Última atualização:28/05/2020

Capítulo 1 - The beginning

’s point of view.
O ser humano é a pior espécie que habita ou já habitou este planeta.
A raça humana consegue ser pior que os dinossauros carnívoros que viveram neste planeta há milhões e milhões de anos. Não temos dentes afiados ou o faro e a velocidade deles ao caçar suas presas. Mas temos coisas muito piores, como armas, bombas, dinheiro e muito, muito poder.
O ano é 1940, e o mundo todo estava entrando em colapso.
De novo.
A segunda guerra mundial estava em andamento. As tais armas que me referia estavam sendo usadas a todo vapor em busca de acertar seus respectivos alvos, os soldados americanos e britânicos. O exército soviético tinha todos os requisitos que havia listado, mas estavam em busca do maior deles: O poder. E após firmar uma aliança com os alemães aquilo seria apenas uma questão de tempo para conseguir.
Me perguntava o que tinha de glorioso em vencer uma guerra. Como alguém poderia sentir prazer ao ver um semelhante seu alvejado por uma bala ou mortos aos montes num bombardeio? Que tipo de ser humano se sentia confortável ao apertar o gatilho e ser responsável por uma morte?
Pela janela da grande casa, suspirava olhando a chuva cair e escorrer pelo vidro, gota a gota. As árvores que escondiam a propriedade estavam agitadas. Ver a natureza e todo seu esplendor trazia-me paz, mesmo que aquele sentimento fosse a última coisa que eu estava tendo nos últimos meses. Era engraçado pensar naquela palavra vivendo num tempo sombrio como aquele, mesmo de longe ainda daria para ouvir as bombas explodirem e ao fechar meus olhos, poderia imaginar mais um ou dois homens sendo mortos. O cheiro de terra molhada que as gotas de água vindas do céu trazia acalmava as batidas do meu coração apertado, que desejava desesperadamente ir embora dali.
Queria ir para casa, minha única e verdadeira casa. A que deixei ao lado dos meus pais com muito custo, por conta do medo que rondava seus arredores e toda a incerteza de segurança. O exército havia evacuado meu bairro, assim como a pequena cidade que cresci e várias outras na redondeza. E aquela situação havia forçado meus pais a tomar medidas drásticas.
Naquela casa longe dos bombardeios e tiros, afastada de todo o caos e morte que aconteciam em praticamente toda a União Soviética. Era para lá que eu havia sido levada, nem ao menos sabia contar quanto tempo a viagem até ali havia durado, sabia que era melhor para mim ficar longe. Só não tinha a mesma certeza quando soube que ficaria só até que até que houvesse um mísero sinal de que tudo estava em paz novamente.
Fixei meus olhos nas árvores enormes que protegiam a casa, pensava nos meus pais e me perguntava se eles também estavam vendo a chuva cair, onde quer que estivessem, a salvo, como eu. Meu rosto logo estava molhado, como as folhas dos arbustos do lado de fora, sequei as lágrimas com rapidez usando as costas das mãos.
Tinha que ser forte. Me manter bem até que os encontrasse novamente. A localização de ambos era uma incógnita, eu apenas sabia que mamãe e papai tinham fugido da guerra em navios lotados de civis, procurando por algum lugar seguro para ficar. Eles prometeram que voltariam para me buscar. Orava todas as noites para que ambos não quebrassem aquela promessa.
Sequer conseguia imaginar a vida sem eles, meus dois companheiros e melhores amigos. Nunca fui a melhor pessoa do mundo para se relacionar, sempre fui muito tímida, preferia animais a humanos. Talvez aquele fosse o motivo de não ter que me despedir de muita gente quando fui retirada de casa na evacuação. O adeus mais doloso na vizinhança foi o de Bruce, um vira-lata que tinha a porta de minha casa como lugar favorito para dormir. Depois de muito insistir, tinha conseguido convencer papai a colocar o cachorro para dentro enquanto estivesse sozinho ali.
Queria poder tê-lo levado comigo, queria também meus pais ali. Aquele era o motivo de todas as minhas lágrimas derramadas sempre pela manhã e ao anoitecer. Eu odiava cada tijolo que mantinha aquela casa de pé simplesmente pelo fato me sentir sozinha, longe das pessoas que mais amava. Juliet só aceitava crianças em sua casa, nada de animais ou adultos.

***

Abri meus olhos com força pulando na cama de repente. Mais uma noite mal dormida, atormentada por cenas que só existiam em minha imaginação.
Estava na hora de acordar, o sol já invadia meu quarto pela grande janela iluminando tudo o que tocava. Do lado de fora só se podia ver a imensidão verde. A cada dia que se passava minha esperança de que todo aquele tormento iria passar logo diminuía um pouco. Voltar para casa, ver meus pais e até o cachorro de rua parecia uma possibilidade cada vez mais distante de minha atual realidade.
Até porque, as últimas notícias que chegaram até nós não eram lá muito animadoras.
— Os malditos britânicos invadiram o porto ontem! Estão com uma vantagem imensa sobre os nossos homens. — Juliet resmungou enquanto aprontava a mesa para o café da manhã.
As quatro garotas a minha volta se entreolharam angustiadas, eu terminava de mastigar meu pão enquanto me forçava a não esboçar qualquer reação. Mesmo com todo o esforço, ainda sentia vontade de chorar ao pensar em tudo o que poderia estar acontecendo longe dali, quilômetros de distância de onde estávamos escondidas.
O acesso a informações do mundo exterior era mínimo, Juliet se mantinha informada por telefonemas que dava para um amigo que era um dos paramédicos disponíveis na base para atender aos soldados feridos em campo de batalha. Meus pais confiaram nela por conta de seus contatos, sabiam que Juliet tinha muito mais conhecimento do que estava acontecendo do que a mídia que noticiava coisas em rádios e jornais.
E eles não eram os únicos. Os Chernoff confiaram Elizabeth, sua filha única de quinze anos; a mãe de Cornélia Duskin, sua única menina de oito e os avós das gêmeas Harriet e Amelie Volkov de seis. E por fim, eu também havia me juntado a elas para sair da cidade e ir me esconder na espécie de fazenda até que os ânimos se acalmassem. Papai dizia que eu era o maior tesouro que eles poderiam ter tido, e que me guardariam de qualquer coisa que pudesse me machucar, por isso decidiram me deixar segura antes de irem embora por um tempo.
Claro que aquele favor tinha um preço salgado. Não tínhamos muito dinheiro, minha mãe trabalhava como costureira enquanto meu pai, neto de britânicos, ensinava inglês. Era um sacrifício que ambos não pensaram duas vezes antes de fazer.
Eu estava morta de saudades, e se pudesse escolher tinha ido junto deles para onde quer que fossem.
Não queria parecer mal agradecida, a vida ali não era de todo ruim. Apesar de Juliet cobrar por nos guardar em segurança, nós tínhamos tarefas a cumprir, haviam algumas galinhas nos fundos do grande terreno e algumas árvores frutíferas. Sempre gostei de estar em contato com a natureza, e ajudar a cuidar dos animais e das plantas era uma distração para mim.
Eu era sempre a última a descer para o café após me levantar e fazer a cama. Mas também a primeira a sair da mesa, nas primeiras semanas ali aprendi a cuidar das galinhas e dos porcos, então tinha ficado encarregada das tarefas fora da casa.
Era um alívio não ter que ajudar na cozinha, afinal, mesmo aos meus dezessete anos eu não era lá uma boa cozinheira. Mamãe não me deixava me aventurar mais entre panelas e fogo por conta de acidentes no passado, então acabei tomando um certo desgosto por cozinhar o que quer que fosse. Talvez por conta de um trauma adquirido ou apenas por estar ciente de que não sei mesmo fazer algo gostoso.
As tarefas de casa eram feitas pelas mais novas. Eu eventualmente ajudava no cuidado com as meninas, dava banho nas gêmeas e fazia tranças nos cabelos rebeldes de Cornélia. Não haviam meninos em nosso abrigo, foi uma escolha da própria Juliet. Nunca entendi o motivo daquilo, mas também nunca a questionei.
Com o tempo comecei a reparar que Juliet não gostava de falar sobre homens, quando a perguntamos sobre seu casamento, ela apenas nos disse que não queria falar sobre o assunto.
E eu a entendia e respeitava seu silêncio, controlando as mais novas para que não a incomodassem com o assunto.
Meus pais contaram que ela foi casada há um tempo atrás, e que seu marido havia morrido durante a primeira guerra. Imaginava o quão difícil para Juliet era reviver aqueles tempos de puro terror, não somente para ela, que perdeu alguém que amava, mas também para os sobreviventes. Era a minha primeira vez enfrentando os temores de uma guerra, mas depois de tudo o que ouvi sobre a que houve no passado, quando ouvi rumores sobre uma nova me perguntei muitas vezes se as pessoas não aprendiam com os erros cometidos no passado.
Seria daquele jeito? Uma após a outra mesmo que nenhuma signifique absolutamente nada? Porque eu não me importava sobre que país havia ganhado ou perdido desde a primeira guerra, e muito menos via a necessidade de uma nova. Aquele patriotismo ridículo estava matando pessoas que simplesmente escolheram morrer jurando uma simples bandeira. Queriam provar o que para o resto do mundo? Superioridade?
O que há de superior perder a própria humanidade? Alvejar alguém até a morte, explodir trincheiras lotadas de homens. Eu nunca iria entender o que se passava na cabeça dos homens que arriscavam-se por seus países ao ponto de deixar tudo para trás e ir lutar na guerra.



Capítulo 2 - Blood Ties

A verdade era que eu nunca havia conhecido a fundo alguém do sexo masculino. Meu pai era o único homem com quem eu convivi minha vida toda. Claro que eu tinha vizinhos, andava com o restante das crianças que moravam perto de minha casa. Mas, depois que cresci não tinha mais coragem de me aproximar.
Os meninos com quem brinquei durante minha infância cresceram assim como eu, mas viraram garotos ignorantes, dos quais papai me mandava manter distância.
John, meu vizinho do lado, havia sido o primeiro que havia feito meu coração palpitar quando se aproximou num dia em que eu havia ignorado as ordens de meu pai. Lembrava-me perfeitamente de quando senti seus lábios grandes sobre os meus. Apesar de todo o momento mágico que foi meu primeiro contato com garotos, ele não perdeu a oportunidade de estragar tudo.
Quando dei por mim já ia correndo para casa indo de encontro a minha mãe, chorando assustada. Mamãe riu de minha reação e me disse que garotos eram mesmo apressados daquele jeito e que não havia motivo para me envergonhar de tê-lo afastado e corrido.
Ele era quem devia se envergonhar de agarrar uma garota daquela maneira sem a permissão dela. Lembrava-me como se tivesse acabado de acontecer, o modo como me debati em seus braços chorando enquanto ele passava as mãos pelo meu corpo.
Eu ainda não gostava de garotos. Mas depois que descobri o que os homens mais velhos costumavam fazer usando armas e explosivos, não conseguia odiá-los tanto.
Mas apesar de minha experiência ruim, eu ainda sonhava junto de minha mãe, o dia em que eu usaria o vestido que ela usou em seu casamento duradouro com meu pai.
Me perguntava se algum dia eu teria a sorte dela de encontrar um homem como meu pai. Ouvia as histórias contadas por ela de quando eram mais jovens, suspirava imaginando se algum dia eu iria encontrar alguém assim. Porém com tempos como aqueles era difícil pensar no futuro, tão incerto quanto o nosso presente naquele momento.
O cair da noite veio e com ele uma sensação estranha veio junto dela, a de que o tempo estava passando tão devagar que chegava a se arrastar. Eu não sabia dizer se era pelo fato de estar ali, trancada no meio do nada esperando notícias que nem sabia se chegariam.
— Fechem bem as janelas, vai cair um temporal. — Ajudei Cornélia a trancar as quatro que haviam nos quartos. A chuva já começava a cair, trazendo consigo uma forte ventania.
Coloquei Harriet na cama, enquanto Elizabeth ajeitava o cobertor de Amelie, que já estava sonolenta. Dei boa noite as três sob o olhar analitico de Juliet, parada na soleira da porta. Deixamos o quarto após fechar a porta deixando apenas uma fresta de luz, que vinha da vidraça do fim do corredor.
Segui para o meu quarto junto de Cornélia, despedindo-me da mais velha. Após me despir de meu casaco, aconcheguei-me entre os cobertores, preparando-me para fazer minha prece costumeira, pedir proteção não apenas para mim e minhas companheiras, mas também aos meus pais. Fui interrompida pela luz sendo acesa de repente pela menina, que ainda se encontrava sentada na cama.
— O que foi? — A encarei, vendo seu semblante preocupado.
— Juliet disse que invadiram o porto. Beth me disse algo...que me deixou com medo. — Abraçou os próprios joelhos, com os olhos marejados.
— Não ligue para o que Beth diz, ela apenas quis te colocar medo. Seu irmão vai ficar bem. — Fui até a mais nova, abraçando-a de lado.
A verdade era que não tinha como saber detalhes do ataque. Estávamos no escuro ali, Juliet não tinha acesso a detalhes, nomes de sobreviventes ou mortos nem ao menos o número de vítimas. Cornélia havia se despedido não apenas dos pais, mas também do irmão mais velho, que havia sido convocado para defender a União Soviética. Imaginava como estava seu coração, a situação dela comparada a minha era muito pior.
Nikolai era membro da marinha, participava dos ataques feitos pelos navios e submarinos nas batalhas navais. Havia a possibilidade de que Nikolai talvez estivesse no porto quando os ingleses chegaram, mas ele também poderia não estar ou ter saído vivo do ataque.
— Temos que pensar positivo. Ter fé. — Cornélia me abraçou, molhando meu ombro com suas lágrimas. — Olha, não sabemos nem se ele estava no porto! São tantas possibilidades, querida. — Sequei suas lágrimas. — Elizabeth apenas fez um comentário infeliz, não ligue para o que ela fala.
— Mas e se ela estiver certa, ? E se meu irmão estiver morto? — Teimou a menina.
— O que você sente aqui dentro? — Toquei seu coração, que batia num ritmo calmo por debaixo do pijama fofinho.
— Como assim, o que eu sinto? Eu não sei! Só sei que estou preocupada com ele, com minha mãe, com minha casa que deixei para trás, com tudo! — Disparou a falar, desesperada.
— Eu sinto em meu coração que as coisas vão mudar. — Interrompi seu pequeno surto atraindo sua atenção para mim. — Sabe porque? Porque algo me diz que meus pais estão bem, eu posso senti-los aqui dentro! — Sentia meu coração palpitar, só de imaginar que aquilo o que eu falava podia ser real. — Permita-se sentir, Cornélia! — Lhe sorri, recebendo um pequeno riso de descrença da mais nova.
— Eu não sei sentir isso, . — Lamentou-se. Neguei com a cabeça discordando. — Nikolai nunca foi próximo a mim como você é com seus pais. Ele e a mamãe não são carinhosos, não depois que o pai morreu.
— Não importa se eles não te ensinaram a sentir, bobinha. — Trombei meu ombro com o dela. — Você sente por si própria. Olhe, quando eles estão tristes você não fica triste também? — Cornélia assentiu. — E você escolhe imitá-los ou fica por vê-los tristes?
— Por ver que estão tristes. — Encolheu os ombros.
— Então! Se consegue senti-los quando estão tristes, felizes ou preocupados, significa que consegue senti-los!
— Mas eu nem ao menos sei onde eles estão!
— Isso não importa! A distância é apenas um detalhe quando se ama alguém de verdade, ela não altera o sentimento. — Desdenhei. — Uma vez, enquanto eu passava o Natal em Sussex com meus avós, senti um aperto enorme dentro do peito, fiquei o dia inteirinho com aquela sensação ruim. Quando voltei para casa após o ano novo, soube que meu pai tinha sofrido um AVC bem no dia em que eu senti aquela dorzinha no coração. Vai me dizer que foi apenas coincidência?
— Não sei não . — Revirei os olhos diante de sua implicância. Ouvimos passos no corredor, um jeito sutil de Juliet de nos mandar fechar a boca e ir dormir.
Ri baixinho enquanto ajeitava seus cobertores em cima de seu corpo esguio. Não me importava se ela não acreditava, mamãe também havia me olhado como se eu fosse louca quando a contei. Eu podia senti-los, como gêmeos que sentiam quando o outro estava em perigo. Tínhamos muito mais do que nove meses juntos na mesma barriga, meus pais e eu tínhamos um laço de sangue e anos juntos que nos conectava mesmo a milhas e milhas de distância.
Deitei-me e logo me revirei na cama, ficando virada para a parede. Se continuasse encarando os olhos grandes e negros de Cornélia, ficaríamos acordadas a noite toda papeando, eu sabia que ela não dormiria tão cedo, imersa em paranóias e pensamentos, mas me juntar a ela não ajudaria. Tínhamos tarefas a fazer no dia seguinte, e Juliet odiava quando fazíamos corpo mole.
Acordei com sede, como sempre. Todas as noites, às quatro da manhã, eu me levantava num completo silêncio indo até a cozinha beber água. Eu já havia decorado o caminho, podia fazê-lo de olhos fechados, ou mesmo tonta de sono. Perambulava pela casa no escuro, sem produzir um ruído sequer, a fim de não acordar ninguém.
Apoiava o corpo no balcão de madeira da cozinha, enquanto saboreava a água, que estava mais gelada que o normal por conta da temperatura baixa que fazia do lado de fora. Eu podia perfeitamente ouvir a chuva cair, cada vez mais devagar e amena, fazendo-me apressar em voltar para o aconchego de minha cama a fim de aproveitar mais algum tempo de sono até que amanhecesse.
Um barulho abafado me chamou a atenção, parecia-se com uma trovoada forte, como as que o céu emitiu no começo do temporal. Duas luzes fracas piscavam ao alto, fazendo-me inclinar meu corpo até a janela e puxar uma das finas cortinas brancas a fim de ver o que diabos era aquilo. Estreitei os olhos vendo o objeto grande ir perdendo altitude e ir ao chão no matagal próximo da casa, deixando um rastro de fumaça negra.



Capítulo 3 - Guns and shots

Assustada, larguei o copo sobre a pia e corri depressa para o meu quarto, cobrindo-me dos pés até a cabeça com os cobertores grossos. Quando minha respiração voltou ao normal, cai num sono profundo sendo embalada pela chuva, que era a melhor canção de ninar depois da voz de minha mãe.
Acordei na manhã seguinte com uma sensação estranha. Fiz minha cama e ajudei Cornélia com a dela, a menina ainda tinha sono, havia ficado até tarde acordada, preocupada com o irmão. Perguntei se ela não tinha escutado nada durante a madrugada, ela negou, nem ao menos viu se eu havia saído da cama.
? — Elizabeth surgiu em minha frente, assustando-me. Pisquei algumas vezes, me situando. — Juliet está chamando, não ouviu?
— Desculpe, estava distraída. — Passei por ela, descendo as escadas rapidamente. — Precisa de algo?
— Os ovos. — Assenti devagar, apesar de não entender de início que a mulher me disse. — Para o café. — Ergueu as sobrancelhas. — O que há com você menina?
— Eu tive um sonho...confuso, eu acho. — Cocei a cabeça sem saber que palavra que definiria aquele sonho. Eu nem ao menos sabia se estava sonhando ou tinha realmente acontecido.
Mas se fosse real? Eu tinha mesmo que ir lá fora sozinha?
Respirei fundo e fui a procura de minhas galochas, a chuva já tinha cessado, e eu me aventurava entre as galinhas pegando seus ovos e colocando-os na cesta. Um barulho veio da mata, meu corpo estremeceu instantaneamente. Ofeguei procurando ao redor, não via nada, mas então o barulho continuou me dando certeza de que aquilo na noite anterior não havia sido um sonho.
— T-Tem alguém aí? — Dei passos incertos em direção a mata. Parei bruscamente quando ouvi um gemido de dor. — Responda por favor! — Falei mais alto, andando com mais segurança até onde vinha o barulho.
Adentrei a mata, que conhecia muito bem, afinal adorava ficar lá fora, ao ar livre. No dia que meus pais me levaram para a casa, Juliet lhes assegurou que a região era segura, seu terreno era enorme e quase não havia sinal de vizinhança. Logo, eu não tinha medo de ficar por ali e explorar quanto tempo quisesse. Mas mesmo que não conhecesse o local, era uma pessoa machucada! E não um animal selvagem ou, sei lá, um monstro, como minha imaginação fértil estava me dizendo.
Quem quer que fosse ali, precisava da minha ajuda.
Curiosa, avistei o objeto que tinha visto cair noite passada. Era uma aeronave pequena, um caça para combate aéreo. Eu já havia visto um nos livros que haviam em casa, mas nunca pessoalmente. Era impressionante, devo admitir. Sua asa esquerda estava destruída e vários pontos da lataria se encontravam amassados. Me aproximei devagar, rodeei o avião enxergando o roundel* da RAF*.
Recuei apreensiva, o desenho circular azul e vermelho, era um britânico. Procurei em volta, nenhum sinal do homem, que claramente havia sido ejetado da aeronave, porque não havia nenhum ferido ali.
— Se você atirar, eu atiro! — Num pulo de susto, virei-me encontrando Juliet com uma espingarda enorme em mãos.
— Eu não entendo porra nenhuma do que você fala! — Respondeu o inglês, parado entre nós duas.
Analisei a situação e comecei a suar frio quando avistei sua arma apontada para mim. Seus olhos claros estavam vidrados, como se ele não dormisse há tempos. Apesar de estar sujo, e com um ferimento aparente no braço, sua mão parecia firme e tinha um dedo encaixado no gatilho.
Pronto para atirar.
— E-Ele não te entende, Juliet. — A mulher suspirou alto, ainda mirando na cabeça dele. — Ela disse que irá atirar em você se atirar em mim. — O homem me olhou surpreso, provavelmente por eu saber falar inglês.
— Mande-o colocar a arma no chão!
— Ela mandou colocar a arma no chão. — Arranquei um riso dele, que apenas negou veemente com a cabeça. Aquilo não precisaria de tradução.
— Deixe-a! Ela é só uma menina, será um covarde se atirar numa simples civil só por um capricho, podemos ver que este é o fim da linha para você.
Traduzi a contra gosto. Não havia gostado nem um pouco do modo como Juliet havia me descrevido. Como se eu fosse uma criança, como as gêmeas e Cornélia.
Ele continuava relutante, embora a expressão de dor em seu rosto denunciasse que talvez não aguentaria muito tempo de pé.
— Eu não tenho nada a perder.
— Ele disse que não tem nada a perder. — Aterrorizada, encarei Juliet, que me mandava ficar calma. Como ficar calma na mira de um estrangeiro desconhecido em plena Segunda guerra mundial?
O olhar da mulher desceu pelas costas do homem, que gemia contido de dor enquanto ainda empunhava o revólver. Franzi a testa diante aquela análise, quando terminou, Juliet atraiu minha atenção mandando-me ficar quieta. Quando vi seu movimento silencioso com a arma, fechei meus olhos com força, soltando um grito agudo juntamente com o barulho dos tiros.
Dois disparos. Um o acertou em cheio na perna. O outro passou perto de mim, atingindo uma árvore qualquer fazendo meu coração quase sair pela boca.
— Você está bem? — Tirei minhas mãos trêmulas do rosto e a avistei arrancando a arma da mão do homem caído do chão.
— V-Você o matou? — Exclamei histérica, correndo até eles, porém, recuei ao pensar na possibilidade de tocar num defunto.
— É claro que não! Precisamos dele vivo. — Virou seu corpo mole.
Ele tinha os olhos entreabertos, grunhiu devagar, fazendo-me encolher os ombros ao imaginar a dor de ser baleado.
— Vamos, me ajude a levá-lo.
Assenti rapidamente, mas ainda sem saber muito o que fazer. Juliet o pegou pelo tronco, arrancando-lhe um gemido sôfrego, mordi meu lábio em agonia. Peguei uma de suas pernas pesadas, quando fiz menção de suspender a outra, o homem começou um verdadeiro escândalo, fazendo-me hesitar em continuar.
— Vamos ! Pegue logo a perna dele! Ele é um britânico, é inimigo! Ele não merece sua piedade! — Ainda tremendo, puxei sua outra perna.
Seus gritos jamais sairiam de minha cabeça. Eu via lágrimas escorrendo por seu rosto, definitivamente fugia de todo o esteriótipo frio e calculista que havia criado em minha cabeça.
! Q-Quem é este? — Elizabeth perguntou assim que nos avistou próximo da entrada da casa.
— Meu Deus! — Cornélia exclamou quando viu a quantidade de sangue que banhava o corpo.
— Subam agora lá para cima e se fechem em seus quartos! — As gêmeas apenas choravam, chocadas com a cena que viam diante de si. Eu também chorava, mas não sabia direito o porquê, só sabia que estava tão assustada quanto elas. — Agora! Andem! — As meninas finalmente obedeceram Juliet, Cornélia subia por último, enquanto Elizabeth, Harriet e Amelie já fechavam a porta do quarto que dividiam.
Cornélia, assim como as outras, estava com medo, eu a conhecia o bastante para saber interpretar seu olhar. E deixá-la para fora sozinha foi com certeza ideia da mais velha. Elizabeth tinha uma implicância nítida com ela, eu nunca iria entender a necessidade dela de importunar Cornélia. Na situação em que vivíamos ali, com a constante tensão de uma guerra acontecendo a nossa volta, brigar entre si não me parecia certo.
Tínhamos que ficar unidas, já havia conflitos demais no mundo a fora.
A mulher destrancou um dos quartos do andar debaixo, que ficava nos fundos da casa. Eu nunca soube o que havia ali, mas também nunca perguntei. Não tinha curiosidades sobre a casa, afinal tinha ciência de que tudo lá poderia trazer más lembranças a Juliet, já que ela viveu uma vida inteira ao lado do falecido marido. E também porque era apenas uma casa antiga, com uma decoração minimalista e clássica como todas as outras.
— E-E agora? — Após acender a luz, a ajudei a largar o corpo do soldado sobre a cama empoeirada.
— Agora vamos tentar arrancar algo dele. — Ofeguei encarando-a embasbacada. Ela queria torturá-lo? Por isso queria ele vivo! — E, claro, consertar os estragos feitos. Ele precisa estar bem disposto quando Clint vir buscá-lo.
Clint era o contato de Juliet. O paramédico que estava em campo junto dos soldados soviéticos. De primeiro momento, me aliviava saber que havia um médico vindo buscá-lo, mas depois, me dei conta de qual poderia ser o destino do soldado britânico. Se a própria Juliet pretendia tortura-lo, imaginei o que os soldados e generais poderiam e iriam fazer com aquele homem nas mãos.
— Pergunte o nome dele.
— Q-Qual o seu nome?
— Eu não vou dizer nada! Me matem logo! Não vou trair o meu país, não tenho serventia alguma para vocês!
Traduzi o que o homem ensanguentado disse em meio aos murmúrios de dor que saiam de seus lábios retorcidos em raiva.
Juliet caminhou decidida até a cama e lhe apertou com força a perna. Ele uivou de dor, fiquei perturbada com a cena. Imaginava que daria para ouvir seus gritos do lado de fora da casa. Por sorte não haviam vizinhos, mas as crianças com certeza tinham ouvido o sofrimento do pobre homem.
Como se lesse meus pensamentos, Elizabeth bateu contra a porta duas vezes, fazendo a mulher encarar-me de canto de olho. Dei passos até a porta, ainda extasiada com o barulho que o soldado fazia enquanto se retorcia em cima da cama. Abri levemente a porta, impedindo-a de ver o que se passava no quarto, o barulho por si só já era capaz de deixá-la traumatizada.
— Estamos com fome. — Vire-me para Juliet, que assentiu se recompondo.
— Vá lá fora buscar os ovos e depois volte aqui. Vou precisar de você. — Assenti saindo pelo corredor, com a adolescente ao meu lado.
— Quem é ele?
— Eu não sei, Elizabeth. — Ainda sendo seguida, deixei a casa lembrando-me de um detalhe. — Onde estão as outras? — Parei, confrontando-a.
— Lá em cima. Eu desci sozinha e as deixei em segurança. — Sorriu.
— Suponho que Cornélia não esteja com as gêmeas.
— Não, foi cada uma para o seu quarto. — Deu de ombros, desdenhando.
— Então não as deixou em segurança, Elizabeth. Temos que cuidar de todas elas, se uma não está a salvo, então nenhuma está.
— Juliet me mandou cuidar das gêmeas apenas.
— Numa situação de perigo todas somos prioridade, você já está bem grandinha para entender isso. — A morena ergueu as sobrancelhas.
— Não é uma situação de perigo, . O homem está machucado, não pode nos fazer mal.
Um pequeno flash da pistola apontada para mim, na cabeça mais precisamente, veio rapidamente em minha memória.
— Você não sabe o que diz. Aquele homem quase me matou lá fora. Fique longe daquele quarto. — Com a respiração irregular, a encarei séria.
! — A voz da mais velha ecoou dos fundos.
— Vá buscar as outras e comece a preparar o café da manhã, já venho com os ovos.
A adolescente bufou de raiva, dando meia volta e indo em direção ás escadas. Eu não entendia o motivo de Elizabeth agir do jeito que agia, desde que cheguei naquela casa observava seu comportamento, que piorava cada vez mais.
Fui atrás da cesta que havia deixado no chão, quando avistei a aeronave. Assim que me aproximei para apanhá-la, percebi alguma coisa se movendo dentro da sucata amassada. O vento chacoalhava alguns papéis, dobrados e presos num dos compartimentos internos.
Subi com certa dificuldade e após me esticar sobre o painel e puxar, notei que haviam rabiscos ali, números riscados, contas feitas às pressas. Franzi o cenho analisando aquilo, porém não tive muito tempo ali, logo ouvia a voz de Juliet me gritando outra vez, seguida de mais um dos gemidos sôfregos do homem. Enfiei os papéis no bolso do vestido, correndo entre as árvores.
Retornei à casa atraindo a atenção das crianças, assustadas com o que ouviam, estavam espremidas sobre os bancos envolta da mesa enquanto Elizabeth, encostada no fogão, esperava até que o leite estivesse pronto para servir. Coloquei a cesta sobre a mesa rumando para o quarto no fim do corredor.

*Rondel: É uma brasão pintado nas aeronaves de Guerra, usado pela primeira vez pelos Franceses em aeronaves militares durante a Primeira guerra mundial.
*RFA: Royal air force (Força aérea real)


Capítulo 4 - Your name

— Me ajude aqui, venha! — Aproximei-me da mulher sentada na ponta da cama com a perna do britânico sobre o colo. A saia de seu vestido claro já se encontrava rubra.
Prendi a respiração quando aquele cheiro forte atingiu minhas narinas. Juliet tinha uma agulha já com uma linha escura junto. Ao seu lado, uma pinça grande, que agarrava um projétil pequeno. Aquilo explicava os gritos ouvidos por mim do lado de fora, próxima a aeronave, há alguns metros da residência.
— Segure a perna dele! Não vou conseguir costurar se ele continuar a dificultar meu trabalho.
Com as mãos trêmulas, dei a volta na cama e me sentei próxima a coxa esquerda dele, posicionei meus dedos envolta de sua panturrilha e fiz força tentando imobilizá-lo. A verdade era que ele era muito mais forte que nós duas e estava descontrolado. Também pudera, Juliet havia extraído uma bala que ela mesma havia colocado nele sem nenhum anestésico.
Aquilo por si só já era tortura.
Virei meu rosto e passei a encarar a vista da janela semi aberta ao meu lado, tamanha era a minha repulsa ao estar numa situação daquelas.
Eu sabia que ele era uma ameaça. Vi quando tinha tentado me matar. Os soviéticos tinham os britânicos como inimigos e vice e versa, mas para mim eles eram pessoas como nós, só que falavam outra língua e viviam numa cultura diferente da nossa. Éramos todos feitos de carne e osso, sangramos igual e sentimos igual. E naquele momento, eu sentia a dor dele.
Apesar de parecer doido e de ir contra tudo o que eu acreditava, quando me virava e olhava em seu rosto sujo, molhado pelo suor e lágrimas, eu o sentia!
Aquilo era uma novidade enorme para mim. Porque apesar de na minha conversa com Cornélia na noite anterior eu ter dito para ela aprender a sentir, eu estava me referindo a sentir as pessoas que amamos, não um completo desconhecido! Ainda mais alguém que quase tinha atirado contra mim e me via como inimiga.
— Prontinho. — Larguei sua perna, levantando-me rápido, ainda tonta ao processar aquela nova informação. — Vá até a cozinha, esquente um pouco de água, por favor. — Acenei com a cabeça indo até a saída, olhando para ele de canto de olho.
Estava silencioso, ainda chorava, com o braço sobre a testa, que estava descoberta a aquela altura. Ela provavelmente tinha tirado seu capacete na minha ausência, notei também uma de suas botas num canto qualquer do cômodo.
— Isso é sangue! — Não havia sido uma pergunta. Cornélia encarava minhas mãos atônita. Não me surpreendi com sua reação nem com a das outras, eu teria a mesma.
— E-Ele morreu?
— Não. Está vivo. — Não olhei para Elizabeth ao respondê-la, apenas coloquei a água para esquentar e me mantive calada, a fim de encerrar o assunto.
Juliet passou pela cozinha praticamente voando, subindo as escadas. Retornou um tempo depois, com uma trouxa pendurada no ombro, lançando-me um olhar significativo. Entendi o recado e desliguei o fogo, pegando a panela com cuidado e despejando uma bacia grande, fiz o mesmo caminho feito por ela encontrando-a inclinada sobre o corpo na cama.
— Deixe no chão. — Disse sem ao menos se virar. Inclinei minha cabeça curiosa, logo, suas mãos foram descendo pelo peitoral do homem. — Me ajude mais uma vez, sim? Depois você poderá ir tomar seu café da manhã.
Cheguei mais perto da cama.
Eu não sabia se ainda tinha estômago para comer alguma coisa.
— Tire o outro calçado.
Desamarrei sua bota, arrancando-a de seu pé coberto pela meia escura. Juliet terminava de desabotoar o casaco grosso que ele vestia. O machucado no lado direito de seu tronco o fez voltar a reclamar de dor quando foi despido.
— Porcos nojentos. — Praguejou ao analisar a peça verde militar, que continha a bandeira da Inglaterra juntamente com o brasão da Força Aérea Real. Ele a encarou como se pudesse entendê-la, mas nada fez ou disse, não parecia ter forças.
O desgosto em sua expressão era quase palpável. Juliet não precisava de tradução quando seus olhos claros ficavam praticamente em chamas enquanto ela falava. Era um ódio tão grande, que nem mesmo eu, que convivia com ela há algum tempo, já havia visto nela ou em outro ser humano.
A mulher se levantou, indo atrás de algo na espécie de maleta de primeiros socorros. Eu já havia visto antes, quando ocasionalmente alguém adoecia ou se machucava. Ela realmente tinha muitos medicamentos consigo, e muito material médico. Clint poderia tê-la ajudado a conseguir tanta coisa, afinal, ele era um velho amigo de seu falecido marido, e a tinha ajudado a bolar seu plano para abrigar algumas crianças em sua casa.
Retornou com uma tesoura grande, o homem e eu ficamos tensos no mesmíssimo instante ao vê-la investir contra ele com aquele objeto pontiagudo. Ela puxou o tecido verde, encardido de terra e ferrugem, e o cortou num único movimento, exibindo o peito do soldado, que para a minha total surpresa, era repleto de tatuagens.
— Um hematoma, e dos grandes. — Puxou o que restou do tecido para o lado, revelando uma grande mancha arroxeada.
Terminou de rasgar sua blusa, deixando seu tronco nu. Encarei seu corpo intrigada. Algumas cicatrizes, muitos desenhos espalhados, mas o que me deixou curiosa foi aquela borboleta, bem no centro de seu peitoral.
— Pode ir tomar café, . Eu assumo por aqui. — Me dispersei, saindo do quarto, vendo-a pegar a tesoura novamente e começar a rasgar suas calças. Fechei a porta atrás de mim e soltei o ar que nem ao menos tinha percebido que segurava.

***

Após um tempo dentro do quarto dos fundos, provavelmente banhando o corpo do soldado, ela veio ao nosso encontro anunciando que iria para um banho e que quando retornasse explicaria tudo.
Não sabia muito bem como Juliet iria conseguir a proeza de explicar o inexplicável para aquelas crianças. Eu, que estava lá quando tudo aconteceu antes mesmo de ela chegar, já não saberia dizer o que havia acontecido ali, naquela manhã chuvosa.
Claro que eu não tinha o mesmo conhecimento e experiência que Juliet tinha com guerras e afins, afinal de contas, eu havia nascido num período de “paz”, pouco depois do tratado de Versalhes ter sido assinado. Aquilo, tecnicamente, deu aos meus pais uma esperança de um mundo melhor e sem conflitos, onde eles poderiam criar uma família. Infelizmente a família numerosa que papai queria não foi possível, já que minha mãe desenvolveu uma doença que a deixou infértil logo após meu nascimento.
Era por aquele motivo que eu havia sido criada da melhor maneira que eles conseguiam, ambos me deram o amor que guardavam para todos os filhos que queriam ter, concentrando todo aquele sentimento em mim. E eu não poderia ser mais amada.
Juliet ficou viúva durante a primeira guerra num confronto com os ingleses. Apesar de um outro atrito lhe trazer memórias póstumas do marido, o modo como a mulher nutria um sentimento ruim pelo britânico nos fundos da casa me fazia perceber que ela ainda queria vingança. Assim como todos os loucos que apoiaram aquela ideia insana de provocar outra guerra.
Apesar dos pesares eu não a achava uma pessoa ruim, não antes de vê-la querer torturar um homem e conspirar para que ele fosse entregue a um inimigo. Mas também nunca consegui enxergar nela a imagem de alguém totalmente altruísta, eu sabia que ela não estava fazendo um favor aos meus pais abrigando-me num ambiente seguro. Minha hospedagem ali havia custado caro, assim como a das outras meninas. Juliet não fazia caridade, não dava ponto sem nó, e principalmente, não ajudava sem ter certeza se o que fez lhe seria benéfico depois.
— Tem um homem na casa, não tenho como omitir a presença dele a vocês. Já que esta é uma situação completamente imprevisível, vamos ter que estabelecer algumas regras daqui por diante.
Sentadas no sofá, a observamos falar caladas. Fazia tempo que não tínhamos uma reunião como aquela, muito menos se tratando de um assunto tão sério. A última vez que nos reunimos tínhamos discutido sobre as divisões das tarefas de casa. Poderia não parecer, mas a residência de Juliet havia virado de cabeça para baixo quando todas nós chegamos com nossas bagagens, modos e idades completamente diferentes.
— Ninguém entra no quarto sem autorização e muito menos sozinha. A única que poderá entrar sozinha, mas sob a minha supervisão é , que irá ficar encarregada dele.
— E quanto às tarefas externas?
— Continuarão sendo dela, o homem não lhe tomará tanto tempo assim e sua estadia aqui é por tempo limitado. — Respondeu a Elizabeth. — A única coisa que mudará para que não fique sobrecarregada é sobre a tutela de Cornélia, que passará a ser sua responsabilidade junto das gêmeas. — A menina de cabelos rebeldes me encarou tristonha, não apenas por ter que ficar com Elizabeth a maioria do tempo, mas também por gostar de passar o tempo comigo.
Eu não entendia bem o motivo, mas tinha gostado de ficar encarregada de cuidar do soldado. Tinha ciência de que Juliet não havia usado a palavra “cuidar” propriamente dita porque não era aquele seu objetivo. Ela não queria que o britânico tivesse uma boa estadia ali, em sua casa, porém sabia que precisava conservar sua saúde para quando fossem buscá-lo.
— Quanto tempo ele ficará conosco? — Indaguei.
— Eu não sei, tenho que fazer algumas ligações, informar que tenho um inimigo em minha casa e veremos o quando alguém estará disponível para vir apanhá-lo.
— Vai mesmo entregá-lo nas mãos deles? — Estremeci ao imaginar as barbaridades que o exército soviético poderia fazer com um britânico naquela altura do campeonato.
— Mas é claro, ! Eu já te disse e repito agora, em frente às outras para deixá-las avisadas desde já. Não quero que sintam pena daquele homem asqueroso, não quero que confiem nele, muito menos que sejam boas com ele. Trata-se de um inimigo e de um homem muito perigoso, ele tentou atirar em você hoje cedo. — A boca das crianças se abriu num “O” perfeito.
— M-Mas estamos seguras com esse homem aqui? — Cornélia perguntou enquanto os pelos de seus braços eriçaram.
— Sim, ele já está desarmado e machucado, duvido que na situação em que se encontra possa tentar nos atacar. Mas todo cuidado é pouco, por isso só quero que tenha contato com ele. — Todas concordaram em silêncio. — Estamos entendidas então. Vão, podem começar a preparar o almoço.
Elizabeth e as outras foram para a cozinha, já Juliet permaneceu na sala mas precisamente próxima a estante onde ficava o telefone. Não tínhamos autorização para usá-lo, mas também não víamos motivo para querer ligar para alguém. Nossos pais continuavam sem uma localização certa e o confinamento em que estávamos não nos permitia receber notícia alguma.
Aquela era uma das poucas regiões que não foram dissipadas pelo exército soviético, já a minha havia sido uma das últimas. O exército Soviético estava usando uma estratégia chamada terra arrasada, contando com o tal “General inverno”, atearam fogo em casas, comércios e fazendas para que nenhum soldado inimigo encontrasse mantimentos, apenas ruínas. A medida em que iam avançando as tropas acabavam perdendo homens para o inverno rigoroso russo, sem mantimentos, num frio imensurável e pior, em território inimigo.
Enquanto encontrassem o caminho vazio, as tropas iam avançando, e quando já estivessem longe demais para poder recuar, eram pegos de surpresa. Nosso exército planejava vencê-los pelo cansaço da longa caminhada. Para atacá-los quando já não tinham mais forças.
Para mim era tão covarde quanto entregar um homem machucado nas mãos de homens sadios e com uma sede enorme de vingança.
Tudo naquela guerra era cruel demais para mim, eu entendia que havia muitas questões por trás de todos aqueles combates, porém não entrava em minha cabeça que a única solução que os governantes encontravam era aquela, se enfrentar até a morte de milhões de homens.
Era devastador ver tudo aquilo acontecendo, meu coração se despedaçou ao ter que deixar minha casa, ver meus vizinhos que lutaram tanto para construir a deles terem que deixa-lá para trás. Juliet sempre dizia que estávamos seguras ali, já que sua residência era afastada da cidade, que não havia sido incluída na rota traçada pelos inimigos.
Mas, se o britânico não estava na rota, o que ele fazia sobrevoando aquela área?
Subi para o andar de cima e me tranquei num dos banheiros. As meninas estariam ocupadas com o preparo da comida, e Juliet tentando ligar para seus contatos. Geralmente ela demorava a encontrar algum contato com tempo disponível para falar, visto que estávamos em plena terceira guerra mundial. A mulher havia sido instruída a ligar apenas quando necessário. E naquele momento sua ligação era realmente necessária.
Desdobrei os papéis estendendo-os sobre a tampa fechada do vaso sanitário, e ali, sentada sobre o chão frio, comecei a tentar entender o que eram aqueles mapas e o que significavam aquelas palavras amontoadas, que mais pareciam códigos.
Haviam alguns pontos demarcados por riscos vermelhos, algumas regiões descartadas com um “x” e o que parecia ser a região onde ficava a residência de Juliet, que era o último ponto demarcado do mapa. Apesar de não ser familiarizada com o que quer que fosse aquilo, eu entendi que poderia ser a rota que a aeronave havia feito antes de cair. Mas como os britânicos adivinharam que as casas naquela região não haviam sido incendiadas eu não sabia. E a única pessoa que poderia me responder aquela e muitas outras perguntas estava naquele quarto no andar debaixo.
Na última página, rabiscado no verso, estava algo que Juliet tanto queria saber quando o capturamos do lado de fora. O nome dele.


Capítulo 5 - I had the feeling

— Tome, leve comida para aquele ser. — Entregou-me uma bandeja sob os olhares atentos das outras sentadas à mesa.
Abri a porta devagar por conta de minha falta de habilidade com a bandeja nas mãos. Incomodei-me com o seu jeito de me olhar, como se eu fosse uma ameaça a ele. Não era um olhar assustado, mas sim duro, medindo meus passos e movimentos, como se a qualquer momento eu o pudesse fazer mal. Seus punhos cerrados demonstravam que as más intenções ali eram todas dele. Estava pronto para revidar.
Pensei em dizer algo, mas não o fiz. Afinal o que eu diria a ele? Deveria eu soar como uma boa anfitriã e desejar-lhe boas vindas? Tratá-lo como uma visita agradável que eu desejava que voltasse mais vezes? O tiro que eu escapei de levar mais cedo me respondia negativamente a todas aquelas indagações. Juliet já havia gritado aos quatro cantos o quão perigoso ele era. Mas eu, ainda assim, não conseguiria destra-lo.
Tinha consciência de que um tiro já era um motivo bem óbvio para que eu o odiasse. Porém eu não conseguia parar de pensar que naquele momento em que foi pego, ele estava com mais medo de nós do que nós dele. Machucado e incapaz de usar a própria força para se defender caso fosse desarmado e atacado. Mas claro, um homem daquele tamanho nunca iria admitir aquilo nem para si mesmo.
Coloquei a bandeja sobre o criado mudo ao lado da cama e me apressei em sair rapidamente.
— O que é isso? — Franzi minha testa, virando-me em sua direção.
Meu corpo estava rígido, reagiu de imediato ao som grave de sua voz. Fazia muito tempo que eu não ouvia uma voz masculina soar em meus ouvidos. Devo confessar que gostei do que ouvi, porém eu sabia bem que era apenas por ter passado tanto tempo convivendo apenas com mulheres.
— Comida.
— Eu sei o que é comida! Estou me referindo ao motivo de você tê-la trazido para mim. — Replicou, completamente ríspido. Sua voz era imponente, digna de um líder.
— Não está com fome? — Não era humanamente possível que alguém que aparentava estar fraco e desidratado, provavelmente há horas sem comer ou beber algo seria capaz de recusar um alimento.
— Não irei comer esta porcaria, não sei a procedência da comida. Estava esperando que me matassem com um tiro, envenenamento era meu segundo palpite. E parece que eu estava certo.
— O que? Não! Esta é a mesma comida que eu e as outras comemos! Não há nada além de comida ai — Cruzei os braços indignada. — Se está duvidando, eu posso provar.
Ultrajada, ia até a cômoda e comeria um pouco para provar que eu não seria capaz de tentar matar alguém. Aquela era uma acusação gravíssima! Porém o barulho do prato se espatifando no chão me assustou, minha reação foi apenas um pulo para trás assustada.
— Já disse que não vou comer essa porra! — Estremeci, me deparando com a bagunça que o homem havia feito.
— O que está acontecendo aqui? — Ouvimos a voz de Juliet no corredor e eu só tive tempo de negar com a cabeça, reprovando a atitude primitiva dele. — Está tudo bem, ? — Surgiu na porta, segurando sua espingarda.
— E-Está sim, Juliet. Só tivemos um problema de comunicação. — A mulher passou por mim, chegando perto da cama e checando a cara fechada do britânico.
— O único problema de comunicação aqui é o fato desse imprestável falar inglês e eu não conseguir interrogá-lo para nos livrarmos logo dele. — Ele a encarava fixamente, embora alheio ao que ela falava, eu podia sentir que o desgosto de Juliet era recíproco.
O soldado tinha o queixo erguido com um ar de superioridade, característica que irritava não apenas Juliet, mas a mim também. Ele não via que estava sem saída ali? Para que continuar lutando se já estava tudo perdido?
— Foi ele quem fez essa palhaçada? — Assenti encarando-a. — Diga a ele que não vai mais comer hoje, vamos ver se amanhã ele não amanhece mais obediente.
Traduzi o que a mulher disse e só consegui uma reação de indiferença da parte dele.
— Vou buscar uma vassoura para limpar esta bagunça.
Recolhi o copo, que havia saído ileso da queda, junto com a bandeja. Ainda trêmula pelo susto e pelo sentimento ruim que se apossava de mim. Eu precisava me aproximar para conseguir saber o motivo de sua aeronave ter saído da rota e ido parar ali, caso o contrário, poderíamos estar correndo sérios riscos com os britânicos tendo ciência de que estávamos ali.
— Onde aprendeu a falar inglês tão bem? — Levantei o rosto, ainda abaixada próxima da cama, enquanto pegava os cacos maiores.
— Meu pai é britânico.
— Então quer dizer que você tem sangue azul. — Sorriu irônico. — Ela permitiu alguém de sangue inglês aqui? Porque ela parece nos odiar.
Ignorei aquela provocação barata. Aquela coisa de sangue azul era uma enorme bobagem. Eu sempre soube que o de todos nós era vermelho, o que significava que por dentro éramos todos iguais e que iríamos para o mesmo buraco quando nossa vida chegasse ao fim.
— Ela tem razão em te odiar, perdeu o marido em combate.
— E que culpa eu tenho nisso? É uma guerra, ela sabia que poderia perdê-lo a qualquer momento. Devia se orgulhar pelo marido ter morrido defendendo seu país.
— Se orgulhar? E o que tem de bom nisso? Uma vida perdida por conta de uma besteira.
Meu sangue fervia ao me deparar com aquela baboseira patriotista. Ninguém deveria se sentir orgulhosa por um sacrifício de alguém que não era culpado pelo começo da guerra. Os homens poderosos que provocaram todo aquele caos estavam em suas casas, apenas dando ordens e assistindo milhares de homens morrendo por conta de suas decisões erradas e precipitadas.
— Ah, me esqueci que os soviéticos não tem muito do que se orgulhar. — Riu sacana. — De qualquer forma, é bom ter alguém que fale a mesma língua que eu por aqui, assim poderá registrar minhas últimas palavras.
— Isto não tem graça.
— O que? Eu querer deixar um recado para a minha família? Não mesmo. Mas já que vou morrer da maneira mais estúpida possível, eu bem que poderia aproveitar a oportunidade, não é mesmo?
— Veio numa espécie de missão suicida ou caiu por aqui por acidente? — Sua feição mudou completamente.
Ele, que antes esbanjava sarcasmo e brincava com o fato de que muito provavelmente seria torturado até a morte, mudou completamente sua postura, estava como antes. Na defensiva. Acho que não esperava algo assim vindo de mim, uma pirralha de dezessete anos.
— Como você…
— Aqui está. — O soldado parou de falar imediatamente, tornando a encarar a janela ao lado da cama, demonstrando indiferença. — Tenho que resolver algumas coisas na sala, quando terminar, suba com as meninas.
Apanhei a vassoura e os outros utensílios, esperando-a sair para que eu pudesse voltar ao assunto com ele.
— Eu não vou falar nada, já disse. — Tentou cruzar os braços, porém sentiu dor por conta do ombro machucado.
— Por favor. — Aproximei-me da cama atraindo seu olhar. Ele me encarou por um tempo, eu quase via suas decisões oscilarem, porém o homem continuou calado. — V-Você já sabe que vai morrer, que Juliet irá chamar alguém para vir te buscar e já até aceita a ideia de partir defendendo seu país. Mas nós não, olhe, tem crianças morando aqui, nós não temos nada a ver com essa guerra e não escolhemos participar dela, então, por favor, se você avisou alguém de que há casas aqui, me diga.
Senti meus olhos marejarem, passei as costas da mão sobre ambos, secando o excesso de lágrimas. Ele apenas fungou e voltou a encarar a maldita janela.
— Por favor, .
se virou abruptamente, com toda a certeza se perguntando como eu sabia seu nome. Enfiei a mão no bolso de meu vestido, tirei os papéis e os coloquei em seu peito, coberto pela blusa de mangas cumpridas. Ele os recolheu, olhando-os atentamente. Não havia nenhuma surpresa em sua expressão, muito pelo contrário, eu jurava que podia ver um brilho estranho em seus olhos. Que ganhavam um tom de verde ainda mais claro.
— Não é só você que tem pessoas para proteger. — Disse com a voz rouca. — Eu tenho dezenas de homens que dependem de uma ligação minha para sobreviverem. — Franzi a testa. — Logo a neve vai começar a cair, os soviéticos queimaram tudo, montaram aquela maldita armadilha para que perdêssemos homens para as temperaturas baixas e por falta de mantimentos.
— Mas, se vocês já sabiam, porque caíram na armadilha?
— Não podíamos recuar. Os Alemães já fizeram estragos demais e vão fazer muito mais se não impedirmos! Se a União Soviética cair, logo eles também cairão. — Concordei com sua fala, silenciosamente. Eu não me orgulhava nem um pouco de ser russa. Não depois de saber daquela aliança com a Alemanha — Nós arquitetamos um plano, após o bombardeio do porto iríamos aproveitar a distração para sobrevoar e ver se não encontrávamos alguma casa que não havia sido incendiada. Então meu pai me enviou…
— Espera um pouco, seu pai?
— Meu pai, Joseph , general da Força aérea real. — Suspirou antes de continuar. — Ele me deixou encarregado de procurar um local onde pudéssemos ir. E eu tenho certeza que ele fez de propósito só para...— Cerrou os dentes, exasperado.
— Te deixar de fora do combate. — Completei sua fala sorrindo fraco. não me acompanhou, acho que ele realmente estava bravo com o pai. — Ele fez isso para te proteger. — Encolhi os ombros, tentando justificar o homem.
— Do mesmo jeito que seus pais te deixaram aqui "em segurança"? — Fez aspas com apenas uma mão, a que ele aguentava movimentar. — Não adiantou muita coisa, não acha? — Meu coração disparou na hora.
Se não estávamos em segurança, então quer dizer que tinha denunciado nossa localização. Minha cabeça calculava a mil por hora a distância que havíamos percorrido para chegar até a casa de Juliet, estudando as possibilidades dos britânicos chegaram no dia seguinte e matar todas nós. Principalmente pelo fato de alguém ter atirado no filho do general da Força aérea.
— E-Então você contou para eles onde estamos?
— Eu estava me referindo a mim. — Respirei aliviada recebendo um olhar rápido, logo encarava o teto do quarto com desgosto. — Não, eu não consegui avisar ninguém. A comunicação deu problema, fui teimoso e ignorei as ordens do meu pai me mandando voltar. Fiquei sem gasolina e aqui estou eu esperando para ser entregue nas mãos daqueles filhos da puta... — Acompanhei o trajeto da lágrima solitária descendo pela lateral de seu rosto. Ele travou o maxilar bem desenhado, interpretei culpa em sua expressão e mais uma vez consegui senti-lo. Eu estava triste por ele. — Tudo porque eu tive uma merda de sensação e não quis voltar.... — Cerrou os dentes, exasperado.
— De que algo bom iria acontecer? — Ri sem humor. Afinal de contas eu tive a mesma impressão na noite passada.
E aconteceu justamente o contrário. Justo a casa de Juliet, que jurava de pé junto que era um lugar seguro, foi o local em que a aeronave de foi cair. Justo eu, que odiava aquela maldita guerra e queria distância dela, o encontrei no quintal e naquele momento estava dizendo e ouvindo coisas demais para quem queria se manter o mais longe possível daquela confusão toda.
— Eu também já caí nessa. — Lhe lancei um olhar significativo.


Capítulo 6 - I got a bad idea.

Despertei cedo no dia seguinte. Apesar dos pesares, eu ainda conseguia dormir tranquila. Principalmente após a conversa que tive com no dia anterior. Sabia que não era aconselhável confiar nele, mas neguei a lógica e segui minha intuição, que me dizia que ele estava falando a verdade.
Me agasalhei bem, o tempo não estava bom do lado de fora. Apesar de ter dormido bem, tinha estranhado não ter mais Cornélia roncando ao meu lado. A menina havia se instalado no quarto das outras, já que ficaria sob os cuidados de Elizabeth. Me lembraria de, mais tarde, conversar a sós com ela e saber se a mais velha estava a tratando bem. Sentia falta dele, e não havíamos passado mais que algumas horas e uma noite separadas.
Quando tudo aquilo acabasse e cada uma de nós retornássemos para nossos pais, a saudade iria doer. Porém sentir a falta de alguém infelizmente parecia ser nosso castigo desde que aquela guerra havia começado. Sentíamos falta de nossos pais juntas, nas quando cada uma seguir seu caminho, vamos sentir a falta uma das outras.
Morreria de saudades de Amelie e sua doçura e delicadeza, de Harriet e sua habilidade de ser o completo contrário da irmã, com seu jeitinho atrapalhado e falante, mesmo sendo gêmeas, elas eram completamente diferentes. Nunca tivemos problemas de distinguir as duas, e havia um pedaço enorme em cada lado de meu coração para ambas. Cornélia era o meu xodó, nem que eu quisesse poderia negar aquele fato. Ela era a personificação da irmã mais nova perfeita, era companheira e parecia me entender como ninguém, apesar dos anos de diferença. Até mesmo de Elizabeth eu sentiria falta! Mesmo a garota sendo irritante vez ou outra, ela sabia ser engraçada e sociável quando queria.
— Bom dia, . — Juliet já estava a postos na ponta da escada. — Vá lá fora e faça o que tem que fazer, após isso, vá até o quarto dele.
Vesti minhas galochas a fim de não me sujar do barro que infestava o chão após mais uma noite de temporal. Peguei os ovos das galinhas e parei para pensar no que havia me dito no dia anterior. A neve logo cairia, e as pobrezinhas iam para o fogão saciar nossa fome e nos esquentar naquele inverno, dariam uma saborosa sopa. Porém eu ainda sentia pena delas. Depois de tanto alimentá-las, me sentia próxima delas.
Assim como me sentia dos casal de porcos que Juliet tinha quando cheguei naquela casa.
Assim que retornei, fiz o que Juliet me instruiu. Apesar de me sentir afastada das crianças, que já tomavam café da manhã sem mim, eu admitia, estava...empolgada com a presença dele na casa. Apesar de sempre ouvir mulheres falando mal de homens, eu não tinha muita experiência com eles, mas sempre achei que havia um certo exagero no que escutava. O único jeito que arranjei de confirmar os boatos era aquele, estando perto de um.
Estava empolgada também com o fato de ser uma pessoa, alguém novo naquela casa monótona. Um homem, que aparentava ser mais velho que eu, não mais que quatro anos, mas mesmo assim, parecia maduro o bastante para me despertar curiosidades. Alguém que vinha do mundo exterior, de bem longe da casa onde estávamos confinadas há meses intermináveis. Um britânico, que poderia me contar tudo sobre seu país, que me faria lembrar das histórias de meu pai com meus avós com nostalgia. Um piloto, que poderia me contar qual era a sensação de voar!
Ah, eram tantas perguntas em minha cabeça! E tão pouco tempo para explorar o mundo de . Eu nem ao menos sabia se ele iria querer me contar tanta coisa sobre si mesmo. Dizem que quando se está de frente com a morte, um grande filme de nossa vida se passa diante de nossos olhos. Bom, se quisesse me contar sobre o filme da vida dele antes de morrer, eu seria a espectadora mais ávida do mundo.
Era a primeira vez, desde que tinha chegado ali, que eu não adormecia e amanhecia angustiada pelo paradeiro de meus pais. Não que eu não gostasse de pensar neles, mas pensar neles naquele momento doía, imaginar que ambos poderiam estar em perigo machucava muito mais que uma bala cravada no peito. Então, por hora, era bom ter o soldado conosco, ele iria me distrair de pensar coisas ruins e me manteria ocupada para que eu não tivesse tempo de fazê-lo.

's point of view.

Despertei cedo demais, ainda estava escuro lá fora. As pequenas frestas da janela ao lado da cama me mostraram o breu que estava o céu. Caí no sono novamente, já que aquela parecia ser minha única utilidade ali. Provavelmente acordaria com o barulho das pessoas da casa quando amanhecesse. No final da tarde anterior eu já havia escutado o barulho que os ocupantes podiam fazer. Com certeza eram crianças. Consegui contar três, mas não sabia ao certo se estava em plenas faculdades mentais para ter algum êxito em minha soma.
Estava bêbado de sono.
A mulher, Juliet, havia me dado alguns comprimidos após foder minha perna com aquele tiro. Como se já não bastasse, ainda “se redimiu”, arrancando-me a bala a seco. Eu preferiria sangrar até morrer, mas aquele não era o objetivo dela.
Como pude ser tão estúpido? Desde a hora em que acordei naquela manhã, sentindo uma sensação boa, como se eu pudesse enfrentar tudo e a todos sozinho, eu já devia ter desconfiado de minha própria positividade. Nunca fui um cara de acreditar naquelas baboseiras de sensação, sorte ou até mesmo em destino. Para mim, o que aconteceria no futuro seria fruto de minhas atitudes no presente. Não havia fórmula mágica nem força maior envolvida naquilo.
E eu fui me apegar naquele maldito mito justo num dos momentos mais importantes da minha vida? Era inacreditável.
Meu pai, eu e mais alguns dos pilotos conversávamos sobre o plano quase que todos os dias. Ele sempre havia dito que se houvesse alguma coisa de errado, não me deixaria ir, na verdade, meu pai não queria que eu fosse. Nem para a guerra, nem sobrevoar o local a procura de algum lugar com mantimentos. Como não conseguiu me deixar de fora da guerra, aceitar a segunda opção foi apenas um detalhe para ele.
Eu deveria ter desconfiado. Ele não mudava de opinião tão facilmente, e o modo como meu pai tinha aceitado sem ao menos pestanejar no dia em que me candidatei a ir, tinha sido muito estranho.
Quando levantei voo e percebi que o comunicador estava falhando demais, percebi a grande nuvem trazendo uma tempestade consigo. Não podíamos esperar neve chegar para nos dar as boas vindas, tínhamos que agir rápido, a temperatura já começava a cair e aqueles homens dependiam de mim. Ignorei, com muito custo, os berros de meu pai me ordenando voltar e abortar a missão. Logo, sobrevoava quilometros e quilometros de terras vazias e ruínas destruídas pelo fogo.
Voei durante muito tempo, cheguei a pensar seriamente em dar meia volta de abortar o plano, já preparado para ouvir poucas e boas de meu pai por tê-lo ignorado sendo inconsequente. Meu nível de gasolina estava baixo e aquela nuvem já despejava um temporal. Mas mesmo com tudo se encaminhando ao fracasso, aquela sensação boa ia cada vez mais tomando conta de meu peito.
Quando avistei algumas luzes me aproximei constatando que ali havia uma casa. Grande, por sinal. O terreno era proporcional ao tamanho da construção, era rodeada por muitas árvores que quase me fizeram passar reto e não percebê-la ali. Era como se estivesse escondida.
Lembrava-me de ter vibrado, soltando um grito de felicidade. Fui mais a frente, buscando entre a vegetação que se agitava devido a ventania que a chuva forte tinha trago consigo. Não estava mais enxergando nada por conta da tempestade, quando fui me atentar ao ponteiro de gasolina, comecei a fazer cálculos, usando um pedaço de giz e o próprio painel da aeronave. Eu esperava que a quantidade de gasolina que me havia sobrado pudesse ser o suficiente para me levar de volta. Lembrei-me de marcar no mapa o local exato onde eu havia achado aquela casa, parei minha conta e quando voltei minha atenção ao ponteiro, me dei conta de que já estava acabando.
Minha queda não havia sido suave, eu apenas me preocupei em não acabar morto. Então, já estava bem próximo de colidir com o chão, ejetei-me da aeronave, caindo alguns poucos metros de distância dela.
E ali estava eu, no auge de minha insignificância, pensando que deveria ter ficado no avião quando ele caiu. Pelo menos já estaria morto uma hora daquelas. E não esperando para ser entregue aos soviéticos.
Vasculhei minhas lembranças da manhã anterior, lembrava-me de ter tentado atirar na menina que havia encontrado meu avião. Nem aquilo eu havia sido capaz de fazer. Recordava-me também de ter visto o resultado do acidente, que no fim não havia sido tão brutal por conta das grandes árvores, que amorteceram minha queda. A aeronave não tinha ficado tão danificada, apesar de seu exterior amassado e algumas de suas peças arrancadas.
Será que seu interior estaria conservado? O sistema de comunicação talvez, mesmo que já estivesse operando com alguns problemas quando levantei voo, talvez eu pudesse tentar consertá-lo. Mas para aquilo eu precisaria de tempo, e principalmente, pegar o equipamento em mãos.
Sabia que havia a possibilidade da queda ter danificado o interior do avião, sabia também que com a perna daquele jeito eu não poderia ir a lugar algum, quanto menos do lado de fora num frio daqueles e ainda por cima sem ser interceptado por ninguém. Tinha ciência de que parecia impossível escapar daquela casa vivo, mas eu tinha que tentar algo. Não iria me entregar tão facilmente. Precisava me tirar daquele problema que eu mesmo tinha me colocado.
Minha cabeça ia a mil, pensando em possibilidades, montando estratégias para poder tentar algo que nem ao menos sabia se funcionaria. Bom, o pior que poderia acontecer era a tal Juliet me pegar tentando sair da casa e colocar uma bala de espingarda em minha cabeça. A aquela altura, eu já não me importava muito em morrer, só precisava avisar aos outros que havia uma casa ali para ajudá-los a enfrentar o inverno e atacar os alemães e soviéticos, finalmente poderíamos tirá-los da jogada.
Quanto mais pensava, mais tonto ficava. Claro que se dava para atribuir aquilo ao fato de eu não ter comido absolutamente nada desde que havia sido capturado. Admito, não foi uma boa idéia jogar a comida no chão, infelizmente eu já tinha aquela fama de agir por impulso desde muito novo.
A porta foi aberta, despertando-me de meus devaneios e planos de fuga. A menina passou por ela com certa dificuldade, equilibrava mais uma vez a comida na bandeja. Diferente da primeira vez, estava com os cabelos claros soltos, caídos pelas costas e ondulados por conta das tranças que estava no dia anterior.
Ela colocou a bandeja no mesmo lugar que havia deixado o almoço e saiu. Tentei me esticar para pegar a comida, porém meu ombro doeu, fazendo-me voltar a me deitar enfezado. Odiava depender dos outros.
— Deve estar faminto. — Comentou, voltando do corredor e trazendo consigo uma escova de dentes e uma muleta. — Vou te levar ao banheiro antes.
Tentei me sentar mas só consegui com a ajuda dela. Sua mão agarrou a minha, e com um pouco de esforço ela me ajudou a me livrar do cobertor ficar de pé. Sua pele era fria, mesmo estando bem agasalhada, porém muito macia. Peguei a muleta equilibrando-me pela primeira vez. Estava tonto, por isso ela se prostrou ao meu lado, dando-me auxílio. Fomos devagar até a outra porta no quarto, onde entrei sozinho.
— Se precisar de algo, estarei aqui fora. — Assenti vendo a porta de fechar.
Aquela gentileza toda fazia-me sentir como um hóspede naquela maldita casa. Não que eu estivesse reclamando, estava aliviado de poder usar o banheiro, escovar meus dentes e lavar o rosto. Mas meu sangue fervia ao perceber que Juliet estava me provendo aquilo, aquela desgraçada havia me deixado sem comer por tanto tempo que me surpreendia que eu estivesse de pé naquele momento, estava fraco, se não fosse por
Espera! ! Era isso!
A garota prestativa do lado de fora, que estava me ajudando. Eu não sabia uma só palavra em russo, porém quando me lembrava do dia anterior, podia perceber que não parecia concordar muito com o modo de pensar da mais velha. Tinha certeza que a menina não me ajudaria no meu plano de fuga. Até porque, como a mesma tinha deixado claro em nossa primeira conversa, ela tinha pessoas que queria proteger. E me ajudar a denunciar o paradeiro daquela casa com certeza as colocaria em perigo.
Talvez eu pudesse apenas usá-la para conseguir informações. Horários em que Juliet saía de casa, se ela saía de casa ou se alguém lhe trazia mantimentos, de onde vinham estes mantimentos... Qualquer informação que me fosse útil para saber quando eu poderia sair sem ser pego.


Capítulo 7 - Kiss

Abri a porta, encontrando-a parada, encostada na parede. Lhe sorri fraco, esperando algo em troca. me encarou confusa, acho que a havia assustado um pouco quando tentei matá-la, ou quando gritei com ela e joguei a comida toda no chão. Eu definitivamente não tinha passado uma boa impressão para a menina.
— Muito obrigado pela ajuda. — A encarei fixamente, falando devagar, reparando em seus olhos incrivelmente azuis me analisando. — Você tem me ajudado muito.
O que eu faria para ganhar sua confiança?
fez algo que me deixou intrigado. Seu rosto fino ganhou uma tonalidade avermelhada. Acho que ela não sabia muito bem esconder sua timidez. E para ficar vermelha daquele jeito apenas com um olhar, ela não parecia estar acostumada a receber muita atenção masculina.
— A propósito, me desculpe por ontem. Eu não quis te assustar, apenas fiquei um pouco nervoso. — Outro sorriso meu, mais um sorriso grande vindo dela.
Apoiei-me no batente e logo tive sua ajuda. Ela era mais baixa que eu, não era muita coisa, sua cabeça batia em meu ombro. Aproveitei-me de nossa posição e me pus a cheirar seus cabelos lisos.
— Seu cabelo é cheiroso. — A senti vacilar seus passos e esperei alguma reação, mas logo se recompôs e me ajudou a sentar na cama.
E era mesmo.
— Ah, obrigada. — Cruzou os braços sem jeito, dando pequenos passos para trás.
Elogios e gentilezas. Funcionavam. Quem diria que aquilo realmente funcionava? Não costumava ter problemas com mulheres, então o que eu dizia a elas não importava, no fim acabávamos na cama e tchau. Nunca tinha tido algo sério com nenhuma. Meu pai dizia que algum dia eu iria ter que sossegar, formar uma família. Mas nunca tinha pensado naquilo como uma prioridade. Minha única paixão era voar, nada fora daquilo parecia me importar muito a longo prazo.
Ela me observava comer ainda afastada. Quando a pegava olhando para o meu rosto, desviava o olhar para o chão. Era engraçado. Nunca havia me deparado com alguém tão tímida. Me perguntei como devia ter sido sua vida antes de nossos caminhos se cruzarem, porque parecia ser realmente entediante.
, certo? — A menina assentiu, olhando-me atentamente. — Quantos anos tem?
— Hum...dezessete. — Mordeu a bochecha. Assenti levemente a analisando. Aparentava ter menos, devia ser por conta do rosto angelical. — Quase dezoito. — Ri de sua última frase.
— Para que apressar a idade? — Lhe sorri divertido.
— Meu pai me prometeu que iríamos comemorar meu aniversário de dezoito anos juntos. Estou ansiosa para isso. — Deu de ombros. Seu sorriso murchou um pouco a partir dali. Continuei a comer e ficamos em silêncio.
— Você está aqui há muito tempo?
— Desde o começo da guerra. — Alguns meses. — Eu gostaria de ter ido com eles, mas meu pai decidiu me deixar aqui, segura.
— Não se sente entediada? Trancada aqui por tanto tempo?
— Não temos tempo para isso, — Deu de ombros rindo fraco. — temos tarefas a fazer. Juliet nos ensina a costurar e a cozinhar. E agora, com você aqui, bom, eu ficarei ocupada por um tempo.
— Então serei sua distração por um tempo. — Murmurei, limpando minha boca com as costas da mão. Seus olhos claros se arregalaram, acho que ela pensou que eu me ofenderia com aquela informação. Muito pelo contrário, eu não dava a mínima pelo o que eu era ali. Sabia que não pertencia á aquele lugar e trataria de sair o mais rápido possível.
— Eu não disse isso. — Replicou, ainda constrangida.
— Por quanto tempo?
— O que?
— Por quanto tempo terá que me vigiar? Tenho quanto tempo até que eles venham me buscar? — Percebi prender a respiração, ficando tensa com minha pergunta.
— E-Eu não sei. — Encolheu os ombros e se calou de repente. Continuei a encará-la, esperando que ela me dissesse logo o que sabia. — Juliet tentou ligar ontem, mas acho que o telefone está ruim por conta das últimas tempestades que caíram.
Ótimo. Eu havia ganhado algum tempo.
Por mais que parecesse ter sido fácil conseguir uma informação de eu tinha percebido sua hesitação. Quando a vi tensionar os ombros ao ser questionada sobre meu destino, ela parecia travar uma pequena luta dentro de si. Não sabia se falava ou escondia o que sabia, por isso demorou a responder, e quando decidiu falar gaguejou, talvez por receio de falar demais.
— Sei que deve estar com medo…
— Medo do que? Dos soviéticos? — Ri diante de sua expressão de angústia. — Eu não tenho medo deles. Podem me matar se quiserem, da minha boca não sai nada.
— É muito corajoso da sua parte, porque eu no seu lugar, estaria com muito medo. — Confessou ao passar as mãos pelos braços, onde seus pelos se eriçaram instantaneamente.
Eu estava impressionado com sua transparência. não parecia ter uma emoção ou reação que não ficasse visível a olho nu a qualquer um que a olhasse. Fiquei satisfeito ao constatar que manipular e conseguir sua confiança não iria ser difícil. Ela me deixava saber se estava caindo ou não no meu papo.
Terminei de comer atraindo sua atenção. A menina pegou a bandeja e fez menção de deixar o quarto. Comecei a pensar em algo para impedi-la de ir embora, queria fazer mais perguntas, eu nem ao menos tinha chegado perto de saber algo concreto. Eu precisava me aproximar dela, ganhar sua confiança. E para conseguir aquilo teríamos que ter uma conversa decente, para que ela pensasse que me conhecia o bastante para confiar em mim.
E conversar por míseros dez minutos durante minhas refeições não iria nos aproximar.
A não ser que...
. — Ela se virou, e eu fiquei sem saber direito o que fazer. Aquela estratégia era muito precipitada. Mas se funcionasse, facilitaria tudo. — Hum… me ajude com os travesseiros? Quero ficar um pouco sentado na cama.
Mais uma vez deixou a bandeja de lado e veio até a cama. Peguei minha perna machucada e com um pouco de dor a coloquei sobre o colchão. A menina se aproximou da cabeceira, ajeitando os dois travesseiros de pé, encostei minhas costas e percebi seu rosto próximo ao meu. Vi também em seu rosto o quão tensa ela estava por estar tão próxima de mim.
— E-Está confortável? — Gaguejou outra vez. A olhei nos olhos e suas bochechas voltaram a corar.
A puxei pela nuca num movimento rápido, colando meus lábios nos dela. O pseudo-beijo não havia durado muito. Logo se afastou assustada, com os olhos arregalados se distanciou bruscamente da cama, olhando-me completamente pasma.
Merda!
, eu...Me desculpe eu nã… — A velocidade com que ela deixou o quarto foi surpreendente.
Suspirei alto, em pura frustração.
Será que aquele era seu primeiro beijo? Não! Não podia ser! Ela já tinha quase dezoito, era uma garota muito bonita, apesar de sua timidez extrema beirar a estranheza. Não parecia possível pensar que nunca nenhum garoto quis beijá-la.
Talvez sua reação exagerada fosse devido a isso. Bati em minha própria testa. poderia estar brava por eu ter roubado um beijo dela, justamente por ter esperado tanto -até quase os dezoito anos- para encontrar “alguém especial”.
Eu geralmente sabia como o mundo feminino funcionava, mas no caso de , que parecia ser completamente diferente das que conhecia, tudo era quase uma incógnita. Temia que aquele fato a fizesse perder o pequeno resquício de confiança que eu havia acabado de ganhar dela, ou pior, que a fizesse ter medo de mim, como se eu fosse um tarado de merda!
— Porra! — Passei minha mão sobre o rosto. Se não quisesse mais falar comigo, meu plano iria por água abaixo.



Capítulo 8 - Stay

’s point of view.
Ofegante, corri até chegar no meio do corredor, ouvia vozes na cozinha. Parei por um instante, tentando normalizar minha respiração. Eu estava incrédula. Como exatamente aquilo havia acontecido?
? — Elizabeth espiava-me da cozinha. — Está tudo bem?
— S-Sim. — Ri nervosa, passando as mãos por meus cabelos. Adentrei a cozinha e atrai o olhar de Juliet, que me analisava deixando-me nervosa.
— Está pálida. — Não sabia o que era pior, estar branca como se tivesse acabado de ver um fantasma, ou estar vermelha como quando ele tinha me olhando tão fixamente.
Pensar naquilo fez meu rosto voltar a queimar.
— Ainda não tomei café da manhã, deve ser por isso. — Tossi algumas vezes, puxando uma das cadeiras e me sentando a mesa.
— Onde está a louça que levou? Elizabeth já está terminando de lavar.
— Ah, me esqueci de trazer. — Bati em minha própria testa.
Eu estava torcendo para que Juliet não me fizesse ir buscar. Não saberia com que cara voltaria a entrar naquele quarto e dar de cara com . Sabia que teria que ir mais cedo ou mais tarde. Mas, até que interpretasse o que havia acabado de acontecer, preferia ficar longe daquele cômodo da casa.
— Tudo bem, daqui a pouco irei trocar o curativo dele e trago.
Estava mais tranquila em não ter que voltar lá. Após terminar meu café da manhã, lavei o que tinha sujado e fui até a sala de estar, onde o restante das meninas estava concentrada.
Juliet deixou a sala indo atrás de sua maleta de medicamentos, logo sumiu pelo corredor. Me peguei pensando em como ela iria tratá-lo na posição de poder que ela estava sobre ele. Da pior maneira possível, aquela era a resposta.
, venha. — Cornélia me chamou, já sentada na banqueta do piano preto. Não era novo, porém estava afinado sempre. A menina estava aprendendo aos poucos comigo.
Ela ainda estava decorando as teclas e as notas. Começamos a tocar sua favorita, “für Elise”, de Beethoven. Era uma melodia pequena, mais fácil para memorização. Eu tocava a clave de fá enquanto a mais nova a clave de sol.
Eu adorava ensiná-la. Sentia que estava realmente fazendo algo útil ali. As outras não tinham tanto interesse em aprender a música, eu sempre tive uma enorme paixão por pianos. Mamãe não tinha um, porém tínhamos um teclado em casa, e foi com ele que ela me ensinou tudo o que sabia.
Me distrai enquanto a ouvia tocar “Noite feliz”, ainda lento demais por estar aprendendo, chamava sua atenção para eventuais erros ou às posições dos dedos.
Levei minhas mãos aos meus cabelos. Eu tinha lavado na noite passada, peguei uma mecha grande, sentindo a maciez dos fios, e involuntariamente a levei até meu nariz, sentindo o cheiro do shampoo ainda exalar. Contive meu sorriso ao lembrar do que havia me dito. Ele disse que estava cheiroso.
Ele estava sendo sincero então. Ele tinha cheirado meus cabelos, tinha dado sorrisos para mim e eu não sabia muito bem como reagir quando ele me olhava. tinha os olhos tão lindos, verdes, eu pude ver de perto a cor quando estávamos próximos. E seus lábios, tão macios!
Eu ainda não estava acreditando que ele tinha me beijado! E eu tinha saído correndo como um animal medroso! Céus, queria abrir um buraco e enfiar minha cabeça nele.
Eu deveria ter ficado? Mas...quase não o conhecia direito, seria errado beijar um desconhecido? Pior, um inimigo, como a própria Juliet considerava .
? — Dei um pequeno pulo de susto ao ser sacudida por um par de mãos. — Onde estava? No mundo da lua? — Encarei os olhos castanho de Cornélia e pude ouvir a risada de Elizabeth ao fundo.
— Você está muito estranha hoje, . — Harriet comentou, fazendo uma careta estranha.
— Mais que o normal. — Concluiu Elizabeth, com sua mania de implicância.
— Isto é coisa da cabeça de vocês, eu estou bem.
— O que houve? — A mulher chegou na sala, estranho aquele pequeno círculo montado em minha volta.
— Nada. — Encarei Elizabeth, recebendo um breve aceno de cabeça. Ela tinha entendido o que eu queria dizer.
Que não queria ninguém cuidado de minha vida. Eu esperava que ela, por estar responsável pelas mais novas, me fizesse o favor de controlar as outras e suas respectivas curiosidades.
— Tudo bem meninas, voltem para suas atividades. — Juliet ordenou, fazendo as meninas se dispersarem rapidamente. Elizabeth voltou a ajudar Amelie com sua leitura, Harriet por sua vez, pintava um de seus desenhos, já Cornélia recomeçou a tocar.
Fiquei ao seu lado durante todo o tempo. Eu não tinha o que fazer, Juliet estava me ajudando com a costura em sua máquina que ficava em seu quarto, mas ela parecia ocupada demais para tirar um tempo para voltar a me auxiliar. Eu sabia um pouco, afinal, minha mãe é costureira, porém ainda tinha algumas dificuldades. E mesmo que não tivesse, Juliet nunca me deixou entrar sozinha em seu quarto, nenhuma de nós podia estar ali sem que ela estivesse junto.

***

Já estava entardecendo quando Juliet me mandou levar o analgésico de . Mesmo nervosa a obedeci, indo até o quarto e o encontrando pensativo, encarando o teto.
Assim que ouviu a porta abrir, encarou-me levantando seu tronco. Baixei minha cabeça, lhe estendendo o copo d’água e o comprimido pequeno. recolheu de minhas mãos e o engoliu com a ajuda da água.
, espere! — Pegou meu pulso, impedindo-me de ir. Finalmente o olhei nos olhos, sentia meu rosto voltar a queimar. — Me desculpe por hoje, eu não sei onde estava com a cabeça de te beijar daquele jeito eu...
— Está tudo bem. Eu apenas me assustei. — Sentia todo aquele sentimento estranhamente bom ao lembrar do beijo de mais cedo se esvair.
Ele tinha se arrependido. E se tinha arrependimento era porque não havia gostado. Sabia que não conseguiria esconder minha tristeza, até porque já sentia meus olhos começarem a arder. Eu tinha ficado tão encantada com tudo o que tinha demonstrado mais cedo, e saber que ele não estava feliz como eu estava fazia-me sentir péssima. Porque no fundo, quando se começa a gostar de outra pessoa, a gente espera um pouco de reciprocidade.
Andei apressadamente em direção a saída. Precisava me trancar no banheiro, onde teria um pouco de paz e ficaria longe das perguntas e olhares das meninas. Imagine se eu tivesse contado a alguma delas? Com que cara falaria que ele não tinha gostado do beijo que havia me deixado tão feliz?
Eu iria parecer uma palhaça.
? — Respirei fundo, tentando melhorar minha cara antes de me virar para ele. — Você poderia, sabe, ficar um pouco aqui comigo?
Suspirei pesadamente. Juliet tocava alguma canção ao julgar pela velocidade da música, Cornélia ainda não estava tão avançada e provavelmente estava sentada ao lado da mais velha embasbacada com sua rapidez. As outras não sentiriam minha falta. Eu poderia ficar ali enquanto todas se mantivessem ocupadas, já que só havia ido até o quarto para medicar .
Se demorasse muito lá dentro poderia levantar suspeitas. Do que eu não sabia, já que o nosso único beijo tratou de ser desculpado por , como se fosse uma coisa errada.
— Por favor. Eu já não aguento mais ficar aqui, encarando o teto. — Assenti, concordando.
Admitia, estava com dó. Sabia muito bem qual era aquela sensação horrível. Eu sempre fui muito ativa, vivia correndo fazendo favores para minha mãe na vizinhança, sempre parava na casa de algumas delas para comer algo e jogar conversa fora. E estar naquela casa trancada, era sufocante no início.
— Sente-se. — Indicou a cama. Fui, sentando-me na ponta do colchão, arrancando-lhe um sorriso divertido. — Pode chegar mais perto se quiser, eu não mordo, e não vou te beijar de novo.
Encarei seu sorriso e quase bufei de raiva.
— É, eu sei disso. — Aproximei-me, tentando desamarrar minha cara.
De braços cruzados, ali fiquei num completo silêncio ao lado dele. Ouvimos Juliet terminar de tocar uma música e logo começar outra.
— Não me disse que aprendiam música aqui.
— Não aprendemos. Eu apenas ensino Cornélia a tocar. — Dei de ombros.
— Eu tocava um pouco de violão, aprendi a tocar violino quando criança por insistência de meu pai.
— Eu amo violinos! — Exclamei perdendo a pose de desinteressada que tentava manter. — Acho que sou capaz de chorar ouvindo alguma música ao som de um violino.
— Eu não curtia muito. Apenas fiz para agradá-lo.
— Virou piloto para agradá-lo também?
— Não, isso não. Se dependesse dele, eu nunca chegaria perto de uma aeronave. Mas eu simplesmente nasci para isso. Está no sangue, sabe? — Riu fraco com os olhos claros brilhando.
— Não teme pela vida ele?
— Não vou mentir, claro que sim. Não deveria, meu pai é um vencedor, lutou na segunda guerra inteira e voltou para casa como um herói. — Ri desacreditada, meu sangue fervia ao ouvir aquela ladainha toda. — Acho que ele nunca quis que o enxergássemos como um fraco, então nos ensinou a aceitar a idéia de que talvez um dia ele não volte com vida.
— Você tem irmãos? — Tentava conter minhas emoções. Mas simplesmente não conseguia controlar as batidas de meu coração se acelerando, praticamente me implorando para gritar com ele.
Pouquíssimas coisas me tiram do sério. A guerra era a principal delas. Se ela não existisse, eu estaria em minha casa com meus pais e tinha certeza de que haveriam muitas mulheres felizes com seus respectivos maridos/pais/irmãos/filhos em casa, vivos e felizes.
— Tenho uma, três anos mais velha. — Franziu a testa. Provavelmente porque eu estava começando a ficar vermelha de raiva.
— Cornélia, a menina que eu estou ensinando a tocar piano, tem um irmão chamado William. O pai morreu há alguns anos atrás, portanto são apenas os três. Will foi obrigado a se alistar e servir a marinha. Ele era o único homem da casa, mas o governo estava tão cego em mandar tropas e mais tropas para essa maldita guerra que o convocou de última hora. — Solucei em ao menos me dar conta de ter começado a chorar ao contar aquela história. — Como você ousa chamar de herói qualquer homem que tenha matado um garoto de apenas dezenove anos? Como explicar para uma menina de oito anos que ela terá que “aceitar ” — Ri em completo desgosto. — o fato de que o irmão mais velho era um fraco e que não voltará com vida?
— Você deve achar que gostamos de matar, não é mesmo? Que temos escolha de atirar ou não. — Passei as costas da mão em minhas bochechas, secando as lágrimas. — Não há como saber se o irmão dela está, ou não morto, não agora. Mas eu te garanto que, se ele se recusasse a atirar, outro tomaria a iniciativa e o mataria. Seu discurso pacifista é muito bonito na teoria, mas na prática a história é outra. Não dá para classificar homens no campo de batalha como maus ou bons, ali todos estão em busca de sobrevivência.
— M-Mas não é justo...Ele não escolheu participar. — Solucei novamente.
— Guerras não são justas. — Rebateu, olhando-me com o olhar vago. — A grande maioria não escolhe, tem que ir. Eu escolhi, — Levantei o rosto encarando-o incrédula. — mas isso não faz de mim um sádico, eu não gosto de matar. Me arrependo muito desta decisão. Cresci vendo meu pai como um militar brilhante, sendo condecorado e tido como herói. Eu queria ser como ele, me tornar metade do homem que ele é. Infelizmente não consigo ser nem um terço. — Falou com desgosto. — Não sou capaz de ser um herói como ele, não sou frio o bastante.
— Então você deveria se orgulhar disso. — Encolhi meus ombros. — Sei que seu pai é um grande homem para você, mas ser frio não te faz melhor que os outros, muito pelo contrário, sentir remorso, empatia, amar ao seu próximo, isso é que te faz um ser humano melhor. E seu pai não me parece se encaixar nessas características, algo me diz que o cargo dele não foi conquistado na base do amor.
riu, assentindo com a cabeça.
— Você não entende , nunca vai entender pelo visto. Você é muito ingênua para isso, e eu espero realmente que algum dia nós possamos viver no mesmo mundo que existe nessa sua cabecinha oca. — Bateu levemente o dedo indicador em minha cabeça, arrancando-me um riso contido.
— Vamos mudar de assunto? Eu não vou mudar minha opinião e nem você a sua, no fim vamos acabar discutindo.
— Concordo. — murmurou rindo da minha pose de badass. — Não quero brigar com você, é minha única companhia aqui. — Lhe sorri fraco sendo correspondida. — Do que quer falar?
— Eu não sei, a única novidade que tivemos por aqui ultimamente foi sua chegada. — Encolhi meus ombros.
Já não parecia mais ser tão constrangedor o fato de ele ter se arrependido do beijo, afinal o modo como eu reagi provavelmente deixou a impressão de que não gostei. Logo, não tinha motivo para que eu ficasse com vergonha por algo que tecnicamente não queria.
Infelizmente não era aquela a realidade, mas ficava feliz em saber que ele não tinha ideia do que se passava em minha cabeça. Não tinha noção do quão entusiasmada eu havia ficado depois que o susto do beijo inesperado passou. Ainda podia sentir meu coração se acelerar só de relembrar.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas ouvindo a melodia que Juliet dedilhava no piano.
, eu...queria falar sobre, você sabe, o que aconteceu hoje cedo… — O espiei pelo canto do olho, já começando a sentir o efeito do nervosismo se apossar de meu corpo.
— Eu já sei, . Foi um erro e você está arrependido. — Respirei fundo, controlando meu tom de voz, que já queria soar trêmulo. — Olha, não precisa mais se desculpar eu…
— Eu não quero mais me desculpar. — O encarei surpresa. — Sei que errei em te beijar de repente, mas eu queria fazer aquilo, queria mesmo. — Meu rosto começou a esquentar e eu tinha certeza de que estava mais vermelha que um pimentão. — Eu só me arrependo de não ter avisado antes, eu...sei lá, achei que você me odiava como Juliet, que nunca aceitaria um beijo meu… — Franzi minha testa. Pobrezinho, ele achou que eu iria destrata-lo? Que imagem eu estava passando para ele? A de uma pessoa fria como Juliet?
Engoli a seco, ainda o encarando perplexa. Eu não sabia o que dizer diante daquilo. Quero dizer, quando você pensa que é ao menos correspondida, já se prepara antes caso a outra pessoa queira se declarar para você. Mas não era o caso ali, aliás, era o completo contrário. Eu já havia me conformado que aquele beijo seria nosso primeiro e último.
— Não vai falar nada? — Ergueu as sobrancelhas. Provavelmente estranhando minha pequena viagem dentro de minha própria cabeça. Na verdade, eu ainda estava surpresa. — Se não gostou do beijo, me desculpe! Não era minha intenção te assustar, . — Completou com urgência.
— N-Não, não é isso! — Apressei-me em responder. — Eu só estou surpresa. Pensei que tinha se arrependido. — Encolhi meus ombros.
— Estaria arrependido se não tivesse feito. Logo, não teria o prazer de provar os seus lábios. — Comprimi um sorriso e um pequeno surto. Sua mão grande tocou meu queixo, puxando meu rosto para mais perto. — E quanto a você, , gostou do beijo?
— S-Sim. — Assenti com a cabeça imitando seu gesto um tanto manipulador.
Era como se ele respondesse por mim naquele instante. Eu não me achava capaz de responder pelos meus atos com ele tão perto daquele jeito. Sua respiração batia contra minha boca, que já estava entreaberta esperando-o colar seus lábios nos meus.
Quando aconteceu e ele finalmente quebrou a pequena distância entre nós, eu pude aproveitar a sensação de ser beijada direito. Com calma, sua boca foi se movimentando, sua língua foi explorando e lutando contra a minha. Era como um encaixe.
Quando nos separamos, já ofegantes, já não conseguia esconder meu sorriso. Eu estava simplesmente explodindo de felicidade. , por sua vez, encarava-me sério. Não sabia o que se passava em sua cabeça, mas só de saber sua situação ali, imaginava que ele estaria preocupado com seu futuro.
E então, eu também comecei a me preocupar. Já estava antes, antes dos beijos, enquanto ajudava Juliet a levar para dentro. Saber que ela iria querer entregá-lo me tinha feito temer pela vida dele.
E estar apaixonada por alguém fadado à morte era um tanto difícil.
Aquele meu pensamento me fez ficar assustada. Me dar conta daquilo era como ser acertada em cheio. Sempre tive o pensamento de que quando eu estivesse apaixonada, saberia de cara, algo como amor a primeira vista. Não tinha acontecido da forma como eu pensava que seria, afinal de contas, nada ali estava correndo conforme minha vontade desde que tudo em minha vida tinha sido virado de cabeça para baixo.
havia chegado como alguém que deveria ser temido por nós, mas queria também que desenhássemos de sua presença na casa. Como tentar ignorar de algo que deve-se temer? Eu não entendia a necessidade de Juliet de tentar nos fazer inferiorizá-lo. Para as outras até poderia funcionar aquela coisa de não falar sobre o problema até esquecer que se tem um problema, poderia, se elas não fossem crianças e curiosas o bastante para não conseguir evitar perguntas. Mas comigo não. Eu estava tendo mais contato com ele, Juliet parecia não suportar ficar com ele mais que alguns minutos, ainda mais tendo que cuidar dele e mantê-lo vivo quando o que ela mais queria era matá-lo na primeira oportunidade.
Eu não sabia direito o que deveria sentir por ele, sabia o que Juliet havia nos dito a fim de nos influenciar. Mas tudo aquilo de odiar alguém e tê-lo como inimigo apenas por sua nacionalidade simplesmente não entrava em minha cabeça, muito menos em meu coração. Quando conversamos pela primeira vez não tive dúvidas, eu estava conversando com uma pessoa normal, um ser humano, que tinha se arriscado para um bem maior.
Ainda não conseguia entender a necessidade de uma guerra, mas com um soldado ali, frente a frente comigo, eu pude ver o outro lado. Não concordava e nunca iria concordar com tamanha violência, porém ter a oportunidade de conhecer me fez reconhecer que os homens não eram de todo o mal.
E perceber aquele sentimento em mim de forma tão gradativa fez-me ver o quão bonito era estar apaixonada. Não havia sido de repente, como no primeiro olhar. Quando tinha chegado eu mal conseguia olhar em seu rosto, também não havia tempo para tais formalidades, afinal ele estava ferido e apresentava perigo.
Muito pelo contrário. O sentimento se aflorou em meu coração a partir do momento em que ele baixou a guarda, me deixou conhecê-lo pelo menos um pouquinho. Dividiu algumas de suas fraquezas comigo, se permitiu chorar em minha frente. Demonstrou ter sentimentos, bem diferente daquela rocha humana que encontramos do lado de fora. Enxerguei um bom homem ali, e apesar de não concordar muito com o que ele fazia, consegui sentir algo pelo que ele demonstrou para mim em nossas poucas conversas.
Em nossa primeira conversa, ganhou minha empatia, algo que sempre foi muito fácil ter de mim e que eu já tinha por ele desde o momento em que o vi machucado. Logo veio a confiança, quando o deixei a par dos planos que Juliet tinha para ele, sabia que ela não aprovaria que eu lhe desse informações, porém eu não poderia esconder aquilo dele. Não depois de ver que também confiava em mim.
Claro que o resto veio tudo junto, num pacote só. Antes mesmo de se mostrar um bom homem eu já havia reparado nele de um jeito...diferente. Quando Juliet limpou seu corpo e rosto, lhe trocou as roupas sujas por novas, quando, sem querer, a observei despir seu tronco e me peguei curiosa para admirar seu corpo.
Eu sabia que aquela atração física era completamente normal, ele era jovem e muito bonito, era óbvio que eu me derreteria por suas características. Os olhos verdes intensos, os cabelos castanhos levemente encaracolados, o sorriso, o sorriso de covinhas, a voz grave. Eu poderia ficar horas apenas listando o modo como ele era extremamente atrativo. Mas claro que equivalente a sua aparência também havia sua gentileza, seu modo de me olhar, o jeito que sorria para mim.
Era triste pensar que ele, que havia despertado um sentimento tão bonito e sincero em mim, estava prestes a partir para sempre. E eu havia acabado de encontrá-lo.


Capítulo 9 - Fake, fake, fake

's point of view.

Separei meu rosto do dela, encarando-a de bem perto.
exibia um sorriso enorme, ela parecia explodir de felicidade. Felizmente meu plano surpresa havia funcionado e eu podia dizer que a tinha quase que na palma de minhas mãos. Ainda não sabia se poderia afirmar aquilo com tanta certeza e ficar tranquilo, afinal, da última vez que cantei vitória antes de hora, comemorando ter achado aquela casa, acabei do jeito que estava.
Apesar de não estar me sentindo seguro, acho que estava tendo algum êxito com a menina. Pensei que ela nunca mais fosse me olhar na cara, que ela estaria pensando as piores coisas possíveis sobre mim. Mas não, o jeito com que seus olhos brilhavam, aparentava estar apaixonada. Uma boba apaixonada. Desde que pareceu ficar irritada pelo fato de eu lhe pedir perdão por tê-la beijado até não parar mais de sorrir após uma pequena declaração minha.
Falsa. Devo acrescentar.
Apesar do que pensava sobre mim, eu não era um bom homem, muito menos alguém para se apaixonar. Logo, eu não sabia se deveria sentir algum resquício de pena, ou qualquer outra sentimento parecido ao perceber o quão ingênua a menina estava sendo ao cair tão fácil na minha conversa. Afinal de contas a culpa era toda dela.
Me perguntava até se ela realmente estava caindo ou se fingindo de inocente para cima de mim. Porque em minha cabeça não era possível ainda existir garotas daquele jeito. Caso fosse verdade, poderia ser considerada rara demais.
Eu tinha tido uma grande colher de chá ao encontrá-la naquela casa. Apesar da minha falta de empatia, eu poderia dizer que seria a responsável por salvar minha vida caso tudo desse certo, Eu só não sabia ainda se lhe daria os créditos quando finalmente voltasse para a base. Será vergonhoso dizer em voz alta para todos do exército que fui salvo por uma garota de dezessete anos.
— Um beijo pelos seus pensamentos? — Despertei de meus devaneios, olhando em seu rosto sério daquela vez. — Me deixe adivinhar, está pensando no que vai acontecer quando eles te buscarem. — Murmurou cabisbaixa.
Sua expressão mudou drasticamente, era quase que uma tristeza palpável.
Ok.
Talvez, só talvez, eu tenha me sentido um pouco mal naquela hora. realmente parecia ser sincera. Era uma pena ter que brincar com seus sentimentos daquela forma. Mas era preciso.
— Você é boa nisso. — Lhe sorri levemente. A loira apenas deu de ombros. — Fico triste por ter que partir, não tenho medo da morte, nada disso. — assentiu ainda atenta no que eu falava. Ela era uma ótima ouvinte, diga-se de passagem. — Fico triste porque não me parece ser justo, , logo agora que eu te encontrei. — Peguei seu rosto fino com a mão boa.
— Eu estava pensando isso agorinha mesmo! — Exclamou baixinho, arrancando-me um riso pelo seu modo de falar. — , você não imagina o quanto é triste para mim também, saber o que vai te acontecer e não poder fazer nada! — Pode sim. Respondia a voz impaciente dentro de minha cabeça. — Antes mesmo daquele beijo, eu temi pela sua vida.
— Eu sei! É isso que me deixa mais bravo! — Acariciei sua bochecha com o polegar. — Saber que não podemos fazer nada sobre isso! — Fingi um ar cabisbaixo, espiando sua reação enquanto tinha a cabeça baixa. apenas havia imitado meu gesto de baixar a cabeça. — Queria poder passar mais tempo com você.
A menina sorriu olhando em meus olhos. Era fácil conseguir aquela reação dela. tinha o riso tão fácil que às vezes eu até me forçava a sorrir de volta para dar veracidade a nossa "paixão mútua”.
— Eu também. — Mordeu o lábio fino pensativa. — Nunca havia conhecido alguém como você.
Cafajestes? Tem um a cada esquina.
— Nem sentido o que senti com você. , tem algo em você que me deixa muito feliz. Vou sentir muito a sua falta. — sua mão entrou em contato com meu rosto, numa breve carícia.
Estranhei o modo como aquele gesto estava aquecendo um pouco meu coração. Aquele carinho que tinha recebido, se parecia muito com o de minha mãe quando eu era criança, eu o recebia quando estava cabisbaixo, e a sensação de consolo ao recebê-lo de minha mãe sempre tinha sido instantânea.
Era uma pena que meus problemas não eram os mesmos de quando eu era menor. Onde tudo chegava a ser tão simples que minha mãe poderia resolver apenas me consolando por algum tempo. Mas poderia, e pensar em deixar meu futuro nas mãos dela me deixava inseguro e enfezado.
— E pensar que essa felicidade poderia durar para sempre se tivéssemos nos conhecido em uma situação melhor… — Para sempre? Eu tinha exagerado um pouco. Chequei sua expressão para ver se não havia desconfiado daquela declaração forçada demais para um "relacionamento” tão recente como o nosso. — , você tem cuidado tão bem de mim. — Peguei sua mão acariciando o dorso. — Fico feliz em ter te conhecido antes de morrer.
Acompanhei o trajeto de suas lágrimas descendo pelo seu rosto delicado e me perguntei como era possível. Ela estava mesmo chorando por um desconhecido? estava realmente caindo no meu plano e se apaixonando por mim em tão pouco tempo. O que apenas reforçava minha teoria de que eu era seu primeiro beijo.
A olhei intrigado. Não sabia ao certo se perguntava, achava muito evasivas as perguntas sobre relacionamentos passados. E, se perguntasse a ela, iria querer saber sobre os meus, e eu não sabia ao certo o que daria para contar a alguém como ela.
Resolvi arriscar, afinal de contas eu já estava no auge de minha atuação iludindo-a com palavras bonitas, o que seriam histórias inventadas? Quem sabe, se eu não fosse seu primeiro, poderia me mostrar diferente dos outros para que ela achasse que tinha acertado na escolha daquela vez. Ou, se fosse seu primeiro, seria bem mais fácil fazê-la se apaixonar ainda mais. Afinal, não teria com quem me comparar.
— Não chore, linda. — Lhe sorri aproximando o rosto do seu. Beijei seus lábios delicadamente, dando selinhos demorados nela, enquanto secava suas lágrimas. — Me diga uma coisa, . — A menina fungou o nariz, encarando-me de pertinho. — Sou seu primeiro beijo?
— P-Por que? E-Eu não faço direito? — Piscou rapidamente, desconcertada. Seu rosto corou como um pimentão, logo, adivinhei sua resposta. Estava óbvio que sim.
— Não é isso, linda. — Coloquei uma mecha de seu cabelo para trás. Ela, que tinha a cabeça baixa, me olhou no rosto com certa dificuldade por conta da enorme timidez. — É que às vezes você parece ter medo.
Não era uma mentira. Nas poucas vezes que a beijei, senti seu corpo tensionar, principalmente os ombros. Eu só sabia que ela gostava de me beijar devido ao seu rosto, que se iluminava toda vez que nos separávamos.
— Eu adoro quando me chama de linda. — Encolheu os ombros ainda envergonhada.
— Não mude de assunto, mocinha. — riu ainda sem graça.
— Não, você não é o primeiro. — Arqueei minhas sobrancelhas surpreso. Sua postura não condizia com a de alguém experiente. — Meu primeiro beijo foi horrível. Era um menino sem educação, que pegou em meu corpo de um jeito muito evasivo e me assustou. — Sua expressão denunciava que ela ainda sentia raiva por ter sido provavelmente agarrada sem permissão. Logo entendi sua reação mais cedo.
— Por isso você correu quando te beijei? — A loira apenas assentiu. — Já me desculpei antes, mas peço desculpas mais uma vez, eu nunca mais vou fazer nada que você não queira que eu faça. — Peguei suas mãos olhando-a nos olhos.
Eu realmente comecei a me sentir culpado. A forma como eu tinha escolhido para abordá-la havia sido completamente errada, eu realmente tinha dado sorte por ser tão ingênua e aparentemente ter um coração bem puro. Porque se fosse outra, talvez sairia gritando e encurtaria ainda mais meu tempo de vida.
Saber que outro a havia tocado de outra forma me deu uma grande reflexão, se fosse minha irmã no lugar dela, eu socaria quem quer que fosse o babaca que a agarrasse. Porém tudo era uma grande contradição em minha cabeça. Porque usar brincando com seus sentimentos também seria algo que me deixaria possesso se fosse feito com minha irmã.
— Você é tão gentil. — Neguei com a cabeça, sendo pela primeira vez sincero com ela. — Mas está tudo bem, já passou. — Desdenhou sorrindo em minha direção. — Agora as coisas estão diferentes entre nós, . Pode me beijar a hora que quiser.
— E que tal...agora? — Aproximei meu rosto do dela, pronto para selar nosso compromisso.
Eu não iria fazer nada com ela sem antes perguntar. Iria respeitá-la, afinal de contas foi uma coisa que me pai sempre havia me ensinado e eu nunca tinha colocado em prática. Nada mais justo começar com a garota que seria responsável pela minha fuga daquela casa. Pelo menos para equilibrar a balança de minha consciência, que começava a pesar bastante para meu lado ruim, onde já tinha minhas juras de amor mentirosas.
— Eu tenho que ir! — A melodia que vinha da sala cessou e logo conversas foram ouvidas vindo da cozinha da casa. Realmente, já estava ali fazia um tempo, e eu não precisava que Juliet começasse a desconfiar de algo e que afastasse a menina de mim.
A menina loira correu silenciosa até a porta e eu senti um pequeno incômodo dentro de mim, no fundo, bem lá no fundo. Abri minha boca numa pequena descrença. não iria se despedir? Só...sair?
— E o meu beijo? — Eu não acreditava que tinha falado aquilo para uma mulher.
Chegava a ser humilhante ter que chamar atenção para ser lembrado. Aquilo nunca tinha me ocorrido antes. Me admirou , que parecia estar tão derretida por mim, simplesmente me dar as costas e ir embora. A menina parecia que morreria por um beijo minutos atrás, se virou de olhos arregalados e tratou de fazer o caminho inverso.
Percebi então que deveria começar a me acostumar com o fato de que eu, de certa forma, seria seu brinquedinho. Seria largado dentro do quarto quando ela estivesse ocupada ou simplesmente não quisesse me ver, mas estaria lá disponível pra quando quisesse matar o tempo. E eu não tinha gostado muito da minha posição naquela história.
Eu teria que fazer se tornar dependente de mim, não eu dela! Fazê-la contar as horas para me ver, os segundos para me beijar. Teria que induzir a menina a morrer de saudades ao simplesmente cruzar porta a fora. não podia sequer cogitar a possibilidade de me trair ou esconder algo de mim.
Talvez não fosse algo difícil, já que ela parecia ser completamente persuasiva. Eu apenas tinha que investir mais pesado contra . Assim que a tivesse em minhas mãos, nada a tiraria dali.
Puxei sua nuca com destreza, massageando levemente o local enquanto tinha sua boca colada na minha. Pedi passagem com minha língua e invadi sua boca, beijando-a devagar. perdia as forças voltando a se sentar na cama, como se tivesse esquecido que tinha que sair às pressas. Era aquela minha intenção, beijá-la com tanta vontade, fazê-la nunca mais me dar as costas do jeito que havia feito.
Aquela parte do plano não era nada ingrata. Eu nunca poderia afirmar que beijar era uma coisa ruim. A menina era linda! E estava cada vez mais entregue a mim.


Capítulo 10 - You have me

's point of view.

Fui, quase que correndo pelo corredor, pisando nas pontas dos pés, consegui passar despercebida pela cozinha, onde as pequenas gêmeas bebiam água próximas da pia. Quando já estava na metade dos degraus da escada, ouvi mais passos se dirigindo até a cozinha e me virei rapidamente, simulando que na verdade estava descendo as escadas.
— Onde estava esse tempo todo? — Juliet indagou ao me ver.
Atraiu a atenção das outras, que me encararam intrigadas, talvez por terem se dado conta de que eu tinha sumido por um tempo e passado despercebida.
— Lá em cima. — Respondi a primeira coisa que me veio a cabeça. Respirando fundo, tentando normalizar as batidas de meu coração e torcendo para que meus lábios não estivessem vermelhos. Porque eu os senti formigar após aquele beijo de tirar o fôlego que havia me dado. — N-Não estava me sentindo muito bem, deitei um pouco.
— O que há com você? Está com febre? — Avançou os degraus, encostando as costas das mãos em minha testa. — Está quente. Vou te dar um remédio.
— N-Não precisa! — Apressei-me, causando uma certa estranheza. — Deve ser apenas um resfriado me pegando. — Desdenhei. Afinal de contas, eu não queria ser medicada sem estar realmente doente. E se adoecesse, ela talvez não me deixasse ficar perto de .
— Vou te dar mesmo assim. — Abriu o armário alto, escolhendo entre alguns remédios guardados ali. Fui obrigada a engolir o comprimido, e observada atentamente pela mais velha. — Pode voltar para o quarto, tente descansar um pouco.
— Mas e o jantar do … — Fingi tossir ao perceber minha própria gafe. Quase falei seu nome. — do soldado?
— Não se preocupe com o verme. — Riu sarcástica. — Eu mesma me encarregarei de levar sua comida. — Tentei não parecer cabisbaixa na frente delas.
— Eu posso levar, Juliet. — Elizabeth se ofereceu ansiosa. Não pude deixar de me incomodar com seu jeito de falar. Eu era a encarregada de cuidar de , não ela.
— Nada disso. — A mais velha decretou, virando-se para a menina, que cruzou os braços emburrada. — Eu já disse que ninguém entra no quarto sem minha autorização.
— Mas a
Gelei na hora. Cheguei a sentir meu coração vacilar. Será que Elizabeth tinha me visto sair do quarto de após demorar tanto tempo lá? Se sim, eu sabia que ela não hesitaria um segundo ao contar para Juliet, apenas para conseguir pontos com ela.
— A também. — A mulher se virou para mim daquela vez. — Ninguém está autorizado a entrar lá sem que eu saiba. Estamos entendidas?
— Sim. — Respondemos em uníssono. — Suba para seu quarto .
A obedeci contra minha vontade. Eu estava ansiosa para vê-lo outra vez. Queria beijá-lo! Conversar com por horas e conhecê-lo melhor. Queria ouvir sua voz o dia todo, poder aproveitar sua companhia enquanto eu ainda o tinha.
E não levar seu jantar e acompanhá-lo até o banheiro para que ele se preparasse para dormir, de certa forma, era um tempo roubado de nós.
Repousei minha cabeça em meu travesseiro encarando o céu cinzento pela janela. Ainda que o céu não estivesse azul eu me sentia feliz. Não dependia mais do tempo lá fora para sentir-me bem comigo mesma. Finalmente eu poderia dizer que estava me sentindo bem. Parecia que, de uma hora para outra, se soltasse meu corpo sobre o colchão, eu começaria a flutuar pelo quarto de tão leve que me sentia.
Sorri em meio às lembranças recém produzidas ao lado de naquela tarde. Eu não sabia dizer ao certo que dia do mês era aquele, mas sabia que me lembraria daquele dia para sempre. Porque era o melhor da minha vida até aquele momento. Foi o dia em que eu finalmente senti o que era estar apaixonada.
Adormeci em meio a pensamentos. Não tinha descido para jantar, apenas me aventurei pela casa na madrugada, quando eu geralmente sentia sede. Era melhor fazer naquela forma, no dia seguinte eu poderia acordar e dizer que já estava cem por cento melhor e que não estava resfriada de verdade. Estaria descansada para poder voltar a vê-lo.

***

Desci as escadas apressada. Havia dormido a noite toda daquela vez, sem ao menos uma passada na cozinha para beber água, estava bem disposta, estava mesmo precisando hibernar um pouco. Até porque, quem precisa sonhar quando se está vivendo um romance digno de fantasia na vida real? Eu realmente estava adorando todas aquelas sensações novas que havia trazido com sua chegada. Só de me fazer esquecer de tudo o que acontecia do lado de fora já valia muito a pena estar com ele.
Cheguei na cozinha ainda ajeitando meus cabelos, que eu havia arrumado prendendo alguns fios num pequeno rabo para trás e deixando o resto solto, caídos pelos ombros. Estava vestida como no dia em que cheguei naquela casa. Era um vestido praticamente novo, mamãe o tinha feito junto comigo, eu tinha pensado em cada detalhe dele, desde as mangas cumpridas até seu tecido escuro. Ela dizia que a cor destacava meus olhos, e me fez usá-lo para chegar na casa para causar uma boa impressão.
— Bom dia. — Passei pela cozinha rapidamente, deu tempo de ouvi-las me responder, ao passar os olhos enquanto andava, pude vê-las me seguirem com os olhos e sorrirem.
Acho que estava mesmo bonita. Bom, pelo menos era daquele jeito que me sentia. Vesti minhas botas e fui até o galinheiro. O dia estava cinza como o de costume para aquela época do ano, lembrava-me de meus pais, quando anoitecia e papai chegava do serviço, costumávamos nos sentar no sofá e nos encher de cobertores.
Peguei os ovos imersa em lembranças, porém sentindo esperança. Ela oscilava de vez em quando, tinha dias em que eu não tinha um pingo de esperança daquilo acabar logo, mas nos dias que eu tinha fé, eu quase podia vê-los chegar pela vegetação envolta da casa, acenando em minha direção e felizes por me ver novamente.
Retornei à casa apressando-me em limpar meu vestido das folhas das pequenas plantas que cresciam no chão. Coloquei a cesta sobre a mesa e logo vi a bandeja de café da manhã já pronta. Segurei meu sorriso e a peguei, rumando até o quarto.
Encontrei a porta aberta, o que estranhei, afinal de contas Juliet falava de naquele quarto como o governo trata seus assuntos confidenciais. Escondidos a sete chaves. Adentrei o cômodo ouvindo o barulho do chuveiro, avancei meus passos incerta, deixando a bandeja sobre a cômoda. A porta do banheiro se abriu, revelando Juliet com a roupa molhada e a cara amarrada.
O que diabos ela fazia no banheiro com ? E toda molhada daquele jeito? Respirei fundo a encarando. Pedindo aos céus que meu rosto não estivesse vermelho e que ela não percebesse que eu estava soltando fogo pelas ventas, porque eu estava morrendo de raiva.
— O que faz aqui? Achei que estivesse doente. — Disse, assim que me viu ainda paralisada perto da porta.
— Vim trazer o café da manhã. — Elevei a bandeja levemente enquanto tentava controlar minha voz. Não era óbvio? — Já estou melhor.
— Tudo bem, só nos dê alguns minutinhos, ele precisa se vestir. — Nos dê? No plural?
Que vontade de gritar para extravasar minha raiva! Lhe dei as costas já quase chorando de puro ódio. Não estava me reconhecendo, aquela ali não era eu! Sempre fui muito calma e nunca iria imaginar que o que eu estava sentindo tinha o poder de desencadear em mim algo tão passional! Ainda tremendo, fui andando devagar. Não poderia demonstrar ciúmes, afinal, para todos naquela casa, não era nada meu.
E eu não cheguei a pensar direito em todas as coisas que teria que relevar ou fingir que não vi para não deixar na cara o que tínhamos. Se todos soubessem, eu poderia ir vê-lo quando quisesse, passar uma tarde inteira com ele sem ter que me esconder ou dar desculpas. E com certeza faria Juliet ficar bem longe de enquanto ele estivesse no banho. Se ela soubesse que estávamos juntos demonstraria pelo menos um pouco de respeito.
. — Sua voz ficou firme, o que quase me fez encolher os ombros. Me virei em sua direção recebendo um olhar duro. Que eu conhecia muito bem. — O que eu disse sobre entrar no quarto sem minha permissão?
— E-Eu achei que eu poderia… — A mais velha soltou uma risada sarcástica fazendo toda a raiva, que já se adormecia dentro de mim, voltar a ferver pelo meu corpo. — A bandeja estava na mesa, achei que era o meu dever servi-lo, Juliet. Você mesma disse. — Arqueei minha sobrancelha.
— Tome mais cuidado da próxima vez, se eu não estiver por perto. — Foi até a beira da cama, onde dobrou as mudas de roupas que vestia antes. — Ele pode ser perigoso, e uma menina como você, bom, pode ser um alvo fácil para um homem do tamanho dele. — Procurei algo em sua voz ou em seu olhar, porém não notei nada que me fizesse desconfiar de que ela estivesse insinuando algo. — E imagine só se você o tivesse visto nú! — Arregalou os olhos e soltou um riso sonoro, como se tivesse acabado de ouvir a melhor piada de todas.
— Sei me cuidar bem, — Interrompi seu divertimento, — mas agradeço a preocupação. — girando os calcanhares, fui prontíssima para sair dali antes que não conseguisse segurar minha língua dentro de minha boca.
nunca me machucaria, quero dizer, não agora que tudo entre nós mudou. Eu era capaz de dizer que me sentia mais segura ao lado dele, que me contou coisas que em meses eu nunca ouvi sair da boca de Juliet. era mais transparente, a mulher que nos recebeu em sua casa era cheia de segredos.
Quando cheguei na casa e meus pais me deixaram, muito mais do que triste por ter que dizer adeus, eu estava confusa. O tour pela casa foi a coisa mais esquisita que eu já vi, ou melhor, não vi. Era um casarão grande, já envelhecido pelos anos. Tinha muitos cômodos que nem eu, nem as meninas mais novas, nunca vimos o interior. Nas poucas vezes em que Juliet saiu e nos deixou sozinhas, tínhamos tentado abrir algumas das portas, porém estavam sempre todas trancadas.
Me perguntei por muitas vezes onde estava o juízo de meus pais por me confiarem a uma completa desconhecida. Mas após conhecer as outras melhor, pude saber que a maioria procurou Juliet por indicação. Elizabeth dizia que a mãe chegou a conhecer o marido de Juliet, e que jurava que ela já esteve grávida, porém não conseguiu ir em frente com a gestação. E que um daqueles quartos era um quarto de bebê, do filho que nunca chegou a nascer.
Nunca tive coragem de perguntar a ela a veracidade dessa história, mas sempre que a observava por muito tempo, me pegava pensando porque Juliet nunca tinha se casado novamente. Ela era uma mulher muito bonita. Porém, muito misteriosa e, arrisco a dizer, até mesmo estranha. Não em sua aparência, mas sim em sua mania de querer sempre esconder seu passado.
Não tinha sequer uma ruga envolta dos olhos ou um bigode chinês, ela parecia nunca ter passado uma tarde rindo, ou recebido uma massagem que a relaxasse. Juliet já tinha uma certa idade, mas parecia que nunca tinha vivido de verdade.
, leve o café da manhã. — Subiu as escadas e me levantei da cadeira, indo até o quarto.
Meus cabelos já não estavam mais tão arrumados, eu tinha apoiado minha cabeça em meu braço enquanto esperava Juliet fazer seu trabalho.
Quando entrei novamente, não o vi sentado na cama, a porta do banheiro mais uma vez estava aberta. Nada de barulho de chuveiro, o que me fez pensar que ele talvez tivesse esquecido de fechar. Apesar de minha curiosidade me instigar a ir até lá, a voz e a expressão cômica de Juliet me vieram à cabeça.
“Imagine se você o tivesse visto nú!”
Eu sequer conseguia imaginar aquela cena. Já ficava vermelha só de cogitar a possibilidade. Então, para evitar constrangimentos, me mantive de pé próxima da cama após deixar a bandeja no lugar de sempre.
— Aí está você. — Segurou-se no batente da porta e me encarou sorridente.
Os cabelos molhados caídos sobre a testa ainda pingavam, molhando seu moletom escuro. Não consegui acompanhá-lo no sorriso.
Eu só conseguia pensar em Juliet o despindo.
Juliet o ensaboando.
Juliet passando shampoo em seus cabelos macios.
Juliet tocando sua pele.
Juliet secando seu corpo.
Juliet vestindo sua roupa.
— O que foi?
Lhe dei as costas passando as mãos com força sobre o meu rosto, eu precisava deixar para lá, era isso, fingir que nada aconteceu. Afinal, Juliet ainda o odiava com todas as suas forças, ela não teria como ter aproveitado o momento tão...íntimo com seu inimigo número um, ou teria?
— Ela te deu banho? — A coisa toda de fingir que não viu era muito mais fácil na teoria.
Ouvi sua risada e me virei encarando-o perplexa.
O que tinha de engraçado naquilo?
Quando parei por um mísero segundo para reparar em seu corpo de pé, enquanto ele se curvava para trás rindo sem parar, tendo a visão de seu maxilar desenhado, seus ombros largos com os bíceps marcados pela blusa, percebi que só se Juliet fosse cega para não gostar de dar banho num homem daqueles.
Mas, convenhamos, se ela não o fizesse, quem o faria? ainda estava com o ombro machucado, sua perna então, nem dava para mensurar quanto tempo sua recuperação demandaria. Ele não conseguia sequer andar sem ajuda de alguém, quem dirá tomar um banho.
— Não é nada que ela não tenha visto antes, . — Coçou a cabeça rindo constrangido.
Lembrei-me de quando Juliet havia rasgado suas roupas, verdade, ela já tinha dado banho nele antes, com um pano e a água que eu mesma esquentei. O que não diminuía minha raiva, mas acalmava um pouco meu coração.
Respirei fundo a fim de tentar esquecer aquela história, não valia a pena ficar remoendo tudo aquilo.
— Não vai me ajudar a me sentar?
Despertei de meus pensamentos e fui até ele, sentindo um cheiro bom de sabonete que sua pele emanava. se apoiou em mim, porém me fez perder o equilíbrio e tombamos sobre a parede. Seu corpo cobriu o meu, prensando-me naquele canto, eu praticamente não tinha visão sobre o resto do quarto. Mais uma vez parei para admirar seu corpo diante do meu, tão perto que me fez arrepiar dos pés a cabeça.
— V-Você está bem? — Perguntei ainda desconcertada.
— Está com ciúmes?
— Eu deveria ter? — Pergunta retórica.
Qualquer um teria ciúme no meu lugar. Tudo bem que e eu não tínhamos nomeado o que tínhamos, afinal era tudo muito recente. E eu também não sabia ao certo se deveria sentir tudo aquilo, porém era inevitável!
— Sabe que me tem, não sabe, ? — Não pude segurar o sorriso que surgiu praticamente rasgando minha boca. De repente, todo aquele sentimento ruim se desprendeu de mim.
— Não sabia. — Mordi meu lábio tentando disfarçar meu jeito bobo diante de tudo o que ele me dizia. Eu odiava parecer idiota na frente dele! — Agora sei.
Seu rosto se enterrou na curva do meu pescoço, de onde ele tirou os cabelos do caminho e encostou os lábios recém molhados. Beijou devagar, arrastando a boca por toda a extensão da minha pele, fazendo meu coração praticamente pular para fora. Meu Deus, como eu adorava tudo o que tinha trazido consigo para minha vida!
— Você também me tem, .
Naquele momento eu nem ao menos me importei com o fato de estarmos nos arriscando muito ali, de costas para a porta, nos beijando e abraçando, eu só queria eternizar aquele momento. Após dizer em voz alta seu nome e sobrenome, me dei conta de que só eu sabia daquilo naquela casa, só eu sabia o quão incrível ele era e somente eu o tinha.
Não precisava me preocupar com o fato de Juliet dar banho ou não nele. Era eu que o interessava.
Enquanto estávamos ocupados, ofegantes e completamente alheios a tudo a nossa volta, um barulho de algo caindo nos dispersou. Como se nos avisasse que tinha mais gente naquela casa e que era arriscado demais se esquecer daquele detalhe por míseros minutos.
— Venha, vou te ajudar a voltar para a cama. — Ele apenas bufou contra meu pescoço e se afastou de meu corpo. — É perigoso demais ficar assim, se alguém entrar estamos ferrados. — assentiu com a cabeça soltando-me.
Quando me preparei para ajudá-lo a se equilibrar, fui surpreendida por suas mãos de volta em minha cintura com uma firmeza maravilhosa, que foi capaz até de me tirar o ar.
— Só mais um beijo. — Tomou minha boca sem sequer me deixar respondê-lo.
Mas tudo bem, afinal, não tinha sido uma pergunta! Eu já havia dito a ele que poderia me beijar quando quisesse, e quem era eu para reclamar? puxou meu corpo ainda mais para si, fazendo-nos praticamente um só e me permitindo sentir seu peitoral contra meus seios. Eu nunca havia ficado tão perto daquele jeito de um homem, por isso mal sabia o quão boa era aquela sensação.
Era engraçado, um esbarrão tão simples mexia tanto com meus sentidos que eu poderia dizer que já ia ao delírio com apenas aquilo.
Juliet tinha razão. Eu era um alvo fácil para um homem do tamanho dele. Estava completamente entregue e sem defesas, havia sugerido que parássemos por temer que Juliet aparecesse de surpresa, mas se ele quisesse, poderia me beijar por horas. Não iria conseguir detê-lo.


Capítulo 11 - Perfume

Quando nos separamos, parecia que alguém tinha me arrancado do paraíso, logo voltamos a realidade e rumamos calados até a cama. pegou a bandeja e eu fiz o que sempre fiz, fiquei olhando para ele.
Seus cabelos ainda estavam úmidos, passei a mão por eles, recebendo um meio sorriso de , que tinha a boca cheia. Continuei a mexer em suas madeixas, passando os dedos e desembaraçando alguns fios. Juliet não tinha penteado seus cabelos, agradeci mentalmente por isso, pelo menos uma coisa ela não tinha feito. E eu descobri que adorava seus pequenos cachos castanhos, eram tão macios e estavam tão cheirosos que minha vontade era de mandar fazer potes de perfume aos montes com aquela fragrância.
— O que aconteceu com você ontem? — Parei o que estava fazendo e me sentei ao seu lado.
— Estava um pouco doente. — Menti. Mas era só para ver se ele se preocuparia comigo.
Observei sua reação e vi que seu semblante não mudou. continuou a mastigar como se eu não tivesse dito nada demais. Levantei-me e me afastei dele, andando pelo quarto. Estava chateada, não poderia negar.
Estava acabando de perceber que se apaixonar não era lá um mar de flores. Porque assim como podia despertar sentimentos maravilhosos em mim, também era capaz de aflorar coisas ruins, como o próprio ciúmes, ou me deixar chateada com a mesma intensidade que me deixava feliz.
— Porque? Sentiu a minha falta? — Arrisquei um sorrisinho, que sumiu assim que vi que dava mais atenção para a comida a sua frente.
— Juliet trouxe meu jantar, eu apenas estranh… — Parou de falar e me encarou sério. — É claro que senti sua falta! — Eu ainda tentava entender o que estava acontecendo com ele.
Um hora, me agarrava e me tirava o fôlego. Outra, ficava estranho e me ignorava, para logo depois voltar ao primeiro modo.
— Está melhor agora? O que você tinha? — Deixou a bandeja de lado, sobre a cama e passou a me analisar com os olhos atentos. Encarei o chão, ainda um pouco confusa.
— Estou melhor sim. Não foi nada muito sério, eu apenas estava um pouco cansada. — Daquela vez não menti, dormir algumas horas a mais havia me feito muito bem. Não conseguiria imaginar como eu teria enfrentar aquele dia cheio de altos e baixos sem estar descansada.
— Sei que é meio tarde para falar isso, mas você está linda hoje. — Levantei meu olhar e notei que ele reparou em meu vestido.
Era realmente tarde, mas eu tinha me vestido para que ele me reparasse mesmo, e funcionou. Antes tarde do que nunca.
— Os seus olhos, eles ficaram ainda mais lindos do que já são. — Seus olhos verdes estavam vidrados nos meus, me permiti sorrir tímida diante de tantos elogios.
— Obrigada. — Passei as mãos pela saia do vestido. — Minha mãe que fez esse vestido, e eu a ajudei, claro.
— É realmente muito bonito, . Dê uma voltinha para mim? — Fiz o que pediu e quando voltei a minha posição inicial, pude vê-lo sorrir para mim. — Mas é claro, você é quem faz qualquer roupa ficar linda. — Encolhi meus ombros e simplesmente não parei de sorrir um segundo sequer.
estendeu sua mão para mim, como um ímã, minha mão tocou a sua. Fui guiada de volta para a cama, onde me sentei ao seu lado novamente.
— Eu realmente senti sua falta, tá? — Passou o polegar por minha bochecha. Assenti entendendo o motivo de ter reforçado aquela fala. Ele tinha percebido que eu tinha ficado chateada. Fiquei impressionada com o modo como ele soube me ler só de olhar nos meus olhos. — E estou feliz que esteja melhor. Entendo completamente o fato de você estar cansada, eu também ficaria com Juliet me enchendo o saco o tempo todo.
Soltei uma risada alta, porém cobri minha boca para abafar o som. Neguei com a cabeça discordando de tamanha maldade.
— É sério! — Riu junto de mim, passando o braço bom pelos meus ombros e me puxando para perto. — Eu odeio essa mulher. Mas o que eu odeio mais é ela me dando banho. — Sorri vendo que realmente eu não tinha porque ter ciúme, mesmo se Juliet tivesse aproveitado o momento de tê-lo nu diante de si, ele mesmo estava afirmando com todas as letras que tinha odiado.
— E o jantar? — Perguntei já gargalhando.
— Nem me fale. — Revirou os olhos teatralmente. — Tudo bem que ela não fala inglês, mas ela precisa mesmo estar sempre de cara feia? — Rimos outra vez, enquanto tentávamos não fazer nenhum barulho que denunciasse que estávamos nos divertindo horrores. Ainda mais as custas de Juliet. — Não sei o que eu faria sem ter você para me ajudar.
Me beijou devagar, passando a mão pela lateral do meu braço. Era tão aconchegante estar ali! Pena que não era algo duradouro.
— É uma pena eu não poder ajudar em tudo. — Encolhi meus ombros. Não era nem sobre os banhos que eu falava, Juliet também fazia os curativos em e administrava seus remédios.
Fora que ela mesma tinha deixado bem claro para mim, eu só teria contato com quando ela permitisse. Se Juliet acordasse no dia seguinte e decidisse que era melhor que ele não tivesse contato comigo, eu teria que deixar de vê-lo. Era por aquele motivo que eu tinha tanto medo de ser pega com .
— Eu preferiria que fosse você. — Apertou-me a cintura causando-me cócegas. — Você é muito mais gentil que ela, Juliet esfregou meu cabelo tão forte que estou até com dor de cabeça. — Gargalhei de seu drama. — É como se eu voltasse a ter sete anos e minha mãe me arrastasse para o chuveiro depois de um dia inteiro brincando na lama. Se você estivesse lá comigo seria muito mais divertido.
Eu não conseguia imaginar aquela cena. Mas ao mesmo tempo estava curiosa para saber como seria. Divertido como os banhos de mangueira que eu tomava junto das minhas primas no quintal quando tinha seis anos?
— Eu iria te deixar toda molhada. — Aproveitou nossa proximidade e sussurrou em meu ouvido. Encolhi meu corpo rindo envergonhada.
Sim, seria como quando eu era criança. Com direito a guerra de água e todas as risadas que tivéssemos direito.
Deixei seu quarto um tempo depois. As meninas já estavam junto de Juliet, que as ensinava matemática, fazendo-me passar de fininho para não ser fisgada pela professora. Eu simplesmente odiava cálculos, assim como Cornélia, que quando me pegou no flagra, avisou a Juliet que estava com dúvidas sobre as aulas de música. Saiu com a permissão da mais velha.
— Ainda bem que consegui me livrar dessa aula. — Ri de sua cara de pau de mentir descaradamente para matar aula.
— Mas da minha você não irá se livrar, mocinha. — Lhe cutuquei com o cotovelo, arrancando-lhe risadas. — Cadê seu caderno de música?
— Eh…, eu queria falar com você sobre isso. — mexeu em seus cabelos rebeldes sem graça. — Acho que nao quero mais aprender a tocar. — Cruzou os braços cabisbaixa.
— Como não? E a sua surpresa?
Todas nós estávamos nos preparando para a volta de quem amamos. Eu, esperava meus pais para comemorar minha maioridade. Cornélia queria aprender a tocar nosso hino para receber o irmão junto da mãe quando a guerra finalmente acabasse. As gêmeas viviam fazendo desenhos que diziam que entregariam aos pais, Elizabeth nunca havia deixado implícito o que faria quando seus pais voltassem. Mas eu tinha certeza de que ela devia fazer seus planos.
A verdade era que mesmo que Cornélia não aprendesse a tocar, ou que meus pais voltassem antes ou depois da data do meu aniversário, mesmo que todos os desenhos se percam ou se danifiquem, nada daquilo importava muito. Era tudo mera formalidade, o que nós queríamos mesmo era um abraço apertado.
Nossos pais nunca nos negariam amor, mesmo que nós não tivéssemos nada em mãos para entregar em troca.
...eu nem ao menos sei se ele volta. — encolheu os ombros, fazendo-me abraçá-la de lado. Exatamente como fazia comigo, aquele gesto, de passar o braço envolta de meu corpo e me puxar para si me fazia sentir protegida.
E eu esperava que eu pudesse fazê-la se sentir do mesmo jeito.
— O que eu disse na última vez que falamos sobre isso, mocinha? — Cruzei os braços arrancando um pequeno riso dela. — Você tem que acreditar! E além do mais, te dar aulas me distrai, e eu sei que você também é apaixonada por música.
— Você anda tão ocupada com aquele homem, . Acho que minhas aulas não te fariam falta. — Encolheu os ombros, fiquei ultrajada.
Era claro que me faria falta! não tomava todo o meu tempo, bem que eu queria! Eu estava ausente com as meninas, mas sabia que se me esforçasse, conseguiria passar mais tempo com elas.
Principalmente com Cornélia. Que meio que me foi roubada a mando de Juliet, mudá-la de quarto, ao meu ver, não era realmente necessário. Fora que, Juliet lhe dava aulas justamente quando eu estava cuidando de . Daquele jeito, eu nunca poderia ter tempo de ensiná-la.
— É por isso que quer desistir da música? — Arqueei minhas sobrancelhas. — Não gosta de Juliet te ensinando?
— Não é isso...é que…
— Cornélia… — A repreendi ao perceber os rodeios que ela dava apenas para encontrar uma resposta pertinente. Ela não precisava mentir para mim, Cornélia sabia que podia confiar em mim.
— É que ela é muito chata! — Cruzou os braços emburrada, fazendo-me gargalhar instantaneamente.
Eu já tinha ouvido aquilo antes. E cheguei a pensar que era apenas pela implicância que tinha com ela, mas ao ouvir aquilo de Cornélia, comecei a perceber que talvez Juliet fosse realmente um pouco chata. Apesar de tudo eu ainda tentava vê-la de outra forma, afinal, ela demonstrava ser do jeito que era por conta de problemas do passado.
Ok, talvez não tivesse nada a ver; Afinal, ninguém ali sabia quase nada da vida dela, mas era a única explicação que eu encontrava para o seu comportamento.
— Prometo reservar um tempo para voltar a te ensinar. — Lhe sorri, recebendo um abraço inesperado. A apertei em meus braços matando um pouco das saudades que tinha.
— Não vejo a hora de ele ir embora, assim posso voltar a ter mais tempo com você. — Estremeci diante de sua fala.
— O que sabe sobre isso? — A soltei, afastando-me a fim de olhá-la nos olhos.
Não era possível que Juliet tivesse contado seus planos para as meninas. Elas eram muito novas, as menores mal entendiam o que estava acontecendo no mundo naquele exato momento. Falar sobre tortura, assassinato, violência em geral era algo muito sério. Nem mesmo eu, que logo completaria meus dezoito anos, conseguia digerir aquelas informações.
Às vezes, a ignorância era uma dádiva.
— Juliet me disse que iríamos sair para resolver a situação. — Estreitei meus olhos. — O telefone não funciona tem uns dias, acho que ela vai fazer alguma coisa pessoalmente.
— Quando vocês vão?
— Ainda não sei. — Engoli a seco. Uma agonia me tomou, eu não sabia o que Juliet pretendia, muito menos conseguia imaginar. Como eu saberia quanto tempo ainda teria comigo? — Mas não conte a ninguém! Vamos partir de madrugada. Juliet disse que voltaremos antes do amanhecer.


Capítulo 12 - Should i be afraid?

Alguns dias haviam se passado. e eu já tínhamos criado uma espécie de rotina a fim de evitar que nos pegassem juntos. Primeiro, eu entrava no quarto, séria, sem a mínima menção de estar feliz por ter que servi-lo. O deixava comer e vigiava a porta caso eu ouvisse alguns passos, fazíamos silêncio, para que não soubessem que estávamos conversando.
Mas se tudo estivesse calmo no corredor, o que era comum na casa fora dos horários de refeição, eu me juntava a ele na cama e tínhamos nossos momentos juntos.
Apesar de achar ruim estar sempre com medo e me escondendo, nem eu, nem poderíamos negar que a adrenalina que nos envolvia quando estávamos perto somente tornava tudo melhor.
Não sabia se era porque a ideia de ficar com soava completamente errada aos olhos de Juliet. Era um amor proibido, uma russa e um britânico, em plena terceira guerra mundial.
Estávamos, da forma mais literal possível, compactuando com o inimigo.
Quando era a hora de nos separarmos, eu checava meus cabelos para não sair com os fios desgrenhados e principalmente a minha boca. A pressão que os lábios de faziam contra os meus era tão forte que eu tinha que esperar a vermelhidão sair para poder ir para fora do quarto.
E eu tinha saudades dele mesmo vendo-o todos os dias durante suas refeições. Conversávamos sobre coisas bobas, contávamos episódios aleatórios de nossas vidas. me contou sobre como era ter uma irmã e eu só soube invejá-lo por ser muito solitária.
Me pegava imaginando como seria se ele e eu tivéssemos um futuro definido. Se me apresentaria para os pais e amigos, se eles gostariam de mim, se a irmã dele viraria minha amiga. Meu pai eu já tinha certeza de que adoraria de primeira! Já mamãe provavelmente desconfiaria de seu interesse repentino em mim, na cabeça dela, eu seria muito nova para alguém com a vivência de .
Sabia que não fazia bem planejar algo que não iria acontecer, mas aquele tinha se tornado meu passatempo preferido. Quando não estava com ele, só conseguia pensar nele.
Levei seu café da manhã e infelizmente fui acompanhada por Juliet, que tinha ido trocar o curativo de . Não pude ficar com ele por muito tempo, aliás, nem beijá-lo, muito menos olhá-lo por muitos segundos, eu ficava completamente vidrada em seus olhos verdes, e não podia controlar o brilho dos meus ao contemplá-lo.
Para não levantar suspeitas, fingi indiferença.
document.write(Harry) chegar até a casa, tudo era um tédio sem fim.
— Oi! — Exclamei segurando seu rosto com ambas as mãos e beijando sua boca.
Deixei que almoçasse em paz enquanto o olhava de longe, parada próxima da janela do quarto. Mesmo fechada, sua frestas me permitiam ver o que tinha do lado de fora. Nada de novo, apenas uma chuva insistente que caía todo santo dia. O inverno já tinha chegado, e aquilo preocupava a cada vez que a temperatura abaixava.
Ele não tinha mais tocado naquele assunto, sobre o motivo que o levou até ali. Mas eu sabia que ele estava preocupado, com o passar dos dias começou a ficar pensativo enquanto comia. não me contou mais nada sobre o plano dos britânicos, acho que talvez estivesse tentando se fazer de forte.
Apesar de estar apreensiva com o que Cornélia havia me dito, preferi não compartilhar com ele o que tinha ouvido. Não queria alarmá-lo, muito menos perder o momento em que estávamos. Era tão estranho parar para pensar que morreria logo. Ele era tão cheio de vida, divertido, carinhoso. Não me parecia justo alguém como ele partir de um jeito tão cruel.
A morte sempre me foi apresentada como algo ruim, uma doença que chega de repente, um acidente inesperado ou um simples mau súbito que condenava alguém a sono profundo e eterno. Não gostava de pensar nisso, imaginar que pessoas que conheço e amo podem, um segundo estar ali e, no outro, não existirem mais. Era algo completamente fora da minha compreensão e que me causava um certo medo.
— Tudo bem? — Assenti, indo me sentar na cama ao seu lado.
me encarou por um tempo, desconfiado. Mas logo me beijou, ainda segurando seu prato com uma das mãos. O beijei devagar, eu infelizmente não estava conseguindo aproveitar muito de suas carícias.
Minha mente estava em outro lugar. Em Juliet, que estava estranha demais. Não almoçou, simplesmente se trancou em seu quarto e, ao descer, foi toda eufórica em busca de um envelope entre os materiais escolares das mais novas.
Suspeitava que aquilo tinha a ver com o que Cornélia tinha me contado dias atrás, era por aquele motivo também que eu não tinha comentado nada com . Eu não tinha certeza de nada ainda.
— O que houve? Está estranha ultimamente. — Deixou o prato sobre a cama e segurou meu queixo, levantando meu rosto.
— Não é nada. — Menti, evitando seu olhar.
Eu deveria contar?
, você sabe que pode me contar tudo, não sabe? — Assenti mais uma vez, sem ao menos abrir minha boca. Temia que minha mania de gaguejar quando estava nervosa me denunciasse. — Porque está tão calada? É sobre Juliet, é isso? Ela conseguiu falar com alguém lá de fora? — Neguei com a cabeça.
Claro que apenas respondi a ùltima pergunta. Era a única delas que eu tinha a resposta certa. Até porque eu sabia, desde o começo, que eu não podia lhe contar tudo o que sabia. Tinha ciência de que poderia ser perigoso. Mas depois de um tempo ao seu lado, pude perceber que não havia perigo, já havia aceitado o próprio destino e que não podia fazer nada para mudá-lo.
— Responda, ! — Pegou-me pelos braços com uma certa força. Eu sabia que não era nem um terço do que ele poderia fazer se realmente quisesse me machucar, mas não pude deixar de me assustar com seu tom de voz e a ira estampada em seu rosto. Nunca o imaginei agindo daquela forma. — Se tem algo acontecendo, eu preciso saber!
— E-Está me machucando! — Gemi de dor e fui solta. Levantei-me num pulo, afastando-me daquele homem, que era um completo desconhecido para mim naquele instante.
Lágrimas escaparam de meus olhos a medida em que eu checava as pequenas marcas avermelhadas em meus bíceps. Ainda trêmula de susto, o encarei sem ao menos saber o que pensar.
— Me desculpe, . — Passou as mãos trêmulas pelo rosto, visivelmente alterado. Engoli a seco com dúvidas se deveria ao não me aproximar. — Por favor, me perdoe. Eu não queria te machucar.
Passava minhas mãos pelas marcas e aos poucos, o sangue voltou a circular e elas desapareceram. Ainda andava de um lado para o outro, tentando organizar meus pensamentos.
Ele deveria saber, é claro! Se tratava da vida dele! não deveria ter explodido daquela maneira. Mas quem iria manter a calma ao saber que estão escondendo algo que tinha a ver com sua própria morte? Era compreensível, mas não justificável. Apesar do susto, eu tinha que reconhecer que ele parecia realmente arrependido. E, também, eu não poderia enxergar sempre seu lado bom, até porque não era a primeira vez que demonstrava ser um pouco explosivo às vezes.
— T-Tudo bem, a culpa foi minha, eu devia ter te contado. — Murmurei baixinho, encarando meus próprios pés.
— Não, , a culpa é minha! Você não fez nada de errado, não mereceu o que te fiz. Me perdoe, por favor. — Meus olhos se encheram de lágrimas mais uma vez, e eu consegui enxergar em meio às lágrimas sua mão estendida.
A peguei, sendo puxada para perto, fui acolhida em seu colo, sendo abraçada por seus braços fortes. Derramei algumas lágrimas e recebi muito carinho em forma de beijos em meu pescoço e ombros. Meu coração se acalmou aos poucos, e eu já voltava a reconhecer o pelo qual me apaixonei perdidamente.
— Quer me contar o que houve? — Indagou após um pequeno período de silêncio entre nós.
— Juliet irá levar Cornélia consigo para “resolver a situação” pessoalmente. — Espiei pelo canto dos olhos, porém não demonstrou nenhuma reação. — Acho que ela enviará uma carta, já que as linhas telefônicas não funcionam por conta do mau tempo.
— Quando elas irão?
— Não faço a mínima ideia. — Encolhi meus ombros. — Por isso não queria contar, eu não sei de muita coisa.
— Tudo bem, está tudo bem. — Me beijou a bochecha e apertou-me contra si. — Muito obrigada por isso, .
A cada vez que nos aproximávamos, mais perigoso ficava. Mas era tão boa a sensação de sentir meu corpo junto ao dele, que me permiti esquecer da nossa condição. Pelo menos por um tempo, para poder aproveitar o colo do homem que eu amava.



Capítulo 13

's point of view.

— Você é tão doce. — Beijei sua nuca após afastar seus cabelos trançados. — Estou envergonhado pelo jeito que agi.
Não deixava de ser verdade. Eu nunca achei que algum dia sequer faria menção de machucar uma mulher. Aquilo não podia se repetir, nunca mais. Primeiro, por não fazer parte de meus princípios, depois, por quase estragar meus planos com .
Chegava a ser cômico eu, que estava seduzindo a pobre em busca de informações, falar sobre princípios.
Apesar de saber que era completamente errado o que eu estava fazendo, sabia também que eu era apenas seu primeiro amor. era jovem, linda, e iria passar por tantos caras na vida, que eu nem ao menos seria lembrado após alguns anos. Mexer com seus sentimentos era inofensivo para mim, já machucá-la fisicamente não, aquilo estava fora de questão.
— Já disse que está tudo bem. — Riu fraco, virando-se levemente para conseguir me encarar. — Entendo que está preocupado.
Respirei fundo ao senti-la se remexer novamente, voltando a encostar as costas em meu peito. Eu estava tentando ao máximo não ter uma ereção ao tê-la sentada em meu colo e se mexendo tanto em cima de mim. Seu bumbum estava tão próximo de minha virilha, que eu resistia fortemente a minha vontade de puxá-la mais para perto. provavelmente não fazia ideia do que estava me causando.
Tentei pensar em outras coisas, qualquer coisa que não fizesse meu amiguinho debaixo ganhar vida própria. Logo, voltei a me situar no assunto em que falávamos, e aquilo foi o bastante para me fazer perder completamente o tesão que estava sentindo.
Acho que tinha me acomodado muito com o passar dos dias. Nada de novo aconteceu naquele período. Era a mesma rotina chata de sempre, acordar, ir ao banheiro, tomar café da manhã, almoçar, tomar meus remédios, trocar curativos e encarar o teto até o jantar, ir ao banheiro mais uma vez e depois dormir.
A única coisa que me tirava daquela monotonia mórbida era . Não podia negar que ela me distraía, eu claramente tinha aquela mesma função para ela. Eu até gostava de sua companhia, era divertida, e com ela eu podia ser quem eu quisesse, porque quando eu conseguisse fugir, nunca mais a veria na vida e ela nunca teria como saber se o que eu lhe contei era verdade ou não.
Era como voltar a minha infância, contando mentiras inventadas para meus amigos de escola. Não era como se eu tivesse usado muito esse recurso na hora de fazer amigos, o simples fato de ser filho de um piloto do exército já me deu uma popularidade enorme nos meus tempos de estudante.
— Estou preocupado com meus colegas. A neve já vai começar a cair e falhei na minha missão.
Era desesperador saber que Juliet já estava adiantando seus passos no plano de me mandar diretamente para as mãos do exército Russo. Eu achei que teria mais tempo quando fiquei sabendo que os telefones já não funcionavam mais. Eu estava realmente certo, a culpa era toda minha, fui eu que me deixei descansar ao invés de conseguir pensar num jeito de sair e tentar reaver o sistema de comunicação de minha aeronave.
Juliet iria finalmente ficar fora de casa por algumas horas. Mas eu não sabia se minha perna iria me permitir sair e ir tão longe atrás de minha aeronave. Ainda mais no meio da noite, onde a escuridão reinava no local.
Encarei a menina aconchegada em meu peito e tive mais uma ideia. Infelizmente era um tiro no escuro. Mas eu tinha que tentar, afinal, era minha última tentativa de sobreviver. E mais uma vez, lá estava eu, dependendo unicamente de . Ela infelizmente era minha única chance.
— Pelo menos você tentou, . — Levou a mão até minha nuca, fazendo-me um carinho. Revirei os olhos diante daquele consolo barato. — Foi muito corajoso da sua parte se arriscar pelos seus amigos. Se arriscou tanto, que veio parar nessa situação.
— Sabe que não ligo de morrer defendendo meu país. — Foi a vez de revirar os olhos, não pude ver seu rosto, mas só pela respirada funda que deu, já conseguia imaginá-la fazer aquilo. — Não pretendo contribuir com informações, nem que eles acabem com a minha raça. — A senti estremecer e se agarrar a meus braços. — E por isso queria te pedir um grande favor.
A garota se virou bruscamente, com os olhos saltados.
— O-O que quer que eu faça?
, eu preciso que pegue a caixa preta do meu avião. — Fui direto, observando sua reação.
De início, a menina teve um pequeno delay ao assimilar o que eu lhe disse. saiu de meus braços numa velocidade impressionante, logo estava parada diante de mim, abraçando novamente o próprio corpo.
Era nítido que aquilo tinha mexido com ela. Eu só não sabia se aquela reação iria influenciar em sua decisão de me ajudar ou não.
— O que é uma caixa preta?
— É um dispositivo de registro de voz, ele grava todas as conversas feitas pelo piloto com a base. Geralmente é usado na hora de saber o que houve quando alguma aeronave cai e não há uma falha mecânica. — assentiu, porém não tive muita certeza se ela tinha entendido o que eu queria dizer. — , nela está gravado tudo o que conversei com meu pai enquanto voava até aqui. Se isso cair nas mãos dos soviéticos ou dos alemães, irá denunciar nossa localização e nossos planos de ataque.
Menti descaradamente, afinal, meu sistema de comunicação me abandonou um tempo depois de minha decolagem. Não tinha material o suficiente para ser gravado. Eu, na verdade, estava apenas trocando os nomes para induzi-la a buscar uma outra peça.
Era justamente o sistema de comunicação. O plano era tentar ligar o aparelho. Caso ele não funcionasse para me comunicar, pelo menos iria constar em nosso radar e mostrar para a base onde eu estava. Essa seria minha segunda opção, apesar de nutrir um ódio tremendo por Juliet e os russos em geral, eu nunca cometeria tamanha crueldade pintando um grande alvo numa casa cheia de crianças. Minha ideia era conseguir falar com alguém que me colocasse em contato com meu pai. Eu lhe pediria um resgate, mas sem machucar ninguém na casa.
Aquele seria meu agradecimento a por tudo o que ela tinha feito por mim.
— E-Eu não posso fazer isso, . — Sua pele clara ficou mais pálida ainda, ela parecia prestes a desmaiar. — Me perdoe, m-mas não posso! Imagine se Juliet me descobre! E-E se eu quebrar alguma coisa e não conseguir pegar essa tal caixa? E-Eu não vou conseguir, .
Suspirei alto, tentando controlar minha irritação ao vê-la surtar por algo tão simples. Pelo visto eu não tinha conquistado o bastante para deixá-la cega de amores. Teria que me empenhar em investir mais pesado nela, fazê-la praticamente rastejar aos meus pés, induzi-la a fazer o que eu queria sem ao menos hesitar.
— Ei, tudo bem, . — Lhe chamei para perto, pegando suas mãos com firmeza e a colocando sentada na cama.
Ela estava tremendo, tamanho era seu medo de pensar em fazer algo que a prejudicaria se fosse pega no flagra. Tudo bem, eu e ela estávamos juntos já faziam alguns dias, porém ela sabia o que poderia acontecer caso alguém nos pegasse aos beijos no quarto. seria vista como vítima de um homem maldoso. Eu provavelmente morreria antes do previsto por “me aproveitar” dela. Mas, mesmo assim, eu sabia reconhecer que ela realmente temia pela minha vida, pois sempre estava atenta à porta quando estávamos juntos.
— Não é sua obrigação fazer isso, e já te disse que não quero te obrigar a nada que você não queira fazer. — Beijei sua testa, tentando acalmá-la. — Eu é quem deveria ter feito isso, devia ter destruído a maldita caixa quando tive a oportunidade. — Murmurei num tom inconformado, apoiei meus cotovelos em minhas coxas e me inclinei para frente, colocando as mãos em meu rosto.
Fingir um choro não era muito difícil, principalmente quando se está realmente tenso com algo. Eu tinha que convencê-la, tinha que ter um jeito de fazê-la ir e me trazer o que eu precisava! A neve já iria cair e, ao contrário da real caixa preta, eu não sabia se o material do dispositivo aguentaria temperaturas tão baixas ou se pararia de funcionar de vez.
— Estava machucado! — Suas mãos percorreram minhas costas num rápido afago. se aproximou, tombando a cabeça em meu ombro. — A culpa não é sua, ! Você veio com a melhor das intenções.
— Não, , eu vim porque era o meu trabalho. — Desenterrei o rosto de minhas mãos e a encarei profundamente. — E eu falhei miseravelmente. Prometi defender meu país, jurei a bandeira com a promessa de alcançar vitória, me alistei quando soube dessa guerra porque queria lutar! Não acabar desse jeito. , você não imagina o quanto é vergonhoso e humilhante para mim estar aqui enquanto meus colegas estão morrendo? Saber que o inverno está cada vez mais rigoroso e que não consegui ajudá-los a achar suprimentos. Morrer nas mãos dos russos e ainda sob tortura!
Lágrimas caiam pelo meu rosto e apesar de serem puro teatro, o que eu lhe dizia era a mais pura e cruel realidade. Me sentia um puta de um covarde por estar ali, esperando para morrer, sem ao menos conseguir tomar a porra de um banho sozinho! Ter que fugir, recuar, viver sob ameaça de uma mulher portando uma simples espingarda de caça! Seduzir descaradamente uma garota de dezessete anos e depender unicamente dela naquela casa.
Era patético.
— Eu jurei proteger aquelas informações com minha própria vida. E saber que vão colocar as mãos sujas nelas e eu não vou poder impedir faz todo o meu esforço ser em vão. Irei morrer e eles irão conseguir o que querem.
— M-Me perdoe, , me perdoe por não poder te ajudar. — Suas lágrimas desciam pelo seu rosto e molhavam meu ombro. Seus soluços me despertaram de meu transe e eu a envolvi num abraço, enquanto a menina chorava em meu peito, eu pensava num jeito de intensificar meu poder sobre ela.
— Está tudo bem, . Você já tem feito tudo o que pode para me ajudar. — Segurei seu rosto vermelho com ambas as mãos e a beijei devagar.
— Mas eu queria poder fazer mais! — Dizia inconformada, fazendo-me sorrir fraco. Tudo nela era genuíno, porém ainda não parecia ser o bastante ao ponto de fazer ela se arriscar de verdade por mim. — Eu te amo e não quero que vá embora!
Prendi minha respiração ao ouvir sua última frase.
Ok, ela tinha ultrapassado todos os limites de intensidade possíveis. Chegava a ser cômico, não dá para se apaixonar por alguém tão rápido, ou dá? Na minha cabeça aquilo era impossível. parecia ter tanta certeza do que dizia, sua feição era tão triste que me vi obrigado a acreditar no que meus olhos estavam vendo pelo simples fato de me parecer genuíno. Claro que também poderia ser apenas um drama adolescente, porém eu estaria sendo um grande mentiroso se dissesse que não acreditava na veracidade dos sentimentos das menina por mim.
, você ainda não sabe o que é o amor. — Ri baixinho, secando suas lágrimas.
Nem eu, com quase vinte e quatro, sabia o que era. Imagine uma adolescente de dezessete!
— Estou aprendendo com você. — Selou nossos lábios sorrindo abertamente logo em seguida.
Se nem eu sabia o que era o amor, como então iria conseguir ensiná-la?
— Acho melhor você ir agora. — Me esquivei de ser indagado sobre amor, ou pior, se quisesse me ouvir falar que a amava.
Porém, apesar daquela deixa ser uma fuga minha, eu tinha razão em mandá-la embora. Já havíamos passado tempo demais ali, naquela conversa. E eu queria dispensá-la logo para deixá-la a sós com seus próprios pensamentos e tudo o que eu lhe disse. Quem sabe ela não mudava de ideia naquele meio tempo?


Capítulo 14 - Red dress

’s point of view.
Deixei a louça suja na pia e fui direto para o banheiro, lavei o rosto a fim de tirar aquele aspecto de que tinha chorado. Juliet logo me chamou do andar debaixo para almoçar. Eu era a última a comer durante as refeições, priorizava e só comia após sair do seu quarto. Me sentia um pouco tonta, minha cabeça estava começando a doer.
Desci as escadas de volta para a cozinha, apesar de já estar com a barriga roncando, eu queria apenas me deitar em minha cama e chorar o dia todo debaixo das cobertas. Sabia que aquele dia iria chegar, que Juliet iria conseguir falar com os soldados, mas não imaginava que seria tão rápido. A verdade era que eu estava preferindo fingir que não iria acontecer.
Se toda vez que visse começasse a chorar por medo de ser nosso último dia juntos, não aproveitaria sua companhia direito. Queria que Cornélia não tivesse me contado aquilo, estávamos tão felizes sem saber quanto tempo ainda tínhamos, era quase como se não existisse um prazo para que nos separássemos.
Não conseguia parar de pensar no que ele tinha me pedido, era loucura! Ir mexer em sua aeronave e correr o risco de ser pega. Eu não conseguia ao menos imaginar no que Juliet era capaz de fazer comigo se soubesse que eu estava ajudando e “traindo meu país”.
A única coisa que eu poderia fazer para era ficar ao seu lado, até que os homens chegassem e o levasse para longe pra sempre. Era a única coisa que estava ao meu alcance. Amar tinha sido a única coisa que tive coragem o bastante para fazer. Era uma tragédia anunciada desde o início, eu não deveria ter me entregado tanto a ele, porém não me arrependia de nenhum beijo trocado sequer.
E, se pudesse fazer tudo novamente, o beijaria ainda mais.
— Cornélia falou com você? — Juliet surgiu na cozinha enquanto eu lavava as louças que sujei em meu almoço.
Fiquei estática pensando se deveria confessar que já sabia de tudo, que a menina tinha me contado que iriam sair. Não a conhecia muito bem, mas o bastante para saber que Juliet odiava fofocas justamente por guardar tantos segredos. Quando ela compartilhava algo com alguém era tão raro que a outra pessoa deveria levar o que ouviu para o túmulo.
Ela deveria saber que não se pode confiar um segredo com uma criança de oito anos. Ainda mais uma informação tão vaga que pode ter tantas interpretações que Cornélia achou que estava tudo bem partilhar comigo.
— Decidi dar uma pausa nas aulas dela, até que ela se decida se quer continuar ou não. — Virei meu rosto para o lado, encarando-a pelo canto dos olhos.
Ah, era sobre as aulas de música. Estranhei o jeito com que ela falava. Como se nós duas compartilhássemos Cornélia como aluna. O que não era verdade, as aulas eram minhas, tinha sido eu que a havia ensinado as notas, os compassos, os tons e cada um dos significados das figuras estampadas nas partituras. Chegava a ser ridículo ela falar daquela forma.
— Falei com ela esses dias, estou tentando convencê-la a continuar. Estou dando um tempo para ela pensar.
— Enquanto ela pensa, que tal retomarmos as aulas de costura?
Me animei com a ideia, quem sabe eu conseguiria terminar o vestido que eu tinha começado e usá-lo para que o visse? Ele já tinha me dito que adorou o outro que ajudei minha mãe a fazer, imagine se ele visse o que fiz sozinha.
Estávamos correndo contra o tempo, então, teria que ficar pronto logo para que ele pudesse me ver usando-o. Desde que começamos a nos envolver, percebi que eu estava mais preocupada com minha aparência, tentava deixar meus cabelos soltos sempre que possível pois sabia que ele gostava. Também por eu ter reparado que prender meus cabelos fazia-me parecer infantil por deixar meu rosto mais redondo.
Minhas roupas eram todas muito longas, porém não podia fazer nada para mudar aquilo. Tinha vontade de usar algo mais chamativo, sem muito tecido ou mangas tão cumpridas, porém não tinha roupas daquele estilo, e o clima também não ajudava muito minha vontade de descobrir um pouco meu corpo. A cada dia que passava, mas frio ficava.
Subimos para o quarto de Juliet e reparei que não entrava ali há muito tempo. Tudo estava do mesmo jeito que da última vez, todos os perfumes e objetos pessoais em seus devidos lugares, milimetricamente posicionados. Tudo sempre estava na mais perfeita ordem, o que não era novidade para ninguém, já que ela era obsessiva por limpeza e organização.
No mesmo canto perto da janela estava ela, a máquina de costura. Era compacta, portanto não ocupava muito espaço quando fechada. Andei até lá puxando a porta do gabinete e abrindo sua tampa de cima, formando uma extensão de madeira que era usada como mesa de apoio. Juliet puxou a cadeira da penteadeira e me ofereceu para que eu me sentasse. Puxei o compartimento da máquina para cima e peguei o tecido que estávamos trabalhando para o meu vestido.
— Vai mesmo querer usar preto quando for recepcionar seus pais? — Peguei o tecido escuro nas mãos incerta, ela tinha razão, eu não vou estar de luto, muito menos triste por vê-los novamente, muito pelo contrário. — Que tal vermelho? Fica muito bem em você.
Se levantou indo até sua cômoda, enquanto fuçava nos tecidos, pude ter um vislumbre de alguns envelopes saltando para a beirada da gaveta. Não tinha estranhado aquilo, afinal, Juliet escondia muita coisa de nós. Porém quando reparei seu olhar assustado sobre mim, checando se eu tinha visto o que tinha ali, minha curiosidade se aflorou, confesso que depois de eu havia começado a gostar de brincar com o perigo.
A adrenalina correndo por minhas veias já era uma sensação quase que rotineira em meu corpo.
— Aqui está, olhe, combina muito com seu tom de pele. — Encostou o pano vermelho no dorso de minha mão. — E, além do mais, com certeza terão soldados por perto voltando para casa, o vermelho vai te destacar e chamar a atenção.
Estranhei ouvi-la falar sobre aquilo. Juliet não era a mulher mais vaidosa que eu conhecia, aliás, não me lembrava de ter convivido com alguma. Mamãe dizia que as mulheres das redondezas que se maquiavam demais eram “rouba maridos”. Nunca achei que aquela generalização fosse justa, afinal, não se pode afirmar algo de uma desconhecida. E, também, o fato de elas serem solteiras não indicava que queriam um marido, quanto mais os das outras, elas pareciam viver muito bem sozinhas.
Nunca tinha comentado com ninguém, mas eu adorava o batom de uma delas, que sempre passava em frente de casa ao anoitecer. Meu pai não gostava de me ver usando batons, brincos, sapatos de salto, nem qualquer outro acessório que me deixasse parecendo mais madura. Ele sabia bem como os homens da idade dele e até mais velhos enxergavam mulheres vaidosas demais, e com certeza não queria que me olhassem daquela forma. Como os cachorros encaravam um frango assando.
Não me agradou a ideia de usar vermelho e irritar meu pai, mas pensar no que iria dizer quando me visse vestida com aquela cor me fez decidir na mesma hora. Só não sabia com que desculpa eu iria me vestir daquele jeito apenas para levar uma refeição a ele. Afinal, a ideia inicial era fazer um vestido com minhas próprias mãos e usá-lo quando meus pais voltassem. Mas eu podia usar outro quando fosse encontrá-los.
— Eh...Juliet. — A mulher, que fazia pequenos riscos no tecido, murmurou algo, incentivando-me a continuar. — Você acha que eu posso ser sexy?
Juliet parou o que estava fazendo e me encarou surpresa. Logo depois sorriu abertamente, puxando-me pelo braço até a cama, sentando-se ao meu lado.
— Mas é claro que pode! , você está crescendo, é normal querer parecer menos… — Analisou-me fazendo meu corpo se encolher. Eu sabia bem o que ela estava querendo dizer, e estava começando a me perguntar o motivo de não estar mais gostando de ser vista daquela forma. — menina.
— E-Eu não gosto mais de ser assim.
— Está prestes a completar dezoito anos, já está na hora de começar a ser mais adulta. — Adulta, como ela, ou como , que já era um homem. O que será que ele tinha visto em uma...menina como eu?
— Como eu faço isso? — Lhe arranquei uma risada fraca.
— Não precisa ter pressa, ! Isso tem que acontecer naturalmente. — Todas a vezes que ouvia aquela história de acontecer naturalmente me sentia uma fracassada. Se era algo tão natural porque diabos eu não conseguia? — Geralmente é quando nos apaixonamos, queremos nos arrumar mais, estar sempre linda e ser sexy. — Sorriu sugestiva.
Teve um estalo e foi rapidamente até seu guarda roupas, trazendo consigo uma peça branca. Entregou-me o sutiã e me impressionei com sua beleza. Era todo revestido de uma renda delicada, tinha um pequeno laço no meio e pude sentir as famosas armações de ferro formando um bojo. Eu nunca tinha tido um daqueles, justamente por, segundo minha mãe, não ser madura o suficiente para ter um.
— Mas no seu caso, pode ser de outro jeito. — Desviei minha atenção da peça encarando-a curiosa. — Você pode, por exemplo, não precisar estar apaixonada por um garoto mas sim por você mesma. — Deu de ombros. Assenti entendendo o que ela queria dizer. Sobre não precisar querer ser notada para então querer se arrumar mais. — A não ser que esteja apaixonada.
Paralisei com sua fala e cheguei a me engasgar com minha própria saliva. Ela sabia sobre ? Se sabia então porque não fez nada a respeito? Sempre achei que Juliet era capaz de armar um escândalo caso algum dia nos descobrisse.
— Quem é o garoto? Mora perto da sua casa? — Pude deixar de soar frio assim que Juliet riu de minha reação. — Quer impressioná-lo quando vê-lo novamente, não é?
— S-Sim. É um vizinho nosso, conheço desde pequena. — Sorri nervosa. — N-Na verdade ele é mais velho, sabe.
— Os mais velhos são mais maduros, está certa. — Ponderou bem humorada. — Se bem que se tratando de homens nada é muito certo, alguns nunca amadurecem. — Riu, fazendo-me acompanha-lá.
— Ele é bem maduro. — Mordi o lábio pensando em . — Responsável, gentil. Um pouco teimoso. Mas me faz rir e é muito carinhoso. — Ri fraco. — Mas sim, eu estou apaixonada por ele.
— Da para ver nos seus olhos. — Sorri ainda mais com aquele comentário. — Qual o nome dele? — Abri a boca algumas vezes sem saber o que dizer.
Pensando bem não era algo tão difícil de se fazer, era só dizer um nome! Só isso. Estava tentando entender o motivo de meu cérebro não colaborar nem um pouco com meu raciocínio. Juliet arqueou as sobrancelhas esperando uma resposta. O nervosismo foi me tomando e eu jurava que tinha voltado a soar frio.
. — Respirei fundo pensando na merda que havia feito. — O nome dele é .


Capítulo 15 - Just let me adore you

— É um bonito nome. — Concordei com ela agradecendo aos céus por Juliet não fazer ideia de qual era o nome do soldado inimigo que abrigou em casa. Ela não fazia ideia de que ele estava bem debaixo de seu nariz. — Bom, acho que irá adorar te ver de vermelho e usando isso aqui por baixo.
— É pra mim? — Segurei o sutiã que ela tinha colocado novamente em minhas mãos.
— Sim, é um presente meu. — Deu de ombros. — Foi presente de uma amiga que soube que eu iria me casar. — Disse visivelmente nervosa, se levantou, indo até a máquina de costura.
Era algo que ela tinha usado com o marido. E eu sabia que Juliet tinha apego a qualquer lembrança que fosse do homem que amou. Não tinha ideia de como tinha sido para ela deixar que vestisse as roupas do falecido marido.
— Eu não posso aceitar, Juliet. — Lhe estendi o sutiã, encarando-a pesarosa. — É lindo, mas não posso.
— Não seja boba, já não me serve mais. — Ignorou minha mão estendida e voltou a riscar o tecido. — Além do mais, você vai precisar mais dele do que eu.
Passamos algumas horas ali, tentando decidir como seria a modelagem do vestido. Eu estava tão animada! Mal podia esperar para que me visse vestindo ele! Será que ele me acharia Sexy? Meu maior medo era parecer uma criança tentando ser sensual, afinal de contas, Juliet estava certa, eu já tinha quase dezoito anos! Estava mais do que na hora de virar uma mulher de verdade. Eu só não sabia bem como era aquele processo todo.
Fui para meu quarto e tomei um banho antes do jantar, estava me sentindo cansada, já tinha gastado toda minha energia estando eufórica com toda a questão do vestido. Ao contrário de papai, mamãe iria adorar, ela sempre me incentivou a costurar, dizia que era um negócio de família e que era um dom passado de geração para geração. Nunca dei muita importância para a costura, achava que eu talvez não tivesse recebido o tal dom, porém depois daquela tarde, eu finalmente comecei a pensar em aprender de vez e fazer roupas que vinham em minha cabeça.
Parei diante do espelho ainda nua. Eu tinha uma relação de amor e ódio com meu corpo, tudo dependia do meu humor para achá-lo bonito ou feio. Sempre soube das coisas que poderia mudar e as que teria que me acostumar nele, os meus seios pequenos com certeza eram um meio termo naquele meu parâmetro. Apesar de querer que eles fossem maiores como os das meninas da minha idade, eu gostava do fato de eles serem pequenos.
Vesti o sutiã branco vendo-o se camuflar em minha pele pálida, me encarei analisando a peça em meu corpo e o modo como a renda cobria meus mamilos e minha pele, deixando-me com um ar a mais de delicadeza. Sua cor clara evidenciou minhas pintas no colo e as poucas sardas que eu tinha nos ombros, enquanto o bojo abraçava meus seios e os juntava empinando-os, lhes dando volume e sustentação. Eu estava me sentindo linda e confiante, e eu não via a hora de me ver usando-o.
Minhas bochechas queimaram no mesmo instante que aquele pensamento pairou sobre minha cabeça. Será que eu teria coragem de deixá-lo me ver daquele jeito, praticamente nua? A confiança que senti segundos atrás se esvaiu aos poucos. Juliet tinha me dito que sim, e eu tinha que confiar nela, afinal ela tinha muito mais experiência que eu.
Tirei o sutiã guardando-o na gaveta. Eu não iria ter coragem.
Mesmo que gostasse do que visse, eu não conseguiria me despir na frente dele. E quem eu estava tentando enganar? Nós nunca teríamos a oportunidade de chegar tão longe, se beija-ló já tinha que ser tão escondido como se fosse um crime, imagine ir mais além?
Desci para o andar debaixo e encontrei Elizabeth e Juliet na cozinha, terminando de preparar o jantar. Fui até o balcão esperando que servissem a refeição de na bandeja, a mais velha colocou os talheres por último e eu me lembrei de algo.
— Juliet, muito obrigada, sabe? Por hoje. — Recebi um sorriso de lado e rumei para o quarto no fim do corredor.
Ela não era de todo o mal assim. Apesar dos últimos acontecimentos como o banho de e as aulas de Cornélia, eu me mantinha neutra em relação a ela. tinha razão em falar que não se dava para classificar homens na guerra como maus ou bons, na vida era a mesma coisa. Ninguém é cem por cento bom ou ruim, e naquela tarde eu havia visto um lado bom em Juliet.
Comecei a me perguntar qual devia ser o meu lado ruim. E o que o fazia se aflorar. Eu já havia tido algumas pequenas amostras, mas algo me dizia que nunca tinha visto nem metade do que ela era capaz.
— Pode me ajudar? — Assenti colocando a bandeja no lugar de sempre.
Puxei sua perna machucada devagar, apesar dos poucos dias que se passaram, estava se recuperando bem. Tudo se devia a sua ótima cicatrização e, claro, todo o cuidado de Juliet com os curativos e remédios. Aliás, ele mal sentia o ombro lesionado.
se arrastou pelo resto do colchão e parou sentado na beira da cama. Aquele era um ritual costumeiro, as vezes eu o ajudava a se sentar, outras ele fazia sozinho. Mas nunca tinha sido tão silencioso.
geralmente se aproveitava da minha proximidade e me roubava beijos ou mexia em meu cabelo apenas para bagunçá-lo. Porém ele não havia tentado nada, nem um sorriso sequer esboçou ao me ver entrar.
Eu sabia o motivo, não o julgava por ficar chateado. Até porque eu não estava sendo muito coerente quando nos falamos pela última vez. Dizer que ama alguém requer muitas provas, você não pode simplesmente dizer da boca para fora. E eu disse que o amava, pela primeira vez eu disse em voz alta, porém ao mesmo tempo o neguei ajuda no momento em que ele mais precisava.
— Obrigada.
Ali, parada diante dele como sempre, mas de um jeito totalmente diferente, o observei comer num completo silêncio. Queria conversar, sei lá, falar sobre qualquer assunto, sobre o clima lá fora, sobre a tarde que passei costurando, sobre meus sentimentos por ele e ouvi-lo dizer os dele por mim.
Mas mesmo com a língua coçando para falar algo e ouvir sua voz maravilhosa, preferi me calar. Se falássemos sobre o clima voltaríamos a discussão passada sobre o favor negado, se o assunto fosse nós dois, eu perguntaria o que ele realmente sentia. E eu não queria fazer aquilo. Tinha medo da resposta, mesmo sabendo que quem tomou a iniciativa de me beijar foi ele, eu temia que eu não ocupasse seu coração do mesmo jeito que preenchia o meu por completo, chegando a transbordar pelas beiradas quando me beijava e até mesmo quando me olhava.
— Não estou com fome. — Sua voz rouca parecia soar a quilômetros de distância. Apesar de ocuparmos o mesmo cômodo eu tinha aquela sensação. Estávamos tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe um do outro.
Largou o prato de comida ainda cheio sobre a bandeja. Lhe dei as costas, encarando a janela fechada como sempre, estava nervosa, como no dia em que ficamos a sós pela primeira vez. Até ontem eu podia jurar que nos conhecíamos há anos, porém a conversa que tivemos pela manhã me estremecia, porque por mais que eu soubesse seu nome e sobrenome, soubesse de seus medos e anseios, ali, calado e sério do jeito que estava, parecia um completo desconhecido para mim.
Eu esperava mais dele, mais palavras.
Tinha dito que o amava, porque ele não tinha feito o mesmo? Eu o amava de todo o meu coração, queria saber a intensidade de seus sentimentos por mim também, era como se eu estivesse completamente nua ali, na frente dele. Me despi de meus medos, segredos e desarmei todas as minhas defesas, tudo para ele, somente para ele. E ele continuava vestido com seu orgulho e tudo o que me impedia de chegar ainda mais perto.
Eu não gostava daquela sensação.
— T-Tem que comer, Juliet odeia desperdício de comida. — Cruzei meus braços tentando me proteger de algo desconhecido, talvez fosse uma tática minha para me cobrir após ter ficado tão exposta para ele.
— Como se ela precisasse de algum motivo para me odiar ainda mais. — Riu sem humor. Eu ainda encarava a janela, sem coragem o bastante para me virar e confrontá-lo. — ?
— Vai ter fome durante a noite. — Insisti. Ignorando o som da sua voz chamando meu nome.
— Você pode, por favor olhar para mim enquanto fala? — Respirei fundo segurando meu choro, que já me subia a garganta.
Neguei com a cabeça e continuei do mesmo jeito que estava. Levei um pequeno susto após, segundos depois, ter suas mãos encaixando-se nas curvas de minha cintura. Fechei os olhos finalmente liberando as lágrimas que retinha. Seu corpo se colou ao meu e de repente me dei conta de que talvez ele não precisasse de palavras para demonstrar o que sentia.
Mas, mesmo sentindo-o, eu sabia que precisava ouvi-lo falar em voz alta. Eu queria ter certeza.
— O que está acontecendo? — Beijou-me o ombro e apoiou o queixo ali, enquanto respirava devagar contra meu ouvido. Levei uma de minhas mãos até seu rosto, onde deixei uma breve carícia.
— Você me ama, ? — Soltei o que tanto queria saber, de olhos fechados fortemente, ansiosa, o esperei me responder.
Silêncio.
Me virei procurando seu olhar. O choro retornou inexorável, não pude ao menos desviar meus olhos dos de enquanto me desfazia em lágrimas.
Tão transparente que eu chegava a ficar quase invisível diante dele.
eu não… — Sua voz soava diferente, temerosa.
Minhas pernas foram, quase que inconscientemente em direção a porta. Eu não sabia se voltaria a pisar meus pés naquele quarto, de qualquer forma, estava com os dias contados naquela casa. O que só aumentava o aperto do meu coração. Saber que ele iria embora e ficaríamos daquela maneira, que eu nem ao menos sabia explicar.
Imaginava que e eu ficaríamos juntos até o dia em que viessem buscá-lo. Que eu seria seu último amor e ele meu primeiro.
— Espera! — Cambaleou por conta de sua perna machucada e foi ao chão numa expressão quase que palpável de dor.
Exclamei em plena preocupação e encarei a porta a minha frente, logo depois o fitei caído e furioso, sabia que odiava demonstrar fraqueza ou precisar de alguém que o ajudasse. Podia imaginar o que ele estava sentindo ao me ver cogitar a possibilidade de deixá-lo ali, caído e sozinho.
Até mesmo eu estava surpresa com aquela dúvida tão repentina.
A porta se abriu de repente, Juliet estava dentro do quarto numa fração de segundos, segurando sua espingarda. Assim que viu e sua situação, desatou a rir, dando-me tempo de secar meu rosto sob o olhar fulminante dele.
Um enorme sentimento de raiva se apossou de meu corpo, quando dei por mim, já ia até esperando que ela parasse de caçoar dele e resolvesse me ajudar a colocá-lo de pé. Peguei seu braço sozinha, assim que nossos olhares se encontraram, senti meus olhos lacrimejarem.
— Sei que não é a melhor hora para te dizer isso, mas não posso mentir para você, não sei o que sinto. — Coloquei mais força tentando puxá-lo para cima. Juliet ia até a porta e colocava sua espingarda encostada no batente da porta, bem longe de onde havia caído. Como se ele tivesse como ir até ali.
— O que este idiota está falando? — A mulher veio até nós, Finalmente ajudando-me.
— Besteiras. Está xingando como sempre.
— Eu disse que você não sabia o que era amor, mas eu também não sei o que é. — Após levantarmos seu corpo, apoiamos seu peso e começamos a caminhar até a cama. — Só sei que gosto muito de estar com você e que você é a garota mais linda que já conheci, — Ofeguei ao colocá-lo na cama. Juliet o encarava com a testa franzida enquanto eu segurava lágrimas e um possível sorriso.
— Se está dizendo tudo isso só para me fazer sentir melhor...
— Não, eu não estou. Estou sendo completamente sincero . Se eu não gostasse de você, acha que eu te beijaria e correria o risco de ser morto antes do prazo?
, quer me explicar o que está acontecendo? — Juliet exclamou já começando a se enfurecer por ficar de fora, apenas nos observando, alternando o olhar como numa partida de tênis.
Sentia como se ela realmente não estivesse ali, nos atrapalhando. Era a primeira vez que eu o escutava falar aquelas coisas, que eu o via expondo o que sentia. Mesmo que na pior das situações, eu estava adorando finalmente ouvi-lo dizer que estava apaixonado por mim! Eu queria sorrir, gritar, chorar de emoção. Queria beijá-lo, pular em seu colo e reafirmar que o amava.
Mas ela infelizmente ainda estava ali.
— Nada. Não está acontecendo nada. — Me afastei da cama passando as mãos pelo meu rosto, escondendo um sorriso contido entre as mãos. Céus, eu queria tanto poder me trancar num banheiro e surtar. — Ele caiu quando fui levá-lo até o banheiro e aí você chegou. — A encarei dando de ombros.
— Juliet! — Elizabeth berrou da cozinha chamando a atenção da mais velha.
— Acho que estão te chamando. — Falei, levemente alterada, atraindo um olhar estranho até mesmo de , que mesmo sem entender russo devia ter achado minha reação exagerada.
Ela encarou sentado na cama e soltou um riso cheio de segundas intenções, e nós, mais do que ninguém sabíamos quais eram as intenções dela. Viu o prato de comida pela metade e negou com a cabeça em pura reprovação.
— É incrível como esse britânico nojento é mal agradecido. — Recolheu o prato e caminhou até a porta. — Pois vai ficar sem comida novamente, sentirá falta disso aqui quando estiver faminto.
Suspirei encarando-o.
Eu avisei.
— Vamos , leve-o até o banheiro e depois junte-se a nós no jantar. Este homem é uma tremenda perda de tempo. — Assenti vendo-a sair do quarto com sua espingarda e a bandeja de comida que iria diretamente para o lixo após ter sido tocada por um britânico.
Assim que a porta se fechou, me aproximei dela a fim de ouvir seus passos firmes se afastarem corredor a fora. Quando percebi que era seguro, mordi meu lábio inferior com uma certa força, tentando, em vão, conter um sorriso que já explodia em meu rosto fazendo-me soltar um gritinho de pura animação.
Eu estava tão feliz, aquela sensação de me sentir amada era tão incrível que nem ao menos sabia como lidar com ela. Era como se eu estivesse flutuando por aí de tão leve que me sentia. Fui até a cama me jogando em seus braços e arrancando risos de , que envolveu minha cintura trazendo-me para mais perto.
— Como eu te adoro. — Peguei seu rosto com ambas as mãos olhando bem no fundo se suas esmeraldas. O beijei novamente, sendo mais uma vez puxada para seu colo. Que era o melhor lugar do mundo para se estar.
Tomei o máximo de cuidado para não esbarrar meu pé em sua perna, que após o tombo devia estar dolorida. Ficamos por um tempo daquele jeito, apenas aproveitando a companhia um do outro, trocando carícias, os beijos quentes de em meu pescoço me faziam arrepiar por completo. E não era de frio, já que a temperatura naquele quarto subia a cada vez que seus lábios rosados me tocavam a pele.
— Não fazia ideia do quão importante era para você ouvir tudo o que eu disse. — Suspirei ainda com a cabeça repousada em seu ombro.
— Eu precisava. Para me sentir segura. Quando eu falei que te amava, eu meio que esperava que você me dissesse de volta. Queria sentir o coração acelerar do mesmo jeito que o meu estava quando finalmente falei. — Peguei sua mão e a coloquei sobre meu peito, onde meu coração já se encontrava descompensado outra vez.
— Você também faz meu coração bater mais forte, . — Foi a minha vez de sentir seu peito em busca da pulsação de seu coração, que batia tão rápido como o meu. — Desculpe se te fiz ficar insegura, queria ter mais tempo para podermos nos estabilizar juntos.
— Você diz, tipo, namorar? — Sorri abertamente e recebi um aceno de cabeça de . — Eu adoraria ser sua namorada. — encolhi meus ombros arrancando um pequeno riso dele.
— Bem, você quer? — Vibrei em seu colo, sem querer, esbarrando de leve em seu machucado.
— É tudo o que eu mais quero. — sua mão invadiu meus cabelos próximos da nuca e fui convidada para um beijo incrível.
Sua língua em contanto com a minha, explorando cada canto da minha boca, o jeito como ele me segurava, firme, suas mãos grandes passando por meu corpo que já se arrepiava por inteiro. Uma delas desceu por minha coxa e adentrou meu vestido, as pontas de seus dedos provocavam pequenas descargas elétricas ao passearem por lugares jamais tocados de meu corpo.
Nunca havia me sentindo daquela maneira antes.
Arfei contra seus lindos lábios rosados estranhando aquela sensação incrivelmente gostosa que me subia pela barriga, fazendo-me perder o fôlego. Senti um líquido descendo por minha parte intima e me espantei, segurando sua mão por cima do vestido. Seu olhar veio de encontro com o meu é só ali percebi que estava suando e ofegante.
Estava curiosa para saber o que era tudo aquilo e se eu poderia sentir mais, porque o modo como meu corpo tinha reagido as mãos de me dizia que eu poderia conseguir muito mais de onde vinha aquilo. E eu queria mais.
— Desculpa, acho que me empolguei um pouco. — ergueu as mãos em sinal de rendição, encarei a que estava entre minhas pernas segundos atrás e me perguntei o que teria acontecido se eu não tivesse a impedido no meio do caminho. — Você não está acostumada a...bem, você sabe. — passou as mãos pelos cabelos, que se encontravam levemente desgrenhados.
— Não, eu não sei. — soltei uma risada infantil saindo de seu colo. Quando olhei para sua calça, vi um volume grande e me perguntei como era.
Digo, fora da calça. Como devia ser? Nunca havia visto um homem nu, e o pouco que tinha vislumbrado do corpo de podia me dizer que era lindo. Me vi tentada a perguntar como era, pedir para me mostrar. Mas com que cara lhe pediria aquilo?
Um barulho de pratos se quebrando veio da cozinha, fazendo-me dar um pulo de susto e lhe arrancar uma risada breve. Havia sido um ótimo jeito de quebrar o gelo, fora um aviso de que eu não poderia me demorar ali, afinal de contas, Juliet havia me ordenado apenas levá-lo ao banheiro, eu tinha sido convidada a me juntar a elas durante o jantar.
— Eu tenho que ir. — Murmurei cabisbaixa. me estendeu a mão e quando a peguei, ele entrelaçou nossos dedos e as levou juntas a boca, beijando o dorso com seus lábios macios. Inclinei-me beijando-o devagar, já reclamando internamente por não poder ficar mais ao seu lado. Especialmente após os últimos acontecimentos. — Vai ficar bem sem jantar? Se quiser eu posso tentar te trazer algo escondido.
— Não se preocupe tanto comigo. — Riu pelo nariz. — Vá jantar com elas e cuidado com a indigestão após comer olhando para a cara feia da Juliet. — Neguei com a cabeça sorrindo. Eu amava tanto seu jeito de ser.
— Boa noite, . — Puxei minha mão de volta, porém não fui liberta. Ele me puxou novamente selando nossos lábios em alguns selinhos rápidos.
Alguém não queria me deixar ir. Nem eu queria deixá-lo.
— Queria que pudesse passar a noite comigo. — Fiz um bico diante de seu tom manhoso. Eu também queria. Era triste ver o quanto nós nos gostávamos e ter que esconder algo tão bonito.
Saí corredor afora carregando apenas metade do meu coração, sabendo que havia deixado a outra metade com ele, que por sua vez me doou uma parte do seu. Me sentia completa. Assim que cheguei na cozinha atraí olhares, Juliet me estendeu um prato e fui colocar minha comida, pensativa. O que me confortava era saber que ninguém nunca poderia nos tirar os momentos que passamos juntos, era algo entre nós dois, uma coisa tão preciosa que deveria ser escondida do mundo a fora.


Capítulo 16 - Got drunk on you and now Im wasted

contou que voltamos com as aulas de costura? — A mais velha indagou a Cornélia, quebrando o silêncio preenchido apenas pelos barulhos dos talheres.
— É temporário, assim que quiser voltar com as aulas de música nós paramos as de costura. — Expliquei-me. A menina me olhou chateada, porém assentiu com a cabeça.
— Não será preciso escolher entre as duas , logo terá seu tempo livre de volta. — A encarei parando de mastigar o conteúdo em minha boca. Engoli a seco, nem mesmo um galão de água conseguiria fazer descer aquele nó que se formou em minha garganta.
— Está esfriando, sei que não vou ter mais galinhas para cuidar. — Limpei minha boca com o guardanapo, sorrindo falsamente.
— Acho que não é das galinhas que ela está falando. — Pelo canto do olho, vi o sorriso debochado de Elizabeth crescer enquanto ela tomava um grande gole de seu suco. Minha barriga revirou no mesmo instante.
não era o único que estava sem fome naquela casa. Eu estava pior, enojada.
— Que diferença irá fazer dar nome aos bois, todas nós sabemos que o fim de ambos é a morte, não é, Julliet? — A mulher levantou as sobrancelhas enquanto recebíamos olhares curiosos das mais novas.
— Matar só por necessidade. No fim, todos iremos nos beneficiar da mesma forma. — Franzi minha testa.
Todos quem?
— O soldado vai morrer? — Amelie indagou assustada. Pelo menos alguém naquela mesa demonstrou um pingo de empatia pelo pobre homem, e ela tinha apenas seis anos. Tínhamos muito o que aprender com as crianças.
— Isto não é assunto para ser discutido na mesa. — Juliet murmurou ao pegar o prato de Harriet, a outra gêmea igualmente perplexa, e cortar a carne para ela. — Ele iria morrer de qualquer jeito, ninguém vai a uma guerra esperando fazer um piquenique. — Desdenhou a mais velha.
Respirei fundo para não perder a cabeça diante de um absurdo daqueles. Eu, que já achava errado milhares de homens irem se matar em nome de seus respectivos países, nunca conseguiria aceitar saber que , ou qualquer outro homem, seria morto fora de combate. Era cruel não deixá-lo ao menos se defender com sua arma. Eu já pensava que a ideia de matar em guerra era absurda, fora dela então tudo só parecia bem mais cruel.
— É uma pena, ele é muito bonito. — Todos os olhares se pousaram em Elizabeth, que fazia o mesmo em seu prato, levanto um pedaço à boca e mastigando distraidamente.
— De onde você tirou isso? — Juliet indagou expressiva.
— Eu o vi! No dia em que chegou, quando vocês passaram com ele por nós. Estava todo sujo, mas era um homem bonito, não dá para negar, tem olhos lindos. — Encolheu os ombros.
Bebi praticamente todo o conteúdo que tinha em meu copo e me estiquei para apanhar a jarra, de cabeça baixa eu pedia aos céus para que meu rosto não estivesse vermelho na mesma intensidade que queimava por dentro.
— Qual a cor dos olhos dele? — Cornélia me perguntou, curiosa como sempre foi, parei subitamente, recolocando a jarra sobre a mesa.
Encarei a mais velha, esperando ver sua reação. Porque diabos ela não tinha perguntado à Juliet?
— Verdes, — Dei outro gole sobre o olhar analitico de Juliet. — e-eu acho. — Completei fingindo uma confusão. — Normais, de qualquer forma. Não há nada de especial. — Desdenhei voltando a encher a boca de comida para evitar ser questionada novamente.
Se pudesse, daria uma verdadeira palestra sobre , falaria por horas sobre como ele era lindo, como seus olhos eram incríveis, como seu beijo era inebriante. Descreveria o quanto eu adorava o toque das suas mãos e o modo como ele me fazia arrepiar com um simples olhar.
— Ele não aparenta ser velho. Quantos anos deve ter? — Suspirei ao ouvir Elizabeth insistir no assunto. O que lhe interessava a idade de ? Aliás, para que fins eram aquelas perguntas? Porque todo aquele interesse repentino nele?
— Vamos mudar de assunto? — Juliet propôs já com a voz alterada. — Não quero mais ouvir ninguém comentar desse inútil, sua existência é insignificante para nós. — Abaixei minha cabeça após ouvir aquilo, quando a levantei, senti o olhar curioso de Cornélia sobre mim. — Como está se saindo com os cálculos, Elizabeth. Tem treinado muito?
Afundei-me na cadeira e terminei de comer a pulso. Após ajudar a tirar a mesa e organizar a louça, retirei-me para meu quarto. Foi a única vez que agradeci por estar ali sozinha, nunca fui do tipo que gostava de ser solitária, porém com o passar dos dias e com toda aquela questão sobre , passei a valorizar meus momentos a sós comigo mesma. As opinioes das pessoas com que eu convivia estavam começando a me assustar.
Como o raciocínio de Elizabeth, que ao invés de temer pela vida de , apenas lamentou o fato de ele ser bonito demais para morrer.

***

Despertei de repente, com a sensação de ter ouvido passos pelo corredor. Sentei-me na cama e me estiquei afastando um pouco a grossa cortina, esperando ver que já havia amanhecido. Tinha me deitado mais cedo que o normal, meu sono nunca tinha sido fácil de se regular, tive a sensação de ter dormido uma noite inteira, e me levantei para ir beber água no andar debaixo, algo que não fazia há muito tempo.
Percebi uma pequena movimentação no quintal, esgueirei-me pela cozinha e espiei escondida pela grande janela, lá estavam elas, Juliet e Cornélia. Escapando pela madrugada, do modo como haviam combinado. Pensei em no mesmo instante, e em como eu lhe contaria o que vi, então era verdade, ela iria enviar uma carta ao exército, já que as ligações ainda estavam indisponíveis.
Avistei sobre o balcão um amontoado de frutas, peguei duas maçãs e me aventurei pelo corredor coberto pelo breu da noite. Iria deixá-las por lá, caso amanhecesse com muita fome.
? É você? — O ouvi sussurrar assim que abri a porta.
Seu quarto não estava tão escuro devido a falta de cortinas nas janelas, os riscos nas madeiras deixava vazar a pouca claridade que vinha da lua, que estava cheia naquela noite.
— Sou eu. Desci para tomar água. Sempre acordo esse horário. — Dei de ombros, sendo observada pelos seus olhos verdes. Eu estava apenas de camisolas, corei instantaneamente ao notar seu olhar em meu corpo, marcado pelo tecido fino. — Eu vim te trazer algo para comer, caso sinta fome. — Deixei as maçãs sobre a cômoda. — Te acordei?
— Não, perdi o sono. — Se remexeu sobre a cama. — Está frio aqui embaixo. — Suspirou.
— Você quer que eu busque outro cobertor? Eu…
— Não precisa se preocupar com isso, .
— Tudo bem então. — Abracei meu próprio corpo por conta do frio. Lhe dei as costas já indo em direção a porta.
. — Olhei para ele curiosa. — Eu não estava falando sério, na verdade, quero que fique aqui comigo. — Inclinei a cabeça para o lado, sem entender nada. Lhe sorri incerta e o observei afastar as cobertas deixando um espaço vago ao seu lado. deu batidinhas no colchão de uma forma cômica, fazendo-me segurar um riso. — Deite-se comigo?
Suspirei e fui lá fora, espiar o corredor para checar se estava tudo calmo. Voltei fechando a porta atrás de mim e indo até a cama. Onde aconcheguei-me com a cabeça encostada em seu ombro. puxou meu corpo mais para perto do seu, e me cobriu com a coberta.
Sempre achei que para me deitar com um homem, teríamos que antes termos nos casado. Era arcaico demais, eu sabia, mas aquela havia sido uma regra imposta por meu pai. Porém papai não estava ali, e tecnicamente, ele nunca ouviria falar de .
Ele nos ajeitou, fazendo-me virar meu corpo de lado para logo depois encaixar-se em mim, como uma peça num quebra cabeças onde não havia outro encaixe a não ser aquele. Suspirei ao senti-lo arrastar meu corpo sobre o colchão e colar nossos corpos. Logo comecei a perceber que já não estava mais com frio. Muito pelo contrário.
Senti algo em minha bunda, assustei-me e decidi afastar um pouco minhas pernas das suas. Estava curiosa, porém ainda assim era estranho, talvez porque era minha primeira vez tão perto de um homem.
— O que foi? — Sussurrou em meu ouvido.
— N-Nada.
— Então porque não chega mais perto? — Virei-me encarando seu rosto em meio à escuridão do quarto.
— P-Por que é estranho! — exclamei já sentindo meu rosto esquentar. — Eu nunca me deitei com um homem na vida, e-e eu estou sentindo o seu…
Não consegui terminar meu argumento. já ria gostoso, encostando sua cabeça em meu ombro. Eu estava tentando procurar a graça, enquanto o esperava terminar de rir de mim.
— Qual é a graça? — Cruzei os braços irritada.
— Você não gosta de senti-lo? — Abri e fechei a boca algumas vezes, sem saber o que dizer.
— Eu não sei.
— Quer sentir? — Sua voz soou próxima de meu ouvido, arrepiando meu corpo. Encolhi meus ombros ao sentir seus lábios recém molhados beijando meu pescoço. — Deveria... É tão bom.
Me limitei a mexer a cabeça concordando. Se fosse tão bom quanto seus beijos em meus lábios e pescoço, então eu estaria ansiosa para provar.
— Sente-se em meu colo. — Ordenou, fazendo-me levantar meu corpo e sair de dentro das cobertas. Encolhi-me de frio, arrancando-lhe um riso fraco. — Logo estará quente de novo.
Sentei-me sobre suas coxas e esperei mais instruções. negou com a cabeça, puxando-me pelos quadris para cima de sua virilha, onde seu membro estava, mais duro que nunca. Suspirei ao senti-lo. Continuava estranho para mim. Talvez eu apenas devesse me acostumar.
— Agora, , mova seu corpo. — Disse sentando-se na cama, ainda ajeitando-me sobre seu pau. Agarrou-me pela cintura, ditando meus movimentos. Como uma boa aluna, seguia seu ritmo, mexendo-me devagar, sentindo cada vez mais prazer. Fechei meus olhos enquanto o sentia beijar meu pescoço. — isso, esfregue-se nele. Rebola para mim, .
Uma onda de calor subiu pelo meu corpo. Aquela sensação tão prazerosa que me dava vontade de gritar para extravasar. Murmúrios escapavam de meus lábios, que já doíam tamanha a minha força ao mordê-los a fim de não fazer barulho. gemia rouco ao pé de meu ouvido, tornando tudo mais intenso.
Sua mão passeou pelo meu corpo, apertou minha coxa e começou a trilhar um caminho perigosamente calculado por sua mente suja. Senti seu toque quente adentrar pela barra de minha camisola, que na altura do campeonato já devia estar levantada, deixando-me desnuda. Eu já não me importava com aquilo, era apenas um detalhe, estava tão descontrolada que queria desesperadamente me livrar de tudo o que me vestia. Todo e qualquer tecido que estava entre nós, impedindo-me de sentir mais daquela sensação extasiante.
Seus dedos brincaram com minha calcinha já molhada, ainda superficialmente, roçava seu indicador contra minha vagina, fazendo-me revirar os olhos de tanto prazer. Gemi sem conseguir segurar.
— Shi… Não podem nos ouvir. — Murmurou próximo de meu rosto. Ele sorria malicioso, sabia da minha vontade de gritar e achava graça por eu não puder fazê-lo.
Parou de me torturar finalmente invadindo minha calcinha e dedilhando minha intimidade. Era bom! Melhor do que qualquer coisa que eu havia provado, muito mais delicioso que comer minha comida favorita. Eu queria que aquilo que estava sentindo, aquele fogo que havia se apossado de meu corpo, aquela onde de prazer crescente durasse para sempre.
— Você gostou disso? — Sussurrou contra meus lábios. Respondi gemendo devagar, já sentindo meu corpo entrar num grande e delicioso colapso.
colou sua boca na minha, abafando os barulhos que eu fazia. Sua mão continuava dentro de minha calcinha, movendo-se cada vez mais rápido. Eu estava a ponto de enlouquecer enquanto ele apenas me observava com um ar de satisfação. Ao atingir o ponto alto do prazer, desfaleci por um segundo, caindo cansada sobre seu corpo. Ainda ofegante, levantei meu rosto olhando-o nos olhos.
— O-Obrigada. — Disse com a voz fraca, arrancando-lhe mais uma de suas risadas. Sorri tampando sua boca, tentando abafar aquele som maravilhoso. — o que foi dessa vez?
— As pessoas geralmente não agradecem quando as fazem gozar. — Me remexi sobre ele sentindo minha calcinha encharcada. — Geralmente elas apenas retribuem.
Na minha cabeça fazia todo o sentido do mundo dizer obrigada a pessoa que te proporciona um prazer tão intenso daqueles. Porém estava certo, nada melhor do que fazê-lo sentir o mesmo.
Desconstei-me de seu tronco e voltei a me sentar em suas coxas, acariciou minhas pernas, apenas observando-me. Passei a mão por cima de sua calça, contornado seu volume, ele gemeu baixinho, atraindo minha atenção. Apesar de querer muito retribuir, eu não sabia por onde começar.
— Quer vê-lo? — assenti mordendo meu lábio sem graça.
se sentou puxando sua calça de moletom para baixo, revelando uma cueca preta simples. Abaixou o tecido e seu membro pulou para fora ereto, molhado e cheio de veias aparentes. Olhei fixamente por mais tempo que deveria, tamanha era minha curiosidade. se tocou diante de mim, segurando o próprio membro e me encarando enquanto movimentava a mão.
— Pode tocar se quiser. — lhe dei minha mão e ele envolveu seu pênis quente com ela.
Eu estava boquiaberta, era grande, pulsava entre meus dedos. me deixou masturbando-o sozinha, enquanto gemia rouco próximo do meu ouvido. Beijava meu pescoço, sua mão desceu pela minha nuca, em direção aos meus seios, onde ele os apertou e em seguida apalpou o tecido da camisola, procurando os dois botões que tinham.
Os abriu com maestria, relevando meus mamilos rijos e rosados. Seu toque gélido me arrancou um gemido longo de prazer, quase perdi o ritmo de minha mão quando sua língua contornou meu seio e logo depois o abocanhou fazendo-me delirar de prazer.
Sua mão guiou a minha novamente, acelerando o ritmo a medida em que seu rosto ganhava uma coloração mais avermelhada e os músculos de seu abdômen, parcialmente exposto pela blusa levantada, começaram a tensionar. Logo apertou minha coxa com força, atingindo o ápice e sujando minha camisola.
Era tão excitante saber do poder que minha mão tinha sobre ele. Lhe dar prazer, receber prazer. Aquela havia sido uma noite muito especial para mim. E eu sentia que o amava mais do que nunca.
Nos limpamos e eu tive que partir para o meu quarto, afinal logo Juliet estaria de volta junto de Cornélia. Joguei meu corpo contra o colchão após trocar de pijamas, estava estranhamente cansada, sonolenta, mas ainda podia sentir as ondas de prazer tomando conta de meu corpo. Fechei os olhos e me permiti sonhar com a noite que havia acabado de acontecer.


Capítulo 17 - Our little secret

Acordei na manhã seguinte ainda com muito sono, afinal, não costumava ficar tanto tempo acordada de madrugada. Tomei um banho, relembrei da noite que havia passado com e pensei em como tudo estava prestes a se acabar. Mas por incrível que pareça não consegui ficar triste, pelo contrário, estava feliz por poder ter lembranças boas ao lado dele.
Sempre que me lembrasse da primeira vez que fui tocada daquele jeito iria me lembrar de , e aquela memória eu iria levar para sempre em meu coração.
Vesti minhas galochas já encontrando as outras na cozinha, inclusive Cornélia, que praticamente dormia em cima da mesa.
A fina camada de neve já cobria boa parte da vegetação em volta da casa. Após recolher os ovos sentei-me no banquinho velho que havia ali. Era um adeus às minhas amigas galinhas, afinal de contas, elas iriam para a panela naquele dia.
Espiei de longe a casa e vi que não havia ninguém na janela. Levantei-me e fui avançando em direção a aeronave sucateada de e com as mãos mesmo tirei a neve de cima. Suspirei instantaneamente. Será que a tal caixa preta ainda funcionaria após tanto tempo ali, debaixo de chuva e, agora, neve?
Com dificuldades subi em cima, encontrando a parte do painel destruído. Meu medo era cair e me machucar. Não saberia explicar o que estava fazendo ali caso precisasse de ajuda. havia dito que era uma espécie de aparelho de som. Encontrei uma peça envolta por finos fios vermelhos, azuis e amarelos. Sua tampa parecia-se muito com um auto-falante. Com medo de ser pega, decidi tentar a sorte e levar aquela peça mesmo para .
Prometi para mim mesma que caso não fosse o que ele precisava eu não voltaria a me arriscar daquele jeito. Puxei com força rompendo alguns dos fios, quando já estava quase conseguindo extrair o objeto, notei o quão pesado era, usei todas as minhas forças e finalmente consegui tirar a caixa preta.
Tirei os ovos do cesto e a coloquei por baixo, cobrindo com um pano. Eu infelizmente não havia planejado como levaria aquilo para dentro, suava frio ao fazer meu caminho inverso até a casa carregando aquele peso todo.
— Bom dia, . — Juliet descia as escadas já vestindo suas luvas amarelas e seu avental sujo. — Vamos, Elizabeth.
Engoli a seco ao observá-las pegar duas facas grandes e saírem porta a fora, em direção ao galinheiro.
As gêmeas e Cornélia já tomavam café da manhã, por isso assim que cruzei a porta, subi para meu quarto levando a cesta junto de mim, tentando ao máximo passar despercebida. Coloquei o aparelho de debaixo de minha cama e desci rapidamente para colocar os ovos na cozinha. Ainda com as mãos molhadas de puro suor por conta de meu nervosismo, apoiei-me sobre a pia a fim de normalizar minha respiração.
— Porque levou a cesta lá para cima? — Me virei encarando-a espantada, mas ao que parecia, a menina apenas estava curiosa, e não desconfiada.
— Estava apertada para ir ao banheiro. Não tive tempo de parar. — Respondi Cornélia, Amelie e Harriet gargalhavam achando a maior graça na minha desculpa. — Onde está o café da manhã dele?
— Juliet está ocupada, acho que esqueceu. — Assenti com a cabeça e fui eu mesma preparar a bandeja de .
Estava com o coração quase saindo pela boca, desde a noite anterior, era como se estivesse num sonho frenético. Tudo o que havia acontecido naquela cama, e o que tinha acabado de fazer do lado de fora, era muita carga de adrenalina para um corpo só. Apesar dos pesares, não poderia negar que aquela energia estava me fazendo bem, já estava entediada de apenas me sentar e esperar meus pais retornarem para me resgatar.
— O que está fazendo? — Deixei a xícara de café a olhando confusa. Não era nítido? Não iria deixá-lo com fome só porque Juliet estava ocupada. Além do mais, eu estava ansiosa para vê-lo. — Juliet disse que não era para entrar lá sem que ela saiba.
— Ela não está aqui, se voltar e não me ver aqui vai deduzir que eu levei o café para ele, como faço todas as manhãs. Não preciso pedir permissão para fazer o que já me foi mandado. — Peguei a bandeja e segui rumo ao quarto de .
Não quis soar rude, mas ao mesmo tempo não pude evitar. Cornélia estava estranha naquela manhã, agindo como se fosse Elizabeth, implicando comigo e sendo irritante igual a menina mais velha. Acho que a convivência as deixou parecidas, e eu não gostava nem um pouco da pessoa que ela parecia que estava se tornando. Cornélia sempre foi doce e esperta, e eu achava que nada poderia mudá-la.
— Bom dia. — Cantarolei após fechar a porta, lá estava ele, deitado preguiçosamente sorrindo para mim com aquela carinha amassada de quem dormiu gostoso durante a noite.
Me livrei da bandeja deixando-a no lugar de sempre e me sentei na cama, recebendo beijos na nuca e no rosto. Ri baixinho encolhendo meus ombros, sua pele estava quente por conta das cobertas que estava debaixo, estiquei o braço para trás passando a mão em seus cabelos bagunçados. Como eu o amava.
— Bom dia, linda. — Sorri ainda mais.
Lembrei-me que tinha algo para lhe contar, muita coisa, alias. Minha animação crescia ao imaginar a gratidão que teria por mim quando descobrisse que eu tinha decidido ajudá-lo. Mas primeiro, tinha que ajudá-lo a chegar até o banheiro.
A assim o fiz, quando terminou tudo o que tinha para fazer ali, abriu a porta e veio se apoiando no batente. Fiz menção de pegar seu braço para ajudar em seu caminho até a cama, porém fui negada e o observei apreensiva a dar os primeiros passos sozinho.
— Está muito longe da parede, se perder o equilíbrio não terá onde se apoiar. — Me aproximei.
— Está tudo bem, , eu consigo. — Teimoso, continuou indo devagar, quando enfim conseguiu chegar até a cama, olhou para trás lançando-me um sorriso faceiro, arrancando-me uma risada. — Não disse que conseguiria? Eu consigo tudo o que quero. — Piscou sugestivo em minha direção fazendo-me arquear a sobrancelha.
— Consegue, é? — Cruzei os braços e estreitei os olhos, ele apenas me sorriu carregado de malícia assentindo com a cabeça.
— Consegui te conquistar, — Sentou-se com cuidado sobre o colchão. — consegui te fazer gozar...
— Cala a boca! — Exclamei já vermelha como um pimentão, cobri meu rosto com as mãos e ouvi sua risada baixa. — Seu convencido. — Selei nossos lábios e fui pegar seu café da manhã.
Assim que pegou a bandeja, se inclinou para frente a fim de me beijar novamente. A porta foi aberta revelando Juliet. Sorte que a bandeja já estava nas mãos de , porque eu faria questão de nos denunciar derrubando tudo no chão ou até mesmo com minha mão trêmula. Seu olhar veio de encontro ao meu e me transmitiu calma, já que naquele momento eu deveria estar até pálida pelo medo de ela ter visto algo.
— Está tudo bem? — Vire-me e me limitei em apenas acenar com a cabeça, suspeitava que minha voz não seria tão convincente caso eu decidisse falar. — Cornélia me chamou, achei que tinha algo de errado. Não importa, você pode vir me ajudar com as galinhas? Depois venho recolher a bandeja deste ser. Vou dar um banho nele outra vez. — Seu rosto se retorceu numa fria expressão de desgosto.
Olhei para , depois para ela. Suas luvas amarelas e seu avental sujos de sangue, engoli a seco e deixei o quarto sem fazer mais contato visual com ele, já que Juliet nos observava. E eu sabia muito bem como a mulher com quem convivi nos últimos meses era, Juliet pegava olhares no ar e os interpretava conforme sua mente maldosa funcionava.
Fui para a cozinha com ela e avistei Elizabeth e as mais novas na sala, fazendo algumas tarefas escolares. Encarei Cornélia por um instante, a menina retribuiu o olhar mas logo retornou sua atenção ao próprio caderno. Eu queria entender porque ela estava fazendo aquilo. Fazendo birra, me dedurando, como se eu tivesse feito algo errado.
Iria tentar conversar com ela mais tarde, afinal, eu ainda queria saber onde Juliet e ela tinham ido durante a noite. Eu imaginava que Juliet tinha enviado uma carta, porém ainda restavam algumas informações, só sabendo como a carta seria entregue é que saberíamos quanto tempo ficaria ali comigo, e claro, vivo.
Passei a manhã ajudando a mais velha a depenar as pobres galinhas que, horas antes, eu tinha visto vivas e as quais alimentei durante toda minha estadia ali. Sentia-me mal, cogitei até a idéia de nunca mais comer frango na vida.
Meus pais não criavam nenhum animal, Bruce, o cachorro de rua, foi um milagre já que tive que insistir muito para que eles o aceitassem e colocássemos ele para dentro de casa. Os Jakov, que moravam no fim da rua, tinham em seu terreno grande algumas galinhas, sempre que alguma fugia eu ia até a janela espiar aquela correria atrás do animal. Era engraçado vê-los correr e correr até que conseguissem apanhar as galinhas fujonas.
Nunca tinha visto o abate delas, aquele era o momento de fechar as janelas e de não passar olhando nos vãos do cercado da propriedade deles, o barulho que as coitadas faziam era perturbador. Não vi Juliet matando as galinhas, Elizabeth ajudou pois seu pai também criava alguns animais, porém na hora do preparo a menina resolveu se abster. E eu entendia bem o motivo.
Era nojento. E eu desejava estar em qualquer lugar menos ali.
— Prontinho. — Fechou a porta do congelador enquanto se livrava do avental. Encarei minhas roupas sujas e a bagunça feita na cozinha. — Ora, não fique assim, , elas iriam morrer de qualquer maneira! A neve já está caindo, olhe. — Puxou-me pelo braço até a janela, onde pelo vidro víamos pequenos flocos de neve caindo aos poucos.
— Está nevando! — Harriet berrou de um jeito engraçado fazendo todas nós rir.
— Podemos ir lá fora? — Amelie correu até a cozinha, ignorando completamente toda as partes descartáveis das galinhas jogadas na pia. — Por favor, por favorzinho!
— Se agasalhem primeiro. — Quase não a deixando terminar de falar, as três meninas voaram escada a cima, sendo seguidas por Elizabeth, que já não tinha mais idade para se animar com a neve. — Se quiser ir também, vá. Só limpe essa bagunça antes, por favor.
Segurei minha língua para não me oferecer para ajudá-la a dar banho em . Ri do meu pensamento vendo-a subir também, provavelmente em direção a seu quarto. Diferente da primeira vez, não me importei com ela vendo-o nu. Depois da noite passada, percebi que estávamos mais juntos do que nunca. E nem ela, nem ninguém poderia ficar entre nós.
Fiquei por um bom tempo ali, lavando a pia e juntando toda aquela nojeira em sacos pretos. Naquele meio tempo Juliet desceu e foi dar banho em e as crianças se cansaram de brincar na neve e entraram. Amarrei o último saco e lavei minhas mãos pensando que talvez devesse tomar um banho mesmo. Estava me sentindo suja e só o detergente parecia não limpar.
Antes de subir, me aventurei a sair, sem agasalho mesmo, apenas o vestido de mangas compridas que usava. Iria entrar logo e tomar um banho quente.
Admirei o céu limpo e incrivelmente claro acima de mim, um pedaço de neve pousou em meu nariz, provocando-me um espirro. Eu não estaria vendo problemas no tempo se não tivesse entrado naquela casa, mas após ouvir tudo o que ele tinha a dizer, só conseguia pensar nos soldados britânicos enfrentando o inverno russo. Meu coração se apertava com o pensamento de que poderia estar por aí, morto por hipotermia, entre as pilhas de corpos.
Às vezes se colocar no lugar dos outros não é tão eficaz quanto imaginar alguém que amamos no lugar de quem está sofrendo.
— Não pode vir pra fora sem uma agasalho, vai pegar um resfriado. — Dei um pulo de susto ao ouvir uma voz, tão de repente, soar em meio ao silêncio que estava nos minutos em que fiquei fora.
— Vai chamar Juliet? — Não me virei para encará-la, apenas ouvi seus passos se aproximando.
— Só estou preocupada com você. — Um casaco foi estendido em minha direção, continuei com minhas mãos em meus braços, abraçando e aquecendo meu próprio corpo.
— Não preciso da sua preocupação. Já sou bem grandinha, sou eu que tem que cuidar de você, não o contrário.
— Você não tem cuidado de mim. Passa o tempo todo com aquele soldado, disse que iria arranjar tempo para me ensinar música mas voltou a ter aula de costura com Juliet.
— Você estar com ciúmes não te dá o direito de me dedurar para Juliet. Eu não fiz nada de errado.
— Ela disse que eu te dedurei? — Respirei fundo, olhando-a pelo canto do olho. — Eu pedi para ela não falar nada. — Praguejou baixinho. — Eu pensei que, quem sabe se ela te proibisse de ir lá, você passaria mais tempo comigo. — Baixou a cabeça apertando o casaco entre os braços.
— Não tem motivo para ter ciúme dele, Cornélia. Ele já está indo embora! É temporário. — A encarei, vendo-a secar lágrimas. — E, além do mais, eu nem gosto dele! É um sacrifício enorme ter que cuidar daquele homem. — Revirei os olhos teatralmente e depois conferi em seu rosto se tinha convencido a menina.
— Fiquei feliz quando soube que ele iria embora mas não sabia que ele iria morrer. — Lembre-me do jantar e mordi o lábio com raiva, a culpa era minha em ter exposto a situação para as meninas. Elas eram muito novas para entender aquele assunto.
— Eu não gosto dele, mas também não queria que ele morresse. — Cruzei os braços emburrada. Após um suspiro falso, lembrei-me do que tinha que perguntar a ela. — Eu vi vocês saindo ontem, pelo visto será mais rápido que a gente imagina.
— Achei que estavam todas dormindo. — Deu de ombros. — , você sabia que Juliet tem um amigo que mora aqui perto? — Neguei com a cabeça. Que eu saiba, a região havia sido toda evacuada, a casa de Juliet só havia sido poupada por estar mais distante e escondida em meio a vegetação. — Nós fomos lá ontem, o carro dela é bem legal.
Ri fraco. O Fiat 500 de Juliet era realmente uma graça, era pequeno, não cabia muita gente dentro e tinha algumas manchas e amassados em sua traseira estreita. Ficava estacionado na parte detrás da casa, coberto por uma lona grossa.
— Você falou desse amigo dela, quem é ele?
— Não sei, ela o chamou de Feldwebel* — Franzi a testa confusa. Nunca havia ouvido nada parecido, aquilo não soava russo, não parecia sequer uma palavra. — lhe entregou uma carta.
— Este homem, ele mora muito perto daqui?
Comecei a ficar ansiosa repentinamente. Meu coração batia rápido, imaginei o que teria acontecido a caso tivesse dado o azar de ter caído próximo a casa desse desconhecido.
Eu não o teria conhecido, era tão estranho pensar naquilo, eu já não imaginava como seria minha vida se não tivesse cruzado meu caminho, provavelmente estaria deprimida como sempre. A passagem de deixaria marcas que eu guardaria para sempre, ele me ensinou tanto que pensar que eu poderia não o ter conhecido fazia meu coração se apertar.
— Não é perto, — Esforçou-se para lembrar. — me lembro de ter dormido no carro, e quando acordei ainda estávamos indo. — Revirou os olhos. — Foi um tédio só, a única coisa que compensou foi a mulher dele, que me encheu de biscoitos e até trançou meu cabelo! Ela era muito carente! Ficava me abraçando, me colocou sentada em seu colo. — Ri daquela bizarrice. — Eu já sou grande, não tenho mais idade para ficar no colo de ninguém!
— Ela trançou melhor do que eu? — Cruzei os braços suprimindo um sorriso para a garota, que riu e negou veemente com a cabeça. — Bom mesmo mocinha. — Sorri, sentindo falta de pentear seus cabelos rebeldes. — Vem, vamos entrar, está muito frio aqui fora.
Cornélia me estendeu a mão e não pude deixar de compará-la a . Sempre que os dois precisassem de mim teriam meu apoio e ajuda, eles eram minhas pessoas favoritas daquela casa.
— Cornélia, espere… — a segurei perto da porta antes de abrirmos. — você pode, por favor, não falar para Juliet que me contou tudo isso?
, não era nem para eu ter te falado! — Sorriu faceira. — Vai ser nosso segredo, sua boba. — Me beijou a bochecha e entrou, deixando-me triste para trás.
Eu adoraria compartilhar meu segredo com ela também, não queria mais mentir para minha melhor amiga sobre os meus sentimentos em relação a . Mas sabia que era impossível contar tudo o que tínhamos, já era arriscado demais para nós dois.
Talvez, quem sabe, quando ele for embora? Assim vou ter um ombro para chorar quando meu coração for quebrado. Contar o que vivi ao lado daquele homem de certa forma irá me consolar, vai ser como reviver tudo outra vez.

*Feldwebel: É uma patente militar criada na Alemanha (adotada por países como a Suiça, Finlândia, Suécia e Estónia.) é o posto mais alto da classe de sargentos no exército e na força aérea da Alemanha.


Capítulo 17 - Our little secret

O horário do almoço já tinha chegado, apesar de achar uma perda de tempo, Juliet me pediu para que levasse o almoço do soldado antes do meu, o que não me importava, afinal o que eu mais queria era ficar com ele. E quanto mais cedo melhor.
— Boa tarde, o senhor pediu comida? — Quando me viu, se sentou e eu pude perceber algo diferente nele. — Cortou o cabelo, foi?
Estava lindo, como sempre foi. Mas confesso que ficou ainda melhor com os fios mais curtos. Evidenciou sua mandíbula marcada e deixou seu rosto maravilhoso em evidência.
— Ela resolveu brincar de barbeiro e fez o serviço completo. — Murmurou mau humorado e virou o rosto, revelando um pequeno curativo na bochecha. — Achei que ela iria cortar minha garganta com aquela navalha. — Não consegui segurar e soltei uma gargalhada, tampando minha boca para abafar o som. — Fica rindo aí, aquela mulher é louca!
Exagerado.
— Oh, meu Deus. — Fui até ele pegando em seu rosto e beijei o curativo com cuidado, logo desci meus lábios para os seus e aprofundei o beijo. Seus braços contornaram minha cintura trazendo-me mais para perto. — Acho que ela cortou seu cabelo torto.
Ri puxando os fios castanhos para cima e medindo com meus dedos.
— Eu só não sei se ela é um desastre ou se fez de propósito. — Beijei o topo de sua cabeça e me sentei ao seu lado.
— Já sei a resposta, acredite, esse corte não foi um acidente. — já pegava sua comida, enquanto eu me perguntava como começar o que tinha para falar a ele. — Está tudo bem? Está séria. — Pegou meu queixo fazendo-me sorrir.
— Tenho duas noticias para te dar, você quer a boa ou a ruim primeiro?
— A ruim é eu estar aqui, me fale a boa. — Meu sorriso desapareceu e me remexi sem graça sobre a cama. — A boa, é claro, é ter você aqui comigo. — Completou todo galanteador, inclinando-se com um bico de beijo.
— Muito engraçadinho. — Desviei de seus lábios o empurrando pelos ombros. — Juliet saiu ontem.
— Como? — Engasgou-se com a comida e largou o prato de lado. — Você a viu?
— Quando desci para tomar água, na hora vim para cá — Meu rosto esquentou de vergonha — eu as flagrei saindo escondidas. Ela levou a Cornélia junto.
— Ainda não entendi o motivo de ela ter levado a menina. — Comentou pensativo.
Eu não tinha me perguntado isso…
— Não sei, agora que você falou...É realmente estranho. Cornélia me disse que havia um homem e sua esposa, e que ela a tinha enchido de biscoitos e que tinha lhe feito uma trança. Ela me disse que a mulher era carente...Será que eles não têm filhos e Juliet a levou para agradar a mulher?
— Esse homem, quem é? — Ignorou toda a minha teoria e apenas focou na parte que o interessou. Do mesmo jeito que minha mãe reclamava do meu pai. Homens.
— Não sei, Cornélia disse que ela o chamou de Feld...Feldw
— Feldwebel — Ao que parece, eu era a única que não sabia pronunciar aquela maldita palavra. — É um sargento. — Respirou fundo e percebeu na minha cara a confusão estampada. — É alemão. — Mexi a cabeça sinalizando que havia entendido. — Então elas foram na casa de um sargento alemão.
— Entregaram a carta a ele.
— Então provavelmente é ele quem irá entregar aos russos.
A Alemanha e a União Soviética estavam sob o benefício do pacto de não agressão Germano-Soviético, que foi assinado no começo da guerra e consistia não apenas no que o próprio nome já dizia, mas também numa aliança durante os combates e divisão de territórios. O tal sargento devia ter contato direto com Clint, o amigo e enfermeiro russo de Juliet ou com qualquer homem de patente alta soviética.
— Então tenho tempo até que ele vá até os russos e entregue a tal carta. — Com a mão no queixo sussurrou pensativo.
— Tenho?
— Temos. — Pegou minhas mãos e pude sentir o suor entre seus dedos. — Temos algum tempo juntos. — Assenti animada.
— Ele vai precisar ir até eles, e depois eles vão ter que vir buscá-lo! Essa casa é tão afastada que acho que temos mais uns três ou quatro dias! — Eu não sabia o motivo de estar comemorando aquilo. Mas eu estava. me sorriu animado, pegou meu rosto e me beijou energicamente.
— Agora que já me deixou a par das notícias, vou voltar para o meu jantar delicioso. — Fiz careta ao vê-lo pegar a sopa de galinha. Eu provavelmente não jantaria aquilo.
— E quem disse que eu terminei de dar as notícias? — Coloquei as mãos na cintura e me encarou curioso ao levar mais uma colherada à boca. — Ainda não falei qual é a boa notícia. — Foquei meus olhos somente em seu rosto, eu precisava ver sua expressão quando lhe contasse que eu fiz o que ele me pediu e que era tão importante para ele. — Eu peguei sua caixa preta. — Falei baixinho e vi seu semblante se iluminar.
— O que! O-Onde está? — Sorriu abertamente, largando a sopa para o lado novamente e segurando meus braços animado. — Meu Deus, !
— Está no meu quarto, não consegui te trazer durante o dia sem ser pega… — Seu sorriso só aumentava a medida em que eu falava.
Fui interrompida por um abraço apertado, quase me esmagando, me prendeu praticamente dentro de si. Quando eu já estava quase sufocando de tanto rir fui liberta.
— Você não existe! — Seus olhos brilhavam de um jeito que nunca vi em nenhum outro ser humano. Era lindo! Me senti muito bem em saber que era a responsável por aquilo. — Você é incrível! Inacreditável! — Me beijou novamente enquanto eu ainda tentava lidar com toda aquela felicidade frenética.
— Vou te trazer mais tarde, quando todas dormirem. — apenas assentiu voltando a beijar meu pescoço. — Agora coma sua sopa, vai esfriar. — Me separei dele, ainda envergonhada com todo aquele alvoroço.
's point of view.
… — Pensei escutar meu nome e me remexi sobre a cama, ainda estava dormindo, porém não tão profundamente quanto antes de ouvir aquele som. Parecia um sonho, a voz vinha cada vez de mais perto. — .
Assustei-me com um par de mãos me tocando e ao abrir os olhos dei de cara com a menina parada em frente à cama. Cocei os olhos sentando-me ainda tentando assimilar o que estava acontecendo.
— Desculpa ter te acordado, é que é a única hora que eu posso deixar isso aqui. — apontou para baixo atraindo minha curiosidade. — Só tem um pequeno probleminha...eu não sei se eu trouxe a caixa certa.
Inclinei-me para ver o que era e vi apenas um amontoado de lençóis no chão. Franzi a testa me perguntando se havia entendido errado quando lhe pedi a “caixa preta” da aeronave.
Puxei o lençol colocando-o em meu colo, assim que desamarrei o nó que ela havia feito, uma enorme onda de alívio se apossou do meu corpo. Estava ali, o equipamento de som da aeronave. Olhei para a garota apreensiva a minha frente sem reação alguma. Eu estava pasmo .
— O-O que foi? Está errado, né? Me desculpa ! Eu achei que tinh…
— Não! Não! Shi… — coloquei o dedo em sua boca aproximando nossos rostos. — é exatamente isso! , como você é inteligente! Eu nem ao menos te expliquei como achar e você foi lá e me trouxe o certo. — beijei seus lábios finos e assisti seu rosto ficar vermelho.
— Sorte de principiante. — encolheu os ombros.
— Sorte foi a minha de ter te encontrado aqui. — Coloquei uma mecha de seu cabelo para trás de sua orelha.
Eu estava sem palavras. Não conseguia mais imaginar o que falar para demonstrar minha gratidão por tudo o que tinha feito por mim, principalmente naquele dia. Ela descobriu todo o plano de Juliet e ainda por cima recuperou o equipamento que eu precisava para me comunicar com a base britânica.
estava se saindo uma ótima parceira de fuga. Só não sabia disso, e nem iria saber. Infelizmente eu não achava seguro contar o plano todo para ela, não sabia se ela seria capaz de fazer algo para que eu ficasse, ou se sentiria usada. O que de fato ela foi.
Tudo o que me restava era fazê-la se sentir amada enquanto ainda estivesse ali, afinal de contas eu devia muito a ela, porém não estava no meu alcance dar tudo o que merecia. E ela merecia o mundo.
— Você é incrível, ... — Fez uma pequena pausa — qual é o seu sobrenome?
— Hum… ? — gargalhei contendo minha risada. — .
— Você é incrível, . Falei certo? — franzi a testa confuso. Russo não era minha especialidade linguística, na verdade eu só falava o bom e velho inglês britânico e sabia apenas uma frase em francês.
— Não, — riu contra minha boca. — mas é bonitinho ver você tentando falar. — lhe cutuquei a cintura fazendo-a rir.
— A senhorita está merecendo até um prêmio… — Selei nossos lábios.
— E o que seria esse prêmio?
— Deite-se para recebê-lo. — afastei o precioso equipamento que literalmente salvaria a minha vida dali, colocando-o de volta no chão.
Me preparei para dar atenção na pessoa que estava salvando a minha vida naquele momento.
me encarava com um sorriso divertido, parecia até uma criança feliz da vida com o presente de Natal. Aquele pensamento me fez inclinar-me e beija-lá devagar, com delicadeza, como tudo deveria ser feito por se tratar de mais uma de suas primeiras vezes.
Meu autocontrole já beirava o impossível visto que ontem eu a tive sentada, rebolando no meu colo completamente entregue a mim e mesmo assim não fiz nada que pudesse assustá-la. E quando falávamos de , qualquer coisa considerada normal para mim poderia assustar a menina.
Desabotoei sua blusa do pijama um tanto infantil azul bebê, a cada botão livre um beijo molhado era depositado em sua pele pálida. Assim que terminei, subi meus lábios de volta a seu rosto numa trilha de beijos até chegar em sua boca, que mordisquei enquanto lhe arrancava a blusa.
Ela sorriu tímida assim que parei para admirar seus seios pequenos completamente libertos de qualquer tecido. Não era como se eu já não os tivesse visto, tocado, beijado, mas mesmo assim eu os encarava com fascínio. Levei um deles a boca ao mesmo tempo que brincava com o outro, já sentindo seu mamilo rosa rijo de excitação.
Abandonei meus queridinhos para ir direto ao ponto, voltei a beijar seu corpo quente, descendo para sua barriga, que a aquela altura já denunciava sua respiração descompensada.
Me posicionei entre suas pernas e puxei sua calça, deslizando por suas coxas. Deixei outro beijo em seu ventre, daquela vez bem abaixo do umbigo. Vi que ficou tensa a partir dali, o que me arrancou uma pequena risada, tirei sua calcinha e seus olhos pareciam dobrar de tamanho de tanto que ela os arregalava.
— Gosta de massagem, senhorita ? — forcei um sotaque russo ridículo, mas que a fez suavizar a expressão e esboçar um sorriso. — Relaxe, você está em ótimas mãos. — deslizei meus dedos por toda parte interna de suas coxas, arrancando um gemido baixinho da menina.
Continuei meus movimentos, devagar, enquanto era observado por seus olhos azuis curiosos. Contemplava aquele corpo delicado, nu, na minha frente, somente eu a tinha visto daquela maneira. Saber daquilo fazia-me sentir coisas que nem eu mesmo sabia explicar, a única coisa que eu sabia era que eu gostava da sensação de ser o primeiro a tocar em algo, até então, intocado por nenhum outro homem.
— Feche os olhos, . — Beijei sua panturrilha, continuava com os movimentos, tentando fazer relaxar. Seus músculos estavam tensos demais.
A menina fez o que pedi, subi minha boca para o começo de suas coxas, sentindo o cheiro de baunilha de seu hidratante. Beijei sua pele pálida, ia, aos poucos, abrindo suas pernas devagar, sem assusta-la.
Após depositar uma série de beijos em seu corpo, lhe toquei a intimidade, separando os lábios devagar. Seu corpo todo se arrepiou, instantaneamente se abriu ainda mais para mim.
Era mágico como o corpo de reagia a cada estímulo meu. Eu nem sempre fui adepto de preliminares, muitas vezes já pulei todas aquelas etapas por achá-las entediantes demais. Mas toda a minha pressa era em vão quando se tratava dela. Eu queria fazer tudo com , desde chupa-la até penetrá-la, e a cada coisa nova que fazíamos, eu a assistia experimentar o prazer.
Umedeci meus lábios e aproximei meu rosto de sua intimidade, pronto para ter o prazer de apresentá-la ao sexo oral.
— O-O que está fazendo? — Ergueu seu tronco rapidamente, assustada.
— Sua massagem, ué. — sorri inocente ainda sob o olhar horrorizado de . — Volte a relaxar, amor. Deite-se, eu estou chegando na sua parte favorita.
— P-Parte favorita? — indagou trêmula.
— A parte em que eu deixo de usar as mãos e começo a usar a língua.
— O que voc… — Arfou antes mesmo de conseguir raciocinar, ri contra sua intimidade, voltado a me dedicar ao meu trabalho com a língua. — ! — Gemeu sôfrega, já contorcendo-se em prazer.
Eu já não a ouvia mais falar, para falar a verdade, não conseguia mais começar ou terminar qualquer frase de tão excitada que estava. Soltava pequenos soluços, gemia tão baixinho que parecia até inaudível. Seus dedos finos apertavam os lençóis de cada lado de seu tronco, logo, a garota suava implorando por mais, avançando o quadril em minha direção.
— Eu disse que era sua parte favorita. — Mordi o lábio observando-a atingir um orgasmo enquanto meus dedos trabalhavam em seu clitóris.
ficava linda gozando. Suas bochechas ficavam rosadas, sua boca entreaberta fazia-me imaginar coisas sujas, o modo como ela fechava os olhos só para não sentir vergonha de estar sendo observada. O modo como o seu corpo reagia às ondas de prazer, contorcendo-se e arrepiando dos pés a cabeça.
Que cena meus amigos, que cena.
Meu membro que já estava duro uma hora daquelas latejava de desejo.
Escalei seu corpo e a beijei fazendo-a provar do próprio gosto, ainda tinha os olhos fechados, sua barriga subia e descia com rapidez, então apenas a cobri com a coberta por conta do frio que fazia e me deitei ao seu lado. Puxei seu corpo para perto do meu e a senti apoiar a cabeça em meu peito.
Ficamos alguns minutos daquele jeito, até que de repente levantou o queixo espiando-me.
— Ei, está dormindo? — sussurrou.
— Não e nem podemos. — a ouvi suspirar e tatear minha barriga por debaixo das cobertas. — O que está procurando? — Indaguei rindo.
Minha risada parou no exato momento em que a menina encontrou o que tanto procurava.

— Eu só quero retribuir a massagem, ora. — sua mão invadiu minha calça.
A ajudei descendo a calça e ela se encarregou de tirar meu membro para fora da cueca. Seu toque gélido me arrepiou de imediato, e ele que já estava duro com sua última fala, começou a pulsar com o toque suave de .
, porque ele fica desse jeito, apontado para cima? — Sem querer, ri com sua descrição.
Já que eu estava ensinando a prática, teria explicá-la a teoria. Apesar de ter certeza que não me sairia muito bem, talvez não fosse assim tão difícil explicar o que eu fazia há anos.
, quando está com desejo ou excitada, não sente a calcinha molhada? — Ela, que continuava a me tocar por debaixo da coberta, assentiu ainda intrigada. — Então, nós homens ficamos assim.
— Então você me deseja? — Suas bochechas coraram na hora, soltei um gemido ao contemplá-la.
— Seria louco se não desejasse. — Sussurrei em seu ouvido, beijando seu rosto logo em seguida.
De repente menina se arrastou sobre o colchão surpreendendo-me ao ver que ela realmente iria tentar fazer aquilo. Eu já estava louco só de imaginá-la aprendendo a me chupar. sorriu nervosa e voltou a pegar meu membro, masturbando-o do mesmo jeito que a ensinei na noite anterior, era nítido o quão perdida ela estava.
o encarou por um tempo, decidiu então passar a língua por toda sua extensão, fazendo-me arfar com o contato. Repetiu o processo outra vez por ter visto minha reação, mas eu resolvi intervir e ajudá-la.
Seria, novamente, um prazer ajudar.
— Coloque-o na boca. — O tomei de sua mão e me masturbei enquanto ela se aproximava pronta para abocanhar meu pênis. — Sem usar os dentes. — Completei rapidamente, apenas por precaução.
assentiu e, concentradíssima, fez o que eu instruí com maestria. Foi quase impossível não gemer ao sentir sua boca envolvendo-me quase que por completo. Ela não o colocou inteiro, na verdade não parecia caber, mas não importava, o que importava naquele momento era aquele oral maravilhoso que eu estava recebendo.
Mesmo sem um pingo de experiência eu devia admitir que ela era uma aluna aplicada. Até mesmo arriscou algo diferente quando o tirou da boca e passou a beijar lentamente a cabeça rosada levando-me a loucura. Eu estava tentando durar algum tempo, não queria gozar em sua boca, não achava que seria uma experiência boa para uma primeira vez.
— Isso, …Oh.
Seus olhos azuis espiando minhas reações, olhando-me curiosos enquanto ela deslizava os lábios e sugava meu membro me proporcionaram um tesão tão forte que eu já não sabia se conseguia mais me controlar. Peguei seus cabelos longos que já estavam presos num rabo de cavalo e passei a mover sua cabeça contra meu membro, devagar, sem forçá-la, apenas para ter o controle.
Quando estava prestes a explodir, a puxei para cima novamente. Ofegante, pude ver sua expressão confusa.
— O que foi? Fiz algo errado? N-Não estava bom?
A beijei em resposta tomando sua mão e me masturbando, nossos movimentos rápidos me fizeram chegar no ápice logo. Segurei seu lábio inferior entre meus dentes quando o primeiro jato escapou, caindo em sua barriga nua. Logo, eu já respirava rapidamente, com a cabeça encostada em seu ombro.
— Você foi incrível. — Lhe beijei o ombro e levantei minha cabeça para encará-la. — Eu só não queria… você sabe, na sua boca.
Era a minha primeira vez com uma virgem, chegava a ser engraçado o modo como eu tinha me censurado para não falar “coisas sujas” para . Como se eu já não a tivesse masturbado e chupado.
Comecei a me perguntar se tinha sido uma boa ideia apresentá-la ao sexo e aos prazeres carnais. Afinal, iria aprender aquilo tudo com seu futuro namorado ou marido, que claramente não seria eu. Apesar disso, admito que era divertido ajudá-la a descobrir o que havia de melhor na terra, eu devia um pouco de diversão a ela.
Talvez ela não vá querer me matar após eu fugir. Porque apesar de usá-la no meu plano de fuga, irei ser lembrado por ser o responsável pelo seu primeiros orgasmos da vida.
— Porque?
— Porque as mulheres geralmente não gostam quando nós fazemos isso. — Cocei a cabeça, realmente sem graça. Era muito bom ensiná-la na prática, mas responder suas perguntas era meio desconfortável. — Achei que não ia gost...
simplesmente passou o indicador na própria barriga, onde tinha respingado um pouco e levou o dedo sujo até a boca. Chupando-o do mesmo jeito que fez com o meu pau e olhando nos meus olhos.
Arfei involuntariamente.
— É salgado. — Fez uma careta fofa e a puxei pela nuca com rapidez, mal pôde respirar, tomei seus lábios num beijo urgente e cheio de desejo.
— Como pode ser tão sexy sendo tão inocente desse jeito? — Sussurrei contra seu rosto, ainda sentindo sua respiração ofegante batendo contra o meu.
— Eu sou sexy? — Sorriu animada.
— Olhe para você, meu amor! — Deslizei minhas mãos pelo seu corpo nu, sua pele macia atraiu meus lábios como um imã. Beijei sua mão, pulso, braço, ombro, pescoço e por fim, sua bochecha antes de seguir para sua orelha e mordiscar seu lóbulo causando um arrepio na menina. — Você é maravilhosa, . — Lhe confidenciei ao pé do ouvido.
— Continua falando errado, mas eu adoro quando você fala meu nome. — Envolveu meu pescoço com seus braços finos, peguei em sua cintura colando nossos corpos.
Seus mamilos roçando em meu peito coberto apenas por uma blusa fina voltaram a me excitar.
Mas eu tinha que frear todo e qualquer pensamento sobre continuar aquilo com . Já havíamos experimentado as preliminares, mas não podíamos chegar ao grand finale, eu não iria tirar a virgindade dela. Aquilo já era demais até para mim.
Eu não acreditava naquela baboseira de fazer com quem se ama, até porque eu já tinha levado tantas para a cama, muitas nem ao menos sabia o nome, quem dirá ter sentimentos. Mas era diferente, e mesmo ela achando que me amava, eu sabia bem que aquele sentimento era mera empolgação de se estar apaixonada pela primeira vez.
Então iria deixar que outro lhe tirasse a virgindade e a tratasse como ela devia ser tratada, algum cara que realmente a ame.
— Vou ir para o meu quarto. — Anunciou se levantando de meu peito. Estava tão sonolenta que me fez concordar que era melhor que ela fosse para a própria cama para não cair no sono ali. — Boa noite. — Disse manhosa, beijando-me devagar.
Fiquei observando-a se vestir e percebi a rapidez com que ela colocava as roupas de volta no corpo, quase que com vergonha por eu estar olhando. Ri baixo e tratei de subir minhas calças e me ajeitar na cama, cobri meu corpo enquanto a segui com os olhos até a porta. , com os cabelos completamente bagunçados naquele rabo de cavalo frouxo, me olhou por um segundo e sorriu alegre antes de sair e me deixar só.


Capítulo 19 - We'll be a fine line

Finalmente. Empurrei as cobertas rápido e inclinei-me puxando as pontas do lençol, levantei-me com certa dificuldade apesar de já estar habilidoso em me locomover com minha perna ainda dolorida, com o lençol pesado em uma das mãos consegui mancar até uma das paredes frias do quarto, ao chegar no banheiro acendi a luz e fechei a porta, escorregando sobre a mesma até me sentar no azulejo claro. Ali seria mais seguro, além da luz acesa eu ainda teria como esconder o conteúdo do tecido em algum canto caso alguém chegasse no quarto.
Fiquei por horas desmontando algumas pequenas peças e juntando alguns fios. Duas, das três pequenas luzes que haviam no aparelho se acenderam, indicando que ele não estava assim tão danificado quanto eu imaginava. A primeira luz verde sinalizava que estava ligado, a segunda que a aeronave constava no radar e a terceira e mais importante se acendia quando havia alguém do outro lado para se comunicar. Como não era um expert em concertos e partes elétricas de aeronaves, nunca saberia se aquela função iria ou não funcionar, a não ser que alguém de fato tentasse contato.
Eu já vibrava de felicidade ao constatar que minha aeronave estava visível para a central no radar. Era como acender um sinalizador num barco no meio do oceano, se fosse notado, viriam ao meu socorro, afinal eu tinha dado um sinal de vida. Ou, talvez, achassem que poderia ser uma armadilha dos soviéticos. Mas não me custava nade tentar.
Eu torcia para que eles ao menos verificassem, tentassem contato, porque aí sim eu poderia comprovar que era realmente eu, e o mais importante, poupar e as outras crianças de sofrerem algum ataque caso viessem me resgatar. Juliet não merecia minha piedade, porém eu não poderia negar que ela havia cuidado de mim, infelizmente e contra a vontade dela.
— Vamos lá, falem comigo! — Sussurrei como um completo idiota para o objeto a minha frente. — Por favor, vamos… — Encostei minha cabeça na porta sentindo medo. Um sentimento que eu não sentia há algum tempo.
Aquela era minha última chance. Se não conseguisse nada teria que me conformar em esperar minha morte, que não seria nada rápida e indolor. Eles com certeza tentariam arrancar toda e qualquer informação sobre o exército britânico, usariam todas as técnicas de tortura para me fazer falar. Mas eu preferiria morrer do que entregar tudo a eles de mão beijada. Não era apenas pela questão que deixava possessa sobre defender meu país, mas também porque meu pai estava naquela guerra, lutando, eu não queria e nem iria deixar que o machucassem, nem a ele nem aos meus colegas.
Lágrimas grossas escaparam de meus olhos e me permiti fecha-los por um mísero minuto a fim de arejar a cabeça, organizar os pensamentos ou pelo menos parar aquele turbilhão de planos mirabolantes e informações que me vinham à mente causando-me tontura. Alguns soluços acompanharam meu desespero de me ver sozinho numa situação daquelas.
Eu queria que as coisas fossem mais fáceis, pelo menos uma vez na vida.

***

1 dia e 72 horas antes da chegada dos Soviéticos;
...! — Senti meu corpo sendo chacoalhado e o barulho da porta batendo contra minhas costas. Abri meus olhos incomodando-me com a claridade e me dei conta que tinha adormecido ali, sentado. — Ai, meu Deus, ? V-Você está bem? Eu devo chamar Juliet?
Ouvi sua voz baixa soar do outro lado desesperada. Suas mãos deixaram a madeira e ouvi seus passos urgentes se afastando. Consegui assimilar o que estava acontecendo e olhei para baixo, vendo o dispositivo no chão. Assim que ouvi o nome da megera, dei um pulo de onde estava e tratei de esconder tudo no lençol de volta.
! — Exclamei baixinho enquanto olhava em volta tentando arranjar algum lugar para colocar aquilo.
? Está tudo bem? — Coloquei a trouxa atrás da porta e me levantei com uma certa dificuldade, já sentindo minhas costas darem indícios de dor. continuava com o rosto colado na porta, que abri me certificando que estava escondendo o dispositivo. — Graças a Deus. — Abraçou-me de supetão, quase me derrubando para trás. — Achei que estava passando mal.
Neguei com a cabeça vendo pelo canto do olho o lençol rosa vazando por debaixo da porta. A loira me soltou e eu me apressei em distraí-la, puxando sua nuca para um beijo.
— Bom dia. — Murmurei ao vê-la com os lábios vermelhos por conta da pressão entre nossas bocas. — Dormiu bem?
— Sim. — Sorriu apaixonada. fez menção de sair dos meus braços e se virar, imediatamente a puxei para longe da porta e a prensei contra a pia, de frente ao espelho. Seu rosto no reflexo tinha a expressão confusa, coloquei uma mão de cada lado da pia prendendo ali. — O que você está fazendo?
— Gostou da massagem de ontem? — Colei meu corpo ao dela, distribuindo beijos em seu pescoço. Aos poucos a sentia cada vez mais mole por conta da pressão que meu membro fazia contra sua bunda.
A loirinha apenas assentiu respirando fundo ao sentir minha mão passeando por sua coxa e roçar os dedos sobre sua intimidade ainda coberta pela calcinha de algodão. suspirou com urgência quando eu finalmente adentrei sua calcinha molhada e passei a brincar com ela indo devagar com meus movimentos.
Enquanto praticamente enlouquecia com minha lentidão, rebolava a bunda contra meu membro que aquela altura estava mais duro do que nunca. segurava seus gemidos, pelo espelho a via se privar de aproveitar o prazer, e eu entendia, afinal se ela gritasse as outras pessoas da casa viriam correndo ver o que estava acontecendo. Com certeza pensariam que eu estava atacando a menina.
— Sabe, é realmente triste você não poder gemer, . — A menina se contorcia contra mim mordendo os lábios e vermelha completamente louca de tão excitada que estava. — Eu adoraria te ouvir gritar o meu nome. — Mordisquei o lóbulo da sua orelha arrepiando seu corpo.
— Aí, … — Sussurrou jogando a cabeça para trás, falando ao pé do meu ouvido. Meu pau latejou em puro desejo de saltar para fora daquela cueca que o aprisionava. — Eu amo ter suas mãos em mim. — Pegou minha mão livre e apertou o próprio seio, arrancando-me um gemido contido.
Arfou inclinando-se para frente ao sentir o orgasmo chegando, seus dedos apertaram a cerâmica clara da pia enquanto ela se controlava para não fazer barulho. Sua bunda se empinou e eu continuei com o corpo colado ao dela, movendo meu quadril em sua direção buscando mais contato. Ah, como eu queria rasgar todas aquelas roupas!
gozou deixando seu corpo mole tombar para trás e ser amparado pelo meu. Quando levantou seu tronco, suada e vermelha, encarou-me pelo espelho enquanto eu chupava meus dedos aproveitando seu gosto.
Seus olhos azuis pareciam vidrados, sua mão pegou-me pela nuca e ela se esticou me beijando e atacando minha língua com a sua num beijo molhado. Com seu corpo ainda colado ao meu, voltei a lhe tocar os seios, tão pequenos que cabiam na palma de minhas mãos.
— Eu te amo. — murmurou entre um beijo e outro.
— Também te amo.
Não me leve a mal. Mas eu não estava raciocinando muito bem naquele instante. Falaria o que quer que quisesse ouvir ali, louco de vontade de fode-la, sabendo que mesmo que eu quisesse muito não poderia.
— O-O que disse? — Se virou de frente para mim.
Ri sem reação e a beijei esperando que, na hipótese mais impossível, esquecesse do que havia acabado de ouvir de mim.
— Acho melhor irmos, se Juliet entrar estamos ferrados. — A loira sorriu cúmplice concordando com a cabeça.
A conduzi com rapidez porta a fora temendo que ela visse o lençol ali. Quando chegamos no quarto, deslizei minha mão que estava em suas costas para seu bumbum, dando um tapinha e chamando sua atenção.
se virou rindo baixinho. Eu não tinha do que reclamar, ela era tão linda que se a conhecesse em qualquer lugar com certeza ficaria interessado. Porém sabia que não iria querer ter um relacionamento com ela, não só pelo fato de ela ser muito nova e imatura, mas também por saber que ela mesma não me escolheria para ter algo sério.
Tomei meu café da manhã reparando na menina a minha frente, vez ou outra ia até a janela ver como estavam as coisas lá fora. O inverno rigoroso russo deixava-me nervoso, porém após a ajuda de , eu tinha elaborado um plano para conseguir um lugar com mantimentos sem ser a casa onde e as meninas estavam.
O alemão iria pagar o pato, eu não sabia a localização de sua casa, mas sabia que era perto dali. E era para lá que nós iríamos para saquear e conseguir abrigo.
— E quanto a tal caixa preta...o que fez com ela? — Indagou se aproximando da cama, olhando envolta pelo chão. Mastiguei analisando-a. Estava tensa de repente, eu podia ver seus ombros tensionarem mesmo estando cobertos por seus cabelos longos.
— Estou tentando destruí-la. — A encarei por um tempo, cruzou os braços abraçando o próprio corpo. — O que foi? Se arrependeu de ter buscado para mim?
— Não, não é isso. Só fico preocupada com o que vai acontecer se Juliet achar essa peça aqui dentro. — Suspirou encarando o nada. — Só Deus sabe o que ela seria capaz de fazer comigo se soubesse que te ajudei a destruir as informações que ela e todos querem colocar as mãos.
Arrastei meu corpo de encontro com o dela, abraçando-a de lado.
— Fique tranquila, — beijei o topo de sua cabeça. — assim que eu for embora poderá jogar na mata. Ninguém saberá o que você fez por mim, . — Afaguei seu braço suavemente e a menina tombou a cabeça em meu ombro.
— Ninguém saberá de nada do que houve entre nós. — Acariciou minha nuca respirando fundo. — Acha que seus pais gostariam de mim se me conhecessem? — Levantou o queixo tentando ver meu rosto.
— Porque essa pergunta agora? — Franzi o cenho.
— Porque sim, ué. — Riu balançando os ombros. — Nunca se perguntou isso? Eu já! Meu pai iria te adorar só pelo fato de você ser britânico, um piloto de avião — Sorri ainda completamente alheio a aquele assunto. — o genro dos sonhos, ele iria te exibir para todos os nossos vizinhos. — Ri pelo nariz. Nunca tinha sido o modelo de genro. Eles geralmente me queriam bem longe da filha deles, e algo me dizia que o pai de teria a mesma opinião sobre mim se me conhecesse.
— E sua mãe?
— Mamãe é o “homem” da casa. Nada ali funciona sem ela, é claro que se papai começasse a puxar seu saco sobraria para ela te sondar e saber das suas intenções comigo. — Gargalhei baixinho junto dela, que já tinha o tronco praticamente todo em cima do meu. e eu estávamos com os braços entrelaçados, apenas aproveitando um pouco de calor humano em meio a um frio daqueles.
? — Chamou após algum tempo em silêncio. — Sua vez...anda, me diga o que seus pais achariam de mim?
A encarei receoso, era estranho para mim imaginar aquelas formalidades, visto que nunca o fiz nem com garotas com quem tive um envolvimento maior, quem dirá com , que era apenas parte de um plano meu e que seria descartada depois. Seus olhos claros fitavam-me curiosos, e eu pensei que talvez fosse legal entrar no jogo dela e brincar um pouco com um futuro hipotético.
Comecei a rir imaginando-me levando até minha casa, seria um jantar organizado por minha mãe, com toda certeza. Era o sonho dela que eu me estabilizasse com alguém, quando Noora levou Thomas para apresentá-lo a família, lembro-me de ser alvo de cobranças da parte dela, que se intensificaram quando minha irmã descobriu a gravidez.
— Minha mãe iria te adorar. — A menina sorriu feliz com a informação. — Apesar de eu já saber que ela acharia errado eu, com vinte e quatro, namorar alguém de dezessete. Mas acho que depois de te conhecer ela te daria uma chance. E meu pai… — Umedeci os lábios antes de começar a tentar arranjar palavras para não fazer de meu pai um homem rude. — você sabe, britânico tradicional, veterano de guerra… ele não iria gostar muito de ter uma russa entrando na família. Na verdade, certa vez ele quis me apresentar uma prima distante minha. — abaixou a cabeça por um instante, visivelmente triste com o que ouviu.
A grande verdade era que e eu éramos tão diferentes, mas não era tão visível por conta de estarmos sempre entre quatro paredes a sós.
Talvez não conseguiríamos ficar juntos se estivéssemos lá fora, até mesmo nossas famílias eram completamente opostas! Não conseguiria ver meu pai e o de tendo uma discussão saudável sobre a guerra, já que nós dois já tínhamos opiniões completamente opostas, com nossos pais seria ainda mais difícil manter um diálogo. O meu, um general da aeronáutica britânica e o dela, um professor pacifista, que certamente não concordava com os métodos e o desenrolar desta e de qualquer outra guerra.
— Olhe, nós não precisamos nos preocupar com a implicância da sua mãe comigo ou a de meu pai com você, afinal teremos a sorte de não precisarmos juntá-los. — Dei de ombros sorrindo, cutucando de leve sua barriga tentando arrancar-lhe uma gargalhada.
— É, pensando bem, seria realmente muito estranho esse encontro. — Sorriu fraco, pensativa.
— Minha irmã iria gostar de você, se isso te consola. — Beijei sua testa encostando meu queixo em sua cabeça.
Noora iria amar , minha irmã sentia-se muito só quando tínhamos eventos para ir, mamãe sempre se juntava as outras esposas dos generais e a deixava a ver navios, ela mal podia esconder sua preferência por uma menina quando descobriu a gravidez. De certa forma, sentia falta de uma companhia feminina, e era uma candidata perfeita, era doce, engraçada. Eu até podia ouvir a voz de Noora elogiando seus longos cabelos.
— Acho que seria bom ter uma amiga mais velha.
— Você não teve muitos amigos, não é? — A encarei intrigado.
— Na verdade não, meus pais eram minha companhia de todos os dias, estudei em casa por anos, não haviam escolas por perto onde morávamos. Os filhos dos vizinhos eram, em sua maioria, meninos. Eu costumava brincar com eles quando éramos crianças, mas depois que crescemos eles se tornaram nojentos. — Desdenhou, enquanto brincava com a costura solta da manga de minha blusa.
— Nojentos? — Ri pelo nariz. — Se tornaram homens, apenas isso. — se levantou encarando-me brava. Franzi o cenho tentando entender o motivo da sua irritação.
— Não. Eu me recuso a vê-los como homens, eles são só um bando de adolescentes nojentos. — Cruzou os braços emburrada.
— O seu primeiro beijo por acaso foi com algum deles? — Ajeitei seu cabelo na parte detrás, onde havia ficado bagunçado quando ela encostou-se em meu peito. apenas balançou a cabeça positivamente. — Eu sinto muito que isso tenha te assustado ao ponto de deixá-la brava até hoje, mas nós homens somos assim mesmo. Infelizmente fazemos coisas estúpidas ao longo da vida.
— Não, . Você não é igual a ele. — Negou veemente. Mordi meu lábio a fim de frear um riso. realmente não desconfiava do meu caráter nem por um segundo sequer.
— Como não? E quando eu te beijei pela primeira vez?
— Aquilo foi completamente diferente. — Teimou, fazendo-me rir daquela vez. — Primeiro porque eu gostei, — levantei uma de minhas sobrancelhas — e segundo porque você não me agarrou daquele jeito.
— E se não tivesse gostado? Iria me odiar do mesmo jeito que odiou ele por anos? — A menina respirou fundo. — Você tem que deixar isso para lá, é passado, ele provavelmente já deve ter aprendido uma lição, levado um tapa no rosto, sei lá.
— Minha vontade era de chutá-lo entre as pernas. — Resmungou baixinho feito uma criança. Fiz uma careta de dor atraindo sua atenção. riu desmanchando sua cara amarrada.
— Se acontecer de novo, pode dar até dois. Será merecido. — Ri junto a ela.
— Não vai, pelo menos não com ele. Não fico nem a um palmo de distância dele desde que aconteceu.
— Não pode se fechar para todos os homens só porque um te fez mal, querida. — minha mão foi novamente até seu cabelo, eu não sabia o que tinha ali, só sabia que eu estava estranhamente fascinado por seus fios sedosos naquele dia. — Uma hora irá se apaixonar e terá que baixar a guarda de novo.
Senti um leve incômodo com minha própria fala. Claro que não era nada. Afinal, eu mesmo sabia que o que e eu tínhamos era algo passageiro, mas mesmo assim me causava um certo desconforto imagina-lá fazendo tudo o que aprendeu comigo com outro.
Não era ciúme, não tinha a mínima lógica para mim sentir ciúmes do que não era meu. Era apenas um sentimento de posse bobo. Que assim como nós dois, não duraria muito tempo.
Logo eu estarei livre, e esqueceria daquela história toda. Pelo menos era aquilo que eu planejava fazer.
— Eu não quero me apaixonar por outro. — Sua voz embargada me fez puxá-la para meus braços. Algumas lágrimas desceram por seu rosto acusando-me outro desconforto dentro do peito. — Eu já amo você.
… — suspirei afastando-a e secando suas lágrimas. — Você e eu sabemos que não iremos ficar juntos, achei que já tinha aceitado essa ideia. — A loira soluçava enquanto se alinhava em meu ombro, abraçando meu pescoço.
Me perguntei se talvez acabar tudo aquilo o quanto antes com não seria melhor. Quanto menos tempo passássemos juntos naqueles meus últimos dias naquela casa, menos ela iria sofrer quando eu fugisse. Fora que a raiva que sentiria de mim a faria me esquecer mais rápido quando eu finalmente fosse embora.
— Talvez fosse melhor pararmos por aqui.


Capítulo 20 - Dont cry for me

— O-O que? — Encarou-me incrédula. — N-Não estou entendendo, . Está terminando comigo? — seu choro se intensificou, ao ponto da menina se levantar e me dar as costas trêmula por conta dos soluços involuntários que soltava.
Respirei fundo. Será que tinha sido uma boa ideia?
— Eu não quero que você sofra, . E é isso o que vai acontecer! Se pararmos de nos envolver agora irá doer menos quando eu for embora. — Argumentei enquanto apenas se negava a me ouvir.
Teimosa!
— Mentira! — Sussurrou virando-se, deixando seu rosto vermelho e molhado pelo seu choro desenfreado. Passei a mão em meu rosto com força arrependendo-me de ter tomado aquela decisão. — Só eu sei o quanto vai doer, você não sabe de nada, . Fica aí com essa pose de sabichão, como se soubesse tudo da vida, você não sabe! — Soluçou enquanto lágrimas caiam sem parar de seus olhos cristalinos. — Nada que fizer vai fazer doer menos, porque eu vou continuar a gostar de você e sentir a sua falta!
Neguei com a cabeça afundando meu rosto em minhas próprias mãos. Eu não a via, porém ainda podia ouvir seu choro baixinho, queria poder me desligar daquele momento, desejei simplesmente sumir daquele quarto somente para não ter que lidar com aquilo.
Eu sabia que a faria sofrer, desde o início tinha ciência que estava brincando com os sentimentos de . Mas eu não dava a mínima, não me sentia capaz de sentir remorso pelo que estava fazendo com ela, eu pensava que ela merecia ser enganada pelo simples fato de vê-la como inimiga, assim como via Juliet e todos os soviéticos. Mas não, não merecia! E eu só estava me dando conta do estrago que fiz com alguém totalmente inocente naquela hora.
Planejava fazê-la se apaixonar perdidamente, ao ponto de tê-la rastejando aos meus pés, fazendo o que for preciso para me ajudar a fugir dali sem ao menos perceber. E funcionou! Eu já tinha o que precisava, tinha feito até mais do que eu esperava! Mas a que preço? O que era aquela vitória que me fazia sentir péssimo?
Levantei o rosto observando-a sentada num canto. A cabeça escondida entre os braços cruzados sobre as pernas dobradas, encolhida, debulhando-se em lágrimas. Achei que seria fácil, apenas sair daquela casa escondido, sem sequer olhar para trás, nunca mais voltar. Não a veria naquele estado, quando percebessem que eu tinha desaparecido, estaria bem longe dali, tão longe que não escutaria seu choro muito menos me molharia com suas lágrimas.
Infelizmente tive a ideia estúpida de sair do planejado.
. — Chamei sendo completamente ignorado. — Olha para mim. — A menina apenas negou com a cabeça enquanto seu abdômen se movimentava rápido por conta dos soluços que ela ainda soltava. — Por favor, , olhe para mim.
Seus olhos azuis e vermelhos focaram-se nos meus. Meu coração doeu por um instante ao notar o inchaço que tinha envolta deles.
— Não chore por mim, querida...eu não mereço. — Sorri amargurado. — Não chore, nem mesmo quando eu partir, quem irá sair perdendo sou eu. Você é alguém incrível que me deixou fazer parte da sua vida. Eu não sou nada, . Não me ache melhor por uma vida amorosa agitada, foram apenas experiências vazias. Nem se impressione por eu ser um piloto, carregar bombas e soltá-las sob as cabeças de outros homens não é algo que eu deveria me orgulhar. — A loira apoiou o queixo no braço e me ouviu calada, eu ainda tinha o mesmo sorriso amarelo nos lábios. Ouvir verdades já machucava, mas fala-las em voz alta doía muito mais. Sentia minha garganta queimar. — Aprendi isso com você. Sei que acha que não tem nada a ensinar, mas não é verdade. Se eu tivesse ao menos metade da sua caridade, da sua doçura, se eu fosse um pouquinho igual a você...Eu mereceria que derrubassem algumas lágrimas por mim.
se levantou de onde estava e veio em minha direção. Me abraçou tão forte que foi capaz de me arrancar as lágrimas que eu segurava. Se fosse qualquer outra, iria embora, me daria as costas ou talvez até me entregaria para Juliet como vingança por eu querer terminar. Mas ela não. Estava lá com os braços envolta de mim consolando-me.
Eu queria muito poder contar a que iria fugir, contar a verdade. Mas sabia que seria mil vezes pior deixá-la saber que foi tudo um teatro para usá-la em meus planos. E eu não queria e nem iria machuca-la mais, bom, pelo menos até a minha fuga.
— Não diga isso. — Murmurou ainda me abraçando. Meus braços envolta de sua cintura a puxaram para meu colo, eu ainda tinha minha cabeça deitada em seu peito ouvindo seu coração bater descompensado. — Não é verdade, , você é maravilhoso, — fungou separando-se de mim, seus olhos me analisaram devagar e ela soltou um pequeno sorriso em meio a lágrimas. — por dentro e por fora. Você me ensinou tanto que nem ao menos imagina, nunca vou me esquecer do que vivemos juntos. Por isso que eu acho que essa foi a maior besteira que você já me disse. — negou veemente com a cabeça. — Eu não vou sofrer menos se terminarmos antes de você ir, pelo contrário, vou sofrer se não aproveitarmos o pouco tempo que nos resta juntos. — Encostou nossos narizes brevemente.
Selei nossos lábios devagar, pude senti-la suspirar de puro alívio contra minha boca. Segurei sua cintura com firmeza, para mostrá-la que estava ali. Por enquanto ainda estava. Decidi que era melhor seguir com o plano e não dar mais bolas foras.
— Tem toda a razão. — a beijei novamente. — Eu só estava pensando num jeito de não te fazer sofrer, , não gosto de te ver chorar. — acariciei seu rosto.
— Você tem me feito sorrir há tantos dias. , antes de você chegar aqui eu vivia triste pelos cantos pensando nos meus pais e me lamentando por não poder fazer nada. — encolheu os ombros. — Você me faz muito feliz.
Encostou seu rosto no meu e ficamos daquele jeitinho por um tempo, apenas aproveitando o calor do momento. chegou a fechar os olhos de tão relaxada que estava. Encarei a porta me dando conta de que alguém poderia entrar.
— Estamos nos arriscando demais ultimamente, não? — murmurei ainda passando a mão distraidamente pelo seu corpo.
— Uhum. — Murmurou preguiçosamente, sem ao menos se mover, arrancando um riso meu. — Está tão bom ficar assim com você que eu queria que o tempo parasse.
Ah, o poder de controlar o tempo. Eu também tinha aquele desejo. Enquanto muitos prefeririam saber voar, ou ficar invisível, eu me contentaria apenas com poder parar todos os relógios do mundo, impedir o dia de virar noite, paralisar as pessoas nas ruas, os soldados na infantaria, nos ares e no mar. Eu aproveitaria aquele dom para fugir, é claro. Mas tinha uma opção mais romântica.
— Mas já vou indo. — saiu do meu colo andando em direção ao banheiro. — Acho que não dá para perceber que andei chorando, ou da?
Dava sim. Sua pele era muito pálida, seu rosto ainda estava avermelhado por suas incessantes tentativas de secar as lágrimas. Seu nariz ainda estava vermelho na ponta, e seus olhos ainda pareciam irritadiços.
— Sinceramente? Sim. — A loira respirou fundo recolhendo a bandeja.
— Vou direto para a cozinha, todas já tomaram café, vou comer alguma coisa enquanto disfarço essa minha cara.
Selou nossos lábios algumas vezes, fazendo o característico barulho de nossas bocas se encostando. saiu sorrindo, olhando para trás antes de sumir porta a fora.
Apressei-me em voltar para o banheiro, quando cheguei vi que apenas as duas luzes de antes estavam acesas. Comecei a me perguntar se meu pai teria coragem de desistir de mim assim tão fácil. Eu no lugar dele procuraria saber se meu filho ainda estava vivo após tanto tempo sem um mísero sinal ou tentativa de comunicação. Não apenas se estivesse vivo, seu algum dia eu tivesse um filho, iria onde quer que fosse atrás de seu corpo, pelo menos tentaria lhe dar um funeral, ou conseguir dormir tranquilo sabendo o que houve com ele. Era estranho pensar sobre aquilo, o que um pai faria por um filho, nunca tive pensamentos sobre aquilo. O tempo de confinamento naquele quarto estava começando a me deixar louco.


Capítulo 21 - Jealous

Voltei a esconder o aparelho, daquela vez fiz meu trabalho direito. Deitei-me na cama pensando que deveria agradecer por pelo menos ter conseguido consertar o dispositivo, podia ser muito pior, ele poderia nem ligar mais. Cai num sono profundo, afinal, tinha passado metade da noite anterior tentando consertar o aparelho, e a outra metade dormi sentado num chão duro. Minhas costas quase criaram vida e agradeceram quando relaxei sob o colchão macio.
Sonhei com tantas coisas que nem ao menos soube assimilar o que era sonho e o que eram lembranças que me vinham a cabeça enquanto estava inconsciente. Acordei com trazendo meu almoço. Ficamos um tempo juntos após eu terminar minha refeição, logo a menina ia embora deixando-me sozinho outra vez. Após algum tempo sem que ninguém adentrasse o quarto, fui até o banheiro e voltei a fuçar o equipamento.
Como da última vez, sentei-me com as costas apoiadas na porta de madeira, assim eu conseguiria segurar um pouco caso alguém chegasse de repente. Afinal, ainda era um intruso ali, e ao contrário de um hóspede, eu não tinha muito direito à privacidade e afins. Ninguém bateria na porta e pediria licença antes de entrar. Juliet devia achar que eu deveria agradecer pelos banhos e pela comida, que estava me fazendo um favor mantendo-me vivo para que os Soviéticos pudessem me matar.
As duas luzes continuavam acesas, porém, daquela vez, oscilavam causando-me uma intensa preocupação. E se apagassem? Eu nunca teria como falar com ninguém, provar que estava vivo, pedir socorro.
Ofegante, tentei juntar um fio azul restante, torcendo todos juntos e implorando aos céus que desse certo.
Logo, a terceira luz se acendeu. Fazendo meu coração praticamente sair pela boca.
— T...em...al...guem...ai?
1 dia e 48 horas antes da chegada dos Soviéticos;
’s point of view.
— Bom dia. — Cantarolei ao fechar a porta atrás de mim. Encarei já sentado na cama e espantei-me. — Caiu da cama, foi?
Geralmente eu o pegava ainda despertando de seu sono pesado, era adorável ver seu rosto inchado de sono pela manhã. Sempre me pegava imaginando como seria acordar ao seu lado, sonhava algo impossível pelos cantos, queria poder tornar tudo o que minha imaginação fértil e romântica criava realidade.
Tudo o que eu planejava tinha envolvido, sempre que eu pensava sobre o futuro, por mais longínquo e incerto que ele parecesse, o colocava ao meu lado, onde quer que eu estivesse. Era triste saber que ele só estaria comigo em pensamento. Com o passar das horas, ambos sabíamos que ficava cada vez mais perto de nos despedirmos para sempre.
Meu próximo plano era aproveitá-lo ao máximo. Mas também não chorar ou demonstrar tristeza. Eram seus últimos dias de vida na Terra, eu tinha a missão de fazê-lo feliz, apesar das circunstâncias, fazê-lo sorrir e viver coisas boas enquanto ainda estava vivo. Pensar nos próximos dias causava-me arrepios. Não apenas por mim, mas também por ele, pensar em sendo torturado até a morte me fazia querer chorar compulsivamente. Era uma sensação dilacerante saber que não podia fazer nada para impedir.
Se pudesse, fugia com ele, para qualquer lugar que fosse.
Mas não era tão fácil assim, apenas desaparecer do mapa com o amor da minha vida. Primeiro porque não iríamos muito longe com a quantidade de neve que já havia caído, somada a perna recém-curada de . Eu não era fisicamente apta a carregá-lo para fora. E, também, para onde iríamos? Seríamos pegos facilmente, e aí, seriam dois mortos, porque Juliet não iria admitir uma traição vinda de mim. Fora que, apesar de estar completamente apaixonada por , eu ainda esperava meus pais, e não planejava deixar aquela casa se não fosse acompanhada por eles.
— Mais ou menos isso. — Sorriu abertamente fazendo-me esquecer completamente do que me afligia. — Venha. — Estendeu sua mão e não pensei duas vezes, fui até ele sentando-me em seu colo. Era meu lugar favorito no mundo todo.
— Já escovou os dentes? — Indaguei ao sentir seu hálito fresco.
— Consegui ir ao banheiro sozinho de novo. — Deu de ombros beijando minha bochecha. — Pensei em adiantar as coisas para termos mais tempo pra ficar juntos.
Encarei seus olhos verdes e suspirei antes de colar meus lábios nos seus. Era impressionante como toda vez que eu parava para olhá-lo de mais perto, mais lindo ele ficava. Quanto mais eu pensava nele mas perto eu chegava da conclusão de que nunca amaria outro como amava ele.
Era aterrorizante pensar aquilo. Iria perdê-lo, e junto de si levaria meu coração para a sepultura. Eu estava gostando tanto da sensação de amar outro alguém que me batia um certo desespero saber que poderia nunca mais sentir tal sentimento.
— Já não precisa mais de mim. — Fiz bico fazendo-o rir com meu drama.
— Deveria estar feliz por mim! — Fingiu-se de ofendido.
— Eu estou. — Respondi simplesmente, ainda encarando seu rosto extremamente bem desenhado. — Estou orgulhosa.
Deixei desfrutar seu café da manhã que, naquele dia, contava com algo especial. Um grande pedaço de bolo de chocolate que Elizabeth tinha preparado para o aniversário das gêmeas, que completaram sete anos na noite passada.
— Isso está divino. — Apontou o bolo com a colher, de boca suja, fazendo-me rir. — Faz tanto tempo que não como chocolate. Quem preparou?
— Elizabeth. — Esforcei-me para não revirar os olhos. Ainda não havia engolido aquele assunto do jantar que tive com as meninas e Juliet.
— Elogie por mim. Está divino. — Disse colocando outra colher para dentro. Levantei minha sobrancelha sugestiva. — O que foi?
Não o culpava, não havia ficado a par do que houve, não queria que as meninas soubessem informações sobre ele, e vice-e-versa. Naquele ponto eu concordava com Juliet, era mais seguro assim. Fora que eu não conseguia receber bem a ideia de ter que dividir com ninguém naquela casa. Agradecia aos céus por não precisar.
— Nada. Bobagem. — Ri pelo nariz ainda sob seu olhar curioso. — Elizabeth te acha bonito. — Espiei sua reação, porém ele não pareceu ligar para aquela informação nova. — Ela é uma adolescente ainda, tem quinze anos, — Desdenhei. — está com os hormônios a flor da pele e fazia tanto tempo que não víamos um homem…
— Está com ciúmes de uma adolescente de quinze anos? — Sorriu divertido irritando-me. — Não é como se você fosse tão mais velha, não é.
— Então quer dizer que se Juliet tivesse mandado Elizabeth no meu lugar você teria ficado com ela? — Cruzei os braços já saindo da brincadeira inocente que tínhamos iniciado.
— Não, bobinha. Eu não teria ficado com ela, sabe porque? — Cutucou-me a cintura atraindo meu olhar fulminante. — Porque você e eu somos obra do destino. Não era para nenhuma outra me encontrar lá fora a não ser você, ela pode até fazer o melhor bolo de chocolate que já comi na vida — Respirei fundo ainda o encarando brava, não tanto quanto antes, mas ainda assim enciumada. — mas não se pode competir com isso.
Gargalhei jogando minha cabeça para trás. era a pessoa mais cínica que eu conhecia.
— Nem você acredita nessa história de destino. — Neguei com a cabeça enquanto era puxada com rapidez. Seus beijos em meu pescoço causavam-se cócegas, cheguei a lacrimejar de tanto que ri junto dele.
— Eu estava tentando ser romântico, . — Recuperava-me do ataque que tinha sofrido enquanto ele voltava a se deliciar com o bolo de Elizabeth.
Às vezes chegava a me esquecer que era membro da força aérea real, chegava a parecer piada pensar nele cometendo ou sendo conivente com as atrocidades que aconteciam do lado de fora. Ele era tão carinhoso, engraçado, eu nunca o havia imaginado numa situação de combate. Ou talvez meu próprio cérebro bloqueasse todo e qualquer pensamento sobre o homem que Juliet dizia que ele poderia ser. No fundo eu sabia que ela não o conhecia de verdade como eu.
E o que eu conhecia e aprendi a amar nunca faria mal a alguém. Ele tinha mudado muito desde que chegou naquela casa, e eu não queria levar mérito nenhum por aquilo, tudo o que aconteceu a ele, a situação num todo foi o que o fez mudar para melhor. Ficava feliz e muito orgulhosa por ter visto de perto a transformação de num momento tão importante de sua vida. O final dela. Nunca é tarde para se arrepender e pensar diferente.
— Realmente me acha tão nova assim?
— Não, você é apenas…
Não fale menina, não fale menina…
— Ingênua demais. — Deu de ombros pensativo. — Ou pelo menos era, quando te conheci. — Sorriu safado, fazendo meu rosto esquentar. — Te ensinei tanta coisa nova que deveria ser chamado de professor. — Gargalhei diante da sua presunção.
— Meus pais não aprovariam essas aulas se soubessem. — Eu podia ver o brilho de meus olhos refletindo em suas esmeraldas.
Era tão bom olhar para ele, derreter-me diante da sua presença sem ter que esconder ou me retrair. Eu era assumidamente apaixonada por .
— É uma pena não poder te elogiar para eles, você é uma ótima aluna… — Murmurou sorrindo torto, deixando-me tonta com o olhar que me lançou. Com pura luxúria estampada em seus olhos.
Mordi meu lábio lembrando-me de algo que precisava compartilhar com ele. Encarei meu colo envergonhada e logo voltei a olhar em seu rosto. Não sabia como iria abordar aquele assunto, apenas sabia que precisava estar ciente que andou habitando não somente meus pensamentos, mas também meus sonhos noite passada.
— Tenho que te contar uma coisa. — Ri em puro nervoso, atraindo sua curiosidade. Sua testa se enrugou, dando-lhe um ar mais maduro. Algo que com certeza fez meu estomago se revirar dentro de mim, de um jeito deliciosamente bom. — Sonhei com você essa noite. — Aproximei-me de seu ouvido.
encolheu o ombro involuntariamente, dando-me um vislumbre de estar mais uma vez no controle de seu corpo. Eu simplesmente adorava aquele jogo de poder que jogávamos sem ao menos tentar ou perceber.
— Ah, é? — Assenti já morta de vergonha. — E como foi esse sonho?
— Eu estava num lugar escuro, estranhamente bonito. Com velas acesas iluminando um caminho que eu não conhecia. Andei pelo tapete branco estendido no chão, mesmo que estivesse escuro, eu não senti medo. Pelo contrário, eu sabia que valeria a pena correr o risco de encontrar o que quer que fosse do outro lado, na escuridão.
— E onde eu entro nessa história? — O encarei ofendida por estar tendo que dividir o protagonismo com ele em meu próprio sonho.
— Eu estava com um vestido branco, lindo. — Ignorei completamente sua implicância. — Segurava algumas rosas vermelhas na mão. E então, eu vi uma mão estendida em meio ao breu.
— Sou eu? — Lhe dei um tapa em reprovação. riu esperando que eu terminasse minha história.
— Você pegou a minha mão e tudo se iluminou. — Encaixei meus dedos aos dele, recordando-me imediatamente daquela sensação incrível. — Íamos andando juntos, logo uma chuva de arroz começou a cair sob nossas cabeças.
— Estávamos casando? — Assenti sorrindo boba. Ele franziu a testa confuso e eu tratei de continuar.
— Você me pegou no colo assim que avistamos uma porta branca. Entrávamos num quarto enorme, com uma cama grande cheia de pétalas de rosas. — Fechei meus olhos por um segundo voltando a sentir aquele perfume. Aquele sonho havia sido tão real que parecia mais uma memória.
— E eu te deitei na cama? — Abri meus olhos enquanto era encarada com intensidade. Assenti mordendo meu lábio.
Lembrei-me do momento em que meu corpo bateu contra o colchão macio, tão macio que poderia ser comparado às nuvens do céu.
— Tirou meus sapatos, beijou meu pé, subiu a língua pela minha panturrilha. — Arfei com seu toque repentino em minha perna. Umedeci os lábios sentindo-os secos, sedentos pela boca rosada de . Seus dedos passearam suavemente pelos lugares descritos por mim, eu me limitei em fechar os olhos e me perder no começo do êxtase que senti noite passada.
— E o que acontece depois? — Beijou meu pescoço demoradamente, deixando-me ainda mais mole em suas mãos.
— Você sabe o que acontece depois. — O encarei recobrando minha sanidade.
— Não, não sei. — Sussurrou tomando minha boca. — Eu te chupei? — Respirei fundo diante de sua voz rouca. Assenti abaixando minha cabeça tentando esconder minha timidez. — Não seja tímida, amor. Diga-me, o que acontece depois.
Concordei quase imediatamente, parecia que eu estava sob o efeito de uma hipnose, num sono profundo onde meus sentidos se afloravam e apenas respondiam os toques e o som da voz dele.
—Você me chupou. — Ele soltou um gemido sôfrego contra minha boca. — E-Eu gozei. — Respondi com urgência, abrindo meus olhos e esperando uma reação dele.
— Sim, e o que mais? — Mordiscou meu lábio inferior, apertando-me a coxa.
— Eu gozei de verdade. — Mal conseguia encará-lo tamanha era minha vergonha por estar contando aquilo a alguém. piscou rapidamente duas vezes, saindo do estado de prazer no qual estava. — Quando eu acordei...bom...minha mão estava em minha calcinha e eu não faço ideia de como ela foi parar lá eu…
— Espera, você se tocou?
Fechei os olhos com força querendo sumir da face da Terra. Comprimi meus lábios enquanto assentia ainda sem conseguir encará-lo.
, essa é a coisa mais normal desse mundo! — Ouvi sua risada e tomei coragem para abrir um olho só, espiando para ver se ele ria de mim de modo maldoso. Me descobri quando percebi que não. — Não seja boba, vocês mulheres não precisam de homens para gozar. — Me deu um selinho. — Inclusive, acho que deveria tentar fazer acordada.
— Mas...como…
— Apenas feche os olhos, imagine o que quiser em sua cabeça, imagine quem quiser junto de você. Relaxe o corpo e o resto acontecerá naturalmente.
— Você já…
— Homens fazem isso o tempo todo. — Interrompeu-me novamente. — Só que somos ensinados que isso é normal apenas para nós. E não é, , você pode dar prazer a si mesma a hora que quiser, não precisa de mim.
— Mas eu quero você. — Aproximei meu rosto do dele, balançou a cabeça em negação e me beijou a bochecha.
— Querida, ninguém vai te amar mais do que você mesma. — Tirou algumas mechas do meu cabelo de meu rosto e o segurou, puxando para si devagar. — Promete tentar?
Era estranho prometer a fazer algo que parecia ser um enorme tabu para mim, mesmo que ninguém nunca tivesse falado sobre aquilo comigo. Mas tudo o que eu algum dia considerei ser estranho estava caindo por Terra desde que conheci . Talvez eu devesse tentar…
— Prometo.
— Essa é a minha garota. — apertou minha bochecha fazendo-me sentir uma criança. — Depois me conte como foi. — Ri diante de sua fala. Mas depois percebi que ele não estava brincando.


Capítulo 22 - Just say I do


***

Após deixar o quarto de e tomar meu café da manhã, fui diretamente para meu quarto. Sem ao menos dirigir uma palavra para Elizabeth, nem sobre o bolo, nem sobre nada. Eu apenas estava curiosa sobre o que tinha conversado com ele e queria tentar colocar em prática. Como prometido.
Deitei-me em minha cama encarando o teto branco do quarto. A janela estava fechada somente pelo vidro, e a luz do sol fraco adentrava o cômodo, lá fora, a neve já tinha coberto a vegetação formando uma imensidão branca e muito bonita de se ver. Relaxei meu corpo, ou pelo menos tentei fazê-lo.
Não parecia ser tão fácil quanto descrevia que era. Não sabia dizer ao certo se era pelo meu nervosismo ou pelo fato das crianças estarem brincando e falando alto no quarto ao lado. E se abrissem minha porta e me pegassem no flagra? Que desculpa eu daria? Eu provavelmente iria querer morrer caso algo do tipo acontecesse.
Respirei fundo tentando pensar no que havia me dito. Imaginar um lugar...um lugar calmo? Sim, me parecia bom ter um lugar calmo para onde eu pudesse ir e levá-lo comigo para ficarmos completamente a sós. Porque eu sabia que poderia imaginar qualquer pessoa ali comigo, o homem mais lindo da face da Terra, e no meu caso, aquele era .
Fechei meus olhos passando uma de minhas mãos por meu seio enquanto a outra já se encontrava na barra de meu vestido, indo de encontro a minha calcinha. Me toquei na intimidade, sem sentir nada. Franzi a testa ainda de olhos cerrados. Talvez eu não estivesse me esforçando o bastante na parte da imaginação. Eu estava com tanta vergonha de estar fazendo aquilo que só de pensar fazia-me ficar vermelha.
Voltei a idealizar um quarto grande, com uma enorme parede de vidro, que dava em uma vista linda das montanhas cobertas de neve. Um lugar aconchegante, uma lareira acesa com suas chamas aquecendo o quarto, por isso eu não sentiria frio com aquele vestido sem mangas. O imaginei ali, deitado na cama, apenas vestindo uma calça social, já sem camisa, esperando-me apoiado em seus cotovelos e sorrindo para mim.
Me aproximava da cama, desprendendo o véu de meus cabelos presos num penteado lindíssimo, o mesmo que sempre idealizei para quando eu subisse ao altar. O vestido também era o mesmo com qual eu sonhava em usar, mas lógico, na realidade eu teria que usar o que mamãe usou quando se casou com papai, ele havia passado por duas gerações e ainda estava lindo. encontrou-me na beirada do colchão, onde se sentou e tateou minha cintura atrás do zíper que soltava a saia do grande vestido branco.
Logo, me vi apenas vestindo espartilho que a base do vestido formava, minhas pernas cobertas por uma meia arrastão branca, sua mão grande levantou uma de minhas pernas e meu pé já descalço alcançou o meio de suas pernas, onde fiz um breve carinho arrancando-lhe um arfar de desejo. beijou minha coxa puxando a meia para baixo devagar, enquanto me encarava com seus olhos verdes incríveis. Desviei minha atenção de seu rosto assim que avistei em um de seus dedos uma aliança de ouro. Quando estiquei a mão para tocá-la, vi que também tinha uma. Respirei fundo ao me dar conta que, assim como o sonho que havia tido, estávamos em nossa lua de mel.
Abri meus olhos devagar, sorrindo abertamente e levando minhas mãos até meu rosto abafando um pequeno riso. Eu não tinha conseguido fazer o que tinha me pedido para tentar, minha cabeça tinha conduzido minha imaginação para outro lugar, um lugar completamente diferente do esperado. Meu coração bateu forte só de me imaginar casando com ele. O homem que amava tanto.
Mais uma vez me peguei pensando em como eu queria que as coisas fossem diferentes para nós. Apesar do pouco tempo que tínhamos juntos, sentia como se o conhecesse há anos. Se estivéssemos numa situação diferente, eu com toda a certeza aceitaria me casar com .
Talvez não precisássemos da realidade para que nos casássemos! Iria ser como na história de São Valentim, iríamos concretizar nossa união escondidos. Seria perfeito! Só nós dois, assim como nos meus sonhos e na minha imaginação. Era claro que eu queria que meus pais comparecessem ao meu casamento, que eles conhecessem e aprovassem pessoalmente meu futuro marido. Mas dada as circunstâncias, teríamos que celebrar somente eu e ele. No futuro, quando reencontrasse meus pais os contaria tudo em detalhes. Infelizmente não teria comigo para apresenta-lo a eles, porém, saber que nos casamos antes de ele partir talvez me consolasse um pouco.
Claro que primeiro de tudo contaria a a minha ideia, e eu esperava que ele ficasse tão animado como eu estava naquele momento. A euforia tomou conta de meu corpo enquanto eu pensava num jeito de arranjar algo que pudesse simular duas alianças, não chegariam nem perto das de ouro que imaginei em nossas mãos. Mas o nosso amor era tão real, que transformaria aquele quarto num verdadeiro palácio, minha roupa mais simples num vestido lindo. E , bom, ele não precisaria de um terno, já era incrivelmente charmoso de moletons.
Quem sabe até poderíamos fazer votos? Meu coração anseiou por aquele momento, mesmo sem ter concordado com nada ainda. Talvez pudéssemos cantarolar uma música clássica e dançar devagar pelo quarto após a "cerimonia". Teríamos que improvisar tudo, usar nossa imaginação. Mas só o fato de estarmos juntos e podermos nos casar antes de nos separarmos para sempre já tornava tudo mais que perfeito.
Voltei a deitar meu corpo sobre o colchão viajando em minha imaginação e morrendo de ansiedade para ver e pedir sua mão em casamento.
— Preciso te contar uma coisa! — Exclamei animada entre minha pequena caminhada até onde eu deixaria sua bandeja do almoço.
— Você tentou? Como foi?
— Não… — Respondi sem jeito remexendo-me sobre a cama. — Eu comecei, mas acabei me distraindo pensando naquele sonho que tive.
— Mas não foi o sonho que te ajudou a chegar lá? Porque ele seria uma distração?
Apertei os olhos enquanto era encarada por um confuso. Na minha cabeça parecia ser mais fácil falar logo sobre a minha ideia. Comecei a temer sua reação, e se ele me dissesse não?
— Então... Eu fiquei pensando na parte do casamento. — Levantei uma de minhas sobrancelhas sugestiva. Ele ainda parecia sem entender direito onde eu queria chegar. Pensei, então em falar de uma vez.
Estava tão nervosa que nem ao menos saberia explicar a ele o que tinha pensado horas antes, sozinha em meu quarto. Tinha tudo planejado nos mínimos detalhes, porém sabia que talvez ele não me entendesse. Não tiraria sua razão se ele não me compreendesse ou negasse meu pedido. Apesar de sermos próximos, eu não fazia ideia do que se passava em sua cabeça com os Soviéticos estando tão perto de vir buscá-lo.
Eu no lugar dele não conseguiria nem ao menos dormir sabendo que a hora de minha morte estava próxima, quem dirá pensar em casamento!
Mas eu queria tentar fazer ser algo especial para ambos. Vou me lembrar dele para sempre, me casar com ele será apenas algo simbólico, um compromisso que irei honrar até meu último suspiro e com certeza uma história que eu vou querer contar a quem quiser ouvir.
— E-Eu tive uma ideia...Não sei se você irá topar. — Cobri meu rosto com as mãos já sentindo-o queimar em vergonha. — , você quer se casar comigo?
Ouvi sua risada e não tive coragem para me descobrir. Era uma péssima ideia, eu não devia ter tentado. Que droga!
— Achei ter ouvido você me pedir em casamento. — Disse em meio a uma gargalhada. Meu coração se acelerou e senti o choro me subir pela garganta. Eu queria sumir naquele instante. — ?
Seus dedos puxaram os meus e com um pouco de força, os meus cederam, revelando-me no mais puro estado de fragilidade.
— Você está falando sério? — Indagou boquiaberto. Assenti e abaixei a cabeça. Brinquei com meus próprios dedos enquanto o esperava reagir ao meu pedido, torcia para que não houvessem mais risos, mas sim uma resposta. Mesmo que estivesse temendo um não. — Sabe que, se eu aceitasse, não iria valer de nada, não sabe?
— Eu sei! Eu só queria… — Funguei secando minhas lágrimas. — Sei lá, eu só queria ter você para sempre, quando nos casamos ficamos juntos para sempre!
, existem divórcios, a própria morte é uma separação… — Neguei com a cabeça. Não era óbvio que nem sua partida iria me fazer deixar de amá-lo?
Eu não via meus pais há meses, meus avós, há anos! E nem por um segundo deixei de amá-los. Perdi meu avô materno muito cedo, mas sua morte não foi capaz de apagar as lembranças que tenho dele.
— Pare de ser tão literal! — Encarei seus olhos com os meus ainda jorrando lágrimas. — Tire os pés do chão por um segundo, por favor, ! Você pode voar! Porque não consegue usar a imaginação? Eu sei que não irá valer de nada, nós nem ao menos iremos assinar um papel, mas eu não me importo. O que realmente importa é você estar aqui, comigo, e eu não vou ter isso por muito tempo, então pode, por favor, fingir que nada disso está acontecendo. Que nós somos pessoas normais, que se amam, que querem ficar juntos e que você não vai sair por aquela porta e nunca mais voltar?
— Me desculpe. — Seu toque em meu rosto fez meu choro se intensificar. — Sei que não gosta de pensar nisso. E se isso te faz feliz, não vamos mais falar sobre isso, ok? — Encostou a testa na minha aguardando que eu me acalmasse.
— Eu quero me despedir, mas sem me dar conta de que será uma despedida. Quero agir como alguém que acabou de se casar e que viu o marido ir para a guerra, quero ao menos ter uma falsa esperança de que, algum dia, você vai aparecer na minha porta e me abraçar. Podemos, por favor, fingir que isso será um até logo e não a droga de um adeus?
assentiu e logo depois me recebeu em seus braços, onde fiquei por um tempo.
Meu plano era passar esses últimos dias agindo normalmente, porque se eu pensasse muito no que viria a seguir, não sabia se me controlaria diante dos outros. Ou até mesmo diante dele.
Eu queria poder passar o dia, as noites, e as madrugadas ali, deitada ao lado dele, beijando seus lábios, sentindo seu cheiro e seu toque, ouvido o som da sua voz. Ah, aquela voz, aqueles olhos claros e aquele olhar que tinha. Eu não saberia mensurar o tamanho da saudade que ele iria deixar para trás, talvez até pudesse imaginar, mas sabia que a dor quando acordasse de manhã e visse aquela cama vazia seria dez vezes maior.
Quando perdi meu avô, a única pessoa de quem era realmente próxima que faleceu, comecei a imaginar o que faria se, de repente, ele aparecesse na minha frente. Eu com certeza o abraçaria forte, cheiraria seus cabelos brancos, ficaria o tempo que pudesse colada nele, falaria tudo o que ele significava para mim, o quanto o amava. Eu poderia ser muito sonhadora, mas sabia que aquilo era impossível de se acontecer.
Se tivesse tido oportunidade, ao menos, faria tudo aquilo antes que ele partisse. Não tive, lhe disse muitas coisas, cheirei seu cabelo e toquei sua pele gélida quando era tarde demais para que ele me ouvisse.
E eu estava vendo a história se repetir com naquele exato momento. Já que não poderia ficar ali com ele, que ao menos lhe dissesse tudo o que queria falar em vida, tentaria eternizar nosso amor com um casamento. Eu queria que fosse especial, para que não me arrependesse depois por simplesmente não ter feito nada.
— Desculpe por rir, é a primeira vez que alguém me pede em casamento. — Me permiti rir junto dele. — Mas sim, eu aceito. — Lhe beijei sem ao menos conseguir segurar meu sorriso, que parecia que iria rasgar meu rosto.
— Vou providenciar as alianças. Ah! E temos que escrever nossos votos. — Desatei a falar sentindo a euforia tomar conta do meu corpo.
— Calminha...Acho que não temos muito tempo para escrever, eu nem ao menos tenho acesso a papel. E nem acho que precise de uma aliança.
— Precisa sim! Eu sempre quis ter uma aliança. — Estendi a mão atraindo sua atenção. franziu a testa olhando-me como se eu fosse louca. — Toda vez que olhar para ela, me lembrarei de você. — selei nossos lábios. — E quanto aos votos, não precisa ser algo grande, a cerimônia será bem simplista. — Dei de ombros. — Ah! Eu preciso arranjar algo para vestir!
— Você sabe que vou me casar de moletom, não sabe?
— Você fica lindo de qualquer jeito, meu amor. — Peguei seu rosto analisando seus traços. — Mas um terno não lhe cairia mal.
Imaginá-lo num terno de corte italiano, justo na medida certa em sua cintura, valorizando seu peitoral e ombros largos, as calças igualmente ajustadas, deixando suas coxas em evidência causou-me arrepios
— Se fosse real, na verdade eu usaria um traje militar. — Cruzei os braços emburrada. — É real, não é? — Se corrigiu rapidamente. Assenti em concordância sorrindo satisfeita.
— A roupa não importa. Não vou vestir nada especial para combinar com você. — Coloquei a mão no queixo já sabendo que era uma mentira. Eu provavelmente procuraria ao menos algo que não tivesse me visto vestida.
Não iriam ter fotos ou registros da gente. O que não significava que não seria real. Antigamente não tiravam fotos nem nada do tipo. O que ficava mesmo marcado eram as memórias.
— E quando nos casamos? — Arregalei os olhos. Não tinha pensando naquele detalhe.
— Amanhã? — Ele mexeu a cabeça, concordando. Realmente não tínhamos muito tempo. — Pode ser de manhã? Os noivos não podem se ver antes da hora, senão dá azar.
— Você não existe, . — riu pelo nariz arrancando-me um sorriso esperto. — Tudo bem, noiva.
— Então nosso casamento está marcado, noivo.


Capítulo 23 - Secretly married

— Porque está com tanta pressa de terminar esse vestido? — Juliet indagou com os olhos ainda vidrados no botão perolado que ela pregava no tecido vermelho.
— Porque...Porque meu aniversário está chegando! E eu vou comemorá-lo com os meus pais. Tem que estar pronto o mais rápido possível!
— Quando irá fazer aniversário? — Seu olhar pairou sobre mim por um tempo, levantei o rosto e a olhei de volta, confusa.O tom da sua voz, o modo como sua postura relaxada endureceu fez meu corpo estremecer de imediato.
Sempre que Cornélia demosntrava pessimismo com o fim da guerra eu intervia e lhe dava um pouco da minha esperança. Mesmo quando nem ela mesma tinha, como quando Elizabeth tinha lhe dito que talvez o irmão estivesse morto. Para mim, ninguém poderia me tirar da cabeça o pensamento positivo de que iríamos ir embora dali com nossos pais o mais rápido que possamos imaginar.
Mas aquele olhar...Senti algo dentro do meu peito, como se uma mão invisível adentrasse minha pele e apertasse meu coração lá dentro.
— P-Porque? V-Você acha que eles não vão voltar até lá? Só faltam dois meses!
Seria a pior das decepções, apagar a vela sobre o bolo e não ter meus pais sorrindo junto de mim. Eu precisava deles ali, comigo, principalmente depois de perder daquela forma tão trágica. Meu pai havia prometido! E mesmo que nada estivesse ao alcance dele, eu ainda ficaria chateada por ter aquela promessa quebrada.
A verdade era que eu estava tão ocupada pensando em e vivendo tudo o que eu conseguia viver ao lado dele, que nem ao menos percebi que tinha deixado de pensar em meus pais. Não os sentia mais, e me dar conta daquilo fez meus olhos se encherem de lágrimas. Não os esqueci, era completamente impossível fazê-lo, mas já não me pagava mais remoendo minhas lembranças com eles.
— Não sei, . — Sua voz soou praticamente robótica. Olhei em seu rosto porém não consegui decifrar sua expressão.
Nunca tinha tocado naquele assunto com ela. Juliet e eu quase nunca conversávamos além do necessário para administrar as crianças, ou sobre as aulas de costura. Aquele dia do sutiã foi uma exceção enorme.
Me perguntei se as outras a questionavam sobre a volta dos nossos pais e se ela as respondia com a mesma frieza. As gêmeas choraram durante noites nos primeiros dias ali, porém com o passar do tempo entenderam a nova realidade, eu só não sabia dizer se elas achavam que aquilo tudo era definitivo. Cornélia e eu sempre falávamos sobre aquilo, porém eu era quem era questionada. E em todas as vezes tentei acalmar a menina, porque era a única coisa que eu poderia fazer, afinal, eu não tinha uma resposta para aquela pergunta.
E era pelo mesmo motivo que eu nunca questionei Juliet, por achar que ela não sabia do paradeiro de nossos pais. Mas após aquela resposta, minha cabeça começou a trabalhar em busca de algo, e logo me veio à mente aquela história de Feldwebel. Se ela conhecia o tal sargento, porque não saberia nada sobre as pessoas que foram tiradas de suas casas? Eu sempre achei que Juliet apenas conhecesse Clint, o enfermeiro. Porém Juliet tinha mais contatos do que eu imaginei que tinha.
A partir daquele pequeno diálogo, as horas que se passaram ali, naquele quarto silencioso, foram, no mínimo, estranhas.
Trabalhei no vestido até que anoitecesse, Juliet me deixou no quarto sozinha, precisou ajudar as mais novas com algo no andar debaixo. Era a minha primeira vez ali, só. Sem seus olhos analíticos sobre mim e live de sua paranoia sem sentido. Seu quarto sempre foi trancado, e eu entendia seu anseio por privacidade, porém, Juliet era tão exagerada que ás vezes parecia esconder muitas coisas de nós.
Um flashback me atingiu em cheio, o dia em que estive lá, quando retomamos as aulas de costura. Os envelopes que vi e que a deixaram tão nervosa.
Levantei-me devagar, encarando a porta fechada. Andei sorrateiramente até ela e abri sem fazer barulho, esgueirei-me pelo corredor até um ponto onde eu pude ouvir a voz de Juliet conversando com Elizabeth enquanto a auxiliava no preparo do jantar. Retornei ao quarto fechando a porta atrás de mim e indo correndo até a cômoda de Juliet, mais precisamente na última gaveta. Tirei as peças de roupa devidamente dobradas com calma e com as mãos trêmulas, agarrei os vários envelopes que estavam escondidos ao fundo. Com a respiração acelerada devido aos meus rápidos batimentos cardíacos, li num sussurro o nome familiar para mim.
Clint Glazkov.
As datas variavam, porém eu consegui, em meio a minha busca rápida, identificar correspondências datadas de anos atrás. Arriscava-me até a dizer que algumas foram trocadas na juventude de Juliet. No tempo em que ela ainda tinha seu marido, se Clint e ele fossem amigos, não eram para o marido de Juliet que deveriam ter sido enviadas todas aquelas cartas? Decidi não me atentar a aquele detalhe, não havia tempo para aquilo.
Temi que se “roubasse” mais de uma, ela perceberia, então tentei escolher alguma recente, a última havia sido recebida há algum tempo atrás. Provavelmente antes de chegar, já que as linhas telefônicas e o serviço de cartas haviam ficado comprometidos com a chegada do inverno rigoroso. Porém, uma delas me chamou a atenção. Havia sido enviada por Clint no fim do meu primeiro mês na casa de Juliet, e continha a palavra “Urgente” carimbada sobre o papel branco do envelope.
Recoloquei tudo em seu devido lugar e enfiei a carta por dentro de meu vestido, prendendo-a na parte debaixo de meu sutiã e torcendo para que não escorregasse.
Ainda faltavam alguns detalhes no vestido, mas já estava quase pronto. Depois que eu o usasse, pediria a Juliet para que ela me deixasse voltar ao seu quarto para acrescentar algumas coisas. Assim, devolveria a carta ao seu devido lugar.
— Aqui está. — Lhe estendi a chave de seu quarto tentando disfarçar meu nervosismo por ter ido direto para a cozinha ao invés de passar em meu quarto e deixar a prova do meu crime escondida.
A mulher recolheu o molho de chaves da minha mão e logo voltou sua atenção a panela que Elizabeth mexia com a colher de pau. A mais nova, porém, ainda matinha o olhar irritantemente curioso em mim. Lhes dei as costas o mais rápido possível a fim de me esconder logo em meu quarto.
, me deixe ver o que tem aí. — Congelei onde estava por um instante.
Elizabeth tinha apenas quinze anos, mas a malícia em sua voz às vezes chegava a me assustar. Virei-me devagar, segurando minha expressão de assustada.
Seus olhos pousaram-se no que eu tinha em minha outra mão, e me permiti respirar aliviada, estendendo o tecido em sua direção.
— Ficou muito bonito, . — Elogiou Juliet, atraindo o olhar de Elizabeth para meu rosto, sorri minimamente esperando que a menina terminasse de analisar o vestido.
— É lindo! — Sorriu ainda olhando cada mínimo botão pregado no tecido. — Não está muito curto, ?
— Não, não está.
— Não seja boba, Elizabeth, já é praticamente uma mulher. E também, ela irá usá-lo para impressionar um soldado. — Tomou o vestido das mãos da menina e o colocou em frente de meu corpo. — Um pouco acima dos joelhos é um ótimo comprimento. Nem muito curto, nem longo.
— Eu também quero um desse!
Ri de sua fala, atraindo seu bufar mais audível de todos.
— Você é muito nova pra querer atenção de soldados, Elizabeth. — Sorri abertamente, como se estivesse recitando uma poesia. Eu amava quando podia colocá-la em seu devido lugar.
— Não sou não. — Foi a vez de Juliet gargalhar.
tem razão, Elizabeth. Preocupe-se com outras coisas por enquanto. Sua hora com os meninos irá chegar. — Lhe sorri pegando o tecido vermelho de volta em minhas mãos, rumei até meu quarto, onde escondi a tal carta no fundo de meu guarda-roupas.
Ninguém mexeria ali, a não ser eu mesma. Sempre que as roupas eram lavadas, eram separadas e deixadas em cima de nossas camas, nós é quem tínhamos o trabalho de guardá-las. Até mesmo as pequenas tinham adotado aquele hábito.
Tomei um banho para tirar toda aquela tensão de meu corpo e comecei a preparar e pensar nos preparativos do meu casamento antes que a janta estivesse pronta. Era engraçado ter aquele pensamento, me permiti gargalhar debaixo da água quente que vinha do chuveiro.
1 dia e 24 horas antes da chegada dos Soviéticos;
Despertei, porém não me movi sobre a cama, voltei a fechar os olhos assim que me dei conta de que a claridade estava adentrando os pequenos vãos da janela acima de minha cama. Respirei fundo e sorria ao me dar conta do que estava para acontecer naquele dia, que nem havia começado direito, mas que eu não queria que tivesse fim.
Tomei um banho, passei um hidratante e um perfume discreto, nada que denunciasse as outras que eu estava me arrumando para algo importante. Sentei-me em frente a penteadeira e passei a dividir alguns fios para começar uma trança, após finalizar a tiara por cima da cabeça, prendi o restante de meus cabelos longos num coque. Parecia realmente o penteado de uma noiva. Vestia um vestido claro, sem muitos detalhes, presente de uma prima distante no meu aniversário passado. Eu não gostava muito dele, não sabia ao certo o motivo, talvez eu não fosse alguém que gostasse muito de cores claras.
Encarei-me no espelho e sorri satisfeita. Estava bonita. Estava bem longe de como eu sempre imaginei meu vestido de casamento dos sonhos, não chegava perto nem do vestido que passou de minha avó para a minha mãe, mas era o que tinha no momento. Desci para o andar debaixo agradecendo mentalmente, pela primeira vez não senti falta de ter que ir lá fora buscar os ovos. As galinhas que me perdoassem, mas naquele dia as coisas tinham que estar impecáveis, e o caminho até o galinheiro poderia sujar minha roupa ou até mesmo o vento bagunçar meus cabelos.
Ao chegar na porta do quarto, abaixei-me e puxei detrás do quadro sem graça do fim do corredor a solitária rosa de plástico. Tira roubado do arranjo da estante na sala. Juliet era tão fria que nem ao menos flores tinha dentro de casa, as únicas que tinham, eram falsas e estavam cheias de pó num canto qualquer. Era triste, mamãe tinha várias, cuidava de cada uma como se fossem filhas.
Sempre achei que pessoas que admiravam e respeitavam a natureza e os animais eram pessoas confiáveis. Quando conheci Juliet tive certeza.
— Bom dia. — A animação já era presente em minha voz, porém, ainda mantinha o volume baixo. Se pudesse colocar toda a minha emoção para fora naquele momento, com certeza atrairia a casa toda para o quarto de .
— Um segundo. — Murmurou do banheiro.
Apressei-me em depositar a bandeja em qualquer lugar e peguei a rosa indo para perto da janela. Apesar de estar fechada como sempre, a luz fraca do sol nos agraciava com sua presença. Era só usar a imaginação, logo se transformaria num pôr do sol incrível diante de um altar simples, o silêncio no quarto fazia-me tentar lembrar do barulho das ondas do mar.
Só havia conhecido a praia uma vez, há muitos anos atrás. Mas o som do mar era inesquecível, e de repente, senti vontade de sentir a areia branca entre meus dedos do pé. Se casar na praia deve ser tão lindo. Ouvi o barulho da porta do banheiro se abrir e me esforcei para continuar na atmosfera em que criei, torcendo para que entrasse na dança e completasse minha fantasia.
— Olhe só para você. — Sorri abertamente, encolhendo meus ombros e balançando a rosa em minha mão
— Eu nem ao menos me arrumei direito. — Olhou para si mesmo, rindo. — Está linda. — Me sorriu ainda com os olhos inchados e a cara amassada. Meu coração bateu mais forte, era certeza, era meu corpo todo reagindo a um mínimo gesto dele, que sem ao menos me tocar provocou-me arrepios.
— Obrigada. — Abaixei a cabeça tentando disfarçar minha timidez.
Era ridículo, sentir-me daquela maneira diante dele era ridículo. já havia me visto até nua, não era possível que depois de tudo o que passamos juntos eu ainda me sentisse da mesma forma. Como se fosse a primeira vez que ele tinha olhos vidrados em mim.
— E então... — Ri de sua confusão. Na verdade, nem mesmo eu sabia como iniciar uma cerimônia como aquela. Mas teríamos que dar um jeito. Fato é que nada ali seria como um casamento convencional, exatamente porque não era um.
— Antes de começarmos, quero que imagine o cenário. — Ele me olhou como se eu fosse uma criança que acabou de falar uma bobagem, como se eu tivesse acabado de citar a existência de sereias.
O que eu, de fato, acreditava na existência.
Naquele momento a nossa diferença de idade era quase que palpável. O jeito como ele era cético demais enquanto eu era fantasiosa demais! Minha imaturidade com a maturidade dele criava um contraste interessante, eu tentava pegá-lo pela mão e levá-lo para longe da realidade cruel em que vivíamos enquanto ele tentava, sem sucesso algum, colocar meus pés no chão. Eu sei que é preciso amadurecer, mas não sabia se aquele era o momento certo. Fugir da guerra e toda a morte e desgraça que ela trazia consigo me era mais cômodo e indolor.
Sabia que tinha sorte e era privilegiada por poder contar com aquele recurso. Existiam várias garotas da minha idade e até mais novas, como Cornélia, que tinham se despedido de seus pais, irmãos e familiares para vê-los ir para a guerra sem certeza de retorno. Sair da realidade não era nem uma opção para essas pessoas.
Deve ser horrível a sensação de incerteza. Meu pai estava a salvo, mesmo sem saber de seu paradeiro eu sabia que ele e mamãe haviam fugido para algum lugar seguro. Eu também estava a salvo, ali tinha comida, água, uma cama para dormir, tinha roupas e cobertores para me proteger do frio. Mas não saberia dizer se outros estavam nas mesmas condições que eu.
— Vamos, . Feche os olhos, imagine o barulho das ondas do mar... — Peguei suas mãos e fechei meus olhos.
... — Começou receoso. — Acho que não podemos nos dar o luxo de fechar os olhos. Temos que ficar de olho na porta. — Suspirei derrotada, franzindo minha testa e fazendo uma pequena birra. — Vamos imaginar de olhos abertos, sim?
Assenti com a cabeça, estava feliz por vê-lo entrar no meu embalo. Ver concordar em realizar minhas ideias mirabolantes mais uma vez fazia-me ver suas renúncias para me ver feliz. Sempre ouvi que no amor é preciso renunciar algumas coisas, e às vezes, até a si mesmo para aceitar as diferenças. Quando me dava conta daquilo, tinha a prova de que ele me amava. Mesmo sem dizer muito. As atitudes falavam por si só.
— Tudo bem. — Respirei fundo, voltando a me concentrar no que interessava. — Imagine um pôr do sol, descendo, encontrando-se com o mar calmo, a areia da praia tocando nossos pés...
— Sim, estou conseguindo ver uma praia. — Mexi a cabeça em concordância, sorrindo. — Já estou até te imaginando de biquíni. — Agarrou-me pela cintura assustando-me com a rapidez que o fez.
, me solta! — Segurei a risada presa em minha garganta, tentando afastá-lo pelos ombros sem muito sucesso. Além de estar sem força por conta do riso, ainda perdia feio para ele por conta de seus beijos em meu pescoço. Estava presa em seus braços. — É sério, , pare já com isso.
Ele me soltou, levantando as mãos em rendição, porém ainda sorrindo divertido, como uma criança arteira. Às vezes aquilo acontecia entre nós, os papeis se invertiam e eu me tornava a adulta da relação.
Eu simplesmente amava nós dois.
— Vamos começar a cerimônia. — Ajeitei meus cabelos torcendo para que a trança ainda estivesse em seu lugar. — Ah, um segundo!
Corri até a bandeja e tirei de debaixo do prato o par de alianças que havia improvisado para que usássemos.
— Aqui está a sua. — Coloquei em sua mão. franziu o cenho analisando aquele pedaço de tecido como se fosse algo de outro mundo. — Vamos juntos? — O tirei dos próprios pensamentos. concordou ainda sem entender.
— Eu, Ann , te aceito como meu esposo.
— Eu… Precisa mesmo disso? — Assenti já impaciente. — Eu, Edward , te aceito como minha esposa.
— Prometo amar-te e respeitar-te
— Na saúde e na doença. — Lhe sorri enquanto me lembrava de todas as vezes em que o ajudei com sua perna machucada.
— Na riqueza e na pobreza.
— Até que a morte nos separe.
— Até que a morte nos separe.
Uma lágrima fujona escapou pelo meu rosto e eu senti um grande nó se formar em minha garganta. O abracei num impulso, a fim de tentar sufocar aquela saudade enorme que eu sentia antes mesmo que ele partisse.
— Ei, nada de choro, é o nosso casamento, . — Afagou minhas costas devagar, sorri contra o tecido de sua blusa molhado por minhas lágrimas. — Não está feliz por ter se casado comigo?
Seus dedos cutucaram minha cintura acusando-me cócegas. Encolhi-me em resposta, afastando meu corpo do dele, segurar a gargalhada era uma tarefa difícil. Vermelha de tanto querer rir, o encarei constatando o que sempre soube: fazia-me sentir a pessoa mais feliz desse mundo.
— Não há motivos para chorar. Isto não é uma despedida, lembra? — Pegou meu queixo delicadamente, selando nossos lábios devagar. Segurei o choro que vinha a tona junto de minhas emoções e lhe sorri triste. — Estamos fingindo ser pessoas normais. Recém casados iludidos pela ideia de um casamento perfeito. — Estendeu-me o braço enquanto eu o encarava incrédula.
— Ei! O nosso vai ser perfeito! — Protestei ao lhe ceder uma dança completamente silenciosa. — Enquanto durar. — Prendi o riso colocando os braços em volta de seu pescoço. riu contra o meu rosto.
O casamento dos meus pais sempre havia sido um modelo para mim, eles brigavam de vez em quando, mas o companheirismo que eles demonstravam ter um pelo outro era o que me fazia querer ter um relacionamento igual com meu futuro marido. O jeito como papai se tornava um completo bobo quando mamãe resolvia contar como se conheceram, e o modo como ela cuidava dele quando ele tinha um simples resfriado e fazia um drama enorme como se estivesse em seu leito de morte.
Mas eles não eram perfeitos, os anos se passaram e eles já não faziam as mesmas coisas de quando eu era pequena. Não saíam juntos, nem sequer um beijo trocavam na minha frente mais. Era engraçado ver como o ciclo de amor de um casal funcionava, tudo começava com atração, um sem querer desgrudar os lábios do outro. E tudo se findava com o companheirismo, cuidando um do outro até que a morte se encarregasse de separá-los.
Um arrepio me subiu pela nuca.
— O que foi? — Sussurrou em meu ouvido, provavelmente percebendo o quão rígido meu corpo ficou naquele momento.
— Nada. — Recostei minha cabeça em seu peito enquanto tentava entender o motivo do meu arrepio.
Será que era porque eu estava me dando conta de que e eu tínhamos passado por todas etapas daquele ciclo e tudo se encaminha para o fim?


Capítulo 24 - Dancing in the silence

Os Soviéticos estavam tão perto que mesmo forçando-me a esquecer do que estava prestes a acontecer para não sofrer antecipadamente, nem desperdiçar o tempo que eu ainda o tinha comigo eu já não conseguia ignorar tudo aquilo. Iria acontecer! E estava cada vez mais difícil fingir que estava tudo bem.
Mas eu não queria contagiá-lo com meu sofrimento, afinal, era quem iria partir! Eu não seria torturada nem morta. Era melhor disfarçar minhas preocupações para não assustá-lo, apesar de ser quase impossível que ele não estivesse temendo tudo o que aconteceria nos próximos dias. apenas não queria demonstrar. Aparentemente estava tão calmo que chegava a me intrigar.
Não seria eu a responsável por fazê-lo se preocupar com o dia de amanhã. Talvez só estivesse tentando fugir da realidade.
— E-Eu queria te dizer algumas coisas… — minha voz surgiu rouca em meio ao silêncio no quarto. Pigarreei, tentando normalizá-la e me afastei um pouco a fim de olhar em seus olhos claros. — Não sei se você fez seus votos, nem se isso pode ser considerado voto… Queria te agradecer por ter entrado na minha vida. você chegou num momento tão conturbado… — Respirei fundo já sentindo os olhos marejarem. — Eu passava os dias olhando pela janela, esperando algo, não sei, meus pais vindo me buscar o que simplesmente num piscar de olhos meus essa guerra terrível acabasse. E parecia uma eternidade! Eu não tinha nada a que eu pudesse me agarrar, que me motivasse a ser forte. E então você chegou. — As lágrimas escorreram. — E foi como se uma luz forte invadisse a escuridão. Muito obrigada, . Eu estou muito feliz de ter me casado com o homem incrível que você é.
— E-Eu não sou incrível, . — Neguei veemente com a cabeça discordando de imediato. — Não mereço nenhum agradecimento, muito menos te mereço. — Secou meu rosto com delicadeza.
— Queria poder te emprestar os meus olhos, para que você pudesse se ver através deles.
, que tinha o semblante sério, soltou uma risadinha olhando-me com uma intensidade arrepiante. Acho que nunca seria livre daquele efeito que causava em mim. Era quase que uma hipnose, eu não conseguia sair daquele transe.
— Eu iria te ver nua todos os dias na hora do banho. — Levei a mão ao rosto sentindo-o arder em vergonha.
— Bobo. — Sorria tanto, mas tanto, que meu rosto chegava a doer. Seus lábios depositaram um beijo demorado em minha testa.
— Eu é quem tem que te agradecer, você salvou a minha vida. — Franzi a testa diante de sua fala.
Bem que eu queria salvar a vida dele. Acho que falava no sentido figurado. Se fosse, ele também havia salvo a minha. Imaginar que os dias em que estive com ele não tivessem existido fazia-me pensar que talvez eu não teria sido tão feliz sozinha naquela casa.
Todo o risco que corremos para ficar juntos havia valido a pena.
Suspirei e voltei a deitar minha cabeça em seu ombro. Sei que havia dito que não poderíamos nos dar ao luxo de fechar os olhos por míseros segundos, mas naquele momento eu fechei os meus.
Queria gravar cada mínimo detalhe daquele momento, o cheiro dele, o modo como seus olhos estavam mais verdes naquela manhã, a textura da sua roupa tocando minha mão, queria decorar até mesmo as batidas do seu coração que pulsava contra o meu peito.
. — após receber um murmúrio dele como resposta, continuei ainda abraçada a ele. — você pode cantar uma música pra mim?
Após um breve silêncio, ele pegou minha mão e começou a se balançar devagar e, após encostar sua cabeça na minha, começou a cantar baixinho.

Wise men say
(Homens sábios dizem)
Only fools rush in
(Que só os tolos se apressam)
But I can't help
(Mas eu não consigo evitar)
Falling in love with you
(Me apaixonar por você)

Shall I stay
(Se eu ficasse)
Would it be a sin
(Seria um pecado)
If I can't help
(Se eu não consigo evitar)
Falling in love with you?
(Me apaixonar por você?)


O som da sua voz.

Era um calmante instantâneo para a minha alma turbulenta. Era aquilo que eu guardaria a sete chaves em meu coração, eu iria precisar de algo para superar a sua partida. E nada melhor do que aquele som, nada melhor do que a voz dele, que já me disse tantas coisas bonitas e que fazia meu corpo inteiro se arrepiar.

Like a river flows
(Como um rio que corre)
Surely to the sea
(Certamente para o mar)
Darling, so it goes
(Querida, é assim)
Some things are meant to be
(Algumas coisas estão destinadas a acontecer)

Take my hand
(Pegue minha mão)
Take my whole life too
(Tome minha vida inteira também)

For I can't help
(Porque eu não consigo evitar)
Falling in love with you
(Me apaixonar por você)


A música havia acabado. Mas ainda dançávamos lentamente pelo quarto, voltando ao silêncio. Sua perna ainda estava se recuperando e nós também não éramos muito habilidosos no quesito dança. Mas estava tudo bem, não tinha ninguém nos olhando mesmo.
— Largue ela!
Petrificamos diante da cama. Virei meu pescoço ligeiramente e pude ver Juliet com sua espingarda apontada em nossa direção. Especialmente para . Meu coração vacilou nas batidas por um instante.
— Juliet, a-abaixe essa arma. — Virei-me, ainda ficando na frente de . Protegendo-o com meu corpo. — abaixe a arma. — Pedi mais uma vez.
— Ele estava te agarrando! Saia da frente para que eu possa acabar com a raça desse desgraçado!
— N-Não, Juliet, por Deus! — Levei a mão até minha testa e forcei uma risada natural. Tentei não soar nervosa, afinal havíamos acabado de ser pegos no flagra. — Eu apenas estava ajudando-o a se sentar na cama! Se ele estivesse fazendo algo contra mim é claro que eu teria gritado!
Seu olhar desconfiado passou pelo quarto e parou sobre a bandeja intocada por .
— Ele não comeu ainda, estava no banheiro desde quando cheguei. Acho que está com alguma diarreia, não sei. — Encolhi os ombros avaliando sua expressão que se contorceu em nojo.
A mulher deu passos até o banheiro e eu encarei ainda apavorada.
— N-Não recomendo que entre aí, acho que precisarei lavar o banheiro. — Seus passos cessaram no mesmo instante e ela deu meia volta, visivelmente enojada.
— Esse imprestável tinha mesmo que nos dar trabalho até mesmo antes de partir. — suspirou encarando-o com seus familiares olhos carregados de ódio. — Venha, vamos pegar as coisas para lavar o banheiro. Depois vou ter que dar um banho nele.
Concordei com a cabeça torcendo para que ela não me oferecesse ajuda na hora de “lavar” o banheiro, que não precisava ser lavado. Meu coração ainda parecia que sairia pela boca após o susto. Esperava que não estivesse explícito em meu rosto o quão apavorada fiquei.
Não queria nem imaginar o que Juliet faria se tivesse nos flagrado aos beijos.
Com aquela espingarda e todo aquela raiva acumulada, não era difícil adivinhar o desfecho daquela história.
Assim que regressamos ao quarto já encontramos no meio de sua refeição. Ele demonstrou-se surpreso ao ver Juliet de volta no quarto, ainda armada, a mulher parou perto da porta e ali ficou. Passei reto por e comecei a lavar o banheiro.
Deixei a porta entreaberta de propósito para ver se conseguia ouvir o que acontecia do lado de fora. Mas tudo parecia estar num completo silêncio. Com o braço já doendo de tanto esfregar o chão, dei uma pausa levantando-me. Meu vestido branco, “de casamento” estava sujo já.
— O que está fazendo aí?
Dei um pulo de susto ao fitar parado casualmente na soleira da porta, de braços cruzados como se nada estivesse acontecendo.
— O que você… Onde está Juliet? — Fui até a pia lavando o excesso de sabão em minhas mãos.
— Não sei, uma garota curiosa veio chamá-la. — Franzi a testa encarando-o pelo espelho. — Quando Juliet abriu a porta ela praticamente se contorceu para olhar o interior do quarto.
Elizabeth.
Revirei os olhos ao torcer o pano.
— O que disse para ela?
— Ela achou que você estava me agarrando. Eu disse que eu só estava te ajudando a voltar para a cama e que você tinha passado a manhã dentro do banheiro...com diarreia. — Segurei o riso espiando sua reação atrás de mim.
— Por isso ela estava me olhando daquele jeito? — Jogou a cabeça para trás rindo, deixando seu pescoço e maxilar a mostra. Mordi o lábio inconscientemente querendo beijar aquela área. — Eu adorei! É sempre um prazer fazer Juliet infeliz.
— Ainda bem que ela não nos pegou aos beijos, já pensou?
— Sim, pensei nela tendo um ataque cardíaco e partindo dessa para a melhor. — Arregalei os olhos, desferindo um tapa fraco no braço de , que ainda ria da própria piada mórbida.
— Não acredito que ela estragou nossa dança de casamento. — Disse manhosa, enquanto o sentia envolver meu corpo com seus braços. Repousei minha cabeça em seu ombro enquanto reparava em nossos reflexos no espelho.
era o homem dos meus sonhos, sem que eu nem tivesse sonhado com ele antes de conhecê-lo. Nunca fui de ter pressa para arranjar um namorado, mas quando me beijou pela primeira vez, despertou em mim um lado que eu não sabia que existia.
Aquele desejo todo. Já não era uma novidade para mim, mas parecia que quanto mais tempo eu passava com , mais eu o desejava. Não importava o quão longe nós dois já tínhamos ido naquela cama, eu ainda queria mais. Precisava de mais.
— A música estava tão linda. — Ele depositou alguns beijos em meu ombro enquanto olhava-me com suas esmeraldas brilhantes. — Eu amo o som da sua voz, amo você. E estou muito feliz por te ter como marido.
Girei meu corpo ainda entre seus braços e seus lábios me recepcionaram. Era uma urgência tão sufocante, como se eu não pudesse respirar se desgrudasse minha boca da dele. Seus lábios eram a minha perdição, ali, sendo prensada contra a pia, sentindo cada músculo do corpo de se chocar contra mim, vi que eu jamais seria a mesma. Meu corpo iria passar por um duro processo de abstinência quando não tivesse mais o dele para sentir.
— Também estou muito satisfeito com minha esposa. — Sua mão grande desceu por minha espinha e ao chegar em minha bunda, se deliciou apertando-a e chocou meu quadril contra o dele fez-me senti-lo ereto.
Desci uma de minhas mãos e após atravessar seu abdômen cheguei no volume que tinha entre as pernas. Olhei em seus olhos no momento em que espalmei minha mão em seu membro, sua respiração vacilou por um segundo. Eu amava aquele poder que tinha sobre ele.
Tirei seu pênis duro como nunca de dentro da cueca que o aprisionava, pulsava quente em minha mão, assim como da última vez. Diferente do meu primeiro contato, daquela vez eu sabia bem o que fazer. E queria mostrar a que tinha aprendido o que ele tinha me ensinado.
O masturbei devagar, recebendo beijos molhados no pescoço enquanto trabalhava minha mão em toda a extensão de seu membro. Os gemidos de eram tão baixos que apenas eu, que tinha seu rosto próximo de meu ouvido conseguia ouvir.
Que privilégio o meu. Era o som mais sexy que eu já ouvi na vida. O modo com ele gemia rouco e xingava vez ou outra, tentando conter o tesão.
Deslizei meu corpo para baixo chamando sua atenção, fechei rapidamente a tampa do sanitário e ali me sentei, levando seu pênis grande, duro e imponente até minha boca. Seus pelos se eriçaram instantaneamente.
— Caralho, … — praguejou num sopro de voz. Sorri tirando-o da boca e logo comecei a brincar com ele, beijando sua cabeça rosada lentamente, masturbando-o e tentando em vão colocá-lo todo na boca.
Suas mãos foram gentis, ao mesmo tempo em que eu via as veias de seus braços saltarem, pegou meus cabelos com delicadeza e fez um rabo de cavalo com aos mãos. Ali, ditou os movimentos enquanto delirava de prazer de pé diante de mim.
Quando estava perto de gozar, tirou o pênis da minha boca e virou-se em direção o ralo do chuveiro. Passou a se tocar, ainda em estado de êxtase, aumentando a velocidade.
Não contive um gemido ao observá-lo, esfreguei uma coxa na outra a fim de controlar minha excitação. Fui até ele, abraçando-o por trás e assumindo o controle de sua mão, que abandonou a minha e me deixou masturba-lo até que explodisse em prazer.
Beijei seu ombro enquanto ainda estava se recompondo. Logo seu corpo virou-se em minha direção e fui empurrada devagar de volta para a pia, onde me sentou numa velocidade assustadora.
Tomou meus lábios ao se encaixar entre minhas pernas, quando nos encaixamos o senti duro novamente, pontudo, já forçando contra minha intimidade. Soltei um gemido alto, sem ao menos conseguir me controlar. O olhei nos olhos perguntando silenciosamente que sensação era aquela.
Era maravilhosa. Um prazer diferente do que eu havia sentido até então. Sua mão adentrou meu vestido e se espalmou em minha bunda, tentando me puxar para mais perto. Era impossível, a única coisa que o impedia de me penetrar ali era minha calcinha ensopada.
Em mais uma de suas investidas eu aproveitei a proximidade e seu moletom abaixado na altura das coxas para apertar sua bunda. riu contra meu pescoço e sem querer bateu a mão no suporte de escovas, que foi ao chão fazendo algum barulho.
Nos separamos rapidamente, cada um para um lado, só daquela maneira pudemos respirar direito. passava as mãos pelo rosto visivelmente nervoso, mesmo após subir as calças o volume insistia em ficar aparente.
— Acho melhor eu voltar a lavar…o banheiro. — Disse arrumando meus cabelos desgrenhados. Tinha certeza que meu rosto estava vermelho, aliás, não apenas meu rosto. Ainda sentia em meu colo as marcas que os lábios de deviam ter deixado.
Sorte ter tantos vestidos que cobriam e estamos naquele inverno interminável.
Se a temperatura do lado de fora se igualasse com a daquele banheiro naquele momento. O gelo estaria se derretendo. Aquela sensação de descontrole não era nova, mas nunca havia sido tão forte. A impressão que eu tinha era que poderia fazer o que quisesse comigo naquele momento. Contanto que minha boca estivesse colada a dele, tudo para mim estaria certo.


Capítulo 25 - Honeymoon

's point of view.
Ansiedade.
Se havia uma palavra para descrever perfeitamente meu estado naquela altura do campeonato era essa. Pensar que tudo estava perto do fim fazia-me querer gritar de felicidade. Pensar também que era tudo muito incerto fazia-me querer chorar de desespero.
Eu ainda não sabia bem o que deveria estar sentindo naquela noite. Estava anestesiado, trêmulo, foi difícil camuflar toda a minha tensão na frente de , que parecia que saberia me ler antes mesmo que eu abrisse a minha boca. Ela notou que havia algo estranho, eu sabia que sim, eu também tinha adquirido a habilidade de ler suas expressões. Era assustador, nunca pensei em ter uma relação com alguém que tivesse esse tipo de conexão comigo. Para falar a verdade, sempre achei um mito.
No caso de não era tão difícil já que seu próprio corpo já falava por si mesmo. Naquela noite em especial, eu podia ver seus ombros tensionados ao máximo e seus olhos marejarem de vez em quando. Ela não tinha me perguntado o que me afligia porque não queria tocar no assunto.
havia chorado mais cedo, agarrada a mim, mesmo depois de todo um esforço para não fazê-lo. Eu nunca iria entender o que a levava a ter tanto carinho por mim, tanto amor que eu nem ao menos sabia retribuir. Me sentia mal por aquilo. Mas apesar de tudo, não iria embora sentindo que a deixei na mão. Durante o tempo que passamos juntos, nossos últimos dias especificamente, me certifiquei de fazer sentir-se amada.
Ou pelo menos esperava que sim.
Quando tudo ficou silencioso demais, após passar quase uma eternidade desde que Juliet e as meninas foram para seus quartos, levantei-me da cama já sentindo a adrenalina correr por minhas veias. Com as mãos trêmulas abri a porta do quarto e me esgueirei pelo corredor.
Ainda não era a hora de ir. Infelizmente. Eu nem ao menos sabia qual a hora de ir. Um equívoco sequer meu, acabaria com tudo antes mesmo que os soviéticos chegassem até a casa para me buscar.
Quando Juliet me pegou no quarto com e eu a foquei na porta, parada, com a espingarda a postos com meu peito na mira, eu soube que ela nunca hesitaria em me matar. Fui “poupado” na primeira vez em que estive sob sua mira, alvejado na perna, na segunda vez tive me protegendo, algo me dizia que não existiria uma terceira vez caso cruzasse com Juliet e sua espingarda. Seu dedo não iria nem ao menos vacilar em apertar o gatilho novamente.
Eu estava apenas me certificando de que iria conseguir fugir quando meu socorro chegasse. Se é que chegaria. Naquele dia em que consegui que as luzes do aparelho de comunicação da minha aeronave se ascendessem, consegui fazer um contato mínimo com a base. Não havia sido uma conversa clara, muito pelo contrário, foi cheia de chiados e interferências. Estava torcendo para que tivesse sido ouvido com clareza.
Lembro-me de ter deixado claro quem eu era, que estava vivo que corria grande perigo. Descrevi o local em que cai, mas não citei casa alguma, não era minha intenção atrair ninguém até lá. Se meus planos dessem certo, eu sairia pela madrugada e me esconderia na mata. Esperaria por alguém ali mesmo, caso ninguém fosse ao meu resgate, morreria ali mesmo congelado.
Ser capturado pelos soviéticos não era uma opção. Preferiria a morte a ter que ir parar nas mãos sujas deles.
Quando cheguei no fim do corredor, consegui ver a cozinha da casa com clareza. A luz que vinha da escada iluminava grande parte do cômodo. Ao longe, fixei meus olhos no molho de chaves pendurado perto da porta. Respirei aliviado ao ver que não seria difícil sair dali. Eu só precisava fazer silêncio e ser rápido.
Regressei meus passos e voltei a me deitar na cama. O aparelho estava ali embaixo, eu o deixaria ali, com certeza iria procurar por ele quando descobrisse da minha fuga e daria um jeito de desaparecer com ele. Afinal, aquilo era uma grande prova de que ela tinha me ajudado.
E seu ódio por mim será tão grande que ela irá se arrepender de tudo o que fez para me ajudar. Inclusive vai apagar qualquer rastro meu em sua vida. Então eu não teria que me preocupar com possíveis evidências deixadas para trás, acabaria com todas com o maior prazer do mundo.
Era completamente estranho pensar nela como alguém que me odiaria. As vezes eu chegava a pensar que nunca seria capaz de ter tal sentimento ruim. Ela era literalmente um anjo. Um anjo da guarda. Nunca fui de acreditar muito nesse tipo de coisa, minha mãe vivia me falando da existência de um ser que não podia ser visto mas que estava ao tempo todo do meu lado protegendo-me. Depois de tê-la cobrindo me com seu próprio corpo quando Juliet me apontou a espingarda, eu realmente pensei naquilo.
Aliás, essa é outra coisa que provavelmente se arrependerá de ter feito por mim.
Encarava o teto sem previsão de dormir. Eu não poderia sequer cochilar.
Um barulho vindo da porta me fez dar um pulo de susto. A pouco luz vinda do fim do corredor me permitiu ver um vulto adentrar o quarto. Estreitei os olhos e pude enxergar a silhueta da menina loira se aproximar da cama. Meu coração se acalmou ao reconhece-la.
? O que está fazendo aqui? — apoiei-me em meus cotovelos, ainda tentando enxergá-la direito.
Ela usava um vestido vermelho. Nem um pouco apropriado para o frio que fazia a aquela hora. Na verdade, não me parecia apropriado para ela, eu nunca a havia visto vestindo algo daquele tipo, nem ao menos imaginado.
E devo dizer que era melhor do que qualquer coisa que eu poderia imaginar.
— Como assim? Eu vim para a nossa lua de mel. — Me sorriu abertamente, fazendo-me franzir o cenho.
se aproximou da cama, seus dedos passeavam devagar pelos botões do vestido. Eu ainda a encarava sem reação. Parecia um sonho. Um bem real, tão real que fiquei duro apenas ao contemplá-la vestida daquela maneira...diferente.
Sabia que era apenas um vestido. Mas, depois de já ter contemplado seu corpo nu tantas vezes, qualquer roupa que desenhasse e fizesse jus as suas curvas já me deixava louco. Era como se eu pudesse ver o que tinha debaixo daquele tecido a olho nu.
Ajoelhou-se sobre o colchão e espalmou suas mãos em meu peitoral. Aquele toque, era real, estava trêmula, mas ainda assim, ela tomou a iniciativa e tomou meus lábios num beijo lento e instigante.
...não podemos… — A menina desceu os beijos por toda a extensão o meu pescoço enquanto sua mão explorava meu corpo descendo em direção ao meu membro, que pulsou assim que sua mão chegou ao seu destino.
Não poderia haver uma lua de mel. Eu não tiraria a virgindade dela! Estava mais do que decido que eu não faria mais nada para machucá-la. Nada além de ir embora e sumir do mapa, aquilo por si só já a deixaria devastada o bastante. Passar aquela noite com ela apenas agravaria as coisas.
, não! — Recobrei minha sanidade, tirando suas mãos de perto de mim como se seu toque me queimasse.
E era realmente aquela a sensação. Eu sabia muito bem que não a amava, mas desejo, ah, aquele era um detalhe totalmente a parte. Estaria mentindo se dissesse que não a queria ali, vestida daquele jeito e entregue a mim, mas tinha certeza que não conseguiria mentir para mim mesmo. Afinal, meu corpo inteiro sentia falta do toque dela e não fazia nem questão de disfarçar.
Aqueles últimos tempos ao lado de foram incríveis, mas ao mesmo tempo torturantes. Eu estava há tanto tempo sem sexo, e só poder desfrutar as preliminares com ela foi no mínimo frustrante. Mas ao menos minha consciência estaria limpa quando eu partisse.
Nunca tinha colocado minha consciência acima das minhas necessidades e desejos. Aquilo era muito novo para mim.
— Porque não? , somos casados agora! — Argumentou, emburrada. sentou-se em cima das próprias pernas e cruzou os braços. Não pude evitar de rir fraco, parecia-se com uma criança birrenta.
— Você sabe que não somos casados oficialmente. — A loira levantou sua mão e mostrou sua “aliança”, a que trocamos mais cedo. Neguei com a cabeça ainda sorrindo. Eu iria sentir falta dela. — e você ainda é menor de idade...
Tinha ciência que meus argumentos caiam por terra caso nos esforçássemos para lembrar o que já fizemos naquela cama. , não dando a mínima para o que eu estava falando, mexia nos botões. Me distrai no que dizia quando a observei abrir os primeiros, revelando sua pele por debaixo. Respirei fundo, sua pele era tão macia…
— Eu já tenho quase dezoito. — continuou desabotoando, quando dei por mim, já ofegava a cada movimento de seus dedos sobre o vestido. — e, além do mais, o que eu vou fazer com isso que vesti só para você me ver usando?
Seus dedos puxaram o tecido vermelho, revelando seus seios pequenos perfeitamente moldados e empinados naquele sutiã de renda branco. Era tão transparente que me permitia ver seus mamilos rosados e rijos por debaixo do pano. Delicado e tão sexy, assim como .
Minha sanidade e qualquer resquício de consciência foram para os ares. A peguei pela cintura, afogando-me entre seus seios. Os beijei por cima da renda enquanto já deitava seu corpo no colchão. Afastei-me para terminar de desabotoar o vestido e tive uma surpresa maravilhosa ao chegar em seus quadris e ver que não usava calcinha.
Levantei meu rosto lhe sorrindo safado, a loira apenas mordeu os lábios enquanto suas bochechas queimavam em timidez.
Onde ela tinha aprendido a ser tão provocante daquele jeito? Eu não fazia ideia. Mas estava adorando tudo aquilo.
Assim que terminei, tratei de tirar o vestido e tocar seu corpo nu. A contemplei por algum tempo, assistindo-a se arrepiar a cada vez que meus dedos deslizavam em sua pele macia. avançou sobre mim puxando minha blusa para cima, me preocupei por um instante. Eu tinha que me controlar, mas ao mesmo tempo queria dar o prazer que ela tanto almejava.
E, também, não lhe tirava a razão. estava em desvantagem, sempre ficava nua para mim mas nunca me viu completamente despido. Sentia que devia aquilo a ela, sanar sua curiosidade de finalmente ver um homem nu.
A ajudei a tirar minha blusa e assisti o caminho que seus olhos azuis fizeram pelo meu corpo. Vi o desejo estampado neles, mas também reparei sua hesitação. Peguei suas mãos, espalmei ambas em meu peito e a ajudei a me tocar, devagar. Logo seus lábios molhados beijavam minha pele, sua língua contornava algumas de minhas tatuagens. Eu envolvia seus cabelos longos em minhas mãos, desejando tê-la abocanhando o volume crescente entre minhas pernas.
havia aprendido tão rápido como chupar, que eu estava viciado em sua boca.
Como se lê-se meus pensamentos, suas mãos delicadas brincaram com o elástico do moletom que eu usava. Não sabia ao certo se conseguiria me controlar, mas estava tão envolvido quanto ela. Eu a queria tanto quanto ela me queria. Eu queria poder fode-la. Mostrar como era gostoso, fazê-la experimentar um prazer absoluto.
Mas não. Eu não poderia. Prometia para mim mesmo que não tiraria sua virgindade.
Controle-se !
— Tira… — Sussurrou ofegante próxima do meu ouvido.
Puxei minhas calças com facilidade. Apesar do elástico, elas estavam meio largas em minhas penas, então não foi nada difícil tirá-las.
Seu toque foi diretamente para minhas coxas, onde também haviam algumas tatuagens. Ela parecia fascinada com os desenhos em meu corpo. havia sido a primeira a realmente percebê-las ali. A maioria das mulheres estavam interessadas no que tinha dentro da minha cueca.
Por falar nela, eu já a sentia deslizar pelas minhas pernas e sumir junto ao amontoado de roupas pelo quarto. A atmosfera ali já estava formada desde o momento em que apareceu ali no meio da noite vestida daquela maneira. O quarto com uma meia luz que tinha das frestas da janela e da porta, os cobertores debaixo de nós aconchegando nossos corpos desnudos. Era sexo puro, estava no ar, o desejo, a luxúria eram praticamente palpáveis.
— Seu corpo é tão lindo. — ofegou, ao finalmente pegar meu membro e masturba-lo devagar.
Sua boca passeou por ele enquanto eu tentava a todo custo não gemer para não fazer barulho. A observava nua, curvada sobre o colchão, abocanhando meu pau com uma maestria surpreendente. Parecia uma miragem. era incrível na cama. E eu tentava ao máximo não imaginar como seria consumar o ato com ela.
Assim que gozei tratei de voltar a deitar seu corpo e lhe proporcionar o mesmo. Eu já conhecia seus pontos fracos, já havia gravado cada pedacinho de seu corpo, cada pinta, as sardas que ela tinha no colo e ombros. Lhe tirei o sutiã e logo comecei a estimular sua intimidade com os dedos. estava molhada, pronta para me receber entre as pernas.
Afastei tal pensamento, voltando a me concentrar em seu corpo. Após brincar com seus seios, lhe tomei a boca, tentando abafar seus gemidos. Era triste saber que nunca teríamos a oportunidade de fazer algo sem que fosse às escondidas. Apesar de ser uma pena, eu admitiria, a adrenalina apenas aumentava o meu tesão.
Desci minha boca por seu tronco, dando uma atenção especial para a barriga dela, onde beijei por um tempo. Não sabia o porque, mas eu simplesmente amava a barriga dela e o modo como ela denunciava sua respiração acelerada quando eu chegava perto. Assim que cheguei em sua intimidade, levantei uma de suas penas, abrindo-a cada vez mais para que eu pudesse chupá-la. logo se desfalecia sobre o colchão, pude sentir seu corpo todo tremer durante o orgasmo que ela teve antes de perder completamente as forças.
A puxei para cima, rindo de sua moleza repentina. A loira se sentou, puxando-me pela nuca, me dando outro beijo de tirar o fôlego.
, não. — Segurei sua mão já sabendo o que ela estava tentando fazer.
— Por favor. — Gemeu manhosa, encarando-me com seus olhos brilhando em desejo. Neguei evitando olhá-la. Tê-la nua sobre mim estava me deixando louco. Homem nenhum deveria passar por uma pressão daquelas. — Por favor, . Só um pouquinho.
Pegou meu membro, encostando a cabeça no próprio clitóris. Gemi em pura reprovação, jogando a cabeça para trás.
Não era possível que aquilo estava acontecendo de verdade. Não estranharia caso despertasse naquele exato momento. Mas torcia para que não fosse um sonho.
— Só um pouquinho, amor. — Chegou mais perto, fazendo meu membro doer de puro desejo.
— Meu Deus, eu criei um monstro — Revirei os olhos assim que minha cabeça inchada tocou sua entrada molhada mais uma vez. Meu coração parecia que sairia pela boca a qualquer momento. — Tudo bem, tudo bem! Mas só um pouquinho. — sorriu e se deitou de barriga para cima, enquanto me posicionava entre suas pernas.
Pincelei sua entrada duas vezes, controlando meus gemidos, forcei a entrada devagar, quase morrendo ao senti-la tão apertada recebendo-me dentro de si. A cabeça entrou fazendo-me morder meu lábio com força, estava tensa sob mim, porém ainda tinha a expressão de puro prazer no rosto. Decidi não entrar mais, afinal, eu sabia que poderia machucá-la.
... — Gemeu meu nome colando seus lábios finos no lóbulo de minha orelha, meu corpo todo se arrepiou enquanto eu ainda me concentrava em controlar a penetração. — isso é tão bom.
revirava os olhos em puro êxtase, com toda sua teimosia, começou a avançar o quadril contra o meu buscando ainda mais contato. Quando vi já havia entrado mais um pouco, a loira já levantava uma das pernas e envolvia meu quadril enquanto suas unhas me arranhavam as costas, puxando-me para si. Sua mão desceu por meu corpo e me apertou a bunda, eu estava cada vez mais dentro dela, cada vez mais apertada, úmida, gostosa.
Quando dei por mim, tinha escorregado para dentro dela devido a toda lubrificação. Seu hímen estava rompido. Procurei seu olhar louco de tesão. Eu nunca havia tirado a virgindade de nenhuma mulher na vida, a sensação que senti era alucinante. Mas, mesmo assim, me segurei dentro dela, esperando alguma reação de , que havia ficado estranhamente calada.
— Tudo bem? — Pela primeira vez, eu não sabia o que aquela expressão dela significava.
— S-Sim. — Respondeu-me num fio de voz. Sua respiração estava entrecortada, passei minhas mãos por seus cabelos, tirando-os de sua testa. — Eu queria que fosse com você, para ser especial.
A beijei com calma e ela apenas envolveu a outra perna em meu quadril e gemeu contra meu ouvido. Saí para logo depois poder entrar devagar, deixando-a se acostumar com meu tamanho, logo pegamos um ritmo bom, se desfalecia embaixo de mim enquanto eu a estocava com cuidado. A velocidade em que nossos corpos se moviam foi aumentando, logo a beijava a fim de seus gemidos e gritos. Metia com força segurando-a pelas coxas, beijava sua boca e logo desci para seus peitos, abocanhando um de cada vez.
Ofegante, a menina começou a dar sinais de que iria gozar, envolveu meu corpo com suas coxas enquanto se desfalecia sobre o colchão, mordendo a própria boca enquanto tremia num orgasmo profundo. apertou meu membro dentro de si, fazendo-me perder totalmente o controle. Ela com certeza nem ao menos sabia o que havia feito, mas eu estava maravilhado com tudo o que fazia.
— Isso! Faz de novo, amor. — Quase implorava ao entrar e sair de dentro dela, já sentindo que também chegaria ao meu ápice.
Quando me apertou novamente atingi o ápice, explodindo dentro dela, que por sua vez teve outro orgasmo apertando as unhas contra minha pele. Interrompi a penetração rapidamente, masturbando-me com seu corpo ainda colado ao meu. Sua mão substituiu a minha e logo ela me fazia gozar em sua barriga.
Logo deitei meu corpo cansado ao lado de , que ainda respirava descompensadamente. Porém, com um sorriso enorme no rosto. Apesar das baixas temperaturas, seus cabelos claros grudavam em sua testa, eu não estava diferente, estava enérgico. Tinha sentido falta daquela sensação pós-sexo, era incrível. Puxei seu corpo para mais perto nos cobri com as cobertas, ajeitando-nos sobre o colchão. Logo estávamos abrigados do frio.
— Ei, pode dormir um pouco se quiser. Eu te acordo quando for a hora de ir. — Sussurrei em seu ouvido, beijando levemente sua têmpora.
, que já fechava os olhos sem querer, apenas assentiu devagar enquanto se aconchegava em meu peito. Sorri fraco ao observar seus lábios ainda curvados num pequeno sorriso. Eu iria sentir falta de e de toda a sua doçura.


Capítulo 26 - Studded in my heart

Minha ajuda chegaria mais tarde, portanto eu ainda poderia aproveitar minhas últimas horas ao lado dela. Não tinha sido bem do jeito que eu imaginei que seria. Achei que a última vez que a veria estaríamos vestidos. Naquele momento me caiu a ficha de que havíamos realmente acabado de transar. Era loucura!
Bati em minha própria testa repreendendo-me por ter deixado me levar tão facilmente e quebrado minha promessa. A observei por um tempo, ressonava calma, coberta até o pescoço pelo grosso cobertor, parecia até um anjo. Que eu tinha acabado de corromper.
Neguei com a cabeça rindo baixinho. Não acreditava que ela tinha entrado naquele quarto e me feito ceder daquela maneira. Estiquei meu pescoço e pude ver o vestido vermelho jogado no chão, nem tive tempo de vê-la vestida nele direito. Ela parecia saber que eu não resistiria.
Eu definitivamente havia criado um monstro.

***


remexeu-se sobre mim, atraindo minha atenção.
Eu estava no mundo da lua. Era apenas uma metáfora para simbolizar meus pensamentos tempestuosos, minha mente estava a mil por hora tentando assimilar o fato de que eu estaria livre. Se tudo desse certo, eu poderia sair daquele inferno.
Pensar que veria meu pai novamente e meus colegas, fazia-me querer apressar os ponteiros do relógio e o próprio sol para que amanhecesse logo. Ir para casa, rever minha mãe e irmã ainda poderia ser considerado por mim apenas um sonho, afinal, ainda tinha uma guerra na qual eu teria que lutar.
Mesmo sendo inexperiente, eu preferiria morrer em combate do que aceitar meu destino naquela casa e não fazer nada a respeito. Morreria com honra.
— Não tinha visto que acordou. Pode voltar a dormir…só se passou meia hora. — Não sabia ao certo se tinha sido aquele tempo mesmo, fato era que tinha acabado de cair no sono.
— Não quero dormir mais — Tirou os braços de debaixo das cobertas e ficou ali, encarando-me com seus olhos azuis entreabertos, sorrindo abertamente. Encarei seus lábios, tempo o suficiente para que ela estranhasse. — Porque está me olhando desse jeito?
Ri junto dela, que tampava o próprio rosto vermelho com as mãos.
Algumas coisas nunca iria mudar.
— Você que está me olhando. — Respondi, ainda rindo. A verdade era que nem mesmo eu sabia o motivo.
se remexeu sobre o colchão e seu corpo quente deslizou sobre o meu. Era uma sensação tão gostosa, quase inebriante, não me lembrava mais como era dividir a cama com uma mulher, sentir seu corpo nu contra o meu, seus seios contra o meu peito, sua respiração. O calor humano que emanava dela, era viciante.
Ela também sentiu o que senti. Mas de uma forma diferente. me olhou sem graça, sorrindo do mesmo jeito que sorriu quando a beijei pela primeira vez, ou quando a toquei pela primeira vez. Estava maravilhada com as novas sensações que estava experimentando. Era maravilhoso participar de suas primeiras experiências, ver como ela reagia a cada estímulo meu.
Me perguntei como eu conseguia me lembrar exatamente de seu rosto, seus olhos, do modo como ela reagiu a primeira vez em que fizemos algo juntos. Eu não costumava gravar aquele tipo de coisa, mas naquele instante conseguia me recordar nitidamente da menina que conheci há um tempo atrás.
Estava, de certo modo, assustado com aquela novidade. Cheguei a sentir meu coração palpitar por um instante. Acho que a euforia de ir embora estava mexendo com minha cabeça.
Talvez, aquele fosse o motivo de eu não conseguir tirar os olhos dela, de ter conseguido gravar sua imagem desde o princípio. Era meu cérebro tentando eternizá-la no meu subconsciente, eu não sabia bem se acreditava bem na ideia de guardar alguém no coração, então aquele argumento me parece ser mais plausível.
Eu nunca esqueceria o que fez por mim. Assim como os veteranos de guerra se lembram vividamente de tudo o que passaram em combate, eu jamais iria deixar de pensar em como a menina que me salvou. Não achava que a amava, mas não poderia dizer que estava deixando aquela casa indiferente a ela. Aliás, quem era eu para falar sobre amor? Não o conhecia daquela maneira. Ao contrário do meu plano inicial, eu realmente conseguia sentir um aperto no peito em ir sem ao menos me despedir. Deixá-la depois de tudo o que foi dito e feito.
Tinha criado sentimentos por . Mas não sabia como classificá-los, estava tudo emaranhado em meio ao ódio que eu nutria pelos soviéticos, por Juliet, junto da pena que eu sentia daquelas crianças ali, sem os pais e sem notícias, com o carinho que me despertou, o desejo, a entrega. E, fora disso tudo, ainda tinha o sentimento ruim que sentia por mim mesmo ao perceber que eu realmente tinha conseguido seduzir . Eu deveria estar feliz por poder finalmente ir embora, mas não gostava da sensação de saber o que foi preciso fazer para conseguir aquilo.
Era tudo muito confuso.
? — Murmurei algo esperando que ela continuasse. Porém apenas riu nervosa, escondendo o rosto na curva do meu pescoço.
— O que foi? — Esforcei-me para ver sua expressão. — Fala, linda. — Afastei seus cabelos bagunçados revelando uma pequena parte de seu rosto, completamente rubro.
— Eu quero fazer de novo. — Sua voz sussurrou ao pé do meu ouvido.
Respirei fundo encarando o teto. Quando voltei minhas atenções a ela, a peguei encarando-me curiosa. Ri fraco negando com a cabeça, a culpa era toda minha. Lhe apresentei aquele mundo novo, cheio de sensações viciantes e extasiantes. Sexo era uma droga, totalmente ilícita para . Eu, de certa forma, era seu traficante.
Lhe dava o que ela queria.
Porém alimentava meu vício junto dela.
Poderia ser encarado como algo que beneficiava ambos. Poderia, se não fosse errado. Mas, apesar de parecer errado, parecia ser tão certo ao mesmo tempo. Naquele momento e em todas as vezes em que estivemos juntos, nunca senti como se não devesse estar ali, ou como se não me quisesse junto dela. Pelo contrário, parecia ter um imã que me puxava inconscientemente para si, nossa atração apenas ficou mais forte.
— Você gostou, não é? — Lhe roubei um beijo, mordiscando seu lábio inferior devagar. negou com a cabeça sorrindo divertida.
A merda já tinha sido feita mesmo.
Lhe puxei pelas mãos para cima de meu corpo, sentou-se sobre mim, como da primeira vez que começamos aquilo. Foi ali, a causa do “problema”. Não que eu me arrependesse. O problema estava no fato de não conseguirmos parar mais, o que resultou na nossa atual situação.
— C-Como eu vou... — Ela franziu a testa encarando meu membro ereto abaixo de suas coxas.
Sentei-me na cama. Pegando sua cintura e posicionando seu quadril, nossas intimidades se tocaram e os gemidos que soltamos foram inevitáveis. Era como se juntássemos dois fiozinhos, era choque na certa. Engoli a seco encarando seu rosto confuso. Afinal era uma posição nova para ela. Aliás, quase tudo daquela noite era considerado novo para ela.
— Coloque-o dentro de você. — Agarrei meu membro com uma de suas mãos delicadas e pincelei mais uma vez sua entrada, arrancando-lhe uma expressão sôfrega.
Me recordei do dia em que a vi pela primeira vez. Do jeito como me impressionei com sua transparecia, como demonstrava tudo o que sentia em seu rosto e em seu olhar.
Eu ainda me impressionava. Só não tinha me dado conta até vê-la de desfazer de prazer aos poucos. Sua barriga demonstrava sua respiração irregular, estava nervosa. Provavelmente com medo de não dar certo. Mal sabia ela que só o fato de te-lá nua em meu colo, completamente entregue a mim já me dava um puta tesão. Não precisava ser perfeito. Eu estava ali para ensiná-la.
— Eu te ajudo. — Lhe beijei o ombro, tirando suas madeixas loiras do caminho que trilhei por todo seu pescoço, subindo em direção a sua orelha. Olhe mordisquei seu lóbulo, fazendo-a se arrepiar dos pés a cabeça.
A queria naquela posição, seria mentira dizer que tinha me esquecido daquela noite. A imagem de chegando ao ápice pela primeira vez na vida, gozando sobre meu colo, era quase impossível tirar da cabeça. Me atormentou por um tempo e, naquele momento, eu seria louco se não experimentasse aquilo com ela. Tê-la nua sobre mim, sentando, sem roupas entre nós, pudor ou timidez, tinha sonhado com aquilo, tinha virado uma fantasia para mim.
levantou um pouco o quadril, apoiando-se em meu ombro e mirou a cabeça na sua entrada. Lhe apertei a cintura sem ao menos me dar conta, tentando controlar meus instintos. Tudo tinha que ser devagar, calmo e suave.
Era a primeira vez que eu tinha tais preocupações uma vida. Esperava que estivesse me saindo bem.
A loira desceu devagar, preenchendo-se aos poucos, enquanto tinha o rosto encostado ao meu. Eu podia sentir o ar que saia de sua boca bater contra meu ouvido. Assim que sentou, gemeu rouca, sendo inconscientemente acompanhada por mim.
Nunca fui de fazer as coisas lentamente. E por mais monótono que aquela ideia me parecesse antigamente, eu estava me surpreendendo em perceber o quão gostoso era. Parecia que tudo estava acontecendo em câmera lenta, seu quadril subia e descia enquanto eu a invadia e a preenchia lentamente.
Abocanhei o seio dela, que se curvou com a boca entreaberta, tentando não gemer alto. Eu amava o fato de ser tão sensível ao toque ou a qualquer estímulo. Era presunção demais achar que era por minha causa que ela estava tendo outros orgasmos naquela noite? Que eu estava lhe dando o melhor sexo da vida dela? Porque o modo como ela reagia a cada pequena coisa que eu fazia naquela cama me fazia acreditar piamente naquilo.
E não há que um homem ache mais incrível do que saber que está impressionando, principalmente na cama.
Aliás, sempre me fazia sentir daquele jeito, em tudo. Pensando no que ela tinha me dito naquela manhã durante nosso “casamento”, eu realmente fiquei curioso em ter seus olhos para que pudesse me enxergar do modo como ela enxerga. Eu queria muito ser ao menos metade do homem que acreditava que eu era.
Aos poucos, fomos aumentando a velocidade, logo, ela já não precisava mais de minha ajuda e movia o quadril sozinha, sentando enquanto me beijava. Lhe pegava pela nuca, emaranhado meus dedos em seus cabelos lisos, puxando devagar. Minha mãos passaram por todo aquele corpo quente, deixando algumas marcas que provavelmente ficariam com ela por alguns dias.
desgrudou os lábios dos meus tentando, sem sucesso, gemer sem fazer barulho. Porém, ela já não conseguia se controlar, levei uma de minhas mãos até sua boca e meu outro braço a agarrou pelo tronco. Girei nossos corpos e a deixei por baixo, cobrindo seu corpo com o meu. Abri bem suas pernas, aprofundando ainda mais a penetração. Seu rosto ganhava uma coloração cada vez mais avermelhada e ela já chegava ao ápice. Não tirei a mão de sua boca e enquanto ainda a penetrava, seu corpo chegou à exaustão após ela explodir em prazer.
Continuei penetrando-a, porém voltando ao ritmo inicial. Com o corpo completamente sobre o dela eu tinha a visão de seu rosto vermelho e suado abaixo de mim. Ela levantou um pouco seu tronco para poder colar sua boca na minha.
— Eu te amo tanto. — Sua voz fraca disse.
Com a respiração acelerada, afundei meu rosto em seu pescoço quando deixei seu corpo e gozei para fora.
— Eu também te amo, . — Ela merecia ouvir aquilo.
E o jeito como ela me olhou...
Não era a primeira vez que minha voz pronunciava tais palavras a ela, a única vez em que lhe disse aquilo foi da boca para fora. Não achava que naquela noite estava sendo diferente, porém meu coração me contrariou no momento em que bateu mais forte ao ter aquele par de olhos claros me olhando daquela maneira.
Eu não sabia explicar como era, só sabia que ninguém nunca tinha me olhado daquele jeito na vida. Naquele momento comecei a me questionar se o sentimentos dela por mim não eram realmente verdadeiros, e não uma euforia adolescente. Tomei seus lábios enquanto sentia nossos corpos se entrelaçando sobre a cama. Meus dedos se perdiam em meio a seus cabelos e nossas respirações se misturavam a medida em que nos beijávamos. Fechei meus olhos por um segundo, aproveitando o silêncio que envolvia aquele momento.
Era estranhamente bom sentir aquela paz dentro de si, mesmo em meio a um mundo em plena Segunda guerra.
— Tem certeza de que não quer dormir mais? — me sorriu, mais uma vez ficando sonolenta. Ela estava cansada, completamente descabelada e suada, mas mesmo assim continuava sendo a garota mais linda que eu já tinha visto na vida.
— Não quero perder nenhum segundo junto de você. — Confidenciou, fazendo-me suspirar. — Se eu dormir, não vou poder te beijar, ver o seu rosto, sentir o seu cheiro, — Bocejou, tentando se manter acordada. — seu toque… — Sua mão delicada tocou meu rosto, fazendo um breve carinho com o polegar em minha bochecha.
— É para isso que servem os sonhos, bobinha. — Peguei sua mão, beijando-a.
— A realidade já parece um sonho pra mim. — Murmurou respirando devagar. — Eu só queria que durasse para sempre.
— Vai durar. Aqui dentro. — Bati levemente o indicador em sua testa, arrancando-lhe um riso fraco.
— Aqui também. — Espalmou a mão em meu peito. — Principalmente aqui. — Outro bocejo. — , você está cravejado em meu coração. — Selou sua boca na minha. Seus olhos porém, não voltaram a se abrir quando tornou a descansar a cabeça sobre o colchão.
— Isso. Durma mais um pouco. — Amanhã será um dia cheio, pensei já não querendo pensar.
Saí de cima de , aconchegando-me em suas costas desnudas, contornei seu tronco e fiquei acompanhando seu ressonar por um tempo. Tirei seus cabelos do rosto e afundei-me em seu pescoço, inalando seu cheiro. Ela dormia tão tranquila, provavelmente pensando que ainda me teria ali no dia seguinte por mais um dia.
De repente, senti algumas lágrimas escaparem de meus olhos. O nó em minha garganta me deixou sem ar.
— Me desculpe. — Solucei baixinho próximo ao seu ouvido. — E-Eu não queria...te usar...me perdoe, por favor. — A apertei entre meus braços. A loira soltou um suspiro e se remexeu um pouco, senti sua mão envolver meu braço envolta de seu ombro. — Eu tive que fazer isso, n-não tinha outra saída. Por favor, me perdoe, . Por favor...
Não sabia dizer ao certo quanto tempo passei ali, chorando feito criança, sendo um covarde filho da puta e me desculpando com alguém que nem ao menos podia me ouvir. Sabendo que ela merecia ouvir tudo aquilo, mesmo que minhas palavras não mudassem as coisas.
Passaram-se algumas horas, eu não poderia conta-las já que aquele quarto era praticamente um espaço com uma cama e uma cômoda vazia, nem ao menos um relógio eu tinha acesso. Não sabia que horas eram, em que dia do ano estávamos, muito menos em que pé estavam as coisas do lado de fora. Eu poderia sair e descobrir que estávamos perdendo a guerra, receber a notícia de que meu pai havia sido ferido ou até morto, não sei, existiam tantas possibilidades. Só me restava torcer para que meu pai estivesse vivo e que alguém tivesse conseguido parar a Alemanha. Ah, queria noticias de casa também, saber como estavam minha irmã e o bebê. Sorri bobo só de lembrar que, ao julgar pelo tempo em que deixamos a Inglaterra, Noora já tinha dado a luz e eu já era tio.
Eu amava bebês e mal podia esperar para segurá-la nos braços.
Falando em segurar nos braços.
. — Lhe chamei baixinho, tocando-lhe algumas vezes seguidas. Ela logo despertou, remexendo-se na cama. — Está na hora de ir. — Disse com pesar. A menina não havia percebido o duplo sentindo daquela minha frase, também, nem imaginava o que estava prestes a acontecer.
Saí da cama junto dela, recolhendo minhas roupas pelo chão enquanto ela fazia o mesmo atrás de mim. Não demorou muito, já estava diante de mim completamente vestida. Aproximei-me dela, pegando seu delicado rosto entre as mãos.
— Boa noite, . — Sorriu de forma doce, ainda sonolenta. Seu rosto avançou contra o meu onde seus lábios deixaram um selinho singelo, logo, ela me dava as costas com intenção de sair porta a fora e ir logo para o próprio quarto, provavelmente querendo retomar seu sono interrompido.
A puxei de volta, recebendo-a em meus braços, apenas deixou uma pequena risada escapar e prontamente aconchegou-se a mim. Afundei mais uma vez meu rosto em seu pescoço, inalei seu cheiro antes de me separar um pouco a fim de olhá-la nos olhos.
— Muito obrigada...
— Achei que não deveríamos agradecer. — Interrompeu-me com o cenho franzido. Desatei a rir, negando veemente com a cabeça. Ela continuou confusa, deveria ser a sonolência.
— Não, não pelo sexo. — Lhe apertei a cintura levemente. — Aliás, também. Mas não por essa noite apenas. — Voltei a ficar sério e ela me acompanhou ao perceber o tom da conversa que eu queria ter. — Eu gostaria de te agradecer por tudo o que fez por mim, . Sei que já te falei isso, mas não cesso de repetir, você é maravilhosa por dentro e por fora, nunca vou conseguir mensurar minha gratidão. Você é o meu anjo.
— Hum...acho que ainda estou sonhando. — Riu preguiçosamente ao contornar meu pescoço com seus braços finos, lhe beijei a testa e encostei meu rosto ao dela, ficamos daquele jeitinho por muito pouco tempo, mas o suficiente para que o sono de voltasse. — Eu realmente preciso ir? Queria poder ficar aqui, acordar ao seu lado… — Outro bocejo a interrompeu. — Mas, minha cama está me chamando. Boa noite, . Te vejo amanhã.
Lhe sorri triste. Beijando sua boca.
— Te amo.
— Te amo.
Senti frio quando seu corpo se desgrudou do meu. Não era algo apenas físico, eu realmente senti meu coração se esfriar um pouco, acho que não saberia explicar direito, não estava entendendo o que estava acontecendo com meu próprio corpo naquela noite. Realmente queria saber o motivo de todas aquelas sensações diferentes reagindo a qualquer coisa que fazia, também não sabia dizer se elas já não estavam dentro de mim antes. Bom, se algum dia meu coração bateu mais forte ou eu realmente senti a falta dela mesmo tendo-a ali, diante de mim, eu nunca tinha reparado. Mas com toda a certeza estava muito mais intenso.
Segurei-a enquanto ainda pude sentir seu toque, a ponta de seus dedos quando os senti deslizar pela palma da minha mão. se virou me dando um sorriso lindo, indo em direção a saída. Suspirei assim que encarei a porta já fechada. Era um adeus definitivo. Pelo menos pude dizer tudo o que queria antes de ir. Muitos infelizmente não tinham essa oportunidade.


Capítulo 27 - Final goodbye

Fui até o banheiro, joguei água em meu rosto a fim de me despertar completamente do estado de relaxamento que a noite ao lado de causou em meu corpo. Era a hora de enfrentar o mundo real, sair daquele conto de fadas que infelizmente só existia na cabeça dela. O mundo seria bem melhor se tudo partisse de suas ideias e imaginação.
Sempre me questionei como seria o mundo se fosse governado apenas por mulheres. Tive a resposta depois que a conheci. Aliás, estava óbvio, era só olhar para fora e ver toda a destruição e crueldade que os homens provocavam.
Encarei-me no espelho, olhei no fundo dos meus olhos e disse para mim mesmo em pensamento tudo o que cresci ouvindo meu pai falar.
Sempre o achei autoritário demais comigo, com Noora sua fala sempre ficava mais suave, achava que era porque ela era sua única menina, porém, quando cheguei aos meus dezoito anos, ele me chamou para ter uma conversa em seu quarto. E não, não era sobre sexo, até porque não era segredo para ninguém que naquela altura do campeonato eu já sabia o que era sexo e que bebês não vinham para o mundo de cegonhas.
Lembro-me daquela tarde como se fosse ontem. A história dos dias em que ele esteve em combate durante a primeira guerra, do orgulho do vovô quando o recebeu no fim da guerra, relembrou até da conversa que teve com o próprio pai quando se alistou para servir na força aérea. Meu pai não queria que eu servisse, mas sabia que não havia outro jeito, estava no sangue e apenas perdurou de geração em geração.
Eu espero que se algum dia tiver um filho, não haja guerra alguma para se lutar.
Seu jeito rígido era apenas uma preparação para o que poderia ocorrer no futuro. E ali estava eu, Edward , filho de Joseph , tentando me lembrar de tudo o que me foi ensinado. Desde o começo daquela guerra mentalizei muitas coisas em minha cabeça, sempre que me forçava a ser forte e ter coragem, e era a voz dele que eu ouvia.
Não sabia mais se sentia o mesmo orgulho por ele. Eu ainda o amava muito, afinal, junto de minha mãe, ele me ensinou tudo o que eu sabia e conhecia. Mas, durante o tempo em que fiquei distante dele e de casa, pude conhecer outras coisas e percebi que talvez não tinha feito as escolhas certas ou até mesmo pensado do jeito certo. Minha família havia sido formada entre combates, desde meu avô paterno até a mim, os homens sempre serviam aos seus países com um orgulho colossal. Cheguei ali, naquela casa, pensando exatamente como eles.
Mas, ver a revolta de com todas as consequências que a guerra trazia consigo, me despertou para dar um fim a aquela palhaçada. Afinal, ela, mesmo sendo tão nova e inocente em diversos aspectos, conseguia ser mais sensata que meu pai e meu avô juntos. Uma guerra não era motivo de orgulho, não deveria ser, acabar com vidas, destruir cidades, separar mães de seus filhos como aconteceu com e aquelas crianças que viviam ali. Meu Deus!
Sentia-me envergonhado de pensar daquela maneira no passado. E, mesmo que não quisesse, eu sabia que iria ter que participar daquela guerra. Agarrava-me na ideia de que tudo acabaria logo, que estaria defendendo meu pai, meus companheiros. Lutar por quem se ama, aquilo sim era um pretexto conveniente para entrar em combate. Agora, toda aquela bobagem política e briga de egos não, aquilo era egoísmo puro.
Como eu poderia negligenciar o fato de não saber o paradeiro da própria família há meses apenas por saber que minha está segura, exatamente onde os deixei quando saí? Era a mesma coisa com as cidades destruídas, mortes de soldados inimigos e até civis inocentes. A fome, o desespero, o luto. Não era porque não era comigo que eu deveria ignorar.
Sequei meu rosto rapidamente e fui até a cama, onde me sentei para calçar minhas botas. Era muita sorte elas ainda estarem ali, no canto do quarto. Desde o dia em que cheguei, no primeiro banho que Juliet havia me dado, eu as encarava próximas da porta do banheiro e me pegava com a vontade de calça-las e sumir mundo afora. Só que não era a hora. Ainda.
Ao me abaixar e terminar o nó que eu tinha feito no cadarço preto, avistei minha caixa preta ali de baixo, onde havia deixado após conseguir me comunicar com a base. Meu plano inicial era deixá-la para trás, porém eu já não poderia dizer que estava seguindo tudo como o planejado inicialmente. Eu já não era o mesmo que chegou naquela casa tempos atrás, não em relação a , não depois daquela noite.
Como ela mesma já me contou, Juliet ficaria possessa caso soubesse que a menina me ajudou. E então decidi de última hora levar o equipamento comigo.
tentava não imaginar o que aconteceria caso alguém encontrasse o dispositivo comigo, mas eu, ao contrário dela, conseguia sim ter uma ideia do quão perversa aquela mulher poderia ser. Não poderia ir embora e deixá-la em apuros. Arrastei o lençol para fora e o coloquei sobre a cama. Suspirei aliviado ao finalmente perceber que era a hora de ir. Levaria o cobertor grosso comigo também, do lado de fora parecia estar congelando e eu não duraria muito tempo sem me agasalhar direito, o dobrei algumas vezes e quando o peguei nos braços avistei algo.
Uma pequena mancha de sangue no centro da cama.
— Droga. — Praguejei, pegando os travesseiros rapidamente e arrancando o lençol do colchão, virando-o do outro lado a fim de esconder o pouco que havia carimbado o tecido.
A virgindade de havia sido tirada ali, e nem Juliet, nem ninguém precisava saber daquilo. Voltei a jogar os travesseiros sobre a cama e juntei o lençol ao cobertor, apanhei meu aparelho e fui porta a fora. Nas pontas dos pés, com cuidado para não esbarrar em nada e fazer algum alarde. Deixei o lençol sobre o piso frio da cozinha e estiquei o braço, pegando o molho de chaves com cuidado. Tentei três chaves grandes, nenhuma delas entrava no buraco da fechadura. Minha tremedeira também não me ajudava muito. O desespero tomou conta de mim ao ver o tanto de chaves que tinham ali.
Poderia não ser nenhuma delas! O que fazia total sentido, afinal, Juliet não deixaria as chaves tão facilmente expostas pela casa. Ou deixaria?
— O que está fazendo? — Paralisei ao ouvir um sussurro vindo da escada. Ainda virado para a porta, apertei meus olhos já sentindo meu coração palpitar. Eu não conseguia acreditar que tinha chegado tão perto e seria pego. Depois de tudo o que aconteceu.
Definitivamente não era , ela teria chamado meu nome ou simplesmente falado inglês comigo. Juliet também estava fora da lista, teria me dado um tiro antes mesmo que eu a percebesse ali. Sobraram as outras quatro. Era difícil adivinhar quem era, eram muitos nomes para gravar.
Eu não conseguia acreditar que tinha chegado tão perto e seria pego. Depois de tudo o que aconteceu.
Os passos descalços me alcançaram e logo reconheci a cabeleira ruiva que tanto ouvi falar. Cornélia estava diante de mim, com o rosto sério, diferente do modo como sempre a descreveu. Meu coração se acelerou assim que seus olhos castanhos focaram-se nos meus.
Ela iria gritar, e eu já me preparava para levar outro tiro, perderia toda e qualquer chance de poder fugir e para completar estaria em apuros junto comigo.
— Cornélia, certo? — Engoli a seco ao perceber um enorme ponto de interrogação em sua testa. — Não pode gritar, ... está em perigo se gritar. — Suspirei exasperado. — Você não me entende, não é?
— Me dê. — Se ela não me entendia, eu muito menos a ela. Vi sua mão estendida e a olhei completamente perdido. Naquela altura eu estava começando a me perguntar porque ela ainda não tinha feito um escândalo. — As chaves. — Apontou o queixo em direção ao molho de chaves.
Lhe entreguei já me dando por vencido. Pelo menos ela não me entregaria, apenas iria tomar a chave de mim e me fazer voltar para o quarto. A pequena menina invadiu meu espaço, fazendo-me dar um pulo para o lado e num piscar de olhos já tinha colocado a chave certa na fechadura. Dois giros e a porta se abria, fazendo o vento do lado de fora invadir o cômodo. Fiquei embasbacado encarando Cornélia por tempo demais para quem estava com tanta pressa no meio de uma fuga.
— Vá embora! — Exclamou num sussurro, puxando-me pela manga da blusa em direção a saída. — Vá e nunca mais volte! Fique longe de !
Fui empurrado mais algumas vezes. A única coisa que consegui interpretar do que ela falava era o nome de .
Peguei meu equipamento e fui, ainda olhando para trás e vendo a menina que vestia pijamas encostar a porta devagar enquanto me espiava. Queria ter certeza de que eu estava indo? Ainda boquiaberto, dei passos desajeitados na neve, após me afastar um pouco da entrada da casa, virei-me em sua direção, checando se não havia luzes acesas em nenhum dos cômodos do andar de cima. A menina continuou a espreita na porta.
— Obrigado. — Não sabia ao certo se ela entenderia, apenas me apressei em me afastar da propriedade a fim de sumir entre as árvores.
24 horas antes da chegada dos Soviéticos;
’s point of view.
Despertei naquela manhã sentindo-me esquisita. Me remexi na cama algumas vezes, meu corpo estava dolorido, não sabia ao certo se era resultado da noite mal dormida ou do que aconteceu com naquele quarto. O fato era que algo dentro de mim tinha mudado, ainda era cedo para identificar o que era, mas me sentia diferente, como se tivesse ido dormir e me transformado em outra durante o sono.
Acho que nunca conseguiria explicar, meu coração estava pesado, não no sentido literal, é claro. Mas eu senti uma pressão invisível sobre meu peito, como se tivesse algo em cima de mim impedindo-me de levantar meu tronco. Empurrei as cobertas quentes angustiada. Precisava vê-lo, nunca tinha sentido tanto a necessidade de olhar e tocar alguém como naquela manhã. Levantei um pouco zonza, tropeçando em meus próprios pés em meu caminho até o banheiro.
Encarei-me no espelho, ainda vestia o vestido vermelho da noite passada. Deixei um sorriso bobo escapar de meus lábios, parecia um sonho, nunca tinha ouvido falar sobre uma experiência daquelas.
As que deixavam marcas no coração, completamente inesquecíveis, que sobreviverão aos anos e até ao tempo. Só de me lembrar do corpo de colidindo-se com o meu, num ritmo quase que perfeito, harmonioso com as batidas dos nossos corações, já podia sentir meus pelos se eriçarem. Aquela tinha sido a melhor noite da minha vida e eu mal podia esperar para olhá-lo nos olhos e dizer tudo aquilo que me vinha à mente quando as imagens da nossa noite juntos passavam diante de mim, como a cena de um filme.
Liguei a água quente e fechei meus olhos ainda me deleitando com minhas lembranças. Estava tudo tão confuso dentro de mim, ao mesmo tempo em que sentia vontade de sorrir, gritar para o mundo inteiro ouvir que tinha me casado e me entregado para o homem que amava, uma tristeza enorme se apossava de meu ser.
Não tinha me esquecido que dia era, pelas nossas contas, os soviéticos estavam a caminho, sua chegada já era prevista para o dia seguinte. Por mais doloroso que fosse, tínhamos que aceitar que aquele era o fim daquela linda e secreta história de amor. E doía tanto, mas tanto, que por um segundo até me esqueci das minhas dores no corpo. Suspirei cobrindo meu coração com ambas as mãos. Acho que havia descoberto o motivo daquele aperto tão forte.
Era difícil distinguir minhas lágrimas da água que caía do chuveiro, os meus soluços do barulho que as gotas faziam quando se encontravam com o piso gélido do banheiro. Não me demorei ali, a urgência em vê-lo só crescia a cada mínimo segundo que passava.
Me vesti rapidamente, coloquei o primeiro vestido que vi pela frente, mal penteei meus cabelos molhados. Minha respiração estava ofegante. Meu corpo estava me implorando para que eu corresse em direção ao dele, sabia que seria uma das últimas vezes que o teria tão perto, nossas últimas horas juntos, de repente, um dia me pareceu um minuto apenas. Era a coisa mais triste do mundo ter um prazo para ver quem se ama.
Quando se trata de uma morte, quase nunca dá para prever quando irá acontecer. Médicos dão previsões a família, mas ainda assim, nem sempre diagnósticos estão corretos e coisas imprevisíveis podiam acontecer, coisas além da compreensão humana. Mas, no caso de , infelizmente nada poderia impedir o que estava por vir, somente um milagre o livraria da morte. Eu costumava ter mais fé, mas vivendo naquele período tempestuoso e sombrio no mundo, nem ao menos isso tinha me restado.
O único resquício de fé que tinha, depositava na volta de meus pais e no fim da guerra.
Ao descer as escadas dei de cara com uma cena um tanto incomum. Juliet, Elizabeth e Cornélia mexiam massas em grandes bacias enquanto as pequenas apenas desfrutavam de seu café da manhã. Franzi o cenho indo diretamente para o calendário, checando se era aniversário de alguém, porque parecia que dariam uma festa com tantos preparativos.
— Bom dia, ! — A mais velha sorriu abertamente, não sorri de volta, ainda estava confusa com todo aquele alvoroço. Estava caindo de sono, provavelmente aquele era o grande motivo da minha dor de cabeça logo cedo. — Vá levar o café da manhã daquele ser desprezível. — A felicidade presente em sua voz estava começando a me assustar. — É a última vez que falo isso! Depois, somente mais duas refeições e logo estaremos livres daquele homem, não é maravilhoso?
Engoli a seco, encarando-a estática. Torci para que meu rosto não estivesse vermelho, porque eu simplesmente estava queimando por dentro de tanta raiva. Não era possível existir alguém que conseguisse ficar tão feliz com a morte de uma pessoa que, até então, não havia lhe feito nada!
Nunca tinha parado para imaginar no que Juliet faria no dia em que fosse embora, até porque ela era apenas um detalhe naquela história. Mas me vi surpresa ao vê-la agir feito uma criança irritante. Além de não ter mais idade para aquilo, ela ainda tinha que se lembrar que perdeu o marido anos atrás. Se Juliet realmente sofreu por ele como diz, deveria ao menos se colocar no lugar da família de .
— O que são todas essas coisas?
— Como assim, , se esqueceu de que dia é amanhã? Teremos muitas visitas. — Ainda mexia a colher de pau sobre a massa borrachuda.
— Estamos preparando pão, para o café que vamos oferecer aos soldados pela manhã. — Elizabeth exclamou animada.
Seria incrível poder dizer que aqueles homens não iriam nem olhá-la por ela ter apenas quinze anos, porém, falando de homens, é realmente difícil achar que algum deles iria ligar para a idade da menina.
Era nítido que a menina estava mais ansiosa que nunca para ter a casa cheia de homens, seus olhos chegavam a brilhar. As mais novas estavam igualmente animadas, porém por motivos diferentes, claro. As crianças não davam a mínima para o gênero das visitas, fazia mesmo muito tempo que não víamos alguém de fora. tinha sido minha única distração, como ele mesmo tinha se apelidado no dia em que chegou.
Me peguei sentindo saudade daquele dia. Gostaria de ter um botão e aperta-lo sempre que quisesse recomeçar nossa história do zero, para poder revivê-la de novo e de novo.
Apesar de tudo estava feliz, tínhamos aproveitado tanto nosso tempo juntos, algo me dizia que já havíamos nos apaixonado naquela manhã, só que toda a situação em que estávamos não nos permitiu perceber logo de cara. Mas ele logo tratou de me roubar um beijo. Talvez se não tivesse tomado iniciativa, ainda nos trataríamos como estranhos. Ou pior, como inimigos, nos odiaríamos por influência dos outros.
— Acho que deveria usar seu vestido, no caso de seu de repente der as caras por aqui. — Arqueei minha sobrancelha. — Clint provavelmente não irá vir sozinho, nunca se sabe. Talvez você dê sorte.
O meu já tinha me visto naquele vestido e tinha o adorado, mal conseguiu esperar para arrancá-lo do meu corpo.
Me limitei em apenas acenar com a cabeça e fui até o balcão, onde a bandeja já se encontrava pronta para ser levada para o quarto. Ao passar por Cornélia, notei que ela estava tensa, não havia levantado a cabeça um segundo sequer, mexia a massa distraída, como se estivesse em outro mundo. Falaria com ela depois.
Caminhei em direção ao corredor, não me lembrava de ser tão longo. Quando estamos prestes a ir em algum lugar especial pela última vez, tendemos a reparar nos detalhes do caminho, para gravar na memória. Não era minha última vez ali, eu ainda iria retornar para levar as demais refeições até o fim do dia. Mas eu amava tanto aquele cantinho da casa, tinha tantas e tantas lembranças boas ao lado de , que uma vez era muito pouco para conseguir registrar tudo, nas próximas duas vezes que passaria por aquele corredor eu faria o mesmo, aproveitaria o momento como se fosse o último.


Capítulo 28 - I can't breathe

Adentrei o quarto ainda trêmula de ódio. Não gostava nem um pouco quando aquele sentimento ruim tomava conta de meu corpo. Ódio não combinava com a pessoa que eu era e tinha sido criada para ser, meus pais me ensinaram valores, a verdade, a sinceridade e o respeito tinham que estar acima de tudo para mim. Meu pai dizia que o mal e o ódio só nos levavam as ruínas, decisões e atitudes erradas. E eu não conseguia me reconhecer quando estava sob o efeito de tal sentimento, parecia que outra tomava meu lugar em minha própria consciência e eu ficava de lado, assistindo a tudo sem ter controle algum de minhas ações e palavras.
Ao colocar o café da manhã de sobre a cômoda, percebi a ausência do lençol no colchão, só havia uma coberta em cima da cama e não duas como de costume.
? — Fui até o banheiro apressada.
A primeira e única coisa que se passou pela minha cabeça foi a possibilidade de ele ter cometido uma loucura. Se o lençol não estava na cama, poderia estar envolta de seu pescoço! Não! não seria capaz daquilo, ou seria? Ele sabia que iria morrer, sabia o que lhe aconteceria, das sessões de tortura e da morte lenta e dolorosa que o esperava.
Tirar a própria vida era mais fácil do que morrer nas mãos do inimigo. Ainda mais sabendo o quão orgulhoso poderia ser em relação a guerra. Ele nunca se entregaria fácil assim, de bandeja. Não daria aquele gostinho aos Soviéticos de assumir a autoria de sua morte. Não havia outra saída, aquele era o único jeito de escapar de seu destino já traçado.
— Graças a Deus. — Meu alívio em chegar no banheiro e não encontrá-lo morto foi gigante. Encostei-me na porta ainda tentando normalizar minha respiração e reorganizar meus pensamentos. Mas, ao me dar conta de que ele também não estava ali, fiquei confusa. Onde mais estaria? Ele só tinha acesso ao banheiro naquela casa! — ? — Sussurrei procurando-o detrás da porta.
Que idiotice a minha, ele era um homem grande, se estivesse se escondendo ou coisa do tipo não escolheria qualquer lugar. Voltei para o quarto olhando em volta, atenta, sabia que ele surgiria de algum lugar para me dar um susto. Tinha que ser aquela explicação, caso o contrário, eu não saberia o que fazer!
Ele não podia ter desaparecido do nada!
Me abaixei para espiar debaixo da cama e meu coração quase parou de bater quando me dei conta de que a caixa preta da aeronave dele também não estava mais ali. Escorreguei sentando-me no chão apavorada. Minha cabeça estava a mil, tentando achar pelo menos uma resposta em meio as milhões de perguntas que me surgiam. Reparei também que suas botas tinham sumido também.
Olhei em volta vendo-me sozinha naquele quarto.
Mas como? Como ele tinha fugido sem que ninguém percebesse?
Fui até a janela sentindo-me tonta, não apenas pela rapidez com que me levantei mas também por já estar praticamente sem ar. Forcei as grades algumas vezes, mas estava claro que elas não tinham como serem abertas, por mais forte que ele fosse. Estavam fechadas há anos e tão velhas que com certeza fariam um barulho enorme caso conseguisse abri-las.
Sentia minha garganta se rasgar por dentro, tamanho o nó que se formava. Eu queria gritar, o mais alto que eu conseguiria, quem sabe, onde quer que estivesse lá fora, pudesse ouvir e fazê-lo sentir pelo menos um pouco da minha dor ao saber que fui deixada daquele jeito. Sem nenhuma explicação, sem aviso prévio, como se eu fosse um nada, como se tudo o que passamos juntos não significasse absolutamente nada para ele.
Ainda completamente atônita, abri a porta e corri o mais rápido que pude até a porta da frente. Juliet e as meninas, espantadas pela minha correria repentina, me chamavam aos berros, porém eu quase não as ouvia. Parecia que eu estava sendo presa debaixo da água, onde os sons soavam abafados e distantes e eu não podia respirar.
Em meio a tanto desespero, tantos pensamentos desconexos em minha cabeça, saí pela porta e corri pela neve grossa que havia caído pela madrugada. Escorreguei no chão me vi de joelhos em meio ao gelo e a paisagem branca que me rodeava. Apesar de vestir apenas um vestido fino, não sentia frio, estava tão anestesiada que nem ao menos senti minhas mãos queimarem quando as usei para amortecer minha queda.
Nem o gelo, nem mesmo a chama mais ardente ou um joelho ralado, nada me machucaria mais do que saber que tinha me deixado.
Olhava ao redor, em busca de algum rastro, nem que fosse apenas uma pegada dele. Mas o que mais me doía era saber que aquela procura toda era em vão. não queria ser encontrado. E o que eu mais queria era vê-lo outra vez.
! O que está acontecendo? — Juliet veio ao meu encontro, andando com cautela pelo chão escorregadio.
— Ele se foi… — Exasperada, senti a pequena fumaça saindo de meus lábios que naquele momento já deviam estar roxos dada a temperatura lá fora.
— O que? — Tocou meu ombro encarando-me incrédula.
É, eu sabia bem como era a sensação de parecer uma louca. Porque por mais que estivesse acontecendo, eu ainda tinha a ilusão em minha cabeça de que aquilo não passava de um mal entendido ou que eu talvez estivesse perdendo o juízo. Eu precisava de algo para me provar que era real, qualquer coisa que pudesse explicar como aquilo tinha acontecido, como tinha virado fumaça do dia para noite e ido embora sem que ninguém o visse ou interceptasse.
— E-Ele foi embora. — Minha voz saiu mais firme daquela vez. Minha garganta voltava a doer, como se dizer em voz alta me fizesse reviver o momento em que percebi que tinha me deixado.
— Não é possível! — Saiu marchando e adentrou a casa.
Não olhei para trás, não precisava. Sabia que ela iria no quarto, ver com os próprios olhos e confirmar que ele havia fugido. Se a situação fosse outra eu até iria me divertir com o estado em que deixou Juliet, completamente desorientada, mas não conseguiria nunca achar graça quando eu também fui deixada para trás.
— Venha. — Cornélia e Elizabeth surgiram em meio ao gelo, puxando-me pelos braços para me levantar do chão. — Está congelando aqui fora. — Olhei para a mais nova, deixando-me levar pelas duas.
— Vamos lá para cima, você toma um banho, se esquenta e se acalma. — Elizabeth havia tomado a frente na ausência de Juliet e até de mim mesma. Subi com ela pelas escadas ainda completamente aérea. — Vá para o banheiro, vou procurar uma roupa quente para você.
Olhei em seus olhos castanhos e vi um carinho diferente brilhar neles. Minha visão ficou turva na mesma hora. Eu que já havia julgado tanto Elizabeth por suas atitudes passadas, me esqueci de olhá-la com outros olhos. Talvez porque tinha criado uma imagem errada dela em minha cabeça.
Minhas lágrimas finalmente transbordaram e percorreram todo o meu rosto quando me dei conta de que talvez eu tenha me enganado em relação a . Eu o via com tanto amor e carinho que fechei os olhos para qualquer defeito ou atitude errada que ele devia ter. O amei da forma mais pura que uma mulher poderia amar um homem, me entreguei de corpo e alma e confiei que ele estava me correspondendo.
E não estava. Porque se realmente me amasse como dizia, não teria feito o que fez comigo.
As duas vezes que ele me disse que me amava...ao me recordar de seus olhos verdes, na primeira vez não existia uma certeza. Mas eu ignorei por estar tão feliz em finalmente ouvi-lo me dizer aquilo. E achei que talvez apenas não fosse bom em expressar o que sentia, mas nem por isso deixava de sentir, pensei que pudesse ser algo que ele apenas demonstrava ou falava em voz alta.
E, ao rebobinar toda a nossa curta história, algo me veio à mente, algo que me fez questionar muito mais do que as palavras que ele dizia para mim. Mas também suas intenções.
A caixa preta que sumiu junto dele, lembrava-me do dia em que ele me pediu aquele favor, eu neguei, porém depois mudei de ideia, queria tanto ajudá-lo a destruir aquela peça tão importante para ele que nem ao menos parei para me perguntar se não era algo que na verdade usaria para fugir. Porque ele não me dava sinais de que queria fugir, pelo contrário, o jeito como ele me olhava, as coisas que ele me dizia...eu não soube ler o sinais, não acho que conseguiria perceber que estava sendo enganada.
Eu estava tão apaixonada que ele fez o que quis comigo e quando chegou a hora de ir eu nem ao menos recebi um terço de sua consideração.
Solucei ao sair daquela epifania melancólica.
. — A voz de Elizabeth se fez presente, quando a olhei, sem ao menos me dar conta de que ela ainda estava ali. Sua mão pousou em minhas costas e recebi um breve afago. — Sei que está assustada, eu também estaria, ele sumiu do nada! — A encarei calada, ainda com meu choro desenfreado. — Mas, apesar de tudo, estou aliviada. Juliet no fim das contas sempre esteve certa, ele era um homem perigoso. Estou feliz que ele esteja bem longe daqui.
Juliet sempre esteve certa.
Ouvir aquilo fez-me fechar os olhos com força, tamanha era a minha raiva. Meu rosto queimava, em vergonha, em revolta. Todas as vezes que o defendi em pensamento, de todas as vezes em que ouvi falarem coisas horríveis sobre ele e que ignorei, me recusei a acreditar. Juliet estar certa significava muito naquele momento.
Significava que sim, eu estava certa na minha mais recente conclusão: De que era um tremendo de um filho da puta, que todas as palavras que saíram de sua boca eram mentiras. Que ele era um homem cruel, manipulador, que além de querer ir para a guerra e matar dezenas de homens e sentir orgulho daquilo, ainda não demosntrava um pingo sequer de remorso de usar uma menina para conseguir o que queria.
— Vá para o banho. Eu te arrumo algo para vestir, irá pegar um resfriado desse jeito. — Empurrou-me gentilmente em direção ao banheiro.
Perguntava-me como algo tão puro como o que eu sentia por já havia me despertado tantos sentimentos ruins. Não apenas sobre Juliet, mas também sobre Elizabeth. Lembrava-me do ciúmes que eu tinha dela, não era algo racional, eles nem ao menos trocaram uma palavra sequer. Eu o amava tanto que chegava a idealiza-lo como um homem perfeito, que poderia atrair olhares da menina, o que de fato aconteceu. Mas sua beleza era apenas um, dos vários atributos, que se utilizava para poder enganar garotas como eu.
Se soubesse o que me esperava no futuro, não teria dado abertura para entrar em minha vida e mexer tanto com minha cabeça e sentimentos. Afastaria dele até mesmo Elizabeth, tínhamos nossas diferenças, mas ninguém merecia passar pelo que eu estava passando naquele momento.
Eu ligava o chuveiro pela segunda vez naquela manhã. Chorava pela segunda vez, mas daquela vez era de puro desespero. Minha ficha estava caindo, não, eu não estava em um pesadelo, custei a acordar, mas finalmente havia aberto meus olhos. E ser despertada daquele sonho lindo que estava vivendo era tão dilacerante, que eu preferia que estivesse morto.
Assustei-me com meu próprio pensamento. Solucei cobrindo minha boca, abafando meu choro. Não era justo me sentir culpada por querer que as coisas tivessem acabado de outra forma. Se ainda estivesse ali, ficaria com ele por mais um tempo, e pela manhã os soviéticos viriam e o levariam. Ele iria morrer, porém, iria partir como o homem que eu aprendi a amar e que iria amar pelo resto da minha vida. Mas, infelizmente ele partiu como quem realmente era.
Um completo desconhecido para mim. Ou, no caso, alguém totalmente diferente do personagem de bom moço que ele havia criado e idealizado em minha cabeça.
Me ensaboei duas vezes. O banheiro já se encontrava em meio a uma enorme cortina de fumaça. Esfreguei com força minha pele com as pontas enrugadas de meus dedos. Tinha a ilusão de que toda aquela água quente e o sabonete pudessem lavar as marcas que ele tinha deixado em mim e no meu coração. Suas mãos costumavam passear por todo o meu corpo, e parecia que tinham deixado um rastro de sujeira. Queria me livrar daquilo, esquecer seu cheiro e que o conheci.
A noite passada havia acabado de se tornar a pior noite da minha vida. Exatamente pelo fato de ele ter destruído toda e qualquer coisa boa que aconteceu na cama naquela noite. Era desumano enganar alguém daquela forma. E eu havia o deixado tomar conta de meu coração e de meu corpo tão facilmente, que eu chegava a ter raiva de mim por ser tão...tão burra! Por me deixar levar por palavrinhas bonitas, ter deixado me tocar, me beijar.
Como não me questionei por um segundo sequer o interesse repentino de alguém como ele em mim?
Se eu pudesse vê-lo mais uma vez, eu...eu...socaria sua cara! Duas, três vezes, iria canalizar toda a minha raiva na força em que meu punho acertaria seu rosto. Mesmo que meu coração reclamasse e me pedisse para parar de machucá-lo. Tentaria, ao menos, lhe dar uma pequena amostra da dor que ele me causou.
Nunca imaginei que o coração poderia doer tanto, sempre achei que era um modo de falar das pessoas, mas naquele momento doía, como se alguém estivesse com a mão atravessando meu peito e arrancando-o do lugar. Toda a verdade sobre vindo a tona, era literalmente como se ele estivesse sendo arrancado do lugar que conquistou dentro de mim. Era uma dor física, chegava a faltar minha respiração, parecia que nunca iria parar de doer.
— O que é isso? — Dei um pulo de susto ao retornar ao quarto e me deparar com Elizabeth segurando o conhecido envelope em uma das mãos.
Não sabia dizer o quão pálida havia ficado naquele momento, mas realmente senti como se tivesse deixado meu próprio corpo. Se Elizabeth contasse a Juliet, eu estaria ferrada.
— O-Onde achou isso? — Engoli a seco, aproximando-me dela.
Na cama, um vestido de inverno estava dobrado junto de uma roupa íntima, olhei para o armário e lembrei-me do meu esconderijo. Bati em minha testa, eu devia ter lembrado! Tudo o que estava acontecendo com tinha mexido tanto comigo que nem ao menos me recordava daquela carta.
— Eu é quem te pergunta, . — Ergueu uma das sobrancelhas. — Juliet sabe que anda entrando escondida no quarto dela para furtar suas coisas?
— Não entrei escondida, ela me deixou lá sozinha. — Argumentei, como se aquele detalhe fizesse alguma diferença.
— Meu Deus ! Porque estava mexendo nas coisas dela?
— E-Eu fiquei curiosa! Sinto que Juliet omite muitas coisas de nós.
Os quartos da casa trancados, a ausência de fotos de família pela própria residência dela, o modo como ela sempre se esquivava de toda e qualquer pergunta que as pequenas faziam a ela sobre sua vida antes de tudo acontecer. Era como se Juliet não tivesse um passado. Nós sabíamos que ela tinha, porém sempre fez parecer algo trágico, a viuvez e a solidão profunda.
Talvez não fosse apenas aquilo. Mas parecia que nunca iríamos saber, nunca a conheceríamos de verdade, e para mim era muito estranho dividir o teto com alguém tão misteriosa.
— Não seja boba, ! Juliet não sabe de nada sobre a guerra! Se soubesse, nos manteria informada. — Respirei fundo, negando com a cabeça. — Olhe, a única pessoa que poderia lhe dar informações é esse tal de Clint, e eles não trocam cartas ou telefonemas há muito tempo. Não tem como ela saber.
Assim como eu pensava, Elizabeth achava que Juliet tinha apenas o enfermeiro como informante. Porém, Cornélia, e eu sabíamos que ela conhecia alguém do alto escalão do exército Alemão, e era apenas um, dos vários que ela poderia ter ligação.
Não sabia se deveria compartilhar aquela descoberta com ela. Aliás, não sabia se poderia um dia confiar na menina. Ela sempre foi próxima de Juliet, na medida do possível, é claro. Elizabeth tinha o costume de buscar aprovação em tudo o que fazia, algo que era resultado de sua criação com pais rígidos demais. Via em Juliet uma figura quase que maternal. Talvez ela se parecesse com a mãe dela.
— Eu sou boba? — Exclamei desacreditada, assustei-me com meu tom de voz. — Se eu sou boba então vamos abrir logo essa merda de carta, se não tiver nada que nos faça desconfiar de Juliet esquecemos essa história. — Completei já falando mais baixo.
...nós não podemos fazer isso, invadir a privacidade dela desse jeito!
— Temos que fazer! É o único jeito de acabar com todas as minhas desconfianças.
— Não devia fazer isso, desconfiar assim dela, — Sua expressão triste fez meu coração palpitar de raiva. Não era possível que ela confiasse tão cegamente em Juliet. — Juliet só tem nos ajudado recebendo-nos aqui e cuidando de nós. — Ri irônica diante daquele argumento.
Me recusava a acreditar que só eu a via como ela realmente era! Depois de ter sido apunhalada pelas costas por , eu enxergava o mundo com mais com clareza. Era como se tivessem arrancado a venda que me cobria os olhos. O mundo real e as pessoas como elas realmente eram estavam sendo apresentados para mim.
Era horrível, traiçoeiro e me dava muito medo.
Lembrei-me de uma conversa que tive com ele, na qual havia me feito ver que ninguém era totalmente mau ou bom quando se tratava de uma guerra em busca de sobrevivência. Infelizmente, ele me provou com as próprias atitudes que não era verdade, existiam sim vilões e vilãs dignos de ficção na vida real. Os que tramam, que destroem corações, sonhos, sentimentos. Ele era um daqueles, Juliet também.
Ele era tudo o que odiava nela, e mesmo que fosse coerente usar a desculpa de que tinha que fugir para sobreviver, eu ainda achava seus meios cruéis. Nunca faria aquilo com ninguém, enganar, mentir um sentimento para manipular outra pessoa. No fim das contas, estava certa sobre ela, porém completamente errada sobre .
Machucava demais saber que algo tão lindo como a história que tivemos era apenas um plano dele.
— Elizabeth, ela não está nos fazendo favor algum! Nossos pais pagaram uma quantia alta para Juliet. — Passei as mãos pelos cabelos transtornada. — Por favor, me dê essa carta. — Lhe estendi a mão e a mais nova apenas negou com a cabeça encarando-me com olhos de dó. — Elizabeth, por favor. Eu não aguento mais ficar sentada esperando a boa vontade dela de nos dizer se está acontecendo algo ou não lá fora. Não seja ingênua, por favor, não coloque suas mãos no fogo por alguém, as pessoas podem não ser quem nós pensamos que são. — Minha voz começou a embargar e me vi obrigada a virar e lhe dar as costas.
O rosto dele me veio a mente desestabilizando-me imediatamente. Não conseguia acreditar que estava no meio das duas piores pessoas daquela casa e nunca tinha desconfiado o bastante de nenhum dos dois. era acima de qualquer suspeitas para mim, eu o tinha colocado no mais alto pedestal e até achava que tinha conseguido mudá-lo. E tinha ficado tão fissurada nele que nem ao menos dei importância a minha intuição que me alertou sobre Juliet por diversas vezes.
Chegou a hora de dar ouvidos a ela. A máscara de já havia caído, cabia a mim ver se a dela iria ao chão também.
— Não estou sentada esperando. Estou tentando me distrair, ocupando minha mente e cuidando das meninas, coisa que você deixou de fazer desde que o soldado chegou nesta casa. — Ela suspirou antes de continuar. — Sei que agora é muito difícil para você pensar na ideia de confiar em alguém depois do que ele te fez, não sei o que ele colocou na sua cabeça para te deixar tão brava com Juliet, mas não temos motivos para desconfiar dela, .
Meu coração parou. Ou melhor, quase saiu pela boca. Sabia que nem se quisesse conseguiria disfarçar minha cara de perplexa ao ouvi-la falar aquilo. Estava completamente sem ar.
— N-Não sei do que está falando. — Ainda encarando meu armário, funguei secando a lágrima que escorreu por meu rosto. Minhas mãos tremiam, ela falava com tanta propriedade que parecia que sabia de nossa história.
— Olha, eu nunca me apaixonei, não sei se poderia conversar com você sobre isso, mas se quiser desabafar...estou aqui. — A espiei pelo canto dos olhos já deixando o choro fluir livremente.
— Como você soube? — Sussurrei em meio a soluços.
— Te vi andando pela casa noites atrás, ouvi barulhos vindo do quarto dele. — Abaixei a cabeça envergonhada e enojada. — Você estava diferente, estava mais feliz desde que ele chegou. — Nem ao menos pude perceber quando Elizabeth se aproximou, pousando uma das mãos em meu ombro. — E a tristeza estampada em seu rosto quando descobriu que ele se foi só me confirma de que estava apaixonada. — Girei meus calcanhares encontrando-a parada diante de mim, envolvi meus braços envolta da mais nova buscando um consolo que eu sabia que não teria vindo dela.
O único que poderia ajudar a tirar toda a tristeza de dentro de mim era justamente o causador dela. E devia estar tão longe que já nem o sentia mais.


Capítulo 29 - Something inside me's changed

eu… — A porta foi aberta de supetão, revelando Cornélia completamente confusa com a cena inusitada que se deparou. Eu e Elizabeth abraçadas, era quase que um milagre. Para quem vivia brigando, estávamos tendo um momento de paz.
Era engraçado pensar em paz em meio a toda aquela confusão.
— ...Fiz um chá para você se esquentar. — Me estendeu a xícara grande, sorrindo.
Fungei o nariz e passei as mãos pelo rosto, disfarçando meu choro. O que com certeza não consegui ao julgar pelo olhar curioso da menina.
Elizabeth tinha razão, por mais difícil que fosse de aceitar, ela estava certa quando jogou na minha cara que eu já não cuidava das meninas como antigamente. A própria Cornélia já havia me dito aquilo, porém, longe de e de seus efeitos sobre mim, eu pude perceber tudo o que antes parecia indiferente para mim. Sentia-me mal por aquilo, ter negado atenção a quem realmente importava, quem estava comigo antes mesmo de ele aparecer na minha vida e quem ficou mesmo depois da sua partida.
— Muito obrigada meu amor. — Sentei-me na cama, bebericando o líquido quente e aproveitando o vapor quente que subia até meu rosto. Suspirei, um pouco mais reconfortada.
As duas ainda me encaravam, caladas. Elizabeth ainda tinha o envelope nas mãos, que ela tinha colocado para trás de seu corpo para esconde-lo. Já Cornélia, desde cedo, parecia incomodada com algo, ansiosa.
— Eh..., eu queria falar com você sobre algo… — Seu olhar pairou pelo quarto e parou em Elizabeth, que por sua vez olhou para mim.
Não podia e nem devia deixá-la sair com aquele envelope daquele quarto. Não antes de tentar convencê-la a me ouvir. Ela poderia contar a Juliet, ou até mesmo se desfazer da carta, e eu não iria permitir que aquilo acontecesse. Tinha me arriscado demais roubando-a para enfim descobrir toda a verdade.
Eu sentia que tinha algo errado, e não gostava nem um pouco daquela sensação que me acompanhava desde quando cheguei naquela casa e com o tempo foi só crescendo.
— Pode falar. — Lhe sorri fraco, observando-a remexer as mãos nervosa.
— A sós. — Encolheu os ombros e Elizabeth revirou os olhos, já indo em direção a porta.
— Não! — Num pulo, levantei-me da cama quase derramando o chá em mim. Fui até ela e a impedi de continuar seu caminho até a saída. — Pode falar na frente dela, está tudo bem.
Afinal, Elizabeth já conhecia todos os meus segredos. era o principal deles até então, e, mesmo que involuntariamente, ter dividi-lo com ela fazia-me querer chorar. Saber que se as coisas fossem diferentes eu poderia enfim contar a alguém o que tivemos, com detalhes e destacando cada palavra bonita que saíram de seus lábios macios, como eu tinha planejado antes de tudo desmoronar. Eu até poderia contar a elas, mas o sentimento jamais seria o mesmo. Não depois de toda a destruição que causou.
Eu sabia que iria doer lembrar, porém sabia que não o tiraria da minha cabeça tão cedo. Para mim foi especial, para mim foi de verdade. E infelizmente meu coração não iria me permitir fingir que não tinha acontecido nada.
— Tem certeza? — Indagou, contrariada. Assenti com a cabeça. — Tudo bem, mas, por favor, não conte para Juliet! — Claramente se direcionou a Elizabeth, que me olhou brevemente antes de concordar silenciosamente. — E-Eu ajudei o soldado a fugir. — Apertou os olhos encolhida.
— Cornélia!
— Fale baixo! — Repreendi a mais nova. Daquele jeito causaríamos alardes e a última pessoa que eu queria participando da nossa conversa era Juliet. — Você o que?
— Ontem...eu o vi na porta, já tinha amanhecido e eu tinha descido para beber um pouco de água...ele não conseguia achar a chave certa. — Sua voz ficava cada vez mais irregular, Cornélia estava a ponto de chorar. A peguei pelo braço e sentei na cama junto dela. — Fui até ele, peguei da mão dele e d-destranquei a porta. — As lágrimas saíram, molhando seu rosto miúdo. Lhe abracei forte, enquanto era encarada pela outra.
— Ela sabia sobre vocês? — Moveu os lábios sem fazer barulho. Neguei ainda consolando-a. — Porque não gritou, Cornélia? Deveria ter avisado que ele estava fugindo. — Passou as mãos nos cabelos ruivos da menina.
Não pude evitar, meu sangue ferveu. Cornélia, Amelie e Harriet eram apenas crianças, não deveriam ter contato algum com a guerra. Envolvê-las naquilo era desumano, força-las a pensar como um adulto pensaria, induzir Cornélia a pensar em entregar um homem condenado à morte.
Claro que existia outro motivo para que eu reprovasse a fala dela. Mas eu iria ignorá-lo.
— E-Eu não tive coragem! Ele iria ser morto se o entregasse, e eu não queria que ele morresse. Não o conheço, mas não o queria morto. — Soluçava fazendo-me aperta-lá ainda mais em meu abraço. Nem sabia se era possível, mas meu coração havia se quebrado ainda mais com aquela cena. — E se fosse meu irmão? E-Eu iria querer que alguém o ajudasse.
— Juliet vai ficar uma fera quando souber disso. — Quase que automaticamente tirei a mais nova de meus braços. — Temos que descer e contar a ela que ele fugiu ao amanhecer! Talvez não tenha ido tão longe, se procurarmos de carro podemos acha-lo e capturá-lo de volta. — Quando dei por mim, já estava frente a frente com Elizabeth, que ficou assustada com minha movimentação tão rápida e, provavelmente, intimidada com minha expressão no momento.
— Você não vai contar nada a ela.
Me arrependi por ter deixado Cornélia contar o que sabia na frente dela, a coloquei em risco sem ao menos perceber. No momento em que pensei estar errada sobre Elizabeth, ela me veio com suas atitudes costumeiras de volta lembrando-me que, infelizmente, quando alguém tem intenções perversas, uma mudança é impossível. tinha me mostrado aquilo, e ela apenas me confinava meu pensamento ao querer entregar Cornélia a Juliet.
Minha intuição não era diferente quando se tratava dela, caso ficasse sabendo que Cornélia ajudou a escapar, poderia fazer algo para prejudicá-la. E eu não iria permitir que fizessem algo a minha menina.
Se tinha alguém naquela casa que era culpada pela fuga de , era eu, eu que não percebi que ele já estava bem de seus ferimentos e não fiz nada para avisar. E justamente por já imaginar o que me esperava caso fosse descoberta, não deixaria Elizabeth delatar a menina que agiu na melhor das intenções.
Nunca a julgaria por ter caído nos encantos de . Ele tinha algo em seu olhar que despertava caridade e afeto, era quase como uma hipnose. Eu era apaixonada naquele par de esmeraldas brilhantes. Pena que o próprio não sabia o significado daquelas palavras e só sabia usar de seus atributos físicos para enganar pessoas.
— Sente-se. — Ordenei, já ofegando por conta da adrenalina que corria por minhas veias. — Anda, Elizabeth.
— Não vou me sentar nem ficar aqui ouvindo e sendo conivente com os erros que vocês comentaram. — Se virou em direção a porta, porém a impedi segurando firme seu braço. Seu olhar de indignação pesou sobre mim, porém me mantive firme.
O que Cornélia havia feito não tinha sido um erro. Ter um bom coração nunca deveria ser tido como algo ruim, infelizmente, ser bondosa neste mundo sempre nos traz consequências horríveis. Não importa o quanto nos esforçamos para ajudar alguém, sempre saímos prejudicadas da história.
Mas, no meu caso, eu realmente poderia concordar com Elizabeth. Me apaixonar por foi um erro.
— Eu te pedi para sentar. — Rangi os dentes. — Conte a ela, Cornélia, onde você e Juliet foram naquela madrugada.
Elizabeth encarou a ruiva, completamente confusa. Se deu por vencida sentando-se na ponta da cama. Não sai do lugar, ficando atrás dela caso tentasse sair do quarto carregando não somente a carta mas também a informação importante que poderia prejudicar Cornélia.
Seus olhos castanhos encararam os meus por um segundo. Apesar de contrariada, ela assentiu enquanto secava o próprio rosto com as costas das mãos. Era nítido que ela não confiava em Elizabeth, e naquele momento, ela também era a última pessoa que eu confiaria.
— Juliet me pediu para não contar a ninguém, — Respirou fundo encarando a outra, que tinha os braços cruzados já na defensiva. — mas, há algumas noites atrás, fui com ela até a casa de um homem. O chamou de Feldwebel, praticamente se curvou diante dele antes de cumprimentá-lo estendendo o braço no ar. Fiquei o tempo todo com a esposa dele enquanto os dois estavam trancados no escritório. Ela lhe entregou uma carta, depois viemos embora antes do dia clarear.
— E? — Desdenhou fazendo-me quase surtar de raiva ao vê-la tão tranquila em relação a aquilo. — Isso não quer dizer absolutamente nada gente, nem sabemos o que tinha escrito naquela carta ou o que esse tal homem era de Juliet. A única coisa que me deixou brava nessa historinha que Cornélia contou é o fato de ela ter sido escolhida para ser levada ao invés de mim, que sou muito mais próxima dela. — Revirei os olhos diante do sorriso sarcástico de Elizabeth.
— Deve ser porque Cornélia não é intrometida e não ficaria fazendo perguntas? — Ergui minha sobrancelha sugestiva. — Se ela te levasse sabia que corria o risco de ter que te explicar o que estava fazendo ali, na casa de um nazista, um sargento do exército alemão. Juliet foi até ele para entregar a carta que avisava aos outros que ela tinha consigo um membro da Força aérea real.
— Todos sabíamos que ela planejava fazer isso, Juliet só não avisou antes por conta das linhas telefônicas com problema. Continuo sem motivos para desconfiar dela. — Teimou em defendê-la.
Passei as mãos pelos meus próprios cabelos visivelmente nervosa. Ela não tinha a noção do quanto eu e Cornélia estávamos nos arriscando ao lhe dar todas aquelas informações que poderiam, literalmente, ferrar com nossas vidas? Achava que tudo aquilo era uma birra bobinha? Estávamos esfregando as provas na cara dela, e mesmo assim Elizabeth insistia em acreditar em Juliet!
— O fato de Juliet ter contatos no exército alemão e te dizer que não tem informações nenhuma sobre a guerra não te diz nada? — Cruzei os braços. — Ela tem mentido para nós há meses dizendo que não consegue se comunicar com ninguém para saber o que está acontecendo lá fora mas, na primeira oportunidade, pega o carro e sabe exatamente onde ir para conversar com um sargento que provavelmente está a par de tudo, e você acha que ela não sabe de nada? Que não está nos escondendo nada? Onde estão nossos pais, qual a situação do nosso país nesta guerra? O que está acontecendo lá fora? Juliet, por acaso, já te respondeu essas perguntas alguma vez? — A menina engoliu a seco em silêncio. — Responda, Elizabeth.
— Não. — Baixou a cabeça e ficou em silêncio por um tempo, encarando os próprios pés.
Mesmo que ela não falasse, eu acho que sabia bem o que estava se passando dentro de sua cabeça naquele momento. Podia ver as engrenagens trabalhando dentro dela, as informações recém-obtidas congestionando seu cérebro, a pequena batalha que seu coração e sua razão estavam travando silenciosamente. Se decepcionar por si só já era uma sensação horrível, mas se tornava mil vezes pior quando quebrávamos a cara ao perceber que quem nos enganou era a pessoa que mais defendíamos e confiávamos.
Ficam marcas em nós. Pessoas más que passam por nossas vidas se vão, ainda bem, porém, levam consigo toda a sua confiança embora. Como eu iria confiar em outro homem novamente depois do que me fez? Sempre vou desconfiar de que estarei sendo enganada ou de que serei deixada. Com Elizabeth seria a mesma coisa, quando perdíamos nossa confiança, recuperá-la parecia ser impossível.
— Me dê a carta. — Lhe estendi a mão, quando seus olhos claros focaram-se nos meus, foi a minha vez de recebê-la em meus braços num ato de consolo. Cornélia assistia a cena ainda sentada, segurando a xícara que eu, sem nem perceber, coloquei em sua mão quando fui impedir Elizabeth de sair.
Quando estamos a flor da pele, nosso corpo age por puro instinto. Nunca fui de agir daquela maneira, acho que nunca foi preciso. Jamais precisei agir por impulso, ser obrigada a tomar a frente de algo, sempre tive o controle sobre mim mesma e preferi andar sempre com cautela. Mas depois de ...muita coisa tinha mudado em mim.
Apesar do baque recém levado, eu me sentia forte, achava que conseguiria segurar as pontas. Talvez se não tivesse me arriscado tanto nos últimos dias com ele, não saberia lidar com a situação, nem ao menos teria coragem de roubar um grampo sequer do quarto de Juliet por mais desconfiada que estivesse. Tinha amadurecido bastante, apesar de só me dar conta depois de um tempo, eu sentia bem a diferença.
Aquela sensação de mudança que tive pela manhã. Estava se concretizando. Não sabia dizer se a noite passada tinha alguma influência naquela transformação. Me entregar para ele tinha me feito sentir diferente, como se tivesse me tornado mulher, outra, oposta a menina que encontrou em seu primeiro dia naquela casa.
— Não quero fazer parte disso. — Me soltou, estendendo-me o papel. — Me desculpe, mas eu não posso. — Fungou. — Seja lá o que descobrir, não me conte, não quero saber. Não quero me decepcionar.
Entendia o lado dela. Juliet continuará lá, morando conosco até Deus sabe quando. Se naquela carta tivesse algo ruim dela, seria uma tortura ter que conviver com alguém que lhe fez mal. Mas apesar de entender, eu não me sentia da mesma maneira, eu precisava saber de algo, mesmo que fosse algo ruim. Estava cansada de ficar no escuro e não queria ser enganada novamente. Não tinha gostado de ser a vítima da situação e não queria e nem iria reprisar aquele papel.
Se Juliet estivesse escondendo algo, eu iria até o fim para descobrir.
— Obrigada por isso.
Ouvimos passos no corredor e me apressei para esconder a carta atrás de mim. Como se soubesse que tinha uma espécie de complô se formando ali, Juliet surgiu na porta, completamente descabelada e visivelmente transtornada, seu rosto vermelho denunciava que ela deve ter andando pelo gelo do lado de fora, provavelmente buscando algum sinal de vida dele. Elizabeth secou as lágrimas rapidamente, disfarçando seu jeito desconfortável com a situação e a seguiu porta a fora. A mulher a tinha chamado para sair em busca de em seu carro.
A sincronia de pensamento de Juliet e Elizabeth chegou a me espantar. A menina havia passado tanto tempo ao lado dela que já conhecia até mesmo seu jeito de pensar. Antecipava seus próximos passos sem ao menos perceber. Mas, ainda assim, Elizabeth não poderia dizer que a conhecia bem. Ninguém a conhecia.
Antes de sair, Juliet nos mandou olhar as meninas que tomavam café da manhã na cozinha.
— O que é isso no seu dedo? — A voz infantil de Cornélia tirou-me de meu transe momentâneo.
Vire-me bruscamente encarando pela primeira vez aquele anel improvisado. Quando tive a ideia de fazê-lo era proposital que eu olharia para ele e me lembraria de tudo o que vivi ao lado de . E infelizmente já não eram mais lembranças felizes.
— N-Nada. Não é nada. — arranquei com força, deixando um fio de sangue onde minha unha passou, originando um pequeno arranhão.
, — Chamou receosa, tirando minha atenção da “aliança” que eu havia jogado longe. — eu não quis falar nada na frente de Elizabeth, mas não consigo imaginar algum jeito daquele soldado ter ido lá fora e entrado em casa com um objeto tão grande como aquele que ele carregava e não ter sido visto...
Engoli a seco. Me sentia estúpida. Cornélia não era nem um pouco burra, muito pelo contrário, era a criança mais inteligente que já tinha visto na vida. Ela com toda certeza já ligou os pontos e percebeu que fui eu quem deu a a peça de sua aeronave. Era bem óbvio até.
Eu só não sabia se ela tinha descoberto a pior parte da história, a parte em que eu me apaixonei por ele e estava tão cega ao ponto de me arriscar a fazer qualquer coisa por ele.
— Sim, fui eu quem deu a ele. — Abracei meu próprio corpo e busquei seu olhar, por incrível que pareça Cornélia não havia ficado surpresa nem nada. Estava impassível, esperando uma explicação minha. — Aquele objeto é muito importante, nele continham informações importantes do exército britânico. E-Ele me pediu ajuda, estava muito preocupado com a possibilidade dos Soviéticos encontrarem.
— Nossa , eu não sabia que vocês eram próximos assim ao ponto de você se arriscar para ajudá-lo. — Soltei um pequeno riso diante da inocência da menina. Ela nem imaginava o quão próximos chegamos a ser. — Foi naquele dia da cesta que você trouxe aqui para cima, não foi? — Assenti intrigada, como ela era observadora! — Sabia que estava escondendo algo, você mente muito mal, .
— Sua abusada. — Ri junto dela, mantendo minha pose incrédula.
— Mas, sério, foi muito bonito você tê-lo ajudado, mesmo não gostando dele. — Meu sorriso desapareceu com a mesma facilidade em que se abriu em nossa brincadeira. — Acho que fizemos o certo, sabe? Mesmo que ele tenha fugido e esteja dando uma baita dor de cabeça em Juliet, pelo menos ajudamos uma pessoa. — Encolheu os ombros de uma maneira fofa. Não resisti e a abracei forte, esmagando-a.
Acho que Cornélia só havia descoberto uma das minhas mentiras, eu não sabia bem se algum dia eu poderia afirmar que não gostava de falando a verdade, como se ele realmente tivesse saído do meu coração. A quem eu estava querendo enganar? O que eu sentia por ele era tão forte, eu o amava tanto que a ideia de não ser amada de volta fazia-me querer sumir da face da Terra.
Não conseguia me arrepender de tudo o que fiz até aquele ponto. Pelo menos ainda não. Eu estava seguindo meu coração e minha intuição. Era uma pena que todo meu esforço tinha sido jogado fora como se não significasse nada. Mas, ainda assim, minha consciência estava limpa.
— Você está certa. — Beijei o topo da sua cabeça. — Agora vamos ver o que aquelas duas estão aprontando lá embaixo.
Juntamo-nos às gêmeas e fizemos nosso café da manhã silenciosamente. Cada uma em seu mundinho particular, com seus próprios pensamentos e preocupações. Após isso, ajudei Cornélia com os pães que seriam servidos aos soldados, afinal de contas, eles ainda iriam chegar na casa pela manhã.
Só de imaginar ver um homem novamente meu estômago já se revirava.
Mas teria que ignorar minha repulsa. O clima já não era dos melhores, quando eles chegassem, iria ficar pior. Se é que tinha como piorar. Para mim, pelo menos, nada mais de ruim poderia acontecer. Eu não ligava mais, foi por me importar demais que estava naquela situação.

***


A noite caiu e a casa parecia mais fria do que nunca. Juliet retornou a casa com Elizabeth ao seu lado, com uma cara nada feliz. Inclusive, eu podia até ver a fumaça saindo de suas ventas de tão brava que ela estava. Sua cabeça parecia prestes a explodir. Ela se encheu de remédios e se retirou mais cedo do que o habitual, se trancou no quarto e por lá ficou, não desceu nem mesmo para o jantar. Ainda que se controlasse, era nítido que Juliet estava a beira de um surto.
Ela odiava perder, ainda mais depois de toda sua mobilização para entregar nas mãos dos Soviéticos. Estava doida para ter algum reconhecimento vindo de quem quer que fosse do exército. Eu nunca tinha visto alguém tão desapontada na vida por não ter conseguido agradar um homem. Era patético de ver, uma mulher gastando suas energias por algo tão pouco como a aprovação masculina.
Nem mesmo eu, que tinha sido a boba apaixonada, me prestei a aquele papel. Peguei sim a peça da aeronave, mas sabia que nada tinha a ver com o intuito de agradar ou não. Fiz porque gostava dele, e os sacrifícios feitos por quem se ama são feitos sem nenhuma espera de reciprocidade.
E eu realmente não tive nem um pouco da parte dele.
Tomei um banho, estava exausta. Meu corpo todo doía, parecia ter um peso invisível enorme nas minhas costas, meus olhos já estavam cansados de chorar, a pele de meu rosto estava sensível após todas as vezes que tentei, em vão, secá-la para, logo depois, banha-la novamente com minhas lágrimas. Em todas as minhas oportunidades de ficar sozinha naquela casa eu me tranquei no banheiro e chorei.
O olhar de dó de Elizabeth só me fazia sentir pior. Me sentia pequena, quase que do tamanho de um grãozinho de arroz. Como alguém que já me fez sentir grande, incrível e a pessoa mais amada do mundo poderia também fazer-me sentir minúscula, medíocre e digna de pena em questão de horas? Eu nunca iria entender como o amor, um sentimento tão lindo e edificante, poderia destruir alguém daquela maneira.
Pensava que o ódio era tido como inverso do amor, mas, a falta dele mesmo é que era seu antônimo. Olhar para trás e perceber que onde tinha amor na verdade nunca existiu era tão doloroso quanto odiar alguém que já amamos. O ódio pelo menos era um sentimento, era palpável, mensurável por palavras e atitudes. Mas a inexistência do amor era como um nada, não se podia tocar ou ao menos ver…
tinha me ensinado tantas coisas, só não me ensinou a odiá-lo e deixar de amá-lo tanto. Aquela eu teria que aprender sozinha.
Era tudo tão confuso. Cheguei num ponto em que não sabia o que estava sentindo. Logo eu, que sempre fui tão confiante com meus sentidos e sentimentos.
Deitei-me no colchão aliviada, finalmente aquele dia havia acabado. Foi um dos piores da minha vida, sem sombra de dúvidas. Ainda tinha a esperança de acordar no dia seguinte com tudo no seu devido lugar. Era pedir demais, não iria acontecer. Eu estava conhecendo a vida como ela era, com suas rasteiras traiçoeiras e saudades ingratas. Sentia a falta dele e do colo de mamãe como nunca senti na vida. Parecia que o mundo iria acabar naquele momento, eu podia ver até mesmo o teto despencar sobre minha cabeça a medida em que meus soluços ecoavam pelo quarto.
Abafei com o travesseiro. Meu Deus, tudo estava girando. Me perguntava quanto tempo mais iria ter que ficar ali, trancada com Juliet e as meninas, eu amava as quatro crianças, mas, se pudesse escolher, partiria sem olhar para trás. Queria rever meus pais, que a guerra acabasse de vez com apenas um piscar de olhos meu, exatamente na mesma velocidade em que tudo começou. Gostaria de estar no meu quarto, na minha casa, onde eu realmente me sentia protegida e longe da confusão e da maldade do mundo.
me fazia experimentar de novo aquela sensação. Quando estava em seus braços, sentada em seu colo, me sentia em casa. Ele era o meu lar. E eu era tão ingênua que nem ao menos percebia que estava sendo abraçada pela maldade que eu tanto fugia e temia.
Ainda estava sem nenhuma respostas às minhas perguntas, não conseguia entender muitas coisas, as peças simplesmente não se encaixavam em minha cabeça! Como era possível fingir um sentimento tão bem? Ele deveria repensar sua carreira na aeronáutica, porque daria um grande astro de Hollywood, já até poderia imaginá-lo em cartaz com algum filme de sucesso. Era uma pena perder um talento nato daqueles.
Os olhos dele, como era possível brilharem tanto sem nenhum sentimento envolvido? Eu já deitei em seu peito mais de uma vez, coloquei a mão na região de seu coração e sempre o senti acelerar! Como forçar o próprio coração a palpitar como ele fazia quando eu estava por perto? Desde os sorrisos até o modo como ele falava comigo, tudo sempre me levou a crer que ele realmente me amava. Na minha cabeça, não precisava falar se não quisesse, porque estava tudo tão nítido, estampando em sua cara, que nunca sequer duvidei.
Por isso, após meu pequeno susto ao ver que estava apaixonada, decidi não frear aquele sentimento, achei que era recíproco, que estávamos na mesma sintonia e que ele me amava tanto quanto eu o amava. Ver o desfecho daquela história e saber que provavelmente não sentiu absolutamente nada por mim, nem mesmo remorso por me usar, era deprimente.
Não deve ter sido difícil para alguém tão frio sair pela porta da frente, caminhar pela neve e me deixar para trás. Dois passos à frente, e ele já nem se lembrava da adolescente patética que usou, até o último segundo, e depois descartou quando já não precisava mais.


Capítulo 30 - The arrival

A noite se arrastou e pareceu durar duas vezes mais que o normal. Me revirei tanto que passei mais tempo acordada do que dormindo. Abri os olhos ainda cansada, parecia que um caminhão tinha me atropelado, meus cabelos grudavam em meu rosto por conta de ter soado a noite inteira. Não estava calor para que aquilo fosse considerado normal, era apenas meu corpo sofrendo as consequências da ansiedade que havia me pegado desde que tudo virou de pernas para o ar.
Eu conhecia aquele sentimento. Era uma urgência, sem causa aparente, sentia como se tivesse que sair porta afora correndo, como se uma bomba fosse atingir a casa. Era horrível ter aquela sensação de que algo iria acontecer mas não saber o que era, ou se iria acontecer mesmo.
Sempre fui muito sensível quando se tratava se sensações, não gostava de expor para muita gente, sempre me olhavam como se fosse louca. Mas minha intuição não falhava, na manhã anterior o aperto em meu peito me avisou, antes mesmo que eu soubesse, que havia algo errado. E, antes da chegada de , também senti em meu coração que as coisas estavam prestes a mudar. Mas, infelizmente, não soube interpretar direito na época, porque apesar de ter sentido algo bom, meu relacionamento com não tinha terminado bem.
Se quando eu tive um bom pressentimento as coisas já deram errado, imaginei que os meus maus pressentimentos previam coisas ainda piores.
Voltei a fechar meus olhos. O sonho que havia me atormentado por horas veio a tona. Era esquisito. Era bom. Nele, quem encontrava parado diante da porta e prestes a fugir era eu. Não pensava duas vezes, o seguia pela neve em meio ao breu da madrugada, já tínhamos ido longe o bastante para que a casa desaparecesse quando eu arriscava em olhar para trás, chegávamos no lugar onde meu outro sonho tinha se passado. O nosso casamento.
Despertei assustada. Parecia tão real quanto da última vez. Tão real, que me fez pensar durante horas. O que eu teria feito se tivesse encontrado no meio de sua fuga?
Minha ansiedade triplicou. Eu não conseguia sequer pensar naquela possibilidade. Porque sabia que o teria deixado ir, que não teria a coragem de entregá-lo a Juliet. Mesmo sabendo que faria o mesmo que Cornélia fez, não tinha como imaginar minha reação diante daquilo. Saber que ele partiu sem avisar já havia me devastado, mas, só de pensar na cena de vê-lo ir embora para sempre, já me tirava o sono.
Mas, na realidade, eu não teria como impedi-lo, nada que eu fizesse ou dissesse o faria ficar. tinha aquela fuga em sua cabeça desde que chegou ali, apenas fingia estar conformado com a própria morte. E eu que admirava aquilo nele, conseguiu nos enganar direitinho. Que tola eu, achando linda a redenção de alguém que nem ao menos arrependimento tinha. Tudo o que pude fazer por eu já havia feito, tudo o que pude lhe dar já tinha dado.
Se ele escolheu ir, sem nem ao menos olhar para trás ou reconhecer meus esforços, é porque ele nunca me quis de verdade.
Talvez eu fosse muito infantil para um homem como ele. Vivia no mundo da lua, presa num conto de fadas. Talvez tenha me empolgado com todo o teatro que armou, vai ver tudo o que senti arrepios de ter feito com ele não tinha o mesmo efeito numa mulher madura.
Pensar naquilo apenas me fazia sentir ainda mais burra.
Depois de escovar os dentes e encarar meu rosto pálido e com leves olheiras, desci as escadas de madeira, já ouvindo algumas vozes masculinas. Passava as mãos pelos cabelos a fim de tentar ajustar-los da bagunça que fiz por não ter dado a importância que todas deram a aquela visita. Eu estava péssima, não via motivo para me arrumar, o único que eu queria que me visse bonita se foi.
E, desde então, eu não queria que nenhum outro me olhasse.
Os dois pares de olhos me encararam e acompanharam até que eu colocasse meus pés no piso de madeira daquela cozinha. Senti-me como um quadro exposto numa galeria, sendo analisada, friamente. Incomodada, procurei as outras com os olhos, encontrando somente Elizabeth e Cornélia ali, sentadas à mesa. Juliet, é claro, também estava por ali, de pé, servindo os dois soldados.
O clima pesava toneladas, não consegui identificar veracidade dos sorrisos das duas meninas, que me desejaram um bom dia assim que me viram. Elas aparentavam estar sob extrema pressão, não sabia direito o quanto eu havia dormido, se eles tinham chegado há muito tempo, ou seja, não fazia ideia do que tinha acontecido no andar debaixo daquela casa durante a minha ausência. Minha língua coçava para perguntar a elas, porém, pelo modo como aqueles dois homens nos olhava, imaginei que as paredes daquele lugar haviam acabado de ganhar novos ouvidos atentos e apurados.
Seus ombros estavam tensos, como os dos dois homens que as acompanhavam na refeição. Porém no caso deles parecia ser natural. Eles pareciam ser totalmente sem expressão facial, mastigavam e engoliam com os olhos vidrados sobre a mesa. Pareciam robôs programados. Não sabia ao certo se os julgava, até porque qualquer ser humano que já havia passado por uma atrocidade como a guerra, ficaria daquela maneira mesmo longe do perigo.
Era sobre aquilo que eu sempre teimei com ou qualquer outra pessoa que desaprovasse minha posição contra a guerra. Aqueles homens não deveriam ser obrigados a se matarem daquela maneira. Mesmo os que sobreviviam, ficavam traumatizados a vida inteira.
Outro motivo para minha mágoa de , o fato de eu ter tentado por várias vezes fazê-lo entender aquilo, achei que tinha surtido o efeito que esperava, que tinha aberto seus olhos. Mas nunca entrou na cabeça dele, não importava o quanto eu lhe mostrava que aquilo era uma crueldade sem tamanho, ou o fato de terem meninas de apenas sete anos sendo privadas da infância e da presença dos pais, nada o fazia entender que a guerra era errada. tinha fugido e iria participar daquela carnificina, assim como o seu pai já estava.
Como eu podia amá-lo tanto? Mesmo após descobrir seu lado mais obscuro e sabendo que ele nunca me amou de volta. Meu Deus, eu queria tanto poder arrancá-lo do meu peito.
— Onde estão as gêmeas? — Minha voz mal saiu.
Os lábios de Cornélia tremeram involuntariamente. Meu coração se acelerou assim que a vi começar a chorar, sendo amparada por Elizabeth, que por sua vez tinha os olhos cheios de lágrimas.
— Onde elas estão, Juliet? — Ofegante, repeti minha pergunta mais firme daquela vez, atraindo a atenção dos homens, que se levantaram imediatamente. Recuei meus passos, a forma fria que eles me olharam fez meu sangue ferver.
Não estava entendendo nada, mas sabia que a reação das outras duas não significava algo bom.
— Estão com o Clint e os outros! Acalmem-se, é apenas uma conversa, meu Deus. — Juliet mandando eu me acalmar era o mesmo que jogar álcool numa fogueira. Ela não me inspirava confiança alguma. — Olhe só, já estão de volta.
Minhas meninas retornavam para a cozinha, pálidas e assustadas. Clint, que devia ser o homem careca e mais velho, vinha logo atrás, acompanhado de mais dois, um deles aparentava ter quase a minha idade, já o outro não devia ter mais que vinte e cinco anos. O mais novo foi o único que me olhou de verdade, sem parecer estar em serviço, como uma pessoa comum. Os outros dois eram totalmente ao inverso, cheguei a sentir arrepios ao sentir a presença de ambos no mesmo cômodo que eu.
Clint não era nem um pouco parecido com o homem que imaginei que fosse. Todas as vezes que ouvi seu nome ele estava envolvido em atitudes "heroicas" e "boas ações". Tudo devidamente entre aspas, porque sempre duvidei dele ao ouvir todos aqueles elogios saírem da boca de Juliet. Ele era um homem comum, como o meu pai e o vizinho do lado da minha casa, não havia nada em sua aparência que o destacasse. Já o mais novo tinha a aparência amigável, seus olhos castanho claro passavam calmaria e contrastavam com seus cabelos pretos. Mas eu preferia não cair mais naquela pose de bom moço. O do meio me causou arrepios, seu olhar praticamente te consumia aos poucos, caso valesse a comparação, ele era o completo contrário do mais novo.
— Você deve ser . — A voz grave de Clint soou pelo local silencioso. Assenti forçando-me a manter minha cabeça erguida, esperava que minha voz e minha mania de gaguejar não me atrapalhassem ao transparecer meu medo.
— Sim. Foi dela que te falei. — Juliet sorriu, repousando ambas as mãos em meus ombros. As encarei, reparando a falta de sua aliança em uma delas.
Os três voltaram a me analisar. Toda aquela atenção masculina me deixava aterrorizada. Achei que teria algum receio quando ficasse próxima de algum homem de novo. Mas seria algo relacionado a confiança, e não aquela sensação de que estava correndo perigo físico.
Juliet tinha dito que receberíamos soldados soviéticos, mas eu me sentiria mil vezes mais segura se fossem soldados britânicos. Mesmo que fossem considerados inimigos, o próprio quando chegou naquela casa me passava mais segurança que aqueles homens.
— Precisamos ter uma conversinha.
— Tudo bem. — Engoli a seco e me direcionei a mesa de café da manhã, tinha que comer e, enquanto fazia aquilo, tentaria organizar minhas ideias e me acalmar. Minhas mãos estavam trêmulas.
— Agora. — Juliet tirou o bule das minhas mãos assim que a voz dele ordenou. Olhei para seu rosto completamente confusa enquanto fui levemente empurrada na direção deles.
Fui, contra a minha vontade, guiada em direção ao corredor conhecido por mim. Sentia-me tonta, parecia que iria desmaiar a qualquer momento. Não conseguia dizer se era por não ter comido absolutamente nada ou pelo nervoso que estava passando. Adentrei o quarto que amava tanto e vi um deles fechar a porta atrás de si. Tentei respirar fundo, vendo tudo a minha volta girar.
. — Fechei os olhos com força, na tentativa de me manter consciente. Estava acontecendo tudo tão rápido, temia que meu corpo não acompanhasse todas aquelas reviravoltas. — .
Fui puxada de volta a realidade pela respiração pesada de Clint próxima ao meu rosto, assustando-me.
— Te fiz uma pergunta. Responda.
Meu Deus, eu realmente tinha perdido a consciência por um segundo.
O que estava acontecendo comigo?
Encarei os rostos diante de mim e senti uma enorme vontade de chorar. Como Juliet tinha permitido que aqueles três homens levassem Harriet e Amelie para aquele quarto? Sem estar junto delas para protegê-las? Eu, que era mais velha, já estava aterrorizada, imaginava como as menores tinham reagido a toda aquela opressão, o que devia ter passado nas cabeças delas! Um nó enorme se formou em minha garganta.
— E-Eu não entendi. Desculpe. — O mais novo assentiu compreensivo. — E-Eu não consigo respirar, eu…
— Vamos dar um pouco de espaço a ela. — O menino propôs, fazendo os colegas de farda se afastarem a contra gosto.
— Não há necessidade de nervosismo, só vamos lhe fazer algumas perguntas. — Clint disse, impaciente. O outro concordou calado, enquanto andava de um lado para o outro deixando-me ainda mais nervosa. — Você que ficou responsável pelo britânico, não foi?
Assenti, ainda recuperando o fôlego. Apesar do meu estado, tinha plena ciência de que teria que pensar direito em minhas respostas. O fato de ter fugido deveria ser culpa apenas de Juliet, que era a dona da casa, porém, eu estava tão envolvida quanto ela. Quanto mais eu me esquivasse de ser associada à , melhor era para mim.
Não gostava de mentiras, tampouco sabia mentir bem antes de conhecer . Mas aquele era o único jeito de fazê-los ir embora o mais rápido possível e nos deixar em paz, como era antes de tudo. Como deveria ter sido. Homens só sabiam causar discórdia e destruição.
— E-Eu fiquei responsável por ele por saber falar sua língua. — Encarava meus pés, foi o jeito que encontrei de não ter que encará-los nos olhos.
Os meus me denunciariam. Não tinha como saber se aquilo me ajudava ou atrapalhava no convencimento. As meninas fizeram o mesmo? Choraram ou mantiveram a calma? Afinal de contas o que poderia nos incriminar naquele interrogatório disfarçado de conversa? Estava completamente perdida, no escuro. Se eu chorasse, deixasse a mostra meu sentimento de perda por , era culpada. Já se, por outro lado, eu desdenhasse de sua vida, seria desmentida por Juliet. Estava andando em uma corda bamba, qualquer um dos lados me fariam cair.
Sempre demonstrei que me importava com . Porém, não podia mais pensar no bem estar dele, era a minha cabeça que estava em jogo ali. E se antes eu temia que Juliet nos descobrisse, o medo que eu sentia daqueles homens chegava a ultrapassar qualquer ação da mulher contra mim. Me deixava acuada, sem saber se eu poderia ser sincera ou não.
Seria engraçado, se não tivesse potencial o bastante para se tornar algo trágico. Eu deveria confiar naqueles homens de olhos fechados. Sem ao menos pestanejar, entregar tudo o que eu sabia sobre , por que depois de tudo o que ele me fez, seria o meu jeito de me vingar.
Mas...Eu não sabia se era o certo a se fazer. E aquela dúvida me fez ficar calada. Algo dentro de mim me dizia para não fazê-lo.
— Seu pai é britânico, não é? — Assenti novamente. Quanto menos eu abrisse minha boca, mais controle sobre a situação eu tinha. Ou pelo menos achava que tinha estando sob tamanha coerção. — Onde ele está agora?
O choro me subiu a garganta. Eu esperava que ele soubesse, minha única esperança da vinda daqueles homens até nós, era ter notícias dos nossos familiares.
— E-Eu não sei. — Solucei, sem querer. Não estava entendendo, o que meu pai tinha a ver com o sumiço de ?
Ouvi um deles suspirar alto, espiei pelo canto do olho e pude ver o homem inquieto que andava de um lado para o outro soltar um pequeno riso. Clint sorriu contido, fazendo-me liberar finalmente as lágrimas que eu tanto prendia.
— Não deveria estar na guerra? Defendendo o país que o acolheu. Ou ele se acha bom demais para ter que defender a União Soviética? — Neguei veemente enquanto o choro me causava pequenos soluços.
— E-Ele está doente. — Meu pai teve um AVC há alguns anos atrás, nosso alívio ao saber que ele era considerado inapto a servir o exército soviético foi enorme. A única sequela que papai teve foi sua paralisia do lado direito do corpo.
— Ah, mas não foi isso o que nós ouvimos por aí… — Riu o careca. — Seu pai era um covarde, fugindo da guerra como um cão corre de um banho. — Foi acompanhado pelos outros em sua risada. Eu continuava a soluçar, queria, desesperadamente, desaparecer da face da Terra — Ele não queria que nos juntássemos aos nossos amigos da Alemanha, queria que ficássemos de fora, de braços cruzados esperando a merda vir para o nosso lado. Fugiu com aquele papinho de paz e amor como se isso resolvesse alguma coisa enquanto nós estamos dando nossas vidas para defender este país.
Seu rosto cada vez mais próximo do meu, mantive minha cabeça baixa, porém ainda sentia seu queixo encostar-se de maneira hostil em minha testa suada. Eu já não controlava mais minhas emoções, chorava incessantemente, a única área de meu corpo que tinha decidido ter controle eram minhas mãos. Meu coração batia tão rápido que parecia que iria explodir a qualquer momento, tamanha a raiva que tomava conta de mim. Se pudesse...bateria nele. Como toda a força para ver se daquele jeito ele talvez ficasse quieto.
O nome de Juliet piscava em letras garrafais a minha frente. Estava claro, Juliet havia contado tudo aquilo a ele, afinal de contas, ela conheceu meu pai e ele nunca tinha feito muita questão de esconder o que pensava sobre quem quer que fosse. Stalin ou seu exército de brutamontes praticamente implorando para que participássemos daquela guerra, não importava.
— Mas para ele pouco importava. Não era ele quem estava se sacrificando pelo bem maior. — Desdenhou, como se tivesse acabado de ler meu pensamento. — E quanto a você, ? Se importa? Ou também acha o que estamos fazendo errado? Acha que estamos aqui brincando com arminhas de plástico? — Seu tom aumentou quando ele se aproximou mais uma vez.
— Senhor. — A voz suave do mais novo soou em meio a confusão.
Clint se afastou, respirando fundo algumas vezes.
— N-Nã-ã-o. — Encolhi meus ombros.
— Então não faça como ele. Não nos deixe na mão, fale tudo o que sabe daquele britânico filho da puta.
E mais uma vez, sequer passou pela minha cabeça entregá-lo. Depois de ouvir todas aquelas ofensas direcionadas a meu pai, as chances que eles tinham de saber tudo o que eu sabia zeraram.
— Eu não sei de nada. — Cobri minha boca para abafar o choro.
— Ah, por favor. — Debochou o outro, voltando a perambular pelo quarto.
Tinha tanto medo de ser torturada. Não sabia se poderia contar com Juliet caso algum deles quisesse fazer algo contra mim, a própria parecia tão confortável com a presença deles ali que nem ao menos se importou com o fato de que chegaram tomando conta de tudo, forçando autoridade. Fora que as informações que eles tinham sobre minha família, foi a própria que cedeu.
— O que exatamente você fazia para ele? — Impaciente, Clint indagou, parando diante de mim. O soldado mais novo também se aproximou, ficando ao seu lado. Não conseguia dizer se ficava aliviada ou com mais medo.
Ele parecia ser o mais racional da trupe, porém, meu senso de julgamento estava a prova desde que descobri coisas sobre , quem eu sempre julguei bondoso.
— T-Trazia as refeições, o esperava comer, depois recolhia as louças. O guiava até o banheiro e, depois de ajudá-lo a voltar para a cama, o deixava. — A resposta era aquela. Porém tinha muito mais por trás. E o complemento dela estava na ponta da minha língua.
Eu o amava. Além de cuidar dele, eu o amava. Fisicamente, emocionalmente. As palavras trocadas dentro daquelas quatro paredes ecoavam em minha cabeça. Fechei os olhos com força mais uma vez, sentindo meu estômago se embrulhar. Meu próprio corpo me traía, fazendo-me revisitar as lembranças justo quando não deveria pensar nelas.
— E não sabe nada sobre ele? — Neguei com a cabeça. — O nome. Qual era o nome dele? — O soldado debochado se aproximou, sua voz tão imponente me fez tremer.

Flashes do nome dele escapando de minha boca, sussurrando em seu ouvido, misturado aos gemidos, súplicas, lágrimas...respirei fundo, retornando a realidade.
— E-Eu não sei...j-já disse que n-não sei! Eu não deveria conversar com ele, Juliet nos proibiu. — Menti, ainda encarando minhas mãos trêmulas repousadas em meu colo. Os pares de botas estavam ali, tão próximos que me sentia tonta, sem ar. Como se eles estivessem roubando todo o oxigênio para si.
— Está dizendo que ficou dias aqui com ele sem trocar ao menos uma palavra? — Mexi a cabeça confirmando. — Nem fodendo… — Riu praguejando. — E a aparência dele, como era? Ou vai dizer que também não olhava para ele. — Debochou arrancando uma risada de Clint. O outro ainda assistia a tudo calado.
— E-Eu não s-ei...ele… — Ofeguei, já imaginando o que faria. Não iria dar a descrição de , não lhes daria o que tanto queriam. Mas, ao mesmo tempo, estava de mãos atadas, já havia os irritado demais com minhas respostas vagas. — Eu não me lembro direito… — Encolhi meus ombros.
, já está me enchendo a paciência! — Fiquei muda no momento em que senti meu corpo ser chacoalhado violentamente. Clint pegava meus braços com força, pelos fios de cabelo que invadiram meu rosto, observei suas pupilas se dilatarem e seus olhos mudarem de cor. Chorei compulsivamente, ainda sem ação. — Fale logo o que sabe! Não me venha com essa história de que não se lembra. Fale! Como aquele desgraçado era!
— E-Está me machucando! — Exclamei, sentindo seus dedos se afundarem sobre minha pele. Fui solta e empurrada contra o colchão. — E-Ele era alto…
— Magro? A cor dos olhos, do cabelo...
— N-Não...Mas também não era gordo… — Argumentei, confusa, ainda tentando tirar os meus cabelos do rosto. — O-Olhos v-verdes, eu acho...cabel...
— Você realmente está falando a verdade? — O do meio indagou, interrompendo minha gagueira momentânea. Assenti. — Olhe para mim, . — Temerosa, levantei meu rosto após ficar a “conversa” toda de cabeça baixa. Encarei seus olhos azuis e voltei a sentir aquela sensação ruim. — Está com medo? Por que não olha para o nosso rosto? — Seu rosto extremamente bem desenhado se contorceu em dúvida. — Tinha medo dele? Por isso não o olhava?
O único resquício de medo que um dia senti em relação a foi o de me apaixonar e não ser correspondida.
Quase soltei um riso triste. O que eu mais fiz naquela casa foi olhá-lo. Beijei cada centímetro daquele rosto lindo, cada tatuagem estampada em seu corpo. Antes eu tivesse medo dele, talvez se tivesse me afastado e escutado Juliet, não estaria tão destruída.
— Ele te assustou de alguma forma? — Pela primeira vez, o menino calado abriu a boca para direcionar uma pergunta a mim. — Te tocou, agarrou, ou te fez algo?
Oh, sim, ele me tocou, inúmeras vezes. Imagens voltaram a invadir meus pensamentos. Aquela noite. O modo como aquelas mãos grandes e macias ditaram os movimentos do meu quadril enquanto eu subi e desci em seu membro...O jeito como, ao mesmo tempo, me tapou a boca e, com a outra mão, agarrou-me pela cintura e nos virou naquela cama com maestria, voltando a me penetrar majestosamente. Suas mãos puxando meus cabelos, sua língua passeando por toda a extensão da minha pele...
Recuperei meu fôlego e disfarcei os arrepios que me atingiram instantaneamente.
— N-Não. — Menti. — Se tivesse feito, teria gritado, óbvio. — Dei de ombros. — Tinha medo dele porque Juliet disse que ele era perigoso.
Usar as afirmações de Juliet me dava veracidade sobre minhas falsas opiniões. Se fingisse que concordava com ela, estaria tudo bem, afinal de contas a mulher compactuava com eles em tudo. Mostrar a eles que havia lhe dado ouvidos era eficaz, tanto que os soldados compraram minha mentira de imediato assim que eu a citava em minha resposta.
— O-Olha, eu não sei nada sobre ele, já disse. — Sequei minhas lágrimas, ainda evitando de olhar em seus rostos. — Estou falando a verdade, eu jamais o acobertaria dessa maneira. — Encolhi meus ombros, a fim de encerrar aquela palhaçada de uma vez por todas.
— Tudo bem, apenas nos responda mais uma coisa. — Concordei, pedindo aos céus que aquilo tudo acabasse logo. — Foi você quem o achou lá fora? — Após uma confirmação minha, ele prosseguiu. — Onde estava quando o encontrou?
— A-A aeronave caiu próxima do galinheiro. — Engoli a seco ao me lembrar da peça que estava faltando lá dentro. Será que eles dariam falta da caixa preta?
A ânsia de vômito me atingiu novamente. Só de pensar, passava mal. Se eles estiverem atrás de informações sobre a Força aérea britânica, era a primeira coisa que eles procurariam quando estivessem com a aeronave em mãos.
— Acho que chega por hoje.
Não pude deixar de respirar aliviada quando a porta foi aberta. Clint saiu acompanhado do mais novo. Deixei meus ombros caírem, relaxando ao me ver finalmente sozinha. Encarei minha mão pousada sobre o colchão da cama e fiz um breve carinho ali, sorrindo fraco. Meu Deus, como as coisas podiam mudar tão drasticamente em tão pouco tempo?
Ouvi um breve pigarro e avistei o soldado mal encarado ainda na porta, esperando-me sair. E foi o que eu fiz, ouvido o barulho das chaves quando o mesmo trancou o quarto. Estranhei e fiquei triste por um momento. Não poderia mais entrar ali, logo o lugar que era o meu favorito naquela casa grande e fria.
— Olhe só, estávamos esperando vocês para comermos o bolo. — Juliet com sua pose de falsa hospitaleira sorriu abertamente ao me ver saindo do corredor.
Disfarcei minha cara de choro, tentei sorrir para as meninas, não queria assustá-las mais ainda. Mais do que nunca precisaria conversar com cada uma delas, principalmente Cornélia, que sabia o paradeiro da peça do avião. Elizabeth também guardava um segredo meu e eu esperava que nenhuma delas tenha cedido às perguntas daqueles brutamontes.
Só de imaginá-las passando pelo que passei, por minha culpa... esperava que somente eu tivesse recebido aquele tratamento, não podia sequer pensar em uma delas sendo maltratadas.
— Não precisava de tudo isso, Juliet. — Clint riu, sentando-se à mesa. Os encarei por um tempo, a mão dele apanhou a dela e ficaram um bom tempo se encarando. — Não vai sentar, ? Deve estar faminta.
A verdade era que eu achava que não conseguiria colocar nada para dentro, não após a situação que havia acabado de passar. Eu só queria correr para o meu quarto, acampar debaixo das cobertas e ficar por lá o resto dos dias, até que pudesse ir embora para casa.
— Mas é claro que precisa! — Exclamou ainda com os dentes arreganhados. Olhei para Elizabeth na mesma hora, estranhando aquele comportamento. Parecia que eu não era a única a reparar. — Vocês são nossos hóspedes! E estão nos mantendo segura, graças a Deus que vocês chegaram.
Me servi daquele bolo de fubá, ainda sem a mínima fome.
— Aliás, que tal fazermos uma oração? — Levantei minha sobrancelha involuntariamente. O que tinha dado naquela mulher? — Vamos, deem as mãos.
As pequenas riram, provavelmente achando graça daquilo, mas eu estava seriamente preocupada. Parecia que tinham batido a cabeça dela bem forte, tão forte que a fez ficar daquela forma. Estranha...feliz demais. Sorridente, antes da chegada daqueles homens eu suspeitava que ela não sabia sorrir, pois quase nunca o fazia.
Ela pegou minha mão conta a minha vontade e me fez fazer o mesmo com Elizabeth, todos repetiram o gesto, mesmo não parecendo acostumados a fazer tal coisa. Eu, algumas vezes, já havia orado junto de minha mãe em meu quarto, mas Juliet? Nunca conseguiria imaginá-la naquela situação.
Era uma hipocrisia sem tamanho. A mulher que mentia tanto para nós, que já quis torturar um homem com as próprias mãos e que, se pudesse, tiraria sua vida, nos propor uma oração? Parecia uma piada de muito mau gosto.
Apertei levemente a mão de Elizabeth, assim que abri um dos olhos para checar se ela tinha entendido o recado, me deparei com aquele homem de olhos bem abertos, encarando-me do outro lado da mesa. Mantive a troca de olhares perguntando-me afinal o que diabos ele queria comigo.


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Nota da autora:Lembrando que é tudo totalmente ficcional, haverão alguns elementos sobre a segunda guerra, porém alguns acontecimentos serão fora de ordem e alguns nomes de países serão trocados pela Inglaterra e a União Soviética, apenas para condizer com a história que está sendo contada.
Enfim, espero que gostem e me deixem saber nos comentários, por favor!



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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