Última atualização: 02/05/2018

Prólogo

“Uma era negra aproxima-se vagarosamente. Durante árduos anos o medo se instaurará nos sete planetas sob sete formas. O caos, a guerra e a morte muitas luas vão durar, até a profecia se completar. A criança nascida sob o exato ápice da Lua de Fogo será a salvação e libertará os sete povos da aura sombria. Terá o poder de fazer ressurgir Baelfire e ganhará o respeito de todos, de Soldados a Protetores. Será diferente de qualquer outro Guardião da Lua Vermelha e enfrentará com afinco qualquer batalha. A lâmina do destino não tardará, porém, a encontrar seu corpo, impregnando sua alma e trazendo-lhe a morte.”
A antiga profecia previra o tempo em que a Era de Caligem se extinguiria, antes mesmo de começar. Assim que nascesse, a esperança de sete povos estaria nas mãos desse pequeno ser que cresceria como a salvação.
Muito tempo se passou, mas nunca houve outro nascimento em exata sincronia com o ápice da Lua de Fogo. A profecia virou um mito e se perdeu enquanto as luas mudavam. Os sete povos a esqueceram.
Entretanto, um seleto grupo, os Buscadores, seguia, a cada Lua de Fogo, observando hospitais e casas com mulheres prestes a dar à luz, aguardando pacientemente o bebê que seria o novo Guardião. Eles rodavam cada um dos sete planetas assim que o alinhamento era descoberto. Crentes de que estavam com todos os nascimentos sob controle, eles jamais suspeitariam que, no meio da floresta, uma criança nascia no momento em que a lua estava mais alta no céu.


Capítulo 01

Um grito cortou a escuridão da floresta. Eleanor contorceu o corpo em um espasmo de dor, seus olhos reviraram até encontrarem a Lua Vermelha. Era a Lua de Fogo, o perfeito alinhamento com as demais luas. Ela jamais saberia que a criança expelida bruscamente de seu ventre nascera exatamente no ápice daquele encontro. A mulher caiu desacordada devido à intensa dor, sem ao menos enxergar a ninfa de fogo que se projetava à sua frente e presenteava seu bebê.
Firenze fez surgir um amuleto com a mesma forma da lua que tomava o céu. Sobre a superfície vermelha cruzavam-se uma espada e uma flecha. A ninfa o colocou no pescoço da criança e cortou o cordão que a unia a mãe. Limpou o bebê e o vestiu com as roupas azuis que encontrou na bolsa que Eleanor trazia. Ela fez uma careta.
- Odeio azul. – com um breve flamejar, tornou as roupas vermelhas. Sorriu consigo mesma e beijou a cabeça do pequeno ser que descansava em seus braços. Mal percebera que o bebê havia parado de chorar.
A jovem ninfa ninou o bebê com uma antiga canção kielviana usada durante os rituais da Lua de Fogo. Era a mais calma de todas, entoada para pedir paz aos Guerreiros e contava sobre a última batalha de Kiazur ao lado deles e o longo período de paz que se seguiu, até pouco tempo depois de sua passagem. Envolvida pelos braços quentes, a criança adormeceu.
Mesmo sabendo que não deveria, Firenze usou o seu pouco poder de cura na criança e na mãe. Transformou sua aparência, adquirindo um corpo idoso e roupas humildes. Dois minutos depois, Eleanor acordou. Sentia o ventre dolorido e uma sensação de vazio, como se lhe faltasse algo.
Apalpou a barriga, percebendo que a criança que carregava não estava mais ali. O desespero tomou conta de seu corpo e ela se colocou sentada, os sentidos completamente alertas. Olhou em volta, não percebendo, em primeiro momento, a senhorinha que sentava numa pedra próxima. Só durante a segunda busca visual foi que a encontrou. A mais velha levantou-se e entregou o bebê em seus braços.
- Parabéns. É uma bela criança. – a voz idosa de Firenze tremeu – Tomei a liberdade de limpá-la e vesti-la, já que a senhora não estava em condições.
- Muito obrigada. – Eleanor soltou, a voz denunciando o seu choro iminente. – Foi muita gentileza. Eu...
- Tudo bem, minha jovem. – Firenze acariciou os cabelos castanhos da mulher – Espero que não se importe, também, pois quis presenteá-la. Dei-lhe um amuleto da Lua Vermelha, já que nasceu sob seu alinhamento mais famoso.
- Oh, não, por favor, a senhora não...
- Está tudo bem. Ela precisa mais do que eu. Agora escute: esse medalhão é muito valioso, e será de extrema importância para a sua criança. Nunca, nunca mesmo, o retire ou deixe que ela o faça. Ele lhe dará toda a força que precisar para crescer forte e saudável. É a única coisa que peço em troca do socorro que lhe prestei e do presente.
- Esse por acaso não é o símbolo dos tais guerreiros de... Alguma coisa? – Eleanor perguntou enquanto analisava o pingente que o bebê agarrava com uma das mãos.
- Sim, dos Guerreiros da Lua de Fogo. Eu sou uma velha crente. Por isso não quero sequer seus agradecimentos, estou satisfeita de ajudar um Guerreiro em necessidade, esse é o meu único dever. – Firenze olhou para o céu e analisou as nuvens. A chuva viria logo e ela precisava se proteger. – Preciso ir, ou vão se preocupar com o meu bem estar. A aconselho a ir, também, um temporal está por vir e não será bom para o seu bebê. Tomei a liberdade, inclusive, de chamá-lo, em meus pensamentos, de Fireen.
Com essa última observação, a ninfa se pôs a andar até que Eleanor estivesse completamente de costas para ela. A mulher pareceu ter um estalo e sua testa se enrugou.
- Desculpe, eu nunca fiquei sabendo o seu... – ela hesitou ao se virar e descobrir que a mais velha desaparecera completamente – Nome...
Eleanor fora tachada de louca. Seu marido e seus filhos acreditavam que ela batera a cabeça enquanto tentava chegar sozinha ao hospital durante o seu segundo trabalho de parto e que esse incidente havia danificado seu cérebro. Finley lembrava que sua esposa chegara em casa aparentemente normal. Ela contou que o bebê nascera no meio do caminho e que desmaiou por causa disso, então decidiram ir ao hospital no dia seguinte, onde foi constatado que a mãe e a criança estavam bem. Quando voltaram para casa, porém, algo aconteceu.
Depois de ficar sozinha com a criança durante o banho, a mulher reapareceu com olhos esbugalhados e parecia apavorada. Seu humor mudou em seguida para a felicidade e ela começou a falar sobre guerreiros e qualquer coisa que o marido não entendia. Nunca mais deixou que alguém encostasse num tal medalhão que uma velha havia dado para a criança.
Finley estranhava que a esposa só demonstrasse esse comportamento anormal quando se tratava do bebê. Sobre qualquer outro assunto, ela reagia naturalmente e era a mesma mulher de sempre. Para a sorte da família, ela não parecia tratar com qualquer diferença os filhos, deixando claro que aquilo não se tratava de algum tipo de depressão pós-parto ou rejeição do bebê.
Eleanor, de qualquer forma, passou a ser o assunto – e a piada – de Lores. Todos da cidade conheciam sua história e chegavam a imitá-la de um jeito lunático, do qual ela nada tinha. Seus três filhos eram os que mais sofriam com a situação, ouvindo gracejos e sendo alvos de olhares complacentes. Recebiam essas miradas enquanto escutavam os sussurros de “pobres dos filhos da louca”.
As mães da cidade não deixavam que seus filhos brincassem com as crianças porque tinham medo que pudessem pegar a loucura de Eleanor. Era um medo infundado, pois o último surto de Morgov – conhecida como a pandemia de loucura – fora controlado cento e vinte e oito anos antes. Se os habitantes de Lores se lembrassem disso certamente seriam mais gentis com a mulher.
Felizmente, as três crianças eram unidas demais e quase não sentiam falta de outros amigos. Compartilhavam entre si o apoio, o carinho e a amizade que o resto da cidade deixava de oferecer.
Eleanor, que sequer ouvia o que os outros diziam a seu respeito, amava o modo como seus filhos protegiam uns aos outros e incentivava a parceria estabelecida entre os três. Desejava que continuassem juntos para sempre.
Ela nunca imaginou que esse não seria o desejo de todos eles.


Capítulo 02

Eu estava oficialmente deixando minha casa.
Eu estava oficialmente indo embora.
Eu estava oficialmente fugindo.
Eu não poderia estar mais feliz e amedrontada e esperançosa e razoavelmente certa do que estava fazendo. Tudo estava uma bagunça e eu precisava partir.
Não me entenda mal, mas é a verdade.
Durante a minha infância, as coisas sempre foram relativamente suportáveis, como para todas as crianças de Lores.
Lores é uma cidade-base, o que significa que é um dos polos de sustentação de Novaterra. Aqui é produzido todo o alimento que vai parar nas casas de todos os habitantes desse planeta. Lores é a feliz proprietária de todo e qualquer pedacinho de solo fértil da superfície do globo. Porém, a cidade em si é bem pequena, se comparada a Norque, a cidade-base responsável pelo desenvolvimento de tecnologias e principal polo de sustentação.
Crescer em Lores é difícil se você não tem amigos. É especialmente difícil se você não tem amigos e sua família é motivo de piada pela cidade. E fica extremamente difícil se, além disso, você não frequenta a escola como boa parte das outras crianças. Meus irmãos e eu fomos educados por três das cinco criaturas mais gentis de toda a região. Eram os únicos que não se importavam se a nossa mãe era ou não era louca afinal.
Minha mãe bateu a cabeça quando eu nasci. O impacto danificou seu cérebro e ela nunca se recuperou totalmente. Algumas vezes ela tinha crises de histeria que só meu irmão conseguia controlar. Agora que Kyle foi embora, essas situações se tornavam insuportáveis.
Kyle me deixou. Ele, que sempre afirmou para a nossa mãe que cuidaria de mim e da minha irmã, simplesmente foi embora. Sequer se despediu ou deixou um bilhete ou agiu diferente na noite antes de sua partida. Kyle desapareceu deixando uma cama de lençóis revirados para trás.
A reação da mamãe, ao contrário do que qualquer um poderia esperar, foi um sorriso e um “ainda bem”. Eu quis, pela primeira vez, gritar com ela. Quis pedir para que ela fosse sã. Eu tinha quinze anos e estava inegavelmente irritada. Eu contava os dias para que Kyle voltasse. Olhava pela janela em todo o fim de tarde, esperando vê-lo de volta com o sorriso que pedia desculpas. Tudo o que eu via, porém, era o rosto nauseante de Nimic, o garoto da família mais próspera de Lores. Ele tinha o nariz estranhamente largado sobre a bochecha esquerda, acho que porque o pai do pai de seu pai teve filhos com uma moça de uma raça humanoide de fora dos Sete Planetas. Eles todos tinham as faces mal posicionadas.
Porque Kyle nunca retornava, parei de esperar. Cuidei da minha irmã como ele deveria ter cuidado de nós duas e esperei com paciência o dia em que me mandaria também. Estava acontecendo, finalmente.

Eu tinha dezenove anos, um certificado de conclusão de estudos e uma permissão para usar a moto sem dar satisfações quando a rebeldia e a insatisfação tomaram conta do meu cérebro. Eu me achava normal demais, inteligente demais, sã demais, ruiva demais para fazer parte daquela família.
Embora meu pai e meus irmãos fizessem questão de não discordar da minha mãe quando ela dizia que eu só era diferente de todos em casa porque nasci na tal da Lua de Fogo, eu tinha motivos bem fortes pra acreditar que aquilo tudo era uma mentira. Primeiro porque a minha família inteira tem cabelos e olhos castanhos escuros. Além disso, se aquela besteira de lua influenciasse em alguma coisa, Kyle então deveria ter os cabelos e olhos tão verdes quanto a Lua Fértil. Eu também conhecia alguém que nascera no mesmo dia que eu e que não compartilhava qualquer característica “avermelhada” comigo.
Aquilo tudo só podia ser uma invenção dos meus pais para esconder o fato de que eu: a) fui trocada no nascimento ou b)não sou filha do meu pai.
Com raiva demais daquela situação idiota, resolvi partir. Mesmo com todo o ódio, parei um segundo na frente da cama, a mão no amuleto ridículo ao qual eu já me acostumara. Pensei em deixá-lo, para que a minha mãe pudesse usá-lo, mas depois imaginei que ela se sentiria mais segura se acreditasse que eu o estava usando ainda.
Deixei a casa no meio da noite, como Kyle havia feito. Burlar o sistema de segurança foi fácil, pois aprendi a desativar os alarmes mais complexos quando ainda era uma criança. Subi na moto e deixei minha casa para trás. O silêncio das ruas de Lores só era quebrado pela pulsação nos meus ouvidos. De repente parecia que meu coração batia alto demais para aquela cidade. A moto não fazia qualquer som além de um leve farfalhar sobre as ruas que passavam rápido demais. Em menos de uma hora a cidade inteira ficava para trás e eu ganhava a longa estrada que ligava Lores à Norque. Eram dezoito horas de uma viagem complicada e, mesmo que a essa hora da noite ninguém mais estivesse na estrada, o trecho era perigoso o suficiente para me fazer parar. Já estava duas horas longe de Lores e era o suficiente.
Encontrei um antigo celeiro onde escondi a moto e a mim mesma. Parecia o suficiente pela noite. Ao deitar de barriga para cima, notei que um buraco no teto deixava o céu exposto. Uma lua muito branca começava a se encaminhar para aquele espaço recortado do telhado. Meus olhos se esforçaram para acompanhar aquele fenômeno. A lua funcionando como a lâmpada certa para o meu celeiro. Nunca consegui lembrar se vi a cena acontecer ou se apenas sonhei.

Abrir os olhos e mantê-los focados estava sendo difícil. A vontade de fechá-los era quase maior que minhas forças. Depois de muitos minutos de piscadas longas, focalizei um teto simples de madeira. Havia pequenas falhas por onde a luz se infiltrava. As paredes tinham alguns quadros e armários.
Lembrei-me do celeiro.
Lembrei-me do buraco no teto.
Lembrei-me de dormir no chão de terra.
Notei estar deitada sobre algo muito mais confortável. Uma cama. Por todo o cômodo, outras iguais apareciam. Ninguém dormia nelas, mas alguém repousava numa dura cadeira ao meu lado. Sua cabeça pendia para trás, os braços cruzados junto ao peito. Era impossível identificá-lo, já que seu rosto estava voltado para o teto. Suspirei fundo. Seu corpo retornou devagar a uma posição aceitável, como se esse momento já tivesse se repetido inúmeras vezes. Seu rosto me transmitia um tédio enorme. Até que seus olhos focaram os meus.
Espanto.
Em seguida seu rosto transbordou em um sorriso. Era um belo sorriso. Ele falou. Acho que era uma pergunta, mas eu não ouvi. Falou de novo. Percebi que seus lábios projetavam meu nome. Ele parecia preocupado. Sorri e falei a primeira coisa que meu cérebro conseguiu formar. Talvez fosse “não consigo escutar”, mas, do modo como meus lábios se moviam, parecia mais um grito. Ele saiu da sala, desesperado, no mesmo momento em que percebi: eu não escutava porque um zumbido preenchia meus ouvidos e o sangue martelava ali de uma maneira ensurdecedora. Um homem vestindo trajes anil entrou no cômodo com o meu acompanhante. Ele não falou. Simplesmente mexeu um pequeno peso sobre o meu peito. Em um minuto as coisas se normalizaram. Ele sorriu para mim.
- ? – a voz dele esvoaçou pela sala. – Se sente melhor? Talvez seus sentidos estejam um pouco confusos.
- Melhor. – a minha voz parecia quebradiça. O rapaz me ofereceu uma caneca com um líquido avermelhado. Parecia que ninfas haviam premiado minha língua com o seu néctar kielviano – a bebida mitológica de Kielv. Um calor se espalhou por meu corpo e senti toda a energia retornar a mim. – Muito melhor. O que é isso?
- É néctar de fogo. – minhas sobrancelhas se ergueram – Temos algumas coisas para conversar, . , talvez você queira conferir se os problemas na praia já se resolveram... – o rapaz que cuidara meu repouso concordou e saiu. Eu queria saber se sua voz soprava as palavras no cômodo como a do homem de anil. – , eu sou Fintan, o atual chefe dos Guerreiros de Mirth.
- Mirth... – disse eu, o cérebro demorando a associar as palavras. – Como na ilha mitológica de Kielv? – ele concordou com a cabeça, um sorriso flutuando por seu rosto – Certo, como se isso existisse. Onde eu estou, afinal?
- Está em Mirth. Já tem dois dias. Foi recrutada pela Lua Branca.
- Por favor, seja coerente. – Fintan me olhou, a testa enrugada em incompreensão – Detesto ser eu a te contar, mas Mirth não existe – sussurrei como se fosse um segredo –, é sério. Já foram feitas muitas buscas. Está mais do que comprovado que não existem Guardiões e muito menos uma ilha para onde possam ir. Isso tudo é uma fantasia que... – ele ergueu o meu amuleto.
- Então o que é isso?
- Uma velha louca deu para a minha mãe. As duas acreditavam que fosse algo muito especial. É só uma bugiganga. Tentei vender uma vez, mas me disseram que nem dá pra dizer do que isso é feito, então não vale nada. Só uso porque minha mãe nunca me deixou tirar. – puxei aquela representação tosca de uma lua das mãos do homem.
- Bom, sua mãe não está por perto. Por que você não o tira? Eu o compro. Pago o preço que você quiser. – ele deu de ombros.
- Não está a venda. É a única recordação que tenho da minha mãe. – apertei a forma redonda entre os dedos. Ele me ofereceu um olhar desafiador.
Revirei os olhos e tirei o cordão do meu pescoço. Enquanto o olhava, com certa raiva por duvidar de mim, senti um formigamento começar nas pontas dos dedos e se espalhar ligeiramente por meu corpo. Estava ridiculamente tonta e a dificuldade de respirar se fez presente.
Fintan colocou de volta o meu medalhão. Os sintomas passaram.
O olhei em desconfiança.
- Isso não prova nada. Segundo você mesmo, eu passei dois dias desacordada. Deve ser normal que eu tenha uma reação inadequada à minha própria raiva. – suspirei, tentando controlar meu temperamento meio explosivo – Eu agradeço muito que tenha me encontrado e se preocupado comigo, mas você poderia me devolver a minha moto e as minhas coisas?
- Você não quer ficar?
- Não. Preciso ir para Norque.
- Norque é muito longe daqui. Infelizmente não temos a sua moto e nem os seus pertences. Respirei fundo. Eu queria mesmo era socar o nariz daquele cara.
- Certo. Então será que você poderia me levar de volta para onde me encontrou?
Ele pareceu analisar suas alternativas. Deu de ombros e ajeitou um copo ao lado da minha cama.
- É possível. Mas terá que esquecer que já esteve aqui.
- É seu único preço? – ele mexeu a cabeça em afirmativa – Farei isso. – com o maior prazer, quis continuar, mas contive as palavras.
- Mas isso só será possível amanhã. Temo que terá que passar o dia por aqui.
Esfreguei os olhos com as mãos. Aquilo não podia estar acontecendo comigo.
- Certo, não tem problema. – cruzei os braços sobre o peito e me joguei contra o travesseiro. - Você não precisa ficar exatamente aqui, na enfermaria. Se quiser, pode conhecer a nossa encantadora ilha.
- Eu não deveria esquecer que já estive aqui? – enruguei a testa.
- Claro, mas não há motivos para deixar de aproveitar esse belo dia. – ajeitei o lençol sobre o meu corpo. Ele deu de ombros e se encaminhou para a porta – É você quem sabe, . Eu não perderia a oportunidade.
Ele saiu da peça e eu remexi o amuleto entre os dedos. Afastei os tecidos que me cobriam e levantei da cama. Descobri estar usando roupas que não eram minhas. Vestia uma calça preta e uma leve camiseta roxa com a estampa branca que era só a silhueta de uma coruja. Eu tentei evitar pensar em quem havia me vestido e de quem eram aquelas roupas.
Calcei as botas (as minhas botas!) que estavam ao lado da cama e saí do cômodo. Estava quente. Quente demais para o mês mais frio de Novaterra. Caminhei devagar, acompanhando o caminho de pedras que parecia extremamente natural no meio da grama, como se sempre tivesse sido daquele jeito, uma trilha cinzenta perfeita. À minha direita a ilha se estendia numa praia. Árvores apareciam esporadicamente pela areia, inclinadas e com troncos divididos de modo a formar bancos para as poucas pessoas que queriam ficar sentadas. Um grupo de jovens (deveriam ter a minha idade) corria pela areia perseguindo alguma coisa que eu não conseguia enxergar. Parecia extremamente divertido.
Peguei-me entrando na floresta que estava ao meu lado esquerdo. Pensei em voltar porque não sabia que tipos de animais se escondiam ali, mas a parte menos racional de mim resolveu seguir em frente.
A mata densa estava estranhamente silenciosa. Não se ouvia qualquer som além da grama por baixo das solas das minhas botas. Eu me encaminhava para o meio da floresta sem pensar duas vezes. Percebi algumas marcas curiosas em alguns troncos de árvores e tentei entender seus significados, sem sucesso. Prestando atenção demais naqueles símbolos, tropecei numa raiz. Na tentativa de restabelecer o equilíbrio, acabei tombando para trás.
Antes de sentir a dor, o vi. Olhos alaranjados e cabelos da cor da terra seca combinavam muito bem com os traços sérios e atraentes daquele homem. Mesmo encantada com a beleza daquele rosto, meus olhos desceram por seu torso e escorregaram por seus braços. Tinha o peito nu e uma lança apontada para a minha garganta, sua lâmina roçando minha pele.
- Intrusa! Atreve-se a entrar sem permissão na minha floresta? Que desgarrada estúpida! – ele gritava, os dentes rangendo. Atrás dele, um cavalo se remexia ansioso. – Como entrou aqui? Não importa. Darei um jeito em você. – ele, na verdade, parecia montado no cavalo, mas seu peito escondia a cabeça do animal, de algum modo.
Senti a lâmina tocar meu pescoço e apertei os olhos, pronta para ser decapitada. Não exatamente pronta. Você não deveria se considerar pronto para a morte aos dezenove. O metal empurrou minha pele lenta e levemente. O cavaleiro continuava com o discurso sobre a minha invasão. Eram todos loucos ali.
- Nunca mais um desgarrado como você entrará aqui. É uma pena que você jamais conseguirá avisar seus amigos...
- Cytron, o que está fazendo? PARE! – senti um par de mãos me puxarem para trás.
- O que eu estou fazendo? Zarafee, o que você pensa que está fazendo? Eu tenho o direito de matar qualquer intruso nessa floresta. – meio zonza, meus olhos misturavam a imagem do cavaleiro e do cavalo em uma só. Ri com a imagem surreal.
- Ela não é uma intrusa, Cytron. Muito menos desgarrada! É a nova Guerreira. – uma mulher muito loira entrou no meu campo de visão e se ajoelhou ao meu lado. – Você a cortou! Cytron! O chão sumiu sob o meu corpo enquanto os sons e as imagens começaram a se misturar na minha cabeça. Ouvia coisas como “socorro” e “lança” e meus olhos criavam ilusões de mulheres com rabos de peixe ou com asas nas costas.
Algo muito macio se pressionou contra as minhas costas e eu só vi a escuridão. Pareceu uma eternidade até que, com uma lentidão exagerada, consegui abrir os olhos. Encontrei Fintan com um olhar apreensivo. Ele esfregava o rosto e puxava os cabelos.
- O que aconteceu? – perguntei preocupada. Ele não parecia o tipo que se abala por pouca coisa.
Seus olhos voaram para o meu rosto e me analisaram. Seu sorriso surgiu como se uma ventania tivesse aberto a porta dos seus lábios, um sorriso imediato, nenhuma demora. Ele afagou meu cabelo. A mão livre pegou o copo ao lado da cama e o ofereceu a mim. Bebi, descobrindo o mesmo sabor de antes.
- Como você está, ?
- Bem. Um pouco confusa. Eu já não acordei aqui antes? – será que eu estava sonhando? - Sim, . Você estava na floresta, consegue lembrar?
- Lembro-me de tropeçar e de uma lâmina contra a minha garganta. Cytron...? – tentei juntar as memórias. – Um cara em cima de um cavalo. Ou na frente dele. Ele parecia um homem cavalo, na verdade.
Ri de leve, achando a ideia estúpida. Fintan me olhou com um sorriso nos cantos dos lábios. Era um sorriso bem sugestivo.
- ... – arregalei os olhos. – Então... – ele mexeu a cabeça positivamente. – E as mulheres com rabos de peixe... – Fintan abriu novamente o sorriso. – Ah... Bem... Eu... Muito bem... Ok. – alisei as roupas de cama, meus olhos evitando os do cara de anil. – O que aconteceu comigo?
- Cytron usou a lança em você. Foi um pequeno corte, então a cicatriz não vai ficar tão feia. Eu estou chocado, na verdade. Você não deveria ter sobrevivido. – o olhei indignada. Ele esperava que eu morresse, então? – Não me olhe assim. Há um veneno letal na lança de Cytron. O menor arranhão é capaz de matar. Mas você se recuperou em menos de uma hora. É claro que trouxemos o antídoto, mas o esperado para Guerreiros tão jovens é pelo menos um dia para a recuperação.
- Isso significa que eu posso sair daqui? – comecei a me sentar antes de terminar a pergunta.
- Claro. – ele concluiu depois de dois segundos de hesitação. – Mas, só para garantir que você não vai se meter em mais encrencas, vai ser acompanhada por . Ele conhece tudo por aqui. – Fintan apontou para o rapaz que estivera do outro lado da minha cama o tempo inteiro e só agora eu percebera.
- Tudo bem. – falei, terminando de ajeitar as roupas emprestadas que eu usava e olhando para o tal . – Podemos ir?
Ele mexeu a cabeça em afirmação e me acompanhou para fora da enfermaria. Não parecia disposto a falar.
-Então... Seu nome é , mesmo? – foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça e me arrependi no segundo em que projetei as palavras no ar. Um sorriso cômico banhou o canto esquerdo de seus lábios e ele afirmou com a cabeça de novo. – Legal. O meu é . – eu revirei os olhos para mim mesma. É claro que ele já sabia. Meus olhos notaram, sobre uma pedra no mar, o mesmo corpo de mulher que imaginara durante meu estado de confusão. E lá estava, novamente, o rabo de peixe no lugar das pernas. – Ela é uma... – a palavra demorou a se formar. Meu cérebro se recusava a produzi-la, achando tudo aquilo muito ridículo – Sereia? Ela é tão bonita.
Caminhei pela areia na tentativa de enxergar melhor a pedra e a criatura.
- Isso é sério? – perguntei para mim mesma, sem ter certeza se ainda me acompanhava.
- Bastante sério. – a voz dele respingou em meus ouvidos. Encarei seus olhos muito azuis e engoli em seco. – O nome dela é Ceryn. É a minha Protetora.
- Sua... Então você é um Guardião? – arregalei os olhos e dei dois passos para trás. Uma noção de respeito se formou rapidamente na minha cabeça.
- Sim. O Guardião da Lua Azul. Mas isso não faz diferença para você, não é? – enruguei a testa em incompreensão – Vai embora amanhã, estou certo?
- É. Você tem razão. Mas... Se eu ficasse... Eu seria uma...?
- Uma Guerreira de Fogo, é claro. Ao menos é o que essa coisa diz. – ele apontou com certo nojo para o amuleto em meu pescoço. Olhei para o dele. Um metal azulado formava a silhueta de uma sereia, a ponta do rabo tocava a ponta de seus cabelos formando um círculo com o corpo. Um tridente cruzava o amuleto.
- Então é assim o amuleto de um Guardião. – levei a mão para tocá-lo. Ele a afastou agressivamente.
- Não ouse. Você é maluca, garota? Não tem permissão para tocar. – estreitou os olhos. Seus cabelos preto-azulados se revoltaram como as ondas de um oceano agitado. Escondi as mãos no bolso da calça. Eu poderia odiá-lo.
Andei até uma das árvores tortas, sobre a qual me sentei. Ele logo estava ao meu lado.
- Achei que queria conhecer a ilha. – olhava para o mar.
- Não. Eu quero ir para casa. – eu olhava para um círculo usado para fazer fogueiras. Por vários minutos encaramos pontos diferentes e ouvimos apenas o mar e nossas respirações. – Você pode ir para os seus afazeres de Guardião.
- Minha única tarefa agora é garantir que você não vai se meter em mais problemas. Eu não vou te carregar uma terceira vez para aquela enfermaria. – ele chutou uma pedra.
Um grupo de meninas vestidas de azul passou correndo por nós, gritando um “oi, ” e sumindo pelas minhas costas.
- Então essas são as suas fãs? – perguntei com um sorriso irônico.
- O quê? É claro que não. São minhas Guerreiras.
- Ah. E eu seria a Guerreira de quem? Se eu ficasse aqui, é claro. – o encarei e ele me olhou incrédulo.
- É melhor mesmo você ir embora amanhã. Pelo visto você não sabe nada sobre nós. Nem mesmo o que lhe diz respeito.
Pus-me de pé logo a sua frente. Meu braço esquerdo se impulsionou para trás e eu poderia enfiar um soco naquele convencido. Pensei melhor. Apelei.
- Parece que você sabe tão pouco quanto eu, já que não vai se gabar sobre seus conhecimentos...
Ele estreitou os olhos. Pareceu considerar. Sua voz escorreu entre os lábios quando voltou a falar.
- Não há um Guardião da Lua Vermelha. Assim como também ainda não há um da Lua Violeta. Nós nem sempre nascemos ao mesmo tempo. É perfeitamente normal uma lua ficar sem Guardião por alguns anos.
Percebi que tinha mais, mas ele não me contaria. Dei as costas a ele e voltei a caminhar pela areia. Não troquei mais palavras com enquanto observava mulheres serem envolvidas por árvores e me fascinava com as misturas interessantes de animais.
O sol já se deitava sobre o horizonte quando a voz dele inundou meus ouvidos de novo. Perto demais.
- Temos que voltar. O jantar já será servido. – ele indicou o conjunto de construções que havíamos deixado para trás.
O acompanhei sem falar qualquer coisa. Meus dedos formigavam e o corte em meu pescoço coçava. Esfreguei o lugar com aflição. me olhou com os olhos apertados. Passei as unhas pelo machucado. Depois de um minuto aquilo se tornou insuportável. Parei no meio do caminho e me concentrei em arranhar a garganta.
parou de frente para mim e arrancou minhas mãos do pescoço, erguendo meu queixo e deixando que a luz alaranjada do pôr do sol iluminasse a minha pele. Meus olhos estavam úmidos de agonia e eu mordi a boca para conter meus rosnados de raiva. Ele segurou com uma só mão os meus pulsos quando tentei voltar a coçar a região.
- Qual é o problema?
- Coça demais. – deixei escapar em um tom manhoso. Ele ergueu um olhar preocupado para mim e suspirou.
- Eu não deveria fazer isso. Não se mexa.
- O que você...
- Calada.
Ele passou o polegar por cima do corte.
Eu fechei os olhos.
A coceira passou devagar e eu relaxei os músculos. se afastou.
- Melhor?
- Sim. Obrigada, eu... O que você fez? – voltamos a andar.
- O necessário. Não invente mais bobagens. Não tenho mais tempo para perder com você. – colei meus olhos em seu rosto, indignada. Cruzei os braços firmes contra o peito e apenas o acompanhei, alguns passos atrás. sequer olhou para saber se eu ainda o seguia. Um pouco além da enfermaria – que era a primeira cabana de uma série de outras construções muito semelhantes – um espaço aberto era ocupado por dez mesas compridas.
Atrás de uma delas e em cima de uma espécie de palco, sete cilindros transparentes se destacavam. O primeiro e o último estavam vazios, mas os demais eram preenchidos por pura magia. O segundo tinha uma porção de terra que ficava se transformando em pequenas pedras coloridas para depois voltar à forma inicial. No terceiro, uma esfera de luz brilhava e assumia formas diferentes, imitando animais e objetos. O do meio continha uma simples semente. Pequenos ramos saíam dela e se enrolavam e desenvolviam até formar uma pequena árvore, acontecendo, então, o processo inverso. No quinto, ondas quebravam contra as paredes do cilindro e a água ali dentro tomava formas diversas. O sexto também parecia vazio, mas bastava continuar olhando para assistir o tornado em miniatura ganhando força. Estava especialmente hipnotizada pelo sexto cilindro quando alguém tocou meu ombro. Pulei de susto e abri um sorriso sem graça para Fintan.
- Fascinante, não é mesmo? – mexi a cabeça em afirmativa. – Você mudou de ideia? – ele me olhou esperançoso.
- Não, Fintan. Eu sinto muito, mas realmente não acho que me adaptaria aqui.
Ele suspirou e deu dois tapinhas no meu ombro.
- É uma pena, . Mas pelo menos aproveite a sua refeição, sim? – Fintan me deixou sozinha depois de um sorriso.
Invadi devagar aquele espaço. Muitos Guerreiros brincavam de lutar e não me notaram. Uma menina tomou minha mão na sua e me deu um enorme sorriso.
- Serviu direitinho, hein? – ela sacudiu a cabeça em aprovação.
- Perdão? – ergui uma sobrancelha, sem entender.
- A roupa. Eu que te emprestei. – ela riu e jogou os cabelos castanhos para trás. Estendeu a mão para mim – Lavender. Você pode chamar de Lav.
- Ah. Obrigada, então. Eu sou . – apertei a mão dela. – Eu vou devolver suas roupas assim que achar as minhas, prometo.
- Fica pra você. É sério. – ela acrescentou quando eu ia discordar – Eu tenho uma porção, não vai fazer falta. E elas ficaram muito bem em você. Poderia ser uma Guerreira da Colheita. – Lavender riu de novo e bagunçou os meus cabelos. Eu ri de volta e ajeitei a blusa no corpo.
- Muito obrigada. Eu gostaria de ter algo pra te dar em troca, mas infelizmente ninguém trouxe as minhas coisas.
- Não esquenta, ! É o jeito da Colheita, a gente ajuda os nossos aliados. Você sabe, o pessoal do Fogo não vai se arriscar a ser gentil com alguém que pode nos abandonar ou virar um desgarrado. Por mais que cada um esteja certo de sua honra e a do grupo como um todo, não poderiam ter certeza sobre você. Além disso, nos sentimos responsáveis por vocês, já que é um dos nossos que os traz aqui. – Lav apertou minha bochecha. Ela olhou para algum ponto acima do meu ombro e abriu um sorriso meigo.
- Pessoal, por favor, comportem-se... Vocês podem me ouvir? – Fintan estava em cima do palco com os cilindros. Ele tinha as mãos na cintura enquanto esperava todos se calarem. – Sentem-se, por favor.
Lentamente os jovens foram tomando seus lugares, formando grupos de uma só cor ao redor de cada mesa. Olhei para Lavender, sem saber para onde deveria ir e ela deu uma risada baixa.
- Você deve sentar junto com os Guerreiros de Fogo. A gente se vê por aí. – ela afagou meu cabelo mais uma vez e correu para a mesa dela.
Juntei-me ao grupo que vestia vermelho e duas garotas abriram espaço no banco para que eu sentasse ao lado delas. A loira me ofereceu um sorriso.
- Então você é a novata. Bem-vinda. Eu sou Sunday, e ela é a Suri. – ela apontou para a garota na minha direita.
- Eu... – comecei, mas a voz de Fintan me calou.
- Muito bem. Silêncio. – ele esperou dois segundos – A Água não deve esquecer que a limpeza é sua, hoje. A guarda está por conta da Terra. O Fogo terá folga amanhã, pelo sucesso da batalha de hoje. – parou de falar e olhou para os rostos voltados a ele. Riu. – O que foi? Parecem ansiosos. – senti alguns olhares caírem sobre mim. O riso de Fintan esvoaçou pelo ar – Ah, é claro. A novata é , Guerreira do Fogo. Infelizmente, escolheu voltar para casa. Hoje ela foi atacada e ferida por Cytron. – sussurros começaram – Ele mesmo ministrou o antídoto e ela se recuperou bem. Mesmo assim, todos nós entendemos que um evento assim pode ser traumático, ainda mais sendo seu primeiro dia aqui. Devemos lembrar que isso assustaria qualquer um. Por isso peço que a entendam.
Senti meu rosto queimar. Como assim um evento traumático? Eu não estava indo embora por medo.
- Gostaria que os Guerreiros do Fogo fossem gentis e aceitassem em uma das cabanas por essa noite, para que ela não tenha que dormir na enfermaria de novo. – ele olhou diretamente pra mim. – E agora, podemos comer.
Sunday afagou meu ombro.
- Você está bem? Estou surpresa que já esteja de pé. – todos na nossa mesa se levantaram e ela me instruiu a fazer o mesmo. – Eu sinto muito que isso tenha acontecido. – ela pegou o prato dela e o meu.
Todos os Guerreiros de Fogo fizeram uma fila na mesa de comidas. Sunday me entregou um dos pratos e simplesmente começou a servir as mais variadas coisas para nós duas. Quando voltamos aos nossos lugares, meu prato estava completamente colorido.
Eu estava irritada demais com Fintan para manter qualquer conversa na mesa. Mesmo assim, todos foram extremamente simpáticos comigo e, ao final do jantar, Suri e Sunday me arrastaram com elas até uma das cabanas. Acima da porta havia uma inscrição na madeira que informava “Hábeis”. Vi uma garota arrumando minhas roupas dobradas em cima de uma cama no primeiro quarto e sorri agradecida.
- Você pode dormir nessa aí. O banheiro é lá fora. É coletivo, então você vai preferir trancar um reservado. Se você precisar de qualquer coisa, pode nos chamar, tudo bem? – mexi a cabeça em afirmativa.
Segui para a construção indicada como banheiro, que era quase do mesmo tamanho das outras. Os reservados ocupavam as paredes do lugar e eram compostos por uma privada e um chuveiro separados por uma cortina. No meio da cabana, uma parede estava rodeada de pias. Aquele lugar certamente poderia abrigar umas setenta pessoas ao mesmo tempo.
Tomei um banho rápido e senti o cansaço se jogar sobre os meus ombros. Vesti as minhas roupas mesmo sabendo que sentiria um calor absurdo com elas. Ao sair do reservado, algumas pessoas me cumprimentaram com simpatia.
Encontrei, em cima da cama em que dormiria, um conjunto de blusa e short vermelhos. Olhei em volta e vi Suri com um sorriso.
- Aposto que você vai se sentir mais confortável dormindo com essas roupas.
- Muito obrigada. Gostaria de poder retribuir de algum modo... – comecei, mas Suri ergueu a mão para que eu parasse.
- Está tudo bem. Saiba que, diferente do que falaram pra você, nós do Fogo sabemos bem como acolher os nossos.
Sorri agradecida e me troquei. Deitei na cama e enfiei a cabeça no travesseiro, deixando meus músculos relaxarem e o sono vencer a luta contra os meus olhos.


Capítulo 03

acordou sozinha no quarto. Vestiu a blusa, as calças e as botas e olhou pela janela. O sol brilhava sobre as cabeças dos jovens que corriam pela praia. Todos iam para outra parte da ilha, que ela não conseguiu descobrir onde era. Abandonou a cabana e pensou em ir atrás deles, mas alguém se colocou em sua frente.
- Está pronta, ? – os olhos da garota crepitaram em fúria na direção de Fintan.
- Não. – ela respondeu rudemente. Os cantos dos lábios dele se levantaram.
- Então se apresse, logo faremos a viagem. – cruzou os braços sobre o peito.
- Eu não vou. – ela suspirou e, mais contida, continuou – Se estiver tudo bem, quero ficar. Quero me tornar uma Guerreira. Sei que falei ontem que não queria. E sei que você entendeu que foi por causa de Cytron. Não foi. Tive uma má impressão. Porém, se não for possível eu...
- Muito bem. É claro que pode ficar. É melhor que vá se alimentar. Temos muito que conversar. – ele colocou uma mão nas costas da mais nova e a empurrou para a área de refeições.
Fintan esperou pacientemente enquanto escolhia a própria refeição. Os dois se sentaram à mesa dos Guerreiros de Fogo. Uma moça vestida de roxo se aproximou dos dois.
- Sei que vai ficar, , mas a viagem para Novaterra ainda está marcada para alguns Buscadores. Você gostaria de ter suas coisas de volta? As roupas novas devem demorar a chegar. Infelizmente não podemos trazer a sua moto. – o mais velho esclareceu.
- Ah, sim, por favor. – ela sorriu para a de roxo.
A mulher não falou qualquer coisa, apenas acenou com a cabeça e deixou o local.
- Eu imagino que, sendo de Novaterra, tem muita coisa sobre nós que você não sabe. Estou certo? – ele perguntou depois que enfiou a terceira garfada na boca. Ela engoliu com pressa.
- Eu tive a sorte de ter aulas com alguém que conhecia muitas mitologias. Aprendi algo sobre a mitologia Kielv, mas infelizmente imagino que não seja o suficiente. – Fintan fez um sinal para que ela continuasse – Sei que há Guerreiros e Guardiões e Protetores, que têm habilidades de acordo com as Luas. Sei o que cada Lua representa. Não sei muito mais do que isso. – ela desviou os olhos, incomodada por seu conhecimento limitado.
- Muito bem. – o homem apoiou os braços sobre a mesa e a olhou melhor – Existe uma hierarquia em Mirth. Primeiro os Protetores, depois os Guardiões, em seguida os Guerreiros e então os Soldados. Os Protetores são insubstituíveis e imortais – ninguém, além deles mesmos, pode machucá-los. Os Guardiões são orientados por eles, têm em si habilidades únicas, concedidas pelas Luas. São aqueles nascidos sob o ápice de um dos sete alinhamentos. Os Guerreiros obedecem ao Guardião de sua casa. Nasceram sob o alinhamento de quatro ou mais Luas. Por último, os Soldados. Eles são voluntários. A maioria nasceu sob um alinhamento, mas nunca foi recrutada. Alguns têm até certas habilidades, mas mais fracas que as dos Guerreiros.
- Então eles se oferecem para fazer parte disso?
- Sim. Mas eles fazem parte de um time especial. São treinados e depois enviados a todos os planetas, onde analisam a situação, resolvem algumas brigas, terminam pequenas guerras. Se a situação sair do controle, nos chamam. Entramos nas guerras dos leigos, sem que eles saibam. É claro que você ainda não tem que se preocupar com isso, tem quatro meses de treinamento intenso pela frente antes de se juntar aos demais. Por agora precisa saber que os Guerreiros se dividem nos sete dias da semana para realizar as tarefas, que são distribuídas no quadro de tarefas, na cabana principal. Cada uma das sete casas se divide do modo que achar melhor. Em cada casa, alguns Guerreiros são escolhidos como líderes e organizam os grupos. A única diferença está nos Guerreiros do Fogo, por acaso, a sua casa. Vocês são os únicos que têm uma divisão fixa. Como são os Guerreiros mais impulsivos – e propensos a brigas –, dividiram-se em quatro grupos, de acordo com suas características e inclinações mais marcantes. É claro que alguns se encaixam em dois, até três desses grupos, e cabe aos líderes resolver esse tipo de situação. Os quatro grupos são: os lutadores – se destacam no confronto corpo a corpo –, os caçadores – que têm mais habilidade com as armas –, a inteligência – melhores estrategistas de batalha – e os hábeis – excelentes com qualquer tipo de construção e produção. Ao longo do seu treinamento, suas principais características vão se destacar e você será orientada a um desses grupos.
levou a última garfada à boca. Fintan colocou-se de pé e ela o seguiu.
- Então eu vou entrar em um desses quatro grupos? – o homem mexeu a cabeça em afirmação – E se eu não me encaixar em nenhum deles?
- Você vai.
- Mas e se não? Quer dizer, eu sou de Lores, a única coisa que precisei aprender foi plantar e colher. Sequer cheguei à criação e abate de animais. A briga mais intensa que tive foi com um garoto de sete anos, a arma mais letal que já segurei foi um coletor – que é projetado para só cortar plantas –, a maior estratégia que já armei foi para terminar as tarefas de casa mais cedo e a coisa mais elaborada que já produzi foi um receptor de irrigação – um cano que reaproveitava tudo o que não era utilizado na primeira irrigação.
- De fato, você cresceu sem a perspectiva de se tornar uma Guerreira de destaque. E isso é ótimo, . Você chegou aqui sem todo o preparo e sem falsas esperanças. A maioria se frustra ao saber que, na verdade, é um hábil e não um lutador, ou vice-versa. – Fintan sacudiu a cabeça. – Mas se você está tão receosa, devemos começar o treinamento já. – ele parou na porta da cabana principal – Vou pegar o que precisamos, espere aqui.
A garota se escorou na parede externa e cruzou os braços. Viu um grupo de sereias sentadas sobre algumas rochas no mar. Pareciam aproveitar o sol da manhã e algumas batiam suas caudas na água, fazendo alguns pingos saltarem nos rostos das outras. Na beira da floresta, alguns centauros pareciam ter uma conversa animada.
- Há um Protetor para cada Lua, certo? – ela perguntou assim que Fintan apareceu na porta da cabana. Ele se sobressaltou, mas depois riu de si mesmo e concordou com a cabeça – Então Cytron é o Protetor da Lua Laranja e Ceryn é a da Lua Azul. E os outros?
Os dois começaram a caminhar.
- Zarafee, a fada, da Lua Amarela. Rohan, o basilisco, da Lua Verde. Skye, o grifo, da Lua Anil. E Leorhys, a esfinge, da Lua Violeta. – ele enumerou nos dedos.
- Eu achei que não tivesse um Guardião para a Lua Violeta e, sendo assim, seu Protetor também não estivesse aqui, assim como o Protetor da Lua Vermelha.
- Não, o fato de não haver um Guardião não impede que o Protetor fique na ilha. Eles são independentes. O motivo da fênix não estar aqui é porque, muitos anos atrás houve um desentendimento entre o Protetor da Lua Vermelha e o Guardião. O primeiro, para evitar maiores consequências, preferiu ir embora. Antes de ir, porém, ele anunciou que só voltaria quando o próximo Guardião digno aparecesse. Dois Guardiões surgiram depois disso, mas a fênix nunca retornou.
Ela sequer percebeu que haviam entrado na floresta e já chegavam numa clareira. Era uma área espaçosa e sem qualquer irregularidade no solo, a grama estava baixa e parelha. Fintan entregou para a garota uma espada quase sem fio.
- Usará essa no treino, já que não tem muita prática. Não queremos acidentes, não é mesmo? – ele sorriu.
- Você tem medo que eu o machuque? – ela provocou.
Fintan riu e desembainhou a própria espada.
Bastou ele tomar a posição de batalha para o sorriso da garota sumir. Ela ergueu a espada em desafio e o duelo começou. Seus pés e braços começaram a se mover por puro instinto.
Defendia e atacava como se já soubesse tudo aquilo há muito tempo. Era uma naturalidade de boa parte dos Guerreiros do Fogo, mas não deixou de surpreender Fintan, que começava a ter que se esforçar de verdade para desviar da lâmina dela. Algumas vezes ele gritava ordens e movimentos, mas a garota sequer o ouvia. Agia pelo que achava certo.

O resultado das três horas de intensa luta foi, principalmente, o cansaço. Os dois sentiam os músculos reclamando. Alguns cortes ainda eram visíveis, tanto na pele da garota como na do homem. A lâmina cega causara estragos mesmo assim. Os dois riram pelo estado em que se encontravam, completamente suados e exaustos.
Ele a acompanhou para fora da clareira e da floresta. De volta sob o sol, cravou a espada na grama e prendeu os cabelos vermelhos com uma fita de forma displicente. Fez algum comentário engraçadinho com o mais velho e viu se aproximarem os demais Guerreiros. vinha à frente, carregando uma expressão fechada e olhos faiscantes. Ele se aproximou da garota, que apoiava um braço sobre a espada ainda cravada no chão e entortou a cabeça.
- Você não ia embora? – inquiriu em tom rude.
- Resolvi ficar. – ela soltou, mexendo os ombros como se não fosse algo importante.
- Oh, você resolveu ficar? – o líder dos lutadores ergueu as sobrancelhas. Ela fez que sim com a cabeça. Ele soltou um riso desacreditado. – Você simplesmente resolveu ficar?
- É o que parece. – um sorriso dançou nos lábios vermelhos dela, desafiador.
Os Guerreiros que assistiam a cena mal respiravam, esperando o instante em que liberaria sua fúria. Ele chutou de leve o fio gasto da espada dela.
- Então precisamos trocar essa espada. – ele abriu um sorriso e puxou a espada do chão. – Com essa você não vai ganhar muita coisa.
Ele passou o braço direito sobre os ombros da garota e caminhou num meio abraço com ela, enquanto girava a espada com a mão esquerda.
- Ah, mas eu ganhei de Fintan na nossa luta. – ela apontou o corte que já cicatrizava por baixo das roupas rasgadas no ombro do homem.
- Não brinca. Você fez isso com essa coisa? – ele estendeu a espada na frente de seu corpo, avaliando melhor o objeto. – Fintan, você está enferrujado.
Os três riram. O mais velho mexeu a cabeça de um lado para o outro e abriu um sorriso tranquilo.
- Não, não estou. Ela é excelente. Ouso dizer que vai ser uma ótima lutadora. – levantou uma sobrancelha em descrença – É sério, poderia até acreditar que se compara a você quando chegou aqui. E note que ela nunca usou uma espada antes.
- Você está mentindo, Fin. – o rapaz riu e apontou a espada sem fio para o peito do homem.
- Deveria tê-la visto. É um talento natural. E você nunca conseguiu me arrancar um filete de sangue. – o de anil provocou.
- Vou treinar com você amanhã. – ele olhou para a garota. – Mas sem essa bobagem de espadas para iniciantes. Vamos usar as lâminas mais afiadas da ilha.
- Eu acabo com você sem precisar de uma espada. – ela desafiou. riu e soltou seus ombros e a espada.
Colocou-se de frente para a garota e abriu os braços, a guarda baixa e um sorriso convencido. - Então tente. Agora.
avaliou suas opções. era o líder dos lutadores e uns bons vinte centímetros mais alto do que ela. Tinha mais músculos e muito mais força. Olhou em volta e percebeu algo que a incomodara no caminho. Ele machucara o joelho. Notou porque sempre que ele pisava com o pé direito, o passo se alterava. Ela deu um sorriso convencido e colocou as mãos na cintura. - O que você quer? Que eu te derrube?
- Que você tente, gracinha. – ele riu, os braços ainda abertos esperando a investida da mais nova.
- Você é muito maior do que eu. Como espera que eu faça isso? – ela começou a circundá-lo.
- Foi você que insinuou que conseguia. – ele riu, seguindo a garota com o olhar. Não se mexeu e ela sentiu um alívio por isso.
- A qualquer momento?
- Quando estiver pronta.
Ela riu. Chegou ao ponto cego do rapaz e, enquanto ele virava a cabeça para o outro lado para tentar enxergá-la, o atacou. Enfiou o próprio joelho na parte de trás do dele e o agarrou pelo pescoço quando ele se curvou em desequilíbrio. Dois segundos depois ele tinha as costas coladas na grama e a garota por cima dele.
- Que tal agora? – ela perguntou por fim.
arregalou os olhos. Olhou em volta e percebeu que grande parte dos Guerreiros formava um círculo em volta deles, chocados com a breve luta. Esperavam pela reação do rapaz. Ele certamente era maior e mais forte do que a ruiva montada sobre o seu peito, mas ela o imobilizara de uma maneira surpreendente.
- Nada mau. – ele apertou os olhos e tentou soltar os braços. Ela o apertou mais. – Foi um golpe baixo acertar a minha perna machucada.
- Oh, perdão. – ela pareceu estar realmente arrependida, mas seus olhos faiscaram em provocação em seguida – Achei que estávamos treinando para uma guerra. Até onde sei, não existem golpes baixos numa batalha. Você não deveria estar de guarda baixa. – ela se levantou rápido e pulou para o mais longe possível dele. – Também não deveria subestimar o seu adversário. – ela riu e abriu espaço entre os Guerreiros, saindo da roda de jovens e seguindo para a área de refeições.
- Os antigos Guardiões que me perdoem, mas você acabou com o ego daquele convencido do , garota. – Sunday correu para alcançar a novata. – Eu estou batendo palmas até agora. - Espero que ele não me odeie. Não suportaria mais alguém que não vai com a minha cara por aqui. – ela secou o nariz com as costas da mão.
- Mais alguém? – a loira enrugou a testa.
- Aquele tal de . Ele se acha muito melhor do que todo mundo não é? – ela balançou a cabeça irritada.
- Bem... Mas ele é. Quer dizer... Ele é um Guardião, está acima de qualquer um de nós. É claro que é um estúpido e acha que a água é superior a nós, mas...
- E desde quando o horário do seu nascimento diz algo sobre a sua superioridade em relação aos outros? Isso é extremamente ridículo, por favor. Você sabe, se eu estivesse no lugar dele, nunca trataria alguém do jeito que ele me tratou, como se eu fosse uma folha seca ao lado de uma árvore vistosa. Faça-me o favor, ninguém tem o direito de tratar alguém assim.
- Você pensa diferente, , porque cresceu em outra realidade. Eu nasci em Kielv e, na minha cidade, todos me tratavam como se eu fosse a salvadora dos Sete Povos. E eu sou só uma Guerreira. Uma líder, é claro, mas nunca vou ser uma Guardiã, e mesmo assim tive um tratamento privilegiado. A maioria de nós cresceu assim. – as duas pegaram seus pratos e serviram seus almoços.
- Não significa que você, ou qualquer outro precisa tratar o resto como lixo. – a ruiva decretou.
Sunday suspirou e as duas se sentaram. A líder dos hábeis tentava entender a cabeça extremamente diferente da novata, mas sabia que ela precisaria se adaptar a Mirth, porque os milênios de tradição da ilha jamais se dobrariam aos seus pensamentos destoantes.
As duas comeram em silêncio enquanto as mesas se enchiam de risos e vozes. não viu e sentiu uma ponta de preocupação com o rapaz. Sabia que não o tinha machucado fisicamente, mas tinha uma leve noção do orgulho de um Guerreiro do Fogo. Assim que terminou a refeição, a garota se pôs a caminho da praia.
Escolheu o lado mais isolado, à direita do conjunto de construções. Parou sobre a areia e observou as ondas quebrando.
Estava absorta em pensamentos quando foi surpreendida por um puxão em seus braços.
olhou em volta assustada, procurando o rosto de quem a levantara do chão e a levava para perto das árvores.
- É o seguinte – disse assim que a soltou no chão – eu quero me envolver pessoalmente nos seus treinos. É sério. Não aceito não como resposta.
- O que? Você... Eu... É... É que... Hã?
- Você tem talento demais para ser desperdiçado com o treinamento de outra pessoa. Você é uma lutadora e eu quero você com a minha equipe o quanto antes. Nem Fintan, nem ninguém além de mim é capaz de desenvolver suas capacidades ao extremo. Você tem o pensamento extremamente rápido e compensa a sua falta de massa com agilidade e sutileza. Eu vejo potencial em você e quero desenvolvê-lo.
- Você não está irritado comigo? – ela perguntou enfim.
- Está brincando? Eu estou fascinado. Ninguém aqui tem coragem de agir como você. Eu preciso de alguém que mostre aos outros Guerreiros que você precisa jogar com as cartas que tem para ganhar uma batalha. Mesmo que isso signifique que você precisa atacar um amigo pelas costas. As crianças aqui tem esse maldito código subentendido de honra. Mas não existe isso quando você está cara a cara com o inimigo. É muito difícil desenvolver com eles a ideia de que você precisa, sim, atacar seu oponente por todos os lados.
abriu a boca, mas o som nunca saiu. Ela arrancou um pouco de grama com a sola da bota e viu o buraco ser coberto logo em seguida por mais folhas verdes.
- Então você espera que essas crianças sigam o meu exemplo, quando sequer escutam o que você diz? – ela soltou.
- É claro que não. Quero que eles odeiem você. – a garota arregalou os olhos – Quando você começar a mostrar que vai atacar por onde eles não imaginam, vão começar a perceber que é só assim que vão ter uma chance de ganhar de você. Você é... Diferente, . Você não se importa se eu sou um líder ou um Soldado, me olha de igual para igual.
- É porque somos iguais, . Quer dizer, é claro, me disseram que você tem uma posição avantajada, mas eu não estou nem aí. – ela deu de ombros e o rapaz riu.
- Certo, , começamos o treinamento amanhã pela manhã? Tenho tempo livre. – ele escorou o ombro em uma árvore. Seus olhos azuis não desviavam do rosto dela.
- Tudo bem. Onde?
- Nos encontramos na enfermaria, já soube que é o seu lugar favorito. – sorriu bem humorado. revirou os olhos e empurrou seu ombro de leve enquanto tentava conter um sorriso.
- Em breve será o seu, se quiser mesmo treinar comigo. – ela soltou em provocação. Sem aviso, deu as costas ao rapaz e jogou um aceno por cima do ombro, ouvindo rir mais uma vez.
A garota caminhou de volta para o conjunto de construções e passou direto por ali, atingindo a parte mais utilizada da praia, ao lado esquerdo das cabanas. Suri a avistou e correu até ela.
- ! Onde você estava? – a morena mexeu a cabeça como se não precisasse de resposta. – Estávamos te procurando, é nosso dia de folga, então vamos aproveitar. – ela apontou para um grupo mais distante na praia.
- Aproveitar como? – a ruiva pareceu interessada, seguindo Suri pela areia.
- Ah, você tem sorte. Seu primeiro dia de verdade aqui e já vai ver como o Fogo se diverte. – a outra riu, virando-se para a companheira e caminhando de costas. Puxou pela mão e a forçou a correr até o restante do grupo. – Olhem quem eu achei! – ela gritou quando estavam perto o suficiente para serem ouvidas.
Alguns Guerreiros que carregavam troncos de madeira pararam o trabalho por um momento para olhar as recém-chegadas. observou sorrisos se mostrando.
- É a novata! Pode chegar, fica à vontade. – um dos garotos indicou um dos troncos que já estava sobre a areia.
- Por favor, o nome é . – a garota falou sem graça.
- Acostume-se, novata. – um rapaz tão ruivo quanto ela soltou com uma risada.
- E espere até a próxima leva de novatos chegar. São as regras da casa. – uma garota de cabelos castanhos acrescentou.
- Ou até você superar um desses inteligentes. – Suri cochichou em seu ouvido, um tom venenoso se misturando ao humor de sua voz.
Não demorou muito para que entendesse a dinâmica dos grupos. Os hábeis tinham mais afinidade com os caçadores, já que ambos os grupos estavam relacionados à produção, manutenção e uso das armas. Os inteligentes, por sua vez, tinham um relacionamento melhor com os lutadores, uma vez que as estratégias são as melhores amigas de quem está no combate corpo a corpo. Por outro lado, hábeis e inteligentes não costumavam se gostar muito, assim como lutadores e caçadores.
Mesmo assim, percebia que todos se esforçavam para não haver brigas.
Já havia se passado quase uma hora desde que sentara no tronco velho quando finalmente o Fogo se deu por satisfeito. Tinha lugar o suficiente para um batalhão se sentar, a comida se espalhava por perto de todos, uma fogueira foi montada e até as ninfas resolveram apreciar a comemoração.
Os Guerreiros começaram suas exibições. No centro da roda, dois lutadores começaram um combate. Passos sincronizados e movimentos que pareciam ensaiados quase transformavam a luta numa dança apoiada pelo som dos instrumentos feitos pelos hábeis.
Lutas, armas, música e o calor emanado da exaltação de cada um ali. O Fogo só começava a aquecer.
Depois de mais alguns combates corpo a corpo, chegou a hora dos caçadores mostrarem suas habilidades. Flechas, facas, lanças e dardos voaram em direção a alvos improvisados, acertando sempre a maior pontuação. estava sem fôlego.
Ao pôr do sol, garrafas de néctar de fogo eram passadas de mão em mão. Ninfas entoavam antigas canções kielvianas ao som dos instrumentos musicais dos hábeis. A fogueira estalava e abafava o barulho das ondas quebrando na praia. Nem o vento se arriscava a provocar o fogo violento. sentia como se já fizesse parte daquilo há muito tempo, como se tivesse participado de muitas outras comemorações dessas.
O cara ruivo, Dale, entregou uma de suas facas a ela.
- Mostre suas habilidades, novata. – o caçador sugeriu.
Apesar da fogueira e da quantidade exagerada de néctar que já corria por seu corpo, ela sentiu o sangue gelar. Até então, só usara facas para cortar alimentos. Nunca havia arremessado uma. A garota hesitou.
- Está tudo bem, . – Sunday falou ao seu lado. – Todo mundo já foi novato algum dia, ninguém chegou acertando os alvos de primeira, acredite. – a loira deu um empurrãozinho nas costas da colega.
levantou. Testou o peso da faca nas mãos trêmulas e viu Dale apontando um dos alvos entalhados nos troncos velhos. Fechou os olhos, respirou fundo e mordeu o lábio. Voltou a cravar o olhar no ponto que queria acertar.
Antes mesmo de perceber, já havia atirado a faca prateada contra a madeira. Demorou a enxergar em que ponto tinha acertado. Exatamente na divisão entre o círculo central e o próximo anel.
- Você fazia isso com frequência, novata? – o ruivo perguntou entre risadas, arrancando a faca do tronco e usando a própria camiseta para limpá-la.
- Primeira vez. – disse meio sem jeito. O caçador a olhou surpreso.
- Mesmo? Então será uma honra tê-la no time dos caçadores. – Dale bateu de leve no ombro da garota.
Aos poucos, Guerreiros de outras casas começaram a se juntar ao luau do Fogo. A Guardiã da Lua Amarela iluminou a noite com pequenas esferas de luz que flutuavam acima das cabeças dos outros.
Como era fácil esquecer-se de casa e dos problemas quando estava ali. Tinha conversa boa, pessoas amigáveis e músicas agradáveis.
Pela primeira vez era bem tratada fora do núcleo familiar.
Pela primeira vez as pessoas riam com ela e não dela.
Pela primeira vez não era julgada.
Uma lágrima inconveniente rolou por seu rosto. estava agora ao seu lado e limpou o rastro molhado antes que a garota fosse capaz.
- Está tudo bem? – perguntou preocupado. Ela se atrapalhou para responder e ele apertou seu ombro em forma de conforto. – Sei como é. Saudade de casa, da sua cidade, não é mesmo?
- Não. – ela soltou rápido demais. – Quer dizer... Não pude dizer adeus a quem eu queria. – inventou.
- Ninguém pôde. Mas... Às vezes temos alguns dias de folga e podemos ir visitar nossas famílias. Não se preocupe, , isso não é pra sempre. – ele deu um soquinho no braço dela, em seguida sendo chamado para uma conversa sobre alguma técnica de luta.
A ruiva tentava acompanhar os assuntos debatidos na roda, mas, repentinamente, as vozes começaram a ficar altas demais em sua cabeça, o calor excessivo e o ar escasso. Saiu disfarçadamente do meio do grupo, afastando-se em direção à floresta.
Parecia ficar melhor entre as árvores, então invadiu o espaço verde. Caminhou alguns metros até vê-lo pela segunda vez. O centauro. Ele estreitou os olhos alaranjados e segurou firme a lança ao lado do corpo.
- Por favor, me desculpe. – ela pediu amedrontada enquanto dava alguns passos para trás. Ergueu as mãos na defensiva. – Não me ataque. Eu...
Cytron pareceu identificar algo nela. A pequena cicatriz no pescoço. Sua postura se modificou.
- Você? – ele soltou. Agora sua voz não ostentava um tom ofensivo, mas sim surpreso. – Pelas Luas, como não notei antes? – por entre os dedos viu o centauro fazer uma breve reverência. Para ela. – Perdoe-me, Guerreira. Eu deveria ter percebido ontem quem você era. Sinto muito tê-la atacado, mas fui pego de surpresa. Apenas os Guerreiros da Terra e da Fertilidade visitam a floresta com naturalidade, a sua presença me era desconhecida, de modo a atacá-la sem pensar. Fiquei tomado de fúria, você imagina, nenhum desgarrado entra em minha floresta. Mas agora percebo que foi a luz que me confundiu os olhos, agora vejo muito bem.
Talvez estivesse muito atordoada para replicar ou já esperasse outro monólogo do centauro, porque ouviu suas palavras sem questionar até que ele lhe oferecesse um sorriso gentil.
- Eu é que lhe peço perdão... Você sabe, por me meter na sua floresta... Duas vezes. – ela acrescentou, erguendo dois dedos para reforçar. – Eu acho que não aprendo tão rápido quanto deveria. Deveria lembrar-me de não invadir isso aqui, principalmente com essa cicatriz coçando a toda hora.
- Você tem permissão para entrar quando quiser, Guerreira. A cicatriz coça? – Cytron se aproximou da ruiva, tocando o pescoço dela. Em instantes a coceira passou. – Minha culpa, achei que havia curado tudo na enfermaria. Por favor, me perdoe de verdade por ontem. Não havia notado... – ele mexeu a cabeça e pareceu falar algo para si mesmo.
- Notado o que? – a garota ergueu as sobrancelhas.
- A sua aura, é claro. Estou surpreso. Nunca havia visto um Guerreiro de Fogo com uma aura que exercesse tanta influência sobre mim. É mais forte até que a de alguns da Terra...
- Aura?
- É. A aura é um campo de luz a sua volta. – quando a garota começou a mexer a cabeça tentando enxergar a tal luz o centauro riu. – É invisível para vocês de raça humanoide. Só nós podemos enxergar. A aura basicamente é a influência que você exerce sobre os outros seres. E, devo dizer, sua aura laranja é muito forte.
- Isso é bom? – ela coçou a cabeça enquanto tentava entender.
- Para você é ótimo. Significa que é fácil ganhar a simpatia de criaturas da Terra e muito dificilmente será atacada. – ele deu um sorriso amarelo. – Você é praticamente considerada uma Guerreira da Terra por esses seres.
- Então é assim que funciona... – disse mais para si do que para o centauro.
Cytron olhou em volta, os ouvidos captando sons que a garota não era capaz de perceber.
- Acho que é melhor você ir agora, Guerreira. Não devemos arriscar sua segurança. – Cytron começou a acompanhá-la para a borda da floresta.
- Tudo bem. Obrigada. – ela lançou um sorriso enquanto desviava de algumas raízes altas. Ao chegar ao limite da floresta a garota o encarou. – Da próxima vez me chame de .
- Vou me lembrar disso. – o centauro riu enquanto a observava caminhar para a praia.
decidiu que não voltaria para a comemoração. Era divertido, mas começara a sentir-se indisposta. Passou pelas cabanas e parou no refeitório. Era o horário da última refeição e só a mesa do Fogo não estava ocupada. Ela pegou um dos pratos e se serviu de algumas frutas e grãos. Os costumes falavam mais alto quando se tratava de sua alimentação.
Estava voltando para a própria mesa quando ouviu seu nome ser chamado. Ao olhar em volta encontrou o sorriso doce de Lavender.
- Sente-se conosco. – ela pediu enquanto abria mais espaço ao seu lado no banco.
A Guerreira do Fogo se encaminhou para a mesa que ficava na extremidade oposta, sentando-se ao lado da garota que tinha mechas roxas no cabelo.
- Tudo bem com você, ? – Lavender perguntou de forma carinhosa. – Achei que estava na comemoração do Fogo.
- Tudo ótimo. – a ruiva respondeu, deixando sua atenção cair para o prato em sua frente. – Eu estava, mas tive que sair. Senti uma dor de cabeça. – ela enfiou um pedaço de fruta na boca.
- Ah, sinto muito. Espero que melhore logo. – a Guerreira olhou em volta e em seguida ofereceu um sorriso para a novata. – Soube que você derrubou o líder dos lutadores hoje, estou orgulhosa.
- Isso... É... Bem... Não foi grande coisa...
- Não foi grande coisa? – a da Colheita gritou, recebendo um pedido da ruiva para que falasse mais baixo. – Bem, eu digo para você: até hoje ninguém teve capacidade ou coragem para fazer o que você fez! Nem mesmo – e nesse momento ela aumentou o tom de propósito – os Guardiões que se julgam os melhores combatentes...
A área de refeições estava silenciosa o suficiente para que todos escutassem. se encolheu no seu lugar, desejando sumir o mais rápido possível.
- Está querendo dizer alguma coisa, Guerreira? – ela ouviu uma voz conhecida inundar o espaço. pousou o copo sobre a mesa e seu olhar não havia se desviado do enfeite de gelo que um de seus Guerreiros tentava moldar. A voz dele não saiu mais alta do que o natural e transmitia uma tranquilidade que ele provavelmente não sentia no momento.
apostou consigo mesma que por dentro o rapaz estaria parecendo água fervente. Borbulhando de raiva da indireta da colega.
- Quem? Eu? – Lavender parecia chocada ao perguntar. – Não estou querendo dizer qualquer coisa além do que já disse, senhor Guardião. E repito: nem mesmo os Guardiões que se dizem os melhores em lutas foram capazes de derrubar o .
Parecia que todos tinham prendido as respirações. A ruiva viu tentar conter um sorriso, mas ele gotejava pelo canto esquerdo de seus lábios.
- Está certa. No entanto, há uma explicação para isso. Nenhum de nós, Guardiões, precisamos gastar tempo provando que somos superiores a qualquer Guerreiro por aí.
não se conteve. Antes que pudesse pensar em segurar, uma gargalhada escapou de seus lábios e ali se demorou.
- Esse cara só pode estar de brincadeira. – ela concluiu em voz alta, piorando sua situação.
- Perdão? – ergueu-se, deixando a própria mesa e encarando a dupla pela primeira vez.
- Oh, sim, senhor Guardião imitou a amiga – eu o perdoo pelas besteiras que fala, fique tranquilo.
Lavender riu. A garota ao lado de Lavender riu. Os rapazes em frente a elas riram. A mesa violeta riu. A laranja também. O rapaz de azul não achou graça.
- Vou lhe dar a oportunidade de retirar o que disse. – ao ver o olhar desafiador da garota, ele acrescentou. – Aliás, vou lhe dar as costas e fingiremos que isso nunca aconteceu.
deu o primeiro passo de volta à própria mesa, de costas para as garotas.
- O que o faz pensar que quero retirar o que disse? – perguntou, pondo-se de pé e cruzando os braços sobre o peito. O rapaz virou-se novamente. A garota se aproximou dele e abaixou o tom de modo que só ele escutasse. Seu dedo apontava diretamente para o peito dele. – Oh, o senhor se acha muito importante não é mesmo, Guardião? Diga-me, desde quando a hora em que você nasceu dita o quão bom você é? Sabe de uma coisa? No lugar de onde eu venho você seria só mais um babaca pra quem ninguém dá bola. Você não sobreviveria dois dias com esse papinho de Guardião. Então feche essa boca prepotente e entenda que você não é melhor do que ninguém só por causa de uma sereia pendurada no seu pescoço. Se desejar mostrar-se o grande senhor das lutas, prove com o próprio suor e não com um nascimento no ápice lunar. Isso não prova suas habilidades, só sua estupidez. – ela finalizou arfante. As bochechas estavam vermelhas e o olhar, assassino.
- Está querendo dizer que você é melhor do que eu? – ele riu.
- Bem, quem sabe?
-Você certamente deveria ter ido embora quando teve a oportunidade, Guerreira.
- Oh, muito pelo contrário, querido Guardião, estou cada vez mais certa de que ficar foi uma ótima escolha. Vou adorar ver a sua cara quando for derrubado por um Guerreiro do Fogo.
- O que está sugerindo? Vai me desafiar, Guerreira? – ele finalmente falou em voz alta, fazendo os demais soltarem sons espantados.
O olhar dele dizia tudo. não tinha para onde fugir.


Capítulo 04

- Você o quê? – perguntou alto demais.
- Preciso treinar bastante...? – tentou, um sorriso sem graça tomando conta de seu rosto.
- Não. O outro “o quê”, . Você entendeu muito bem. Você desafiou o para uma luta? – perguntou num misto de irritação e choque. – O que deu em você?
- Bem, teoricamente – a garota começou enquanto prendia os cabelos com uma fita verde. – foi ele quem me desafiou. Admito, o chamei de babaca, prepotente, estúpido e talvez até de cara de Gork, mas em momento algum o convidei para um duelo. – deu de ombros. – Não importa. Ele me deu duas semanas, então preciso estar boa o suficiente para acabar com o ego dele. Não me olhe assim, , eu estava te defendendo.
revirou os olhos e ofereceu uma das espadas a ela. Colocou-se em posição, mas, antes de começar, balançou a cabeça.
- Me defendendo? Se ele ganhar de você, nós dois vamos virar piada, .
- “Se”, mas ele não vai. – falou convencida.
- Não mesmo. Porque se eu perceber que você não está em condições de ganhar dele, eu te coloco na enfermaria antes que ele possa. Estou falando sério. – o rapaz ameaçou. A garota revirou os olhos e ergueu a espada.
- Menos conversa e mais treino. – exigiu.
Não demorou muito tempo para que lembrasse as palavras de Fintan. A garota já era uma ótima lutadora. Não podia ser verdade que ela nunca tinha erguido uma espada na vida, desconfiava. Afinal, ele mesmo crescera treinando combates corpo a corpo e, ao chegar em Mirth, deveria estar no mesmo nível que a ruiva.
- Fale sério – ele pediu quando ela encostou a espada na barriga dele. – quantas horas por dia você treinava?
- Hm... Nenhuma. – ela deu de ombros.
- Eu não acredito. Sabe, para lutar assim você deveria treinar pelo menos duas horas por dia... E com alguém muito bom. – insinuou.
- Juro que nunca treinei, . Eu só... Quando chega a hora parece que eu sei o que tenho que fazer. Parece que eu nasci fazendo isso. Mas sequer havia visto uma espada de verdade até ontem.
- Se isso for verdade, , você será a melhor lutadora que já tive a oportunidade de treinar. Eu, inclusive, cederia meu posto a você. – ele soltou com uma risada.
- Não exagere. E eu jamais aceitaria. Você faz um ótimo trabalho. – ela passou a ponta da espada pela terra. – Desculpe, , mas eu achei que o negócio dos lutadores... Você sabe... Que vocês não usassem armas. – a ruiva mostrou a espada.
- Não é bem assim. Nosso combate é o de perto, nossas armas são as de curto alcance, diferente dos caçadores. Além disso, você acha mesmo que o , o senhor Guardião do universo, vai gastar os próprios punhos com você?
- É claro que não. – a garota riu. – Ele é muito bom para isso, não é?
- Ele vai ficar bastante surpreso com você. Vai ser a melhor coisa que vou ver em toda a minha vida, quando você acabar com ele. – o moreno tomou um gole de água.
- Você confia tanto assim em mim?
- ... Eu duvidei do Fintan quando ele me falou sobre você. Duvidei porque nunca vi alguém chegar nessa ilha sendo tão bom quanto eu era. Mas agora... É estranho. Pra uma Guerreira sem experiência alguma, você é uma garota forte demais. Esse é o nosso primeiro dia de luta e você conseguiu me derrotar três vezes. A maioria dos lutadores nunca conseguiu chegar perto desse número. – ao receber um olhar duvidoso da garota, riu. – Respondendo a sua pergunta: sim, eu confio em você. Acredito que vai fazer aquele babaca passar vergonha na frente de toda a ilha.
- Isso porque só treinamos três horas. Eu devo ser boa mesmo. – a ruiva disse brincalhona. Ergueu a espada de novo. – Continuamos?

Se pedissem para se definir em uma palavra ela escolheria cansaço. Cada músculo de seu corpo reclamava da nova rotina de exercícios. Aquilo não tinha qualquer semelhança com o seu dia-a-dia de plantio e colheita em Lores.
Quando se deixou cair sobre a cama, preparada para uma noite de sono tranquilo, seus pensamentos foram atingidos pelas lembranças da sua cidade. Pareciam ter se passado anos.
Ela quase sentia certa nostalgia ao lembrar-se das plantações, o cheiro característico da cidade, cheiro de terra, cheiro de vida. Nunca se encaixou lá. Recordou o abandono do irmão. As tardes esperando na janela, o rosto enjoativo de Nimic, a tentativa de resistir ao toque de recolher e o odor característico da Noctis, causa de suas noites passadas no chão. Agora, deitada sob o céu Kielviano, perguntava-se como fora tão estúpida a ponto de ter demorado tanto tempo para aprender a se proteger dos efeitos da planta. Ora, a mesma garota que burlara todos os sistemas de alarme já implantados em sua casa (as únicas tecnologias que chegavam a Lores) não iria resistir ao sonífero natural (o mais potente de todos)?
riu debilmente em sua cama. Usava agora os seus trajes de dormir. Antes de deitar ela percebeu algo curioso. A oposição de Mirth a Lores. Mirth, o fabuloso pijama de seda vermelha vibrante e confortável. Lores, a antiga camisola puída de cor branco-amarelada que fora de sua mãe quando tinha a sua idade. Duas realidades que se chocavam com violência. E ela era responsável por concilia-las, pelo menos dentro de sua cabeça.

acordou empolgada para mais um dia na ilha, mas a decepção tratou de lhe dar uma rasteira logo após a primeira refeição. Ou Fintan o fez.
- Como é?
- Aulas, é claro. – ele repetiu sem notar o tom chocado da garota. – Todos os Guerreiros recém-chegados recebem aulas.
- Mas eu já concluí a escola, Fintan. E fui relativamente bem, se você quer saber. Quase tirei nota máxima em Plantio III... É que eu nunca sei se as Drêmonas devem ser plantadas no solo azul ou no roxo... – a garota tentou se explicar, a testa franzida enquanto pensava sobre o assunto. – Tenho quase certeza de que é no roxo...
- Isso não tem a ver com a escola regular, . – Fintan tentava conter o sorriso. – Precisa aprender sobre nossa história, nossos ritos, sobre caça, luta, estratégia, alquimia...
- Sobre luta eu não preciso, está me ensinando. E o resto... Eu realmente preciso, Fin? – ela riu. – Desculpe, Fin é o apelido do meu pai...
- É o meu, também. – Fintan informou. – E sim, você precisa, Guerreira.
- Eu não mereço, sabe? Estudei tanto tempo e agora chego aqui e tenho que estudar mais? Isso é bem injusto. Tudo bem, quando eu começo na tortura? Digo, nas aulas? – ela corrigiu sob o olhar severo do homem.
- Agora mesmo. Venha comigo. – ele começou a andar, obrigando a garota a segui-lo.
Encaminharam-se para uma das cabanas que cercava a área de refeições e ele abriu a porta sem cerimônias. Lá dentro, corredores eram formados por estantes que iam do chão ao teto e estavam repletas de livros. Os olhos de ganharam um brilho diferente.
- Ah, aí está você, Targ. Quase não o encontro no meio dessas pilhas. – Fintan tentou olhar diretamente para o homem entre amontoados de livros.
Quando ele os encarou, encontrou um homem próximo dos trinta anos com cabelos entre o loiro e o ruivo, olhos dourados e uma barba por fazer. Targ abriu um sorriso ligeiro e se pôs de pé.
- Então você é a . Ouvi sussurros sobre você pela ilha. – ele ofereceu a mão em cumprimento.
- Eu nunca vi você aqui. – ela soltou sem pensar, fechando os olhos logo em seguida em repreensão a si mesma. – Quero dizer: olá, é um prazer conhecê-lo. Tudo bem com o senhor? O homem riu e lançou um olhar significativo para Fintan.
- Não sei com o que estava preocupado, velho Fin, parece que vamos nos sair muito bem. E por favor, , não me chame de senhor. Targ está ótimo. Devo dizer que nunca me viu porque não moro mais em Mirth, mas Fin fez questão de me chamar para ser seu tutor. – ele explicou enquanto a olhava nos olhos.
- Fintan, que vergonha! – a garota escondeu o rosto nas mãos. – Você mandou chamar alguém só para me dar aulas? Eu sinto muito, senhor Targ, eu dizia agora mesmo para Fintan que não é necessário e...
- Está tudo bem, Guerreira, eu estava sentindo saudade dessa terra... Agora, se puder pedir para o senhor chefe dos Guerreiros nos deixar a sós, creio que temos muito que aprender. – Targ lançou um olhar sugestivo para o mais velho, que saiu balançando a cabeça. – Então, , parece que você nasceu e cresceu em Novaterra...
- Está certo, senh... Targ. – a ruiva passou os dedos pelas lombadas dos livros.
- Legal, eu conheci alguns Guerreiros do seu planeta. De onde você é? – Targ a observou.
- Lores, é uma...
- Cidade-base. Uma das mais importantes não é?
- Ah, eu não diria isso, Targ... Lores é só... – ela suspirou, buscando uma definição, mas não precisou.
- Achei que fosse a cidade responsável por produzir e distribuir todo o alimento de Novaterra. Eu acho bem importante, você não? – ao ver a dúvida nos olhos dela, o homem seguiu. – Afinal, se Norque parasse, você conseguiria voltar a viver como seus ancestrais, sem as tecnologias, mas se Lores parasse... Eu duvido que alguém pudesse viver sem a comida.
- Eu nunca pensei dessa forma...
- Então temos que trabalhar isso, . Você tem que perceber a importância em cada detalhe. Isso é crucial mesmo numa batalha. Até o Soldado mais fraco tem um grande valor na luta. – Targ puxou alguns livros das pilhas que já havia separado e os colocou sobre uma das mesas. – ... Eu imagino que você não queira passar seus dias trancada aqui com...
- Na verdade eu achei esse lugar fascinante. Olhe para todos esses livros! – a garota disse maravilhada. Puxou aleatoriamente um livro de uma das estantes e o folheou. – Em Novaterra nós não temos muitos desses. Você sabe, de papel. Usamos os digitais, porque o Conselho disse que nossos ancestrais destruíram e sujaram nosso antigo planeta. Ouvi que não deixaram sequer uma árvore de pé.
- É verdade, depois de alguns problemas em outros planetas, muitas regras foram instituídas nos nossos. Mas Mirth, mesmo estando em Kielv, é uma exceção a muitas delas. – o homem pensou por alguns segundos. – Eu nunca vi um Guerreiro do Fogo tão empolgado em uma biblioteca. Você realmente é peculiar.
- Fintan disse isso sobre mim? – ela riu quando Targ mexeu a cabeça em afirmativa. – Não sei se devo tomar como um elogio...
- Deve. Ele viu algo diferente em você. – ergueu as sobrancelhas, não acreditando. – É sério. Você acha que ele me chamaria para ensinar você, tendo tantos outros tutores disponíveis aqui mesmo, se não notasse algo? E convidar justamente a mim?
- A você? O que você tem de tão especial, afinal? – a ruiva soltou com desdém, tapando a boca e arregalando os olhos em seguida. – Eu sinto muito, eu não quis dizer... O que eu quis...
- Fintan não te falou? – ele soltou junto com uma risada. – E pare de se desculpar por ser você. Eu preciso dessa sua essência para que possamos trabalhar direito. Diga-me, ele não falou nada sobre mim para você?
- Não... Ele deveria?
- Eu achei que iria. Eu treinei e ensinei Tharja, Sunday, Muncie e , os líderes do Fogo.
- Sem chance. Você os transformou no que são hoje? – a ruiva arregalou os olhos.
- Não. Claro que não. Eles nasceram com o potencial. Eu só desenvolvi. Como vou fazer com você. Agora, , como eu ia dizendo antes de você desviar o meu foco... – ele lançou um olhar significativo para ela enquanto tentava conter um sorriso. – Sei que não quer perder seus dias presa aqui comigo. Então, quanto mais você se esforçar e estudar, mais rápido terminaremos as lições. Sei que nossa rotina vai ser bem diferente das escolas de Novaterra, mas...
- Na verdade, eu não fui à escola no meu planeta. Eu tinha aulas em casa.
- Verdade? Interessante. Bom, então podemos nos ajudar, certo?
- Sim, senhor Targ. Prometo ser uma excelente aluna. – ela lhe ofereceu um sorriso. – Começaremos agora?

Os Guerreiros e Guardiões caminhavam em grupos quando finalmente saiu da biblioteca. Estava um pouco zonza com a quantidade de informações que Targ lhe passara e tomou um susto quando algo se enroscou em seu braço. Seu outro punho socou o peito de um rapaz. Era a mão dele que a segurava.
- Desculpe, novata. – ele riu. – Estamos indo ao campo de treinamento, achei que gostaria de ver sua equipe jogando.
- Minha... Hã? – o rapaz a puxava, forçando-a a acompanhar o movimento. – Jogar o que?
- “War”, é claro. Infelizmente você ainda não pode participar, mas pode assistir. – o ruivo passou o braço por cima dos ombros da garota assim que ela se livrou do aperto em seu pulso.
- Dale, certo? Caçador. – ela percebeu um sorriso convencido se manifestar nos lábios do rapaz. – Todos vão jogar juntos?
- Não, são três jogos, duas equipes por vez, claro.
- Mas fica faltando uma... – ergueu uma sobrancelha.
- Ah, a Lua Amarela. Eles se dividem nas equipes até fechar um número parecido em todas. Nós fazemos lutas entre as equipes rivais, e como os iluminados não têm rivalidades, sobra essa possibilidade. – quem respondeu foi Muncie, o líder dos inteligentes.
- Iluminados?
- É um apelido carinhoso. – Dale piscou um olho.
- Imagino que existam muitos desses por aqui. – a garota exibiu um sorriso discreto.
O caçador a conduziu por um conjunto de arquibancadas, sentando-se com ela a uma distância que ele definiu como “segura” da arena. Os grupos usando verde e violeta começaram a ocupar o local destinado ao jogo. reconheceu Lavender ao centro com um garoto da outra equipe. Entre eles, uma esfera brilhava com as cores das luas deles e o rapaz apontou para um dos lados do campo quando a estranha bola se coloriu totalmente em verde.
As duas casas se separaram e ocuparam seus lados da arena, começando o jogo quando o sinal foi dado. Logo a novata percebeu que não havia qualquer charada no nome da brincadeira. Era, mesmo, a simulação de uma guerra.
Todos usavam roupas especiais para evitar lesões graves e os feridos eram rapidamente retirados do campo por um grupo que os curava. Pelo que a ruiva pôde perceber, não era possível voltar à batalha depois de ser curado.
- Isso está muito errado. – ela comentou com ninguém em particular.
- O quê? – Muncie, tão vidrado na luta quanto a garota, apenas inclinou um pouco o corpo na direção dela.
estendeu a mão para a arena, como se tentasse ilustrar a que se referia, mas a cena era ampla demais. Ela suspirou e concentrou sua atenção em alguns pontos.
- Eles não têm qualquer organização. Nenhum deles. Existem espaços enormes entre alguns Guerreiros em certos pontos e em outros quase não há como se mover. As duas casas se posicionaram muito bem, mas bastou o sinal de início para se perderem. Eles não conseguem nem acertar sobre quem está atacando ou defendendo.
Ela demorou a perceber, mas Muncie agora a encarava. E tinha uma expressão surpresa no rosto.
- Sabe... – ele começou, incerto sobre o que falar. – me falou que você é uma ótima lutadora, que é tão boa que eu nunca vou te ter na minha divisão, mas... Ao ouvir você falar assim, eu duvido um pouco. – a ruiva lançou um olhar intrigado ao rapaz antes de voltar a se concentrar no campo. – Você fala como se fosse um dos meus, inteligentes, entende? Se fosse uma lutadora exclusiva, estaria que nem aquele pessoal ali. – apontou para um ponto não muito distante.
Seguindo o gesto da mão dele, a garota notou um grupo – liderado por – que parecia enlouquecido pela batalha abaixo. Gritavam, pulavam e fingiam empunhar espadas para demonstrar como as equipes deveriam agir.
- Eles também são fãs da estratégia, mas não pensam nisso quando estão assistindo as lutas alheias. Então ou você não é tudo isso que o pensa ou você é bastante interessante... Espero que seja a segunda opção. – ele concluiu. Meio segundo depois uma careta preencheu o rosto dele ao ver alguém se machucar no meio do campo.

- Como vocês fizeram isso? – perguntou, os braços cruzados ao peito, a expressão fechada.
- Como fizemos o quê? – limpou com as costas da mão o pouco de sangue que ainda escorria pelo nariz.
- Perderam. – ela bufou. bufou também. Não iria responder. – Vocês estavam no melhor campo, eles estavam quase cegos com o sol baixo. Como perderam?
- Por que você acha que o magnânimo senhor do universo Guardião dos Guardiões, portador dos dons da água, protegido da sereia escolheria justo o campo que o faz lutar contra o sol? Porque é o melhor! – ele soltou exaltado. – A gente sempre luta por último e sempre cai no campo que foi da terra. Você viu o que eles fazem? Eles quase causam um terremoto daquele lado. É impossível lutar ali se você não tiver um dom da terra.
- Não. – parecia genuinamente irritada. – É impossível lutar ali se você não conhece o terreno.
- Dá no mesmo.
- Não, não dá. Vocês fazem tudo errado. – ela mexeu a cabeça em negativa.
- Tem alguma ideia melhor, novata? – a voz de Muncie veio sobre o ombro dela. Ela poderia se assustar, se arrepender, pedir desculpas, mas virou-se e o encarou firme.
- Sim. Muitas.
Muncie a fitou. Comprimiu os lábios, estudou sua expressão e estreitou os olhos. Agarrou o pulso dela.
- Ótimo, vamos conversar. – começou a puxar a garota pelo meio da confusão de Guerreiros. Muncie levou a ruiva por um atalho até uma das cabanas marcadas com “Inteligentes”, fechando a porta logo depois de entrarem. – Me mostre.
- Ahn... – ela hesitou. Depois viu o rapaz descobrir uma mesa com uma réplica da arena e centenas de miniaturas de Guerreiros disponíveis. – Certo. Vocês dizem que sempre escolhe o lado que o ar estava usando porque a terra deixa o terreno acidentado. Usem isso a nosso favor. Enquanto a terra estiver lutando, observem as mudanças que eles causam na arena. Nunca seja o ataque, nesse caso. Deixe que eles venham para o nosso lado. – ela empurrou os Guerreiros azuis na direção do campo do rival. – Posicionem os Guerreiros de modo a criar armadilhas para eles. Cada buraco é bem vindo. Se acontecer de eles lutarem contra o sol, nunca gire durante a batalha, devemos ficar sempre de costas para o sol. Percebi também um problema. Os outros Guerreiros sempre são mais unidos porque eles têm um Guardião. Nós temos quatro líderes e isso faz com que cada divisão siga o seu. É impossível lutar assim. No jogo você falava uma coisa, Sunday dizia outra, inventava uma terceira e Tharja complicava tudo com mais uma, todas diferentes. Ou vocês entram em acordo, ou escolhem um líder entre vocês.
- Está brincando, né? Um líder? Para ficar se gabando depois? Próxima proposta. – Muncie mexeu a cabeça em negativa.
- Certo. Vocês colocam os lutadores na frente, isso não é bom. Perdem os melhores no combate corpo a corpo. Quando eles chegam ao final, encontram os mais fracos nesse tipo de combate e ganham fácil deles.
- Temos que tirar o máximo deles com a linha de frente. – ele se defendeu.
- Exato. Por isso devem usar primeiro os inteligentes. Os exclusivos. Na próxima linha, inteligentes que também sejam hábeis, seguido de hábeis, depois inteligentes caçadores, hábeis caçadores, caçadores, hábeis lutadores, inteligentes lutadores, caçadores lutadores e por fim os lutadores. Os mais fortes para vencer quem sobrou.
- Já lutamos com um esquema assim, mais fracos para mais fortes, não foi muito bom e trocamos.
- Isso não é questão de “deu errado uma vez, desiste”. É questão de prática. Confia em mim.
- Como você pode saber? Era o que você fazia na sua terra? – Muncie parecia intrigado.
- Não. Eu plantava. E eu era péssima. – os dois riram.
- Tem um jogo de caça à bandeira em dois dias. – ele disse depois de alguns segundos. – Estou muito interessado em ouvir suas estratégias.

- Como assim ela não sabe o que é caça à bandeira? – e, virando-se para , Tharja perguntou mais uma vez: – Como assim você não sabe o que é caça à bandeira?
- Não sabendo. – a garota deu de ombros, um pouco incomodada. – Eu nunca joguei.
- É impossível. Tudo bem que você vem de Novaterra e cresceu no meio de plantações e essas coisas, mas nós temos outros Guerreiros de lá e todos já tinham brincado disso. – negou com a cabeça.
- Eu... – a ruiva pensou por alguns segundos. – Eu nunca fui de brincar com as crianças da minha cidade. Estávamos sempre muito ocupados em casa. – mentiu.
- Tudo bem, . – Sunday lhe ofereceu um sorriso. – O nome do jogo já diz quase tudo sobre ele. Dessa vez, as sete equipes jogam ao mesmo tempo, uma contra as outras. Então existem essas bandeiras, uma por time. Os times as escondem em algum lugar da ilha. É proibido, por exemplo, esconder debaixo da terra ou no fundo de uma caverna, embaixo de pedras... Tem que ser possível vê-las de algum ângulo. Existe a faixa limite, que é até onde na ilha é permitido jogar. Ela vai até o meio da floresta, mais ou menos, mas você vai notá-la. É bem clara. – ela apontou na mesa de simulação a parte da floresta da qual estava falando. – Costumamos jogar dentro da floresta, porque torna tudo mais difícil. Então os sete times têm que encontrar as outras bandeiras, pegá-las e impedir que alguém pegue a que lhe pertence. Vence o time que capturar mais bandeiras e mantiver a sua. Se todos tiverem suas bandeiras tomadas, vence o que conseguir capturar o maior número delas. Existe um tempo limite definido no início de cada jogo.
- Bem, parece divertido. – ela deu de ombros.
- É claro que Sunday se esqueceu de comentar que para roubar bandeiras e segurar a nossa, usamos armadilhas e armas contra nossos queridos inimigos. – Tharja sorriu satisfeita.
- Oh... Parece-me melhor agora. – a ruiva riu.
- Alguma sugestão de estratégia? – Muncie fixou o olhar na expressão pensativa dela.
- Bem... Algumas, mas como nunca os vi jogando, preciso de algumas informações... – ela começou, prevendo que a tarde seria longa.


Capítulo 05

Os quatro líderes do Fogo tinham aceitado me treinar. Tharja foi a mais resistente à ideia – embora arremessasse facas muito bem, eu claramente era uma negação em todo o resto do quesito caça. De qualquer modo, ela acabou aceitando também. Isso queria dizer que agora eu começava uma rotina pesada. Pela manhã, após a primeira refeição, encontrava Targ na biblioteca, onde ele enchia minha cabeça com histórias e rituais e mitologia-que-não-é-tão-mito-assim. Depois, tonta com as informações, treinava com para acabar com a prepotência de um cara chamado . Faminta, enchia o estômago com tudo o que via pela frente durante o almoço. Da mesa, seguia com Sunday para uma das cabanas dos hábeis e ela me ensinava a arte da produção e manutenção de armas. E de vários outros objetos. Em seguida, Tharja me buscava para que eu tentasse mostrar meus dons de caçada. E então Tharja ficava frustrada porque eu não conseguia ficar mais de dois minutos parada, nem esperar minha presa se aproximar, nem ficar quieta. E então ela me entregava para Muncie como se respirar o mesmo ar que eu por muito tempo fosse acabar com as habilidades dela. E, finalmente, Muncie e eu debatíamos técnicas e estratégias. Mas eu imagino que você não pode chamar de rotina algo que dura dois dias. Porque, mais uma vez, depois que saí da biblioteca completamente confusa sobre o nome dos vários Guardiões da minha lua, fui agarrada por um Guerreiro ao invés de .
- Novata! – um garoto que eu lembrava se chamar Reed gritou. – Bem na hora para o jogo.
O jogo! Eu quase esqueci.
- Onde estão os líderes? - perguntei perto da orelha dele, que me apontou um local logo à frente. Agradeci e corri na direção dos quatro. – Olá, meus senhores. – passei um braço sobre os ombros de Sunday e o outro sobre os de .
- Olá, . Como estão os estudos com Targ? – Sunday bagunçou meus cabelos com uma mão.
- Ótimos. Eu acabo de notar que eu entendo um total de absolutamente zero por centro da minha própria história. Isso não é demais?
- Calma, ruivinha, só tende a piorar. – Muncie piscou um olho para mim.
- Ah, quanta gentileza. Sinto-me mais confiante agora. – soltei em tom irônico. –Ainda bem que sou amiga dos meus tutores, vocês não vão me reprovar, não é? Não é? – repeti enquanto puxava os pescoços de e Sun.
- Oh, nunca reprovaria você. – Sunday afirmou. – Você tem um dom. Nasceu para morar na minha cabana para sempre.
- Duvido, você viu as estratégias que ela montou? A partir de agora nós, do Fogo, vamos ser os reis da ilha. Para sempre. – Muncie deu um soquinho na minha mão.
Adentramos a floresta e caminhamos uns poucos metros até uma clareira. Nela, sete mastros estavam de pé, um ao lado do outro, com uma bandeira em cada: cada uma tinha a cor de uma lua e seu respectivo símbolo. Dias antes Muncie me explicou suas finalidades: as bandeiras alheias que fossem capturadas deveriam ser hasteadas logo abaixo da bandeira da equipe que a resgatou.
Fintan estabeleceu um total de trinta minutos para que as equipes escondessem suas bandeiras, o que causou uma correria grandiosa. Os Guerreiros começaram a se separar, carregando bolsas que supostamente continham as bandeiras ou seguindo outros Guerreiros para tentar descobrir o local do esconderijo das outras equipes.
Eu segui com Suri e Reed para oeste. Tínhamos uma bolsa e alguns Guerreiros vestidos de azul atrás de nós. Obviamente não estávamos com a bandeira, foi o que fiz questão de dizer depois de mais de vinte minutos de perseguição.
- Onde vão escondê-la, então? – perguntou o cara que segurava minha garganta.
- Por que eu haveria de saber? – dei de ombros como se fosse uma situação normal. Ele ergueu um pouco o braço, de modo a tirar meus pés do chão e realmente começar a me sufocar. – Escute: não somos da defesa, meu bem. Somos olheiros. Só a defesa sabe. Os... Estrat... gistas... – soltei mais fraco porque começava a ficar sem ar. Fiz um sinal discreto para que Suri e Reed não se metessem. Ele apertou mais forte.
O sinal de início do jogo soou. Finalmente o chutei no meio das pernas e o finalizei no chão, prendendo seu tronco entre meus joelhos e sufocando seu pescoço largo com minhas duas mãos.
- Qual é o seu nome? – apertei um pouco mais firme. – Anda, eu não tenho o dia todo.
- Sean.
- Ok, Sean. Eu tenho um recado para você. Nunca. Mais. Mexa. Comigo. Caso você não tenha percebido, o jogo ainda não tinha começado, então não há justificativa plausível para a sua agressão. Espero que aquele prepotente que você chama de Guardião não fique muito irritado com os descontos que receberão pela sua antecipação. – larguei o garoto e puxei Suri pelo pulso para longe. Reed veio ao meu lado.
- Está tudo bem com você? Uau, você ganhou uma bela marca nesse pescoço, se quer saber. – ele disse enquanto me analisava. – Foi inteligente você não agir antes do sinal.
- É, mas ela poderia, sei lá, ter desmaiado. – a morena mexeu a cabeça em negativa.
- Eu estou bem. Sou forte, garota. – pisquei para ela e ri quando Muncie tentou nos assustar pulando na nossa frente.
- E então, o que acharam para nós?
- Nada. Uns idiotas da água tentaram nos seguir. – revirei os olhos. – E a bandeira?
- Espero que já esteja plantada. Eles nunca vão encontrar, de qualquer modo. Vi alguém do Ar colocando a bandeira no Ponto dos Sete Ventos. – ele riu desdenhoso.
- Eles não cansam? Nossa! Pelo menos um em cada três jogos eles escondem a bandeira lá. É ridículo. – Suri soou revoltada.
- Bom, é melhor para nós, não? – tentei.
- Você tá brincando? Não sabe por que eles escolhem um lugar tão óbvio? – Reed parou de frente para mim e me encarou como se eu fosse louca. Ergui uma sobrancelha. – Você não acha que eles chamam o local de Ponto dos Sete Ventos porque é tranquilo, não é? É literalmente onde os Sete Ventos se encontram. É ótimo para eles, porque Breeze pode fazer um escudo de ar para proteger a bandeira, é quase impenetrável.
- Por que não fazemos um escudo de fogo para a nossa bandeira? – perguntei. Aparentemente nos dirigíamos para o esconderijo nem tão escondido do Ar.
- Porque – Muncie riu – requer bastante concentração do Guardião que o criar. Veja, você normalmente cria um escudo para você, então mantê-lo junto ao seu corpo é fácil. Mas é complicado criá-lo e deixá-lo protegendo outra coisa enquanto você está distante. Para que fizéssemos esse tipo de proteção, seria necessário unir esforços com os outros líderes. Então você já sabe...
- É, complicado demais. – concluí.
Não demoramos a chegar. De repente entramos nesse ponto da floresta que estava tomado pelos ventos. As árvores sacolejavam e se inclinavam e faziam sons ameaçadores, como se logo fossem quebrar. Muncie soltou um grunhido atrás de mim.
- Breeze investiu na segurança. Dobrou os ventos. – e quando vimos um garoto que usava verde sair voando, ele pareceu ficar um pouco apavorado. – O sistema de afastamento de intrusos da vez é o furacão. É impossível. Você chega a 30 metros da bandeira e é varrido pelas correntes de ar. De novo temos que nos concentrar em pegar mais bandeiras do que eles. Tharja tem uma equipe de olho nos que chegam com as bandeiras, esperamos conseguir roubar algumas fáceis.
- Por que não tentamos? – perguntei. – Você ouviu o que Fintan disse, eles não podem deixar impossível de pegar a bandeira. Um jeito tem que ter...
- Você quer tentar? Boa sorte com o seu voo. A gente se vê na enfermaria. – Reed riu.
- É sério. Tentar não custa nada. – afirmei.
- Talvez custe as suas costelas, mas você é quem sabe... – ele deu de ombros. Bati com meu cotovelo em suas costelas.
- Se você achar alguma bandeira durante seu voo, não deixe de nos informar. – Muncie pareceu se divertir. Ele e Reed começaram a se afastar.
Suri me olhou em dúvida, mas eu sugeri que ela os acompanhasse com um gesto de mão. Ela foi, embora tenha olhado para trás duas vezes ainda.
Quando eu morava em Lores descobri uma coisa: não há sistema de segurança que não possa ser burlado. Como a tecnologia de Norque era algo raro na minha cidade, sempre que algo chegava se tornava um enigma a ser desvendado por mim. Por isso consegui enganar todos os sistemas que eram implantados em casa, dos mais simples aos mais complexos. Por isso queria ir para Norque.
O sistema da Guardiã da Lua Anil parecia inquebrável, inicialmente. Não tinha nenhum tipo de tecnologia, era só vento. Correntes de ar que vinham de várias direções e se embolavam num furacão. A bandeira, felizmente, não estava no meio do furacão, mas no cruzamento de duas correntes de ar, protegida por um escudo. Eu tentava acompanhar. Tinha que ter uma brecha entre as correntes. Um mínimo ponto onde fosse possível caminhar.
Então percebi.
Eu não precisava de um ponto vazio. Eu precisava entrar na corrente. Na corrente certa. E penetrar o escudo. Essa seria a parte mais complicada.
Finalmente achei a origem da corrente que eu precisava. Entrei nela. Os ventos eram fortes a ponto de me carregar, e a velocidade poderia me dar um embrulho no estômago. Eu chegava cada vez mais perto do escudo. Mais perto. Mais perto. PERTO DEMAIS.
E de repente estava longe. A pancada com o escudo me arremessou para fora do alcance dos ventos. Corri de novo para a corrente de ar. E de novo. E mais uma vez.
Cada vez que batia no escudo, me via mais disposta a buscar a maldita bandeira. Já era a sétima vez que eu tentava. Estendi as mãos na frente do corpo, juntas em pontas, numa tentativa de me ajudar com a aerodinâmica. Meus dedos penetraram alguns centímetros no escudo e então fui arremessada para longe.
Estava disposta a correr de novo quando parei e observei. Tinha que haver uma brecha no escudo. Ele era esférico. As partes que para mim pareciam as laterais estavam intactas, o topo também, o fundo tam...
- Aquilo ali é um... – minha cabeça trabalhou mais rápido. – Talvez se eu...
Corri para a corrente de novo, mas me atirei ao contrário. De barriga para cima e cabeça antes do corpo. Ao invés de colocar as mãos pra frente, as estendi retas acima da cabeça. Chegava mais perto do escudo e estava eufórica. A corrente dava uma leve guinada para baixo da esfera por causa da interferência da segunda linha de ar e era esse o momento que eu esperava. Quando finalmente alcancei o ponto certo, minhas mãos entraram sem esforço algum na esfera de ar e consegui agarrar o pano entre as pontas de dois dedos. Estava pronta para comemorar.
O que eu não esperava era o escudo acabar me envolvendo e me transportando para o meio do furacão e esse me cuspir para longe. Mas foi o que aconteceu.
Quando finalmente caí – demorou uns bons quarenta e cinco segundos – foi por cima do meu braço. Eu ouvi o barulho de algo se partindo e tive certeza que não foi nenhum tipo de galho. A dor atingiu todo o lado direito do meu corpo. Antes de abrir os olhos, eu procurei sentir o meu corpo. A bandeira estava presa na minha mão esquerda e a minha cara enfiada no chão. Levantei-me devagar e tentei me orientar. Estava em algum lugar entre a Clareira da Luz e a Horta da Colheita, então imaginei que deveria seguir para leste até os mastros.
Embora dentro de dez minutos eu fosse dar uma de durona e “eu estou legal, foi só um arranhão”, precisava ser honesta comigo mesma. Eu estava morrendo de dor. Eu poderia desmaiar ali mesmo. Eu quase não enxergava, porque a dor escureceu a minha visão.
Quando finalmente alcancei a maldita clareira, alguém vestido de vermelho tentou tomar de mim a bandeira. “Precisamos hastear, pode deixar comigo.” Mas agora era questão de honra. Enganchei a bandeira logo abaixo da laranja e a ergui até que o próximo gancho estivesse na mesma altura do anterior.
Já estava pronta para desmaiar ali mesmo quando me lembrei de Muncie. Se eu achasse alguma bandeira durante o voo. Lembrei-me de ver a bandeira azul uns quinze segundos depois de começar a voar. Ignorando a dor e a nova capacidade elástica do meu braço, segui na direção do esconderijo. Demoraria uns bons quarenta minutos, agora que não voava mais.
Quando finalmente cheguei – demorou quase uma hora, porque eu tinha que parar um pouco para respirar – o maldito Sean era parte da defesa. Eu o esganaria de novo, se não tivesse um braço inútil. A bandeira estava no meio da copa das árvores, de modo a só ser visível de baixo ou de cima (como eu vi). Eu me aproximava cada vez mais quando percebi que não estava sozinha. Um pouco distantes estavam , Tharja e uma pequena equipe. Aproximei-me.
-... que estar por aqui. – dizia um pouco irritado.
- A bandeira? – perguntei. Percebi como soava grogue.
- O que você está fazendo aqui? – Tharja perguntou. Parecia irritada também. – Achei que estava tentando pegar a bandeira do Ar.
- Está entre as copas das árvores. Naquela direção – apontei com a mão boa. – Uns sete metros atrás daquele cara, Sean. – eu parecia falar embolado.
- Como você sabe? – foi dessa vez. Desde o dia anterior ele vinha parecendo cada vez mais grosso e eu tentava entender o que tinha feito de errado.
- Eu voei. – dei de ombros. O arrependimento veio em seguida porque doeu demais. – Está lá, de qualquer forma. Podem confiar em mim. Vim pegar, mas vou deixar para vocês. – encostei o corpo em uma árvore e estava quase me deixando desmaiar quando ouvi Tharja:
- É, poderíamos entrar e simplesmente causar uma batalha louca. Vai ser impossível se ainda tivermos que quebrar o escudo.
- Façam a volta, para mais perto do escudo. Deve ter um buraco embaixo. Vocês precisam de uma distração. – soltei de olhos fechados.
- Tipo? – ela inquiriu. Eu ergui meu braço molenga. Ela soltou uma exclamação.
Eu me afastei o suficiente deles e comecei a gritar. Os vi correndo na direção oposta.
- Ajuda! Ajuda, por favor! – eu pedia. Deixei-me cair ao chão e comecei a me arrastar até onde a defesa estava.
Você pode odiar demais a sua equipe rival e até machucar gravemente alguém dela, mas lá no fundo – bem, bem no fundo MESMO – todos somos colegas na ilha e lutamos pelo mesmo lado, então você não deixaria de ajudar alguém que implora por ajuda. Ou era o que eu esperava.
- Por favor, alguém me ajuda. – eu choraminguei. Já não sabia mais se era um teatrinho ou realidade.
Quatro garotas e dois garotos da defesa da Água vieram na minha direção. Eles abaixaram as armas quando perceberam que eu tremia e suava e provavelmente estava mais pálida do que o normal.
- O que aconteceu? – uma garota perguntou ao se abaixar ao meu lado.
- Meu braAH-AHço! – eu soltei num meio grito ao me virar. – Me ajuda, por favor. – meu corpo começou a adormecer. – Eu acho que vou desmai...

Acordei com um som longo e muito alto. Estava encharcada.
Olhei para o lado e lá estava Fintan, dando fim ao jogo. Na minha frente, Breeze – a Guardiã da Lua Anil – me encarava com um sorriso aliviado. Ela me colocou de pé.
- Eu normalmente não diria isso, mas... Excelente trabalho roubando a nossa bandeira! – o sorriso dela se abriu de uma só vez. – E eu sinto muito, imagino que tenha sido por causa do furacão que você machucou o braço...
- Não... – eu disse olhando para o meu braço consertado. Ela arregalou os olhos. – Voar foi ok. É que eu não aprendi a pousar ainda. – ri meio sem jeito. A garota de cabelos anil gargalhou.
- Que bom que você está bem. Eu mesma curei você. O jogo terminou agora. Parabéns. – ela estendeu a mão num cumprimento. Apertei a mão dela e encarei o mastro da nossa bandeira. Tínhamos roubado quatro: a amarela, a laranja, a anil e a azul.
- Meus parabéns aos jogadores. – Fintan começou quando a maioria dos Guerreiros e Guardiões já estava na clareira. – Foi uma disputa emocionante, felizmente poucos se feriram gravemente e já estão curados. A equipe vencedora de hoje é o Fogo, com quatro bandeiras conquistadas, além de manter a sua própria, contra uma para a Água, uma para a Colheita e zero para as demais equipes. Parabéns pela vitória, Fogo. Como recomp...
- Eles deveriam ser desclassificados. – disse ao dar um passo a frente.
- Como? Por quê? – Muncie perguntou em tom ofendido.
- A bandeira deles não estava visível de nenhum ângulo. Está impossível de encontrar. Tem que desclassificá-los. – o garoto de cabelos preto azulados continuava olhando para Fintan, recusando-se a se dirigir a alguém de nossa equipe.
- Impossível encontrar? Não está visível? – Muncie repetiu como se aquilo o magoasse. – Muito pelo contrário, só não viu quem não quis. Está tão na cara que vocês devem ser mesmo cegos para não achar.
- Onde está a bandeira do Fogo? – Fintan perguntou com um sorriso flutuando nos lábios. Ele já sabia, é claro.
- , ruivinha, você faria o favor de mostrar todo o trabalho que esses preguiçosos teriam que fazer para pegar nossa bandeira? – o líder dos inteligentes pediu, como se fosse uma tarefa cansativa demais para que ele mesmo fizesse.
- Sim senhor, chefe. – sorri e caminhei até o mastro da nossa bandeira. Desci cada uma das bandeiras até chegar à vermelha que estava mais alto. Desenganchei-a dali e mostrei a segunda, presa no mesmo lugar. Hasteei as bandeiras em seguida e pendurei a vermelha do jogo no gancho mais baixo. – Oh, que dificuldade!
- Isso não vale. – alguns começaram a argumentar. Todos tentavam convencer Fintan de que tínhamos roubado.
Fintan, por fim, olhou para nós e deu um sorriso leve.
- A equipe campeã foi o Fogo. Como recompensa, a equipe está livre do trabalho das duas próximas rotações. Essas viram responsabilidade das equipes que não conseguiram bandeiras.

Eu e Muncie voltamos juntos. Rindo da cara de . Ele estava realmente, realmente irritado. Isso porque, fiquei sabendo, alguém da nossa equipe roubou da equipe dele a bandeira amarela, e a Colheita roubou deles a laranja, que acabamos roubando também. E, bem... Eu causei uma bela distração para que a nossa equipe pudesse roubar a bandeira azul. Então, sim, dessa vez eu concordava com sua irritação. Sunday me roubou de Muncie para ter certeza de que eu estava bem.
- Você é louca? – eu queria gritar que não. Pelas luas, eu passara dezenove anos tentando lembrar a todos que já fazia mais de quatro gerações desde o último surto de Morgov no meu planeta, será que seria assim aqui também? – Você podia ter se matado com aquelas correntes de ar! Está tudo bem, não está? Você está com dor em algum...
- Sun, estou bem, obrigada. Breeze me deixou novinha em folha. Fique tranquila. – garanti a ela.
- Nesse caso... O que houve entre você e ? Olha, eu nunca gostei dele, mas percebi que vocês estavam se dando bem, mas agora parece que ele está te tratando como se você fosse... Bem... Eu. – ela apontou para o próprio peito.
- Eu também não entendi, Sun. Estava tudo bem e ele estava me elogiando por tudo, dizendo que eu sou uma ótima lutadora e que “pelas luas!, nunca alguém chegou aqui no mesmo nível que eu”. E de repente ele ficou grosso. Pior do que a primeira vez que nos vimos.
- Você deve tê-lo deixado preocupado. Sabe... Você é excelente. – Sentamos em um dos troncos retorcidos na praia. – Ele deve estar irritado porque você nunca vai escolher ficar na cabana dele, quando tem a nossa. – Sunday piscou para mim.
- É, com certeza essa é a maior preocupação dele. – disse em tom debochado. Ela revirou os olhos para mim.
- Sunday, sinto muito. Você pode emprestar para mim? É urgente. Muito, muito urgente. – Muncie gritava enquanto corria até nós. – , você pode vir comigo? Por favor, é... Bastante urgente.
- Tudo bem. Claro. O que foi? Contamos errado o número de bandeiras? Eu juro que pareciam quatro. – comecei a acompanhá-lo.
- Gracinha. – ele disse com ironia.
Guiou-me até a cabana dos inteligentes onde debatíamos as técnicas. Paramos em frente a uma mesa diferente. Não havia nada sobre ela além de uma pulseira. Ela tinha três partes: uma de couro marrom-avermelhado simples, uma com o mesmo couro trançado e a última de corda. Suas extremidades se amarravam a uma bússola. Muncie me olhou um pouco nervoso.
- O que...? – comecei, mas então notei que ele usava uma pulseira igual. E lembrei que todos os outros inteligentes a usavam. – Isso é para mim?
- Sim. Ela surge quando um Guerreiro do Fogo é definido como inteligente. – ele coçou a cabeça.
- E qual o problema? Porque parece ter um problema. – apontei.
- É que... Nunca aconteceu tão rápido. Quero dizer, nunca mesmo. É o seu sexto dia aqui e faz três desde que começamos a debater suas estratégias. Quando eu cheguei aqui, demorei duas semanas para conseguir a pulseira.
- O que isso significa?
- Eu acho... Acho que você vai tirar o meu lugar. Acho que você será a nova líder dos inteligentes. – ele se esforçou para sorrir.
- Não quero. – fui sincera. – De verdade, não quero. Não vim para cá com a intenção de tirar ninguém da liderança de nada. Eu nem tinha a intenção de vir para cá. Não é justo e eu não quero. – concluí.
- Mas você tem que aceitar. Se for assim que tem que acontecer, assim será. – ele deu de ombros.
- Como eu vou saber se sou a nova líder?
- Quando você colocar a pulseira vai saber. A gente vê. – ele informou. Sorri satisfeita. - Não vou colocar então. Simples. Se eu não colocar, você não perde seu lugar, não é? - Sim, mas... – guardei a pulseira no bolso traseiro da calça. – , você não percebe as consequências? Se você não colocar, não poderá ser considerada como parte dos inteligentes. E, se você for mesmo a nova líder, significa que não será aceita por mais nenhuma divisão, e nunca ocorreu de um Guerreiro do Fogo não ter uma divisão. E, sendo assim, eu não sei o que pode acontecer com você... – ele suspirou. – Por favor, não me faça sentir culpado, coloque a pulseira. O que tiver de ser, será.
- Não, Muncie. Eu nunca vou ser boa como você, então considere que estou fazendo isso para preservar o grupo. De verdade. E não se fala mais nisso. – concluí, virando-me para deixar a cabana.
- ... – ele chamou quando já estava na porta. A próxima coisa que senti foram seus braços me virando e envolvendo meu corpo. – Obrigado. Eu nunca vou esquecer isso.
Sorri meio sem graça e dei de ombros.
- Não estou fazendo por você. – pisquei um olho e deixamos a cabana juntos.
Sunday nos encontrou em seguida e caminhamos direto para a área de refeições. Estávamos todos honestamente famintos. Entrei na fila no exato segundo em que também entrava, o que o deixou um pouco mais bravo.
- Você fala de prepotência – ele começou –, mas para uma Guerreira que não tem sequer uma dessas pulseirinhas idiotas da sua casa, você me parece se achar muita coisa.
- Se eu fosse você, meu bem, eu não diminuiria alguém que certamente já se provou melhor. Sim, porque foi o que acabei de fazer, não foi? Afinal, eu escondi a única bandeira que ninguém conseguiu achar no jogo, eu roubei a única bandeira considerada impossível de ser roubada e, sim, eu localizei a sua bandeirinha idiota. Então, é, eu realmente me considero muita coisa. Se você tivesse feito as mesmas coisas, eu aceitaria essa sua prepotência, de verdade. – vi que ele ia começar a responder, mas ao invés de continuar escutando, comecei a escolher o que colocaria no meu prato. Ele pareceu odiar minha escolha.
- Eu mal posso esperar para acabar com você no nosso duelo. – escutei ele soltar por cima do meu ombro.


Capítulo 06

Existe um universo de coisas que odeio: o jeito como uma kálipe te encara meio segundo antes de atacar, a sensação de uma espada penetrando um órgão vital, o gosto do néctar de outra lua. E os seguidores da lua vermelha. Mas aquela Guerreira... Ela conseguia ser ainda pior. despertava o meu pior lado. De um jeito realmente ruim.
Fosse quando cortava a minha frente justo quando eu estava entrando em uma fila ou quando agia como se fosse muito melhor do que eu, a garota tinha o dom de me fazer perder a cabeça. Foi assim que a desafiei para um duelo e foi assim que me peguei lançando uma esfera de gelo em sua direção. Eu sequer recordo exatamente o que ela respondeu, mas foi o suficiente para libertar as águas turbulentas da tempestade dentro de mim.
A Guerreira arregalou os olhos ao notar o que acontecia e ergueu os braços em forma de X para proteger o rosto. Ouvi claramente o som do prato dela se quebrando no chão e o silêncio de todos em volta. Enquanto via a esfera azulada voando na direção dos braços dela, pensei que era uma defesa inútil. Transformaria os braços dela em gelo e daria um trabalho enorme salvá-la do congelamento total.
Então, do mesmo modo como surgiu, a esfera se desfez. Digo, não exatamente. Ela tocou os braços de e, por um segundo, os deixou daquela cor branco-azulada característica. Mas, exatamente quando pensei que ela começaria a congelar, água começou a pingar de seus antebraços. Sua pele ficou avermelhada no local atingido, assim como o rosto dela. Ela parecia cheia de raiva.
- O que você estava pensando?! – incrivelmente o grito não veio de , mas sim de Sunday, a garota do Fogo que estava sempre com ela. Ela enfiou a mão no meu peitoral, me empurrando para trás e seus olhos pareciam faiscar. – Você é louco? Qual é o seu problema? Você, por um segundo, pensou no que estava fazendo? Você queria matar alguém? – e a mão que não estava ocupada em me bater e empurrar se abriu ao lado do corpo dela, gerando uma bola de fogo perigosa. – O que você tem na cabeça?
Eu não precisava conhecê-la para afirmar o seguinte: não era mais Sunday ali. Seus olhos e todo o rosto foram tomados por uma fúria doentia. Exatamente como eu fora dominado pelo lado revoltoso da água, ela agora tinha sido tomada pelo fogo. Seus empurrões começaram a ser mais fortes e quase me derrubavam, sua outra mão se aproximou de forma ameaçadora. Imediatamente, outras pessoas de vermelho se esforçaram para segurá-la. Ela resistiu bravamente, disposta a acabar com a minha raça.
Corri meus olhos pelo espaço buscando ajuda até que encarei . Ela segurava os braços, como se abraçasse a si mesma e tinha um olhar chocado pelo que eu tentara fazer. Mas então a garota pareceu perceber a cena que acontecia a sua frente e fez algo totalmente inesperado. Eu, certamente, poderia esperar qualquer coisa de . Esperava que ela sorrisse pelo que Sunday estava fazendo , até que a encorajasse, que a ajudasse. Mas ela depositou uma expressão decidida no rosto e se aproximou da garota que me ameaçava. Colocou uma mão em seu ombro e sussurrou algo no ouvido dela. Envolveu um braço em torno do corpo dela e, de repente, Sunday parou. O olhar assassino sumiu e ela suspirou. Fitou a garota por três longos segundos e murmurou um “me desculpe”.
- Não se desculpe comigo. – disse num tom calmo. Acariciou os cabelos loiros da garota e me olhou numa mistura de reprovação e alguma outra coisa que não entendi, apontando para mim com o queixo.
- Sinto muito. – a loira disse com um tom ácido. – Por não ter ateado fogo em você enquanto tinha uma desculpa. Se você algum dia pensar em fazer isso de novo, pode ter certeza que eu não vou hesitar.
- Sun, chega. Por favor. – pediu.
- , você não tem algo a dizer? – a voz de Fintan veio de trás. Olhei por cima do ombro. – Talvez você queira pedir desculpas para .
- Ela provocou o...
- Não interessa. Você poderia tê-la matado. Você sabe nossa opinião sobre esse tipo de atitude.
- Desculpe-me. – disse para . Ela mexeu a cabeça uma vez em afirmativa e um sorriso queimou os cantos dos lábios dela.
- Desculpas aceitas. – ela puxou Sunday mais para perto.
- Agora, , acompanhe-me para falarmos sobre a sua punição. – Fintan fez um gesto com a mão e começou a caminhar.


A maior punição foi, claramente, a humilhação de pedir desculpas para na frente de todos. Como se não bastasse, Fintan ainda acrescentou tarefas de Guerreiro para mim, ignorando completamente o medalhão que eu tinha no pescoço.
- Que cara é essa, ? – Nilo sentou-se ao meu lado.
- A face da derrota. – respondi sem abrir os olhos.
- Isso é por causa do jogo ou por causa do que aconteceu na área de refeições?
- Do jogo. – senti seu olhar sobre mim. – Dos dois. Você viu?
- Você está brincando? Eu estava atrás de você. Ela... Ela derreteu o seu ataque. – mexi a cabeça em negativa.
- Eu não estou preocupado exatamente com isso, Nilo. – suspirei. – Acho que não ataquei para machucar.
- Acho que ela é uma das poderosas. – eu senti flocos de neve caindo sobre meu rosto. Abri os olhos para encarar Nilo.
- Por quê?
Nilo revirou os olhos e riu. Inclinou-se sobre mim e depositou um beijo leve sobre os meus lábios. Afastei o rosto dela do meu.
- Nilo, é sério. – ela distribuiu beijos pelo meu rosto.
- Sabe, , você tem que relaxar. – deu de ombros e fez nevar mais um pouco no meu rosto. Revirei os olhos e ergui o corpo. Eu não tinha cabeça para pensar em relaxar quando me sentia extremamente infeliz.
Infeliz porque não era do meu feitio perder a cabeça. Infeliz porque eu estava sendo punido pelo maldito lado descontrolado da água. Infeliz porque eu, na verdade, sabia que era certo ser punido. Mas, principalmente, infeliz por ter cedido, por ter quase machucado alguém. Por ter quase levado para a enfermaria outra vez.
Não, eu não simpatizava com ela. Sim, nós parecíamos soltar faíscas raivosas sempre que estávamos no mesmo local. Mas nós tínhamos um vínculo. Porque é o que acontece quando você está de guarda durante uma noite e um coletor aparece com uma garota inconsciente nos braços.
Naquela noite, eu não parei um segundo para pensar em quem ela era. Eu segurei o seu corpo mole e a levei até a enfermaria. E então guardei seu sono por dois dias. E toda vez que sua respiração se alterava, toda vez que ela murmurava alguma coisa, toda vez que ela se mexia, eu corria os olhos para ela para ter certeza de que tudo estava bem. Nesse momento eu já sabia que ela era uma Guerreira do Fogo, mas sentia essa obrigação. Essa conexão. Quando ela finalmente despertou, não pude conter um sorriso. Não posso negar: eu estava preocupado.
Algo depois disso fez mudar minha postura em relação a ela. Talvez a realização de que éramos incompatíveis e que não poderíamos nutrir a amizade que eu imaginei. Porque, literalmente, éramos Fogo e Água. Talvez eu esperasse que aquele medalhão mudasse assim que ela acordasse, que ela cuspisse o néctar de Fogo... Mas ela simplesmente continuou sendo ela mesma.
, que desmaiou de novo em menos de uma hora. A garota que eu tomei dos braços de um coletor e de uma fada, só para entregá-la desmaiada a uma cama.
Não precisei dizer mais nada para Nilo, apenas entrei na água. Ela teve a sensatez de não me seguir. Encontrei Ceryn na nossa pedra.
- Estava me perguntando quando você viria. – ela cantarolou enquanto penteava os cabelos com os dedos.
- Aqui estou. – deitei sobre a pedra. – Por favor, me dê conselhos. – pedi em tom derrotado. Ceryn e eu havíamos chegado a uma conclusão, tempos atrás: preferíamos falar. Tínhamos o dom da comunicação mental e resolvemos que isso costumava causar muitos problemas entre nós. Porque acabávamos nos interessando naquilo que o outro não queria debater.
- Sobre o quê? – ela bateu o rabo na água.
- Tudo. Eu não aguento mais. Estou com dificuldade para controlar os Guerreiros durante os treinamentos, Sean e Elba estão divergindo demais. Os dois são meus maiores apoios nessa questão, mas assim...
- Quem é melhor? – foi direta. Pensei em como desviar da questão, mas ela me lançou um olhar repreensivo.
- Elba. Sean está deixando a confiança que depositei nele subir à cabeça.
- Então entregue o treinamento para Elba. Ela é uma garota inteligente. – Ceryn passou os dedos pelo meu cabelo.
- Sean vai se revoltar. – disse em tom sofrido.
- Deixe que se revolte. Não tem muito que ele possa fazer. – ela hesitou. Então suspirou e me encarou com aqueles olhos que refletiam a cor do mar. – Falando em revoltar. Eu fiquei sabendo.
- Ficou sabendo o quê? – mas eu não precisava que ela me dissesse.
- Do seu ataque, . De como você quase congelou uma garota. Uma Guerreira. Um dos nossos. – a sereia parecia muito brava.
- Um dos nossos não. Do Fogo. – dei de ombros.
- Uma Guerreira da nossa ilha, ! Alguém que vai lutar ao seu lado nas batalhas. Alguém que vai lutar por você. Que vai se sacrificar por você. – ela mexeu a cabeça em negativa. O mar se agitou em ondas altas.
- A garota está bem. Está ótima. E eu já estou sendo punido por isso, então, por favor...
- Por favor, ? “Por favor” peço eu. Por favor, querido, não me faça pensar que minha lua escolheu o Guardião errado.
- A culpa é da sua lua. Foi ela que me deu esse lado primitivo e completamente irracional. De que adianta ser conhecido pela tranquilidade se em dois segundos eu posso virar... Isso?! – apontei para a nossa volta. As ondas aumentavam enquanto Ceryn se irritava com minhas atitudes. Ela percebeu e o mar voltou a ficar tranquilo. Ficamos em silêncio. Então eu captei. Lá estava. – O que é isso que você sente quando falamos do Fogo? – eu já sabia que ela não responderia com a verdade, mas sempre tentava.
- Nada. É só a mesma coisa que sinto por qualquer um dessa ilha. Preocupo-me com todos da mesma forma, porque estamos todos envolvidos na mesma batalha.
- Ceryn... – tentei, mas não adiantaria.
Eu sabia que tinha um fundo de preocupação, um pouco de angústia – talvez porque eu realmente poderia ter matado a garota – e um pouco de alerta. Porém havia outra coisa misturada. Algo que nunca entendi. Mas estava sempre lá. Estava lá quando falávamos despretensiosamente sobre os Guerreiros do Fogo, estava lá quando ela soube da garota na enfermaria, estava lá quando ela soube que Cytron havia atacado a garota da enfermaria, estava lá agora.
- Estamos falando sobre você, , não tente desviar o assunto. – ela suspirou. – Eu não vou tolerar mais nenhum ataque como esse. Nem de você, nem dos seus Guerreiros. Você me entende? – fixou aqueles olhos que continham todas as cores do mar em mim. Mexi a cabeça em afirmativa.


Dispensar Sean da liderança no treinamento foi muito complicado. Depois de um debate intenso sobre os motivos – que envolviam a punição por agressão e seus métodos duvidosos de extrair todo o potencial dos Guerreiros – ele me lançou um olhar ofendido.
Eu tinha medo desse tipo de olhar. Não porque eu me importasse em ferir o orgulho de alguém ou coisa do tipo, mas porque era assim que você transformava um Guerreiro leal em um desgarrado. Mas esperava que Sean não fosse esse tipo.
Entre os jogos, o treinamento e as tarefas extras da punição, ainda ter que me preocupar com um possível desgarrado era perigoso. Porque Sean era um dos meus apoios. Ele era confiável. Ele conhecia minhas técnicas e alguns de meus segredos. Entregá-lo facilmente aos nossos inimigos era a pior besteira a ser cometida. Por isso tive uma longa discussão com Sean, dois dias depois de privá-lo da liderança.
- Diga que estou errado, então. – pedi, já cansado de me preocupar.
- . Cara. Você está errado. Eu fico, sim, ofendido por você me tirar do cargo que você mesmo me deu, mas isso não significa que eu vou correndo para aquele bando de sem-lua entregar você. Isso me ofende ainda mais. – ele mexeu a cabeça de um lado para o outro.
- Eu nunca me perdoaria se você o fizesse. – informei. – Porque seria minha culpa. Eu admito isso. Aliás, qualquer Guerreiro meu que migre para o outro lado é minha responsabilidade e eu me punirei por cada um deles. Sean... – fechei os olhos, porque as seguintes palavras eram difíceis demais de serem ditas. – Por favor. Eu preciso de você ao meu lado. Quando houver uma batalha, e agora. – e então o encarei, e ele tinha uma expressão chocada no rosto, porque era realmente estranho que aquilo tivesse saído da minha boca. – Eu espero que entenda o que fiz e porque o fiz. E entenda que você está sofrendo as consequências por seus atos, assim como eu as estou sofrendo pelos meus. – concluí.
Sean olhava para o chão e tinha a testa enrugada. Estava pensativo e eu só queria me livrar da situação. Queria correr para o meu penhasco e simplesmente pensar em tudo o que estava acontecendo nos últimos dias. Porque eu estava cansado demais do trabalho extra.
- Só preciso de um tempo. – começou. – Você sabe, para acalmar essas ondas... Colocar o meu orgulho de pé novamente. Mas eu concordo. Elba foi uma decisão sensata. Sei que andei errado nos últimos tempos. Você tem razão. – mas antes que eu falasse algo, ele estendeu um dedo. – Mas me ofende você duvidar de mim. Porque eu jamais mudaria de lado. E você sabe. Você sabe o que significa para mim, estar aqui.
- Não pude deixar de me preocupar. Eu sinto muito.
Pareceu estranho, mas foi assim que concluímos a conversa. E então eu só pensava em fugir dos outros problemas e preocupações.
Entrei na floresta e peguei o caminho mais rápido. Sempre o fazia e já tinha decorado cada árvore e pedaço de terra por ali. Estava na trilha das montanhas quando notei uma movimentação logo em frente.
Primeiro pensei que se tratava de um dos Guerreiros da Terra ou algo assim, mas descartei a hipótese por causa de todo o barulho. Então, quando estava quase no topo, identifiquei. Não foi difícil, porque só uma pessoa tinha aqueles cabelos que pareciam chamas de verdade.
olhou em volta, como se procurasse algo e coçou a nuca. Sentou-se sobre uma pedra e apenas ficou lá.
Eu estava muito curioso para simplesmente ir embora ou me aproximar. Queria saber o que ela estava fazendo ali.
A garota parecia apenas contemplar a imensidão de céu e mar logo em frente, completamente imóvel. Ficou daquele modo por vinte minutos até que algo pareceu aguçar seus sentidos. Fiquei nervoso pensando que havia sido descoberto, mas ela foi para o outro lado. Para a beirada do penhasco. Ela acenou para algo lá embaixo e se inclinou para enxergar melhor. Estava muito na ponta.
Corri completamente tenso em sua direção enquanto ela se abaixava sobre aquela pequena borda que separava seus pés de uma queda livre. Eu a agarrei e a puxei com força para longe do penhasco. Caímos os dois no chão, metade do meu corpo por baixo do corpo dela. Ela me olhou assustada. E então abriu um sorriso leve.
- Você não vai parar de me atacar sem motivos? – existia algo no modo como as palavras estalavam no fundo da boca dela que conseguia me distrair por alguns segundos.
- Como é? Eu estava salvando você. – informei. Uma ruga se formou entre suas sobrancelhas e o nariz dela se franziu.
- Você o quê? – a ruiva achou graça.
- Você não pode confiar nas sereias. Ela ia te fazer pular. Você ia morrer. – tentei explicar. Ela riu, e sua risada era um leve crepitar.
- Eu não ia pular. Eu estava dando oi a ela. – ela deu de ombros e só então eu percebi que ainda estava deitado sob o seu corpo. Ela se pôs em pé com um pulo e pensou um pouco antes de me oferecer a mão. Eu pensei um pouco antes de recusar. Fiquei de pé sozinho.
- Como assim? Você estava na beira do penhasco. Tem sorte por eu estar aqui. – cruzei os braços.
- Mas eu não ia pular. Ela me chamou e eu fui dar um olá. Só isso. – mas seus olhos buscavam um ponto atrás de mim e, quando eu fui responder, ela me interrompeu. – Está ouvindo isso? – e os olhos com um interessante tom avermelhado correram de um ponto para o outro entre as árvores. Mas eu não escutava nada além do mar lá embaixo e nossas respirações.
- Do que está falando? – perguntei.
- Você não sente? – ela rebateu. Eu fiquei sem entender enquanto ela analisava a floresta. Fui em direção ao penhasco e lá estava a sereia. Por causa da minha influência sobre os seres da água, pudemos conversar ignorando toda aquela distância. Eu perguntei:
“O que aconteceu aqui?”, ela respondeu:
“Senti uma forte aura azul, além da sua, aí em cima, e quis dar um olá”, eu perguntei:
“Uma forte aura azul? Como isso é possível? Só tem uma Guerreira do Fogo aqui.”, ela respondeu:
“Bem, ela tem. Eu senti e vi. É forte.”, eu agradeci e me afastei. Só para notar que já tinha ido embora.

Nota da autora: Alô, visitantes de Mirth, primeiramente venho me desculpar pela demora na atualização, mas em minha defesa, quero dizer que houve um pequeno problema que fugiu do meu controle, porém, o importante é que ainda estamos aqui, eu escrevendo e vocês sendo lindos e lendo e comentando pra deixar essa autora feliz. O capítulo de hoje é menor que os outros e vem com um ponto de vista diferente para que todos possam entender o lado do magnânimo senhor do universo também. Sim, eu vou ser imparcial e deixar que vocês decidam de que lado ficar. Por último, mas não menos importante, agradeço a todo mundo que cede um pouquinho do seu tempo lendo e comentando RM, eu fico muito feliz, de verdade e é graças à vocês que eu tenho ânimo para continuar escrevendo. Desculpa, sei que falei que o tópico anterior seria o último, mas meu forte não é em exatas e me perdi no número de coisas que tinha a dizer, não desistam de mim, pfvr. Só voltei pra falar que me pediram para fazer um grupo de RM no facebook e eu quero saber a opinião de vocês sobre isso. Agora sim acabei. Beijo pra vocês e não percam os próximos capítulos.


Capítulo 07

Ao entrar na biblioteca, a primeira coisa que fiz foi sentar entre as pilhas pré-selecionadas de livros. Targ surgiu de um dos corredores de estantes e me ofereceu um sorriso caloroso.
- Bom dia, centelha! O assunto da vez, como pode notar – ele fez um gesto amplo para os livros e virou o que tinha em mãos para me mostrar a capa – é batalha...
- Mas e Muncie já me ensinam sobre isso... – contestei.
- Sobre lutar e se organizar no campo, sim. – ele respondeu com um sorriso bondoso. Targ jamais se alterava com minhas interrupções, o que, de certa forma, era um estímulo para torná-las frequentes. – Eu vou além. Alquimia, História das Guerras, uso e produção de armas. Temos muito a aprender...
Ele me entregou o livro que carregava e abriu alguns outros, me deixando concentrar no primeiro.
Enquanto me esforçava para analisar o conteúdo interessantíssimo das páginas, observava Targ por cima delas. Suas feições entretidas pelos livros e seu modo de analisar vários deles ao mesmo tempo. Seus olhos tinham um brilho incomum dentro daquele ambiente fechado, quase como fogueiras douradas alimentadas pela presença dos papéis. Ele tinha o costume de passear os dedos pelos cabelos enquanto lia, um hábito que eu já estava quase absorvendo.
A presença de Targ tinha um efeito estranho sobre a minha consciência de tempo e produtividade. Eu poderia pensar que segundos haviam se passado desde o início da minha leitura, mas então eu já tinha uma pilha enorme de livros lidos ao meu lado e uma infinidade de respostas dadas a ele.
- Você parece ter gostado desse em especial. – Targ observou depois de algum tempo em silêncio. Terminei de ler a frase antes de desviar minha atenção para ele.
- Gosto dos que falam sobre a nossa história... – então me lembrei de uma expressão utilizada naquela página. – Aqui menciona uma guerra, mas não me recordo de já ter lido sobre ela em outro lugar. Guerra das Alianças?
Ele me observou por dois segundos, como se decidisse o que me contar. Por fim soltou o livro que segurava e sentou-se de frente para mim.
- Há muito tempo, numa era quase tão antiga quanto os Protetores, houve uma guerra entre os voyders. – começou. Esforcei-me para lembrar que “voyders” eram os “leigos”, aqueles que não acreditavam ou não sabiam de nossa existência real. – O conflito já se estendia por anos quando os Sete Imortais resolveram intervir. O problema se deu porque, diferente das guerras a que estamos acostumados, aquela não era causada pelos Filhos da Escuridão, mas por conflitos internos, conflitos que só os próprios voyders poderiam entender. Desse modo, os Protetores tiveram uma grande dificuldade em decidir de que lado entrar. Passaram anos debatendo e tentando chegar a uma escolha, mas ela nunca era unânime. Parte disso se devia, é claro, à vaidade dos sete. Como a crise se estendia, os leigos faziam homenagens a cada um deles. Porque boa parte do conflito estava embasada na falta de alimentos devido às grandes queimadas, um grupo de voyders fez uma homenagem à lua azul, pedindo que acabasse com o fogo que só lhes trazia mal. A Fênix se revoltou com o pedido, repudiando a tribo, ao passo que a Sereia deu um voto a favor deles. Outros ofereceram suas preces aos deuses da colheita, reclamando que de nada adiantavam terras férteis se delas não pudessem coletar. Foi a vez do Basilisco enraivecer, enquanto a Esfinge se colocava a favor daquele grupo.
“Seguindo a via contrária, haviam também os que oferecessem seus presentes a lua vermelha na esperança de uma melhor administração de seu poder, assim como à verde. Nesse momento, a Fada, o Grifo e o Centauro tentavam intermediar as brigas entre os outros, mas tudo desandou quando outros grupos fizeram seus oferecimentos à Terra e ao Ar, um em desfavor do oposto.
“Zarafee se viu sem forças para impedir que o grupo se desunisse. Por uma questão de afinidade entre as tribos, as duas alianças principais se formaram: Fogo, Terra e Colheita contra Água, Ar e Fertilidade, cabendo à Fada o papel de conciliadora.
“Anos mais tarde, com as alianças já consagradas e o saldo de mortes incontáveis, Zarafee finalmente trouxe a paz aos dois grupos, reunificando o Conselho dos Sete. Infelizmente era tarde demais para apagar a profunda marca das alianças, que se estende até hoje.”
- Então... – falei quando finalmente consegui achar a voz. – Então as alianças não são algo exatamente bom?
- Embora muitos as tratem assim, com naturalidade, não. As alianças são uma cicatriz na história de Mirth. Uma louvada marca de um doloroso passado.
Como que para comprovar o que dizia, desviamos o olhar um do outro numa demonstração de vergonha pelo que fazíamos questão de manter vivo. Voltei a me concentrar nos livros na tentativa de esquecer o assunto. O próximo de uma das pilhas me chamou a atenção e não pude conter um sorriso.
- Nós tínhamos um desses em casa. – mostrei o exemplar das Histórias Gregas para Targ. Ele olhou interessado.
- É possível que sim. É uma coletânea de uma das culturas mais antigas que já existiram. Na Terra, eram chamados de Gregos. Se a sua família já teve um desses, talvez seus antepassados tenham sido terráqueos e você nem saiba. – ele riu com a ideia. Cocei o braço.
- Na verdade, eu sou de uma das únicas famílias de puro sangue terráqueo restante em Mirth.
Ele arregalou os olhos, a cor fugindo brevemente de seu rosto.
- Então você é praticamente da nobreza novaterrena. – fiz careta, desejando que esse tipo de assunto fosse embora. – Bom, sendo assim, é uma honra conhecê-la. – ele riu. – Mas, voltando ao livro, você deve saber bastante sobre ele.
- Ah, eu desejaria que sim. Mas tenho quase certeza que ele foi consumido durante um incêndio em casa. Pelo menos tenho a sorte de tê-lo aqui agora. – dei de ombros e resolvi dar início à leitura.
Sem perceber, li além das páginas selecionadas por meu tutor, sendo atraída por outras histórias interessantes e fatos curiosos. Em um capítulo distante, algo me chamou a atenção.
- Targ? O que é isso? – apontei uma expressão no livro. Era escrita em letras diferentes das demais palavras e incompreensível para mim. Ele se aproximou para ler.
- Transfusão de energia. – traduziu. O encarei, esperando por mais. – Certo, eu não deveria estar explicando essas coisas para você, mas tenho certeza de que somos capazes de manter segredos, não é?

Estava cansada.
Targ sugava minhas energias para dentro de livros e então o fazia com suas espadas e movimentos ensaiados e treinados por milênios. Enquanto me esforçava para acompanhá-lo naquela dança sem fim, algo surgiu e prendeu nossos olhares no céu. Era verde, não mais que uma fumaça iluminada.
Enquanto eu lutava para entendê-la, raciocinou mais rápido. Atirou-me ao chão aproveitando-se de meu momento de distração. Imaginei que ele havia vencido nossa luta, mas percebi que a ação não tinha qualquer relação com isso. Ele me forçou a rastejar até o abrigo das árvores e, assim que o atingimos, uma fumaça azul cortou o céu.
- O que está acontecendo? – perguntei preocupada porque já nada fazia sentido. Uma bomba d’água caiu sobre a nossa clareira, inundando-a.
- É uma simulação. Rápido, levante-se. Precisamos encontrar os outros líderes e os Guardiões.
Ele me colocou de pé e entregou a minha espada, começando uma corrida travada por raízes que se levantavam no meio de nosso caminho.
Corremos até a aparente segurança da horta da Colheita, onde Guerreiros usando vermelho, laranja, violeta e amarelo se misturavam. Aos poucos, outros se juntaram ao nosso grupo. Alguém de laranja se pronunciou.
- Ceifadores, preparem o escudo. – ordenou após tocar a terra por algum tempo. Os coletores que circundavam a horta tomaram postura enquanto pareciam segurar uma parede invisível. O que aparentava ser um furacão passou com força sobre nós. – Selagem acústica. – ele olhou para Lavender, que ergueu um dedo como se pedisse silêncio. O som dos ventos diminuiu consideravelmente. – Líder lutador? Estrategista?
- Seguraremos os escudos até o fim dos ventos. Destacaremos uma unidade até o “olho” logo que o furacão cessar e atacaremos.
Assim que o jogo ficou claro para mim, me ouvi gritando:
- O quê? Isso é previsível demais. Eles têm a floresta, têm a vantagem. Devemos tentar uma estratégia menos suicida. – cocei a nuca, olhando em volta.
- Você é a . – o rapaz de laranja constatou, aproximando-se e me oferecendo um sorriso. – Eu sou Brock, Guardião da Lua Laranja. Ouvi muito sobre você. – ele me avaliou de cima a baixo e anuiu com a cabeça. – Como sou o único Guardião da nossa aliança, saiba que pode me procurar para qualquer problema que não consiga resolver com seus líderes, certo, Guerreira? – mexi a cabeça em afirmativa e seus dentes muito brancos se mostraram novamente para mim. – Ótimo.
- Ótimo mesmo! – a Guardiã da Lua Amarela passou um braço sobre os ombros de Brock e retirou uma folha dos meus cabelos com a mão livre. – Eu sou a Amber, e adoraria ouvir suas sugestões de estratégias.

Foi difícil, mas conseguimos destacar uma frente até a clareira da luz sem chamar mais atenção do que o necessário. Para isso, precisamos dos esforços de cada ceifador para impedir que o Guardião da Lua Verde percebesse nossos movimentos. Foi a primeira vez que notei que nenhum território era inteiramente neutro ou unilateral. Com o argumento certo, era fácil dobrar a ilha a favor de quem tinha a necessidade.
Claro que em algum momento precisamos entregar nossa posição, afinal, eles precisavam vir até nós para que a batalha acontecesse como planejáramos. Estávamos lá, no meio da clareira, uma multidão encabeçada por Brock, Amber e . Eu logo ao lado de Brock, uma mão no medalhão sobre o peito, retorcendo-o enquanto pedia silenciosamente que a estratégia funcionasse, que nada desse errado.
Muncie havia me ajudado, claro. A parte mais brilhante do plano havia sido responsabilidade dele. Aquela unidade no centro da clareira. Uma ideia brilhante, embora um pouco arriscada. Depositávamos todas as nossas esperanças nos ceifadores naquele momento.
Eu começava a me preocupar com o rumo que o plano tomava quando Brock se ajeitou ao meu lado, tocando minimamente no meu pulso e no de Amber. Retesamos-nos. Assumimos posturas mais ofensivas e eu pude ouvir as passadas violentas de um exército.
Um grupo enorme, pelo menos dois terços da aliança rival entrou ali. Eles olharam em volta, incapazes de nos ver por causa da ilusão que os Guerreiros da Colheita se esforçavam em manter até que o último Guerreiro inimigo entrasse na clareira.
- O quê? Eu tenho certeza de que estou certo, eles... – o Guardião da Lua Verde dizia, mexendo a cabeça para todos os lados. Assim que todos os seus Guerreiros estavam lá, a primeira ilusão caiu.
Vi o sorriso de pingar do canto esquerdo de seus lábios, indo embora finalmente. Suas mãos se prepararam para o ataque. Oh, sim, o havíamos irritado.
Mas sequer tínhamos começado.
Percebemos os sinais de Viper, o Guardião da Lua Verde, para que seu exército recuasse diante da imensidão do nosso. Avançamos.
Antes que eles pudessem escapar, a unidade já planejada se colocou daquele lado da clareira, trancando o caminho. Enquanto isso, as fileiras que formavam as bordas do nosso batalhão se destacaram de modo a cercar o resto da área, trancando os inimigos ali dentro. E então, restava apenas o centro do batalhão, que desapareceu assim que a clareira estava fechada. A caída da segunda ilusão.
O sorriso presunçoso de tornou a se alojar no canto de sempre, sem qualquer timidez. Ele percebeu a batalha ganha. Mordi a boca, nervosa. Ele notou e ergueu as sobrancelhas para mim. Não falávamos, mas aqueles olhares eram conversas intensas.
foi o primeiro, mas então todas as espadas estavam sendo erguidas e nós marchávamos na direção deles. O círculo cada vez mais fechado em torno deles, apertando-os até que quem estivesse no meio não tivesse espaço para se mexer. Não havia saída a não ser deixar as bordas lutarem.
Batemos espadas, derrubamos inimigos e, pela primeira vez, pude presenciar uma luta corporal. O chão começou a tremer e buracos eram abertos, levando ao chão aqueles que estavam desavisados. e alguns Guerreiros da minha lua lançavam fogo em volta, distraindo rivais.
Começou a chover. Não. Água começou a cair. Não vinha de qualquer nuvem no céu, mas de um ponto aleatório. Apagava as chamas que meus colegas acendiam e os ventos nos faziam vacilar em nossas posições. Mas os trovões os cegaram. E eles poderiam se esforçar, mas é incrivelmente difícil manipular algum elemento sem conseguir enxergar seus alvos. Algumas rajadas de vento acertaram o próprio exército de Bree e ela teve que parar enquanto não recuperava a visão. Viper também sofria sem ter o que manipular na clareira. A vegetação ali era queimada pela intensidade luminosa e o solo muito pouco fértil havia se dobrado a favor da colheita, deixando o Guardião e seus Guerreiros sem muito o que fazer com suas habilidades.
Não tínhamos a vantagem ali. Eles estavam em maior número e tinham três Guardiões poderosos. Nós contávamos com nossas estratégias e habilidades de luta.
Eu batia espadas com uma das irritantes garotas da água, cada movimento dela tão bem calculado por meus instintos que olhei para o lado, procurando Boulder. Mas ele não estava lá. Então percebi as baixas que havíamos sofrido. Se continuássemos nesse ritmo, seríamos vencidos. Busquei rapidamente por Amber, que lutava graciosamente enquanto parecia se divertir lançando suas descargas elétricas pela clareira. Ela me olhou de volta, dando um leve aceno de cabeça ao notar minha expressão preocupada. Um de seus raios assumiu a forma de uma flecha antes de tocar o solo infértil.
De repente, lá estava nosso reforço. Uma chuva de flechas atingiu nossos inimigos, fazendo com que nos espalhássemos pela clareira. Sorri agradecida para nossos caçadores escondidos nas árvores, percebendo que boa parte de nossos adversários havia sido derrubada e que, agora, lutávamos com números parecidos. Não pude aproveitar a sensação por muito tempo, porque fui surpreendida por um brilho metálico descendo perto de mim. Ergui minha espada contra a de e então entramos num duelo à parte de toda a batalha que acontecia ali.
- Então vocês pensam que podem nos vencer? – seu tom presunçoso me enojava.
- Temos certeza, senhor Guardião. – informei enquanto me defendia de um de seus golpes.
- Você sonha alto demais, Guerreira. – ele fingiu atacar com a espada e lançou um jato de água contra o meu rosto, deixando-me cega por alguns segundos.
Cambaleei para trás, tentando fugir de suas investidas e golpeando o ar buscando, inutilmente, acertá-lo. Tropecei por causa das alterações do solo causadas por Brock e, na tentativa de recuperar meu equilíbrio, joguei o corpo para frente. Consegui finalmente abrir os olhos e, pelas luas, eu preferiria a cegueira eterna. Porque eu jamais conseguiria apagar da minha memória o horror da expressão de . Seus olhos muito azuis arregalados, a testa franzida e a boca escancarada na tentativa de exprimir um grito que jamais poderia ser produzido. Procurei a origem daquela reação e o que achei foi perturbador.
Ele vestia uma camisa vermelha, estranhei. Não. Era azul, como a cor de sua lua. Costumava ser. Porém seu torso estava banhado em sangue. Sangue vermelho vivo que esguichava do ombro esquerdo. Dali saía a ponta de uma espada, que estava enfiada no lado direito de sua cintura. O punho da espada estava bem preso em minha mão, fazendo-me calcular rapidamente o que acontecera. Com meus olhos tão arregalados quanto os dele, me vi arrancando a lâmina de seu corpo. E ele caiu diante de mim.
Então a clareira pareceu estranhamente congelada. Amber olhava chocada para o corpo de , assim como Viper. Brock ergueu as sobrancelhas. Breeze parou no meio do ar. Ninguém prestava atenção em mim, mas consegui prender o olhar dos Guardiões aliados tempo o suficiente para sinalizar um ataque aos outros dois.
Meu inimigo foi retirado do campo, assim como todos os outros que se feriam, e eu trabalhei num plano rápido para derrubar Viper. Ele era o mais fraco no território que lutávamos, então seria mais fácil derrotá-lo enquanto Bree gastava suas energias.
Ataquei o rapaz de cabelos verdes, minha espada ainda sangrenta produzindo cortes em suas roupas e na pele exposta. Ele tentava fugir, desviando de meus golpes com maestria. Mas não esperava que eu fosse apenas uma distração. Brock transformou o solo num inimigo perigoso e o derrubou com um golpe de terremoto, soterrando-o até deixá-lo incapacitado de lutar.
Breeze estava ocupada demais lutando contra Amber para se chocar. Eu parei por alguns segundos, observando a briga das Guardiãs. A de anil voava protegida por um escudo de ar, lançando golpes intensos contra minha aliada. A protegida da fada, por sua vez, utilizava seus raios em nossa inimiga, danificando aos poucos a proteção dela.
Uma chama penetrou o escudo de Breeze, fazendo-a distrair-se rapidamente para tentar apagar o fogo. Brock entrou na luta, elevando porções do solo de modo a atrapalhar o voo da garota. Vários Guerreiros ajudavam na tentativa de perturbá-la, lançando mais chamas, mais terra e distraindo seus sentidos. Foi Amber quem, enfim, deu o último golpe: uma descarga elétrica lançou a Guardiã mais alto no céu e então direto ao chão. Ela foi retirada do campo.
O resultado não poderia ser diferente: o caos.
Embora os inimigos estivessem em maior número – muitos dos nossos Guerreiros se envolveram na derrubada de Breeze e foram atacados por trás –, eles não tinham mais líderes e aquilo podia desestruturar qualquer exército. Sem ordens diretas e figuras importantes presentes, nossos oponentes estavam perdidos e foi simples derrotá-los com nossas habilidades.

- Vocês precisavam ter visto. A batalha estava complicada e, de repente, eles pareciam desorientados e tão fáceis de vencer que ficamos até preocupados.
- Claro, Reed. Isso deve ter acontecido no momento em que Bree caiu. Como Muncie supôs, ela estava usando os mensageiros do vento para se comunicar com a outra unidade do time – a que vocês enfrentaram no “olho”. Assim que Amber a derrubou, ela não pôde mais fazer parte da batalha, parou de mandar ordens pros Guerreiros e isso causou a derrota deles. Afinal, um exército sem líderes se abala facilmente, perde a confiança e, por mais que esteja em vantagem de número, não tem a união necessária para fazer uma vitória. – comentei enquanto observava alguns pedaços de carne ficando prontos sobre a fogueira.
- Isso é verdade. E a queda de foi importantíssima para a nossa vitória. – Lavender comentou, passando um braço sobre meus ombros e sorrindo de forma orgulhosa. – Você mostrou para ele quem é que manda, Heat.
- Ah, não... Aquilo foi um... Foi... Sem querer... – falei sem jeito. Certo. Talvez derrotar diante de toda a ilha fosse algo que eu realmente desejava fazer. Mas aquilo... O jeito como aconteceu. O olhar dele...
- Não seja modesta. Você acabou com ele. Todos viram. – ela insistiu, bagunçando meus cabelos com uma mão.
- Certo, certo. Mas e você? Uau, eu não sabia que era tão poderosa. – lembrei numa tentativa de mudar o foco da conversa.
- O quê? Ah. Eu só mexo com os sentidos. Meu forte é a audição. Não vou mentir, é bem legal. – Lav riu.
- É incrível, isso sim. – Brock entrou na conversa, olhando a garota de mechas roxas com certo fascínio. – E ela não mostrou nem a metade do que é capaz, ainda.
- Não seja exagerado, Guardião. – ela respondeu em tom brincalhão. Virou-se para mim e aumentou o tamanho do sorriso. – Espere até a minha irmã chegar à ilha, ela sim é inacreditável. Você vai adorá-la!
- Existem mais de você por aí? E o universo ainda não entrou em colapso? – brinquei enquanto aceitava um dos pratos cheios de comida. Lavender revirou comicamente os olhos e me roubou um pedaço de fruta enquanto ria.
Ela se distraiu com Brock e eu virei o rosto a tempo de ver Boulder se aproximar. Abri espaço ao meu lado no tronco e o ofereci com um sorriso.
- Por onde você andou? Fiquei preocupada. Quando olhei para o lado você não estava mais lá.
- Estava na enfermaria. – ele me contou. Arregalei os olhos.
- Todo esse tempo? Foi tão grave assim? O que aconteceu? Você...
- Ei, calma. Não precisa falar como uma vux encurralada. – ele riu, numa comparação nada justa com a criaturinha peluda adorável que, ao se sentir ameaçada, começava a disparar uma série de sons agudos para atordoar os predadores. Ergui uma sobrancelha, pronta para revidar, mas ele fez um gesto calmo com as mãos. – Eu estava dando cobertura a você, como foi combinado. Por causa do amontoado de pessoas, não consegui chegar perto o suficiente para lutar com alguém, então permaneci cuidando para que não fosse atingida. Acontece que, do seu lado, um Guerreiro da terra estava tendo dificuldades para se manter na luta, então – como você estava se saindo bem – o ajudei também. Estava batendo espadas com uma garota do ar e concentrado em deixar o cara em segurança, então demorei a perceber o que ia acontecer. Quando finalmente consegui reagir, me abaixei e, o que era para ser um golpe na barriga, acabou atingindo meu pescoço. – ele puxou a gola da camisa para mostrar um corte ainda em processo de cura. – Tive sorte por ter acertado só de raspão no meu primeiro liem. Meu centro de consciência. – ele explicou rapidamente ao notar minha expressão de dúvida. Riu e prosseguiu: – Você, claramente, não é descendente dos povos do cinturão de Lidor. Liem é a mesma coisa que a maioria de vocês têm aqui – apontou um dedo para minha cabeça. – ou aqui. – indicou o meu peito.
- Ou seja: você poderia ter morrido por questão de milímetros? – perguntei chocada.
- Eu não seria tão dramático assim. Mesmo que a espada acertasse o centro do meu liem, o máximo que eu sofreria seria com alguns dias na enfermaria. Graças às luas, Mirth tem um esquema de proteção e cura muito forte. E claro, fomos agraciados com capacidades regenerativas consideravelmente potentes. É, em parte, por causa disso que está vivo após o seu golpe de hoje. Ouvi dizer que foi brilhante. – Boulder aceitou uma das garrafas de néctar oferecida e a ergueu numa espécie de brinde a mim.
- As notícias correm por aqui... – suspirei. Cruzei os braços e mexi a cabeça rapidamente. – Aquilo foi um acidente. Não era para ter...
- Deixe de ser modesta, Guerreira. Tenho certeza que você o amedrontou de vez.
Sorri um pouco sem graça. Não me agradava a ideia de levar crédito por algo que não fiz, mas continuar falando que aquilo tinha sido um acidente só serviria para duas coisas: deixar meus companheiros incomodados com a minha “falsa” modéstia e enaltecer a superioridade de – o que, para mim, era impensável.
Pensei em responder qualquer gracinha, mas antes que conseguisse construir uma boa frase, Reed abraçou Boulder, soltando sobre nosso Guerreiro ferido todas as suas preocupações e votos de melhora. Levantei-me para que ele sentasse ao lado do amigo e, enquanto buscava um novo local para descansar, escutei.
Parecia me chamar, mas não usava o meu nome ou sequer uma voz. Era apenas a sensação de um chamado, um sussurro mudo que acariciava minha mente, que me mandava procurá-lo, encontrar a sua origem. Dentro da floresta, mais uma vez.
Eu devia parecer a imagem pura dos primeiros estágios do Morgov, parada, encarando a floresta com uma expressão assustada. Ou, pelo menos, imaginei isso pelo modo como o centauro e a fada me olhavam, seus olhos curiosos fixos em mim. A esfinge, logo ao lado, sussurrou algo a eles, um sorriso esperto estampado em seu rosto feminino.


Capítulo 08

Os treinos com começaram a ser cansativos e entediantes. Em parte porque ele não dava trégua, mas também porque não conversava mais com . A garota já havia decorado os movimentos ensaiados dele de modo que, toda vez que ele mexia o pé esquerdo, ela atacava o lado direito sem sequer pensar, e acertava um golpe perto das costelas.
Já estava distraída com algum outro pensamento quando o garoto a pegou de surpresa, quase lhe acertando com a espada. Na tentativa de desviar, a ruiva tropeçou numa pedra e caiu, deslizando um pouco sobre o chão. a esperou se levantar, mas seu olhar se prendeu em algo na grama assim que ela o fez. Algo de couro e corda.
- O que é isso? – ele parecia irritado. ficou vermelha e tentou esconder a pulseira, mesmo sabendo que já era tarde demais. – Isso é...?
- Sim. – ela disse depois de muitos segundos. Mordeu o lábio e olhou para baixo. – É uma pulseira dos inteligentes.
A cena seguinte se desenvolveu rápido demais diante dela:
disse uma palavra que ela não conhecia – mas certamente não era algo bonito de se dizer na frente de crianças – e jogou a própria espada longe. A espada de – que só agora ela notara que ele também segurava – foi cravada no chão entre os dois com muita força e muita raiva. Ele repetiu a palavra desconhecida e jogou uma garrafa no chão. E então a olhou e, ao invés de acusação, percebeu outra coisa. Revolta.
estava com raiva por causa da pulseira? Porque ela seria uma líder também?
- Desde quando você tem isso? – e então ele mexeu a cabeça em negativa. – Por que você não estava usando? Por que não contou para ninguém?
- Eu... Foi depois da caça à bandeira. Muncie me chamou. Ele me explicou o que era e que eu provavelmente seria a nova líder dos inteligentes. Só que eu não quero isso. Então eu disse que não ia colocar, desse modo ninguém ficaria sabendo, nem nós. Ele insistiu que eu colocasse, porque não colocar poderia gerar um estrago. Tipo eu não ter um grupo. Mas eu me recuso. Eu...
não ficou para ouvir nem a metade. Quando ela levantou a cabeça ele já ia embora, puxando os cabelos e parecendo realmente irado. E sentiu-se mal, entendendo que ele estava bravo porque isso significava todo aquele tempo de treinamento perdido. Ela jamais seria da equipe dele.
A ruiva pegou de volta a espada que o outro jogara longe e retirou a que estava cravada no chão. Juntou a garrafa e o restante dos objetos que eles haviam espalhado pela clareira. Ela suspirou e, quando começava a fazer o caminho para voltar para a ilha, retornou à clareira.
- Você está bravo? – ela perguntou meio sem jeito.
- Eu... É claro que estou. – e então começou a andar em círculos enquanto puxava o próprio cabelo. – Por que você não me falou?
- Porque daí todos acabariam sabendo e eu teria que usar a maldita pulseira e se eu fosse uma líder, eu seria péssima. – ela mordeu o lábio.
- Mas você podia confiar em mim. Achei que a gente tinha esse tipo de intimidade...
- ... – ela tentou, mas ele mexeu a cabeça em negativa. – Não fique bravo comigo. Por favor.
- Não estou... Não com você. Comigo. – ele esclareceu. Ela pensou em perguntar o que ele queria dizer, mas ele jogou algo contra ela.
agarrou o pequeno objeto num reflexo, machucando a palma da mão com suas pontas afiadas. Olhou o que estava segurando: uma pulseira de corda trançada com pedras vermelhas pontiagudas. Ela não precisou de muito tempo para entender.
- Quando...?
- Apareceu depois do nosso primeiro dia de treinamento. Eu fiquei apavorado, porque eu tinha certeza que você ia me substituir. Eu... Deveria ter sido corajoso como Muncie. Eu merecia que você fosse a nova líder. Os lutadores não merecem um covarde como eu no comando.
- Ei... Está tudo bem. De qualquer modo, eu também não usaria se achasse que isso mudaria as coisas. Mas... – ela olhou para as duas pulseiras, uma em cada mão. – Isso significa que não sou líder nem de uma divisão, nem da outra, certo?
- Certo. – ele ainda estava irritado consigo mesmo. – Eu sinto muito, . Deveria ter sido sincero com você. Por causa disso tenho tratado você mal e você não merecia.
- Não tem problema, . Todos nós temos medo de perder algo que é importante. Eu, por exemplo, não coloquei a pulseira por medo de perder minha zona de conforto. – a ruiva suspirou.
- Não justifica meus atos. – revirou os olhos e aproximou-se do rapaz. Ergueu as duas pulseiras diante do nariz dele e o canto de sua boca se sustentou com um sorriso.
- Eu devo colocá-las? – ele assentiu e a observou. Primeiro, ela colocou a dos inteligentes. Assim que encostou a pulseira sobre o antebraço direito, a tira se enroscou ali e se fechou com um breve flamejar. A outra fez a mesma coisa sobre o outro pulso. Ela as encarou. – Uau.
- Fica muito bem em você. – disse um mais conformado. – É um prazer tê-la na minha divisão.
- É um prazer ver o seu orgulho de pé novamente. – ela riu, batendo de leve com as pedras pontiagudas da pulseira dos lutadores no braço dele.
- Não pense que me perdoo pelo que fiz. Eu não acredito que fui mais covarde do que o Muncie... – mexeu a cabeça em negativa.
- Por favor, pare com isso. – a ruiva empurrou o ombro do rapaz de brincadeira. – Agora, podemos ir? Eu estou morrendo de fome. – começou a puxá-lo pelo pulso para fora da clareira.
- Você? Eu trocaria minhas pernas e um braço por um prato de comida. – ele informou, seguindo a Guerreira pela floresta.
- E ainda assim seria mais ágil do que o senhor Guardião e toda a sua tropa juntos. – a garota fez graça.
- Sinto-me completamente encantado pelo modo como você não precisou de dois dias inteiros para se tornar uma de nossas centelhas. – disse rindo.
- Oh, agradeça ao senhor supremo do universo e sua recepção tão calorosa. – os dois riram. Já se aproximavam da praia e seguiram na direção da área de refeições. – Ele se acha grandes coisas, não é mesmo? Céus, se ele passasse um dia na minha cidade... Ah, aquelas crianças certamente o colocariam em seu lugar.
- Conte-me mais sobre sua cidade. Você não tinha um tratamento privilegiado por causa do medalhão? – ele a olhou interessado.
- Você está brincando? Eles só... – ela pensou melhor. Decidira não falar sobre os problemas de infância. – Ninguém sabia se isso era verdade. Ninguém acreditava muito. – deu de ombros. Ele pareceu chocado. Ela riu. – Você achou que eu era uma divindade lá? Fui só mais uma criança comum...
- Então, quando você foi recrutada eles devem ter ficado chocados... Descobrindo que é tudo real.
- Eu acredito que não. Eu fugi de casa. – eles entraram na área de refeições e a ruiva abaixou o tom. – Queria ir para Norque, porque meu destino nunca esteve relacionado a brincar de horta. Eu queria mexer com tecnologias.
- Ninguém sabe que você foi convocada? – ela mexeu a cabeça em negativa. Pegaram seus pratos e entraram na fila da comida. – Que garota misteriosa você é, centelha. – começaram a se servir.
- Pare de me chamar assim, . – ela o empurrou de leve. O moreno perdeu o equilíbrio e, na tentativa de recuperá-lo, deu dois passos para trás, esbarrando em uma das garotas da Água que estava virada de costas para eles e acabou derrubando o pouco de comida que já tinha servido em .
O líder dos lutadores não precisou virar-se para saber o que tinha acontecido, o olhar de já denunciava.
- Por que eu não me surpreendo? – a voz do Guardião soou por cima de todas as outras. – Parece que tudo que acontece de errado comigo tem por trás um toque seu, não é, Guerreira?
- Oh! – ela parecia dividida entre o espanto e a alegria. Colocou uma mão sobre o peito de forma teatral. – Eu não sabia que me considerava assim tão importante, senhor Guardião. Sinto-me extremamente honrada. Devo sair espalhando a notícia? Afinal, acaba de informar que interfiro diretamente em seu destino. Que as luas me iluminem!
- Se eu fosse você... – ele começou, mas a garota logo o cortou:
- Oh! E agora quer se colocar em meu lugar. Que ótimo dia! – ela lançou um olhar para o céu como num agradecimento.
O Guardião respirou fundo antes de responder. Quando o fez, o fez sussurrando.
- Eu mal posso esperar para acabar com você em sete dias.
- O senhor é muito confiante. – a Guerreira observou, levando uma mão até o rosto. Casualmente a mesma mão que ostentava a pulseira dos lutadores. Um aviso discreto que fez o rival arregalar os olhos.

- AH! O que eu fiz?! – a ruiva gritou, dando um pulo para trás após soltar o metal.
- O quê? – Sunday procurou o motivo do susto.
- Eu não sei! Olha que cor estranha ficou. – a Guerreira, grudada contra a parede, apontou para o ponto que estava antes.
- Está azul, . O que há de errado? – a líder pegou o projeto de lâmina e voltou a colocá-lo no fogo.
- Isso não deveria ficar vermelho? Laranja? Olha, eu não entendo muito dessas coisas, mas uma vez tive uma aula com um ferreiro e ele me ensinou que essas eram as cores que os metais costumavam ficar depois de aquecidos. – parecia mais confortável a se aproximar.
- Pode até ser, mas as nossas armas são feitas com materiais que não são muito conhecidos por pessoas normais... – a loira tentou conter uma risada. – Achei que você já estaria acostumada ao atípico em Mirth... – deu uma piscadela para a amiga.
- É mais difícil do que parece. – informou.
- Chega de reclamações. Vamos. Você entortou toda a lâmina, conserte-a. – Sun observou a Guerreira refazer os lados deformados daquilo que viria a ser a ponta de uma lança.
Com o trabalho terminado, instruiu a ruiva a finalizar a arma, testando seu equilíbrio e dando os últimos ajustes. A líder dos hábeis puxou a amiga pela mão para o lado de fora e apontou para um alvo.
- Agora vamos testar sua arma. Lembra-se do que fez com a faca? Quero ver se a sua lança tem a mesma precisão.
- Qual é, Sun, você não espera que eu... – a garota girou a lança entre os dedos, nervosa.
- Sim, eu espero que você acerte. Estou esperando.
suspirou. Testou o peso da arma em sua mão e buscou o ponto de equilíbrio. Encarou o alvo e, com um expirar rápido, arremessou a lança.
- Eu não sei por que Tharja reclama de você. – Sunday constatou. – Quer dizer, você realmente é boa em atirar coisas. – retirou com dificuldade a lança do alvo.
- É porque não consigo acertar alvos em movimento. – a outra deu de ombros.
- Você só tem que ter um pouco de paciência, Heat. É chato, eu sei, mas faz parte do seu treinamento e todos nós vamos pegar no seu pé enquanto você não tiver concluído. – entregou de volta a lança. – Próxima tarefa: espada e facas. Tharja logo aparece, então é melhor encerrarmos por hoje.
- Certo. – ela bufou. – Onde eu deixo essa lança?
- É sua, bobinha. Foi feita com as suas medidas, o que esperava? Talvez com armas feitas por você e para você, se sinta mais confortável para mostrar seu lado caçadora. – a loira riu.
- O quê? Essa aqui? – Tharja perguntou aproximando-se da dupla. – Desiste, hábil, ela é inquieta e impaciente demais.
- Tharja! – Sunday repreendeu enquanto lançava um olhar preocupado a Heat.
- Tudo bem, é verdade. – a novata deu de ombros.
- Vamos, quero terminar logo com esse sofrimento. – Tharja puxou-a pelo braço.
As duas caminharam em silêncio até o ponto da floresta que servia para seus treinos. A morena posicionou sua aluna atrás de um arbusto e pediu a ajuda das ninfas. Em seguida voltou para perto da outra e soltou um suspiro contido.
- , eu preciso que você foque nisso, ok? Eu sei que você é agitada, mas quanto mais você se esforçar, mais rápido terminaremos essas aulas. – os olhos castanhos dela buscaram a atenção dos vermelhos inquietos da mais nova. – Lembra-se do que conversamos antes? Silêncio e concentração. Você não deve escutar a sua respiração e deve livrar sua mente de qualquer pensamento. Precisa se focar apenas no barulho dos animais.
Era muito fácil para Tharja. A líder dos caçadores nascera com uma paciência invejável e certamente não tinha a agitação característica dos lutadores. Embora tivesse uma personalidade dura e complicada de lidar, seu interior se desfazia num fogo lento. a invejava. E odiava um pouco também.
Ora, como ela podia querer que não pensasse? Só aquela ordem já ecoava na mente da ruiva como um mantra “não pense em nada, não pense em nada, não pense em nada, não pens... DROGA, JÁ ESTOU PENSANDO EM NÃO PENSAR”. O mais difícil era a ordem de focar sua mente apenas nos sons “concentre-se nos sons, não ouça seus pensamentos, concentre-se nos... Oh, aquilo ali é uma pedra com a forma de um ovo?”. Era insuportável. Ficar sentada por mais de cinco minutos esperando a aproximação de um animal projetado pelas ninfas era incrivelmente impossível. Era até uma ofensa.
O menor som já a fazia jogar sua lança naquela direção – quase machucara um Guerreiro da terra desavisado, certa vez. Esse ato tinha como resposta uma repreensão de Tharja, que dizia o quão difícil era lidar com uma Guerreira tão ansiosa quanto .
- E não adianta mentir, eu sei que você se distraiu com a forma de uma nuvem ou de uma pedra. Isso é tão você. – ela completava, sempre revirando os olhos castanhos.
não achava que era culpa dela se os minutos se arrastavam em horas naquela espera. Tinha vontade de sair correndo, gritando e pulando. Definitivamente não nascera para ficar parada e ser cautelosa.
Tharja normalmente desistia depois de duas horas de tortura. Mandava a novata embora e resmungava sobre como elas jamais terminariam esse treinamento.
Dessa vez foi pior porque Tharja a acompanhou de volta à praia. E ela lamentava e se amargurava pelo dia em que os outros líderes a convenceram de treiná-la. Falava sobre ter mudado de ideia.
, secretamente, gostava muito de Tharja. Principalmente porque a morena não tinha medo de ferir seus sentimentos ou seu orgulho, não usava meias palavras e não pedia desculpas por ser como era. Em retribuição, dizia a ela o quanto se sentia incapacitada de fazer o que ela pedia e contava o nervosismo que sentia ao ficar parada por tanto tempo. E fazia questão de ressaltar o quão chato era tudo aquilo.
Entretanto, naquela tarde, Tharja estava falando demais. percebeu porque passava um grupo da Água que, ao ouvir as reclamações da líder, não conteve sorrisos zombeteiros.
- Oh, então a Guerreira está recebendo sermão? Parece que não é tão boa quanto se diz. – uma garota de cabelos cor de areia gargalhou.
- Parece que alguém anda decepcionando a tutora. – outra constatou. Como se não pudesse piorar, uma voz se ressaltou.
- Ora, pessoal, o que é isso. Não sejam cruéis com a novata. Não percebem que ela simplesmente não consegue se encaixar aqui? – e, assim que terminou de falar, outros encheram as bocas para informar que deveria ir embora de Mirth.
A ruiva queimava de dentro para fora. O sangue há muito se fora de suas veias e restava apenas fogo circulando por ali. Estreitou os olhos e abriu a boca para uma resposta ácida, mas a voz que ouviu não foi a sua.
- Sim, tem seus defeitos, mas ainda assim é superior a muitos de vocês. Porque sabe admiti-los. Esse é o primeiro passo em direção a excelência. Se posso dar uma dica: na posição de vocês, eu manteria a boca fechada. Afinal, não querem virar peixinhos flambados, não é? – seu olhar se deteve nas mãos de , que geravam chamas baixas.
- Está tentando consertar seu erro? – uma das garotas soltou com uma risada aguda. – É melhor devolvê-la ao planetinha dela.
- Lembre-se que em cinco dias a nossa Guerreira duelará com o seu Guardião. E as chances dela vencê-lo são muito altas. Afinal, ela já o derrubou na última simulação. – fez-se silêncio depois disso.
Era verdade, eles sabiam. No dia anterior derrubara no que ela descreveu como “um momento de muita sorte”. Por isso todos deixaram a dupla em paz com alguns resmungos.
- Tharja. Pelas luas! Obrigada, eu não...
- Menos, novata. Só eu posso criticá-la. Jamais deixarei essa gente criticar um dos nossos. Agora, faça-me um favor: vença aquele Guardião. Se fizer isso, juro que pego leve nos treinos.
- Seu pedido é uma ordem. – a ruiva riu.

vinha se sentindo mais confiante nos últimos dias. Fosse pelo inesperado apoio que recebeu de Tharja contra a Água ou por ter conquistado sua terceira pulseira – obviamente dos hábeis, após forjar a própria espada e um par de facas. Também recebera elogios recentemente: Targ estava impressionado com sua capacidade de absorção e sua empolgação com os estudos, os colegas de casa estavam satisfeitos com as recentes vitórias da equipe e até Fintan estava admirado com sua capacidade de adaptação.
Não tinha do que reclamar: finalmente estava fazendo o que gostava, tinha amigos e sentia que pertencia àquele lugar. Mesmo assim, acordava todas as noites com uma sensação esquisita. Algo – alguém – chamava-a. Uma voz estranhamente familiar, mas que ela jamais conseguiria identificar.
Então, todas as noites jogava o corpo para fora da cama e abandonava a cabana em silêncio. Esgueirava-se pela floresta, esforçando-se para fugir dos Guerreiros que faziam a guarda e caminhava entre as árvores. Mas algo sempre chamava sua atenção no meio do caminho. Ela nunca seguia até o final, nunca conseguia descobrir onde estava quem a chamava.
Essa noite não foi diferente. A garota escapou da cabana com facilidade e seguia quase inconscientemente aquele eco em sua mente. Estava adentrando a floresta quando ouviu seu nome. Não era a mesma voz.
- ? – ela virou devagar. Lá estava Saber, uma das Guerreiras de sua casa. – O que faz aqui a essa hora? – a garota de olhos dourados mordeu o lábio inferior e tentou um sorriso. – Escuta, você poderia...? – ofereceu a espada para a ruiva. – Eu bebi muito néctar e realmente preciso ir ao banheiro. Por favor?
- Eu... Tudo bem. – ela cedeu com um suspiro. Agarrou a espada da colega e assumiu seu posto.
- Obrigada! É rapidinho! – afirmou enquanto já corria.
- Claro que é. – Heat sussurrou para si. Segurou a espada em posição de alerta e andou poucos passos de um lado para o outro.
Sentiu seu coração quase parar e ergueu a espada em ataque ao ver uma forma se projetar logo a sua frente. Só não desferiu um golpe contra a criatura porque notou a cor que vestia.
Era um buscador. Em seus braços, uma garota parecia dormir serenamente. O homem caiu de joelhos, fraco demais pela viagem. correu em sua direção e tirou a garota de seus braços, acolhendo-a no próprio colo. O buscador lhe lançou um sorriso fraco e ela teve que se esforçar para entender seu murmúrio.
- Cuide dela. – foi o que ele disse antes de desaparecer.
Sem pensar duas vezes, correu em direção a enfermaria, apavorando a curadora do turno com sua entrada escandalosa. Deitou a menina de mechas violeta na cama e olhou para a mulher.
- O que há com ela? – perguntou com pavor.
- Nada. – a outra respondeu tranquilamente após estudar a recém-chegada. – Foi só a viagem. A Lua Verde é péssima para transportes. Provavelmente a Guardiã descansará por um par de dias até que seu corpo se sinta disposto novamente.
- Guardiã? – pousou os olhos sobre o pescoço da garota. Ali repousava um amuleto diferente dos outros da Colheita. Nele, uma esfinge estava deitada formando parte do círculo com o próprio corpo e rabo. A parte superior do círculo era formada pela lâmina de sua foice.
- Você pode se sentar, se quiser. – ela informou. seguiu a sugestão e observou enquanto a mulher posicionava sobre a mesa lateral uma jarra com um líquido roxo, um copo e uma garrafa de água.
Analisou a Guardiã sem pressa. Parecia estar num sono tranquilo e não demonstrava qualquer expressão em seu rosto fino. Vendo-a sob a luz da cabana, notou como lhe parecia familiar, embora não soubesse dizer de onde vinha esse reconhecimento. Tinha uma das mãos fechadas e notou como ela parecia segurar algo. Puxou com delicadeza os dedos da garota até que um pedaço de papel caísse sobre a cama.
Era pequeno e estava muito bem dobrado. A Guerreira o pegou e demorou-se considerando o que deveria fazer.
Abri-lo poderia ser uma violação. Deveria entregá-lo a Fintan assim que o homem aparecesse. Entretanto, sabia que os Guardiões da Lua Violeta tinham o dom da visão, então, ao considerar isso, talvez a garota tivesse escrito um aviso sobre algum tipo de ataque ou guerra. Se fosse o caso, aguardar Fintan poderia custar caro.
Virou o pequeno papel entre os dedos. Poderia, também, ser nada. Apenas algum papel que a Guardiã segurava quando as luas decidiram que era hora dela ser colhida.
Aquilo a estava matando e sabia que não aguentaria muito mais sem tomar uma decisão. Mais do que isso, não aguentaria muito mais sem descobrir o que aquele papel continha. Não nascera para o suspense. Suspirando e finalmente vendo-se incapacitada de aceitar o mistério, desfez as dobras e arrastou os olhos pelas cinco palavras marcadas ali.
“Por favor, não faça isso.”


Capítulo 09

Passar a noite em claro ao lado de uma cama com uma garota adormecida estava, definitivamente, fora de sua lista de desejos. Obviamente já o havia feito antes, nas poucas vezes que a irmã adoecera e a cidade não tinha medicamentos disponíveis. Contudo, não era sua atividade favorita e costumava deixá-la ansiosa e preocupada.
Incrivelmente, conseguiu vencer os impulsos de levantar-se e caminhar de um lado para o outro, mantendo-se sentada até o momento que Fintan entrou na cabana, trazendo com ele a luz da manhã e Lavender. A Guerreira primeiro olhou por cima do ombro do mais velho e então soltou um guincho agudo enquanto passava correndo por ele e alcançava a cama.
- Vi! – chamou ao agarrar a mão da outra. Seus olhos se inundaram.
- Lavender – Fintan começou, paciente. –, seu corpo está descansando. – e então, lançando o olhar para , abriu um sorriso leve. – Bom dia, . Espero que não tenha se assustado com o acontecido.
- Eu quase ataquei o pobre buscador. Ele está bem? – questionou.
- Não recebemos qualquer reclamação. Deve estar tudo bem. – tranquilizou-a.
assentiu com a cabeça e voltou o olhar para a Guerreira ao seu lado. E percebeu.
- Você é irmã da Guardiã?
Lavender virou o rosto em sua direção devagar, relutando em tirar os olhos da menina na cama.
- Sim. Somos gêmeas. – informou. E então jogou um braço em torno do pescoço da amiga. – Obrigada por ter sido você a encontrá-la, . Tenho certeza de que ela irá adorá-la quando acordar.
não conseguiu responder, só ficou ali, fitando a Guerreira que soltava diversas frases e informações desconexas e potencialmente desnecessárias. Ela sequer fez algum esforço para absorver o que era dito. Sua mente fora tomada por uma espécie de névoa. Ali dentro dúvidas ecoavam.
Será que a Guardiã acordaria bem? Precisaria de algo? O que ela queria dizer com aquelas cinco palavras? Ela deveria mostrar a Fintan o bilhete?
Decidira a resposta da última questão: não mostraria. Não. Porque não se tratava de um aviso de guerra, nem de algo direcionado a eles. E, embora fosse um pedido extremamente curioso, não faria estardalhaço em torno dele apenas para, mais tarde, tornar-se motivo de piada. Afinal, sabia que, se fosse realmente irrelevante, os Guerreiros da casa rival não hesitariam em rir de sua preocupação infundada. Melhor deixar só entre ela e a Guardiã.
Quando percebeu, Lavender desaparecera deixando em seu lugar uma travessa com o que deveria ser a primeira refeição da Guerreira do Fogo. Ela mal notou a fome que sentia. Mesmo assim, comeu devagar, evitando fazer qualquer barulho que perturbasse o ambiente silencioso.
Era algo que não entendia. Por que todo aquele clima solene? Poderia simplesmente levantar-se e voltar para os amigos. Era dia de caça à bandeira novamente e, pelo menos no dia anterior, sentia-se tomada pela animação do jogo. Agora, no entanto, parecia presa àquele corpo na cama. Como se abandoná-lo fosse um trabalho árduo. Sabia que podia fazê-lo, mas não estava certa de querer. Era como se precisasse se certificar do bem-estar da garota.
A respiração da Guardiã se alterou e direcionou o olhar ao seu rosto. Os olhos dela se abriram, sem foco, e ela balbuciou algo incompreensível, voltando a adormecer em seguida. Já havia acontecido e a curadora disse ser normal.
Sem ter o que fazer ou com quem falar, pôs um canto da mente a pensar. Estava em Mirth e parecia fazer muitos anos desde sua chegada. Tivera coragem – e só agora percebia – de abandonar o que restara de sua família para buscar seu futuro em outro canto. Duas linhas se seguiam desde esse pensamento, e ela as analisava devagar, saboreando-as.
Sim, o que abandonou foi a maior parte de sua família, mas já tão estilhaçada após a partida de Kyle que aparentava ter perdido cinco membros no lugar de um. O irmão era – sempre esteve claro – a terra fértil que os permitia crescer em conjunto. Assim que partiu, deixou a família em fragmentos que nenhum deles seria capaz de unir novamente. Ninguém mais consertava as brigas, finalizava as discussões, secava as lágrimas. E a ida de Kyle foi um golpe duro em toda a sua confiança e segurança.
Em paralelo, seu cérebro recentemente esclarecido e com a rebeldia abrandada gritava com ela. O que, pelas luas, estava pensando quando fugiu em direção a Norque? Iria chegar à cidade e dizer “Olá, sou . Sim, você deve me reconhecer dos anúncios de fugitiva. Adoraria se pudesse me dar um emprego. É, eu meio que descobri como burlar os seus melhores sistemas de segurança”? Seria, na melhor das hipóteses, presa assim que pisasse lá. Ou o que pensara? Que a livrariam por ser especialmente boa em desativar alarmes? Era, indubitavelmente, uma ameaça ao sistema perfeito do planeta. Uma transgressora. Uma criminosa.
Que sorte tivera, então, ao ser recolhida naquela noite. Que sorte ter acordado em Mirth. Que sorte ter encontrado tudo que encontrou nesse lugar. Cada Guerreiro do Fogo, aqueles da Colheita que também a acolheram e – jamais admitiria isso em voz alta – até aqueles da Água. Porque preferia mil vezes o tratamento que seus rivais lhe davam aqui ao que sua cidade propiciava lá. Ao menos sabia que poderia contar com eles em caso de uma guerra. Em Lores, sua família provavelmente serviria de oferenda aos inimigos.
Algo tocou seu ombro, fazendo-a pular da cadeira. Talvez estivesse demasiadamente concentrada em seus pensamentos. Uma risada breve foi o suficiente para inundar seus ouvidos.
- Não queria assustá-la, mas chamei algumas vezes e você não respondeu. – parecia tentar se explicar, quem sabe até se desculpar.
- Estava pensando. – defendeu-se a Guerreira.
- Sei. – o canto esquerdo dos lábios de Lake se ondulou num sorriso. Os dois encararam a Guardiã na cama. – Então essa é a Guardiã da Colheita. – constatou.
- É.
- Uma grande aquisição para a sua aliança.
- Sim.
De pé, lado a lado, olhando a garota, os dois permaneceram em um silêncio incomum. Porque nunca ficavam quietos na presença do outro. Sempre existiam provocações a serem ditas. Mas lá estava aquele ar solene. Foi ela quem resolveu quebrar a atmosfera calma.
- Diga. – ao captar pela visão periférica o olhar de incompreensão dele, continuou. – Sei que está aqui para falar sobre nossa luta, então diga.
- Certo. Vim dizer, embora seja completamente desnecessário, que não se preocupe sobre isso. A luta está suspensa até que a Guardiã acorde e se recupere. – ele mantinha o olhar distante da ruiva, mas percebeu sua desconfiança.
- Está? Por que faria isso? Eu tinha certeza que viria dizer que não devo usá-la como desculpa para fugir ou coisa parecida.
- Já estive no seu lugar, . Sei como se sente. – ele finalmente a olhou. – Tenho plena noção do quão impossível é sair dessa enfermaria. – quando ela correspondeu ao seu olhar, captou nele algo que havia notado na primeira vez que o viu. Aquela expressão completamente dividida entre preocupação e alívio e algo mais. – Não sou insensível.
- Só imaginei... Seria bem típico de você. – mordeu a própria língua ao notar o tom que usava. Já estava preparada para um ataque de Lake, mas ele apenas riu.
- Acho que está certa. Se a situação fosse outra, eu faria isso. – suspirou e virou-se, caminhando em direção à porta da cabana. – Mas entendo como é forte o laço que se cria nessa situação. Acredite ou não, fui eu que te encontrei na noite em que chegou. – Lake concluiu antes de sair e fechar a porta.
Mesmo que ele tivesse ficado, não responderia. Porque estava sem palavras. O que queria dizer? Laço forte? Em relação a ela?
A ruiva não poderia acreditar.
Pensando positivamente, estava livre do compromisso com a luta até que Violet – lembrava-se de ouvir Lavender chamando-a assim em algum momento – acordasse. O que não era, na verdade, tão bom. Porque, apesar de ter se surpreendido com a decência do Guardião, ainda tinha vontade de mostrar a ele que aquele amuleto no pescoço dele não significava mais que o dela. Não significava mais que o de ninguém.



Enquanto fingia dormir, interceptara uma conversa entre dois curadores. Ocorreu mais ou menos assim:
- Shh! A Guerreira. – o curador 1 sussurrou enquanto abria a porta devagar. manteve-se congelada na cadeira, os braços cruzados sobre o peito, a cabeça apoiada na parede ao seu lado, os olhos fechados e uma mecha de cabelo causando cócegas em seu rosto.
- Ela está dormindo. – cochichou de volta o curador 2. Caminharam silenciosamente pela cabana e dirigiram-se para a sala nos fundos do lugar. – Como eu dizia, é preocupante. Ela aparenta estar muito fraca. E esse despertar repentino impede seu corpo de se recuperar devidamente. – o homem continuou num tom que considerava baixo o suficiente para não atrapalhar o sono da ruiva.
- Realmente. Acreditávamos que, para uma Guardiã, dois dias de repouso eram suficientes. Nenhum dos outros demorou mais do que isso. Mas parece que ela perdeu muita energia. – o primeiro observou.
- Tenho medo do comprometimento que isso pode causar. Já é provado que tempo demais em sono de recuperação é capaz de causar danos ao corpo. Se ela demorar mais um dia para acordar, talvez...
- Não. Não podemos pensar no pior. Ela irá se recuperar. – o curador 1 decidiu, encerrando qualquer discussão.
Por isso, agora, diante do corpo ainda adormecido de Violet sob a luz da manhã, pensava no que estava prestes a fazer. Em poucos minutos os Guerreiros e Guardiões sairiam da área de refeições e seguiriam para seus afazeres do dia, então teria alguns minutos sem imprevistos com a Guardiã.
Assim que notou a dispersão dos colegas, pôs sua mente para trabalhar. Como foi mesmo o que Targ lhe explicou?
“- Targ? O que é isso? – ela apontou uma expressão no livro. O homem aproximou-se para ler.
- Transfusão de energia. – ele traduziu. Ela esperou por mais. – Certo, eu não deveria estar explicando essas coisas para você, mas tenho certeza de que somos capazes de manter segredos, não é? – ao ver a garota anuir com a cabeça, continuou. – É o que chamamos de magia oculta. Não deve ser usado, não por ser proibido ou duramente punido, mas por ser perigoso. É bem simples, na verdade. Se você tem um Guerreiro ou Guardião ferido ou muito fraco, basta juntar o seu próprio amuleto de Guerreiro ou Guardião ao dele, até que o ferido adquira energia o suficiente para sobreviver.
- Simples assim? Só isso? – questionou.
- Há regras, claro. Pouco tempo de contato entre os amuletos, preferencialmente um doador saudável e descansado – por isso nunca foi aconselhável usar esse tipo de magia em batalhas –, e, claro, funciona melhor na seguinte ordem: Guardião doa para Guardião, Guerreiro doa para Guerreiro, Guardião doa para Guerreiro. Se um Guerreiro doar para um Guardião as coisas podem sair um pouco de controle. Há histórias que contam que toda a força vital de um Guerreiro foi drenada acidentalmente para um Guardião que estava inconsciente. Outras contam que algo perto disso aconteceu. O amuleto do Guardião, por ser mais forte que o do Guerreiro, costuma atrair a energia de forma descontrolada. Até mesmo entre dois Guardiões alguns acidentes aconteciam. Por isso foi decidido que a transfusão de energia deveria ser uma prática deixada de lado. Não se ensina mais sobre isso nas aulas regulares. – ele deu uma piscadela para a mais nova.”

Mas, bem, Targ havia lhe ensinado. E parecia útil para ela agora. Precisava salvar a Guardiã. Pegou o próprio amuleto e, lentamente, encostou-o ao de Violet. Foi surpreendida por uma súbita luz vermelho-violeta que surgiu da união dos dois e, ainda mais, pela força que sentia ser sugada de si. Agarrou-se firmemente aos lençóis da cama da garota enquanto lutava para respirar e percebeu, entre as lágrimas que tomavam seus olhos, que a outra começava a adquirir uma cor mais saudável no rosto. Teve dificuldade em separar as duas peças, fraca demais para romper o laço dos metais. Sabia que se demorasse mais alguns momentos...
Conseguiu, finalmente, puxar seu amuleto. Ao notar os movimentos inquietos da Guardiã, correu cabana a fora até encontrar alguém que pudesse ajudar. Através da visão altamente desfocada reconheceu o que parecia ser a figura de Fintan.
- A Guardiã... – ela disse ofegante ao alcançá-lo.
- O que aconteceu, ? – parecia preocupado.
- A Guardiã está acordando. Precisa ajudá-la. – soltou fracamente. Fazia um esforço gritante para manter-se ereta e não preocupar o homem.
- Está tudo bem com v...
- Por favor, vá. – pediu, virando as costas para o homem e adentrando a floresta em seguida.
Fintan obedeceu, convidando Lake a acompanhá-lo.
- Ela parecia estranha, não? Nem quis recepcionar a Guardiã. – o rapaz comentou.
- Está há quatro dias em um quarto, Lake. Provavelmente só quer respirar um pouco de ar da floresta. Sabe como ela é. – o mais velho riu. Entraram na cabana, encontrando Violet sentada sobre a cama e com os olhos fixos neles.
- Bem vinda, Guardiã. – Lake abriu um sorriso lento.
- Onde está ?
- Já foram apresentadas? – aproximou-se tentando soar simpático.
- Não, ela foi embora antes que eu acordasse. – ele ia perguntar, mas ela o cortou. – Vi . Várias vezes.
- Não devemos estar falando da mesma pessoa. A que estava aqui é só uma Guerreira. – ele riu com desdém.
- Não foi o que vi. Seu futuro é brilhante. Muito mais do que apenas uma Guerreira. – levou um copo com o líquido roxo até os lábios.
- Então deve ter visto muito sobre mim, também. Conte-me. – o rapaz sorriu satisfeito. Fintan observava o diálogo de longe.
- Quem é você? – ela parecia séria ao perguntar. Lake riu.
- Como assim quem sou eu? Se viu , com certeza me viu também. Eu sou...
- Não importa. Você precisa buscá-la. Está desmaiada na entrada da floresta. Está muito fraca. – ela parecia encarar algo além da parede da cabana. Além do espaço e do tempo. Encarava algo num plano só dela.
Curiosamente para Fintan, a Guardiã não precisou pedir uma segunda vez para que Lake corresse para fora da cabana. E lá estava ele novamente, o coração martelando nos ouvidos enquanto vencia os passos até a floresta. E lá estava ela novamente, o corpo desfalecido e sem cor sobre a grama viva e verde.
- De novo não. – lamuriou enquanto erguia a ruiva nos braços.



Quando acordou, dois olhos cor de violeta estavam fixos nela. A garota na cama ao lado era a única além dela na cabana. E sua voz invadiu de um modo assustador.
- Você não obedeceu ao meu pedido.
Devagar, a Guerreira sentou-se e tentou entender o que a outra queria dizer.
- O bilhete? Era para mim?
- Vi o que iria acontecer. O que você fez foi muito arriscado, . Eu poderia ter drenado você. – a Guardiã se endireitou sobre a cama.
- Considerei essa hipótese. – admitiu, dando de ombros em seguida. – Achei que precisava fazer algo por você, ouvi os curadores conversando. Mesmo que fosse arriscado, eu... Pensei... A vida de uma Guerreira pela de uma Guardiã, certo? Seria válido.
- Não, não seria. Eu me recuperaria. – Violet balançou levemente a cabeça, deixando de lado o tom repreensivo. – Mesmo assim, obrigada. Foi errado, mas sei que não seria um bilhete que a deteria.
- Mas você sabia que nada grave aconteceria...
- Não, eu vi você tentando me salvar, obtendo resultados diferentes a cada nova tentativa. Estava realmente preocupada. Por isso fiz o pedido. Vi muito sobre você, . Vi um futuro incrível para você...
- Para mim? Deve estar enganada. Sou apenas uma Guerreira comum. – a ruiva observou o lado de fora por uma janela.
- Por que vocês insistem em dizer isso? Você, aquele garoto com os cabelos azuis...
- Lake? – arregalou os olhos. – O Guardião da...
- É, qualquer coisa assim. Escuta... Por que você insiste em dizer que é só uma Guerreira? Eu vejo do que é capaz. E... Aliás, não é você que defende que somos todos iguais, independente de amuletos ou planetas? Coloque em prática o que fala.
- Você viu tudo isso? – as sobrancelhas ruivas se ergueram.
- , eu vi você. Sempre soube que me resgataria, que teríamos esse laço. Vi quando chegou aqui e vi quando ajudou a vencer os jogos pela sua equipe. Vi quando foi atacada por Cytron e as inúmeras vezes que entrou na floresta procurando por...
- Procurando o quê? Você viu o que estou procurando?
- Fato interessante sobre o futuro: você pode vê-lo, mas não pode alterá-lo e, mesmo assim, ele está em constante mudança. Sabe o que isso significa? Que não importa se eu te escrevi um bilhete pedindo para não se sacrificar e não importa quantas vezes eu veja você entrar na floresta, a única pessoa que pode decidir por qual linha vai seguir é você. – ao ver a expressão de dúvida da outra, Violet riu. – Isso quer dizer que eu não posso descobrir o que atrai você para a floresta se nunca tem a pretensão de realmente encontrar. Você sempre se desvia. Sei que tem medo do desconhecido, eu também teria, mas só vai descobri-lo quando realmente tiver a intenção.
- Acho que tem razão.
- Hm, olá? Eu sou a garota que tem o dom da visão, lembra? – a Guardiã riu. – É claro que tenho razão, é uma coisa dos Guardiões da minha lua... Senhores da razão. Está nos livros, pode procurar. – deu uma piscadela para , que acompanhou sua risada. – Agora, é a hora que devo expulsá-la. Sei que é ótimo sentar-se comigo e conversar, mas aposto que Tharja sentiu sua falta nos últimos dias. Imagine o quão tediosos devem ter sido esses dias inteiros longe da sua inquietação? Acho que deve encontrá-la na praia e usar toda a paciência que descobriu ter enquanto guardava meu sono para surpreendê-la. E então, quando o dia terminar, você deve ir atrás disso que te chama.
- Você...
- Sim, eu vou ficar bem. Sim, estarei vigiando-a. Não, as coisas não vão sair mal. Mas, sim, vou dar um jeito se algo der errado. – respondeu a cada pergunta na mente da outra. – Agora vá! Nos vemos em breve.
A Guardiã arrumou-se sobre a cama e fez um sinal breve com a mão, retribuindo a despedida ainda não feita de .


Capítulo 10

Obedeci, porque, sim, o que mais haveria de fazer?
Encontrei Tharja na praia, como a Guardiã me disse, e pedi para treinarmos, o que a assustou um pouco, mas notei uma ponta de sorriso em volta de seus lábios.
Então eu estava puxando a líder dos caçadores pelo caminho que já conhecíamos e não conversávamos, porque não havia sobre o que falar. Eu estava distraída enquanto passávamos entre árvores e arbustos e pensamentos e ouvir a sua voz me surpreendeu um pouco.
- Como conhece essa canção?
- Ah... – demorei um pouco para perceber que estava murmurando o ritmo de alguma coisa. – Eu não sei. Tenho alguma lembrança disso. Talvez minha mãe cantasse quando eu era bebê.
- Mas você disse que sua família nunca conheceu a fundo tudo isso aqui.
- E não conhece.
- Estranho, porque essa é uma canção nossa. As ninfas mais antigas costumam cantá-la. É um pedido de paz aos Guerreiros. – Tharja não parecia realmente preocupada com isso.
- Talvez ela não soubesse. Às vezes nossas culturas se misturam, não é? – ela concordou com a cabeça.
Quando paramos, Tharja me encarou e suspirou.
- Preciso repassar tudo? – eu mexi a cabeça em negativa, mas ela continuou. – Concentre-se na atividade. Não pense demais. Sério, , eu sei que você consegue. E você sabe que eu não quero fazer torturas. Não estou te pedindo pra entrar para os caçadores, apenas para passar na lição. Pode fazer isso por nós?
- Eu posso me esforçar. – dei de ombros. Tharja revirou os olhos e quase tive certeza de que ela iria começar a reclamar, mas sua expressão ficou mais calma e ela sorriu.
- Acalme sua mente enquanto eu instruo as ninfas. – deu dois tapinhas no meu ombro e se afastou.
Abaixei-me atrás de um arbusto e respirei fundo. Eu podia fazer aquilo, afinal. Era apenas mais uma lição de caça. Se fosse relativamente bem, Tharja me livraria disso pelo resto da vida. Testei o peso da lança na mão e, em seguida, o do conjunto de facas que havia feito com a ajuda de Sunday. Fechei os olhos e quando voltei a abri-los senti-me extremamente relaxada.
De repente eu estava só. Sem sons, sem imagens, sem pensamentos.
Não saberia dizer quanto tempo se passou até que eu jogasse a primeira faca, e então a próxima e mais uma depois dessa até só me sobrar a lança, que enfim acertou o peito de um grande gnau. Como todos os anteriores, esse desapareceu segundos depois de tocar o chão. Tharja colocou uma mão em meu ombro e, quando a encarei, ela tinha os olhos levemente arregalados.
- Você foi excelente.
- Você parece espantada. – disse tentando fazer graça.
- Certamente não esperava por isso. Da última vez que tentamos você não conseguiu ficar meia hora. Hoje ficou uma tarde inteira. Sequer me olhou quando eu cheguei. Parecia ter a concentração de uma verdadeira caçadora. – Tharja começou a resgatar minhas facas do chão. Levantei e a ajudei, pegando minha lança por último. Ela começou a me guiar para fora da floresta. – Foi um desempenho digno da minha divisão.
- Não seja exagerada. – ri.
- De modo algum. Você sabe que eu seria a última a mentir para agradá-la. – ficamos em silêncio por alguns minutos.
- Você vai à apresentação da nova Guardiã hoje?
- Sim. Fintan diz que é necessário já que somos o que o Fogo tem de mais próximo de um Guardião. Tive que trocar uma patrulha por causa disso. – ela revirou os olhos. – Você com certeza vai, não é?
- Sim. Devo ter muitas tarefas acumuladas, mas não posso perder o evento. – dei de ombros. Tentava não transparecer, mas sentia-me ansiosa para participar de uma celebração daquele tipo.
- Fintan não cobrará suas tarefas, não se preocupe. Todos nós entendemos a importância de um resgate e não seria justo fazê-la pagar por um ato tão importante. – quando nos aproximávamos das cabanas ela suspirou e me olhou. – Sei que quer tomar um banho e se arrumar, mas se importaria de vir comigo por um instante? – apontou na direção da cabana principal dos caçadores.
- Tudo bem. Há algo errado? – a segui pelos poucos metros que nos separavam da porta.
- Nada errado, só... Venha.
Ela me deixou entrar na frente e fechou a porta depois de passar. Se havia uma coisa que realmente me fascinava entre as divisões do fogo, eram as diferenças entre suas cabanas principais. Eram aquelas usadas como despensa e salas de reunião para cada grupo. A dos hábeis era cheia de acessórios de fabricação e manutenção, além de muitas vezes servir como a sala de armas do Fogo. A dos lutadores era tomada por armas de curto alcance, como adagas e espadas, e contava com os devidos acessórios de proteção. Por sua vez, a dos inteligentes tinha as paredes revestidas por mapas, alguns esquemas de estratégias e mesas de planejamento. Agora, a cabana da caça era toda decorada com lanças, facas, arcos e outras armas de distância. Eu olhava maravilhada os detalhes entalhados em um arco enquanto Tharja revirava uma gaveta.
- . – ela chamou enquanto tirava um estojo do que parecia couro de toraq, uma das árvores mais comuns da ilha, muito bem trabalhado. – Eu quero que você fique com isso.
Olhei curiosa enquanto ela abria o estojo para revelar um conjunto de facas. Não facas comuns como as que eu tinha feito com Sunday, mas inteiramente feitas em um metal dourado que tendia para o vermelho, com suas empunhaduras ricamente decoradas em formato de uma fênix, cravejada com pedras vermelhas. Eram doze delas.
- Tharja. Pelas luas! São lindas! – passei um dedo de leve pelo cabo, temendo estragá-las.
- São suas. – ela empurrou o estojo na minha direção.
- Como? Não. Não posso aceitar. Devem ser muito valiosas, eu... Sequer vi você as usando...
- Porque nunca foram minhas. Eram de... Um amigo. E agora são suas.
- Tharja, são especiais para você, deve guardá-las. Eu nem sou uma caçadora!
- Ele também nunca foi. Era um hábil exclusivo. E excelente atirador de facas. Como você. E foi ele quem as fez. Assim como fez os espinhos vermelhos de , que você ainda não teve a oportunidade de conhecer. Fez também a mesa de planejamento de Muncie. Um conjunto de ferramentas para Sunday, também.
- E as facas para você. – arrisquei.
- Não. – ela riu como se a ideia de receber aquele presente fosse ridícula. – Ele de fato me deu um presente físico, mas me deu muito mais do que isso. – a líder suspirou e me deu um sorriso entristecido. – Ele morreu pouco depois de conhecer Sunday. Foi o suficiente para tornarem-se bons amigos. Uma amizade tão rápida e sincera quanto a que ela mantém com você, agora. Bem, ele teve tempo para me dar esse conjunto e me disse que um dia surgiria alguém tão merecedor dessas facas quanto ele foi. Alguém que as saberia usar. Eu aceitei a responsabilidade de identificar essa pessoa. Porém, jamais imaginei que ela estaria ao meu lado, completamente desconcentrada de seu treinamento.
Ela voltou a empurrar o estojo para mim. Porque eu não tinha o que responder, fiz a coisa que nenhuma de nós esperaria que fizesse naquele momento: abracei-a com força. Tharja congelou naquele exato momento e eu percebi o quão estranho aquilo parecia, já que aquele não era exatamente o nosso tipo de relação. Quando eu comecei a me afastar, ela passou um braço em volta de meus ombros e deu três tapinhas nas minhas costas. Afastamos-nos finalmente e ela riu levemente.
- Você é uma criatura peculiar, . – Tharja deu alguns passos pela cabana.
- Aceitarei como um elogio. – comentei enquanto analisava as facas. Suas lâminas estavam muito bem afiadas, brilhantes e ameaçadoras.
- Não são facas comuns. – ela disse enquanto passava por trás de mim. Seus dedos acompanhavam os desenhos na madeira de uma das mesas. – Elas têm alguma coisa, não sei exatamente o que, ele nunca me disse. Mas falou que você descobriria.
- Você realmente acredita que ele falava de mim? – perguntei ainda descrente. Estava de costas para ela, mas quase pude vê-la revirando os olhos.
- ... – ela disse cautelosamente.
- Eu sei, eu sei, eu devo...
- Não. eu... – ao perceber seu tom quase assustado, me virei para ela. Encarava uma mesa pequena, uma mão parada a meio caminho dela, mas sem a certeza do que fazer. Seu corpo me impedia de ver o que havia lá, mas de repente ela pegou o conteúdo e girou o corpo em minha direção. – Eu acho que isso é seu.
Era uma tira de couro longa e simples. Olhei para o pulso de Tharja, onde uma igual estava enrolada, formando uma pulseira larga. Arregalei os olhos.
- Eu não acho... Isso deve estar errado.
- , antes de hoje eu também pensaria isso, mas você realmente se superou. Mostrou que é capaz. Estou honrada em tê-la na minha equipe. Importa-se se eu... – ela apontou da pulseira para o meu pulso.
Estendi o braço para ela, que se aproximou e analisou a pulseira que eu já tinha ali, a que Muncie me deu. Em seguida olhou o outro braço. E se afastou.
- Você já tem... – negou com a cabeça e me puxou pelo pulso para fora da cabana. – Precisamos falar com Fintan. – soltou à guisa de explicação.
Enquanto corria e me puxava, esbarrou com os outros líderes e os fez vir conosco, sem muito mais do que um “venha”. Só parou e soltou meu braço quando já estávamos dentro da cabana, Fintan segurando uma de suas camisas anil em frente ao corpo, prensado contra a parede por causa da entrada abrupta de minha colega.
- Mostre a ele. – ela disse. Eu a olhei sem entender, fazendo-a revirar os olhos e puxar meus pulsos para que Fintan pudesse vê-los, e então levantando a tira de couro na própria mão. – Há algo de errado! Nenhum Guerreiro pode ter as quatro pulseiras.
Fintan respirou aliviado e vestiu sua camisa, enfim aproximando-se de nós e examinando cada um dos líderes da nossa casa. Checou minhas pulseiras presas nos pulsos e pegou a que Tharja ainda segurava. Colocou-a sobre meu braço e observou enquanto ela se enrolava e flamejava como as outras fizeram. Por fim ele sorriu e ergueu as mãos na altura dos ombros.
- Eu imagino que tenha feito o necessário para se provar merecedora de cada uma das divisões do Fogo. Embora isso me surpreenda um pouco, por causa das suas reclamações. – ele piscou um olho para Tharja. – Acredito que nenhum dos outros líderes tenha alguma dúvida sobre o merecimento da pulseira de sua divisão. – , Muncie e Sunday negaram com a cabeça, ainda um pouco atordoados com o comportamento de nossa colega. – Então não há o que eu possa fazer. é apenas um caso raro, mas tenho certeza que as luas sabem o que fizeram.
- Eu... Sinto muito, Fintan. Fiquei assustada quando percebi, não é uma situação normal e eu não sabia o que fazer. – ela disse levemente envergonhada.
- Não se preocupe, corajosa Tharja. Fez o que deveria fazer: identificou uma situação incomum e a trouxe para mim. Tudo resolvido? – confirmamos com a cabeça. – Então vão se arrumar para o evento da noite, não é todo dia que celebramos a chegada de uma Guardiã.
Ele nos expulsou com um sorriso gentil e ficamos os cinco parados em frente a sua porta. Tharja começou uma série de desculpas, mas foi categórico em dispensá-las.
- Fintan já disse que não há com o que se preocupar. – ele disse. – Se para estiver tudo bem, para nós também está. – então me encarou. Eu dei de ombros, certa de que reagiria da mesma forma se estivesse no lugar dela.
- Está tudo bem. Você só me assustou um pouco. – finalmente ri. Ela riu também, bagunçou de leve meu cabelo e nos separamos. Certamente cada um iria para sua cabana, mas eu parei no meio do caminho para encarar a floresta.
O sussurro ainda estava lá, tangenciando minha mente. E, segundo Violet, eu deveria segui-lo. Respirei fundo, com a certeza de que tudo daria certo, e dei os primeiros passos para o meio das árvores. O sol ainda estava visível, a meio caminho de se pôr, e iluminava o caminho. Não que eu precisasse disso. Aquele chamado mudo me guiava, me puxava, me fazia desviar dos obstáculos do caminho. Eu poderia segui-lo de olhos fechados e nada me aconteceria.
Durante o caminho, gravava em minha mente alguns detalhes da floresta. O silêncio incomum, o som das minhas botas sobre o solo, mas, principalmente, as marcas nas árvores. Eu me lembrava da primeira vez que entrei na floresta, quando fui atacada por Cytron, e das mesmas marcas entalhadas nos troncos. Mesmo depois de estudos intensivos com Targ, nenhuma delas parecia familiar.
Eu não mais me importava se o sol já se deitava sobre a linha do horizonte ou se, por acaso, eu saberia o caminho para voltar, o chamado parecia cada vez mais intenso e me guiava com urgência para o meio da mata. Não sentia cansaço, sequer pretendia parar. De repente estava tomada de coragem para encontrar o que quer que fosse.
Subitamente uma de minhas mãos tocou a bainha presa à cintura, fazendo-me congelar brevemente ao notar que não carregava minha espada comigo. Claro que não, ao ser posta para descansar na enfermaria, me haviam desarmado. A única arma que tinha era uma adaga cujo fio se encontrava em situação duvidosa. Haveria de servir.
Segui com passos determinados. O ar naquele ponto da mata era úmido e difícil de respirar, fazendo-me sentir quase como um dos peixinhos da Lua Azul. Mais alguns minutos e eu certamente seria capaz de me afogar ali mesmo.
A floresta era um território enorme e andar no meio dela era um trabalho demorado, mas não percebi isso, apenas a aproximação do limite da área permitida para os jogos. Quando parei de frente para ele, me vi encantada pela beleza que me separava da floresta proibida. Uma linha de luzes coloridas que eu só vira algo semelhante uma vez, numa antiga imagem da Terra, um fenômeno chamado aurora boreal. A única diferença era que essa linha tocava o chão. Hesitei por um segundo, mas a sensação de ser chamada para lá veio tão forte que não pude fazer mais que obedecer.
Atravessar a linha não foi nenhuma experiência traumática. Na verdade, não houve nenhum tipo de sensação diferente, foi apenas caminhar. Satisfeita com a descoberta, segui. Conforme me aproximava do que quer que me causava aquela sensação, algo dentro de mim se agitava. Um crescente inquietação, um nervosismo. Uma confusão de árvores me deixou na escuridão total, mas eu não precisava ver para seguir o caminho. Uma mão se erguia e, no instante seguinte, afastava um galho que eu nem havia percebido, mas que poderia entrar no meu olho. Um pé dava uma passada mais longa e uma raiz ou buraco era evitado. E então a escuridão das plantas me cuspiu em frente a uma enorme montanha avermelhada. Não demorei a perceber que se tratava do vulcão da ilha. A esse ponto, nada mais sussurrava, mas gritava em minha mente. “Siga-me”, “encontre-me” eu quase podia ouvir. Ou talvez chamasse meu nome, eu jamais saberia. Contornei lentamente a base do vulcão, respirando com alívio o ar digno da terra firme e atenta a qualquer som. O sol já havia sumido, deixando-me sob a parca iluminação da lua verde.
O ar gelado de uma abertura entre as rochas me chamou a atenção. Encolhendo-me um pouco consegui invadir o que descobri ser uma caverna. Poucos passos foram necessários para me deixar na escuridão completa. Tocando as quatro pulseiras em meus braços, percebi que o treinamento para iniciantes já havia se concluído, afinal eu já poderia ser considerada aprovada nas quatro divisões. Talvez, então, já pudesse começar a produzir fogo intencionalmente.
Estendi a mão em frente ao corpo, concentrando-me para gerar uma chama. Tudo o que consegui foi uma fagulha fraca que dançou no ar e se apagou em dois segundos. Suspirei. Eis um fato engraçado: é muito mais difícil fazer fogo de forma consciente do que quando se está tomada pela emoção.
Tentei de novo, torcendo de leve a palma aberta da mão. Uma chama muito fraca surgiu e logo se foi. Revirei os olhos. Quão difícil isso precisava ser? Mantive o braço estendido e tentei mais uma, duas, três vezes.
- Ah, pelas luas! – murmurei já irritada.
Com raiva, tentei mais uma vez, jogando com força a mão para frente. A chama alta e forte foi em direção ao teto da caverna, superando minha altura e assustando-me um pouco.
- Ora, ora. Aí está. – constatei finalmente feliz. Encolhi de leve os dedos, tentando manipular o formato do fogo.
Uma esfera luminosa seria adequada o suficiente. Enquanto andava, a pequena bola de fogo flutuava um pouco a frente, projetando sua luz sobre o caminho e as paredes. Não demorou para que iluminasse uma bifurcação e, sem hesitar, entrei pela direita. Era uma espécie de corredor levemente inclinado para baixo. Desembocava numa área um pouco mais larga que a primeira e ligeiramente mais fria. Suspirei alto ao notar as paredes.
Eram cobertas por símbolos estranhos. Reconheci alguns das árvores na floresta, mas outros eram absolutamente diferentes de tudo o que já havia visto. Estavam todos esculpidos na pedra, um trabalho que parecia ter levado centenas de anos. Aquele salão era maior do que o primeiro e cada pedaço de rocha, do chão ao teto era tomado pelos desenhos que só se interrompiam para dar espaço a novas aberturas. Ignorei todas, tentando identificar algo naqueles símbolos.
Poderia ser um texto ou apenas desenhos aleatórios, eu jamais saberia dizer. Será que era aqui que eu deveria chegar, afinal? E qual seria o sentido de algo me guiar até uma caverna repleta de símbolos que eu era incapaz de entender? Olhei em volta, tentando compreender qual era o sentido daquilo tudo.
Minha esfera praticamente fugiu de mim, parando em frente a uma das aberturas. Revirei os olhos, mas segui o caminho que me indicava. Era uma nova galeria, que me levaria a um novo salão e então a outra galeria, e então a outro salão, fazendo-me perder a consciência de por onde entrava e, pior do que isso, por onde deveria sair.
Parei, tendo a certeza de que já havia entrado naquela mesma câmara antes e sentindo-me estranhamente angustiada com a ideia de estar perdida num labirinto dentro de uma caverna. Talvez essa fosse a punição das luas pela minha estranha afinidade com as quatro divisões da casa do Fogo, afinal. Que belo desfecho, morrer de fome sem que ninguém pudesse me achar.
Não! Violet me encontraria, de qualquer modo. Ela havia prometido que daria um jeito caso as coisas saíssem mal. Se eu estivesse realmente em apuros, ela logo estaria aqui. Pelo menos era o que eu esperava.
A esfera de fogo girou em volta de meu corpo e então disparou para outra abertura. Fui atrás dela, que obedecia ao mesmo chamado que minha mente. Invadi uma nova câmara, um pouco menos fria que as demais. Segui com passos lentos, acreditando finalmente ter encontrado algo próximo de uma saída. Foi quando ouvi algo diferente do habitual. Ao invés de apenas escutar meus passos, minha respiração e, por vezes, minha circulação martelando nos ouvidos, havia mais alguma coisa. O crepitar de fogo.
Meus olhos correram para a esfera. Não vinha dela, tinha certeza. Diminuí sua intensidade e trouxe-a para pairar novamente sobre minha mão. Continuei cautelosamente pelo espaço, ouvindo o estalar cada vez mais alto. Parecia uma fogueira. A câmara, mas para o fundo, tomava uma forma parecida com um “U” e, contra uma das paredes, a luz do fogo se projetava. Projetou, também, uma sombra. Uma enorme sombra.
Se eu precisasse adivinhar, diria que a criatura deveria me superar pelo menos quatro vezes em altura. Arregalei os olhos e comecei a andar para trás o mais silenciosamente possível. Passo após passo, até um dos pés chutar acidentalmente uma pequena pedra que, no silêncio da caverna, parecia um trovão.
A sombra da criatura se mexeu, de repente alerta. Fiz uma prece em pensamentos para as luas. Aquela poderia ser minha última inspiração. Rapidamente aquilo se moveu, dando a volta na parede que nos separava e fazendo-me cair no chão. Estendi os braços em frente ao corpo quando o que deduzi ser um enorme dragão urrou e mostrou os grandes dentes para me atacar.
Fechei os olhos.


Capítulo 11

respirou fundo, entrando confiante na floresta.
- Essa é a minha garota. – Violet comentou com um sorriso ao conferir como a Guerreira estava.
- O quê?
- . Ela é uma garota corajosa, certo?
- Ah, irmãzinha, eu achei que já tivéssemos conversado sobre isso. É muito feio espionar os outros! – Lavender mexeu a cabeça em negativa, rindo em seguida e procurando alguma coisa em seu baú.
- Ei! Não acho que seja espionar quando as próprias luas permitem isso. – ela disse falsamente ofendida. – Além disso, nunca fui eu a ficar escutando atrás das portas.
- Oh, mas certamente era você a pedir para ouvir também! – Lav jogou uma camiseta contra a irmã. Continuou vasculhando o conteúdo do baú até encontrar o que queria. – Aqui está, essa ficará muito bem.
Entregou para a irmã uma de suas blusas violeta. Quando Violet terminou de vesti-la, Lavender colocou as mãos em frente a boca.
- Você está igualzinha a mim! – disse em admiração forçada. – Parecemos até gêmeas!
- Pelas luas! Claro que não. Que os protetores me livrem de parecer como você um dia, garota. Oh, e nem pense em jogar essa toalha em mim. – acrescentou despreocupadamente.
- Pare de usar esse seu dom comigo, mocinha. – Lavender revirou os olhos. – Voltando ao assunto, o que achou de ?
- Eu é que deveria te perguntar isso. Conheço-a há mais tempo. – a Guardiã riu.
- Não fisicamente. – Lavender suspirou e fez com que a irmã se sentasse em um dos bancos do quarto. – Quer que eu dê a minha impressão? – ao vê-la concordar com a cabeça, a gêmea mais velha sorriu. – Certamente ela é uma garota esperta. Excelente estrategista, conseguiu chamar a atenção dos Guardiões de nossa aliança.
- Eu vi isso, Lav. Quero saber o que você achou dela. – fechou os olhos enquanto a outra escovava seu cabelo.
- Você sabe o que achei. Exatamente o que você previu que acharia. Ela é cativante de uma forma completamente diferente do usual. Não é doce e extremamente simpática como se espera. Eu gosto dela. Além de tudo isso, ela tem um dom especial para irritar . – Lavender sorriu. – Sua vez.
- Eu a adoro desde a primeira vez que a vi. Principalmente depois que descobri nossa conexão. E ela confia em mim.
- É claro que ela confia em você. Afinal, você é a garota que vê o futuro...
- Não, eu quero dizer que ela confia plenamente em mim. Eu a instruí a fazer duas coisas que até então ela não havia tido paciência e confiança em si mesma para fazer, e ela as realizou. – Violet retirou a escova das mãos da irmã e levantou do banco.
- Mesmo? Que coisas? – Lavender tentou imaginar a amiga do Fogo sem sua autoconfiança habitual.
- Uma ela ainda está realizando. A outra foi adquirir a quarta pulseira da casa dela.
- Você está mentindo! – a gêmea mais velha acusou. – Nenhum Guerreiro do Fogo consegue as quatro pulseiras. – Violet sorriu de maneira convencida.
- Ela não é um ser peculiar? – e então ela arregalou os olhos, lembrando-se de algo. – Mas e você, hein? Eu tenho visto o que tem feito por aqui. Seus dons estão se desenvolvendo mais a cada dia! Você realmente parece vir da mesma família que eu, que orgulho! Parece que foi ontem, você me blo... – Violet revirou os olhos ao perceber que a irmã a havia bloqueado acusticamente.
Lavender gargalhava enquanto sua gêmea tentava, sem sucesso, superar o seu bloqueio. Quando finalmente o derrubou, a voz da outra veio alta.
- Como pode ser a gêmea mais velha, se é a mais imatura? – soltou um urro de irritação. – Algumas coisas nunca mudam... – ela se defendeu da almofada que Lavender jogou dois segundos depois.

Violet se aproximou lentamente ao notar que Leorhys conversava com Fintan. Os dois a olharam e abriram sorrisos incentivadores, permitindo sua presença na conversa.
- ... saberá o que fazer, de qualquer modo. – Fintan continuava falando. – Antes da celebração, entretanto, teremos uma reunião. Há alguns assuntos que precisamos discutir. Agora – ele olhou da esfinge para a Guardiã – vou deixá-las conversar. Creio que já adiamos esse encontro o suficiente. Veremo-nos em breve.
Protetora e protegida observaram enquanto o homem se afastava. Em seguida, viraram-se uma para a outra e finalmente um sorriso amadureceu em seus rostos. Abraçaram-se.
- É bom finalmente tê-la aqui, Guardiã, após dezenove longos anos apenas vendo-a de longe.
- Enfim próximas. – a jovem soltou. – Serei eternamente grata, Leorhys, por tudo que tem feito por nossos Guerreiros. Principalmente, tudo o que fez por minha irmã. Acompanhei assiduamente seus esforços para mantê-la firme e cada vez mais forte...
- Violet, não seja tão formal. Sou eu, sua eterna companheira, Rhys. Nada do que fiz excedeu os meus deveres como Protetora. – a esfinge acariciou os cabelos da garota. – Está ansiosa para a cerimônia, pequena Guardiã?
- Excessivamente, eu diria.
- Não há com o que se preocupar, você sabe tanto quanto eu. Tudo sairá bem.

- Há algo incomum acontecendo. – Fintan afirmou tão logo trancou a porta, conseguindo a atenção dos seis imortais. – Temos uma Guerreira que carrega nos braços as quatro divisões do Fogo.
- A menina nova. – a esfinge constatou.
- Sim, . Leorhys, você conhece as profecias. O que pode nos dizer? – o chefe dos Guerreiros a olhou apreensivo.
Ela suspirou, fechou os olhos e se concentrou.
- Fintan, estimado companheiro, eu jamais poderia dizer com certeza. Existem inúmeros profetas, com inúmeras profecias e especialidades. Classificá-los por sua credibilidade é quase impossível. É bem provável que a cada mil profecias existentes apenas uma se cumpra, eu...
- Me dê uma visão superficial. O que falam sobre esse caso?
A esfinge se mexeu nervosa sobre as patas, caminhou de um lado para o outro na frente dos companheiros.
- Existem visões muito boas, mas outras muito ruins. De uma forma geral ela pode ser vista como um presente magnífico das luas ou como o pior castigo que poderiam nos ter enviado. Há versões em que ela é a salvadora dos sete povos, mas há também aquelas em que ela pode ser a destruição do nosso frágil sistema. As minhas próprias visões alcançam essas possibilidades, Fintan. Confie em mim quando eu digo: essa garota é capaz de feitos grandiosos. Para o bem ou para o mal. Tudo depende de como agiremos daqui para frente.
- Ssse ela é tão perigosa e inssstável, devemosss manter olhosss vigilantesss sssobre ela, a partir de agora. – o basilisco decidiu.
- Não acho que mantê-la sob constante observação seja benéfico. Pode acabar sendo causa de uma possível revolta da parte dela. – Zarafee pontuou.
- O que devemos fazer então? – Skyler expôs a dúvida de todos ali.
- Sscertamente exissste alguém que poderia nosss dizer, não acham? – seis rostos se viraram para a sereia.
A bela criatura passou uma mão pelo rosto, decidindo o que falar para os companheiros. Finalmente negou com a cabeça:
- Sim, existe. Porém, todos sabemos que ele virá na hora que for certa. – ponderou.
- Na hora que for sssscerta para ele! – Rohan desdenhou. A irritação em sua voz acentuava seu sibilar. – Por que sssimplesssmente não o bussscamosss e o forssçamosss a fazer ssseu trabalho?
- Porque ninguém sabe onde ele está, Rohan. – Cytron tentou intervir.
- Não sssabemosss? É claro que sssabemosss, não ssse fassça de inosscente. É claro que ssse esssconde na sssua casa de nassscenssça, o vulcão. Ssse não por isssso, qual outro motivo para essssa área da ilha ter ssse tornado proibida?
- Tornou-se proibida porque é a área do Fogo, o vulcão é tão instável quanto seus Guerreiros. – Fintan explicou. Buscou o olhar dos outros Protetores para a confirmação.
- Fin está certo. É possível sentir a instabilidade do vulcão pela terra. – Cytron concordou.
- Sob a água ela também é clara. – Ceryn reforçou a explicação.
- Sinto a morte e a vida pulsando junto com nosso vulcão. – Leorhys finalizou.
- Então procurá-lo não é uma opção. – Skyler decidiu. Arrumou suas penas dos ombros com o bico e sentou-se sobre as patas traseiras. – O jeito será conduzir a situação com a cautela do ar.
- Está falando o furacão. – riu-se Cytron. – Claramente devemos tratar a situação da forma da terra:...
- Com dureza e terremotos? – o grifo rebateu.
Fintan revirou os olhos. Aquela era uma discussão que iria longe.

Estava ansiosa. Esfregava as mãos uma na outra e mordia os lábios tentando se conter. Faltava muito pouco para Fintan enfim chamá-la, para fazer sua apresentação oficial. Violet passou as mãos pela blusa e depois pela calça, como que para garantir que vestira tudo certo. Sentiu uma mão sobre seu ombro. Não precisava se virar para saber que era Brock.
- Bem-vinda, Guardiã. É um prazer conhecê-la.
- Olá, Brock. – ela sorriu com simpatia. – É um prazer finalmente estar em sua presença.
- Percebo que ou você já teve visões comigo, ou sua irmã andou falando muito sobre mim. Qualquer que seja a resposta, fico extremamente honrado.
- Um pouco dos dois, eu diria. – Violet soltou um riso contido. – Você é o Guardião mais velho, estou certa? O primeiro a chegar aqui.
- Está correta. Não demorou muito, porém, para que Bree, e Viper chegassem. – notando a expressão divertida da aliada, ele sacudiu a cabeça. – Mas é claro que você já sabe disso.
- Sim, mas jamais deixe de falar só por causa disso. Às vezes gosto de fingir que não tenho esse dom cansativo.
- Está brincando? Você pode dar o seu dom para mim, se quiser. – Brock riu.
- Você o devolveria em menos de um dia. – a garota falou, seus olhos violeta encarando uma verdade além da visão do Guardião.
O rapaz até pensou numa resposta, mas logo fora chamado por Fintan para se juntar aos outros Guardiões. Violet suspirou, sozinha novamente.
O sol se deitava sobre o horizonte e continuava decidida a encontrar seu destino, ela percebeu ao checar a garota.
“Você não deve se preocupar com nesse momento”, ela ouviu a voz da esfinge em sua mente, “ela ficará bem. A ilha é segura, não há porque segui-la em suas visões. Você deve aproveitar a noite da sua celebração, Guardiã”. Violet mexeu a cabeça em afirmativa, sabia que Leorhys a olhava, então não se deu o trabalho de responder.
A nova Guardiã foi colocada em lugar de honra, logo em frente ao estrado que exibia os cilindros das sete casas. As mesas haviam sido afastadas e um grande espaço se abria no centro da área de refeições. Era ali que agora começavam a entrar os outros cinco Guardiões, os líderes do Fogo e alguns Guerreiros.
Bem no meio do espaço, o grupo se posicionou. Todos ao mesmo tempo respiraram fundo, deixando uma atmosfera solene sobre os presentes. Juntos deram três passos, todos sincronizados. Cinco Guardiões e um líder do Fogo – e este era – se colocaram mais a frente do grupo.
- NAI SARIA LINOLAR DEIAL JOPER! – os seis gritaram o lema de Mirth em uníssono. A frase tinha um significado próximo de “que a batalha dura seja vencida pelo merecedor”.
- NAI EUAD! – responderam os Guerreiros, num “que assim seja”.
O grupo, então, se colocou sobre um joelho para cantar o hino que embalava a ilha, sendo seguido pelos demais Guerreiros. Violet, com lágrimas nos olhos, ajoelhou-se também, acompanhando o coro.
Quando acabou, o clima da ilha estava leve. Rapidamente os seis no comando tomaram o controle da situação e começaram a fazer as saudações de guerra. Os gritos ecoavam por toda Mirth e ninguém se espantaria se dissessem que Kielv inteiro os estava ouvindo naquela noite.
O pequeno espetáculo terminou e os Guardiões se encaminharam ao estrado, ficando na ordem de suas luas em frente aos cilindros. Era a vez da apresentação dos Guerreiros de cada casa.
Lua a lua eles fizeram seus ritos. Primeiro os Guerreiros do Fogo, logo depois os da Terra, os da Luz, os da Fertilidade, os da Água, os do Ar e finalmente era a vez dos da Colheita. Enquanto eles usavam seus dons para criar um espetáculo invejável, Violet usou o seu para saber de .
E sentiu-se gelar. Soltou o ar preso nos pulmões com dificuldade e voltou à busca com nervosismo. Aquilo estava errado. Estava muito errado. Buscou pela área de refeições e sentiu os olhos de Leorhys sobre si. Ela percebera também.
- Está tudo bem, Violet? – Bree perguntou enquanto tocava seu braço com cautela.
- Eu não vejo . – ela informou.
Breeze e olharam na direção dos Guerreiros do Fogo, constatando que de fato a ruiva não estava entre eles.
- Estranho, ela realmente não está aqui. – a Guardiã da Lua Anil comentou.
- Ela deve ter saído um pouco, logo estará de volta. Não se preocupe Violet. – o rapaz tentou acalmá-la.
- Não. Vocês não entendem. Minha mente não consegue alcançá-la. – a mais nova tentou explicar. – Eu a busco e não vejo nada. Como se ela tivesse deixado de existir.
travou. O choque em seu rosto ficou congelado.
Breeze arregalou os olhos e negou com a cabeça. Violet deveria estar errada. Tinha a certeza de ter visto mais cedo na praia, com os líderes de sua casa.
Nesse momento Leorhys já se aproximava de sua protegida. Fintan já havia notado o momento incomum e sido informado do acontecimento. Ele vinha com uma feição atordoada enquanto os cantos gritados da Colheita terminavam. Subiu no estrado junto com os Guardiões e fez sua voz voar pelo local.
- Muito obrigado aos nossos Guerreiros pelas apresentações belíssimas. Seguindo o protocolo, a próxima coisa a ser feita deveria ser a entrega da arma da Protetora à protegida. Infelizmente deveremos adiar essa parte da celebração. Temos um comunicado a fazer. – os Guerreiros, principalmente do Fogo, reclamaram baixo pela interrupção na celebração. – Fomos informados por Leorhys do desaparecimento de uma de nossas Guerreiras do Fogo, .
A reação de todos foi imediata: se aproximaram do palco e começaram a prestar atenção redobrada em Fintan.
- Tudo o que sabemos é que a última vez que ela foi vista foi no meio da floresta, perto da clareira da Luz. Pedimos que todos entendam a gravidade do acontecimento e prestem ajuda nas buscas por nossa colega. Muito obrigado.
, Sunday, Tharja e Muncie se anteciparam e invadiram a conversa dos Guardiões.
- O que aconteceu? – a líder dos hábeis questionou. – Como perdemos ?
- Você não consegue achá-la através de suas visões? – Muncie tentou.
- Não. É como se de repente ela tivesse deixado de existir. A última coisa que eu vejo foi a última visão voluntária que tive dela. Se eu tentar buscá-la depois disso, tudo fica escuro e vazio.
- Ela... – começou, mas foi incapaz de completar a pergunta.
- Ela morreu? – Tharja enfim colocou em palavras a dúvida de todos.
- Eu não... Acredito que não. Pelo menos é diferente de tudo o que já pude experimentar. Quando alguém morre, ainda consigo acessar as memórias de antes do falecimento, consigo ver a morte da pessoa. foi apagada. Isso, de qualquer forma, não é motivo para que nos sintamos aliviados: se nem eu nem Rhys podemos vê-la, ela deve estar em apuros e, como não podemos protegê-la, algo realmente ruim pode acontecer. Não temos muito tempo.
Foi o bastante para que todos entendessem. Rapidamente as equipes de busca foram separadas. Cada uma seria liderada por um Guardião ou líder e deveriam se dividir pela extensão da ilha. No momento que a Guerreira fosse encontrada, uma ninfa deveria ser avisada. Essa seria encarregada de informar às outras e juntas dariam a boa notícia. Ao menos todos esperavam que a notícia fosse boa.

Elba apressou o passo para alcançar , sorrindo sem muito entusiasmo para o rapaz.
- Ei, chefe! Hm... – ela limpou a garganta, buscando as palavras que diria a seguir. – Queria que você soubesse que a Água dará o seu melhor para encontrar sua Guerreira perdida.
a olhou com clara surpresa estampada no rosto. Sorriu para ela e mexeu a cabeça em afirmativa.
- Obrigado, Elba. – ele disse enquanto afastava as folhas de alguns arbustos.
- Você realmente gosta dela, não é?
segurou o punho de sua espada embainhada, suspirando alto e coçando a nuca com a mão livre.
- Eu nunca tive irmãs, Elba. Porém, imagino que seja assim que a gente deve se sentir quando uma irmã está em apuros. significa muito para mim. Ela tem algo que é capaz de conquistar a simpatia de qualquer um que se aproxime.
-É... Ela não está aqui há muito, mas percebo como conseguiu cativar toda a sua casa. Aliás, a todos nós. é certamente capaz de inspirar certo respeito em qualquer um, não é? Até para nós da água. – a Guerreira olhou para os dois lados. – Eu sei que estamos sempre a importunando, mas precisamos admitir... Quer dizer... É preciso muito fogo para fazer ferver. Você me entende?
- Eu imagino que sim. – disse, finalmente soltando uma risada. Era leve, quase sem vida ou humor, mas definitivamente uma risada. – De qualquer modo, logo estará de volta e, tão logo tenhamos a certeza de que ela está bem, nossa Guerreira derrotará seu Guardião naquele duelo.
Elba riu e bateu de leve no ombro do rival.
- Você é muito otimista, Guerreiro.

Mais de duas horas haviam se passado desde o início das buscas. Ainda não tinham encontrado qualquer sinal da Guerreira e isso deixava todos apreensivos. Quase todos.
- Não sei nem porque estamos procurando essa garota. Por mim, ela poderia continuar perdida pelo resto de sua vida, não faria qualquer diferença para nós. – uma das garotas de azul externou.
Suri sentiu o sangue queimar em suas veias. Estava pronta para atacá-la, fazê-la engolir suas palavras, mas outra voz respondeu por ela.
- Agora, Marine, esse é o tipo de coisa que não quero ouvir mais nenhum Guerreiro falando. Meu ou de qualquer outra casa. – o Guardião falou no que deveria ser um tom calmo. Porém, Suri, bem perto dele, percebeu o quanto sua voz tremeu em algumas palavras. – é uma de nossas colegas e, tenho certeza, ela jamais diria tal coisa se você ou qualquer um de nossa casa estivesse desaparecido.
- Certo. – a garota disse com ironia. – Vai dizer que você não odeia aquela garota agindo como se fosse a encarnação das sete luas? Você não precisa mentir para mim, .
- Marine, esse não é o tipo de atitude que eu espero de um Guerreiro da água. Estamos fazendo uma busca por uma de nossas crianças desaparecidas. Se você não quer colaborar com o grupo, por favor, volte para a praia e informe a Fintan os seus motivos. Se resolver continuar aqui, por favor, pare de agir dessa maneira, ou terei que reportar a Fintan e a Ceryn seu comportamento. Eu te asseguro: a punição por essa atitude será muito maior do que a pela primeira. Caso não queira ser punida de qualquer forma... – ele respirou fundo. – Nesse caso, continue as buscas tratando a Guerreira desaparecida como uma pessoa qualquer, sem mais reclamações.
- , eu acho que você está sendo muito extremista. Só o que eu quero dizer é que... Se acharmos essa garota e ela estiver bem, segura e sem qualquer ferimento, eu ficarei muito brava por essa busca em vão. – Marine tentou se explicar.
- Esse é meu último aviso, Guerreira. Feche essa boca e só volte a abri-la depois de pensar trinta vezes no que vai dizer! – o rapaz finalmente demonstrou-se alterado. – Todos nós devemos esperar encontrar a Guerreira sã e salva, sem lesões físicas ou psicológicas. Se assim a encontrarmos, essa será a primeira vitória das sete casas unidas que essa ilha presenciará em muito tempo. Você quer fazer parte dos vencedores, ou a única punida na história toda?
Marine abaixou a cabeça e se afastou. Não foram as palavras de as responsáveis por enfim fazê-la calar, mas seu tom.
Em contrapartida, Suri sorriu orgulhosa.
- Você realmente se importa com . – soltou despretensiosa.
demorou um pouco para entender a afirmativa. Ou pelo menos fingiu demorar.
- É claro. Ela... – o Guardião se abaixou para tocar num riacho, buscando qualquer informação de um corpo dentro dele. – Você sabe... Tenho uma conexão com ela. Podemos ter nossas divergências, mas é uma criatura fantástica, capaz de me despertar sentimentos completamente contraditórios. Sou capaz de ir do ódio ao afeto por ela em pouquíssimos segundos. – ele retirou a mão da água, voltando a se colocar de pé. – Nada aqui. As sereias estão procurando no mar, mas tenho quase certeza de que ela não estará lá.
- estará bem, sabe disso, não? – Suri tentou tranquilizar o rival ao notar sua feição apreensiva.
- Ela tem que estar. – ele sussurrou.

As luas já estavam altas no céu quando finalmente Viper encontrou alguma coisa. Era apenas um sussurro de que algo não estava certo em uma das plantas, mas ele tinha certeza de que deveria investigar. Nos galhos mais altos de um pequeno Jusax havia sangue. Algumas folhas estavam rasgadas e ele esfregou as mãos no rosto, temendo pelo pior.
- Reed! Prius! – chamou com urgência. Os dois Guerreiros correram até ele.
- Algo de errado, Viper? – a garota do Ar perguntou.
- Reed, preciso que você corra para alertar as ninfas: tenho um pouco de sangue nesse Jusax. É provável que seja de , é uma pista. Vá! – ordenou. O Guerreiro do Fogo obedeceu sem hesitar. Quando o rapaz já estava distante, o Guardião da Lua Verde voltou-se para a jovem. – Não tenho como ter certeza se foi ou algum de nós que deixou seu sangue nessa planta, mas se a pessoa que se feriu aqui foi a mesma que acidentalmente rasgou essas folhas...
- O líquido dentro das folhas do Jusax é extremamente venenoso, não é? – a garota perguntou.
- Pode ser fatal se entrar em contato com o sangue. – ele disse, engolindo em seco em seguida. – Prius, você precisa voltar para a praia, junte o máximo de Guerreiros descansados que estiverem por lá e os instrua a encontrar as outras equipes e procurar por feridos. Essa lesão deve estar na altura dos ombros, vai estar claro. Junte uma equipe de cura também. Diga que são minhas ordens. E torça para que o ferido seja encontrado o mais rápido possível.
Prius não gastou tempo respondendo, apenas seguiu a ordem.

As nuvens já começavam a se pintar com as cores da aurora.
Com tantos Guerreiros cansados, os grupos de busca agora contavam com um terço do número inicial. Entre os que continuavam procurando, poucos continuavam com a mesma disposição do começo da noite.
Talvez os mais determinados fossem os Guerreiros do Fogo, dispostos a achar sua centelha perdida. Violet e Lavender também se negavam a desistir, a primeira ainda acompanhada pelo remorso. E . O Guardião havia se juntando ao grupo de Tharja e agora seguia as ordens da garota. A líder ficara certamente chocada no início, mas o rapaz tinha um argumento: ela era, afinal, a especialista em rastrear e caçar suas presas. E era desse modo que ela mesma conduzia a situação: apenas mais uma caça difícil.
Na praia, o Guerreiro ferido e envenenado pelo Jusax já havia sido curado. Era um dos garotos da Luz e sequer havia notado o ferimento. A equipe exigida por Viper o encontrou bem a tempo: ele já começava a se sentir enjoado e com frio.
Fintan conseguiu convencer os destacamentos de busca a voltarem para, pelo menos, comerem a primeira refeição. Quase ninguém havia comido antes de sair a procurar e o chefe dos Guerreiros temia que as crianças acabassem desmaiando no meio da floresta.
Diferente das outras manhãs, dessa vez ninguém conversava, o único som na área de refeições era o dos talheres nos pratos e copos batendo nas mesas. Respirações pesadas, suspiros. Nenhum deles tinha coragem de externar seus pensamentos.
O sol já estava alto no céu quando Fintan deu permissão para a reorganização das equipes de buscas. Os Guardiões voltaram a separar Guerreiros de todas as casas para integrar seu destacamento e estavam quase terminando a tarefa quando ouviram um som vindo da floresta. Folhas farfalhando, a única reclamação possível vinda delas para resistir à passagem de algo.
Quando saiu de lá, os sorrisos e exclamações aliviadas duraram apenas dois segundos. deixava a floresta correndo, sendo seguida por um grande pralas.


Capítulo 12

abaixou os braços quando não sentiu o fogo. Nada mais restava a sua frente além da marca enegrecida no chão queimado e um didio filhote. Em seguida ele se transformou num vulp vermelho, para então tomar a ameaçadora forma de um rasche gigante.
- PARE! – o rasche gritou, transformando-se numa infinidade de outros animais.
- Por favor, não me machuque. Eu não quero morrer. Por... – a Guerreira ia dizendo sem sequer perceber.
De volta à forma de um rasche, ele se aproximou. Enfiou o focinho em seu peito e ela fechou os olhos, ainda caída no chão. Como vulp, a criatura puxou o medalhão dela.
- O que faz nesse lado da floresta, Guerreira? – perguntou.
- Eu... Algo me chamou aqui. – gaguejou.
- Chamou? – o dragão estava de volta e fechou os olhos parecendo bastante irritado. – Controle-se!
- Como... Como é?
- Está alternando minhas formas com todo esse nervosismo.
Mesmo não entendendo, fez o que era sugerido, porque se aquela criatura, fosse o que fosse, quisesse machucá-la, já o teria feito.
- Então é você... – ele soltou, finalmente fixando-se como rasche. – Eu certamente esperava alguém diferente, mas... – seu olhar caiu sobre as quatro pulseiras nos braços da garota. – Há quanto tempo está na ilha? Por que demorou tanto?
- Eu... Cheguei há algumas semanas. Desculpe, mas não sei do que está falando. – a Guerreira rastejou mais para trás, sentando-se encolhida contra a parede rochosa.
- E já tem as quatro pulseiras? Você é mais forte do que eu esperava. Ora, então é uma honra finalmente conhecê-la, Guardiã.
Por toda a vida jamais sentira frio. Poderia sair nos meses mais gelados de Novaterra usando apenas uma camiseta, mas continuaria sentindo-se como nos dias quentes. Pela primeira vez ela se sentiu gelar.
- O quê?! – ela perguntou alto demais. De repente a criatura voltou a mudar de forma, mais rápido do que a primeira vez.
- Lua sangrenta! Você pode parar de fazer isso? – ele praguejou.
- Fazer o quê? Eu não estou fazendo nada. Você... Você... Você acabou de me chamar de...
- De? – em forma de didio, apoiou o focinho na pata dianteira. No segundo seguinte, caiu de bico no chão ao mudar a forma para um pequeno pássaro vermelho.
- De Guardiã?! – soltou assustada.
- Porque é o que você é. Caso contrário não teria me encontrado. – argumentou enquanto continuava se transformando.
- E quem é você?
A criatura riu. Negou com a cabeça e riu mais um pouco.
- Quem sou eu? Quem sou eu, você pergunta. Não conseguiu deduzir ainda, criança? Eu sei que o nome toca a sua mente. Deixe-se pronunciar.
A ruiva o olhou um pouco assustada. Pensou um pouco e, involuntariamente, sua boca soltou os sons:
- B... Ba... Baelfire?
- Que nome forte, hein? Ele, ironicamente, significa “o escolhido do fogo”. Combina bastante, não acha?
- V... Você é o Protetor? A fênix?
- Eu posso ser, assim que você parar de mudar a minha forma a cada sangrento minuto. – ele parecia meio entediado.
- Eu? O que eu estou fazendo?
- Seu nervosismo por me achar uma figura potencialmente agressiva faz com que sua mente busque versões minhas menos ameaçadoras. Você não tem que se preocupar, eu não vou atacá-la.
- É, mas você tentou. Você quase me assou! – a ruiva acusou.
- Até parece, você é uma criança do Fogo, o máximo que poderia acontecer era você ter sentido um pouco de calor. – Baelfire revirou os olhos. Havia voltado para a forma de didio e a aparência felpuda só conseguia deixar a cena cômica. – Você pode, por favor, me deixar assumir a forma que EU desejar?
- E todos do Fogo têm influência sobre a sua forma? Porque vai virar uma bagunça, se for assim.
Baelfire suspirou alto, cansado. Com uma pata peluda contra a testa ele tentou explicar mantendo a calma:
- Não. Só você, é óbvio, .
- Por que só eu? Como sabe meu nome?
- Porque você é a Guardiã da Lua Vermelha. Nossas mentes estão conectadas. Se não fosse assim, como você acha que chegou até aqui?
- Eu não sei, talvez por coincidência? Não posso ser uma Guardiã... Eu... Eu sou uma Guerreira. Apenas uma Guerreira que mal terminou os treinamentos básicos. Quer dizer, eu tenho tanto a aprender sobre... Você sabe... A história da ilha... Sobre... Hm... Kiazur, Belizário, Diamarano e os outros Guardiões... E... E mitologia! Eu sequer sei...
- Por favor, , pare. Pra mim é claro que você já dominou as quatro artes fundamentais. – ele fixou o olhar sobre as pulseiras dela. – Se você sabe montar estratégias, forjar suas armas, lutar e caçar, você já está preparada. Aliás, você sabe que um Guerreiro comum jamais seria merecedor das quatro divisões, não sabe?
levantou-se do chão e começou a andar em círculos. Baelfire já tinha retomado o controle sobre sua forma e reassumiu sua versão rasche. Deitou-se de barriga para cima, encarando a Guardiã de cabeça para baixo.
- Tudo bem... Eu já tive muita dificuldade para aceitar que isso tudo existia e que eu era uma Guerreira do Fogo. Agora você está querendo me dizer que eu sou uma Guardiã?
“Sim, estou querendo dizer isso”, o protetor usou a comunicação mental dessa vez.
- Não faça isso! – ela gritou.
- É para comprovar que estou falando a verdade. Se fosse uma Guerreira, não poderia me ouvir em sua mente. – ele arrastou as costas no chão, coçando-se devagar.
- E você é o meu Protetor? – voltou a questionar.
- Exatamente.
- Assim como Zarafee é para Amber e Ceryn para ? – ela perguntou, mas foi tomada por uma sensação estranha. Uma inquietação, ansiedade e nervosismo. O grande animal se colocou sobre as quatro patas. Parecia que o nome de suas antigas colegas despertara algo nele.
- Como... Que as luas caiam! Faz séculos que não vejo os outros imortais. – ele abaixou a cabeça. – Que bom que eles estão bem. O velho Cytron te atacou, então? Ele sempre foi de atacar antes e perguntar depois... Certas coisas nunca mudam.
- Você pode sair da minha cabeça, por favor? – disse um pouco desconfortável.
- É um pouco impossível. Sabe, você é muito forte, mesmo com esse amuleto de Guerreira nossa conexão é poderosa. Imagine quando... Ah, claro. Eu tenho que te entregar isso. – de repente Baelfire se fez flamejar e assumiu a forma de uma belíssima fênix.
Mesmo com todas as representações de fênix em desenhos, quadros e fotografias, nenhuma se comparava ao que ela via em sua frente. Aquele era um belíssimo exemplar de um pássaro de fogo de verdade. Simplesmente indescritível, pensava.
- Ora, pare de me elogiar. – o Protetor disse, abanando o ar com uma asa flamejante. – Eu ainda posso ouvir seus pensamentos, sabe disso. Não, eu não sou enxerido, . Que coisa feia a se dizer sobre o seu Protetor! – ele tinha um tom bem humorado na voz, fazendo a garota revirar os olhos. Unindo as asas em frente ao corpo ele pareceu se concentrar. Quando voltou a abri-las, tinha um amuleto de Guardião em uma de suas patas. – Essa é a prova definitiva de quem você é. Depois que colocar isso, não poderá mais tirar ou apagar o seu verdadeiro papel.
hesitou. Estaria preparada?
- Criança, deixe-me ser honesto. Muitos Guardiões de nossa lua nasceram e morreram sem conseguir chegar onde você chegou hoje. Eu já senti a presença de muitas crianças especiais aqui. Já tentei guiá-los até mim, mas nenhum foi tão corajoso quanto você foi, nenhum foi tão determinado quanto você. Nenhum jamais foi tão forte quanto você é. Eu sei disso, porque faz muito tempo que as luas não me mandam uma nova tentativa. Porque elas acumulam sua magia durante os anos para que, quando o próximo merecedor nasça, essa criança venha mais poderosa que a anterior, com mais potencial do que os outros. Você é forte, . Eu sinto em meus ossos. E você não precisa que eu ou qualquer outro reconheça isso. Você sabe que é. Mas é humilde demais para admitir, para se deixar ser. Você pensa que, porque eu tenho essa forma, eu sou algo especial, mas você é a criatura mais especial que eu já tive em minha frente. Se você não aceitar esse amuleto, acredite em mim: ninguém mais o receberá. Eu poderia morrer hoje, porque nunca mais nascerá um Guardião tão digno quanto você.
fingiu não perceber a lágrima solitária que rolou por sua bochecha. Ela coçou o rosto com uma mão e logo se colocou de joelhos em frente ao Protetor, oferecendo o pescoço a ele.
- Acho que podemos nos livrar desse amuleto de Guerreiro, antes, não? – ele a olhou.
- Não! – ela disse rápido demais, com certo desespero na voz. – Eu aceito meu destino como Guardiã, mas me recuso a deixar de ser uma Guerreira. Quero que fique claro, Baelfire, que eu jamais deixarei de cumprir com minhas obrigações de Guerreira ou Guardiã. Quero ser os dois, se assim me permitir.
Baelfire sorriu orgulhoso. Era claro que aquela garota nascera para quebrar regras. Afinal, era a própria personificação do Fogo. Colocou o amuleto no pescoço da menina, vendo-o flamejar e se acomodar sobre o peito dela, lado a lado com o dos Guerreiros.
- Eu te guiarei até a entrada da caverna. De lá você saberá se encontrar. – ele disse, já começando a andar.
- Como assim? Você não vem?
- Não, não... Eu não acho que...
- Você falou que voltaria quando o próximo Guardião merecedor aparecesse. Veja só, você acabou de me contar que eu sou essa tal Guardiã. Então eu acho que sim, você deve voltar. Está mais do que na hora, seu povo precisa de você. Seus amigos precisam de você, eu tenho certeza. Você acabou de me dar uma lição...
- Cale-se, criança.
- ... gigantesca sobre meu poder, sobre eu dever acreditar em você. E agora você me diz que não vai voltar, quando essa foi a sua promessa, séculos atrás? Que grande...
- Eu não posso voltar! – exclamou angustiado, sobrepondo-se à voz dela. – Você não entende? Estive fora tempo demais, criança. As coisas não são mais como costumavam ser. Eu não seria um bom conselheiro, um bom amigo, um bom Protetor. Eu não... Eles talvez nem queiram mais saber de mim. O que eu fiz foi muito errado, .
- Bem, talvez tenha sido... Porém, você não acha que seria ainda mais errado se eu voltasse para lá com um novo posto como Guardiã e sem o Protetor que prometeu que voltaria quando esse dia chegasse? Bael... Vamos voltar juntos. Aprenderemos juntos como lidar com as nossas funções. Eu não posso fazer isso sem você. Não é justo comigo.
- Por que você é assim, criança? – ele suspirou, transformando-se em um pralas dourado. – Vamos. Temos muito a fazer. Você tem muito que aprender essa noite.
- Você vai comigo para a praia? – perguntou empolgada.
- Sim. Mas antes temos que ir a outro lugar. Suba aqui. – indicou as costas para ela, que obedeceu.
De alguma forma extremamente rápida, Baelfire venceu todo o labirinto da caverna em pouquíssimos minutos, atingindo a parte noroeste da ilha no que ela diria ser um tempo recorde.
- Ninguém pode nos incomodar aqui. Embora pareça um território da Água, ele me pertence.
O local era fascinante. Formado por uma estreita faixa de areia cercada por paredões de rocha altos, os dois na forma de um círculo quase fechado, não fosse uma pequena abertura que permitia que seu centro fosse tomado pela água do mar. Do topo dos paredões, finas cascatas desciam delicadamente, desaguando na pequena laguna.
desceu do pralas, deixando-o transformar-se novamente em fênix. Baelfire fez aparecer entre suas asas um arco vermelho que parecia ter a forma de uma fênix de asas abertas. Uma aljava com flechas surgiu também, e ele entregou o conjunto para a protegida.
- Essa é a arma de sua casa, a que você pode ver nos medalhões. – a garota examinou o par que tinha sobre o peito. Um deles, o antigo, mostrava uma lua com uma espada e uma flecha cruzadas sobre. O mais novo tinha uma fênix, as asas abertas formando um semicírculo que se fechava com o formato do arco. Da cauda da ave saía uma flecha que apontava para a direção oposta à de seu voo.
- Eu... Nunca usei um arco antes. – confessou.
- Não tem problema. Isso não tem muito a ver com suas habilidades ou pontaria, mas com a sua concentração. – o Protetor indicou um tronco velho. Usou o fogo para marcar um alvo e virou-se para a garota. – Agora segure o arco e estique a outra mão. – ela obedeceu. – Bom. Visualize uma flecha e projete-a.
- Como eu deveria...? – mas antes de terminar a frase ela já tinha feito a flecha de fogo. – Pelas luas! Como eu fiz isso?
- Seu novo medalhão administra muito melhor os seus poderes. O que você tinha era o suficiente para não deixar você se machucar, apenas. Agora deseje acertar o alvo e jogue a flecha. – ele revirou os olhos ao captar os pensamentos de , rindo em seguida. – Usando o arco, não a mão livre, criança.
- Você não deveria ter escutado isso. São os meus pensamentos. Pode me dar privacidade?
- Cale-se e atire.
notou-se chocada ao ver a labareda que a flecha liberou ao tocar na madeira. Havia acertado em sua primeira tentativa.
- Não fique convencida, criança, é só ter foco. Tudo bem, agora puxe o fogo de volta para você.
- Como? – ela ergueu a sobrancelha ao encarar a fênix.
- Se for mais fácil para você, pode começar fazendo gestos, mas logo vai notar que não precisa de nada disso.
Ela ergueu a mão e dobrou os dedos como se chamasse o fogo até ela. Lentamente todas as labaredas que cercavam o tronco se reuniram sobre sua palma.
- Agora feche a mão, como se fosse guardar as chamas.
Quando obedeceu, sentiu o fogo correndo para dentro de suas veias, energizando seu corpo e deixando-a mais alerta.
- Isso é incrível!
- É, você tem razão. Mas existem algumas coisas que você precisa saber. Produzir fogo cansa você. Não é perceptível no início, mas depois de muito tempo numa batalha, por exemplo, você se sentirá cansada. Em contrapartida, quando você o absorve ele te dá energia. Então lembre-se de sempre absorver o quanto você puder. As flechas são o que menos tira sua disposição, mas mesmo assim elas tiram. Na sua aljava você tem mais flechas. Elas são especiais e voltam para você sempre que você precisar delas. Nós treinaremos um pouco mais até descobrir que poderes as luas deram para você, então prepare-se para uma noite longa.

Se estava cansada, jamais diria em voz alta. A cada vez que a fênix perguntava se ela ainda se sentia disposta, mesmo sentindo em sua mente que a garota já sofria os efeitos de muitas noites com pouco sono, a Guardiã respondia com um sonoro sim.
Baelfire parecia satisfeito. Há quantos séculos não encontrava uma criatura tão decidida a provar seu valor? Os antigos Guardiões deveriam estar sorrindo orgulhosos para a garota naquele momento.
- Então... – começou, finalmente deixando-se cair sentada sobre a areia. – Esse fogo perpétuo que você falou... Por quanto tempo ele dura se eu não o absorver?
O Protetor riu, olhando-a pela visão periférica e negando com a cabeça.
- Não sabe o que “perpétuo” significa, criança?
- Mas é impossível. Quer dizer... Seja razoável: não existe fogo que dure para sempre.
- Existe: o seu. A não ser que você o apague, ou o próximo Guardião que também tiver algum controle sobre o fogo perpétuo. – o imortal explicou enquanto fazia desenhos abstratos na areia.
- Mas... Vamos supor que eu coloque o fogo perpétuo em um daqueles cilindros que representam as sete casas... Então ele ficaria aceso para sempre? Mesmo que demore séculos para o próximo Guardião com esse poder aparecer?
- Sim, ele ficará aceso para sempre. Quando um Guardião morre o que há no cilindro não é simplesmente jogado fora, você não sabe? O cilindro inteiro é substituído por um vazio. O antigo é enviado para a família do Guardião ou levado com ele para o descanso eterno.
- Então em alguns milênios meus descendentes ainda saberão que eu estive aqui? – ela perguntou chocada.
- Um lembrete interessante, não? – os dois ficaram em silêncio. Ele sentia algo na mente da ruiva, mas era incapaz de entender o que era exatamente. – Está curiosa, Guardiã?
- Você já foi um Guardião? – ela soltou antes de pensar. – Quero dizer... Você e os outros Protetores foram Guardiões tão bons que mereceram ser imortalizados pelas luas?
Baelfire riu. Um riso amargo, com pouquíssimo humor.
- Você acha que fomos presenteados?
- Você não? Para muitos a vida eterna pode parecer um presente divino...
- Se você imaginasse, criança... – sua voz parecia pesada, como se carregasse um sentimento por milênios.
- O quê?
De repente Baelfire ficou quieto, sua mente maquinava baixinho um ruído mudo que ela só podia sentir. Seus olhos tristes fitaram os dela, curiosos, e ele soltou as palavras. jamais saberia se ele as havia realmente pronunciado ou se elas apenas transitaram entre suas mentes.
- Eu vou contar.
Mas Baelfire fez mais do que isso. Sua pata tocou a mão da Guardiã e sua mente pareceu fazer o mesmo com a dela. Quando ela percebeu, haviam abandonado o local escondido. Agora estavam na orla de uma praia. Inúmeras casinhas a pontuavam. Demorou até que ela reconhecesse Mirth. virou-se para o lado, a fim de falar com seu Protetor, mas, embora sua presença fosse forte, seu corpo não estava ali.
- Mirth sempre foi uma terra importante, mas nem sempre esteve escondida por magia. – sua voz contou, dentro da cabeça da Guardiã. – Seus habitantes sempre seguiram a vida pelo curso das luas, de acordo com seus desejos. Foi assim por muito tempo até que, em algum ponto, os moradores da ilha se viram insatisfeitos. Não é possível dizer se estavam errados ou certos, mas, naquele ano, a Lua Azul trouxe chuvas em excesso, a Anil causou ventanias violentas, a Vermelha ocasionou incêndios grandiosos. A Lua Laranja foi causa de terremotos, a Amarela alterou o ciclo de sono das criaturas, a Violeta e a Verde foram totalmente ineficazes em suas funções. Era um ciclo que ocorria em certa quantidade de anos, mas os Mirthenos acreditavam que mereciam mais do que o comum por causa de suas ofertas às Luas. Ao ver que estavam errados, imaginaram que os presentes não haviam sido suficientes.
Embora contasse a história de uma ilha destruída, a cena que ele mostrava era bastante harmoniosa. As ondas lambiam a areia com preguiça e um casal andava de costas para , as mãos roçando durante a caminhada. O sol brilhava contra o céu claro e sem nuvens e o clima estava leve.
- Os Mirthenos decidiram então interpretar os sinais das Luas como um pedido por mais e tomaram uma medida nunca antes imaginada. Escolheram na ilha sete jovens, todos nascidos no ápice de uma das Sete Luas e os recrutaram. – o tempo fechou na praia. Nuvens negras tomaram o céu e dois grupos separaram o casal, levando o rapaz para um lado e a moça para o outro. Eles ainda tentaram segurar a mão um do outro uma última vez antes de serem definitivamente afastados. – Cada um dos jovens foi preparado: alimentado com néctar, vestido adequadamente e convencido de que eles faziam algo pelo bem maior. Finalmente os sete foram reunidos. – os jovens surgiram diante de e ela se assustou ao reconhecer Cytron, Zarafee e Ceryn entre eles. Sua mente girou quando ela finalmente começou a compreender. – Eu queria muito dizer que morri com coragem, bravamente e encarando com um sorriso a mulher que sempre amei, mas seria uma grande mentira. Tive a grande sorte de ser o primeiro, então não sofri a morte de meus amigos. – embora Baelfire não tivesse uma forma que permitisse ver seu rosto humano, o reconheceu com facilidade. Tinha cabelos castanhos e olhos verdes mesclados com um curioso tom vermelho. Era mais alto e mais velho do que ela. E era um dos jovens que compunha o casal do início da cena.
A ruiva assistiu enquanto os sete jovens eram levados até o grande vulcão da ilha e cobriu a boca com as duas mãos ao ver o jovem Baelfire humano ser atirado para a lava. De repente tinha a mesma visão que ele e assistiu horrorizada enquanto seus amigos ficavam cada vez mais distantes. Cytron desviou o olhar e Leorhys deu dois passos para trás, mas foi segurada por algumas pessoas. Uma Ceryn chorosa foi amparada por Skyler enquanto Rohan abraçava contra seu peito a pequena Zarafee, a única do grupo que parecia muito mais nova.
- Eu morri chorando, covarde demais para encarar meu destino com dignidade. Eu tinha tantos planos. Queria construir uma família com Ceryn. Pensava em morrer de velhice ao lado dela. – o Protetor suspirou. – O que aconteceu enquanto eu estava morto eu jamais descobrirei. Sei que a nossa lua conversou comigo, sei que ela tinha assumido a forma de uma mulher, mas nunca saberei suas palavras exatas, a não ser a primeira coisa que me disse. No momento em que o mundo se apagou, ela sussurrou “ah, minha criança” com uma voz tão carregada de sentimentos, tão doce e sofrida que até hoje está marcada em minha mente. Quando voltei, eu estava assim. Uma fênix, o símbolo da imortalidade. Eu sabia exatamente o que deveria fazer, qual era a minha nova tarefa para a vida: impedir que o que aconteceu comigo se repetisse. – dessa vez via os sete imortais reunidos na praia. Tudo parecia bem na ilha, embora os habitantes aparentassem temer os novos moradores. – Acabei descobrindo que todos os meus amigos voltaram com o mesmo dever e estávamos dispostos a cumprir com aquilo. Os Mirthenos relutaram em aceitar nossa nova autoridade, mas em pouquíssimo tempo estavam pedindo os mais sinceros perdões para nossas luas.
Finalmente Baelfire desfez o contato entre eles, permitindo que se acostumasse novamente com a praia. Ela pensou durante alguns segundos.
- Então vocês receberam uma segunda chance? – questionou.
- Não, Guardiã. Nunca esteve em nosso destino morrer do jeito que morremos. Não era nossa hora, não deveria ter sido daquela forma. Porém as luas não poderiam simplesmente devolver nossos corpos: eu havia sido completamente consumido pela lava, Cytron fora esmagado num terremoto, Skyler, dilacerada pelos sete ventos... Por isso as luas nos deram novos corpos. Corpos imortais. Corpos que eram presentes amaldiçoados: voltamos à vida, sim, mas com o preço de assistir a morte de todos aqueles que amamos.
- Mas e Ceryn? Vocês não...
- Nós tentamos por algum tempo, mas decidimos que o melhor seria não mantermos uma relação tão íntima. Imagine o quanto pode ser confuso para os Guardiões que compartilham suas mentes conosco...
- Se depender de mim, você pode seguir em frente com o seu romance, embora o Guardião da...
- Pelas luas! Que confusão de sentimentos é essa, minha criança? Por meio segundo me senti inundado. ergueu as sobrancelhas em surpresa para o Protetor. Ele soltou uma risada baixa e mexeu a cabeça em negativa. – Você não precisa tentar esconder nada de mim, . Não há porque acobertar todos esses sentimentos com o ódio. Você só engana a si mesma.
- Saia da minha mente, Baelfire. – a Guardiã revirou os olhos e ergueu a mão em frente ao corpo. – Ou você vai virar um passarinho assado. – ela produziu uma grande labareda sobre a palma.
- Não seja boba, criança. Eu a derrotaria sem qualquer esforço. – a fênix soltou uma rajada de fogo pela boca. Tentando se defender, direcionou as chamas para a laguna, observando chocada, em seguida, enquanto o fogo dançava sobre a água. – Bonito, não?
- Eu imaginei que a água apagaria o fogo... – disse intrigada enquanto alternava o olhar entre o Protetor e as chamas. De repente ele fez com que o fogo dançasse embaixo da água, rindo ao notar o olhar maravilhado da protegida. – É incrível! Como você faz?
- Você não precisa aprender. É um desperdício muito grande de energia. Se um dia essa técnica for realmente necessária, você a descobrirá sozinha. – ele olhou para cima, percebendo finalmente que o sol já se levantava no céu. – É hora de irmos, você esteve fora por muito tempo, não queremos que comecem a se preocupar. – Baelfire assumiu novamente a forma de um pralas dourado e esperou que a Guardiã montasse em suas costas para começar a correr.
fingiu não perceber, durante o percurso, os pensamentos quase muito bem escondidos do Protetor. Ele estava feliz, fazia séculos que não se divertia tanto quanto nesse dia. Estava ansioso também. Conhecer todas aquelas crianças novas que ele captou da mente de , rever os amigos... Reencontrar o seu grande amor. Porém ele também tinha medo. De ser rechaçado pelos Protetores, pelos Guardiões, de ser julgado como covarde. A ruiva queria dizer que nada daquilo aconteceria, mas manteve-se quieta e tentou não invadir a privacidade de Baelfire.
Quando já estavam perto da praia e o Protetor estava cansado, desceu de suas costas e apostou com ele uma corrida até o mar. Notando o sorriso no rosto do pralas, ela correu com a maior velocidade que suas pernas permitiam. Bael vinha logo atrás, nunca a ultrapassando, mas sempre ameaçando morder seus calcanhares. Ela ria quase sem fôlego quando finalmente deixou a floresta para trás. Ao olhar para frente, notou a expressão preocupada de vários Guerreiros e Guardiões.
Viu com horror quando foi o primeiro a reagir, arremessando uma lâmina fina de água na direção do pralas logo atrás dela. Sem pensar ela desviou o golpe com uma rajada de fogo, acertando uma árvore ao seu lado.
- Não ataquem! Não ataquem! – ela gritou, os braços estendidos para cima enquanto parava de correr. Ao seu lado direito Baelfire assumiu sua forma de fênix, fazendo com que todos os Guerreiros ali presentes abaixassem suas armas.
Enquanto todos encaravam o Protetor sem ter certeza de como reagir, correu até a ruiva, segurando-a pelos ombros e analisando seus traços cansados e confiantes.
- Pelas luas! Você está bem, ? – perguntou, o tom angustiado inundando a sua voz. Ia curando um ou outro pequeno corte que encontrava na pele da garota, embora soubesse que nenhum era grave o suficiente para tornar essa ajuda necessária. – Estávamos todos preocupados. Onde você se meteu? Nunca mais faça isso. Você não tem ideia da confusão que... – enquanto buscava mais machucados no corpo da ruiva, seu olhar finalmente foi atraído para o segundo medalhão sobre o peito dela. Ele arregalou os olhos e a soltou abruptamente, abrindo a boca levemente até conseguir externar alguma coisa. – Isso é... Você... Guardiã? – perguntou alto o suficiente para chamar a atenção de alguns Guerreiros que ainda encaravam Baelfire.
, que durante todo o tempo esteve imóvel e sem palavras, abaixou o olhar para o medalhão, como que para confirmar que ele estava ali, e então afirmou com a cabeça. A primeira a reagir à nova informação foi Violet, que correu para abraçar a amiga.
- , isso é maravilhoso. – a Guardiã gritou, apertando a outra entre seus braços. – Eu sabia que algo grande esperava por você, mas... Guardiã? Pelas luas, quem diria?! – ela a olhou com uma expressão um pouco menos sorridente e diminuiu a voz, sussurrando no ouvido da ruiva em seguida. – Eu deveria estar cuidando de você a cada segundo. Eu sinto muito. Você não tem ideia do medo que eu senti. Estou muito feliz que você esteja bem.
- O que aconteceu? – a nova Guardiã finalmente perguntou.
- Oh. É uma longa história... – Violet começou.
- Bastante longa. – Fintan intrometeu-se, tocando os ombros das duas garotas. – Tenho certeza que teremos tempo para explicar tudo, mas creio que antes você e seu Protetor têm muito para nos contar, Guardiã. – ele frisou a última palavra. – Por favor, sinta-se livre para começar.
suspirou, buscando com o olhar o Protetor. Ao sentir sua aura confiante a ruiva respirou fundo, seguindo Fintan até sua cabana e finalmente sentindo-se disposta a esclarecer a situação.


Capítulo 13

Fintan olhou para Baelfire, um misto de curiosidade, respeito e empolgação rodopiava por seu rosto.
- Quais são as suas observações, então, Protetor? – ele perguntou.
- É uma Guardiã forte. Ouso dizer que chega ao nível de Belizário. E ela só foi treinada por uma noite. É impossível dizer com certeza, mas ao final de sua vida útil ela poderá superar qualquer outro Guardião...
- Ei, parem de falar de mim como se eu não estivesse aqui! – exigi.
- ... que já treinei. É claro, é um pouco indisciplinada, mas eu não poderia esperar outra coisa de uma criança do Fogo. Porém, digo com certeza, caro Fintan, chefe dos Guerreiros, essa menina foi mandada pelas luas com um grande potencial. Eu não me assustaria se ela sozinha desse um fim aos nossos inimigos. – Baelfire tinha o terrível costume de manter as relações estritamente formais com os demais. Algo que certamente teríamos que conversar quando finalmente fossemos deixados a sós.
- Eu acho que você está exagerando um pouco. – comentei com ironia. – Eu mal cheguei a essa ilha e já passei de uma descendente de terráqueos comum a uma Guardiã da Lua Vermelha, passando, claro, por uma Guerreira do Fogo, e agora você ainda quer que eu seja... O quê? A salvação dos Sete Planetas? Talvez agora você esteja indo longe demais.
- , isso são modos? – Fintan questionou. – Talvez você não saiba, mas seu Protetor não está acostumado com a rebeldia de vocês, jovens da atualidade. Da última vez que ele esteve aqui, as pessoas tinham respeito por seus superiores.
- Respeito? No Fogo? Jamais, Fintan. Meus meninos sempre foram um pouco piores do que essa garotinha. – Bael sentou-se no chão ao meu lado. Mantinha um sorriso em seu focinho de rasche quando se virou para mim. – Ela só tem que aprender a confiar um pouco mais no próprio Protetor.
- É... Está falando a criatura que tentou me atacar numa caverna escura. – revirei os olhos enquanto cruzava os braços sobre o peito. Baelfire riu alto, uma risada quente e poderosa.
- Só o fiz porque você estava se metendo onde não tinha sido chamada, criança.
- Não fui chamada? – perguntei alto o suficiente para fazer Fintan se sobressaltar. – Se eu não fui chamada, o que eram todos aqueles pedidos de “ah, , por favor, me encontre”? – imitei com um tom afetado e um pouco infantil.
- Invenção da sua cabeça, certamente. – Bael tentou disfarçar um sorriso no canto da boca. Ouvimos Fintan suspirar.
- Achei que esse seria mais maduro. – ele sussurrou para si mesmo, fazendo-nos gargalhar ao perceber que tínhamos ouvido. – Perdão, eu...
- Não se desculpe, chefe dos Guerreiros. Meus amigos já devem ter lhe mostrado que tempo nenhum é capaz de amadurecer as mentes eternamente jovens dos Protetores. – o rasche passou por trás de minhas pernas, empurrando levemente meus joelhos e fazendo-me cair sentada no chão.
- É. – eu disse enquanto revirava os olhos e ajeitava-me no chão. – Parece que teremos sempre que lidar com crianças com alguns milhares de anos. – cocei atrás da orelha de Baelfire, fazendo-o ronronar.
- Eu já deveria suspeitar que nada seria diferente. – Fintan sorriu envergonhado. – Bem, falando nos outros Protetores... Creio que todos eles estão entusiasmados para vê-los, bem como os outros Guardiões. Devo convidá-los a entrar agora?
- Sim, Fintan. – Bael respondeu por mim. Levantei-me assim que Fin foi até a porta, ajeitando minhas roupas e me criticando mentalmente por ainda não tê-las trocado. – Está tudo bem, criança. Ninguém poderá julgá-la. – ele sussurrou antes de se transformar em uma grande fênix.
Em seguida a sala de Fintan começou a ficar pequena demais conforme Guardiões e Protetores entravam. Cytron foi o primeiro a falar.
- Estamos honrados em recebê-los, Guardiã e Protetor da Lua Vermelha. Recebam as boas-vindas de todos os Protetores e Guardiões... – ele dizia enquanto se curvava, mas Baelfire jogou-se contra ele ao tomar a forma de pralas. Suas patas dianteiras pousaram sobre os ombros do centauro enquanto ele se mantinha de pé. Cytron demorou um segundo para retribuir ao abraço, mas finalmente o fez após largar a própria lança no chão. Todos observavam a cena, mas certamente apenas eu e Brock ouvíamos o que eles falavam.
Entre diversos “perdoe-me, amigo” e “senti sua ausência”, os dois Protetores finalmente trocaram suas desculpas e separaram-se com sorrisos emocionados. Baelfire ainda tentava manter-se firme, mas seus motivos caíram quando Zarafee o abraçou pelo pescoço. Eu senti sua culpa, sua tristeza e seu carinho pela fada. Quando levantei os olhos para Amber, vi que ela tentava conter suas lágrimas – lágrimas de Zarafee.
Quando se separaram, Baelfire se recompôs. Respirou profundamente e retornou à forma de fênix. Cytron pegou sua lança do chão e ia voltar a falar, mas meu Protetor foi mais rápido.
- Não creio que precisemos de formalidades, caros amigos.
- Está certo, Baelfire. – Leorhys, a esfinge, concordou. – Devemos ir direto ao ponto. Sua volta à ilha e a mudança de status de requerem algumas mudanças em nossa rotina. Inclusive o modo de tratamento e...
- Perdoe-me, Rhys, mas acredito que tem algo a dizer. – Bael interferiu ao notar minha inquietação.
- Claro, Guardiã. Por favor.
- Não quero nenhuma mudança em relação a mim. Quando aceitei meu destino de Guardiã deixei claro a Baelfire que continuaria sendo uma Guerreira. – ergui meu primeiro amuleto. – Não espero que Guerreiros, Guardiões ou Protetores passem a me tratar diferente do que faziam antes só porque as circunstâncias de meu nascimento foram reveladas. Se o fizerem, estarei ciente de sua hipocrisia. – meu olhar caiu sobre o Guardião da Lua Azul a tempo de ver o sorriso que banhava o canto esquerdo de seus lábios. – Além disso, não tomarei qualquer privilégio de Guardião. Seguirei realizando minhas tarefas conforme a escala de minha casa. É claro que assumirei as novas tarefas que me cabem como Guardiã...
- , isso tomará muito de seu tempo livre. – Violet tentou intervir.
- Sei disso. Enquanto estive conversando a sós com Baelfire e Fintan, pensei em tudo isso. Haverá tempo para tudo se eu me organizar.
- Você já pensou que o trabalho de um Guardião vai muito além do que o que você vê? – perguntou. Seu rosto tinha um sorriso tranquilo e ele me encarava. – Você terá de treinar seus Guerreiros, treinar conosco, dedicar um tempo a treinar os seus poderes, já que é completamente inexperiente...
- Obrigada pela informação, Guardião, mas não preciso que repita tudo o que já sei. Como já deve ter percebido, concluí meus treinamentos nas quatro divisões de minha casa com êxito, o que me dá tempo de sobra para coordenar tudo isso. Meus líderes já vêm sendo bastante eficientes em suas tarefas, então devo mantê-los, é claro, acompanhando seus trabalhos de perto. Treinarei com vocês, bem como continuarei treinando sozinha, embora já tenha adquirido bastante controle sobre meus poderes, diferente do que você pensa. – olhei para o ombro ao projetar uma chama no formato de uma fênix ali. manteve o sorriso presunçoso, parecendo pouco impressionado por meus feitos.
- Tudo isso é importante, Guardiã. Porém a ilha necessita de outras mudanças. Primeiro, os treinos entre os Guardiões irão muito além das clássicas lutas. Os sete deverão aprender a agir como um time, combinando seus poderes e habilidades. – Leorhys olhou para cada um de nós ao dizer isso. – Essa experiência deve ser levada em seguida aos Guerreiros, cabendo a vocês a criação e manutenção da harmonia entre as casas. Deveremos ver como as sete equipes agem juntas. A partir de agora esqueceremos as rivalidades entre as casas. Para ajudar nessa difícil tarefa eu recomendo que a oitava mesa passe a ser usada. – olhamos para ela sem entender. – A oitava mesa é aquela que nunca é ocupada. Ela, originalmente, era usada pelos Guardiões e Protetores, numa forma de demonstrar a todos os Guerreiros que nenhuma rivalidade era tão séria a ponto de ser levada para a mesa. Acredito que temos maturidade o suficiente para retomar esse hábito. – ela buscou qualquer sinal de discordância entre nós e sorriu quando não o obteve. – Fico feliz por concordarmos.
- Outra questão a ser debatida é a cerimônia em homenagem à nova Guardiã. – Ceryn disse de dentro de sua bolha de água.
- Obrigada, mas não planejo receber uma. Não quero que minha nova condição seja vista com grande diferença pelos outros Guerreiros. – dei de ombros.
- Mas é uma tradição... – Skyler, o grifo, tentou argumentar.
- Posso dar uma sugestão? – Violet ergueu a mão. Sorriu quando alguns concordaram e virou o rosto em minha direção. – Podemos fazer uma simples entrega de armas e o preenchimento do cilindro. E, se você não se importar, , podemos fazer a minha e a sua juntas.
- Achei que a sua cerimônia tinha sido na noite passada...
- Sim, mas o sumiço de alguém fez com que a festa terminasse mais cedo. – Viper, o Guardião da Lua Verde, informou.
- Ah, eu sinto muito, Violet, eu não...
- Tudo bem, , ninguém teve culpa. – ela me ofereceu um sorriso.
- Tem sscerteza? – o basilisco questionou enquanto encarava Baelfire.
- Cale-se, Rohan. Ou esqueceu-se que passarinhos comem minhocas? – Cytron disse num tom de voz bem-humorado.
- Essstou sssó dizendo, camarada, que ssse o Protetor dela essstivesssse presente, nada disssso teria acontesscido.
- Rohan, na frente das crianças não. – Skyler tentava esconder o humor na voz. – Se você tem algo de particular a resolver, resolva-o em particular. Será mais saudável para todos nós.
- Para encerrar esse assunto, tenho algumas questões que preciso conversar com e seu Protetor em particular. – Leorhys tomou a palavra. – Se ninguém tiver mais a acrescentar...
Todos entenderam a sugestão da esfinge, deixando a sala. Ao final, apenas Leorhys, Baelfire e eu restávamos lá.
- , sei que não pretende encarar seu novo amuleto como uma mudança radical em sua vida e respeito isso, mas existem algumas... – ela pareceu buscar alguma palavra. – Consequências, eu diria, que vêm junto com ele.
- Eu não sei se entendo. – falei com sinceridade.
- Existem várias profecias sobre o retorno de Baelfire e o nascimento de um Guardião da Lua Vermelha, . É claro, podemos descartar desde já as que dizem que após o surgimento do Guardião Baelfire não retorna e isso causa um rompimento entre Guardiões e Protetores. Também podemos esquecer as que especificam o novo Guardião como homem. Porém algumas me assustam e eu consigo alcançá-las em minhas visões. Gostaria de compartilhá-las com você, para que entenda aonde quero chegar. Você me permite? – não hesitei em concordar com a cabeça.
Segundos depois a sala desapareceu e eu via agora uma velha senhora em frente a uma casa. Eu a conhecia de algum lugar, com certeza. Ela tinha um sorriso sereno no rosto e mexia os dedos das mãos, projetando pequenas chamas deles.
- Essa é você, , após uma estadia tranquila em Mirth. Nenhuma luta aconteceu e você cumpriu com todos os seus deveres durante sua vida útil. Como recompensa, pôde ir para a casa e ter uma vida tranquila. Essa será a última vez que usará seus poderes.
A velha – eu – falou “querido” com tranquilidade e um homem tão velho quanto ela apareceu na porta. Ele tinha um belo par de olhos azuis e cabelos branquíssimos e seu rosto carregava um sorriso entristecido quando percebeu que a mulher tinha acabado de falecer. Eu senti um arrepio. Acabara de ver a minha própria morte.
A cena mudou rapidamente e eu achei que veria a despedida de meu corpo ou talvez o que acontece depois da vida, mas fui conduzida a outra visão. Dessa vez eu era jovem, tão jovem quanto no presente, e caminhava por um campo. De algum modo sabia que aquele lugar costumava ser verde e fértil, mesmo que agora ele estivesse enegrecido, queimado. Me abaixei e recolhi algo de um corpo, então segui andando e tornei a me abaixar ao lado de outro corpo, e mais outro, e mais outro. Fiz isso seis vezes e então parei. Tinha um sorriso estranhamente satisfeito quando ergui seis amuletos de Guardião na mão esquerda. Então percebi que reconhecia aqueles corpos no chão. A minha mão direita – que não era minha porque aquela garota na visão não podia ser eu – se aproximou da esquerda com o sétimo medalhão. O meu. O toquei sobre meu peito só para ter certeza de que ele ainda estava lá. Tive a impressão de que algo muito ruim aconteceria quando os sete se juntassem, mas não pude confirmar minha suspeita porque então a visão mudou novamente.
Eu me vi lutando ao lado dos outros Guardiões na ilha.
Eu me vi abandonando Mirth no meio da noite.
Eu me vi invadindo um acampamento inimigo.
Eu me vi morrendo.
Eu me vi batendo espadas com uma criança.
Eu me vi impedindo uma batalha com os desgarrados.
Eu me vi fazendo o bem.
Eu me vi fazendo o mal.
E vi tantas outras coisas que não fui mais capaz de aguentar. Quando Leorhys terminou de me mostrar tudo, percebi que estava chorando.
- Pare! Pare, Rhys! Está tentando matá-la? Ela é só uma criança! – ouvi Baelfire gritar. Tirei os braços da frente do rosto, soltando as mechas de cabelo que puxava inconscientemente e notei que estava deitada, completamente encolhida, no chão. Leorhys me olhou, seu rosto humano parecia envergonhado.
- Eu sinto muito, Guardiã. Não tenho o costume de partilhar o futuro com aqueles que não têm o dom da visão, então não me ocorreu que deveria diminuir a intensidade de tudo. Por favor, perdoe-me. – a esfinge pediu enquanto me ajudava a levantar. Sequei as lágrimas, sentindo-me ainda um pouco tonta.
- Pelas luas. É sempre assim? Você tem tudo isso sempre dentro da sua mente? – Leorhys anuiu com a cabeça. – Eu jamais invejarei Violet por esse dom. – constatei enquanto esfregava o rosto com uma mão. – Tudo isso pode acontecer? Eu posso realmente ser cruel daquele jeito? De todas aquelas formas?
- ... – a esfinge começou.
- Sim. Você pode. Você pode ser cruel a ponto de destruir qualquer resquício de paz nos Sete Planetas, . – Baelfire disse duro para mim. – Você tem o poder para matar os Guardiões, para acabar com tudo o...
- Bael! – Leorhys o olhou em choque.
- ... que nos cerca, para destruir a ilha e toda a sua magia. Mas você pode ser boa, criança. Você pode ser a salvação. Você pode firmar a paz definitiva. Tem em si a capacidade de impedir uma guerra com os desgarrados. De acabar com todas as lutas. É capaz de trazê-los para o nosso lado novamente, . Então a sua dúvida maior continua sendo se você é capaz de ser cruel? Sim, você é. O fogo corre dentro de você, e ele é cruel e impiedoso. Mas você é capaz de muito mais. Porque é o seu destino e você o escolhe. Não é porque uma esfinge mostrou uma série de bobagens para você, que você tem que acreditar que elas serão verdades. Só depende de você, minha criança. De qualquer modo, entendo seu receio, é claro que...
- Receio? Receio, Baelfire? Está dizendo que estou com medo? Como uma criancinha? Com medinho? Medo de quê? Receio de quê? De ser a responsável pela sobrevivência ou destruição de sete planetas inteiros? De um bando de garotinhos mimados que se escondem sob o nome de “filhos da escuridão” para ver se assim se sentem mais corajosos? De ter que lutar até matar ou morrer? É, você tem razão. Eu estou com medo sim. Eu estou com muito medo. Eu estou tremendo de medo. Ou com receio, como você diz. – eu realmente poderia ter dito tudo isso, mas apenas disse: – Eu não tenho receio algum, Bael. Está tudo bem.
Leorhys e Baelfire tentavam se manter sérios, claramente os dois tinham acesso ao que eu poderia ter dito, mas tentaram fingir que eu tinha alguma privacidade ali. Eu sabia, certamente, que os dois se preocupavam ao sentir meu “receio”, porque aquilo, invariavelmente, indicava que eu ainda não estava firme sobre mim mesma.
- , quero que entenda que apenas nós três tivemos acesso a todas essas visões, certo? Nem Violet, nem os outros Guardiões ou Protetores sabem de todas essas possibilidades, pois estão trancadas em minha mente. É claro que Violet tem acesso a algumas delas, as mais recorrentes, e sabe das suas tendências para o mal, assim como sabe das próprias tendências para o lado errado também. Acredite em mim, Guardiã, todos temos um lado sombrio. Cabe a nós mesmos saber o que fazer com ele. – ela suspirou alto e então me ofereceu um sorriso. – Eu só precisei mostrar tudo isso a você para que você entenda que, diferente do que pensa, sua presença aqui muda bastante as coisas. Batalhas tornam-se iminentes agora. É bom que estejamos preparados. E que você esteja segura de si. Se os Filhos da Escuridão descobrirem o seu potencial, eles farão de tudo para tê-la do lado deles. Esperamos que isso não aconteça.



A conversa com Leorhys tinha sido intensa e eu saí da cabana de Fintan com apenas um objetivo: alcançar a minha cama. Eu vinha de incontáveis noites mal dormidas e apenas a ideia de deitar sem ouvir os chamados de Baelfire me fazia inteiramente feliz.
Eu caminhava ao lado de meu Protetor quando passamos Rohan no caminho. Os dois trocaram um olhar intimidante, mas não falaram qualquer coisa.
“Qual o problema de vocês dois?” questionei através da nossa comunicação mental.
“Longa história, criança. É melhor você se manter fora disso.”
“Conte-me”
pedi enquanto chegávamos ao conjunto de cabanas do Fogo. Evitei olhar para a cabana do Guardião, continuando meu caminho até a conhecida morada dos hábeis.
“Nunca tivemos uma boa relação, eu e ele. Desde antes de nos tornarmos Protetores nós tínhamos questões mal resolvidas.” Bael contou enquanto entrávamos na cabana. “Ele não aceitava muito bem meu relacionamento com Ceryn. Ela cresceu dentro da casa dele, já que perdeu os pais quando era muito jovem, e ele a tinha como uma irmã a quem devia proteger. Eu devo admitir que não era o melhor partido da ilha: sempre fui uma criança do Fogo, descontrolado, inconsequente, indisciplinado e difícil de lidar. Você sabe bem como é. Mas ela me quis mesmo assim. E eu a quis. Pelas luas, como a quis. Devo acrescentar aqui uma observação: jamais fiz Ceryn sofrer. Ela controlava o Fogo em mim como ninguém nenhum dia foi capaz. Mesmo assim Rohan não me aceitava.”
Enquanto Baelfire contava, eu já tinha me lavado e voltado à cabana. Deitei-me na cama e o convidei a fazer o mesmo, vendo-o assumir a forma de vulp e se aninhar em meu peito.
“Não é só isso, é?”
“Não mesmo, criança. Além de todo o problema com meu relacionamento, Rohan sempre teve outra dor: durante nossa breve primeira vida ele sempre teve que se submeter a mim. Não, não tire conclusões precipitadas. Naquela época nós todos devíamos respeito aos mais velhos. Desse modo, todos os que hoje são Protetores deviam respeito a Cytron e a mim. O velho centauro e eu nascemos no mesmo dia, em planetas diferentes, então criamos uma cumplicidade desde que ele chegou aqui. Às vezes abusávamos da regra de hierarquia, devo admitir, e pegávamos pesado com Rohan e outras crianças. Ele foi um dos únicos a levar para o lado pessoal.”

- Então você importunava criancinhas, Baelfire? – perguntei já meio sonolenta.
- Não criancinhas. Rohan é dois anos mais novo, apenas, assim como todos os outros a quem incomodávamos.
- Então Rohan tem ressentimentos com você porque você pegava no pé dele e ainda namorou a irmã de consideração do pobre basilisco? – questionei enquanto acariciava o pelo dele. – E os outros Protetores? Vocês tinham contato com eles também antes de... – não soube como terminar a frase, mas ele entendeu.
- Sim. Cytron chegou aqui ainda muito pequeno, seus pais buscavam um lugar onde ele pudesse crescer sem ser julgado por causa de seus poderes. Deveríamos ter três anos e desde já viramos os melhores amigos. Fazíamos tudo juntos. Ceryn era um ano mais nova que nós e sempre foi minha maior paixão. Rohan entrou em nossas vidas por causa dela. Skyler era outra das crianças que costumávamos incomodar, assim como Leorhys, mas ambas sempre nos adoraram. Skye sempre teve uma implicância com Cytron e muitos de nós estávamos certos de que isso acabaria em romance. Nunca aconteceu. Leorhys sempre foi uma de minhas melhores amigas. E Zarafee. – ele engoliu em seco. – Zarafee sempre foi uma fadinha. Vivia correndo de um lado para o outro, saltitando, era bem-vinda em todas as cabanas e costumava entrar sem pedir licença em todas elas. Por causa disso era a nossa menina de mensagens. Sempre foi a criança mais alegre de toda a Mirth e todos nós tínhamos um carinho especial por ela. Acho que eu mais do que qualquer outro, porque partilhávamos o mesmo pai. Ela nunca soube. É nove anos mais jovem do que eu, o que dava a ela doze anos quando foi morta. Quando eu voltei, descobri que ela tinha sido a última a ser sacrificada. Você pode imaginar a raiva que senti? Forçaram uma criança a assistir a morte de outras seis pessoas. Ela demorou um pouco para superar as marcas desse trauma. Até hoje eu não consigo aceitar... – Bael parecia determinado a continuar, mas hesitou por um segundo e, mesmo de olhos fechados, pude notar que ele sorria quando continuou com uma voz mais calma: – Você está cansada, criança. Durma. Eu a acordarei se for necessário.
Não precisei de três segundos para obedecê-lo.



Parecia que eu tinha acabado de fechar os olhos quando Baelfire me despertou. Revirei-me na cama e suspirei.
- Só mais uns minutinhos. – pedi num resmungo. Ele riu e me cutucou.
- Vamos, . Os Guardiões estão esperando por você. Não vai querer se atrasar, vai? – abri os olhos apenas para revirá-los. Levantei-me em seguida, sabendo que meu Protetor tinha razão.
Saí da cabana quando tive a certeza de que estava apresentável para minha primeira reunião com meus novos colegas. Segui na direção que Bael havia me indicado, encontrando os seis Guardiões sentados em um conjunto de troncos velhos no meio de uma das clareiras da floresta. Antes que me aproximasse o suficiente para me fazer notar, porém, ouvi a conversa que tinham.
- Não podemos confiar nela. – Breeze disse num tom decidido. – Quer dizer... Ela acabou de chegar, é fraca demais...
- Destreinada. – acrescentou com um sorriso despreocupado. – Será completamente incapaz de acompanhar nosso ritmo de treinamento.
- Pessoal... – Brock começou num tom amigável. – Vamos ser honestos... Todos vimos como uma Guerreira excelente. Ela fez muito pela casa dela. É claro que ela seria uma excelente líder. Mas é claro que não podemos achar que por causa disso ela será uma boa Guardiã. Isso seria uma piada.
Mordi meu lábio inferior com força, tentando conter a raiva.
- Além disso... Será que ela é realmente confiável? – Viper questionou. – Sabemos que ela chegou aqui como uma garotinha assustada, estava pronta para fugir daqui no primeiro dia. Podemos ter certeza de que não será igual dessa vez? Ou pode ser ainda pior: ela pode ir correndo para os desgarrados. Vocês sabem como são esses Guerreiros do Fogo... A sede por poder deles é inacabável.
- Viper tem razão, é tão instável quanto o fogo. Agora ela pode estar do nosso lado, mas basta ela se sentir contrariada para escolher mudar de lado. – Amber ponderou. Então ela lançou um olhar para Violet, que se mantinha calada. – O que você acha, Violet? Você, que tem o dom da visão, pode nos dizer melhor do que ninguém.
Quando Violet ergueu os olhos para os outros, eles transmitiam urgência e desespero.
- Tudo o que falam tem sentido, porém mal sabem que pode ser muito pior. Eu vi os futuros de e a maioria deles é terrível. Realmente não podemos confiar nela. Ela nos trairá de várias formas. Será responsável pela destruição de nosso sistema. Nós não podemos...
Eu tinha certeza de que poderia aguentar todos os outros Guardiões duvidando de minha lealdade, mas ouvir Violet falando tudo aquilo foi demais para mim. Entrei na clareira com o melhor sorriso que minha raiva poderia sustentar e ergui uma mão em cumprimento a todos.
- Perdoem-me pelo atraso, colegas. Vejo que começaram a reunião sem mim. O que perdi?
- ! Que bom que juntou-se a nós, estávamos falando de... – Violet buscou com o olhar a ajuda dos outros.
- Eu imagino que já saiba. – ergui um dedo, fingindo me esforçar para adivinhar o assunto. – “Nós não podemos confiar nela.” – sorri ao receber seus olhares chocados. – Sabem... – suspirei como se fosse contar um grande segredo. – Acho que vocês têm razão. Realmente não devem confiar em mim. Eu estava comprometida a me esforçar para ser uma boa Guardiã. Para deixá-los orgulhosos. Mas então Leorhys me mostrou todas aquelas visões sobre o meu futuro. Todas as possibilidades. Toda a minha força. Eu não tinha ideia do quão forte poderia ser, acreditam? E ela cometeu o erro de me entregar aquela visão. É claro que me fiz de desentendida, mas não precisava de meio cérebro para juntar aquela possibilidade de futuro com o meu conhecimento. Sete medalhões de Guardião juntos e eu poderia criar um novo cargo para mim, não acham? Só tem um pequeno problema... – ergui meu medalhão de Guardiã para mostrá-lo a eles. – Eu precisaria de mais seis desses. E eu me pergunto... Onde eu os encontraria? – então encarei o amuleto que , o mais próximo de mim, tinha sobre o peito, forçando surpresa. – Oh! Vejam só, vocês os têm. Será que eu poderia pegá-los emprestados? – aproximei-me do Guardião da Lua Azul, mas todos eles tomaram posições de defesa. Ri com escárnio. – É, eu imaginei que vocês seriam egoístas. Talvez esse seja o motivo de a visão ter mostrado seis Guardiões mortos... – sorri maliciosa e no instante seguinte uma grande explosão tomou a clareira. Eu era a única a continuar em pé no campo queimado. Recolhi cada um dos amuletos dos corpos no chão e me permiti um sorriso satisfeito. – Isso, meus caros, é o que se ganha por duvidarem de minhas capacidades.
Juntei os seis amuletos com aquele em meu pescoço. De repente eu estava em um campo de batalha e fui tomada por uma dor aguda quando uma espada atravessou meu peito. Baelfire gritava dentro de minha mente e eu caí sobre meus joelhos. A espada foi arrancada de meu corpo e então senti mais uma, duas, três, incontáveis punhaladas em minhas costas. Sorri ao ver os Guardiões lutando enquanto sentia a vida se esvaindo de meu corpo.
No segundo seguinte eu estava recomposta e corria de forma desesperada, sempre olhando sobre meu ombro para ter certeza de que ninguém me seguia. Estava fugindo de Mirth e sorria ao repassar em minha mente as táticas de luta que tínhamos planejado no dia anterior. As táticas que eu entregaria aos Filhos da Escuridão. Em seguida eu estava morta. E então eu estava viva de novo e morria mais uma vez.
- Acorde, criança! Está tendo pesadelos. Vamos, ! Acorde! – Baelfire gritava enquanto me sacudia. Abri os olhos para encontrar sua feição de desespero. Ele sentia o meu medo. – Aí está você. Estou tentando te acordar já tem alguns minutos. Você estava tendo pesadelos. Sua mente me bloqueou.
Sentei-me na cama e esfreguei o rosto com as duas mãos. Quando voltei a encarar Baelfire ele tinha um olhar preocupado.
- Vi um pouco da primeira parte de seu pesadelo... Devo me preocupar?
Refleti por alguns segundos, repassando os detalhes do sonho.
- Não sou confiável, Bael. – antes que ele falasse qualquer coisa ergui a mão para impedi-lo. – Não porque acho que os outros Guardiões não confiam em mim. Eu não confio em mim. Meu sonho... Cada coisa que os Guardiões disseram... Tudo isso é o que penso sobre mim. Não me sinto capaz de machucá-los, de machucar qualquer um nessa ilha, mas sei que sou. Ainda mais se sentir a insegurança deles em relação a mim, aos meus poderes.
- O que você disse no sonho, sobre juntar os sete amuletos, aquilo está certo?
- Não. – respondi. Ele suspirou em alívio, mas arregalou os olhos quando continuei: – O resultado é ainda mais catastrófico do que o que falei em meu sonho.
- Compartilhe. – ele pediu.
- Não. Enquanto este resultado estiver escondido em minha mente, você pode ficar tranquilo. Preocupe-se quando o descobrir. E então, por favor, determine-se a me impedir.
Baelfire concordou com a cabeça e me analisou com cuidado. Suspirei profundamente.
- Leorhys cometeu um grande erro ao compartilhar meus futuros. – declarei.


Capítulo 14

Eu estava em cima do estrado que exibia os cilindros, ao lado de Violet, em frente a todos os demais Guerreiros, Guardiões e Protetores. E só conseguia pensar no futuro. Quantos deles eu seria capaz de matar? Nenhum, eu esperava.
Baelfire e Leorhys se aproximaram. Meu Protetor fechou as asas em frente ao corpo para, no segundo seguinte, fazer surgir com um flamejar o conjunto de arco e flecha que eu já conhecia. Entregou-os para mim com movimentos muito bem calculados e fiz questão de recebê-los com a mesma pompa. A esfinge também fez surgir a arma de sua casa entre as asas: uma foice alta o suficiente para ultrapassar Violet em altura. A Guardiã a recebeu com todo o cuidado, como se tivesse em mãos o objeto mais delicado dos Sete Planetas.
“Você tem que preencher o cilindro, criança. Não os faça esperar.” Baelfire anunciou em minha mente. Todos os rostos estavam virados para mim, curiosos sobre como eu havia planejado mostrar meu poder dentro daquele cilindro.
Eu pensara muito sobre que forma colocaria ali dentro. Apenas uma chama? Ou talvez algo que tivesse um significado para mim? Havia decidido, finalmente, homenagear meu Protetor de uma forma menos explícita. Não usaria uma fênix.
Projetei uma flecha sobre a palma e, usando meu novo arco, lancei-a ao céu. Ela explodiu logo a cima de nossas cabeças, formando um grande dragão de fogo. A figura voou para dentro do cilindro, onde assumiu a forma de um vulp feito de fogo que corria pelas paredes e então tornava a se transformar num grande dragão. Ao meu lado Violet suspirou e falou alto o suficiente para ser ouvida pelos demais:
- Que legal, . Agora as expectativas estão altas e é a minha vez e eu não planejei nada grandioso. – ela fingia indignação, arrancando risadas de nossos amigos.
Violet então respirou fundo e pareceu se concentrar. Não fez nenhum grande espetáculo, apenas encostou a ponta da lâmina de sua foice no cilindro e fez surgir lá dentro uma grande esfera violeta que se estendia. Asas saíram dela até que tomasse a forma de uma coruja que, quando fechou as asas, transformou-se no que parecia alguém usando um manto e uma foice: um ceifador. Sorri surpresa ao vê-lo se transformando novamente em coruja e depois em esfera e olhei para a Guardiã.
- Nada mal. – comentei rindo. Violet me empurrou de leve pelo ombro enquanto recebíamos os aplausos de todos os que nos assistiam. Fintan subiu no estrado e nos ofereceu um grande sorriso.
- Muito obrigado, Guardiãs, por se juntarem a nós. Agora faremos nosso agradecimento às Luas com um grande banquete! Por favor, sirvam-se com modos. – ele acrescentou quando grande parte dos Guerreiros começou a se mover de forma desordenada em direção à mesa de comidas.
Violet e eu ganhamos a preferência na fila, então fomos as primeiras a sentar na oitava mesa. Aquilo chamou a atenção de alguns, mas não tanta quanto quando os outros Guardiões e os Protetores se juntaram a nós. O barulho das conversas altas de todos os dias foi substituído pelo constante sussurrar dos Guerreiros.
- Isso é... – Breeze começou, buscando alguma palavra para descrever a situação.
- Bastante constrangedor? – sugeri. Ela riu ao concordar com a cabeça.
- Só não estão acostumados, queridos. – Amber deu de ombros. Ela certamente era a Guardiã que estava mais à vontade com a situação.
- Não acho que alguns Guerreiros tenham maturidade o suficiente para se acostumarem com a situação. – constatou. Seu rosto parecia sereno, mas seus olhos observavam grupos de Guerreiros que sequer tentavam ser discretos ao apontar para nós.
- Dê dois dias a eles. – Cytron sugeriu com um sorriso.
- Três. – Violet e Leorhys corrigiram com sorrisos nos rostos.
Senti uma mão sobre meu ombro e, ao me virar, percebi que pertencia a Tharja.
- ... – ela negou com a cabeça e corrigiu: – Guardiã.
- Meu nome continua sendo o mesmo, Tharja. – falei com um sorriso. – E ainda espero que seja chamada por ele, por favor.
- Certo. – Tharja soltou uma risada um pouco aliviada. – Você continua a mesma. Bom. Eu só queria te entregar isto. – ela me ofereceu o estojo de couro de toraq. O peguei com um sorriso. – Esqueceu-o na cabana. Pretendia entregá-lo antes, mas as situações...
- Muito obrigada, Tharja. – sorri enquanto apertava o estojo contra o peito.
- Eu disse que ele as tinha deixado para alguém merecedor, não disse? – ela sussurrou e piscou um olho para mim. Abri ainda mais meu sorriso e ela retornou para a mesa do Fogo.
- O que tem de tão especial aí dentro para você estar com essa cara boba? – Viper perguntou enquanto tentava espiar o couro.
- Não interessa para você. – soltei num tom meigo. Vi Amber cobrir a boca com a mão para esconder uma risada.
- Achei que nós deveríamos ser amigos... – ele olhou para os Guardiões, buscando apoio.
- Eu posso ser sua amiga. Isso não significa que eu tenha que dar satisfações a você. São coisas bastante diferentes. Você não é meu superior. – tentei um sorriso amigável.
- A novata mal chegou e já quer...
- Viper, nada de chamar a coleguinha de “novata”. – Amber corrigiu.
- Sem contar que a novata aqui é a Violet. – brincou, deixando-me chocada por alguns segundos.
- Pelas luas! Eu estou quieta no meu canto e mesmo assim sobra pra mim? – Violet fez-se de ofendida.
- Acostume-se. – Breeze, logo ao lado dela, deu tapinhas de consolação em seu ombro.
- Desde quando ele alivia para você? – Brock perguntou em meu ouvido.
- Acho que ele está tentando me agradar. – falei num tom baixo, mas propositalmente não o suficiente para deixar de atrair a atenção dos outros Guardiões. – Porque está com medo do nosso duelo.
me olhou, seu típico sorriso presunçoso preso no canto esquerdo dos lábios. Ele abria a boca para responder, mas Leorhys foi mais rápida:
- Nada de duelos entre Guardiões. – nós a olhamos chocados. – Nova regra. – ela se defendeu antes que começássemos a falar. – Vi as lutas entre os dois e tenho certeza que as consequências podem ser desastrosas. Então o duelo de vocês está cancelado.
“Consequências desastrosas”. Aquilo fez com que o sorriso de se estendesse por toda a boca, como se provasse que ele tinha sim o poder de me ferir. Como se aquilo o declarasse o vencedor. Eu, ao contrário, engoli em seco. Porque agora eu já sabia que eu poderia matá-lo. Matar a todos ali. E aquilo me deixava devastada.
- Que cara é essa, ? – ele perguntou em tom humorado. – Não gostou de saber que vai ficar inteira?
Eu me sentia sufocada e nada bem. Olhei para a comida quase intocada em meu prato e sacudi a cabeça de leve.
- Com licença. – pedi enquanto me levantava. Ouvi questionamentos atrás de mim, mas não fiz questão de respondê-los.
Corri até as cabanas do Fogo, parando na porta da dos hábeis e respirando fundo.
- . – Baelfire disse calmamente. – Você precisa agir normalmente se não quer que seus colegas pensem que há algo errado com você.
- Você não viu, Bael? A tranquilidade no olhar dele? A tranquilidade de quem não tem ideia do que eu sou capaz de fazer.
- Não fale assim, criança. – ele abriu a porta da cabana e me conduziu para dentro. – Escute, vou conversar com Leorhys, pedir para que não fale mais...
- Não. – eu disse rápido. – Eu não quero que ela pense que sou incapaz de lidar com isso. Não quero que ninguém pense isso. Se começarem a duvidar de minha capacidade eu não sei o que pode acontecer. – então me lembrei de algo. – Mas ela pode ver o que está acontecendo. Pelas luas! Ela pode quase ler a minha mente!
- Não se preocupe com isso. Nossas mentes estão bloqueadas para ela. – ele deu um sorriso sem jeito enquanto eu me deitava. – Adoro Leorhys, mas nunca gostei do fato de ela ter tanta consciência sobre mim.
Ele se aninhou em meu peito, sua forma felpuda me lembrando de uma memória quase esquecida. Eu ri.
- Quando eu era muito pequena eu vi um vulp uma vez. – contei. – Eles não são comuns em Novaterra e encontrá-los é muito difícil já que vivem se escondendo. Mas esse... Ele estava sentado nos fundos da nossa casa, na horta. Fui a primeira a vê-lo e meu primeiro pensamento foi expulsá-lo para que não comesse a nossa comida, certo? Então percebi que ele não tinha comido absolutamente nada. Estava apenas parado, encarando a janela de meu quarto. Eu saí da casa e fui até ele. São animais muito ariscos, não é? Então o normal seria ele fugir ao ver minha aproximação... Mas ele só ficou parado, me encarando. – pensei por um segundo, repassando a cena em minha mente. – Na minha cabeça de criança ele parecia manter um sorriso e um olhar bondoso para mim. Eu toquei sua cabeça, fiz um carinho atrás das orelhas. – imitei o gesto em Baelfire, rindo ao vê-lo fechar os olhos. – Ele esticou o focinho para cima, como se estivesse gostando... Você vê. Na minha memória parece que ele me falou alguma coisa. Como “estive procurando por você. Como cresceu” ou algo do tipo. Meu irmão chegou em seguida e ele fugiu. Eu fiquei tão empolgada com aquela visita que incomodei meu irmão por uma semana falando sobre o animal. Kyle acabou fazendo um vulp de pelúcia para mim naquela semana. Eu dormia abraçada com ele, assim – indiquei ao apertar levemente Bael em meus braços. – todos os dias. Não era você, era? – perguntei rindo.
Baelfire apenas riu, acomodando-se em meu peito e fechando os olhos.
- Boa noite, criança.

O local escolhido para os treinos entre os Guardiões era bem depois da arena. Violet e eu caminhávamos devagar, sem nenhuma pressa embora estivéssemos atrasadas em relação aos outros. A ceifadora não permitia que o silêncio se estabelecesse entre nós por muito tempo, mas, por mais que eu a adorasse e admirasse, naquele dia eu não estava tanto para conversas, respondendo apenas o necessário. Passávamos pelo meio da mata densa e eu notei por todo o caminho Vi afastando raízes e galhos do nosso caminho usando os seus poderes. Durante um dos raros momentos em que ela permitiu o silêncio entre nós, algo aconteceu.
Embora prestasse atenção no caminho, Vi não notou um heka silencioso que cortou seu caminho. Ela tropeçou no pequeno roedor, que correu rápido para a mata, e caiu no chão. Virou o rosto de um lado para o outro, mas seus olhos se fixaram longe de meu rosto, envergonhados.
Foi quando eu percebi. Uma realidade tão clara que eu também fui tomada de vergonha.
Aproximei-me de boca fechada e ofereci a mão que ela aceitou, colocando-se de pé com a minha ajuda.
- Obrigada, . Pelas luas! – ela soltou alto demais ao tentar dar um passo. – Meu tornozelo dói.
Enlacei sua cintura com um braço e puxei o dela por cima do meu ombro, de modo a apoiá-la durante seu processo de cura.
- Vamos, eu te ajudo.
Caminhamos por poucos minutos assim, até que ela dispensou meu apoio e continuou mancando por conta própria. Não falávamos mais nada, mas eu entoava baixo uma das canções do Fogo e vi, pelo canto do olho, um sorriso fraco tomar seus lábios.
Quando finalmente alcançamos a clareira, Violet mancou até os Guardiões e fomos recebidas por Viper e seu bom humor.
- Falei que não podíamos deixar as novatas sozinhas, iam acabar se perdendo. – ele se aproximou mais de Violet e provocou – Qual é, Guardiã, não conseguiu ver para onde ia? Sua visão está...
- Cale a boca antes que eu o faça por você. – eu disse sem paciência.
- Qual o seu problema? Está esquentadinha? – ele questionou.
- Você vai realmente brincar com o fogo? – ergui uma sobrancelha. Respirei fundo. – Não estamos aqui para debater os dons de ninguém. Estamos aqui para estabelecer a amizade entre as sete casas, e isso quer dizer que é melhor você não mexer com nenhum dos meus ou essa amizade não acontecerá. Se você ousar dirigir alguma gracinha desrespeitosa a alguém e essa situação chegar ao meu conhecimento, você, Viper, pode se considerar um matinho queimado.
Eu mal percebi que estava tão perto de Viper, mas eu já enfiava meu indicador contra o seu peitoral quando se meteu entre nós. Ele mantinha a clássica expressão calma e me puxou pelo ombro para longe do Guardião da Lua Verde.
- Vamos com calma se queremos estabelecer a paz aqui, ok? Tenho certeza que Viper não será tolo de se meter com ninguém do Fogo a partir de...
- Não estou falando só do Fogo, não. De qualquer casa. Do Fogo, da Colheita, da Água, da Luz. Eu não me importo. Ninguém está aqui para ser melhor que os outros. E ninguém aqui tem o direito de ficar fazendo piadinha com os nossos Guardiões ou Guerreiros. – argumentei.
- As luas que me protejam. – murmurou enquanto revirava os olhos. Possivelmente eu fui a única a escutar. – Essas são suas condições para a amizade entre as casas, então, Guardiã? Que esse tipo de brincadeira desrespeitosa não seja mais usado?
Olhei-o sem entender. Ele mexeu minimamente a cabeça de modo a indicar que eu deveria dizer que sim.
- Sim.
- Muito bem. Alguém mais tem alguma condição?
- Os Guardiões têm o dever de promover a ideia da trégua dentro de suas casas. – Breeze deu de ombros.
- Parece plausível. – concordou.
- Maior cooperação entre as principais rivalidades. – Amber acrescentou com um sorriso divertido no rosto.
- É, você pode ter certeza que isso vai dar muito certo. – revirou os olhos. – Apenas imagine o que poderia acontecer quando Brock e Breeze discordassem em algo. A ilha iria se partir ao meio.
- Vocês podem tentar... – a loira deu de ombros.
- Certo, vamos colocar isso na lista de possibilidades. – concluiu.
- Você poderia me soltar. – sugeri. Ele me olhou e riu ao perceber que continuava segurando meu ombro. Passou o braço por ali e me apertou num abraço de lado.
- Tudo bem, . Estamos tentando forjar uma amizade aqui, não estamos? – ele piscou um olho para mim. Soltei-me de seu braço e forcei um sorriso.
- Isso não é amizade. Você está me sufocando.
- Qual é, Guardiã. Pode ser que você não tenha sido a garota mais popular, mas tenho certeza que teve algumas amizades e sabe como elas funcionam. – ele piscou para mim. Ouvi um som de surpresa vindo de Violet, ela certamente sabia sobre meu passado em Novaterra.
- Que seja. Só não... – respirei fundo. – Só não fique encostando em mim sem necessidade, tudo bem?
- Claro, claro. – ele respondeu entediado, recolocando seu braço em volta de meus ombros, forçando-me a rir desacreditada.
- Ela ri! – Breeze constatou encantada. – Que coisa fofa.
- Não fale assim. pode ser extremamente carinhosa quando quer. – Brock comentou, não demorando a acrescentar: – Ela só nunca quer.
- Eu tenho certeza de que temos mais o que debater do que o meu humor... – neguei com a cabeça enquanto tornava a me livrar de . – Por exemplo, temos que definir nossas duplas. Os Protetores não querem que elas estejam dentro da nossa “zona de conforto”, então...
- Eu e Viper seremos a primeira dupla. e Breeze a segunda e Violet e a terceira. Se todos estiverem de acordo, é óbvio. Amber alternará entre cada dupla. – Brock determinou. – Pensei que assim seria melhor porque, como disse, eu e Breeze discordando de algo pode ter resultados catastróficos para a ilha. E... Bem... Qualquer uma de vocês duas – ele indicou Violet e eu com os dedos. – discordando de Viper pode resultar em algo ainda pior. Desse modo...
Nós rimos, mas acabamos aceitando a sugestão de Brock, porque era realmente sensata. Concluímos que a primeira parte de nosso dia de treino seria para aquilo: uma conversa para estabelecer nossos novos deveres e metas como um time finalmente completo de Guardiões. Começaríamos a colocá-los em prática no dia seguinte.
- É agora que a ação começa? – Breeze perguntou quando encerramos a “reunião”. Violet olhava em volta, buscando por algo que nenhum de nós via. De repente um exército invadiu nossa clareira.
Eu já treinara o bastante com Tharja e alguns ceifadores para saber que aquilo era uma ilusão. Provavelmente eram produzidas pelas ninfas para que enfim pudéssemos treinar nossas técnicas em conjunto.
Vi Breeze puxar sua espada com duas lâminas paralelas, colocando-se em posição de defesa. Amber fez surgir na mão o seu machado de guerra em forma de raio. Não tardei a sacar meu arco e projetar uma flecha na mão direita.
foi o primeiro a atacar, lançando lâminas de água com uma das mãos enquanto segurava seu tridente com a outra.
O que aconteceu em seguida nós descreveríamos depois como “puro caos”:
Amber lançou um raio nos inimigos.
Breeze formou a sua melhor corrente de vento para atingi-los.
Eu lancei flechas e mais flechas de fogo.
Brock causou um terremoto.
continuou lançando lâminas afiadas de água.
Viper usou sua longa espada flexível – que mais parecia um chicote afiado – para tentar derrubar o exército.
O problema é que a corrente de ar de Breeze rebatia todas as lâminas de água e todas as minhas flechas, jogando-as de volta em nós. O raio de Amber nos deixou temporariamente cegos, o que, combinado com o desastre que Brock causou no solo, fez com que Viper não soubesse muito bem para onde direcionar sua lâmina afiada.
- PAREM! – Violet gritou. O exército se congelou no lugar e olhamos ao redor.
A camisa de Viper pegava fogo. Brock tinha sido ferido na barriga por uma lâmina d’água e estava encharcado – de sangue e água. Amber havia torcido o pé ao tropeçar no solo irregular. Breeze ainda mantinha as mãos nos olhos por causa do clarão do raio. E e eu tínhamos cortes no rosto, nas costas e nos braços causados pela espada de Viper. Os inimigos sequer tinham atacado.
- Com certeza temos que debater nossas técnicas antes de nos aventurarmos na batalha de verdade. – Violet mexeu a cabeça em negação. – Bree, você pode curar e ? – ela correu para nos atender. – , você pode secar Brock? – o Guardião obedeceu. Brock já estava aparentemente curado do ferimento. Viper já tinha apagado o fogo de sua roupa. Amber já parecia recuperada da torção. – Que as luas nos ajudem se formos pegos de surpresa para uma guerra... Nem precisamos de inimigos reais para causar todo esse desastre.
- Pelo menos estamos todos vivos. – argumentei sorrindo.
- Por pouco. Na minha visão, Viper tropeçaria no solo e essa espada se enrolaria em um pescoço...
- Ah! Pelas luas! – Breeze se afastou sutilmente de Viper com um olhar de nojo, a mão em volta do próprio pescoço como se ele a estivesse ameaçando.
Vi Brock morder o canto da boca ao tentar segurar o riso com a reação de nossa colega.
- Não seja dramAAH! – Viper começou, mas tropeçou nas irregularidades do solo. Aquilo foi o suficiente para Brock explodir em risadas.
- Nós somos... – ele balbuciava entre as gargalhadas. – Nós... S-somos... Um... – ele já chorava de rir. – U-um desastre. – e ele se jogou no chão e riu mais um pouco. Olhei ao redor. Violet tapava a boca com a mão, mas seus ombros a entregavam ao se sacudirem violentamente. Amber ria de forma delicada, tentando ajudar Viper, que tentava conter um sorriso bem humorado. tinha os braços sobre a barriga, dobrando-se de tanto gargalhar.
Bree e eu nos encaramos, sacudindo nossas cabeças em negação. Eu via nos olhos dela o quanto ela se esforçava para não acompanhar as risadas de nossos companheiros. Para ser sincera, eu mesma apertava os lábios um contra o outro, esforçando-me para controlar um riso com tanto esmero que uma lágrima quase me escapava no canto do olho.
- Estamos ferrados. – concluí. – Que as luas jamais permitam que isso aconteça diante de nossos inimigos. Seremos uma piada.
- , querida. – tentou falar sério, mas voltou a rir porque Brock rolava no chão enquanto gargalhava escandalosamente. – Nós já somos a piada.
- Você deve agradecer, esquentadinha, que essa foi uma piada interna. – Viper piscou para mim.
Qualquer comicidade que eu pudesse ter visto na cena se esvaiu. Bufei irritada, finalmente percebendo o quão absurdo era aquilo.
- Como podem estar rindo do nosso fracasso? Deveríamos estar preocupados com o que acabou de acontecer. Eu estou honestamente envergonhada com o meu desempenho, e espero que vocês também estejam. Não percebem a gravidade da situação? Acabamos de comprovar que estamos jogando os nossos treinos diários no lixo. Se quase nos matamos lutando contra ilusões, o que podemos esperar para quando enfrentarmos os desgarrados? O que aconteceu aqui é uma vergonha. Não só para mim. Para nós, para os Guerreiros, para os Protetores e para esta ilha. E para todos que depositam sua confiança em nós. Eu espero, honestamente, que não repitamos essa tragédia no próximo treino.
Todos me olhavam chocados demais para continuar rindo. Eu estava vermelha e tomada de raiva e vergonha, então não esperei muito mais para deixá-los e tomar o caminho para a praia. Pouco depois de deixar a clareira para a segurança das árvores ouvi a risada alta de Brock voltar a ecoar.

- A partir de agora não devemos mais nos ver divididos por casas. Somos todos uma grande equipe. Sendo assim, na hora dos jogos vocês não devem lealdade à sua casa, mas sim à equipe em que estão encaixados. Cada um deve dar o seu melhor para vencer, não importando se seu líder ou Guardião está no seu time ou no do adversário. Eu quero ver todos se dedicando a vencer. Não me decepcionem. – finalizei. Todos os Guerreiros do Fogo assentiram, deixando-me com um sorriso orgulhoso enquanto os dispensava.
- Belo discurso, chefe. – bateu palmas quando já estávamos quase sozinhos.
- Inspirador. – Tharja afirmou.
- Você certamente acendeu as chamas. – Sunday acrescentou, fazendo-me revirar os olhos. Olhei Muncie, esperando por seu comentário que não veio.
- E você? Não vai elogiar?
- Você não precisa disso. Sabe o que fez e como fez. – ele deu de ombros.
- Vamos lá, diga. – pedi. Ele suspirou alto.
- Em algum momento, no início do seu discurso, quando falou sobre reanimar as fagulhas em nossas veias e sobre o quanto devemos nos encher com o nosso orgulho, você nos inspirou. Trouxe o Fogo de volta. E fez isso muito bem. Nasceu para isso.
- Pelas luas, é verdade! Eu nasci para dar palestras motivacionais! – comentei forçadamente surpresa.
Tharja me observou enquanto nossos amigos riam. Seus olhos me estudavam com cuidado.
- O que aconteceu hoje?
- Como assim?
- O que causou tudo isso? O discurso, esse desejo de preservar nosso orgulho, nossa autoconfiança, nossa autoestima. O que aconteceu? – ela foi incisiva. Abri a boca, uma resposta na ponta da língua, mas engoli em seco. Olhei para os meus líderes. E decidi ser sincera.
- Quero que pelo menos uma coisa nessa ilha beire a excelência. E, se eu ainda preciso de muita prática para atingi-la enquanto Guardiã, que sejamos nós como os Guerreiros do Fogo.


Capítulo 15

- Você está me evitando desde o treino com os outros Guardiões. – Baelfire constatou ao pousar na minha frente. Sua forma de fênix chamava a atenção de todos para nós. – Você, inclusive, aprendeu bem rápido a me bloquear. Há algo de errado? – ele não parecia ligar para todos os olhares que recebia. Tinha os olhos focados em mim. – Eu fiz algo para você?
- O quê? Não, Bael... Você não fez...
- Então por que você não conversa comigo? Você fez algo de errado? – desviei o olhar dele, de repente o chão parecia muito mais interessante.
- Você sabe o que fiz. Sei que você estava bisbilhotando o treino.
- É, eu sei o que você fez. – admitiu por fim. Assumiu sua forma de pralas e fez um sinal com a cabeça para que o acompanhasse. – Honestamente, criança, não acho que você deva se envergonhar pelo desastre que aconteceu. Os outros Guardiões treinaram por muito mais tempo e tiveram um desempenho horrível. E foi só o primeiro treino de vocês como uma equipe...
- Não isso... Depois. Meu monólogo... – tentei explicar enquanto caminhava ao seu lado.
- Oh! Por favor, criança! Você deu a eles o que eles mereciam. Tudo bem, pode ter parecido um pouco... – ele pensou melhor. – : Nós somos criaturas do Fogo, o nosso dever é liderar e guiar os demais. Eles todos podem não admitir, mas até os Guardiões precisam de um líder. E esse líder, frequentemente, era da nossa casa. Esse lugar passou muito tempo sem ver outro Guardião da Lua Vermelha, eles podem ter esquecido como é, eles podem querer seguir o comando de , agora, mas você veio para retomar a situação. Você veio para nos guiar. Ninguém espera diferente de você. Só o que você tem que fazer é mostrar a eles que é isso que eles querem.
Ri sem humor ao fitá-lo. Deslizei os dentes sobre meu lábio inferior antes de reunir a coragem para falar.
- Você fala como se não tivesse visto o meu futuro. Ou pior, – acrescentei quando notei que ele iria me interromper. – como se tivesse visto apenas um deles. Como se tivesse visto apenas aquele em que eu sou um tipo de heroína.
- É nesse futuro que eu pretendo me basear, . É nesse futuro que você deveria se inspirar. É verdade, coisas horríveis podem acontecer, mas coisas maravilhosas também, criança. Por que você não admite isso? Por que não olha para o seu lado bom com o mesmo afinco com que encara o seu pior? O seu futuro não te define, minha Guardiã. Você define o seu futuro.
- Eu não acho que...
- Criança... – Baelfire fixou seus olhos em mim. Respirou fundo e tentou um sorriso bondoso. – Entendo você. Entendo que você era apenas uma criança comum que acabou neste lugar e que agora esperam que você seja um exemplo. Entendo que talvez eu esteja pegando pesado com você, querendo que se torne uma líder para os demais. E percebo que você tem tanto a aprender com os outros Guardiões quanto eles têm a aprender com você. Questões de caráter, personalidade, confiança...
- É. Parece que eu tenho mesmo muito a aprender. E quem vai me ensinar? ? Viper? Do alto de suas prepotências? É nisso que eu devo me inspirar? – questionei exaltada. Bael riu enquanto mexia a cabeça em negativa.
- Você deveria dar-lhes uma chance.

Eu estava empolgada. Um pouco nervosa. Bastante desesperada.
Era uma simulação. Nosso primeiro jogo como equipes. E meus parceiros eram Breeze e Viper. O ataque era nosso e, quando os dois souberam disso, eles quase choraram implorando para Fintan nos dar Amber. Porque “claramente estamos em desvantagem aqui. Eles serão quatro Guardiões contra dois e meio do nosso lado”, segundo Viper. “Ela é destreinada e não conta como uma Guardiã de verdade”, eles sussurraram. Fin negou o pedido e “tentou amenizar nosso fracasso iminente dizendo que pelo menos temos o fator surpresa”, foi o que Breeze me explicou.
Naquele momento eu podia não saber muita coisa, mas tinha uma certeza: eu daria o meu melhor. Se perdêssemos, não seria por minha causa.
Já tínhamos tudo planejado quando Viper lançou o primeiro ataque. Ouvimos gritos vindos da floresta e logo tínhamos conseguido expulsar todos de lá. Um de nossos informantes entrou correndo no Ponto dos Sete Ventos.
- Nenhuma surpresa, o ponto de encontro deles é no “olho”.
- Ótimo. – Viper esfregou uma mão na outra com um sorriso malicioso. Então me olhou e piscou um olho. – Bree e eu conhecemos e seu território: quase sempre o nosso ponto de encontro é lá. Sabemos bem os segredinhos dele.
- Vou enviar um furacão para lá, só para atormentá-los, e então os faremos sair de lá para o confronto. – Breeze explicou enquanto olhava diretamente para Viper.
Pensei por um segundo. Eu poderia deixar que os dois perdessem por conta própria, já que eles tinham tanta certeza que eu era uma desvantagem para o jogo. Entretanto, eu tinha meu próprio orgulho, e foi ele que me fez contestar.
- Não. – soltei, ganhando a atenção dos dois imediatamente. Breeze poderia me matar só com os olhos. Ignorei. – Eu já joguei com aquele time, talvez vocês devessem prestar atenção em mim. – olhei em volta e reconheci Lavender como uma de nossas Guerreiras. Fiz sinal para que ela se aproximasse.
- Pode falar, chefe. – ela sorriu enquanto se aproximava saltitando.
- Temos ceifadores o suficiente para erguer aquele escudo? – questionei. Ao vê-la abrir ainda mais o sorriso, continuei: – E sobre a selagem acústica?
- Você é quem manda, Heat. – Lav correu até os outros Guerreiros da Colheita e, após poucas palavras, convenceu-os a nos dar uma barreira. Quando ela firmou a selagem acústica, voltou até nós.
- O que pode nos falar da sua irmã? – a encarei.
- Bom... Vocês precisam estar preparados para enfrentar seus piores inimigos: seus próprios sentidos. Vi não tem só o dom da visão. Ela pode jogar com a mente de vocês. Tomar a visão de vocês, ou talvez a audição... Porém, para a nossa sorte, esse dom dela não é muito refinado. Ainda. Acho que ela não é capaz de sabotar a todos nós. Mas ela vai focar em vocês. – Lavender me lançou um olhar cheio de cumplicidade. – Afinal, um exército não é nada sem os líderes.
- Sim. Mas não esqueçam que Violet não estará sozinha. Metade dos ceifadores está com ela, e muitos dos bons. Eu devo presumir que teremos que lidar com ilusões como as que foram usadas da última vez. Agora, seguindo em frente... Brock fará o óbvio: destruirá o solo para nos atrapalhar. Viper, eu me pergunto se você poderia tentar nos ajudar com isso.
- Como? – ele ergueu as sobrancelhas em surpresa. – Posso tentar colocar o solo em ordem, mas é muito demorado e bastaria o desejo de Brock para que ele voltasse a se desfazer sob nós.
- É, tem razão. – concordei pensativa.
- Mas e se não precisássemos ter o solo sob nossos pés? – Muncie passou um braço sobre meus ombros. – Não pude deixar de ouvir a conversa, você sabe que estratégia é meu ponto fraco. – ele argumentou. Ao ver a expressão de dúvida em nossos rostos, ele suspirou. – Você disse que Brock poderia desmanchar o solo sob nossos pés, mas se não estivermos pisando no solo, isso não nos afeta.
- Eu não posso manter tantos Guerreiros no ar. – Breeze protestou.
- Não estou falando de você, Guardiã. Viper, você não pode fazer com que plantas nos sustentem? Raízes, galhos, ramos, qualquer coisa?
Viper franziu a testa e olhou para o chão como se ponderasse a sugestão. Em seguida senti meus pés serem erguidos a alguns centímetros do solo por algum tipo de planta. Todos estavam alguns centímetros mais altos.
- Bem pensado, cara. Eu nunca tinha... – ele olhou para Muncie e parecia tentar achar palavras para agradecer.
- Nós estrategistas vemos as coisas por outros ângulos. – o líder dos inteligentes deu de ombros. – Falando nisso, cuidem-se com Amber. Ela parece muito inofensiva, mas está cada vez mais poderosa.
- Verdade. E por último: é amigo de vocês, mas não é estúpido. – constatei. Ouvi Lavender engasgar ao meu lado e Muncie arregalou os olhos em surpresa. Ao notar o olhar dos dois Guardiões, neguei com a cabeça e ergui as mãos. – Quero dizer... Ele não vai fazer o óbvio. Para começar, ele está fora do time de sempre. Além disso, sabe que vocês esperam que ele faça o habitual. E ele não fará. Nenhum de nós fará. Estamos aqui para sairmos da nossa zona de conforto. Sugestões?
Os dois pensaram por alguns segundos. Breeze, então, olhou direto nos meus olhos.
- O menos esperado é que deixemos você comandar o ataque. E que ataquemos no território dele. Ele não estará esperando um combate lá.
- Verdade. Possivelmente ele está esperando nossa luta num local neutro. Ele esperará até darmos o local a eles. – Viper concordou.
- Você consegue dobrar a floresta a seu favor? – vi ele assentir com a cabeça. – Certo, então iremos até eles. Precisamos achar um jeito de tirar a vantagem de no próprio território... – ergui uma mão e projetei uma chama. – Acho que já sei como...

O trabalho de Viper foi inteligente: como ele tinha criado as plantas que nos carregavam, elas não tinham como ser corrompidas por Violet. Os pequenos ramos sob nossos pés respondiam aos nossos movimentos e não dependiam do comando do Guardião. Chegamos rápido ao “olho” e observamos escondidos enquanto Brock e Amber organizavam Guerreiros em grupos. Violet ergueu as mãos para tentar nos encontrar na floresta – seu dom da visão havia sido corrompido por alguns de nossos ceifadores – Breeze deu o sinal de que deveríamos agir.
Meus Guerreiros e eu colocamos fogo em toda a volta do território de , queimando árvores e arbustos. Invadimos o espaço cercado por fogo com espadas em punho.
Viper e Breeze correram na direção de Brock e Amber. Porém, quando Bree lançou seu vento cortante na direção da Guardiã da Lua Amarela, o golpe passou através da garota. Logo ela desapareceu junto com Brock. Violet riu do meio de um dos grupos de Guerreiros.
- Vocês realmente acreditavam que poderiam driblar meus dons assim? Podem até ter confundido um pouco minhas visões, mas eu sou mais forte do que o que esperavam.
- Mais ação e menos conversa. – Viper pediu ao revirar os olhos. Não precisou falar uma segunda vez para que todos obedecessem.
Eu havia prometido que a luta seria bastante desordenada, e assim estava: a fumaça já começava a preencher o campo e atrapalhar a visão dos Guerreiros. Conseguimos cercar todo o lago com fogo também, fazendo com que a umidade no território aumentasse e se tornasse insuportável quando somada ao calor.
Ao finalmente entrar na batalha, a primeira pessoa que encontrei foi . Ele me deu um sorriso convencido enquanto descia sua espada contra mim.
- Que pena, parece que tudo o que você sabe, aprendeu comigo. – ele riu enquanto batíamos espadas. Com o duelo era quase sempre através de meus reflexos, já que conhecíamos tão bem as técnicas um do outro. – Jamais vai conseguir me vencer.
- Eu não preciso vencer você. – declarei orgulhosa. Ele já começava a suar e sua respiração se tornava cada vez mais difícil. – Só cansá-lo o suficiente.
Continuei na luta contra até que Tharja o derrubou ao feri-lo com sua lança.
- Você enrola demais. – ela me disse fazendo questão de revirar os olhos. Então apontou para um ponto perto do lago onde e alguns Guerreiros da Água tentavam apagar o fogo. – Você precisava fazer alguma coisa, não conseguiremos manter o incêndio por muito mais tempo com toda essa água por perto.
- Deixa comigo. – pisquei para a líder e puxei meu arco das costas, olhando em volta e desviando a tempo de um golpe de espada dado por um Guerreiro da Terra. – Você pode me dar cobertura?
- O que você faria sem mim? – Tharja questionou enquanto puxava sua lança para me proteger.
- Muito pouco. – confessei com uma risada. Projetei uma flecha na mão livre e a lancei perto do “olho”, vendo minhas chamas se misturarem às demais. Acenei com um sorriso irônico para e gritei: – Boa sorte apagando minhas chamas perpétuas.
Nossa batalha foi complicada: por mais que nossos adversários estivessem sendo derrotados com a ajuda do nosso incêndio, a fumaça atrapalhava a todos nós. Quando chegamos perto o suficiente dos demais Guardiões, ouvi reclamando com Brock.
- Derrube-os. Faça aquele seu terremoto ou...
- Eu já fiz. Várias vezes, mas eles nem se desequilibram. – sorri satisfeita ao ouvir o tom aborrecido dele.
- Eles têm algo nos pés. Uma espécie de planta. – informou Violet. – Finalmente consigo ter meu dom intacto de volta.
Vi Tharja, Muncie e três Guerreiros da Água cercarem Amber e começarem o ataque. Os outros Guardiões e eu tomamos aquilo como um sinal para fazermos o mesmo. Sem hesitar, Viper foi em direção a Violet, Breeze lançou seu vento cortante contra Brock e eu desci minha espada contra .
Visto de fora aquilo deveria ser espetacular: as três principais rivalidades da ilha batalhando ao mesmo tempo. De dentro, era apenas horrível.
rebateu o meu golpe e tentou me cortar com uma série de suas lâminas de água. As rebati com fogo, recebendo apenas um corte superficial em um dos braços. Tentei acertá-lo com minhas chamas, mas ele as desviou sem esforço.
- Sabe... Você fica uma gracinha quando está com raiva. – me deu um grande sorriso. Eu poderia enfiar um soco contra aqueles dentes.
- Já você parece estúpido quando tenta provocar alguém. – soltei irritada. Tentei enfiar minha espada contra sua barriga, mas ele rebateu meu golpe.
- Isso é quase um elogio. – falou com falsa surpresa. Ele projetou uma estaca de gelo e a lançou contra mim, mas fiz questão de derretê-la. – Já que eu só pareço e não sou estúpido...
- Não... Você só é estúpido quando respira. – me esforcei para aquecer o punho de sua espada enquanto ele tentava me atingir com ela, mas apenas o congelou. – É uma pena que faça isso o tempo todo.
Vi pelo canto do olho Viper ser retirado do campo e então a próxima coisa que vi foi nada. Tudo escureceu e eu escutava a bagunça da luta como se estivesse muito distante. Violet. Cerquei-me com um escudo de fogo para evitar ataques de ou qualquer outro Guerreiro e lancei chamas na direção em que achava que o Guardião estava. Sentia os ataques de água no meu escudo e tentava acertá-lo de volta, sem sucesso.
Quando finalmente estava me acostumando e – ao menos pensava – acertando o alvo, meus sentidos voltaram com força total. Olhei em volta tentando entender o que acontecera, mas Violet não estava mais lá. tinha as roupas chamuscadas, mas vários Guerreiros aliados também. Breeze não estava mais no campo de batalha. Brock parecia levar o crédito por isso. Amber também não estava mais lá. Tharja correu para perto de mim.
- Caramba, Heat, você poderia ter mais cuidado ao sair incendiando as pessoas...
- Vou lembrar-me disso da próxima vez que não conseguir enxergar. – prometi. Comecei a me sentir fraca e precisei desativar o escudo. – Dê um jeito nos demais. Eu cuido desses dois.
A líder riu, mas se afastou. Tentei projetar uma flecha, mas não tinha sucesso. Poderia absorver um pouco do incêndio, mas isso tiraria nossa vantagem sobre nossos adversários... ficaria mais forte sem o fogo em volta do lago. Suspirei e puxei uma das flechas da aljava. Tinha uma pena vermelha em uma extremidade e era feita de um material duro que eu jamais havia visto. Mordi o lábio inferior e mirei em , acertando-o no meio das costas.
O Guardião caiu e imediatamente começou a se contorcer e a gritar de forma desesperada. Chocada com sua reação, mas satisfeita com meu êxito, lancei outra flecha na direção de Brock. O acertei no ombro e o vi olhar em volta procurando a origem da flecha antes de começar a se contorcer também. Logo os dois Guardiões haviam sido retirados do campo e eu me juntei aos Guerreiros para o fim da batalha que, em poucos minutos, estaria terminada com sucesso.

- Fracasso! É isso que foi! – Cytron pisoteava o chão com seus cascos.
- Talvez pra sua equipe, mas pra nós... – Viper deu de ombros.
- O senhor realmente acha que pode considerar uma vitória, Guardião? Sua equipe incendiou uma parte da floresta...
- Que se recuperou na mesma hora. – o Guardião esclareceu.
- ... forçou seus colegas a respirarem fumaça...
- Todos foram curados assim que saíram do campo.
- ... ateou fogo em seus próprios Guerreiros...
- Isso foi culpa de Violet. – me defendi.
- ... sequer se preocuparam com os animais que estavam em volta do território...
- Nenhuma criatura foi ferida durante a batalha. – Viper voltou a afirmar.
- ... e, como se não bastasse, uma das Guardiãs quase matou um Guardião. – Cytron finalizou como se não tivesse ouvido nossos argumentos. – Inclusive, acho que ela deve levar uma punição por causa disso.
- Eu gostaria de dizer que eu não tinha como saber que reagiria tão mal a uma flechinha... – falei na defensiva.
- , não piore... – Baelfire pediu.
- Ela está certa. – para minha surpresa – e de todos no local – era quem falava. – não tinha como saber o que suas flechas podiam me causar. Quer dizer... A maioria de nós sabe muito bem como funcionam as próprias armas, e sabemos as reações dos outros Guardiões a elas, mas para foi a primeira oportunidade de usar sua arma em uma luta. Como ela poderia saber que sua flecha aplicaria fogo diretamente em meu sangue? Não acho que a Guardiã deva ser punida.
Fintan e os Protetores pensaram por alguns instantes.
- Acho que, se alguém deve ser punido, este alguém sou eu, que não ensinei a usar direito suas flechas. – Baelfire se pronunciou.
- Ninguém será punido por isso, Bael. – Leorhys declarou. – Entretanto, tenho que concordar com Cytron: a batalha foi um desastre. Não estão acostumados a lutar fora de suas zonas de conforto, de seus times pré-estabelecidos. E isso não é culpa de vocês, mas de todos nós. Resolvemos então remanejar suas duplas de trabalho para a semana. A partir de agora, Brock e Breeze serão uma dupla, Violet e Viper outra e e formarão a última.
- O quê? – eu e Violet questionamos juntas.
- Vocês querem destruir a ilha? – Brock os olhou com pavor.
- Isso não vai dar certo. – Viper afirmou.
Olhei para , mas seu rosto mantinha a mesma expressão tranquila com o maldito sorriso banhando o canto esquerdo dos lábios.
- Por que nos punirão assim? – Bree quis saber.
- Porque vocês ainda enxergam isso como uma punição! – Skye respondeu à protegida. – Nenhum de vocês percebe que farão exatamente os mesmos trabalhos que faziam antes com as duplas que escolhiam? Claro... Quando faziam dentro de duplas “confortáveis” era divertido, agora só porque estão lidando com o oposto de suas casas, é ruim?
- Mas...
- Isso não está em discussão. As piores lutas foram entre as rivalidades mais clássicas, nada mais justo do que fazê-los trabalhar juntos. – Leorhys decidiu. – também foi selecionado para treinar o refinamento das habilidades de . Seus horários já estão montados.
- O quê? Por quê? Não basta todo o tempo que já passaremos juntos e agora mais essa?! – reclamei. – Pelas luas! Por que também não nos amarram com raízes de kzeas?!
- será sua melhor ajuda, . – Baelfire disse pacientemente. – Apenas aceite nossas decisões. – revirei os olhos e bufei.
- Agora, para abrandar os ânimos: os vencedores terão o próximo dia livre de suas tarefas. O luau será hoje a noite em sua homenagem e podem convidar quem quiserem. – Fintan concluiu com um sorriso. – Estão dispensados.

Eu tentava verdadeiramente fingir não notar, mas não conseguia ignorar as expressões desapontadas de muitos Guerreiros no luau. Eu sabia a causa: a ausência de muitos amigos que tinham jogado na equipe adversária. Embora todos tentassem manter o clima leve, ninguém parecia muito animado. Talvez por isso eu tenha me levantado, ignorando totalmente a conversa de Viper, e começado a caminhar em direção à área de refeições.
- Aonde você vai, ? – Breeze questionou enquanto me seguia.
- Temos comida o suficiente aqui, não precisamos pegar mais... – Viper argumentou.
Finalmente alcançamos a área de refeições. Todos comiam em silêncio, por isso não foi difícil conseguir atenção.
- Boa noite. Sei que muitos de nós têm amigos que não jogaram na mesma equipe hoje, e talvez por isso estejamos um pouco desanimados. Sendo assim, gostaria de convidá-los a se juntarem a nós no luau. Todos vocês. – tentei dar um sorriso convincente. Bree e Viper trocaram olhares espantados.
- tem razão... – Viper começou com cautela. – Estamos comemorando uma vitória hoje, mas ela não é só nossa. É de toda a ilha. Afinal... – e nesse momento ele me lançou um sorriso debochado: – ... todos sobreviveram, não é? – ele conseguiu arrancar algumas risadas, mas ninguém parecia querer se levantar.
- Bem... Esperamos todos vocês lá, tenho certeza que teremos espaço e comida para todos. Obrigada. – Breeze concluiu enquanto já começava a se afastar. Viper e eu a seguimos.
Aos poucos notamos alguns Guerreiros vindo atrás de nós, mas o que mais nos surpreendeu foi ver no meio deles. O Guardião apertou o passo para nos acompanhar e abriu espaço para si entre Bree e mim.
- Não esperávamos por você, oh, grande Guardião do Orgulho. – Viper brincou ao cumprimentá-lo com um toque de mãos.
- Vim movido pelo choque do convite de . – me ofereceu um sorriso brincalhão. – Não é todo dia que o Fogo é gentil assim.
- Realmente, parece que a presença dela está mesmo deixando a ilha de cabeça para baixo. – o garoto de cabelos verdes ao meu lado piscou um olho para mim.
- Ou talvez seja a sua atípica simpatia, Viper. – dei de ombros e procurei por um lugar para sentar em volta da fogueira.
- Vocês pretendem causar outro incêndio? – perguntou baixo para Bree enquanto os dois passavam por mim.
- Por que? Ficou traumatizado, chefe? – Elba, uma das Guerreiras da Água, perguntou com uma risada. riu de volta, mas não consegui ouvir sua resposta.
Não demorou muito para que toda a ilha de juntasse ao nosso luau. E o assunto, claro, sempre acabava voltando para a simulação.
- Só estou dizendo que acho que é injusto. – Viper mexia as mãos ao falar, revelando sua exasperação.
- Então se algum dia nós estivermos na mesma equipe você não vai querer que eu faça isso contra os adversários? – Violet questionou.
- Não falei isso. Acho que é injusto você fazer isso comigo. – o Guardião disse convencido. – Privar alguém dos sentidos é horrível, Violet, você não se sente mal? – encarei Violet ao ouvir a pergunta, mas ela sequer piscou.
- Não. Eu adoro fazer isso. – ela disse com um sorriso satisfeito.
- Bem, falando nisso tudo... O que aconteceu com você? – questionei intrigada. – Uma hora eu estava na mais completa escuridão, na outra você tinha saído do campo.
- Ah... – Violet começou, mas alguém respondeu por ela:
- Eu só fiz minha irmã provar do próprio veneno. – Lavender sentou-se ao lado da gêmea.
- Claro. Excelente irmã. Passei a batalha inteira evitando lutar com você e o que você faz? Vem e me ataca pelas costas. Melhor irmã do universo. – a Guardiã parecia verdadeiramente irritada. Sua irmã, ao contrário, manteve um sorriso tranquilo no rosto.
- Irmãzinha, você acha que num confronto de verdade seus inimigos vão evitar lutar com você?
- Bom, mas nenhum deles será meu irmão!
- Talvez não seus, mas alguns serão irmãos ou amigos de nossos colegas. E nenhum deles terá pena de enfiar uma espada na própria família. Porque eles renegaram a todos nós.
- Mas você não! E nem eu!
Mordi a boca ao ver a relação estremecida das duas irmãs. Sabia que precisava fazer algo. Por mais estúpido que fosse. Assim, levantei-me do meu lugar em frente a elas e sentei-me ao lado de . Ele não pareceu surpreso, porque também escutava a discussão entre as irmãs, e pareceu captar minha ideia. Falei alto o suficiente para ser ouvida pelas gêmeas.
- As rivalidades ficam no campo, sim? – ofereci minha caneca de néctar.
- Apenas no campo. – ele concordou e bateu sua caneca na minha. Tomamos os líquidos para finalizar o acordo e ele me ofereceu um sorriso em seguida.
Violet e Lavender nos olharam com expressões chocadas e a gêmea mais velha sussurrou alguma coisa. Não ouvimos o que foi, mas depois de dois segundos a Guardiã não se conteve e riu, respondendo em seguida no ouvido da irmã.
- Trabalho cumprido. – sussurrou perto demais de meu rosto.
- Até que mandamos bem como dupla. – constatei.
- Talvez até mais que isso. – ele manteve o tom. Virei o rosto para olhá-lo, mas ele ainda estava muito perto. A fogueira lançava suas luzes dançantes em seu rosto e eu podia me ver refletida em seus enormes olhos azuis.
- Talvez... – sussurrei de volta. Mordi meu lábio inferior e abaixei o olhar por um segundo, percebendo nossa proximidade inadequada. Quando voltei a encará-lo, tinha um sorriso nos lábios. – Talvez possamos forjar uma amizade. – concluí enquanto me afastava discretamente de seu rosto.
- Você está cheia de propostas inesperadas hoje. – coçou a nuca enquanto parecia considerar uma ideia. – Deixe-me fazer uma para você então: caminhe comigo.
Ele se pôs de pé e me ofereceu uma mão. Estudei cautelosamente seu rosto, questionando-me se ele falava sério. Por fim aceitei sua mão e ele me puxou para que levantasse. Pegou uma garrafa de néctar do fogo e a entregou a mim, depois pegou uma de néctar da água e começamos a caminhar para longe do luau.
- Devo parabenizá-la pela vitória de hoje. Você foi excelente. – o Guardião disse depois de alguns segundos em silêncio.
- Oh, pare, vai me fazer ficar corada. – debochei. Ele me olhou e riu.
- Você já está.
- É um defeito do Fogo... – dei de ombros.
- Não... Um defeito do Fogo é esse seu orgulho.
- Muitos diriam que é uma qualidade. – sorri e tomei um gole do meu néctar.
- Não quando você é tão orgulhosa a ponto de não conseguir dizer “não” para uma luta perigosa contra um Guardião... Tenho quase certeza de que isso já aconteceu com você. – vi seu sorriso irônico banhando o rosto inteiro.
- Perigosa? Você já viu mais de uma vez que eu posso te derrotar! – observei num falso tom surpreso.
- Pura sorte! – ele disse com um riso sincero. Andamos por mais alguns minutos em silêncio. – Como Breeze e Viper te trataram hoje?
- No início eles me consideraram “meia Guardiã”. Foi um pouco difícil no começo, mas acho que conquistei a confiança deles...
- Eu queria te dizer... O problema não é com você, . – ele parou de frente para mim, fixando seus olhos muito azuis nos meus. – Todos estão muito confusos com tudo o que aconteceu. Quer dizer, não é todo dia que uma garota chega aqui como Guerreira e de repente se mostra como Guardiã de uma casa que não via esse posto há séculos e, ainda por cima, traz de volta Baelfire. É muita coisa para entender. Todos ficaram... – subitamente revirou os olhos e colocou uma mão em meu ombro, parecendo lembrar-se de algo. – Como você está com tudo isso ? Aposto que ninguém fez essa pergunta para você.
Percebi-me chocada com a preocupação e ternura em sua voz. Precisei de alguns segundos para organizar uma resposta com sentido.
- Eu... Estou bem. Um pouco confusa, também. Assustada com a rapidez de toda essa mudança. – abaixei o olhar para meus pés, cavando na areia com a ponta da bota. Voltei a olhá-lo com um sorriso confiante. – Porém não deixo de sentir como se tivesse feito tudo isso a vida inteira, sabe? Sinto que, em algum lugar aqui dentro – apontei para minha cabeça. –, eu já estava preparada para toda essa loucura.
pareceu querer me abraçar. Seus braços chegaram a se levantar para realizar a ação, mas ele desistiu no meio do caminho. Ao invés disso, sorriu e afagou meus cabelos.
- Eu fico imensamente feliz por saber disso, . Por mais que todos estejam confusos, nós sabemos que precisamos de você. – ele deve ter visto algo no meu rosto, porque manteve os olhos fixos em mim ao continuar: – Eu confio que as luas nos mandaram você por um motivo muito especial, pequena Guardiã.
Eu sorri. Talvez não porque acreditasse em , mas porque queria acreditar. Porque aquela era uma das raras ocasiões em que suas palavras eram tão gentis quanto as ondas que acariciavam a areia ali perto e porque ele devia saber que eu precisava delas. Então eu sorri mais ainda e me esforcei para não estragar aquele momento.


Capítulo 16

Baelfire estava totalmente compenetrado na conversa com Cytron. Os dois conservavam sorrisos nos rostos ao falar sobre algumas das lutas mais épicas que tiveram. Relembravam Mosrhea e Kiazur, da grande paz que aquela geração estabeleceu.
- Ele deve estar feliz por voltar, não é? – questionou enquanto se sentava ao meu lado. Arrastou um prato até que ele ficasse de frente para mim. – Percebi que você não pegou nada para comer... Está tudo bem? Você parece preocupada. – ele começou a atacar o próprio prato.
- E estou. – concordei ainda sem olhá-lo.
- Com o quê? – o Guardião perguntou com a boca cheia de comida.
- Com os seus Guerreiros. Meu pessoal vai acabar com o seu pessoal no nosso primeiro treino e isso vai ser tão feio para você. – respondi com um sorriso vitorioso. riu e mexeu o prato que trouxe para mim, indicando que eu deveria comer.
- É melhor você se alimentar, ou vai ser a primeira chama que meus Guerreiros irão apagar. – ele me deu uma piscadela.
Fingi me assustar com a ameaça, mas comi sem pressa alguma. Éramos os únicos Guardiões na área de refeições àquela hora. O sol mal começava a iluminar a ilha e a maioria dos Guerreiros que nos acompanhavam tinham os olhos inchados de sono.
terminou de comer e me esperou pacientemente enquanto eu mexia distraída na comida. Quando finalmente acabei, ele se colocou de pé e esperou que eu fizesse o mesmo. Quando o fiz, toda a mesa do Fogo levantou-se imediatamente, deixando com um misto de surpresa e vergonha, já que seus Guerreiros se mexiam lentamente para nos acompanhar.
- Isso foi ensaiado? – ele perguntou baixo perto do meu ouvido. Ri e o encarei.
- Como eu disse: vamos acabar com vocês. – repeti enquanto começava a andar.

Eu olhava de longe enquanto consertava a postura de alguns de seus Guerreiros. Ele dava instruções a eles de como melhorar a luta contra a minha casa. Eu ainda não tinha interferido no duelo de ninguém. Não porque meus Guerreiros estivessem excelentes, eles não estavam. Entretanto, sabia que eu não poderia ensiná-los a vencer a Água.
Aproximei-me de uma das duplas que eu analisava antes: Elba e . Ela e eu tínhamos nos entendido bem na última simulação e pensei que seria mais fácil começar por ali.
- Elba, tente encontrar de onde projeta suas chamas e atacar no foco. O Fogo costuma ser mais frágil na fonte. – sugeri. Elba franziu a testa, mas testou a dica, apagando a corrente de fogo de com muito mais facilidade.
- Pelas luas! Obrigada pela dica, ! – ela disse, divertindo-se ao atrapalhar os movimentos de .
Aproximei-me da próxima dupla. Suri lutava contra uma menina da água.
- Qual é o seu nome? – perguntei enquanto sinalizava para que parassem a luta.
- Marine. – ela respondeu secando o suor.
- Marine, experimente congelar o braço de Suri, ao invés do cabo de sua espada. – indiquei o cotovelo e ombro de minha colega de casa. – Assim os movimentos dela vão ser travados com mais eficiência. Suri estará esquentando o cabo da própria espada o tempo inteiro para impedir que você o congele. Além disso, congelar a espada não a fará largá-la.
Vi se aproximar. Ele tinha um sorriso estranho no rosto e parecia muito satisfeito quando falou com a garota.
- Tente fazer o que disse. – a Guerreira obedeceu e mostrou-se surpresa quando notou que Suri demorava mais a descongelar o braço do que a espada. – Imagino que você tenha algo a dizer.
- Desculpe. – ela disse sem nos olhar. Ergui a sobrancelha sem entender. limpou a garganta como se esperasse por um complemento. Marine me olhou. – Obrigada, Guardiã.
- Você pode me chamar pelo nome. – dei de ombros e avistei uma Guerreira da Água sem par. – , por que ela não está treinando?
O Guardião sorriu e me puxou até a garota. Era uma menina alta com cabelos de um tom azul muito chamativo. Ela pareceu se encolher um pouco quando nos aproximamos.
- , essa é Rio. Rio tem um dom muito especial: ela pode congelar qualquer líquido. – ele me disse. Olhei-o sem entender. Uma de suas Guerreiras estava, agora mesmo, congelando os braços de Suri. riu ao perceber minha confusão. – Acho que você não entendeu. Todos nós temos o dom da água. Isso significa que manipulamos a água para atacar oponentes: Marine absorve a água a nossa volta para congelar objetos, eu uso a água para produzir minhas lâminas... Mas Rio manipula qualquer líquido.
- Como o que, por exemplo?
olhou para a Guerreira e deu um sorriso caloroso.
- Você acha que pode fazer uma pequena demonstração?
- , eu não sei... – mas ela olhava para mim ao falar aquilo.
- Rio não tem muito controle sobre o próprio dom... Houve um acidente no seu primeiro treino e o seu parceiro acabou na enfermaria. – ele me explicou. – Mas estamos tentando lentamente. Você pode oferecer a sua mão para que ela demonstre? Você precisa sentir.
Não pensei duas vezes antes de esticar meu braço na direção da garota. Ela tocou seu indicador na ponta do meu e imediatamente senti minha mão gelar. Rio não estava congelando minha pele ou meus músculos: estava congelando meu sangue.
Concentrei-me para não deixar que ela fosse muito longe e “derreti” meu sangue, travando uma batalha entre as pontas de nossos indicadores ao tentar impedir que seu estranho poder voltasse a me vencer.
- Você é forte! – ela me disse espantada. Afastou o próprio dedo e alternou o olhar de para mim.
- Não sabia que você era capaz de controlar a temperatura do próprio sangue. – o Guardião me encarou.
- Não sou. Eu posso controlar o fogo que corre dentro de mim. – pensei por um segundo e então olhei em volta procurando por um rosto conhecido. – Mas conheço alguém que pode. Boulder, largue Dale e venha aqui! – chamei alto o suficiente para atrair sua atenção. Ele veio correndo até nós e, ao chegar, começou a arfar. – Boulder, você...
- Só um segundo, chefe. – ele pediu, tentando recuperar o fôlego. – Aquele caçador é ágil demais.
- Posso? – perguntei. Ele mexeu a cabeça em afirmativa. – Boulder, acho que você pode ser um bom parceiro de treino para Rio. – me virei para e Rio. – Meu amigo aqui consegue controlar a própria temperatura.
- Sim. Se liga. – ele disse ao erguer as duas mãos. Indicou que deveríamos tocá-las e, quando o fizemos, sem esforço algum ele abaixou a temperatura de uma e aumentou a da outra.
- Incrível!
- É. Posso controlar isso em várias escalas. – ele sorriu e fixou o olhar na garota de cabelos azuis. – Qual o seu dom?
Rio olhou primeiro para , como se pedisse permissão, e então tocou a mão de Boulder. Ele riu com o toque hesitante e segurou a mão dela.
- Não tenha medo de me machucar, ou ficarei com pena de derrotá-la. – meu Guerreiro disse com bom humor. – E pode ficar tranquila, chefe, a gente se entende. – ele acenou para mim como se me expulsasse.
- Garoto insolente. – comentei rindo enquanto começava a me afastar ao lado de .
- Por que está ajudando meus Guerreiros? – ele questionou. Encarei o chão enquanto caminhávamos lado a lado lentamente. Mordi meu lábio enquanto pensava numa resposta adequada.
- Demorei muito para entender as atitudes de nossos Protetores. Por que eles nos forçariam a ser uma dupla? Tentei buscar a resposta em várias outras justificativas, mas ela é bem mais óbvia do que eu queria enxergar. , eu não posso ensinar meus Guerreiros a vencer a Água. Não sei quais são as suas fragilidades, onde é mais fácil atacar vocês. Mas eu sei bem como derrotar o Fogo. Porque é exatamente com o que venho lidando desde que cheguei aqui.
- Então é isso? Simplesmente forçar a gente a se ajudar dessa forma? Mostrando como podemos nos derrotar? – ele riu desacreditado.
- Não exatamente. Eu diria que é para reconhecermos que temos falhas. Que nossa casa não é imbatível. Que você pode me derrotar, assim como eu posso derrotar você. Mas acho que também para vermos como, juntos, nossos defeitos e qualidades podem nos tornar mais fortes. – estendeu o braço em frente ao meu corpo para me fazer parar de andar e demorou alguns segundos para me olhar. Quando o fez, parecia genuinamente chocado.
- De onde as luas tiraram você, pequena Guardiã? – ele mexeu a cabeça em negativa e colocou suas mãos sobre minhas bochechas, ficando totalmente de frente para mim. – E você sequer parece alarmada com seu jeito de pensar. Deve parecer óbvio para você. Nenhum de nós pensaria como você. Temos muito forte a ideia de que nossas casas são autossuficientes. Que podemos ganhar uma guerra sozinhos, sem a ajuda de nossos companheiros. Eu sabia que você estava aqui para nos salvar. – o Guardião não deixou de me encarar por um segundo e então prensou seus lábios contra minha testa num beijo barulhento. Quando finalmente me soltou, ele não demonstrava nem uma parte do constrangimento que se espalhava por meu rosto. simplesmente sorriu, tomou minha mão na sua e me puxou para que déssemos continuidade ao nosso treino.

- O que está fazendo aqui, ?
Não fiz questão de me virar e esperei que ele se juntasse a mim para responder.
- Observando. – senti seu olhar em meu rosto. Sorri. Meus olhos varriam a imensidão azul a nossa frente enquanto o vento da beira do penhasco bagunçava meu cabelo, transformando-o em chamas ao redor de meu rosto. – Pare de me julgar. Sei que ninguém acredita que alguém como eu pode admirar essa enorme quantidade de água... Azul... E... Molhada... E... Tudo bem você acabou de estragar esse momento, Fin. – ri ao me virar para ele. – Pelas luas, não consigo não me lembrar de meu pai quando o chamo assim e vejo esse seu olhar.
- Esse olhar? Que olhar? – ele questionou enquanto erguia uma mão para controlar gentilmente a ventania a nossa volta.
- Esse aí. – apontei para seu rosto. – O que você carrega sempre. Esse de pai de todos.
Fintan riu tão suave quanto o vento que agora me acariciava e colocava em ordem meus cabelos. Ficamos por mais alguns minutos em silêncio, absorvendo as sensações do nosso entorno.
- Desembuche, velhote, o que quer comigo? Certamente não foi para apenas domar o vento do penhasco que apareceu. – comentei com uma risada.
- Não, certamente não foi. – ele gargalhou. – Na verdade, foi para avisá-la de que as novas escalas já foram colocadas. Você tem um time de Guerreiros para treinar para uma batalha e tem que decorar quem são eles.
- Sim senhor, chefe. – falei em tom cômico. Caminhamos lado a lado devagar.
- ... Também há outra coisa que eu gostaria de falar. – ele começou de forma delicada.
- Estou ouvindo.
- Não pense que estou me intrometendo em qualquer coisa, mas quando os sussurros do vento falam, não posso deixar de escutar.
- Isso é uma desculpa para dizer que não pode deixar de ouvir as fofocas? – fiz Fintan rir.
- Não diga isso, Guardiã. Não, de modo algum. Mas gostaria de sugerir que tirasse a tarde de folga para visitar Targ. Os sussurros dos ventos me dizem que um sente falta do outro. Acho que pode ser saudável para você.
- Não vejo como os Protetores podem estar de acordo com essa sugestão. Hoje será meu primeiro treino a sós com e sei o quanto eles esperam que eu...
- Eles terão de concordar comigo. Estamos depositando muito peso sobre seus ombros, , e você abriu mão dos seus dias livres para poder dar conta do trabalho de Guardiã e Guerreira ao mesmo tempo. Não acredito que isso seja bom. – uma brisa leve colocou meu cabelo atrás da orelha. – Sei que pensa que tem que provar para todos que é merecedora desse amuleto, mas nós temos o dever de confiar nas escolhas das luas. E você, entre todos os Guardiões que já vi, é a que menos precisa provar o seu valor. Nós o vimos diariamente, desde que colocou os pés nessa ilha.
- Mas...
- Não há discussão, Guardiã. Terá a sua tarde de folga e visitará seu amigo. E se enjoarem da presença um do outro, poderá ir conversar com e Sunday... Sei o quanto se querem bem e que não tem sido muito presente para eles. – antes que eu pensasse em responder ele já me deixava sozinha perto da parede com as escalas.
- Eu tenho e Sunday e vamos acabar com você no próximo jogo. – comentou sorridente ao esbarrar em mim. Fez de volta seus passos até as escalas para me acompanhar e viu de perto meu sorriso surgir enquanto eu observava os nomes relacionados ao meu.
- Boa sorte com eles. Eu tenho Rio, Nilo, Elba e Sean. Seu time mágico, não é?
- Sem chance! – ele leu rapidamente a relação. – Fintan não pode fazer isso!
- Você não confia nos meus líderes? – questionei com um sorriso malicioso.
- Não. Sim. Quer dizer... – ele coçou a nuca. – Você entendeu.
- Meu time vai acabar com o seu. Prepare-se. – avisei. Ele revirou os olhos e pegou no meu pulso.
- Certo, mas antes terá que me vencer no nosso treino. Será uma amostra daquele duelo que nunca pudemos fazer. – o Guardião me deu uma piscadela.
- É... Quanto a isso... Eu sinto muito, mas Fintan disse que talvez seja melhor que eu tire a tarde de folga hoje. Nosso treino não vai poder acontecer.
- Mas os Protetores... – ele parecia desconcertado.
- Fintan disse que eles terão de concordar. Mas não se preocupe, não faltarão oportunidades para que eu acabe com você em lutas. – acrescentei com um sorriso aberto. riu e deu de ombros.
- Tudo bem. Parece que terei que encontrar outra coisa para fazer por toda a tarde. – soltou num falso tom sofrido.
- Folga para nós dois. – disse enquanto começava a me afastar. Tracei meus passos na direção da biblioteca, sorrindo ao imaginar que tipo de conversas Targ teria preparado para ter comigo. No meio do caminho, entretanto, meu olhar foi atraído para uma cena curiosa. Leorhys e Rohan conversavam um pouco afastados dos demais e, embora tentassem parecer naturais, seus olhos insistiam em buscar qualquer movimento próximo.
Aproximei-me devagar, tentando não ser notada e esperando que o bloqueio de Baelfire a Leorhys funcionasse bem comigo. Os dois falavam baixo, como se conspirassem sobre qualquer coisa.
- ... melhor para eles. Pense bem, colocando-os juntos...
- Vosscê poderia partir a ilha. Já imaginou o desassstre? – Rohan sibilou. – Osss Guardiõesss... Já ssse foi o tempo em que podíamosss confiar nelesss. Não sssão maisss do que crianssçass agora. Imaturosss, irresssponssssáveisss...
- E enviados das luas. Como os anteriores e como os próximos. – Leorhys cortou. – Escute, Rohan: tenho certeza do que estou falando. Fazendo dessa forma... Será uma grande lição para eles. Os outros concordarão...
- Osss outrosss não essstão preocupadosss...
- Tem certeza? Ceryn certamente concorda. E Baelfire... – talvez eu estivesse imaginando demais, mas a provocação em seu tom de voz era quase palpável. Ouvi a língua de Rohan sibilar involuntariamente, mas não fiquei para escutar sua resposta. caminhava em direção a praia e eu corri para alcançá-lo.
- Parece que estaremos no mesmo time na próxima simulação. – soltei casualmente.
- Do que está falando? – ele ergueu uma sobrancelha.
- Eu e você. Mesma equipe. Simulação. – me encarou com curiosidade, não parecendo compreender o que eu falava. Suspirei. – O que foi que você não entendeu? – forcei-o a parar.
- Como você chegou a essa informação? Ou como ela chegou até você? – cruzou os braços em frente ao peitoral.
- Vi Leorhys e Rohan conversando. – contei em tom convencido.
- Nossa! Isso sim é algo que não se vê todo o dia! Dois Protetores conversando! – o Guardião se empenhou para demonstrar ironia.
- Qual é o seu problema? Você já viu os dois conversando sozinhos? Com um ar muito suspeito? Como se ninguém pudesse ouvi-los? – questionei.
- Se estavam dessa forma, como você os viu? – rebateu com um sorriso descrente. Revirei os olhos.
- Escute, eu vi os dois conversando como se estivessem preocupados em não serem flagrados. Talvez tenha me aproveitado do fato de que Baelfire bloqueou sua mente e, em consequência, a minha para Leorhys e me aproximei. Os dois falavam qualquer coisa sobre “colocá-los juntos” e “partir a ilha”. Você se lembra dos nossos argumentos para não colocarmos dois rivais no mesmo grupo, não é? Bem, Leorhys parecia bem animada em ignorar totalmente isso e ver o que pode acontecer.
- E como você chegou a conclusão de que estaremos juntos? Talvez estivessem falando dos outros...
- ... Às vezes você me surpreende. É óbvio que falavam de seus protegidos. Mas se colocarão Violet e Viper na mesma equipe, então terão que colocar você e eu na mesma equipe também. – argumentei. Ele coçou a nuca sem entender.
- Explique...
- Parece-me bem óbvio, na verdade. Na minha primeira simulação, nossas equipes ainda eram as alianças. Na segunda, eu fui tirada da minha aliança e colocada na sua, e vice-versa. Na terceira... – sugeri, esperando que seus olhos azuis se iluminassem ao compreender a resposta. Mas eles continuaram escuros quando ele franziu o cenho para mim.
- Na terceira eles vão colocar Viper na sua aliança e Violet na minha? – tentou com muito esforço.
- Lua sangrenta, ! Você consegue ser mais lento? E ainda julgam a sua casa como a mais inteligente. Que as luas nos salvem, se isso for verdade. – joguei o olhar para o alto como se pedisse ajuda.
- Você pode explicar ao invés de ficar praguejando contra as luas. – ele observou.
- ... Eles nos tiraram de nossas alianças porque queriam ver como nós dois, os com maior tendência a liderança, lidaríamos ao entrar em outra equipe. Agora eles vão querer ver como é que vamos lidar estando na mesma equipe. Querem saber se vamos ceder pelo objetivo maior. E querem saber quem vai liderar o outro lado.
riu ao me ouvir e negou com a cabeça.
- Isso é ridículo.
- Será?
- Você, eu e quem mais? – seus olhos percorreram meu rosto, buscando por algum sinal de dúvida.
- Não tenho como saber. Talvez apenas Amber. Talvez Brock e Bree. Talvez Violet e Viper. – esfreguei o rosto com os dedos. – Apenas escute: se realmente estivermos na mesma equipe, nos reuniremos no território de quem quer que seja o resto da equipe. Se for Amber, será na Clareira da Luz. Se forem Brock e Bree, no Ponto dos Sete Ventos. Se forem Violet e Viper, na Horta da Colheita. Entendido? O jogo deve ser hoje ou amanhã.
- Tão cedo? Mal encerramos a última simulação...
- Não acho que os Protetores realmente liguem. Nossos inimigos certamente não se importariam de nos atacar seguidamente, certo? – questionei. Vi, ao longe, alguém sair da biblioteca. – Ei, eu preciso ir. Fique atento.
Ouvi tentar falar algo, mas eu já caminhava na direção da construção antiga. Abri a porta com cuidado, respirando fundo ao ouvir meus passos sobre o piso de madeira. A biblioteca parecia abandonada. Pilhas de livros haviam sido colocadas sobre as poucas mesas e o chão. Mesmo assim, as estantes continuavam abarrotadas de exemplares. A poeira rodopiava exposta à fina faixa de luz que entrava pela janela, dançando alheia à presença de uma estranha em sua sala. Meus dedos, por algum reflexo, correram pelas lombadas expostas nas prateleiras.
- Sentimos a sua falta. – eu pulei ao ouvir a voz. Ou talvez tenha sido quando o vi se mexer. Targ se camuflava naquele lugar. – Você sabe, livros não são os mesmos sem um par de olhos sobre eles. – ele abriu um largo sorriso.
- Também senti sua falta, Targ. Mas não acho que você deva chorar a Fintan por causa de saudades. Você poderia ter falado comigo antes. – comentei tentando conter o riso.
- Gostaria de saber de onde tira esse senso de humor tão peculiar, Guardiã. Será que devo puni-la? – apontou para uma das pilhas de livros no chão.
- E eu pensando que sentia falta puramente de minha companhia, Targ. Bem se vê que buscava apenas alguém para organizar sua bagunça. – fingi estar decepcionada. Targ se aproximou e passou os braços em volta de meus ombros, apertando-me contra si e respirando alto em meus cabelos.
- Nunca mais me deixe por tanto tempo, centelha. – exigiu antes de me soltar. Examinou com cuidado meu rosto em seguida e sorriu satisfeito. – Agora conversaremos.

Talvez pudesse parecer estranho em algum ponto, mas eu jamais poderia me lembrar de uma tarde melhor do que aquela com Targ. Manusear os livros e ouvir sua voz alegre e profunda comentar desde a história de Mirth até o doce feito por sua vizinha era quase uma terapia. Ele nunca se cansava de falar e eu estava sempre disposta a ouvir. Exceto, é claro, quando seus olhos dourados se voltavam para mim e examinavam a profundidade de meu ser.
- E você, como tem estado?
Coloquei um livro de astronomia em uma das prateleiras altas.
- Bem, eu acho. Ocupada.
- Não tivemos muito tempo para conversar desde que... – ele pensou um pouco. – Desde que Baelfire...
- É, desde que Baelfire resolveu ressurgir e colocar um medalhão novo em meu pescoço.
- Você parece estar lidando bem com isso. – ele comentou sem parecer dar muita importância.
Esfreguei uma mancha na capa do livro que segurava enquanto buscava uma resposta.
- Acho que, quando você não sabe mais quem é, você acaba se acostumando a ser quem dizem que é.
- Você nunca foi uma garota perdida, . Um amuleto não muda quem você é. No máximo o que você é. Mesmo assim, está indo muito bem.
- Está exagerando, Targ. – avisei com uma risada. – A maioria dos Guerreiros tem um pé atrás comigo. Alguns Guardiões ainda me olham de forma estranha...
- Duvido! Violet e Brock adoram você. Amber parece disposta a te dar luz própria. Breeze é cheia de elogios quando você não está por perto. Viper tem sido bastante simpático. E você e parecem se gostar... – Targ foi interrompido pelo livro que eu derrubei ao ouvir sua última constatação.
- Eu e ? – ri enquanto me abaixava para recolher o livro. – Está vendo coisas demais , Targ.
- Ele se preocupa com você. E te admira...
- “Navolger-umbra: criatura que, durante a noite, tem a capacidade de assumir a forma de outra criatura.” – comecei a ler a página em que o livro se abrira para calá-lo, fazendo- o rir e fechar a boca enquanto eu recitava as palavras. – “Sua origem, assim como sua forma natural, não é conhecida. É uma criatura conhecida por ser usada como mensageira dos Filhos da Escuridão, uma vez que essa espécie só pode ser encontrada em seus territórios.” – levantei o olhar para meu tutor. – Não sabia que a terra dos desgarrados tinha uma criatura única de lá.
- A maioria das terras em nossos planetas tem uma espécie que só pode ser encontrada lá... – Targ argumentou.
- Verdade? E qual é a criatura única de Mirth? – questionei. Ele pareceu pensar por alguns segundos antes de levantar os olhos calorosos em minha direção.
- Você.

Ergui minha espada em tempo para bloquear o golpe que acertaria minhas costelas. Com um movimento firme e circular do pulso, forcei a arma de meu oponente a recuar. apertou os dentes contra o lábio inferior enquanto se esforçava para não ceder com sua espada. Seus olhos azuis estavam focados nos movimentos de nossos braços, então não perceberam quando infiltrei uma de minhas pernas entre as suas e o derrubei com sutileza. O Guardião caiu de barriga para cima no chão, mas não sem puxar minha cintura consigo, fazendo-me sentar sobre seu torso, meu rosto e o dele muito próximos, nossos pescoços separados apenas pela lâmina de minha espada. Sua respiração arfante fazia minha pele eriçar nos pontos em que me tocava.
- Eu venci. – falei contra sua orelha. Firmei minha espada contra seu pescoço para reforçar minha declaração. Senti seu sorriso se formar contra a pele de meu rosto.
- Dessa vez. – argumentou bem-humorado. Um de seus braços estava estendido para longe de seu corpo. O outro envolvia minha cintura. Seus dedos se pressionaram contra a pele exposta de minha barriga, leves o suficiente para me fazer cócegas. Pulei para me colocar de pé sobre ele com uma risada.
- Quer tentar mais uma, Guardião? – ofereci enquanto esticava a mão como ajuda para que ele se levantasse.
- Que tal uma melhor de três? – sugeriu ao aceitar minha ajuda.
- Ah, ... Você vai se arrepender tanto... – avisei enquanto me afastava, tomando posição de ataque. Ele mexeu a cabeça em negativa quando me abaixei para pegar meu escudo e lançou uma lâmina de água para afastá-lo.
- Sem defesa, só ataque. – ele me ofereceu um sorriso malicioso.
- Você não tem medo do perigo, garoto? – questionei erguendo a espada. Ele deu de ombros e tentou erguer a própria arma, mas enredou o punho no tecido rasgado de sua camiseta azul.
- O perigo é você? – ergueu a sobrancelha, abaixando o rosto em seguida para tentar livrar a própria mão do enredo. – Espere. – pediu enquanto cravava a espada no chão e a soltava para tirar a própria blusa. Observou-a fora do corpo e me lançou um olhar de desaprovação em seguida. – Estragou uma das minhas camisetas preferidas. Espero que esteja arrependida, pequena Guardiã.
- Nem um pouco. – informei. – Vamos, pare de enrolar.
jogou a camiseta para o lado e segurou a própria espada. Ergueu-a e veio em minha direção, desferindo o primeiro golpe. Por instinto, protegi-me com o braço do escudo. Ao invés de sentir sua lâmina cortando minha pele, entretanto, vi quando sua espada foi repelida. Olhei-o e ele sorria satisfeito.
- Era disso que eu estava falando. – seus olhos fixavam-se em meu braço, que estava em chamas. Aproveitando-me de sua distração, empurrei minha espada contra seu peito.
Num movimento rápido, rebateu meu golpe com uma de suas lâminas de água, acertando meu punho e fazendo-me soltar a arma. Com a força do impacto, minha espada voou para dentro do grande lago.
Estiquei a mão para atrair a espada de volta para mim. Curiosamente, nada aconteceu. Olhei para , que brincava com a ponta de sua lâmina enquanto me esperava. Quando ele ergueu os olhos para mim, o fez junto com um sorriso convencido.
- Olhe só quem precisa da minha ajuda... – ele olhou para o lago e pareceu se concentrar. Embora a água parecesse se mexer, nada acontecia.
- Não seja estúpido, Guardião. É um objeto do Fogo, jamais corresponderia ao seu comando. – constatei.
- Então porque a magnífica Guardiã não a atrai? – inquiriu com um sorriso irônico.
- Porque há uma massa gigantesca de água sobre ela. – respondi irritada.
- O que posso fazer, então? – ele deu de ombros. Cruzei os braços. Alternei meu olhar entre ele e o lago repetidas vezes. pareceu entender, pois revirou os olhos e se aproximou da margem após cravar a espada no chão. – O que eu não faço por você?
Sem me dar tempo para responder ele mergulhou na água. Observei meio de longe enquanto ele se movimentava submerso, buscando minha espada pelo fundo. Quando finalmente pareceu achá-la, demorou a conseguir movê-la. Certamente estava presa em algum lugar. Aproximei-me, um pouco preocupada, da margem do lago, ajoelhando-me ali para tentar vê-lo melhor. emergiu em seguida, dois ou três metros distante de mim. Saiu do lago com minha espada em mãos, mas eu só conseguia prestar atenção nas poucas gotas de água que pingavam de seus cabelos escuros e escorriam pelo seu peitoral até serem absorvidas por sua pele. Em poucos segundos ele estava seco e abanando uma mão em frente ao meu rosto.
- ? Está aí? – perguntou rindo. Finalmente encarei seu rosto e, embora seus lábios sorrissem, seus olhos estavam escuros. Não cruéis, mas afundados em algum tipo de provocação que, naquele momento, eu não poderia compreender.
- Perdão. Eu... – antes que pudesse criar uma desculpa a fumaça violeta no céu prendeu nossa atenção. Veio seguida de uma verde e laranja. Aguardei que a anil se juntasse a elas, mas nunca veio. Encarei com confusão.
- Você estava certa, estamos juntos nessa simulação. – ele usou minha espada para cortar algumas raízes que tentavam se enrolar em nossas pernas. Puxou-me pelo pulso para que levantasse e corremos para pegar nossas coisas espalhadas em volta do “olho”.
Com minha espada em uma mão e meu pulso na outra, abriu caminho pela floresta, guiando-me e cortando galhos e ramos que ameaçassem nos atacar sob a influência de nossos adversários. Esforcei-me para embainhar a espada de em meu cinto sem me ferir enquanto nos movíamos e, quando finalmente livrei a mão, a usei para abrir caminho da maneira mais eficiente que pude pensar: queimando tudo o que vinha pela frente.
- Brilhante. – ele comentou, encaixando os dedos nos meus e usando minha trilha queimada para correr.
Fomos quase os últimos a alcançar o Ponto dos Sete Ventos e, quando o fizemos, recebemos uma enorme quantidade de olhares estranhos. Arfante, olhei para nós. sem camisa, com pedaços de plantas queimadas presos no cabelo, segurando minha espada e com nossas bolsas enganchadas em seu ombro. E minha mão na sua. Minha mão, com os dedos confortavelmente encaixados nos seus. Soltei-o devagar. Amber correu até nós.
- Finalmente. Precisamos de uma estratégia.
- Eu certamente não esperava por isso. Eles têm toda a vantagem. – comentei enquanto tentava estabilizar a respiração. – Terra, fertilidade e colheita. Não podemos contar com a ajuda do solo ou das plantas. Estamos totalmente instáveis aqui.
- Que tal umas boas notícias? – Breeze pediu.
- A boa notícia é que temos estrategistas brilhantes aqui. – sorriu convencido.
- O que faremos então? – questionei. Ele me olhou intrigado.
- Eu estava esperando que você soubesse... – sugeriu confuso.
- Ah, era um elogio? – ri, totalmente surpresa.
- Achou que eu estava falando de mim? – ele gargalhou.
- Será que podemos deixar essa parte para depois? Sugestão? – Breeze pediu um pouco irritada.
- Deixaremos que nos ataquem aqui. – concluí. – Estamos sob a Lua Anil, então Bree estará fortalecida. Lutar em seu território é nossa maior vantagem. Quão forte você se sente, Bree?
A garota estreitou os olhos e moveu consideravelmente as correntes a nossa volta, testando seus poderes. Uma miniatura de tornado se formou ao seu lado.
- Muito forte. – informou com um sorriso maldoso.
- Excelente. – olhei em volta. Amber me olhava curiosa, sua mão se abrindo e fechando como se estivesse se preparando para invocar um raio. – Talvez não estejamos em tanta desvantagem assim... Amber, eu tenho uma grande ideia.
- E quanto a mim? – questionou. Virei em sua direção e lhe concedi um sorriso enquanto apoiava uma mão em seu ombro.
- ... Há uma corrente de água aqui perto. Eu posso senti-la e tenho certeza que você também pode. Você consegue secá-la? Seus Guerreiros certamente podem ajudá-lo. – sorri com malícia.
- O que essa cabecinha está tramando, pequena Guardiã? – ele entortou a cabeça, curioso.

A fina corrente de água que corria próxima ao território de Bree estava seca quando nossos adversários chegaram. Eles demoraram a aceitar nos atacar ali, mas não tiveram escolha ao notar que não nos mexeríamos. Quando finalmente os tínhamos onde queríamos, Amber começou o espetáculo. A Guardiã jogou raios em algumas árvores da volta, criando um princípio de incêndio. Breeze alimentou o fogo com correntes de ar e eu o conduzi a se espalhar por todo o lugar. Em segundos a terra e as plantas estavam todas queimadas. Um truque criticado por Breeze anteriormente.
- Será inútil. Basta um pensamento de Viper ou Violet para que as plantas voltem a surgir.
- Não se eu permanecer queimando o solo. O fogo não machucará a nós ou a eles, apenas será nocivo ao chão. Eles não terão muito que fazer. – sugeri.
A ideia estava dando certo até então. Graças a minha sugestão a , ele e seus Guerreiros não estavam sofrendo tanto com a presença seca do fogo, diferente dos Guerreiros da Água do time inimigo. Puxei a espada da bainha para atacar um Guerreiro próximo a mim. Estranhando seu peso em minha mão, olhei-a melhor antes de desferir o primeiro golpe: era a espada de . Revirei os olhos e cravei-a contra o braço do garoto da Colheita, que caiu no chão e foi rapidamente retirado do território.
Busquei com o olhar, encontrando-o próximo a mim. Corri até ele e resmunguei enquanto atacava uma garota do Ar.
- Você está com a minha espada. – colei minhas costas às dele, defendendo-me dos golpes ousados da Guerreira.
- Isso não teria acontecido se você tivesse me devolvido a minha. – ele observou enquanto girávamos trocando de oponentes, deixando-me de frente para Marine, da Água. Distraí a garota com uma rajada de fogo enquanto atacava com a espada em sua barriga, deixando-a fora de combate.
- Engraçadinho. – comentei. pareceu se livrar de sua oponente também, então joguei sua espada por cima do ombro enquanto ele fazia o mesmo do outro lado. Agarrei o punho de minha fiel companheira, sentindo, satisfeita, o peso correto em minha mão. – Obrigada.
- Você é quem manda. – ele respondeu, forçando-me a abaixar com ele para desviarmos de um golpe. – Você ataca por baixo se eu saltar? – questionou, mas não me deu tempo para responder, pulando alto por cima de mim. Girei rapidamente com a espada estendida, derrubando Reed. deu o golpe final nele, mandando-me afastar em seguida.
Procurei com o olhar os Guardiões do outro time, achando Viper tendo pouco sucesso em atrair plantas para aquele terreno perigoso, mas usando tudo o que tinha contra Amber e alguns Guerreiros. Brock se esforçava em desestruturar o terreno, mas os ventos de Breeze nos ajudavam a não pisar em falso. Quando virei o rosto para buscar Violet, encontrei Delfi, uma Guerreira da Colheita, muito perto de mim, sua espada se erguendo para um golpe.
Como se os segundos se arrastassem em milênios, vi correr para me salvar do golpe. Por trás dele, vi Violet erguer sua foice na direção de meu parceiro. Violet havia me usado como distração para atacar . Enfurecida, ergui os braços e observei, em câmera lenta, enquanto deles se projetava uma enorme fênix que atacou primeiro Delfi, repelindo seu golpe que quase me acertava e derrubando a garota no chão e então voou em direção à foice de Violet. A criatura de puro fogo puxou com suas garras a lâmina para longe de , fazendo com que Violet tivesse que soltar a arma e que o Guardião da Lua Azul caísse no chão. Ajudei-o a levantar.
- Valeu, eu... – ele me olhou surpreso.
- Menos uma na conta. – pisquei um olho para ele enquanto me afastava. Encontrei no meio do caminho e sussurrei a ele um pedido. Ele franziu o cenho, mas correu para obedecer.
roubou uma lança de Dale e a arremessou contra Lavender, chamando a atenção não apenas da Guerreira, mas de sua gêmea também. Os dois Guerreiros do Fogo começaram a atirar flechas e facas contra a Guerreira que tentava ao máximo se proteger deles. Vi quando Violet focou toda a sua atenção neles, prendendo-os em alguma ilusão. Antes que ela fosse longe na brincadeira, lancei uma de minhas flechas da aljava direto em seu ombro, derrubando-a instantaneamente. Foi quando a vi ser retirada do campo que a realidade voltou a mim.
Aquele poderia ter sido meu movimento mais acertado na batalha, mas também foi o maior erro que cometi.

Eu não me lembrava do fim da simulação. Quando finalmente voltei a mim, estava sentada na praia, longe da fogueira em volta da qual a comemoração era feita, observando o mar e o céu se fundindo no escuro da noite. Flashes me davam poucas informações dos acontecimentos anteriores. , Breeze e Amber comemorando a vitória. Minha espada contra o peito de Muncie. Amber derrotando Viper. Breeze e derrubando Brock. Uma flecha com penas vermelhas acertando Violet.
Violet.
Busquei com o olhar a Guardiã em volta da fogueira. Estava sentada ao lado da gêmea mais velha, um sorriso estampado no rosto ao trocar palavras com alguns Guerreiros.
Como podia sorrir? Como Violet podia sorrir se tudo o que eu queria naquele momento era me deixar consumir em chamas? Ela não parecia ligar.
Mas eu sim.
A cada novo segundo me provava ainda mais capaz de fazer coisas que eu não gostaria.
Achava que talvez tudo bem atacar um amigo num jogo. Era para isso que aquelas simulações serviam. Mas atacar Violet do jeito que eu havia feito? Usando de seus segredos em meu privilégio? Usando de conhecimentos sobre ela que nem ela mesma sabia que eu tinha? E não sentir nada. Atacá-la e desejar atacar de novo e de novo.
O olhar de Violet se cruzou com o meu. Ela trocou algumas palavras com , que fez menção de se levantar, mas foi detido pela Guardiã. A gêmea mais nova se colocou de pé e caminhou lentamente em minha direção. A cada segundo que demorava, a tortura de seu sorriso gentil triplicava. Quando ela finalmente se sentou de frente para mim a dor era tanta que tentava extravasar através de meus olhos.
- Sua equipe venceu. Por que você não está na comemoração?
- Não tenho o que comemorar. – respondi sem encará-la.
- ...
- Como você consegue? – questionei com o rosto virado para o mar. – Atacar amigos sem piedade no campo de batalha e depois...
- É uma simulação, . Você sempre entendeu muito bem esse jogo. Melhor do que eu. – ela argumentou.
- Você me usou para desestabilizar . Sabia que ele tentaria me proteger. – finalmente a encarei com os olhos secos. – Não se sente culpada?
- Nem um pouquinho. Eu, ele, você... Nós sabemos quais são os pontos fracos dele. Assim como você sabe os meus. – sua expressão era compreensiva.
- Você não está chateada? Brava?
- Com o que, ?
- Por eu ter... Você...
- , nossos inimigos teriam feito a mesma coisa. Não tenho motivos para estar chateada com você, apenas com as luas. – Violet cavou o chão com a ponta da bota.
- Por que com as luas? – questionei.
- Por que não? – ela rebateu. – Eu entendo que as luas precisem nos tirar algo para dar os dons. Entendo que você nunca entenderá como é gostoso sentir o fogo esquentando lentamente seu corpo durante um dia frio. Entendo que jamais sentirá o prazer de ter a água o rodeando, lambendo seus cabelos. Mas comigo... – ela virou o rosto para que eu não pudesse vê-la. – Desde quando você sabe, ?
-Desde nosso primeiro treino de Guardiões. Eu não entendo, Vi. Por que você nunca falou? – toquei de leve sua mão. Ela virou o rosto para mim, fixando seus olhos violeta em nossas mãos.
- Como você acha que reagiriam, ? Os Guerreiros? Os Guardiões? Especialmente Viper... Você acha que alguém confiaria numa Guardiã cega? – ela não esperava uma resposta. – Eu não confio em mim. Como poderia pedir para que uma casa inteira me seguisse assim? Você acha que eles...
- Quer mesmo saber o que penso, Violet? Você chegou aqui e demonstrou o seu valor, recebeu a confiança de seu povo porque mereceu. Se deixarem de confiar em você por um detalhe, são todos hipócritas. Além disso, deveríamos ao menos confiar nas luas. Se elas decidiram que você deveria ser a Guardiã, então...
- As luas não sabem de nada. Lavender era para ser a Guardiã. Era como deveria ser. Eu estava posicionada antes dela no ventre de nossa mãe, pronta para sair a qualquer momento. Eu seria a mais velha. Mas os médicos identificaram algum problema e preferiram abrir a barriga ao invés de nos deixar nascer de modo natural. Por isso Lavender foi tirada primeiro, e eu fui puxada no momento mais alto da lua.
- Você não pensa que, se Lavender fosse a Guardiã, ela também poderia ter nascido cega? – sugeri. – Talvez esse fosse o plano das luas. Elas não se enganam. Deram um jeito de fazer você nascer depois para que pudessem seguir conforme o que já havia sido estabelecido.
Violet pareceu refletir por alguns segundos. Eu acreditava que aquele pensamento já tivesse cruzado sua mente uma vez. E sabia que, se fosse como eu dizia, ela preferiria em mil luas ser a irmã com a visão tomada a ver Lavender passando pelo mesmo que ela.
A Guardiã abriu a boca, pronta para me dar uma resposta, mas de repente seus dedos apertaram com força os meus enquanto seus olhos se arregalavam. Enquanto ela fixava o olhar no chão, o meu foi atraído para o céu. A visão de Violet se revelava lá em cima.
- O que está acontecendo?
- Que as luas nos ajudem!
Violet e eu dissemos juntas enquanto a criatura desenhava formas no céu escuro Mirth.


Capítulo 17

- O que era aquilo? – Viper questionava ansioso, puxando os cabelos entre os dedos enquanto caminhava de um lado para o outro.
- O que está havendo? – Amber alternava o olhar entre os outros Guardiões.
Violet estava silenciosa. Ela sabia. Mas não era seu direito revelar a resposta.
- Pelas luas! O que vocês fizeram durante seus meses de treinamento? Ficaram exibindo seus amuletos de Guardiões pela ilha? – finalmente soltou, o tom incrédulo quase apagando o sarcasmo em sua voz. Cinco pares de olhos se voltaram para ela, que suspirou e retomou a postura. – A sorte de vocês é que existe uma Guardiã nessa ilha que fez o dever de casa. Aquela era uma íris, caso não tenham reconhecido. Uma espécie de harpia mensageira, a qual todas as nações têm direito. E o que ela desenhou no céu... Bem... Foi a sua mensagem. O círculo com a linha cruzada representa Ubrac, como vocês devem supor.
- É claro que supomos. – Viper resmungou cheio de ironia, mas não baixo o suficiente para que ela não ouvisse, fazendo-a conter um sorriso.
- E aquela cruz esquisita? – Breeze entortou a cabeça, voltando a olhar para o céu, como se esperasse rever o aviso.
- É um pedido de ajuda. Lembram como ela estava sobreposta ao triângulo? Triângulo significa inimigo. – concluiu.
- Deixa ver se eu entendi. – posicionou as duas mãos com os dedos entrelaçados em frente aos lábios. A ruiva olhou-o esperançosa. – Ubrac quer que ajudemos nossos inimigos? – chutou.
revirou os olhos e bufou alto.
- Como pode ser tão estúpido? Será possível que eu fui mesmo a única do grupo a levar os estudos a sério? É claro que Ubrac não quer que ajudemos os nossos inimigos. Ubrac quer ajuda por causa dos nossos inimigos. – esclareceu. Os Guardiões trocaram olhares confusos.
- Ah, estão todos juntos. Bom. Sigam-me. – Skyler fez um gesto com a cabeça, indicando a cabana de Fintan. Em volta da fogueira os Guerreiros ainda olhavam para cima, buscando explicação para o que acabara de acontecer.
Os sete Guardiões entraram na cabana do chefe dos Guerreiros, sentando-se em volta de uma mesa na sala principal junto aos Protetores, o próprio Fintan e alguns membros do conselho de Mirth. O silêncio manteve-se por alguns segundos.
- Os desgarrados atacaram nossos aliados? – Viper gritou, finalmente parecendo entender a situação.
- Controle-se, criança. – Baelfire pediu em tom monótono.
- O que é que está acontecendo?
- Por que agora?
- Que tipo de ataque?
- Algo não está certo...
- Como podemos ajudar?
- Seremos atacados?
- Que as luas nos protejam.
A confusão de vozes tomou conta do pequeno espaço, deixando os mais velhos confusos com a rapidez com que falavam.
- Calem-se! – Fintan exigiu, batendo com força a mão sobre a mesa. As sete crianças o olharam assustadas. – Estamos aqui para conversar e manter a ordem. Que as luas impeçam os Guerreiros de ver seus Guardiões agindo dessa forma. – o homem voltou a sentar-se, parecendo mais calmo. – Como já sabem, a mensagem dizia que Ubrac precisa de ajuda para recuperar-se após um ataque dos desgarrados. Nós do conselho estávamos reunidos antes de vocês chegarem. Decidimos que não há a necessidade de enviarmos todos os Guerreiros para Ubrac, mas um time será selecionado. Entretanto, chegamos à conclusão de que enviaremos os sete Guardiões, de forma a mostrar para nossos aliados que vocês se preocupam com eles e agradecem a aliança, além de exibir seu comprometimento para com seus deveres. Dessa forma, vocês estão encarregados de selecionar os Guerreiros que partirão em sua equipe. Além disso, alguns Guerreiros dispensados integrarão nosso time...
- Guerreiros dispensados? – Amber pôs em voz alta a dúvida dos demais.
- Sim, Guerreiros que já concluíram seus treinamentos e foram mandados de volta às casas, mas que continuam disponíveis para juntarem-se à Mirth em casos de necessidades. Já enviamos Buscadores para recrutá-los, bem como aos Soldados. – Fintan pareceu lembrar-se de algo, seus olhos pareceram colocar peso sobre eles enquanto ele cruzava as mãos sobre a mesa. – Falando neles, quando chegarem, quero que os recebam com todo o mérito e honra que merecem. Vocês receberão um treino intensivo deles, e espero que prestem bastante atenção no que eles têm para ensinar.
- Os Soldados? – Brock pareceu chocado.
- Entendo que possa parecer chocante para vocês, que pensam que já sabem tudo o que precisam saber. Porém nunca estiveram em cenários de guerras, ou o que resta depois delas. Precisam aprender a lidar com o que vão encontrar em Ubrac. Os Soldados têm esse conhecimento e ensinarão vocês tudo o que julgarem preciso. Exijo o respeito devido durante esse momento. – Fintan acrescentou, olhando duramente para os sete jovens.

A ilha demorou mais do que de costume para acordar naquela manhã. Talvez porque durante a madrugada o som monótono das criaturas noturnas tivesse sido substituído pelo burburinho que a íris trouxe junto com sua mensagem.
Violet era uma das primeiras acordadas e se encontrava do lado de fora da área de refeições, andando em círculos enquanto projetava um escudo para proteger-se da chuva forte que castigava Mirth naquela manhã. correu ao seu encontro, revirando os olhos ao não conseguir manter seu escudo sob aquela quantidade de água. Antes que se aproximasse o suficiente da Guardiã, no entanto, sentiu a chuva parar. Olhou ao redor, mas os pingos continuavam caindo.
- Percebi que estava com dificuldades. – ela ouviu a voz tranquila de se aproximar. O rapaz chegou perto o suficiente para integrar seu próprio escudo ao que tinha criado para a ruiva.
- É muita gentileza de sua parte, honrado Guardião. – a garota soltou num misto de sarcasmo e bom humor.
- Se quiser se molhar é só avisar. Aliás, essa chuva é toda culpa sua. – ele a olhou malicioso. – Porque tudo nessa ilha mudou desde que você se revelou Guardiã. As alianças, os treinos, o clima. Até um ataque dos desgarrados você conseguiu. Eu deveria mesmo deixá-la tomar um banho de chuva. – ameaçou retirar o escudo, mas desistiu ao notar o olhar perigoso da outra. – O que está havendo com Violet? A vi conversando sozinha mais cedo...
- Eu não sei... Ela... – procurou a garota, mas ela já havia sumido. – Acho que ela está nervosa com a notícia de ontem. – pareceu lembrar-se de algo e olhou para o rapaz com uma expressão confusa. – Você não achou que tinha algo estranho ontem? Com aquela mensagem...
- Sim, é totalmente estranho que os desgarrados ataquem nossos aliados depois de tanto tempo.
abriu a boca para responder, mas, antes que pudesse, os dois já adentravam a área de refeições. dispensou o escudo e acompanhou a parceira até a mesa para que pudessem escolher o que comer. Quando chegaram à mesa destinada aos Guardiões, perceberam a área já cheia.
- Violet está bem? – Viper sussurrou no ouvido da Guardiã da Lua Vermelha depois de alguns minutos. Os dois olharam discretamente para a garota que parecia inquieta enquanto despedaçava uma fatia de pão com os dedos.
- Não tenho...
- Companheiros! – Violet falou alto, chamando a atenção de todos ali. – Antes que se levantem para começar a rotina, eu tenho um assunto sério a tratar com vocês.
- É sobre a mensagem de ontem? Não deveríamos tratar disso depois? – Viper questionou ainda no ouvido de , mas ela começava a entender o que a outra faria.
- Tenho uma confissão a fazer e entendo que talvez isso mude a forma como vocês me enxergam. – ela enfatizou a última palavra. Tomou fôlego numa desculpa para juntar a coragem que vinha procurando desde a conversa com na noite anterior. Buscou a presença da amiga. Percebeu-a com um olhar confiante e particularmente orgulhoso. – Há um segredo sobre mim que venho mantendo, temendo que, ao revelá-lo, deixem de acreditar em mim, que desconfiem de minhas capacidades. Mesmo assim entendi que tenho de ser sincera com meu povo, e dar a ele a opção de confiar ou não em mim. – da mesa da colheita, Lavender olhava chocada para a irmã, seu sangue gelado lhe causava arrepios de ansiedade. – Eu, Violet, a Guardiã da Lua Violeta, portadora do dom da visão, sou, de nascença e completamente, cega.
Silêncio.
Um enorme e perturbador silêncio.
O silêncio que foi quebrado pelo som de uma faca caindo contra um prato.
- O quê? – o questionamento veio da mesa da Colheita.
Um turbilhão de vozes tomou o lugar.
- Eu não posso acreditar.
- Isso é algum tipo de brincadeira?
- Cega?
- Isso é ridículo.
- Como se espera que alguém confie...
- Não é possível.
- Como assim cega?
- Uma Guardiã cega?
- Que ironia!
As vozes começaram a subir tons, atingindo Violet com uma aspereza com a qual ela não contava. Suas mãos agarraram a mesa, cravando as unhas na madeira enquanto seus olhos pareciam dominados pela Água. colocou-se de pé, o rosto vermelho, tomado em fúria pelas reações dos Guerreiros.
- E qual o problema? Por acaso Violet mudou desde que chegou aqui? – embora fosse o que planejava dizer, aquela não era a voz dela. Pelo tom calmo, presumiu que fosse e, mesmo sabendo que aquela não era a voz dele, o buscou com o olhar. O encontrou com a face chocada virada em sua direção. Não exatamente. Ele fitava o espaço ao seu lado. Viper terminava de mastigar uma fruta tranquilamente. – Por acaso o fato de ela enxergar ou não mudou alguma coisa quando ela representou conquistas para a casa da Colheita? Quando não sabiam desse fato, não a deixaram de adular em suas qualidades e defeitos. Agora julgam a Guardiã porque ela tomou a coragem de contar uma característica que é dela desde o ventre materno? Preferiam que ela escondesse esse fato de vocês?
- Bem, ela escondeu até agora, não foi? – alguém questionou, sendo seguido por um coro de apoio.
- Por causa dessas reações. – constatou. Uma de suas mãos correu delicadamente para a cintura de Violet, amparando-a de forma protetora.
- Como ela poderá ser uma boa Guardiã se não consegue ver? Ver, aliás, que é uma das características de nossa casa?
- Eu fico mais surpreso com a sua pergunta do que com a revelação de Violet. – Viper voltou a falar. – Pergunto-me como Vi seria uma boa Guardiã se, junto com o seu dom da visão, pudesse enxergar também. Quão confuso seria para ela? Nossa Guardiã tem um dom que propicia que ela enxergue uma realidade totalmente diferente da que nós podemos ver, ainda que seja muito parecida. Ela não precisa nos ver do jeito que nós vemos. As luas permitiram que ela nos enxergasse com olhos evoluídos, que não se baseiam em nossa forma, mas em quem somos.
Se estava chocada com aquele discurso, não haveria palavras o suficiente para descrever a surpresa de Violet naquele momento. De todos os Guardiões, Viper era o que ela menos esperava que fosse colocar-se para defendê-la. Entretanto, também não esperava que o povo de sua própria casa a hostilizasse, e lá estavam. Os outros permaneciam calados. Ela sentia o meio abraço de , sua presença protetora e confortável lhe passando confiança. ainda em choque ao olhar para o Guardião da Lua Verde ao seu lado. Breeze, Amber e Brock alternavam olhares confusos entre ela e os Guerreiros. Lavender, ela podia perceber, mantinha um semblante furioso. Ao seu lado, ouviu respirar fundo, talvez por notar algo que ela não pudesse.
- Mirth sempre fez questão de tratar seus assuntos de maneira democrática. Por isso, aqueles que desejam retirar seu apoio à Guardiã estão livres para falar. A decisão deve ser tomada entre as casas. – foi quem declarou. A lembrança de um sorriso tocou os lábios de Violet por meio segundo, orgulhosa da amiga.
O som baixo de muitas vozes sussurrando ao mesmo tempo tomou o local. Antes de um minuto, a mesa da Fertilidade pediu a palavra. concedeu com um breve movimento de cabeça.
- A Fertilidade declara total apoio à Guardiã da Lua Violeta. – a garota escolhida como a representante da mesa afirmou.
Violet apertou delicadamente o braço de , tentando não demonstrar sua animação ou choque.
- A Água gostaria de expressar o apoio à Guardiã da Lua Violeta. – Elba disse ao se erguer.
- A Luz declara seu apoio e afeto a Violet. – um rapaz de amarelo falou.
- O Fogo apoia a Guardiã da Colheita. – recebeu o sorriso agradecido de .
- O Ar declara apoio à Guardiã.
- A Terra apoia a Guardiã da Lua Violeta.
O silêncio se instalou novamente enquanto a última mesa pensava. Os olhares apreensivos dos demais correram para lá, aguardando a decisão. Os Guerreiros não pareciam argumentar. Finalmente, Lavender se ergueu e tinha um olhar desafiador para os colegas.
- A casa da Colheita declara o apoio incondicional à Guardiã e confia piamente nas decisões das luas. Aquele que discordar tem o direito e, mais do que isso, o dever de desgarrar-se. – finalizou.
observou a área por alguns segundos, depois procurou com o olhar. Ele mexeu a cabeça de modo quase imperceptível, mas o suficiente para responder a dúvida muda nos olhos da ruiva.
- Há nesta ilha alguém em desacordo com o decidido por sua casa? – ela questionou. O único som ouvido foi o das ondas quebrando na praia. Ninguém ousou mexer-se. – Tomarei o silêncio como uma negativa. Aquele que desejar, poderá reportar-se ao Guardião de sua casa ou a mim, em caso de desconforto. Agora, todos de volta à rotina.

deixou a área de refeições correndo após terminar o desjejum. Com passos rápidos alcançou o rapaz de cabelos verdes.
- Viper. Viper! – chamou para fazê-lo parar. Quando ele se virou, exibia seu sorriso crescente.
- . Para que a pressa?
A ruiva olhou-o como se o estivesse medindo. Viper tinha algo que a incomodava um pouco. Talvez fosse algo em sua postura, ela pensava. Não. Em seu rosto. Algo em seu rosto que, combinado ao tom com que falava, fazia parecer com que o rapaz sempre tivesse entendido uma piada que ninguém mais conhecia. Ela afastou esses pensamentos com uma breve sacudida de cabeça, fixando o olhar nos olhos verdes do Guardião.
- O que você fez lá... – começou sem saber como explicar.
- O que eu fiz? – ele ergueu uma sobrancelha parecendo genuinamente curioso.
- Ao defender Violet... – a garota sugeriu. Viper riu brevemente e então tomou as mãos dela entre as suas.
- Somos Guardiões, . Temos que proteger uns aos outros. – ele aumentou o sorriso ao notá-la confusa e apertou suas mãos. – Veja, sei que pareço um grande babaca em outros momentos, costumo fazer piadas quando não devo e não meço esforços para irritá-los, mas, ainda assim, as luas me escolheram para estar aqui. Eu não agi diferente do que se esperava que você agisse, ou , ou Amber... Não entendo porque, então, o choque. Será que eu lhe pareço uma má pessoa? Será que uma atitude sóbria como essa não tem chances de vir de mim? Eu, honestamente, , tenho um carinho muito grande por vocês, porque são meus irmãos. E sei que se um dia alguém colocasse em dúvida o meu amuleto você e Violet seriam as primeiras a se levantar para me defender.
mordeu o lábio inferior ao encará-lo, sentindo os olhos umedecerem com as palavras do Guardião. Soltou as mãos das dele e, sem parar para pensar, passou os dois braços em volta do pescoço do garoto, apertando-o contra si. Viper riu surpreso contra seu cabelo, mas apertou-a de volta.
- Eu só... Eu achei que você ia fazer alguma piadinha. – ela confessou com o rosto contra a camisa dele.
- O quê? – soltou em tom forçadamente chocado. – Você não achou que eu estava falando sério todo o tempo, achou? Caso não tenha percebido, eu estava imitando você. – gracejou, fazendo a ruiva rir.
- Foi uma péssima imitação, então. – ela constatou, finalmente o soltando. – Se tivesse se empenhado de verdade teríamos ouvido a palavra “hipócrita” e muito mais raiva na hora de falar.
- É, eu percebi que você estava borbulhando. Talvez tenha sido por isso que me meti antes que você pudesse abrir a boca. – Viper afagou o topo da cabeça da colega.
- Bem... Obrigada.
- Você fica me devendo. – ele piscou um olho. Colocou as mãos nos bolsos do casaco que vestia e ensaiou os primeiros passos para se afastar da garota. Voltou. – Ei, não se esqueça do nosso treino hoje à tarde. Na mesma clareira. Veja se dessa vez você e Vi não se perdem.
- Fique tranquilo, serei a primeira a chegar. – a Guardiã abriu um sorriso que ardia em desafio.
- Não será. Você está sempre atrasada.
- Calúnia! – ela tentou conter o riso.
- Tem certeza? Demorou dezenove anos mais do que qualquer um de nós só para conseguir um amuleto de Guardião. – ele argumentou. Afastou-se correndo e gargalhando quando ameaçou jogar uma bola de fogo contra ele. Longe o suficiente, virou-se para ela e acenou em despedida.

- Ah! Aí está você! Ande logo, solte isso, você tem que vir comigo! – Violet arrancou das mãos de as cordas que ela usava para prender os toldos das cabanas. Tinha nos lábios aquele sorriso de quem sabia mais do que dizia.
- Como assim, Vi? Para que a pressa? Tenho que prender isso direito, essa garoa logo vai encorpar de novo e meu povo não conseguirá manter os escudos debaixo de tanta água. Preciso garantir que pelo menos a nossa área esteja seca para...
- Fale menos e caminhe mais. Vamos! Tenho uma surpresa para você. Ninguém se importará com toldos. – ela puxou a amiga pelo pulso, não deixando escolha.
- Surpresa? Que surpresa? – questionou, dando-se por vencida e acompanhando a Guardiã.
- Uma surpresa que, se eu contar agora, vai deixar de ser surpresa, boba. – Violet virou o rosto para a ruiva com um sorriso inteligente.
- Odeio surpresas. – ela resmungou. A Guardiã da Lua Violeta conduzia até a praia que, com aquela chuva fina, estava quase deserta. – Você me trouxe para ver o mar sob a chuva? Violet, meu nome não é . – informou indignada. – Eu não acredito que...
- Cale a boca e observe. – Violet instruiu, posicionando a amiga da forma como julgava apropriada.
Um clarão violeta tomou o céu, atrapalhando momentaneamente a visão de . Quando ela voltou a focar os olhos na praia, dezenas de pessoas se encontravam na beira da água. Ao olhar para trás, ela percebeu que toda a população da ilha corria para o ponto em que estavam e começavam a aplaudir. Eram os Soldados, ela entendeu. Virou-se na direção da sorridente Violet, buscando uma resposta, mas um rosto na multidão lhe chamou a atenção. Voltou a olhar, buscando-o novamente.
Lá. Entre os tantos Soldados que eram ovacionados.
Os olhos do homem procuravam entre as pessoas que aplaudiam. Era estranhamente familiar. A boca dela se abriu em surpresa ao reconhecê-lo. Antes que pudesse perceber o que estava acontecendo, seus braços já se enroscavam em seu pescoço, suas pernas em sua cintura. Os lábios dela só sabiam balbuciar uma palavra:
- Kyle!
As mãos fortes dele envolveram o corpo que o agarrava com tanta necessidade. Kyle não se importou se as unhas dela haviam se enterrado na pele de seus ombros, se os braços dela estavam apertados demais em volta do pescoço ou se ela quase o derrubara. Ele recuperou o equilíbrio e a abraçou de volta com toda a saudade que sentira. Com todo o amor que sentia.
- Eu sabia que estaria aqui. – ele soltou baixo em seu ouvido. Um misto de confissão com alívio. Uma de suas mãos subiu para acariciar os cabelos da irmã. – Eu senti tanto a sua falta.
- Kyle! – ela repetia, as lágrimas descendo sem constrangimento pela face.
- Eu sei, minha pequena chama. Por favor, me perdoe. – desenroscou-se do irmão e ele, mantendo os braços ao seu redor, afastou-a para analisá-la. – Olhe para você, está enorme. – ele exibiu um sorriso maravilhado. – E ainda mais linda. Achei que era seu encanto de filhote, estava enganado. – mexeu a cabeça em negativa. Seus olhos vasculharam o que puderam do corpo da irmã, procurando por ferimentos ou novidades. Pararam sobre o peito dela. Arregalados. – Guardiã? – voltou a encará-la. – Eu jamais poderia supor. – seus olhos foram atraídos para o chão. Um vulp andava entre as pernas dela, olhando-o curioso. O pequeno animal escalou e colocou-se sobre seu ombro, assumindo a forma de uma fênix. – Oh!
- Então você é o Kyle. Soube muito sobre você.
- Esse é Baelfire. Meu Protetor. – disse devagar.
- Sinto-me muito honrado em conhecê-lo, nobre Soldado. – Bael abaixou levemente a cabeça, num cumprimento respeitoso.
- A... A honra é toda minha. – Kyle parecia anestesiado.
- Bael, você não tem... Eu não sei... Algum outro lugar para pousar? – questionou, seus olhos fixos na areia. A fênix captou seus pensamentos e anuiu com a cabeça, levantando voo. – O que está fazendo aqui? – ela perguntou ao irmão. A sua volta, outros Guerreiros abraçavam Soldados.
- O conselho da ilha nos chamou, nós...
- O que está fazendo como Soldado? – ela esfregou a mão direita no braço esquerdo ansiosamente.
- Ah! Eu me voluntariei porque sabia que você precisaria de alguém aqui pra te proteger. – Kyle sorriu. Como ela tinha sentido saudade daquele sorriso.
tinha os olhos fixos no rosto dele e, pela primeira vez, aqueles olhos não ardiam com o fogo característico dela. Estavam gelados.
- Você sabia o tempo todo?
- Sim. Eu vi quando uma vez você...
- Você sabia o tempo todo e nunca me disse? Você sabia e deixou que... – ela olhou em volta. Estava quase gritando e conseguira atrair alguns olhares. Voltou a abaixar o tom. – Sabia e deixou que as pessoas pensassem aquilo da nossa mãe? Deixou que eu pensasse...?
- ... Eu não poderia... A mãe nunca deixaria que eu falasse a verdade. Mas ela deixou que eu viesse para cá. Para te proteger aqui. – ele tentou mais um sorriso.
- Me proteger aqui, Kyle? – ela passou a mão sob os olhos, limpando as lágrimas que voltavam a se formar. – E quando eu precisei de você lá? Em Lores? Quando eu e Briette precisamos do nosso irmão mais velho? Quem estava lá por nós? Em todas as noites que eu adormeci esperando você... Todos os dias que procurei pelo seu sorriso de desculpas... E você pensou que eu precisava de você aqui? Aqui é o lugar em que eu menos precisei de você. – ela não tinha a intenção, mas seu tom destilava raiva.
- , me perdoe...
- Eu senti a sua falta, Kyle. Você me abandonou. Você prometeu que nunca me deixaria e foi isso que você fez. Quebrou a minha confiança. Eu não... – esfregou os dedos contra a testa. – Não posso fazer isso agora. Preciso ajeitar minha cabeça. – virou as costas para o irmão, deixando a praia. Notou, enquanto passava, o olhar um pouco decepcionado de Violet.

A chuva forte batia contra o chão ao redor de . Nenhum pingo era capaz de tocá-la porque evaporava antes de entrar em contato com a Guardiã. Ela estava fervendo.
Apertou os braços em volta das pernas, o queixo apoiado nos joelhos. Os olhos secos ardiam. Estava cansada.
- Ei... Não vi você durante a refeição. – Violet aproximou-se devagar. deu de ombros. – Está muito zangada? – sentou-se de frente para a amiga. – Eu sinto muito.
- Eu senti tanta falta dele. Você sabe. Você deve ter visto. Eu precisei tanto que ele estivesse comigo. Não consigo imaginar como pode ter passado pela cabeça dele que Mirth seria mais difícil para mim do que Lores.
- ... Não é Mirth. Ele queria fazer esses sete planetas melhores. Para que quando você chegasse aqui, não tivesse que lidar com tudo o que ele tem que lidar. – Violet tentou explicar.
- Eu o amo tanto, Violet. Tanto. E dói muito ter que continuar afastada dele. Lua sangrenta! Só que ele tem que entender...
- Você não está zangada! – Violet comentou incrédula. – Está louca para abraçá-lo de novo. Só quer dar uma lição nele!
- Está errada. Eu estou brava. – ela franziu a testa enquanto mordia os lábios. Formar aquelas palavras doía. – Mas Kyle é meu irmão. E, se cada maldito dia que passei longe dele em Lores foi uma tortura, cada sangrento segundo que passamos separados aqui é a morte. Porém, sei que preciso ter a cabeça no lugar para voltar a vê-lo. Caso contrário, explodirei novamente. O abandono dele ainda dói demais.
- Eu sei como foi horrível para você, . Mas você não gostaria de apenas celebrar a presença dele? Esquecer tudo isso... – ela tocou com delicadeza o braço da amiga.
- Como, Vi? Como vou esquecer? Eu estou ferida demais. – era o que ela queria dizer. Engoliu essas palavras junto com o orgulho e apenas ofereceu um sorriso forçadamente confiante enquanto falava: – Eu vou tentar.
- Essa é a minha garota. – Violet colocou-se de pé e ofereceu uma mão para ajudá-la. – Agora vamos, temos que encontrar os outros na clareira.
- Ainda temos tempo. – constatou enquanto se levantava. – Tenho que passar nas cabanas e conversar com os líderes antes disso.
- Não pode fazer isso depois? – a de roxo perguntou cautelosa. As duas começaram a caminhar.
- Por quê?
- Não temos tanto tempo assim, . E possivelmente será uma conversa longa...
- De forma alguma, só quero pedir que se preparem para ir para Ubrac e que selecionem alguns Guerreiros de nossa casa. Será rápido. – deu de ombros.
- Você pode fazer isso dep...
- De qualquer forma, tenho que ir até minha cabana pegar minha espada. Aproveitarei a oportunidade.
- Eu acho que você não percebeu, , mas passou mais tempo do que imaginava sozinha por aqui. Eu vim te procurar exatamente para chamar para o nosso encontro. Os outros já estão a caminho. E ouvi Viper dizer que você tinha tomado como um desafio ser a primeira a estar lá então...
- Tem razão! Quase esqueci. – riu. – Faça o seguinte, vá na frente. Eu só preciso pegar minha espada na cabana. Prometo que vou correr. Tudo bem?
- Tudo bem, . Encontramos-nos na clareira então. Não dê a Viper motivos para se gabar, por favor. – as duas riram. Separaram-se ao chegar perto das cabanas do Fogo.

- Não consigo acreditar que mesmo com um desafio ela não consegue chegar na hora certa. – Viper riu.
- Acalme-se, Viper, logo ela estará chegando. – Amber brincou com a ponta da espada na grama.
- É. Provavelmente ela está armando mais um ataque com os desgarrados. – gracejou.
- Ou descobrindo novas maneiras de virar a ilha do avesso. – o de cabelos verdes adicionou.
- Já estamos esperando há mais de quinze minutos, não deveríamos começar sem ela? – Brock propôs. – Para mim parece que a conversa vai se estender por lá.
- Ela já está vindo, acalme-se. – pediu.
- É, Brock. Quantas vezes já esperamos por você antigamente? – Breeze provocou. Brock fez o solo rachar sob os pés dela. – Ei!
- Crianças, parem. – Amber pediu enquanto ria.
- Oh, aí está ela. – Viper constatou ao finalmente ver adentrando a clareira. – Eu sabia que a ilha tinha um máximo de mudanças suportáveis. chegar na hora estava proibido.
- Rapazes, por favor... – Violet tentou.
- Eu disse a você. Ela estava planejando como nos destruir de vez. – o riso de ecoou pelo local.
- Meninos, parem. – a de roxo pediu novamente.
- estava faz... – Viper não conseguiu terminar a piada. Recebeu de um olhar odioso.
- Por que vocês dois não... – ela gritou antes de sair correndo da clareira.
Os Guardiões trocaram olhares entre eles. Viper fez menção de seguir a colega, mas Violet o impediu. já havia saído correndo.
- O que há de errado com ela? – Breeze questionou.
- Vocês não imaginam o que ela acabou de ouvir... – Violet informou preocupada.

apertou o passo, mas já havia perdido de vista. Seguiu por mais alguns metros até encontrá-la de pé, com as costas contra uma árvore. Embora seu corpo parecesse uma fortaleza impenetrável, o rosto dela demonstrava toda a fragilidade, banhado em lágrimas.
- ... – chamou baixo. Aproximou-se devagar e passou os braços em volta do corpo dela. Devagar, sentiu as mãos dela soltando-se dos próprios braços e agarrando-se à sua camiseta. O rosto dela mergulhou no peito do Guardião, suas lágrimas sendo absorvidas pelo tecido azul. – Eu... Eu sinto muito. Não queria magoá-la. – ele acariciou as costas dela. A garota soluçou, mas manteve-se em silêncio. – Está muito chateada? – questionou com certa aflição na voz. – Por favor, fale comigo. Por favor, . Não vamos regredir na nossa relação.
encostou o rosto no topo da cabeça dela, seus braços apertando-a numa tentativa de fazê-la falar. Estava ansioso demais.
- Ao menos me xingue, . Você quer me bater? Você pode me bater, se é disso que precisa.
- Você não fez qualquer coisa. – a voz dela saiu abafada pela camisa dele. – Eu só... – ela afastou o rosto para olhá-lo. – Eu queria ser que nem você.
- O quê? Do que está falando?
Ela se desvencilhou com cuidado do abraço dele.
- Eu os ouvi falando de mim. Os líderes do Fogo. – abaixou o rosto e colocou uma mão na testa, escondendo-se de . – Você não imagina o quão duro foi.
- O que aconteceu?
- Eu estava correndo até as cabanas para pegar minha espada. Os vi reunidos ali perto e pensei em me aproximar, já que tinha algumas coisas para podermos conversar. Então ouvi Sunday falar o quanto os outros sabiam que ela me adorava e quão boa Guerreira eu podia ser, mas que jamais poderia confiar em mim como Guardiã. disse que não sei me portar como alguém com essa função tão importante. Relembrou o que aconteceu hoje quando vi meu irmão na praia. Disseram que sou explosiva demais, sentimental demais. Que me deixo levar mais pelos sentimentos do que pela razão. Eles duvidam de minhas capacidades, acreditam que eu jamais serei como vocês, que como Guerreira sou excelente, mas que nunca poderiam me ver como líder de toda a casa, que eu não sirvo para a função. – quando ela ergueu o rosto novamente, percebeu o quanto aquilo tudo a havia machucado. Os olhos dela deixavam transparecer a dor que sentia. – Eles são meus amigos. Sunday e foram os primeiros a me deixar sentir acolhida. E eles sequer se suportavam antes disso! Agora se unem para falar sobre o quanto eu sou “péssima para a função”, como se fosse o tipo de cargo temporário que as luas me deram, como se logo eu pudesse ser substituída. Muncie mal abriu a boca, mas quando falou, insinuou que concordava com eles. E Tharja foi a única que tentou se colocar ao meu lado. Disse que realmente sou destreinada e desqualificada, mas que com treinos frequentes eu posso melhorar. Mesmo assim eles discordaram. Disseram que, se o pior acontecer, se Mirth se encontrar em apuros, se um dia enfrentarmos uma batalha, jamais confiariam em mim ou me seguiriam porque eu poderia surtar. Talvez eu não mereça mesmo esse amuleto.
- Ei... – segurou seus braços com delicadeza, fazendo-a olhá-lo nos olhos. – Eles não têm ideia do que dizem. Eu daria tudo para poder ser como você.
- Inseguro? Explosivo? Totalmente sentimental? Incapaz? Eu é que queria ser como você, . Como Viper, Breeze, Amber... Com segurança o suficiente para saber que mereço ser o que as luas me ofereceram.
- Você realmente não sabe de nada... – ele riu. – Nenhum de nós nasceu assim, . Certamente tivemos nossas falhas e olhamos para os nossos amuletos e perguntamos “sério que sou eu?” assim como você está fazendo agora. A diferença é que ainda não estávamos na ilha. É que lidamos com isso enquanto crescíamos. Porém não pense que foi fácil. Sacrificamos muitas coisas. Nossa sinceridade. Nossos sentimentos. Aprendemos desde cedo que jamais poderíamos chorar na frente dos outros. Porque ninguém confiaria num Guardião que chora de saudades da irmã, mesmo que ele tenha só oito anos. Porque se esse Guardião chora agora, ele vai chorar de saudades de casa em Mirth. Eu não pude chorar a morte de alguns conhecidos, porque isso poderia significar que eu choraria cada soldado perdido numa batalha. Guardiões têm de ser fortes. Guardiões não podem mostrar suas fraquezas. Você realmente acha que eu gosto de ser o cara prepotente? O cara que acredita que é melhor do que todo mundo? Eu sou esse cara porque é assim que a sociedade cria um Guardião. Eles nos fazem acreditar que temos o universo aos nossos pés. E, pelas luas, , se você não tivesse aparecido aqui, ainda pensaríamos assim. Não acho esteja aqui por um defeito. Está aqui para mudar as coisas. Já falei para você, confio nas luas e sei que elas te trouxeram aqui – e você inteira, com seu passado e essa sua cabeça – para que possamos mudar e melhorar.
- Você realmente acredita nisso? – ela questionou depois de alguns minutos. mexeu a cabeça em afirmativa.
- Você é uma pessoa maravilhosa, . Se foi um erro, foi o melhor que já aconteceu. – ele passou os dedos delicadamente pelos cabelos ruivos dela. – Se você foi um erro das luas, eu gostaria que elas errassem todos os dias.
O rapaz engoliu em seco e aproximou o rosto do dela. Seus lábios tocaram os de suavemente, iniciando o beijo que ele sabia que ansiava desde a primeira vez em que a vira.


Capítulo 18

- O que há de errado com esses dois? – questionou.
Viper olhou na mesma direção que ela e sorriu ao ver Rio e Boulder abraçados. Ela ria entre os braços dele e o rapaz parecia beijar seu pescoço.
- Qual o problema?
- Eu é que pergunto. Quer dizer, acabamos de receber dezenas de Soldados por causa de um ataque dos desgarrados e esses dois estão aí se agarrando como se fosse o momento mais romântico das últimas décadas...
- . – Viper olhou-a, mas riu antes de falar qualquer outra coisa.
- O que foi? Estou errada?
- Bem... – ele começou tentando se manter sério. – Sei que o Fogo entende muito sobre o amor, é a casa que o percebe com mais intensidade, porém... A Fertilidade é a responsável por fazê-lo brotar.
- Ah, então você sabe muito sobre o amor, não é? – ela insinuou com um sorriso malicioso. Viper bateu o joelho no dela enquanto ria.
- O que eu quero dizer é que eu sei como funciona. Você pensa que um ataque significa a partida de alguém, mas na realidade uma ameaça costuma ser o estopim para o surgimento de novas relações. Porque apenas a possibilidade de perder alguém em batalha faz as pessoas quererem estar mais próximas desse alguém. Às vezes você pode até perceber sentimentos que não tinha notado antes. – ele deu de ombros. A garota ficou em silêncio por alguns segundos.
- Você parece saber bastante sobre isso. Quantas namoradas deixou na sua cidade? – perguntou prendendo o riso.
- Você não sabe muita coisa sobre ser um Guardião fora de Mirth, não é? – ele riu incrédulo. Ao perceber o olhar confuso da colega, continuou: – Ninguém quer namorar um Guardião, .
- Por que não? Você não era, sei lá, adorado na sua cidade?
- Claro, mas nenhuma garota queria estar comigo.
- Você está tentando ser modesto. Sabe que isso não é verdade. – ela riu.
- Não. Não quero dizer pelo fato de ser ou não atraente, o que, é claro, eu sou. Eu quero dizer que nenhuma garota quer ficar com alguém que vai sumir numa noite e que talvez nunca mais volte. Bom... Algumas pessoas podem até querer beijar você, mas você nunca sabe se...
- Nunca sabe se o quê?
- Nesse aspecto é bem complicado ser um Guardião, , porque, tanto lá quanto aqui, se alguém quer beijar você, normalmente é por causa de status. Namorar um Guardião, mesmo que ninguém admita em voz alta, dá pra pessoa uma posição privilegiada. – ele deu um sorriso seco e seus olhos ficaram distantes por um momento. – Acho que quase todos nós passamos por isso em algum momento. Também não é culpa dos outros, é claro. Os Guardiões são dotados desse feromônio que nos torna mais atraentes para os outros.
- Tem certeza? De repente os Guardiões só são mais atraentes porque todo mundo sabe que são Guardiões... Veja o meu caso, por exemplo. Nenhum Guerreiro está na minha volta, talvez porque eu sempre estive aqui como Guerreira...
- Lembra-se do dia em que você deveria ir embora e resolveu ficar? E como pareceu irritado com isso? E, depois de chegar perto de você, ele mudou completamente o humor? Feromônio. Aposto que a maioria dos Guerreiros foi mais legal com você do que o esperado...
abriu a boca em choque.
- Ninguém gosta realmente de mim? – ela questionou.
- Eu gosto de você. – Viper riu. – E sou imune.
- Os Guardiões não são afetados por essas coisas?
- Não.
- Então você nunca beijou alguém? – ela voltou ao assunto. Viper gargalhou.
- Não antes de chegar à ilha. Aqui, mesmo sabendo do porquê de tanta gente querendo, a gente meio que desiste de resistir e meio que se deixa ser usado. – ele parecia um pouco envergonhado em admitir isso.
- Nenhum de vocês namorou alguém? – ela tentou esconder sua curiosidade.
- Amber tentou. As coisas não deram muito certo. – eles ficaram em silêncio por alguns segundos. – Oh! O que aconteceu com o rosto de ? – Viper arregalou os olhos. buscou-o com o olhar, mas já sabia do que se tratava. Voltou a olhar para a areia e aumentou um pouco a fogueira que aquecia Viper naquela noite. Ela chutou de leve o tronco em que ele estava sentado.
- Eu bati nele. – confessou baixo. Sentiu o olhar do Guardião nela, mas não fez questão de retribuir.
- Posso perguntar o motivo? – perguntou abismado.
voltou o olhar para o céu estrelado e massageou um ombro com as pontas dos dedos.
- Porque ele me beijou. – soltou como se não fosse grande coisa. Viper jogou-se de joelhos em sua frente e apoiou as mãos sobre as pernas dela.
- Ele beijou você e você o estapeou? Você o estapeou tão forte que ainda está marcado? – ele mexeu a cabeça em negativa.
- Sim... – ela tentou manter o olhar distante dele. Por causa disso, encontrou olhando os dois, sua expressão vazia.
- ... – ele chamou, fazendo-a olhar de volta para ele. – Eu sei que talvez eu não deva me meter e que talvez isso não mude nada, mas... é meu amigo. Meu melhor amigo. E... Desde que você chegou aqui... – ele segurou a mão dela, apertando-a de leve. Com a mão livre coçou o rosto buscando as palavras. – Desde então ele tem estado... Quer dizer... Você virou a cabeça dele ao avesso. Eu não posso pedir para você corresponder aos sentimentos dele, óbvio, mas... Por favor, não brinque com o que ele sente. Se você não sente o mesmo, deixe claro para ele. Se sente, não o deixe pensar o contrário.
- O que há? – perguntou sem entender.
- Preciso ser mais direto do que isso? me mataria. Apenas acredite quando digo que, se ele a beijou, essa atitude exigiu dele toda a coragem que ele tinha e não foi algo bobo e impensado. Pense sobre o que você sente e converse com ele. E, se interessar para você, pergunte a ele sobre a história do néctar. – ele concluiu e voltou a se sentar de frente para ela.

Cercada.
Endireitou as costas contra a cadeira e tentou manter a atenção fixa em algum ponto. Mas onde?
Na frente, Kyle. À direita, os líderes. À esquerda, . Também sentia que Viper olhava algumas vezes. A presença de Violet estava ao seu redor. E Baelfire em sua mente. Ela mal conseguia absorver o que os Soldados falavam.
A garota ao lado de Kyle falava sem parar. Cidades desoladas. Casas em chamas. Pessoas caídas ao chão. Feridos. Porém a mente de dava voltas.
- Com todo o respeito, Guardiões, vocês podem acreditar que estão preparados para tudo que possam encontrar, mas simulações e batalhas entre casas jamais chegarão perto de dar a vocês a real sensação de estar em um campo de batalha. – a garota, Drea, reforçou. passou a prestar atenção nela. Não exatamente no que ela falava, mas como falava. Ela mexia as mãos para ilustrar a fala, parecia um pouco nervosa. Às vezes encarava mais demoradamente algum Guardião, mordia o lábio inferior. notou-a olhando descaradamente para ao seu lado. Poderia devorá-lo.
O Guardião estava tenso. Ele sequer percebia os olhares da voluntária, sua atenção estava na mesa a sua frente. Tinha os braços cruzados sobre o peito, mas, algumas vezes, uma das mãos escapava para passear sobre a bochecha direita. Onde havia sido estapeado no dia anterior.
- Será que... – começou baixo, mas arregalou os olhos ao perceber que os demais a haviam escutado.
- Perdão, Guardiã? – Drea inclinou o corpo para frente. – Eu não ouvi direito. – os olhos de correram pela sala, buscando alguma desculpa.
- Eu só... – percebeu o olhar dos líderes ao seu lado. – Eu sei o que Ubrac espera de Mirth nesse momento. Mas o que eles esperam de nós? Dos Guardiões?
Se aquela era uma pergunta inteligente ela não saberia, sequer tinha ideia se fazia algum sentido, mas foi o suficiente para fazer a garota voltar a falar. a olhou, fingindo prestar atenção.
Aquela deveria ter sido a reunião mais inútil de toda a história de Mirth, porque não absorvera uma palavra do que havia sido comentado. Quando finalmente foram liberados, ela fez questão de acompanhar os líderes.
- Tentei encontrar com vocês ontem, mas tinha um treino marcado com os Guardiões e não pude vê-los. Temos que conversar.
- Manda, chefe. – Muncie olhou-a interessado.
- Espero que já tenham escolhido os Guerreiros que irão conosco para Ubrac, precisamos de uma equipe boa.
- Estamos fechando a lista. – Tharja informou.
- Bom. Eu quero que nomeiem um Guerreiro de cada divisão para substituí-los enquanto estiverem fora. Os treinos das crianças que ficarão não devem ser interrompidos.
- Como vamos encarregar alguém para tomar nossas funções se vamos levar os melhores para Ubrac? – Sunday ergueu as sobrancelhas.
- Boa sorte tentando descobrir isso... – deu de ombros. Viu a indignação no olhar da líder e soltou o ar pesadamente pela boca. – Não sou eu que estou pedindo isso, Sunday. Fintan é que está. Todas as casas precisam de alguém que se encarregue dos treinamentos.
- Aposto que nas outras casas os Guardiões é que estão lidando com isso. – cruzou os braços sobre o peito.
- As outras casas não têm quatro líderes. As outras casas não são o Fogo. As outras casas não estão sob o meu comando. Então, as outras casas não me interessam. – ela começou a virar as costas, mas voltou ao lembrar-se de algo. – Ah! Terão um treinamento com os Soldados hoje à tarde, então tenham certeza de que já selecionaram todos os Guerreiros necessários.
- Claro. – Sunday soltou sem conseguir conter a ironia. respirou fundo ao voltar a encara-la.
- Eu preciso pedir por favor? – ergueu uma sobrancelha vermelha.
- De modo algum, tudo estará pronto até o horário do treino. – Tharja concluiu.
- Qual o problema dela? – Sunday questionou depois que se afastou. Ela a observou parar um garoto da Luz e conversar com ele.
- Não era uma Guardiã que você queria? – a líder dos caçadores abriu um sorriso quase ácido.
- Mas...
- Sunday, entenda, ou ela é a doce ou é a Guardiã do Fogo. Você não pode ter os dois. – a morena concluiu.

- Finalmente te encontrei! – ela sorriu ao ver os cabelos vermelhos no meio das árvores. – Recebi sua mensagem. Está tudo bem? – os olhos amarelos de Amber se arregalaram ao encontrar a face de . – , o que aconteceu?
- Desculpe-me. Eu... – a ruiva secou o rosto e encarou a colega. – Eu preciso da sua ajuda, Amber.
- Minha? – ela pareceu chocada. A outra a olhou sem entender sua reação. – Eu só achei que talvez você fosse recorrer a Violet ou Viper... Quero dizer...
- Nenhum deles jamais me diria algo imparcial. Além disso, você é a mais sensata entre os Guardiões.
- Tudo bem... Claro. Pode me falar, o que aconteceu?
- Preciso que me ajude a ser uma Guardiã de verdade.
A testa de Amber se enrugou enquanto ela tentava compreender aquelas palavras.
- Uma Guardiã de verdade? – repetiu. – , o que você...
- Eu não consigo, ok? Tentei. Hoje fui dura com meus líderes e foi a situação mais difícil que passei até agora. Não resisti, depois que saí de perto deles e pedi para um dos seus Guerreiros te passar a mensagem, eu simplesmente desabei. – as lágrimas voltaram aos olhos da ruiva. – Eu não consigo ser dura com eles, mas se eu não for... – ela olhou preocupada para a colega. – Violet te contou, não foi?
- O que? – ela se fez de desentendida.
- Eu sei que ela contou para vocês o que os líderes falaram de mim. Você não precisa fingir que não...
- Sim, ela contou. O que eles disseram foi horrível, , mas você não precisa acreditar nisso. Eu não acho que você seja uma falha. O único problema é que você chegou numa época em que Mirth ainda não compreende a força da sua presença. Mas você tinha que vir. – Amber estudou-a com cuidado antes de continuar. – Eu não vou mentir para você, , e dizer que está aqui para acabar com a hierarquia de Mirth. Guerreiros não se tornarão Guardiões sempre. Mas acredito que esse “problema” – ela enfatizou a palavra – com os amuletos não tenha sido um acaso, e sim um jeito de as luas nos mostrarem que devemos tratar todos como iguais. O que eu entendo, , é que a hierarquia é algo que deve ser utilizado em batalhas, não no nosso convívio aqui. E você nos mostra isso todos os dias, seja quando ignora a regra e se senta em uma das refeições na mesa da sua casa, seja quando não usa a cabana do Guardião e dorme no mesmo quarto que os Guerreiros, seja quando assume as tarefas que não são próprias de Guardiões... E você não mostra isso apenas para nós, mas para os Guerreiros também. Eu sei disso, porque eu converso com meus Guerreiros e eles adoram você. Porque você se empenha no trabalho com eles, porque você se lembra quais foram os erros e acertos deles durante as simulações e fala com cada um de uma vez. Porque você não sabe só o nome dos seus Guerreiros, mas os de todas as casas. Se os seus líderes acham que você não é boa o suficiente, eles vão apenas ter que engolir, porque todos os outros Guerreiros dessa ilha adorariam ter você como Guardiã deles. Eu só te peço, em nome de todos dessa ilha, que não mude o seu jeito, porque Mirth precisa de você do jeito que você é. Porque se as luas quisessem que você fosse que nem o restante de nós, acredite, assim elas a teriam feito. – a loira sorriu e secou com delicadeza o rosto da outra. – Então, perdoe-me, , mas eu não vou te ensinar a ser como eu. Porque eu preciso que me ensine a ser como você.
a encarou. Aquele monte de palavras gentis se encaixando em sua mente. Encostou-se em uma árvore e brincou com a ponta da bota na grama.
- Por que elas fariam ser tão difícil? As luas não poderiam pelo menos ter me feito um pouco mais confiante? Ou ter me contado os seus planos? – ela apoiou a cabeça no tronco e olhou para a copa das árvores como se ali fosse encontrar uma resposta.
- Talvez elas tenham te contado e você nunca percebeu porque estava ocupada demais não acreditando em “toda essa besteira de lua”. – Amber riu.
- Você tem razão. Até minha mãe e meu irmão tentaram me avisar e eu não prestei atenção. – revirou os olhos.
- Falando nisso... Como estão as coisas com seu irmão? Você já falou com ele?
- O que quer dizer? – olhou-a fingindo desentendimento.
- Veja bem, , Kyle não é o primeiro que se oferece a Mirth para cuidar de um irmão. Minha irmã fez o mesmo. E ela tinha certeza de que eu seria uma Guardiã.
- Nunca foi sobre ele ter se voluntariado...
- Não, foi pelo tempo em que não se viram. Porém, , pense um pouco. Se ele não tivesse se voluntariado talvez vocês tivessem passado esses anos juntos, mas e daqui para frente? Você raramente o veria. Eu sei disso. Sei que a vida de um Soldado não se resume a Mirth, mas ainda assim vejo minha irmã com mais frequência do que o resto da minha família. E sei que ela não se ofereceu por causa dela, nem Kyle por causa dele. Foi para que você não tenha que lidar com o que eles lidam lá fora. Aqui estamos protegidos, , mas eu vejo os olhos de minha irmã antes de me abraçar. Olhos que viram mais do que qualquer um pode aguentar. Os outros pensam que nosso trabalho aqui na ilha é que é louvável, mas quem realmente merece toda a admiração são os Soldados, porque eles não foram escolhidos e obrigados a estarem aqui. Eles querem estar aqui.
- Eu entendi isso. Só queria que ele tivesse me contado. Mesmo que eu não fosse acreditar. E, ainda assim, preferia que ele estivesse em casa. Porque agora nenhum de nós pode proteger Briette, nossa irmã mais nova. Ainda mais sabendo que nossos aliados foram atacados... Quero dizer... A Novaterra é neutra, mas até quando?
- Não se preocupe com isso agora, . – Amber tocou seu ombro. – Mas, se eu fosse você, falaria com Kyle. Ele está sofrendo. – ela pareceu pensar por alguns segundos. – Ah... Eu não sei exatamente o que aconteceu, mas... Talvez você devesse falar com , também. Ele parece não estar muito bem, talvez esteja preocupado com a viagem...
- Então eu devo exercer meu papel de líder dos Guardiões? – a ruiva ergueu uma sobrancelha. Amber riu.
- Não, seu papel de amiga. Sei o quanto ele considera você. O quanto se importa com o que diz. Tente animá-lo, sim?
- Vou ver o que posso fazer. – soltou tentando não parecer constrangida.
- Obrigada, .
- Obrigada a você, Amber. – observou os pés da loira se distanciarem sem perceber que, vez ou outra, ela a olhava por cima do ombro. Havia pedido a ajuda da Guardiã para resolver um de seus problemas, porém a garota a havia ajudado com mais alguns. Estava errada, entretanto, ao pensar que Amber teria uma visão neutra sobre sua vida: todos os Guardiões haviam escolhido o seu lado. Todos eles acreditavam piamente nas decisões das luas e tinham a certeza de que ela estar lá tinha um significado maior do que ela aceitava enxergar. Ela poderia até, quem sabe, ser fruto de uma grande profecia. riu amargamente com o pensamento. – O problema é que a maioria delas nunca é boa.
Chutou uma pedra e decidiu ir atrás de Kyle. Sabia que Amber tinha razão sobre ele. E, pelas luas, como ela sentia saudades de seus abraços. mantinha um sorriso discreto no rosto e estava tão concentrada ensaiando o que diria ao irmão que soltou um grito agudo ao sentir algo se enroscando em seu pulso.
- Ei, calma. – mesmo sentindo queimar, não afastou a mão do braço dela. Continuou segurando-a delicadamente enquanto ela se acalmava e diminuía a temperatura do local. – Às vezes vale a pena te assustar, você mostra poderes que nem imagina que tenha. – ele comentou bem humorado. A ruiva desviou o olhar para a mão dele, notando as bolhas de queimadura que acabara de dar a ele. sacudiu a cabeça, lembrando-se da real intenção daquela conversa. – Eu gostaria de pedir desculpas. Não deveria tê-la beijado e você ajudou a esclarecer isso para mim. Eu jamais iria querer distraí-la do principal objetivo do momento, que é a nossa missão em Ubrac. Além do mais, concordo que talvez tenha sido um gesto precipitado – mas não impensado – de minha parte. – ele coçou a cabeça com a mão livre, tomando coragem para continuar. – Entenda, , que talvez por meus sentimentos por você serem tão fortes eu presumi que você sentiria o mesmo. E, talvez por vê-la tão frágil eu... Veja, eu não posso mais fazer de conta que não sinto o que sinto, mas entendo que você não possa retribuir – aquele tapa deixou isso bem claro, não se preocupe...
- , eu não gosto de ser pega de surpresa. – ela o interrompeu com a expressão fechada.
- Eu sei... – a mão que ele mantinha em torno do pulso dela apertou-a sem qualquer firmeza.
- E você me pegou de surpresa. – ela ergueu a sobrancelha.
- Sim, eu peço que me...
- Nos próximos, tenha a certeza de que eu esteja esperando, sim? – ele travou. Sua testa se franziu enquanto ele tentava entender. Seus olhos analisaram o rosto da garota a sua frente.
- Nos próximos? – questionou. levou a mão que ele não segurava até seu rosto, acariciando a pele dele com leveza.
- Sim, nos próximos. – ela se colocou na ponta dos pés para vencer a diferença de altura entre os dois e pressionou seus lábios contra os dele. Sentiu corresponder de imediato enquanto envolvia um dos braços ao redor de sua cintura. Não havia qualquer pressa e o gesto era delicado, se estendendo em uma breve conversa das línguas.
Antes que ela estivesse satisfeita, entretanto, o Guardião a afastou. Seus olhos a estudavam com angústia e ele parecia genuinamente perdido.
- Não! Você está me confundindo. – confessou. – Eu não consigo entender você, . Preciso que seja clara comigo.
Ela abriu um sorriso compreensivo e soltou seu pulso da frágil segurança que ele ainda oferecia. Encaixou seus dedos entre os dele e manteve o olhar nas mãos juntas enquanto o ajudava a curar a queimadura.
- Eu sei que pode parecer esquisito, principalmente pela forma como sempre tratei você e... – ela respirou fundo e tentou reformular. – A verdade é que eu tenho esses sentimentos por você... Talvez desde que abri os olhos nessa ilha pela primeira vez... Mas você nunca realmente facilitou não foi? – riu, ainda evitando o rosto dele. – Então eu acho que preferi focá-los no lado negativo. Eu só espero que você entenda, , que eu não sou muito boa com esse tipo de relação. E não pretendo que aconteça rápido demais. E, honestamente...
- Você deseja que eu não te surpreenda mais? – ele chutou, atraindo o olhar dela e fazendo-a rir. afirmou com a cabeça.
- Exato. – ela afastou um pouco o rosto do dele para olhá-lo melhor. – Eu sinto muito se bati em você...
- Eu mereci. – não tentava mais conter o sorriso que banhava seus lábios. – E, além disso, você já fez muito pior.
- E você continua vivo. – ela constatou sem muita empolgação, fazendo-o gargalhar.
- Você não me parecia tão infeliz com esse fato há alguns momentos... – ele apertou os dedos dela entre os dele.
- Ah! Era o que eu temia! – a menina dramatizou. – Eu trouxe o prepotente senhor Guardião supremo do universo de volta! Que erro. – tentou se afastar, mas ele a manteve perto.
- É uma consequência, você não sabia? – questionou com humor. – O problema é que quando você me dá atenção eu me sinto aquele cara dono do universo. Você vai ter que aprender a lidar com as minhas duas versões, sinto muito.
- Aquele cara é bem chato, você não acha? Só serve para fazermos piadas.
- Eu, sinceramente, acho que esse é o motivo da minha existência para você. – a ruiva pareceu considerar a hipótese por alguns momentos, dando de ombros e beijando delicadamente o queixo dele em seguida.
- É bem possível que esteja correto, afinal, você realmente rende várias piadas. – ela riu satisfeita com a falsa indignação no rosto de .
- Não fui eu que gritei como uma criancinha quando alguém segurou meu pulso. – caçoou. – A propósito, você parecia bem focada. Eu interrompi algo importante? Estou te atrasando?
- Não, de modo algum. Eu ia falar com Kyle, acredito que ele esteja com nossos Guerreiros no campo de treinamento... – fez uma careta.
- Você o perdeu por pouco. O treino acabou faz alguns minutos.
- Tem certeza? Eles deveriam ficar até...
- Sim, tiveram que encerrar mais cedo. Parece que Kyle e Tharja travaram um duelo muito interessante. Os dois estão na enfermaria. – se sobressaltou, então fez questão de afagar gentilmente suas costas enquanto tentava acalmá-la: – Fique tranquila, por mais que tenha parecido dolorido, ele passou por aqui rindo enquanto era carregado por alguns soldados.
- Preciso vê-lo. – ela constatou. O Guardião afirmou com a cabeça e puxou-a delicadamente pela mão.
- Eu te acompanho.
A garota não ofereceu qualquer resistência, então os dois apenas caminharam lado a lado, o polegar de gentilmente acariciando a mão dela. Quando se aproximaram da praia, suas mãos se soltaram, embora permanecessem próximas o suficiente para roçarem uma na outra. a acompanhou até a porta da enfermaria, mas ali foram barrados.
- Sinto muito, Guardiões, mas estamos fora do horário de visitas. – a curadora informou. suspirou.
- Um de meus líderes está aí dentro, assim como meu irmão. Por favor, eu preciso saber como os dois estão. – ignorando qualquer pudor, ela forçou a expressão quase infantil que, no passado, obrigava qualquer adulto a atender seus pedidos. A mulher de anil riu e mexeu a cabeça em negativa.
- Tudo bem, . Só não vá deixá-los agitados, combinado?
- Impossível, é a reação natural de qualquer um ao me ver... – ela fez graça. A curadora olhou-a com seriedade, fazendo-a revirar os olhos dramaticamente. – Combinado. – confirmou já abrindo a porta da enfermaria.
- Você não, . Um de cada vez. – ela disse enquanto botava uma mão no ombro do Guardião para impedi-lo de entrar.
- Posso ficar sentado aqui com você? – ele pediu, sentando antes mesmo de receber a resposta. riu com a atitude do rapaz e fechou a porta atrás de si.
- Eu soube que você tentou matar minha líder. – ela constatou ao se aproximar da cama do irmão. Tharja prendeu a respiração. Kyle a encarou sem conseguir conter o sorriso. – Não seja tão estúpido da próxima vez, ou não haverá uma terceira. – olhou os ferimentos de Kyle com atenção, constatando que todos foram causados por armas de curto alcance. – Sorte sua que foi uma luta corporal, ou Tharja não teria te dado a oportunidade de vir para a enfermaria.
- Você devia ter visto como ela ficou. – ele gracejou. revirou os olhos, mas riu. Acariciou com delicadeza os cabelos do irmão e ouviu Tharja expirar com alivio.
- Algum de vocês pretende me contar o que aconteceu?
- Foi minha culpa. – Tharja admitiu.
- Eu percebi. – constatou com humor enquanto observava os ferimentos do irmão. A outra riu.
- Não... Digo, eu sugeri que os Soldados usassem suas próprias armas no treino, caso contrário seria injusto com eles... Só não esperava que fossem armas envenenadas. Você sabe, as únicas armas que sempre portam veneno nessa ilha são as dos Protetores. Nunca imaginei...
- Você usou uma arma envenenada contra a minha líder? – questionou dramaticamente. Embora sua indignação não fosse verdadeira, sua preocupação foi real o suficiente para fazê-la aproximar-se da líder e estudar seus ferimentos. – Será que você herdou Morgov de um parente distante?
Kyle gargalhou ao ouvir a piada interna, mas logo sua risada se transformou num acesso de tosse e gemidos.
- Pelas luas, você realmente não está bem. Chegue para lá, vamos. – ela pediu ao irmão e, quando ele obedeceu, sentou-se sobre a cama junto com ele, permitindo que Kyle deitasse a cabeça sobre suas pernas.
- Não, mas estou feliz de ter lutado com Tharja. Ouvi que você foi treinada pelos líderes quando chegou aqui. Pelo menos com essa eu sei que você deve ter aprendido alguma coisa.
- Eu poderia me gabar, mas sua irmã, felizmente, não aprendeu a ser uma lutadora comigo. Eu sou uma caçadora. E foi uma das melhores caçadoras que já treinei. – Tharja sorriu orgulhosa.
- Ah, não seja mentirosa, garota. Não é porque agora sou uma Guardiã que você precisa me bajular, muito menos para tentar deixar Kyle orgulhoso de mim. Acredite, esse babão se orgulha mais a cada vez que eu respiro ou pisco. Ande, conte a verdade para ele. Está na hora de ele se frustrar com a irmãzinha. – comentou com bom humor.
- Não minto, você sabe disso, . Confesso, no início foi horrível. – ela focou o olhar no rapaz deitado na cama, sorrindo ao perceber o sorriso orgulhoso dele. – Quer dizer, eu vi sua irmã atirar facas algumas vezes e ela sempre foi muito boa, de um jeito que suspeitamos que ela pudesse ter treinado suas habilidades antes de vir pra cá e estivesse tentando nos enganar. Mas, que as luas perdoem a minha falta de fé, quando fomos para o nosso treinamento eu queria que ela apenas desistisse. – Tharja riu lembrando-se de algo. – Ela não tinha foco, paciência ou qualquer vontade de simplesmente ficar parada. Eu entendo o motivo, o fogo que queima nela é intenso demais, é alto demais. Porém, com sinceridade, depois que ela deu um jeito de controlar isso, se saiu muito bem no nosso treino. Ganhou a pulseira da divisão.
- Ela é ótima, não é? – Kyle abriu mais o seu sorriso. – E agora é uma Guardiã. Nossa mãe deve estar muito orgulhosa.
- Eu não acredito... Afinal, ela não sabe... – deu de ombros.
- Ela sempre sabe, estúpida. – ele bateu de leve no joelho dela. – De qualquer modo, eu contarei a ela. Ela sempre se orgulhou muito de você, mesmo assim. Sabe – ele olhou na direção de Tharja –, na nossa cidade ninguém acreditava muito nisso de Mirth ou qualquer coisa. Eu mesmo não confiava no que a nossa mãe dizia, até que vi projetando chamas do próprio corpo quando estava sem o amuleto. Ela era muito pequena, então não deve se lembrar. Enfim, a questão é que como as crianças não acreditavam muito, costumavam fazer brincadeiras bastante desagradáveis. – ele atenuou descaradamente a situação. – nunca foi do tipo que gostava que mexessem com ela e costumava voltar para casa chorando. Será que eu poderia estar contando isso? – ele desviou rapidamente o olhar para a irmã buscando sua confirmação, mas ignorou completamente a expressão fechada dela, voltando a fitar Tharja. – De qualquer forma, ela voltava para casa chorando, certo? Se escondia no meio do meu abraço e soluçava enquanto contava o quanto as crianças eram ruins. Porém, nunca fez questão de me dizer que batia em todos que caçoavam dela antes de começar a chorar. A nossa mãe e eu víamos ela pela janela, acho que totalmente tomada pelo Fogo, enquanto brigava com as crianças. Ela nunca deixou barato.
acariciava os cabelos do irmão enquanto o ouvia conversando com Tharja. Os dois pareciam amigos de longa data, como se a líder tivesse crescido junto deles em Lores. A ruiva deixou que a dupla conduzisse a conversa, pontuando vez ou outra o diálogo com observações graciosas ou risadas bem humoradas. Aos poucos, percebeu que a voz do irmão ia diminuindo, o concentrado de ervas finalmente fazendo efeito em seu corpo. Ele finalmente adormeceu enquanto Tharja contava uma história sobre sua infância em tom calmo. percebeu como ela tinha o dom de falar sem que uma palavra saísse mais alta que a outra, mesmo ao chegar ao ápice de sua narrativa. A líder piscou para a Guardiã ao parar de falar e aquela pareceu ser a deixa para que a curadora entrasse no cômodo.
A mulher se aproximou do trio e abriu um sorriso terno ao perceber o Soldado descansando.
- Sinto muito, , mas você precisa sair agora. – ajudou a mais nova a levantar da cama sem acordar o irmão. Tharja fez menção de levantar também, mas a ela, a de trajes anil deu um olhar repreensivo. – Você precisa ficar mais um pouco, Tharja. Deite-se. Precisaremos de mais algumas horas para ter certeza de que o veneno não terá mais efeitos. – ela falava com bastante delicadeza, soprando as palavras de maneira tão calma que imaginou que ela jamais poderia acordar Kyle com sua fala.
Tharja revirou os olhos e a Guardiã sorriu para ela, beijando o topo de sua cabeça antes de deixar o local.
a esperava do lado de fora e pôs-se de pé assim que a viu. Acompanhou-a para longe da enfermaria e, quando ela se sentou sobre o tronco torto de uma árvore, colocou-se de frente para ela com um sorriso discreto.
- Como eles estão?
- Acredito que Tharja esteja quase enlouquecendo ali dentro, embora não tenha demonstrado. Kyle adormeceu sereno.
- Se é realmente seu irmão, deve estar adorando aquela enfermaria. – o sorriso no canto esquerdo da boca dele era esperto. riu, mas logo seus olhos se perderam em um ponto qualquer sobre o ombro dele.
- Ele estava realmente machucado. Eu não consigo acreditar... Digo, se em Mirth temos esse campo de cura fortificado, que impede que nossos ferimentos em lutas aqui na ilha sejam assim tão sérios, e mesmo assim Kyle está tão mal... – ela não o encarava e seus pensamentos pareciam correr soltos pelas pregas vocais. – Dá pra imaginar o quanto ele tem se arriscado? Sei que ele já esteve em algumas batalhas lá fora: o corpo dele não é que nem os nossos... Ele tem muitas cicatrizes. Consegue acreditar que tudo que meu irmão enfrentou nesses quatro anos, todas essas cicatrizes, tudo isso foi por minha causa?
analisou o rosto dela por alguns segundos, considerando se ela realmente esperava alguma resposta e, principalmente, se deveria ser sincero.
- Claro que consigo acreditar. – ele finalmente atraiu o olhar da ruiva, que o fitou curiosa. – Veja bem, antes de vir para Mirth eu passei por momentos... Delicados – talvez essa seja a palavra mais apropriada – em casa. Você sabe, eu sentia a pressão de ter que ser um excelente Guardião, de ser um exemplo. E eu tinha muitas dúvidas sobre esse ser ou não o tipo de vida que eu queria para mim. Na época, um grupo de Filhos da Escuridão estava na região, recrutando... Eu sabia que um Guardião puro, ou seja, um Guardião que nunca pisou em Mirth, poderia ser uma grande aquisição para eles. Não me olhe com essa cara. – ele se defendeu ao perceber a expressão zombeteira dela. – Não estou dizendo que eu seria uma grande aquisição, mas um Guardião com os poderes ilimitados? Um Guardião com amuleto? Seria o sonho de qualquer desgarrado. Falo sério quando digo que pensei seriamente em me juntar a eles. Mas nunca fui, por causa dos meus irmãos. Em Mirth eu estaria fazendo a coisa certa por eles, estaria os protegendo. Então entendo seu irmão, e acredito que ele não meça esforços para te proteger. Um irmão mais velho faria qualquer coisa pelos mais novos...
pensou na história por alguns momentos e então direcionou seus olhos vermelhos na direção dele, um sorriso um pouco triste aquecendo seus lábios.
- Eu entendo... Acho que por causa de minha irmã eu poderia me tornar uma desgarrada. – seu sorriso doeu quando enrugou a testa sem entender. – Quer dizer, aqui eu não posso impedir que os desgarrados toquem em Briette, mas se eu fizesse parte deles... Talvez eu poderia mantê-la a salvo.
- É algo com que devo me preocupar? – ele disse quase como se fosse uma piada, como se a revelação de fosse totalmente insensata e surreal.
Foi a vez de considerar o nível de sinceridade em sua resposta.
- Nunca contei isso a ninguém, mas quando apareci aqui com meu amuleto de Guardiã, Leorhys me mostrou vários futuros meus, então... Sim, talvez você deva se preocupar. – ela constatou, os lábios se repuxando na imitação precária e sem qualquer esforço de um sorriso.
Uma expressão muito breve de choque banhou o rosto de por um momento. Com certeza não eram as palavras que esperava ouvir. O rapaz se recompôs rapidamente e fixou os olhos azuis intensos nos dela.
- Nesse caso, eu iria atrás de você. – ofereceu um sorriso orgulhosamente decidido a ela.
A ruiva viu em sua mente vários flashes de futuros que ela preferia esquecer e passou os braços em torno da cintura dele, escondendo o rosto contra o seu peito quando finalmente soltou sem força:
- Eu não acho que você conseguiria.


Capítulo 19

Estava escuro e há horas as fogueiras haviam deixado de crepitar na ilha. A lua laranja iluminava parcamente o território, insuficiente para revelar os dois rostos que se encontravam tão próximos no esconderijo.
forçou os olhos no escuro, olhando-a com atenção, tentando analisar seu rosto. Aquilo era um sorriso? Ou será que ela estava mordendo o lábio, apreensiva? Ele esfregou a palma da mão na bochecha, impaciente.

- Por favor, diga algo. – pediu num sussurro. Tudo o que sabia é que ela estava sentada de frente para ele, abraçada a uma das pernas enquanto a outra se estendia ao lado de seu corpo, levemente encostada em seu quadril. Ela soprou o ar levemente, mas ele sentiu quando o hálito atingiu seu rosto.
- Então você a beijou... O que exatamente espera que eu fale, ? – seu tom era curioso e bem humorado. Ele conseguiu distinguir o formato de sua cabeça se mexendo negativamente. – Tudo bem. Eu fico feliz que tenha se importado o suficiente para me contar. Você quer saber o que acho? – ela puxou o joelho para mais perto de seu peito e apoiou o queixo ali. – Eu acho que ela é maluca.

O Guardião riu silenciosamente. Segurou as mãos da garota e encostou sua testa na dela.

- Por favor, Bree, você sabe o quão importante é para mim. Seja sincera.
- ... – ela começou, e sua voz baixa parecia um pouco incomodada. – Você não precisa viver se perguntando o que os outros vão pensar. Não foi exatamente isso que veio nos mostrar? Não entendo porque precisa da minha opinião. Além disso, você costumava pedir a ajuda de Viper também, se bem me lembro...
- Já sei a opinião dele. Ele anda mais com do que Baelfire. É meio óbvio o que ele pensa... – ele apertou com delicadeza as mãos da amiga, incentivando-a a falar.
- Acho que você vai precisar de paciência, se realmente quer ficar com ela. Mas não acho que seja uma loucura, meu querido, realmente não acho. Quer dizer... É claro que já tinha percebido seus olhares antes. Desde que ela chegou aqui. Até quando você a desafiou para um duelo. , fale a verdade, quantas garotas já o provocaram assim? Quantas garotas já tiraram sua razão a ponto de te fazer propor coisas irracionais?
- Eu acho que ela é perfeita para você, chefe. – a voz atraiu o par assustado para uma silhueta encostada em uma árvore.
- Nilo? O que está fazendo aqui? – a testa de se franziu. Aquela era uma das poucas ocasiões em que um Guerreiro seu poderia prejudicá-lo.
- Vocês não são muito discretos. – ela deu de ombros. Passou os dedos pelo cabelo cor de areia e suspirou. – Estou de guarda, você sabe. Mas não se preocupe, não vou entregá-los. De qualquer modo, é isso que eu acho: ela é perfeita para você. – a luz fraca iluminou a curva do sorriso sincero dela. – Só é uma pena que ela seja uma líder tão boa a ponto de roubar o seu lugar. – ela provocou. riu e negou com a cabeça.
- Você não deveria estar ouvindo a conversa alheia, mocinha. – ele repreendeu bem humorado.
- E vocês não deveriam sair depois do horário de suas cabanas, Guardiões. – a advertência não parecia séria.
- Ninguém vai contar nada para ninguém, certo? – ele riu e pôs-se de pé, ajudando Breeze a fazer o mesmo em seguida.
- De modo algum. – Nilo deu de ombros. Quando passou por ela, tocou seu ombro.
- Sua opinião é muito importante para mim. – ele informou. A garota sacudiu os ombros divertidamente até fazê-lo afastar a mão e bateu de leve o quadril no dele.
- Deixe de ser ridículo, não é assim que vai comprar o meu silêncio. – zombou, mas em seguida depositou um beijo na bochecha dele. – Espero que ela não seja demais para você.

riu e se afastou ao lado de Breeze. Quando já estavam longe o suficiente, ela voltou-se para ele.

- Nilo não vivia no seu pé?
- Metade dos Guerreiros dessa ilha não vivem no seu pé? – rebateu. Ele sentiu o olhar da amiga em si, então deu de ombros. – Ela sempre soube que não era sério. Bom, ela sempre foi uma boa amiga, também. Me quer bem tanto quanto quero a ela.
- Ela é bastante madura. – a Guardiã observou enquanto brincava com o cordão em volta de seu pescoço. a acompanhou até sua cabana e beijou sua testa em despedida. Com as mãos nos bolsos da calça, caminhou silenciosamente em direção a sua própria cabana. Abriu a porta e retirou a camiseta azul.
- Algumas pessoas não teriam bons olhos para esses encontros no meio da noite... – instintivamente cobriu o torso com a camiseta recém tirada, um grito agudo escapando por sua garganta. Em sua janela, Viper estava sentado sobre um galho de árvore. Mordeu despretensiosamente uma fruta que parecia incrivelmente suculenta, mesmo sob uma iluminação tão fraca.
- Você quase me mata do coração. – reclamou, atirando em seguida a camiseta no rapaz, mas a árvore defendeu-o. – Não sei o que quer dizer.
- Você... E Breeze. Pelas luas! Alguém já disse que vocês não são nem um pouco discretos? – ergueu a sobrancelha para o amigo. – As árvores têm ouvidos, acredito que saiba. Na verdade, a maioria delas protege dríades¹, e dríades são criaturinhas bastante comunicativas. – Viper deu de ombros. A árvore que o sustentava o sacudiu levemente, mas ele acariciou o galho e falou gentilmente: – Você sabe que é brincadeira...
- O que está querendo dizer, Viper? – ele revirou os olhos, impaciente. A árvore estendeu o galho para dentro do quarto do rapaz. Viper projetou dentro de um dos aquários de um conjunto de bloemlicht, flores aquáticas capazes de emitir luz. O quarto se iluminou o suficiente para que eles pudessem se enxergar.
- Eu quero dizer que algumas pessoas poderiam interpretar errado, você deve imaginar... Dois Guardiões saindo escondidos de suas cabanas no meio da noite. Digo, você sabe como as criaturas noturnas adoram fofocar, isso não demoraria a se espalhar entre os Guerreiros e então toda a ilha estaria sabendo. – agora conseguia ver com clareza a expressão de falso pavor do outro Guardião. – Eu aposto que existe uma pessoa que não ficaria feliz em saber disso, na verdade. Você não se preocupa com , ? – Viper entortou a cabeça, curioso. – Eu tenho conversado muito com ela, sabia?
- Não estou entendendo. Você... Está me ameaçando? – o garoto de verde estendeu a mão para que ele parasse.
- Pare, pare. Não me interrompa, por favor. Onde eu estava? – ele se questionou, mordendo mais uma vez a fruta em sua mão. – Ah, sim. Tenho conversado muito com ... Ela é insegura, ela ainda não tem certeza se deveria estar aqui, ela tem medo de decepcionar quem está ao redor dela, ela não confia em si mesma. Mas ela está confiando em você, . Então, deixe-me ser claro. – a árvore gentilmente colocou o Guardião no chão. – Eu sei que você não foi ter um encontro romântico com Breeze no meio da noite. Eu conheço os dois bem o suficiente. Portanto, se essa história correr pela ilha, eu limparei essa para você. Mas, da próxima vez, tenha a certeza de que não fará algo que possa gerar fofocas desnecessárias, , porque se quebrar a confiança de , eu quebrarei a sua cara.

Viper estava perto demais dele, sua respiração pesada se misturava com a um pouco nervosa de . Os dois se encararam por tempo o suficiente para se tornar desconfortável.

- Então, é, sim. Acho que você pode considerar uma ameaça. Você se sentiu ameaçado? Porque eu treinei bastante enquanto você não chegava. – Viper deu de ombros. riu aliviado.
- Pelas luas, eu quase molhei as calças. – ele brincou. Os dois desviaram os olhares, sem saber como prosseguir. passou a mão pela nuca e então voltou a fitar o amigo com um sorriso nos lábios. – É legal saber que ela pode contar com um amigo como você.
- Um amigo como eu? – questionou com um sorriso debochado.
- É... – ao ver o olhar inquisidor do amigo, ele continuou: – Você está esperando meus elogios? – os dois riram. – Alguém extremamente leal, exageradamente sincero e que... Que é capaz de tudo pra não ver um amigo mal. Mas acho que, principalmente, alguém que é capaz de tudo sem ter que exibir seus atos...
- Pela fertilidade dos sete planetas! – Viper lançou o olhar para cima como se pedisse a ajuda das luas. – Você ficou sabendo das conversas que tive com alguns Guerreiros, não foi?
- Eu estava tentando te elogiar, cara...
- Sinto muito, mas eu tenho medo da sua namorada. Talvez, se um dia você conseguir se livrar dela, você possa me procurar novamente. – Viper deu uma piscadela para ele e os dois voltaram a rir. – Mas falo sério, tente não quebrar . – deu o primeiro passo para se virar, mas voltou-se para o amigo novamente. – Eu dei alguns conselhos para ela também. Prometi que quebraria a cara dela se ela te machucasse, ou algo assim. Espero que vocês entendam que eu não vou escolher um lado, tudo bem? Mas, se um dia eu precisar, talvez, só talvez, eu escolha o dela, porque... Quer dizer, se você der água demais pra uma planta, ela até consegue administrar tudo sem se afogar. Mas você já experimentou dar fogo pra uma planta, cara? ELA MORRE! – o Guardião enfatizou falsamente apavorado, fazendo o amigo rir. Depois, subiu no galho que o esperava na janela e, sem se despedir, afastou-se da cabana.



Aquela manhã na ilha parecia mais agitada. As conversas soavam mais altas, os risos mais estridentes e as cores mais vibrantes. Ou talvez essa fosse a impressão que havia ficado após o anúncio de Fintan durante a primeira refeição:

- Gostaria apenas de lembrar que os times selecionados cuidadosamente nos últimos dias embarcarão hoje para Ubrac.

A partir dali o clima ficou pesado. O ar parecia viscoso demais para ser inalado. A comida, insossa, asquerosa demais para ser consumida. As vozes morreram.
Não era o medo se instaurando, certamente, mas talvez porque aquilo tudo era muito novo para as crianças de Mirth aceitarem com tranquilidade. Afinal, um de seus aliados havia sido atacado. Quão longe a própria ilha estava de ser o próximo alvo?



Embora nunca tivesse passado por uma situação parecida antes, tinha quase certeza de que não era assim que os antigos Guardiões e Guerreiros se despediam do povo que ficava na ilha ao irem para alguma missão. Havia toda uma pompa que ela julgava desnecessária e Fintan quase ordenou que ela vestisse suas roupas mais decentes. Olhou para o próprio corpo. Suas calças poderiam ser consideradas relativamente novas: quase não tinham rasgos. A blusa vermelha era uma das que nunca tinha usado. O bico da bota esquerda estava sujo e ela tentou limpar na grama. Havia prendido os cabelos com uma fita verde. Poderia ser um orgulho para Fintan, ela pensou, mas essa hipótese foi anulada ao ver Amber juntando-se ao grupo: a Guardiã trajava um delicado vestido amarelo que, sem qualquer dúvida, faria o chefe dos Guerreiros aplaudi-la com ânimo.
decidiu desviar a atenção dos colegas, olhando ao longo da praia. Os Guerreiros já estavam prontos também. Ela não tinha ideia do que poderiam estar esperando.

- Meus queridos filhos de Mirth. – Fintan começou, suas palavras se espalhando com o vento e chegando fortes aos ouvidos. – Hoje partiremos em uma missão extremamente importante para a ilha, nos colocaremos ao lado de nossos aliados e provaremos que Mirth não aceita provocações. – ele olhou em volta, procurando por rostos desatentos, mas pareceu lembrar-se de algo e sorriu. – É costume que, antes de partir, uma ninfa de cada casa ofereça sua proteção aos Guardiões e Guerreiros, e assim acontecerá agora.

As sete ninfas se colocaram na beira da praia de braços abertos para receber os Guardiões. se aproximou da ninfa do fogo.

- Ah! Fireen! – a figura delicada exclamou. Sorriu para a Guardiã e apertou-a num abraço saudoso. – Como você cresceu, minha criança. Sinto tanto que não tenha podido estar mais presente para você. – embora seus braços fossem calorosos, sua voz queimava em pesar.
- Eu acho que está me confundindo. Sou a Guar...
- Sim, , sei bem quem é. – ela sorriu enquanto afastava a menina de seu corpo, sem tirar seus braços de sua volta. – Eu sou Firenze. Você não deve me conhecer, é claro, mas fui eu quem deu esse amuleto para você. – a ninfa tocou com carinho o amuleto de Guerreiro que tinha.
- Não, deve estar lembrando errado. Quem me deu esse amuleto foi uma senhora muito velha, minha mãe disse. – a garota explicou com gentileza. Diante de seus olhos, a ninfa tomou a forma da senhora que a mãe de vira em seu nascimento.
- Sim, eu. – Firenze explicou, tornando a forma original. – Não poderia aparecer assim para sua mãe, ou ela se assustaria. Poderia acreditar que eu a queria trocar². – ela olhou em volta, notando as outras ninfas com seus afilhados. – Escute, minha doce Fireen, não temos muito tempo...
- Por que continua me chamando assim?
- Foi como a nomeei, antes que sua mãe o fizesse. Significa “a esperança do fogo”. Eu sempre soube que seria você. Sinto muito se não pude lhe entregar seu verdadeiro amuleto, mas Baelfire não o entregou à própria lua.
- Este é o meu verdadeiro amuleto. – defendeu.
- É claro que é, minha criança. – os olhos doces de Firenze escureceram quando sua expressão mudou. – Escute, Fireen. . Eu devo lhe dar minha proteção nessa jornada, mas mais do que isso, devo lhe dar um aviso. Tudo o que parecer um fim, é só um começo. Onde a guerra termina, a paz começa, e vice-versa. Então jamais tema, minha criança. – ela olhou em volta, preocupada, e voltou a encarar a menina. As demais ninfas já haviam dado suas proteções aos Guardiões. – Você jamais estará só, . Nunca esteve. Sempre teve a mim e sempre terá. É minha filha, porque eu fui a primeira a tê-la nos braços, vi seu primeiro sorriso, parei seu primeiro choro. Por isso, sempre que pude, estive com você, mesmo que às vezes não me percebesse. Não tema, corajosa Fireen, pois nessa batalha estaremos juntas. – franziu a testa. A ninfa tinha o tom que agora ela já conhecia de alguém que falava menos do que o que sabia.
- Eu não entendo...
- Você tem minha proteção, doce e brava Fireen. O Fogo estará com você.

Firenze se afastou e outra ninfa tomou seu lugar, oferecendo proteção a e desejando sorte na missão, mas a ruiva não conseguia prestar atenção.
Quando o rodízio de ninfas finalmente acabou, os Guardiões voltaram a se juntar, ansiosos pelo que aconteceria a seguir.

- Você está bem? – questionou, colocando o braço esquerdo em volta da cintura dela.
- Eu...
- Agora, conforme eu chamar seus nomes, os Guardiões se colocarão em frente ao time de sua casa. – Fintan ordenou.
- Ah, pelas luas! – Brock reclamou.
- Bem, poderemos dar algumas risadas... – Amber deu de ombros. Violet mordia os lábios, vendo o que viria pela frente.
- O quê? – olhou confusa para os colegas.
- , de Lores... – o mais velho começou.
- Está brincando que esse é seu nome mesmo? – Breeze parecia indignada.
- A primeira filha do Fogo. – Fintan continuou sem perceber a comunicação dos jovens.
- Do que ele está falando? – ela sussurrou enquanto se colocava à frente do grupo de vermelho.
- Ela já tem até um título. – Viper mexeu a cabeça em negação.
- Brockwood, de Grush. – franziu a testa em incompreensão enquanto Fintan chamava.
- Brock... Wood? – olhou para o lado, vendo Brock assumir seu lugar. Os outros Guardiões riram e o de laranja lhes estendeu um gesto feio.
- Que belíssimo nome. – tentou conter as risadas.
- Amber Light, a décima primeira, de Aoish.
- Nome idiota. – Amber revirou os olhos. Breeze conservava um sorriso cômico nos lábios.
- Crawler, o quarto, de Sivos.
- Crawler? – todos os Guardiões olharam chocados enquanto Viper se colocava em frente ao grupo de verde. Ele deu de ombros, não parecendo se importar com as reações deles.
- Viper é o seu segundo nome?
- Se fosse, ele teria mencionado também.
- Prestem atenção. – Viper pediu enquanto os colegas conversavam.
- , o sétimo, de Athair. – Fintan continuava chamando sem olhar para os Guardiões.
- Sem comentários. – Bree revirou os olhos.
- Blue Breeze, a segunda, de Hathor.
- Olhe só quem estava rindo... – Amber provocou quando a colega passou emburrada.
- Violet, a décima oitava, de Carmetar. – Fintan finalizou, finalmente direcionando os olhos para os Guardiões e sorrindo orgulhoso com o posicionamento deles. – Tenham a delicadeza de ouvir as ninfas.
- Nobres e corajosas crianças de Mirth. – Firenze, a ninfa do fogo, parecia ter sido a escolhida para o pronunciamento. – As Luas estão muito orgulhosas de todas as suas conquistas e dos sacrifícios que fizeram até aqui. Em retribuição, hoje brindaremos com os mais nobres néctares existentes. – ela sorriu enquanto Soldados, Guerreiros e Guardiões batiam palmas. – Antes, é claro, é necessário que relembremos o motivo de tomarmos esse néctar, impedindo que esse brinde seja vazio de significado e puramente vulgar. – a ninfa pegou uma garrafa belamente decorada e de aparência antiga. – O néctar é produzido pelas ninfas, guardado pelas ninfas e enriquecido pelas ninfas. Inicialmente, o néctar era produzido em baixa escala e tinha um único objetivo: servir de ingresso aos filhos de Mirth em suas luas. Desse modo, a preciosa bebida era oferecida aos habitantes dessa ilha que se voluntariavam nas guerras. Era sabido, então, que só esses que batalhavam é que eram bem-vindos depois da morte. Com a evolução desta terra e a chegada de tempos de calmaria, acreditou-se injusto que Soldados, Guerreiros e Guardiões que com tanta vontade serviam à ilha não fossem aceitos em seus respectivos pós-mortes. A partir de então decidimos que os néctares seriam ofertados uma vez a cada ano para que, com toda a certeza, nossos filhos fossem bem recebidos ao voltarem para suas luas. Além disso, por suas capacidades de cura e restauração de energia, o néctar de cada casa passou a ficar disponível nas enfermarias. Por fim, após um período de intensas e frequentes guerras, néctares mais pobres e, talvez, completamente desconsideráveis em relação às luas começaram a ser amplamente produzidos. Isso porque a quantidade absurda de batalhas ocasionou o costume de beber essa preciosidade com frequência, tornando o que antigamente era apenas um brinde em uma atividade banal. – a ninfa olhou em volta, sentindo-se aquecida pelo olhar de cada uma daquelas crianças em si. Destampou a garrafa e serviu o primeiro copo. – Por isso, nobres defensores desta terra, lembrem-se, a cada vez que este gosto agraciar seus paladares, de que estão partindo para algo especial.

Os copos começaram a ser passados para cada um daqueles que tinha sido selecionado para a missão. Firenze entregou o copo que ela mesma havia servido a , que o pegou com curiosidade.
Aquele não se parecia em nada com o néctar que estava acostumada a ver nas fogueiras, ou mesmo com o da enfermaria. Sua consistência parecia muito mais fina, leve, como se tivesse sido filtrado várias vezes. O vermelho que o tingia era muito mais intenso, vivo e, se ela olhasse por tempo o suficiente, tinha a certeza de que podia vê-lo dançando em labaredas. Se algum dia pudesse ver fogo líquido, ela sabia, se pareceria exatamente com aquilo.

- Brindemos! – Fintan instruiu e ergueu com a mão esquerda seu copo em oferta aos demais.

buscou com o olhar os amigos. Abriu um sorriso a Viper quando ergueu seu copo em direção a ele, e depois a Amber, Brock, , Breeze e finalmente Violet. Deu meia volta para encarar os Guerreiros e Soldados de sua casa e ofereceu o mesmo brinde a eles, para então fazer o mesmo aos demais Guerreiros e Soldados. E então seus olhos encontraram os de Kyle e ela trocou o copo da mão esquerda para a direita, sendo seguida pelo irmão. Ele se aproximou dela e os dois bateram os copos como nos brindes que sua família fazia em ocasiões especiais. Por fim, os dois levaram, como todos os demais, os copos aos lábios e sorveram os líquidos. O olhar da Guardiã não desviava do rosto do irmão enquanto contava. Um gole. Dois goles. Três goles.
Quando abaixaram os copos, suas bocas estampavam sorrisos satisfeitos. Kyle a agarrou pela cintura e beijou-a pelo rosto todo.

- Essa será a primeira de muitas missões. – ele prometeu.
- Lado a lado. – ela o abraçou com força, mas diminuiu a pressão dos braços ao perceber que ele ainda sentia dor. Nenhum dos dois falou mais nada. Quando afastou o rosto de seu ombro, percebeu a ninfa do fogo olhando-a com um sorriso sereno. Deixou que o irmão fosse tomado por alguma companheira dele e, incomodada, buscou Violet.
- Aquela ninfa é esquisita. – comentou. A amiga deu de ombros.
- Ouvi que ela é um pouco desajustada. Mas acho que ninfas são todas criaturinhas estranhas.
- É sério. Ela ficou me chamando por outro nome e... – balançou a cabeça, lembrando-se de algo mais sério. – O que é um título?
- É algo pelo que você será conhecido nas gerações futuras. Normalmente é algo que você fez que distingue você dos Guardiões anteriores. Você sabe como... – Violet suspirou enquanto pensava num exemplo. – Kiazur, o grande pacificador, o homem das mil mortes e todos aqueles outros nomes.
- Ah... E por que eu tenho um? E por que eu sou “a primeira filha do Fogo”? Não existiram, sei lá, centenas de Guardiões antes de mim?
- Bem, ... Sim. Mas todos eles eram homens.
- Certo. – a ruiva riu com ironia. Em volta das duas uma algazarra havia se formado.
- Sério. Se algum dia pudéssemos encontrar Pokaini³, você veria que só há uma laorie4 vermelha. – Violet argumentou.
- Me parece pouco provável, quer dizer... – buscou na memória alguma referência a nomes femininos em algum dos livros da história de Mirth.
- Você está tentando lembrar se já leu sobre alguma Guardiã da sua lua, não é? – a mais nova sorriu. – Existem rumores antigos que diziam que a sua lua era muito violenta, a Lua de Sangue, não é? E que por isso só mandava homens como Guardiões: porque se uma Guardiã nascesse, ela teria de ser a encarnação da própria lua, ou algo assim. – ao perceber o ar debochado da amiga, Violet riu. – São fofocas do passado, , é claro que você não acreditaria nisso. Mas eu adoraria que fosse verdade. – viu quando a expressão dela se transformou, os olhos violeta da garota ficaram mais escuros conforme seu rosto parecia amadurecer em preocupação. – Oh... Você não vai gostar disso.

Antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa, Fintan voltou a atrair a atenção para si.

- Enfim é hora da despedida. A equipe selecionada para a missão deve se encaminhar para a água. Os transportes estão esperando por nós depois dos corais. – ele indicou o mar. sentiu-se zonza por um segundo.
- Temos que... – ela esfregou uma mão com pressão pelo rosto, tentando juntar as palavras. – Eu tenho que nadar até lá?
- Ei, calma. Respire devagar. – Violet instruiu. Seu tom nervoso se amenizou quando notou se aproximar.
- Parece que sua equipe está meio preocupada com essa distância na água, hein? – ele comentou bem humorado, ignorando a expressão de pavor da Guardiã. – Que tal a gente mostrar pra eles que não tem nenhum problema? – assumiu o lugar de Violet no campo de visão da ruiva, mantendo um sorriso sereno no rosto. Ajeitou com delicadeza uma mecha do cabelo dela que havia escapado do penteado e aproveitou o gesto para acariciar a bochecha dela. – Eu prometo que vai ficar tudo bem.
- Eu não posso fazer isso. – soou decidida.
- É claro que você pode. Você é incrível, , e consegue fazer mais do que imagina. – puxou-a para mais perto de seu corpo. De repente o cheiro da água estava mais evidente para ela. O cheiro salgado e quase enjoativo daquela grande massa molhada. Ela tinha certeza de que não conseguiria. – Não faça essa careta. Eu estou cheirando mal? Venha mais perto. – ele pediu. Ela escondeu o rosto no pescoço dele e ele a apertou com gentileza num abraço, balançando-a levemente de um lado para o outro. Aquilo lembrava as ondas na praia, mas era um gesto tão calmo que a aquietou um pouco.
- Eu acho que talvez eu consiga. – ela informou com os lábios colados na pele dele, os olhos fortemente fechados. afastou o rosto dela de seu pescoço.
- Você já conseguiu. Abra os olhos.

Quando ela obedeceu, percebeu que os dois já estavam imersos até o peito na água. Ele a protegia com uma extensão de seu escudo e a havia puxado sem que ela notasse para dentro do mar. entrou em pânico por um momento, olhando em volta e fazendo menção de voltar para a ilha.

- Ei, você já está aqui. Vamos mais um pouco. Eu não vou te soltar. – segurou a mão dela, encaixando seus dedos nos dela e puxando-a mais para o fundo. Eles precisaram começar a nadar, mas ele permaneceu segurando sua mão.

não tinha que segurar a respiração, Breeze e os Guerreiros do Ar tinham garantido aquilo. Ao redor deles, outras crianças com bolhas de ar em volta da cabeça nadavam para o mesmo destino: uma parede de corais que se aproximava cada vez mais. Ver os outros distraiu o suficiente para assustá-la quando uma sereia resolveu nadar com a barriga quase colada na dela. A mulher riu com o susto da Guardiã, bolhas de ar escapando de sua boca e narinas e esbarrando no escudo que a envolvia.

- Elas gostam de se exibir. – explicou. Seu tom era calmo e, se não tivesse uma bolha de ar em volta de sua cabeça naquele momento, ela poderia beijá-lo. – Ei, por que está sorrindo assim pra mim? – ele entortou a cabeça, parecendo genuinamente curioso.
- Eu realmente gosto de você. – ela constatou um pouco chocada. Porém, sua voz se prendeu naquela bolha de ar que ela usava, impedindo que ouvisse mais do que o som de bolhas de ar, então ele apenas riu e ela o acompanhou.

A dupla, bem como o restante das crianças de Mirth, finalmente alcançou a barreira de corais. De pé sobre ela, eles avistaram várias naves subaquáticas. Alguns Guerreiros e Soldados já começavam a entrar, mas os Guardiões observaram por algum tempo até que Fintan lhes fizesse sinal para que entrassem.
O interior das naves era bastante comum: dentro das várias câmaras do lugar, fileiras de bancos estavam dispostas de costas para as paredes do veículo, de modo que seus passageiros encaravam uns aos outros durante a viagem. Cada um ocupou um dos poucos assentos que restaram na câmara que escolheram. Não demorou muito para que as portas fossem fechadas e o movimento de arranque fosse sentido.



- está meio calada, não é? – Viper constatou no ouvido de . Mantinha o olhar na Guardiã que segurava com força as bordas do banco que ocupava e conservava no rosto uma expressão preocupada, apesar de seus olhos ausentes e os lábios que se mexiam formando palavras mudas.
- É... Eu acho que isso é mais água do que ela pode suportar. – o de cabelos azuis concluiu.
- Mesmo depois de você? – o outro gracejou, levando uma cotovelada do amigo. – Mas de verdade, ela parece estranha.
- Ela teve um pouco de dificuldade pra chegar até aqui. Honestamente, eu não acho que reagiria melhor se me pedissem para andar pelo fogo. Ela está lidando bem. É corajosa.

Ao redor de tudo era som. A maioria das crianças das outras casas estava se saindo bem com a viagem subaquática, faziam uma algazarra, riam e brincavam entre si. Já ela se sentia pálida, suava frio e esforçava-se para não ter um ataque de pânico. Para distrair-se, concentrava-se no que os outros diziam. Agora eles falavam sobre a mensageira de alguns dias antes.

- Eu nunca havia visto uma íris antes. – uma Guerreira da Colheita disse.
- Eu vi apenas uma vez. Mas era de dia. Vocês deveriam vê-la de dia. Suas asas brilham e a luz se espalha por elas, pintando-as de todas as cores. É lindo! – um garoto do Ar contou.

A mente de correu para as páginas de um dos muitos livros de criaturas que leu sob o comando de Targ, seus lábios recitando sem voz as palavras escritas na página dedicada às íris.

- É até estranho que ela tenha aparecido à noite, já que gostam de mostrar a sua beleza. – alguém apontou.

A boca de repetiu as palavras do livro, lembrando que as íris eram vaidosas por serem as mais belas entre as espécies de harpias, por isso gostavam de mostrar-se sob o sol. Instantaneamente outra página lhe saltou na memória.
“- Ele se preocupa com você. E te admira...
- “Navolger-umbra: criatura que, durante a noite, tem a capacidade de assumir a forma de outra criatura.” – começou a ler a página em que o livro se abrira para calá-lo, fazendo-o rir e fechar a boca enquanto recitava as palavras. – “Sua origem, assim como sua forma natural, não é conhecida. É uma criatura conhecida por ser usada como mensageira dos Filhos da Escuridão, uma vez que essa espécie só pode ser encontrada em seus territórios.” – levantou o olhar para o tutor. – Não sabia que a terra dos desgarrados tinha uma criatura única de lá.”

Com olhos arregalados ela se colocou em pé. Buscou com o olhar até encontrar o rosto desejado e correu até ele, ajoelhando-se a sua frente e recitando as palavras que tentavam sufocá-la.

- Não era uma íris. Era um navolger-umbra. – seus olhos da cor do fogo fixaram-se nos dourados de Targ e observaram enquanto ele absorvia a notícia. – Íris mostram-se durante o dia, para que o sol possa colorir as asas e, assim, possam se sentir admiradas. Aquela apareceu de noite. Não fez o mínimo esforço para chamar atenção, manteve-se distante. Targ! Estamos indo para uma emboscada.
- Você tem certeza, ? – não era a voz de Targ, mas de Fintan, ao seu lado, que perguntava. A garota virou o rosto em sua direção devagar. Seu rompante havia atraído olhares que se multiplicavam, embora quase ninguém ouvisse o que falava.
- Infelizmente, sim. Desde o momento da mensagem sabia que havia algo errado, porém não conseguia fazer a ligação. Consegui fazê-la agora, por uma associação. Targ há de se lembrar do trecho do livro que li para ele recentemente. – voltou a olhá-lo. – Nada é por acaso.
- Sente-se no meu lugar, criança, eu vou chamar os outros Guardiões. Targ, encontre um pouco de néctar para a nossa , sim? – os dois mais velhos levantaram-se e assumiu o banco de Fintan, agarrando-se a ele com força enquanto balançava-se devagar buscando acalmar-se.

Violet foi a primeira a tomar o lugar ao lado do dela. Não precisava, é claro, que Fintan realmente a avisasse, apenas a menção do ato já a havia deixado a par de tudo.
- Como cabe tanta informação nessa mente? – questionou, suspirando em seguida. – Eu achava que ter o dom da visão era uma confusão, mas a sua cabeça parece que trabalha muito mais do que a minha.
- Aquela ninfa... – balbuciou. – Firenze. Eu tinha certeza de que havia algo de errado quando ela falou comigo. Ela tinha a sua expressão. – acusou, finalmente olhando para a amiga. – Ela tinha o mesmo jeito de quem sabe mais do que quer mostrar. E... É claro. Eu deveria ter notado antes. Todas as outras ninfas nos desejaram sorte na missão, mas ela... Ela me disse que estaria comigo nessa “batalha”. Mas eu não entendo porque ela não falou isso a todos nós, se já sabia. – buscou na amiga alguma resposta.
- Aqui está, centelha. – Targ interrompeu, entregando a ela uma garrafa de néctar. Quando ela o levou a boca, sentiu, decepcionada, o gosto do néctar da enfermaria.
- Temos certeza disso? – Amber questionou, ajoelhando-se em frente ao banco de e buscando confirmação nos rostos dos demais. Seu olhar parou esperançoso em Violet.
- Eu... – o veículo em que estavam parou subitamente, fazendo com que seus passageiros sentissem o solavanco. Os que estavam de pé seguraram-se para não cair. O som distante da porta abrindo foi ouvido. Em poucos segundos, sete criaturas entravam na câmara em que estavam os Guardiões. Leorhys, sob a forma de uma coruja, voou até o ombro de sua protegida.
- Como pode ser que não tenhamos visto isso antes? – ela questionou, assustando as sete crianças. Seu tom irritado era totalmente desconhecido para eles. Seus grandes olhos fitaram um ponto insignificante enquanto ela provavelmente procurava explicações em suas visões.

Baelfire subiu no colo de , analisando seu rosto com cuidado, sua forma de vulp mantendo um olhar preocupado que não lhe cabia.

- Isso é verdade? – ele começou, logo se interrompendo. – É claro que é verdade. Você não parece bem. Está se sentindo doente?
- É... É muita água. Como pode ser que você esteja tão bem? – ela interrogou indignada. Baelfire lançou um olhar rápido a Ceryn, que se mantinha numa bolha de água. – Ah. Claro. O que vamos fazer?
- Eu não posso acreditar! – Violet soltou alto demais, atraindo ainda mais olhares para o grupo.
- Acalme-se, querida. Erros como esse acontecem... – Leorhys interferiu. Depois, voltando-se ao resto do grupo, acrescentou: – Não vimos o que estava nos esperando porque uma antiga amiga de Violet entregou alguns segredos dela aos desgarrados. A partir do que ela falou, eles devem ter entendido como atrapalhar nossas visões fora de seu lar5.
- Certo. Precisamos tomar atitudes então. – Cytron decidiu. Lançou um olhar apreensivo a Baelfire, mas quem tomou a palavra foi Zarafee:
- Receio que tenhamos um problema: nossa comodidade com a paz nos fez crer que não enfrentaríamos uma batalha tão cedo, assim, não os treinamos tão bem quanto seria desejável para essa situação. – a fada admitiu envergonhada.
- Mas não será problema. – Skye afirmou. – Os dias que passaremos em terra firme até chegar ao nosso destino serão o suficiente para prepararmos todos os Guerreiros. E contamos com a ajuda dos Soldados, cujos conhecimentos serão bem aproveitados.
- Precisamos pedir reforços. – lembrou.
- Fique tranquilo, . – Ceryn sorriu de dentro da bolha. – Eu já cuidei dessa parte. Precisamos que os Guerreiros que ficaram recebam um treinamento intensivo adequado, então alguns Soldados que ficaram pela ilha tomarão essa tarefa. Além disso, o reforço começará a se transferir quando tivermos chegado ao nosso destino. Desse modo, serão o suficiente para substituir os Guerreiros e Soldados cansados ou abatidos. Trarão também a reserva de néctar da enfermaria. Infelizmente ela própria não é grande o suficiente para uma batalha, então teremos que controlar as doses de agora em diante. – seu olhar parou na garrafa que tinha nas mãos. A garota, levemente corada, tampou a garrafa e a entregou a Fintan.
- Guardiõesss, contamosss com a disssposissção de vocêsss de agora em diante. Ssserá difísscil, masss agora, maisss do que nunca presscisarão ssse mossstrar essxcelentesss líderesss. – Rohan sibilou.

A tensão caiu pesada sobre os sete jovens. Pela primeira vez não haveria mais espaço para inseguranças. Não teriam mais o direito de se questionarem. As dúvidas deveriam sumir, ali, e abrir espaço para um campo recheado de certezas.
- Eu acho que você vai ter que voltar a ser aquele cara. encarou .
- Eu acho que todos nós teremos que ser. – Viper apontou, o deboche frouxo em sua voz não chegando perto de apagar a preocupação que transmitia.



¹ Dríade: na mitologia grega, são ninfas associadas a árvores. Cada dríade nasce com uma árvore específica e vive nela ou perto dela; se a árvore for cortada ou morta, a dríade morre também. Nessa história, embora as dríades tenham a mesma relação com as árvores, elas não são ninfas, mas figuras humanoides com peles e cabelos que imitam as cores de suas plantas, de modo que podem se disfarçar entre elas. São conhecidas como os ouvidos das árvores, pois aproveitam de seu mimetismo para ouvir conversas alheias e, por serem bastante comunicativas, trocar informações com outros seres.
² Fireen se refere à crença da “criança trocada”, segundo a qual, entidades mágicas como fadas e ninfas poderiam trocar seus filhos por uma criança humana. Normalmente, essas criaturas trocam suas crias consideradas “defeituosas” pelas saudáveis de outra família.
³ Pokaini: floresta perdida onde, de acordo com a mitologia, estão as 14 árvores dos Guardiões. A localização exata da floresta nunca foi registrada, portanto, na atualidade, acredita-se que sua existência tenha sido sempre um mito.
4 Laorie: flor feminina da árvore Aorie que, dentro da floresta perdida de Pokaini, representa os Guardiões. É suposto que existam 14 dessas árvores dentro da floresta, representando os Guardiões (com a flor masculina, Haorie, que tem três conjuntos de cinco pétalas arredondadas que se sobrepõem) e Guardiãs (com a flor feminina, Laorie, que tem três conjuntos de oito pétalas longas que se sobrepõem). Suas flores podem ter as cores das sete luas. Acredita-se que para cada Guardião que nasce uma nova flor brota na árvore de respectiva cor e sexo.
5 As visões de Leorhys e Violet não são capazes de alcançar a terra dos Filhos da Escuridão porque o território é amplamente protegido pelos dons dos desgarrados.





Continua...



Nota da autora: Que as luas tenham piedade de mim! Por quanto tempo dormi?! Pessoal eu peço o perdão de vocês por passar milênios (não sei exatamente quanto tempo foi, aqui no meu país Mirth o tempo passa diferente) sem aparecer, mas acreditem, doeu mais em mim do que em vocês. Sei que já passou há muito, mas espero que tenham tido um excelente natal e que esse seja um belíssimo ano pra vocês. Falando agora da nossa história... Terráqueos! O quêque tá acontecendo aqui? O que acharam desse Baelfire fingindo demência depois de bloquear parte da memória da her? E essa safada descendo a famosa bofetada na cara do Muncie? Pelas luas! Comentem! Me digam o que acharam desse capítulo que lutei com todas as minhas forças pra finalizar! Ou digam que me odeiam. Ou digam qualquer coisa gente! E não esqueçam de entrar no grupo de RM pra verem como às vezes sou uma boa autora! Beijos e até a próxima!



Clique aqui para ler do capítulo 20 em diante.