XII
Abri os olhos, encarando a brisa suave que entrava pela janela do meu apartamento na madrugada. O frio começava a ser cortante, congelando a pele em sinal de que aos poucos o outono nos deixava. Apertei a jaqueta ao meu redor, refletindo se deveria fechar a corrente de vento, mas o simples prazer de acompanhar o toque gelo em meu rosto, me fazia aguentar as temperaturas a menos que o termostato não conseguia controlar.
Deitei no sofá aveludado, tão diferente daquele meio puído que eu e dividíamos no apartamento alugado. A sensação do tecido macio, abraçando meu corpo, por mais sutil que fosse, era a minha chamada para a realidade. Para um ambiente distante da atmosfera nostálgica que o Bob's Bar me remetia.
Desbloqueei o celular, tendo a visão da recente foto que povoava meu rolo de câmera. A luz do píer não ajudava na distinção das nossas caras, apenas o brilho da lua deixava a mostra uma parte dos nossos sorrisos. E que sorrisos... eu parecia cintilar de forma própria, incentivada pelo calor dos braços de ao meu redor. Seu rosto próximo do meu indicava a felicidade que tínhamos em estarmos juntos.
Deslizei o polegar pelo contorno do seu rosto sob a imagem, quase como se pudesse sentir a pele bem barbeada embaixo dos dedos. Quase como se pudesse, por um segundo, remeter a sensação de eletricidade que eriçava meus pelos. Eu não me arrependia em nada de ter levado-o para conhecer o Bob. No início, até mesmo achou a ideia um tanto louca. O Bar sempre tinha sido O refugio que eu precisava, um lugar que eu só dividia com as pessoas que mais amava no mundo. Por que, então, levar até lá?
No fundo, acho que nem eu sabia a resposta! Quando pedi um encontro, imaginei o restaurante mais caro da quinta avenida, porém, com o amadurecimento da ideia, a sensação de que não conheceria nem uma parcela de mim em um lugar como aquele esfriava todo o ânimo que eu sentia diante da possibilidade. Eu precisava iniciá-lo na minha vida se quisesse que aquilo desse certo.
Com esse pensamento, levantei do estofado, resmungando uma pontada dolorida no quadríceps. A chegada do campeonato deixava os treinos cada vez mais pesados e isso exigia uma força gutural do meu corpo. O que me lembrava da necessidade em impor vigor na academia, preparando todos os meus músculos para os exercícios intensos que viriam a seguir. Maneei a cabeça, avaliando a possibilidade de chamar para malhar comigo pela manhã, descartando-a, porém, logo em seguida, já que o meu corpo responderia de todas as formas erradas à visão de um suado. Ah, ele queria fazer exercícios... só que de outro tipo.
Encostei a testa na superfície fria da porta do quarto. Onde eu estava com a cabeça em propor cinco encontros de celibato, pelo amor de Deus? Um calor dominava meu baixo ventre só de lembrar da última vez que estive a sós com . O jeito com que ele percorreu meu corpo com devoção, as marcas que resistiram em minha pele até dias depois, o gosto almíscar que ele deixava em minha boca. Gemi, avaliando a chance de chamá-lo de volta para cá. Dessa vez, para a minha cama.
Despertei dos devaneios ao sentir o celular vibrar por dentro do bolso da calça. Será que minha conexão com rompia tantas barreiras que ele até mesmo sabia quando eu estava prestes a chamá-lo em um... disk-sexo? Vibrei diante da possibilidade.
Visualizar o nome de diante do chamador me fez desligar a empolgação e soltar um muxoxo. Não que falar com a minha melhor amiga fosse ruim, nunca era. O problema era que naquele momento, eu preferia estar falando sobre outras coisas que não envolvessem fofoquinha feminina. Atendi depois da reflexão, deixando o desejo de me unir a para outra hora, afinal, para estar me ligando no meio da madrugada, algo não deveria estar certo.
— Eu não consigo dormir — a voz de soou do outro lado da linha.
— Percebo, meu anjo — murmurei, irônica, recebendo de volta um bufar.
— Sério, ! Acho que estou ficando louca.
Girei a maçaneta fria, olhando amorosamente para a minha cama, como se, de repente, meu corpo tivesse entendido que ele poderia descansar e por isso, minhas energias começavam a se esgotar mais rápido do que a bateria do meu celular. Sentei na beirada do colchão, retirando as botas e me jogando para trás enquanto esperava a continuação do lamento de .
— Você sabe! O dia de Ação de Graças está chegando e minha mãe provavelmente planeja matar eu e — choramingou minha amiga.
Fechei os olhos, apertando os lábios para não soltar o riso que espreitava minha boca. Eu tinha esquecido completamente do feriado, mas, pelo visto, a proximidade dele deixava com os nervos a flor da pele. Para os , aquele não era um dia comum, um feriado qualquer. Era a comemoração de todas as boas coisas que aconteceram no ano e por isso, merecia ser festejado com grandeza. Eles recebiam em sua casa nos Hamptons, metade da população nova-iorquina que consistiam em seus amigos.
A humilde casa, avaliada em alguns milhões de dólares, não só me deixou boquiaberta ao descobrir que vinha de berço nobre, como também foi palco dos verões mais divertidos que tive fora da faculdade. Só de lembrar da construção amarelo terra, coberta de camadas de neve, meu coração dava um saltinho empolgado pela chegada do feriado.
— Duvido que sua mãe chegue a esse ponto, mas, verifique se todas as camisinhas estarão intactas durante o fim de semana — cochichei, rindo da possibilidade de Mamãe usar aquele artifício para enfim conseguir um neto.
— Estou tomando pílula só por precaução — me devolveu, numa afirmação irritada — Mas, de qualquer forma, o fato da minha barriga continuar plana irá matá-la de desgosto.
Balancei a cabeça, como se de alguma forma, minha melhor amiga pudesse ver. Era fato comprovado que naquela situação, eu vivia um impasse. Entendia muito bem os motivos pelos quais e estavam adiando os pirralhos correndo pela casa, eu também gostaria de curtir meu casamento antes de dar aquele salto para a próxima fase. Porém, eu amava tanto os pais de , que não podia deixar de torcer para que o sonho de ambos se realizasse logo.
— Podemos achar uma distração, algo que os faça esquecer dos tracinhos a menos no seu teste — sugeri, refletindo a dificuldade em arranjar algo que cativasse a atenção dos mais velhos.
— Hmmmm, talvez eu já tenha até uma ideia — sussurrou, soltando um risinho nervoso depois.
— Sinto em dizer que a próxima coleção da Tiffany não vai funcionar, tentamos ano passado — tentei ler os pensamentos do outro lado da linha.
— Ahn, talvez eu estivesse pensando em algo mais barato. Talvez, você, por exemplo. Mas só talvez.
Sorri, achando aquilo bem idiota, afinal, nem mesmo se esquecesse meu convite, eu iria faltar o evento.
— Creio que minha presença não é novidade.
— A sua, acompanhada do , é sim!
Revirei os olhos. Quando foi que eu disse algo sobre passar os feriados com ?
— Sem chance!
— Por favor, por favor, por favor — usou sua voz de gatinho para começar a suplicar — Você sabe que minha mãe ia amar ver vocês, sentir toda essa vibração romântica que emana.
— Primeiro: não exalamos vibrações. Segundo: quem te garante que estará livre? — questionei, me dando conta de que nem mesmo eu sabia da agenda do meu parceiro.
— James vai conosco, então deduzi que também poderia ir. Diga que sim, por mim, por , pelo seu sobrinho...
— MEU SOBRINHO? — comecei a rir daquela loucura.
— É, ué, pela ausência dele.
— Você é muito idiota — resmunguei — Vou conversar com , se ele não tiver planos, talvez vá.
Dei o braço a torcer em prol da minha noite de sono, afinal, , insistente do jeito que era, devia estar planejando alugar meu ouvido com os mil motivos pelos quais era essencial naquele feriado.
— Eu já disse que te amo? Que você é a melhor bailarina da minha vida? Obrigada!!!!
— Quem diria que eu estava diante de uma interesseira — fingi ofensa, escutando uma risada leve na linha.
— Você é a minha melhor, para sempre! — suspirou contente — Agora vou dormir, porque você me deu paz de espírito.
— Vou cobrar essa boa ação na minha lista quando chegar ao céu! — debochei.
— De nada por salvar você do purgatório.
Desliguei, ainda escutando a beata ponderar sobre a salvação da minha alma. Realmente, ninguém merecia uma amiga como aquela. Além de alterar os planos do feriado sem meu consentimento, aproveitou para alegar inocência diante das acusações. sendo sempre . Balancei a cabeça, resignada a pensar no que eu precisaria fazer para levar comigo em um outro momento. As estratégias poderiam esperar um bom banho.
Liguei a torneira da banheira e comecei a despir o corpo enquanto esperava o líquido encher o espaço. Adicionei os aromas que eu tanto gostava e só de ver a espuma começar a subir, meus músculos já ameaçavam um relaxamento completo. Desci a mão para avaliar a temperatura e quando me dei por satisfeita, submergi o corpo lentamente. Uma perna de cada vez até estar afundada em um paraíso quente.
Alcancei o celular, parado ao lado das loções aromatizantes que eu tinha usado para preparar o banho e decidi romper o silêncio com uma playlist de músicas lentas. Eu teria sido bem sucedida, se não tivesse derrubado o celular ao me assustar em vê-lo vibrando uma nova mensagem.
Puta que pariu, mergulhei a mão no monte de espuma, rezando para que a propaganda da resistência à água fosse realmente verídica ou então, eu com certeza mataria o infeliz que escolheu aquele justo momento para me atazanar a paciência.
Suspirei, bastante aliviada, ao avaliar o estado intacto do aparelho, achando que nunca um dinheiro tinha sido tão bem gasto quanto aquele que me conferia tal proteção. Avaliei a tela que brilhava por debaixo da espuma, tentando limpar o visor para conseguir enxergar por de trás de tudo aquilo. Quase derrubei-o de novo, ao notar a mensagem que me aguardava na tela.
(01h44): eu achava que as várias menções no instagram eram algo difícil de acostumar.
(01h45): mas, parece que estava enganado...
(01h48): quando você vai parar de invadir meus sonhos?
O sorriso que se instalou nos meus lábios foi automático. Era como se depois de conhecer , eu tivesse recebido alterações permanentes no meu manual de instruções, fazendo com que todos os seus gestos me causassem uma inevitável taquicardia. A arritmia dos apaixonados.
Apertei o celular entre as mãos, fixando o olhar no ícone verde da mensagem. Eu queria deixar de invadir os sonhos de ? Gargalhei, sem conseguir me conter. Era óbvio que não. Parte de mim, a mesma que provocava em cada oportunidade, estava sedenta para transformar todas as insônias dele em noites cheias de lembranças minhas.
Nada mais justo, certo? Nada mais, maravilhosamente, justo do que incendiar aquele que me queima.
Eu: depende, são sonhos eróticos?
Estalei a língua, me sentindo como uma garota sapeca ao vê-lo ficar on-line em instantes. Deitei a cabeça no encosto apropriado e esperei o "digitando..." se converter em mensagem. : com você neles, como poderiam não ser?
De todas as certezas que tive na vida, a maior delas é que sabia exatamente as palavras certas para me conquistar. Ele era a própria personificação do meme "você diz: a | eu: lindíssimo, falou tudo". Sorri, me achando o mais idiota possível.
Eu: talvez, eu possa te ajudar...
Mordi o lábio, puxando as espumas para cima de forma que elas cobrissem meu colo, deixando apenas os ombros a mostra e levantei o celular, tirando uma foto que emoldurava da minha boca até o amontoado branco de bolhas. A minha clavícula continha gotículas de água, que desciam em uma trilha sensual até o início do vale dos meus seios. De lá, a espuma atuava como uma censura alva. Enviei, prendendo a respiração ao imaginar o que aquele ato iria fazer com . :
Diante da imagem que preenchia minha tela, comecei a rir descontrolavelmente.
Eu: agora que quero brincar... você já morreu?
Eu sabia que aquela mensagem, que digitei entre risadas, iria fazer fingir um ego ferido. Afinal, eu tinha insinuado que ele não dava conta nem das preliminares. : acho que você sabe direitinho como me avivar.
Eu: o que? Claro que não. Sou uma menina inocente.
Risadas ainda preenchiam meu peito.: se eu tivesse dentro da banheira, você seria tudo menos inocente!
Fechei os olhos, tendo a mente invadida pelas possibilidades que aquele cenário iria me proporcionar. Com a certeza de que, além das espumas voarem para todo o canto, a água vazada ia ser o suficiente para alagar o apartamento de baixo. Mentalizei o desastre por um segundo, cruzando as pernas num suspiro pesaroso. Foda-se o apartamento de baixo, eu queria aqui.
Eu: tem certeza que você ira estar dentro da banheira?
: você conhece um lugar melhor para estar?Olhei a nova mensagem pipocando na tela e pensei nas possibilidades de resposta:
b) Não, minha banheira com hidromassagem é a própria personificação de todos os desejos de um corpo cansado. (essa seria para aquela conversa informal, zero segundas intenções, facilmente confundível com o marketing do vendedor da banheira)
c) Talvez, qualquer lugar com você é o paraíso. (e essa seria a resposta pateticamente apaixonada)
Logo, eu optei pela única plausível diante da situação.
Eu: dentro de mim, quem sabe...
: então, eu deveria estar dentro de você? E o que você estaria fazendo?Ele me atiçou e eu ri, imaginando correndo desesperado de pau duro até o meu apartamento se soubesse as coisas que passavam pela minha cabeça.
Eu: empinando, sentando e rebolando.
: hmmmmmmmm, consigo imaginar.Ah, meu amor, eu também conseguia. Continuei encarando a tela, esperando a próxima mensagem que digitava, tentando me distrair do calor que beijava meus poros. Puta que pariu, por que eu coloquei a água tão quente?
: seu corpo molhado deslizando no meu, o gosto da sua pele misturado aos sais de banho, minhas mãos percorrendo meu caminho favorito pelo seu interior.
Molhei a testa, começando a duvidar que o calor viesse da água.
: você está me deixando louco, .
Avaliei criteriosamente a loucura de , constatando que, não só sofria dos mesmos sintomas, como também sabia que o causador era comum. A bendita atração que sentíamos começava a romper a linha tênue do controle, se tornando algo incurável, irrefreável e ilimitado. Eu desejava com a mesma intensidade estando perto ou longe dele, antes de beijá-lo e após um beijo escaldante. Com ou sem dança, eu sabia que a mistura de sentimentos nos levava a um penhasco conhecido como amor.
: é muito cedo para marcar nosso próximo encontro? Não sei se consigo ficar muito tempo longe de você.
Eu: um fim de semana é muito tempo?
Sorri, boba.: um minuto é, imagine dois dias.
Era isso, senhoras e senhores, era o melhor homem do mundo. Como é que não se apaixona por ele?!
Eu: quando você quer sair?
: hoje, na minha casa, 20h. Vou cozinhar.Por um momento, achei que tivesse lido errado. Cozinhar? O quê? Desde quando cozinhava? Aquilo era totalmente impossível, algo fora de todas as probabilidades estatísticas que a matemática um dia fez. Não dava. Um homem não podia ser bonito, inteligente, engraçado, bom de cama, saber dançar e ainda por cima, cozinhar. Incompatível, era isso.
Eu: cozinhar? Eu não planejo morrer envenenada as vésperas do campeonato .
: no máximo, você vai querer lamber até o meu pauto...Eu: queeeee?
: prato, prato, era isso. Gargalhei. era tão idiota que eu não conseguia me manter séria.
Eu: não confio na sua hospitalidade, seu cretino! Você vai querer me levar para cama!!
Por favor, , queira me levar para a cama. Por favor. : prometo me comportar, juro!
Merdaaaaa, ele não queria me levar pra cama.
: mas talvez tire uma casquinha.
Eu: tudo bem, combinado!
Aceitei, como quem não quer nada, amaldiçoando a regra dos cinco encontros. A pessoa que inventou aquilo com certeza nunca se encontrou com um da vida...Graças a Deus, né.
Era bom que não tivesse se encontrado mesmo! Aliás, comecei a refletir, poderia andar com uma plaquinha de "pertence à ". Uma medida muito eficaz, se os paparazzis não o flagrassem de imediato. Soltei um muxoxo.
Eu: só precisamos arranjar um jeito de ninguém nos ver. Aylle vai nos matar se souber dos nossos encontros públicos.
Resmunguei, achando que a eficiência da hidromassagem se mostrava reduzida diante daquele assunto específico. : vou arranjar um jeito, não se preocupa. Apenas, vem! Posso te esperar?
Eu: você sempre pode me esperar, amor!
O toque da campainha me tirou toda a concentração que eu depositava no papel e caneta a minha frente. Levantei, alcançando o controle do som para pausar a música que batucava repetidas vezes pelo apartamento. Eu estava buscando melhorar nossa primeira coreografia de Bolero, escrevendo ideias para discutir com mais tarde.
Espiei pelo olho mágico, encarando um jovem do outro lado da porta. No boné verde, a logo dos entregadores de aluguel resplandecia centralmente. Destranquei o trinco, curiosa para saber o que ele tinha para me entregar em plena tarde de sábado.
— Srta. , presumo? — questionou, dando-me um sorriso simpático.
Acenei em concordância, desviando o olhar para a caixa vermelha adornada com um laço preto que repousava em suas mãos. O natal chegou mais cedo e eu não sabia?
Observando meu cenho franzido, ele riu e transferiu o pacote para meus braços, para poder puxar de sua mochila a confirmação de recebimento. Assinei no local designado pelo meu nome, chutando a porta assim que o garoto se despediu.
Coloquei o presente na mesa de centro, afastando os desenhos de coreografia que eu fazia a pouco. O que será que tinha ali dentro? Balancei a caixa, escutando um pequeno tilintar de um objeto batendo na parede interna do embrulho. Parecia que tinha algo móvel, mas, testando o peso, senti que era tão leve...
Desisti dos instintos de Sherlock Holmes e desfiz o laço sem delicadeza. Abri a caixa e senti um vinco formando entre as sobrancelhas ao espiar o seu interior.
Era um... controle?
Peguei o pequeno utensílio preto, olhando por todos os lados para encontrar uma explicação. Aquela era um tipo de mensagem subliminar? Apontei para os cantos da casa, esperando que algo que ligasse do nada, como num episódio macabro de Black Mirror, mas, tudo ao meu redor continuava da mesma maneira. Voltei a encarar o interior avermelhado, só notando então, um cartão caído na lateral. Deve ter se movido quando balancei a caixa.
"
Fui interrompida quando tentava analisar as intenções escondidas naquele ato. A campainha parecia estar destinada a me tirar dos momentos de concentração. Devolvi o controle para a caixa, caminhando até a porta para encontrar o mesmo menino de antes. Ué, as encomendas não acabaram?
— Olá, de novo — murmurei, recebendo uma risadinha como resposta.
Sem demora, ele me entregou o embrulho que agora era preto com um laço vermelho. Muito criativo, . Assinei o termo, ainda avaliando o formato retangular do caixote em meus braços. O que teria lá dentro agora?
Corri para o sofá, encontrando dentro da embalagem, um item revestido por papel seda. Antes que eu conseguisse espiar o interior, meus olhos capturaram a existência de um novo bilhete. Agarrei sem esperar, tirando o cartão do envelope em velocidade recorde.
"
Segurei-o diante dos meus olhos, boquiaberta com o nude em comprimento midi. A alça fina chegava no busto bordado e o desenho suave seguia uma mistura de rendas moldando a cintura. Nas pernas, uma fenda única subia desinibida, formando a melhor combinação de sensualidade e elegância. Admirei o vestido, achando-o simplesmente incrível.
— Acho que a senhora vai ficar muito bonita nele — tomei um susto, percebendo que o menino da entrega ainda estava parado ali, esperando a gorjeta dele.
Sorri amarelo, morta de vergonha por ter ficado admirando o vestido como uma pateta e esquecido do coitado. Caminhei até ele, com a carteira em mãos, tirando uma nota de vinte dólares de lá, como se pudesse recompensá-lo pelo faniquito presenciado momentos antes.
— Ele é um cara de sorte, espero encontrar alguém que eu ame assim no futuro — o garoto terminou, se despedindo ao entrar no elevador.
Fiquei um instante encostada na porta, avaliando o corredor vazio enquanto meus pensamentos corriam na direção de um bairro diferente, de uma casa distante. No fundo, eu achava que sortuda mesmo, era eu em ter . Quais são as chances de você encontrar o amor depois de uma tragédia? De ser abandonada as vésperas de um evento importante e dias depois, considerar isso a melhor coisa que já te aconteceu?
Quantas pessoas vivem vidas sem encontrar aquelas que as fazem transbordar? Aqueles a quem podem chamar de cara-metade, alma gêmea e toda as baboseiras românticas? Quantos podem olhar pro lado e enxergar no parceiro a pessoa com quem quer viver uma vida inteira? Uma eternidade? Um pedaço de infinito?
Balancei a cabeça, me tocando que estava no meio do corredor, fazendo reflexões filosóficas que apenas seriam aceitáveis em madrugadas alcoolizadas. Entrei no apartamento, me proibindo de virar uma menina boba apaixonada. Aquela fase tinha passado desde que me apaixonei por Brandon na terceira série e escrevi mil vezes meu nome com o sobrenome dele na última página do caderno.
Olhei de relance para o vestido, decidindo se usaria ele para satisfazer ou se colocaria outro para pirraçá-lo. Aproximei-me com receio de que a beleza do tecido pudesse me enfeitiçar. Ele continuava incrivelmente lindo. Não faria nenhum mal experimentá-lo, né?
Puxei o celular do bolso, verificando que faltavam duas horas para o horário marcado do encontro e isso, deixava uma procrastinadora como eu, com tempo de sobra para fazer mil coisas. Experimentar o vestido era uma delas.
Pesquei ele do sofá, correndo na direção do closet e parando na frente do enorme espelho que eu sempre usava para ver meu look de corpo todo. Voei a camisa pela cabeça, desabotoei os shorts em tempo recorde e, só de calcinha e sutiã, parei para abrir o zíper com devida delicadeza.
Deslizei o tecido suave pelo corpo, sentindo-o se apegar nas minhas curvas. Coloquei as alças e ajustei as marcações para deixar a fenda no lugar certo. Subi o zíper com um pequeno malabarismo e então, olhei o resultado no espelho.
Uau.
tinha acertado em cheio. Eu estava gostosa do jeito que mataria ele do coração.
Sorri maliciosamente, era claro que eu usaria esse vestido. Zero chance de perder a oportunidade de vê-lo babando.
Enquanto eu dava voltinhas, apreciando o visual e imaginando com quais acessórios combiná-lo, puxei o celular para bater uma foto para , ela ia amar com certeza.
Foquei meu melhor ângulo, enviando três fotos, incluindo uma na qual fazia caras e bocas, afinal, para a melhor amiga sempre cabe algumas queimações. Comecei a rir ao vê-la me responder em tempo recorde, parecia que tudo o que envolvia deixava exultante o suficiente para virar o próprio cupido.
: MEU DEUS! Quem você pretende matar hoje??????????
Eu tô passada nesse vestido!
EU QUERO UM IGUAL!!!!
Eu: , apenas .
Devolvi, decidindo se contaria ou não que foi ele quem me deu o vestido. Aquela informação com certeza faria pirar num nível acima do normal. Não que ganhar um vestido fosse excepcional, algo memorável. Não era. A graça não estava no objeto em si, estava no ato. Saber que ele pensou em mim, que procurou algo que me deixasse feliz, que me deixasse ainda mais bonita. Poderia ser uma flor no cabelo, um batom da minha cor favorita. Bastava saber que ele se propôs a me presentear e que o fez tão bem.: leva o desfibrilador portátil, pelo amor do altíssimo!
Eu: deixa de ser exagerada, ! prometeu cozinhar e eu o proíbo de morrer antes disso.
: cozinhar? HAAHAHHAHAHA se for igual o bife queimado de , eu tenho pena de você!Lembrei das inúmeras tentativas falhas de em cozinhar para , rindo do fato de que mesmo quando tudo dava errado, ele não desistia de tentar mais uma vez. Como eles nunca colocaram fogo na casa é um mistério, já que também não pode ser considerada um MasterChef na cozinha.
Eu: vou levar um vinho, que tal? Tudo desce melhor com um vinho.
Ponderei, dando uma última volta com o vestido antes de começar a tirá-lo. Eu tinha tempo de sobra para comprar vinho no mercado próximo de casa e voltar para me arrumar para o encontro. Não faria mal algum levar um agrado, né? Afinal, tinha me dado dois presentes, eu não podia chegar de mãos abanando. : compre um vinho branco, aquele Sauvignon Blanc que nos deixou porres na virada do ano passado
Eu: não quero ficar porre, querida... Mas, talvez porre não seja má ideia .
: você tá pensando em se aproveitar de um bêbado? Isso é crime, ! Vou deixar o advogado em alerta HAHAHAH. Eu: idiota! Tô indo no mercado, obrigada pela dica, torça por mim! Beijo.
: vai fundo, meu orgulho! Te amo. Ainda sorrindo das loucuras que digitávamos, coloquei o vestido em uma das cruzetas do closet e o pendurei ao lado do espelho, longe de qualquer possibilidade de amassado. Contemplei-o por um segundo antes de trocar o short por uma calça que me fizesse aguentar o frio do início do inverno.
Antes de sair, apanhei o boné dos Patriots que jazia no cabideiro ao lado da porta. Usar aquilo como disfarce era ridículo, mas ainda assim, era melhor do que ter fotos minhas vazadas com legendas do tipo "bailarina internacional é vista comprando vinhos, encontro romântico a vista?" ou pior "após sair da reabilitação contra álcool, é vista caindo no vício!". Ninguém ligaria para o fato das notícias serem fake news e isso se espalharia como incêndio na floresta.
Caminhei o quarteirão que me separava do estabelecimento, seguindo direto para a prateleira dos vinhos, procurando aquele que tinha me indicado. Eu pouco lembrava do gosto dele, por motivos já citados, mas sabia que minha melhor amiga tinha um conhecimento bom o suficiente para não me fazer passar vergonha.
Voltei para casa, tendo pouco mais de uma hora para estar pronta. Eu só precisava tomar banho, secar o cabelo, me maquiar e então, colocar o vestido que mataria do coração.
Cantarolei uma música qualquer durante todo o processo, enquanto meu humor oscilava do loucamente empolgada para o pavorosamente ansiosa. Toda vez que eu lembrava que estava prestes a conhecer mais um pouquinho de , eu ficava animada, só para então, prestar atenção de que: MEU DEUS, É ! Fazendo-me sentir um calafrio na boca do estômago.
Quando estava pronta, decidi não me olhar no espelho uma última vez. Eu sabia que aquele ato geraria uma careta e pensamentos do tipo "será que esse sapato realmente combina?" e aí eu me atrasaria escutando os conselhos fashions da por FaceTime.
Coloquei o sobretudo preto, apanhei as chaves e chequei a mensagem que mandara indicando o endereço. Seu apartamento era no Chelsea, um bairro muito autêntico e que pulsava de forma própria. Eu já tinha visitado algumas galerias por lá e era particularmente fã do High Line Park, o parque suspenso montado em cima de antigos trilhos de trem. Não era muito distante de onde eu morava, demoraria pouquíssimo tempo para estar diante do meu parceiro.
Trilhei o caminho até ele e antes mesmo que eu me desse conta, já estava diante da porta de , prestes a tocar a campainha. Fechei os olhos, sentindo uma inesperada vontade de rir, eu parecia tão boba ali. Comprimi os lábios, esperando na soleira enquanto o som de 'ding-dong' se propagava pelo interior do apartamento. Em poucos segundos, um de cabelos bagunçados e rosto corado abriu a porta para mim.
Estanquei lá mesmo. Como eu ainda me surpreendia com a beleza dele? Com os fios sedosos que se entranhavam na cabeça de , com o sorriso aberto e contagiante que ele sempre direcionava a mim, com os olhos - por vezes tão animados, tão sensuais e hoje, tão amorosos. Fechei a boca, percebendo que eu estava prestes a babar em cima de , antes que ele me puxasse para um abraço apertado.
Sabe quando você deseja ter uma máquina do tempo? Um botão vermelho qualquer, que pudéssemos apertar quando necessário, para estacionar o momento atual. Eu queria tanto morar naquele abraço; viver para sempre com o nariz enfiado na curva do pescoço de , aspirando o aroma único do seu perfume. Queria transformar os míseros segundos em horas sentindo seus braços me apertando forte, colando meu rosto em seu peito rígido e sabendo que aquilo era melhor do que qualquer travesseiro de mil fios egípcios.
— Pera aí — murmurei, subitamente, alisando o seu peitoral — Isso é... um vestido?
Afastei-me, curiosa, sem conseguir prender o riso que agora subia ruidosamente pela minha garganta. estava ali, no melhor exemplo de cozinheiro sexy já visto e eu rindo como um louca.
Eu sei, eu sei que você imaginou uma tanguinha tapa-sexo por debaixo de um mínimo guardanapo que servia de avental. Mas não, não.
Enxuguei o olho, lagrimando de tanto que ria. Não tinha nada demais na camisa suéter branca, combinada com o jeans de lavagem clara que ele usava. A graça toda estava no vestido preto, amarrado na cintura, com os dizeres gritantes "Poderoso CHEFão!". Aquilo era hilário!
— Isso é um avental, ! Eu disse que ia cozinhar — ele revirou os olhos, em um incômodo fingido — Vem, entra.
Passei pela porta, tendo os sentidos roubados pelo cheiro maravilhoso que exalava no ar. Meu Deus, o que seria aquilo? Parecia que não só meu olfato tinha despertado, como também meu estômago, que agora se manifestava em vários murmúrios contínuos. Analisei o aroma de comida caseira, questionando o quanto seria mal-educado invadir a cozinha de sem ser convidada. No final, conclui que não teria problema algum e sorrateiramente, comecei a me destinar para o cômodo dos sonhos.
— Ei! Onde a senhorita pensa que vai? — fui pega no flagra, parando para pensar em uma resposta coerente para .
— Hmmmm, para a cozinha? Da onde vem esse cheiro bom? — questionei, olhando por cima do ombro para um muito sorridente.
— Me deixa tirar esse sobretudo primeiro, eu quero descobrir se você foi sensata ou teimosa — ele riu, se aproximando para puxar o veludo negro dos meus ombros.
O vestido! Puta merda, eu tinha esquecido!
— Sensata ou teimosa? — fingi desconhecimento de causa enquanto descasava os botões do sobretudo.
Pude sentir a respiração ritmada de no meu pescoço, quase nublando minha recém adquirida necessidade de comer. Olhei diretamente nos seus olhos quando ele começou a descer o tecido, expondo meus ombros nus a sua visão calorosa. percorreu cada centímetro de pele que saia da roupa, sorrindo ao descobrir que eu tinha feito a escolha que ele esperava.
— Sensata... eu sabia que você não ia me decepcionar — ele beijou meu pescoço depois de afastar meu cabelo para avaliar o decote do vestido — eu quero vê-lo todo, dá uma volta para mim.
Sorri diante do tom dele, sua voz sempre entregava a carga de desejo que estava sentindo. Retirei os braços do sobretudo, deixando-o como uma casca vazia na mão de . Dei alguns passos a frente para então, me virar e dar à uma visão em 360º do meu corpo.
O vestido poderia muito bem fazer seu espetáculo sozinho, ele era daquele tipo que valoriza qualquer mulher corajosa o suficiente para vesti-lo. Corajosa para ostentar a confiança necessária para usá-lo. Mas, diante do semblante incendiado do homem a minha frente, algo que dizia que o vestido era um mero detalhe para ele. me encarava como se eu fosse uma joia guardada numa bela caixa. Por mais que os traços do embrulho fossem sem igual, o que realmente importava era a preciosidade dentro dele.
— Você gostou? — perguntei, mirando as obsidianas mais bonitas que eu já tinha visto.
— Se eu gostei? — ele riu, rouco, largando o meu casaco no sofá, na medida em que caminhava na minha direção — Eu poderia pular todas as fases que preparei para hoje e fazer de você o meu jantar, amor.
Meu ventre captou todas as vibrações que ele mandava ao caminhar, antes mesmo que ele terminasse seus passos até mim. Se duvidasse, em cinco minutos naquela casa, eu já estava mais molhada do que estivera com metade dos outros caras que passaram por mim. Qual era a porra do poder de ?
Seu braço puxou minha cintura, coordenado com a mão que enganchava meu pescoço e colava nossos lábios em desespero. Afundei minha boca na sua, percorrendo a língua pelo seu beiço inferior, puxando-o com desejo. Seu gosto mentolado despertava reconhecimento, descarregava uma dose de adrenalina extra enquanto puxava meus cabelos e deslocava a mão da minha cintura para a curva suntuosa da bunda, me apertando em encontro a uma dureza já conhecida.
Meu deus, eu ia morrer naquele beijo.
— Você tá fudendo com meu planejamento, — suspirou, se afastando.
— Seu planejamento? — lancei um sorriso languido.
— Eu fiz uma lista — ele começou, pegando minha mão e me guiando pela casa — Primeiro você chegaria linda, eu estaria com tudo pronto, te receberia e levaria para a nossa mesa romanticamente preparada.
— Eu cheguei linda, . Se você não fez sua parte, a culpa não é minha — ironizei, me sentando no banco alto em frente a pedra de granizo que compunha a cozinha.
— Linda? Você chegou como a própria Afrodite reencarnada, como eu poderia resistir? — ele resmungou, mexendo no forno enquanto dialogava.
— Exagerado! Você comprou o vestido! Deveria saber como ele ficaria — acusei, rindo do drama.
— Desculpa, a vendedora que experimentou para mim não tinha exatamente o seu número... era mais cheia... nos lugares certos.
— O QUÊ? — Me levantei num pulo, sentindo ódio ao imaginar uma vendedora exibida vestindo qualquer coisa na frente do meu homem. Que porra é essa? — , eu vou te matar — anunciei, ciente da proximidade entre mim e o faqueiro.
Com a mesma rapidez que o meu semblante se transfigurou em ira, o dele produziu o seu aspecto convencido. Ah! Eu ia enfiar aquela confiança no...
— Você fica tão tão linda irritada! Me dá um beijinho — ele tentou, sorridente.
Sorriso que murchou assim que eu alcancei uma colher de pau e tasquei na cabeça dele, para ele saber o quanto doía o nascimento de um chifre. Não era possível que aquele indigno estivesse me traindo por todas as lojas que ele passasse.
— Ai, amor! — ele reclamou, alisando o local atingido — Era brincadeira, caramba. Eu só vi o vestido no manequim e mesmo que uma ou outra vendedora tivesse se prontificado a me ajudar, eu só queria vê-lo em você.
O ciúme sumiu assim que a culpa me atingiu. Corri para depositar pequenos beijos no galo em sua cabeça, rezando uma prece para que o amor realmente curasse machucados.
— Por que não me disse logo, idiota? — falei, entre os beijos — Imagina se eu tivesse pegado a faca...
— Agora estaríamos diante de um episódio de CSI — ele brincou, puxando meu rosto para roubar um dos beijos que eu destinava a sua cabeça.
— Sabe que eu prefiro Criminal Minds? — devolvi, dando de ombros.
— Você tem um péssimo gosto para séries, ! Desde quando Criminal Minds é melhor que CSI? Se Criminal Minds fosse realmente bom teria trinta versões, com vários estados diferentes.
Não acreditei no que estava ouvindo. Impossível. A genialidade de CM nunca seria copiada fidedignamente pelos crimes meia boca de CSI. Eu precisava defender a minha série com unhas e dentes, além de mostrar para aquele garoto o que era realmente valioso na cultura forense.
— Do que adianta ter Las Vegas, Miami e o inferno que o parta se você não faz nenhum deles bem? — cruzei os braços, olhando-o com minha feição de "eu tô certa, aff".
— Para, para, para! Você não sabe o que tá falando, ! — continuou, sem arredar o pé dos seus argumentos.
— Isso é claramente um dos seus muitos defeitos — ataquei, empinando o nariz em sabedoria — Não saber distinguir séries boas e ruins.
— Isso é claramente um defeito SEU! — ele apontou, enrugando a testa — Eu não tenho defeitos!
— HÁ! Faça me rir — revirei os olhos.
— Eu faço — ele sorriu, subindo os dedos ágeis pela lateral da minha barriga, me fazendo cócegas.
— Puta que Pariu, — tentei falar, quase sem ar — Estamos. No. Meio. De. AAAAH. Uma. HAHAHAHA. Briga. Porra.
— Esse é o meu encontro — ele afirmou o óbvio, parando de mexer os dedos — Eu não estraguei o seu, então, você vai ser uma boa menina e ficar ali, sentadinha, QUIETA, na porra da minha vez.
Ele riu, apontando o banco que eu tinha ocupado momentos antes.
Voltei para a minha posição, quase como um cachorrinho com o rabo entre as pernas. tinha razão, ele tinha se comportado tão bem no Bob e eu, desde que pisei aqui, não parava de tagarelar e falar coisas inúteis feito uma louca. Apoiei as mãos no balcão, resignada a apenas observá-lo, me pronunciando quando solicitada. Comecei admirando o modo como ele mexia a panela, balançando o creme branco do seu interior de forma tão harmônica que parecia uma dança.
Sorri. usava a dança em todas as esferas da vida dele. Desde os próprios palcos até mesmo numa cozinha. Falando em cozinha, agora eu podia enfim, vagar os olhos pelo cômodo. Sem o homem, já citado, para requerer minha atenção, eu percorri o ambiente de iluminação amarelada, inspirado em uma cozinha industrial. Aliás, tudo no apartamento parecia ter aquela pegada, misturando vigas expostas e concreto acinzentado com tons quentes de marrom. Era tão bonito e tão masculino que eu não conseguia imaginar algo mais a cara de .
— Ok! Tudo pronto. Só preciso levar isso para a mesa e então volto para te pegar — informou , desamarrando por fim, o avental.
— Você volta? Por que não posso ir junto? Eu ajudo — me posicionei, pronta para colocar a mão em alguma das três travessas que estavam dispostas na bancada.
— Nada disso! Meu encontro! — brigou, me olhando feio.
Sentei de novo, achando aquilo engraçado. Ele realmente tinha feito uma lista?
Esperei paciente enquanto ele fazia duas viagens, uma para levar as duas pratarias de acompanhamento e a última para depositar o que, eu deduzi, ser nosso prato principal. Eu e minha barriga já reclamávamos de ansiedade quando ele voltou, me guiando com os dedos entrelaçados nos meus, para outro cômodo.
Dessa vez, nem eu nem a barriga conseguíamos reclamar de nada. Na verdade, desconfio que estávamos sem palavras.
Meu deus....
Ali, ao lado da cozinha, tinha uma saleta simples, que ostentava uma vista deslumbrante da noite no Chelsea. A parede oposta a porta continha uma janela protusa que dava a impressão de estar saindo do cômodo em direção aos bares badalados na rua a nossa frente. Por mais incrível que parecesse, o silêncio pairava no ar, dando a impressão de que estávamos numa pequena bolha de manta acústica, permitindo que somente os nossos sons reverberassem por ali.
Mas, aquilo não era a melhor parte. Longe disso. O que tinha me deixado sem palavras era a mesa disposta para dois, residente do centro do ambiente, ornamentada com pequenas luzes de led e um turbilhão de pétalas de rosas ao redor. A única iluminação vinha daquele trilho de pisca-piscas e isso fazia com que a mesa parecesse um jardim encantado de vagalumes.
Olhei para e o encontrei vidrado na minha reação. Ele tentava decifrar todos os sentimentos que corriam a minha íris, parecendo receoso com qual deles eu ia me identificar ao final. Seria a surpresa, o encanto, o clichê? Passei os braços ao redor do seu pescoço, balançando a cabeça levemente em negação e sorrindo para o cenho franzido que ele apresentava.
— Me diga que você não existe, que te colocaram na minha vida por acidente, que você é um príncipe escondido no mundo normal — beijei seu rosto — porque eu não mereço você, meu amor.
Quase como se um peso saísse dos seus ombros, me abraçou forte, sorrindo de orelha a orelha com a minha aprovação. Fala sério, eu seria louca ou estaria com os sentidos gravemente comprometidos para não gostar daquilo. Era simplesmente fantástico.
me guiou, puxando a cadeira para que eu sentasse e depois indo para o outro lado. Ali, a alguns pratos de distância, passamos a nos encarar em uma conspiração de sentimentos. Eu amava observar , saber que poderia passar horas do meu dia caminhando os olhos por cada canto dele, sem nunca deixar de me surpreender com um molde de sorriso novo ou algum trejeito que se tornava meu favorito.
Acariciei a mão que ele me estendia sobre a mesa, deixando o calor da sua pele despertar as conhecidas flagelas de paixão por meu corpo.
— Como foi seu dia? — a pergunta simples dizia tanto.
Para muitos, questionar a rotina era algo cotidiano, algo que nem sempre despertava interesse e que normalmente não passava de um belo comodismo diante do relacionamento. Mas, com , não era assim.
— Ah, sai com um entregador de aluguel de tarde... Se você o visse, não poderia me culpar, o homem era maravilhoso — pirracei, devolvendo na mesma moeda o que ele tinha dito sobre a vendedora.
Rapidamente tirou as mãos das minhas, cruzando os braços irritado na altura do peito.
— Que porra é essa? Eu contratei um moleque, !
— Um moleque? Dentro daquele calção tinha tudo menos um moleque...
Se a luz ambiente fosse um pouquinho mais forte, eu poderia jurar que a tonalidade da pele de tinha se tornado próximo a um pimentão. Ahá, com os outros era refresco, né? Comecei a rir, pensando no quanto éramos dois idiotas por cogitar que pudéssemos fazer isso com o que tínhamos. Pelo menos da minha parte, eu não pensava e nem queria trocar aquilo por ninguém. Eu era feliz com .
— Do que você tá rindo? Do quanto sou idiota, é isso? — ele resmungou, bufando.
— Você é idiota mesmo. Aliás, nós somos, quando estamos com ciúmes — sorri, esticando o braço para acariciar o bico emburrado que ele fazia.
— Aham... sei.
— , eu passei a tarde tentando melhorar nossas coreografias e só parei quando você me mandou presentes — sorri mais ainda, indicando o quanto tinha gostado da surpresa — Depois, me senti em dívida com você e então...
Puxei a bolsa que tinha deixado no braço da cadeira, tirando de lá, o vinho branco que indicara.
— Um Morandé Pionero? Você conhece sobre vinhos? — questionou, curioso.
— Não muito — sorri tímida — é melhor nisso do que eu, foi ela quem indicou esse.
— Ele é ótimo, vou abrir para nós.
foi em busca de um saca-rolhas, voltando com o vinho aberto e duas taças vazias na mão. Esperei ele servir, tomando um gole suave assim que a boca da garrafa deixou o copo. O sabor era exatamente como minha memória bêbada tentava lembrar. Tinha uma nota vibrante, fazendo o gosto pregar na garganta como algo bom.
— Meu pai era apaixonado por vinhos — começou, balançando a taça, distraído — Ele gostava tanto que minha mãe decidiu fazer um curso só para saber conversar com ele sobre o assunto.
Sorri, imaginando como seriam os pais de . Parte de mim ficava dividida, afinal, o pai proibira-o de dançar e isso era triste demais para mim. Mas, alguém que cria pessoas incríveis como e James não poderia ser de todo ruim.
— No final, ela conseguira barrar meu pai no amor enólogo e hoje, eles colecionam uma adega invejável na fazenda — terminou, me olhando com um brilho saudoso no olhar.
— Como foi crescer lá? — perguntei, sem conseguir imaginar uma versão juvenil daquele homem correndo pelos arados de terra.
— Teve seus altos e baixos, confesso — ele riu, roubando um gole do seu copo — Imagine viver no estado do Futebol Americano e, para o desgosto do seu pai, escolher ser dançarino? — balançou a cabeça, como se lembrasse da situação de modo vivo na sua mente.
— Você é um dançarino incrível, ! Sei que seria um atleta maravilhoso para Alabama, mas prefiro você como meu parceiro mesmo — pisquei.
— Eu até tentei jogar por uma temporada — ele lembrou, rindo — Eu podia ser o próximo Tom Brady, sabe?
— Claro, claro. Poderia eu ser sua Gisele Bündchen?
— Você já é a Ginger Rogers do meu Fred Astaire — ele galanteou.
Gargalhei ao vê-lo nos comparar com o icônico casal do filme "Roberta".
— Mas, agora sério, o que você cozinhou? — troquei de assunto, ansiosa para descobrir se o gosto estava tão bom quanto o cheiro que dominava o ambiente.
— Você lembra do nosso primeiro jantar? Quando fomos ao Royal 35?
— Naquele dia em que você fez o disparate de me sujar de chocolate? — devolvi, erguendo as sobrancelhas em desafio.
— Na verdade, a culpa foi toda sua que roubou o último pedaço do meu Petit Gateau! — contra-atacou, sorrindo — Mas sim, esse dia... Eu peguei uma das receitas deles.
— Meu deus, como você conseguiu? Eles são ultraconfidenciais com seus pratos! — fiquei chocada — Quem você subornou, seu bandido?
— Ah, por favor, você me subestima — ele riu, divertido — Apenas precisei jogar um verde, dizendo que você ama as comidas de lá.
— do céu! — exclamei, ultrajada.
— Sim, eu sou do céu mesmo! Um anjo.
Duvidei daquela afirmação até ele abrir a bandeja. Suspirei o aroma de creme branco e ervas, derramado em cima de um pedaço suculento e dourado de salmão. Salivei só de olhar o prato bem disposto na minha frente... aquilo parecia tão gostoso!
Acompanhando o principal, servia uma espécie de salada de planta mostarda e batatas gratinadas ao Gorgonzola. Era o paraíso culinário, com certeza. Esperei que ambos estivéssemos com os pratos completos e separei um pedaço fino para iniciar o jantar. Afinal, eu não podia seguir as instruções do meu estômago e acabar com o conteúdo ali em duas garfadas.
Deixei o gosto suave do creme branco se misturar com a carne macia do peixe, batizando a combinação com o toque forte da batata. Fechei os olhos, aproveitando o total das sensações palatares que eu estava vivendo.
era um chef de verdade.
— E aí? Bom? Acho que a batata passou um pouco do ponto, mas o vinho vai esconder isso com excelência — ele ponderou algo inexistente, aquilo estava simplesmente espetacular.
— POR QUE VOCÊ NUNCA COZINHOU PARA MIM ANTES? — reclamei, indignada.
riu alto da minha reação.
— Pronta pra lamber o... prato? — aquele sacana estava me zoando.
— Meu querido, vou levar até marmita para casa — dei de ombros, elegantemente.
— Quem diria que você era dessas.
Continuei comendo, ignorando os olhares e sorrisos de em cima de mim. Se eu ficasse tempo demais encarando aquele rosto, comida nenhuma seria boa o suficiente para me impedir de pular a mesa e passar a noite enroscada naquele corpo.
Passamos o prato principal falando sobre coisas aleatórias. Da dança até o clima. Das aventuras de James até as piadas de Sr. Cattaneo. aos poucos, contava relatos pequenos do seu passado, ria das besteiras que eu e fazíamos na universidade e me contava, sonhador, dos planos futuros.
No geral, dançar até estar gagá era sua única certeza. Eu particularmente achava que mesmo , aos 98 anos, paradinho em seu estado frágil de saúde, iria balançar os pés ritmados ao som de uma melodia qualquer. Estava no nosso destino, ser amantes da arte até os últimos suspiros.
Esperei pacientemente quando ele saiu em busca da sobremesa. Eu aceitava o fato dele ter cozinhado, hoje em dia, é uma habilidade necessária para a sobrevivência. Mas, saber mexer bem com salgados e doces? Ah, não. O universo tinha que balancear sua predileção por , aquilo não era, de jeito nenhum, possível.
— Antes que você assuma que eu sou o Mestre Cuca das cozinhas, devo informar que as sobremesas são patrocínio da Morg — suspirei aliviada quando ele interrompeu meu pensamento.
— Graças a Deus, eu já estava me sentindo totalmente inútil nas artes culinárias — resmunguei, falsamente irritada.
— Ora, agora você é menos inútil? — ele sorriu, depositando o pequeno pires redondo na minha frente.
— Eu sei fazer brigadeiro, ok? — entoei com a minha maior confiança.
— Brigadeiro? — me direcionou um aspecto confuso.
— É, uma comida típica brasileira. É muito bom! Aprendi em uma das minhas viagens pelos países da América do Sul. Você tem que provar, ! — fiz a propaganda, incrédula que ele nunca tivesse comido aquele paraíso achocolatado.
— Faça para mim, então — ele piscou — Quem sabe você consegue barrar os doces da Morg.
Sua fala me fez analisar a pequena sobremesa em minha frente. A superfície de açúcar queimado dava uma aparência deliciosa para o prato. Peguei a colher, quebrando o topo e tirando um pedaço do creme interior. Hmmmmm, Morg sabia realmente fazer um exemplar maravilhoso de Crème Brûlée.
— Morgana cozinha tão bem — não resisti em parabenizá-la à distância — Preciso me lembrar de agradecê-la na próxima vez que a encontrar!
— Se eu tivesse disposto a dividir você, te diria que ela mora no andar de baixo, mas como não estou, deixarei que você ache outro meio de agradecê-la — ele riu.
— O que? Vocês moram todos pertinho? Isso deve ser divertido — fiquei curiosa para saber da dinâmica — Pelo menos fico feliz em saber que nenhuma vizinha de toalha vai vir te pedir açúcar.
— Talvez não seja tão divertido para Ivina, que está tendo que aguentar James nesse exato momento.
Comecei a rir ao lembrar que aquele encontro tinha acabado por expulsar o outro morador daquela casa. Coitadinho.
— Sinto muito por isso, espero que Jamie possa me perdoar — fui sincera.
— Falando nele... você já terminou? — disse, olhando para o meu pires vazio — Tenho mais alguns planos em andamento.
— Ué, achei que o jantar era seu único objetivo. Quantos itens ainda riscaremos da lista? — arrisquei a pergunta, tentando fazê-lo abrir o jogo.
— Não muitos, você vai ver. Vem! — ele estendeu a mão, esperando que eu a pegasse.
Juntos, subimos a escada do duplex, indo em direção ao terraço que ocupava o topo do prédio. já tinha feito tanta coisa linda no jantar que eu, de verdade, não esperava mais nada. Por mim, a noite já podia acabar de forma perfeita desde que eu estivesse ao lado dele. Acompanhando seu peito subir e descer em uma respiração cálida, dando longos beijos no maxilar reto e ouvindo sua risada preencher o céu noturno cheia de graça.
De novo, eu estava redondamente enganada.
Ali, diante de um céu estrelado, algo tão difícil de ver em Nova York, tinha um pedaço de aconchego. Entre um jardim suspenso de flores invernais, um balanço de madeira branco surgia numa cúpula. Algo que me lembrava aqueles bancos de filme onde os casais enamorados viviam suas cenas tórridas de amor. Sem pensar duas vezes, arrastei até lá, certa de que viveríamos o nosso próprio filme naquele instante.
Relaxei nos seus braços, apoiando a cabeça no bíceps que rodeava meu pescoço.
Eu estava vivendo um momento de completude, como se pudesse saciar todo o meu corpo. Seu cheiro botava meu olfato, de forma que só o seu perfume me fosse característico. Seus dedos margeavam minha pele como se traçassem coordenadas únicas para o meu sistema, ensinando minha sensibilidade a responder seu simples toque.
Encarei seu rosto, deslizando a mão pelas sobrancelhas arqueadas em diversão, descendo pelo sorriso cativante e pousando na base do seu pescoço. Amassei os fios que tocavam a nuca, penteando-os levemente antes de puxá-los em minha direção. Encostei nossos lábios, sentindo o coração virar escola de samba dentro do peito, criando um samba-enredo de nome Amor. me tirou do assento para pousar em seu colo, percorrendo minha costa desnuda com as mãos suaves.
Lá fora, eu deveria sentir o frio beijar a pele, eriçando os pelos. Mas, contrariando toda previsão do tempo, me fazia sentir em um castelo em chamas. Gerando calor suficiente para acender meu interior e derreter todas as barreiras gélidas que um dia tive. Ele era minha tocha de luz em meio a escuridão. Era o holofote brilhoso que me mostrava ao mundo.
Na medida em que nos fundíamos, nossa frequência cardíaca ficava cada vez mais alta, bombeando sangue para todas as partes certas, inclusive aquela que endurecia embaixo de mim. Ah, como eu amava aquela região específica de .
— Amor, meus vizinhos vão me denunciar por atentado ao pudor — ele riu, fazendo meu corpo colado ao seu vibrar junto.
— Não seria a primeira vez que vivemos essa situação, não é? — brinquei com a lembrança do policial em frente ao meu prédio.
— "Os tarados do bairro" vai ser o título dos jornais — ele entoou, numa voz de locutor, apertando a minha cintura com diversão.
— Podemos ser o "Casal aproveita noite de forma inesperada".
— Todo mundo espera isso na noite, — ele balançou a cabeça negativamente.
— É verdade, você tem razão — ri, abraçando seu corpo e me encolhendo para ficar o mais grudada possível nele — Por que você associou James a sua lista lá na mesa? — questionei curiosa, só então lembrando disso.
— Ah — ele pensou um pouco antes de responder — Quando contei para James a minha ideia, ele recrutou Morg e Ivina, fazendo quase uma cúpula de debate sobre a melhor programação de um encontro.
Sorri, imaginando os quatro reunidos e se empenhando para que aquilo desse certo.
— Isso é fofo!
— Para você que não foi ameaçada caso não seguisse a risca todos os passos que eles bolaram — ali, fingia irritação, mas eu sabia que no fundo, ele tinha ficado feliz com o auxílio deles. Família era importante, era tudo.
— E então? A noite acaba agora? Me mostre a listinha! — pedi, levantando meus olhos suplicantes aos seus.
— O próximo item está bem aqui — ele soou misterioso — Basta você procurá-lo.
Dei um salto, disposta a revirar de cabeça para baixo aquele terraço, como numa busca ao tesouro escondido. Ah, eu encontraria o que quer que fosse aquilo. Comecei a me afastar de , serpenteando pelo jardim e encontrando novos caminhos a todo momento. Primeiro, achei uma família duende meio estranhamente fofa. Depois, esbarrei numa espreguiçadeira de estofado branco e tive que me impedir de ficar imaginando tomando sol ali, sem camisa, no verão. Por último, e aí eu tive certeza de que aquilo era o item, avistei uma jacuzzi. Meu deus, precisava ser aquilo. Tudo bem, era meio louco de propor aquilo, afinal íamos congelar quando saíssemos de lá de dentro, mas tudo bem. Eu apoiava ideias loucas.
— Eu não trouxe biquíni, mas isso nem importa — falei, ameaçando tirar os sapatos quando me parou, rindo.
— Hipotermia não é a minha praia, paixão — ele sussurrou, me puxando para perto do batente que delimitava a extensão do apartamento — Procure além.
Semicerrei os olhos, achando aquela dica inútil.
Além? Além da onde?
Vasculhei o parapeito, tão minuciosamente quanto minha visão permitia. Achei alguma poeira e folhas presas, mas nada de relevante. Aquilo era uma metáfora para valorizar a simplicidade da vida? Perceber o brilho dos pequenos momentos? Franzi o cenho, começando a procurar pistas na rua em frente ao prédio, devia ter algo ali.
Além do fluxo frenético de pessoas e automóveis, nada me chamava atenção. Desviei o olhar para , desconfiada e em troca, recebi apenas um sorriso largo e divertido. Não era possível. Tinha que ter algo. Comecei a revistar os prédios de tijolo colorido que contemplavam a vizinhança. No Chelsea era incrivelmente comum pintarem as paredes com grafites e artes urbanas, transformando cada esquina em uma tela diferente.
Cheguei no prédio a nossa frente e entendi. Estava ali o tempo todo. No meio da noite colorida, cheia das luzes brilhantes dos bares, uma luz em especial se destacava. Ela, por sua vez, mostrava mais um dos milhares de grafites por ali. Aquele, ocupava a parede toda e retratava um casal de dançarinos. Um casal abstrato, com os traços perpetuados no spray, com a sincronia dos movimentos que parecia sair da parede e contagiar a rua. Um casal que poderia ser qualquer um.
Mas era nós.
Nós.
— ... — senti a voz embargada.
— Não precisa falar nada — ele me abraçou, beijando meu rosto que começava a molhar com pequenas lágrimas.
— É a coisa mais bonita que alguém já fez para mim — senti o peso da verdade se afundar no meu peito.
Encarei o desenho, encostando a bochecha no peito de enquanto ele afagava meus cabelos.
— James me disse que eu pensava em você toda hora — ele começou, rindo bobo — Achei que fosse exagero, mas quando vi, você estava em todos os meus momentos. Eu acordo pensando no que vamos ensaiar hoje, passo o dia vendo coisas que me lembram você e durmo imaginando quando te terei em meus braços para sempre. Parece besteira dizer isso e você pode me xingar de otário apaixonado, mas eu não ligo. Eu sou um otário apaixonado — a declaração convicta me fez rir — Enquanto eu não posso te ver sempre, pelo menos tenho sua versão grafitada na minha frente... é só abrir a janela.
Levantei os olhos para olhá-lo. Tinha tanto dentro da sua íris. Tinha sua irreverência contagiante, seu humor brincalhão. Tinha uma parte de desejo e um terço de paixão. Tinha meu rosto refletido e lá no fundo, tinha tanta sinceridade que era impossível não amá-lo com o todo coração. Era impossível não desejar estar na sua vida para sempre e ser o centro dos seus olhos.
— Você é um otário apaixonado — sorri largamente, vendo-o revirar os olhos — Mas é o meu otário apaixonado.
Puxei seu queixo, ainda sorrindo quando nossas bocas se encontraram. Deixei que seus lábios preenchessem o interior dos meus, sentindo um comichão de prazer ao deslizar os dedos pela sua pele. fazia meu coração bater tão rápido que me dava a sensação de que ele tinha adquirido asas e fazia o possível para voar alto fora do peito. Voar para mais perto do seu dono. Voar para se tornar um só junto com o coração de .
— Obrigada — parti o beijo, afundando meu rosto no seu pescoço e enlaçando seu corpo com meus braços, abraçando-o tão apertado quanto possível — Você fez esse encontro ser incrível.
— Então quer dizer que gostou? — falou, como se não fosse convencido o suficiente para saber que eu ia amar aquilo antes mesmo de chegar na casa dele.
— Se eu gostei? — fiz um mistério irônico — A comida estava razoável, o ambiente arrumadinho e a companhia era legalzinha. Dava pro gasto, né? Não vai para a hashtag Date ruim.
— Olha como você é falsa — ele tentou se soltar do meu abraço, reclamando.
— Você é tão bonitinho — usei minha voz fofa.
— Podemos parar com os diminutivos? Legalzinho, bonitinho... Eu não tenho nada de inho, — ele fechou a cara.
— Tudo bem, você é bonitão, legalzão e meu mozão — ri da rima idiota, fazendo me olhar como se eu fosse retardada.
— As vezes eu me pergunto para onde foi aquela dançarina emburrada que eu conheci meses atrás — ele semicerrou os olhos.
— Ela ainda está aqui. Aliás, está pensando em como vamos esconder esse grafite das revistas de fofoca. Mas, duvido que você queira ela no nosso encontro — ponderei, trazendo a tona a preocupação que tinha pleiteado minha mente depois que eu vi nosso desenho.
— Por que precisamos esconder? Por que não podemos deixar a mídia saber? É tudo por causa dos contratos? — questionou, parecendo triste com a situação.
Lembrei que provavelmente Aylle nunca conversou com ele sobre o assunto. Aquilo sempre fora tão normal para mim que eu tinha esquecido que agora, ser reservada ao extremo, envolvia outra pessoa e que talvez, essa pessoa não entendesse todas as motivações.
— Não é por causa dos contratos, paixão — comecei, meio chateada por ele achar que eu não mostrava nosso relacionamento por causa de dinheiro — Até porque metade dos nossos patrocinadores iria achar maravilhoso estarmos realmente juntos. Tem mais a ver com o poder que daríamos para as mídias usarem. As informações que Dante recolheria para nos derrubar no concurso.
— Fala sério, . Nos derrubar? Ele não pode ser tão louco a esse ponto.
Olhei naqueles olhos ingênuos, desejando que ele estivesse certo, mas, mesmo que eu tentasse ver meu ex-parceiro com uma película de pureza, eu não conseguia. Algo me dizia que Dante e Desirée saberiam usar muito bem a informação de que eu gostava de e isso me deixava irritada por ter um ponto fraco.
— Você não o conhece. Não sabe do que ele é capaz — alertei — Deixe passar o campeonato, sim? Aí poderemos dar aquele beijão quando estivermos com o troféu nas mãos.
— Um beijão? — ele provocou, apertando a minha nuca — Assim?
me agarrou para provar seu ponto, beijou minha boca como se eu fosse um copo de água no deserto. Como se ele estivesse sedento. Mordi seu lábio inferior, puxando-o para mim e colando ainda mais nossos corpos. Sua língua brincou com a minha, passeando pela carne macia e me fazendo desejar senti-la em outras partes do corpo. me incendiava.
— Eu acho que se nos beijarmos assim — falei ofegante — seremos presos.
riu rouco, dando a meu coração um salto descompassado.
— Desde que seja na mesma cela, eu não me importo.
— Eu me importo, porque quero passar as férias pós-campeonato nas Maldivas e aí fica difícil se estivermos na delegacia — balancei a cabeça em negativo.
— Maldivas? Podemos tomar banho pelados? — ele ergueu a sobrancelha sugestivo.
— Você vai ser proibido de vestir roupas — pisquei, interessada.
— É por isso que você é minha namorada — ele suspirou apaixonadamente.
— Desde quando isso? Você nunca me pediu em namoro! — olhei-o com a minha melhor cara de "aqui não, queridinho".
— Oh, você quer um pedido formal? — ele sorriu abertamente, me fazendo cerrar os olhos em desconfiança. Ele estava aprontando algo.
apanhou minha mão e voltou para onde o balanço ornamentava o jardim. Deixou-me lá por algum tempo, indo em direção a um quadro de energia. Observei seus movimentos com curiosidade, até vê-lo acender a iluminação daquele canto. Eram luzes indiretas que traziam uma atmosfera bucólica para o lugar.
Quando voltou, trouxe em suas mãos uma pequena JBL que tinha surgido de algum esconderijo porque não estava ali antes. Colocou-a em cima do balanço e puxou o celular do bolso, procurando alguma música específica. Comecei a ficar nervosa, sentindo as mãos suarem. Pelo amor de Deus, ele ia me pedir em namoro ali? Socorro. Eu não estava preparada.
Parando na minha frente, ele segurou minhas mãos e sorriu. Sorriu tanto que parecia segurar seu mundo inteiro ali. Parecia tão feliz que eu tentei afastar o nervosismo para sorrir junto com ele. Aos poucos, a melodia da caixinha preenchia o ambiente e me tomava em seus braços.
(Eu quero me segurar em você)
Find us a corner for two
(Achar um canto para dois)
When you grow older
(Quando você envelhecer)
I'll be your shoulder, still
(Eu ainda serei seu ombro)
— Eu amo o jeito com que a gente se encaixa, o modo que parecemos ter nascido para fazer isso juntos — ele sussurrou em meu ouvido, antes de me girar suavemente.
(E eu vou te ter como minha esposa)
You take my soul, take my life
(Você tem minha alma, minha vida)
I know I just met you
(Eu sei acabei de te conhecer)
But I want to take this ride
(Mas eu quero pegar esse caminho)
You and I
(Você e Eu)
Never, ever, ever to return
(Nunca, nunca, nunca retornaremos)
me colou em seu peito, acariciando meu rosto com carinho, enquanto seus olhos viajavam por onde seus dedos passavam. Durante o refrão, ele começou a cantar a música para mim, de um jeito tão profundo, tão cheio de sentimento que faria até mesmo o próprio autor da canção sentir inveja. Suspirei em seus braços, beijando-o delicadamente, pouco me importando com a dança cálida que fazíamos.
Dois pra lá, dois pra cá.
Era engraçado porque apesar dos passos tão simples, a dança não parecia mais uma monotonia coreografada, uma repetição que ambos conhecíamos de có. Naquele momento, com os rostos colados e a mão dele repousada na minha cintura, a dança tinha se tornado algo mais. Talvez fosse o ritmo ditado pelos corações acelerados, talvez fosse os olhares que não se desencontravam por um segundo, talvez fosse o amor.
Era isso. Tínhamos transformado a dança em amor.
(Eu vejo nossas crianças no parque)
Running around 'till its dark
(Correndo para lá e para cá até ficar tarde)
And as they grow older
(E quando elas crescerem)
We'll help 'em count the stars
(Nós as ajudaremos a contar as estrelas)
— Quando te conheci, não imaginei que você seria tão necessário para mim. Agora, não consigo pensar em mim sem você — fui sincera.
(De novo e de novo)
I will be where you are
(Eu estarei onde você estiver)
Never far
(Nunca longe)
You’ll never, ever, ever be alone
(Você nunca, nunca, nunca estará sozinha)
Não sei ao certo quando comecei a chorar. Quando percebi, eu já estava envolvida em uma mistura de sussurros apaixonados, lágrimas copiosas e beijos carinhosos. Mexíamos o corpo embalados pela nossa própria sinergia, tão espontâneos que parecíamos flutuar numa bolha só nossa.
(Tudo que eu peço de você é que)
Let me be the one to
(Me deixe ser)
Carry you
(Quem te leva)
I'll carry you home
(Eu te levarei para casa)
Till I'm old and gray
(Até que eu esteja velho e de cabelos brancos)
— , minha dançarina, minha parceira, meu amor — ele sorriu, enxugando a lágrima que rolava solidária no meu rosto — Você quer ser minha namorada?
— , meu dançarino, meu parceiro, meu amor — apertei seu rosto, beijando-o — Eu quero ser toda sua.
XIII
Uma semana depois, estávamos em frente a uma fachada energética, que misturava neon e luzes no seu nome. tinha decidido me levar em uma das boates que ela gostava de ir durante a faculdade e eu, achando divertida a visita ao passado, topei na hora.
Passamos a semana intercalando ensaios, treinos na academia e alguns momentos de namoro. Esses últimos se tornaram os mais contidos possíveis, já que Sr. Cattaneo ficara impossível diante da realidade do seu shipp. Até mesmo dias depois da confirmação que demos a ele, ainda era possível capturar um olhar apaixonado em nossa direção. Eu achava engraçado e sorria encantadora ao ver o nosso técnico tão realizado com algo tão simples, mas Aylle resmungava que as menores distrações poderiam ser fatais com a chegada do campeonato. Não queríamos desviar o foco, por isso não provocávamos.
Balancei a cabeça, pegando a mão de e decidindo deixar o trabalho de fora naquela noite. A thermosphere, boate que se erguia em nossa frente, parecia chamativa o suficiente para despertar minha curiosidade. Caminhamos em direção à entrada lateral, já que uma imensa fila se exibia na porta central e ali, corríamos muitos riscos de sermos reconhecidos.
O leão de chácara acenou levemente a cabeça assim que pronunciou nossos nomes, procurando rapidamente pela lista em suas mãos. Com um movimento ágil, estávamos colocados para dentro, imersos em uma bolha de som e luz. A batida forte ecoava pelas paredes, fazendo meu coração dar um salto de excitação diante do embolado de corpos dançando. Aquele era o lugar perfeito para eu não desgrudar de , afinal, seria difícil distinguir alguém naquele bolo. Tanto pelo aglomerado, tanto pela luz arroxeada que descia rítmica pelos rostos desfocados.
Paramos no recuo da entrada, tirando os casacos pesados que nos protegiam do inverno que chegava em Nova York. Apressei-me em deixar meu sobretudo na bancada destinada a ele, para poder me dirigir para e aproveitar a deixa de tocar na pele sedosa que aparecia por debaixo do tecido espesso. riu diante do meu ímpeto e piscou antes de deixar o seu casaco do lado do meu.
Puxei seu corpo para mais perto assim que tive espaço e, passei o nariz pela curva do pescoço que ela deixou exposto pelo rabo de cavalo. A pele macia colou em meus lábios como se fossem imãs, atraídos pelo simples esforço de estarem próximos. Suspirei seu aroma característico de baunilha, achando que aquilo seria algo que eu nunca descobriria ruim. Ela, colada em mim, era sempre uma boa escolha. Sempre.
— Você é tão cheirosa — sussurrei, mordiscando o lóbulo da orelha dela, acompanhando seu peito subir e descer em uma risada leve.
esticou as mãos para acariciar meus cabelos, massageando o couro cabeludo e me deixando arrepiado. Fechei os olhos por um momento, aproveitando para reafirmar para mim mesmo o que eu já sabia: aquela mulher era um atentado a minha sanidade, deus...
Segurei seu quadril, apertando devagar, e ela sorriu, começando a rebolar sensualmente no ritmo da música ambiente. Por mais que estivéssemos em um local lotado, eu não conseguia focar em nada mais. Bastava ela, seu corpo, seu cheiro. Éramos só nós dois.
— — ela tinha um sorriso na voz — não fique tão empolgado ainda...
Revirei os olhos. Era tão fácil falar isso quando não era o seu corpo que reagia excepcionalmente a cada estímulo. Um olhar, um sorriso enviesado, uma mordida de lábio e eu já estava pronto para três rounds sem descanso. Até cinco, se duvidasse.
— Espertinha, eu não estou empolgado — reclamei.
— Aham... Tô sentindo o quanto não empolgado você está — ela riu — Vem, vou te mostrar o lugar.
Apanhando minha mão, ela começou a desbravar o caminho, acenando para algumas pessoas e trocando cumprimentos com outras. Eu seguia ao seu lado, observando o ambiente se desdobrar com paredes falsas e divisórias que as pessoas usavam de apoio para todos os tipos de movimentos de dança. Aos poucos, grafites foram aparecendo e a boate parecia denotar infinitas camadas, cada uma povoada por tribos diferentes. Desde o hip-hop até o street rústico.
Quanto mais percorríamos a intimidade da Thermosphere, mais ela se mostrava gigante e eu já sentia ter conhecido estilos musicais de todos os continentes quando cheguei ao bar. Ele, por sua vez, era uma plataforma chamativa, em formato de U, que semi-circundava a pista de dança. Várias pessoas enchiam as bancadas altas e os atendentes faziam um show à parte com seus malabarismos de garrafas. Era divertido acompanhar a adrenalina dos copos irrompendo o ar acima da cabeça deles, podendo apostar que se fosse eu fazendo aquilo, muitos já teriam se espatifado no chão.
Cruzei a distância até o banco mais próximo, levando comigo. Sentamos lado a lado, mas girei o assento dela com o pé, capturando uma risada divertida em minha direção. Pisquei sagaz, percorrendo os dedos, antes entrelaçados, pela coxa exposta no vestido brilhante. Dali, as luzes refletiam pequenos brilhos roxos e rosas derramados pelo corpo de . Ela era meu pedaço de céu estelar.
Acenei para o barista, ainda sem tirar os olhos da mulher a minha frente.
— Um Whisky, por favor — solicitei, erguendo as sobrancelhas para descobrir a bebida de . Sem perder o contato com meus olhos, seus lábios deram a pista de uma brincadeira, curvando-se em um sorriso malicioso.
— Sex on the beach, por favor — ela piscou.
Assim que o barman começou a preparar os pedidos, eu me inclinei para frente, ficando perto o suficiente para que conseguisse me escutar através do barulho. Pousei uma das minhas mãos no seu pescoço, adorando o fato dela ter colocado-o amostra hoje. Deixei que nossos olhares se esbarrassem, deixei que eles se comunicassem antes que eu fizesse isso pela boca. Deixei que o fogo na sua íris despertasse flagelos, aquecendo meus dedos na sua pele.
— Você quer sexo na praia, hm? — sorri sacana.
— Maldivas, — ela assobiou, espalmando a mão no meu peito, antes de descer a unha pelo meu abdome e parar, irritantemente, no cós da calça.
— Eu mal posso esperar — puxei seu lábio inferior com os dentes para mostrar meu ponto.
— QUEM É ESSE BOY MAGIA E POR QUE EU NÃO FUI APRESENTADO PARA ELE IMEDIATAMENTE? — uma voz aguda conseguiu romper a música, enquanto seu dono caminhava lascivamente na nossa direção.
Rompi o beijo relutante, olhando contrariado para a figura excêntrica que diminuía a distância. No topo da sua cabeça, um alerta néon exalava em azul, espetado em todas as direções e, por mais incrível que fosse, permanecia estático mesmo quando seu dono pulava de um canto ao outro. Mais de perto, o azul vivo dos fios de cabelo parecia combinar magistralmente com a tonalidade da íris dele e isso era chamativo o suficiente para que todas as pessoas ao nosso redor parassem para olhar a figura.
— Zachary, minha biba loucaaaaa!!!! Que saudades... — escorreu do meu abraço para pular no pescoço do indivíduo.
Qualquer pessoa, ou melhor, qualquer homem em sã consciência abriria os braços para que o corpo de se encaixasse e, sem dúvidas, apenas aproveitaria a dádiva dos céus que era ter contato com aquelas curvas que fazem termos certeza de que alguém lá em cima é bom para caralho. Mas, contrariando todas as expectativas, Zachary pulou a maior distância permitida pela multidão de pessoas ali, despertando uma risada gutural em meu peito.
— , você sabe que meu nome é Zazy, eu não te perdôo por me chamar como um homem das cavernas que não conhecia a depilação a laser — ele pontuou, apontando irritado para a face divertida da minha parceira.
— Oh baby, você tem medo que alguém descubra que algum dia teve pelo no suvaco? — a risada dela aumentou assim que a luz ambiente iluminou um rosto pálido de Zazy.
— Não ouse falar disso, sua poc dissimulada, eu sempre fui lisinho como bundinha de neném. Me respeita! — apesar do tom irritado, ele cedeu espaço para que abraçasse o corpo magro, dando um indicio de sorriso saudoso — Por que não me disse que ia trazer esse deus grego? Por favor, me diga que ele é gay! — ele terminou, sussurrando o final.
— Eu adoooooooreeeeei seu cabelo — fingi o tom mais agudo que eu conseguia, rindo até lagrimar depois.
— Meu amor, esse aqui é tão gay quanto eu sou virgem — brincou, dando um beijo rápido em meus lábios para provar seu ponto – Esse é , meu parceiro de dança.
— Caralho, então passa bem longe — Zazy provocou — Realmente, essa pose de hétero não me enganou, mas você sabe né bebê, a esperança é a ultima que morre e se Deus quiser, minha sogra sabe disso — ele brincou.
— Então quer dizer que você e Tim estão se resolvendo? — minha parceira mostrou uma genuína curiosidade e eu tentei não boiar na conversa.
— Aquele homem é bom demais para mim, . Ele não desiste de tentar me dar o anel... Se é que você me entende — Zazy soltou uma risada engraçada, como se tivesse contado o segredo mais erótico da sua vida.
Quando entendi a que anel ele se referia, gargalhei também, achando realmente talentoso o fato dele conseguir fazer piadas de cunho duvidoso com sua própria vida.
— Tim é o amor da vida de Zazy — começou a explicar — Ele é o dono da boate na qual que estamos e tinha acabado de compra-lá quando começamos a freqüentar. Zazy, a bicha interesseira, já viu que era um bom partido.
A provocação foi recebida com uma revirada de olhos.
— Você tá com medo, né, poc insegura? Tá colocando defeito no meu produto para que o seu homem mão perceba que eu sou muito melhor para ele.
Tomei um gole de whisky enquanto acompanhava a luta de comadres. Aquela dinâmica era engraçada. Apesar de todos os insultos e do tom sarcástico, os olhos de e Zachary demonstravam um vinculo de amizade tão forte quanto o tempo que os mantinha unidos. O modo peculiar com o qual eles se comunicavam, através de provocações, provava isso.
— Meu taco é maior que o seu, Zazy — estalou a língua, divertida.
— Mas, jamais será tão grande quanto o da , afinal, eu tenho sonhos exóticos com aquele até hoje... Aí que fogo.
— Você tem sorte dela não estar aqui para te dar uma lição por sonhar com o marido dela, você sabe que aquele jeb nunca foi confiável — alertou, risonha, me fazendo imaginar a bailarina disciplinada vestindo luvas de boxe para defender o amado contra Zazy.
— Eu que o diga, da última vez que tirei uma casquinha da bunda dele tive que acabar minha Studio Fix naquele roxo — Zazy lamentou.
— Talvez te ensine a mesma lição, então, minha bunda está fora dos limites também — balancei a cabeça, sério.
Aquilo gerou risada em ambos.
— Meu amor, a única lição que vai me ensinar é como rebolar a raba naquela gaiola ali — Zazy apontou para a estrutura metálica suspensa no ar. Seria engraçado dizer que desde o momento em que cheguei à boate, eu não tinha reparado na armação de aço, mas, eu parecia ser a única pessoa que poderia afirmar isso, já que, se eu realmente prestasse atenção, uma boa parcela da multidão olhava empolgada para a gaiola, como se ela fosse uma das grandes atrações da noite.
— Como alguém pode subir lá? — questionei, curioso.
— Só os escolhidos, aqueles que se destacam na pista aqui embaixo, têm a honra de poder dançar na gaiola — Zazy explicou, frisando a honra que deveria ser estar lá em cima.
Como se sentisse que estavam falando dela, uma sirene começou a ressoar e brilhar na estrutura e as pessoas ao meu redor reagiram aplaudindo e assobiando animadas. Olhei para , que gritava empolgada junto com todo mundo. Sorri, deixando-me animar também. Desviei o olhar a tempo de assistir a gaiola descendo, iluminando duas garotas que exibiam passos de sincronia invejável.
— Na primeira vez que visitamos a boate, eu e ficamos ansiosas para ganhar nossa chance, mas tinha tanta gente boa aqui embaixo — fez um muxoxo — Só conseguimos ser selecionadas na segunda visita.
Zazy balançou a cabeça em desaprovação.
— Quanto drama, ! Na primeira vez, a bonitinha ficou toda tímida, dizendo que outras pessoas dançavam melhor, mas quando voltou, foi quase impossível tirar ela lá de cima — Zazy fez uma careta debochada — Simplesmente, ela e foram as únicas pessoas a serem chamadas mais de uma vez numa noite.
— Então eu mal posso esperar para vê-la lá em cima — balancei a cabeça em concordância, rindo na direção de .
— Ah não, amor. Estou velha demais para isso — ela riu — Agora só fico admirando daqui de baixo.
Zazy bufou, revirando os olhos.
— Você não pode dizer não para a thermosphere — ele deu de ombros, como se tivesse propriedade no assunto.
— Então, por que esse nome? — perguntei, curioso desde que tinha lido o letreiro na entrada.
Zazy riu, com os olhos brilhando na pouca luz ambiente, mostrando a animação de um bom contador de histórias.
— Você conhece as camadas da atmosfera, certo? A termosfera é a camada mais extensa e possui um clima único que permite altas temperaturas. Essa boate é igual, quanto mais alto, quanto mais você adentra as camadas desse lugar, bebê... mais quente você fica.
— Cuidado para não se queimar, — sussurrou no meu ouvido, fazendo com que sua respiração eriçasse minha nuca.
Puxei sua cintura, afastando o rosto para lançar um sorriso divertido para ela. Eu sempre queria entrar naquela fogueira e a chance de me queimar só deixava as coisas mais instigantes. As vezes, eu gostaria de saber em qual momento em adquiri o gosto pelas coisas difíceis. Quando foi que comecei a me seduzir por cada obstáculo que eu vivia para tê-la? Quando foi que as pedras no caminho me deram mais força para fixá-la ao meu lado?
– Nada será tão quente quanto a na minha cama – pisquei para Zazy, que nos olhava com uma careta.
– EU NÃO PRECISO SABER DISSO!!!! É O CÚMULO NÃO TER TOM AQUI PARA ME LIVRAR DE SEGURAR VELA – exasperado, ele revirou os olhos.
– Achei que ele estivesse no escritório – disse, se acomodando com meus braços ao seu redor.
– Ele foi para San Francisco, conhecer uma nova boate que poderia ser uma sociedade – Zazy pontuou, como se fosse no mínimo o fim do mundo.
– Mas isso não é bom? Uma sociedade? – perguntei, indeciso.
– CLARO! Mas, em San Francisco? Você sabe como é San Francisco, ? – Zazy balançou a cabeça diante do meu desconhecimento.
sorriu.
– Você sabe que ele não tira os olhos de você, não há com o que se preocupar! – afagou os ombros do amigo, apertando suavemente – San Francisco é conhecida por ser a cidade do Orgulho LGBTQI+, . Demorei dois segundos para juntar as peças e então, me compadeci do dilema de Zazy. Eu realmente ia ter no mínimo um infarto se minha namorada fosse viajar para a Disneylândia dos dançarinos. Mas, não era algo que eu devesse falar para piorar o estado de Zachary.
– Cara, vai por mim, se ele te ama, ele nunca vai te trair. A gente sabe quando encontra a pessoa certa – beijei o ombro de , vendo-a amolecer diante da declaração.
– Fala sério, esse homem veio de Marte, ??? – Zazy brincou, revirando os olhos.
– Ele é produto único, Deus perdeu o molde depois dele – afirmou, me fazendo rir.
Continuamos conversando, enquanto Zazy nos divertia com suas tiradas e atualizava todas as histórias que tinha perdido desde o Balé Bolshoi. Zazy era uma pessoa tão carismática que continuamos conversando quando foi ao banheiro e por um momento, não percebi que ela estava demorando para voltar.
Até eu escutar a sirene alertando uma nova pessoa dentro da gaiola e as luzes se voltaram para a estrutura que subia lentamente. Ali, eu soube que era ela. Não era difícil conhecer as curvas nas quais minhas mãos se depositavam todos os dias, nas quais meus pensamentos habitavam os mais impuros sonhos. Eu sabia. Pela penumbra que se formava, pelos pequenos brilhos cintilantes que o vestido jogava.
— Ôh-ôu , acho que é agora que seu coração terá que provar ser forte — brincou Zazy ao meu lado, quando eu quase tinha esquecido da sua presença.
Não precisava de muito.
A medida que a gaiola alcançava sua posição estática, nada mais me importava. Só tinha um foco para o meu interesse. Só tinha uma direção para o meu olhar.
Os acordes começaram suaves e foi como se eu tivesse entrando numa bolha. Meus olhos correram sedentos o balançar lento do quadril da , para lá e para cá.
(Eles dizem: oh meu Deus, eu vejo o jeito com que você brilha)
Take your hand, my dear, and place then both in mine
(Pegue sua mão, querida, e coloque ambas nas minhas)
You know you stopped me dead when I was passing by
(Você sabe que me paralisou quando eu estava passando)
And now I beg to see you dance just one more time
(E agora eu imploro para te ver dançar só mais uma vez)
Era como se eu fosse o senhor do tempo e ali, eu desejasse ver as coisas em câmera lenta. Todos ao meu redor pulavam em ritmo quieto, como se tivessem emudecido diante do centro do meu olhar. As cores do ambiente piscavam em vermelho e refletiam as miçangas no vestido de . A cada movimento, ela lançava centelhas de luz que pareciam faíscas de fogo pelo lugar. Eu podia ter certeza que uma daquelas faíscas tinha me queimado bem aqui.
(Dance para mim, dance para mim, dance para mim, oh, oh, oh)
I've never seen anybody do the things you do before
(Eu nunca vi ninguém fazer as coisas que você faz antes)
They say
(Eles dizem)
Move for me, move for me, move for me, ay ay ay
(Se mexa para mim, mexa para mim, mexa para mim, ay, ay, ay)
And when you’re done I'll make you do it all again
(E quando você terminar, eu vou te fazer repetir tudo de novo)
Apoiei-me no balcão do bar, sentindo que meu coração tinha errado cinco batidas quando desceu devagar deslizando pelo aço metálico da gaiola. O rabo de cavalo agora balançava quase no fim de suas costas, enquanto ela jogava a cabeça para trás e deixava o pescoço que eu amava beijar a mostra. Senti o desejo pinicar os dedos, como se eles coçacem querem tê-la. Como se nunca fosse o bastante tudo que eu tinha dela. Ela sorriu, como se soubesse o efeito que provocava em mim. Sorriu enquanto passava as mãos pela curva do braço, me fazendo lembrar dos arrepios que eu causava quando fazia o mesmo movimento nela.
(Você, você me faz, me faz, me faz querer chorar)
And now I beg to see you dance just one more time
(E agora eu imploro para ver você dançando só mais uma vez)
A gaiola parecia pequena para todos os movimentos ritmados que fazia, de um lado para o outro, era impossível desgrudar os olhos dela. A cada balanço, era como se ela tivesse em comunhão com o ambiente e ele respondesse a ela, enviando a luz certa, a batida certa, o suspiro certo. Eu sentia que cada vez mais minha temperatura aumentava, como Zazy me disse que aconteceria, mas, diferente do previsto, minha fonte de calor não vinha de qualquer camada, vinha dela. Somente dela.
Eu entendia porque a boate não deixava que ela saísse dali de cima. Ela era uma luz única e quando eu parava para reparar, todos ao meu redor estavam babando nela como eu. sabia que tinha nascido para dançar e era isso que fazia da sua dança algo incrível. Sua confiança fazia com que se dedicasse de corpo e alma.
(Eu nunca vi ninguém fazer as coisas que você faz antes)
They say
(Eles dizem)
Move for me, move for me, move for me, ay ay ay
(Se mexa para mim, mexa para mim, mexa para mim, ay, ay, ay)
And when you’re done I'll make you do it all again
(E quando você terminar, eu vou te fazer repetir tudo de novo)
Ah again
(de novo)
Enquanto observada os seguranças ajudarem a sair da gaiola e algumas pessoas se amontoarem ao seu redor para parabenizar a performance, senti a calça vibrar e pensei que não tinha momento menos propício para alguém estar me ligando. Eu só queria tirar dali e quebrar aquela regra inútil dos cinco encontros. Não existia possibilidade dela fazer uma dança daquelas e eu ficar contido no meu lugar. Na verdade, ninguém conseguiria.
Desviei o olhar e puxei o celular do bolso, encarando o visor com irritação. Se fosse o James, eu iria matar aquele timing incoerente que ele tinha.
Franzi o cenho assim que li o nome de Ayle, brilhando como um alerta. 23h40? Devia ser algo muito importante para ela ligar tão tarde.
— ? — me esforcei para escutar a voz de Aylle em meio a todo o barulho — Onde vocês estão?
— Em uma boate — gritei a resposta, esperando que de alguma forma, minha agente escutasse.
— Meu Deus, ! VOCÊS NÃO VIRAM O AVISO? — ela gritou de volta, gerando um vinco na minha testa em dúvida. Aviso? Que aviso?
Naquele exato momento, chegou ao meu lado, aparentando a mesma face duvidosa que eu tinha. Tapei a boca do celular e gritei para ela:
— Aylle tinha deixado algum aviso para nós?
Dando de ombros, ela balançou a cabeça em negativo.
—.... Vocês já perderam o tapete vermelho, mas se correrem ainda dá pra pegar o inicío da cerimônia – Aylle continuava falando sem perceber que eu tentava juntar os únicos dois neurônios que não tinham fritado com a dança da .
– Aylle – suspirei, achando incrível o fato dela ter conseguido ouvir mesmo com o barulho do ambiente – Vamos do início, por favor?
Por um minuto, eu achei que minha agente ia aparatar na minha frente portando uma serra elétrica mortal. Era um daqueles momentos que você sente que a outra pessoa quer simplesmente te matar.
Mas, antes que eu começasse a prometer um aumento de salário por qual fosse o erro que tivéssemos cometido, Aylle resmungou, mais calma do que eu esperava.
– Droga, acabei de ver que as agendas não sincronizaram. BOSTA DE VERIZON!
– Aylle, se a operadora telefônica, uma das nossas maiores patrocinadoras, te escuta dizendo isso, mulher, era o nosso fim – brinquei, divertido.
– Enfim, não temos tempo para chorar o leite derramado! – ela gritou com voz de comando – Vou enviar um carro para pegá-los. Onde vocês estão?
– Thermosphere – disse, resignado de que minha noite com teria um fim bem diferente do planejado.
– Ok – Aylle desligou com um click.
Alheia a toda conversa, tinha escolhido ignorar minha expressão fúnebre e conversava animadamente com Zazy. Caminhei até eles, tocando no braço dela de leve e me aproximando do seu ouvido para que ela pudesse me escutar.
– Temos que ir. Eu explico lá fora
Como se já soubesse o que viria, apenas sorriu e levantou o celular na direção dos meus olhos. “12 ligações perdidas de Aylle” piscava na tela, me fazendo entender que já sabia que algo estava errado.
Zazy fez um muxoxo quando anunciamos nossa partida, mas aproveitou para apertar minha bunda no abraço de despedida. Tomei um susto com a mão boba e chegou à porta de entrada ainda rindo da situação.
– Que tipo de mulher é você que não defende seu homem, ein?? – questionei, com falsa chateação.
– Meu amor, era tudo para testar sua virilidade... Nunca se sabe, né? – piscou, sem vergonha.
– Me admiro de VOCÊ! Fingir que não conhece minha virilidade – puxei-a pela nuca, sentindo o sopro da sua risada no meu rosto.
– Você poderia mostrá-la para mim todos os dias.
Seus lábios vierem de encontro aos meus instantaneamente no fim da frase. Era como se soubéssemos as respostas pré-definidas pelos nossos corpos. Passei a língua por toda a extensão da carne úmida, me deliciando com o gosto sutil de groselha que a bebida deixara na sua boca. Por um segundo, cheguei a esquecer que estávamos a um passo da rua, cobertos, milagrosamente, pelo ambiente de penumbra da entrada.
Poderíamos ser flagrados e, que Aylle me perdoe, aquilo deixava tudo tão excitante.
Ouvi um pigarro nas minhas costas, o segurança que tinha nos colocado para dentro ao saber nossos nomes, aguardava com a cabeça inclinada na direção de um carro. Era a nossa deixa para interromper o abraço caloroso em que nos mantínhamos.
Pegamos os casacos e saímos para desbravar a noite fria de Nova Iorque.
– Vamos – indiquei a direção, mantendo a mão respeitosamente apoiada nas costas de .
Corremos em direção ao carro, numa atitude que já era inerente do nosso instinto de fuga e ao nos acomodarmos na poltrona, percebemos que os flashs disparavam para outro lado. Tínhamos sido bem sucedidos em despistar os paparazzis. começou a rir, como se aquilo fosse um grande motivo para piada. E talvez realmente fosse.
– Para onde vamos? – a voz de saiu suave, resignada.
– Children’s Foundation Leilão de caridade – o motorista respondeu automático, quase programado para isso.
Depois da afirmativa, acabamos nos encarando com curiosidade. Era o primeiro leilão de caridade que eu participava na vida, mas eu tinha a plena convicção, adiquirida pelas revistas de fofoca, que calça jeans e polo não faziam parte do vestuário adequado para aquele momento.
– Você tem certeza desse destino? – questionei, certo de que Aylle não cometeria aquele suicídio profissional.
– Sim. Srta Heyes me mandou levá-los direto para a entrada dos camarins.
suspirou aliviada como se estivesse pensando exatamente a mesma coisa que eu. Talvez fosse aquilo que Aylle queria dizer com “perdemos o tapete vermelho”.
Quando chegamos em frente ao Hotel no qual o evento estava sendo realizado, fomos guiados para a entrada subterrânea. Apenas o pessoal especializado tinha acesso ali, então não corríamos riscos de sermos pegos chegando atrasados.
Assim que pisamos no ladrinho brilhando de limpo, os cabelos de fogo de Aylle apareceram, balançando para todos os lados e contrastando com o tom sério que o terninho dela desejava passar.
– Sinto muito pela confusão, creio que tirei vocês de uma suposta noite de folga? – ela riu, resumindo as desculpas com um olhar de compaixão.
– Você salvou nossa proposta dos cinco encontros – gargalhou e eu coloquei a mão no peito, chateado com a calúnia. Nunca que eu ia quebrar a proposta dos cinco encontros? Eu? Não mesmo.
– Não acredito que vocês estão mesmo seguindo essa baboseira – Aylle fez uma firula descrente.
– Poisé, Aylle. REALMENTE! – ponderei, cruzando os braços acusatório.
– Temos que fortalecer a relação. Sexo não é tudo na vida – disse, iludida com aquela mentira.
Aylle balançou a cabeça, deixando-nos lidar com nossos próprios conceitos de perfeição do relacionamento e começou a andar na direção do elevador. Seguimos ela, saindo do andar 0 até o 38º do Time Warner Center. O hotel era próximo ao Central Park e eu sabia que se me esforçasse um pouquinho, poderia apontar a direção da casa da dali. Balancei a cabeça, quase certo de que aquele pensamento soava muito perseguidor e que, era questão de tempo até termos confiança para que ela também me convidasse para conhecer o seu lar.
– Ei bobão, não gaste seus únicos neurônios pensando demais – me tirou da reflexão quando me puxou para fora do elevador e me fez apressar o passo atrás de Aylle.
– Meus únicos neurônios são mais inteligentes do que os seus trilhões todos – devolvi, com birra, fazendo-a rir.
– Até parece…
Aylle puxou do bolso um cartão dourado suave, abrindo a porta de um quarto que parecia caber minha sala de estar inteira dentro. Uma família pequena com certeza moraria ali com espaço de sobra.
– Uau, espero que os hotéis do campeonato sejam tão bons assim – fiz uma prece.
– Desde que eu tenha uma cama confortável, já está bom para mim – deu de ombros, indo em direção a equipe de beleza que nos esperava dentro do imóvel.
– Você pretende dormir, ? – ri, sacana.
– Você não? – ela devolveu com outra pergunta, antes de sumir dentro do segundo cômodo que compunha a ante-sala.
Desisti de continuar o flerte quando ouvi milhares de vozes falando juntas. Era um daqueles momentos que eu não tinha vez diante da super-produção para os eventos.
– Vamos, – Aylle apontou para o cômodo pareado ao de e eu tive certeza de que a família que eu achei que pudesse morar ali, poderia ter cinco filhos e ainda assim caberia.
Deparei-me com um smoking preto depositado na cama e um banho preparado para mim. Era tão simples se arrumar que eu me permiti fazer as coisas com calma, certo de que demoraria muito mais do que para ficar pronta.
Comecei jogando os tênis para longe e quando percebi, eu já estava abotoando o botão das mangas da camisa social. O relógio no meu pulso marcava 01h e eu esperava que não tivéssemos tido esse trabalho todo para chegar no final da festa. Afinal, se o leilão era para as crianças, o horário de dormir seria delas também?
Passou cinco minutos até que me encontrasse na ante-sala, aonde eu a esperava com um copo de whiskey para manter os ânimos. Seu vestido caia tão bem, que eu poderia jogar a garafa de whiskey toda fora e ainda assim me manteria animado pelo mês inteiro. O tecido azul turquesa subia pela garganta e se amarrava com um detalhe de pedras entalhadas, parecia um modelo multi-funcional com vestido e colar. Tive certeza que Morgana julgaria meu conhecimento de moda e diria que eu preciso melhorar para estar certo de como elogiar e isso me fez rir.
– Você está reescrevendo a história da Cinderela – comentei, levantando em sua direção.
– Por que? – a pergunta saiu dos lábios rubros.
– Porque a mais bela está chegando depois da meia noite – beijei seu rosto, com medo de acabar com o trabalho da equipe de maquiagem
– Eu não pretendo perder o sapatinho hoje, .... e nem o príncipe – ela estalou um beijo nos meus lábios, sem a mesma preocupação que eu.
Sorri, sabendo que ela estaria com uma daquelas expressões que eu gostaria de enquadrar. Com os olhos brilhantes, o sorriso sagaz e o rosto adquirindo o perfeito formato de coração quando ela se permitia sorrir daquele jeito. Era tão lindo que eu sentia meu coração apertar só com cinco segundos olhando a cena.
– Deixe-me te ajeitar – ela pediu.
levantou os dedos ágeis, pegando os lados soltos da gravata borboleta que pendia no meu pescoço. Sua feição se tornou concentrada enquanto ela montava o laço e eu comecei a imaginar em quais situações eu não queria beijá-la. Quando ela terminou, pousando as palmas nos meus ombros e deslizando suavemente para retirar uma poeira imaginaria, eu conclui que não existia nenhuma. Eu queria beijá-la em todas as oportunidades.
– Dizem que uma das melhores coisas da vida é poder ajeitar o seu homem – devaneou – Não acho que tenha que ser uma obrigação, mulheres são livres para fazer o que bem desejam, mas, acho que isso traz um pouco de paz. Sentir que você é assim... meu.
Sim, eu queria beijá-la. Muito.
– Você é boa demais para a minha resistência... – sussurrei – Eu queria tirar você daqui e fazer amor com você a noite toda.
fechou os olhos, soltando um gemido baixo, como se estivesse compartilhando a minha imaginação.
– Eu estava tentando ser romântica, você viu? – ela brigou – Mas, dois segundos depois você me deixou pronta.
Meu pau pulsou com a menção de estar molhada. Não dava, meu auto-controle não era o suficiente. Eu precisava disso.
– Eu conheço esses olhares – Aylle pegou o clima e congelou com um balde do Polo norte.
– Puta merda, Aylle. Você me deu um susto – pulou, se recompondo.
– Eu não posso deixar vocês cinco minutos sozinhos. Isso aqui voltou a ser a universidade? CINCO MINUTOS CARAMBA! – Aylle brigou, realmente lembrando a inspetora de NYU quando flagrava alguns amassos indecorosos no corredor do campus.
– Me diga se resistiria a uma deusa dessa na sua frente? É querer demais! – defendi meu ponto com afinco.
– Vocês precisam terminar esses cinco encontros logo – nossa agente balançou a cabeça enfaticamente – Mas, enquanto isso, se comportem! , você estará no leilão hoje.
Pensei no meu salário do mês e franzi o cenho, tentando calcular até quanto eu poderia colocar em jogo no leilão. Pelo menos, com os patrocínios, minha conta corrente passava longe dos traços negativos.
Caminhamos lado a lado em direção ao salão do evento e quando o elevador parou no 50º andar, conseguíamos ouvir a música ambiente mesmo antes das portas se abrirem. O ambiente estava lotado e, para meu engano, a festa não parecia no fim. As pessoas interagiam e conversavam como grandes amigas, mantendo uma postura elegante de um jantar beneficente. Eu com certeza estava entre os melhores de Nova Iorque.
– Ainda bem que vocês conseguiram chegar – ouvi uma voz chamar nossa atenção.
Uma mulher alta, aparentando estar na melhor fase dos cinquenta anos, sorriu bondosamente para nós.
– Celine, não perderíamos por nada. Sentimos muito pelo atraso – tomou a frente, me deixando tranquilo por não precisar dar um sorriso amarelo de quando não conhecemos a pessoa.
– Aylle me contou do imprevisto. É incrível como ficamos perdidos quando a tecnologia não colabora – ela sorriu – , creio que ainda não nos conhecemos... Sou Celine VonHoushe, presidente da Children’s Foundation. Deixe-me agradecer pela sua participação no leilão.
Balancei a cabeça solícito.
– Não é nada – afirmei, apertando a mão bem cuidada que ela me estendia.
– Celina, precisamos terminar de debater os termos do leilão – Aylle comentou, mantendo a postura profissional – Você me acompanha numa taça de champanhe?
Observamos as duas se afastarem, sendo cordiais como pessoas da alta sociedade devem ser.
– O que você acha que vão leiloar hoje? – questionou, curiosa. Observando o palco que agora continha uma orquestra bem montada.
– Não sei. O que ricos leiloam? Iates? Festas exclusivas? Viagens?
– Também não sei. Não costumo vir em muitos desses. Na verdade, antes do campeonato eu não era muito visada para a vida social. Ser a primeira bailarina já me dava holofotes suficiente para o meu gosto.
– Pelo menos, quanto mais cedo acabar, mais cedo poderemos continuar o nosso encontro... – dei a deixa, sussurrando para que ninguém ao redor pudesse ouvir.
– , você deveria estar pensando no bem das crianças e não no nosso encontro – ela repreendeu brincalhona.
– Talvez pudéssemos pensar em crianças no nosso encontro.... Você quer fazer uma?
entalou graciosamente com a taça de Dom Pérignon que bebia. Ok, talvez filhos sejam um tema para o debate daqui a 10 anos.
– Um pouco precipitado? – Brinquei.
– Você quer um menino ou uma menina? – ela respondeu, recuperada e me desafiando com o olhar.
– Você disse gêmeos?
– .... não é da sua vagina que vão sair duas cabeças. PELO AMOR DE DEUS!
– Até porque eu nem tenho uma.
Ri, achando difícil disfarçar o quanto eu queria agarrá-la e beijá-la naquele momento. Mas, antes que eu pudesse sugerir outra alternativa para as crianças, a apresentadora do evento subiu bem humorada no palco.
– Senhoras e senhores, sejam bem-vindos ao Leilão anual da Children’s Foudation. É com grande prazer que iniciamos o momento mais aguardado da noite. Há anos, leiloamos itens materiais e isso sempre foi uma marca do nosso Jantar. Porém, uma nova visão chegou aos nossos horizontes – ela fez uma pausa dramática – Estamos aqui para dar essa visão para as nossas crianças, para mostrar que nada vale mais do que o amor, a compreensão e a companhia humana. O dinheiro compra um teto, mas é o tempo que passamos com elas que fazem o teto virar lar.
Concentrei-me achando o discurso tocante.
– Assim, leiloamos o bem mais precioso do ser humano: o tempo mensurado em um encontro.
me olhou com o cenho franzido e ambos tentamos decifrar os códigos que a cerimonialista usava para falar.
– Ainda não entendi muito bem – minha parceira sussurrou.
– Eu também não – devolvi mais baixo ainda.
O sorriso não tinha saído do rosto da apresentadora por nenhum momento e ela se preparava para falar novamente.
– Por favor, recebam com aplausos, o primeiro leiloado da noite: Jimmy Fallon!
O famoso comediante subiu no palco, acenando e agradecendo os aplausos.
Cocei a cabeça, incerto se aquilo era mesmo o que eu estava pensando.
– Jimmy levará o ganhador para participar do The Tonight Show e depois para um jantar no restaurante mais badalado de Nova Iorque! – o ânimo cresceu depois da fala da apresentadora.
– Meu Deus, – o riso de saiu esguichado – Vão dar lances em você, amor!
– Sinceramente – encarei-a perplexo – Isso não pode ser sério. Eu nem tenho algo a oferecer…
– Você tem tudo a oferecer – Aylle ressurgiu, como uma fênix ao nosso lado – No nosso combinado com a fundação, você irá levar seu acompanhante para um passeio surpresa.
– Aylle do céu – eu tinha plena convicção de que estava cada vez mais pálido a medida que escutava os lances para Jimmy Fallon.
– E , nem pense em dar lances também. Você não pode leiloar o ! – nossa agente fechou a cara, sem margem para discussão.
– Por que???? – devolveu o olhar, agora irritado.
– Seria como jogar combustível em cima de TODAS as especulações de que vocês estão juntos! – Aylle respondeu como se fosse o óbvio.
– Meu Deus, aylle – choramingou, mesmo que soubéssemos que aquela era uma batalha perdida – Posso dar um lance? Só um? Umzinho?
Diante das súplicas, eu tive certeza que Aylle olhava para cima criando uma maldição para que um raio caísse na cabeça de bem ali.
– Só um, Aylle – pedi também, para colocar fogo no parquinho.
– Se responsabilizem pelos seus atos – Aylle respondeu, saindo sem esperar resposta. – Tudo bem, você vai receber no máximo 3 lances, mesmo... Se eu esperar o último, eu posso levar você de brinde para casa– sorriu convencida.
– Você não confia no meu potencial, ?? – ponderei, indignado.
Quando ela estava prestes a responder, uma das organizadoras parou ao nosso lado, sinalizando que era o momento de eu ir para os bastidores. mandou um joinha, confiante na sua tática e eu sorri com aquela cena.
Da divisa atrás do palco, eu conseguia ouvir os lances para o encontro com a Angelina Jolie, que oferecia uma visita a ONG da qual era embaixadora. Eu começava a concordar com , afinal, diante da Angelina fucking Jolie, quem iria querer ir num encontro comigo?
– Ai vem ele, a revelação do momento: , o talentoso dançarino! – os aplausos se seguiram e eu tive a consciência de que o barulho era motivado pela educação. Afinal, não era possível que meu nome estivesse tão cotado em meio aos famosos. Eu era como um pária ali.
– E uh-lá-lá, oferece um encontro surpresa. Que homem misterioso – a apresentadora sorriu para mim, antes de voltar ao púpido e iniciar o leilão.
Se eu não tivesse feito aulas de como me portar no palco com Sr. Cattaneo, eu acho que teria começado a suar frio bem ali, com o ar-condicionado no máximo. Tentei enxergar , mas a luminosidade não me deixava ver muito além do tablado preto onde o espaço acabava. Eu teria que ficar atento para reconhecer a voz da minha parceira no momento que ela jogasse a sua primeira e única cartada.
– Mil dólares – uma voz gritou, empolgada.
Sorri na direção, esperando estar demonstrando animação.
– Mil e quinhentos – outra indicou, me fazendo refletir como eu faria um encontro valer tudo isso.
– Dois mil!!
E eu sorri ainda mais, imaginando que estaria xingando as três pessoas que deram esses lances. No mínimo, ela estaria fulminando alguém com o olhar.
– Cinco mil dólares – a voz do primeiro lance repetiu, fazendo a plateia exasperar um “wow” pela subida repentina do lance.
Aproximei-me do início do palco, desejando que a luz não fosse tão ofuscante e eu pudesse identificar quem era a pessoa que achava que um encontro comigo valia todo esse preço. Tudo bem que para a maioria, cinco mil dólares era a conta do celular, mas caramba.
A plaquinha do lance tinha sido levantada por uma mulher de cabelos negros e que parecia familiar demais. Tentei vasculhar a memória, ficando parcialmente consciente de que os lances continuavam rolando em segundo plano. O porte mediano, a face bem cuidada de uma mulher experiente e o sorriso prepotente me diziam que aquela pessoa tinha chegado ali com um objetivo e por mais descrente que poderia parecer, o objetivo parecia ser eu.
– Oito mil dólares – uma senhorinha simpática na primeira fila lançou, me fazendo querer abraçá-la diante da fragilidade com a qual ela levantava sua plaquinha.
– Nove mil dólares – repetiu com tenacidade a figura familiar no final do salão.
Com minha dúvida no olhar, achei e tentei captar dela alguma hipótese de quem fosse aquela pessoa, mas ela parecia divertida em ver minha hesitação diante do acontecimento. Com certeza, ser leiloado não era algo tão divertido assim.
piscou, levantando sua plaquinha com segurança, certa de que me levaria de volta aos seus braços. O público olhou em sua direção, ansioso pelo que parecia ser o embate do século no mundo dos leilões.
– Vinte mil dólares – minha parceira cobriu, sorrindo para aqueles que a olhavam com espanto.
Mas, antes mesmo que seu braço abaixasse, a outra mulher já estava com o seu levantado e eu senti o ambiente ao meu redor pesar numa aura negativa. Algo estava errado diante daquela insistência. Até Angelina Jolie tinha sido leiloada com quinze mil. tinha dado o lance mais alto da noite e mesmo assim, a pessoa queria cobrir.
– Vinte e cinco mil dólares – a voz dela saiu convencida, como se soubesse que não poderia dar mais lances e ela enfim, tivesse ganhado.
O sorriso de se apagou no momento em que ela olhou para trás e, como se aquilo fosse o estalo para a minha memória, eu soube por que achava a mulher tão conhecida. Ela era Desirée Giordano, a atual parceira de Dante, o ex-parceiro de .
Diante da carranca da minha namorada, parecia que ela também tinha reconhecido a dançarina e as duas se olhavam como se pudessem desmaterializar uma a outra com o olhar.
Parecia que nada poderia piorar o que já estava ruim, mas, diante da empolgação da plateia, a apresentadora iniciara a contagem regressiva do leilão e eu, que no início da noite planejava um encontro tranquilo.... estava sendo leiloado pela inimiga na minha namorada.
— Dou-lhe uma... Dou-lhe duas…
Continua...
Nota da autora:(15.02):
A pergunta que não quer calar é: QUEM LEILOOU ? (risos)
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Continue dançando essa música comigo.
A pergunta que não quer calar é: QUEM LEILOOU ? (risos)
Kiss of Sun (KOS)