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"You'll be the prince and I'll be the princess. It's a love story, baby, just say yes."
(Taylor Swift - Love Story)



Realeza - (real + -eza)
1. Dignidade de rei ou rainha; 2. Os reis; 3. As pessoas reais; 4. Influência soberana; 5. Esplendor, magnificência, suntuosidade.
Realeza - (real, relativo às coisas + -eza)
Realidade.

Realidade... Nada na minha vida parece real, nem eu mesma pareço ser real. Tudo o que eu conheço como vida, foi algo moldado, escolhido, programado. E isso não é uma vida... Vida requer escolhas, sacrifícios, experiências... Para ser uma vida, é necessário viver! Eu posso dizer que tenho vinte e três anos e nunca vivi. Mas o que fazer, quando você já nasce com um destino traçado, com tudo planejado? Bem, a única coisa a ser feita é mudar tudo... Começando por você mesma.



Primeiro

Girls do what they want
(The Maine - Girls Do What They Want)


Eu estava correndo, pela primeira vez me sentia livre, como se pudesse fazer tudo o que sempre quis. Sentia o vento bater em meu rosto, em meus cabelos, a adrenalina corria em minhas veias. De repente a cena mudou, eu estava num quarto escuro, não tinha uma saída, estava sozinha. Então pude ouvir alguém me chamando, bem longe, eu tentava gritar, pedir ajuda, mas era como se eu não tivesse voz, como se eu não pudesse ser ouvida. Mas a voz se aproximava e eu comecei a sentir uma ponta de esperança, como se pudesse ser libertada. A voz parou, onde eu descobri ser uma porta, que foi aberta lentamente, a claridade me deixou momentaneamente cega, eu fechei fortemente os olhos, esperando pelo primeiro movimento do meu visitante. Ele se aproximou, balançando meus ombros, chamando meu nome mais uma vez e de novo, de novo, de novo... Aos poucos pude reconhecer aquela voz e era... Da minha mãe? Abri os olhos e encontrei os dela me encarando, sua feição não era nem de perto alegre. Fechei os olhos novamente, colocando o travesseiro em meu rosto, cobrindo meus olhos da claridade que vinha da janela.
- , levante.
- Não, mãe, eu quero dormir.
- , levante agora. – ela disse séria.
- Pronto, levantei. – eu disse, sentando na cama. – Diga, mamãe querida. – forcei um sorriso, mas a feição séria no rosto dela não se alterou, mostrando que o assunto era sério.
- Eu não quero mais explicações, mais desculpas esfarrapadas... – ela disse, jogando o jornal no meu colo. – Quero atitudes, , atitudes que você deve ter. Quantas vezes eu tenho que explicar que você não é uma jovem normal, você não pode sair e fazer um monte de besteiras pela rua, você tem um nome a zelar, você tem um futuro nesse país.
- Eu sei, mãe.
- ‘Eu sei, mãe’ não vai mudar a manchete e nem retirar essa foto da primeira página do jornal. Isso está nas bancas de toda a Dinamarca. – eu peguei o jornal, olhando bem a foto e a manchete.

NOSSO FUTURO EM BOAS MÃOS.

Eu estava sentada na calçada, em frente a um bar, com uma garrafa de cerveja nas mãos. Meu primo, , estava ao meu lado e confesso, ele estava bem pior, e deveria estar ouvindo tanto quanto ou até mesmo mais do que eu.
- Até que eu fiquei bem na foto. Geralmente eles pegam num ângulo não muito favorecedor.
- Eu não acredito que você está fazendo piadinhas! – ela me olhou chocada, balançando a cabeça negativamente. – Eu desisto de você. – ela se virou e andou para fora do quarto.
- Mãe, eu estava brincando.
- Você sempre brinca, , eu ficarei surpresa quando você falar sério. – ela disse, antes de fechar a porta.
Me joguei de novo na cama. Não agüentava essa pressão. Eu não pedi pra nascer nessa família, não pedi esse legado. Quero viver como um jovem qualquer, quero sair com meus amigos, arrumar um namorado... Sem tanto controle, regras. Bufei, levantando da cama. Me aproximei da janela, olhando a bela vista que tinha do meu quarto. Os jardins do palácio ficavam lindos nessa época do ano. Me aproximei da sacada, deixando que a luz do sol banhasse meu corpo, me permitindo um momento de paz e sossego, o que é extremamente raro em minha vida. Ouvi batidas na porta, afirmando o que tinha acabado de pensar. Pensei seriamente em ignorar e fingir que eu não estava no quarto ou simplesmente dormindo. Mas quem quer que seja, era insistente.

- Prin...?
- Eu já vou. – eu interrompi, antes que ele completasse uma das palavras que eu mais odiava no mundo. Bufei e segui para a porta, a abrindo em seguida. Ellen e um dos meus guardas especiais me esperavam, com belos sorrisos estampados no rosto. Por mais falso que fosse o sorriso, ele não podia sair do rosto de nenhum deles. Tá, talvez dos guardas, afinal, quem respeitará um guarda todo sorridente? – Quantas vezes eu já pedi que vocês me chamem de , ou no máximo, senhorita. – fiz uma careta para última palavra.
- A senhorita sabe muito bem que é assim que o seu pai gosta que você seja chamada. – Ellen deu um sorriso quase irônico. – A propósito, bom dia.
- Bom dia, Ellen. Bom dia, . – eu me encostei ao batente da porta. Ellen era ‘minha criada’, se é assim eu posso chamá-la. Ela é o que um dia foi chamada de ‘dama de companhia’, mas graças a Deus, esse termo foi abolido. Ela era minha cúmplice, me ajuda nas minhas fugas e por mais que meus pais soubessem disso, eles não a despediam. Fiquei encarando Ellen, enquanto a mesma continuava com o sorriso irônico no rosto e eu passei a retribuir.
- Então, futuro do nosso país, seu pai está lhe esperando.
- Ellen, futuro do nosso país é a... – fui interrompida pela crise de tosse do , uma crise bem conveniente por sinal. Olhei para Ellen e começamos a rir.
- Bem, vou esperar as senhoritas lá embaixo. – ele virou e seguiu para as escadas.
- Eu acho que você exagerou um pouco na noite passada, .
- Você acha, Ellen? Você e toda a Dinamarca tem certeza. Inclusive meus pais, ou melhor, principalmente meus pais. Eu sempre fui uma boa filha, nunca pedi muita coisa, na verdade, a única coisa que eu realmente pedi foi tentar ter uma vida normal.
- Mas isso não é possível, não vindo da família que você veio.
- Eu não pedi pra nascer nessa família, não pedi pra ser uma princesa. Eu sempre quis e ainda quero ser uma pessoa normal, não ter uma vida toda decidida antes mesmo de ter nascido. Eu não pedi isso, Ellen.
- , você nasceu em berço de ouro, literalmente e não pode desperdiçar o que tem. Essas suas ‘aventuras’ que aparecem no jornal, nos olhos das outras pessoas, passa como uma atitude rebelde da princesinha que tem tudo e não está satisfeita com nada. Se você não mostrar quem realmente é, será sempre vista como uma rebelde mimada.
- Mas eu não sou uma rebelde mimada.
- Eu sei que não, mas você tem que mostrar pra todo mundo como você realmente é e eu acho que agora é um excelente momento.
- Como assim?
- Seu pai reuniu a imprensa, estão todos a sua espera. – fiz uma careta – Não, sem caretas. Você será uma rainha, tem que aprender a lidar com isso.
- Não serei rainha, vou abdicar do trono.
- Em favor de quem?
- Do . – ela me encarou, rindo alto em seguida, chamado a atenção dos guardas que passavam perto no momento.
- Você não pode tentar ‘salvar’ o país, abdicando do trono em favor de alguém pior que você. – concordei com a cabeça, ainda rindo.
- Já que tenho que enfrentar essas pessoas, eu tenho que estar, pelo menos, apresentável. – eu disse, apontando para minha roupa, eu ainda estava de pijama.
- Nisso eu concordo com você.


Respirei fundo antes de entrar na sala em que meu pai estava com a imprensa. Todos os olhares se voltaram para mim, enquanto eu marchava firmemente até meu pai, que me esperava com um breve sorriso nos lábios. Ele se levantou e me abraçou, fazendo com que eu ficasse parada ao seu lado, com minha mão em seu ombro. Estranhei não ver minha mãe ao seu lado, talvez tenha sido a gota d’água pra ela. Balancei a cabeça, voltando minha atenção para o meu pai.

- Rei Frederico. – um jornalista chamou sua atenção – Agora que a princesa já está aqui, o senhor pode fazer o pronunciamento?
- Ah! Claro. – ele se ajeitou no assento – Eu não queria tocar neste assunto, sem que a principal envolvida não estivesse presente. Creio que todos já viram as manchetes dos jornais de hoje, certo? Quer dizer, grande parte das pessoas dessa sala tem algo a ver com essas manchetes e eu não tiro a razão de vocês. Vocês devem noticiar o que julgar errado e minha filha, como figura pública, deve se resguardar. Mas eu pergunto, quem aqui não extrapolou, exagerou quando era jovem? Eu mesmo já tive meus momentos e não eram poucos, só que a imprensa não dava a importância que dão hoje, então minha filha tem mais destaque do que eu tive. Vejam, eu não estou dando razão a ela, só estou dizendo que quando somos jovens nós queremos aproveitar a vida e ela quer a mesma coisa. Mas ela tem noção do que o futuro guarda e está se preparando para isso, na verdade, ela foi preparada para isso toda a sua vida. E o momento de colocar todo esse conhecimento em prática chegou... – precisei apertar minha mão no ombro do meu pai para não cair. Como assim eu colocaria todo o meu ‘conhecimento’ em prática? Que conhecimento, meu Deus? Ele não podia estar falando desse assunto, não desse assunto. – Eu convidei todos vocês para anunciar que eu pretendo passar a coroa para a minha filha. E farei isso o mais rápido possível.

Sim, era exatamente esse o meu assunto mais temido. Ele não pode passar a coroa para mim, eu não estou pronta, eu não estou preparada e o pior de tudo, eu não estou... Casada. Respirei um pouco mais fundo, quando isso surgiu em minha mente. O que meu pai estava pensando? Ele vai mudar a constituição ou algo do tipo, porque eu não estou nem um pouco perto de casar. Eu comecei a me sentir desconfortável com os olhares que me eram lançados, todos eram de reprovação, de julgamento, como se estivessem me medindo e atestando que eu não era boa o suficiente para governá-los. Minha vontade era de tomar a palavra e dizer que eles poderiam ficar tranqüilos que quando chegasse o momento, eles estariam em ótimas mãos, que eu era e estava preparada... Mas será que eu posso mentir assim? A realidade é que eu não estou preparada para ser rainha, isso sempre pareceu um futuro tão distante...

- Mas, majestade, para esse feito, ela precisa se casar. O senhor já tem algum casamento arranjado em vista? – CASAMENTO ARRANJADO? foi a única pergunta que surgiu em minha mente. Ele não podia fazer isso comigo, não tinha o direito.
- Não, eu não tenho nenhum casamento em vista, mas farei um trato com a minha filha e todos vocês serão minhas testemunhas. Eu darei dois anos para ela arrumar um noivo, caso ela não consiga, eu mesmo arrumarei. – eu o encarei, com os olhos arregalados e ele apenas se virou para mim, murmurando um “depois conversamos" e voltou-se para os jornalistas. – Nós temos esse compromisso firmado. Daqui a dois anos minha filha assumirá a coroa e ao longo desse tempo, ela mostrará a todos vocês que é sim digna que governá-los.

Então é isso, eu serei rainha em dois anos. Eu estava pronta para isso? Tudo me dizia, ou melhor, gritava que não. E disso eu tinha certeza.

xxx


Minutos depois, todos os jornalistas deixaram o salão e eu me vi sozinha com meu pai. Momento perfeito para algumas explicações.

- Pai, o que foi isso? – perguntei, ainda em choque.
- O que, querida? – ele perguntou, com um sorriso. Como ele podia sorrir dessa forma? Ele não tinha a mínima noção do que tinha feito?
- Como assim ‘o que’? Isso de abdicar do trono, passar a coroa para mim? Eu não quero isso, pai. Não quero ser uma rainha. – eu gesticulava muito, demonstrando meu nervosismo. Eu estava sem saber o que fazer, sem saber o que falar. Ele me pegou desprevenida.
- , você não tem escolha, você é minha única filha, minha sucessora.
- Não, é claro que eu tenho escolha, outra pessoa pode assumir o trono.
- Você prefere mesmo que outra pessoa assuma no seu lugar? Quem, por exemplo?
- O , ele vem depois de mim na linha de sucessão. – percebi que ele segurou o riso.
- Você realmente não ama o seu país, não é?
- Por que o senhor diz isso? É porque eu amo e respeito esse lugar, que eu não quero assumir. O senhor tem noção do que esse lugar pode se tornar em minhas mãos?
- Você ama o seu país e quer deixá-lo nas mãos de um irresponsável? Você tem noção do que esse lugar pode se tornar nas mãos dele? Minha filha, seu primo é muito pior que você e eu não confio nele, não acredito que ele possa fazer um bom trabalho, mas em você em confio, eu me vejo em você. Eu também tive essas mesmas preocupações, os mesmos medos, sempre disse que nunca seria um bom rei e a sua avó sempre disse que eu tinha que confiar em mim mesmo. E foi isso que eu fiz, é isso que você deve fazer. Não importa o que dizem de você nos jornais, eu sei que essa aqui – ele pegou o jornal, me mostrando a foto – Não é a que governará. – ele me olhou com um sorriso encorajador e estendeu a mão para que eu segurasse.
- Você realmente acredita nisso? – eu perguntei com uma careta, colocando a mão sobre a sua.
- Eu acredito em você, minha filha. Você pode fazer qualquer coisa. – ele deu um beijo leve em minha mão e em minha testa. – Agora eu preciso resolver umas coisas.
- Tudo bem... – eu disse respirando fundo e me sentando na cadeira antes ocupada pelo meu pai. Tudo que ele falou ainda ecoava em minha mente, principalmente a palavra ‘Rainha’. Era quase incompreensível. Por que ele queria me passar a maldita coroa? Eu não a queria e ele sabia muito bem disso. Ele queria me castigar ou algo assim? Porque é a única explicação possível. Se os jornalistas gostam de me perseguir enquanto ainda sou princesa, imagine quando me tornar rainha? Rainha . Juro que ri de como isso soa. Não soa apenas estranho, soa errado.
- ? – ouvi alguém falar, me tirando de meus pensamentos. Olhei para a porta e Ellen entrava com no seu encalço. – E então, como foi? – ela perguntou e era possível ver a curiosidade refletida em seus olhos. Respirei bem fundo antes de dizer.
- Ele vai passar a coroa pra mim.
- O que? – ela perguntou surpresa. – Por quê?
- Não sei. Ninguém deve saber o que se passar na cabeça dele, nem ele mesmo. – eu disse balançando a cabeça lentamente – Ele precisa se tratar, Ellen, ele não está em seu juízo perfeito.
- Quando isso vai acontecer? – perguntou.
- Daqui a dois anos. – respondi derrotada.
- E você tá reclamando de quê? – Ellen perguntou, parecia meio... revoltada?
- Ellen, querida – usei meu melhor tom irônico e ela me olhou irritada – Você por algum acaso sabe o que é preciso para eu me tornar uma rainha? – ela pensou por alguns segundo, antes de arregalar os olhos.
- Oh Meu Deus, você precisa se casar! – ela levou as mãos à boca e eu revirei os olhos.
- E ele ainda disse que se eu não arrumar um noivo sozinha, ele arrumará um para mim. Ellen, coroa e casamento arranjado é muito pra mim.
- Mas o que você vai fazer? Você pretende arrumar um noivo sozinha, certo?
- Claro, eu acho que vou fazer isso agora. Talvez eu encontre um ali na esquina. – a olhei séria – Abdicar do trono está se tornando cada vez mais tentador.
- Você não pode fugir das suas responsabilidades, . – disse. Ele não é muito de falar, mas quando abre a boca sempre sai algo que vai me irritar profundamente, então eu prefiro que ele fique calado.
- , por favor... – eu apoiei a cabeça nas mãos.
- , é sério, você não pode abandonar o legado da família, não pode simplesmente largar na mão de outra pessoa...
- Eu não estou preparada pra isso. Não. Estou. Será que ninguém entende isso? – eu disse nervosa, levantando da cadeira.
- E a sua faculdade? Você estudo e...
- Não tem uma matéria na faculdade estilo: ‘Como governar um país’ Ou ‘Como ser rainha’.
- Exatamente, você precisa de experiência, precisa se aprofundar em... Seja lá o que precise estudar, mas deve se preparar.
- Eu sei, , eu sei... – eu suspirei.
- Por que você não aproveita esses dois anos que ele te deu de prazo e faz algum curso, alguma pós-graduação. Você já fez ciências políticas, pode fazer algo de economia, não sei. Só sei que você precisa parar de choramingar e reclamar, precisa tomar uma atitude. Seu pai não voltará atrás da decisão, então você precisa se preparar.
- Você está certa, Ellen, eu preciso para de se comportar como uma menininha, eu preciso me preparar... Melhor ainda se for em outro lugar.
- Isso você precisa resolver com os seus pais e não será tão fácil. – Ellen disse com uma feição nada agradável.
- Eu resolverei isso hoje, ou melhor, agora. – levantei, seguindo para a porta – Ah, se eles permitirem, vocês irão comigo. – dei um sorriso forçado antes de sair do aposento.

xxx


Caminhei com passos firmes até o escritório do meu pai, quando me aproximei o suficiente, pude ouvir meus pais discutindo alguma coisa. Colei o ouvido na porta, tentando escutar alguma coisa.

- Frederico, como você pode dizer isso para os jornalistas? Você quer se desmoralizar? Essa menina nunca tomará jeito, ela nunca aprenderá. – minha mãe dizia, praticamente aos berros.
- A minha moral importa mais que o futuro da , não é? Se eu não fizesse algo assim, ela não tomaria juízo. Na verdade, eu não acho que ela esteja fazendo tanta coisa errada como fazem parecer. Afinal, o que há de tão errado em tomar uma cerveja com uns amigos? Ela já é maior de idade... – um sorriso brotou nos meus lábios. Meu pai sempre me protegia, não importava o quão errada eu estivesse, ele sempre procuraria uma forma de me tornar a certa da história.
- As duas coisas importam, mas parece que quem não se importa aqui é ela.
- Se me permitem... – eu disse, entrando no escritório – Tenho uma proposta para fazer.
- Você não pode entrar assim e...
- Diga, minha filha. – meu pai interrompeu minha mãe, que o olhou com um olhar fulminante.
- Eu estava no meu quarto pesquisando sobre alguns cursos ou especializações que eu poderia fazer e encontrei um que me interessou.
- E que curso seria? – minha mãe perguntou séria.
- Um mestrado em economia internacional e negócios. – ela arqueou a sobrancelha e ainda que ela pudesse falar alguma coisa, meu pai se adiantou.
- Isso é muito bom, minha filha, mas pelo o que eu saiba, não tem nenhuma especialização desse tipo nas nossas universidades.
- É, eu sei... Essa especialização é a Universidade de Londres.
- Não, não, não. Nada disso, , você não sairá do país. – ela mãe levantou, apontando um dedo em minha direção.
- A senhora não pode nem cogitar essa hipótese? Sempre disse que eu preciso fazer alguma coisa, dar um rumo a minha vida. É isso que eu estou tentando fazer. Meu pai quer que eu assuma o trono, alguém acha que eu estou preparada? Definitivamente não. Muito menos eu. Estou tentando...
- Você vai pra Londres.
- O quê? – eu perguntei surpresa.
- O quê? – minha mãe também perguntou, num tom bem mais elevado.
- Mary, ela quer estudar. Se ela me prometer que será isso que ela fará, ela vai.
- Você acha mesmo que ela vai estudar?
- Eu confio na minha filha. Ela merece um voto de confiança.
- Mas ela...
- Olá – sorri ironicamente – Não sei se perceberam, mas eu ainda estou aqui, poderiam parar de agir como se eu não estivesse? – minha mãe cruzou os braços e me encarou – Tecnicamente eu já sou maior de idade e não deveria pedir permissão para nada, porém, eu respeito a opinião de vocês, por mais que não respeitem a minha. A verdade é que eu não estou aqui pedindo para estudar fora, eu estou informando que estudarei fora. A Faculdade de Economia de Londres é uma das melhores do mundo, lá lecionam os melhores professores dessa área e é lá que eu me prepararei para assumir esse país. Mãe, eu não vou a passeio, mas também não prometo que ficarei trancada em casa. Farei o seguinte, mandarei minhas notas e se por algum acaso eu não for bem, eu volto. É apenas um ano e meio, eu volto logo. E imagine como será a sua vida sem mim, você vai querer que eu faça milhares de cursos como esse só pra se ver longe de mim, assuma. – ela riu.
- Filha, eu não quero que você fique longe de mim, muito pelo contrário, quero que você fique o mais perto possível...
- Para que você possa me controlar, eu sei.
- ...
- Mãe, são dezoito meses de curso e a única coisa que eu peço é isso, dezoito meses de liberdade, dezoito meses para eu ser quem eu sou e não quem querem que eu seja. Depois disso, você pode brincar de marionete o quanto quiser comigo.
- Eu realmente odeio esse a imagem que você tem de mim. – ela disse, abaixando o olhar.
- Mãe, por mais irônica que eu seja e mais irritante que a senhora seja, com todo o respeito, eu sei que você faz isso porque me ama. É a sua forma de me amar, eu tenho que aceitar isso, afinal, você é minha mãe.
- Por favor, não faça nenhuma besteira longe de casa. – ela me encarou por alguns segundo e me abraçou em seguida.
- E você ainda diz que ela não é persuasiva, ela consegue tudo o que quer. – meu pai disse rindo.

xxx


Sai sorridente do escritório, não, sorridente é pouco, eu mal conseguia segurar a minha felicidade. Finalmente viveria a vida do meu jeito. Por dezoito meses, eu sei, mas pra quem praticamente nunca viveu de verdade, dezoito meses podem ser uma eternidade. Assim que fechei a porta do meu quarto, corri gritando até a cama e comecei a pular na mesma... Infantil, não?
Ellen entrou correndo no quarto, ela estava assustada com os meus gritos e entrou correndo em seguida, vasculhando o quarto com os olhos. Quando me viram em cima da cama, me olharam confusos. Saltei da cama e parei em frente a eles e com o maior sorriso do mundo, disse:

- Prontos para Londres?



Segundo

Boys do what the can
(The Maine - Girls Do What They Want)


’s Pov

Londres – algumas semanas depois

Abri os olhos lentamente, me espreguiçando. Olhei para o relógio na mesinha de cabeceira e pulei da cama. Estava mais que atrasado. Merda, merda, merda! pensei, correndo para o banheiro. Tomei um banho rápido e sai apressado, colocando a primeira roupa que vi pela frente. Abri a geladeira e me assustei com o fato de não ter nada dentro da mesma. Olhei ao redor, não encontrando nada comestível que não estivesse com o prazo de validade vencido ou a aparência suspeita. Suspirei, terminando de colocar a blusa e pegando o casaco que estava sobre a mesa. Corri todo o apartamento atrás das chaves, escrevendo uma nota mental de que faria uma faxina assim que tivesse tempo. Eu sabia que esqueceria logo, mas não custava tentar lembrar. Talvez eu não precisasse correr tanto, pois morava num quarto em cima do local onde eu trabalhava, mas toda essa proximidade com o trabalho não dava abertura para atrasos. Achei as chaves e segui em direção à escada, parando por alguns segundos. Acima da mesma tinha uma foto e o local onde ela ficava era privilegiado. Sempre que eu saia de casa, eu era ‘obrigado’ a olhar para aquela foto, não que fosse algo ruim, muito pelo contrário, em alguns momentos era minha única companhia. O sorriso da minha mãe estava perfeito naquele retrato, era como se ela soubesse que eu o olharia sempre que precisasse e que encontraria forças nele. Já meu pai estava sério, como sempre, na sua postura fria e séria do comandante inglês, mas a sua seriedade lhe dava um ar forte, capaz... Queria ser como ele. Passei a mão pela foto, como um carinho, dizendo:
- Amo vocês. – e desci as escadas, chegando na parte dos fundos do bar onde eu trabalhava. Eu paguei toda a minha faculdade com esse salário, que nunca foi grande coisa, mas era a única coisa que eu tinha.

- , você está atrasado. – Paul disse, contendo um sorriso – Você mora aqui em cima, como consegue se atrasar?
- Meu relógio não despertou. – eu disse, roubando um biscoito da prateleira. Ele balançou a cabeça lentamente e riu.
- Vá arrumar o salão, daqui a pouco está na hora de abrir e da sua aula. – ele disse, jogando o pano que segurava no ombro e voltando a lavar a louça.

Segui para a parte da frente, onde coloquei todas as cadeiras no lugar, limpei as mesas e o balcão. Depois peguei uma vassoura e limpei todo o chão, em seguida passei um pano com cera. Quando Paul terminou seu trabalho na cozinha, eu já tinha terminado o meu também.

- Já terminou? – ele perguntou.
- Já. – respondi, me jogando numa cadeira.
- Se eu fosse você não perdia tempo aí sentado, tá quase na hora da sua aula. – assim que ele falou, me levantei e segui correndo na direção da porta.
- ! – ouvi seu grito e voltei – Não tá esquecendo nada? – ele pegou minha mochila que estava atrás do balcão.
- Ah! Obrigada. – sorri de lado, antes de voltar a correr.

Paul é meu tio, irmão do meu pai e me ajudou quando eu mais precisei. Há dez anos meus pais morreram num acidente de carro. Eu tinha apenas quinze anos e confesso que fiquei completamente perdido. Eu não tinha mais ninguém na Califórnia, meu pai foi morar lá por causa da minha mãe, que perdeu o contato com toda a família. Então eu me vi órfão e sozinho, a única saída que eu tive foi vir para Londres e morar com o Paul. Ele me recebeu de braços abertos e sempre dizia que via meu pai quando me olhava. Talvez isso não seja tão bom assim, olhar pra uma pessoa e ver outra, mas deve ajudar de alguma maneira. Pelo menos nós temos um ao outro, quer dizer, meu tio tem a Carlie e eu... Bem, eu só tenho ele e meu amigo . Que por coincidência, está vindo em minha direção agora.

- Não acredito que você vai se atrasar para a sua primeira aula depois das férias. – ele disse, dando um soco em meu ombro.
- Eu não vou me atrasar – disse olhando para o relógio e constatando que estava sim atrasado – Quer dizer, não vou me atrasar muito. – ri, tratando de andar mais rápido. Continuamos nosso caminho até a faculdade, que não era tão longe. Conversamos um pouco, comentamos sobre a pressão de estar no último ano da nossa especialização. Eu me formei em direito há dois anos e no fim desse ano termino minha especialização em direito penal. Já está se especializando em direito administrativo, para trabalhar na empresa do pai e no futuro substituí-lo.
- ... – ouvi uma voz feminina, forçadamente sexy, me chamar pelo apelido. Respirei fundo, tentando ignorar.
- Cara, você vai deixar a Alicia falando sozinha? – perguntou, espantado.
- , vem aqui. – ela insistiu.
- Ela já fez isso tantas vezes comigo e eu sei que não mata.
- Eu nunca deixaria uma garota como ela falando sozinha.
- Sério? E a sabe disso? – perguntei, lembrando a ele de sua própria namorada.
- A não tem nada a ver com isso. – ele respondeu, na defensiva.
- . – Alicia disse firme, me fazendo parar e rolar os olhos.
- Bem, eu vou nessa, deixo esse problema só para você. – disse, antes de correr para o prédio, já que estávamos perto o suficiente. Parei, esperando que ela chegasse até onde eu estava.
- O que é, Alicia? Estou atrasado para a aula. – perguntei seco, cruzando os braços.
- Nossa, , precisa me tratar assim? – ela disse, passando as mãos por trás do meu pescoço.
- Sim, preciso. – respondi, retirando suas mãos.
- O que eu fiz?
- Não seja cínica, por favor. Eu vi você se agarrando com o Steve na festa do Mark e eu não sou otário.
- Mas aquilo não era nada, , é de você que eu gosto.
- Se o seu gostar é assim, eu prefiro que você não sinta nada por mim. – disse e virei as costas, seguindo para a aula.
- Você ainda vai se arrepender, . – ela disse, num tom superior. Eu virei, ficando de frente para ela e lhe dei um sorriso falso.
- Gosto de correr riscos.


- Então, turma, o trabalho é para daqui a quinze dias. Abandono do incapaz e lembrando: cinco laudas, citações de três autores diferentes e deve conter, no mínimo, sujeito do crime, objeto jurídico, elemento objetivo, consumação, tentativa e elemento subjetivo.* - o professor Smith disse, enquanto o sinal soava.
- Nossa, esse trabalho será pesado. – Steven reclamou atrás de mim.
- Nem reclame, pelo menos você não tem que trabalhar. – eu disse, guardando as coisas na mochila.
- Verdade, bom sorte com isso, .
- Já estou acostumado. – dei de ombros, saindo da sala. Caminhei lentamente pelo corredor, encontrando e pelo caminho.
- O que você fez com a Alicia? Ela entrou na sala soltando fogo pelo nariz. Foi muito legal de ver. – ela deu um risadinha. Elas eram da mesma turma, último ano de psicologia e, digamos, não se davam muito bem.
- Pena que nem todo mundo pensa assim, não é? – eu disse, olhando rapidamente para .
- Como assim? – ela perguntou confusa.
- Algumas pessoas não gostam de ver a queridinha de todos sendo mal tratada.
- Não sei como você a agüenta, , você merece uma garota legal, simpática, divertida e não aquele nojo da Alicia.
- Qualquer um merece a Alicia. – murmurou.
- Como é? – perguntou, parando no meio do corredor. Eu dei uma risada olhando a cara de espanto do .
- Não, não é isso, amor... – ele tentou se explicar, me olhando com cara de suplica.
- Bem, como alguém já me disse isso hoje, eu vou nessa e deixo esse problema só para você. – sorri, seguindo para a saída.

Cantarolava alguma coisa, enquanto me esquivava das pessoas indo na direção contrária. Até que encontrei um rosto novo na multidão. Sua expressão denunciava que ela estava perdida, ela olhava um papel e depois voltava a olhar em volta, quase que rodando no mesmo lugar. Ela era diferente, talvez nem fosse daqui. Seus cabelos bem cuidados caiam suavemente pelas costas, sua pele branca assumia um tom rosado com o contato do sol e um grande óculos cobria seus olhos. Não sei o que, mas algo me intrigou naquela menina. Quando pensei em me aproximar e oferecer ajuda, ela parou uma menina que passava e perguntou alguma coisa. Como agradecimento ela deu um dos mais belos sorrisos que eu já vi em toda a minha vida. Me xinguei milhares de vezes de não ter ido antes, afinal, se eu tivesse a ajudado, eu receberia aquele sorriso como agradecimento. Me perdi em meus pensamentos e quando voltei a razão, ela já tinha ido embora e eu nem vi em que direção. Não foi e nem será a primeira vez que eu me encanto com uma garota e, por ação do destino, eu a perco. Já deveria estar acostumado... Olhei para o relógio e já estava quase na hora do começo do meu expediente, então tratei de tirá-la da cabeça e continuei meu destino.


- Pensei que fosse se atrasar. – Carlie disse, quando eu entrei na cozinha do bar. Carlie era uma pessoa legal, por mais que não fosse oficialmente esposa do Paul, ela foi a figura mais próxima de uma mãe que eu tive nesses últimos anos. Em alguns aspectos ela até lembrava minha mãe, como o sorriso ou a forma alegre que vê e vive sua vida – É melhor você almoçar antes de ir lá para frente, porque daqui a pouco aquilo lota e você vai ficar com fome.
- O Paul vai reclamar...
- Com ele eu me entendo. – ela deu uma piscadela, colocando um prato na mesa. Comi o mais rápido que pude, lavando a louça em seguida.
- , o que você está fazendo? Aqui está uma loucura, estou precisando de você. – Paul disse, entrando rapidamente na cozinha.
- Eu disse que ele ia reclamar... – murmurei para Carlie.
- Paul, o menino precisava comer. – ela disse séria, o encarando por alguns segundos.
- Você mima demais esse menino. – ele disse, voltando ao trabalho.
- Eu disse que com ele eu me entendia. – ela sorriu – Agora vá trabalhar, já abusamos demais da boa vontade dele.

O bar estava realmente lotado, grande parte dos alunos da faculdade em que eu estudava acabava indo para lá depois das aulas. Logo, essa loucura era rotina na minha vida. Agora imaginem: faculdade, trabalhos, emprego, Alicia... Como eu consigo lidar com tudo isso mesmo?

/’s Pov

*Retirado de um trabalho de doutorandos em Direto Penal.



Terceiro

I'm on a roll this time and heaven is in sight
(Coldplay - Every Teardrop Is a Waterfall)


Londres – algumas semanas depois

Convencer a minha mãe que usar o avião do meu pai, porque eu me recuso a dizer o ‘nosso’ avião, foi realmente difícil. Eu queria chegar despercebida, não queria holofotes e placas de neon anunciando que eu estava em Londres. Já seria bem difícil sem isso. Pensei em cortar o cabelo, pintar ou qualquer coisa do tipo, mas, novamente, minha mãe se intrometeu, impedindo que eu fizesse qualquer coisa. Às vezes eu me sinto como uma criança de dez anos...
Mas isso não é importante, o que de fato importa é que eu acabei de pousar em Londres e já sinto minha vida mudando. Não sei, talvez seja apenas uma sensação de liberdade pelo fato dos meus pais estarem a horas de distância ou se é a minha consciência dizendo que esse é apenas o primeiro – e pequeno – passo da longa caminhada que eu tenho pela frente. Ellen se mexeu atrás de mim, para que eu seguisse meu caminho e nos seguia de perto. Eles eram as únicas pessoas que eu confiava além dos meus pais e do meu primo. Eu sempre achei que qualquer um pudesse usar algo que sabia ao meu respeito quando eu menos imaginasse. Acho que eu não estava tão errada assim, mas, pelo menos, eu não tinha nada a esconder. Pelo menos por enquanto... Pelo amor de Deus, . Você mal chegou e já está pensando em aprontar! Imaginei Ellen dizendo se eu tivesse dito em voz alta meu último pensamento. Seguimos para o carro que nos esperava e quando vi as pequenas bandeiras tremulando, sabia que não era boa coisa que estava por vir.

Quando o motorista nos deixou em frente ao nosso destino, tive que reprimir um gemido. Claro que eu teria que ficar na embaixada da Dinamarca. Onde mais meu pai confiaria a sua única filha?
Ao lado de um grande e moderno prédio, havia um pequeno casario, como se fosse um anexo. Uma pequena bandeira tremulava na entrada, e o vermelho dela se destacava na parede branca. Lembrei vagamente de passar alguns dias naquele lugar, quando eu ainda me via obrigada a acompanhar meus pais em suas viagens.
Assim que pus os pés na calçada, uns cinco empregados surgiram não sei de onde, talvez do além, e pegaram tudo que estávamos carregando. Ellen sorriu largamente, elas estavam acostumadas a fazer as coisas pelas pessoas e não que fizessem por ela. Confesso que ela deixa isso subir um pouco à cabeça dela, mas quem não agiria como ela? Você responderia ‘ninguém’, mas é porque não conhece o , é como se ele estivesse sempre preparado para qualquer coisa, sempre alerta, como diriam os escoteiros. Ele observou o lugar, buscando por qualquer coisa que fosse, sei lá perigosa. Às vezes eu tenho medo do que possa passar pela cabeça dele. Ele entrou na frente, carregando as próprias malas, sendo seguido por Ellen e eu entrei logo atrás.

Eu mal lembrava daquela casa, acho que não estive aqui muitas vezes, eu nem consigo lembrar da última. Parei perto da escada, no hall de entrada, de onde eu conseguia ver um pedaço da sala de estar e um corredor que, provavelmente, levava até a cozinha. Poucos segundo após entrarmos, uma senhora, aparentando uns cinquenta anos, se aproximou sorriso verdadeiramente.

- Oh, , como você está crescida. – ela disse, parando ao meu lado. Eu lembrava vagamente de seu rosto, mas não do seu nome – Você não deve lembrar de mim. – ela sorriu – Sou Angela, eu cuidava de você quando seus pais tinham algum compromisso importante. Ficávamos aqui nessa casa fazendo roupas para as bonecas e comendo...
- Bolo de maçã com canela! – completei, lembrando instantaneamente de tudo que fazia naquela casa. Era uma época boa, eu não tinha com o que me preocupar.
- Que bom que você se lembra, porque tem um te esperando na cozinha. – ela sorriu – Acho melhor você se acomodar antes, deve estar cansada.
- Um pouco. – confessei. Ela fez um sinal para que eu a acompanhasse.
- Ah, só um momento. – ela disse, virando-se na direção de Ellen e – Clarice acompanhará você.
- Obrigada. – Ellen respondeu, enquanto se limitou a dar um pequeno sorriso.

Terminei de subir as escadas, encarando um pequeno corredor, que abrigava alguns quadros e fotos dos meus pais. Aproximei-me de um portarretrato que estava na parede, era uma foto minha e da minha mãe. Nós estávamos no jardim dessa casa, embaixo de uma árvore. Eu estava com um sorriso enorme nos lábios, parecia estar me divertindo como nunca. Eu sentia falta dessa época da minha vida, eu tinha um ótimo relacionamento com a minha mãe, nunca brigávamos, estávamos sempre juntas, fazendo todo tipo de coisa. Eu realmente espero que um dia tudo volte a ser como era antes, sem tantas confusões, tantas brigas, que nós voltemos a ser uma família feliz.

- Eu me lembro desse dia. – Angela disse, parando ao meu lado – Seu pai passou o dia todo fora e vocês ficaram fazendo bagunça o tempo todo.
- Tenho que mostrar essa foto para a minha mãe, para que ela veja que sorrir é bom e faz bem.
- Não fale isso. – Angela me censurou e ri de leve em seguida. Seguimos pelo corredor e paramos em frente à última porta – Nós não modificamos nada, então está da mesma forma que você deixou da última vez que esteve aqui.
- Devo me envergonhar? – perguntei, imaginando o quão critica estaria a situação.
- Um pouco, talvez. – Angela riu com vontade – Me chame se precisar de alguma coisa.

Não tinha nada tão catastrófico como eu imaginei, só algumas roupas, que eu nem lembrava mais da existência, no armário e alguns pôsteres de bandas estranhas nas paredes. Lembrei que na última vez que estive aqui, eu estava numa fase, digamos, difícil da minha vida. Eu só usava preto e ouvia rock, exceto quando tinha algum evento e eu tinha que vestir algo rosa. Eu era tão boba, ri de mim mesma. Retirei com cuidado os pôsteres das paredes, peguei algumas coisas que trouxe do meu quarto e tentei fazer daquele cômodo estranho, um pouco familiar, afinal eu morarei nele por algum tempo. Depois de espalhar fotos e bugigangas pelo quarto, sentindo o cansaço me abater, tratei de desfazer a menor mala e procurei algo confortável para vestir. Segui para o banheiro, onde tomei um banho quente e relaxante, coloquei um pijama largo e desci até a cozinha. Lá chegando encontrei Angela e Ellen conversando animadamente.

- Oi? – disse quando entrei, com medo de atrapalhar alguma coisa.
- Ai está ela. – Ellen levantou os braços e riu.
- O que foi? Ou melhor, o que você estava falando de mim? – perguntei – Não acredite nela, Angela. Ela mente.
- Pare com isso, . A Angela estava me contando o que você aprontava quando vinha pra cá, só isso.
- Tudo bem, eu acredito. – eu disse, sentando ao seu lado – E então, o que temos para comer?
- O que você acha? – Angela perguntou enquanto levantava e trouxe um prato branco de bolo para a mesa – Fiz o seu preferido. – ela disse mostrando o bolo de maçã com canela ainda morno.
- Deus, Angela, você é a melhor. – eu disse, pegando a fatia que ela me oferecia.
- Quer um pouco de suco de laranja?
- Quero sim, por favor. – eu disse de boca cheia e vi um pedaço do bolo sair voando.
- Antigamente as pessoas da família real recebiam aula de boas maneiras, vejo que agora as coisas estão diferentes. – Ellen disse, fazendo cara de nojo e saindo da cozinha.
- Onde estão todos? – perguntei.
- está conversando com os outros seguranças e as outras empregadas devem estar em seus quartos, já está meio tarde. – ela disse e eu olhei o relógio: 22:16.
- Me desculpe, Angela. Estou te atrapalhando. – eu disse, colocando o último pedaço de bolo na boca.
- Claro que não está, pode terminar de comer com calma. – ela disse com um sorriso, enquanto guardava algumas coisas que estavam na mesa.
- Eu já acabei, agora eu vou dormir. Obrigada, Angela.
- Boa noite, querida.
- Boa noite.

Segui para o quarto e caí na cama rapidamente. Dormi pesadamente e nem me dei conta que o sol já estava alto quando acordei. Ainda sonolenta, tateei a mesa de cabeceira a procura do meu celular e dei um pulo quando vi a hora. Eu tinha hora marcada na faculdade e já era um encaixe, não podia perder. Pulei da cama e segui para o banheiro, tomando um banho rápido. Me encarei no espelho enquanto me vestia, meus olhos ainda estavam inchados pelo sono. Peguei meus óculos escuros na mala e coloquei na bolsa. Já na sala, gritei um ‘tchau’ e sai apressada pela porta, não ia esperar nenhuma carona. Peguei um táxi e pedi que me deixasse na faculdade. Olhei no relógio, vendo que ainda tinha um tempo e não precisava correr tanto, porém havia um pequeno engarrafamento no caminho. Depois de uns vinte minutos cheguei à faculdade e me vi meio perdida. Eu tinha o número do prédio e da sala anotados num papel, mas todos os prédios eram parecidos e não tinha nenhuma numeração aparente. Fiquei rodando em círculos, igual uma boba, enquanto tentava me localizar. O sol não estava quente, mas minha pela branca começou a ficar com um tom rosado e os óculos não protegiam tão bem os meus olhos. Vi uma menina se aproximar e tentei chamar sua atenção discretamente, com sucesso.

- Você pode me ajudar? Estou meio perdida. – eu disse, com um sorriso tímido.
- Claro. – ela disse, tirando os fones dos ouvidos.
- Eu preciso ir nesse prédio, mas eu não consigo encontrá-lo. – mostrei o papel a ela.
- Você vai seguir por aqui. – ela apontou para a direita – É o terceiro prédio, o amarelo.
- Muito obrigada mesmo. – eu disse com um sorriso.
- De nada. – ela respondeu, antes de recolocar os fones e continuar seu caminho.

Depois da ajuda da menina eu encontrei facilmente o prédio e entrei rápido para não me atrasar. Não esperei muito tempo, a pessoa responsável pelas inscrições já estava me esperando e tudo saiu perfeitamente bem. Claro que eu pedi sigilo da minha presença na faculdade, não queria nada que pudesse me atrapalhar e é claro que eles aceitaram. Com mais tranqüilidade eu segui para a saída, e me disponibilizei um tempo para andar calmamente pelo campus. Peguei um táxi que estava parado na esquina e fui, dessa vez sem engarrafamento, para casa. Quando o carro parou, correu para abrir a porta e sua expressão não estava nem um pouco calma. Ele jogou algum dinheiro para o motorista e praticamente me arrastou para dentro.

- O que foi? Ficou louco? – perguntei.
- Aparentemente a louca aqui é você. Onde você estava com a cabeça para sair sozinha e sem avisar?
- Eu dei tchau. – respondi e ele rolou os olhos.
- Você não tá entendendo a gravidade da situação. Seu pai ligou e ninguém sabia onde você estava, ele ficou louco e tudo caiu nas minhas costas, afinal, eu sou o seu segurança. Você chegou ontem e já aprontou isso, tem noção de como os seus pais estão felizes com isso?
- Tá bom, eu já entendi. Posso me explicar agora?
- Pode. – ele disse, respirando fundo.
- Eu tinha hora marcada na faculdade e acordei tarde, eu não podia faltar. Então eu peguei um táxi aqui na porta, só isso. Eu não tinha tempo de esperar ninguém me levar. E também eu não sou nenhuma menininha, eu sei me cuidar.
- Eu sei, mas para os seus pais é meu trabalho cuidar de você.
- Tudo bem, me desculpe. Não farei mais isso, eu prometo.
- Tá, mas agora diga isso para o seu pai. – ele disse, enquanto me dava o telefone. Meu primeiro dia em Londres não estava sendo como eu esperava.



Quarto

The moment to fight, to fight, to fight, to fight
(30 Seconds to Mars - This Is War)


’s Pov

Nos meus dias de folga do trabalho eu gostava de praticar uma coisa que lembrava o meu pai. Era algo um tanto quanto antiquado, diferente ou até mesmo estranho, mas era um hábito, um hobby que tínhamos e uma das poucas coisas que fazíamos juntos. Para minha sorte, na faculdade tinha uma equipe, assim eu podia praticar e, modéstia a parte, eu era o melhor deles. Eu praticava esgrima. Nada comum, não é mesmo? Esse esporte sempre foi algo mais elitizado e graças à formação militar do meu pai, isso se tornou parte da minha vida. Quando eu vestia a roupa e pegava o sabre, eu me sentia mais próximo dele. Isso me alegrava.

Segui rapidamente pelos corredores da faculdade, eu estava atrasado mais uma vez. Será que eu chego no horário em algum momento da minha vida? Dizem que os ingleses pregam pela pontualidade, mas eu acho que não herdei isso do meu pai. Abri a porta lentamente, para não fazer nenhum barulho, pois o treino já havia começado e o treinador, senhor Kane, não gostava de interrupções. Segui para o banheiro, me troquei e logo estava pronto para as lutas.
Ao chegar perto dos demais, percebi que havia uma pessoa diferente no treino. Sua postura mais rígida me lembrava os antigos lutadores, talvez fosse algum amigo do treinador que veio nos auxiliar, afinal, um após o outro duelava com ele.
- Esse cara não perde uma. – um rapaz que estava próximo murmurou.
- Ele está aqui há muito tempo? – perguntei.
- Desde a hora que o treino começou e eu fui o primeiro a chegar. – ele respondeu. – E aparentemente ele lutará com todo mundo e ninguém ganhou dele até agora. O estranho é que ele luta com florete e ganha de pessoas que lutam com o sabre, ele não se dá ao trabalho de mudar a arma.
- Talvez eu possa mudar isso. – eu disse, sendo um pouco arrogante. O rapaz ao meu lado me olhou, quase me 'medindo' e depois deu de ombros, como se isso não importasse a ele. Alguns minutos se passaram e o 'lutador misterioso' continuava sem perder um embate. Pelas minhas contas, já eram seis vitórias consecutivas e sem contar as que eu perdi. Já estava ansioso pela minha vez, queria testar as reais habilidades dele.
- ? – o treinador disse alto. – Está pronto?
- Sempre estou. – respondi, aproximando-me da pista. Observei o tal lutador de perto pela primeira vez. Ele era meio baixinho e bem magro, talvez isso o deixasse mais veloz e flexível. Seria a única resposta para ele vencer todos os adversários com tanta facilidade, como vinha acontecendo.
- Seu adversário é um convidado especial. Não o trate como inferior, jamais meça seu adversário usando um nível inferior como base. Às vezes você pode se enganar. – meu treinador me advertiu, mas eu não liguei muito para o que ele falava. Minha atenção estava no meu adversário, a pessoa que nem se deu ao trabalho de tirar a máscara para me cumprimentar. Ele estava começando a me irritar.
- Três toques dão a vitória. – o treinador disse. – Preparem-se.
- Eu costumo usar o sabre, você tem certeza que vai lutar com um florete? – ele se limitou a balançar a cabeça afirmando. – Tudo bem, se você prefere assim. – abaixei o capacete e me lancei ao ataque. Ele se esquivou facilmente, acertando a lateral do meu corpo num golpe rápido e certeiro.
- Toque. – o treinador exclamou. Bufei, irritado. Não deixaria ele me vencer.
Voltei à posição inicial, observando atentamente meu adversário, ele deveria ter um ponto fraco. Atacarei pela lateral, assim como ele fez. Nada de partir para o ataque óbvio, pensei. Ele continuava em sua posição quase superior, nada o atrapalhava. Lancei-me novamente ao ataque, porém fugindo do esperado. Como se ele lesse minha mente, esquivou-se perfeitamente e, com a ponta de seu florete, tirou meu sabre do caminho. Não sei se foi impressão minha ou eu realmente vi um leve sorriso em seu rosto por trás do capacete. Com a minha atenção dispersa, ele tocou a ponta de sua arma em meu tronco.
- Toque. – o treinador disse novamente. Ouvi alguns murmúrios dos outros lutadores. E fiquei mais irritado ainda. Assim que voltamos à posição inicial mais uma vez, não dei tempo para que ele se preparasse, atirei-me ao ataque e o surpreendi, afundando meu sabre na altura do peito. Ele tombou a cabeça para o lado, me observando e então balançou a cabeça, como que afirmasse alguma coisa. – Toque. – repetiu o senhor Kane.
Ao voltar para minha posição, parecia que a luta tinha mudado de perspectiva. Meu adversário se lançou ao ataque, sem me dar tempo para pensar. Apenas levantei minha arma e me preparei para o golpe. Não sei de que forma ele fez, mas com alguns movimentos dele, em meio à minha tentativa de defesa, deixei que ele derrubasse minha arma, deixando-me vulnerável. Sem que houvesse como reagir, ele pressionou a ponta de seu florete firmemente contra meu corpo.
- Isso é para você parar de medir seus oponentes antes do combate. – uma voz feminina invadiu o ambiente, que ficou completamente silencioso. Meu adversário retirou a máscara e deixou seus longos cabelos caírem pelas suas costas. Ela os sacudiu e passou os dedos por entre os fios, tentando ajeitá-los. Na minha opinião, eles estavam perfeitos, assim como tudo nela. E então eu me lembrei do seu rosto, era a mesma menina que eu vi outro dia aqui na faculdade, a mesma que parecia estar perdida. Ela era ainda mais linda de perto e com certeza não era daqui. Ela tinha algo diferente, algo que a tornava especial perante às demais. Talvez fosse a postura quase superior que ela ostentava ou poderia ser apenas o fato de ser realmente boa na esgrima. Mas seja lá o que for, aquela garota tinha uma aura típica de pessoas nobres. Não lembro se ela disse mais alguma coisa, pois eu estava completamente paralisado diante da situação. Não foi porque eu perdi para uma garota, muito bonita, por sinal, e sim pela forma como eu perdi. Ela tinha uma técnica perfeita de combate, mesclando graciosidade, força e agilidade. Eu estava encantado. – Você tá me ouvindo? – ela disse mais alto, trazendo-me de volta à Terra.
- O quê? – limitei-me a dizer, parecendo um completo idiota. Ela deu um pequeno sorriso, parecido com aquele que eu pensei ter visto antes.
- Eu disse que você não pode menosprezar o adversário apenas pelo tamanho dele. Não digo nada pela arma, porque nas competições elas são iguais. – ela deu de ombros. – Mas eu vi muito bem a sua expressão ao ver o meu tamanho, meu porte atlético e isso pode ser surpreende, da mesma maneira que foi agora. Ou você tinha alguma idéia que estava lutando com uma garota? – ela enfatizou as duas últimas palavras.
- Eu acho que você não deveria colocar pensamentos em minha cabeça. – eu retruquei, conseguindo pensar direito pela primeira vez desde que ela tirou a máscara.
- Então você não me mediu ou pensou que seria fácil demais me vencer?
- Eu realmente te medi, mas eu não achei que seria fácil, não depois de ver a forma como você lutava. Não é qualquer um que vence tão facilmente lutando apenas de florete. – ela pareceu acreditar, mas não se deixava intimidar.
- Tudo bem, eu acredito em você, mas acho que vou embora. Afinal, meu trabalho está cumprido. – ela retirou as luvas e passou pelo meio dos outros rapazes, que assistiam a tudo aquilo calados, pegou a bolsa e saiu.
- Como assim seu trabalho está cumprido? – indaguei, seguindo-a.
- Pergunte ao seu treinador, é ele quem lhe deve respostas, não eu.
- Espere! – eu disse, mas ela continuou andando, ignorando-me completamente. Não desistiria assim tão fácil. Continuei atrás dela, ignorando o fato de que eu ainda estava com todo o uniforme, exceto a máscara. Ela se livrou da jaqueta no meio de caminho e seguia seu caminho sem olhar para trás, mesmo sabendo que eu a seguia.
- OK. Se você for um maníaco ou qualquer coisa do tipo, é melhor se preparar... – ela disse, virando-se e me encarando.
- Não sou nada disso, você que decidiu me ignorar e eu não gosto de deixar coisas por falar.
- Tudo bem, que coisas que você quer falar? – ela perguntou, cruzando os braços. É, ela me pegou. Eu não sabia o que eu queria falar, não sabia se eu tinha ao menos uma coisa para falar. Eu abri a boca sem emitir som e repeti esse ato algumas vezes. Ela rolou os olhos e começou a bater o pé, como se estivesse contando o tempo. Alguns segundos depois ela pareceu se cansar e virou-se para ir embora mais uma vez.
- Não, não vá embora. – eu pedi.
- Eu não tenho todo o tempo do mundo, não posso ficar aqui admirando a sua beleza e vendo você abrir e fechar a boca...
- Então você me acha bonito? – perguntei com um sorriso e ela rolou os olhos mais uma vez.
- Chega. – ela disse, virando-se de novo.
- Tudo bem. – eu disse por fim. – Já sei o que quero saber.
- Até que enfim, ouço sinos e coros de aleluia.
- Você sabe que não me intimida agindo assim, não é?
- E quem disse que a minha atenção é te intimidar? Eu quero mesmo é me livrar de você, me trocar e ir para a minha aula. – ela pegou o celular na bolsa, olhando as horas. – Você tem mais dois minutos para me perturbar. Eu juro que ignoro toda a educação que recebi e te deixo aqui falando sozinho, se você não dizer logo o que quer. – ela disse, aparentemente usando toda a paciência que lhe restava. Eu quero você. parecia a coisa certa a dizer, pelo menos na minha cabeça, mas eu sabia que isso não seria bem recebido. Meu Deus, eu vi essa garota duas vezes e ela já está me deixando assim?
- Quero um nome, um curso e um lugar onde eu possa te achar. – eu disse por fim. Ela riu, balançando a cabeça lentamente.
- Você tem três questionamentos e eu tenho apenas tempo para lhe oferecer uma coisa.
- O quê? – perguntei, curioso.
- O benefício da dúvida. – ela disse com um sorriso, e em seguida continuou seu caminho. Dessa vez eu não a segui, continuei olhando encantado para aquela garota.
- Ah, vamos lá. – eu gritei, chamando a atenção de todos ao redor – Só um nome. - ela sorriu, virando-se para mim.
- Agora você quer me envergonhar? Não basta apenas me atrasar? – ela gritou de volta.
- Apenas um nome.
- . – ela disse, sendo vencida pelo cansaço. Sorri sozinho e continuei a acompanhá-la apenas com o olhar. Senti alguém parado ao meu lado, assistindo à cena.
- Quem é ela? – perguntou rindo.
- A futura mãe dos meus filhos, meu caro amigo. – eu disse, dando leves tapas em seu ombro.

/’s Pov



Quinto

Let's play a love game, play a love game
(Lady Gaga - LoveGame)


Corri pelos corredores, apressada. Aquele menino tinha me atrasado de verdade. Eu esbarrava em algumas pessoas e dizia um ‘desculpe’ alto o bastante para que ouvissem. Troquei de roupa o mais rápido que consegui, espremendo-me num quadrado micro que aqui eles chamam de banheiro. Depois de derrubar minha bolsa milhões de vezes e quase cair sentada mais duas mil, consegui finalmente me aprontar e sair mais uma vez apressada pelos corredores. Tentei prender o cabelo de qualquer jeito enquanto subia as escadas do prédio onde teria aula. Confesso que ficou horrível, mas era o melhor que eu podia fazer. Cheguei à porta da sala e olhei no relógio: estava quinze minutos atrasada. Fiquei pensando se entrava ou não, pois se entrasse, atrapalharia a aula que já tinha começado e isso não é visto com bons olhos por aqui. Desistindo de entrar, dei meia volta não olhando antes e esbarrei em alguém, que me segurou antes que eu caísse.
- Opa! Cuidado. – sua voz grossa me sobressaltou.
- Desculpe. – eu disse, tentando me ajeitar, porque tudo parecia querer cair ao mesmo tempo.
- Por nada. – ele respondeu, olhando no relógio e em seguida para dentro da sala.
- Você também faz essa aula? – perguntei, meio indiscreta.
- Faço, ou pelo menos tento. Essa professora não admite nenhum minuto de atraso, ela leva a pontualidade britânica muito a sério. – fiz uma careta, entendendo seu recado: Nunca mais me atrasar para essa aula.
- Ah, desculpe minha falta de delicadeza. Eu me chamo . – disse, estendendo a mão para o rapaz.
- Jared. – ele disse, com um sorriso. – Você não é daqui, é?
- Não, sou da Dinamarca.
- Seu sotaque te entregou. – ele confessou, mexendo na alça de sua bolsa, meio sem jeito. Ele era relativamente bonito. Talvez não ligasse muito para se arrumar, deixava uma barba rala e o cabelo despenteado de propósito. Isso lhe dava certo charme e um ar meio misterioso. Seus olhos verdes me fitavam com curiosidade, como se quisesse saber tudo sobre mim e fosse conseguir suas respostas apenas olhando em meus olhos.
- Bem, eu acho que vou embora. Nos vemos nas próximas aulas. – eu disse, com um pequeno sorriso simpático, ou diplomático, como diria meu pai.
- Isso se você não se atrasar de novo. – ele respondeu, retribuindo o sorriso.
- Digo o mesmo.
Dei as costas para o primeiro garoto que conheci na faculdade, pelo menos ele foi simpático. Nesse momento lembrei-me do rapaz do treino de esgrima. Ele era mil vezes mais bonito que o Jared e mil vezes mais abusado também, mas, de certa forma, ele conseguiu chamar a minha atenção de um jeito estranho. Talvez fosse pela sua aproximação nada convencional ou pela perseguição. Só sei que por culpa dele eu perdi uma aula importante e nada que ele pudesse fazer me faria recuperar. Talvez eu devesse procurá-lo e perturbá-lo até que ele também perdesse uma aula. Olho por olho e dente por dente, não é esse o lema? Balancei a cabeça lentamente, eu tenho cada pensamento infantil às vezes. Será que eu seria assim quando fosse rainha? Outro chefe de estado faria algo que não me agradasse e eu o pagaria na mesma moeda? Isso não está nada certo...
Senti meu corpo esbarrar em algo e depois ouvi o barulho de coisas caindo no chão. Abaixei e comecei a recolher vários livros que ficaram espalhados pelo corredor por minha causa. Ao pegar, olhei os títulos e eram todos sobre psicologia ou assuntos relacionados. Levantei, vendo a pessoas que eu tinha acertado.
- Mil desculpas. – eu disse, devolvendo os livros. – Eu estava no mundo da lua.
- Não se incomode, eu também estava. Bem que o meu namorado diz que eu não devo ler enquanto ando. Eu sempre soube que causaria um acidente, pelo menos não foi muito desastroso. – ela sorriu, com vontade, por sinal. – Me chamo . – disse, estendendo uma das mãos como conseguia.
- – respondi. – Eu te atrapalhei de alguma forma ou te atrasei? Porque eu estou esbarrando em muitas pessoas num único dia.
- Espero que você tenha esbarrado em alguém mais interessante que eu antes, se é você me entende. – ela disse, de forma engraçada. Acho que a minha expressão não foi das melhores, porque ela desfez seu sorriso e me olhou séria. – Eu disse algo errado?
- Não, é que você é diferente das outras pessoas que conheci aqui na Inglaterra.
- É, você parece mesmo não ser daqui e esse pessoal é muito anti-social, não ligue pra eles. – ela disse, fazendo careta e apontando para algumas pessoas que estavam ali por perto.
- Você também não é daqui? – perguntei.
- Eu sou nascida e criada aqui, mas a minha avó é italiana e ela é, como se diz, bem expansiva, animada...
- É, eu sei. Lembro de quando fui até a Itália pela primeira vez. Os homens me assustaram. – confessei, falando a última frase mais baixo.
- Algum deles passou a mão em você?
- Não! – eu respondi, alarmada. – Eles fazem isso?
- O tempo todo. Você não pode ficar desatenta, porque se você bobear... – ela não completou a frase, mas riu bastante, deixando claro o que acontecia. Ela manteve o sorriso no rosto, olhando-me de forma calorosa, como se me conhecesse de muito tempo e não há cinco minutos. – Então você não é daqui, não é? Você perguntou se eu também não era...
- Eu sou da Dinamarca, eu estou aqui pra estudar.
- Dinamarca? Não conheço... É frio lá? – ela perguntou, de forma quase infantil.
- Bem, eu já estou acostumada, então não sei se é tão frio. Mas não é nada insuportável como alguns lugares da Noruega ou da Finlândia. – os olhos dela quase brilhavam, enquanto eu falava dos países.
- Eu nunca fui pra nenhum desses países da parte de cima da Europa. Eu praticamente só conheço a Itália e a França.
- Quem sabe um dia você não me faz uma visita quando eu voltar pra casa? Você podia ir na primavera, o castelo fica lindo. – eu disse, não prestando muita atenção no que tinha dito.
- O castelo? – ela perguntou, curiosa. Percebi a besteira que tinha feito. Tinha prometido a minha mesma que não deixaria ninguém ficar sabendo quem eu realmente era e na minha primeira conversa mais longa, eu já deixo escapar.
- É, a família real deixa os jardins do castelo abertos para visitação. – eu disse, torcendo para que ela acreditasse. Na verdade eu não menti, pois isso realmente é verdade.
- E é bonito? – ela perguntou, animando-se mais uma vez.
- É lindo. – confessei, sendo aplacada por uma saudade imensa de casa. Ela sorriu, olhando para o relógio, e então franziu o cenho. – Você tem que ir embora?
- Tenho. – ela fez uma careta. – Mas eu queria muito continuar aqui conversando mais com você. Se bem que... Tem algo pra fazer até a hora do almoço?
- Eu teria aula, mas acabei perdendo. Então não, estou completamente livre.
- Quer me acompanhar no almoço? – ela ofereceu. – Isso se você não se importar de passar algum tempo com o chato do meu namorado...
- Acho que não me importo, a namorada dele já é legal o bastante. – respondi sinceramente. Eu realmente tinha gostado dela, o seu jeito sincero, animado, divertido e até mesmo meio infantil era contagiante. Eu precisava de alguém assim perto de mim.
- É um lugar perto daqui, um dos meus amigos trabalha lá, é bem legal. – ela disse enquanto andávamos em direção à saída. – E o melhor: fica lotado de gatinhos.
- Mas você não tem namorado?
- Tenho, mas olhar não tira pedaço. – ela riu e eu acompanhei.


Depois de andarmos um pouco, chegamos num pequeno bar. Ao entrarmos, deparei-me com um ambiente meio singular. Ele era a mistura de um bar convencional e um pequeno restaurante. O bar era como aqueles que nós vemos nos filmes e tal: o ambiente meio escuro, bancos cercando uma bancada, várias bebidas nas prateleiras das paredes do fundo, nas laterais alguns anúncios e slogans de cervejas, daqueles que ficam brilhando com luz neon, no fundo uma grande mesa de bilhar ganhava destaque com o grande refletor que pendia do teto. Já o restaurante tinha um toque mais feminino, era claro, bem iluminado, acolhedor. Era como se não pertencesse a aquele lugar, como se duas pessoas com gostos completamente diferentes fossem forçadas a conviver e trabalhar juntas, cada uma querendo deixar leves marcas sobre seus gostos pessoais. Talvez fosse a diferença tão gritante que deixasse aquele lugar completamente irresistível. Era misterioso e aconchegante ao mesmo tempo.
- Esse lugar é incrível. Completamente diferente. – eu disse, enquanto tirava meu casaco e adentrava o local.
- Eu também adoro. Antes era só um bar, mas a esposa do dono resolveu que serviriam comida também, então eles fizeram um ajuste. De noite isso aqui fica completamente diferente, você precisa ver.
- Preciso mesmo. – confessei.
- Olá, Paul. – ela disse acenando levemente para o senhor que estava atrás da bancada, servindo algumas pessoas. – Ele é dono e ela – apontou para uma moça, que entrava no salão com uma bandeja lotada de pratos. Imaginei como ela conseguia equilibrar tudo aquilo. – É a esposa dele, Carlie.
Sentamo-nos e eu passei a folhear o cardápio. O aroma que vinha da cozinha era altamente convidativo, como o cheiro de comida caseira recém preparada. Depois de poucos minutos, a moça, que disse se chamar Carlie, se aproximou.
- Boa tarde, e...? – ela disse.
- . – respondi, estendendo a mão para cumprimentá-la.
- Já escolheram? – ela perguntou, dando-nos um grande sorriso depois.
- Ainda não, estamos esperando o . – disse.
- Ah, tudo bem. Ele deve chegar daqui a pouco junto com o . Eu peço pra ele atender vocês, então.
- Obrigada. – dissemos juntas, rindo em seguida.
- Você faz o que na faculdade? – perguntou, talvez tentando ocupar o silêncio que se formara antes.
- Mestrado em economia internacional e negócios. – disse, recebendo um olhar estranho em resposta. – O que foi? Não pareço tão inteligente pra fazer isso? – eu ri.
- Não, é que não faz muito seu tipo. Quer dizer, quem olha pra você pensa que faz algo relacionado a humanas ou moda. – ela deu de ombros.
- É pra dar prosseguimento aos negócios da família. – confessei, em partes na realidade.
- Ah! Odeio isso. É como se tirasse o livre arbítrio da pessoa, não é natural. – ela exclamou. Vi que esse assunto a incomodava de certa forma.
- Tentaram te forçar a fazer alguma coisa?
- Deu pra perceber? – ela perguntou, dando uma risada.
- Só pela forma que você falou. – ri junto.
- É coisa do meu pai. Ele sempre esperou que eu fosse boa em matemática e essas coisas, mas eu sempre preferi ficar analisando as pessoas, sabe? Sempre tive isso de conversar, tentar ajudar. Acho que sempre fui a psicóloga das minhas amigas e sempre gostei disso. Não tinha porque eu me enfiar dentro de uma sala por horas e horas para fazer a contabilidade de uma empresa ou prever lucros e essas coisas. Mas vai falar isso pra ele... Tenho pena do meu irmão mais novo, ele não terá escapatória.
- Pelo menos você tem um irmão. – confessei, respirando fundo em seguida.
- Mas você poderia bater o pé, dizer que não é isso que você quer pra sua vida, . Ninguém no mundo deveria ser obrigado a fazer o que não quer.
- Eu não tenho como fugir, é algo de sangue... E é melhor mudarmos o assunto. – disse, tentando desconversar.
- Se você prefere... – ficamos num silêncio meio constrangedor durante alguns minutos, até ouvirmos o barulho da porta da frente abrir e um rapaz caminhar até a nossa mesa. – Você demorou. – exclamou, recebendo um leve beijo em seguida.
- Desculpe, foi coisa do . – ele disse, enquanto se sentava.
- Nós temos uma convidada. – ela disse sorridente, apontando para mim. Ele me olhou de forma estranha, mas eu não fazia idéia do motivo.
- . – estendi a mão para cumprimentá-lo.
- . – ele respondeu, apertando minha mão levemente. – Eu não conheço você?
- Não que eu saiba.
- É que o seu rosto não me é estranho...
- Pronto, pronto. Espero que não estejam morrendo de fome. – escutei uma voz conhecida atrás de mim. Virei-me lentamente, encarando, eu acho que pela primeira vez, seus olhos incrivelmente . Eu não tinha reparado bem em todos os seus aspectos físicos, mas agora, me dando essa liberdade, pude perceber toda a beleza que passou despercebida pelos meus olhos. Limitei-me a sorrir, sem saber muito bem o que falar. Ele franziu as sobrancelhas quando me viu e depois sorriu abertamente. Preciso dizer que fiquei mais paralisada do que já estava? – Você tá me seguindo ou algo parecido? – ele perguntou, tirando-me do meu quase transe.
- Você sempre chega depois de mim, logo, tecnicamente, quem está me seguindo é você. – desviei meu olhar, tentando clarear minha mente. Nada de garotos em sua vida, . Por mais lindos, charmosos e atraentes que eles sejam, nada de garotos em sua vida.
- Mas de alguma forma, você sempre acaba encontrando uma forma de estar em algum lugar ao qual eu pertenço. Talvez seja, sei lá, o destino... – ele disse, curvando-se lentamente em minha direção.
- Eu não acredito em destino. – respondi rápido.
- O que eu perdi aqui? – perguntou, altamente confusa.
- Ah! Lembrei, você é a garota que o ... – ele encarou o amigo, que estava prestes a dizer algo impróprio. – Enfrentou no treino, não é? – se corrigiu.
- Sim, eu sou a garota que o derrotou com certa facilidade, por sinal. – respondi, de forma quase arrogante.
- Eu não tenho vergonha de ter perdido pra você, eu fui desatento, estava despreparado e você é uma excelente esgrimista.
- Obrigada, quem sabe não te dou chance para uma revanche depois?
- Vocês podem, por favor, me explicar o que tá acontecendo aqui? – pediu mais uma vez.
- Eu fiquei sabendo que tinha uma equipe de esgrima na faculdade, fui até o treinador e pedi para participar de um treino, porque eu praticava constantemente antes de vir pra Inglaterra. Ele permitiu e me fez lutar com cada um da equipe, sendo que eles não sabiam que era uma garota. O foi o último a me enfrentar e, mesmo sendo o melhor de todos, não conseguiu em derrotar. Depois de perder, ele ainda veio atrás de mim querendo saber uma série de coisas e acabou fazendo com que eu perdesse a minha aula.
- Desculpe, não foi minha intenção. – ele respondeu, antes do meu celular tocar. Olhei o nome do no visor antes de atender.
- Com licença. – eu disse ao levantar e me afastar um pouco. - Alô.
- , já estou aqui fora te esperando.
- Eu não estou na faculdade, eu vim almoçar com uma menina que eu conheci, esqueci de te avisar.
- Você vai ficar? Porque você tinha prometido à Carmem que estaria em casa hoje para dizer como queria a reforma do seu quarto.
- Ah! Droga, esqueci completamente. Eu vou pra casa.
- Eu passo aí, onde é?
- Segue em frente pela principal e vira na segunda rua à direita. Vou te esperar na porta.
- Tudo bem, chego em cinco minutos. Tchau.
- Tchau.
- Eu tenho que ir embora, esqueci que tinha um compromisso. – eu disse, pegando minha bolsa.
- Pode convidá-la para a festa do Eric? – perguntou ao namorado, que afirmou com a cabeça. – Então, tem uma festa aqui hoje. Você podia vir e eu te apresento para todo mundo.
- Eu não sei...
- Por favor, por favor, por favor... – ela quase implorou, olhando-me de forma quase irrecusável.
- Tudo bem, eu farei o possível. – respondi e ela levantou os braços, em sinal de comemoração.
- Então até mais tarde. – ela disse, me mandando beijos.
- Até mais. – respondi. – Tchau, meninos.
- Tchau. – respondeu, mas continuou apenas me olhando. Eu dei de ombros e segui para a porta. Porém, eu fiquei apenas alguns segundos sozinha do lado de fora, pois tinha me acompanhado mais uma vez.
- Depois sou eu quem fica te seguindo. – eu disse, antes que ele falasse alguma coisa.
- Eu posso ter vindo até aqui respirar um pouco de ar puro.
- Ok, vamos fingir que sim.
- Eu só estou aqui pra dizer que, independente do que esteja fazendo com que a gente se encontre, não importa se for o destino, a sorte ou o acaso, eu serei eternamente grato a ele. – ele me encarou novamente, com aqueles brilhantes, atrativos e hipnotizantes olhos .
- Você esqueceu uma coisa, . – eu me aproximei. – Essas coisas em que você está se apoiando não são tão confiáveis. Não conte apenas com elas.
- Então quer dizer que eu preciso tomar alguma atitude? – ele perguntou, cruzando os braços. Nesse momento ouvi o carro do parar ao meu lado. olhou de soslaio para quem dirigia e eu dei um pequeno sorriso.
- É apenas um conselho, você não precisa levar tanto a sério. – eu disse, enquanto entrava no carro. Acenei levemente enquanto dava partida.
- Você disse que estava almoçando com uma menina. – ele enfatizou.
- Não é nada demais, , apenas dirija. – respondi, recostando-me no banco e pensando novamente naqueles olhos .


Após fazer tudo que era necessário, tirei um tempo para conversar com a Ellen. Eu precisava falar com alguém sobre o . Era algo estranho, uma atração intensa demais para se desenvolver em apenas um dia. Eu sei que existe essa coisa de olhar. Não como um amor à primeira vista como dizem, mas algo como uma atração mesmo, um desejo repentino que faz com você aja sem pensar. Eu já passei por isso algumas vezes e eram coisas rápidas que, da mesma forma que surgiam, desapareciam. Mas eu não estava aqui para isso, não queria me envolver com ninguém, ainda mais amigo da primeira pessoa que eu conheci e que foi gentil comigo. Ter algo com o e depois simplesmente acabar poderia afetar uma possível amizade que eu talvez tivesse começado com a e eu não queria isso. Ou eu podia estar exagerando, porque homens têm mais facilidade de lidar com esses casos, simples e rápidos, que as mulheres. Mas lá estava eu, com a mente vagando, imaginando milhares de coisas. A minha cabeça é uma coisa tão fértil, que era como se tudo isso já tivesse acontecido dentro dela. Eu me assusto comigo mesma. Às vezes eu nem precisava me preocupar com isso, vai ver ele não queria nada comigo e desistisse facilmente. Eu espero que não., ‘disse’ uma parte da minha cabeça. Deus, eu já estava discutindo comigo mesma internamente. Eu preciso de ajuda psicológica. Talvez a pudesse me ajudar com isso...

- O que você acha, eu devo ir? – perguntei à Ellen.
- , eu sempre te ajudei nas suas fugas, por mais que eu não concordasse muito com elas. Mas eu fiz uma promessa a mim mesma de que não iria interferir mais na sua vida. Eu não posso ficar controlando seus passos. – ela disse, com um pedido de desculpas inscrito no olhar.
- Mas eu não estou pedindo para que você controle meus passos e nem que me ajude a fugir. Não estou presa aqui. A única coisa que eu quero é uma opinião. Uma opinião como amiga.
- Você está realmente atraída por esse rapaz? – ela perguntou e eu, relutante, afirmei. – Então o faça esperar. É dessa forma que nós descobrimos se vale a pena.
- Você não vale nada. – eu disse rindo. – E é por isso que eu gosto tanto de você. – completei, enquanto me levantava e procurava algo para vestir.
Não sabia mesmo o que usar. Um vestido? Talvez muito arrumado para uma festa num bar. Peguei uma saia preta, de corte simples e cintura alta. Puxei uma blusa branca com algumas listras pretas, ela era de manga longa e assim eu não precisaria de casaco. Tirei meu sapato preto sem salto do armário, já que eu ia beber, era melhor não arriscar. Tomei um banho rápido e ao sair soltei meu cabelo, que estava preso numa trança, ele estava levemente ondulado, então deixei que caísse pelas costas. Não exagerei na maquiagem, passando apenas lápis e rímel, ambos pretos, nos olhos e um batom cor de boca. E voilá, eu estava pronta.
- Você acha que o me deixa ir de táxi? – perguntei, com medo da resposta.
- E ele é seu pai pra deixar alguma coisa? – Ellen disse, cruzando os braços e eu ri. – Vai, eu me entendo com ele depois.
- Obrigada. – respondi, descendo as escadas rapidamente.
- Ah! – ela chamou a minha atenção. – Cuidado com a hora, mocinha. O encanto acaba à meia noite.


Entrei lentamente no bar e me espantei novamente. Era um ambiente completamente diferente do que eu tinha visto mais cedo. As mesas haviam desaparecido, dando lugar a uma pista de dança, estava mais escuro, com luzes em apenas alguns pontos específicos. A música estava alta, mas ainda era possível ouvir os barulhos que as bolas de bilhar emitiam ao se chocar. Procurei por um rosto conhecido, mas estava difícil, o lugar estava muito cheio.
- Procurando alguém? – sua voz familiar soou ao meu ouvido. Sorri levemente, mordendo o lábio em seguida. Ok, vamos dificultar as coisas, .
- Talvez, . – virei em sua direção, ficando bem perto de propósito. Fiquei na ponta dos pés, olhando por cima do seu ombro e encontrando sentada num canto junto com o . – Olha que sorte a minha, já achei. – afastei-me e segui para a mesa.
- Você veio! – celebrou, levantando-se num rompante e me abraçando.
- Meu primo me disse uma vez que eu não podia perder nenhuma festa. Então aqui estou.
- Então vamos pegar algo para beber. – ela levantou, meio cambaleante.
- Cuida dela pra mim. – murmurou.
- Pode deixar... – seguimos para perto do bar e esbarrou em todas as pessoas possíveis e até mesmo em algumas impossíveis.
- Olá, Paul! – ela praticamente gritou quando chegamos. Ele olhou meio confuso, mas sorriu em seguida. – Eu quero um...
- Refrigerante. – respondi antes. – Você precisa tomar algo sem álcool, agora. Depois, quando você estiver melhor, nós voltamos a detonar!
- Tudo bem, eu acho. – ela disse, pegando a bebida.
- E você o que quer?
- Acho melhor acompanhá-la no refrigerante. – ele balançou a cabeça lentamente.
- Você é nova aqui, certo? Nunca tinha te visto com a . – ele disse, ao me dar minha bebida.
- Não, acabei de me mudar. – disse, enquanto pegava algum dinheiro para pagá-lo.
- Ah! Então isso é por conta de casa, um presente de boas vindas. – ele sorriu abertamente.
- Obrigada. – eu disse incerta, afastando-me.
Depois de algumas horas e diversas bebidas, eu estava bem alegre e ria de tudo junto com a . Tirei um tempo para conversar com e saber um pouco mais sobre a sua vida. Como que ele era formado em direito e fazia mestrado em direito empresarial, para trabalhar no negócio da família. Ele era mais um que teve sua vontade própria extraída, mas ele não parecia se importar com isso, na realidade, ele parecia estar muito bem com relação a isso. Ele parecia... feliz. Talvez seja apenas isso que importe de verdade.
- Olha, a mesa de bilhar está vazia. – disse, praticamente correndo até ela, para que ninguém a ocupasse antes.
- Eu não vou jogar. – eu disse, encostando-me à mesa.
- Por quê? – perguntou – Se porque você é ruim, não se importe com isso, eu também sou.
- Não, é que eu não estou com vontade. – respondi e ela deu de ombros.
- Talvez ela seja do tipo que só joga pra ganhar, . – disse, surgindo de repente.
- Talvez eu seja assim mesmo. – dei de ombros.
- Então, mesmo se eu te desafiar, você não se anima a jogar?
- Um desafio? – eu ponderei. – Mas só se valer alguma coisa.
- Bom, eu tenho uma série de coisas em mente que podemos apostar... – ele disse, encostando-se ao meu lado. Seu braço tocava levemente o meu e ele me olhava de uma forma diferente, querendo descobrir alguma coisa.
- E você acha que algo disso vai me agradar? – perguntei baixo, vendo um sorriso brotar em seu rosto. Ele aproximou-se de mim, parando os lábios próximos ao meu ouvido.
- Eu tenho certeza de que você gostar. – olhei em seus olhos por alguns segundos e fiquei perdida, aceitaria qualquer coisa vinda dele.
- Tudo bem. – respondi baixo, recebendo um belo sorriso em troca.
- , se importa de deixar a gente jogar? Tenho algumas coisas a tirar dela. – ele disse, reprimindo um sorriso. entendeu imediatamente seu estado de espírito, passando o taco para ele. veio para o meu lado, ainda sem entender.
- Ele quer perder pra mim de novo, só isso. – expliquei. Ela deu de ombros, entregando-me o taco. Dei um gole na bebida, clareando minha mente. Não podia deixar que ele me afetasse e me fizesse perder. Eu não podia perder para ele.
- Qual é a primeira aposta? – perguntei, enquanto ele arrumava as bolas. E assim começamos. Cada bola que um encaçapava, o outro estava, automaticamente, devendo uma bebida. Até que restavam três bolas na mesa e eu estava perdendo. Era a vez de e eu precisava fazer com que ele desistisse de tudo. – Eu acho que deveríamos melhorar a premiação.
- O que você tem em mente?
- Se você encaçapar essa bola, eu fico te devendo um jantar. – ele sorriu e preparou-se para jogar.
- Separe o dinheiro. – ele disse antes de dar a tacada certeira. Eu precisava melhorar isso.
- Ok. Então se você acertar essa – eu me aproximei, encostando-me ao seu lado – eu te dou um beijo. – ele me encarou por alguns segundo e sorriu com vontade.
- Você só está tornando as coisas melhores para mim... – ele disse e eu dei de ombros.
- O que eu posso fazer? Tenho que arriscar. – dei mais um gole em minha bebida, precisava tomar coragem para fazer o que viria a seguir. Ele preparou-se mais uma vez, precisando de mais concentração agora. Mesmo errando a tacada, ele conseguiu encaçapar mais uma bola.
- Tenho que esperar o jogo acabar para receber meu prêmio? – ele perguntou e eu afirmei com a cabeça.
- Mas antes, eu tenho uma última proposta. É como tudo ou nada. – eu disse, chegando mais perto. Ele abaixou-se, pronto para jogar.
- Seja o que for, eu aceito. – ele disse, confiante. Parei perto dele, falando em seu ouvido:
- Se acertar agora, eu durmo com você. – eu disse baixo, fazendo com que ele errasse, e muito, a tacada. Sorri abertamente, dando-lhe um beijo na bochecha. Ele me encarou com a expressão quase perplexa, balançando a cabeça lentamente. – É, , mais sorte da próxima vez.



Sexto

'Cause she's everything I ask for and so much more
(The Maine - Everything I Ask For)


’s Pov

Dias depois

Preciso dizer que aquela garota ficou na minha mente por todos esses dias? Não, certo? Ainda mais depois daquela última proposta. Tá, eu sei que ela fez de propósito, mas só de lembrar a sua voz sussurrando aquilo em meu ouvido, eu já começo a imaginar milhares de coisas. Eu me sinto como um adolescente inexperiente, louco para liberar todo esse desejo e... Ela vai me deixar maluco e eu não posso nem reclamar, porque eu vi isso acontecendo. Eu sabia que isso aconteceria no momento em que a vi pela primeira vez. Senti que eu teria que fazê-la minha, mas não fazia idéia que a necessidade seria tão grande. E a nossa relação não facilita tanto as coisas para mim. Sempre rola aquele jogo básico de sedução, aquele onde ninguém quer ser o que cederá primeiro, porque isso significa que este será o submisso. E fica bem claro que nenhum dos dois quer desempenhar esse papel. Porém, pelo jeito que as coisas estão, estou revendo meus conceitos e chegando à seguinte conclusão: eu seria para qualquer coisa que ela quisesse.

- Ah, droga! – bati com o punho na mesa.
- O que foi agora? – perguntou.
- Eu não consigo terminar esse trabalho e é para segunda de manhã. Cinco laudas e eu não tenho nem duas prontas.
- Calma, cara. Relaxa que dá tempo.
- Não dá tempo. – eu disse, fechando o notebook. – Vou desistir disso. – bufei.
- Vai desistir de tudo porque não consegue fazer um trabalho? , você já foi melhor que isso.
- Eu não consigo me concentrar, . Eu tento, mas é impossível. – confessei, respirando fundo.
- É a ? – ele perguntou, deixando seu livro de lado.
- E quem mais poderia ser? – perguntei retoricamente. – Eu não consigo tirá-la da cabeça, não paro de pensar em nenhum minuto.
- Convida logo a garota para sair e acabe com essa tortura. – ele disse, como se fosse a coisa mais simples do mundo.
- Eu não sei, parece que ela quer brincar comigo ou algo do tipo. Eu não preciso de outra pessoa assim na minha vida, já basta a Alicia.
- E a Alicia ainda está em sua vida? – ele perguntou.
- Não, mas nunca se sabe o dia de amanhã...
- , eu não consigo ver a como a Alicia. Vai ver ela não quer brincar com você, talvez ela esteja apenas esperando uma atitude sua. As coisas podem ser assim no país dela, sei lá. – ele deu de ombros.
- Eu queria apenas esquecer isso, deixar para lá, me focar nos estudos, sabe? Mas eu não consigo. Ela, simplesmente, não sai da minha mente e eu já não sei o que fazer. – disse, desistindo de ser rebelde e reabrindo o notebook.
- Já disse, chame a garota para sair, só vocês dois. – ele insistiu.
- Não sei...
- Às vezes você parece uma garota, cara. As coisas deveriam ser diferentes, você é homem e nós não nos sentimos assim. – ele disse sem paciência. Eu ri alto, chamando a atenção das outras pessoas que estavam na biblioteca. – Além disso, você já tem vinte e cinco anos, aja como homem. – ele desabafou.
- Sabe qual é a verdade? – perguntei e ele apenas me encarou. – Você é um péssimo conselheiro.
- Realmente, isso é verdade. Você deveria falar com a , ela sim pode te ajudar. É psicóloga, sabe lidar com esses problemas e dar conselhos é parte do seu trabalho. Quando você tiver problemas no bar e seu tio precisar de um advogado empresarial, aí sim você pode me procurar.
- Tudo bem, .
- Aliás, você tem que aproveitar o fato de que elas estão assim – ele uniu dois dedos. – Inseparáveis. – respirei fundo, concordando com a cabeça, sem dar atenção. – Olha, a tá chegando, conversa com ela.
- Esquece. – pedi.
- Para com isso, aproveita que ela deve saber alguma coisa.
- Quem deve saber o quê? – ela perguntou, enquanto sentava-se à mesa.
- Você deve saber se a está realmente a fim do . – ele respondeu.
- Não sei se posso contar, eu estaria traindo o código das amigas. – ela disse, receosa.
- Então tem alguma coisa? – perguntei, instantaneamente interessado.
- Não posso falar sobre isso, rapazes. Me desculpem.
- Não pode contar, mas pode, pelo menos, dizer sim ou não. – interveio, dando uma idéia.
- Isso eu acho que posso... – ela ponderou.
- Ela só está enrolando o ? Sabe, tipo brincando.
- Não, ela nunca faria isso. – respondeu rapidamente.
- Então ela está realmente interessada nele?
- Sim. – respondeu com convicção.
- Ela está interessada ou está gostando dele? – insistiu.
- Isso não dá pra responder com sim ou não, amor. – ela disse, carinhosa.
- Ok, vou reformular a pergunta. Ela gosta dele? – demorou para responder, incerta se deveria ou não.
- Sim. – ela confessou por fim.
- Da forma que a Alicia gosta? – insistiu.
- Não. A não tem nada em comum com aquela vadiazinha. – ela virou-se para mim. – Me escute, de onde ela veio, os rapazes a tratavam muito mal, sempre se aproximavam com intenções nada boas. Ela é de uma família importante na Dinamarca e é realmente difícil que um cara goste dela e não do que ela tem, entende? Você tem que demonstrar que é diferente, que é digno de confiança.
- Eu disse isso a ele. – se intrometeu.
- Você não disse nada disso. – desmenti.
- Vamos fazer o seguinte: eu vou convidá-la para sair, sem mencionar que você vai, porque se eu falar pode deixá-la desconfiada. Então eu e o vamos dar um tempo para vocês conversarem sem essas máscaras que insistem que usar quando estão perto um do outro. Eu não entendo, vocês mudam completamente. Você assume uma postura de conquistador, arrasa corações, e ela se transforma numa Alicia da vida, uma garota fútil, mimada e que não liga pra ninguém. – fez uma cara de nojo. – E sabe quem sai ganhando nessa história? Ninguém! Nada disso tem lógica. – ela respirou fundo. – Vocês me cansam...
- Tá, desculpa, eu acho. – disse, sem saber realmente se deveria ter aberto a boca.
- Hoje é sexta, não é? – ela perguntou e confirmou. – Vai trabalhar de noite?
- Não. – respondi.
- Então nos encontramos no bar do seu tio às oito. Esteja preparado.
- Estarei. – disse firmemente, com um sorriso. Ela o retribuiu e se levantou, dando um selinho no namorado.
- Vou conversar com ela agora.
- Fale bem de mim. – pedi, enquanto ela se afastava.
- E o que você acha que eu faço? – ela disse com um belo sorriso.
- Tá mais tranquilo agora? – perguntou, querendo apenas me irritar.
- Vá à merda. – eu disse, levantando-me, e pude ouvir sua risada de longe.

Tentei esfriar um pouco a cabeça. Tinha que trabalhar, encontrar a e ainda fazer um trabalho, tudo isso em algumas horas. Minha vida nunca foi fácil, muito longe disso, só que eu queria não ter nada para me preocupar as vezes, só para variar. Isso parecia impossível para alguém como eu, mas sei que um dia eu olharei para trás e verei que todo o esforço foi recompensador. Terei um bom e sólido emprego, uma bela família e o menor número possível de problemas.

- , meu bem. Há quanto tempo não nos falamos direito. – Alicia disse, encaixando seu braço junto ao meu. Foi só falar de problemas que ela reapareceu. Será que se eu falar sobre um milhão de libras, elas aparecerão na minha conta? Acho que não.
- Olá, Alicia. Como está? – perguntei, ainda sem dar muita atenção a ela.
- Um pouco triste, você não tem me dado atenção da forma que eu mereço. – ela disse, fazendo biquinho. Em outros tempos, eu estaria todo derretido nesse momento, mas agora nada dela parecia fazer efeito sobre mim.
- Acredite, eu estou te dando a atenção que você merece. Oi e tchau já estão de bom tamanho.
- Que grosseria, . – ela revirou os olhos. – Não sei por que você se faz de difícil, não consegue resistir por muito tempo mesmo.
- Bem, eu estou resistindo por mais de duas semanas, talvez não seja um trabalho tão árduo como você imagina. – mantive minha expressão séria, encarando-a levemente.
- Quem é ela? – ela perguntou rapidamente.
- Ela quem? – respondi, confuso.
- Para você me tratar assim, só pode ter outra garota no meio. – ela cruzou os braços. – Anda, me fala.
- Ah! Eu esqueci que você, estudante de psicologia, sabe 'ler' as pessoas. Mas eu estou achando que você precisa estudar um pouco mais, porque não tem garota alguma. Será que não tem a mínima chance de eu ter me cansado de ser o seu brinquedo? – perguntei, fingindo um cansaço por ter de explicar tudo a ela.
- Eu só acho que essa sua tentativa falha de me magoar vai acabar se voltando contra você. – ela disse séria, perdendo toda sua paciência e vontade de, talvez, me seduzir.
- Não acho, Alicia. Porque, sinceramente, não vejo como piorar minha situação. As minhas opções são: ficar com você, receber alguma atenção por poucos momentos e na maioria do tempo ser tratado como lixo ou ficar sozinho, esperando o acaso trazer alguém para mim. E eu estou inclinado a escolher o acaso.
- Você vai se arrepender, . E amargamente. – ela me ameaçou, colocando um dedo no meu rosto.
- Mal posso esperar. – respondi, sorrindo ironicamente em seguida.
Eu parecia estar com a aparência mais leve depois de encontrar Alicia, pois esse foi o primeiro comentário do meu tio assim que eu cheguei ao bar. Ele pensou que eu tivesse tido um encontro ou uma conversa divertida e não um quase 'acerto de contas'. Mas, para ser sincero, até que tinha sido bem divertido falar algumas verdades para ela. A Alicia é daquele tipo de garota que sempre teve tudo na vida e está acostumada que as pessoas façam tudo para ela. E o mal dela foi pensar isso de mim. Ela queria que eu estivesse lá quando ela quisesse e precisasse e eu não queria ser mais um para ela. Eu não a amava, mas ser apenas mais um da lista de alguém não está nas metas da minha vida. E por mais que o ache isso estranho e diga que é coisa de garota, eu prefiro ficar sozinho a ter que passar por esse tipo de situação. Afinal, ficar com ela não era tão recompensador assim, se é que me entendem. Não valia a pena o sacrifício.

Sem que eu percebesse, já tinha anoitecido e eu ainda estava atolado de trabalho. O bar estava muito cheio, como era de costume, mas um dos funcionários ligou avisando que iria se atrasar e sobrou para mim. Eu disse que ficaria o cobrindo até que ele chegasse, mas o problema era se as meninas chegassem antes. Eu não tido tempo de me arrumar, nem ao menos tomar um banho. Como eu poderia tentar ser eu mesmo com a , aparentando ter ficado horas e horas atrás de um balcão? Eu deveria ser eu mesmo no interior, sem forçar, mas o exterior deveria estar, pelo menos, aparentável. Contrariando meus desejos, as meninas chegaram e sentaram-se numa mesa no canto. me olhou com cara feia, ao ver que eu ainda estava trabalhando. Droga, ela ia falar tanto no meu ouvido. Comecei a rezar baixinho, pedindo que o Raul chegasse logo e me liberasse. Eu não podia abandonar meu tio sozinho ali. A única coisa que eu queria ver era a porta abrindo e a cara feia do Raul surgindo, mas parecia que quanto mais eu desejava isso, mas longe de acontecer estava. Resolvi deixar para lá, alguma hora ele ia aparecer. Estava distraído quando ouvi a voz do chamar minha atenção.
- O que você ainda tá fazendo trabalhando?
- Tenho que esperar o Raul chegar, ele se atrasou e eu não posso deixar meu tio na mão. – expliquei.
- Merda. A tinha falado que a gente ia ao cinema, mas tá quase na hora do filme, não vai dar tempo. – ele disse, jogando-se numa das cadeiras.
- O que você quer que eu faça? – perguntei, depois de entregar uma garrafa de cerveja para um cara.
- Nada, . É a que tá me irritando, vou inventar alguma desculpa. – ele apoiou a mão no balcão, brincando com um canudo. – Acredita que ela conversou com a ? Eu peguei o finalzinho.
- O que ela falou?
- Que a deveria parar de agir como outra pessoa e dar uma chance pra você mostrar quem realmente é. – ele disse, olhando para a mesa, por cima do ombro.
- E o que ela respondeu? – perguntei curioso, olhando, discretamente, na mesma direção.
- Que não sabia se você valia o feito. – ele respondeu com uma careta.
- Nossa. Ela é bem sincera, não? – falei, rindo em seguida.
- Está em suas mãos, meu amigo. – ele comentou. – Vou voltar pra lá, arrumar alguma desculpa.
- Boa sorte! – murmurei, enquanto ele se afastava.
Alguns minutos depois, mais ou menos quinze, Raul chegou apressado e cansado, como se tive vindo correndo. Nem esperei por sua explicação. Assim que ele ocupou seu posto, corri para o meu quarto. Tomei um banho a jato, colocando a primeira roupa limpa que vi. Quando cheguei novamente ao salão, fiquei espiando a mesa de longe, não sabia como me aproximar. Será que ela daria abertura? Será que ela deixaria, ao menos, eu tentar mostrar que valia a pena? Bem, eu teria que tentar... Vamos à luta então.
- Boa noite. – eu disse, educado, ao me aproximar. – Posso sentar com vocês? – eles se entreolharam e em seguida os olhares se pousaram nela.
- Claro. – ela respondeu, sorrindo levemente. Sentei-me ao seu lado, tomando cuidado para desmontar a antiga impressão de conquistador barato. Tentei ser educado ao extremo. Perguntei sobre diversas coisas, algumas até pessoais demais. Mas depois de alguns minutos, a conversa fluía de uma forma que parecia que nos conhecíamos há anos. Descobri que ela era da Dinamarca e estava aqui estudando, então disse que também não era daqui, que morava há dez anos em Londres com o meu tio. Contei para ela todas as minhas experiências como um "imigrante", compartilhamos algumas informações, histórias, piadas. Enfim, de tudo um pouco. Ela se empolgava em alguns momentos e num deles chegou até a apoiar sua mão sobre a minha. Reprimi um sorriso nessa hora. Ela se alarmou, murmurando um 'Desculpe.' enquanto a retirava. Pensei em dizer que não tinha nenhum problema, que ela poderia manter a mão ali pelo tempo que quisesse, mas lembrei que deveria ir com calma. Então disse algo como 'Não tem problema.'. Ela riu e abaixou o rosto levemente corado. Queria dizer o quanto ela era bonita e o quando as coisas simples a deixavam mais irresistível ainda. Um simples toque, seu sorriso sem graça, sua risada leve. Tudo isso a tornava encantadora demais para a minha sanidade. Num momento ela fez uma das perguntas mais difíceis que já me fizeram.
– Agora que eu vi que tudo aquilo que eu conheci era uma máscara, quem é o verdadeiro ? – aquilo me pegou de guarda baixa, eu não sabia o que responder.
- Eu ainda não sei. – respondi, sincero. – Talvez um rapaz que passou por momentos ruins e que conseguiu dar a voltar por cima, ou ainda está tentando. – dei de ombros.
- Você é um cara legal, disso eu tenho certeza. Quem sabe com o tempo eu aprenda mais coisas sobre você, o que acha? – ela me olhou e sorriu daquele jeito. Como se eu pudesse dizer a não a ela, ainda mais depois daquele sorriso. Se eu falasse em voz alta as coisas que passavam pela minha cabeça, o teria mais motivos ainda para falar que eu pareço uma garota.
- Eu adoraria. – respondi, olhando em seus olhos por alguns segundos. Ela desviou o olhar, encarando, sem graça, seu copo vazio. – Vou pegar outro para você.
- Obrigada.
Segui para o bar, cumprimentando algumas pessoas pelo caminho. Escutei algumas reclamações do meu tio sobre o atraso do Raul e vi algumas caretas do mesmo enquanto ouvia o sermão. Impedi-me de rir diante da cena, além de errado, acabaria sobrando para mim. Peguei as bebidas, fazendo meu caminho de volta, até que senti braços ao redor da minha cintura me abraçando por trás. Olhando com dificuldade, pude reconhecer.

- Alicia, você poderia me soltar, por favor? – pedi, quase impaciente.
- Não. – ela disse melosa, percebi que ela estava bêbada. Duas vezes pior... pensei.
- Eu preciso voltar para a mesa. – falei, enquanto me livrava de seu abraço.
- Sua mesa? – ela perguntou, olhando na direção que eu seguia. Ela viu o acompanhado de e sozinha. – Ah! Isso porque não tinha nenhuma garota na história, não é? – ela disse um pouco mais alto, chamando atenção de algumas pessoas ao redor.
- Alicia, fala baixo, por favor. E se tem uma garota, não é da sua conta.
- Então é isso, você vai me trocar por ela? Quem é essa? – ela disse nervosa.
- Já disse que não é da sua conta. Vai arrumar outra pessoa para perturbar. – pedi, virando as costas.
- , querido, você sabe que não é assim que as coisas acontecem. – ela me puxou de volta. – Tudo sempre acontece do meu jeito. – dizendo isso, ela me beijou. Foi um beijo estranho por dois motivos: 1. Ela se jogou em mim, enquanto eu tentava me afastar; 2. Era a primeira vez que aquele beijo não me causava nenhuma reação. Quer dizer, nenhuma reação boa. Empurrei-a da forma que podia, não me importando se fui rude ou algo do tipo. Ela tinha passado completamente dos limites. Olhei para a mesa, observando se alguém esboçava ter visto alguma coisa. Mas todos estavam conversando normalmente, como se nada estivesse chamando a atenção. Voltei meu olhar para Alicia, que me olhava de forma ultrajada.
- Você é maluca? Qual parte do 'eu não quero mais nada com você' você não entendeu? – perguntei, mas não queria saber a resposta. Encarei-a por alguns segundos, desistindo depois. Dei as coisas e voltei para a mesa.
Eu estava completamente aéreo depois do que aconteceu, Alicia tinha me tirado do sério. Toda a aproximação que tinha sido iniciada foi por água abaixo. Ninguém estava mais da mesma forma. Talvez ela tivesse sentido o clima estranho. E tudo ficou pior quando ela resolveu ir embora. Tentei convencê-la a ficar mais um pouco, mas sabia que não adiantaria de nada. Tudo tinha dado errado. Estava tudo perdido.
- Posso te levar em casa se quiser. – ofereci.
- Não precisa, eu pego um táxi.
- Deixa ele te levar, . É melhor. – se intrometeu.
- Nunca se sabe o que se passa na cabeça desses taxistas. – completou. Ela os encarou por alguns segundos, provavelmente chegando à conclusão de que ou ela entrava por vontade própria no carro ou seria arremessada para dentro dele.
- Tudo bem. – ela se deu por vencida. Despediu-se rapidamente, seguindo para o lado de fora. Olhei para os meus amigos, que faziam alguns sinais estranhos para mim. Eu não entendi muito bem, mas achei que poderia ser algo motivador.
Ela se manteve em silêncio por todo o caminho, exceto pelo momento em que disse o endereço. Não era tão longe, uns dez minutos, quem sabe. Liguei o rádio, tentando evitar que ficasse um silêncio constrangedor, mas não fui muito feliz. Ela continuava olhando pela janela, encarando qualquer coisa e evitando me olhar. Parei num sinal e fiquei discutindo comigo internamente. Falo ou não falo? repetia-se em minha mente como um mantra. Preferi ficar em silêncio para não piorar a situação.
- Eu vi você beijando a menina. – ela finalmente falou, assim que parei o carro. Apertei meus dedos ao redor do volante, reprimindo um palavrão.
- , eu não queria, ela me agarrou... – tentei me explicar, mas parei quando vi sua expressão. Seu olhar me transmitia algo diferente, como se ela enxergasse algo bom em mim e não um cara safado, que beija outra garota depois de ter conversado com ela por horas.
- Eu também vi sua reação, , não se preocupe. – ela se ajeitou no banco e passou a encarar as mãos, como se também estivesse nervosa com a situação. Afrouxei levemente o aperto, decidindo o que falaria.
- Nós costumávamos sair, mas não deu certo. – confessei.
- E ela não entende isso? – ela perguntou, ainda olhando atentamente para os seus dedos e balançando nervosamente uma das pernas.
- Pelo visto não. – respondi, rindo em seguida.
- Eu entendo o lado dela. – ela disse, voltando seu olhar para meus olhos. – Não deve ser bom perder alguém como você. – Senti todo o sangue correr para o meu rosto. Provavelmente eu estava mais corado que qualquer outra coisa. Ela riu levemente, tocando meu braço. – Não precisa ficar sem jeito.
- É muito difícil não ficar sem jeito. – confessei.
- Desculpe. – ela disse, aumentando o sorriso. Aquele sorriso. Olhou para a casa e depois de volta para mim. – Eu acho melhor eu entrar. – movimentou-se para abrir a porta, mas eu saí antes que ela pudesse. Abri a mesma, ajudando-a a descer. – Boa noite, então. – ela disse, mordendo levemente o lábio em seguida.
- Boa noite. – respondi, observando-a virar-se em direção ao portão. Reuni minhas forças e respirei fundo. – , espera. – eu disse, segurando uma de suas mãos. Puxei-a levemente para mais perto, não desviando meus olhos dos seus. Ela não negou, nem se distanciou. Aproximei-me mais, deixando nossos corpos quase colados. Ela revezava seus olhares entre meus olhos e meus lábios, deixando clara a sua permissão. Levantei uma de minhas mãos, acariciando seu rosto. Ela fechou os olhos, aproveitando a sensação que meu toque lhe dava. Com cuidado, retirei uma mecha solta de seu cabelo, colocando-a no lugar e posicionando minha mão em sua nuca. Ela aconchegou-se mais em meus braços, deixando seus lábios perigosamente perto dos meus.
- ? – uma voz masculina me sobressaltou. Ela se afastou repentinamente, mas continuava perto o bastante, pois meus braços ainda estavam ao seu redor. Ela olhou-me nos olhos durante alguns segundos, antes de depositar um beijo em meu rosto. Afrouxei meu abraço, deixando que ela se distanciasse.
- Boa noite mais uma vez, . – ela disse em sua voz de veludo, sorrindo com vontade.
- Boa noite. – respondi, enquanto ela caminhava lentamente em direção à porta. – Ah! Mais uma última coisa. – chamei sua atenção. Ela se virou e apoiou-se no batente da porta. – Se ela fosse como você, jamais iria me perder. – confessei, vendo-a exibir mais uma vez aquele sorriso. Sorriso esse que, provavelmente, me acompanhará por todos os sonhos de hoje em diante.

/’s Pov



Sétimo

When the time comes, baby don't run, just kiss me slowly
(Parachute - Kiss me Slowly)
Música do capítulo. Coloque-a para tocar quando a letra aparecer.


Entrei em casa amaldiçoando e xingando até a décima quinta geração da família do . Como ele pôde atrapalhar? Como ele pôde chegar exatamente naquele momento? Também não queria saber. Entrei e, sem dar muito assunto, segui direto para o meu quarto e traquei a porta, num aviso claro de 'não perturbe'. Corri até a janela, espiando pela mesma. O carro continuava lá parado e eu conseguia ver sentado no banco do motorista. Parecia que ele estava falando sozinho ou algo do tipo. Ele intercalava sorrisos com expressões estranhas e à distância tudo isso parecia maluquice. E um maluco era tudo que eu precisava, queria e não podia ter em minha vida agora. E se a interrupção fora providencial? Eu tinha dito para mim mesma que não me envolveria com ninguém aqui, que me focaria nos estudos. Só que as coisas tomaram um caminho completamente diferente e eu tinha medo de não ter mais volta. Eu acho que nunca fiquei tão atraída por um cara em toda a minha vida. tinha um jeito de ser completamente diferente. Ele conseguia ser altamente sexy e fofo ao mesmo tempo. E quando assumia aquela forma de conquistador? Prefiro não pensar nas consequências dos meus atos. Imagine se ele tivesse acertado a última bola naquele dia. Eu sou uma mulher de palavra, aprendi isso com o meu pai, então eu teria de cumprir o prometido. E aqui entre nós, não seria um total sacrifício. Eu não poderia agir como se nada tivesse acontecido, como se tudo fosse fruto da bebedeira e fingir que eu não estava interessada em continuar com isso. Porque, por Deus, eu queria muito beijá-lo naquele momento. Olhei mais uma vez e agora ele estava ligando o carro. Ele olhou mais uma vez na direção da casa, dando um sorriso em seguida, e então foi embora. Talvez seja porque eu sempre soube que todos se envolviam comigo pelo mesmo motivo: aparecer na mídia como o namorado da princesa herdeira. Por isso que eu os tratava da mesma forma. Acho que esses eram os únicos momentos em que eu gostava de ser quem eu sou. Era simples: eu escolhia o cara, alguém nos apresentava e pronto, ele era meu. Pelo tempo que eu o quisesse, é claro. Mas isso começou a voltar-se contra mim, principalmente quando a minha mãe descobriu. As mães sempre são chatas quando o assunto é namorado, então imaginem a minha. Tive que escutar um enorme sermão sobre as minhas obrigações como membro da realeza e futura rainha. Óbvio que isso não parou por aí. A partir desse dia, ela colocou mais um guarda na minha cola, pois ela sabia muito bem que o me acobertava. Logo, desde desse dia, o meu esquema de encontros fracassou e eu, praticamente, não sabia mais o que é isso. Devia ter quase um ano que eu não saía com um rapaz. Essa minha conversa com o foi a coisa mais próxima de um encontro nos últimos 12 meses, 365 dias. Deus, isso é muito tempo! Ouvi alguém bater na porta e reprimi um palavrão. É claro que o 'não perturbe' não funcionaria.

- Vá embora! – gritei para quem quer que fosse. Será que ninguém nessa casa pode me dar um pouco de espaço, privacidade, tempo ou sossego? As batidas seguintes serviram como um belo e gritante não. Eu não tinha muita escapatória, segui para a porta. – Será que eu não tenho direito a cinco minutos sozinha no meu quarto? – perguntei, encarando Ellen, que estava parada no meio do corredor.
- Nossa, para que tantas pedras na mão? – ela disse, entrando sem ser convidada. – Pelo o que eu saiba, não fui eu que atrapalhei nada...
- Ellen, por favor. – eu pedi, apontando para fora do quarto. – Eu preciso pensar.
- Eu acho que você precisa de ajuda, então eu não vou sair. – ela disse, sentando-se numa poltrona. Derrotada, respirei fundo e fechei a porta antes de me sentar na cama. Deitei na mesma, encarando o teto por alguns segundos.
- Eu estou extremamente confusa. – admiti, ainda sem encará-la.
- Por que você não começa me contando de hoje? – ela incentivou.
- Eu fui até o bar para encontrar a Isabela e não sabia que ele ficaria com a gente. Então ele veio todo gentil, pedindo para se sentar e o que eu poderia fazer? Eu deixei. Nós conversamos por muito tempo, mas parecia que tinham se passado cinco minutos. – eu ri sozinha. – O mais incrível e estranho é que nós conversamos como se nos conhecêssemos há anos e não há dias, entende? – ela se limitou a balançar a cabeça concordando. – Ele foi buscar uma bebida e foi quando uma garota apareceu do nada, falou várias coisas e o beijou.
- Espere, ele beijou outra depois de ficar conversando horas com você? – ela perguntou meio assustada.
- Deixa eu terminar, Ellen. O mais surpreendente está por vir. – eu ri. – Ele a empurrou e começou a brigar com ela no meio bar. Ele deixou a menina lá sozinha depois de rejeitá-la e ela não é feia. Ela é, sem dúvidas, a menina mais bonita que eu vi aqui. Eu fiquei sem saber como agir, não sabia se dizia que vi ou se ficava quieta e foi isso que eu fiz. Então o clima esfriou, eu resolvi vir para casa e ficaram implicando, falando para ele me trazer. Eu disse que não precisava, mas não teve jeito. – eu respirei fundo, lembrando-me do clima estranho dentro do carro. – Nós viemos até aqui em silêncio. Até que eu resolvi confessar que tinha visto toda a cena do bar. Você precisava ver como ele reagiu. Seu rosto ficou vermelho na hora e ele não tinha palavras para me explicar. Depois de muito se enrolar, ele disse que teve um caso com essa menina, mas não tinha dado certo e ela não tinha aceitado o término numa boa. E foi aí que eu fiz a coisa mais idiota de toda a minha vida.
- O que você fez? – Ellen perguntou preocupada.
- Eu tomei coragem e disse: Eu entendo o lado dela, não deve ser bom perder alguém como você. – confessei, rindo alto em seguida. Estranhei o fato de Ellen não me acompanhar. Geralmente ela é a primeira a rir dessas minhas atitudes idiotas. Olhei em sua direção e vi que ela olhava para a janela, como se pensasse em alguma coisa. – O que foi?
- Você realmente disse isso? – ela perguntou pausadamente.
- Sim, mas eu sei que foi estupidez.
- , você tá interessada nesse rapaz? – ela indagou, encarando-me incessantemente.
- Não. – respondi rapidamente, sentando na cama. Ela me olhou, demonstrando não acreditar nem um pouco. – Não sei. – tentei novamente e ela revirou os olhos.
- Qual é a dificuldade de admitir para mim uma coisa que você já admitiu para ele?
- Eu não admiti...
- Não? – ela riu. – Claro que admitiu e da forma mais clara possível. E qual é o problema disso ser verdade? Você nunca vai saber se ele vale a pena se não fizer um teste.
- Esse é o problema, Ellen. O não precisa de um teste, eu sei que ele vale todo e qualquer esforço. – confessei.
- E isso pode ser ruim de alguma forma?
- Não, não é nenhum pouco ruim. Só que eu não queria me envolver com ninguém e eu sei que com ele será impossível não deixar isso acontecer.
- , sinceramente, eu acho que já está tarde para você se preocupar em se envolver ou não. Querida, você já está envolvida. – ela disse, sorrindo de lado. – Talvez não seja tão ruim você tê-lo em sua vida, pode ser disso que você precisa. Você não queria viver de verdade? – ela perguntou e eu assenti. – Então viva.
- Eu acho que vou deixar rolar, ver o que acontece. – falei, deitando na cama novamente.
- Faça o que você tiver vontade, . Se dê essa liberdade uma vez na vida. – ela disse, seguindo para a porta. – Vou te dar os cinco minutos que você queria sozinha.
- Ellen. – chamei sua atenção. Ela parou perto da porta, virando-se para mim. – Antes de ir embora ele disse uma coisa.
- O quê?
- Que se ela fosse como eu, nunca teria o perdido. – Ellen sorriu largamente.
- Ou você agarra logo esse, ou eu o tomarei de você. – ela disse, enquanto fechava a porta.

Passei o dia seguinte revezando olhares entre a janela e o telefone, o que era inútil e estúpido, na verdade. Eu não podia, simplesmente, esperar que o cara aparecesse na minha porta do nada e eu nem tinha dado meu telefone para ele. E pelo o que eu saiba, ele não tem o poder de descobrir telefones aleatoriamente, logo a minha espera era completamente idiota. Então passei todo o sábado buscando alguma coisa para fazer, não estava a fim de sair e encontrar casualmente com ele, não depois de ontem. Não sei muito bem o que ele pensou sobre o ocorrido, mas eu não teria gostado muito se fosse o inverso. Bem, eu tinha uma série de coisas da faculdade para ler e estudar. Era melhor tirar ao menos um dia para fazer o que se deve, certo?

Não sei como, mas acordei no dia seguinte com um livro sobre o meu rosto e o restante da cama coberta por folhas soltas. Levantei estranhando a claridade que vinha da janela, não acreditando que tinha caído no sono tão cedo em pleno sábado. A última coisa que me lembrava de fazer na noite anterior, foi levantar e pegar um livro de economia, que estava na estante, e olhar para o relógio nesse momento. Eram oito da noite e eu não fiquei muito tempo lendo, pois não tinha passado da página dez. Ri sozinha, vendo o quanto eu estava cansada. Pelo menos eu tinha reposto todas as energias. Desci apressada, estranhando a pouca movimentação na casa. Encontrei Ellen de papo com perto da porta e pela animação que eles transpareciam, preferi não atrapalhar. Segui para a cozinha, de onde vinha um cheiro maravilhoso. Angela conversava com a cozinheira, Dolores.

- Vejo que acordou com fome. – Angela exclamou.
- É impossível não sentir fome com esse cheiro. – afirmei, sorrindo para Dolores.
- Querida, você quer comer algo antes do almoço? – ela perguntou, esquecendo um pouco as panelas.
- Não precisa se preocupar, eu como uma fruta. – sorri levemente, pegando uma maçã da fruteira.

Caminhei distraidamente para os fundos, sentando-me no antigo balanço que ainda estava lá. Era engraçado como tudo ainda estava como antes, principalmente aquela parte da casa, que era a minha favorita, por sinal. As mesmas flores, a mesma árvore, o mesmo balanço. Tudo ainda estava lá. E se dependesse de mim, continuaria para sempre. Eu gostava muito de brincar ali, parecia uma casa, sem essas coisas de palácios, castelos. Ali eu me sentia uma pessoa normal, com preocupações, medos e anseios. Uma garota da minha idade deve se preocupar com a faculdade, o namorado, os amigos, e não com um país que deverá governar daqui a uns anos. Ninguém deveria ser obrigado a passar por isso e digo por experiência própria. As coisas não funcionam bem quando os envolvidos estão sob pressão. Desistindo de pensar em minha vida, que aos meus olhos parecia completamente triste, passei a dar mais atenção ao vento que corria levemente. A brisa calma e relaxante do início do outono europeu. Não estava tão frio, mas também não estava quente. A temperatura agradável, juntamente com a paisagem ainda bela, fazia daquele quintal o meu paraíso particular. Algumas folhas já estavam pelo chão, trazendo aquele tom amarronzado característico da estação. Porém algumas folhas e plantas mantinham a sua coloração natural colorindo de verde, rosa, amarelo, vermelho e outras diversas cores todo o ambiente. De fato, aquele era o meu lugar preferido na Terra.
Interrompi meu devaneio para almoçar, talvez voltasse depois e passasse o restante do dia ali. Comi em silêncio na sala de jantar, o que me irritava bastante. Não gostava de comer sozinha, é triste demais. Sempre peço para que me acompanhem e que se sentem à mesa comigo, mas sempre recusam, falam que é completamente inadequado. Até parece que eles não sabem que inadequado é meu nome do meio. Recolhi minhas coisas e segui para a cozinha, onde todos estavam reunidos. Mesmo longe, eu conseguia ouvir a conversa e os risos. Era exatamente isso que eu queria no meu almoço. Sem dar muita atenção aos olhares espantados, sentei-me à mesa junto com eles, esperando que retomassem o assunto. E é claro que isso não aconteceu.

- Ah! Vamos lá. – exclamei. – Será que vocês não podem fingir que eu não estou aqui e continuar o que estavam fazendo?
- , isso é... – Ellen começou a falar, mas eu a interrompi.
- Inadequado? – completei, rolando os olhos. – Vou falar uma coisa para todos vocês. Inadequado é eu não ter uma pessoa sentada à mesa comigo. Inadequado é eu ter que ficar sozinha, porque vocês se julgam inferiores. Inadequado é eu sentar aqui e me sentir excluída também. – desabafei, olhando para cada rosto surpreso na mesa. Eles se entreolharam.
- Eu acho que você deveria procurar um sinônimo para inadequado. - deu de ombros e retomou a conversa, animando a todos. Pouco tempo depois eu estava a par de tudo e discutia todos os assuntos abordados com o mesmo entusiasmo.
Continuamos nessa animação por mais algumas horas. Acho que não ria tanto há muito tempo. Até que ouvimos a campainha tocar, Angela levantou-se para atender. Segundos depois ela voltou.
- , é pra você. – ela disse, incerta. Estranhei, ninguém me visitava. Segui para a porta, tendo ao meu encalço. Perguntei a mim mesma se isso era realmente necessário, mas não me manifestei. Ellen vinha logo atrás, mais por curiosidade do que qualquer outra coisa. Eu ria de alguma coisa que esqueci no exato momento em que vi quem me esperava na porta. Com um lindo sorriso sem jeito nos lábios e aqueles lindos olhos me encarando, fez com que eu esquecesse qualquer coisa. Com ele por perto, meu pensamento não poderia ser outro. Aproximei-me lentamente, parando perto o suficiente para o momento. Afinal, Angela, Ellen e ainda estavam presentes. Angela foi a primeira se retirar, murmurando um "com licença", mas os outros dois continuaram firmes. Ficamos nos encarando por alguns segundos, apenas sorrindo um para o outro. limpou a garganta, fazendo um barulho alto o suficiente para chamar nossa atenção.
- Ah sim. – clareei minha mente. – Gente, esse é o . E , esses são Ellen e .
- Prazer. – disse, apertando a mão de cada um. – Eu acho que lembro de você. – ele disse diretamente para .
- Sim, foi ele que me buscou naquele dia no bar. – me intrometi.
- Ele é seu...? – perguntou em dúvida.
- Não! – neguei rapidamente. – Ele é... Namorado da Ellen, minha amiga lá da Dinamarca. – disse rapidamente, olhando a expressão confusa dos dois. Virei-me para eles, pedindo silenciosamente para que eles confirmassem minha mentira.
- É, ele é meu namorado. – Ellen disse, aproximando-se mais de e passando um braço pela sua cintura. Foi uma cena engraçada, eles tentavam parecer íntimos, mas estavam mais temerosos por se tocarem do que qualquer outra coisa.
- Ok, então. – disse, dando de ombros. – Será que eu podia falar com você?
- Claro. – eu afirmei, olhando para o 'novo casal'. Eles, ainda que contrariados, nos deixaram a sós.
- Eu não sabia se podia vir até aqui, pensei em ligar, mas lembrei que não tinha o seu número. – ele explicou, meio sem jeito.
- Você podia ter pedido para .
- Verdade, nem pensei nisso. – ele riu e eu o acompanhei.
- Fico feliz que você tenha vindo, de verdade.
- Bem, eu estou aqui com um propósito. – ele começou, com um sorriso bobo nos lábios.
- E qual seria? – perguntei curiosa.
- Estou te sequestrando, isto é, se você me permitir.
- Me sequestrando? – perguntei, repentinamente animada.
- Exatamente. – ele confirmou. – Podemos ir? – perguntou, oferecendo sua mão.
- Só preciso pegar minha bolsa e meu casaco. Já volto. – eu disse, antes de correr até o quarto. Eu não tinha tempo de me arrumar, então tinha que improvisar. Soltei os cabelos, que estavam presos, passei rapidamente um batom claro nos lábios, peguei o casaco e a bolsa, parando em frente ao espelho, ajeitando alguns fios rebeldes. Em poucos minutos eu já estava de volta à porta. No caminho acenei para Ellen, falando que explicava depois. sorriu quando me viu e estendeu mais uma vez sua mão. Sem pensar duas vezes a segurei fortemente e me deixei ser levada. Não importava para onde nós iríamos, eu estaria com ele de qualquer forma.
- Eu não tinha reparado que você morava na embaixada. – ele comentou, abrindo a porta do carro. Enquanto entrava, pensei nas diversas desculpas possíveis, porque algo como "ah, quando se é uma princesa, os locais de hospedagem ficam restritos" não cairia muito bem. Não que eu não confiasse nele, mas eu não queria que ninguém soubesse do meu pequeno segredo por enquanto.
- Medidas cautelosas do meu pai. – murmurei, torcendo para que ele não quisesse saber de mais nada.
- Então você é alguém importante? – ele se animou.
- Isso importa? – perguntei, temendo ter sido grossa demais.
- Nem um pouco. – ele deu de ombros. – Era só curiosidade, sei lá, queria saber mais sobre você. – ele me lançou mais um sorriso.
- Digamos que eu seja filha de alguém importante. – respondi, derrotada. Ele estreitou os olhos, pensando por alguns segundos.
- Então é melhor colocar o cinto, não quero problemas com quem quer que seja da Dinamarca. – ele disse, rindo alto em seguida.

Seguimos pelas ruas movimentadas de Londres. O tempo quase agradável era muito convidativo para um passeio. mantinha um belo sorriso nos lábios enquanto dirigia, sua animação era contagiante. Não conversamos muito durante o caminho, logo me prendi à paisagem até então desconhecida. Era incrível como até o centro da cidade era bonito. Diversas praças ou pequenos parques estavam pelo nosso percurso e eu me maravilhava conforme eles iam passando. fez uma curva mais fechada e quando os prédios saíram de meu campo de visão, fui tomada pelo verde dominante daquele lugar quase gigantesco. Debrucei-me na janela, sentindo o vento bater em meus cabelos. Eu tinha certeza que parecia uma criança naquele momento, daquelas que estavam indo conhecer um lugar pela primeira vez. Não pude evitar, eu estava realmente animada com aquela situação. Escutei um riso baixo ao meu lado, parece que eu estava divertindo alguém.

- Estou parecendo uma idiota, não é? – perguntei, ajeitando-me no banco.
- Você está maravilhosa. – ele respondeu, corando levemente. Confesso que fiquei sem jeito, quer dizer, eu sempre fico sem jeito com os elogios dele. Não sei o que responder, então apenas sorrio sem graça e fico em silêncio. Isso deve ser altamente frustrante.
- Eu queria saber manter uma conversa com você, sem estar com álcool no meu sangue. – eu disse, rindo em seguida. – Mas eu acho que é impossível.
- Bom, se você quiser, eu posso parar num bar ou algo do tipo. – encarei-o por alguns segundos, antes de rirmos novamente.
- Eu acho melhor eu tentar me acostumar com isso. Não quero ter que beber toda vez que eu for passar um tempo com você.
- Que bom, porque, se dependesse de mim, você passaria a vida toda bêbada. – ele falou, olhando nos meus olhos. Tá, isso pode não ter sido a frase mais romântica que já foi dita, mas para mim teve um significado especial. Especial até demais. Eu respirei fundo, tentando pensar em alguma resposta, mas eu não conseguia.
- Eu acho que vou precisar daquela bebida. – murmurei, ouvindo seu riso alto ecoar pelo carro.
- Chegamos. – ele disse minutos depois. saiu do veículo e veio abrir a porta para que eu descesse. Eu tinha ficado tão distraída com a nossa conversa, que não tinha visto para onde tínhamos ido. Olhei rapidamente ao redor, percebendo a grande massa verde que nos rodeava. Era o mesmo lugar que tinha chamado a minha atenção antes. Eu deveria estar com o mesmo sorriso bobo nos lábios enquanto observava o meu redor. – Se você está achando o estacionamento bonito, espere até ver o parque por dentro.
- Onde estamos? – perguntei, enquanto seguíamos na direção que ele apontou. Após poucos metros, deparei-me com um imenso arco que servia como entrada.
- Hyde Park. Eu achei que você ainda não conhecesse alguns lugares aqui de Londres. Eu também fiquei meio perdido quando cheguei, então pensei que seria legal você conhecer esse parque.
- É absurdamente lindo, . – confessei, olhando, maravilhada, cada pedacinho daquele local. – Hoje mais cedo eu estava encantada olhando o pequeno jardim que temos no quintal. Mas agora, isso tudo aqui o transformou em nada. Eu tinha escolhido aquele quintal como o meu lugar favorito em todo mundo. Acho que tenho que repensar.
- Eu gosto muito desse lugar. Meu pai me trouxe aqui uma vez e me contou diversas histórias sobre ele, então quando eu estou aqui é como se ele estivesse também. – ele disse, com uma sombra de tristeza no olhar.
- Você mora com os seus tios, não é? – perguntei curiosa. Ele encostou-se a uma árvore, encarando a imensidão verde à sua frente. – Seus pais ficaram na Califórnia?
- Meus pais morreram. – ele disse, dando um leve sorriso em seguida. Não entendi o motivo do sorriso. Ele estava tentando parecer forte ou algo assim?
- Meu Deus, , eu não sabia. Me desculpe. – eu tentei remediar a situação. Aproximei-me dele, com os braços estendidos como se fosse abraçá-lo ou fazer um carinho. Mas parei no meio do caminho, sem saber se deveria continuar.
- Não se preocupe, isso foi há dez anos. Eu não fico mais triste, eu apenas sinto saudades.
- Não consigo nem imaginar como isso deve ser ruim. – eu disse, parando ao seu lado e apoiando a cabeça em seu ombro.
- Eu não te trouxe até aqui para te deixar triste. Vem, quero te mostrar meu lugar preferido daqui. – ele disse, com um pequeno sorriso, entrelaçando nossos dedos e me guiando por entre as folhas caídas pelo chão. Segundos depois, cedo demais para mim, ele soltou minha mão, andando ao meu lado em silêncio.

Stay with me, baby stay with me, tonight don't leave me alone.
Fique comigo, querida, fique comigo, essa noite não me deixe sozinho.
Walk with me, come and walk with me, to the edge of all we've ever known.
Ande comigo, venha e ande comigo, para o limite de tudo que conhecemos.


Percorremos alguns metros no caminho de asfalto do parque. O vento leve que passava fazia com que as folhas que estavam pelo chão voassem e formassem um tapete natural. Eu realmente não sabia o que admirar. Qualquer lugar para o qual eu dirigisse meu olhar me dava visão de nova cores, novos movimentos, novas sensações. Até mesmo as construções que cercavam o parque ajudavam a aumentar a beleza do lugar. O aspecto antigo que elas traziam consigo dava ao lugar uma aparência de filme antigo. Num momento, ele segurou minha mão novamente, olhou para os lados e nos levou por entre as árvores, talvez cortando caminho. Retirando alguns galhos à nossa frente, ele revelou um lugar absurdamente maravilhoso.
Um lago se estendia até onde eu não conseguia ver e em toda a margem flores de diversos tipos, cores e formas se desenvolviam. Olhei para o meu lado esquerdo, onde o sol agora se punha, tonalizando todo o ambiente de uma cor quase alaranjada. Porém, do lado inverso, já era possível ver a lua, mesmo que fosse apenas a sua ligeira sombra. Sem querer, meus dedos roçaram levemente os dele. Levantei meus olhos até os de , que me encarava de forma doce. O pequeno sorriso ainda estava em seu rosto também iluminado pelos fracos raios solares. Seus olhos e brilhantes se destacavam, fazendo-me ficar quase que hipnotizada. Sem nem pensar, aproximei-me de seu corpo, sem tirar meu olhar do seu. Rapidamente ele alcançou meu estado de espírito, virando-se em minha direção. Prendi minha respiração enquanto ele fazia este movimento. Com os olhos fechados, ele passou o nariz pela pele do meu rosto, fazendo um carinho ao mesmo tempo em que inspirava meu perfume. Eu queria me prender e me perder mais uma vez naqueles olhos encantadores. Aqueles olhos.

- Abra seus olhos. – pedi quase num sussurro.

Stay with me, baby stay with me, tonight don't leave me alone.
Fique comigo, querida, fique comigo, essa noite não me deixe sozinho.
She shows me everything she used to know, picture frames and country roads
Ela me mostra tudo o que ela conhecia, molduras e estradas rurais,
When the days were long and the world was small.
Quando os dias eram longos e o mundo era pequeno.
She stood by as it fell apart, separate rooms and broken hearts,
Ela parou perto de tudo que se desfez, salas separadas e corações partidos,
But I won’t be the one to let you go.
Mas eu não vou ser aquele que deixou você ir.


A forma como ele me olhou em seguida, o olhar que ele me lançou, era completamente nova para mim. Era uma mistura, uma profusão de diversos e confusos sentimentos, mas um era claro, pois parecia ser refletido do meu. Ele queria isso tanto quanto eu e não tinha ninguém para atrapalhar dessa vez, eu sabia muito bem como isso terminaria. Não que eu estivesse com medo ou algo do tipo, eu ansiava esse momento desde a noite de sexta-feira. Para ser sincera, eu tinha fantasiado e revivido essa cena ininterruptamente em minha cabeça. Agora não eu não estava a mais que alguns segundos, respirações ou batimentos cardíacos de distância do que eu desejava. Era minúsculo o espaço que nos separava.

- Se eu te disser que você está mais linda do que nunca, seria muito típico? – ele perguntou, repousando uma de suas mãos na base da minha coluna, deixando nossos corpos separados por centímetros. Um lindo sorriso brincava em seu rosto.
- Seria bem típico, diria quase clichê. – respondi, colocando minhas mãos em seus ombros, diminuindo ainda mais a distância.
- E se eu não dissesse mais nada? – ele perguntou novamente, apoiando a outra não em minha nuca, fazendo com que nossos narizes ficassem quase colados.
- Então seria perfeito. – confessei, sentindo seus lábios finalmente moldados aos meus.

Darling you don't have to run, you don't have to go.
Querida, você não tem que correr, não tem que ir.
Just stay with me, baby stay with me.
Apenas fique comigo, querida, fique comigo.


No início nossa movimentação era descompassada, desencontrada. Como se ambos quiséssemos muito aquilo, mas não tínhamos encontrado o nosso ritmo, o nosso jeito. Conforme os movimentos foram se intensificando, o abraço dele ficou mais apertado. Não que eu quisesse que ele se afastasse, pelo contrário, queria que ele ficasse cada vez mais próximo. me deixou completamente desnorteada com seu beijo, eu tinha perdido a noção do tempo, espaço e tudo mais. Depois do que eu achei que foram alguns segundos, nós encontramos nossa sintonia. Era como se toda a ansiedade que estava guardada tivesse sido libertada num rompante e agora tivéssemos o controle de nossos corpos novamente.

I'm not sure what this is gonna go, but in this moment all I know,
Eu não tenho a certeza de que isso vai passar, mas nesse momento tudo o que eu sei,
Is the skyline, through the window, the moon above you and the streets below.
É a linha do horizonte, através da janela, a lua acima de você e as ruas abaixo.
Hold my breath as you're moving in, taste your lips and feel your skin.
Prendo a respiração enquanto você está movendo-se, saborear seus lábios e sentir sua pele.
When the time comes, baby don't run, just kiss me slowly.
Quando chegar o momento, baby não corra, só me beije lentamente.


Então eu percebi que tinha acabado de mudar completamente o rumo da minha estadia em Londres e talvez até da minha vida. Mas sentindo aqueles braços ao meu redor e aqueles lábios nos meus, era muito difícil, diria impossível, pensar em outra coisa a não ser prolongar ao máximo possível aquele momento. Eu acho que o tempo podia parar, seria pedir muito?



Oitavo

Well don't you see? I'm falling...
(Paramore - Stop This Song)


's Pov

Assustei-me com o despertador. Parecia que eu tinha dormido cinco minutos ou menos. Lembro do sol já estar alto no céu quando finalmente fui para a cama. Eu tinha esquecido completamente do trabalho que eu tinha que entregar hoje. Já tinha enrolado a semana toda para começar a fazer e acabou ficando para a última hora. Para complicar ainda mais a minha situação, gastei todo o meu tempo livre com a . Não que eu esteja reclamando, muito longe disso, meu final de tarde e minha noite foram maravilhosos. Toda aquela paisagem do Hyde Park, somada à beleza dela, era algo de tirar o fôlego. E com todas as máscaras retiradas, tudo foi muito mais fácil. Estranho é o fato de nos darmos bem com tanta facilidade, eu nunca tinha tido algo assim com alguém. Parece que nos conhecemos há tanto tempo, que é até engraçado o fato de termos passado tão pouco tempo juntos. Deixei um sorriso bobo brotar no meu rosto ao lembrar da sua pele macia, da sensação dos seus beijos, do brilho de seus olhos. Respirei fundo, juntando forças para levantar de uma vez da cama e tirá-la do meu pensamento... Pelo menos por um tempo.
Entrei com coragem debaixo da ducha gelada, esperando que ela me deixasse acordado durante a aula, depois eu me virava. Coloquei uma roupa qualquer e tratei de colocar logo o trabalho na mochila, antes que eu esquecesse o que era mais importante. Desci as escadas, passando pela cozinha para achar alguma coisa para comer. Lá encontrei Carlie organizando as coisas do dia e ouvi meu tio cantarolar enquanto arrumava o salão.

- Bom dia. – eu disse, entrando na cozinha e parando perto do balcão.
- Bom dia, querido. – ela respondeu, sorrindo calorosamente. Em seguida pegou um prato com alguns pães, uma jarra de suco e algumas frutas.
- Nossa, que fartura. – ri, mordendo parte de um pão doce.
- Seu tio acordou disposto, tá até cantando. – ela fingiu uma expressão espantada.
- O que quer que você tenha feito, Carlie, faça todos os dias. – pedi.
- O que está insinuando? – ela disse, estreitando os olhos.
- Não estou insinuando nada, aliás, eu já estou saindo. – disse, enquanto pegava a outra parte do pão e colocava a mochila nas costas. – Até mais tarde.
- Boa aula. – ela disse, retomando seus afazeres. Evitei o salão, saindo pela porta dos fundos. Caminhei lentamente até meu destino, aproveitando a leve brisa do outono e o raro fato de eu não estar atrasado. O que é até irônico, se levar em consideração que eu devo ter dormido uma hora essa noite, ou dia, não sei. Ouvi o barulho de folhas secas sendo esmagadas pelos meus pés e foi de forma completamente inconsciente que meus pensamentos me levaram a mais uma vez. Acho que todas as vezes que eu voltar ao parque, ou ver qualquer coisa que me lembre da tarde que passamos juntos, ela voltará aos meus pensamentos.


passou o braço por volta do meu pescoço, puxando-me para mais um beijo. Estávamos parados em frente à sua casa há um tempo e nenhum dos dois demonstrava a mínima vontade de ir embora. Eu não sabia explicar muito bem como as coisas chegaram a esse ponto, mas eu não me daria ao trabalho de reclamar. Eu estava extremamente confortável tendo ela em meus braços, sentindo seu perfume, seus lábios nos meus. Era como se tivéssemos deixado o mundo inteiro trancado do lado de fora e estivéssemos em outro completamente diferente. Um mundo apenas nosso. Admito que isso chegou a me assustar um pouco e até mesmo me fez pensar em recuar, mas era só olhar nos olhos dela e ver mais um de seus sorrisos, que o pensamento sumia com a mesma rapidez que surgia. Depois de um longo beijo, ela se afastou um pouco, soltando um suspiro leve.

- O que foi? – perguntei, fazendo um carinho em seu rosto.
- Eu não sei. – ela disse, depois de um tempo em silêncio. – É como se nós pulássemos diversas etapas, como se estivéssemos correndo com tudo, sabe?
- Eu te entendo, mas não acho isso ruim. – ponderei. – Eu nunca tive algo assim, as coisas sempre foram muito turbulentas.
- , eu nunca tive algo assim mesmo. Tudo era sempre muito superficial, sem entrosamento, sem sentimento, mas com você... – ela deixou a frase incompleta, talvez por não saber completá-la agora.
- Eu sei, também sinto isso. – confessei, vendo um pequeno sorriso se formar em seus lábios.
- Como será agora? Digo, depois de hoje.
- Eu não pensei nisso ainda, mas a gente podia ir devagar, deixar rolar e ver o que acontece. – disse, com medo de sua reação. Algumas garotas não gostam quando o cara não sabe para onde vai a relação. Elas querem segurança, compromisso, comprometimento.
- Eu acho que poderíamos esquecer isso um pouco e aproveitar o que temos agora, depois pensamos no amanhã. – ela disse, aumentando o sorriso e fazendo com que todos os pensamentos sumissem da minha cabeça. Ela tem esse poder.



Sabe quando você não sabe onde uma coisa vai dar, mas sente uma vontade imensa de continuar? Não só por curiosidade em saber o que vai acontecer, mas também por vontade. Eu sinto algo por ela, isso é claro e evidente, mas ainda não sei o que é e nem a sua intensidade. Sei que é algo que vai muito além do desejo ou de uma simples atração, só que é muito cedo para pensar em amor ou algo do tipo. Prefiro imaginar que estamos envolvidos num sentimento intermediário, que tem a dose certa de desejo, carinho, amizade e, é claro, amor. O que pode dar certo numa relação onde não exista pelo menos um pouco de amor? Mesmo que não possa ser identificado. Talvez eu esteja apressando as coisas pensando dessa forma, mas eu não consigo me conter. Estou parecendo um adolescente mais uma vez e não há nada que possa mudar isso. Talvez eu deva apenas aceitar e esperar para ver onde isso vai terminar. É, essa é a coisa mais sábia a fazer.

Cheguei à faculdade antes mesmo do professor chegar, sentei-me numa das cadeiras da sala e comecei a reler um dos textos que seria trabalhado na aula de hoje. Eu faço tantas coisas ao mesmo tempo, que às vezes me esqueço do que li ou fiz. É normal eu pensar que não li alguma coisa, quando na realidade eu já tinha lido e o inverso também é comum. Meus professores já estão até acostumados e alguns fazem piada com isso. Eles entendem que eu tenho uma vida turbulenta, que trabalho e estudo, mas eu não sou o único e também não mereço um tratamento diferenciado. Mas para ser sincero, eu não aceitaria. Seria como um auxílio extra e injusto com os outros alunos. Prefiro aceitar meu pouco tempo livre e me virar como posso. O professor Smith sempre tenta me ajudar, seja passando textos extras ou até mesmo trabalhos, mas eu sei que isso é porque ele acredita em mim e no meu potencial. Por isso que eu sempre me esforços em seus trabalhos e não sossego até achar que eles estão num nível decente.

- Espero que todos estejam com os trabalhos prontos em cima de suas mesas. – Sr. Smith disse enquanto entrava na sala. Sua expressão séria contradizia toda a postura que ele assumia do lado de fora da faculdade. Já tive oportunidade de conversar algumas vezes com ele fora daqui e é como se fosse outra pessoa. Eu fiz o meu estágio da graduação no escritório de advocacia do qual ele é sócio e tive oportunidade de vê-lo em ação algumas vezes. É algo fascinante, ele trata de tudo com um profissionalismo e uma tranquilidade incrível. Não se deixa abalar por erros de percurso ou problemas inesperados, é como se ele já estivesse previamente preparado para qualquer imprevisto. Ele é, definitivamente, meu exemplo profissional. Meu desejo é conseguir um emprego em seu escritório ao terminar essa especialização. De seu escritório sempre saem os promotores e juízes mais conceituados do estado, ou até mesmo do país. Se você consegue uma vaga lá, você está com o seu futuro garantido.
A aula seguiu com tranquilidade, enquanto eu tentava lutar contra o sono. Por alguns minutos ele chegou a me vencer, mas eu retomei a dianteira. Eu sei que tenho que vir bem disposto, mas essa semana e principalmente essa noite foram muito tumultuadas, cheias de acontecimentos e novidades. Tudo me fez esquecer esse trabalho e quando você deixa de entregar um, seu semestre está todo está comprometido e eu não posso me dar ao luxo de deixar isso acontecer. Quase perto de soar o sinal, Sr. Smith fez uma leve exposição sobre os trabalhos, deixando claro que nenhum estava perfeito, mas que a maioria tinha se saído bem.

- . – ele chamou meu nome, enquanto eu terminava de arrumar minhas coisas.
- Sim, professor. – respondi, aproximando-me de sua mesa.
- Eu gostaria de ter uma breve conversa com você, é possível?
- Claro, quando o senhor quiser. – disse prontamente. Nesses últimos semestres eu aprendi que você deve estar sempre disponível para conversar com um dos professores. Teve um aluno que perdeu uma ótima oportunidade de emprego porque saiu apressado, sem dar atenção à professora que falava com ele. Dizem que ele está trabalhando um pequeno escritório no centro.
- Só preciso fazer uma pequena coisa antes, me espere perto da minha sala. – ele disse, recolhendo seus livros e os trabalhos entregues.
- Sem problemas.

Segui pelos corredores, indo até o quarto andar, onde ficavam as salas dos professores. Caminhei atentamente, quem sabe não avistava por alguma parte. Já havia feito tantas coisas nessas poucas horas que não nos vimos, que parecia que o que tinha acontecido ontem tinha sido há um mês. Cumprimentei algumas pessoas pelo caminho, chegando a avistar e alguns andares abaixo, sentados no pátio. Ela acenou alegremente, enquanto ele se prendeu a apenas um gesto com a cabeça. Esse jeito espevitado de é extremamente engraçado e contagiante. É meio impossível ficar triste perto dela, ela vai sempre arrumar um jeito de te fazer sorrir. Sempre a imagino trabalhando com crianças, cercada por uma dezena delas, empenhada como sempre. Ela é o oposto do , que sempre é muito contido, mas depois que eles começaram a namorar, ele já se tornou muito mais sociável, com certeza graças a ela. Nos últimos dias ela tem me ajudado com a , o que faz com que a minha dívida com ela aumente. Porque fazer o meu melhor amigo ser menos rabugento já foi um trabalho importante e que precisou de muito esforço.
Parei em frente à porta da sala do professor Smith, esperando ansiosamente para saber o que ele queria falar comigo. Esperava que não fosse nada sobre o último trabalho. Eu juro que fiz o meu melhor, mas também sabia que não tinha desculpas para dizer a ele. Tive uma semana de prazo e deixei para a última hora... Deus! Ele ia me matar. Minutos depois, vi que ele se aproximava a passos lentos do local onde eu o esperava. Com a expressão mais simpática do que de hoje mais cedo, ele cumprimentava todos que passavam por ele no corredor.

- Vamos conversar alguns minutos. – disse ele, abrindo a porta de seu escritório. O lugar era simples e aconchegante, as paredes num tom claro de azul passavam uma sensação de tranquilidade e contrastavam fortemente com os móveis de cor escura. Na parede do fundo tinha uma grande janela de dava vista para parte do campus, o lado esquerdo era coberto por uma estante escura repleta de livros, no lado direito tinha um pequeno sofá cinza e alguns quadros na parede. Lá também estavam os diversos diplomas e certificados que ele possuía. Ele se acomodou em sua grande poltrona preta e pediu que eu me acomodasse numa das cadeiras igualmente pretas dispostas à frente da mesa. – Eu não estou te atrasando para o trabalho ou algo assim, certo?
- Não, eu ainda tenho algumas horas antes de ir trabalhar. – respondi e ele afirmou com a cabeça, sorrindo fracamente.
- Então vamos ao assunto. – ele disse, juntando as mãos em cima da mesa e me encarando. – Eu dei uma lida rápida no seu trabalho hoje cedo... – ele começou e eu engoli seco. – E gostei bastante. Você tem uma forma muito singular de analisar as informações e sabe trabalhar muito bem as palavras na construção dos textos. Não é de hoje que os seus trabalhos estão entre os melhores da turma, mas preciso me apressar em dizer que isso não me espanta. Desde seu curto estágio junto a mim e minha equipe você demonstra potencial, . Eu apostei em você uma vez e me vi certo, então posso me dar ao luxo de apostar novamente.
Eu ouvia todos os seus elogios e não sabia o que responder, muito menos como agir. Ver o professor que você mais admira dizer coisas boas sobre você é desconcertante.
- Muito obrigado, Sr. Smith. O senhor não imagina o quanto é recompensador ouvir isso. Eu tenho trabalhado duro, dado o meu melhor.
- Eu sei de tudo isso, , e nada me espanta. Você é um aluno dedicado, que sabe quais são seus defeitos e trabalha para sempre melhorar. É por isso que eu quero lhe fazer uma proposta. No fim desse semestre, que é quando você se forma, terá uma vaga em meu escritório à sua espera. Você ficará num período de experiência durante um ano, mas não será como um estágio. Você será tratado como todos os advogados, mas estará em constante avaliação. Eu preciso desse tempo para ter certeza que você se encaixa no nosso perfil. O que você acha? Está interessado?
- Com toda a certeza. Os meses que eu estive em seu escritório foram o período onde eu mais aprendi e todas as experiências que tive com todos que trabalham lá foram as melhores possíveis. É uma honra ouvir tudo isso vindo do senhor e será uma maior ainda trabalhar ao seu lado. – respondi sinceramente, contendo toda a loucura que se passava em minha mente agora. Eu estava em estado de graça, sentindo que todos os meus esforços foram recompensados e que algo maior me esperava no futuro.
- Então seja bem-vindo ao Grupo Linklaters.* - ele estendeu a mão e quando eu a segurei era como se eu estivesse assinando um contrato que mudaria toda a minha vida. E mudaria para muito melhor.
* O Grupo Linklaters é o segundo maior escritório de advocacia do mundo.


Entrei num rompante na cozinha, fazendo com que Carlie desse um pulo e quase derrubasse a tigela que carregava. Sem explicar nada, corri até ela, levantando-a do chão e girando seu corpo livremente pelo ambiente. Ela ria alto, pedindo, entre gargalhadas, que eu explicasse logo o que tinha acontecido e que a colocasse no chão. Na verdade, Carlie não é muito adepta a demonstrações de afeto, mas eu não conseguia me conter.

- Eu consegui, eu consegui, eu consegui. – murmurei, enquanto a mantinha no ar.
- O que foi, menino? O que você conseguiu? Me coloque no chão! – ela dizia sem parar.
- Meu professor, o mesmo que me deu o estágio antes, ele me convidou formalmente para me juntar ao corpo de advogados do escritório dele. Carlie, é um dos mais importantes do mundo. – eu disse, enquanto tentava me recompor.
- Como assim? Quando ele te disse isso? Meu Deus, eu sabia que você ia conseguir! – ela falava, me puxando para um abraço apertado. – Vem, vamos contar para o seu tio, ele vai enlouquecer! – dizendo isso, ela me puxou até o salão, que já estava movimentado. – Paul, nosso menino tem uma ótima notícia! – confesso que me sinto muito feliz quando Carlie me chama dessa forma. Sei que não estou sozinho no mundo, mas ouvir essas palavras tão simples faz com que eu me sinta mais, sei lá, querido...
- Carlie, eu estou meio ocupado aqui, não está vendo? – ele murmurou, apontando para os clientes à sua frente.
- Paul, é sério. – ela falou, me empurrando para perto dele, que me encarou de forma séria.
- Meu professor me ofereceu uma vaga no Grupo Linklaters. – despejei rapidamente. Ele não disse nada, apenas andou lentamente até onde eu estava e me olhou por alguns segundos. Eu não conseguia descrever o que aquele olhar transmitia. Meu tio sempre foi um homem muito sério e contido, era difícil vê-lo animado com alguma coisa, sua vida era o seu trabalho. Sempre foi.
- Eu sempre soube que você conseguiria. Sempre soube que você teria um futuro brilhante. – ele disse, quase contendo as lágrimas. Após dizer isso, ele me puxou para um abraço apertado. Acho que nos dez anos em que morei com ele, meu tio nunca tinha me abraçado com tanta vontade. – Você é o filho que eu não tive, . E a cada dia você me orgulha mais e mais. – apoiando as mãos em meus ombros, ele suspirou, sorrindo levemente. – Uma rodada por conta da casa! – ele gritou, recebendo aplausos em resposta. – Tudo em homenagem ao meu garoto. – ele me olhou com um grande sorriso nos lábios e me puxou para outro abraço.
- Interrompo alguma coisa? – ouvi uma voz melodiosa soar perto de nós dois. estava parada perto do balcão, meio sem jeito.
- Ah, não. Claro que não. – apressei-me em dizer.
- Alguma comemoração especial? Olha, se você estiver ocupado eu volto depois. – ela fez menção de se afastar, mas parou no meio do movimento.
- E se fosse uma comemoração, qual é o problema de você participar? – indaguei.
- Pode ser algo de família, não sei. – respondeu, reprimindo um sorriso. Conforme eu mantive meu olhar fixo no dela, não conseguiu segurar o riso. Aquela risada contagiante escapou de seus lábios e eu tive que acompanhá-la. – E então, é ou não uma comemoração?
- Talvez, eu acho que não é para tanto...
- Não é para tanto? – Carlie interrompeu. – , diga a ela o que aconteceu. – me olhou com a curiosidade faiscando em seu olhar, trazendo um brilho diferente.
- Tudo bem, eu conto. – respirei fundo. – Meu professor me ofereceu uma vaga em seu escritório de advocacia.
- Uma vaga? Mas como advogado mesmo ou estagiário? – ela perguntou, claramente animada.
- Como advogado, mas o primeiro ano servirá como avaliação. – disse, dando de ombros.
- Meu Deus, isso é maravilhoso! – ela exclamou, correndo até onde eu estava e jogando seus braços ao redor dos meus ombros. Quando nossos corpos se encontraram, eu senti tudo novamente. Aquele aroma suave e característico de seu perfume era maravilhoso. Nunca tinha sentido uma fragrância tão diferente e marcante como aquela, era como se emanasse de sua pele, como se fosse seu perfume natural. Respirei mais fundo, permitindo-me ser tomado por ele. Ela encostou a testa em meu pescoço e deitou a cabeça em meu peito, onde fazia um leve carinho com o próprio rosto. Quando estávamos juntos, nós não tínhamos muita noção de tempo. O que pareciam apenas dois minutos, poderiam ser meia hora ou mais. Nós só nos afastamos quando ouvimos alguém tossir levemente e em seguida um riso baixo. tinha o rosto corado, um sorriso fraco nos lábios e manteve uma de suas mãos na minha. – Eu estou muito feliz por você, . – ela disse me encarando com intensidade. Naquele momento era praticamente impossível fazer com que eu tirasse meu olhar do dela.
- Obrigado. – murmurei, sem jeito.
- Acho que você tem que trabalhar, não é? Eu não quero te atrapalhar. – disse, enquanto mordia o lábio num gesto quase inconsciente.
- É, eu tenho que... – comecei a responder, quando fui interrompido por Carlie.
- Hoje você pode tirar o dia de folga, você merece, não é, Paul? – ela sorriu, sinalizando disfarçadamente para .
- Ah! Claro, tire o dia de folga. – meu tio disse, ainda tentando entender. Olhei para , que estava com a expressão mais confusa do que antes. Sorri, estendendo uma das mãos para ela. Retribuindo meu sorriso, ela pôs sua mão sobre a minha. Segui para a porta, não antes de me despedir dos meus tios. fez o mesmo, ainda que um pouco acanhada. Porém alguns passos após sairmos do bar, nos separamos, andando apenas lado a lado.
- Estou me sentindo mal. – ela confessou. – Eu cheguei sem ser chamada e atrapalhei um momento de família.
- Não atrapalhou nada, eles estavam me parabenizando, só isso. Mas o que você foi fazer lá? Não me diga que já estava com saudade... – ela sorriu timidamente, me olhando pelo canto dos olhos.
- Não seja tão pretensioso, eu estava procurando a . Não a achava em lugar nenhum, então pensei que ela pudesse estar aqui com o . Mas vi que não estava, então voltei à estaca zero.
- Vou te dar um conselho: quando eles sumirem assim, não tente procurar, pois você pode achar e não gostar do que vir. Digo isso por experiência própria.
- Ok, não procurar pelo casal apaixonado quando eles sumirem. Anotado!
- Vocês iam fazer alguma coisa ou era só, sei lá, passatempo? – perguntei, indiscreto.
- Mais passatempo mesmo. Minha professora marcou uma aula extra hoje de tarde e eu não tenho nada para fazer até a hora da aula, então...
- Se você quiser te faço companhia, aparentemente eu ganhei o dia de folga por sua causa.
- Bem, se você quiser passar mais tempo comigo, ainda mais depois de ontem, sinta-se à vontade. – ela disse, dando de ombros.
- Só pra você ficar ciente, se levasse em consideração o dia de ontem, eu pensaria seriamente num sequestro mais longo, foi muito rápido. – ela abaixou a cabeça, levemente corada.
- Será que precisarei beber alguma coisa ou me sairei bem sóbria? – perguntou, com um sorriso bobo nos lábios.
- Ontem você se saiu muito bem. – comentei, colocando-me em sua frente e fazendo-a parar. Ela estranhou no começo, olhando-me meio confusa, até que nosso olhar se cruzou. Era como se nos conectássemos na mesma frequência quando isso acontecia, como se passássemos a ler o pensamento um do outro. Lentamente, passei um braço ao redor do seu corpo, trazendo-a para mais perto.
- Pensei que iríamos devagar, pra ver o que ia acontecer. – ela disse baixo, meio que controlando a respiração.
- Mas eu estou indo devagar. Por que você acha que eu esperei até sairmos do bar? – murmurei em seu ouvido. Ela riu baixo, balançando a cabeça.
- Então eu acho que você está indo devagar até demais. – disse, colocando os braços ao redor do meu pescoço. Quando nossos lábios se juntaram mais uma vez, toda aquela enxurrada de sentimentos que me atingiu antes voltou com força total. Eu pouco me importava que estivéssemos no meio da rua e que as pessoas estavam passando ao nosso lado. A única coisa que realmente importava era a menina que estava em meus braços.


- Então você nunca trabalhou? Sempre dependeu dos seus pais? – perguntei, incerto. Talvez seja normal as pessoas não precisarem se sustentar na idade dela. Talvez nossas realidades sejam completamente diferentes. Talvez seja um pouco de exagero da minha parte achar que isso é importante. Feliz é ela que só precisa se preocupar com poucas coisas...
- Ah! Que maravilha. Agora eu sou uma pobre menina fútil e sustentada pelos pais. – ela rolou os olhos. – Minha vida não é tão simples como você pensa, eu não sou tão normal assim.
- Não estou te achando fútil ou mimada, você apenas teve sorte de nascer numa família com dinheiro. Azar é de quem precisa correr atrás do seu próprio sustento.
- Por que parece que cada palavra que você fala me atinge como uma crítica direta? – ela perguntou, cruzando os braços e me encarando seriamente. – É muito bom ver que um advogado tem essa mente fechada e cheia de conceitos pré-fabricados. Infelizmente você não me conhece tão bem assim, pra saber que os meus problemas não estão nem perto de serem resolvidos de forma simples e direta, como arrumar um emprego no bar do tio para pagar a faculdade.
- Então por que você não me explica e desfaz a barreira quase que eletrificada que surge quando falamos de algo relacionado à sua família? Eu não precisei de tanto tempo assim para perceber. É só alguém falar qualquer coisa relacionada à Dinamarca, que você se transforma em outra pessoa. Eu não perguntei por mal, só comentei, porque essa não é a minha realidade.
- Sabe uma coisa que eu não estou entendendo nesse exato momento? – ela disse, apoiando os braços na mesa e inclinando seu corpo na direção do meu. Nós estávamos sentados na lanchonete da faculdade, esperando chegar a hora da aula dela.
- Não. – respondi, cruzando os braços na altura do peito, imitando seu gesto.
- Como chegamos nesse assunto. – ela falou, segurando o riso. – Tanto assunto para escolhermos e vamos direto ao que gera atritos. Adoro isso.
- Mas isso foi proveitoso, descobri algumas características suas.
- Quais? – ela perguntou, repentinamente interessada.
- Você não é fútil, nem mimada, tem um gênio muito forte, se estressa com facilidade... – peguei sua mão, colocando-a entre as minhas. - Quando você fica irritada, uma ruga surge no espaço entre os seus olhos, a sua voz fica um pouco mais fina, seu rosto mais vermelho e você, mais linda do que nunca.
- Também descobri características suas. – ela disse, fingindo não estar sem jeito. – Você não aceita a opinião dos outros, pois isso faz você estar errado, então você pega o que a pessoa fala e usa contra ela. Quando percebe que está perdendo a discussão, você evita olhar os olhos da pessoa, mas quando sabe que está certo... – ela respirou fundo, evitando meu olhar. – Quando você está certo, olha de uma forma que parece poder ler a alma. – ela fez uma careta. – E isso não é justo.
- Por que não é justo? – indaguei, fazendo com que ela olhasse em meus olhos mais uma vez.
- Porque deixa todo mundo deslumbrado, fascinado, sem reação e assim eles fazem o que você quiser.
- E isso acontece com você? – perguntei, passando os dedos levemente pelo seu rosto, enquanto olhava intensamente em seus olhos.
- Todo o tempo. – ela sussurrou. Aproximei-me devagar, sem deixar que nossos olhares de desviassem e juntei nossos lábios com cuidado.
- Viu. – ela disse, afastando-se. – Injusto. Eu nem consegui pensar em impedir que você se aproximasse.
- E você queria impedir? – disse, pegando-a desprevenida. Ela ficou em silêncio por alguns segundos, talvez pensando no que responderia. E então respirou fundo e se aproximou novamente, segurando, com cuidado, meu rosto entre suas mãos.
- Acho que já fui longe demais pra voltar agora. – confessou. Seus olhos brilhavam e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Nada quebraria o nosso contato visual no momento. Nossos olhares falavam muito mais que qualquer palavra poderia dizer. Sei que ela estava esperando que eu dissesse alguma coisa, mas eu não sabia mesmo o que falar. E talvez não fosse necessário. Provavelmente as respostas para quaisquer perguntas que ela tivesse a fazer estavam estampadas em meu rosto. Eu não devia ter medo, não devia temer. Nada poderia atrapalhar o que estávamos tendo nesse momento. As coisas estavam se acertando lentamente, por que impedir que as coisas boas aconteçam na minha vida? Porque não há como negar que ela seja uma coisa maravilhosa que apareceu na minha vida.
- Eu acho que se formos juntos, – coloquei minha mão por cima da sua – conseguiremos ir mais longe, o que acha?
- Eu juro que por alguns segundos eu pensei que tivesse indo longe de verdade. – ela disse, respirando aliviada. – Pensei logo: "Droga, assustei o menino, ele nunca mais vai querer me ver."
- Por um momento você me assustou mesmo, mas foi uma sensação boa. Uma espécie de novidade.
- Eu não sou boa com relacionamentos, as coisas não funcionam muito bem comigo. Então sempre parece que tem algo errado. Quando eu me envolvo, a outra pessoa não sente a mesma coisa e vice e versa.
- Comigo também não, mas nós podemos fazer dar certo. Nós dois. – falei, após reunir toda a coragem que havia em mim. Nunca tinha dito uma coisa tão sincera para uma garota antes. Nunca tinha me sentido tão à vontade para isso. Mas percebi que com ela tudo era mais fácil, tão fácil como respirar. Talvez um dia possa ser tão necessário quanto...
- Nós dois. – ela disse, sorrindo em seguida. – Isso parece ser bom o bastante. – sem pensar muito, juntei nossos lábios novamente.

Pela primeira vez estou entrando de coração num possível relacionamento. Antes, apenas de imaginar essa possibilidade, eu já me via fugindo. É como se agora tudo fosse de verdade e não coisas da minha imaginação. Como se eu tivesse sentindo que valeria a pena. E, para ser sincero, estou me sentindo muito bem assim. Completamente vulnerável e sem saber o que acontecerá. Tudo bem, pode vir o que for. Estou preparado e dessa vez não vou fugir.

/’s Pov



Nono

You've got magic inside your finger tips
(Colbie Caillat - Magic)
Música do capítulo. Coloque-a para tocar quando a letra aparecer.


Dois meses depois...

- E então, como estão as coisas entre você e o ? – perguntou, entre um gole e outro do seu café.
- Bem, eu acho. Quer dizer, tá tudo na mesma... – dei de ombros. Não estou acostumada a falar sobre a minha vida amorosa assim tão abertamente com alguém. Mas parece ser uma coisa tão comum entre amigas, pois sempre que há algo novo, sempre corre para me contar. Sinto que devo fazer o mesmo com ela, mas nada tem acontecido nesse meio tempo.
- Vocês estão saindo há um bom tempo, certo?
- Talvez dois meses, um pouco mais. – respirei fundo, olhando a cafeteria. Eu faria qualquer coisa para mudar o rumo dessa conversa. Numa mesa ao fundo e sozinho, estava Jared, um cara que é da minha turma. Ele é um pouco estranho. Vive sozinho, calado e distante dos outros alunos. Falei com ele apenas uma vez e depois disso nem mesmo um 'oi' ele se importou de dizer. Sempre quando passo por ele e o cumprimento, recebo silêncio em resposta. Tem um tempo que eu parei de ser educada. E assim que eu parei de falar qualquer coisa, ele começou a falar comigo novamente, pedir ajuda, cumprimentar e até mesmo sorrir. Quem consegue entender? – , tá vendo aquele rapaz ali, sentado sozinho no fundo? – perguntei.
- Sim, o que tem? – ela perguntou, abandonando a revista que segurava.
- Você deveria estudá-lo. Ele deve ter algum tipo e distúrbio de dupla personalidade.
- Por quê? – ela disse, visivelmente mais interessada.
- Ele fala comigo quando quer, sorri quando quer, pede ajuda quando quer. Enfim, eu só existo quando lhe é necessário. – bufei. – Isso é altamente irritante.
- O quê? Não ser passível de atenção a todo momento? – ela falou, segurando o riso. Voltei meu olhar até ela, completamente confusa.
- E desde quando eu necessito tanto de atenção?
- Desde sempre. – ela sorriu abertamente. – , sem querer ser maldosa ou chata, mas você sempre gosta de estar sob os refletores. Não vejo maldade nisso, é apenas o seu jeito. Talvez coisa do signo... – e então ela começou a falar coisas confusas que eu não consigo entender e muito menos acompanhar.
- . – tentei chamar sua atenção uma vez. – . – duas vezes. – . – três vezes, todas sem sucesso. – ! – falei um pouco mais alto.
- Fiz de novo? – ela perguntou, fazendo uma careta. E eu confirmei com um aceno com a cabeça. – Mas você entendeu por que eu disse que você precisa de atenção?
- Não, não mesmo.
- Assim, você não faz por mal, mas sempre atrai as atenções para você. Quer dizer, é até bonito de se ver, sabe? É como se você tivesse um dom que fizesse as pessoas prestarem atenção no que você fala. Pode ser algo astrológico ou da sua criação, mas para ter certeza eu precisaria ver o seu mapa astral...
- Eu acho que eu fui criada para ser assim, para que todos sempre fizessem minhas vontades. Talvez faça parte do pacote que vem junto com o fardo da família. – murmurei.
- Mas você não costuma usar muito isso a seu favor. Deveria usar, principalmente com o . Vai que ele te pede em namoro de uma vez.
- , mas coisas estão ótimas da forma que estão. Não vou forçar nada, vai que tudo desanda?
- Eu gosto de tudo certinho, . Se as pessoas estão juntas, estão namorando e ponto final. Será que ele não gosta o bastante de você? – ela disse, chocada com o próprio comentário. – Nós podemos fazer um teste, o que acha?
- Que teste, ? Você tá louca? – perguntei, rindo.
- Esses testes de revistas. – falou, folheando a que estava em suas mãos. – Pronto, achei um aqui perfeito: 'Será que ele está na sua?'. Que nome cafona... – ela estava altamente animada com a situação. São essas pequenas coisas que me fazem gostar tanto dela.
- Não, , por favor. – pedi, mas ela me ignorou.
- Primeira pergunta: Ele se esforça para passar algum tempo com você?
- Não precisa disso. – falei, sendo ignorada mais uma vez. Respirei fundo, entendendo que deveria entrar no jogo dela. Ok, vamos lá. – Sim, ele sempre me procura quando não está na faculdade ou trabalhando.
- Bom, muito bom! Vou marcar aqui sempre. Segunda pergunta: Ele demonstra ter algum tipo de sentimento especial por você ou tudo é sempre superficial?
- Que pergunta difícil. Eu não sei, não tem como avaliar isso, tem?
- Eu respondo isso por você, é mais fácil ver de fora. – ela sorriu. – Dá pra ver que não é nada superficial só pela forma que ele te olha, ainda mais conhecendo o como eu conheço.
- Você sempre torna as coisas muito mais românticas do que parecem ser, sabia?
- Desculpe, é mais forte do que eu. Ok, marcarei aqui que sim, tem sentimentos especiais. Terceira pergunta: Ele já demonstrou sentir ciúmes?
- Não, acho que nunca foi necessário.
- Tá, não. Quarta pergunta: Vocês saem com outras pessoas?
- Eu não, definitivamente não. – disse rapidamente. – Só não sei quanto a ele...
- Não, isso não é do feitio dele. Se tivesse mais alguma garota na jogada, ele falaria com você. Assim como ele fez com a Alicia quanto você apareceu. Apareceu para salvá-lo, na verdade. – ela murmurou a última frase, para que apenas eu ouvisse.
- Ela é tão horrível assim? – perguntei curiosa. – Ouvi muito sobre essa garota, mas nunca tive a oportunidade de conhecê-la.
- Pense numa pessoa ruim, agora duplique, adicione uma dose de antipatia e outra de arrogância. Pronto, aí está a Alicia. Você não está perdendo nada.
- Que bom então. Não preciso de pessoas assim na minha vida. – comentei, dando uma brecha para que ela continuasse.
- Quinta e última pergunta. Hmm, essa é importante. – ela disse, com um sorrisinho. – Vocês transam com frequência?
- O quê? – perguntei alarmada. Que tipo de pergunta é essa? Como colocam isso numa revista?
- Vocês tran... – ela ia repetindo, mas eu a cortei.
- Eu entendi a pergunta, só não sei como ela pode acrescentar algo no teste. É altamente desnecessário, . Não vou responder isso, não vou falar disso. Não... – apoiei meu rosto em minhas mãos, sentindo-o quente. Eu estava completamente vermelha de vergonha.
- , vocês já...? – ela perguntou calmamente, sentindo meu estado de completa timidez.
- Eu não gosto de falar sobre isso, sério. – respondi, após respirar fundo algumas, muitas, vezes.
- Você pode se abrir comigo, não tem problema. – ela disse, trazendo sua cadeira para mais perto e parando bem ao meu lado.
- Eu não me sinto à vontade, não é nada com você especificadamente.
- Estou aqui como sua amiga, aquela em quem você pode confiar, se abrir e, sei lá, contar qualquer coisa. Juro que tentarei te ajudar da melhor forma possível. – ela passou a mão pelos meus cabelos, sorrindo calorosamente. Sim, ela era minha amiga. No melhor e maior sentido da palavra. Uma amizade construída em tão pouco tempo, mas sem deixar a desejar em nenhum aspecto.
- A gente ainda não, você sabe... – confessei, dando de ombros.
- Isso é uma coisa boa se você analisar bem. Se ele não quisesse nada sério com você, já teria arrumado uma forma de conseguir o que queria e desaparecido em seguida. Não vou negar, já vi o fazer isso algumas vezes. Mas isso não é fruto de um caráter ruim, é coisa de homem mesmo. E ele não fez isso com você. Você sabe como o sexo é importante para os homens. Quer uma prova mais concreta que essa?
- Eu sei, mas isso não é fruto de um grande controle dele, porque se dependesse do , já teria acontecido. Nós tivemos nossos momentos lá no quarto dele, mas eu sempre arrumava uma forma de fugir. Não é por mal, é que eu não tive boas experiências, entende? – respondi, desanimada com o rumo que a conversa tomou. Não gosto dessa parte da minha vida. Quando eu achava de deveria fazer as coisas porque todos faziam e não porque eu queria. Resultado: o pior possível. Abri mão de algo importante em troca de nada. E isso não é algo que faça você se sentir orgulhosa.
- Mas só há uma forma que mudar isso, . Tendo novas experiências. – ela disse, com um belo sorriso. – Sabe, a primeira vez é sempre complicado, é tão comum que as pessoas se arrependam depois. Não fica se martirizando por isso, não vale a pena.
- Ele já tentou tanto, que já desistiu. Eu realmente não sei o que ele ainda faz comigo, não com tantas garotas loucas por ele.
- Eu acho que você deveria mostrar a ele, sei lá, mostrar como valeu a pena estar com você durante todo esse tempo. Você sabe que pode fazer isso. – ela deu uma piscadela, com um sorriso sacana nos lábios. – Se quiser, eu tenho várias táticas e...
- Não, eu não quero saber o que você faz com o na cama. – falei, rindo alto. – Muito obrigada, . Eu não tenho abertura para falar sobre isso com ninguém e, por mais que não goste, é preciso falar algumas vezes. – abracei-a fortemente, querendo deixar claro toda a minha gratidão e o quanto ela é querida.
- Relaxa, não foi nenhum tormento. Agora vamos mudar o assunto, porque os meninos estão chegando aí. – ela murmurou rapidamente. Forcei um sorriso qualquer, não queria que o percebesse que alguma coisa estava errada.
- Olá, meninas. – disse, dando logo um rápido beijo em sua namorada. não disse nada, apenas sentou-se ao meu lado, me puxando para um longo e delicado beijo. Passei os braços ao redor do seu pescoço, enquanto ele me abraçava pela cintura. Tentei prolongar o beijo o máximo que pude, não queria deixá-lo tão cedo. E também não pude deixar de sorrir durante o mesmo, era uma plena reação a ele.
- Tudo bem? – ele perguntou, fazendo um leve carinho em meu rosto.
- Tudo ótimo e com você?
- Perfeito agora. – ele disse, dando um beijo na ponta do meu nariz em seguida. – Não posso ficar aqui com você, tenho que trabalhar.
- Tá, eu vou caminhando com você e depois pego um táxi até em casa. – disse, pegando minha bolsa em cima da mesa.
- Vocês já vão? – perguntou, contrariado.
- Eu tenho trabalho para fazer e o tem que trabalhar. Não temos a vida mansa de vocês dois. – acusei, recebendo olhares críticos em resposta.
- Eu tenho várias coisas para fazer, só falta vontade. – deu de ombros.
- Ok, depois nos falamos. – aproximei-me para lhe dar um beijo de despedida e em seguida em , que murmurou em meu ouvido:
- Pensa no que eu disse, faça valer a pena. – balancei a cabeça em concordância.
- Vou pensar. – sorri, acenando para os olhos.
- Vai pensar em quê? – perguntou depois que nos afastamos. Nós desviávamos das mesas, enquanto tentávamos conversar. Meio sem sucesso. Quando conseguimos sair da cafeteira, ele segurou minha mão e me puxou ao seu encontro, passando o braço ao redor dos meus ombros.
- Numa coisa que a me falou e não, não vou te contar. Deixa de ser curioso. – respondi rápido, fazendo-o rir.
- Tá bom, não pergunto mais. Só que não é minha culpa ser curioso, eu nasci assim.
- Claro que é sua culpa. – respondi, rolando os olhos. Ele começava a falar alguma coisa, quando ouvimos uma voz feminina o chamando ao longe. Paramos e viramos na direção da voz. Vendo uma menina loira se aproximar, apertou seu abraço ao meu redor, me deixando confusa.
- Nossa, pensei que não fosse me ouvir te chamando. – ela sorriu abertamente, mas algo ali me parecia falso.
- E quase não ouvi mesmo. – ele respondeu, sem paciência.
- Só queria lhe fazer um convite, ou melhor, te lembrar. Meu aniversário é no próximo final de semana e farei uma festa lá em casa. – ela disse num tom altamente forçado, como se quisesse seduzi-lo ao algo assim. O que seria completamente desnecessário mesmo que eu não estivesse aqui presenciando tudo isso. Será que eu estava invisível e ela não via que eu estava com ele? Rolei os olhos ao ver mais um de seus sorrisos forçados. Realmente, algumas pessoas não precisavam existir. E mesmo sem nenhuma apresentação formal, ainda mais depois de toda a descrição feita pela , eu já sabia muito bem quem era a loira forçada à minha frente: Alicia.
- Tudo bem, talvez eu apareça. Agora eu tenho que ir, estou atrasado. Obrigado por me convidar. – disse, já se encaminhando para a saída mais uma vez.
- Ah! ... – ela disse, chamando a atenção dele mais uma vez, que rolou os olhos antes de ser virar. – Você pode levar a sua amiga também se quiser. – ela se voltou para mim. – Também está convidada, querida. – ela sorriu e eu retribuí, dando o meu melhor sorriso forçado em resposta.
- Ela não é minha amiga, Alicia. – ele me olhou por alguns segundos. Aqueles olhos azuis me encaravam com tanta intensidade, que eu não conseguia desviar o olhar. E também não queria. Como quem estivesse decidindo algo importante, ele manteve o contato visual, sem quebrá-lo nem para responder. – Ela é minha namorada. – ele disse com tanta firmeza, que eu não poderia negar nem se quisesse. Um sorriso surgiu em seus lábios, tornando-o irresistíveis demais para qualquer pessoa. Sem encarar o ato como algo premeditado e proposital, deixei que minha boca se juntasse à sua, num beijo calmo. Por alguns segundos, nós simplesmente esquecemos a presença da Alicia à nossa frente. Nós dois éramos a única coisa que importava no mundo. Ela fez um barulho indecifrável, algo como uma tosse forçada, fazendo com que nós voltássemos lentamente ao mundo real.
- Ok, então você pode levar a sua namorada. – ela mudou a entonação na última palavra, fazendo com ela se destacasse. E cada vez que eu a ouvia, um sorriso teimava em surgir no meu rosto. Era inevitável.
- Ah, esqueci de entregar um livro para o . Já volto. – disse, seguindo rapidamente para a mesa onde estávamos antes. Sem ter o que dizer, fiquei encarando as pessoas à minha frente e ignorando a presença da Alicia.
- Você pode enganá-lo, mas a mim não. Eu sei que você esconde alguma coisa dele e eu vou descobrir o que é. – ela murmurou, para que apenas eu ouvisse.
- Eu não tenho nada a esconder, Alicia, e não tenho medo de você. – falei, sem paciência. Mantive a expressão tranquila por fora, enquanto tremia por dentro. Ela não podia descobrir nada a meu respeito. Se soubesse a verdade por alguém que não fosse eu, tudo seria ainda mais complicado. Respirei fundo algumas vezes, sem demonstrar fraqueza.
- Não tem nada a esconder? Vamos ver se é verdade... – ela disse, com mais um sorriso falso nos lábios. Nesse meio tempo voltou, entrelaçando nossas mãos antes de continuar seu caminho.
- Até mais, Alicia. – ele disse rapidamente, sem dar chance para que ela respondesse. Quando finalmente chegamos à rua, eu pude respirar normalmente outra vez. Eu tenho que me controlar.
- Um amor de pessoa essa sua amiga. – disse e ele segurou o riso. – Não sei como você conseguiu ter algo com ela. O beijo não era venenoso?
- Eu não tinha tido a sorte de te encontrar antes. – falou, dando de ombros.
- Você tem uma lista com frases feitas, não tem? – rolei os olhos, ouvindo sua risada alta em seguida.
- Err, o que eu falei para a Alicia sobre nós dois... – ele começou a falar, mas eu o interrompi.
- Depois nós falamos disso, ok? – pedi, apertando um pouco mais sua mão. Por mais que aquele beijo fosse uma resposta positiva, ambos percebemos que aquele não foi um pedido muito válido.
- É, é melhor falar depois mesmo. – ele respondeu, quando paramos em frente ao bar do seu tio. – Eu te ligo mais tarde, vou trabalhar até tarde hoje.
- Sem problemas. – disse, colocando meus braços ao redor de seu pescoço e me pondo na ponta dos pés para alcançar seus lábios. Ele abraçou minha cintura, me tirando do chão por alguns segundos. – Dê um beijo no Paul e na Carlie por mim, nem vou entrar senão vou atrapalhar tudo. – falei quando nos separamos.
- Tudo bem, eu digo que você mandou lembranças.
- Agora entre, antes que ele sinta a sua presença aqui fora e venha te buscar pelas orelhas. – ele sorriu e juntou nossos lábios rapidamente antes de entrar.
Respirei fundo, procurando por um táxi vazio. Eu tomaria uma decisão e uma atitude hoje.

Eu não esperei até chegar em casa para tomar qualquer tipo de decisão. Eu sabia o que tinha que fazer, desde o momento que a falara comigo. Não são as experiências ruins que devem ficar e sim as boas. Se eu agi errado antes, se eu fiz algo com uma pessoa que não deveria ou não merecia, isso é passado.
E o passado deve ficar no passado. Essa frase parece tão óbvia, mas é mais difícil do que parece.
É complicado quando você se envolve com alguém e essa pessoa só pensa no que ela poderá falar no dia seguinte. Algo como: "Nossa, eu dormi com a futura rainha da Dinamarca." Você passa a evitar qualquer tipo de envolvimento e cria uma barreira, evitando qualquer aproximação, por mais verdadeira que seja.
Só que com o as coisas eram diferentes, naturais. Sexo deveria ser uma consequência prazerosa da nossa relação, e não um motivo de timidez, de me deixar retraída. Negar, dizer que ainda não chegou o momento, enquanto meu corpo pede por isso, chega a ser quase masoquismo. Não me privarei mais de nada, não tendo uma pessoa como o ao meu lado. Ele é mais do que eu poderia querer. Eu tenho vinte e três anos, não posso me comportar como uma adolescente medrosa.
O problema é como me comportar de acordo com a minha a idade, quando o meu nível de experiência é como de uma adolescente.
O que eu devo vestir, como devo me portar, o que tenho que falar?
Uma roupa provocante e maquiagem pesada estão fora de questão, não quero parecer uma prostituta ou algo do tipo. Tá, me vestirei normalmente.
Tenho que chegar "atacando" ou devo demonstrar a ele o que quero e esperar que tudo se encaminhe sozinho? Talvez nem uma coisa e nem outra. Sim, eu devo deixar claro o que eu quero, ainda mais depois de muito tempo correndo do óbvio. Mas também não posso tomar todo o controle.
Falar? Bem, talvez palavras sejam desnecessárias nesse caso...

Olhei para o relógio e o mesmo marcava 23hs, hora que o bar costumava fechar durante a semana. Ouvi batidas na porta quando terminava de me arrumar. Gritei para que entrasse e vi o rosto de Ellen surgir na porta.
- Vai sair? – ela perguntou espantada, parando onde estava. Respirei fundo, esperando que ela percebesse meu estado de espírito, para que eu não precisasse explicar nada.
- Eu vou até a casa do . – falei, como se não fosse nada importante.
- A essa hora? – ela disse, olhando para o relógio e em seguida voltando seu olhar para mim. Encarei seu rosto por alguns segundos, tentando imaginar o que se passava em sua cabeça. – Não vai voltar hoje, certo?
- Provavelmente. – respondi, olhando para o espelho novamente. Ela suspirou, entrando no quarto. Aproximou-se e começou a arrumar o meu cabelo de uma forma estranha, o que ela fazia quando se sentia sem jeito.
- Você vai precisar ser rápida para sair, os guardas de hoje não são tão lentos quanto os outros. Eu vou inventar um problema lá nos fundos e você sai assim que estiver tudo livre. – ela murmurou rápido, como se pudesse se arrepender de dizer cada palavra assim que a mesma saísse de sua boca.
- E o ?
- Com ele eu me entendo. Depois que você inventou esse namoro, nós acabamos nos aproximando. Fingir que sou apaixonada por ele cada vez que o vem aqui é difícil. – ela deu de ombros, mas eu senti algo diferente em sua voz.
- Vai que isso se torna um namoro de verdade. – disse baixo, recebendo um tapa leve em resposta.
- Nem brinque com isso. – ela ralhou, bem séria, mas em seguida deixou um sorriso surgir. – Estou me sentindo sua mãe.
- Mãe não, mas é como uma irmã mais velha. E é por isso que eu sei que você me entende. – falei, puxando-a para um abraço. – Você me entende, não é?
- Claro que eu entendo. – ela sorriu novamente. – Eu só quero que você, sabe, faça... Tudo certo.
- Não arrumarei um herdeiro antes mesmo de subir ao trono, Ellen. – disse num tom divertido.
- Eu vou descer, você espera cinco minutos e sai, ok? Mas vai rápido para ninguém te ver.

Saí tão rápido de casa que nem perdi tempo olhando para trás, vendo se alguém percebeu minha escapada. Ellen fez seu trabalho direitinho, levando todos os guardas para o os fundos, deixando a saída livre. Parei um táxi que passou e segui rapidamente para casa do . Em menos de quinze minutos, eu já estava no meu destino. Estava tudo apagado do lado de fora, afinal, já eram quase onze e meia da noite. Fui silenciosamente até a escada que levava ao quarto do . O quarto ficava no segundo andar da construção, na parte de trás. Respirei fundo antes de subir os poucos degraus que me levavam ao meu destino. E, sem fazer muito barulho, venci os últimos obstáculos e parei em frente à porta. Eu já tinha chegado até lá, não tinha lógica desistir agora. Então, sem demora, bati na porta. Tudo estava tão silencioso, que eu consegui ouvir os passos dele. Eles estavam ritmados com as batidas do meu coração, que estavam tão altas que quase incomodavam os meus ouvidos.
Seu olhar confuso foi a primeira coisa que eu vi, e em seguida o sorriso, que brotou assim que ele me viu. Deu espaço para que eu entrasse, ainda sem dizer nada. E pela primeira vez eu o olhei por inteiro. Ele vestia uma calça azul de pijamas e uma blusa preta de manga, que realçava os músculos de seu braço. Subi meu olhar até seu rosto, onde seus olhos roubaram minha atenção, pois brilhavam tão intensamente que a luz das estrelas não era nada se comparadas. Sem dizer nada, ele se aproximou, deixando seu corpo bem perto do meu. Um arrepio leve passou pelo meu corpo, devido a essa proximidade tão esperada. Com uma mão, ele traçou um caminho desde os meus dedos até o ombro, de onde tirou a bolsa e a colocou em algum lugar. Em seguida, colocou a mão sob meu queixo, levantando-o, para que ele olhasse em meus olhos.
- Oi. – ele disse baixo, com um pequeno sorriso nos lábios.
- Eu precisava falar com você e não podia esperar até amanhã. É que aquela coisa de namorada ficou na minha cabeça... – comecei, vendo uma careta substituir o sorriso.
- Eu não queria forçar nada, só me livrar da Alicia.
- Então não era sério? – perguntei, meio decepcionada. Afastei-me um pouco dele, ficando a alguns passos de distância. Isso não mudava meus planos, mas me pegou de guarda baixa.
- Não, claro que não. – ele negou rapidamente. – Quer dizer, você tem que querer também...
- Assim como você tem que pedir. – retruquei, indo até a janela e observando a rua pouco movimentada.
- Você está certa. – ele disse, enquanto eu sentia seu corpo junto ao meu novamente. Ele me abraçava por trás e apoiava seu rosto em meu ombro, fazendo com que seus lábios ficassem perto dos meus ouvidos. – O que você acha... – ele sussurrou e depois traçou beijos pelo meu pescoço até chegar ao outro lado. - ... de ser minha? – ele refez o caminho, deixando que a sua barba por fazer roçasse por toda a extensão dos meus ombros. – Somente minha.
- Talvez seja uma boa ideia. – murmurei, sem ter certeza se ainda tinha minha voz sob controle.
- Isso é um sim? – ele perguntou, girando meu corpo para que pudesse olhar em meus olhos.
- Não... – comecei a falar, colocando meus braços ao redor do seu pescoço. – Isso é um sim. – completei, selando nossos lábios com desejo.

You've got magic inside your finger tips
Você tem mágica na ponta dos dedos
Its leaking out all over my skin everytime that I get close to you
Isso está vazando por toda a minha pele toda vez que eu me aproximo de você
Your making me weak with the way you look through those eyes
Você me torna frágil com a maneira em que olha dentro desses olhos


Ele apertou seu abraço, fazendo com que nossos corpos ficassem colados. Nós nunca tínhamos tido um momento de tanta intimidade como esse. Era como se as últimas barreiras estivessem desmoronando. Qualquer coisa que ainda estivesse em nosso caminho tinha desaparecido. Pela primeira vez eu sentia que eu estava com alguém que não estava interessado no que eu sou ou o que tenho. Eu era a única coisa que queria. E eu também não estava muito diferente, não havia nada que eu quisesse mais nesse mundo a não ser ele. Apenas ele.

I remember the way that you move, your dancing easily through my dreams
Eu lembro do jeito que você se mexe, sua dança fácil nos meus sonhos
Its hitting me harder and harder with all your smiles
Está me machucando forte e mais forte com todos os seus sorrisos
You are crazy gentle in the way you kiss
Você é loucamente dócil no jeito de beijar


- Você não precisa fazer nada que não queira. – ele murmurou, enquanto segurava firmemente minha cintura e tentava voltar a respirar novamente. Eu acho que se ele quisesse realmente que eu voltasse a trás, não estaria me segurando como se a vida dele dependesse daquilo.
- , não fala nada. – falei baixo, colocando um dedo para selar seus lábios. – Eu sei exatamente o que eu quero e está em minha frente. Não tenho mais porque impedir isso, eu quero você.

Oh baby I need you to see me, the way I see you
Oh baby, eu preciso de você para me ver, do jeito que eu te vejo
Lovely, wide awake in the mirror of my dreams
Adorável, extraordinariamente acordado dentro do espelho dos meus sonhos


E então suas mãos já não estavam tão sensíveis, passeavam fortemente pelo meu corpo e o seu aperto já não era calmo, fazendo com que eu me arrepiasse por inteira. agarrou a barra da minha blusa e a retirou rapidamente, fazendo com que ela desaparecesse no ambiente. Em seguida, passou os braços pelas minhas pernas, me segurando em seu colo e me levando até a sua cama, onde me deitou cuidadosamente.

And all I see is your face, all I need is your touch
Tudo o que eu vejo é o seu rosto, tudo o que eu preciso é o seu toque
Wake me up with your lips come at me from up above
Acorde-me com os seus lábios, chegue ate mim de um nível superior
Oh, I need you
Oh, Eu preciso de você


E então a melhor noite de toda a minha vida iniciava. Enquanto eu estava em seus braços, era como eu meu corpo flutuasse, como se a gravidade não tivesse mais poder sobre mim. Éramos nós dois voando alto pelo céu.
Apenas eu, ele e o mundo aos nossos pés.



Décimo

Three, two, one... Here comes the hurricane, baby
(The Maine - Identify)


’s Pov

Desci as escadas apressado, seguindo para a cafeteria, onde deveria estar me esperando há alguns minutos. Ajeitei minha mochila em um dos ombros e entrei no pequeno corredor que levava até o pátio. Ainda do lado de fora, pude vê-la sentada numa mesa. Ela conversava animadamente com , enquanto estava fazendo alguma coisa no computador.
- Desculpe a demora. – pedi, assim que me sentei ao seu lado. Ela sorriu, me dando um leve beijo.
- Sem problemas, eles me fizeram companhia. – respondeu, dando de ombros. Coloquei minha cadeira mais colada na sua e passei um dos braços ao redor de seu corpo, trazendo-a para mais perto.
- Tudo bem com você? – perguntei.
- Tudo certo comigo. – disse, enquanto se limitou a acenar com a cabeça, afirmando.
- O que ele tanto faz nesse computador? – indaguei, inclinando a cabeça em sua direção.
- O pai pediu que ele desse uma olhada em alguma coisa da empresa. Ele tá enfiado nesse computador há horas, nem deve mais saber falar. – respondeu baixo, rindo em seguida.
- Então, , o precisa aliviar esse estresse, vocês precisam ir nessa festa com a gente. Por favor. – choramingou ao meu lado. Sabia que seria difícil ela receber qualquer resposta negativa. Era, simplesmente, irresistível.
- Viu como é verdade aquilo que eu falei sobre você conseguir tudo o que quer, toda a atenção que precisa?
- Isso é um sim? – perguntou animada.
- Só se o aceitar. – nós voltamos nossa atenção para ele, que novamente acenou com a cabeça, confirmando. sorriu abertamente ao meu lado, aconchegando-se mais em meu abraço.
- Quer dizer que só a minha companhia não é o suficiente? – perguntei, fazendo com que ela olhasse para mim.
- Não é isso, eu só não queria te prender durante toda a noite, entende? Você deve conhecer várias pessoas que estarão lá e vai querer falar com elas, não quero impedir. A não ser que seja a Alicia. – ela reprimiu um sorriso.
- Você tá com ciúme?
- Não, eu só não gosto dela. – deu de ombros, olhando rapidamente para , como se estivessem dividindo um segredo.
- Tem certeza? – perguntei baixo em seu ouvindo, fazendo um carinho em seu rosto em seguida.
- Talvez um pouco, quem sabe. – ela me deu um beijo. – Mas nesse caso ela que deveria sentir ciúmes, afinal, é comigo que você está. Pobre Alicia. – ela murmurou, falsamente triste.

/’s Pov


Alicia’s Pov

Eu estava observando de longe enquanto eles se beijavam. Eu precisava arrumar uma forma de separá-los e para isso eu precisava descobrir o que ela tanto escondia. Eu sei que tem alguma coisa, meu sexto sentido nunca se engana. Ela tem algo familiar para mim, como se eu já tivesse visto seu rosto em outra ocasião completamente diferente dessa. Se ela pensa que pode sair da Dinamarca e vir até aqui tirar o que é meu, ela está muitíssimo enganada. Isso tem que terminar logo e para isso eu preciso tomar algumas atitudes.

Dirigi-me para a Seção de Ensino, onde ficavam os cadastros dos alunos. Se há algo errado com ela, preciso começar pelo básico, preciso de informações mais pontuais. Desci as escadas, indo até o subsolo do prédio da Reitoria, entrando no corredor que cortava algumas salas com grandes janelas de vidro, onde conseguíamos ver os funcionários trabalhando. Entrei pela porta do fim do corredor, avistando Steve sentado em sua cadeira, concentrado em alguns papéis que estavam em suas mãos. Respirei fundo, debruçando-me sobre o balcão à minha frente, na direção em que ele estava. Pigarreei timidamente, chamado sua atenção. Quando seu olhar chegou até onde eu estava, sorri abertamente, fazendo um sinal para que ele se aproximasse.
- O que você tá fazendo aqui? Já te disse que ninguém pode nos ver juntos. – ele se apressou em falar.
- Steve, fique quieto. Você trabalha atendendo os alunos, por que nós não poderíamos estar tratando de alguma coisa relacionada à faculdade? – rolei os olhos. – E nem é pelo motivo que você tem em mente que eu estou aqui. Preciso de um favor.
- E o que é?
- Preciso ver a pasta de uma aluna.
- Nem pensar, se alguém descobre isso, eu serei demitido. Sem chances, Alicia. – ele disse, dando as costas e voltando ao trabalho.
- Se eu disser a alguém tudo o que já fizemos, você será demitido da mesma forma. Você sabe como é estritamente proibido o relacionamento entre funcionários e alunos, não é mesmo? – comentei, olhando as unhas. Vi que ele abaixou a cabeça, derrotado, tornando a olhar para mim. Sorri abertamente mais uma vez e ele se aproximou.
- Você não presta. – ele cuspiu as palavras.
- Nunca disse que prestava, enfim, o nome dela é e é a aluna que veio da Dinamarca, não sei o sobrenome e muito menos o curso.
- Sem problemas, eu sei quem é. Espere um pouco. – ele disse, dirigindo-se para a parte interna da sala, à qual eu não tinha acesso. Sentei-me numa das poltronas do local, contendo a vontade de roer as unhas de nervoso. Revezei entre bater o pé, estalar os dedos e até mesmo assobiar enquanto esperava Steve voltar. Ouvi seus passos ecoarem pelo piso e me aproximei da bancada mais uma vez. Ele trazia uma pasta em sua mão e tentava esconder a mesma das pessoas que passavam por ele no corredor. Rolei os olhos, ele poderia fingir que era a minha, certo?
- Anda, me dá. – falei assim que ele chegou.
- Cuidado, não suma com nada dessa pasta. – ele pediu, colocando a mesma em cima do balcão.
- Steve, pelo amor de Deus, eu não vou tirar a pasta daqui, vou apenas olhar as coisas que eu quero. Deixe de ser um chato. – bufei, começando a olhar os papéis. Uma espécie de diploma e mais vários tipos de documentos em dinamarquês ocupavam a maior parte do volume da pasta. Folheei mais um pouco, até que achei algo simples e em inglês, algo que eu conseguia entender.

Nome: Henrietta Ingrid Margrethe
Data de Nascimento: 12 de março de 1989
Natural de: Copenhague, Dinamarca

- Mas que espécie de nome é esse? – perguntei para mim mesma. Steve pegou o papel da minha mão e olhou com uma expressão confusa.
- Ela não tem sobrenomes, que estranho. – ele comentou e eu afirmei.
- Vou pesquisá-la na internet.
- Isso é quase uma perseguição, Alicia. Por que você quer tanto saber da vida dessa garota? – Steve perguntou, colocando o teclado e o mouse em cima do balcão, virando a tela do computador em minha direção em seguida.
- Ela pegou algo que era meu. – respondi, abrindo a página do site de pesquisa. Digitei seu nome de forma rápida e atenta, para não apertar alguma tecla errada. Assim que confirmei, surgiram diversos resultados em dinamarquês, fui descendo a página até encontrar algo em minha língua. Cliquei no mesmo, abrindo uma página estranha, como se fosse uma Fan Page. Tinham diversas fotos dela, algumas pessoas e outras diferentes, como se tivessem sido tiradas por paparazzi. Ignorei boa parte do texto, exceto uma parte que parecia importante. Uma na coluna lateral, uma espécie de ficha de dados, com nome, data de nascimento, nome dos pais e outras coisas. Aproximei-me para ler melhor e assim que entendi, arregalei meus olhos. – Não pode ser. – disse, chocada.
- O que é? – Steve disse, apressado.
- Me dê a pasta de novo. – pedi, respirando fundo. – Anda, Steve!
- Calma. – ele pediu, falando baixo. – Vão te ouvir lá dentro.
- Eu não me importo. – confessei, procurando os nomes dos pais dela na ficha. Eu precisava confirmar.

Filiação: Frederico André Henrik Christian e Mary Elizabeth Donaldson

Digitei o nome de seu pai no buscador, observando os resultados rapidamente. Cada um que eu olhava só confirmava a outra informação. Soltei um sorriso nervoso.
- O que foi? – Steve perguntou, curioso.
- Você não vai acreditar. – respondi, abrindo uma das fotos que achei, onde ela estava junto com seus pais e a legenda era bem esclarecedora. Virei o monitor para que Steve pudesse ver. Estava lá, em letras garrafais:

Rei Frederico, Rainha Mary e a filha do casal, , a Princesa Herdeira da Dinamarca.


- Ela é uma princesa, Steve. Uma princesa de verdade.

/Alicia’s Pov


’s Pov

- Você não precisa ajudar aqui no bar. – eu disse mais uma vez, vendo rolar os olhos.
- Eu não tenho nada para fazer, então não custa nada ser útil. Por mais que eu não saiba muito bem o que estou fazendo. – ela murmurou, segurando dois copos diferentes. – Aquele cara ali quer uma dose de alguma coisa...
- Deixa que eu o atendo e se você quer tanto ajudar, pode tirar as coisas daquela mesa ali. – apontei para uma mesa vazia perto da porta.
- Sim, senhor. – disse, sorrindo em seguida. Ela chegou perto da mesa e começou a empilhar todos os pratos e juntar os talheres, sendo que ainda tinha várias coisas espalhadas pela mesa e ela nunca conseguiria trazer tudo com apenas as mãos. Suspirei, levando uma bandeja até ela.
- Assim fica mais fácil. – falei baixo, colocando-a em sua frente. Ela sorriu agradecida, sussurrando um "obrigada". Assim que arrumou tudo na bandeja, fiquei com receio de que ela não fosse conseguir trazer tudo, mas, mesmo com um pouco de dificuldade, ela trouxe tudo de uma só vez e sorriu abertamente quando passou por mim, a caminho da cozinha.
- Por que ninguém quer me ver trabalhando? – perguntou, debruçando-se no balcão a minha frente. – Foi só eu aparecer na cozinha carregando aquela bandeja que a Carlie quase enlouqueceu. Falou sobre você explorar as suas namoradas ou algo do tipo. – ela me olhou de forma suspeita. – Então é esse o seu lance, exploração de mulheres?
- Oh, droga! Fui pego. – suspirei, derrotado. Ela esticou o braço, puxando-me pela gola da blusa e me dando um beijo rápido.
- Lindo desse jeito, você faria muito sucesso na cadeia. – ela murmurou, fazendo com que eu risse alto. Ela se ajeitou, voltando para a mesa que estava limpando. Enquanto passava um pano na mesma, vi que seu olhar se perdeu pela janela e se fixou em alguma coisa. Ela uniu as sobrancelhas e saiu apressadamente. Sem demora, fui até onde ela estava para saber o que estava acontecendo.
- O que foi? – perguntei, apressado. Ela continuava a correr a rua com os olhos, como se procurasse por alguém. Estava meio pálida e assustada.
- Eu pensei que tivesse visto uma pessoa que eu conheço, mas estava enganada. – ela sorriu falsamente.
- Tem certeza? Você parece meio nervosa.
- Tenho sim. – ela disse, após respirar fundo, depois colocou-se na ponta dos pés para alcançar meu lábios. Abracei sua cintura e a mantive nessa posição por mais tempo, prolongando nosso beijo. – Obrigada por se preocupar.
- Sou seu namorado agora, sou quase obrigado, não é?– respondi, dando de ombros. Ela rolou os olhos, me batendo com o pano que segurava.
- Vai trabalhar. – disse, sorrindo em seguida.
- Você não vem?
- Num segundo, tenho que ligar para casa. – ela disse, meio pensativa. Seu olhar estava dirigido a um cara andando rápido na direção de um carro. Ele carregava uma grande câmera na mão, daquelas profissionais. Parecia um paparazzi ou algo do tipo, mas o que ele estaria fazendo por aqui?
- Tudo bem. – falei, seguindo para dentro novamente. Do balcão eu ainda conseguia vê-la, ela falava nervosamente ao telefone, como se brigasse com alguém. Eu queria ir até lá e perguntar o que havia de errado, mas se ela quisesse compartilhar comigo, teria falado por vontade própria. Dei de ombros, voltando ao trabalho.


Parei o carro em frente à casa da quando eram nove e treze da noite. Eu tinha marcado às nove, mas, como sempre, tinha acontecido algum imprevisto no bar. Mas até que o meu atraso é bom, pois me livra da espera do atraso dela, fato rotineiro também. Observei os guardas que estavam parados na porta por alguns segundos. Juro que não entendia o motivo daquele esquema de segurança todo. Talvez pelo simples fato de ser uma embaixada, já demande de tudo isso, mas será que ela tem alguma coisa com isso? Será que ela é tão importante assim na Dinamarca? Provavelmente não, ela me falaria se fosse. Saí do carro e caminhei até a porta, onde bati algumas vezes, achei meio importuno tocar a campainha essa hora. Pouco tempo depois, Ellen abriu a porta, pedindo para que eu esperasse um pouco que a já estava descendo. Agradeci por ter me atrasado, assim me poupou tempo de espera. Sentei-me no sofá e vi sentado numa das poltronas, bem na minha direção. Ele me olhava com uma expressão séria, como se estivesse me julgando e também me condenando. Se ele não fosse namorado da Ellen, juraria que ele sentia algo pela e não gostava de mim por isso.
Ellen voltou para a sala e viu a forma como ele me olhava. Foi até ele e lhe deu um tapa no braço, falando alguma coisa baixo em seu ouvido, e ele resmungou algo em resposta. Ela o olhou feio e colocou o dedo na frente de seu rosto, falando mais algumas palavras. Após essa pequena briga, ele veio e sentou-se ao meu lado no sofá. estava completamente desconfortável ali, mas permanecia sem reclamar em voz alta. Ellen deve tê-lo obrigado a ficar aqui.
- Tudo bem? – perguntei, depois de alguns minutos de completo silêncio.
- Tudo certo. – ele respondeu rapidamente, sem se dar ao trabalho de me olhar. Como se decidisse se falava ou não, ele batia o pé nervosamente no chão e mexia muito as mãos.
- , eu preciso perguntar. Você tem algum problema comigo? – falei de uma vez, vendo-o abaixar a cabeça e negar rapidamente com a mesma.
- Eu não tenho nada contra você, . O problema é que se acontecer algo com a , a culpa cairá sobre mim, eu fiquei responsável por ela e sou eu que devo satisfações ao re... Ao pai dela. Então sempre que vocês saem sozinhos, eu fico nervoso, porque ela nunca vai deixar que eu vá junto pra fazer meu trabalho. – ele confessou, falando tudo de uma vez só.
- Seu trabalho? – perguntei e ele fez uma cara de quem tinha falado algo que não devia. – Você é uma espécie de segurança ou alguma coisa do tipo?
- Mais ou menos. Droga, eu e minha boca enorme. – ele murmurou. – Olha, você deve saber que ela é de uma família importante na Dinamarca, certo? Então, o pai dela pediu que eu viesse nessa viagem também e ficasse de olho nela, para que nada acontecesse. Só que ela não quer que as pessoas saibam de coisas assim, para que ela possa ter uma vida normal, sem ninguém ficar olhando torto ou curioso pelo fato de ela ter um segurança. Isso não é um problema pra você, não é?
- Eu acho que não. – respondi, incerto. – Olha, eu entendo o seu lado e te dou a minha palavra de que nada vai acontecer com ela quando estiver comigo, serei um cara responsável.
- Eu não duvido disso, nenhum pouco, é só um pouco de insegurança. – ele deu de ombros.
- Talvez vocês possam vir com a gente, sair um pouco.
- Sair com vocês? Não, a enlouqueceria. – falou, rindo em seguida.
- Mas você e a Ellen também merecem sair, se divertir como um casal normal.
- Eu mereço o quê? – Ellen perguntou, se aproximando.
- Eu disse ao que vocês podiam ir também, se divertir um pouco. – falei, tentando soar convincente. De fato, desde que eu conheço a , nunca ouvi ela falando de qualquer saída dos dois. Todos merecem se distrair às vezes.
- Não, não, . Fora de cogitação. – Ellen negou rapidamente, fazendo com que eu estranhasse.
- A é algum tipo de bruxa malvada que não deixa vocês saírem com ela? – perguntei, rindo um pouco.
- Não, eu que não gosto muito de sair, prefiro ficar em casa. – Ellen falou, sentando-se ao lado do namorado.
- Estou pronta, desculpe a demora. – disse, surgindo na sala. Ela usava uma calça jeans escura, bem apertada no corpo, uma blusa azul e uma jaqueta de couro preta por cima, nós pés tinha um sapato de salto alto, igualmente preto. Seus cabelos estavam soltos e ela estava pouco maquiada, bem da forma que eu gostava. Achava totalmente desnecessário esconder a beleza natural dela por trás de diversas camadas de todas aquelas coisas que mulheres adoram passar no rosto.
- Você está linda. – eu disse, estendendo a mão para que ela viesse até onde eu estava. Passei o braço pela sua cintura e dei um leve beijo em seus lábios.
- Obrigada. – ela murmurou, ainda me olhando.
- Eu estava falando com o e a Ellen, falei que era uma boa ideia eles irem também, o que acha? Duvido que eles saiam de casa pra fazer qualquer coisa. – falei e ela me olhou por alguns segundos antes de responder:
- Eu acho uma excelente ideia. Esses dois não saem de casa desde que estávamos na Dinamarca, sendo que eles mal saíam lá também.
- E vocês dois falando que ela ia surtar. – acusei.
- Vocês estavam fazendo mau juízo de mim? – ela perguntou, fingindo surpresa.
- Não, é que a gente queria dar privacidade pra vocês. – Ellen disse.
- Eu acho que quero ir. – respondeu incerto e Ellen lhe acertou uma cotovelada.
- Não seja rabugenta, Ellen, e vá se trocar. – disse, indo até ela, disse-lhe algo no ouvido e depois Ellen saiu. – Você também, .


e Ellen sumiram para terminarem de se aprontar, enquanto apareceu vestido dez minutos depois. Com mais meia hora de espera, elas surgiram na sala. Ellen estava quase que irreconhecível, com os cabelos soltos e roupas mais arrumadas, ela parecia quase que dez anos mais jovem. Não que ela parecesse uma velha normalmente, mas é que com o cabelo preso e as roupas simples ela parecia muito mais velha do que realmente é. Ela deve ter o quê, uns vinte e sete anos? arregalou um pouco os olhos quando a viu, como se fosse a primeira vez que realmente tivesse reparado na própria namorada. Talvez fosse raro até mesmo para ele vê-la arrumada. Dei de ombros, pedindo para que fossemos logo, porque e já estavam nos esperando há um bom tempo. achou melhor que ele e a Ellen fosse no outro carro, pois se eles resolvessem ir embora mais cedo, eles não atrapalhariam nada. Concordei, evitando qualquer confusão. Liguei para o outro casal e ouvi reclamar sobre o atraso por um bom tempo. Desde o momento em que ele parou o carro e me viu, até quando entramos na casa barulhenta. Na verdade nós já estávamos na festa quando ele parou de falar, tudo isso porque eu coloquei uma bebida em sua mão. Santa cerveja. As meninas conversavam animadas num canto mais afastado. Ellen estava completamente enturmada e à vontade, já mantinha uma postura estranha, como se estivesse de prontidão, pronto para qualquer coisa, qualquer emergência.
- Toma aí, acho que você precisa relaxar. – falei, estendendo uma bebida em sua direção. – Eu sei que você tem que ficar de olho na , mas uma cerveja não vai atrapalhar tanto assim, não é? – ele sorriu, pegando a garrafa das minhas mãos.
- Obrigado. – disse sem jeito.
- Qual é a dele? – perguntou, indicando com a cabeça.
- Ele precisa se entrosar um pouco, só isso. – respondi, dando de ombros. – , chega aqui. Vai ficar sozinho a noite toda?
- Eu não quero atrapalhar o papo de vocês.
- Sem essa. – disse, sorrindo de lado. – Você é da Dinamarca também?
- Sou, nasci em Aalborg, uma cidadezinha do norte da Dinamarca, mas me mudei para Copenhague com os meus pais quando ainda era criança.
- Você faz o que lá? – perguntou, querendo fazer com que ele se soltasse um pouco.
- Eu faço parte de um grupo de seguranças ou algo assim. – ele disse, tomando um gole de sua cerveja.
- Segurança? Parece meio perigoso. – comentou, rindo de lado.
- Depende de quem é sua responsabilidade. – ele ergueu uma das sobrancelhas, olhando para em seguida. – Digamos que o atual não é o mais perigoso, mas é, sem dúvidas, o mais trabalhoso.
- A é sua responsabilidade? O que ela é? – perguntou, instantaneamente mais interessado.
- Ela filha de alguém importante lá na Dinamarca, mas isso não vem ao caso agora. – respondi rapidamente. – Se ela quisesse que todo mundo soubesse, ela mesmo falaria.
- Mas você sabe quem é?
- Não e também não me importo. É com ela que eu namoro e não com o pai. – falei, sem tirar meus olhos de sua direção. Ela estava linda, absolutamente linda. Suas bochechas já rosadas pelas risadas e também um pouco de bebida. Os cabelos estavam soltos e caindo pelos seus ombros, ela os jogava para trás e aquilo fazia com que ela ficasse extremamente sexy, mesmo sem intenção alguma. Seu sorriso que sempre me encantou e parecia ter sido feito para isso, para me tirar o juízo, mexer com a minha cabeça e fazer meu coração acelerar no mesmo instante. Agora ele fazia seu trabalho perfeitamente, eu já podia sentir minhas mãos suarem um pouco mais, meu coração bater mais rápido em meu peito e minha mente perder o foco. Perder o foco de todo o mundo, fazendo com que só ela existisse. Sabia que e estavam falando alguma coisa naquele momento, mas eu nada escutava. Era só ela que eu via. Não sei em que momento ela mexeu comigo dessa forma, me fazendo ficar até mesmo um pouco mais bobo que o normal, mas eu não me importava. Por Deus, eu não me importava nenhum pouco. Contanto que eu a tivesse em meus braços, eu poderia passar o restante da minha vida agindo assim. Um bobo, louco e apaixonado. Absurdamente apaixonado. – Se me dão licença. – murmurei, seguindo para onde ela estava. Aproximei-me e estendi a mão em sua direção, ela sorriu e colocou a sua mão por cima minha. Sem me importar com as outras meninas, eu a puxei para mais perto e passei meus braços ao seu redor.
- O que foi? – ela perguntou, um pouco confusa.
- Nada, só estava te olhando de longe e senti que precisava de você, assim, só um pouquinho...
- Só um pouquinho? – ela murmurou, colocando seus braços ao redor do meu pescoço.
- É, só um pouquinho. – respondi, juntando nossos lábios por alguns segundos.
- Olha que lindo esse casal apaixonado. – ouvi uma voz conhecida. Abri os olhos e vi os de Alicia me encarando, ela estampava um sorriso cínico nos lábios e uma postura superior. – Tudo bem com vocês?
- Tudo certo. – respondi seco. – A propósito, ótima festa.
- Obrigada. – ela sorriu abertamente. – Então, , eu tenho a ligeira impressão de que te conheço de algum lugar. Estou há tanto tempo para te falar isso, mas nunca lembrava. Você já apareceu em alguma revista ou algo assim?
- Não que eu me lembre. – ela respondeu e eu senti que ela ficou um pouco tensa.
- Engraçado, porque eu tenho certeza, eu até separei a revista. – ela andou até uma mesa e retirou uma revista de uma das gavetas. – Eu nunca tinha parado para ler a legenda, mas, nossa, eu deveria ter lido com mais atenção antes.
- Me dá isso aqui. – disse, indo até onde Alicia estava parada e balançava a revista em sua mão.
- Te dar? Duvido que você vá mostrar isso para o seu namorado, ou melhor, duvido que ele saiba a verdade.
- Que verdade? – perguntei, já altamente confuso com a situação.
- Eu sempre soube que você escondia alguma coisa, , mas isso? Nossa, isso é grande, muito grande. – Alicia falou, fazendo uma careta em seguida. – Ele sabe de onde você é, pelo menos?
- Claro que sabe, eu não tenho nada a esconder. – disse, altamente alterada, suas mãos tremiam e sua voz não já estava a mesma. Nunca tinha visto naquele estado. O que quer que Alicia tivesse descoberto era algo realmente importante.
- Tem certeza? Bem, vamos ver...
- Alicia, eu estou falando sério, me dê essa revista agora. – ameaçou.
- Ou o quê, vai pedir para o seu segurança me bater? Eu não tenho medo de você, querida. – respondeu, com sua voz carregada de arrogância e ironia.
- Eu posso cuidar dos meus problemas. Todos eles, inclusive você. – respondeu, enquanto se aproximava perigosamente de Alicia. – Eu só vejo um motivo para você fazer isso, e acredite, não vai funcionar. Mesmo se ele terminar comigo, Alicia, quem garante que ele vai voltar pra você? Isso é completamente desnecessário. Desnecessário e digno de pena.
- Vamos ver quem será digno de pena no final. – Alicia murmurou, para que apenas ouvisse, mas eu também consegui. – , você sabe algum coisa sobre a vida dela, tipo, sobre família?
- Ela é filha de alguém importante lá na Dinamarca, mas o que isso tem a ver?
- Alguém importante? – Alicia soltou uma gargalhada alta. – Digamos que o pai dela é mais do que importante. Sobrenome?
- Nós nunca paramos para falar sobre isso. , você pode me explicar o que está acontecendo? Eu não estou entendendo mais nada. – pedi, fazendo com que ela me olhasse. Ela se aproximou, colocando suas mãos em meu rosto, por reflexo pus as minhas em sua cintura e esperei.
- , eu tenho que te contar uma coisa, mas não aqui, só nós dois. – ela pediu, olhando nos meus olhos.
- Ah, não! Claro que não. Você vai deixar todo mundo curioso dessa maneira? Se você não contar, eu conto. – Alicia disse, cruzando os braços na altura do peito. – Eu tinha imaginado essa cena, mas com plateia fica muito melhor.
- , fala logo de uma vez, você já está me deixando nervoso. – pedi, vendo algumas lágrimas se formarem em seus olhos. Comecei a ficar realmente preocupado com todo esse mistério. – Fala de uma vez.
- Por favor, não me odeie. – ela sussurrou, fechando os olhos fortemente, fazendo com que as lágrimas escorressem pelo seu rosto. – Meu pai é... – ela respirou fundo, tentando se controlar. – Ele é...
- Ah, pelo amor de Deus! – Alicia exclamou, rolando os olhos. – O pai dela é Rei da Dinamarca. Rei. Vocês podem imaginar isso? Eu mesma não teria acreditado se me contassem, mas está aqui na revista, uma foto dela com os pais e uma grande legenda embaixo: "Rei Frederico, Rainha Mary e a filha do casal, , a Princesa Herdeira da Dinamarca." Incrível, não é mesmo? – vi o sangue sumir do rosto de e sua pele ficar completamente pálida, parecia que ela desmaiaria a qualquer momento, mas não era isso que ocupava o maior espaço na minha cabeça e sim o que Alicia tinha acabado de dizer.
Palavras soltas continuavam a passar pela minha mente e eu não conseguia me concentrar em apenas uma para tentar entender. Rei, Princesa, herdeira, Rainha, tudo isso enchia o meu cérebro de informações. Ainda confuso, percebi que ainda estava com as mãos em sua cintura, enquanto apoiava sua testa em meu peito e segurava o choro. Suas mãos haviam descido para minha blusa, que ela agarrava violentamente agora. Os nós dos seus dedos já estavam brancos tamanha a força que ela fazia. Aos poucos tudo começou a fazer sentido para mim. Ela morava na embaixada, tinha diversos empregados só para ela, incluindo um segurança, ainda havia toda aquela revolta e mistério por trás de tudo que envolvia a sua família, mas eu nunca imaginei nada disso. Eu pensava que ela tinha problemas em casa, que as pessoas não tinham aceitado sua vinda para a Inglaterra ou algo assim, mas Rei? Princesa? Isso era muito para digerir, muito para entender em tão pouco tempo. E o pior, ela escondeu tudo isso de mim. Tanto tempo já havia passado e nada, ela teve inúmeras chances e oportunidades, mas preferiu continuar mentindo. Talvez eu fosse motivo de brincadeiras ou piadas, fosse o idiota que ela enganava aqui por diversão. Um simples brinquedo nas mãos da linda princesinha. Minhas mãos foram se soltando de sua cintura e caíram ao lado do meu corpo. Ela continuava agarrada a mim, como se nada no mundo fosse mais importante. Pus minhas mãos por cima das suas e tentei soltá-las, sem muito sucesso. Imprimi um pouco mais força e puxei, quase sem nenhum cuidado. Ela não olhava para mim e eu também não conseguiria olhar em seus olhos. Era como se em um minuto tudo que havia entre nós tinha sumido, virado pó. Ela não era a minha , ela era uma estranha, alguém que eu realmente não conhecia. Olhei ao redor e vi a expressão chocada de todos os presentes. Tentei imaginar o que se passava na cabeça de cada um. parecia não acreditar e estava pasma, com uma das mãos tampando sua boca. Ela segurava fortemente a mão do namorado, que me olhou em seguida com algo claro do olhar: pena. Ótimo, agora eu era digno de pena. segurava Ellen pelos braços, praticamente impedindo que ela viesse até onde estava. Seu olhar era como um pedido de desculpas, claro, ele também estava me enganando, não passava de um comparsa. Ellen nem olhava em minha direção, seus olhos estavam fixos em , como se ela precisasse chegar até ela. Óbvio que ela não estava preocupada comigo, era mais importante que qualquer outra coisa que ela também ajudou a esconder. Abaixei o olhar, observando por mais alguns segundos a garota à minha frente. Talvez minha reação fosse exagerada, talvez eu devesse tentar compreender ou parar para ouvir o que ela tivesse para me dizer, mas ao mesmo tempo eu sabia que não conseguiria. Eu confiava nela, acreditei, me abri e recebi mentiras em troca. Era muito para se pensar e colocar na balança. Eu precisava de tempo, de espaço, precisava ficar longe de tudo que me lembrasse dessa história. Levantei a cabeça, evitando o olhar de todos os presentes e segui para a porta com passos firmes, precisava pensar.
Caminhei rapidamente pelo gramado da parte da frente da casa, tentei ignorar qualquer voz que me chamava, mas parecia impossível. Antes que eu pudesse chegar até o carro, senti alguém se aproximando, virei-me e encontrei . Ela estava com uma expressão terrível. Precisei me conter e impedir qualquer reflexo de colocar meus braços ao redor do seu corpo e afirmar que tudo ficaria bem. Mas eu não podia. Não condenar esse tipo de ação é quase um incentivo para que a outra pessoa continue agindo assim. Então se eu passar por cima dessa mentira, eu vou apenas abrir caminho para outras, outras e mais outras. Como conseguiremos construir um relacionamento dessa forma? Com diversas mentiras servindo como base, sustentação? Um dia tudo viria a baixo de qualquer forma. Talvez sendo no começo o dano seja menor, quando não há tanto a se perder, quando não há tantas recordações ou laços nos prendendo. Quando não há tanta vida atrelada ao relacionamento. Vida essa que ruiria junto com o restante do que um dia foi um quase amor.
- Eu não quero falar com você agora. – falei firme, desviando meu olhar do seu.
- , por favor, a gente precisa conversar. Eu preciso me explicar e...
- Se explicar? Você acha que é o bastante? , você teve meses para me contar tudo isso, mas preferiu continuar escondendo, mentindo. Como eu posso ao menos te escutar quando a única coisa que eu penso é que você estava me fazendo de idiota? Eu preciso mesmo ficar sozinho.
- ... – ela murmurou, colocando uma de suas mãos em meu braço, para me impedir de entrar no carro. – Eu não fiz por mal, pelo simples prazer de te esconder qualquer coisa. Essa não é uma coisa que você conta no primeiro encontro, e é algo que me incomoda bastante.
- Claro, porque ser uma princesa deve ser realmente muito ruim. – rolei os olhos.
- Você não entende. Eu sempre tive que agir como determinavam, seguindo praticamente um manual e como alguém consegue viver assim? E quando eu me vi aqui, cercada de pessoas que não sabiam nada do que eu carregava e que me tratavam super bem, eu não sabia como eu poderia sequer pensar em acabar com tudo. Ainda mais com você. Ninguém nunca me tratou assim, nunca me senti tão querida, protegida, amparada. Eu não estava preparada para perder você.
- Ah! Então eu devo entender isso como uma atitude romântica? Você me enganou porque não queria me perder, tem noção de como isso pode parecer egoísta? – perguntei, tirando sua mão do meu braço e olhando fundo em seus olhos mais uma vez. – Nada do que você disser agora vai adiantar alguma coisa, na verdade, você está piorando tudo. – ela abaixou a cabeça e respirou fundo, como se segurasse o choro. – Não estou dizendo que não vamos conversar, mas não será agora. Primeiro eu tenho que entender tudo isso.
Virei-me mais uma vez e dessa vez certo de que seguiria em frente, não trataria disso hoje. Pelo reflexo que se dava na janela no carro, pude ver que voltou para dentro da casa, passando por e no caminho. Eles falaram rapidamente com ela no caminho e depois seguiram para onde eu estava. Apressei-me a entrar no logo no carro, não queria conversar com ninguém. Ouvi meu nome ser pronunciado aos gritos, mas não dei atenção. Liguei o veículo e saí quase cantando pneu pelas ruas. As coisas passavam quase como vultos ao meu lado, mas eu não me importava, talvez com a adrenalina que isso injetava em minhas veias, os últimos acontecimentos saíssem da minha cabeça. Eu faria tudo, tudo mesmo para esquecer todos eles. Mudando novamente de marcha, pisei mais fundo no acelerador. Correr era uma forma de escapar dos problemas, uma forma de te fazer sentir livre, vivo. O que era exatamente o inverso do que eu me sentia agora. Era como se eu estivesse preso a uma coisa errada, problemática e que, de alguma forma, eu sabia que não teria uma solução tão simples. Claro que eu podia esquecer tudo, mas não seria a mesma coisa, não teria a mesma verdade que eu via quando olhava nos olhos da . Tudo tinha sido uma mentira, não havia como continuar, no máximo, nós poderíamos recomeçar. Mas eu estava disposto a isso?
Estava perdido em pensamentos, quando ouvi o barulho alto de uma buzina e um carro passando quase rente ao meu. Vi que tinha ultrapassado o sinal vermelho sem nem ter prestado atenção. Parei bruscamente, sentindo meu corpo bater no volante e em seguida no banco. Respirei fundo, tentando recuperar o controle sobre meu coração, que batia rápido demais. Percebi que correr quando se está com o pensamento longe não é tão aconselhável, então segui rapidamente para casa, lá eu poderia colocar a cabeça no lugar e pensar em tudo que eu precisava naquele momento.

Joguei as chaves em algum lugar e deixei meu corpo cair sobre a cama. Fechei os olhos com força e tudo que eu conseguia lembrar eram as palavras de : "Eu não estava preparada para perder você." Mas estava preparada para mentir, enganar e esconder diversas coisas. Não, isso não é certo, pode até ser compreensível, mas nunca certo. Não havia motivo cabível em o todo mundo que tornasse aquela atitude correta. Eu sempre dei abertura, estive disposto a qualquer coisa, quaisquer assuntos. Ela escondeu tudo porque quis, porque não teve coragem de se expor. Mas qual seria o problema dela se expor para mim? Eu era o namorado dela, afinal. Nós deveríamos dividir tudo, certo? Talvez meu entendimento de namoro esteja ultrapassado e eu seja careta e antigo, mas eu não me importo. Num relacionamento deve existir verdade acima de tudo, senão tudo não passa de uma enganação. Egoísmo não é sinônimo de amor.

/’s Pov

* Os nomes do Rei, da Rainha e os seus sobrenomes são verdadeiros. O "seu nome" é mesmo da primeira filha do Príncipe e da Princesa da Dinamarca, que nessa história são os seus pais, Isabella Henrietta Ingrid Margrethe.



Décimo Primeiro

Once upon a time I was falling in love but now I'm only falling apart
(Bonnie Tyler - Total Eclipse Of The Heart)


Eu estava sentada na cama e encarava a janela, mas não prestava atenção em muitas coisas. Eu apenas sentia alguns poucos raios do sol em meus pés e o céu tingindo de alguns tons alaranjados. Eu não fazia ideia se estava amanhecendo ou anoitecendo e muito menos de há quanto tempo eu já estava ali nessa mesma posição. Ouvi algumas batidas na porta, mas ignorei, eu não queria falar com ninguém. Eu precisava realmente ficar sozinha, encarar os meus problemas de frente, mesmo que não tivesse uma forma de resolvê-los tão cedo. Nada dependia apenas de mim, estava tudo nas mãos dele. . Só de pensar em seu nome, eu já sentia um aperto no peito e um nó sendo formado na garganta. Eu nunca tinha me sentido assim, como se eu tivesse recebido todo o peso do mundo em minhas costas de uma única vez. Meu corpo estava fraco e provavelmente eu estava apenas nessa posição porque não tinha forças e nem vontade de me levantar. Eu precisava entender como as coisas foram do paraíso ao inferno em poucos minutos. Eu havia perdido o que tinha conquistado de mais importante aqui. Independente de qualquer coisa, ele seria a parte mais importante e lembrada na minha permanência em Londres. Apaixonada ou não, o foi a pessoa que eu mais gostei em toda a minha vida e eu não fui capaz de mantê-lo por perto. Eu tinha noção que ninguém mais era culpado que eu nessa história, era tudo minha culpa e eu teria que conviver com ela de alguma forma. Respirei fundo, tentando esquecer um pouco tudo que parecia estar a ponto de explodir minha cabeça. E parece que ao falar dela, senti uma pontada violenta em ambos os lados da mesma. Levantei os braços num puro reflexo e apertei os locais onde a dor era mais forte. Coloquei ambos os pés em cima da cama e apoiei minha cabeça nos joelhos, fazendo com que a fraca claridade parasse de incomodar meus olhos. Respirei fundo, contendo uma vontade repentina de chorar, já havia gastado lágrimas demais por uma noite. Ainda mais sendo por causa de algo que eu mesma causei, logo, eu não tenho o direito de ficar chorando por algo que eu podia, e deveria, ter evitado. Mas ao me lembrar da sua expressão e do brilho diferente que os seus olhos possuíam na noite passada, os meus começaram a arder tão fortemente, que as lágrimas escorreram completamente fora do meu controle.

- , fala logo de uma vez, você já está me deixando nervoso. – pediu, vendo algumas lágrimas se formarem em meus olhos. – Fala de uma vez.
- Por favor, não me odeie. – sussurrei, fechando os olhos fortemente, fazendo com que as lágrimas escorressem pelo meu rosto. – Meu pai é... – respirei mais fundo, tentando me controlar o suficiente para que as palavras saíssem compreensíveis. – Ele é...
- Ah, pelo amor de Deus! – Alicia exclamou, rolando os olhos. – O pai dela é Rei da Dinamarca. Rei. Vocês podem imaginar isso? Eu mesma não teria acreditado se me contassem, mas está aqui na revista, uma foto dela com os pais e uma grande legenda embaixo: "Rei Frederico, Rainha Mary e a filha do casal, , a Princesa Herdeira da Dinamarca." Incrível, não é mesmo? – senti como se o chão tivesse sumido e mantinha as mãos em minha cintura para que eu não caísse. A expressão confusa de me deu a noção do que realmente tinha acontecido. Agora ele sabia toda a verdade e tinha descoberto da pior forma possível.
Minhas mãos desceram do seu rosto e eu as prendi em sua blusa, segurando-o fortemente perto do mim. Senti os nós dos meus dedos doerem pela força que eu estava fazendo, mas eu não me importava, eu precisava mantê-lo aqui comigo. Apoiei a testa em seu peito e as lágrimas que escorriam pelo meu rosto começaram a molhar sua blusa. Eu não tinha coragem de levantar a cabeça e encarar seus olhos e nem qualquer outra pessoa que estivesse naquele lugar. Os segundos foram passando e eu senti as mãos de soltarem minha cintura aos poucos, provavelmente conforme ele ia entendendo o que estava acontecendo. Suas mãos foram para cima das minhas para retirá-las e eu apertei o mais forte de pude. Vendo que eu não o largaria tão facilmente, ele imprimiu um pouco mais de força e puxou minhas mãos de uma única vez. Percebi que não havia mais apoio para minha cabeça, ele havia dado um passo para trás. Sabia que deveria levantar a cabeça e encará-lo de uma vez, mas era como se todo o universo estivesse exercendo uma pressão gigantesca sobre a minha cabeça e eu não era capaz de levantá-la. Eu encarava apenas os seus pés e foi através deles que eu pude perceber que ele tinha ido embora. Menos de cinco segundo depois eu senti dois braços ao meu redor. Era Ellen. Ela murmurava algo em meu ouvido, mas eu não entendia nada. Na verdade, eu não estava escutando nada e nem enxergando ninguém. Levantei minha cabeça alarmada e a única coisa que avistei foi saindo pela porta. Empurrei Ellen levemente e tentei correr ou andar da forma mais rápida que o meu corpo permitia. Tropecei algumas vezes em algumas pessoas pelo caminho e finalmente pude respirar melhor quando estava do lado de fora. Pude enxergá-lo um pouco mais a frente, quase alcançando o carro. Apressei o passo para chegar antes que ele pudesse ir. Gritei seu nome diversas vezes, mas não adiantou, ele não parou. Ele estava atrapalhado para abrir a porta do carro e assim deu tempo para que eu me aproximasse. Ele sentiu minha presença e virou-se lentamente. Quando nossos olhares de encontraram, quase vi um lampejo em seus olhos e um de seus braços se levantou em minha direção, mas ele rapidamente recuou. Aqueles olhos costumavam brilhar intensamente quando estávamos juntos, mas da última vez que eu olhei dentro deles, era como se eles estivessem apagados, como se não existisse mais nada ali para mim.
- Eu não quero falar com você agora. – ele disse bem firme, desviando seu olhar.
- , por favor, a gente precisa conversar. Eu preciso me explicar e...
- Se explicar? Você acha que é o bastante? , você teve meses para me contar tudo isso, mas preferiu continuar escondendo, mentindo. Como eu posso ao menos te escutar quando a única coisa que eu penso é que você estava me fazendo de idiota? Eu preciso mesmo ficar sozinho.
- ... – murmurei, colocando uma de minhas mãos em seu braço, tentando mantê-lo aqui por mais tempo, talvez o suficiente para eu me explicar. – Eu não fiz por mal, pelo simples prazer de te esconder qualquer coisa. Essa não é uma coisa que você conta no primeiro encontro, e é algo que me incomoda bastante.
- Claro, porque ser uma princesa deve ser realmente muito ruim.
- Você não entende. Eu sempre tive que agir como determinavam, seguindo praticamente um manual e como alguém consegue viver assim? E quando eu me vi aqui, cercada de pessoas que não sabiam nada do que eu carregava e que me tratavam super bem, eu não sabia como eu poderia sequer pensar em acabar com tudo. Ainda mais com você. Ninguém nunca me tratou assim, nunca me senti tão querida, protegida, amparada. Eu não estava preparada para perder você.
- Ah! Então eu devo entender isso como uma atitude romântica? Você me enganou porque não queria me perder, tem noção de como isso pode parecer egoísta? – ele perguntou duramente, tirando minha mão de seu braço e se afastando. – Nada do que você disser agora vai adiantar alguma coisa, na verdade, você está piorando tudo. Não estou dizendo que não vamos conversar, mas não será agora. Primeiro eu tenho que entender tudo isso. – e sem dizer mais nada, ele entrou no carro e arrancou com o mesmo. Continuei lá parada no meio do quintal observando enquanto ele se afastava, cambaleei para trás e acabei caindo sentada no chão. Pouco tempo depois, vi e Ellen chegarem correndo até onde eu estava e fazerem força para que eu me levantasse, mas eu não queria. Eu preferia ficar ali e imaginar que tudo tinha sido apenas um sonho, ou melhor, um pesadelo.


Respirei fundo, olhando para o relógio na parede que marcava 12:23. Estranhei até perceber que um dos ponteiros estava parado. Deixei meu corpo cair pesadamente na cama e fechei os olhos, tentando clarear minha mente mais uma vez. Sentia que o quarto ficava cada vez mais escuro, então percebi que já estava anoitecendo mais uma vez, eu havia ficado sentada no quarto durante quase um dia. Esse pensamento não me fez ter nenhuma vontade de levantar, pelo contrário, eu queria ficar aqui para sempre. Meu quarto era um dos únicos lugares onde eu estava protegida dos olhares acusatórios, das palavras que provavelmente me machucariam e, com certeza, ficar aqui evitaria que eu cruzasse com o alguma vez. Eu não teria forças para encará-lo, o máximo que poderia fazer é abaixar a cabeça e fingir que não o vi ou até mesmo mudar de calçada se fosse o caso. Ainda não estava pronta para um acerto de contas, para ouvir tudo o que eu merecia e talvez até mais. Concentrei-me em tentar imaginar a hora e marcá-la em minha cabeça, mas cada vez que o ponteiro imaginário se movia, eu sentia uma forte pontada na cabeça. Ignorei a dor e comecei a contar apenas os segundos. Tique. Vai dar tudo certo. Taque. Não, nada vai dar certo. Tique. Ele vai te entender. Taque. Ele nunca mais vai querer me ver. Tique. Talvez você devesse ir atrás dele. Taque. Talvez você devesse voltar para a Dinamarca. Tique. Vai dar tudo certo. Taque. Não, nada vai dar certo.

Não sei em qual momento do meu surto interno eu caí no sono, sono esse que foi mais tranquilo do que eu imaginei que fosse, pelo menos eu não me lembrava de sonho algum. Abri os olhos e não consegui enxergar nada por alguns instantes, mas alguns segundos depois meus olhos se acostumaram com a escuridão e eu vi uma figura sentada ao meu lado. Virei-me em sua direção e senti que ela colocou sua mão sobre as minhas. Vi seu sorriso triste e senti vontade de chorar novamente. percebeu que eu ainda não estava sob controle e continuou em silêncio. Suspirei, apoiando minha cabeça em seu colo e, automaticamente, ela começou a fazer um leve cafuné. As poucas lágrimas que ainda me restavam caíram em sua perna.
- Não imaginei que você fosse vir até aqui. – falei, depois de mais alguns instantes em silêncio. Era estranho falar novamente, ainda mais quando você tem que lidar com um bolo enorme em sua garganta e ao mesmo tempo tem que controlar suas emoções para que a pessoa possa ao menos entender o que você está dizendo.
- Por que não? – ela perguntou, parecendo meio chocada.
- Porque eu também menti pra você, . – murmurei.
- Mas não me importo, eu te entendo e não vou agir como criança. – ela disse, num tom acusatório. Percebi que não era comigo que ela estava chateada e sim com o .
- Você me entende? – perguntei, levantando do seu colo. Ela olhou em meu rosto e fez uma careta em seguida, tocando as bolsas inchadas abaixo dos meus olhos.
- Entendo, mas não concordo. São coisas diferentes, certo? – ela deu de ombros. – Eu achei certo você não dizer a verdade para todo mundo logo de cara, afinal, é a sua vida e isso é algo importante, mas também acho que você deveria ter dito antes, quando as coisas começaram a ficar mais sérias. Ele confiava em você, .
- Eu sei, mas eu estava com medo de que ele reagisse exatamente dessa forma. – abaixei a cabeça, passando as mãos pelo cabelo. – Eu não queria perdê-lo.
- Você realmente gosta dele, né? – ela disse baixo e eu assenti.
- Mas acho que isso não importa mais... - respirei fundo, encarando o teto. Não começaria a chorar de novo, eu encararia essa situação como uma adulta, como uma futura rainha. Só que um detalhe era muito importante: uma coroa não faria com que ele me perdoasse tão facilmente.
- Claro que importa. , você não veio de tão longe para desistir assim, não é mesmo?
- Na verdade, eu vim de longe para estudar e não arrumar um namorado. – falei baixo. – Mas quer saber? Eu já deveria esperar por isso de qualquer forma, meus relacionamentos não são feitos para durar.
- Isso porque você ainda não tinha tido um relacionamento com um cara legal como o . Talvez quando as coisas se acalmarem, vocês consigam sentar e conversar numa boa, como pessoas civilizadas. Mas agora é melhor que vocês fiquem uns tempos sem até mesmo se ver, talvez a saudade acelere o processo.
- , ele não quer falar comigo, acho que ele não sentirá minha falta nem tão cedo. – comentei, rolando os olhos.
- Aposto que vai. – ela disse, num tom desafiador. – Eu conheço o há anos e nunca tinha visto ele tão feliz. Ele gosta de você e não se esquece ninguém tão rápido assim. E, bem, eu estarei perto dele, certo? Posso garantir que você não sairá da cabeça dele...
- Não, não, não. Ele vai pensar que eu fui que pedi e vai ficar com mais raiva. – falei rapidamente.
- Claro que não. Ele vai se sentir até melhor, sabendo que você está realmente preocupada com o relacionamento de vocês, vai perceber que ele não foi um "brinquedinho da princesa".
- Ele disse isso? – perguntei, sentindo um aperto no peito.
- Ah, , você sabe que as pessoas falam coisas ruins quando estão chateadas. Nunca podemos levar tudo muito a sério. – murmurou, com um pequeno sorriso nos lábios que sumiu na mesma velocidade com que surgiu. – Olha, a Ellen disse que você não saiu desse quarto desde quando vocês voltaram. Você não come nada há quase vinte quatro horas, pode me dizer o que você realmente espera com isso?
- Não foi por mal, algo como: "Oh, meu Deus! Não comerei até o falar comigo", juro. Eu só não estou com fome. – dei de ombros.
- Mas precisa comer. – ela falou e por um momento lembrou minha mãe e seu jeito mandão. Confesso que nesses poucos minutos que ela estava aqui comigo, meu humor melhorou 100 por cento. Talvez seja mesmo necessário você ter seus amigos por perto nas horas mais difíceis.
- Eu não estou com fome, . – repeti, mas pareceu não fazer tanta diferença. Ela se levantou e caminhou até a porta, abrindo a mesma, mas eu continuei lá sentada, sem a mínima vontade de me levantar. – Você vai levantar por vontade própria ou precisarei buscar outras formas? – ela ameaçou.
- E quais serão as outras formas? – perguntei, desafiadoramente, rolando na cama e ficando de frente para ela.
- Bem, tem vários guardas lá embaixo, acho que eles não verão uma pequena garota como um grande problema, talvez nem precise de todos, acho que só o dá conta.
- Eles não farão nada que você mandar, eu sou a chefe deles. – sorri abertamente.
- Tem certeza? – ela indagou, levantando uma sobrancelha. – Ah! Tive uma ideia melhor. – ela também sorriu. – ELLEN!
- Ok! Não precisa mais gritar. – murmurei, levantando-me rapidamente. Bufei enquanto passava pela porta e me seguiu.
A última coisa que eu precisava era ter a Ellen falando no meu ouvido sobre ter que comer, esquecer o que aconteceu, tentar agir normalmente. A verdade é que a Ellen tem ainda menos experiências que eu, logo, ela não entende, assim como eu também não entenderia se não estivesse acontecendo comigo. A realidade é que ninguém realmente entende o problema dos outros, o máximo que podemos fazer é tentar comparar com algo que já tenhamos enfrentado e mesmo assim nunca será tão complicado quanto parece.
Meus olhos arderam quando comecei a caminhar pelo corredor iluminado. Eu deveria mesmo ter passado menos tempo no escuro absoluto que estava o meu quarto nas últimas horas. Desci lentamente as escadas, mas parei na metade, olhando para , que estava logo atrás.
- Eu preferia ficar sozinha na cozinha, digo, só eu, você e a Ellen talvez. Não ficarei a vontade de ficar na frente de todas as pessoas dessa casa nesse estado.
- Posso pegar alguma coisa lá e levar para você no seu quarto. Mas, , você não pode ficar trancada naquele quarto para sempre. – ela disse calmamente.
- Não ficarei, eu só preciso me reestabelecer fisicamente, esperar os olhos desincharem e ficar apresentável novamente. Se os empregados me verem nesse estado, eles correrão para contar para o meu pai, principalmente a Angela. – mordi o lábio, enquanto esperava a resposta.
- Tudo bem, pode subir, mas não caia naquela cama novamente. Vá lavar o rosto, abra a janela, deixe entrar um ar naquele quarto. – sorriu e eu subi as escadas correndo. Segui primeiramente para o banheiro e assim que me olhei no espelho, estranhei o fato de não estar usando as mesmas roupas da festa. Eu estava com um pijama azul escuro, que destacava ainda mais o vermelho dos meus olhos, meu cabelo estava completamente bagunçado e o meu rosto completamente diferente. Eu parecia meio abatida, talvez até mesmo um pouco pálida. Joguei um pouco de água no rosto e no pescoço, sentindo um leve arrepio passar por todo o meu corpo quando a água gelada tocou minha pele. Arrumei rapidamente o cabelo, enrolando-o num coque mal feito, e respirei fundo. Não poderia me entregar e chegar ao fundo do poço tão rápido. Tentei sorrir para mim mesma, mas o gesto pareceu errado, era como se um sorriso não combinasse com aquele rosto. Suspirei, deixando o sorriso para outro momento. Não precisava me entregar, mas também não havia necessidade de fingir que estava tudo certo.
Voltei para o quarto, acendendo logo a luz e abrindo a janela, senti a brisa meio fria bater em meu rosto e o mesmo ficou rapidamente gelado devido às poucas gotas de água que ainda estavam por lá. Corri os olhos pelo cômodo e o vi um pouco remexido, como se alguém num acesso de raiva tivesse jogado as coisas pelo chão. Caminhei até a mesa de estudos e arrumei alguns papeis e livros que estavam em meio à bagunça. Quando levantei o olhar até o pequeno mural de fotos que ficava na mesma parede, me deparei com uma foto minha e do . Seus olhos brilhavam tão intensamente, que ofuscavam todas as outras coisas na foto. Toquei levemente seu rosto e me demorei em seu sorriso. Tão largo e bonito. Nós estávamos no parque, no lugar favorito dele. O sol estava se pondo no fundo e tudo estava com uma leve coloração alaranjada. Talvez fosse isso que destacasse a cor dos seus olhos. Não senti nenhuma lágrima teimar em cair, tudo o que eu pensava é que as coisas se ajeitariam e eu o teria de volta um dia. Chorar ou me descabelar não faria o processo acelerar. Levei a foto até meus lábios, depositando um beijo na mesma, e depois a deixei colada em meu peito, perto do coração, exatamente o lugar a que o pertencia. E que voltaria a ocupar mais cedo ou mais tarde.
- ? – ouvia a voz de . Vire-me em sua direção e vi Ellen bem atrás dela, segurando uma bandeja. As duas me olhavam atentamente e logo repararam na foto que eu segurava. – Tá tudo bem?
- Sim. – respondi, olhando meu reflexo no grande espelho na parede. Sorri levemente e vi que não parecia mais tão estranho, o mesmo se alargou um pouco mais e pude responder com mais convicção. – Quer dizer, vai ficar tudo bem.
- Maçã, torradas, suco de maracujá e sopa? Ellen, eu estou triste e não doente. – murmurei, enquanto olhava o que tinha na bandeja.
- Mas você não come nada há um bom tempo, se comer algo mais pesado pode passar mal. – ela rolou os olhos, já impaciente. – Dá pra comer de uma vez?
- Calma. – disse, pegando uma torrada e mordendo um pedaço. – Alguma de vocês duas sabe as horas?
- Nove e vinte e cinco. – respondeu, olhando para o relógio. – Acho que eu já vou, tenho aula amanhã. – ela disse e eu arregalei os olhos. Claro, eu também tinha aula, por mais que eu não estivesse nenhum pouco disposta ou com vontade de olhar para qualquer pessoa daquele lugar. – Você vai?
- Claro que ela vai. – Ellen falou antes mesmo que eu pudesse pensar. – Ela não pode faltar aulas, os pais dela são comunicados automaticamente quando isso acontece. – abaixei a cabeça, sorrindo de nervoso. Eu não tinha escapatória, afinal.
- , eu estarei lá do seu lado e prometo socar todos aqueles que falarem alguma gracinha. – disse, sorrindo abertamente.
- Nem todos, porque um deles é de minha responsabilidade. – murmurei, tomando um gole do suco. – Eu juro por Deus, , se a Alicia cruzar o meu caminho, não responderei pelos meus atos.
- ... – Ellen começou, mas eu a interrompi.
- Não, Ellen, dessa vez eu não quero saber. Ela não pode simplesmente se intrometer na minha vida e sair ilesa disso tudo. Ela tem que entender que para tudo na vida há consequências, eu estou lidando com as minhas e ela lidará com as dela. Eu devo isso a mim mesma. – eu disse tão firmemente, que não restou nada para ela fazer, a não ser dar de ombros e desistir.


Não estava muito frio lá fora, mas mesmo assim eu enfiei um gorro preto em minha cabeça e cobri meus olhos com meus grandes óculos escuros. Peguei meu material, joguei de qualquer forma em minha bolsa e respirei bem fundo antes de sair do quarto. me esperava no pé da escada e um grande sorriso marcava seu rosto. Estranhei, não era do tipo que sorria dessa forma. Abaixei os óculos e o encarei por alguns segundos e ele fez uma careta estranha. Balancei a cabeça e segui até a porta. Não sei se foi algo que a Ellen pediu, mas o não parou de falar durante todo o percurso até a faculdade. Não me deu um segundo de paz e tranquilidade, era piada atrás de piada, comentários bobos um seguido do outro. Suspirei, sabendo bem que ele estava fazendo aquilo de boa vontade, para que eu me distraísse, esquecesse os problemas e tal. E também não era culpa dele não estar dando muito certo. Limitei-me a sorrir sempre que ele me olhava ou terminava uma piada, mas, para ser sincera, eu não tinha prestado atenção em nada.
- Robin, chegamos a Gothan City. – ele disse, rindo alto em seguida. Olhei assustada para ele.
- Oi?
- A resposta da pergunta, . Qual foi a primeira coisa que o Batman disse para o Robin quando chegaram a Gothan City. – ele sorriu novamente, mas o sorriso murchou ao olhar em meu rosto. – Não quer que eu continue com as piadas?
- Não é isso, é que eu não estou no clima. – dei de ombros.
- , olha pra mim. Não precisa ficar assim, ele vai esquecer isso tudo, eu tenho certeza. – falou, parando o carro na porta da faculdade.
- Como você pode estar tão certo disso?
- Você sabe que eu não sou o maior fã dos seus namorados, mas dele eu gostei de alguma forma. O me passou confiança, eu sabia que você estava segura com ele e eu sentia essa segurança porque sempre soube que ele gosta de você, é muito claro para qualquer eu que visse vocês dois juntos. Talvez seja por isso que aquela loira fez aquilo, ela se sentiu superada por você. – ele colocou sua mão por cima das minhas. – Pode não ser agora, mas um dia vocês vão se acertar.
- Esse é o problema, . Eu também acho isso, quer dizer, torço muito por isso. Só que as coisas não serão as melhores enquanto isso não acontecer. Você sabe que a probabilidade de você encontrar alguém quando não quer é mil vezes maior? Eu aposto que vou cruzar com ele pelo corredor hoje mesmo. – ergui as sobrancelhas, olhando intensamente para ele.
- E se isso acontecer, você vai erguer a sua cabecinha e seguir em frente. Sim, você estava errada, mas também não precisa se rebaixar. Dê o tempo dele e quando ele sentir que está pronto, ele virá até você. Isso se ele gostar de você da forma que eu acho que gosta.
- Tem certeza que eu consigo? – perguntei, mordendo o lábio inferior, enquanto olhava para a entrada.
- Absoluta, mas se você quiser, eu posso ficar do seu lado o tempo todo. – ele disse, enfatizando a última palavra. – É o meu trabalho de qualquer maneira.
- Não, nem pensar. Já basta todos saberem o que eu sou, não preciso de um guarda-costas. – falei e ele me olhou feio. – Sem ofensas.
- Ok, agora saia do meu carro, já me ofendeu o bastante. – ele disse, tentando parecer sério. – Eu venho te buscar na hora de sempre.
- Não sei. – respondi, afundando mais no banco.
- Tudo bem. – ele disse, abrindo a porta do motorista. – Eu vou também.
- Não, já tô saindo. – murmurei, abrindo a porta do carona e respirando fundo. Saí do carro e encarei o portão à minha frente, mas quando ia dar um passo, ouvi me chamando.
- Tive uma ideia: imagine que você está com a sua tiara na cabeça e que é mais poderosa que qualquer outra pessoa que está aí dentro. – ele disse, sorrindo abertamente em seguida. Olhei muito séria para ele.
- Se você fizer mais uma gracinha, eu juro que ligo para o meu pai e faço com que te transfira. Para trabalhar com o . Você não faz ideia de como os seguranças dele têm sorte. Ele quase não apronta nada... - sorri falsamente.
- Não sabe nem brincar. – ele murmurou, ligando novamente o carro. Acenei brevemente enquanto ele se distanciava.
Eu realmente não sei se cruzei com algum conhecido no caminho, porque eu abaixei um pouco a cabeça e caminhei rapidamente pelos corredores. Eu queria muito chegar logo à sala de aula e ficar invisível por algumas horas, completamente fora do alcance de qualquer um. Virei no corredor e quando ia entrar na sala, esbarrei em alguém e bati no batente da porta. Tirei os óculos, olhando para ver em quem eu esbarrei dessa vez. Reconheci os olhos verdes depois de alguns segundos, mas foi o sorriso que entregou quem era.
- Talvez você devesse parar de ficar esbarrando em mim pelos corredores. Eu juro que se você me abordar como qualquer pessoa normal, eu vou falar com você. – Jared disse, abrindo um belo sorriso em seguida.
- E talvez você devesse se sentir um pouco menos especial. – murmurei de volta e ele ergueu as sobrancelhas.
- Quer dizer que você esbarra em todo mundo de propósito pelos corredores? – ele indagou, apoiando-se no batente da porta e ficando de frente para mim.
- Eu não esbarrei em você de propósito, eu só não te vi. – respondi, meio sem paciência.
- Calma, princesa. Eu estou brincando... – arregalei os olhos quando ouvi o que ele tinha falado, olhei para os lados, vendo se mais alguém tinha escutado.
- Do que você me chamou? – perguntei, tirando os óculos e encarando-o profundamente.
- Foi um elogio. Prefere o quê: princesa, linda, gatinha? – ele sorriu novamente.
- Sinceramente? Prefiro que você me chame pelo meu nome. – respondi friamente, já me virando para entrar na sala.
- Não precisa desse mau humor todo, seu namorado vai voltar para você. – ele deu de ombros. – E se ele não voltar, não faltam opções, aposto. – parei onde estava e me virei novamente para olhar para ele.
- Então você sabe de tudo e isso não impede que você flerte comigo tão descaradamente? Sabe, faz apenas dois dias...
- Não vejo motivos para esperar. – ele disse simplesmente.
- Mas eu vejo muitos motivos para esperar. Guarde suas cantadas baratas para quem se interessar. – falei, dando-lhe as costas de novo e não retornei desta vez.
Abusado. Atrevido. Babaca. Idiota.
Era isso que ele era. E talvez mais alguns xingamentos além desses. Quem ele pensa que é para falar comigo dessa forma? Ainda mais depois de tudo o que aconteceu. Será que ninguém aqui nessa cidade tem um pingo de sensibilidade para perceber quando deve ou não flertar com alguém? E ainda mais alguém que você mal conhece. Eu falei com ele, sei lá, duas, três vezes e ele já se sente à vontade para me cantar e ainda me chamar de princesa? Bem que eu queria que o estivesse aqui para lhe dar um soco ou algo do tipo. Não sou muito de violência, mas meu espírito não estava tão bondoso ultimamente. Eu estava a ponto de explodir a qualquer momento e o resultado poderia ser qualquer um. Eu poderia ter uma crise de choro, uma crise histérica e sair gritando pelos corredores ou ter uma crise meio violenta e agredir fisicamente a primeira pessoa que eu visse pelo meu caminho. Talvez essa não fosse a melhor opção de todas, mas quem vai saber o que se passa na minha cabeça agora? Nem eu mesma sei. Bufei, jogando minhas coisas na cadeira e me sentando de qualquer forma. Eu estava no fundo da sala e não chamava muita atenção. Aproveitei que não estavam falando nada interessante na aula e mergulhei num sono quase profundo. Eu não estava com cabeça para discutir sobre a economia do leste europeu.
Acordei enquanto a professora falava sobre como a crise econômica estava afetando a cidade de Praga, na República Tcheca, mas eu estava tão aérea, que a única coisa que me vinha à mente é que Praga era uma bela cidade para se visitar na primavera. Balancei a cabeça, tentando acordar um pouco e me situar no assunto, mas a professora encerrou logo a aula e disse que queria um trabalho de quinze páginas sobre um dos temas discutidos hoje. Acho que ela não gostaria de quinze páginas disertando sobre as belezas naturais de Praga, então era melhor eu pegar os temas com alguém depois. Saí da sala rapidamente, eu precisava de um café para ficar acordada pelo restante das aulas. Desci até a cantina, sem prestar muita atenção no que acontecia ao meu redor. Tentei ignorar todo o falatório, mas era praticamente impossível. Como se todos os cochichos paralelos se juntassem em minha mente e parecesse uma gritaria. Eu estava ficando louca. Pedi para que me dessem logo de uma vez o meu café, mas nada parecia rápido o bastante. Respirei fundo algumas vezes, mantendo meu olhar fixo para frente, mas acabei encarando uma das atendentes de uma forma meio estranha, então olhei para o lado e ele estava já. sustentou meu olhar por um tempo, mas logo virou o rosto, encarando a parede. Suspirei, forçando um sorriso de agradecimento para o rapaz que me entregava o café e tentei sair de uma vez daquele lugar. Mas não sabia que seria impossível.
- Vejam quem está aqui. – ouvi uma voz aguda e desagradável por perto. – Acho que temos que estender um tapete vermelho ou algo do tipo para você, não é mesmo? – apertei um pouco além do indicado o copo de café, que acabou transbordando e caindo um pouco em minha mão. – Nossa, , esperava um tratamento melhor. Não dizem que os nobres são os mais educados? – larguei o copo de uma vez e todo o café se espalhou pelo chão, como uma onda negra e quente.
- Alicia, eu não estou com paciência para tratar nada com você. Já não bastou você exceder todos os limites e se intrometer na minha vida de uma forma absurda? Precisa mesmo de tudo isso? – perguntei, aproximando-me um pouco dela. Ela mantinha sua expressão superior costumeira, estava com os braços cruzados e me olhava de cima, como se eu estivesse num patamar muito abaixo do dela. O que era impossível, de todas as formas.
- Claro que precisa, querida. Você realmente pensou que chegaria aqui, ia pegar o que é meu e tudo ficaria bem? Eu acho que não...
- Então tudo isso é pelo ? – indaguei, rindo um pouco em seguida. – Sabe, quando eu te conheci, eu até pensei que você poderia ser uma pessoa decente, pelo menos, mas agora eu vejo que não. Você mesma não se respeita, não tem um pingo de amor próprio. Acha mesmo que isso tudo fará com que ele volte pra você?
- Talvez seja apenas uma questão de tempo. – ela deu de ombros, tentando não se abalar.
- Não é uma questão de tempo, só se você entender a palavra nunca como algo temporal. Com esse tipo de atitude você não consegue nada. Ninguém vai te levar a sério, as pessoas vão continuar te julgando como apenas mais uma garota vazia. Apenas corpo, sem cérebro. – desabafei. – Eu posso ter errado escondendo tudo dele, mas o que você fez foi pior. Mostrou como pode se rebaixar, a ponto que pode chegar. Isso não faz ninguém gostar de você, faz apenas as pessoas se afastarem.
- Eu não tenho culpa ou me importo que você sinta raiva. Pode descontar sua decepção e tristeza em mim, eu não me importo, porque no final de tudo, eu estarei por cima de qualquer forma. Você pode ser uma princesa lá na Dinamarca, mas aqui você é uma garota qualquer.
- Eu posso ser uma garota qualquer aqui, ou melhor, eu prefiro ser uma garota qualquer, a ser como você. – aproximei-me mais, colocando meu dedo próximo ao seu rosto. Vi que as pessoas tinham feito um círculo ao nosso redor e todos nos encaravam meio chocados e surpresos. Perto da porta da cafeteria, e nos observavam, ele mantinha sua mão segurando o braço de , como se ela quisesse vir até onde eu estava. E mais atrás eu podia ver , completamente atônito, observando aquela cena completamente desnecessária no meio do pátio. Respirei fundo, eu já tinha estragado tudo mesmo, não havia motivos para eu voltar atrás. – Eu estou cansada de garotas fúteis e inúteis como você, que tratam as pessoas como nada, como se vocês fossem melhores em algum aspecto. Mas na verdade, Alicia, você não é nada. Você não vale nada, não é capaz de nada, não é digna de nada. Quer dizer, você é digna de apenas uma coisa. Pena. – praticamente cuspi a última palavra. – Nem raiva ou repulsa, pena é a única coisa que eu sinto quando olho pra você. – ela me olhava com os olhos praticamente em chamas. Seu rosto estava vermelho e sua expressão era descontrole puro. Balancei lentamente a cabeça, virando as costas para sair dali de uma vez, mas ela segurou meu braço e me colocou em sua frente de novo.
- Quem você pensa que é para me falar esse tipo de coisa? – ela gritou, ainda segurando o meu braço. – Acha que sua a coroa vale alguma coisa aqui? Ela não vale nada, assim como você. – ela disse e foi nesse momento que eu perdi o controle. Sem pensar em nada, eu apenas levantei minha mão livre e, com toda a minha força, fiz o caminho completo até que ela encontrasse o rosto de Alicia. O barulho foi tão assustador, que até eu recuei depois que percebi o que tinha feito. Levei uma das mãos até a boca e olhei para a marca que brilhava num vermelho quase intenso em contraste com o branco normal do rosto dela. Encarei as expressões chocadas à minha frente, não pude deixar de ver o imenso sorriso no rosto de e quase em estado de choque. Tudo isso pareceu durar longos minutos, mas na realidade foram poucos segundos, o mesmo tempo que passou até que uma chuva de flashes me cegasse. Não sei de onde vinham tantos fotógrafos, mas eles não paravam de surgir de todos os lados. Eu fiquei paralisada por algum tempo, antes de sentir uma mão segurando a minha. Corri às cegas por vários metros, fazendo algumas curvas e descendo alguns lances de escada. Percebi que estava num lugar mais escuro antes de conseguir me localizar. Os carros ao meu redor denunciaram o lugar antes que eu pudesse adivinhar, na verdade seria meio difícil, porque eu nunca tinha ido ao estacionamento de qualquer forma. Pisquei os olhos algumas vezes, antes de olhar para o lado e ver quem tinha sido o meu salvador. O sorriso era de pura excitação, os olhos verdes brilhavam, parecia que ele ia explodir de felicidade ou de adrenalina, não consegui distinguir.
- Tenho que admitir, foi um belo tapa, princesa. – Jared disse, antes de sorrir abertamente mais uma vez. – Ou ainda devo te chamar de ?



Décimo Segundo

Blindly, I came to you, knowing you'd breathe new life from within
(Boyce Avenue - Find Me)
Música do capítulo. Coloque-a para tocar quando aparecer o aviso.


’s Pov

Deixei meu corpo cair pesadamente sobre a cama e tentei relaxar, em vão como sempre. Essas últimas duas semanas foram terríveis. Depois que Alicia revelou tudo na frente de todo mundo, as coisas saíram do eixo e eu me vi completamente perdido, em todos os aspectos. Eu não estava preparado para nada disso, na minha cabeça tudo estava indo perfeitamente bem, sem nenhuma complicação ou qualquer problema. Só que, de repente, essa bomba explode e bagunça tudo. Eu queria ser, sei lá, menos correto e apenas ignorar isso, mas eu não consigo. Querendo ou não ela mentiu para mim, escondeu coisas importantes sobre a sua vida e me deixou sem saída. Posso estar exagerando, mas no fundo eu não me importo, sei que se fosse o contrário a reação seria a mesma. Ninguém gosta de ser enganado, ainda mais pela pessoa que gosta. E eu realmente gosto dela. Deus, como eu gosto dela. Vê-la na faculdade naquele dia atrapalhou todos os meus planos de ficar distante e indiferente, ainda mais porque eu não a vi de novo depois. Ela parecia abatida e seus olhos revelavam o quão triste ela estava, e quando eles se prenderam nos meus por um instante, uma vontade louca de correr até ela e abraçá-la me dominou, mas eu me contive. Tive que me conter. Confesso que todos aqueles fotógrafos me assustaram, eu até entendo o porquê dela ter escondido tudo, mas por que de mim também? Para não me perder? Será que ela acha que eu sou tão superficial assim? Que eu a largaria por isso? Bem, parece que foi exatamente o que eu fiz, mas não é. Eu não quero deixá-la, eu só preciso de um tempo para fazer isso entrar na minha cabeça. Tem tanta coisa que eu não consegui entender. E ainda tem aquele cara que surgiu de repente e sumiu com ela pelos corredores. Quem é ele? Eu nunca o tinha visto por aqui. Bufei, encarando o teto, não era hora de sentir ciúme, era hora de ser indiferente. Eu precisava me controlar e manter minha cabeça fria, para não tomar nenhuma decisão precipitada. Na verdade eu estou muito confuso, acho que nem sei o que eu realmente quero. Não tenho ninguém para conversar. Depois de tudo isso eu ainda briguei com o e com a , eles não conseguem entender a minha reação, acham completamente exagerada, sem motivos. Mas não é, no fundo eles sabem que não é. Queria que eles se colocassem no meu lugar para que eles vissem que não é tão simples assim. Então cá estou eu, sem amigos, sem namorada... Sem ninguém. Não consigo lidar comigo mesmo dividido entre o coração e a razão. Acho que a razão está ganhando agora...

- ? – ouvi a voz do meu tio, mas eu nem me mexi, ignorando mais uma vez. – ? – ele disse novamente, só que mais perto dessa vez. A porta se abriu e pude ver seu rosto, ele estava desconfiado. – Você não me ouviu? – perguntou e eu me limitei a assentir com um leve balançar de cabeça. – E por que não que respondeu? – dei de ombros, ainda encarando o teto. – Aconteceu alguma coisa?
- Não é nada, tio. – respondi, fazendo um pequeno esforço para me sentar, olhei em sua direção e dei um pequeno sorriso.
- Sua expressão me diz que é mentira, mas eu não vou forçar nada. Enfim, tem um cara lá embaixo querendo falar com você. Ele disse que é amigo da .
- Que cara? – perguntei, estranhando.
- Não sei, ele só pediu para falar com você. – ele deu de ombros. – Aconteceu alguma coisa com ela? Nunca mais apareceu por aqui. – ele perguntou, olhando fixamente para mim. – Vocês brigaram?
- É um pouco mais complicado do que isso, tio. – sorri sem humor.
- Parece complicado mesmo. – ele murmurou, erguendo as sobrancelhas. – Você sabe que pode falar qualquer coisa comigo, não sabe? – afirmei com a cabeça e ele relaxou um pouco.
- Vou voltar pro bar, ele tá lá embaixo te esperando. – falou e fez seu caminho de volta lá para baixo. Bufei, levantando-me de uma vez e o segui, queria saber quem estava lá. Desci as escadas e passei direto pela cozinha, Carlie provavelmente suspeitaria de alguma coisa e só deixaria que eu saísse de lá depois de contar tudo. E eu não estava com a mínima disposição para isso, ainda mais que ela tem uma leve tendência a ficar contra mim. Empurrei a porta e dei de cara com . Ele estava com uma expressão estranha no rosto, como se estivesse com medo de mim ou algo do tipo. Desnecessário. Passei a mão pelo cabelo e depois cruzei os braços na altura do peito, esperando que ele dissesse alguma coisa, mas ele continuou lá parado. Pelo canto dos olhos pude ver meu tio olhando atentamente para nós dois, talvez por causa da expressão do . Respirei fundo e me aproximei mais um pouco, parando bem perto dele.

- O que você tá fazendo aqui? – perguntei baixo, mais confuso do que irritado.
- Eu precisava falar com você, é sobre a . – ele respondeu e algo se alarmou dentro de mim. Independente de qualquer coisa, só ouvir o nome dela mexia comigo. Fechei os olhos por alguns instantes, pensando se deveria ou não conversar sobre ela. Eu não queria pensar nisso por um tempo, mas era impossível, pois era só isso que martelava a minha cabeça. Eu não conseguia tirá-la do meu pensamento, nem ao menos por um único segundo. Suspirei, derrotado.
- Vamos conversar lá no quarto, é mais tranquilo. – falei, fazendo um gesto para que ele me seguisse.

Abri a porta e tentei recolher as coisas que estavam espalhadas pelo chão ou em cima dos móveis. Tirei umas peças de roupa que estavam na poltrona e indiquei para que ele se sentasse, enquanto eu colocava as peças no cesto. Voltei e me sentei na cama desarrumada, bem de frente para ele. Ele olhou um pouco ao redor, mas não comentou nada.

- E então? – eu disse, fazendo com que sua atenção se voltasse para mim. – É o quê? Você tem algum recado dela pra mim? Se for, poupe seu tempo, já falei pra ela que eu preciso pensar e...
- Não é nada de recado, ela nem sabe que eu estou aqui. – ele fez uma careta rápida e continuou. – Você deve ter presenciado o que rolou na faculdade há duas semanas, certo? Então você deve ter noção de como as coisas estão complicadas para o lado dela agora. Os pais querem que ela volte pra casa, mas não é isso que ela quer. Ela quer ficar aqui e creio que tudo isso seja apenas por sua causa. – ele meneou com cabeça e me encarou seriamente. – Não pense que eu não entendo a sua reação, você tem todo o direito, só queria que você pensasse bem, porque ela não fez nada disso por mal. Foi um conselho, um mau conselho que ela seguiu. A só queria um tempo como uma garota normal, sem nenhuma preocupação ou problemas.
- E que problemas ela teria em me contar? Não consigo imaginar nenhum, . Eu sei que você está aqui para defendê-la, mas eu acho que não vai adiantar.
- Não estou aqui para defendê-la, eu só queria que você entendesse uma coisa: nada disso foi culpa dela. Tá, tudo foi culpa dela, mas não diretamente. Todos disseram para que ela não contasse nada pra ninguém, a mãe, o pai, eu, a Ellen. Ela sempre quis te contar, só que as coisas foram acontecendo, que quando ela viu vocês já estavam envolvidos. Ela só quis evitar problemas, mas só conseguiu muitos outros. Ela sempre teve que lidar com muitas coisas, desde muito nova. Esse tempo que ela passaria aqui seria como um tempo de liberdade, para ela fazer tudo o que quisesse antes de voltar e...
- Voltar e? – perguntei, estranhando a parada repentina.
- Merda! – ele xingou baixo. – Eu sempre falo mais do que deveria. – ele disse mais para ele mesmo do que para mim. Pensou por alguns instantes, antes de suspirar, derrotado. – Ela vai assumir o trono, . Daqui a dois anos. Por isso ela veio estudar, por isso toda essa coisa de liberdade. Ela só quer aproveitar enquanto pode. – ele riu, sem humor. – Como você se sentiria se ela chegasse para você e falasse: “Bom, , a verdade é que eu sou uma princesa e assumirei o trono daqui a dois anos.” Aposto que não seria nada agradável.
- Ela vai assumir o trono? – perguntei completamente desnorteado. Todo esse tempo eu encarei o fato dela ser uma princesa, mas não pensei nas coisas que acompanham esse título. É natural que ela se tornasse uma rainha um dia, mas isso não tinha passado pela minha cabeça. Ela sempre foi apenas uma garota que veio da Dinamarca e me conquistou, ponto final. Agora ela é uma princesa, futura rainha, perseguida por paparazzi, com seguranças e tudo mais. É, definitivamente, demais para mim, não sei se consigo lidar com tudo isso.
- Sim, ela vai. E é por isso que eu estou aqui, para tentar amenizar as coisas. Eu só queria que você pensasse muito bem em tudo isso, porque eu não quero que você dê falsas esperanças a ela. Então se você não conseguir lidar com tudo isso, é melhor você se afastar de vez, aproveitando essa confusão, porque depois pode ser pior.
- Eu não quero dar falsas esperanças, . Eu realmente gosto dela, de verdade, só que isso é muita coisa pra mim. Eu sempre vivi nesse meu mundo pequeno e eu temo que seja pequeno demais para ela, para o que ela é. Olhe ao redor, você realmente acha que um cara que mora nos fundos do bar do tio é bom o suficiente pra ela? Parece que eu estou sendo egoísta com essa reação de me afastar, mas não, eu estou querendo dar tempo ao tempo, para que ela mesma pense se ela acha que vale a pena se arriscar em algo assim. – confessei, sem medo de parecer fraco ou algo do tipo. – Ainda mais agora que todo mundo sabe. Ela tem muito mais a perder do que eu.
- Sinceramente, eu acho melhor você rever seus pensamentos, porque, se você a conhece um pouco que seja, sabe ela não é do tipo que desiste das coisas só porque é complicado. Ela quer ficar com você, ela gosta de você. Independente de onde você more ou da sua situação financeira, isso é o que menos importa. Portanto pense muito bem no que você vai fazer, porque você pode acabar com algo muito bonito por nada. Não deixe que o que ela é perante as outras pessoas fale mais alto do o que ela é de verdade. – ele respirou fundo e se levantou. – Eu tenho que ir embora, as coisas estão complicadas depois de ontem, tem vários repórteres lá na porta, alguns estão passando dos limites e quantos mais seguranças lá melhor. Pense no que eu te falei, por favor. – sem nem esperar que eu o acompanhasse, ele seguiu para a porta e desapareceu pela mesma, me deixando com muitas coisas para pensar.

Entrei pela milésima vez na cozinha trazendo um prato de volta. Eu estava errando todos os pedidos, derramando bebidas, deixando os clientes esperando. Se a minha mente já estava a mil por hora antes da conversa com o , imaginem agora? Eu só conseguia imaginar a como uma rainha, com direito a um belo vestido e sua coroa. Os fotógrafos e súditos a cercavam, enquanto eu me eu via no fundo, completamente em sua sombra, como se não existisse. Será que eu conseguiria viver preso à sombra dela para sempre? Porque isso iria acontecer. Ela seria a rainha e eu seria apenas seu namorado plebeu. Bufei, derrubando um prato cheio de batatas fritas no chão. Reprimi um palavrão e me abaixei para recolher. Carlie veio até mim e começou a me ajudar, mantendo-se em silêncio. Assim que terminamos, ela me estendeu um pano de prato e eu limpei minhas mãos. Ela me olhava serenamente, da mesma forma que a minha mãe me olhava quando sabia que havia algo errado. Eu me senti com dez anos de idade de novo.

- O que quer que tenha acontecido de ruim entre você e a , não deve ser maior do que todas as coisas boas que já aconteceram. Eu vi os jornais e as revistas, seu tio também, mas deixamos você sentir vontade de se abrir. Não fique se martirizando, não vale a pena. – ela disse, aproximando-se e colocando-se na ponta dos pés para me dar um beijo na testa. – Sobe, eu vou pedir para o seu tio te encontrar lá em cima. Vocês precisam conversar. – ela sorriu levemente e seguiu para o salão. E eu respirei fundo e me dirigi até meu quarto.

Sentei-me novamente na cama e deixei minha cabeça cair em minhas mãos, respirando fundo. Eu acabaria louco depois disso tudo. Nunca estive tão confuso em toda a minha vida. Era como se eu estivesse me partindo ao meio, metade de mim era composta de amor e a outra, de ressentimento. Queria apenas esquecer tudo isso e me deixar levar, só que eu não conseguia. Eu me sentia um fraco. Na verdade, eu era um fraco.

- . – ouvi a voz do meu tio encher o ambiente, ao mesmo tempo que senti o colchão afundar ao meu lado. Ele colocou uma das mãos em minha cabeça e bagunçou meu cabelo, da mesma forma que ele fazia quando eu tinha cinco anos de idade e vinha passar as férias na casa dele. – Qual é o problema, garoto?
- Eu já sei que você já sabe. – murmurei. – Por que não me disse?
- Eu esperei até você sentir necessidade de conversar, sabe o quanto eu evito me intrometer na sua vida. – ele sorriu levemente. – Mas me diga, o que está te deixando assim? Não me diga que é apenas essa coisa da .
- Apenas? – perguntei, rindo friamente. Levantei minha cabeça e encarei seu rosto por alguns instantes. – Ela escondeu tudo isso de mim, você acha pouco? – falei, voltando em seguida para minha posição inicial.
- Não, não acho pouco, só não é pra tudo isso. , ela devia ter um motivo muito forte para não contar, ainda mais deve ser perigoso todo mundo saber onde ela está. Digo, pessoas como ela sempre estão cercadas de seguranças e ela não era assim, sempre andava sozinha por aí.
- Eu não estou dizendo que ela deveria ter contado pra todo mundo, isso eu aceito, mas não contar pra mim? Eu sou o namorado dela, será que não passo tanta confiança assim?
- Não acho que seja por isso. – ele ponderou, apoiando o queixo em uma das mãos. – Você deixou que ela se explicasse?
- Ela tentou, mas eu meio que não deixei. – confessei.
- Você, um advogado, deixou sua própria namorada sem direito de defesa? – ele riu mais alto. – Isso não vai contra o seu juramento?
- Tio... – falei baixo e ele suspirou pesadamente.
- Você não sabe nada sobre a versão dela?
- Ela disse que não contou nada porque não queria me perder. – dei de ombros.
- E você acha isso ruim? – ele perguntou, fazendo uma careta. – Pra mim, isso só mostra o quanto ela gosta e se importa com você. O problema agora é: será que você gosta dela o bastante para deixar tudo isso de lado? – ele deu uma pausa, esperando que eu dissesse alguma coisa, mas eu me mantive em silêncio. – Posso dar minha opinião?
- Claro.
- Eu acho que gosta. Eu nunca tinha te visto assim, tão feliz. Ela te fez bem, te deixou mais vivo, fez um sorriso se alojar no seu rosto de maneira que nada o tirava daí. – ele se abaixou, ficando bem perto do meu ouvido. – Você estava me lembrando seu pai. – ele disse, fazendo com que eu levantasse a cabeça e olhasse em seus olhos. – Ele ficou dessa mesma forma quando conheceu sua mãe. Nada o controlava, era como se ele tivesse acabado de descobrir como viver, sabe? Ele sempre foi muito calado, bem na dele, como se tivesse nascido para ser militar, um dos melhores. E então sua mãe apareceu na vida dele e deixou tudo colorido. – ele sorriu abertamente, como se tivesse voltado no tempo e estivesse revivendo tudo aquilo. – Ela era uma menina encantadora, assim como a , só um pouco mais maluca. Imagine só, uma hippie e um militar, o que poderia acontecer num encontro como esse? Só algo maravilhoso como você. – ele passou um braço ao meu redor, e fez com que eu me recostasse em seu corpo. – É como se tudo estivesse acontecendo de novo, como se eu precisasse servir como cupido novamente. Eu juntei seus pais e eu juro por Deus que também juntarei você e a , porque essa menina te faz bem. Consigo ver isso nos seus olhos, até mesmo agora, que você está em dúvida, os seus olhos te traem. Por que você vai colocar tudo isso a perder? E daí que ela é uma princesa? Faz alguma diferença pra você? – neguei com a cabeça, sentindo uma lágrima solitária rolar pelo meu rosto. Fazia anos que eu não via meu tio falar do meu pai, era como se ele evitasse de todas as formas e eu sabia muito bem por quê. Eles eram muito unidos e meu tio foi quem mais o apoiou quando ele decidiu largar tudo e seguir para a Califórnia com a minha mãe. – Não deixe que ela escape dos seus dedos, meu filho. – sorri abertamente com as últimas palavras e sequei o rosto. – Bom, eu tenho que descer. – ele disse, apertando um pouco seu abraço antes de me soltar e se levantar. – Me avise quando eu precisar colocar juízo na sua cabeça mais uma vez.

Dê play na música.

Aproximei-me da janela, olhando o sol se pôr no horizonte. Não deixaria minha decisão passar dessa noite. Eu não poderia ficar prolongando isso, causando mais problemas para os dois. Mas uma coisa era certa: cada vez que eu pensava em desistir, a vontade de tê-la em meus braços novamente aumentava. E toda vez que eu sentia essa vontade, menos eu pensava em desistir. Então era simples, certo? Eu só precisava ir até ela e dizer tudo o que sentia, mas não era bem assim. Antes de tudo eu deveria pensar em como essa escolha afetaria a minha vida. A essa altura todo mundo já sabia. Minha família, a família dela, as pessoas na faculdade e até mesmo em todo mundo. E eu estava disposto a encarar tudo isso? Disposto não, preparado?

So many nights trying to hide it
Tantas noites tentando esconder isto
But now I stay awake just pleading for more
Mas agora eu fico acordado implorando por mais
To think this heart was divided
Pensar que esse coração foi dividido
I'm losing sleep cause I can't ignore
Eu estou perdendo o sono porque eu não posso ignorar


Fechei os olhos e voltei um pouco no tempo, lembrando-me de todos os lindos momentos que tivemos juntos, de todas as coisas que fez ou falou. Era como se eu estivesse de volta ao parque no nosso primeiro encontro, eu podia ver o sol se pondo no fundo e aquele brilho alaranjado tomando todo o ambiente. Nossos dedos se esbarraram e ela, lentamente, virou-se em minha direção e deixou que seus olhos se prendessem aos meus. Meu coração acelerou novamente, exatamente da mesma forma que ele reagiu antes, querendo desesperadamente sair do meu peito. Tudo parecia tão real, que no impulso eu estendi os braços para tocar seu rosto, mas a imagem começou a se desfazer, deixando apenas um fraco rastro do que era seu sorriso. Abra seus olhos, ouvi sua voz melodiosa soar e eu obedeci sem pestanejar, mas me vi sozinho em meu quarto.

Can't get enough of you
Não me canso de você


Naquele momento eu percebi o que me vem à cabeça quando eu penso nela, não é nada do que eu imaginava. Quando eu me prendo ao que aconteceu, eu não consigo ver o que houve de bom, mas é um erro porque só houve coisas boas. Acho que quando você gosta de alguém, tudo se transforma num mero detalhe e eu consigo perceber isso agora. A cada minuto que passa fica mais claro para mim. O que ela é ou o que ela será não importa, para mim ela sempre será a minha . Aquela que me conquistou e que me fez ver o melhor de mim. Aquela que fez com que eu me apaixonasse. Sim, eu estou completamente apaixonado por ela e só consegui perceber isso agora, em meio à tempestade. E foi esse amor que me fez enxergar o que é realmente importante. Se tudo se dará por uma escolha minha, não serei eu quem transformará tudo em pó. Ela pode ter posto tudo a perder, mas eu recolherei todos os nossos pedaços e assim nós nos tornaremos um só novamente.

Hearing your voice all around
Ouvindo sua voz por todo lado
The last place we're going is down
O último lugar para onde estamos indo é para baixo
Of I'll blindly follow knowing you're leading the way
Eu cegamente a seguirei sabendo que você está conduzindo o caminho


Tornei a fechar os olhos, mais fortemente dessa vez, desejando que eu pudesse retornar àquele momento e sentir seus lábios nos meus mais uma vez. Mas não era possível, pois a única coisa que eu conseguia ver era a expressão triste em seu rosto, reflexo de todas as palavras duras que eu havia lhe dito. Ela só estava tentando explicar o motivo das suas atitudes e eu não quis ouvir. Revendo essa cena, eu só conseguia pensar no sorriso que não estava em seu rosto. O mesmo sorriso que morou em meus sonhos por todo esse tempo, o sorriso que fazia meu dia todo valer a pena e que conseguia aquecer meu coração de uma forma inexplicável. E eu era o motivo por ele não estar onde deveria. "Eu não estava preparada para perder você", sua voz sussurrou em minha mente. Não, , você nunca vai me perder. Nunca. Abri os olhos e dessa vez voltei para a realidade. Eu já deveria ter feito isso há muito tempo. Peguei as minhas chaves e desci apressadamente as escadas, passando quase como um foguete pela cozinha a caminho da saída dos fundos. Ouvi a voz da Carlie em algum momento, mas minha mente estava bloqueando qualquer coisa que tirasse minha atenção e me fizesse perder mais tempo.

Find me, here in your arms now I'm wondering where you've always been
Me encontre, aqui em seus braços, agora eu estou desejando saber onde você sempre esteve
Blindly, I came to you knowing you'd breathe new life from within
Cegamente, eu vim a você, sabendo que você sopraria uma vida nova para dentro de mim
You sleep, here in my arms where the world just shuts down for awhile
Você dorme, aqui em meus braços, onde o mundo se fecha por algum tempo
Blindly, you came to me finding peace and belief in this smile
Cegamente, você veio a mim, achando paz e convicção neste sorriso
Find some peace and belief in this smile
Ache um pouco de paz e convicção neste sorriso


Enquanto eu dirigia apressadamente pelas ruas, a única coisa que habitava a minha mente era ela e o desejo de tê-la bem perto de mim novamente. Agora falta pouco tempo, apenas alguns minutos, mais alguns metros e tudo estaria bem. Antes eu havia dito que o egoísmo não é sinônimo de amor, mas agora percebi que orgulho também não é.

Can't get enough of you
Não me canso de você


/’s Pov



Décimo Terceiro

Before you I was waiting for my life to begin
(Hot Chelle Rae - The Only One)


Puxei a cortina da janela e enxerguei o mar de jornalistas que ocupavam a entrada da embaixada. Eu não saia de casa há uma semana e do quarto há dois dias. Eu estava completamente entediada. Passava a maioria do tempo lendo as coisas que o buscava na faculdade ou olhando incessantemente para a minha foto com o na parede. Ela sempre estava bem na minha direção e eu precisava apenas desviar o olhar para evitar, mas na verdade eu não queria evitar. Eu queria tê-lo, pelo menos, ao alcance dos meus olhos, mesmo que fosse através de uma foto. Ouvi uma confusão vinda do lado de fora e corri novamente para a janela. O carro do tentava furar a barreira humana, cuidadosamente, para não machucar ninguém. Sinceramente? Eu passaria por cima de todo mundo. Tá, claro que eu não faria isso, mas dava vontade. Eram várias pessoas que gastavam o seu tempo e sua vida para correr atrás de outras pessoas, persegui-las, tornar a vida delas um inferno. Pelo menos era isso o que eles estavam fazendo com a minha vida. Depois de buzinar diversas vezes e de quase ser cego pelos flashes, conseguiu romper a barreira. Assim que a porta da garagem se abriu, um grupo de seguranças teve que se reunir para impedir que os jornalistas invadissem. Nós percebemos que isso era necessário, quando numa ocasião como essa, um deles entrou correndo e veio parar na sala de estar. Só ouvi a Ellen gritando histericamente com ele, dizendo que se ele não saísse em cinco segundos, ela ligaria para a polícia. Até aí tudo bem, ela estava no direito dela, só que ela estava gritando com ele, enquanto segurava uma vassoura. E uma das ameaças dela era que ele não iria gostar de onde ela iria colocar aquela vassoura, caso ele não fosse embora. Confesso que me assustei. Me assustei de verdade. Nunca tinha visto a Ellen tão nervosa e olha que ela é do tipo que nunca está calma. Acho que tudo isso elevou o nível de estresse de todos nessa casa, não há uma só pessoa que não esteja afetada. Até mesmo a Carmen, que costuma deixar todos os problemas de lado, passa os dias reclamando pelos cantos por não conseguir fazer seu trabalho direito, porque sempre tem alguém gritando e tirando fotos dela. Não tiro sua razão, deve ser altamente irritante vir alguém e mudar completamente a sua rotina de uma hora para a outra. Mas sempre que eu tento me desculpar, ela dá um de seus enormes sorrisos e diz que nada disso é minha culpa, depois me faz comer uma enorme fatia de bolo. Quem ela quer enganar? Tudo isso é minha culpa.

- . – entrou em disparada no quarto. – Preciso falar com você. – ele disse, enquanto me entregava alguns papéis que ele foi buscar na faculdade.
- O que foi? – perguntei, um pouco assustada com seu tom de voz.
- Não briga comigo, por favor. – ele pediu, caminhando até onde eu estava e me fazendo sentar na cama, enquanto ele puxava a cadeira do computador e se sentava na minha frente.
- O que aconteceu, ?
- Eu fui até o bar falar com o . – ele disse de uma vez, me encarando com uma expressão apreensiva logo depois.
- O quê? – perguntei calmamente, tentando me controlar. – Por que você fez isso? Ele vai pensar que eu te mandei lá, que eu estou forçando um contato. Ele pediu para que eu me afastasse por um tempo e é exatamente isso que eu estou tentando fazer. – me levantei e passei a caminhar de um lado para o outro no quarto, passando a mão nervosamente pelo rosto. – Se fosse para estragar tudo, eu mesma teria ido. Você não tinha o direito, . Não tinha o direito. – gritei a última parte, deixando o rosto cair em minhas mãos em seguida.
- Eu queria ajudar. Não aguento mais te ver aqui presa, sempre encarando essa porcaria de foto, sem poder fazer nada para consertar as coisas, porque ele não quer falar com você. Se você não está cansada dessa atitude, eu estou. – ele se levantou e parou bem na minha frente. – Se ele não é homem o suficiente para encarar isso, talvez ele não seja o cara que você precisa.
- E quem é, ? Quem? – perguntei, respirando fundo em seguida. – De todos os caras que eu já conheci, o foi o único que me tratou da forma que eu sempre imaginei. Talvez seja porque ele não sabia quem eu era, mas mesmo assim, ele me fez sentir como uma garota normal, alguém que possa ser amada. – olhei para o teto, tentando segurar as lágrimas. – Eu posso ter acabado com a única chance de ser feliz com alguém de gosta de mim e não de quem eu sou ou serei. E você sabe o que vai acontecer agora? Eu vou voltar para a Dinamarca e casar com um cara que o meu pai vai escolher. Porque eu sou tão imprestável nessa droga de vida, que nem de encontrar o meu próprio marido eu sou capaz. E essa porcaria de foto que você mencionou. – falei, pegando a mesma e colocando-a bem perto dos seus olhos. – Pode ser a única lembrança do tempo em que eu consegui ser eu mesma. – ele me encarou em silêncio, antes de se aproximar e colocar seus braços ao meu redor e me puxar para um abraço apertado.
- Eu também falei outra coisa para ele. – ele murmurou ainda incerto. – Acho que isso vai fazer você sentir mais raiva ainda de mim, mas eu preciso contar. – fiquei em silêncio, esperando que ele continuasse. – Bem, eu disse que você vai assumir o trono.
- O quê? – praticamente gritei, tentando me soltar, mas ele me manteve presa.
- Calma, por favor. – ele pediu, apertando seu abraço.
- Como você quer que eu tenha calma? Se ele não estava conseguindo lidar com o fator princesa, você acha que o fator rainha vai amenizar a situação? – continuei gritando e me debatendo. – Me solta!
- Não, eu preciso que você se acalme. – ele disse baixo, tentando fazer com que eu parasse de me mexer.
- Você não entende que pode ter estragado tudo de vez? – sussurrei, apertando com força sua blusa e deixando as marcas das minhas lágrimas na mesma. – Eu o perdi, . – deixei minha voz morrer no final e ele colocou sua mão em meus cabelos, fazendo um carinho leve.
- Não era a minha intenção, você sabe. – ele disse e eu apenas acenei com a cabeça, concordando. Ouvi a porta abrir e Ellen apareceu. Ela nos olhou de forma confusa e pediu que ela se aproximasse. – Eu fiz besteira. – ele disse baixo, me passando para os braços de Ellen. Me senti como um bebê, mas não me importei. Permiti que toda a tristeza, raiva, desolação fossem eliminadas junto com as lágrimas.
- Vem, senta aqui na cama. – ela me disse, enquanto me levava para onde ela havia dito. – E você. – ela se dirigiu ao . – Depois conversamos.


Acho que a Ellen ficou no meu quarto durante uns dez minutos. Ela passava a mão pelos meus cabelos, hora fazendo um leve cafuné e hora passando os dedos por entre os fios. Quando eu finalmente consegui me acalmar, pedi que ele saísse e me deixasse um pouco sozinha. Queria pensar um pouco. Ela assentiu e saiu do quarto, deixando a porta entreaberta. Virei meu corpo, ficando de barriga para cima, e encarei o teto, meu fiel companheiro ultimamente. Sequei o rosto e respirei fundo, tinha que mudar a minha situação. Porque eu sei bem que ficar chorando pelos cantos não ia mudar nada, eu deveria apenas aceitar que nós não ficaríamos juntos. Passei mais de vinte anos da minha vida sem ele e passaria o restante também. Ouvi um grito vindo da cozinha e levantei alarmada, descendo correndo as escadas.

- Você fez o quê? – a voz de Ellen dominava toda a casa, de forma que todos os empregados estavam paralisados em seus lugares e mantinham os olhos arregalados de susto. – Você não tinha o direito, , não tinha. – parei perto da porta da cozinha e continuei em silêncio, esperando para ouvir a conversa. – Não é porque você é o segurança dela, que pode se intrometer na vida dela, ainda mais nesse ponto.
- Ellen, eu não fiz por mal...
- Seja por mal ou não, você não tinha que contar nada para ele, se ela quisesse, ela teria contato.
- Você pode parar de gritar comigo dessa forma, por favor? – ele falou firmemente. – Do mesmo jeito que eu não tinha o direito de me intrometer, você não pode vir com esse papo de lição de moral. Eu vi que ela estava mal e tentei ajudar. Você que se diz amiga dela não fez nada, pelo menos eu fiz.
- Fez besteira, isso sim. – suspirei, o clima nessa casa estava intragável, impossível de aturar.
- Eu só acho que vocês deveriam parar com isso. – falei, enquanto entrava na cozinha. – Ficar gritando um com o outro, brigando dessa forma, não vai ajudar em nada. Já estamos todos estressados com esses jornalistas do lado de fora o tempo todo, mudando a nossa rotina, impedindo que a gente faça qualquer coisa, vocês realmente querem piorar mais ainda? Eu realmente estou sem nenhuma perspectiva de vida no momento, tudo o que eu realmente queria me foi tirado: minha faculdade, meu tempo como uma pessoa normal e o cara que eu gosto. Por favor, não aumentem essa lista fazendo com que eu adicione vocês, dois dos meus poucos amigos. Porque, sinceramente, eu não sei o que vou fazer. – eles se olharam, completamente envergonhados. – Será que vocês podem pedir desculpas um para o outro e tornar esse ambiente um pouco mais agradável?
- Desculpa. – Ellen murmurou muito baixo, olhando para o chão. me encarou, segurando o riso.
- O que você disse? Eu não escutei. – ele falou, sabendo como Ellen odiava ter que se desculpar por qualquer coisa, fruto de seu gênio forte. – Talvez se você olhasse para mim enquanto fala, eu poderia ouvir melhor. – ela bufou e o encarou.
- Me desculpe. – ela repetiu, quase separando as sílabas. – Satisfeito?
- Extremamente. – aumentou o sorriso. – Me desculpe, Ellen. – ela rolou os olhos.
- Obrigada. – falei, dando as costas, para voltar ao quarto, mas meu trajeto foi interrompido por um barulho de carro da porta da casa. – Quem será? – perguntei, fazendo o caminho de volta e parando perto da porta.
- Não sei, não estava esperando ninguém. – Ellen respondeu, parando ao meu lado.
- Eu vou lá ver. – disse, saindo em disparada até a porta e parando como uma estátua viva na mesma.
- Quem é, ? – perguntei, quase aflita. Ele me olhou com os olhos arregalados, completamente espantado. – Não estávamos esperando pelo senhor, majestade. - ele disse para quem estava chegando, enquanto fazia uma leve reverência, e foi a minha vez de arregalar os olhos. Cobri a boca com as mãos. Era meu pai.
- Digamos que eu queria chegar de surpresa. – ouvi a voz grave encher o ambiente. – Está uma confusão aí fora, será que a polícia dessa país não consegue controlar as pessoas?
- Não sei, majestade. – respondeu. – Mas posso tentar dar um jeito nisso agora mesmo.
- Por favor, faça isso. – ele disse, exatamente no momento em que passava pela porta, sorrindo abertamente e mostrando pequenas rugas ao redor dos olhos. – Minha filha, que saudade. – meu pai abriu os braços, me convidando para um abraço. No mesmo instante eu corri até ele e me joguei em seus braços, que se fecharam ao me redor, num abraço bem apertado.
- O que você tá fazendo aqui? – sussurrei, ainda meio em choque.
- Pensei que seria melhor recebido, faz tanto tempo que não nos vemos. – senti seu corpo sacudir com a risada que ele deu em seguida e eu também sorri.
- Não é isso, eu só não esperava. – falei, soltando-me do abraço e olhando em seus olhos por um instante. Não tinha a mínima noção do quanto eu estava sentindo saudades dele até esse momento. Passei a mão meu seu rosto e depois apoiei as duas em seus ombros.
- Entendo, só que eu imaginei que você estaria precisando de um colo de pai no momento. – ele deu de ombros, apertando a ponta do meu nariz, exatamente da forma que ele fazia quando eu tinha cinco anos de idade.
- Você não imagina o quanto. – murmurei, sentindo seus lábios tocarem minha testa.

Fechei a porta do quarto e me apoiei na mesma, vendo meu pai varrer o cômodo com os olhos, observando atentamente cada ponto onde tinha algo fora do lugar. Ele caminhou até a janela e tirou um pouco a cortina da frente, provavelmente olhando o movimento na rua.

- Acho que o conseguiu dar um jeito. – ele disse, virando-se para sorrir para mim. Forcei um sorriso em resposta, mas não pareceu bom o bastante, porque ele enrugou as sobrancelhas e fiz uma pequena careta.
- Que bom. – comentei. – Está essa loucura há uma semana, estão todos com os nervos à flor da pele.
- Começando pela sua mãe. – ele sorriu de lado, caminhando até o quadro de fotos. No caminho ele retirou o blazer azul escuro que vestia e o apoiou sobre a cadeira, antes de retirar com cuidado uma foto do lugar. – Parece ser um bom rapaz, mas será que vale tudo isso? – ele apontou para o lado de fora.
- Acho que não importa de qualquer maneira. - dei de ombros. – Talvez seja melhor eu voltar para a Dinamarca com você.
- Por quê? – ele perguntou, sentando-se na cadeira. – Pensei que esse tempo era o que você mais queria no mundo.
- E era, só que agora aqui será a mesma coisa de lá, logo é mais fácil eu estar em casa com vocês. Assim fica mais fácil para a minha mãe manter seus olhos em mim. – sorri, me jogando na cama, bem de frente para ele. – Ela deve estar louca com tudo isso.
- Completamente enlouquecida. – meu pai sorriu abertamente, passando a mão pelos cabelos. – Quando as primeiras fotos saíram, ela tentou se controlar, fingir que não tinha visto, mas quando surgiu uma em que você estava, aparentemente, limpando uma mesa, ela perdeu o controle. O mais engraçado era a manchete: "Princesa mantida como serviçal em Londres" ou algo assim. Completamente desnecessário, mas quem pode controlar isso?
- Eu, eu posso controlar o que sai a meu respeito.
- Nem sempre, minha filha. Eu era pior do que você, não que eu esteja dizendo que você é ruim ou qualquer coisa, mas eu realmente era um jovem complicado e não me importava nem um pouco com isso. Cada matéria que saía nos jornais era motivo de festa, eu me achava o tal, crente que era importante. Mas eu não era importante, eu era motivo de piada, isso sim. – ele se ajeitou na cadeira, deixando a foto de lado. – Só que essa sua imagem repercutiu de outra forma, a população não te viu como uma serviçal, você se tornou um exemplo de como a família real pode se portar como os outros, sem perder a classe. – ele riu, cruzando os braços. – Todos aqueles canais de fofoca passaram todo o dia mostrando como uma jovem rebelde se transformou numa princesa que se dispõe a fazer serviços domésticos. Outros canais repercutiram a notícia, dizendo que era apenas uma jogada de marketing, para mostrar que você estava evoluindo como ser humano. Achei esse comentário um tanto quanto cruel.
- Eu só estava ajudando o tio do no bar que ele tem, só isso. Eu nunca imaginei que me descobririam, sério. – comentei, colocando uma mão no rosto, para apoiar o mesmo.
- Depois disso tudo, começaram a surgir as suas fotos com esse rapaz. , certo? – eu assenti com cabeça, temendo pelo rumo em que a conversa estava seguindo. – E isso foi a gota d'água para sua mãe, ela queria que eu viesse no mesmo instante te buscar. Porque, segundo ela, você estava descumprindo o trato que havia feito conosco. Só que não imaginei que as coisas ficariam tão complicadas assim, tanto que eu consegui acalmá-la. Só que, dias depois, as capas de todos os jornais traziam uma enorme imagem onde você estava agredindo outra moça. Eu mesmo não consegui entender quando eu vi, porque eu nunca consegui enxergar em você algo que puxasse para a violência.
- Pai, eu tenho uma explicação sobre isso, não foi uma agressão gratuita. Essa garota, a Alicia, foi ela que bagunçou tudo, que descobriu quem eu era, que contou pra todo mundo e possivelmente chamou a imprensa naquele dia. – eu respirei fundo, tentando não lembrar as palavras que ela havia me dito. – Ela me disse coisas terríveis e eu não consegui me controlar. Desculpe.
- Eu não tenho que te desculpar, minha querida. – ele sorriu de lado, estendendo uma de suas mãos para pegar a minha. – Imaginei que você teria um motivo muito sério para agir assim. Só que você vai precisar aprender a controlar esses impulsos, porque sempre terá aquela pessoa pronta para te ofender e te testar, ver até onde o seu controle vai. E sendo rainha, o seu controle deve ser infinito.
- Eu sei. – murmurei, apertando levemente sua mão. – Vou trabalhar nisso.
- Então me diga. – ele ergueu a sobrancelha, me fitando atentamente. – O que aconteceu entre você e esse rapaz? Me conte tudo.
- Acho que nenhuma garota se sente confortável em falar sobre isso com o pai. – fiz uma careta e ele sorriu mais abertamente.
- Você sabe que com a sua mãe é impossível, certo? – afirmei com a cabeça. – Então sou sua única esperança, mas eu não quero saber detalhes, por favor.
- Claro que não! – exclamei, soltando nossas mãos e me sentando mais confortavelmente. Respirei fundo e pensei rapidamente no que falar. Eu não sabia como tratar desse assunto com o meu pai, é tão estranho. Soltei o ar pesadamente e fechei os olhos, desabafando de uma vez. – Eu gosto dele. Gosto de verdade. Ele faz com que eu me sinta da forma que eu sempre sonhei: como uma garota normal. – tentei sorrir, mas deve ter parecido mais uma careta do que um sorriso de verdade. – Mas agora não importa de qualquer forma, acabou. – dei de ombros, tentando parecer indiferente a tudo isso.
- Mas por que acabou assim? Pelo o que eu ouvia, vocês estavam indo bem.
- Como assim "pelo o que você ouvia"? Quem te contou? – perguntei, cruzando os braços na altura do peito, esperando uma resposta.
- Tenho meus informantes, mas não vou falar mais nada sobre eles. – meu pai sorriu de lado. – O que importa agora é saber como você está se sentindo quanto a isso e, pelo o que eu consigo ver facilmente, você não está nada bem. Por mais que você tente parecer forte em relação a isso, você está triste, sim. Não precisa ser sempre forte, querida.
- E como você quer que eu aja? Quer que eu fique chorando pelos cantos, lamentando porque não deu certo? Eu nunca fui assim, pai. Eu sempre tentei correr atrás e fazer as coisas acontecerem, mas dessa vez não depende só de mim. – suspirei, deixando meu corpo cair pesadamente na cama e encarando o teto ao invés de olhar para o meu pai. – Ele ficou muito chateado por descobrir tudo da forma que foi e eu não tiro a razão dele. Estou dando o espaço e o tempo que ele pediu, só que eu acho que não vai adiantar de nada. Já se passaram duas semanas, acho que já era tempo o bastante e se ele não me procurou... – omiti o fato do ter ido até ele e contado sobre eu assumir o trono. Talvez meu pai não visse isso com bons olhos, não sei.
- E por que você não vai até lá? Acho que ele não seria mal educado a ponto de te expulsar, ou seria? – ele disse calmamente, fazendo com que eu me sentasse novamente na cama, olhando-o de forma confusa.
- Você quer que eu vá até lá? – perguntei pausadamente, ainda não acreditando de verdade.
- Claro, você mesma disse que sempre foi do tipo que faz as coisas acontecerem. E se você acha que ele vale tudo isso, é porque ele realmente vale.
- Digamos que eu vá até ele, mas o que eu vou falar? Pai, daqui a uns meses eu volto para a Dinamarca e terei que me casar. Será que eu devo prolongar isso, porque vai ter que terminar um dia, não é mesmo? – falei, olhando para a janela, vendo que o sol estava se pondo e deixava um leve rastro alaranjado no céu. Fechei os olhos, lembrando perfeitamente da tarde que passamos no parque e do nosso primeiro beijo. Eram lembranças tão vívidas, tão claras, que eu estava quase sentindo seu perfume, a maciez de sua pele, a textura dos seus lábios contra os meus. Seria impossível dizer que não sentiria falta dele, mas se era assim que tinha que ser, eu deveria começar agora, talvez me proibindo de lembrar coisas assim, forçando um esquecimento. Bufei e meu pai me olhou atentamente, balancei a cabeça, demonstrando que não era nada.
- E quem disse que tem que terminar? Querida, me escute. – ele pediu, fazendo com que eu o olhasse. – Você só vai saber se tentar. Se você tiver que ficar o restante da sua vida com esse rapaz, você ficará, mas se não tiver, pelo menos você poderá olhar para trás e ver que fez tudo o que tinha ao seu alcance.
- Mas, pai... – comecei, mas fui interrompida por uma Ellen muito alarmada abrindo a porta num rompante. – Ellen.
- Me desculpe, majestade, mas é um assunto importante. – ela disse, meio constrangida, enquanto se dirigia ao meu pai. – , preciso falar com você.
- O que foi, Ellen? Fala de uma vez. – pedi, mas ela me olhou com os olhos injetados, parecia a ponto de explodir.
- Vai lá, filha, te espero aqui. – meu pai disse, fazendo um gesto para que eu acompanhasse a Ellen. Dei de ombros e levantei, seguindo para o corredor.
- O que tá acontecendo? – perguntei, vendo que Ellen passou a caminhar em direção à escada assim que eu saí do quarto. – Ellen, fala alguma coisa, por favor.
- Você precisa descer agora. – ela falou, parando no alto da escada. – Eu tentei segurá-lo lá fora, disse que você não podia falar com ele agora, mas não adiantou.
- Ele quem? – indaguei mais uma vez, já impaciente, mas não precisei ouvir a resposta pelos lábios dela. No mesmo segundo em que ficamos em silêncio, uma voz soou mais claramente pelo corredor e eu parei abruptamente. Ouvir a voz dele depois de todos esses dias distante foi como uma nova dose de uma droga, da qual eu estava tentando me abster. Senti um tremor correr pelo meu corpo e precisei me apoiar em uma das paredes, respirando fundo. – Ellen, o que o está fazendo aqui?
- É exatamente a mesma coisa que eu queria saber. – ela murmurou, olhando por cima do ombro, tentando ver se meu pai tinha nos seguido. – Você precisa ir até lá. Ele disse que não vai embora sem falar com você.
- O que eu faço? – quase sussurrei, encolhendo-me contra a parede. Eu, definitivamente, não estava preparada para isso. Não estava pronta para olhar em seus olhos e ouvir tudo o que ele tinha para me dizer. E se ele estivesse ali para terminar tudo de uma vez? Ou para reclamar porque tinha repórteres atrás dele? O que eu podia dizer?
- Vai até lá e pede para ele voltar outro dia. Eu não sei qual pode ser a reação do seu pai se encontrar ele aqui. – ela comentou, quase me empurrando escada abaixo.
- Não me empurra. – pedi e ela cruzou os braços, já impaciente. – Eu preciso me preparar.
- Não, nada de preparo, vai lá agora. – ela falou mais uma vez, fazendo-me descer as escadas quase à força. Controlei minha respiração conforme eu descia os degraus. Descia um, respirava fundo. Descia outro, soltava todo o ar e tentava relaxar. Deu certo, pelo menos por dezesseis segundos, que foi o tempo exato que eu demorei para descer todos eles. Chegando ao pé da escada, já pude ver de costas, gesticulando intensamente enquanto falava.
- , não é um bom momento. Eu digo a ela que você esteve aqui e ela te liga, é sério. – ele falou, tentando bloquear toda a porta, talvez numa tentativa de impedir que entrasse.
- Mas foi você mesmo disse hoje que eu deveria conversar com ela, por que essa mudança repentina de pensamento? Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou, ficando em silêncio por alguns segundos. – Ela foi embora? – ele disse, num tom mais baixo. Expirei uma última vez, antes de me colocar de frente para a porta, bem na direção do olhar de .
- Não, eu estou aqui ainda. – murmurei, fazendo com que ele levantasse seu olhar até encontrar o meu. Seus olhos instantaneamente trazendo a eles uma tonalidade diferente de . Tão linda quanto a normal, mas ainda assim diferente. Senti como se houvesse um imã me puxando diretamente para ele, como se eu perdesse o controle sobre mim. Como se o meu corpo fosse atraído para o dele, como se isso fosse a coisa certa a ser feita. Como se nós tivéssemos sido feitos para isso, apenas para ficarmos juntos. Não consegui reprimir que um sorriso bobo escapasse dos meus lábios, porque era praticamente impossível conter a minha felicidade por estar perto dele. Quando vi que o meu sorriso foi retribuído, senti que meu coração poderia entrar em colapso, de tão rápido que ele passou a bater. Dei um passo à frente, ainda meio incerta, vendo que levantou os braços em rendição e foi para perto da Ellen, que estava ainda no pé da escada. repetiu meu movimento, parando bem embaixo da porta. Seus olhos ainda não tinham saído dos meus e o nosso contato era tão intenso, que eu media cada passo que eu dava, para que ele não se quebrasse. Parei a uma distância ainda segura, sem saber exatamente o que fazer em seguida. Segurei minhas mãos atrás do corpo, tentando me controlar para não jogar meus braços ao redor do seu pescoço e deixar que meus lábios matassem as saudades que sentiam dos dele. – Oi. – falei por fim, quebrando o silêncio.
- Oi. – me imitou, cruzando os braços na altura do peito. Imaginei, para alimentar minha fantasia, que ele tivesse feito isso para também se controlar.
- Eu não quero parecer mal educada, mas eu realmente não posso conversar agora, eu estou ocupada e... – tentei falar, mas ele me interrompeu. eliminou nossa distância dando apenas dois passos e colocou suas mãos em meu rosto. Prendi a respiração, colocando as minhas por cima das dele.
- Eu quero você, independente de coroa, de títulos, de repórteres ou qualquer outra coisa. Eu quero você apesar disso tudo. – ele quase sussurrou, mordendo o lábio e fechando os olhos em seguida, enquanto eu tentava me manter em pé. tinha essa capacidade de me transformar numa menina meio boba e completamente apaixonada. Aquelas que não sabem como agir ou o que falar. Aquelas que se sentem inseguras com qualquer coisa ou atitude. Aquelas que sonham com um possível final feliz. Aquelas que querem, mais do que tudo na vida, ouvir tudo o que eu havia acabado de escutar. reabriu os olhos e aquele brilho estava lá novamente, o mesmo brilho me que deixou da forma que estou agora: completamente entregue. Não havia nada no mundo que tivesse mais poder sobre mim do que os lindos, intensos e incrivelmente apaixonantes olhos que possuía. – Eu preciso de você. – ele disse por fim e foi a última coisa que eu precisei para perder completamente o juízo e a noção, juntando nossos lábios da a forma e a intensidade que a saudade necessitava. Naquele momento eu não me importava com quem estava ali e poderia estar assistindo tudo isso, ou até mesmo mal me lembrava do meu pai me esperando no andar de cima. Eu estava acompanhada da coisa mais importante do mundo para mim. Eu estava sentindo seus braços ao meu redor, sua boca na minha e todo o meu corpo colado ao seu. Ele era tudo o que eu precisava, ansiava e amava. Sim, eu o amava. Mais do que tudo, talvez mais do que todos. Exagero? Loucura? Talvez, mas eu não me importo. Viveria embriagada pela loucura por toda a minha vida se isso significasse ter ao meu lado. Então eu o amava, mas a maior questão no momento era: será que ele me ama também? Mas o que eu poderia fazer além de desejar, com todas as forças do meu ser, que a resposta seja sim? Nada, certo? Era o que eu imaginava...



Décimo Quarto

Those three words are said too much, they're not enough
(Snow Patrol - Chasing Cars)
Música do capítulo. Coloque-a para tocar quando aparecer o aviso.


’s Pov

Abri na porta, toquei a campainha, fiz tudo o que era possível para que alguém viesse logo me atender. Eu não tinha noção da saudade que eu estava sentindo dela, até resolver vir até aqui. Então agora, só de pensar que é apenas essa porta e mais alguns passos que nos separam, a ansiedade só aumenta. Fica num nível quase incontrolável, mas eu tinha que encontrar algum controle dentro de mim, porque eu também não podia ficar aqui esmurrando a porta, quase a colocando abaixo. Por mais que fosse essa a minha vontade...

- Quem será esse desesperado? – ouvi a voz do do outro lado e senti minhas mãos começarem a suar por causa do nervosismo. A maçaneta girou, a porta estalou e em seguida soltou um baixo ruído, mostrando logo depois e sua expressão surpresa. – , o que você tá fazendo aqui?
- Eu preciso falar com a , é urgente. – despejei, forçando meu corpo para dentro, mesmo sabendo que isso seria um ato de completa falta de educação, mas não importava. Eu só não contava com o corpo de impedindo a minha passagem. – Cara, é sério.
- Eu imagino o quanto deve ser sério, mas não será possível agora. – ele disse baixo, olhando para trás, vendo se mais alguém tinha aparecido no corredor.
- , por favor, me deixa passar ou chama a . Eu preciso falar com ela, preciso olhar pra ela... – deixei a frase pela metade, passando a mão nervosamente pelo cabelo.
- , não é um bom momento. Eu digo a ela que você esteve aqui e ela te liga, é sério. – ele falou, dando um passo à frente, ficando bem no centro da porta e ocupando todo o espaço, talvez numa tentativa de impedir que eu passasse.
- Mas foi você mesmo que disse hoje que eu deveria conversar com ela, por que essa mudança repentina de pensamento? Aconteceu alguma coisa? – perguntei, ficando em silêncio por alguns segundos. Diversas coisas passavam pela minha cabeça e nenhuma delas era boa. Talvez ela não quisesse mais falar comigo, não depois de tudo isso que eu arranjei, ela podia ter cansado, partido para outra, sei lá. Ou pior ainda... – Ela foi embora? – falei mais baixo.
- Não, eu estou aqui ainda. – ouvi sua voz e imediatamente levantei meu olhar até encontrar o seu. Podia ser por causa do momento, ou pelo fato de eu não vê-la há um tempo, mas eu tinha certeza de que nunca a tinha visto tão linda. Na verdade ela não precisava de muito para ser linda, só que nesse momento ela havia conseguido ultrapassar todos os limites existentes. Era como uma miragem, meu oasis particular. Tudo o que eu mais queria. Talvez a comparação com um oasis não tenha sido a melhor, pois nenhum oasis é real e eu precisava que ela fosse. Precisava colocar minhas mãos em sua pele e sentir seu calor, seu cheiro... Senti-la por completo. Ela mordeu o lábio inferior num gesto quase involuntário e sorriu em seguida. Sabe a sensação de respirar novamente depois que você passa muito tempo debaixo d’água? Então, foi exatamente isso que eu senti. Mais vivo. Então foi impossível evitar que o seu sorriso fosse retribuído. Seus pés, vacilantes, deram um passo à frente e desistiu de impedir, indo para onde Ellen observava tudo. Repeti seu movimento, parando bem embaixo da porta, fixando meu olhar no seu. – Oi. – ela disse, quebrando o silêncio.
- Oi. – imitei, cruzando os braços na altura do peito. Precisei manter meus braços ocupados, para que não perdesse o controle sobre o meu corpo e, praticamente, me atirasse sobre ela, eliminando qualquer distância ainda existente.
- Eu não quero parecer mal educada, mas eu realmente não posso conversar agora, eu estou ocupada e... – começou a falar, mas eu a interrompi, desistindo de qualquer plano de manter o controle e me aproximando de uma vez. Coloquei minhas mãos em seu rosto, sentindo sua pele suave e macia, tendo aquela leve sensação de que eu estava em casa novamente.
- Eu quero você, independente de coroa, de títulos, de repórteres ou qualquer outra coisa. Eu quero você apesar disso tudo. – sussurrei, fechando os olhos fortemente. Eu teria que confessar tudo de uma vez, ignorar qualquer incômodo que sua posição me trouxesse, afinal, eu havia percebido que eu a queria e era isso que importava no momento. Expirei, reabrindo meus olhos e olhando dentro dos seus. – Eu preciso de você. – falei por fim, vendo a compreensão passar pelos seus olhos. jogou os braços ao redor do meu pescoço e juntou nossos lábios num misto de tensão, desejo, saudade e amor. Era amor. Só podia ser amor. De ambas as partes. Porque ninguém olha, toca, beija dessa forma, se não ama. O coração não bate dessa forma se não ama. E se há amor, para que se prender a qualquer outro detalhe? Detalhes são supérfluos. Nossos corações batiam no mesmo ritmo, na mesma sintonia. Como se fossem parceiros de uma vida toda. E, se dependesse de mim, eles seriam.
Assim que nos separamos, ela manteve os olhos fechados e um sorriso nos lábios, seus dedos ainda estavam embrenhados no meu cabelo, assim seu corpo ficava quase colado ao meu. Era como se ela não quisesse se afastar muito de mim. E, bem, eu não reclamaria disso. Passei meus dedos de forma leve pelo seu rosto e tirei alguns fios de cabelo que estavam pelo caminho. Aos poucos ela abriu os olhos, revelou que eles brilhavam de uma forma diferente, como se ela estivesse prestes a chorar. Franzi a testa, vendo que eu estava certo, pois uma lágrima solitária escorreu.
- Por que você está chorando? – perguntei, enquanto secava seu rosto.
- Porque você está aqui. – ela murmurou, alargando seu sorriso. – Eu pensei que isso não fosse mais acontecer, que você nunca mais ia querer me ver.
- Eu fui um idiota com você. – confessei. – Eu não deveria ter feito isso. Tinha que ter parado e ouvido tudo o que você tinha a dizer, não ser tão cabeça dura e teimoso. Me desculpe...
- Não, , nem comece. – sorriu de lado e abaixou um pouco a cabeça, talvez meio envergonhada. – Eu fui a errada, não deveria ter escondido nada de você. Deveria ter me aberto, confiado, dito logo toda a verdade.
- Sim, você deveria ter feito isso, mas eu também tinha que ter te escutado e a nãoter sido tão estúpido. Poderia ter posto tudo a perder...
- Nós poderíamos ter posto tudo a perder. – ela completou, levantando e parando à minha frente, ainda com sua mão presa a minha. – Mas não colocamos.
- E nós estamos aqui agora. – falei, entrelaçando nossos dedos.
- E o que vamos fazer? – ela perguntou, meio incerta.
- Não sei, só sei que eu tenho que ficar com você. – respondi, vendo um enorme sorriso surgir nos seus lábios. Aquele lindo sorriso que sempre me encantou.
- Você tem que ficar comigo. – ela murmurou, mal conseguindo conter a emoção ou a felicidade, talvez um misto dos dois. – Eu não sei nem começar a explicar o quanto eu queria ouvir isso, o quanto eu sonhei com isso. – ela suspirou pesadamente, olhando fundo nos meus olhos em seguida. – O quanto eu esperei por alguém como você, que me fizesse sentir assim, exatamente da forma que eu me sinto agora.
- E como você se sente agora?
- Feliz. – sussurrou, fazendo com que um arrepio percorresse todo o meu corpo. Uma sensação maravilhosa.
- Parece bom o bastante. – falei, inclinando-me em sua direção, para unir nossos lábios mais uma vez, só que dessa ela meio que congelou, seu corpo ficou rígido, tenso. O som de uma porta batendo no segundo andar chamou sua atenção. Ela olhou assustada para Ellen, que parecia um espelho, já que refletia as mesmas expressões de . me olhou e saiu apressado na direção da cozinha, como se estivesse fugindo. Ellen estava prestes a imitar seu gesto, mas algo no olhar que direcionava para ela a fez parar. Todos estavam meio enlouquecidos e eu continuava perdido.
- Droga. – disse baixo, afastando-se um pouco de mim.
- O que foi? – perguntei, segurando uma de suas mãos para evitar que ela se afastasse de vez. Ela pôs um dedo sobre os lábios, como se fosse um sinal para que eu ficasse em silêncio. E então eu ouvi um barulho, eram como passos ou alguém descendo a escada. – Tem alguém aqui?
- Tem. – ela engoliu seco, arregalando um pouco os olhos. – Meu pai.
- O quê? – falei um pouco mais alto e ela colocou a mão cobrindo minha boca. – Por que você não disse que ele estava aqui?
- Você não me deixou falar nada. – ela disse baixo. O som dos passos se tornaram mais altos até cessarem. Bem na minha direção surgiu um homem bem vestido, seu cabelo castanho escuro contrastava com sua pele clara. Seu rosto tinha um formato meio angulado, diferente do de sua filha, mas os olhos eram iguais, tanto na cor, como no formato. Sua expressão era tranquila, havia um quase sorriso nos seus lábios, o que me tranquilizou um pouco. Se conhecer o pai da sua namorada já é complicado, tudo piora quando ele é, de fato, um rei. Percebi que ainda segurava a mão da , então soltei rapidamente, por mais que ele já tivesse visto. Ele voltou seu olhar para Ellen e ergueu as sobrancelhas, enquanto acenava com a cabeça em minha direção. Ellen parecia que não respirava de tão congelada que ela estava no lugar, mas ela se movimentou o mínimo possível para confirmar. Diante da afirmação, ele se colocou a andar novamente, vindo em minha direção. respirou fundo e voltou a segurar a minha mão, olhando-me de forma quase corajosa. Sua reação e esse seu olhar faziam parecer que seu pai estava prestes a me matar ou algo do tipo. Será que é tão ruim assim eu ser seu namorado? Tudo bem que eu não sou nobre, mal tenho grana para me sustentar, moro em cima de um bar, mas não sou tão mau partido assim. Mas mesmo tentando pensar positivo, apenas coisas ruins vieram a minha mente enquanto ele andava. Só conseguia imaginá-lo pedindo que eu me afastasse da sua filha, dizendo que não era bom o bastante ou até mesmo me colocando para fora da casa a base de pontapé. Talvez o fosse responsável por isso. Balancei a cabeça algumas vezes, para tirar toda a essa bobagem dos meus pensamentos e percebi o quão perto ele já estava. Ele parou a alguns passos de distância e passou a me estudar com um olhar extremamente crítico. Tentei pensar em algo inteligente para falar, mas, como sempre, somente coisas idiotas vinham à minha mente. Ele desviou seu olhar para a filha por um momento e em seguida para as nossas mãos dadas, e pareceu que aquele quase sorriso era real. Relaxando um pouco, ele se deixou sorrir mais abertamente e estendeu uma das mãos em minha direção.
- É um prazer finalmente lhe conhecer. – sua voz firme tomou o ambiente e o alívio foi imediato, parecia que todos, finalmente, voltaram a respirar. Até mesmo Ellen descongelou e saiu apressada na direção da cozinha. abriu um largo sorriso e se aproximou mais de mim. Eu estava sim mais aliviado, mas continuava tenso. Eu ainda não sabia como agir e muito menos o que falar, mas recuperei o fôlego para tentar me acalmar de vez.
- O prazer é meu, senhor. – respondi, olhando apressado para , tentando saber se havia falado corretamente e logo me lembrei que não era assim que se dirigia a um rei. – Majestade. – me corrigi.
- Não se preocupe com essas formalidades, afinal, o namorado da minha filha não é qualquer um, certo?
- Certo. – respondi, ouvindo uma risadinha vinda do lado da . – Eu acho... – murmurei mais para mim mesmo.
- Bom, acho que eu já atrapalhei alguma coisa, então vou terminar o serviço. Vocês me acompanham num café? – o rei perguntou, parecendo completamente à vontade com a situação. me olhou pelo canto dos olhos, num gesto claro de que era para eu aceitar o convite.
- Claro. – falei, tentando me manter calmo. Talvez essa fosse uma tarefa impossível.


- E então, . É o seu nome, não é? – o rei perguntou, enquanto levava a xícara de café à boca.
- Sim, senhor, .
- Já falei para você parar com esse "senhor", eu me sinto muito mais velho do que eu realmente sou. Me chame de Frederico. – ele fez um gesto estranho com a mão e eu resolvi ignorar. Eu estava muito desatento e mais lento do que em qualquer outro momento da minha vida. Esse é um dos meus maiores defeitos, quando eu fico nervoso, eu perco completamente a noção, posso ficar horas sem falar ao menos uma palavra. E isso não poderia acontecer agora. Não mesmo. – O que você faz da vida? – ele perguntou novamente, atraindo minha atenção mais uma vez. soltou uma risada alta ao meu lado, eu a olhei na mesma hora, estranhando sua reação. – O que foi? Eu preciso exercer meu papel de pai, tenho que saber se ele é um bom partido pra você.
- Pai. – ela murmurou, escondendo o rosto nas mãos. – Não é como se a gente fosse se casar amanhã. Não precisa nem começar o interrogatório, ok? Deixa o se acostumar com a ideia de que tem um rei sentado à frente dele. – disse, mordendo o lábio para segurar o riso em seguida e eu estreitei meus olhos. – Até parece que esse seu nervosismo todo é apenas pelo fato dele ser meu pai.
- Realmente. – confessei, colocando a xícara na mesa. – Eu costumo ser bom com os pais, mas nunca me testaram com um rei. – tentei fazer uma piada e relaxar um pouco.
- Tudo bem, sem interrogatórios, sem perguntas constrangedoras como: "quais são suas intenções com a minha filha?".
- Obrigada. – disse com um sorriso largo e seu pai o retribuiu. Ela ficava exatamente como ele quando fazia isso.
- Ok, certo, sem perguntas constrangedoras. Gostei disso. – comentei, respirando fundo. – Eu estou terminando minha especialização em Direito Penal e, assim que sair da faculdade, vou começar um estágio numa empresa de advocacia. E enquanto eu só estudo, trabalho com o meu tio num bar que ele tem, pra ajudar nas despesas e pagar meu aluguel.
- O é muito responsável, inteligente e modesto. Ele nunca fala que a tal empresa é a do Grupo Linklaters, um dos mais importantes de todo o mundo. – falou, enquanto eu abaixava a cabeça, completamente envergonhado e possivelmente vermelho.
- A modéstia é uma qualidade muito rara, minha filha.
- O é de um tipo raro mesmo. – ela disse, enquanto me olhava e sorria daquela forma que me deixava meio enfeitiçado.
- Por favor, vamos mudar de assunto. – pedi, antes que eu perdesse o juízo e tentasse fazer coisas não aconselháveis na frente do rei.
- Pai, esqueci de uma qualidade dele. – exclamou, sentando-se direito na poltrona. – Ele é um excelente esgrimista, quase conseguiu me vencer. Quase.
- Você ainda não me deu a chance da revanche. – murmurei e ela me deu um leve empurrão com o cotovelo.
- Esgrima? – ele pareceu surpreso e até mesmo um pouco contente. – Não sabia que era um esporte difundido por aqui.
- E não é, foi coisa do meu pai. Ele lutou pelo exército e quando se mudou para a Califórnia, tentou manter alguma ligação.
- Califórnia?
- É, minha mãe nasceu lá e meu pai foi atrás dela. Foi como amor à primeira vista. – sorri, lembrando-me do amor simples que eles sentiam um pelo outro.
- E todos vocês moram aqui agora? – o rei perguntou e, imediatamente, segurou minha mão fortemente, sorri de lado para mostrar que estava tudo bem.
- Não, eles morreram quando ainda morávamos na Califórnia. Depois disso eu me mudei para cá, pra morar com o meu tio. – a expressão dele mudou rapidamente, trazendo aquele meu velho conhecido olhar de pena. É claro que a dor nunca vai embora por completo, mas agora, depois de dez anos, a tristeza deu lugar a uma saudade gostosa, daquelas que nos fazem lembrar das melhores coisas e não das mais tristes.
- Eu sinto muito, não deveria ter tocado nesse assunto. – ele se apressou em dizer.
- Não tem problema, já tem bastante tempo, eu tenho o meu tio e a Carlie, eles já são mais do que eu merecia. – talvez essa conversa de morte tenha feito o clima ficar meio pesado, porque depois disso o silêncio dominou o ambiente.
- Bom, eu acho que vou me recolher. Tive uma viagem cansativa e acho que vocês querem retomar a conversa que eu interrompi. – o rei falou, já se levantando. Apressei-me em imitá-lo, pois havia visto num filme que quando o rei levantava, todo mundo levantava junto. Achei melhor fazer, vai que é algum tipo de conduta a ser seguida. imitou o meu gesto, fazendo-o parecer menos idiota. – Foi um grande prazer lhe conhecer, . – ele me estendeu a mão mais uma vez.
- O prazer foi todo meu, senhor... – ele arqueou as sobrancelhas e eu consertei a sentença. – Frederico.
- Boa noite, querida. – ele disse a , dando lhe um beijo no topo da cabeça.
- Boa noite, pai. – ela respondeu. Ele se retirou logo em seguida, subindo as escadas e desaparecendo pelo segundo andar. – Acho que você pode voltar a respirar novamente agora. – brincou, jogando-se novamente na poltrona.
- Não tem a menor graça. – falei, sentando-me novamente. – Acho que nunca me senti tão nervoso em toda a minha vida.
- Dava pra perceber. – ela sorriu, colocando sua mão sobre a minha. – E então, onde estávamos?
- O quê? Você acha mesmo que eu vou te beijar aqui, com o seu pai no andar de cima podendo nos flagrar a qualquer momento?
- , ele foi dormir, só vai sair daquele quarto amanhã de manhã. – ela rolou os olhos.
- Mesmo assim, não quero arriscar. Na verdade, eu acho que eu vou embora. – levantei e ela bufou, cruzando os braços.
- Sério mesmo?
- Muito sério. Nós temos todo o tempo do mundo agora. – falei, fazendo com que ela se levantasse e ficasse bem próxima a mim. Passei os dedos pelo seu cabelo e pus a outra mão na base da sua cintura. Olhando fundo em seus olhos, fui diminuindo gradativamente a distância entre os nossos lábios, até juntá-los num beijo calmo e rápido.
- Não, por favor. – ela pediu assim que eu fiz menção de me afastar.
- Amanhã eu volto. – murmurei, juntando nossos lábios mais uma vez.


Eu já estava deitado na cama há um bom tempo. Olhei para o relógio e vi que já passava da meia noite. Eu não conseguia dormir, minha cama parecia grande demais só para mim. Alguma coisa estava faltando. Alguma coisa não, alguém. Eu queria que ela estivesse aqui comigo, sua pele macia tocando a minha, seus lábios colados aos meus. Eu já havia me privado dela por tanto tempo, que agora sei que não conseguiria dormir – ou não dormir – sozinho. Bufei, rolando para o lado, forçando os olhos para ver se o sono dava o ar da graça, mas nada acontecia, eu continuava acordado. Com os olhos fechados, eu só conseguia vê-la, imaginar tudo o que eu queria fazer, a forma que eu a abraçaria, a intensidade que eu a beijaria. Balancei a cabeça tentando eliminar esses pensamentos, porque eles não se tornariam realidade essa noite. Bem, não de forma, digamos, tranquila. Só que algo dentro de mim não estava aceitando muito bem esse fato. Eu só conseguia pensar no quanto eu a queria. Uma necessidade louca, quase incontrolável.
Quase?
Não.
Incontrolável.

Peguei as chaves do carro, saindo rapidamente. Quando dei por mim, eu estava parado quase na porta da embaixada, num lugar onde os guardas não conseguiam me ver facilmente. Ok, eu vim até aqui e o que farei agora? Invadir a embaixada?
Eu vou invadir a embaixada!
Dei ré e parei o carro debaixo de uma árvore para ficar mais escondido. Avaliei por onde eu conseguiria entrar sem ser pego e vi uma pequena brecha na parte do muro que era coberta pela cerca afiada. Nesse momento eu vi que se subisse na árvore, eu conseguiria chegar até o muro e de lá pular para dentro. E foi isso que eu fiz. A passagem da árvore para o muro foi meio complicada, mas como alguns galhos iam até a parte de dentro, eu consegui me segurar neles. Com um baque eu aterrissei no gramado e acabei caindo direto no chão. A primeira parte estava feita e agora o problema era adivinhar qual era a janela certa. Tentei decifrar pelas cores da parede ou da cortina. Todas as janelas do segundo andar estavam fechadas, mas a última janela da esquerda ainda tinha a luz acesa. Cheguei o máximo que podia para trás e vi o vulto da passando perto da janela. Foi mais fácil do que eu imaginava. Procurei alguma coisa para jogar na janela. Num cantinho, perto de um pequeno jardim, tinham algumas pedrinhas, fui até lá e peguei algumas. Também aproveitei para pegar uma florzinha branca que parecia uma margarida, sei lá, para fazer uma média por invadir a casa. Concentrei-me para acertar na janela, mas acabei errando nas três primeiras tentativas. Na quarta tentativa eu acertei no alvo e um barulho alto ecoou. Escondi-me na sombra que os galhos da árvore faziam no gramado, para que nenhum segurança me visse. No segundo andar, caminhou até a janela e tentou enxergar alguma coisa, mas logo voltou. Tive que jogar outra pedra, mas dessa vez eu não me escondi. Tive que conter o riso ao ver a sua expressão assim que me viu. levou as mãos à boca, não acreditando no que via, ela abriu a janela e se debruçou na mesma.

- O que você tá fazendo, seu louco? – ela sussurrou alto o bastante para que somente eu ouvisse.
- Eu precisava te ver. – sorri e vi meu gesto se espelhar no rosto dela. – Como eu vou subir?
- Na janela do outro lado tem uma treliça com umas plantas, tenta por ela. – falou, apontando para a esquerda e então sumiu. Entendi que ela havia ido para a outra janela e então a segui. Chegando do outro lado, uma grande treliça branca ocupava grande parte da parede, chegando quase no telhado. Algumas trepadeiras subiam por ela e formavam um caminho vermelho, contrastando com a parede branca. – Mas toma cuidado para não estragar as flores da Carmen.
- Você só está dificultando as coisas. – murmurei, colocando o pé na primeira fileira de madeira e testando se ela aguentaria o meu peso.
- Não é melhor você entrar pela porta? Eu abro pra você.
- E correr o risco de alguém me pegar? , eu acabei de conhecer o seu pai. – falei, depois de subir por três ou quatro vezes. – E assim é muito mais romântico.
- E perigoso. – ela comentou, debruçando-se para tentar enxergar o que eu fazia. Quando tentei forçar para subir mais um pouco, um pedaço quebrou e algumas flores despencaram. – A Carmen vai te matar.
- E como ela vai saber que fui eu? – perguntei, já na metade do caminho.
- Não sei, vai ver ela tem um dom...
- Por favor. – pedi, olhando para cima. – Fique quieta. – ela riu baixo, mas parou de falar por um tempo. Eu consegui encontrar uma forma mais prática e terminei meu trajeto bem mais rápido do que comecei. Ela abriu mais a janela e se afastou, para que eu quase pulasse para dentro. Precisei de um pouco de ajuda para entrar, mas nada muito trabalhoso. Mas no fim tudo deu certo, eu estava no quarto dela.
(Coloque a música para tocar.)
Olhei o cômodo por um instante e, diferentemente do que eu imaginava, era completamente normal. Uma cama de casal ocupava o centro do quarto, na parede da frente, perto da janela por onde eu entrei, havia uma mesa com um computador e diversos papéis espalhados, perto da outra janela tinha uma poltrona que parecia extremamente confortável e uma pequena estante, já do lado inverso tinha um grande armário que ocupava quase que a parede inteira. Nada absurdamente caro, nada com cara de nobreza. Na parede onde estava a mesa tinha um quadro onde uma foto nossa ocupava um local de destaque. Sorri, olhando para ela em seguida.
- Nesse tempo em que você me evitou, essa foto era minha fiel companheira. – comentou, vindo em minha direção.
- Não vamos falar de coisas ruins, passou. – pedi, colocando minhas mãos em sua cintura. – Ah! Já ia me esquecendo. – lembrei-me da flor que eu havia pegado no canteiro lá embaixo. Assim que peguei no meu bolso, vi o estrago que tinha acontecido. Ela estava toda despedaçada, só com algumas poucas pétalas ainda no lugar. – Desculpe por isso.
- Você está um poço de romantismo hoje. – falou, girando a pequena flor entre os dedos. Ela puxou uma das pétalas, dizendo: - Ele me ama.
- Bem, acho que agora podemos retomar de onde paramos mais cedo. – aproximei-me novamente, puxando-a para perto.
- Você acha mesmo que eu vou te beijar aqui, com o meu pai podendo nos flagrar a qualquer momento? – ela repetiu o que eu havia falado mais cedo, com um sorriso quase irônico nos lábios. – Ele não me ama. – ela completou, puxando mais uma pétala da flor.
- Mas o seu pai só vai sair daquele quarto amanhã. – também imitei o que ela tinha falado.
- Nós temos todo o tempo do mundo agora. Pra que a pressa? – falou, com os lábios próximos a minha orelha. – Ele me ama.
- A pressa é porque eu preciso de você mais do que qualquer coisa nesse mundo. E preciso agora. – sussurrei, dando-lhe um beijo leve em seguida. Ela respirou fundo, fechando fortemente os olhos.
- Você é bom nisso. – comentou, puxando a penúltima pétala da flor. – Ele não me ama.
- Por que você continua retirando essas pétalas se já sabe qual é a resposta? – falei, olhando fundo nos seus olhos, tentando fazer com que ela entendesse exatamente o que eu queria dizer.
- Eu sei? – disse, com a voz vacilante. Levei meus dedos até a flor, puxando a última pétala.
- Eu amo. – juntei nossos lábios de forma intensa, enquanto ela passava os braços ao redor do meu pescoço, deixando nossos corpos completamente colados. Seu coração batia tão fortemente, que eu conseguia senti-lo. Isso, para mim, era a tradução do que aquele momento significava. Era mais do que apenas um beijo. Era uma declaração. Separamo-nos o mínimo possível para que eu pudesse ver seu rosto, um sorriso ocupava grande parte dele e seus olhos brilhavam mais que o sol. – Eu te amo.
- Eu te amo. – ela disse, embrenhando seus dedos em meu cabelo. – Deus! Eu amo. Amo muito.
- E eu não preciso de mais nada na minha vida. - dizendo isso, levei meus lábios novamente de encontro aos seus, enquanto forcei meu corpo para frente até chegarmos à cama. Essa era a nossa noite e nada no mundo nos atrapalharia.

All that I am, all that I ever was is here in your perfect eyes
Tudo que eu sou, tudo o que eu sempre fui, está aqui em seus olhos perfeitos
They're all I can see, I don't know where
Eles são tudo o que eu vejo, eu não sei aonde
Confused about how as well
Confuso sobre como, também
Just know that these things will never change for us at all
Apenas sei que estas coisas jamais mudarão para nós


/’s Pov



Décimo Quinto

Did you know that you could be wrong and swear you're right?
( John Mayer - Shadow Days)


Ouvi algumas batidas na porta e acordei assustada. Passei as mãos no cabelo e olhei para o relógio na mesa de cabeceira: 09:37. Cai novamente na cama, totalmente disposta a deixar quem estivesse lá no corredor por lá mesmo. Rolei para o lado e me deparei com o rosto de bem próximo ao meu. Seus olhos ainda estavam fechados, denunciando um sono ainda meio que profundo. Arregalei os meus, quase entrando em estado de choque. Ele havia dormido aqui e ninguém sabia ou poderia saber disso. Outras batidas na porta interromperam meu surto. se mexeu um pouco, mas logo voltou a dormir. Respirei fundo e caminhei até a porta, pegando minhas roupas pelo chão e me vestindo pelo caminho.

- Quem é? – perguntei apreensiva.
- É a Ellen. O que tá acontecendo? Por que a porta tá trancada? – ela perguntou, e sua voz alta e aguda acordou o . Ele me olhou com um sorriso no rosto, antes de perceber o que havia acontecido.
- Droga. – ele disse, praticamente saltando da cama e recolhendo suas roupas. – O que a gente vai fazer?
- Não sei. – murmurei, apoiando-me na parede e o encarando em busca de uma solução.
- , quem está ai dentro? Abre a porta agora. – Ellen pediu, já ficando meio nervosa.
- Não tem ninguém aqui. – respondi, com a voz um pouco falha. Eu nunca consegui ser muito firme quando mentia.
- , não me obrigue a arrombar essa porta e tirar o daí ou chamar o seu pai. – ela ameaçou e eu abri a porta no mesmo momento.
- Meu pai não precisa ser envolvido nisso. – falei, enquanto a puxava para dentro do quarto. Ela nos olhou de forma acusativa, o que quase fez com que eu me arrependesse. Eu disse quase.
- Eu sabia que havia algo de errado aqui. A Carmen vai te matar por estragar as flores dela. – ela disse, apontando para .
- Depois você até pode ajudá-la a me matar, mas antes você tem que me ajudar a sair daqui. – ele disse, enquanto calçava os sapatos.
- Isso será meio impossível, o rei está lá na sala esperando a para o café e os guardas estão nos seus postos.
- Então nós teremos que improvisar. – eu falei, prendendo meu cabelo. – E você vai ajudar. – apontei para Ellen.
- Não mesmo, vocês se enfiaram nessa roubada e terão que sair sozinhos.
- Eu não queria ter que fazer isso, mas se você não ajudar, meu pai saberá que você estava envolvida nisso. – a ameacei, fazendo um sorriso brotar no rosto de .
- Eu te odeio. – Ellen disse, bufando. – Tá, desça pelo mesmo lugar que você subiu, eu vou até a entrada distrair os seguranças pra você passar. Mas que essa seja a primeira e a última vez. Será que não dava para esperar ao menos o seu pai voltar para a Dinamarca?
- Não, Ellen, não dava. – rolei os olhos. – Mas a pauta atual não é a nossa necessidade sexual ou qualquer coisa do tipo. – ela fez uma careta e eu ignorei. – , faça o que ela falou, por favor.
- Tudo bem. – ele disse, estendendo sua mão para que eu a segurasse e assim eu fiz. Ele me puxou, juntando nossos corpos e em seguida nossos lábios. Suas mãos foram para a minha cintura, onde ele deu um leve aperto, fazendo um arrepio percorrer o meu corpo. Ellen fez algum barulho, mas nós a ignoramos completamente por alguns segundos. – Vamos sair mais tarde? Sei lá, um jantar.
- Vamos. – respondi, selando nossos lábios mais uma vez. – Agora vai, antes que eu te prenda aqui e te faça meu escravo para sempre.
- Seria interessante. – sorriu maliciosamente e em seguida se dirigiu para a janela.
- Vou te esperar lá embaixo. – Ellen disse, saindo logo depois.
- Desce com cuidado, por favor. – pedi, enquanto ele colocava as pernas para fora da janela e pisava novamente na treliça. Acompanhei em silêncio o seu caminho, até que ele chegou ao chão em segurança. – Eu vou olhar pela outra janela e assim que o caminho estiver livre, eu te aviso. – falei e ele fez um sinal de positivo. Mudei de janela e vi quando Ellen se aproximou dos guardas e fez com eles a seguissem na direção contrária da que se encontrava. Corri para a outra janela. – Vai rápido. – pedi, seguindo sua corrida cautelosa com os olhos, só respirando novamente quando vi que ele havia conseguido passar pelo portão sem ser notado. Caminhei até a cama e me joguei na mesma. Parecia que tudo agora tinha o cheiro dele. Seria meio impossível ficar nesse quarto e não lembrar tudo o que tinha acontecido na noite anterior. Sorri comigo mesma.

- Pensei que não desceria mais. – meu pai disse assim que eu, finalmente, apareci na sala de jantar. A mesa ainda estava posta, com várias frutas, café, suco, alguns pães e frios. Meu pai estava sentado na cabeceira da mesa, com uma xícara em uma das mãos e um jornal na outra. Sentei-me ao seu lado e me servi de um pouco de suco. – Quer que eu peça para trazer café quente?
- Não precisa, pai, só o suco está ótimo. – murmurei, enquanto mordiscava um pedaço de pão doce. – Sabe, eu estava me perguntando. Por mais quanto tempo eu terei que ficar afastada da faculdade?
- Da faculdade ou do mundo? – ele sorriu, colocando sua xícara sobre a mesa.
- Dos dois.
- Depende. – ele disse sério, largando seu jornal. Eu franzi o cenho, numa pergunta muda. – Depende do quão sério seja esse relacionamento.
- Pensei que você já tinha entendido, pai. Eu o amo. – falei com convicção, tentando fazê-lo aceitar de uma vez que eu não deixaria o assim tão fácil.
- Eu entendo, , mas também sei que essas coisas podem passar e talvez não seja necessário fazer mais alarde sobre isso.
- Essas coisas? Acho que você está menosprezando algo que você não está sentindo. Ninguém além de mim é capaz de quantizar o que eu sinto. Se isso for possível pra começar, porque eu acho que ninguém pode mensurar o que sente, pai.
- Calma, filha, eu só acho que você deve ir com calma, não dar mais motivos para novas confusões. – ele disse, suspirando em seguida. – Eu odeio ter que fazer papel de vilão, mas é a verdade, talvez ele não valha a pena.
- Não vale a pena pra você. – falei, empurrando a cadeira e me levantando.
- . – ele chamou, mas eu ignorei. Não queria conversa, ainda mais se ele se mostra incapaz de entender o que eu tenho a lhe dizer sobre isso. Caminhei a passos firmes até meu quarto, onde bati a porta com força, o que sempre significou que eu não queria que ninguém viesse atrás de mim. Bufei, me jogando na cama mais uma vez. Eu odiava quando meu pai se achava no direito de saber mais da minha própria vida do que eu. Tudo bem que ele é mais velho e tem mais experiência, mas a vida é minha, eu tenho que aprender a cuidar dela sozinha, sem ter sempre em mente que terá alguém para me resgatar caso algo dê errado. Se ele quer que eu seja rainha, eu tenho que aprender a lidar com os meus próprios problemas, porque se eu não conseguir, como vou lidar com os de um país inteiro? Peguei o travesseiro que havia usado na noite anterior e abracei, sentindo o seu perfume me envolver. É claro que ele valia todo o sacrifício, todas as confusões. Ele valia muito mais do que qualquer um poderia sequer imaginar.

Olhei no relógio e vi que o mesmo marcava 19:54, logo tratei de me apressar. Eu havia marcado com o às 20 horas, nós sairíamos para jantar, como um casal normal. Eu não estava me importando nem um pouco com o que o meu pai pensaria a respeito disso. tinha marcado com a e o , pedi que ele fizesse isso porque fazia muito tempo que eu não os via. Arrumei minhas coisas na pequena bolsa que escolhi para usar e me voltei para o espelho para terminar de arrumar meu cabelo. Resolvi deixa-lo quase solto, prendendo apenas uma parte do lado. Passei um batom claro e corri atrás de um sapato. Acabei pegando um preto básico que eu não tirava dos pés e enquanto estava calçando ouvi meu telefone tocar. Peguei o mesmo e me aproximei da janela. Vi o carro já conhecido parado na frente da casa, com ao volante e o casal no banco de trás. Acenei levemente e eles retribuíram meu gesto. Avisei que já estava a caminho e sai do quarto. Eu estava decidida a sair sem falar nada, mas vi que seria impossível, já que meu pai estava na sala de estar assistindo algo na tv, enquanto espiava a tela do notebook. Seus óculos repousavam bem na ponta de seu nariz e ele me olhou por cima dos mesmos, com um ar que praticamente gritava: “aonde você pensa que vai?”

- Não vai me acompanhar no jantar? Imaginei que fosse, já que me deixou sozinho no meio do café da manhã e nem deu o ar da graça no almoço. Está me punindo por alguma coisa? – ele se limitou a dizer, escondendo o que realmente queria. Pra ser sincera, esse ar diplomata do meu pai me irrita demais.
- Eu vou sair e não, não vou te acompanhar no jantar. – murmurei, virando as contas, mas fui forçada a parar por causa de mais uma de suas perguntas.
- E onde está o Harry? Já está te esperando no carro?
- Não, eu não sei onde ele está e eu vou sair sozinha. – respondi, já impaciente.
- . – ele me repreendeu, retirando os óculos e balançando a cabeça lentamente. – O que nós conversamos mais cedo?
- Nós conversamos mais cedo? Então eu devo ter dormindo durante a conversa, porque eu, sinceramente, só lembro de você querendo arrumar motivos para me manter longe do e não me dando chances de mudar sua opinião.
- Eu queria tanto que você entendesse. – ele disse, colocando o notebook sobre a mesa de centro e se levantando, mas eu o interrompi.
- Não, eu queria que você entendesse e aceitasse que eu não sou mais uma criança, e pode não parecer, mas eu tenho o direito de fazer o que eu quiser da minha vida. Você poderia mostrar um pouco mais de confiança em mim, a mesma confiança que você mostrou quando decidiu me passar a coroa. Eu realmente pensei que era uma demonstração de confiança, mas estou começando a acreditar que tudo isso é na verdade uma forma que vocês encontraram de me prender mais. E isso que vai acontecer de verdade e não há nada que eu possa fazer para mudar, então eu preciso ser livre pelo menos por agora, porque em alguns meses eu serei como um passarinho preso dentro de uma pequena gaiola que todos pensam se de ouro, mas pra mim não passa de latão enferrujado. Aí sim vocês poderão fazer o que quiserem de mim, mas não agora. Não agora. – falei e sem esperar que ele pudesse responder, sai batendo a porta. Encostei-me na porta, respirando fundo e sentindo o ar gelado entrar no meu corpo. Só me atrevi a sair do lugar quando percebi que eu estava calma o bastante para não começar a chorar de raiva a qualquer momento. Contei até dez e forcei um sorriso. Eu deveria estar patética, mas eles estavam me esperando, então meu surto teria que esperar mais algum tempo.

viu que eu me aproximava e saiu rapidamente do carro para abrir a porta. Ele sorria abertamente e somente isso já fez com que qualquer outra coisa que pudesse me preocupar no momento sumisse da minha cabeça. Esse era o poder dele, fazer com que os meus problemas evaporem com apenas um sorriso. Olhei ao redor antes de entrar e vi um veículo preto e estranho parado um pouco mais no fundo da rua, mas como ele parecia estar vazio, eu achei melhor não me preocupar. Entrei no carro e apressei-me em cumprimentar o casal que me esperava, eu estava cheia de saudades deles. me recebeu com um caloroso abraço meio sem jeito, pois os bancos atrapalhavam, e o , meio tímido, se limitou a um abraço também, porém rápido. Sorri para todos, com uma sensação boa no peito, de que tudo parecia normal como estava antes de toda essa confusão. Como se fosse possível ser um pouco normal sim e não precisasse ter toda a repercussão que meu pai sempre pensa que terá.

- Aonde nós vamos? – perguntei animadamente, feliz por finalmente sair de casa depois de duas semanas.
- Vamos ao restaurante do pai do . Lá tem um lugar mais reservado que podemos ficar, achei que seria mais indicado. – respondeu, dando partida no carro e fazendo com que ele começasse a se mover lentamente.
- Muito mais indicado. – me apressei em concordar.
- Meu pai ficou louco quando eu disse que você iria lá, disse que não sabia se o lugar era bom o suficiente para a realeza. – ele comentou e eu deixei que a minha cabeça caísse nas mãos. – Mas eu disse a ele que você conseguia ser mais mal educada que o algumas vezes e que ele não precisava se preocupar.
- . – falei mais alto, arrancando algumas risadas. – Não precisa começar com o preconceito só porque eu não sigo o estereótipo de princesas, mas se você quiser, eu posso deixar meu sapatinho para trás.
- Que piada péssima. – murmurou, balançando a cabeça lentamente.
- Nós podemos fazer você espetar o dedo e dormir. – completou.
- Tudo bem, vamos parar antes que alguém dê a ideia da maçã envenenada. – pedi, olhando para o lado de fora e os prédios que passavam rapidamente a nossa volta. Olhei pelo retrovisor do meu lado para ver se o cabelo ainda estava no lugar e estranhei ver o mesmo carro que estava parado lá na rua. Segundos depois a janela se abriu e uma câmera foi posta para o lado de fora. Prendi a respiração, pensando comigo mesma: “Sem pânico, sem pânico, sem pânico. Talvez seja bom que eles vejam logo que nós estamos juntos, assim a especulação e todo esse teatro acabam de uma vez.” – Não quero alarmar ninguém, mas tem um carro nos seguindo e não são assaltantes.
- O que? – perguntou, olhando pelo seu retrovisor.
- Esse carro preto que esta bem atrás de nós, eu acabei de ver uma câmera do lafo de fora da janela.
- Ai, que emoção. Estou sendo perseguida por paparazzi. – exclamou e eu a olhei confusa.
- Isso não é nada bom, . – comentei, vendo-a fazer uma careta.
- Não sou como você, eu nunca apareci numa revista.
- Então se prepare para aparecer. – falei, vendo um sorriso de orelha a orelha surgir em seu rosto.
- Já estamos chegando, o restaurante é na segunda rua à esquerda, é só entramos direto para o estacionamento, lá só entra quem tem reserva. – disse, enquanto olhava para trás, atento aos movimentos do outro carro. – Como você consegue viver assim?
- Esse é o problema, , eu não vivo. – respondi, cruzando os braços.
- Merda. – ouvi reclamar e olhei para frente, vendo a mesma coisa. Havia uma dezena de carros parados na frente do restaurante e um exército de repórteres com suas câmeras a postos. – Alguém deve ter avisado que viríamos aqui.
- Não pode ter sido o meu pai, eu o fiz prometer. – disse rápido.
- Deve ter sido algum funcionário. – comentou, enquanto o carro parava. Os vidros estavam fechados, tornando impossível enxergar qualquer coisa que fazíamos do lado de dentro, mas mesmo assim uma chuva de flashes estava quase nos cegando.
- O que vamos fazer? – perguntei, passando a mão pelo cabelo.
- Acho melhor sairmos de uma vez, sem dar atenção a eles. – disse. – , vai na frente com a e peça para os seguranças ajudarem a abrir um espaço para passarmos.
- Ok. – disse e em seguida me olhou como quem pedia desculpas. Ele abriu a porta do carro e as câmeras estavam enlouquecidas, sorria abertamente para quem apontasse uma em sua direção. O namorado precisou pegar sua mão e puxá-la na direção da entrada.
- Odeio fazer com que você passe por esse tipo de situação. – comentei, fazendo com que me olhasse. Ele sorriu de lado, colocando sua mão sobre a minha.
- Eu estou me acostumando. Sempre tem um ou dois carros parados na frente do bar do meu tio, mas eu não me importo, finjo que não é comigo ou que eu sou uma estrela do rock. – soltei uma leve gargalhada.
- Você não existe. – falei, selando nossos lábios rapidamente. Ouvimos uma batida na janela e vimos que era um dos seguranças do restaurante. Ele havia conseguido fazer um corredor humano que nos levaria direto à entrada.
- Eu vou na frente, espera eu abrir a porta, ok? – disse, colocando a mão na maçaneta.
- Tudo bem. – respondi, vendo ele abrir a porta em seguida e vê-lo sendo quase engolido pela pequena multidão, mas ele não abateu e conseguiu dar a volta no carro e chegar até a porta do carona. – Ele deve mesmo me amar. – murmurei para mim mesma, sorrindo abertamente. – abriu a porta e me estendeu a mão e eu a segurei firme, respirando fundo antes de sair do veículo. No mesmo instante fiquei temporariamente cega, devido a quantidade de flashes. Abaixei a cabeça e segurei a mão de mais fortemente. Nós demos três passos, até que, não sei como ou porque, um reporte mais nervoso acabou empurrado alguns outros e uma pequena confusão se formou. Os seguranças que faziam o corredor humano não conseguiram conter o empurra-empurra, minha mão escapou da do e eu me vi encurralada, completamente cercada pelos fotógrafos. Senti alguns empurrões e coloquei a mão no rosto, num gesto de puro reflexo. De repente senti um empurrão mais forte e uma mão pegando a minha e abrindo caminho a força pela multidão. Fui puxada por alguns metros, até ser colocada no banco traseiro de um carro. Minha respiração estava acelerada e minhas mãos tremiam. Olhei para o meu lado, querendo pedir desculpas ao por ter feito ele passar por tudo isso, mas não era ele que estava ao meu lado. Reconheci aqueles olhos verdes e me assustei de verdade. Era a segunda vez que Jared me salvava de uma multidão furiosa de repórteres e fotógrafos. E por mais agradecida que eu estava por ele me ajudar, a única coisa que realmente passava pela minha cabeça no momento era: “ele estava me seguindo?”. Mas antes que eu pudesse formular uma frase de agradecimento, ele fechou a porta do carro, que saiu em disparada, enquanto ele falava em um pequeno aparelho: “O pássaro está a salvo.”

Minha cabeça estava em ponto de ebulição, eu não conseguia nem pensar direito, mal sabia o que estava fazendo. Caminhei quase cegamente pelo corredor, na direção do quarto do meu pai. A verdade era que eu estava sendo enganada durante todo esse tempo. Eu pensei que ele tinha o mínimo de confiança em mim, pensei que ele realmente achava que eu poderia dar conta disso, que eu conseguiria levar numa boa esse tempo longe de casa. Mas a realidade é que pela minha frente ele estava fazendo papel de bom moço e pelas minhas costas estava infiltrando um de seus agentes nas minhas aulas. Eu tentava apressar o passo e me distanciar, mas Jared continuava no meu encalço, tentando me fazer entender. O que seria impossível.

- Escute, seu pai não fez por mal, ele queria te proteger. Se eu não estivesse lá, o que poderia ter acontecido? – Jared argumentava, mas eu não lhe dava ouvidos. Eu estava tão furiosa, que era capaz de eu fazer o trajeto de volta só para jogá-lo da escada sem nem me sentir culpada depois.
- Cala a boca. – quase rosnei, sem me preocupar em parecer mal educada. Abri a porta do quarto sem nem ao menos bater e fiz tanta força, que a mesma se escancarou e colidiu fortemente na parede.
- O que está acontecendo? – meu pai perguntou, enquanto se levantava assustado.
- O que está acontecendo? – repeti sua pergunta retoricamente. – Talvez esse rapaz, que é meu colega de turma pode explicar melhor, afinal ele é um dos seus homens, não é mesmo? – gritei, sem conseguir me controlar. – Por que você fez isso?
- Eu só quis te proteger. – ele respondeu mais baixo, tentando segurar o meu braço.
- Não me toca. – pedi, me afastando. – Eu só queria um pouco de confiança, foi tudo o que eu sempre pedi. Só que durante todo esse tempo eu pensei que a mamãe fosse a pior de toda a história, pensei que você estivesse do meu lado, mas não. Hoje eu vi que você pode ser pior do que ela.
- Não fala isso, . – ele falou, fazendo com que eu me sentasse. – Jared, você se importa de nos deixar a sós?
- Claro que não, majestade. – ele murmurou, saindo apressadamente e fechando a porta.
- Tudo isso por um rapaz? – meu pai perguntou, fazendo o sangue subir à minha cabeça mais uma vez. Dessa vez não tinha nada a ver com o .
- Não é pelo , ele não tem nada com isso. O problema agora é você e a minha mãe, a falta de confiança de vocês, essa necessidade absurda de controlar a minha vida e de fazer dela um inferno. – confessei, levantando e me afastando dele mais uma vez. – Se existem culpados dessa vez, são apenas vocês dois.
- Você precisa entender o risco que corre ficando sozinha e também que, por mais que você queira, você não pode se portar como uma garota normal. Você está acima disso e precisa se comportar de acordo.
- Quero que você me diga uma única coisa que eu fiz enquanto estava aqui, que não estava de acordo com o modo que você acha que eu deveria me comportar. Você viu alguma foto minha numa festa ou fazendo algum tipo de coisa, sei lá, fora da lei ou que fugia do que você acha certo? A única coisa que eu fiz aqui que você poderia me acusar foi aquela confusão na faculdade, mas estava além do que eu podia controlar, porque foi tudo iniciado por outra pessoa. Fora isso, eu nunca me comportei tanto em toda a minha vida. Nunca deixei que essa loucura rebelde, que sempre me dominou, surgisse mais uma vez. E você sabe por quê? – perguntei, sentindo minha voz embargar e a raiva dar lugar a tristeza. – Porque, pela primeira vez, eu não queria desapontar vocês. – completei, deixando minha voz vacilar no final. Ele passou a mão pelos cabelos, sem saber o que responder. – E sabe o pior de tudo? Você não consegue ao menos aceitar que está errado e se desculpar. Não é porque você é rei, que está além do certo ou errado. Aqui, agora, você não passa de um pai que errou com a sua própria filha e não consegue assumir. Se você tivesse conversado comigo, tivesse me dito que queria enviar mais alguém para ficar de olho em mim, eu teria entendido. Não teria aceitado muito bem, mas teria entendido. Mas você mentiu, você me enganou. Agora não tem nada a ver com o , o problema está entre nós dois e eu não posso ou quero lidar com isso nesse momento. Você não confia em mim e eu não quero confiar em você agora. Pra ser sincera, eu não quero nem falar com você agora. – falei, seguindo para a porta e abrindo a mesma. Ellen, e Jared esperavam do lado de fora do quarto, mas eu não queria conversar com ninguém. Eu queria ficar longe de tudo isso. Fui até o quarto, joguei algumas roupas numa mochila. Ellen parou ao meu lado e acompanhava minha movimentação com o canto dos olhos.
- . – ela começou, mas eu a interrompi.
- Eu não quero falar sobre isso. – pedi, fechando o zíper e colocando a mochila nas costas.
- Eu preciso falar que não sabia de nada disso. Não entendi nada quando vi o Jared entrando aqui com você. E o também não sabia de nada. – ela falou baixo, se aproximando de mim. – Você sabe que na gente você pode confiar, certo?
- Eu sei. – respondi, respirando fundo.
- Aqui. – surgiu com uma chave na mão. – Pega o meu carro, depois eu me acerto com o seu pai. Você precisa esfriar a cabeça.
- Obrigada. – murmurei, abraçando cada um deles. Em seguida sai pela porta sem nem ao menos olhar para o outro lado do corredor, mas pelo canto dos olhos puder ver o olhar de Jared me acompanhando. Parei e falei baixo, mas sabendo que ele estava me ouvindo. – Não se atreva a vir atrás de mim.

Entrei no carro e não precisei pensar nem duas vezes antes de decidir para onde iria. Só tinha um lugar nesse mundo onde eu poderia realmente esquecer tudo o que tinha acontecido. Abri a porta da garagem e usufrui do fato do carro ter as janelas completamente escuras, assim eu pude se esconder de todos os fotógrafos que voltaram a fazer plantão na porta da embaixada. Dirigi o mais calmamente que pude, tentando não fazer nada imprudente. Vi que dois carros começaram a seguir o meu e tentei fazer um caminho aleatório, para que eles desistissem e voltassem para onde estavam. Consegui por alguns instantes, então voltei para a rota que eu conhecia e em poucos minutos eu já estava na porta do bar. Ainda estava cedo, então estava tudo aberto. Estacionei o carro atrás do de , que estava na garagem improvisada, e corri até as escadas. Não queria dar a chance para algum fotógrafo perdido que estivesse por ali. Subi os degraus, parando em frente à porta. Eu ainda estava completamente sem jeito e não sabia se deveria ter vindo até aqui sem avisar. Ouvi alguns barulhos vindos do lado de dentro e resolvi bater na porta de uma vez. Alguns segundos depois, abriu a porta e eu tentei sorrir, mas não consegui. Ele alcançou o meu estado de espírito rapidamente e não falou nada, apenas abriu os braços. Deixei a mochila cair aos meus pés e o abracei com toda a força que eu tinha. Ele retribuiu meu ato e fez com que eu entrasse de uma vez. Enquanto eu mantinha meu rosto fortemente pressionado contra o meu peito, ele mantinha suas mãos em meus cabelos, tentando me acalmar. E era somente isso que eu precisava. Em alguns momentos nós não precisamos de palavras de conforto, conselhos ou qualquer coisa do tipo. Existem momentos onde apenas um gesto basta, um gesto simples e singelo como um abraço pode significar mais do que tudo. E esse momento era um deles.



Continua...



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