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Última atualização: 05/08/2017 - Fanfic Finalizada

Décimo Sexto

They wish they had what we had and it's jealousy in the way
(McFLY - That's The Truth)


’s Pov

Eu me assustei com o alarme do despertador. Olhei para o lado e vi que nem havia se mexido. Levantei-me e me espreguicei, andando até a janela em seguida. A movimentação na rua ainda era pouca, mas consegui enxergar meu tio carregando alguns sacos de lixo até uma lixeira bem grande que tinha do outro lado da rua. O casaco dele balançava violentamente, denunciando o mal tempo que fazia. Espiei o céu e encarei aquele infinito cinza, as nuvens mais baixas e distantes, que emolduravam o fundo, estavam num tom escuro, quase grafite.
Voltei a olhar para a cama e encontrei uma imagem muito melhor do que a última que eu tinha visto. estava com apenas metade do corpo coberto, de uma forma que deixava suas pernas à mostra. Seus cabelos caíam espalhados como uma cascata pelo travesseiro, deixando seu pescoço à mostra. Sorri comigo mesmo, correndo para voltar a ocupar meu lugar ao lado dela. Eu me aproximei, depositando um beijo suave em seu rosto, vendo que ela se mexeu logo em seguida. Meio contrariada, ela virou a cabeça para o lado oposto ao que eu estava, impossibilitando que eu pudesse continuar a incomodá-la. Porém, eu não desisti. Encostei meu corpo no dela e comecei a brincar com os fios do seu cabelo. se mexeu mais uma vez, deitando-se com a barriga para cima, mas com os olhos ainda fechados.

- Qual é o seu problema em me deixar dormir? – ela murmurou, com a voz ainda arrastada e embargada de sono.
- Porque tá na hora de acordar. – respondi, apoiando minhas costas na cabeceira da cama.
- Mas a sua hora de acordar pode não ser a minha hora de acordar. – ela argumentou, ficando de lado e colocando um de seus braços ao redor do meu corpo.
- Nada disso, minha casa, minhas regras.
- Como você consegue ser chato e mandão logo de manhã? – perguntou, enquanto esticava o corpo e se espreguiçava.
- Não sei, talvez seja algo que nasceu comigo.
- Bem provável. – ela comentou, me olhando. Um sorriso bobo surgiu nos seus lábios. – Bom dia.
- Bom dia. – respondi, voltando a me deitar. Ela apoiou a cabeça em meu peito e começou a brincar com a barra da minha camisa.
– O que temos para fazer hoje?
- Eu preciso ir à faculdade em algum momento conversar com o meu orientador e você precisa decidir se vai à aula. Te dou mais cinco minutinhos para decidir.
- Aumentamos para dez e aproveitamos pra namorar um pouco. Dez não, talvez quinze ou vinte. – ela riu, erguendo o corpo para me beijar.
- Acho justo. – murmurei, envolvendo seu corpo e deixando-o mais próximo de mim. Levei minhas mãos até a barra da blusa que ela usava e me apressei em puxá-la para cima, rolando para me colocar sobre ela em seguida.
- Se continuarmos assim, é bem provável que nenhum de nós dois saia dessa cama hoje. – ela murmurou, rindo baixo, enquanto depositava um beijo em meu pescoço.
- Eu estava pensando em outra coisa agora. – falei, deixando meu corpo cair ao seu lado, mas ainda deixando um braço ao seu redor.
- Em quê? – ela perguntou, girando para ficarmos de frente um para o outro.
- No seu pai.
- Bem, isso é estranho, mas se funciona com você... – ela riu, mas eu não acompanhei dessa vez.
- Não, é sério. Eu realmente acho que você deveria ligar pra ele. – falei, vendo-a revirar os olhos e rolar para o outro lado da cama. – Já tem três dias que você está aqui e não atende nem as ligações dele.
- , eu pensei que você entendesse. – ela disse, ainda de costas. – Mas se você quer que eu vá embora, eu posso ver se a me deixa ficar na casa dela.
- Não é nada disso, você sabe muito bem. Você não quer que ele te leve a sério? Então precisa se comportar como uma adulta e não como uma criança que foi contrariada. – ela se virou lentamente, com as sobrancelhas arqueadas.
- Você está tá me chamando de criança?
- Não, estou dizendo que você está se comportando como uma. E daquelas bem teimosas. – fiz com que ela se sentasse na cama e ela me encarou com má vontade. – Você precisa se impor, mostrar que pode tomar conta da situação.
- Mas eu já fiz isso, só que eles não me levam a sério.
- Então faça de novo. De novo, de novo e de novo. Não importa quantas vezes, faça isso até dar certo. O que não adianta é você correr e se esconder de qualquer confusão que apareça.
- Eu odeio quando você está certo. Odeio de verdade. – ela murmurou, fazendo uma careta. – Ok, eu vou falar com ele, mas eu ainda estou muito chateada com o que ele fez, . Pensei que fosse apenas coisas de filmes, sabe? Mas não, ele realmente infiltrou um de seus homens nas minhas aulas. Isso é mais do que eu deveria suportar.
- Ele se preocupa com você. – tentei amenizar, mas ela me olhou de uma forma que eu pensei em retirar o que havia falado na mesma hora.
- De que lado você está? – ela perguntou de forma acusatória.
- Do seu, mas isso não significa que eu deva concordar com todos os seus atos. – respondi, vendo-a suspirar profundamente. – Por mais que eu adore te ter na minha cama todos os dias, eu realmente acho que você precisa consertar essa situação. Não tem como você fugir disso, é o seu futuro.
- Tá, eu vou falar com ele, só que eu não queria resolver isso por telefone...
- Então nós vamos até lá, simples. – falei, levantando-me da cama e vendo-a se jogar para trás novamente.


- Preparada? – perguntei, assim que nós estávamos prestes a virar na rua onde ficava a embaixada. Eu estava completamente ciente dos dois veículos que estavam nos seguindo desde o momento em que saímos de casa, mas preferi não me manifestar. Até porque ela também devia ter percebido. estava com a cabeça apoiada no encosto do banco e tinha o seu olhar perdido. Coloquei minha mão sobre a sua e dei um leve aperto. Ela fixou seus olhos nos meus e sorriu fraco.
- Eu preciso estar, não é? – respondeu, dando de ombros em seguida. Virei o carro, entrando na rua, e logo fui cercado pelos jornalistas. Tive que guiar o carro lentamente para não causar nenhum acidente, mas mesmo assim eu estava com medo de passar por cima de algo ou alguém. Parei o veículo perto do portão da garagem, onde havia uma câmera no canto, e segundos depois pude ouvir uma movimentação lá dentro. Alguns seguranças saíram pelo portão lateral e cercaram o carro, fazendo algo como um cordão de isolamento. Depois que todos os repórteres estavam cercados, o portão se abriu e eu levei o carro até a garagem. – Vamos terminar logo com isso. Não aguento mais essa confusão. – falou, abrindo a porta do carro e seguindo para dentro da casa. Porém, parou perto da porta e estendeu os braços, como se pedisse que eu segurasse sua mão. E assim eu fiz. Caminhamos de mãos dadas pelo jardim, quando estávamos chegando à porta, a mesma foi aberta. Ellen mantinha um sorriso fraco nos lábios, o qual foi logo retribuído por .

- Já estava com saudades. – Ellen comentou, dando espaço para que entrássemos na casa. estava parado perto da escada e deu um leve aceno com a cabeça, seguindo pelo corredor.
- Eu também estava. – respondeu. – Onde meu pai está? Preciso conversar com ele.
- Que bom que você, finalmente, vai resolver essas coisas. Eu já não estava aguentando as perguntas dele. "Onde a está?", "Onde o mora?", "Será que ela foi para a faculdade?" – Ellen suspirou pesadamente. – E eu que pensava que você dava trabalho. Enfim, ele tá no quarto.
- Você vai comigo ou vai ficar me esperando aqui?
- Prefiro esperar aqui, vocês precisam de um tempo a sós para se entenderem. – falei, vendo que ela afirmou com um balanço de cabeça.
- Ok, então veja se a Angela fez o bolo de maçã. É divino. – comentou, dando-me um leve beijo nos lábios antes de seguir escada acima.
- Eu te acompanho. – Ellen disse, apontando para o corredor. – Aposto que ela vir até aqui hoje foi ideia sua. – ela falou enquanto estávamos andando.
- Se nós fôssemos esperar até que ela tomasse uma iniciativa, acho que a Dinamarca não teria um novo governante nem tão cedo. – respondi, ouvindo a risada abafada de Ellen. – Ela sempre foi assim?
- Assim como? Cabeça dura e teimosa? – afirmei com a cabeça e ela continuou. – Sim, sempre. Mas eu acho que é coisa de família, porque o pai, e principalmente a mãe, também são assim. Acho que ela não tinha muita escapatória.
- Mas ela não é assim comigo, pelo menos não sempre.
- É porque você não quer forçá-la a ser o que ela não é, . – Ellen comentou, enquanto apontava para uma cadeira, indicando que eu me sentasse. – Café?
- Aceito sim. Eles são sempre assim com ela? Digo, sem confiança, vários seguranças, brigas constantes.
- Quase sempre. O grande problema é o fato dela não aceitar o destino dela. Ela será Rainha querendo ou não. Talvez fosse melhor facilitar as coisas, tentar ser boazinha e entender que não tem o poder de ser normal, mas ser normal é a única coisa que ela realmente quer. E assim fica complicado. Ainda mais quando ela decide complicar mais.
- Como assim? – perguntei, franzindo a testa. Ellen terminou de colocar água na cafeteira e a ligou, vindo para sentar-se ao meu lado.
- Bem, a nunca foi do tipo... certinha. Ela sempre procurou uma forma de tentar atingir os pais com a mesma intensidade que eles tentavam controlá-la. Logo não havia como isso ser algo bom. Ela vivia estampando as capas das revistas ou as primeiras páginas dos jornais com as suas saídas. Fotos dela com garrafas de bebida ou agarrada com algum rapaz, bem, essas coisas. E sempre acompanhada do primo. Ele é um cara super legal, mas não tem juízo nenhum. Ao lado dele, a é a pessoa mais sensata de todo o mundo. Enfim, é até compreensível a preocupação e essas medidas que os pais dela tomam, só que ela não aceita que também é a errada da história.
- Então quando as nossas fotos foram parar lá na Dinamarca os pais dela pensaram logo que ela estava fazendo tudo isso aqui também, não é?
- Exatamente. Não tinha como ninguém saber o que estava acontecendo entre vocês e que, principalmente, você não é o mesmo tipo de cara com os quais ela costumava se relacionar.
- Eles eram tão ruins assim? – perguntei e Ellen fez uma careta, levantando-se e caminhando até a cafeteira.
- Imagine que você quer ferir seus pais escolhendo uma namorada, que tipo de garota seria? Educada e de boa família que não seria, certo? Então, todos os namorados que ela arrumou, quer dizer, talvez essa não seja a nomenclatura correta, porque dar uns beijos numa noite não é o bastante pra ser namorado. – ela falava mais murmurando para si mesma do que comigo. Ellen colocou uma xícara na minha frente, uma travessa com um bolo quase inteiro no meio da mesa e voltou a se sentar. – Enfim, só de lembrar daqueles tatuados, barbudos e mal-encarados que eu via, me dá até arrepios. – ela riu, passando a mão pelos cabelos. – Talvez você consiga entender a dificuldade dos pais dela aceitarem qualquer namorado, mas agora ele te conhece, pode acreditar que as coisas ficarão muito mais tranquilas.
- Eu realmente espero, Ellen. Até porque eu gosto dela, sabe, de verdade. Não sou muito de falar de sentimentos, não sei me expressar direito, mas eu quero deixar claro ao pai dela que eu não sou mais um louco barbudo que ela costumava beijar. Quero mostrar que eu não sou mais um que ela usa pra atingi-los. Eu sou o namorado dela e como tal quero ajudá-la a progredir, a crescer, e não ser um peso que serve apenas para travar a vida. – Ellen me olhava de forma terna, com o rosto apoiado em uma de suas mãos. Seus olhos brilhavam e um sorriso bobo escapava dos seus lábios.
- É exatamente por isso que eu sei que tudo vai ser diferente agora. Mas, ... – ela murmurou, sendo interrompida por uma voz masculina que surgia do corredor. O volume dos passos aumentou, até que vimos uma figura cruzar a porta, porém parando perto da mesma.
- Ellen, o tá te chamando lá fora. – Jared disse, cruzando os braços e apoiando seu corpo no batente.
- Ah! Tá, já volto, ok? – ela disse, levantando-se e seguindo pelo corredor. Voltei meu olhar para a xícara à minha frente, evitando qualquer tipo de contato com meu novo acompanhante. Havia algo nele que me irritava, irritava de verdade. Pensei que com a saída de Ellen da cozinha, ele também sairia, mas não, ele continuou plantado no mesmo lugar, como se quisesse me fazer companhia. E sinceramente? Não era nada bem-vindo. Ele limpou a garganta, chamando minha atenção.
- Desculpa ter atrapalhado o encontro de vocês no outro dia. Eu estava fazendo meu trabalho. – Jared disse, entrando de uma vez na cozinha e se servindo de um pouco de café.
- Tudo bem, eu entendo. – me limitei a dizer, não queria prolongar meu papo com ele. Olhei no relógio, decidindo se me levantava para esperar na sala ou se continuava ali, ficando à disposição da tentativa inútil e desnecessária de Jared de puxar assunto.
- Eu só acho que você deveria passar a evitar esses lugares lotados e chamativos enquanto estiver tendo essa coisa com ela. – ele tomou um gole do café, enquanto eu virava meu rosto em sua direção, arqueando as sobrancelhas perante a sua afirmação.
- Essa coisa? – perguntei, deixando o meu não entendimento claro na pergunta.
- É, esse caso de vocês. – ele deu de ombros. – Podia ter mantido só pra você, mas já que precisou revelar para o mundo, talvez deva se preocupar com a imagem dela.
- Nosso caso... – repeti, rindo ironicamente em seguida. – Bem, isso não é da sua conta, mas ela é minha namorada. E eu não sei se você compreende o significado dessa palavra, mas saiba que é muito mais do que um simples caso.
- Bom, se não é um simples caso, o que você está fazendo na cozinha? Aqui é o lugar onde todos os empregados ficam. A não ser que você seja um empregadinho da princesa, sabe, tipo a Ellen. Vai ver que ela precisa de um garçom para a próxima festa, não é? – Jared disse, num tom altamente irônico e superior. Como se soubesse que suas palavras me atingiriam.
- Qual é o seu problema, cara? – perguntei, levantando-me e indo até onde ele estava. Jared pousou a xícara na bancada e me encarou. – Eu não sou obrigado a ficar ouvindo essas idiotices que você fala, sinceramente. Se você tem algum problema com tudo isso ou somente comigo, sinto muito, mas o problema é seu. O que você pensa a meu respeito não importa pra mim. Eu posso ser sim um garçom, pode ser que um dia você apareça lá no bar e eu tenha que te servir. Mas quer saber? Eu faria isso com gosto, porque eu não tenho vergonha do que eu faço. Talvez isso me torne ser um homem melhor do que você. Sua opinião é tão relevante quanto essa nossa conversa. – dei de ombros, vendo que Jared cruzou os braços e trincou o maxilar, forçando-se a ficar calado. – Na verdade, você é tão relevante quanto tudo isso, logo...
- Você realmente se acha importante, não é? – ele riu, balançando a cabeça lentamente. – Você não faz ideia de quantos como você eu já vi e todos eles cometeram o mesmo erro: achavam que significavam alguma coisa, mas no fundo eram nada. Elas os dispensava. Sempre fez e sempre fará.
- Eu tô sentindo uma coisa no ar, será ciúme? – sorri abertamente. – Eu não posso fazer nada se ela me escolheu, talvez você possa tentar alguma coisa quando ela me dispensar, coisa que você já previu. Assim você pode usar todo esse sentimento ressentido, acumulado e guardado. Aposto que você vai se sentir muito mais leve.
- Nossa, como você é engraçado. Será que você continuaria assim depois do meu punho acertar a sua cara? – ele perguntou, aproximando-se. Ele ergueu a cabeça, olhando-me meio de cima e pela primeira vez pude perceber que era uns dez centímetros mais baixo do que ele, mas na minha cabeça isso não fazia diferença, eu não tinha medo dele de qualquer forma.
- Você quer tentar? – desafiei, com minha voz num tom firme e decidido. Jared abriu a boca para responder, mas ouvimos a voz de pelo corredor. Ele me lançou um olhar firme que eu sustentei, mas dei alguns passos para trás e virei as costas para ele, ficando de frente para a porta.
- Aí está você. – ela quase cantarolou, com sorriso enorme nos lábios. – Te procurei em todos os cantos e... – ela se calou quando notou a presença de Jared no cômodo. Sua expressão se fechou e o sorriso desapareceu. – O que você tá fazendo aqui?
- Nada de muito importante, só batendo um papo com o , mantendo-o entretido na sua ausência. – ele respondeu, dando de ombros, e esticou o braço para pegar sua xícara de café.
- Meu pai te contratou para isso também? – ela indagou, com um sorriso falso nos lábios. – Enfim, preciso falar com você. – se virou em minha direção, colocando suas mãos em meus ombros. – Eu tomei uma decisão enquanto conversava com o meu pai, mas como te envolve, preciso da sua aprovação.
- Claro. – sorri, juntando nossos lábios num selinho rápido. – Até mais, Jared, obrigado pela sua companhia. – coloquei toda minha carga de ironia e sarcasmo na última frase. entrelaçou nossos dedos e me guiou até a sala. Nós nos sentamos num sofá grande e branco que ocupava a parede da janela. Olhei para a pequena mesa que havia no canto perto da outra parede, onde tinham algumas fotografias que mostravam uma muito pequena abraçada com quem eu julguei ser os pais, pois o homem na foto parecia bastante com o rei. – Você sempre foi linda. – comentei, fazendo com ela olhasse para a foto e rolasse os olhos.
- Odeio esse hábito da Angela de encher a casa com fotos antigas. – murmurou, suspirando. – Eu, realmente, não tenho essa queda por ficar lembrando o passado, gosto de focar no futuro.
- E o que você tem pra falar é relacionado ao futuro?
- Ao nosso. – ela disse, mordendo o lábio inferior, demonstrando sua incerteza. – Meu pai disse que se a gente tem certeza disso que tá acontecendo entre nós dois, temos que tornar isso público e oficial. Assim a mídia vai parar de nos perseguir, nós poderemos ter uma vida quase normal e a minha mãe vai aceitar melhor, ou, pelo menos, ter que aturar. Porque, pra ele, a problemática da situação está no fato do nosso relacionamento ser real ou "apenas mais uma aventura minha".Essa última frase foi dele. – ela fez uma careta, mas logo continuou. – Eu concordei, porque consigo entender exatamente o ponto de vista dele. Esse alvoroço é resultado das coisas que eu fazia antigamente, só que agora é diferente. Você é diferente. Eu te amo e seria perfeito deixar que o mundo saiba disso. Só que da mesma forma que a mídia pode nos esquecer, eles podem enlouquecer de vez com o namorado da princesa e viver te perseguindo. E se você não estiver preparado ou não quiser passar por nada disso, nós mantemos tudo como está e tentamos levar como dá.
- Você precisa entender, de uma vez por todas, que quando eu resolvi ficar com você, eu pesei todas essas coisas. Foi difícil no início, mas eu decidi assumir e aceitar qualquer outro problema que surja, porque você vale qualquer sacrifício, vale qualquer coisa. E eu acho que amar é isso, é compreender, ajudar. É fugir de fotógrafos juntos, ter que se esconder no carro, ficar preso dentro de casa para sempre ou se esconder do mundo para ter alguns momentos de paz. Mas se eu estiver com você, eu aceito qualquer coisa. – sorriu abertamente e se jogou em meus braços, prendendo os seus ao redor do meu pescoço e juntando nossos lábios com intensidade.
- Você não tem noção de como é mágico ouvir coisas assim da pessoa que você ama. – ela comentou, enquanto apoiava sua testa na minha e olhava bem fundo nos meus olhos.
- Claro que eu tenho, como você acha que eu me sinto quando você diz que me ama? – perguntei, selando nossos lábios mais uma vez.
- Acho que vou lá em cima brigar com o meu pai de novo, assim eu posso voltar pra sua casa. – falou baixo, rindo em seguida. – Ok, temos que colocar meu plano em prática, já que você aceitou.
- E qual seria?
- Nós vamos falar com a imprensa. Agora.


Minhas mãos suavam e era capaz de eu estar suando muito mais do que o normal. Já estava, aparentemente, tranquila e conversava com Ellen num canto mais afastado do jardim. A segurança estava de prontidão e havia homens em todos os cantos. O pai dela, eu me recusava a ficar falando dele como "rei", já era o complicado o bastante sem isso, preferiu assistir a tudo do quarto, para não dificultar ainda mais as coisas. O que eu achei muito correto. O único problema é que eu não sabia exatamente o que ou quando falar. Nunca fui do tipo de cara que se sai bem em público, o meu lugar é atrás de um livro, atrás de um computador ou até mesmo de um balcão. Estava acostumado com o anonimato e, de repente, me vi cercado de repórteres e fotógrafos, saindo nas capas dos jornais. Respirei fundo, passando a mão no cabelo. Eu deveria me acalmar. deve ter visto algo estranho na minha expressão, pois veio até onde eu estava e parou ao meu lado, examinando meu rosto por alguns segundos.

- Você não vai desmaiar, certo? – ele perguntou apressadamente.
- Não, eu só não estou acostumado com esse tipo de coisa.
- Ainda não? Pensei que já tivesse dado tempo. – ele riu, batendo levemente nas minhas costas. – Eu sei que você vai encarar isso muito bem, é só deixar que ela fale, já está acostumada com os holofotes.
- Você não acha tudo isso estranho demais? Tipo, nem um pouco?
- No começo foi muito complicado, eu não sabia como agir. Imagina ter que acompanhar isso todos os dias? Eu tive que me acostumar na marra. – deu de ombros, ouvindo seu rádio tocar. – Respira fundo e se acalma, ela vai precisar de você. – ele disse, antes de pegar o aparelho e sumir no meio da mini-confusão. Vi que ele saiu com alguns homens, provavelmente para organizar as pessoas que estavam do outro lado. Eu parei para pensar no que ele havia dito. Sim, ela precisava de mim. Isso era mais do que o suficiente para fazer com que eu me acalmasse. Aliás, isso é mais do que suficiente para qualquer coisa.
Como se ouvisse meus pensamentos, olhou em minha direção e abriu um enorme sorriso, desligando-se temporariamente de sua conversa com Ellen. Não há palavras no mundo que sejam boas o suficiente para descrever aquele sorriso. Ele fazia a vida valer a pena. A minha vida valer a pena.
Um segurança se aproximou delas, apontando para o portão enquanto falava. Tudo deveria estar pronto. acenou com a cabeça e começou a caminhar em minha direção. Seus passos firmes e sua postura confiante me diziam que não era necessário sentir qualquer tipo de nervosismo e eu acreditei piamente. Ela estendeu sua mão e eu a segurei suavemente, deixando que nossos dedos se entrelaçassem. O portão foi aberto e eu pude ver que eles fizeram um cerco com algum tipo de grade e mantiveram alguns homens do lado onde todos os repórteres estavam. E eles pareciam mais tranquilos do que eu imaginava. Toda aquela confusão que eu havia presenciado na porta do restaurante não existia. Todos aguardavam da forma mais civilizada possível. Bem, pelo menos até o portão ser totalmente aberto. Caminhamos a passos lentos até a calçada, onde uma onda de flashes se estendeu por alguns segundos. esperou pacientemente até que eles se acalmassem. Ela deu um sorriso e se pôs a falar:
- Espero que estejam todos felizes por eu ter, finalmente, decidido dar uma declaração. Achei que seria melhor para todos, até porque não deve ser nem um pouco confortável ficar aqui o dia todo. – ela suspirou, jogando o cabelo para trás. – Farei um acordo com vocês, mesmo sabendo que ele não será seguido à risca, mas darei crédito a vocês. Responderei a cinco perguntas relacionadas ao meu novo relacionamento. – ela fez uma careta após essa frase, mas logo continuou. – E em troca me darão de volta o poder de andar quase tranquilamente na cidade de vocês, assim como devolverão a vida normal dele. – todos riram nesse momento e alguém falou algo do tipo: "Vida normal? Você sabe que isso não existe mais, certo?" Sim, eu sabia. – Então, temos um acordo? – ela disse e todos murmuram que sim, mesmo sabendo que era mentira. – Ok, então vamos à primeira pergunta.
- Vocês estão juntos há quanto tempo? E por que vocês resolveram assumir só agora? – alguma repórter, que estava meio escondida, perguntou.
- Nós estamos juntos há uns quatro meses, mas não achamos que teríamos que fazer uma mega promoção disso. – respondeu brevemente, mantendo a expressão calma em seu rosto. Eu não parava de pensar em como eu devia estar parecendo um idiota ali parado sem dizer uma só palavra. – Mas a situação saiu do controle e nós pensamos que seria mais fácil se assumirmos o nosso relacionamento, para tentarmos evitar algumas situações desagradáveis.
- Como seus pais reagiram a tal notícia? – outro jornalista falou mais alto do que os outros. – Afinal, todos sabemos da opinião da sua mãe sobre seus relacionamentos com pessoas “não nobres”.
- Melhor do que vocês. – brincou, balançando a cabeça lentamente depois. – Reagiram muito bem, eles só querem a minha felicidade e, agora, ela está com ele. – ela me olhou de forma doce e eu levantei nossas mãos, que estavam entrelaçadas, e dei um leve beijo. – E eu creio que a minha mãe vai mudar de opinião quando conhecê-lo.
- ! – uma voz se sobressaiu na multidão, chamando minha atenção. – E você não se sente ofendido com os comentários que surgem sobre o seu relacionamento ser baseado apenas no que ela pode te oferecer financeiramente? - nesse momento todos os olhares se voltaram para mim, inclusive o de .
- Creio que comentários maldosos não possam ser evitados. Eu não posso fazer com que eles parem, mas posso cobrir meus ouvidos e fingir que não os ouço. A sabe no que o nosso relacionamento é baseado, ela acredita nos meus sentimentos e só a opinião dela que realmente importa.
- Então você realmente gosta dela, não foi o título de nobreza falou mais alto? – O sorriso que ela mantinha nos lábios e o brilho nos seus olhos só tornava mais verdadeira a única resposta que eu tinha para dar. Independente da forma que eles entenderiam, eu não teria a capacidade de mentir ou encobrir qualquer coisa. Eu precisava falar a verdade. Juntei forças, respirei fundo e rezei para que minha voz saísse firme o bastante. – Eu a amo e amaria da mesma forma ainda que ela fosse uma simples garçonete. Ah não, esse sou eu.
Sei que as pessoas ao meu redor estavam rindo ou perguntando qualquer outra coisa. Mas eu já havia perdido a linha de pensamento. Tinha algo muito mais importante do que a repercussão da minha resposta à minha frente. E ela me olhava como se eu fosse a coisa mais importante que havia no mundo. Mas ela estava errada, porque era ela a coisa mais importante e linda, não só do mundo, e sim do meu mundo.
- Princesa! – alguém gritou ao fundo e eu a vi rolar os olhos. – E o que você pretende fazer quanto ao trono? Ele está disposto a deixar tudo para trás de ir pra Dinamarca com você? Você vai desistir do cargo por causa dele? – senti o aperto de sua mão na minha aumentar e vi que ela respirou fundo algumas vezes. Nós nunca tínhamos parado para pensar ou conversar sobre isso. Pra ser sincero, não tinha nem passado pela minha cabeça tudo isso. Mas essa é verdade, se nós ficarmos juntos, alguém terá que ceder e deixar para trás coisas de extrema importância. Família, carreira e toda uma vida. Vi que continuava em silêncio, sem saber muito bem o que responder, então me apressei:
- Nós ainda não pensamos nisso, estamos vivendo o aqui e o agora.
As perguntas seguiram, mas nós não estávamos prestando atenção. Nós caímos no meio do tornado que essa última pergunta causou. Nós sempre soubemos que esse seria o nosso maior problema, só que nunca perdemos tempo conversando sobre. Era mais importante passar nossos momentos juntos, do que pensando no que faríamos quando não estivéssemos mais perto um do outro. Ela olhou fundo em meus olhos, mas o sorriso sumiu dos seus lábios. Puxei-a para um abraço, enquanto uma chuva de flashes quase nos cegava.
- Eu não quero te perder. – ela murmurou baixo, bem próximo ao meu ouvido.
- Você não vai. – respondi, beijando levemente o topo da sua cabeça. – Não vai.


/’s Pov



Décimo Sétimo

Cause I don't wanna lose you now, I'm looking right at the other half of me
(Justin Timberlake - Mirror)


Não sei quantos dias haviam se passado desde que eu havia colocado os pés na faculdade pela última vez. Parecia que haviam passado meses e mais meses. As coisas haviam se tranquilizado desde que eu falei com os repórteres, eu já conseguia sair de casa sem que fosse cercada por uma multidão e, aos poucos, eu estava retomando a minha vida. Eu havia perdido diversas discussões em sala de aula, mas eu consegui recuperar um pouco do tempo perdido nesses últimos dias. E como eu tinha feito todos os trabalhos, inclusive os que marcavam o final do primeiro período, eu não perderia os créditos das matérias. Não era melhor coisa do mundo, mas eu não perderia o que já havia feito. Um período já havia acabado e só restavam mais dois. Parece que o tempo começou a correr demais, indo contra a minha vontade, pois cada vez que o final do meu curso se aproximava, mais perto eu estava de ter que voltar para casa. E eu ainda não estava preparada para deixar o para trás e seguir com a minha vida de futura rainha. Mas uma coisa estava decidida: eu arrumaria uma forma de não precisar estar casada para assumir o trono.
Olhei ao redor, vendo passar rápido do outro lado do corredor, em direção às escadas. Ele olhou em minha direção e sorriu abertamente, me lançando um beijo antes de seguir seu caminho. Nem me importei com a rapidez do seu contado, ele estava atolado com as coisas que ainda faltavam para a finalização do seu próprio curso. Nós últimos dias ele estava se desdobrando mais ainda com os estudos, o trabalho no bar. Fora o tempo que ele ainda arrumava para ficar comigo. Tudo bem que ele acaba sempre caindo no sono em qualquer lugar que ele se sentasse, mas eu entendia. Eu não conseguiria lidar com tantas coisas ao mesmo tempo, porque quando ele não estava trabalhando, estava debruçado sobre um livro ou encarando a tela do computador e digitando as centenas de páginas do seu trabalho final. O término do período era, de fato, uma coisa boa, afinal, ele teria um descanso e poderia se preparar para a próxima fase da vida dele: o emprego no Grupo Linklaters. Ele estava tão ansioso por isso, que mal conseguia se conter. Desci as escadas, caminhando rapidamente até a saída, onde me esperava já impaciente.

- Por que você não atende o telefone? Te liguei milhões de vezes. – ele reclamou, enquanto abria a porta do carro. As pessoas ao redor ainda me olhavam de uma forma um pouco estranha, mas eu parei de me importar. Depois que eu havia exposto a minha vida por vontade própria em todos os jornais, eu deixei de me preocupar com que o que as pessoas falavam. – Seu pai quer falar com você.
- E quando ele não quer falar comigo? – murmurei.
Bati levemente na porta do quarto do meu pai e ouvi algo como um "entre". Girei a maçaneta, adentrando no cômodo. Encarei as três malas pretas encostadas perto da parede e o blazer bem passado preso ao cabide. Ele estava debruçado sobre sua maleta, arrumando algumas coisas simples que faltavam, como alguns papéis e seus óculos. Meu pai girou o corpo, sorrindo abertamente para mim, num gesto caloroso. As coisas ficaram bem melhores entre nós dois depois que eu resolvi os problemas externos do meu relacionamento. Fora que, com o passar dos dias, o meu pai passou a ter uma opinião diferente sobre o . E eu sabia que era apenas uma questão de tempo, porque é meio impossível não se encantar por ele. Meu pai tinha feito algumas viagens pela Europa enquanto estava aqui, resolvendo algumas questões com os outros chefes de estado. Coisas que eu achava insuportavelmente entediantes, mas que virariam rotina para mim. Mas agora parecia que ele estava pronto para voltar de vez para casa.

- Queria falar comigo? – perguntei e ele assentiu.
- Eu estou voltando para casa e queria saber quando posso enviar o avião para te buscar. Creio que você não irá agora. – ele falou e eu prendi a respiração por alguns segundos. Eu havia esquecido completamente do Natal. E eu tinha que voltar para casa. Na Dinamarca o Natal é algo realmente importante. Toda a família real participa de uma celebração particular e extremamente tradicional. Por mais que eu quisesse ficar aqui com o , eu não podia ignorar tudo o que essa data trás consigo. A menos que...
- Pai, você acha que teria algum problema se eu levasse o ? – perguntei, mordendo o canto do dedão, apreensiva com o que ele falaria. Meu pai parou o que estava fazendo e me encarou por alguns segundos. Eu tinha certeza que ele travava um briga interna, enquanto tentava decidir se agiria da forma que precisava ou como queria. Sei que, tecnicamente, não seria de bom tom eu levar um namorado para uma comemoração tão familiar como essa, mas ele já tinha entendido que o não era um cara qualquer. Pelo menos não para mim. Ele respirou fundo, sentando-se na cama.
- Logo quando eu pensei que, finalmente, teria momentos de paz com a sua mãe, você me pede isso?
- Isso é um sim? – falei, sorrindo abertamente. Caminhei até a cama e me sentei ao seu lado. Ele suspirou, apoiando a mão no meu joelho.
- Você sabe que essa será a resposta definitiva para qualquer questão sobre vocês, certo? A partir do momento que ele pisar em solo dinamarquês, você estará declarando para o mundo que ele é a sua escolha. – eu abri a boca para responder, mas ele não permitiu. – Não estou criticando ou questionando, só afirmando. Eu entendi o que você sente por ele, só quero saber se vocês estão prontos para tudo que virá com isso. Daqui a um tempo, as pessoas não vão esperar nada menor que um casamento. Você já parou pra pensar nisso? Já imaginou se ele vai querer casar com você e ter essa vida pra sempre? Pode parecer glamoroso de fora, mas não é nada disso.
- Eu não posso falar por ele, mas por mim não há mais o que pensar. – falei, colocando minha mão sobre a dele.
- Era só isso que eu queria saber. – ele deu de ombros. – Seu namorado será muito bem recebido em nossa casa.
- Obrigada, pai. – sorri, enquanto ele pegava minha mão e depositava um beijo na mesma. – Agora eu só preciso convencê-lo.
- Com isso eu não posso ajudar. – ele disse, olhando ao redor, provavelmente procurando por algo que poderia ter esquecido.
- Ah! Eu quero conversar com você sobre essa coisa de casamento, mas acho que dá pra esperar, deixar pra outro dia.
- Prevejo problemas. – ele comentou, suspirando. – Depois nós conversamos.
- Ok. Vou resolver umas coisas e te vejo em... – pensei por alguns instantes, olhando a data num calendário que tinha em cima da mesa de trabalho. – Dois dias.
- Tudo bem, depois nós acertamos os detalhes. – meu pai olhou o relógio. – Você pode chamar o aqui, por favor? E diga a ele que eu estou pronto.
- Claro. – respondi, indo até ele e o abraçando forte. Recebi um beijo na bochecha e retribuí, seguindo para a porta.


Eu me joguei de qualquer jeito na cama e peguei o celular, ligando para . Chamou algumas vezes e logo caiu na caixa postal. Estranhei, ligando novamente e tendo a mesma resposta. Olhei para o relógio e imaginei se ele já tinha conseguido resolver todos os problemas. Talvez ele não estivesse em casa ainda. Aproveitei o tempo que tinha livre e resolvi ir até o bar, para ver se o estava lá. Desci as escadas e deixei um bilhete para Ellen na mesa de centro. Dirigi o mais tranquilamente pelas ruas calmas de Londres. O frio estava começando a ficar implacável, impedindo que eu abrisse as janelas. Virei a esquina da rua do bar, estranhando a pouca movimentação na porta. Parei o carro do outro lado da rua e atravessei a mesma, dando de cara com a porta de entrada trancada. Tentei olhar pela janela, mas a cortina fechada impossibilitava essa ação. Resolvi tentar a porta dos fundos, indo pela cozinha, mas nem precisei me preocupar muito, porque me deparei com Carlie conversando com dois homens. Parei um pouco mais atrás, esperando que ela terminasse o que estava fazendo, mas assim que me viu, a mesma acenou, pedindo que eu me aproximasse. Pegando uma de minhas mãos, ela se despediu de seus acompanhantes.

- Nós ligaremos assim que for possível. Obrigada. – ela sorriu para eles, e depois nos guiou até a cozinha.
- O que aconteceu? Por que tá tudo fechado? – perguntei.
- Um problema com o encanamento. – ela murmurou, balançando a cabeça. – Venha ver, mas cuidado para não se molhar. – ela avisou, andando até porta que dava acesso ao salão do bar. Assim que pisei, senti meus pés se molharem. O chão estava coberto por uma enorme poça d’água. As cadeiras estavam apoiadas nas mesas, para que seus pés fossem poupados do contato, assim evitando um possível estrago. Carlie mexeu nos cabelos, trazendo-os para trás e prendendo-os no coque frouxo. Ouvi uma conversa vinda do banheiro feminino e logo depois um resmungo alto. Em seguida, uma nova enxurrada tomou o lugar, fazendo com que a água chegasse próximo à entrada principal.
- Meu Deus, Carlie. Há quanto tempo isso tá assim?
- Foi hoje de manhã. O Paul estava limpando o banheiro e o cano, simplesmente, estourou. Nós já sabíamos que o encanamento precisava ser refeito, mas não imaginávamos que isso poderia acontecer. – ela deu de ombros. – Agora não podemos abrir, porque o lugar está todo alagado e não podemos ficar apenas com o banheiro masculino funcionando. – concordei com a cabeça, vendo e o seu tio saindo do banheiro. Eles estavam molhados da cabeça aos pés. estava sem blusa e seu cabelo molhado pingava sem parar, fazendo com que ele tivesse que ficar sacudindo-o constantemente. – Meu Deus! – Carlie exclamou. – Vou buscar duas toalhas.
- O que você tá fazendo aqui? – perguntou confuso, vindo em minha direção e me dando um beijo rápido nos lábios.
- Eu precisava falar com você, mas você não atendia o telefone. Agora eu entendi o motivo. – respondi. – Tem conserto?
- Até tem, mas os encanadores que vieram olhar disseram que eles podem trocar o cano que estourou, mas os outros podem ter o mesmo problema no futuro. Então é mais fácil aproveitar que vai ter que quebrar uma parede e quebrar logo tudo.
- E quando vão começar? – falei, vendo Carlie voltar com duas toalhas brancas nas mãos.
- Esse é o problema. – ele disse, pegando a uma delas e esfregando rapidamente nos cabelos. – Eles cobraram muito caro e demoraria muito. E sem o bar funcionando, não tem como conseguir o dinheiro.
- Não se preocupe, , nós conseguiremos consertar. – Paul disse, caminhando até onde eu estava. Ele sorriu para mim e se curvou para me dar um beijo no rosto. – Ou podemos ao menos tentar.
- Com certeza. Nós consertaremos ou estragaremos tudo de uma vez. – respondeu, dando uns tapinhas de leve nas costas do tio.
- Vou me trocar. , querida, fique à vontade na nossa nova piscina. – Paul disse, sorrindo abertamente antes de seguir na direção da cozinha.
- Você realmente acha que podem consertar? – perguntei, assim que ele estava fora de vista.
- Acho difícil. É serviço para profissional, mas nós temos que tentar, o bar não pode ficar fechado por muito tempo. – ele suspirou, jogando a toalha nas costas.
- Acho melhor você ir se trocar, vai acabar pegando um resfriado. – comentei, vendo-o afirmar com a cabeça.
- Você me acompanha. – perguntou, colocando as mãos em minha cintura e deixando nossos corpos mais próximos.
- Com seus tios por perto? Claro que não! – falei, arrancando um sorriso dele. – Eu subo num segundo, só preciso fazer uma ligação.

Eu sabia que precisava fazer alguma coisa para ajudar. Não podia ficar olhando as coisas estourarem ao meu redor, sem me mexer. Tinha ouvido uma conversa sobre uma reforma que fizeram no banheiro dos empregados lá na embaixada, então alguém deveria conhecer ou, pelo menos, ter o telefone de um bom encanador. Fui para num canto mais afastado e disquei rapidamente os números do telefone do , que atendeu logo no terceiro toque.

- , preciso da sua ajuda. – falei, ouvindo-o suspirar do outro lado da linha.
- O que foi agora?
- Você conhece o encanador que consertou o banheiro da embaixada? Eu estou precisando de um urgentemente.
- Encanador? Pra que você precisa de um? - ele perguntou, com a voz sendo abafada pelo som do trânsito no fundo.
- Teve um problema aqui no bar do tio do e é meio urgente. Tá tudo alagado.
- Eu tenho o telefone aqui, vou ligar e dar o endereço, ok?
- Obrigada, . Peça para eles procurarem por mim e, por favor, é urgente de verdade, eles precisam vir agora.
- Ok. – ele disse, desligando em seguida.

Sorri comigo mesma, me sinto bem quando faço alguma coisa que vá beneficiar outras pessoas. Me sinto menos egoísta. Subi as escadas e deparei com o ainda sem camisa quando abri a porta. Assim, realmente, ficaria difícil ter alguma conversa de não resultasse em outra coisa.

- Será que você não pode se vestir? Quero conversar sério com você, sem perder a linha de raciocínio no meio da frase. – pedi, vendo um sorriso quase malicioso surgir nos seus lábios.
- Tem certeza? – ele indagou, aproximando-se lentamente. Eu não conseguia me decidir se olhava para os seus olhos, sua boca ou seu tronco desnudo. Na minha cabeça, uma série de ideias já estava surgindo, cada uma pior, ou melhor, do que a outra. E era exatamente por isso que eu queria, e precisava, que ele colocasse uma blusa. Assim eu falava tudo o que precisava e depois teríamos o tempo todo para colocar todas essas ideias em prática.
- Certeza absoluta. – falei, respirando fundo. Ele deu de ombros, colocando a camisa branca que segurava.
- O que há de tão importante? – perguntou, pegando um casaco que estava sobre a cama e vestindo.
- Meu pai voltou para casa hoje e antes de ir embora, ele lembrou de uma coisa muito importante, que tinha desaparecido da minha cabeça. – ele me olhou de forma confusa, unindo as sobrancelhas e fazendo com que uma ruguinha surgisse em sua testa.
- O quê?
- O natal. Lá na Dinamarca é uma comemoração muito importante e tradicionalmente familiar. Eu preciso mesmo voltar, mas eu queria passar com você. É o nosso primeiro natal juntos e deveria ser importante. Por isso... – parei, respirando fundo. – Eu queria que você fosse comigo. – ele sorriu de uma forma engraçada, de um jeito que você sorri apenas quando não entende uma piada ou não sabe o que fazer. Um sorriso completamente sem jeito e sem graça.
- Ir para a Dinamarca com você? Passar esse feriado "tradicionalmente familiar" com a sua família? – ele forçou na entonação do termo que eu usei. – Eu não sei se devo ou se é certo. Você não sabe nem como será a reação dos seus pais quando souberem que eu vou. Eles podem não me querer na casa deles.
- Minha casa, . – corrigi, me sentando na cama e o encarando por alguns segundos. – A casa também é minha e eu não vejo motivos para você não querer frequentá-la. Eu frequento a sua, convivo com os seus parentes.
- O que é totalmente diferente. – ele me cortou, aparentemente nervoso. – Eu moro num quarto que fica em cima de um bar. Os meus tios são os donos desse bar. Não tente comparar isso aqui. – ele gesticulou, apontando para o cômodo onde estávamos. – Com um castelo, palácio, ou seja lá onde você mora. E os seus pais não são qualquer pessoa, são o rei e a rainha.
- Seus tios não são qualquer pessoa. Eles significam tanto pra mim, quanto os integrantes da minha família. Um título não torna ninguém melhor do que o outro. O Paul e a Carlie são melhores que muitos duques e condes que eu conheço. São mais merecedores do que qualquer um. E não precisavam passar por essas coisas que acontecem por aqui. – ele coçou a cabeça, encarando o teto por alguns segundos. O desconforto dele era visível.
- Eu não sei, realmente não sei.
- Se você não pode lidar com isso, como lidará com o que vai vir no futuro? Como vai lidar comigo quando eu for rainha? Serei uma pessoa tão diferente assim pra você?
- Não é isso. É só que você precisa entender que já é difícil conhecer os pais da namorada quando eles são normais. Imagina quando são da realeza? Se coloca no meu lugar. – ele pediu, fazendo com que eu rolasse os olhos.
- Você já parou pra pensar que eles são pessoas normais?
- ... – ele começou, mas foi minha vez de interrompê-lo.
- Eu quero que você faça parte da minha vida, de toda ela. E isso, infelizmente, inclui a minha família. Confesso que não sou totalmente fã deles, mas eu os aceito e quero que eles te aceitem também. Pensa nisso um pouco. – pedi, vendo que sua expressão suavizou um pouco, mas ainda continuava arredia.
- Eu vou pensar, mas fique sabendo que... – não completou a frase, porque alguém bateu na porta. Ele pediu para que entrasse e assim vimos Paul colocar a cabeça para o lado de dentro.
- Espero não estar atrapalhando nada, mas tem dois homens procurando pela lá embaixo. – me olhou meio assustado, com uma expressão que claramente perguntava quem era. Eu apenas me levantei, passando pelo Paul e descendo as escadas. Encontrei os dois homens parados ao lado de Carlie, que mantinha os braços cruzados, encarando os dois.

- Eu sou a e pedi para que o ligasse para vocês. Eu vou mostrar onde está o problema. – falei, apontando para dentro. Cruzei a cozinha com os rapazes ao meu encalço. Assim que chegamos ao salão, , Paul e Carlie já tinham nos seguido.
- Quem são esses? – perguntou, caminhando para ficar ao meu lado.
- Antes de tudo, quero pedir desculpas pelo meu atrevimento e abuso, mas eu não poderia ficar de braços cruzados enquanto vocês passam por isso. Esses são John e Peter, dois encanadores que fizeram uma obra lá na embaixada. – expliquei, vendo a expressão de Paul mudar no mesmo instante. – E, por favor, me deixem fazer isso. Não encarem como esmola ou algo do tipo. Não façam isso. Eu quero ajudar, de verdade. Vocês são duas das pessoas mais incríveis que eu já conheci. Esse é o único jeito que eu encontrei para agradecer a forma que me receberam na casa e na vida de vocês. Ainda é um gesto mínimo perto do que vocês realmente merecem. – eu sorri, vendo o olhar de Paul suavizar e Carlie me encarar da forma maternal de sempre. – Por favor.
- Eu só quero que você saiba que também é uma pessoa incrível. Que é muito mais do que esses jornalistas falam. Mais do que qualquer um pode imaginar. Mais do que eu sempre esperei para o meu sobrinho. – Paul disse, me abraçando fortemente, de uma forma tão intensa, que eu senti um nó se formando na minha garganta e as lágrimas se formando em meus olhos.
- Você é uma princesa de verdade, mas suas qualidades vão além do que qualquer significado que essa palavra possa ter. – Carlie disse, com a voz embargada, colocando seus braços ao meu redor também e depositando um beijo em minha testa.
- Obrigada por me deixarem fazer isso. – falei, respirando fundo para tentar controlar a loucura as lágrimas desnecessárias que teimavam em surgir. – John, veja o que é necessário a ser feito nos dois banheiros, pra não ter o risco de acontecer tudo isso de novo. E tentem deixar tudo pronto até o Natal, eles precisam colocar o bar para funcionar de novo, então chame quantos ajudantes vocês precisarem e faça tudo do jeito que o Paul pedir. Vamos supor que esse seja o presente mais impessoal que eu já dei a alguém no Natal. – sorri comigo mesma, vendo os dois encanadores seguirem Paul, que caminhava até o banheiro que precisava de conserto. Pela primeira vez, desde que entramos no bar, eu olhei para , que mantinha um olhar indecifrável. Eu esperava que ele não tomasse esse gesto de forma errada. Eu me aproximei, colocando-me bem a sua frente, deixando nosso olhar se cruzar por alguns segundos.
- Me desculpe por fazer isso sem te dizer qualquer coisa, mas eu saiba que você não aceitaria e... – ele me interrompeu, selando nossos lábios de forma intensa. Seus lábios se moviam de forma quase feroz contra os meus. De um jeito que seria muito constrangedor se as outras pessoas voltassem para o salão nesse momento. Suas mãos pousaram de cada lado do meu rosto, fazendo com que eu o olhasse.
- Eu vou com você para a Dinamarca. – disse, de uma forma tão firme, que deixou claro que não havia dúvidas por trás de sua decisão. – Conhecerei toda a sua família e quem mais você queira que eu conheça.
- Por que você mudou de ideia tão rápido? – perguntei, tentando encontrar alguma resposta escondida entre suas palavras.
- Porque ninguém nunca fez algo tão bonito pela família como você fez. Não pelo dinheiro, mas pelo significado, pelas suas palavras. Como eu posso não querer conhecer a família de alguém que trata a minha dessa forma?
- Então nós vamos para a Dinamarca? – perguntei, mordendo o lábio inferior, contendo um sorriso.
- Nós vamos para a Dinamarca. – ele afirmou e eu joguei meus braços ao redor do seu pescoço, quase nos derrubando no chão alagado.


parou o carro no estacionamento interno do aeroporto e saiu para ajudar o outro segurança que nos acompanhou a retirar a bagagem do porta-malas. Abri a porta traseira e desci do veículo, observando a movimentação próxima ao avião que meu pai tinha mandado. Ellen também desceu, indo até onde apoiava as malas e reclamou de alguma coisa que eu não entendi. Ele a respondeu, fazendo com que eles começassem uma pequena discussão. Rolei os olhos, vendo caminhar até parar ao meu lado, coçando a cabeça e reprimindo um sorriso.

- O que foi? – perguntei, chamando sua atenção.
- Estou me sentindo um astro do rock com toda essa atenção. – ele respondeu, dando de ombros.
- Se alguém tivesse que ser o astro aqui, seria eu. Você seria minha groupie. – falei, dando um beijo em seu rosto.
- Ellen, fica quieta, pelo menos por um segundo. Meu Deus! – exclamou, passando por nós dois, enquanto empurrava um carrinho de bagagem.
- Se você fizesse as coisas como deveria, eu não teria do que reclamar. – Ellen falou, caminhando logo atrás.
- Como eles conseguem conviver juntos? – perguntou, apontando para os dois, que seguiam discutindo até se aproximarem do avião. Agora que ele já sabia que o namoro deles era de fachada, os dois podiam agir normalmente. Ou seja, querer matar um ao outro a cada segundo do dia.
- Não sei, mas eu realmente acho que há algo além de raiva entre eles. – comentei baixo, arrancando um sorriso dele. – Mas a realidade é que teremos que aturar mais de uma hora disso em nossos ouvidos. Preparado?
- Será que não tem um par de mordaças a bordo? Poderíamos cobrir a boca deles e amarrá-los nas poltronas. – ele falou, dando de ombros. Abri um sorriso largo, contendo uma gargalhada.
- É uma opção. – respondi, parando perto da pequena escada do avião. me estendeu a mão, me ajudando a subir os poucos degraus.
- Admita, é uma ótima opção.

Caminhei lentamente por entre os assentos do avião, escolhendo um mais ao fundo, o mais longe possível do e da Ellen. Porque, por mais calmos que eles estivessem agora, ninguém realmente sabe quanto tempo dura essa calmaria. , que vinha logo atrás, parou perto da porta e ficou encarando o lugar com uma expressão engraçada, quase assustada. Acenei para ele, indicando que ele viesse em minha direção, o que ele fez. Bati na poltrona de couro branco que estava de frente para a minha e sorri. Ele se sentou, parecendo meio desconfortável. Olhou atentamente cada parte do avião e pousou os olhos em mim.

- Isso aqui é incrível. – ele comentou baixo, talvez com medo que alguém mais escutasse sua confissão.
- Esse aqui é para viagens curtas, você deveria ver o maior. Até eu, que já estava acostumada, fiquei chocada quando vi por dentro.
- Maior? Tipo o avião do presidente dos Estados Unidos? – ele perguntou, completamente boquiaberto, deixando seu corpo se chocar contra o encosto da poltrona. – Nossa, que confortável.
- , meu pai é tipo o presidente dos Estados Unidos, ou pelo menos tem as mesmas funções, então é normal que ambos possuam coisas parecidas. – dei de ombros.
- Acho que nunca vou me acostumar com o poder da sua família.
- É até melhor, assim você não se sente coagido e pode me tratar como qualquer outra garota. – respondi, apoiando os cotovelos nos joelhos e levando meu corpo para frente, para perto do dele. colocou suas mãos em meus braços e me puxou para o seu colo, me aninhando em seus braços. Ele beijou minha testa e em seguida a ponta do meu nariz. Sorri de lado, passando meus braços ao redor do seu pescoço e selando nossos lábios uma, duas, três vezes e arrancando um sorriso dele também, que suspirou.
- E quem disse que você é como qualquer outra garota? – ele perguntou, colocando uma de suas mãos no meu rosto e me fazendo olhar em seus olhos. – Você é mais, muito mais. Você é minha.

Olhei pela janela ao meu lado, podendo ver o sol começar a se esconder na linha do horizonte e logo mais à frente os primeiros sinais da cidade de Copenhague. Estávamos voando há um pouco mais de uma hora e eu já estava aguardando o sinal de apertar os cintos para a aterrissagem. estava concentrado em alguma coisa no seu celular. Franzi a testa, tentando imaginar o que de tão importante ele estaria vendo.

- ? – chamei, inclinando meu corpo para o lado, tentando enxergar seu rosto.
- Oi. – ele respondeu, sem olhar em minha direção, mantendo os olhos fixos na tela do aparelho.
- . – falei mais alto, fazendo com que ele se assustasse e me encarasse.
- O que foi?
- O que você tanto olha nesse telefone? – perguntei curiosa, enquanto ele fazia uma careta.
- Estou vendo uma coisa. – limitou-se a responder, me fazendo rolar os olhos.
- Que coisa? – insisti, não recebendo nenhuma resposta. – Tudo bem. – falei, antes de puxar o telefone de suas mãos e analisar o mesmo por alguns segundos. Era uma espécie de aplicativo que estava aberto, algo como um dicionário-tradutor. – Você quer aprender a falar alguma coisa em dinamarquês?
- Bem, eu estava tentando, mas a sua língua é muito difícil. – ele exclamou, jogando o corpo contra a poltrona. Mordi o lábio inferior, tentando conter a vontade quase incontrolável de agarrá-lo e nunca mais soltar.
- . – murmurei, pegando uma de suas mãos e colocando entre as minhas. – Eu já disse o quão fofo, perfeito, lindo e maravilhoso você é? – sorri, vendo a sombra de um sorriso surgir nos lábios dele. – Mas você não precisa aprender a falar nada em dinamarquês, ninguém espera alguma coisa assim.
- Só que é exatamente por isso que eu quero aprender pelo menos uma frase. Não quero que pensem que eu não me importo com eles ou com o seu país. Não quero ser um intruso. – ele deu de ombros. Olhei fixamente em seus olhos por alguns segundos, suspirando em seguida.
- Ok, repita comigo: Tak fordi.
- Tak o quê? – ele perguntou, rindo alto.
- Tak fordi, . Repete.
- Tak fordi. – disse de uma forma totalmente engraçada, misturando seu sotaque inglês, com uma pronúncia dinamarquesa meio falha.
- Jeg måtte komme. – falei bem pausadamente, para que ele compreendesse a forma que eu dizia cada palavra.
- Jeg måtte komme. – ele repetiu, não perfeitamente, mas era completamente compreensível.
- Agora tudo junto: Tak fordi jeg måtte komme.
- Tak fordi jeg måtte komme. – falou meio enrolado, mas era mais do que suficiente. – O que significa isso?
- Significa "obrigado por me receber". E está perfeito. – menti, sorrindo abertamente.
- Você realmente acha que eu não sei quando você está mentindo? – ele perguntou, erguendo as sobrancelhas.
- Ok, não está perfeito, mas está muito bom para uma primeira vez. – respondi, vendo-o acenar com a cabeça. – Obrigada por se importar.
- Tak fordi jeg måtte komme. – disse, me fazendo sorrir mais uma vez. A realidade é que ele me fazia tão bem, que sorrir sem motivo tinha virado rotina, algo comum na minha vida.
- Jeg elsker dig. – falei, vendo a expressão dele se tornar confusa novamente.
- O que isso significa? – ele perguntou, no mesmo momento em que ouvimos o aviso de apertar os cintos para o pouso.
- Isso eu digo depois. Ou então eu posso mostrar se você quiser. – dei de ombros, me encostando à minha poltrona e colocando o cinto.
- Mostrar é interessante. – ele comentou, franzindo os lábios, como se estivesse imaginando como seria. – Muito interessante.


Conforme o avião ia taxiando, eu pude ver dois carros parados mais ao fundo, com as bandeirinhas da Dinamarca tremulando em suas hastes. É, eu estava em casa novamente. Respirei fundo, me preparando para qualquer coisa que pudesse acontecer assim que eu colocasse os pés para fora do avião com ao meu lado. Assim que paramos por completo, se levantou e tratou de começar arrumar as coisas para descermos, ele abriu a porta e levou a primeira mala para um dos carros que nos esperavam. Ellen fez o mesmo e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, já segurava nossas malas e descia o pequeno lance de escadas, pisando em solo dinamarquês. Ele apoiou sua bagagem no chão e estendeu uma de suas mãos para me ajudar a desembarcar. A luz alaranjada do fim de tarde tornava todas as cores estranhas, menos o tom de seus olhos . Esses sempre se mantinham da mesma forma: intensos e hipnotizantes. Tive que me controlar muito para conseguir manter a linha de raciocínio e lembrar o que eu precisava fazer.
Entramos no segundo carro, enquanto Ellen e seguiram para o primeiro. se aproximou da janela, observando tudo atentamente. A curiosidade estava clara em sua expressão. O carro deu partida para a viagem de aproximadamente vinte minutos do aeroporto até o palácio onde eu morava com meus pais. Saímos da área do aeroporto e ganhamos as ruas de Copenhagen. As bandeiras tremulavam rapidamente na parte da frente do veículo e isso chamava a atenção das pessoas que estavam pelo caminho. Eles acenavam freneticamente, em busca de algum gesto em resposta. Eu nunca fui de me mostrar em público por vontade própria, pelo menos não da forma tradicional. Sempre preferi os lugares obscuros da cidade, onde eu podia me esconder dos flashes e do tumulto que um membro da família real sempre causava. Só que nunca era assim, sempre havia um jornalista ou paparazzi por perto.
O céu já estava praticamente escuro quando viramos na rua do palácio, já podendo ver as construções surgindo de forma imponente e grandiosa bem à nossa frente. se ajeitou no banco e os encarou com a boca um tanto quanto aberta. Sorri de lado, achando um pouco de graça da sua expressão. O carro parou ao lado de um dos prédios, o que ficava na frente, mais à direita, e, no mesmo instante, diversos guardas surgiram ao lado dos veículos, abrindo as portas. desceu meio inseguro, então eu me apressei para ficar ao seu lado, segurando fortemente a sua mão.

- Esse prédio é onde a minha família mora, meus tios e o meu primo moram do outro lado. Já esses ao fundo, o da direita serve como gabinete, onde meu pai trabalha, e o da esquerda é onde as visitas oficiais ficam hospedadas – dei uma olhada para trás procurando Ellen e , mas eles já haviam desaparecido, então puxei pela mão até a entrada. – Não se assuste, mas as pessoas daqui podem ser muito receptivas. Então se algum empregado começar a te perguntas coisas em dinamarquês, apenas diga "nej tak" que ele sumirá.
- Tudo bem. – ele murmurou, limpando a garganta em seguida. Sorri, adentrando o hall de entrada, indo sem direção à sala onde todos deveriam estar esperando. seguia ao lado meio espantado, seus olhos arregalados pareciam observar cada detalhe da construção ou qualquer peça do mobiliário das salas onde passávamos. – Como você consegue morar aqui? É como viver num museu.
- É dessa forma que eu me sinto, uma pecinha de museu. – confessei. – Mas com o passar do tempo você se acostuma, ou pelo menos aprende a ignorar. Enfim, eu acho que eles devem estar por aqui. – comentei, ouvindo algumas vozes por perto. Virei à direita no fundo do corredor, chegando à sala íntima. E estavam todos lá: meus pais, avós, tios e meu primo. – Preparado? – perguntei, recebendo um olhar acusatório em resposta.
- É claro que não. – ele disse, assim que cruzamos a porta. À primeira vista, todos pareciam muito simpáticos. Simpáticos até demais, se eu fosse parar para pensar, mas preferi ignorar. – Por que você não me avisou que eu deveria me vestir melhor? – murmurou, apontando para as próprias roupas, como se estivesse envergonhado por estar vestindo uma camisa xadrez e uma calça jeans.
- Porque não faz diferença alguma e ninguém espera que você viaje vestindo um fraque. – falei baixo, para que apenas ele ouvisse.
- Querida. – minha mãe exclamou, levantando-se e vindo até onde eu estava. soltou minha mão e gesticulou para que eu a abraçasse.
- Mamãe. – respondi, sentindo seus braços envolverem meu corpo, de uma forma muito acolhedora, diria até maternal. Estranho demais para a minha mãe. – Eu quero muito que você conheça uma pessoa. – falei, me separando dela e a guiando até onde se manteve parado, perto da porta. – Esse aqui é o .
- Muito prazer, senhora. Digo, majestade. – ele se atrapalhou e eu contive o riso. – A não me explicou a forma que eu devo me dirigir à senhora.
- Me chame de Mary, . – ela sorriu abertamente, enquanto ele estendia uma das mãos para ela, que ignorou, fazendo algo que eu não imaginava. Ela o abraçou. meio que arregalou os olhos, completamente chocado e confuso com o gesto. Trocamos um olhar cúmplice, como se ele me perguntasse: "o que é isso?" e eu respondesse: "não faço ideia." E então ele sacou seu trunfo, como se quisesse conquistar de vez o coração da minha mãe dizendo uma simples frase:
- Tak fordi jeg måtte komme. – minha mãe prendeu a respiração por um segundo, dando-lhe um belo sorriso como resposta. A forma que também sorria parecia dizer que ele estava convicto de que havia conseguido conquistar minha mãe rapidamente. Confesso que fiquei com pena de lhe dizer que não seria tão fácil assim. Dei de ombros, tratando de falar com as outras pessoas que lá estavam. Dei um forte abraço no pai, beijei meus avós e tios, deixando meu primo por último. Com ele não havia esse tipo de formalidade. Enquanto eu falava com o restante da família, foi até o meu pai e o cumprimentou de uma forma mais casual, afinal eles já se conheciam.
- , esses são os meus avós Margarida e Henrique. – ele os cumprimentou com apertos de mãos. – Esses são os meus tios Joaquim e Maria. – repetiu os gestos. – E esse aqui é o meu primo , mas com ele você não precisa falar.
- Quanta ingratidão, . – respondeu, enquanto eu prendia o riso.
- Eu estava com muitas saudades das suas bobeiras, você não faz ideia. – falei, jogando meus braços ao redor do seu pescoço e o abraçando fortemente. – Esse aqui é o e eu conto com o seu apoio para ajudá-lo a lidar com tudo isso.
- Prazer, . E conte comigo, eu conheço os melhores lugares da cidade, te levarei para um passeio turístico bem diferente. – meu primo disse, me fazendo rolar os olhos.
- , o acabou de chegar, não se apresse a levá-lo para os buracos que você costuma frequentar. – meu pai disse de forma divertida, se aproximando do canto da sala que ocupávamos.
- Buracos que a sua filha também costumava frequentar. – ele respondeu, forçando um tom ofendido.
- Costumava. – fiz questão de frisar. – Agora eu me comportarei como uma perfeita futura rainha.
- Veremos. – murmurou e pisei no seu pé de forma bem discreta, enquanto forjava um sorriso.
- O jantar ficará pronto em uma hora, então os empregados o guiarão até o seu quarto, , assim você poderá se acomodar e descansar um pouco. – ele assentiu e seguiu pelo corredor na companhia de dois empregados, me deixando sozinha com os leões.
- Ok, estou pronta para o interrogatório. – falei, sentando-me na poltrona que ficava no meio da sala, sentindo todos os olhares em mim. – Vamos lá, eu sei que você devem ter milhares de coisas para criticar.
- Por que você sempre pensa o pior de todos nós? – minha mãe perguntou, negando com a cabeça.
- Porque vocês sempre são contrários a tudo o que eu faço ou acho certo.
- Que exagero, . – meu pai comentou, rolando os olhos. – Já falei tudo o que eu acho do e não há nenhuma crítica. Eu realmente o acho um bom rapaz.
- E é bonito. – minha tia completou, fazendo meu tio a olhar de uma forma estranha. – Ah! Joaquim, ele é um rapaz bem apessoado, não seja bobo, ele pode ser meu filho.
- Querida, venha até aqui. – minha avó disse, chamando minha atenção. Eu caminhei até o sofá e sentei entre ela e meu avô. – Ele realmente parece um bom rapaz, mas não importa o que a gente acha. Seu pai já nos explicou o quanto você gosta dele e nós te respeitamos.
- Pense nisso como um conto de fadas. – meu avô falou, batendo levemente em minha perna.
- Ai, vô. – ri, apoiando minha cabeça em seu ombro e recebendo um beijo na testa. – Isso é tão bobo.
- E o que não é quando se trata de amor? – ele perguntou, levantando os olhos e encontrando os de minha avó. Incrível como depois de tantos anos, ainda era possível ver o amor no olhar deles.
- Hmm, e você, mãe, não tem nada pra dizer? – olhei em sua direção, encontrando sua expressão calma.
- Eu estou feliz que você esteja feliz. – ela se limitou a dizer e eu suspirei. Ela nunca seria capaz de dizer o que realmente acha na frente do restante da família. Sua imagem vale muito mais do que ser sincera com a sua filha.
- Ok, já que todos estão felizes por mim, eu vou para o meu quarto. – me limitei a dizer, saindo antes que alguém pudesse falar mais alguma coisa. A realidade é que eu sei que a minha mãe não está feliz, longe disso. Eu consigo perceber quando ela está agindo como ela quer ou como ela acha que deve agir. E há uma diferença gritante entre essas duas atitudes.
Subi as escadas, caminhando pelo corredor. Tentei imaginar em qual quarto teriam colocado o . Provavelmente seria aquele mais longe o possível do meu. Abri a porta encarando meu quarto. Parei para observá-lo por alguns segundos, tentando me readaptar àquele espaço. Eu já havia me acostumado com o quarto que ocupava na embaixada, que era metade da metade desse. Agora tudo parecia grande demais, desnecessário demais. Sentei-me na cama, chutando os meus sapatos para longe e deixando meu pé tocar o chão gelado. Quando pensei em deitar por um tempinho, ouvi alguém bater na porta. Sorri, imaginando que era o , mas logo lembrei que ele não sabia onde era o meu quarto. Pedi para quem quer que fosse entrar e vi rosto de surgir.
- Atrapalho? – ele perguntou e eu neguei com a cabeça, deitando meu corpo no colchão confortável e tentando relaxar um pouco. – E aí, como você está?
- Bem, eu acho. É estranho estar aqui de novo. Sei que faz pouco tempo que eu estou fora, mas parece que eu estou deslocada, sei lá. – dei de ombros. – Nem quero imaginar como o deve estar se sentindo. – comentei, sentindo o colchão afundar ao meu lado e depois o cotovelo de quase esbarrar no meu rosto. Ele havia se deitado também e cruzado os braços atrás da cabeça, como se estivesse no seu próprio quarto.
- Bem, é sobre ele que eu vim falar. Não se engane com o papinho que você ouviu lá embaixo, foi tudo combinado.
- Sério? – levantei repentinamente. – Eu sabia, estava tudo muito estranho, todo mundo muito bonzinho.
- Na verdade eu não sei direito se todas as opiniões foram combinadas, tipo a vovó e o vovô, porque eles não mentem, mas a sua mãe... Nossa, foi muito falsa. – ele disse, cobrindo a boca em seguida. – Desculpe, não queria chamá-la de falsa.
- Mas ela é. – respondi, balançando a cabeça negativamente. – O que mais me irrita é que ela nem se esforça, sabe? Ela vem com todo esse pensamento prévio e nem se dá a oportunidade de mudar de opinião. O estava todo preocupado com que eles achariam dele, se prestou a aprender uma frase em dinamarquês só para agradá-la e ela aparece com esse discurso falso. E depois não sabe porque eu sempre penso o pior.
- , você realmente achou que sua mãe fosse mudar de uma hora para a outra?
- Eu só pensei que ela pudesse agir como uma mãe, me apoiar, aceitar minhas decisões sem querer impor nada. Acho que não é pedir muito, é?
- Dela? Eu acho que é. Não me leve a mal, só que a sua mãe é uma pessoa difícil e se o quiser ficar com você ele terá que aprender a suportar isso. – bufei, encarando o teto.
- Eu já o fiz passar por tanta coisa e em tão pouco tempo, que eu só consigo imaginá-lo chegando até mim e dizendo: "Você não vale tudo isso." – se sentou, fazendo uma careta.
- Para com isso, , você vale tudo isso. Eu sei, ele sabe, todo mundo sabe. – ele me deu um leve empurrão, em mais uma de suas formas estranhas de demonstrar afeto. – Você não tem noção de como eu senti sua falta. Tudo de ruim que acontecia caía sobre mim, como se eu fosse culpado.
- Aposto que você era.
- Tá, eu era, mas não é legal levar a culpa sozinho. Enfim... – ele se levantou num pulo, se pondo de pé. – Vou deixar você se preparar para o jantar. Até daqui a pouco.
- Até. – respondi, vendo a porta se fechar.


Caminhei pelo corredor, parando em cada porta e tentando ouvir algum tipo de movimentação dentro do quarto. Na sexta tentativa, eu ouvi a voz de e ele parecia falar consigo mesmo. Bati na porta, colocando um grande sorriso nos lábios. Ele abriu a porta, completamente sério, me olhou de cima a baixo, jogando a cabeça para traz e falando um palavrão.

- O que foi? – perguntei, entrando no quarto e fechando a porta atrás de mim.
- Eu não faço ideia do que vestir. – percebi que ele estava apenas de calça e sorri, mordendo o lábio inferior. – Você tá aí toda linda e eu vou chegar lá todo desarrumado.
- Passou uma coisa pela minha cabeça agora, mas não seria muito recomendável de se colocar em prática na frente da minha família. – comentei, tentando fazê-lo rir. – Ah, , é uma piada.
- Eu sei, só que isso não ajuda em nada. – ele rolou os olhos.
- Tudo bem, eu te salvo. – falei, indo até onde as empregadas arrumaram as coisas dele.
- Você tem noção que passaram todas as minhas roupas e arrumaram nesse armário, enquanto eu estava tomando banho? – ele disse, completamente chocado.
- Eu avisei que as pessoas seriam extremamente solícitas por aqui. – murmurei, olhando as blusas que estavam nos cabides. Olhei a calça preta que ele vestia e peguei uma blusa azul clara, quase da cor do céu, de botões e mangas compridas. – Pronto, coloca essa.
- Mas essa era pra eu usar no dia do Natal. É a mais arrumada que eu trouxe. – ele murmurou, segurando a blusa sem saber se colocava ou não.
- Não tem problema, nós compramos outra amanhã. Eu tenho que comprar um vestido mesmo.
- Tudo bem. – ele fez uma careta, desabotoando a blusa do cabide e passando o braço pelas mangas. Eu me aproximei, ajudando-o a fechar os botões. Ele se mantinha sério e eu fiquei o encarando até que ele sorrisse um pouco.
- Alguém já disse como você fica lindo de azul? – perguntei, erguendo as sobrancelhas. balançou a cabeça, selando rapidamente nossos lábios em seguida. – Coloca a blusa por dentro, assim fica estranho.
- E alguém já disse como você é péssima para bajular alguém? – ele me imitou, fazendo uma voz fina, enquanto colocava a blusa da forma que eu havia sugerido.
- Acho que é porque eu sempre fui a bajulada e nunca a bajuladora. – respondi, dando um passo para trás e inclinando a cabeça para olhá-lo. – Tá muito formal, vamos dobrar um pouco as mangas. – fiz com que ele se virasse de frente para o espelho, fazendo uma série de voltas em sua blusa. – Sério, se olhe no espelho, veja como você tá bonito.
- Não consigo, eu só vejo você. Completamente maravilhosa nesse vestido vermelho. – sorri abertamente, sentindo seus braços me puxarem, colocando-me em sua frente no espelho. – Até que fazemos um casal bonito.
- Sim, nós somos lindos, mas somos lindos e atrasados. Vamos logo. – falei, apressando-o. Vi que ele respirou fundo, antes de me deixar arrastá-lo porta a fora.


- Grupo Linklaters? – meu tio perguntou, apoiando sua xícara novamente na mesa. – Eles são bem influentes por aqui.
- E ele foi convidado pessoalmente pelo professor dele, que é dos advogados do grupo. – completei, sorrindo abertamente em seguida, extremamente orgulhosa. colocou sua mão por cima da minha e eu entrelacei nossos dedos. Estávamos novamente na sala íntima, tomando um café após o jantar. Tudo estava muito tranquilo, a conversa seguia sem muitos constrangimentos por parte da minha família.
- Quem sabe você não possa pedir transferência pra o escritório daqui. – meu tio continuou, olhando a reação da minha mãe pelo canto dos olhos. Ela se manteve da mesma forma, com um sorriso falso nos lábios e sem dizer uma simples palavra. – Claro, se o relacionamento de vocês der certo, você pode ser o escolhido da nossa . – arregalei os olhos, encarando o meu tio, que na mesma hora percebeu que tinha falado demais.
- Escolhido? – perguntou, não entendendo o que ele havia falado. Suspirei, balançando a cabeça.
- Depois eu te explico. – murmurei perto do seu ouvido.
- Ainda temos muito tempo, Joaquim. Não vamos apressar as coisas. – minha mãe disse, deixando o sorriso escapar dos lábios por alguns segundos.
- Vamos mudar de assunto? – pedi, vendo a confusão transparecer nos olhos de .
- Creio que seja melhor deixar a conversa para amanhã, está na minha hora. – meu pai falou, olhando para minha direção, como se tivesse me dado a deixa que precisava. – Me acompanha, querida? – ele sorriu, estendendo uma das mãos para a esposa.
- Claro. – minha mãe respondeu, apoiando-se no braço estendido do meu pai para se levantar. – Boa noite. – ela disse a todos e levou seu olhar diretamente a . – Espero que aproveite sua primeira noite em nossa casa.
- Obrigado, senhora. – ela sorriu fraco e seguiu pelo corredor, tendo meu pai ao seu lado. Como se sentissem uma repentina onda de sono, todos se levantaram de seus lugares e nos desejaram boa noite, antes de seguirem na direção de suas casas.
Eu sentia o olhar de pousado em mim, mas eu não sabia como falar o que ele queria saber. Eu queria tratar desse assunto, depois de falar com o meu pai. Queria ter boas notícias para dar a ele. Nada do tipo: "Bem, , além de eu ser uma princesa e ter que assumir o trono, eu preciso me casar em, no máximo, um ano e meio. E todos pensam que será com você. Não precisa se sentir pressionado, ok?"
- E então? – ele me perguntou, fazendo que eu o olhasse. – Qual é a bomba dessa vez? – ele riu. Espero que ele continue achando engraçado.
- Você sabe que eu terei que assumir o trono daqui a um ano e meio, certo? – ele afirmou com a cabeça, enquanto fazia uma careta. – Só que aqui eles possuem uma lei muito desnecessária.
- Fala logo, . – rolou os olhos. – Eu juro que nada mais pode me surpreender.
- Ah! Eu aposto que sim. – comentei. – Tá, sem enrolar. Segundo nossa constituição, quando o herdeiro do trono é uma mulher, ela precisa ser casada para assumi-lo. – observei atentamente a expressão de conforme ele ia absorvendo a informação.
- Não vou fugir e nem sair correndo desesperado, pode ficar tranquila. – ele disse, sorrindo de lado. pegou uma de minhas mãos e colocou por entre as suas. – E eu já imaginava isso. Só que isso também não significa um pedido de casamento, até porque eu ainda nem...
- . – eu o interrompi, colocando um dedo sobre seus lábios. – Eu não estou esperando um pedido de casamento agora. A única coisa que eu quero é ficar com você, te conhecer. E quanto a essa história de casamento, eu vou tentar adiar. Vou conversar com o meu pai e ver o que posso fazer para tentar mudar.
- Não vamos pensar nisso agora.
- Tudo bem. – falei, apoiando minha cabeça em seu ombro.
- Me promete uma coisa? – pediu falando baixo, de forma quase sussurrante, como se houvesse mais pessoas naquele lugar e ele não queria que ninguém ouvisse.
- Claro. – respondi automaticamente. Qualquer coisa que ele me pedisse naquele tom de voz, eu diria sim.
- Nunca mais diga que você não vale tudo isso. – ele olhou fundo em meus olhos por alguns segundos, como se realmente quisesse que eu acreditasse no que ele estava falando. – Porque você vale.
- Eu vou bater no .
- Não, você não vai. – disse, colocando sua mão embaixo do meu queixo e erguendo meu rosto, colocando-o bem próximo aos seus lábios. – Você vai me beijar. – seus olhos brilhavam, um sorriso brincava em seus lábios e não existia nada no mundo que eu desejasse mais do que ele.



Décimo Oitavo

Cause if your love is all I had in this life, well that would be enough until the end of time
(Justin Timberlake - Until The End of Time)


’s Pov

Senti um toque leve em meus lábios e abri os olhos, encontrando o rosto de bem próximo ao meu. Sorri, fazendo menção de me levantar. Ela se afastou, sentando-se perto do pé da cama, mantendo seu olhar em mim. já estava vestida normalmente, sem o pijama de ursinhos que eu a vi colocar na noite anterior. E me lembro bem da estampa, porque foi o motivo de muitas risadas durante o curto espaço de tempo em que eu permaneci escondido em seu quarto, após entrar lá sorrateiramente. Bem que eu quis ficar lá pelo restante da noite, mas não seria muito agradável ser encontrado no quarto da minha namorada, logo na primeira noite que eu passo na casa dos seus pais.

- Pensei que não fosse mais acordar, dorminhoco. – ela sorriu de lado, passando a mão pelos cabelos e colocando-os para trás. – Estou aqui faminta te aguardando para o café.
- Que horas são?
- Onze horas. – abri os olhos, alarmado, levantando-me repentinamente.
- Eu não fiz todo mundo esperar, certo? Assim, sua família já comeu e nós somos os únicos que restaram? – perguntei, jogando as pernas para fora da cama e me espreguiçando preguiçosamente.
- Não, você não fez ninguém esperar, meus pais foram num evento político agora pela manhã e meus avós foram para a casa dos meus tios, eu acho, não sei. – ela murmurou, balançando a cabeça em seguida. – Enfim, estou a sua espera há horas.
- Horas? – perguntei, erguendo as sobrancelhas.
- Ok, minutos, uma hora, talvez. Mas isso não vem ao caso, o que importa é que eu pedi para servirem nosso café no jardim, então corra logo com o que você precisar fazer, assim podemos aproveitar um pouco do sol que saiu.
- Tudo bem, só vou lavar o rosto e trocar de roupa. – avisei, caminhando até o banheiro.
- Não demore.
- Não vou demorar. – respondi, fechando a porta do banheiro. E depois de uns cinco minutos eu já estava pronto. Abri a porta e a encontrei perto da janela, olhando para o lado de fora. – Algum problema?
- Não, nenhum. Só estava olhando se tá tudo pronto. Vamos? – ela disse, estendendo a mão.
- Vamos. – falei, entrelaçando nossos dedos.
- O jardim nessa época do ano não tem metade da beleza da primavera, mas ainda assim é maravilhoso. – murmurou, enquanto virávamos num corredor e eu pude ver a porta que levava ao lado de fora no final do mesmo.
O sol estava fraco, o tempo estava frio e as nuvens mostravam que poderia esfriar mais e chover ao longo do dia. Nós nos sentamos numa grande mesa redonda que ocupava a parte coberta do jardim. O tom quase claro da madeira contrastava um pouco com o verde vivo e brilhante das cercas vivas que circundavam todo o espaço, assim como com o chão de pedra num tom quase grafite. Mas não era apenas o verde que dominava o lugar, quase todas as outras cores tinham seu espaço. Grandes árvores dividiam terreno que pequenas e multicoloridas flores, assim como com grandes roseiras brancas e amarelas. Bem ao centro tinha um chafariz branco, onde a figura central era um casal abraçado e com os lábios quase colados. Mais ao fundo eu conseguia enxergar um desenho no chão feito com a grama – ou a falta dela – e um caminho coberto com um túnel de flores. Era a coisa mais bonita que já havia visto na vida.
- Esse jardim é gigantesco. – falei baixo, ainda em choque.
- Eu adoro esse lugar, mas não é o meu lugar favorito na casa. E sim, ele é um pouco grande, mas o que são algumas centenas de metros quadrados, se o compararmos com os jardins de Versalhes? – perguntou e eu a encarei um pouco confuso.
- O quê?
- Os jardins do Palácio de Versalhes, na França, têm quase dois quilômetros comprimento, fora a largura, que eu não sei. Então, se isso é grande pra você, imagina quando você vir esse que eu falei.
- Ok, você está falando grego comigo. É melhor nós comermos. – falei, puxando uma cadeira para que ela se sentasse.
- Sim, vamos comer. – respondeu.
- Qual é o seu lugar favorito aqui? – perguntei, enquanto me servia de uma fatia de bolo.
- É meio que um segredo. – ela comentou baixo e eu achei melhor não forçar.
- Ok. E o que vamos fazer hoje? – desconversei, fazendo com que ela me olhasse.
- Estava pensando em te levar para conhecer um pouco a minha cidade, tem tantos lugares lindos aqui...
- Tem algo específico em mente? – perguntei e ela sorriu, afirmando com a cabeça.


O sol estava no meio do céu e nós dois no meio de um canal no centro da cidade. sorria abertamente, enquanto apontava para uma parte coberta pela sombra. Há alguns minutos, talvez uma hora, nós pegamos o carro e seguimos até a Praça do Rei, que ficava perto do castelo e era a maior de toda Copenhague. aceitou a companhia de alguns guardas, para que seus pais não reclamassem, mas pediu que eles fossem em outro veículo, assim fomos só nós dois no carro dela, que era até bem simples para uma princesa. Depois de uma caminhada, descemos até o Nyhavn, que era um lugar absurdamente lindo, onde um canal cortava o espaço e as margens eram ocupadas por uma grande quantidade de bares e restaurantes. Era uma espécie de cais, onde vários barcos, que você pode alugar, estão disponíveis. O lugar estava repleto de gente, tanto moradores, quanto turistas. Mas nós caminhávamos lentamente, para que eu pudesse observar tudo ao meu redor. segurava fortemente minha mão e apoiava a cabeça em meu ombro. As pessoas ao redor nos olhavam atentamente, mas nós passávamos por elas sem dar tempo para que nos reconhecessem, ou apenas à , não sei. Ela apontou para um dos barcos e me puxou pela mão até a beirada. Um homem se aproximou e a reconheceu imediatamente, mas antes que ele pudesse fazer algum tipo de barulho, ela pediu que ele se mantivesse calmo e que nos levasse até mais à frente, somente nós dois, ele assentiu. Nós entramos furtivamente em um amarelo claro, escolhido por . Assim que nos sentamos, o condutor nos levou até, mais ou menos, o centro do canal, assim não chamaríamos tanta atenção. Mas ter outro barco nos seguindo de perto não era a forma mais correta para isso, então a todo o momento eu ouvia alguns gritos em dinamarquês, que respondia pacientemente, acenando de forma breve e discreta em seguida. Alguns desses eram direcionados para mim, mas eu não entendia o que eles queriam dizer, então apenas balançava uma das mãos na direção de quem quer que fosse e sorria. Quem quer que fossem aquelas pessoas, elas pareciam gostar de nos ver juntos.

- E então, o que achou? – perguntou, apertando o casaco ao redor do corpo e levantando os óculos escuros.
- Lindo. – respondi, olhando ao redor. – Muito lindo. – o colorido das construções criava quase um padrão, dando uma aparente alegria ao lugar, ainda mais com o sol fraco, que ainda dava as caras, e a multidão que caminhava de um lado para o outro ou apenas passava o tempo em um dos bares. – Aqui é sempre cheio assim?
- Aham, é só o sol aparecer, mesmo que bem tímido como hoje, que lota.
- Então não é apenas um ponto turístico?
- Não, acho que esse lugar é algo muito, sei lá, dinamarquês, sabe? – ela riu, tirando o cabelo que insistia em voar para o seu rosto. – E eu gosto muito de vir aqui, as pessoas parecem sempre muito felizes.
- É, dá pra perceber. – comentei.
- Eu acho que poderia ficar aqui para sempre, mas esse frio me faz mudar de ideia na mesma hora. – ela riu, aconchegando-se mais perto de mim.
- Se você quiser nós podemos voltar. – falei, vendo-a balançar rapidamente a cabeça, negando.
- Não, aqui tá ótimo, só nós dois, sem ninguém pra nos perturbar. Tá, tem o condutor, mas ele não deve tá entendendo nada que estamos falando mesmo. – disse e eu ri.
- E a galera aqui atrás? – perguntei, indicando os seguranças com a cabeça.
- Eles a gente ignora. – deu de ombros, puxando meu rosto para selar nossos lábios.


- O que mais você tem em mente para esse nosso dia por Copenhague? – indaguei, enquanto fazíamos o caminho de volta até o carro. Depois do nosso passeio de barco, nós fomos almoçar num restaurante que tinha uma vista absurda do Nyhavn. A cada minuto que eu passava naquela cidade, mais certeza eu tinha de que aquele lugar era um dos mais bonitos do mundo. Não sei se era influência da minha acompanhante ou se a cidade era encantadora de verdade.
- Eu estava pensando em te levar para se divertir um pouco. – ela falou, estreitando os olhos.
- De que tipo de diversão estamos falando?
- Bem, estou te tratando como turista, então estamos indo a lugares que as pessoas visitam quando estão, sei lá, de férias.
- Sim...
- Mas antes eu preciso saber: numa escala de zero a dez, quanto medo de altura você tem?
- Não sei, talvez dois.
- Ótimo. – respondeu, levantando-se da cadeira e estendendo a mão em minha direção. – Nós vamos ao Tivoli.
- Tivoli? – perguntei, franzindo o cenho.
- É apenas o segundo parque de diversões mais antigo do mundo, . – ela disse, num tom aparentemente superior. – E o mais antigo também é daqui da Dinamarca.
- Você fica bem patriota quando está em casa, não é?
- Só um pouco. – riu, respirando fundo em seguida. – Eu tenho que gostar do meu país, eu tomarei conta dele um dia.
- Não se preocupe com isso, você vai se sair bem.
- Você é um amor. – comentou, parando de caminhar, ela colocou os braços ao redor do meu pescoço e, ficando na ponta dos pés, juntou nossos lábios rapidamente. – Pena que eu não acredito em você.
- E por que não?
- Porque você me ama e é sua obrigação falar esse tipo de coisa pra mim, mesmo que seja a maior mentira do mundo. – ela deu de ombros e eu arregalei os olhos, fingindo uma expressão surpresa.
- Não acredito que você pensa isso de mim. – rolou os olhos e eu tive que prender o riso. – Tudo bem, tudo bem. – respondi, apoiando as mãos em sua cintura. – Você pode não se sair bem no início, mas depois você pega o jeito.
- Que conselho horrível, .
- Não sei o que você quer. Se eu minto, você reclama, se eu falo a verdade, você reclama de novo.
- Vamos mudar de assunto, vamos mudar de ares, vamos mudar tudo. – ela ficou em silêncio por alguns segundos, criando uma expectativa. – Vamos andar na montanha russa.
- Nossa, como você é selvagem. – brinquei, sorrindo de lado e erguendo as sobrancelhas.
- Só um pouco.


Realmente, era um pouco selvagem por me levar naquela montanha russa. Assim, eu não sou o cara mais frouxo do mundo com relação a altura, mas quando eu estou dentro de um carrinho minúsculo e este está indo em direção ao chão a muitos quilômetros por hora, o medo pode falar um pouco mais alto. Ok, muito mais alto. O que eu poderia esperar de um brinquedo que se chama The Demon? Algo bom, agradável e completamente relaxante que não seria. Agora eu tenho que ficar ouvindo as piadinhas da , falando como eu fui medroso. Mas ela não entende que eu não esperava que o carrinho passasse tão próximo ao chão. Eu poderia ter esticado uma das mãos e roubado o saco de pipoca que uma menininha segurava bem ao lado da grade.

- Cara, você não entende. – eu falei, fazendo com que ela parasse e me olhasse. Seu rosto estava vermelho e havia sinal de lágrimas em seus olhos. – Eu fiquei nervoso daquele jeito, porque eu passei realmente perto da menina. Você estava do lado que só tinha planta. – mordeu o lábio, tentando parar de rir.
- , você que não entende, eu pensei que você fosse enfartar. A sua cara era impagável, ainda mais na hora que o carrinho embicou e desceu. – ela parou de falar para soltar uma gargalhada mais alta, chamando atenção de todos ao redor. – Sério, por alguns segundos eu pensei que tinha te perdido para sempre.
- Se você continuar com isso, você vai perder. – falei, cruzando os braços.
- Deixe de ser bobo. – ela pediu, jogando os braços ao redor do meu pescoço. – Você sabe que não consegue fica assim comigo por muito tempo. – continuou a dizer, passando os lábios pelo me queixo e dando uma leve mordida. Suspirei, completamente rendido. Minhas mãos foram para sua cintura, onde eu apertei da forma mais forte que o local permitia. Ouvi alguém limpando a garganta propositalmente atrás de mim e rolou os olhos.
- Acho que precisamos de mais privacidade. – falei próximo ao seu ouvido.
- Esse tipo de privacidade que você quer será meio difícil agora, mas acho que consegui pensar num lugar onde podemos namorar um pouco. E fica tranquilo, não é tão selvagem assim.


Quando a roda gigante parou no ponto mais alto, o sol já estava dando sinais de que desapareceria em poucos minutos. O vento que batia era muito gelado, então eu passei o braço ao redor do ombro de e puxei-a em minha direção, tentando aquecê-la um pouco. Ela estava calada há um tempo, desde o instante em que eu comecei a sentir tanto frio, que não conseguia mais beijá-la da forma que eu realmente queria, mas o visual que o brinquedo nos proporcionava valia o frio. Dava para ver grande parte da cidade, até mesmo o palácio, se eu não estava confundindo as coisas. Cutuquei seu braço, vendo que ela apenas levantou os olhos, sem a mínima vontade de se desvencilhar dos meus braços para me olhar direito.

- Ali é a sua casa, não é? – perguntei, indicando um agrupado de construções enormes mais para a esquerda.
- Aham, é sim. Até que pra alguém que não conhece a cidade, você tá bem esperto.
- , é meio difícil não encontrar sua casa daqui, ela é apenas maior que tudo que existe.
- Tanta grandiosidade para nada... – ela murmurou, focando seu olhar para o outro lado.
- Você não gosta dessa grandeza toda?
- Não. – respondeu até rápido demais. – Sei que as pessoas me acham louca por pensar assim, mas eu não gosto de ser da realeza, morar em palácio...
- Ser a herdeira do trono. – completei, vendo um sorriso triste surgir em seus lábios.
- Exatamente. – ela bufou, cruzando os braços na altura do peito. – Isso me irrita tanto, que eu acho que nunca consegui ser eu de verdade, sabe? Bem, pelo menos não até ir para a Inglaterra, porque lá eu não precisava fingir ser nenhuma das princesas que eles têm em mente por aqui.
- E quem são elas? Ou melhor, quem é você? – perguntei, vendo que aquele era um assunto extremamente complicado para ela, mas que eu estava ali para isso, ser seu ouvinte, partilhar de seus problemas e ajudar da forma que eu pudesse.
- Aqui eu sou duas pessoas: quem eles pensam que sou e quem eles querem que eu seja. A primeira é algo que eu mesma busquei, praticamente, e a segunda é o que os meus pais construíram. – ela parou por um momento, mordiscando a unha do dedão, algo que ela fazia quando tinha algo difícil para contar. – Eu tenho noção que nunca fui a filha perfeita, a princesa perfeita e, principalmente, a futura rainha perfeita. Só que era exatamente isso que eu queria, precisava mostrar para todos que não era perfeita, nunca fui e nunca serei. Eu fugia de casa quase todas as noites, ia para lugares que tocavam músicas que eu não gostava, só tinham bebidas que eu não bebia, pessoas que eu não curtia, mas eu frequentava do mesmo jeito, apenas por não ser um local para uma princesa. E quando eu paro para pensar nisso agora, vejo como isso era idiota, porque nada mudou, continuo sendo princesa, serei rainha. As únicas coisas que consegui com meus atos foram as críticas e a descrença de quase toda a população. – ela mordeu o lábio inferior e olhou para baixo. – Eu tenho a maior taxa de rejeição já registrada.
- Acho que ninguém pode te julgar, porque eles não passarão por nada como isso. Deve ser absurdamente difícil não ter controle da sua vida, por isso que eu consigo imaginar como deve ser pra você. – tentei amenizar as coisas, mas ela apenas balançou a cabeça, negando.
- Eu nasci pra isso, então eu deveria ter aceitado desde o início. Seria muito mais fácil se eu tivesse entrado no jogo mais cedo, se tivesse mostrado pra todo mundo que eu posso fazer isso.
- Então mostre agora, você ainda tem tempo. Mostre pra todo mundo que você pode ser a melhor rainha que eles já tiveram. – falei, vendo-a se afastar um pouco, girando o corpo para ficar de costas para mim. Esperei por uma resposta e nada. – ? – chamei e ela nem se moveu. – . – repeti, colocando a mão em seu queixo, fazendo com que ela me olhasse. As lágrimas já se formavam em seus olhos e assim que ela olhou nos meus, não conseguiu mais segurar o choro.
- Eu não posso. – ela sussurrou. – Não posso ser rainha, não estou preparada para isso.
- Claro que está. – falei, abaixando a cabeça para deixar meus olhos na altura dos seus. – Você nasceu pra isso, lembra?
- Queria que fosse fácil assim. – respondeu, passando a mão pelo rosto e secando as lágrimas. – Olha pra essa cidade, . Olhe o tamanho dessa cidade. São milhões de pessoas e todas elas estarão sob minha responsabilidade. Eu não posso falhar.
- E também não pode sofrer por antecipação.
- Sabe. – ela disse, com a voz um pouco menos embargada. – Há um motivo muito especial que me faz gostar mais ainda dessa roda gigante.
- Qual?
- Tudo parece menor daqui de cima. É tudo tão simples, tão vazio, tão... fácil. É, do alto parece mais fácil pensar em governar. – respirou fundo e se virou para mim. – Tá, eu preciso te mostrar um lugar, ou melhor, o meu lugar.


Nós seguimos pelo corredor do terceiro andar do palácio, passamos por alguns guardas, mas eles mal se mexiam. segurava a minha mão e caminhava bem séria, observando se tinha alguém pelo caminho. Nós viramos à esquerda, passamos por mais algumas portas, até que parou na frente de uma bem mais simples, que quando abriu, parecia ser uma espécie de armário ou depósito. Ela olhou para os lados, antes de entrar e me puxar junto. Depois de alguns segundos de completa escuridão, uma luz fraca iluminou o espaço. Ela me olhou com um sorriso bobo, enquanto ainda segurava uma pequena cordinha, mostrando como ela havia acendido a luz, como se conhecesse muito bem aquele lugar, mesmo no escuro. se esgueirou para a direita, tirando algumas coisas do caminho, ajudei tirando uma escada que atrapalhava o caminho e com algumas caixas de papelão. E ali, escondida, quase imperceptível, porque eu só reparei quando ela puxou um pequeno fecho, tinha uma porta. Ela tateou uma prateleira acima da mesma, pegando uma lanterna e me olhou, como se pedisse que eu a seguisse, e assim eu fiz. Subimos alguns degraus de uma escada estreita que girava um pouco, levando a uma espécie de sótão.
Ela iluminou o teto, procurando outra corda para ligar a luz e quando a achou, me deparei com um espaço muito diferente do que tinha em mente. Um puff laranja e amassado ocupava um canto e tinha algumas almofadas espalhadas por perto, ao lado tinha uma mesinha com alguns livros e na parede, que tinha um tom amarelo claro estranho, um enorme pôster do ‘N Sync ocupava um grande espaço.

- Não diga nada sobre isso, eles faziam sucesso quando eu era criança. - Ela me olhou enquanto eu encarava aquilo e me deu um empurrão leve.
- Eu não ia falar nada. – respondi, vendo-a fazer uma careta.
- Até parece.
- Juro. – falei e ela rolou os olhos.
- Nossa. – suspirou, olhando ao redor. – Parece que faz anos que eu não venho aqui. Aliás, ninguém esteve aqui além de mim, sinta-se especial. Mas não foi pra mostrar o meu pôster do ‘N Sync que eu te trouxe aqui, foi pra isso. – Ela subiu mais alguns lances de escada que tinham ao fundo e abriu uma espécie de janela/porta, porque não consegui identificar se era uma coisa ou outra. passou pelo espaço e sumiu, então a segui. Quando coloquei a cabeça para fora, logo fui atingido pelo frio, e logo vi, mais a frente, a sentada num beiral. Era uma parte inclinada do telhado do palácio, da parte traseira, onde dava visão para uma parte do jardim e do restante da cidade. Por mais que ainda fosse por volta das quatro da tarde, o sol já estava se pondo no horizonte, deixando o céu num misto de alaranjado, cinza e azul. Eu caminhei até onde ela estava, sentando-me ao seu lado.
- Então é aqui o seu lugar? – perguntei, esfregando uma mão na outra, antes de fechar o casaco e enfiá-las no bolso. – Como o encontrou?
- Bem, era, né? – ela respondeu, rindo em seguida. – Eu estava brincando de pique-esconde com o Tom um dia, eu tinha, não sei, talvez oito anos, e vim até o terceiro andar para me esconder. Vi essa porta e, curiosa como sempre fui, decidi me esconder lá embaixo. E, como esse lugar não é nada pequeno, o Tom demorou bastante para sequer chegar até o corredor, pelo menos, eu fiquei bastante tempo sentada no escuro. Então eu abri um pouco a porta e consegui encontrar na luz e encontrando a luz, comecei a mexer nessas tantas caixas que guardam lá, só que quando eu puxei uma caixa, ela ficou presa no fecho dessa porta e, tcharam, eu descobri a passagem.
- Você passava muito tempo aqui?
- Bastante, sempre que queria sumir um pouco, o que não era raro, e como as pessoas não costumavam sentir minha falta, isso facilitava bastante. – ela falou, soltando o ar pesadamente depois, uma fumaça fina e branca rodopiou a sua frente. O frio estava cada vez mais intenso, mas aquele momento estava sendo tão nosso, que não teria temperatura baixa o bastante para nos abalar. – Tudo aqui fui eu que trouxe ou fiz, até mesmo a pintura das paredes.
- Então tá explicado. – comentei, vendo que ela olhou meio torto em minha direção.
- O que tá explicado?
- A cor estranha da parede, parece que alguém misturou amarelo, cinza e marrom, passando de qualquer jeito na parede depois.
- É difícil para uma menina de dez anos pintar tudo isso sozinha, ainda mais escondida de todo mundo, ok? E tente subir com algo por essa escada estreita, quase não consegui carregar a mesinha. – ela se explicou, mostrando-se bem incomodada com meu comentário.
- E você não pediu ajudar porque não queria que ninguém descobrisse seu novo lugar. – falei, parecendo algo bem óbvio.
- Também, acho que eu queria mostrar pra mim mesma que conseguia fazer algo sozinha. E, bem, eu consegui, por mais mal feito que tenha ficado. – ela fez uma careta no final.
- E por que você nunca compartilhou com ninguém?
- Eu já compartilho tanto da minha vida, que queria ter algo só meu pra variar um pouco.
- E por que você me trouxe aqui? – perguntei, vendo um sorriso diferente surgir no seu rosto.
- Como eu posso falar isso sem parecer piegas? – ela jogou a cabeça para trás, rindo um pouco mais abertamente.
- Algumas vezes é bom ser piegas. As pessoas hoje estão tão...
- Ok, ok, sem discurso clichê, . – virou o corpo, ficando de frente para mim, pegou uma de minhas mãos e colocou entre as suas. – Eu quis te trazer aqui, porque não há motivos para esconder algo de alguém com quem eu quero compartilhar a minha vida. Satisfeito?
- Extremamente.
- Tá, voltando ao meu lugar e deixando as sentimentalidades de lado. Sempre que eu me sentia irritada com alguma coisa ou precisava pensar, eu corria até aqui. Essa sensação de imensidão do mundo faz eu me sentir pequena, normal, e é bom se sentir assim.
- Eu espero que se sinta assim comigo.
- Você é a única pessoa no mundo com quem eu sei que posso ser normal.
- Creio que é o mínimo que eu posso fazer. – falei, puxando-a para mais perto. Minhas mãos foram para sua cintura, as dela para o meu pescoço e nosso lábios se encontraram mais uma vez.
- Você já faz muito por mim, acredite. – murmurou próximo ao meu ouvido. – E eu queria te pedir mais uma coisa, se não for demais. É mais uma proposta do que qualquer coisa.
- Diga.
- Fica comigo essa noite. – sussurrou de uma forma tão absurdamente sexy, mesmo não sendo sua intenção, que tornou impossível qualquer resposta negativa.
- Acho que não conseguiria ficar longe de você de qualquer forma. – confessei, vendo que ela fechou os olhos e sorriu de lado.
- Lembra daquilo que eu falei pra você no avião?
- Lembrar eu lembro, só não me peça para repetir. – falei e balançou a cabeça lentamente.
- Jeg elsker dig. – ela disse pausadamente, olhando fundo nos meus olhos. E eu descobri imediatamente o que significa, porque não haveria outra coisa para se falar naquele momento.
- Eu também te amo. - respondi, sentindo seus lábios nos meus assim que as palavras terminaram de chegar aos seus ouvidos. E pela intensidade do seu beijo, ela parecia acreditar plenamente nas minhas palavras. O que era o suficiente para mim.

/’s Pov



Décimo Nono

Boy, what can I do? You know that all I want for Christmas is you
(Mariah Carey - All I want for Christmas is You)


Eu estava absurdamente confortável em minha cama, travesseiros macios, colcha cheirosa e uma companhia maravilhosa. Senti os braços de me abraçarem e me puxarem para mais perto, sua respiração batia em meu pescoço e me fazia cócegas, mas eu tentava me manter calma, porque essa é a minha versão de paraíso. Se existir mesmo um paraíso depois da morte, era dessa forma que eu queria passar a minha eternidade. Mas essa eternidade não incluía a pessoa que estava quase derrubando a porta com suas batidas. Muito a contragosto eu me levantei, me desvencilhando dos braços de . Parei perto da porta, abri apenas uma pequena fresta e vi quem era.
Ellen.

- Péssima hora. – murmurei, voltando a fechar a porta, mas ela quase gritou do lado de fora:
- Vai ficar pior quando a sua mãe chegar e encontrar o na sua cama.
- O quê? – perguntei, escancarando a porta. Ela me olhou como se estivesse cansada e me empurrou para entrar logo no quarto. Ellen catou a blusa de do chão e jogou em sua direção, ele ainda estava sonolento e se sentou na cama, sem entender muita coisa.
- Eu ouvi sua mãe dizendo que viria aqui te acordar, pois queria falar com você a sós e como eu conheço você, sabia que o estaria aqui e eu não estou para confusões tão perto do Natal. - ela parou, olhando feio para o Danny e ele se pôs de pé, colocando a camisa rapidamente. – É pedir demais querer paz no meu feriado favorito? – ela estava falando, mas minha mente ainda não funcionava direito, só uma frase gritava na minha cabeça: “quando sua mãe chegar”. Respirei fundo, antes de acordar de repente.
- Anda, Danny, minha mãe vai surtar se te encontrar aqui, você não tem noção. – peguei sua mão e fiz força para levantá-lo.
- Calma, eu nem acordei direito ainda. – ele murmurou, se espreguiçando. Eu e Ellen trocamos um olhar meio apavorado e ela rolou os olhos, antes de assumir meu lugar e puxá-lo para fora do quarto. Enquanto eles seguiam por um lado do corredor, eu olhava para o outro, me certificando de que a minha mãe não os visse, mas eu não poderia fazer nada se ela os avistasse e, ficando na porta, só assumiria mais ainda minha culpa. Só me livrei dos pensamentos, quando vi Ellen empurrar para dentro do quarto dele e sumir rapidamente pelo outro corredor. Voltei para dentro, me jogando debaixo das cobertas para fingir que estava dormindo. Enquanto mantinha os olhos fechados e pensava que toda essa estratégia conturbada tinha sido desnecessária, ouvi uma batida leve na porta e em seguida a mesma abrir. Eu ouvi o salto de seu sapato se chocar contra o chão durante o caminho até a minha cama, onde ela se sentou e passou a mão pelo meu cabelo.
- . – minha mãe disse suavemente, eu abri os olhos – fingindo dificuldade – e a encontrei com um sorriso nos lábios. Muito suspeito.
- Mãe. – murmurei, me espreguiçando e rolando para ficar de barriga para cima. – Aconteceu alguma coisa? – ela puxou um bolo de jornais e revistas de suas costas e as espalhou na minha frente.
Merda, pensei.
- Então, vocês foram passear ontem, o gostou da cidade? – ela começou com uma conversa meio sem pé nem cabeça, então eu a cortei.
- Mãe, a gente não foi fazer nenhuma loucura. – comecei e ela balançou a cabeça, afirmando.
- Eu sei.
- Fomos ao Nyhavn, demos um passeio de barco, almoçamos e depois fomos ao Tivoli. Só isso.
- Eu sei. – ela repetiu, apontando para uma das revistas. Ela pegou uma delas, folheou e me mostrou uma página. – Aqui eles mostram todo o trajeto de vocês, transformando-o num caminho turístico. – ela colocou essa revista de lado e pegou outra. – Já nessa aqui, eles entrevistaram o condutor do barco que vocês pegaram. – ela repetiu o gesto, pegando um jornal dessa vez. – E aqui o casal que estava sentado atrás de vocês na montanha russa. – eu a encarei, um pouco confusa.
- Aonde a senhora quer chegar com isso?
- Eu te pergunto a mesma coisa, aonde você quer chegar com isso?
- Mãe, eu não estou com nem um pouquinho de vontade de ter essa conversa agora. – respondi, afastando os jornais e me levantando da cama.
- Pois então eu acho que você vai ter que se esforçar, porque eu quero algumas respostas e não sairei daqui enquanto não consegui-las. – ela falou, cruzando as pernas e parecendo bem confortável.
- Ok. Tudo bem. – virei o corpo em sua direção e cruzei os braços. – O que quer saber exatamente? Quero que seja direta, nada de perguntas aleatórias.
- Já disse, aonde você quer chegar com esse rapaz? Não aceito que você o esfregue na cara de todo o país e depois aja como se não tivesse acontecido nada. A imprensa já está especulando, seu tempo para arrumar um noivo está correndo e você o traz aqui. Quero saber como você vai lidar com isso.
- Eu o trouxe para a minha casa, para passar o Natal com a minha família. Será que eu preciso ser mesmo tão enfática quanto às minhas intenções?
- Ele é mesmo o que você quer na sua vida? – ela perguntou, num completamente ofensivo e quase preconceituoso. – Não que ele seja de todo mal, mas príncipe, realeza... Não sei bem.
- Eu sei exatamente o seu conceito de realeza, mãe, e eu tenho uma triste notícia para você: eu não me encaixo nele. O que vai fazer, vai me expulsar? Vai tirar meu título?
- Claro que não, você é minha filha...
- E você tem que me aceitar pelo nosso laço de sangue, não é mesmo? E se formos falar de sangue, bem, eu sou mais da realeza que você. – a ataquei, sabendo muito bem que ela não gostava desse assunto.
Minha mãe não é de origem real, ela ganhou seu título pelo casamento. Meus pais se conheceram numa viagem que meu pai fez à Austrália para assistir algumas competições de um torneio mundial, numa noite ele foi a um bar e ela estava lá. As coisas demoraram muito para se tornar oficiais entre eles, algo como dois anos de namoro escondido até a primeira demonstração pública de afeto: um beijo no rosto. Tudo bem que eu entendo que ela não se sinta bem me vendo aos beijos com o Danny na capa de todos os jornais, mas no caso nem são beijos absurdos, que possam causar comentários maldosos. O beijo que ilustra todos os jornais e revistas é o mais bonitinho de todos: nós dois à margem do Nyhavn, eu com os braços ao redor de seu pescoço, apoiada na ponta dos pés e nossos lábios mal se tocando. Era até bonito de ver. A grande questão na minha cabeça era o motivo por ela não aceitar o , até porque os dois são de origens parecidas, ambos plebeus, oriundos de outros países, eu e meu pai os conhecemos nas andanças da vida. Essa história tinha tudo para ser aprovada, ela deveria ver a história dela e do meu pai em nós dois, mas parece que isso não influenciou muito a forma que ela decidiu se posicionar.
- A questão não é de sangue, , nunca foi. Até porque eu estaria negando minhas próprias origens. O que me preocupa é você.
- Aí está uma novidade. – comentei, vendo-a rolar os olhos.
- Você está a ponto de assumir o trono, não tem nenhuma experiência e precisa de alguém que possa lhe ajudar, que possa lhe dar suporte.
- Eu tenho o meu pai pra isso, quer alguém melhor que o antigo rei para ajudar? – ela balançou a cabeça, rindo silenciosamente.
- Você não entende...
- Não, a senhora não entende. Será que é difícil perceber que, pela primeira vez em muito tempo, eu estou feliz de verdade? Será que você pode ficar contente por mim? Será que você pode agir como uma mãe normal e se alegrar pelo fato da sua filha ter encontrado alguém que gosta e que esse alguém gosta dela na mesma intensidade? – respirei fundo, tentando me controlar para não começar uma crise de choro de frustração. – Será que, ao menos uma vez, você pode agir como minha mãe e não como a rainha das aparências? – completei baixo, deixando minha voz morrer no final da frase.
- Eu já vi que não dá pra conversar com você. – ela se levantou, andando até a porta. – Mas tenha apenas uma coisa em mente: eu sempre agi como sua mãe, sempre busquei o melhor pra você.
- Não, mãe. – respondi, sentando-me na cama e olhando para o lado oposto ao que ela estava. – A senhora sempre buscou o melhor pra você.
Não ouvi mais nenhuma palavra depois disso, só a porta se fechando atrás de mim e um silêncio absurdo que deveria ser assustador. Mas no meu caso, ele sempre foi meu meu fiel companheiro. Puxei uma revista onde tinha uma foto nossa bem grande, que ocupava toda a primeira página, e tinha uma manchete em letras maiúsculas, seguida de uma legenda:

“CONTO DE FADAS À VISTA?”
A princesa herdeira foi vista aos beijos e num clima bem romântico com o seu novo namorado.

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Nosso novo casal favorito.
A futura Rainha e seu novo namorado aproveitaram a tarde de ontem para fazer um passeio pela nossa cidade. Como uma boa anfitriã, a nossa princesa levou seu acompanhante para um belo passeio romântico pelo Nyhavn, com direito a um passeio de barco, e terminaram o dia aproveitando as atrações do Tivoli. O parque de diversões pareceu pequeno para a energia do casal, que aproveitou a montanha russa e a roda gigante, além de se deliciarem com as belíssimas vistas dos jardins do parque. O casal está na cidade para as festas de fim de ano e com isso mostra para o mundo que o relacionamento vai muito bem. Será que essa é uma demonstração de que a princesa encontrou o seu príncipe... e encantado? Por enquanto tudo é apenas especulação, mas não podemos ignorar o fato de que nossa princesa anda muito mais sorridente, muito mais feliz e muito menos rebelde.
Com tanto amor que eles vêm demonstrando, já podem se considerarem nosso novo casal favorito.


Esse era o título da matéria da revista que joguei aberta na frente de , que a pegou e começou a ler atentamente. Nela havia muitas fotos do nosso passeio de ontem, desde a Praça do Rei, até o caminho de volta ao palácio. Em todas as legendas eles faziam o possível para nos elogiar, principalmente o , pelo incrível feito de ter conseguido colocar no eixo e no caminho correto a louca princesa. As repórteres das colunas de fofoca eram só elogios a ele, desde a forma como ele me tratava em público, até o fato inquestionável que é a sua beleza. Ele conseguiu encantar e conquistar toda a população com apenas uma aparição pública, fiquei imaginando o que ele poderia fazer. Talvez a entrevista que demos na Inglaterra tivesse tido uma boa repercussão aqui e eles tivessem percebido o quão especial ele é.

- Hmm. – Danny murmurou, fazendo com que eu o olhasse. – Isso aqui é bom pra sua imagem?
- Bem, eu não me recordo da última vez que eles escreveram algo bom ao meu respeito, então creio que seja bom sim. – sorri, selando nossos lábios rapidamente. – Obrigada por limpar um pouco a minha barra.
- De nada, eu acho. – ele coçou a cabeça, mantendo uma expressão confusa no rosto, enquanto encarava as suas fotos estamparem todos os jornais e revistas. – Você não tem noção como isso parece estranho para mim, eu não estou acostumado a estar sob os holofotes.
- Eu entendo como tudo isso pode ser difícil para você e também sei que estar comigo te faz abrir mão de coisas importantes, como sua privacidade. Eu não quero ser um peso na sua vida.
- Shhh. – ele falou, colocando um dedo sobre os meus lábios. – Para de falar besteira. – ele encostou-se à cabeceira da cama e me puxou, abraçando meu corpo perto do seu. – Não vou mentir e dizer que eu estou tranquilo quanto a isso tudo. – ele apontou para as revistas e jornais, fazendo uma careta. – Mas eu tenho você, então eu não me importo. – eu abri a minha boca para falar alguma coisa, mas ele logo me cortou. – Não diga nada sobre ser piegas, porque eu sou assim.
- Eu não ia reclamar disso, até porque é bom ser um pouco romântico demais hoje. Isso combina com o Natal.


Um pouco mais tarde eu fiz assistir ao Julekalender, que é uma minissérie anual com vinte e quatro capítulos, que começa no dia primeiro de dezembro e vai até a véspera de Natal. O enredo é sempre o mesmo: alguém perde/apaga o Natal e precisam recuperá-lo até o dia vinte e quatro. Há sempre muitos ensinamentos e algumas lições de moral, talvez seja uma forma de fazer o Natal continuar com a mesma importância entre os mais jovens. Nós perdemos os vinte e três primeiros, mas eu tentei explicar a dinâmica para o Danny, até porque é em dinamarquês e ele não entenderia muita coisa. No desse ano, segundo a explicação do , um nisse, que é uma espécie de duende, acidentalmente, apaga todas as referências bibliográficas do Natal, fotos, arquivos e documentos somem e com isso o Natal deixa de existir. Para reverter toda essa confusão, eles têm que viajar no tempo e ir resgatando as coisas e no último dia, dia vinte e quatro, tudo dá certo e todos são felizes. Depois de introduzir a primeira parte das tradições para , falei para ele ir se aprontar e que uma roupa linda estava esperando por ele em seu quarto. Pedi para Ellen comprar ontem e fazer uma surpresa. E fui para o meu fazer a mesma coisa.

Estávamos sentados à mesa, conversando após a ceia e esperando pela sobremesa. Esse ano nós estávamos especialmente atrelados às tradições. Tivemos uma ceia monumental, com direito a todas as opções que nos agradavam, entre patos, gansos e porcos assados, eu me enfartei de Æbleskiver, uma espécie de bolinho redondo recheado de geleia e fiquei um pouco tonta de tanto Gløgg, uma bebida feita de vinho quente, amêndoas, canela e uvas passas, que bebi, essa sempre foi minha perdição. olhou em minha direção, na hora em que eu era servida pela terceira vez, e sorriu, provavelmente lembrando nossos antigos Natais, nos quais nós roubávamos garrafas de Gløgg e algumas doses de Snaps, e ficávamos muito bêbados escondidos em algum dos mil aposentos dessa casa. provou os dois e decidiu que a dose do Snaps era mil vezes melhor, tanto para embebedar, quanto para aquecer. Ele não conseguiu controlar a careta ao engolir sua primeira dose.

Quando os empregados trouxeram a sobremesa, fez uma careta estranha. O Ris à l´amande era de fato nada apetitoso à primeira vista, mas era, definitivamente, viciante à primeira colherada. O doce em si é um creme frio de arroz com amêndoas e uma calda quente de cerejas. Ele provou meio a contra gosto, mas assim que sentiu o sabor, tratou logo de continuar comendo até não restar mais nada no seu prato. Eu me sentia absurdamente cheia, a ponto de explodir, tanto que não me sentia animada para o que vinha a seguir. Meus pais levantaram da mesa, nos convidaram para seguir até a sala de estar onde colocaram o pinheiro e pediram aos meus avós que acendessem as duas primeiras velas. Aqui nós temos o costume de enfeitar o pinheiro com velas de verdade e elas só são acesas na noite de Natal, todos os familiares presentes. Depois os dois acenderam as suas e cederam a vez para os meus tios. Minha mãe olhou em minha direção e apontou para frente, eu segurei a mão de e fiz com que ele me acompanhasse, acendi uma vela e indiquei outra para ele. Ele sorriu e, com cuidado, levou a chama até o pavio e iluminou um pouco mais a nossa árvore. Com indo em seguida, todos nós tínhamos deixado nossa marca.

Depois de acendermos as velas, chegou a hora dos presentes. ficou um pouco tenso ao meu lado, até que eu lembrei que não tinha comprado presente para ninguém. Olhei alarmada em sua direção e ele imitou minha expressão. Ellen se esgueirou pelo cantinho da sala e parou perto de nós dois.

- Eu comprei um presente para todo mundo em nome de vocês dois, podem me agradecer depois. – ela piscou e voltou para dentro. Na cozinha os empregados estavam desfrutando da sua própria ceia.
- Não sei o que faria sem ela. – murmurei, vendo rir e afirmar com a cabeça.

No final das contas tudo deu certo. Todos ficaram extremamente agradecidos com os presentes que Ellen comprou, até mesmo minha mãe, que é uma pessoa difícil, estava especialmente agradável essa noite. Talvez milagres de Natal realmente existam. Ela veio pessoalmente entregar um embrulho nas mãos de e outro nas minhas. Ela deu a ele um sorriso quase sincero e voltou para o lado do meu pai. Depois da troca de presentes, acenou em nossa direção e saiu quase despercebido. Quando ele sai assim, todo mundo sabe que ele vai aprontar algo e eu realmente esperava que ele não exagerasse essa noite. Quando pensamos que a hora dos presentes já tinha passado, meu pai se aproximou com dois pequenos embrulhos na mão, dando uma para mim e outro para Danny.

- Eu não sou a melhor pessoa para comprar presentes, os que eu escolho são sempre impessoais, mas meu pai sempre me disse que pessoas importantes deveriam ter isso. – ele sorriu de lado, esperando que abríssemos os presentes e assim o fizemos. Na minha caixa tinha uma caneta vermelha e dourada, com meu nome gravado e uma pequena coroa do lado. – Quando eu ia assumir o trono, meu pai me deu uma dessas, disse que era para dar sorte, que minha mãe tinha ganhado uma do pai dela e era como uma tradição familiar. Vamos dizer que nós estamos começando o processo de mudança do trono hoje. – ele deu uma piscadela e eu mordi o lábio inferior, me controlando para não chorar. Se a minha mãe é uma pessoa difícil, o meu pai é o inverso. Ele é o meio termo ideal, sabe quando cobrar e quando soltar as amarras, por isso que eu sempre me dei bem com ele, porque me vejo muito na pessoa que ele foi e espero muito me ver na pessoa que ele se tornou.
- Muito obrigada, pai. – sussurrei, abraçando-o e recebendo um beijo na bochecha.
- . – ele disse, ainda com os braços em volta da minha cintura. – Você é importante para a minha filha, então também é importante para mim. Considere esse meu presente como um desejo de boa sorte nessa nova fase de sua vida. – Danny abriu sua caixa e encontrou uma caneta preta, com alguns detalhes em dourado, seu nome também estava gravado, mas de uma forma séria, sem desenhos como na minha. Ele ficou um tempo encarando seu presente e sem falar qualquer coisa. Meu pai olhou para mim pelo canto dos olhos, como se me perguntasse se ele tinha gostado. Eu fiz que sim com a cabeça e pedi que ele lhe desse um tempinho.
- Eu não sei nem o que dizer, senhor. – falou, levantando a cabeça e mostrando os olhos meio marejados. – Muito obrigado, de verdade. Não só pelo presente, mas também por me receber em sua casa e sempre me tratar muito bem.
- Você é família e é assim que tratamos a família. – meu pai respondeu e estendeu a mão em sua direção, mas meu pai a ignorou e o puxou para um abraço rápido, porém apertado. Eu estava com um sorriso de orelha a orelha e joguei meus braços ao redor do pescoço de Danny assim que meu pai se afastou.
- Viu, você é família. – repeti em seu ouvido e ele riu baixo, beijando minha bochecha.
- Esqueci completamente do seu presente, você me desculpa? – perguntou, se afastando um pouco para olhar em meus olhos.
- Tudo o que eu quero de Natal é você. – respondi, selando nossos lábios rapidamente. Ele sorriu e aproximou sua boca do meu ouvido.
- Depois eu que sou o piegas. – comentou, fazendo com que eu soltasse uma risada alta e chamasse a atenção de todos.
- E eu crente que você ia me dizer algo bonito. – falei, fingindo uma careta.
- Nem tudo é sempre como a gente espera. – ele disse, dando de ombros e se fazendo de superior. Rolei os olhos e sorri, apoiando minha cabeça em seu peito e ouvindo a música de natal que meu tio havia colocado. Senti sua mão subir até minha cintura e sem eu ao menos perceber, nós já estávamos dançando. Fechei os olhos e deixei me guiar, nós apenas balançávamos o corpo de uma forma meio sem jeito, mas parecia bom o bastante para nós dois. – Eu te amo. – ele murmurou em meu ouvido e eu me derreti. Agora tudo estava perfeito.


Depois que todos se recolheram, entrou furtivamente em meu quarto mais uma vez. Só que dessa vez fomos atrapalhados pelo telefone tocando. Sempre me disseram que quando recebemos uma ligação no meio da noite há poucas chances de ser uma boa notícia. Olhei no relógio e vi que eram 2:37 da manhã. franziu as sobrancelhas e fez um sinal para que eu me apressasse. Olhei no visor, vendo a foto do iluminar a tela e logo pensei: ele fez alguma besteira.

- Alô. – respondi, já apreensiva.
- ! – ele quase gritou do outro lado. - Preciso que você me salve.
- O que você fez, onde você está e quanto isso me custará?
- Eu não fiz nada, estou na Christiania e lhe custará apenas o dinheiro da gasolina. Preciso de uma carona.
- Você quer que eu saia de casa a essa hora e vá te buscar na Christiania? – perguntei, sem conseguir segurar a risada. – Você só pode estar louco. O que você fumou por aí?
- Pare de fazer mau juízo de mim, eu apenas bebi algumas cervejas com a galera. O problema é que a minha carona arrumou uma companhia feminina e eu estou a pé.
- Pega um táxi. – sugeri, ouvindo uma risada sarcástica em resposta.
- Para sair em todos os jornais amanhã? Não, muito obrigado.
- ... – resmunguei, já sabendo que eu teria que levantar.
- Você sabe que se fosse o contrário eu já estaria aqui e não discutindo pelo telefone.
- Ok, ok. Tudo bem.
- E traga o para ele conhecer a zona alegre da cidade. - ele riu e eu desliguei o telefone.

Danny me olhava de forma curiosa e eu fiz um bico, jogando as pernas para o lado de fora e me levantando de uma vez.
- Vamos dar uma volta.


Peguei as chaves do carro que usava, pois seria mais fácil passar sem ser incomodada pelos seguranças. Com os vidros escuros fechados e sem iluminação na parte interna era praticamente impossível que descobrissem quem estava lá dentro. Pedi que dirigisse até o lado de fora, para que pudessem ver uma silhueta masculina e não estranhassem. E com os faróis desligados, nós conseguimos sair sem ser incomodados. Ele parou na esquina, me deixando assumir o volante. Eu sabia que ele estava curioso e queria saber onde estávamos indo, só que explicar isso pra ele me levaria a contar coisas do meu passado que eu preferia deixar apenas lá. Mas eu também sabia que deveria falar.

- Nós estamos indo para Christiania, é um bairro autônomo aqui de Copenhagen. As pessoas geralmente vão para lá para frequentar festas mais liberais, beber sem controle, procurar substâncias mais específicas e proibidas no restante da cidade. – tentei deixar que meu tom de voz desse a entender o que eram as tais substâncias. – Com a autonomia que eles possuem, eles podem fazer suas próprias leis, regularizarem o que quiserem e tal. Por isso esse é o lugar mais procurado pelos jovens dinamarqueses.
- Hmm. – ele pareceu pensar por alguns instantes. – E o que vamos fazer lá?
- Buscar meu ajuizado primo.
- Ah... – ele se limitou a responder, mas quando eu olhei de lado, sua expressão denunciava as milhões de perguntas que passavam pela sua cabeça.
- Sim, eu já frequentei e mais vezes do que eu realmente gostaria. – confessei, vendo-o sorrir de lado.
- E você frequentava abertamente ou fazia como o e ia escondido?
- Eu tentava ir escondida, mas sempre me descobriam e as fotos estampavam todos os jornais no dia seguinte. E, como você deve imaginar, não é um local para uma futura rainha, logo eu recebia uma chuva de críticas...
- E você tentava, tipo, não ir? – ele perguntou, claramente interessado no assunto.
- É aí que entra a problemática da minha vida: eu não queria ir, mas precisava ir. – me olhou com uma expressão confusa e balançou a cabeça negativamente.
- Você não precisava. – ele disse enfaticamente, sem nem se dar ao trabalho de complementar.
- Precisava sim. Você não entende, Danny. – falei, rolando os olhos. Eu já estava acostumada com a incompreensão das pessoas, mas não esperava isso dele.
- Eu entendo, mais do que você imagina e antes que você venha com suas cinquenta pedras na mão, eu vou te explicar meu ponto de vista. – falou, fazendo com que eu até parasse o carro para prestar mais atenção. – Pelo o que eu entendi você sempre quis acabar com o rótulo de “princesa perfeita” e por isso fazia coisas que não lhe agradavam tanto, certo? – balancei a cabeça afirmando e ele continuou. – Só que isso não é, de fato, um motivo plausível para você frequentar locais que não te interessavam. Você poderia tentar de outra forma, . Por isso que eu falo que você não precisava ir até lá e se foi, foi porque queria, até porque você não é do tipo que é facilmente influenciável, mas não estou julgando, até acho que esse tipo de experiência é válida, já tive meus momentos de loucura adolescente também.
- E o que você quer dizer com isso?
- Que você ia nesses lugares para chamar atenção. – ele deu de ombros, enquanto eu ergui as sobrancelhas, querendo entender aonde ele chegaria com isso.
- Chamar atenção? Mais atenção?
- Bem, é o que parece, porque se você não queria aparecer nos jornais, era só não ir, entende? – balancei a cabeça lentamente, sem acreditar no que eu estava ouvindo.
- Eu nunca imaginei que ouviria algo assim de você, pensei que, de todas as pessoas, você me entenderia.
- Eu entendo. – me cortou, colocando uma das mãos em meu queixo e fazendo eu o encarar. – Eu imagino como deve ter sido ruim ser uma adolescente cheia dos seus próprios problemas, enquanto seus pais estavam mais preocupados com todas as outras pessoas. Só quero que você encare tudo o que você fez com outros olhos, com os olhos de uma adulta e assuma que é responsável por tudo o que fez, mesmo que não seja a melhor coisa do mundo. Sim, você errou. Sim, você fez muitas besteiras, mas o que importa? Você não tem mais dezessete ou dezoito anos, você agora é uma mulher que sabe o que faz, que assume e tem responsabilidade pelos seus atos. Você me falou que tinha uma péssima aceitação da população e será assim que você vai começar a mudar a forma que te enxergam, fazendo com que eles vejam quem você se tornou e não quem você foi. – fiquei alguns segundos apenas o encarando, sem conseguir formular nada decente para falar. A realidade é que ninguém nunca havia sido tão direto comigo. Meus pais sempre tentaram, mas nunca conseguiram fazer com que eu visse a realidade, havia sempre um tom formal em suas palavras, como se não fosse uma preocupação de pai ou mãe, como se o problema não fosse comigo e sim eu mesma. Continuei dirigindo em silêncio e estava respeitando meu espaço. Fiz uma curva para à esquerda e parei o carro, piscando o farol duas vezes. Vi sair de trás de alguma coisa e correr na direção do carro. Respirei fundo, antes de voltar a encarar e dizer:
- Obrigada. – respondi por fim, vendo sua expressão dura se amenizar um pouco. – Ninguém nunca falou assim comigo e eu acho que precisava.
- Eu tô aqui pra isso, não é? Pra te puxar pra realidade quando precisar.
- E eu vou precisar bastante. – sorri de lado, ligando novamente o carro.
- Que bom. – falou, colocando uma de suas mãos em minha perna e apertando levemente. – Porque eu não vou a lugar algum. Sorri, ouvindo abrir e fechar a porta e como quem não tinha feito nada, ele engrenou uma conversa qualquer com . Balancei a cabeça, rindo baixo, porque se Danny não ia a lugar algum, ele deveria se acostumar com tudo. Inclusive com o .



Vigésimo

Five hundred twenty-five thousand six hundred minutes.
How do you measure, a year in the life?
How about love?
Measure in love.

(Rent - Seasons of love)
Música do capítulo. Coloque-a para tocar quando aparecer o pedido.


A próxima passagem de tempo foi planejada e é para o melhor desenvolvimento da história. A primeira parte da história, do primeiro capítulo até o décimo nono, durou cerca de seis meses: de julho a dezembro. A partir desse capítulo a principal será a principal narradora, mudando para o principal quando for necessário, pois a história girará mais entorno dela e das coisas que acontecem em sua vida, na sua família e no seu país. Lembrando que na vida real o Primeiro Ministro e o Parlamento são os responsáveis pelo país, o Monarca tem o poder “simbólico”, sem ser diretamente responsável pelas decisões.

Um ano, um mês e vinte e um dias depois.

Esses últimos meses foram uma loucura total. Depois de terminar meu curso, eu estou de volta à Dinamarca de forma definitiva. Não tive argumentos para convencer meus pais que eu merecia mais algum tempo em Londres, até porque o prazo para que eu assuma a coroa está terminando. Tenho cerca de quatro meses para casar ou tentar alterar a bendita lei que faz necessário o meu casamento. Eu não posso optar por um casamento arranjado, não tendo em minha vida. Não consigo mais me imaginar sem ele, por mais que passemos mais tempo separados agora, foi bom para perceber o quão forte era o nosso relacionamento. Não havia espaço para ciúme, brigas ou qualquer outra coisa. Os poucos momentos que tínhamos juntos eram todos destinados ao amor. Apenas a ele.
Ele estava no final do seu período de experiência no escritório, eles tinham prolongado um pouco o prazo de um ano que deram, porque ofereceram um caso para ele ser responsável, como um último teste. Pela primeira vez ele agiria como advogado oficial do grupo, não apenas como assistente. E como o caso acabou se prolongando, decidiram dar a resposta somente depois. Mas, sinceramente, não vejo como ele não conseguir esse emprego. Ele é um dos que mais trabalham naquele lugar, está sempre fazendo hora extra, se esforçando para ajudar em tarefas que não são de sua responsabilidade e conseguindo realizar tudo com muita competência. Algumas vezes que fui vê-lo, ele chegou tarde e caiu direto na cama, sem conseguir nem tirar os sapatos. Não o culpo, eu tenho tido minha cota de realidade também. E ela tem sido quase esfregada na minha cara.
Quando meu pai reclamava das reuniões, eu sempre achava que era besteira. Como poderia cansar tanto ficar sentado durante o dia inteiro, tendo apenas que falar com as pessoas? Eu pensava isso até conhecer o tal cansaço mental. Meu pai me “forçou” a começar a comparecer as reuniões, porque eu precisava me inteirar nos assuntos. Nos milhares de assuntos. Queria saber qual é a lógica de debater uma possível ajuda para combater a divida externa de outro país numa hora, na hora seguinte a quantidade de dinheiro que será investido no próximo festival de cinema e depois discutir uma possível candidatura para sediar um evento esportivo? Sério, será que não teria uma forma de agrupar assuntos por tema? Assim apenas uma parte do nosso cérebro seria forçada de uma vez. Muito ingênua, perguntei para o meu pai. Ele riu e respondeu:
“- Quem dera que fosse assim.”
Conforme a população tomou conhecimento da minha presença nessas reuniões, minha popularidade subiu consideravelmente. As pessoas passaram a me levar mais a sério, começaram a aceitar e crer que eu poderia me tornar uma boa sucessora para o meu pai. E ajudou muito nisso. Ao longo do último ano, enquanto eu dividia meu tempo entre a Inglaterra e a Dinamarca, sempre carregava comigo nas minhas visitas. As pessoas juntaram a minha mudança de comportamento com ele, como se ele estivesse me mudando para melhor. O que era a mais pura verdade. Essa popularidade ajudou muito na minha própria autoestima, eu passei a realmente acreditar que podia assumir o trono e fazer um bom trabalho. Ou pelo não arruinar o país.
Depois de mais um dia mentalmente cansativo, sentei em minha cama, deixando meu corpo cair no colchão. Estiquei o braço para alcançar o celular na bolsa, procurando pelo último número discado.

- Oi, meu bem. – ouvi a voz do do outro lado da linha. – Estou chegando em casa nesse momento. – sua voz soou estranha, como se ele estivesse fazendo força.
- Acabei de chegar também. Imagino que esteja carregando uma pilha de documentos. – comentei, ouvindo-o rir do outro lado.
- Como adivinhou? – ele perguntou, soltando um suspiro logo em seguida. – Sou tão previsível assim? – sua voz soou mais leve, mas ainda cansada.
- Um pouco. – sorri, me sentindo bem melhor só de ouvir sua voz. – Estou com saudades. Já faz duas semanas que não nos vemos.
- Eu sei, também tô louco pra te ver. Que horas você vem amanhã?
- Amanhã?
- Sim, dia dos namorados. Esqueceu?
- Completamente. – respondi, sentando na cama e passando mão nos cabelos. – Amanhã é impossível pra mim, . Vou acompanhar o meu pai na inauguração do novo hospital, depois tem o almoço com os representantes japoneses e de tarde a reunião semanal com o primeiro ministro. Não tem como você vir, eu peço para te buscarem, passamos o final da tarde e jantamos juntos. Pode voltar amanhã mesmo.
- Amanhã é o primeiro dia do julgamento, . Sem chances de eu sair da cidade.
- Droga. – murmurei, me jogando na cama de novo. – Eu vou dar um jeito, juro. Nós vamos nos ver amanhã, nem que seja por cinco minutos.
- Tudo bem. Qualquer coisa jantamos juntos pelo Skype, podemos acender velas, será romântico. falou, tentando soar sério.
- Você não existe. – respondi, não restringindo meu comentário a um elogio, deixando livre para qualquer entendimento.
- E o seu dia, como foi? – ele mudou drasticamente de assunto. tinha dessas coisas, às vezes estava meio aéreo, se perdia na conversa e pra consertar tudo começava a falar de outra coisa completamente aleatória. E isso acontecia constantemente quando ele estava cansado.
- Um monte de reuniões intermináveis, conversas com o meu pai e toda a burocracia do país jogada no meu colo.
- Soou bem normal pra mim. - ele comentou rindo baixo em seguida. – Pelo menos a população te leva a sério agora.
- Bem, se depois de tudo isso eles não levassem, eu teria que desistir. Largaria tudo nas mãos do Thomas e sumiria com você.
- Ameaçar largar tudo com o Tom não é a melhor forma de mostrar que você se importa. - disse, fazendo com que eu risse alto.
- Coitado do meu primo, ninguém o leva a sério.
- Não é como se ele estivesse muito preocupado com isso, . – tinha um tom de descrença em sua voz, assim como um cuidado com as palavras. sempre agia assim quando queria falar sobre algo que poderia me chatear. – E, bem, não deve ser ruim ter a vida dele. Ser da realeza e não ter que se preocupar com nada no mundo. Sem trabalho, preocupações, cobranças. Fora que ele pode ter todas as garotas que quiser.
- Você quer ter todas as garotas também? – perguntei, usando seu último argumento contra ele mesmo.
- Claro que não, já passei da fase de querer todas, pare de ser boba. Há um ano e aproximadamente sete meses eu só quero uma pessoa. respondeu, usando sua voz suave contra mim. Ele sabia que eu nunca resistia por muito tempo quando ele fazia isso. E dessa vez não foi diferente.
- Ok, sua barra tá limpa de novo.
- Que bom, porque eu preciso desligar antes que durma sentado e vestido de novo. Fora que eu não posso me dar ao luxo de apenas dormir, tenho centenas de páginas para reler. Eu preciso, preciso mesmo estar bem preparado amanhã, é a minha chance e...
- , vai dar tudo certo. – interrompi seu pequeno surto. – Você tá mais do que preparado, só precisa relaxar e fazer o melhor que sabe.
- Eu te amo. disse, fazendo com que eu sorrisse mais uma vez.
- Eu sei disso. – respondi, ouvindo-o resmungar do outro lado. – Eu também te amo.
- Também já sabia disso.
- Até amanhã.
Assim que desliguei o telefone, corri até o quarto dos meus pais, precisava resolver esse assunto.


- Sem chances. – meu pai respondeu, tirando os óculos e apoiando na mesa de cabeceira. Minha mãe estava ao lado, mas nem se movia, fingia estar muito mais interessada no livro que lia. – Não tem como você se ausentar amanhã, não do almoço com os japoneses e muito menos da reunião com o Primeiro Ministro.
- Mas, pai, é dia dos namorados. – falei e vi minha mãe balançar a cabeça lentamente e rolar os olhos. Ela parecia prestar bastante atenção para alguém que não se importava. Eu realmente achei que ela mudaria com o tempo, que ela aceitaria o , mas parece que isso é algo impossível.
- Quando assumir o trono, não importa se é aniversário do seu filho, você não vai poder cancelar um compromisso importante por isso.
- Eu sei muito bem disso. – murmurei, vendo-o me olhar de uma forma mais carinhosa.
- Querida... – disse, pegando uma de minhas mãos e fazendo um carinho. – Você sabe o quanto eu me sinto mal, culpado por essas coisas, só que estão além do que eu posso mudar.
- Tudo bem, pai, não precisa ficar assim, ok? – pedi e ele me deu um sorriso fraco como resposta. – E se eu for depois dos nossos compromissos e voltar antes dos do dia seguinte?
- Você vai mesmo viajar pra ficar poucas horas lá?
- Nem que fosse para passar alguns minutos. – respondi, vendo que ele balançou a cabeça em negação e sorriu.
- Esteja aqui antes das nove.
- Estarei antes das oito se quiser. – falei, pulando em seu colo e o abraçando.
- Agora vai dormir, teremos um dia longo amanhã. – beijei seu rosto e corri para fora do quarto, mas quando terminava de fechar a porta, eu ouvi minha mãe se manifestar.

- Toda semana é isso, ela inventa de ir para a Inglaterra como se fosse a coisa mais importante do mundo. – ela disse em tom de desprezo. Encostei meu ouvido na madeira e tentei encontrar uma forma de conseguir ouvir com clareza tudo o que falavam.
- Mary, não começa. – meu pai pediu e eu pude sentir a falta de paciência em sua voz.
- Frederico, ela tem um pouco mais de quatro meses e você não pode voltar atrás num compromisso firmado com toda a população. Ela precisa casar! – ela afirmação pareceu ser direcionada para mim, como se ela soubesse que eu estava ali escutando.
- E o que você quer que eu faça? Não vou forçá-la a casar com alguém que ela não queira. Se o prazo acabar e a ainda estiver solteira, ela terá que arcar com as consequências. Ela pode entrar com um pedido de adiamento no Parlamento, não sei. A única coisa que eu sei é que você precisa parar com isso, se mostrar sempre contra, como se a felicidade dela não fosse importante. Não vê que esse rapaz fez bem a ela? Não percebeu como ela está mais responsável? Como ela está disposta a participar de tudo e sempre sem reclamar? – ele indagou se uma forma tão firme, que até eu fiquei meio sem jeito. – Você poderia parar de torcer contra e tentar ajudar pelo menos uma vez?
- Eu vou ajudá-la sim, Frederico, mas vou ajudar do meu jeito.
- Como assim do seu jeito? – meu pai perguntou, desconfiado. Senti que ele havia ficado preocupado e eu também. O dobro de preocupação, talvez.
- Do meu jeito. – ela finalizou a conversa e eu percebi isso, porque vi a claridade diminuir pela fresta da porta. Eu já imaginava que a minha mãe aprontaria algo, só não tinha a confirmação que queria. Agora era só sentar e aguardar o show de horrores que se aproximava.


Eu acho que quando você está com a sua cabeça em outro lugar, pensando no que vai fazer no final do dia, o tempo demora muito mais para passar. A verdade é que os minutos pareciam se arrastar, como se fossem longas horas. E quando você está na companhia de um grupo de sete japoneses, só tende a piorar. Eu encarava cada um deles, tentando lembrar seus nomes, mas eles pareciam tão iguais, que eu não conseguir discernir quem era quem. Olhei mais uma vez para o relógio, vendo o mesmo marcar 15:27. Esse almoço estava demorando mais do que o esperado, a reunião com o Primeiro Ministro estava marcada para as 15:30 e não havia nenhum sinal de que já estávamos indo. Tudo bem que o Japão é um dos mercados com quem temos mais ligações, só que nada disso vai desandar se sairmos logo desse restaurante. Meu pai me lançava um olhar sério cada vez que eu olhava meu relógio, suspirava um pouco mais alto ou tamborinava os dedos na mesa. Mas o que eu posso fazer? Quando eu fico nervosa ou ansiosa, eu fico inquieta, então não melhoria até sentar na poltrona do avião e, enfim, contar os minutos até estar nos braços dele. Tudo o que eu quero nesse momento é passar a maior quantidade possível de tempo com o , coisa que se tornou rara. Só fiquei atenta novamente quando ouvi um agradecimento conhecido em japonês e em seguida todos se levantando. Olhei para o relógio e vi que já eram 16:33, muito além do horário programado e planejado para terminar. Me mostrei simpática e presente durante a despedida, somente meu pai tinha percebido minha ausência mental na reunião.

- Você poderia, pelo menos, disfarçar melhor sua falta de interesse. – meu pai disse, assim que nos sentamos no carro. Apoiei a cabeça no banco e olhei para o lado de fora, me preparando para o provável sermão que ouviria. Na verdade, eu nem ouvi muita coisa. Só um pedido mais enérgico de atenção enquanto estivermos em reunião, sem demonstrações de impaciência ou pressa, pra ele nada é resolvido assim. E cinco minutos depois a raiva tinha passado e o sermão acabado, meu pai não faz o tipo que dá broncas, por mais errada que a pessoa esteja. Ele é mais de conversa, mais pacificador ou negociador, talvez seja por isso que ele é um bom governante.
Tentei ter isso em mente quando chegamos à última reunião do dia. Eram 17:07 e no meu planejamento, eu já estaria a caminho do aeroporto. O Primeiro Ministro nos aguardava na sala de reuniões do prédio do Parlamento. Sua aparência não era das melhores, pois ele nos aguardava há mais de uma hora e meia, e ninguém gosto de esperar. Mas ninguém nunca reclama com o Rei, é como a Julie Andrews fala no filme O Diário da Princesa: “A Rainha nunca está atrasada, os demais que estão adiantados.” Não foi uma boa opção lembrar desse filme, pois fiquei longos minutos pensando em como a vida da Mia parecia com a minha e como ela conseguiu contornar tudo. Ela também precisava se casar para assumir o trono, mas não casou e isso não a impediu de seguir seu caminho e se tornar Rainha. Talvez eu tivesse que agir como ela e enfrentar o Parlamento como meu pai havia comentado. Provavelmente seria melhor fazer isso o quanto antes e não deixar para ser tão em cima da hora do meu prazo. Mas se eu pensar bem, isso será bem complicado, não consigo lembrar de alguma mulher que se tornou Rainha sem ser casada, nem deve existir uma brecha na lei. Sim, será complicado e quanto antes eu procurar resolver isso será melhor. Vou pedir ajuda ao , ele como advogado deve saber como se orientar, mesmo não sendo seu campo de formação e de preferência. Quando meu pai me olhou com uma expressão feia e limpou sua garganta de forma alta o bastante para ser ouvida do lado de for da sala, eu percebi que era momento de entrar no assunto, sem ficar viajando.


Entrei correndo no meu quarto, jogando minha bolsa em cima da cama. Tirei algumas peças de roupa do armário e coloquei perto da bolsa, a Ellen chegaria num minuto e arrumaria tudo enquanto eu tomava um banho. Olhei no relógio e ele marcava 19:33. Ok, em Londres é uma hora a menos, não estava tão ruim de horário, eu ficaria menos tempo do que queria, mas ainda poderia aproveitar boa parte da noite. Bem, poderia. Parecia que tinham dado um nó na cidade de Copenhague naquela noite, nenhum carro andava direito. Peguei um engarrafamento terrível até o aeroporto, estava tudo parado. Parecia até praga da minha mãe e todos dizem que praga de mãe pega, e se realmente pegasse, eu não chegaria hoje na Inglaterra. Quando entrei no avião, quase implorei para o piloto decolar logo, ele apenas sorriu e me pediu paciência. Sei que ele não tem nada com a minha vida, mas ele deveria saber que não deve contrariar seu patrão quando o mesmo está nervoso e apressado, você deve apenas fazer o seu trabalho o mais rápido possível. Talvez algo no olhar que eu lhe lancei disse algo parecido com isso, pois o mesmo pedia permissão para decolagem logo em seguida. Já eram quase nove da noite aqui, até eu pousar, seriam nove da noite lá. Pelo menos o fuso horário estava ao meu favor.

Eu sempre gostei de andar de avião, a ideia de estar mais perto das nuvens do que da terra firme me dava a sensação de liberdade, de tranquilidade. Quando pequena, eu sentia como se estivesse voando, conseguia até mesmo sentir o vento batendo em meu rosto, sacudindo meus cabelos. Mas quando eu cresci, as coisas mudaram um pouco, eu me sentia não só longe do chão, mas também longe de tudo o que me incomodava, me atormentava, de tudo o que me deixava para baixo, e da mesma forma que eu gosto de olhar a cidade do alto do palácio, eu gosto de olhar o mundo de cima, não para me sentir superior, mas sim para tornar tudo mais fácil. Só que agora as coisas mudaram um pouco, andar de avião ainda ajuda nisso tudo, mas tenho outra coisa que me liberta de tudo: . Quando eu estou com ele todos os meus problemas se transformam em nada, a única coisa que realmente importa é ele e o fato de estarmos juntos. Eu nunca pensei que sentiria algo assim por alguém um dia, é até meio estranho de explicar, porque ele me mudou tanto, fez com que eu revesse tantas coisas na minha vida, que não parece que estamos juntos há um pouco mais de um ano. Parece que o nosso amor é de uma vida toda. E se depender de mim, ele será.

O carro da embaixada estava me esperando na pista do aeroporto. Agradeci ao piloto e aos comissários de bordo e desci os poucos degraus do avião, seguindo até o carro. Sorri para o motorista antes de entrar no banco de trás. Só saber que em alguns minutos eu estaria em seus braços, meu coração alternava em batidas lentas de tranquilidade e batidas rápidas de ansiedade. Quando saímos do aeroporto e ganhamos as ruas de Londres, era possível ver casais felizes enfrentando o frio e o vento em passeios tranquilos ao luar, alguns rapazes caminhando apressadamente com um buquê nas mãos ou meninas com presentes bem embrulhados. Logo lembrei que não tinha comprado nenhum presente para o , nem uma lembrancinha sequer. Entrei meio que em desespero, o que eu acharia para comprar agora?
O carro parou na frente do bar do tio do e eu pedi para que eles viessem me buscar às 06 da manhã do sai seguinte, sem atrasos. Dispensei a ajuda para carregar minha bolsa e agradeci com um sorriso. Coloquei minha mochila nas costas e peguei a sacola de comida chinesa que havia comprado – como um presente bem absurdo – com uma das mãos. Vi que o bar estava bem movimentado, então só entrei rapidamente na cozinha para abraçar o Paul e a Carlie. Eles me disseram que havia chegado há algumas horas e não tinha descido nem para comer. Agradeci o aviso e continuei meu caminho até o quarto dele. Naquele instante eu lembrei que havia esquecido de confirmar que viria hoje, fora que não nos falamos ao longo de todo o dia. Cacei meu celular e vi que tinham algumas chamadas não atendidas, mas como eu não tinha tirado do silencioso desde as reuniões, eu nunca ouviria. E como eu conheço bem o namorado que tenho, tenho certeza que ele não está nem um pouco contente. Bati na porta e esperei calmamente até que ele viesse abrir.

- Tá aberta. – ele gritou lá de dentro, mas eu ignorei e bati novamente, queria que ele viesse até a porta. – Tá aberta! – falou um pouco mais alto e um pouco mais nervoso. Bati de novo, ouvindo-o xingar do lado de dentro e caminhar batendo os pés até a porta. Quando a mesma se abriu, vi sua expressão passar de irritado, para surpreso e depois para feliz em poucos segundos.
- Surpresa. – falei, antes de sentir suas mãos em minha cintura e meu corpo ser puxado para dentro.


Fui colocada contra a porta e logo os lábios de estavam nos meus. Sorri durante o beijo, sentindo muito bem a demonstração da sua saudade e de como ele estava contente em me ver novamente. Deixei a sacola cair aos nossos pés e me livrei da minha mochila, também deixando-a pelo chão. Fiz força para que eu levasse de costas até perto da sua cama, conseguindo tirar meus sapatos pelo caminho. Desci minhas mãos de sua nuca, as guiei até seus ombros, descendo pelos braços e depois seguindo para o seu peito, onde eu desabotoava sua camisa. Era meio difícil me concentrar nos botões, enquanto ele beijava meu pescoço e pressionava seu corpo contra o meu. Ele riu da minha falta de jeito e me deitou na cama, cuidando dos seus próprios botões. Sua blusa passou a ocupar o chão do quarto, sendo seguida pelo restante de nossas roupas. Não perdemos muito tempo falando naquela noite, apenas reservamos alguns minutos para comermos a comida chinesa – fria – que eu trouxe e logo voltamos a nos embolar em seus lençóis. Talvez fosse por ação da saudade que estávamos sentindo depois das semanas que passamos longe. Talvez fosse apenas influência do dia dos namorados. Ou então poderia ser só amor. Daquele tipo que te faz sentir dor quando está longe e uma alegria infinita quando está perto. Aquele sentimento que te faz se sentir nas nuvens, como se voassem por entre elas e alcançassem um paraíso que existisse só para nós dois. Pra mim, parecia clichê pensar coisas assim, mas parece que as pessoas tendem parecer com as pessoas que amam. Mas se a consequência de amar fosse essa, eu não me importo de me tornar piegas.

Ainda estava muito escuro lá fora, como se a noite estivesse no seu começo, mas a realidade é que já estava muito tarde. Eu sabia que deveria levantar, porque o motorista viria me buscar em alguns minutos, mas isso significava deixar mais uma vez e isso eu não queria mesmo. Passamos a noite toda acordados, mesmo eu tendo compromissos o dia inteiro e mais um dia de julgamento. Só que ao lembrar que não tínhamos certeza de quando nos veríamos de novo, o sono sumia e a vontade de ficar o tempo todo juntos – de várias formas – nos dominava. Virei meu corpo para ficar de frente para ele, que me encarava com aqueles grandes e lindos olhos . Olhos esses me pareciam me invadir, me ler por completo, ao mesmo tempo em que transmitia tudo o que se passava em seu coração. Ele sorria, como se gostasse do que via e eu sorria de volta, porque, definitivamente, amava o que estava vendo.

Coloque a música para tocar agora.

- Preciso levantar. – falei baixo, quebrando o silêncio que se instalara.
- Não, fica aqui comigo mais um pouco. – pediu, colocando uma de suas mãos em minha cintura e puxando meu corpo para mais perto. – Só mais um pouquinho.
- , eu tenho que estar as nove na Dinamarca. Tenho, sei lá, duas horas para isso, não esqueça que a viagem me rouba uma hora.
- Maldito fuso horário. – ele reclamou, fingindo uma careta.
- Mas ele me deu mais uma hora com você ontem. – ponderei, reprimindo um sorriso.
- Bendito fuso horário. – disse, sorrindo abertamente depois.
- Preciso levantar, de verdade. Juro que se não tivesse compromissos hoje o dia todo, ficaria nessa cama te esperando, mas agora sou uma garota responsável. – falei, erguendo uma sobrancelha e me fingindo de séria. – E tudo isso é culpa sua.
- Ok, eu deixo você levantar, mas antes eu quero te dar seu presente de dia dos namorados um pouco atrasado.
- Estou me sentindo mal, não comprei nada pra você, mas juro que vou te recompensar.
- Não se preocupe com isso, é um presente de segunda mão. – ele deu de ombros, como se não fosse nada de muito importante.
- Hmm, você tá me deixando curiosa. – falei, vendo-o levantar e mexer na mesa de cabeceira.
- Acende o abajur, por favor. – ele pediu e eu virei o corpo na direção da mesinha do meu lado, me enrolando um pouco para achar o interruptor.
- Pronto. – falei, voltando a olhar em sua direção. Ele estava sentado de frente para mim, segurando uma caixinha preta em suas mãos. Senti meu coração acelerar a ponto de não conseguir respirar direito. Vendo minha falta de ação, colocou-a em minhas mãos e disse:
- Abre. - respirei fundo, tentando controlar o tremor das minhas mãos, mas era quase impossível. – Era da minha mãe. – ele sorriu de lado, meio sem jeito.
Com toda a calma que consegui reunir, levantei a tampa aveludada e me deparei com um anel. Levantei os olhos e encontrei ajoelhado na beira da cama, com olhos brilhando e o sorriso mais lindo que já vi na vida nos lábios. Eu procurava palavras, mas parecia que todas haviam desaparecido. Não existia nenhuma que pudesse ser utilizada naquele momento e que tivesse o significado que eu queria, que conseguisse transmitir o que eu estava sentindo. Senti uma lágrima rolar pelo meu rosto, meu coração bater mais descompassado do que nunca e uma felicidade desmedida preencher meu corpo, a ponto de não me deixar respirar. Se alguém, naquele momento, me perguntasse se era possível morrer de felicidade, eu diria que sim, porque estava a ponto disso.
- Meu pai sempre me contou a história desse anel, de como ele estava na minha família há várias gerações e de como ele trouxe muita felicidade para a mulher que o usava. Ele também disse que um dia eu encontraria uma pessoa que me faria feliz, da mesma forma que a minha mãe o fazia. Que eu encontraria uma pessoa pela qual eu me apaixonaria a ponto de não querer mais ninguém, a ponto de me mudar, de me completar. A pessoa pela qual eu fosse capaz de deixar tudo para trás e seguir até o fim do mundo, se fosse necessário. E quando eu a encontrasse, eu deveria dar esse anel a ela, junto com o meu coração. E mais uma vez ele estava certo. Em você eu encontrei tudo o que ele falava, encontrei tudo o que eu queria. Pude, finalmente, entender a forma que ele olhava para e minha mãe, pude sentir o amor presente naquele olhar. Por isso, por tantas outras coisas maravilhosas que você me proporcionou e pela alegria que você trouxe para a minha vida, eu lhe pergunto: , você quer se casar comigo?
Alternei meu olhar entre seus olhos e o anel por alguns – muitos – segundos. Não porque eu não sabia o que responder, porque eu já sabia, como sabia. O problema é que eu não tinha certeza se conseguiria falar. Não sabia se ao abrir minha boca, um choro descontrolado sairia ou se eu conseguiria falar como uma pessoa normal. Esse era, de longe, o momento mais especial da minha vida. Tinha superado vários, e praticamente todos tinham ao relacionado ao . Como a primeira vez que nos beijamos, nossa primeira noite juntos ou quando ele disse que me amava pela primeira vez. Talvez nada pudesse superar esse curto espaço de tempo, então prolonga-lo soava como a melhor opção. Mas conforme o tempo passava, a expressão de demonstrava mais expectativa e um pouco de apreensão. Então, não querendo que ele tivesse uma ideia errada de minha resposta, reuni toda a coragem e o amor que existiam dentro de mim, tentando dizer da forma mais firma que eu conseguia.
- Sim. – sussurrei, vendo um sorriso mais maravilhoso ainda surgir em seus lábios. Levantei da cama, me jogando em seus braços e quase nos derrubando no chão. – Eu quero me casar com você, mais do que qualquer outra coisa nesse mundo. – ele pegou o anel e, gentilmente, deslizou pelo meu dedo, beijando-o em seguida. E assim a minha vida se transformou, enfim, num conto de fadas. Com direito a um príncipe. O meu príncipe.



Vigésimo Primeiro

Long live the walls we crashed through
All the kingdom lights shined just for me and you

(Taylor Swift – Long Live)


Eu não conseguia controlar meu sorriso ao encarar meu anel de noivado. Era muito estranho pensar no como meu noivo, como meu futuro marido. Não era um estranho num sentido ruim, mas estranho por ser estranho mesmo. Como também é ao pensar que eu, finalmente, havia encontrado alguém que eu pudesse amar e que essa pessoa me amava também, com a mesma maneira e intensidade. Amar e ser amado pode parecer simples, mas acho que é uma das coisas mais difíceis de todo mundo. Encontrar alguém em meio aos bilhões que existem no mundo, se apaixonar e ter a sorte de ter esse amor retribuído. Eu sou sortuda, mais ainda por alguém como o . Ele não é apenas uma das melhores pessoas de todo o mundo, ele é a minha pessoa.
Ouvi o aviso do comandante para apertar os cintos e assim o fiz. Senti o avião fazer uma leve curva para a esquerda, vendo a paisagem de Copenhagen através da minha janela. As nuvens pesadas cobriam o céu e o tempo lá fora parecia mais frio do que nunca. Vesti minhas luvas, um ótimo acessório para evitar que vissem meu anel de noivado, e comecei a me preparar para desembarcar. Não que eu não quisesse que as pessoas soubessem que ele havia me pedido em casamento, mas acho que seria mais correto contar para os meus pais primeiro, antes que eles acabem sabendo pela mídia. viria para a Dinamarca na sexta à noite e nós dois, juntos, contaríamos a novidade para a família. Por mais que fosse doloroso, eu teria que tirar o anel do meu dedo pelos próximos dias.
Como ainda estava cedo, por volta das oito da manhã, resolvi passar em casa para tomar um banho e trocar de roupa, tirar minha cara de noite mal dormida/felicidade incontrolável, antes de seguir para o compromisso que eu tinha com o meu pai. E também, eu queria mostrar para ele e minha mãe que eu conseguia cumprir com a minha palavra e chegar antes até do horário combinado. Então, assim que desci do avião, pedi para que o motorista me deixasse em casa. Seguimos pelas ruas ainda vazias de Copenhagen, as pessoas não pareciam muito dispostas para enfrentar a baixa temperatura que fazia na cidade. Algumas corajosas corriam pelo parque, outras caminhavam apressadas para os pontos de ônibus ou estações de metrô.
Assim que cheguei em casa, não fui direto para o meu quarto, e sim para o quarto de Ellen, eu não conseguiria manter esse segredo de todo mundo. Quase corri pelos corredores, cumprimentando alguns empregados que via pelo caminho. Passei pela sala de jantar e pedi para que colocassem um lugar para mim à mesa. Parei na porta do quarto de Ellen e bati apressadamente. Murmurando algum tipo de reclamação, ela veio abrir a mesma.

? O que houve? – perguntou, sem abrir muito a porta e com uma expressão um tanto quanto confusa.
– Eu precisava te contar uma coisa ou então morreria antes mesmo do café da manhã – Ellen estudou minha fisionomia por alguns segundos, antes de sua própria se contorcer numa careta assustada.
– Não me diz que você tá grávida. Por favor, não me diz que você tá grávida – foi a minha vez de ficar assustada, mas logo soltei uma gargalhada alta, deixando o clima mais leve.
– Deixa de ser boba, Ellen, não é nada disso. É isso – falei, tirando a luva e estendendo a mão direita em sua direção. Ela esbugalhou os olhos e cobriu a boca com a mão.
– Não! – ela exclamou, gritando um pouco alto demais.
– Sim – falei, não conseguindo mais conter meu sorriso.
– Meu Deus! Vocês vão ser tão, tão, tão felizes – ela murmurou, puxando-me para um abraço apertado. – Quando foi que isso aconteceu? Como?
– Foi ontem. O anel é meu presente de dia dos namorados – suspirei levemente, sem conseguir parar de sorrir. – Foi tudo tão simples, sabe? Tão ! Sem grandes comoções, mas absurdamente lindo e inesperado. Antes que eu pudesse me dar conta do que estava acontecendo, ele já estava de joelhos e dando seu coração pra mim.
– Eu não sei nem o que te dizer, . Tudo isso é tão... perfeito. Parece que tudo está, finalmente, entrando nos eixos – ela foi interrompida por um barulho vindo do seu banheiro. Ela prendeu a respiração por uns segundos e seu rosto ficou completamente vermelho.
– Ellen, tem alguém aqui com você? – perguntei, estranhando sua reação alarmada. – É tipo um namorado? – falei mais baixo, quase sussurrando. Estava adorando aquilo, nunca tinha visto Ellen com alguém, e eu sou daquele tipo de pessoa que quer todos felizes ao seu redor.
– Ai, meu Deus – ela deixou o rosto nas mãos e sentou-se na cama. – Eu nem sei como começar a te explicar isso.
– O que tá acontecendo? Você sabe que pode me falar, não sabe?
– É difícil de explicar, muito difícil – ela começou, mas acabou interrompida mais uma vez, só que agora por uma voz conhecida.
– Acho que não podemos mais esconder, Ellen – saiu do banheiro, vestindo um pijama e segurando nos braços suas roupas habituais de trabalho. Meu cérebro deu um nó e eu precisei de alguns segundos para entender o que estava acontecendo. Logo que tudo ficou claro, um acesso de riso tomou conta de mim e eu não consegui me controlar. Acho que fiquei rindo sozinha por quase dois minutos, antes que eu pudesse voltar a respirar normalmente outra vez.
– Eu não tô acreditando no que estou vendo! – exclamei, enquanto mordia o lábio inferior e Ellen escondia mais o rosto. – Vocês dois estão juntos? Como isso aconteceu? Quando?
– Em Londres – Ellen murmurou, com suas mãos impedindo que as palavras saíssem altas o bastante. – E foi sua culpa.
– Minha? Eu, por acaso, empurrei o para a sua cama? – rolei os olhos.
– Não, não empurrou, mas me fez conviver perto dele todos os dias, ainda mais com aquela coisa de namorado de mentira para enganar o .
– Por que esconderam de mim? – perguntei, cruzando os braços. – Já tem mais de três meses que voltamos de vez.
– Porque é estranho – Ellen finalmente levantou seu rosto e olhou em minha direção. – Você está acostumada com um tipo de relacionamento entre nós, coisa apenas profissional, e, de repente, nós somos um casal. Como isso poderia soar bem, como seus pais reagiriam?
– Eu estou falando de mim, e não deles. Confesso que estou muito decepcionada com vocês dois. De verdade.
– Para com isso, . Vamos falar de algo muito mais importante – falou, colocando a roupa em cima da cama e puxando minha mão em sua direção. – Anel bacana, hein.
– Era da mãe dele – suspirei mais um vez, já tinha perdido as contas de quantas vezes tinha feito isso nas últimas horas.
– Mais especial ainda – ele completou. – Já sabe como vai contar para os seus pais?
– Ainda não, mas sei que farei isso junto com o . Alguém tem que dividir o rojão comigo, certo? – falei, olhando a hora. – Não pense que esqueci, vocês estão na minha lista. Depois quero saber mais sobre isso. Tenho que ir agora, ou então vou me atrasar para as reuniões.

Sai do quarto de Ellen e segui rapidamente para o meu. O café ainda não estava posto, então eu tinha alguns minutos para um banho e trocar de roupa. Tirei meu anel e coloquei em cima da minha mesa da cabeceira, num lugar onde ele não tivesse risco de desaparecer. Eu o tinha em meu dedo por tão pouco tempo, mas já parecia que ele era uma extensão do meu próprio corpo, então era bem difícil tirá-lo do meu dedo. Depois de trocar de roupa e colocar algo mais “formal”, desci para me juntar aos meus pais no café. Acho que eles não sabiam que eu já havia chegado, já que me receberam na sala de jantar com uma expressão surpresa.

– Eu disse que chegaria até mesmo antes do horário marcado – falei, sentando-me do lado oposto da minha mãe. – Bom dia.
– Bom dia, minha querida – meu pai disse, deixando o jornal de lado e lançando um sorriso em minha direção. – Fico feliz com a sua pontualidade e, mais ainda, com sua responsabilidade.
– Não me leve a mal, pai, mas responsabilidade se tornou meu nome do meio nos últimos meses. E vocês são testemunhas – dirigi-me a eles, enquanto me servia de suco de laranja e pegava a metade de um mamão.
– Sim, nós somos mesmo, e estamos felizes com isso, certo, Mary? – ele tentou introduzir minha mãe em nossa conversa. Ela levantou os olhos do jornal, olhou em minha direção e apenas acenou com a cabeça. Meu pai me olhou como quem dissesse “sinto muito”. É claro que ele sentia, até eu mesma sentia. Sentia muito pela falta de interesse que a minha mãe parecia querer esfregar na minha cara. Pela capacidade absurda de não conseguir se sentir feliz por mim, por eu estar verdadeiramente feliz. E, principalmente, sentia muito por não ter uma mãe de verdade para compartilhar o momento que estava vindo. Toda garota sonha com o dia do casamento, e a mãe é uma peça importante desse momento, é a pessoa que está ali para te aconselhar e te ajudar em qualquer coisa. Mas eu sinto que se ela não fosse obrigada, se não fosse para manter as aparências, era bem capaz dela não aparecer. Resolvi ignorar e continuar com o meu café, antes que isso tudo me desse uma indigestão.
ficou feliz com a sua surpresa? – meu pai perguntou, tentando afastar o clima estranho que se instaurou. Ouvi minha mãe bufar, deixando o jornal de lado e bebendo um pouco mais de seu chá. Quase falei que ela podia se retirar, mas seria muito bom para ela. Então resolvi prolongar o assunto ‘’, já que ela adora quando falamos nele.
– Ele adorou. Ontem foi muito conturbado lá no trabalho, o caso dele tá quase se resolvendo, então as coisas estão corridas, sempre entre o tribunal e o escritório. Mas parece que tudo vai dar certo, é quase causa ganha.
– Mas ele ainda está em período de experiência ou já foi efetivado? – meu pai parecia realmente interessado no assunto, o que fez minha mãe ficar mais furiosa. Ela não aceitava que meu pai, e o restante da família, gostassem do da maneira que ele merecia.
– Como essa causa veio parar nas mãos dele no final do estágio, resolveram esperar a conclusão e só dar a resposta depois que ele resolvesse tudo. E, aparentemente, está tudo se encaminhando para uma efetivação – comentei, não controlando o sorriso que surgiu logo depois. Eu parecia sempre mais orgulhosa do que ele de suas próprias conquistas.
– Ele é um bom rapaz, merece tudo o que está conquistando – meu pai deu uma piscadela, inclinando a cabeça na direção de minha mãe e reprimindo um sorriso.


Depois de um longo dia de compromissos quase intermináveis, eu finalmente pude me jogar na cama e me permitir relaxar. Joguei os sapatos para longe, sentindo um pouco de liberdade. Girei o corpo para o lado e enxerguei meu anel na mesa de cabeceira. Meu coração apertou de saudade no mesmo momento. Fazia menos de vinte e quatro horas que eu estava ao seu lado, mas parecia que tinha sido no mês passado. Assim que o anel estava no meu dedo novamente, eu já me sentia um pouco menos saudosa. Apenas um pouco. Levantei, ligando o computador e caminhando até o closet. Peguei um pijama, deixei em cima da cama e fui ver se o skype já estava conectado. Olhei no relógio e calculei que não deveria estar em casa ainda. Então segui para o banheiro, louca pelo milagre que a água quente poderia fazer em meus ombros cansados. E assim que sai, cinco quilos mais leve, vi o lanche que tinha pedido em cima da minha cama. Peguei o sanduíche e me sentei em frente ao computador, aguardando quase impaciente pelo momento em que ele apareceria como ‘disponível’. Ri por dentro, estava me sentindo uma adolescente. Deixei uma mensagem para ele no celular, para que viesse falar comigo assim que chegasse em casa. Adicionei que uma saudade louca estava me consumindo, assim ele teria um pouco mais de pressa, eu acho. Enquanto esperava, permiti-me entrar em alguns sites para ver vestidos de noiva. Sim, vestidos de noiva. Menos de dois anos atrás, eu não me via usando um, mas agora eu não consigo nem me conter para esperar até que todos saibam para começar a escolher. Deveria ser um modelo mais clássico? Ou algo mais moderno? O estilo princesa seria muito clichê, fora que não é nem um pouco o meu estilo. Em meio aos meus pensamentos quase enlouquecedores sobre vestido, bolo e decoração, me chamou no Skype, salvando-me da minha própria loucura.

– Fiquei sabendo que a saudade estava quase consumindo alguém que amo muito, então tô aqui para salvar – disse, assim que a minha imagem apareceu para ele, que nem havia tirado o terno que usava.
– Você ainda está de blazer, isso quer dizer que a sua saudade é do mesmo nível que a minha? – perguntei e ele sorriu abertamente.
– Você nunca vai saber – respondeu, piscando rapidamente. Balancei a cabeça, sorrindo junto com ele.
– Como foi o seu dia?
– Foi mais tranquilo que ontem, amanhã teremos um resultado e, creio eu, será positivo – sua expressão estava bem mais relaxada, o que me fez ficar mais tranquila também.
– Que bom que lá está tranquilo, pois temos um assunto mais tenso para resolver.
– Joga a bomba – ele disse, cruzando os braços.
– Isso – levantei minha mão com o anel e ele sorriu. – Temos que contar para os meus pais.
– Sim, eu sei. Meu tio e a Carlie ficaram loucos com a novidade – fiz menção de reclamar que ele contou sozinho, mas ele logo me cortou. – Não faz essa cara, que eu tenho certeza que você já contou para a Ellen e para o . Isso se já não tiver contado pro também.
– Meu Deus, preciso te contar uma coisa! – lembrei assim que ele tocou no nome do novo casal. – Você não acredita no que eu descobri hoje de manhã. Três palavras: Ellen. . Juntos.
– O que? – disse, completamente chocado. – Juntos como?
– Bem, ele estava escondido no banheiro dela quando eu bati no quarto dele. Isso por volta das oito da manhã, então...
– Tá aí uma coisa que nunca imaginei. Se bem que toda aquela implicância só podia ser tesão reprimido.
– Sim, concordo com você. Só fiquei muito chateada por eles não terem me contato antes. Isso já vem rolando desde Londres.
– Você realmente achou que a Ellen chutaria o da cama dela só para correr até você para contar? – ele riu, balançando a cabeça, como se negasse algo.
– Não, eu não acho que ela faria isso, mas ela deveria – murmurei. – Vamos voltar ao primeiro assunto. Quando você pode vir?
– Não sei, acho que pode ser na sexta depois do trabalho. Amanhã acaba o julgamento, e eu resolvo o que tiver pendente na sexta durante o dia.
– Eu mal posso esperar para ver a reação da minha mãe, ela vai enlouquecer! – exclamei, rindo em seguida.
– Não sei como você consegue ser tão tranquila com a opinião da sua mãe sobre o nosso relacionamento. Ainda mais com o passo que vamos dar agora. Você deveria tentar fazer com que ela me aceite de verdade e não torcer para que ela ficar louca – ele ficou me encarando pela tela do computador de uma forma tão intensa, que parecia que ele estava bem na minha frente de verdade.
– Ok, eu prometo para você que farei de tudo para não arrumar nenhum tipo de confusão com o ela. O único problema é que ela não compartilha dessa promessa. Se ela quiser, ela pode fazer da nossa vida um inferno e você sabe disso.
– Bem – ele disse, apoiando os cotovelos na mesa e o queixo nas mãos. – Deixe que ela tente – deu de ombros. – Nada no mundo vai me separar de você.
– Que bom, porque esse anel só sairá do meu dedo para ir para a outra mão – sorri, vendo meu gesto se repetir em seu rosto.


Sexta-feira

Sai praticamente correndo da sala de reuniões assim que terminou o encontro com o representante belga. Pedi que buscassem em Londres e eles tinham partido há quase uma hora. Eu queria estar lá para recebê-lo. Pedi que me esperasse na porta do gabinete e com o carro já ligado, se fosse necessário. Ele ficou reclamando no meu ouvido até chegarmos no aeroporto, dizendo que mesmo que chegássemos depois do avião, ele ainda estaria lá me esperando. Resolvi só ameaçar contar o novo segredinho dele, que ele logo se manteve atento apenas no trânsito, sem questionar nada. Abri minha bolsa e peguei meu anel, colocando-o no dedo novamente, agora que eu estava livre dos olhares curiosos. Não queria que me visse sem ele e pensasse que eu estava fazendo pouco caso ou algo assim.
pegou o caminho que levava até a pista e eu pude ver o avião já pousado um pouco mais ao fundo. estava descendo, carregando sua mala. Assim que o carro parou, abri a porta e corri até ele, quase nos derrubando no chão. sorriu, colocando seus braços ao meu redor e beijando o alto da minha testa. Levantei meu rosto para que pudesse lhe dar um beijo rápido e imitei seu sorriso. Pegando levemente minha mão, ele deu um beijo sobre o anel e me olhou de forma intensa. Precisei respirar fundo por alguns instantes. se aproximou rapidamente e nos alertou da presença de alguns paparazzi no local, então deixamos para matar mais a saudade em casa. parecia bem tranquilo até eu avisar que minha família estava reunida a nossa espera. Suas mãos começaram a suar e ficaram um tanto trêmulas.

– Não precisa ficar nervoso dessa forma. Parece que tá indo pra forca – comentei, enquanto caminhávamos pelo corredor, na direção da sala íntima. Já conseguíamos ouvir algumas vozes.
– Não estou indo pra forca, estou indo pedir a mão da minha namorada em casamento para os seus pais. Isso é pior do que a forca – ele murmurou, quando já entrávamos no cômodo. Por pura coincidência, todos ficaram em silêncio no exato momento que chegamos. Sorri abertamente para todos, caminhando até um sofá e me sentando com .
– Já era hora de chegar! – exclamou, fingindo estar impaciente. – Todo mundo já estava aqui se perguntando porque você nos reuniu – completou, espreguiçando-se na poltrona que ocupava. – Nem vou dizer o que todo mundo tá achando que é, mas vou confessar que a vovó acha que vai ser menina e eu concordo com ela.
, fique quieto – minha tia o repreendeu. Eu apenas o olhei pelo canto dos olhos e ele deu uma piscadela. Eu havia contato pra ele na noite anterior e tinha o feito prometer que não deixaria escapar nada, ou então todos os podres deles estariam estampando as capas dos jornais no dia seguinte.
– Ninguém tá achando nada disso, minha querida – meu pai disse, ajeitando-se onde estava sentado.
– Obrigada pelo voto de confiança, pai – falei, pegando uma das mãos de e entrelaçando nossos dedos. Ele me olhou rapidamente e respirou fundo.
– Nós pedimos que todos vocês se reunissem hoje para que eu pudesse fazer isso de uma forma mais correta. Eu já tenho a resposta da , mas como vocês são de uma família tradicional... Não, mais do que tradicional, uma família nobre. Creio que o mais correto a se fazer nesse momento, é pedir a permissão e a benção de vocês – minha mãe estreitou os olhos e se mexeu no sofá, visivelmente incomodada. Minha avó mantinha um sorriso ainda escondido, com certeza ela já havia entendido para onde essa conversa caminhava. – Eu gostaria de ter a imensa honra de receber a mão da filha de vocês em casamento. Eu a amo mais do que tudo nesse mundo e farei o impossível para fazê-la feliz por todos os dias das nossas vidas.
Meu pai me olhava de uma forma meio indecifrável. Sua expressão se manteve calma, mas havia algo em seus olhos que denunciavam sua emoção. Era como se um pouco do que acontecia no meu coração, todo o misto de emoções que me dominava naquele momento, se espelhava no coração dele.
, eu não consigo pensar em alguém mais correto para a minha filha nesse momento. Muito do que ela cresceu nos últimos meses nós devemos a você. E isso mostra o seu caráter, sua capacidade de lidar com o que está por vir. Então, eu não posso dar nada além da minha benção, da minha permissão e dos mais sinceros votos de felicidade – sorri, vendo o gesto se espelhar no rosto do meu pai. Ele esticou a mão, pegando a minha por alguns instantes. Já minha mãe olhava para o chão, completamente impassível, como se o não tivesse acabado de me pedir em casamento, mas sim como se ele tivesse falado que o céu é azul. Algo banal e simples, coisa que todo mundo sabe. Estava esperando pelo momento em que ela deixaria a máscara de lado e começaria a gritar que tudo aquilo era um absurdo, que eu nunca me casaria com ele. É claro que isso não mudaria nada, mas eu me sentiria melhor, seria como se ela estivesse se importando comigo pela primeira vez na vida. Esperei essa reação pelos cinco minutos seguintes. E nada.
Todos levantaram e começaram a nos parabenizar, nos encher de votos de felicidades e conselhos sobre casamento. Minha avó começou a contar a história do seu casamento, de como as ruas da cidade ficaram tão lotadas, que seu carro quase não conseguia se movimentar. Ela chegou quase meia hora atrasada por esse motivo. Só que isso não é algo ruim, a população só vai às ruas quando apoia o relacionamento, é a forma deles de desejar felicidades ao casal. Ela também disse que no dia de seu casamento, no caminho até a igreja, ela viu uma bandeira da Dinamarca na frente de cada casa, prédio, loja que viu pelo caminho. Essas grandes cerimônias acabam se tornando um ótimo motivo para todos mostrarem seu orgulho pelo país. Então eles costumam colocar uma bandeira do lado de fora, junto com uma vela acesa, como se essa chama ajudasse a alimentar a chama do amor do casal. Era um costume antigo, ultimamente ninguém se apegava a essa tradição da vela.
pegou novamente o anel – que eu havia lhe devolvido no caminho – e colocou em meu dedo, dessa vez definitivamente. Minha tia limpou algumas lágrimas que surgiram em seus olhos, sem conseguir tirar o sorriso do rosto. Ela era, de longe, a pessoa mais emocionada naquela sala. Enquanto minha mãe era, sem dúvidas, a mais incomodada. Seu desconforto com a situação era tamanho, que vi o momento em que meu pai, discretamente, a levou para o canto da sala e começou a falar com ela de uma forma um tanto ríspida. Queria ir até lá e dizer que ele não precisava fazer aquilo, porque o que ela achava, não mudaria nada na minha decisão. Eu iria me casar com o de qualquer forma. Seja aqui, numa cerimônia convencional, com todos os trâmites necessários, ou em Las Vegas, depois de encher muito a cara.
Os empregados entraram com algumas taças e uma garrafa de champanhe. Meu pai se aproximou novamente, acompanhado da minha mãe, que agora mantinha um sorriso falso nos lábios. Antes que pudessem distribuir as taças e a bebida, ela caminhou até mim e me abraçou, desejando felicidades em voz baixa, perto do meu ouvido. Ela repetiu o gesto com , que me olhou logo em seguida, como se perguntasse o que fazer. Eu dei de ombros, nem eu sabia lidar direito com a minha mãe.
– Atenção – falou mais alto, fazendo com que todos no cômodo olhassem para ele. – Já assumindo meu papel de padrinho, que eu estou me convidando nesse momento, quero propor um brinde ao casal. A é mais do que minha prima, ela é quase minha irmã. Eu sempre pude contar com ela nos momentos em que mais precisei. Confio minha vida a ela, de olhos fechados. Todo mundo sabe que ela teve uma fase meio louca, inconsequente, mas quem não teve, não é? Só que, felizmente, ela encontrou alguém que a colocou no rumo. Não fazendo com que ela mudasse forçadamente, de acordo com a forma que achava melhor, mas sim ajudando a encontrar a si mesma – ele olhou em minha direção e eu entendi a quem ele se referia no mesmo instante. – Repito as palavras do tio: não consigo imaginar alguém mais perfeito para ela. Então vamos levantar nossas taças e desejar o futuro mais feliz possível para esses dois – ele caminhou até se colocar entre eu e , tocou nossas taças e colocou seus braços em nossos ombros, abraçando-nos ao mesmo tempo. Sua cabeça pendeu para o lado do , mas não consegui ouvir nada.
– Pode deixar – disse baixo, batendo levemente no ombro de .
– O que? – perguntei, curiosa. balançou a cabeça levemente, como quem dizia que não me contaria nada. Quando fiz menção de forçar mais um pouco, vi Ellen aparecer na porta e fazer alguns gestos pedindo que eu me aproximasse. Pedi licença e fui até ela.

– O que foi? – perguntei, vendo sua expressão séria.
– Os seguranças não sabiam o que fazer, eles tentaram evitar a aproximação, mas começaram a aparecer muitos, então eles liberaram a passagem. Não é nenhuma manifestação agressiva, , mas acho que temos que fazer alguma coisa – ela falava rápido e gesticulava bastante.
– Ellen, fala devagar, eu não tô entendendo nada – ela bufou, segurando uma das minhas mãos e me levando para a janela mais próxima. A imagem me fez tremer por alguns segundos. Era um mar de gente, literalmente. Eu não conseguia nem ter noção de quantas pessoas estavam aglomeradas na parte interna do palácio. A maioria vestia vermelho ou estava com alguma bandeira da Dinamarca, quer fosse uma grande, que enrolava em corpo, ou daquelas menores, que carregavam e balançavam nas mãos. A praça estava tomada por parte da população e eu não fazia ideia do motivo. Pelo menos não até Ellen me mostrar seu celular. Aparentemente um boato de que eu estava noiva circulava na internet nos últimos dias. Os jornalistas citavam um inglês ligado ao como fonte, mas nem sempre se pode confiar neles, na maioria das vezes é pura invenção. Só que uma atualização da matéria, com uma foto do beijando o meu anel de noivado, meio que confirmou toda a história. Eu encarava Ellen sem saber o que fazer, talvez nós tenhamos ficado uns cinco minutos apenas nos encarando, sem falar nada. Até que ouvi alguns passos e meio que acordei.
– Tá tudo bem? – meu pai perguntou, fazendo com que eu olhasse em sua direção.
– Mais ou menos – murmurei, fazendo uma careta ao entregar o celular na mão dele. Sua expressão se tornou meio descontente ao ler a notícia, mas ele logo deu de ombros, devolvendo o aparelho para Ellen.
– Não há nada que possamos fazer. Não podemos liberar uma nota desmentindo e logo depois anunciar seu noivado publicamente. Vamos nos manter em silêncio sobre isso e marcar uma coletiva para amanhã à tarde, para o anuncio oficial – ele deu de ombros, como se a sua simples solução resolvesse tudo.
– Pai – eu o interrompi. – Esse não é o nosso problema – abri a cortina e deixei que ele visse por si próprio. Seus olhos arregalaram e ele virou em minha direção. Um riso meio nervoso escapou pelos seus lábios, numa clara demonstração de não saber como agir. Ele revezava olhares entre a janela e eu, sem dizer uma só palavra. Ele estava tão chocado quanto eu. – O que vamos fazer? – perguntei.
– Bem, acho que não temos muitas opções. Vamos falar com eles.

Quando contei para o o que estava acontecendo, ele quase teve um ataque do coração. Ele tinha se preparado para lidar com a minha família hoje e não com parte da população. Na sua cabeça, ele teria mais um tempo para se acostumar com isso. Só que as coisas nunca aconteciam da forma que esperávamos, era pedir demais. Minha mãe saiu de sua bolha de passividade e tratou de começar a resolver o problema. Da mesma forma que meu pai já tinha falado, ela nos avisou que teríamos que falar com a população, até porque não havia mais como negar. Pediu que subíssemos para nos trocar, colocar uma roupa mais adequada para essa nova situação. Enviou um recado para os empregados, para que iluminassem a parte externa, de forma que a visão ficasse clara de quase todos os pontos. Perdi o restante de seus comandos, porque peguei pela mão e o arrastei até onde estava sua mala. Talvez eu precisasse jogar um copo de água em seu rosto para que ele voltasse ao normal. Ouvi um barulho quase ensurdecedor quando estava pelo meio do caminho, talvez fosse a reação de todos ao acender das luzes. Para eles, isso parecia significar algum tipo de resposta nossa. Não tenho certeza.
Peguei o terno que eu havia comprado para e tinha deixado aqui para algum tipo de evento inesperado e pedi que ele vestisse. Peguei um vestido sóbrio, num tom rosado, não estava com muita vontade de chamar atenção. Coloquei algumas joias, porque sabia que seria uma das primeiras coisas que minha mãe “investigaria” quando me visse. Tentei dar um jeito no cabelo, fazendo com que ele ficasse solto, caído pelas minhas costas, mas sem perder o controle. Coloquei um pouco de cor nos lábios e já estava pronta quando bateu na porta do meu quarto, antes de entrar no mesmo. Suas mãos estavam suadas e um tanto quanto trêmulas.

– Se você não se acalmar, é capaz de ter um ataque cardíaco a qualquer momento – falei, segurando uma de suas mãos e colocando próxima ao meu corpo.
– Eu não sou bom com quantidades grandes de pessoas, . Eu travo, nunca sei o que fazer – ele comentou, bufando logo em seguida.
– Tarde demais para desistir, querido. Você disse que eu valia a pena, agora terá que arcar com as consequências dos seus atos – sorri, vendo-o rolar os olhos.
– Não desistiria nem se você fosse princesa da China. Encararia bilhões de pessoas por você, mas também não reclamaria se você fosse governar uma daquelas ilhas do Pacífico, com a população total girando em torno de quinhentas pessoas. Seria perfeito – ele brincou, puxando-me para mais perto e me beijando rapidamente. – Mas como nada nesse mundo é perfeito, vamos logo encarar toda aquela gente.
Seguimos juntos pelos corredores, chegando rapidamente até a sacada central do palácio. Não seria possível nenhuma apresentação absurda, apesar de toda essa preparação apressada, nós apenas ficaríamos alguns minutos na sacada sorrindo para as pessoas, mostrando que nos importávamos o bastante com elas, que alteramos nossa rotina só para agradá-los. Na verdade, isso poderia contar mais alguns pontos pra mim. Ultimamente eu estava fazendo tudo que pudesse agradar a população, utilizando de todas as artimanhas para aumentar minha popularidade. E, bem, estava dando certo. Os números não paravam de subir mês após mês. Olhei para e sorri. Ele sorriu de volta e respirou fundo, tudo isso é muito para ele. Eu sei. Ele sabe. Todo mundo sabe. Não que eu não confiasse nele ou nos seus sentimentos, mas era como se ele fosse fugir, escapar pelos meus dedos a qualquer instante. Minha mãe pediu que os empregados abrissem a porta da sacada e senti tremer mais uma vez.
– No pior dos casos, lembre-se dos pinguins de Madagascar – eu lhe disse, enquanto entrelaçava nossos dedos e esperávamos pela porta se abrir.
– Por que eu lembraria deles? – ele perguntou, confuso.
– Simples. Apenas sorria e acene.

Quando caminhamos para fora e nos tornamos visíveis para quem estava lá embaixo, a comoção foi tamanha, que eu fiquei até meio sem jeito. Todos gritavam e balançavam suas bandeiras no alto de suas cabeças, mostrando a forma que eles nos apoiavam. Porque, pra mim, aquilo era completamente novo. Eu não sabia de nenhuma história assim, onde a população mostrava seu apoio e aprovação para um casamento real. Senti-me absurdamente lisonjeada com tudo aquilo. Olhei para , que estava completamente vermelho de vergonha. Ele acenava para todos os lados, sem se focar em alguém especificadamente. O seu aperto em minha mão se tornou mais forte e ele me olhou de lado, sorrindo.

– Acho que eles gostam de mim – comentou, arqueando as sobrancelhas.
– E eu acho que gostam mais de você do que de mim – falei, apoiando minha testa em seu ombro.
– Quer ver todo mundo enlouquecer? – ele perguntou baixo, colocando a mão em meu queixo, levantando-o levemente. Ele mantinha um sorriso nos lábios, o que fazia seus olhos ficarem um pouco puxados, como se também estivessem sorrindo.
– Quero – soprei, sentindo seus lábios sendo, gentilmente, colados aos meus logo em seguida. Todo mundo foi à loucura, começaram a gritar como se nosso beijo fosse o maior evento de toda a Terra. Sorri, sentindo os lábios de tocarem minha testa.

E depois, como se tivessem combinado previamente, as pessoas começaram a levantar seus celulares acesos, um a um, fazendo com que um mar de luzes coloridas cobrisse o pátio interno. Meus olhos se arregalaram e minha mão seguiu para minha boca. Eu estava absolutamente surpresa e chocada com a cena. Ouvi minha avó prender a respiração dentro de casa e olhei para trás, vendo-a abraçar o meu avô. É claro que ela estava vendo o mesmo que eu, só que numa versão mais, digamos, moderna. Era o retorno de uma tradição antiga. Daquele tipo que você não imagina que as pessoas ainda conheçam e que, muito menos, sigam. Era como se todos tivessem trocado as velas pelos celulares, por facilidade ou questão de segurança ou até mesmo numa tentativa de modernização. Na verdade, não importava. Era como se todos estivessem ali mostrando para o mundo, de uma forma totalmente dinamarquesa, que apoiavam o nosso casamento. E mais do que isso, mostrando que eles estavam nos abençoando, estavam alimentando a chama do nosso amor, como meus avós nos explicaram antes. Diante daquela cena, eu quase desabei. Tentei segurar as lágrimas, sendo vencida por apenas algumas. me abraçou de lado e eu apoiei minha cabeça em seu ombro, encarando todo aquele amor que nos era enviado. E naquele momento, tendo o homem que eu amava ao meu lado, e todos me apoiando na maneira que demonstravam, não havia uma pessoa sequer no mundo que pudesse estar mais feliz do que eu.



Vigésimo Segundo

Keep hanging on
You've got me living in a strange world
I'm living in a strange world

(Parachute – Strange World)


’s Pov

Eu sentia todos os olhares em mim enquanto caminhava pelas ruas. Era estranho estar em Londres de novo, ainda mais depois de toda a loucura que foi lá na Dinamarca. A população estava enlouquecida pelo anúncio do noivado, parecia que eles levavam isso bem a sério, talvez mais do que eu esperava. Algumas pessoas voltaram a tradição antiga, deixando uma vela acessa e protegida do lado de fora, perto da bandeira nacional que quase todo mundo mantinha na frente da casa. Eu não sabia se isso tudo era apenas para ou se eu também estava incluído nisso. Quando eu lhe perguntei, ela riu e disse: “Isso é tudo por você, eles te amam.” Eu não estou acostumado com tanta atenção, ainda mais de pessoas que eu não conheço. Sempre fui do tipo de pessoa que passava despercebido, só que agora todo mundo resolveu me notar. E toda essa atenção acaba sendo desconfortável. Eu, finalmente, consigo entender o que sempre reclamou. E isso porque estou nessa situação há poucos dias, imagina viver assim a vida toda?
Esse pensamento me fez parar, literalmente. Eu estava caminhando até o prédio onde trabalho e parei no meio da calçada. Com o casamento, essa será a minha vida também. Se ela, que nasceu nesse meio e deveria estar acostumada, pirou, o que acontecerá comigo? Será que conseguirei lidar com toda a atenção, os olhares, as fofocas e tudo mais que acompanha uma pessoa que se torna importante do dia para a noite? Minha cabeça quase ferveu com tantas perguntas simultâneas. Tratei de pensar em outra coisa e voltar a andar. Hoje eu tinha uma reunião com o diretor geral do escritório, eles definiriam minha vida na empresa. Mas havia um pequeno problema: independente da proposta, mesmo se houvesse uma, eu não poderia aceitar. Estou de mudança para a Dinamarca em definitivo nos próximos dias, minha vida seria lá agora e não tenho muita certeza se eles ficariam felizes de me transferir para a filial de lá e pior, não sei se como marido – ainda estava achando estranha essa nomenclatura – da rainha, eu estaria apto para trabalhar em algo só meu, que não fosse uma designação do governo, ainda estou completamente por fora da forma que isso funciona.

, o dr. Markson o receberá agora – Shelby, sua secretária me informou. Sorri em agradecimento e caminhei em direção ao seu escritório, que ficava mais ao fim do corredor. Parei em frente a porta e bati algumas vezes, ouvindo um “entre”.
– Boa tarde, , como vai? – Simon Markson, um dos diretores do Grupo Linklaters, disse, estendendo uma das mãos.
– Boa tarde, dr. Markson, vou bem e o senhor? – perguntei, tentando manter as formalidades.
– Estou ótimo também – respondeu, indicando uma poltrona para que eu me sentasse. Ele retornou a sua mesa e pegou uma espécie de arquivo, onde vi meu nome escrito numa etiqueta. Ele folheou alguns papéis, me deixando bem curioso a respeito do que seria tudo aquilo. Segundos depois ele juntou tudo novamente e olhou em minha direção. – Bem, vi aqui que seu nome foi indicado por um dos advogados mais renomados e respeitados aqui na empresa.
– Sim, ele foi meu professor na faculdade e na especialização. Aprendi muito com ele – ele sorriu de lado, afirmando com a cabeça.
– Vi também que você foi auxiliar em alguns casos ano passado e defendeu um sozinho, tendo êxito em todos eles.
– Tive boas oportunidades, senhor – me limitei a dizer, sem saber o que realmente falar.
– E creio que melhores ainda virão – ele completou, apoiando-se na mesa. – Inclusive essa. Acredito que você já tenha uma noção da razão da nossa conversa, por isso não vejo motivos para prolongar. Você fez um excelente trabalho enquanto era apenas auxiliar e depois venceu sua própria causa. Levando em consideração tudo o que o Smith disse a seu respeito, tanto como aluno e também como colega de escritório, e depois de ler os relatórios referentes ao seu período de estágio, tenho a satisfação de lhe dizer: Bem vindo ao Grupo Linklaters. – senti meu coração acelerar e minhas mãos começarem a suar. Eu já imaginava que essa proposta viria, tinha ensaiado uma pequena recusa, mas ver o sonho de uma vida ser oferecido e ter que recusar é difícil. Mais de difícil, é quase impossível. Só que não havia nenhuma forma de continuar em Londres por muito tempo, o casamento tinha que ser marcado em, no máximo, dois meses e não tinha como adiar. Eu poderia aceitar e pedir transferência, mas não sei se aceitariam esse pedido. Então eu estava fadado a desprezar a maior chance da minha vida em favor do amor que eu sentia pela . Parecia uma troca bem justa, pelo menos nesse instante. – E então, o que me diz? – Simon perguntou, depois que fiquei alguns segundos em silêncio.
– Sinto muito, sr. Markson, mas eu não posso aceitar sua proposta – vi sua expressão mudar em coisa de um segundo, indo de um sorriso para uma carranca bem fechada, ele não devia estar acostumado com recusas. – Eu estou de mudança para a Dinamarca, eu definitivamente preciso ir para lá na próxima semana. Eu poderia aceitar e solicitar uma transferência, mas não creio que isso seja justo. Então, prezando pela sinceridade, é com pesar que eu recuso a vaga.
, acho que você não está entendendo muito bem. Eu estou lhe oferecendo uma vaga como advogado do grupo, você terá ações da empresa e participação nos lucros. Você tem alguma noção de quantos matariam para estar no seu lugar? – seu tom beirava a incredulidade. Não o condeno, eu também estaria chocado.
– Tenho plena noção, senhor, mas essa proposta é impossível para mim no momento.
– Vejo que escolheu ser apenas um integrante da família real – comentou, com quase desdém. – Um pequeno bibelô.
– Não, senhor. Eu escolhi me casar com a minha namorada, a parte do bibelô eu deixo para a mobília da casa – tentei manter a calma para que eu não saísse mais prejudicado do que estava.
– Eu estou divido. Por um lado eu não entendo, porque todos os advogados do mundo querem uma vaga no nosso grupo e você está recusando. Mas por outro, vejo que você não precisará fazer mais nada da vida. Apenas aparecer ao lado da sua futura esposa e posar para fotos – ele meneou com a cabeça, como se considerasse as opções.
– Não sei em que ponto o meu casamento se tornou assunto da nossa conversa – o cortei, já meio impaciente com a sua reação inesperada. – Creio que o senhor já fez sua proposta, assim como eu já lhe dei minha resposta. Infelizmente não posso aceitar. Portanto, tenha uma boa tarde – falei, levantando da cadeira com pressa e arrumando meu paletó.
– Só quero que saiba – ele chamou minha atenção, antes que eu saísse pela porta. – Que se depender de mim, você nunca mais arrumará um emprego numa firma de advocacia. Não por méritos. Peça para a sua futura esposa lhe arrumar um emprego no país dela – o encarei por um instante, digerindo sua ameaça nada velada.


Encarei as malas espalhadas pelo chão e as roupas jogadas na cama, esperando que alguém as arrumasse. Meus pertences já estavam empacotados e prontos para serem colocados no carro, só faltavam as roupas mesmo. O voo partiria em três horas e eu ainda estava sentado perto da janela, com as frases ditas pelo Simon em um repeat em minha mente. “Se depender de mim, você nunca mais arrumará um emprego numa firma de advocacia”, essa frase soou terrivelmente pra mim, que ainda sonho em ter uma carreira como advogado. Só no momento a escolha era entre a minha cabeça e meu coração. E é claro que o coração ganharia, sem nem pensar duas vezes. Só que todas aquelas palavras criaram uma espécie de dúvida que não existia antes. Será que eu aguentaria ser apenas o marido da , será que eu conseguiria viver o restante da minha vida assim, sem ter nenhuma identidade própria? Eu a amo mais que tudo, mas será que deveria amar mais que a mim mesmo? Porque é quase isso que parece, como se estivesse escolhendo entre nós dois, ela ao invés de mim mesmo.
Ouvi a voz do meu tio e apareceu como uma boia, me segurando na superfície e me impedindo de afundar naquele mar de confusão. Seus olhos foram direto para a bagunça de roupas e depois pra mim, estranhando a forma que eu estava sentado, encarando o nada.

– O que foi, ? – ele perguntou, caminhando até onde eu estava e se abaixando mais me olhar nos olhos. – Aconteceu alguma coisa?
– Me ofereceram uma vaga como advogado fixo, com direito a participação nos juros e tudo mais – falei, vendo um sorriso surgir em seus lábios. – Mas eu recusei – sua expressão se tornou séria quando completei a frase. Ele pareceu pensar por alguns segundos, depois levantou e caminhou até a cama, arrumando um espaço para se sentar.
– E isso mexeu com você, não é?
– É tudo o que eu sempre sonhei profissionalmente, e eu tive que recusar.
– Bem, você quer ficar aqui e trabalhar ou pegar aquele avião em algumas horas e ser feliz com a ? – ele me perguntou, colocando tudo numa perspectiva que fazia minhas dúvidas parecerem idiotas.
– Eu quero ficar com ela, não tenho nenhuma dúvida quanto a isso. Eu só não queria ter que abandonar meus outros planos, parece um pouco injusto.
– Entendo – ele balançou a cabeça, afirmando. – Vou te dizer algo que um cara muito inteligente sempre me dizia: “Se você tentar abraçar o mundo todo, algo sempre vai acabar escapando.” Sabe quem me dizia isso? – ele perguntou num tom retórico e eu apenas balancei a cabeça, negando. – Seu pai. Ele sempre foi tão certo nas escolhas dele, nunca teve momentos assim, onde ficava sem saber o que fazer. Sempre preparado, decidido. Talvez fosse por isso que ele se deu bem no exército, ele tinha uma meta de crescer dentro do serviço militar e não sossegou até se tornar oficial. Sempre foi o sonho da vida dele, sabe? Nasceu para isso. Só que ele ainda não tinha conhecido sua mãe – ele sorriu de lado e respirou fundo, ficando em silêncio por alguns segundos. Meu tio sempre se emocionava quando falava do meu pai, sempre. – Bastou um mês, . Um mês e todos os planos, sonhos e desejos do seu pai mudaram. Ele largou tudo para ir atrás dela. Você consegue enxergar? Consegue ver como a história se repete? Consegue entender como isso não é uma escolha? Não há dois caminhos, há apenas um: a . Nenhum trabalho do mundo pode substituir o que vocês dois têm. Assim como não havia nada que fosse mais importante para o seu pai. Sua mãe se tornou o centro do mundo dele. Foi uma mudança tão bonita, nunca tinha visto meu irmão tão feliz. – seus olhos estavam marejados, mas ele não se abateu. Meu tio era assim, não tinha nenhuma vergonha de demonstrar seus sentimentos, mesmo que isso significasse chorar na frente de quem fosse. – Nós tivemos uma conversa parecida com essa, só que não havia nenhuma dúvida na cabeça dele, só na minha. Eu não conseguia entender como ele teria coragem de abandonar tudo por aqui e seguir uma americana louca. Eu o perguntei isso e ele simplesmente respondeu: “Um dia você vai entender.” E eu entendi, no momento em que eu vi a Carlie. Foi mágico, como se tudo mudasse em apenas um segundo, porque ali eu percebi que também largaria tudo por ela. Assim como você deve largar tudo pela – ele passou a mão pelo rosto, secando os olhos. – Acho que tô ficando um velho chorão.
– Eu... – tentei falar, mas um bolo de formou na minha garganta. Não tinha pensando em como sentiria falta dele e da Carlie depois que eu me mudasse. Eu passei quase metade da minha vida com eles. Querendo ou não, eles também eram meus pais, a única família que eu tenho no mundo. – Eu não consigo nem começar a falar o quanto eu vou sentir a sua falta – meu tio sorriu de lado, balançando a cabeça.
– Você vai ter seu próprio avião, pode vir me ver sempre que quiser.
– Ou você pode ir me ver sempre que quiser – falei, vendo-o assentir rapidamente.
– Claro, ou você achou que e perderia a chance de me hospedar num castelo de novo? – ele brincou, jogando algo que estava no meio a bagunça em minha direção. – Agora trate de tirar essas besteiras da cabeça e termine de arrumar as malas, vamos nos atrasar. – Ele, Carlie, e iriam comigo hoje, porque tinham organizado um baile para comemorar o nosso noivado e da mesma forma que a família da estaria presente, a minha também deveria estar. Pelo menos foi isso que ela afirmou e eu não contestei.
Comecei a colocar minhas roupas na mala, nem me importei em arrumar tudo direito por motivo bem simples: eu não tinha paciência. Então, basicamente, embolei as peças que estavam na cama e fui socando dentro das malas de acordo com a capacidade de cada uma. Só tive um pouco mais de cuidado com as últimas coisas que eu não tinha embalado e encaixotado, como meus livros e a foto dos meus pais, que ficava na parede perto da porta. Esse último eu embalei com cuidado, usando até mesmo plástico bolha e colocando na bolsa que ficaria comigo dentro do avião e não no bagageiro. Pedi ajuda do meu tio para descer com as coisas, aproveitando para pedir uma força para o também, que havia acabado de chegar. Porque, no fim das contas, eram mais caixas do que eu imaginava.
Os dois carros da embaixada já estavam parados do lado de fora do bar, enquanto eu ainda estava no meu quarto, sozinho. Eu encarava cada cantinho do que havia sido minha casa pelos últimos anos, minha vida toda tinha sido vivida dentro daquelas quatro paredes. Eram tantas lembranças, que tornava tudo até mais complicado. Assim como era bem difícil entender que depois que acabasse o baile e meu tio voltasse pra casa, eu não conviveria mais diariamente com ele. Só que pensando em tudo o que ele me disse horas atrás, o sentimento de perda diminuía em meu peito, dando lugar a algo novo, como sensação de descoberta, uma alegria, uma sensação de que eu não estava dando as costas para a minha família e sim mirando num futuro, para poder construir a minha.


– Nunca tinha voado num jatinho particular antes, isso é tão excitante – disse, animada, sentada ao lado do namorado, enquanto ele estava praticamente agarrado à sua poltrona. morria de medo de voar e nem tentava esconder. não se importava muito com o pavor dele e continuava enlouquecida, olhando pela sua janelinha. Meus tios estavam sentados mais ao fundo, bebendo um pouco de champanhe que haviam lhes servido. Eles pareciam bem felizes e isso me deixava mais feliz também, como se a minha alegria estivesse se espalhando para todos que eu amo.
– Cara, bebe algo, tenta relaxar, a viagem não demora quase nada – falei, tentando parecer solidário. Ele olhou rapidamente em minha direção e balançou a cabeça, negando.
– Não posso beber, quero estar sóbrio se isso cair – rolei os olhos, rindo um pouco.
– O avião não vai cair e você não vai ficar bêbado com uma taça – tentei convencê-lo, mas ele continuava irredutível. – Tudo bem, então, devemos ter mais uns quarenta minutos de voo pela frente. – completei, vendo-o respirar fundo, quase em desespero. Peguei os fones de ouvido na minha mochila, procurei algumas músicas que ele gostava no celular e coloquei para que ele ouvisse. abriu os olhos quando eu estava encaixando o fone em seu ouvido e sorriu de lado, agradecendo. – Só relaxa, não quero que meu padrinho morra antes do casamento.


Estava escurecendo, mas ainda restavam uns pequenos vestígios de sol no céu. O avião taxiou e eu vi que estava esperando na pista do aeroporto, perto dos carros oficiais que esperavam nossa chegada, e assim que desci dos poucos degraus do avião, vi que ela corria até onde eu estava. Seus braços agarraram meu pescoço e ela tirou os pés do chão por alguns segundos, enquanto beijava meus lábios com vontade, mas com a descrição que o momento, e as pessoas ao redor, pediam. Ela tinha um sorriso maravilhoso nos lábios, que fez com que todas aquelas dúvidas que cercaram minha mente horas atrás desaparecessem. Era bem como meu pai falava: nada mais importava no mundo, somente aquele sorriso e a dona dele.

– Eu senti tanta saudade. Tanta, tanta, tanta – ela repetia, enquanto apertava seus braços ao meu redor.
– Sou todo seu agora – murmurei, beijando o topo da sua cabeça. sorriu de lado, me soltando por um instante. Ela correu para abraçar , fazia muitos meses que elas não se viam. ainda estava meio anestesiado do voo, tanto que não correspondeu ao abraço que se propôs a dar nele. Ela me olhou, como se me perguntasse se tinha acontecido algo e eu balancei a mão, pedindo para ela deixar pra lá. Depois de depositar um beijo nos meus tios, ela voltou correndo para o meu lado, passando o braço pela minha cintura, enquanto caminhávamos na direção do carro.
– Temos um compromisso amanhã – ela disse, depois que fechou a porta do carro, acomodando-se ao meu lado.
– Sim, amanhã teremos um belo e especial baile noivado – falei, gesticulando, da mesma forma que a Genevive, a organizadora do evento, falava. sorriu, balançando a cabeça.
– Primeiro: você é um péssimo imitador – ela comentou, antes de continuar a falar. – Segundo: é outro compromisso, teremos um encontro rápido com o fotógrafo, para tirarmos as fotos oficiais do noivado – cocei a cabeça, olhando para ela pelo canto dos olhos.
– Fotos? Sério mesmo? – fiz uma careta, vendo-a rolar os olhos em resposta. – Você sabe que eu odeio fotos, , principalmente essas aí que eu tenho que ficar lá parado, como se fosse um boneco.
– Acho que você deve começar a se acostumar com o fato de que será alvo constante dos fotógrafos, ouvir essa reclamação toda vez é bem chato. – ela se ajeitou, olhando para o lado de fora pela janela do carro. Ela sempre evitava me olhar quando estava aborrecida com alguma coisa.
– Hey, eu tava brincando – falei, colocando a mão no seu queixo e fazendo com ela me olhasse. – Não precisa ficar chateada comigo.
– Só que é bem chato ter que ouvir mil reclamações suas, , toda hora é uma diferente. Quando não é sobre o baile, é sobre as fotos ou qualquer outra coisa. Às vezes parece que eu estou te forçando a aceitar tudo isso, o que não é verdade – parecia cada vez mais nervosa, tagarelando sem parar. Eu puxei seu rosto ao encontro do meu e deixei nossos lábios colados até que ela se acalmasse um pouco. Depois me afastei e olhei em seu rosto, vendo se eu tinha conseguido deixá-la menos irritada.
– Eu cheguei pra ficar com você, melhor, cheguei pra morar com você. Nós vamos nos casar em dois meses e você quer mesmo arrumar uma briga boba, sendo que não tem nem dez minutos direito que eu cheguei? – perguntei, vendo-a suspirar, desfazendo a cara amarrada logo depois.
– Tudo bem, não vou brigar com você – sorri, passando meu braço pelo seu ombro, antes que ela voltasse a falar. – Mas só se você me prometer que vai parar de reclamar de cada coisinha que acontece. Você que pediu pra casar comigo, então tem que aceitar o que vem de brinde.
– Eu aceito tudo o que vem de você – falei, perto de seu ouvido, beijando levemente seu pescoço em seguida.
– Além de péssimo imitador, você é um péssimo mentiroso, .


No dia seguinte, eu fui acordado bem cedo, minha roupa já estava separada e algumas pessoas chegaram para me arrumar, fizeram coisas no meu cabelo e até mesmo maquiagem eu tive que passar. Elas disseram que meu rosto poderia sair brilhante demais nas fotos, já que estaríamos ao ar livre e com uma incidência forte de luz. Não entendi muito bem o que falaram, mas resolvi acatar, muito contrariado, mas aceitei. As fotos seriam nos jardins do palácio, nada de superprodução ou grandes cenários, só alguns cliques de nós dois juntos, com a aliança de noivado a mostra. Os assistentes do fotógrafo nos colocaram perto do chafariz e arrumaram uma quantidade imensa de acessórios, desde postes de iluminação e aqueles direcionadores de luz, até um guarda-sol enorme, que seguravam perto de nós dois, nos protegendo do sol fraco que fazia. O fotógrafo nos arrumou em poses bem forçadas e clássicas, como aquela onde eu a abraço por trás e a sua mão com o anel fica bem em destaque, apoiada no meu braço. Depois ele tentou uma mais bonita, onde eu apoio minhas mãos em sua cintura e se jogava um pouco para trás, enquanto uma de suas mãos segura o meu pescoço e a outra, com o anel, está apoiada em meu braço, novamente em destaque. Essas fotos, provavelmente, estampariam todas as capas dos jornais no país e mais alguns milhões de sites da internet. O nível de exposição do nosso relacionamento alcançaria níveis alarmantes. Só de pensar nisso, meu estômago revirava e meu coração acelerava. Mas guardei todos os meus receios e minhas reclamações para mim mesmo, havia prometido que não iria mais reclamar e eu cumpriria minha promessa, por mais difícil que fosse. Mas só de olhar nos meus olhos, eu sabia que ela perceberia minha falta de jeito com tudo aquilo e foi o que aconteceu. No intervalo entre uma pose e outra, me olhou e logo depois pediu um intervalo. Seus lábios se puxaram num sorriso, ela colocou suas mãos em meu rosto:
– Eu te amo.

Isso bastou para que meu nervosismo ou minhas reclamações virassem pó. Ela me amava, a mulher da minha vida me amava. Nada mais importava no mundo, de verdade. Nem mesmo as minhas fotos ou a notícia do meu casamento, que chegaria a centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo. Isso poderia significar uma coisa, se eu resolvesse pensar pelo lado positivo e não levar em consideração apenas a exposição extrema: seriam centenas de milhões de pessoas torcendo e se alegrando da minha felicidade.


Quando anoiteceu e todos sumiram, para se arrumar para o baile, surgiu na minha porta, desesperado, pedindo ajuda com a gravata borboleta do smoking que a arrumou para ele. Na verdade, ela pediu ajuda da Ellen para conseguir roupa para todos nós, porque nem eu, ou , muito menos meus tios e a tínhamos trajes a altura do evento. E quando chegamos ontem, tudo já estava devidamente arrumado em nossos quartos: a roupa, os sapatos e até mesmo alguns acessórios para as meninas, que me confessou mais cedo serem da coleção da família, ou seja, joias da coroa. Ainda não tinha me atrevido a contar isso a elas, porque sei que a ia surtar mais do que estava surtando. me confidenciou que estava com medo da namorada ficar mais pirada do que já era, querendo sempre voar em jatinhos particulares, usar joias caras e vestidos longos. Eu lhe disse para ficar logo rico, porque só assim para realizar esses desejos dela.
Tentei arrumar meu cabelo da forma que ele estava hoje mais cedo, só que eu não tinha a mesma habilidade da moça que fez, então tive o dobro do trabalho e gastei quase três vezes o tempo. Percebi que estava quase atrasado quando meus tios bateram na minha porta, falando que já estava na hora. Carlie usava um vestido vinho, que contrastava com a cor clara de sua pele. As moças que a ajudaram fizeram um tipo mais simples de maquiagem, de forma que só realçaram a beleza natural dela, sem lhe dar um ar artificial. Já meu tio estava impecavelmente elegante em seu smoking, o cabelo estava penteado para trás, lhe dando um ar imponente e bem clássico. não parava quieta, ela queria andar e ficar balançando o vestido rosa que havia separado, vestido de princesa como ela mesma não cansava de falar.

Terminei de me arrumar e todos nós, juntos, nos encaminhamos para o salão do palácio. Todos os empregados nos cumprimentavam pelo caminho, parecendo muito bem educados e solícitos. Assim que chegamos ao salão, ficamos todos deslumbrados com a decoração. Genevive poderia ser um pouco irritante durante o processo de organização, mas ela sabia como trabalhar. Havia mais flores do que seus olhos pudesse acompanhar, de forma que o ambiente todo possuía um aroma absurdamente maravilhoso, quase inebriante. Longos castiçais de ouro, provavelmente, estrategicamente posicionados, faziam com que as chamas de suas velas criassem um cenário quase que misterioso, com contrastes de luzes e sombras. Lustres gigantescos desciam do teto, criando uma harmonia entre as partes de metal dourado e seus pendentes de cristal. Eu me sentia dentro de uma história de contos de fada, onde só faltava a minha princesa. Genevive disse que eu deveria segui-la, pois os convidados já estavam chegando e eu deveria fazer a minha entrada com a mais tarde. Me despedi de minha família, pedindo para que eles tentassem se divertir. Meu tio levantou uma taça de champanhe e disse:
– Acho que não será um trabalho muito difícil.

Voltei para o meu quarto, onde as moças voltaram a mexer no meu cabelo, fazendo, rapidamente, o que eu tentei fazer nos últimos quarenta e cinco minutos. Elas passaram um pó em meu rosto de novo, dizendo que minha pele estava muito oleosa. “Ela está como sempre esteve”, pensei comigo mesmo, mas não falei nada. E assim mais de meia hora se passou, de onde eu estava era possível ouvir a música soando lá no salão. Tentei imaginar meus tios misturados em meio a todas aquelas pessoas estranhas, mas logo lembrei da capacidade que eles tinham de lidar com as situações mais adversas e não seria um baile real que os fariam perder a pose. Pelo menos era o que eu esperava.
Genevive apareceu novamente minutos depois, falando que era a hora. Nós seguimos até o primeiro andar, esperando perto da escada e foi de onde eu a vi. parecia realmente uma princesa, eu nunca tinha tido o prazer de vê-la daquela forma. Ela estava tão majestosa, que parecia emitir uma luz própria enquanto descia pelas escadas. O vestido azul claro a deixou puramente angelical e, pela primeira vez, eu a vi usando sua tiara de princesa. Parecia tudo tão mais real, tão verdadeiro, que talvez tenha sido o momento onde a minha ficha realmente caiu, não era um sonho, eu iria me casar com uma princesa de verdade. Essa conclusão deixou minhas pernas bambas, mas essa reação poderia ser tanto por isso, ou pela beleza da minha noiva. desceu os poucos degraus que faltavam e só nesse momento eu notei a presença dos seus pais, ambos estavam usando suas coroas e o Rei Frederico usava seu traje real: uma espécie de blazer preto, todo fechado, com franjas douradas nos ombros e com uma faixa azul clara, que seguia do seu ombro esquerdo até o lado oposto, cruzando toda a parte da frente do seu corpo. Ainda do lado esquerdo tinha uma série de medalhas e brasões presos ao blazer. Eu não fazia ideia do que significava aquela faixa, provavelmente era algo relacionado à família real. A Rainha Mary usava um vestido num tom quase branco, mas ao invés de usar uma faixa, ela usava um imenso colar onde no pingente havia um elefante, assim como em um dos brasões do Rei. Mordi o lábios e fiquei imaginando porque diabos ela usaria um pingente de elefante num dia como esse. Estendi uma das mãos para e a ajudei a terminar de descer as escadas. Logo notei que ela usava um colar quase igual ao da mãe, com o mesmo pingente de elefante. Não consegui segurar a língua e perguntei:
– Por que vocês estão usando pingentes de elefante? – riu alto, chamando a atenção de todo mundo que estava ao redor, inclusive de seus pais.
– É uma insígnia da ordem da qual pertencemos aqui na Dinamarca, . A ordem do elefante é a mais importante de todas, por isso estamos todos usando. E você também terá uma assim que casarmos, terá uma insígnia de elefante e mais muitos outros, porque você será de todas as ordens que eu pertenço – ela explicou rapidamente, ajeitando minha gravata.
– Então eu terei títulos gigantes, tipo aqueles que a Kate Middleton tem?
– Acho que sim, não sei quantos títulos de nobreza ela possui – ela respondeu, sorrindo em seguida.
– Nunca vi você tão linda – comentei, fazendo com que ela alargasse ainda mais o sorriso. – E também nuca tinha visto você de tiara. Você é uma princesa de verdade.
– Só percebeu isso agora? – perguntou, arqueando a sobrancelha e eu afirmei com a cabeça. – Vai fugir? – peguei uma de suas mãos e beijei delicadamente, antes de responder:
– Nunca.

As portas do salão se abriram e o Rei e a Rainha foram anunciados. Senti minhas pernas tremerem e apertou minha mão levemente. Ela apoiou a cabeça em meu ombro e respirou fundo, mostrando que estava tão nervosa quanto eu. Nossos nomes foram anunciados e entramos lado a lado no salão, tendo todos os olhares em nossa direção. Era tanta gente que eu não sabia para onde olhar, mas no canto, ao meu lado direito, mais ao fundo, vi meus tios. Carlie estava chorando e meu tio parecia estar quase lá. Foquei meu olhar neles e comecei a me acalmar. sorria abertamente e mantinha sua mão apertando a minha, como se ela estivesse reunindo suas forças. Depois dessa entrada, eu fui cercado de pessoas que nunca tinha visto na vida. Eram diversos trajes imponentes, muitas faixas coloridas, insígnias e brasões diferentes. Eu não sabia como me portar ou como cumprimentar e me dirigir a cada um, mas me dizia os nomes e a forma de tratamento antes de cada pessoa nova que se aproximava, de forma que eu não passei nenhuma grande vergonha. Tivemos um refresco alguns minutos depois, quando fomos para o centro do salão, para uma valsa dos noivos. Fiquei meio apreensivo, porque não sabia dançar valsa ou algo do tipo, mas riu quando eu falei e comentou:
- Eu também não sei.

Ficamos os dois balançando de um lado para o outro, ela deitou a cabeça em meu peito e fechou os olhos. Um sorriso ficou preso em seus lábios e eu resolvi ignorar minha falta de habilidade dançando e as pessoas ao redor, focando em curtir o momento com a minha . Quando me dei conta, vários casais havia sem juntado a nós, inclusive meus tios e os pais dela. Rei Frederico tocou em meu ombro, pedindo a vez para dançar com sua filha, dessa forma acabei com a Rainha como minha parceira. Ela me lançou um sorriso que eu não sabia julgar se era verdadeiro ou não, mas pelo menos ela não criticou meu estilo de dança, mantendo a pose durante os longos minutos que estávamos dançando juntos. Depois dancei com a Carlie e até mesmo a avó da . Vi numa dança estranha e engraçada com o seu primo ao meu lado, enquanto tentava não pisar no pé de sua tia, mãe do . Demorou algum tempo até que pude ter minha noiva em meus braços de novo, mas isso não durou muito tempo, porque senti um toque em meu ombro alguns segundos depois. , que tinha um sorriso largo nos lábios, logo mudou sua expressão para algo parecido com uma careta.

– Posso ter a honra de uma dança com a futura rainha? – um rapaz perguntou, estendendo a mão.
– O que você tá fazendo aqui, Ewan? – ela perguntou, se negando a tocá-lo.
– É uma festa, todos os seus amigos estão aqui.
– Você não é meu amigo. – disse, soando bem grossa.
– Mas o meu pai é amigo do seu, portanto... – ele respondeu, tornando a conversa ainda mais estranha, então resolvi interferir.
– Prazer, – apertei sua mão, que continuava estendida na direção dela.
– Ewan Larsen.
, vamos falar com os seus tios? – ela perguntou de forma retórica, já que ela segurou minha mão e me arrastou para longe do rapaz, deixando-o plantado no meio do salão.
– Isso não foi meio rude? – indaguei, vendo o seu olhar furioso quase me queimar vivo.
– Eu odeio aquele cara. Odeio muito, odeio com todas as minhas forças – ela continuava repetindo, cada vez mais irritada.
– Hey, calma. Relaxa, ele não tá aqui. – pedi, tocando de leve em seu rosto e fazendo um carinho. – Será que você pode me explicar o que tá acontecendo?
– O Ewan é filho de um amigo de infância do meu pai, a minha mãe e a mãe dele engravidaram na mesma época e sempre ficaram falando que nós casaríamos quando fôssemos adultos, a mãe dele mais pelo fato de eu ser herdeira do que por qualquer coisa, aposto – ela parou, respirando fundo algumas vezes antes de continuar. – Conforme nós fomos crescendo, ele se tornou uma pessoa insuportável, porque os pais dele acreditaram que nós iríamos nos casar e o criaram para ser o futuro príncipe consorte da Dinamarca. Minha mãe entrou nessa onda e resolveu que iria nos juntar de qualquer forma. Agora imagina a situação: eu sempre odiei que me controlassem, que decidissem as coisas por mim e de repente eu estava praticamente comprometida com um cara que eu odiava. Minha mãe surtou e eu resolvi que iria dar motivos para ela surtar de verdade. Esse é o real motivo por eu ter sido tão irresponsável quando eu era adolescente: o Ewan.
Parei para tentar entender o que ela havia me falado e minha cabeça quase deu um nó. Então a rebeldia dela sempre teve um motivo, nunca foi sem causa, e pior, era basicamente por causa de um cara. Será que eu devo começar a odiá-lo nesse momento?
– O pai dele tá falido e eu meu o ajuda há muito tempo. Por isso que eles sempre vêm forçando essa barra de casamento, porque seria muito providencial para eles, não é?
– Sim, realmente, seria muito providencial para nós, só que nossos planos falharam graças ao , seu noivo – Ewan apareceu de repente, fazendo o nervosismo de reaparecer.
– Por que você não some? – ela perguntou, forçando um sorriso logo em seguida. – Você sabe que ninguém te quer aqui.
– Ah, mas você tá enganada, a sua mãe me quer aqui. Tanto que ela nos convidou para ficar aqui até o casamento de vocês. Será maravilhoso. – ele ergueu sua taça de champanhe e saiu lentamente, como se ele fosse o verdadeiro dono da festa. me olhou com o rosto completamente vermelho de raiva. Suas mãos tremiam e sua respiração estava acelerada.
, me diz que ela não fez isso, por favor. Me diz que ela não estragou o que deveria ser o dia mais feliz da minha vida. – ela quase gritava, chamando a atenção de todos que estavam ao nosso redor. Eu estava imóvel, sem saber como reagir ou como ajudar. Porque eu também precisava que alguém me dissesse que aquilo tudo estava acontecendo. Precisava de uma prova de que aquela festa tinha ido do céu ao inferno em poucos minutos.

/’s Pov



Vigésimo Terceiro


Just grab my hand
And don't ever drop it, my love
They are the hunters
We are the foxes and we run

(Taylor Swift – I Know Places)


– Como você pôde fazer isso comigo? – gritei a plenos pulmões, batendo a porta do escritório com força. Eu havia pedido que dissessem a ela que eu precisava lhe falar uma coisa urgentemente, só assim que eu consegui fazer com minha mãe viesse me encontrar. – Como você pode se achar no direito de estragar o dia mais importante da minha vida?
– Eu não estraguei nada, se alguém tem culpa aqui, esse alguém é você mesma que não consegue lidar com seus problemas – ela falou de forma que parecia que ela não se importava com a minha revolta. Havia até mesmo um pouco de deboche em seu tom de voz.
– O Ewan é um problema que você insiste em colocar na minha vida. E eu não consigo enxergar um motivo para tanta maldade, você me odeia, é isso? Porque é a única razão que eu posso aceitar.
– É claro que eu não te odeio, você é minha filha. E o Ewan é um rapaz excelente, cuja família é nossa amiga – ela disse, caminhando em direção à porta, como se encerrasse nossa conversa, mas não seria assim tão fácil.
– Ser seu amigo ultimamente não tem significado muito coisa, a não ser que seja uma péssima pessoa. Não consegue ver que ele e os pais só querem uma coisa de nós? Eles querem nosso dinheiro, mãe, sempre quiseram – falei e ela rolou os olhos.
– Eles são nobres, minha filha, isso valoriza qualquer pessoa. Falidos ou não, eles continuam sendo duques – seu tom de voz fez meu sangue ferver, mas eu prometi a mim mesma que não tornaria nada pior do que já estava.
– Então a questão é essa, o título de nobreza? Você sabe que eles já teriam vendido o título se vocês não continuassem os ajudando, não é?
– Isso não importa, uma vez nobre, sempre nobre. É uma questão de sangue.
– E uma vez plebeu, sempre plebeu. Também é uma questão de sangue – complementei sua resposta, dando meu melhor sorriso cínico sem seguida. – Só que isso não se aplica apenas ao , mãe. Aplica-se a você da mesma forma. Sua necessidade de títulos só mostra sua verdadeira face. Só não digo que é como você, porque ele é uma pessoa nobre mesmo sem o título. Já você só é nobre por causa de um.
– Como ousa...
– É isso que te irrita e sempre te irritou, não é? A minha capacidade de falar o que quero e o que penso sem ficar me regulando, pensando no que vão achar. Eu não me importo nem com o que você pensa, meu pai ou qualquer um, eu faço o que acho que devo fazer. Já você sempre viveu seguindo regras, fazendo o que todos esperavam que fizesse. Isso pra mim não é respeito ou algo do tipo, é fraqueza, é incapacidade de se impor. E se tem uma coisa da qual não podem me chamar é de incapaz. Porque eu me imponho, sim. Independente de quem eu tenha que enfrentar. Pode ser você, meu pai ou aquela família de duques falidos. Eu vou fazer o que eu quero e não serão vocês que vão me impedir.
– Você não deveria falar assim com a sua mãe – ela disse baixo, com vestígios de ressentimento em sua voz. Talvez eu tivesse pegado pesado, mas depois de tudo o que ela fez, nada parecia ser ruim o bastante.
– E você não deveria agir assim com a sua filha, mas parece que não seguimos as regras por aqui, certo? – sorri, debochada. – Você pode deixar o Ewan aqui para sempre. Nada vai mudar. Posso não me casar com o por algum motivo. Só que se precisar, eu me caso com o primeiro que ver na esquina, mas nunca vou me casar com ele, nunca. Eu tenho nojo do Ewan.
– Você não teria coragem – ela estreitou os olhos e eu pude sentir que ela duvidava de mim, algo que eu odiava.
– Coragem é algo que nunca me faltou, mãe. Você pode pagar para ver, se quiser – falei, encerrando nossa conversa, antes de abrir a porta e voltar para a festa, já havia perdido tempo demais com pessoas que valiam nada.

Quando retornei ao salão, parecia que eu tinha tirado uma tonelada das minhas costas. Procurei logo pelo , encontrando-o na pista de dança, rodopiando de forma descoordenada com sua tia. Sorri com a cena e retribui o beijo que ele me lançou. Seu tio estendeu a mão para mim e aceitei prontamente. Estávamos bem melhor que o outro casal, já que Paul dançava maravilhosamente bem. Sorri, convencida, vendo fazer uma careta do outro lado da pista, voltando aos passos desencontrados com Carlie. Pelo menos ele parecia estar se divertindo. A noite foi passando, assim como a minha raiva. Ewan resolveu nos dar um sossego, ficando o mais afastado possível. Minha mãe tinha retornado à festa depois de nossa conversa, mas logo inventou alguma desculpa e foi para o quarto. Meu pai disse que ela estava indisposta e eu respondi que lhe explicaria a indisposição dela depois, quando tivéssemos tempo. Ele pediu que eu ignorasse um pouco as queixas dela, mas eu disse que era impossível, porque ela estava excedendo todos os limites toleráveis e que era um pouco de culpa dele a presenta de Ewan na festa, assim como a permanência dele. Ele tentou se explicar, mas eu logo cortei. Meu pai não conseguia enxergar os atos da família Larsen da forma “maldosa” que eu fazia. Só que não era maldade, era realidade. Eles se aproveitavam da bondade dele de uma forma absurda e eu não era obrigada a aceitar isso. Nem contei que cortaria qualquer ajuda aos Larsen quando assumisse, porque não queria brigar com os meus dois pais na mesma noite. Então deixei a surpresa guardada para um momento bem especial.

– Posso ter o prazer de dançar novamente com a minha futura esposa? – disse, me roubando do meu pai momentos depois. Voltamos para a pista, dançando da nossa própria forma. Eu ria alto, chamando muita atenção, cada vez que ele inventava um giro novo, quase nos derrubando no chão, no meio daquelas pessoas importantes. Algumas balançavam a cabeça, desaprovando, mas nossos verdadeiros amigos tinham sorrisos nos lábios, porque sabiam que estávamos felizes.
– Acho que precisaremos de aulas de dança para o casamento. Uma futura rainha e seu príncipe consorte não podem dar um vexame – comentei, depois que ele me puxou pra mais perto e curvou meu corpo para trás.
, príncipe consorte da Dinamarca, isso bem estranho – ele confidenciou ao meu ouvido, rindo em seguida.
– Soa bem sexy pra mim – respondi, piscando um olho pra ele.
– Isso significa o que eu acho que significa? – perguntou, de uma forma um tanto confusa.
– Significa que eu espero que a porta do seu quarto fique aberta essa noite – falei em seu ouvido, ouvindo sua risada logo depois. O sorriso e o beijo que recebi em seguida deveriam ser o seu “sim”.
– Minha porta está sempre aberta pra você – respondeu, dando um beijo leve nos meus lábios.
– Será que vão sentir nossa falta se sumirmos daqui?
– Tenho certeza que sim, infelizmente – seus lábios se entortaram numa careta, enquanto ele girava meu corpo para o lado e me puxava de volta.
– Mais algumas horas, então – falei, parando em sua frente, antes que ele jogasse meu corpo para o outro lado, repetindo o mesmo passo de antes.
– Mais algumas horas – disse, trazendo-me para perto novamente, juntando nossos lábios.

As horas não demoraram a passar. Depois que dancei novamente com mais alguns convidados, perguntei ao meu pai se seria de mau tom se eu e nos recolhêssemos, porque estávamos cansados. Ele disse que não, que poderíamos ir quando quiséssemos. Não que ele imaginasse nossos planos, mas o bom foi que ele não nos atrapalhou. Despedimos-nos de , , Carlie e Paul, dando uma desculpa qualquer. Eles decidiram que ficariam mais um pouco, porque não seria sempre que eles teriam uma festa daquelas à disposição deles. Subimos as escadas de mãos dadas e me deixou na porta do meu quarto. Falei que iria tomar um banho e que apareceria lá muito em breve. Ele disse que faria o mesmo e que aguardaria ansiosamente.
Demorei cerca de quarenta minutos e sai do quarto esperando não encontrar com ninguém pelo corredor. Não que isso importasse de alguma forma, só seria meio desconfortável, ainda mais se fosse alguém da família. Resolvi ignorar as preocupações e me movi rapidamente pelo caminho, correndo pelo corredor vazio e escuro até chegar ao quarto do , entrando sem cerimônias. Ele estava sentado na cama e olhou em minha direção assim que ouviu o barulho da porta se abrindo. Sorrindo abertamente, ele veio em minha direção e sem falar nada, colocou suas mãos em minha cintura, puxando meu corpo na direção do seu. E me beijando com intensidade, me fez esquecer a minha mãe, da presença do Ewan, até mesmo de quem eu era. Naquele momento eu não era a princesa herdeira da Dinamarca. Talvez eu nem fosse a ou ele . Eu era uma mulher e ele o meu homem. E as únicas coisas que importavam eram seus lábios e seu corpo pesando sobre o meu.

Levantamos cedo no dia seguinte, queria conhecer um pouco da cidade antes de voltar para Londres. Tomamos café no jardim e aproveitamos um pouco do sol que resolveu aparecer pela manhã. Passeamos de barco pelo Nyhavn, onde ficou louca pelos pequenos prédios coloridos. Almoçamos em um que nos dava uma excelente vista de toda a marina. Já Carlie e Paul ficaram encantados pelos jardins do Tivoli, onde tiraram várias fotos, principalmente nas construções temáticas, como o castelo turco e a torre chinesa. Ninguém se animou para ir aos brinquedos. ainda lembrava do terror que passou na montanha russa da primeira vez e disse que não estava muito no clima, mas me confidenciou que ele tinha medo de altura, quase tinha tido um treco no avião quando vieram e provavelmente estava se preparando psicologicamente para a volta. Tentei não rir, mas foi impossível. Andamos um pouco mais pelo parque, até que começou a ficar um pouco frio demais, assim como já estava ficando tarde e eles tinham que voltar para Londres. Passamos em casa para buscar as bagagens e já nos dirigimos para o aeroporto.
ficou perto dos tios, curtindo a presença deles enquanto podia. Imaginei que seria bem complicado ficar longe deles, já que Paul e Carlie tinham sido a família de nos últimos anos. Nós ainda não tínhamos parado para conversar, eu realmente queria saber se a mudança tinha causado algum desconforto a ele ou aos tios, se eles tinham se sentido mal de eu estar “roubando” o sobrinho deles. Porque, sabendo como era apegado a eles, provavelmente estava sendo bem difícil pra ele, sim. Peguei-me pensando em como seria se fosse o contrário, se fosse eu a pessoa a ter que deixar tudo para trás pra ficar com ele. Será que eu seria segura e corajosa o bastante para deixar minha vida inteira de lado. Porque isso demanda de muita coragem, e muito amor, eu acho.
Chegamos ao aeroporto e eu me despedi de todos, abraçando e beijando cada um, dizendo que nos veríamos muito em breve, se não fosse antes, seria no casamento, que não demoraria. separou um tempo para abraçar fortemente o tio e eu pude ver que ele sussurrou algo como “eu amo você” no ouvido dele, sendo recompensado com um sorriso largo e uma resposta igual. Ele fez o mesmo com Carlie, sendo coberto de beijos pela tia, enquanto ela derramava algumas lágrimas. Perguntei para se ela queria que eu escolhesse o vestido dela de madrinha por aqui ou se ela escolheria ela mesma em Londres. Ela me olhou com os olhos brilhando, como se não soubesse que ocuparia esse lugar no casamento. Ela agarrou meu pescoço, agradecendo muito pelo convite. Rolei os olhos, sorrindo de lado. disse que eu poderia escolher o vestido ou quem quer que tenha escolhido o da festa, porque era lindo demais, digno de uma princesa. E que ela queria muito agradecer a pessoa por isso. Tomei nota mental para passar o recado para Ellen.
O piloto avisou que eles estavam prontos e já tinham a liberação para decolar. deu mais um abraço no tio e veio para o meu lado, passando um dos braços pelo meu ombro. Todos entraram no avião sorridentes, exceto , que deixava o desconforto transparecer em seu olhar. segurou sua mão e sorriu, encorajando o namorado. acenou para eles, com os olhos marejados.
– Deve ser difícil se despedir da sua família, né? Deixar sua vida para trás – comentei, quando voltamos para o carro. Ele olhou em minha direção, sorrindo de lado. – Assim, você sabe que não precisa ficar aqui se não quiser. Você pode voltar pra sua casa, ter sua vida normal...
, eu não vou mentir pra você, é bem difícil. Meus tios são duas das pessoas mais importantes da minha vida e pensar que eu não vou conviver com eles é bem difícil. Só que eu estou os deixando para viver ao lado da outra pessoa importante pra mim: você. Minha vida é com você, é ao seu lado. Aqui, em Londres, no China ou em Marte – beijei seus lábios, fazendo um carinho em seu rosto. Ele passou o braço pelo meu ombro, trazendo-me para mais perto dele e me aconchegando em seu peito.
– Eu amo você – murmurei, fechando os olhos e aproveitando o momento.

Duas semanas depois

Rolei na cama, escondendo meu rosto da claridade que escapava da cortina. Joguei minha perna por cima do corpo de , que resmungou alguma coisa, mexendo-se um pouco. Alarmei-me um pouco, cogitando ser tarde, mas assim que peguei o celular, vi que tinha acordado até muito antes do que deveria. Mas sabia que não poderia dormir mais, porque correria o risco de acordar muito tarde. Decidi que ficaria acordada, mas não queria ficar sozinha, então comecei a perturbar um pouco o , passando minha mão pelo seu rosto, fazendo um pouco de cócegas em seu pescoço e mexendo em sua orelha. Ele virou o rosto em minha direção e disse, sem abrir os olhos:
– Ninguém nunca te disse que você precisa respeitar o sono das pessoas?
– Não – respondi, continuando a perturbar, apertando em seu nariz agora. Sua expressão foi se tornando cada vez mais contrariada, até que ele abriu os olhos de repente e jogou seu corpo em cima do meu, me prendendo.
– E agora? – perguntou, arqueando as sobrancelhas.
– Essa é a sua vingança? – mordi o lábio inferior, sorrindo de lado.
– Você me acordou às sete da manhã sem nenhuma necessidade, acha mesmo que ia escapar assim tão fácil? – falou, de forma retórica, juntando nossos lábios logo em seguida. Coloquei minhas mãos em seu rosto, puxando-o para mais perto e tornando o beijo mais intenso.
– Bem, se todas as suas vinganças forem como essa, eu terei que te acordar cedo todos os dias – comentei, com a voz baixa e vacilante, assim que ele separou nossos lábios. – Mas não posso me dar ao luxo de prolongar esse momento, pois tenho um compromisso com o meu pai e preciso me levantar – falei, vendo-o jogar o corpo para o lado e encarar o teto.
– Estou me sentindo um completo inútil.
– Por quê? – perguntei, enquanto levantava da cama.
– Porque você levanta cedo todos os dias, tem mil compromissos e eu fico aqui sem fazer nada. Eu não tô acostumado a ser um desocupado, sempre trabalhei no bar, pelo menos. Até mesmo na época da escola eu ajudava por lá. Agora eu fico aqui enfurnado no quarto, encarando esse teto, sem ter nada pra fazer.
– Não sei o que te falar, – comentei, vendo-o desviar o olhar do teto pra mim. – Posso arrumar um emprego pra você. Tem um escritório do grupo de advogados que você estagiava aqui, posso entrar em contato, tentar conseguir uma entrevista...
– Não, por favor. Não faz isso – ele pediu, um pouco exaltado.
– Nossa, por que não?
– Porque eu não quero conseguir as coisas por sua causa. É claro que não vão negar um favor a você, futura rainha. Quero conseguir oportunidades pela minha capacidade – mordi o lábio, encarando-o por alguns segundos.
– Ok, não está mais aqui quem falou, só queria ajudar – respondi, tentando encerrar o assunto. Ele suspirou, levantando da cama e indo até onde eu estava.
– Não fica chateada comigo, por favor – pediu.
– Tudo bem.
– Não, não tá tudo bem – falou, fazendo-me olhar pra ele.
– Poxa, eu tento sempre ajudar, mas você tá sempre reclamando. “Ai, não faço nada”, “ai, não tenho um emprego”, “ai, que tédio”. Te dei uma solução, mas você não aceita que eu faça nada pra ajudar. Então eu tenho que ficar te ouvindo reclamar no meu ouvido o tempo todo e não posso fazer nada a respeito – bufei, fazendo uma careta. – Você tá muito chato.
– Tá bom, vou parar de reclamar e procurar alguma coisa pra fazer. Não vou mais falar no seu ouvido.
– Eu agradeço, porque já tenho muito com o que me preocupar. Inclusive, você poderia organizar as coisas do casamento com a Genevive, né? Nossos horários disponíveis nunca batem e é meio impossível escolher flores e arranjos pelo telefone – falei e ele franziu a testa, com uma expressão contrariada. – O que foi agora?
– Eu não tenho nenhuma noção do que escolher. Esses detalhes são tão coisa de mulher, é capaz das minhas escolhas serem tão absurdas, que você vai ter que escolher tudo de novo depois.
– Ah, então seu papel no casamento é só aparecer e dizer sim? Sinceramente, , que pensamento machista... – deixei a frase morrer. – Reclama que não tem nada para fazer, eu arrumo e não quer. Não sei o que você quer da vida.
– Quero você – ele respondeu, piscando e me puxando pela cintura. Balancei a cabeça lentamente, enquanto ele ria.
– Não adianta tentar ser sedutor, tenho que trabalhar.
– Não fica chateada comigo – ele pediu, sussurrando em meu ouvido, me amolecendo um pouco.
– Eu não fico chateada com você, fico brava mesmo. Te xingo mentalmente de vários nomes bem feios – forcei na entonação para caprichar na intensidade. – Aí a raiva vai passando, até que eu esqueço tudo.
– E você tá me xingando agora? – perguntou, querendo rir.
– De todos os palavrões que eu conheço. E não são poucos – brinquei, juntando nossos lábios. – Agora eu preciso ir mesmo.
Abri a porta e antes que eu pudesse sair, me puxou para mais um beijo. Eu até tinha esquecido que estávamos no meio do corredor, só lembrei porque ouvi uma risada estranha e me assustei. Afastei-me do para ver quem era e senti meu sangue ferver no mesmo instante.

– Ora, ora, se não é o casal mais querido do país – Ewan disse, apoiando-se de lado na parede e nos encarando, com os braços cruzados. – Não está muito cedo para essa demonstração de amor em pleno corredor? Aposto que sua mãe não vai gostar nadinha de saber que você anda escapando do seu quarto durante as noites.
– Você é o que, Ewan, fiscal de castidade? – perguntei, rolando os olhos. – Por que não some da minha frente de uma vez?
– Sua mãe pediu que eu ficasse atento ao que acontecia na casa e, bem, é o que eu estou fazendo.
– Então conte tudo o que você viu pra ela, assim ela passa a ter mais certeza de que eu vou casar com o , que é ele que eu amo, mas foca bem no fato que eu te odeio e que conto os minutos para te ver longe daqui junto com a sua família – pedi, sorrindo ironicamente. se mostrou muito contrariado ao meu lado, mas se manteve em silêncio. Nessas semanas que ele passou aqui, já passou a odiar o Ewan tanto quanto eu, o que não é difícil, porque odiar o Ewan é a coisa mais fácil do mundo. – E se quiser, eu te conto alguns detalhes do que aconteceu aqui essa noite, assim o seu relato ficará mais rico. Bem mais rico.
– Você acha que esse tipo de postura é correto para uma futura rainha, ? – Ewan questionou, aproximando-se um pouco e cruzando os braços. – Acho que essa libertinagem não agradaria os mais conservadores.
– Primeiro: não me chame assim. Eu nunca te dei essa liberdade e não será agora que eu darei. E segundo: a opinião dos conservadores não mudará a forma que eu levo a minha vida, eu não me importo com eles. Portanto, pare de meter onde não é chamado e aproveite a sua estadia enquanto pode – tentei dar o assunto como encerrado, mas ele continuava parado, nos encarando. respirou fundo, olhando em meus olhos como se falasse: ou ele sai por bem, ou sairá por mal. Eu queria muito que ele saísse por mal, mas poderia dar muitos problemas.
– Bem, os conservadores compõem uma parte massiva do parlamento, então creio que você deva passar a se importar com a opinião deles, sim. Assim como creio que você deveria ter escolhido um noivo que te influenciasse de forma positiva, e não um que alimenta sua necessidade de quebrar regras.
– Quebrar regras? Do que você tá falando? Por acaso tá escrito que além de ser casada, a herdeira do trono deve ser virgem? – balancei a cabeça, rindo da cara dele. – Sério, vai embora antes que eu tenha que tomar medidas extremas, tipo chamar a guarda. Fora que você nem deveria estar aqui, deveria estar na casa de hóspedes junto com os parasitas dos seus pais.
– Você não deveria falar assim comigo, muito menos dos meus pais, ou então...
– Ou então o quê? – se intrometeu, claramente perdendo a paciência, empurrando-me delicadamente para o lado, para que pudesse ficar cara a cara com Ewan. Esse, por sua vez, estranhou a reação de e assumiu uma postura ainda mais defensiva. – Você não ouviu a pedir que você vá embora?
– Ouvir eu ouvi, mas isso não significa que eu tenho que obedecer. Por que, você vai me fazer ir embora? – Ewan o desafiou.
– Se for necessário – respondeu, num tom sério que eu nunca tinha ouvido antes. – Sabe, eu estou cansado da sua falta de educação e respeito com a minha noiva – falou, frisando a última palavra, me fazendo sorrir. – E isso só mostra o tipo pessoa que você é.
– E que tipo de pessoa eu sou, ?
– Arrogante, petulante, pedante, inconveniente e muito pretencioso. Imagino que tenha sido um erro na criação dos seus pais, porque eles tentaram criar um príncipe, mas acabaram criando um, dizendo de uma forma mais direta, babaca – deu de ombros, com um sorrisinho no canto dos lábios. Segurei o riso, mas não consegui, ainda mais vendo o rosto de Ewan ficar vermelho de raiva. Até que ele torceu os lábios num sorriso cínico e me acompanhou nas risadas. franziu a testa, sem entender a reação dele.
– Sabe o que é engraçado? Ouvir esse tipo de coisa de alguém que não tem pais – Ewan riu alto, enquanto eu arregalei os olhos, meio desnorteada com o comentário dele.
– Não fale dos meus pais – pediu, com o tom de voz baixo e meio ameaçador.
– Por que você meio que fala isso sem conhecimento de causa, não é? Seus pais não estavam lá quando você estava crescendo – Ewan deu de ombros e fez uma careta.
– Não fale dos meus pais – repetiu, respirando fundo em seguida.
– Provavelmente tenha sido isso que te transformou nisso que você é, um cara altamente influenciável, sem opinião própria e que nasceu para ficar à sombra de alguém. É talvez seja mesmo falta de um pai de verdade.
O que aconteceu nos segundos que sucederam as besteiras que Ewan falou, pareciam em câmera lenta. Vi fechar uma das mãos em forma de punho e atingir diretamente o nariz de Ewan e o mesmo se transformar numa cascata de sangue. Sua blusa branca estava completamente vermelha na parte da frente, assim como a mão de também tinha um pouco de sangue. Eu entrei em choque e fiquei revezando meu olhar entre e Ewan, sem saber o que fazer. Estava completamente atônica. Ewan tinha conseguido o que estava tentando fazer desde o primeiro segundo que colocou os pés aqui: tirar do sério. Eu não o culpo, porque também não tenho sangue de barata, só que qualquer um tiraria a razão de agora, porque partir para a agressão física nunca deveria ser uma opção, por mais que eu mesma socaria o Ewan se tivesse chance. Um ainda estava com a mão fechada em forma de punho e com os olhos arregalados, percebendo o estrago que havia feito. O outro estava com uma mão no rosto coberto de sangue, segurando o nariz e gritando de dor. Eu poderia chamar a guarda para ajudar Ewan e tentar acalmar o , mas eu não conseguia nem me mexer. Só pensar em duas coisas: 1) o Ewan tinha merecido e 2) o tamanho da confusão que isso ia causar.



Vigésimo Quarto

We're falling apart and coming together again and again
We're growing apart but we pull it together
Pull it together, together again
Oh! Don't let me go

(The Fray – Never Say Never)


- Isso é inaceitável! – minha mãe bradou pela milésima vez, fazendo com que eu rolasse os olhos. Estávamos todos na sala de jantar, com uma mesa linda de café da manhã posta, mas ninguém estava comendo. Quer dizer, estava comendo, escondido, um pedaço de bolo a cada grito que minha mãe dava. Juro que eu estava tentando levar aquilo tudo a sério, mas meu primo não facilitava.
- Mary, por favor... – meu pai ponderou, mas conseguiu apenas que ela se exaltasse mais.
- Frederico, olhe o nariz desse rapaz. – falou, apontando para Ewan, que estava sentado e segurava uma bolsa de gelo contra o rosto. Sua camisa estava completamente suja de sangue e tornava tudo mais grave do realmente era. – Ele deve precisar de uma cirurgia plástica ou algo assim. – minha mãe continuou e não aguentou, soltando uma risada alta, fazendo com que eu o acompanhasse. Minha mãe olhou na direção dele, como se pudesse matá-lo com apenas um olhar. Isso não pareceu importar muito, porque ele continuou rindo, até que ela se manifestasse. – Não vejo motivos para risadas, .
- Tia, por favor. Não trate isso como uma tentativa de homicídio ao algo do tipo. Parece que estamos num tribunal ou algo do tipo. A senhora é o que, a promotora? Desculpe, mas parece que está fazendo suposições baseadas apenas no nariz do Ewan. Nem deu chance para que eles pudessem explicar o que aconteceu, porque toda história tem dois lados e só ouvir um me parece tendencioso demais. – soou mais sério do que em qualquer outro momento de sua vida que eu tive o prazer de presenciar. Todo mundo ficou num silêncio absurdamente constrangedor. O olhar quase assassino de minha mãe parou sobre e senti como se ela fosse pular no pescoço do meu primo a qualquer momento. Já eu, bem, eu poderia dar um beijo nele agora.
- , agradeço sua presença aqui, mas creio que essa seja uma conversa de família. – ela lhe disse, fazendo com que eu franzisse a testa.
- Se esse fosse o caso, acho que o Ewan também devesse deixar a mesa. Ele é o único aqui que não é da família e nem será. – dei de ombros, frisando bem a última parte da frase e recebendo um olhar de , que praticamente gritava para que eu ficasse quieta, mas não era uma opção.
- Mas ele está diretamente envolvido na situação absurda que presenciamos.
- Então, se a presença for de real importância, nem a senhora ou o meu pai deveriam estar na conversa. Eu fui a única pessoa que estava lá além deles dois e o engraçado é que eu não tive direito de falar nada, muito menos o . Se for assim, eu mesma prefiro me retirar e deixo você mostrar sua piedade para a única pessoa que realmente se importa com ela: o Ewan.
- , por favor. – se manifestou pela primeira vez, com a voz baixa e desanimada. – Não precisa tentar remediar a situação, eu sei que estou errado.
- Eu também sei que você está errado, . Todo mundo sabe. Eu só não aceito que você saia como o único errado da situação porque não está sangrando. “Os fins justificam os meios”, não é isso que falam? Então por que ninguém parece se importar com os motivos que te levaram a agir de uma forma tão... intensa. – adjetivei assim na falta de outra palavra mais adequada. Na verdade, eu pouco me importava. Queria eu mesma ter tido o prazer de socar a cara do Ewan. Claro que não falaria isso em alto e bom tom, mas vontade não faltava.
- Vamos parar com isso, ok. – meu pai falou, com o tom de voz um pouco mais elevado do que o de costume. – Não vai ser discutindo, arrumando outra confusão, que vamos resolver a primeira. Agora vamos aos fatos, a única coisa que sabemos de verdade, é que o agrediu o Ewan, mas não sabemos o motivo, mesmo que isso não interfira em nada, porque nada justifica uma atitude tão agressiva. Mas, sim, eu quero saber o motivo. Eu quero ouvir as duas partes e não vou tomar partido. – ele disse a última parte olhando diretamente para a minha mãe. – , você quer falar alguma coisa?
- Não, senhor. – continuava com a sua expressão inalterada, como se quisesse sair daqui a qualquer custo. E quando digo daqui, não é apenas da sala.
- Então eu falo. – pedi, encarando e demonstrando como estava decepcionada com a atitude dele. – Primeiro: Ewan estava no corredor do terceiro andar às sete da manhã, não sei fazendo o que, já que ele está na casa de hospedes e não aqui. Segundo: ele estava, evidentemente, tentando criar uma espécie de atrito, porque tudo o que ele nos falou foi absurdamente agressivo...
- Não vai comentar o fato que você estava saindo do quarto do ? – a voz de Ewan saiu num tom absurdamente irritante, me fazendo rolar os olhos e respirar fundo dez vezes.
- Não comentaria, porque não acho que a minha vida particular seja da conta de alguém. E, novamente, não sabia que você tinha virado uma espécie de fiscal de castidade alheia. Em que século estamos mesmo? – perguntei de forma retórica, virando a cabeça na direção do , recebendo seu olhar cumplice em resposta.
- Chamem as autoridades, a pureza da princesa foi violada. – ele disse, dramaticamente.
- , por favor. – meu pai pediu, mas eu vi em sua expressão que ele prendia um sorriso.
- Enfim. – falei, tentando retomar do ponto que eu tinha parado. – Ewan fez questão de não comentar o fato de que foi absurdamente agressivo e invasivo, fazendo questão de citar os pais do , que não tem absolutamente nada com o assunto que estava sendo tratado.
- Os pais do ? – meu pai perguntou, transformando sua expressão em algo confuso.
- Sim. Gostaria de perguntar isso ao próprio Ewan, queria que ele me explicasse porque os pais do eram tão importantes no assunto. Ele estava me ameaçando, dizendo que a parte conservadora do Parlamento não aprovaria a minha postura, que o herdeiro do trono deveria ser alguém que seguisse as regras e não buscasse quebrá-las. Creio que, aparentemente, ele acredita que seria uma melhor opção para te substituir, pai. E além de me ameaçar, me afrontar dentro da minha própria casa, ele usou o fato dos pais do não estarem mais aqui para atingi-lo. Tudo isso porque ele me defendeu. E se me permitem uma última colocação aqui no tribunal matinal, acredito que a pena de soco tenha sido leve demais. Ewan merecia, pelo menos, uns dez. – sorri em sua direção, encarando o saco de gelo que ainda segurava junto ao rosto.
- Minha filha, por favor, não retome esse assunto. – meu pai pediu, tentando tornar o ambiente, ao menos, pacifico.
- Eu gostaria de falar uma coisa, sim. – disse, fazendo com que todos olhassem em sua direção. – Primeiramente, queria pedir desculpas pelo meu comportamento inaceitável, nada justifica a violência e eu afirmo que isso não voltará a acontecer. Só queria deixar claro e provar para o Ewan que eu não sou influenciável, sem opinião própria e muito menos nasci para ficar à sombra de alguém, como o mesmo afirmou. Eu apenas sei me colocar no meu lugar, aceitar o espaço que me foi destinado e respeitar isso. Não tento impor minha presença ou forçar qualquer tipo de barra em relação a coisa alguma. E, para finalizar, queria apenas reforçar que você está errado em relação a mais uma coisa, não que você estar errado sobre qualquer coisa seja algo incomum. Mas eu tive pai, sim. Quer dizer, sou sortudo a ponto de poder afirmar que tive dois pais e isso deve influenciar em alguma coisa e de alguma forma, porque a diferença entre nós dois é gritante e não digo isso baseado em sobrenomes ou nobreza. – o silêncio constrangedor se instaurou mais uma vez, enquanto eu olhava para com os olhos brilhando, provavelmente. Ali estava a postura que eu tanto queria que ele assumisse.
- Ewan, você gostaria de dizer alguma coisa? – meu pai perguntou, depois de algum tempo.
- Não. – disse, de forma seca.
- E você, Mary, mais alguma coisa para acrescentar?
- Não. – murmurou, com a voz baixa.
- Certo. – falou, juntando as mãos em cima na mesa e olhando para os dois rapazes. – Creio que não preciso me prolongar no ponto de não quer que atitudes assim se repitam por aqui, então passarei para outros pontos importantes que foram comentados. , não acho que você seja nada disso que afirmaram, acredito que você aja da exata forma que afirmou, com a noção necessária do lugar a ser ocupado. Conceito que não parece ser bem compreendido por aqui. Sim, sua atitude foi totalmente deplorável, não esperava nada disso vindo de você, nem mesmo diante de razões tão... gritantes. Mas também acredito que você não deixará que isso se repita. – meu pai lançou um olhar acolhedor na direção de e naquele momento eu soube que ele estava do nosso lado. – Filha, acredito que a sua vida pessoal não seja mesmo da conta de ninguém, desde que você mantenha tudo num limite tolerável. Não predirei que você se mantenha longe do seu noivo ou algo do tipo, só lhe peço que não deixe as coisas fugirem do controle, está bem? – ele sorriu em minha direção, com as pequenas rugas se formando ao lado dos olhos. – E Ewan, bem, mediante tudo o que eu ouvi aqui e sem saber de nada em sua própria defesa, porque você não quis falar, eu só posso te pedir que se envolva apenas naquilo lhe diga respeito e isso não envolve o relacionamento da minha filha. Não estou defendendo um comportamento agressivo, longe disso, mas vamos ser francos, se você não estivesse tão loucamente disposto a criar situações embaraçosas, nada disso teria acontecido. Não quero limitar sua permanência na minha casa, muito menos lhe tirar o direito de ir e vir aqui dentro, mas peço que você tenha mais polidez na forma que trata o meu futuro genro, porque não é a primeira vez que chega ao meu conhecimento atitudes desagradáveis vindas de você. Pois, caso não tenha entendido ainda, em algumas semanas ele será um dos donos dessa casa e você estará hospedado na casa dele. Você é filho de um dos meus melhores amigos e não gostaria que nada fosse abalado por comportamentos inaceitáveis dos nossos filhos, mas também não me calarei perante atitudes desrespeitosas.
Todos ficaram em silêncio por longos minutos, nem mesmo começaram a tomar o café da manhã. Ewan foi o primeiro que pediu licença e se retirou, sendo logo seguido por , que comentou estar sem apetite. Minha mãe também deixou a mesa sem comer nada. Meu pai encarava a xícara de café frio e eu fazia o mesmo com o meu chá. Mas não se fez de rogado, pegando logo mais um pedaço de bolo e se servindo de suco de laranja. Eu achava incrível a capacidade que meu primo tinha que não se deixar levar pelo ambiente em que estava. Enquanto todos amargavam um mau humor generalizado, ele continuava a ostentar um sorriso nos lábios, como se nada de ruim o atingisse. Bem, eu também queria ser assim, mas nada é perfeito nessa vida. Suspirei e pedi licença, também sem animo para comer ou algo do tipo. Segui pelas escadas, indo na direção do quarto de . Precisava muito saber por que ele se manteve calado durante a maior parte do tempo, já que toda culpa estava caindo sobre o seus ombros.

- Por que você demorou tanto para se manifestar? Estava começando a achar que aceitaria levar toda a culpa calado. – comentei, assim que entrei no quarto de . Ele me olhou de uma forma meio indecifrável e balançou a cabeça lentamente.
- Eu estou errado, não há nada para falar. Eu estou errado. – falou, como se quisesse encerrar o assunto, mas eu não sou do tipo de deixa coisas pela metade ou que coloca panos quentes só porque é algo complicado.
- Ele envolveu seus pais num assunto que nem era da conta dele, . – respondi, já cansada de bater na mesma tecla. Se havia alguém errado na história, esse alguém era o Ewan e ele merecia muito mais do que aquele soco.
- Não estou dizendo que ele está certo, mas eu não poderia ter partido para a violência, nada se resolve assim. – soou pacifico demais pra mim, eu não tinha aquele sangue frio. – E será que podemos mudar de assunto agora?
- Sabe o que eu acho? – disse, praticamente lhe dizendo que a resposta da sua última pergunta era não. – Acho que em alguns momentos a violência é necessária. Não me entenda mal, mas o Ewan merecia uns socos, sim. Precisava abaixar aquela bola e se essa é a única forma, bem...
- Você tá se ouvindo? – perguntou, fazendo uma careta e respirando fundo. – Você vai usar da força quando algo não estiver dando certo no seu país?
- Por favor, não confunda as coisas. Não há como comparar essa situação. Ewan é apenas um garoto mimado, que acha que o mundo gira ao redor do seu próprio umbigo. E eu estou vendo que não será possível conversar com você hoje. – comentei, encarando-o por alguns segundos. – Só lembre que eu não estou contra você, então não precisa agir assim, eu só quero te ajudar.
- Só que eu me sinto um nada quando você toma a frente e decide resolver tudo sozinha. – falou, encarando o chão. – Eu não queria falar nada a respeito disso, eu iria ouvir tudo o que tivesse que ouvir e deixaria o assunto morrer, mas você teve que interceder como, sei lá, minha advogada, e apresentar mil provas de que nada tinha sido minha culpa. Não precisava ter feito isso.
- Então eu tinha que ficar lá sentada, enquanto toda a culpa era jogada no seu colo? Você abraçaria tudo e ficaria por isso mesmo? Ewan saindo como o santo e você como o maníaco assassino? Eu acho que você não me conhece, porque não tinha nenhuma chance disso acontecer. – parei de falar por um segundo e olhei em seus olhos. Eu estava furiosa com ele. Já não bastava o Ewan ter acabado com o meu dia, tinha que se fazer de bobo e assumir a culpa por algo que Ewan, deliberadamente, forçou para que acontecesse. – Olha, , se você quer manter o papel de bom moço, que aceita tudo calado e de cabeça baixa, você pode fazer, mas não espere que eu tenha a mesma postura. Eu nunca fui assim e nem vou ser. Eu luto pelo o que acho certo e ajo assim em prol de mil coisas, pode ser no meu papel de futura rainha ou aqui, como sua noiva. Se você não pode lidar com esse meu lado, bem... – deixei a frase morrer, enquanto movi meus olhos dos seus e encarei o chão. – Eu tenho que trabalhar, você pode começar o seu processo de penitência pelo crime gravíssimo que cometeu. – lhe dei as costas e sai do quarto, batendo forte a porta depois de passar pela mesma.
Eu estava com tanta raiva, que era capaz de socar uma parede até que a mesma caísse. Era incrível como Ewan tinha conseguido fazer o que tanto queria; criar atritos entre eu e o era a meta da vida dele ultimamente. E o que mais me irritava era que deixava que ele manipulasse toda uma situação e, mesmo estando errado, Ewan conseguia fazer com que seu plano funcionasse. Eu podia tentar me controlar com todas as forças, mas a minha vontade de esganar o Ewan só aumentava. E eu rezei muito para ele não atravessar o meu caminho naquele dia ou naquela semana, porque eu não responderia por mim.

Felizmente, Ewan ficou sumido pelos dias que seguiram aquele ocorrido, mas o clima ainda estava bem ruim; minha mãe se mantinha calada e meu pai nem se preocupava em tentar acalmar os ânimos, parecia ter desistido também. Já , bem, eu não estava com muita vontade de falar com ele. Passividade é algo que me incomoda demais, ainda mais vindo de alguém que eu sempre espero o melhor. Queria que fosse um pouco mais atrevido, menos político, que se colocasse um pouco mais e não aceitasse tudo o que todos falam. Não é porque ele não é nobre, que é pior que alguém daqui. Longe disso! Só que ele continua se rebaixando mais a cada dia e isso só causa conflitos entre nós, porque não tem como eu apoiar esse tipo de comportamento, uma vez que acreditava que ele seria aquele que ficaria ao meu lado e lutaria junto comigo para que eu conseguisse fazer todas as mudanças que tinha em mente. E a cada conflito, era como se estivéssemos nos afastando. Cada vez mais. E isso não é bom, ainda mais com o casamento se aproximando. Parecia que ao invés de noivos, nós éramos casados. E casados há anos, naquela relação desgastada e cansada. Me culpo bastante pela mudança brusca que nosso relacionamento, porque antes eu era aquela jovem estudante, com muito tempo livre disponível para ele. Agora eu sou quase uma jovem rainha, tendo que dividir meu tempo em mil compromissos e arranjar algum para ficar com ele. Esperava muito que ele entendesse isso, mas parece que meus compromissos estão se transformando numa barreira, um grande muro está crescendo entre nós dois e nos afastando um pouco dia após dia. E ter esse tipo de sensação faltando poucas semanas para o casamento, não me parece uma boa ideia.


Três dias se passaram e as coisas ainda estavam estranhas. pouco saia do quarto e nem me procurava para falar nada. Meu orgulho não me deixava ir atrás dele por mais que isso me magoasse profundamente. Era como se ele pudesse surgir a qualquer momento, com suas malas na mão e falando que estava indo embora. Cada vez que eu sequer cogitava essa possibilidade, sentia um aperto absurdamente incomodo no peito, que quase me impossibilitava de respirar, mas nem ele ajudava na questão do orgulho.

- Vocês vão se casar em algumas semanas, jura que vão ficar assim um com o outro por causa do Ewan? É justamente o que ele quer. – Ellen disse, fazendo uma cara de demonstrava pouquíssima paciência. Eu estava conversando com ela numa espécie de sala de trabalho, ela revisava algumas coisas do casamento, que eu tinha pedido a ela que me ajudasse.
- Eu sei que é justamente isso que ele quer, Ellen, mas é muito difícil aceitar que o cara que você mais ama no mundo, age da forma que você mais odeia. – bufei, percebendo logo que esse rancor que estava instalado em meu peito não sairia de lá tão cedo.
- Ah, , não fala isso. – ele rolou os olhos. – Parece até que o cometeu um crime. Tenta entender o lado dele, ele estava apenas querendo amenizar uma situação que estava péssima. Sua mãe já não vai muito com a cara dele e deixa isso bem claro. Imagina se ele resolve bater de frente com ela, acha mesmo que é a melhor opção? Você rebater o que ela fala é até normal, estranho seria você concordar com ela. E você é filha, vocês se entendem. Ele não pode agir da mesma forma, então preferiu o silêncio. Vamos lá, você é inteligente, será que não consegue entender isso?
- Você está usando ironia para me chamar de burra? – perguntei e ela sorriu de lado.
- Viu como você é inteligente. – comentou, fazendo graça.
- Tudo bem, acho que posso fazer concessões. Casamento é isso, né? Você engolir alguns sapos, ficar irritada, mas fingir que está tudo bem, deixar algumas coisas irritantes passarem sem ficar guardando mágoa...
- Então, deixe de besteira logo. Suba até o quarto dele, faça as pazes agora mesmo e do melhor jeito possível. Dê ao Ewan o nível de importância que ele merece, ou seja, nenhuma. Agora sai da minha frente, porque eu estou muito ocupada com um casamento que nem é meu, pra ficar lidando com piti de princesinha orgulhosa. – estreitei os olhos, não gostando nadinha do termo que ela tinha usado.
- Só não vou prolongar essa conversa porque gostei do seu conselho. pode ser pacifico demais, mas eu gosto dele assim mesmo. – dei um sorrisinho, pegando minha bolsa e seguindo na direção das escadas.

Chegando no terceiro andar, vi parado ao lado da porta do meu quarto, sua expressão estava serena, como se todos os problemas que tivemos nos últimos dias tivessem evaporado a ponto de não restar nada para relembrar. Sorri de lado, caminhando um pouco mais rápido. Parei em sua frente, mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele pegou uma de minhas mãos e fez com que eu o acompanhasse. Estranhei, mas gostei. Era como se não estivéssemos brigados ou algo do tipo. Caminhei totalmente às cegas por alguns segundos, caminhando pelos corredores, até que paramos em frente ao armário de dava acesso ao meu lugar. Olhei pra ele, curiosa. riu e abriu a porta, procurando a luz logo em seguida. Pediu que eu subisse e veio logo atrás de mim.
À primeira vista, nem parecia o mesmo lugar; as paredes estavam pintadas de verdade agora, um tom claro de amarelo trazia uma sensação muito agradável. Tinha um pequeno tapete no chão perto do puff velho, a mesinha estava limpa e agora tinham flores em cima. Os posters tinham desaparecido, agora Justin Timberlake e companhia deram lugar a várias imagens nossas, alguns recortes de revistas e fotos pessoais. Era como entrar numa verdadeira caixa de recordações, porque tantas memórias felizes me atingiram, que eu mal me lembrava das coisas ruins que tinha acontecido. Memórias de um tempo leve, onde nossas únicas preocupações eram as aulas e ficar junto um do outro; sem ninguém para nos incomodar ou tentar nos separar. Definitivamente, aquele lugar tinha deixado de ser apenas meu, ele agora era nosso. Nosso, no melhor e maior sentido da palavra. Eu olhava para tudo aquilo sem saber o que falar. continuava perto da porta, esperando que eu dissesse qualquer coisa, mas eu ainda estava calada, calada e emocionada.
- Eu não tive muito o que fazer nos últimos dias, então pedi ao que me levasse até uma loja de ferragem. Achei que esse lugar precisava de alguns ajustes. – sorriu de lado, com os olhos brilhando pra mim. – E desculpa se eu fui abusado em trocar o N’SYNC por mim, sei que não chego aos pés do Justin, mas achei que esse lugar também era um pouco meu agora. – deu de ombros.
- Tudo o que é meu, é seu, . – falei, virando em sua direção e deixando a bolsa cair aos meus pés. – Minha casa, meu lugar secreto e, principalmente, o meu coração. – a cada palavra dita, eu tinha dado um passo, diminuindo a distância entre nós dois, que agora era praticamente nula. Coloquei uma de minhas mãos em seu rosto, vendo-o fechar os olhos e sorri mais abertamente. – Eu te amo. Deus, eu amo muito. – ele riu do meu quase desespero e eu o acompanhei. – Por favor, não vamos deixar que ninguém mais interfira no que temos. Isso aqui – apontei para nós dois – Tem que ser blindado, à prova de balas, Marys e Ewans. Se nós não nos unirmos contra tudo e todos, não sei o que pode acontecer.
- Não vamos pensar nisso agora. Eu passei esses últimos dias pensando em como as coisas se tornaram mais difíceis e complicadas. Sei que aqui não é Londres, não estamos mais no meu quartinho em cima do bar do meu tio. Sei que a situação é totalmente diferente agora, mas tem duas coisas que eu não queria que mudassem: eu e você. Eu sempre serei esse mesmo cara simples, que não precisa de muita coisa na vida. Agora, por exemplo, eu só preciso de você. Sei também que você pode precisar de muita coisa além de mim, mas queria pedir que sempre que entrarmos aqui, tudo tem que ficar lá fora: coroa, problemas, seus pais, o Ewan e tudo mais. Aqui só entramos nós dois e nada mais.
- Não precisa nem pedir duas vezes. Aqui dentro somos só nos dois, despidos de tudo o que não for necessário. Se você quiser, deixo até meu nome lá fora. – sorri de lado, vendo-o balançar a cabeça.
- Não precisa. Aqui você pode ser a . Não a princesa , mas apenas a minha .
- Toda e completamente sua.
- Eu amo você. – disse, simplesmente, como se fosse uma resposta para tudo. E no fim, era. A mais importante até. Ele olhava fundo dentro dos meus olhos e eu consegui sentir o meu coração descompassar. Suas mãos desceram pelos meus braços, tocando minha cintura e me puxando contra si mesmo. Seus lábios aproximaram-se dos meus e eu queria ter o poder me mantê-los ali para todo o sempre.
Eu não tinha muito ideia do quanto eu estava sentindo falta dele até tê-lo perto de mim. Era como se o meu corpo o desejasse de uma forma tão intensa, que eu não conseguiria por em palavras, caso fosse necessário. Eu precisava dele e precisava ali, naquele momento. Puxei sua blusa para cima, tentando deixar bem claro o que eu estava querendo naquele momento. não precisou de mais que dois segundos para entender, terminando de tirar sua própria blusa e jogando num canto qualquer, que logo ganhou como companhia o restante de nossas roupas. Minutos depois, já estávamos deitados no tapete, deixava seu corpo pesar sobre o meu e eu sentia como se estivesse cada vez mais perto do paraíso. E daquela forma extremamente especial, transformamos aquele lugar no nosso lugar. Para sempre.



Vigésimo Quinto

When darkness turns to light
It ends tonight

(The All-American Rejects - It Ends Tonight)
Caso queira, coloque essa música para tocar quando aparecer a letra.


Eu estava no meio de uma assembleia com os membros do Parlamento, mas não conseguia acompanhar direito as pautas, porque ainda estava presa em algo que eles tinham comentado logo no começo, quando pus em discursão algumas medidas que queria colocar em vigor quando assumisse o trono. Entre elas, havia a retirada da obrigatoriedade de uma herdeira ser casada para ser rainha. Eu achava aquilo tudo um absurdo e com certeza seria minha primeira medida assim que me tornasse rainha, porque não poderia sequer pensar que minha filha, neta ou bisneta pudesse passar por essa mesma situação degradante a qual eu tinha sido submetida. Tive sorte de encontrar o durante minha jornada, mas e se elas não tivessem a mesma sorte? E, além disso, quem falou que uma mulher não pode governar um país sozinho? Machismo num governo feminino? Não me parece nada correto. Voltei minha atenção ao que falavam, percebendo que o assunto agora era a crise pela qual a Grécia passava e vi que precisava argumentar nesse assunto, demonstrando que minhas formações eram o bastante para que eu pudesse ser uma boa rainha e ter, ou não, um homem ao meu lado, não modificaria nada.

Cheguei quando o sol já estava se pondo e percebi uma movimentação anormal na casa para uma noite de terça-feira. Os empregados quase corriam de um lado para o outro, como se não houvesse tempo hábil para terminarem o quer que eles estivessem fazendo. Vi Ellen passando no corredor com a mesma pressa dos outros, mas ela eu fiz questão que parasse para me explicar o que estava acontecendo.

- Sua mãe inventou um jantar para o primeiro ministro e os membros mais influentes do parlamento hoje. Assim, de repente, como se um jantar para cinquenta pessoas fosse muito fácil de organizar em poucas horas. – ela comentou, enquanto caminhava apressada pelo corredor, indo na direção da cozinha.
- Mas ela disse o porquê disso? – perguntei, já me arrependendo quando Ellen me olhou como se eu fosse uma completa idiota.
- Claro que ela disse, me contou todos os detalhes e ideias que se passam naquela mente brilhante e desconexa que ela possui. – rolou os olhos, adentrando a cozinha e falando alguma coisa para o chef responsável pelo jantar.


- Pai? – perguntei alto, batendo na porta do escritório do meu pai e esperando que ele dissesse que eu podia entrar. Assim ele o fez, entrei e o encontrei sorrindo pra mim. – Você sabe me explicar o que está acontecendo nessa casa?
- Mais uma ideia louca da sua mãe, resolveu fazer um jantar aqui em casa e nem ela mesma sabe o motivo. Acho que é um pouco de falta do que fazer. – comentou, falando baixo, como se fosse um segredo.
- Você acha? – indaguei, de forma retórica. – Sempre falei que você precisava arrumar um emprego pra ela. – ele sorriu, balançando a cabeça lentamente, ainda sem tirar os olhos das folhas que tinha nas mãos.
- Como foi a reunião hoje?
- Depende do ponto de vista. – dei de ombros. – Mas vi que precisarei de uma boa dose de paciência com todos aqueles homens, porque o senhor, praticamente, me jogou numa jaula com leões velhos e machistas.
- Filha...
- Não, pai, é sério. Não sei como eles lidarão com o fato de ter uma mulher no poder em algumas semanas. Eles não me levam a sério, é como se a minha opinião não importasse, como se eu estivesse ali de enfeite. Aposto que pensam que eu deixarei todas as decisões nas mãos deles, sendo apenas um pequeno bibelô com uma coroa na cabeça. – parei de falar por alguns segundos, respirando fundo. Meu pai me olhou, deixando os papeis de lado. Seu olhar sereno e sua expressão calma me ajudaram a relaxar um pouco, mas nada me fizesse aquela sensação de incapacidade sair de dentro de mim. – Eles não acreditam em mim, não acreditam que eu seja realmente capaz.
- Eu acredito, isso não basta? – perguntou, estendendo uma das mãos pra mim. – Tenho plena convicção da sua capacidade, minha querida. E quanto a eles, bem, só há uma forma de mostrar que eles estão errados: agindo. Mostre que você será a melhor governante que esse país já teve, guie o país para o futuro e deixe que a mente fechada e retrograda deles explodam com o seu sucesso.
- Você acredita tanto assim em mim?
- E por que não acreditaria? Minha querida, você se mostrou uma nova pessoa depois que assumiu as responsabilidades que lhe dei. Até agora está tudo dando certo, você se mostrou responsável, pontual, solicita, capaz de tomar decisões de forma rápida e inteligente. Fora que você é minha filha, não tinha como ser incapaz. – ele piscou um dos olhos.
- O dia da coroação está se aproximando, pai. Cada dia mais perto. E a cada dia eu me sinto menos preparada. – confessei, mordendo o lábio inferior.
- Você acha que eu nasci preparado? Querida, eu fiquei muito perdido nos seis primeiros meses de governo. Não tomava nenhuma decisão sozinho, tinha sempre que recorrer ao Primeiro Ministro ou pior, a minha mãe. Mas você já demonstra tanta confiança, que parece que nasceu pra isso.
- E eu nasci pra isso, não é mesmo? – brinquei, vendo-o alargar o sorriso.
- Nasceu, mas eu não largaria essa responsabilidade em suas mãos se não julgasse que você é capaz e que já estivesse preparada. Essa é uma das principais noções que um governante deve ter. Ele precisa saber medir e julgar as pessoas, saber delegar as funções corretas, ter a exata noção se a pessoa será ou não boa o bastante para aquilo. E eu sei que você nasceu pra isso. – ele frisou a última frase para deixar claro que naquele momento ele não estava tratando de sangue ou se linha de sucessão. Ele estava falando de capacidade.
- São muitas pessoas para decepcionar. – comentei.
- E muitas outras para orgulhar. – ele piscou um olho e sorriu novamente.
- Tenha um pouco mais de fé em si mesma, estão todos acreditando em você.
- Gosto de manter as expectativas num nível baixo, onde posso controlar. – comentei, vendo-o me encarar pelo canto dos olhos.
- Quando você ficou assim tão madura?
- Quando certa pessoa jogou todo um país em minhas costas, sem me dar o direito de recusar. – acusei e ele ergueu as sobrancelhas.
- Viu como a capacidade de tomar decisões acertadas é de família? Sei que quando o momento chegar, você vai escolher a opção correta. Independente de ser boa ou não pra você mesma. Quando o momento chegar, vai pensar no coletivo e não apenas em você. É assim que um bom governante deve pensar. E é assim que eu sei que você vai pensar. – senti o peso das palavras do meu pai me atingirem em cheio, mas não demonstrei qualquer tipo de fraqueza ou medo. Eu deveria me preparar para tomar decisões difíceis todos os dias da minha vida a partir de agora.


- Acho que você deve se arrumar um pouco mais para o jantar de hoje. – falei, entrando no quarto de . Ele estava deitado na cama, lendo um livro grosso de Direito. Ele franziu a testa e parecia confuso.
- Por quê? Ocasião especial?
- Não, loucura da minha mãe mesmo. Ela resolveu convidar o Primeiro Ministro, a família dele e alguns membros do Parlamento para jantar aqui em casa. A troco de que, eu não sei, mas... – dei de ombros e ele balançou a cabeça, negando.
- Não posso jantar no quarto?
- E me deixar completamente sozinha com as feras? E logo depois do dia que eu tive hoje? Não, você não pode jantar no quarto.
- O que aconteceu? – perguntou, deixando o livro de lado. Seu tom de voz estava entre o curioso e o cansado, como se parte dele estivesse realmente interessado no que eu tinha a dizer, enquanto a outra metade só tinha perguntado por educação.
- Bem, eu tive que aguentar cerca de cinquenta homens velhos e machistas, quase esfregando na minha cara o fato de que eu não sou capaz de governar um país. Basicamente esse foi o ponto alto do meu dia. – sorri forçadamente, vendo-o fazer uma careta.
- Mas quem disse que você não é capaz? Já tivemos essa conversa diversas vezes e em todas elas, eu te mostrei, com muitas provas, a sua capacidade. Não deixe que a opinião deles te influencie assim. – disse, com um sorrisinho de lado, achando que apenas isso iria resolver meus problemas.
- A opinião deles pode não me influenciar, mas influencia no pensamento de muita gente. Não posso apenas ignorá-los, eu tenho que mostrar que sou capaz, sim. Mas é como se eles negassem o meu poder perante eles, quando meu pai não está presente, eles praticamente me ignoram. É até complicado falar isso pro meu pai, porque vai parecer que eu não sei lidar com os meus próprios problemas e tenho que correr para o colo do papai. Só que também é difícil lutar contra qualquer coisa quando você não tem voz ativa. – desabafei, vendo girar o corpo na minha direção.
- É difícil opinar vendo de fora, mas acredito em cada palavra que você disse. Deve ser muito difícil lutar contra algo que um número absurdamente maior de pessoas apoia, mas pense assim: por enquanto a sua voz pode não ser ativa, mas preste atenção no termo que eu usei, por enquanto. Em algumas semanas você será rainha e ninguém nesse reino terá voz mais ativa que você. Claro, mais alguns sapos serão engolidos, mas você terá chance de cuspir tudo de volta em cima deles.
- Essa foi uma metáfora muito nojenta, , mas muito obrigada. – sorri de lado e ele deu de ombros, sem se importar com a minha reclamação. – É muito bom ter você para abrir meus olhos dessa forma.
- Bem, em que mais eu poderia ser útil por aqui, né? – brincou, com uma pontinha de ressentimento em sua voz. Resolvi ignorar, não buscando mais um desentendimento após aquele longo de desnecessário que tivemos dias atrás.
- Ok, eu vou me arrumar. Nos vemos lá embaixo? – perguntei, e ele apenas balançou a cabeça, afirmando.

Encontrei parado no canto da sala, tomando uma bebida e quase que ignorando todos que estavam ao seu redor. O desconforto estava visível em seu rosto e ele nem se importava em parecer ao menos simpático. Franzi a sobrancelha e caminhei até onde ele estava, cumprimentando algumas pessoas no caminho.

- Por que você tá aqui sozinho? – perguntei, vendo-o apoiar o copo no aparador.
- Não é como se eu tivesse muitas amizades por aqui, . – ele disse, soando até mesmo um pouco mal humorado.
- Mas não é questão de fazer amizades, é questão de ser simpático e um bom anfitrião. – ponderei. Ele me olhou por alguns segundos e respirou fundo.
- Fica difícil ser simpático quando as pessoas fingem que você não está num lugar. – seu tom foi sério e cortante, me assustando um pouco. – Então, ao invés de forçar uma aproximação e criar um ambiente ainda mais desagradável, preferi ficar na minha e esperar você chegar.
- Mas, , se as pessoas estão te tratando mal, você precisa me contar. Isso não é aceitável, eu vou falar com o meu pai...
- Não, você não vai. Eu sei suportar com essas coisas, ok? Prefiro fingir que não acontece, a ter que lidar com pessoas insuportáveis.
- Então você vai apenas ignorar tudo e todos pelo resto da vida? – perguntei, cruzando os braços na altura do peito, encarando-o sem entender nada.
- Pelo restante da vida deles, pelo menos. Acredito que eles vão morrer antes de mim. – deu de ombros, virando o restante da bebida e deixando o copo em cima da bandeja do garçom que passou naquele momento.
- O que há de errado com você? Por que tá agindo assim? Tá parecendo outra pessoa. Sei que muitos desses homens são desagradáveis, mas você sempre foi tão educado, tão... político em relação a isso. Resolveu ser desagradável como eles? – perguntei, ficando bastante irritada com a forma que estava levando tudo aquilo. Já era bastante chato e incomodo sem aquilo.
- Eu sou desagradável? – ele pareceu surpreso com o que eu disse. – Eu estou sendo desagradável com essas pessoas, que fingem que eu não existo desde o primeiro momento em que coloquei os pés nessa casa? Isso é novidade.
- Bem, o que eu conheço não trata as coisas à ferro e fogo. Ele diria que se combate grosseria com simpatia, mas parece que a falta de educação é contagiosa. – respondi, sem nem olhar em sua direção.
- Talvez a grosseria seja proveniente de muito tempo ocioso, não sei. Passo tanto tempo sem fazer nada, apenas te esperando, que minhas qualidades acabam escoando pelo ralo. – o encarei, com os olhos meio que arregalados e a expressão confusa. Antes que eu pudesse perguntar qual era o real problema dele, apareceu, como se tivesse um radar para problemas. Ele sorria abertamente, como se soubesse que o clima precisava ser amenizado com urgência.
- E aí, tudo certo com vocês? – ele perguntou, colocando-se entre eu e , apoiando-se em mim.
- Eu estou ótima. – respondi, usando toda a ironia que existia dentro de mim. – Maravilhosamente bem. – completei, dando as costas e saindo de perto deles.
- O que há com ela? – ouvi falar, mas nem quis ouvir o que responderia. Eu estava mais que furiosa com ele.


Sentei à mesa, ainda ignorando a presença de ao meu lado. Ele teria me explicar muito bem explicado o motivo desse comportamento agressivo. Quando ele deveria ter sido agressivo, a passividade tomou conta do seu corpo. Agora ele seria agressivo comigo? Logo comigo? A pessoa que mais tenta fazer da vida dele algo mais simples, já que ele está a quilômetros de casa. A pessoa que mais o ama no mundo e que quer fazê-lo mais feliz que qualquer pessoa na face da Terra. Sei que deve ser difícil para ele estar tão longe de tudo o que ele conhece, mas arrumar mil brigas diferentes por semana não ajuda em nada. Só torna tudo mais difícil. Percebi o olhar do meu pai em mim e nem quis encará-lo, porque ele logo saberia que algo não estava bem. Fiquei encarando meu prato, completamente alheia ao que era conversado no jantar. estava sentado ao meu lado e me cutucou por debaixo da mesa. Olhei pra ele, que murmurou algo do tipo “ou que aconteceu?”. Eu balancei a cabeça e pedi que ele deixasse isso de lado. Eu me sentia tão desconfortável naquele momento, que eu só conseguia pensar em buscar uma desculpa plausível para pedir licença e me retirar para o meu quarto. Mas sabia que nenhuma desculpa seria boa o bastante para não parece mentira.

- [...] é porque parece que a Grécia vai dar outro calote e o restante da União Europeia terá que arcar com esses custos. Será que ninguém pensa em como esse dinheiro fará falta nos outros orçamentos? Por que não deixam logo que a Grécia quebre de uma vez e decrete falência? – algum membro do Parlamento falou, chamando minha atenção. Já não bastava ter conversado sobre esse assunto ao longo de toda a semana, eu ainda teria que lidar com ele durante o jantar?
- Sim, é uma situação complicada. – ouvi a voz da minha mãe. – É tudo tão confuso e complexo, que imagino que seja difícil para algumas pessoas acompanharem a conversa. , você está conseguindo acompanhar tudo, querido? Se quiser, podemos mudar de assunto. – o tom de deboche dela me fez querer vomitar. E eu precisei me segurar para não levantar no mesmo instante. Respirei fundo algumas vezes, me preparando para responder, mas foi mais rápido.
- Não é uma situação tão complicada como parece, rainha Mary. Basta ter uma perspectiva maior e menos rasa do assunto. – ele começou, com um sorriso quase cínico nos lábios. – É tudo uma questão de se pensar no assunto olhando o todo e não apenas uma pequena parte. É claro que se pensarmos no dinheiro, seria mais fácil deixar que a Grécia decrete falência e quebre de uma vez, assim nenhum outro país da União Europeia terá que arcar com as contas deles. É um pensamento bom, se não fosse completamente equivocado. Quando um país quebra, traz consequências para todos que o cercam. Não lembram a crise espanhola, que trouxe problemas para quase todos os países da Europa durante a crise mundial em 2008? Se a Grécia cair, grande parte da Europa cairá com ela. Não a ponto de falir, longe disso. Mas o nível de confiança do mercado vai despencar, assim como o valor do euro. Então ajudar um país aliado, no fim das contas, pode ser mais uma atitude egoísta do que altruísta. Mas eu sou apenas um advogado, não tenho tanto conhecimento em economia e finanças, então me perdoem se eu falei algo errado. E se quiserem mudar o assunto para algo mais simples agora, não irei me opor.
Todos ficaram em silêncio por longos minutos. A resposta de tinha soado como um pouco além do necessário, pelo menos pra mim. Ele quis mostrar que não era um ignorante, mas acabou soando um pouco pretencioso e arrogante. Duas características que o que eu conheço não possui. Olhei em sua direção, vendo que ele ainda mantinha o sorriso cínico nos lábios, enquanto minha mãe o encarava com o ódio brilhando em seu olhar. Aquilo tudo era demais pra mim.
- Se me dão licença, eu não estou me sentindo muito bem. – menti, levantando da mesa e seguindo para o meu quarto. Se eu tivesse o poder e fazer o tempo voltar, eu apagaria esse maldito dia da minha vida.


Eu estava deitada na cama, tentando encontrar algum motivo para tudo o que aconteceu nessa noite ter um explicação, mas estava realmente difícil. Aparentemente, estava passando por um período difícil e resolveu descontar tudo de uma vez, em mim, nos convidados, na minha mãe. Não que todos fossem exemplos de pessoas educadas com ele, mas onde estava aquele discurso de saber seu lugar e como se portar? Se essa era a forma que ele sabia se portar, bem, eu deveria me preocupar com o momento em que ele decidisse não me portar bem.

- O que aconteceu com você? – ouvi a voz de soar dentro do quarto. Eu estava tão presa em meus pensamentos, que nem tinha ouvido ele entrar.
- O que aconteceu comigo? – perguntei, soltando uma risada debochada em seguida. – Você decidiu tirar o dia de hoje para distribuir ignorâncias gratuitas para quase todas as pessoas dessa casa e quer saber o que aconteceu comigo? Qual é o problema com você, isso que eu quero saber!
- Você sempre pede que eu me coloque mais, que eu me expresse, que eu deixe de ser passivo e, quando eu resolvo não me esconder, você me critica dessa forma. Eu não te entendo. – ele respondeu, cruzando os braços, achando que estava certo.
- E você expressou o que lá embaixo agora, sua capacidade de ser arrogante e muito deselegante? Você destratou minha mãe, a rainha, na frente de todo mundo. Você tem noção de como isso soar errado aos olhos das outras pessoas?
- Eu não me importo com as outras pessoas. – falou, passando a mão pelos cabelos. – Eu estou cansado, muito cansado.
- Cansado de que exatamente, ?
- De tudo. – ele respirou fundo, soltando o ar pesadamente, como se ele estivesse segurando tudo isso por muito tempo. – É a sua mãe, é o Ewan, são essas pessoas que ficam me medindo, como se eu fosse nada perto deles. E isso faz com que eu me sinta um nada. Parece que todo mundo sabe que o meu lugar não é aqui e tenta esfregar isso na minha cara a todo segundo.
- Do que você tá falando? – perguntei, totalmente confusa com o rumo da conversa. Eu sabia que não se sentia confortável aqui, mas não sabia que era esse inferno na terra como ele está fazendo parecer.
- Eu estou falando o quanto é difícil estar aqui, no meio dessas pessoas que não se importam com as outras e muito menos se preocupam com a forma que elas se sentem. E eu me sinto um nada toda vez que a sua mãe me olha. Parece que o olhar dela me pede, de uma forma nada educada, que eu suma da vida dela e, principalmente, da sua. Ela não gosta de mim e nem tenta esconder isso. Como você quer que eu ature isso numa boa, sem revidar alguma vez? Isso demanda de mais força do que eu realmente tenho. Tentei, eu juro que tentei me adaptar, mas esse aqui não é o meu lugar. – fiquei o encarando, tentando imaginar o que ele queria que eu dissesse naquele instante, mas eu não fazia ideia. tinha jogado todo o rancor e ressentimento em cima de mim de uma forma que eu mal conseguia me mexer. – Me desculpe, mas eu não sei se estou preparado para ser apenas o marido da rainha pelo restante da minha vida.
- E o que isso quer dizer, que você não me ama mais? – foi a única coisa, patética, que eu consegui dizer.
- Não, claro que não é isso. – ele se aproximou rapidamente, pegando uma de minhas mãos. – Eu te amo mais do que tudo nessa vida. Só estou dizendo que não vamos conseguir ser felizes aqui. São muitos contra nós dois.
- E o que você quer que eu faça? Que eu jogue tudo pro alto, desista e fique com você? – perguntei e enxerguei a resposta em seus olhos, antes mesmo que ele pudesse dizê-la.
- Sim.
- Isso é uma loucura, . – falei, colocando as duas mãos na cabeça e perguntando aos céus em que momento que tudo virou de cabeça para baixo e eu não percebi. – O casamento está marcado, assim como todo o cerimonial de coroação, eu não posso deixar tudo isso de lado.
- Eu deixei minha vida toda para trás por você, por que você não pode fazer o mesmo por mim? – sua pergunta me pegou de guarda baixa, eu não esperava que ele fosse jogar isso na minha cara um dia. Respirei fundo, tentando não demonstrar como suas palavras estavam me machucando.
- Nunca pedi que você deixasse tudo para trás e me seguisse. Nem mesmo pedi que você se casasse comigo. Sempre achei que você tinha noção de tudo isso quando tomou a decisão de me pedir em casamento. Não é o tipo de coisa pela qual você pode me culpar, isso é muito injusto. – fechei os olhos, respirando fundo mais uma vez, antes de eu desmoronasse de vez. Eu precisava ser forte naquele momento.
- Pensei em nós dois, pensei no quanto eu te amava e como queria passar o restante da vida ao seu lado. O que viria junto com essa escolha nem sequer passou pela minha mente. E mesmo que eu tenha pensado em algum momento, nunca achei que seria tão difícil. – ele caminhou em minha direção, mas parou no meio do caminho, indeciso se deveria se aproximar ou não.
- Nunca disse que seria fácil, . Mas sempre achei teríamos um ao outro como suporte, como ajuda quando tudo se tornasse uma confusão, exatamente como está agora. Só que ao invés de ser meu suporte, você é o causador de tudo. Jogando tudo que temos bem no olho do furação. Tem noção do tipo de escolha que você tá pedindo que eu faça? – questionei, querendo que ele me respondesse da forma mais sincera que conseguisse.
- É a mesma escolha que eu fiz, por que eu posso deixar minha família, amigos e o meu trabalho, e você não pode abdicar de nada? Deixei minha vida toda para trás por você, será que não valho o mesmo gesto? – ri de nervoso com a sua pergunta. Parecia outra pessoa, aquele não era o que eu conhecia. Não lembrava em nada o rapaz carinhoso, amoroso e compreensivo que eu tive o prazer de dividir grande parte do meu tempo nos últimos meses.
- Você pedir para eu largue tudo, é como pedir que eu deixe de lado o que a minha família construiu ao longo de muitos e muitos anos. É mais do que meu pai e minha mãe, muito mais que uma coroa. – suspirei, sentando na cama e ficando de costas pra ele. – É todo um país, milhões de pessoas contando comigo.
- Vamos pensar juntos: você desiste de tudo, podemos voltar pra Londres, ficamos com os meus tios por tempo, até eu conseguir um emprego, você pode tentar algo também. – ele sentou ao meu lado, segurando minhas mãos. – Com o tempo nós juntamos dinheiro e compramos uma casa só nossa, poderemos casar, ter nossos filhos, viver uma vida boa e tranquila, longe de todas essas pessoas que só te colocam para baixo. Isso aqui não é uma vida, , é uma prisão.
- Essa é a minha vida, . Sempre foi, por mais que eu tentasse mudar, eu sempre soube qual seria o meu destino. Fiquei imensamente feliz quando você surgiu na minha vida. Foi como uma nova fonte de luz, amor e felicidade. Sempre me pegava pensando se eu o merecia, se eu merecia toda a felicidade que eu estava sentindo. Porque era tanta felicidade, Deus, era tanta felicidade, que não parecia ser justo com as outras pessoas. E o que me deixava mais feliz ainda, é que você parecia compartilhar de todos esses sentimentos bons comigo. Então eu me sentia um pouco menos egoísta. Só que agora eu vejo que eu sempre fui egoísta, desde o começo. Sempre pensei em como você me fazia bem, era a única coisa que importava e que eu pensava. Por isso nunca vi como eu te fazia mal...
- Você não me faz mal, você nunca me fez mal, longe disso. Eu nunca fui mais feliz do que durante esse tempo que passamos juntos...
- Até virmos para cá. – completei, com a voz quase sem vida.
- Eu juro que tentei fazer dar certo, mas eu não me encaixo nessa vida. Esse aqui não é o meu lugar.
- Mas é o meu. – nossos olhares se encontraram logo após eu dizer isso e acredito que ele sentiu o mesmo que eu, era inevitável.
- E o que vamos fazer a respeito disso? – a voz dele soou baixa, demonstrando bem que ele tinha visto em meus olhos a mesma coisa que eu vi nos seus.
O fim.

Hold up!
Aguente!
Hold on!
Aguente!
Don't be scared
Não se assuste
You'll never change what's been and gone
Você nunca mudará o que aconteceu e passou


Naquele momento, eu conseguia ouvir claramente a voz do meu pai ecoar pelos meus ouvidos e a frase que ele havia dito mais cedo, fazia mais sentido do que nunca: “Sei que quando o momento chegar, você vai escolher a opção correta. Independente de ser boa ou não pra você mesma. Quando o momento chegar, vai pensar no coletivo e não apenas em você. É assim que um bom governante deve pensar. E é assim que eu sei que você vai pensar.”
- Eu não posso deixar tudo de lado, não posso dar as costas para a minha família, para o meu destino. Eu nasci para ser uma rainha, eu nasci para ser a sucessora do meu pai. Isso vai além de uma escolha minha, é um legado. E eu não posso deixar tudo isso lado, nem mesmo por você. – minha voz tremeu no final e eu fiquei apreensiva que minhas lágrimas me vencessem.
- , me escuta, vamos pensar nisso juntos. Talvez você possa reconsiderar...
- Você vai reconsiderar a sua decisão? – perguntei, passando a mão pelos olhos, tentando manter o controle, por mais difícil que fosse. – Você vai ser capaz de deixar tudo isso que está te incomodando de lado, mesmo que seja apenas por mim? – seu silêncio foi mortal. – Como você quer que pensemos juntos sobre isso, sendo que a sua decisão já está tomada desde o início?

May your smile
Que o seu sorriso
Shine on
Brilhe
Don't be scared
Não se assuste
Your destiny may keep you warm
Seu destino talvez te mantenha aquecido


- Eu quero ficar com você, mas aqui não será possível. Não consigo me ver feliz e se eu não estiver feliz, como poderei fazer com que você se sinta dessa forma? – ele perguntou, mas minha mente parecia não ser capaz de absorver nada. As lágrimas rolavam pelo meu rosto sem que eu pudesse controlar, mas eu já nem tentava mais.
- Eu pensei que esse dia estava sendo ruim, desde o momento que acordei estava com essa impressão. Só não sabia que seria o pior dia de toda a minha vida. – comentei, soando até confusa, por fugir completamente do rumo da conversa. Mas eu estava tão perdida dentro da minha própria cabeça, que, provavelmente, não seria capaz de decidir nada.
- O que eu posso fazer pra te ajudar? O que eu posso fazer para tornar esse dia um pouco melhor? – ele disse, tocando meu rosto com seus dedos frios e trêmulos. Ele não parecia ter uma confusão menor que a minha dentro de si mesmo. Olhei fundo em seus olhos, tentando descobrir como eu viveria sem ele. Não havia como, eu não conseguia nem imaginar. Como viveria sem aqueles olhos , aquele sorriso encantador, sua voz doce e... Céus, como eu viveria sem ele? – Me diga, . Me fala como eu posso melhorar as coisas. – Nada... pensei, mas não consegui dizer. Respirei fundo, sentindo o coração pesar como uma pedra.
- Eu acho que você deve ir agora. – falei baixo, quase num sussurro. franziu as sobrancelhas e me olhou de forma confusa, demonstrando que não tinha entendido nada.
- Tá, eu vou te deixar sozinha. Nós conversamos depois, nós decidimos tudo isso amanhã, com mais calma. – ele disse, levantando-se e caminhando até a porta.
- Não, , você não entendeu. – encarei o reflexo de seu corpo de costas no espelho à minha frente, vendo-o parar quando ouviu minha voz. – Eu acho que você deve voltar pra casa. Pra sua casa. Para Londres.

Get up
Levante
Come on
Vamos lá
Why you scared?
Por que você está assustado?
You'll never change what's been and gone
Você nunca mudará o que aconteceu e passou


Como se fosse efeito de câmera lenta, vi virar o corpo e me encarar através do espelho, como se fosse impossível para ambos encarar um ao outro nos olhos. Eu sentia como se não pudesse respirar, eu puxava o ar e ele não vinha. Nem mexi os lábios para falar qualquer coisa, porque não acreditava que eu seria capaz de dizer palavras compreensíveis. Era capaz de um choro descontrolado tomar conta de mim.
ainda parecia paralisado, sem entender o que eu tinha dito. Mas ele também não disse nada, talvez tivesse demorado um pouco mais para que o peso das palavras que trocamos tivesse o atingido. Eu já tinha entendido, tinha sentido que nada poderia ser como antes. Não seria justo fazê-lo passar por aquela situação que estava sendo insuportável. Eu não poderia mantê-lo comigo, sabendo que a sua felicidade não estava ao meu lado, pelo menos não aqui. Eu o amava demais para vê-lo sofrendo por minha causa.
Retirei lenta e sofridamente o anel que ele havia me dado, sentindo como se estivesse arrancando uma parte de mim junto com ele. E, sem ser capaz de lhe devolver da forma que merecia, coloquei ao meu lado na cama, esperando que ele se aproximasse o pegasse. Seus passos eram tão curtos, que eu acreditava que ele estava tentando não se mover. Seu braço escorregou pelo lençol, tocando o pequeno aro de metal e trazendo para ele. Não sei quanto tempo demorou, mas no que pareceu poucos segundos, ele já tinha ido.

'Cause all of the stars
Porque todas as estrelas
Are fading away
Estão desaparecendo
Just try not to worry
Apenas tente não se importar
You'll see them some day
Você as verá algum dia
Take what you need
Pegue o que precisa
And be on your way
E siga seu caminho
And stop crying your heart out
E faça seu coração parar de chorar


Depois de tudo, eu só me recordo da Ellen entrando no quarto e me puxando para um abraço. Como ela sabia que eu precisava dela, nunca saberei. Mas fiquei feliz que ela estava lá. Enquanto chorava em seu ombro, cheguei à conclusão que nunca imaginei que você pudesse sentir tanta dor. Era uma dor física, uma dor que eu não conseguia comparar a nada que já tivesse vivido. Eu não conseguia sentir como se ainda tivesse um coração. Sentia como se tivesse um buraco dentro do meu peito. Era como se eu estivesse oca. Permanentemente oca.
Ellen apenas me abraçava, dizendo que ela estava ali ao meu lado, que tudo ficaria bem. Mas eu queria conseguir falar para lhe perguntar como. Como tudo ficaria bem? O que aconteceria com essa vontade louca de desaparecer? Não sentia como se ela fosse capaz de sumir, como se algum dia da minha vida eu fosse lidar com esse vazio que tomava conta de mim.
Era como se de alguma forma, mesmo não sabendo nem quanto tempo tinha passado, eu soubesse. Eu sabia que ele não estava mais aqui. Sabia que eu não iria vê-lo de novo. Sabia que seu toque, seus beijos... Tudo seria apenas lembranças. Lembranças do período mais feliz da minha vida.
Eu fechava os olhos e, em meio às lágrimas, eu conseguia sentir se afastando de mim, um pouco mais a cada segundo. Como se eu conseguisse vê-lo, mas ao esticar minhas mãos, eu não pudesse tocá-lo. E ele continuava se afastando.
Cada.
Vez.
Mais.
Até que eu não conseguia mais enxergá-lo.

We're all of the stars
Nós somos todas as estrelas
We're fading away
Nós estamos desaparecendo
Just try not to worry
Apenas tente não se importar
You'll see them some day
Você as verá algum dia
Take what you need
Pegue o que precisa
And be on your way
E siga seu caminho
And stop crying your heart out
E faça seu coração parar de chorar




Vigésimo Sexto

Your touch, your skin, where do I begin?
No words can explain the way I'm missing you

(Sam Smith – Lay Me Down)
Caso queira, coloque essa música para tocar quando aparecer a letra.


Não consegui dormir naquela noite. Fiquei encarando o teto, sem ter nenhum tipo de pensamento fixo em minha cabeça. Eu apenas não conseguia dormir. Eu fechava os olhos, mas eles ardiam, doíam e eu precisava abri-los. Fora que a única coisa que eu via quando a escuridão tomava conta de mim, era o . E eu não queria vê-lo. Eu não podia vê-lo. Ou então ia quebrar novamente e eu não podia me dar ao prazer de ter esse momento para mim. Tinha coisas “mais importantes” a fazer. Então quando a claridade começou a se fazer presente, eu levantei da cama e busquei outra coisa para ocupar a cabeça. Um banho longo, quente, reconfortante, onde eu podia chorar tudo o que queria foi o melhor que eu pude pensar. Mas assim que sai da água, não me permiti mais chorar. Aquela tinha sido uma escolha minha e eu teria que lidar com as consequências, independente de qual fossem. Coloquei uma roupa e desci para o café. Eram sete da manhã e ninguém estava lá, só os empregados. Todos me olhavam com aquela expressão de velório, o que me fazia ter vontade de morrer de verdade. Mas eu não conseguia ter raiva deles, nem de ninguém. Sabia que eles me olham daquela forma não por pena, mas por preocupação e isso fazia meu coração se aquecer um pouco. Era bom saber que tinham tantas pessoas que se importavam com você.
Ellen parou ao meu lado e eu vi em seu rosto que ela estava se perguntando se deveria ou não falar algo a respeito da noite passada. Então eu respirei fundo e tentei lhe dar o meu melhor sorriso. Devo ter falhado totalmente, porque ela abaixou-se ao meu lado e perguntou se eu não preferia ficar em casa hoje, meu pai entenderia minha decisão. Só que eu não tinha tempo para isso. Mesmo sem ele, eu ainda teria que casar. Os dias estavam passando, o prazo acabando. Em algumas semanas eu deveria assumir o trono e nem noivo eu tenho mais. Eu teria que arrumar uma forma de consertar isso hoje, fazer uma apelação ao parlamento, pedir uma moção, suplicar, implorar se fosse o caso. Então pedi que ela deixasse isso de lado e trouxesse meu café, porque eu não queria me atrasar. E enquanto eu esperava, meus pais apareceram. Ambos com expressão que demonstravam pena. E eu odeio isso.

- Querida, você não precisa ir comigo hoje. – meu pai disse, parando ao meu lado. Com seu braço em volta do meu ombro.
- Sim, eu preciso. Vou convocar uma assembleia extraordinária com o parlamento para essa tarde e preciso me preparar. Eu vou entrar com um pedido, pai. Eles precisam aceitar que eu assuma o trono sem estar casada, ou então eu não sei o que eu vou fazer. São seis semanas, pai. Seis. Como eu vou arrumar um noivo? – perguntei, me controlando para não chorar. Eu tinha prometido a mim mesma que seria forte e essa promessa eu iria cumprir.
- Você não precisa casar se não quiser, assim como não precisa assumir o trono agora. – ele disse, balançando a cabeça lentamente. – Eu não vou te forçar a fazer nada que você não queira, não vou fazer isso com você, minha filha.
- Você fez essa promessa para todo mundo, disse que eu assumiria em dois anos e o prazo acaba em seis semanas. Você não pode deixar de cumprir um compromisso assumido com a população por minha causa. Agora sou eu que quero, não é apenas uma obrigação, é uma escolha. Eu não abri mão de tudo pra você me falar isso agora.
- Você abriu mão de tudo por isso? – ele perguntou baixo, como se fosse apenas para nós dois ouvirmos. Eu olhei em seus olhos por alguns instantes e não consegui controlar mais as lágrimas, apenas abaixei a cabeça e deixei que elas saíssem, fazendo com que o peso que eu sentia no peito aliviasse um pouco.
- A gente precisa fazer escolhas em alguns momentos da nossa vida. Você me disse que quando o momento chegasse, eu faria a escolha certa. – eu respirei fundo, secando o rosto e tentando me acalmar. – E eu acho que fiz. – meu pai me encarava, sem reação. Ele olhou na direção da minha mãe, que também me olhava, com a expressão indecifrável. Só que pela primeira vez, seu olhar não transmitia nenhuma espécie de julgamento.
- Minha filha. – ele disse, me puxando para um abraço. – Eu nunca pensei que as escolhas que estávamos falando seriam tão difíceis. Eu sempre soube que você é uma mulher forte, sempre soube que estaria disposta a qualquer coisa para fazer aquilo que acha ser o certo. Mas nunca pensei, ou sequer desejei, que você abrisse mão da sua própria felicidade.
- Mas eu não poderia colocar a minha felicidade à frente do bem-estar de um país inteiro, nunca foi uma opção.
- Você já está pensando como uma rainha. – minha mãe falou, fazendo com que eu olhasse pra ela. Por alguns segundos, vi mesmo olhar que os olhos dela transmitiam quando eu era uma criança, quando eu ainda me sentia a pessoa que ela mais amava no mundo, quando eu ainda podia pensava que podia contar com a minha mãe pra qualquer coisa. – Eu sei que temos opiniões diferentes há muito tempo, também sei que não nos entendemos há muito tempo, mas quero que você saiba que parte o meu coração te ver triste dessa forma, assim como me enche de orgulho ver a mulher forte que você se tornou. Sei que você pode não aceitar essas minhas palavras, sei que falei e fiz muitas coisas ruins pra você, mas nunca passou pela minha cabeça te fazer sofrer.
- Eu acredito em você, mãe. Mas isso não muda nada. – murmurei, desviando o olhar do dela.
- ... – meu pai começou a dizer, mas minha mãe o interrompeu.
- Não, Frederico, tudo bem. Ela tem seus motivos. – sua voz soou baixa e triste, ela abaixou seus olhos para sua xícara de café, tentando evitar me olhar nos olhos.
- Vamos tomar café da manhã. – pedi, tentando mudar de assunto. – O dia será longo.

A notícia já havia se espalhado, eu só não sabia como. Uma quantidade absurda de jornalistas tomava conta da entrada do palácio, tornando quase impossível a nossa saída. Os guardas tiveram que sair e, praticamente, limpar a área para que o carro conseguisse passar. Meu pai não comentava nada, acho que ele imaginava como deveria ser difícil para mim, então tentava amenizar a situação de alguma forma. Mas as notícias corriam, estavam em todos os sites da internet, estampando os jornais online e, brevemente, os impressos também. A princesa herdeira havia perdido seu noivo, o que ela faria agora? Como ela governaria? Como ela assumiria a coroa? Eu sabia que perguntas assim estavam ocupando a cabeça de grande parte da população naquele momento, porque estavam ocupando a minha também. O que eu não entendia, era a necessidade do casamento. Isso era besteira, não fazia diferença nenhuma. Uma aliança no meu dedo não me tornaria mais capaz, mais segura ou mais preparada. Eu seria a mesma pessoa, apenas com o estado civil diferente. Isso é uma questão puramente machista, porque nenhum homem precisa ser casado para assumir o trono. O que é muito revoltante. Não entendo como meu pai compactua com isso. Sempre que eu o questiono, ele fala que nunca pensou como isso poderia ser errado de alguma forma. Claro, porque não influencia diretamente na vida dele. Agora estou aqui, sem noivo, sem perspectiva de casamento e tendo que assumir o trono em seis semanas. Já posso me desesperar, certo?
Um burburinho imenso tomava conta do prédio do parlamento. As pessoas cochichavam conforme eu passava e aquilo estava me irritando. Eu sou a futura rainha, será que não mereço o mínimo de respeito. E se não for por respeito, será que não existe empatia nesse mundo, as pessoas precisam mesmo criar caso com a tristeza dos outros? Independente de tudo, entrei no plenário com a cabeça erguida e caminhei a passos firmes até o primeiro-ministro.

- Lars, bom dia, preciso falar com você um minuto. – pedi. Ele me olhou de lado, franzindo a testa, como se perguntasse o que eu estava fazendo ali.
- Claro, , mas precisa ser agora, podemos marcar outro dia, você deve estar precisando de um tempo e... – ele argumentou, mas eu o interrompi, balançando a cabeça.
- Não, precisa ser agora. – sentindo a urgência em minha voz, Lars pediu licença e depois que eu o acompanhasse até seu escritório. Caminhamos alguns metros e logo estávamos a sós. Ele se sentou em sua mesa e gesticulou para que eu me acomodasse à sua frente. Lars Rasmussen tinha a idade do meu pai, mais ou menos. Já era a segunda vez que tinha sido eleito primeiro-ministro. Nós tínhamos uma relação amistosa e ficamos mais entrosados depois que eu passei a acompanhar o meu pai. Só que mesmo tenso a mesma idade que ele e uma relação de quase amizade comigo, isso não influenciava em nada a capacidade dele de entender a necessidade que eu tinha de mudar as leis. Ele me olhou de um jeito que mostrava que ele entendia o meu lado, mas que dizia muito bem que não poderia fazer nada a respeito e sem seu apoio, eu não poderia entrar com nenhum recurso. Eu teria que conseguir o apoio da maioria do parlamento para conseguir uma votação. Era uma missão suicida, eu sabia, mas teria que tentar.

- Lars, por favor, eu não sei o que fazer, você precisa me ajudar. Eu teria que assumir o trono em seis semanas, não há chances de eu conseguir um noivo até lá. – ponderei, vendo-o dar de ombros.
- , não há nada que eu possa fazer por você, não posso abrir uma brecha numa lei que perdura por séculos, mesmo que seja para uma futura rainha.
- Acho engraçado que ninguém pode fazer nada por aqui, nem você, nem meu pai e nem ninguém. Agora eu estou aqui sem saber o que fazer, porque eu decidi escolher, pela primeira vez na minha vida, o que é melhor para os outros e não pra mim. Só que eu não tenho o mesmo tipo de apoio de volta. Mas não tem problema, Lars, não tem problema mesmo. Eu vou dar um jeito nisso. Vou falar com o parlamento. Se não conseguir, eu me caso com o primeiro cara que surgir na minha frente. Vocês me querem casada? Vocês me terão casada. – levantei num rompante, empurrando a cadeira violentamente para trás. – Se esse tipo de lei estúpida dificultasse a posse de algum homem, eu duvido que ela ainda existisse. Mas eu assumo em seis semanas e você pode ter certeza que se eu tiver uma filha, esse problema ela não terá. – bati a porta antes de sair, seguindo até a parte do secretariado do parlamento. Solicitei uma assembleia extraordinária para a parte da tarde e a presença de todos era estritamente necessária. Aguardei no gabinete do meu pai, recebendo mensagens de Ellen a cada nova notícia que saia na mídia. Chegaram até a falar que o meu noivado tinha terminado porque tinha descoberto um caso entre eu e Ewan. Tive que me segurar para colocar o café da manhã para fora. Apenas a possibilidade de eu ter qualquer envolvimento amoroso com ele, já embrulhava o meu estômago, tamanho o nojo que eu sentia daquele homem.

Reclamei com meu pai por longos minutos por ele nunca ter tido a iniciativa de acabar com a lei que obrigava uma mulher a ser casada para assumir o trono. Ele me ouviu, calado, com uma expressão serena e passiva, como se estivesse disposto a me ouvir reclamar pelo restante dos seus dias. Mas eu não queria passividade, eu queria uma explicação. Queria saber por que nenhuma atitude é tomada se aquilo não é um problema pra você? Por que ele nunca pensou que essa lei era desnecessária, só por que ele é homem? Só por que ele nunca seria diretamente atingido por ela?
- Você nunca pensou como isso poderia ser prejudicial pra mim? Nunca pensou que eu poderia acabar presa num casamento arranjado e forçado só para assumir o trono? Nunca pensou que eu poderia acabar infeliz pelo resto da minha vida? – perguntei, já com a voz embargada, porque foi justamente isso o que aconteceu. Porque se eu não tivesse sucesso hoje, eu não teria outra escolha a não ser encontrar outro noivo duas semanas antes do casamento. E assim ficar eternamente presa a uma pessoa que eu não amo. E o pior de tudo era quem, eu não tinha muitas opções e não queria nem pensar nisso. – Porque é exatamente o que está acontecendo comigo agora.
- Me diz como eu posso te ajudar. – ele pediu, tirando os óculos e colocando ao lado, em cima da mesa. Pressionou o espaço entre os olhos antes de continuar. – Eu não suporto te ver assim e saber que não posso fazer nada a respeito.
- E saber que poderia ter feito, é pior? – dei de ombros, balançando a cabeça, querendo encerrar logo esse assunto. – Não dá mais tempo de você mudar a lei, não dá pra forçar que o parlamento aceite o meu pedido. Ou seja, não há nada que você possa fazer. Então é melhor não falarmos mais sobre isso, porque não vai ajudar em nada, só vai gerar mais confusão e eu não aguento mais isso na minha vida.
- Querida, eu sinto muito mesmo. De verdade. Eu nunca pensei como isso poderia ser prejudicial pra você. Estou me sentindo mortalmente culpado.
- Não adianta fazer mea culpa agora, pai. O dano já está feito, o máximo que podemos fazer é torcer para que não seja irreparável.

Quando o relógio marcou duas da tarde em ponto, eu subi ao microfone do plenário. Todos os membros do parlamento estavam presentes e alguns me encaravam com desconfiança, mas isso não me abalou. Preparei minhas anotações, respirei fundo e iniciei minha leitura.

“Desde o reinado de Margarida I, entre os séculos XIV e XV, as mulheres já eram obrigadas a serem desposadas para assumir a coroa. Essa obrigatoriedade foi passada de geração em geração, até a última a assumir o trono, que foi minha avó, Margarida II da Dinamarca, no ano de 1972. Quinhentos e oitenta e cinco anos separam essas duas mulheres, quase seis séculos, e parece que nós não evoluímos. Em alguns momentos ainda parece que estamos presos na idade das trevas, precisando de um novo renascimento nas artes plásticas para nos trazer a luz. Estamos em 2015, às portas de 2016 e mantemos as mesmas leis do século XIV. Além de ser a futura rainha de vocês, eu venho até aqui como uma voz do futuro, como uma voz jovem dessa nação, que está farta de ser subjugada por leis e costumes antigos e antiquados. Nós precisamos guiar a Dinamarca para o progresso e eu preciso da ajuda de vocês nessa caminhada. Sozinha, eu poderei chegar lá, sim, mas o caminho será mais longo, mais difícil e mais demorado. E por que não começamos hoje? Por que não agora? Eu preciso do apoio de vocês, preciso de moção de mudança de lei, preciso de um brecha na lei do casamento. Eu sou perfeitamente capaz de assumir o trono e não preciso de um marido para isso.”


- Você tem alguma noção do que você falou para algumas das pessoas mais machistas e antiquadas do país? – Ellen quase gritou no meu ouvido. – É claro que eles não iriam te apoiar. Em alguns momentos eu não sei o que se passa nessa sua cabeça, não sei se você faz essas coisas de propósito, realmente não sei.
- Ellen, fica quieta, por favor. – pedi. Eu não estava querendo falar nada e nem com ninguém, muito menos estava a fim de ficar ouvindo sermão. – O meu dia já está sendo uma merda o bastante sem isso.
- Você pode, por favor, me contar o que você está pensando em fazer? – ela disse, visivelmente preocupada. Ela sentou-se ao meu lado na cama, pegando uma de minhas mãos.
- Eu não sei, realmente não sei. Eu poderia desistir de tudo, deixar a bomba cair no colo do , mas eu fui tão longe, desisti de tanta coisa pra isso, que acho que seria a coisa mais idiota a se fazer. – falei, deixando o corpo cair sobre a cama. – Eu fiz tanta coisa, Ellen, trabalhei duro, aprendi muito, abdiquei demais pra desistir. Não é uma opção. Nunca foi.
- Então você vai... casar? – ela perguntou, com dificuldade de dizer a última palavra.
- Eu me casaria com você, se deixassem. – brinquei, tentando aliviar o clima. Fechei os olhos, tentando clarear a mente e pensar, mas não conseguia chegar a nenhuma conclusão plausível e considerável.
- Bem, acho que você seria a primeira rainha a ter uma rainha ao seu lado e não um príncipe consorte, isso seria bem revolucionário. – ela riu, passando a mão pelo cabelo.
- Estou considerando, seriamente, um casamento de fachada, Ellen. – falei, olhando em sua direção, mas sem sorrir. – Bem daquele tipo que você quase compra um noivo, sabe?
- Mas quem, ? – ela fez a pergunta crucial: “quem?”
- Esse é o maior problema, eu não tenho opções. Se eu levantar essa questão para os meus pais, você sabe quem será a escolha deles, não sabe?
- Você acha? – ela perguntou, fazendo uma careta.
- Eu tenho certeza que a minha mãe me empurraria o Ewan na primeira oportunidade. É o sonho da vida dela. – rolei os olhos. Ellen ponderou por um tempo, balançando a cabeça logo depois, afirmando.
- Realmente, é capaz dela adiantar o casamento para a amanhã se você levar essa ideia para eles.
- Será que casamento entre primos é aceitável? – perguntei, chegando ao limite do absurdo. Ellen me olhou com uma expressão estranha, como se eu estivesse ficando louca. E eu estava.
- , você enlouqueceu? – ela riu, achando que eu estava brincando. – é seu primo de primeiro grau, além de ser absurdamente estranho, as chances de vocês terem filhos com problemas são gigantescas.
- Eca, Ellen, e quem disse que eu teria filhos com o ? – perguntei, fazendo uma careta enorme.
- E que tipo de herdeiros você estava pensando em deixar para o seu lugar? Filhotinhos de cachorro?
- Olha a merda de situação em que eu fui me meter, Ellen. Eu tô muito ferrada. Muito! Será que vai pegar mal eu ir até a rua e pedir em casamento o primeiro homem que passar?
- Um pouquinho. – ela respondeu, mesmo minha pergunta sendo retórica. – Você podia, sei lá, ligar para o , quem sabe ele...
- Não, essa não é uma opção. Você precisa aceitar que ele foi embora. Acabou. – fui o mais firme possível para que ela pudesse entender, por mais que só de ouvir o nome dele ainda fizesse o meu coração doer, como se eu tivesse toda despedaçada por dentro.
- Mas foi você que o mandou embora, . Talvez tudo tenha sido uma grande confusão, se vocês conversassem um pouco mais.
- Ellen, chega dessa história, por favor. – pedi, um tando ríspida. – Não tem conversa, não tem confusão. Se eu pedi que o voltasse para Londres foi por um motivo, eu não sou louca. Ele não estava se sentindo confortável vivendo aqui e eu não poderia obrigá-lo a viver dessa forma. Assim como eu não poderia me desfazer de nada que eu tenho por aqui, ele não deveria ter se desfeito de nada que tinha por lá.
- , me escuta, por favor. – ela teimou pela terceira vez.
- Que droga, Ellen. – explodi, levantando da cama. – Eu não quero ouvir falar do , não quero saber sobre ele, não quero ouvir mais o nome dele nessa casa. Só de falar nisso, eu já estou triste de novo e eu não tenho tempo pra isso, tenho mil coisas para pensar, para resolver e essa tem que ser minha última preocupação.
- Eu acho que você tá errada, mas eu vou respeitar sua decisão. Não acho que tenha como alguma coisa na sua vida dar certo se tiver algo pendente e, claramente, ele está pendente. E enquanto você não der, nem que seja, um ponto final nessa história, nem seguir em frente você vai conseguir. O máximo que vai ter são as lembranças te assombrando por todos os dias da sua vida. E é isso que você quer? – ela disse, séria. E eu odiava quando ela estava certa. Suspirei, desviando meu olhar do dela. – Eu vou te deixar sozinha, acho que você tem muito no que pensar e acho que eu estou mais atrapalhando do que ajudando. – antes que eu pudesse falar que não, ela já tinha ido. Reprimi um palavrão e me joguei na cama de novo, sem saber o que fazer. Mas eu tinha que decidir e não podia passar de hoje.

Já era noite, mas ninguém tinha vindo me chamar para jantar. Não sei se tinham achado melhor me deixar sozinha ou se pensaram que eu não iria querer me juntar a eles para jantar hoje. Eles estavam certos, nas duas opções, eu não queria jantar e queria muito ficar sozinha. Ainda mais que eu teria que ficar olhando para a cara do Ewan e de seus pais, que resolveram fingir que o último acontecido tinha ficado no passado e agora estavam vindo jantar em nossa casa todos os dias. Tinha tanta coisa pra pensar, tanta coisa para decidir e ficar olhando para as expressões de pena da minha família não era a melhor opção. tinha passado no meu quarto mais cedo. Me senti culpada por fingir que não estava. Ele bateu algumas vezes, vi que ele ficou lá do lado de fora por alguns minutos. Talvez ele soubesse que eu estava. Talvez também soubesse que não queria falar com ninguém no momento. E, por isso, talvez ele entendesse. Até que ele desistiu, mas antes de ir embora, ele disse, baixinho, perto da porta: “você sabe onde me procurar quando quiser conversar.” E eu comecei a chorar novamente. E enlouquecidamente. Parecia que toda vez que alguém tentava me confortar, eu não conseguia me controlar, era como se as minhas barreiras desmoronassem sem dó. Toda a segurança que eu tentava transparecer quando estava cercada de gente sumia, bastava alguém demonstrar o mínimo de empatia e já era toda a minha força, eu voltava a chorar e precisava de longos minutos para me recompor novamente. Tinha tanta coisa acontecendo na minha vida, que eu estava surpresa por ainda não ter surtado de verdade. Minha saúde mental era melhor do que eu imaginava e isso já era um avanço também. Respirei fundo algumas vezes e levantei da cama, secando meu rosto. Peguei um casaco e sai do quarto, caminhando pelo corredor. Eu precisava pensar e só tinha um lugar certo pra isso naquela casa.

No momento em que pisei naquele lugar, percebi que tinha sido um erro. Era loucura ficar num cubículo repleto de fotos minhas e do . Era como se ele estivesse por toda parte. Era como se cada pedacinho daquele lugar esfregasse na minha cara o tamanho da saudade que eu sentia dele, sendo que nem fazia 24 horas que ele tinha ido embora. Mas isso não fazia diferença. Porque ele tinha ido. Para sempre. Talvez essa fosse a grande questão do momento. Não era como se ele tivesse ido visitar os tios, como se fosse uma viagem curta e que em breve ele estaria de volta pra mim. Não era uma viagem curta e ele, muito menos, estaria de volta. Eu não o teria mais em meus braços, não sentiria mais seus beijos ou teria o seu abraço quente para me aconchegar a noite. Eu estava sozinha e não teria ninguém no mundo que poderia ocupar o seu lugar. Olhei para o lado de fora, onde a lua iluminava fortemente o céu. Mas aquilo não significava nada pra mim. A noite estava linda, contrastando fortemente com o clima pesado e nublado que eu carregava dentro do meu peito. Eu só conseguia pensar nele. Eu só queria pensar nele. Eu só queria estar com ele. E estar aqui, junto com todas essas lembranças, era uma forma, um tanto quando torta e estranha, de ter o meu desejo atendido.

Yes, I do, I believe
Sim, eu acredito
That one day I will be, where I was
Que um dia estarei, onde estava
Right there, right next to you
Bem aqui, bem perto de você
And it's hard, the days just seem so dark
E é difícil, os dias parecem tão escuros
The moon and the stars, are nothing without you
A lua, as estrelas, não são nada sem você


Cogitei, inutilmente, arrancar toda e qualquer foto que tinha ali, queimar, jogar tudo fora. Mas mesmo que eu fizesse isso, não mudaria nada. Todas as lembranças que eu tinha dele me acompanhariam da mesma maneira. Ele estava dentro de mim, dentro da minha cabeça, preso no meu coração. E rasgar uma foto, jogar tudo fora não faria nada se apagar. Senti o coração apertar e precisei me sentar, abaixei ali mesmo, rodeada por ele, tendo seus olhos me seguindo para onde quer que eu olhasse. Horas atrás, aquele seria o meu paraíso. Agora, esse era o meu inferno particular. Quando eu fechava os olhos, fugindo as fotos, as lembranças me dominavam, os beijos, os toques. Era como se ele estivesse aqui comigo. Era incrível e até mesmo um pouco doentio. Eu conseguia sentir o seu cheiro. Conseguia sentir seu toque, o roçar de sua barba por fazer e até mesmo o gosto do seu beijo em minha boca. Alarmada, abri os olhos, encarando o vazio em minha frente.
Ele não estava aqui.
Ele nem mesmo iria voltar.

Your touch, your skin, where do I begin?
Seu toque, sua pele, por onde começo?
No words can explain the way I'm missing you
Nenhuma palavra pode explicar o jeito que estou sentindo sua falta
The night, this emptiness, this hole that I'm inside
A noite, esse vazio, esse buraco em que eu estou
These tears, they tell their own story
Essas lágrimas, contarão suas próprias histórias


Deitei meu corpo no tapete, rindo sem humor do fato de ainda ter um pouco do perfume dele. Resquícios da última vez que estivemos aqui. Lembrei-me de como ele me amou doce e suavemente, como se eu fosse a coisa mais importante da sua vida, com tanta paixão, com tanto desejo, que eu não conseguia nem imaginar que alguém poderia guardar tanto amor dentro de si. Nunca na minha vida pensei que me sentiria tão amada, não da forma que fazia eu me sentir. Tudo com ele era especial. E doía ter que pensar nele no passado. Doía pensar que eu não sentiria mais todo aquele amor em mim. Sentiria mais tudo aquilo que era impossível de se colocar em palavras, aquilo que você só conseguia mostrar. E fazia questão de me mostrar sempre. E fechando os olhos uma última vez, senti como se os seus braços estivessem sobre o meu corpo, me segurando perto dele, de forma que até seu coração eu conseguia ouvir. E ele ainda estava batendo forte por mim. As lágrimas escorreram pelo meu rosto e me trouxeram para a realidade.

Can I lay by your side? Next to you, you
Eu posso me deitar do seu lado? Perto de você, você
And make sure you're alright
E ter certeza de que você está bem
I'll take care of you
Eu cuidarei de você
And I don't wanna be here if I can't be with you tonight
E eu não quero ficar aqui se não puder estar com você, hoje à noite



Abri a janela e me sentei do lado de fora, observando a cidade de cima. Qualquer decisão que eu tomasse agora influenciaria diretamente na vida de todas aquelas pessoas, então eu teria que pensar muito bem no que fazer. Pensei e repensei nas minhas opções. Desistir não era uma delas, claro. Eu assumiria o trono, esse era o meu destino, eu tinha me preparado para isso. Então eu precisava casar. Porém, com quem? Alguns nomes passaram pela minha cabeça, até que eu tive um estalo e vi que a solução era mais fácil e simples do que parecia, mas será que eu conseguiria convencê-lo. Pensei nos meus pais, na reação deles diante da proposta que eu faria, mas não era o momento de pensar em ninguém em especial. Eu tinha apenas que cumprir com as minhas obrigações, sem ter que ficar preocupada com questões passadas. Meu pai sempre disse que essa função demandaria de escolhas e essa seria a minha primeira. Ele nunca disse as escolhas seriam boas pra mim. Ou que eu iria gostar delas. Ele sempre disse que eu escolheria as que seriam melhor para todos e que lidaria com isso. Bem, eu vou lidar com isso.
Desci da janela, passando pelas fotos do de novo. Pedi que ele me desse forças, para que eu conseguisse fazer isso, por mais difícil que fosse pra mim. Desci as pequenas escadas e sai no corredor, caminhando rapidamente. Eu tentava não pensar no que estava prestes a fazer, porque se pensasse muito, desistiria no mesmo instante. Virei no corredor e desci as escadas apressadas. Eles deveriam estar jantando agora ou então no quarto, não sei, já fazia um tempo que não nos falávamos, então eu realmente não sabia onde ele estava. Passei pela sala de jantar e vi que estava vazia. Caminhei até a sala de estar e depois até a cozinha, não achando ninguém. Droga, onde será que ele estava? Olhei no relógio e vi que eu tinha ficado lá em cima até mais tarde do que eu imaginava. Então ele deveria ter se recolhido. Respirei fundo e me dirigi até o seu quarto. Caminhei por alguns minutos. Diminui o ritmo sem perceber, talvez fosse o medo do que estava por vir, talvez fosse a ansiedade, talvez fosse a falta de vontade de fazer isso mesmo. Mas eu caminhava a passos curtos e lentos, como se aquela caminhada fosse a mais difícil da minha vida.
Parei em frente à sua porta, respirando fundo várias vezes antes de tomar coragem para bater. Eu ouvi uma movimentação lá dentro, logo depois seus passos até a porta e em seguida a mesma se abrindo. Sua expressão foi de surpresa ao me ver. Não posso culpá-lo, ele não estava esperando uma visita minha a essa hora. Seus lábios se moveram pra falar alguma coisa, mas eu interrompi:
- Não fala nada. – disse, fechando os olhos e respirando fundo. – Eu tenho um pedido a fazer.
- O que? – sua voz soou curiosa.
- Casa comigo.



Vigésimo Sétimo

And I wish I could run to you
And I hope you know that everytime I don’t
I almost do

(Taylor Swift – I Almost Do)


- O que? – repetiu sua pergunta, agora soando completamente surpreso. – Você tá bem?
- Não, , eu não tô bem, mas eu preciso que você se case comigo. Eu não tenho muitas opções, não quero que você se sinta mal ou constrangido, mas você é minha única opção. – murmurei, passando as mãos pelo rosto.
- Você tá falando sério? – perguntou, apoiando na porta, visivelmente preocupado agora.
- Eu preciso me casar em seis semanas, não há chances de eu conhecer alguém pra isso nesse meio tempo. Se eu deixar nas mãos dos meus pais, as chances de eu terminar casada com o Ewan são enormes e eu não posso deixar que isso aconteça, , não posso. – deixei minha voz morrer no fim, como se estivesse a ponto de começar a chorar. Ele respirou fundo, abrindo mais a porta e pedindo para que eu entrasse. Sentei na cama e ele puxou uma cadeira, sentando-se perto de mim.
- Como isso poderia funcionar? Como eu, seu segurança, poderia me casar com você? Seus pais nunca aceitariam, . – sua voz era suave e acolhedora, como se ele quisesse me fazer enxergar a realidade, mas sem me magoar.
- Não é uma escolha deles.
- Mas eles vão opinar e não vão aceitar. Por mais que eu tope fazer parte dessa loucura, não há a mínima possibilidade de eles deixarem isso acontecer. E, , como eu poderia me casar com você estando apaixonado por outra pessoa?
- , por favor, você é minha única e última esperança. – sussurrei. – Nós podemos fazer um acordo, ficamos casados apenas por um ano, eu não me importo que você continue namorando a Ellen, você só precisa só seu marido por um tempo, para que eu consiga assumir o trono sem impedimentos.
- Eu não posso responder sem falar com a Ellen. – ele disse, apoiando a cabeça nas mãos, visivelmente desconfortável.
- Eu vou chamá-la. – falei, levantando rapidamente.
- Não, eu vou. – se pôs de pé, caminhando até a porta. Fiquei sozinha no quarto dele, percebendo que era a primeira vez que eu ia até lá.

Parei para ver como a realidade dele era diferente da minha e como isso influenciava diretamente no que eu estava pedindo a ele. O quarto era pequeno e simples, não tinha nenhum tipo de conforto exagerado, apenas um armário, uma cama, uma poltrona antiga, que eu lembrava de um dia ter visto em uma das salas do palácio e uma pequena televisão sobre uma mesinha. Meu quarto era, provavelmente, umas seis vezes maior do que aquele. Eu tinha tudo o que eu queria, quando eu queria. E estava sempre reclamando. Já , não, ele estava sempre na dele, como se em sua vida não estivesse de acordo, como se estivesse tudo exatamente como deveria estar. Não era um simples favor, como já pedi vários antes, esse iria modificar completamente a vida dele. Assim como eu fiz com o . Naquele momento eu vi como eu era louca e egoísta, como arrastava todo mundo pra dentro dos meus problemas, na ânsia de tentar resolvê-los, mas sem me preocupar se as pessoas sairiam bem de tudo aquilo ou se estariam, no mínimo, confortáveis em participar. Foi assim com o e estava sendo assim com o . Me levantei, já pronta para voltar pro quarto e fingir que eu não tinha feito essa proposta insana para o , mas assim que me aproximei da porta, ela abriu, entrando ele e Ellen. Ela me olhou como se não estivesse muito satisfeita com meus atos e eu já me preparei para ouvir bastante. Afinal, eu tinha pedido o namorado dela em casamento, sem nem ao menos ter falado com ela antes.

- Ellen, me desculpa, eu sei que não deveria ter feito nada disso sem te comunicar antes...
- , essa ideia é maluca. – ela começou, me empurrando para que eu me sentasse novamente. – Maluca, louca, completamente insana... mas é única opção que nós temos.
- O que? – perguntei, totalmente confusa.
- Nós não deixaríamos você na mão num momento como esse. Eu sei que pra você vir até aqui e fazer um pedido desses para o , deve ter demandado de muita coragem. E depois de tudo o que você tem passado nos últimos dias, eu fico feliz de te ver reagindo. Pelo menos você tá correndo atrás e não sofrendo pelos cantos. Essa é a que a gente quer e precisa ajudar.
- Então...
- Sim, eu vou me casar com você. – disse, sorrindo de lado. – Nós seremos um trio maravilhoso.
- , não começa com a falta de vergonha na cara. – Ellen disse, séria, mas sorriu logo em seguida. Eu respirei fundo, colocando o rosto entre as mãos e tentando me acalmar
- Eu não posso fazer isso com vocês, não posso ser egoísta a esse ponto. Foi exatamente onde errei com o e não quero errar de novo.
- Não é como se você tivesse escolha. Você precisa casar, então é melhor que seja com alguém que você conhece e confia, do que com alguém que você nunca viu na vida. Você sabe que se não resolver essa situação, outra pessoa irá. O egoísmo está por todos os lados, ele surge no momento em que você precisa se unir a outra para ser apta a assumir o trono. Essa é uma ideia egoísta também. Egoísta e machista. Então antes que alguém arrume um conde de qualquer lugar pra ser seu marido. Vamos combater fogo com fogo. Ou melhor, egoísmo com egoísmo.
- Eu não estou me sentido usado, ofendido ou como se você estivesse abusando de sua autoridade sobre mim. Estou me sentindo lisonjeado, realmente feliz por você confiar em mim dessa forma. – se aproximou, abaixando ao meu lado, apoiando o braço no colo de Ellen, que estava sentada a cadeira que ele ocupava antes. – Finalmente eu poderei ser útil e ajudar de alguma forma.
- Eu não sei o que faria sem vocês. – comentei, sentindo os braços de Ellen ao redor dos meus ombros e em seguida dos de . – Acho que a primeira parte já foi, agora vem a pior: contar para os meus pais.


Minha mãe me encarava como se eu tivesse contado uma piada pra ela. Mantinha um sorriso incrédulo nos lábios e me encarava intensamente. Meu pai tinha deixado o jornal de lado e olhava em minha direção, enquanto apoiava o rosto em uma das mãos.
- Você não pode estar falando sério. – Mary disse, com humor ainda em sua voz. – Você não pode se casar com ele!
- Mãe, não fala assim, está me fazendo um favor. – ponderei, tentando amenizar as coisas. Estávamos eu, e Ellen parados na sala de jantar, encarando o casal surpreso à nossa frente. Contamos tudo a eles, desde o namoro dos dois, até a proposta que eu havia feito ao na noite passada.
- Um favor? Você vai transformar a vida dele completamente, do nada ao luxo e ele que está te fazendo um favor? – ela foi dura demais.
- Mary, não. – meu pai pediu, tocando em seu braço, fazendo com que ela o olhasse. – Não o trate assim.
- Frederico, não me diga que você vai apoiar essa insanidade. – ela disse, fechando os olhos.
- Mary, a nossa filha está tentando encontrar uma forma de cumprir um compromisso que eu assumi.
- E precisa fazer isso se casando com o segurança? – ela elevou o tom de voz e eu suspirei.
- Você tem algum nome melhor em mente? – meu pai lhe disse, respirando fundo e suspirei já sabendo a resposta.
- Por favor, não diga Ewan. – pedi, quase suplicando.
- E por que não? – ela retrucou, como se não aceitasse a minha recusa.
- Porque eu o odeio, mãe! Eu não consigo olhar na cara dele sem sentir nojo.
- E o que ele te fez pra que você se sinta dessa forma?
- O Ewan sempre foi um garoto mimado, rude, mal educado. Sempre tratou todo mundo mal, como se fosse melhor, superior a todos que o cercavam. Sendo que ele é dessa família falida e que depende da caridade de vocês pra viver. – falei, vendo sua expressão se fechar. – Tem certeza que é esse tipo de pessoa que você deseja ao meu lado para sempre?
- Não é possível que estejamos falando da mesma pessoa. – ela ponderou, balançando a cabeça. – Ewan sempre foi um excelente rapaz.
- Quando estava perto de você. – retruquei. – Ele foi ensinado a te agradar, como se isso pudesse fazê-lo ganhar um lugar na família. Mas não há a mínima chance, mãe. Eu morro solteira, mas com ele eu não caso.
- Eu estou cansada de ter que bancar a vilã nessa casa. – minha mãe disse.
- Então pare de agir como uma e enxergue mais do que o seu próprio mundo. – respondi.
- Filha, calma. – meu pai pediu, se levantando. – Por favor, não fiquem aí parados, sentem-se para conversarmos. pareceu contrariado com o pedido, mas fiz com que ele se sentasse do lado oposto ao da minha mãe, entre eu e Ellen. – Como isso funcionaria, esse casamento?
- Seria tudo de fachada, senhor. Eu poderia me manter até mesmo no meu quarto, faria as aparições padrões ao lado da , cumpriria meu papel como príncipe consorte e em alguns meses nós nos separaríamos. – respondeu, sem olhar para o meu pai diretamente, ele mantinha as mãos sobre a mesa e as encarava.
- Você sabe que seria um escândalo qualquer notícia que saísse de um envolvimento posterior entre você e a Ellen, não sabe? Como manteriam isso em segredo depois? Estão dispostos a deixar o relacionamento de vocês de lado só para ajudar a minha filha?
- Não é como se as pessoas fossem acreditar que eu estou me casando por amor, pai. – respondi, dando de ombros. – Todo mundo saberá que é um casamento de fachada.
- Mas há uma diferença enorme entre cogitarem e terem certeza. Você se separar já será um escândalo, imagina confirmarem o casamento de fachada?
- Bem, pelo menos todo mundo terá certeza que ela faz tudo pelo país. – Ellen murmurou e meu pai a encarou pelo canto dos olhos.
- Eu não estou preocupada com escândalos ou problemas futuros, pai. Estou preocupada com o que está acontecendo agora. Preciso arrumar uma forma de me casar em seis semanas e assumir o trono. Agora eu tenho uma possibilidade, tenho uma forma de fazer tudo não ter sido em vão. Abdiquei de muita coisa, não é possível que vocês não possam assumir um risco para me ajudar.
- Nós prometemos fazer de tudo para não causar nenhum tipo de desconforto. Nosso relacionamento nunca foi público e nem precisa ser. A gente faz qualquer coisa pra ajudar a . – Ellen disse, estendendo o braço em minha direção. Eu coloquei minha mão sobre a dela e colocou a dele sobre a de nós duas. Estávamos juntos nessa.
- Se vocês estão tão seguros dessa posição, não há nada que eu possa fazer a respeito. – meu pai disse e minha mãe levantou abruptamente da mesa, arrastando a cadeira e fazendo barulho antes de se retirar. Ele suspirou, balançando a cabeça e olhou para Ellen e como se desculpasse. – Eu peço que vocês não se ofendam com o comportamento da Mary, não é por mal, ela só se preocupa demais com a , mas não sabe fazer isso de forma que pareça preocupação e não uma critica.
- Ainda bem que você sabe. – murmurei, ouvindo Ellen tossir alto, me olhando pelo canto dos olhos e pedindo para que eu parasse.
- Enfim, vocês já sabem como farão? Devo pedir para convocar a imprensa? Faremos um anuncio oficial?
- Eu acharia melhor, não. O quanto menos expusermos essa história, melhor. Podemos liberar uma nota daqui a uns dias dizendo que a cerimônia de possa continua marcada para o mesmo dia, talvez eles entendam o que irá acontecer. Quando estiver próximo da data do casamento, nós soltamos outro comunicado, para que a população se prepare para o cortejo. Creio que não há como fazermos isso às escondidas, certo? – perguntei, vendo meu pai balançar a cabeça, negando. – Vocês concordam.
- Também acho que o quanto menos for divulgado, melhor. – comentou. – Os preparativos já estavam em andamento, não é? É só não cancelar, não vamos fazer mais alarde. É claro que vão desconfiar, vão tentar descobrir, mas podemos encobrir o máximo e não fazer um alarde disso tudo. Talvez nem me reconheçam, no fim das contas.
- Então vamos tentar não comentar nem aqui dentro, para não vazar muito antes do casamento e isso tudo não virar um circo. – Ellen disse. – Não sei até que ponto as pessoas podem ser confiáveis com segredos.
- Fico muito grato pelo o que vocês estão fazendo pela minha filha. – meu pai levantou, e todos imitamos seu gesto. Ele deu a volta na mesa, caminhando até o nosso lado. Ele estendeu a mão para e para Ellen em seguida, me dando um abraço logo depois. – Você está cercada de pessoas que se importam com você, nunca se esqueça disso.

Três semanas depois

Fui acordada por muitas batidas na minha porta. Era como se alguém quisesse derrubá-la. Levantei lentamente e caminhei até ela, abrindo um pouco. Vi Ellen e com expressões terríveis e senti como se tivesse, derramado um balde de água fria na minha cabeça.

- O que foi? – perguntei, abrindo de vez a porta.
- Vazou. – Ellen disse, simplesmente, me mostrando a capa de um jornal. Peguei-o em minhas mãos, lendo rapidamente a manchete que estava na primeira página: “PLANO B OU PLANO S?: A princesa buscou seu novo noivo em sua própria guarda real.”, seguida de uma foto antiga minha e do , onde ele abria a porta do carro para que eu saísse.
- Como isso foi acontecer? – perguntei, deixando o jornal cair.
- Não faço ideia, nós fomos muito cuidadosos, não comentamos disso com ninguém. Sempre que falamos, é num lugar seguro, sem ninguém que possa nos ouvir. Será que foi algum empregado... – deixou a frase morrer, desconfortável por desconfiar de alguém assim.
- A gente precisa dar um jeito nisso. Eu não sei o que fazer, de verdade. – confessei.
- Você não leu dentro, a matéria é bem barra pesada. Falando sobre como você acabou com o seu noivado e teve que “comprar” um noivo para não perder o trono. – Ellen disse, com a voz mostrando sua repulsa. – Se eu pudesse, acabava com a vida dessa jornalista. Como ela pode fazer afirmações desse tipo?
- Por que ninguém nunca apontou o dedo pra ela e disse pra não fazer. Mas isso vai mudar. – falei, pegando o jornal do chão. – Eu preciso que vocês falem com o meu pai a respeito disso e vejam o que faremos. Se vamos nos manter calados, o que eu acho mais correto, ou se vamos emitir alguma nota. Enquanto isso, não vamos comentar nada pelo palácio. Não sabemos em quem devemos confiar.
- Ok, mas o que você vai fazer? – perguntou.
- Vocês vão ver.

Dois dias depois

Eu estava sentada na mesa do meu pai pela primeira vez. Mesa que eu ocuparia em breve e que passaria boa parte da minha vida. Queria dizer que tinha gostado da cadeira, achado confortável, mas é difícil achar qualquer coisa confortável quando se carrega um peso como esse nas costas. Girei o corpo, ficando de frente para a grande janela que ocupava o fundo da sala e passei a observar o pouco movimento que havia na rua. As pessoas caminhavam de um lado para o outro em frente ao parlamento, sem ter a mínima noção de que aqui dentro eram tomadas grandes decisões que interfeririam diretamente em suas vidas. Eu também preferiria a ignorância se fosse possível. O conhecimento, às vezes, é doloroso demais.
Ou batidas na porta e pedi que entrasse. A voz de Lars, o primeiro ministro, encheu o ambiente e eu girei o corpo de volta, ficando de frente pra ele. Sua expressão foi de surpresa a me ver e eu sorri brevemente. Esse era o nosso primeiro encontro desde o meu pedido de socorro semanas atrás. Não posso dizer que não fiquei chateada por ele não ter tentado me ajudar, porque eu fiquei. E bastante. É como se eu precisasse girar a máquina de governa o país com as minhas próprias mãos e não tivesse ninguém para me auxiliar.

- , eu não esperar te encontrar aqui, pensei que estivesse vindo encontrar o rei Frederico. – ele disse, se aproximando da mesa.
- Não, fui eu mesma que pedi que você viesse até aqui. Sente-se, por favor. – pedi, apontando para uma das cadeiras à minha frente.
- Ah, claro, obrigado. – falou, se acomodando, mas ainda parecendo desconfortável.
- Qual o problema, Lars? – perguntei, fazendo com que ele me olhasse diretamente.
- É que é estranho ver outra pessoa sentada nessa mesa, falta de costume. – ele deu de ombros, como se não fosse nada.
- Bem, talvez seja hora de você começar a se acostumar. Falta um pouco menos de três semanas para eu assumir o trono. – alarguei o sorriso, um tanto quanto presunçosa.
- Sim, tá chegando o grande dia. Ansiosa para o casamento?
- Não. – respondi, simplesmente, vendo-o franzir a testa. – Mas não é como se eu tivesse outra opção. – disse por fim, tentando encerrar o assunto. – Pedi para você viesse até aqui para te entregar isso. – estendi uma pasta em sua direção, ele a pegou, confuso.
- E o que seria isso?
- Algumas propostas, medidas que eu espero que passem pelo parlamento assim que eu assuma o trono. Pensei que facilitaria te entregar com antecedência, já que eu sei que tem algumas coisas que serão, digamos, difíceis de serem trabalhadas, mas nada que você não possa lidar, claro. – apoiei os cotovelos na mesa e estudei sua expressão enquanto folheava o documento. Ele levantou os olhos algumas vezes, me encarando, provavelmente quando lia algo que não concordava.
- , eu acho que tem algumas coisas aqui que não são adequadas. – Lars ponderou e eu fiz uma careta, reprovando o início do seu discurso.
- Desculpe se eu soar rude, mas eu não pedi sua aprovação. Eu estou lhe dando as medidas e espero que elas passem pelo Parlamento. Como, eu não sei, mas você vai fazer com que elas passem.
- O que faz com que você esteja tão certa que essas medidas vão passar? – ele perguntou, apoiando as folhas na mesa.
- Elas são de grande apelo popular. Questões que são tabus há anos e ninguém teve coragem de trabalhar. Bem, eu tenho.
- “Igualdade de gêneros no Parlamento”, , isso significaria que grande parte dos votantes dessas medidas não estariam lá para votar após as próximas eleições. Como você espera que eles votem a favor de perder seus empregos? – sua voz se tornou um pouco mais elevada e eu apenas o encarei, esperando que ele se reestabelecesse.
- Vivemos num mundo onde a maioria é mulher, você acha correto que as decisões sejam tomadas por uma maioria esmagadora de homens? Eu não quero ser a única mulher a lutar contra os leões, eu trarei mais algumas comigo. – sorri de lado, enquanto vi sua expressão se transformar em algo próxima a raiva.
- Isso será praticamente impossível. – ele bradou, balançou a cabeça. – Você precisa estar preparada para perder.
- Eu nunca entro pra perder. – respondi, usando o tom mais sério e confiante que eu já havia usado em toda a minha vida.
- Isso é uma espécie de vingança por não terem apoiado a sua moção?
- Você acredita que eu seja baixa nesse nível? – dei uma risada sem humor. – Mesmo que a minha moção tivesse sido aceita, essas seriam as minhas primeiras medidas. Eu quero igualdade de representação no Parlamento. Assim como quero igualdade salarial, licença paternidade estendida para três meses e, com toda certeza, quero o fim da obrigatoriedade da mulher ser casada para assumir o trono.
- Eu sabia que era por isso... – ele murmurou para si mesmo, mas eu ouvi.
- Não é por isso. Não sou tão infantil como você acredita que eu seja. Eu apenas acredito que uma aliança em meu dedo não torna mais ou menos capaz. Eu ainda sou solteira e olha a armadilha que eu arrumei pra você. – sorri em sua direção. – Eu não pensei nisso sozinha, Lars, eu pesquisei, tive diversos encontros com representantes de diversos sindicatos e empresariados. Não estou esperando o tempo passar, fiz o meu dever de casa. Firmei diversos acordos e compromissos, e não serão vocês que vão travar as mudanças, elas vão acontecer.
- Eu não tenho como assegurar que as medidas serão aprovadas. Eu não tenho todos os votos do Parlamento.
- Pois trate de conseguir a maioria, porque, segundo minhas pesquisas, nenhum Primeiro Ministro que não foi apoiado para Casa Real conseguiu ser eleito. Ou ser reeleito, no seu caso.
- Você tá me ameaçando? – ele perguntou, com a voz baixa e incrédula.
- Claro que não, mas você pode entender da forma que quiser. – falei, dando de ombros. – Em meia hora, terá um site indo ao ar, nele constarão todas as medidas e propostas iniciais do meu governo, bem como uma linha onde a população poderá me enviar mensagens e sugestões. O que não for aprovado será diretamente relacionado ao Parlamento e vocês precisam lembrar que haverão eleições no fim desse ano. Então eu acho que seria bom você começar a fazer campanha agora. – olhei no relógio, vendo que já estava na hora de voltar para casa. Eu tinha outro trabalho a fazer. – Bem, eu tenho outro compromisso. Espero que tudo tenha ficado claro entre nós dois. – falei, me levantando e estendendo a mão na direção de Lars, que a segurou com muita má vontade.

Deixei o escritório assim que ele saiu, descendo rapidamente e encontrando o motorista já na porta. Eu tinha as provas que eu precisava em mãos e não passaria de hoje. Ewan iria ter o que ele merecia de uma vez por todas. Cheguei antes do jantar, então pedi para que todos se reunissem na sala de estar, pois tinha algo importante a dizer, inclusive Ewan e seus pais. Eles estranharam, mas seguiram minhas instruções, me esperando na sala logo após eu ter pedido. Chamei e Ellen também, pois tudo agora os envolvia diretamente, ainda mais o assunto que trataríamos. Meus pais se uniram a nós, assim como meus tios, o e meus avós. Em poucos minutos, todos estavam juntos e eu pude, enfim, tomar a palavra.

- Imagino que vocês estejam se perguntando o porquê de eu ter juntando todos vocês aqui agora, mas eu prometo que será breve. Há alguns dias, houve um vazamento, algo que não deveria ter saído de dentro dessa casa e saiu. Logo acusaram os empregados, mas algo me dizia que o culpado era outro. E bem, eu fiz as minhas pesquisas e investigações. – fui até a minha bolsa, pegando um papel de dentro dela. – A jornalista que noticiou que eu me casaria novamente e que seria com o , que também está aqui presente, aceitou me informar sua fonte. Eu lhe disse que esse caso poderia acabar mal para pessoas inocentes e para ela mesma, e eu acho que a consciência dela pesou. – sorri. – Segue o que a jornalista me disse por email:

”Alteza, sinto muito qualquer infortúnio que minha matéria possa ter causado a vossa família. Creio que foi de muito mal grado noticiá-la, mas num momento de lapso, acreditei que o fato deveria ser amplamente divulgado. Não gostaria que nenhum inocente fosse punido por isso, dessa forma, mesmo que ele tenha pedido sigilo absoluto, eu divulgarei a minha fonte. Há alguns eu tive um encontro com Ewan Larsen, que disse estar atualmente hospedado em uma de suas residências. Ele me contou me contou de seu noivado acelerado e de como a organização do casamento segue initerruptamente, com a data anteriormente mantida. A acusação de casamento de fachada é grave e eu assumo as consequências dos meus atos.”

- Bem, uma pessoa já assumiu e vai arcar com as consequências dos seus atos. Agora só falta uma. – completei, olhando par Ewan, assim como todo mundo.
- E por que acreditariam na jornalista, é a palavra dela contra a minha. – ele disse, dando de ombros.
- Mas eu não lhe darei nem o benefício da dúvida. Eu assumo o trono em três semanas e esse é o prazo que você e seus pais tem para encontrar outro lugar para morar. Essa casa ainda não é minha. Mas eu repito, ainda. Eu não manterei debaixo do meu teto pessoas que tramam contra mim.
- Mas pra onde nós iremos? – senhor Larsen disse, chamando minha atenção.
- Eu não sei e, sinceramente, também não é meu problema.
- . – meu pai falou. – Não faz assim.
- Pai, se você passou a sua vida sustentando esses dois, fazendo deles esses dois sanguessugas que são hoje, eu não posso fazer nada, mas não vou compactuar. Se o senhor quiser ajudar, não vou me intrometer, mas esse dinheiro que eles usavam e gastavam como se fossem ricos, sem nenhuma preocupação da vida, não virá de mim. Tenho outras preocupações e prioridades.
- Mas nós não temos um emprego, nem mesmo uma casa. – a mãe de Ewan disse, meio chorosa. Senti os olhos da minha mãe em mim e esperei pelas palavras duras que ela, provavelmente, me direcionaria. Mas elas não vieram.
- Era só isso que eu tinha para falar, obrigada por terem vindo até aqui. – disse a todos, que ainda me encaravam, surpresos. Passei perto da minha mãe, dizendo baixo, para que só ela escutasse. – Tá vendo o bom rapaz que você queria que eu me casasse?


Eu estava sentada na mesa de trabalho, vendo algumas informações do casamento que Genevive havia me enviado mais cedo. Era inevitável pensar no , porque tudo que envolvia casamento parecia gritar o nome dele. Duas semanas já tinham se passado e eu não tinha falado com ele ou até mesmo voltado ao nosso lugar e olhado as fotos. Porque se eu me mantesse perto de qualquer lembrança dele, seria impossível seguir em frente. Já estava sendo difícil demais sem isso. Eu pensava nele a cada minuto, algumas vezes a saudade era tamanha, que eu conseguia ouvir sua voz em minha mente. A vontade era pegar o telefone e ligar pra ele, resolver tudo, pedir que eu voltasse, mas eu não podia. Se eu fiz o que fiz, foi porque tive um motivo e não poderia dar as costas a isso agora. Mas estava muito difícil. Eu imaginava como estaria sendo pra ele, se ele estaria bem ou sofrendo como eu. Se conseguiria colocar sua vida novamente nos trilhos ou se estaria preso à minha sombra de qualquer maneira. Eu não queria prejudicá-lo, muito menos sem querer. Pensei em ligar para ou , mas vi que era tudo uma desculpa para saber dele, saber como ele estava. E eu não poderia arriscar tudo novamente. Agora que estava conseguindo me colocar de pé todos os dias. Eu tinha que ser forte. Tinha que conseguir evitar, a todo custo, essa vontade de procurá-lo. Respirei fundo e peguei o telefone, discando para a minha própria caixa de mensagem. "Você não tem mensagens novas.", ela me disse. Cliquei para escutar as mensagens antigas e alguns segundos depois, senti meu coração disparar. "Vou me atrasar pro jantar, não precisa me esperar. Te amo. O coração disparou. Doeu. E voltou a bater novamente. Me perguntava se um dia eu ficaria bem novamente.
Ouvi batidas na porta e pedi para que entrasse. Me assustei quando ouvi a voz da minha mãe. Ela não costumava passar no meu quarto, muito menos depois de um princípio de confusão como foi hoje à noite. Ela, provavelmente, estava aqui para falar sobre o Ewan e seus pais, mas eu não estava com disposição para isso.

- Mãe, se você veio falar do Ewan, por favor, vamos conversar disso depois. Tenho algumas coisas do casamento para organizar e não estou com tempo para perder com ele. – pedi, sem olhar na direção dela.
- E se eu não estiver aqui pra falar do Ewan, você tem tempo pra falar comigo? – ela perguntou, com a voz suave e baixa. Suspirei, girando a cadeira e ficando de frente pra ela, que entrou e caminhou até a minha cama, onde se sentou. – Eu sei que não estamos nos dando bem nos últimos tempos. – ela começou e eu apenas balancei a cabeça, porque isso não é novidade pra ninguém. – Mas não é como se eu quisesse brigar com você o tempo todo.
- Então por que você faz parecer como se quisesse isso?
- Eu não sei, eu realmente não sei, aonde eu me perdi nesse caminho de ser mãe. Lembro de você pequena, tão dependente de mim, nessa época tudo ainda funcionava, mas depois você se tornou essa mulher independente que é, e tudo desandou. – ela suspirou, encarando as mãos. – Talvez nós sejamos diferentes demais ou então eu não tenha o necessário para ser uma boa mãe, por mais que eu tente.
- Talvez, se você procurasse ver mais o lado dos outros, além de apenas o seu, tudo poderia ser um pouco mais fácil. – falei, dando de ombros, e ela acenou com a cabeça, afirmando.
- Mas eu não faço por mal. Sei que muitas vezes parece que eu faço por mal, mas não é. Eu juro que não é. Eu faço o que eu acredito que seja melhor pra você, só que agora eu entendi. Não devo fazer o que eu acho que é melhor pra você, mas sim o que você acredita que é melhor pra si mesma. É muito difícil pra uma mãe entender e aceitar isso. Só que... eu acho que estou aprendendo da forma mais difícil.
- Pena que foi um pouco tarde, não é? – comentei, e ela me olhou, com os olhos vermelhos, como se estivesse a ponto de chorar.
- Eu nunca te disse, mas eu estive grávida duas vezes antes de você nascer. – minha mãe disse, me fazendo franzi a testa e olhar pra ela com surpresa.
- Como assim? Por que eu nunca fiquei sabendo disso?
- Porque ninguém além de mim, seu pai, seus avós e o médico ficaram sabendo. O médico teve que assinar um contrato de confidencialidade e tudo mais. – ela suspirou, passando a mão pelos olhos, os secando rapidamente. – Quando eu me casei com o seu pai, a rainha não tinha muitas funções a não ser estar ao lado do rei, sempre bela e elegante, o acompanhando aos eventos e tudo mais. Nenhuma participava ativamente do governo ou tinha um papel importante em qualquer coisa. Nós só servíamos para embelezar uma foto e dar filhos à coroa. A primeira vez que eu fiquei grávida, eu tinha a sua idade. Tinha me casado com o seu pai há um pouco mais de um ano e fiquei radiante. Finalmente estava cumprindo meu papel de rainha, dando um herdeiro ao trono. Torcia para que fosse um menino, porque ainda havia olhares estranhos para aquelas que não davam herdeiros homens. Até que numa noite, sem nenhum motivo aparente, eu tive um aborto espontâneo. – ela deu uma pausa, respirando fundo. Era visível como aquele assunto ainda mexia com ela. Senti um nó em minha garganta e uma vontade de chorar junto com a minha mãe. – Eu era jovem, não tinha nenhuma doença e o médico não soube me dizer qual poderia ter sido o motivo. Mas que depois de alguns meses nós poderíamos tentar novamente. E foi o que fizemos. Seis meses depois eu estava grávida mais uma vez. O médico disse para eu descansar o máximo, não fazer esforço e resguardar os três primeiros meses, porque já havia tido um problema da primeira vez. Só que não adiantou. E o segundo eu senti uma dor absurda. Fisicamente e psicologicamente. Eu senti a perda do meu filho em todos os sentidos e isso me traumatizou bastante. Eu tinha vinte e três anos e já tinha sofrido dois abortos espontâneos. Que tipo de rainha eu seria se não desse um herdeiro para o meu povo?
- Mãe, isso é terrível. – falei, levantando da cadeira e sentando ao seu lado. Peguei uma de suas mãos e coloquei entre as minhas. – Você não deveria manter tudo isso pra si, é pior.
- E pra quem eu falaria, querida? – ela sorriu, sem humor. Passando a mão livre pelo meu rosto.
- Pra mim. – respondi, secando suas lágrimas. Coisa que eu poderia ter feito muito antes, se ela tivesse tido coragem de se abrir pra mim.
- Até que cinco anos mais tarde, numa gravidez muito complicada e difícil, você nasceu. Eu passei esses cinco anos achando que não levava jeito para ser mãe, que não tinha nascido pra isso. Até que você nasceu. Linda, gordinha, saudável. Os médicos disseram que seria muito difícil eu engravidar novamente, mas eu já tinha você, pra mim seria o bastante. Eu poderia ser mãe, mostrar eu levava jeito, sim. Nos primeiros quinze anos, eu consegui levar, mas depois, você parecia esfregar na minha cara que eu não tinha nascido pra isso. Cada briga, cada desentendimento parecia gritar que eu não era uma mãe boa o suficiente pra você.
- Talvez eu não tenha saído a filha que você imaginava.
- Talvez nós duas tenhamos procurado, uma na outra, algo que sabíamos que não estava lá, mas que a gente queria que estivesse. – ela disse, molhando os lábios antes de continuar. – Eu sei que forcei muito com você, mas eu queria que estivesse preparada para o que viria a te esperar no futuro. Não acreditei que suas próprias escolhas fossem te transformar da mulher forte que você é hoje. Quis te transformar em algo que você não é. Acabei atrapalhando sua vida, tirando coisas e pessoas importantes dela. Eu não tive muita fé em você e peço perdão por isso. Eu acho que nunca vou conseguir me perdoar por ter sido tão horrivelmente estúpida, amargurada e...
- Ficar relembrando isso agora não vai adiantar nada, mãe. O que podemos fazer é dar um ponto final nas nossas briga, aceitar nossas diferenças e seguir com a nossa vida. Já perdemos tempo demais com isso.
- Fui eu que comentei com o Ewan sobre o seu casamento com o . – minha mãe confessou, com a voz baixa e chorosa. – Eu estava furiosa, não concordava com isso, nunca poderia aceitar você se casando com o segurança, e não tinha ninguém com quem pudesse conversar, porque seu pai também tinha embarcado nessa loucura. Eu não imaginava que eu faria isso.
- Mãe, eu te disse milhões de vezes para não confiar no Ewan, mas você sempre preferiu acreditar nele, do que em mim. Ele sempre agiu da forma que foi ensinado para te agradar, para parecer o genro perfeito e assim conseguir a sua aprovação. Mas eu nunca me casaria com ele, sem se fosse a minha última e única opção.
- Você me perdoa? – ela me perguntou, com a voz embargada.
- Só se você me perdoar também. – respondi, sem confiar na minha própria voz também. Ela me puxou em um abraço e ficamos juntas por longos minutos. E eu me senti como se fosse uma menininha novamente e o abraço da minha mãe fosse o lugar mais seguro do mundo. Talvez ele pudesse voltar a ser.



Vigésimo Oitavo

I'm not, not sure, not too sure how it feels
To handle every day
And I miss you, love

(Silverchair – Miss You Love)
Caso queira, coloque essa música para tocar quando aparecer a letra.


’s Pov

Eu estava parado na frente do aeroporto, ainda sem saber o que fazer. Já poderia estar na casa dos meus tios há uns bons minutos, mas eu continuava parado, com a garoa fina que caia molhando minhas roupas. Já estava tarde, muito mais de meia noite, mas eu continuava sentado em uma das malas, encarando a rua à minha frente. Cogitei pegar um táxi, mas não queria encarar um desconhecido agora. Pensei em ligar para o meu tio, mas eu não tinha contado que estava voltando. Tinha sido tudo tão rápido, que não havia dado tempo e eu também não queria falar sobre isso pelo telefone. Respirei fundo, buscando um número pela lista de contatos.
Cerca de meia hora depois chegou. Ele não perguntou muita coisa, na verdade, ele não perguntou nada. Quando viu toda a bagagem, ele deve ter entendido o que aconteceu. Ainda em silêncio, ele me ajudou a colocar as malas no carro e depois andou até o lado do motorista, sentando e me encarando, como se quisesse que eu dissesse algo. Eu o encarei por alguns segundos, antes de suspirar e finalmente dizer:
- Acabou tudo.
- Você quer conversar sobre isso? - ele perguntou, com o carro ainda parado. Ponderei por alguns instantes e cheguei à conclusão que era tanta coisa pra falar, que não daria tempo de contar tudo até chegar à casa dos meus tios.
- Não, a gente conversa outro dia. - respondi, dando de ombros. afirmou com a cabeça, ligando o carro e seguindo em frente.
Nós andávamos em silêncio, só com os barulhos dos pingos de chuva batendo contra o vidro do carro. não me forçou a dizer nada, estava respeitando o meu espaço e esperando que eu me sentisse confortável para dizer qualquer coisa. Eu não queria dizer nada, mas queria fazer só uma pergunta.

- . – falei, quebrando o silêncio – Se você tivesse que largar tudo para seguir a para qualquer outro lugar do mundo, você largaria?
- Como assim? – perguntou, me olhando pelo canto dos olhos. Cocei a testa, sem saber direito como explicar.
- Digamos que ela tenha que se mudar pra outro país, você largaria sua família, seu emprego, enfim, tudo... E a seguiria, mesmo sem ter nenhum plano pra você nesse outro lugar? – ele parou o carro no acostamento e virou o corpo na minha direção, analisando o meu rosto.
- Cara, eu amo a e eu a seguiria para qualquer lugar do mundo. Eu amo a minha família, amo meus pais, mas até eles sabem que eu não fui feito para ficar amarrado a eles para o restante da minha vida. Em algum momento eu terei que ir, pode ser para a rua do lado, um bairro ou cidade vizinha ou até mesmo outro país. E quanto ao emprego... Não sei, acho que é a parte que menos me preocupa. Não sou o tipo de pessoa que me prendo por isso, eu penso muito mais na questão pessoal do que na profissional. Mas será que eu posso perguntar o porquê de você estar me perguntando isso, enquanto te levo de volta pra casa dos seus tios, junto com todas as suas coisas ou posso chegar a todas as conclusões sozinho?
- Eu vou te dizer o que aconteceu. – falei, respirando fundo e de forma bem longa. – Nós brigamos porque eu pedi que a largasse tudo pra ir embora comigo. – ele me olhou de forma confusa, com a testa franzida e os lábios repuxados para um único lado.
- Mas, , você não se mudou para a Dinamarca justamente porque ela precisava voltar para assumir o trono? Por que você sequer cogitou que ela iria embora com você?
- Eu... – parei, sem conseguir em falar, passando as mãos pelo rosto. – Eu achei, de verdade, que ela deveria estar, pelo menos, disposta e aberta a escolhas como essas a nosso respeito. Porque se eu pude largar tudo para segui-la, por que ela não podia também?
- Ela pediu pra você ir para a Dinamarca? Ela te pediu em casamento? – ele perguntou, sabendo que eu não poderia responder seus questionamentos seguindo a meu próprio ponto de vista. – A não pediu que você fizesse nada disso, não pediu que você deixasse tudo para trás e a seguisse. Mas você pediu. E mesmo que ela tenha pedido, você parou para colocar na balança o peso das suas escolhas e o peso das escolhas dela? Sei que você, provavelmente, não quer ouvir nada disso agora, mas eu não sei e não posso passar a mão na sua cabeça, . Você errou e errou feio. – me mantive em silêncio, olhando para o lado oposto em que ele estava, encarando o asfalto molhado. Continuei em silêncio por longos minutos, até que percebeu que eu não iria falar mais nada. E não falaria mesmo. Porque a última coisa que eu precisava naquele momento era um sermão.
me deixou na casa dos meus tios sem falar mais nada, apenas me ajudou a tirar as coisas do carro, deixando perto do meu antigo quarto. Tentei abrir a porta, mas vi que estava trancada. Procurei a chave pelos bolsos, mas lembrei que tinha deixado com o meu tio antes de embarcar. Bufei, descendo as escadas e indo até os fundos do bar. Estava tudo escuro lá dentro, então bati algumas vezes na porta. Pelo vidro meio embaçado, vi as luzes sendo acendidas aos poucos, ate chegar na cozinha. E depois Carlie estava próxima à porta, com uma expressão confusa. Me reconhecendo, ela abriu a porta rapidamente.
- , o que você tá fazendo aqui? – perguntou, fechando o casaco ao redor do corpo.
- Estou de volta. – falei simplesmente, dando de ombros. Ela analisou o meu rosto por alguns segundos e em seguida falou:
- Vou chamar o seu tio.

Estávamos os três sentados na sala no andar em cima do bar, meu tio me encarava pelo canto dos olhos, enquanto eu explicava rapidamente o que tinha acontecido. Carlie parecia a ponto de chorar, com uma das mãos junto ao rosto e os lábios retorcidos numa careta triste. Ela fez alguns comentários sobre como tudo isso era extremamente chato, sobre como nós dois deveríamos ter resolvido isso sem ter chegado a esse ponto e sobre como ela estava triste com toda essa situação. Mas meu tio ainda estava calado. O que eu estranhei. Olhei em sua direção e fiquei em silêncio também, esperando que ele pudesse me dizer algo, mas ele ainda continuou quieto.

- Você não tem nada pra dizer, tio? – perguntei, já desesperado por sua falta de palavras. Eu já estava acostumado com as opiniões dele a respeito de tudo em minha vida, então eu sempre levava muito a sério.
- Eu acho que você está errado, . Você não deveria ter agido da maneira que agiu e muito menos falado as coisas que falou. Nós não te educamos assim, muito menos os seus pais. – seu tom era sério e duro. Ele falava comigo como se eu tivesse 10 anos novamente e aprontado na escola.
- Eu não acho que eu esteja errado, não completamente... – respondi, vendo seu olhar se firmar no meu. Já era a segunda pessoa que se “voltava contra mim” e que eu não esperava que tivesse essa reação: primeiro o e agora o meu tio – Se eu pude deixar tudo para trás, por que ela não poderia fazer o mesmo?
- Porque pra ela é diferente e acredito que, de todas as pessoas no mundo, ela achou que você a entenderia e a ajudaria. E o que você fez na primeira dificuldade? Você desistiu. De que adiantou deixar tudo, essa casa, sua família, seus amigos, seu trabalho, pra trás, se na primeira dificuldade tudo acabou?
- Foi ela que acabou tudo. – falei baixo, tentando não demonstrar que estava ficando chateado com suas palavras.
- E você fez algo para mudar isso? Ou simplesmente aceitou calado? Porque, pelo o que parece, você não estava muito satisfeito de estar lá. Será que essa não foi a saída perfeita pra você ainda ter a chance de falar que foi ela que terminou tudo e sair sem culpa da história?
- Tio, eu a amo. A amo mais do que qualquer coisa nesse mundo...
- Se você a amasse, – ele me cortou, sem deixar que eu completasse minha frase - Você ainda estaria lá parado na porta dela, esperando que ela o desculpasse, ainda que demorasse um, dois, sete ou dez dias. – ele se levantou, fazendo um esforço e empurrando o corpo pra cima. – Eu ainda estaria lá, você sabe disso.
Ele deu as costas e caminhou de volta para o quarto. Carlie me encarou brevemente, mordendo o lábio inferior. Senti um aperto em meu peito e um nó se formando em minha garganta. Eu, provavelmente, tinha feito a coisa mais idiota da minha vida e não tinha mais como consertar. Senti meus olhos se encherem de lágrimas e passei a mão por eles rapidamente. Carlie se levantou e sentou ao meu lado, passando o braço pelos meus ombros e me puxando para mais perto.
- Vai ficar tudo bem, . Tudo vai se acertar. – ela murmurou, tentando fazer com que eu me sentisse melhor. Mas eu não ia ficar melhor e não iria ficar tudo bem.

Era estranho estar de volta ao meu antigo quarto. Não porque eu tinha me acostumado com o luxo ou coisa assim, mas sim porque ela não estava mais por perto. É incrível como nos acostumamos rápido com as coisas boas da vida. Ninguém se acostuma a acordar cedo com facilidade ou encarar um trânsito pesado pela manhã. Mas ver o rosto de , encarar aquele sorriso, sendo ele a primeira coisa que eu via no dia, foi muito fácil. Agora eu não tinha a mais, nem nada disso. Era difícil pensar ou aceitar como tudo isso aconteceu, tudo parecia bem entre nós. Era certo que eu não estava totalmente a vontade na Dinamarca, mas eu estava com ela e isso bastava. Qualquer outro problema perdia a importância. Bem, pelo menos deveria ser assim.
Eu posso ter exagerado, ter perdido a razão naquela noite, mas será que foi pra tanto, terminar tudo por uma briga? Nunca tínhamos brigado antes. Poderíamos ter conversado e deixado isso de lado, ter encontrado uma solução menos drástica. Afinal, eu tinha deixado tudo pra trás por ela. Não era tão absurdo pedir que ela deixasse ao menos uma coisa de lado por mim. Ou era? Por que as coisas dela deveriam ser mais importantes que as minhas? Porque, no fim das contas, eu tinha feito tudo por nada. Tinha deixado minha família, minha casa e meu bom emprego pra nada. Porque agora eu estou aqui, sem emprego e sem ela. Sem nada.
Apenas queria que ela demonstrasse que poderia fazer o mesmo porque, mostrar que era capaz de abdicar de tudo pra ficar comigo caso fosse necessário. Eu fiz isso, deixei minha vida de lado e a segui sem questionar nada, levando em conta apenas o que sentíamos um pelo outro. Acreditei que isso iria bastar. Mas depois vi o que minha vida acabaria sendo: sorrisos falsos para pessoas falsas, uma aparição aqui, um evento oficial ali. E eu seria reduzido o acompanhante dela pelo resto da minha vida. Eu tinha batalhado muito, estudado muito, não queria que nada fosse em vão. E mesmo que parte fosse, queria que ela se mostrasse capaz de abdicar de alguma coisa, qualquer coisa, porque, da forma que estávamos, apenas eu estava me separando do que era importante pra mim. Tudo isso por causa dela e sem receber o mesmo tratamento de volta.
Me peguei pensando, caso nós não tivéssemos essa conversa na noite passada e se tudo seguisse "normalmente", até que ponto eu conseguiria levar a situação do jeito que estava. Porque estava difícil, mesmo focando toda minha atenção nela, pensando apenas nos momentos que teria com ela, quando saía e eu me via sozinho naquela casa, eu conseguia ver como seria todo o meu futuro. E ele não era feliz, por mais que eu estivesse ao lado da mulher que eu amava. Não tínhamos a aprovação da mãe dela e eu tinha que conviver com ela me olhando de forma superior, como se quisesse deixar claro que eu não pertencia àquele lugar. E por mais duro que fosse admitir, eu não pertencia mesmo.

Duas semanas depois

Batia com os pés no chão, meio num ritmo, meio descompassado. Tudo para tentar fazer o tempo passar. Eu já estava sentado na sala de espera há quase duas horas e ainda não tinha aparecido ninguém para falar da entrevista. Por mais que essas coisas costumem demorar mesmo, mas não tanto quanto dessa vez. Já tinha sido difícil conseguir marcar a entrevista, agora parecia ainda mais difícil fazer a entrevista em si. tinha me conseguido essa chance há uns cinco dias e desde então eu estava entrando em contato diariamente para tentar agendar um horário com o advogado responsável, mas ele nunca estava disponível. Eu me ajeitava na cadeira todas as vezes que alguém aparecia no corredor, mas todos sempre passavam direto.
Até que a mesma moça que me atendeu na recepção quando cheguei, apareceu no corredor e caminhou em minha direção, com um sorriso amarelo nos lábios. Levantei antes mesmo que ela falasse qualquer coisa, o que fez com que ela torcesse o canto da boca.
- Sr. , peço desculpas, mas o Sr. Walsh não poderá recebê-lo. – ela disse simplesmente, como se eu não tivesse ficado longos e longos minutos sentado a espera dele.
- Aconteceu alguma coisa? Nós podemos remarcar. – tentei argumentar, mas ela logo cortou.
- Não, ele não irá recebê-lo.
- Aconteceu alguma coisa? – perguntei baixo, querendo que ela me explicasse a mudança repentina de ideia. Ela olhou para os lados, como se verificasse se tinha alguém por perto, antes de dizer:
- Ele recebeu uma ligação do seu antigo chefe. – bastou isso para que tudo fizesse sentido. Era por isso que eu não conseguia nenhum retorno, por isso que ninguém nem mesmo retornava meus emails de candidatura. Markson tinha falado mal de mim por todos os escritórios da cidade, conforme ele tinha prometido. Suspirei, apertando os olhos com força. Agradeci a secretária, peguei minha pasta e segui na direção dos elevadores. Já de dentro de um, mandei uma mensagem simples para o , dizendo apenas: “Markson me queimou na cidade toda.”
O elevador chegou ao térreo e logo eu já estava na rua. E antes mesmo que eu pudesse me dar conta de onde estava, já tinha um fotógrafo em meu encalço, tirando milhões e fotos minhas. Esse mesmo cara estava me seguindo desde quando eu voltei para Londres. E como eu não sabia como estava lidando com tudo por lá, eu estava tentando evitar tudo por aqui. Ele estava atrás de mim, então veio correndo até me ultrapassar. Carregando sua câmera pesada, ele tentou falar algumas coisas para chamar minha atenção.
- Procurando emprego? Então voltou mesmo de vez para casa? O noivado acabou? – ele me enchia de perguntas e eu continuava a ignorá-lo. – Acredito que tenha acabado mesmo, porque a sua ex-noiva – ele frisou a palavra – Já continua com o casamento marcado, porém com outro noivo.
Parei onde estava e olhei na direção dele pela primeira vez. Ele estava segurando um jornal pra mim, onde na capa trazia a seguinte manchete: “PLANO B OU PLANO S?: A princesa buscou seu novo noiva em sua própria guarda real.” Puxei o papel de sua mão, lendo rapidamente. Fiquei desnorteado, encarando as folhas em papel a minha frente, sem saber o que faria a seguir. Ela iria casar? Mas assim tão rápido? Independente de com quem fosse, de como fosse, ainda era um casamento.
Estiquei o jornal para que o fotógrafo pegasse de volta, mas ele disse que eu podia levar, já que eu parecia nem saber da novidade. Mas eu nem estava mais o ouvindo, parecia que minha mente havia entrado numa espécie de transe, eu estava completamente fora de sintonia, fora de área. Só conseguia pensar na , que ela iria se casar e que não seria comigo.

Eu tinha passado as últimas três semanas dividido entre quatro coisas: me esconder dos fotógrafos, tentar arrumar um emprego, ajudar meu tio no bar e encarar o telefone da no meu, sem ter coragem de ligar. O que eu falaria? “Oi, tudo bem?” ou “Eu queria me desculpar”. Tudo soava falso ou muito pouco para o que eu realmente sentia. Eu queria dizer que estava arrependido, que eu amava mais que qualquer coisa no mundo e que faria tudo para tê-la de volta, mas eu não achava justo. Da mesma forma que ela foi forte o bastante para terminar tudo porque não achava que eu estava confortável por lá, eu deveria ser forte para aceitar sua decisão, porque mais que achasse que eu poderia e queria mudar. Eu não podia ficar no seu caminho, me dar o luxo de atrapalhar qualquer coisa que fosse, como já tinha atrapalhado. E a notícia do casamento só mostra o quanto eu estava certo em relação a isso. Ela não parou a vida dela por mim e nem poderia.

(Coloque a música para tocar agora, caso queira.)

Should've kissed you there
Deveria ter te beijado
I should've held your face
Eu deveria ter segurado seu rosto
I should've watched those eyes
Eu deveria ter visto aqueles olhos
Instead of run in place
Em vez de correr para outro lugar


- Ela vai casar. – falei, entrando no bar e praticamente ignorando quem estivesse por lá – Ela vai casar. – minha voz falhou no final da frase. Meus tios estavam no salão encarando a televisão que estava ligada e revezavam seus olhares entre ela e eu. Virei o rosto e vi a foto de estampando a reportagem que estava passando no momento. Então eles já sabiam também. O mundo inteiro sabia. Deixei o jornal cair aos meus pés, junto com a pasta e respirei fundo, me segurando para não começar a chorar ali mesmo.
- , meu bem... – Carlie caminhou rapidamente até parar em minha frente e me abraçar. Assim que seus braços circularam o meu corpo, eu não consegui mais segurar e comecei a chorar, como não chorava em anos. Talvez aquele momento fosse um marco, como se eu tivesse realmente entendido que eu tinha a perdido pra sempre. – Isso, coloca tudo pra fora, não faz bem deixar tudo sufocado. – minha tia disse, passando a mão pelos meus cabelos, como se eu tivesse oito anos de idade. Devo ter chorado por longos minutos nos braços dela, bem no meio do bar, na frente de todos os clientes.

I should've called you out
Eu deveria ter te ligado
I should've said your name
Eu deveria ter dito o seu nome
I should've turned around
Eu deveria ter me virado
I should've looked again
Eu deveria ter olhado de novo


Quando me senti um pouco mais controlado, levantei a cabeça, provavelmente com os olhos bem vermelhos, e senti seus dedos macios e gelados tocando meus olhos e secando as lágrimas que ainda restavam por lá. – Vai pro seu quarto, vou pedir pro seu tio ir lá conversar com você. – Carlie disse e eu apenas afirmei com a cabeça, seguindo para os fundos.
Sentei na cama, deixando a cabeça cair nas mãos e comecei a chorar novamente. Eu sentia que talvez eu pudesse chorar por dias e aquilo que eu estava sentindo, não iria embora. Era uma sensação estranha, um aperto no peito, que doía, doía muito, de verdade. Doía tanto, que me deixava até sem ar. Ouvi a porta abrir e depois de alguns segundos o colchão afundar ao meu lado na cama. Meu tio se manteve em silêncio até que eu estivesse pronto para falar.

But oh, I'm staring at the mess I made
Mas oh, eu estou olhando para a bagunça que fiz
I 'm staring at the mess I made
Eu estou olhando para a bagunça que fiz
I 'm staring at the mess I made
Eu estou olhando para a bagunça que fiz
As you turn, you take your heart and walk away
Assim você vira, você pega seu coração e vai embora


- Eu sabia que ela tinha que se casar, mas não sabia ou não queria aceitar, sei lá, acreditar que isso iria realmente acontecer. É muito, muito difícil. – murmurei, baixo, virando rosto e encontrando seu olhar sereno em minha direção.
- , você fez uma escolha. Pode não ter sido a mais acertada, pode não ter sido no melhor momento, mas você fez. A colocou numa situação onde ela não tinha como não escolher seguir sem você e agora não há muito que fazer. Você precisar arcar com as consequências dos seus atos. Sei que posso estar soando muito duro nesse momento, mas eu não posso dizer que vai ficar tudo bem, se eu realmente não sei se vai ficar.
- Eu entendo. – respondi, passando a mão pelos olhos e respirando fundo, tentando me acalmar – Eu só queria não ficar com essa sensação horrível que eu joguei fora a coisa mais importante que eu tive na vida até agora.
- Mas eu acho que você vai ter que aprender a lidar com isso, porque aconteceu, não há nada o que possa fazer agora. Você agiu da forma que achou que deveria, seguiu o que o seu coração pediu no momento. O que você pode fazer agora é observar, de longe, como tudo vai se desdobrar. Não é como se ela estivesse casando por amor. Ela não ama o rapaz, ele é segurança dela. Tudo isso é, claramente, apenas para ela assumir o trono. Não significa que você a perdeu pra sempre, as coisas sempre podem mudar. – ele apoiou uma das mãos em minhas costas, dando leves tapinhas.

Should've held my ground
Deveria ter segurado meu chão
I could've been redeemed
Eu poderia ter sido resgatado
For every second chance
Por toda a segunda chance
That changed its mind on me
Que mudou de idéia sobre mim


- Eu sei que casamento era necessário, independente do noivo e como eu não estava mais lá, como tudo tinha acabado, ela arrumou outro para colocar em meu lugar e baseada em sua escolha, eu vejo o quanto está preocupada e focada em assumir seu lugar de direito. Ela nem se preocupou em procurar um noivo que realmente pudesse ser “um noivo” perante a sociedade. A família dela deve ter enlouquecido, pelo menos a mãe dela. Fico imaginando como deve ter sido a situação que a levou a pedir que se casasse com ela. Logo o namorado de uma de suas melhores amigas. Só de pensar e levar isso em consideração, eu vejo o quanto eu estava sendo egoísta em relação a tudo.
- Só de você conseguir ver tudo mais claramente agora, já mostra que isso não precisa ser, necessariamente, o fim. Espera a poeira abaixar, essa história de casamento passar e você vai até ela, tenta conversar. E se ela te amar do jeito que você a ama e que espera que ela ame de volta, não há como ela não te perdoar.
- Ela me ama, disso eu nunca tive dúvidas, mas eu a fiz escolher entre eu e milhões de pessoas. Milhões de pessoas que esperam que ela seja sua rainha desde que ela nasceu. Não sei de onde eu tirei a ideia que ela poderia deixar tudo isso por mim e apenas por mim.
- O fato é que se você realmente entende que não havia como ela escolher você, terá que engolir o orgulho e assumir a culpa de tudo. – eu virei o rosto, olhando em seus olhos por alguns segundos, balançando a cabeça como se estivesse negando algo.
- Mas eu já assumi. Pra mim, aqui dentro – apontei para o meu próprio coração – Eu já entendi que fui o culpado por tudo isso que está acontecendo. E não poder fazer nada para mudar, torna tudo ainda pior.

I should've spoken up
Eu deveria ter falado
I should've proudly claimed
Eu deveria ter orgulhosamente reinvidicado
That oh my head's to blame
Que minha cabeça está culpada
For all my heart's mistakes
Por todos erros do meu coração


- Não adianta ficar se culpando agora, . Já foi, passou. Não dá pra mudar o passado, mas você pode tentar mudar o futuro. É no futuro que você precisa focar sempre. Pensa que não pode ser agora, pode ser daqui a um ano, dois, cinco ou dez. Se você a ama, independente do tempo que demore, é em ficar com ela, encontrar uma forma disso se tornar possível, é nisso que você precisa pensar. Mas se tudo ficar se tornando difícil demais, lembre sempre dos seus pais. – ele disse, fazendo com que eu o olhasse mais uma vez. Paul estava com um sorriso singelo no canto dos lábios, quase saudoso. – Eles lutaram muito para fazer o relacionamento deles acontecer, seu pai abriu mão de muita coisa pelo amor da sua mãe. Talvez esse seja o destino dos homens dessa família. Talvez esse ainda seja o seu destino. Então lembre sempre do enorme amor que te trouxe ao mundo, caso você esqueça ou até mesmo duvide em algum momento se lutar por um amor, por mais difícil que pareça ser, valha a pena. Sempre vale a pena, ok? Agora eu preciso voltar lá pro bar, porque a Carlie tá sozinha, mas qualquer coisa você me chama. Eu sempre estarei aqui. – ele beijou o topo da minha cabeça e saiu pela porta, me deixando com os meus milhões de pensamentos.

But oh, I'm staring at the mess I made
Mas oh, eu estou olhando para a bagunça que fiz
I 'm staring at the mess I made
Eu estou olhando para a bagunça que fiz
I 'm staring at the mess I made
Eu estou olhando para a bagunça que fiz
As you turn, you take your heart and walk away
Assim você vira, você pega seu coração e vai embora


E então eu estava sozinho de novo, sozinho e sem saber o que fazer. Encarava meu quarto ainda repleto de caixas, porque não queria guardar tudo novamente e aceitar de vez que tinha acabado. Encarava cada canto daquele lugar que me fazia lembrar dela. Encarava a cama e automaticamente recordava cada uma das vezes que nos amamos nela. Era muita coisa para tentar esquecer e sem querer realmente esquecer. Porque eu não queria aceitar que agora fazia parte do meu passado, não era uma opção. Ela deveria fazer parte e ser todo o meu futuro. Queria construir uma vida com ela, mas agora, infelizmente, por minha culpa, unicamente minha culpa, isso provavelmente não acontecerá mais. E sim, eu terei que lidar com tudo: com todas as lembranças, toda a tristeza, toda culpa e, principalmente, toda a saudade.

And it's you, and it's you
E é você, é você
And it's you, and it's you
E é você, é você
And it's falling down, as you walk away
E tudo está caindo enquanto você vai embora
And it's on me now, as you go
E está tudo em mim, enquanto você se vai


Três semanas depois

Meu tio tinha pedido que eu fosse até o banco resolver uns problemas para ele. Resolvi ir assim que o movimento após o almoço passou, assim eu poderia fazer as coisas com calma. Conforme o tempo passou, estava mais fácil e tranquilo andar nas ruas, as pessoas pareciam estar se esquecendo de mim, o que era bom, porque eu já estava constrangido com as perguntas insistente dos jornalistas após o anúncio do casamento da . Todos querendo saber se ela estava me traindo com ele, se foi por isso que terminamos. Fiquei muito revoltado quando me perguntaram isso, porque mostra como pensam logo o pior das pessoas, principalmente quando ocupam um lugar de poder. Seria ótimo para eles poderem vender a notícia que a princesa herdeira da Dinamarca traiu seu noivo e agora vai casar com seu amante. Era apenas nojento e me fazia lembrar porque todo esse mundo era difícil pra mim. Então eu estava mais relaxado agora que me esqueceram, mas isso me fazia pensar em apenas uma coisa: será que ela também estava esquecendo de mim? Eu pedia todos os dias que isso não acontecesse, pedia para que ela ainda guardasse um espaço dentro do seu coração pra mim, porque o meu ainda era todo dela.
Mas de pensar no casamento, lembrei que ele seria no dia seguinte. Então fui atingido pela onda da tristeza novamente e só consegui pensar nela pelo restante da tarde. Toda vez que fechava os olhos, só conseguia enxergar vestida de noiva, caminhando até onde eu a esperava no altar, ela mantinha um sorriso enorme em seu rosto e seus olhos brilhavam mais que todas as estrelas do céu. E eu... Eu me sentia como o cara mais sortudo do mundo, só por ter a chance de estar ao lado dela e poder ouvir sua voz suave dizer “eu te amo.” Mas tão rápido que essa visão me tomava, ela sumia. Junto com toda a felicidade que ela me trazia. E eu só conseguia pensar nela dizendo sim para outro.

Voltei ao bar e assim que cheguei, encontrei meus tios com expressões surpresas me esperando perto da porta, eles pareciam nervosos. Caminhei rapidamente até eles, num misto de preocupação e curiosidade. Parei na frente deles, que se olharam rapidamente.
- O que foi? O que aconteceu? – perguntei, já ficando nervoso.
- Tem uma pessoa esperando por você no seu quarto. – Carlie falou, mas ela soava meio desconfiada.
- É ela, é a ? – não pude segurar a pergunta, já sentindo o coração acelerar.
- Não, meu bem, não é ele, infelizmente. É outra pessoa. Já faz tempo que ela está te esperando, então é melhor você ir logo. – meu tio completou.

Provavelmente devo ter feito uma careta confusa, mas segui até o quarto. Subi as escadas rapidamente e quando abri a porta, vi uma das últimas pessoas que esperava encontrar aqui na minha vida. Ela me olhou de forma suave, tinha até uma sombra de um sorriso em seus lábios e uma expressão serena. O que me deixou ainda mais confuso. Diante disso, eu só consegui dizer uma frase:
- O que senhora tá fazendo aqui?

/’s Pov



Vigésimo Nono

Please don't be in love with someone else
Please don't have somebody waiting on you

(Taylor Swift – Enchanted)
Caso queira, coloque essa música para tocar quando aparecer a letra.



Quando eu abri os olhos, não se senti como achei que devesse me sentir. Era o dia do meu casamento e eu estava aqui, lutando para levantar da cama e lidar com as escolhas que eu mesma havia feito. Não era como se eu tivesse muitas, mas acho que dentro das opções, eu escolhi a “menos pior”. A verdade é que eu queria sentir o coração acelerar, o estômago revirar de ansiedade, as mãos suarem e minhas pernas tremerem a ponto de eu não conseguir me manter de pé. Mas eu não sentia nada disso, era como se fosse um dia qualquer e não um dos dias mais importantes da minha vida. Um dia normal, que eu me levantaria, tomaria café e sairia para trabalhar com o meu pai. Só que hoje o trabalho seria um pouco diferente do normal. Eu não iria para o Parlamento, eu iria para a igreja. Eu não vestiria minhas roupas normais, usaria um enorme vestido branco e as jóias mais caras da coroa. Não enfrentaria apenas os membros do Parlamento, mas sim toda a cidade e uma igreja repleta de pessoas, onde muitas nem mesmo se importam comigo. E no fim das contas, nem seria o cara que eu amo me esperando no altar. Nada nesse dia, nesse casamento, faz sentido, mas não é como se eu pudesse me dar ao luxo de não casar. Eu tinha que, não sei, fechar os olhos ou agir como um robô e deixar que as coisas acontecessem. Que tudo passasse. Que tudo isso acabasse de uma vez.
Levantei da cama e fui até a janela, o dia estava lindo, o sol brilhava no alto do céu, a grama estava verde e reluzente, as flores mais coloridas que nunca, mas nem isso me animava. Caminhei até o closet, encarando o longo vestido de noiva que estava lá pendurado, como se fosse a coisa mais importante e frágil do mundo. Eu tinha escolhido com tanto carinho, tinha pensado em cada detalhe... E agora o casamento não significava nada. “Que seja divertido então, pelo menos.”, pensei. Mas já sabendo que não seria uma tarefa fácil, porque tudo, infinitamente tudo, me faria lembrar ele. estava presente em cada escolha, de cada detalhe, das flores até a música, das comidas a toalha da mesa. Eu tinha brigado tanto com ele, insistido tanto para que ele participasse mais das decisões do casamento, que ele participou ativamente, da forma que eu sempre desejei. E eu me sentia tão perto dele em meio aquilo tudo, que não consegui me desfazer ou mudar qualquer coisa. Era uma forma de ele participar do casamento afinal, mas não da forma que queríamos, com certeza.
Escutei baterem na porta e me assustei, caminhei lentamente até ela, abrindo-a um pouco e avistei Ellen com um sorrisinho de lado.

- Bom dia, flor do dia. – ela disse, claramente, tentando me animar.
- Bom dia, Ellen. – respondi, com a voz morta.
- Trouxe seu café, você precisa se alimentar, porque hoje o dia será muito longo. – ela enfatizou a palavra muito e eu fechei os olhos, fazendo uma expressão sofrida. Abri a porta e deixei que ela entrasse. Puxou um carrinho com mil coisas e parou perto de uma poltrona que tinha próxima a janela. Quando ela fez menção a começar a me servir, eu pus as mãos em cima das dela, fazendo com que ela parasse.
- O que você ta fazendo? Seu dia também vai ser longo, afinal você é a minha dama de honra, então deveria estar se preparando ou descansando.
- A diferença é que antes de ser dama de honra, eu sou uma empregada dessa casa, então... – ela deixou a frase morrer, colocando um pouco de suco no copo.
- Tudo bem, eu comerei. Mas só se você comer junto comigo. – ela me encarou com um olhar de reprovação, mas eu ignorei. – Só hoje, Ellen, e ninguém tá aqui pra ver. Eu realmente quero dividir esse momento com você.
- Tá bom. – ela disse, muito a contra gosto, e saiu do quarto, voltando alguns minutos depois, com outro copo, xícara e pratos. Sentamos as duas na varanda, aproveitando um pouco do sol que estava por lá. Eu fechava os olhos e deixava que aquele calorzinho me aquecesse, querendo desesperadamente que esse calor chegasse até o meu coração, que estava tão pesado, que parecia uma rocha.
Deus, como eu sentia falta dele. Era insano. Pensei que com o tempo a saudade diminuiria, mas parecia até mesmo aumentar. Não tinha um só dia que eu não pensasse no . Que eu não lembrasse do sorriso dele, dos seus olhos me encarando, dos toque macio dos seus lábios contra os meus. Eu estava a ponto de enlouquecer, mas nem isso eu podia. Tinha que me manter sã e nem era por mim, era por uma população inteira, pelo o que vinha a seguir. Eu tinha abandonado tudo pelo meu povo e não poderia falhar agora ou teria sido tudo em vão. Mas que era difícil era, muito difícil mesmo.
- O que foi? – Ellen perguntou, talvez percebendo a minha fisionomia triste.
- O de sempre: saudades dele. – dei de ombros, fazendo uma careta – Será que algum dia isso vai passar? – ela também fez uma careta em resposta, possivelmente significando que a resposta dela não seria boa – Será que ele ainda pensa em mim? - falei baixo, como se pra mim mesma, mas ela ouviu também.
- Claro que pensa, . Ninguém esquece um amor assim tão rápido, ainda mais como o de vocês. Eu aposto que ele está sofrendo tanto quanto você, talvez mais ainda.
- Eu espero que ele esteja sofrendo mesmo, porque não quero ser a única a estar nessa situação, enquanto ele está numa boa.
- Bem, e virão hoje, certo? Se você estiver muito curiosa, pode perguntar a eles. - Ellen deu de ombros, bebendo um pouco do suco.
- Não sei se eles virão, é o melhor amigo do , ele era o padrinho dele. Não sei até que ponto ele se importa comigo para vir até aqui hoje.
- Mas a é sua amiga, certo? Ela seria sua madrinha também, eu espero muito que ela apareça, ou então eu ficarei chateada. Você disponibilizou um avião para buscá-los, , que espécie de pessoas dispensam isso e uma festa dessas? É um casamento real, quando eles terão outra oportunidade?
- Ellen, primeiramente: o que você vai fazer se ficar chateada? Isso mesmo, nada. - falei, rolando os olhos – Segundo: eles são amigos do há anos, não há nem comparação o tipo de ligação que eles tem comigo e com ele. Não é o caso de escolha, mas se eles tivessem que escolher, eles escolheriam o , é simples. Eles se tornaram meus amigos porque eu era namorada dele, não porque criamos um laço afetivo fora disso. Enfim... Eu ficarei imensamente feliz se eles vierem, mas entenderei se não. Mas se eles aparecerem por aqui, pelo amor de Deus, não pergunte sobre o . Eu não quero e nem posso pensar nele hoje. Se eu pensar muito, vou desistir e fugir atrás dele em Londres.
- É uma opção... - Ellen murmurou e eu a encarei, sem dizer nada. Ela não deveria me encorajar, ainda mais sabendo do alto risco que eu era. Não sou confiável, nunca fui. Sempre vivi nos limites, nos extremos e se eu tivesse 0,0001% da coragem e irresponsabilidade da de anos atrás, a essa hora, eu já estava longe daqui, muito provavelmente nos braços do , se ele ainda me quisesse.
- Não me dê ideias ruins, Ellen. Que espécie de dama de honra é você? Querendo acabar com o casamento antes mesmo do início.
- Eu só quero te ver feliz. - ela disse, tocando minha mão por cima da mesa – Sei o quanto de dor você deve estar escondendo aí dentro e como isso deve ser difícil. Eu queria ser capaz de tirar isso de você, nem que fosse por um instante, nem que eu precisasse colocar dentro de mim. Você sabe que é verdade.
- Eu sei. – respondi, mordendo o lábio inferior pra não chorar, mas vendo que seria inevitável – Eu sei. – repeti, sentindo as lágrimas se acumularem nos meus olhos. E logo senti seus braços ao redor do meu corpo, me trazendo para um abraço bem apertado. Bem o que eu precisava. – Eu não posso ficar assim hoje, Ellen. Preciso me manter de pé, com um sorriso no rosto e disposição para enfrentar toda a multidão. E o , ele tá preparado? – ela se afastou por um instante e olhou para o meu rosto, fazendo uma cara nada boa.
- Acho que se deu conta do que vai acontecer só hoje, quando foram levar a roupa dele. Ele entrou em pânico, . O homem ficou completamente fora de si. – apoiei a cabeça nas mãos, respirando fundo.
- Ellen, por favor, diz que eu vou fazer o possível para tudo ser o mais simples pra ele, o mínimo de problemas, de aparições de qualquer coisa. Só Deus sabe como ele tá salvando a minha vida nesse momento. Ah, e diga também que levarei vocês em lua de mel para onde quiserem, basta vocês escolherem.
- Deixa de brincadeira. – ela disse, rolando os olhos.
- Eu tô falando sério. Ilhas Gregas, San Marino, Tailândia, Fiji, ou seja lá onde vocês já tenham conversado sobre irem juntos. Eu vou levar vocês assim que essa loucura de casamento e coroação passarem. É o mínimo que eu posso fazer depois de roubar seu namorado.
- Com o meu consentimento... – falou, com um sorrisinho no canto dos lábios.
- Era o mínimo, né?
- Ok, são quase dez horas, dez e meia o esquadrão da beleza chegará e eu não vou ficar te prendendo. Fora que eu preciso acalmar o noivo também. Vou contar da nossa volta ao mundo bancada pela futura rainha pra ver se ele se anima. – Ellen sorriu de lado – Fica bem, não surta e não pensa nele, pensa nos motivos de você estar fazendo isso tudo. Talvez isso traga um pouco e paz ao seu coração. – ela beijou o topo da minha cabeça e saiu pela porta, dizendo que já viriam recolher as coisas do café. Eu continuei sentada na varanda, olhando a movimentação do jardim e tentando entender o que eu faria a seguir com a minha vida, porque, seguindo minhas escolhas, eu tinha decidido ser uma rainha e só. Era como se não tivesse espaço para nenhuma felicidade ou realização pessoal, seria tudo pelo e para o povo. Era uma escolha muito nobre, mas eu não tinha certeza se estava preparada. Pelo menos não com a certeza que deveria ter.
Levantei e caminhei até a minha mesa, pegando a minha foto com o , que eu mantinha escondida entre as outras coisas, e fiquei encarando aquele pedaço de papel por longos minutos, sentindo o meu coração doer de saudade. Eu precisava muito vê-lo, nem que fosse uma última vez, nem que fosse pra me despedir. Eu precisava dizer que eu o amava e que o amaria pelo restante da minha vida. Respirei fundo várias vezes, contei até dez, até cem e cogitei contar até mil, mas nada tirou uma ideia louca que surgiu na minha cabeça. Eu precisava ver o , mesmo que fosse por cinco minutos e precisava ser agora. Um senso e uma necessidade de pensar em mim por um instante me dominaram e permitiram que eu pegasse apenas o necessário, vestisse um casaco longo por cima do pijama e saísse como louca pelos corredores do palácio, em direção à saída. Desci as escadas correndo, passei apressada pelos empregados, que caminhavam de um lado pra o outro, trabalhando nas coisas da festa de casamento e quando percebi, estava parada na porta do palácio, com as chaves de casa, do meu carro e o celular. E pensei claramente pela primeira vez nos últimos minutos: aonde, exatamente, eu estava cogitando ir naquele momento? Ainda mais de carro e de pijama. Encarei as bandeiras da Dinamarca que marcavam todo o caminho desde a entrada do palácio, passando pelo jardim interno, até chegar à porta. Uma decoração típica de todos os casamentos que temos aqui. Era como se esse fosse o momento se saudar e exaltar o país. O foco em si nem eram os noivos e sim a Dinamarca, que ganha mais um membro na família real e, no meu caso, uma futura monarca.
E, novamente, fui atingida pela realidade. Eram mais de dez da manhã e eu me casaria às quatro da tarde. Nem mesmo que eu quisesse muito conseguiria chegar a Londres, encontrar com o e voltar a tempo de me preparar para o casamento. Essa ideia toda de despedida parecia possível e real na minha mente fantasiosa e repleta de saudade. Mas na realidade ela era apenas insanidade. Uma vontade incontrolável que eu teria que aprender a controlar. Controlar, viver e aceitar. Porque mesmo com o tempo passando, a saudade não abrandava, muito pelo contrário, ela apenas aumentava. E então, ciente de que eu estava presa às minhas escolhas responsáveis e refém de um sentimento que aumentava, mesmo com a distância, eu me sentei nos degraus e esperei que alguém sentisse minha falta. Eu sabia que não demoraria, ainda mais hoje. E não demorou mesmo, fiquei apenas mais cinco minutos encarando as bandeirinhas e digerindo meu próprio futuro, antes que aparecesse algum correndo e enlouquecido, falando rapidamente no comunicador: “eu a encontrei.” Ri sem humor da piada sem graça que pensei, porque ultimamente, nem eu mesma estava me encontrando.

Sentei na cadeira de salão de beleza que tinham providenciado em um dos quartos do palácio. Fechei os olhos, encostei a cabeça no encosto e tentei relaxar, mesmo sabendo que era impossível. Todos os músculos do meu corpo estavam rígidos, como se estivesse reagindo a alguma coisa ruim que estava acontecendo. Mas a única coisa ruim que estava acontecendo comigo no momento se chamava vida e eu não podia evitá-la. Então voltei a minha contagem interna, tentando chegar ao menos até o cinco sem minha mente ser tomada pelo novamente, mas na décima quinta vez eu desisti, porque aceitei que seria impossível não pensar nele hoje, ainda mais nessa situação.
Conforme as camadas e mais camadas de maquiagem eram colocadas no meu rosto, eu comecei a fazer uma analogia muito louca. Talvez eu estivesse ficando louca ou, ao menos, num surto momentâneo. Eu sentia como se tudo aquilo não passasse de uma máscara e que ela poderia, facilmente, cobrir toda a tristeza que estava sentindo por dentro. Porque, já que eu tinha decidido por algo, deveria me manter fiel àquela escolha. Não podia vacilar, nunca mais. Os tempos de princesa inconsequente ficariam no passado e daquele momento em diante, eu seria uma mulher casada, eu seria uma rainha e aguentaria todo o peso de um país em minhas costas. É claro que para isso eu precisaria de uma armadura, mesmo que a armadura fosse composta de corretivo, base, pó, rímel e batom. Era uma camuflagem, era a minha pintura de guerra.
Pediram que eu me sentasse direito, para que pudessem fazer meu cabelo. Puxavam daqui, trançavam de lá. Eu me sentia como uma boneca, facilmente manipulável. Ajeitaram e encaixaram o véu e colocaram a minha tiara de princesa no lugar. E no mesmo instante eu senti seu peso, tanto o literal, quanto o metafórico. Respirei fundo e tentei me acostumar com ele de novo, porque, em breve, o peso seria muito maior. Me entregaram os brincos e eu mesma os coloquei. Nem tinha reparado nas joias que escolheram, tinha sido coisa da minha mãe e eu confiava no gosto dela. Já eram quase três horas da tarde e eu estava quase pronta, só faltava colocar o vestido.
Ouvimos batidas na porta e lá estava Ellen, em seu vestido azul de dama de honra. Ela estava tão linda, tão chique. Sorri verdadeiramente quando reparei em sua expressão envergonhada. Ela caminhou até onde eu estava, dizendo que estava tudo certo com o , que ele já estava pronto e que já estava a caminho da igreja. Então era bem real, porque estava acontecendo mesmo. Respirei fundo e segurei sua mão. Ela apertou a minha levemente, como se quisesse me acalmar, mas acho que agora tudo seria em vão. E então ouvimos outras batidas na porta, estranhei, porque não estava esperando ninguém. Então minha mãe apareceu na porta, com um sorriso singelo nos lábios. Ela também já estava pronta, usava um vestido nude, com recorte reto e alguns brilhos, nada muito extravagante. Ela sua própria tiara e seu conjunto favorito de joias da coroa. Ela estava linda. E com a voz serena ela disse:
- Gostaria de falar com a minha filha a sós por um instante. – todos se levantaram e caminharam para fora do quarto no mesmo momento.
- Como estou? – perguntei, arqueando as sobrancelhas e ela sorriu abertamente.
- Parecendo um anjo de tão linda. – caminhou em minha direção, colocando uma cadeira ao meu lado – Eu queria muito que esse dia fosse feliz pra você, que fosse um dos dias mais importantes da sua vida, queria de verdade. Por mais que eu tenha feito e agido de forma que não demonstrasse isso no passado, mas quero que você seja feliz, minha filha. – ela tocou o meu rosto de forma suave – Quero que você seja feliz da forma que for possível de acordo com as suas escolhas. Mas não foi pra isso que eu vim até aqui. – minha mãe pegou uma caixinha de veludo branca e abriu, me mostrando um colar. Ele era totalmente cravejado de pequenos diamantes e safiras, formando uma fina trama colorida. Ela se levantou e colocou o colar em meu pescoço – Esse colar pertencia a sua avó, mãe do seu pai, que ganhou da mãe dela no dia do casamento, que ganhou da mãe dela no dia do casamento, que ganhou da mãe dela no dia do casamento. Bem, eu acho que você entendeu. Ela é uma joia de família e é passada de geração em geração entre as mulheres, no dia de seu casamento. É a nossa coisa antiga e azul, para dar sorte. Eu fui a primeira de fora da família a receber a joia, porque sua avó só teve filhos homens, então ela passou para a primeira nora, e fiquei imaginando o dia em que eu te daria. E bem, ele chegou. – ela tocou os olhos, como se estivesse chorando e eu já estava quase também. Tanto trabalho para fazerem a maquiagem e eu estragaria em poucos minutos – Eu só quero desejar que você seja tão feliz quanto for possível. Que as suas escolhas tenham sido as corretas e que, mesmo que não tenham, que haja uma forma de consertá-las no futuro, porque todo mundo merece ser feliz, querida. E você mais ainda. Você nasceu para ser feliz, não esqueça disso. E, além de tudo, quero te pedir perdão. Não vou listar motivos ou nós vamos nos atrasar para a cerimônia, mas do fundo do meu coração, eu espero que um dia você possa me perdoar por tudo o que eu te fiz. Mesmo achando que era o correto, eu nunca deveria ter colocado as minhas vontades acima das suas.
- Mãe... – não consegui continuar a frase, só a puxei para um abraço bem forte. Iguais àqueles que trocávamos quando eu era criança e a nossa relação ainda não tinha virado uma zona de guerra.
- Eu tenho outro presente pra você, mas só posso te dar depois, tudo bem? – ela perguntou, sorrindo de lado.
- Tudo bem, né. Mas agora ficarei curiosa. – comentei, brincando.
- Falta pouco agora, acho que você deve terminar de se arrumar. Posso te ajudar? – perguntou e eu assenti com a cabeça. Se levantando, caminhou até o closet, indo até onde estava o vestido e o trouxe para mim. Ela me ajudou a vesti-lo, arrumando cada camada, cada parte com paciência e cuidado. Eu a ouvi suspirar em alguns momentos e me perguntava se ela estava chorando, mas achei melhor não falar nada.
- Quer que eu chame o pessoal novamente, eles podem me ajudar a terminar de colocar o vestido. – falei e ela balançou a cabeça, negando.
- Eu quero ajudar a minha filha a se arrumar para o seu casamento. – disse, continuando a abotoar a sequencia interminável de botões das costas do vestido. Terminando, ela arrumou a calda e ajeitou o véu, para que ele ficasse completamente esticado. E então caminhou, ficando na minha frente. Seus olhos de encheram de água automaticamente e um sorriso largo surgiu em seu rosto. – Você está mais do que linda, não tenho nem palavras. – caminhei até o espelho longo que tinha numa parede e me encarei vestida de noiva. A vestido era um modelo clássico, tinha um recorte tomara de caia e uma camada de tule bordado seguia da cintura, subia até próximo ao pescoço e depois seguia para os braços, formando as mangas que desciam até a metade do braço. A saia era volumosa na dose certa, não era exagerado e nem deixava de parecer um vestido de noiva. A mesma camada de tule bordado descia até os pés, mas dessa vez havia aplicações de rendada e muito mais brilho. Nas costas uma longa sequência de botões perolados seguiam de abaixo da cintura, até perto do pescoço. E calda se estendia por uns dois metros atrás de mim, comparado com outros vestidos de noiva que vi, ele poderia até mesmo ser considerado simples. Era um vestido maravilhoso e eu me lembro de me sentir absurdamente lindas na primeira vez que o vesti. Mas agora era diferente, parecia faltar alguma coisa.
À primeira vista, o sentimento foi de estranheza, como se aquele reflexo não fosse meu. Então levantei uma das mãos e vi a outra mulher levantar também. Toquei o meu rosto e ela repetiu o gesto. Parecia até bobagem, mas eu realmente não estava me encontrando dentro daquele corpo. Lembrei da minha máscara, da minha pintura de guerra e tentei me enxergar através de tudo aquilo. Tentei encontrar alguém feliz com o que estava acontecendo, com todo o clima do casamento, mas só enxergava uma pessoa triste. Mas não queria demonstrar isso pra ninguém e nem contagiar as pessoas com a minha tristeza, então forcei um sorriso e virei novamente para a minha mãe, que me olhou, sorrindo de volta. Talvez a questão hoje fosse fazer os outros felizes.

(Coloque a música para tocar agora, caso queira.)

Desci as escadas e encontrei todos os empregados reunidos. Todos me olhavam com expressões emocionadas e alguns até choravam. Sorri e agradeci a cada um deles por todo o empenho e por tudo o que fizeram por mim. Meu pai estava usando seu traje de gala e sua coroa, e sorriu para mim, enquanto me oferecia a mão para que eu segurasse.
- Você está uma verdadeira princesa, minha querida. - disse, beijando uma de minhas mãos.
Caminhamos até o lado de fora, onde sentamos num carro aberto para o cortejo. Passaríamos por diversas ruas da capital antes de chegar a igreja, para saudar a população, que, provavelmente, estaria ocupando grande parte do caminho. Meus pais ocuparam cada lado do carro e eu me sentei no meio. Ambos seguravam minhas mãos até sairmos do palácio, como se soubessem o quão difícil tudo aquilo estava sendo pra mim.
As ruas estavam absurdamente cheias, pessoas para todos os lados, milhares de bandeirinhas da Dinamarca tremulavam na multidão e também estavam penduradas nas casas e nas lojas, enfim, em todos os lugares. As pessoas nos saudavam, cantavam o hino, gritavam palavras de incentivo e sorriam, todos estavam sorrindo. Todo mundo parecia muito feliz. O que era muito bom e demonstrava que mesmo com toda a confusão dos noivos, o meu casamento não passou a ser mal visto pela população.
Depois de cerca de vinte minutos, chegamos à igreja. O carro parou bem na porta, onde tinham mais de uma centena de fotógrafos. Respirei fundo muitas e muitas vezes antes de me mover. Meu pai foi o primeiro a sair, ajudou a minha mãe a descer e depois estendeu a mão em minha direção novamente. Ellen estava no outro carro, ela saiu e veio me ajudar a arrumar o vestido. Ela puxou a calda e ajeitou o véu, passando ao meu lado e me entregando o buquê de flores brancas.
- Boa sorte. – ela sussurrou e voltou para o seu lugar atrás de mim.
Meu pai se aproximou lentamente, colocando suas mãos em meus ombros e olhando fundo em meus ombros. Ficamos assim nos encarando por alguns segundos, até que ele depositou um beijo em minha bochecha e disse em meu ouvido:
- Estamos orgulhosos de você.
Minha mãe parou ao nosso lado e beijou minha outra bochecha, falando também:
- Vai dar tudo certo.
Meus pais se colocaram à minha frente e estávamos prontos para entrar. Ou quase.
A porta estava fechada e eu senti a minha respiração se tornar pesada conforme ela se abria. O coração se acelerou e eu senti como se não fosse conseguir mover minhas pernas. Apertei os olhos e pensei comigo mesma: “diante de todas as escolhas que já tive que fazer na vida, talvez essa seja a mais fácil.” E com esse pensamento em mente, vi meus pais começarem a andar e logo eu estava em movimento também.
A igreja estava totalmente repleta de flores e gente. Muira gente. Muitas pessoas eu jurava que nunca tinha visto e outras cujos rostos estavam presentes em diversas fases da minha vida. E eu não conseguia encará-los, parecia que se eu os olhasse nos olhos, acabaria os colocando dentro de toda essa mentira que estava sendo encenada no momento. Então virei meu rosto para baixo e passei a encarar o chão, assim seria bem mais fácil. Porque cada passo que eu dava, parecia que exigia de mim um esforço enorme. Eu não estava conseguindo me mover, minhas pernas estavam pesadas, minha cabeça confusa e meu coração doía. Eu só conseguia pensar nele. A cada passo que eu dava, sentia como se eu estivesse me distanciando mais e mais do . Então cada movimento era, literalmente, uma pontada em meu coração. Eu queria chorar, queria sair correndo e falar que não teria casamento nenhum. Mas eu sabia que não podia. Então me mantinha presa naquele martírio, aguentando calada cada dor diferente que me atingia naquele momento. Forcei e fingi alguns sorrisos para não ficar estranho, mas mantinha meu olhar fixo ao chão.
Num determinado momento, meus olhos me traíram e vagaram brevemente pela igreja, reconhecendo um rosto ou outro. E mais lá para o fundo, longe do altar, eu avistei o . Minha cabeça deu um nó e eu parei no meio da igreja. O que o estava fazendo ali, por que ele não estava me esperando no altar? Fiquei olhando em sua direção até ele me olhar de volta. E quando o fez, ele sorriu abertamente. Eu continuei sem entender e olhei para trás, tentando falar com a Ellen, que parecia mais confusa do que eu. Ela dizia para eu continuar andando, mas eu queria saber o que estava acontecendo. E então eu virei para frente de novo. Meus pais já tinham chegado aos seus lugares e eu não tinha nada cobrindo minha visão e eu pude, finalmente, ver o que estava acontecendo. E eu não pude acreditar. Não era o que me esperava o altar, era outra pessoa. Era a minha pessoa.
Era o .
Ele estava lá.
Estava sorrindo pra mim.
Só podia ser uma miragem. Virei o corpo novamente, perguntando a Ellen se eu estava ficando louca. Pedi, desesperadamente para que ela me dissesse que eu estava vendo coisas, que eu estava com tanta saudade dele, que estava o enxergando em lugares aleatórios, mas ela também não conseguiu me responder. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e ela só conseguia sorrir. Olhei pro altar novamente e ainda estava lá. Seus olhos brilhando pra mim. Um sorriso largo em seus lábios. E uma de suas mãos estendidas em minha direção. E então eu cheguei à conclusão que estava louca. Completamente louca.
Continuei a caminhar lentamente, olhando atentamente para o rosto de cada pessoa que estava ali, buscando algum sinal que poderia ser uma alucinação. Mas logo enxerguei Paul e Carlie sentados próximos aos meus pais, e e juntos no altar, ao lado do e do outro lado, com uma expressão que beirava a felicidade extrema. E então eu travei novamente. Não era uma alucinação, eu não estava louca. Ele estava aqui. Ele tinha voltado para mim. Não sei como ou porquê. Nem ao mesmo sei se queria um motivo pra tudo isso. Porque o que importava era que ele estava aqui e tudo parecia fazer sentido novamente. Eu queria sorrir, queria chorar, queria correr, queria até mesmo gritar. Eu estava completamente fora de mim naquele momento.
Voltei a andar, mas agora mais rapidamente, como se eu precisasse chegar até ele, como se tivesse um imã me puxando. Eu precisava dele, desesperadamente. Cada passo que eu dava, cada centímetro que diminua a nossa distância, era como um peso saísse das minhas costas. E foi assim, um passo se cada vez, que eu cheguei ao altar e parei em sua frente. me olhava intensamente com aqueles olhos e eu mal conseguia respirar. Toquei seu rosto e uma lágrima rolou pelo meu, eu não consegui mais conter. Ele estava aqui. Ele estava mesmo aqui.
pegou minhas mãos, as beijou e colocou em seu peito, próximo ao seu coração. Eu senti seu toque, senti seu beijo e finalmente entendi que não estava louca, que não seria tão capaz de criar tudo aquilo apenas com a minha cabeça. Eu fechei os olhos, deixei que as batidas do seu coração me acalmassem. Ouvi o padre dizer alguma coisa, mas eu não tinha mais noção de nada ao meu redor. Eu só conseguia pensar numa única coisa: tinha voltado pra mim.



Trigésimo

You'll be the prince and I'll be the princess
It's a love story, baby, just say yes

(Taylor Swift – Love Story)


Eu não conseguia prestar atenção no que o padre dizia, eu só encarava , completamente confusa, feliz, em estado de choque. Eu queria sair dali com ele, queria abraçá-lo, queria beijá-lo, queria prendê-lo em meus braços e não soltar nunca mais. Era como se ele ainda fosse uma visão criada pela minha própria mente. Só que cada vez que ele levantava seus dedos e tocava meu rosto ou beijava a minha mão, eu entendia que não era mentira, que ele estava ali de verdade. O padre fazia a cerimônia em dinamarquês e em inglês, para que todos acompanhassem, já que tínhamos convidados que não falavam apenas a nossa língua agora. Olhei para trás, onde meus pais estavam sentados, eles tinham os dedos entrelaçados e sorriam em minha direção. Podia jurar que vi lágrimas nos olhos da minha mãe. Ao lado deles estavam Carlie e Paul, ele mantinha um braço ao redor da esposa, que secava as lágrimas com um lenço. Quando viu que eu olhava em sua direção, ela me lançou um beijo. Em seguida olhei para e Isabela, que estavam ao lado de . Eles estavam de mãos dadas e ela apoiava a cabeça no ombro do namorado, os dois pareciam muito felizes. Ao meu lado estavam e Ellen, ele sorria abertamente e ela parecia não conseguir conter as lágrimas. A felicidade parecia tão grande, tão abrangente ali, que eu acho que nenhuma pessoa não seria capaz de sentir. Era como se todos estivessem felizes por participar e compartilhar do momento mais especial e importante da minha vida, nossa vida, ainda mais agora, tendo a pessoa certa ao meu lado. segurou minha mão e continuou assim durante toda a cerimônia, às vezes eu o encarava pelo canto dos olhos e via que ele estava me olhando também. E toda vez que eu pegava seus olhos presos em mim, sentia como se meu coração não fosse aguentar. Ele batia acelerado, fora de compasso, como se quisesse sair do peito. Tudo isso por culpa da pessoa que estava parada ao meu lado. Porque era a única pessoa na face da Terra com a capacidade de fazer com que eu me sentisse dessa maneira. É algo louco, inexplicável. Nunca fui capaz de colocar em palavras e nesse momento parecia mais impossível ainda.
O padre pediu para que ficássemos frente a frente e perguntou se eu aceitava como meu esposo na alegria e na tristeza, saúde e na doença, até que a morte nos separasse. Olhei fundo nos olhos de e sorri, tentando dizer, de forma compreensível, que eu o aceitava. Aceitava por essa vida, na próxima e em qualquer outra que eu tivesse. Que eu o aceitava independente de sentimento ou estado de espírito, porque eu não precisava de muito para ser feliz, apenas olhar em seu rosto e ver aqueles olhos brilhando pra mim. E que eu torceria e rezaria todos os dias para que se houvesse algo após a morte, algo além dessa vida, e que estivesse por lá esperando por mim. Porque eu esperaria por ele a qualquer momento, em qualquer lugar, em qualquer vida. Mas como eu não conseguir exprimir nada disso em palavras, apenas acenei com a cabeça e murmurei um “sim” quase inaudível. O padre repetiu a pergunta a , que sorriu para mim e beijou minhas duas mãos antes de responder, firmemente, que sim. E depois, olhando em meus olhos, moveu seus lábios dizendo “eu te amo” apenas para que eu entendesse.
pegou o anel que era de sua mãe e, segurando minha mão, começou a desliza-lo pelo dedo e enquanto fazia isso, ele dizia, baixo o suficiente para que apenas eu ouvisse:
- Eu prometo te amar com o todo o meu coração e fazer com que você se sinta amada em cada segundo de nossas vidas.
Em seguida, eu peguei a aliança que havíamos escolhido tempos atrás, segurei sua mão na minha e deslizei o anel pelo seu dedo, confidenciando:
- Espero um dia ser capaz de lhe dizer o quanto eu te amo, porque aqui, agora, não existem palavras suficientes.
E então, como se fosse parte do meu próprio conto de fadas, uma cena de retirada diretamente dos meus sonhos, o padre nos declarou marido e mulher. se virou para mim, colocando uma das mãos em meu rosto e se aproximou lentamente. Seu nariz tocou o meu e antes que nossos lábios se encontrassem, senti sua respiração pesada bater em meu rosto. Levantei os olhos e encontrei os dele me encarando, sua expressão serena contrastava fortemente com a forma que seu coração batia, porque eu mesma conseguia sentir. E era até meio engraçado, porque até mesmo acelerado e fora do ritmo, eles batiam iguais. Como se compartilhassem as mesmas notas de uma sinfonia.
Sua boca se moldou a minha de forma suave e, de repente, não parecia mais que ele tinha ido embora. Não parecia que tínhamos passado essas últimas semanas separados. Era como nada tivesse mudado. Na verdade, talvez tivesse mudado, sim. Havia algo diferente em seu beijo, algo como saudade. Daquela que dói, que faz o coração ficar apertado a ponto de mal bater, que faz com que você pense na pessoa durante todo o tempo, mesmo que inconscientemente, que faz você ter certeza do que sente e reza, pede muito para que aquela dor passe, mesmo sabendo que não vai passar. Mas passou, porque ele estava aqui novamente. Ainda não sabia nem como ou por que, mas talvez não importe. As únicas coisas que pensava no momento eram seus lábios nos meus e que eu o tenho de volta e que dessa vez, eu esperava que fosse para sempre.

Assim que saímos da igreja, a rua em frente estava quase tomada. me ajudou a subir no carro aberto e começamos nosso passeio pelas ruas da cidade. Acenávamos para todos, sorríamos bastante, mas tudo ainda era muito confuso para todo mundo. As pessoas não sabiam sobre o , eu entrei na igreja para casar com uma pessoa e sai casada com outra. Era estranho, poderia causar um enorme burburinho, mas ninguém parecia estar se importando com isso. Todos amavam e estavam contentes de tê-lo, futuramente, como príncipe consorte. Era um momento de extrema felicidade, mas eu só pensava no momento em que eu ficaria a sós com ele para que eu pudesse, finalmente, perguntar o que tinha acontecido, como tinha chegado até aqui, o que tinha feito com que ele mudasse de ideia. Mas do jeito que as coisas andavam, parecia que não teríamos um momento só nosso até o final do dia. Então aproveitei o momento e saudei a população, que gritava felicitações e festejavam, balançando suas bandeiras animadamente. Coloquei minha mão sobre a de , que entrelaçou nossos dedos. Ele tocou meu rosto com sua mão livre e beijou levemente minha testa. Sorri de lado, vendo o gesto se repetir em seu rosto.

- Eu estava com tanta saudade. – ele comentou, aproveitando um pouco o momento que estávamos quase a sós. – Eu tenho tanta coisa para te falar, tanta coisa para explicar...
- Acho que teremos muito tempo agora. – falei, beijando seus lábios levemente.
- Todo tempo do mundo. – complementou, enquanto o carro vazia a curva para entrar nas dependências do palácio. Percorremos mais alguns metros, até que o veículo parou bem na porta. desceu primeiro e me ajudou logo em seguida. Caminhamos até o hall de entrada, onde todos os nossos familiares já estavam reunidos e nos aguardando. Dei um abraço longo em cada um dos meus avós, tios, ouvindo os mais diversos votos de felicitações e felicidades deles. E parei na frente de , que abriu um belo sorriso. Ele olhou bem dentro dos meus olhos e eu conseguia ver a minha felicidade quase refletida ali. me abraçou forte, beijando o topo da minha cabeça, murmurando:
- Eu não consigo imaginar o que está passando pela sua cabeça, mas seja lá o que for, lembre-se sempre que, sim, você merece toda a felicidade do mundo. E principalmente, ao lado de quem você ama. – ele segurou minhas mãos e deu um leve aperto.
- Eu amo você, . – falei baixo, como se fosse nosso segredo.
- Eu também te amo. – ele apenas moveu os lábios, respondendo de volta. Deixei que o cumprimentasse e antes de continuar a caminhar, avistei Ellen e parados próximo ao corredor. Eles acenaram quando perceberam que eu estava olhando na direção deles. Pedi licença a todos e fui até onde eles estavam, abraçando fortemente minha amiga assim que me aproximei.
- Ellen, você sabia disso? – murmurei próximo ao seu ouvido, me afastando para ouvir sua resposta.
- Eu não sabia de nada, , eu juro. Passei o dia todo com você, só vi o de manhã antes de ir te encontrar e até aquele momento ele achava que iria casar. – ela disse e afirmou com a cabeça. Eu acreditei porque, realmente, ela havia passado o dia todo comigo e não havia motivos para que eles mentissem para mim. – Mas isso não importa agora, nem um pouco. Como você está? Como está se sentindo?
- Maravilhosamente bem. – confessei, sem conseguir tirar o sorriso dos meus lábios. – Eu não pensei que conseguiria ser feliz assim novamente.
- Eu falei com você que as coisas se acertariam, de uma forma ou de outra. – ela comentou, segurando uma de minhas mãos.
- , você pode me dizer como tudo isso aconteceu? – pedi, rezando para que ele contasse tudo de uma vez.
- Bem, quando eu cheguei na igreja, o estava lá, junto com os amigos e os tios dele. Eu fiquei completamente surpreso, porque eu não fazia ideia que vocês tinham reatado. Claro, eu fiquei muito feliz, mas também muito confuso. Então ele disse que você não sabia que ele estava lá e que tudo seria uma surpresa. – ele parou de falar por alguns segundos, como se tentasse se lembrar de mais alguma coisa. – Depois eu só sei que ele se colocou no altar para te esperar e eu fui para o lugar que deveria ocupar de verdade. Fiquei lá do fundo acompanhando tudo, inclusive a sua cara de que não estava acreditando no que acontecia. – ele segurou o riso.
- Eu pensei que fosse fruto da minha imaginação. – confessei, rindo em seguida. Olhei para trás, vendo conversar animadamente com . Provavelmente eu tinha um sorriso bobo nos lábios nesse instante, mas eu não conseguia controlar.
- Você tem que voltar. – Ellen disse, chamando minha atenção. – Só quero desejar muitas felicidades e todo amor do mundo para vocês.
- Obrigada, minha amiga. – respondi, abraçando-a novamente.
- E eu desejo mais do que uma vida de alegria e amor, , porque você merece demais. – disse, enquanto eu passava os braços pelo seu pescoço e o abraçava rapidamente. Voltei até onde todos estavam, caminhando até onde estavam os tios de e Carlie me deu um longo e caloroso abraço.
- Eu estou tão feliz por vocês. – disse, enquanto me mantinha presa em seu abraço maternal. – Eu estava com saudades de você, saudade desse rostinho, desse sorriso e com muita, muita saudade de como você faz o meu menino se sentir. Que bom que tudo deu certo e que vocês poderão, finalmente, ficar juntos para sempre, como desejavam.
- Muito obrigada, Carlie. Você não tem noção de como está a minha cabeça agora, acho que ainda não consigo acreditar que isso está realmente acontecendo. – sorri, provavelmente tendo uma expressão engraçada no rosto.
- Mas está, a sua felicidade é real e vocês merecem muito. – Carlie falou, beijando minha bochecha mais uma vez e deixando que eu continuasse com a fila.
- É como um conto de fadas se tornando realidade, literalmente. – Paul comentou, sorrindo de lado, enquanto abria os braços para mim. – Não consigo imaginar uma pessoa melhor para o meu sobrinho. E só consigo ver um futuro repleto de alegria para vocês dois.
- Muito obrigada, de verdade. Sei que deve ser difícil não ter o por perto lá com vocês, me sinto muito culpada roubando seu sobrinho dessa forma, mas se quiserem vir para cá, de vez, serão muito bem recebidos. O que não falta é lugar para hospedar vocês. – falei, vendo a expressão dele alternar entre a dúvida e a negação. – Com certeza o ficará mais feliz e confortável com vocês por perto.
- Vamos pensar com carinho na sua oferta, talvez quando nos aposentarmos. – Paul esticou os lábios num sorriso tímido, fazendo algumas rugas surgirem ao redor de seus olhos. Dei alguns passos para o lado, deixando se aproximar do seu tio, vendo que estava bem perto de mim agora e ela não conseguiu reprimir um gritinho quando eu, finalmente, lhe dei atenção.
- ! – ela exclamou, jogando os braços ao meu redor. – Que saudade, que saudade, que saudade. – repetia, enquanto nos balançávamos de um lado para o outro. – Eu cheguei a pensar que nunca mais iria te ver.
- Claro que não, . Mesmo se essa loucura de hoje não acontecesse, eu mandaria buscar vocês para passar um fim de semana comigo. – sorri, percebendo o tamanho da saudade que eu sentia dela e não tinha percebido. – E eu espero que você me desculpe por estar tão afastada de tudo nos últimos tempos, é que estava tudo muito difícil... – tentei me explicar, mas ela me cortou.
- Não se preocupe, eu imagino como deve ter sido pra você, porque por lá também não foi nada fácil. – ela passou a mão pelo meu braço, como se me confortasse. – Mas o importante é que tudo deu certo, vocês estão juntos, como deveria ser desde o início, o casamento foi maravilhosamente lindo e agora terão uma vida de felicidade.
- Por falar em casamento... – comentei, virando o corpo para a direção onde estava e ele fingiu que não estava me vendo. – Quando que esse aqui vai acontecer, hein? Já aviso que quero ser a madrinha e a lua de mel é por minha conta.
- Não acredito que terei que casar só para usufruir da lua de mel bancada pela ! – disse, fingindo estar chateado, sorrindo logo em seguida. – Porém é de outro casamento que temos que falar agora, não é? – ele me estendeu a mão e eu coloquei a minha em cima da sua. – Eu posso dizer a você que nunca vi meu amigo tão triste e tão feliz antes. Absurdamente triste durante esse tempo que vocês ficaram separados e maravilhosamente feliz depois que ele me disse que iria voltar pra cá.
- , me responde uma coisa. – pedi, falando baixo, para que ninguém mais ouvisse. – Quando o disse que iria voltar, que viria pra cá de novo?
- Bem, ele me falou ontem, no começo da noite. Me ligou meio desesperado, falando que era pra eu arrumar minhas coisas, avisar a , que nós iríamos para a Dinamarca. No começo eu pensei que ele viesse, não sei, para falar alguma coisa na hora que o padre disse “se tem alguém contra esse casamento, fale agora ou cale-se para sempre”. Eu tentei conversar com ele, falar que não tinha dinheiro para pagar as passagens, mas ele me disse que tinha um avião para nos levar e, bem, tinha mesmo. – ele deu de ombros. – Então eu pensei que poderia ter sido uma ideia sua, de levá-lo sem que ninguém soubesse, para que vocês se casassem em segredo, não sei, mas quando eu perguntei se você estaria nos esperando no aeroporto quando chegássemos, ele disse que a gente não podia comentar nada com você. Foi uma aventura, uma loucura, por assim dizer, porque quando a gente entrou no avião com ele, ela estava lá.
- Ela quem? – perguntei, visivelmente curiosa.
- Sua mãe. – sussurrou em meu ouvido. Eu não tinha percebido que ele tinha se aproximado. Virei meu corpo para encará-lo, com a expressão surpresa. – Eu sei que parece mentira, mas isso tudo é por causa dela. – ele falou, apontando para minha mãe, que nos encarava um pouco mais ao fundo. Ela tinha um sorriso fraco nos lábios e algumas lágrimas nos olhos. Pedi licença para e caminhei rapidamente até onde minha mãe estava, abraçando-a fortemente, como não fazia em muitos anos. Ela colocou as mãos em meu cabelo, alisando-os com carinho. Eu sentia as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, mas eu não ligava. Minha mãe tinha agido da forma que eu sempre esperei, não pensando em benefício próprio e sim um pouco na minha felicidade. Imagino como deva ter sido difícil para ela engolir o orgulho e ir atrás de , mas ela foi assim mesmo. E foi por mim. Era tudo o que eu sempre quis e, quando eu menos esperava, ela fez. Me afastei um pouco para olhá-la, tocando-o com a ponta dos dedos. Ela secou minhas lágrimas, embora seu próprio rosto também estivesse molhado pelas suas próprias.
- Mãe... – falei, mordendo o lábio, vendo ela fechar os olhos e balançar a cabeça, negando. Como se eu não tivesse agradecer ou algo tipo.
- Não precisa falar nada, eu fiz minha obrigação como mãe. Fiz o que estava ao meu alcance para te ver feliz.
- Eu te amo. – finalmente, depois de muitos e muitos anos, voltei a dizer a ela, que tocou minha testa com seus lábios, num beijo suave.
- Eu também te amo, minha filha. Nunca duvide disso, nem mesmo por um segundo. E você... – ela se virou para , estendendo uma das mãos em sua direção, para que ele pegasse. – Seja bem-vindo a nossa família.
- Obrigado, por ter ido até Londres, por ter me aceitado em sua família e por ter me dado a oportunidade de ser feliz ao lado da pessoa que eu mais amo no mundo. – disse, levantando a braço e beijando o dorso da mão de minha mãe.
- Finalmente um final feliz! – meu pai exclamou, passando os braços ao redor do nosso corpo, num abraço em família.
- Você sabia disso tudo? – perguntei a ele, que sorriu abertamente, numa clara confissão de culpa.
- Quem você acha que forneceu o endereço? – meu pai falou, pisando um olho para mim.
- Espera, esse era o presente que você falou mais cedo? – sorri, vendo-a balançar a cabeça, afirmando. – Eu nunca iria imaginar, de verdade. Provavelmente uma das últimas coisas que passariam pela minha cabeça, ainda mais relacionando você e o ... Eu não tenho nem palavras.
- Então não fala mais nada, vai se recompor, porque a sua festa de casamento começa em alguns instantes e a nossa futura rainha precisa estar impecável.

Entrei no meu quarto, sendo seguida por . O plano era conversarmos um pouco e eu retocar a maquiagem antes de voltarmos. Só que assim que ele fechou a porta atrás de si, senti suas mãos em minha cintura e seus lábios no meu. Eu não conseguia mais pensar nas pessoas que nos esperavam lá embaixo ou em qualquer outra coisa. Minha única atenção no momento era e seu corpo junto ao meu. Tanto que eu tocava cada parte dele, como se estivesse me certificando que ele estava aqui de fato. Passei a mão pelo seu rosto, descendo pelo seu pescoço e parei em seu peito, tentando respirar. Um riso fraco e sem sentido escapou dos meus lábios e ele me encarou, como se perguntasse o que tinha acontecido, mas o que eu explicaria? Nada em mim estava fazendo sentido naquele momento.

- ... – ele disse baixo, fazendo com que eu o olhasse. – Me desculpe.
- Não, , não quero falar sobre isso, não agora. – pedi, vendo que não conseguiria tirar essas ideias da sua cabeça.
- Mas eu preciso, porque se não fosse por mim, nada disso teria acontecido. – ele segurou uma de minhas mãos junto ao seu coração e olhou em meus olhos enquanto falava. – Eu fui fraco, fui egoísta. Eu tentei nivelar as nossas vidas, quando não há como fazer isso. Aqui dentro, quando estamos só nós dois, não há diferenças, mas quando estamos lá fora encarando o mundo, eu preciso entender e aceitar que você será rainha, e isso trará mil responsabilidades novas pra você. E sendo seu companheiro, minha principal função, pelo menos na minha cabeça, é fazer com que tudo isso pareça e seja mais fácil. E essa seria a minha função seja você sendo rainha, professora, advogada ou até mesmo dona de casa. Porque eu quero ser seu companheiro, quero dividir tudo com você, as coisas boas e, principalmente as ruins, porque assim elas acabam se tornando menos importantes. – ele sorriu de lado, fazendo um carinho no dorso da minha mão com o polegar. – Me perdoa se eu demorei para entender tudo isso. Me perdoa se eu quase estraguei tudo para nós dois. Demorou, mas agora eu consegui entender. Uma pessoa com um vasto conhecimento na causa me ajudou.
- Minha mãe? – perguntei, com a voz embargada, e ele afirmou com a cabeça. – O que vocês tanto conversaram?
- Bem, não foi uma conversa muito longa, porque eu não precisei de muito para ser convencido, mas foi bem esclarecedora.

Flashback On

’s Pov

- O que senhora tá fazendo aqui? – perguntei, completamente surpreso de encontrar a rainha parada no meio do meu quarto.
- Boa tarde, . – ela soou educada até demais. – Me desculpe se eu estou sendo muito intrometida te esperando em seu quarto, eu disse que esperava lá embaixo mesmo, mas seus tios fizeram questão, algo como mais privacidade.
- Boa tarde. – respondi, surpreso com o tom polido que ela usava comigo. – Não tem nenhum problema. Eu até peço desculpas pela forma que falei quando entrei no quarto, mas de todas as pessoas do mundo, a senhora era a última que eu esperava encontrar aqui.
- Eu imagino. – ela respondeu, rindo sem humor, apoiando a bolsa nos ombros.
- Por favor, sente-se. – apontei para uma poltrona que estava sem nada em cima. Ela agradeceu com um sorriso fraco e eu me sentei na cama, ficando de frente para ela.
- Também imagino que você deva estar pensando o que eu estou fazendo aqui, não é mesmo? – sua pergunta era retórica, mas eu respondi da mesma forma, afirmando com a cabeça. – É bem simples, eu estou aqui para levá-lo de volta para a Dinamarca, para casar com a minha filha.
- O que? – foi a única coisa que consegui pensar e falar.
- ... – ela disse, deixando a bolsa de lado e se inclinando em minha direção. – Eu preciso me desculpar com você. Eu fui uma pessoa horrível, não o condeno se você não gostar de mim, porque eu não gostaria, mas eu estou tentando mudar, de verdade. Eu tive uma conversa muito franca com a anteontem, que me fez pensar e repensar muitas coisas que eu fiz nos últimos anos, principalmente relacionadas a ela. Eu tinha um vislumbre de futuro para a minha filha, acho que todos os pais tem, só que ela tinha nascido para algo maior, ela seria uma rainha e era meu dever criá-la para isso. Só eu você sabe muito bem que a nunca foi um exemplo e a cada passo, que eu entendia como errado, que ela dava, mais eu queria apertar as amarras de controle que eu imaginava ter sobre ela. Só que cada vez que eu tentava apertar, mais ela escapava e olha onde toda essa disputa por poder nos levou? – ela suspirou, passando a mão pelo cabelo e cruzando as pernas. – Uma rainha consorte não tem muitas funções, ela está lá para dar herdeiros para a coroa, acompanhar em eventos, estar ao lado do marido em qualquer situação. Sempre lado, porém um passo atrás, porque ninguém fica ao lado do rei. Agora que temos algumas mudanças, onde os reis atribuem funções a suas esposas, onde elas podem atuar diretamente em seus governos, mas no início do meu casamento não era assim. E eu falhei um pouco no meu papel de, digamos, procriadora, só dei uma herdeira. Então você imagine como era pra mim ver como a se comportava perante todo o país, mostrando a cada cidadão o péssimo exemplar de mãe que eu era. Eu sentia como se ela fosse a prova viva da minha inabilidade, da minha incapacidade de fazer qualquer coisa direito.
- Rain-... – tentei falar, mas ela me interrompeu.
- Me chame de Mary, por favor. Estou me abrindo com você, podemos deixar formalidades de lado.
- Mary, você não deveria se sentir responsável pela forma que a se comportava. Os pais podem criar seus filhos da melhor maneira possível, mas ninguém pode realmente ter certeza de como essa criança vai crescer.
- Eu aprendi isso da pior maneira possível, . Porque entramos num caminho sem volta. Eu acreditava que a deveria se comportar de uma forma, enquanto ela se comportava da forma oposta apenas para me contrariar. Nós perdemos o controle e a nossa relação, a que tínhamos quando ela era pequena, acabou. – ela molhou os lábios antes de continuar. – Eu sei que você deve estar imaginando por que eu estou te falando tudo isso, certo? Mas é apenas mais uma tentativa falha de justificar erros e atitudes inconcebíveis que eu tive com você. Sei que uma conversa não vai apagar tudo, mas acredito que poderíamos tentar de novo. Porque eu sei o quanto você ama minha filha e, no fim das contas, isso deveria ser a única coisa que importa, não é? Então eu lhe peço desculpas, , por cada atitude, cada palavra dura, por todas as vezes que eu fiz com que você se sentisse como se não fosse bem-vindo na minha casa, na minha família, como se não fosse bom o bastante para a minha filha. Eu sei o quanto ela te ama e também sei que se eu não tivesse me intrometido tantas e tantas vezes no relacionamento de vocês, amanhã vocês se casariam e seriam felizes pela vida toda. Então eu preciso fazer alguma coisa, mesmo que seja agora.
- Mary, ela vai casar amanhã, acabou. Eu deveria ter ficado e lutado por ela, ter ficado ao lado dela, que foi o que ela fez todo esse tempo, mas eu corri no minuto que as coisas ficaram um pouco complicadas demais. – respirei fundo, soltando o ar pesadamente, encarando sua expressão triste. – A precisa de alguém que a apoie ao seu lado e eu não consegui ser essa pessoa.
- Não, , a precisa de você ao lado dela. Se você desistir agora, vão os dois passar a vida toda se arrependendo e pensando como poderia ter sido. E eu não posso permitir isso. – vendo minha expressão não convencida, ela continuou. – Você ainda ama a minha filha?
- Claro que sim, desde o momento em que coloquei meus olhos nela pela primeira vez. – respondi, com a maior sinceridade que pude.
- Essa é a única coisa que importa, porque eu sei que ela te ama, mais do que qualquer coisa nesse mundo.
- E o que vamos fazer? Chegar lá amanhã e parar o casamento? – soltei uma risada sem humor, vendo-a balançar a cabeça. – Não podemos fazer isso.
- Não sei, talvez você possa casar... – ela sorriu, como se tivesse um plano em mente.

Flashback Off

/’s Pov

- Então foi tudo ideia dela? – falei, mordendo o lábio inferior, ainda tentando compreender o que o tinha me falado.
- Se a sua mãe não tivesse ido até lá, agora você estaria casada com o . – ele disse, dando de ombros. – Porque eu nunca sequer pensaria nessa possibilidade, realmente pensei que tinha te perdido para sempre.
- Bom, depois de todas as confusões, nós devemos agradecer minha mãe. – comentei, sorrindo de lado.
- Planejo agradecer minha sogra todos os dias da minha vida. Não só por te colocar no mundo. – ele brincou. – Mas também por fazer tudo isso, ir até mim, assumir sua culpa, me pedir desculpas e fazer com que eu agora esteja casado com a mulher mais maravilhosa de todo mundo.
- Eu te amo tanto, . – suspirei, colocando minhas mãos em seu rosto e aproximando meu corpo do dele.
- Eu te amo mais. – seus lábios tocaram os meus por um instante. – E agora eu estou preparado. Não vou mais me sentir inferior ou diminuído por você ser quem é, vou me sentir orgulhoso de ser seu marido, de poder te apoiar e estar sempre ao seu lado. – ele sorriu por um instante antes de continuar. – Sempre ao seu lado, porém sempre um passo atrás da minha rainha.



Epílogo

And long, long live the look on your face
And bring on all the pretenders
One day we will be remembered

(Taylor Swift – Long Live)
Caso queira, coloque essa música para tocar.


Tinha chegado o grande dia.
Depois de uma semana de lua mel, passeando pelas Ilhas Gregas, e eu voltamos para a Dinamarca, já que eu teria que assumir o trono apenas uma semana depois. E esses sete dias passaram como se voassem e quando o dia amanheceu naquele sábado, eu já estava acordada. Nós passamos parte da noite no nosso lugar, sentados no telhado, até o sol nascer. E enquanto ele surgia no horizonte e iluminava a cidade toda, eu pensava no tamanho da responsabilidade que me seria passada em algumas horas. Não que eu não me sentisse preparada, eu havia passado os últimos meses focada nisso e me sentia bem com a pouca, mas importante, experiência. E eu ainda teria o meu pai para me auxiliar no inicio. Mas era como se tudo aquilo que sempre me disseram que eu seria, que eu sempre tentei fugir, tivesse conseguido me alcançar. Eu não tentava mais fugir, só que o medo ainda me acompanhava. Medo de não ser o suficiente, medo de não atender todas as expectativas, medo de não se boa para o meu povo.
Como se sentisse minha insegurança, passou o braço ao redor dos meus ombros e me puxou para mais perto, beijando o topo da minha cabeça. Virei o corpo, ficando de frente para ele, segurando suas mãos. Ele não falava nada, mas seus olhos me diziam tudo o que eu precisava. Eles me mostravam que tudo ficaria bem e eu acreditava. Toquei seus lábios com meus dedos e em seguida juntei aos meus, puxando-o para mais perto. E tendo junto a mim, eu me sentia firme, me sentia bem e até mesmo um pouco mais corajosa. Ficamos abraçados até o sol ficar quase alto no céu e eu perceber que já era hora de descer para tomar café e começar a me preparar.

Me olhei no espelho por um instante, tendo uma real visão de mim mesma. Eu estava usando um vestido semelhante ao que minha avó usou em sua própria cerimônia de coroação: era marfim, longo, com bordados dourados na manga e um a saia fluída e leve, por cima eu ainda colocaria o manto real. Meu cabelo foi arrumado e preso de uma forma em que a coroa ficasse bem apoiada quando passada para mim. Tentei me acalmar, mas estava difícil, até que vi se aproximar. Ele estava com suas novas vestes nobres completas, a faixa azul transpassada da esquerda para a direita, os brasões que lhe foram dados presos ao paletó e a medalha da ordem de qual ele agora fazia parte pendurada junto à gravata. Ele estava maravilhoso.

- Você está lindo, meu bem. – comentei, estendendo a mão em sua direção. – Ou deveria dizer: , Duque de Monpezat.
- Muito obrigado, meu amor. Ou deveria dizer: Vossa Majestade. – sorriu, me imitando e fazendo uma suave reverencia. Ele olhou para o relógio na parede pelo canto dos olhos, assim que ouvimos alguém bater na porta. – Está na hora. Pronta?
- Não. – confessei.
- Claro que está. – beijou minha mão antes de sairmos pela porta. Caminhamos pelos corredores, acompanhados pelos seguranças do palácio. Descemos as escadas, nos dirigindo até a sala do trono, onde estava tudo pronto. Paramos em frente à porta e parou ao meu lado, tocando meu rosto levemente, antes de sussurrar:
- Vai dar tudo certo.
E então ele entrou, me deixando lá fora junto com os seguranças, mas não por muito tempo. Logo e Ellen apareceram, ela tinha lágrimas nos olhos, mas tentava se controlar, e carregava o meu manto com cuidado nos braços. estava com uma escuta e se comunicava com os demais seguranças. Olhando rapidamente em minha direção, ele piscou um dos olhos e sorriu de lado, para não sair do seu “personagem”.
- , relaxa. É apenas mais um passo, nada além disso. – Ellen disse, enquanto colocava o manto vermelho em minhas costas e tentava me acalmar. – É ponto onde toda a sua vida te levou.
- Trinta segundos. – disse, fazendo com que o ar, de repende, sumisse dos meus pulmões. Ellen segurou minha mão por puro instinto, como se soubesse que eu precisava me acalmar. E então eu ouvi o hino da Dinamarca sendo tocado pela banda dentro da sala e a porta abrindo lentamente.
- O pássaro está voando. – falou em seu comunicador. – Finalmente. – adicionando apenas para que eu escutasse.

Dei um passo para dentro do salão, vendo como estava lotado. Do outro lado estava meu pai, ele olhava diretamente para mim e sorria, tentando fazer com que tudo aquilo parecesse muito fácil e simples. Caminhamos lentamente até o centro do salão, onde o bispo nos esperava. Meu pai parou ao lado do trono e eu subi os dois pequenos degraus que levava até ele, ficando de pé em frente a todas aquelas pessoas. E então eu pude ver cada rosto que me trazia um pouco mais de paz e tranquilidade: meus avós, meus tios, Carlie, Paul, e , que vieram de Londres especialmente para isso, , que mesmo num momento sério como esse, estava tentando me fazer rir, minha mãe, e, principalmente, . Ele estava sentado ao lado dela e segurava uma de suas mãos, como se também estivesse a confortando naquele momento tão importante. E então eu percebi que tudo isso ia além de mim, mexia com toda a minha família, amigos, membros do parlamento e convidados. Cada pessoa daquela sala carregava agora uma parte do peso junto comigo, pelo menos aqueles que se preocupavam e isso fazia com que a pressão em meus ombros diminuísse drasticamente. Só esse pensamento me permitia respirar. Porque no fundo, eu não estava sozinha. E nem nunca estaria.

Quando me sentei no trono, senti todo real poder que aquele lugar emanava. Não era a primeira vez que eu me sentava nele, mas a primeira vez que era pra valer. O bispo colocou o cetro em minha mão esquerda e o orbe em minha mão direita, fazendo uma pequena oração em dinamarquês durante o processo. Pegando um pouco de óleo de um pequeno recipiente de ouro, ele fez o sinal da cruz em minha testa e virou o corpo na direção de me pai. Ele retirou, com cuidado, a coroa e carregou com a ponta dos dedos até parar atrás de mim. Foi descendo os braços devagar conforme dizia:
- Promete e jura solenemente governar o povo da Dinamarca de acordo com suas respectivas leis e costumes?
- Eu, solenemente, prometo. – respondi.
- Você vai usar seu poder para trazer a lei e a justiça em todos os seus julgamentos? – continuou.
- Eu vou. – falei com firmeza.
A coroa se apoiou em minha cabeça suavemente. O som da banda cresceu, o coral começou a cantar o hino, sendo acompanhado por todos na sala. A guarda real se aproximou e apresentou suas armas. Me ajudaram com os objetos que estavam em minhas mãos e eu me pus de pé, com meu manto vermelho e minha coroa dourada e cravejada em minha cabeça.
Eu, finalmente, era uma rainha.

Parei em frente à porta que levava até o balcão do palácio. O lado de fora estava completamente lotado, como já tinham me informado. Era a primeira vez que eu apareceria para o público como rainha. Talvez essa fosse a parte mais difícil, na verdade. Porque ser a rainha aqui, protegida pelas paredes desse palácio parecia fácil, mas eu só saberia realmente o que era governar quando encarasse a minha população. Vi alguém se aproximar e olhando para o lado, vendo que era . Tinha que ser ele, sempre ao meu lado, como prometeu. Ele tinha um sorriso orgulho nos lábios e tocou meu rosto por um instante, dizendo:
- Eu amo você. – e então deu um passo para trás, deixando que eu ficasse sozinha na frente da porta. Ela se abriu e eu enxerguei a multidão à minha frente, um mar de gente, mais do que meus olhos poderiam contar. Eles estavam felizes, queriam saudar a nova rainha. Queriam me saudar. Eu senti algo diferente do que esperava ao encarar aquela cena. Era um misto de emoções. Só que por algum motivo, eu não fiquei com medo. Então caminhei na direção deles. E então a voz soou:
“Apresentando, sua majestade Henrietta Ingrid Margrethe. Rainha da Dinamarca.”



Fim.



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Nota da autora: (05/08/2017)
"The time has come to say goodbye, [...] This is the end but baby don't you cry"
Eu não sei como começar essa nota e provavelmente não saberei como terminar. São 04:40 da manhã e eu acabei de colocar um ponto final em Enchanted, uma história que escrevo desde agosto de 2010. São praticamente sete anos trabalhando em algo e é tão difícil deixar ir embora. Agora mesmo, eu estou encarando essa nota faz cinco minutos e não sei como continuar, porque sei que quando acabar aqui, acabou tudo. Meus personagens foram meus companheiros durante todos esses anos, acho que nunca gostei tanto de um casal antes ou de um coadjuvante como o primo da principal. Mas, além de toda a tristeza que vem junto com todo e qualquer encerramento, vem também a alegria de conseguir encerrar mais um ciclo. Foi uma jornada longa, um pouco difícil e, com certeza, maravilhosa, porque graças a Enchanted eu consegui pessoas incríveis. Gostaria de citar nomes, mas tenho medo de esquecer alguém e acabar magoando sem necessidade. Mas você, que está lendo isso aqui agora, independente de ter começado a ler essa história em 2010, ou em 2012, 2015 ou até mesmo agora em 2017, você faz parte disso e merece o meu mais sincero muito obrigada. Obrigada pelas palavras doces, pelos incentivos, pelos elogios e também pelas cobranças, que eu sempre encarei como vontade de ler a minha história. Sem vocês não teria graça alguma brincar de ser autora, não teria sentido postar qualquer história, compartilhar qualquer sentimento que vive dentro do mim. Enchanted pode ter chegado ao final, sim, mas tudo o que eu vivi enquanto escrevia será eterno.
A gente se esbarra por aí.
Um grande beijo,
That.





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