Capítulo 22
Estava exausto.
Mais uma vez voltando para casa sem a princesa ao meu lado; estava me causando mais trabalho do que imaginava. Doía não ter seu humor áspero por perto, ou suas piadinhas sem graça e suas queimaduras planejadas. Às vezes eu ia até seu quarto só para sentir de novo o seu cheiro, para que ele não saísse da minha mente. Já fazia semanas que ela fora levada e ainda não sabíamos por quem. Contudo, desconfiávamos. Os nossos inimigos mais próximos eram os de países que queriam acabar com a monarquia feiticeira: Elementares que não aguentavam ter alguém acima deles. O pior erro do ser humano. A ganância estava dominando absolutamente tudo, porque não existia nada maior que um feiticeiro. E éramos poucos, mas ainda assim, presentes; para o desespero deles e a nossa alegria e satisfação.
A Corte feiticeira escondia bem as crises, mas não significava que estávamos tranquilos com esses ataques constantes contra a Coroa. Muitos feiticeiros caíram e nada impedia que fôssemos os próximos. Entretanto, com essa aliança com Howslan, ambos estávamos protegidos e esperançosos sobre termos novos controles. Byron não podia ser o mais afetado em tudo isso: eu odiava olhar para o seu rosto fingido de quem havia acabado de perder a filha e estava preocupado ou triste, mas eu sabia que era tudo atuação, ele só estava preocupado mesmo com nossa colaboração. A jogada de mestre do meu pai o impediu de cantar a vitória no dia do noivado, mas não me impediu de continuar lutando por e sua volta. Charles era um idiota arrependido e todas as vezes que nos encontrávamos, era para brigar um com o outro, afinal, ele achava que era o único que entendia o que estava acontecendo. Como se a gente realmente soubesse de fato: ele entendia de guerra, assim como eu, só que não entendia a mente de um sequestrador — ou sequestradores. Não saber o motivo do sequestro de estava nos matando, qualquer pessoa entraria em contato em alguns dias, mas eles não davam sinal algum sobre a princesa. Charles acreditava que era coisa de algum país inimigo. Uttara era um dos principais suspeitos, mas eu não achava que fosse. Eles descartaram a possibilidade de ter sido os insurgentes, menosprezam a capacidade dos Cinzas, só que eu não. Eu sabia que havia sido eles. Contudo, mesmo sendo um príncipe renomado, de nada valia a minha voz em Howslan sem ao lado. Era difícil receber ordens quando, em meu país, eu quem as dava. Me casar com me faria ser assim para sempre: sem voz. Mas eu gostava dela o suficiente para aceitar isso, afinal, não me importava com os títulos destinados a mim.
— Céus, eu não aguento mais esse clima de enterro. — Jade falou no meio do nosso jantar.
Byron ainda mantinha isso todos os dias desde que perdemos . Alguns agiam como se tudo estivesse normal, como Jade. O dono do castelo de Aseena também parecia esquecer que a filha estava desaparecida.
— É difícil não ter aqui, Lady Jade. — minha mãe respondeu com toda a delicadeza — Comer enquanto não sabemos como ela está, é complicado.
— Mas o mundo não acabou por causa disso. — ela retrucou. Encarei Charles, esperando uma resposta à altura, mas o rapaz ficou quieto. Frouxo.
— Se quer um clima melhor, volte para o seu país. — falei, sem conseguir controlar minhas palavras. Senti minha mãe me dando um chute por debaixo da mesa. — Esqueci que lá também está com o clima de enterro, depois do ataque que vocês sofreram de Vancur.
Os ataques continuavam em países com monarcas feiticeiros, mas estávamos surpresos pelo país de Jade ter sido atacado da forma que foi: invadidos na surdina, colocaram fogo em uma cidade inteira. Nossa teoria era de que Vancur estava punindo os monarcas LaMontagne por estarem se envolvendo com nós, ainda mais os . Para o meu alívio, Lennox estava bem protegido depois de tanto esforço para fortalecermos as fronteiras.
— Você foi completamente antiético com seu comentário, .
— E você não foi com o seu? — dei de ombros. — Estou cansado dos seus afrontes contra , mesmo com ela sequestrada e desaparecida! Estou cansado até do seu noivo não fazer nada para controlar essa sua língua de cobra! Até quando vocês vão agir assim?
— Pelo menos Charles me ama. O que você recebeu de ? — ela se levantou e eu comecei a rir.
Aquilo era cômico.
— Jura? — encarei Charles. Havia pegado o sucessor de em um dos quartos esquecidos com uma das melhores amigas da minha noiva. Pelo que me lembrava, havia me dito que Candance e Charles sempre foram próximos. — Bom, posso te garantir que uma coisa eu sempre tive de : respeito. Já não posso dizer o mesmo sobre... vocês
— Já chega. — Byron interviu — Controle sua noiva! — ele rosnou para Charles. Lembrei de quem puxou essa mania horrível. — Ou eu mesmo controlarei. Não se esqueça que é o futuro rei de Howslan e de Lennox. Deve ser tratado como tal.
— Perdão, majestade. — Jade respondeu, vermelha de raiva.
— E Jade ainda é uma dama. Também deve ser respeitada como tal.
— Certo, sinto muito. — falei apenas por falar. Não me importava com os sermões de Byron.
— Estamos à procura de e não descansarei até encontrar minha filha. — ele falou, encarando todos da mesa.
— Viva ou morta? — questionei.
Quando o silêncio se instalou, eu me levantei e me retirei do recinto.
Estava em meu quarto, sentado na minha cama, quando decidi que iria sair daquele castelo que tanto me sufocava e me fazia mal. Decidi também que iria usar das táticas de para escapar de lá. Os corredores secretos e o bar que ela me levava, seria o meu próximo destino para me distrair de todo esse circo e quem sabe ver se conseguia alguma pista de seu paradeiro.
Como não estava nem um pouco a fim de socializar com qualquer um do castelo, acabei por não pedir uma troca de roupas mais simples e usei as mais parecidas com as dos cinzas que eu tinha: uma calça jeans preta, uma camiseta polo cinza e uma jaqueta de couro também preta. Cores neutras, esperava que me camuflassem na escuridão da noite.
Feito o caminho até o estábulo, minha mente foi bombardeada com as memórias que aquele lugar me trazia, e por um momento me vi encarando a salinha em que tive minha primeira noite com a princesa. Consegui até rir um pouco da ironia que era, futuros rei e rainha de Howslan tendo sua primeira transa num chão sujo e empoeirado de um estábulo. Com toda certeza fora a mais especial de todas!
Cheguei perto da parte onde Lavender ficava e passei a mão em sua cabeça, alisando os fios brancos de seu pelo enquanto a égua relinchava de satisfação ao me reconhecer. Com certeza sentia falta de sua dona!
— Eu a trarei de volta, é a nossa promessa!
Pude jurar que havia um brilho diferente em seu olhar, mas não fiquei por muito mais tempo para não dar na telha que sairia do castelo naquela noite, indo direto para meu cavalo.
A vila não havia mudado muito desde a última vez em que estivera aqui; tampouco a pequena cabana onde costumava deixar Lavender. Parecia tudo normal desde o desaparecimento e eu estava cansado de só pensar nisso. Deixei meu cavalo no lugar de sempre e logo tratei de ir em direção ao bar que conhecia. O vilarejo me parecia bem mais movimentado do que das últimas vezes em que eu vim para cá e muito me surpreendia isso, já que muitos dos Cinzas estavam sofrendo ainda mais com a Crise monetária. Podia não parecer, mas depois que desapareceu, Byron e Charles abaixaram ainda mais a renda deles. batia o martelo e lutava para que eles tivessem um valor rentável melhor — mesmo que fosse um pouco mais do que recebiam agora — e agora, o rei fez questão de cortar as coisas que a filha fizera pela minoria. Isso, obviamente, revoltou os Cinzas e com total razão. A rebelião que havia nos atacado na Base vermelha quando cheguei no país, tinha voltado a dar as caras e os animais com Coroa insistiam em ignorá‐los.
Entrei no bar conhecido e cumprimentei a senhora que ficava no caixa, ela sempre fora simpática e receptiva. E nunca deixei de reparar na forma que sorria para ela, uma das poucas pessoas que tinham isso da princesa e eu a admirava por isso. Essa senhora devia ser um anjo para conseguir o mínimo de afeto da futura rainha. Me sentei no balcão e ela logo me serviu com uma cerveja gelada. Fiquei escutando a música fraca que invadia o ambiente e fazendo uma breve varredura do local: havia um grupo de adolescentes (que duvidava ter idade o suficiente para frequentar aquele tipo de bar) bêbados, jogando algum tipo de jogo com cartas, uns alcoólatras espalhados aleatoriamente e, do lado oposto à eles, um casal de idosos que conversavam animadamente enquanto dividiam uma porção de batatas fritas. Gastei uns minutos a mais os encarando, desejando que eu pudesse ter uma vida e uma velhice tranquila e simples como eles, mas o universo era muito irônico e eu infelizmente não teria esse privilégio! Ao menos, uma coisa parecida eu poderia ter se lutasse: uma parceira ao meu lado. Alguém com que compartilharia minhas aventuras e faria história em um país que reconstruiríamos do zero, cheio de ajuda e privilégio àqueles que não possuem muito. Voltei a olhar para a senhora, que sorria ao encarar algo atrás de mim e não pude evitar sentir algo fraco me atingindo, um frio diferente.
Não estava frio dentro do bar!
Olhei em volta mais uma vez e fiquei atento quanto aquilo, afinal, brisa fria no pescoço não era normal. Não para mim. Eu ainda era o futuro rei de Lennox e consequentemente, de Howslan; poderia ser reconhecido por algum Cinza e essa pessoa poderia me achar igual aos seus Superiores, mesmo eu não sendo como Byron ou Charles.
— Sabe... É difícil receber uma visita real, Alteza! — alguém falou se sentando ao meu lado, bebendo um gole da própria cerveja. Olhei calmamente de canto de olho para o indivíduo e não o reconheci de primeira. Ele tinha olhos azuis, que se mostravam dessa cor graças à luz fraca que havia em cima dele. As roupas não pareciam de um Cinza comum. — Vou ter que admitir que é uma surpresa.
— Não sei do que você está falando. — respondi tranquilamente, dando um sorriso de canto e virando meus olhos para frente novamente.
— Você acha que trocando de roupa vai anular o rostinho de príncipe que você tem? — o homem riu e se virou para mim, curioso com o que eu falaria.
— Vou levar como um elogio ser comparado a um príncipe. — encarei o rapaz, que estava arqueando a sobrancelha. — Agora, se me der licença... Preciso ir ao toilet!
— Nem o jeito de falar você consegue disfarçar, é ridículo! — ele se levantou, impedindo que eu me levantasse. — Nem as roupas ou o modo de andar! Qualquer um que olhar para você, vai perceber que você não é um Cinza.
— Sem falar que, essas roupas que ele está já pagam a mensalidade do bar por dois meses. — uma mulher, muito bonita por sinal, falou aparecendo atrás do balcão que estávamos — Foi sua noiva desaparecida que sugeriu que assim você se pareceria mais com a escória? — senti minha cadeira esquentar, afinal, não suportava o deboche que faziam para com . Contudo, não me descontrolei: queria saber até onde eles iriam. — Acha mesmo que ninguém vai perceber?
— Por sorte, são todos bêbados que não conseguem saber o próprio nome quando se olham na frente do espelho! — dei de ombros. O Cinza riu e bufou, querendo controlar sua raiva. — Vou dar uma gorjeta para a dona do bar, gosto daqui, mesmo não sendo muito bem... frequentado. — sorri, encarando a garota. Ela revirou os olhos e bateu com força um copo no balcão, que eu não sabia como não havia quebrado. — Vou poupar vocês: o que querem? Vão tentar me matar? Vão me denunciar e arriscar que eu acabe com esse lugar com um simples estalar de dedos? — os dois se encararam e ficaram assim por um tempo. — Se puderem pensar enquanto eu vou ao banheiro...
— Engraçadinho, não é? — a moça sorriu. Tentei sair da cadeira, mas um redemoinho ameaçou me prender e eu não contive a minha magia para silenciá-la.
— Não se aproxime e nem tente fazer nada. — ameacei o homem. Os olhos brancos da menina se apagaram quando eu a silenciei. — Uma elementar de Ar? E você? O que é?
— É só um Cinza! Apenas um Cinza! — ela respondeu, apressada. Não pude deixar de notar a troca de olhares entre os dois.
— O que você está fazendo, ? — a senhora apareceu atrás do rapaz, que estava prestes a tirar uma arma da cintura. — Guarde isso imediatamente!
— Mãe, se afaste. — a garota falou, ainda silenciada. Mãe? Aquela mulher era Cinza, como poderia ser mãe dela? — , deixe-o ir.
— Angelique... — o tal sussurrou. Parecia que eles tinham algum acordo e que estavam conversando por telepatia. Sabia que aquilo era impossível.
— Ele é um dos meus melhores clientes! — a senhora falou para os dois, completamente brava.
— Ele é ! É claro que é seu melhor cliente. — sussurrou. Ela me encarou, assustada.
— Sabia que conhecia você de algum lugar...
— Não vim aqui para causar nenhum desconforto a ninguém. — tratei logo de falar para os três — Em todas as minhas escapadas do castelo, nunca incomodei e nem tive a intenção disso. A senhora bem sabe! — encarei a dona do bar.
— Como eu disse, você é o meu melhor cliente e não digo apenas pelas gorjetas — ela encarou os filhos — Deixem que o príncipe se vá, em paz e em segurança. — frisou a última frase para a filha e para o rapaz. — A não ser que vocês queiram arranjar problemas comigo.
Nada como uma mãe para colocar ordem na casa.
— Certo. Vá. — Angelique falou entredentes. Aquilo me deixou contente, no fundo.
— Volte para mais uma cerveja qualquer dia. — sorriu, com muita ironia, se sentando novamente e dando de ombros.
Não seria burro o suficiente de deixar a garota livre enquanto eu estivesse ali. Tirei algumas notas do bolso e entreguei para a senhora, que não quis aceitar.
— Não, não precisa. Peço desculpas pelos meus filhos, alteza, e...
— Eu insisto. — sorri. A mulher pegou alguns segundos depois — Ainda é o melhor bar do vilarejo. — pisquei e ela sorriu. — Uma boa noite a todos vocês.
Fui me retirando do lugar devagar e andando de costas por precaução e, quando cruzei a porta, não pude deixar de escutar a última frase antes de sair por completo do bar:
— Apague esses olhos azuis, ! Deixe-o em paz.
O caminho de volta para o castelo foi um pouco mais longo que o normal, afinal, eu poderia estar sendo seguido. Estava preparado para uma luta depois daqueles dois estranhos me reconhecerem e tentarem me atacar. Se estivesse aqui, estaria orgulhosa de como me saí com ambos. Na realidade, ela teria destruído o bar.
Fiquei um pouco pensativo graças a informação de que Angelique era filha de uma Cinza. Não era comum Elementares se envolverem com Cinzas, tampouco nascer um elementar dentro de um relacionamento entre ambos. Havia histórias de que uma criança que fosse fruto de relações desse tipo, não teria tantos poderes; não seriam fortes como um Elementar e nem fracas como um Cinza. Contudo, Angelique era forte com o pouco que pude sentir. Havia alguma coisa ali. E eu descobriria.
Na manhã seguinte, acordei (após 2 horas de sono, como em toda noite desde que se fora) sendo bombardeado com a falta de informação sobre a princesa de Howslan. Estava de saco cheio de todos os comentários e de agir como quem ainda tinha que manter a classe e ser fino. Eu não aguentava mais.
Não entendia o motivo, mas eu estava com a cabeça quase explodindo e parecia que iria entrar em colapso. Não consegui nem mesmo terminar de tomar o café com os nossos familiares. Não sabia se aquilo era bom ou ruim.
Tudo parecia estranho e desconexo.
O ar rarefeito do castelo parecia que iria me sufocar e fazia minha cabeça doer ainda mais, tendo tonturas conforme eu andava.
— Querido, você precisa descansar! — minha sogra falou assim que entrou em meu quarto.
— Não vou descansar até encontrá-la, Louise! — respondi, tentando não parecer que estava quase morrendo com as pontadas na cabeça.
— Meu amor, você não vai conseguir encontrá-la se estiver duro no chão, sem forças porque não descansa regularmente. Nós iremos prosseguir com as buscas pela noite e, quando acordar, vai ter um relatório completo no seu escritório. — minha mãe falou, me levando até a cama. Mesmo ela sendo elegante como sempre, tinha uma expressão cansada e preocupada no rosto.
— Você sabe que eu não vou conseguir dormir, mãe! — me sentei na cama, passando a mão em meu rosto completamente desolado. — está sumida há dias e nem sinal dos insurgentes nós temos! Como você quer que eu durma com isso na cabeça?
— Filho, se ela estivesse morta, seria a primeira coisa que eles esfregariam na nossa cara. — minha mãe tinha razão. — Estão a mantendo como refém para conseguirem algo em troca. Creio que essa procura toda pela nem seja tão necessária, já que eles devem entrar em contato com a gente quanto à negociação em breve. — era estranho: parecia que minha cabeça iria entrar em erupção a cada segundo que passava.
.
Alguma coisa sussurrou na minha mente.
— Outra coisa, , eu te disse para confiar em mim e em . Ela vai sair dessa! — Louise segurou minha mão, dando uma piscadinha. — Não se esqueça de que é da minha filha que estamos falando.
.
Não era mais um sussurro, a voz falava mais alto. E eu conhecia aquela voz de algum lugar.
— Está tudo bem? ? — minha mãe perguntou. Vendo que eu realmente não estava bem. Grunhi alto, sentindo meus joelhos tocaram no chão e, em um segundo, já estava caído.
!
Escutei mais uma vez, antes de apagar por completo.
Capítulo 23
Quando a corneta soou e o salão ficou todo em silêncio, comecei a me perguntar onde que eu estava com a cabeça quando aceitei esse desafio. Luta corporal nunca fora meu forte — e nem precisava ser, já que num estalar de dedos eu poderia acabar com qualquer um — e minha flexibilidade não era lá das melhores, mas fugir de um desafio estava fora de cogitação. Ainda mais um desafio feito pela Angelique.
Essa garota já havia enchido totalmente a minha paciência Real este mês.
E por falar nela, quando caminhei até o centro do ginásio, ela já me esperava com um sorriso sarcástico estampado no rosto. Se eu pudesse usar minha magia, já havia tirado ele dali há tempos. A roupa preta com listras brancas colada ao corpo fazia um bom contraste com o cabelo ruivo; sua beleza não era como a de , mas não podia negar que existia.
Por uma fração de segundos e uma adrenalina que veio do além, desviei de seu primeiro soco e me joguei no chão, rolando para longe dela.
Vadia! Me atacou enquanto eu estava ocupada demais a odiando com os olhos!
Novamente me arrependi de ter aceitado esse duelo sem nexo quando, por conta do sedentarismo, ouvi um torcer de joelho que eu me proibi sentir a dor até segunda ordem. Era algo que eu não estava acostumada e me amaldiçoava por isso, afinal, como um Reino poderoso como o meu nunca pensou em focar também em treinamentos corporais? Aquilo era burrice demais.
Antes de deixá-la dar mais um golpe e usando a vantagem de já estar no chão, usei minhas pernas para derrubá-la — o que foi feito com muita glória àquela altura do campeonato. Escutei as vozes surpresas ao fundo e não pude evitar encarar após isso, já que, o insurgente quem me dera dicas para lutar contra sua irmã — ou para minha própria sobrevivência.
Seja o que for, eu estava grata.
Mas, diferente de mim, que havia decidido que o chão estava muito confortável, ela logo deu um pulo — daqueles bem profissionais sabe? Coisa de filme — e, quando olhei para cima, vi a insurgente se preparando para pular em cima de mim, tentando cravar o cotovelo em meu estômago; mas eu rolei novamente para o lado no momento exato que aquilo iria acontecer.
Escutei-a urrando de dor. Lesionar aquela área com a força que ela fez, era realmente complicado.
Minha perna direita foi de encontro com a cabeça dela, aproveitando que ela ainda se encontrava ajoelhada. Naquele instante, não poupei força alguma para chutar e socar Angelique. Eu estava descontando toda a minha raiva nela e aquilo não me aliviava, só me trazia mais fúria e estímulo.
Nem mesmo parei para achar estranho a súbita força e rapidez que eu adquiri do nada, podendo desferir golpes em alguém que visivelmente tinha mais habilidades nesse tipo de coisa do que eu.
Logo após de dar mais um soco que acertou o osso de seu maxilar (o que deixou um corte), me afastei minimamente dela para me queixar da mão dolorida e já machucada. Meu segundo erro!
Em uma fração de segundos, o que antes era uma Angelique de joelhos e machucada, virou uma Angelique de pé, furiosa e machucada.
— Você me pegou desprevenida! — murmurou, logo após cuspir um pouco de sangue. — Isso não irá acontecer de novo!
E, antes mesmo que eu pudesse elaborar qualquer frase cheia de deboche e ofensas, me vi esquivando de outro soco dela, que usou do movimento e do meu rabo de cavalo todo desgrenhado, para me puxar para baixo, me fazendo ir de encontro ao chão novamente. No chão comecei e no chão terminarei, eu sentia isso!
A partir do momento que senti seu quadril se chocar ao meu quando ela se sentou sobre mim, percebi que eu não teria mais nenhuma escapatória. Será que vão avisar meu pai sobre o trágico falecimento da única filha dele? Espero que façam no mínimo um velório decente!
O primeiro soco foi no olho, deixando claro que ela queria me marcar. Baixo, Angelique, golpe bem baixo! Ela botava uma pressão sobrenatural sobre meu corpo, fazendo com que eu não tivesse forças nem para me mover um centímetro.
não deixaria ela me matar, certo?
— Vamos quebrar esse narizinho real? Quem sabe assim ele não abaixa um pouco, huh?
Antes mesmo de digerir o que ela falava, senti minhas narinas jorrando algo que eu conhecia muito bem: sangue! E depois disso, perdi as contas de quantos golpes na cara eu levei, ouvindo a gritaria das pessoas que torciam para a insurgente enquanto eu me agarrava à voz do me dando conselhos de como acabar com a irmã dele, minutos antes de ir pra execução. Era a única coisa que me mantinha de “pé” ainda.
Não.
Eu ainda era orgulhosa o suficiente para não abaixar a cabeça para aquela garota.
Em um segundo de distração de Angelique, quando ela achou que eu tinha me rendido, usei um dos truques que Charlie me ensinou quando criança nas nossas lutas e forcei minha perna entre as suas, lhe acertando na virilha. Não a machucou como Charlie, obviamente, mas foi o suficiente para que ela saísse de cima de mim. Já estava de saco cheio dessa luta sem poderes.
Me levantei e me movia rapidamente contra seus golpes, não permitindo que ela me acertasse. Nesse meio tempo, eu não conseguia nem respirar direito, tamanha era a minha concentração, mas isso durou apenas alguns segundos.
As vozes à nossa volta me deixavam irritada, pois sabia que não torciam por mim e aquilo só me dava mais forças para acabar com a vadia. Quando minhas mãos grudaram no rabo de cavalo de Angelique, puxei sua cabeça para o chão sem dó alguma, afinal, ela não se preocupou em quebrar meu nariz.
Por conta do leve desnortear que o golpe a causou, tive tempo o suficiente para montar sobre ela e a prender no chão, do mesmo jeito que havia feito comigo. Só que agora eu não teria pena!
Antes mesmo que pudesse dar o segundo soco, senti uma rajada de vento muito forte balançando o meu cabelo e aquilo não era natural.
— Sério? Seu ato de desespero? — questionei, vendo a roda de vento rodopiando ao longe, se formando para me atingir.
— É meu momento de te destruir — ela sorriu. Seus dentes sangravam e aquela cena pareceu muito mais diabólica do que deveria. Azar o dela: eu lidava com o diabo todo dia lá em casa. Isso aqui não era nada.
— Não vou cair sozinha, Angelique — peguei em seu braço quando minhas pernas já estavam sendo sugadas pelo redemoinho gigante. — Você vem comigo. Vamos acabar com isso juntas!
Aquilo não a afetaria como me afetava, no entanto, daria um belo de um cansaço na megera. Até porque ficar girando várias vezes rapidamente cansava qualquer um. Meu estômago estava se embrulhando e eu queria vomitar.
Angelique aproveitava os rodopios para me socar e era aquele o momento em que eu não tinha o que fazer a não ser me defender. Estava em sua armadilha, estava nas suas regras.
Aquilo era humilhante.
Consegui chutar seu peito por puro reflexo, fazendo com que o redemoinho perdesse a força e ameaçasse a se desfazer, mas continuou me girando por uns belos minutos.
Já incapacitada de respirar direito ou de usar qualquer outro de meus 5 sentidos, comecei a chutar e a dar socos no ar, a fim de contar com a sorte de acertar algo.
O que, ao meu ver, estava muito ao meu favor hoje: quando senti uma pancada muito forte no meu joelho dobrado, nós duas caímos direto no chão duro. Rolei algumas vezes até finalmente parar e não vi qual foi a forma que Angelique aterrissou.
Sentia partes do meu corpo se quebrando e queria fazer algo que não sentia vontade há muito tempo: chorar.
Não era por que eu tinha medo, ou por que havia desistido da luta: era de cansaço. Estava cansada de tudo e todos. Em um certo momento, a voz de Ophelia veio em minha cabeça e eu grunhi: "— Não precisa ser forte o tempo inteiro. Por trás de toda essa carcaça, tem uma adolescente que não merecia toda essa responsabilidade de ser rainha."
Mas eu tinha! Era a minha responsabilidade e agora eu tinha mais uma para acrescentar: a princesa insurgente. Provaria a eles do que eu era capaz.
Fechei meus olhos, torcendo para que, de alguma forma, eu ativasse meu processo de cura. Pensei na forma que via os curadores curando as pessoas, em suas mãos mágicas e leves, até mesmo lembrei da sensação de ser curada por eles. Contudo, não aconteceu. Poucos feiticeiros tinham esse dom. Não é engraçado o fato de podermos controlar todos os elementos, mas não termos o dom da Cura?
Meu ouvido fazia um zumbido irritante e tudo estava meio embaçado, mas conseguia ver a silhueta de Angelique em pé, se aproximando de mim. Grunhi, fraca demais para levantar. Era como se meu corpo não tivesse mais vida e a minha mente ainda continuasse consciente: eu mandava o comando para me mover, mas nada acontecia. Provavelmente minha perna estava quebrada e meu braço fora do lugar.
Apertei meus olhos tentando me levantar e me concentrei em meus pensamentos mais uma vez: eu ainda tinha direito de usar meu poder. Quase havia me esquecido.
Foquei no meu elemento principal: o fogo. Me concentrei nele como nunca tinha feito antes, vendo as chamas aquecerem minha visão. Estava fraca demais para algo grandioso, mas se eu focasse em alguma coisa, seria o suficiente para acabar com a comemoração que eu imaginava que Angelique já fazia. Naquela altura, eu não queria mais uma vitória, só queria que ela ficasse tão derrubada quanto eu.
Respirei fundo e não pensei em nada específico, apenas imaginei ela correndo com medo de mim. Isso já seria o bastante para o meu ego frágil.
Escutei as pessoas chamando a atenção da insurgente e fechei minhas mãos, mantendo o que eu estava fazendo — seja lá o que fosse.
Do nada, ainda presa em meu próprio consciente, imaginei um círculo de fogo no chão, torcendo para que aquilo estivesse mesmo acontecendo e não apenas sendo fruto da minha imaginação fértil. Àquela altura eu já nem sabia mais o que estava acontecendo e o porquê eu me sentia assim… tão inerte, mas tão “acordada”.
As chamas altas, vermelhas e laranjas, dançando com uma sincronização perfeita bem em frente aos meus olhos de telespectadora. Havia um símbolo no meio do círculo, mas eu não conseguia identificar o que era, meus olhos estavam embaçados pela fumaça, mesmo que isso tudo estivesse acontecendo somente na minha cabeça.
Quando escutei Angelique rir, achando que era só aquilo, fechei os olhos mais forte e me concentrei ainda mais. E foi como se eu tivesse mergulhado ainda mais em meus pensamentos; como se estivesse acessando o fundo do meu baú de memórias. Agora o porquê e como, eu já não saberia responder.
"— , abre os olhos! — Charles dizia, me chacoalhando. Estávamos em uma de nossas lutas e eu estava caída no chão, depois que ele me acertou com uma pedra gigante. Nós não tínhamos decidido qual elemento iríamos focar, então era de se esperar que tivesse de tudo. Um dos guardas corria desesperado enquanto gritava, não consegui ver muito bem o motivo. — !
Não abri os olhos e não reagi. Parecia que eu estava em transe nos meus pensamentos e aquilo me assustava de alguma forma, pois eu queria abrir os olhos. Eu o escutava, mas não reagia. Não sentia mais suas mãos nas minhas, nem escutava sua voz por perto, era como se ela continuasse distante. Abri os olhos de supetão, ainda concentrada, e vi uma cena que jamais imaginaria ver: tudo estava pegando fogo. Chamas num tom de azul, vermelho e laranja se erguiam e dançavam por todo o local em que estávamos; os guardas que ainda não tinham fugido tentavam apagar e conter e, no meio disso tudo, tinha um dragão feito de fogo vermelho e laranja. Ele era relativamente pequeno para um dragão, mas mesmo assim fazia um estrago. Estava maravilhada com aquilo, pensando em quem fora capaz de algo tão grandioso. Talvez tenha sido minha mãe, mas nunca tinha a visto fazer algo do tipo.
Senti mãos firmes e pesadas pegarem em meu rosto e a vi me encarando, mas algo estava diferente. Ela estava diferente, mais nova eu diria. Seus olhos tremiam assim como ela.
— ! — ela chamou. — !
— Mamãe — respondi, meio grogue.
— Querida, você precisa acordar. Você precisa parar.
Parar? Parar com o quê? Eu quem estava fazendo tudo isso? Eu só tinha onze anos. Nem mesmo meu pai havia feito um dragão na vida, e olha que ele era muito poderoso.
— Eu estou dormindo — resmunguei. Não acreditava que aquilo era só um sonho. — Me deixe sonhar, mamãe!
— Querida, eu deixo. Eu deixo tudo o que você quiser, mas agora preciso que você acorde e pare com isso antes que destrua tudo e todos — abri os olhos mais uma vez e dei uma olhada em volta, o dragão vinha na minha direção. Eu sabia que ele não faria nada a mim e, se aquilo era meu sonho, eu o comandava. Estava tão cansada e dominada que meus olhos não conseguiam ficar abertos. — O sonho é seu, . Domine ele!
Com a confirmação que eu precisava, abri novamente os olhos e o dragão estava sentado na minha frente, totalmente contido e amigável. As mãos de minha mãe tremiam enquanto ela me abraçava.
Eu sorri quando ele fez uma reverência.
Era o meu dragão. Eu havia criado um dragão de fogo.
Pena que era apenas um sonho."
— ! — escutei gritos e senti uma quentura em cada centímetro do meu corpo. Vozes ao fundo chamavam meu nome, mas não sabia distingui-las. Não abri os olhos. Não conseguia. — !
— Mande essa vadia parar! — consegui ouvir Angelique ao fundo. Parecia agoniada.
— ! — era , reconheceria sua voz de longe. Senti suas mãos em volta de mim, tentando me fazer ficar de pé. A luta já devia ter acabado e eu havia sido nocauteada pela megera, certeza. Abri os olhos e encontrei os dele, azuis e brilhantes como nunca, mas beiravam ao desespero. Nunca tinha visto esse olhar e aquilo me assustou. — Preciso que você pare. Você venceu já.
— Venci o quê? — questionei meio grogue, tentando ao menos sentar.
Ainda estava desnorteada, não sabendo o que estava acontecendo ou em que ponto da luta eu apaguei e fui para o chão. Olhei em volta e vi fumaça em todo o recinto que me encontrava, pessoas gritando e correndo para todos os lados; a maioria dos insurgentes que estavam na arquibancada já não estavam mais lá. Angelique também corria, mas ela corria para escapar de algo que ia em sua direção. Levei um tempo para assimilar o que estava acontecendo e até mesmo me assustei ao ver um dragão grande e comprido a perseguindo. Ele era todo feito de chamas vermelhas, laranjas e amarelas, mas o fogo que ele soltava da própria boca era numa tonalidade clara de azul, beirando ao Lilás. A minha cor, o meu dragão!
O mesmo dragão do meu sonho, só que maior. Mais velho.
— , por favor... Pare! — ele suplicou em meu ouvido.
— Eu... eu não consigo parar.
— Como não consegue? Ficou maluca? — segurou meu rosto. — Domine isso! Domine sua magia!
Era como se eu estivesse escutando a minha mãe no meu sonho. Encarei o dragão e por mais que eu gostasse de ver Angelique desesperada, sabia que era o momento em que tinha que parar.
Precisava dominá-lo assim como ele me dominou, só não sabia como. E teria de ser rápido, pois as minhas forças já estavam acabando. Parecia que ele drenava minha energia para sobreviver, e aí eu entendi o porquê eu mal consegui levantar do chão antes.
Fiz um esforço sobrenatural para me sentar e passei a acompanhar a corrida por sobrevivência de Angelique com os olhos e, quando os olhos roxos dele encararam os meus, foi como se tudo tivesse parado: não existia nada e nem ninguém ali, só nós dois. Suas asas de fogo vinham em minha direção. Ele era enorme e lindo. Algo que ninguém nunca viu ou imaginou.
Senti as mãos fortes de me apertando, tentando me passar segurança e apoio, mas isso não me distraiu. A conexão mais do que exaltada ali naquele momento era única. O dragão tinha toda a minha atenção.
Logo após de fazer uma reverência para mim, sua cabeça, quente, chegou perto de mim. Minha vontade de chorar cresceu, o aperto no peito com a emoção e nostalgia quase me fizeram ceder, mas apenas consegui soltar um sorriso. Estava tão fraca e meus braços doíam tanto que nem conseguia fazer um movimento brusco sequer. Como se ele entendesse o que eu queria, majestosamente caminhou até o círculo de fogo atrás de mim e entrou ali, sumindo conforme as chamas do círculo se desfaziam até só restar o chão todo queimado e preto do ginásio.
Não era um sonho, era real, e eu quase botei fogo em tudo!
Não me lembro muito bem do que aconteceu nos instantes seguintes, creio que desmaiei de cansaço ainda nos braços de , que não me largou um segundo sequer mesmo depois de já ter “recobrado” a consciência. Creio que por medo de eu criar um monstro de lava ainda mais imbatível enquanto ainda estava em um estado sensível.
É, creio que eu teria muitas perguntas quando acordar, mas, infelizmente, só uma pessoa poderia respondê-las. Ou melhor, duas: meus pais!
Capítulo 24
Estava aflito enquanto via a cena que se passava à minha frente.
Angelique era cruel com seus redemoinhos, mas eu sabia que aquele era seu truque de desespero. Lembro-me perfeitamente que ela o usava em nossas brigas e eu o odiava com todas as forças. não estava indo tão mal quanto eu imaginava, muito me surpreendia que alguém poderosa como ela não tivesse treinamento corporal. Contudo, entendia. Afinal, não precisavam se preocupar com isso na corte real.
Até agora.
Observei apenas se defendendo enquanto Angel dava seus golpes contra a feiticeira, com as duas ainda no meio da corrente de ar, até que ela reagiu: chutou o peito da minha irmã, que se distraiu com o ato e fez com que o redemoinho perdesse força, ameaçando a se desfazer, mas não aconteceu. Ficou girando por mais um tempo e eu sabia que já estava exausta, tonta, no entanto, ela chutava e socava o ar como se aquilo fosse lhe favorecer... Que erro. Isso só a cansaria.
O redemoinho só se desfez quando o bateu com tudo em um dos pilares da arena, mas nessa altura do campeonato, as duas já estavam no chão depois de um forte golpe da princesa na minha irmã. Olhei para os Curadores e eles já estavam à postos, esperando por um comando meu. Me levantei para analisar e não arriscar a vida de mais ninguém.
rolou várias vezes até parar no meio da quadra e não se levantou mais. Sabia que tinha quebrado vários ossos naquela queda. Não muito diferente de Angelique, mas minha irmã não deu o braço a torcer: caiu brutalmente no chão, sua testa sangrando e segurava seu próprio ombro, porém, em poucos segundos, ela se levantou, sorrindo. Seus dentes vermelhos por causa do sangue davam medo, mas os insurgentes estavam amando aquilo.
Estavam amando ver sofrer.
Não podia acabar com a luta ainda. Eram as regras: um dos lutadores tinham que estar à beira da morte. Nenhuma das duas estava. Contudo, não podia permitir que Angelique a machucasse ainda mais.
— Já chega, Angelique! — gritei. Minha irmã me encarou, se aproximando devagar da feiticeira, que estava de olhos fechados.
— Conhece as regras, Trish! — ela sorriu. — Sua protegida tem que dizer que não aguenta mais para que a gente pare... Ou eu tenho que deixá-la à beira da morte!
— Ela já está no chão! — bati com força no vidro que me separava delas.
Minha irmã se divertia com o meu desespero e gostava do barulho do nosso povo comemorando e incentivando a violência contra . Angelique, se aproveitando da queda de , não se deu conta do círculo de fogo que se formava logo atrás dela. As chamas brincavam com o ar e um símbolo se formou no meio dele. Estava maravilhado com aquilo, mas parecia ser o único com essa sensação. Os insurgentes começaram a gritar quando vimos uma movimentação estranha dentro do círculo.
estava desacordada e estava fazendo aquilo.
Me preparei para entrar dentro da arena caso tudo saísse do controle, não tirando os olhos da cena por um minuto sequer. Era engraçado o fato de que eu era o único capaz de controlar naquela situação: fogo e água.
Angelique estava parada próxima ao círculo, desdenhando dele, incerta do que fazer. Não demorou muito para os gritos que antes eram de incentivo a luta, virarem gritos de puro medo e desespero.
Mas não era para menos: um dragão, grande, saiu de lá de dentro do círculo.
Ele era... lindo. Majestoso.
Nunca duvidei de seres místicos, afinal, em um mundo onde existia feiticeiros e elementares, era burrice ser cético. No entanto, dragões estavam extintos há anos.
Só que esse não era qualquer dragão.
Era o dragão de .
Ele era todo feito de chamas vermelhas, laranjas e amarelas. Seus olhos eram de um tom roxo escuro muito diferente dos feiticeiros que conhecíamos. Não era lilás. Era roxo.
O fogo, que ardia os olhos se o encarássemos por muito tempo, cobria toda a extensão de seu corpo; suas asas majestosas batiam e levavam a quentura para todos os cantos, sua calda era longa. Arregalei os olhos quando vi minha irmã correndo desesperadamente enquanto o dragão voava atrás dela e cuspia fogo.
Não era fogo normal.
Era um fogo diferente, beirava o azul de tão quente que era. Mas, quando o azul e o vermelho de misturavam, podíamos ver traços de um fogo lilás.
A cor de .
A arena era grande, tínhamos um espaço enorme, mas não era grande o suficiente para ele. Ele voava majestosamente, mas com cuidado para não bater em algo que o prejudicasse.
Entrei na arena e corri até . A princesa estava de bruços e grunhiu ao sentir meus braços puxando-a para mim. Ali, tive a confirmação de que ela não estava totalmente em si.
— ! — chamei quando a virei para mim. Seu rosto estava todo ensanguentado e sua boca sangrava também. — ! — a chacoalhei, não me importando se aquilo a machucaria ainda mais ou não.
— Mande essa vadia parar! — Angelique gritou, tentando apagar o fogo de seu rabo de cavalo enquanto corria e tentava, em vão, conjurar algumas rajadas de vento para apagar as chamas do dragão.
— ! — a puxei para mais perto, tentando deixá-la em pé. Não consegui levantá-la, e isso só piorou quando olhei em seus olhos e vi a cor deles: não eram roxos como o de seu dragão e não eram lilases como deveriam ser. Estavam em um tom de rubi que eu nunca havia visto na minha vida. E a pior parte era que ela provavelmente nem imaginava. Encontrei minha voz novamente quando escutei um grito de longe. — Preciso que você pare. Você venceu já!
— Venci o quê? — ela questionou, ainda transtornada, tentando se sentar, mas em vão.
ainda estava desnorteada, olhava em volta e parecia não entender o que se passava. Não era para menos, beirava a destruição: civis gritando e correndo para todos os cantos, ninguém restou na arquibancada, e seu dragão ainda perseguia minha irmã. não fazia ideia do que estava acontecendo ou eu podia jurar que ela estava atuando. Ela analisava o dragão assim como eu havia feito há alguns minutos. E, se não estivesse tão entretida com o que havia feito e com tanta dor, tinha certeza de que estaria sorrindo ao ver minha irmã correndo com medo daquilo.
— , por favor... pare! — aproximei minha boca de seu ouvido e supliquei.
— Eu... eu não consigo parar. — meu coração pareceu ter um treco quando vi Angelique tropeçar. Ela estava tão cansada e não sei quanto tempo aguentaria fugir. Não podia perdê-la.
— Como não consegue? Ficou maluca? — segurei seu rosto, ainda não estava acreditando na tonalidade de seus olhos e agradecia que ninguém estava preocupado com ela naquele instante. Tinha medo do que os outros poderiam fazer com essa informação. não era nenhuma santa, mas eu sentia que precisava cuidar dela. Ainda mais agora que ela ficou intrigante. Uma feiticeira que não doma sua própria magia era um perigo para a sociedade, e bota magia nisso! Uma feiticeira que tinha uma nova tonalidade de olhos não poderia cair nas mãos erradas. — Domine isso! Domine sua magia!
Como se ela tivesse acordado de vez, encarou sua criatura e focou em alguma coisa. Eu via e sentia tendo uma luta interna e aquilo, por alguma razão, me incomodava tanto quanto eu me incomodava de ver Angelique sendo perseguida com fogo roxo. Minhas mãos tremeram quando vi o animal se aproximando de nós. Eu não existia ali, sentia isso. A conexão dos dois era surreal e... linda. E por mais que aquele bicho desse um baita medo, ele era lindo. Nunca vi ou imaginei algo assim. Ninguém nunca viu ou imaginou algo assim. Respirei fundo e tentei passar segurança para ela. Olhei para minha irmã, que estava caída bem longe de onde estávamos, encarando com medo. não ligava para ela, não ligava para ninguém.
Era apenas ela e o seu dragão.
A criatura se aproximou ainda mais de nós e fez uma reverência. Não conseguia respirar e a quentura que subiu não era apenas dele. também pegava fogo. Não literalmente. Me surpreendi quando vi seus olhos rubis marejados e um sorriso sincero surgir em seus lábios. A feiticeira não precisou falar nada. Os olhares trocados ali eram o suficiente para que o dragão — antes furioso e amedrontador, agora manso e calmo — caminhasse de volta para o círculo e entrasse ali, sumindo conforme as chamas se desfaziam até só restar o chão todo queimado e preto do ginásio.
A princesa soltou o ar pelo nariz e eu deixei a respiração, que prendi sem nem perceber, sair. Ela levantou o rosto para mim novamente e seus olhos rubis sumiram quando ela piscou e sorriu, como se não acreditasse no que acabara de acontecer.
Eu queria sorrir também, mas não pude. Não quando a vi fechando os olhos, sem forças para continuar ali.
As energias que ela gastou naquela arena foram demais para ela. Imediatamente ordenei que algum Curador se apresentasse e assim foi feito: eles curavam por completo. Precisou de quatro deles para que ela ficasse cem por cento, mas seus olhos não abriram.
E eu sabia que demoraria para abrir.
— Você enlouqueceu? — escutar os berros do Coronel não era uma das coisas que estavam nos meus afazeres do dia. Obrigado, Angelique e .
— Tem noção do que ela... do que aquele monstro...
— . Uma feiticeira. Sua aliada no crime — corrigi, me sentando na cadeira à frente. Aquela conversa estava longe de acabar. — Nossa, quem diria que uma feiticeira trancafiada perderia o controle no meio de uma Arena sem Painite?
— Me poupe do seu sarcasmo, ! Sua conduta foi a pior no dia de hoje... — o velho continuou berrando, mas eu não o ouvia mais.
Algo me intrigava com tamanha força de de uma hora para a outra, veja só: ela, por si só, já é poderosa; uma feiticeira puro sangue. No entanto, não tem controle de sua força, sempre vivera de maneira controlada. Magia no limite, força no limite.
Poder controlado.
Nada me tirava da cabeça que estava sendo controlada.
Os seus olhos rubis não saíam da minha cabeça, foi algo... de dar medo. Algo lindo. sempre fora intrigante, mas agora ela não saia da minha cabeça. Eu faria o impossível para fazê-la entender sobre si mesma.
Mesmo eu mesmo não entendendo.
— Você me escutou? — ele bateu na mesa. Arqueei uma sobrancelha e sorri.
— Acho que todos escutaram. — era Angelique.
Meu sorriso desapareceu, se ela soubesse do trato que fiz com e tivesse visto aqueles malditos olhos rubis, jamais a provocaria tanto.
— Era quem estava faltando. Pode se juntar ao número um! — minha irmã parecia bem: os Curadores fizeram o trabalho deles, mas o cansaço dela parecia ser interno. Tinha plena certeza de que todas as suas energias foram sugadas, assim como as de . — O que te deu na cabeça?
— Era um combate besta!
— Você tem que entender que não é a mais poderosa desse lugar, Angelique! Por mais que escutar isso faça seu ego se partir ao meio, entenda que aquela garota não tem controle da sua maldita força!
– Eu tenho o controle da minha e sei usá-la muito bem, obrigada! — pude sentir um vento frio na nuca e aquilo era sinal de que Angelique estava furiosa.
— Se algum papel dessa sala sair do lugar, eu vou entender que você está mentindo — ótimo, o Coronel também percebeu. — Nunca duvidei de você. Nem mesmo de você, ! Sabem que são meus melhores soldados e que eu confio em suas escolhas. Eu treinei vocês, merda! — essa última parte nós entendemos muito bem. O Coronel ensinou tudo que sabemos e nos ensinou a controlar nossa força sem nem ao menos saber lidar com Elementares como nós. — é jovem, uma feiticeira sem controle e agora sabe tirar a porra de um dragão, que cospe fogo lilás, de um círculo de fogo! Ela não sabe lidar com si mesma.
— Não queria te decepcionar — Angelique parecia estar arrependida, mas eu sabia que não estava. Minha irmã faria de tudo para matar aquele dragão e a dona dele.
— Ajude-a a controlar a força. Façam treinos com ela que não envolvam a porra da destruição do meu batalhão!
— Não acho que Angelique seja a melhor pessoa para lidar com a bruxinha — falei sem me arrepender das consequências. Angelique cravou seus olhos em mim no mesmo instante. — Você a odeia! Nem mesmo se eu tivesse maluco deixaria você lidar com no auge do desconhecimento da sua magia.
— E você é o melhor para isso? — minha irmã questionou. Sabia aonde ela chegaria se a conversa seguisse esse rumo.
— Ela não me odeia como odeia você. E Água e Fogo são melhores combinações do que Fogo e Ar — foi o que me veio em mente.
— Ótimo. É isso que eu queria! — Coronel se sentou, era um sinal que estávamos livres. — Fique ao lado dela vinte e quatro horas, cuide para que não conjure nenhum outro ser místico extinto; e você, Angelique, fique fora do radar daquela feiticeira! Cuide das coisas que seu irmão é responsável.
Não.
— São ordens — Angelique sorriu antes mesmo de eu protestar. — Vá ficar com a sua bruxinha, Trish.
— Ela não é a minha...
— Tente enganar a si mesmo, mas sabe onde essa história acaba e eu tenho certeza que não é vocês dois juntos. Você é uma piada! Está se apaixonando pela inimiga.
Não tive chance de resposta. Meu paiger apitou: tinha acordado. Angelique sorriu, se virando. Cada um foi para um lado e aquelas palavras me acertaram em cheio.
Quando acordei, percebi que estava tomando soro pelas veias.
Me sentia fraca.
Parecia que eu estava no castelo de novo, a mesma energia que me rodeava lá, eu sentia aqui. Minha magia não estava tão forte como algumas horas atrás: eu queria chorar. Não entendia o motivo daquilo e só queria me sentir como antes.
A merda de uma imbatível sem controle. Mas imbatível.
Os Curadores passavam por mim como se eu fosse um bicho, ainda não tinha certeza do motivo, mas desconfiava. Ninguém tinha coragem de falar comigo sobre, mal direcionavam o olhar a mim. Meu sonho era nítido e eu via minhas unhas com Cinzas.
Talvez não tenha sido sonho.
– Bruxinha — parou na porta. Eu nunca imaginei ficar tão aliviada por vê-lo. — Achei que você fosse se confundir com a princesa errada e dar uma de Bela Adormecida.
— E quem iria me fazer acordar com um beijo? Você? — tentei me sentar, mas foi em vão. sorriu e cruzou os braços.
— Você não é esse tipo de princesa... você é do tipo que conjura círculo de fogo e tem um dragão de estimação — toucheé. Estava aí a minha resposta. Não era um sonho: eu fiz aquilo.
De novo.
— Alguém se feriu? — não me lembrava muito. No fundo, eu queria ter ao menos arranhado o olho daquela maldita.
— Ninguém. Todos fugiram antes do bicho começar a voar — respirei, aliviada. me encarava, me analisava, estava me olhando em todos os detalhes. — Você quase quebrou nosso trato hoje.
— Não é como se eu tivesse planejado aquilo, se você não percebeu — minha resposta ríspida fora o suficiente para ele sorrir sem mostrar os dentes. Babaca. Odiava que ele não se abalava com meu humor, assim como . Que droga, a menção do príncipe me trouxe um sentimento que há tempos eu não tinha: saudade. — Eu nunca me senti tão forte. Invencível é a palavra certa. Eu me senti uma feiticeira de verdade!
— Não se sentia assim no castelo? — neguei com a cabeça, só me senti assim quando era criança, a primeira vez que conjurei aquilo.
— Já conjurei esse dragão uma vez. Ele era muito menor, mas era tão destruidor quanto. Estou confusa, não entendo como sou capaz de fazer algo desse tipo, mas... ... aquele dragão de hoje era o mesmo de quando eu era criança — o olhar dele agora estava em meus olhos. Seus olhos verdes brilhavam e eu não sentia a pena que meu irmão me encarava quando éramos pequenos.
— Vou te ajudar a lidar com tudo isso. Vamos entender juntos.
No fundo, me assustava ser como era. No fundo, eu temia por ela. Eu não conseguiria me afastar mesmo se quisesse, no entanto. Suas últimas declarações para mim foram arrepiantes, não por conta do dragão já ter sido conjurado uma vez, era visível a conexão dos dois naquela Arena, mas sim pelo fato de ela estar quebrada e perdida.
— Seus olhos mudaram de cor hoje — me sentei na beirada da cama.
— Às vezes eles ficam roxos quando uso muita magia, é normal — ela deu de ombros. Foram cinco segundos decisivos.
Contar ou não contar.
Deixá-la ainda mais confusa sobre quem é ou não?
— É, acho que usou magia demais — era o melhor a se fazer. Ninguém tinha visto, apenas eu. Enquanto a gente não aprendesse a lidar com ela, não falaria nada.
"A gente"? Meu inconsciente gargalhava de mim e eu tentava não escutar essa voz no fundo da minha cabeça.
"Você só está tentando fingir que é para a Causa", eu odiava meu cérebro.
— Angelique se machucou? — sorri ao escutar a pergunta. Era a pergunta que eu esperava escutar.
— Qual resposta vai te agradar? — a garota deu de ombros
— Que ao menos a fiz gritar um pouco — sorriu.
— Ela gritou... muito!
— Ótimo — ela não estava tão animada quanto eu esperava.
— O que foi?
— Estou confusa sobre minha força. Minha magia. É bizarro eu achar que tenho controle de tudo quando na verdade, não tenho controle de nada — cruzei os braços. Não me agradava vê-la naquela maca. — Em uma hora eu estou conjurando dragões e na outra eu simplesmente estou... Estou fraca de novo.
— Você está em uma maca com soro — tentei acalma-la. Olhei o soro com calma, sabia que tinha painite ali, ordens diretas do Coronel. — Remédios para dor e também Painite para te...
— Controlar — suspirou. Não tinha o que eu falar, ela entendia muito bem do que se tratava. — É pela segurança de vocês.
— Um pouco pela sua também — continuei olhando para o soro quando um Curador entrou para verificar — Quanto tempo mais para ficar aqui?
— Sr. ... — o rapaz, eu o conhecia. Se chamava Yan Pushy, aceitou entrar nos Insurgentes quando percebeu que os Cinzas não tinham como sobreviver em uma sociedade desigual. — Bom, colocamos ela no soro para que fique mais forte. Depois de perder tanta magia, ficou desidratada e... Painite. O Coronel deixou ordens para que ela fique aí por tempo indeterminado.
Agradeci pelo fato do Painite. Tenho certeza que teria fervido absolutamente tudo apenas pela sua cara de indignação. Entendia sua fúria, no entanto.
— Vão me controlar com painite? — sua voz era firme. Acredito que ela usava aquele tom com seu pai ou quem a contrariava.
— Acho que você não está entendendo nosso lado, Bruxinha... — tentei acalmá-la. Sabia exatamente como ela se sentia, tentaria a todo modo mudar a ordem do Coronel.
— Não me chame assim!
— Você conjurou um dragão e não sabia como controlar ele! — respondi da mesma forma. — Merda — passei a mão nos olhos.
Realmente, a gente não conseguia falar baixo um com o outro. Nossa trégua não durou cinco minutos.
— Há quanto tempo vocês estão me controlando com Painite? — seu nariz empinado estava enrugado enquanto ela tentava tirar as agulhas do braço, com raiva.
— Pare com isso — tentava segurar seu braço enquanto ela se debatia. — ! — sua raiva era tanta que seu joelho acertou minha virilha. Queria xingá-la de todos os nomes possíveis, mas apenas fechei o punho e o apoiei na minha boca, respirando o máximo possível para que a dor passasse logo. Olhei para que ainda estava com o nariz enrugado. — Nós nunca te demos painite em nenhum dos dias aqui — respondi, ainda eufórico. — Nos seus primeiros dias nós te deixamos com as algemas, que você conseguia facilmente sair já que seus poderes são incontroláveis…
— Eu estou me sentindo fraca que nem eu me sentia naquela merda de castelo — ela sussurrou, mais para ela do que para mim. — Não pode ser...
— Que diabos você está falando? — resmunguei, arrumando seu braço enquanto ela parecia perdida nos próprios pensamentos.
— Eu era controlada — seus olhos Cinzas estavam ficando violetas. Por mais que o painite seja forte, não controlava o tom dos seus olhos. — Alguém controlava minha magia na minha própria casa e agora eu sinto isso. A sensação boa que tive na arena, era só a minha verdadeira força se mostrando.
Touché.
Capítulo 25
👑
Silêncio.
Não escutava a voz de há dias.
Não por falta de tentar tirar ela de seu mundinho desde que percebera que era drogada dentro da própria casa, não. Ela simplesmente se recolheu em seu quarto e não deu mais as caras. Não me surpreendia as descobertas que fizemos, no entanto; levando em consideração o fato de que seu pai tem medo dela e de seu poder. A feiticeira era mais poderosa do que ele. Do que qualquer outra pessoa que eu havia conhecimento.
Todavia, algumas contas não batiam.
Não entendia como ele pôde ter jogado ela para e seu país sendo que ela, por si só, carrega poderes que ele mesmo nunca se aprofundou e poderia ter acabado com a guerra em um piscar de olhos. era descontrolada e não sabia metade do poder que tinha. Bom — Nem a gente — pensei, dando uma risada.
Meus dias viraram uma enorme rotina na qual eu estava entediado e completamente arrependido de seguir ordens do Capitão, afinal, eu era o único que sabia lidar com o temperamento da feiticeira. Ironia. Nós brigávamos na maior parte do tempo. Ela é incrivelmente irritante, até mesmo quando está ignorando tudo e todos presa naquele maldito quarto.
— Se eu quisesse falar sozinho, eu ficava em meu quarto na frente de um espelho. – cruzei os braços na porta do quarto dela. estava com um livro nas mãos e usava calças Cinzas e uma camiseta curta preta que mostrava um pouco da sua barriga chapada devido aos inúmeros treinamentos que fazia no castelo. Me olhou de canto e voltou sua atenção para o livro. O quarto dela era simples, afinal, dividia com as sobrinhas do Capitão. Tinha vários pôsteres de alguns famosos jovens e eu, particularmente, acreditava que tinha uma queda por um dos cantores cabeludinhos. – Temos um treinamento e estamos atrasados. – Silêncio. – ! – resmunguei, estava começando a ficar irritado – Certo, aqui não é seu castelo e você não é a princesinha que pode dar ordens! Vamos, levante-se e lute! – caminhei até seu guarda-roupa e puxei uma roupa de treinamento, uma das muitas que foram feitas para ela e seus poderes - que ninguém sabia exatamente o que poderia ser - e joguei em cima dela. — Anda logo, . – Mais silêncio. Grunhi e caminhei em sua direção, dando de cara com uma parede invisível. Arregalei os olhos com a dor que senti ao bater naquilo e encarei a feiticeira, segurando meu nariz – O que... que merda é essa? – A princesa sorria levemente de canto sem me encarar. Com um movimento simples de virar a página de seu livro, senti minha mão formigando: um papel apareceu ali.
'Estou treinando e você não me dá ordens. Me deixe em paz'
— Como... como você...? – sussurrei. Olhei novamente para minha mão e o papel tinha sumido. Com mais uma olhada para ela e sem entender, de fato, como ela estava fazendo aquelas brincadeiras comigo, saí daquele quarto resmungando.
Foi a primeira vez que tentei falar com ela e desde então estamos assim. Ela com seus dons de feitiçaria e usando seu silêncio como birra, e eu, tentando inutilmente que ela saísse de lá. tinha a função de me tirar do sério e eu tinha a função de treiná-la. Somente um de nós conseguimos atingir nosso objetivo, aparentemente.
De lá, eu tentava concentrar minha atenção em outros problemas: Angelique destruindo meus soldados com seus treinamentos brutais e sem nexo. Não era guerra e meus elementares e Cinzas não precisavam sangrar, principalmente se tivermos uma luta eminente; Capitão que insistia em recrutar mais pessoas, afinal, o rei tinha irritado alguns súditos ao não estar dando tanta atenção à filha desaparecida e sim focar no casório do filho. Àquela altura, eles estavam desesperados por qualquer tipo de aliança. Voltei para o meu quarto e fechei os olhos, sentindo o que eu poderia ver a seguir.
Eu tinha pesadelos com aqueles olhos da cor de rubi, tão vermelhos quanto nosso sangue; tão brilhante quanto uma joia rara; tão perigosos quanto a mais venenosa serpente. Porém, únicos. Todo santo dia que eu conseguia pregar os olhos em minha cama, eu me sentia preso. Maravilhado e com medo. Aqueles olhos tentavam destruir tudo em meu sonho, mas também me salvavam. Minha água a controlava, meu poder. Eu.
Ela não me deixava acabar o mundo em água e eu não deixava com que ela queimasse tudo.
Acorda.
... pode acordar agora.
Aquela mesma voz…
Abri os olhos num ímpeto, assustado.
Olhei em volta e tudo estava molhado: o chão, a cama, as paredes. Água escorria por toda parte e olhos em um tom quase lilás me encaravam.
.
— Estava... estava dando uma volta e por algum motivo... por algum motivo eu vim parar aqui. – era uma explicação e tanta. estava com vergonha ao admitir aquilo e eu também estava, afinal, ela me vira em um momento completamente vulnerável. – Não sabia que era o seu quarto. A água estava saindo para fora e eu tive que entrar. Você estava... tendo um pesadelo.
— Sorte a nossa de você ter me encontrado antes de eu alagar esse lugar. – me sentei e passei a mão em meu pescoço. Eu estava ensopado. Observei que suas mãos tentavam atrair lentamente a água para si. estava tentando drenar a água do meu quarto, por isso que seus olhos estavam lilases. Comecei a ajudá-la. Eu dominava a água totalmente, ela dominava todos os elementos; mas não tinha afinidade com todos eles. Drenar aquela água poderia desestabilizar o Fogo por um tempinho. – Deixe comigo.
A feiticeira arqueou uma sobrancelha enquanto a água vinha até mim com rapidez. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto e eu podia sentir a energia dela me ajudando a drenar a água também. Depois de alguns minutos, não parecia que eu tinha inundado meu quarto. Não sobrou uma gota para contar história.
— Você saiu do quarto. – a encarei. Ela estava sentada na beirada da minha cama enquanto eu estava em pé. Observei seu olhar recaindo em meu corpo descoberto, eu usava apenas um short para dormir. – Se quiser, eu tiro tudo para que analise melhor...
— Eu saio quando você está dormindo exatamente pelo fato de eu não suportar essa sua autoestima elevada demais. – retrucou. Se levantou e ameaçou ir em direção a porta, mas eu não a deixei sair. – De nada. Eu salvei esse lugar de uma morte horrível: afogamento enquanto dormem. Me deixe ir agora.
— Por que fez isso? – nossos olhos se encontraram. Eu segurei seu braço.
— Já disse. – ela falou, entredentes – Eu sai para caminhar e algo me atraiu até aqui. — sorri sem mostrar os dentes, vendo que ela estava desconfortável com aquela aproximação – Me solte se não quiser que eu devolva toda essa água que drenei.
— Por que ficou dias sem falar ou treinar? – reformulei a pergunta. ficou quieta. Analisou cada detalhe de meu rosto, como se pensasse se deveria me responder ou não.
— Precisava de um tempo para mim. – fechou os olhos ao dizer e em seguida abriu novamente – Quando eu precisava ficar pensativa, eu costumava sumir para a cabana dos meus avôs, ninguém ousava me incomodar. Não posso fazer isso aqui. – sorrisinho sarcástico. tinha uma covinha na bochecha direita que eu nunca havia notado. Obviamente se dava ao fato de ela não sorrir sempre. – Também estou treinando feitiços que fui proibida de fazer no castelo. Aquela vez com o papel? Nunca tinha feito. A parede invisível? Também não. Estava treinando. Só não que nem vocês. Como eu já disse, meu treinamento é muito mais psíquico e mental do que físico.
Encarei-a uma última vez, totalmente vencido pela exaustão. Nós dois não precisamos nos desgastar trocando farpas quando já estamos esgotados. Antes que ela pudesse sair de vez do quarto, agarrei sua mão.
— Eu vou conversar com o Capitão, para ver se podemos adicionar umas horas extras nos seus treinos diários para a gente estudar mais sobre esses novos dons então, pode ser?
— Por que está fazendo isso? - me encarou, esperando uma resposta que nem mesmo eu poderia dar. Aparentemente nós dois não estávamos acostumados com atitudes bondosas.
— Porque eu não quero ter de lidar com outros incidentes como aquele com o fogo… - ela encarou nossas mãos ainda juntas e, como se esperasse algo a mais, bufou sem paciência. - … e também não quero você tendo que lidar com isso. - Sozinha, pensei. completei a frase, mas já era tarde demais. já havia revirado os olhos e saído do meu quarto.
👑
Não contei pra que eu não estava andando distraidamente pelo local, ele estaria surtando ao imaginar que eu me levantei e apareci em seu quarto apenas porque uma luz me levou até ele. Não foi uma mentira completa. Me assustou vê-lo tão vulnerável daquele jeito. Quanta água saia de todos os lugares do quarto. Seu rosto estava relaxado, mas suas mãos... Suas mãos apertavam tanto o colchão que achei que pudesse rasgar tudo. O peitoral malhado estava exposto e ele se mexia e sussurrava algo que eu não entendia. Quando eu acordei, seus olhos estavam tão azuis que eu tentei não me afastar de susto. Estavam em um tom royal tão vivo e brilhante.
Lindo e... assustador.
Não estávamos acostumados com Elementares de Água, todos foram mortos por conta de uma lenda de que eles poderiam acabar com os Fogos. Eram uma ameaça.
Queria que soubesse controlar e saber mais sobre o seu poder assim como eu. Tínhamos muitas coisas em comum.
Eu o ajudei a drenar a água e senti meu fogo me queimar por dentro. Quando Trish pegou em minha mão e falou aquela última frase sobre o episódio do dragão, não me contive. Preferia que ele tivesse tentado me ofender de outras maneiras.
Não queria que ele tivesse tocado em minha mão, não queria ter desejado que ele calasse a boca de qualquer maneira que fosse e nem que ele estivesse quase nu. Corpo maldito, homem maldito, poderes malditos. Não queria pensar na maldita Angelique gritando por ajuda quando meu dragão, Hage, a perseguiu.
Era doloroso admitir a vergonha que eu sentia por não ter me controlado no dia da minha luta com Angelique. Era doloroso pensar que eu poderia ter matado aquelas pessoas inocentes, até mesmo Angelique e quebrado o trato que tinha feito com . Era doloroso pensar que fui prisioneira no meu próprio lar.
Fui manipulada, usada e contida por todos esses anos. Fui enganada por quem eu mais amei na vida – minha mãe, Ophelia, Charlie. Meu pai não entrava na lista, mas eu ainda tinha empatia por quem me trouxe a esse mundo. Contudo, por mais que eu esperasse algo de ruim dele, nunca imaginei que ele poderia me prender dessa maneira.
Algumas peças iam se encaixando, no entanto.
Sempre me senti mais fraca que os outros. Eu era imbatível na magia, mesmo que ela fosse contida; mas nunca fora cem por cento. Eu nunca fui a melhor como deveria.
Feiticeira. Herdeira de Howslan. Primeira mulher a governar um país. Princesa dos elementos e dominadora do fogo. E... uma piada.
Uma piada por não saber de fato o que eu podia fazer.
Eu sempre fui contida e não sei controlar minha força. Meu poder.
Eu não queria ser temida por não ter controle. Eu queria ser respeitada.
Por Angelique, , os Cinzas, e o velho que comandava aquele circo – meu pai.
Ser respeitada. Era tudo que eu podia pedir.
Estava disposta a conquistá-lo.
Depois que eu havia descoberto que conseguia projetar coisas – como a parede invisível, que me rendeu muitas risadas e o bilhete – fiquei ainda mais surpresa e tentada a descobrir mais sobre mim. Sobre meu poder. Eu tinha que me controlar para não colocar fogo nos lugares, dependendo do meu temperamento aquilo poderia ficar feio; mas eu me sentia mais próxima dos outros elementos também. Contudo, comecei a perceber que quando eu focava nos outros elementos, meu fogo diminuía. Parecia que as chamas se sentiam enciumada e se recusavam a aparecer.
Ninguém ali poderia me ajudar.
Ninguém ali era um feiticeiro. Ou conviveram com algum. Ainda mais um como eu: um lobo em pele de cordeiro.
. Precisava tanto de .
Fechei os olhos, me imaginei ao lado dele. Fui até aquela noite antes do nosso casamento que acabara mal. Naquela noite que suas mãos percorriam pelo meu corpo inteiro: pescoço, seios, barriga, coxas... aquela noite que a gente aceitou um ao outro sem plateia ou títulos: apenas nós dois. Meus pensamentos foram para o dia que fui levada, o qual foi seu último olhar para mim. O dia que eu o vira gritar quando eu estava dentro de sua mente.
Queria vê-lo. Senti-lo.
Queria sentir seu cheiro. Queria tentar tirar do sério e falhar, já que ele gostava de mim mesmo sendo... difícil.
Senti meu corpo se aquecer. Senti minha mente formigar. Fui levada para um lugar diferente. Estava chovendo, mas eu não me molhava. A água não me acertava. Eu via pessoas – soldados – passando por mim sem se importar ou notar que eu estava ali. Havia uma batalha ali. Howslan contra... os insurgentes. Não conhecia nenhum deles. Nenhum rosto era conhecido, mas eu reconhecia meus soldados – soldados de meu pai – corrigi.
Uma explosão aconteceu, mas não era fogo, era muita poeira.
Painite. Drenou o poder de qualquer um ali. Tanto insurgentes, quanto soldados do rei.
O lugar que me abrigava, tinha uma estratégia tão boa quanto eu poderia pensar. Meu irmão e Conrad estavam ali e não poderiam lutar com seus poderes. A estratégia era boa, mas os dois lutam tão bem quanto eles. Meu coração parou ao ver meu irmão, a armadura prateada brilhante estava em seu corpo. Ele estava com o cabelo mais longo e tinha um pouco de barba. Pegou sua espada e começou a travar sua própria batalha. O Rei de Lennox berrava ordens ao norte e seus soldados faziam o que o homem gritava. Os insurgentes estavam mascarados, alguns. Ninguém havia me avisado que os insurgentes estavam atacando minha família de maneira tão brutal assim. Eu tremia mesmo sabendo que mesmo pelos desprevenidos, meu irmão daria conta.
Então senti.
Senti ele.
Explodindo tudo em terra. O painite não havia pegado ele por algum motivo. Talvez ele estivesse longe quando a bomba explodiu, talvez... não sabia. mexia levemente a mão enquanto a terra por baixo dos pés dos insurgentes explodia. Era poeira para todos os cantos.
Ele estava... lindo. Lindo e brutal.
A armadura Dourada brilhava no sol de fim de tarde, seu cabelo estava bagunçado e sua barba por fazer. Olhos lilases brilhavam em fúria. Nunca o vira tão bravo. Queria entender o motivo daquela batalha terrível. Havia uma cidade próxima e eu não gostava das proporções que aquilo estava tomando. Um homem forte, alto e com uma bandana cinza no rosto se aproximou por trás de . Ele não o vira. Ninguém me sentia.
Afinal, eu não estava ali de verdade.
Que pesadelo horrível.
— . – falei. Ele continuou concentrado em destruir qualquer um que tentasse algo contra meu irmão ou seu pai. O homem se aproximava com cautela. Meu coração parecia prestes a explodir a cada passo. – ! – chamei novamente. Me aproximando. Estava me desesperando, estava com medo, não podia fazer nada. — , atrás de você! – gritei com tanta força que meu noivo piscou duas vezes e, para o meu alívio, sentiu algo atrás dele e logo tratou do inimigo.
O insurgente parou, subitamente e encarou o herdeiro de Lennox. o encarou de volta e suspirei com o que o feiticeiro estava fazendo: afogando o rapaz. De dentro para fora. Cruel e terrível.
Talvez eu tivesse me esquecido que era uma máquina criada para ser invencível. Lutou em inúmeras batalhas e sabe como matar. Eu fui criada para ser um fantoche.
– Por favor... solte-o e fujam. – Sussurrei. O homem se debatia, mas ele já estava quase morto. Sua energia estava indo embora.
O feiticeiro soltou o homem e olhou em volta. Eles tinham a vantagem, era o elemento surpresa sem o Painite. Havia homens caídos por todas as partes, meu irmão tinha manchas de sangue por todos os lados da armadura.
— Se querem sobreviver, espero que aceitem a oferta de paz e nos deixem livres para ir. – Sua voz era potente e parecia que tremia tudo. As árvores pareciam se encolher, assim como os sobreviventes dos insurgentes — Caso contrário, não me importo em massacrar cada um que restou apenas com o estalar dos dedos! – silêncio. Armas ao chão, uma por uma. — Preparar para evacuação. — Ele ordenou. Seus guardas trataram de recuperar tudo e marcharem para o oeste.
Estavam indo para o Palacete da água.
O que diabos estavam indo fazer lá?
Aquele lugar estava completamente abandonado há anos, desde que os elementares de água foram extintos, na verdade.
Prendi a respiração quando o olhar de encontrou o meu. O príncipe balançou a cabeça levemente e... sorriu. Sorriu timidamente e o suficiente para que ninguém percebesse e abaixou a cabeça marchando para seu cavalo.
Abri os olhos puxando o ar que eu sabia que estava prendendo. Olhei em volta e ainda estava no quarto, mas estava sozinha. Ivy e Luna deviam estar em aula, no Bunker, as crianças ficavam em uma parte do Complexo até a hora do jantar. Olhei para o relógio e vi que tinha dormido a tarde inteira – para o desespero de e o Coronel. Estava tão aflita e assustada, que me levantei em um ímpeto e me troquei com a primeira roupa que encontrei e avancei rapidamente em direção ao que me daria respostas. Não poderia ser apenas um sonho.
Se aquilo fosse uma premonição ou um tipo de visão do que pode ter acontecido com aquelas pessoas que eu amo, os Insurgentes estavam infligindo a maior condição do Acordo: deixar e Charles em paz. Aquela pulga de sonho em meu cérebro não me deixaria em paz até que eu me certificasse de que eu sou apenas uma feiticeira descontrolada e paranóica.
Sinto falta de e Charles, era o que eu pensava para me acalmar. Não sei mesmo do que sou capaz.
O complexo tinha tantas divisões que eu me perdia sempre, mas não hoje. Não agora. Meus instintos me enviaram diretamente para onde eles estavam: na sala de reunião onde eu obtive meus poderes de volta e fiz o maldito acordo com aqueles rebeldes. Quando o Coronel sentiu medo de mim. Que eles não estejam querendo ver esse meu lado de novo. O local estava com poucas pessoas, todos pareciam bem preocupados, inclusive, . Angelique estava em pé, no canto da parede observando todos os movimentos com uma expressão aflita. Quando por fim prestaram a atenção em mim, todos se calaram e pareceram prender a respiração. Soube ali que tinha algo errado.
Tentei agir na maior naturalidade possível, controlando o animal que dentro de mim habitava e estava prestes a explodir. Me sentei em uma das cadeiras e fiz minha melhor expressão de curiosa. E estava mesmo, afinal, o silêncio se instalou.
— Finalmente saiu da sua toca. – deu um sorriso ladino, mas não durou muito. — Alguma novidade durante minha ausência, meu bem? – minha voz era suave. Quase um carinho para quem escutava.
— Achei que você não estivesse interessada nos assuntos da ralé, bruxinhai>… – observei calmamente todos ali. Um por um. Havia uma onda de poderes ali, poderes não fortes o bastante para me derrubar, mas fortes o suficiente para me manter em alerta. — Afinal de contas, você está ocupada demais mandando bilhetinhos para o meu irmão e fazendo paredes invisíveis... volte para seu quarto, princesinha. Aqui não é seu lugar – encarei , que trincou a mandíbula ao fuzilar a irmã. Todos riam e debochavam. Senti raiva dele, mais do que antes.
— Não deveria me tratar dessa maneira, Angel... – me levantei lentamente e arqueei uma sobrancelha ao encarar o elementar de Água – Nessa madrugada vocês poderiam estar mortos se não fosse por mim. – me fuzilou, sorri para ele ao chegar mais perto e arrumar a gola de seu uniforme preto. Estávamos tão próximos que sentia seu corpo estremecer, tinha quase certeza que de raiva.
— Do que você está falando? – Angelique me encarou.
— Que feio, Trishi>… espalha os meus segredos, mas não conta sobre os seus? – balancei a cabeça, fingindo estar ofendida com aquilo. Suspirei longamente e encostei minha cabeça no ombro dele, enquanto fazia círculos pequenos com os dedos no peitoral de . — Bom, conversem sobre isso mais tarde... quero saber sobre minha família. Novidades? – pareceu relaxar um pouco, mas Angel não se deu por vencida, estava se preparando para dar seu golpe.
— Não temos notícias. – o Coronel deu de ombros – Você deve se preocupar com o seu papel no Forte.
— Terá minha atenção total assim que me informar sobre eles. – Aquele tom que eu usei... fui criada há anos para agir assim. – Ou querem que eu teste um de meus novos truques? Sabiam que consigo fazer alguém me dizer tudo que quero ouvir?
— Isso é impossível. — Angelique riu e caminhou lentamente em direção a uma das cadeiras. Parece que esqueceram do que fiz com Lucas.
— Você não tem permissão de usar poderes aqui. Não com a gente. Esse foi o combinado. Eu estou relevando as pequenas magias, mas não vou tolerar isso. — a voz do Coronel era tão forte e grotesca, que poderia colocar medo em qualquer um ali, o que aconteceu mesmo; eles só não contavam que eu fosse filha do homem mais irritante do planeta.
— Eu quero saber sobre minha família. — retruquei, calmamente – Estou pedindo... por enquanto. — dei de ombros. me encarou e com o olhar pediu para que eu não continuasse com aquilo.
— Você não vai ter notícia alguma! – Angelique gargalhou novamente, se sentando na cadeira. Encarei o Coronel que não estava disposto a ceder.
Certo, então.
Com um movimento dos dedos, fiz a cadeira de Angelique deslizar até onde eu estava. e todos se assustaram com aquilo. Angelique ameaçou usar seu poder contra mim, mas silenciei ela. Silenciei todos. Criei uma bolha onde ninguém conseguia entrar. Minha mente formigava e eu sentia meu corpo esquentar.
– Não diga que eu não falei com jeitinho. – o símbolo da Verdade brilhou em sua testa, dourado como ouro. Fiz aquilo com Lucas uma vez. – Nosso querido Lucas já lhe contou como funcionou esse feitiço com ele, certo?
— Vadia. – ela sussurrou e eu ri.
— Ótimo, você entendeu o espírito da coisa! Quando você diz Verdades, você não sofre. Agora se mente... – balancei a cabeça e encarei . Ele socava a bolha de ar que eu fiz com tanta força que eu a sentia tremer. — Quero saber sobre minha família, conte-me tudo!
— Vá se fode... – ela urrou, colocando as mãos no estômago. – Sua mãe está ajudando nos preparativos do casamento de Charles e Jade. – não expressei nada, mas por dentro estava querendo chorar. – Sua sogra voltou para Lennox e não sabemos o motivo. Seu pai não sai do Palácio Dourado há semanas e seu noivo... – ela riu e me encarou com aqueles olhos afiados.
– Há boatos que o gostosinho está tentando um acordo com Vancur... sabia que lá tem princesas gêmeas também? Um mais um é igual a...? - por mais que eu soubesse que ela estava me provocando da pior maneira, vi que aquilo não doía nela; pelo simples fato de que para ela, aquilo era Verdade.
— E o que mais? – ela ficou em silêncio e depois berrou. Eu estava furiosa. Furiosa e ferida— Vocês estão cumprindo sua parte do Acordo? — gritos. Gritos e socos na parede invisível que eu havia criado. Sentia suor escorrendo na minha testa. – Angelique...
— Um grupo de insurgentes esbarraram com seu namorado, irmão e sogro... – ela choramingava ao dizer aquelas palavras – Eles... eles não esperavam encontrar eles indo para o Palacete da Água... está abandonado há anos e... e...
— ! – urrou. Estava tão furioso que podia ver seus olhos ficando levemente azuis. Estava ficando fraca ao fazer tantos feitiços ao mesmo tempo.
— Houve uma batalha, mas... mas não foi planejado. Não era pra eles terem atacado!
— Como foi a batalha? – meu coração doía, eu sabia como tinha sido. Havia um misto de sentimentos e eu não estava raciocinando direito.
Eu tinha previsto aquilo? Minha mente me avisou? Poderia ter evitado?
— foi misericordioso. - ela relutava ao dizer aquilo, não por doer por ser mentira; mas por ser Verdade e ela não poder falar mal de um Feiticeiro. Da realeza. — Ficaram bem. Perdemos muitos homens. Fomos avisados a pouco tempo, esse era o motivo da reunião. – ela suspirou aliviada quando sentiu que a bolha tinha sumido. Eu permiti que se aproximasse. Mesmo furioso, não ousaria encostar em mim. Nenhum deles.
— Tínhamos um acordo! – eu urrei. As luzes tremeram. Encarei o Coronel. Meus olhos estavam lilases. — Tentaram quebrar a minha ÚNICA condição!
— Eu não sou responsável pela área oeste! – ele respondeu, não estava bravo. Sentia o cheiro deles, ultimamente eu sentia mais cheiros e sentia mais coisas do que deveria. Havia medo ali, mas também tinha um pouco de... aflição. – Demos as ordens e os avisos... não consigo contato com o Bunker deles! Eu... eu estou tentando, . Eu juro que estou. – tentei detectar mentira, mas só encontrei cheiro de medo. Mentira fedia. - Vou punir o responsável por ter tentado nos trair. Não somos como...
— Como quem? — rosnei, meu corpo esquentando novamente. — Vocês julgam tanto minha Casta, nos pintaram como os inimigos quando quem, por fim, tentou arruinar um Acordo...
— Não deixarei quem fez isso passar impune. — Herris disse, seus olhos estavam brilhando por trás dos óculos escuros e finalmente fiquei curiosa para saber que tipo de Cinza ele era. Nunca que ele deixou transparecer qual o tipo. Fiquei em silêncio, nós nos encarávamos como dois bichos e eu nem precisava ver por trás de seus óculos, só sua postura denunciava aquilo, afinal, sua Palavra foi colocada em jogo. Sua índole.
— Quero ir até lá. – Estava ajudando a irmã, que se recuperava lentamente do feitiço. Não queria nunca experimentar aquilo, lendas antigas dizem que os órgãos se exprimiam todas as vezes. O insurgente largou a irmã e veio até mim, ficando cara a cara.
— Ficou maluca?
— Eu quero ver os sobreviventes e conversar com todos. Quero que me conheçam. Que sintam o que sou e o que farei se eu descobrir que tentaram matar minha família novamente!
— Você pode ir. – Coronel falou, fazendo todos o encararem com surpresa. Até mesmo eu. — Negociaremos as condições depois que nos acalmarmos — O Coronel se sentou novamente, Angelique estava vermelha e com os olhos arregalados. — Mas só depois da sua primeira missão.
— Acha mesmo que eu vou respeitar esse maldito Acordo depois disso tudo? – gargalhei.
— Ninguém morreu, então nada foi quebrado. — estava falando aquilo entredentes. Talvez eu não seja a única que tenho que controlar o animal interior.
— Que missão é essa? – questionei. Coronel encarou o Insurgente, que suspirou e concordou levemente com a cabeça. Parecia que relutava com aquilo
— Você vai nos levar para Taaffeith.
Capítulo 26
Taaffeith.
Comecei a rir quando escutei aquela palavra. Aquela cidade esquecida e abandonada, sempre que citada era quase uma maldição, se não até mais que isso.
Quando eu era pequena, depois de uma das aulas de história que tínhamos com o nosso professor mais antigo de Howslan, Thomassian, o grande manipulador da Terra e um ótimo ilusionista, nos fazia ver os horrores que poderia ter em Taaffeith.
Veja bem, poderia.
Ninguém ousava pisar em Taafeith há séculos, muitos que foram nunca voltaram e quem voltou, contou o que vira e nunca mais foi o mesmo, enlouqueciam e morriam com sua cabeça fervendo com as assombrações que os perturbavam. A maioria eram presos que barganhavam com o Rei, mas o último foi um soldado renomado de meu tataravô, o coitado conseguiu voltar e em um dos seus surtos um feiticeiro conseguiu ver suas memórias. Os ilusionistas de Terra conseguem transmitir para outras pessoas esses fatos históricos, isso não significa que esses fatos sejam agradáveis de serem vistos.
— Só podem estar de brincadeira comigo. — olhei para , o mesmo abaixou o olhar. Canalha. — Se querem me matar, é mais fácil tentarem isso de maneira mais honrosa.
— Ninguém está tentando te matar... dessa vez – o Coronel deu de ombros e se sentou. – Precisamos de você para entrarmos em Taaffeith.
— E o que te faz pensar que eu consigo fazer tal coisa? – falei entredentes, já sentindo meu corpo esquentar.
— Você é filha do seu pai. – as palavras baixas de saíram mais como uma maldição do que uma resposta simples, por mais que fosse algo óbvio.
— As projeções em volta de Taaffeith foram feitas pela sua família. – Angelique falou com uma careta. – Isso significa que precisamos de uma para entrar em segurança.
— Ou vocês precisam de mim para assinar a sentença de morte. Meu sangue é a chave para o caos daquele lugar! – não conseguia esconder meu desespero àquela altura da conversa, eles não tinham ideia da onde estavam se metendo.
— Quanta prepotência, bruxinha... – Trish sorriu de canto e cruzou os braços.
— O que querem em Taaffeith? – tentei falar sem parecer tão amedrontada, mas não conseguia esconder totalmente o pavor na minha voz. – Não ousem esconder algo quando claramente vocês necessitam mais de mim do que eu de vocês.
Eles se entreolharam. O Coronel, Angelique, e todos os outros. Aquilo era desconfortável para todos nós.
— Se quer saber sobre seu irmão e seu adorável príncipe, é bom colaborar com a Causa. Sem perguntas, ... não temos obrigação alguma com você! – Angelique falou no canto da sala.
— Se esqueceu do que eu fiz com você há cinco minutos? – arqueei uma sobrancelha, aquilo era engraçado, ela engoliu seco só que manteve a compostura – Se quiser, eu aqueço sua memória. – levantei a mão apontando um dedo em sua direção, apenas aquele movimento, mesmo que eu não fosse fazer nada por estar quase esgotada; fez com que me prendesse contra a parede, sua mão apertando meu pescoço.
Seu corpo estava gelado, frio e úmido por conta do seu poder e o meu estava fervendo, podia sentir vapor saindo do nosso atrito. Seus olhos estavam azuis, não do jeito que eu encontrei em seu quarto, mas o tom turquesa brilhava. Os meus não estavam diferentes. A gente se encarava com tanta raiva que o vapor que subia se tornou uma grande bolha, escondendo de todos o que de fato acontecia ali dentro entre nós.
— Canalha. – falei, lhe dando um empurrão, mal se moveu.
— Megera. – ele respondeu, se aproximando mais de mim. Se eu não estivesse tão furiosa, estaria rindo daquilo.
— Como ousa fazer isso comigo? Como ousa esconder de mim coisas que eu preciso saber? – fiquei na ponta dos pés para que ele sentisse de perto o sentido quase literal da frase “soltando fogo pela boca”.
— Você também não está cumprindo sua parte no trato. – sua voz era quase tão fria quanto o seu corpo, seu hálito batia em meu rosto e eu conseguia sentir o cheiro de menta.
— Não é como se sua irmã fosse uma grandíssima e adorável querida, . – sorri, o sarcasmo escorrendo dos meus olhos. O insurgente passou os olhos para minha boca, ninguém estava acostumado com meu sorriso por ali. Parei de sorrir no mesmo instante.
— Você também não é. – ele falou quase em um sussurro, seus olhos ainda estavam turquesa, mas agora eles não paravam em um lugar só em meu rosto, analisava cada parte minha. – Droga, .
— Me conte o que está acontecendo. – ordenei. Ignorando totalmente o fato dele estar furioso e desorientado. – Eu mereço saber a verdade, .
— Isso está acima de mim. – Tristam suspirou e afrouxou um pouco a mão do meu pescoço, mas não saiu de lá. – Você pode ler minhas memórias se quiser saber, , mas eu não posso falar nada.
— Eu não vou fazer isso. – por mais que eu quisesse. Eu poderia matá-lo com a magia proibida, ainda mais descontrolada da maneira que eu estava. Não tinha controle de mim. Quando fiz Lucas me dizer coisas, fora usando símbolos proibidos que me geraram as Verdades que eu queria saber, contudo, me aventurar na magia proibida Mentais não era cabível ali. Ainda mais com ele.
— Ora ora, a megera está com medo de me machucar? – diz ele como se tivesse lido meus pensamentos. Seus olhos brilhavam, aquele jeito que me fez lembrar de . Ele me olhava assim. – Se não fizer comigo, não permitirei que faça com qualquer outro.
— Agora entendo um dos motivos para que os Elementares de Água terem como destino a extinção... – arqueei uma sobrancelha, sorrindo quando ele apertou meu pescoço novamente com a lembrança de que ele era o único que restava. – São extremamente detestáveis. – o brilho sumiu. – Que fique claro o seguinte, : nós temos um acordo. Eu aceitei ajudar a Causa e até o momento a única coisa que eu pedi foi que vocês ficassem longe da minha família e me dessem informações sobre eles! – falei entredentes, me controlando para não dizer a eles o que eu tinha visto ou pressentido, aquilo poderia ser uma arma que eu não estava disposta a fornecer. Meu coração parou de bater por um instante ao imaginar que tinha o dom de minha mãe e que talvez isso foi ofuscado quando eles me drogavam para que meu poder não fosse cem por cento. Doeu lembrar que fui traída por ela. – Isso mostra que eu sou parte dessa patifaria! – minha voz saiu de maneira tão furiosa que por um momento, senti medo de mim. – E exijo respostas!
— Vamos para Taaffeith e terá suas respostas. – ele deixou claro ali que não confiava em mim. Tudo bem, também não confiava neles.
— Posso destruir esse lugar se eu quiser, mas ainda permaneço aqui. Isso deveria ser motivo o suficiente para que vocês me respeitassem. – em nenhum momento a gente deixou de se encarar, nossas respirações ofegantes o suficiente para que o vapor subisse mais e mais. – Vamos para Taaffeith, na direção da morte... só não me obriguem a fazer algo que eu não queira, ainda mais fora desse lugarzinho que me cerca de painite – sorri sem mostrar os dentes, passando a mão em seu rosto com a barba por fazer – Vai ser realmente muito bom sair daqui, Trish... ótima ideia de um grupo tão astuto!
— Não somos tão tolos quanto você pensa. E você não destruiu esse lugar ainda porque você pensa nas pessoas inocentes que vivem aqui! – Aquilo me atingiu bem no estômago – Você pode fingir para qualquer pessoa que é um monstro, , mas não para mim! Eu sei que você não faria tal coisa.
— Jamais pensaria algo desse tipo sobre esse grupo. – a frase saiu em tom de ironia. Obriguei meu corpo a resfriar, me obriguei a não deixar minha fúria sair da forma que estava saindo. pareceu perceber o vapor diminuindo e seus olhos foram relaxando, contudo, sua mão ainda não me soltava; mesmo eu baixando a guarda, ele tinha medo de mim. Aquilo me deixou ainda mais furiosa. O insurgente não tinha o direito de me ler daquela forma e fingir que não se importava. – Tire suas mãos do meu pescoço.
— Apague esses malditos olhos lilases. – ele queria ter o controle. Esse era o enorme problema de todas as pessoas. Todo mundo sempre quer estar com o poder. De fato, no nosso mundo, quem tem mais poder é quem dita o controle; e ali, eu poderia ser uma marionete para eles e para o meu pai.
Mas sou eu a que controla todos os elementos. E são eles que precisam de mim.
Respirei fundo, fechei meus olhos e tentei controlar o monstro que tinha dentro de mim. Tentei me convencer de que não precisava fazer nada para machucar aquele homem que estava apenas protegendo as pessoas que ele ama – eu queria que alguém lutasse por mim daquela forma, mas no fundo, sempre lutei por mim mesma. Contudo, não consegui. Eu precisava deixar claro a todos ali presentes que eles quem precisavam de mim. Precisava deixar claro que não tinha medo de usar meus poderes contra qualquer um que tentasse se colocar no meu caminho.
Eu fui tola ao querer que me respeitassem sem usar minha força.
Cansei de não ser respeitada. Não ligo para os meus títulos, mas ligo para o meu poder. Se não vou ser respeitada por bem... que seja de outra forma.
— O que você est... – o insurgente fechou os olhos, se segurando para não urrar de dor. Minha mão esquerda estava apoiada em seu peitoral, eu estava sugando sua energia. – ...
— Eu falei para você tirar suas mãos de mim. – falei entredentes. tinha tirado as mãos do meu pescoço e agora já conseguíamos ver os outros insurgentes nos observando. Era o que eu queria: que vissem o que eu podia fazer até mesmo com . – Nunca mais encoste em mim sem permissão de novo. – ele estava de joelhos, com as mãos segurando o próprio pescoço, em busca de ar.
— Solte-o. – Coronel falou entredentes, apontando uma arma para mim. – Solte-o e vamos conversar.
— Ah... então é assim que consigo sua atenção? – coloquei uma mão na cintura, afrouxando um pouco o poder em , não queria que ele se machucasse de verdade, mas queria que me contassem o que aconteceu em Provance, perto do Palacete de água com os meus. – Que bom que agora podemos conversar, Coronel. – soltei . O moreno respirou fundo, buscando o ar que tinha perdido. Tentei controlar meu rosto para que ninguém percebesse o quanto fazer aquilo tinha me incomodado.
Eu tive que fazer isso, me desculpe, pensei. Nunca falaria aquilo em voz alta.
me olhou em seguida, balançou a cabeça levemente e se levantou com a ajuda de Angelique, que me encarava com raiva. Nada fora do normal.
— Esteja pronta para sairmos de madrugada. Temos uma longa viagem de três dias até Taaffeith. – o insurgente falou secamente, virou o rosto e caminhou em direção a porta. Segurei um suspiro. Era mais fácil assim.
— Quero ficar a sós para essa conversa. – encarei o coronel, o homem estava vermelho. – Não quero ter que machucar mais ninguém, nem mesmo você.
— Certo, que seja feita sua vontade, vossa alteza! – a reverência falsa me fez ter embrulhos no estômago. Aquilo, de fato, me fez lembrar dos dias no castelo, quando meu pai zombava de mim. Todos da sala saíram, um por um. Restando apenas nós dois e Landon, que fez questão de ficar ali.
Eu no fundo eu sabia que ele ficaria ali por mim. Não por medo de eu machucar seu irmão, mas tinha medo de me deixar sozinha e eu fizesse algo que me arrependesse.
Tarde demais, Landon.
Não consegui pregar os olhos desde que voltei na sala de reunião dos Insurgentes. Estava tão aterrorizada com tudo que tinha feito e sentido que quando cheguei nos aposentos de Landon e suas filhas, me enfiei no quarto das meninas e fingi que dormia quando elas chegaram para descansar. Não queria machucar mais ninguém.
A conversa com o Coronel foi mais difícil do que eu pensava e por incrível que pareça, ele me contou tudo que tinha acontecido – tudo que ele sabia e que estava em seu alcance para me dizer, até porque, ele ainda não tinha conseguido contato com ninguém daquela área para que fosse informado todos os detalhes. No mais, o que eu tinha pressentido era de fato algo que aconteceu mais cedo em Provance. Eu não conseguia entender como isso era possível, mas aparentemente eu soube que eles estavam em perigo por algum motivo e aquilo me desesperava.
Eu tinha herdado isso de minha mãe?
Minha mãe, uma vidente tão poderosa e eu, a feiticeira sem controle.
Ou, era algo da conexão que eu tinha com ?
Nunca saberia.
Coronel Herris me disse pontos que me deixaram apreensiva sobre o que minha família fazia em Provance, mas também deixou claro que os Insurgentes que fizeram tal coisa seriam punidos. Eu também entendia o fato de que poderiam ter feito aquilo para se defender, mas não foi assim que aconteceu. Cercaram meu irmão e os atacaram cruelmente, não podia falar que sabia veemente o que tinha acontecido ali. Até porque, foi misericordioso. O que eu também não entendia, já que eles poderiam ter capturado um Insurgente para tortura-lo e descobrirem meu paradeiro. Tinham desistido de mim?
desistiu de mim?
Consegui entrar em um acordo com Herris e tentamos, juntos – ele, pensando como um Insurgente e eu, pensando como a próxima rainha – em possibilidades do que estava acontecendo ali. Pude perceber que mesmo nós dois sendo totalmente opostos e de certa maneira, inimigos, nós fazíamos uma bela dupla quando não tinha plateia. Quando tentávamos desvendar coisas, até funcionava; mas se nossa opinião mudava para outro assunto, era um desastre.
‘’— Você está sendo descuidada, criança. – Coronel falou, tirando a caneta de minha mão enquanto eu fazia anotações no painel gigante que ele tinha ali. – Nós estamos com um posto em todas as províncias de Howslan. Somos muitos!
— E como foram pegos desprevenidos dessa forma? – questionei, colocando as mãos na cintura. – Se são muitos, como não viram que tinha uma Caravana do Rei indo em uma das províncias?
— Talvez algum feitiço de encantamento... – ele passou a mão na barba gigante e tirou os óculos. Pude ver novamente seus olhos e fiquei curiosa de novo sobre sua casta. – Aquele que você usou para tirar nosso carro daqui.
— Provance fica muito longe do Palácio... nenhum feiticeiro aguentaria tanto tempo de magia. E feitiços são iguais, mas a maneira que são manuseados são diferentes, ainda mais por feiticeiros diferentes. e Charlie... bem, são opostos. – e não é como se Charlie praticasse muito esse tipo de magia, ele era um guerreiro, dominava artes da guerra.
— Mas são fortes e juntos são imbatíveis. – concordei com a cabeça. Ele estava certo. – foi muito... generoso quando não matou ninguém, nem capturou. Deixou eles fugirem. O que me deixa curioso, pois claramente tem algo por trás disso. – eu também me questionava aquilo.
— Nem todos são como meu pai. – via claramente na minha cabeça explodindo tudo em terra, forte e poderoso.
— Nem todos... – ele concordou e me encarou nos olhos. – Mas vocês foram criados para matar e serem servidos. Não nos culpe por acreditar no contrário.
— Olha, temos uma grande ironia aqui, Herris... você não quer que eu julgue vocês e sua maldita Causa, mas julga qualquer um que tem uma Coroa na cabeça!
— São séculos de insatisfações com a monarquia, ! – respondeu calmamente, bebericando seu café – Você sabe como funciona. Volto a repetir, não nos culpe por querermos a Revolução.
— Sabe, Coronel... no fundo meu pai e você são bem parecidos. – o homem arregalou os olhos, furioso com a comparação – Ele acha que a verdade dele é universal e vocês também.
— Sua família mata inocentes há séculos! – ele berrou, batendo na mesa. Não me movi. – Não somos iguais! Eu luto por igualdade e vocês lutam por poder!
— Não pertenço a esse lugar, tampouco a monarquia! – respondi entre dentes – E para mim, vocês dois são iguais, só lutam por coisas diferentes.
— Como pode pensar tal coisa depois de vivenciar tudo por aqui? – Ele estava inconformado. Surtando. Eu me segurava para não ficar da mesma forma.
— Não me peça para ser condescendente com vocês, quando me fazem prisioneira por ser filha do meu pai. – Respondi da mesma maneira. O Coronel ficou em silêncio, aquilo tinha ficado desconfortável. Landon não dizia uma palavra, apenas lia seu livro no canto enquanto discutíamos. – Continuo sendo uma marionete, só que fora daquele maldito castelo.
— Agradeço por colaborar com a Causa – ele pigarreou e ajeitou o colarinho. – Descanse para sua primeira missão aqui no Forte. Amanhã saberá mais informações sobre Taaffeith. ’’
Já era tarde e todos dormiam, minha cabeça fervilhava e fervilhava e nada fazia sentido.
O Palacete de Água não era mais um foco do reino e ninguém cuidava dali, de fato. Não existia mais elementares que dominavam aquele elemento, todos foram extintos. Exceto , mas ninguém sabia. Na verdade, sabiam. sabia, Charlie sabia. Meu pai também sabia.
Algo me diz que minha mãe sabe mais do que aparenta.
Uma parte minha queria muito que me encontrassem, mas outra parte, não.
Eu entendia a Causa. Eu queria igualdade. Eu desejava um mundo melhor. Odiava meu pai com a Coroa. Também queria que aquilo acabasse.
Passei os últimos trinta minutos no banheiro, com dor de barriga e vomitando tudo que eu podia – e não tinha, dentro do estômago – por imaginar que eu iria pisar em Taaffeith. A maldita lenda. Ia morrer naquele lugar e jamais ninguém descobriria, não iria ver minha mãe e Ophelia, Thomas e Charlie, não beijaria uma última vez.
Sofreria todos os meus pecados naquele lugar aterrorizante. Odeio os Insurgentes. Odeio meu maldito cérebro por não lembrar de tudo que tinha de importante naquele lugar, talvez se eu não estivesse com tanto medo na época, eu lembraria de algo e tentaria barganhar com eles, afinal, eu temia pela minha vida miserável. Não queria morrer em Taaffeith. Não sem antes ver Ophelia de novo, não sem antes ter algum conselho de Debbie sobre algo que eu precisava ouvir de verdade, ou sentir minha mãe acariciando meu cabelo, ou ver Charlie com seus filhos. Não queria morrer sendo uma covarde que não falou para como me sentia em relação a ele.
E, obviamente, não sem descobrir quem sou de verdade.
Inferno de vida!
Me deitei próxima as meninas tentando não acordar elas e fiquei mentalizando memórias boas para me acalmar até conseguir pegar no sono, mas não durou muito quando senti um vento frio em meu rosto.
Angelique.
Ela não estava dentro do quarto, mas estava dentro dos aposentos de Landon, o que permitia que ela conseguisse fazer tais coisas. Me levantei e saí do quarto, dando de cara com ela com seu salto alto e o cabelo enrolado em volta da cabeça. A roupa preta colada em seu corpo dava muita ênfase em como ela era bonita. Angel sorriu e se sentou no sofá.
— Você está horrível. – ainda estava de pijama e meu cabelo provavelmente estava todo bagunçado, fora as olheiras e a desidratação. – Minha futura rainha está com... medo de Taffeith?
— Não somos mais crianças, Angelique, ter medo não me torna fraca e assumir isso não me faz ter vergonha. – ela fez careta e me atacou uma mochila. – Vocês podem estar bem agora, mas quando chegarmos lá, vão perceber que foi a pior coisa que poderiam fazer.
— Não sofro por antecedência. – deu de ombros – Nessa mochila estão coisas que você vai precisar para a viagem. – não foi me levar aquilo. não foi me ver. Não deveria estar surpresa, afinal, fiz ele sofrer na frente de todos, mas Angelique estava ali. Talvez fosse a maneira do insurgente me punir. – Roupas, barras de cereais, água, alguns shots de energia... enfim, sua roupa para aguentar a jornada está pronta. Se arrume e saia. Um guarda vai te levar até o ponto de encontro. vai com você.
— Você não vai? – perguntei, estranhando como ela estava calma.
— Acharam melhor não nos colocarem fora do Forte juntas. – ela controlou a respiração, pelo menos concordávamos nisso. Nossos egos poderiam nos matar – Precisam de um Elementar aqui de qualquer maneira. Eu tomarei conta das coisas enquanto vocês estiverem fora...
— Ótimo. – me virei para começar a me trocar ali mesmo, Landon estava no banheiro e eu não iria acordar as meninas.
— Sei que você não machucou meu irmão de propósito.
— Com certeza sabe – ri pelo nariz, tentando não demonstrar que aquilo tinha me atingido de maneira desprevenida.
— Fez aquilo para conseguir o que queria. Foi ardilosa, . – aquele salto horrendo dela estava me deixando irritada. Aquelas palavras também. Meu silêncio também era resposta para a sua frase. – E ele também sabe, porque está agindo como se nada tivesse acontecido.
— Além de manipuladores do Ar e Água, também sabem ler mentes? – a ruiva deu um sorriso quase que imperceptível. – Não me importo com os achismos de vocês. Pense o que quiser. – Estava tentando fechar o maldito zíper das costas e ela pareceu perceber aquilo quando se aproximou.
— Taffeith é uma grande lenda, mas fiquei um pouco... preocupada com a sua reação, até mesmo pelo fato de que sabe mais coisas do que aparenta. Como sua consequência, nos levará até lá. – revirei os olhos ao mesmo tempo que meu estômago embrulhou. – , eu prometo te dar uma folga se proteger meu irmão de qualquer coisa. – gargalhei. Ri tão alto que tive que cobrir a boca com a mão e me virei para ela, com os olhos brilhando de tanto que queria explodir. – Não estou vendo outra palhaça aqui além de você, porque diabos está rindo tanto?
— Você me pedindo algo? Tem que ter muita coragem depois de me infernizar tanto!
— Não finja que não se importa com meu irmão, sei que você o protegeria de qualquer coisa. – arqueei a sobrancelha e respirei fundo.
— Se acredita tanto nisso, porque se deu o trabalho de me pedir para proteger aquele traste? – a insurgente ficou em silêncio por alguns segundos e pude perceber que seu orgulho estava destruído por ter que dizer o que quer que fosse.
— Não sei o que vão enfrentar pelo caminho! – ela explodiu – E eu preciso do meu irmão de volta! Ele não é egoísta como eu, ele morreria por todos os insurgentes que estão nessa missão e sei que ele também daria a vida por você. Preciso que alguém faça isso por ele também. Eu faria, mas não estarei lá e eu tentei muito trocar de lugar com ele, mas ele nunca permitiria!
— Malditos irmãos . – bufei enquanto ela fechava aquele zíper ridículo. – Ele me pedindo pra não te matar e você me pedindo para morrer por ele! Inacreditável!
— Posso contar com você, ?
— Vai me deixar em paz se eu voltar viva desse inferno?
— Tentarei ao máximo. – já era alguma coisa.
— Tentarei ao máximo também. – não queria ter que contar para ela que se eu conseguisse sobreviver a magia para abrir o portal já era um ponto importante.
Dois carros do Forte estavam prontos para a caravana de Taffeith. Sentia a magia dos Cinzas ali presentes, eram os mais fortes que tinham; reconhecia Lucas no carro que provavelmente seria o meu. Sentia , mas não via o Elementar. Estava acompanhada por um Cinza que não conhecia e ainda tinha correntes de Painite em meu braço.
Estava escuro e apenas algumas lanternas me davam a visão de tudo que acontecia e claro, a lua.
Os homens fizeram um círculo em volta dos carros e pude ver o Coronel saindo de dentro do Forte. Céus, eu nem tinha me dado conta de que tinha saído de dentro do Forte.
A brisa da noite em meu rosto, o barulho dos bichos, a floresta falando com a gente. Eu estava fora do Forte de verdade. Minha felicidade foi interrompida quando o Coronel começou a falar. estava ao seu lado, com seu uniforme e uma faixa azul escura em seu braço; era um uniforme novo. O insurgente me encarou e eu sustentei o olhar.
— Vocês, Insurgentes, já deram o passo para a Revolução quando aceitaram virar um de nós! Agora, vocês foram escolhidos para algo muito importante e crucial para a nossa Causa! São nossos melhores homens...
— E eu. – tossi, tirando alguns risinhos de quem estava ali. – Caso tenham se esquecido...
— Nossos melhores homens e nossa maior arma, a Princesa . – sorri com desdém e acenei para todos. – Vocês foram treinados para isso! Vocês estão prontos!
Houve uma comemoração e eu sabia que tinha tido um jantar para comemorar a missão que seria iniciada hoje, o qual não tinha sido convidada. Era bom que eles comemorassem mesmo um dos últimos dias de suas vidas.
— Sigam o seu capitão. – Coronel encerrou o discurso – Que a missão seja abençoada e que vocês retornem para nós.
— Somos o futuro dos nossos filhos e netos. – começou a falar com a voz grossa, ali ele parecia um líder; de fato ele era. — Agradeço a todos vocês por aceitarem a nossa Causa, por escolherem a mudança; por lutarem por um mundo melhor. Nesse mundo onde somos divididos por nossos poderes, onde servimos os elementares e feiticeiros com nosso sangue... é esse mundo que queremos mudança! É para acabar com essa desigualdade. Chega de servir a realeza. Chega de reis e coroas. Chega de sermos as malditas peças desse jogo doentio.
Me encolhi ao ouvir suas palavras sendo aplaudidas e enaltecidas pelos insurgentes ali presentes. Eu fazia parte da Coroa e também era peça do jogo doentio de ambas as partes. Inferno de vida. Em poucos segundos senti o guarda me empurrando bruscamente para o carro, apenas o encarei com os olhos brilhando e senti o cheiro do medo do mesmo.
Sim, com certeza os mais corajosos e mais fortes soldados para Taffeith.
estava terminando de conversar com algumas pessoas e o Coronel quando eu entrei no carro, no banco de trás. Lucas estava no banco da frente ao lado do Cinza que estava me empurrando. Benção! Fechei meus olhos e encostei no vidro do automóvel. Era igual ao que eu roubei, um pouco mais avançado, talvez tenha vindo de um dos camburões novos do Reino projetado com a tecnologia do país de e Jade. Eu sentia os poderes ali, mas não era um carro normal. Estava tudo muito forte perto do que estava acostumada.
Ou talvez eu só estivesse muito atordoada por respirar ar de verdade e meus sentidos estavam confusos.
Não precisei abrir os olhos para saber que finalmente havia entrado no carro, então os mantive fechados até que a porta batesse e escutasse os motores ligando. Controlei a respiração e tentei acalmar meu coração. Não ousei encarar o insurgente depois do que fiz com ele mais cedo, mas também não consegui ficar quieta.
— Não fomos.
— O que? – perguntou.
— Não fomos treinados para Taffeith. Ninguém aqui está preparado para isso. – fechei meus olhos e encostei minha cabeça no vidro do carro.
Todos eles escondiam bem, mas eu sentia o medo de todos, assim como eles poderiam sentir o meu.
Capítulo betado por Carolina Mioto
Continua...
Nota das autoras: hello my girls!!!!! Eu, Mi, ESTOU EM FALTA, ADMITO! Só que olha que puta mimo de natal e ano novo pra vocês hein? Capítulo novinho e cheio de intrigas, do jeito que vocês gostam…
Minha promessa é ser mais presente em 2024, Mari e eu estamos atoladas, mas estou tentando dar conta enquanto ela da a volta por cima (uma dupla é uma dupla, né? Uma apoia a outra) E VOCÊS PODEM SE CONSIDERAR SORTUDAS PQ SOMOS DUAS AUTORAS EM UMA HISTÓRIA, QUANDO UMA NÃO DA CONTA A OUTRA SEGURA AS PONTAS E EU TO AQUIIIIIIIII!!!!!!!!!!!!!!!!! HAHAHAHAHAHAHA meninas, desejo um 2024 incrível pra nós. Muitos Tristan’s e Ethan’s pra gente.
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