu desempenho até agora... Vai tudo por água abaixo? – ela sopra preocupada.
- Não. – ele sorri, extremamente confiante e decidido – Podemos fazer acordos, uma garantia para o outro ano, procurar por outra construtora que esteja disposta a fechar contrato no futuro... – ele suspira – Tudo o que fiz até aqui é super válido. Eles me conhecem, sabe o quanto me adapto rápido e o quanto posso tirar de um carro. Modéstia parte, eu sou bem requisitado.
- Mas a Ferrari é o seu sonho. – seus olhos marejam.
- O bebê também é. – sorri abertamente. – E eu quero poder aproveitar de todas as formas possíveis toda essa fase. Com ele e com você.
Ver fazer sacrifícios pelo bebê a inspirava. Ele queria tanto isso e era tão certo das suas decisões que era até invejável.
Nem ela, nem ninguém mudaria a decisão do monegasco, via isso claramente. Porque desde os primórdios esse filho era o que mais desejava, também.
fica olhando a sinceridade explícita em seus olhos verdes por um tempo até sorrir e agarrar-lhe o pescoço, em um abraço caloroso.
- Vai mesmo fazer isso? – ela indaga, mas a resposta já era certa.
Ele se afasta minimamente do abraço para olhar em seus olhos e reconfirmar o quão determinado os seus estavam.
- Estamos nessa juntos. – responde, para então se abaixar e soprar para a sua barriga: - Papai está aqui.

(...)

21 de outubro

“Bem-vindos ao circuito das Américas, Estados Unidos. Você e todo o mundo ligado nas emoções da décima nona etapa do campeonato mundial de Fórmula 1.” – o comentarista informa. – “Hoje é a segunda vez consecutiva em oito anos que não temos um piloto com pontos disparados em vantagem nesta etapa do campeonato. Temos sim uma disputa acirradíssima entre Lewis Hamilton, Benedetti e Max Verstappen, com a mesma quantidade de pontos no topo da tabela de classificação. Seguidos de Leclerc e Norris fechando os cinco primeiros, Sainz como sexto, e Gasly em sétimo, apenas com um ponto de diferença cada. Essa temporada tem sido emocionantemente apertada, todas as construtoras quase no mesmo nível em potência!”.
“E esses três primeiros vem fazendo performances de tirar o ar, Troy.” –
o outro narrador fala – “Lewis, como sendo o maior campeão do mundo com nove campeonatos mundiais e mais velho do grid, mostrando que ainda tem garra; Verstappen traçando uma linha bem tênue e recorrente ao topo durante esses anos, garoto talentoso; e, não menos importante, a nossa querida Benedetti, que vem fazendo uma escalada rápida em sua carreira e já é considerada pelo público uma entre os melhores com apenas três anos de Fórmula 1. Eu, particularmente adoro essa menina.”
“Não sei se vocês de casa acompanharam as notícias dos últimos dias, mas a nossa menina veloz está esperando um bebezinho.”
“Mas, ao contrário do que muita gente tem falado nas redes sociais, ela está completamente bem, disposta e apta para terminar a temporada. E o melhor, isso não vai afetar em nada o crescimento do bebê. E quem garantiu isso foi o próprio médico contratado pela FIA, Anthony Cooper.” –
o americano se adianta em esclarecer – “Ela está de 13 semanas e eles estão tomando os cuidados necessários, tudo isso foi esclarecido muito bem na coletiva de ontem e anteontem. Está na íntegra em nosso canal do Youtube, para quem quiser conferir.”.
“Realmente, Bart. Isso só nos mostra quanta determinação e vontade de ganhar essa mulher tem. E o que a gente mais vê hoje em dia na mídia são juízes que adoram julgar a vida dos outros e principalmente o que diz respeito à decisão das mulheres em suas próprias vidas.” –
o homem afirma – “Estamos na América e este é um país livre. Se ela se sente confortável em continuar por mais quatro corridas, tem nosso total apoio. E não aceitamos qualquer comentário pejorativo que diminua ou conteste a decisão dela.”.
“Muito bem falado, Troy. Muito bem falado.”
“Enfim, vamos ao grid de largada então?”

, quem já estava bem acomodada em seu cockpit e posicionada na quarta posição da fileira de carros atrás da faixa quadriculada, teria se sentido absolutamente menos afoita se pudesse ter ouvido o apoio não só dos comentaristas americanos como de todo um público em suas casas que estavam do seu lado e torciam pelo seu sucesso. Tanto era seu receio dos fãs a rejeitarem, mas eles estavam fazendo completamente o oposto.
A pressão de se sair bem em uma corrida depois de seu anúncio parecera redobrar sua cobrança em si mesma por excelência, em forma de provar que uma gravidez não torna uma mulher ineficiente.
Ela iria ganhar aquele campeonato, e mostrar isso com perfeição era questão de honra.
- “Está tudo bem, ?” – Andreas pergunta através do rádio.
- Tudo certo, estou pronta. – ela responde.
- “O tubo de urina está desconfortável?” – o engenheiro questiona atencioso.
ri.
Era a primeira vez que eles estavam realmente testando o duto de urina, ideia do próprio engenheiro para caso a pilota sentisse vontade de ir ao banheiro no meio da corrida e não precisasse ficar ensopada com o próprio xixi – que ele sabia que era o que ela faria sem pensar duas vezes.
Anthony havia passado todas as necessidades de como gestante ao engenheiro e ele se preocupou com todos os detalhes que pudessem a deixar confortável desde acerto de assento, como posição do cinto e às necessidades básicas, claro.
- Admito que não é a melhor coisa que eu já senti aqui embaixo, - ela ri e ouve o homem rir também – mas está tudo bem. Obrigada, Andy. Obrigado à todos da equipe pelo apoio. Você são demais.
A bandeira verde passa no final da fileira de carros, liberando a contagem para a largada e aperta os dedos em volta do seu volante, seu velho amigo e companheiro confidente.
O sol do Texas refletia a pintura dos carros, fazendo-os brilhar, e intensificava o suor de tensão que escorria por dentro de seu capacete.
Ela adorava aquele momento de aflição, quando todas as vozes se calavam e todos os olhos estavam voltados para as luzes vermelhas de largada.
- “Cinco segundos” – Andreas anuncia.
Uma a uma as luzes vão se acendendo, cinco ao total.
Quando elas se apagassem, nada mais fora daquela bolha que rodeava o circuito importaria.
Seus olhos de caçadora estavam focados em seu objetivo.
Que era trazer mais uma vitória para a sua lista.
E assim seria feito.

“As luzes vermelhas se apagam e começa o Grande Prêmio dos Estados Unidos. Já está valendo.” – o comentarista narra. “Começou bem o Bottas. Vem por fora Verstappen, e cola ali no Leclerc.”
“Olha só como pula de posição a Benedetti.”
“Ela passou para segundo já, não, não, ela já está na liderança da corrida. Impressionante. Cortou por fora e afunilou ali os que estavam na frente. Que largada fez a Benedetti!”
“Perez se choca com Hamilton na primeira curva!” –
o narrador esbraveja em emoção – “O homem está fora! O nonagésimo campeão do mundo está fora em corrida que pode ser decisiva.”.
“Que falta de sorte!”
“Foi uma primeira volta agitada. Benedetti está com o melhor tempo de volta.”
“Verstappen está em segundo e seguindo a fileira temos Leclerc, Norris, Bottas, Sainz, Palhares, Ricciardo, Gasly, Stroll e Calderón fechando os dez primeiros.”
“Por enquanto Benedetti está na liderança não só da corrida como do campeonato. Se ela se mantiver, vencer essa e as duas próximas corridas, só precisará terminar a última corrida entre os sete primeiros para o título ser uma realidade, Troy. Tem noção disso?!”
“O que não faltam são emoções em Austin, Bart.”.
“Disso não se tem dúvidas, querido amigo.”.

No final daquele dia as manchetes nos jornais, sites, tabloides e redes sociais eram um pouco diferentes: “Mesmo estando grávida de 13 semanas, Benedetti mostra que é uma grande pilota e vence o GP dos Estados Unidos assumindo assim a liderança do campeonato pela primeira vez em sua carreira e dedicando a vitória da vez ao seu primeiro filho ‘Essa é para você, filhote’.”.


Capítulo 8

1 de novembro
Circuito de Interlagos, São Paulo – Brasil


O sol já estava a esplandecer seu brilho e espalhando o seu mormaço às nove da manhã naquela quarta-feira em São Paulo. O dia havia começado com poucas nuvens e uma brisa fresca, mas desapareceram rapidamente deixando o céu completamente azul e o horizonte mais belo e com cores vibrantes.
O autódromo estava deliberadamente vazio assim como a pista, com a presença apenas de alguns funcionários, responsáveis pela manutenção e organização do evento.
- As pessoas costumam fazer isso mesmo? – pergunta seguindo com os olhos dois rapazes com roupas de ginástica que passaram correndo por ela e .
- Sim, as pistas ficam abertas quando não estão em uso e o pessoal aproveita para se exercitar. – a pilota responde dando de ombros e ajeitando os óculos de sol no rosto.
- Isso é muito legal, eu nunca imaginei que um dia fosse pisar aqui. Literalmente. – a loira sorri alegre.
As duas estavam caminhando em um ritmo tranquilo pelo circuito, pouco atrás de Marcella montada em um mini Jeep automático pink que era controlado remotamente pelo celular da mãe.
Cada vez que a via, ela estava maior e mais esperta, não conseguia não ficar completamente à mercê das vontades da menina e a da vez era passear. Como os passeios da pilota pela cidade natal sempre acabavam sendo muito agitados, devido ao grande número de fãs e fotógrafos que a seguiam, decidiram por ficar em um ambiente mais restrito.
As amigas aproveitaram disso para que também pudessem colocar as conversas em dia.
- Então, deixe-me ver se entendi. – a loira diz, recapitulando os fatos – Mesmo que esteja grávida e não vai estar na temporada do ano que vem, a Mercedes continua querendo que você assine com eles?
sorri e assente duas vezes seguidas.
- Segundo o Toto, os resultados que eles queriam ver na temporada que vem, eu já estou alcançando nesta e já propuseram o contrato definitivo da vaga principal porque vão realmente tirar o Valtteri. – ela diz – O que me deixa mais aliviada de não ter que passar pelo constrangimento de fazer a fingida com ele.
- Se isso não é ser aclamada, eu não sei mais o que poderia ser. – a loira ri anasalada, fazendo a outra rir junto. – Estou orgulhosa, sério.
- Mas eu continuo não sabendo o que fazer sobre isso. – confessa, os ombros caem. – Sim, eles são uma construtora de primeira linha e campeã há anos na categoria. Mas às vezes o dinheiro não é tudo. – ela suspira – O pessoal da McLaren está me dando tanta força, . Mostraram realmente estar ao meu lado em qualquer situação e, ao saberem da proposta da Mercedes, me garantiram que a vaga continuará sendo minha depois que o bebê nascer se eu quiser. Zak me propôs um contrato ainda mais abrangente e eu meio que estou dividida.
- É, isso é muito importante também. – ela concorda – Às vezes um ambiente estressante não vale o esforço, por mais vitorioso que possa ser.
- Exatamente. – a pilota confirma – Ainda mais que querendo ou não eu vou estar menos suscetível e disponível para todos os compromissos e a construtora tem que estar ciente disso.
- Está certíssima.
- Da mesma forma que não quero que o trabalho me prejudique no âmbito de ser mãe, não quero que ser mãe interfira no meu trabalho. – ela suspira – Então não posso também pensar em ficar em um lugar de que eu sei que eles fariam qualquer coisa por mim só para me manter ali, mas que para isso abicasse do próprio rendimento. Sabe?
- O que retardaria o avanço que a McLaren teria na próxima temporada. – conclui e a amiga assente vagamente.
- Eles teriam que assinar temporariamente com qualquer piloto durante um ano até que eu voltasse. – ela explica – Isso atrapalha muito com o envolvimento de equipe, rendimento e desenvoltura de pilotagem no carro durante um ano é muito progresso, entre inúmeros outros pontos, que acabaria prejudicando qualquer um deles.
- Outras construtoras entraram em contato com você?
- Depois do anúncio da gravidez choveram propostas, o que me deixa muito aliviada porque pensei que eles iriam me jogar para escanteio por conta do bebê. – ela admite – Mas não sei. É uma decisão muito importante e eu não quero fazer merda. Por isso tenho pensado nisso detalhadamente, envolvendo todas as questões e avaliado minuciosamente.
- O que a sua psicóloga fala sobre isso?
suspira.
- Na última sessão que fizemos, que eu sequer me lembro quando foi, ela me disse para considerar todos os prós e contras, seguir o meu coração e fazer a decisão que eu ache mais benéfica. Basicamente o óbvio. – ela revira os olhos.
- É... – a loira assente. – Amiga, eu só quero que saiba que qualquer que seja a sua decisão sobre isso, terá o meu apoio e com certeza o do também.
- Eu sei.
- Mas não quero que fique obcecada com isso. – ela trata de deixar claro – Isso suga muito a energia do seu psicológico e você precisa descansar o máximo. O que me lembra outra coisa, - sobe os óculos no rosto da amiga de súbito, revelando as profundas olheiras de baixo dos olhos avelã – você precisa repousar mais. Diz que está se cuidando, mas isso não se limita só ao físico. Você tem acumulado muitas responsabilidades e isso não é mentalmente saudável para ninguém. Aliás, que história é essa que o casamento vai continuar na mesma data e, ainda por cima, que vai ser em Mônaco?
suspira pesada, abaixando os óculos de volta aos olhos.
- Nem me fale sobre isso.
- Soube que não era você por trás disso quando meu convite de madrinha chegou em uma caixinha de vidro cheio de rosas e aromatizantes naturais. – ela fala com a voz teatralmente soberba.
A pilota ri.
- Claro que não, eu te convidei para ser madrinha por boca e para mim já estava de bom tamanho. – a pilota afirma e suspira para revelar: – É a Pascale, ela está me deixando louca com tudo isso de um casamento de um Lorde.
- E porque deixou que ela ficasse responsável, mesmo?
- Porque eu não vou ter tempo para isso e ela se ofereceu junto com minha mãe. Elas estão fazendo tudo e me mandam o que decidem, o que deveria ser bem prático se eu não achasse um absurdo todos esses mínimos detalhes pomposos. – ela dá de ombros e suspira – Bom, pelo menos elas e o vão ficar felizes. E como para mim isso basta...
- concordou com isso? – questiona abismada – Vocês não iam cuidar disso vocês mesmos para sair tudo conforme o que vocês querem?
- Sim, mas as coisas foram acontecendo e... – ela suspira cansada – Ele quer agradar a mãe dele, eu quero agradar a minha, que está animadíssima com toda essa coisa do título, então, que mal faz?
pondera por um tempo em silêncio, não deixando de passar os olhos na filha que se divertia brincando com uma boneca dentro do Jeep.
Porém, como Marcella ficava entretida por tempo limitado, logo ela olha para trás e balança os braços para a mãe. Elas param no lugar e se adianta em pegar a menina no colo e entrega o celular para que levasse o carro vazio.
Elas voltam a caminhar.
Depois de um tempo, se vira para a amiga e fala: - Você se lembra da sua festa de 15 anos?
revira os olhos e suspira desgostosa, em uma reação automática e involuntária.
- Nem me lembre daquilo.
- Exatamente. – a loira assente e apoia Marcella no quadril, segurando-a com um braço habilidosamente enquanto caminhava. Mães. – Você deixou que sua mãe planejasse tudo conforme a vontade dela porque ela tinha o sonho de ter uma festa de 15 anos e não pôde ter. Foi uma atitude bonita da sua parte, confesso. Mas, - pega a boneca que a pequena lhe entrega e a coloca de volta no carrinho que seguia ao lado delas – você acabou odiando porque queria uma coisa simples e ela fez daquilo um grande evento.
assente, já supondo onde a amiga queria chegar.
- É dessa forma que você quer se lembrar do seu casamento? – a loira a indaga. – Uma coisa a qual você já sabe como quer, quais serão os convidados, onde vai ser e as coisas que vão rolar?
- Por que acha que eu já sei dessas coisas? – ela arqueia uma sobrancelha ao questionar. a conhecia tão bem.
- Porque você tem uma imaginação muito fértil e a partir do momento em que te propôs, eu sei que você pensou na maioria dos detalhes, se não todos. – ela dá de ombros sorrindo convencida – Só o que tem que fazer é colocar essa idealização no papel, sentar com para debater sobre o que ele também possa querer, entregar na mão da cerimonialista e falar: se vira. Ela está sendo paga para isso, para atender às suas vontades sem te incomodar.
pondera por um tempo.
- Não sei, não, . Elas estão muito engajadas nesse casamento. – ela contesta.
- É o seu casamento. – ela afirma com firmeza – Devem ser atendidas as suas vontades. Elas podem ajudar, as mães gostam de estar envolvidas nisso, mas elas têm que seguir o que vocês dois querem. Porque aí sim sua cabeça vai estar em paz e vai poder finalmente fazer o que toda gestante precisa fazer.
- Que seria?
- Ter uma noite de sono tranquila. – ela estala a língua – As gestantes têm que dormir de dez a 12 horas toda noite. E, pela sua cara, está tendo insônias de novo. O que acaba se tornando muito perigoso porque você compete em um esporte que é muito imprevisível e triplamente arriscado se você não está focada cem por cento.
- Nossa, você precisa dar um jeito de me atender mais vezes. Sinto sua falta, principalmente das nossas conversas e seus puxões de orelha. – ela diz, abraçando a amiga de lado rapidamente – Você é a solução para os meus problemas. Posso te colocar num potinho e carregar comigo para todo lado?
- Como se eu não fosse gostar, não é?! – a loira ri – Viagens internacionais semana sim, semana não. Eu posso me acostumar com isso.
Elas riem.
- Também sinto sua falta. – admite mais séria e com a voz adocicada. – Mas eu sei que não importa quanto tempo fiquemos separadas, nos reencontros vai parecer que nunca passamos um dia sequer longe.
Era verdade que as amigas haviam perdido a frequência de contato com o passar dos anos e mais responsabilidades adquiridas. Mas sempre tinham uma à outra no coração e quaisquer que fossem o assunto, a primeira pessoa a quem pensavam a compartilhar era a melhor amiga. Tanto que sabiam que não importasse onde, quando ou como, elas sempre estariam uma na vida da outra.
sorri e elas vagam em silêncio por um tempo.
- Falando em amizade, como vão as coisas com o ? – questiona de repente.
suspira. Sim, ela tinha lido todas as suas mensagens.
- Bom, tudo está normal. – ela dá de ombros. – Digo, eu não me afastei e ele também não. Continuamos na mesma, o que é ótimo.
- Mas vocês conversaram? – a loira insiste.
a olha de soslaio antes de rir e ceder os ombros.
- Não. – admite. – E eu sei que só vou tirar isso da minha cabeça depois que conversarmos, mas é que eu fico muito confusa. Uma hora parece que sim, sabe, que ele é completamente apaixonado por mim. Mas tem outras, as que eu respiro fundo e me coloco no meu lugar, que eu vejo que pode ser só coisa da minha cabeça. Poxa, somos desse jeito. Sempre fomos muito próximos, temos essa liberdade.
- Seus hormônios podem estar te confundindo, sim.
- É. E como tenho coisas mais urgentes para resolver, prefiro me abster dessa questão por enquanto. – ela suspira – Fora que parece ser tão errado tocar nesse assunto que me sinto suja por não contar isso ao . Mas é que penso que só porque eu estou confusa desse jeito, ele não precisa ficar também e acabar sentindo ciúmes por algo que meus hormônios inventaram.
- Tem razão, não tem por que confundir a cabeça dele também. Só deixe ele saber quando tiver certeza. – a amiga concorda.
- Eles também são amigos. – a pilota continua – sabe o quanto é importante para mim da mesma forma que eu vejo que também é muito importante para ele. se preocupa com como se fosse uma criança, cuida dele... Ele parece ser o nosso primeiro filho real.
Elas riem.
- Sempre achei a relação de vocês muito linda. – revela – E muito madura. Tanto vocês dois quanto o que não se incomoda nem um pouco dessa sua proximidade com outros homens porque confia em você, sabe que é algo inocente e sem nenhuma segunda intenção. Só uma amizade muito forte.
- Esperamos que seja só uma amizade muito forte, você quer dizer. – corrija.
- É, esperamos. – ela concorda rindo fraco – Mas admito que, apesar de uma amizade muito bonita, sempre fiquei com o pé meio atrás porque você sabe como os homens costumam confundir as coisas com o tempo.
- Você diz começar a surgir sentimentos depois de amigos?
- Sim. Não seria a primeira vez que acontece. – ela assente – Pode ter começado de forma inocente e agora, mesmo não querendo, ele possa estar sentindo isso. Mas não sei – a loira agita as mãos – o que eu sei é que vocês têm que colocar os pingos nos i’s.
reflete por um instante e em seguida suspira, determinada para falar: - Eu vou tentar tomar partido sobre alguns pontos da minha vida. É que tenho ficado tão exausta tão fácil, que acabo me concentrando só na minha carreira e o resto tem sido literalmente empurrado com a barriga. Tenho que fazer uma coisa de cada vez, mas parece que tudo vem de uma vez numa onda só para me derrubar. Numa onda não, tsunami se encaixa melhor.
- Eu te entendo completamente. – ela fala, devolvendo Marcella ao chão depois que a menina se contorceu apontando para o carrinho. espera que a pequena suba no carro para seguir no trajeto com o celular. continua: – Quando fiquei grávida mil e uma coisas passavam pela minha cabeça e eu cheguei a desenvolver transtornos de ansiedade. Era muita coisa para conciliar com o meu trabalho, casa e o preparo para o bebê que iria chegar. E, vou te falar, não é fácil. Mas você vai dar conta, mulheres são geneticamente feitas para lidar com multitarefas.
- Obrigada. – ela responde, mesmo que receosa.
- Aliás, você já começou a preparar o seu enxoval?
choraminga cedendo os ombros mais uma vez.
- Eu sou uma mãe ruim por não ter feito isso ainda?
ri.
- Claro que não, Liz. – ela sorri e passa o braço pelos ombros da amiga, afagando-a – A vida da mulher não para quando ela engravida. É completamente compreensível porque além das responsabilidades que você já tinha, vieram essas e as do casamento. Você é uma pessoa ocupada, tem compromissos cansativos durante a semana e principalmente nos finais de semana. – a pilota a olha nos olhos – Vai fazer quando se sentir preparada e ainda tem muito tempo para isso. Fica tranquila, as coisas têm que se desdobrar para acontecer no seu tempo e não ao contrário.
- Tem razão. – ela assente, respirando fundo.
- Como se alguma vez eu já estive errada. – diz com falso tom esnobe e elas riem.
Logo a loira se afasta dela ao flagrar Marcella de pé no carro em movimento, mas ela não chega a tempo de impedi-la cair no chão depois que se desequilibra.
As duas ficam em choque por um instante e logo correm na direção na menina.
- Ai, Má. Você está bem, filha?a loira choraminga ao vê-la caída no asfalto.
No entanto, Marcella não chora, simplesmente limpa as mãozinhas uma na outra, apalpa a barra da saia rodada, se levanta e monta no carro novamente.
olha estupefata dela à , que sorri encantada.
- Se fosse um menino, já estava aos berros. – a loira diz, se levantando – Homens não aguentariam o trampo que é ser uma mulher.
Elas riem e voltam a caminhar, deixa o Jeep mais próximo delas desta vez.
- Ninguém nasce sabendo como ser mãe. – continua o assunto. – Você vai errar muitas vezes e aprender na raça as coisas certas a se fazer. E te digo, isso não vai passar tão cedo, sequer sei se passa algum dia.
- Se sua intenção foi me assustar, conseguiu. – sorri falso na direção da amiga.
A loira ri.
- O que quero dizer é que com um filho você ensina e aprende ao mesmo tempo, todos os dias, o resto da sua vida. – ela tenta mostrar o seu ponto de vista – Todo mundo passa por esse processo até se tornar o melhor que pode ser. E você não tem que ter força de vontade para isso, porque é automático. Você é imediatamente fisgada por essa criaturinha e seu corpo começa a desenvolver instintos automáticos. Quando menos perceber, vai estar tomando decisões colocando o seu filho acima de tudo.
A pilota reflete em silêncio, não deixando de guiar o Jeep.
- Você e já pensam em nomes? – indaga descontraída.
- Em alguns sim, mas nada a se considerar. – ela dá de ombros – Não nos identificamos com nenhum em específico.
- Quais foram?
- Bom, - sorri alegre – se for menino consideramos Gael ou Romeo. – ela diz involuntariamente pousando uma mão sobre a barriga, já com pouco volume, mesmo que mínimo para o seu nível gestacional, enquanto na outra ela continuava a apertar o botão de avanço do Jeep – e se menina, só se interessou por Sophia.
- Sophia é muito bonito. – sorri – É a sua cara, na verdade. E se a menina te puxar, vai casar perfeitamente.
Elas riem.
No entanto param de andar quando veem Marcella abandonar o carrinho ainda em movimento e voltar na direção das duas. A pequena se aproxima de e ergue os seus bracinhos.
abaixa e pega a menina no colo.
- Você vai ser amiguinha da Sophia, meu bem? – questiona à Marcella sorridente. – Vocês vão ser melhores amigas que nem a mamãe e a titia?
- Sophia, não. – Marcella balbucia em palavras curtas, mas reconhecíveis.
arqueia as sobrancelhas e olha , que também está surpresa.
- Não me diga que essas foram as primeiras palavras dela. – pede com a voz rouca.
- Não. – ri – Venci a aposta que fiz com o Rafa já tem alguns meses quando ela falou mamãe primeiro. É que ela não fala muito ainda.
- Ui. suspira aliviada – Já pensei que poderia ser um sinal.
- Acho que já está bom de caminhada por hoje, não é? – questiona olhando de uma ponta à outra da pista em seu campo de visão com as mãos na cintura, a respiração cansada.
- Não completamos nem a terceira volta. – contesta, nem um pouco ofegante.
- Vocês usam carros para correr nisso aqui, eu não tenho físico para isso, não. Não sou atleta.
Elas riem.
- Meninas. – uma voz surge por trás delas e logo Raul passa em passadas largas, com fones de ouvido, shorts largos, regata e tênis de corrida. Pronto para também se exercitar.
- E aí, novato?! cumprimenta e ele para imediatamente, girando nos calcanhares em sua direção enquanto ria.
- Novato é golpe baixo. – ele diz se aproximando e tirando os fones do ouvido.
- Mas é a verdade. – ela dá de ombros e se vira para a amiga – , este é Raul. É o piloto brasileiro de que te falei. – ela torna a se virar para o rapaz – Raul, essa é minha amiga. .
- É um prazer. – ele estica a mão e a loira a aperta rapidamente sorrindo simpática.
- A é a subchefe de um dos melhores restaurantes de comida mexicana aqui em São Paulo, o Taco’s, conhece? – questiona.
- Você trabalha lá? – ele arqueia as sobrancelhas surpreso e sorridente. A loira assente veemente. – Eu adoro aquela comida, sempre me esforço para dar uma passadinha nas minhas vindas à São Paulo e já provei todo o cardápio. Vocês estão de parabéns!
- É muito gratificante ouvir isso. – sorri – Obrigada.
- Que isso. – ele abana a mão.
Em seguida o rapaz olha de cima à baixo, analisando-a com a criança no colo.
- Já treinando para a maternidade, Benedetti?
- Para tudo na vida se precisa de prática, não é?! – ela rebate e eles riem. – É a filha da , se chama Marcella. – diz olhando o rostinho de Marcella encantada, já ela encarava seu Jeep de forma fissurada.
Pouco tempo se leva para ela se contorcer no colo da pilota e voltar para o carro.
- Uma graça. – ele elogia.
- Obrigada. – diz.
Raul suspira.
- E, então, será que a gente finalmente vai conseguir fazer aquela revanche pela Bélgica? – ele indaga.
- O que houve na Bélgica? – questiona risonha e com brilho curioso nos olhos.
- Fomos caminhar no circuito e eu cruzei a faixa quadriculada primeiro, é claro. se gaba soprando as unhas da mão e limpando-as na camisa teatralmente soberba.
- Só porque eu não percebi que uma caminhada tinha virado uma disputa. – ele levanta os ombros inocentemente e ri.
- Pilotos. revira os olhos – Competitivos em tudo.
- Será que rola hoje? – ele insiste para , conferindo o céu azul – O tempo está favorável, digno para uma disputa.
- Não sei, não. – sorri desconcertada, mirando a amiga – Eu vim caminhar com a e ela já estava querendo ir embora...
- Não. – a loira a interrompe, para soltar sarcástica: – Como se eu fosse impedir isso de acontecer. – ela sorri – Eu quero assistir!
Eles riem.
- Tudo bem, então. – sorri e os quatro seguem na direção da faixa quadriculada, com Marcella distraída com sua boneca de volta ao Jeep.
- Você vai dar a largada. – Raul aponta para , que fica parada na lateral da pista junto da filha. – Só uma volta. Quem cruzar a faixa primeiro é vencedor.
- Dã. solta e ele a empurra de leve pelo ombro aos risos.
Ele e se posicionam logo atrás da faixa, imediatamente ficando sérios e se concentrando com veracidade.
- Esperem um minuto. – chama a atenção dos dois – , eu sei que você tem uma rotina de treino, mas o seu obstetra liberou corridas?
- Como assim? Você não pode correr? – Raul questiona preocupado, virando-se na direção da colega – Eu não sabia disso, me desculpe.
- Não seja bobo, acha que eu teria aceitado se ele não tivesse liberado? – ela pergunta retoricamente e complementa em seguida – É uma das poucas coisas que ele ainda me deixa fazer.
- Pelo amor de Deus, não quero interferir no crescimento saudável do marrentinho aí. – ele diz sorrindo e ri.
- Daqui uma semana a intensidade vai diminuir, mas só por precauções. Estou bem. – a pilota explica – Não se preocupe, esse bebê já está acostumado porque vai ser um maratonista como a mãe.
- Quis dizer trapaceiro como a mãe? – Raul a provoca e ela lhe dá um tapa no braço aos risos.
- Meu Deus, parecem duas crianças. – a loira comenta para si e quando vê que os dois estão prontos novamente ela começa a contagem – Cinco, quatro, três, dois...

4 de novembro

“As luzes vermelhas se apagam e é dada a largada do GP de Interlagos, na nossa queria São Paulo ensolarada.”.

A McLaren de número 13 avança da sexta posição do grid pelo meio e na primeira curva joga por fora, subindo duas posições com facilidade.
- “P4, . Boa largada, muito bom.” – Andreas elogia pelo rádio. – “Agora tenta segurar o Perez, ele está à 2.8 de você.”
- Copiado. – ela diz e seus olhos correm aos retrovisores, identificando a Red Bull azul escuro ameaçá-la.
acelera ao máximo na reta para ficar o mais distante possível e só desacelera na metade da curva, conseguindo conduzir o carro na direção certa com tempo de sobra para tracionar.
Depois de duas voltas completadas a Red Bull volta a se aproximar e a flagra pelos retrovisores imediatamente.
- , área de DRS e ele está à 1.3 de você.” – Andreas informa – “Ganha distância na reta, modo 5 para não perder a aderência na curva 1.”
- Tá, legal.
A pilota aperta as configurações e afunda ainda mais o pé na reta.
- “1.9, 2.3, tá legal. 2.9 segundos de distância, agora cuidado nessa curva.”.
gira o volante e pisa levemente no freio enquanto travava as rodas traseiras. O carro desliza por meio segundo e logo é concertado na pista, fazendo a curva sem perder o seu tempo de vantagem.
A corrida continua tranquila até a décima terceira volta, onde ela avança agressivamente em cima de Sainz. Eles guiam por uma reta e duas curvas consecutivas lado a lado, com Sainz saindo em vantagem pelo lado da curva que veio em seguida.
- “1.2 de distância do Sainz. A próxima reta é área de DRS, aperta esse tempo que você consegue acionar tranquilamente.” – Andreas aconselha.
- Acho que na próxima reta não vai, estou ficando sem potência. O ERS está demorando para recarregar. – ela diz.
- “Um segundo. Vou averiguar.” – o engenheiro fica em silêncio por um instante – “Tá legal, vamos preparar o box. Faremos uma troca de pneus só para recuperarmos potência no limite de velocidade dos boxes.”
- Tá legal.
- “Na próxima volta você entra no boxe.” – Andreas avisa.
- Copiado.
permanece na posição, cuidando dos carros que vinham atrás e tentando não perder distância do carro da frente.
Ela faz a curva S do Senna, batizada carinhosamente em homenagem ao ídolo, e segue para a curva três, menos acentuada.
Ao adentrar a próxima reta, ela tenta acrescer a aceleração do carro para tentar uma ultrapassagem por fora. No entanto como o motor Ferrari estava potencializado, vinha com mais força tendo grande vantagem nas retas.
então troca as configurações para tentar uma ultrapassagem na curva quatro e descida do lago, que vinha logo a seguir.
Quando ela finalmente consegue parear o carro com a Ferrari na curva cinco, o seu painel pisca em vermelho, avisando que a prova teria que ser imediatamente interrompida ao mesmo tempo em que uma bandeira da mesma cor surge na lateral da pista.
Automaticamente reduz a velocidade e deixa a Ferrari continuar na frente, com a velocidade também reduzida subitamente.
- O que foi isso, Andy? – ela questiona no rádio, o coração já começando a bater mais forte.
- “Ouve um acidente na última reta, muitos destroços na pista.” – ele informa.
Ela faz a curva seis atentando-se aos limites de velocidade, guiando instintivamente.
- Meu Deus. – ela sopra, a garganta já secando. – Quem está envolvido? O piloto está bem?
- “Não temos imagens ainda.” – Andreas diz e o rádio fica um tempo em silêncio – “Mas me parece que foi com uma Aston Martin e uma Alfa Romeo”.
não tem como controlar o mínimo suspiro de alívio, automaticamente pensando em .
Depois que havia descoberto sobre a gravidez, o bem-estar do pai de seu filho era a primeira coisa que passava pela sua cabeça em qualquer situação. Se antes sua preocupação com o noivo já era grande, depois que eles estavam oficialmente responsáveis por uma terceira vida, essas preocupações redobraram. Claro.
No entanto, não consegue controlar também o aperto no peito pelos colegas de trabalho.
- Por favor, por favor, por favor, que eles estejam bem. – ela sopra angustiada.
Ela termina a volta lenta no circuito e é direcionada à reta de boxes, dirigindo lentamente até parar por completo na fila de carros, atrás de Carlos.
Imediatamente os mecânicos da sua construtora param ao seu redor com ferramentas e apetrechos para fazer ajustes no carro, que eram permitidos serem feitos em uma bandeira vermelha.
Ela desconecta o volante do painel e entrega ao assistente prontamente disposto ao lado de fora do carro. se desfaz dos cintos, dutos e fios para saltar para fora do cockpit, se encaminhando rapidamente até a cabine de transmissão da McLaren.
- Já temos notícias deles? – ela questiona assim que chega ao local, já sem o capacete e balaclava.
- Nada ainda. – Andreas informa com os olhos baixos.
- Confirmado, Calderón e Palhares os envolvidos no acidente. – Zak diz atentando-se aos dizeres no fone em seu ouvido.
Ela e os demais na cabine ficam encarando-o com expectativa e angústia, seus corações à ponto de pular pela boca.
Tamanha é a concentração de que ela se assusta quando um dos assistentes surge ao seu lado, oferecendo-a uma garrafa de água.
- Obrigada, Bob. – ela agradece e pousa a boca sobre o canudo, sugando o máximo de água. Talvez fizessem as suas pernas pararem de tremer.
- Eles desligaram o rádio de segurança. – Zak diz por fim, suspirando preocupado – Isso não é nada bom.
A equipe inteira respira apreensiva.
- Meu Deus. – diz colocando a mão sobre a boca, imediatamente agoniada.
No campeonato de Fórmula 1 existem até dez bandeiras diferentes que indicam condições e situações as quais os pilotos devem se atentar no trajeto durante uma corrida e treinos.
É a forma que os fiscais se comunicam imparcialmente com os competidores para que eles entendam que algo diferente precisa de certa atenção e cuidado.
A mais conhecida delas é a bandeira quadriculada, onde é informado ao competidor que a corrida terminou e que não há mais voltas a serem dadas no circuito em disputa.
A bandeira listrada em vermelho e amarelo é uma bandeira de advertência, mas apenas para deixar os pilotos cientes para tomarem cuidados com a pista, que pode estar molhada de água ou escorregadia devido aquaplanagem, por possivelmente estar com óleo, ou outros fatores que possam dar margem à acidentes.
A bandeira amarela é hasteada quando ocorre alguma eventualidade que impede a sequência normal da corrida. Nesta, os carros precisam reduzir suas velocidades e não devem realizar ultrapassagens. Esta é a que vemos com certa frequência durante as corridas, seja depois de uma largada onde há toques entre carros ou quando acontece um escape da pista.
A bandeira vermelha então significa que algum carro acidentado está dentro da pista de corrida, podendo ocasionar mais acidentes, e a corrida está paralisada. Assim todos os carros devem reduzir ao máximo e seguir de imediato aos boxes.
Uma bandeira vermelha e a interrupção de prova não era ao todo algo comum de acontecer nas corridas, mas dente cinco corridas, em duas ela está propícia a aparecer.
Com uma bandeira vermelha todos já tendem a ficar mais aflitos pela situação, quando os rádios são desligados e as imagens não transmitidas então, significa que algo desesperadoramente grave aconteceu.
Na sequência se junta à cabine, agitado ao questionar: - Temos notícias?
- Não ainda. – Andreas sopra, quase sem voz e o jovem solta uma respiração pesada.
- Puta merda. – ele pronuncia e passa a mão pelos cabelos, desarrumando-os. Quando nota a pilota ao seu lado, seus olhos ficam ainda mais inquietos. – . Você não quer se sentar um pouco?
A mulher então nota que o pé está freneticamente batendo ao chão e as mãos geladas, sem contar com o suor frio que descia pela testa. se aproxima e ela aceita o seu suporte até a banqueta da mesa de comunicação – cedida por um dos engenheiros da equipe.
- Você não quer dar uma volta, ? – Zak a questiona com a voz preocupada depois de um tempo – Respirar um ar livre, ir ao banheiro, esticar as pernas?!
- Por quê? – ela questiona desconfiada – Querem me tirar daqui, sabem de alguma coisa que eu não sei? É notícia ruim?
- Não, nós não sabemos de nada. – Andreas é quem fala, acalmando-a com a mão que alisava seu braço – Mas você está muito agitada, precisa se acalmar.
fecha os olhos por um instante, endireita a postura e respira fundo por cinco vezes consecutivas e vagarosas, era a maneira que o obstetra a ensinara à oxigenar o cérebro e fazê-lo ficar menos afoito e ansioso.
Ajudava nas crises de ansiedade que surgiram com a gravidez.
Quando abre os olhos nota todos os olhares em sua direção e ri fraco.
- Estou bem, não se preocupem. – diz sorrindo – Não vou ter um colapso aqui.
sorri, mas não sai do seu lado, enquanto os demais olhos dispersam a atenção aos rádios.
No instante seguinte uma ambulância passa na pista principal em alta velocidade.
- Uma ambulância, merda. – Zak sopra quase sem voz.
O clima se torna triplamente mais pesado, eles sabiam o que aquilo queria dizer.
Significava que somente o safety car não fora o suficiente para o resgate, porque as vítimas não estavam em condições de esperar chegar até a base de pronto atendimento para ter os primeiros socorros.
Significava que o acidente tinha sido ainda mais grave do que imaginavam, com sérios riscos de vida.
- Meu Deus, por quanto tempo eles vão nos manter no escuro? – resmunga. – É agoniante.
Andreas e Zak se entreolham, os olhos significativos.
De supetão aparece do lado de fora da cabine, os olhos inquietos até serem pousados em . E assim que o faz, ele respira aliviado.
- Você está bem? – ele indaga.
No entanto, antes que ela pudesse responder que havia conseguido controlar os nervos, a luz de transmissão se acende na mesa de comunicação junto a um longo bip e Zak fica com os olhos fixos em um ponto qualquer da mesa ao receber uma mensagem por seus fones.
O momento de apreensão cala a equipe, que fica atenta a qualquer reação do diretor.
Quando a luz se apaga Zak engole em seco ao mirar todos ao seu redor.
- A prova foi cancelada.
Uma pontada no peito faz sua respiração vacilar e as vistas embaçarem, os olhos já se umedecendo de imediato.
Algo de muito grave tinha acontecido.



Capítulo 9

“Todos sabemos que o automobilismo é um esporte muito perigoso e de altíssimo risco, esse é um dos fatores que fazem com que nós, pilotos, sejamos tão apaixonados por ele. Aquela adrenalina, a velocidade, a pressão, o desafio... Podem nos chamar de loucos, mas cada um desses fatores é essencial para tornar a experiência completa. Ficamos viciados e isso nos faz ter cada vez menos medo de entrar em um carro e tirar dele o seu máximo. O problema é que o medo é um instinto natural do nosso corpo, e ele está coligado ao modo de sobrevivência do nosso cérebro. Com a modernidade e as tecnologias que tornaram as coisas muito mais seguras que antigamente, nunca imaginamos que possa acontecer algo realmente sério conosco ou com nossos colegas. […] Quando acontece qualquer coisa com alguém do grid em uma corrida, todos ficam reflexivos e mais emotivos. Somos família, convivemos o ano inteiro com essas pessoas mais do que com as nossas próprias famílias, alguns se conhecerem desde muito novos, então nos preocupamos uns com os outros. E essa preocupação nos faz ficar empáticos, nos imaginando naquela situação. Afinal, poderia ter acontecido com qualquer um dos 20.”

A aflição esmurrava as paredes daquele anfiteatro. Os burburinhos ecoavam entre os presentes e a plataforma de palco com microfone vazio aumentavam ainda mais a angústia e agonia dos presentes.
Depois de cancelada a prova, os fiscais do campeonato encaminharam as equipes para o local e nada informaram, só pediram que aguardassem até que um superior comparecesse e esclarecesse a situação.
No meio do grupo falante, observa alguns socorristas adentrarem o local pela porta lateral disfarçadamente e se aproximarem, até pararem a quase quatro metros de distância deles.
A movimentação na porta que veio a seguir cala o falatório, e quando Jean Todt entra no recinto junto de Stefano Domenicali, sente seu coração errar uma batida.
Se o presidente da FIA e presidente do grupo Fórmula 1 precisavam ser chamados para fazer o comunicado, significava que o assunto era de alto calão – o qual somente alguém do topo da hierarquia tinha patente para transmitir tal informação.
Automaticamente ela sente um frio congelar o seu estômago, e não era porque Jean fora o homem que já havia feito atrocidades com ela o passado. Não, ela estava receosa por toda a cena em si.
entrelaça os dedos de suas mãos e mira seus olhos, a pilota nota que os dele estão opacos e inquietos.
- Você também está sentindo, não está? - ela questiona, a voz num fio quase nulo.
- O quê?
- Esse clima... - ela engole em seco – A ar pesado e intragável. Como se tivesse alguma coisa faltando e já soubéssemos o que é, mas não queremos aceitar... – suspira pesadamente – Com aquela voz te avisando que está chegando a hora de dar um adeus que nunca estamos preparados para dar... – respira fundo, a garganta arranhando ao pronunciar.
- Ma belle, não vamos pensar no pior...
- Não sou só eu que sei disso. - ela indica os paramédicos com o queixo – O que acha que eles estão fazendo aqui?
gira o tronco para ver os homens uniformizados a caráter e volta a ela com os olhos se avermelhando.
- Eles não...
- Estão de prontidão, é claro, para caso alguém passe mal com o anúncio. - ela completa, a respiração ficando mais pesada. - Todo mundo já sabe, estamos aqui esperando só a confirmação.
Eles voltam os olhares ao palco.
Stefano era um homem italiano de meia idade, cabelos mais brancos que castanhos com entradas falhas na cabeça, usava óculos redondos e grossos sobre os olhos negros, com uma estatura mediana, de aparência comum, mas com uma inteligência e poder elevadíssimos.
Ele fora a pessoa escolhida pelo pelotão de diretores das construtoras para gerenciar o campeonato por um todo e moderar as ordens de Jean e a FIA, que já tinham envenenado boa parte da gestão antiga no decorrer dos anos.
A federação agora pouco tinha poder de decisão e de tomar partido em quaisquer aspectos nos eventos em questão além das fiscalizações e legalidade graças à ele e o sangue novo justiceiro.
O homem tinha um rosto amigável e era determinado, com o seu carisma ganhava à todos na maioria de suas aparições na mídia como um chefe querido e democrático.
Não havia uma pessoa sequer dentro dos Paddocks que não havia simpatia por ele, que sempre andava sorrindo e mostrando-se simpático com todos.
Porém, naquele dia em específico, ele parecia apavorado. O suadouro evidente escorrendo em sua testa intensificavam o seu ar aflito e a palidez de seu rosto. O homem precisa respirar fundo para se posicionar na bancada à frente de Jean, que fica mais na retaguarda em apoio, com as mãos às costas.
Ele ajeita o microfone na direção da boca com as mãos trêmulas e todos suspiram, o clima completamente apreensivo.
- Boa tarde a todos. - a voz grossa do senhor soa nos alto-falantes, engole em seco e sente apertar ainda mais a sua mão. - Venho por meio deste esclarecer em fatos o acidente de hoje, ocorrido esta tarde. - o homem lê o papel em suas mãos – Às exatas duas horas vinte e três minutos e cinquenta e dois segundos no horário de Brasília, a Aston Martin perdeu o controle na reta oposta da largada, contribuída por uma perda de pressão interna no pneu traseiro direito, bateu na barreira lateral e ficou estacionado virtualmente no meio da pista em formato “T”. Um vírgula nove segundos depois a Aston Martin foi atingida no lado esquerdo por uma Alfa Romeo em um ângulo de aproximadamente 86 graus e velocidade de 218 km/h que vinha logo atrás. - O coro de choque soa em meio ao depoimento. Stefano limpa a garganta, para continuar – A Alfa Romeo e a Aston Martin sofreram com um pico de força equivalente a 65,1g e 81,8g, respectivamente. Após o impacto entre os carros, a Aston Martin foi acelerada em 105,4 km/h e atingiu a barreira por uma segunda vez, antes de voltar à pista. Um vírgula três segundos depois do acidente, o carro de segurança já se encaminhava até o local e prestaria os primeiros socorros a ambos os envolvidos três segundos depois.
sentia seu peito trabalhar feito uma Maria-Fumaça, em puxadas pesadas de ar e expirações exageradas que em nada ajudavam. Ela se sentia sufocada e não conseguia controlar ou diminuir o ritmo desesperado.
- A primeira vítima atendida, a pilota Sarah Calderón, estava consciente em todo o processo de primeiros socorros. Ela respondeu bem aos estímulos e foi imediatamente levada ao centro médico de São Paulo, onde está sendo examinada mais a fundo. Aparentemente teve lesões na perna direita, - Os ouvintes gemem em dor coletiva – mas, até então, temos a informação de que ela está bem e está sendo tratada devidamente de acordo, com todas as prevenções e ações necessárias.
O italiano então engole em seco e respira fundo antes de continuar o seu comunicado, a vermelhidão em seu rosto mostrava o quão tenso estava.
- Não, não, não, não... - sopra baixo, prevendo o que viria a seguir, e fecha os olhos com força.
- É com profunda tristeza que o grupo Fórmula 1 e o corpo de diretores da FIA comunica o falecimento imediato da segunda vítima atendida, o piloto da Aston Martin, Raul Palhares, decorrente a esta fatalidade.

A pressão atmosférica parece quadriplicar o seu peso, impactando a todos e cada um daquela sala de formas diferentes. Suspiros de surpresa soam por todo o salão, ouve-se alguém negar em veemência e com descrença, além de choros contidos serem liberados. abre os olhos, impactada.
sente seu peito doer e imediatamente vira-se para a noiva, que está com o olhar fixo em um ponto qualquer e a face inexpressiva, mesmo que lágrimas grossas se formavam em seus olhos para em instantes escorrerem lentamente por seu rosto.
- Não há uma causa específica, mas múltiplos fatores contribuíram para o aumento da gravidade do acidente. – o homem continua – Nós não encontramos nenhuma evidência de que qualquer piloto ou equipamentos de segurança tenha falhado em reagir apropriadamente às circunstâncias da pista e carros; As reações dos fiscais de pista, direção de prova e serviços de resgate, foram laudados como bons e no tempo apropriado, contudo, ainda assim, abriremos investigações mais aprofundadas. Momentaneamente categorizamos o acidente como uma tragédia inevitável.
- Ma belle?! - o monegasco aproxima de seu rosto aos murmúrios, mas parece sequer ouvi-lo. Ela não se mexe, não fala, não muda a direção dos olhos, só derrama uma lágrima atrás da outra pelo rosto congelado.
- A sequência de batidas agravou o último impacto do carro com a barreira lateral, traduzindo em um trauma sem condições de sobrevivência para o senhor Palhares. - o homem passa a mão pelo rosto claramente comovido – Nós decidimos emitir esse comunicado internamente em primeiro momento em respeito aos colegas de trabalho da vítima, familiares e amigos, para que tenham a oportunidade de reações privadas. Em 20 minutos teremos que abrir o comunicado a mídia e proceder com adequadas e respeitosas ações. Já queremos avisar de antemão que a prova de hoje não será remarcada, em respeito a vítima. Também encerramos as atividades do final de semana e todos os precedentes por cinco dias. Por hoje, declaramos o nosso luto e apoio aos entes queridos do falecido.
só desperta quando estala os dedos em frente aos seus olhos duas vezes consecutivas. Quando sua visão foca, ela percebe o olhar preocupado dele e de , que a rodeavam de prontidão, como se ela fosse despencar a qualquer momento.
De fato, era o que ela sentia que aconteceria em breve.
tenta ignorar os demais choros, negações e ruídos de tristeza pelo salão, até mesmo os rostos molhados de e . Ela respira fundo, seca suas bochechas tranquilamente e, incapaz de expressão qualquer emoção, somente sopra com o resquício de sua voz: - Preciso sair daqui.
Imediatamente e abrem caminho e ela sente seu corpo ser conduzido pelo meio das pessoas, desviando-se com agilidade e destreza. O mundo ao seu redor estava em um infinito borrão sem sentido e sem luz. Em sua cabeça, um grande e vazio nada que refletia a sua reação corporal.
Ela só nota que eles haviam chego ao Paddock de sua construtora momentos depois por conta das cores alegres que não pareciam apropriadas para o momento, as quais chamam a sua atenção.
Pela primeira vez quis que aquele laranja fosse menos vivo.
Antes que conseguisse a sentar em uma poltrona, Fabio e Sandy surgem à sua frente, os dois agitados e tagarelas.
- O que foi que aconteceu lá?
- O que eles disseram?
- Estão todos bem?
É quando todo o cérebro de parece recuperar o controle de suas funções e a notícia a atinge em cheio, quase derrubando-a para trás.
- O Raul... Está morto. - sai automaticamente de sua boca, com a voz rouca, quase inaudível.
- O quê? - a voz de Fábio soa incrédula.
Todo o paddock se encontra em um silêncio mórbido por alguns instantes, eles eram os únicos naquele ambiente.
mira os olhos do noivo, que estão vermelhos, e repete, agora em tom de dúvida: - O Raul morreu?
engole em seco e não consegue pronunciar nada, sequer assentir com a cabeça. Mas a sua falta de resposta já era uma resposta. Uma singela lágrima escorre pelo rosto do monegasco.
- Ele morreu. - ela reafirma, a garganta já seca. E, como se uma chave fosse ativada instantaneamente, um choro guardado eclode em si. – Não!
a puxa para seus braços de imediato, afagando os seus cabelos e encostando a cabeça dela em seu ombro. Todo o corpo de está trêmulo e sua voz esganiçada em desespero.
- O Raul... Ele morreu, . - ela fala com a voz afetada, sofrida e abafada pelo macacão do noivo. - Ele... – ela soluça com força, sem conter o choro violento. Mal conseguia falar, mal conseguia raciocinar. Aquilo queria dizer que ela nunca mais veria o piloto? – Ele... Não!
- Shhhhh... - o monegasco assopra em seu ouvido, tentando acalmá-la, mas lágrimas também desciam pelo próprio rosto e seu peito se movia no ritmo do choro.
- Não. - ela geme, o corpo em espasmos e as pernas se enfraquecendo – Ele se foi...
- Vou pegar um copo de água para ela. - ela ouve a voz engasgada de dizer, seus olhos completamente cegos por conta da cachoeira que derramava.
se agarrava ao corpo de como se estivesse se segurando em uma corda para não cair em um precipício, este escuro e sem vida alguma. Um lugar que a causava medo.
era uma pessoa que como qualquer outra tinha medo da morte. No entanto, tornando-se pouco diferente da grande maioria, ela não tinha medo da sua própria morte e sim da morte de pessoas com quem ela se importava, que ela amava. E seu maior terror estava acontecendo.
Ela não suportava sequer imaginar que ela nunca mais fosse ver ou sentir aquele alguém, por mais que fosse a lei da vida. Ela via a morte como algo cruel, uma vida finalizada, sem chance de progressão alguma. E Raul ainda tinha tanto pela frente, um futuro brilhante...
Caralho,
como ela odiava a morte.
Poucas coisas a desestabilizavam por completo. Mas a morte fazia isso com uma facilidade impressionante.
afrouxa o aperto quando volta com o copo de água, mas ainda está segurando-se a ele, as pernas começando a perder as forças e a vontade de permanecer em pé.
- Ele não está mais aqui... - funga, a voz mais amena, tentando abrir uma fresta dos olhos, que ardem. – Ele... Ele não... - ela engole em seco para dizer sem voz – Eu... Eu não consigo respirar.
- Ma belle?! - afasta minimamente para olhá-la nos olhos. A respiração torna-se por demais acelerada, está de súbito ofegante.
Os demais imediatamente ficam em alerta.
- Não consigo respirar. – ela repete e sua visão vai escurecendo gradativamente, a cabeça ficando pesada demais. – ...
Ela então sente uma pontada em seu ventre.
- ! - o monegasco a chama novamente e vê os olhos avelã revirarem nas orbitas.
O corpo desfalece e automaticamente a segura no colo.
- ! - ele esbraveja em desespero e chacoalha seu corpo. - Chamem uma ambulância, ela está passando mal!

(…)

A primeira coisa que chega à consciência em processo de despertar são os bips abafados de máquinas hospitalares. Em seguida o cérebro se conscientiza e adequa-se à respiração calma, do peito se movendo tranquilamente.
Logo o peso do corpo todo é sentido e os músculos pedem por movimentação, para que se esticasse e saísse daquela posição imóvel há sabe-se lá quanto tempo.
Aos poucos os olhos começam a se mexer e abrem por si só, vagarosamente se acostumando com a mínima claridade do ambiente. Quando a visão se estabiliza e reconhece um quarto de hospital o coração de dá um sobressalto e ela força o corpo a se sentar, completamente agitada.
- Não, não, não, ma belle. – a voz gentil de surge pouco antes dela sentir o toque em seu ombro, acalmando-a ao mesmo tempo em que forçava-a delicadamente de volta ao encosto da cama.
segue a sua voz até encontrar os seus olhos, logo acima de bolsas escuras que intensificavam a aparência cansada do monegasco. Seus ombros estavam caídos, os olhos quase se fechavam, mas nos lábios um mínimo sorriso a apaziguava.
Ela não se recordava de já ter visto tão abatido, nem mesmo quando no período de maior turbulência no começo do namoro. Por isso, fica em alerta automaticamente.
- Calma, calma. – ele repete em tom ameno. – Está tudo bem.
- O que está acontecendo? – a voz grotesca se põe à falar, tão rouca e dolorida como se ela tivesse gritado durante horas consecutivas.
- Você passou mal hoje mais cedo e tivemos que trazê-la ao hospital. – o rapaz explica atenciosamente.
olha à si mesma, nos braços dutos e agulhas enfiadas em suas veias e o corpo coberto por uma camisola lisa na cor azul celeste.
- Como se sente? – ele questiona.
olha à sua volta, agitada.
- Eu não sei. – sopra sem vida. Como posso não saber?
- Eu vou chamar o médico, ele disse que queria te ver quando acordasse. – diz e se encaminha até a parede oposta do quarto para apertar um botão em um painel eletrônico.
A mulher então tem a oportunidade de reparar mais atentamente o ambiente ao seu redor, que provinha de móveis luxuosos e paredes pintadas em fosco gelo. Ele era grande e espaçoso o suficiente para ter armários embutidos, sofás confortáveis de descanso, televisão grande, poltrona ao lado de um único leito grande o suficiente, uma pequena área gourmet com mesa, quatro cadeiras, cafeteira e um mini frigobar, além de tapetes impecavelmente limpos e peludos.
Se não fosse pela máquina ligada à , que monitorava os seus batimentos cardíacos, o leito condescendente e alguns apetrechos medicinais ao seu lado, passava-se tranquilamente por um quarto médio de um hotel quatro estrelas.
então nota a escuridão afora pela fresta aberta das cortinas em tecido de cetim.
- Que horas são? – ela indaga quando o noivo retorna para o seu lado.
Ele confere o relógio de pulso antes de informar: - Três e quarenta da madrugada.
- O quê? – questiona incrédula. – Por que eu fiquei tanto tempo desacordada? O que aconte... – sua voz se interrompe, descendo os olhos para a própria barriga – Ele não...
- Não, ma belle. – a acalma, pegando sua mão e entrelaçando seus dedos, ao aproximar-se mais do leito. – Fique tranquila, está tudo bem com o bebê.
respira aliviada.
- Houve algumas complicações, mas o médico garantiu que vai ficar bem. – complementa e sobe os olhos até os dele.
- Complicações?! – repete com a boca seca.
desvia os olhos por alguns instantes, desconcertado.
- Bom... – ele limpa a garganta – Logo o médico estará aqui e te explica certinho. Mas, - mira significantemente os seus olhos, enquanto segurava ambas as mãos da noiva – vocês vão ficar bem. – trata-se de corrigir – Nós vamos ficar bem. Eu vou estar com você, sempre.
- Você está me assustando. – ela admite e logo a porta do quarto é aberta.
Por ela entra Marcos e Fábio com as faces apáticas enquanto conversavam descontraidamente. Ao notar que a filha havia acordado, Marcos se põe prontamente aos pés da cama.
- ! – ele sorri emocionado – Como está se sentindo, filha?
A mulher se acomoda por entre os travesseiros, tentando sentir seu corpo falar com ela.
- Eu não sei. – admite. – Me sinto estranha, meio grogue.
- Deve ser por conta da medicação. – sugere.
- Sente alguma dor? – Fabio se adianta em perguntar, o rosto refletindo a preocupação.
Ela corre a mão até a barriga e os três prendem a respiração ao mesmo tempo.
- Uma de leve... – informa descontente, para em seguida perguntar: - Onde está este médico, afinal de contas? É do Anthony de quem estamos falando?
- Sim, ele tinha acabado de sair daqui para buscar o resultado de alguns exames que fizeram mais cedo. – explica. - Logo ele chega.
- Onde está Sandy, ...? – questiona ao recorrer à mente que eles estavam presentes em seus últimos instantes de consciência.
- Eles estavam aqui até agora há pouco, mas sua mãe levou-os para descansar e eles estão lá em casa junto com a e os outros rapazes. – Marcos explica e ela assente vagarosamente. – Ninguém conseguiu dormir, todos preocupados com você.
Antes que conseguisse se aprofundar em pensamentos e recapitular suas últimas memórias, a porta do quarto se abre novamente e por ela Anthony entra acompanhado de uma enfermeira que empurrava um carrinho com maquinário medicinal para exames.
- Boa noite senhorita Benedetti. – o homem cumprimenta com o sorriso simpático de sempre – Como você está se sentindo?
- Abatida. – ela responde, estalando o pescoço e alguns dedos da mão. – Confusa.
Os três abrem espaço para o médico e a enfermeira, e eles posicionam o carrinho ao lado do leito. Em seguida Anthony contorna a cama para examiná-la do outro lado.
- Alguma fadiga, dores no peito, visão embaçada? – ele indaga enquanto mirava a pequena luz de sua caneta em seus olhos.
- Não, estou bem. – afirma. – Só com um desconforto no ventre.
Anthony então endireita a postura da mulher e pede que ela tussa algumas vezes, para continuar uma sequência de avaliações externas. Os demais apenas assistiam em silêncio e atentos.
Quando finalizado o atendimento primário, o obstetra pede que ela volte a se deitar e a olha nos seus olhos para relatar: - Senhorita, devido à uma série de múltiplos fatores, como um nível de estresse muito alto, os esforços físicos que sua rotina requer, somado ao choque emocional que você teve nesta tarde, - dito isso a imagem de Raul automaticamente remete à cabeça de , que sente os olhos marejarem imediatamente. – o seu nível de progesterona, que é o hormônio esteroide que o corpo da mulher produz e que está diretamente ligado à concepção e basicamente faz a manutenção da sua gravidez, teve uma leve queda.
suspira em surpresa.
- Isso causou um quase imperceptível sangramento na região da placenta, que já parou. - o médico se adianta em informar – Mas que se voltar a acontecer e ser intensificado pode vir a causar um descolamento de placenta.
- Ah, meu Deus. - ela pousa a mão sob a barriga, se aproxima para acariciar seu ombro em demonstração de apoio. – E o que isso faz?
- O descolamento de placenta nada mais é quando há a formação de um hematoma, tipo uma bolsa de líquido ou sangue, na região da placenta e isso acaba diminuindo a área de contato com o corpo da mãe. – ele explica – A placenta é a responsável pela troca de nutrientes e oxigênio entre os dois, além da produção de hormônios necessários para que a gestação ocorra saudável. Mesmo sendo pouco comum, o deslocamento pode acarretar aborto no seu estágio da gestação e até parto prematuro se não tratada corretamente até o final da gravidez. Além de também trazer riscos para você.
- Puta que o pariu. – escapa da boca da mulher, que logo se adianta em dizer: - Me desculpe.
Anthony sorri fraco, sem humor.
- Você não está com descolamento de placenta ainda. O que é uma notícia muito boa. Isso é somente uma possibilidade que devemos considerar para tomar as devidas precauções. – ele acentua – Portanto deve-se redobrar os cuidados agora para que não abra essa possibilidade de acontecer e de forma mais grave.
engole em seco.
- Como está na última semana do seu terceiro mês, deve-se evitar ficar mais de duas horas de pé, devendo de preferência ficar sentada ou deitada com as pernas ligeiramente elevadas; Beber pelo menos dois litros de água por dia; evitar assuntos estressantes, - Anthony aconselha – e evitar qualquer esforço do tipo: sexo, treinos, preparação física e seria até preferível que não competisse mais, pelo nível de estresse que isso pode acarretar.
sente seu coração gelar, o estômago sopra ventos frios até seu corpo por inteiro se arrepiar.
- Acho que não é necessário que eu passe algum medicamento para evitar prováveis contrações, mas se caso ocorrer sangramento novamente ou se você sentir tontura, a visão escurecer ou qualquer tipo de alteração de pressão, deve me informar imediatamente.
não consegue reagir à informação que acabara de receber, choque e incredulidade era tudo o que consegui sentir, enquanto o doutor se movia para ligar a aparelhagem que ela notou ser de ultrassonografia.
- Nós fizemos um ultrassom há seis horas para monitorar a condição do bebê. – o homem prossegue descontraído – Vamos fazer outro agora só para garantir que continua tudo de acordo.
Enquanto ele e enfermeira preparavam a ultrassom, se abaixa ligeiramente para aproximar-se da noiva e segurar a sua mão, como costumeiramente ele fazia nos ultrassons de rotina.
O doutor pede que ela erga a camisola e ela o faz, tampando com o lençol do leito as partes íntimas da cintura para baixo – uma vez que não havia nada cobrindo-a.
Marcos e Fabio ficam ao lado de acompanhando cada apontamento do doutor na tela, explicações, medições e se encantando com o formato do bebê. Só que a cabeça da mulher viajava para longe dali.
Ela, que até então ainda estava quieta, raspa a garganta para perguntar já quando o médico limpava o gel de sua barriga: - Então, o bebê está saudável, não está?
- Sim, perfeitamente saudável. – ele sorri – Mas não podemos deixar de nos precaver. Não sabemos se o sangramento pode acontecer novamente e que da próxima vez possa ser mais grave.
- O primeiro médico tinha me dado o prazo de até o quinto mês e eu sequer cheguei no quarto ainda. Então, qual a minha segunda opção aqui? – ela indaga séria – Eu preciso terminar essa temporada, preciso ganhar. Estamos falando de só mais duas corridas no calendário, duas!
e Fabio se entreolham, mas nada dizem.
- De todos os riscos que se tem em uma gravidez, este é mais um. – ela continua – Os quais eu já estou ciente desde o começo quando me foi apresentado detalhadamente tudo o que poderia acontecer se eu decidisse terminar a temporada. Eu entendi que pode ser sério e que pode se agravar, mas estamos falando de possibilidades, caso isso vier a acontecer novamente. – respira fundo – Se eu redobrar os cuidados e evitar estresse, continuo com uma gestação saudável, certo? Só me diga o que eu tenho que fazer dentro das minhas condições.
Anthony pondera por um instante e suspira ao pronunciar: - Reduzir a sua preparação física, agenda de entrevistas, participação em programas, enfim, a correria semana sim e semana não já ajuda. Se puder, evite também os treinos livres.
- Aí eu posso competir? – ela arqueia uma sobrancelha.
- Seria melhor não, não vou mentir para você. – Anthony responde – Mas se você não tiver opção... Tem que ser mais cautelosa dentro e fora das corridas. Manter a cabeça o mais tranquila possível. Apesar de ser uma estatística, o despontamento de um descolamento de placenta é sério, principalmente para alguém com a vida tão agitada.
umedece os lábios enquanto assentia vagarosamente.
- Eu quero procuro zelar pela vida do meu bebê, doutor, o máximo que posso. Mas não posso me dar ao luxo de parar tudo o que vim construindo na temporada inteira por possibilidades. Estou quase lá. – ela volta a umedecer os lábios ressecados – Se está me dizendo que eu posso lidar com isso de forma saudável, eu vou terminar essa temporada sim.
O doutor mira por alguns instantes, que nada fala, e se volta à mulher: - Então vou receitar um medicamento para induzir o aumento da progesterona o mais rápido possível, isso vai te deixar um pouco mais sensível, mas vai colaborar em evitar futuros sangramentos. Podemos começar com leves taxas de calmantes fitoterápicos, que não prejudicam o bebê e te deixem menos agitada, e algumas vitaminas também. Vamos aumentar os ultrassons de rotina e os exames para serem feitos toda semana, só para acompanhamento, e manter tudo em ordem.
- Perfeito. – ela diz, já respirando aliviada.

Nas horas seguintes, ainda continua no hospital devido ao monitoramento que o médico insistiu em fazer. Ele pediu que a mulher levantasse do leito, fosse até o banheiro ou, até mesmo, até à cafeteria, e se movimentasse normalmente para conferir as suas condições.
Ela e estavam então caminhando pelo corredor do último andar do hospital de porte luxuoso, com um aparelho de acompanhamento cardíaco preso à cintura e fios ao seu peito, em uma ala preferencialmente reservada às pessoas influentes e socialmente importantes ou conhecidas, para lhes dar a devida privacidade.
está com o braço entrelaçado ao de e a cabeça escorada em seu ombro enquanto na mente múltiplos pensamentos se difundiam e se contorciam.
- Então, - a pilota chama a atenção do noivo com a voz amena – você está muito quieto.
sorri fraco.
- Só estou tentando absorver todos os últimos acontecimentos.
engole em seco, tentando afastar a imagem de Raul da sua mente assim que ela ressurgira. Não podia se descontrolar, e sentia que se ficasse pensando no amigo era o que aconteceria mais uma vez.
Por isso limpa a garganta e prossegue: - Você se lembra daquela conversa que tivemos sobre eu estar incerta de que serei uma boa mãe?
- Você continua achando isso? – ele a mira nos olhos, a testa levemente franzida. – Ma belle, eu já te disse...
- Eu sei, eu sei. – ela o interrompe com a voz delicada – É que a me disse essa semana que nós, mães, começamos a desenvolver instintos protetores automaticamente pelos nossos filhos. E não é uma questão de querer, sabe? É algo que simplesmente acontece.
- Sim. – ele assente.
- Você acha possível que uma pessoa possa não desenvolver esse instinto, independente do quanto já ame esse bebê? – ela indaga tristonha.
- Pour Dieu, . – ele ri anasalado – Por que acha isso?
Ela respira fundo e toma coragem para fazer a pergunta que gostaria de ter feito assim que o médico havia deixado o quarto.
- Você acha que eu estou me arriscando demais em continuar competindo, não acha? – ela rebate a pergunta parando de caminhar, olhando nos verdes complexos dos olhos do noivo. – Precisa me dizer como você se sente quanto à isso, você tem todo o direito de interferir se achar que eu não estou tomando uma decisão certa.
respira fundo e olha de um lado à outro no corredor antes de voltar aos olhos da mulher.
- Não vou mentir para você, minhas noites seriam muito mais tranquilas se você evitasse passar por tudo isso. Nós sabemos o quanto o esporte é arriscado e imprevisível, por isso pedi que o médico te informasse de todas as possibilidades possíveis dentro da nossa situação. – ele diz, acariciando seu rosto – Mas também sabemos sobre a segurança que nos cerca, e seria muito egoísta da minha parte pedir que parasse só para que eu fique tranquilo, uma vez que é claro que com cuidado e se for só por mais duas corridas você pode conseguir.
- Não seria só pela sua tranquilidade, e sim pela responsabilidade em si de se preocupar e querer proteger. Eu entendo se discordar de mim.
- Não, mon amour, porque eu sei que você não faria nada para prejudicá-lo. Certo? – ele diz – Você mesma disse que sabe até onde o seu corpo pode chegar, que sabe os seus limites e tem esse controle. E eu confio em você.
Ela sorri fraco e eles voltam a caminhar lado a lado e juntos, ela aperta ainda mais o braço do rapaz carinhosamente.
- Eu sei o quanto essa temporada está sendo importante para você e o quanto você se comprometeu à ela. Por isso essa é uma decisão que só cabe a você tomar. E eu sei que vai tomar a decisão certa enquanto estiver seguindo o seu coração. – ele explica – Se eu perceber que você está meio perdida, seja pelas alterações de hormônios, - eles riem fraco – ou quando alguma coisa estiver fugindo dos trilhos, conversaremos e entraremos em comum acordo. Porque são assim que os adultos resolvem as coisas.
- Que coisa! – ela resmunga.
- O que foi? – ele indaga já preocupado.
- Vou me casar com alguém que é mais esperto que eu. Seria isso um erro? – ela diz e sorri, antes deles rirem e selarem os lábios rapidamente.
- Ouviu isso, filho? – o rapaz direciona a pergunta à sua barriga ao se afastarem – Você vai estar na sua primeira final de campeonato, isso não é legal?! – subindo os olhos à mulher ele diz: - Vou fazer questão de mostrar para ele as fotos de você com a taça e dizer: “você já estava aqui quando sua mãe foi campeã”. Ele ou ela vai ter muito orgulho de você.
sorri comovida.
- Eu prometo que vou redobrar os cuidados e, se sentir que meu corpo e mente não aguentam, claro que... Não vou me submeter às últimas provas. – ela diz engolindo em seco, como se um tronco de madeira descesse pela garganta ao pronunciar as palavras específicas – Mas, vamos ficar bem. Vai dar tudo certo. Eu posso fazer isso.


Capítulo 10

“Eu nunca tive realmente que me despedir de alguém. Me sinto muito privilegiada em dizer que nunca tinha tido contato direto com a morte porque até então nenhuma das pessoas que são próximas à mim haviam partido. Tirando meu avô, que faleceu quando eu era muito nova e do qual tenho poucas lembranças. [...] No entanto, depois que o Raul faleceu, passei a achar que não faz sentido nenhum, sabe, a despedida. Porque afinal, independente da sua religião e por mais que não sabemos de nada do que acontece depois que falecemos, temos a esperança de que tenha um depois. Aquilo não pode ser simplesmente um fim de tudo. E ter em mente que aquela pessoa querida possa estar sendo feliz em outro lugar, por mais que seja longe de nós, aquece os nossos corações. Assim guardamos ela carinhosamente dentro de nós, de uma forma que nunca será esquecida, porque no final de tudo sabemos que vamos todos acabar nos reencontrando. Então não é bem uma despedida, é o mais doloroso até logo.”

5 de novembro

- Toc, toc. – a batida na porta é reforçada pela voz feminina que a imitava, e logo uma cabeleira de madeixas longas e castanhas surge pela fresta da porta que é aberta. – Com licença.
- ! – Sarah sorri alegre do seu leito, automaticamente abaixando o volume da televisão com o controle remoto – Por favor, entre.
A pilota entra no quarto segurando um jarro de vidro cheio de girassóis em mãos, imediatamente notando a perna direita da colombiana engessada e posta ao alto por alguns suportes. Ela se aproxima aos poucos.
- Como está? – a brasileira questiona atenciosa.
- Impressionantemente bem, se considerada às circunstâncias.
A recém-chegada assente.
- Eu queria ter vindo antes, - trata de esclarecer ao se posicionar ao lado do leito – mas aconteceram algumas coisas e não pude.
- Imagina, o deu uma passada aqui ontem à noite e falou sobre você. – ela sorri triste – Está se sentindo melhor?
- Sim, forte como um touro. – diz e elas riem fraco. – As vitaminas já estão fazendo efeito.
- Pelo visto, já teve alta. – Sarah comenta reparando nas roupas comuns da colega, que trajava um macacão confortável e longo na cor preta, sapatilhas e sobretudo na mesma cor.
Aquela manhã o dia havia amanhecido mais acinzentado, chuvoso e triste, como se também estivesse em luto.
- Sim, Anthony me liberou. – ela conta – Estando tudo O.K., ele não viu por que me segurar aqui.
- Maravilha! – Sarah sorri grande.
- Eu te trouxe isso. – levanta o jarro, sorrindo. – Dizem que eles alegram um pouco o ambiente. E... Bom, pensei que seria de bom tom.
- Muito obrigada, fico agradecida de verdade. – Sarah sorri sincera – Pode colocar no móvel aqui ao meu lado, por favor?
- Claro. – diz e pousa-o no móvel indicado. – A perna dói muito?
- Não, mas por conta dos remédios. Eles estão praticamente me dopando a cada uma hora. – ela entorta a boca, desgostosa – Tive uma lesão no fêmur, não chegou a fraturar, mas cara, doeu de verdade. Por pouco não quebrou.
- Nossa, eu sinto muito. – diz pousando a mão sobre o peito.
- É, mas segundo os médicos poderia ter sido pior. – a mulher dá de ombros – Muito pior. – complementa murchando o sorriso e engolindo em seco – Disseram que foi até um milagre eu sair do acidente só com isso, devido ao impacto das batidas. Eu não tenho como não ficar agradecida à Deus por isso, sabe. Ainda mais porque... Bom, você sabe.
suspira pesado antes de questionar, contornando o assunto: - Falaram em quanto tempo para você ter uma recuperação completa?
- Depende muito. Pode ser de seis meses a um ano, mas com o repouso adequado, a medicação certinha, uma fisioterapia intensiva ainda posso voltar aos treinos no segundo bimestre do ano que vem. – ela diz sorrindo de leve – Disseram que a cicatrização está acelerada, ao menos precisei de cirurgia, e que ainda essa semana eu posso ser transferida para casa.
- Fico feliz em saber, de verdade – a brasileira diz sorrindo terna – Sua família está vindo para cá?
- Sim, entraram em um avião assim que souberam. – ela sorri.
- Legal. – assente vagarosamente – E estão te tratando bem aqui, precisa de alguma coisa?
- Não, não. – Sarah nega com a cabeça enquanto sorria – Eu estou me sentindo como um verdadeiro membro da realeza, as enfermeiras e médicos são muito atenciosos e raramente estou sozinha. – a brasileira sorri – Além de que tenho recebido muitas visitas, dos meninos do grid, pessoas de outras equipes, minha própria equipe. Acho que vou até ficar mal-acostumada com tanta atenção.
- Ser um pouco paparicada não faz mal, não. – diz e elas riem baixo.
Logo o quarto fica em silêncio, naquele receio de se tocar no assunto delicado.
Aquele grande elefante na sala entre elas.
O som baixo da televisão chama-lhes a atenção, os olhos de então são atraídos até a tela – onde estava acontecendo a transmissão ao vivo do velório de Raul.
Depois que noticiada a morte do jovem piloto, houve uma enorme comoção nacional, fãs e não fãs no esporte se sensibilizaram pela terrível tragédia. O Brasil sofria uma perda de mais uma lenda na categoria e, cara, isso doía.
A família se sensibilizara com os fãs do rapaz e deixaram o caixão aberto ao público, para ser visitado à distância, antes que fosse sepultado. E a quantidade de pessoas na fila era impressionante, só mostrando o quanto o piloto era adorado.
Era impossível não sentir o peito doer a cada instante daquele dia.
- Eles te deixaram ir? – Sarah indaga com a voz rouca, quase inaudível. – Sabe, eu tentei insistir, mas na minha condição eles nem cogitaram me liberar.
Quando volta seus olhos à ela e encontra com os dela marejados.
- Estou indo para lá assim que sair daqui. – ela diz, o bolo voltando a crescer na garganta automaticamente – Sei que ninguém queria que eu fosse, devido aos últimos fatos. Mas... – ela suspira – Eu preciso me despedir. – diz e seca rapidamente uma lágrima que ameaça a cair.
- Pode me fazer um favor? – a colombiana indaga.
- Claro.
- Diga à ele que eu sinto muito? – os olhos de Sarah enchem d’água. – Que eu não queria que nada disso tivesse acontecido, eu só... – ela suspira pesadamente – Não consegui desviar e nem frear. Foi tudo muito rápido e agora ele está... – sua voz desaparece gradativamente.
prende os lábios um no outro, refletindo sobre aqueles dizeres.
- Não sei se acredita nessas coisas, mas eu... – a colombiana ergue a cabeça para evitar que as lágrimas caíssem – Eu precisava dizer que eu realmente sinto muito e que vou sentir muita a falta dele.
A brasileira se aproxima dela para pousar a mão no ombro da pilota.
- Onde quer que ele esteja agora, eu sei que ele sabe que não foi sua culpa. E nem dele. – engole em seco – Foi uma fatalidade. Não tinha nada que pudesse fazer para evitar o que aconteceu.
Sarah assente e seca o rosto com as costas da mão.
- Você foi condescendente, é uma pilota habilidosa. E tenho certeza de que faria qualquer coisa para impedir, se pudesse. – continua acariciando o ombro dela.
- Só diga isso a ele, O.K.? – pede com a voz fanha enquanto secava o canto dos olhos.

Chegando ao cemitério, o carro teve que se desviar do grande tumulto de pessoas que ainda estavam na fila para um último adeus. O motorista estacionou na parte exclusiva, reservada para as pessoas mais próximas ao falecido, onde a segurança era extrema e cuidadosa, e com a mão entrelaçada à de , segue com as pernas bambas até a sala principal de velório.
Durante o trajeto ela tenta focar a sua atenção no gramado verde e bem cuidado ao seu redor, as flores coloridas e ordenadas nos arbustos e, até mesmo, no solo pedroso abaixo de seus pés ao invés do porquê estavam ali.
Quando chegam ao grande salão, eles se deparam com diversas pessoas que passavam em fila indiana com olhares tristonhos ao lado de fora, tendo contato através de uma parede de vidro; notam também que parte do grid estava presente no interior da sala, alguns acomodados nas poltronas ao redor do caixão e outros em grupos distintos que conversavam entre si em tom baixo e respeitoso.
respira fundo e continua seu caminho, com sempre ao seu lado, se aproximando de uma face que há muitos anos não via.
Ela pede licença ao demais, que a rodeavam, e antes que pudesse se introduzir, a mulher estica os braços finos em sua direção e com a face chorosa a salda: - , meu bem.
- Oi, dona Lily. – e é acolhida pela mãe de Raul carinhosamente, num abraço que mesmo com o passar dos anos, transmitia a mesma sensação de acalento.
Nos tempos de kart, em que os pilotos mirins viajavam Brasil afora, Lily era sempre presente e acompanhava o crescimento do filho de perto. Sempre muito atenciosa e gentil, ela também havia se aproximado de ao se compadecer com a única menina, que porventura sempre ficava solitária nas competições. Os garotos daquela idade sabiam ser cruéis quanto queriam. Com pouquíssimas exceções, e a mais veemente delas era Raul, claro.
Juntos à Fábio, Raul e Lily foram uma peça fundamental para o começo da carreira da pilota. Eles não sabiam, mas fizeram-na compreender que o problema da garota de não ter amigos nos campeonatos não era por uma culpa dela, e sim pelo preconceito de gênero das demais pessoas de mente fechada.
Foi com eles que ela aprendeu a erguer a sua cabeça e ignorar os comentários maldosos, dando a volta por cima e trucidando aquelas pessoas más com gentileza, somente com a sua habilidade nas pistas. Ela calou muitos.
Mesmo com pouca idade, Raul sempre fora condescendente e sensato, pouco se importando com o fato dela ser uma menina e não tinha receio algum de se aproximar dela. E ela era extremamente agradecida por aquilo.
- Eu nem sei o que dizer. – diz engasgada, afastando-se minimamente para olhá-la nos olhos. – Palavras não podem expressar o quanto o seu filho foi memorável, extremamente talentoso e único. Essa é uma perda lastimável e eu vou sentir muito a falta dele.
- Fico muito feliz que tenha comparecido, querida. Eu sei o quão sacrificante é esse gesto para você. – a mulher sorri bondosa, e passa a mão sobre a sua barriga com ternura para dizer – E seria completamente compreensível se não viesse, mas eu sei o quanto vocês foram amigos, e mesmo com o afastamento, ainda significavam muito na vida um no outro. Em todas as ligações que ele me fazia, falava de você e o quanto se admirava por tudo o que você conquistou.
- Ele também era muito especial para mim. – funga o nariz, já úmido.
- Sabe o que ele me disse quando o contou sobre a gravidez? – Lily questiona e a pilota nega vagamente, dando-lhe a oportunidade de revelar: - “Mãe, a menininha marrenta vai ser mãe, pensa em quanta marra essa criança vai ter. Estou curioso para ver isso, na verdade, Mas sei que ela vai mandar bem, sempre mandou muito bem.”.
não consegue impedir as lágrimas grossas que se formam, mesmo que um sorriso crescesse em seu rosto. Ela podia ouvir a voz do amigo pronunciando aquelas palavras.
- Eu sei o quanto você também foi marcante na história do meu menino, como ele foi na sua. – Lily continua – Com tudo o que aconteceu, ele foi moldado a ser um homem de valores. E o que afaga meu coração é saber que ele se foi em paz, fazendo aquilo que amava e sendo profundamente querido por muitas pessoas.
- Profundamente. – assente. – A senhora criou um homem muito bom. E eu tenho certeza de que não há nada que você não tenha feito para fazê-lo feliz, porque ele realmente foi.
Lily assente emocionada e volta à abraçá-la.
se afasta depois de um tempo, dando espaço para cumprimentá-la seguido de Fábio, a quem também estava absolutamente abatido.
- , eu não sei como expressar o quanto eu sinto muito. – ele diz, usando o apelido que a havia dado há anos. – O moleque era realmente muito especial.
- Oh, Fábio. – ela sopra e o abraça de volta.
cumprimenta os demais familiares de Raul, seu pai, a namorada, o irmão, os primos e mesmo os avós, para depois se encaminhar até o grupo onde estava , Max, Carlos, Mick e Daniel.
- Oi, gente. – ela se aproxima deles e já abraça de lado, quem a beija na testa carinhosamente.
- Oi. – eles respondem em um sonoro tom de abatimento.
- Tudo bem, por enquanto? – a questiona.
- Sim, eu estou bem. – ela assente cabisbaixa e se afasta minimamente, para abraçar aos demais.
- Bom mesmo, tem que guardar energia para o meu afilhado. Porque se ele puxar a mãe, vai ser ligado nos duzentos e vinte. – Daniel diz sorrindo fraco e ela sorri também.
- Como é que é? – questiona, olhando de à em tom ofendido. – Daniel além de padrinho de casamento vai ser padrinho do mini-Leclerc?
- Não sei por que da surpresa, todos sabemos que eu sou o preferido do casal. – o australiano dá de ombros – E o mais legal também.
e riem fraco quando veem ficar ainda mais indignado.
- Ele está tirando uma com a sua cara. – trata de esclarecer.
- Não escolhemos os padrinhos ainda. – complementa.
- E pelo visto a vaga está bem disputada. – Mick diz o grupo ri fraco. – Mas de uma coisa é certa, um monte de tios babões ele vai ter com certeza.
- Com certeza. – Carlos assente e eles sorriem um para os outros.

Pelo restante do velório, procura se manter longe do caixão e evita olhar diretamente para área que o rodeava, não queria que a última imagem que tivesse do amigo fosse fria e tão triste, porém também não queria perder a chance de um último adeus.
Assim, quando percebera que havia se passado tempo o suficiente para que eles aprontassem as coisas para levá-lo enfim para o enterro, se virou em sua direção vagarosamente.
Imediatamente o coração começa a se contorcer, se apertar e se encolher em seu peito.
- Ma belle, - chama sua atenção carinhosamente pegando em sua mão – se quiser, eu vou com você.
- Não. – ela sopra, a voz falha. – Preciso fazer isso sozinha. Ficarei bem. – ela beija a mão do noivo – Prometo.
Dito isso, ela se afasta do grupo e segue na direção do caixão.
Quando se aproxima o suficiente, tem que respirar fundo ao se deparar com a imagem do seu amigo imóvel.
Raul não tinha trauma algum evidente em seu rosto, este pleno e tranquilo, parecia estar apenas repousando em um sono de descanso depois de mais uma corrida desgastante. Seu rosto continuava belo e suas linhas de expressão estavam calmas.
E mantendo isso em mente, de que ele estava apenas dormindo e não com o pescoço quebrado, ela se encosta na beira da caixa de madeira, permitindo-se olhar diretamente para o rosto jovial e bonito.
- Bom, - ela começa com a voz em tom baixo, os olhos se umedecendo rapidamente – Eu não sei como fazer isso, porque nunca tive que fazer. E... – ela umedece os lábios vagarosamente, sentindo o salgado das lágrimas na ponta de sua língua – Realmente não queria que fosse o primeiro. Então, - ela respira fundo – não ria de mim daí de cima. – ri em meio ao choro.
toma fôlego e se consente à secar uma gota de sua lágrima que cai na testa do amigo. Sua mão sente a pele gelada e involuntariamente fica por lá, acariciando o local até deslizar para seus cabelos sedosos, onde continua a acariciar carinhosamente.
- Sarah pediu que eu te dissesse algumas coisas, mas nós dois sabemos que você não a culpa por nada, justamente porque sempre foi muito coerente. – ela diz. – Mas, como prometi, ela pediu que eu te dissesse que ela sente muito e que vai sentir muita a sua falta. – aperta o próprio nariz com a mão livre, abafando o choro – Mas, afinal, todos nós vamos.
A mulher não consegue conter o gemido sofrido que torna a voz ainda mais baixa.
- Você foi o meu melhor amigo por muito tempo, - ela diz com o queixo tremendo – que não saiba disso, porque sabe como ele é ciumento. – ri fraco – Mas, quando eu não tinha ninguém, você estava lá. – ela engole em seco – Me distraindo das coisas que poderiam me machucar, brincando comigo, zoando comigo e inconscientemente me apoiando. E como eu queria que tivéssemos mantido mais contato.
Ela funga e toma fôlego.
- Tantas coisas que eu mudaria se pudesse voltar no tempo. – ela admite – Teria sido uma colega de grid mais atenciosa, mais comunicativa, teria te dito o quanto você foi importante para mim. – ela se interrompe, contento o choro que dava indícios de aumentar – Mas acho que era para ser assim. Nós nunca esperamos que isso vá acontecer e perdemos essas oportunidades que são essenciais.... Eu só espero que tenha ido sabendo que independente de tudo, você sempre poderia contar comigo.
respira fundo mais uma vez.
- Você foi um dos caras mais talentosos e divertidos que eu tive o prazer de conhecer e foi uma honra poder dividir essas experiências contigo. – ela sorri em meio às lágrimas que caíam feito cachoeira – Pour Dieu, me desculpe, eu estou te molhando todo. – ela trata de secar as mínimas gotas que tornam a cair na face do rapaz – É que eu não quero imaginar que não teremos mais você no grid conosco. Quem é que vai ser o meu novato agora... Ou ficar regurgitando quando ver meu vômito? – ela ri e o riso acaba se transformando em um choro silencioso. Ela fica por um tempo cabisbaixa, controlando o choro e a respiração.
Respira fundo por duas vezes consecutivas ao se recompor e sem tirar os olhos do rosto inerte, declara: - Eu prometo que nunca será esquecido Raul, nunca mais.
Ela se abaixa para beijar a testa dele carinhosamente e finaliza: - Obrigada por tudo. E me desculpa se fiz algo que tenha te magoado de alguma forma, mas sabemos que não porque senão você teria jogado na minha cara, como sempre. Marrento. – sorri com o apelido – Te amo, amigo. Espero que nos encontremos de novo algum dia.
se afasta lentamente, andando de costas e absorvendo pela última vez a imagem de seu amigo diferente da que achou que teria. Estava aliviada pelo descarrego de palavras e sentia que seu coração estava em paz. Continuava a doer, muito, mas ela não tinha outra opção além de aceitar essa dor.
Outras pessoas cercam o caixão para o último adeus. se abriga no peito de , que acaricia as suas costas carinhosamente, e faz a oração com a família silenciosamente, sem sair dos braços do noivo.
Quando o caixão é fechado e levado até o carro de transporte, pela cabeça de passa a imagem de Raul colocando o seu capacete sobre a balaclava – já vestido com o seu costumeiro macacão verde musgo – e entrando em seu carro de corrida com o seu sorriso marcante.
A caçamba do carro de transporte também é carregada com dúzias e dúzias de flores, coroas de homenagens, além de bandeiras brasileiras com seu rosto, bonés com o seu número de competição e camisetas com seu nome, deixando a caixa de madeira por demais enfeitada.
Quando pronto, o carro parte para os jardins do cemitério e é acompanhado apenas daquele grupo seleto de pessoas mais próximas. Os fãs abandonam o cemitério e respeitam o momento privado ao lado de fora – que não era tão privado assim, visto os helicópteros que rodeavam o céu.
Assim que o caixão é posto na plataforma para a descida até o subsolo terroso, são ditas algumas palavras pelo padre presente, o hino nacional é tocado por trombetas sinfônicas e aviões-jato soltam fumaça verde e amarela em linhas retas no ar.
E quando o caixão é enfim descido, vê claramente a imagem de Raul acenando em sua direção antes de dar partida com o carro e ir embora.
Desta vez, para sempre.

NOTAS

Este capítulo é em homenagem à todas as vítimas na história dos campeonatos automobilísticos, que se foram fazendo algo que amavam.
Descansem em paz.


Capítulo 11

9 de novembro
Capitólio – Minas Gerais, Brasil.

Capitólio é um município no estado de Minas Gerais que fica a 276 quilômetros da capital, Belo Horizonte, e tinha pouco mais de 8600 habitantes.
Os seus números podiam ser assustadoramente pequenos se comparados à outros municípios da região, porém, a porcentagem de visitação e turismos triplicava este número em suas altas temporadas. Atraindo turistas de diversas partes do país e, até, do mundo.
O município se tornou muito procurado por conta de seus belos rios, represas, cachoeiras de águas transparentes e pontos turísticos que deixavam as pessoas maravilhadas com uma beleza simplória e única. Além de, claro, proporcionar a calmaria plena que a cidade grande não permitia.
havia sido levada ali justamente para que pudesse respirar ares mais frescos e se desconectar do mundo das corridas por duas semanas, tempo de pausa não-programado concedido pela FIA às construtoras, pensada para o bem psicológico dos pilotos e todos os envolvidos no esporte depois da morte do colega.
Contudo, para , isso havia causado um efeito completamente oposto. Porque, além de não conseguir se distrair com o trabalho – que era o que geralmente fazia para evitar pensar em assuntos tocantes, ela também lutava contra o tempo para conseguir finalizar o campeonato dentro dos cinco meses gestacionais e de forma saudável, portanto aquelas duas semanas podiam a prejudicar e muito.
Tal fato deixara sua cabeça em uma bolha de nervos em menos de quatro dias estando ali, o que era uma ironia vista a calmaria do lugar e as mínimas, quase imperceptíveis, doses do tranquilizador que estava tomando.
Ela realmente não gostava de não ter nada produtivo para fazer visto que tinha um campeonato para ganhar em tempo cronometrado.
No entanto, ela notara que sua agonia deixava agoniado ao dobro, ele tentava de todas as formas distraí-la com passeios de lanchas, meditação, yoga, aulas de Lamaze, programas turísticos e mesmo agendar horários no spa ou massagens para a amada.
Pelo claro esforço dele, procura por se concentrar em qualquer outra coisa, alguma que não fosse mexer com extremas emoções e foi quando finalmente percebera onde estava e o que aquilo significava.
Capitólio era uma cidade de grande importância na história das suas origens, e isso fez com que ficasse instigada à pesquisar e saber mais de um lado até então pouco aventurado para ela. As suas raízes.
Os pais de nunca haviam realmente parado para contar sobre a história dos próprios como casal, ou de seus pais. Tudo o que ela sabia era que ela tinha descendência italiana, assim como mineira e baiana – em uma mistura cultural completamente diversificada (e a qual ela adorava e muito).
Marcos nunca gostou de falar sobre os próprios pais e tinha a sensibilidade de não insistir no assunto, pois sabia que ambos haviam falecido quando ele ainda era muito jovem devido à causas naturais por idade avançada.
Ela soubera por comentários singelos da mãe que eles passaram maior parte da vida tentando conceder o seu único e amado filho, e quando o fizeram priorizaram todas as suas energias para acompanhar o seu crescimento e garantir um futuro promissor.
Ela contara também certa vez que Marcos consequentemente herdou toda a fortuna da família Santos e arcou com as responsabilidades da empresa baiana de materiais avançados e especialidades químicas, mesmo contra a própria vontade – mas que o fizera amadurecer muito cedo.
O mais perto que o pai chegara à lhe falar sobre essa fase foi quando comentara descontraidamente: “Ser um jovem com uma fortuna nas mãos não me fez soberbo porque, além de me faltar tempo, meus pais me ensinaram os valores certos para que não fosse. Eu era tão regrado que minha primeira noitada foi aos 22 anos. Foi quando eu tive o primeiro contato com as mulheres e, como novato no assunto, acabei me apaixonando por aquela que mais me deu atenção naquela noite. Sua mãe.”.

Patrícia, por sua vez, também tinha os seus motivos para não adentrar muito no assunto “família” com a filha, visto que no passado era ressentida com a própria mãe por “abandonar” os filhos no Brasil e partir para a Europa depois da morte do marido.
Foi assim que acabara notando que, mesmo depois que os pingos nos i’s haviam sido colocados e eles se reaproximaram, a história de seus avós maternos havia passado por despercebida, quando se fazia por muito importante na construção de quem eram os Benedetti de hoje e, consequentemente, à sua própria história. E ela queria conhecê-la.
Então a jovem se pôs a ser ouvinte da história em pessoa, Emília Benedetti. Segundo a italiana, ela se sentia muito mais conectada com Capitólio do que com o próprio país. Já conhecia a região como a palma da própria mão e como a grande guia turística que era, não pensou duas vezes antes de abdicar das obrigações da administração das suas pousadas por um tempo, só para mostrar à neta às suas raízes.
Ela começara contando que havia sido próximo dali, há exatos 31 quilômetros de distância numa cidadezinha chamada Guapé, que Antônio, o grande amor da sua vida, havia nascido e morado durante toda a sua infância e adolescência. Mostrando-a os pontos essenciais de todas as etapas de sua trajetória durante um passeio matinal.
- Nos conhecemos em São Paulo no carnaval de 75. – Emília conta dirigindo a caminhonete robusta pela estrada de terra com a neta ao lado, já no caminho de volta. – Precisou de menos de dez minutos de conversa para eu saber que ele era o homem da minha vida.
sorri mediante ao sorriso encantado no rosto da avó.
- Seu avô sempre foi um homem muito inteligente. Apesar das raízes humildes, ele sempre procurou por conhecimento e naquela época ele já era fluente em inglês e espanhol. Pensa, em um Brasil dos anos 70, quando um caipira do interior tinha mínimas oportunidades para estudar e no meio de uma ditadura militar.
- E como foi que ele conseguiu?
- Ainda menino, por volta dos seus 15 anos, enquanto as outras crianças brincavam na rua, ele foi procurar trabalho no maior hotel da cidade, o Grande Hotel Guapé. – ela conta.
- Aquele próximo à praça da igreja Matriz. – a jovem afirma apontando para trás de si, onde elas tinham passado há pouco.
- O próprio. – ela assente – Pela idade, não tinha como o dono colocá-lo em serviços que requeria experiência profissional, mas encaixou ele como auxiliar de polo na parte de lazer do hotel. Ele recolhia os tacos e as bolas. – a mulher ri fraco, levando a mais jovem a imitá-la no gesto – Mas, desta forma, ele foi conhecendo pessoas influentes que se hospedavam lá e porventura tinham a fluência em outras línguas e diversos outros conhecimentos. – assente, completamente fisgada pelo enredo – Aos poucos essas pessoas se atraíram pela astúcia do garoto e o ensinaram, além de línguas, algumas estratégias do mundo de negócios. Foi assim que ele conseguiu a primeira porta de trabalho e se mudou para São Paulo, convidado à trabalhar com um comendador que havia conhecido.
Elas atravessam um arco grande de pilates de madeira maciça e vernizada. Na placa o nome de um dos locais mais procurados pelos turistas, que desejavam uma estadia única e formidável: Pousada A.V.B. – sigla para Antônio Vieira Benedetti.
A estrada por entre as palmeiras era longa e bem decorada, com cercas pintadas em branco e flores amarelas em arbustos moldados em quadrados perfeitos.
- Caraca. sopra impressionada – Ele tinha muita garra, e era tão jovem.
- Garra que, ao que me parece, você puxou dele. – a jovem sorri contente – Seu avô era um homem perseverante e que teve muita força até o final. Não deixando de sorrir por um dia sequer, até nos seus minutos finais. – a mais velha sorri extasiada com a lembrança – Ele tinha ambição, mas não em exagero. Grande parte dos nossos bens foram adquiridos graças à sua astúcia, era um grande negociador, sabia trabalhar com ações e tinha uma lábia impressionante.
- Que tio Fábio com certeza herdou. – ela comenta e Emília cai na risada.
- Com toda certeza. – a mulher concorda – Toni começou pequeno e foi crescendo, construindo os próprios degraus, o que não foi nada fácil, mas foi valoroso. Aprendi muito com ele assim como ele também aprendeu comigo.
- Vocês cresceram juntos. – reflete sorrindo – Isso é lindo.
- E não tem nada que eu me arrependa de ter feito com ele e por ele. – Emília sorri doce – Minha família demorou à aceitar as minhas decisões sobre ficar por aqui e me submeter à trabalhar, claro, eram extremamente rígidos e retrógrados. Mas, o que eles não entendiam, é que eu não queria ser aquela mocinha que tomava conta do lar enquanto o homem tinha a missão de trazer a comida para colocar na nossa mesa. Era a nossa mesa, a obrigação era dos dois. E ele entendia e apoiava o meu posicionamento. Seu avô era um homem muito à frente do seu tempo.
sorri feliz, inconscientemente comparando a história dos seus avós à sua própria com o seu querido monegasco, à quem nunca demonstrara ser contra aos seus posicionamentos quanto à correr em um campeonato de domínio masculino e jamais ter deixado de apoiá-la ao enfrentar os obstáculos de cabeça erguida.
- Tanto ele era à frente de seu tempo que não se importou em adquirir o meu nome no casamento ao invés de eu ficar com o dele, o que naquela época era um grande símbolo de masculinidade e tradição das famílias. – Emília continua a contar – Mas ele preferiu visar uma facilidade maior de nossos filhos em conseguir a cidadania europeia, priorizando uma vida melhor visto o sofrimento que a ditadura tinha causado no povo brasileiro.
- Uau, eu não sabia disso. – confessa quando o carro para no estacionamento de paralelepípedos e elas saem do carro. – Por isso somos os Benedetti.
- Pois é, meu bem. – Emília diz contornando o carro, a acompanha. A mulher abre a traseira da caminhonete e recolhe as sacolas das compras que elas haviam feito na padaria, para integrar o café da manhã da pousada.
- Quantos anos vocês ficaram juntos mesmo? – a neta questiona pegando a última sacola, a que Emília havia deixado para que ela não se sentisse inapta.
- Vinte e um maravilhosos anos. – Emília sorri extasiada enquanto fechavam o carro e se encaminhavam até a casa principal.
- E qual foi a peça fundamental para que aquele amor do começo ter permanecido por tanto tempo?
A mais velha se põe a pensar, mas logo suspira ao falar: - Não deixávamos de aproveitar cada instante dessa caminhada, essa trajetória que construímos juntos. Fazendo de todos os dias especiais, mesmo que tivessem sido ruins. Porque todo casal briga, isto é um fato. – ela umedece os lábios rapidamente – Mas jamais deixamos de evidenciar o quanto nos amávamos e que podíamos passar por qualquer coisa desde que permanecêssemos juntos.
- Queria tê-lo conhecido por mais tempo para poder me lembrar. – tinha somente quatro anos quando o avô faleceu aos 45, ainda muito jovem.
- Ele te adorava. – Emília sorri feliz – Era a garotinha dos olhos dele, ele sempre quis ter uma netinha. Te paparicava como ninguém.
sorri.
- E isso tudo é em homenagem a ele? – ela questiona ao olhar a estrutura vintage de dois andares, com belas paredes rústicas em pedras de arquitetura italiana, trilhadas de plantas e flores que subiam pela sua lateral, portas e janelas de madeira vernizada e vidros plenamente limpos, situada em meio à terras de pasto verde, área espaçosa e livre onde podia-se ver o gado ao longe, o celeiro moderno, piscinas ao ar livre com vista ao horizonte campestre que acabava-se nas margens da represa que rodeava o local e diversas áreas de lazer.
O cheiro de café fresco e pão de queijo que acabara de sair do forno atraía os poucos hospedes que marcavam a sua estadia no local em baixa temporada, e rapidamente elas se encaminharam ao espaço externo onde se dispunham várias mesas de ferro abaixo do enorme pergolado de madeira, o qual era marcado pela experiência aconchegante de refeições ao ar livre, sob os tímidos raios de sol da manhã.
Emília e entregam as compras à funcionária que servia a farta mesa do buffet e a ajudam a terminar de arrumar as variadas comidas típicas mineiras. Quando terminam, permitem se servir, e se acomodam em uma das mesas do salão.
- Seu avô sempre quis ter uma pousada nesse lugar, dizia que a ideia de que isso aqui renderia um bom retorno nunca saía de sua cabeça. E não poderia estar mais certo, mais uma vez. – A mais velha diz bebericando o café preto na xícara de porcelana e oferendo mais pães de queijo à neta. – Assim que havíamos dado o lance na negociação para fazermos a compra, ele passou mal e acabamos descobrindo sobre o câncer. E infelizmente tivemos que deixar esse sonho de lado.
abaixa os olhos, triste.
- Quando ele se foi, senti como se eu tivesse perdido parte de mim. Ele simplesmente me completava e aquela parte ficou vazia. – ela suspira – Por isso precisei de um longo período para me recuperar, me reencontrar na Emília que existia antes do Tony. O problema era que eu não queria mais ser ela. Porque não me via em um mundo onde ele não existisse, onde ele não me colocasse de volta nos trilhos. Sabe?
- E o que foi que você fez?
- Fiz exatamente o que ele pediu para que eu fizesse. – Emília sorriu – Segui minha vida aproveitando cada instante intensamente. Fazendo tudo o que faltávamos realizar juntos. Claro que isso me privou de momentos com vocês e só por isso não posso dizer que foram anos perfeitamente bem aproveitados, mas os meninos já eram crescidos e podiam se virar sem mim então pensei, por que não? assente inconscientemente - E apesar de tudo, não consigo me arrepender porque foi o que me deu forças para estar aqui hoje, com vocês e acompanhando essa fase maravilhosa e estando tão plena e bem comigo mesma. Tomei decisões erradas sim, e apanhei para cachorro, mas amadureci muito. Fazendo com que eu conseguisse re-preencher a parte que faltava com uma parte minha completamente nova e que eu não sabia poder existir. E eu adoro essa Emília completa.
A jovem beberica o próprio café extasiada.
- Pense, as coisas acontecem por uma razão. Eu acredito muito nisso. – Emília fala e automaticamente se recorda da conversa com o médico de Singapura, com quem descobriu sua gravidez – Não posso sentir raiva de Deus ou pelo Universo, pensando que ele me puniu de alguma forma pelas coisas que aconteceram na minha vida. Imagine que cada situação no passado acarretou ao que somos agora, cada detalhe minuciosamente nos construindo à ser melhores e evoluir, em acertos ou erros, milagres ou tragédias. Os piores momentos da nossa vida são o que mais nos fazem aprender lá na frente. E por isso eles devem ser vividos intensamente. Para aprendermos. – ela sorri mirando a neta diretamente nos olhos – Não é romantizando o sofrimento, mas as decepções no geral nos dão conhecimento sobre alguns valores e reflete em algumas atitudes no futuro. Uma vez que você erra, aprende com aquele erro para não se repetir.
reflete por alguns instantes os dizeres cômicos de sua avó, colocando-os na própria vida.
Não estava decepcionada com sua vida até então, estava tentando lidar com as divergências da melhor maneira possível e não se frustrar com as pedras pelo caminho – algumas maiores que as outras.
Era mesmo possível que tudo estava passando lhe acarretaria mais lições no final? Porque, se fosse, que aparecessem logo porque ela não queria ter que atingir o estopim pata descobrir.
então levanta os olhos e vê sair pelas portas da pousada, espreguiçando os braços lentamente enquanto a procurava com olhos ainda sonolentos, de quem acabara de acordar.
Ela sorri a ergue a mão para chamar sua atenção, que sorri ao finalmente encontrá-la.
Durante sua caminhada vagarosa ao salão de refeição, Emília aproveita para finalizar, dizendo à neta: - Aproveite tudo à todo momento, querida. Ame com intensidade, se jogue de cabeça se precisar, a vida é curta. Sei que as coisas estão difíceis agora, e que você não está curtindo cem por cento o que está acontecendo com o seu corpo por conta da correria, – ela vislumbra a barriga da neta – mas procure enxergar a beleza e o lado positivo nas coisas. Explore essas oportunidades, elas são únicas. E como tudo isso pode se tornar algo positivo lá na frente. Você tem o privilégio de poder se moldar à ser a sua melhor versão, então agarre-a.
sorri e pousa a mão por cima da de sua avó, recordando-se também dos dizeres da melhor amiga à quem citou essa evolução no processo de gravidez.
- Obrigada, vovó. Por tudo. O passeio, a história e seus conselhos. – Emília entrelaça os dedos e beija as costas da mão da neta. – Foi muito significativo para mim.
- Para mim também, querida.
Logo chega à mesa.
- Bom dia às moças, posso me juntar à vocês? – ele questiona educado.
- Claro, querido. Sente-se. – Emília aponta a cadeira vazia ao lado da neta e ele se junta às duas.
- Fico impressionado em como as pessoas aqui acordam extremamente cedo. Não sei se vou me acostumar com isso algum dia. – ele diz aceitando a xícara de café que o oferece. – Faz quanto tempo que estão acordadas?
- Já tem algumas horinhas. – Emília quem informa – Pouco antes do nascer do sol.
- Acho que é coisa do interior, seu próprio corpo se desperta para sair e explorar o campo. – a jovem diz olhando o horizonte à frente de si.
sorri antes de abocanhar um pão de queijo: – Isso é uma delícia.
- E se é, definitivamente o melhor pão de queijo que eu já comi. – também elogia.
Logo em seguida uma das funcionárias chama por Emília educadamente e a mulher tem que se despedir: - Infelizmente o serviço chama, meus queridos. Mas, claro, sintam-se a vontade e precisando de algo é só me chamar. Com licença, tenham um dia maravilhoso.
O casal acena e observa a matriarca se afastar.
fica por um tempo observando o rosto de enquanto ele comia, quando ele a flagra o encarando encantada, rouba-lhe um beijo, aproximando suas cadeiras para que passasse o braço por cima de seu ombro – abraçando-a de lado.
- Qual a programação para hoje? – ele questiona.
Pela boca de quase se escapa uma má resposta, dizendo que eles já haviam feito de tudo e que agora o ideal mesmo era ir para casa. Mas pensando na conversa que acabara de ter com a vó ela tenta espantar o mal humor e respira fundo.
- Uma ida de novo até os Canyons de Furnas não seria uma má ideia. Desta vez podíamos ir pela trilha de cima do penhasco para ver tudo do mirante, lá em cima. De carro, claro. – ela acrescenta passando a mão sobre a barriga.
- Vi umas fotos espetaculares daquele mirante. – ele diz – Vai ser legal.
assente e suspira, acariciando os cabelos da noiva.
mira os olhos verdes do rapaz e os nota incômodos quase que no mesmo instante, por mais que ele tentasse acobertar. Ela também sabia ler como ninguém.
- Tem alguma coisa de errado?
Ele umedece os lábios, pensativo, sem desviar de seus olhos.
Mas logo diz, antes de suspirar pesadamente: - Suzie está insistindo que eu vá para Mônaco na próxima semana para marcar presença da Ferrari em um evento de carros históricos. – confessa a contragosto, citando a chefe de relações públicas da escuderia vermelha. – E, também para estar presente na inauguração do carro que venci o primeiro GP de Monza que doamos ao museu do automóvel de lá.
franze a testa.
- E por que não está em um avião ainda?
ri anasalado, colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.
- Porque não quero interromper as duas semanas de descanso que você precisa e nem te deixar sozinha aqui, por mais espetacular que esse lugar seja e que esteja na companhia da sua avó. – ele revela gentilmente – Sinto que ainda está agoniada o suficiente, então quero ficar e tentar fazer mais para mudar isso.
desvia os olhos dos dele por um instante, apreciando o horizonte verde quando enquanto ponderava alguns pontos. Depois de uns minutos em silêncio ela suspira, assumindo uma calma súbita.
- Mon amour, - ela acaricia a lateral de seu rosto, voltando aos seus olhos – o problema não é você e nem o lugar, você tem sido um roteirista de viagem maravilhoso. – sorri gentil, para dizer sincera – Na verdade, são os meus inúmeros assuntos inacabados que me deixam assim. Eu tenho uma lista de coisas para resolver e se não procurar fazer isso, vou enlouquecer.
- Mas não pode se estressar... – Ele contesta.
- E não vou. – ela sorri ao determinar – Já que não posso direcionar minha atenção ao trabalho no momento, estava pensando em reverter isso para as questões pessoais e aproveitar esse tempo para resolvê-las com calma. – assente ao citar os dizeres ouvido há pouco: - Tenho que ver o lado positivo de ter que estar aqui.
- Que seria...
- Tempo para refletir, não cometer o mesmo erro duas vezes... Aproveitar das oportunidades. – ela morde o lábio inferior. – Certo?
franze a testa e ri com a confusão que ela causa em sua expressão.
- Quero retomar a organização do nosso casamento. – ela finalmente fala determinada – Sinto muito, mas não quero olhar para trás e não gostar desse momento tão importante para nós porque estava completamente fora do que queríamos só para agradar a sua mãe ou a minha.
O rapaz fica um tempo mirando seus olhos sem reação, mas por fim sopra: - Graças a Deus. – suspira aliviado, jogando a cabeça para trás.
- O quê? – ela questiona risonha.
- Eu já estava me sentindo um palhaço no meio desse circo todo. – ele diz rindo – Elas estavam aparecendo com cada vez mais coisas, isso do pouco que me inteiraram do assunto. Já estava me imaginando com paletó de bordados clássicos, bainhas, suspensório e ombreiras.
cai na risada.
- Ah, meu Deus, eu te amo. – diz rodeando o pescoço do rapaz com seus braços e sela os lábios doces do amado rapidamente. – Não acredito que não chegamos a conversar do quanto isso estava incômodo para nós.
- Pois é, eu também não queria magoar ninguém. Mas, ma belle, é o nosso momento. – ele diz olhando-a nos olhos quando se afastam um pouco. – Temos que tomar a frente.
- Exatamente. – ela levanta a mão e ele bate com a dele no ar, em um gesto de cumplicidade. – Ui, que alívio. – diz após suspirar animada.
- Nem me fale. – ele ri.
- Então... Você fala com sua mãe e eu com a minha?
Os ombros do rapaz cedem na mesma hora.
- Esqueci dessa parte. Puta merda, Dona Pascale não vai gostar nada disso.
- Aproveita para fazer na sua viagem à Mônaco, vai estar lá de qualquer forma. – ela diz acariciando os seus cabelos. – Se ela pegar muito no seu pé fala que foi tudo culpa minha e diz para ela me ligar. Eu alivio o seu lado para você.
ri, deitando a cabeça sob o peito da amada enquanto ela ainda lhe fazia carinhos abraçando-o como a uma criança. O rapaz fecha os olhos e aproveita daquele ritmo tranquilo.
- Se eu não tivesse você para me salvar sempre... – ele fala e ri anasalado – Tudo bem mesmo se eu for? – a questiona subindo aos olhos aos dela.
- Claro. – ela sorri – Por melhor que a sua companhia me faça, me mantendo ocupada e distraída com várias coisas, eu não posso ser egoísta agora e te impedir de ir. Você resolve as suas coisas e eu as minhas. Vou ficar bem.
- Tá legal. – ele sorri e sela os lábios nos dela rapidamente. – Vou falar com a Suzie para providenciar a passagem.
Ao ver se distanciando para falar ao celular, já começa a pensar em meios e técnicas gentis para abordar o assunto com a mãe, que chegaria na pousada aquela noite para passar o final de semana.
Da sua lista de afazeres e coisas para resolver, esta era a que mais a assustava. Patrícia tinha muitas idealizações para a filha, e muitas delas eram controvérsias às próprias vontades de .
O casamento da menina em especial era algo que desde quando ela era pequena Patrícia sempre sonhou e havia se empolgado por demais com a ideia de ganhar um espaço na monarquia de Mônaco.
Então, apesar de ter se tornado uma pessoa muito mais madura e compreensível, não imaginava que a mãe poderia levar a conversa com tamanha tranquilidade e sensatez como estava levando naquele exato momento.
- Então, está tudo bem? – repete a pergunta, com a testa franzida.
- Claro que está, meu amor. – a mais velha diz sorrindo gentil.
A jovem admitia que ficara decepcionada, esperando por reações as quais ela teria que lidar de forma mais árdua.
- Sua decisão não me deixa pulando de felicidade, mas eu a respeito e entendo. – a mulher sorri e abraça a filha rapidamente – Seu casamento vai ser lindo e emocionante de qualquer forma, com ou sem todas as formalidades de um título. E eu vou estar lá ao seu lado.
Poxa vida, ela pensa boquiaberta, Patrícia Benedetti estava mesmo mudada.
- Vamos continuar te apoiando, como a família que somos. – ela diz e vislumbra Ernesto ao longe. O homem conversava alegremente com Emília enquanto tomavam café juntos no espaço aberto frente ao campo, iluminados apenas pelas lamparinas nos postes vintage da pousada que afastava a escuridão da noite.
então sorri em compreensão.
Teria que se lembrar de agradecer Ernesto mais tarde, afinal o homem estava fazendo um bem danado à sua mãe que vinha a influenciar o relacionamento da família e era admirável ver esta evolução.
Aquela atitude de Patrícia era mais uma que mostrava o quanto estava mais sensata e que, afinal, não tinha que estar receosa por suas reações.
- Tá... Legal. – a pilota sopra com um sorriso no rosto. – Obrigada.
- Eu falo com a cerimonialista se você quiser, o contato dela já estava salvo nas minhas chamadas rápidas. – Patrícia diz, mas logo se interrompe – Bom, isso caso você mesma não quiser fazer. Acertei? Bom, não vou mais me intrometer. – ela sorri bondosa – Só precisa marcar uma reunião com ela o quanto antes para não ficar muito em cima da hora para fazer as mudanças. Essa semana ela está na China com outro cliente, mas no começo da semana que vem você já procura por ela, tá legal?
- Claro. – alarga o seu sorriso ao ter a visão de que aquela questão tinha sido solucionada e ela já podia riscar da sua lista.

Passado o final de semana e chegado à segunda-feira, já estava mais entediada do que pensaria ser possível, por mais que tentara aproveitar os seus momentos.
Sem ou assuntos para resolver, uma vez que sua lista de afazeres estava parada novamente porque seus assuntos tinham de ser resolvidos fora do Brasil e se ela viajasse sabia que cederia às suas vontades mais profundas que era voltar à trabalhar antes do combinado, ela voltara a ficar aflita.
Por esta razão procurou se ocupar auxiliando a avó com os afazeres da pousada, como tirar leite das vacas, recolher os ovos das galinhas, alimentar os animais do celeiro, passear com os cavalos, até se arriscar em cozinhar para os hóspedes.
Contudo a avó a limitava nos poucos movimentos, deixando-a sentada ou afastada na maioria das vezes, e no final do dia estava jogada em sua cama do quarto completamente desgostosa por não se sentir útil.
Hormônios e suas alterações de humor, conheçam os prazeres da gravidez.
Ela está amaldiçoando a sua bipolaridade quando seu telefone toca.
- Alô. – ela atende sem sequer verificar quem é ou se levantar.
- Olá, , como vai? – a voz animada de um homem desconhecido soa em inglês do outro lado da linha.
- Oi... – ela responde na mesma língua e afasta o aparelho do ouvido rapidamente para conferir o contato. No entanto, era de um número não salvo e desconhecido – Desculpe, com quem eu falo?
- Christian. – ele diz e ela fica em silêncio ponderando quantos Christians conhecia – Horner. – completa o homem, visto o silêncio.
- Ah. Oi, Christian – ela salta surpresa, finalmente reconhecendo a voz e levemente confusa. – Tudo bem?
- Tudo, sim. – ri fraco – Estou atrapalhando, a que fuso você está, é muito tarde? – ele questiona simpático.
- Não, está tudo certo. – ela diz estupenda, erguendo-se para sentar na cama – Só estou surpresa mesmo com a sua ligação.
- Mesmo? – ele questiona parecendo levemente surpreso. – Me desculpe pelo atrevimento, devia ter contatado sua empresária antes? É que Max me passou o seu número e como queria falar com você, cortei caminho.
umedece os lábios e ri anasalada.
- Sem problemas, como posso te ajudar?
- A questão é como eu posso te ajudar. – ele atenua – Tenho uma proposta irrecusável que pode salvar a sua vida.
pousa a mão sobre os olhos e suspira vagarosamente, cansada.
Resistir às tentações de se voltar ao trabalho estavam cada vez mais difíceis, especialmente quando o diretor da RBR, uma das maiores construtoras do grid, te liga obviamente para lhe fazer uma proposta de contrato; Toto Wolf te envia mensagens toda manhã e Zak Brown te liga todos os dias – por mais atencioso que fosse ao querer saber como ela estava se sentindo.
Ela estava sendo muito forte.
E por mais contente que se sentisse com o fato de estar sendo severamente procurada para um contrato pós-licença maternidade, tinha que admitir ter receio de não alcançar as expectativas das construtoras uma vez que eles a conheciam antes da maternidade e o seu maior medo era como ela seria pós maternidade.
Por mais determinada em não querer permitir que o fato de ser mãe fosse afetar a sua carreira drasticamente e se pôr a evitar de qualquer forma estas mudanças desde já, inúmeras eram as vezes em que já ouvira comentários de que ela “não seria a mesma”. E era algo que estava mais que incômodo.
sabia que a alta procura e cobrança também eram indícios que ela estava demorando tempo demais para se posicionar sobre o seu futuro na Fórmula 1. Afinal a temporada estava acabando e eles tinham que bater o martelo para negociações e contratos temporários com outros pilotos até quando ela pudesse vir à assumir o posto. Se não se decidisse logo, poderia perder suas oportunidades e acabar ficando sem construtoras não por um só ano, mas por dois. O que não era nada bom.
Antes de todo o desastre da corrida no Brasil ter acontecido, no tempo em que ainda estava apta para pensar veemente no assunto, havia posto os prós e os contras sobre a mesa e dentre as construtoras que a propuseram, tinha ficado entre Mercedes e McLaren. Por definitivo, já estava certo de que seria uma das duas.
não achava que a Red Bull poderia superar os prós das outras duas, até porque a fama da academia era sempre substituir seus peões e ela não queria considerar ter de lidar com esse tipo de pressão e a maldição do segundo carro da RBR principalmente estando tão insegura de si.
As más vozes diziam que mesmo que Sérgio Perez, atual piloto deles, havia dado estabilidade à escuderia azul a diretoria queria ter os melhores do grid. O próprio Helmut Marko, ex-piloto de Fórmula 1 que assumira a consultoria da RBR há anos e era o chefiador da academia de pilotos da construtora, havia dado declarações de tremenda insatisfação com a performance do mexicano, que não conseguia bater “o top 5” composto por ela, Hamilton, Verstappen, e .
Marko definitivamente era um dos nomes mais respeitados do grid e do automobilismo, foi um dos responsáveis pela sequência de vitória da RBR junto de Sebastian Vettel dentre outras conquistas dentro da equipe, mas era óbvio quanta pressão fazia sobre os seus pupilos para que elas ocorressem. Alerta ambiente tóxico de trabalho.
Pela procura por estar grande, ela deduz que a RBR também concluíra que ela seria a pessoa que iria compor o time dos sonhos ao lado de Max para vencer as próximas temporadas em disparada. Mais uma vez, altas expectativas em cima de seus ombros.
Só que Horner havia demorado tempo demais para enviar sua proposta e, bom, mesmo que não fosse realmente considerada poderia até ter sido ponderada negociações se enviada com antecedência.
Seus devaneios são interrompidos quando uma notificação desperta em seu celular e ela tira o aparelho do ouvido para conferir.
Era de , e dizia: - “Topa uma partida online de Mortal Kombat?”.
Na seguida, chega mais uma: - “Só por diversão.”.
Aquilo era um sinal, a ajuda que precisava para não voltar a se afogar nos contratos e propostas novamente.
Por isso a agarra sem nem pensar duas vezes, dizendo ao voltar o celular no ouvido: - Desculpe, Christian, tenho um compromisso agora e não consigo te ouvir. Mas, por favor, mande a proposta no meu celular que eu leio com atenção e te retorno quanto antes possível. Pode ser?
- Perfeito. – ele fala animado, não notando o tempo em silêncio como algo negativo – Vou mandar para a sua empresária também, por formalidades.
- Maravilha, muito obrigada! – ela finaliza e eles se despedem.
Mais uma proposta para os arquivos mortos de Sandy, ela pensa enquanto sai da ligação de Horner e entra no contato do parceiro.
atende no terceiro toque: - Benedetti!
- Norris! – ela responde sorrindo – Tudo certo?
- Tudo indo. – o rapaz estala a língua. – Passei a semana todinha com meus pais e minhas irmãs, acho que foi o preciso para recarregar as energias para fechar a temporada. Meus pais te mandaram um abraço e Lorraine perguntou de novo quando é que vão finalmente se conhecer.
e as irmãs raramente se encontravam. Por serem mais velhas, terem construído família e assumido compromissos recorrentes, não dispunham de tempo para viagens para visitá-lo ou acompanhá-lo em corridas.
É, as famílias britânicas eram muito mais frias que as brasileiras. E isso era um fato que ainda não havia se acostumado.
Mas toda vez que ia à Dublin procurava por vê-las e quando os horários batiam, ficava extremamente contente e aproveitava ao máximo. Ele claramente não se encaixava naquela frieza.
- Agradeça eles por mim e mande outro abraço. – diz contente – Fala para sua irmã que a agenda está apertada agora, mas assim que possível eu faço uma visita; e à sua mãe que mal posso esperar para comer as trufas de uísque dela de novo. Depois da gravidez, claro.
- Falo sim. – ele diz – De qualquer forma, não estou mais em Dublin. Voltei para Woking no final de semana e a primeira coisa que pensei quando recebi o novo jogo do Mortal Kombat foi: “preciso jogar com a ”. – ele ri – Preparada para perder?
- Certo... – ela sorri, mas o mesmo murcha quando ela confere o quarto ao seu redor, notando a ausência de um fator essencial. – Tem como fazer isso sem o videogame?
ri.
- Claro que você não levou um videogame para o seu retiro. – ele caçoa em tom afirmativo. – Acho que isso torna as coisas mais difíceis para nós.
Com essa frase se recorda de uma preocupação que pareceu ser há uma vida: o fato de poder estar apaixonado por ela.
E essa definitivamente era uma das coisas que ela tinha que esclarecer, riscar da lista de afazeres pessoais.
- Esqueça o jogo, fala para mim como tem sido os dias no recanto feliz. - o rapaz diz gentilmente.
não tem como deixar de rir, dar risadas com era um ponto primordial para o seu bem-estar.
- Sinceramente? – ela questiona e escuta o ruído afirmativo do outro lado – Eu estou a um ponto de pirar. – confessa.
- Eu imaginei mesmo. – ele afirma aos risos.
- Adorei passar um tempo com minha avó, conhecer este lugar, me conectar com uma parte importante da minha história, além de me divertir com os passeios, fazer coisas que nunca fiz antes como ver o nascimento de um bezerro...
- Jesus Cristo, - a interrompe com a voz enojada – e você gostou de ver isso?
- Admito que me deixou com um pouco de medo do que vai acontecer comigo. Foi nojento. – ela diz e eles riem. – Mas, de resto, foi tudo muito legal. E eu sei que um tempo de folga para minha mente é essencial, só que eu não aguento mais.
- me disse que foi para Mônaco, por que não foi com ele?
- Ele não queria interromper o meu tratamento na reabilitação. – ela entra na brincadeira e gargalha.
- Totalmente workaholic.
- Totalmente. – ela concorda. – Mas então agora eu me encontro presa aqui e muito mais agoniada do que estaria se estivesse em casa.
A linha fica muda por alguns instantes.
- Por que não vem passar uns dias aqui em casa? – sugere. – A gente fica de boa, fazendo um monte de nada junto, jogando videogame e comendo besteira... Ah, é, você não pode mais comer tanta besteira. – ele se corrige ao notar – Mas a gente procura umas receitas novas para fazer, sei lá... Eu consigo ser um mestre na arte da vagabundice quando quero, você sabe. E aproveitamos para celebrar meu aniversário.
- Verdade, é amanhã. – ela bate na própria testa ao perceber – Não tem compromissos com a McLaren essa semana? – ela questiona arqueando uma sobrancelha.
- Uma reunião ou outra só para atualização, mas minha presença nem é obrigatória. Eles não estão fazendo mais que isso. – ele explica – Os trabalhos vão ser retomados só na outra semana, nada mudou.
- Certo. – ela estala a língua no céu da boca. – Você não vai querer sair com os meninos, ir para uma balada? Porra, , é o seu aniversário!
- Nah, - ele estala a língua – eu prefiro passar esse aniversário mais tranquilo. Sem tumulto, sem festa, sem ressaca. E, principalmente, sem caipirinha. – ambos riem – Além do mais podemos sair para fazer aquelas compras que você disse que precisava fazer. – diz, recordando-a do enxoval que ela comentara com o amigo querer fazer em Londres. – Eu me submeto à carregar sacola só dessa vez, em consideração ao mini-Leclerc.
de repente se anima com a ideia.
Seriam dois itens riscados da lista de afazeres, a conversa com e o enxoval, e ela não estaria violando o combinado. Além de ocupar sua cabeça para evitar pensar nas propostas.
- Vou ver se tem um voo já para amanhã de manhã. – fala animada.
- Isso aí! – comemora.
Quando finaliza a ligação recebe uma notificação de que havia recebido um arquivo extenso em PDF nomeado como “Proposta RBR”, do mesmo número o qual Horner havia a ligado.
Ela respira fundo, ignora e bloqueia a tela, procurando por arrumar as suas malas porque ela iria para Woking no dia seguinte.

GLOSSÁRIO

Workaholic é um termo usada para que ou quem é viciado em trabalho; trabalhador compulsivo.


Capítulo 12

14 de novembro
Woking – Inglaterra, Reino Unido.

Dentre todos os países e cidades que tinha como preferidos, a Inglaterra era de longe o mais culto. Tudo naquele lugar gritava por boas maneiras e características históricas marcantes.
A maneira como as pessoas se vestiam e falavam, a arquitetura do local, seus monumentos clássicos e extraordinários, a variedade de coisas para fazer além de uma cultura de grande peso, transparente à cada esquina e ruas, em seus pubs, cafés, livrarias, supermercados, mercearias e entre outros.
adorava visitar o país e, apesar de normalmente não conseguir passear muito por suas ruas por conta dos treinos puxados no Centro de Tecnologia da McLaren, só de sentir aquele clima com mais frescor já a deixava familiarizada e aliviada.
Além de, claro, ser onde o seu melhor amigo morava e, porventura, inventava inúmeras coisas para fazerem juntos. O que tornava tudo mais divertido.
Dentro de dois dias no país estando livre de compromissos eles passearam pelo centro de Londres, visitando à museus e a atração favorita de ambos – os estúdios da franquia de Harry Potter – comprando diversos apetrechos da coleção de loja oficial mais uma vez, foram à parques e andaram de pedalinho tendo supremo cuidado e evitando esforços – claro – aproveitaram do tempo em casa para jogar videogame online com os amigos, cantar parabéns com a vela em um cupcake que eles mesmo fizeram na cozinha do rapaz, fingir que sabiam jogar golfe nos campos verdes e bem cuidados, apostar corrida com os carrinhos e um deles acabar caindo no pequeno lago – culpa de – testar receitas típicas de outros países além de fazer as suas compras da maternidade.
abre a porta de entrada com dificuldade pela quantidade de sacolas grandes e pesadas que estavam penduradas em seus braços e dá espaço à parceira, que atravessa o corredor empurrando um carrinho de bebê com ainda mais sacolas.
Ela deixa o carrinho no meio da sala e se joga no sofá preto e grande do amigo, se adiantando em tirar as luvas de suas mãos e as botas de seus pés, usadas devido à baixa temperatura do lado de fora do apartamento.
assiste despejar o restante das sacolas no chão, ao lado do carrinho e se jogar na outra ponta do sofá em L completamente exausto.
- Eu estou morto. – resmunga tirando a toca de lã da cabeça e o casaco pesado. – Isso foi pior que um dia de treino de pescoço.
- E olha que nem comprei tudo o que tinha que comprar. – ela diz risonha. – Só consegui pegar coisas neutras porque o queridinho aqui não quer dar o ar da graça e abrir as pernas para sabermos qual é o sexo logo.
- O quê? – ele levanta a cabeça para olhar na direção dela, incrédulo. – Tá me dizendo que tudo isso aí não é tudo?
- Não. – ri. – Deixei para comprar algumas coisas com , ele vai querer escolher algumas roupinhas, brinquedos... Disse que se for menino quer dar a primeira bola de futebol e se for menina a primeira boneca. – sorri animada – também está superanimado para fazer a reforma do quarto e a decoração infantil, quer cuidar dessa parte. Mas isso só no ano que vem, claro. – ela dá de ombros – Comprei o básico para falar que ao menos começamos.
- Jesus Cristo. – ele sopra. – Agora eu entendi quando ouvi falar que um filho custa caro.
- E como custa. – ela concorda.
liga a televisão com o controle remoto que encontra ao seu lado no sofá, está em um canal de esportes e passava a reprise de um jogo que eles assistiram durante o almoço. Eles ficam por um tempo quietos – recuperando as energias.
Toda a casa de era ambientada em um mix de temas, se enquadrando principalmente em apartamento de jovem solteiro, moradia de um piloto e garoto nerd. Sua decoração se difundia em móveis modernos e básicos com lâmpadas em formato do capacete de Darth Vader, estantes enfeitadas com seus troféus e capacetes, pôsteres de diversos filmes em quadros gigantes pelos corredores e equipamento de som instalado em todos os cômodos – porque ele apreciava a arte de fazer qualquer coisa ouvindo boa música. Além de, claro, as réplicas em tamanho real dos sabres de luz ou o capacete da armadura do Homem de Ferro.
gostava, se sentia mais descontraída ali.
- A gente podia pedir alguma coisa para o jantar ao invés de preparar. – o rapaz sugere – Eu não sei se consigo levantar daqui hoje.
- De acordo. – ela assente uma vez.
Ele puxa o celular do bolso traseiro da calça enquanto ela escorrega para se sentar no tapete ao chão e abrir alguns dos embrulhos. A sacola em questão da última loja que eles haviam estado, própria para roupas infantis.
- George e Alex estão nos convidando para fazer uma chamada e estrear o jogo da Fórmula 1 que estreia ano que vem. Acesso exclusivo. – a informa. – O que acha?
- Pode ser. Mas tem que ser depois que a gente comer porque eu estou faminta. – ela diz enquanto puxa um macacão azul com leves detalhes de marinheiro, que havia escolhido a dedo. Admirou-o levantando na altura de seus olhos. – Esse aqui é uma gracinha, não é?
- Fofinho. diz sem tirar os olhos da tela do celular, descendo pelas opções dispostas de comida. Seu estômago estava roncando – Vamos de besteira? – ele a olha com olhos brilhantes – Só hoje. Por favor?!
espreme os olhos em sua direção.
- Que tipo de besteira? – ela indaga levemente interessada. – Me convença.
- Vamos ver. – ele volta os olhos ao celular – Macarrão carbonara?!
- , já que vamos sair da dieta, que seja com algo que valha a pena. – ela diz voltando a conferir as demais compras. A da vez era um roupão infantil personalizado do Harry Potter. – Carbonara eu posso comer, mesmo que o adaptado seja horrível. Mas eu sei que consegue algo pior que isso.
- Tá legal. – ele ri – Então... – ele vaga pelas demais opções. – Um hambúrguer duplo com bacon e cheddar?
sente a boca salivar e o encara sorrindo, os olhos brilhando em sua direção.
- Acho que isso é um sim. – ri.
- É um: com certeza. – ela corrige aos risos – Faz um tempão que eu não como um hambúrguer.
- Beleza. – ele seleciona as opções e finaliza o pedido rapidamente, atirando o celular do outro lado do sofá quando dá como concluído. – Chega em 20 minutos.
assente e é quando nota o quão encantada ela está ao olhar aquelas roupas minúsculas. O mesmo olhar encantado que estava em seu rosto o dia inteiro, ao se inteirar e ter contato oficialmente com pertences infantis. Utensílios os quais usaria com o seu bebê.
Ele sorri mediante àquele sorriso, e escorrega do sofá até o seu lado para conferir as peças junto dela.
Ela pega um moletom minúsculo com o nome GAP costurado no peito, uma réplica perfeita dos modelos usados por adultos, e põe sobre o seu colo.
- É tão pequeno. – comenta. – É louco saber que alguém vai conseguir vestir isso daí daqui alguns meses.
Ela assente e ri alegre, acariciando a manga pequenina da peça.
- Isso realmente está acontecendo. – fala – Tem um serzinho se formando dentro de mim e vai vestir esse moletom. É muito louco constatar isso. Parece que a ficha está realmente caindo, sabe? – ela se vira para mirá-lo nos olhos e soprar: – Eu vou ser mãe.
Apesar de todas as dúvidas, incertezas, inseguranças, ansiedade, cansaço, entre outros sentimentos que tinham vindo junto com a gravidez, não podia ignorar o que devia ser realmente considerado ali. A chegada de uma criança muito amada, fruto de seu amor com .
Ela sabia que não seria fácil se adaptar aos desafios e superar as dificuldades, mas ela o queria. Como queria segurar a pequena pessoa nos seus braços e olhar em seus olhos – que esperava puxar o verde encantador dos do pai, beijar o seu rostinho de pele macia, acariciar as suas bochechas e amar todo o seu ser. Mal esperava pelo momento de estar preenchida pelo seu amor.
sorri vendo-a à mercê.
- Vai ser mãe de uma coisinha que vai caber aqui. – ele diz e puxa um dos macacões da sacola. – Isso sim é muito louco.
Eles riem.
- Quero tanto agarrar ele. – ela confessa colocando o moletom no antebraço, em uma pose como realmente estivesse segurando uma criança, toda cuidadosa.
- Já eu só vou pegar no colo quando completar um ano, ouviu? – o rapaz esclarece – Vai que machuco o mini-Leclerc sem querer, sabe como sou desastrado.
- Você não vai aguentar, bebês no geral são muito adoráveis. – ela fala. – É só ter cuidado.
- Um bebê que é uma junção de você e Leclerc... - ele arqueia as sobrancelhas, refletindo – Deus tenha piedade de tanta beleza.
o encara e eles caem na risada.
Depois de um tempo as risadas vão se cessando e volta a admirar o moletom sobre o braço, acariciando a toca com o dedo.
- Sabe, eu comprei uma coisa, na verdade, acabei me empolgando e comprei dois. diz levantando-se de súbito e caminhando-se para o corredor que levava ao interior dos aposentos, aumentando o tom de voz para que a amiga não deixasse de ouvi-lo enquanto seguia até os armários – E eu ia entregar só quando ele nascesse, mas já que você está toda bobinha com um moletom, espera para ver isso daqui.
- ! – ela o repreende de longe – Não precisava ter comprado nada.
- Como se eu não fosse encher essa criança de presentes, a disputa para ser o tio preferido está grande. E Danny sabe jogar sujo. – ele diz voltando à sala depois de um tempo, com uma caixa média coberta por um papel de presente com estampa de ursinhos nas mãos. – Além do mais, isso daqui não me custou nada.
Ele se senta ao seu lado e eles cruzam as pernas para ficarem frente-a-frente.
- Espero que você goste. – ele diz entregando-a à caixa. – Mas eu meio que já sei que você vai adorar.
Ela sorri animada e rasga o papel de presente.
- Delicada feito coice de mula. – diz em português e gargalha.
- Você está ficando muito bom nesses ditados. – elogia antes de suspirar e abrir a caixa de vez, batendo os olhos imediatamente no que estava dentro e abrindo um sorriso radiante à maneira que seu coração se enchia de encanto – Meu Deus do céu, o que é isso aqui?!
sorri satisfeitíssimo.
Em suas mãos estica um macacão de bebê que é uma réplica do seu próprio macacão azul de corrida, com direito ao número 13 nas costas e as logomarcas patrocinadoras da McLaren.
- Onde foi que achou isso? – ela questiona com um sorriso enorme, os olhos brilhantes de emoção.
- Minha equipe de assessoria por meio da nossa marca de roupas tem bastante contato com criação de peças. – ele explica – Eles estavam testando alguns designs para macacão de corrida de kart com a minha marca e do nada me surgiu essa ideia. Fala, aí, mandei bem, não mandei?
ri feliz.
- Mandou muito bem. – diz admirando os dois lados da peça.
- Você não viu o outro. – ele estica-se para puxar outro da caixa, a qual ela sequer percebera pela atenção voltada totalmente à fofura de macacão. Mas seus olhos brilham ainda mais ao ver agora uma mini réplica do macacão de corrida vermelho de , com o simbólico número 16 nas costas.
- Que coisa mais linda! – ela esbraveja animada e o pega nas próprias mãos. – O vai amar isso.
sorri feliz.
- Eu vou ter que mandar uma foto para ele agora mesmo. – ela diz e puxa o próprio celular do bolso da calça jeans, arrumando as duas peças sob o tapete no chão e fotografando para enviar ao noivo.
sabia que fazer as compras do enxoval deixaria menos tensa, por isso apoiou completamente a decisão quando ela o ligara para falar que passaria uns dias em Woking com para fazê-lo.
Ainda que tenha pedido para ela mandar fotos das peças que ela mais gostasse, também sabia que ele teria uma grande surpresa quando abrisse o arquivo. Totalmente adorável e significativo.
- Os primeiros macacões de corrida. - ela diz bloqueando o celular depois que finalizara, não esperando por resposta porque sabia que estava no meio de uma partida de tênis com os amigos de infância. - Esse definitivamente foi o melhor presente que o bebê já recebeu, e eu nem sei quais serão os futuros presentes. – fala sorrindo, admirando os macacões – Mas sei que ninguém vai superar isso. Muito obrigada , eu amei de verdade.
- Imagina, foi um prazer.
- Você quem faz o aniversário e quem ganha o melhor presente é o bebê? Como assim? – ela ri.
- Você me deu aquele fucking microfone do Homem de Ferro! – ele diz empolgado.
- Ah, nem foi presente, você estava junto comigo. E quase não me deixa pagar. – ela atenua com a sobrancelha arqueada em sua direção.
- Não, ele é maravilhoso, eu adorei! E eu estava precisando, já que o meu estava emendado com fita e eu estava com preguiça de comprar outro.
Eles riem juntos.

Quando volta os olhos a o flagra encarando seu rosto com um sorriso diferente, quase que hipnotizado.
É quando ela se recorda de um dos pontos principais do porquê estava ali.
Durante a sua rápida, porém agitada, estadia ela não conseguira entrar no assunto com porque estavam se divertindo tanto e em um clima tão leve que ela simplesmente esquecera de abordá-lo, e quando se recordava procurava por ignorar para não estragar aquela atmosfera.
Mas não poderia fugir daquilo por muito tempo, por isso respirou fundo para falar enquanto se afastava dele minimamente: - , eu tenho uma coisa para te perguntar.
- Solta a voz. – ele diz em português descontraidamente enquanto se esticava até o sofá para pegar uma das almofadas, e colocá-la no chão para deitar-se com os braços esticados acima da cabeça.
Ela suspira pesadamente, calculando as palavras certas.
- Eu quero deixar claro que independente do que estiver acontecendo, continuaremos sendo amigos e isso nunca vai mudar. – diz mirando-o nos olhos para transmitir segurança – E que não quero que leve isso à mal também, ou que acabemos nos afastando... – ela torna a suspirar – Independente de qualquer coisa, podemos resolver. Tá legal?
- Eita, eu fiz alguma merda? – ele se ergue de repente, atento.
- Não! – trata de negar – Não fez merda nenhuma! – ela umedece os lábios para ganhar tempo – Não é bem uma merda, você não tem culpa. E... Eu entendo se for mesmo, só não fica estranho depois dessa conversa. Por favor. – pede.
- Ah, meu Deus, você está me assustando. – ele admite, tomando uma expressão aflita. – Pergunta de uma vez.
Ela respira fundo e mira seus olhos confusos e agitados.
- , você me ama? – questiona com calma.
Cinco segundos agoniantes se dão em silêncio enquanto reflete sobre a pergunta.
- É óbvio que eu amo, . – ele diz convicto, sorrindo fraco um instante depois. Seus olhos azuis são verdadeiros e sequer desviam quando ele confessa, a expressão de admiração gritante em sua face.
- Ah, meu Deus. – ela coloca a mão sobre a testa, perdendo toda a sua tranquilidade subitamente.
franze a testa – O quê?
toma ar inconscientemente.
- Por quê? – ele repete agoniado – Isso é uma coisa ruim? Por que é uma coisa ruim? Eu te amar é uma coisa ruim? – suas perguntas saem em disparada, como uma metralhadora desesperada.
- Não fala isso, não. – ela choraminga. – Não, tá legal. Isso não é ruim. – ela mexe com as mãos vagarosamente na frente do rapaz, tentando se reafirmar com convicção – Podemos lidar com isso, não é?!
- Lidar com o quê? – ele questiona completamente confuso. De repente seus olhos se esbugalham e sua face fica chocada – Porra, você está apaixonada por mim.
- Não, essa é a questão. – ela agita as mãos – Eu não estou e me desculpe por isso. Vou me casar com o amor da minha vida e estou grávida dele, .
- Eu sei. – ele concorda com veemência.
- Por mais que te ame, como amo um irmão, – ela atenua para deixar claro – não posso retribuir esse tipo de sentimento desse jeito.
- Quê? – ele franze ainda mais a testa. – Espera aí.
para por um instante, endireita sua postura sentando-se reto, enquanto seus olhos corriam de um lado à outro refletindo as últimas falas.
fica atenta às suas reações.
- Você está achando... Que eu estou apaixonado por você? – ele questiona com a voz mais calma, mirando com olhos atenciosos.
- Não está? – ela rebate em dúvida.
Droga, o tanto que havia ensaiado e acabara se perdendo e se expressando da maneira mais errada e confusa que pudera.
fica em silêncio por um instante e logo cai na gargalhada. De cair de costas sobre o tapete e colocar a mão sobre a barriga.
franze a testa, completamente em ultraje pela reação do rapaz. Enquanto continuava a rir ela resgata outra almofada do sofá, para atirá-la na direção do amigo gozador.
O britânico se contém com o riso e aos poucos o cessa de vez, voltando a se sentar na frente da parceira.
- , minha consagrada. Eu não estou apaixonado por você. – ele esclarece diretamente sorrindo abertamente. – Definitivamente te amo. Mas não apaixonado.
- Não? – indaga duvidosa.
- Claro que não, sem querer ofender. – ele ri fraco – Mas estar apaixonado por você não seria só errado como estranho. Você é minha irmã. E eu te amo como uma também.
- Tá, mas... – ela suspira – Você está diferente comigo ou eu que estou vendo você ser diferente? – questiona – Não me lembro de tanta atenção, cuidados, presentes... Até massagem no meu pé você está fazendo e você é a pessoa mais preguiçosa que eu conheço.
sorri.
- Você está grávida. – ele afirma. – E acho que é minha forma de te retribuir o quanto já fez ou faz por mim. E foi de uma forma tão natural que eu nem percebi antes de você falar neste exato momento. – pega a mão dela entre as suas e a acaricia – Precisa-se de cuidados nestes momentos, minhas irmãs que não souberam aproveitar ficando longe de mim. Mas é só um instinto natural.
grunhe em entendimento, antes de se contradizer: - Mas também disse que eu fui a única pessoa por quem sentiu uma conexão?!
- E é verdade. – ele assente – Mas não nesse sentido. – limpa a garganta – Falo como uma amiga verdadeira, aquela pessoa que você sente que é tão compatível com você que realmente acredita que possam ter sido separadas no nascimento. Porque são almas gêmeas. – trata de esclarecer – Eu pedi que editassem do vídeo porque não queria que Carlos soubesse. – o rapaz ri. – Ele também tem ciúmes de você.
- Ah. – ela sopra assentindo, instantaneamente aliviada.
- Me desculpe se dei a entender outra coisa. – ele fala – Por Deus, o que deve estar pensando de mim?
- Não. – ri, tranquilizando-o – Foi só coisa da minha cabeça, realmente. Esses diabinhos chamados hormônios tem me deixado muito instável e posso ter confundido as coisas. Me desculpe.
Eles se abraçam verdadeiramente.
- Mas, sabe, até que seria uma boa. Daríamos um belo casal. – brinca ao se afastarem e ela lhe dá um tapa no braço enquanto ele gargalha. – Deus, não consigo nem imaginar como seria isso. – ri alto.
- Tão estranho. – ela concorda e junta-se ele nos risos.
- Não se preocupe. Eu te amo e da forma menos romântica possível. – ele esclarece depois de cessar as risadas – E obrigado por ter a sensibilidade de chegar até mim para esclarecer, só reafirma o quanto se importa comigo.
- Você é definitivamente o melhor, . – ela volta a abraçar o rapaz. – Obrigada por lidar com tanta maturidade, nem sei por que estava com tanto receio de te perguntar.
Ele ri anasalado.
- Acho que às vezes você esquece que não sou mais aquele cara de 21 anos que você conheceu. Imaturo, tímido, extrovertido só com os íntimos, recluso à sair com garotas... – suspira antes de rir – Que fase.
- Verdade. – ela reflete afastando-se para olhá-lo nos olhos – Você cresceu. E eu estou muito orgulhosa do que está se tornando.
Eles sorriem honestos e logo se dispersam do assunto quando a comida chega.

No dia seguinte eles decidem ficar de bobeira em casa, e uma vez que tinham sido simplesmente abatidos pelo sono logo depois de comer e não terem feito a estreia do jogo com os rapazes na noite anterior, aproveitaram para fazê-lo.
se acomodou em seu estúdio como de praxe, onde gravava a maioria de suas lives, e no quarto de hóspedes no segundo assento de piloto gamer que o amigo tinha em casa. No entanto nem à um cômodo de distância as trocas de más palavras podiam ser abafadas.
- Norris, faz a porra do seu jogo e para de tocar na minha traseira, cacete! – esbraveja, ouvindo os outros três darem risada pelos fones de ouvido e ver o parceiro em questão se jogar na cadeira as gargalhadas pela tela lateral, onde acompanhava-os em tempo real. – Eu vou ser obrigada ir até aí para fazer você engolir esse volante.
No gráfico do jogo online a bandeira vermelha é hasteada e a corrida pausada, com o carro laranja da mulher em evidência, batido contra o muro de segurança. Os rapazes gargalham.
- “Jogo online é Terra-sem-lei, . Vale de tudo, até corrida nas britas.” – a voz de Alex Albon soa nos fones risonha. – “Uma vez o Norris correu sentido contrário da pista a corrida toda, saiu batendo em todo mundo.”.
ri.
- “Ah, meu Deus.” – eles escutam a voz de se tornar subitamente tensa.
- O que foi? – ela questiona descontraída, olhando sua imagem travada. estava com os olhos azuis vidrados em algum lugar por cima da câmera que o filmava.
- “Tem uma vespa do tamanho de um pássaro no meu quarto!” – ele fala com a voz amedrontada e fina, rindo de nervoso. “Ela está olhando para mim, ela vai... AAH!”
Os três amigos assistem se jogar no chão de repente enquanto gritava, com sua voz fina, em meio à risadas desesperadas. Eles gargalham fortemente, vendo-o se afastar da mesa aos tropeços.
- “Do tamanho de um pássaro.” – Alex repete entre as risadas.
- Ele não é muito fã de insetos. – diz tentando controlar o seu riso.
- “É bem perceptível.” – George comenta.
- “É maior que uma vespa, com certeza.” diz. – “Ah, Deus. Voou para a cortina.”.
- “Deixa ela lá, volta para o jogo. Vamos reiniciar.” – Alex fala com a voz risonha.
- “Não consigo. Não...” – ele respira fundo, tomando fôlego – “Se ela começar a voar aqui de novo, não dá. Esperem um minuto, eu já sei o que fazer.”
Eles assistem sair do quarto determinado.
- Isso daria uma boa live. – comenta. – Altos memes.
- “Definitivamente!” – George concorda enquanto Alex assentia.
O barulho de um aspirador chama a atenção dos três de volta à tela de , e eles vêm o rapaz com o apetrecho portátil em mãos seguir na direção das cortinas.
- Meu Deus. sopra voltando a rir.
- “Não acredito que isto está mesmo acontecendo.” – Alex diz.
A câmera não mostrava a lateral do quarto, consequentemente a cortina e a estratégia que usava, mas desatam a rir quando escutam o colega gritar em desespero.
- “AH, NÃO ESTÁ SE MEXENDO!” intercalava seus gritos e gargalhadas nervosas – “AAAAAAH! PORRA!”.
sentia lágrimas escorrerem dos olhos, de tanto que ria. Parecia que o rapaz estava em uma sessão de tortura severa, e ele mesmo percebia quão ridículo era pelas risadas finas que soltava.
- “Não está resolvendo!” – ele esbraveja – “AAAH, MAS QUE PORRA É ESSA? ESTÁ RESISTINDO SER SUGADA PELO ASPIRADOR DE TÃO GRANDE QUE É!”.
As risadas dos meninos só intensificavam as suas próprias, e já estava ficando sem ar de tanto rir.
- Ah, meu Deus! – ela solta já mole, com a voz fraca, tentando controlar os impulsos de riso. – Eu vou fazer xixi nas calças.
- “Ah, meu Deus. Está vindo! Está vindo! NÃO!” diz e eles o veem correr de um lado ao outro do quarto. – “TEM DOIS DELES! MEU DEUS, QUE PORRA!”.
salta da cadeira e tira os fones de ouvido, precisava de ar. Seu rosto estava quente e seu peito doía de tanto esforço. Ela se levanta e pousa a mão sobre os joelhos, controlando o riso fácil e respira fundo, esticando-se.
Na sequência ela escuta o barulho de algo se chocando contra a parede e mais gritos finos do amigo e corre até o outro cômodo.
Chegando lá ela o encontra com os cabelos desgrenhados, olhar vidrado e amedrontado nas vespas paradas na parede contrária, tentando tirar o chinelo do pé ao lado do aspirador portátil aos pedaços no chão.
- Pelo amor de Deus! – ela diz rindo e entra no campo de guerra. – Me dá esse chinelo logo.
olha na sua direção, só então notando a presença da amiga no quarto, e joga o chinelo para ela já respirando aliviado.
pega o calçado no ar e segue até a parede oposta.
- Caramba, essas vespas tomaram bomba, cara. – ela diz risonha, ao aproximar-se das duas montrinhas, e bate o chinelo em uma delas.
A primeira vítima cai ao chão desfalecida, mas a outra voa rapidamente para o meio do quarto.
- AAAAAAAH! – grita.
ri e segue a vespa, que parecia ter rixa com e vai contra o mesmo, ele sai correndo na direção contrária dando uma volta completa no quarto.
Quando o inseto pousa na parede novamente, a acerta com o chinelo sem dificuldades. Encerrando enfim aquela sessão de risos.
- Jesus Cristo, isso foi demais! – ela diz sincera, tomando fôlego. Estava precisando de umas boas risadas por motivos bobos. E como estava.
Ela olha para a câmera de sobre a tela do computador e diz:Por favor, me falem que gravaram isso.
Ela consegue ver os rapazes se contorcerem de rir pelo monitor.
Sem poder ouvir uma resposta ela olha , que está com a mão sobre o peito, ofegante, e ralha: – Você é muito medroso, cara.
- É, é... Ela não estava perseguindo você. Estava? – ele a questiona sério, mas logo ri fraco. – Valeu.
Ela balança a mão e se direciona para a saída enquanto falava: - Só vamos voltar ao jogo logo.
Quando os dois se recompõem e recolocam os fones de ouvido, percebem que George e Alex ainda estavam rindo.
- “Vamos reiniciar essa droga logo, vai.” – diz e o menu de configurações logo surge na tela. – “Corrida séria agora. Sem maiores interrupções”.
Os risos vão cessando e os quatro começam a definir os próprios ajustes da próxima corrida.
- “George,” - a voz de o chama – “caso eu acabar indo mal na classificação e começar na parte de trás do grid...”.
- “Sim?!” –
George diz já com a voz jocosa.
- “Eu queria te pedir conselhos, já que tem tanta experiência nisso.”. – mal completa a frase e está aos risos. O grupo não resiste, e torna a rir.
- “Filho da puta.” – o britânico xinga, porém também rindo. – “Pelo menos eu não faço um drama por conta de um inseto que não tem nem a metade do meu tamanho.”.
gargalha.
- “Você não viu quão grande era. Diz aí, .” pede.
- Hãn... – ela toma fôlego – Ah, sim, era grande. Mas não feito um Hulk ou, sei lá. estava mais para o Homem-Formiga. No tamanho de formiga mesmo. Mas, enfim. – fala e ouve risos histéricos. – A vantagem do George é que no jogo ele pode pegar a Mercedes e passa longe do Q1.
Eles acertam as configurações do menu e a lista de pilotos é mostrada.
- “Finalmente parceiro do Lewis, George.”. – caçoa – “Se bem que até aqui fora você já diz que sente como se ele e Bottas fossem os seus parceiros de equipe...” – o rapaz se interrompe para rir – “Você é um tanto quanto emocionado, eles nem te chamaram ainda”.
- “O cara que corre de vespas está me chamando de emocionado!” – George ri – “Rumores de uma vaga aberta estão cada vez mais fortes, meu amigo.” – ele continua enquanto o jogo carregava o treino classificatório. – “E posso dizer que minha intimidade com o Toto me deixa confiante.”.
- “Falando sério agora,” – limpa a garganta – “Seria muito legal você assumir essa posição. Você merece, tem capacidade para a vaga. Torço por você real.”.
engole em seco, nenhum dos pilotos além de sabiam ainda que ela era a maior cotada para ocupar a vaga de Hamilton e depois a de Bottas. E por isso ela sentia como se estivesse jogando contra os seus amigos, mas nada podia fazer uma vez que a confidencialidade era o essencial para as negociações.
A corrida começa e os quatro ficam em silêncio, concentrados.
- Come poeira, GrupoG. – diz aos risos e acelera na largada, ultrapassando os carros movidos pelo videogame com facilidade, e dentre eles Alex e George. – , tem uma vespa atrás de você? Como largou tão rápido?
Os três riem.
- “Vocês viram a rodada que o Ricciardo deu?” – ri – “Alpine sendo Alpine até no videogame.”.
Fora dos fones, ouve um barulho soar.
- O que foi isso? – ela questiona sem tirar os olhos da tela ou as mãos do volante, guiando com facilidade.
- “Droga, é a campainha.” – resmunga. – “Eu não vou atender agora, não estou esperando ninguém, não deve ser alguém importante.”.
- ! – repreende, mas ri.
- “A corrida acabou de começar!” – ele rebate.
suspira e revira os olhos.
- Eu sei que vocês estavam torcendo para eu sair, só para terem chance de ganhar. – ela diz encostando o carro no escape da primeira curva. – Já volto.
- “Vai sonhando. Já estava na sua frente antes de abandonar. Todo mundo viu.” – diz e ela ri antes de tirar os fones de ouvido e pular para fora do simulador.
A campainha torna a soar e ela se encaminha tranquilamente até a porta. A casa de era basicamente um loft de dois andares em um condomínio fechado, tendo a mais alta sociedade como vizinhos, e a portaria raramente interfonava para pedir autorização de entrada uma vez que os que chegavam para visitas já eram conhecidos.
Então já esperava que fosse alguém do convívio, mas se surpreende ao se deparar com sua empresária, bela e loira ao lado de fora.
- Como pode estar em Woking e não ter me avisado? – Sandy questiona já adentrando o apartamento e seguindo para a sala sem sequer cumprimentá-la.
fecha a porta e a segue: - Oi para você também, Sandy.
- Me desculpe, olá. – ela se vira de frente à cliente e sorri – Agora, por que não me avisou, mesmo?
- Está dentro da minha semana de folga, estou aqui para descansar, não vim à trabalho. – a pilota rebate – A pergunta de verdade é: o que você está fazendo em Woking? Pensei que estava na Itália. Fábio quem me avisou que ia aparecer por aqui, não você.
- É, ele veio comigo. – tendo percebido o sentido da frase, Sandy se corrige: - Não comigo, mas no mesmo avião. Sabe, para resolver algumas coisas sobre a sua gestão...
- Sei. – assente.
- Enfim, ele está reagendando algumas reuniões com patrocinadores, ou algo parecido. – a loira diz balançando as mãos sem dar importância – De qualquer forma, Zak não te mandou mensagem? – ela indaga olhando-a com a testa franzida – Ele me chamou aqui bem cedo para uma reunião.
- Eu não mexo no celular desde ontem à noite. – nota ao refletir por um tempo – Reunião sobre o quê?
- Ele melhorou a sua proposta. – Sandy diz notando as sacolas de lojas infantis ainda ocupando o tapete no meio da sala.
- Jesus Cristo. – despenca no sofá e pousa a mão sobre a testa.
- Mamma mia, nem me fale. – a empresária pega a mini réplica do macacão da pilota e sorri encantada – Que coisa mais fofa.
- A reunião foi hoje de manhã? – a pilota questiona, sequer ouvindo o elogio pela tensão que cresce.
- Sim, acabei de voltar do QG da McLaren. – a loira assente descontraída.
- Zak deixou a nossa decisão mais fácil ou mais difícil? – indaga observando as expressões da empresária.
- Depende do ponto de vista. – a loira diz, pegando à uma chupeta emborrachada transparente em mãos, mas logo a coloca de volta na sacola para se juntar à cliente no sofá – Se difícil quer dizer diminuir as únicas diferenças que havia entre as duas construtoras, sim. E se fácil significa influenciar na decisão definitiva de reassinar com a sua construtora, provável. Depende do ponto de vista.
- O quê? – ela franze a testa na direção da empresária.
- É, fico confuso. – Sandy admite. – Aliás, Horner também me mandou a proposta dele, como disse que ele faria. – ela sorri – Mais uma para a conta. Não podemos ver isso como algo ruim, afinal. Todo mundo te quer.
- Pode arquivar, RBR e Marko estão longe das minhas opções. Principalmente agora. – ela atenua.
- Dei uma lida, só por curiosidade. – ela dá de ombros. – Não me parece ao todo ruim, viu?! Horner definitivamente te quer na equipe e propôs alguns acordos e benefícios que os outros sequer cogitaram.
- Sim, aí ele me faz assinar com a RBR e eles me substituem no meio da temporada. – diz sarcástica – Não, vamos focar só nas principais. Tá legal?
deita a cabeça no encosto do sofá e mira o teto branco, com os braços cruzados.
- Se é o que realmente quer... – assente e o ambiente é tomado por um silêncio por alguns instantes.
Agora definitivamente não tinha saída, tinha que voltar à estudar as propostas o quanto antes. Voltar ao trabalho o quanto antes.
O silêncio se prolonga até Sandy perceber, quando os olhos caem no carrinho de bebê: - Já fez o ultrassom dessa semana?
- Só o da semana passada, Anthony foi até a pousada para me examinar. – ela comenta automaticamente.
- E você remarcou? – a loira arqueia uma sobrancelha.
faz uma careta e volta os olhos até a empresária.
- Não, - confessa, e logo se adianta em esclarecer: - mas ele disse que está tudo O.K. e não acredito que tenha mudado muito de lá para cá. Não fiz muito esforço e estou tranquila. – entorta a boca para soprar baixo – Em partes.
- Então ele disse que está tudo bem? – Sandy indaga arqueando uma sobrancelha.
franze a testa: - Sim, por quê?
- Sinto muito em ter que fazer isso, mas vou ter que te tirar da sua folga. – a loira sorri sem mostrar os dentes.
- Estava demorando...
- Em respeito ao mini-Leclerc, mas temos uma porrada de entrevistas acumuladas devido ao período de luto. – Sandy revela – Não queria te perturbar com isso, mas já que está tudo bem e podemos reconfirmar isso pedindo para Anthony vir até aqui para fazer o acompanhamento de rotina. Tudo continuará na perfeita ordem.
- Não sei, não Sandy. – diz em dúvida, e ela estava lutando contra as próprias vontades ali – Eu ainda teria quatro dias livres, e vai me encher o saco se eu não cumprir até o final.
- Pensa só, - a loira se aproxima dela com olhos brilhantes – de 14 dias, você cumpriu dez, descansando real. E, não se preocupe, as entrevistas serão feitas no mesmo estúdio, com todas as precauções para que você nem tenha que sair do lugar e juro que serão rápidas. Mas realmente precisamos fazê-las e tirar os patrocinadores do nosso pé.
suspira pesadamente.
O problema não eram as entrevistas em si. A pilota sabia que com essa abertura ela já retomaria a sua agenda com força total, incluindo reuniões sobre as propostas.
Mas, ela pensa, afinal o que eram quatro dias perto de dez. Certo?
- Vamos lá, então. – diz sorrindo e bate na mão erguida da empresária. – Hora de voltar à ativa.


Capítulo 13

“Eu aprendi na marra que durante a gravidez o corpo da mulher se transforma como em nenhuma outra fase da vida para se adaptar e acomodar uma criança. Dentre as inúmeras coisas que se transformam, não só fisicamente, uma em específico me sabotou de uma forma que só quem passa por esse processo consegue entender. As alterações dos níveis de hormônios da mulher podem desencadear algumas alterações cerebrais que mexe com específicas funções do cérebro, principalmente com a área cognitiva que seria o poder de: percepção, atenção, memória, linguagem, humor e funções executivas. É a partir do conjunto dessas funções que entendemos a grande maioria dos comportamentos, desde o mais simples até as situações de maior complexidade, e não é ‘frescura’. A falta ou falha dela nos deixa meio ‘fora do ar’, aéreas e confusas com nossos próprios pensamentos e sentimentos. No meu caso, que estava tomando remédios para elevar a minha progesterona que estava em baixa, as minhas alterações foram... Digamos que pouco mais intensas que o normal. O que pode ser ainda mais terrível quando se está em uma posição de ter que tomar uma decisão definitiva que pode afetá-la para o resto da vida e estar envolvida em inúmeros outros assuntos de uma só vez.”

19 de novembro
Jeddah – Arábia Saudita

A semana antecedente à corrida da Arábia Saudita havia chegado, mas para toda a rotineira agitação já havia retomado há quatro dias, como ela mesma havia previsto.
Apesar da agenda da pilota ter se moldado às suas necessidades, com menos compromissos, menos aparições em eventos, menos pilotagens e menos preparação física, suas reuniões estratégicas e táticas continuavam e agora eram feitas duas vezes por dia. Elas eram necessárias para posicionar o time sobre as táticas das duas últimas corridas da temporada para alcançar a vitória do campeonato. Talvez fossem as estratégicas mais importantes de toda a temporada.
se sentia estranhamente mentalmente sobrecarregada com tamanha quantidade de informações, eram tantas perspectivas sobre clima, velocidade dos ventos, temperatura da pista, tática sobre quantidade e quais modelos de pneus a serem usados, posicionamento no grid, acentuação das curvas que lhe dariam mais velocidade e menor tempo nas voltas, que se somado mais uma mera agulha ela previa que explodiria. Uma sobrecarga anormal para alguém que acabara de retornar de um período de descanso.
Além de, claro, a pressão que automaticamente surgia em seus ombros devido ao movimento que concordara em participar. As ONGs em apoio ao enfrentamento do governo opressor a rodeavam, pediam por declarações e por sinais de apoio, que ela fazia com prazer. Mas a sua disposição já não era mais a mesma e ela temia parecer desrespeitosa com a causa.
A pilota tinha acabado de sair de uma das reuniões, ainda absorvendo sobre as informações e estratégias debatidas, que seus ouvidos se recusavam a raciocinar respostas à Sandy, que voltava à questionar-lhe sobre a questão dos contratos: - Já estão me colocando contra a parede.
Questão a qual ela já estava mais que esgotada de tanto matutar.
só queria montar no seu carro, sentir aquele cheiro de capacete novo e do amaciante que usavam para lavar a balaclava sem sentir enjoos, e acelerar o máximo que podia, desejando que todas as demais questões fossem resolvidas num piscar de olhos por outrem para que no final de tudo pudesse segurar seu filho nos braços com tranquilidade. Era o que mais desejava.
Mas como querer não é poder, precisava tomar decisões o quanto antes.
- Vamos definir isso agora mesmo. – ela diz com a voz arrastada à Sandy.
entra pela porta da sua suíte máster do hotel com a loira e Fábio em seu encalço e está à ponto de se jogar no sofá da sala quando se depara com com uma pasta enorme em mãos com a palavra “casamento” em dizeres evidentes.
Puta merda, ela pensa, mais essa.
- Tudo bem, ma belle, aqui está a pasta de tudo o que as nossas mães aprontaram. – o monegasco a ergue diante dos seus olhos, como se fosse possível não reparar em tamanho objeto – A cerimonialista pediu que façamos nossas próprias anotações e a devolvamos para ela conseguir fazer as mudanças a tempo.
A cerimonialista havia retornado do seu compromisso com outro cliente e havia jogado mais essa responsabilidade nas costas deles. Tudo bem que , principalmente , havia pedido por aquilo para terem o casamento dos seus sonhos. Mas precisava ter acumulado tanta coisa justo aquela semana?
- Caraca, elas fizeram muita coisa. – Fabio comenta pegando a pasta das mãos do rapaz para medir seu peso, devolvendo logo em seguida. – Como sua mãe reagiu à não participar mais disso?
- Ficou três dias sem falar comigo e depois me ligou pedindo desculpas porque percebeu que não tinha o direito de se intrometer no meu casório. – dá de ombros sorrindo fraco – Fiquei me sentindo um pouco mal no começo, mas foi o melhor à se fazer. E acabou que Lorenzo se arrependeu de não ter feito a mesma coisa quando foi o casamento dele. Quase que ele e minha mãe pararam de se falar definitivamente na época, de tanto estresse envolvendo isso.
- Credo. – Fabio grunhe com uma careta sobre a face – Quem diria que o próprio casamento poderia ser um destruidor de lares.
Os três riem enquanto tenta se dispersar da conversa para sentar-se no sofá e esticar as pernas. Seus pés estavam inchados e ela sentia o corpo pesar.
- Então, ma belle, podemos ver isso agora? – chama sua atenção, sentando-se na mesa de centro à frente da mulher. Seus olhos incrivelmente animados a fazia se sentir mal pela sua discrepante diferença de humor.
- Mon amour, prometo que nós resolveremos isso já, já. – ela diz com a voz mais amena possível. – Eu só preciso dessa semana e depois definimos juntos. Ok? – sorri e se volta à Sandy, para pedir: - Traz lá os contratos.
A empresária assente e se volta à saída do aposento, para ir ao próprio quarto pegar as impressões.
- Tudo bem, mas a cerimonialista também pediu que resolvamos as coisas até o final dessa semana porque os salões estão cobrando pela confirmação da reserva e, se não acertarmos, ficaremos sem local. – ele insiste.
- Tenho certeza de que com a persuasão certa ela consegue fazer as mudanças que a gente quer em curto prazo. – ela rebate com um sorriso cansado, esticando-se para apalpar o joelho do noivo em um singelo carinho.
- Faltam poucas coisas, - seus olhos são persistentes – eu consegui dar uma revisada no meio da semana e se você der uma última olhada fechamos isso agora mesmo. – sequer espera sua resposta e abre a pasta, apontando uma página qualquer para pronunciar: - Coloquei Hervé, Yohan e Dakota como os floristas e Marcella como dama de honra. Só eles bastam, minha mãe tinha colocado uma penca de criança que a gente nem conhece. Tudo bem para você?
- Tudo ótimo, mon amour. – ela sopra afundando-se no sofá. – A Má vai ficar uma gracinha carregando as alianças.
- Tirei um enfeite de mesa gigantesco que elas colocaram, com flores e uns negócios que só atrapalham as pessoas a conversar. Escolhi esse bem menos extravagante aqui da lista. – ele fala e vira a pasta para que ela pudesse visualizar a estrutura de ferro onde era apoiado um buquê pequeno de rosas brancas. – Tudo bem?
- Sim, . – suspira pesadamente.
O ruído de Sandy abrindo a porta, já de volta, chama a atenção de e ainda mais para a quantidade de papéis em suas mãos. Ela já não mais ouvia os comentários do noivo, com o inconsciente voando até o conteúdo daqueles contratos.
- Também risquei da lista aquela apresentação formal com tiros, guardas fardados, violinos e toda aquelas formalidades da monarquia.
Sandy coloca os contratos ao seu lado no sofá e sorri penosa, ela sabia que era muita coisa para ler em pouco tempo.
pega o primeiro dos calhamaços em mãos, na primeira página o nome “McLaren” se destacava. Ela folheia as páginas até parar na última, se chocando com a quantidade expressa ali: “120 páginas”.
- Meu Deus. – escapa de sua garganta.
- Ma belle? – chama sua atenção.
Pour Dieu, ela queria chorar. Uma dor de cabeça se tornava cada vez mais evidente.
- Ouviu o que eu disse sobre as cores das toalhas? – o monegasco insiste.
É então que ela explode.

- Isso realmente não importa agora. Eu estou com ao menos 400 páginas de propostas de construtoras para reavaliar a fundo; tenho uma porção de estratégias para absorver até o final dessa semana e se não o fizer posso não conseguir fazer uma boa corrida, que pode colocar todo o meu esforço desde o começo do ano à perder; tem ONGs no meu pé, querendo garantir que uma mulher vai dirigir no final de semana por conta do movimento e isso se resume a mim, porque por inconveniência do destino não temos nenhuma outra mulher no grid para fazer isso. – ela toma ar para finalizar: - Isso – aponta para a pasta – é insignificante agora.
O cômodo fica completamente em silêncio, os olhares surpresos presos em sua face.
ainda está ofegante pela torrente de palavras quando umedece os lábios vagarosamente, claramente desconfortável e envergonhado. Ele somente faz assentir enquanto pedia licença com um resquício de voz.
Naquele instante, enquanto o rapaz se retirava do cômodo para ir ao quarto, ela rapidamente visualiza a cena de fora e percebe: Fora a primeira vez na vida que ela levantara a voz para o noivo.
E concluir isso a fez se sentir o pior ser humano na face da terra, definitivamente não merecia que ela descontasse sua irritabilidade nele.
olha de Sandy à Fábio, que abaixam os olhos imediatamente, e se sente ainda pior. Um monstro.
Droga,
ela não era aquela pessoa. O que estava acontecendo com ela?
A pilota então limpa a garganta e sopra aos dois na sala, levantando-se lentamente: - Com licença, gente. Por favor. – e toma o mesmo caminho que seguira.
Ao adentrar o quarto, ela fecha a porta atrás de si e encontra o noivo de costas para ela, folheando calmamente a pasta que estava apoiada num móvel de madeira lustrada.
- , me desculpe, mon amour. – diz com a voz doce e explicitamente arrependida, se aproximando do rapaz – Eu não quis dizer isso. Não quis dizer mesmo. – o abraça por trás – Nosso casamento é importante sim, é uma das minhas prioridades e você sabe.
suspira chateado antes de dizer: - Se você quiser adiar, eu vou entender. Esse negócio de disfarçar barriga para formalidades do título realmente não me importa. Está nas nossas mãos agora mesmo, podemos fazer quando quisermos.
- Eu sei. – ela afirma com a cabeça e ele se vira, ficando de frente à ela – Mas não quero adiar, é só que... – respira fundo - Eu só preciso resolver essas coisas antes. Nós combinamos de fazer do nosso jeito e eu sei que quer isso tanto quanto...
- Sinceramente não ligo como seja feito, mesmo. – ele a interrompe, a voz dura – Cor de toalha, os lustres, enfeite de mesa... Acha que eu ligo para isso? – arqueia uma sobrancelha – Minha vontade é fazer a sua vontade porque sei que é algo importante para você, e eu te juro que estou tentando. Só tenho resolvido essas coisas porque vejo que você está muito atrelada, mas se não disser nada, eu resolvo sem você. Sem problemas. E você sabe, tendo eu e você e um padre, para mim está ótimo. – dá de ombros – Só achei que queria estar envolvida nisso.
- Sim, eu quero. E sei que tem se dedicado à isso por nós, e é um dos motivos por que te amo tanto. – ela sorri acariciando a lateral do rosto do rapaz, que ainda a encarava com olhos magoados – Me desculpe por ter que ficar responsável por isso, sei que é tão ocupado quanto eu nos compromissos com a escuderia. Mas eu quero isso, vou te ajudar, vou resolver isso e nós podemos...
- Tem que resolver essas coisas de agora e depois vai aparecer outra e mais outra como sempre. – a interrompe mais uma vez, para então suspirar pesadamente – Não promete isso, Liz. E está tudo bem...
- Não. – ela se afasta dele minimamente, intrigada – Qual é, , não generaliza também. Sei que depois que fiquei grávida as coisas ficaram mais acumuladas...
- Não digo isso depois que você engravidou. – ele torna a interromper, ainda assim sendo gentil, mesmo que suas próximas palavras fossem a atingir feito tapas – Isso já acontece há dois anos, depois que se destacou mais na Fórmula 1. E, pour Dieu, entenda que não estou com ciúmes, sabe que sei dividir as coisas. É só que...Sempre tem coisas para resolver, do tipo atender ligações do seu engenheiro no meio do nosso jantar de aniversário, - ela engole em seco, as cenas passando diante de seus olhos. – terminar a noite do encontro mais cedo porque tem que correr para o Paddock no meio da noite. - se encolhe inconscientemente.
Eram coisas que ela não se atentara no momento, mas que claramente o magoaram.
- Faltar no nascimento da filha da sua melhor amiga porque tinha que fazer os primeiros testes do carro em Silverstone... - continua e sorri sem humor - E está tudo bem, porque eu entendo completamente que tem coisas na carreira que não podem esperar. Por isso que te pedi em casamento naquele dia e decidi não esperar, porque se fosse esperar por um momento tranquilo ele com certeza não viria. – o rapaz respira fundo – E eu entendo, sabe que eu entendo. Estamos ambos sujeitos a isso porque foi o que escolhemos para a nossa vida e só por isso que nos damos tão bem. Mas, ma belle... – ele ergue sua cabeça levemente com o indicador em seu queixo para que ela voltasse a olhá-lo nos olhos, sequer tinha percebido que estava cabisbaixa. – Tenho medo de que você deixe isso se prolongar referente ao nosso filho também, porque sinceramente não estou conseguindo acompanhar mais a sua linha de raciocínio.
Ela própria não estava conseguindo acompanhar, pensa.
- Há situações na nossa vida em que temos que abrir mão de algumas coisas pelo bem de outras e... – ela prensa um lábio no outro, como se quisesse se calar à ter que ferir os sentimentos da amada. Mas era necessário – Preferia que não colocasse essas coisas acima do bebê.
- Isso não é justo. – ela diz ressentida. – Não fale como se eu não me importasse com a saúde do nosso bebê depois de tudo o que tenho feito por ele.
- Não digo que você não se importa, mas agora, neste exato momento, não está dando a devida atenção quando é essencial que prive o seu bem-estar à todo momento. – ele rebate – Você burlou a sua semana de folga, me falou que ia fazer o enxoval, mas voltou a trabalhar. Fez uma adaptação meia boca da rotina para não se desgastar, mas está aí toda agitada com as estratégias da corrida, revisão de contratos, e com os hormônios claramente à flor da pele. – ele suspira – , você foi aos ultrassons marcados para começo dessa semana?
- Fiz os da semana passada em Woking. – tenta desconversar.
- Me refiro aos dessa semana.
Ela grunhe em voz baixa: - Não tive tempo até agora, mas tenho até o final da semana para fazê-los.
assente vagarosamente, claramente decepcionado.
- Essa devia ser a sua prioridade. Você ouviu o que o médico disse, mas parece que se esqueceu completamente do que aconteceu e os riscos que toda essa agitação e estresse podem causar. – ele diz – Eu disse que apoiaria a sua decisão, mas acho que está na hora de dar a minha opinião e falar que... – ele engole em seco – Não acho que esteja disposta para continuar.
grunhe em surpresa, e dá um passo para trás involuntariamente.
Seria menos doloroso se ele tivesse lhe dado um soco na cara.
Contestar a capacidade de de conciliar as suas responsabilidades, na sua visão, era contestar o seu potencial. E por mais difíceis que as coisas estavam, e ela sentia estar, ela não queria dar o braço a torcer e se sentir fraca ao não conseguir controlar o que acontecia ao seu redor. Porque ela era alguém capaz.
- Eu não estou nesse estresse todo. Só estou com um acúmulo de coisas para um prazo curto, mas consigo lidar com isso. – ela afirma, mesmo incerta dos próprios dizeres.
Ela acreditava muito que a palavra tinha poder e quanto mais afirmasse, mais forças ela conseguiria para continuar.
- Não mente para mim. – ele pede com a voz fraca – Disse que tomaria cuidado e combinamos em ser honestos aqui. Até me disse que se fosse preciso, consideraria não correr, certo?
- Sim, mas essa é a questão. Não tem necessidade.
Ele a encara com olhos contestadores.
Por favor, ela implora em silêncio, as corridas não.
- Você sabia que está com uma ruga de expressão fixa aqui? – ele massageia sua testa, no ponto exato entre as suas sobrancelhas enquanto falava com a voz amena – Provavelmente é de preocupação. E as olheiras? Bom, elas voltaram. Eu sei que conhece seu corpo, ma belle, mas claramente está confusa com os limites dele. – ele pega ambas as suas mãos – Está no seu extremo, a gravidez faz muitas coisas com o corpo da mulher, o doutor me explicou. E eu estou aqui para te ajudar a se encontrar. Já chegou a hora do sobrepeso, está consequentemente mais cansada, menos disposta...Então, se você realmente estava falando sério quando disse que não iria correr para proteger essa criança, precisa se conformar com isso. Porque vai ter que diminuir o ritmo... – suspira pesadamente – Até que pare completamente. E talvez um pouco antes de quando você pensava que seria.
sente seu estômago congelar vendo todo o seu trabalho árduo, não só do começo da temporada em questão, mas dos avanços nos anos anteriores querendo ser metaforicamente jogados pela janela.
Todos os treinos pesados para fortalecer a sua massa, seu corpo e sua mente; todas as noites acordadas pensando em melhorias nos ajustes do carro; o tempo longe da sua família, amigos e seu país amado; todas as horas investidas debaixo de chuva para aperfeiçoar sua direção em pista molhada; além das constantes viagens, cansaço das entrevistas, todas as críticas que aguentara calada, aos que queriam ir contra ela, aos acidentes que sofrera, a pressão dos patrocinadores e legião de fãs, à força que teve que trabalhar para superar a perda de um amigo para continuar, a adaptação que se submeteu pela gravidez... Para, quando finalmente estava com os olhos no tão sonhado prêmio, simplesmente estacar no lugar. Ela não queria isso.
- Sei que é difícil e eu definitivamente não queria ser quem está te falando isso. – continua – Mas, quando for a hora da verdade, você vai ter que passar o seu volante para outra pessoa. Você sabe disso.
engole em seco, uma pontada dói em seu peito.
- Eles precisam de mim, . – fala com a voz falha – A McLaren para a o título na temporada, as mulheres para a corrida da Arábia... Eu preciso disso.
- Não quero ser duro, mas a Mclaren não tem só você de pilota e o está em ótima pontuação, então não é um desastre completo. – ele volta a falar com a voz dura, soltando as suas mãos – Também é admirável a sua luta pelos direitos humanos dessa mulher, concordo. Todos temos que participar desse movimento. Mas agora, vamos combinar que não é prioridade; Quanto à você, sabe que vai ganhar o campeonato porque terá inúmeras oportunidades no futuro. Está chovendo propostas na sua porta. – Ele respira fundo e procura por seus olhos para então finalizar: - Porém, neste momento, o bebê precisa de você, . Mais do que ninguém. Quer ser uma mãe responsável? Então faça por onde.
Dito isso ele desvia do corpo da mulher e sai do quarto, deixando-a sozinha.
Era a primeira vez em muito tempo que ele a chamava de .
E, também a primeira vez que eles tinham tido uma real briga.

(...)

- Toc, toc. – a voz segue as batidas na porta pouco antes dela se abrir vagarosamente.
Fabio então se depara com a sobrinha deitada na cama de casal em posição fetal, com as mãos sobre a barriga, olhos molhados e vermelhos vidrados em um ponto qualquer das voltas do lençol de seda bagunçado.
Ele se aproxima logo depois de fechar a porta atrás de si, dirigindo-se para sentar-se na outra ponta da cama de uma forma que conseguisse entrar no seu campo de visão.
O homem fica um tempo em silêncio, somente encarando a sobrinha que estava claramente em uma batalha intensa de pensamentos, e sorri fraco quando ela finalmente olha em sua direção.
- Eu estou um caco. – ela admite com a voz rouca.
- Eu sei, meu bem. – ele então entende a deixa como um sinal para se aproximar, e a sobrinha se arrasta na cama até deitar com a cabeça em seu colo para ele massagear os seus cabelos lentamente, em um carinho ritmado. – Queria poder diminuir o peso dos seus ombros.
- Pensei que seria mais fácil fazer estes sacrifícios.
- Do que está falando?
- Sobre não encerrar a temporada. – fala com a garganta arranhando, as palavras dolorosas e que soavam erradas. – Eu não quero desistir, tio.
Fabio suspira pesadamente.
- Você realmente considerou parar por algum instante? – ele indaga.
- Não. – ela confessa envergonhada – Mas não por não me preocupar com o bebê, por favor, eu o amo mais do que tudo. – adianta em esclarecer – É mesmo só por achar que eu seria capaz de fazer sem nenhum problema. – ri anasalada – Eu realmente subestimei a gravidez. Achei que iria tirar de letra, estava tão certa disso.
O homem continua com o carinho em seus cabelos, somente disposto à ouvir.
- E isso me faz questionar sobre outras certezas que eu tinha na vida. – ela continua – O campeonato, o casamento, o bebê, o que eu represento, meus fãs, minhas capacidades... – pausa a fala para tomar ar – Eu já tive tanta certeza e agora não sei de mais nada. E o pior é que não sei se isso que está na minha cabeça é por conta da gravidez ou se sou só eu sendo... Uma incoerente. – funga sentida.
- Por que diz isso?
- Porque, por exemplo, na minha cabeça eu sempre prezo tanto pelo bem daqueles que amo e agora percebo que tenho sido uma egocêntrica. E se não for a única coisa que não percebi até então?
- Egocêntrica? Você? – Fabio ri, procurando por seus olhos – Isso é uma piada? É a pessoa que mais se importa com os outros e tem empatia que eu conheço, . Faz por onde com todo mundo, realmente socializa e faz a sala, procurando agradar à todos e nos envolver o máximo que pode na sua vida. E não por aparências, simplesmente porque gosta.
- Eu tenho feito coisas pensando só em mim... Não me atentando que algumas atitudes possam ter magoado pessoas que eu amo simplesmente por desatenção. Por estar priorizando minha carreira. – ela fala sentida. – Eu nunca quis ser assim.
- Tudo bem que está dando uma exagerada aí, porque não acho que alguém esteja realmente magoado com você e muito menos te achando egocêntrica, mas, se fosse o caso, você não tem como controlar o que as pessoas sentem, meu bem. – Fabio fala com a voz doce, penteando os cabelos longos da sobrinha com os dedos – O que pode fazer é tentar compreender o ponto de vista delas e entender que está tudo bem se sentirem magoadas por uma coisa ou outra que para você não seria tão impactante.
- Fico me perguntando como consegue fazer isso. Ele simplesmente largou mão da temporada que vem enquanto eu estou tentando me agarrar nessa o máximo que posso.
- Porque as pessoas têm enfrentamentos diferentes, porque vem de culturas e criações diferentes. – Fábio esclarece – Por mais que ele tenha se dedicado ao máximo para estar onde está, sabemos que foi dada à ele oportunidades que não vieram de mão beijada a você. E não estou desmerecendo os feitios dele, pelo amor de Deus. Só não quero que você se sinta mal por não conseguir abrir mão tão fácil quanto ele.
Ela limpa uma lágrima que ousa escorrer pelo canto dos olhos.
- Minha criação não me ensinou isso. Tenho posto de lado sem ao menos perceber, eu nunca pensei que seria capaz de fazer isso, principalmente com ele. – diz com a voz incrédula.
- Não leve o que falou tão à risca ou se apedreje por isso. E antes de passarmos por esse momento embaraçoso, sim, eu estava ouvindo. – o tio adianta em esclarecer e ri em meio ao choro antes do homem voltar à falar – também está tendo que conciliar inúmeras coisas novas. O fato de ser pai, o fato de se tornar um marido, a responsabilidade de formar uma família...Temos que dar um prêmio ao rapaz, ele está até se saindo melhor que o esperado. E eu, como tio, tendo uma visão de fora, consigo entender ambos os lados. – explica.
escuta atentamente seus dizeres.
- Você é ocupada, tem inúmeros assuntos importantes para tratar, aí vem o casamento, uma gravidez, inúmeros problemas para lidar... Sei que ninguém é mentalmente capaz de conseguir lidar com tudo isso e ainda fazer seu ninho de amor um paraíso. Já ele, - Fabio suspira – estando dentro da situação e, por mais que tente conciliar todos esses sentimentos para entender o seu lado, também está preocupado com o bebê e, acima de tudo, com você. Ele tem medo, . Todos nós temos.
Ela respira fundo.
- Tenho certeza de que as coisas que ele disse não foi por mal e sim para te atentar à alguns pontos. – Fabio esclarece – E te garanto que ele está se sentindo muito pior por ter sido ele quem teve que abrir os seus olhos.
A pilota levanta os olhos até encontrar os do tio.
- É muita coisa, não consigo raciocinar direito. Minha cabeça está um turbilhão.
- Eu sei, mas você não tem que tirar o crédito que vem acumulando desde antes pelo agora, porque merece sim e muito. É uma das mulheres mais perseverantes que eu conheço. Um momento de vulnerabilidade não determina quem você realmente é, principalmente se for por algo que você não consegue controlar, como distúrbios hormonais. Você é sensata e coerente, mas também é humana.
- Acho que não sou tão multitarefas assim, afinal. – ela ri sem humor, recordando-se da fala da melhor amiga.
- Você é multitarefas, não mil-e-uma-tarefas. Lidar com algumas coisas ao mesmo tempo é fichinha para você, mas dezenas... É completamente normal não ter conseguido porque é humanamente impossível, principalmente estando grávida. Não se cobre tanto. Não têm de abraçar o mundo todo com os braços. As pessoas enlouquecem, adoecem e não queremos isso para você. – Fabio rebate – Tem coisas que não dependem de nós, por mais que queremos, simplesmente não podemos ou não conseguimos. E isso não nos torna fracos, nos faz resilientes. Faz sermos capazes de nós se adaptarmos às mudanças, contornar os obstáculos para conseguirmos o que queremos.
reflete, era exatamente naquele ponto onde ela havia pecado no passado em não compartilhar das suas angústias, e sofrera sem necessidade.
Ela achava que tinha superado essa necessidade de estar o tempo todo no controle de tudo, lidando com cada e todo detalhe que envolvesse a própria vida, mas obviamente seu achismo ricocheteou de volta mostrando-a que não. E ela precisava saber amadurecer aquela parte em si, precisava saber prezar também pelo seu descanso, sua vida pessoal.
A piada de ser uma workaholic não era mais piada. Era a sua realidade e ela precisava tratar aquilo.
A começar a partir daquele momento, pois seu tempo era curto e ela já havia gastado por demais afogando mágoas.
- Tá legal. – ela limpa o rosto e se senta, endireitando sua postura – Então o que eu tenho que fazer?
- Você tem que determinar o que pode fazer de agora em diante para contornar a situação de uma forma que se poupe e possa fazer com que se sinta satisfeita consigo mesma. – ele diz – E, não se esqueça, que estamos todos com você. Basta nos direcionar que podemos ser o prolongamento dos seus braços e conseguirmos fazer da melhor forma possível. Delegue tarefas, você já está em um nível social onde isso é necessário.
- Tá legal. – ela suspira – A primeira coisa que eu preciso é... – morde o lábio inferior, pensativa – Mais tempo?!
Fábio ri junto dela.
- Definitivamente precisa. Mas, para quê, especificamente? – ele a incentiva.
- Mais tempo para dar o meu retorno às construtoras... – ela diz estreitando os olhos para as palavras que saiam da própria boca, em dúvida – Ao menos até o começo do próximo ano e se eles não a esperarem, paciência. Torna a decisão só mais fácil.
- O.K., acho que podemos negociar isso. – Fabio assente. – Quê mais?
- Pode fazer a devolução dos relatórios das reuniões para mim? – a pilota pede – Isso toma muito do meu tempo, quando às vezes eu só preciso lê-los e rabiscar o que eu não concordo, que já me integro.
- Isso, maravilha. Posso fazer para você.
- Eu definitivamente preciso de mais horas para fazer a minha terapia, já faz quase um mês que não vejo a cara da Constance.
- Isso, um ponto essencial. – Fabio assente em concordância – Vou marcar com ela o quanto antes.
sorri e respira fundo, pensando sobre as suas demais pendências.
- Também preciso que entre em contato com a Louise.
- A governanta da sua casa? – ele indaga com a testa franzida. – Por quê?
- Ela conhece a mim e ao o suficiente para cuidar dos detalhes do nosso casamento, de um jeito que não terá influência emocional da parte organizadora o que é fundamental para que isso dê certo. – explica.
- Perfeito. – o homem sorri – Como não pensamos nisso antes?
Ela dá de ombros sorrindo fraco.
– E por fim? – ele questiona.
suspira tristonha, ela sabia o que o tio esperava que ela falasse. Mas não poderia abrir mão disso daquela forma, pelo menos não agora.
- Vou... – ela umedece os lábios e suspira para continuar: – Falar com Zak para ele convocar um piloto reserva para fazer as primeiras duas sessões de treinos livres e adaptar o carro. Assim eu me resguardado para o terceiro treino, a classificação e as duas últimas corridas. – ela determina sorrindo incerta.
Fabio prensa um lábio contra o outro por um instante, para então soltar: - É, já é um começo. Não é o ideal, mas é um começo.
Ele ergue a mão ao alto e ela bate em cumplicidade.
- Você é massa, tio. Obrigada.
- Você que me faz ser massa. Nunca me senti tão adulto, - ele reflete fazendo uma careta enojada - agora preciso fazer uma besteira para restabelecer a ordem natural do mundo.
Os dois desatam à rir.
- Vamos contornar essa bagunça.

Naquela mesma tarde, ao fim da segunda reunião estratégica, comunica aos engenheiros e diretor-chefe da sua equipe sobre a decisão de abdicar dos primeiros treinos livres.
- Fico muito contente pela sua decisão como profissional, e aliviado como amigo que se preocupa com você e o bebê. – Zak admite.
- Era o melhor à se fazer, afinal. – ela assente, tendo o apoio silencioso do seu tio, sentado à sua frente na mesa.
- Ainda bem que o Drugovich já está em Jeddah esse final de semana, acho que ele não vai se importar de acrescentar alguns treinos à agenda. – Andreas diz descontraidamente. – O moleque está arrebentando na DTM com carros da GT3.
- Como é que é? – sente uma pontada na barriga junto de uma queimação subir pelo corpo.
Sandy e Fábio se entreolham preocupados.
- Drugovich, Felipe. O brasileiro. – Zak explica, como se aquele nome não fosse familiar o suficiente – Ele é a nossa primeira opção como substituto. Pensei que o conhecesse. Vocês foram colegas na F2, não foram?
gira os olhos imediatamente ao tio, que está tão chocado quanto ela.
Claro que ninguém além dos três na sala sabiam do seu histórico com o rapaz, o caso fora abafado pela mídia e os seus consequentes envolvidos.
- Conheço ele, sim. – ela diz entre dentes, sentindo seu rosto esquentar. – O conheço muito bem.
Ela não teria um só dia de paz?; se questiona fervendo por dentro.


Capítulo 14

23 de novembro
Circuito urbano de Jeddah – Arábia Saudita

Apesar de se concretizarem quase cinco dias que estava em terras árabes, a pilota não conseguira explorar o local como gostaria de fazer. Não que tivesse planejado um roteiro, mas ela sempre gostara de conhecer a cultura de toda cidade em que visitava por meio das corridas. Daquela cidade em questão principalmente por ser o foco do movimento contra a repressão que ela apoiava.
Ouvira falar que Jeddah em geral era uma pérola. Em parte decadente pela pobreza, porém bela; Contudo moderna, pela parte rica e, também vibrante. A cidade tinha muito o que oferecer, dentre arquiteturas rústicas trabalhadas à mão que marcam a paisagem urbana, um centro histórico, um povo absolutamente hospitaleiro e um ar cultural rústico, devido à seus costumes extremamente conservadores.
No entanto, além das reuniões e a necessidade do repouso que a mantinham presa entre hotel e Paddock, agora ela tinha que lidar com e interação de um membro o qual a não deixava nem um pouco satisfeita e, portanto, inquieta – querendo participar e se integrar de cada e qualquer passo do rapaz no seu território.
Felipe Drugovich, o mesmo rapaz que havia, mesmo que indiretamente, colaborado contra o seu crescimento na categoria antecedente à Fórmula 1, Fórmula 2.
sabia que aquilo havia acontecido há anos e que ele não fora o epicentro do seu problema, e sim só mais uma marionete do presidente da federação que controlava os regulamentos do campeonato, Jean Todt. Mas não deixara de se sentir magoada, traída e receosa com a repentina volta dele em sua vida.
Nos anos que havia se passado ela não havia procurado saber sobre como ele seguira com a vida, aquele que um dia chamara de amigo. Em primeiro lugar porque não estava interessada e, consequentemente, porque não havia tempo para sequer ter curiosidade. Mas naqueles últimos dias ouvira tantos elogios, principalmente vindo de seus chefes, que não tinha como não dizer que sua trajetória havia sido de sucesso.
E é então que ela se permite stalkeá-lo.
Dois anos de DTM, em campeonatos alemães importantes, campeonatos europeus e vitórias impressionantes. Claro que sua boa fase chamaria a atenção de olheiros para campeonatos maiores, ela só não sabia que o campeonato em questão já era a Fórmula 1 e especificamente com a sua escuderia – uma vez que não fora divulgado reservas ou substitutos oficiais para aquela temporada até então.
Não era um contrato permanente, ele poderia aceitar ou recusar se quisesse, como a McLaren também tinha o direito de escolher algum outro para substituir os seus principais. Mas era inegável que dentre as opções disponíveis naquele momento, ele era o menos pior.
E isso a deixava ranzinza, por mais madura que gostaria de ser ao enfrentar aquela situação. Por mais que ela precisasse ser madura.
estava ao lado dos engenheiros assistindo ao final do primeiro treino livre, logo pela manhã, quando o sol ainda não estava a pino e os ventos leves sopravam pouco contra o circuito.
Felipe havia ficado na quinta posição da tabela de voltas rápidas, o que não era ruim visto a sua pouca experiência com carros de tamanha potência, e o fato de que demonstrara desempenho satisfatório para levar a equipe. Mas não conseguia controlar sua tamanha frustração.
Ela tira os fones dos ouvidos, desce da banqueta da mesa na cabine de transmissão na pit lane e se encaminha até a garagem após atravessar a reta dos boxes em passadas rápidas, querendo sair-se por despercebida carregando consigo a sua infantilidade e um leve toque de ciúmes por tamanha cortesia com que tratavam o rapaz.
Contudo não havia notado que Felipe já havia retornado da pesagem e tromba com o próprio nos corredores da garagem, a quem estava há tanto querendo evitar, e é segurada por suas mãos cuidadosas, que a impede de ir para o chão.
- Opa. – ele diz sorrindo, e logo que nota de quem se tratava e a face antipática da mesma, vai murchando-se aos poucos. – Oi, .
- Drugovich. – diz e desvia do corpo do mesmo, para continuar o seu caminho.
- . – a voz do rapaz soa fraca à suas costas e ela ignora, mas ele insiste em adiantar o passo para acompanhá-la lado a lado. – Será que podemos conversar?
- Não, obrigada. – é direta e seca.
O rapaz para de caminhar com o impacto da sua grosseria por um instante, mas persiste e volta ao seu lado com um sorriso gentil no rosto.
- Por favor. – ele pede. – Você tem todo o direito de não querer olhar na minha cara, mas eu, ao menos, queria me desculpar por tudo o que aconteceu.
Ela para e se vira para ele, fazendo-o parar bruscamente pelo supetão, evitando trombar contra o corpo da mulher por uma segunda vez.
- Eu tenho o direito de não querer olhar na sua cara. Ponto final. – ela diz.
- Você meio que já está olhando. – ele tenta, querendo descontrair o clima com um sorriso simpático.
- Quantos anos você tem? – ela rebate desgostosa e lhe dá as costas, voltando a caminhar.
Ele respira fundo a insiste em segui-la novamente.
- Eu só queria deixar claro que se a minha presença te deixar desconfortável, em consideração aos velhos tempos e à essa amizade que eu deveria ter demonstrado ser importante para mim, eu caio fora. Se essa for a sua vontade.
franze o cenho e suas passadas vão se tornando cada vez mais vagarosas, até que parasse por completo para se voltar ao rapaz mais uma vez.
- O que foi que disse?
Ele sorri fraco e limpa a garganta antes de dizer: - Que mesmo que eu não tenha agido como um amigo, eu te considerava como uma das mais próximas. E que sinto muito por tudo o que aconteceu, eu deveria ter te alertado antes e por isso fui tão culpado quanto. E queria ter sido sim sua testemunha no julgamento, mas simplesmente não pude. O Todt... – ele suspira, se interrompendo – Bom, me arrependo de verdade porque acabamos nos afastando. Então agora, para demonstrar que eu realmente me importo com você, caio fora se você não me quiser por aqui.
engole em seco e desvia os olhos dos castanhos brilhosos e completamente límpidos de Felipe.
- Meu obstetra disse que eu tenho que evitar me estressar. – ela sopra. – E por mais que suas intenções sejam boas, eu sinto que é o que vai acontecer se continuarmos a ter essa conversa. Não jogue tamanha responsabilidade em cima de mim pensando que vou gostar de ter você fora daqui. Porque, sem sombra de dúvidas, eu iria, mas não seria o melhor para a minha equipe.
- Desculpe, não foi a minha intenção. – ele se encolhe inconscientemente.
Ela suspira.
- Não somos amigos, sequer sei se algum dia realmente fomos. – esclarece – Porém, não precisamos ser também. Basta sabermos conviver em respeito. Pelo bem da equipe.
Felipe abaixa a cabeça e assente vagarosamente.
Sem mais nada a dizer, ela volta a se afastar dele, dessa vez com sucesso.
não entendia o porquê dessa raiva acumulada contra Felipe de repente, em sua mente já tinha dado esse assunto como encerrado e superado há tempos.
Seriam os hormônios mais uma vez?
Há de se considerar que era a primeira vez de um contato dos dois depois que tudo acontecera e a presença de Felipe trazia consigo o clima nostálgico e amargo de todos aqueles sentimentos que a martirizaram naquela época.
Lembrando-a dos tempos em que duvidaram dela, que a criticavam, que a julgavam e que tentavam derrubá-la. Quando ela sentiu que teria que desistir da profissão que amava e o campeonato dos sonhos.
Ironicamente, ali estava ele novamente, em uma situação similar.
Onde ela estava à um ponto de abrir mão dos ganhos da sua temporada que poderiam levá-la ao título, e talvez abrir a possibilidade de nunca mais ser a mesma.
Ela se sente impotente, não queria perder aquilo sem ao menos lutar.
Precisava fazer alguma coisa.
E é por isso que decide fazer o segundo treino no lugar de Felipe.

(...)

acabava de sair de uma reunião com a cerimonialista satisfeita. Finalmente havia dado por encerrado o assunto de casamento e passado o resto dos encargos para Louise, que se mostrara muito honrada pela responsabilidade, garantindo que os patrões não iriam se decepcionar pela decisão.
E de fato sabia que não iria, afinal, em dois anos que trabalhava para eles, a governanta mostrou ser muito mais que um cargo assalariado e cuidava dos dois com muito zelo.
Ela e ainda não estavam se falando direito, mas sabia que ele estava à par de todos os seus passos e as decisões que estava tomando. Inclusive a situação com Felipe, e era só por isso que ele havia dado o braço a torcer e estava à sua espera ao lado de fora do seu camarim no Paddock da construtora laranja, escorado na parede oposta do corredor.
- Oi. – ele diz com certa timidez quando ela sai pela porta.
- Oi. – ela responde e olha de um lado à outro no corredor vazio. – Está aqui há muito tempo?
- Não, cheguei quase agora. – ele dá de ombros e comenta vagamente: – Vi a Moira saindo daqui agora há pouco.
- Fizemos os acertos finais da cerimônia. – ela anuncia – Se quiser, depois pode pegar com ela como que ficou tudo. Se você não gostar...
- É claro que vou gostar. – ele a interrompe e suspira, fechando os seus olhos por alguns instantes enquanto passava a mão pelo rosto. Quando ele os abre novamente, estão melancólicos. – Eu não tenho forças para continuar com esse impasse. Não quero estar brigado com você, ma belle.
sente os olhos umedecerem automaticamente, ela também odiava ficar mesmo que minimamente afastada do noivo. Não haviam tido desavença tamanha desde quando ela teve que terminar com ele por chantagens do presidente da Federação, no passado, e ela já não tinha mais vergonha de admitir que era completamente dependente do monegasco para se sentir em sintonia consigo mesma. era o complemento dela mesma.
- Odeio o fato de estarmos distantes. – ele continua – Mas também não quero me desculpar pelas coisas que disse por que é a minha opinião.
- Você não tem que se desculpar. – ela se pronuncia. – Em nenhum momento fiquei com raiva de você pelo que disse. Estou com raiva de mim mesma por elas serem verdades. Eu realmente tenho confundido os meus e seus limites e por isso sinto muito.
- Eu só estou tentando cuidar de você. – a frase sai num sopro quase sem vida.
- Eu sei. – ela assente. – Eu gosto e respeito isso. Mas, - ela engole em seco – , eu preciso fazer isso.
- Para quê? – ele questiona incrédulo.
- Sei que não faz sentido nenhum. – ela se adianta em esclarecer – Mas eu não sei. E essa é a questão. Eu preciso sentir o porquê não devo continuar. Não posso simplesmente... Abandonar tudo, sabe?! Não consigo fazer isso como você. – ela insinua com a cabeça. – Estou tentando me acostumar com essa ideia de... Parar.
O monegasco respira fundo, de forma audível, e a olha fundo nos olhos.
- Tá legal. – ele assente, absolutamente calmo. – Não vim aqui para isso. Vim para a gente se acertar.
assente, concordando.
- Me desculpe. – ela se adianta. – Eu já estou tentando delegar tarefas para prezar pela minha sanidade, acalmar os meus nervos. Vou voltar com a frequência de sessões de terapia, aos poucos vou... Indo. – ri fraco, reparando que o canto esquerdo dos lábios do rapaz sobe timidamente – Você tem todo o direito de estar preocupado e expressar a sua frustração, está completamente certo.
- Me desculpe também. – ele fala logo na sequência.
- Mas disse que não... – ela se interrompe, um riso solto nos lábios.
- Eu sei o que eu disse. – ele revira os olhos e se permite aproximar-se da amada para tomá-la em seus braços. – Mas sei o quanto correr significa para você e o quanto lutou para estar aqui agora, quase com os dedos no troféu. Largar mão disso deve ser muito difícil e eu devia ser mais compreensível.
- Mais? – ela se afasta minimamente para olhá-lo nos olhos – Eu definitivamente não mereço você, . – acaricia a lateral do rosto do noivo, aproximando-se vagarosamente para selar um beijo profundo em seus lábios.
O toque de línguas desperta de imediato o sentimento de paz, a troca intensa significava que eles haviam voltado aos primórdios onde essa disputa pelo espaço na boca um do outro era o único impasse entre eles.
Ofegantes e satisfeitos, eles se afastam minimamente, mas não o suficiente para que os lábios ainda roçassem um no outro.
- Eu te avisei que a gente ia brigar na minha gravidez porque eu faria esforço excessivo, lembra disso? – ela questiona risonha, buscando uma conversa que os dois tiveram logo quando oficializaram o namoro onde previram o que aconteceria no futuro do casal.
- Claro, como pude me esquecer desse detalhe? – ele diz sarcástico e eles riem.
- E sei que ainda tenho muito a progredir, - ela continua – mas fico feliz que tenha você para me abrir os olhos e estar nessa jornada comigo.
- Je t’aime pour tout ma vie.
- Je t’aime pour tout ma vie e mais. - ela responde logo antes de voltarem a selar os lábios.

(...)

“Eu me sentia tão contraditória. Sabia o que precisava fazer e o que era melhor para a situação, mas ainda sim agia completamente o oposto do que deveria. A personificação da teimosia. [...] As pessoas costumam aconselhar muito as gestantes nessa época, afinal só querem ajudar por se preocuparem com você, espelhando nas próprias experiências. Mas só uma pessoa de todas as demais me dissera que eu precisava viver aquilo para entender. E eu logo saquei o porquê. Eu precisava sentir que tinha tentado de tudo para me dar por vencida. E por mais doloroso que tenha sido, hoje eu sei que tinha que passar por aquilo porque principalmente nós, pilotos, somos muito de experimentar sensações. E não nos damos por satisfeitos só com teorias, quando precisamos da prática.”

“Boa garota! Acabamos de tirar a volta mais rápida. De novo” – Andy informa pelo rádio. – “Acho que depois dessa o Lewis não vai mais gostar tanto assim de você. Roubou o primeiro tempo dele quatro vezes só nesse treino.”.
ri, satisfeita.
- Ele só está escondendo o jogo, como sempre. É só um treino livre, na classificação ele vai vir para cima feito um leão. E é aí que tenho que redobrar o cuidado, porque o Max também está na mesma pegada. – ela responde. - Acha que dá tempo para mais uma volta?
“Acho que sim, temos dois minutos e meio. Vamos largar de pneu médio. Faz aquela volta de reposição de potência e vai com tudo na próxima.”
- Entendido.
Ela aperta em tais configurações no volante e se adequa para a abertura de volta.
“Leclerc acabou de fazer a volta mais rápida.” – Andreas informa logo em seguida.
- Quanto?
“1:16:758. O primeiro a entrar na casa dos 1:16.”
- Esse é o meu corredor. – fala sem reproduzir no rádio, completamente orgulhosa.
Não era porque estava nessa imparcial sobre sua situação no campeonato que deixara de se alegrar pelas conquistas do noivo, muito pelo contrário. também estava no topo do campeonato super disputadíssimo e ela sabia que se fosse para perder ficaria completamente satisfeita se fosse perder para ele. Porque seria justo, seria por seu mérito e esforço.
Seu peito se enchia de orgulho cada vez mais como sabia que ele também se orgulhava dela.

Eles estavam na etapa final do treino livre e, apesar de ter se saído muito bem e estivesse satisfeita consigo mesma por ter alcançado a segunda volta mais rápida, sentia-se vaga. Como se o quê que estava esperando sentir naquele momento não havia aparecido e por isso suas sensações estavam incompletas e, portanto, causavam indefinidas conclusões.
Ela não sentia que poderia abrir de algo tão significativo na sua vida enquanto não sentisse que realmente não poderia continuar, que seria mortal caso ela continuasse. Porque com as entrelinhas ela poderia lidar depois, pensava. O estresse, a ansiedade, o humor... Poderiam ser tratados de forma intensiva depois, se fossem precisos.
Mas ela não desistiria do seu título pelo medo de outras pessoas quando ela tinha em mente que poderia conseguir, e não se via como workaholic por pensar desta forma.
Afinal, estar no seu carro até então não era um problema, os problemas que a causavam insônia estavam fora dele.
Até então manusear aquele carro e atingir altas velocidades a traziam um sentimento de paz consigo mesma, por estar fazendo aquilo que amava profundamente.

Contudo então, em questão de um instante, sua visão é drasticamente invertida.

está completando a última volta lenta no trajeto antes do treino de largada quando seu volante trava no meio de uma curva, derrapando no sentido contrário, perdendo completamente o controle e aderência de pneus com pista.
Seu carro roda e logo na sequência é empurrado por um que vinha atrás até a área de escape, eles seguem brutamente até chegarem nas britas, que amortecem a velocidade, e chegam já mais lentos perto dos muros de segurança. Até que parassem por completo.
O toque não havia sido violento, mas bastara para acelerar o seu coração e fazer com que a sua mão fosse diretamente à sua barriga que pontou.
Em forma de proteção.
era capaz de contar quantas inúmeras vezes aquele tipo de incidente havia acontecido em treinos e corridas, uns até mesmo piores que aquele.
Contudo, já há um longo tempo, ainda quando se encontrava em uma situação completamente diferente da que se encontrava há quatro meses, carregando uma vida em seu ventre.
E naquele instante ela sente suas mãos trêmulas por demasiado e suas pernas terem o impulso de levá-la pela primeira vez para longe daquele carro.
Por puro instinto.
É quanto automaticamente imagens do acidente de Raul passam por sua cabeça, colisão sobre colisão.
Foi preciso um vírgula nove segundos para tudo acontecer. Ao todo quatro segundos e ele já não estaria entre eles. Segundos, cara.
Um vírgula nove segundos encerraram 27 anos da vida de alguém em um acidente tão incomum e imprevisível, mas que, infelizmente, aconteceu. Sem opção de voltar a fita ou relargadas, porque foram um vírgula nove segundos determinantes.
Para sempre.
E é também pela primeira vez que ela sente medo de estar naquele carro.
Não por ela, mas pelo seu filho.

“Tem um momento na vida de toda mulher que ela precisa escolher entre a sua carreira e a sua vida pessoal. [...] Há quem diga que não existe um equilíbrio entre os dois: Você está bem no trabalho ou está bem no seu meio social, como mãe, esposa, dona do lar, filha, entre outros. Não é justo, eu sei, podíamos ter essa capacidade de fazer tudo o que quisermos sem que um pilar afetasse diretamente o outro. E na real, esse conceito se concretiza quando por mais igualmente satisfatórios nossos pilares estejam, terão momentos primordiais em que você vai ter que abrir mão de algo para zelar outro. São os sacrifícios. Sejam eles pequenos ou grandes, todos já tivemos que fazê-los. Só que se você tiver uma visão positiva, vai ver que eles podem desencadear uma série de acontecimentos bons que não teriam acontecido se tudo tivesse sido feito conforme o planejado desde o início.”.

- , pelo amor de Deus. Você está bem?” – a voz de Andreas soa desesperada no rádio e a traz de volta à consciência.
então sorri, contradizendo toda a situação, mas porque finalmente tivera seu insight. Lágrimas involuntárias escorreram pelos olhos.
- Estamos bem, foi só um escape da pista. – ela informa e desconecta o volante do painel. – Está tudo em ordem. Não é, campeão? – questiona à própria barriga.
“O safety car já está a caminho, consegue sair do cockpit?”
- Claro que consigo sair do cockpit, Andy. – ela diz risonha, revirando os olhos. – Não faça uma tempestade em um copo d’água.
“Sente doer em algum lugar?”
- Não e já estou saindo do carro, portanto, sem comunicação via rádio. Não se preocupe, estou bem. – dito isso ela desconecta os fios acoplados ao seu corpo, os cintos de segurança e os equipamentos de proteção para pular para fora da máquina.
Assim que aterrissa os pés no chão, a figura de George – que acabara de sair de seu próprio carro de forma afobada – corre em sua direção.
- , pelo amor de Deus. – ele diz com a voz aflita – Me perdoe, estava bem na sua cola e quando me dei conta seu carro já tinha rodado.
- Fica tranquilo, Russell. Está tudo bem. – ela o tranquiliza.
- Você se machucou? – ele questiona subindo a viseira do capacete para olhá-la de cima a baixo. – Vamos, eu te acompanho no safety car.
pensa em recusar uma ida desnecessária até o pronto atendimento, porque estava inteiramente bem e nem nenhuma lesão por impacto ou pressão, mas aceita a mão do colega porque certamente era o que devia fazer.

Durante o trajeto do carro com os socorristas pela pista ao lado de George, uma só coisa se passa pela cabeça da pilota.
Não era sobre os contratos;
Não era sobre o seu futuro na Fórmula 1;
Não era sobre todo o seu trabalho da temporada ter sido em vão;
Não era sobre o que os seus chefes da McLaren pensariam sequer o que opinaria, mas sim sobre aquela jornalista e o movimento o qual ela não mais contribuiria.
Porque tinha um fato muito claro e decidido em sua mente: ela não correria nas últimas duas corridas e estava bem por isso – melhor do que ela pensaria que estaria ao concluir que esta era a decisão certa para si.
No entanto, a pergunta que não se calava em sua mente era: quem correria não só por ela, mas como pelo movimento?
Ainda que ela já estivesse considerando que Felipe realmente seria a melhor saída para a equipe, ele não deixava de ser um homem. Como todos os demais no grid. E, portanto, inconvenientemente estariam a se solidarizar com as leis absurdas daquele governo. Em específico de uma mulher não poder conduzir um automóvel.
E, por mais que ela já estivesse se colocando como carta fora do baralho, não queria deixar esse assunto por inacabado, simplesmente aceitando da forma como se concretizaria.
Ela sairia, mas tinha que sair deixando as portas certas abertas.

faz os exames de rotina com seu obstetra junto de um grupo de médicos dedicados e muito simpáticos, sendo acompanhada pela figura de George que mesmo com a pilota descartando qualquer tipo de culpa da parte dele insistia em ficar até se certificar de que estava tudo certo.
Enquanto eles estão aguardando pelo resultado dos exames a sala de espera se enche por seu noivo, empresária da pilota, tio, chefe, engenheiro, parceiro de equipe, alguns de seus mecânicos, assistentes e mesmo pilotos de outras equipes.
Todos já estavam consideravelmente mais calmos do que quanto adentraram as portas desesperados por informações sobre ela, visto que a mulher interagia, se movia, não fora submetida à medicação ou ter que desposar em um leito.
estava a aguardar junto dos demais na sala de espera e o burburinho de conversas sonorizavam o clima descontraído.
- Está preocupada? – questiona e desencosta a cabeça de seu ombro para olhá-lo nos olhos.
- Claro que não, já disse que está tudo bem.
- Não sobre os exames. – ele fala, esticando o braço sobre o encosto da cadeira que estava e cobrindo os ombros da amada.
suspira.
- Eu não sei o que fazer sobre uma questão específica de todo esse contexto envolvendo uma decisão que acabei de tomar. – ela fala indiretamente, com cuidado para que os ouvidos de seus chefes ou demais captassem suas determinações, pelo menos, por enquanto.
arqueia as sobrancelhas, ao compreender suas meias palavras e linguagem corporal, e fica inerte por um tempo.
- Está falando sério? – ele questiona. – Sobre...
Ela sorri e pousa a mão na barriga significantemente.
- Nunca falei tão sério e com tanta certeza na minha vida.
então sorri doce, apertando o ombro da mulher carinhosamente e encostando a cabeça na sua para respirar aliviado finalmente.
- Não quero parecer insensível, mas fico feliz que tenha chegado à essa conclusão. Poupa que meu coração seja testado à ser cardíaco ou não. – ele diz rindo fraco e ela o acompanha – Por um segundo, quando me passaram um rádio de que você teve uma colisão, eu saí de mim e faltou pouco para não entrar em desespero. Tive tanto medo de perder vocês. – explica – Tom foi rápido o suficiente ao falar que você tinha saído andado até o carro de segurança e que estava aparentemente tudo bem, mas meu coração quase saiu pela boca.
- É, sei bem a sensação. – ela diz, recordando-se do fatídico acidente na sua primeira temporada, onde simplesmente perdera o chão ao pensar que havia sido gravemente ferido numa explosão e consequente fogaréu da corrida em Singapura. – Nunca foi minha intenção fazer você passar por isso. Me desculpe.
- Tudo bem. – ele dá de ombros – Acho que isso acaba se tornando recorrente quando se é pai, mesmo. Sabe, os testes cardíacos. Quando o bebê começar a andar, rolar, comer, respirar.
Os dois riem.
- Meu Deus, vamos ser pais paranoicos. – ela diz risonha, aos poucos o sorriso vai desaparecendo gradativamente.
- E a questão específica seria sobre... – ele olha rapidamente ao seu redor, atentando-se se ninguém prestava atenção neles – Aquele cara?
- É, mais ou menos. – ela dá de ombros – Não acho que ele seja a pessoa certa, mas não pelas qualificações em si ou rixa que tinha com ele.
- Pela causa. – conclui sabiamente.
- Sim. – ela suspira. - Se fosse em outra corri... Digo, outro momento, - ela se corrige – Não teria problema nenhum. Ele tem mais a agregar que tudo. Mas nesta...
- Entendo. – ele assente.
- Me desculpem, - a voz de George, que está sentado à duas cadeiras do casal chama a atenção dos dois. – não pude não ouvir a conversa de vocês. Não tinha acreditado nos rumores de que você realmente pararia antes, mas com isso...
suspira surpresa, arqueia uma sobrancelha.
- Não se preocupem, tenho certeza de que fui o único que ouviu e não vou contar, se é o que pensam. – ele fala ao bloquear a tela do celular em mãos e colocá-lo no bolso do macacão, ainda da prova.
A pilota sorri docemente.
- Eu sei que não.
- É só que gostaríamos de deixar por baixo dos panos, pelo menos por hoje. – o monegasco esclarece, quase aos sussurros.
- Sim, entendo completamente. – o britânico assente.
- Aliás, tenho que te agradecer por hoje, George. – se pronuncia – Obrigada pelos cuidados.
- Imagina, tenho enorme carinho por vocês. Sei que fariam o mesmo por mim.
- Com certeza. – eles assentem de imediato.
- Referente àquilo. – o rapaz diz ao aproximar-se dos dois, sentando-se na cadeira ao lado de e diminuindo o tom de voz. – Não quero parecer enxerido, mas acho que conheço a pessoa certa para... Agregar neste momento.
franze a testa, imaginando se George havia realmente compreendido do que eles falavam. Ele sabia para que estava oferecendo alguém? Alguém que ela não havia considerado anteriormente.
- Não sei se a conhecem, mas o nome dela é Jamie Chadwick. – ele continua, quase sem voz e atentando-se com os demais ao seu redor – Está como pilota em desenvolvimento oficial da Willians tem dois anos, nunca entrou na competição oficialmente. Infelizmente sempre que tem um imprevisto eles chamam outros para substituir, mesmo que a garota esteja mais que pronta.
- Jamie Chadwick, é claro. – fala sorrindo – Ela compete na Fórmula Regional Europeia, não é?
- Sim. E na W Series também. – completa – Venceu a primeira edição do campeonato e foi onde deslanchou na PremaPower Team e a Willians quis investir, foi assim que conseguiu tirar a superlicença.
sorri animado.
- É perfeita para o momento. – ele diz e desce os olhos para , que estava quieta até então – O que acha, ma belle?
É só então que ambos os rapazes notam que a mulher está com os olhos úmidos, com grossas gotas acumuladas em seus cílios inferiores. Seu olhar está fixo em algum ponto à frente dela e as mãos sobre a barriga.
- , está tudo bem? – o monegasco questiona imediatamente preocupado, chamando a atenção dos demais na sala, que logo se aproximam. – Está com dor?
Eles ficam por um longo e doloroso minuto estudando sua face até que ela sorrisse encantada.
- Não, – todos respiram aliviados – acho que são... Gases?! – ela diz em dúvida, apalpando alguns lugares da barriga.
- Gases? – repete risonho. – Gases são comuns nessa fase, não é? O doutor Anthony havia comentado.
- Sim, ou que eu começaria a sentir... – ela sorri fascinada. – o bebê se movimentar.
Os olhos de descem diretamente para a barriga de médio volume da mulher, que está coberta apenas pela segunda pele uma vez que o macacão da corrida estava despido pela metade, com as mangas amarradas em sua cintura.
Ela franze o cenho, mas não tira o sorriso dos lábios.
- Acho que o bebê acabou de chutar pela primeira vez. – ela diz com a voz rouca e pega a mão de rapidamente para colocá-la no mesmo ponto onde a sua estava. – Olha só! – sopra à sua barriga: – Meu amor, você está chutando a mamãe?
O monegasco olha para a barriga e sente de forma quase imperceptível o empurrar da pele sobre a palma de sua mão e seu coração se acelera imediatamente, bombeando amor.
- Incrível. – ele sopra abobalhado, simplesmente mais encantado do que pensou que estaria. Este momento não era titulado como mágico à toa, era muito real e é assim que tem a plena convicção de que aquele seria o mais precioso dos seres. – Vai, campeão, papai está aqui. Mostra o que você sabe.
Impressionantemente sente sua pele se esticar ainda mais forte, o bebê estava respondendo a voz de . Ela sorri radiante, nunca imaginou que um desconforto dentro de si poderia ocasionar um dos momentos mais incríveis da sua vida.
Havia vida dentro de si, e ela estava se manifestando.
Ela sobe os olhos para o grupo ao seu redor e sorri enquanto lágrimas de felicidade escorrem livres pelo seu rosto.
- Ele está chutando! – comemora e os sorrisos se aumentam, alguns até batem palmas.
- E isso só confirma o resultado dos exames, que dizem que o bebê está perfeitamente bem. – O médico, que até então ninguém notara que entrara na sala, fala acentuando a papelada em mãos. – Meus parabéns.
e se olham e juntam os lábios rapidamente.
Aquilo parecia uma confirmação de que estava tomando a decisão certa.
De que tudo estava seguindo o curso certo.

GLOSSÁRIO

Insight - Compreensão ou solução de um problema pela súbita captação mental dos elementos e relações adequados. Clareza súbita na mente, no intelecto de um indivíduo; iluminação, estalo, luz.

W Series é um campeonato de fórmula exclusivo para mulheres. A primeira temporada da série foi realizada em 2019; contou com 20 pilotas disputando seis corridas.


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Nota da autora: Sem nota.

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