Prólogo
— Milady, a senhora está indisposta, deveria descansar.
— Eu estou grávida, Trinidis, e não moribunda! Deixa que eu consigo andar. — a mulher falou para o mordomo que a seguia de perto para caso algo acontecesse.
O vestido vermelho brilhante era colado ao corpo na barriga e seios, mas solto o suficiente para balançar na parte de baixo enquanto caminhava, deixava evidente que a mulher esperava um bebê. Ou melhor, bebês.
Com 7 meses de gestação, ficava um pouco complicado se locomover pelas escadarias e rampas do castelo, mas não iria deixar de fazer suas coisas por isso. Afinal, ela era forte. Era uma das elementares de Fogo mais fortes do país todo.
Tinha previsto isso, que engravidaria logo, mas sua previsão errou um pouco. Nela, ela se via com três bebês no colo e não apenas dois como fora apontado pelos Curadores. Mas mesmo assim, teriam dois bebês feiticeiros, já era motivo de uma felicidade enorme.
Um menino e uma menina, o que mais uma mãe poderia querer?
O que mais uma Coroa podia pedir?
— Minha rainha, como você está belíssima hoje! — o rei falou assim que a mesma entrou na sala do trono. — Tenho novidades, o príncipe de Lennox acabou de completar dois anos e finalmente o rei aceitou meu convite para conversarmos. Vai ser maravilhoso conseguir nos aliar a eles.
— Byron, nossa filha mal nasceu e você já está querendo controlar a vida dela? — Louise respondeu, visivelmente inconformada com a atitude precipitada do seu marido.
— Você sabe que eu não tenho escolha. Ainda mais se ela vir a nascer primeiro — falou com uma falsa cara de tristeza. — Ela será rainha e precisará de alguém forte ao lado dela, alguém como ele.
— Mas não dava para esperar um pouco? E se ela não nascer primeiro? Quero que pelo menos um de meus filhos tenha o poder da escolha de amar quem quiser. — a rainha se sentou em seu trono, encarando o rei. — Nós não tivemos escolha.
— Certo, certo. O rei apenas aceitou conversar, não é como se ele tivesse aceitado o noivado já. — Byron respirou fundo, pegando a mão da sua mulher após alguns minutos, ela estava mais tensa que o normal, e no fundo, ele se preocupava e amava a esposa. — Fique calma, ok? Vai dar tudo certo.
Naquela mesma noite, a rainha começou a sentir contrações e as piores dores que já sentira na vida. Mesmo que prematuro, os Curadores falaram que era normal de gêmeos nascer antes da hora, ainda mais sendo pequenos Feiticeiros. Quando a primeira cabeça foi avistada saindo de deu canal, a rainha prendeu a respiração e uma visão a acertou em cheio.
Nela, via o castelo completamente destruído, praticamente reduzido a cinzas. O rei, seu amado marido, estava morto no trono ainda intacto do local. Muito fogo, muita fumaça, muitos rebeldes e, no meio disso tudo, viu olhos extremamente roxos de uma figura que nunca tinha visto, mas tinha plena consciência de quem era.
E o que causaria.
Capítulo 01
— Perdoe-me, meu Rei, porque cometi um pecado. — um senhor grisalho, e que tinha no corpo roupas extremamente desgastadas com furos, começou a falar e eu temia por ele. Ele estava de joelhos, curvado e com a cabeça baixa.
Fazia frio em Aseena. O Palácio Dourado não era o mais agradável para ficar no inverno, mas eu seguia ordens. Eu seguia o meu pai como um cão na coleira, afinal, eu seria a próxima rainha de Howslan. Estávamos em uma Sentença, um evento que condena pessoas da escória que cometiam crimes, desde matar, até roubar uma uva na feira, as punições variavam de açoitamento ao vivo; condenação perpétua, já que a morte normalmente era pouco perto do que alguns indivíduos mereciam; a própria morte ao vivo também era escolhida, entre outros. Apesar de que, meu pai amava colocar o nosso povo nas rédeas, as pessoas deviam torcer para o Rei Byron II ficar com o bom humor na Sentença, às vezes, o açoitamento era o melhor que eles esperavam. Eu odiava aquilo.
— O que você fez, meu senhor? — meu pai, o grande Feiticeiro, rei das terras de Howslan, questionou, a pergunta era uma mera formalidade.
— Eu roubei! — o senhor levantou a cabeça. Um cinza como todos da escória. A cor de seus olhos não negava aquilo, nem mesmo como suas roupas, o símbolo "C" de cobre, um Cinza, levitador, eles nos serviam. — Eu roubei para alimentar as minhas filhas! Minha esposa morreu, pela guerra que vocês travam! Eu precisei! — meu pai passava a mão em sua barba grisalha. Eu encarava a cena, com a sensação de desespero pelo homem injustiçado.
— Meus sentimentos pela sua esposa. — começou a falar, se levantando. — Mas leis são leis. London Herris, eu te condeno à morte! — o homem começou a chorar, foi o momento em que eu me levantei, uma afronta completa para o meu pai e sua corte, que me encararam. Eu sabia o que viria depois e não me importava, não era justo.
— O homem que bateu na esposa até deixá-la irreconhecível apenas será açoitado e o homem que precisou roubar pra cuidar das filhas vai morrer? — questionei, vendo os olhos verdes de meu pai terem uma leve mudança de cor para o lilás, ele era um Feiticeiro, o seu autocontrole fez com que seus olhos voltassem para a cor normal antes que qualquer um percebesse. — Não concordo!
— Está questionando o Rei, srta. ? — não me abalei com a ameaça visível em seu tom de voz, mantive a cabeça erguida.
— Não acho que é certo roubar, acredito que ele deva pagar com algum tipo de punição, sim! Mas não com a morte. — meu pai sorriu e cruzou os braços, aquilo não me intimidava.
— O que sugere então?
— Que este homem trabalhe para pagar seu crime! — alguns membros do conselho começaram a rir da princesa bondosa, mas com apenas um olhar eu calei a boca de todos eles. London Herris me encarava, parecia estar grato com a minha luta, mas ambos sabíamos que era em vão.
— Não existe essa forma de punição, , você bem sabe disso! — parecia mais uma reunião familiar ali no meio da Sentença. — London Herris pagará com a morte, eu não mudo de ideia. Essa é a lei!
— Umas uvas fazem falta em sua quitanda, meu senhor? — perguntei para o homem que acusou London Herris, ele pareceu ficar branco por ter uma Feiticeira falando com ele tão diretamente, ele gaguejava antes de responder um 'não'. — Eu pago as uvas do homem que roubou para alimentar as filhas!
— Basta! — Rei Byron II falou calmamente, aquilo significava que minha luta havia terminado. Para ele. — A próxima rainha de Howslan está um pouco... Sentimental. Vamos prosseguir a Sentença, sem mais delongas. Minha condenação prevalecerá. Próximo!
Caminhei de volta ao trono, sentei-me ao lado esquerdo de meu pai, que sorria. Eu odiava aquele sorriso sádico que pendia em seu rosto. Minha mãe, me encarava do outro lado dele, ela sorria sem mostrar os dentes, eu sabia o motivo. Pena. Pena do que estava por vir e ela sequer poderia impedir. O resto daquele "espetáculo" se passou em questão de horas. Malditos os criminosos que me obrigavam a passar por esse inferno todos os meses.
Quando ela por fim se encerrou, eu fui a primeira a me retirar, caminhei até meu quarto no Palácio Dourado e esperei pelo pior.
— Você me desafiou! — ele entrou, furioso, em questão de minutos. Minha mãe estava em seu encalço, tentando intervir algo inútil.
— Você vai matá-lo! Como matou a esposa dele com a sua guerra ridícula! — me levantei calmamente, aquilo o irritava ainda mais. — Você ainda insiste em me trazer para a Sentença! — fiquei em sua frente. Nós éramos diferentes um do outro, eu puxei minha mãe, não era alta como ele, mas os saltos enormes me faziam ficar perto, seus olhos azuis voltavam para a tonalidade lilás mesmo que ele tentasse controlar. Os meus estavam lilases fazia tempo.
— Você é a próxima rainha! Você comandará meu reino. — Byron disse entredentes, segurando meu punho. Não me abalei. — Você TEM que seguir meus passos.
— Não sobreviveremos até o meu reinado. — ele ficou vermelho, os olhos permaneciam no tom de um roxo bem claro. — Você terá matado todos nós.
— ! — minha mãe me repreendeu, entrando no meio de nós dois. Seus olhos estavam vermelhos, como os de todo vidente que existia. Uma Elementar do fogo, com poderes de enxergar o futuro. Não era engraçado? Um feiticeiro se casar com uma vidente? Ele é louco por poder. — Basta!
— Não me desafie mais, , você sabe do que sou capaz. — ele rosnou, me fazendo conter a vontade de tremer, eu sabia exatamente do que ele era capaz. — Você...
— Byron! — minha mãe arregalou os olhos para as joias, ela teria previsto aquilo? Claro que sim!
— Você vai viver sob as minhas leis e você seguirá elas se quiser ser a próxima rainha. — meus olhos brilhavam mais do que eu podia imaginar, não era para menos, eu estava prestes a explodir aquele quarto. — Apronte-se, temos um baile esta noite...
— Dane-se o baile! — ele sorriu, caminhando até a porta com minha mãe atrás dele. Talvez ela tenha previsto o que eu faria na Sentença, por causa disso resolveu se juntar a nós para evitar que meu pai me prendesse no maldito quarto e fizesse as coisas horríveis que faz comigo desde pequena todas as vezes que eu o contrariava.
— Te vejo no baile, minha filha. — falou e se retirou.
— Faça o que tem que fazer. – minha mãe sussurrou antes de sair do quarto e fechar a porta. Sabia do que se tratava e não era só sobre o baile.
Meus ombros caíram assim que senti sua presença se afastando. Eu não imaginava que ele fosse matar aquele pobre homem só para me ensinar uma lição. Uma dolorosa lição. Olhei as minhas mãos e delas eu sentia que conseguiria matar um Elementar por diversão. Talvez eu conseguisse derrotar um Verde. Eu os odiava mesmo. Contudo, guardei aquele sentimento. Isso é culpa de Byron, ele não podia ter feito o que fez. Por minha culpa, alguém morreu. Mais uma vez.
Se eu não tivesse nascido primeiro, jamais passaria pelas coisas que passo, jamais teria o fardo de nascer com a mão presa na Coroa, ter que seguir os passos tenebrosos que meu pai segue. Charles, meu irmão gêmeo, era o que Byron II queria. Por segundos, apenas segundos, todos os dias eu xingava meu amado irmão por isso. Charles era devotado, ele via em nosso pai, um Deus, seguiria seus passos, só não teria a Coroa, afinal, ela era minha.
Eu não a queria.
Fomos criados para liderar. Eu principalmente. Desde criança nós somos treinados para uma guerra infinita, afinal, éramos os poucos Feiticeiros de uma Dinastia em colapso, todos os dias éramos testados. Charles e eu éramos guerreiros, mas só Charlie lutava. Ele sempre gostou de derrubar sangue inimigo, ainda mais eles sendo de Uttara, nosso maior rival atualmente. Nos atacam constantemente na intenção de roubar nosso território, claro que a situação é muito maior se vista de perto. Meu pai nunca se afastou da luta, mesmo rei, ele era crucial para a guerra, mas era mais ainda para Howslan, ele nunca me deixaria com o poder. Sempre me achou fraca.
Howslan existe há alguns séculos, muitos já passaram pelo Trono e meu pai era a continuação de uma linhagem de extensa, sendo ele o décimo a governar. Eu seria a primeira Rainha. Nunca, nem um rei teve uma filha primogénita, era bizarro pensar que em anos de reino, eu seria a primeira. Para a tristeza de meu pai. Eu sabia o meu papel e não gostava dele. Minha mãe sempre diz "você é a mulher mais poderosa desse mundo, aja como tal", e eu era. A futura rainha do meu país. A primeira a governar sozinha.
Fui até a sacada de meu quarto, o sol estava forte, mas não escondia o frio que fazia. Por sorte, o inverno estava no fim, logo eu teria a minha estação preferida: a primavera. O clima sempre era prefeito.
O vestido que eu usava me protegia um pouco do ar gelado, mas não tanto. Olhei para o jardim e lá tinha alguns Cinzas. Guardas Reais. O traje que eles vestiam mostrava aquilo, mas normalmente eu conseguiria saber a função deles apenas com uma olhada no pescoço, lá estaria um "P", da cor que ele carregava, um preto. Eles rondavam o castelo o todo tempo. Suas habilidades eram questionáveis, eles tinham uma força enorme, dificilmente conseguiam ser derrubados. Claro que esses eram os mais fortes dos cinzas, "P" de cor preta, de protetores; mas tinham os guardas comuns, apenas cinzas, estes eram requisitados em guerra também. Todos sempre são treinados para qualquer coisa que pudesse vir a acontecer. Era muito difícil alguém nascer sem poderes nesse nosso mundo, mas ainda assim, não era impossível. Normalmente o rei colocava eles na linha de frente das batalhas e eles não tinham tatuagem alguma para identificação.
Meu pai havia me surpreendido por não ter me punido agressivamente, sempre acontecia, mas hoje, não aconteceu. Muitas perguntas se passavam pela minha cabeça, mas nada passava em branco, ele planejava algo muito grande para mim, ele me puniria ao vivo desta vez.
Respirei fundo antes de me deitar e esperar o momento certo para ir ao ninho de cobras, aquele baile seria aquilo para mim. Uma armadilha. Fui treinada desde pequena, um rei nunca da uma festa sem uma razão.
Fiquei um bom tempo apenas pensando nas coisas que meu pai poderia fazer a mim no meio de um salão cheio de convidados, mas me lembrei de que ele não teme nada. Nem mesmo se fosse para demonstrar força machucando sua filha ao vivo. E se era para ser punida de qualquer maneira, que eu tenha feito valer a pena.
Saí de meu quarto alguns minutos depois, indo em direção ao que minha mãe se referiu mais cedo, faça o que tem que fazer, ela tinha previsto o que eu faria e apoiou minha decisão. Tiraria London Herris da cadeia e da sentença.
Entrei em um dos corredores secretos que me permitiam ir até a prisão. Graças ao meu poder, iluminei sutilmente o caminho com um feitiço para conseguir prestar atenção onde pisava, demorei alguns minutos para chegar até lá, mas por fim entrei no vasto corredor cheio de celas. Estava sem guardas, patético. Não tinha o que temer, eu era uma feiticeira, próxima Rainha de Howslan, só precisava esconder por algumas horas a fuga de London, o bastante para ele pegar suas filhas e sumir dos olhos de meu pai.
Cheguei na cela do homem, ele estava desolado e triste e, ao me ver, o mesmo se curvou, mas não estava assustado como normalmente eles ficavam.
— Alteza!
— Vim te tirar daqui, London. — ele sorriu sem mostrar os dentes.
— Isso lhe causará problemas, minha filha. — quase sorri com isso, ninguém falava desse jeito comigo.
— Por sorte, eu sou a próxima rainha. — deu risada e se levantou, indo até a grade. Com apenas um movimento que fiz com as mãos, o cadeado abriu e a cela teve o mesmo destino, London saiu sem nem pensar duas vezes. Nenhum cinza confiava em feiticeiros. — Vamos dar tempo para sua fuga, tire sua blusa de frio e sua touca, por favor. — ele ficou com medo por alguns segundos e eu logo tratei de explicar que era para mais um feitiço ilusório, fingir que ele ainda estava na cela.
Fiz ele me seguir, mas não era fácil manter um homem nervoso em meu encalço até um túnel que nos levava para fora do castelo. Óbvio que encontramos guardas no percurso, com apenas um movimento eu o enfiei novamente em uma cela vazia e o fiz se esconder nela.
— Alteza! — o guarda se curvou, surpreso ao me ver. — Você não deveria estar aqui, não é lugar para uma princesa.
— Quem é você para me dizer o que devo ou não fazer? — ele logo tratou de engolir seco, nervoso. — Sou a próxima na linha do Trono, eu quero ver os nossos criminosos, preciso ver essa realidade.
— Sim, alteza. — o homem nem me encarava nos olhos.
— Meu pai também sabe que eu estou aqui em baixo. — menti, torcendo para ele entender a minha ameaça no ar. — Espero que o Rei não tenha que receber fofocas de informações que ele já tem conhecimento.
— Sim, alteza. — repetiu, tremendo. O encarei novamente com o nariz empinado.
— Volte para a sua ronda. — ele fez isso sem nem pensar duas vezes. Quando o vi cruzando o corredor e sumindo, tirei London da sua nova cela e tratei logo de correr para não sermos pegos novamente, meu pai saberia logo o que eu fiz. — Entre aqui, Herris. — o homem me seguiu para entrarmos no túnel. Repeti o que eu fiz no começo, fiz luzes saírem de minhas mãos e o Cinza pareceu ficar deslumbrado com aquilo. — Pegue suas filhas, vá para o sul, encontre Tundher e se esconda do meu pai lá. Reconstrua sua vida.
— Você é muito misericordiosa, princesa, eu não mereço isso. — vi em seus olhos a emoção, mas optei por ignorar.
— Sei que não tem dinheiro, espero que isso te ajude. — entreguei uma quantia razoável para o homem, ele conseguiria sobreviver até Tundher, que estava tão surpreso que não conseguia nem me agradecer. — Não sei o motivo de eu estar fazendo isso e lutando contra meu pai, mas é o certo. — admiti, antes de apertar o buraco em que abriria para os fundos do castelo. — Não diga para ninguém o que eu fiz.
— Todos deveriam saber que a próxima rainha é bondosa. — sorri de verdade.
— Isso é fraqueza. — ele balançou a cabeça, se curvando uma última vez.
— Você é a pessoa mais forte que já conheci!
— Você está linda, ! — Ophelia, minha criada que cuida de mim desde que nasci, falou, terminando de arrumar meu cabelo e colocar a coroa de diamantes no topo de minha cabeça. Combinava com meu vestido, ele era de mangas longas, com um decote em V que deixava meus ombros a mostra, com várias pedrinhas que se concentravam mais perto de minhas mãos e iam diminuindo quando chegavam nos meus seios. Embaixo ele tinha um belo degradê que ficava mais escuro, chegando ao preto na barra. De longe era um dos mais bonitos que Ophelia e sua equipe fizeram para mim.
— Queria que você estivesse lá comigo. — suspirei e ela sorriu. Ela era uma senhora muito elegante para uma Cinza, além de criada, foi minha babá, nunca nos desgrudamos.
— Oh, querida! — sorriu, arrumando os cachos nas pontas de meu cabelo cinza que iam até minha cintura. Poucas vezes meu cabelo ficava solto, Ophelia amava vê-lo daquela forma. — Se eu pisar naquele salão vai ser para servir, eu queria estar lá com você.
— Quando eu for rainha, você vai transitar por lá como uma deusa. — Ophelia riu, me dando um beijo na testa. Escutamos uma batida na porta e ela correu para abrir.
— Soldado Lawrence! — Ophelia se curvou e o moreno dos olhos preto se curvou também.
— Oi, mãe! — sorri, ouvindo meu amigo revirar os olhos, bufando. Ophelia era mãe de Thomas, nos conhecíamos desde pequenos e isso nos tornava melhores amigos, um dos poucos que eu tinha. — Vossa Alteza real está pronta? Está sendo requisitada pela realeza... As cobras estão com as línguas para fora e balançando já.
— Você tem noção que este seu comentário é extremamente criminoso? — ri, me levantando e indo até a porta. — Ah, Thomas Lawrence, o que seria de você sem a minha proteção?
— Um saco de cinzas, provavelmente. — ele admitiu, me fazendo sorrir e aceitar o seu braço para irmos ao ninho de cobras.
— Até amanhã, Pheli! — falei antes de me retirar, a senhora tratou logo de retrucar, mas eu a impedi. — Não adianta, tire uma folga essa noite, todos vocês. — olhei para os outros seis criados em meu quarto arrumando tudo, eles sorriram em gratidão.
Caminhei ao lado do meu guarda pessoal escolhido a dedo por mim, uma das poucas coisas que meu pai não me negava. Ele gostava de Ophelia, ela tinha cuidado dele quando criança e agora cuidava de Charles e eu.
Thomas era apenas três anos mais velho que eu. No percurso, ele me contava todas as coisas que sabia e me mantinha informada das fofocas Cinzas e Elementares, nada saía da minha vista. Ele também me disse que a minha defesa para Herris foi muito bem vista pelos Cinzas, mas muito criticada pelos Elementares. Chegamos ao meu destino e o Salão Principal estava lotado.
Respirei fundo ao ver do topo da escada milhares de pessoas, todas bem vestidas e exageradas como sempre. Assim que os anunciadores me viram, tocaram as cornetas, Tom me deixou seguir o caminho sozinha. Escutei o barulho todo e quando ele parou, era a minha deixa. Todos os olhos virados e concentrados em mim. Meus pais estavam no Trono, sorrindo, esperando meu show. Desci as escadas com graça e delicadeza, da forma que fui treinada desde pequena. Cumprimentava com a cabeça vários rostos conhecidos.
Os Elementares presentes ali eram como cobras mesmo, apenas esperando o momento de me dar o bote. Me sentei ao lado de meu pai. Ele estava com sua coroa de ouro com pedras lilases, minha mãe estava com a mesma coroa, ambos vestidos de marsala, parecia até que combinamos. Olhei para o meu lado e a cadeira vazia me entristecia. Queria que Charles estivesse ali e não em um campo de guerra.
— Sorria, ! — meu pai sorria enquanto via o povo andando pelo salão e eu fiz a minha melhor cara de deboche com sorriso falso.
— Eu seria mais verdadeira se Charles estivesse aqui. — dei de ombros e ele revirou os olhos.
— Então sorria, minha filha, seu pedido é uma ordem. — arqueei uma sobrancelha escutando a corneta tocar novamente, e do topo da escada, vi Charles. Sorri e desta vez foi de verdade.
Não via meu irmão há três meses desde que ele foi para as missões. Ele era o comandante das guardas do reino, se mantinha ocupado. Charlie estava lindo, parecia que tinha envelhecido alguns anos por conta da barba que agora ele escolheu deixar crescer. Por mais que fossemos gêmeos, não nos parecíamos muito, os olhos verdes eram iguais seguindo os olhos de nossa mãe, mas as cores dos cabelos divergiam, o meu era cinza, o dele um loiro escuro.
Meu irmão era extremamente alto, forte e inteligente, sem falar que suas habilidades eram perfeitas. Um Feiticeiro magnífico, além de dominar o Ar, um dos motivos de ser o Comandante, desbancando os Elementares mais velhos.
Ele caminhou até nós, sorrindo e cumprimentando todos com toque nas mãos. Charles sempre fora o mais simpático. Não resisti ao impulso de pular em seus braços.
— Estou aqui, bobinha! — falou, me fazendo sorrir, ele me chamava assim desde pequena. Abraçou nossa mãe logo depois e também abraçou meu pai.
— Senti sua falta. — admiti, me sentando, e ele me seguindo. — Vai ficar por quanto tempo dessa vez?
— Não era nem para eu ter vindo. — ele sussurrou, se acomodando. — Nosso pai me convocou para a festa. — respirei fundo, provavelmente pensando a mesma coisa que Charlie. — Você sabe que tem coisa por trás disso, não é?
— Sei. — e eu não gostava nem um pouco daquilo.
Capítulo 02
— Meus queridos companheiros de Howslan! — meu pai começou a falar, atrapalhando minha conversa com Charlie e chamando a atenção de todos os convidados. — Nos reunimos aqui novamente com uma festa digna para curtirmos um momento de vitória para o nosso país! —encarei Charles, que arqueava uma sobrancelha, ele sabia melhor do que ninguém que não estávamos tendo muitas vitórias. — Eu e minha família estamos felizes em nos reunirmos e compartilharmos com vocês eventos importantes.
Byron com toda a sua elegância se sentou no seu Trono novamente e sorriu. As trombetas começaram a tocar novamente.
Quem será? Os estavam todos ali, não tinha razão para isso.
O barulho se misturou com um som desconhecido. Olhei em volta, todos encaravam ansiosos a escadaria quando a porta se abriu, revelando várias pessoas. O show realmente começou. Primeiro, a bandeira azul escura com duas faixas vermelhas mais uma estrela no meio descia primeiro, uma fileira de guardas descia logo após dela, os uniformes eram diferentes dos nossos, eram azuis escuros com vermelho, enquanto o nosso era cinza e roxo escuro. Depois deles, mais ou menos trinta pessoas entre homens e mulheres vieram também, todos bem vestidos igualmente a nossa corte. Parecia que os guardas não parariam de descer, então vimos um homem baixo e rechonchudo com uma mulher loira. Os reis de Lennox, acompanhados de seu filho.
Meu coração parou ao ver do que aquilo se tratava. Charlie segurou minha mão, percebendo como eu estava inquieta, ou só sentindo sua cadeira de ouro esquentando, eu estava nervosa o suficiente para derreter ouro. Os três desceram juntos, sendo recebidos pelo meu pai e minha mãe em pé. Nenhum deles se curvaram um para o outro. Um rei nunca se curva para outro. Charles me obrigou a levantar e receber nossos convidados, não seria nada fácil agir com educação àquela altura.
— Vocês sabem como fazer uma bela entrada! — minha mãe comentou, sorrindo e abraçando Deby , a mulher loira totalmente elegante sorria, mostrando seus dentes brilhantes e certinhos.
— Peço perdão pela demora, Byron, minha rainha quis fazer a entrada triunfal. — Rei Conrad comentou, rindo. Eu encarei Charles, que permanecia sorridente e animado, enquanto forçava um sorriso meu.
— Nossas rainhas não nos decepcionam nunca, certo? — meu pai respondeu, me olhando de canto. — Essa aqui é minha filha, herdeira do meu Trono! — ele apontou para mim e três pares de olhos azuis se viraram em minha direção.
Com a maior educação que eu tinha, sorri e me curvei rapidamente, Deby não deixou de me abraçar, pelo jeito, lá eles partilhavam o afeto, Conrad me abraçou também, dando dois beijos em meu rosto, como fez com a minha mãe e não deixei de notar que o abraço dele era, digamos que, bem mais "leve" que o de sua esposa. Estranho.
— E esse é Charles, meu filho, Comandante das minhas forças aéreas, terrestres e marítimas. — Charlie era só abraços, ele adorava aquilo. Lennox o amou, obviamente.
— Seus filhos são lindos, Byron! Louise, eles têm os seus olhos. — Deby comentou, sorrindo. — Este é o meu herdeiro, ! — os olhos dele eram azuis como o céu, os cabelos loiros bem arrumados davam um ar de príncipe sério, ele era bem alto, da altura de Charles, mas meu irmão era mais forte, a roupa azul escura com a faixa cheia de emblemas não o valorizava tanto quanto deveria. Isso não significava que ele era feio, muito pelo contrário.
— Bom te conhecer, ! — Charles falou por mim, ele percebeu que eu estava analisando o garoto. já não parecia ser fã de abraços, mas abraçou meu irmão mesmo assim.
— É uma honra conhecer o Comandante. — a voz dele quase me fez arrepiar, isso era obra de meu pai. O encarei com raiva e ele sorria enquanto me olhava. Essa é sua maneira de me punir. Eu preferia ser açoitada mil vezes do que ser obrigada a fazer o que ele estava insinuando com aquele teatrinho. — A futura Rainha! — se virou para mim, sorrindo, pegando minhas mãos e as beijando.
Não houve abraços. Não houve sequer um movimento de minha parte, apenas uma estranha sensação que apitou do fundo de meu corpo, algo como um radar sobrenatural. Tinha alguma coisa estranha.
— Príncipe , estou muito contente em vê-lo. Sejam bem-vindos à Howslan! — ele me olhava no fundo dos olhos, cortei o contato antes que eu o queimasse vivo, por sorte, meu pai tomou a palavra. Não sabia o que ele era, se era um feiticeiro ou um elementar, não queria saber, meu detector de poderes biológicos não estava muito afim de trabalhar hoje.
— Essa festa é para anunciar que Howslan e Lennox estão a caminho de uma aliança poderosa! Nossos companheiros lennoxenses e nós devemos nos unir, firmar nossas raízes um ao outro. — olhei para o meu irmão, que estava com as mãos enlaçadas nas minhas, ele temia. Por mim. — Daqui uma semana nos reuniremos novamente e eu espero que seja com a finalização do nosso acordo.
Finalização. Me entregar para um príncipe que nada me faria crescer. Eu seria a próxima rainha com ou sem homem, aquela aliança era horrível, eu não precisava de um casamento.
— Aproveitem a festa e mostrem cordialidade para nossos companheiros de Lennox! — minha mãe terminou, sorrindo.— Me acompanhem, meus amigos, vamos ao nosso banquete! Espero que gostem de peru, hoje o nosso chefe preparou algo delicioso!
— Estou faminta, Louise! — Deby comentou, sorrindo e acompanhando minha mãe. Meu pai puxou Conrad junto, sabia que só falariam de trabalho. Parecia que eu ia vomitar ali mesmo, nos pés do príncipe.
— Creio que as festas em Lennox sejam mais legais. — Charles quebrou o silêncio constrangedor, tirando uma risada verdadeira de .
— Acredite em mim quando eu digo que essa festa é mais legal. — arqueei a sobrancelha, sorrindo. — Em Lennox as pessoas são mais... Exorbitantes!
— Nem reparei! — falei, cruzando os braços e olhando para as enormes penas de pavão de uma mulher que passava por nós, dançando e pulando. Os dois riram.
e Charles foram tirados de mim em questão de minutos, algumas pessoas mergulharam neles, eu fiquei aliviada e triste. Tive forças o suficiente para ir até meu pai, que estava sozinho pela primeira vez. Cruzei os braços entrando na frente do homem, que revirou os olhos antes de me encarar.
— Não dê mais um show aqui, .
— Preferia que você me açoitasse. — falei entredentes, ele deu um gole em seu vinho e pegou uma taça para mim, me entregou, sorrindo sem mostrar os dentes.
— Você não é do tipo que aprende a lição com agressão. — ele suspirou, me fazendo erguer a cabeça para não transmitir o quanto me incomodava. — Ah, quase me esqueci... Landon Herris fugiu da prisão. - controlei um sorriso para evitar mais conflitos. Landon tinha que estar longe de Aseena a essa altura da noite.
— Seus guardas permitiram que um mero Cinza escapasse? — Byron me encarou, controlando a sua fúria. — Acho que está na hora de rever a força da sua equipe, majestade!
— Me contaram que havia magia lá. — dei de ombros, bebendo meu vinho calmamente.
— Esses Elementares afrontosos, como ousam ir contra o Rei? — perguntei, fingindo estar inconformada.
— Você é previsível, . — meu pai falou calmamente, se aproximando de mim. Pude ver seus olhos mudarem para um leve lilás. — Espero que Herris esteja longe, porque se eu o encontrar, matarei com minhas próprias mãos e colocarei suas filhas na guerra. — o encarava da mesma forma que ele me encarava com meus olhos mudando de cor também, eu sentia aquilo. — Por sorte, eu sei como te fazer crescer e criar juízo. está aqui para isso.
— Eu não preciso de homem algum para me ensinar nada. — quase rosnei, meu pai em um movimento com a mão emudeceu minha magia, para eu não fazer nada contra ele ou queimar alguma coisa, era isso que acontecia quando eu ficava brava, não conseguia controlar, nunca fui como eles. — Eu sou a rainha legítima, eu não preciso de um rei para governar, eu não preciso me casar para isso e você sabe bem disso.
— Controle-se, antes que eu te prenda em uma jaula de Painite novamente para você aprender isso também. — tremi ao ouvir isso. Era uma cela recoberta por inúmeras pedrinhas preciosas que tinham o poder de calar a magia de qualquer pessoa, até mesmo nós, Feiticeiros. Aos poucos, eu senti meus olhos voltando ao normal e minha magia retornando por ele ter deixado. — Você vai passar cada segundo dessa semana ao lado de , vai mostrar todas as coisas boas de Howslan e vai fazer ele se apaixonar por você.
— Não! — ele arregalou os olhos enquanto eu me obrigava a sair do lado dele a passos firmes, mas ele me fez ficar parada com apenas os olhos e caminhou até mim, me dando um beijo na testa. — Me solta! — falei entredentes, me obrigando a andar, sem conseguir.
— É uma ordem, . Pela Coroa. Pelos humildes Cinzas que você tanto protege. Por você. — ele sorriu, caminhando para longe de mim, senti o movimento de minhas pernas quando ele já estava distante. Controlei meus instintos de querer fugir correndo dali e fui impedida por Charles, ele devia ter ouvido tudo.
— Ele vai me dar pra Lennox para me ensinar a seguir suas regras. — falei. Charles me abraçou de lado, passando todas as coisas boas que podia, mas não adiantava nada. Eu estava destroçada. — Ele vai me obrigar a casar.
— Sinto muito não poder fazer nada, . — concordei com a cabeça.
Meu destino estava traçado desde que nasci, literalmente com a mão na coroa. Eu não tinha o poder de fazer nada além do que fui destinada, não podia ser uma pessoa normal e trabalhar com qualquer coisa que eu tenha afinidade. A única coisa que eu podia fazer era escolher quando e com quem eu me casaria, afinal, a Coroa já era minha, eu não precisava de ninguém. Meu pai tirou isso de mim. Eu não quero casar, eu só tenho dezenove anos, eu queria curtir a minha vida fatídica com quem eu quisesse. Eu perderia mais uma das poucas liberdades que tinha.
Encarei as pessoas à minha volta. Pareciam abutres rodeando os poucos feiticeiros que tinham ali no salão e paparicando uns aos outros. Não era fácil lidar com eles, mesmo que eu estivesse acostumada com a falsidade das cobras. Nem todos eram ruins, poucos se salvavam. Isso não impedia minha fúria. Eu queria explodir aquele salão. Eu queria explodir o meu pai.
Fui interrompida por nada mais, nada menos, que Candice Sinclare e Sadie Abblack, ambas Elementares. Candice era uma Fogo, enquanto Sadie era uma Terra, ambas extremamente poderosas.
— Alteza! — Sadie sorriu, se curvando o suficiente para que eu revirasse os olhos. — Deixe de besteira, me dê um abraço. — ela riu, vindo rapidamente para um abraço longo. Não esperava que ela fosse aparecer, ela tinha muita coisa pra fazer em Palmys, sua cidade em Howslan.
— Não perderia uma convocação do rei. — suspirei e ela colocou a mão em meu rosto. — Querida, anime-se, você é a mulher mais poderosa desse castelo.
— Se você não quiser o príncipe, apresenta para mim. — Candice falou, me fazendo rir. Abracei a garota de cabelos vermelhos como fogo também. As duas eram perfeitas, totalmente o oposto de mim.
— Senti sua falta, bruxinha.
— Vocês fazem falta! Se eu ordenar, vocês ficam aqui comigo até o fim dos meus dias? - ambas gargalharam do meu falso drama e me abraçaram juntas. — Serei uma mulher casada em alguns meses.
— Toma, beba isso! — Candice me entregou uma taça de vinho que eu virei em segundos.
— Vamos ter uma noite incrível nessa festa chata. — Sadie sorriu, me puxando para a pista de dança.
Com um movimento, eu mudei a música chata e parada que tocava para uma animada e barulhenta, do jeito que meus pais odiavam. Em minutos, Charles se juntou a gente e começamos a dançar juntos. Até mesmo o pessoal de Lennox estavam na bagunça, sem muito esforço. e seus pais observavam de longe, ambos com um sorriso no rosto, minha mãe sorria também. Meu pai não. Ótimo. Se ele estava bravo, eu estava feliz.
não tirava os olhos de mim, conseguia senti-los queimando as minhas costas e quando me virei brevemente, vi um sorrisinho em seus lábios. Ninguém me encarava, as pessoas tinham medo. Por que ele era diferente?
Mesmo depois de algumas músicas agitadas onde eu e minhas amigas dançávamos até perder o fôlego, o príncipe ainda permanecia parado perto da porta de entrada do salão me olhando. Isso começou a me irritar.
Avisei as meninas que precisava de ar fresco e sai rumo a porta, mas sem antes esbarrar com toda a força que eu tinha em , mesmo que não tenha surtido muito efeito já que ele era mais alto e bem mais forte do que eu, tentando deixar claro uma coisa: Eu não o queria aqui!
Mas no momento em que meu ombro chocou contra seu braço, novamente a sensação estranha apareceu, dessa vez mais forte pelo movimento brusco, e descobri que essa sensação se dava ao fato de eu ser muito sensitiva quando se tratava de poderes. Mas eu vivia numa corte cheia de elementares e cinzas, por que sentiria algo diferente?
Fui praticamente me arrastando para os jardins, ignorando a todos que me cumprimentavam ou até mesmo me davam as felicitações pela aliança que eles achavam que iria acontecer, porque se dependesse de mim, não iria, e parei numa parte de campos floridos, onde tinha diversos tipos de flores coloridas. A natureza me tranquilizava.
A esse ponto, já tinha 4 guardas parados ao lado das portas, todos de olho em mim, como se eu fosse uma menininha desprotegida, mas nenhum deles ousou falar que eu não poderia sair a essa hora, já que era proibida a saída do castelo depois das 8, mesmo que seja até os jardins. Eles sabiam do meu poder, e temiam isso.
Fiquei vagando por um tempo, pensando nas coisas que meu pai vinha fazendo para me punir. Será que Landon tinha conseguido escapar a salvo com suas filhas? Eu esperava que sim.
Sentei no banquinho de pedra que tinha perto da fonte de água do palácio a tempo de ver mais 4 guardas aparecerem na porta, mas dessa vez não era para me proteger.
— Se me permite, gostaria de acompanhá-la nessa atividade ao ar livre que eu comumente chamo de "Fugir de pessoas chatas e metidas que fingem se importarem com algo que não seja status". — nem precisei virar a cabeça para perceber que o príncipe de Lennox havia se sentado ao meu lado enquanto falava, se referindo às pessoas da festa. De fato, nenhuma delas se importavam de verdade.
Ótimo, era tudo o que eu precisava!
— Vossa alteza não deveria estar fora do castelo nesse horário. Pode ser perigoso. — falei, cruzando os braços, sem me importar de parecer uma criança birrenta, ainda sem direcionar meus olhos a ele.
— E o que te faz pensar que você está mais segura aqui sozinha do que eu?
— Eu não temo nada. Sei da minha capacidade e força.
— Justo! Eu também tenho meus truques..— eu sabia que existiam outros feiticeiros pelo mundo, poucos, mas existiam, e mesmo assim não consegui esconder minha cara de surpresa quando fez um ramo de flores surgir do nada em meu colo, me virando para encará-lo a tempo de ver o lilás em seus olhos. A cor era mais fraca do que a minha, mas mesmo assim, perceptível demais para ignorar.
E agora, a ideia de meu pai começou a fazer sentido. Ele queria continuar a linhagem e deixar o reino mais forte ainda, já que, se eu venha a ter filhos, eles poderiam herdar o poder do pai, seja ele um elementar, um cinza ou outro feiticeiro. É raro isso acontecer, já que a linhagem mais forte sempre predomina, mas não impossível. Então se tem a possibilidade de evitar que os herdeiros do trono nasçam fracos (como julga meu pai sobre os elementares e cinzas), ele vai se agarrar com toda força.
— Você é um feiticeiro. — sussurrei, mais para mim do que para ele, ainda encarando as flores vermelhas em minha perna. Agora tudo fazia sentido, as sensações que senti nada mais era que a sensação de outro feiticeiro que não fosse meu pai ou meu irmão.
— Por que a surpresa? Seu pai não falou nada sobre a gente? — curioso, ele ergueu uma sobrancelha, em dúvida.
— Eu vim a descobrir sobre a sua visita no segundo em que desceu as escadas do salão. Então não, meu pai não falou nada. Além do mais, sempre ouvi falar sobre o grande rei elementar de Lennox, o Rei branco. Nunca ia imaginar que o filho dele seria um feiticeiro.
— É, a gente não costuma falar muito sobre isso por questão de orgulho do meu pai, que as vezes não aceita ter um filho e uma esposa mais fortes do que ele.
— Então sua mãe é uma feiticeira também? Ótimo, tudo o que mais precisávamos era de outros feiticeiros no castelo. — bufei, voltando a ficar irritada. A ideia de dividir um castelo com outros feiticeiros me pareceu péssima. Já podia ver meu pai tentando se passar pelo todo poderoso ou fazendo eu e Charles conjurararmos vários feitiços para impressionar a rainha feiticeira.
— Você é sempre tão receptiva assim?
— Só quando meu pai convida estranhos para minha casa e de quebra me faz ficar noiva de um deles contra a minha própria vontade. — encarei ele se levantar na maior tranquilidade e me olhar. Sou muito boa em ler olhares, e naquele momento pude vislumbrar por um segundo um pouco de agonia e talvez ansiedade?
— Da mesma forma que você não me quer aqui, eu não queria estar aqui, princesa. Mas assim como você, eu não tive muita escolha. Eu não tenho muita escolha. Cabe a nós dois fazermos isso dar certo civilizadamente ou agirmos como animais. Com licença.
Fiquei parada no banco, desconcertada demais para ter alguma reação ou fala, e quando dei por mim, já estava sozinha novamente no jardim. É, por mais frustrada e raivosa que eu estivesse, isso seria, no mínimo, interessante.
Capítulo 03
Entrei atrasada no salão de café da manhã. Todos os membros reais já estavam ali, só faltava eu, que sorri o mais falsa possível para todos que me encararam. Meu pai sentava em uma ponta, minha mãe se sentava ao lado direito dele e o lado esquerdo estava vazio, me sentei ali. Ao meu lado, Charlie esbanjava sorriso e simpatia, me deu um beijo na testa assim que eu me acomodei. Do lado de minha mãe estavam Deby e . Os dois estavam lindos, Deby era mais exagerada, usava roupas chamativas e muitas jóias, diferente de mim, que tinha apenas a coroa como decoração; parecia nem se esforçar para esbanjar beleza, por mais simples que ele estivesse, usando apenas um terno cinza, com certeza ele usava algum feitiço para isso, eu conhecia vários. Rei Conrad sentava na ponta, ao lado do filho.
— Bom dia! — disse ao receber um cutucão de Charles. — Desculpe o atraso, estou me recuperando da noite de ontem. — menti, Deby riu, tomando um gole de café.
— Ah, a noite estava ótima mesmo, você estava aproveitando com suas amigas. — ela falou, sorrindo. Não pude deixar de sentir o poder dela, mesmo não estando tão próxima. me falou que eles eram feiticeiros e aquilo foi uma surpresa, nunca vi nenhum querendo esconder isso de alguém. — E aprenda desde já, de rainha para futura rainha, nós nunca estamos atrasadas. — sorri sem mostrar os dentes, ela parecia ser legal, se as circunstâncias fossem diferentes, eu iria querê-la por perto.
— Até eu estou com ressaca. — Conrad admitiu, tirando risada de todos da mesa. Era difícil encontrar um rei descontraído. Tome nota, papai.
— Engraçado que não te vi mais ontem, , você sumiu. — ele finalmente abriu a boca para me causar o estresse diário.
— Farei um feitiço para curar seus olhos, papai, eu fiquei a festa inteira no baile. — retruquei, tentando não soar rude, bebendo meu suco de laranja. Encarei , que estava com a sobrancelha arqueada, meu olhar ameaçador foi o suficiente para ele não abrir a boca?
— A princesa estava muito animada com as amigas, era difícil vê-la no meio de uma pista de dança lotada. — respirei aliviada até. Esperava uma denúncia de como o tratei ontem. — A propósito, você está linda! — escutei minha mãe e Deby soltarem um "Awn", Charles segurou uma risada ao ver que minhas bochechas coraram. Afrontoso. Meu pai e Conrad trocaram olhares segurando um sorriso, afinal, tudo estava saindo como planejaram.
— Obrigada, alteza! — respondi segundos depois que me recuperei do elogio em público, aquilo me fez parecer fraca? Eu mataria por isso. — Você também está muito bonito. — não era mentira.
— Bom, hoje teremos um dia muito cheio. — meu pai falou, cortando aquele clima constrangedor. Ao menos uma vez ele fez algo bom por mim. — Charles vai nos levar para a vistoria dos guardas em treinamento em Belgrard, é uma cidade próxima daqui. A nossa aeronave já está sendo preparada.
— Tem como irmos de carro? — perguntou, fazendo todos encararem ele. — Gosto de apreciar a paisagem e queria conhecer um pouco de Howslan.
— Claro que podemos, ! — meu pai sorriu, não sabia se era de verdade ou era um sorriso de inquietação. Conrad passou a mão nos cabelos brancos, desconfortável, mas logo sorriu com toda a encenação. — A viagem de carro dura três horas, a Base Vermelha fica em outra cidade. De aeronave é mais rápido e confortável, mas já vou atualizar isso. — ele chamou um Cinza, que logo saiu correndo, provavelmente para preparar os carros. — Nossas meninas ficarão por aqui, não quero que vocês se aborreçam com coisas chatas.
Eu ri, balançando a cabeça.
— Eu vou com vocês. — meu pai se segurou para não fazer alguma das caretas dele quando eu o contrariava.
— Não vai! — Charles quem respondeu e aquilo me irritou ainda mais. — É perigoso.
— Não estou nem aí, eu vou e pronto — eles iam começar a falar alguma coisa, até pareceu discordar de mim, mas eu os cortei. — Eu sou a próxima rainha. Preciso saber o que acontece em meu país. Eu vou e ninguém aqui vai me impedir, nem mesmo você. — sorri para meu pai, que estava com as narinas dilatadas, prestes a surtar comigo.
— Vai ser uma rainha durona. — Conrad quebrou o silêncio, fazendo meu irmão rir, parecia que ele concordava. Não era para menos, sabia que aquela era uma discussão perdida.
— Prepare-se, , vai ter muita dor de cabeça. — meu pai brincou, fazendo o garoto loiro levantar os ombros graciosamente e sorrir, me encarando.
— Gosto de desafios. — piscou, me fazendo corar novamente. Eu não conseguia controlar minhas bochechas, aquilo me deixava irritada.
— Graças a Deus, eu não suporto as Bases. — minha mãe admitiu, não percebendo que o príncipe havia feito novamente minhas bochechas queimarem.
Ophelia preparou uma roupa diferente naquele dia, para a visita da Base. Uma calça cargô preta, uma bota da mesma cor com uma regata branca, eu ganharia uma jaqueta preta e vermelha para me proteger do frio. Mandei prender meu cabelo num rabo de cavalo e pedi óculos escuros também, meus olhos as vezes eram bem sensíveis à luz do sol. Meu pai iria surtar. Até Ophelia estava surtando. Uma princesa vestindo roupas não casuais dessa forma era uma afronta, mas eu não me importava.
Aposto que iria de terno, todo engomadinho, igual ao meu pai. A Base Vermelha sofreu um ataque recentemente, uns 15 dias atrás, não sabia o que esperar indo lá, mas estaria pronta para lutar se fosse necessário.
Tom me buscou assim que deu nosso horário, ele não iria com a gente.
— Estou procurando a princesa, poderia chamá-la?
— Vou queimar você! — respondi, tirando uma risada dele.
— Está afrontando seu pai de novo? — ele grudou em meu braço enquanto caminhávamos para o estacionamento, os carros estavam nos esperando lá.
— Se ele está bravo, eu estou feliz! — dei de ombros, admirando as cores das paredes do castelo. Eram brancas com tons lilás, deixando mais agradável para olhar. — Eu fico muito mais bonita assim do que com vestidos.
— Você nem fica bonita. — fiz uma cara de inconformada, vendo-o sorrir da minha situação. Tom deu de ombros. — É a verdade!
— Vou falar para Sadie ficar longe de você.
— Céus, ela está aqui? — os olhos dele brilharam. Tom era apaixonado por Sadie há anos, eu tentava convencer a minha amiga a ficar com ele, mas ele nunca deixava eu falar com ela sobre. A timidez é ruim. — Ordene que eu cuide dela hoje.
— Não, você me chamou de feia!
— Você é perfeita! — gargalhei do desespero do meu amigo.
— Cuide de Sadie hoje. — ele sorriu, me dando um beijo no rosto.
— Te amo, .
Ao chegar no estacionamento, tinham três carros enormes parados ali. Havia muitos guardas conosco, todos entrando no primeiro carro preto, soldados de Lennox, provavelmente. Meu pai vestia o traje de rei dele como eu tinha previsto, Conrad acompanhava meu pai, já me surpreendeu, vestia um uniforme azul escuro com partes vermelhas, parecia o uniforme dos seus guardas, só que muito mais bonito, e Charlie usava sua farda de guerra. Assim que me viram, todos pareciam estar surpresos.
— Não queriam que eu viesse de vestido e salto, certo? — quebrei o silêncio, sem muita paciência, e caminhando até o segundo carro e entrando sem dar brechas para conversa. entrou logo em seguida, e antes de falarmos qualquer coisa, meu pai fechou a porta.
Ótimo. Por que não estou surpresa?
— Muito sútil! — falou, encarando pela janela meu pai e o pai dele sorrindo cúmplices de algo assim.
— Parece que teremos uma longa viagem. — eu falei mais para mim do que para ele. sorriu.
— Pelo menos estamos em ótima companhia. — senti que ele havia sido sarcástico. Controlei minha magia para não fazer ele se calar a viagem inteira.
— Estamos mesmo. — tirei da bolsa uma garrafa de whiskey que furtei do arsenal de meu pai antes de sair. — Quer?
— Estamos indo para a Base... — ele juntou as sobrancelhas, pensativo.
— Então eu bebo. — falei, dando um gole na bebida que desceu queimando a minha garganta. Não demorou muito para ele me acompanhar. Agradeci por ele não ser tão careta.
— Confesso que me surpreendi com você. Digo, as princesas costumam ser normalmente certinhas e andar na linha. - deu um gole na sua bebida
— E o que te faz pensar que eu não ando na linha? — arqueei a sobrancelha
— Desde que eu cheguei aqui ontem, você já mentiu, foi contra as regras, desafiou seu pai, entre outras coisas que eu andei percebendo. — dei de ombros, segurando um sorriso sarcástico.
— Então quer dizer que você anda me vigiando, alteza? — fez uma careta ao captar o deboche na minha voz. Ele era muito transparente.
— Digamos que, eu esteja analisando o terreno. — ele tinha me comparado a um terreno mesmo? — Preciso saber onde pisar.
— Só tome cuidado com as armadilhas que você não pode ver. — disse baixo, olhando para as minhas unhas, fingindo desinteresse. Ele ficou calado.
— Howslan é lindo! — falou depois de alguns minutos em silêncio. — Mas é bem cansativo ficar em um carro por tanto tempo.
— Poderia ser menos se pegássemos a aeronave. — respondi sem pensar, achei que teria ofendido ele, mas ele sorria. Ele sempre sorria. Aposto que no fim do dia, seu maxilar devia doer.
— Já que seremos noivos em breve, posso falar que morro de medo de voar. — aquilo me pegou desprevenida, tanto o fato de um feiticeiro ter medo de voar, quanto o de que ele havia me falado um ponto fraco dele, mas aí lembrei do que me disse ontem:
"Cabe a nós dois fazermos isso dar certo civilizadamente ou agirmos como animais".
Parece que ele havia decidido a primeira opção por nós dois.
Antes que eu pudesse responder, nosso carro parou e alguém abriu a porta
— , vejo que ainda tá vivo. — meu irmão fez a piadinha assim que nosso carro chegou na base e saímos de dentro. Ele veio com um sorriso largo no rosto.
— Ha, ha, engraçadinho. — respondi, cruzando os braços, indo em direção à entrada do lugar.
— Até que foi bem... Empolgante. — ouvi o príncipe responder meu irmão antes de me afastar mais deles. Conseguia sentir seus olhos queimando em minha direção enquanto ainda conversava com Charles, mas não ousei olhar para trás.
Assim que eu comecei a andar pelo campo, aquela sensação de estar rodeada de muitos poderes me acertou em cheio, como um radar fundo no meu corpo avisando que à minha volta tinham muitas pessoas poderosas. Não mais do que eu, mas suficientemente poderosos.
Soldados marchavam de um lado para o outro, seguindo seus comandantes sempre que eles gritavam uma ordem ou outra. Ninguém parecia ligar para mais um passeio da família real no local, o que me confortava já que nunca gostei de ser o centro das atenções.
A maioria dessas pessoas eram cinzas, normalmente pretos ou cobres, que são os com poderes melhorzinhos entre a escória para conseguirem uma vaga no exército, mas também havia elementares. Coronéis, líderes, normalmente os com as patentes mais altas.
Olhei para trás e Charles estava sério, olhando para todos os lados, atento. A entrada da Base tinha sido arrumada, por causa do ataque que sofremos há quinze dias, mas eu ainda conseguia sentir uma grande sensação de luta ali, a destruição foi gigante e perdemos muita gente.
Eu caminhava atrás de meu pai e Conrad, Charlie e caminhavam atrás de mim, pareciam até um escudo humano. Os guardas de Lennox nos protegiam de qualquer perigo, mesmo não tendo um. Fomos levados para a Concentração, lá os soldados treinavam e faziam seus exercícios, eles pararam o que estavam fazendo para se curvarem. Meu pai nem deu bola e voltou a caminhar, e o Coronel da Base nos acompanhava em tudo. Charles era o superior dele, então ouvia com atenção as informações, e aquilo deixava aqueles Elementares irritados, afinal, Charles era apenas um jovem desbancando os senhores que lutavam por uma vaga maior; muitos falavam que era privilégio por ser filho do Rei. Eu concordaria se não soubesse como Charles nasceu para aquele cargo, ele era o melhor, sem falar que o mesmo era um Feiticeiro. Nós somos superiores, é o que meu pai sempre dizia.
— Aqueles vagabundos roubaram muita coisa nossa durante aquele ataque, majestade. – o coronel Yuth começou a falar, nos fazendo caminhar pelo tour na Base Vermelha. — Foi um ataque muito bem orquestrado. Eram muitos! Eles sabiam que a Base estaria sem muitas pessoas, foi no dia que fomos para Fighyt, metade dos nossos soldados foram lutar naquele dia contra os Cinzas revoltados.
— Você foi incapaz de impedir um assalto dentro da nossa Base. – Charles falou, cruzando os braços. — Aqui era pra ser o lugar mais seguro do mundo.
— O que eles levaram? — perguntou, tirando o constrangimento que meu irmão levantou.
— Carros, bombas, armamentos... — o coronel começou a falar, encarei meu pai, que tinha os olhos cravados nos relatórios que o homem entregou para ele.
— Qual a sua conclusão, Coronel? — Conrad perguntou, de braços cruzados.
— Estamos analisando. As câmeras foram desligadas antes do ataque, acredito que começou com alguém daqui de dentro, as poucas pessoas que sobreviveram não sabem explicar quem são. Os inimigos mortos estavam sem marcas de identificação, mas sabemos que são Cinzas...
— Você mesmo disse que esse ataque foi muito bem orquestrado! — comecei a falar, sem paciência. — A guerra de Cinzas contra o governo não é recorrente. Fighyt é apenas uma hora daqui. Seus guardas foram para lá para não terem tempo de voltar. Consequentemente, calhou de ser bem no dia e hora do ataque à Base, não é estranho? — perguntei, encarando o homem, que tentava não olhar para o chão, nervoso com a minha presença.
— Não estávamos preparados para isso, ninguém nunca foi corajoso para atacar as Bases. — ele começou a falar, senti e Conrad me encarando, eles não deviam estar acostumados com uma mulher lidando com guerra. Eu era uma estrategista desde pequena. Se eu fosse uma quadrilha revoltada, faria a mesma coisa, foi muito inteligente atacar uma Base e ainda causar uma falsa guerra civil em uma cidade próxima, eles planejaram muito bem. — Eles estão querendo nos intimidar.
— E conseguiram, Coronel? — meu pai falou pela primeira vez.
— Não. — quase ri do pobre homem se tremendo.
— Ótimo, me leve até a Central, quero ver se sinto ou vejo algo que vocês deixaram escapar. — como Feiticeiro, meu pai sentiria se tivesse a presença de qualquer um que tivesse ido na Central, lá era um lugar no subterrâneo, apenas Elementares do Fogo e Ar podiam entrar, nem mesmo os Cinzas iriam até lá, isso facilitaria a identificação de outros
— Vou ficar aqui — dei de ombros, me sentando na arquibancada. Odiava a Central, me sentia claustrofóbica. Alguma coisa lá sempre parecia sugar uma parte de mim.
— Bom, creio que não vai precisar de mim agora, certo? — Charles perguntou ao meu pai, que deu permissão para que ele ficasse. seguiu nossa decisão. Olhei de longe para a arena de treino dos soldados, fiquei tentada a ir treinar com eles.
— Você tem Curadores aqui? — comentou, me fazendo encará-lo. – Caso aconteça algo com o Coronel, eu achei que ele fosse explodir.
— Estão sempre à postos em algum lugar, mas não deixaria ninguém curar o Yuth, sempre achei ele presunçoso demais e só preocupado com as Patentes dele. — comentei, dando de ombros. — Ele nem pensou na possibilidade de armadilha. — encarei Charles, que respirou fundo. — Yuth só quis exterminar os opositores para ganhar uma medalha de honra. Imbecil.
— Acho que não devemos nos preocupar com esses atacantes. — Charles admitiu, me fazendo levantar e colocar as mãos na cintura.
— Eles roubaram carros. — comecei a enumerar. — Roubaram bombas! Armas! Munição! São tão perigosos quanto nossos inimigos vizinhos.
— , confia em mim, não se preocupe com eles!
Odiava quando Charles me tratava como se eu não entendesse as coisas. Tratei logo de ir pra bem longe deles, mas foi em vão, eles me seguiam numa distância segura. Alguns minutos depois, foi até mim, deixando Charles conversando com uns Soldados. Tinha um lago depois da arena de treinamento, fiquei imaginando como seria entrar ali no frio, alguns guardas eram obrigados a isso quando precisavam de punição ou até mesmo treinamento.
— Minha opinião não importa, mas eu concordo com você. É algo grande. — quase sorri ouvindo aquilo. Não esperava isso dele.
— Eu sou a próxima rainha, mas ninguém me escuta quando eu falo. Quem sabe não me deem o título de rainha silenciosa? — gargalhou daquilo e, novamente, eu quase sorri com ele. — A rainha silenciosa e o rei medroso. Uma bela dupla.
— Não devia ter te contado isso. — ele revirou os olhos dramaticamente, me tirando um pequeno sorriso, mas ele não viu aquilo. Eu o manteria longe. Se eu desse uma brecha assim, ele venceria. — Posso fazer um feitiço de esquecimento.
— Para funcionar, você teria que ser mais forte que eu. — o desafiei, sorrindo maliciosamente. cerrou os olhos em minha direção. — Aposto que isso vai durar apenas por algumas horas, tente.
— Você está me desafiando. — não foi uma pergunta, ele afirmou aquilo, se aproximando de mim e colocando uma mecha dos meus cabelos para trás da orelha. Arqueei a sobrancelha, esperando que ele fizesse logo aquele nosso teste maluco de quem é mais poderoso, até sentir algo estranho, tinham muitos poderes aparecendo. A Base em si já carregava um peso grande para mim, mas tinha mais, eu sentia que aos poucos eles se aproximavam. Encarei , já sentindo meu coração bater mais rápido.
— Está sentindo? — perguntei, olhando em volta e não vendo nem uma movimentação diferente.
— O quê? — ele perguntou, confuso, seguindo meu olhar.
— Tem algo errado. — me virei para olhar Charles, mas ele permanecia conversando com os Soldados, todos estavam em volta dele.
Caminhei devagar até ele, me seguia. Eu estava desconfiada demais para me afastar agora.
Os poderes pareciam que iam me fazer explodir, eu sentia todos muito mais forte agora. Minha teoria de que tinha algo errado se confirmou quando o alarme de segurança foi ativado. Um misto de desespero e raiva tomou conta do local, soldados corriam de um lado para o outro, muitos batiam em mim na hora da corrida, ninguém se importava se eu era uma princesa, nem sequer me viam. Senti uma mão me puxando para perto, olhei para cima e era que me cobria com o seu corpo e tentava me proteger dos brutamontes que batiam contra mim. Tentamos chegar até onde Charles estava.
O príncipe cobria minha cabeça como uma mãe protege um filho, não estava com medo, nem demonstrava, pelo menos. Quando eu vi Charles, ele estava dando um soco em um soldado, meu coração parou de bater quando eu vi um homem atrás do meu irmão com uma arma apontada para ele.
— CHARLIE! — gritei, me soltando dos braços de no desespero, e com apenas um movimento das mãos, fiz o homem atirar na própria cabeça. Charles me encarou, assustado. Puxei pelo braço para ficarmos juntos vendo os guardas dele que trocavam tiros com outros soldados, provavelmente infiltrados. Não sabia mais quem era quem.
— Tira ela daqui! — Charles ordenou para , que me segurava ainda.
— Não vou sair daqui! — respondi, com os olhos já mudando a tonalidade. — Somos três feiticeiros, nós damos conta de uma rebelião.
— Eles sabiam que nós estaríamos aqui hoje. Somos os alvos deles! — Charles me segurou pelos ombros, olhando para mim. Seus olhos também já estavam lilás. Era raiva. — Vá!
— Não! — gritei. A minha fúria fez com que quem estava próximo da gente, com exceção dos dois príncipes, começasse a sangrar pelos ouvidos. Charlie e se encararam. – Ou saímos juntos, ou ficamos e lutamos.
— Vamos sair! — encarou meu irmão, os olhos também estavam lilás. Charlie relutou um pouco, mas me grudou em seus braços de um lado e me grudou nos seus. Parecia que eu era de brinquedo e quebraria a qualquer instante. Odiava isso, eles sabiam do que eu era capaz.
Corremos contra a multidão, jogava para longe qualquer coisa que voasse na nossa direção enquanto Charles atirava em quem se aproximasse da gente. Eu montava um escudo protetor. Fiquei preocupada com meu pai por um instante, mas então lembrei: a Central não abre quando o alarme toca. Ele estava mais protegido que a gente.
Vi uns soldados cortando o caminho para tentar chegar até nós, e sem pensar se eram amigos ou inimigos, eu explodi o chão em que pisavam, formando uma cratera enorme e funda onde eles caíram na hora sem tempo para brecar.
Fomos pegos desprevenidos quando uma bomba atingiu um lugar próximo. Foi o suficiente para eu voar longe, assim como e Charles, e no segundo seguinte, aproveitando o distanciamento de todo mundo, alguém me prendeu em uma grande bolha d'água, me tirando do chão em segundos e quase fazendo com eu me afogasse.
Tinha Elementares entre eles.
Capítulo 04
Fiquei parada sem fazer nada, apenas olhando para o homem com um capuz e uma bandana cobrindo a boca por exatos trinta segundos, chocada demais para conseguir pensar em algo.
Os elementares de água estavam extintos; ou ao menos era isso que pensávamos.
Olhei ao redor, tentando achar ou Charles, mas ambos estavam travando suas próprias batalhas, teria de me virar sozinha mesmo. derrubava cinco inimigos de uma vez apenas empurrando a mão para frente e Charles fazia com que as balas que iam até ele fizessem o caminho oposto.
Encarei novamente o homem que me prendia na bolha, pensando que se eu não tivesse tido aulas de natação, eu já estaria desmaiada ou provavelmente morta por afogamento. Vi seus olhos brilhando num tom de azul turquesa que, se não fosse nossa condição, eu até elogiaria.
Quando comecei a sentir meus pulmões ardendo por falta de ar, decidi que era hora de lutar. Com um feitiço de contra-ataque que eu aprendi ainda muito nova, suguei toda a água ao meu redor, jogando em uma rajada só no meu oponente, mesmo que isso não fosse causar qualquer dano, mas daria tempo para me recompor.
Ao que parece, eu também o peguei desprevenida, já que ele nem tentou parar a água. Não é para menos, eu ainda usava meus óculos escuros, impossibilitando ele de ver meus olhos e ver que estava lidando com uma feiticeira. Até fazia sentido; eu vestia calça, jaqueta de couro e um rabo de cavalo. Quem me olhasse, diria que eu era uma motoqueira que veio visitar a base vermelha, não uma princesa.
Mas uma coisa me intrigou: meus cabelos eram cinzas, não é toda garota do reino que tem os cabelos dessa cor.
— QUAL É O SEU PROBLEMA? — gritei a todos pulmões para o homem de pé a uns cinco metros de mim. Eu parecia uma formiga perto dele de tão alto e forte. – BURRICE?
Eu deveria estar correndo, fugindo como meu irmão disse, mas não poderia deixar um elementar de água solto na base. Ele poderia destruir tudo se quisesse e transformar o lugar num belo de um poço.
O Insurgente mal pareceu ter sido atingido pelo meu feitiço. Por mais forte e poderosa que eu fosse, fazer um feitiço de água contra um elementar de água era a mesma coisa que tentar colocar mais água em um aquário já transbordando. Mas seus olhos pararam de brilhar, talvez pela surpresa, e o turquesa deu lugar a olhos azuis comuns.
— Você é uma elementar de água. — não foi uma pergunta, foi uma afirmação que eu pretendia usar ao meu favor por um tempo. Deixaria ele pensar que era uma elementar. — Uma pena que a única elementar de água que eu já conheci, tenha que morrer. — ele disse, com os olhos brilhando novamente e duas bolas de água nas mãos. Como que combate água com água? Será que ele era burro mesmo?
Antes que eu pudesse concluir os pensamentos, ele lançou as duas bolas em mim para servir de distração e em seguida veio com tudo na minha direção, fazendo eu recuar um pouco, mas não o bastante para não ser atingida e derrubada. Só que eu fui treinada minha vida toda para situações como essa; então antes mesmo de ele pensar em fazer algo comigo, eu dei uma rasteira de uma perna nele, o fazendo cair no chão com um baque molhado para depois subir em seu corpo e prender seu quadril entre as minhas pernas.
— Poxa, docinho, eu sei que eu sou irresistível e tal, mas as circunstâncias não estão boas para isso. Agora. — ouvi sua voz soar maliciosa, abafada pela bandana mais uma vez. O primeiro soco foi o pior deles, tenho certeza de que eu tinha quebrado seu nariz, já que estava estranhamente torto e a bandana com uma mancha de sangue, o segundo soco foi bem em seu olho, não tão forte quanto, mas forte o bastante para causar um estrago. Ficaria roxo. — Fraca.
Entretanto, antes de eu tentar apagar ele com mais um soco, uma rajada forte de água acertou meu rosto em cheio, fazendo eu mais uma vez cair ao seu lado e perder meus óculos. Meu disfarce foi embora.
Fechei meus olhos por instinto, preparada para o pior, notei suas mãos em minha garganta, me sufocando, fazendo eu espernear e começar a me debater, sem surtir efeito já que ele tinha o dobro do meu peso. Mas, no momento seguinte, senti ele voar de cima de mim e me levantei rapidamente, meio atordoada, sugando o máximo de ar que eu podia. Tentei ver quem havia me salvado, mas logo enxerguei.
— POR QUE VOCÊ TÁ SEGURANDO SEUS PODERES? — Charlie estava longe de mim, tentando se defender de dois ao mesmo tempo. Ele quem havia acertado o elementar com um dos seus feitiços.
Ele tinha razão. Por que eu estava segurando meus poderes?
Sem dar tempo para outro ataque de meu adversário, me virei para ele com toda a fúria que eu estava. Sentia cada pedaço da minha pele vibrando quente enquanto meus olhos pulsavam de tão lilases que estavam. Ele me encarava com os olhos arregalados de surpresa. Acho que não estavam esperando outros feiticeiros na base além de meu pai e irmão, por isso devem ter atacado.
Em um movimento rápido, o qual não estava esperando, fiz ele cair de joelhos no chão fortemente, podendo ver a dor em sua feição ao sentir o baque seco de seu osso batendo contra o concreto. Com outro feitiço, eu inutilizei seus poderes por um tempo, vendo novamente seus olhos saírem de um azul turquesa brilhante para um azul comum. Eu não sei o que estava acontecendo comigo; parecia outra pessoa. Estava descontrolada.
— Se ajoelhe perante sua futura rainha! — falei baixo para que só ele escutasse, chegando perto o suficiente para ouvi-lo gemer de frustração e dor. — Quem é a fraca agora, docinho? — murmurei em seu ouvido antes de acertar um chute em sua barriga.
Ele mal conseguiu se curvar de dor com o meu feitiço de imobilização, mas observei os olhos se apertarem. Ele estava sorrindo. Eu adorava usar meus poderes ao meu favor, porém, melhor do que isso, era poder mostrar que além de poderosa, eu era extremamente forte e habilidosa fisicamente. Era meu momento de mostrar que não era uma princesa indefesa.
Tinha que terminar logo, já que não conseguiria segurar o feitiço que fiz para inutilizar seus poderes por muito tempo.
Comecei então a forçar o feitiço para, além de tirar seus poderes, causar dor também. Com o braço erguido em sua direção, eu fechava aos poucos minha mão, quanto mais fechada ela ficava, mais forte se tornava e mais dor causava; e se ela se fechasse completamente, ele morreria. Pelo rabo de olho vi alguém se aproximando de mim correndo, também com a cara tampada, me fazendo erguer a outra mão e o segurar do mesmo jeito, tendo os dois presos pelo meu feitiço. E quando seus narizes e ouvidos começaram a sangrar, eu derrubei o elementar no chão mais uma vez, me concentrando tanto que acabei não vendo outra pessoa chegar perto da gente. Segurar duas pessoas ao mesmo tempo enfraqueceu meus sentidos.
No segundo seguinte, antes de sentir o último resquício de vida dos homens se esvaindo das minhas mãos, a gravidade ao meu redor ficou muito mais leve e uma rajada de ar me levou para longe, fazendo eu bater com tudo em uma parede e cair logo em seguida.
E antes que eu desmaiasse, vi uma figura de olhos completamente brancos me encarar rapidamente para depois socorrer a minha vítima.
Eles tinham outro elementar então.
Abri meus olhos com dificuldade, estava tudo meio borrado e eu ainda sentia minha cabeça gritando de dor. Não entendia o motivo daquilo, tentei me sentar, mas tudo girava diante das minhas tentativas. Senti alguém me fazendo deitar novamente; ainda estava dentro do carro. Arregalei os olhos, me lembrando do que tinha acontecido.
Fomos atacados na Base Vermelha.
Me desesperei ao lembrar de Charles, sabia que ele era habilidoso, mas temia mesmo assim.
— Está tudo bem, , estamos bem e seguros. — a voz era familiar. . Só estávamos nós dois no carro; meu pai não perdia tempo de me deixar com o príncipe de Lennox nem nos meus piores momentos.
Ele estava sujo de poeira e seu cabelo não estava mais arrumado, não vestia mais seu casaco de soldado e estava com uma camisa branca que também estava suja de poeira, terra e sangue. Arregalei os olhos, me levantando rapidamente e me amaldiçoando por isso. Não deveria me preocupar com ele, mas ele lutou por nós e ajudou Charles.
— Não sobrou nenhum Curador na Base, não foram mortos, pois não achamos os corpos deles. Acredito que os Insurgentes capturaram todos. — ele seguiu meu olhar e se explicou, mostrando a ferida coberta de sujeira em sua barriga, acredito que foi uma facada. — Estamos indo para Aseena, seu pai não quis arriscar outra emboscada indo para Fighyt.
— Como nós escapamos?
— Eles fugiram. — deu de ombros, pressionando a ferida com a mão e soltando um gemido baixinho de dor. — Depois que você desmaiou, eles fugiram. O elementar que você quase matou estava ferido o suficiente para causar uma retirada. Acredito que ele era um dos cabeças do ataque.
— Insurgente abusado, afrontoso, maldito! — resmunguei, colocando uma mão na testa, doía muito e eu não me esqueci do motivo. A elementar do Ar estava marcada comigo; meu corpo todo exalava dor. Obviamente, você foi atirada em uma parede de concreto, né, !
— Tentei tirar sua dor com um feitiço, mas eu nunca fui bom nessa área, sinto muito. — ele comentou, se sentindo culpado. — Nossos pais não sofreram com o ataque, só saíram de lá quando o alarme parou de tocar, Charles tratou logo de tentar tirar a gente da zona de guerra. Já estamos chegando, aguente um pouquinho.
Como ele disse, não demorou muito para chegarmos em Aseena e sermos logo recebidos por vários Curadores já no estacionamento. me ajudou a sair do carro e foi ali que eu senti que a batida fora ainda pior do que eu pensava, minha perna vacilava. O curador que eu conhecia bem me fez deitar no chão para começar o seu trabalho, segurei o choro e os gritos de dor. A Cura doía o dobro do ferimento em si, esse era o ditado deles, tem que doer pra curar.
Enquanto o meu curador fazia o seu trabalho, olhei à minha volta: recebia o seu tratamento e fechava os olhos para não gritar, assim como eu, escorria muito sangue da ferida dele e aos poucos eu a via se fechando, deixando apenas o sangue para contar história. Charles passava pelo mesmo processo, só que na perna, ele havia levado um tiro ali. Tinham muitos guardas recebendo o mesmo tratamento, alguns curavam o ouvido e o nariz, por minha causa e o meu descontrole, outros curavam feridas distintas. Meu pai se ajoelhou onde eu estava, segurou minha mão e eu franzi o cenho, achando estranho aquilo, ele nunca fez isso.
— Ela está com uma costela quebrada também, majestade. — o meu curador avisou, eu sabia que gritaria de dor na hora da cura, não queria que ninguém visse aquilo.
— Me tira daqui. — era pra ter saído como uma ordem, mas saiu como uma súplica, que ele negou com a cabeça. Era uma punição. Um aviso para eu não ter ido até à Base. Um "eu te avisei" explícito.
— Alteza, aguente, você sabe como funciona. — não respondi, apenas encarando o meu pai com ódio. Não fechei os olhos, não deixei transparecer que estava sofrendo grotescamente com aquilo, as mãos mágicas do Curador só fizeram efeito alguns segundos depois, que pareceram horas. – Eu te ajudo a levantar! – soltei minhas mãos bruscamente das mãos de Byron e me levantei com o senhor bonzinho que me curou. – Sente mais alguma coisa?
— Estou bem, muito obrigada! – sorri sem mostrar os dentes. – Com licença!
Saí a passos largos e duros em direção ao meu quarto, ignorando tudo e todos ao meu redor. Me amaldiçoei por ter me preocupado com meu pai na Base, eu sou uma idiota por ainda esperar que ele demonstre algum tipo de afeto por mim. Ao menos, Charlie estava bem, ele e minha mãe eram os únicos com quem eu deveria me importar. Hoje até conseguiu o meu respeito e meu pai conseguiu perder o pouco que restava por ele.
Já tinha quebrado a costela uma vez, em um treino lutando contra Candice. Ela era uma Fogo e, além de sair queimada como uma carne assada, ela me jogou contra a parede também. Foi uma luta interessante, não houve um vencedor, vendo que a minha amiga teve tantos danos quanto eu, quebrei as duas pernas dela e também a cobri com água quase a afogando com os meus truques. Eu dominava o fogo melhor do que qualquer outro elemento, acho que por conta de minha mãe ser uma elementar vermelha, mas nesses tipos de luta, não podíamos usar os mesmos elementos, então não poderia usá-lo para atacar Candice. E mesmo assim, me saí bem.
O que mais me intrigava era que os elementares de Fogo tinham extinto os de água por conta de uma briga tosca por poder, mas ainda restava um, e ele era um Insurgente. Os Insurgentes eram os Cinzas que se revoltavam contra o governo, não imaginava o quanto eles estavam crescendo e fazendo elementares irem para o lado contrário da Coroa. Dois Insurgentes elementares de poderes fortes era ainda mais preocupante.
Respirei aliviada ao sentir a água quente envolvendo a minha pele que não doía mais. Foi um longo dia e eu precisava de descanso.
— Obrigada, Rufins! – Angelique agradeceu ao Curador que se aliou aos Insurgentes sem muita luta, provavelmente cansado do sistema, assim como todos nós. Ele foi acompanhado por nossos guardas para a ala hospitalar para cuidar dos outros feridos nesse ataque. Nosso abrigo acomodava muitos de nós e era apenas mais um do nosso pequeno império em construção. Quando finalmente ficamos a sós em meu quarto, Angelique se virou para mim com os olhos brancos de ódio.
— Peça para que ele fique na porta do quarto, por precaução, caso você resolva me machucar também. — não esperava tirar um sorriso da minha irmã àquela altura, eu quase morri no ataque da Base por causa da herdeira da coroa.
— QUAL É A PORRA DO SEU PROBLEMA? — ela gritou, atacando uma almofada em mim. — COMO QUE VOCÊ NÃO RECONHECEU A PRINCESA? ELA TEM A DROGA DO CABELO CINZA!
— Você queria que eu adivinhasse que a princesa estaria vestida como uma motoqueira gótica? — perguntei, dando de ombros. — Achei que a veria de vestido e salto!
— Cresça, Trish. Você viu melhor do que ninguém que a princesa não é uma dama como demonstra ser. — ela revirou os olhos, bufando. Sim, ela me enganou direitinho fingindo ser uma Elementar como eu. Malditos olhos lilases. — Você nos disse que só o rei e o príncipe estariam na Base... — eu ia começar a falar, mas Angelique não permitiu. Apenas fiz uma careta, esperando que ela recuperasse o autocontrole. — POR QUE DIABOS TINHAM QUATRO FEITICEIROS NAQUELA MERDA? TEM NOÇÃO DE QUANTOS HOMENS PERDEMOS? TEM NOÇÃO QUE EU QUASE TE PERDI TAMBÉM?
— Nossos espiões receberam aquela informação, ninguém esperava que ela e o príncipe de Lennox estivessem fazendo um passeio romântico. — revirei os olhos, cansado de discutir. — Nossos homens resgataram o resto dos Curadores e mais armas, bombas e munições, está tudo bem, Angel.
Os poucos curadores que ainda restavam no mundo trabalhavam para famílias importantes, como a realeza e alguns burgueses. Mas agora, sabendo que eles podiam ser livres e ainda ajudar numa revolução, muitos tinham procurado por nós.
— Se eles fecharem um acordo com Lennox, teremos mais um inimigo para lutar contra! — Angel tinha os cabelos vermelhos presos em um rabo de cavalo, seus olhos verdes pareciam cansados e suas roupas estavam sujas por conta da batalha. Estava aliviado por ela não ter sofrido mais do que apenas alguns arranhões.
— Não vamos deixar isso acontecer! — respondi simplesmente, ela me encarou com mais uma careta.
— Pretende matar o príncipe? — debochou.
— Meu plano é muito maior que isso. — a encarei, sério. — Nós precisamos dela
Capítulo 05
Quase rosnei ao ver que por pouco não tive meu cabelo queimado por um dos soldados de Fogo.
Estávamos em um treinamento diário que todos os membros reais e os membros da Corte eram obrigados a participar; meus parceiros elementares eram filhos dos grandes amigos de meu pai. Hoje era um dia em que o Campo de Luta estava lotado, já que o Palácio Dourado de Aseena estava recebendo milhares de membros da corte de Lennox, fora os membros de Howslan.
Lancei um feitiço silenciador para o meu adversário e, com a outra mão, lancei o mesmo para longe de mim, fazendo com que ele batesse na parede de concreto, me fazendo quase sentir pena ao lembrar da dor de uma costela quebrada. Caminhei até uma das arquibancadas e peguei minha bolsa com minha garrafa de água e, enquanto eu bebia, observava o Campo. Parecia uma zona de guerra; havia explosões de fogo, o chão se abria e isso se dava ao fato dos Elementares Verdes (terra) estarem se defendendo; eu senti meus cabelos voando e vi que havia redemoinhos pelo local, era bizarro ver as pessoas rodopiando no meio do furacão dos Ares. Eu já sofri com aquilo, não era legal.
Fui pega desprevenida com a minha garrafa explodindo na minha cara e fazendo uma gigante bolha me cobrir inteira. Arregalei os olhos, tentando me libertar dela pela segunda vez em menos de um dia, mas não precisei lutar muito visto que meu adversário me libertou rapidamente. Caí de joelhos, tossindo muito, olhei para cima e vi , sorrindo. O príncipe estava impecável com sua roupa especial para treino, tinha até armadura. Eu já não estava mais tão impecável quanto ele, parecia um gato molhado. ofereceu a mão para me ajudar a levantar e eu sorri, aceitando.
— Você é louca? — ele grunhiu, sacudindo a mão em que eu toquei. Usei um feitiço que queimava com o toque.
— Isso é pelo seu showzinho com a água! — tentei torcer meu cabelo para ver se ele parava de pingar, mas era em vão. — Nunca mais faça isso, .
— Eu só estava te ajudando a melhorar! — fez uma careta. — A água é seu ponto fraco, vimos isso com o Elementar na Base... Temos que treinar isso!
— Não preciso de ajuda. — cruzei os braços.
— Não vejo nenhum Elementar de Água por aqui e nem outro feiticeiro que possa te ajudar. — o príncipe disse com tom debochado. Sem um Água por aqui, apenas ele poderia me treinar, já que Charles não estava disponível. — À propósito, você está linda! — senti minhas bochechas corarem contra minha vontade, virando o rosto e me amaldiçoando por ser tão forte em algumas coisas e fraca para outras.
Não estava tão ruim, todavia; meus cabelos longos e cinzas estavam presos em um rabo de cavalo que naquele momento já estava bagunçado e molhado; usava uma calça preta que colava em meu corpo e valorizava minhas curvas e uma regata da mesma cor que também me favorecia. Eu estava acostumada com elogios, afinal, eu era a princesa, mas conseguia me desestabilizar com seu sorrisinho sarcástico e sua educação invejável.
— O que você quer em troca dessa ajuda? — perguntei, mudando o assunto. Àquela altura da minha vida, eu descobri de inúmeras formas que nada é de graça. Nem mesmo para mim.
— Ninguém nunca foi gentil com você, não é? — me segurei para não soltar uma careta.
— Ninguém nunca faz nada sem querer algo em troca.
— Você é tão desconfiada, . — ele sorriu sem mostrar os dentes, caminhando em volta de mim, me analisando.
— O que você quer em troca, ? — repeti, arqueando a sobrancelha em desafio. Queria saber o que o príncipe pediria.
— Certo, já que insiste... — levantou as duas mãos para cima, se rendendo. Podia ver a que eu queimei meio vermelha e tremendo, se estava doendo ele não demonstrava. — Quero sair do castelo por uma noite, conhecer Aseena, sem guardas ou vigias.
— O que te faz pensar que eu sei como fazer isso? — levantou as sobrancelhas, quase me tirando uma risada da sua cara de deboche.
— Me leve para uma noite sem Coroa em Aseena e eu te treino. — droga!, eu pensei. Precisava desse treino, o elementar afrontoso me desestabilizou ontem e eu odiava me sentir daquele jeito. Mas também não queria mostrar para ele o meu mundo, o meu lado fora do castelo.
— Quer que eu te leve ao jardim no meio da noite, alteza? — o príncipe riu e permaneceu me encarando, esperando uma resposta. – Certo, eu topo.
— Acordo de Rainha silenciosa e Rei medroso? — encarei sua mão estendida e segurei um sorriso pelo comentário dele, apertando para selar nosso acordo secreto.
Logo senti meu corpo sendo levado bruscamente pela minha garrafa de água descontrolada para o outro lado do Campo, choramingando ao sentir que caí em uma armadilha dos Terras, um arbusto de espinhos. Me levantei rapidamente, sugando do elementar de Ar que estava a alguns metros de mim o tornado que ele fazia e atirei em , que estava correndo, só que o tornado fora mais rápido que ele e vi o príncipe ser rodopiado. Sorri com aquilo. O tornado se desfez em segundos, a elementar que eu havia sugado tinha sido atacada bruscamente por um Terra e caiu próximo de mim. Me cobri com um escudo e esperei o seu ataque, que não veio; o príncipe ainda estava deitado no chão e alguns elementares iam até ele, desmanchei meu escudo e observei de longe.
Quando menos esperei, um buraco de água se abriu embaixo de mim, fazendo com que eu quase caísse completamente. sorria sentado ao ver que eu me segurava na terra para não despencar dentro da água que girava. Com um feitiço silencioso, eu fiz com que o arbusto de espinhos viesse até mim, até que eu conseguisse segurar e ser puxada da água, mas não deixou; ele inundou o Campo inteiro e todos nós estávamos a mercê dele. O príncipe tinha um dom para controlar a água, isso eu tinha que admitir.
Mas eu era mais forte que ele.
Suguei todo o líquido e gritei quando o joguei na direção dele, que se defendeu e segurou a enxurrada de um lado enquanto eu lutava do outro. Agora aquilo parecia um cabo de guerra, todos paravam para ver a luta. jogou a água contra mim, eu sentia que não aguentaria por muito tempo, mas teria que bastar, eu teria que vencer. Eu tinha que vencer.
Tive uma ideia que era arriscada; as minhas duas mãos permitiam que eu segurasse a onda que ele mandava pra mim, não aguentaria com uma mão só, mas, se eu silenciasse ele por dois segundos, não aguentaria a pressão e perderia. Arrisquei assim mesmo, grunhindo ao soltar uma das mãos da água e tremendo, tentando segurar com a outra. Com a que estava livre, eu fiz o sinal do silenciador, vendo se ajoelhar, resistindo um pouco, mas não o suficiente. Agora, já com as duas mãos, eu lancei toda a água com força.
E venci.
se perdeu na água que ele mesmo criou. Suguei um pouco para que ele não sofresse um afogamento, o suficiente para ninguém perceber que tinha sentido misericórdia em uma luta.
Caminhei até , que estava deitado no chão, tossindo água. Alguns curadores estavam se aproximando dele junto comigo, mas me surpreendi ao vê-lo sorrindo ainda derrotado no chão.
— Golpe baixo, princesa. — sorri verdadeiramente pela primeira vez e lhe ofereci a mão para levantar. Grunhi alto ao sentir minha pele queimando, encarando ele logo em seguida enquanto dava de ombros ao ficar em pé. — Isso é pelo seu showzinho com a água. — eu não aguentei segurar uma risada. Ele estava me imitando. — Nunca mais faça isso, .
— Foi uma boa luta, , foi uma honra te vencer. — senti o Curador segurando minha mão e fazendo o trabalho
— Foi uma honra perder para você, te espero amanhã aqui nesse mesmo horário. — o príncipe sorriu. Respirei fundo antes de ceder.
— Te espero hoje em meu quarto depois do toque de recolher. — sussurrei, antes de dar as costas para ele. — E não me apareça com sua coroa, senão você fica aqui!
Estava voltando para o meu quarto depois da luta no Campo, mesmo com os Curadores fazendo o processo de cura, eu ainda sentia meu corpo cansado e dolorido. Era diferente para nós, feiticeiros; a exaustão era pesada e dominava a gente, nossa energia abaixava. Me senti diferente na batalha da Base, descontrolada mais do que o normal, eu diria, só que não senti essa exaustão que sinto agora, eu me senti viva.
Com uma toalhinha, eu tentava secar meu cabelo para não inundar o local e dar mais trabalho para os Cinzas. Em uma das curvas, eu dei de cara com meu pai e Conrad, apenas o rei de Lennox sorriu.
— Majestades! — fiz uma reverência simples com a cabeça.
— Pelo visto, o treino foi intenso. — Byron comentou. Quase o deixei falando sozinho, mas minha educação não permitiu.
— Imagine. — meu tom denunciava o sarcasmo.
— Foi , não foi? — Conrad riu, cruzando os braços. Estava orgulhoso do filho.
— Sim. — sorri, colocando a toalha em meu pescoço. — É um bom feiticeiro, mas não me venceu. Talvez em uma próxima.
— não costuma lutar para perder. — o pai do príncipe comentou, me fazendo sorrir novamente.
— Eu também não, majestade.
— sempre foi competitiva. — meu pai falou para o outro rei. — E nem posso dizer que é obra minha e de Louise... Não interferimos no temperamento dos nossos filhos. — mentiroso, eu pensei. — Como você pode ver, minha filha faz o que quer.
— Vocês criaram uma boa garota! — Conrad colocou a mão em meu ombro, sorrindo. — Bom, se me derem licença, vou ver o que restou do meu herdeiro. — ri do seu comentário e esperei que ele se retirasse para dar as costas ao meu pai e continuar o meu caminho.
Porém, fui interrompida em menos de segundos com suas mãos segurando o meu braço. Revirei os olhos, respirando fundo e esperando que ele começasse.
— Você me envergonhou, de novo! — fiz uma cara de dúvida, tentando me lembrar o que eu podia ter feito desta vez. — Você me desafia na frente dos monarcas de Lennox, quando é que você vai aprender a ser submissa? Você serve a mim!
— Você me criou para não ser submissa a ninguém. O que te aflige mais? Uma filha colocando em prática tudo que aprendeu ou uma filha usando isso contra você? — respondi, me soltando dele bruscamente.
— , você terá que aprender a se curvar para o seu Rei, não importa se será a próxima rainha. — ele falou, entredentes.
— Me curvaria se te achasse digno! — senti seus olhos ficando lilases, sua mão sugava o que restou da minha energia. Comecei a rir, já me sentindo fraca. — O que vai fazer agora? Me dopar com Painite até sugar o resto da minha magia? Me prender na cela enfraquecedora? Ou os dois ao mesmo tempo? É assim que você quer ganhar respeito? — meu rosto queimou e eu demorei alguns segundos para entender o motivo. Ele tremia com a mão livre para cima, o colorido de seus olhos estava no auge; Byron havia me batido, de novo. Desta vez, até com plateia, visto que os guardas do corredor observavam tudo, atentos.
— Você sendo a minha filha ou não... — ele rosnou. — Sendo meu sangue ou não... Eu ainda sou o Rei. Eu mando nisso tudo, esse império é meu até a hora de minha morte. Você seguirá as minhas ordens, se não quiser...
— O quê? — gritei aos quatro cantos. Meu pai já havia me soltado e se assustou com aquilo, os guardas em nossa volta se ajoelharam com as mãos na cabeça, seus ouvidos sangravam, assim como eu fiz na Base. Quando percebi que eles estavam grunhindo de dor, eu abri minhas mãos e me senti mal. — Para ser Rei, não basta apenas a Coroa. — sussurrei, antes de me retirar. Aquela frase era dele. Byron não tentou me impedir dessa vez.
O toque de recolher havia batido e eu esperava o príncipe de Lennox aparecer como combinamos. Estava deitada em minha cama com Ophelia acariciando meus cabelos, eu me sentia triste e ela era a única que sabia disso. Ela e Charles eram os únicos que conheciam meu lado frágil. Quando eu era criança, todas as vezes que meu pai me agredia, eu chorava na frente dele, eu sentia dor, me sentia traída, não conseguia entender o porquê recebia um tapa ou um açoite todas as vezes que eu falava algo que ele considerava impróprio, me magoava ver o homem que eu amava me machucando. Quando eu era uma adolescente, muita coisa mudou em meus sentimentos; chorava apenas em meu quarto, no colo de Ophelia, não dava a ele o que queria e com o tempo eu percebi que ele queria que eu o temesse.
E eu não temia mais.
Agora, todas as vezes que ele levantava a mão para mim, eu não sentia vontade alguma de chorar. Nunca mais derrubei uma lágrima, por nada e nem ninguém. Não sentia nada por ele, a não ser ódio, eu odiava o que ele fez eu me tornar.
Escutei duas batidas na porta, Ophelia se levantou e eu a imitei, deixando de lado qualquer expressão que indicava meus sentimentos. Quase ri ao ver o príncipe vestido como um Elementar.
— Você disse "sem coroa". Estou sem ela. — encarei as roupas chamativas e vermelhas que ele vestia e comecei a rir. — O que foi? Você ainda está de pijama!
— Ah, , querido... — balancei as mãos, me recuperando do riso. — Por sorte, peguei umas roupas emprestadas de um dos guardas, vista-as. — Ophelia logo entregou as roupas do filho para ele, observando-o enquanto ia até o banheiro — Idiota...
— , deixe disso! O garoto nunca fez isso. — Pheli o defendeu, me entregando minhas roupas. Uma calça jeans rasgada surrada e uma blusa vermelha escura desbotada com alguns furinhos. Vesti a calça junto com a bota preta gasta que eu tinha, e antes de colocar a blusa, senti que alguém me observava e, mesmo de costas, eu sabia quem era.
— Espiando, ? — perguntei, colocando a blusa em seguida, me virando para o príncipe que estava corado, mas que logo tratou de sorrir e fazer seus comentários de sempre.
— Como eu disse, tenho que conhecer o terreno... — joguei uma almofada que tinha em minha cama nele. — Você faz essas roupas feias parecerem bonitas. — joguei outra almofada, sentindo minha bochecha corar.
— Não posso dizer o mesmo, você está parecendo um palhaço com essa roupa. — ele gargalhou, me fazendo esconder um sorrisinho com as mãos. Ele não estava feio, conseguiu fazer com que as roupas simples e furadas ficassem muito bem nele. — Eis o que vamos fazer... — tratei logo de explicar como iríamos sair do castelo e como iríamos para a cidade; o plano era simples, eu nunca fui pega em três anos fazendo sempre a mesma coisa. Ele não podia complicar muito, só tinha que fazer o que eu mandava.
Coloquei uma touca para esconder meus cabelos e disfarçar minha identidade, provavelmente me deixando hilária, já que o príncipe me olhava segurando a risada.
— Você parece uma saqueadora, princesa. — ele estava encostado no batente da porta, sorrindo, sarcástico.
— Não enche! — resmunguei, já saindo do meu quarto.
estava tão animado que sentia sua energia pulsando de longe. Quando entramos no corredor secreto, fora ele quem iluminou o caminho. Fomos pelos corredores com ele tagarelando sobre absolutamente TUDO. Até que eu gostava, não estava acostumada com companhia, mas curti a sensação de não ser sozinha.
Assim que saímos do corredor secreto e sentimos a brisa fria da noite em Aseena, eu sorri e corri para a floresta com me seguindo. Como eu disse, fazia isso há anos e cada vez mais eu melhorava minhas fugas. Havia um cavalo em um ponto da floresta, Tom o deixava ali sempre que eu pedia, alguns minutos antes da minha fuga. O príncipe teria que ir comigo no mesmo cavalo, por sorte, ele não relutou.
— Se fizer alguma gracinha eu te derrubo daqui de cima! — avisei-o já sentindo suas mãos em minha cintura. Lavender, minha linda égua branca, relinchou, como que confirmando minha ameaça.
— Você é a garota menos feminina que eu já conheci. — reclamou, me fazendo sorrir com o comentário. Logo, dei partida com meu cavalo em direção ao lugar onde eu sempre ia.
Depois de uns longos minutos cavalgando, com quase me esmagando em seus braços — acho que ele duvidava da minha habilidade com cavalos — nós chegamos em um vilarejo cinza, cheio de vida, onde bares e festas viravam as noites.
Sempre que eu precisava me dispersar um pouco, eu ia para lá, curtir, viver a vida como se fosse uma mera menina pobre da vila. A touca tornava impossível de ver meus cabelos, logo eu passava despercebida facilmente. Amarrei meu cavalo perto de uma cabana onde eu já tinha conversado com a dona para me dar permissão e comecei a andar mais relaxada. Às vezes, viver presa no castelo me dava muita agonia, então só a ideia de estar "livre" já me fazia até mesmo respirar melhor.
— Tem certeza de que é seguro? — perguntou, me seguindo meio acanhado.
— Está com medo, alteza? — deixei que um sorriso debochado aparecesse em meus lábios. — Relaxe, eu faço isso desde muito nova e nunca aconteceu nada demais. Além do mais, somos feiticeiros, não há nada para temer.
— Nada demais? — ele me parou com a mão estendida na minha barriga e um olhar questionador. Arqueei uma sobrancelha — Tá, isso já é alguma coisa.
— Ah, deixe disso! Apenas uma vez que um bêbado tentou dar em cima de mim e eu tive que congelar o cérebro dele. — dei de ombros — Tirando isso, nunca tive problemas.
— ! — arregalou os olhos. — Você é impossível.
— Você não viu nada.
Caminhamos um pouco, jogando conversa fora até chegar ao bar em que eu estava acostumada a ir. Não tinha muita movimentação normalmente, então era mais seguro do que os outros que explodiam músicas altas e tinham pessoas até mesmo na calçada sem conseguirem entrar. Isso que o toque de recolher já havia batido, mas os guardas recebiam boas gorjetas para fingirem que não estavam vendo ou ouvindo. Corruptos. Se Byron descobrisse, o vilarejo estaria arruinado.
Entrei de cabeça baixa, apenas cumprimentando a senhora gordinha e sorridente, dona do local, com um aceno de cabeça e me dirigindo para a mesa mais distante da porta. Sentei de costas para a entrada enquanto sentou à minha frente, me encarando como quem diz "Está bem, e agora?"
— O que você quer beber? — perguntei, pegando a lista de bebidas suja e rasgada.
— Hm, achei que íamos dar uma volta. — fiz uma careta, confusa com o príncipe. Já não tinha feito o bastante?
— Meu amor, o toque de recolher já bateu, não tem mais nada aberto a não ser bares. Se você quiser dar uma volta, a floresta está à sua disposição. Só toma cuidado com as cobras! — falei a última parte dando um sorriso, o encarando por cima do papel. Ele bufou cruzando os braços. — Cuidado com o bico... A gente pode beber umas cervejas e eu te ensino a jogar sinuca, o que acha?
— O que te faz pensar que eu não sei jogar? — segurei uma risada óbvia.
— Você é muito careta, , duvido que já tenha ido à um bar antes. — o príncipe fez uma careta. — Além do mais, esse jogo não tem em qualquer lugar. — soltei o cardápio e o encarei. — Vamos, vai ser divertido. Promessa de rainha silenciosa. — arqueou uma sobrancelha e deu um sorrisinho de canto, continuei minha chantagem emocional. — Depois nós podemos dar uma volta à cavalo pelo vilarejo.
— Ta bom, vou confiar em você só dessa vez. — dei um sorrisinho, me sentindo vitoriosa.
Fui até o balcão e pedi duas cervejas grandes e uma porção de salgadinhos, também pedi os tacos e as bolas da sinuca para jogarmos. me ajudou a carregar tudo e fomos para o fundo do bar onde havia uma grande mesa verde cheia de buracos nas extremidades. O príncipe me olhava com o cenho franzido em confusão.
— Certo, o jogo é o seguinte: nós vamos fazer um triângulo com as bolas coloridas, a bola branca fica na ponta a uns centímetros de distância, com o taco desse jeito... — peguei o taco corretamente e posicionei à frente da bola branca. — Você bate na bola branca para espalhar as demais, e aí o jogo começa. Quanto mais bolas você derrubar nos buracos, mais pontos você faz, e você não pode derrubar a branca. É jogo de bêbado, fácil e chato. — dei uma risada, vendo-o fazer uma cara de concentrado. — Mas, só para comentar, eu sou bem competitiva!
— Não me diga. — respondeu com um sorriso, já pegando seu taco. Dei um gole na minha cerveja e começamos.
— Se eu sentir um pingo sequer de magia aqui, eu quebro esse taco na sua cabeça. — o príncipe gargalhou, se gabando ao ver sua primeira bola entrando na caçapa.
— Digo o mesmo, princesa. — revirei os olhos, bebendo mais um pouco da minha cerveja, vendo o monstro que criei. Eu não devia ter apresentado o meu mundo para o príncipe medroso.
Depois de várias rodadas de jogo e várias rodadas de cerveja, já estávamos falando besteiras como duas pessoas altamente afetadas pelo álcool. Se algum Elementar nos visse e nos reconhecesse, nunca acreditariam que éramos da realeza. Adorava me sentir normal e comum, acredito que partilhava o mesmo sentimento. Como não tinha muitas pessoas no local, não ligávamos de falar alto ou então fazer dancinhas ridículas quando cada um fazia um ponto. Não é que o príncipe estava ficando bom no jogo?
Quando perdeu mais uma partida, precisou ir ao banheiro descarregar toda aquela cerveja que bebíamos e eu fiquei para arrumar novamente a mesa para nossa última vez. Dei risada sozinha, até que ele não era um total pé no saco. novamente me surpreendeu.
O sino da porta do bar tocou, indicando que alguém tinha entrado — não conseguia ver quem, já que estava de costas —, mas assim que a pessoa colocou os pés no local, todos os pelos do meu corpo se arrepiaram de uma forma não natural. Paralisei na hora, me recordando de onde eu conhecia esse poder e não ousei mover um músculo sequer. Por sorte, ele sairia rápido e não me reconheceria, já que eu ainda tinha a touca na cabeça e vestia roupas de Cinza.
Torci para que tivesse dormido na privada ou até mesmo batido a cabeça na pia e desmaiado, porque certamente quando saísse do banheiro, daria de cara com aquele Elementar de água. Não estávamos em condições de lutar.
— Boa noite para a dama mais linda desse bar! — ouvi a voz rouca falar um pouco alto pela música que tocava. Vi pelo rabo de olho que ele havia falado com a mulher velha e gordinha atrás do balcão, a dona do bar. Ele estava a míseros 4 metros de distância de mim e eu sentia todo o poder dele.
— ! — . — Achei que não viria hoje, filho! — Filho? Tenho quase certeza que essa mulher é uma cinza!
— Ah, não, estávamos sem fazer nada lá no forte e resolvi dar uma passada aqui para ver como andam as coisas... Se você precisa de ajuda... — por um momento ele pareceu me perceber lá no canto, mesmo de costas conseguia sentir seus olhos me queimando, mas tão rápido que parou, ele voltou a falar. — Angelique ia vir também, mas você sabe como ela é, estava tentando fazer um redemoinho enorme e quase arrancou nossas árvores do chão, fora que ela é maníaca por controle! Queria cuidar e ficar de olho nos Insurgentes na minha ausência. — redemoinho? Ar! Certamente estava falando da menina que salvou ele naquele dia. A vadia que quase me matou! Angelique, guardaria esse nome.
— Angelique... — a mulher balançou a cabeça, sorrindo sem mostrar os dentes. — Ainda bem que não moram mais na minha casa. Ia bater nos dois com cabo de vassoura se destruíssem minha horta tentando praticar. — aquela senhora parecia tão gentil, fiz uma nota mental de dar a ela uma gorjeta bem grande.
— Para com isso, porque você pede todo dia para que voltemos para casa. — rebateu, com um tom divertido na voz.
— Claro, você acha que eu gosto da vida que vocês levam? — ela sussurrou essa última parte, mas mesmo assim consegui ouvir com um pouco de esforço.
— Mãe, nós precisamos disso e você sabe. — o Elementar suspirou e ficou em silêncio por alguns minutos. — Bom, como o movimento está fraco aqui hoje, já estou indo.
No mesmo momento em que ele falou isso, a porta do banheiro começou a ser aberta e o príncipe saiu da penumbra do lugar, ficando cada vez mais visível. Arregalei os olhos, torcendo para o Elementar já ter virado as costas para ir embora e soltei todo o ar que eu nem percebi estar segurando quando o sininho tocou de novo.
— Você acredita que eles não têm sabonete? — chegou falando, primeiro olhando para a mesa que estava com metade das bolas fora do lugar e depois olhando para meu rosto. — ? Tá tudo bem? Parece que viu um fantasma.
— Certamente, eu acho que vi sim. — murmurei para mim mesma, ainda em choque.
Quando virei para ver o local, quase agradeci em voz alta por estarmos só nos dois novamente junto com a senhora atrás do balcão. Ela lavava umas louças enquanto ouvia notícias em um rádio velho que chiava mais do que tocava. Por um instante eu quis dar um novo para ela, aquele barulho me fazia ter dor de cabeça. Talvez fosse a bebida misturada com o susto de encontrar o maldito Elementar. Fiz muitas notas mentais com aquele diálogo que ouvi: Forte, Angelique, Elementar do Ar, Insurgentes juntos precisando de supervisão, ...
Isso podia ser útil e interessante.
Capítulo 06
— Hoje é o dia! — se jogou no chão ao meu lado depois de uma manhã de treino pesado.
Nós dois estávamos cansados e acabados e eu estava mais irritada do que o normal, então todos ali haviam sofrido com meu ódio.
— Sim — suspirei, bebendo água. O príncipe estava menos animado que o normal. Tinha me acostumado com seu sorriso e deboche diário, mas hoje parecia que ele não queria ser um poço de alegria. Não o condenava por isso.
Havia se passado uma semana desde que entrou na minha vida. Uma semana que meu pai havia feito uma maldita promessa de acordo com Lennox e entregado minha mão a um estranho. O príncipe não era mais um estranho, só ainda não era o homem com quem eu queria casar. Fui criada para ser rainha, nem me preocupava em me casar, afinal, eu teria todo o poder. Meu pai havia decidido mais ainda o meu destino. Hoje era o dia de assumir em público o anúncio da Aliança e o pedido de casamento.
Lennox fecharia o acordo hoje e eu temia por , ele era um cara legal. Eu tinha problemas com confiança, mas o príncipe havia demonstrado que merecia o meu respeito, ele o conquistou. Também percebi que éramos bons amigos.
Contudo, eu não o queria ao meu lado para governar. Não por não gostar dele ou por não confiar nele, eu não o queria ao meu lado porque eu não queria me casar. Eu não deveria me casar tão nova, eu não precisava de ninguém. também não precisava de mim e sua vida estava amarrada a minha por uma maldita coroa. Independente de tudo, uma pequena parte de mim estava aliviada por ser ele e por ele ser uma pessoa boa.
Me levantei e sorri em sua direção. Não era um sorriso falso, pelo menos estaríamos juntos. Me despedi, lhe dando um banho com a água da sua própria garrafa e ele gargalhou, fazendo o mesmo com a minha. Naquela semana juntos, virou rotina ficarmos encharcados após o treino.
Durante o caminho solitário para o meu quarto, encontrei Charles. Nós dois não falamos nada, apenas nos contentamos com a nossa respiração, o silêncio era bom.
Descobrimos que nosso pai também planejava um casamento para Charlie com a princesa de Phylcon. Ele realmente estava desesperado para proteger Howslan com todos os Acordos possíveis. Charles fazia tudo que ele mandava e mesmo assim fora castigado. Não era um anúncio oficial e meu pai pretendia manter aquilo em segredo até eu me casar com , só que meu irmão descobriu ao ouvir uma conferência com Phylcon e o anúncio da princesa passando os dias com a gente até o dia do meu casamento. Apenas ligamos os pontos.
— Pelo menos ele escolheu pessoas bonitas para nós — ele fez piada, sorri com aquilo. — Hoje você vai ficar noiva.
— Achei que quando eu decidisse me casar, ficaria mais animada com esse dia. — admiti pela primeira vez. Charles suspirou, segurando minha mão.
— Eu também achei. — meu irmão suspirou. — Na realidade, tive um pequeno lapso de que me casaria por amor... Eu sequer tenho tempo de manter um relacionamento com tanta guerra e viagens, isso é loucura. Ele está fora de controle.
— Amor não existe! — dei de ombros e Charles me encarou. — Nós somos tolos por acharmos que ele se interessa pelo que sentimos. Você sabe como as coisas são.
— Coroa em primeiro lugar! — falamos juntos.
Me encarava na frente do espelho, gostando do que via, mas nem a maquiagem escondia a minha tristeza e raiva. Meu vestido era azul escuro, sem alça, valorizando minha cintura e meus seios; a saia era de cetim com muitas pedrinhas brilhantes na barra, não tinha mangas, e nas minhas costas havia um pano transparente a deixava à mostra.
Ophelia colocou em meu pescoço um colar de diamantes que ganhei da minha mãe e um brinco que ganhei de Charles. Meu cabelo estava solto, com as pontas fazendo algumas ondinhas, a coroa fazia contraste na cor cinza. Olhei para minhas mãos, as unhas estavam em um tom lilás, para não esquecer a minha cor.
— Minha garotinha! — ouvi minha mãe falando atrás de mim. Me assustei quando me dei conta de que eu não estava mais sozinha. — Você está tão linda!
— Obrigada. — sorri sem mostrar os dentes enquanto ela me abraçava por trás. Minha mãe era mais alta, mesmo eu usando salto, só que isso era apenas um detalhe. Nós éramos muito parecidas e eu apenas deduzi isso pela milésima vez ao ficar ao lado dela. — Você também está linda.
— O dia de hoje é muito importante para gente, obrigada por fazer isso. — arqueei uma sobrancelha.
— Não tive muita escolha, tive? — o sorriso dela se desfez, mas o carinho no cabelo continuou.
— Querida, eu tive essa previsão, seu pai fez isso pelo seu bem e...
— Por que ninguém me perguntou se eu queria isso? — eu estava esperando que fosse sair como um grito, mas só foi um sussurro. — Eu não preciso de homem algum para governar.
— Eu sei! — ela concordou, respirando fundo. — Te criamos independente demais, ... Ninguém é feliz sozinha, principalmente em um lugar cheio de poder.
— Engraçado, seu marido é exatamente assim. — meu sarcasmo a atingiu em cheio. Não queria magoá-la, mas não conseguia me segurar. — Vocês já tiraram tanto de mim e continuam fazendo isso. Até quando? O que vem depois? Netos daqui um ano? Byron já planejou um casamento para o netinho?
— Não vamos discutir. — ela arrumou a postura e caminhou até a porta. — Eu te amo, , tudo que faço é pelo seu bem. é para o seu bem!
— Para o bem do país! — corrigi, sentindo meus olhos ficando lilases. Os olhos dela não ficaram vermelhos, ela não estava com raiva. Ela estava triste. — Pela coroa!
Liberei todo o ar do meu pulmão, e se eu não tivesse sentada, provavelmente cairia. Ser forte doía quando eu não me sentia assim, mas eu fingia bem. A rainha Vidente havia previsto aquilo? Torcia para que em uma das suas visões, eu não aparecesse apoiada na minha cômoda.
Eu estava arrasada, mas não queria que ninguém soubesse. Encararia aquilo. Respirei fundo e, balançando a mão rápido, abri a porta da sacada, sentindo a brisa fria de Aseena entrar e bater com tudo na minha pele. Não demorou muito para eu olhar e ver Charles parado, me observando. Ele fechou a sacada, provavelmente evitando uma gripe que eu teria.
— Vim te buscar. — ele sorriu, caminhando até mim e me abraçando. Charles estava de preto e vermelho, com o brasão dos Feiticeiros no peito, continha os quatro elementos, a faixa que ele usava também tinha os inúmeros prêmios que ele tinha ganho. — Já conheci a princesa de Phylcon. — arregalei os olhos, esperando que ele contasse logo todas as informações. — Muito bonita. — Charles não parecia animado, mas deu um sorriso debochad,o e arqueei a sobrancelha, esperando por mais. — Você vai amá-la.
— Oh, Deus... Ela é tão ruim assim? — perguntei, fazendo uma careta. Ele deu de ombros, me puxando pelo braço para irmos ao ponto de encontro com nossos pais para entrarmos juntos no Salão de Festas. Ao chegarmos, meu pai sorriu e abraçou nós dois, por um momento achei que um coração batesse no seu peito, mas logo a sensação se foi.
— Faça o que tem que fazer. — balancei a cabeça sem nem me preocupar em responder.
Logo escutei o barulho das trombetas, anunciando que a família real estava chegando.
Assim que as portas se abriram, a multidão que nos encarava me assustou um pouco. Não entendia o motivo, mas me intimidava. Tomei o fôlego, e de braços dados com Charles, criei coragem de não sair correndo daquele inferno.
já estava lá embaixo com seus pais. Estava lindo. Não estava sorridente como o de costume e eu o entendia, por um momento, senti falta do sorrisinho, mas passou assim que cheguei perto dele e encarei meu pai. O ódio voltou. Depois de alguns minutos, nos sentamos. Sentei ao lado dele, obviamente.
— Como sempre, você está linda! — sorri brevemente, sem mostrar os dentes.
— Gostaria de dizer o mesmo, mas você fica melhor com as roupas rasgadas dos Cinzas. — o príncipe riu, balançando a cabeça, me deixando um pouco mais aliviada por finalmente ter o sorrisinho.
— Meus queridos companheiros de Howslan. — meu pai se levantou, falando alto. — Meus queridos companheiros de Lennox. — o sorriso dele se direcionou para três figuras brilhantes do salão. — E, meus queridos companheiros de Phylcon, sejam bem-vindos! — encarei , que deu de ombros. — Gostaria de agradecer pela presença de vocês, depois de uma semana conturbada, mas ao mesmo tempo, muito gratificante, venho por meio deste encontro comunicar a vocês algo muito importante para nós!
— Vamos fechar o acordo com Howslan! — Conrad se levantou, tomando a palavra. O público ficou muito animado com o comunicado. — No dia do casamento do meu filho com a futura rainha! — aquilo pegou meu pai desprevenido, ele não esperava que Conrad fosse fazer isso na frente de todos. Para nós, o Acordo seria selado essa noite e não no dia do meu casamento, mas não se deixou abalar, ele sorria. — , meu filho! — ele chamou o príncipe, que se levantou, elegante como sempre, e parou entre meu pai e o dele.
— É uma honra poder conhecer Howslan e entender como as coisas funcionam aqui. Sete dias é muito pouco para saber de tudo, mas, felizmente, tenho a princesa ao meu lado... Essa semana foi muito gratificante e animada ao seu lado, ! — àquela altura, estava nervosa, novamente minha cadeira estava quente, assim como a cadeira da minha mãe e de meu irmão, que trataram logo de me encarar, pedindo com os olhos para eu parar. — Você é muito especial.
Você também é, eu pensei, mas não consegui falar.
— Gostaria de pedir a mão de sua filha, majestade — meus olhos marejaram ao ouvir aquilo. Eu não queria. parecia tremer por um instante.
— Você tem minha honra, . — os olhos do meu pai encontraram com os meus, como um aviso, faça o que eu quero!
— Anne ... — o príncipe chamou, me levantei, torcendo para que minhas pernas não corressem para o lado oposto. Fui até ele, que se ajoelhou. Seus olhos brilhavam, lilases, fazia parte da cerimônia, "mostrar" o seu poder", e o sorriso em seus lábios parecia verdadeiro por um segundo. — Você aceita se tornar a minha princesa? — ele tirou de uma caixinha vermelha, um anel super brilhante, com uma pedra delicada de esmeralda escarlate. Não escondi a minha surpresa.
— Eu aceito, Royal . — sorri enquanto meus olhos também mudavam de cor, vendo-o colocar o anel em meu dedo. Suspirei ao ver o povo aplaudindo, todos felizes com aquilo. Parecia que ninguém percebia que eu era a única infeliz ali.
Senti as mãos de na minha cintura, era uma tradição em pedidos de casamentos os noivos se beijarem. Os olhos já azuis de novo do príncipe me deixavam nervosa e eu odiava me sentir assim por causa de alguém. Respirei fundo, o sentindo se aproximar de mim, mas, antes de beijar meus lábios, ele roçou os seus em minha orelha, me fazendo arrepiar com o ato.
— Espero que você não me queime! — sorri, balançando a cabeça. Idiota.
— Não vou te queimar. Não aqui! — sussurrei, observando suas covinhas de perto, até que os lábios dele por fim encostaram nos meus, me fazendo prender a respiração e colocar uma mão em seu rosto.
Depois de mais ou menos uma hora de festa e um milhão de fotos tiradas pelo fotógrafo real, eu já estava quase implorando ao meu pai para me liberar desse bando de alcoolizados chatos. Como podem ficar bêbados em tão pouco tempo?
— Aí está você! — Charles disse, vindo em minha direção. Eu já estava sentada em uma mesa qualquer do salão para ver se passava despercebida um pouco. Pelo visto não funcionou.
— Byron não quis me liberar, então vim me esconder dessas pessoas idiotas, fúteis e...
— Então, ...— meu irmão me cortou antes mesmo que eu terminasse a frase, e só então percebi que ele não estava sozinho. — Queria te apresentar a Princesa de Phylcon, Lady Jade LaMontagne.
Era só o que me faltava, mais um membro da realeza pra eu fingir educação, pensei comigo mesma, soltando uma risada fraca, mas não o bastante para a princesa não notar, já que me lançou um olhar feio com uma sobrancelha arqueada.
— Alguma graça?
— Imagine. — tentei ao máximo não demonstrar sarcasmo. — Só estava lembrando de uma amiga minha que se parecia muito com você. — a essa altura, já tinha me levantado da cadeira. Jade era alta, bem mais que eu, porém, mais baixa que Charles, ostentava de uma
beleza exagerada cheia de maquiagem, joias e um vestido vermelho vivo como sangue. Cômico. Sempre exageradas. Ela me encarou, não engolindo essa história.
— Acho impossível, eu sou única. — segurei outra resposta sarcástica, encarei Charles por um segundo, ele deu de ombros. Então ela era afrontosa. — Bela cerimônia, a propósito. — ela comentou, olhando em volta, mas tinha no rosto uma feição de desgosto. — Simples, diante as circunstâncias. Esperava mais.
— Sou uma pessoa simples e meu noivo também. — respondi cordialmente, vendo-a sorrir sem mostrar os dentes. — Afinal, não preciso esbanjar muita coisa, acho que a minha coroa e a minha posição já mostram que sou a pessoa mais poderosa desse lugar. — Charles arregalou os olhos enquanto a outra princesa fingia nem se abalar com a minha prepotência forçada. — Quem sabe minha cerimônia de casamento lhe agrade mais?
— Estarei disposta a te ajudar, se quiser. — respirei fundo, sorrindo amarelo. — Com certeza você vai precisar de uma... Ajudinha — Jade me olhou da cabeça aos pés e eu senti meu sangue subir.
— Sua ajuda será muito bem-vinda, Lady Jade LaMontagne. — encarei Charles, que sorria forçadamente. — Bom, foi um prazer te conhecer, vejo vocês por aí... Aproveitem a festa. — Meu irmão tratou logo de entreter a princesa. Saí rapidamente do radar dos dois.
Jade era fruto de um casamento com reis elementares. A mãe era uma Elementar Terra e o pai era Fogo, a princesa herdou da mãe os poderes. Sua energia era muito forte comparada aos Terras que eu costumava ter contato, conseguia sentir de longe. Os cabelos loiros dela chamavam a atenção, ainda mais com o contraste do vestido vermelho. Torcia para não ter trabalho com a minha futura cunhada.
Já estava quase dando dez horas e eu literalmente não aguentava mais. Cada batida alta da música que tocava era como uma explosão dentro da minha cabeça. Acho que eu bebi muito vinho.
Meu pai e minha mãe ficaram a festa toda conversando com os outros reis e rainhas que estavam aqui, meu irmão sumiu com a futura noiva — espero que tenha ido apenas mostrar o castelo para ela. Conhecia Charles e seu poder de seduzir mulheres, ainda mais uma mulher bonita como a Jade — e havia acabado de voltar ao salão, parecendo procurar por algo, olhando de um lado para o outro. Deveria estar entretendo o pessoal da sua realeza, afinal, ele era o homem mais poderoso daquele salão nesta noite. Os noivos herdeiros, era como se referiam a nós hoje.
— Finalmente achamos você! — Candice e Claire chegaram do nada e a última falou alto, me assustando. Estava tão focada em me esconder que havia esquecido que elas estariam aqui. — Parece até que você se fez invisível e fugiu, ninguém sabia onde você estava.
— Íamos conversar com você depois da sessão de fotos, mas parece que você evaporou. Nem o príncipe te achava. — realmente, aquele cantinho do salão era mal iluminado e mal dava para me ver ali. Por isso eu não vi o tempo todo, ele estava procurando por mim.
— Meninas! Eu me esqueci completamente que vocês estavam aqui, me perdoem. Por favor, me salvem daqui. — pedi a última parte num sussurro para que só elas ouvissem, mesmo que a música fosse impedir qualquer ouvido curioso.
— Mas já? Vamos dançar. É sua festa de noivado, você precisa beber todas e curtir.
— Candice você sabe que eu ‘tô tudo, menos feliz com essa história de noivado. — já estava de saco cheio das pessoas agindo como se eu estivesse amando aquilo. Bufei e cruzei os braços, ainda sentada na cadeira.
— ? Qual é? — Candice fez uma careta ao me dar um leve empurrãozinho. — Infelizmente você não pode fazer nada quanto a isso, então seria muito mais divertido você curtir com a gente do que passar a festa toda de cara feia aqui no canto. — torci o nariz, dando de ombros. — Aliás, daqui a pouco alguém vai perceber você aqui escondida e vão começar a especular que a princesa está infeliz.
— Não estariam errados. Quem sabe assim meu pai não desiste do noivado? — achei que levaria um tapa das duas.
— É, ele desiste do noivado e chuta você do palácio. Vamos logo, eu roubei uma garrafa de tequila do barman. — Claire piscou um olho para mim, me fazendo rir um pouco. Ela era uma figura.
Foi quando eu levantei que notei o quão tonta eu estava. As dez taças de vinho vazias ao meu lado na mesa foram minhas companheiras e agora tinha uma leve impressão de que seriam minhas inimigas. Não poderia ligar menos.
— Então, vai falar para gente como o príncipe é? Aquele beijo que vocês deram foi tudo. — Cand disse, me passando a garrafa de tequila. Só com a menção do beijo, eu a virei de uma vez, sentindo o líquido descer rasgando pela minha garganta.
— Ele é... Ele! — respondi, fazendo uma careta depois de engolir o álcool.
— Muito explicativo, . — Claire debochou, me dando um tapinha na testa. — Anda, quero detalhes.
— Ah, Claire, você sabe que eu sou reservada. Não aconteceu nada demais nessa semana no castelo. Ele até que não é ruim. — falei, dando de ombros, procurando com os olhos e, quando o achei, o mesmo já me encarava.
O príncipe estava sério, focado demais em meu rosto com uma sobrancelha arqueada, mas quando me lançou um sorrisinho malicioso, eu soube que estava apenas brincando. Revirei os olhos o mais dramática que consegui e foquei novamente nas duas tagarelas à minha volta.
— Ah, mas foi tão fofa a cerimônia de vocês. Não teve nem um beijinho antes?
— Candice! — falei, rindo, tirando a garrafa de sua mão novamente. — Cale a boca.
E assim persistimos durante uma hora, dançando feito três loucas e acabando com uma garrafa de tequila inteira. Parecia que o salão ficou mais motivado ainda com a gente na pista e se aglomeraram ao nosso redor, dançando como se o mundo fosse acabar amanhã.
Eu já nem lembrava mais o motivo de estar com tanta raiva, tudo não passava de um borrão — inclusive minhas amigas —, e eu nem ligava se estava causando uma má impressão por estar bêbada. Afinal, ninguém julgaria uma noiva que bebeu muito de felicidade no dia do seu noivado.
Estava virada de frente para minhas amigas na nossa rodinha imaginária quando senti duas mãos me segurarem pela cintura.
— Com licença, senhoritas, eu sei que a festa está muito legal, mas vocês se incomodariam de eu roubar minha noiva um pouquinho? — sentir tão perto de mim com as mãos no meu corpo de uma forma gentil fez todos os pelos da minha nuca se arrepiarem por algum motivo.
— Imagine, alteza! Pode levar ela para longe. De preferência, para algum quarto real.
— Candice! — repreendi, rindo da piada da minha amiga, mas rindo muito, como se tivesse sido a coisa mais engraçada que alguém já tinha me dito.
— Vem! — ele sussurrou no meu ouvido agora, me redirecionando para a sacada do salão que se encontrava vazia. Pelo caminho eu quase caí duas vezes se não fosse pelas mãos dele me segurando firmes. — Você está bêbada! — não foi uma pergunta.
— Só um pouquinho! — fiz um gesto com o dedo indicador e o polegar, que sinalizava pouco.
— Só um pouquinho nada, você está muito bêbada. Seu pai que queria ir te tirar de lá, mas eu me ofereci porque sabia que eu seria bem mais gentil. — o príncipe estava sério.
— Meu herói! — dei um sorriso sarcástico. Ou ao menos tentei dar.
— Você é impossível. — ele riu baixinho. — Mesmo bêbada não perde essa pose sarcástica.
— E você não deixa de ser careta! — resmunguei cruzando os braços. — Por que me tirou de lá? Eu estava final... Finalmente me divertindo e esquecendo desse fardo que eu tenho que carregar para sempre.
— Você me considera um fardo? — me olhou, meio chateado. Droga!
— Nãoooooo, ! — coloquei uma mão no ombro dele. — Eu só queria dançar mais.
— Não, vamos ficar um pouco aqui até você melhorar e depois voltamos para lá. A brisa fresca vai te ajudar, vem.
Ele puxou duas cadeiras que ficavam lá e nos sentamos, olhando para o jardim do castelo que se estendia até a floresta.
Como não conseguia pensar muito e nem mesmo elaborar alguma conversa, apenas respirei fundo e tombei a cabeça em seu ombro. Ele pareceu ter sido pego se surpresa, já que prendeu a respiração. Até mesmo bêbada eu sou boa em perceber as coisas.
— Até que você não é tão chato como eu achava. — suspirei, ouvindo-o rir baixinho
— Você acabou de me chamar de careta. — fingiu estar indignado.
— Careta sim, chato não. — o príncipe balançou a cabeça, eu podia ouvir mesmo no silêncio ele dizendo "Você é impossível, ".
Não sei em qual ponto foi que eu cochilei, só sei que senti algo cobrindo meus braços do vento frio enquanto uma mão brincava com a minha sobre a minha coxa. Depois de uns minutos, me acordou, falando que deveríamos voltar porque logo dariam falta dos noivos na festa e isso não seria legal, afinal, éramos as estrelas daquela noite. Já estava bem melhor e mais disposta.
Minhas amigas já haviam ido embora. Na verdade, a maior parte das pessoas. Só restavam alguns lordes e amigos mais próximos da realeza.
— Você, criada imunda...— ouvi um homem gordo e baixinho gritar com alguém. — Se não notou, meu copo de vinho está vazio.
Ele deveria estar bêbado e eu não gostei nem um pouco do jeito que ele falou com a criada. Na verdade, a festa tinha garçons, as criadas não tinham permissão de vir aqui a não ser que seja por algum motivo específico.
— Com licença, senhor, eu não sou garçonete, estou à procura da Princesa . Os garçons logo virão para ajudá-lo. — quando ouvi meu nome, percebi que se tratava de Ophelia, que andava pelo salão rapidamente olhando de um lado para o outro.
— Não me interessa quem você é, ratazana. Eu só quero meu vinho agora. — ele falou de novo, fazendo Pheli olhá-lo, assustada e surpresa.
Cerrei meu punho de raiva, sentindo meus olhos brilhando lilases, mas a mão de em meu ombro me impediu de fazer alguma coisa. Como ele ousava falar desse jeito com ela? Ou com qualquer outra pessoa? Isso não se fazia, não aqui no meu palácio.
Menos de um minuto depois, Pheli voltou com uma taça de vinho branco, entregando rapidamente ao homem, que no mesmo momento a segurou com força pelo braço.
— Sua inútil, eu só tomo vinho tinto! — a soltou com tudo, fazendo-a tropeçar e cair sentada enquanto atacava a taça no chão, que por pouco não pegou nela.
Tudo aconteceu muito rápido depois disso. Me desvencilhei de praticamente correndo até o outro lado do salão, e quando dei por mim, já tinha dado um soco na cara daquele homem nojento. Um soco bem forte, já que minha mão começou a doer na hora e o homem despencou no chão como um saco de batata.
— ! — o príncipe gritou. Não dei a mínima.
— INÚTIL É VOCÊ! — gritei com a raiva ao extremo. A essa altura do campeonato, a música já tinha parado e todos prestavam atenção em mim, inclusive meu pai. — QUEM VOCÊ ACHA QUE É PARA FALAR E TRATAR ASSIM OS MEUS CRIADOS?
— Alteza, eu...
— GUARDAS! Tirem esse homem daqui agora! — ordenei, vendo os meus guardas se aproximarem da gente, me virei para o bêbado, que já estava nas mãos dos meus homens. — Nunca mais quero ter o desprazer de ver essa sua cara aqui no palácio. — olhei para o lado a tempo de ver Ophelia se levantando com a ajuda de e fui até eles, tomando para mim os braços dela. — Você está bem, Pheli? Vamos, vamos para o quarto.
— Lady , eu estava procurando a senhorita. Suas amigas falaram que você não estava muito bem e eu...
— Está tudo bem, Pheli, vamos te tirar daqui! — puxei ela para fora do salão, sentindo meu rosto queimar de raiva por ela ter passado por isso. Subi com ela para meu quarto, sem ligar das consequências que esse ato provavelmente me traria. Eu não ligava.
Com minha família ninguém mexia, e Pheli definitivamente era da minha família.
Capítulo 07
Estava em meu quarto vendo Ophelia caminhar de um lado para o outro, preocupada com a minha atitude de ter socado um dos convidados; isso me traria problemas, mas eu não ligava. Parecia que o álcool que havia ingerido tinha passado apenas para uma enorme dor de cabeça, sentia todos os meus nervos à flor da pele e minha mão latejava depois que a adrenalina passou.
Meus funcionários não eram escravos de ninguém. Isso tinha que acabar.
Ouvi algumas batidas na porta e Pheli imediatamente foi abrir, dando de cara com o meu noivo. Achei estranha a visita, me levantando imediatamente e indo até a porta.
— Que bom que você está bem, Ophelia! — ele sorriu sem mostrar os dentes e segurou a mão dela. — Sinto muito pelo o que aconteceu lá embaixo.
— Não é sua culpa. Já está tudo bem. — Pheli deu de ombros, o príncipe concordou com a cabeça e me encarou.
— Seu pai está te chamando — respirei fundo e encarei Pheli, que não escondeu a expressão de tristeza. Ela estava nervosa, sabia o que viria a seguir. — Eu te acompanho até ele.
— Não precisa, posso ir sozinha. — garanti, já saindo do quarto e deixando-o para trás, mas não por muito tempo, já que as mãos dele logo seguraram meu braço, me fazendo parar.
— A reunião conta com meus pais também. Vamos estar juntos.
Concordei com a cabeça, sentindo as mãos dele agora nas minhas costas, me guiando para a sala de reunião onde meus pais se encontravam. O castelo estava quieto, todos já deveriam estar dormindo ou pelo menos indo dormir; gostaria de fazer o mesmo. Entrei na sala, já sentindo o arrepio nas minhas costas, meu pai estava sentado na ponta da mesa, com minha mãe em pé ao seu lado e Charles sentado ao lado dele. Conrad e sua esposa estavam sentados também, todos de cara fechada. Fechei a porta e me sentei na outra ponta, se acomodou ao meu lado.
— Estou aqui. — falei, por fim.
— É inadmissível! — minha mãe tomou a palavra pela primeira vez. — Anne! Por sorte os convidados já tinham se retirado, mas ainda assim, tinha gente lá! Você tem noção de quem agrediu?
— Lorde Joseph, de Phylcon. — Deby respondeu, com um sorrisinho no canto dos lábios, quase imperceptível.
— Entendi... — respondi dando de ombros. — Mesmo assim, não quero ver o rosto dele aqui nunca mais. — sorri com deboche, vendo o rosto do meu pai ficar vermelho de raiva.
— Não vou deixar suas atitudes de criança mimada acabarem com o meu reino! — ele gritou, me fazendo dar um pulinho na cadeira de susto; não imaginava que ele fosse sair do controle na frente de Conrad. percebeu aquilo e apertou minha mão por debaixo da mesa, tentando me acalmar, já que sentia meus olhos mudando de cor.
— E eu não vou permitir que tratem Ophelia ou qualquer funcionário daquela maneira! — falei com calma, o deixando ainda mais irritado.
— Eles estão aqui para isso! — Conrad falou, inconformado.
— Não, eles estão aqui para trabalhar e não morrerem de fome nesse país injusto e desigual. Não são pagos para serem humilhados. — Charles respirou fundo e, se pudesse, teria me chutado por debaixo da mesa.
— Admiro seu pensamento, , mas você não pode socar as pessoas só por destratarem um criado e...
— Não posso? Deby, observe quantos homens covardes eu derrubo apenas com um soco. — minha mãe cobriu o rosto, com vergonha; Deby não pareceu se ofender, no entanto, ela sorriu com aquilo. Um sorriso discreto novamente e riu baixinho ao meu lado.
— Peço desculpas pela minha filha. — meu pai sorriu, se levantando. — Vou resolver tudo e não teremos problemas, vocês podem ir descansar, foi um longo dia. — sabia o que viria a seguir. — Gostaria de ficar a sós com a minha família.
— Independente de tudo, foi uma bela cerimônia. — Deby falou, se levantando junto com o marido, que balançava a cabeça, concordando com ela; não se mexeu, continuou segurando a minha mão.
Os pais dele pararam atrás de nós, esperando que o filho saísse com eles.
— , querido... Vamos?
— Não.
Foi uma surpresa para todos, até para mim. Encarei ele, sem entender a atitude, o príncipe ergueu os olhos e encarou meu pai, que estava com a sobrancelha arqueada pela afronta dele. Os pais dele se encararam e depois quase puxaram o filho pela orelha.
— , escute seus pais... Vá descansar — minha mãe falou, carinhosamente.
— é minha noiva agora. — ele me encarou, sorrindo com o deboche de sempre; segurei um sorriso com aquilo. — Ficarei com ela em todos os momentos. Aqui também.
— Não há necessidade disso. — Conrad falou, entredentes.
— Ficarei e pronto.
— Certo, ... — meu pai falou com calma. Aquilo me assustava. — Admiro você por ser tão parceiro, mas como seu pai disse, não há necessidade de ficar. está segura com a família.
— Eu sei! — o príncipe respondeu dando de ombros. — Contudo, estamos caminhando para nos tornarmos uma família... Eu devo permanecer ao lado da minha noiva até o final.
— Tem razão. — os pais dele se deram por vencido e se retiraram. Meu pai não faria nada com o príncipe de Lennox ali. Aquilo era cômico. Estava surpresa com a audácia do príncipe e meu pai também parecia estar; por um momento, acreditei que estaria em perigo por ter desafiado Byron, mas o meu noivo não parecia se importar muito com aquilo. — Você me envergonhou de novo, .
— Não vou me desculpar por isso. Aliás, você quem me envergonhou. — dei de ombros. — Como deixou aquele homem tratar Ophelia daquele jeito? Ela cuidou de você! Cuidou de todos nós!
— Isso não teria acontecido se você não tivesse bebido tanto. — aquilo me atingiu como um soco.
A culpa era minha agora?
— A culpa não é dela! — respondeu, parecia que tinha lido meu pensamento. — Estamos no seu reino, rei Byron. Não permita que façam isso com os seus criados.
— Eu não me importo com os meus criados. — meu pai respondeu, fazendo o príncipe arquear uma sobrancelha. — Vocês devem estudar a hierarquia.
— Não é questão de hierarquia! — me levantei, caminhando até a porta. — Você tem que estudar sobre a escravidão também. Por um acaso, estamos em retrocesso? Achei que você fosse mais esperto.
Me retirei da sala sem permissão e com me seguindo a uma distância segura. O príncipe me salvou hoje, eu teria levado uma bela surra e depois disso os Curadores fariam o serviço sujo e eu viveria o dia seguinte como se nada tivesse acontecido. Os pais do meu noivo não devem estar orgulhosos do filho naquela altura, meu pai não gostou. Acredito que ele escolheu Lennox por achar submisso a coroa, de fato ele era, mas era submisso a coroa dele e não a de meu pai; esse recado silencioso do príncipe ficou claro para todos.
Parei na porta de meu quarto e o encarei: ainda estava impecável e bonito, parecia cansado apenas. Ele sorriu sem mostrar os dentes, esperando meus comentários sarcásticos sobre o que fez há uns minutos, só que eles não vieram. Ao invés disso, joguei meus braços em seu pescoço e o abracei, agradecida pelo que ele tinha feito por mim. não sabia que meu pai me castigava, e nem iria saber, mas, mesmo assim, me protegeu. Não precisava de proteção, mas fiquei grata por ela.
— O que foi isso? — ele perguntou, rindo baixinho depois que eu o soltei e voltei para minha versão normal.
— Não vai mais acontecer!
— Que pena, porque eu gostei e vou torcer para isso acontecer de novo! — dei um sorriso.
— Vão achar que eu estou sendo má influência. — debochei, vendo-o sorrir com o meu comentário.
— A culpa é sua mesmo, eu poderia estar dormindo, mas você tinha que se meter em confusão. — sorri, culpada, me apoiando no batente da porta e cruzando os braços. — Você é impossível, !
— Vai acontecer mais vezes, acho que você deve ir dormir mais cedo para não precisar participar de reuniões. — o príncipe revirou os olhos dramaticamente, fingindo não aguentar mais.
— Que droga de vida, não poderia ter uma noiva normal? — gargalhei dele, dando um soco inconformado no ar. Logo depois, ele me encarou, sorrindo de canto. — Até amanhã, boxeadora. Boa noite. — ele disse, rindo por um momento. — Aliás, ótimo soco!
— Boa noite, seu idiota! — dei uma risada mais verdadeira, que se desfez quando senti seus lábios encostando na minha testa.
Na manhã seguinte, eu acordei indo direto tomar café com a realeza. Três grandes coroas estavam presentes: Howslan, Lennox e Phylcon. Não precisei falar muito e agradeci por isso, tomou a palavra por mim várias vezes, afinal, ele não estava de ressaca do jeito que eu estava, também não era alvo de raiva, já que não agrediu ninguém por defender um Cinza.
Observei a realeza de Phylcon, achei engraçada a forma exagerada que se vestiam apenas para um café, esbanjando ouro e prata, as roupas com os melhores tecidos e muita maquiagem.
Jade permanecia usando outro vestido vermelho, extremamente sedutor, exibindo sua beleza para os quatro cantos do salão. Sua mãe se parecia com ela, era mais baixa que a filha, mas usava um vestido sedutor da cor rosa, seu pai era alto e magro, diferente de Conrad, muito bonito também, parecia uma família com a genética perfeita. Charles teria filhos lindos, já que sua futura esposa tinha todos os genes da beleza.
Após o café, fui me arrumar para o treino no Campo. Ophelia me vestiu com uma calça preta que colava em meu corpo e um top da mesma cor que deixava minha barriga, trincada de tantos exercícios, à mostra, mas optei por colocar uma camisa larga por cima. Poderia usar aquilo pra distrair no meio da luta.
Cheguei ao Campo, vendo-o lotado de Elementares, como sempre. Conseguia sentir a energia de cada um ali, Charles estava ali também, no canto, com Jade, que sorria com suas roupas vermelhas, agora ela vestia uma calça e uma regata da mesma cor. Fiquei parada no canto, me alongando, até sentir a presença de alguém atrás de mim, o suficiente para me virar e derrubar o indivíduo com uma rasteira. Olhei para o chão e sorri ao ver caído.
— Fico me perguntando o que você vai fazer na semana que vem! — ele resmungou, se referindo à mão queimada da semana passada e agora a rasteira — Agressiva!
— Bom dia de novo, alteza! — sorri, oferecendo a mão para ele, que não aceitou e se levantou sozinho, limpando a sujeira do seu uniforme.
— Pronta para treinar? Hoje eu venço você.
— Você pode tentar, estou na sua frente com quatro vitórias, enquanto você só tem três. — sorriu, balançando a cabeça.
— Hoje nós empatamos, então...
— Ora, ora... Se não são os noivinhos! — era a voz de Jade, ela e Charles se aproximaram da gente. Encarei , que deu de ombros e sorriu. Já sabia quem era o mais receptivo de nós.
— Bom ver vocês aqui. — o príncipe falou. — Finalmente Charles veio se juntar a nós.
— Eu não preciso de treino — meu irmão respondeu, rindo, fazendo o acompanhar. Nenhum dos dois precisavam de treino, também lutava em seu país. Os dois eram guerreiros. — Hoje resolvi apresentar o castelo para Jade, nada melhor do que começarmos com nosso Campo.
— É um belo início. — concordou, se lembrando da semana passada, que quase foi morto na ida para a Base Vermelha. Ri daquela lembrança.
— Vamos, então, . — puxei ele para irmos treinar, mas Jade se colocou na minha frente. Visivelmente mais alta do que eu, ela tampou minha passagem, arqueei uma sobrancelha, colocando as mãos na cintura. — Algum problema, Jade?
— Na verdade, sim — esperei que ela continuasse logo o papinho. — Estou esperando um pedido de desculpas da própria princesa.
— Não sei do que você está falando, gostaria de me explicar? — me fingi de tonta. Eu sabia do que ela falava.
— O homem que você socou ontem... Era um dos meus convidados, mais especificamente, o meu tio. — fingi uma expressão surpresa, já estava atrás de mim, sentia ele sem nem precisar encará-lo. — Ainda estou esperando uma retratação sua.
— Certo... Vou dizer o que falei ontem para os meus pais e para os pais do meu noivo. — cruzei os braços, encarando ela nos olhos. — Não quero ver aquele homem no meu castelo nunca mais.
— Você não pode fazer isso! — ela respondeu, um pouco mais alterada que o normal.
— Vamos deixar uma coisa clara aqui, princesa. — fiquei na ponta dos pés, para chegar ao menos perto de seu rosto. — No meu reino, os criados não são escravos de ninguém. Não gosto que maltratem eles. Ainda mais a minha criada real.
— Então você agride Elementares membros da corte? Defendendo os cinzas? Defendendo a Escória? — sorri com o nojo que ela me encarava.
— Vou agredir cada pessoa que ousar desrespeitar meu povo. — respondi cordialmente. — Cuide para que acidentes como o de ontem não aconteçam mais, senhorita LaMontagne. Não vai querer ter um casamento sem sua família por perto, certo? — sussurrei essa última frase, dando um sorrisinho e fazendo-a arregalar os olhos, que mudaram a cor para o verde, típico dos Elementares Terra.
Quando dei as costas para ela, vi e Charles sendo jogados pelo ar com uma explosão feita na terra, fazendo com que voássemos para longe um do outro. Resmunguei, sentindo meu rosto queimar, já que uma enorme pedra me atingiu bem na testa. Maldita. Me levantei, lançando em sua direção um feitiço de ar de um dos elementares que estava próximo de mim e aproveitei para atacar mais coisas. A princesa se esquivava das pedras que eu atacava contra ela, mas não se esquivou da última que a prendeu contra o concreto; segurei aquilo com toda a fúria que sentia.
Ela grunhia, tentando se soltar, mas era em vão. Com um movimento dos dedos, ela fez a terra abaixo de meus pés começar a me engolir. Areia movediça! ri com aquilo, ela era ardilosa. Tentei sair dali, mas não conseguia. Fiz um sinal com a mão para que a areia parasse e consegui, rápido o suficiente para me desvencilhar do barro e cair em outra emboscada da megera, sentindo espinhos grudando no meu corpo todo: Jade criara um arbusto de espinhos para mim.
Novamente eu me aproveitei de outro elementar, dessa vez um vermelho — fogo era o elemento que eu mais dominava—, fazendo com que chovessem gotas de lava atrás dela. Ao menos a garota era rápida e corria, mas ainda assim, algumas gotas caíram em sua pele desprotegida. Saí do arbusto, vendo que minha pele sangrava e ardia, querendo chorar só de imaginar o Curador encostando nas feridas. Antes que ela tomasse outra atitude, joguei-a dentro do próprio buraco, enviando o tornado que passava pelo Campo lá para dentro. Ela rodaria um pouco na própria armadilha.
Olhei para , que estava observando a batalha junto com o meu irmão, ambos preocupados e sujos por causa da armadilha de Jade. Eu estava com raiva, sentia meus olhos lilases e tremia, não entendia o motivo. Quando eu menos esperei, a princesa de Phylcon explodiu novamente o chão onde eu estava, me fazendo voar. Desta vez, a minha queda foi pior do que eu imaginava; ultrapassei e quebrei o vidro que separava a arquibancada do Campo e, assim que senti minhas costas batendo contra o concreto, percebi que rolaria até o chão. E foi o que aconteceu, eu rolei até os pés da vadia.
Meu corpo inteiro doía e eu não sentia minhas pernas, além de ter certeza que meu braço estava fora do lugar. A única coisa que me deixou aliviada foi ver que ela também não estava bem: estava apoiada em um dos seus súditos, os braços também fora do lugar, e eu torcia para pelos menos uma costela quebrada. Ao menos ela estava em pé.
— Vou ter que te quebrar de novo para o meu tio voltar ao castelo? — ela sorriu, me fazendo gargalhar. Eu quase chorei de dor.
— Querida, você terá que me matar! — gritava e empurrava a multidão que nos cercava. Charles fazia o mesmo.
— ! — meu noivo sussurrou ao ver o meu estado deplorável. Ele e Charles me ajudaram a levantar e eu me segurei o máximo para não demonstrar dor. Aquilo deixava Jade ainda mais irritada.
— Não vai me ajudar? — ela olhou pra Charles, que fez uma cara feia para a princesa.
— Você não vai ganhar as coisas desse jeito. — falou, eu não sabia se era para mim ou para ela. Esperava que fosse para ela. — CADÊ UM CURADOR? — ele gritou, me arrastando para longe deles enquanto Charlie ficava com a megera e gritava com ela.
— VOCÊ FICOU LOUCA? — foi a única coisa que eu consegui ouvir vindo do meu irmão.
— Me leva para o meu quarto, por favor. — sussurrei no ouvido dele. Não queria que ninguém me visse gritando de dor.
— Você precisa ser curada agora e seu quarto é longe. — ele arregalou os olhos e eu suspirei.
— Me leve para o seu, então. — não deixei de sorrir maliciosamente, vendo-o balançar a cabeça e sorrir sem graça.
O percurso até o quarto de foi bem conturbado, minha visão estava preta e eu apaguei várias vezes no caminho; todas as vezes, o príncipe me acordava e não permitia que eu dormisse. Chegando em seu quarto, tinham três Curadores me esperando. ficou comigo o tempo inteiro, acariciando meu cabelo e me segurando quando necessário, além de silenciar minha magia para eu não matar ninguém por causa da dor que eu sentia. Estava tão cansada que apaguei antes mesmo de terminarem o que faziam.
— SILÊNCIO! — ouvi alguém gritando para a multidão que tagarelava sem parar quando o símbolo da realeza de Howslan apareceu na televisão, avisando que nos próximos minutos iria passar o que alguns chamavam de "Hora real".
Só assistíamos de fato aquilo para conseguir pegar o máximo de informações possíveis sobre a corte e como andavam as coisas dentro do palácio. Aparentemente, depois do nosso último ataque à base, eles dobraram os seguranças do castelo, dificultando um pouco nossa entrada. Nada que uma boa distração não resolvesse; a coisa mais fácil do mundo era mandar infiltrados para lá.
"— Bom dia, Howslaneses, hoje viemos com mais um capítulo do "Hora real". Parece que a noite de ontem foi super agitada no castelo, não acha, Tyler?
— Com toda certeza, Anne! A noite foi de muita curtição, bebedeira e.... Socos. Isso mesmo o que você ouviu, socos, mas isso deixaremos mais para o final.
— Para vocês entenderem um pouco da situação, ontem aconteceu no Palácio Dourado a celebração e cerimônia de noivado entre a Princesa de Howslan e o Príncipe de Lennox, sendo assim, um marco histórico para nosso país, uma aliança entre essas duas monarquias super importantes no mundo de hoje..."
— Humpf, aposto que o rei e a rainha fizeram isso para aquietar essa menina que eles chamam de futura rainha. — ouvi Angelique resmungar mais ao fundo.
Que nenhum de nós gostávamos da família real já era um fato, mas desde aquele dia na Base que a princesa quase me matou, minha irmã assumiu um ódio mais profundo, reclamando e resmungando sempre que ela era mencionada na televisão.
— Cala boca, ! — alguém falou lá do fundo. Corajoso, eu pensei. Angel era muito temperamental e seria muito fácil de ela arrancar a língua de seja lá quem a mandou calar a boca. Por sorte, ela nem ligou.
"—...como o esperado, a festa contou com mais de duzentos participantes, abrindo as portas para a também família real de Phylcon. Ao que tudo indica, príncipe Charles está de casamento marcado também, sinto muito, ladies!"
Pude ver a jornalista fazendo uma cara de tristeza como quem lamentava.
"— Vamos ao o que interessa: a cerimônia foi linda, digna de uma princesa. O beijo do casal foi tão delicado que arrancou suspiros do salão inteiro... — Patéticos! Vejo pessoas se beijando todo dia. —... e no final, rolou uma grande festa cheia de comidas e bebidas das mais variadas. Acontece que, a princesa sumiu dos holofotes por um tempo, uns dizem que ela ficou com o príncipe o tempo todo... — o jornalista fez uma cara maliciosa.— ... outros que ela passou mal, mas no final da festa ela foi vista novamente na sacada do salão enquanto descansava um pouco nos ombros do noivo. Fofinhos.
— E aí, já no finalzinho, onde restavam poucos convidados, eles entraram novamente. Mas parece que aí as coisas ficaram tensas: um dos homens que ainda estava no local destratou uma das criadas reais, que coincidentemente era a criada da própria princesa, chegando a derrubá-la no chão e atacar uma taça de vinho próximo dela. Lady ficou super chateada com a situação e partiu para cima do homem, que nada mais é que o Lorde Joseph LaMontagne, irmão do rei Jason LaMontagne de Phylcon, e deu um soco no olho dele."
A cena a seguir fez todo mundo arregalar os olhos: a princesa, que estava a uns bons metros do velho gordo, chegou em questão de segundos em sua frente, lhe acertando um belo de um soco no rosto. Ela tinha garra! O homem, provavelmente bêbado, acabou caindo sentado e a câmera voltou para a criada que era levantada com a ajuda do príncipe e saindo do salão ao lado de .
Essa cena foi interessante.
"— A partir daí, não nos deixaram gravar mais. Mas há quem diga que o salão ficou bem agitado depois do ocorrido. E vocês, meu povo, de que lado estão? Do Lorde Joseph ou da Princesa ?"
Depois disso, a programação mudou de curso. Olhei para meus companheiros e alguns anotavam coisas num caderno, pegando o máximo de informação possível; já outros ainda encaravam a tela sem reação. Era algo para ficar pensando mesmo, a princesa era um deles e nunca defenderia um de nós — fui criado como um Cinza, me considerava um deles mesmo não aceitando meus poderes — vê-la indo contra os princípios da realeza deixava nossos insurgentes confusos, pelo menos alguns.
— É fácil se voltar contra um Lorde quando tem uma cambada de câmeras gravando seu ato de benevolência. Foi tudo armado isso, dá para ver nos detalhes. — Angelique resmungou mais uma vez, dando de ombros enquanto brincava com alguns redemoinhos pequenos na mesa.
— Angelique, você prestou atenção? A linguagem corporal às vezes fala mais do que o ato em si. As pessoas ficaram chocadas e surpresas, inclusive, até mesmo a princesa. — Lucas, meu melhor amigo desde que me conheço por gente, falou, encarando minha irmã. Ela olhou indignada para ele.
— Você está defendendo-a? — já estava me preparando para segurá-la. Lucas não tinha habilidades de Elementares como nós, então seria uma bela surra.
— Se atente ao que eu falei. — apesar de Lucas temer os poderes de minha irmã, ele nunca deixou de falar as verdades para ela quando necessário. — Eu não defendi ninguém, só disse que a probabilidade de ter sido tudo armado é muito pouca.
— Foi uma cena interessante. — todo mundo olhou surpreso para o coronel, líder dos Insurgentes, sentado no meio do sofá coçando sua barba mal feita. — Acho que podemos começar a colocar nosso plano em prática, !
— Que plano? — Angel murmurou. O fato do coronel ter feito um plano comigo e não com ela tinha a pego de surpresa.
— Nós vamos invadir o castelo. — falei, sem coragem de encará-la. — Nós queremos ela!
A sala inteira ficou em silêncio absoluto; todos com os olhos arregalados, inclusive minha irmã, que ficou um tempo sem reação, tentando assimilar o que eu acabara de dizer.
— Ótimo, vocês querem uma chacina. Que morram sozinhos então. — saiu sem falar nada, com seu salto alto batendo na madeira do piso e ecoando por toda a sala.
Realmente era algo arriscado, mas se havia alguma chance de termos alguém com poder — no sentido literal e figurado — em nossas mãos, nossa guerra estaria quase 100% ganha.
E a princesa não parecia ser tão forte assim para que não conseguíssemos pegá-la.
Capítulo 08
— Ela ainda não acordou? — pude escutar uma voz longe na minha cabeça, sem conseguir distinguir a quem pertencia.
Eu estava sonhando? Ou eu tinha morrido e Jesus falava comigo?
— Não, mas os curadores fizeram um bom trabalho, acho que ela só está cansada. — essa voz estava mais perto e eu podia ouvi-la claramente. Era , tinha certeza.
Então ele morreu junto comigo?
— Certo, quando ela acordar, avisa que estive aqui e mande-a para o quarto. Ela precisa comer algo.
— Pode deixar, majestade! — majestade... Por que chamavam Jesus de Majestade no céu? Ele era como um rei? Ou não se tratava de Jesus? Os deuses existiam mesmo?
Aos poucos meus pensamentos iam tomando forma e a lembrança da surra que aquela princesa biscate deu em mim me acertou em cheio. Me remexi na cama, sentindo uma textura muito diferente da que eu estava acostumada e abri os olhos de supetão, encarando o dossel de uma cama que eu nunca estivera antes. Onde eu estava?
— ? — perguntaram à minha direita, me fazendo desviar os pensamentos até , que jazia em pé ao meu lado.
— Eu morri? — perguntei num grunhido, minha voz saindo bem mais fraca que o esperado. — Eu estou no paraíso? — falei um pouco mais alto, me arrependendo logo em seguida quando senti uma dor extremamente forte na minha cabeça. me olhou, risonho.
— Claro que você está. Isso aqui infelizmente você só encontra no paraíso mesmo. — ele disse, apontando para si mesmo enquanto ria um pouco.
— Idiota! — só então parei para analisar tudo ao meu redor.
O quarto era enorme, tão grande quanto o meu; a cama tinha um dossel nas cores azul e dourado e era bem mais macia que a minha; as paredes não tinham muitas coisas penduradas e nem havia muitos móveis no chão, mas presumi que era o quarto de hóspedes na ala dos dormitórios reais. Onde estava dormindo.
Me sentei de supetão na cama, ficando um pouco tonta pelo movimento brusco, e notei que não vestia minhas roupas comuns, apenas uma camisola branca que mostrava mais do que o necessário de pele.
— Ahn... Só para te tranquilizar, foram os curadores que te limparam e trocaram sua roupa. Eu pedi também que te dessem algum calmante, deve ser por isso que você ainda está meio grogue. Não queria que você acordasse e fosse atrás da outra princesa com fogo nos olhos. — permanecia em pé ao lado da cama, com uma expressão mais suave no rosto.
O traje de treinamento dera lugar à uma calça jeans e uma camiseta azul clara, que deixava evidente o braço musculoso dele, bem mais simples do que as roupas que um príncipe deveria usar. A não ser que ele tenha ficado no quarto.
— Você ficou o tempo todo aqui? Aliás, que horas são? Quanto tempo eu dormi? E onde está o meu irmão? Cad...
— Ei, uma pergunta de cada vez. — o príncipe torceu o nariz. — Por mais forte e poderoso que eu seja, ainda não adquiri a habilidade de responder cem perguntas ao mesmo tempo. — ele deu uma risada e eu bufei, cruzando os braços. Já estava ficando sem paciência. — E respondendo todas elas, sim, eu fiquei o tempo todo aqui. Agora são oito horas da noite, você perdeu o jantar e o seu irmão veio te visitar após ter dado um sermão na princesa de Phylcon.
— E onde essa vaca está? — rangi meus dentes. Só a menção dela fez meu corpo todo arder.
— Bem longe do seu alcance no momento, pelo bem da saúde das duas e dos habitantes desse castelo. — encarei os olhos de , vendo-o falar como se fosse algo óbvio.
— E o que eu estou fazendo aqui no seu quarto?
— Não se lembra mesmo, não é? — ele sorriu, balançando a cabeça — Bom, você sugeriu o meu quarto, mas não levei a sério até você quase desmaiar, então foi o lugar mais lógico... Seu quarto fica mais longe, então decidi te trazer para cá mesmo. Como você está?
— Eu estou bem! — dei de ombros. — Pronta para outra. — sorri ladina para o príncipe, que riu, balançando a cabeça.
— Você não presta! Sua mãe veio aqui ver como você estava faz uns minutos. Ela pediu que levassem comida para o seu quarto. — no momento em que ele falou isso, meu estômago roncou alto de fome, me fazendo arregalar os olhos enquanto gargalhava da minha cara. — Pelo visto, a gente só precisa alimentar o dragão mesmo.
Ataquei um dos travesseiros da cama nele e me levantei. A camisola que eu vestia era minha, uma das que eu costumava usar de pijama, e ia até metade da minha coxa. não poupou olhares e me analisou da cabeça aos pés, não ligando para meus braços cruzados e minha cara de deboche.
— Quer que eu dê uma voltinha, alteza?
— Hm, você não pode sair desse jeito do quarto! — falou, agora olhando para meu rosto enquanto coçava a cabeça.
— E por que não? — perguntei, chegando mais perto dele. Consegui sentir sua respiração mais pesada e rápida.
— Porque... Frio. Isso, está frio lá fora, você pode pegar um resfriado. — arqueei uma sobrancelha, segurando um sorrisinho.
— Péssima desculpa, noivo! — falei, passando por ele, não sem antes esbarrar brevemente em seu braço. — Pode deixar que eu peço que tragam um roupão para mim.
me acompanhou o caminho todo de volta ao meu quarto — mesmo eu dizendo que não era necessário —, para ter a certeza de que eu chegaria inteira ou então não desviaria para tentar achar uma certa princesa assassina.
Que isso, longe de mim... Querer vingança!
— , graças aos céus você está bem! Fiquei preocupada. — Ophelia falou assim que entrei, vindo ao meu encontro com os braços levantados para me abraçar.
— Não foi nada demais. As pessoas estão agindo como se eu nunca tivesse me machucado em um treinamento, Pheli. Só levei uma surra de uma Verde. — dei de ombros. O pessoal do castelo tendia a ser um pouco dramático. Minha dor não chegava nem perto do meu ego ferido, a princesa era mais fraca e mesmo assim eu havia perdido a luta, parte de mim se envergonhava.
— Você ficou oito horas apagada, criança! Nada de tentar dar uma de durona para cima de mim. — quase sorri com seu ar mandão.
— Eu só dormi porque me deram calmante. — ela e o príncipe se encararam, quase revirando os olhos com as minhas desculpas.
— Vamos, você precisa comer e depois de um bom banho. — começou a me empurrar em direção da mesinha que tinha no meu quarto, a qual estava cheia de comida das mais variadas. se despediu e saiu, nos deixando a sós.
— Só como se você comer comigo! Aqui tem comida para um batalhão. — dei um sorriso, a chamando para se sentar na cadeira à minha frente.
Estar com Pheli me deixava tão confortável; com ela eu não tinha medo de ser eu mesma e eu a defenderia todo dia se fosse necessário. No entanto, antes de começarmos a comer, alguém bateu na porta e a cabeça de Tom apareceu para checar se estava tudo ok.
— O quê? Jantar em família e ninguém me chama? — fez uma falsa cara de chateado.
— Vem aqui, sua besta! Tem bastante comida para alimentar o buraco negro que você chama de estômago. — dei risada, me lembrando dos tempos em que éramos crianças e ele comia o dobro que um menino normal necessitava.
— Quanta calúnia! — colocou a mão no peito, fingindo indignação e vindo para perto. — Eu estou em fase de crescimento!
— Só se for crescimento lateral, né? Olha esse culote...— apertei sua barriga, tirando uma risada dele.
E a nossa noite foi assim, entre risadas e carinhos, onde eu me sentia mais acolhida do que em minha própria família biológica.
Às vezes eu ficava pensando como seria se eu fosse filha de Ophelia: sem coroas, sem príncipes, sem realeza com que me preocupar, mas também não teria meus poderes, que fazem de mim quem eu sou e quem eu amo ser. Será que eu estaria disposta a largar quem eu era para viver a vida que eu sempre quis? Pensar esse tipo de coisa era uma heresia contra a Coroa que eu nasci para servir. Provavelmente morreria se alguém pudesse ver o que se passava pela minha cabeça.
Estava em meu quarto, me preparando para mais um treino. Hoje eu acabaria com aquela vadia. O café da manhã foi desconfortável para todos os presentes na mesa, menos para mim e Jade.
Achei que ela fosse explodir o chão novamente, e eu sentia apertando minha perna todas as vezes que via minhas unhas cravando na minha própria mão, com medo de eu incendiar tudo.
Charles estava ao lado da sua quase-noiva e eu sentia de longe o seu descontentamento. Ele queria estar na guerra, com seus soldados e defendendo nossas terras, mas estava apenas ali, sendo mais uma das marionetes de Byron . Éramos isso para ele, de qualquer forma.
Ophelia me repreendia ao me ver de uniforme, dizia que eu iria matá-la do coração um dia.
Estava calçando as botas quando senti a presença de alguém forte no quarto, mas nem liguei, já sabia quem era. Me levantei e fui até o espelho, esperando a pessoa se revelar.
— Você não vai treinar hoje! — disse minha mãe. Ri pelo nariz ao ouvir aquilo. — Anne! Você está se recuperando de uma bela surra e...
— Os Curadores fizeram bem o trabalho deles ontem — dei de ombros, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo. — E outra, eu sou uma Feiticeira, aquela vadiazinha vai ter o que merece hoje!
— Fique longe da princesa, . — Louise segurou meu braço, me surpreendendo com a sua rapidez. — Sim, você é mais poderosa que ela, mas Jade tem treinamento! Uma princesa Verde tem que se esforçar mais do que uma princesa Feiticeira e você sabe bem disso!
— Os poderes dela não são páreos para mim! — encarei minha mãe, vendo os olhos dela ficarem avermelhados.
— Você não é burra, . — ela falou baixinho. — Não são páreos, mas te derrubou. E feio.
— É por isso que eu preciso treinar mais, vou para o campo mostrar a ela que não se mexe com uma Feiticeira !
— Você não é invencível! — minha mãe disse pausadamente. Aquilo me atingiu como um soco. — Pelo bem do futuro do nosso país. Pelo bem do seu irmão. Pela união com Phylcon e, céus, acredite em mim, não falo só como rainha... Pelo seu bem, não faça mais nada.
— Está me dizendo para abaixar a cabeça para Verde? — meus olhos mudaram de cor também.
— Estou dizendo para você não se rebaixar ao nível dela. — cruzei os braços, respirando fundo. — Pela Coroa e por você.
— Apenas pela Coroa. — corrigi, vendo que ela soltava aos poucos meu braço.
— Dê tempo ao tempo. A princesa será sua cunhada, vocês terão que superar isso.
— Já comecei a odiar essa ideia que você teve de exigir que Charles morasse aqui, mesmo casado. — bufei, cruzando os braços
— Bom, ao menos o castelo é grande o suficiente para vocês se evitarem o quanto puderem e, quando você virar rainha, nem terá mais tempo para briguinhas desnecessárias! — ela parou ao lado da minha cômoda, onde tinha uma jarra de suco. Desde que me conheço por gente, minha mãe fazia eu beber aquele suco que ela chamava de "Suco dos Deuses" todo dia de manhã. Não era ruim. — Não esqueça de beber seu suco!
— Certo.
— Você tem uma reunião agora com seu pai, seu noivo e Phylcon. — Louise caminhou até a porta. — E amanhã uma reunião com Debby e Karen LaMontagne para resolvermos coisas sobre o seu casamento com . Queremos algo parecido com "épico".
Sorri sem humor algum, usando minha maior cara de deboche que consegui. Saí com as roupas do uniforme mesmo, não ligava se irritaria meu pai ou os reis de Phylcon e Lennox. Não teriam uma bonequinha de vestido e saltos hoje, nem eles e nem a preparação do maldito casamento. Nunca pensei em como queria que fosse o dia do meu casamento. Sentia meus pelos se arrepiando só de imaginar em quantos detalhes elas me perguntariam para fazerem exatamente o oposto.
Entrei na sala de reunião depois de arrumar minha coroa simples e bonita, chamando a atenção de todos os membros presentes. Nunca vi aquela sala tão cheia, afinal, nunca três Cortes ficaram juntas no mesmo ambiente. Meu pai respirou fundo ao me ver vestida daquela forma e quase me comparou com Jade, que usava seu vestido chamativo de sempre. me encarava, sentado com a sua Corte, sorrindo minimamente.
Me sentei ao lado direito de meu pai enquanto Charles estava sentado ao lado esquerdo com o nosso pessoal. Jade sorria com muita simpatia em sua cadeira e nem parecia aquela megera que quase me matou ontem. Por um segundo, eu pensei em jogar um feitiço que costumava fazer quando eu era criança, com os velhos chatos da nossa Corte. Eles ficavam se coçando ou se mexendo muito na cadeira com vontade de ir ao banheiro, mas fui impedida quando meu pai começou a falar.
— Bom dia novamente, meus senhores! Vamos tratar de negócios? — ele sorria, recebendo risadas em troca. — Vamos começar a falar sobre as notícias de Howslan. Trimitri?
— Bom dia, majestade! — o senhor todo enrugadinho saiu do meio da nossa Corte e andou até o centro. Não se engane com a aparência de senhor fofinho, ele era um demônio. Achava até que ele era imortal. — Com as forças de Lennox ao sul, conseguimos impedir um ataque em Thunder. Uttara perdeu a batalha e perdeu muitos homens também. Essa é a notícia boa.
— Há boatos de que Uttara está fazendo alianças com Treefield. — um homem de Phylcon se levantou e falou, atraindo todos os olhares para si. — Todos sabemos que eles vão se reerguer e atacar com força total!
— São só boatos, estamos tentando contato com Treefield. — um membro de Lennox começou. — Estamos convidando-os para uma reunião em Lennox antes do casamento.
— Por que vocês acham que um reino de Verdes vai se aliar à causa dos Feiticeiros? — quem falou desta vez fora Jade, surpreendendo a todos.
— Desculpe, qual é a sua Linhagem? Phylcon é liderado por quem? — questionei, vendo todos me encararem. — Ter Feiticeiros ao lado de vocês é até um favor! Uttara vai atacar os reinos de Elementares quando perceber que a luta não vai ser fácil.
— Está dizendo que somos os fracos?
— Não foi isso que eu falei. — revirei os olhos. — Estou dizendo que você não pode agir como se estivessem com a gente só para nos beneficiar... Vocês precisam de nós tanto quanto precisamos de vocês, até mais.
— Lady tem razão, minha filha! — Rei Jason falou, surpreendendo a filha e até meu pai, que estava nervoso com a minha posição; mas se sentiu orgulhoso por um segundo, pude ver quando ele me encarou. Não era o olhar de "Você me envergonhou!". — Todos aqui têm interesses e nós não somos diferentes. Somos um Reino de Verdes e somos treinados para lutar contra Feiticeiros, só que, desta vez, lutaremos com vocês.
— Acredito em você e na sua lealdade — Conrad falou para o outro rei.
— Não confio em vocês! — tomou a palavra, se levantando. Seu pai se parecia como o meu com aquele olhar ameaçador. — Vi o jeito que vocês lutam, isso pode se voltar contra nós.
— Já prometi minha lealdade. Dei a minha palavra — Jason falou cordialmente.
— Só isso não basta para mim. — o príncipe deu de ombros.
— O que o meu noivo está querendo dizer, é que ele está preocupado com a nossa segurança. — encarei , evitando que ele arrumasse confusão com nossos pais. — Há muitos traidores entre nós e não queremos perder uma Aliança como essa. — meu pai concordou com a cabeça, discretamente.
— Podemos oficializar o noivado de Jade com Charles para provarmos nossa lealdade. — Jason me encarou. Meu coração parou por alguns segundos, afinal, ainda não era oficial para Charlie. Sabíamos que isso aconteceria, a Aliança nem tinha se firmado ainda e apenas supomos que haveria casamento, meu pai tinha armado aquela emboscada para mim.
Ele deixou nas minhas mãos o futuro de meu irmão e de Howslan.
Encarei ele, que permanecia pleno. Não se dava o luxo de demonstrar sua tristeza como eu fizera, mas eu sabia o quanto aquilo machucava. Por um instante, senti pena de Jade.
Logo passou.
— Temos outra opção? — questionei, escutando apenas um silêncio insuportável.
— Eu aceito o noivado. — Charles respondeu, me encarando, sorrindo triste. Ele sabia que eu não conseguiria aceitar aquilo, por isso falou por mim. Era sua maneira de dizer "está tudo bem", mas não estava. — Fechamos o acordo.
— Ótimo, vamos fazer o anúncio e cerimônia antes do casamento de e . — meu pai se levantou da cadeira. — Você já pode começar a revisar o acordo que eu e o Rei Jason conversamos sobre. Louise e , eu preciso que vocês resolvam as coisas do casamento o quanto antes para conseguirmos fazer tudo certo.
— Nós vamos ter uma reunião entre rainhas e a princesa amanhã para resolvermos essa questão, meu rei. — minha mãe respondeu antes que eu falasse qualquer coisa.
— Charles, preciso que você fique mais um tempo aqui, precisamos discutir sobre a possível aliança entre Uttara e Treefield. Talvez precisemos convocar mais pessoas para o exército, perdemos alguns soldados nos ataques à Base Vermelha e em Thunder.
— Como forma de agradecimento e transparência de minha lealdade, irei convocar uma caravana de Phylcon com cem soldados. — o Rei Jason falou, se dirigindo à Byron.
— Isso será de extrema importância para nós! — concordei com a cabeça antes de me levantar. — Tirando os reis e meu filho, estão dispensados! — falou mais alto para que todos ali ouvissem. Ia me retirando, quando ele me chamou de canto na sala e eu já estava me preparando para uma reclamação sobre minha roupa ou até mesmo o showzinho de ontem no treino. — Estou orgulhoso de você, finalmente agiu como a rainha que nascera para ser.
— Não tive muita escolha, tive? — ele sorria. Não gostava de quando ele sorria, me dava medo.
— Vou me lembrar de agradecer depois, parece que ele está conseguindo mudar seu comportamento.
Ah! Então era isso? Ele achava que eu estava fazendo aquelas coisas por ?
Bufei, inconformada, enquanto lançava um olhar enviesado a ele, me virando logo em seguida, sem me importar com mais nada que ele tinha a dizer.
— ! — escutei a voz de atrás de mim quando saí da sala de reuniões. Estava enjoada. Entrei na primeira sala vazia para conseguir soltar todo o ar do meu pulmão enquanto andava de um lado para o outro. Queria destruir tudo que eu tocava, o ódio que eu estava sentindo do meu pai era visível, literalmente, em meus olhos. Eu tinha que aprender a me controlar melhor, ou senão acabaria surtando de vez. — Se acalme, por favor. — não demorou muito para que os lustres começassem a balançar, as cortinas começassem a esfumaçar e o vidro da janela a rachar. Meus olhos lilases podiam queimar qualquer coisa. Sentia raiva por mim, por Charles e por . — ! — ele não se importou com o perigo àquela altura, apenas se aproximou de mim e me abraçou, sem se importar com sua pele queimando levemente ao tocar na minha.
Senti meu corpo se acalmando aos poucos e me obriguei a parar quando percebi que ele estava se machucando para me fazer melhorar. Encarei as cortinas queimadas e olhei também para os estilhaços de vidro no chão. Os lustres pararam de tremer. me segurou pelos ombros e os olhos azuis me fitaram.
— Desculpe. — sussurrei, sentindo meus olhos marejarem. — , me desculpe.
— Está tudo bem. — ele tratou logo de me abraçar novamente e seus braços me passaram uma segurança enorme. — Você explodindo tudo não vai mudar nada.
— Eu sei. — admiti, me soltando de seus braços. — Só... Não consigo me controlar.
— Posso te ajudar, se você permitir. — sorri sem mostrar os dentes e coloquei a mão em seu rosto.
— Não há o que fazer, já tentamos de tudo, mas... Obrigada. — o príncipe não pareceu se convencer, mas logo voltou com seu sorriso debochado de sempre.
— Acho que você precisa descarregar. — arqueei uma sobrancelha. — Posso acabar com você no Campo, o que acha? — ri com ele.
— Bem que eu queria... — fiz um biquinho e depois revirei os olhos. — Tenho obrigações de princesa e noiva real agora! Um monte de baboseira.
— Ei! — fez uma falsa cara de indignação. — É do nosso casamento que você está falando.
— Chato! — fiz careta, vendo-o sorrir. — Acha mesmo que eu me importo com que flores eles vão decorar a igreja?
— Certo, tem razão, é muito chato — ele me arrastou para fora de onde estávamos. — Acredito que hoje é um dia que poderemos dar uma escapadinha. — deu uma piscadela.
— Royal , você está me convidando para fugir do castelo? O que diabos está acontecendo? — ele revirou os olhos, me fazendo rir.
— Vamos naquele barzinho de novo. — ele sussurrou enquanto passávamos por algumas pessoas. — Eu imploro!
— Vou pensar no seu caso. — dei um sorriso ladino. Era o meu bar e eu quem apresentei para ele. — O que eu vou ganhar com isso?
— Um noivo muito feliz e divertido ao seu lado!
— Não me convenceu.
— Tá bom, tá bom...— ele deu uma risada. — Nós podemos apostar quem leva a melhor na sinuca.
— Agora você começou a falar minha língua.
Quando a noite caiu e a maioria das pessoas do palácio foram dormir, foi tão fácil sair do castelo com o príncipe quanto da última vez. Estava uma noite fria e um pouco nublada, então o vilarejo que costumava ir estava um pouco vazio. Por sorte, o bar do elementar também. Fiquei me perguntando se o veria de novo, e se sim, acredito que não teria a mesma sorte de ele não me reconhecer igual antes. Dessa vez, teria que bolar um plano de fuga se fosse necessário.
— Então, como vai ser? — perguntei à , que havia chegado com duas cervejas nas mãos enquanto eu arrumava a mesa da sinuca.
A velha senhora estava sentada num banquinho dentro do bar, lendo um jornal surrado e amassado. Quando chegamos no local, ela me lançou um sorriso enorme, provavelmente se lembrando da gorda gorjeta que deixei no outro dia.
— O quê?
— A aposta. Você disse que queria apostar! — cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha, o olhando.
— Ah, isso... — o príncipe nem precisou implorar muito para que eu aceitasse sair com ele. Já pretendia fazer isso, precisava distrair minha cabeça. — Bom, como eu sou novo nessa coisa de apostas, não tenho uma noção muito boa. Mas... — cortou antes mesmo que eu pudesse falar algo. — O que acha de um "Vale tudo"? Se eu perder, você pode me pedir qualquer coisa e se eu ganhar, eu posso pedir qualquer coisa!
— Então você quer apostar qualquer coisa? — assentiu. — Cuidado, vossa alteza, eu costumo ser muito criativa nas minhas apostas! — deu uma risada, levantando os ombros.
— Essa eu pago para ver!
Um bom tempo — não sei exatamente quanto — depois, eu já sentia meu corpo mais leve enquanto gargalhava das tentativas falhas de ganhar de mim. Estava com quatro pontos enquanto ele tinha apenas dois. Combinamos que ganharia quem chegasse primeiro a cinco e eu só deixei o príncipe ganhar duas para ele não ficar desmotivado e desistir.
O palácio, a coroa, o casamento, já não eram uma preocupação grande naquele momento. tentava a todo custo tirar risadas de mim, desde fazer poses engraçadas para jogar, até contar histórias de sua infância como quando ele decidiu escalar uma árvore, mas não conseguiu descer.
—... Então eu fiquei a tarde toda lá em cima enquanto todo mundo procurava por mim no castelo. Eu não tinha muito domínio da minha magia, portanto, eu não conseguia me ajudar ou então mandar um sinal de fumaça. — gargalhei. Imaginar a cena dele preso em cima de uma árvore era hilário.
— E como te acharam? — questionei, secando uma lágrima que escorria de tanto que eu ria.
— Ah, um guarda estava fazendo patrulha pela floresta e ouviu um barulho alto. No caso, o barulho do meu grito quando uma coruja pousou ao meu lado. Sério, você tinha que ver aqueles olhos. — ri mais uma vez. então era medroso desde pequeno... Anotei aquilo mentalmente. — E então ele foi ver de onde vinha o som e acabou por me encontrar abraçado à árvore para ficar o mais longe do animal possível. Naquele dia, meu pai quase me mandou para um internato!
— Medroso desde pequeno! — dei uma risada quando ele fez uma careta.
Depois de mais uns minutos, pude ver os ombros de se murcharem ao ver eu acertando a última bola no buraco, fazendo de mim a ganhadora. Dei uns pulinhos de alegria enquanto terminava o resto da minha cerveja, me fazendo parecer uma criança alcoólatra. O príncipe dava risada com as minhas tentativas falhas de fazer uma dancinha da vitória enquanto saíamos do bar depois de pagar.
— Você roubou. Eu vi seu olho ficando lilás por um momento!
— Aceite a derrota, querido. — sorri, vitoriosa. — Além do mais, às vezes quando eu me concentro muito, eles mudam de cor mesmo, mas isso não significa que eu tenha usado magia.
— Sei... — desdenhou.
Fomos conversando o caminho todo de volta. Deixei com que guiasse o cavalo dessa vez, para ver se ele já tinha decorado o caminho, e até que ele estava indo bem. Meus braços abraçavam sua cintura mais forte que o necessário e, num dado momento, deixei com que minha orelha se recostasse às suas costas, ouvindo os batimentos de seu coração enquanto fechava os olhos para aproveitar a brisa que batia em meu rosto. Aproveitando meus últimos minutos de paz antes de chegarmos ao castelo.
Tivemos que nos separar quando um dos guardas pareceu notar nossa presença na sala de entrada, enquanto trocavam de turno, portanto, segui para meu quarto, fazendo um feitiço de desilusão.
Pheli havia deixado meu pijama em cima de minha cama antes de ir dormir, ou seja, eu apenas me segui para o banheiro, relaxando na água quente da banheira. Quase dormi ali mesmo.
Duas batidas na porta, porém, me fizeram desviar o olhar do espelho da minha penteadeira onde eu já desembaraçava meu cabelo. Quem seria à essa hora?
— Quem é? — perguntei, ainda sentada, achando estranho alguém ter passado pelos guardas que ficam no corredor dos dormitórios reais.
— Sou eu, . — respirei, aliviada, por um momento.
— Pode entrar! — respondi, terminando de pentear meu cabelo e me levantando para recebê-lo. vestia uma roupa comum, calças de moletom e uma camiseta larga. Duvido que me deixaria vê-lo usando pijamas. Novamente seus olhos foram parar nas minhas pernas desnudas, me fazendo revirar os olhos. Homens! — Posso ajudar em algo? — encarei o príncipe, que coçava a nuca, sem graça.
— Eu vim agradecer pela noite. Por ter me levado novamente para sair e ter me tirado desse castelo. E queria saber como você está também.
— Ah, eu estou bem. Na verdade, 'tô ótima. Eu precisava de uma distração hoje, então acho que o sentimento de gratidão é mútuo. — respondi, o encarando. Estávamos a uns metros de distância, mas eu podia ouvir sua respiração um pouco descompassada.
— E você já sabe o que vai me pedir? — o príncipe fez uma careta de desespero. — Pegue leve comigo, .
— Pegar leve não é do meu feitio, . — dei um sorriso sacana. — Fique tranquilo, quando eu tiver algo em mente, você saberá. — pisquei para ele, que já estava indo em direção à porta, ainda me olhando.
— Assim você me quebra. — colocou a mão no coração, me fazendo sorrir da sua atuação. — Só não me peça nada que envolva meu corpo nu por aí.
— Não me dê ideia, alteza! — gargalhei, segurando a barriga; seria cômico ver correndo pelado pelo castelo, mas meu pai me mataria. Parei de rir e o encarei, curiosa. — Se você tivesse ganhado, o que pediria? — ele hesitou por um momento antes de responder.
— Hm... — novamente ele coçou a cabeça, sem graça. era uma pessoa muito fácil de ler, talvez fosse por isso que ele nunca mentia. Pelo menos, não para mim. — Um beijo, talvez. Quem sabe na próxima, né? — aquilo me pegou de surpresa. Ergui as duas sobrancelhas, não sabendo o que falar. Ele havia me desarmado totalmente. — Boa noite, !
Fiquei estática no chão enquanto ele vinha de encontro a mim, me dando um beijo na testa e se virando para ir embora. Quando ele saiu de meu campo de visão, eu voltei para a realidade novamente só para usar uma ferramenta que, infelizmente, eu tinha dentro de mim e não conseguia controlar: a impulsividade.
— ! — gritei, quando cheguei ao corredor, não ligando para os guardas que faziam patrulha naquele horário.
se virou para mim, confuso, parado a alguns metros de distância; metros esses que eu corri como se minha vida dependesse daquilo. Quando cheguei perto o suficiente para tocá-lo, joguei meus braços em seus ombros e fiquei na ponta dos pés, unindo nossos lábios rápido o suficiente para não haver tempo de eu ter um lapso de racionalidade e acabar não fazendo aquilo que cada parte do meu corpo gritava para fazer.
O príncipe demorou um tempo para corresponder ao meu toque, surpreso demais para ter alguma atitude, mas quando se deu conta do que estava acontecendo, ele agarrou minha cintura, me fazendo subir mais um pouco até meus pés ficarem uns centímetros longe do chão.
E me beijou. Primeiro foi apenas um selar de lábios, onde nossos olhos ainda abertos se encaravam, arregalados. De surpresa. De euforia. De aceitação.
Quando nossas línguas se encostaram, foi como se tivessem me dado um choque elétrico na maior das voltagens, fazendo meus pelos se arrepiarem durante o beijo e meus olhos se fecharem instantaneamente. Não ligávamos se alguém nos veria, não ligávamos se estávamos de pijama, mal ligávamos para os guardas trabalhando. Tudo o que importava era a gente, nossas línguas se tocando, seus braços na minha cintura e os meus em seu pescoço, nossa dança completamente ritmada e viciante.
E depois de um tempo, quando o ar faltou, quando o príncipe não conseguia mais me manter longe do chão, nos separamos, ainda nos encarando, sem coragem de dizer sequer uma palavra.
— Boa noite, ...
E enquanto eu voltava para o meu quarto, com os pensamentos à mil, uma coisa que vinha me afetando há uns dias, mas que eu era incapaz de assumir pareceu fazer mais sentido ainda:
Eu havia sido pega!
No sentido mais literal e figurado que existia.
havia me pegado e eu não sabia como reagir a isso!
Capítulo 09
— Qual é o seu problema? — minha mãe gritava com a criada que segurava dois panos em diferentes tons azuis, que mais pareciam iguais. — Eu pedi um azul Oxford e um roxo ametista. Isso aqui é azul Prússia e roxo orquídea!
— É tudo igual, que diferença vai fazer? — perguntei, fazendo uma careta. Estava cansada de todos os dias perder metade do meu dia para o casamento. — E se fosse marsala?
— É claro que tem diferença, ! — Debby falou, batendo na própria testa. — O azul Oxford faz um belo contraste com o roxo ametista. Marsala não combina com nada!
— Céus... — resmunguei, esfregando a mão nos olhos. — Dane-se a cor, só vamos acabar logo com isso.
— Esse casamento vai ser um desastre de tão brega pela sua falta de vontade de prepará-lo! — hoje Jade estava presente na nossa reunião, olhando uma revista sobre decoração.
— Que tal você se concentrar na sua festa de noivado que é daqui a alguns dias e esquecer da minha existência? — levantei uma das mãos para mostrar o quão sem paciência eu estava. A princesa sorriu, balançando a cabeça e voltando a atenção para sua revista.
— Temos que decidir quais mesas usaremos no salão... — Debby voltou a falar, ignorando completamente a pequena discussão que aconteceu ali.
Se passaram dois dias desde que começamos a planejar o casamento; minha mãe e Debby optaram por uma festa grande, escandalosa e que mostrasse que se tratava da maior união dessa geração, afinal, dois feiticeiros se casando era um marco histórico. Elas queriam que o casamento fosse de dia, que a cerimônia acontecesse na Catedral de Cristal — a mais importante de Howslan — que ficava no Palácio Dourado e assim que e eu disséssemos "sim" e saíssemos da igreja, teríamos a vista do pôr-do-sol e logo a grande festa no castelo. Ao menos, era o planejado. Uma das únicas coisas decididas, já que cada dia era uma luta para que concordássemos em algo. O algo parecido com "épico" era estressante.
Eu não aguentava mais.
— Nosso próximo tópico seria sobre as mesas na hora da festa... — Debby falava, encarando um papel. — Mesas de vidro? Mármore? Carvalho branco?
— Ah, carvalho branco, com certeza! — minha mãe respondeu. Agradeci por não me perguntarem, eu odiaria ter que falar mais uma vez que não me importava. — Quero a igreja decorada com o azul Oxford do lado de e o roxo ametista do lado de ... Ele fica tão lindo.
— Ele é lindo! — a mãe o bajulou. Quase concordei, mas seria horrível concordar com elas.
Eu evitava o príncipe desde que eu o beijei, há dois dias. Estava assustada com as coisas que estavam dentro de mim, afinal, nunca senti nada desse tipo e como uma futura rainha, tinha mania de controle e gostava de saber e entender sobre absolutamente tudo. Então odiava não saber como lidar com uma situação. Todas as vezes que ele chegava perto de mim, eu dava um jeito de fugir ou ser a megera de sempre, a que é grossa, tem respostas ríspidas, a princesa sem coração. Por sorte — ou não —, não se magoava fácil.
Bufei quando elas começaram a discutir novamente sobre os tecidos e os tons que queriam para decorar a igreja e o Salão.
— Estou indisposta, vou me retirar — falei, me levantando. A reunião não estava nem perto de terminar.
— Mas... ...
— Eu não me importo com que mesa vocês vão enfeitar o maldito Salão. — suspirei, falando calmamente. — Não me importo com as cores que vocês vão escolher, com a comida que vão servir, com a cor dos vestidos das damas e as gravatas dos padrinhos, ou até mesmo com os arranjos florais!
— Posso chamar o príncipe para ajudar no casamento... Já que a própria noiva não se interessa. — encarei Jade, que falava despretensiosamente, mas eu sabia que queria apenas me irritar.
— Querida... Cuide da sua festa e pare de provocar. — fiquei surpresa com a resposta de Debby. Jade também se surpreendeu com a rainha feiticeira perdendo a paciência elegantemente. — E quanto a você, ... Descanse! Amanhã voltaremos aos preparativos. É sua função e sua responsabilidade. Meu filho merece o melhor, e acredite em mim, você também.
— Certo! — saí da sala, segurando uma resposta grossa. Debby havia me liberado e passado por cima de minha mãe e eu sabia que era para me ajudar. Não reclamaria mais, a rainha Feiticeira era boa e às vezes eu me enxergava nela.
Enquanto andava pelos corredores na direção do meu quarto, eu pensava o quanto estava sobrecarregada e prestes a explodir. Só precisava aliviar em alguém no Campo, seria a melhor coisa para mim naquele momento. As pessoas comentavam por aí que eu estava mais agressiva que o normal, mas eu realmente não dava a mínima.
A cerimônia de noivado de Charles estava perto e eu não tive coragem de conversar com meu irmão depois da reunião em que eles toparam o acordo, sentia que era culpa minha e que eu poderia ter evitado aquilo. As coisas poderiam ser diferentes para ele.
— Alteza.... — ouvi alguém falando, mas não comigo, perto da ala onde ficava meu quarto nos dormitórios reais. — A princesa saiu da reunião com as rainhas agora.
— Agora? Mas as reuniões costumam durar o dia todo. — era . No mesmo momento, eu parei de caminhar e tentei me esconder atrás de uma das colunas do castelo. Era tudo o que eu precisava agora, encarar o príncipe.
— Sim, as Rainhas avisaram que ela está indisposta hoje. Quer que eu vá chamá-la para o senhor? — agora que eu podia ouvir melhor, percebi se tratar de Tom, meu guarda pessoal e melhor amigo.
— Não, pode deixar... — o príncipe respondeu. — Se ela está indisposta certamente ela precisa descansar. Eu falo com ela outro dia.
— Eu aviso que vossa alteza veio aqui.
Quando eu ouvi passos vindo para perto de onde estava, prendi a respiração e tentei me esconder o melhor que conseguia. Ele não podia me ver ali.
Graças aos céus, ele seguiu na direção oposta, provavelmente indo para o campo treinar ou fazer coisas de príncipes que eu não estava nem um pouco interessada em saber o que era.
— Ainda bem que você não depende de seus dotes de se esconder para ignorar o príncipe, porque se fosse o caso, você estaria ferrada! — Tom chegou do nada, me fazendo dar um pulo pelo susto.
— Seu idiota! — dei um soco em seu braço. — Eu não estou ignorando-o, eu só... Não quero conversar. Estou indisposta hoje.
— Claro, claro! E eu sou o Papa! — revirei os olhos.
— Não enche, Thomas. Se ele vier de novo, diga que eu tomei umas ervas medicinais e preciso ficar de repouso o resto do dia.
— Certo! — respondeu, rindo.
Assim que entrei em meus aposentos, Plheli me encarou, surpresa, provavelmente não esperando que eu voltasse tão cedo já que nos outros dias eu só parava em meu quarto na hora de dormir.
— O que aconteceu, ? — perguntou, preocupada.
— Eu só estou um pouco cansada, Pheli. Preciso descansar o corpo e a mente. É muita informação para mim. — suspirei, passando as mãos nos olhos.
— Oh, minha querida, vou fazer um chá para você. Se deite, descanse. Eu deixo o chá na mesinha.
— Não sei o que seria de mim sem você. — a abracei, logo após, indo dormir.
No resto da noite, eu mal saí do meu quarto; jantei lá dentro mesmo e liberei Ophelia o mais cedo possível. Precisava de espaço para pensar sobre as coisas que vinham acontecendo e relaxar.
No dia seguinte, foi a mesma correria de sempre: acordar, me trocar, tomar café da manhã e passar o dia todo na "sala das meninas", como minha mãe gostava de chamar.
Já nem ligava mais para a dor de cabeça explosiva que eu tinha, havia me acostumado. Muito menos para as alfinetadas de Jade e sua mãe, elas não mereciam o meu surto mais. Na hora do almoço decidi que iria para o meu quarto e pediria para alguém trazer a comida até mim, sem forças nenhuma para encarar toda aquela gente na mesa. Em especial uma.
Mas antes de conseguir chegar a algum lugar, senti uma mão me puxando para dentro de uma sala, não me dando tempo para agir ou gritar e nem sei se surtiria efeito porque o corredor estava vazio. Meus olhos logo mudaram de cor na mesma hora, afinal, quem ousava encostar em mim?
A sala estava escura e quem me segurava me prendia bem para que eu não me movesse, mesmo usando as táticas de luta, portanto, fiz meu corpo esquentar e a pessoa queimaria e se arrependeria. Quando o indivíduo relaxou um pouco por sentir o calor subindo, eu joguei minha cabeça para trás, acertando em cheio seu nariz, fazendo-o grunhir e eu logo sacar de quem se tratava.
— Você tem noção de que eu poderia ter te machucado? — gritei com o príncipe, que estava agachado, com a mão no rosto. Abri a cortina com um movimento de dedos e vi que consegui até arrancar sangue dele.
— Não foi um ato calculado, admito. — ele fez careta, se levantando e balançando a cabeça, logo depois me encarou, fazendo uma feição de dor. — Estou ansioso para saber qual a forma que você vai me machucar semana que vem...
— Não tem graça, ! — respondi, encarando o nariz perfeitinho dele, agora vermelho e inchado. — Você sabe que eu poderia ter te machucado feio.
— Ao menos eu teria algo de você. — arqueou uma sobrancelha, me fazendo prender a respiração por uns segundos. Por sorte, ele não percebeu. — Receber apenas grosserias estava ficando um pouco chato.
— Você me conheceu assim, não sei por que está surpreso... — fingi não me abalar com o comentário dele.
— Sim, eu gosto dessa . — ele deu de ombros. — Só não entendo o motivo de você estar me evitando.
— Só estou ocupada! Você sabe como é difícil resolver, literalmente, os mínimos detalhes de um casamento? Eu te convido a participar por um dia, se quiser. — passei a mão no rosto, me virando para a janela e evitando olhar nos olhos dele. Eu me sentia mal por mentir tão bem para , afinal, ele sempre foi muito transparente comigo, uma das únicas pessoas verdadeiras na minha vida, e por esse motivo, era difícil encarar os olhos azuis dele.
— ... — ele sussurrou, se aproximando de mim. Sentir seu corpo próximo ao meu me fez suspirar fundo e lutar contra a vontade de beijá-lo novamente. Não podia fazer isso. Não de novo. — Você me beija em um dia e me esnoba no outro? O que diabos está acontecendo? Não sou um objeto.
— , eu... — minha voz saía descontrolada e eu me arrependeria disso. Me virei, ficando cara a cara com ele. — Isso tudo é muito novo para mim! Me assusta sentir essas coisas e me assusta sentir frio na barriga toda vez que te vejo. — ele parecia surpreso com tudo o que eu falava. Já não conseguia mais encará-lo nos olhos, era difícil assumir isso. — E me assusta mais ainda não ter controle da situação! Por que você tinha que ser assim? Não podia ser um príncipe normal? Daqueles insuportáveis, chatos e arrogantes? Que ódio de você!
— Então é por isso que você está me evitando? — fiz careta ao notar que o príncipe sorria, de braços cruzados, com um certo orgulho nos olhos. — Por eu ser tão incrível? E ter medo de se apaixonar?
— Você é irritante, continue assim, por favor. — sorriu e se aproximou mais de mim, levantando meu rosto para si. Senti falta dessas trocas de farpas entre a gente, confesso.
— Não precisamos ter medo um do outro, princesa. — revirei os olhos por essa última palavra. — Podemos aprender juntos a lidar com isso.
— Como?
— Não fugindo já é um bom começo. — ele riu, me fazendo encará-lo com uma sobrancelha arqueada. — Vamos nos casar, . Quero que você me veja como um porto seguro. Um amigo. Um perdedor na sinuca. — ri com aquilo. — Até mesmo um homem que você deseja.
— Não queria me casar. — admiti, vendo a sobrancelha arquear e ele inclinar minimamente a cabeça. Ele sabia disso, por que a surpresa? — Somos novos, temos muito tempo pela frente e eu cresci acreditando que quando eu me casasse, seria por amor mesmo e não um acordo, afinal, eu sou a próxima rainha e não preciso de um marido... Não precisava. — corrigi essa última parte, sem ter coragem de olhá-lo nos olhos. — Então você apareceu e eu tive vontade de te matar...
— Ainda acho que tem... — balancei a cabeça, rindo do comentário dele.
— Recalculando... Então você apareceu, e eu tenho vontade de te matar. Mas agora não sei mais se é de raiva de você, do casamento ou de mim mesma...— falei essa última parte num sussurro, sem coragem para terminar. me encarou, confuso, enquanto me encurralava entre a parede e seu corpo e eu permanecia sem olhá-lo nos olhos, observando as medalhas em seu pescoço, que me pareciam muito mais interessantes.
— Por que raiva de você mesma?
— Por querer o que eu quero! — respondi baixinho, com receio do que poderia vir a seguir.
— E o que você quer ?
Àquela altura do campeonato, eu já nem conseguia mais raciocinar direito; ter assim tão perto de mim de novo me desnorteava. Criei forças do além para erguer a cabeça e me arrependi no mesmo momento ao me deparar com os olhos dele queimando de ansiedade, confusão e desejo.
— ... — quase implorei a ele quando segurou meu pescoço com uma mão e minha cintura com a outra.
— Shh... — colocou um dedo sobre minha boca para me calar. Seu nariz ainda estava um pouco vermelho e eu podia ver um pouco de sangue seco. — Está tudo bem você querer o que quer... Porque eu também quero!
E lá estava eu, me afogando em águas profundas novamente, sem saber o que encontraria no final.
Dessa vez, fora quem tomou a iniciativa, selando nossos lábios com cuidado e atenção, talvez com medo de que eu fosse fugir.
Com um movimento de minhas mãos, as cortinas se fecharam novamente, nos deixando na escuridão, à mercê de um contato mais profundo ainda para que não nos perdêssemos de vista, como se fosse possível.
Sem a adrenalina da outra vez, consegui aproveitar cada segundo daquele toque tão único. Minhas mãos subiram para o seu pescoço e nuca, o trazendo o mais perto que pudesse enquanto empurrava seus lábios com a minha língua, visando começar um beijo de verdade. Nossas coroas se chocaram por um momento, fazendo um barulho alto de metal contra metal, mas isso não nos separou.
As mãos de brincavam com o meu vestido, correndo toda a extensão da minha cintura até o meu quadril, fazendo todos os pelos do meu corpo se arrepiarem com o toque.
Por um momento, eu achei que iria me desfazer ali mesmo, mas a pressão que o príncipe fazia contra mim e a parede, me mantiveram firme o bastante para aguentar em pé.
Quando o pulmão implorou por ar, ele se afastou, me dando um beijo na testa e depois se redirecionando para minha orelha enquanto eu ainda permanecia de olhos fechados, sem querer que aquele momento acabasse.
— Por favor, não fuja de mim... — sussurrou contra meu ouvido, me fazendo estremecer. — Não me ignora. Eu quero isso tanto quanto você, nós podemos fazer dar certo!
Quando ele se afastou minimamente, eu abri os olhos. me encarava com uma feição de medo. Medo do que eu faria a seguir.
E eu decidi que não iria mais fugir.
Sem dizer nada, o agarrei pelo pescoço, beijando novamente seus lábios e dessa vez mais rápido e urgente, tentando deixar transparecer qual a minha reação sem ao menos dizer uma palavra. E parece que deu certo.
— ! — Ophelia gritou comigo, me fazendo gargalhar da cara espantada dela ao me ver chegando de fininho no quarto. — VOCÊ QUER ME MATAR DO CORAÇÃO?
— Desculpe, Pheli! — abracei a velha senhora, que estava com as mãos no peito.
— Que bom humor é esse? — ela questionou, assustada com o meu sorriso de orelha a orelha.
— Hoje foi um dia bom. — dei de ombros, me deitando na cama. Obrigada , por ter me dado um dia bom, pensei.
— Posso saber o que fez minha filha ficar tão bem-humorada? Quero saber para que aconteça mais vezes. — me levantei rapidamente ao ouvir a voz do meu pai. Ophelia segurou novamente um grito, já que mais uma vez alguém entrou no quarto de fininho.
— Posso saber o motivo de você não ter usado a maldita porta? — cruzei os braços, encarando-o, feio. — Minha privacidade não existe mais?
— Querida, você sabe que tudo aqui é meu, até você... — respirei fundo, vendo Pheli entrar no banheiro para nos dar liberdade e provavelmente se esconder caso eu explodisse o quarto. — Contudo, ouvi boatos de que a princesa estava de bom humor e eu quis averiguar, afinal, você anda uma pilha de grosseria mais que o normal esses dias.
— Tive a quem puxar! — sorri sarcasticamente.
— Vejo que os boatos são falsos .— meu pai não era tão expressivo assim, mas eu conhecia cada linha do seu rosto, bastou um movimento simples da sobrancelha para que eu soubesse.
— Fala logo o que você quer e saia daqui. — me sentei na cama, o encarando.
— O que é isso? Não posso ver minha filhinha? — revirei os olhos ao ver a falsa expressão de ofendido que ele mostrava. — Querer saber como você está? O que está achando do príncipe? Da princesa de Phylcon?
— Não quero parecer uma filha amargurada com o pai, mas nós dois sabemos que você não se importa com nada disso contanto que eu faça o meu dever. — Byron sorriu minimamente e se aproximou de mim, se agachando, ficando cara a cara comigo. Ele nunca se agachou para ninguém.
— Às vezes você me deixa orgulhoso... — segurei uma vontade ridícula de tremer com o tom de voz dele. — Mas você está errada, me importo com o que você pensa e sente, só não acato as suas decisões... A Coroa vem em primeiro lugar e...
— Fala logo o que você quer e me deixa em paz. — falei pausadamente, encarando de perto os olhos verdes dele. Diabólicos.
— Céus, você é tão direta! — bufei, cruzando os braços, impaciente com a falsa indignação dele. — Certo... Já que insiste! Bom, primeiro vamos falar sobre a princesa de Phylcon e os boatos sobre a rivalidade de vocês. — arqueei uma sobrancelha, esperando pelo resto. — Sei que você pode ser bem antipática e agressiva para querer mostrar que é mais poderosa... — senti meus olhos começando a mudar a cor, ele estava mesmo falando que eu queria marcar território? — De fato, você é, mas não precisa atacar a princesa! O que mais me envergonhou foi saber que você perdeu, aquilo foi horrível, uma Feiticeira perdendo para uma Verde?
— Mais alguma coisa? — perguntei, controlando a voz para não falhar.
— Você foi falha, ! Uma herdeira não pode falhar! Você não pode perder. — ele se levantou antes que meu corpo explodisse junto com ele, já que a temperatura havia subido com a minha raiva. — Jade LaMontagne não pode caminhar pelo castelo se achando a próxima rainha de Howslan... Ou pode?
— Mais alguma coisa? — questionei novamente, impaciente.
— Sobre seu noivo... — meu coração parou por um segundo, afinal, meu pai poderia ser bem cruel se quisesse. — está muito afrontoso, digamos assim. Acredito que você tenha influenciado o príncipe a falar muito o que pensa, logo, você deve colocá-lo nas rédeas.
— Você sabe melhor do que ninguém que não é possível controlar o pensamento de alguém. — Byron gargalhou, me assustando um pouco.
— É engraçado isso, sabe? Eu estava acreditando mesmo que controlaria você, mas na realidade, vocês são dois descontrolados juntos. — ele passou as mãos no rosto e logo depois me encarou, sorrindo. — Coloque ele na coleira, , senão eu colocarei... E você sabe que eu não sou um bom adestrador. — me levantei com tudo, jogando um feitiço que prendia meu pai contra a parede e fui até ele. Byron se surpreendeu com aquilo, já que eu nunca tinha feito isso.
— Fique longe dele. — falei pausadamente, fechando uma das mãos enquanto com a outra eu mantinha-o preso. — Ou tente e perca a maldita Aliança. Conrad vai amar saber que o filho corre perigo!
— Não me ameace, minha filha, você não saberá como manter essa pose. — ele murmurou, com os olhos lilases brilhando. — Me obedeça e nada acontecerá. — as luzes estavam piscando e eu tremia.
Escutei algumas coisas se quebrando no banheiro e me assustei quando vi Pheli indo até a porta, com as mãos no ouvido e o nariz sangrando.
— Pheli... — sussurrei, perdendo um pouco a concentração no meu feitiço, dando tempo para o meu pai se soltar e me jogar contra a parede da minha cama, me fazendo cair diretamente nela. Ao menos isso, pensei.
— Nunca dê as costas ao seu oponente. — ele sussurrou, vendo que eu grunhia; olhei Pheli no chão, com o nariz sangrando e os ouvidos também. — Da próxima vez, vai ser pior! — ele tinha feito aquilo para me punir, monstro. Veja o que o seu descontrole fez, falei para mim mesma, me obrigando a me arrastar até ela. — E nunca mais ouse fazer isso comigo. — meu pai falou, ajeitando sua roupa antes de se retirar. — Agora que sei que você é leal ao seu noivo, pelo menos o casamento vai acontecer sem problema algum.
Capítulo 10
O líquido descia queimando minha garganta.
Virei o whisky de uma só vez assim que a dona do bar me entregou, não fazendo nem sequer uma careta já que nada mais me abalava àquela altura da minha vida.
Eu havia machucado Pheli.
Quer dizer, meu pai havia machucado por culpa do meu descontrole e aquilo me afetou de maneiras incontáveis. Sequer conseguia ficar perto dela com medo de feri-la ainda mais e mesmo ela dizendo que estava tudo bem, eu sabia que não estava.
Também temia por . Meu pai deixou uma ameaça séria no ar e eu não permitiria que ele cumprisse com suas palavras cruéis, "coloque-o na coleira, senão eu coloco... E você sabe que não sou um bom adestrador". Me arrepiava só de lembrar das vezes em que eu fui colocada, literalmente, nessas coleiras de Painite, como um cachorro raivoso. Só eu sabia o quanto fui torturada e não desejava aquilo para ninguém.
Meu refúgio era o meu bar preferido — o mais vazio da cidade —, com a senhora boazinha e educada que nunca fazia perguntas: apenas falava quando achava necessário e na maioria das vezes eram coisas bobinhas, que eu sorria ao ouvir. As vezes até respondia, mesmo sabendo que não precisava de uma resposta, ela só queria um bom ouvinte. Certamente um proprietário de bar era um bom psicólogo, ainda mais onde só tinha um bando de homem bêbado.
Depois que a senhora terminou de falar, levei uma garrafa de cerveja junto de mim para o fundo do bar. Dessa vez estava sozinha, não havia chamado o príncipe e não me incomodava com aquilo; aprendi a apreciar minha companhia, afinal, não seria eu a rainha solitária? Pelo menos até aparecer, eu era a herdeira solitária. Minha única companhia naquele bar era minha bebida, a dona do local, uns dois bêbados jogando sinuca e uma música irritante ao fundo. Ainda daria um rádio novo para aquela mulher, ninguém merecia aquilo.
No entanto, não demorou muito para que o sino alertasse que alguém estava entrando no estabelecimento e, consequentemente, que eu sentisse a presença dele.
O Insurgente entrou no bar com um sobretudo preto o cobrindo até os joelhos, uma calça preta surrada e coturnos de couro. Parecia que os roubos estavam indo muito bem. — lembrei seu nome — estava acompanhado por um outro homem moreno que tinha a mesma altura; esse eu sentia que era apenas um Cinza, não tinha a energia de um Elementar. Os dois sorriam, abraçando a dona do bar enquanto eu forçava minha audição para que pudesse ouvir o máximo que conseguisse.
— Tia Erin, estava com tanta saudade de você! — o companheiro de disse, sorrindo.
— Você se esqueceu de mim só porque tem seu próprio bar no Forte, Lucas! — novas informações sobre esse Forte. — Mas, eu te perdoo.
— Você é inesquecível, tia Erin.
Era um garoto bonito: não devia ter mais do que vinte e três e era bem forte. Deveria ser um dos Cinzas da linha de frente dos combates insurgentes.
— Estávamos fugindo de Angelique. Ela estava tendo um surto de raiva e eu não queria ficar lá e correr o risco de ter a cabeça voando pelo céu, literalmente. — quase ri do pobre Lucas e vi nele muito do meu melhor amigo, Tom, que vivia entre Elementares e Feiticeiros sendo um Cinza. — Mas creio que devemos voltar logo.
— Peça para Angelique vir me ver, eu estou preocupada e com saudades... Não a vejo desde... O enterro. — Erin começou a falar, engolindo seco assim como os dois meninos. estava calado, olhando para o chão, e Lucas suspirou. Ninguém prestava atenção em mim no canto do bar com um capuz na cabeça. — Senão, eu vou até o Forte. Vocês escolhem.
— É perigoso! — falou pela primeira vez.
— Então não me obriguem a isso. — Erin, que sempre foi muito doce e meiga, tinha virado um leão. Senti até que estava rosnando para os dois meninos. — Eu nunca aceitei essa ideia, sempre achei perigoso demais! E agora não posso nem ver os meus filhos direito?
— Nós fazemos o possível para proteger vocês. — Lucas falou calmamente.
— Eu sei me proteger sozinha, obrigada! — a mulher cruzou os braços, encarando o filho com seus olhos pretos. Ela era uma Cinza P (com força extrema); fiquei surpresa com aquilo. — Avise Angelique ou vocês e o Coronel receberão uma visitinha. — Coronel?
— Erin , você está ameaçando seus filhos e a Causa? — sorriu de canto, se apoiando no balcão. Sua mãe concordou com a cabeça sem remorso ou medo algum. — Está certo, seu recado será passado assim que eu chegar ao Forte.
— Ótimo, se não já sabem!
Os meninos ficaram no bar por muito tempo, fazendo companhia à Erin e ainda jogando sinuca. Eu permaneci na mesa escura, escondida ao máximo para não ser notada e aparentemente consegui, já que até a mulher pareceu ter se esquecido de mim. Lucas estava arrasando com e vencendo de lavada o amigo Insurgente. Observava cada detalhe dos dois, eles eram dignos de espionagem. De dia agiam como assassinos e à noite viviam normalmente, era um padrão de comportamento muito peculiar.
Ou não. Era um padrão Elementar, e não da Escória.
Depois de algumas horas, eles decidiram partir e não demorou muito para que eu saísse atrás e os seguisse. Os dois riam muito e chamavam atenção até de quem estava dentro de suas casas, dormindo àquela hora da noite. Respirei fundo ao ver que estavam com um carro no meio da floresta, próximo ao meu cavalo, mas não o suficiente para o notarem ali.
Um dos carros da Base.
Apesar de estar diferente, sabia que era um dos nossos. Não tinha muita certeza do que fazer àquela altura, mas sabia que não poderia perder essa oportunidade.
Fiz um feitiço de invisibilidade e silenciei minha energia para que o Elementar não sentisse que tinha alguém ali, e por maior que fosse o risco que eu corria, queria saber onde aquilo dava e até onde iriam. Reforcei meu feitiço de desilusão também, se me pegassem, não conseguiriam ver meu rosto com clareza, e entrei no carro.
Me encolhi no banco de trás porque, mesmo escondida, eu tinha medo de falhar. Os Insurgentes não me dariam a misericórdia, eles me matariam dessa vez.
— Você fala como se ela fosse maluca. — Lucas dizia para , colocando o cinto. — Como que você foi se envolver logo com a filha do Coronel?
— Nós estávamos bêbados! — deu partida no carro. — Gosto dela, mas não para algo mais sério. — ele dizia, dando de ombros. — Nós sabemos que isso é irrelevante agora, temos coisas para fazer e uma guerra para lutar. Não temos que nos apegar a alguém que pode partir. — parecia que o insurgente tinha certa mágoa na voz. Não sabia a dor de perder alguém e nem pretendia sentir. —Acredite em mim, Lanna vai agradecer por isso.
— Duvido muito... — Lucas deu de ombros. — Nós somos dependentes do outro, certo? Digo, de outro ser humano. Até mesmo Angelique arranja conforto em alguém em um dia ruim.
— Eu não sou. — o insurgente sorriu, dando uma piscadinha para o amigo. — Angelique arranja conforto no saco de pancada dela, vulgo, você. E céus, ela ainda pode te matar a qualquer instante por ter defendido a princesa. — arregalei os olhos, prestando mais atenção ainda na conversa. Lucas suspirou.
— Não fiz para irritá-la. Ainda acho uma megera, ela quase matou nós dois... — minhas sobrancelhas se ergueram junto com a minha surpresa: primeiro, por saber que Lucas me achava uma megera e, segundo, por ele ter sido o outro Insurgente que eu amarrei com a segunda mão na hora que tentei matar na base vermelha, antes da vadia da irmã dele aparecer e me apagar. — Ela se defendeu naquele dia e defendeu o irmão, assim como você me defendeu e defendeu Angel... Não compactuo com ela, mas naquele dia que ela defendeu a criada, acredito plenamente que foi verdadeiro.
— Ela pegou a gente de jeito, não foi? — balançou a cabeça, rindo. — Malditos olhos lilases!
Queria explodir os dois naquela hora. Sou uma bêbada irresponsável, eu sei.
— Vamos aos fatos... — Lucas levantou uma mão para coçar a barba por fazer. — Nunca confie em um Feiticeiro! Ainda mais se ele for baixinho e tiver cabelos cinzas.
— E vestir roupas de motoqueiro gótico! — gargalhou.
Abri a boca — quase estragando a minha maior vantagem — e cruzei os braços, fazendo uma careta inconformada.
Esse era o passatempo dos insurgentes? Falarem mal dos Feiticeiros? Ou melhor, de mim?
A viagem durou mais alguns minutos para dentro da floresta Wild. Não era um local tão averiguado, já que havia muitos animais selvagens e ninguém sobreviveria lá dentro pelo frio extremo. Quem entrava lá, nunca saía; ótima escolha para um campo de concentração cheio de Insurgentes. Perto do castelo, mas longe o suficiente para nunca serem encontrados. Depois de um longo percurso cheio de buracos e bem violento, eles pararam o carro. Os meninos cobriram o veículo com uma espécie de rede cheia de folhas e galhos, impedindo que alguém notasse que havia algo ali. Fiquei escondida atrás das árvores enquanto seguia a pé com eles, tomando cuidado para não fazer barulho algum.
Eles pararam literalmente no meio do nada, olharam em volta e juntos pisaram juntos no chão, dando lugar para uma tampa gigante de ferro. Parecia um bunker. e Lucas giraram a tampa juntos e logo deram espaço para um tubo preto; Lucas entrou primeiro, olhou em volta, tentando encontrar possíveis inimigos ou gente que não deveria saber onde o Forte ficava, focando exatamente no ponto em que eu me encontrava. Parei de respirar por um instante, não ousando mover nem mesmo o dedinho do pé, até ele ignorar o sexto sentido e entrar no bunker.
Agora eu entendia o nome ¨Forte¨.
Não os segui até lá dentro, no entanto: sentia que tinha insurgentes por toda parte da floresta, todos preparados para atirarem na minha cabeça se notassem a minha presença. e Lucas entraram tranquilamente porque não esperavam serem seguidos, mas os Insurgentes esperavam um ataque. Qualquer um.
Me amaldiçoei por estar tão longe de casa e longe do meu cavalo, pensando em como diabos eu iria voltar para o vilarejo, até que encarei o carro que e Lucas dirigiram. Arqueei uma sobrancelha, pensando: Por que não?
Entrei no carro, jogando mais três feitiços em mim e no veículo roubado; um feitiço silenciador, para o carro não fazer barulho; um feitiço ilusório, onde no lugar do carro as pessoas veriam apenas a floresta; e um feitiço de localização porque eu não sabia sair de lá. Nunca nem tinha entrado ali. Aquele Forte tinha de ser investigado. Os Insurgentes eram muito mais inteligentes do que eu imaginava e ao contrário do que Charles achava, eles eram sim dignos de preocupação. Eram algo grande. Quando cheguei perto do meu cavalo, deixei o carro longe o suficiente para não conseguirem fazer uma ligação com o pobre animal.
Olhei para o veículo uma última vez e arqueei uma sobrancelha. Eu era a megera, certo?
Com as mãos, fiz o carro se movimentar sozinho, capotando ele e o deixando com as rodas para cima, atrapalhando a passagem dos veículos dos insurgentes para a civilização. Sorri com a imagem que ficaria guardada na minha mente para sempre. Uma pena eles nunca descobrirem quem foi o autor do crime... Eu roubei um carro roubado.
— Que cheiro horrível de bebida! — escutar a voz da princesa de Phylcon logo cedo não era exatamente a melhor coisa do meu dia. Ainda mais quando eu estava de ressaca e com o humor péssimo. Esse último não era novidade. — Sinto que vou vomitar...
— Também tenho essa sensação... Toda vez que vejo a sua cara. — resmunguei, me sentando em uma cadeira longe dela. Estávamos sozinhas na sala de reunião.
— Acredito que isso deve acontecer sempre que você encara o espelho também... — sorri sem mostrar os dentes e encarei os malditos papéis que eu tinha que ler. O que minha mãe e Debby decidiram, eu deveria assinar também. — Sabe, ? Ontem eu vi você saindo pelo castelo à noite... Minha janela tem a vista para a floresta horrorosa e enquanto eu me divertia com a brisa fria de Howslan, vi perfeitamente uma figura baixinha correndo pela noite.
— Está alucinando com suas ervas, Jade? — sorri, encarando a princesa. — Acho que você deve dar uma segurada nos seus cigarros.
— Eu sei bem o que vi, alteza. — por sorte, eu era uma feiticeira e uma boa mentirosa: ela acreditaria em mim por bem ou por mal. — Podemos acertar algumas coisas para que eu não abra a boca, afinal, seu pai odiaria saber que você não respeita as leis do próprio país!
— Eu estive em meu quarto a noite inteira, lendo sobre os códigos penais que foram atualizados na última reunião da Corte. — arqueei uma sobrancelha. — Aliás, por mais que você seja da realeza, ainda é crime ameaçar outro membro real.
— Longe de mim estar te ameaçando, ! — fez uma expressão falsa de inconformada. — Só estou comentando que podemos entrar em um belo acordo, não acha?
— Querida, não tem acordo a se fazer. — Jade se aproximou de mim, ficando cara a cara comigo. Me levantei no mesmo instante, calmamente. Nunca me abalei com a intimidação que recebia das outras pessoas, eu era ainda mais poderosa que qualquer um.
— Posso fazer com que seu pai saiba ainda hoje sobre isso. — arqueei uma sobrancelha, sentindo a mesa de madeira começar a se mover até meus braços, fazendo com que algemas se fechassem em meus punhos. Sorri com aquilo. Ela não entendia com quem estava falando. — Tudo que eu quero é que você saia de cena.
— Você não me conhece mesmo, LaMontagne! — falei calmamente.
— Conheço Feiticeiras medíocres como você e todas são facilmente manipuláveis. — a princesa me empurrou contra a parede e me prendeu nela. Eu estava me segurando o máximo que podia. — Meu noivado está se aproximando, eu quero todas as atenções para mim e para Charles.
— Mais alguma coisa? — Jade arqueou a sobrancelha, sorrindo e dando de ombros. — Faria isso sem que você precisasse me ameaçar ou tentar me amedrontar... Pena que você preferiu dessa forma! — com uma mão, eu me soltei da madeira que me prendia e fiz um movimento para que ela voasse contra a outra parede, grunhindo de dor já que eu não fui muito delicada. Me soltei da armadilha dela e caminhei até a bruxa. Dei um tapa em seu rosto, vendo logo ele ficando vermelho, pela força e pela raiva. — Você tem noção do que acabou de acontecer aqui? — perguntei, em um sussurro. Ela não respondeu. — Você ameaçou uma feiticeira! Jade, acredito que você seja fatal no Campo, afinal, você conseguiu me derrubar. Mas, eu sou fatal nos meus feitiços. Tem noção do que posso fazer com você agora?
— Me solte para resolvermos isso como guerreiras! — ela rosnou, me fazendo rir e balançar a cabeça.
— Não pretendo lutar com você hoje, amiga... — me aproximei dela, tirando uma mecha de cabelo dos olhos que estavam verdes. Os meus estavam lilases há tempos. Com a mão livre, eu fiz um sinal em sua testa, o sinal do feitiço de esquecimento.
— O que você está fazendo? — Jade tentou se soltar, em vão.
— Shh... — fiz careta, terminando o sinal e segurando seu rosto para que ela encarasse meus olhos. — Você vai esquecer o que viu ontem e se contou a alguém, dirá que não passou de um mal-entendido e que você estava mentindo para me prejudicar! Entendeu?
— Não vi a princesa saindo do castelo pela noite ontem... Inventei isso apenas para prejudicá-la! — Jade parecia um robô ao falar aquilo. Poucas vezes eu lancei esse tipo de feitiço, já que era proibido no castelo, mas Jade mereceu aquilo e eu jamais seria ameaçada e manipulada por ninguém, ainda mais ela.
— Ótimo! E esqueça o que aconteceu aqui, arrume essa mesa que você destruiu. — caminhei até minha cadeira e voltei a fazer o que estava fazendo antes de Jade dar vexame. A princesa fez o que eu queria ainda como um robô, parecendo estar em transe. — Eu liberto você. — sussurrei, olhando em seus olhos, estalei os dedos e ela acordou do transe, confusa ao ver que estava em pé na outra ponta da mesa. Continuei fazendo o meu dever enquanto a mesma tentava entender o que estava acontecendo. Não saberia, de qualquer forma.
Vadia.
Não demorou muito para as três rainhas entrarem na sala, todas sorridentes. Jade ainda parecia um pouco confusa, mas logo manteve a pose de megera de sempre. Debby me encarava com a sobrancelha arqueada, como se desconfiasse de algo e tentasse me ler, mas logo parou com isso, já que tínhamos muita coisa para fazer.
Fiz uma nota mental para depois me vingar da princesa de Phylcon desse showzinho, para que ela nunca mais se esquecesse de quem é que mandava nesse castelo.
Eu era a herdeira.
Capítulo 11
— COMO ASSIM VOCÊS PERDERAM UM CARRO? — Angel gritou, furiosa comigo e com Lucas.
Estávamos nós três em meu quarto no forte tentando entender o que diabos havia acontecido com o carro, que eu jurava que tínhamos escondido muito bem. Depois que chegamos da nossa checagem semanal, há dois dias, nós escondemos o carro como sempre e entramos no bunker dos Insurgentes. Desde então não saímos, já que a gente estava bolando um jeito de invadir o castelo.
Na verdade, nós andávamos estudando sobre isso fazia um bom tempo, mas todas as conclusões a que chegamos eram sempre a mesma: a gente teria uma morte terrível.
— Fique calma, não foi bem assim... — Lucas tentou, o que era em vão. Quando Angelique estava surtando, o melhor a se fazer era deixá-la gritar o quanto quisesse para depois, quando estivesse mais calma, a gente explicar o que aconteceu.
— VOCÊS TÊM NOÇÃO DO QUE O CORONEL VAI FALAR? O QUE OS SUPERIORES DELE VÃO ACHAR? VOCÊ TEM, , SABE TANTO QUANTO EU! — cocei a cabeça, imaginando o que eles falariam. O problema não era o carro em si, tínhamos muitos carros a disposição, mas sim a possibilidade de alguém ter seguido a gente e descoberto nosso esconderijo. Certamente um outro insurgente não seria tão burro a ponto de roubar um carro nosso, então foi outra pessoa. — COMO QUE VOCÊ QUER LIDERAR UM EXÉRCITO PARA INVADIR O CAS...
— Angel, a culpa não foi dele, nós seguimos todos os protocolos. A pessoa que fez isso foi muito esperta e discreta! — mais uma vez, Lucas tentou, interrompendo minha irmã antes mesmo de ela soltar para Deus e o mundo ouvir o que planejávamos.
Nossos planos normalmente eram arquitetados pelos membros de alto escalão dos insurgentes, como eu, Lucas e Angelique, o restante apenas tinham conhecimento umas horas antes da execução para treinarmos e orquestrarmos do jeito certo. Assim a gente evitava qualquer tipo de conflito e até mesmo traição. Claro que confiávamos na causa e no nosso povo, mas tudo o que pudéssemos evitar, evitaríamos. E qualquer deslize de qualquer um deles poderia custar nossas vidas.
— Como que a culpa não foi de vocês? Apenas cinzas moram aqui! Como vocês deixaram um cinza seguir e roubar vocês? Por céus...— pelo menos ela parou de gritar.
— Eu sou um cinza, Angel! — meu melhor amigo falou com um pouco de chateação. — E eu sou completamente capaz de roubar um carro, você sabe disso.
— Não foi isso o que eu quis dizer, Luke...— só Lucas mesmo para fazer minha irmã abaixar a guarda. Podia até ouvir um tom delicado em sua voz sempre grossa e estridente. — ... Os outros cinzas não tem o treinamento e a experiência que você tem.
— Foi o que você quis dizer sim, mas tudo bem, não vamos entrar em detalhes... — Angelique me fuzilou com os olhos e até cheguei a pensar que me lançaria pelos ares ou faria um redemoinho me levar embora. — Eu vou ver o que eu faço. Vou tentar achar o carro e... — fui interrompido por duas batidas na porta.
Meu quarto era espaçoso, tinha tudo do que eu necessitava ou até mais. Vantagens de ser um elementar entre eles. Levantei da cadeira que estava e fui ver quem interrompia o discurso preguiçoso que eu sempre dava quando alguma coisa se apertava para o meu lado.
— O carro foi localizado. Apareceu tombado ao lado de um barraco do vilarejo, mas sem nenhuma prova de quem tenha feito isso. — Dennis, um dos nerds do TI, falou assim que abri a porta. — O Coronel quer conversar com vocês! — deu um sorriso de compreensão, afinal, as coisas tendiam a se complicar para nós.
Estávamos ferrados!
— Onde fica essa tal cabana mesmo? — Luke questionou pela milésima vez assim que pisamos os pés na vila.
A conversa com o coronel foi, digamos que, tensa. O velho dizia estar decepcionado com a nossa capacidade de despistar qualquer um que pudesse vir a ser um problema e que os superiores dele não estavam nada felizes com a gente. Previsível.
Eu e Lucas nos comprometemos a checar a tal cabana e a situação do carro, e até mesmo, quem sabe, perguntar a alguém sobre. Se achássemos algo que pudesse vir a ser útil, o coronel pararia de pesar para o nosso lado.
— Lucas, se você perguntar mais uma vez, eu juro que corto sua língua fora! — Angelique também havia vindo conosco; ela queria ver nossa mãe e não confiava na gente para averiguar algo que, basicamente, era nossa culpa.
— Se você cortar minha língua como é que vamos...
— Certo, certo, me poupem dos detalhes íntimos de vocês dois. — cortei antes mesmo de eles começarem com as intriguinhas de sempre. — Primeiro, nós vamos falar com a minha mãe e depois nós vamos ao carro.
— Pode ir na frente, se quiser, nós precisamos passar aqui antes! — Angel falou para Luke assim que chegamos ao bar, ele assentiu. — A cabana é a que fica no final da vila, aquela que sempre tem um cavalo preso numa árvore. — apontou para frente em direção à dita cabana.
O cavalo branco e bonito estava lá hoje de novo e eu fiquei me perguntando de onde os donos tiraram dinheiro para comprarem um, eles eram caros. Ainda mais os de pelagem branca.
— Está bem, me encontrem lá depois.
Antes de entrar no bar, pude vê-lo fazer carinho no animal, que relinchou de felicidade pelo toque recebido. Até que ele era bonito. O cavalo, digo. Lucas parecia um trasgo da montanha, não sei como minha irmã conseguia beijar ele.
— ... Mas aí o perdeu o carro e não conseguimos vir ontem. — pude ouvir Angelique, sentada no banquinho alto do bar, reclamar com nossa mãe que estava do outro lado da bancada fazendo alguma coisa.
— Perdeu o carro? Como assim? — ela encarou minha irmã, surpresa, e depois me olhou, chegando perto.
— Não perdi carro nenhum. Eu estacionei no lugar de sempre, mas ele simplesmente sumiu e veio aparecer aqui no vilarejo! — me defendi. Angelique tendia a ser muito fofoqueira para nossa mãe desde criança, ela sempre contava tudo de errado que eu fazia para me ver levando uma bronca.
— Ah, claro, o carro sabe dirigir sozinho.
— O que vocês acham que tenha acontecido? — minha mãe perguntou, evitando uma nova discussão.
— Provavelmente esse lesado deixou alguém seguir eles e essa pessoa roubou o carro, para vender, talvez, não sei. — Angel batia um dedo nos lábios enquanto pensava.
— Mas então por que largá-lo aqui no vilarejo? — questionou minha mãe. Quando cheguei perto o suficiente para ver o que ela tanto fazia por detrás do balcão, meus olhos se arregalaram.
— Mãe, de onde vem esse tanto de dinheiro? Normalmente você consegue metade disso no final do mês e nem estamos perto ainda.
— Verdade, dona Erin. Como conseguiu isso tudo em tão pouco tempo? — Angelique pegou algumas notas. — São notas novas, limpas. Tem certeza de que são verdadeiras?
— Às vezes a pessoa que deu trabalha no banco. — peguei uma delas e comecei a analisar. — São verdadeiras! Quem deu isso para a senhora? — ela deu de ombros.
— Sempre vem uma moça aqui, normalmente ela não fala nada e está sempre de capuz e blusa. Algumas vezes ela veio com um moço bonito, são bem simpáticos. — minha mãe parecia encantada pela tal garota. — Então ela sempre me dá uma boa caixinha, nunca entendi o porquê, mas quem sou para reclamar, não é?
— Moça? Por que uma mulher teria tanto dinheiro assim?
— Não seja machista, ! Existem muitas mulheres por aí que não dependem de um homem para viver, sabia? Eu por exemplo sou uma delas! — Angelique me deu um cutucão na costela.
— Justo! — falei, devolvendo a nota. — Se ela voltar aqui, você nos avise, ok?
— Ok... Mas por que essa preocupação toda?
— Porque isso é no mínimo esquisito. Por que uma mulher, que aparentemente tem dinheiro para ir em bares mais caros, viria em um aqui na vila? Se a senhora não a reconhece, quer dizer que não mora na redondeza.
— Não disse que não a conhecia, mas sim que é difícil ver seu rosto. — Dona Erin bufou, impaciente com tantas perguntas. — Ela está sempre de capuz e cabeça baixa, não é de conversar muito, só que sempre está aqui e ajuda muito com as contas!
— Mãe, só estamos tentando entender o motivo de alguém rico ser tão generoso com uma Cinza! — Angel falou, calmamente. Minha mãe já não estava com tanta paciência para aquilo.
— Aquela garota nunca me fez mal, ela não é um problema. — suspirei, entendendo que aquilo não era uma discussão que ganharíamos. — E o dia que ela me trouxer problemas, eu mesmo a chuto daqui como eu sempre fiz com todos os clientes. — sorri com aquilo e logo vieram lembranças da minha mãe, que sempre fora meiga e delicada, mesmo sendo uma Cinza P, chutando e batendo em brutamontes bêbados.
— Certo. — Angel deu de ombros. — Bom, viemos apenas dar um oi. Temos que ir checar o carro roubado. — minha irmã pulou do banquinho fazendo um barulho quando seu salto se chocou contra o chão de madeira.
— Passo aqui amanhã, pode ser? — abracei por sobre o balcão nossa mãe antes de seguir para a porta, ouvindo o sininho tocar quando fora aberta.
Desde quando éramos crianças, minha mãe tinha aquele bar. Eu amava vir para cá depois da escola ou então quando não estava a fim de estudar, ela ficava muito brava com isso. Aquele lugar me remetia boas lembranças de quando eu não tinha nada para me preocupar, mas infelizmente me vi obrigado a me juntar aos insurgentes quando, por uma injustiça, o rei de Howslan executou nosso pai por roubo. Ele nunca havia roubado na vida dele e nós sabíamos disso.
Essa era uma lembrança que eu não gostava de ter. As coisas funcionavam assim aqui, quem não obedecia ao rei ou quem não acreditasse em sua palavra, era morto com uma falsa acusação. Isso só intensificou mais meu ódio pela monarquia e fez com que eu e Angelique procurássemos algo para lutar, uma causa para seguir.
Quando chegamos perto da cabana onde o carro se encontrava, o cavalo não estava mais no local. Estranhei isso, já era noite e normalmente as pessoas evitavam sair para lugares longe o suficiente para ter de ir a cavalo.
— Onde está o cavalo? — questionei assim que avistei Lucas olhando para cima com cara de paisagem. Quando ele me encarou, seus olhos estavam estranhos. Meio longe, opacos.
— Lucas? — Angel estalou os dedos na frente dele, que deu um pulo, assustado, como quem acordava de um transe. — Você está legal?
— Sim, acho que só estou cansado mesmo. — coçou a nuca, olhando ao redor.
— Onde está o cavalo? — Angel questionou novamente, um pouco impaciente.
— Ahn... Não sei. Eu fui à floresta ver se achava alguma pista e quando voltei ele não estava mais. — ele franziu o cenho, parecia que estava tentando se lembrar de algo.
— E você achou?
— Achei o quê? — arqueei uma sobrancelha.
— Cara, você está bem? — cheguei mais perto, colocando as duas mãos em seus ombros. — Não me diga que você comeu alguma fruta de alguma árvore? Elas são venenosas!
— Eu estou bem, só me sinto meio tonto. Acho que foi o dia corrido de hoje. — ou Lucas havia caído e batido a cabeça, ou tinha algo estranho acontecendo.
— Aham...— Angelique ainda o encarava com os olhos estreitos, tentando pegar alguma coisa do comportamento estranho de Lucas.
— Ah, o carro! — exclamou, apontando para um relevo grande coberto por uma das capas de camuflagem dos insurgentes no começo da floresta. Provavelmente quem o achou ali, o escondeu para ninguém mexer.
Quando tiramos a capa de cima do carro, percebemos que ele estava tombado, com as janelas quebradas e estava bem na passagem da floresta que nós costumávamos usar para chegar até aquela parte do vilarejo. Não parecia ter muita coisa a se fazer, apostei que a pessoa que fez isso deixaria algo para trás. Lucas usou de seu poder de levitação para virar o carro com a ajuda de Angelique, que manipulou a gravidade para poupá-lo de muito esforço, e um grande barulho de cacos de vidros caindo no chão se fez presente.
Tirando as janelas reduzidas a lixo, o carro estava em bom estado.
— Isso está muito estranho! — Angel exclamou, se curvando um pouco para enxergar melhor dentro do veículo.
— Não parece ter tido um acidente, então a pessoa que fez isso ou usou força ou poder. — analisei, coçando o queixo. — Pode ter sido um Cinza de Cobre ou Preto. Você tem a lista dos moradores do vilarejo, certo?
— Mas ir atrás de todos os Cobres ou Pretos é perda de tempo. Assim que começarmos a procurar, se não acertarmos logo de primeira, a pessoa que fez isso terá tempo de fugir. — Angelique lembrou.
— Mas aí saberíamos quem estaria faltando. — Luke sugeriu.
— Verdade. Vamos discutir isso com o Coronel e ver o que ele acha. Eu acredito que não seja nada demais, até porque os moradores da vila sabem onde fica o Forte. Deve ter sido alguma brincadeira de mal gosto.
— O problema é exatamente esse! Quem sabe onde fica, sabe o que somos e que não se deve mexer conosco. Ninguém seria burro o suficiente para roubar um de nossos carros, o que me faz pensar que tenha sido outra pessoa. — Angel tinha um ponto.
Ninguém roubaria nosso carro aqui na vila, ainda mais quando era a gente que ajudava a maioria daqui.
— Exato, vamos ficar de olho. — Lucas concordou.
— Espera... — falei antes que colocassem a capa novamente.
Olhei no banco do motorista e um fio longo de cabelo cinza, quase branco, chamou minha atenção. O peguei com cuidado e comecei a analisar.
— Deve ser do cavalo. O vento pode ter trazido para cá. — minha irmã sugeriu.
— Não parece ser de cavalo, mas a ideia de que uma velha de cabelo branco conseguiria roubar nosso carro parece ser absurda. — rimos da piada que fiz.
Certamente minha mãe conseguiria roubar um carro e virá-lo de cabeça para baixo, mas, mesmo assim, ainda era engraçado imaginá-la fazendo isso. Não que ela faria, tudo de que precisava, a gente lhe dava.
Foi outra pessoa!
Só nos restava saber quem.
Capítulo 12
Algumas horas antes...
Com o noivado do meu irmão e, consequentemente, meu casamento chegando, tudo o que conseguíamos fazer era focar nas preparações, mas, mesmo assim, consegui com que minha mãe me liberasse mais cedo para que eu desse um pulinho na vila do Elementar. Não que ela soubesse o que eu fazia nas minhas escapadinhas.
Fazia uns dias desde que o negócio com o carro aconteceu e eu achava que já era hora de tentar encontrar mais pistas sobre eles. Deixei tudo planejado com Tom e Pheli logo pela manhã para eu não precisar repassar tudo correndo e, assim que deu a hora, fui para a floresta.
Lavender, minha linda e brilhante égua branca, era bem rápida e precisa, e ela já tinha decorado o caminho até a nossa cabaninha amiga. Precisava pagar a dona novamente, o pagamento incluía o silêncio absoluto sobre mim, mesmo ela nem desconfiando que eu era a princesa de Howslan. Era engraçado o fato de eu ter, literalmente, o poder nas mãos para simplesmente fazer com que ela aceitasse o meu cavalo em sua cabana sem nem que eu precisasse pagar, mas não era justo. Eu era uma megera, mas não com os necessitados; eles não precisavam de mais alguém os oprimindo, e se eu pudesse ajudá-los, ajudaria.
Já estava de noite e a brisa fria do inverno fazia as árvores balançarem e respingarem resquícios da água da chuva que caiu mais cedo. O chão estava lamacento e minhas botas de cano alto pretas já estavam marrons de lama embaixo. Amarrei Lav na árvore de sempre e bati duas vezes na porta do barraco, esperando a senhorinha sorridente e baixinha abri-la. Ela me convidou para entrar e, como sempre, eu iria negar, mas dessa vez, não sei o porquê, senti uma necessidade enorme de beber água, e como não era nada demais, resolvi deixar ela me guiar casa adentro.
O lugar era bem pequeno e mal iluminado, gelado por conta da falta de aquecedores, e cheguei até mesmo a me perguntar como alguém poderia viver numa situação como essa. Era doloroso ver isso, eu teria que mudar muita coisa quando assumisse a coroa. Talvez, só talvez, não seria uma má ideia me tornar rainha e conseguir mudar a vida dessas pessoas. Com certeza me apoiaria. Pelo menos eu esperava que sim.
Quando me despedi da senhora e sai novamente, uma brisa forte bateu contra mim e com ela veio a sensação que eu sempre sentia quando tinha alguém poderoso por perto.
Os elementares estavam ali.
Antes mesmo de dar um passo a mais, o outro garoto — Lucas, se não me falhava a memória — passou direto por mim, entrando na floresta em direção ao carro tombado, não sem antes fazer um carinho rápido em Lavender. A cena até me fez sorrir minimamente, mas depois dispersei os pensamentos e um plano me veio à mente.
Apertei o passo para que pudesse alcançá-lo e, antes mesmo que pudesse chegar ao veículo, ele virou de supetão, me pegando desprevenida e me prendendo entre ele e uma árvore. Ele era rápido. Olhei seu pescoço e podia ver um C de cobre nele. Levitador.
— Quem você pensa que é e por que está me seguindo? — por um momento, eu franzi o cenho, confusa por alguém não me reconhecer, mas então lembrei que tinha feito um feitiço de desilusão para as pessoas não verem meu rosto.
Mas ele poderia me ver; eu queria que ele me visse.
— A pergunta certa seria: quem sou eu e não quem eu penso que sou! — a cara que ele fez assim que eu desfiz o encantamento e tirei o capuz foi impagável. Fiz até mesmo com que a lua brilhasse mais em nossa direção, para que ele enxergasse meu rosto com mais clareza. — Já vai fugir? — perguntei quando ele começou a dar alguns passos para trás. — A noite está só começando!
— ... ANGELI... — começou a gritar, desesperado por ajuda, mas com um fechar do meu punho esquerdo em frente ao seu rosto, eu consegui tomar sua voz, fazendo ele ficar mudo por um tempo.
Com a outra mão, comecei a controlar seus movimentos até que estivesse colado à árvore que antes eu estava, manipulando a natureza para que as raízes o prendessem na mesma. Lucas começou a se debater, tentando escapar e, se estivesse com a voz, provavelmente gritaria.
Com o polegar direito, fiz uma combinação de símbolo do feitiço da Verdade com o da Obediência em sua testa e me afastei.
Ele estava hipnotizado.
— Agora, você vai me obedecer e responder verdadeiramente tudo o que eu perguntar, entendeu? — perguntei. Como ele ainda não podia falar, apenas assentiu. Ergui novamente o punho esquerdo, ainda fechado, o abrindo devagar e devolvendo a voz do insurgente. — Não grite, não tente fugir e muito menos me atacar; não funcionaria e eu te mataria por isso. Agora, quero saber o que você e seus amigos Elementares vieram fazer aqui hoje! — quando soltei seu corpo da árvore, ele despencou no chão, rindo. Esses rebeldes gostavam de rir da cara do perigo, né?
— Se você acha que eu vou abr... Eles vieram verificar o carro roubado...— falou, antes de dar um gemido de dor. Seus olhos já estavam desfocados e opacos, me dando a confirmação que o feitiço estava funcionando. Eu tinha a opção de deixá-lo consciente de tudo o que estava acontecendo ou não, mas, como eu pretendia apagar sua memória depois, deixei com que ele visse pelo menos um terço do que eu era capaz de fazer.
— Quanto mais você lutar contra, mais doloroso será. Vai por mim, experiência própria. — falei, me agachando em sua frente. Seus olhos já estavam vivos de novo e agora ele me encarava. — Certo, o que vocês acham que aconteceu com o carro?
— acha que foi alguém tentando pregar uma peça na gente... — bufou, agoniado porque não conseguia se controlar. — Como você consegue fazer isso? Achei que era fraca!
— Eu sou uma feiticeira, Lucas. Fraco é você! — torci o nariz, vendo-o fazer uma careta.
— Como você sabe o meu nome? — estava surpreso. Era engraçado que, mesmo depois de anos de uma monarquia feiticeira, as pessoas não tinham noção do nosso poder. Sorri sem mostrar os dentes, começando a ficar impaciente.
— Fique quieto, quem faz as perguntas aqui sou eu! — Lucas bufou, resmungando algo que eu não entendi. — Qual o patamar de vocês três nos insurgentes?
— Somos da liderança. Acima da gente tem somente o Coronel e os Superiores.
— Qual o nome do seu Coronel?
— Richard Herris. — Herris... Eu conhecia aquele sobrenome, mas não me recordava de onde.
— E qual a causa de vocês?
— Acabar com a monarquia. Não queremos mais essa divisão de poderes. — suspirei. Ele só confirmou o óbvio. — Posso te fazer uma pergunta? — arqueei a sobrancelha, surpresa com sua audácia. — Por que seu cabelo é cinza?
Dei uma risada alta.
— De todas as perguntas que você poderia me fazer, essa foi a que mais fez sentido? — assentiu. — Infelizmente, Lucas, não poderei respondê-la... Nem mesmo eu sei o porquê. — fui sincera. Desde criança eu me perguntava o porquê meu cabelo era dessa cor, mas nem minha mãe conseguia me explicar. — Em quantos vocês são?
— Muitos. Mal da para fazer uma conta. Nós conseguimos recrutar muitas pessoas nos últimos dois anos. — Lucas falava como um robô.
— Dois anos? O que aconteceu há dois anos que fizeram as pessoas procurarem por vocês?
— Não sei... Talvez a infelicidade para com a monarquia. — o garoto deu de ombros, me fazendo soltar uma careta.
— E há quanto tempo vocês existem? — o insurgente fez uma expressão falsa de dúvida.
— Quantos anos você tem mesmo? — franzi o cenho em confusão.
— Como assim?
— Os Insurgentes nasceram no mesmo dia que você nasceu. Com o nascimento de uma menina que viria a ser herdeira do trono, o criador da causa viu uma oportunidade de acabar com tudo.
— Como? — desta vez eu havia ficado um pouco abalada. Se Lucas percebeu isso, não usou para me provocar.
— Porque uma rainha sozinha é muito mais fácil de derrubar do que um rei poderoso. — cerrei os olhos em sua direção. Ele estava me chamando de fraca? Além de toda uma frase machista? — Por isso que seu casamento com o príncipe de Lennox não pode acontecer!
— O que vocês estão planejando? — quase rosnei, mas Lucas não se abalou.
— Nós vamos...
Antes que ele pudesse responder, um barulho de galho sendo pisado se fez presente, fazendo com que eu recolocasse o capuz e refizesse o feitiço de desilusão em mim. Rapidamente levantei Lucas e com a mão direita fiz o símbolo do esquecimento em sua testa.
— Esqueça tudo o que aconteceu aqui. Fale para seus amigos que você está cansado e precisa de uma soneca! Eu liberto você!
Larguei ele, que havia despencado no chão mais uma vez, e fui correndo até minha égua. O barulho de galho se quebrando tinha sido da senhora que estava colhendo umas frutas de uma árvore, mas no momento em que subi em Lavender pude ver a porta do bar da mãe de se abrir; nem esperei que a pessoa saísse do local, já começando a correr floresta adentro. Não poderia vacilar.
Fiquei uns minutos escondida entre as árvores, esperando dar o horário da troca de turno dos guardas para que eu pudesse voltar ao meu quarto sem precisar usar magia. Estava uma noite fria, mais do que o normal, mas eu estava feliz por ter conseguido o que eu queria: informações. Por menores que fossem. Eu estava com medo de ir ao vilarejo uma hora dessas e, por um acaso, me encontrar com ou até mesmo com a irmã mal-amada dele; mas calhou bem eles terem ido hoje para lá.
Assim que consegui uma deixa, corri para a ala leste do castelo — a ala onde ficavam os dormitórios reais — e entrei em meu quarto rapidamente. Pheli já havia ido embora há um tempo, mas tinha deixado uma troca de roupa e umas comidas para mim. Ela sempre soube das minhas escapadas do castelo e me ajudava com o maior prazer, mesmo que isso pudesse significar uma demissão caso descobrissem. Nunca deixaria com que tirassem ela daqui mesmo.
Meus sentidos de feiticeira se aguçaram no momento em que eu vi a porta da minha sacada aberta e um vento gelado fez com que meus pelos se arrepiassem; de frio e de medo. Fui até ela, já me preparando para o que quer que estivesse lá e, quando eu vi um vulto vindo em minha direção, não consegui segurar um grito estridente de susto.
— Céus, ! Assim você vai acordar o castelo inteiro.
— VOCÊ É LOUCO? — estapeei os braços de , que tentava tampar minha boca. — VOCÊ QUASE ME MATOU DO CORAÇÃO. Qual é o seu problema com sustos? Você ama me assustar, mas que ódio! — fiz um bico bravo.
Na real, eu nem sabia sobre a existência desse bico até comentar que quando eu ficava emburrada eu o fazia, além de torcer o nariz.
— Ah, veja só esse biquinho! Que coisa mais linda. — fez uma voz fina que, se não fosse a situação, eu riria, mas revirei os olhos antes de ele me pegar de surpresa e me beijar.
Desde nossa última discussão sobre eu estar ignorando-o, há alguns dias, vínhamos fazendo isso com frequência — nos beijar às escondidas, digo. Estava sendo bom, uma boa distração de tudo o que vinha acontecendo, e me surpreendia cada vez mais com seu jeito. Claro que não deixei de ser a de sempre; a princesa mal-educada e nervosa, que sempre tinha uma resposta para tudo, mas, às vezes, ser desse jeito era cansativo, afinal, ninguém mais se surpreendia comigo. Então eu tinha o príncipe, que sempre tinha seu jeito de fazer piadinha ou então de tentar me calar com seu jeito sarcástico e calmo. Isso só servia para me deixar mais brava, mas pelo menos ele me beijava depois para compensar.
— Você é um idiota. — me separei, lhe dando um soquinho no braço. — Aliás, posso saber o que está fazendo em meus aposentos reais? — cruzei os braços, arqueando uma sobrancelha.
— Estava te esperando? — perguntou, como se fosse óbvio. — Eu é quem pergunto onde a senhorita estava que eu não te encontrei em lugar algum.
— Ah... Dando uma volta por aí! — respondi, indo em direção ao banheiro. Precisava de um banho urgente.
— Quer conversar sobre? — passou as mãos na própria cabeça.
— Na verdade, não. — dei de ombros. — O dia hoje foi corrido e estou mega cansada. Preciso de um banho.
— É, precisa mesmo! — falou, fazendo careta enquanto abanava o nariz com as mãos. Joguei uma almofada da minha cama nele, que ria, vindo para mais perto.
Uma coisa que eu apreciava muito em era que ele sabia a hora de parar com as perguntas. Ele nunca questionava as coisas que eu fazia e esse espaço que me dava era tudo o que eu mais gostava na nossa relação.
Relação?
Ainda não sabia como nomear o que eu tinha com o príncipe. Quer dizer, nós éramos noivos e daqui a exatas duas semanas iríamos nos casar, mas mesmo assim ele sabia a minha opinião sobre o casamento e mesmo que tívessemos evoluído em questão a isso, ainda não sabia o que éramos.
— Já falei que você é um idiota hoje?
Tirei a jaqueta que eu usava e joguei em qualquer lugar da minha cama, mais tarde eu colocaria no cesto de roupas sujas. chegou por trás de mim e me abraçou, descansando sua cabeça em meu ombro enquanto inspirava profundamente próximo à minha nuca, me fazendo arrepiar.
— Até que não está tão ruim...
Se não fosse seu hálito quente causando uma reação esperada em minha pele e sua voz rouca e baixa em minha orelha, eu teria batido nele mais uma vez. Ao invés disso, apenas segurei suas mãos que descansavam em minha cintura e tombei a cabeça para o lado, sentindo-o roçar levemente seus lábios em meu pescoço antes de começar a distribuir beijos rápidos e molhados.
Aproveitei por um tempo naquela mesma posição, mas, quando comecei a me cansar e meu pescoço a doer pela posição, me virei novamente para ele e o beijei sem mais delongas. Eu adorava aquela química que tínhamos.
começou a andar às cegas comigo até sentir minhas costas se chocarem contra a parede do meu quarto, intensificando mais ainda o beijo. Há tempos eu tinha dado a ele permissão para explorar meu corpo com suas mãos grandes e ágeis e ele não as poupava em momento algum, alisando desde as minhas costas até meu quadril, arriscando até a pegar em minha bunda algumas vezes.
Quando o beijo passou de um estágio rápido para algo mais selvagem e excitante e suas mãos involuntariamente começaram a brincar com o cós da minha calça, nós tivemos que parar. Não por medo ou falta de vontade, mas nós tínhamos para nós mesmos que iríamos avançar esse sinal apenas depois do casamento. Por respeito à uma cultura que nos foi imposta desde pequenos, infelizmente.
Respirando pesado, ele colou sua testa na minha, ainda de olhos fechados, tentando ao máximo se controlar e se acalmar enquanto eu fazia o mesmo, espremendo meus olhos com força para me concentrar. Podia até senti-los brilhando lilases de tanta concentração que precisei fazer.
— Cada dia que passa vai ficando mais difícil me controlar perto de você. — sussurrou.
— Eu sei... Era disso que eu tinha medo antes.
— E agora? — me encarou, sério, seus olhos brilhando por uma resposta positiva.
— Agora eu já não tenho mais controle do que eu sinto... Só sei que eu gosto de sentir. — sorri, sincera, enquanto ele me abraçava. — Dorme comigo hoje?
— O quê? Fácil assim? Sem um vinho antes? — fez uma cara de indignado, colocando a mão no peito.
— Você tem uma mente tão pervertida. — gargalhei de sua péssima atuação. — Apenas dormir! Queria companhia, mas já que eu não tenho vinho aqui, a gente deixa para a próxima... — fingi que ia sair de perto, mas ele me puxou de volta, beijando meus lábios rapidamente.
— Certo, mas com uma condição... — arqueei uma sobrancelha, esperando que ele completasse a frase. — Apenas se você tomar um banho! — dei um soco fraco em sua costela, fazendo uma cara de chocada e saindo de perto dele.
— Agora quem não quer mais sou eu. Xô, sai do meu quarto!
Ele riu, me puxando mais uma vez para me abraçar e depois me empurrou em direção ao banheiro. Antes de fechar a porta, mostrei o dedo do meio para ele, que gargalhou, se jogando em minha cama.
É, talvez as coisas não estivessem tão ruins assim para mim, afinal.
Capítulo 13
— Vocês esperam muito de mim... — comentei, fazendo uma cara de culpada. — Obrigada, Pheli. — me vesti com o que ela trouxera, sentindo ele mais revestido do que os outros, já que o tecido parecia mais grosso e pesado.
Depois do meu encontro com Lucas, eu havia dado um tempo com as visitas ao meu bar preferido no vilarejo, afinal, sabia que estava sendo investigada. Não que eles desconfiassem que a herdeira da Coroa fosse a responsável por roubar o carro — carro roubado do governo, aliás — do Forte. Eu era uma incógnita para eles e permaneceria assim por mais um tempo. Ninguém acreditaria em mim sem provas mesmo. Charles — meu irmão e líder da guerra — achava que os Insurgentes não eram uma ameaça, mas eu sabia que eram.
Só precisava provar isso.
Achva engraçado o fato de eu ser a próxima rainha e não ter uma voz ali dentro; eu era boa para algumas coisas, ser um fantoche e uma bonequinha para o meu pai, por exemplo, mas não para governar e liderar. Eles nunca permitiriam isso. A não ser que eu mudasse meu temperamento e meus ideais, coisa que estava longe de acontecer e eu não estava disposta a ceder. Para a tristeza da minha Corte.
Minha relação com Jade não havia melhorado, me amaldiçoei por ter feito ela esquecer ao invés de simplesmente se lembrar de tudo, mas ficar calada sobre o ocorrido. Ao menos ela me respeitaria e se lembraria que eu podia ser vencível no Campo, mas era implacável no meu poder.
Já a minha relação com só melhorava, nós estávamos cada vez mais próximos. Às vezes eu queria ser uma pessoa normal, passar por todos os estágios normais da vida de uma mulher e não pular etapas importantes, como por exemplo, um encontro e depois um namoro, talvez. Uma garota normal passaria por esse estágio e teria suas próprias escolhas, eu já não tinha essa sorte. Minha vida sempre fora controlada e decidida desde o momento em que nasci. Por sorte, era uma pessoa fácil de lidar e eu agradecia por ele ser do jeito que era. Facilitava muitas coisas.
Charles não estava muito presente nas últimas semanas, ele vivia viajando para averiguar de perto os ataques constantes nas cidades ao redor do castelo. Esses não eram orquestrados pelos Insurgentes, nossos inimigos estavam nos atacando fortemente.
Treefield não retornava as tentativas de contato conosco, o que significava que eles haviam escolhido um lado: o dos rivais. Mais uma dor de cabeça para as três dinastias aliadas.
Quando por fim fiquei pronta, fui em direção ao Campo com a companhia agradável de Tom. Ele estava se envolvendo com uma das criadas de Lennox, pelo jeito havia superado o amor não correspondido da minha amiga. Estava feliz por vê-lo feliz. Ele me deixou no local depois de uns minutos entre piadas e risadas e foi embora.
Assim que pisei ali, senti a energia de cada pessoa presente, desde os mais fortes até os mais fracos, mas o que me chamou a atenção mesmo foi não ver e nem Jade presentes no local, apesar de sentir a presença do Feiticeiro ali. Estranho.
— Finalmente a futura rainha resolveu se juntar aos plebeus! — Candice apareceu atrás de mim, me fazendo sorrir com a presença dela e a abraçar logo em seguida. Ela estava no castelo para a cerimônia de noivado do meu irmão.
— Preciso me esforçar, nem só de feitiços se vive um Feiticeiro. — dei de ombros, olhando em volta e procurando alguém em específico.
— Ele está ajudando a princesa de Phylcon. — Cand cruzou os braços, observando os Elementares lutando. — Eu dei uma bela surra naquela Verde metida.
— O que você fez, Candice? — perguntei, me virando para ela e não escondendo um enorme sorriso junto com a minha surpresa.
— Fiquei sabendo que aquela vadia deu uma surra na minha melhor amiga! — a ruiva revirou os olhos e deu um sorriso malicioso. — Só eu posso fazer isso. Fiz com que ela entendesse o recado.
— Foi um bom recado... — ri, fazendo uma expressão de incomodada depois. — Por que foi ajudá-la? Os Curadores estão aqui pra isso.
— Ah, você sabe como o príncipe é cuidadoso e gentil... — ela deu de ombros, analisando cada linha de expressão do meu rosto. — Ela fez um showzinho, se jogou nos braços dele e ele saiu carregando-a.
Respirei fundo, não contendo uma careta de surpresa e raiva. Candice viu meus olhos mudando de cor por um milésimo de segundo e segurou meus braços, mas era em vão. não era burro, mas era homem — o que tecnicamente significava que não era tão inteligente assim — e poderia facilmente ser manipulado pela megera. Jade era ardilosa. Uma aliança com Charles era algo bom, mas uma aliança com o príncipe de Lennox era melhor ainda.
Estalei o dedo, tendo uma visão específica de um caminho iluminado para fora do Campo, aquilo daria até onde estivesse. Candice bufou, resmungando e indo atrás de mim. Conforme eu andava, só sabia sentir mais raiva. Ainda mais pelo fato do caminho iluminado dar para detrás da arquibancada. Ah, ... Você não perde por esperar.
Fiz um sinal para Cand parar atrás de mim quando comecei a ouvir algo.
— Ah, obrigada por me ajudar, ! — Jade dizia, e conforme eu chegava mais perto, podia vê-la sentada e ele agachado na frente dela.
— Não foi nada, mas acho que devemos voltar logo... Você deveria ter ido para a enfermaria ao invés de virmos pra cá. — se levantou, sorrindo sem mostrar os dentes.
— Não queria que me vissem gritar de dor. Aquela vadia Vermelha me deixou toda queimada, olhe só para as minhas roupas! — ela riu, apontando para sua roupa com vários furos estratégicos. ficou vermelho por alguns instantes. — Me ajude a levantar? — encarei Candice, que estava revirando os olhos para o teatro de Jade. a puxou delicadamente, a mesma ficou em pé, mas logo fingiu uma falsa tontura e se segurou nele para não cair. — Céus, me desculpe! Estou meio zonza ainda...
automaticamente colocou os dois braços ao redor da cintura dela para impedir que despencasse, enquanto ela passava a mão na testa como quem estava se sentindo mal. Fingida!
— Você precisa de ajuda médica, Jade! — franzia a sobrancelha. — Eu não sou muito bom em feitiços de Alívio momentâneo!
— Talvez eu vá precisar de uma ajudinha para chegar até algum curador... Você me carrega?
— Err... Eu posso te ajudar, calma... — pude ver o príncipe escorar Jade com os braços dela em seu ombro. A princesa estava claramente irritada. Não era disso que ela falava. Ou era muito lesado para não perceber o teatrinho dela ou ele estava se aproveitando também, mas só com a ideia dessa última ser possível meu estômago se embrulhou.
— , eu tô muito fraca... Aí! — disse, antes de despencar no chão, fazendo uma falsa cara de dor quando , onde estava escorada, caiu por cima com o rosto a milímetros de distância do dela.
Jade soltou uma mistura de gemido de dor e prazer, fazendo minha cabeça ficar quente de tanta raiva e minha palma da mão doer de tanta força que eu as fechava. O pior de tudo era ver que não se levantou rápido como era o esperado. Ficou deitado sobre a princesa com uma cara surpresa e assustada enquanto a mesma respirava profundamente de uma forma sexy. Cafajeste!
Aquilo foi demais pra mim.
— Por Deus... — Candice arregalou os olhos antes de passar por mim e andar na direção deles. — ... Você acredita? Ela saiu voando pelo Campo, acho que foi minha melhor performance, aquela garota parecia um churrasquinho queimado e... — seguia a minha amiga. Ela era boa na atuação, a cara de assustado de só aumentou ao me ver e Jade quase rosnou enquanto eu me segurava para não voar no pescoço dos dois. — Vejam só... A perdedora da vez!
— ... — caminhou até mim, mas ele sabia que eu estava ali fazia um tempo, afinal, a luz ainda piscava até ele e minha cara não era das melhores.
— O que vocês estão fazendo aqui? — perguntei com uma sobrancelha arqueada, visivelmente irritada com aquela situação. Mais ainda pelo meu ego. — Que merda está acontecendo aqui?
— Jade se feriu na batalha, eu só a ajudei. — o príncipe tentou se explicar. Jade ainda estava apoiada nele.
— Os Curadores estão aqui para isso — retruquei, vendo-o respirar fundo.
— Não entenda mal, só me ajudou e...
— Cala a boca! — sussurrei, fazendo uma careta e erguendo o dedo em sua direção. — Não seja baixa, Jade. Se quer trocar de noivo, é só marcar uma reunião com as Cortes, não precisa fazer tudo na surdina! E quanto a você... — apontei para o príncipe que estava coçando a cabeça. — Se quiser trocar a Coroa, fique à vontade.
— Você entendeu tudo errado! — segurou meu braço e logo se afastou rapidamente, chacoalhando as mãos dado ao feitiço queimante que fiz correr pelo meu corpo. — Droga, !
— Você é a próxima! — olhei para Jade, que já estava com os braços cruzados, sorrindo e dando de ombros. Candice não poupou as pequenas chamas e ameaçou jogar na princesa, que pela primeira vez se amedrontou.
Saí de lá, pronta para lutar contra qualquer pessoa. A minha raiva era tanta que eu nem conseguia controlar meus olhos.
Jade conseguiu me irritar de todas as maneiras possíveis e ela pagaria por isso. E da pior forma.
— Eu não sei o porquê ainda faço suas vontades, Anne. — Ophelia me encarava com as mãos nas têmporas, visivelmente nervosa. — Tire essa roupa, vista outro vestido! Tem um azul lindo que e...
— Pheli, as mulheres de Phylcon se vestem assim e até pior. — fiz uma cara de quem estava aprontando. — Hoje é o dia da princesa de Phylcon, isso aqui é uma... Homenagem.
— Isso é uma afronta contra a princesa maluca de Phylcon, ! — ela arregalou os olhos, inconformada.
— Pelo menos eu estou linda e maravilhosa. — sorri, me encarando no espelho.
Meu vestido era vermelho sangue, de cetim. Tinha um decote em V que ia até a minha cintura, onde começava a saia esvoaçante, com as alças finas que deixavam meus braços à mostra, além da visão que todos teriam das minhas costas. Esse vestido era diferente dos que eu tinha: era chamativo e decotado. A fenda na saia deixava minha perna esquerda à mostra até a metade da coxa.
Eu estava perfeita e pronta para causar todos os olhares pra mim naquela noite. Odiava os holofotes e, de fato, o noivado do meu irmão era o cenário perfeito para uma noite calma, mas Jade escolheu daquela forma, ela quis que fosse assim.
Coloquei o salto vermelho e a coroa mais bonita e chamativa que eu tinha, que combinava com a aliança escarlate que eu tinha nas mãos. Meu cabelo estava semi-preso, com uma trança que envolvia toda a minha cabeça. Escutei duas batidas na porta e logo agarrei um sobretudo preto que me cobriria inteira; não queria que ninguém visse minha roupa antes da hora.
Assim que a abri, vi que Tom me aguardava vestindo um traje diferente de seu traje do cotidiano; os guardas sempre os vestiam quando tinha algum evento importante. Fiz como sempre e dispensei Ophelia junto com os ajudantes dela.
Thomas fazia as piadas de sempre e me atualizava das fofocas do palácio, nada de novo acontecendo, a não ser pelo fato de Pheli estar sendo azarada por um guarda-chefe de Phylcon. Meu amigo não estava gostando nada daquilo, mas eu estava amando. Aquela mulher precisava de uma distração e felicidade, afinal, ela era uma senhora bonita e merecia o mundo. Claro que eu avaliaria o tal guarda de perto. Devia ter desconfiado dos sorrisinhos que ela dava do nada.
Tom me largou na recepção dos membros reais e foi se afastando para entrar por outra porta no salão. As três Cortes estavam presentes: Lennox estava em um canto, Phylcon em outro canto e Howslan no meio.
Fui até eles, vendo que meu irmão estava com minha mãe, ambos sorridentes e animados. Meu pai era o mais animado com aquele show todo. Fui recebida com um abraço apertado da rainha de Howslan e sorri ao ver como meu irmão estava lindo.
— Que roupa é essa? — ele sussurrou em meu ouvido.
— Estou com frio. — dei de ombros. Esperava que ele não ficasse com raiva de mim.
Olhei em volta e vi com sua mãe e seu pai: ele estava sorridente e rindo de algo que o pai dizia, parecia uma família perfeita. Sorri internamente com a cena. Já no lado de Jade, apenas via um bando de membros da corte com o rei de Phylcon; a rainha e a princesa ainda não estavam lá.
Se Jade se atrasava na maldita cerimônia de noivado, imagine no dia do casamento?!
Depois de quase quinze minutos de espera, a princesa apareceu, com um vestido vermelho colado ao corpo e exaltando suas curvas, que ia ficando mais escuro conforme chegava na barra do tecido. Jade estava muito mais alta que o normal, usava na cabeça uma coroa de ouro, como a de sua mãe. Os cabelos estavam amarrados em um coque perfeito. Claramente uma mulher linda com a beleza de se invejar.
Peguei a encarando da cabeça aos pés, assim como todo mundo ali no salão. Cachorro.
— Vamos seguir o cronograma! — Trinidis, o velho que eu tinha medo quando criança, falou — Phylcon entra primeiro... Lennox depois e, por último, Howslan.
— Vamos logo com isso. — meu pai sorriu, fazendo todos ali presentes aplaudirem.
A Corte de Phylcon se posicionou, por último ficou Jade junto de seus pais, apenas esperando o momento certo.
— Bela roupa, querida! — ela sorriu com deboche para mim, me fazendo segurar uma risadinha.
— Você está linda, Jade. — a princesa fez uma careta e se virou, me ignorando e dando atenção ao seu futuro noivo. Senti um perfume conhecido atrás de mim, me controlei para não lhe dar um soco e depois um beijo.
— Essa é a nova moda de Howslan? Sobretudo? — ele brincou, me fazendo arquear a sobrancelha e controlar uma careta. — Você está fazendo o bico de novo!
— Prefere a moda de Phylcon? — me arrependi logo depois de ter dito isso, já que o príncipe sorriu de canto.
— Você ficaria linda até usando um saco de batatas, ... — torci o nariz, controlando uma resposta malcriada.
— Sei... — cruzei os braços, não conseguindo controlar a risada. Eu era ridícula. Ataque de ciúmes à essa altura da minha vida? Bizarro. — Sua vez de entrar, alteza.
— Te espero lá embaixo para uma cerimônia mais chata que a nossa. — ele sorriu, sem entender o motivo da minha risada sem contexto algum.
— Pelo menos estaremos juntos... Com você olhando para o decote da princesa. — revirou os olhos, fazendo uma careta.
O príncipe ia responder, mas logo o hino de seu país começou a tocar avisando que era sua hora de descer. Respirei fundo, ficando no meio, entre minha mãe e Charles. Meu pai sequer olhou para mim durante o tempo em que esperamos para entrar.
Quando escutei nossas cornetas, entendi que estava na hora. Minhas mãos suavam de ansiedade.
Arranquei o sobretudo, jogando-o para Trinidis que ficou de queixo caído ao me ver com aquela roupa. Meu pai arregalou os olhos e minha mãe sorria olhando para frente, já que todos esperavam pela nossa entrada triunfal.
— O que é isso, ? — ela disse entredentes enquanto sorria.
— Que pouca vergonha é essa? — meu pai sussurrou, tentando não demonstrar raiva, afinal, já estávamos no primeiro degrau da escada.
Não respondi.
Olhei para frente e vi Jade tão vermelha quanto seu vestido e não conseguindo controlar sua fúria; não tirava os olhos de mim, assim como todo mundo; Charles não falou nada, o que me incomodou profundamente. Quando descemos todos os degraus, fiquei em meu lugar, ao lado de , que não parava de me encarar.
— Perdeu alguma coisa aqui, ? — falei depois de um tempo e umas trezentas fotos, sorrindo para as câmeras quando percebi que o príncipe ainda me lançava olhares embasbacados. — Achei que ia trocar sua aliança pela Drama queen!
— Não faça isso, ...
— ! — corrigi ainda com um sorriso no rosto. Se é para ser a vaca debochada que eu sempre fui, que seja sorrindo! E agindo perfeitamente na frente das câmeras.
— É sério que você vai ficar agindo dessa maneira sem deixar eu me explicar? Achei que fosse mais justa! — o príncipe estava surpreso, mas sorria ainda para as fotos.
— Você tem três segundos para falar! — o encarei, parecendo apaixonada pelo meu noivo. Aquelas imagens tinham que parecer reais
— Não foi...
— Um! — falei, o interrompendo.
— , presta aten...
— Dois!
— Você tá sendo muito imatura! — balançou a cabeça, desacreditado.
— Três! Até mais, alteza! — falei assim que o fotógrafo terminou as últimas fotos oficiais, saindo de perto de , ainda sorrindo, sentindo seus olhos queimando minhas costas.
Naquela recepção para as Cortes, havia um garçom oferecendo taças de vinho antes da grande entrada dos futuros noivos, então não poupei esforços antes de pegar uma e virar de uma vez só. Não suportaria passar por isso sóbria. Estava impaciente por ser o centro das atenções, mesmo que nada naquela noite fosse para mim. Maldita Coroa.
— Alteza? — o fotógrafo me chamou. — Gostaria de tirar uma foto sua com a princesa de Phylcon! — encarei Jade com uma careta mínima e ela fez o mesmo. Todos ali presentes encararam a gente, o que resultou em nós duas indo para o centro das fotos. — Belíssimas! — ele sorriu enquanto todos ali batiam palmas. Queria bufar.
— Tire o seu vestido da frente do meu. — ela falou entredentes, enquanto sorria para a câmera.
— Nada que eu fizer vai mudar a atenção para você. — respondi da mesma forma. A princesa bufou.
— Você me paga, !
— Agora, que venham os príncipes! — Charles e se aproximaram, sorridentes. Fiquei no meio dos dois, com meu irmão ao meu lado direito e ao lado esquerdo. Jade permanecia apenas ao lado de Charlie. — Ah, vocês são maravilhosos! É uma característica obrigatória ter beleza extrema para ser da realeza? — eu não vou negar que ri do nosso fotógrafo, ele era um dos melhores.
— O que mais você vai estragar hoje, ? — Charles sussurrou, enquanto sorria para a câmera. O encarei, surpresa pela frase repentina. — Não podia fazer suas provocações em outro momento? Tinha que ser hoje e dessa forma?
— Perdão... — comecei a falar, arqueando a sobrancelha. — A última vez que conversamos, você nem queria se casar, agora está brigando comigo por uma roupa?
— Você sabe que não se trata disso. — e encerrou a conversa daquele jeito.
Depois que o fotógrafo terminou as fotos, tentou falar comigo, já que ele havia escutado a conversa, afinal, um Feiticeiro tinha a audição muito mais elevada que qualquer Elementar ou Cinza, mas eu não fiquei para a conversa.
Observei todos no canto, escondida, um pouco ofendida pelo jeito que Charles me repreendeu, ainda mais por causa da princesa megera. Quando ouvi o hino de Phylcon tocando ao fundo e Jade entrando na igreja com sua Corte e família, foi a minha deixa de sair dali sem que ninguém percebesse, afinal, os olhos estavam todos para ela e eu agradeci por isso. Não suportaria ver meu irmão se amarrar a alguém como Jade, mesmo que pela segurança do nosso país e pela nossa vida. Era triste e eu tinha feito o possível para evitar aquilo, mas não foi o suficiente.
Não fiquei para a oficialização do Acordo de Howslan com Phylcon. Não fiquei para ver meu irmão jurando a mão para alguém que não ama e que nunca vai amá-lo. Não fiquei para ver a destruição da vida dele.
Capítulo 14
Ainda era inverno; as folhas do lado de fora balançavam bruscamente, mas eu não sentia o frio de Howslan. A parte interessante de ser uma Feiticeira era que eu controlava meu corpo — em partes, ignorando o fato de eu ser péssima com as minhas emoções e meus poderes quando a raiva se instalava em meu peito —, eu conseguia controlar se eu queria sentir frio ou não, tendo em vista que minha maior especialidade era controlar o elemento Fogo. Conseguia aquecer meu corpo em dias frios, mas essa noite era diferente: eu não estava nem tentando me proteger da brisa como alguns elementares tentavam, ou me aproximar de um dos Vermelhos para me aquecer sem muito esforço.
Meu casamento se aproximava, seria no primeiro dia da primavera. Deveria agradecer ao meu pai pela ironia, será que ele se lembrou que era minha estação preferida e quis me punir, tentando mostrar quem estava no poder? Nunca saberia. Com o cronograma real do casamento mais importante do século, pude descobrir que teria um final de semana de lua de mel no castelo de Lennox. Me animei com a possibilidade de sair de Howslan por uns dias — mesmo sabendo que não se tratava de lua de mel e sim de mais trabalho — mas a sensação sumiu quando descobri que o príncipe não era o que eu imaginava. Ao menos ficaria longe de Jade e do seu teatro de princesinha boa que conquistou o meu irmão. Logo ele ficaria contra mim, eu sentia isso, não sabia se era coisa de gêmeos ou coisa de Feiticeiros. Eu só sentia.
Enquanto todos iam para a Capela real para a oficialização do Acordo com Phylcon e o noivado do meu irmão com a princesa megera, eu fazia o caminho contrário, indo para a cozinha na intenção de roubar um pouco de comida e bebida. Não fazia questão alguma de ficar ali e, mesmo sabendo que minhas escolhas teriam consequências críticas mais tarde, não me importava. O que meu pai poderia fazer comigo? Me agredir de novo?
Nada me machucava mais do que ver Charles prestes a sofrer pelo resto da vida.
Quando cheguei na cozinha, lotada de cinzas vestidos com uma roupa elegante — nossos garçons —, já que serviriam a realeza que andavam de um lado para o outro, percebi que não estavam tão nervosos como eu achei que estariam. Deveria ser porque não tinha nenhum Elementar ou Feiticeiro para eles servirem e aquele momento seria uma pausa para a paz temporária. Uma criada baixinha me notou escorada no batente da porta, olhando para cada canto da enorme cozinha; cutucou um garçom, que cutucou outro e em menos de um minuto, todos me encaravam, assustados, e faziam uma reverência atrapalhada. Suspirei, levantando a minha taça vazia.
— Não se preocupem comigo! — sorri, culpada por ver que eu havia tirado a paz de todos ali. — Estou fugindo daqueles insuportáveis, teria um cantinho aqui em algum lugar para que eu possa beber sem as centenas de cobras?
Era engraçado ver eles se encarando, receosos, afinal, a herdeira da coroa havia enlouquecido. Um garçom sorriu, balançando a cabeça.
— Por aqui, alteza! — ele me guiou para um canto perto das taças de vinho e me serviu em seguida. — Se precisar de qualquer coisa, estaremos aqui.
— Creio que não vá ser preciso... — apontei para as taças ao meu lado. Eles deram uma risada, o que me fez sorrir.
Por mais difícil que fosse, eles conseguiram tirar a atenção de mim e me xinguei mentalmente por não ter ido para um lugar sem televisão. Os Cinzas esqueceram da minha existência completamente quando o hino de Howslan começou a tocar, dando início ao anúncio da oficialização ao vivo. Fiz uma careta ao ver Jade entrando na capela enfeitada exageradamente. entrou logo em seguida com seus pais. Minha família entrou, sorridente e fingindo uma alegria muito grande e, por um instante, acreditei que eles estariam melhor sem mim — ou eu sem eles. Fui criada para ser uma rainha, nunca soube qual era o lugar que eu queria estar, e foi naquela mesa, cercada por Cinzas, que eu percebi que eu era deslocada demais para ficar nessas duas realidades — tanto na Escória, quanto na Realeza.
Já estava na minha quinta taça de vinho, ocupada demais me preocupando com as rachaduras da parede e xingando pela milésima vez o meu pai, por não se preocupar nem com a estrutura da nossa cozinha e a segurança dos nossos funcionários. Aquilo poderia desabar algum dia. O Palácio Dourado não era o mais novo do nosso reino e tinha muitas falhas na sua estrutura. Com alguns movimentos dos dedos, discretamente eu fiz um feitiço de sustentação, revesti as rachaduras para que nada de ruim acontecesse até eu conseguir fazer meu pai reformar o castelo — o feitiço não duraria muito tempo.
Levei minha atenção para a televisão precária e vi a imagem focada no rosto de Charles.
— Eu juro, solenemente, a minha mão e a minha coroa para a princesa de Phylcon. — ele dizia. Não poderia negar o fato de que ele era um bom orador, sempre foi bom com as palavras. Os olhos lilases estavam presentes na cerimônia assim que ele encostou nas mãos da futura noiva. — Jade Loretta de LaMontagne, te prometo amor e proteção até o fim dos meus dias.
— Eu juro, solenemente, a minha mão e a minha coroa para o príncipe de Howslan. — Jade até forçou lágrimas em seus olhos, eu acreditaria nela se não a conhecesse. Os olhos verdes chamavam a atenção. — Charles Marshall , te prometo amor e proteção até o fim dos meus dias. — até cairia nisso se não tivesse pegado a princesa no pulo dando em cima do meu noivo mentiroso. Os dois se beijaram. Parecia um beijo apaixonado e eu quase considerei que havia mesmo amor ali.
Esse era o preço de ter ouvidos e olhos.
— Princesa , perdoe-me por te atrapalhar... Mas tem uma pessoa lá fora querendo muito que você saia! A senhorita está sendo convocada para a festa.
Uma criada fofinha apareceu ao meu lado depois que a cerimônia de Charles e Jade havia terminado. Ela não devia ter nem quinze anos e já estava ali, sendo escrava do sistema — eu também era, a nossa diferença é que eu tinha tudo (a parte engraçada era que eu não tinha nada ao mesmo tempo) enquanto ela não tinha nada desde que nasceu, talvez eu fosse egoísta por pensar assim. Levantei-me, já meio alterada pelo vinho que havia bebido mais do que deveria, e caminhei meio torta para fora da cozinha, com a Cinza atrás de mim.
Estava esperando , meu pai ou Charles, mas a figura ruiva me surpreendeu mais do que tudo. Candice não estava com a melhor das expressões e talvez aquilo sim deveria ser uma coisa ruim. Ela não costumava me repreender.
— Posso saber como você me achou? — questionei, cruzando os braços e me encostando na parede.
— Segui o cheiro horrível de álcool, é claro! — minha amiga bufou, tirando a taça da minha mão. — Odeio ter que agir como uma adulta responsável e você sabe que eu sou a primeira pessoa a incentivar uma bela bebedeira, mas hoje não é o dia!
— Meu irmão está noivo de uma vaca! — bufei, revirando os olhos. — Você não entende como é cruel vê-lo perdendo a vida dele, Cand.
— Você também está passando por isso, ! — ela segurou minhas mãos como uma mãe segura o filho para explicar algo óbvio.
— Meu destino sempre foi esse. Por mais que eu tenha me convencido de que nunca precisaria me casar! — falei, séria, vendo-a suspirando enquanto olhava para o chão. — Charles tinha uma escolha. Ele poderia ter uma vida da maneira dele.
— Eu sei, querida... — Candice me abraçou. Permiti o carinho por alguns segundos, mas logo me soltei e a encarei. — Mas causar polêmicas não vai mudar absolutamente nada! Vamos para a festa, vá parabenizar seu irmão e sua futura cunhada. Desfile com esse vestido maravilhoso por todo o salão e seja mais uma vez a capa das revistas!
— Preciso mesmo?
Grunhi, sentindo-a rir e grudar no meu braço, me arrastando na direção que dava ao Salão. Enquanto caminhávamos, ela tentava me distrair; até conseguiu por alguns minutos, as aventuras sexuais dela eram incríveis e eu simplesmente amava saber como Candice era despreocupada com o que pensariam dela. Minha amiga contava que na semana passada tinha se envolvido com um dos guardas Cinzas de Lennox e que ontem havia se relacionado com uma mulher de Phylcon, uma das damas de Jade.
Não era comum pessoas homoafetivas assumidas em Howslan, ainda havia muito preconceito e ainda era crime. Isso estava em uma das minhas prioridades quando assumisse a Coroa, mudaria tanta coisa que talvez até meu povo se rebelasse, mais ainda. A parte que me deixava mais tranquila era saber que Candice estava protegida enquanto estivesse sob meus olhos. Ninguém ousaria fazer algo contra, nem mesmo meu pai, que dependia da família dela, afinal, ela era uma Vermelha. Uma Fogo. A família dela era a mais poderosa do nosso reino — claro que havia outras —, com isso, nada aconteceria a ela.
E eu pretendia mudar os privilégios, não apenas para Elementares como Cand, não era justo. Todos deveriam ter isso, liberdade!
Chegando ao Salão, percebi que havia muitos convidados, mas não tantos como no dia do meu noivado. Fiquei triste por um segundo, afinal, para eles, Charles não era tão relevante quanto eu. O meu noivado valia mais do que o dele. Minha família estava em um canto, conversando com as pessoas que chegavam perto. Fui abordada por dois Elementares, que me fizeram mentir sobre minha saúde, já que eu havia sumido da cerimônia. Me aproximei de meus pais, que mal me encararam, a não ser pelo olhar reprovador de meu pai ou o vazio nos olhos de Charles.
— Que bom que você retornou, querida! — Debby falou ao me abraçar. Eu estava do lado esquerdo de meu pai, sendo ignorada por eles. A rainha de Lennox me abordou quando Conrad e se aproximaram.
— Estava passando mal, tive que me retirar. — dei a minha melhor cara de tristeza, torcendo para a feiticeira não notar minhas mentiras. — Ao menos consegui assistir pela televisão.
— E o que achou?
— Uma cerimônia muito bonita e emocionante. — falar aquelas palavras eram mais difíceis do que eu imaginava, consegui sentir até meu sorriso falso mais forçado.
— Sabe qual é a maior vantagem de um Feiticeiro mais velho, ? — Debby disse com toda sua elegância, se virando para a frente e encarando o povo que dançava e bebia. — É nossa capacidade de saber quando alguém mente. Ter facilidade para desvendar o caráter de alguém apenas com alguns diálogos.
A encarei, surpresa com suas palavras. Eu tinha uma teoria, nunca concretizada e ninguém nunca nem soube desses meus pensamentos, que se tratava de vantagens. Acreditava que todas as pessoas tinham uma; eu era boa com o Fogo mesmo sendo uma Feiticeira com capacidade para qualquer magia; Charles dominava a arte da guerra, sua inteligência ia muito além de um guarda filho do rei que liderava tropas; tinha a sua transparência — o que podia ser usado contra ele —, mas ele também era bom com a água. Meu pai, por outro lado, usava sua vantagem para o mal, era um manipulador.
Debby era uma leitora, ela sentia as pessoas.
— Eu sei que você usou magia proibida com a princesa de Phylcon. A senti na sala de reunião e aquilo ficou grudado em você por uns dias! — Debby prosseguiu, sussurrando. — Não precisa mentir ou assumir, não estou te condenando. — fiquei em silêncio, sem saber se devia ou não falar algo. Não senti necessidade de abrir a boca, então a rainha de Lennox deu continuidade ao seu discurso que eu não sabia onde daria, mas que queria descobrir. Fui criada para nunca acreditar em ninguém, minha sogra não seria diferente — mesmo uma parte de mim mandando eu confiar nela, a que prevalecia era a desconfiada. — Como rainha, eu deveria te denunciar ao seu pai. — a encarei, com a sobrancelha arqueada, bebericando um pouco da minha água. — Como mãe do seu noivo, eu também deveria te denunciar, afinal, meu filho seria manipulado por você também, se houvesse oportunidade! — dessa vez, a minha expressão neutra se desfez, dando espaço para uma careta inconformada. Minha voz ia sair para mostrar o quão ofendida eu estava.
— Nunca faria isso com . — consegui ver o canto dos lábios de Debby subindo minimamente, como ela sempre fazia comigo. — Eu fiz aquele feitiço umas duas vezes antes de fazer na meger... Digo, Jade.
— Sim, eu percebi. — ela deu de ombros, pegando mais uma taça de vinho. — Você é forte, mas o feitiço duraria apenas algumas semanas.
— Eu sei... — respondi, bufando. Não deixando de ignorar suas palavras. — Espere... Duraria? — a rainha me deu um sorriso sacana.
— Apenas fortifiquei o seu feitiço! Jade jamais se lembrará de seja lá o que for. — a encarei, surpresa, até me engasguei com a água. Logo a feiticeira se virou para mim e segurou minhas mãos; foi como receber um choque, a energia dela era muito grande e tinha muito poder sobre mim, mas era algo bom, não era como meu pai. — , o que eu quero dizer, de um jeito bem complicado, é que agora você é da minha família, cuidarei de você como uma filha! Isso incluí puxar sua orelha quando necessário. — os olhos azuis da rainha queimavam os meus, que estavam um pouco marejados e assustados com aquilo. Afeto sempre me assustou. — Feitiços proibidos tem uma razão para serem crimes. Eu te ajudei uma vez, mas não farei isso novamente. Jade pode ser uma verdadeira vadia, porém, isso não lhe dá o direito de manipular a mente dela.
— Não sei o que dizer... — comecei a falar, um pouco confusa. Debby sorriu, balançando a cabeça. — Sei que foi errado e te agradeço por ter me ajudado.
— Estou ao seu lado. Com licença, querida... — foi o que ela disse antes de se retirar para falar com o próprio filho, que parecia estar em uma saia justa com um lorde de Phylcon e outro de Lennox, ambos discutindo de forma exaltada, até mesmo .
Até me concentrei para escutar a conversa do lugar em que estava, mas fui interrompida por Jade, que segurava meu braço e me arrastava para um canto do salão, não tão afastado das pessoas. Suas mãos não tão delicadas ainda apertavam meus braços, não poupei uma bela queimadura nelas assim que esquentei meu corpo.
— Urgh! — ela grunhiu, balançando a mão queimada. — Você é uma vadia em todos os sentidos!
— O que deu em você? — resmunguei, passando a mão no meu braço. — O que quer? Fale logo, víbora das cavernas!
— O que você está fazendo? — ela quase gritou. — Não participou da cerimônia, então não deveria estar na festa! As pessoas vão achar que você tem algum problema com esse noivado e isso acaba com a credibilidade do nosso acordo!
— Não ligo pra você ou para esse noivado ridículo! — coloquei uma mão na cintura, levantando a outra para a garota à minha frente. — Estou aqui por Charles. Apenas por Charles! Infelizmente, esse showzinho ainda é importante pra ele, então é só por isso que ainda estou aqui olhando para a sua maldita cara!
— Maldita ligação de gêmeos. — Jade revirou os olhos. — Quando nos casarmos, a primeira coisa que vou fazer é tirar Charles de perto de vocês. — ri pelo nariz, me controlando para não voar no pescoço dela e na possibilidade de não ter meu irmão por perto.
— Passe por cima da rainha... Ou do rei. — cruzei os braços, não escondendo a minha cara de deboche. — Charles é o preferido dos dois e você sabe bem disso.
— Então é por isso que você é assim? — senti minhas bochechas queimarem de raiva. — Está explicado a razão da princesa de Howslan ser tão insuportável, é a falta de amor dos pais! A princesinha precisa de atenção! O carinho daquela Cinza velha não é o bastante? — abaixei a cabeça, fechando a mão e tentando não voar no pescoço dela. Não queria que ela visse meus olhos lilases de ódio. — O que aconteceria com você se algo acontecesse com aquela inútil? Meu tio deveria ter acertado a taça no rosto dela e...
Minha mão acertou em cheio o seu rosto.
A princesa ficou surpresa por alguns segundos, mas sorriu logo em seguida: o salão inteiro parou para nos olhar, todos surpresos com o meu ato. Ninguém esperava que eu fosse fazer aquilo, mas Jade esperava, ela queria isso. Me amaldiçoei por ter caído na armadilha dela. Charles logo apareceu ao lado de sua noiva, analisando primeiro se ela estava bem quando a mesma começou a chorar. Revirei os olhos, bufando, inconformada com a cena que ela estava fazendo.
— O que aconteceu aqui? — ele perguntou, bravo. Mordi a língua, não controlando meus braços se cruzando e meu pé direito batendo no chão, sinais claros de que eu estava prestes a explodir.
— Eu fui conversar com na maior paz possível, tentar fazer uma amizade, afinal, é importante pra você e para nossos reinos! Mas veja só, ela está bêbada e nem sequer apareceu na cerimônia! Sua irmã me bateu apenas por me preocupar com a gente! — abri a boca, inconformada com tamanha mentira.
— ELA ME PROVOCOU! — não controlei o grito. Jade chorava no peito de meu irmão, que me olhava ainda mais bravo. — Ela só faz isso desde que chegou aqui!
— Não é o que eu estou vendo agora, Anne. — meus olhos lilases quase fuzilaram meu irmão, que encarou meu vestido. — Você precisava se aparecer, não é? Precisava tirar a cena de mim para você ficar no topo, como sempre!
— Charles, você está ouvindo o que está dizendo? — perguntei, surpresa com as palavras dele. — Sabe que eu nunca quis nada disso! Sabe que eu odeio essas câmeras e...
— O que eu sei é que minha irmã está mostrando que me ver nos holofotes é algo ruim e faz de tudo para levá-los para ela! — respirei fundo, arrumando minha postura. Charles estava com raiva e eu sabia disso, não seria bom discutir com ele agora, mas eu não recuei. — Está agindo como uma invejosa, tanto comigo, quanto com Jade.
— Entenda uma coisa, você e você... — apontei para ele e sua noiva. — Não preciso fazer absolutamente nada para estar nos holofotes. — encarei Charles, sabia exatamente qual era o ponto fraco dele e sabia qual era o de Jade. Me arrependeria assim que terminasse de falar aquilo, mas era necessário. Nunca toleraria nada calada. — Sou a herdeira do trono, a primeira mulher governando, futuramente, uma nação. A próxima rainha de Howslan! — Jade fez uma careta, se perdendo no personagem. — Você, Charles, sabe melhor do que ninguém quem eu sou, você conhece o meu caráter.
Quem diz coisas absurdas, escuta coisas absurdas.
Não dei tempo para ele responder. De relance vi meu pai e minha mãe próximos de nós, mas ambos não interviram. Tudo pela audiência, talvez. Estava surpresa em como Charles agiu e me tratou, ele nunca fez isso antes. Sempre fomos unidos e agora ele estava se afastando. Parte de mim torcia para que fosse algo de momento, que ele tenha descontado em mim sua fúria por estar fazendo algo contra a sua vontade, algo que não estava em seus planos. O casamento e o acordo eram isso, mas, de qualquer maneira, nada dava o direito a ele de agir daquela forma, assim como eu não deveria ter dito aquelas palavras prepotentes. A minha hipocrisia gritava em alguns momentos: não queria ser rainha, mas usava isso para me sobressair em situações inoportunas.
Caminhava a passos largos para uma direção que nem sabia ainda, meus pés faziam o trajeto sozinhos, mas não demorou muito para eu perceber que estava indo ao celeiro real. Pegaria Lavander, já que não tinha pedido para Tom colocá-la no meu ponto específico de escape para o vilarejo. Precisava ficar fora do Palácio Dourado. Precisava ficar longe daquele circo.
Entrei no celeiro, que era bem melhor do que muitas casas, ao menos nossos animais recebiam todo conforto que precisavam. Estava tudo escuro e o cheiro que costumava ser tão desagradável não parecia naquela noite. Apenas a luz da lua iluminava aquele lugar. Eu sabia a ala da minha égua, mas não sabia onde ficavam os equipamentos dela, os equipamentos da realeza eram diferentes — não que eu fizesse muita questão. Iluminei o caminho para que conseguisse ver alguma coisa qualquer, só queria Lavander para poder me sentir livre.
Cheguei em uma sala fechada e resmunguei quando vi que estava trancada. Fiz um feitiço para que ela abrisse, mas antes que ele se completasse, senti uma mão me puxando para a parede. Meu corpo não só esquentou como também jogou a pessoa para longe de mim. Me assustei com o ato e com a raiva que eu estava, nem me importando se havia a machucado ou não. A pessoa havia batido na porta de um dos cavalos, fazendo o mesmo relinchar, assustado.
— Mas que merda, ! — gritei, irada, indo até ele. O mesmo se sentou no chão, um pouco grogue pelo baque. — Já falei para não fazer isso!
— Assim perde a emoção... — ele sorriu, passando a mão no rosto e depois resmungando quando eu bati em sua nuca. — Encontros emocionantes são inesquecíveis. Além do mais, achei que você precisasse de uma distração depois do que aconteceu.
— Até a hora que eu arrancar a sua cabeça! E eu não preciso de nada.
— Não seja mórbida! — fez uma careta, se levantando e me segurando, já que eu entrava na sala dos equipamentos e pegava todos os que eu iria usar em Lav. — Onde você pensa que vai?
— Ainda não somos casados e não lhe devo satisfações, aliás, que fique bem claro aqui. — o encarei antes de bater de propósito em seu ombro e ir em direção à minha égua. — Nem quando nos casarmos eu vou precisar te dar satisfações.
— Até quando você vai me tratar assim? — o príncipe me seguia. — Vai ao vilarejo?
— Sim.
— Vou junto! — respondeu, dando de ombros. O encarei, furiosa. — Não adianta fazer essa cara, não tenho medo! Fique com raiva, me trate mal, mas não vou deixá-la. — só então eu percebi o quão alterada eu estava: Lavander estava com os equipamentos de outro cavalo e eu havia a montado errado. — Você está bêbada e com raiva. Não vou te deixar sozinha.
— Veio aqui só para me irritar mais? Não quer ir defender a princesinha indefesa? Vá lá dar uma de herói e príncipe gentil! — falei, ouvindo-o bufar. tirou os equipamentos das minhas mãos e me segurou pelo ombro.
— Não quero ela. Você terá que entender que eu sou assim! Fui criado para ser gentil pela minha mãe e um guerreiro pelo meu pai, acredite em mim quando eu digo isso, , você vai preferir o meu lado gentil! — os olhos azuis dele pareceram ficar enigmáticos por uns segundos. Os olhos que sempre foram transparentes, agora me deixavam com receio. — E eu cumpro acordos. Vou me casar com você, vou proteger você e o seu país! Nada vai atrapalhar os meus planos.
— Então fique ao lado das minhas Coroas, posso te deixar de guarda delas. — resmunguei, tentando me soltar dos braços firmes dele. — Elas precisam de uma limpeza também, quem sabe até uma polida...
— Você é mais do que um Acordo para mim, . — meu coração parecia que ia sair pela boca. Seu olhar era profundo e eu achei que fosse perder o controle das minhas pernas, que já estavam fracas pela bebida tomada. — Posso falar isso quantas vezes for necessário, até você aceitar.
Naquele momento fui incapaz de fazer algo além de respirar ofegante e desconcertada, não desviando do olhar do príncipe. Eu odiava ficar tão perto assim porque eu sabia que era difícil me conter, e foi por isso que, desde a briga por causa de Jade, eu nunca mais tinha ficado tão próxima dele desse jeito. E ele sabia disso, fazia de propósito. Se aproveitava do meu momento de fraqueza.
Por fim, desviei meus olhos para o chão do celeiro, focando na poeira ou então nos poucos matos ali presente. Em tudo, menos em .
— Acho melhor voltarmos...
— Mas você não ia cavalgar? — questionou, me olhando, confuso, enquanto me encurralava entre o portão da cela de Lavender e ele.
— Mudei de ideia. — respondi rápido, dando de ombros.
— O que te fez mudar de ideia? — sussurrou, levantando meu rosto com os dedos em meu queixo para encará-lo novamente.
— Agora que não estou mais tão bêbada, a ideia me pareceu péssima. Preciso de mais uma dose de coragem! — era mentira, e ele sabia disso. Conseguia ver pelo sorrisinho de lado que deu. Ou teria sido pela minha frase de duplo sentido que eu só fui me tocar depois?
— A que eu conheço não precisa de álcool para ter coragem de fazer o que quer!
— Mas dessa forma eu não poderia culpar a bebida depois. — falávamos tão baixo que até eu mesma me esforçava para entender.
De fato, eu ainda estava alterada pelo álcool, mas a súbita excitação que bateu em mim de supetão fez com que meus pensamentos se clareassem e que viesse à tona todo o desejo que eu vinha acumulando desde que começamos com aquela brincadeira de nos beijarmos.
— Droga, ... — falei em um sussurro arrastado, torcendo para que ele adivinhasse o que se passava em minha mente. — Me distraia!
O que não demorou muito, já que no segundo seguinte seus lábios pressionavam os meus fracamente, como se tivesse medo da minha reação. E quando se afastou tão rápido quanto, não pude conter um bico emburrado, o qual arrancou outro sorrisinho divertido do príncipe que me analisava.
O puxei novamente para começar outro beijo, agora mais agitado e menos delicado, colocando ambas as mãos em sua nuca para forçar um contato mais profundo.
Se fosse para fazer algo que me arrependeria amanhã, que fosse bem feito então.
agarrou minha cintura com certa urgência enquanto me guiava às cegas até o final do corredor, onde a sala de equipamentos ficava, e assim que as minhas costas entraram em contato com a madeira da porta, a abri sem rodeios.
Estava tudo escuro novamente e a única certeza que eu tinha era a de que eu queria aquilo mais do que tudo.
Novamente fui encurralada entre a parede e o corpo alto e musculoso do príncipe, que tinha separado seus lábios dos meus para respirar e agora distribuía beijos e mordidas por toda a extensão de meu pescoço. Levantei uma de minhas pernas até entrelaça-lá em seu quadril e a forcei um pouco, o puxando para ter um contato mais direto, arrancando um gemido arrastado tanto de mim quanto dele.
Àquela altura do campeonato, eu nem ligava mais para promessas e muito menos para culturas antigas que nos impediram de tentar algo antes.
Inverti as posições, colando à parede, e fiz um esforço em seu ombro para sentá-lo no chão, me colocando sobre suas pernas no segundo seguinte para iniciar mais um beijo ofegante. Suas mãos agora apertavam e forçavam minha bunda para baixo, pressionando nossas intimidades mesmo que por sob as roupas. Meu vestido já estava erguido até a cintura — não que aquela fenda gigante fosse um empecilho antes — e eu soltei um gemido abafado quando o príncipe puxou e soltou o elástico da minha calcinha, a fazendo estalar contra minha pele delicada.
— Você tem certeza disso? — questionou, quando comecei a tirar a peça de roupa. — Digo, você quer isso aqui?
— Isso é a única coisa de que eu tenho plena certeza no momento! Não importa onde, contanto que seja com você! — o encarei, séria, enquanto seus lábios se repuxavam em um sorriso de felicidade.
Quando retirei completamente o vestido, senti uma corrente de ar gelada me acertar em cheio, me fazendo tremer um pouco, mas não recuar. não tirava seus olhos de mim, parecendo enfeitiçado. Meus mamilos já estavam um pouco duros de excitação e frio e foram neles que o príncipe passou a dar atenção depois de uns segundos.
Eu nunca havia feito aquilo na minha vida, logo não tinha experiência e creio que também não, mas nossas ações eram lideradas pelo tesão e nunca nos deixavam de mãos atadas.
Comecei a tirar a blusa social do príncipe e, só então, notei que ele não usava o blazer cheio de medalhas e com desenhos de Lennox que sempre costumava a usar nas festas reais. Quando se separou de mim para passar as mangas pelos braços, foi meu momento de encarar seu peitoral e barriga desnudos, passando a ponta dos meus dedos de cima à baixo e sentindo seus músculos ficarem rígidos. se levantou novamente, comigo ainda em seu colo, e, quando me colocou deitada no chão frio e duro, minhas costas se arquearam no mesmo momento pelo choque de temperatura. Cruzei as pernas em sua cintura, dificultando um pouco o trabalho de tirar sua calça e boxer, mas isso não o parou. Quando olhei para baixo, a fim de tentar ver algo na escuridão da sala, algo duro e meio molhado encostou brevemente na minha bunda, me fazendo arrepiar até o último fio de cabelo e soltar um gemido de ansiedade.
No momento em que ele me encarou nos olhos, eu soube que era a hora.
Respirando fundo e confirmando num acenar de cabeça enquanto mordia meu lábio inferior, senti se posicionar melhor e me penetrar devagar e delicadamente, invadindo meu corpo, minha mente e meus sentimentos ainda mais.
E, tudo o que me aborreceu naquele dia, se desfez no exato momento em que tornou a dor de principiante em prazer, me levando a ter mais certeza ainda sobre meus sentimentos do que antes:
Eu estava ferrada!
Capítulo 15
Por mais que eu fosse acostumado a lidar com as pessoas, não queria ficar ali tendo que tomar mais um copo de whiskey com aquele bando de homens fúteis; teria que me matar antes de meu próprio casamento. Minha maior vontade era ficar sozinho nas poucas horas que faltavam para o maior momento da minha vida, refletir sobre a importância e responsabilidade que estavam em minhas costas.
Não podia negar o meu nervosismo; era muita coisa em cima de mim e eu sentia que explodiria a qualquer instante. E a única coisa que me acalmaria àquela altura do dia seria minha noiva.
Ficava impressionado em como a princesa de Howslan era a razão do meu nervosismo, mas também a razão da minha calmaria. Não via a hora de ver aquele sorrisinho debochado e a revirada de olhos, típico dela e de sua personalidade única, e até mesmo aquele bico quando ela ficava brava — quase sempre.
Não é como se fosse sumir, afinal, nos veríamos, faríamos nossos votos e viveríamos nossa vida fadada à coroas. Me contentava com o fato de termos tido a sorte de gostarmos um do outro.
Malditas tradições.
Queria passar por cima de mais uma tradição e ir até ela, para ambos ficarmos calmos com a presença um do outro; sabia que ela precisava de mim tanto quanto eu precisava dela.
Ao menos não seguimos a regra. A noite no celeiro foi, de longe, a melhor da minha vida. e eu nos entregamos e não nos importamos com os antigos costumes impostos a nós desde antes de nascermos. Não nos importamos com nada além dos nossos sentimentos.
" — Se isso é errado, por que diabos eu me sinto tão bem? — perguntei, acariciando a pele desnuda da princesa de Howslan.
riu e levantou a cabeça, me dando um selinho demorado. Conseguia ver seu sorriso graças às pequenas chamas controladas que a feiticeira havia criado. O corpo dela estava quente, propositalmente, e desta vez não era para me queimar.
— Não me importo, apenas quero isso mais vezes! — sorri, trazendo-a para cima de mim. — E achei ótimo termos começado antes, assim podemos treinar várias vezes até o dia do casamento... — sorriu, maliciosa, me fazendo gargalhar.
— Não vou me importar de treinarmos! — ela apoiou a cabeça em meu peito. Parecia um delírio coletivo aquele momento. — Tudo é sempre melhor quando estamos juntos."
Sorri com a lembrança da nossa primeira vez. Não foi romântica nem nada do tipo, nada digno de uma princesa e um príncipe, contudo, fora nossa e da melhor forma possível: com sentimento.
Os dias que se passaram até o momento atual foram ainda mais incríveis. Todas as noites nos encontrávamos e ficávamos juntos; algumas eu saía do quarto dela, ou ela do meu, antes mesmo do sol nascer, e ninguém nem desconfiava de nada.
Escutei uma risada alta e exagerada e uma mão batendo nas minhas costas, me lembrando de que ainda estava onde não queria. Olhei para o lado e vi que meu futuro sogro estava mais feliz do que o normal.
O sorriso dele me dava arrepios.
— Uma mulher precisa de um homem ao lado para colocá-la nos eixos quando necessário! — Byron falava. Várias risadas acompanhavam seu comentário maldoso.
— Tem razão, Byron! — meu pai concordou, me fazendo encará-lo com uma expressão confusa. — Elas acham que tem alguma autonomia se não ficarmos no controle.
— Sua mulher não é uma Feiticeira? — perguntei, vendo-o corar discretamente.
Se algo incomodava mais o meu pai, era lembrá-lo de que sua posição era inferior à de minha mãe; uma mulher poderosa e bem resolvida. Sorte a dele de ter alguém como ela do lado, ela não se importava com o fato de não ter os holofotes na sua linhagem, mas seria horrível ter que contar a ela que seus esforços para massagear o ego daquele homem que ela chamava de marido eram em vão, já que, quando ele estava com aquele bando de oportunistas, usava todas as formas para diminui-la.
— Essas são as que mais precisam de controle! — Rei James falou, balançando a cabeça, rindo. — Veja só a sua noiva...
— Ah, com certeza vai ter muito trabalho! — Byron concordou, rindo. — Minha filha é uma mulher descontrolada. Necessita constantemente de brecagem, e conto com você para colocá-la na linha... Confesso até que percebi algumas melhoras!
— É engraçado a forma que você fala sobre a sua filha, majestade...— falei, dando um gole no meu vinho para ter a coragem de fazer aquilo. — Afinal, ela é do seu sangue e foi criada por você!
— Não tenho culpa do temperamento dela!
— Então não tente me usar para controlar ou mudá-la! — meu pai cutucou meu braço, vendo a leve mudança repentina dos meus olhos. — E já quero deixar bem claro aqui sobre uma coisa. — levantei a minha taça, olhando em volta para todos os homens presentes. — A princesa vai se tornar minha esposa daqui algumas horas e, assim que isso acontecer, quem não a respeitar irá sofrer as consequências! — parei meu olhar em cima de Charles, que fazia uma careta. Parecia um príncipe mimado. — Qualquer tipo de comentário com teor maldoso não será tolerado.
— E o que você vai fazer com todas as pessoas que odeiam minha querida irmã? — ele questionou, com deboche.
— O que você deveria fazer: defendê-la! — o sorriso dele se desfez. — Assim como ela faz quando se trata de você, Charles.
— Ela não precisa que ninguém a defenda... Você é um tolo por acreditar nisso!
— Se eu tivesse uma noiva como a sua, também não iria querer agir como um verdadeiro homem! — respondi, com o deboche estampado no rosto. — Ah, Charles... Se você tivesse tido a sorte que eu tive, não permitiria que nada acontecesse à sua futura mulher. Talvez um dia você entenda isso!
— Basta! — meu pai interrompeu a conversa. — Acredito que essas bebidas estejam subindo à cabeça de todos aqui. Peço desculpas! Daqui a pouco o grande casamento vai acontecer e não queremos que nada dê errado.
— Você está certo, meu amigo. — Byron concordou, me encarando. — , meu futuro filho, pode ir para seus aposentos se preparar para o casório. Minha filha merece o melhor.
— Obrigado, majestade! — sorri forçadamente e me preparei para a minha retirada, porém, antes de sair, parei ao lado de meu cunhado e sussurrei. — Tudo o que ela precisa é do irmão, mas você prefere agir como um imbecil invejoso e manipulado... Acorde, Charles! Ela é tudo que você tem, a única coisa real na sua vida.
Não olhei para trás enquanto cruzava a porta. Meus ombros pareceram mais leves assim que me retirei daquela sala e comecei a sentir a ansiedade me atingindo em cheio ao cair a ficha: eu iria me casar hoje!
— Coloque os malditos arranjos em cima das mesas! — minha mãe gritava com os Cinzas que corriam de um lado para o outro. Estava ao lado dela, com um roupão marsala, pantufas nos pés e o cabelo cheio de rolinhos para cachear minhas madeixas cinzas. Parecia uma maluca. A rainha se virou para mim, sorrindo. — Como você está se sentindo, querida?
— Ridícula. — dei de ombros, me sentando na primeira cadeira que estava ao meu lado.
— Tão engraçadinha... — ela riu sem humor algum. — Hoje é o grande dia!
— Não me diga! — sorri com o maior deboche, vendo-a revirar os olhos.
— Pode usar a ironia o quanto quiser, mas eu não vou deixar isso me abalar hoje! — ela segurou minhas mãos. — Minha bebê vai se casar! Céus, eu estou tão emocionada!
— Perdoe a minha falta de ânimo, ainda não consigo comemorar um casamento forçado!
— Deixe disso! Achei que já tivesse superado seu momentinho de princesa mimada. — ela deu de ombros. — Pensei que você e estivessem bem e que você gostasse dele.
— Eu gostar dele não muda o fato de não querer me casar! — balancei a cabeça e depois a encarei com as sobrancelhas erguidas, me tocando de um detalhe. — Você...
— Sim... — ela sorriu, rindo baixinho. — Não se preocupe, não contei ao seu pai!
— Eu odeio o seu poder! — grunhi, passando a mão no rosto, sentindo-o queimar. — O que você viu?
— Vocês dois no chão de algum lugar... Romântico, devo dizer. Vi apenas a imagem de vocês deitados. — quis bater minha cabeça na mesa até desmaiar. — Deixe disso, ao menos foi com seu futuro esposo! Como foi? Quero detalhes!
— Louise! — a repreendi, chocada com a normalidade que ela lidava com aquele assunto.
— O quê? Estou feliz por você estar feliz! — minha mãe se sentou ao meu lado, me abraçando. — Lembra do que eu falei nos primeiros dias de no castelo?
— Que é para o meu bem! — suspirei, recebendo um carinho na bochecha. Não era acostumada com afeto, então receber isso da minha mãe era estranho.
— Isso! é para o seu bem.
— Isso não muda o fato de não querer me casar! Quando é que você vai entender isso? — me levantei, visivelmente desconfortável com àquela situação. — Eu não preciso disso.
—...
— Eu sou autossuficiente para seguir uma vida sem uma aliança nas mãos! Não quero um casamento. Isso tudo é uma perda de tempo! não precisa de mim assim como eu não preciso dele para governar e nem para casar e...
— ! — minha mãe me interrompeu novamente, dessa vez apontando para o que tinha atrás de mim. Me virei e dei de cara com os olhos azuis do meu noivo me encarando. Ele estava com a sobrancelha arqueada. — , querido! Deveria estar com os cavalheiros... O que houve?
— Fui dispensado para me preparar para o casamento. — ele respondeu, limpando a garganta.
Queria me matar mais uma vez.
— Vou deixar vocês sozinhos por cinco minutos, acredito que precisam de um tempo antes do... Casamento. — minha mãe falou, um pouco envergonhada por mim. Respirei fundo, me sentando novamente na cadeira com as mãos na cabeça, sentindo os olhos de me queimando. — Vá para o Salão de beleza, , temos horário e tudo está cronometrado!
— Certo. — respondi, sentindo-a sair, e por um instante a quis ali por mais tempo, para me proteger dessa conversa constrangedora. respirou fundo, ficando ao meu lado. Ele ainda não estava com a roupa do casamento, mas continuava lindo do mesmo jeito.
— Hm... Eu não vou questionar nada sobre o que ouvi, até porque acredito que seja um assunto seu e de sua mãe, mas seria legal se você parasse de falar aos quatro cantos sobre o quanto está insatisfeita para com esse casamento. — senti de longe a amargura em sua voz. Observei que algumas pessoas nos encaravam discretamente, então me levantei e o puxei para a primeira sala vazia que achei.
— Você pegou a conversa em qual parte?
— Que eu sou para o seu bem. — o príncipe suspirou e cruzou os braços.
— , eu... É inevitável falar sobre isso. Todo mundo fica me falando sobre o quanto eu tenho que agradecer, sobre o quanto esse casamento é um triunfo para o país, sobre todas as coisas que podemos alcançar juntos, que eu sei que podemos, só para deixar claro... — o cortei antes mesmo que pudesse começar a falar. — Mas isso acaba me irritando, não foi uma escolha minha e nem sua, e por mais que a gente esteja se dando muito bem, ainda não seria uma escolha que eu faria se tivesse opção.
— Outch! — fez uma cara atingida com uma mão no peito enquanto me olhava. — Essa doeu mais do que as queimaduras que você me dá.
— Por um momento achei que ficaria chateado de verdade. — dei uma risada, revirando os olhos.
— , eu não tenho moral para ficar chateado por você ser você. Aliás, agradeço por ter sido tão sincera desde o início, eu só gostaria que você controlasse o que fala. As pessoas aqui comentam, e por mais que trabalhem para você e de fato esse casamento não fora nossa escolha, é chato pensar que talvez o povo ache que eu não seja suficiente para a princesa de Howslan porque ela vive reclamando... Entende? — ele tocou meus ombros, fazendo um singelo carinho. Se eu não o conhecesse bem, diria que estava receoso pela minha resposta. Coloquei as mãos na minha cabeça, arrancando a coroa que estava no ninho do meu cabelo e depois tirei a coroa de , que ficou confuso com aquilo. — , você está tentando me seduzir? — dei um riso nasalado, balançando a cabeça.
— Idiota! — revirei os olhos, segurando seu rosto. — Essas coroas são pesadas demais, em todos os sentidos possíveis, ... Quero que saiba que os meus sentimentos por você são... Bem... Como eu posso dizer...
— Muito fortes? Maiores que sua vontade de viver? Muito intensos?
— ! — dei uma gargalhada, dando um soquinho em seu braço. — Digamos que, são reais! A minha opinião sobre o casamento não mudou e acredito que não vá mudar tão cedo, mas o que sinto mudou, e acredito que isso seja o suficiente para não darmos bola para o que as outras pessoas acharão. Mas fique tranquilo, eu vou tentar fingir que gosto um pouquinho de você. Mas bem pouquinho, certo? — disse, o abraçando e apoiando meu queixo em seu peitoral para encará-lo.
— Só quero que saiba que eu não tenho a intenção de mudar você, . Eu sei muito bem com o que eu ‘tô lidando e até que gosto um pouquinho desse desafio. Está bem, não precisa me bater de novo...— ele disse, rindo, me impedindo de escapar do abraço para dar outro soco. — Por mais que, uma pequena parte de mim acredite no casamento e que vai dar tudo certo, a outra fica me lembrando o tempo todo que não foi uma escolha nossa. — respirou fundo, beijando minha testa. — Fico satisfeito com a sua honestidade sobre seus sentimentos. Saiba que a recíproca é verdadeira.
— Então está tudo bem? Porque eu ‘tô prestes a lançar uma azaração bem feia em todo mundo que vem me tirar a paciência, e a última coisa que eu preciso é de uma quase discussão com você. — perguntei, segurando um sorriso.
— Mais do que bem. — sorriu antes de colar seus lábios nos meus em um beijo calmo. — Acabamos de trocar nossos votos. — gargalhei, jogando meus braços em volta do seu pescoço. — Acho melhor você mudar algumas palavras.
— Posso pensar em algo pior... Quer dizer, melhor. — deu aquele sorriso que sempre me tirava o fôlego. — Preciso ir. Tenho um casamento para ir e, se meu noivo me ver desse jeito, pode ser que mude de ideia quanto a se casar comigo!
— Se seu noivo não quiser, eu quero... — sorri e coloquei a coroa dele de volta, arrumando a minha logo em seguida. Depois lhe dei mais um beijo antes de me afastar.
— Além do mais, talvez minha mãe possa estar visualizando nós dois pelados e no chão de algum lugar qualquer desse castelo... — arregalou os olhos e seu sorrisinho deu lugar a uma expressão confusa.
— O quê?
— Poderes de uma Vermelha Vidente, meu bem... Ela sabe de tudo!
— Céus... Não se espante se por um acaso o seu noivo não aparecer, talvez ele esteja fugindo da família maluca da futura esposa!
Quando Areik — nosso cabeleireiro e o melhor do país — por fim terminou de me arrumar, Ophelia apareceu, colocando o vestido em meu corpo.
Aquilo irritava vários estilistas Elementares renomados e famosos de Howslan, que fizeram várias propostas e nos procuraram para um acordo de vestidos de noiva para o dia mais esperado do século, mas ninguém era páreo para Ophelia. A única coisa que eu tive que me impor foi isso: tê-la no comando do meu vestido. Nunca me arrependeria dessa escolha.
Assim que ela colocou a volumosa peça em mim, vi seus olhos marejando. Pheli levou as mãos aos olhos, secando uma lágrima que insistia em cair enquanto eu balançava a cabeça, rindo da minha mãe postiça, logo a puxando para um abraço.
— Deixe de ser boba! — falei, soltando-a do abraço. Ela mexeu a cabeça, secando os olhos.
— Você está tão linda, ! Ver você assim é algo maravilhoso para mim. — sorri sem mostrar os dentes. — Tenho você como uma filha e esse momento é emocionante. Vou te dar um presente, não é nada de muito valor, mas é o que eu pude comprar...
— Pheli, por Deus! Não precisava! — olhei para as mãos dela que tinham um pequeno broche de águia, simples e com algumas pedrinhas. Pheli colocou em meu peito, em meio aos detalhes em azuis do meu vestido branco. — Eu amei.
— Te amo, Anne! Minha menininha! — a abracei novamente e logo depois ela me virou para o espelho. Não contive uma expressão de surpresa com o que via.
Areik prendeu meu cabelo em um coque alto e elegante; os fios cinzas e volumosos estavam presos de forma estratégica com algumas mechas da franja longa soltas. Minha maquiagem era leve, mas delicadamente bonita: o delineado preciso me deixava com um ar mais angelical, o batom vermelho era o toque final perfeito e minhas bochechas estavam um pouco rosas por conta do blush. Meu vestido era ainda mais incrível, Pheli não poupou esforços para deixá-lo a minha cara e nada convencional: um tomara que caia que começava com detalhes — notei que eram flores e pássaros, águias — em diferentes tonalidades de azuis, cobrindo alguns espaços em branco do tecido, indo até o final em alguns lugares específicos, o que deixava o vestido branco único.
Pheli pegou a minha coroa nova, feita especialmente para o meu casamento. Era de ouro rose e delicada, com várias pedras de diamantes em forma de flores pequenas em toda a sua estrutura. Areik colocou um véu que tinha vários detalhes com pedrinhas e ia até o chão.
— Não é pelo fato de você ser a futura rainha que eu digo isso, querida, mas você é a noiva mais bonita que eu já montei! — ri do meu cabeleireiro.
Não podia negar, eu nunca havia me sentido tão linda.
Era o pior dia da minha vida, mas eu só pensava em , que amenizava a minha dor. Me casaria com o príncipe e ele me faria feliz em uma vida forçada. Esse era o nosso destino.
— ! — escutei a voz de Debby ao fundo, ela estava com as mãos na boca, maravilhada com a cena que via. Ela usava um vestido marsala de mangas compridas; me impressionava vê-la ainda mais linda. — Achei que era impossível você ficar mais bonita, mas você conseguiu!
— Posso dizer o mesmo de você, Debby! — ela juntou as mãos e levou ao rosto, me admirando dos pés à cabeça, com os olhos cheios de lágrimas. — Céus, se mais alguém chorar, eu juro que saio correndo!
— , não seja tão insensível! — a rainha me repreendeu, fazendo com que eu risse da sua cara. — É o dia do seu casamento e você está perfeita!
— Vocês são melosas demais, chame um Curador, estou com diabete!
— Muito engraçadinha... — Debby fez careta, tirando da sua bolsinha duas caixas, uma pequena e uma média. — Esse presente é meu e o outro pediu que te entregasse.
— Debby! — a repreendi, olhando para ela que ainda estava com os olhos marejados, como Pheli estava há alguns minutos. Abri a caixa pequena, que era a dela, brincos. Uma pequena pedra jade da cor do seu vestido, delicada e simples, do jeito que eu gostava. Lhe abracei e imediatamente tirei os brincos chamativos e pesados que Areik havia colocado em mim e substituído pelos de Debby. — Sabe que não precisava, não sabe?
— Eu quis. — ela sorriu, me entregando a caixa de . Não pude evitar um sorriso ao ver que se tratava de um colar magnífico. Ele sabia exatamente do que eu gostava. — Ele quem escolheu os brincos e o colar. Confesso que ia te dar algo espalhafatoso...
— Eu amei. Obrigada! — Debby me ajudou a substituir o colar antigo pelo novo, me sentando na poltrona para facilitar. Meus olhos brilharam ao ver as pequenas pedrinhas de ouro branco contornando uma pedra ametista roxa. Da mesma cor de seus olhos quando acionava seu lado feiticeiro. Nada grande ou feio.
Eu havia ganho presente das três pessoas que eu mais gostava naquele castelo. Era cômico o fato de que algumas semanas atrás eu odiava meu noivo e toda a sua família, mas agora eu estava aqui: caída de amores por ele e amando ainda mais a sua mãe. Debby ficou comigo por mais alguns instantes, mas logo saiu, já que estava quase na hora. Escutei algumas batidas na porta e por um momento eu desejei que fosse Charles, mas era meu pai. Ele entrou no recinto e sorriu ao me olhar da cabeça aos pés. Até me abraçou, rápido e frio, como sempre.
— Você está linda, querida! — sorri sem mostrar os dentes. Era raro os momentos em que ele me elogiava.
— Obrigada.
— Preciso dizer o que você deve fazer hoje? — controlei uma revirada de olhos.
— Não preciso de ajuda para dizer "sim", senhor... — não consegui segurar o deboche.
— Muito bem! — ele riu, me assustando. — Sabe que se for necessário, eu induzo você a isso! Hoje não é dia para suas brincadeiras ou lapsos de princesa mimada.
— Se você veio aqui apenas para encher a minha paciência, pode se retirar e me deixar sozinha! — me levantei, sem muito saco para suas ameaças. — Não cansa de infernizar a minha vida? Estou fazendo o que você quer e mesmo assim ainda sou obrigada a aguentar sua voz horrenda? Me deixe em paz!
— Não fale assim com o papai. — o rei falou com sarcasmo, indo até mim e me dando um beijo na testa, me segurando pelos pulsos. — Faço isso para você não esquecer a quem serve.
— E tem como? — Byron sorriu, satisfeito. — Me dê paz no dia do meu maldito casamento.
— Claro, minha filha! Você tem alguns minutos sozinha antes do grande momento... Aproveite! — caminhou até a porta, sem antes se virar para mim e me dar o último recado. — Se isso não sair como o planejado, ... Você será responsável pelas mortes que acontecerão! E eu posso te garantir que vai começar por quem você mais ama... Sua criada, por exemplo.
— Não ouse... — comecei a dizer, caminhando rapidamente até ele, mas batendo com tudo em uma barreira invisível que ele criou. Medo do que eu poderia fazer, talvez.
— Evite isso! Faça o que tiver que fazer. Comece a ter atitudes de uma princesa, a herdeira do trono! — bufei, socando o maldito campo transparente com ódio. Meus olhos lilases o fuzilavam de longe, como se eu pudesse queimá-lo à distância. Até poderia, mas a barreira me impedia.
— Eu te odeio! — sussurrei, vendo-o gargalhar ao fundo e sair batendo a porta.
Minha ansiedade gritava.
Ao menos a paisagem era bonita: ventava mais do que o normal naquele dia de sol, mas o céu ainda assim estava lindo e o sol dava indícios de que iria partir em alguns instantes. O barulho da água da enorme ponte que tinha no meio do castelo era quase como música para os meus ouvidos, mesmo achando estranho a movimentação agitada dela. Devia ser obra de algum feiticeiro que estava manipulando-a para a ocasião.
Faltava alguns minutos para a minha entrada na igreja — e consequentemente no altar — e não conseguia respirar direito sem pensar nas ameaças do meu pai. Ele realmente era capaz de acabar com todos que eu amava simplesmente para me punir e eu não tinha como arriscar ninguém pelos meus luxos. Não podia arriscar ninguém para concretizar os meus sentimentos e a minha verdade. Doía.
Charles e eu não nos falamos muito desde o noivado dele e da nossa discussão; aquilo nos afastou de maneiras incontáveis e ele estava mais próximo de Jade. Ela manipulou meu irmão e o envenenou contra mim.
Eu seria levada até o altar por Byron e Charlie. Antes, meu pai era a razão do meu medo, raiva e desespero, enquanto Charles era o meu ponto de paz. Agora, Charles era a razão da minha decepção. Assim que o vi atrás de mim, com a expressão fechada e séria, meu coração pareceu se partir. Meu pai ria de algo que ele falava enquanto se aproximavam de mim, sua expressão também se fechou ao ficar ao meu lado.
Minha mãe havia tido o momento dela comigo logo depois que meu pai saiu do meu quarto, agora ela já estava dentro da Catedral de Cristal. Havia entrado com Conrad, já que entrou com a mãe e meu pai e meu irmão entrariam comigo.
"— Minha menininha! — minha mãe falou assim que entrou no quarto. — Ah, eu sonhei tanto com esse momento! — senti o abraço dela me envolvendo. — Te amo tanto!
— Também te amo. — falei, sincera. Independente das nossas diferenças, eu a amava de verdade.
— Me desculpe por não conseguir impedir esse casamento, minha filha! — Louise acariciou meu rosto. — Tudo que acontecer hoje é extremamente importante para o seu futuro e o futuro do país. — concordei com a cabeça. — Cada decisão que você tomar, vai decidir quem você se tornará.
— Eu sei.
— Não, ... Você não sabe. — ela sussurrou, me beijando na bochecha. — Mas vai entender no momento certo. — suspirei, não escondendo minha chateação pelo assunto. Já havíamos conversado sobre isso mais cedo. — Você é a mulher mais poderosa desse mundo, use esse poder ao seu favor. Lembre-se disso."
— Está na hora! — meus pensamentos foram interrompidos pelas palavras de meu pai ao meu lado esquerdo. A música no fundo era nossa deixa para a entrada.
Aceitei o braço de meu pai a contragosto, Charles nem me olhou nos olhos quando me ofereceu o dele. As portas da Catedral de Cristal se abriram; a igreja estava lotada e um coro de surpresa ao me verem foi cômico, todos estavam em pé, sorrindo. Aquela multidão não me deixava menos nervosa. Senti meu corpo esquentando e torci para que nenhum dos dois percebesse aquilo.
— Pare com isso! — Charles ralhou, enquanto sorria para o povo ao redor.
— Ah, finalmente abriu a boca. — ironizei, fazendo o mesmo que ele. Amaldiçoei a catedral por ser tão gigante.
— Não queria ter que fazer isso, mas você sempre tenta chamar a atenção de alguma forma...
— Vai continuar com isso? — questionei, brava.
— Quando você parar de agir assim, talvez eu pare. — suspirei, me concentrando para não cair ou queimar os dois com a minha raiva e nervosismo.
Senti que iria explodir; meus olhos queriam mudar de cor, mas me recusei a fraquejar na frente de todas àquelas pessoas e ergui a cabeça, meu olhar automaticamente encontrando o de . O príncipe sorriu, dando uma piscadinha. Sabia que ele havia escutado o diálogo com Charles, pude vislumbrar seus olhos um pouco lilases por conta do feitiço de audição melhorada e tentava fazer com que eu não surtasse.
Imediatamente tudo se acalmou. Ele era a minha âncora, minha calmaria...
Enquanto eu andava com os dois homens ao meu lado, deixei o poder das pessoas da catedral tomarem conta de meu corpo, fazendo meus pelos se arrepiarem com a sensação. Era bom sentir cada resquício de energia daquele lugar; dezenas de elementares e alguns feiticeiros (minha família e a de , no caso) deixavam o local bem carregado, mas uma habilidade em questão chamou minha atenção. Não, não era isso.
Não podia ser.
Meu radar deveria estar falhando por conta das muitas pessoas poderosas ao redor. Precisava me concentrar para não cair ou dar um deslize, meu pai me mataria se fosse necessário. Passei meus olhos por todo o salão, mas não achei nada de diferente, então continuei a caminhada até estar ao lado de meu noivo.
A tradição mandava o pai beijar a filha na testa, e é claro que Byron não faria nada diferente para sair da imagem de bom homem; Charles fez o mesmo e se dirigiu para o lado de sua noiva, que fazia careta desde o momento em que entrei. Senti as mãos de nas minhas costas e depois o véu sendo tirado de meu rosto. Suspirei aliviada ao sentir sua respiração perto de mim. Os olhos azuis dele me aliviavam.
— Boa noite, Howslaneses, boa noite, majestades e altezas! — o padre começou.
— Você está magnífica, ! — o príncipe apertou minha mão, que estava dada com a sua enquanto encarávamos o senhor à nossa frente.
— Você não fica muito para trás... — comentei, vendo-o sorrir.
— Hoje nos reunimos aqui no que provavelmente será o mais importante casamento da última década. Onde duas pessoas de famílias diferentes, países diferentes, reinos diferentes, irão se unir e se transformar em um só. — ele levantou um cálice de prata que continha vinho misturado com o sangue de nossos ancestrais. Nojento, eu sei, mas era tradição. — Anne , eu consagro esse cálice para que a vossa alteza possa ingerir, tornando assim o seu corpo sagrado e preparado para receber a benção dessa união com Royal , onde vocês dois se conectarão, permanecendo assim até o último dia de suas vidas. — levou o cálice até minha mão.
A cerimônia de casamento entre dois feiticeiros era algo incomum e um pouco intensa demais: nós beberíamos do vinho misturado ao sangue e faríamos um feitiço, que praticamente ligava minha alma à de , e permaneceríamos assim até o laço ser desfeito (o que, legalmente, era proibido, já que você não pode desfazer um casamento real) ou até que algum dos dois morresse. Pesado, mas era assim que funcionava.
Depois de repetir tudo o que me falou para o príncipe, o padre pediu que trouxessem nossas alianças reais e que fizéssemos nossos votos, para assim finalizar a cerimônia e começar a festa (o que de fato as pessoas queriam).
Mas, em um dado momento, minha ficha pareceu cair de verdade: eu estava me casando! Não tinha mais volta, eu não poderia fazer nada para tentar impedir isso, seria presa na coleira que meu pai sempre quis. Comecei a respirar mais pesado, tentando controlar meus olhos ou até mesmo minhas mãos trêmulas; tremendo de pavor, de medo, de ansiedade. Olhei para os lados, procurando a minha família, tentando achar conforto no olhar de minha mãe ou até mesmo em alguma careta de meu irmão, mas tudo o que achei foram os olhos frios e inexpressivos de Byron, me encarando sério como quem dizia "Se você pisar em falso, eu te faço sofrer coisas muito piores do que um casamento". Meus olhos se desfocaram de tudo, os poderes de todo mundo agora pareciam me sufocar; tentei respirar, mas o ar não chegava nunca. Até mesmo o singelo carinho que fazia em minha mão não era o suficiente para me trazer de volta à realidade. Nem sua voz me chamando, ficando cada vez mais distante.
E aí, o primeiro estrondo aconteceu.
Arregalei os olhos, me abaixando o suficiente para tentar me proteger de seja lá o que eu estivesse causando sem querer, me separando bruscamente do príncipe enquanto tampava as orelhas para abafar o som.
O único problema era que eu não havia feito nada. Meus olhos mal estavam lilases.
Outro estrondo foi ouvido, dessa vez mais alto, seguido de vários outros se misturando com os gritos de todos os presentes. Algo não estava certo e a culpa não era minha.
— ! — ouvi gritar ao longe, mesmo estando a poucos centímetros de distância, agachado na frente do padre que jazia estirado no chão com um buraco de bala no meio da testa, envolto por uma poça vermelha, escura e gosmenta. Sangue.
Meu ouvido zunia pela explosão tão perto. Pude vislumbrar algumas granadas de gás rolando no chão antes que tudo ao redor entrasse em uma neblina grossa e cinza e eu perdesse de vez todos de meu contato visual.
Tentei limpar meu campo de visão ao máximo enquanto me levantava para fazer algo, tentando sugar a neblina para dentro de mim com um feitiço de controle total; mas, ao invés disso, o vento só aumentava e a névoa só piorava, fazendo um barulho sinistro enquanto era controlado. Manipulado.
Alguém manipulava o ar.
Minha ficha caiu no mesmo momento: estávamos sendo atacados!
Me levantei num pulo, tentando abrir caminho com meu braço ao mesmo tempo em que gritava a todos pulmões para que alguém chegasse até mim, mas ninguém chegou. Quer dizer, chegou sim, mas não quem eu queria.
Quando meu braço foi agarrado fortemente e meu corpo puxado para trás, tentei fazer um feitiço queimante para afastar quem quer que fosse, mas nada veio, nem mesmo um resquício de poder. Minha magia havia sido ocultada.
Silenciada.
— Olá, docinho. Quanto tempo!
E tudo ficou escuro de repente.
Capítulo 16
Pelo pouco tempo em que estava acordada e pelo chacoalhar desse carro — que mais parecia um tanque de guerra —, diria que estávamos indo para o que eles chamavam de Forte. Eu sei que, pelo que pude ouvir de onde eu me encontrava, tinham outros veículos ao redor da gente, para prevenir que eu tentasse escapar. Sei também que, aquele Elementar de água, , estava dirigindo o que eu estava, porém, não conseguia vê-lo por conta da divisória que tinha entre a parte de trás e o motorista.
Aquele maldito havia me sequestrado; me lembro muito bem de sua voz sussurrando em meu ouvido enquanto enfiava uma seringa enorme no meu braço. Mal tive tempo de reagir, aquilo foi rude, foi grosseiro. Se eu tivesse tido uma chance, teria acabado com ele. Na verdade, me lembrem de dar uma surra naquele bastardo por isso quando tiver a oportunidade.
Mexi meus pulsos mais uma vez, incomodada com as algemas justas que provavelmente marcavam a minha pele, não sei. Não ousei desviar meus olhos para checar; era bem mais divertido encarar esses dois idiotas que tinham o medo estampado na cara. Não conseguia ver seus pescoços para descobrir quais eram suas habilidades por conta das roupas de exército, mas, mesmo sem a minha magia, conseguia sentir o pavor deles dali mesmo. Outra coisa que tiraram de mim: não sei se eram as algemas, o líquido que inseriram em mim ou até mesmo o carro forte, mas a mesma coisa que ocultou o meu poder na hora do ataque, ocultava agora. Conseguia senti-lo bem lá no fundo do meu ser, inalcançável, intocável, mas ainda ali, fazendo cócegas em meu interior.
Arqueei uma sobrancelha com um sorriso mínimo no rosto, fixando meu olhar nos olhos castanhos de um dos homens. Ele era pálido, seu cabelo tinha um corte militar e, pela sua estatura e pelo jeito que sentava, deveria ter uns 2 metros de altura; mas ainda assim conseguia sentir medo de uma mulher vários centímetros mais baixa, presa em correntes e com a magia silenciada.
— Dá para parar de me encarar? — disse, franzindo as sobrancelhas.
— Estou vendo se eu consigo te matar com um olhar! — cerrei os olhos mais ainda para dar um ar de concentração. Pude jurar que os globos oculares dele iriam sair para fora de tanto que ele os arregalou, se voltando para o outro homem.
— Ela pode fazer isso? — cochichou.
No mesmo momento, a janelinha da divisória fora aberta num ímpeto, me possibilitando de ver a parte da frente do veículo e até mesmo a rua pelo qual seguíamos, já escura com a chegada da noite.
— Claro que não, seu imbecil! — gritou, nem se dando o trabalho de se virar para trás. — Ela só está tentando assustar vocês. E pelo jeito está conseguindo! — e a fechou novamente, ao mesmo tempo em que o homem bufou, irritado, quando eu lhe dei o meu melhor sorriso de sarcasmo.
De duas, uma: ou o líder dos insurgentes tinha a audição aguçada igual a dos feiticeiros, ou ele tinha um microfone/câmera escondido na parte de trás do carro, porque seria impossível ele ter ouvido nossa conversa de longe e com a janela fechada.
Preferia acreditar na segunda opção.
Depois de um tempo e muitos chacoalhões do veículo, nós chegamos a seja lá onde estávamos. Gostava da ideia de termos ido ao Forte, já que, eu já havia estado lá e sabia o caminho de volta para casa. Deixei um fraco sorriso enfeitar meu rosto ao ver que eu estava certa!
A porta fora aberta por e eu fiquei tempo demais redirecionando meu olhar de ódio para ele, que pareceu nem ligar, puxando minhas correntes sem muita delicadeza.
— Vossa Alteza! — alguém falou detrás de mim assim que eu saí do veículo, escoltada pelos quatro guardas e pelo Elementar. — Deveria fazer uma reverência? Ficar de joelhos? Ou o fato de estar sem uma coroa inutiliza a sua nobreza?
— Ah, por que será que não estou surpresa de te ver... — ri, balançando a cabeça, vendo-a arquear uma sobrancelha. — Como é seu nome mesmo? — fiz uma falsa cara de dúvida. — Angelique, certo? Uma pena eu não ter podido te dar uma surra naquele dia também, você me pegou totalmente desprevenida.
— Como sabe meu nome? — perguntou a Elementar Branca, ficando levemente pálida com a ideia de eu saber muito mais do que aparentava, se aproximando de mim, um pouco ameaçadora.
— Ela também pode ler mentes? — o mesmo guarda de dois metros de altura perguntou baixinho ao outro.
— Claro que posso, quer testar algum segredo seu? — o homem engoliu em seco enquanto arrumava a sua postura diante ao olhar repreensivo da sua líder. — Aposto que deve ter algo que ninguém mais pode saber!
— Ela está testando vocês. — ordenou. — Fiquem quietos e não deem atenção, é tudo o que ela quer.
— Ela sabe meu nome,... Líder. — quase arregalou os olhos quando se deu conta de que chamaria o irmão pelo nome.
— É, , eu sei o nome dela. — falei, olhando com uma sobrancelha erguida para o homem alto à minha frente.
Fora a vez dele de parecer surpreso, coçando a barba malfeita enquanto eu lhe lançava minha melhor cara de desafio. Estava adorando brincar com a cabeça deles, ainda mais porque eles caíram fácil no meu joguinho.
— Alguém conhece algum feitiço para calar a boca? — Angelique perguntou, sem muita paciência para nada.
— Feitiço eu não sei, mas conheço algo chamado "Fita isolante" que cairia super bem agora. — o Elementar de água pegou forte pelo meu braço, me arrastando para dentro de uma porta. Não era a mesma porta que eu havia visto no dia em que roubei o carro, mas conseguia identificar o Forte mesmo assim.
— Grosso. — resmunguei, sentindo sua mão apertar mais forte a minha pele. Ficaria uma marca e eu bateria nele por isso. Na verdade, eu o agrediria por todas as coisas que já havia feito contra mim, era isso.
— ... e grande! — levei dois segundos para entender o que aquilo significava e, quando me dei conta do trocadilho, revirei os olhos, soltando uma risada nasalada contra a minha vontade.
Ridículo.
estava perfeita.
Não tiraria e nem colocaria nada, estava simplesmente magnífica — como sempre. Vê-la vindo em minha direção, com aquele vestido que parecia ter sido esculpido pelos deuses, foi com certeza a cena mais linda da minha vida. Já até me imaginava contando para os meus amigos sobre esse dia, dizendo como eu era um homem sortudo. Minhas mãos suavam de nervosismo e ansiedade, meus olhos acompanhavam cada passo que ela dava.
A expressão de mudou quando olhou para o irmão, fazendo eu me esforçar mais ao fazer um feitiço para escutar a conversa dos dois — era errado, mas não podia vacilar quando se tratava de Charles tendo pequenos surtos de filho invejoso à essa altura da vida adulta. O irmão da minha noiva era um dos poucos que conseguiria destruí-la; não com uma luta ou poderes, mas sim com as palavras.
— Pare com isso! — ele dizia, visivelmente irritado. não poupou o seu deboche:
— Ah, finalmente abriu a boca.
— Não queria ter que fazer isso, mas você sempre tenta chamar a atenção de alguma forma... — queria explodir Charles por ser tão duro com a irmã que daria a vida por ele.
— Vai continuar com isso? — ela esbravejou. Poucas pessoas notariam aquilo, eles quase nem demonstravam qualquer tipo de expressão durante a conversa.
— Quando você parar de agir assim, talvez eu pare. — não respondeu. Na realidade, ela manteve seu rosto erguido, pude até notar sua mão se fechando e seus olhos querendo mudar de tonalidade.
Torci para que ela me encarasse e visse que tudo ficaria bem. Charles pagaria pelas palavras que dissera, afinal, eu havia deixado bem claro que ninguém mais faria nada contra ela. Quis fazê-lo tropeçar e cair na frente de todos, mas me distraiu assim que me encarou; foi como se tudo ficasse calmo novamente. Meus ombros relaxaram, assim como ela. achava que eu era a sua âncora, mas ela que era a minha nos momentos difíceis. A princesa de Howslan impedia minhas atitudes estúpidas e evitava situações ruins. Sustentei seu olhar até finalmente estarmos juntos e o padre dar início à cerimônia.
— Você está magnífica, ! — apertei sua mão enquanto encarávamos o homem.
— Você não fica muito para trás...
Sorri com o elogio, mal sabia ela que era a pessoa que mais chamava a atenção aqui.
As taças de vinho e sangue dos nossos ancestrais foram levantadas para que o público visse. Fiquei receoso ao pegar na mão e encarei , que provavelmente pensava o mesmo que eu — aquilo era nojento —, ainda que fosse pior para ela, que nunca quis um casamento. Brindamos e levamos o líquido à boca.
Foi inevitável não soltar uma careta. O gosto do ferro no vinho doce era terrível, mas conseguiu controlar a expressão melhor do que eu, virando todo o conteúdo da taça de cristal em um gole só, ao contrário de mim, que precisei ser forte para não vomitar no lindo vestido dela — evitei também a minha humilhação pública, além de uma possível surra da minha noiva.
Prosseguimos a cerimônia. Um casamento normal já era demorado, mas um casamento de feiticeiros era ainda mais. Senti uma coisa estranha vindo de , uma vibração ruim como se ela estivesse prestes a surtar, nem mesmo minha mão na sua controlava os seus instintos. O feitiço que fiz para escutar a conversa da princesa com o irmão ainda estava ligado, se eu me concentrasse muito conseguia ouvir tudo de qualquer pessoa, inclusive o que estava além das portas da Catedral de Cristal.
— Todos a postos! — alguém falou, bem distante.
— Agora!
E um estrondo aconteceu.
Meu primeiro instinto foi agachar, cobrindo os ouvidos e, em questão de minutos, outro enorme estrondo se foi ouvido. Demorou pouco tempo para eu entender o que estava acontecendo, mas logo que entendi do que se tratava, um arrepio percorreu meu corpo inteiro.
— ! — gritei, mas não obtive resposta alguma.
Me levantei rápido, tentando enxergar alguma coisa e procurando por minha noiva. Os gritos à nossa volta atrapalhavam minha concentração e, mesmo que eu tentasse sugar toda a névoa para mim, era impossível ver qualquer pessoa a não ser o pobre padre baleado bem na testa. Tudo estava uma enorme bagunça, até mesmo a ventania dentro da Catedral de Cristal era bizarra. Estavam manipulando o maldito ar, tenho certeza. Respirar aquilo estava me deixando fraco, meus poderes sequer respondiam os meus comandos; logo a minha visão ficou turva e eu senti minhas costas batendo contra o chão da maldita igreja.
Meus olhos se fecharam e eu nem pude fazer nada.
Meus olhos começaram a abrir, minha visão estava embaçada e meu corpo meio mole, mas encontrei os olhos azuis de minha mãe acima de mim. Debby estava suja e tinha sangue em sua testa, aquilo fez com que eu acordasse imediatamente e me lembrasse do que aconteceu: fomos atacados.
Mesmo com tontura, me sentei e observei o local: estávamos em um lugar diferente, não era na igreja. O abrigo era diferente do que eu imaginava, talvez esse fosse o mais perto para nos esconder, mas claramente era um local onde os cinzas ficavam, pequeno e frio. A realeza de Phylcon, Lennox e Howslan contavam apenas com os membros da Coroa.
Meu pai tinha uma tala nos braços, o rei de Phylcon alguns cortes e muita poeira no rosto, sua esposa tinha metade do vestido rasgado e alguns cortes nas pernas; Jade estava com um criado tirando de seu braço cacos de vidro, a princesa não escondia sua dor naquele momento. Charles não parecia ter se machucado, diferente de sua mãe, que estava completamente suja e com alguns arranhões no rosto. Byron parecia estar paralisado, a sujeira em sua roupa branca era visível, suas mãos tremiam e estavam enfaixadas, resultado de cair no chão com os estilhaços de cristal.
— Ainda não acredito no que acabou de acontecer... Como eles conseguiram? — escutei Charles perguntando ao pai, que estava abraçado à sua esposa, que segurava as lágrimas.
— Bomba com gás de painite. — Byron respondeu. — Havia um elementar branco, você não sentiu? Ele espalhou painite pelo ar!
— Malditos! — Charles socou a parede, nem se abalando com a dor que sentira.
Olhei em volta, procurando por uma pessoa específica, e meu coração pareceu disparar ao não vê-la ali. Minha mãe notou na hora e me segurou pela mão, lançando um feitiço calmante que não me permitia nem andar.
— Acalme-se! — ela ordenou, me encarando nos olhos. — deve estar segura em outro abrigo. Na correria, ninguém se importou para onde deveria ir ou não, os guardas simplesmente nos jogaram aqui e nos trancaram!
— Não acredito que vocês a deixaram sozinha! — se eu pudesse gritar, teria feito isso naquele instante. Minha mãe fechou os olhos, entendendo meu sentimento. — Não acredito que eu a deixei sozinha.
— Quem fez isso foi tão inteligente que focou o painite nos feiticeiros, meu filho! — ela tentou me confortar. — Por isso que você desmaiou.
Me levantei assim que a porta do abrigo se abriu. Coloquei minha mãe atrás de mim, a protegeria se fosse alguém nos atacando — mesmo ela tendo o poder de explodir uma pessoa apenas com o estalar dos dedos. Byron fazia uma barreira invisível, protegendo todos do abrigo, mas logo desfez a mesma quando percebeu que era um dos seus guardas.
— Onde está a minha filha? — o rei perguntou.
O guarda respirou fundo antes de responder:
— Sinto muito, majestade... — Charles precisou se apoiar na parede para não cair. Minha mãe também me segurou para que eu não inundasse aquele lugar com a minha fúria. — Não encontramos a princesa em lugar algum. Ela foi levada!
— Isso não é possível! — Byron explodiu, chutando uma cadeira. Por um momento, achei que o seu surto era apenas um meio de demonstrar sua tristeza por perder a filha, mas logo notei que não. — Aquela... Aquela insolente! Ela não ousaria fazer isso para me provocar... — ele sussurrou para a esposa, que o segurava pelo braço, mas foi em vão, o homem saiu furioso do abrigo.
— QUERO TODOS OS GUARDAS, CAVALOS, JATOS E ARMAS À POSTOS! — falei, me soltando de minha mãe e indo até Byron, — FECHEM AS FRONTEIRAS IMEDIATAMENTE! NINGUÉM ENTRA EM LUGAR ALGUM SE NÃO PASSAR POR VISTORIA! ESTAMOS EM ALERTA LILÁS, NÃO É UM TREINAMENTO! COMECEM A PROCURAR POR ELA PELA FLORESTA E PELOS VILAREJOS PRÓXIMOS. — encarei meu pai, que estava assustado comigo. — Me tragam uma armadura! Quero o meu uniforme. Nós vamos achar onde quer que ela esteja e...
— ! — Louise me interrompeu.
— Quero tudo que eu puder para encontrar a princesa! — rosnei para Charles, que estava sentado no banco, imóvel. — FOI SEQUESTRADA E CORRE RISCOS A CADA SEGUNDO QUE A GENTE PERDE AQUI!
— , me escute! — Louise me segurava enquanto eu a arrastava pelos corredores atrás de mim. — Tinha de ser assim, , o destino está cumprindo o seu ciclo! As coisas estão acontecendo do jeito que tem que acontecer!
Um dia se passou desde que foi dada como desaparecida; não tínhamos nem um rastro do paradeiro dela e aquilo me assustava. Não ter notícias era desesperador e cruel, ao menos tinha esperança de que ela estivesse viva, afinal, a levaram por uma razão. Não éramos tolos, tinha vários inimigos — uns conquistados por ela mesma, ou os que ela ganhava apenas por nascer com a coroa na cabeça — e me perguntava qual deles teria tanto culhão para sequestrar a herdeira da coroa, a princesa feiticeira, a primeira mulher coroada à rainha sem precisar de um rei e dona de um império só dela.
Me levantei rapidamente, nem me importando em colocar uma roupa mais apropriada. Coloquei minha coroa na cabeça e corri para o local da reunião, afinal, poderia ser notícias de . Cheguei lá e me deparei com meus pais e os pais dela, ninguém mais. Eles não tinham uma expressão boa.
— Então? — perguntei. Byron tomou a palavra.
— Ainda não temos notícias da minha filha, sinto muito.
— Charles nem está procurando! — quase rosnei, vendo-o abaixar o olhar. Charles, que estava no canto da sala, tentou contestar, mas eu não permiti. — Eu deveria estar comandando as buscas por , não o irmão invejoso que não liga mais para ela! Isso tudo que aconteceu é bem apropriado para ele, agora é o próximo na linha do trono!
— Você não faz ideia do que está falando, . — o príncipe suspirou, passando as mãos no rosto. — Estou revirando Howslan para encontrá-la
— Viva ou morta? — quase soquei a mesa com tamanha mentira.
— Charles está devastado com o sumiço da irmã tanto quanto você, . — Louise interviu, me fazendo respirar fundo. Se algo tivesse acontecido com a filha, ela saberia.
— Espero que a sua consciência esteja te matando por ter sido um lixo. — cruzei os braços, me virando para o rei. — Fui chamado para o quê?
— Vamos ligar você à ! — minha mãe falou pela primeira vez, me fazendo encará-la confuso. — O vinho que vocês tomaram ontem, ele liga vocês se um feitiço antigo for feito. Byron e eu vamos fazer isso hoje!
— Não sabemos os efeitos colaterais de uma magia assim em dois feiticeiros, é algo novo para nós, mas vocês ficarão bem! — Louise sorriu sem mostrar os dentes. — Daqui uns dias talvez até conseguiremos saber onde ela está.
— Ela odiaria isso. — foi a única coisa que saiu da minha boca. — Ligação de pessoas é proibido por uma razão! — encarei minha mãe, que deu de ombros.
— Por sorte, nós fazemos as leis!
— precisa de ajuda e isso é o máximo que podemos fazer por ela! — Byron falou, me fazendo encará-lo. — Essa é a maneira mais rápida de chegarmos nela, .
— Tem como desfazer isso depois?
— Daremos um jeito, querido. Toda magia tem como ser desfeita, você sabe disso. — concordei com a minha mãe. Se essa era a única forma de ajudar , eu faria. Ela poderia ficar brava, mas estaria brava ao meu lado. — E não é algo ruim, afinal, vocês são noivos.
— Vamos logo com isso.
Byron e Debby me direcionaram para uma sala escondida no topo do castelo. Com um movimento rápido, fez com que o teto se abrisse, dando de cara com uma enorme lua cheia, me fazendo ficar maravilhado, mas logo fui puxado para a realidade. Uma mesa estava no meio do local e havia um pote vazio de ouro em cima; Byron deu uma faca para Louise e ela deixou algumas gotas de sangue caírem lá dentro, assim como Charles e meu pai. Tinha uma coroa de nas mãos da rainha de Howslan que ajudaria na ligação ao feitiço, já que a princesa não estava presente.
— Sente-se, . — minha mãe apontou para a cadeira na frente da mesinha e fiz o que ela mandou. Debby encarou Byron e esse pediu para que Charles, Louise e meu pai se afastassem e deixassem espaço para os dois feiticeiros. — Vai doer, querido.
— Comecem! — ordenei. Byron segurou minha mão esquerda enquanto a minha mão direita segurava a coroa de . Minha mãe ficou atrás de mim.
— Ngibiza bonke abathakathi bamadlozi kulesi senzo. — ela sussurrou. Era uma língua pouco conhecida e eu não sabia o que significavam várias palavras, mas entendia outras. Deduzi que ela estava convocando nossos feiticeiros ancestrais.
Byron colocou minha mão no pote de ouro e eu controlei um grito, estava fervendo. Para que eu não me movesse, minha mãe grudou as unhas na minha cabeça. Vi os olhos do rei em tom lilás. Eles prosseguiram falando juntos as palavras que eu não compreendia enquanto eu não conseguia controlar a dor, sentindo meu sangue escorrer pelo meu rosto e minha mãe não dando indícios de que iria parar tão cedo.
— Xhumanisa izimpilo zalezi zinsizwa ezimbili zibe yinto eyodwa. — Byron gritou, segurando minha mão naquele sangue fervente. Ele uniu minha vida à naquele instante, eu pude sentir aquilo.
Passou na minha mente absolutamente tudo o que aconteceu comigo e com ela desde quando nos conhecemos; senti todas as dores que ela já sentira na vida, as vezes em que ela surtou de raiva e até mesmo o ódio dela pelo próprio pai. Me senti sobrecarregado com tanta coisa, fazendo o maior esforço que eu podia para permanecer acordado. Eles continuavam dizendo palavras sem sentido enquanto eu me concentrava para não morrer.
— Está feito. — minha mãe falou depois de um tempo. As velas se apagaram sozinhas e a lua iluminava o local todo. — Vocês estão ligados!
Capítulo 17
Bufei, irritada, dando mais um soco forte na porta da cela.
Dois dias se passaram desde que cheguei nesse lugar; dois dias desde o meu sequestro e o meu quase casamento com . E dois dias que a única pessoa que eu vejo é o cinza que trouxe comida três vezes para mim; comida essa que eu não comi, obviamente. Não sabia o que colocavam nela e não sentia fome para ingerir qualquer tipo de coisa.
Me concentrei mais uma vez, tentando fazer algo, mesmo que fosse uma mísera magia — até mesmo mover um palito —, mas tudo o que conseguia era frustração. Essa cela estava lotada de painites coladas na parte de cima da parede, além das várias vezes que a entrada de ar no teto liberava uma névoa que fazia minha cabeça doer. Pó extraído da painite, provavelmente.
Não podia falar que estava numa cela de prisão igual as que tinham no castelo, no entanto: essa era bem mais limpa e bem mais confortável. Não era nenhum hotel de 5 estrelas, mas também não poderia se considerar uma cadeia. Havia uma cama no canto do cubículo que ao menos tinha um colchão fino, uma mesa pequena com uma cadeira onde tinham as três refeições intocadas, uma porta que dava a um minúsculo banheiro com uma privada e chuveiro e até mesmo um espelho. O local todo era fechado e a única forma de ver algo era pela janelinha que tinha na porta, mas que infelizmente só abria por fora. Uma ótima forma de ter um tempinho entre minha consciência e eu. Na realidade, eu já estava entediada.
— Tem como alguém falar alguma coisa? — bati mais uma vez na porta, gritando o mais alto que eu pude. Nem mesmo minha audição aguçada de feiticeira estava funcionando por conta dessa maldita cela antipoder. — , eu sei muito bem que você está aí! Urgh! — chutei uma última vez, me arrependendo no exato momento em que meus dedos descobertos, por conta da sandália aberta, bateram contra a madeira. Sim, eu ainda estava com a roupa de meu casamento, embora ela estivesse bem mais suja e até mesmo rasgada em algumas partes, já que eu me irritei com a saia longa do vestido. Ophelia me mataria se visse o que eu fiz com a sua obra de arte.
Respirei fundo, tentando me conectar com o meu "eu" interior e ver se conseguia meditar, fazer yoga ou o que diabos me ajudasse na concentração para sentir alguma coisa, nem que fosse uma única faísca. Bufei, irritada, novamente. Já tinha perdido as contas de quantas teorias eu criei para tentar entender o motivo de estar ali: para que me sequestrar e me largar aqui? Ao menos que estejam esperando o rei oferecer dinheiro em troca da princesa herdeira, coitados. Aposto que meu pai está feliz em ter se livrado do enorme peso que era a filha dele para apostar todas as suas fichas em Charles, como ele queria ter feito há dezenove anos. Até que ele não estaria errado, Charlie seria um rei bem melhor do que eu seria rainha, mas, de qualquer forma, não nasci para ficar presa em um cubículo e até mesmo ser morta quando não for mais valiosa para eles.
Maldito insurgente!
Ontem passei o dia todo com um incômodo enorme em cada pedaço de carne do meu corpo, me impossibilitando de tentar qualquer tipo de coisa que pudesse me ajudar a sair daqui. Não entendi bem o motivo, já que quando eu cheguei eu estava perfeitamente disposta e saudável, até mesmo tentada a gritar até um dos insurgentes se irritar comigo. vinha várias vezes em minha mente também, era eu fechar os olhos que vislumbrava o rosto do príncipe, mas assim que acordei hoje, já me sentia 100% melhor e pronta para matar um leão — uma pena eu estar impossibilitada de usar minha magia, aqueles malditos pagariam caro por me manter refém.
Comecei a olhar cada canto daquele lugar, vendo se algo me seria útil de alguma maneira para pelo menos chamar a atenção de alguém ou tentar fugir, quem sabe, mas não tinha nada. Nem um mísero clipe de papel. Até mesmo os pratos e talheres das refeições eram de plástico; a faca mal tinha uma ponta.
Mas tinha serras!
Encarei as três refeições intocadas na mesa e pensei: por que não?
Se eu fosse importante, eles viriam me curar; se não, me deixariam morrer — o que me parecia uma ideia melhor do que ficar presa minha vida toda. Ainda não estava com paciência para entrar em um conto de fadas onde deixavam uma princesa presa até a morte ou até um príncipe encantado ir resgatá-la. De qualquer jeito, se eu me matasse, eles não teriam com o que barganhar para com a realeza.
Olhei em direção à câmera que me vigiava o tempo todo desde que cheguei e fiz minha maior cara de tédio possível, caminhando lentamente até a mesinha para mexer na comida como se fosse comer. Eu estava faminta, meu estômago roncando era uma ótima prova disso, mas preferia morrer a ter que ingerir aquela coisa que chamavam de comida.
A câmera ficava no canto superior contrário à porta, a mesa ficava do outro lado, ou seja, eles estavam vendo apenas as minhas costas e nem imaginavam o que eu estava prestes a fazer.
— ... — cantarolei alto. Tinha certeza que, nesses dois dias, ficaram 24 horas de olho em mim e qualquer movimento incomum que eu fizesse era levado até , o líder deles. — Já que você não quer vir até aqui me dar explicações por bem, virá por mal... — respirei fundo e me virei rapidamente, olhando bem para a câmera que pareceu focar exatamente em mim quando levei a faca até o meu pescoço. — Eu quero falar com o Líder de vocês, AGORA!
Por um momento, me senti uma idiota falando com uma câmera, mas eu sabia que podiam me ouvir e até mesmo me responder. Tenho plena certeza que essa câmera fora roubada do palácio Dourado, tínhamos algumas idênticas. Depois de um tempo em silêncio, ouvi um chiado como se alguma coisa estivesse sendo ligada.
— Vossa Alteza real precisa largar essa faca. — uma voz que eu não conhecia saiu do eletrônico. Bufei, irritada. Covardes.
— Eu quero falar com o , e se eu não tiver sucesso, vocês terão uma princesa sangrando aqui. — sorri, com o sarcasmo escorrendo no canto da minha boca. — Isso vale também para àqueles que tentarem vir tirar a faca de mim. — já adiantei, prevendo que nesse mesmo instante deveria ter uns dez guardas aguardando sinal para entrar.
— Vossa alteza real precisa largar essa faca! — o insurgente desconhecido repetiu, me fazendo revirar os olhos e criar coragem para o que eu tinha em mente. O homem que falava comigo insistia em me chamar de alteza, mesmo depois de tudo e comigo parecendo ser tudo, menos alguém da realeza. Forcei o objeto com várias serrinhas cortantes contra a minha veia jugular, prendendo a respiração quando minha pele começou a ser cortada e as primeiras gotas de sangue escorreram para o meu busto. — Vossa alteza real precisa largar essa fa... – ele gritava.
— ! — parei com o corte assim que ouvi a voz que eu queria, dando um sorrisinho de lado.
— Você demorou, líder! — falei com dificuldade, ainda segurando a faca contra o pescoço.
— Larga isso, você vai acabar se machucando feio antes de se matar e nós não vamos te curar! — disse, tranquilo, como se não estivesse lidando com uma notória quase suicida.
— A ideia de me machucar feio até que me pareceu boa, quem sabe eu não pegue uma infecção bacteriana e morra! — dei de ombros, encarando a câmera.
— Você não seria capaz disso... Só está tentando chamar nossa atenção!
— Por que as pessoas continuam falando que eu não sou capaz das coisas, mesmo depois de tudo que eu já fiz? — falei, revirando os olhos. — Céus!
E, no momento seguinte, com um sorriso irônico estampado no rosto, eu passei a faca de uma vez só na veia, começando a engasgar e sufocar enquanto via sangue se espalhar para todos os lados. Senti meu corpo ficando fraco e minha visão ficando turva, o baque dos meus joelhos batendo no chão duro fazia aquilo parecer ainda mais melodramático do que já era. Tentei ao máximo permanecer acordada, mas comecei a me afogar com meu próprio sangue e a última coisa que eu me lembro era de ter ouvido o elementar xingando alto e falando para os guardas abrirem a cela.
É, parece que agora eu finalmente tinha a atenção dele.
Acordei num pulo, completamente assustada, quando um jato de água veio diretamente na minha cara; molhando meu cabelo todinho e a roupa que eu vestia, que notei não ser mais a do casamento. Agora eu vestia uma camiseta preta desbotada e velha, muito maior do que eu. Demorei uns minutos para colocar a cabeça no lugar, tentando me lembrar do que tinha acontecido. Eu morri? Eu estava no inferno?
Automaticamente levei minha mão até meu o pescoço, ou melhor, eu tentei; ambos meus braços e pernas estavam presos em uma cadeira desconfortável de concreto por correntes ou algemas, não consegui distinguir. Eu estava um caco, no sentido mais literal possível.
Olhei ao redor, me dando conta de que não estava mais no quarto em que passei os últimos dois dias, mas sim em um calabouço completamente vazio, contendo apenas minha cadeira. As paredes, o chão, o teto, eram todos feitos de pedra cinza escura e, parado à minha frente, agachado e me encarando, pude finalmente notar a pessoa que jogou água em mim. Ou melhor, que invocou a água até mim.
Tentei avançar com força e raiva, na esperança de que o metal cedesse e eu pudesse acertá-lo, o assustando um pouco pelo movimento repentino. Se pudesse, teria enchido aquela cara bonita dele de soco igual na base vermelha. Mesmo fraca, eu sentia-me pronta para acabar com esses insurgentes malditos.
— Devagar aí, princesa! — a voz dele nunca me irritou tanto. — Não queria falar comigo? Então... Aqui estou eu, sou todo ouvidos. — deu um sorrisinho de lado no mesmo momento em que porta fora aberta bruscamente, revelando Angelique.
— Ah, a donzela resolveu acordar! — cruzou os braços, ficando ao lado do irmão que ainda apoiava as mãos nos joelhos para conseguir ficar da mesma altura que eu. — Achei que fosse dar uma de bela adormecida e acordar apenas com um beijo de amor verdadeiro.
Tenho certeza que se não fosse as várias formas de incapacitar os meus poderes, meus olhos já estariam brilhando lilases e eu estaria dando o tratamento que aquela vadia merecia. Porém, me lembrei que, além de uma ótima feiticeira, eu também era ótima em tirar as pessoas do sério apenas com algumas palavras — Byron que o diga —, então pretendia usá-las de todas as maneiras possíveis.
— Olá, Angelique... Ou prefere que eu te chame de Angel? — meu sorrisinho de canto apenas irritava ainda mais a insurgente que me odiava. — Infelizmente não estou muito a par dos codinomes de vocês, vão ter que me dar umas aulinhas.
— Não sei se já percebeu, mas você não está na posição de fazer piadinhas e, meu amor, você está horrível. — ela tocou no meu cabelo, tirando algum tipo de sujeira dos fios enquanto eu rosnava em sua direção. Certo, eu havia chegado ao ponto de rosnar como um animal, eu sei que era ridículo isso, mas eu fazia sem a intenção. — Parece que alguém aqui tem raiva!
— Quer sentir na pele?
— Angelique... — cortou a irmã, me encarando nos olhos enquanto eu sustentava seu olhar. Se ele achava que eu iria me intimidar por tão pouco, estava muito enganado. — Certo, acredito que você tenha várias dúvidas e perguntas e, se você colaborar com a gente, prometo responder algumas delas. Certo? — arqueei uma sobrancelha, achando graça no jeito que ele falava comigo. Parecia que eu era uma criança. — Primeiro de tudo, queremos que você comece falando uma coisa: como sabe nossos nomes?
— Hmm... — fiz uma cara pensativa, redirecionando meu olhar à mulher alta e ruiva que estava atenta ao nosso diálogo. A medi de cima à baixo, parando uns segundos a mais no cinto em que ela usava e que tinha umas chaves presas, inclusive de carros. Carros! — Vejo que vocês acharam o carro... — apontei, mesmo com a mão presa, para o chaveiro que ainda tinha o logo da realeza. Tanto Angelique quanto seguiram meu olhar, ficando surpresos quando se tocaram sobre o que eu falava. — Deu um trabalhão roubar aquilo e depois ainda tive que capotar ele para vocês terem dor de cabeça, mas creio que a determinação da sua raça é maior do que eu esperava.
— Foi você! — não foi uma pergunta.
Angelique parecia que tinha fogo no lugar dos olhos, e seu cabelo, que já era num tom bem forte de vermelho, pareceu brilhar mais ainda junto com a sua raiva.
— Como? — soltou num sussurro, ainda surpreso com a ideia de eu ter roubado o carro deles.
— Vocês precisam trabalhar mais a segurança do... Como é o nome mesmo? Forte? — dei um sorriso debochado, encarando o homem fundo nos olhos.
— A gente vai te matar! — a ruiva disse, balançando a cabeça de um lado para o outro, ainda me encarando com ódio no olhar.
— Não vamos! — o irmão a cortou, fazendo-a arregalar os olhos por estar inconformada — Ela pode vir a ser útil para nós em algum momento.
— Ela sabe demais, ...— nem poupavam mais o esforço de não chamarem um ao outro pelo nome ou apelido, eu já sabia de tudo mesmo. Ou ao menos era o que achavam.
— E quem te garante que eu seja a única? — arqueei uma sobrancelha, chamando novamente a atenção dos dois. — Não passou pela sua cabeça que talvez eu tenha contado ao, sei lá, meu noivo, príncipe de Lennox; ou ao meu pai, rei de Howslan; ou at..
— Não, querida. Você não contou! — ela deu um sorriso sacana que quase me fez questionar o que eu falava. — Se tivesse contado, já teriam vindo te buscar. Ainda mais que... Quantos dias fazem que você está aqui mesmo? Quatro, não é? — quatro?
Por um momento, senti meu sorriso quase vacilar, mas não poderia dar esse gostinho para eles, manteria meu papel de cabeça erguida. Teria eu ficado em coma por dois dias? Impossível!
— Quatro dias? — perguntei, não perdendo a pose e contorcendo os lábios, fingindo não ligar para a informação
— É, parece que nossos curadores tiveram um pouquinho de trabalho para curar sua jugular. E mesmo depois de feito, você parecia não querer acordar. — Angelique disse, encarando as unhas e fingindo desinteresse. — Ainda acredito na ideia da bela adormecida... Princesas são tão ridículas!
Franzi o cenho, achando estranho o fato de ter ficado dois dias em coma. Acho que o poder do Painite sobre mim estava fazendo mais do que ocultar a minha magia.
— Isso é algo novo para você, não é? — tombei minha cabeça para o lado, em direção ao homem que me sequestrou. — Por que ficou tão surpresa assim, docinho? — concluiu, me examinando enquanto eu levantava novamente os ombros e voltava para a pose de antes.
— Surpresa? Que nada, não me surpreendo fácil assim. — respondi, dando outro sorriso sarcástico. — Aliás, por falar em surpresa, como anda o seu amigo, aquele cinza... Lucas o nome, né? — os dois se encararam rapidamente e arrumaram a postura. — Como ele está depois do feitiço do esquecimento? Ouvi falar que esse feitiço causava perda de memória a longo prazo! Confesso que ele me foi muito útil na floresta.
— O que disse? — a elementar de ar pareceu explodir de repente com a menor menção do menino que me soltou várias informações. , que ainda estava agachado, se levantou rapidamente, coçando a barba mal-feita.
— Do que você está falando, ? — ele questionou, calmamente, com muita ironia na voz, mas era perceptível o seu desconforto com a informação que eu havia lhe passado.
— Eu adoro o jeito que você fala meu nome, soa tão... Sexy.
— Me responde! — o rapaz falou entredentes. — Do que você está falando?
— E sua mãe, ? — juntei as sobrancelhas, fingindo preocupação. — As gorjetas a mais que dei a ela foram de grande ajuda? Ela é uma mulher tão boa, não entendo como pode ter filhos tão imundos como vocês! Talvez eu devesse falar para ela algu...
Parei de falar assim que fui pega totalmente desprevenida com um tapa na cara, daqueles tão forte que seu rosto vira automaticamente, e tenho certeza que estava mais vermelho que um pimentão. Abri a boca, inconformada demais e desejando os meus poderes de volta mais do nunca para colocar aquela elementar no devido lugar dela.
— Eu vou matar você! — a ruiva rosnou dessa vez, seus olhos estavam levemente brancos, a sua cor e a do seu elemento.
— É bom que faça isso mesmo. — me virei devagar para ela. Meus olhos podiam não estar lilases e eu poderia esta inválida nos meus poderes, mas eu ainda era uma feiticeira, sentia que agora eles estavam completamente escuros com a minha pupila dilatada. — Porque se eu sair dessa cadeira, quem vai morrer é você! — Angelique era uma boa atriz, assim como o seu irmão, a diferença dos dois era apenas uma: sabia que eu não estava mentindo.
— Angelique, já chega! — a encarou, um olhar de irmãos que eu entendia bem. Angelique ia contrariá-lo, mas o homem arrumou a postura e falou: — É uma ordem e aqui sou o seu superior, não o seu irmão. — a garota engoliu em seco antes de se virar para mim, que tinha um sorriso de vitória por finalmente me livrar daquela víbora.
— Ainda não acabamos, . — quase ri com aquela frase. Pensei que a única coisa boa de sair do castelo era ficar longe de Jade, mas Angelique era tão insuportável quanto.
— Uma ameaça? — ele arqueou a sobrancelha, me tirando dos pensamentos após a saída da irmã. — Esperava mais modos da princesa de Howslan...
— Te decepcionei, docinho? — fiz um biquinho, vendo-o sorrir, safado.
— Esperava alguém com modos e recebi um animal com raiva. — deu de ombros, fingindo estar chateado.
— Aprenda, ... Qualquer um pode te magoar.
—Anotado, princesa... — ele bocejou, puxando uma cadeira para se sentar à minha frente. — Agora seja sincera com as minhas perguntas.
— Acha mesmo que sou idiota ao ponto de dar todas as informações que quiser sem ganhar nada em troca? — revirou os olhos.
— Você não está em condições de barganhar.
— Em condição alguma, você quer dizer. — bufei.
— Deixamos você em uma cela que tinha até chuveiro e você deu o seu showzinho com a faca de plástico! — parecia inconformado. — Deveria ser mais grata! O que os seus professores de etiqueta falariam se vissem essa cena?
— Quer que eu agradeça por terem me deixado mais à vontade? — quase gargalhei com tamanho absurdo.
— Pobrezinha da princesa de Howslan! — debochou com uma falsa tristeza na cara. — Deve ser difícil se acostumar com um lugar que tem o tamanho do seu banheiro.
— Meu banheiro é bem maior, para a sua informação.
— Contente-se com um lugar menor e sem tantos privilégios, é isso que você terá de nós enquanto não cooperar! — ele se levantou. — Sua Era de princesa mimada passou. Bem-vinda ao seu inferno pessoal.
Mal sabia ele que não era a minha primeira vez em um calabouço sendo humilhada.
— Não é a minha primeira vez no inferno, . — falei antes de ele sair. O insurgente me encarou assim que eu arqueei a sobrancelha, com um sorriso sarcástico nos lábios e os olhos brilhando de raiva. — Tente superar os meus demônios!
Capítulo 18
Em toda a minha existência, nunca me senti tão fraca.
Quase nem conseguia ficar em pé por mais de cinco minutos antes de escutar o som seco de meus joelhos batendo contra o chão, esse era um dos poucos sons que eu conseguia ouvir. Talvez um feiticeiro fosse vencível, afinal.
Havia perdido as contas de quanto tempo eu estava presa naquele calabouço sujo, onde meus únicos amigos eram os ratos que corriam de um lado para o outro; não os via, mas os escutava, e às vezes sentia um ou outro passando por mim. Aqui era frio e escuro, exceto pela luz que emanava da fresta da janelinha da porta que às vezes o guarda que me trazia comida esquecia de fechar por completo.
aparecia todos os dias fazendo a mesma pergunta: "Vai colaborar com a Causa?", e todos os dias ele recebia respostas diferentes, mas com o mesmo significado: "Não!".
Poderia acabar com tudo isso dizendo "Sim", eu sei, mas não seria capaz. Os Insurgentes eram nossos inimigos, nosso povo se rebelando contra nós. Compactuar com eles significava traição, um crime digno de uma execução ao vivo com a cabeça arrancada, ou lutar até a morte contra Elementares poderosos e guerreiros. Até mesmo eu estava fadada a isso. Se ficasse do lado dos Insurgentes, morreria nas mãos do meu próprio irmão, entretanto, se eu ficasse do lado da minha Coroa, morreria ali mesmo nas mãos desses rebeldes. Não via uma alternativa onde sairia viva.
Na primeira vez que foi até mim e perguntou — sem muita delicadeza — essa frase que me irritava de inúmeras formas, recebeu uma risada alta e exagerada — na minha cabeça, só podia ser brincadeira ele querer isso de mim. Apesar disso, minha intuição dizia que ele não esperava que aquilo fosse fácil, afinal, eu ainda era sua inimiga e eles eram os meus.
Já na segunda vez, Angelique veio acompanhar a visita do querido líder deles, o que me fez ficar um pouco mais alterada que o normal. Por sorte, eu fui criada com um irmão, cercada de guardas homens, e se tinha algo em que eu era boa, era na mira: cuspi na cara dela. Na terceira vez, cuspi na cara dele. Na quarta, falei um palavrão — o qual deixaria Trinidis extremamente bravo, uma princesa não deveria ter esses modos. A quinta vez foi menos agressiva, eu apenas não respondi. A sexta, por outro lado, eu joguei a cadeira de ferro na direção deles. A sétima me resultou um insurgente irritado e sem muita paciência, que me segurou contra a parede e recebeu um belo de um chute no meio das pernas — fraca sim, burra não. Às vezes eles se zangavam comigo e me prendiam de volta na cadeira, me deixando presa por longas horas, onde eu tinha apenas a escuridão como companheira.
A oitava visita me deixou um pouco desconfortável: a comida do Forte era horrível, ainda mais para mim, que estava acostumada com inúmeros banquetes no castelo. Mas pior do que ter que comer por sobrevivência, era não poder comer aquela porcaria, me deixou com fome para ter vantagens. Confesso que achei que demorou para que eles chegassem a esse ponto de tortura.
— Você não pode ser tão burra, gata. — estava deitada em cima do meu braço, no canto no calabouço. Eu poupava forças e energia, levantar a cabeça para encarar na sua décima visita não estava na minha lista de prioridades, mas as inspeções dele eram meu ponto forte de entretenimento. — Está mesmo disposta a morrer pela sua coroa?
— Você está disposto a morrer pela sua Causa! — falei, me virando para o insurgente que estava encostado na porta semiaberta. — Devo me sentir mal por te decepcionar mais uma vez? — me sentei com dificuldade, já que tudo girava por conta da fome, da falta de poder e da desidratação que cada vez mais se alastrava pelo meu corpo. — Não, acho que não me sinto.
— , você vai colaborar para com a Causa? — fiz uma careta ao ouvir novamente aquela maldita frase, até ousei me levantar para voar no pescoço dele, mas minhas pernas vacilaram de uma forma que nem consegui ir muito longe, caí no meio do local. — As coisas não deveriam ser assim, docinho.
— Está se divertindo, não é?
— Não como eu queria, mas sim... Estou! — pude vê-lo com um sorriso no canto dos lábios, o que me deixou ainda mais irritada.
— Sua diversão não vai durar por muito tempo, . — me sentei, com asco de mim mesma naquele lugar nojento. — Por sorte, morrerei logo... Seja de fome ou de leptospirose, e não terei mais que lidar com a sua maldita voz!
— Acha mesmo que deixarei você morrer? — ele sorriu, cruzando os braços. — Você é valiosa demais, alteza.
— Como os seus superiores estão lidando com a princesa indomável, ? — perguntei com o mesmo sorriso, o qual cresceu ainda mais quando o vi fechar a cara no mesmo instante. — Deve ser difícil ter de vir aqui todos os dias e falhar na sua única missão.
— Deve ser ainda mais difícil para você estar aqui há tanto tempo e nem sequer o seu noivo vir procurá-la.
Touché.
— Agora sou eu quem está pensando que você é burro, docinho. — arqueei uma sobrancelha. Manter o meu personagem estava sendo exaustivo. — Acha mesmo que o meu noivo, príncipe de Lennox, herdeiro de inúmeras terras, feiticeiro puro e dominador da arte da guerra, vai simplesmente se esquecer da noivinha sequestrada?
— Ele é a nossa segunda isca. — o encarei, um pouco surpresa. — Finalmente tenho a sua atenção!
— O que... Que merda você está pensando em fazer? — quase gritei.
— Achei que era perda de tempo usar o pequeno príncipe, contudo... Não é que Lucas tinha razão? — riu. Estava se divertindo. — Você gosta do feiticeirinho! — não era uma pergunta, então decidi poupar minha voz. não era do tipo de cara que deixava passar uma piada, e devia tirar mais sarro ainda quando era contrariado. — Pois bem! Ou você colabora, ou o pequeno príncipe será morto!
— Está blefando.
— Sabemos exatamente onde ele está agora, princesa... — senti minha mandíbula travar quando tirou do bolso do casaco um aparelho que Charles costumava usar para ter contato com os seus soldados e observar as cidades.
Howslan tinha um sistema de segurança reforçado, em todos os lugares tinham câmeras, mas ninguém além dos guardas reais e os líderes do castelo sabiam daquilo. Não consegui esconder minha surpresa ao ver aquele aparelho na mão dele. Os Insurgentes eram muito maiores do que eu imaginava.
deu alguns cliques na tela e logo luzes coloridas saíram dela, mostrando uma percepção 3D do que o insurgente queria me mostrar:
usava o seu uniforme, estava fardado. A roupa negra com as suas cores e a armadura preta e vermelha pendiam em seu peito; a coroa dourada não o deixava menos nobre. Ele estava bravo, era visível. Estava cercado por soldados, não reconhecia bem o local, mas sabia que era em um vilarejo, parecia Lecroc, o vilarejo que éramos tão íntimos.
Não conseguia escutar o que ele dizia, mas, graças à sua dicção perfeita, pude fazer uma leitura labial: Achem a princesa!
— Por sorte, estamos próximos! — não tirei os olhos da imagem transmitida. — O bruxinho vai ser pego a qualquer instante se você não colaborar.
Respirei fundo e o encarei, precisando acreditar nas minhas palavras para dizê-las com convicção:
— Vocês têm o cérebro do tamanho de uma azeitona. — fiquei em pé com dificuldade, rezando para que minhas pernas aguentassem. — Matem o herdeiro de Lennox! Assumam a responsabilidade de mais um inimigo para os seus preciosos Cinzas.
— Aquele engomadinho vai proteger você e a Coroa dele também.
— Pobre ... — gargalhei. — Se vocês tivessem esperado mais um pouquinho antes de nos atacar, talvez isso poderia ser verdade! — estava com a cara fechada, do jeito que eu apreciava. — Rei Conrad não é bem o tipo de homem que é apegado à nora... Além disso, a mãe feiticeira dele também é um problema para vocês... Imagine uma feiticeira raivosa, honrando a morte do filho? Ah, queria tanto estar viva para ver isso!
— Você nos subestima, ! — ele comentou, olhando minhas pernas tremerem. — Temos sempre um plano, se o plano do pequeno príncipe falhar, temos o plano do bruxinho terrorista!
—Bruxinho terrorista? — perguntei, fazendo uma careta. — Quem é o animal que dá os nomes para as missões?
— Fique quieta e escute! — quase ri da cara de ofendido que ele fazia, mas o sorriso se desfez quando Charles apareceu na imagem.
Meu irmão não estava ao lado de , mas sabia que estavam no mesmo lugar. Charles estava igual o meu noivo, a única coisa que mudava era sua armadura, que era preta e lilás, as nossas cores. Lecroc deveria estar pequena para os dois, afinal, odiava a postura que Charles havia tomado depois que Jade apareceu. Contudo, meu irmão parecia realmente preocupado e eu conhecia aquela expressão dele: estava arrependido.
Me lembrei de quando éramos crianças, nas vezes que ele me magoava e logo fazia a cara de arrependido. Uma vez, o castelo foi atacado logo depois de uma das nossas discussões e eu fui separada dele. Quando nos reencontramos, Charles estava com aquela mesma cara e me abraçou bem forte enquanto pedia desculpas por ter sido cruel.
— Primeiro vai ser o pequeno príncipe, . — falou calmamente. — E depois vai ser o seu bruxinho terrorista.
Não sei com que forças eu consegui caminhar até ele e o jogar contra a parede, mas ainda assim o fiz. sorria e nem se dava ao trabalho de se defender ou se mover, particularmente, aquilo me deixava ainda mais furiosa. Por um momento, até mesmo senti meus olhos vibrando, como se tivessem mudado de cor, mas sabia que era apenas a adrenalina.
— Não ouse encostar neles, . — quase rosnei enquanto apertava o seu pescoço. Ou melhor, tentava apertar. — A não ser que queira que eu te apresente ao inferno pessoalmente!
— Vai colaborar com a Causa? — o insurgente ainda tinha o sorriso nos lábios. Aquilo ia contra todos os meus princípios, contra tudo o que fui criada para ser e mais uma vez estava sendo obrigada a fazer algo que eu não queria. Minha vida seria assim para sempre? Havia saído de uma prisão para outra? — Vai colaborar com a Causa, ? — ele repetiu, me segurando pelos braços.
Encarei a imagem que saía do aparelho de , que agora estava no chão graças ao meu momento de coragem. Charles estava ao lado de , os dois estavam conversando, dava alguma notícia enquanto Charlie abaixava a cabeça, um pouco triste. Na sacada de um dos bares, vi um homem apontando a arma na direção deles, ninguém o veria ali. Meu coração disparou e eu senti as lágrimas chegando, mas eram lágrimas de raiva. Eu odiava e odiava os Insurgentes.
Odiava o fato de ser obrigada a fazer mais uma coisa que não queria.
E eles me pagariam por isso.
— Vai colaborar com a Causa, ? — o grito dele não me assustou e muito menos abalou, apenas me deixou com mais raiva. — Tic-tac, alteza... Quer decidir qual dos dois morrerá primeiro?
Uma movimentação estranha começou a acontecer nas imagens, os soldados corriam de um lado para o outro tentando proteger meu irmão e . não estava brincando. O encarei com mais raiva do que nunca. Sabia que era um tipo de aviso, sabia que o próximo seria em um dos dois.
Respirei fundo antes de assinar a minha sentença de morte:
— Eu vou colaborar com a Causa.
O insurgente pegou o aparelho e emitiu um comunicado ao atirador, o qual se retirou antes mesmo de ser visto novamente. Meu coração ficou aliviado por um instante, ver e Charles serem levados em segurança para seus carros me mostrou que, por ora, estava tudo bem. Senti me encarando, feliz por ter conseguido completar a sua maldita missão — ou esperando que eu caísse de uma vez.
— Que bom que resolveu ficar ao nosso lado, docinho.
— Vá se foder! — sussurrei, me tremendo toda, e não era de medo.
— Vejo você mais tarde para começarmos! Lucas irá te levar para a sua cela... Agora você pode voltar para lá. — ele ignorou meu palavreado e prosseguiu com o seu discurso. — Precisa urgentemente de um banho e roupas limpas!
— Meu cheiro de rato te incomoda, docinho? — perguntei, vendo-o torcer o nariz. — Talvez eu fique assim por mais um tempo então.
— Já sou o único que suporta a sua presença e você ainda vai me torturar dessa forma? Que cruel! — me joguei no chão, entediada pelas palavras ditas.
— Acha que eu me importo? — ele deu de ombros. — Quanto mais longe eu ficar de vocês, melhor para mim!
— Eu me importo! Nossos hospedes devem ser bem tratados. — riu, indo até a porta .— Prepare-se, Lucas virá daqui a pouco... — e a fechou, mas não demorou muito para que abrisse a janelinha. — Ah, se despeça dos seus amigos ratos! E não, , você não pode levar um para seu novo aposento!
Joguei meu chinelo em sua cara. Ou pelo menos eu torcia para isso; se não fosse por um vidro que me separava dele. Escutei sua risada de longe e nunca torci tanto para alguém se engasgar com o próprio veneno. E sim, eles tinham me dado um chinelo e roupas novas depois daquele trágico acidente que envolvia uma artéria e uma faca de plástico. Ops.
Salvei a vida do meu irmão ingrato e do meu noivo, mas em troca disso, me vendi para os Insurgentes. Aquilo era a maior prova de que eu não merecia a Coroa, meu pai preferiria a morte ao invés de se unir aos ratos. Charles me deixaria para morrer se fosse necessário, mas nunca se aliaria aos rebeldes, e até mesmo morreria para não ajudar essa Causa. Me odiava por ser tão fraca. me mataria assim que eu não fosse mais útil e sua irmã se certificaria disso com o maior prazer.
Então, de qualquer maneira, já estava morta mesmo.
— Não seja tão grosseiro! — resmunguei para Lucas, que me arrastava pelos corredores do Forte. Pelo menos, eu acreditava que era pelos corredores, já que eu tinha um pano preto na cabeça.
Demorou alguns minutos para eu escutar ferros se abrindo e o pano ser tirado da minha cabeça com brutalidade. Ainda era dia, a luz do sol que emanava da pequena janelinha me deixou um pouco zonza; fiquei tantos dias sem ver a luminosidade que precisei fechar os olhos para me acostumar com ela. Me encostei na cela até ver Lucas com a sobrancelha arqueada, me encarando com o maior desdém. O quarto em que estava agora era diferente: antes o que era uma porta com uma janela minúscula em cima, agora era fechado por uma grade, fazendo com que pudessem me ver 24 horas por dia. Tinha uma janelinha na parte de cima da parede que dava para seja lá onde, depois eu descobriria. Fora isso, o resto era o mesmo: a cama, a mesinha e o banheiro.
— A comida está ali em cima da mesinha, terá que comer com a mão, graças à sua última gracinha... — olhei para a mesa e vi um copo de água e um prato de plástico com um pão e frango. — Um Curador virá aqui depois que você tomar um banho e trocar sua roupa.
— Quanta regalia! — comentei, sem muito humor. — Tomarei meu banho, espero ter um pouco de privacidade. A não ser que vocês queiram ver as minhas joias reais...
— Vai logo!
Sorri, indo até o colchão fino para pegar a muda de roupa que me deixaram e depois seguindo para o pequeno banheiro.
Não deixei de soltar um som de surpresa ao me olhar no espelho: estava horrível. Deplorável era a palavra mais apropriada. Olheiras profundas e roxas circulavam meus olhos, meus cabelos cinzas estavam com algumas mechas escuras e manchadas, uma mistura de sangue e sujeira; havia perdido o brilho há tempos. Minha pele estava roxa, vermelha e muito suja, além das marcas de picadas e mordidas que estavam distribuídas na minha perna.
Sentir a água escorrendo pelo meu corpo era libertador e doloroso. Conseguia ver o líquido, que era transparente, sair preto e completamente sujo, eu estava imunda. Queria chorar por estar passando por isso, por estar sendo submetida a esse tipo de coisa. Ficava pensando o que eu tinha feito de tão ruim para sofrer esse karma, mas me lembrava da imagem do meu pai e de tudo que passei com ele e minhas lágrimas pararam de ameaçar a cair. Minha raiva havia voltado.
Esse era o único sentimento que eu deveria me apegar: o ódio, a raiva.
Estava ali por ser um alvo fácil, por ser filha de Byron e herdeira de Howslan. Fui sequestrada por usar uma Coroa na cabeça e por tentar ser melhor que meu pai, mas ninguém nunca veria isso, eu era apenas a garota mimada que tinha tudo. Fraca, segundo .
Provaria o contrário.
Iria morrer de qualquer forma, mas uma marca seria deixada em todos, faria questão disso.
Saí do banho me sentindo leve, limpa e plena. A roupa que me deram era confortável, não chegava nem aos pés das roupas que eu usava no castelo, mas era o melhor que eu teria e não iria reclamar. Uma calça preta e uma camiseta cinza com um corte em v, e me deram também meias e botas gastas. Até uma jaqueta preta viera de brinde.
Caminhei de volta ao "quarto" e dei permissão para que Lucas e os outros guardas virassem. Me sentei no colchão e degustei do pão duro com o frango como se fosse uma refeição preparada pelos chefes do Palácio Dourado, minha fome era tanta que eu nem conseguia fazer show algum para comer, precisava daquilo. Não demorou muito para a água acabar e eu engolir o meu orgulho para não pedir mais. Há dias que eu não tomava um gole digno e me sentia melhor. Lucas não mentiu e cumpriu o combinado, me trazendo um Curador receoso e visivelmente incomodado com a minha presença.
— Não tente nenhuma besteira, princesinha. — revirei os olhos para o meu guarda pessoal, me deitando na cama em seguida. A única coisa que me concentrava era para não gritar feito uma criança no processo de cura.
Tinha que doer para curar.
Não sabia quais eram os meus problemas externos, imagine os internos, mas sabia que aquilo doeria de maneiras incontáveis; só podia pedir aos deuses um bom autocontrole — o qual não tinha. Finquei minhas unhas fracas e quebradiças no lençol e fechei os olhos, sentindo todas as dores que podia, pensei até que desmaiaria. Abençoado o maldito Curador!
Quando o processo acabou, me levantei um pouco zonza. O curador saiu correndo de mim e Lucas nem se deu ao trabalho de me fazer ficar em pé, apenas me largou sozinha na presença dos três guardas. Não deixei de intimidá-los, era cômico encarar os olhos assustados até que eles desistissem de me olhar.
A noite começou a cair e nada de algum insurgente atrevido aparecer. Sentia que aquilo era um privilégio, mas sabia que não duraria muito. A cabeleira ruiva logo apareceu, batendo seus saltos no chão. Respirei fundo antes de dar o meu maior e mais falso sorriso.
— Poupe-me de sua falsidade.
— Graças à Deus. — resmunguei, revirando os olhos e me jogando no colchão novamente.
— Vejo que já está bem acomodada, docinho! — torci o nariz em uma careta ao ouvir aquela voz. — O cheiro até melhorou... Está quase parecendo a princesa da TV.
— Chega de papinho, ! — Angelique cortou e chutou a grade da cela. — Comece logo com as perguntas!
— Fique tranquila, Angelique, não estou com pressa e nem vou à lugar algum. — pisquei, vendo-a cruzar os braços sem paciência. — Mas estou sem saco para essa ladainha toda! Vou dizer o que sei de vocês e espero ser deixada em paz.
— Você está longe de ficar em paz, querida... — em meus pensamentos, Angelique tinha a cabeça sendo explodida por uma bola de fogo, mas, infelizmente, aquilo ainda estava apenas em minha mente. — Comece a falar!
Comecei falando do dia do ataque: falei que havia sido marcado para mim, sua energia no caso, mas não contei que sentia e sabia diferenciar a presença de certos elementares e feiticeiros; aquilo não era de interesse deles. Logo após, contei que sempre escapava do Castelo para um bar calmo e escuro, onde tinha uma senhora agradável que merecia gorjetas gordas todas as vezes pela atenção que me dava, avisei que descobri o moreno naquele lugar porque reconheci a energia dele e segui-o com um feitiço de invisibilidade até o Forte, até mesmo as conversas que ele teve com o amigo Lucas eu citei. O dia que enfeiticei Lucas na floresta e descobri mais coisas sobre eles, informações que não levaria eles à lugar algum, uma total perda de tempo.
— Só isso? — perguntou, um pouco inconformado.
— Sim.
— Só? — Angelique colocou os braços na cintura, encarando os dois garotos. — Vejam onde a irresponsabilidade de vocês quase nos levou! Ela poderia ter nos destruído.
— Ganho pontos por bom comportamento? — os três me encararam, bravos. Dei de ombros novamente, fingindo interesse nas minhas unhas quebradiças. — Está certo, entendi...
— Não tivemos culpa, Angel! Você também estava com a gente no dia que eu fui enfeitiçado e nem se tocou da presença dela. — Lucas se defendeu, ficando ao lado do companheiro , que me encarava, surpreso com a minha perspicácia.
— Ela poderia ter arruinado tudo. — a ruiva rosnou e em seguida foi até a grade. — Contou para alguém?
— Hm... — fingi pensar, batendo o dedo indicador nos meus lábios. — Acho que não...
— Acha?
— Sabem que a rainha é uma vermelha com a habilidade de vidente, certo? — perguntei, como se fosse óbvio. — Tenho controle da minha língua, mas não posso controlar as visões do futuro!
— Ela já teria vindo aqui! — Lucas tentou amenizar o desconforto que eu causei.
— Que se dane, se vier, nós a matamos! — Angelique só marcava mais o meu ódio. Respirei fundo antes de vê-la saindo à passos duros, levando o cachorrinho dela junto, me deixando apenas com o irmão.
— Você disse que iria colaborar com a causa...
— E colaborei! Falei tudo que sabia de vocês. — bufei, me sentando no colchão e o encarando.
— Você terá que provar que está com a gente, . — gargalhei daquela situação.
— Vai ser o quê? Pacto de sangue? Feitiço de ligamento? Ou você prefere o jeito tradicional? — arqueei a sobrancelha, sorrindo, ladina. Antigamente, alguns acordos feitos por homens e mulheres eram selados com sexo, uma forma meio bizarra de dizer "Acordo feito". O insurgente me encarou de braços cruzados, balançando a cabeça. — Vou morrer de qualquer forma, ! Vocês vão me matar quando não me acharem mais útil. — ele arqueou a sobrancelha. — Não sei o que vocês são ou o que vocês fazem, nem por qual Causa vocês lutam! Aceitei colaborar falando sobre o que eu sabia, mas não conte comigo para nada além disso.
— Você acha mesmo que está em posição de ameaças? — me levantei, indo até a grade, ficando cara a cara com ele, que estava encostado nela. — Não está mais no castelo, !
— Não achou que fosse ser tão fácil, não é? — sorri, vendo-o fechar o rosto. — Sou boa em acordos, . Vocês não podem encostar no meu irmão ou no meu noivo. Fiz o que vocês pediram, agora terá de cumprir a sua parte!
— Por enquanto. — ele me alertou, visivelmente incomodado por ter caído na minha armadilha temporária. — Ou você está com a gente, ou você está morta, terá de escolher!
— Me mostre a sua Causa, ! — o encarei nos olhos.
— Você não dita as regras aqui, docinho. — senti sua mão pegando uma mecha do meu cabelo enquanto sorria, brincando com os fios.
— Sei que não e até gosto disso. — dei de ombros. — Mas ainda sou a futura rainha, é inevitável... — revirou os olhos. — Prove que a sua Causa é maior que a minha Coroa.
Capítulo 19
havia desaparecido, assim como sua irmã; apenas Lucas aparecia para me vigiar ou me alimentar de vez em quando.
Havia se passado dois dias desde o maldito acordo.
Me vendi aos insurgentes e ganhei silêncio. Talvez eles estivessem planejando como me matar e deixar meu corpo à mostra na frente do castelo, na doce ilusão de que o rei se abalaria. Estava entediada naquele lugar — ou, corretamente falando, naquela cela.
De fato, era o melhor que eu poderia pedir e receber vindo de pessoas que me odiavam e queriam o meu pescoço, só que eu nunca imaginei que iria sentir falta do lugar em que eu fui criada — um dos lugares. Howslan era grande e tinha um castelo em cada uma das províncias; o Palácio Dourado era apenas mais um onde meu pai gostava de ficar em alguns meses específicos do ano.
Naquela cela, eu entendi a expressão "ver o sol nascer quadrado". Não posso nem dizer que nunca senti tanto ódio de alguém, pois já senti. Contudo, e seu clã estavam conseguindo ficar páreo com o que eu cultivava pelo meu pai — e não era amor ou afeto.
Lucas apareceu com uma bandeja de comida, me deixando em alerta e animada para o meu ponto forte do dia: irritá-lo.
— É sempre tão agradável ver esses lindos olhos, Lucas. — comentei, me levantando do colchão. O insurgente ignorou completamente minha fala, mas percebi que segurou um sorrisinho. — Não seja tão frio! Fale comigo.
— Se alimente, . — falou, mantendo a postura de guarda na minha frente.
Fiz uma careta ao ver a comida: uma sopa verde e um pão.
— Sabe... Eu adoro ver essas belas írises que você guarda por detrás dos seus cílios, mas a minha alegria se vai toda vez que você me traz uma coisa dessas! — peguei a colher de plástico e experimentei o líquido. — Dê parabéns ao cozinheiro por mim.
— Vou avisar ao que você gostou! — fiz uma cara de interessada, cruzando as mãos embaixo do meu queixo. — Ele quem cozinhou.
— Então aquele imprestável sabe cozinhar? Interessante... — Lucas deu de ombros. Era meu momento de descobrir onde estava aquele sem noção. — Por onde ele anda?
— Saudades, alteza? — provocou, me fazendo sorrir, zombeteira. — Os Elementares estão se juntando com o Conselho para reuniões importantes dos Insurgentes. Foram dias difíceis... Sua vida está bem fácil aqui.
— O que eu não faço por uma fofoca? — comentei mais para mim do que para ele. — Eu faço o que você quiser, Lucas! Me conte o que está acontecendo.
— Você não pode me oferecer nada, ... — sorriu ladino, me fazendo cruzar os braços, irritada com aquela situação — Termine de comer para que eu possa me juntar a eles.
— A reunião é agora? — tentei, já sabendo quais seriam meus próximos passos, afinal, havia planejado isso antes mesmo de ir para o calabouço.
— Daqui à pouco. Deixe de ser curiosa, é feio!
— Ah, Lucas... — fingi estar ofendida. — Você sabe que eu fico sozinha sem ninguém para conversar o dia todo! Você é minha única fonte de energia. — revirou os olhos, impaciente. — Me leve com você na reunião.
— O que mais você quer? Sua coroa? Seu príncipe, talvez? — ele riu, balançando a cabeça. — Já falei demais, , coma logo e me livre da sua companhia.
Limpei minha boca com o guardanapo de papel que tinha ali e fui até o banheiro quando ele estava distraído. O espelho do banheiro mostrava a minha imagem e eu estava muito melhor do que há dois dias; ao menos estava mais forte para fazer aquilo que eu tinha em mente. No meu último encontro com , eu havia o pedido para me mostrar a causa dele e ele sumiu. Era bizarro a forma que minha autoridade havia sumido, evaporado junto com a minha magia graças a esse maldito painite.
Essa reunião com o Conselho era de grande importância para mim e eu tinha de estar presente, eles querendo ou não.
Olhei discretamente para o lado de fora e vi que Lucas ainda estava distraído, respirei fundo e juntei o pouco de força que ainda havia em mim para socar o vidro. Em segundos, já escorria muito sangue da minha mão.
— O que está acontecendo aí? !? — Lucas perguntou alto graças ao barulho que eu causei. Olhei para a pia do banheiro e peguei o pedaço do espelho mais pontudo que tinha. Finquei ele no meu pulso, ficando um pouco zonza por alguns segundos, e depois saí para ele me ver. — O que você está fazendo? Pare já com isso!
— Eu quero ir para essa reunião! — repeti, sentindo o rastro de sangue atrás de mim.
— Você não vai conseguir, ! Pare com isso. — o insurgente ameaçou abrir a cela, mas eu apontei o caco para o meu pescoço.
Aquilo já estava virando rotina.
— Não ouse! Se abrir, será para me levar com você. — respirou fundo, sem saber o que fazer e como agir. — E então? — perguntei, mas só recebi silêncio. — Então terei que partir para os seus superiores... — me virei para a câmera. Vendo que essa já estava focada em mim, sorri de canto, já tinha a atenção deles. — ? Aqui estamos novamente...
— Que merda, ! — escutei a voz grossa pelo microfone. — Quer voltar para o calabouço? Tudo isso é saudade dos ratos?
— Engraçadinho. — revirei os olhos, dando uma risada falsa. — Eu quero participar da reunião.
— Todo esse sangue para isso? — debochou, me fazendo ficar com raiva. — Não.
— Você sabe que eu faço isso, ! — me referi ao caco em minha mão, pressionando-o contra minha jugular. Teria que tomar cuidado para não desmaiar, afinal, eu tinha de estar acordada para participar dessa maldita reunião. — Você me deve isso se quer que eu fique ao lado de vocês!
— Você não vai fazer isso.
Que ódio, ainda achavam que eu não cumpriria algo?
— De novo essa falta de fé em mim? Não aprendeu com a última vez, não? — questionei. — Como eu já disse antes... Irei morrer de qualquer forma. Seja aqui ou com meu pai! — ele estava quieto e Lucas estava parado, me encarando. — Não me importo de estragar a alegria de todos vocês e de quem mais quiser a honra de ter o meu pescoço! Imagine a tristeza de todos por saberem que eu não dei esse gostinho a ninguém? — mais silêncio. Aquilo poderia significar coisa boa. — E então? — estava começando a ficar impaciente e me sentir uma idiota por segurar por tanto tempo aquele negócio. — Bom, nos despedimos aqui! Não se esqueçam de contar para todos que eu morri de maneira heroica, hein? — respirei fundo, me apegando ao fato de simplesmente acabar com a minha vida para que eu tivesse paz. Quem sabe em uma outra vida eu não nascesse normal?
Senti a ponta dar uma fisgada em minha pele, logo em seguida, o sangue começou a escorrer e eu nem sentia dor. Minha visão se tornou turva e embaçada; conhecia aquela sensação.
— ! — escutei a voz de . — Pare com isso! — falou entredentes. — Lucas, leve-a para a reunião com você! — por fim, sorri, vitoriosa, tirando o caco do meu pescoço, ainda um pouco zonza demais.
Lucas me arrastava com força pelo braço o percurso todo, mas eu não via o caminho que fazíamos: eles colocaram um saco preto na minha cabeça, como sempre. Não tive tempo de trocar a roupa manchada de sangue, ou nem mesmo de me limpar para a reunião do Comando. Contudo, não me importava. Queria que eles vissem o que eu estava sentindo: raiva. O Curador que foi enviado para minha cela não foi tão gentil quanto o último, ele nem parecia sentir medo de mim como os outros, mas a dor era forte como o ódio que sentia por mim.
A algema em meus braços estava carregada de painite, mas não era forte como na cela. Eu conseguiria me soltar dali facilmente e ainda travar uma luta com meus feitiços contra qualquer um.
Mesmo presa, eu me sentia mais forte do que nunca.
Apesar disso, resolvi guardar todos os meus sentimentos e ver onde aquilo iria dar. Os insurgentes ainda eram uma incógnita para mim e eu descobriria tudo no final da equação. Nada e nem ninguém me manipularia mais.
— Vou mudar seu apelido para "grande boca aberta". — escutei a voz de sussurrando para Lucas. Aparentemente, havíamos chegado no grande local.
— Ela foi entrando na minha cabeça, você sabe como essa princesa é manipuladora! — Lucas se defendeu.
Por debaixo do saco preto, eu arqueava a sobrancelha, sem saber se deveria me sentir ofendida ou agradecida por esse marco.
— Não me culpe por ter a cabeça fraquinha, Lucas... — comentei, sorrindo, mas eles não viam aquilo.
— Ah, estava demorando para você abrir a boca novamente. — retrucou. — Que belo jeito de se encontrar com o Comando. Nas reuniões da Coroa você ia toda cheia de sangue também?
— Depende... Já cheguei a ir em uma reunião com a coluna quebrada. — dei de ombros. Aquilo pareceu surpreendê-los. — Bom, vamos logo para essa reunião, estou ansiosa para conhecer a tal causa dos insurgentes.
— . — o tom de não era o dos melhores. Inclusive, achei bem intimidador. — Você pode estar se esquecendo de que não está no castelo e que não dita as regras aqui, mas só irei te alertar mais uma vez: seu truque tentando tirar sua vida não funcionará na próxima tentativa.
— Não terá próxima tentativa, ... Vocês vão me incluir em tudo e, com isso, me manterão por perto. — queria que ele pudesse ver meu sorriso vitorioso. — Eu sou sua melhor arma, vocês não me deixariam morrer.
— Eu avisei que ela entra na nossa mente. — Lucas sussurrou para o amigo, que bufou ao meu lado. Em seguida, me deu um empurrão para que eu andasse logo, sempre presa ao seu braço.
Nesse tempo, os meninos não tiveram a mínima sutileza de cuidar para que eu não tropeçasse. Assim que entrei no lugar, senti a presença de vários elementares poderosos, não apenas Angelique e ; haviam outros ali que eu não conhecia. As vozes se calaram assim que me viram e, por um momento, me senti estranha. Contudo, não deixei de agir como fui criada: manter a postura e agir como uma líder. Quando me fez sentar em uma cadeira, percebi que eles não tirariam o saco da minha cabeça, um sinal claro do que aquilo significava: não confiavam em mim para vê-los.
— Essa é a princesa? — escutei alguém perguntar depois de um tempo em silêncio.
— Em carne e osso, infelizmente. — Angelique respondeu.
— Mais osso, para ser sincero...
— Tem certeza de que essa é ? — uma mulher questionou. — A princesa é tão mais... Elegante.
— Vocês têm uma visão bem distorcida sobre as princesas... — falei pela primeira vez. Queria poder encarar cada um ali quando escutaram minha voz, mas eu já sabia qual seria a reação deles: medo. — Ainda acham que somos garotinhas indefesas à procura de um homem para nos salvar? Imagino que na sua cabeça, a fada madrinha vem junto também...
— Ah, com certeza é a princesa!
Depois dessa constatação, as pessoas ali presentes começaram a murmurar diversas coisas, todas surpresas pelo fato de terem conseguido realmente me capturar. Por um momento, minha mente saiu totalmente do foco das vozes e algo inesperado aconteceu: senti um resquício de magia vibrando bem no interior de meu corpo, me fazendo franzir as sobrancelhas em confusão. Não que alguém fosse ver algo, claro.
— Sem mais delongas, se a princesa me permitir, é claro... — era a voz grossa do Coronel. Me lembrava vagamente dele. — Primeiro, eu gostaria de saber exatamente por qual razão você tentou se matar duas vezes para chamar a nossa atenção.
— Não é óbvio? — perguntei. — Se vocês estão me mantendo aqui, eu quero saber o porquê!
— Você não tem voz aqui, . — revirei os olhos. Odiava escutar aquilo.
— Jura? — tombei a cabeça para o lado. — Minha roupa cheia de sangue prova o contrário. — escutei mais burburinhos atrás de mim. — Duas vezes. Vocês não me deixaram morrer nas duas vezes que eu tentei. Se isso não é ter voz...
— O que você quer, alteza?
Respirei fundo antes de responder, tentando colocar meus pensamentos em ordem e falar como a rainha que eu nascera para ser, mas quando estava pronta para voltar à minha pose inicial, senti todos os pelos do meu corpo se arrepiarem, inundando com energia cada célula da carne que há tempos não sentia nada.
Não... Não era possível.
— Sério que você é o homem que comanda isso tudo? — fiz careta. — Esperava alguém mais esperto...
— Não vamos te dar sua liberdade, princesa.
— Não sou tola, Angelique! — maldito saco preto que cobria algo que eu queria muito que eles vissem: meus olhos, agora lilases. Por um lado, estava grata pelo saco me esconder; mas, por outro, queria que todos vissem o que estava acontecendo: o painite não estava fazendo efeito mais. Ou ao menos estava mais fraco. — Sei muito bem que sou totalmente descartável aqui.
— Então, por qual razão você ainda está insistindo em algo que você sabe onde vai dar?
— Vocês quase mataram meu irmão e o meu noivo! — falei, fechando as mãos com raiva, mas deveria me controlar ou então aquelas algemas derreteriam se eu não tomasse cuidado. E eu precisava de tempo para conseguir reunir o máximo de energia que me era possível. — Quero propor um acordo.
— Nós não negociamos com o inimigo! — alguém gritou no fundo da sala. — O príncipe de Howslan e o príncipe de Lennox tem de morrer!
— Silêncio! — o comandante urrou. — Qual é a sua proposta?
— Quero saber o que vocês são e pelo que vocês lutam, e, em troca disso, completo minha promessa de ajudar vocês com informações do castelo. — o silêncio se encerrou após minha frase.
— Só isso?
— Claro que tenho mais alguns pedidos, mas nada que não possam fazer, já que eu traí minha coroa por culpa de vocês.
— Certo, nossa causa é o que você vê: somos um grupo de pessoas lutando pela igualdade do nosso país. Queremos justiça, queremos a queda do império monárquico. Chega de Coroa! — certo, era o que eu queria também, mas não daquele jeito. Não com todo aquele sangue. — A princípio, você era nossa isca, mas ninguém veio atrás de você.
— Se você espera que eu chore, pode esquecer... — balancei a cabeça. — Não há surpresa alguma nisso.
— Agora que sei que você tem rancor da sua família, até que fico mais interessado nesse acordo com você. Mas que fique claro que eu não confio em você e em quem você é.
— Talvez não seja uma ideia ruim, Coronel. — Angelique sorriu, eu podia sentir. — Talvez ela ajude a gente a matar cada membro daquele castelo, podemos começar com o irmãozinho dela.
— Angelique, não me provoque...
Meu corpo emanava um calor conhecido, o fogo começava a dar as caras. Meu poder gritava para sair de mim e o máximo que eu podia fazer era concentrá-lo todo em meus olhos, já que ninguém poderia vê-los.
— É a mais pura verdade! — ela se aproximou de mim e puxou meu cabelo por trás, ainda com o saco ali, fazendo minha cabeça tombar e meu rosto ficar virado para o teto. — Começaremos por ele, depois mataremos seus pais, o seu noivo, por último... Você! Porque não confiamos em você... Vadia!
— Sandcass! — alguém falou, não sabia quem, mas conhecia a voz. — Coronel Harris! — repetiu. Angelique ainda estava segurando meu cabelo com força.
— O que faz aqui?
— Acabar com essa injustiça! — queria poder estar enxergando toda aquela cena, o coronel pareceu ficar bem abalado com a visita surpresa. — Foi ela quem me salvou!
— Do que está falando? — o líder dos insurgentes parecia bravo e confuso.
— Foi a princesa que me salvou do Rei Byron! Foi por causa dela que eu consegui resgatar minhas filhas e é por causa dela que eu estou vivo! — arregalei os olhos, não controlando minha voz.
— Landon. — não era uma pergunta, era uma afirmação. Quem estava em volta pareceu ficar surpreso por eu conhecê-lo, já que não ouvi mais nem um pio nos minutos seguintes. — Meu Deus, você está vivo! — por incrível que pareça, aquilo tinha me acalmado um pouco.
— Sim, . Graças a você! — senti sua presença caminhando para perto de mim. — Vocês precisam acreditar em mim! Precisam acreditar nela! é diferente deles, ela vai nos ajudar.
— Ela ainda é uma vadia feiticeira! — Angelique gritou. — Ainda é a inimiga! Vai morrer como todos eles, Landon Harris. — Harris? Landon era irmão do Coronel? — E eu farei questão de fazê-la assistir a morte de cada um deles. — senti a mão dela acertando meu rosto. Minha bochecha ficou vermelha no mesmo instante, podia sentir.
Àquela altura do campeonato, com aquele ato, eu não me controlei mais. Angelique ameaçou quem eu amo e me agrediu na frente de todos, me diminuindo e me usando como chacota. A algema derreteu conforme meu sangue esquentava; ela sentiu o calor repentino, assim como todos ali. Levantei apenas um dedo e joguei Angelique contra a parede do outro lado da sala. Todos se levantaram no mesmo instante em que eu me levantei e tirei o maldito saco preto, deixando meus olhos à vista de todos, que estavam assustados.
Ver o rosto de cada um era revigorante.
Alguns guardas ameaçaram avançar contra mim, mas eu virei as armas deles contra eles mesmos. Com um movimento, eles tirariam a própria vida. A elementar branco simulou usar seus poderes contra mim, mas eu fui mais rápida: a prendi contra a parede e comecei a sufocá-la. Como havia derretido as algemas, meus poderes retornaram 100%, só não tão fortes quanto antes pelo tempo que fiquei sem usá-los. Olhei para o lado e visualizei dois globos azuis brilhantes se aproximando, mas não dei nem tempo para algo, prendendo contra o chão. O insurgente não conseguia se mexer, mas assistia tudo.
— Que merda...
— O painite fora da cela não é o suficiente para me prender, Coronel! — falei, indo até ele. Ele tentava não demonstrar que estava com medo, mas eu podia ver o pavor em seus olhos. — Assim que eu pisei para fora daquela cadeia, eu senti meus poderes. Poderia ter destruído tudo, mas preferi escutar vocês! — apontei para as pessoas que estavam presas. Como e Lucas, Angelique ainda estava lutando pela própria vida. — Eu estou aqui, sugerindo um acordo. Ou você aceita os meus termos, ou eu mato todos eles.
— O que você quer?
— Eu ajudo vocês, mas a minha condição é que vocês não encostem um dedo em algumas pessoas específicas. — o velho cruzou os braços. — A rainha de Howslan, os dois príncipes e a Rainha de Lennox devem ficar fora da chacina de vocês. Tenho mais nomes, posso te dar uma lista depois.
— Isso é uma piada? — ele gargalhou. Aquilo fora o suficiente para que eu fechasse a mão e o povo presente na sala começasse a gritar, com as mãos na cabeça. O homem pareceu ficar com medo disso. Os únicos que não sofriam nada eram ele e Landon, que observava tudo atrás de mim. — O que me diz? Ficará longe dessas pessoas?
— Eu aceito o acordo, . — o velho foi o primeiro a falar depois do que eu fiz. Ele me encarou nos olhos, diferente dos outros, antes de eu parar com a magia. Lucas ajudava Angelique a se levantar depois que eu a libertei do feitiço. — O que me diz, ? — o insurgente encarou a irmã e depois dirigiu o olhar para mim, se levantando do chão com dificuldade.
— Não vamos deixar nada acontecer com essas pessoas.. — disse entredentes, se aproximando. — Contanto que você fique longe de Angelique.
— É só manter sua irmãzinha na coleira, . Eu cumprirei minha parte nesse acordo se vocês cumprirem a de vocês — respondi da mesma forma. Os olhos dele já haviam mudado de tonalidade, dando indício do seu poder. — Você sabe que tenho inúmeros motivos para matá-la.
— Nós protegemos o seu irmão e você protege a minha. — o insurgente ergueu a mão para mim, para selarmos o acordo. — Sei do que você é capaz.
— Que bom que você finalmente entendeu, docinho. — sorri sem mostrar os dentes. Alguns guardas se aproximaram de mim, com armas, prontos para me pegar. Não fiz nada, apenas encarei o insurgente e depois o Coronel. — Acredito que posso ganhar algumas regalias, certo? Que tal um pouco de liberdade?
— Não confiamos em você, . — falou, cruzando os braços. — Fora que, nós dividimos os alojamentos, só quem tem família é que tem um espaço mais reservado. Você teria que dividir a beliche com outra pessoa em um balcão com mais de cinquenta insurgentes... E não é como se você fosse muito querida por aqui. — arqueei a sobrancelha, sorrindo, ladina.
— Até parece que você está preocupado, . Que bonitinho!
— Você volta para a sua cela. — sorriu, vendo a minha careta.
— Ela fica comigo e com as minhas filhas, . — Landon nos surpreendeu ao ficar do meu lado e colocar a mão em meu ombro. — É melhor do que manter sua maior arma presa. Fora que, eu devo isso a ela!
— Tem noção do perigo que está colocando suas filhas, Landon? — o Coronel questionou, inconformado.
— Vocês não a conhecem. Pintaram como um monstro que vocês mesmo criaram! — me segurei para não abaixar a cabeça. Era demais para mim, saber que alguém tinha gratidão e que me defendia sem se importar com o resto. Ainda mais um Cinza que sofreu tanto graças ao meu pai e a minha coroa. — Devo minha vida à princesa. Cuidarei dela da mesma forma que cuido de Luna e Ivy!
— Landon, não quero te causar problema algum. — sussurrei. Ele não deveria me colocar na sua vida dessa forma, afinal, eu não merecia.
— Bom, se é isso que você quer... — o Coronel deu de ombros — Lide com as suas consequências, meu irmão. E quanto a você, , haverá um guarda na porta do alojamento de Landon vinte e quatro horas por dia. Não confiamos em você.
— Que sorte a minha.
Por dentro, eu me sentia feliz e aliviada; aos poucos, eu ia conquistando minha liberdade. E, antes de ser escoltada novamente para fora da sala — dessa vez sem um saco tampando minha visão —, me virei para e lancei uma piscadinha e um sorriso ladino.
Aquilo seria, no mínimo, interessante.
Capítulo 20
Os corredores do Forte eram escuros, as luzes piscavam e eu sentia meu nariz coçar com tanta poeira que tinha ali. O lugar era subterrâneo, então era meio óbvio que aquilo fosse acontecer. Contudo, em momento algum senti falta da minha cela pequena.
Estava cercada por três guardas e jazia ao meu lado esquerdo; Landon me trazia um estranho conforto estando ao meu lado direito enquanto falava animadamente sobre suas filhas e sobre o lugar onde ele morava com elas. Não consegui conter um sorriso com isso. Uma das coisas que eu mais queria era saber como Landon estava e nunca fiquei tão feliz por ver alguém depois de tanto tempo.
mantinha os olhos de águia em mim como um predador. Não só ele, seus guardas estavam à postos para me deter a qualquer segundo. Mal sabiam que eu estava cansada de lutar e que só queria ter a falsa sensação de liberdade. Eu nunca estaria livre de verdade.
A reunião terminou muito tempo depois daquilo que fiz, o Coronel percebeu que eu sou muito mais poderosa do que ele imaginava. É bizarro ver como eles me menosprezam. Já era bem tarde quando saímos da sala, durou mais do que eu esperava pelo fato de quererem fazer acordos e me darem opções e instruções de como viver no Forte.
Algumas horas atrás...
— O que está esperando? Já pode soltar os meus homens. — o coronel falou entredentes.
— Não sou burra, Coronel, mas seus homens são. — arqueei uma sobrancelha e me sentei, cruzando as pernas, sorrindo. — Assim que eu os libertar, algum engraçadinho vai tentar me atacar e eu apenas terei que estalar um dedo para quebrar o pescoço do ser desprovido de inteligência... — o velho estava vermelho de raiva, mas tentava controlar bem aquilo. — Acredite, é um favor que eu faço para eles.
— E o que pretende? Vai segurá-los até quando?
— Até você assinar um documento com os meus termos. — dei de ombros.
— Minha palavra basta! — por um instante, quase achei que ele estava ofendido.
— Palavras são inúteis para mim! — falei. Quantas vezes não vi meu pai traindo pessoas que acreditaram na sua palavra vazia?
— E o que o acordo garante, ? — Angelique praguejou no canto da sala.
— Se... — comecei, me levantando —... um dia vocês me traírem, o acordo vai me servir como um travesseiro de plumas quando eu for dormir.
— Não entendi. — fez uma careta — É alguma gíria de rico? Ou de doido?
— É só um aviso, . — revirei os olhos. Muito me surpreendia ninguém lidar com as coisas daquele jeito, ainda mais eles, um bando de ovelhas desgarradas. — Caso um dia vocês resolvam me apunhalar pelas costas, o Acordo me dará total liberdade para acabar com vocês. Um por um.
— Não sabia que você conhecia esse tipo de pacto, alteza... — o Coronel se sentou e me fez ficar curiosa em como aquela conversa iria terminar — Cada vez me surpreendo mais com você.
— É fácil menosprezar uma mulher, não é? — sorri ladina e me sentei na frente dele —Sei como as coisas são. Fui criada no meio disso tudo.
— Angelique. — o coronel falou depois de alguns segundos me analisando — Prepare os papéis.
— O quê?
— Faça o que eu mandei, Angelique!
— Angelique? — a chamei. O rosto dela era impagável. — Vou poupá-la de muito esforço... Depois não diga que eu nunca lhe dei nada. — com a mão livre, fiz um dos papéis limpos da mesa do Coronel voar rápido até mim. Em segundos, faíscas começaram a sair dele, não demorando muito para ficar todo dourado e com as letras pretas: minha caligrafia. Os termos do nosso acordo foram muito bem arquitetados por mim, tanto que o sorriso de canto do Coronel não me passou despercebido.
— Que belo espetáculo, princesinha! — aplaudiu, me fazendo respirar fundo para não colar a boca dele no chão. — Só faltou o show de luzes. Ainda dá tempo.
— E então, Coronel? — ignorei o espantalho e apontei a ele uma das suas canetas. — Esse Acordo não queima nem com fogo, muito menos destruído com água e tampouco pode ser rasgado.
E então ele assinou e eu assinei em seguida.
Nós selamos o pacto que arruinaria a minha vida em qualquer caminho que eu pudesse enxergar. Meu plano era apenas sobreviver.
Atualmente
— Bloco seis, sala onze. — Landon sorriu olhando para a porta de ferro onde tinha uma folha com um desenho infantil. Duas meninas e um homem no meio, julgava ser Landon e as filhas. — Seu novo lar, minha querida . — a abriu, dando visão para um "apartamento" não muito grande, com um tapete no chão e um pequeno sofá. — Ivy e Luna devem estar dormindo no quarto.
— Landon, você não tem noção do quanto eu sou grata por você. — falei sem me importar com os insurgentes atrás de mim.
— Vamos conversar aqui dentro. — ele sorriu e me deu passagem. — Sinto muito, garotos, aqui dentro quem manda sou eu.
— Mas... Landon!
— Não, ! Minhas filhas moram aqui, não vou tirar a liberdade delas. Vocês mandam na dessa porta para fora, aqui dentro, ela está livre! — arqueei a sobrancelha, sorrindo atrás de Landon e debochando do insurgente. cerrou os olhos, me amaldiçoando por um instante. — Então... Boa noite!
— Está cometendo um grande erro, Landon. — um dos insurgentes falou.
— Eu estou ciente dos meus atos. — e então o homem fechou a porta.
— Isso foi incrível, Landon. Nem sei como agradecer mais uma vez.
— Deixa disso, Alteza. Você fez muito mais do que um dia serei capaz de demons...
— Por favor, pode me chamar de . Esqueça as formalidades, eu não suporto mais elas.
— Papai? — uma garotinha morena e baixinha falou no canto da porta do quarto.
— Você chegou tarde hoje! — a outra era loira, mas da mesma altura.
— Quem é essa moça? — os olhos castanhos dela, como o do pai, pousaram em mim.
— Ivy, Luna... — ele apontou para a morena primeiro e depois para a loira. — Venham conhecer uma pessoa muito especial.
— É a ? — Luna perguntou para o pai, me encarando com os olhos brilhando — É igualzinha a garota da história que te salvou do rei Byron!
— Sim, ursinha. — ele sorriu e colocou a mão em meu ombro — Essa é a , a nossa salvadora.
Fui pega totalmente desprevenida quando as duas correram e me abraçaram. Arregalei os olhos, me assustando com o afeto repentino. Não sabia reagir a isso e, aparentemente, a família de Landon era muito amorosa e adorava abraços. Senti minhas bochechas corarem e as duas riam baixinho enquanto eu permanecia travada. Landon não demorou para perceber o meu desconforto, rindo da mesma forma e colocando as mãos em meu ombro. Eu sentia que aquilo seria constante, gostava da sensação de ser acolhida, mas não estava acostumada.
— Você é a princesa que salvou nosso pai, eu nunca vou esquecer disso! — Ivy sorriu e soltou minha cintura — Obrigada!
A risada das filhas de Landon era a coisa mais fofa que eu já havia escutado na vida. Vê-los tão amorosos uns com os outros mexia comigo de uma maneira que nem conseguia explicar; acho que por ser algo que não tinha vivido e nem experimentado. As garotas, mesmo em poucos minutos, me tratavam como se me conhecessem há anos.
Landon parecia perceber a minha reação de espanto com tudo aquilo.
— Isso se chama gratidão, . Não se assuste com ela.
— É tudo bem complicado para mim. — Ivy me encarou e sorriu.
— Vai se acostumar logo, menina da história! — dei risada, apontando um dedo para ela.
— Se você me chamar assim de novo, eu vou sair correndo daqui.
— Certo, eu não te chamo mais assim. — Ivy gargalhou, se sentando em minha frente. — Papai, onde a vai dormir?
— Com a gente, né? Tem lugar no nosso quarto!
— Acho que a vai ficar em meu quarto e eu ficarei com vocês.
— Nem pensar, Landon! — falei imediatamente. — Eu jamais deixaria vocês se deslocarem por minha causa, não quero causar incômodo algum. Você já fez muito por mim. Fico contente com o sofá!
— Ah, minha querida... A cama da sua cela poderia ser comparada com a sua cama no castelo se colocar o sofá na disputa! Esse sofá é horrível!
— É mesmo! Uma vez eu dormi aqui e meu pescoço ficou doendo por uma semana inteirinha! — Luna cruzou os braços — Por favor, ... Durma no nosso quarto! Podemos ser o trio das espiãs aqui do Forte, o que acha? Ivy fica com os binóculos dela ali na janela, eu distraio todo mundo e você usa sua magia!
— O que você anda colocando para suas filhas assistirem, Landon? — questionei, rindo — Estou com as melhores pessoas dentro de um lugar onde querem meu pescoço, preciso de todos os olhos e ouvidos a postos para me contarem tudo que tramam contra mim. — Ivy comemorou dando pulinhos e Luna bateu palminhas. Landon sorriu, encarando a nós três.
— É um bom plano, pequenas espiãs. — Landon se levantou — Então vão ajeitar aquele quarto de vocês enquanto converso com a , quero vocês três na cama em quinze minutos!
— Nós três? — perguntei, achando graça e fofo ao mesmo tempo. Ninguém nunca me deu ordens para dormir, gostava da forma que Landon me tratava.
— Você é a maior inspiração das minhas filhas, quer que eu perca a minha moral com as duas garotas de dez anos? — ele sussurrou, me fazendo gargalhar — Me ajude, sou um pai viúvo.
— Certo — encarei as meninas que não entendiam o que a gente falava. — Logo estarei indo para o quarto de vocês. — as duas saíram correndo até o quarto delas —Suas filhas ainda não tem a marca. O que acha que elas são?
— Sempre muito observadora, não é? — ele sorriu — Judy era um cinza Preto. Era forte. Luna tem uma força extremamente grande assim como sua mãe, mas ela também tem o dom da levitação, não sei o que ela pode ser. Já Ivy é muito inteligente, acredito que ela possa ser uma prateada, imagine ela como professora?
— Elas são incríveis, Land. Vão ser fantásticas em qualquer área e situação. — Landon me entregou uma roupa limpa e me acompanhou até o pequeno banheiro, onde eu podia finalmente tomar um banho. Eu precisava daquela renovação.
Era incomum uma pessoa não ter a letra que denominava o que você é no pescoço. Normalmente, os Cinzas recebiam-nas até pelo menos os sete anos de idade, que era a idade limite que a realeza impôs. Landon era um Cobre, ele servia a elite. Sua esposa era como a mãe de e Angelique, preto, fortes como uma rocha. Os filhos herdavam as características dos pais, normalmente do membro mais forte — Judy. Contudo, Ivy e Luna ainda não tinham o rótulo que as definiam e meu radar sobrenatural apitava para as duas; ambas eram fortes demais para serem cinzas comuns. A teoria de Landon sobre Ivy ser uma prateada podia ser verdadeira, a garota era extremamente inteligente; além do fato de nem todos os Cinzas terem o poder prateado, eles sempre trabalhavam com a área da educação e seriam escritores ou jornalistas, isso era coisa dos elementares. Quase sempre os Elementares da terra tinham mais a ver com o ramo.
Só que algo me dizia que elas podiam ser mais.
A minha teoria era que ambas podiam ter um pé nos elementos. Era raro um cinza ser as duas coisas. A energia que as filhas me passavam era de algo forte e eu iria descobrir o que era.
Quando saí do banho, que renovou minhas energias, fui para o quarto pequeno e organizado das duas meninas. Ambas sorriram com a minha presença e pude ver que juntaram suas camas para que eu ficasse no meio delas. Havia muitos brinquedos ali, eu nunca tive brinquedos. O quarto era simples, mas totalmente aconchegante e eu me senti em casa pela primeira vez em muito tempo fora. Não tinha mais noção de quanto tempo estava longe do castelo. Longe de minha mãe, de Ophelia, de Tom... Longe de . Elas falaram alguma coisa e em seguida se deitaram, me chamando para ficar no meio, como eu havia imaginado.
Landon deu uma passada ali para averiguar e em seguida fechou a porta, apagando a luz e deixando só o abajur ao lado da cama aceso. Achava impressionante como ele confiava em uma desconhecida no quarto de suas filhas. A pessoa mais odiada daquele lugar com duas crianças lindas e aparentemente super especiais. Talvez fosse verdade aquela frase: "Gentileza gera gentileza". Pessoas gratas faziam aquilo. Aquele homem nem imaginava como eu mataria e morreria por eles naquele instante. O instinto familiar que se instalou em meu peito foi ativado no momento em que eu fui acolhida com tanto amor.
Não sabia como explicar e também não entendia como eu conseguia agir daquela forma com pessoas que eu nem conhecia. Não sabia demonstrar sentimento com palavras, mas as minhas atitudes talvez mostrassem um dia o tanto que era grata por aquele acolhimento.
Landon e sua família se achavam na obrigação de retribuir o "favor" que eu havia feito quando o salvei de meu pai, mas eles não tinham. Contudo, Landon me salvou da mesma forma que eu o salvei. Esse tipo de atitude gerou em meu coração um sentimento que não era comum.
— , você pode fazer alguma magia para a gente antes de irmos dormir? — Luna perguntou com os olhos brilhando. Não pude deixar de sorrir com aquele pedido.
— Luna, eu estou proibida de fazer qualquer tipo de feitiço aqui dentro do Forte, ordens do Coronel.
— Meu tio sempre foi um babaca mesmo. — Ivy revirou os olhos, me fazendo rir.
— Mas eu gosto de quebrar algumas regras às vezes... Não posso negar esse tipo de pedido. — as duas sorriram.
Encarei o abajur e apenas com uma piscada o objeto começou a transmitir várias cores no teto. Não me contentei só com aquilo: formas de animais, estrelas e planetas também começaram a ser transmitidos ali. As duas estavam maravilhadas com o show, não contive um sorriso com aquilo.
— , você é incrível! — Ivy falou antes de bocejar e se virar para mim, me abraçando.
— Vai ser muito legal ter você aqui com a gente. — Luna imitou a irmã.
No começo, fiquei desconfortável com aquela atitude; as duas dormiram abraçadas comigo e eu estava ali, paralisada. Me forcei a suspirar e aceitar que aquilo era o meu destino agora. Me obriguei a acreditar, pelo menos naquele momento, que alguém ainda sentia algo por mim; que eu era amada. Naquela cama, naquele instante, com aquelas duas pequenas garotinhas, eu aceitei e permiti ter a sensação do afeto que eu tanto fugia.
Amanhã seria outro dia.
Capítulo 21
Tudo estava estranho e desconexo.
O ar rarefeito do castelo parecia me sufocar e fazer minha cabeça doer, mas eu sabia que tinha de estar ali por alguma razão que ainda me era desconhecida. Minha visão era distorcida e me sentia como se eu não pertencesse àquele lugar. Ou melhor, aquele palácio.
Espera... Eu voltei para o castelo? Os insurgentes me liberaram assim do nada? Ou tudo não se passava de uma ilusão? Um sonho?
— Querido, você precisa descansar! — mãe?
Por um momento, senti meu peito se encher de algo que eu sabia muito bem o que era, mas que raramente sentia: saudade. Queria abraçá-la, beijá-la, falar que estava tudo bem e que eu estava viva — e bem, para todos os efeitos —, mas eu não podia. Não tinha controle algum das minhas ações. Parecia até que estava sendo controlada por algum feitiço de hipnose, como se o feiticeiro em questão estivesse me prendendo no lugar para evitar uma fuga, uma atitude inesperada (ou esperada?).
Então era isso? Eu saí de uma prisão para entrar em outra? Por que estavam me prendendo desse jeito em meu própr...
— Não vou descansar até encontrá-la, Louise! — espera aí, essa não era a minha voz. Pelo menos, não como ela soava antes. Por que chamei minha própria mãe pelo nome?
— Meu amor, você não vai conseguir encontrá-la se estiver duro no chão sem forças porque não descansa regularmente. Nós iremos prosseguir com as buscas pela noite e, quando acordar, vai ter um relatório completo no seu escritório. — Debbie, elegante como sempre, tinha uma expressão cansada e preocupada no rosto.
Ok, era hora de me explicarem o que diabos estava acontecendo aqui!
— Você sabe que eu não vou conseguir dormir, mãe! — por que eu estava me referindo à Debbie como mãe? Minha mãe está aqui do meu lado esquerdo, essa mulher ao meu lado direito é minha sogra. Ou era. — está sumida há dias e nem sinal dos insurgentes nós temos! Como você quer que eu durma com isso na cabeça?
? Certo, isso está começando a me assustar.
— Filho, se ela estivesse morta, seria a primeira coisa que eles esfregariam na nossa cara. - a mãe do meu noivo falou calmamente — Estão a mantendo como refém para conseguirem algo em troca. Creio que essa procura toda pela nem seja tão necessária, já que eles devem entrar em contato com a gente quanto à negociação em breve. — era estranho, eu queria gritar e não conseguia.
— ?
— Outra coisa, , eu te disse para confiar em mim e em . Ela vai sair dessa! — por que minha mãe se referia à se eu não o via em lugar algum desse cômodo em que estávamos? — Não se esqueça de que é da minha filha que estamos falando.
— ?
E o mais importante: o que estava fazendo no castelo gritando pelo meu nome?
Acordei num pulo de supetão assim que jorraram uma água muito gelada no meu rosto. Minha respiração estava extremamente desregulada e eu já não sabia mais se o molhado em minhas roupas se dava pela água ou pelo suor, porque com certeza eu havia suado. Meu corpo inteiro estava quente, quase pegando fogo, e pulsando de um jeito que nunca acontecerá antes.
Por um momento, fiquei triste ao me dar conta de que tudo não se passou de um sonho e que eu ainda estava no forte — ou melhor, na casa de Landon—; mas esse sentimento desapareceu no minuto em que ergui meus olhos e vi quem estava ali.
Ou melhor, quem tinha jogado água na minha cara.
— Em minha defesa, você estava pelando de tão quente e se contorcendo inteira. Eu vim checar se tudo tinha ocorrido bem e, enquanto eu e Landon conversávamos, Ivy apareceu, falando que você estava murmurando coisas desconexas. — tratou de se explicar assim que eu o encarei de cara feia. Devo até ter rosnado, como sempre.
— E precisava jogar água gelada em mim, seu idiota?
— Eu te chamei três vezes e nada de você acordar. Tentei te sacudir, mas quase queimei os dedos. — o insurgente se defendeu, me fazendo revirar os olhos — Água foi a melhor opção.
— O que houve? — perguntei, passando a mão no rosto.
— Eu acabei de te explicar, , qual parte você não pegou?
— Não, não com isso. Eu estava no castelo e...
— Castelo? Você saiu do castelo já faz mais de uma semana. Deve ter sido um sonho.... Ou um pesadelo. — deu um riso nasalado.
— Mas foi tão nítido...
— Bom, eu não faço ideia sobre qual sonho doido de feiticeiro você anda tendo, mas você está atrasada para a reunião das dez.
— Espera um segundo... Quem te deu permissão para entrar no quarto? Eu estou indecente, seu tarado! — ataquei um travesseiro em sua direção quando me dei conta de que estava vestindo as roupas de dormir (de criança, vale ressaltar) das filhas de Landon.
— Eu nem tinha parado para prestar atenção nisso até o exato momento. De qualquer forma, você tem trinta minutos para se arrumar e, ... — parou com a mão na porta, já fora do quarto, e com um sorriso ladino estampado no rosto enquanto percorria seus olhos por toda extensão de meu corpo. Fiz uma careta, esperando pela pérola que eu sabia que viria — ... Belo pijama de ursinhos.
Antes que outro travesseiro o acertasse, fechou a porta correndo e dando risada.
Suspirei fundo, tentando fazer a mais forte das meditações para que conseguisse reunir paciência o suficiente para sobreviver àquele dia. Só com a menção de uma reunião logo pela manhã, já tinha arrepios, me lembrando das reuniões da realeza.
Não saberia dizer qual era pior...
— Graças a Deus, você está bem... Espere, por que você está molhada? — Ivy voltou ao quarto correndo, abrindo a porta com tudo e me fazendo levar um susto. — Desculpa pelo susto!
— Não, está tudo bem. Quanto à água, avise ao que da próxima vez que ele vier até nosso quarto, eu arrancarei os dois olhos dele e usarei de espetinho de trasgo.
Por um momento, esqueci de que estava lidando com uma criança e não com um adulto capaz de compreender e relevar o meu mau humor e sarcasmo, mas quando ouvi a risada gostosa que só alguém inocente poderia dar, relaxei meus ombros e me deixei rir um pouco também.
— Ele me mandou vir te apressar e entregar isso. — me estendeu um conjunto de roupas e uma bota. — Ele disse que não sabia o seu tamanho, então roubou isso da irmã dele já que "Mulheres malucas sempre vestem as mesmas coisas". Palavras dele! Até fiz cara feia, quem ele pensava que era para definir mulheres assim?
— Babaca! — dei um riso fraco enquanto pegava a muda de roupas da mão de Ivy, que apenas sorria, alegre. — Obrigada, Ivy. É bom ter uma breve noção do que seria se eu tivesse uma irmãzinha mais nova. Ainda mais sendo alguém tão inteligente como você. — os olhos dela brilharam de alegria e, no segundo seguinte, já estava sendo abraçada.
Pega pela surpresa do ato, fiquei uns segundos sem saber como reagir, com as mãos ainda estendidas, segurando as peças, mas quando me dei por mim, já a apertava em meus braços.
É, teria de me acostumar com abraços.
— A princesinha não chegou ainda? Francamente, por que vocês ainda estão levando esse papinho de colaborar a sério? Tá na cara q...
— A princesinha que vos fala chegou exatamente no horário indicado. Aliás... — interrompi o que Angelique dizia assim que cheguei na sala de reuniões. — ... Trinta e sete segundos mais cedo, ainda por cima!
— Bom dia, majestade! — nem fiz questão de identificar a pessoa que frisou o termo de uma forma totalmente pejorativa. Os insurgentes usavam aquilo como uma ofensa.
— Certo, posso saber sobre o que seria essa reunião?
— Sobre você? Dãã.. — tinha para mim que Angelique não me tiraria do meu estado de espírito naquele dia por nada, então apenas virei minha cabeça em sua direção e dei um sorriso amarelo.
A sala em que estávamos era toda branca, digna de coisa de filme mesmo, não fosse as partes mofadas da parede e uma extensa mesa no meio, longa o suficiente para comportar todos os vinte insurgentes que faziam parte do comando. O Coronel, obviamente, ficava em uma ponta, com os irmãos metralha logo ao seu lado: do direito e Angelique do esquerdo. Na outra ponta da mesa, estava sentada uma mulher loira que eu nunca havia visto na vida, mas julgava ser alguém importante, senão, não estaria ocupando o lugar. O restante não era importante para que eu perdesse meu precioso tempo analisando, mas o fato de terem reservado um lugar no meio da mesa para mim, me deixou intrigada.
— Não vai se sentar, Alteza?
— Eu estou bem aqui, Harrison! — respondi o Coronel assim que cruzei os braços, atrás da cadeira em que eu supostamente deveria estar sentada. — E, fazendo um favor, me chame de daqui por diante.
Por um momento, a sala inteira pareceu perder a cor e uma tensão se instalou no local.
É, parece que o Coronel não estava acostumado a levar foras. Para tudo se tem uma primeira vez, certo?
— Tá com medo de nós, docinho!? — e claro que ele tinha de fazer algum comentário. Pelo menos quebrou o silêncio.
— De você? Nunca, nem nos meus piores dias, docinho!
— Certo! ... — o Coronel coçou a garganta e começou, cheio de deboche. —... O principal motivo dessa reunião, além da sua ilustre presença, de fato, foi que, nós, da liderança, concordamos que antes de tudo você precisa ser treinada como um insurgente.
— Dispenso os treinos, Coronel. Já estou farta de aulas sobre como devo usar meus poderes cont..
— Treinos de luta corporal, ! — encarei com uma cara confusa. Por que luta corporal seria importante nessa altura do campeonato?
— Mas se eu tenho meus poderes, por que iria querer usar meu corpo? Digo, eu sou uma feiticeira, consigo derrubar alguém só olhando para a pessoa!
— Mas você estaria preparada para, por exemplo, lutar em um campo cheio de Painite? — arqueei uma sobrancelha para o elementar de água. — Foi o que eu pensei!
— Aposto que nem sabe dar um soco! — claro que ela tinha de comentar algo, era insuportável, assim como o irmão.
— Quer testar? Na cara, para ver se sou forte o bastante.
— CERTO! Aqui você vai aprender a lutar em qualquer tipo de situação possível. O que fazer quando puder usar seus poderes, o que fazer quando não puder, lutar debaixo de uma tempestade, debaixo de uma nevasca. Vamos preparar você como a realeza deveria preparar o exército deles: esperando qualquer tipo de imprevisto. — Coronel Harrison ia enumerando com os dedos enquanto falava.
— E quem te garante que a gente não treine desse jeito? — ele sorriu.
— Simples, por que não conseguiram nos deter quando te pegamos?
— Porque ninguém esperava um ataque à luz do dia... Foi por isso que marcamos o casamento à tarde! Esperávamos por algo na festa, não no casório. As granadas de ar também foram uma boa jogada, tenho que admitir. — disse, pensativa, enquanto me lembrava dos detalhes do casamento arruinado.
Se bem que, lá no fundo, eu acho que agradecia aos insurgentes por isso. Não por terem me afastado de , mas sim por terem evitado o que eu mais temia.
— Sim, isso e mais uma junção de fatores que nos favoreciam naquele momento, e é isso que vamos ensinar a você também: estratégia de ataque e luta corporal. E você terá o treinador mais gostoso do mundo todo... — tomou a palavra, fazendo o coronel segurar uma revirada de olhos. Parecia que ele gostava do senso de humor do seu braço direito.
— O quê? — fingi estar alegre — Não me diga que o delicioso príncipe da Grã-Bretanha vai vir aqui pessoalmente me dar umas aulas?
— Nah, alguém muito melhor que esse príncipe de segunda aí.
— O da África do Sul? — fiz biquinho, vendo-o cerrar os olhos para mim.
— Já terminaram? — Harrison interrompeu minha pequena encheção de saco com , que balançou a cabeça, rindo. — Você começa os treinos físicos amanhã, ; hoje você vai conhecer o complexo e o vai ser seu guia. Sem discussão...— aumentou o tom de voz quando viu que tanto eu quanto o homem iríamos reclamar — Ele também vai te levar para tirar suas medidas, para você não precisar ficar pegando roupas emprestadas. Uma Angelique só já é o suficiente!
— É agora que uma das duas surta por terem sido comparadas? — ouvi alguém cochichando. — Esse Harrison é fogo, adora ver briga.
— BOM! — antes mesmo que Angelique pudesse abrir o bico para protestar, o Coronel voltou a falar, fazendo-a ficar mais vermelha do que já estava — Creio que seja só isso por hoje. , vai te guiar hoje e vai também dar seus horários de atividades. Às quatro da tarde, não podemos esquecer da aula de protocolo e..— e de repente a sala inteira explodiu em risadas altas, me fazendo dar um pulinho de susto e encarar o coronel com a cara feia. — Certo, certo! Vamos apenas te dar o calendário de reuniões, o resto você vai ter que se acostumar. Dispensados!
Com o passar dos minutos, a sala foi se esvaziando e apenas o Coronel, a mulher loira da outra ponta e mais umas três pessoas bem-vestidas e de idade já avançada ficaram sentadas. É, parece que eu já sabia quem eram os líderes dos líderes!
— E aí, Guia Turístico! Qual a nossa próxima parada?
— Engraçadinha, ha ha. — revirou os olhos assim que o alcancei no corredor — Quase me esqueci de que você seria meu fardo por um tempo. — me olhou por cima dos ombros — Quase!
— É, docinho, eu sou seu karma. O que será que você fez de tão ruim na vida passada, hein?
— Deve ter sido uma princesa feiticeira muita chata e patética, que foi sequestrada por rebeldes e que fez toda uma revolução ir ralo abaixo. — Angelique chegou do além para desalinhar meus chakras que eu já prometi que ela não desalinharia. — Não, espera... Essa é você!
— Nossa, muito bem observado! Já tentou jornalismo? Você cairia muito bem como a mulher do tempo que sabe tudo! Ou em um programa de fofoca! — continuei andando, enumerando com os dedos o que ela deveria fazer.
— E você, já tentou o circo? Soube que precisavam de uns mágicos. Se bem que, você se sairia melhor no papel de palhaço... — a encarei com a sobrancelha arqueada.
— Já chega, pelo amor de Deus! Angelique, você não tinha treinamento agora? — entrou no meio de nós.
— Tenho sim, inclusive estou atrasada. — e antes mesmo de sair de perto, ela se virou para nós com os olhos brilhando em... Maldade? — Sabe o que eu estava pensando...
— Oh, você pensa? — fingi estar surpresa.
—... que como a gente não tem noção do nível de capacidade corporal da princesa, deveríamos impor uma luta de demonstração. — no mesmo instante em que eu engoli em seco, ela aumentou mais ainda o sorriso de escárnio, mas eu nunca daria para trás numa afronta dessas. Mesmo que eu provavelmente apanharia feio.
— Ah, é? Tá afim de levar aquele soco na cara mesmo, né, Angelzinha? — a careta dela foi o bastante para eu saber que aquele apelido seria algo a me agarrar para irritá-la.
— Sua voz me enoja, o jeito que você me chama me enoja. Você me enoja, . Mal posso esperar para acabar com você no ginásio.
— Se isso é um desafio, pode apostar que foi aceito!
— ... — tentou, balançando a cabeça negativamente como quem temia pela minha vida.
Engraçado, o homem que me sequestrou agora tinha medo de eu apanhar de sua irmã? Não poderia ligar menos.
— Então me encontre lá assim que você terminar sua listinha de afazeres hoje. E, ... — parou de andar para se virar e me encarar. — ... Se prepare!
— VOCÊ É LOUCA? — gritou assim que chegamos na sala das costureiras do forte. Sim, eles tinham costureiras, até porque precisavam vestir algo que os ajudassem na hora dos ataques, principalmente os elementares.
— Você parece um maluco gritando desse jeito com esse cabelo espetado! — provoquei, indo até o centro da sala onde as mulheres falaram para eu subir.
— Acha que tenho tempo para ficar passando pomada no cabelo? — o insurgente parecia ofendido — Não sou o seu príncipe.
— Não precisa me lembrar disso, é meio óbvio que você está mais para um ogro das montanhas do que um príncipe gentil e educado como o . — gargalhei e me encarei no espelho. Eu estava horrível, nada parecida com a princesa que vestia joias da cabeça aos pés e vivia maquiada. Por sorte, não deu tempo de ninguém perceber.
— Meu nome é Tânia, eu faço as roupas conforme as necessidades dos insurgentes. — concordei com a cabeça — Você é a princesa feiticeira, creio que não há nada muito grandioso para você por aqui.
— Vocês me subestimam demais. — respondi. A mulher cruzou os braços e me encarou, questionadora — Me contento com qualquer coisa.
— Certo, qual é o seu elemento? — e ignorou o que eu havia acabado de dizer.
— Qualquer um deles, Tânia. — respondeu, dando de ombros por mim.
— Qual elemento você domina, ? — ela reformulou a pergunta e deu um sorrisinho. Parece que ele tirava qualquer um do sério.
— Fogo.
— As roupas dos insurgentes são padronizadas de acordo com o nível de cada um. Os cinzas, Cobres, Pretos e assim por diante, usam um uniforme específico para ajudá-los em sua função. — concordei com a cabeça — usa um que o ajude na água e que ele consiga ter bons resultados através disso. Angelique domina o ar, o uniforme dela é compacto para que não tenha nenhum imprevisto.
— Eu percebi. — sorri amarelo, vendo a roupa feita exclusivamente para ela em meu corpo.
— A sua vai juntar todos os elementos e, para completar, não vai queimar como um uniforme comum queimaria com fogo. — achei aquilo impressionante, como ela faria isso? Como se pudesse ler meus pensamentos, ela respondeu — Sou uma cientista, a raridade dos cinzas.
— Nunca conheci alguém como você. — cientistas entravam na área dos Terras. — É um prazer e uma honra.
— Você não é tão ruim quanto eu pensava e quanto falavam... — a costureira encarou o insurgente, que fazia a água do bebedouro flutuar até sua boca — Já falei para não usar esses truques aqui! Se você molhar alguma coisa, eu costuro os seus dedos!
— Por favor, eu imploro!
— Que tal começarem logo? Não tenho todo o tempo do mundo para você, princesa. — revirei os olhos.
Tânia tratou de pegar seus equipamentos e a dar ordens para todas as suas ajudantes.
— Você! Vire de costas. — apontou para o insurgente, nem dando tempo para ele reclamar — Você! Tire as roupas.
Fiz o que ela mandou, me encarando apenas de calcinha e sutiã. Me sentia péssima olhando para àquela pessoa no espelho, totalmente diferente da do castelo. Eu estava magra demais, com vários hematomas pelo corpo e cascas de ferimentos que se curavam lentamente, fora as olheiras no rosto. As funcionárias de Tânia e ela mesmo eram ágeis e rápidas, em menos de cinco minutos elas já estavam anotando e separando os tecidos específicos para mim. Olhei para o espelho novamente e encontrei espiando por cima dos ombros, tomando cuidado para não ser descoberto pelas costureiras. O insurgente, porém, não encarava o meu corpo; ele olhava nos meus olhos. Parecia saber que estava infeliz, mesmo eu querendo não demonstrar aquilo.
— Gosta do que vê, docinho?
— Até que sim... — ele deu de ombros.
— Mais meia hora e já terá sua roupa. Pode se vestir, querida. — Tânia apareceu, sorrindo. — E você, falei para não espiar! — deu um tapa na cabeça de .
— Ei! — ele reclamou, ofendido. — Vou molhar todo o seu estúdio!
Revirei os olhos. Me sentando ao lado de e ficando calada, observei o local onde eu me encontrava: era claramente mais iluminado que o forte inteiro, grande e organizado. Tânia e suas companheiras eram precisas e rápidas, não perdiam tempo com qualquer coisa e seguiam as ordens da mais velha como ninguém. Vê-la trabalhar no canto específico onde ela fazia a "mágica" dela acontecer, era tranquilizador, sua expressão amenizava e ela ficava mais leve, visivelmente.
— Não tem laboratório no castelo? — perguntou, mexendo na pulseira que eu tinha no braço, a que os insurgentes me entregaram quando aceitei o pacto. A minha era lilás, diferente da de , que era azul, e a de Angelique, que era branca. Aquilo nos diferenciava naquele momento.
— É claro que tem. — não tirei meu braço dali.
O Elementar parecia nem ter se tocado de que estava encostando em mim sem ser para me irritar.
— Então, por que você parece estar maravilhada estando em um laboratório de quinta categoria? — touché.
— Não costumava frequentar o do Castelo e meu pai nunca permitiu que eu permanecesse lá... afinal, o que uma feiticeira descontrolada poderia fazer naquele lugar? — o insurgente riu e eu segurei um sorriso — Ele achava que eu ia explodir o castelo.
— Mas você pode explodir qualquer lugar só estalando os dedos, o que te impedia? — questionou, me fazendo ficar pensativa. Era verdade. Mesmo descontrolada, eu era controlada.
— Motivo e vontade nunca me faltaram. — admiti — Mas eu sempre fui controlada, as minhas ações, meus pensamentos... Minha magia. — aquele assunto estava muito íntimo para quem me odiava. Eu não deveria dar informações que poderiam me prejudicar mais para frente. — Contudo, agora eu explodiria você sem nem pensar duas vezes...
— Ah... — ele gargalhou, colocando a mão na barriga — Princesa, de longe eu sou uma das suas pessoas preferidas nesse lugar.
— Não quero nem ver a que eu mais odeio, então. — sorriu e se levantou. - Gosto de ter o seu ódio, é recíproco. — me levantei também, indo até ele. Estava com um roupão, já que a roupa de Angelique me dava coceira e asco.
— Jura? Não parece, docinho... — coloquei a mão em seu ombro delicadamente — O jeito que você se importa...
— Precisamos de você viva. — ele respondeu rápido, tentando não demonstrar que estava nervoso com o contato próximo repentino.
— E o jeito que você me olhou agora há pouco? — arqueei uma sobrancelha, o fazendo ficar em silêncio. O suficiente para me fazer sorrir — Está tudo bem, pode olhar à vontade... Nunca vai ter isso aqui para você mesmo.
— Não torne isso um desafio, . — segurou meu braço, me fazendo virar para ele bruscamente logo após tentar dar as costas. — Eu nunca perco. — estávamos próximos um do outro, mas não consegui respondê-lo. Tânia nos chamou bem na hora.
Estávamos indo em direção ao ginásio depois de mais algumas horas fazendo as coisas da listinha medíocre que o Coronel me deu. Conhecer o Forte estava sendo cansativo, o local era grande e com muita informação. Por sorte, eu tinha boa memória.
Angelique havia me convocado para uma disputa onde eu ganharia a qualquer custo. A reunião mais cedo me mostrou que os insurgentes eram mais inteligentes do que mostravam, foi uma jogada de mestre o treinamento de luta corporal; meu pai achava que estava há anos luz na frente deles, contudo, meus novos aliados eram mais perigosos do que imaginávamos.
O ginásio era dentro do forte, cheio de arquibancadas, e o chão era vermelho, a luz ali era mais forte do que em todos os espaços do enorme local. Os insurgentes ali treinavam juntos, pude até ver Lucas socando alguém bem no meio do rosto; rapidamente um Curador correu até o meio do campo.
A minha roupa era preta, o padrão de vestimenta deles, e havia algumas faixas lilases em lugares específicos. tinha as faixas azuis, Angelique tinha as brancas e os cinzas
usavam as suas cores secundárias. Pude ver a radiante ruiva usando uma arma do outro lado do campo em um dos bonecos preparados para isso: mira. Em um outro canto, a loira que estava quieta do outro lado da mesa do capitão, usava um arco e flecha.
Era algo que eu me interessava.
— Você terá que se especificar em alguma arma também, docinho. — falou atrás de mim.
— Não uso armas. Meus dedos são poderosos o suficiente...
— Aqui você não vai usar muito eles. — o garoto riu. Logo vimos sua irmã se aproximando e sua expressão se tornou rígida e séria. — Você não precisa aceitar essa luta agora. Não tem preparo o suficiente e...
— Ah, que roupa de Barbie é essa? Tânia está mesmo perdendo o jeito. — sorri, me virando para ela e ignorando o que o outro falava.
— Está com inveja? Tânia me adora. — a careta dela foi impagável. Parecia que não aceitava o fato de alguém não me odiar. — Fique tranquila, não quero roubar o seu posto de mimadinha favorita.
— E nem vai. — a ruiva bufou, para logo depois chamar a atenção de todos. — Anuncie a luta, .
— Não haverá luta alguma. — ele cruzou os braços.
— Está fugindo, princesa?
— Nunca. Anuncie a luta! — prendi o cabelo em um rabo de cavalo. Angelique sorriu e caminhou até o meio do campo do ginásio, atraindo a atenção para si — Não fique com medo, docinho. Sua irmã vai sair viva daqui. — caminhei na frente dele. me chamou, estava sério e muito tenso.
— Angelique dá belos socos, mas você é baixinha e rápida, logo, é mais ágil, consegue desviar. — escutei as instruções com atenção, mesmo que parecesse ser com indiferença para ele — Use as pernas, atingir a barriga é importante às vezes, rasteiras também dão certo. Use sua altura ao seu favor.
— Obrigada, . — sussurrei quando ele passou por mim.
Logo o meio do ginásio estava vazio e as arquibancadas cheias. Escutei milhares de vozes e o campo concentrado de gente não era bem uma coisa boa. Ninguém torcia para mim.
— ATENÇÃO, INSURGENTES! — a voz grossa de me fez arrepiar. O silêncio que se instalou foi o suficiente para minha ansiedade atacar. — Deem boas-vindas à nossa mais nova integrante! E para recebê-la da maneira correta, vamos ver como ela se sai em uma luta corporal contra Angelique .
— Eles me adoram. — ela sorriu, acenando.
— Assim como adoram o meu pai. — o sorriso dela se desfez.
— Eis como vai funcionar a disputa! — encarei . — Vocês têm o direito de usar magia apenas uma vez durante toda a disputa! Vai durar até o momento que a primeira cair e não se levantar mais. Os curadores estarão à postos a qualquer momento.
Isso seria, no mínimo, interessante.