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[ 9 ] – Be cruel to me, 'cause I'm a fool for you

🎵 Ouça aqui:
Suck It and See - Arctic Monkeys

"Você é tão rara quanto uma lata de Dandelion e Burdock
E aquelas outras meninas são apenas limonadas pré-preparadas
﹝...﹞
Eu converti meu coração ferido em uma música pop
Eu não consegui pegar o jeito da poesia
﹝...﹞
Garotas raras vindas do faz-de-conta de um local paradisíaco
Tão frequentemente eu me pergunto onde você está
Você tem aquela cara que apenas diz
Amor, eu fui feita para partir seu coração."

Jungkook as escutou antes mesmo de chegar à recepção.
E quem dera fossem apenas gritos.
Antes que Yoongi completasse o sobrenome Chaperman com a senhora de meia idade atrás do balcão, um estrondo veio da curva do corredor à esquerda, não muito longe dali, que levava à ala de emergência. Um cômodo grande entulhado de macas, separadas por cortinas finas e patéticas. Risadas estrondosas foram seguidas por um pedido de silêncio. Levou apenas um segundo para a mulher revirar os olhos e apontar na direção do caos como resposta.
— Qual a diferença disso pra um hospício? — Jungkook perguntou em sua melhor voz de deboche enquanto apontava para o corredor em que estavam prestes a seguir. Yoongi o fitou com os olhos cerrados e passou a ficha agora assinada pelo balcão.
— Cala a boca.
JK segurou uma risada e seguiu o amigo até a direção indicada, chegando no que deveria ser a ala de contingência menos lotada de um fim de semana em pleno verão.
Não deu pra ver tudo, já que, quando finalmente curvaram para a sala, as garotas pareciam bem envolvidas em seu próprio mundo alcoolizado. já estava sentada no chão, ao lado de uma Candice gargalhando em uma cadeira de rodas com uma bolsa de gelo no pé e… Não tinha uma terceira garota?
Yoongi não esperou nada para sair correndo em direção à loira, ignorando todas as outras macas espalhadas e todas as outras pessoas gemendo de dor ou completamente adormecidas pela infusão de algo forte o bastante pra isso.
Jungkook deu um passo, mas uma enfermeira chegou primeiro até , que se agarrava à cadeira de Candice enquanto murmurava palavras agitadas em… Que língua era aquela?
— A senhorita tem que se levantar daí agora — disse a mulher, em tom calmo e com gesticulações e misturas de idiomas — Por favor, antes que eu…
— Não! Candy, ela quer que eu fique longe de você! Olha pra esse lugar, é bizarro! — misturava ainda mais as línguas, mesclando agora uma metade em inglês e outra em português. A mulher de pé a encarou com olhos arregalados, mas com o maxilar trincado de aborrecimento, como se estivesse nessa tentativa de controle há um tempo. Ainda assim, Candice não estava muito melhor; simplesmente começou a rir e soltou um grande berro quando viu quem se aproximava.
Babe! Você veio! — a voz foi aguda até mesmo para , que fez uma careta com o grito. Candice imediatamente tentou se levantar da cadeira, mas Yoongi travou seus ombros antes que fizesse isso e teve o quadril envolvido pelos braços da garota logo em seguida — Senti tanto a sua falta!
— Você é o responsável por elas? — a pergunta da enfermeira tinha um leve tom de desespero e torcida.
— Sim. Quer dizer… Responsável não soa muito bem, mas…
— Ah, pois vai ver que elas precisam de um responsável — ela ralhou em resposta, puxando um bloquinho do bolso da frente da calça azul e emitindo uma respiração pesada antes de dizer: — Sua amiga tentou me morder antes de eu conseguir colocá-la em uma cadeira, essa aqui no chão estava tentando roubar álcool em gel porque disse que cobram muito caro nas lojas de conveniência, e a outra… Bem, ela apagou tão cedo que nem me lembro mais onde está. Você sabe o que é não se lembrar onde um paciente está? Eu também não sabia, mas só porque tive que ficar de olho nessas duas — um grunhido alto escapuliu da garganta dela, e Yoongi permaneceu parado, piscando os olhos. A mulher apenas se recuperou rápido e ajeitou a postura, falando em um tom mais calmo: — Vou chamar minha supervisora e procurar a outra garota.
Ela deu as costas muito rápido, antes que Yoongi tivesse a chance de responder em agradecimento. Candice e exibiam expressões como quem tivesse escutado um zumbido vindo de muito longe, como se pássaros tivessem mencionado seus nomes e agora evaporaram no ar.
— Mas o que aconteceu com você?! — Yoongi se virou para a loira, soltando os braços de seu quadril e se abaixando até a altura dela — Como você foi fazer isso… — seus dedos tocaram o gelo levemente.
— Ah! — gritou, dando um leve sobressalto. pousou a cabeça no braço da cadeira e riu alto — Você tocando assim parece mais real, mas na verdade não é nada, daqui a pouco vou conseguir levantar sem ela precisar me dar aquela coisa na veia que deixou tudo girando…
— Candy. Ei. Psiu — chamou a amiga em um sussurro, olhando para Yoongi de soslaio — Não vai me dizer que esse aí é o Yoongi. Com boné e máscara a gente não reconhece ninguém, você ficou maluca? E se for outro cara!
Yoongi revirou os olhos. Candice enrugou a testa, olhando para como se visse uma louca.
— Por acaso você está bêbada? É claro que é o Yoongi!
— Na verdade, vocês duas estão. Pra onde foi a enfermeira? Por que vocês duas não estão em um quarto? — Yoongi tentou puxar a cadeira de Candice, mas firmou os dedos em volta do braço.
— Candice!
— Está se divertindo, ? — Jungkook murmurou ao chegar perto de , que desfez rapidamente a careta de antes, quando viu a cadeira de Candice ser afastada dela.
A voz foi reconhecida imediatamente, mesmo que ele também estivesse debaixo de um boné e uma máscara preta, que foi arrancada assim que se aproximou o bastante.
— Jungkook! É você mesmo? — disse, animada. Os olhos brilharam como a chama de uma vela.
— Sou, e seria bem melhor se ninguém mais soubesse disso — ele deu um sorrisinho sem humor, indicando as demais pessoas ao redor com o dedo indicador. Em seguida, estendeu a mão para que ela pegasse e se levantasse do chão. Reparou rapidamente que um dos joelhos dela exibia uma rodela de sangue pela queda que ele ainda não tinha conhecimento, e seus dentes trincaram por um momento.
Quando fez isso, a garota agarrou o braço dele por inteiro e pendurou-se enquanto apoiava a cabeça em seu ombro. Jungkook tentou se afastar, mas percebeu rápido que era inútil.
— Você trouxe até o Jungkook? Não me lembro de ter chamado ele — Candice murmurou em confusão.
— Bom te ver também, Candice querida. Pelo visto não sabe beber tão bem quanto vive falando por aí.
— Muito engraçado. Eu estava tentando fazer o seu trabalho e experimentando coisas bem mais fortes do que você seria capaz — ela cerrou os olhos com ironia. Yoongi vasculhou o ambiente ao redor na mesma hora em que uma mulher com a mesma roupa da enfermeira de antes usava, fazendo um sinal para que se aproximasse.
— Aí que você se engana porque faço isso muito bem feito. Pelo menos consigo beber sem cair de palcos ou em poças de água igual você e sua amiga — ele balançou o braço novamente para que o soltasse, mas não colocou força o suficiente nisso.
— Você foi muito específico na parte do palco, não gostei disso. Yoongi, seu…
— Com licença, vocês dois não podem ficar aqui — a outra funcionária se aproximou, deduzindo o pior com a situação que via: duas garotas embriagadas, dois caras claramente disfarçados e o grande índice de violência sexual na Coreia do Sul.
Yoongi não considerou nenhum desses pensamentos.
— Por que ela ainda está aqui? Por que ainda não foi atendida? — perguntou com um tom maior de aborrecimento. Fez Jungkook erguer uma sobrancelha pela falta de tato inesperada do amigo que era muita paz e calmaria.
A mulher sentiu frio em algum lugar muito profundo de si com a voz, mas esboçou uma risadinha de nervosismo e respondeu:
— Senhor, temos uma fila, e ela não informou os códigos do plano de saúde, e precisaríamos verificar se cobre emergências desse tipo…
— Pois então eu cubro. Quanto custa um quarto decente aqui? E um médico, claro — ele puxou a carteira imediatamente. afrouxou o aperto em Jungkook, que agora sim parecia um pouco mais surpreso; não pela atitude, mas o tom, o tom de voz de Yoongi era a parte mais assustadora.
A enfermeira pareceu sentir o mesmo. Engolindo em seco, ela encarou o cartão de crédito black entre os dedos dele e tentou não gaguejar quando disse:
— Me acompanhe.
Antes de se retirar, ele encarou Jungkook com certa apreensão, mas apontou para as duas garotas e murmurou:
— Pode ficar de olho nelas por um minuto?
— Claro, hyung. Qualquer coisa, tenho o número de centro de zoonose — respondeu com uma piscadinha. Yoongi apenas assentiu e seguiu a mulher de uniforme azul.
— O que foi aquilo? — disse para si mesma, em voz baixa, com os olhos grudados nas costas de Yoongi.
— Não sei… — Candice também tinha o olhar na mesma direção.
— Ele ficou tão bravo…
— Isso foi tão sexy, Jesus Cristo!
— Pelo amor de Deus — Jungkook revirou os olhos e estalou a língua, conseguindo finalmente se livrar dos dedos de e virando-se de frente pra ela — E então, como você está?
— Água — ela respondeu de imediato.
— O que? Você quer água?
— Não — ela segurou uma risada, e Candice escondeu o rosto para rir de novo — É que você disse que eu caí em uma poça de água… — e não conseguiu terminar a frase graças ao fato de imaginar em como seria engraçado cair em uma poça de água — E não foi assim! Candy caiu, eu saí da sala e tropecei em algum lugar onde um moço muito simpático, que acho que era o segurança, me ajudou a chegar aqui…
— Simpático? Pfff! — Candice juntou os lábios para fazer o barulho. Aquilo também era engraçado e também fez as duas rirem de novo — Ele era um gato! Mesmo com aquela roupa horrorosa de botões.
— Enfim, ele me ajudou a chamar a ambulância, mesmo depois de ter me visto caindo como uma jaca — a menção da palavra fez com que as duas se olhassem e gritassem ao mesmo tempo “JA-CA” e batessem um hi-five automático, o que fez Jungkook olhar para os lados e notar a atenção ser migrada para eles de novo.
— Tá, tá, já entendi — ele puxou os ombros de , encarando-a com as sobrancelhas juntas — Quem era esse cara? Como tem tanta certeza que ele era um segurança?
— Ele tinha cara de segurança — fez um bico. Jungkook bufou com exasperação, imaginando cenas desagradáveis e irreais que começaram a ativar uma ira fora de contexto, fora de qualquer imaginação. Felizmente, antes que dissesse alguma coisa que nem mesmo ele entenderia, Yoongi estava de volta com a mesma mulher e mais duas enfermeiras ao seu lado, que prontamente agarraram a cadeira de Candice para guiarem a garota para o outro andar.
— Ei! Candy… — estendeu um braço para a frente, mas Yoongi falou primeiro.
— Relaxa, ela vai ficar bem, só precisa fazer uns exames básicos que ainda não fizeram como a porra de um raio-x, porque ela não mostrou a droga do plano! O sistema de saúde da Coreia sempre foi tão ruim assim? — ele falou mais para si mesmo, e Jungkook apenas deu de ombros.
— Eles parecem bem ruins agora — respondeu sugestivo, ainda abismado em como o amigo não percebia o quanto estava dando todas as bandeiras do mundo.
— Enfim, tanto faz. De qualquer forma, disseram que só podem fazer isso daqui há duas horas e enquanto isso ela precisa ficar de repouso porque pode ter uma concussão escondida no meio de tanto álcool misturado com os anestésicos e já é quase meia noite. Isso vai durar a madrugada toda — ele falou baixo na última parte, adiantando o que diria a seguir: — Vou ficar com ela.
Yoongi encarou Jungkook com firmeza antes de desviar os olhos para baixo, engolindo várias vezes antes de começar:
— Olha, já que estamos aqui, preciso te contar…
— Relaxa, cara. Eu já sei — o garoto interrompeu, esboçando um pequeno sorriso de canto. Yoongi ergueu a cabeça em um jato — O número de emergência foi a gota d’água, mas vocês não são exatamente discretos.
Yoongi abriu e fechou a boca, embasbacado, e então soltou uma pequena risada, sacudindo os ombros com a certificação daquele fato.
— É. Pois é, quem diria.
— Fico feliz por você. Mas e aquela ali? — Jungkook inclinou a cabeça para , que ria de alguma careta que Candice fazia direto da cadeira — Como ela está?
— Acho que só bêbada mesmo — Yoongi deu de ombros — Na verdade, ela é a melhor das três. A tal da Yoona parece que apagou na ala geriátrica e entrou em um estado letárgico de embriaguez, uma coisa muito doida com muitos nomes difíceis, mas vou colocá-la no quarto ao lado da Candice. Ela já tá levando todas as provisões no braço e tudo isso que vai fazê-la acordar amanhã nova em folha — ele suspirou e olhou no fundo dos olhos de Jungkook, um olhar inquebrantável que poderia durar uma eternidade — Pode levar pra casa, não pode?
Jungkook quase concordou na mesma hora, mas era fácil se esquecer que, aparentemente, andar por aí com deveria ser um tormento, então primeiro fez um gesto de padecimento e só então balançou a cabeça que sim.
— Claro. Já que vim de bom grado — deu de ombros e levantou os braços em mímica teatral, que destilava seu sarcasmo — Vou ser muito legal e não largar ela em um banco muito fedido do parque caso vomite no meu carro.
— Isso é mesmo muito legal da sua parte — Yoongi foi sincero. — Tudo bem, então o endereço…
O som de um baque surgiu das costas dos garotos quando alcançou o chão mais uma vez. Desta vez, a culpa de tudo veio justamente do que Jungkook esperou tanto ver: seus próprios pés, desencontrando-se entre si na tentativa de se aproximar de Candice. O barulho foi tanto de seu quadril batendo no piso liso, quanto de seu gemido agudo, que foi substituído muito rápido por mais uma sessão de risadas intensas da dupla. As duas enfermeiras de pé reviraram os olhos, claramente impacientes e zangadas, e Jungkook fez o mesmo, evidenciando um suspiro que era de cansaço, mas também de embaralho. Ele com certeza estaria rindo da situação se não tivesse visto mais arranhões na parte de trás dos cotovelos de e, com certeza, se não tivesse ouvido sobre a história do segurança.
Cerrando os dentes, ele puxou os braços dela para cima de novo, direcionando um sorrisinho de desculpas para as funcionárias.
— Será que vou ter que amarrar em uma cadeira? — disse apenas para ela, e agarrou seus braços daquele jeito grudento de novo, como se fosse um bicho-preguiça no galho de uma árvore. Jungkook já tinha desistido de tentar afastá-la, e agradeceu por Candice estar bêbada demais para zombar e Yoongi preocupado demais para notar qualquer coisa.
— Eu estou bem, foi só um escorregão! Elas querem… Candice! — ela gritou quando viu agora, claramente, Candice ser conduzida para outro corredor, acenando para ela, um pouco mais feliz que antes.
— Não se preocupe, , vão me dar aquela coisa na veia de novo! Jungkook, seu moleque, se não cuidar bem da minha amiga eu juro que vou… — e sua voz desapareceu pela curva. Yoongi revirou os olhos e se apressou para segui-la, mas antes virou-se para o mais novo.
— Tá legal, eu vou nessa. O endereço é em Seongdong-gu, um prédio grande que é vizinho de outro maior, tem um estacionamento pra bikes e uma barraca de frutas na frente, você vai encontrar.
— Não tem como não encontrar aquela barraca… — Jungkook disse, distraído, enquanto tentava manter parada, sem brincar com os próprios calcanhares.
— O que? — Yoongi uniu as sobrancelhas, confuso. Jungkook girou a cabeça em súbito.
— Perdão, o que você dizia? — tentou manter a voz firme, travando todo o maxilar.
— A casa delas, JK! Presta atenção, tô tentando explicar…
— Ah, sim, sim, não faço ideia da onde elas moram, mas essa aqui pode dizer o caminho, fica tranquilo. Agora vai antes que Candice morda mais alguém.
— Ei, não fala assim da minha amiga. — deu um chute sem forças nos calcanhares do garoto — E é muito engraçado você fingindo que não sabe onde eu moro, pode fazer isso de novo… — Jungkook arregalou os olhos e levou as mãos à boca de antes que ela completasse a frase, e ficou aliviado por Yoongi já ter se afastado o suficiente.

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— Tá legal, senta. — Jungkook resmungou ao guiar para cima de uma das macas altas, tomando a liberdade de afastar seu cabelo do rosto e entregar a garrafa de água já aberta em suas mãos — Toma isso. Alguma daquelas enfermeiras já vai chegar pra cuidar desses machucados e espero que você torça pra que elas não estejam mais com tanta raiva assim.
— Por que alguém estaria com raiva hoje? — perguntou em toda a ingenuidade embriagada do ser humano. Jungkook bufou, fazendo sinal para que ela bebesse o líquido, e assim o fez, colocando a garrafa de água no armário logo depois.
Por causa do desequilíbrio fraco de seus dedos, faltou muito pouco para que toda a água não caísse nos pés de Jungkook, que segurou o plástico antes que o acidente acontecesse.
— Ops — ela riu em um ronco, colocando as mãos na boca porque parecia, finalmente, ter chegado em sua consciência de que estava mais escandalosa do que o permitido em um hospital.
O garoto a encarou com o olhar duro, mas também com tédio, uma das muitas expressões que usava no dia-a-dia, mas que hoje não era mais tão comum assim. Existia um outro Jungkook há algumas portas de distância do tempo que tacharia aquela feição como exclusiva de .
Outra coisa exclusiva de era aquele sorriso bobo e dormente de quando relaxava, o que provavelmente o trouxe memórias e nostalgia de uma festa que nem tinha tanto tempo assim, mas deu logo um jeito de afastar esses pensamentos.
— Tá legal, que porra vocês beberam? — perguntou, puxando o queixo dela para cima para que fosse plenamente entendido. Em outra época, ele não se preocuparia com isso. Em outra época, ele nem estaria ali — Ainda por cima sozinhas? Tem ideia de como isso foi burrice? Os homens daqui são mais do que boçais.
estalou a língua, totalmente imperturbável, captando um Jungkook que estava sendo o que ela esperava que não fosse nessa situação: um chato.
— De que isso importa? Burrice seria não comemorar meu dia. Aliás, você sabe que dia é hoje? Se deu ao trabalho de ler a minha mensagem?
Ele hesitou por um momento antes de responder:
— Andei ocupado. Mas fiquei sabendo sim — disse com um umedecer de lábios, e torcia para que não soasse tanto como “um dos garotos mais ricos de Seul que não tem tempo pra essas coisas”. Inconscientemente, um sorriso veio à tona — Você mandou bem, . Não acredito que pensou que não conseguiria.
Ela também sorriu, e aquele sorriso era tão puro e honesto que Jungkook teve certeza do porquê poderia ter todos os amigos e carreira que quisesse. Era algo muito vivo e magnético.
— Eu só podia pensar isso, Jungkook. Afinal, eu sou de fora, não tenho tantas aptidões, não tinha nem uma câmera…
— Sua falta de confiança é uma merda. É claro que você ia conseguir. É uma artista tanto quanto a gente, tanto quanto qualquer um.
A fisionomia séria de Jungkook mostrava mais autenticidade do que 90% das atitudes que mostrava por aí. O tipo de coisa que chamou a atenção de , e olhar bem no fundo de seus olhos quando disse:
— Acha isso mesmo?
— Acho — ele balançou a cabeça com vontade — Mas não importa, você…
Mais uma gargalhada explosiva de interrompeu o diálogo, e Jungkook olhou para o lado na mesma hora, agradecendo pela cortina que os separava do mundo externo, mas que não valia de nada quando o lance era barulho. Ele pensou se sentiria algum arrependimento em fazer uma doação extra ao hospital para fingirem e apagarem da mente toda a perturbação que estavam tendo naquela noite - e, quem sabe, fazerem o mesmo com sua presença.
— Uau. Acho que seu elogio me deixou excitada — disse quando se recuperou — Ou com uma vontade louca de te abraçar.
— Nem pense em fazer isso — ele respondeu imediatamente.
— Eu vou fazer.
— Não, você não vai…
E ela fez. Na cama alta, passou os braços pelo pescoço dele, que teve que se aproximar para que ela não caísse para a frente, o que juntou ainda mais seus corpos e o deixou explicitamente paralisado.
Jeon ansiou pelo seu carro lá fora. Podia fazer uma ligação e dizer a Yoongi que andar por aí com se tornou uma tarefa mais difícil do que se imaginava e que o amigo deveria lidar com seu pico embriagado com as outras enfermeiras, seguranças, até mesmo policiais, mas que ele não ficaria ali, não deveria ficar, seria mais inteligente se não o fizesse, porque a droga daquela queimação na boca do estômago tinha voltado com tudo, alertando-o para correr, mas o cheiro e o toque dela não o deixaram mover um músculo. Completamente desorientado, ele nem se deu ao trabalho de afastá-la.
— Fala sério, … — ele começou, mas a voz facilmente se perdeu. Elas não achavam espaço para sair contra toda a tribulação agitada de sua cabeça.
Mas ele também não se deu ao trabalho de parar seus próprios braços quando subiram para abraçá-la de volta. Apenas um, que rodeou suas costas e encaixou seus corpos de um jeito muito mais intenso do que já tinha acontecido em cima de uma cama.
— Obrigada, JK. Eu disse que te agradeceria antes e vou agradecer de novo. Você me emprestou um item raro, acreditou que eu podia fazer um bom uso dele e principalmente confiou no meu potencial. Você foi muito legal — ela soprou na curva de seu pescoço, na base de sua orelha, e Jungkook sentiu o coração saltar como um louco.
E isso é errado, errado pra caramba.
Mas antes que se martirizasse ainda mais, a cortina da cabine foi aberta repentinamente, e a mulher de azul ali parada encarou a cena com surpresa evidente.
Jungkook se afastou de em um impulso, que não pareceu perceber nada demais, ainda divagando no rosto do rapaz. Ele limpou a garganta várias vezes, apontando para a maleta de primeiros socorros na mão da enfermeira.
— Os curativos dela. É. Certo — desconcertado, ele se afastou para que ela entrasse, tentando calar as vozes internas que insistiam em rotulá-lo como o rei dos babacas.
Ele sabia que era um babaca, mas no momento não estava sabendo como usar essa condição. Aquela com certeza era a hora certa de ser um, e ele simplesmente tinha se deixado delirar no aroma daquele cabelo.
— Pode esperar lá fora, se preferir — disse a mulher, pousando o conjunto em cima da mesinha ao lado, virando-se para , que fez mais uma careta diante das gazes e do cheiro de ácido.
Ele apenas assentiu e se preparou para sair da cabine.
— Jungkook! — literalmente gritou seu nome, o que fez com que a enfermeira levantasse os olhos de um jeito ágil, desviando-os logo em seguida e piscando várias vezes em uma luta intrínseca para disfarçar o reconhecimento. Se ninguém ainda sabia que um idol super famoso estava fazendo uma visita ao hospital naquele dia, agora certamente sabiam — Você vai voltar, não vai?
JK comprimiu os lábios e anuiu levemente com a cabeça, sem se importar com os olhares furtivos da enfermeira, que tinha tomado uma certa coloração pálida. Graças ao código de honra que aprendeu com os seus amigos mais velhos, ele não a fuzilaria com os olhos e pediria gentilmente para mostrar o celular.
— Claro que sim. Vou estar bem aqui.
E com um último sorriso de , ele apenas fechou a cortina e respirou fundo até se sentar em uma pequena poltrona ao lado de um equipamento de infusão de soro, torcendo para que a enfermeira não perguntasse de menos e respondesse demais. Surpreendentemente, aquela garota bêbada tinha menos trancas na língua do que ele imaginava.
Com pouco mais de 10 minutos, a mulher puxou o cortinado de novo, e Jungkook se colocou de pé, vendo-a mais tranquila do que antes.
— Você vai levá-la pra casa?
— Sim. E então? — perguntou ele, sem cerimônias.
— Ela ‘tá legal, só precisa se certificar de que ela não molhe os curativos e principalmente não beba mais uma gota de álcool — frisou, puxando um pacote de plástico de dentro do bolso superior da blusa — Aqui. Acho que ela vai precisar disso amanhã.
Ela estendeu os comprimidos de Tylenol com um sorriso de canto, e Jungkook os pegou com uma expressão desentendida.
— Só para o caso de você não precisar entrar em nenhuma farmácia.
Ele arqueou as sobrancelhas e ficou imóvel, sem saber o que dizer. Normalmente, agradeceria sem problemas e a desejaria uma ótima noite, mas a cena de antes…
— Tudo bem, tudo bem, isso não é da minha conta — a moça balançou as duas mãos na frente do peito, agitada de repente com aquele olhar desconfiado — Acho que estou há quase 48 horas sem dormir e tudo que acontece aqui dentro é tão frenético e rápido que esquecemos na primeira oportunidade. Não se preocupe — ela deu uma risada nervosa, e Jungkook forçou um sorriso, concordando.
— Tudo bem, é… Obrigado, eu acho.
A garota sorriu e se preparou para sair, mas de repente se virou e se aproximou a vários passos dele, sussurrando quando disse:
— Pode dizer ao Jin que ele ficou simplesmente magnífico naquele novo solo? — os olhos dela brilharam em sequência — Na verdade em todos os solos, e também naquela performance do Japão onde ele mandou o beijo pra câmera — ela juntou as duas mãos, e Jungkook sufocou uma risada de zombaria porque era só o que faltava acontecer naquela noite: encontrar uma fã por acaso que devia guardar vários photocards e pôsteres empoeirados em algum lugar ali perto.
Com um sorrisinho, ele apenas balançou a cabeça e respondeu:
— Tenho certeza que ele já sabe disso, mas vou passar o recado.
— Obrigada — a respiração dela saiu em uma lufada pesada de ar, como se estivesse se segurando por vários minutos e se curvou duas vezes antes de erguer as costas e finalmente sair.
Jungkook deixou uma nota mental de que hospitais não eram uma zona tão neutra assim.
Entrando novamente no cubículo, ele inspirou e disse rapidamente:
— Tá bom, beleza, de nada, mas agora é de verdade, precisamos ir embora — pontuou, vendo-a sentada no mesmo lugar, agora lendo um folheto amassado sobre um produto de inseticidas contra baratas. Jungkook pegou o papel e observou seus curativos com cuidado; um no joelho e outro no cotovelo — Se sente melhor pra andar?
Ela riu com perplexidade.
— Acha que eu sou tão fraca assim? — estreitando os olhos, tentou pousar os pés no chão, mas se pensava que estava melhor do que há duas horas atrás, tinha se enganado totalmente. A perna esticada com o curativo se desequilibrou por um instante antes que Jungkook a segurasse pela cintura.
— É, e não ‘tô errado em achar isso — revirando os olhos, ele a ergueu para cima outra vez.
suspirou cansada. Os neurônios estavam muito desativados para examinar uma maneira melhor de andar sem que a sobriedade avisasse que algo estava errado em seu joelho.
— Já sei. Podemos fazer uma coisa. Vira de costas.
— O que?
— Vira de costas e se abaixa. Vi isso em um drama que Candice tava assistindo. A menina bêbada, o cara cavalheiro, etc etc. É ridículo mas achei que vocês fizessem sempre isso, não fazem?
Jungkook abriu bem os olhos, juntando as sobrancelhas em um disparate.
— Você tá brincando, não é? — perguntou, mas ela não respondeu. Jungkook revirou os olhos tão fundo que suas órbitas quase desapareceram — Depois que eu digo que os dramas estão enganando o ocidente, me chamam de maluco. Não sei o que é pior: você morar aqui há mais de 3 meses e ainda acreditar nisso ou achar que eu sou um cavalheiro — fez mais um bico. Ele arquejou, falando calmamente: — Não vamos fazer isso, tá legal? É só se manter de pé que vamos chegar no estacionamento mais rápido.
— Mas e as enfermeiras? — agora ela sussurrou, olhando rapidamente para onde a mulher tinha entrado — As pessoas podem te reconhecer. Aquela que estava aqui tremeu as mãos, tenho certeza que vi isso, e se suas fãs pararem e me notarem, minha nossa, e Candice me mataria se eu aparecesse numa foto de sasaeng com esse cabelo, mesmo que eu ache que ele esteja OK, mas pra ela nada nunca está OK, você entende…
Jungkook prendeu o lábio entre os dentes, se vendo obrigado a concordar com , mesmo que ela estivesse falando daquele jeito embolado e torto de embriaguez.
— Tá legal, vamos ser rápidos.
Respirando fundo, ele puxou o zíper do moletom, tirando-o e passando-o para os ombros dela, ficando apenas com a camiseta branca e larga com as mangas que batiam quase no cotovelo.
— Veste isso — em uma dinâmica rápida, ele enfiou seus braços pelas mangas, fechando o zíper como antes e puxando o capuz para cobrir o máximo de seu rosto. Em seguida, deslocou a garota delicadamente em cima do azulejo intacto — E agora… — Jungkook tomou sua mão, entrelaçando os dedos dela nos seus.
Foi uma ação tão rápida e impensada que ele jamais pensaria que teria algum efeito. Mas quando juntou suas mãos daquele jeito, Jungkook sentiu novamente aquela sensação estranha de alguns dias atrás, o pico de adrenalina misturado com medo, mas também o frenesi que o deixava incapaz de correr. , mesmo no torpor empoeirado da bebida, se lembrou de quando fez isso involuntariamente na cama naquela mesma situação, e em como tinha gostado do contato. Seus olhos foram impulsionados um para o outro subitamente, e ele adicionou uma nova percepção à lista daquela loucura: o formigamento enxerido que subiu pelo braço, se encontrando com as batidas frenéticas de seu coração de novo, algo tão incompreensível quanto inconveniente.
Se todos os seus amigos de repente brotassem ao seu lado naquele momento, ele não perceberia. Nem ela. A redoma formada era impenetrável.
— Consegue andar sem cair desse jeito? — perguntou com a voz ligeiramente abafada, a garganta ainda mais seca do que quando ela o abraçou. levou um tempo considerável até molhar os lábios e reagir.
— Aham — diz, desconcertada. JK desvia os olhos, sem dizer mais uma palavra e começa a conduzir a garota para fora.

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percebeu naquele dia que, ultimamente, Jeon Jungkook não era mais um cara tão obcecado pela privacidade como tinha sido um dia. Pelo menos não quando estava andando sozinho por aí, sem ninguém para puxarem uma setinha de fofoca depois.
Entretanto, naquela noite, as coisas tinham sido um pouco diferentes.
Ele parecia decidido a colocar em uma concha e escondê-la de qualquer olhar externo, mesmo que todo o trajeto até o carro tenha sido surpreendentemente quieto e vazio. Algo a respeito de todo o processo que envolvia mãos juntas, passos lentos e ritmados pela perna machucada e várias frases variando entre “tá tudo bem mesmo, não é?” e “não vou te colocar nas minhas costas, não viaja!” parecia um tanto… frenético. Mas ninguém iria culpá-lo por ser totalmente traumatizado com paparazzis e, principalmente, não querer ser visto com um deles.
Abrindo a porta do carona, ele a colocou no assento com a delicadeza que se usa com idosos e eletrônicos novos. Com cuidado, arrumou seus joelhos para baixo e fechou a porta, andando até a sua e se acomodando no volante. Antes de arrancar, ele alçou o tronco para , puxando o cinto de segurança para que ela não tivesse que fazer.
O que há de errado com esse garoto?, perguntou-se. Foi o primeiro pensamento de ao ser tratada como uma inválida, mas não discutiu. Jungkook se afastou de novo e colocou seu próprio cinto, tirando o boné e finalmente girando a chave e seguindo em frente.
— Você deve estar velho de tanto fazer isso — murmurou, recostando a cabeça no vidro e também abaixando seu capuz, encarando o movimento do lado de fora. Foi mais como se sua cabeça escorregasse por conta própria.
— Do que tá falando agora? — ele riu sem humor, parando por um momento para devolver o cartão de estacionamento na máquina falante, liberando os dois bastões de madeira.
— Sair por aí escondendo garotas dentro do seu casaco. E você tem pernas muito longas, sabia? Não andamos no mesmo ritmo. E se eu estivesse de salto alto?
— Por favor, você usando salto alto? — ele a encarou de soslaio, com toda a ironia característica. abriu a boca para falar, mas acabou rindo.
— Verdade, não uso salto alto. Mas são lindos… — sua voz divagou assim que ele virou em uma avenida. Seus pensamentos estavam soltos, meio dormentes, o que a fazia perceber coisas aleatórias ao redor, como o aroma de café que vinha de algum lugar daquele carro, que hoje em específico parecia maior do que realmente era — A Candy vai ficar legal? — uma parte de seu cérebro estava começando a acordar a ponto de notar a ausência da pessoa que havia começado a noite — Não queria deixar ela para trás.
Jungkook passou para a marcha seguinte e assentiu.
— Vai. O Yoongi vai ficar com ela e amanhã ele chama um carro, não se preocupa.
franziu os lábios, tentando se lembrar de algo.
— Hmm. E a Yoona? Aquela pilantra que me deu aquela tequila horrível. Não sabia que as pessoas daqui curtiam essa vibe México…
— O gosto por questões históricas e culturais é muito particular, . E ela te deu a tequila, mas ela que vai passar a noite hidratando o corpo e se desintoxicando daquelas misturas que não tô interessado em saber.
Ela riu de um jeito intenso, agora levantando o queixo para encarar o teto.
— Vou ser uma pessoa horrível se disser bem feito? Quer dizer, ela pegou aquele cardápio do karaokê e folheou, folheou, folheou, até achar alguma coisa que se relacionasse com noite de comemoração, mas no fim todas as bebidas eram, então… — ela parou, fazendo uma careta como se um bolo tivesse subido na garganta. Jungkook diminuiu bruscamente qualquer risada que iria dar.
— Inclina a cabeça — grunhiu, agora revezando o olhar inquietamente entre a estrada e o rosto de — Sério, , se vomitar mesmo aqui dentro, não vou te defender de jeito nenhum.
Ela esperou quase um minuto até engolir e recomeçar a rir, dessa vez mais animada e alto, fazendo Jungkook revirar os olhos e se sentir ligeiramente mais aliviado.
— Você tinha que ver a sua cara! — ela bateu duas palmas, contorcendo o corpo com a risada. O garoto franziu os lábios, se segurando ao máximo para não participar da diversão — Ai. Essa coisa tá me apertando.
mexeu no cinto de segurança, uma linha grossa demais que perpassava em diagonal pelo seu corpo, e Jungkook apenas deu de ombros.
— Que pena, essa coisa vai ficar em você até chegar na sua casa.
Como você é chato, comparsa disse em português, e Jungkook franziu o cenho, confuso, mas não teve chance de perguntar porque ela recomeçou a rir porque a palavra “comparsa” era muito engraçada — O que você acha que eu vou fazer? Colocar a cara na janela igual um lulu da pomerânia? Sair gritando que tô no carro de um idol? Ou não, sair gritando que estou no carro do Jungkook? Acha que consigo vender bem essa história? Mas acima de tudo: eu pareço um golden retriever?
— Se eu disser que sim, você vai ficar ofendida?
Ela estreitou os olhos, trincando os dentes.
— Fala sério, você é um… Olha só, o rio Han! — a expressão dela se transformou em um sorriso admirado, virando quase todo o corpo para a janela para assistir a ponte imensa estendendo-se lá na frente, o que fez Jungkook rir baixo porque, naquele momento, concentrada em um único ponto, ela parecia mesmo um cachorro com as patas na janela.
. As patinhas — ele tentou falar sem rir, mas não conseguiu.
— Ah, por favor. Eu nunca fui naquele parque ali do lado, como é mesmo o nome dele? Não me lembro… Mas é verdade que ali fica a passarela das cerejeiras na primavera?
— Sim, é verdade — Jungkook respondeu enquanto fechava os dedos no braço dela, puxando-a de volta para o banco — E eu não tenho visão ilimitada. Se me deixar prestar atenção no trânsito, eu respondo às suas perguntas. Agora sossega.
Ela revirou os olhos como uma criança. Pendendo os braços de um lado a outro, sentiu como se aquele banco enorme pudesse sugar seu corpo de um jeito sobrenatural. Aparentemente, pessoas alcoolizadas tinham a tendência de se entediar muito fácil.
— Você ‘tá um saco, Jeon Jungkook — e afundou ainda mais no banco, suspirando em descontentamento, erguendo o queixo para cima. Estava tão engraçada e, ao mesmo tempo, tão fofa naquela posição que ele quis rir, mas não podia demonstrar que sua alegria era recíproca porque ela podia interpretar errado e tentar colocar a cabeça na janela de novo — Sabe, as pessoas colocam uma música decente quando carregam outras no carro. E não, eu não vou tocar nessa coisa cara e chique cheia de botões. Você desaprendeu a ser gentil?
— Gentil? O que isso quer dizer? — ele esboçou um de seus melhores sorrisos sarcásticos. riu sem humor. Jungkook estendeu os dedos para o aparelho de som, e mais coisas aconteceram além de, mais uma vez, a voz de Daniel Caesar encher o carro.
Uma intensa iluminação vermelha em neon se espalhou pelo veículo como se tivessem entrado em um túnel mágico. O corpo de se ergueu imediatamente, abrindo a boca em surpresa absoluta. Seus dedos até mesmo agarraram o cinto, como se ela temesse ser separada do mundo real. Jungkook nunca havia se preocupado com as reações e o resultado final de quando colocou aquelas luzes, mas ali, agora, encarando a feição espantada e vívida de enquanto We Find Love pela metade vibrava no fundo, fez parecer que foi uma boa ideia.
— Uau! Quer dizer: uau! Puta merda, Jungkook!
— Sabia que luzes prendem a atenção das crianças. O que você achou?
— A princípio, parece um motel, mas acho que você gosta disso. Em quantos fluidos corporais eu tô sentada nesse exato momento?
Jungkook riu, não se preocupando com a careta graciosa que a garota fez.
— Nesse banco? Em nenhum. Agora aqui atrás, acho que a sua memória não é tão péssima assim.
Ele não a encarou quando disse, e não existia nenhum enigma naquele meio sorriso patife que era palpável pelo retrovisor. pareceu pensar nas palavras dele até, então, arregalar os olhos e estalar um dedo.
— Ah, é verdade. Entreguei minha pseudo virgindade pra você nesse banco lindíssimo, e foi super gostoso. Acho que posso passar uma tarde falando de como foi estranho, desconfortável pelo espaço e diferente, mas acima de tudo: gostoso. Que droga, o que meu pai diria sobre mim?
Agora ele riu abertamente, franzindo um pouco o cenho pelo lampejo das palavras de . Parecia algo muito inevitável não entrar na onda dela, mesmo que estivesse só soltando frases que faziam parcialmente sentido.
— Espera aí, você nunca disse que foi gostoso. Essa é bêbada? Dizendo as verdades que nunca diria sóbria.
— Você gostou disso? Pois então é assim que funciona: eu estou parada nesse exato momento dentro de um círculo com pedras em volta que estão carregadas com franqueza extrema. Pronto, você tá presenciando esse momento. Mas eu tenho uma regra: você precisa fingir amanhã que eu não disse nada. Se não fizer isso, vai ser como se tivesse empurrado uma das pedras fora do lugar, e isso seria humilhante, entendeu? Preciso poder manter meus segredos guardados o máximo possível, Jeon.
Jungkook fez a típica expressão de quem não entendeu uma palavra do que ela disse, mas mesmo assim, assentiu.
— Verdade? Vai revelar seus segredos? Quem diria, . Tem certeza que você é mesmo uma pessoa ou uma aparição de uma mulher normal?
— Cuidado, ainda te posso te jogar no chão fora daqui.
— Tudo bem, então. O que seu pai diria sobre a vida agitada que você anda levando ultimamente?
A energia inexplicável de CYANIDE não foi o suficiente para evitar que diminuísse um pouco o sorriso, mesmo que não o perdesse totalmente. O carro foi freando aos poucos até parar em um sinal vermelho, o que deu tempo para Jungkook avaliar o rosto dela em uma atitude já incontrolável. A constatação veio bruta do mesmo jeito: ficava assombrosamente linda debaixo daquelas luzes, e Daniel não ajudava, nunca ajudava.
Mas Jungkook não demorou a notar a fisionomia mudando com a pergunta.
— Sabe que eu não sei? — ela finalmente respondeu, levantando os ombros — Ele morreu tão rápido. Um dia estava aqui, e depois não estava mais. Acho que não deu tempo de eu conhecê-lo muito bem, ou de chegar na fase em que se conversa sobre garotos — ela deu uma piscadinha zombeteira. Jungkook não sorria mais. O vocal em ‘you make me weak, make me thristy for release’ preencheram um silêncio apropriado, até que uma luz verde piscasse na lateral de seu rosto e ele voltasse a olhar para a frente.
— Sinto muito — disse, porque não conseguia pensar em outra coisa para dizer. agora abriu um sorriso maior, balançando as mãos no ar como se não fosse relevante.
— Pensando bem, sei de algo que ele com certeza diria: nunca se envolva com um rockstar! Ou com qualquer personalidade que as pessoas consideram lendárias. Nunca, jamais! Esse tipo de homem não presta.
Jungkook tentou não rir, mas era um pouco difícil se controlar perto do clima radiante dela naquela postura descontraída, com as pernas agora cruzadas em borboleta no banco.
— Então acho que você tá honrando os desejos dele muito bem.
— Tá brincando? — ela arfou em exasperação, os olhos abrindo-se mais a cada segundo — Você só não tem a parte do quebrar quartos de hotel, xingar atendentes ou arrebentar os instrumentos que você já toca, pelo menos não em cima de um palco pra milhares de pessoas, mas fora isso? Por favor, rockstar é mais um estado de espírito do que um trabalho em si.
Agora ele desatava em uma gargalhada, relaxando as costas no assento como se tivesse escutado a piada do ano.
— Sério isso? Você vai mesmo me chamar de rockstar?
— Vou! Um rockstar mais bonzinho do que a maioria, que ninguém aspira em ser, é claro, mas fecha a cara fora do palco e é um puta de um galinha. Fora que os piercings, as tatuagens e a jaqueta de couro reforçam um pouco mais a imagem, senhor international playboy.
— Não acredito que tô ouvindo isso…
— E os cigarros. Não vamos esquecer dos cigarros.
— Como você sabe dos cigarros?
Todo mundo sabe dos cigarros, Jeon. — ela respondeu em um tom explicitamente óbvio, mesmo que demonstrasse ao mesmo tempo que não se importava com nada disso, não de verdade — Mas ninguém comenta sobre isso. As pessoas querem te montar como um modelo perfeito de cidadão, o que é bizarro porque você é um ser humano, sabe? E não acredito que ainda pensem isso mesmo depois de toda aquela baderna que você aprontou na semana das fotos da Ali…
Foi a vez de Jungkook perder o sorriso. se calou e se frustrou na mesma hora. Ela não era a pessoa mais sem ambição e doce que alguém já vira na vida, mas sabia ser agradável e não tocar na ferida dos outros ocasionalmente. Beber daquele jeito transformava sua língua em algo sem travas porque seu lado racional, o que sempre vencia e estava presente no dia-a-dia, se encolhia e se calava em algum canto.
— Ah, merda, falei a coisa errada de novo! — murmurou, olhando para Jungkook pelo canto do olho — É nessa hora que você me joga pra fora do carro e nunca mais anda comigo?
— Se achar uma lata de lixo vazia, pode começar a se despedir — respondeu simplesmente, com um levantar de ombros.
revirou os olhos, um pouco surpresa com o indício de um sorriso da parte dele. Jungkook nunca sorria quando falavam de Ali. Ele não se importava em mostrar que ainda não estava bem, que não era a melhor pessoa do mundo em superar decepções. Mas agora, parecia contente o bastante em acompanhar embriagada até sua casa, o que já ditava outro grande ponto errado do dia.
Ultimamente, isso não era mais tão ruim assim.
— Você sente falta? — perguntou ele após mais um minuto de silêncio enquanto a música escapava do álbum já findado de Daniel para um mehro e toda a sua melancolia romântica em the same — De casa. Do seu país.
tentou se confortar pensando que ele não sabia. Ele não sabia. Ele, assim como todos, eram cordeirinhos de fora dessa história de lobos violentos e permaneceria assim.
— Às vezes — respondeu em voz baixa, puxando as pernas para cima — É aquela coisa, não há nada como nosso lar e bláblá. Nunca gostei de pensar assim, mas no fim até que faz sentido. Tive vidas muito diferentes em todos os países que morei, e mesmo que as coisas só tenham melhorado desde que fui embora, ainda sinto falta de alguns detalhes. É, coisas específicas, como clima, praia, terra batida, comida, principalmente a comida — seu sorriso desatinou quando apoiou a lateral do rosto no banco — Sabia que existe um jeito brasileiro de fazer tudo? É sério, é muito peculiar. O kimchi daqui com certeza ganharia milho, queijo e presunto e mais alguns temperos por lá. Viraria uma bagunça, mas ficaria muito mais gostoso — ele ergueu uma sobrancelha para uma gargalhada. sacudiu a cabeça e pareceu se lembrar de outra coisa — Você ainda não comeu paçoca, não é?
— Até hoje não sei do que você tá falando — respondeu, se lembrando automaticamente do dia daquela mesma festa.
— Típico. Aposto que também não sabe o que é coxinha.
— É um nome engraçado. Eu gostaria?
— Não existe nenhum ser humano que não goste de coxinha.
— Então por que não me apresenta? — ele desafiou, com uma sobrancelha erguida — Tenho uma cozinha grande e essas coisas. E seria bom, sabe, mostrar um pouco de lealdade ao seu país.
— Ah, então vamos discutir sobre patriotismo? Tudo bem, me faz pensar um pouco. Ou você foge totalmente do padrão dos homens daqui ou os dramas realmente estão enganando o ocidente.
Jungkook riu alto.
— As duas coisas são verdadeiras, mas em qual parte você diz exatamente?
— A parte específica de estar transando com uma garota sem pedi-la em casamento no dia seguinte.
Os olhos dele se arregalaram quando virou-se para ela, a expressão divertida e chocada ao mesmo tempo.
— Jesus Cristo, parem de assistir dramas, é sério — riu com o comentário, e ele bagunçou um pouco o cabelo — O tipo real e o da tela é muito diferente, mesmo que não seja uma generalização. E se a garota em questão for você, eu nunca te pediria em casamento seja qual fosse minha nacionalidade.
Os cantos da boca dela foram repuxados para baixo, criando um semblante levemente afetado. Sinceridade acima de tudo, não é?
— Justo. É sempre bom separar as coisas.
O concordar rápido dela fez Jungkook libertar uma risada seca.
— É, é sempre bom contar com você pra isso, senhorita certinha.
— Claro que eu sou — disse em voz alta, os olhos cerrados — A humanidade precisa de regras. Mesmo que as suas sejam uma completa porcaria às vezes.
— Em que parte?
— Beijar.
não estava testando a palavra. Ela ecoou pelo carro inteiro, quente e metálica. A forma como saiu da própria boca da garota foi espontânea e rápida, como algo que estivesse guardando há muito tempo. Jungkook sentiu os músculos superiores paralisarem por um momento, mas não teve muito tempo para refletir sobre o assunto. No mesmo momento, ele girou o volante para o lado em uma curva fechada, ultrapassando corretamente o sinal verde e freando bruscamente quando um carro surgiu do nada pelo outro lado na contramão, buzinando e arrancando como um louco.
— Porra! Babaca do caralho — Jungkook olhou para trás, arfando com o susto e a raiva, o carro parado agora há centímetros do meio fio — Você tá legal?
Quando virou para ela, estava com as costas eretas no banco, agarrando o braço que, automaticamente, voou para a frente de seu tronco, impedindo que ela disparasse para a frente com violência, mesmo que estivesse presa pelo cinto. O braço dele.
Jungkook notou a ação involuntária com o mesmo abalo, e se perguntou o que ele tinha de tão estranho e desesperado para pensar em fazer uma coisa dessas. Aliás, pensar foi a última coisa que fez. Ele tratou logo de se afastar, observando agora tomar uma cor pálida e esverdeada, muito pior do que antes.
— Porra, , prefiro você tagarelando do que vomitando no meu carro, apoia a cabeça em algum…
agarrou seu braço de novo, agora aproximando o corpo até abraçá-lo como fez no hospital, apoiando a cabeça em seu ombro. Jungkook engoliu em seco pela proximidade novamente, sentindo o nervosismo que o impedia de formar as famosas palavras desagradáveis de esquiva.
— Quando eu disse apoiar, não quis dizer pra fazer isso em mim.
— Relaxa, JK, é só fingir que nada disso aconteceu amanhã. As pedras, lembra das pedras.
Ele pensou em pedir, por favor, que ela o soltasse, porque era muito incômodo estarem perto desse jeito depois de tanto toque na última hora e, ainda por cima, com a recente lembrança do que ela tinha dito antes sobre as regras, mas ele apenas revirou os olhos, cansado.
— E desde quando hoje é um dia de carta verde?
— Desde quando você me recolheu daquele chão gelado. Agora só finja que é, por favor.
Jungkook respirou fundo e voltou a colocar as mãos na direção. A cabeça dela descansava muito suavemente em seu ombro, e mover a marcha era um pouco complicado, mas ele se via incapaz de mandá-la sair. Levaria alguns minutos para chegarem, apenas alguns minutos, era um martírio temporário.
— Como você se sente? — perguntou, girando a chave.
— Como se eu pudesse dormir a qualquer momento, mas também liberar as tripas a qualquer momento. Qual o nome que se dá pra isso?
Ele riu pelo nariz e aquiesceu, sentindo uma ideia bizarra tomar seu cérebro a cada minuto, e se alguém perguntasse, ele diria que a culpa era de e sua bebedeira, e que ela e seu estado caótico praticamente tinham pedido para que ele fizesse aquilo.
Se Jungkook encontrasse o eu dele de cinco meses atrás, pediria o que estava desejando agora: controle-se. É sério. Não tenta ser legal, isso não tem nada a ver com você. Tem certas coisas que só se fazem por amigos, e vocês dois definitivamente não são amigos, pode entender isso?
Mas aquele cara de meses atrás não tinha força nenhuma sobre os desejos do presente.
— Tudo bem. Minha casa está mais perto.


[ 10 ] – She's a silver lining, climbing on my desire

🎵 Ouça aqui:
R U Mine? - Arctic Monkeys

"Acho que o que quero dizer é que preciso do fundo do poço
Fico imaginando encontros, desejados por vidas inteiras
Injusto não estarmos em algum lugar nos comportando mal por dias
Em uma grande fuga, perdendo noção do tempo e do espaço
Ela é um raio de esperança, escalando meu desejo
﹝...﹞
E a emoção da perseguição segue de maneiras misteriosas
Portanto, no caso de eu estar enganado, eu
Só quero te ouvir dizer: Você me tem, querido
Você é meu?"

Do jardim até o hall de entrada, tropeçou pelo menos três vezes.
O trajeto parecia uma montanha, pelo menos foi o que ela disse quando apontou para a decoração de pedras ornamentais no gramado e também quando esbarrava nelas. Jungkook tentava manter seu corpo o mais ereto possível, mas as pernas cambaleantes de transformavam seu corpo em chumbo e a cada inclinação o fazia frear os passos e esperar que ela se recuperasse.
Era inacreditável. O plano era terminar a noite rindo de , e não servindo de babá para suas incorrências e seus papos sobre helicópteros.
Porque isso estava definitivamente acontecendo.
— Qual a sua opinião a respeito de helicópteros? — perguntou assim que chegaram ao pé das escadas que os levaria à porta. Houve uma longa pausa enquanto Jungkook apertava sua cintura com mais força e erguia seu corpo para cima.
— O que você quer dizer? O degrau — ele a segurou rapidamente no menor sinal de falha de seus pés. não pareceu perceber — Eticamente falando?
— Como um meio de transporte — ela conteu os passos, esperando uma resposta. Seriamente esperando. Jungkook revirou os olhos, balançando a cabeça levemente.
— Mais rápido que camelos, mas menos sustentáveis. Agora vamos — ele voltou a conduzi-la devagar. Suas mãos, ainda juntas, tornavam a tarefa um pouco mais fácil, mesmo que não menos desconfortável - ou tão confortável a ponto de ser desconfortável. Quando colocou as mãos em frente à fechadura eletrônica, Jungkook digitou os números com rapidez até ouvir o estalo da abertura.
— Acho que acabei de ver a senha da casa de Jeon Jungkook — balbuciou, ainda um pouco aérea. Ele revirou os olhos.
— Se lembrar dela de manhã, vou mandar fazer cadeados à prova de .
Os olhos dela se arregalaram por completo.
— Existe isso?
Jungkook piscou algumas vezes antes de responder, ainda mantendo a expressão séria:
— É claro, como não sabe disso? Deve ter um montão deles em Los Angeles, instalados nas casas de todas as pessoas que você já flagrou — deu de ombros. O vinco nas sobrancelhas da garota foi perceptível, realmente refletindo sobre o assunto. Jungkook bufou, puxando-a para dentro devagar, procurando dispersar o tópico, que tinha absolutamente tudo para lhe arrancar muitas risadas em dias que não existisse a possibilidade de que ela vomitaria no piso — Não vai me dizer que fica com vontade de andar de helicóptero quando está bêbada.
— Tenho — ergueu com o queixo com os olhos minguados, esquecendo-se completamente da outra linha de raciocínio que tentava manter — Sempre procuro superar os meus medos, e a altura é um deles. Que coisa louca, não acha? Como vou trabalhar na National Geographic se tenho medo de voar? Não, não responde, isso não vai acontecer, eu já venci esse receio. Porque as coisas mais bonitas são mais fáceis de serem vistas do ar.
— É claro — ele murmurou, fechando a porta e inclinando-se para acender as luzes e tirar os sapatos na entrada. fez o mesmo instintivamente, o hábito completamente já implantado. Depois, ele já guiava em direção ao sofá retrátil, agora sentindo os ombros dela baterem na metade de seus braços, fruto de sua caminhada zonza — Você simplesmente fala pelos cotovelos depois de algumas misturas, é um ótimo trunfo para usar numa discussão depois.
não pareceu ter ouvido. Seus olhos eram tão vagos e a expressão relaxada era tão frágil que não era divertido nem fazer piadas.
— Será que eu vou ter uma sala? — a pergunta veio do nada, dita para o vento enquanto Jungkook a sentava delicadamente no estofado — Ou aquelas plaquinhas transparentes com o meu nome? Ou uma poltrona confortável…
— Do que você ‘tá falando agora?
— Da Hybe! Além do crachá, mesa própria, reuniões e relatórios, vou poder pedir para alguém trazer o meu café? Ou melhor, vou poder arrumar um helicóptero? — as mãos de Jungkook foram apertadas com ainda mais força — Minha nossa, eu vou?!
— Eu não sei, mas… Ai, as unhas! — grunhiu, quebrando o contato de seus dedos de um jeito rápido desta vez. Talvez fosse o único jeito de se livrar do aperto obstinado de , que tinha unhas grandes demais para quem não sabia o que era um esmalte direito — O que você é, um siri? Vou ter que passar a usar luvas toda vez que você beber?
Houve outra longa pausa. Uma pausa para que estreitasse os olhos em sua direção e refletisse, pensasse sobre o porquê de a imagem de Jungkook ter começado a ficar cada vez mais duplicada e borrada, e como ele simplesmente não interrompia aquele frenesi maluco em sua cabeça, que pareceu ter piorado depois da chacoalhada no carro.
Por fim, ela piscou os olhos várias vezes até desistir de ponderar sobre qualquer coisa e deixou o corpo desabar no sofá, arrancando o casaco dele e jogando-o para qualquer lado. Puxou uma das almofadas pequenas de encontro ao peito e disse:
— Hmm. Até aqui tem o cheirinho de cranberry. Eu amo esse cheiro.
Jungkook revirou os olhos novamente. Ok, ela vira uma completa maluca que não diz nada com nada, posso lidar com isso.
— Ouvi 300 coisas que você ama hoje, tenho a opção de dizer que não aguento mais? — perguntou ele.
— Quer saber uma coisa que eu odeio?
— Não.
Você.
— Quer ouvir uma coisa engraçada? Eu não ligo — ele curvou as costas para junto de seu tronco, pegando em seus ombros novamente — Anda, você precisa de um banho.
— Ah, não. Me deixa ficar aqui com a almofadinha. Nãoooo, JK! — ela gemeu, agarrando-se ao tecido com desespero, mesmo que ele não fosse garantia nenhuma de manter seu corpo ali. Jungkook bufou e passou uma das mãos pelo cabelo.
, qual é, isso é um absurdo. Você precisa de um banho e um café, e de qualquer coisa que te deixe sóbria. Dá pra entender?
— Não, acha que eu não sei o que é isso? Você vai me dar um banho gelado, eu não quero! Não!
Seria bom que Jungkook não desse uma resposta com tanta sinceridade no momento, e sua língua coçou por isso, mas deixou apenas escapar uma respiração pesada do nariz e falou com paciência:
— Não faço ideia de qual é a temperatura do chuveiro, se isso ajuda. Agora dá pra parar com isso? Vem.
Nãoo…
— Como quer andar de helicóptero se tem medo de um banhozinho gelado? — Jungkook ergueu as sobrancelhas em desafio — Assim não tem como te dar credibilidade, .
remoeu por um momento e repuxou os lábios, permitindo-se ter o corpo alçado para cima como se fosse uma caixa. Era extraordinariamente fácil obedecer a Jungkook naquela pose de cara de 30 anos, e era ainda mais odioso ser provocada por ele.
Jungkook tinha pouca experiência em “disciplinar” os amigos bêbados porque, na grande maioria das vezes, estava muito ocupado sendo um deles, mas não podia negar que os olhos baixos de , misturados com seus cabelos bagunçados e os erros constantes na pronúncia de coreano estavam sendo um pacote mais divertido do que imaginou.
também tinha pouca experiência em ser a pessoa que precisava de uma babá, mas admitiria mais tarde que foi um alívio ter sido cuidada por Jeon. O toque dele a fazia se sentir estranhamente segura, o cheiro dele e de sua casa eram os mesmos, ainda que ele não soubesse disso — e amava ambos os aromas.
— Eu não gosto de banho gelado! — repetiu, com a voz grogue e sonolenta. Não havia mais nada que a impedisse de ir junto com ele para o banheiro, mas as reclamações ainda estavam na ponta da língua.
— Adivinha só? Não me importo com o que você gosta — ele retrucou, e nem sentiu culpa quando deu o sorriso debochado, sem mostrar os dentes, enquanto virava no corredor que levava ao banheiro do térreo. Jungkook também não tinha muita experiência em ser amável e cordial com .
— Você é realmente um babaca — ela tentou erguer um dedo para apontá-lo na rota dele, mas seu senso de direção também estava desfalcado.
— Essa é a coisa mais extraordinária da situação — ele se soltou de , abrindo a porta do banheiro. A garota permaneceu parada e frustrada; tanto pela falta do contato quanto pelo que ele dizia — Você não ficar esperançosa sobre mim mesmo depois de hoje. Agora entra.
Ela piscou os olhos algumas vezes e arfou de exasperação.
— Quer dizer que amanhã você vai continuar sendo o mesmo crápula de sempre?
— Ah, pode ter certeza disso, senhorita. Talvez até pior do que antes, apesar de todas as probabilidades — um sorriso canalha nasceu em seus lábios. Aquele mesmo sorriso bonito e atraente que fazia ficar tonta por alguns instantes — Agora que tal você começar a tirar a roupa?

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Jungkook estava indo contra todas as regras da associação ‘cura de ressacas amadoras’ ao regular o chuveiro para o morno.
Tudo culpa de . Quando entraram no banheiro, aquela garota o olhou com o pesar de alguém sentado no corredor da morte. Era muito provável que saísse correndo na primeira oportunidade, e a última coisa que ele merecia hoje era ter caindo mais uma vez.
Quando deixou a área do box, viu que ela continuava estática no meio do cômodo, encarando seu reflexo no espelho grande em cima da pia como se estivesse tentando se decidir se era uma mulher mesmo ou um corvo, com aquele cabelo disperso e a pouca maquiagem borrada, concentrada logo abaixo dos olhos.
Pelo menos, não estava mais tão pálida ou verde como quem queria vomitar, o que o fez deixar de temer a situação por alguns minutos.
— Falei sério sobre tirar a roupa, — ele falou, caminhando até o armário há alguns metros para alcançar algumas toalhas da gaveta debaixo.
revirou os olhos, começando a abrir o zíper de seus shorts. Por um momento, era muito difícil imaginar que teria todas as travas possíveis para fazer tal coisa até na frente de Candice. Mas ali, com Jungkook, era algo tão natural quanto um cumprimento entre duas pessoas.
— Não é só porque a gente transa que eu queira tirar a roupa pra você em qualquer ocasião — balbuciou, com os olhos semicerrados.
— E não é só porque a gente transa que eu tenha que ser gentil, mas olha só que loucura — ele respondeu, propositalmente sarcástico. Ela deu uma risada irônica, puxando os bolsos para baixo e chutando a peça para a frente.
— Falar assim comigo em uma situação íntima vai contra todo o cavalheirismo que você não aprendeu. Em tempos antigos, você teria que se casar comigo só por estar nesse banheiro.
— Achei que eu estava fazendo uma boa ação, por que eu teria que ser punido dessa forma? — Jungkook apoiou uma toalha grossa de cor escura em cima da pia, virando-se para observar a garota de ombros baixos ainda encarando seu reflexo caótico no espelho — Quer ajuda?
— Não precisa.
Jungkook assentiu e murmurou algo sobre buscar uma camisa, saindo do banheiro e subindo apressadamente até o quarto, torcendo para que o que imaginava estar guardado em uma das gavetas do closet, ainda estivesse lá e não ter ido parar no lixo ou na caixa de doações em suas noites de bebedeiras solitárias.
Abrindo um dos últimos repartimentos em cima, onde ele entulhava tudo e mais um pouco do que não sabia se usaria ou se ainda pudesse ser útil algum dia, ainda mantendo um odor empoeirado de sândalo e flores de laranjeira, Jungkook puxou a caixa que guardava mais caixas pequenas dentro. Era um amontoado de coisas antigas e, por isso mesmo, mais desagradável de se olhar. Abriu uma delas, retirou um pacote, apanhou uma das camisetas do Buzz Lightyear penduradas avulsamente ao lado e voltou a descer, sem pensar muito.
Assim que chegou novamente no banheiro, encontrou com os braços para cima, a cabeça presa dentro de sua própria blusa e, claro, gargalhando por isso.
— Você está ótima — disse ele, revirando os olhos mais uma vez. Ela riu ainda mais ao constatar a presença dele. Largando a camiseta e o outro pacote em cima da bancada, ele se aproxima e puxa o tecido para cima, libertando e seu sorriso frouxo — Você seria o tipo de mulher alcoolizada que dorme na calçada.
— Não sei se você ‘tá falando sério ou não — ela fez mais um bico. Ele suspirou, puxando-a para mais perto.
— Fica parada por dois segundos — e levou as mãos para suas costas, abrindo o fecho de seu sutiã com agilidade, descendo-o por seus braços. Ela usava uma peça azul escura com uma estampa pesada que encontrara em um bazar de segunda mão em Los Angeles. Parecia que uma linha de bordado estava atacando e matando todo o design do modelo. Com certeza era o tipo de coisa errada para se mostrar a um cara, mesmo que não fosse dormir com ele.
Se estivesse sóbria, talvez se preocuparia com isso. Mas nem ela, e muito menos Jungkook pareceram dar importância. Nada do que usava o incomodava, muito pelo contrário; ele gostava de sua autenticidade de ‘estilo básico universitário by bazar’ que caíam muito bem nela, mesmo que demonstrasse uma atitude contraditória a isso quando zombou de seu vestido florido há dois meses antes, e quando a viu usar sandálias abertas há algumas semanas, e piorava ainda mais quando a via usando batom.
Ficava bonita. Ficava tão bonita que ele precisava dizer algo engraçado para disfarçar.
A calcinha parecia a mistura de vários pedaços diferentes de tecidos verdes. Alguns deles listrados, outros de crochê e outros transparentes. Fez parecer bastante conservadora no quesito de que tudo poderia ser utilizado, até mesmo para criar vestimentas bizarras.
Subindo o olhar para suas bochechas, ele estalou a língua e passou o polegar debaixo de seus olhos, limpando os resquícios de rímel que tinham manchado a pele da região. O toque repentino causou um arrepio incompreensível nos braços de . Jungkook passou o outro pelo segundo olho e, sem querer, se deixou ser raptado pelo rosto da garota e por seus detalhes que sempre pareciam novos e surpreendentes.
Hoje ele reparou que ela tinha um conjunto de pintinhas perto da boca. Que a ponta de seu nariz era mais avantajada vista de tão perto, e as maçãs de seu rosto eram cheias e bem desenhadas. Seu queixo também combinava com o caminho até o lábio inferior; não tão cheio, não tão fino, mas muito, muito chamativo. Era sedutor, vistoso. Talvez por isso ficava tão bonito de batom. Talvez por isso não quisesse ficar olhando tanto para ele no meio do sexo porque fazia-o querer beijá-la. Talvez quisesse mesmo beijá-la. Algumas vezes. Mais vezes do que gostaria.
Poderia beijá-la algum dia sem que isso nos tornasse um casal, pensou. Eles definitivamente não seriam um casal.
Instintivamente, ele passou um dedo pelo cabelo revolto e perdido da garota, meditando inquieto sobre como ainda poderia ficar tão bonita em um estado tão desordenado e natural. Tão bonita que chegava a ser injusto. Era inacreditável pensar que aquela garota era a responsável por uma das noites mais incríveis de sua vida, e que jamais ficaria sabendo disso.
— Eu espero muito que esse olhar não seja de tesão — a voz dela soou divertida, puxando-o de volta para a realidade. Jungkook recolheu a mão rapidamente, os olhos arregalando-se de uma surpresa genuína. Quando ela riu novamente, ele se viu obrigado a repuxar os lábios com irritação, sentindo a base da nuca queimar.
— Não viaja — respondeu, afastando-se a dois passos. Não era tesão. Era pior, muito pior. Era admiração — Vai, vou fazer um café pra você. Tenta não molhar o curativo, ainda não sei onde guardei a caixa de primeiros-socorros — e então, ele começou a andar para a porta, mas parou antes de chegar ao limiar, tomado por uma ideia inesperada. Antes que perdesse a coragem, virou-se para ela e perguntou: — Como você gosta do café?
— Puro e com muito açúcar.
Ele quis rir, mas apenas assentiu e se retirou. Expresso com canela ou baunilha eram apenas as primeiras opções menos luxuosas que pensou, mas conseguia ser cada vez menos do que ele esperava.

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Ela estava demorando mais do que o normal.
Enquanto o café era feito pela máquina, Jungkook separou os remédios dados pela enfermeira, digitou um pedido de Juk 죽 no telefone, ajeitou o termostato, as luzes e esperou. Mas um banho não demorava tanto assim, e aquela espera se tratava de bêbada no banheiro, o que, mesmo sendo uma situação nova, já explicava bastante coisa. Bufando, ele seguiu caminhando para o corredor vizinho, indo de encontro à porta que tinha deixado meio aberta.
Um fio de água invadia a metade do corredor. O barulho do chuveiro estava a todo vapor. As possibilidades do que estava acontecendo o fizeram apressar o passo e abrir a porta em um jato.
? — só a luz acima do espelho estava acesa, iluminando apenas metade do lugar, desnecessariamente grande. Quando avançou para entrar, seus pés descalços deslizaram acidentalmente no piso molhado não visto, fazendo-o segurar na maçaneta, mas não impedindo que seu tronco se desequilibrasse e sua cabeça batesse na madeira, bem do lado esquerdo onde o piercing transpassava sua sobrancelha.
— Meu deus! Jungkook! — finalmente gritou, cambaleando para desligar o chuveiro, mas não durou muito tempo na expressão de desespero. Sua garganta roncou quando tentou segurar o riso — Não acredito…
Xingar foi a primeira reação do rapaz. Com os dentes cerrados para segurar a dor, ele levou um dedo para a sobrancelha. Estava molhada e quente. Alguma coisa certamente tinha dado terrivelmente errada na região. Por fim, ele revirou os olhos, agora reparando por toda a extensão do espaço: inundado.
— Mas que merda você fez aqui? — arfou, sinceramente estupefato. , enrolada na grande toalha que estava em cima da bancada, deu alguns passos trôpegos à frente, quase caindo de novo.
— Eu achei que tinha perdido a toalha. Aí acho que vomitei em algum lugar? — sua resposta parecia ser tímida, desengonçada, mas então depois não era mais — Eu só quis limpar…
Ela levantou os ombros no final, alheia à destruição. Ele observou os estragos latentes: a roupa dela jogada ao chão, tomada pela água, junto com a camiseta que ele tinha trazido. O vaso sanitário estava aberto e a pia em um estado catastrófico. Jungkook bufou, fechando os olhos com força, que doeu mais do que o normal por causa da sobrancelha e o único pensamento coerente era: Puta que pariu.
— Minha nossa, isso tá sangrando — o corpo dela de repente estava colado no seu, e seus pés levantaram para que ela alcançasse a ferida para observá-la melhor, o que a deixava centímetros insanos mais perto dele. Além de deixá-lo nervoso, serviu para reforçar o cheiro de shampoo e sabonete emanando de sua pele, mostrando que, apesar do desastre de ter seu banheiro transformado no Mar do Norte, ela pelo menos tinha tomado banho — Tá doendo? Minha nossa, por que essa porta iria querer te machucar? Eu juro, eu vou…
— Eu ‘tô legal — aquelas pintinhas recém descobertas estavam muito perto, então ele as afastou. Pegou pelos braços, notando brevemente que seu rosto estava mais pálido do que antes, aquele tipo de palidez que não o deixava entender errado — O que mais você fez além de vomitar?
— Escovei os dentes com uma das escovas na gaveta — respondeu , apontando para a gaveta semi-aberta do armário, sentindo as bochechas um pouco quentes — Mas estava lacrada em um pacote, eu juro. Vinha até com aqueles acessórios de proteção. Se quiser, posso pagar por ela.
Jungkook olhou para ela e seu sorriso amarelo, como quem não consegue acreditar nas ações e nas palavras que ela dizia. Era um absurdo transformar seu banheiro social em uma piscina infantil e sair pegando coisas nos armários, mas era ainda mais absurdo pensar que ele se descontrolaria por causa disso.
— Você… — ele começou, zangado; talvez porque esteve fazendo a droga de um café enquanto ela passava mal; talvez por tê-la deixado tomar banho sozinha sem supervisão; talvez pela dor na sobrancelha; por fim, a conversa não precisava avançar mais. Ele suspirou, cansado — Vem, depois eu dou um jeito nisso.
sorri, interpretando o recado como mais uma oportunidade de segurar nas mãos de Jungkook. O rapaz já nem olhava mais a atitude com raiva; apenas revirou os olhos, apagou as luzes e guiou a garota de volta para a sala. Algo o dizia que também se martirizaria amanhã quando se lembrasse que deu uma de bicho-preguiça várias vezes para cima dele, e, pensando bem, isso também poderia ser muito engraçado, essencialmente pelo motivo que ela veria a impossibilidade de voltar atrás.
Na sala, ela se soltou apenas para despencar no sofá de novo, ainda enrolada na toalha grossa e macia. Era de se esperar que ela se sentisse mal com a nudez iminente a cada movimento, mas aquele era Jungkook. E uma ponta em renda preta escapou para fora na parte debaixo quando fez uma virada brusca para se deitar de lado. Os seios estavam devidamente cobertos pela toalha.
Quando a máquina de café apitou em sinal de trabalho concluído, Jungkook voltou para a cozinha e despejou o líquido numa caneca transparente, dosando uma quantidade razoável de açúcar por pura pena de , já que, em situações normais, não se colocava nenhuma. Antes de sair, deu uma olhada no vidro espelhado do microondas embutido na parede, acima do forno. Aconteceu o que temia: a batida foi mais intensa do que pareceu e o sangue na sobrancelha, ainda brilhante, se condensava em torno do metal um pouco torto, causando dor e incômodo.
Infelizmente, Jungkook precisaria se livrar dele o mais rápido possível.
A verdade era que ele também precisava se livrar de , mas cada coisa no seu tempo.
Ela tinha os olhos fechados e agarrava a mesma almofada de antes, pateticamente inebriada. Ele se senta na ponta do sofá, apoiando a caneca na mesinha de té à frente e começa a puxá-la para cima.
— Ei. O que te faz pensar que vou deixar você dormir no meu sofá? — resmunga em protesto. Os cabelos molhados tinham um aspecto amassado — Olha aqui, seu café. Bebe um pouco.
Seria mais fácil se ela apenas dissesse um “tudo bem” e bebesse, mas ao sentir o cheiro do copo quando erguido para cima, sua expressão de asco foi a reação imediata.
— Não quero isso, vou vomitar de novo.
— Isso vai te acordar. Vamos — ele estende a caneca com cuidado. afunda as costas no sofá, pegando a cerâmica e bebendo o líquido devagar. O sabor quente e forte estremeceu todas as suas células. Tossindo uma vez, ela balbuciou: — Isso tá horrível.
Jungkook sorriu.
— Eu sei.
— Não me acha bonita o suficiente nem para fazer um café decente para mim?
— Não te acho bonita. Ponto.
— Sua cabeça de baixo discorda…
— Bebe o café — cortou, incisivo. Ela estalou a língua e olhou para a bebida escura com sofrimento, não de uma maneira que deixava pensar que gostava de qualquer outro tipo de café.
— Você fez, não é? — a pergunta foi tristonha. Jungkook apoiou os cotovelos nos joelhos, assentindo com um sorrisinho debochado, vendo-a estudar a bebida mais um pouco antes de tomar mais um gole grande — Minha nossa, isso tá mesmo muito ruim, parece aquela água suja que serviram em De volta pro Futuro 3 — disse, devolvendo a caneca imediatamente — Você só me traz cilada, Jeon. Tira essa coisa daqui.
Ele não parecia satisfeito com a recusa, mas também não estava afim de lutar para que aceitasse seu café, como talvez Candice faria. Com um suspiro, ele apenas se levanta de novo e caminha de volta para a cozinha, trazendo água e os comprimidos.
— Sei que não sou sua pessoa favorita, mas seus problemas de hoje não tiveram minha mão no meio. Toma — estende o copo.
— O que é isso agora?
— Uma poção para te deixar mais bonita — disse ele, trazendo novamente o sorriso plácido. vira os olhos e engole o remédio rapidamente; sem caretas ou reclamações.
— Não falo só dos problemas de hoje, Jungkook. Falo de tudo — repentinamente grogue, ela deitou novamente, esticando o corpo desengonçadamente pelo sofá — E isso é uma piada, porque as coisas estão começando a dar certo para mim, e aí, de repente, uma coisinha só… Começa a ficar estranha e eu não entendo porquê, e odeio não entender as coisas.
Quando ela disse isso, Jungkook ouviu seu sotaque ainda mais carregado do que nunca, pendendo bastante para trocar os idiomas de novo, mas não chegou a acontecer. Ele suspirou e apoiou o copo ao lado da caneca em cima da mesa, chegando perto do corpo tombado da garota e agarrando outra almofada próxima de seus pés.
— Devo perguntar do que você tá divagando agora? Levanta a cabeça — falou, dedilhando sua nuca até erguê-la o suficiente até apoiá-la no algodão. levantou um dos dedos para começar a falar, rindo logo em seguida, uma risada estranha que mais parecia com um cardeal, e logo abriu bem os olhos, focando em qualquer parede.
— Ah, não cheguei a te contar isso, não é? Seu amigo Jaehyun não fala comigo há dias — declarou, com uma risadinha vagarosa — Sabia disso? Tipo dias. Muitos dias pra quem costumava mandar mensagens a cada hora.
Os pés de Jungkook estavam prontos para se arrastarem de novo até a cozinha, mas pararam bruscamente com a informação.
— O quê?
— Pois é. Viu sua cara agora? É a cara que eu ando fazendo, só que não tão assustada assim porque não é lá uma coisa que eu não estava esperando.
O rapaz considerou o que ela havia dito. Foi como se genuinamente tivesse sido atingido por um soco no estômago. Ou um soco na área machucada bem em cima de seu piercing, algo que chacoalharia sua cabeça em um vórtice. Quando viu, já estava sentado em cima da mesinha novamente, considerando a questão um pouco mais.
, como assim? Isso não faz sentido — afirmou com convicção. Estavam falando de Jaehyun, caramba! Não tinha cabimento! — Ele gosta de você — ele gosta realmente de você, fiquei sabendo disso em alto e bom tom na semana passada, cara-a-cara, então me diga que você só pode estar muito bêbada mesmo.
Blé — exclamou — E daí? Por que vocês insistem em dar tanto valor à palavra gostar? Ele pode gostar de mim e mesmo assim sair com outras mulheres, não foi isso que você fez questão de me falar naquela festa?
Jungkook se sente como se tivesse levado outro murro, desta vez certeiro na outra sobrancelha, tão doído quanto. A culpa. Ela escapou de novo, trazendo flores e um cartão.
, não é isso… — ele começou e parou, estranhamente desconcertado — Tá bom, olha, sei o que eu disse, e sei que eu estava com muita raiva naquele dia, mas sério, se existe algum cara que eu não vá atribuir essa frase é o Jaehyun, então…
— Ok, ok, sério, não ‘tô preocupada com isso — ela olhou para ele, levantando os ombros. Sua voz parecia mais branda e estática, mesmo que ainda sonolenta. Jungkook parou com a boca entreaberta, ansioso de repente para explicar. Era como se as palavras dela tivessem fiado uma espécie de linha entre eles, onde não receberia qualquer tentativa de argumentos — Pelo menos é o que eu digo para Candice e o que eu vou dizer pra você: não ‘tô preocupada. Minha condição agora pode ser resumida em: sexualmente satisfeita, mentalmente confusa e emocionalmente desnorteada, talvez? Pois bem, não importa. É o que eu disse: ‘tô bem. E acreditem nisso, porque ficar preocupada com essas coisas não vai me ajudar em nada.
Ela riu mais uma vez, mas não passava de uma cena. Uma média para que pudesse ser otimista sobre as coisas, mas Jungkook notou seu tom amargo e sentiu que devia aliviar a tensão de algum modo.
— De nada pela parte do sexualmente satisfeita — tentou, mas a frase divertida não combinava com seu rosto. Ainda era sério, confuso, absorto. Não é verdade, ele me disse na ligação. Por que estava dizendo essas coisas? Por que Jaehyun sumiria? Não existia a menor possibilidade de ele magoá-la; ou melhor, de que magoasse alguém.
— Obrigada, international playboy. Você é bem bonito e prestativo, como todo rockstar bonzinho — mais uma gargalhada e ela virou o corpo para cima, encarando o teto alto com as luzes baixas — Mas seria engraçado, não é? Se ele voltasse e tudo aquilo não tivesse passado de um interesse momentâneo. Odeio admitir o quanto eu ficaria chateada, mesmo que não surpresa. Mas acima de tudo, se isso acontecer, qual é o sentido de tudo isso que eu e você estamos fazendo?
Jungkook engoliu em seco, odiando em partes a lógica do raciocínio. Ele e estavam metidos naquilo por causa dos planos dela com Jaehyun. Porque gostava dele a ponto de querer dormir com ele, porque pensava que ele queria a mesma coisa, e não era preciso lhe fazer perguntas para saber que sim, ele queria.
Era uma distração sem compromisso que tinha ficado divertida no meio do caminho, mas que ainda tinha data de validade e uma promessa implícita de ser jogada no mar do esquecimento logo depois. Os dois disseram isso. Os dois concordaram com isso. E os dois, naturalmente, estavam preparados para isso.
Mas sem o denominador comum Jaehyun, o que aquilo virava? Sem uma data de término, sem previsões, sem regras…
Ele se lembrou repentinamente da última coisa que Jaehyun disse naquela ligação: “É só que a é uma garota muito especial e sinto que não tô fazendo as coisas direito, então, se eu não puder dizer a ela o que eu sinto algum dia, pelo menos deixei outra pessoa saber.
Naquele dia, tinha soado tão confuso e absurdo que não valia a pena para Jungkook e sua mente bêbada tentar adivinhar os enigmas. Mas sua expressão naquela sala se tornou pesarosa; deixou claro o quanto tinha entendido tudo e nada ao mesmo tempo.
Porra, Jaehyun, o que você tá fazendo? O que eu ‘tô fazendo?
girou o corpo novamente, sorrindo com os olhos pesados.
— Seria hilário, muito hilário — ela continuou, rindo novamente, mais engasgada desta vez, desatando um nó na garganta — O primeiro cara que me levaria em um encontro não me levar mais em um encontro — então, gesticulou abertamente com os braços, como se desenhasse um letreiro no ar — Fiquei imaginando como ele ficaria se soubesse da minha promoção. Pensei em contar pra ele na mesma hora, mas nem isso consegui fazer. Isso é tão ridículo, não é? Essa apreensão, esse medo de incomodar, o receio do que a outra pessoa pode pensar… Descobri que pode ser cansativo, igual diziam naqueles filmes antigos que ninguém quer ver. Acho que eu devia aceitar o convite de encontro às cegas da Candice.
Respirando fundo, Jungkook não se manifestou. Mesmo que a última frase o tenha pego de supetão. Mesmo que tenha se sentido instantâneamente ridículo com isso. Nenhuma palavra no dicionário descreveria o quanto ele estava confuso no momento.
Alguma coisa estava errada, muito errada. Muito mais estranha do que errada. A ligação existiu. Jaehyun era um dos caras mais honestos que já tinha conhecido. Tinha se abrido sobre seus sentimentos, mesmo que Jungkook dissera implicitamente que não o ajudaria em nada disso. Em contrapartida, estava ajudando ela. E assim, aqueles dois ficariam juntos no final. Ele não. Ele só estava se divertindo um pouco, se vingando, sofrendo dezenas de realizações pessoais ao ver a garota que tanto detestava implorar em centenas de linguagens corporais e verbais diferentes o quanto o queria, e isso por si só era uma vitória. A situação estava sob controle, mesmo que, após Jaehyun ter ligado, Jungkook talvez tenha rabiscado um mapa impreciso para algum lugar sem nome que se parecesse muito com “estou-louco-por-uma-sentada-específica” e seguido para ele sem pensar, mas não seria por muito tempo. Seu amigo queria ? Então que tenha .
Mas porra, se não quisesse, por que todo aquele discurso? Por que não dizer alguma coisa que não o fizesse se sentir um merda de um filho da puta?
Mas se não quisesse, por que Jungkook continuaria com o acordo? Ele existia por causa de Jaehyun. e Jungkook eram apenas as duas linhas paralelas que indicavam o caminho principal. Sem ele, as duas coisas se dispersavam e sumiam por ruas laterais da vida, com nomes complicados demais.
Caralho, que merda. Que confusão.
Ele sentiu desejo de fazer mais perguntas, mas os olhos de já tinham se fechado completamente e seu busto iniciava o ritmo lento de sono: cima, baixo, cima, baixo.
Por fim, ele dispersou os pensamentos e tocou o braço da garota de novo, puxando-a para cima.
— Você devia acordar, se vestir e ir pra cama. Vem, vou te levar.
choramingou, abrindo os olhos com aversão, rotulando Jungkook de todos os piores nomes em que conseguia imaginar.
— Não, eu quero esse sofá, eu gosto dele! Me deixa ficar nele.
— Esse sofá não foi feito pra dormir, e amanhã você vai estar insuportável se mais alguma coisa doer além da sua cabeça. Vem — ele se põe de pé, inclinando o queixo na direção da escada. geme mais uma vez em busca de socorro, mas Jungkook não estava disposto a ceder. Ela, então, estreita os olhos e estende a mão, passando para ele uma aura de desafio inconsciente.
Uma risadinha escapou de seu nariz. Revirando os olhos, ele agarrou sua mão, levantou-a do sofá e entrelaçou seus dedos mais uma vez.

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Aquele quarto era, de longe, o menos chamativo em relação a toda a arquitetura bem planejada do restante da casa de Jungkook.
No entanto, quando se viu dentro dele de novo, foi como se finalmente tivesse chegado no melhor destino de uma tour. Em um minuto, ela entrava pela porta e, no outro, soltava as mãos de Jungkook e corria para a cama grande e confortável, sentindo-se abraçada e protegida, como na noite dos raios.
— Isso é tão, tão bom — seus braços agarraram a colcha grossa, que carregava o mesmo cheiro de todo o andar debaixo. Então, puxou e abraçou um dos travesseiros, parecendo mais do que pronta para fechar os olhos e apagar de vez.
— Você é tão simples de agradar? — ele ergueu uma sobrancelha em sarcasmo. não lhe deu ouvidos; um sorrisinho contente tomava seu rosto à medida que se aninhava nos cobertores — Não dorme ainda, vou buscar outra camiseta para você.
Ele saiu para o corredor novamente, entrando na suíte principal e indo direto para o closet semi organizado. Desta vez, preferiu não procurar a roupa nos cabides. Eles estavam abarrotados com camisetas grandes, variando entre preto, branco e cinza, e outra metade tomada por camisas e casacos brilhantes, moletons de tour e sua coleção inteira da Balenciaga e Louis Vitton. Não tinham tantas, como era teorizado por aí. Jeon Jungkook era um cara que não via problema em repetir as mesmas roupas publicamente, mesmo que, essencialmente, não precisasse fazer isso.
Ele puxou outra caixa do mesmo compartimento da última vez. Pegou uma peça grande de dentro de uma sacola com a etiqueta ‘para doação' e voltou a guardar o papelão. Ela não tinha nada demais — a ideia de pegá-la veio do nada. O tecido nem era tão bom e a estampa era autoral; um desenho seu, aleatório, sem graça. Pelo menos era o que Ali dizia - que ele podia fazer melhor que aquilo. E talvez podia mesmo, hoje em dia. Mas, assim como compor, fazia um bom tempo que não desenhava nada.
Amar aquela camiseta se tornou insignificante diante do 'não gostar’ de Ali, e assim, se tornou fácil deixá-la de lado. Não era tão importante assim. Era só um desenho de céu, mar e areia escura. Ele tinha 16 anos e sentia falta de Busan. Sentia falta de casa. E, olhando para ela de novo, sentiu ainda mais.
Voltando ao quarto, ele a encontrou parada no mesmo lugar, balançando os pés lentamente para fora das cobertas. Aproximou-se e sentou na beirada da cama, tocando seu ombro devagar.
, não dormir. Lembra? — tentou virá-la para cima, e ela contorceu o rosto, sem abrir os olhos.
— As luzes — balbuciou — Quero as luzes.
Ele suspirou por um longo momento e, então, esticou o corpo na direção da mesa de cabeceira há alguns metros, agarrando o pequeno controle característico.
Em um instante, as paredes foram invadidas novamente pela galáxia colorida e pelos traços da via láctea em cada ponto do quadrado. Foi o motivo suficiente para que abrisse os olhos, mesmo que com pouca intensidade, e desse um sorriso satisfeito, maravilhado.
— Quer ouvir alguma música? — perguntou ele, também exultante diante da reação. Esperou enquanto ela franzia o cenho diante da questão e se achegava para mais perto dele.
— Hoje eu quero ouvir Lauv. E um pouco de Arctic Monkeys. Mas também quero ouvir Daniel. Sempre o Daniel.
Jungkook prensou os lábios, segurando o aparelho com muito cuidado enquanto verificava as opções em sua conta vinculada do Spotify. Pensou em pedir para que ela dissesse uma música específica, ou um álbum específico, porque a noite seria longa e era cansativo ir selecionando uma a uma em uma fila de reprodução. Um pouco de organização era importante para ele.
Foi então que a playlist “drunk paparazzi” foi criada.
Naquela noite, não tinha nada de importante além de uma seleção aleatória de músicas. Paris in the Rain foi a primeira a preencher o ambiente, jogando mais cor e harmonia ao redor.
Era uma música boa. Uma música que a fazia se lembrar de desejos antigos e a vontade desesperada de realizar um monte de sonhos ao mesmo tempo, esquecendo-se de aproveitar e respeitar o processo.
E ela podia dizer que eles estavam começando a se realizar.
— Você conhece o Lauv, não é? — perguntou depois de alguns minutos, ainda dormente. Jungkook ainda segurava a camiseta no colo e, pela expressão no rosto dele enquanto ainda selecionava as músicas, não sabia no que prestar atenção primeiro: na vibe tranquilizadora do som que achava que combinasse com ela ou em seu rosto imersivo e simplório sob as luzes, que nunca era uma imagem tediosa. Ele não podia passar mais tempo ali, se não encostaria na cabeceira sem compromisso e amanheceria com ela de novo.
— Conheço.
— Ele é legal?
— Com certeza. Deixou isso bem claro quando nos convidou para a parceria e trabalhou mais pesado ainda no estúdio. Acho o conceito dele brilhante. Um dos maiores cantores dessa geração.
— Eu gosto muito dele — ela disse rapidamente, suspirando — Deve ser muito bom dizer por aí que conhece um cantor legal.
Jungkook riu pelo nariz, finalmente depositando o controle em cima da mesinha e se levantando outra vez, antes que começasse outro monólogo como se fosse um diário de sua vida ou coisa parecida.
— Você também conhece muitos artistas legais — falou enquanto puxava o cobertor de cima dela. A garota gemeu em protesto quando teve os ombros erguidos para cima, obrigando-a a se sentar — Agora é sério, você precisa se vestir.
Arr, chato — revirou os olhos, desatando o nó já frouxo da toalha na área dos seios — Tudo bem, vou devolver todos os seus pertences, Jeon — com um resmungo, a toalha é atirada com um impulso fraco para o outro lado da cama. O movimento fez rir e enroscar uma perna em cima do colo dele, distraidamente. A nudez superior de seu corpo estava totalmente à mostra — Quer que eu devolva a calcinha também?
Baixando os olhos, ele viu a renda preta que contornava sua pelve de um jeito mais perfeito do que imaginou. Um jeito insanamente lindo. Como se estivesse esse tempo todo esperando por ela, guardada dentro daquele pacote que pegou mais cedo, ao lado de vários outros que tinha comprado há muito tempo atrás, para alguém que pretendia dividir o teto, as refeições, os planos e uma vida inteira.
O rosto de não o deixava se lembrar disso. Debaixo daquelas luzes, seu corpo desnudo beirava a uma beleza quase etérea. Algo muito, muito difícil de explicar. Fez com que ele prendesse a respiração para não arfar, não soltar pela boca toda a agitação que tomava a base de seu estômago e a corrente sanguínea enlouquecida que corria para o meio de suas pernas. O olhar dela era sugestivo, seu meio sorriso era sacana e ele sentiu o peito apertar de saudade. De falta. De necessidade brusca de se encaixar nela porque, de todas as coisas loucas e imprevistas de sua trajetória, aquela era a que mais fazia sentido.
Era tesão. Era muito, muito tesão. Mas não era só isso, não era só isso, droga, não era só isso!
Engolindo em seco, ele balançou levemente a cabeça e voltou ao cerne da razão.
— Sai dessa, — murmurou, puxando seus braços para a frente e colocando a camiseta em seu colo — Adoraria terminar a noite te fodendo pra ver se para de contar histórias, mas minha mãe me deu modos. Só transo com alguém bêbado se eu também estiver, então acho que você entende bem porque vai manter essa calcinha no mesmo lugar.
piscou os olhos, como se tentasse assimilar as palavras dele, que pareceram complicadas por um momento, até sorrir e dar de ombros, passando os braços pela camiseta.
— Mas você a viu, ela é tão bonita… — puxou debilmente o tecido para cima da cabeça, demorando mais do que o normal pelo tamanho da peça e pela fraqueza dos braços. Uma nova onda de risadinhas fracas escapou da garganta — Normalmente isso seria muito humilhante…
Revirando os olhos, Jungkook se aproximou de seu busto, puxando a camiseta para baixo, desobstruindo a cabeça da garota e afastando o excesso de fios na frente dos olhos.
Os olhos dela eram bonitos. Tinham uma cor meio amendoada, meio fosca. Refletia um pouco das luzes ao redor. Abria um portal de viagem cósmica enquanto ILYSB de LANY chegava à primeira estrofe, e os detalhes de seu rosto - de novo, notados de repente - pareciam únicos e impecáveis. parecia mais do que bonita. Parecia singular.
Normalmente, ele não ficava olhando tanto para garotas bonitas no geral. Mas não sabia o que pensar. Só estava acontecendo. Acontecia e acontecia e acontecia.
E o delay momentâneo, que sabe-se lá quanto tempo durou, parou bruscamente quando sentiu sua respiração perto da boca, quando seu nariz tocou o dela e suas bochechas roçaram uma na outra.
Mas Jungkook não tinha se mexido. Nenhum centímetro. A questão era ter se aproximado devagar, os olhos cravados nos lábios do rapaz, a excitação do momento fervendo em cada célula do corpo. O garoto acordou do torpor, agarrando firme a lateral do colchão.
— O que você tá fazendo? — Jungkook cerrou os dentes, assustado. A voz estava rouca de temor. Ela estava tão perto, mas tão perto, de um tipo que o deixava pequeno. Fraco. O sorriso dela foi se aproximando cada vez mais.
— O que você acha? — passou uma das mãos livres para a nuca de Jungkook, e era perceptível a aura estranguladora acontecendo naquele espaço ínfimo.
Ele sentiu raiva. Uma vontade de correr, um desespero irado para que a afastasse e só saísse, sem gritos ou críticas. Era fácil fazer isso com as outras, sempre foi. Jungkook não distribuía beijos desnecessários. Não beijava. Não abria esse tipo de brecha.
beijava. Queria beijar. Sentia falta de beijar. Mais do que tudo, sentia curiosidade de saber como era o beijo de Jungkook.
Ela estava tão perto. O corpo dele inteiro queimava com aquela aproximação, e isso só trazia mais raiva. Raiva e agonia. Raiva dele por não querer sair dali; raiva dela por lhe causar tanto interesse, tanta imaginação; raiva dele, de novo, por querer ver mais daquele rosto, e sentir o gosto, aquele gosto ainda não experimentado que devia ser tão ou melhor que as outras partes de seu corpo. Devia também ser tão viciante quanto, e é por isso, exatamente por isso!
Ficar parado significava permissão. Uma permissão que seu corpo estava dando, e apenas ele, completamente congelado ao ver a cabeça dela começar a tombar para o lado, encarando sua boca com divertimento.
— Se você me beijar, acabou — a voz dele ecoou no tom mais firme que conseguiu, ainda desorientado pelo cheiro, pelo nariz dela tocando no seu, pelo hálito quente em sua bochecha — Sabe disso, não sabe?
, com os olhos já fechados e inertes, apenas sussurrou, bem em cima de sua boca:
— Então por que você ainda está aqui?
A pergunta passeou pelas frestas dos milímetros que os separavam, junto com a música. Jungkook não a escutava. Os olhos pesavam, os braços perdiam a força e tudo ardia, inflamava, todo o corpo implorava por aquilo, calando todo o lado racional.
Não existia mais acordo. Não existia mais noites e noites de sexo sem compromisso. Não existiam mais ex-namoradas ou carreiras de sucesso. Não existia rancor ou culpa. Só existia e seus lábios, que imploravam para ser beijados, imploravam por sua língua, imploravam pelo contato. E existia os seus próprios lábios, tão desesperados de repente, estrategicamente agoniados pelos dela. Só isso. Mais nada.
Que se foda. Que se foda que se foda que se foda que se foda que se foda que se foda droga que se foda que se foda…
Quando seus lábios roçaram um no outro, Jungkook avançou definitivamente em sua direção. Então, uma gargalhada quebrou a hipnose do momento.
se afastou, despencando em cima dos travesseiros altos, colocando as mãos na boca para abafar as risadas.
— Meu deus! Tinha que ver a sua cara! — ela bateu uma palma, enquanto ele voltava aos poucos ao mundo real. Era como ser sacudido depois de um sono profundo. Primeiro vinham as imagens turvas e as perguntas sem sentido do cérebro: onde eu estou? Que horas são?
Era impossível não se sentir ridículo. Aturdido, perdido. As luzes não a deixariam ver seu rosto em brasas, e nem o pouco de suor acumulado nas palmas das mãos, como se fosse um adolescente. O coração ainda batia tão forte de furor que ele precisou suspirar forte, travando o maxilar com todo o aborrecimento da frustração.
— Você é algum tipo de maluca? — ele se colocou de pé, escondendo as mãos nos bolsos, e depois passando-as pela nuca, rosto e cabelo, totalmente desorientado. Todos os músculos de seu corpo doíam pela força que fizeram para se manterem paralisados no que quer que tenha sido aquilo.
— É brincadeira, Jungkook. Não vou usar a noite da carta verde para isso — murmurou, com um sorriso entusiasmado, confiante. Bocejando uma vez, ela puxou o cobertor até se cobrir, acomodando-se em seu lugar até fechar os olhos — Mas tinha que ver a sua cara. Eu sou maluca por tentar ou você por querer também?
A alegria foi sumindo aos poucos à medida em que ela apagava. E ele se mantinha ali, de pé, olhando para aquele inferno de mulher e se perguntando por quê? Por quê?!
Ao sentir as pernas funcionando de novo, ele não perdeu tempo e saiu de vez do quarto, fechando a porta devagar, recostando-se nela no momento seguinte.
Jungkook poderia mentir para os outros, mas com ele mesmo não havia outra opção a não ser a verdade, admitida da maneira mais simples possível. Sua mente estava um completo turbilhão. Ele chegou tão, mas tão perto de beijá-la. E doía saber disso. Doía saber que só não fez porque ela se afastou, e não porque não queria. Porque queria, minha nossa, queria demais. Não se lembrava de querer tanto beijar alguém desse jeito antes.
E essa verdade era errada. Perturbadora. Inaceitável. Algo que precisava ser afastado urgentemente antes que o deixasse completamente louco.
Precisou repetir a si mesmo que não. Ele não beijava. Não beijava porque entendia a profundidade daquilo. Porque era muito diferente de sexo. Porque tinha se apaixonado por Ali depois de um maldito beijo. Porque não tinha nada mais perigoso do que querer ficar com alguém só por querer ficar.
Beijos eram a arma mais suicida que existia em relação a duas pessoas. Prazerosos e destrutivos. O caminho para uma desgraça iminente.
Jungkook nunca precisou refrear a maioria de seus desejos. E essa lista tinha ganhado um novo item de prioridade.
Quando viu, ele já estava rondando a sala, a cozinha, o jardim até, enfim, sentir que o sono o tinha abandonado de vez e abrir a porta do estúdio, sabendo exatamente como descarregar o redemoinho de insanidade que tinha plantado em sua cabeça.
Ainda bem que “Motoserra” aceitava qualquer coisa.


[ 11 ] – I might have lit the very fuse that you were trying not to light

🎵 Ouça aqui:
Knee Socks - Arctic Monkeys

"E eu pensei que você poderia ser minha
Em um pequeno mundo, em uma noite de terça excepcionalmente chuvosa
No lugar e na hora certa
﹝...﹞
Você era uma estranha na minha agenda telefônica, que eu estava agindo como se conhecesse
Porque eu não tinha nada a perder."

⏩⏩⏩


Dias cinzas eram uma merda.
Mesmo sem nuvens, a melancolia tomava todo o espaço. Ao longe daquela cobertura, as torres industriais quase pareciam montanhas. Com a diferença gritante de que montanhas não soltavam tanta fumaça de poluição que obrigavam as crianças e mais velhos usarem a porra de uma máscara no meio da rua.
Era diferente da fumaça que escapava do cigarro entre os dedos de Jungkook. Diferente e igual ao mesmo tempo. As duas coisas matavam; e as duas coisas pareciam atraentes, apesar disso.
Melancolia de merda. Fumaça de merda.
Com os braços jogados contra o parapeito do terraço, ele ouviu o som da porta como algo longínquo e sem importância. Arctic Monkeys tocava no último volume, arrebentando seus ouvidos com Black Treacle na última parte. O trecho agudo da guitarra quando o vocalista canta "Somebody told the stars you're not coming out tonight, and so they found a place to hide” não era ruim. As letras no meio da bateria psicodélica sempre sabiam o que dizer. Alex Turner e companhia conheciam a arte de rir das desgraças alheias como ninguém.
Ela odiava Arctic Monkeys. Na realidade, odiava qualquer barulho alto demais. Mas gostava de ouvi-lo cantar ao violão com suas composições, mesmo que fossem meia boca e estupidamente amadoras.
Violões de merda.
A música diminuiu bruscamente logo quando Black Treacle recomeçava. Ele não se virou, ainda olhando para a frente, para os pontos de torres e prédios infinitos, tentando adivinhar se existia alguém tão fodido quanto ele naquele dia.
— Sei que eu sou relativamente famoso e tudo mais, mas se meus vizinhos te virem daí, não vai ser bom pra você — Mingyu murmurou, se jogando do outro lado da mesa de centro de madeira por cima do gramado artificial.
— Que se fodam os vizinhos — foi a única resposta de Jungkook antes de tragar mais uma vez. Com força, com raiva. As olheiras embaixo de seus olhos não eram tão novas assim, mas pareciam ainda mais fundas depois da realidade de onde havia estado na noite passada.
Tirando esse fato, elas até podiam ser descritas como apresentáveis.
— Boa. Vem, trouxe sua cerveja favorita, essa porcaria do litoral — o amigo puxou o abridor, fazendo o barulho do gás soar minimamente — E trouxe outra coisa também pra essa merda no seu rosto.
Jungkook expirou, encarou o topo dos prédios uma última vez e pulou do degrau para baixo, sentando-se na outra poltrona do outro lado de Mingyu, puxando uma lata quente da cerveja barata de embalagem branca, prendendo o cigarro entre os dentes enquanto abria uma delas.
O líquido desceu refrescante por dentro de sua garganta. Ao enrugar o rosto, sentiu dor na lateral esquerda da bochecha. O local do soco.
— Você tá um lixo — Mingyu murmurou, empurrando a caixinha de primeiros socorros para o centro da mesa com o pé — Aí dentro tem algumas coisas que podem te ajudar.
— Me ajudar igual ajudaram você? — Jungkook resmungou, recostando-se com pesar para trás, encarando o amigo com os olhos pequenos e vermelhos.
— Não, a erva acabou, infelizmente. Yugyeom vai trazer quando vier da Alemanha, na semana que vem. Jatinho e todas essas coisas. Mark também tem uma ótima oferta na Califórnia. Você que indicou o lugar? — Jungkook apenas assentiu — Enfim. Faz alguma coisa nessa merda de machucado, tá horrível. É o mínimo que você pode fazer por bater na minha porta às 7 da manhã.
— Você já tava chapado às 7 da manhã.
— Foda-se, não é porque tô chapado que quero ouvir os problemas dos outros — ele revirou os olhos. JK apenas traga mais uma vez — Por que você fez essa merda?
— Qual delas?
— Bater naquele cara. Em plena Itaewon. Eunwoo tá uma fera com você.
— Ele vai superar — Jungkook deu de ombros, inclinando a cabeça para cima, sentindo a brisa gelada se misturar com a fumaça do cigarro. O quinto de ontem pra hoje.
— Você não consegue sofrer, sei lá, trepando com uma garota? Ou batendo em alguém que tenha a ver com essa história, como o cara que tava beijando sua namorada na foto? Aquele cara de ontem não tinha nada com isso.
Jungkook estalou a língua. Usar os punhos não tinha sido a parte ruim. Ele até havia gostado, de certa forma. Foi libertador de uma maneira catastrófica, mas o amigo não entenderia isso.
— Ele foi um babaca, Mingyu, não precisa tirar a culpa dele.
— O que ele fez?
— Não…
— Caralho, Jungkook, fala. O que ele falou?
As palavras fugiram. Normalmente, seria tão simples dizer isso a Mingyu. Seria tão simples contar qualquer merda que fizesse, como sempre foi. Mas essa agora parecia tão idiota de repente. Principalmente porque a noite passada agora parecia um borrão. Imagens soltas, piscando em vermelho e verde, efeitos fotofóbicos e a tenra sensação de estar flutuando em uma bolha muito barulhenta em que todas as loucuras eram possíveis.
Que idiotice se deixar levar por isso…
— Ele derrubou a porra de uma sangria em cima de mim — respondeu, dando de ombros.
Mingyu levantou uma sobrancelha. Claramente, esperava um motivo pior.
— Foi de propósito?
— Quem sabe?
— Ah, vai se foder — o outro bufou em indignação — Tá de sacanagem?
— Essa merda te responde? — Jungkook ergueu o queixo o bastante para apontar o machucado arroxeado. Mingyu revirou os olhos — E ele vai sobreviver, relaxa. Eu tinha que deixar rolar, não é? Pelo menos consegui deixá-lo pior do que eu.
Na verdade, o confronto quase acabou em empate, com a diferença brusca de um golpe onde Jungkook tinha conseguido atrasá-lo quando o jogou por cima de uma mesa.
— É, mas aquele cara é um zé ninguém, enquanto você tem a porra de um contrato e uma mídia impiedosa pra te perseguir. Pensou nessa porra na hora?
— Não tenho como saber.
— Como não tem?
— Porque não faço ideia da onde está meu celular — Jungkook ergueu as sobrancelhas em uma constatação óbvia da coisa. Uma constatação acompanhada de uma risada que exalava escárnio; desistência — Acho que o joguei em alguma lixeira, ou jogaram pra mim, vai saber.
Essa tinha sido a parte legal, na visão desorientada de Jungkook: causar uma confusão com outras pessoas igualmente embriagadas e ter a liberdade pessoal de apontar a culpa para terceiros. Ou, se a culpa acabasse voltando para ele, também não faria diferença. Ele estava bêbado. Ponto. Próximo.
Já Mingyu, mesmo que não concordasse 100% com a abordagem de Jungkook em lidar com os problemas, não deixou de abrir o sorriso e soltar a gargalhada funesta que era fruto de seu estado presente: chapado. Uma gargalhada que provavelmente não teria acontecido se estivesse sóbrio.
— Não posso acreditar nisso…
— É sério. O cara parecia um pit bull. Fez piadas sobre a tatuagem da Ali de Bon Iver, mereceu todos os socos — disse Jungkook, acompanhando a risada do amigo em tempo e amplitude. O mundo através de sua panorâmica não girava mais, e isso precisava ser resolvido rápido, muito rápido.
Bebeu mais um gole grande enquanto Mingyu se recompunha.
— Maluco do cacete. Como saiu da viatura?
— Como você acha? — ele inclinou a cabeça para o lado, na direção da onde tinha jogado chaves, carteira e tudo que tinha nos bolsos assim que pisou naquela casa. Os documentos estavam espalhados pelo chão, assim como algumas notas altas de wons.
— Uau. Você é um pit bull bem simpático, então — o amigo riu, acompanhando-o em mais uma golada — Acho que o Bang nunca quis tanto te matar. Ele fez um ótimo trabalho de varredura na internet para limpar as fotos e os vídeos.
— Ele devia ter feito isso antes — ralhou Jungkook, agarrando parte dos cabelos da testa — Antes de toda essa merda. Antes da pior foto sair.
Antes que ele perdesse todo o sorriso simpático, pensou Mingyu, sentindo o clima pesar de compreensão mútua e lembranças desagradáveis. Não apenas pelas fotos infelizes de Ali da semana passada, mas também pelo motivo, pela raiz da confusão, uma que Jungkook tanto repetiu e esbravejou para ele e todo o grupo.
Os discursos tinham acabado, mas deram lugar a um cara que tinha se entregado definitivamente à sua dor frustrante e se transformado em um maluco desnorteado que aparece no jornal da noite.
— De novo esse assunto? Porra, JK — era o que Mingyu se viu reiterando mais uma vez — Foi a Ali que te traiu, não essa garota, tudo bem? Corta pro presente. As fotos da sua namorada beijando outro cara saíram na semana passada, vai me dizer que a mesma pessoa que tirou?
Isso não era verdade. Jungkook sabia disso. Mas não o impedia de sentir raiva. Não o impedia de desejar que fosse, só para poder sentir mais ódio da tal garota chamada . Não o impedia de querer dar algum jeito de mandá-la para longe, de espalhar a notícia em um site ou revista qualquer, mesmo que, naturalmente, as pessoas estavam pouco se fodendo para quem conseguia cliques sensacionais de celebridades, ou como. Elas apenas desejavam por mais, e que se danem os efeitos colaterais que um segredo exposto poderia ter.
Mas empresas de entretenimento não eram tão passivas assim.
No último mês, vinha tentando domesticar essa raiva por ela, esse rancor abominável que nunca sentiu por ninguém, o desespero de recuperar seus dias felizes que não dependiam apenas dele. Jungkook odiava a impotência que toda a situação com Ali trazia. Odiava não saber seus próximos passos. Odiava ver a si mesmo vivendo em um looping infinito de piloto automático, que só afundava, afundava e afundava.
— Não, não foi — sua voz saiu ácida e mórbida. Pelo menos, não estava metida desta vez. Que nobre da parte dela — Mas essa merda não importa agora.
Sua risada saiu em um gorgolejo, aliviado por mais um gole e mais uma tragada. A fumaça se voltou contra seu rosto e ele quis rir por um momento. Quis respirar fundo e admirar a cidade por mais algum tempo. Quis esquecer que devia explicações, reuniões e ligações para uma dezena de pessoas muito aborrecidas com ele naquela hora. Quis ficar sentado naquela cobertura pelo resto do dia, ou pelo resto do mês. Quis ser só Jeon Jungkook, um garoto de 24 anos que teve o coração estilhaçado pelo amor da sua vida e estava tentando aprender a lidar com isso.
Ter esses momentos em off o fazia se sentir melhor como Jungkook de uma forma geral.
— Aconteceu, já foi — continuou, com amargura, mas disposto a abrir um sorriso debochado — E não quero mais ficar pensando em quem tá comendo minha namorada no exterior, então, se não se importa, vou perder a cabeça por um momento bem aqui na sua casa, valeu.
Mingyu riu. O amigo não duvidava de que ele seria capaz de ficar por mais tempo se deixasse.
— Será que te dou confiança demais pra você me procurar sempre que faz merda?
— Ah, claro, porque sei que você é pior do que eu. E Yug é pior do que nós dois, mas teve sorte de estar bem longe, então só aceita abrigar seu amigo fodido por algumas horas.
— Aham. Dá graças a deus que Jaehyun tá bem longe também pra não intervir em toda essa palhaçada.
Jungkook revirou os olhos, inclinando-se para pegar outra cerveja.
— O que Jaehyun poderia fazer, porra?
— Te olhar com aquela cara de mandão decepcionado, e depois falar aquelas coisas ridículas tipo o Ghandi — as risadas brandiram dos dois lados, lembrando de um traço muito característico do amigo — Aquelas coisas que ele lê nos livros de auto ajuda, sabe? Depois ia dar uma palestra sobre inteligência emocional e blablabla.
— Isso. Credo. É a última coisa que eu preciso ouvir agora — Jungkook recostou-se para trás novamente, curvando o pescoço para fitar o céu acinzentado por completo. O vapor da nicotina sumia naquela imensidão pálida. Era muita arrogância desejar que o céu estivesse azul, que o sol estivesse a pino e que os pássaros cantassem mais alto para que o universo não se parecesse tão esquálido e doentio quanto sua própria realidade?
Depois de um breve momento de silêncio, Mingyu perguntou:
— Pra onde você vai amanhã?
Jungkook olhou para o chão, relaxando os ombros.
— Ver a Sunny. Em Bangkok.
— Boa. Muita erva de graça — os dois concordaram com sorrisos cúmplices — Mas achei que ia trepar com alguém diferente, pra variar.
— Trepar com a Sunny é trepar com pessoas diferentes, esqueceu?
— É. Tenho ódio toda vez que lembro que ela só tem olhos pra você — Mingyu franziu os lábios. Jungkook riu mais alto.
— Não é por mal, Kim. Sunny gosta de familiaridade, só isso. Pelo menos quando se trata de pênis.
— Mas você tá um caco. Sabe disso, não é? Acha que ela vai te querer assim, com esse olho tenebroso e todo esse sangue azul nas veias?
Mingyu riu da própria piada, mas Jungkook sentiu os cantos dos lábios diminuírem com a reflexão afoita sobre o fato. Estava prestes a dizer alguma coisa, mas apenas declinou a cabeça de novo, concentrando-se no vício do momento e em interromper pensamentos desnecessários.
— É exatamente desse jeito que ela gosta, Mingyu. Me ver um caco, onde só o meu pau funciona, nada mais. É só isso que importa pra ela. E isso é bom, sabe? É do que eu preciso: alguém que só ligue pro meu pau. Já que é a única coisa que eu posso oferecer agora.
Alguma coisa murchou no peito de Mingyu ao ouvir aquilo. Um compadecimento reservado apenas para os amigos mais próximos estava ali, dando as caras, encontrando uma brecha para escapar e deixá-lo sentir pena do companheiro com olhos focados no céu, a voz mais pesada e melancólica do que se lembrava antes, quando o mesmo cara esteve ali, por ele, no falecimento de seu pai há dois anos atrás.
— E como você tá agora? — perguntou, quebrando novamente o silêncio recém instalado, tentando não deixar sua voz soar exaltada e ressonante como sempre ficava depois do baseado — Aproveita pra ter uma conversa profunda antes do Yugyeom chegar. Aquele lá vai querer que você esqueça tudo.
Jungkook não se moveu. Elevou os cantos da boca em um sorriso singelo, sem mostrar os dentes, involuntário pela bebida e pelo sono, e soltou um grande suspiro.
— Na merda — respondeu simplesmente — Mais do que eu pensei. Vivendo um clichê ridículo de coração partido. O poço onde todo mundo chega um dia, aparentemente.
Mingyu estalou a língua.
— A Ali não merece, cara. Você sabe… Ela não merece que você dê esse gostinho.
— Eu tô sinceramente pouco me fodendo para o que ela merece, gosta, pensa, o caralho a quatro. Também não ligo se não suporto pensar nela sóbrio. Não ligo, Mingyu. Eu não ligo pra nada.
A expressão era revestida agora de mágoa raivosa e dolorosa. Seus olhos diziam mais do que sua boca deixava sair. As palavras cortantes pareciam imensas, tão grandes que ecoavam até pelas árvores em torno do edifício.
— Eu sei. Mas ela não é a única, ok? Ela não é a única. Você só tomou no cu quando viu que a pessoa que você amava não é a pessoa certa. Essas merdas acontecem com todo mundo. Bola pra frente.
Jungkook ergueu o queixo para cima, olhando para o outro rapaz.
— Pessoas certas são uma baboseira. Uma ilusão. Cansei de acreditar nessa merda. Não quero pensar, refletir e muito menos esperar essas coisas.
Mingyu quis rir. Mesmo que Jungkook estivesse ali, parado, falando com propriedade e clareza, estava na cara que queria desesperadamente o contrário.
— Você não tá errado. Mas também não tá certo.
— Pois é isso. Eu tô na fossa de merda por causa de um término como qualquer cidadão fica, e depois vou voltar a ficar bem e dar a volta por cima. Mas não quero mais resquício dessa merda. Não quero arriscar desse jeito de novo. Não quero abrir mais brechas inúteis. O amor até pode existir, mas ele não é pra mim — ele abriu os braços sobre o encosto do sofá e inclinou a cabeça para trás, declarando para o ar: — Não é pra mim.
A boca de Mingyu assumiu a forma sem som de uma risada.
— Vai andar por aí como um cãozinho medroso, é isso mesmo?
— Já ouviu o ditado que o medo mantém a gente vivo? No meu caso, o medo vai me manter são. Na linha. Então é, sou um cãozinho medroso — Jungkook abriu um largo sorriso para o primeiro raio de sol que penetrava as nuvens com dificuldade — Talvez quando estiver com 40 anos eu volte a me apaixonar, é uma possibilidade, quem sabe. Mas agora, não. Isso não é pra mim. Quero que o amor se foda pra bem longe, muito longe de mim.

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Quando acordou, ainda era noite.
O cheiro de cranberry foi a primeira coisa a invadir suas narinas. Era difícil resistir e manter os olhos fechados diante daquele odor tão característico. Aguçando seus sentidos, as demais sensações vieram um momento depois, auxiliando para que ela despertasse de vez: a maciez incomum do colchão, as pernas desajeitadamente entrelaçadas, o estômago protestando de fome, a garganta desértica implorando por água, o barulho longínquo de uma batida constante de música, e o cheiro, aquele bendito cheiro familiar…
abriu os olhos. O montante de luzes vagantes pela parede e a voz de Jaymes Young revelaram o mundo real como um soco na cara. Com uma vistoria mais rápida do que seu cérebro conseguiu assimilar, ela reconheceu o lugar vibrante de imediato.
A partir daí, foi fácil se sentar. Fazer isso rápido demais foi péssimo para a cabeça zonza e desnorteada, e a tontura que se seguiu a fez querer se jogar nos lençóis de novo, mas sem chance. Como veio parar aqui de novo? Por que sentia dores no cotovelo? E que roupa era essa…
Encarar a peça fora do padrão foi ainda mais importante para que se lembrasse de tudo em um estalo.
E se lembrar era sempre a pior parte.
se manteve parada, encarando as paredes à sua frente em uma postura petrificada. À medida que as imagens das brincadeiras, frases, sujeira e daquela última situação vinham à sua cabeça, ela tinha ainda mais vontade de pegar suas coisas e sair por aquela janela, por mais alta que fosse.
Ou melhor: suas coisas não tinham tanta importância assim. Ela poderia viver sem elas. Mas não poderia viver sabendo que quase pediu para ser beijada por Jeon Jungkook.
E, por incrível que pareça, essa nem tinha sido a pior parte. Falar tinha sido pior, muito pior.
As descobertas a colocaram de pé imediatamente. Já não se sentia mais tão bêbada e, contradizendo todas as afirmações, nessa situação em específico, isso não parecia ser tão bom. Não era nada bom. Como foi capaz de fazer uma coisa dessas?
E não tinha sido apenas uma coisa. A sequência dos acontecimentos e das palavras que soltou até que chegasse ali tinham sido brutalmente vergonhosas. Pela primeira vez, se viu invejando aqueles que bebiam e se esqueciam de tudo depois. Mesmo que Jungkook zombasse dela mais tarde, o que obviamente faria, com aquele sorriso brilhando com fileiras e fileiras de dentes brancos, ela poderia se manter sã e em paz porque não se lembraria de nada. Não se lembrar tornava mais fácil fingir que nada aconteceu.
Mas ela se lembrava. E bagunçava os cabelos, movia os pés de um lado para o outro naquele quarto, que ainda tocava Lauv e a inundava em luz avermelhada, fazendo-a se sentir loucamente exposta de repente, como se todas as besteiras que tinha dito e feito há algumas horas estivessem sendo anunciadas para a cidade inteira como uma propaganda de universidade.
Em um impulso, tentou procurar seus pertences. A cama estava bagunçada pelos seus movimentos espaçosos, o controle do sistema de luz estava em cima da mesinha de cabeceira e as cortinas estavam devidamente fechadas. Fora isso, não havia mais nada. Ela nem mesmo estava vestida com as próprias roupas.
No meio das verificações, a garota inclinou o queixo para enxergar aquele pedaço de tecido. As mangas batiam quase no cotovelo e eram pintadas com alguma tinta escura. A estampa na frente revelava um desenho claramente feito à mão. Um sol na lateral, o mar azul, conchas de ostras, areia alaranjada e o contraste dos prédios espelhados ao lado da costa. Parecia um pouco familiar. Tinha uma beleza familiar. Era o tipo de coisa que conseguia imaginar perfeitamente Jungkook usando.
Mas os devaneios não tiraram a ideia principal de sua cabeça: onde estavam suas coisas? Que horas eram? Onde tinha um pouco de comida e água, pelo amor de Deus?
A verdade era que não se conseguia respostas permanecendo parada e em pânico naquele quarto. esticou as mãos para o controle, desligando toda a luz e som e saiu do quarto devagar, na ponta dos pés descalços, mesmo que fosse improvável que Jungkook a escutasse do fim do corredor.
Bem, porque ele logicamente estava dormindo, não é mesmo? Tinha que estar.
No entanto, quando encontrou as luzes acesas no andar debaixo e a porta da área dos fundos aberta, ela diria que não. Andando sorrateiramente na direção da brisa fresca, um barulho distinto se fez presente, misturando-se no ar junto com a fumaça espessa que entrava para dentro da casa.
O ruído parou e voltou. A melodia desordenada no violão demonstrava o processo de incerteza e a construção de algo ainda inacabado. De costas, Jungkook tomava o espaço no pequeno sofá largo, banhado pela luz azulada da piscina, inclinado sobre o violão que delineava seu peito nu e pendia em seu colo. Um cinzeiro estava a postos na mesinha da frente, queimando um cigarro incompleto. O fragmento branco estava pela metade, sendo pego vez ou outra quando ele chegava ao ponto de querer arrancar mais folhas daquele caderno e recomeçar tudo de novo.
Hoje, Jungkook não queria recomeçar nada. Ele queria terminar o que começou, o que tinha começado há meses atrás.

“Aquela foto que tiramos agora parece me perfurar
Estou tão cansado de você
Tão cansado de ter meu coração partido por você
Me diga, quantas vezes precisarei dizer adeus para você?”
[1]


A voz dele passeou por todas as paredes e, talvez, também pela pele de , que se viu em um estado estático de apreciação, algo muito difícil de ser explicado. Era a admiração pela criação, pelo processo, e não apenas pelo resultado final, como todas as pessoas faziam. Era o apreço pelos erros e pelos consertos, e também pelas mudanças do meio do caminho.
Criar era uma arte tão genuína que não podia deixar de cultuar qualquer manifestação dela.
E a arte de Jungkook parecia ser realmente interessante. Sentado ali, com os cabelos bagunçados e os ombros baixos, denunciando agitação mental ou sono desregulado, com seu violão surpreendentemente comum, de bordas obtusas e gastas, e tragando nicotina em seu espaço particular, o tornava algo indescritível. Lindo, profundo, genioso de uma maneira performática. É isso que forma um artista, pensou , que se viu aproximando os pés cada vez mais para olhar e ouvir melhor. As preocupações do andar de cima sumiram. As desculpas que usaria para pavimentar uma saída daquela casa antes que Jungkook avançasse com suas zombarias também. Seus olhos e sua atenção conseguiram ser totalmente e espiritualmente hipnotizados pela voz e pelo método do rapaz.
Naquele momento, talvez, ele parecia mais puro do que jamais havia sido.
E não achou que o sangue queimando nas veias e o formigamento no ventre tivessem algo a ver com isso.
— Pretende apreciar o show por quanto tempo sem pagar?
Jungkook disse ainda de costas, dedilhando algumas cordas devagar. deu um passo para trás de sobressalto, acordando do torpor momentâneo.
— Credo, que susto — ela murmurou, levando uma mão ao peito, sentindo o rosto esquentar de imediato. Jungkook girou a cabeça para trás, olhando por cima do ombro com seu habitual sorriso sacana.
— Por que já acordou?
Por um mísero instante, sentiu as bochechas ferverem ainda mais com a ínfima presença daqueles olhos em cima dela, olhos que provavelmente se lembravam de tudo e que usariam isso contra ela o mais rápido possível, o que a fez querer se esconder em uma concha de repente. Mas, ignorando tudo isso, ela apenas limpou a garganta já seca e respondeu:
— Eu não sei. Acho que eu precisava usar o banheiro, ou… — o resto da resposta foi interrompida por um estrépito alto, vindo diretamente de seu abdômen. Aquele tipo de som constrangedor que demonstravam o desespero de seu organismo: pelo amor de Deus, me dê um pouco de açúcar, preciso realizar minha glicólise! E, pelo sorriso alargado de Jungkook, ele claramente também tinha escutado — Eu…
Como resposta, o rapaz apenas riu com gosto, deixando o violão de lado e apagando o resto do cigarro no cinzeiro. Não se importou que tivesse visto isso. Ela se parecia com o tipo de pessoa perfeitamente bem resolvida sobre seus próprios princípios para não dar importância aos vícios e à autodestruição dos outros.
Ele se levantou, caminhando para dentro da casa, aproximando-se dela e de sua expressão ainda constrangida. Era adorável, tinha que admitir. Algo o dizia que poderia passar horas observando o lado vulnerável de : aquele que a fazia pedir ajuda.
— Pode sentar ali. Vou pegar a sua comida.
— Não precisa cozinhar pra mim a essa hora, eu tô bem — ela se apressou em barrar, desesperada com a ideia de o incomodar ainda mais.
Jungkook colocou as mãos nos quadris.
— Ah, pode ficar tranquila, não vou mesmo cozinhar pra você — o deboche ergueu suas sobrancelhas para cima. Com uma piscadinha indiscreta, ele apontou o assento de antes com o queixo e entrou, indo em direção à cozinha. se deixou acompanhá-lo com os olhos. Parecia perfeitamente relaxado e em casa, com sua calça de moletom e chinelos, sem camisa, e sua corrente no pescoço com um pingente de um tridente, como se estivesse pronto para pegar um barco e navegar calmamente até o País de Gales.
E ele com certeza ficaria muito bonito fazendo tudo isso…
balançou a cabeça com o pensamento, notando que continuava parada como uma pateta enquanto pensava naquele homem daquele jeito. De um jeito diferente, como se já não o tivesse visto nu dezenas de vezes.
Ela se apressou em sentar no mesmo lugar que ele estava antes, observando o brilho em anil da piscina se mover calmamente pela ação quase nula do vento. Com alguns minutos, Jungkook já estava de volta, trazendo algo nos braços que cheirava muito bem, depositando-o em cima da mesinha.
— O que é isso? — perguntou ela.
— Se chama Jjuk — Jungkook respondeu, sentando-se ao seu lado, agarrando o violão novamente — Mas a comunidade chama de sopa de ressaca. É só arroz, água e algumas ervas que são colhidas montanha acima. Achei que soubesse disso, . Sabe, pelos dramas. Parece que você curte alguns.
Ele dedilhou as cordas e sorriu de um jeito sugestivamente ácido. levou um tempo até entender o porquê ele tinha dito o que disse. Com as bochechas flamejando novamente, ela se apressou em pegar o bowl, trincando os dentes com a sensação odiosa da vergonha.
— Pode não comentar sobre nada que aconteceu, por favor? — a voz saiu estrangulada pelos dentes cerrados, mas o pedido foi enérgico e firme do mesmo jeito: por favor. Já estou suficientemente humilhada, não precisa piorar a situação.
— Qual parte?
— Todas elas — respondeu , começando a comer.
— Todas elas de qual parte? Porque tivemos o hospital, o carro, o sofá, o banheiro…
— Todas elas, Jeon!
Jungkook gargalhou, remexendo na caixa preta ao lado de seus pés, que tinha o formato do violão nos braços. Tirou de lá um objeto pequeno e preto, que se abria e prendia em uma das extremidades do instrumento, enquanto ele testava as notas. Parecia muito tranquilo e relaxado fazendo tudo isso, como se não estivesse ali ou o fato de estar não mudava em nada.
— E você? O que faz acordado? — a garota perguntou depois de comer o suficiente para que seu estômago entendesse que a comida já estava aqui, e não precisava mais de tanto desespero.
Jungkook ouviu a pergunta, mas não se virou. Os dedos escorregaram minimamente na tentativa de afinação do violão, e também não perceberia os músculos faciais trincando em um lapso de segundos. Um lapso longo o suficiente para deixá-lo apreensivo ao se lembrar da última cena do quarto. Um lapso que o deixaria desestabilizado como estava há algumas horas, antes de descarregar toda a raiva e frustração naquelas folhas de papel.
— Tentando trabalhar. Faz tempo que eu não faço isso.
— Cantar? Soube que faz isso há quase 10 anos.
Jungkook estreitou os olhos, abrindo um sorriso falso.
— Engraçadinha. Eu falo de… Criar, se é que eu posso falar assim. De um jeito mais sofisticado. Não sou o melhor de todos, mas eu costumava fazer isso. Era uma dinâmica legal que Namjoon implementou no grupo, mas eu ando dando mancada ultimamente — ele mexia nos botões da extremidade do braço do instrumento enquanto dizia.
— Não consegue escrever uma música? — quis saber, genuinamente curiosa.
— Não consigo organizar uma música. Acho que essa é a palavra certa.
Os dois olharam para os rabiscos caóticos em cima da mesa ao mesmo tempo. Não dava para entender muita coisa, na visão de . Talvez por isso Jungkook não tenha se importado que ela visse. Nem ele mesmo entendia, às vezes. Era um amontoado de frases sem sentido, soltas, cada uma escrita em uma ocasião. Para achá-las e juntá-las precisaria de um frequencímetro eletromagnético, algo forte o bastante para que pulassem para fora, e ele não fingisse mais que aquelas coisas não existiam.
— Isso é complicado — desviou os olhos da bagunça, encarando agora sua própria sopa, preocupada de Jungkook pensar que estava sendo monitorado de alguma maneira pelos seus olhos intrometidos — Mas o que você cantou antes. Quando eu estava ali… Parecia bem legal. Era bonito.
Jungkook ergueu uma sobrancelha, rindo mais uma vez. Era engraçado que ela dissesse que foi bonito ouvi-lo cantar versos dispersos cheios de ódio.
— É. Acho que foi a primeira vez em muito tempo que gostei de alguma coisa também.
Foi a primeira vez que gostei de caçar fantasmas, ele completaria, mas não entenderia nada. Também não precisava entender. Os fantasmas de Ali costumavam morar em cada metro quadrado do antigo apartamento, mas ali, a nova moradia deles se encontrava naquele caderno, nas linhas tortas e também naquele violão. Pequenos detalhes que se tornavam grandes demais, assim como seu medo idiota de voltar a pensar naquela música incompleta.
Mas entendeu que existia um teor de seriedade mais forte que o normal entre Jungkook e sua gênesis criativa, e não queria atrapalhar isso de maneira nenhuma.
— Isso aqui tá muito gostoso — ela esticou as costas sobre o sofá, apontando para a sopa com o queixo — Você que fez?
— De jeito nenhum. Isso veio de um restaurante muito requintado de Buchon.
— É claro — revirou os olhos com ironia. Jungkook jamais cozinharia para ela, em qualquer ocasião. Mesmo que, supostamente, ele dificilmente faria algo melhor do que aquela sopa.
Nesse meio tempo, ele a observou com um sorrisinho travesso. tinha puxado as pernas para cima e as dobrado irregularmente sobre uma coxa, e seu cabelo meio úmido e amassado ainda tinha traços da confusão que formaram no travesseiro. O jeito como ficava involuntariamente à vontade o dava um certo tipo de satisfação. A maneira como ele mesmo se sentia absurdamente confortável com o cenário era estranho. Discrepante, em todas as facetas. Mas um estranho bom. Um estranho que se transformava em uma fonte de energia.
— Mas essa camiseta que você tá usando. Eu que fiz — ele falou despretensiosamente, já com os olhos em sua direção.
pareceu surpresa por alguns segundos, virando o corpo para ele logo em seguida.
— Jura? Olhei essas linhas de desenho e fiquei pensando que loja seria brilhante o suficiente pra vender uma estampa feita à mão na liquidação. Então agora tudo faz sentido — sorriu entusiasmada — Você mandou muito bem, Jeon.
Ele fez uma careta de desentendimento. Olhou para a camiseta de novo, buscando algum motivo para a animação, mas não achou nada.
— Fiz isso com um pincel de tecido que custou menos de 100 wons. Como acha que eu mandei bem? — Jungkook quis parecer engraçado, mas a expressão chocada era totalmente verdadeira. Um desenho amador de uma linda praia registrado em uma camiseta velha parecia insultar tanto o portador quanto a própria praia.
Mas permaneceu com o mesmo semblante de convicção.
— Mas é claro. Mar, um solzinho, os prédios em contraste… Isso é Busan, não é?
— É…
— Deixa eu adivinhar… Haeundae Beach?
— É… Como você sabe disso?
deu de ombros e puxou os lábios para um sorriso de canto.
— Candice fez um bate e volta lá uma vez. Alguma matéria da Vogue sobre a coleção de verão de uma marca local. Você extraiu bastante coisa da paisagem, achei excelente.
Ela voltou a se concentrar na comida logo depois e Jungkook se concentrou nela. Se concentrou de verdade, como nunca tinha feito antes. A testa enrugada demonstrou toda a dúvida que tinha sobre aquele comportamento: como pode achar que mandei bem? Como pode pensar que isso tá bom? Por que não diz que meus produtos da Balenciaga são bons? Ou aquele quadro que pintei na primeira temporada do In The Soop? Ou que meus Hi-Top Sneakers são sensacionais? Alguma coisa pronta, profissional, como as outras pessoas, ? É claro que você tem algum tipo de problema, não é possível.
Você devia odiar essas coisas. Ou, no mínimo, não deveria elogiá-las.
— É, eu… Sei lá… — ele se viu falando, aéreo com suas próprias suposições — Tinha 16 anos e achava brega estampar uma camiseta com uma foto digital, então essa ideia pareceu melhor.
— Ela realmente foi melhor.
Jungkook abriu a boca para responder, mas desistiu. Queria desviar os olhos dela, mas também desistiu. o fitava com um apreço natural e simpático. Respeitoso e sincero. Muito diferente de todo o fascínio e endeusamento que vinham de uma massa de pessoas prontas para fazer de tudo para agradá-lo. Gente que não olhava por debaixo dos panos, não tratavam pessoas por pessoas, apenas por nomes e títulos.
estava elogiando apenas Jeon Jungkook. Um cara. Alguém. Um zé-ninguém, igual seu adversário do bar daquela vez. E isso esquentou seu peito como um balão alçando voo. Um fenômeno parecido com o que tinha acontecido no andar de cima há algumas horas, uma sensação desequilibrada que não era experienciada fazia muito tempo, um calor estranho que se espalhava para o estômago, o rosto, os braços, todo o corpo de uma vez.
Como é o nome disso? Absurdo? Derrame? Fobia? Ataque de pânico?
Seja lá o que fosse, ela precisava parar e precisava parar agora.
— Nunca vi essa piscina de perto, eu acho — decidiu quebrar o estranho silêncio recém instalado, apontando para os ladrilhos azuis e verdes há alguns metros — Aquele dia da festa tinha tanta gente que não deu pra reparar direito na decoração.
Ele acompanhou os gestos dela enquanto assoprava a sopa e a ingeria por mais um tempo até rir pelo nariz e voltar a se concentrar nas cordas do violão.
— Também reparou em como você é esquiva quando está morrendo de vontade de fugir?
— O quê? — Riu, perplexa — Eu não quero fugir.
— Ah, você quer sim, . Tá louca pra sair correndo daqui como um coelho assustado depois de todas as coisas que disse e fez na minha frente. Consequências soam banais pra você agora?
Agora não sorria mais. Com um revirar de olhos, ela tentou disfarçar novamente o comichão nas bochechas e a vontade de pular naquela piscina para se esconder do constrangimento. Aquela água parecia ser uma ótima opção agora, junto com um botão de teletransporte.
Mas algo a dizia que, nem desaparecendo, faria com que Jungkook esquecesse de alguma coisa e muito menos que tirasse aquele sorriso vitorioso do rosto.
Assim, ela girou o corpo para ficar ainda mais próxima, bufando em derrota.
— Olha só, desculpa por ter te chutado, empurrado, feito você escorregar e acabar a noite com isso — apontou para o pequeno band-aid incolor na sobrancelha —, te xingado ou pior, me abrido com você, mas são coisas estúpidas, tá bom? Todo mundo tem um momento desses, é fácil de esquecer. Pode só acordar de manhã e fingir que nada aconteceu, não precisa nem que eu fique aqui por muito tempo…
— Blablabla, minha nossa, como você fala — Jungkook segurou o riso, largando o violão novamente e recostando-se para trás — Relaxa, paparazzi. Foi a noite da carta verde, então não tem com o que se preocupar. Suas pedras continuam no mesmo lugar.
piscou os olhos e relaxou os ombros, respirando aliviada pela resposta.
— Valeu.
— Mas isso me lembra que a noite ainda não acabou — ele continuou, apontando para o céu escuro acima das árvores grandes depois dos muros — No meio do verão, o sol vai nascer depois das 5:30, o que me dá pelo menos 1:15 com o cartão em que eu possa jogar os fatos na mesa.
— Meu deus…
— … O que significa que não adianta você fugir, porque até as 5:30, todas as coisas que você fez e disse ainda estão aqui, . Bem aqui, fresquinhas na memória.
O sorriso dele era venenoso. apertou o bowl em suas mãos com irritação. Agora sim, mais do que nunca, ela queria fugir. Por qualquer direção. Queria apelar até para o lado de extraterrestres, se a licença poética permitisse.
— Ah, fala sério. O que você quer? Rir de mim? Zombar da minha falta de filtro? Me dar um sermão por ter bebido demais?
— Eu jamais faria isso, até porque você bêbada é um marco histórico, só posso pedir pra repetir mais vezes. — disse em tom divertido e sarcástico, habitual do dia-a-dia — De uma forma mais inteligente da próxima vez, é claro, mas que se repita, por favor.
— Da próxima vez, você pode me levar pra minha casa. Pelo menos eu acordaria no meu banheiro ou na cozinha sem arrancar um pedaço de você.
— Ah, isso? Que nada — Jungkook estalou a língua, apontando para o curativo como se fosse irrelevante. Até normal, diria — Você arrancou esse, mas queria arrancar mais, com certeza — Ela revirou os olhos pra essa parte, mas não pode se impedir de corar como uma garotinha — E Candice foi bem clara em cima daquela cadeira de rodas, . Disse pra eu cuidar bem de você, e eu entendo o significado de cuidar bem, e isso não inclui deixar que você amanheça em um piso gelado em cima do seu próprio vômito. Posso ser legal às vezes, sabia? Mesmo que seja sob ameaça, mas posso.
podia perceber que ele queria muito que ela dissesse que estava tudo bem, que foi melhor que tenha acordado na casa dele, que foi melhor que achasse um caminho alternativo e uma interpretação própria para as ordens de uma Candice bêbada, mesmo que não entendesse o porquê. Ela ainda estava totalmente por fora de como ele mesmo se sentia assustado com os próprios impulsos.
Mas então, ela respondeu:
— Então, já que teríamos que ficar juntos de qualquer jeito, preferiu deixar que eu arruinasse sua casa.
— Se você tivesse realmente arruinado alguma coisa, estaria acordando naquela encruzilhada da esquina, e não no quarto de hóspedes.
— Ah. Que gentil da sua parte.
— Obrigado, isso não acontece muitas vezes — Jungkook lhe lançou uma piscadinha debochada enquanto passava um braço para trás da cabeça — Mas e então, como você se sente agora?
— Bem. Muito bem. O que é estranho, porque eu esperava estar um lixo.
— Acho que aquela enfermeira sabia mesmo o que estava fazendo — fez uma expressão desentendida com a frase. Jungkook moveu uma palma no ar, mostrando novamente a irrelevância do assunto — Nada. Tenho certeza que se você e Candice não estavam em nenhuma lista negra antes, agora receberam o pódio com aquelas pobres profissionais de hoje.
As lembranças do comportamento inadequado que teve com Candice naquela ala emergencial foram as primeiras que voltaram, e as que mais queria dar um jeito de consertar, por mais que não existisse a necessidade. A senhorita enfermeira-sem-nome com certeza não se importaria em saber que , na verdade, costumava se dar muito bem com o álcool e que aquele tipo de coisa que fez em um ambiente respeitável como um hospital não fazia parte de seu cotidiano. E que, claro, caso soubesse de sua mínima ligação com um grupo de idols famosos, a garota diria que eles com certeza não faziam parte de seu círculo.
Talvez ela ficasse um pouco magoada se nenhuma das mulheres se lembrasse dela, mesmo que a maior parte de suas atenções estavam voltadas ao medidor de insulina de três garotas bêbadas.
— Está pensando no seu espetáculo agora mesmo, não é? — Jeon não perdeu a chance de debochar quando viu e sua clássica expressão pensativa - aquela que revelava pensamentos ruins ou memórias ruins — Tsc, tsc, eu deveria ter gravado. Com a promessa de que jamais mostraria isso para alguém e não queimaria a imagem da nova diretora de fotografia da empresa. É uma ótima atitude, vinda de mim.
se desvencilhou dos pensamentos, arregalando os olhos para o rapaz, mas não precisou manter a pose por muito tempo. Jungkook a encarava com farra, mas com um tom de ternura. Era uma reprodução do semblante de fascínio que ela o lançara pela camiseta. Mas agora, ele a elogiava com os olhos, parabenizava-a com um sorriso e a respeitava como profissional.
Era como se os olhos de Jungkook fossem um par de luzes vermelhas fracas como em sua Panasonic, e ele estivesse gravando cada detalhe de seu rosto na memória naquele exato momento.
— Não tive a chance de falar antes, mas… Mandou bem, . Mesmo — as felicitações tomaram um tom abafado no ar, como se ele quisesse falar o mais baixo possível para que não se tocasse de que estava fazendo aquilo — Mal vejo a hora de saber o que você vai inventar.
— Obrigada, Jungkook — remexeu na sopa, subitamente afetada — Eu também não sei, eu… Ainda tá tudo muito louco, parece que a ficha não caiu. De qualquer maneira, não vou fazer nada sozinha, mas ainda assim…
— Ainda assim é uma grande conquista, sai dessa. Ninguém faz nada sozinho naquela empresa, . Absolutamente ninguém — ele observou, abaixando um dos braços no encosto do sofá. Ele foi parar atrás das costas dela — Você reconhecer isso já te deixa a um passo à frente de todos eles. É só uma questão de tempo. Você sabe. Seus projetos futuros e tudo mais.
Por um lado, não queria que ele se lembrasse dessas coisas. Ser observador não era a maior característica de Jungkook, e se aproveitar disso significava não ter que se preocupar em ouvir seus próprios segredos saindo da boca dele depois. Mas ele ainda se lembrava, e falava deles com tanta propriedade como se realmente fizesse parte de seu círculo.
Minha nossa, Jeon Jungkook fazia parte do meu círculo de convivência.
— Valeu, eu… Eu nem sei o que dizer — e ela não sabia mesmo. Ainda estava chocada com o fato de ele se lembrar de um relato tão breve — Você foi muito legal, sabe. Isso é bem esquisito.
— Só te emprestei uma câmera, não tem nada demais.
— Pra você, talvez. Pra mim, foi uma oportunidade. Então não foi só isso — disse de forma dócil, espontaneamente agradecida. Deixou-o sem resposta por um momento, mas elas não eram necessárias.
No entanto, olhando para ele ali, naquele instante, conseguiu sentir toda a genuinidade de seus cumprimentos. E, talvez por isso, tenha sentido o impulso de perguntar algo que incomodava silenciosamente.
— O que rolou com você ultimamente?
Jungkook juntou as sobrancelhas, nebuloso.
— Como assim o que rolou comigo?
— É, as mensagens não respondidas, o sumiço, sabe, depois daquele dia… — uma timidez fora do padrão não a deixou dar mais detalhes sobre o dia. Jungkook também entendeu muito rápido. E se sentiu terrivelmente idiota de novo, nada diferente do que vinha sentindo ultimamente.
— Já disse, o trabalho, fiquei ocupado…
— Isso não foi por causa do banho, foi? — disparou de repente, olhando-o intensamente. Ele enrijeceu no mesmo lugar — Quero dizer, sei que você não tá acostumado com essas coisas, ou não quer se acostumar, e não tô dizendo que queria uma resposta depois porque estava louca pra repetir a dose, até porque não dava porque sabe, fiquei menstruada e todas as merdas que acontecem com uma garota nessa época, mas você simplesmente desapareceu, até mesmo quando falei da câmera, ou quando perguntei dos refletores, ou do ângulo de DSLR, e não sei se devíamos trocar mensagens desse jeito, mas depois do Japão e do festival, e das fotos e do cachorro…
, , respira — interrompê-la foi a reação imediata do rapaz, que sentia a energia ser sugada cada vez mais que sentia o dilema querer tomar conta de seu cérebro agora — Não foi nada disso, relaxa.
Ou foi tudo isso e mais um tanto de coisas que não consigo explicar agora. E outro nome para fodido é interessado, e isso definitivamente não está acontecendo, não está…
umedeceu os lábios, assentindo devagar pela resposta vaga e um pouco frustrante. Não queria que Jungkook pensasse o que provavelmente estaria pensando agora: que ela sentiu falta. Que ficou se perguntando o que ele andava fazendo, ou que caminho estava tomando na ida para o trabalho para não estacionar a Mercedes no lugar de sempre, ou que…
— Eu só quero dizer que tô tentando seguir o seu fluxo, tá legal? — pareceu mais inteligente interromper os próprios pensamentos. gesticulou com os braços, colocando o bowl em cima do colo — Quero parar de aumentar coisas que não precisam ser aumentadas, como você vive dizendo. Então achei que um banho não seria nada demais, até porque não transamos e nem nada…
— Eu chupei você gostoso nesse banho — o sorriso lascivo de Jungkook veio em tom de flagrante. apenas revirou os olhos.
— Tá, tudo bem, você fez um oral sensacional, mas…
— E você também retribuiu de um jeito fantástico.
— Tá legal, eu sei o que fizemos, por isso mesmo pensei que estava tudo bem. Entendeu? — a garota usou seu melhor tom racional para se fazer entender. O sorriso de Jungkook permanecia no mesmo lugar, mas agora um pouco mais endurecido, sem deixar o semblante satisfeito e magnânimo da face sempre que conseguia desconcertar — As coisas não vão mudar só porque tomamos banho juntos como dois adolescentes, não é isso que você diz?
— Claro. Dois adolescentes com uma vida sexual bem precoce.
— É, talvez seja. Você entendeu. Mas essa é a questão. Não vou aumentar as coisas. Mas talvez eu pensei que… Sei lá…
— O que você pensou?
— Pensei que não precisa existir problema em te pedir ajuda com outras coisas. Como na câmera, em algumas ideias, ou sei lá… Você, além do meu guru sexual, ainda é um artista, se lembra? Eu também te acho brilhante — falou sem reservas, e Jungkook se manteve impassível — Eu não quero que você pense que vou me aproveitar da nossa condição para pedir favores, ou fazer contatos, ou quem sabe…
— Ei, ei, ei, espera aí — Jungkook a interrompe, jogando o corpo para a frente e apoiando os cotovelos nos joelhos — Você disse que eu estava estranho por causa do banho. Aí agora tá dizendo que é porque eu particularmente já imaginava que você conseguiria a promoção e se aproveitaria de mim e da minha posição?
Ele arqueou uma das sobrancelhas de modo brincalhão. se sentiu uma aluna destacada pega em algum flagrante ruim.
— Bem… Falando assim, soa bem dramático, na verdade, mas sim. Acho que pensei — voltou a focar na comida, subitamente envergonhada — Só podia ser uma dessas duas opções, eu acho.
O barulho seguinte foi da explosão de risadas de Jungkook. Perplexas e divertidas, como se o esclarecimento de tivesse sido uma piada suja de humor negro. Voltando a se recostar, ele não parou de sorrir quando disse:
— Você devia se transferir para a equipe de redação. De algum drama, no caso, não da Hybe. Sua imaginação é fértil demais.
Ela revirou os olhos, relaxando os ombros.
— Você provavelmente sabe dessas coisas melhor do que eu, mas obrigada pela parte que me toca. É sempre bom ter um plano B.
Como antes, ele ficou calado enquanto a observava voltar a comer. A percepção e as dúvidas sobre seu sumiço mexeram com ele mais do que devia. Mexeram pela constatação ridícula de que: notava sua ausência e ele gostou de saber disso mais do que imaginava. Em tese, deveria cortar o assunto assim que começou. Dizer que esse tipo de coisa não cabia na relação deles, e que ela entendesse que ficar de conversa fiada não combinava com ele.
Mas, bem, era um pouco tarde pra isso. Também era tarde pra ser sincero e dizer a verdade, quando já tinha feito e decidido que mentir era a melhor opção. Os motivos de seu sumiço foram inúmeros e inúmeros pensamentos ridículos sobre culpa, deslealdade e todos os valores de amizade que ele mal sabia quais eram, mas que tinha certeza de estar pisando em cima de um deles. Era isso. E isso não poderia ser contado, de jeito nenhum.
— Eu só estava, sei lá… Acho que fiquei um pouco confuso — disse em voz baixa, ainda encarando-a em torpor. Seu sotaque era o antigo sotaque de Busan, um que aparecia em seus momentos mais tranquilos.
— Confuso com o que?
— A falta de rotina. Conversas paralelas. Extrapolação de horários — deu de ombros, sentindo vontade, pela primeira vez, de ser o mais sincero que conseguia — Essas coisas que me fizeram pensar. Uma merda. Não foi isso que eu planejei como seu guru sexual.
— Quebrar suas regras peculiares?
Querer quebrar minhas regras peculiares.
parou com as palavras. Um sorriso aberto e glorioso pintou os lábios de Jungkook, mesmo que uma voz interna estivesse gritando histérica: você ficou maluco? Quer que ela saiba do poder que tem? Ou melhor, do poder que tem sobre você? Sabe como isso pode ser perigoso? Isso é um acordo, caramba, A-COR-DO!
Desorientada por um momento, novamente se viu ardendo em chamas por dentro, desviando os olhos para a água enquanto sentia um súbito calor.
— Em minha defesa, você apareceu na minha porta sem avisar.
— Em minha defesa, você tirou a roupa primeiro.
— Você ataca qualquer garota que queira te mostrar uma lingerie?
— Não, mas quando elas são gostosas e sobem no meu colo fica um pouco difícil.
Ela deu um sorrisinho, mordendo o lábio involuntariamente. Jungkook gostou do que viu, mesmo que ela não estivesse olhando pra ele. Subitamente, quis arrancar aquela mecha intrometida que caía na frente de seus olhos.
— Você gostou? — perguntou ela em um sussurro, tomando um impulso de coragem e desejando que suas palavras não soassem tão desajeitadas perto dele.
— Gostei do que?
— Da lingerie. Daquele dia.
— Porra, ainda pergunta?
— Sei lá, você não é exatamente um cara difícil de ficar excitado — agora ela se virou, falando em tom óbvio — Tenho certeza que já viu peças muito melhores e mais caras do que aquela, que inclusive, tive que inventar pra Candice que vendi pela internet. Ela ficou uma fera, mas já passou.
Jungkook balançou a cabeça, tentando rir de , mas conseguindo apenas um riso seco que acompanhava seus pensamentos em linha reta: se você soubesse como o fácil é uma exclusividade sua, ficaria chocada.
— É, você tá certa, acho que você só me pegou em um dia que eu tava extremamente fácil mesmo. Não vai se achando.
— Não tô me achando, quero mesmo saber — disse ela, aproximando-se um pouco — Esqueceu que isso é parte do acordo? Atualizações sobre o progresso? Feedbacks verdadeiros? Você precisa falar. Essa foi a primeira vez que eu… Bem…
— Fez um cara implorar? — ele ergueu uma sobrancelha, sugestivo — É. Você tomou mesmo a porra do controle, . Me pegou desprevenido, mas não vou negar, foi gostoso pra caralho.
Uma das melhores noites da minha vida, mas nunca saberia disso. Nem mesmo Jungkook queria se tocar desse fato.
gostou da resposta. Com um sorrisinho ainda mais confiante, ela apenas assentiu.
— Bom. Bom saber disso.
E antes que outra conexão entre os dois recomeçasse, Jungkook emendou com a volta à realidade.
— Acho que Jaehyun também vai gostar bastante.
Um gosto amargo e inédito se espalhou pela boca de Jungkook junto com a frase. O intuito era manter a conversa em linha reta, fazer falar sobre toda aquela baboseira de mais cedo, fazê-la confirmar que estava tudo bem entre ela e Jaehyun e que ele devia mesmo parar de ter aqueles pensamentos proibidos sobre ela; acima de tudo, que eles continuassem caminhando para o fim e que tudo estava perfeitamente bem e equilibrado como deve ser.
No entanto, a fisionomia dela tinha se tornado séria e áspera, e tudo que conseguiu emitir, com o rosto para a comida, foi:
— É? Bom, se você diz…
Uma nova pergunta estava prestes a vir. Um novo pedido de esclarecimento que ele precisava fazer, mas se viu enterrando todas as coisas lógicas do mundo mais uma vez.
— Também acho que vai gostar de como você rebola quando está excitada. Ou como morde a boca quando tem uma língua na sua boceta.
levantou os olhos para ele. Normalmente, as frases imediatas de baixo calão a deixariam com vontade de se esconder em um buraco, mas ao longo de tantas noites com Jungkook, as percepções eróticas não eram mais tão escandalizadas.
— Você fica observando o tempo todo quando tá com a língua na minha boceta?
— Observar é a melhor parte, . É o resultado do serviço. E pode acreditar, você fica maluca.
— É? O que mais você observa?
Era possível que Jungkook estivesse sorrindo tanto naquela noite como não sorria há muito tempo. Era um sorriso sacana, divertido, sóbrio e espontâneo. Sua mente cansada não era mais forte do que sua vontade de falar e prestar atenção ao que ela falava. E aquele cérebro já estava ainda mais cansado de avisar; advertia o garoto sobre suas contradições, sobre não se aproximar, que seria muito ruim seguir por qualquer outra rota que tinha estabelecido no começo, muito ruim…
Em sua defesa, Jungkook gostava muito de seguir seu cérebro, mas gostava ainda mais de seguir seu coração.
— O jeito como suas mãos ficam perdidas quando tô metendo em você — com a voz aveludada, ele apoiou o cotovelo no encosto do sofá, aproximando-se automaticamente — Como alterna o volume dos gritos conforme a velocidade que eu invisto. E é certo que eu vou querer ouvir mais. Como você gosta que eu bata nessa bunda, ou que eu coloque meu rosto nela, ou que eu só toque nela… Ao mesmo tempo que eu dou atenção para o seu cabelo ou encaixando seus peitos na minha mão.
— E o que mais? — ela se viu perguntando, um tanto desorientada pela listagem. O olhar libidinoso de Jungkook estava cravado nos dela em uma clara provocação. Uma clara provocação que estava gerando resultados, sentidos pelas pernas fracas e pelo calor exultante no ventre.
Podia-se concluir que tinha algo a respeito de Jungkook que fortalecia e confirmava todos os boatos sobre ele. Irresistível. Ridiculamente irresistível. E seria bom que achasse um jeito de se proteger disso, antes que ela começasse a implorar.
Atendendo ao pedido implícito da garota, Jungkook aproximou mais o rosto, fazendo uma vistoria sucinta de seu rosto.
— Gosta que eu te beije na clavícula. Gosta que agarre seu cabelo na nuca. E gosta de ficar de quatro.
— Gosto dos seus tapas de quatro.
— Gosta pra caralho. E gosta quando eu gozo nos seus peitos. Você faz uma cara de safada da porra, é delicioso.
O fogo ardeu de novo. Ardeu até a alma. Alguma coisa latejava entre as pernas de e secava ainda mais a garganta, fazendo-a molhar ainda mais os lábios, acabando com todas as suas tentativas de disfarçar o quanto aquele homem era o próprio desvio de caráter.
— Você gosta de transar em lugares inéditos — ela levantou os ombros, e Jungkook sorriu com ânimo.
— Sou um homem das cavernas, gosto de marcar território.
— Sei bem disso. Os chupões clandestinos que eu pedi pra não deixar servem de testemunha.
— Os tapas na sua bunda também. Consegue sentar depois?
— Consegue usar uma blusa sem mangas depois das minhas unhas?
— Não, mas é o de menos. Sou o cara que usa sacos de batatas, lembra? Isso vale pra parte de cima.
— Gosta de usar sacos de batatas em pleno verão por causa das minhas unhas? — levantou uma sobrancelha.
— Você gemendo o meu nome enquanto me arranha faz tudo valer a pena, .
Silêncio. Provavelmente, um deles deveria dizer alguma coisa. deveria rebater a frase dele, se era esse o jogo. Ou Jungkook deveria completar a fala, ou então mudar de assunto. Tanto faz, algum deles precisava apenas falar. Mas que palavra poderia ser forte o bastante que não se desintegraria com toda a tensão quente e sexual que tinha se estabelecido entre os dois?
Falar alguma coisa quebraria a hipnose de seus olhares. Mancharia toda a quididade do momento. Jungkook e , no seu mais fundo, profundo e íntimo da insconciência, desejaram que o tempo parasse naquele instante. Só por um instante. Um segundo que fosse. Mesmo que não entendessem de onde vinha esse tipo de desejo.
— O que vai fazer depois que eu terminar? — se viu perguntando, absorta naquela bolha de atração, agarrando o bowl com dedos fracos.
Jungkook não desviou o olhar. Sua feição era mais séria, mais confusa e mais determinada.
— Vou te foder. Com força. Do jeito que você gosta.
A voz dele estava perto e longe ao mesmo tempo, causando um efeito catastrófico naquela calcinha emprestada que ela usava. Um efeito novo e, ao mesmo tempo, já conhecido do seu organismo: expectativa, vontade, pressa, uma lascívia que a domava como o inferno e interrompia todos os pensamentos racionais.
— Aonde? — seu corpo se impulsionou para a frente como se tivesse vida própria. As pernas imploravam por alívio. Os futuros gemidos se amontoavam na garganta. Seu corpo inteiro se preparava para Jeon Jungkook.
Ainda bem que ninguém sabe disso. Ninguém sabe, ninguém… repetia como um mantra. Sempre foi um motivo de orgulho pessoal saber resolver as coisas importantes da vida sozinha, mas quão humilhante seria admitir até para si mesma que necessitava das mãos daquele homem para se sentir plenamente realizada em uma área que nem sabia que precisava se sentir plenamente realizada.
Em essência, ele conseguia ver isso. Conseguia provocar isso. E conseguia se sentir tão ou mais agitado do que ela quando atestava o impacto que tinha.
— Onde você quiser. Qualquer lugar inédito que ache apropriado, ou não apropriado. Só quero te dar um motivo pra usar essas unhas de novo.
assentiu a cabeça com força, estupidamente obediente e entregue sem ter recebido um único toque.
— Tudo bem — ela respondeu, preparando-se para se livrar do bowl imediatamente e atender aos instintos de seu corpo como um animal, mas Jungkook espalmou as mãos em sua perna, trazendo a cerâmica de volta para o seu colo.
— Assim que você terminar, . Se não comer, não vai gozar. É o trato.
Então, ele se afastou há alguns centímetros, muitos centímetros comparado a alguns segundos, permanecendo com seu mesmo sorriso debochado. O sorriso que caía como uma luva, o que o tornava quem era. Ou quem achava que era. O que precisava mostrar para que não soubesse que estava tomando mais do que deveria.
Com graça, ela revirou os olhos, escondendo o bico de decepção e voltou a comer, facilmente mais rápido desta vez.
Estendendo um braço, Jungkook voltou a pegar o violão, distraindo-se com o dedilhar de notas suavemente antes de dizer:
— Tenho algumas dúvidas — disse, apoiando o antebraço no instrumento. arqueou a testa — Pessoalmente falando.
— O que?
— Você curte mesmo anal ou só tá seguindo a onda do falso boato de que todo homem gosta?
travou a próxima colherada no ar, virando a cabeça para encará-lo com um olhar duvidoso.
— Os homens não gostam?
— Essa pergunta tem dois tipos de resposta, sabe…
— Ok. Eu gosto mesmo — respondeu, naturalmente dando de ombros — Quer dizer, eu gostei com você. Isso é algum problema?
Se tivesse respondido sem aquela voz especialmente delicada de quando se sentia inibida com alguma coisa, talvez Jungkook se mantivesse inabalável. Mas aquele jeito pseudo inocente, ou minimamente afetado que ela apresentava quando queria ligar uma satisfação pessoal a ele em palavras, abalava-o mais do que gostaria de admitir. Tinha vontade de trincar os dentes. Ela precisava pelo menos terminar de comer, esse foi o combinado.
Aquele cara precisava tirar seus impulsos do caminho antes que alimentasse ainda mais aquelas ideias malucas.
— Não. De jeito nenhum. Não são muitas que gostam. Na verdade, não são muitas que gostam e falam sobre isso. Tem toda a porra de tabu e essas coisas.
— Ah. Bom. Eu acho legal. Candice também, não que eu tenha perguntado. Ela sempre dá alguns detalhes exagerados que eu nunca pedi — disse com uma careta — Mas também diz sobre fazer isso com duas pessoas. Sabe, com dois caras, ou…
— Não, não — Jungkook quebrou a fala imediatamente, arregalando um pouco os olhos pelo início do assunto. fez uma expressão de desentendida — É sério isso? Não sei se sabe, mas pode anotar no seu caderninho de lições que não dá pra gente falar de DP quando o sexo é só entre duas pessoas, deu pra entender?
— DP? Minha nossa, Jungkook, menos, bem menos. Eu não ia dizer isso… — agora se viu trincando os dentes, odiando as bochechas esquentarem só com a ideia da coisa. Mas o tipo de adrenalina que correu em suas veias era proveniente de várias e várias sessões em que foi ouvinte das aventuras de Candice nos últimos quatro anos, e que passeavam por sua cabeça vez ou outra, ganhando mais notoriedade depois que passou a, oficialmente, ter uma vida sexual — Na verdade, ia perguntar o que você acha de ménage?
A voz dela saiu tão baixa como um silvo. Jungkook quase precisou pedir para que ela repetisse. E fazer perguntas encarando a comida não melhorava o entendimento.
Mas pela postura, ele, afinal, tinha entendido muito bem. E piscou os olhos várias vezes, sentindo-se repentinamente encabulado.
— Como assim o que eu acho?
— É, se você toparia essas coisas e tal…
— Isso foi um convite?
— Claro que não. Acha que eu tô a altura de fazer um convite desses?
— Acho que você tá a altura de deixar qualquer pessoa muito louca pra te foder.
Era a verdade. Que se foda, era mesmo. Basicamente, o restante da noite da carta verde serviria também para Jungkook; ele seria mais sincero do que o aceitável.
abriu um sorriso tímido, temendo que seu autocontrole morresse para sempre se saísse da linha e engolisse aquela sopa de uma vez só.
— Bom. Vou levar isso em consideração — disse ela, dando de ombros — Isso quer dizer que aceita, então?
Jungkook riu em sarcasmo.
— Ménage com você? Não, obrigado.
— Por que não? Acabou de dizer que posso dar conta.
— Não disse que pode dar conta, falei que você é uma gostosa que provoca tesão, mas na hora, você… — repentinamente perdido, Jungkook se calou, aborrecendo-se de repente. o olhava com genuína curiosidade. E ele não saberia explicar que um ménage era tudo que não faria com ela, porque ménage significava dividir, e a ideia de dividi-la não era bem aceita em sua concepção — Esquece, como a gente veio parar nesse assunto mesmo? Tenho certeza que Jaehyun não toparia um ménage. Ele é monogâmico demais pra isso. E, na boa, você também.
— Por que voltou a falar do Jaehyun?
— Porque precisamos falar do Jaehyun. É por isso que estamos aqui — ele respondeu com firmeza, como se estivesse dando uma bronca. Seu tom óbvio por fora não condizia com o turbilhão que sentia por dentro. Aquela frase saiu mais como um pensamento em voz alta. Estou reiterando pra mim mesmo: é por isso que estamos aqui. É só por isso.
umedeceu os lábios, suspirando com a comida que já começava a ficar fria. Mastigar se tornou uma forma de dispersar o assunto. As luzes que brilhavam na água translúcida pareciam ainda mais intensas. A sentença de Jungkook tinha pesado como uma bigorna.
É por isso que estamos aqui. Só por causa de Jaehyun. Ele a suportava por causa de Jaehyun. Continuava mantendo-a na lista de contatos por causa de Jaehyun. Se bobear, também a tinha ajudado por causa de Jaehyun. Surpreendente, se viu frustrada com isso. Se viu decepcionada com aquele caminho que trilhavam na direção da linha onde Jaehyun se encontrava, mesmo que agora isso tenha se tornado tão distante.
Achava que, pelo menos, ela e Jungkook poderiam se dar bem apesar de Jaehyun. E não apenas por causa.
— Claro. É só por causa dele.
Jungkook notou a ponta de amargura em sua voz e quis afundar a cabeça no violão com o arrependimento. Mordendo o lábio, ele apenas largou novamente o instrumento de lado, levantando os braços com um suspiro alto.
— Tá legal, que porra de papo foi aquele? Sei que você se lembra porque ainda não tava chapada com aquele comprimido maluco.
— Do que tá falando?
— Que você insistiu em dizer que ele tá estranho e não tem falado com você. Ou você tava muito bêbada, ou então…
— É o que tá acontecendo, Jungkook — puxou ainda mais um dos joelhos, fazendo a blusa levantar na altura de sua cintura — Ele só… Não sei, parou de me responder. Eu também parei de insistir, não faz muito o meu estilo. E tá tudo bem, ele tá em uma turnê, afinal. Essas coisas devem ser comuns. Na verdade, são comuns. Os paparazzis não esperam na saída do backstage à toa.
, isso não… — Jungkook bufou, esfregando o dorso da mão na testa em uma clara atitude de não saber como completar. Uma fúria de si mesmo voltou a aparecer. A raiva de ver o que suas malditas palavras daquele dia foram capazes de fazer, e ainda mais raiva por não saber como fazê-la mudar de ideia — Isso não faz sentido, tá legal? Sério, não faz…
— Tanto faz. Não tem problema, entende? Nós dois não temos nada — disse , com o tom de voz tranquilo — De qualquer forma, as coisas se resolveriam quando ele voltasse, quando desse sinal de vida por aqui, e não longe. Não quero colocar expectativas em uma fantasia, porque é isso que ele é agora: uma fantasia. E, bom, se ainda quiser dormir comigo quando voltar, o que estamos fazendo não vai ser em vão.
Ele automaticamente lançou uma risadinha, que saiu mais engasgada do que o normal. e Jaehyun se reencontrando. e Jaehyun saindo para um jantar. e Jaehyun transando, assim como eu e ela…
Que pensamento de merda.
— Claro que não. Transar comigo nunca é em vão, . Transar comigo é um acontecimento, uma experiência única, cedida a você como prova da minha boa fé.
Ela levantou uma sobrancelha com desdém.
— Por que não aproveita nosso acordo de não ser um babaca e completa com não ser convencido?
— Aí não teria graça nenhuma, você começaria a achar que sou legal.
— Eu acho você legal.
— Não deveria — o sorriso foi diminuindo devagar — De verdade. Não sou legal.
não perguntou o principal: por que está falando isso? Algo a dizia que Jungkook não responderia. Mas tinha alguma coisa naquele olhar, naquela hora, que a incomodaram como nunca antes.
— Deixou a Ali colocar essas coisas na sua cabeça?
Jungkook ergueu a cabeça um pouco mais rápido, consternado.
— O que?
— É, deixou que aquelas fotos no barco, a traição e todas essas merdas ditassem na sua cabeça que você não é bom o suficiente? Porque ela foi embora? Acha que teve alguma culpa disso?
— Do que você…
— Acha que só porque aloprou naquela semana, quebrou a cara de um estranho, foi imbecil com uma garota num hotel, matou 5 maços de cigarros de uma vez e quis desaparecer te tornam uma pessoa de merda? Acha que sua personalidade real depende dela?
— Para de falar — Jungkook cortou imediatamente, deixando com a boca entreaberta antes que soltasse mais perguntas. Perguntas descaradas, ridículas, inconvenientes. Os dentes dele prenderam entre si, trazendo desgosto e um alerta ameaçador para sua expressão. Por que simplesmente não a deixei naquele hospital? Ou simplesmente não encerrei tudo isso de uma vez?
Porque a verdade era o artefato mais doloroso da vida de Jungkook. Ele não queria saber dela. Não queria concordar com ela. Não queria enxergar o quanto Ali tinha fodido sua cabeça e também não queria acordar pra vida e ser um herói emocionalmente estável como a sociedade queria. Ele não queria conselhos para dar a volta por cima, só queria descobrir esse caminho sozinho.
Mesmo assim, algo na raiva dele ativou o descontentamento dela. Uma insurreição contra toda aquela pose altiva que era falsa e inútil. Livrando-se da tigela, ela o encarou com veemência, sem se encolher com suas palavras duras e perturbadas, revestindo-se do mesmo tom feroz e afiado que ele.
— Você é você, Jungkook. Sem Ali Dalphin, sem o BTS, sem a grana. Você é você. Pode ver isso? — ela estreitou os olhos, abaixando as pernas para se aproximar — Você é aquele quarto de hóspedes, aquelas luzes, essa camiseta e aquele estúdio. Consegue entender? Consegue visualizar o seu eu estampado em cada parede dessa casa? — ela tentou chegar mais perto, mas Jungkook afastou o tronco para trás — Mas o problema é que, se não cortar o mal pela raiz, ele sempre vai existir, e uma hora ou outra vai entrar arrombando essa porta da frente. Se bem que ele não precisa, já que tá guardado bem aqui dentro, no meio daquela prateleira cheia de coisas que você não joga fora.
Os olhos de Jungkook se arregalaram. Antes parado e respirando exclusivamente pelo nariz, ele soltou uma risada perplexa, levando as mãos aos cabelos como se pudesse arrancá-los, tentando conter a raiva traidora que se apoderava de si com sucesso.
— Você se superou em bisbilhotar. Fez isso na casa de todas as celebridades que invadiu?
— Nunca invadi a casa de nenhuma celebridade.
— Mas invadiu a intimidade de muitos, inclusive a minha. Isso te classifica como legal?
— Eu só tô tentando dizer…
— Eu não acho que você tenha moral pra me aconselhar sobre os meus problemas pessoais quando foi a responsável por eles.
Quando disse, Jungkook destilou tanto desprezo na voz que deixou sem saber o que dizer. Não houve gritos, xingamentos, ou palavras pesadas como das primeiras brigas. Aquilo nem podia ser caracterizado como uma. Mas a facilidade com que a encarou com o mesmo ódio, a mesma indiferença e a mesma frieza fez com que se sentisse deslocada. Como se todos os momentos legais, por poucos que fossem, não valessem de absolutamente nada. Jungkook jamais esqueceria aquela história. E, igualmente, jamais acreditaria nela.
— Até quando vai tocar nesse assunto? — ela se odiou por perguntar. Se odiou por ele ainda odiá-la.
— Até quando vai pensar que somos amigos?
Outro baque. se viu sem palavras de novo. O tom dele era sem igual. Mesmo que sua voz tenha falhado minimamente com a última frase, e que odiasse cada palavra que tinha dito.
— É, acho que você tem razão — ela balançou a cabeça e se colocou de pé no mesmo instante, puxando a tigela e atestando o céu que começava a clarear — Sou uma idiota por pensar que algumas ações generosas signifiquem alguma coisa. Você não passa de um cãozinho medroso.
suspirou e avançou para dentro da casa a passos largos, cuidando para os dedos trêmulos não derrubarem a cerâmica.
Enquanto isso, Jungkook ficou para trás, acompanhando suas costas se afastarem, sentindo-se tão perdido e miserável quanto há alguns meses atrás.

[1]: trecho autoral, por Luana Andrade.


[ 12 ] – Is the proof that love's not only blind, but deaf

🎵 Ouça aqui:
Fake Tales of San Francisco - Arctic Monkeys

"E, sim, eu adoraria te contar todos os meus problemas
Você não é da cidade de Nova York, você é de Rotherham
Então pare de fingimento e largue o manual
Sim, sim, sim, sim, sim
Pare de fingimento e largue o manual."

Idiota.
Definitivamente, Jeon Jungkook era um idiota. E engana-se quem pensava que ele não sabia disso.
Mas ali, parado em frente à piscina, encarando o reflexo do muro e das árvores batendo na água calma, tendo os passos de ressoando nos seus ouvidos como se tivessem abrido o chão com força, ele percebeu que, talvez, naquele dia em específico, não gostou tanto assim de ser idiota.
Também engana-se quem pensa que ele queria refletir sobre os motivos de não gostar de alguma coisa.
Com raiva, sabe-se lá do que, ele se levantou automaticamente, andando para dentro da casa e encontrando-a em frente à pia da cozinha, ligando a água da torneira e começando a esfregar o que via pela frente: pratos aleatórios, canecas e seu próprio bowl. As sobrancelhas estavam unidas em um rosto muito focado e ainda mais fechado, como se aquelas míseras louças estivessem olhando-a com cara feia e ela só quisesse retribuir.
Saber que tinha irritado com a verdade sempre tinha sido tão satisfatório. Libertador. Poderia fazer isso por horas. Mas naquele dia ela parecia tão... Magoada?
E isso não pareceu tão legal assim.
Se ela já tinha ficado magoada antes, nunca mostrou a ele. Ou Jungkook não se importava o suficiente para reparar. De qualquer forma, ali estava uma expressão que nunca tinha visto antes.
— ele chamou enquanto se aproximava dela na bancada. não disse uma palavra, mas suas mãos trabalharam com mais força na porcelana — Foi mal, a ideia não era brigar com você.
Era inegável o quanto ele estava sendo sincero. Jungkook se recostou com o quadril ao lado, cruzando os braços e olhando para frente, não na direção dela.
Levou alguns minutos até que desse de ombros e suspirasse, uma respiração que soava como cansaço.
— Tanto faz, não é como se isso nunca mais fosse acontecer.
— Mesmo assim. Não esperava que você soubesse da foto. Não esperava que alguém soubesse, então só me descontrolei. Não quis dizer aquilo daquele jeito.
— Mas quis dizer. É o que você pensa.
Jungkook molhou os lábios, desviando o olhar mais uma vez, detestando a si mesmo por ser tão transparente ou por ser tão previsível. Previsível da forma errada. Imaturo de um jeito patético.
Mas achava que isso o tornava verdadeiro, por pior que fosse.
— Mas não queria dizer daquele jeito — reiterou, apegando-se na parte mais sutil. Se dissesse que, na verdade, ela poderia esquecer aquela história toda porque ele já não sentia mais tanta raiva por causa daquelas malditas fotos e, sim, que sua verdadeira ira estava em Ali e toda a sua traição, e que se todo aquele circo serviu para alguma coisa, foi para mostrar a verdadeira resistência do relacionamento deles, ficaria confusa e perguntaria se ele passava bem, e sinceramente, até ele mesmo ficava confuso quando se via entre as verdades e meias verdades de toda aquela confusão, então era mais seguro que ela não soubesse de suas dúvidas e não perguntasse nada.
Mesmo que elas ficassem muito evidentes ali e agora, em toda a sua pose contraditória.
— Tudo bem, Jeon. Ser sincero também é uma característica de caras legais, por mais que você odeie isso.
Seus dentes trincaram. nem olhava pra ele quando dizia isso. E disse com tamanha segurança, tanta certeza, aquela certeza odiosa e sem fundamento que o deixou com ainda mais fúria nos olhos.
era a última pessoa da face da Terra que deveria dizer que Jeon Jungkook era qualquer coisa minimamente positiva. Ela não. Isso era uma grande loucura.
— É, eu odeio. Porque não sou legal, . Não do jeito que você pensa — não do jeito que você quer, pensou ele com destreza. A conversa com Jaehyun e sobre Jaehyun ficava caladinha no canto da mente. Tudo o remetia a ela. Como, pelo amor de Deus, os papéis podem ter se invertido desta forma bizarra? Como Jeon Jungkook se tornou um cara tão ou mais legal do que Jeong Jaehyun, na visão de ? Nem fodendo. Em nenhuma parte do mundo. Em nenhuma reencarnação aquilo era possível. Não. Não — Devia colocar os pés no chão e acordar pra realidade. Você é a última pessoa que deveria pensar uma coisa dessas.
— Por que raios você diz essas coisas? — agora parou, virou o corpo pra ele, mas logo desistiu e voltou ao que estava fazendo, bufando de nervosismo. Cansou antes mesmo de começar. A ideia de que Jungkook se divertia com suas sessões de autopiedade não eram charmosas; eram tenebrosas, ridículas, e não suportava ver pessoas boas focando em defeitos que não existiam.
Naquele mísero momento em que ela girou o corpo e o encarou com indignação, pode-se dizer que algo despertou dentro dele. Não pela primeira vez, mas despertou de novo. Como quando ela elogiou sua camiseta. Como quando o chamou para o banho. Como quando o contou seus sonhos debaixo das luzes. Como quando quis ser beijada. Coisas ridículas, sem fundamento, mas coisas que o deixavam a beira de um desejo incontrolável que apagava sua mente por completo.
E, principalmente, despertava todos os impulsos.
— Porque caras legais não fazem isso — e então, ele se moveu por alguns centímetros até passar um braço por sua cintura, achegando-se em suas costas em um piscar de olhos. parou imediatamente, sentindo a outra mão se fechar em sua bunda, subindo até o quadril, entrando por debaixo da blusa enquanto a boca de Jungkook se prendia à curva do pescoço com a voz insanamente abafada: — E não fazem isso… — a mesma mão que passeava pelo corpo foi de encontro a um dos seios escondido pelo tecido, e a faísca breve nunca durava por muito tempo; o fogo já começava a se alastrar, começando em pequenos pontos por toda a parte, cada mísero centímetro percorrido pelas mãos dele, deixando uma mera mulher sem rumo — Mesmo depois de todos os avisos.
— O-o que… Do que você… — era impossível prestar atenção no que aquele cara queria dizer. só conseguia pensar no calor, no desejo, e em como toda a libido roubava sua fala. O hálito quente dele queimava sua pele. Os dedos frágeis estavam parados em cima da pia de mármore. As mãos dele apertavam sua cintura com força, e a outra roçou por cima de sua calcinha, bem na área do clitóris, devagar e firme ao mesmo tempo, um ato desesperado, mas controlado. soltou um gemido pesado, sofrido, perdendo a visão.
— Se você soubesse tudo que eu tô pensando agora, veria como não sou um cara legal — Jungkook soprou em seu ouvido, colando-se mais em suas costas. As pernas de vibravam. Seus braços queriam encontrar os dele. A onda de tesão já bagunçava todos os sentidos da garota, e não importava as coisas que ele dizia, por mais deliciosas que fossem — Tudo que eu quero fazer com você, de um jeito totalmente egoísta. Pra que você nunca mais se esqueça... — e espalmou uma mão na bunda dela, retirando o primeiro grito seco. Ela gemeu, colocando uma mão na boca. Ele não se importava mais em estar com raiva, porque o motivo daquela emoção estúpida era ele mesmo. Desejava tanto aquela mulher que era impossível não se zangar com esse fato. Ele queria como não se lembrava de querer alguém antes, sem nem saber nada sobre seu passado e nunca ter dado um mísero beijo naquela boca.
Que absurdo. Era mais do que motivo suficiente pra ficar com raiva.
— Jungkook… — era difícil para se concentrar com as mãos e os dedos que não paravam. Ela inclinou-se automaticamente, pegando nos ombros dele desajeitadamente, querendo dançar em cima daqueles dedos que massageavam seu maior ponto de prazer e queria, mais do que tudo, a boca, a pele, tudo que ele poderia oferecer.
— Já acabou, não é? — A voz dele parecia odiosamente sóbria e odiosamente centrada enquanto ela se derretia pateticamente em suas mãos. A respiração irregular mostrava o estado caótico que se encontrava enquanto aquele cara fazia o melhor que sabia com os dedos. Mas falar, ela precisava desesperadamente falar...
— Tenho que… — ela tenta se apoiar na cuba, apontar para as louças, qualquer coisa que demonstrasse que ele poderia estar indo rápido demais, mas as palavras não completavam. Seu corpo se contorcia inteiro sobre aqueles dedos e tudo que passava em sua cabeça era se livrar daquela barreira para que ele fizesse o trabalho direito.
Jungkook deu uma risadinha mínima e sacana por trás de suas costas, cessando os movimentos devagar e deixando uma ofegante quase choramingando. Quando falou em seu ouvido de novo, o sussurro veio acompanhado de uma respiração presa e um maxilar trincado:
— Tudo bem. Vou deixar você terminar.
E então, as mesmas mãos levantaram a camiseta dela até a pelve e desceram o tecido preto até os joelhos, onde Jungkook imediatamente se abaixou e sumiu por entre as pernas de .
Imediatamente, ela se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na bancada enquanto soltava um gemido infinito de prazer. Um ofegar que aumentou e reverberou à medida que sentia a língua dele dançar de forma insana em suas paredes, ao mesmo tempo que suas mãos apertavam sua bunda e transpassavam em sua coxa como se literalmente quisesse enfiar seu rosto inteiro dentro dela.
Era uma loucura. , perdida, virou a cabeça para trás por um momento, buscando algo para olhar e percebeu que fazer isso só piorava tudo. Jungkook já estava fazendo isso, olhando para ela enquanto movia a cabeça e investia em sua boceta com a língua, e minha nossa, como aquilo podia ser totalmente tachado de delírio porque nada poderia ser tão selvagem assim. Ela mordeu os lábios na mesma hora, torcendo para que os sons saíssem com menos intensidade, para que ela se mantivesse de pé com firmeza o suficiente, para que ele não parasse nunca porque a combustão que estava acontecendo em sua pele ainda não podia parar. Em movimentos ritmados, ela ergueu uma perna para cima, abrindo-se ainda mais para que Jungkook fizesse o serviço da forma como preferisse, o que alavancou a velocidade de sua língua e agora ela a sentia até mesmo rodear sua entrada, saindo e entrando com agilidade, sugando toda a antecipação que ela já sentia.
— Jungkook... — ela queria dizer "canalha", mas ele a calou com mais um tapa. penou ainda mais, levando uma das mãos para trás de encontro ao cabelo dele, deslizando os dedos nos fios e puxando-os para servirem de um substrato mais eficiente. A língua dele passeava por toda a extensão de sua pele e, quando começou a acariciar levemente o clitóris com o dedão, ela sabia que não aguentaria por muito tempo. Na verdade, era exatamente o que ele queria: a explosão, a perda do controle bem ali, na sua boca.
E quando veio, segurou com mais força no mármore, sentindo os olhos enfraquecendo e a respiração desnivelar no peito. Ainda chupando tudo que tinha direito, ele usou a boca para mover beijos e língua pela bunda, pelo quadril e pelas costas, à medida que levantava a si mesmo e a camiseta dela de Busan, arrancando-a com ferocidade e jogando-a em qualquer canto enquanto virava o corpo dela para si, encarando aquele rosto pós orgasmo com um apetite malfadado. Era torturante. Ninguém deveria ter aqueles olhos brilhantes, e aquela boca...
— Entendeu o que eu disse? — a voz dele era comprimida, totalmente debilitada pela presença dela e por aquele fogo todo que surgia do nada, em qualquer ocasião. Era isso que começava a pensar: que não existia lugar certo para querer essa mulher pelada, quanto menos um horário definido, quem caralho inventou regras sobre horários? — Você devia...
E então, ele não disse mais nada. Talvez não fosse mesmo capaz de fazer isso. , ainda desnorteada, vendo-o tão perto e com tanta vontade, tendo seu corpo exposto e apreciado por aquele cara que sabia o que fazer, foi tomada por impulsos tão loucos que jamais acreditaria depois se lhe contassem. Talvez por não entender a fundo os motivos peculiares de Jungkook. Talvez por não se importar em entender. Que se foda. Ela só olhou para aquela boca tão próxima, os cantos dos lábios ainda molhados dela, a respiração se misturando, as mãos em seu cabelo e levou um dos dedos até os lábios dele, estabilizando-os até que levantasse os pés e passasse a língua por um deles.
Jungkook travou no lugar. Olhou pra ela com confusão. Olhou com choque, seguido de furor, exasperação e medo. O sorriso de era vitorioso, e se tornou ainda mais largo quando disse:
— Esse é o meu gosto? Que coisa mais subjetiva — ela riu, e sentiu o corpo ser ainda mais apertado pelos braços ao seu redor, por um homem com as veias saltadas e o coração batendo tão forte que seria facilmente ouvido. teve o tronco erguido para cima da bancada, ao mesmo tempo em que Jungkook se encaixava entre ela, pegando em seu queixo, que agora batia na mesma direção de seu rosto.
— Como se atreve? — ele trincou os dentes, mas seu lábio tremeu. Sua cabeça tinha saído de um liquidificador. Uma ansiedade e desespero louco queriam fazê-lo tocar nela em todas as partes ao mesmo tempo porque nunca era o suficiente, todo o contato era inútil; e, ao mesmo tempo, queria deixá-la ali e sair correndo, pegar um avião, talvez dois, anunciar férias individuais porque só uma distância bem definida mascararia o quanto precisava dela, precisava como nunca.
— Que se foda o seu roteiro — ela tirou a mão dele de si e, com um sorriso ladino, passou as suas para o cabelo dele, puxando seu pescoço para a sua boca, sentindo o cheiro de Jungkook. Provocou arrepios inevitáveis, os mesmos que sentia com a boca dela na região, assim como a boca dela em qualquer lugar. Ou sua língua. A língua dela em sua boca. Dentro de sua boca. Aquela boca...
Ele fechou os olhos, divagando pelo prazer, pressionando a mulher como se ela fosse escapar, e Deus o livre se isso acontecesse. Com a mão livre, ele pegou em seu seio, beijando-a onde pudesse: pescoço, colo, vale, até parar e sugar seu mamilo, distraindo-a o suficiente para arquear as costas e inclinar a cabeça para cima, ainda com os dedos em seu cabelo, mas agora com a boca dele em seu peito e os dedos esfregando a boceta para que ela gritasse e se mexesse por cima da bancada em busca de algum alívio fracassado que ele estava disposto a fazê-la esperar.
Um dos joelhos dela raspou na calça de moletom de Jungkook, sentindo a ereção mais do que evidente, sentindo o desejo latejar ainda mais entre suas pernas, sentindo a necessidade e a pressa de tê-lo em qualquer lugar. Como queria esse homem. Tirou uma mão dos cabelos de Jungkook, passando-a para o pau em cima da calça, iniciando movimentos leves de súplica, de pressa, de preciso de você agora.
— O que tá esperando? — ela disse em modo sôfrego, mordendo os lábios para segurar os gemidos inevitáveis. Jungkook não tinha uma resposta na ponta da língua. Não conseguia olhar para e pensar em algum joguinho. Olhar, pensar e falar ao mesmo tempo não estava funcionando hoje. Mas com um sorriso, ele a desceu da bancada, colocando-a de costas para ele novamente, puxando seu cabelo para o lado enquanto sentia o cheiro de sua nuca de novo, aquele cheiro inconfundível, o cheiro que o fazia sentir falta, mais falta, falta...
— Isso — ele disse em voz abafada, abrindo a segunda gaveta logo ao lado com uma mão, enquanto a outra ainda a segurava pela cintura. Tirou de lá uma camisinha em embalagem preta, fechando o cacifo tão rápido quanto abriu.
— Você guarda camisinha na cozinha? — arregalou os olhos, segurando a risada pasma. Jungkook deu de ombros, soltando-a a tempo de desfazer o pacote e colocar o látex.
— Eu sou prevenido, . Acha que é a primeira com quem eu já fiz isso? — é a primeira nessa casa, mas ela não precisava saber disso. quis rir com o comentário, mas quando ele posicionou o pau atrás dela, tudo perdeu novamente o sentido com a expectativa que rugia e escaldava seu peito — Quer reconsiderar seu pedido ou posso fazer como sempre?
— Cala a boca e mete logo — ela trincou os dentes, e sentiu o cabelo ser tomado por aqueles dígitos até que tivesse a cabeça inclinada para trás e a primeira estocada forte e animada veio bem fundo como gostaria.
A partir daí, a série de barulhos demonstrava uma confusão de bater de corpos, suor, frenesi, gritos, tapas e beijos espalhados pelo pescoço e pelas costas. O quadril de Jungkook se movia por conta própria, a boca encostada nos fios dela enquanto mantinha a sua entreaberta, sentindo os braços, o cabelo, o torso ser manejado como uma boneca e não vendo problema algum com isso. Seus seios pulavam de acordo com o choque dos dois corpos, e um sorriso se abria em seu rosto quando gemia e implorava por mais, e mais...
Virando-a para a frente de novo, Jungkook e já eram a própria bagunça. Puxando-a para cima, ele travou suas pernas em sua cintura, vendo o sorriso sacana dela e sorrindo de volta. Sorrindo de satisfação. De felicidade. Seja lá qual seja o motivo do porque as pessoas sorriam enquanto trepavam. Ele só sabia que não queria estar em nenhum outro lugar.
Ele caminhou com ela desse jeito até a sala, onde se sentou imediatamente antes que ela tomasse o lugar em seu colo, olhando-o de cima com autoridade e luxúria, as mesmas de antes, as mesmas que o meteram em um vórtice de loucura e tesão nunca antes sentidos, e ele já estava cansado de rotular as situações com daquele jeito de nunca antes. Mas era como ela o olhava: como se soubesse exatamente o que ele quisesse. E como se não se importasse se ele não queria admitir suas fraquezas.
— Você é tão gostosa — ele disse enquanto a sentia deslizar muito devagar para dentro dela, que mostrou a fraqueza dele em questão.
A maior das covardias estava ali, abrindo-se em um sorriso, nos lábios tão atraentes e delineados, tão intrigantes e... e... e Jungkook tinha um ódio mortal por eles. Por que o fazia querer tanto beijá-la? Por que tinha que ter feito aquilo...
Ele pensou de novo: que se foda. começou a rebolar devagar, com maestria, com muito prazer naqueles olhos brilhantes, ficando sempre desnecessariamente linda, trazendo a irritação de Jungkook novamente. Com os cabelos da nuca em suas mãos de novo, ele aproximou seus rostos mais uma vez, segurou com força em sua cintura, puxando-a pra cima e pra baixo à medida que ela se movimentava, encarando aquela boca entreaberta em uma viagem particular agora sem medo, mas reunindo todo o autocontrole para não cair ali, e ficar, desfrutar, foder com as próprias regras do mesmo jeito que queria foder com ; intensa e repetidas e repetidas vezes.
Qualquer idiota saberia ler nos olhos de Jungkook que existia algo naquela garota que nunca acabava: a falta. Os dias que passou tentando ser coerente e racional não valeram de nada: ainda queria desesperadamente, ainda sentia falta, do cheiro dela, do toque, do calor, da euforia de sua língua no seu corpo, que dificultava ainda mais a tarefa de driblar o vício por ela que só crescia e crescia, sem qualquer fim.
Quando viu que ela estava prestes a gozar de novo, Jungkook impulsionou seu corpo para se deitar no sofá, colocando-se por cima dela em uma posição conhecida, o que naturalmente os fez rir, enquanto choramingou por ter sido interrompida.
— Você é tão impaciente — ele disse, ainda sorrindo, puxando as pernas dela para travarem em sua cintura.
— Você corta o meu barato — ela mordeu os lábios com divertimento, e se Jungkook ainda não estava maluco o suficiente, soube com certeza que estava começando a ficar... — Eu odeio você — gemeu quando sentiu que ele brincava com seu clítoris com o próprio pau, ameaçando entrar e nunca o fazendo. Jungkook prendeu os lábios entre os dentes, sentindo o prazer no deleite dela, algo grande, complexo e difícil de segurar e explicar.
— Acha mesmo que eu acredito que você me odeia? Molhada desse jeito? — ele sussurrou perto de seu rosto, com um sopro quente e enérgico, cheio de desejo, cheio de lascívia e cheio de palavras não ditas. o encarou enquanto sentia-o se afundar nela devagar, muito devagar, daquele jeito que a fazia sentir cada veia dele em suas paredes, cada centímetro de seu corpo vibrando com aquela sensação estarrecedora.
— Então... Você devia parar de fingir que me odeia também — ela se apertou ainda mais em volta dele, e Jungkook sentiu-se tão exposto e livre dentro daquela constrição que não percebeu quando sorriu e começou, finalmente, a dar o que ela queria.
Você devia parar de fingir que me odeia.
Era louco como fazia sentido. Como queria isso. E como queria fazê-la sorrir ali, agora, sem pensar no significado das coisas.
O melhor som do mundo era aquele acontecendo agora: os corpos se consumindo, junto com a risada dela, e junto com a voz também... O que era extremamente lunático, porque há meses atrás, a voz dela era seu maior pesadelo, junto com a presença, o nome, qualquer menção que correspondesse aquela tal estrangeira que tinha acabado com uma parte importante de sua vida, a mais importante, a que Jungkook considerava como o bloco essencial que o fez amadurecer em vários aspectos, mesmo que ficar famoso antes dos 20 anos já tenha feito boa parte do trabalho.
Mas tinha... Alguma coisa. Alguma coisa esquisita, perigosa até, e ele tinha medo de não ser apenas tesão e uma vontade passageira de beijá-la; tinha medo de ser algo que o deixaria louco, e Jeon Jungkook já tinha ficado louco uma vez, e não tinha sido nada bom, pra ninguém.
Quem pensava que era para causá-lo medo? Antecipação? Essa garota era só uma novata.
Uma novata que veio acompanhada por sua melhor amiga loira e tagarela, que tentou justificar a história das fotos com um relato de armação e todo esse papo que Jungkook não se deu ao trabalho de ouvir. Mas hoje, qualquer que fosse a história, ele desejou que essa fosse mesmo verdade. Desejou que ela tivesse tido um chefe melhor. Claro, caso ele acreditasse no que Candice havia dito, e nem sabia se tinha mais importância acreditar ou não. Mas desejou que não precisasse estar naquele VMA, que ela não estivesse desesperada pelo emprego, ou tenha caído em uma promessa descabida sobre Londres. Desejou que ela tivesse uma vida plena e feliz e não precisasse ir pra Coreia. Porque assim ele jamais a encontraria. Jamais a conheceria. Ela estaria em Londres, realizando seus sonhos e suas vidas nunca se cruzariam.
Então por que se sentia tão agradecido pelo motivo desconhecido que a tinha colocado ali, naquele exato momento, mesmo que tenha deixado um rastro de destruição pelo caminho?
Seria melhor se nunca tivesse pisado na Coreia. Que Candice nunca tivesse explicado aquela história naquela época, que ele nem queria saber. Mas que permanecesse longe, bem longe onde estava, onde tinha que ter ficado…

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Não se falava em outra coisa naquela semana.
Os principais sites, revistas, programas de entretenimento, todos os meios de mídias sociais queriam saber quem era a garota misteriosa no celular de Jeon Jungkook. E, de uma forma assustadora, mas previsível, eles conseguiram descobrir.
O nome dela era Ali Dalphin, uma modelo francesa situada na Coreia do Sul. Todos os seus perfis foram expostos, mas logo tinham sumido. Pelas fotos divulgadas, ela era claramente uma obra escultural de tão linda. De repente, toda a sua carreira e trabalhos eram de conhecimento geral, incluindo seus desfiles para a Victoria Secrets, Paris Fashion Week e tantos outros eventos que não conhecia, mas que a estrutura dizia por si só. Várias pessoas na internet diziam que não faziam ideia do que estava acontecendo. A notícia havia pegado todos de surpresa. Nas fotos do aplicativo, não perderam tempo para traduzir cada palavra: era uma conversa onde ele dizia que estava cansado de se esconder e ela reiterando que ainda não era a hora certa, que ainda tinha medo. E no fim, ele ainda dizia que a amava.
não podia dizer que não se odiou por aquela foto ter ficado tão boa.
Se ele apenas fosse pego olhando a foto de uma mulher no celular, iriam gerar especulações, mas apenas isso: especulações. Elas não querem dizer nada. Jungkook poderia negar o quanto fosse, e a situação seria esquecida. Mas as mensagens estragaram tudo, e agora estava exposto na mídia.
James realmente não havia perdido tempo. Ela mal via Candice em casa naquela semana, tamanha era a demanda da revista por mais tabloides. Todas as atenções estavam voltadas para Jungkook e, de quebra, para todos os outros meninos do grupo. A Hybe já havia se pronunciado duas vezes sobre o caso pedindo o respeito à privacidade, mas ele não tinha fim. Não estava mais no seu controle.
Jungkook não aparecera muito desde então. Recusava quaisquer entrevistas e coletivas de imprensa, mesmo se o grupo ainda estava promovendo a turnê. Depois de um tempo, a curiosidade de virou raiva, e ela nunca havia presenciado fãs tão… Malucas, é a palavra certa? Aquilo soava bem mais grave do que isso.
Ela tinha conhecimento disso tudo porque fazia exatamente uma semana que não colocava o pé pra fora. Algo que nunca imaginou tinha acontecido: ela tinha caído na depressão e não parava de pensar em como tudo daria errado em sua vida a partir de agora. Odiava aquele emprego, mas agora não sabia o que fazer sem ele.
Tentou dizer a si mesma que precisava de um tempo. Precisava se recompor para voltar a focar nos seus objetivos, mas eles pareciam ter ido parar tão longe, de uma distância da China ao Brasil. Foi a coisa certa ter largado tudo e vindo pra cá? Eu deveria comprar uma passagem para amanhã e finalmente dar fim a tudo isso? Como estariam todos por lá? O clima estaria agradável? Será que as pessoas ainda me contratariam para tirar fotos de casamentos e festas infantis?
Poderia voltar para casa ou aquele cretino ainda estaria lá?
Pensar assim não estava ajudando em nada.
Candice chegou no final de mais um dia, largando os sapatos na porta como sempre fazia. Ela logo viu estirada no sofá outra vez, do mesmo jeito de quando saiu para o trabalho.
— Ah não! — a loira bufou, puxando as pernas da amiga para que se sentasse — Até quando você vai agir como derrotada, ?! Isso está me dando nos nervos!
— Mas eu mandei currículos hoje — a resposta de pareceu um pouco assustada pela reação repentina.
— Mandou, é? Qual a empresa?
Vaca. Me pegou.
— É sério, você precisa reagir! Semana passada agiu como se James e Hilary não tivessem te atingido, mas olha onde você está agora. Onde pretende chegar assim? Esqueceu dos seus sonhos, planos?
— Eu não esqueci nada. Eu só… Não sei por onde recomeçar. Preciso de um tempo.
Candice suspirou e se ajoelhou à sua frente no sofá.
— Então vamos fazer o seguinte, ainda é sábado à noite e eu tenho uma novidade muito bacana pra te contar. E Deus me livre compartilhá-la nesse apartamento com toda essa energia ruim que você tem expelido a semana toda. Vamos sair pra jantar!
— Candy, não tô afim…
— Vou ter que dizer que é uma ordem? — ela levantou as sobrancelhas.
Não, ela não precisaria. Se ela estava decidida, não tinha pra onde correr. Acabou se levantando do sofá e seguindo para o banheiro batendo o pé, desejando que a noite passasse rápido para que pudesse voltar para a sua concha o quanto antes.

O restaurante de comida mexicana estava animado e barulhento.
Talvez por ter estado presa durante boa parte do tempo, os ruídos estavam rendendo uma bela dor de cabeça, mas ela não iria reclamar. Estava ali por Candice, que a cada hora que passava ficava mais animada para compartilhar a tal novidade.
Depois que as enchiladas, os tacos e os drinks chegaram, sinalizou sutilmente para que ela começasse a falar.
— Você não imagina a loucura que está no escritório essa semana. Mas se quiser eu não te conto! — Candice disse enquanto bebia um grande gole de um drink colorido.
— Não sou tão sensível assim, Candy. Pode dizer.
— Ótimo! — ela deu um gritinho de animação — Acontece que os telefones não param de tocar e meus dedos estão doendo de tanto digitar. Avisei a James que de forma alguma eu piso naquele lugar amanhã, mesmo que Angelina volte com Brad. Acho que essa matéria foi a que mais rendeu, e os lucros nem se falam, James não vai reclamar por meses…
Ela se interrompeu, lançando um olhar pesaroso para a amiga.
— Você merecia todos os créditos, . Perdi as contas de quantas vezes gritei naquele lugar sobre como era injusto parabenizarem Hilary por aquelas fotos. Aqueles cretinos…
— Tudo bem, Candy. No fundo, eu estou feliz que não tenha sido eu a responsável por publicá-las. Parece que foi um sinal, sei lá — deu de ombros.
— Como assim? Se James não fosse um miserável, você estaria em Londres nesse momento. Todo esse sucesso da matéria seria seu.
revirou os olhos, achando mais interessante tomar do mesmo drink que Candice.
— Eu não… — suspirou, baixando o copo — Já parou pra pensar em como esse cara deve estar?
— Quem, o JK? — Candy pareceu confusa. apenas assentiu — Não! E nem você, suponho… Ele é uma celebridade, pode ter a garota que quiser. Ele vai arrumar outras logo, eu te garanto. Não esquenta a cabeça com isso.
forçou um sorriso curto, encarando o molho apimentado dos nachos sem dizer uma palavra.
Em Hollywood, existia de tudo. Existiam os artistas que montavam certos cenários para serem flagrados propositalmente por paparazzis e darem o que falar para as pessoas. O famoso ditado: Mal ou bem, falem de mim. Eram os que tornavam o trabalho mais fácil, os que precisava agradecer por fornecerem conteúdo que a deixava pagar mais um mês de aluguel.
Mas aquele cara não. Ela havia flagrado um momento real, íntimo, um em que ele claramente estava sofrendo, e que se dane se era por mensagem de texto. As pessoas não estavam lá. Não viram sua expressão. Não viram os ombros baixos. Não viram nada…
E ela só estava pensando em uma promessa falsa.
— Mas e então — voltou a dizer depois de um tempo em silêncio — Não era sobre isso que você me arrastou até aqui, não é?
Candice deu um grande sorriso e colocou os cotovelos na mesa.
— Tá bom, primeiramente, o que vou dizer pode te chocar um pouco. Mas… — e, com duas batidas no tampo da mesa, disse: — A Vogue me mandou uma proposta!
— Meu deus! — arregalou os olhos, mas sorriu logo em seguida. Sorriu por ver Candice sorrir. Sorriu mais ainda quando Candice a olhou descrente. Sorriu como se nenhuma desgraça existisse em seu vocabulário nos últimos 7 anos — Não acredito, como… Como isso aconteceu?
— Eu não sei, eu recebi um e-mail há dois dias e juro que pensei que fosse falso, mas não perderia nada indo fazer a entrevista, não é? E de repente recebi a ligação. Eles me querem na seção de redação do entretenimento! — ela levou as mãos ao rosto e deu um gritinho.
— Uau, Candy! — pegou em suas mãos automaticamente assim que voltaram a descansar na superfície — Fala sério, você não brinca mesmo quando diz que tem uma grande notícia! Isso foi por causa da matéria?
— Sim… — ela fraquejou um pouco o sorriso — Elas acharam que fui sucinta e não sensacionalista, o que era de se esperar com uma notícia daquelas. Eu nem soube o que dizer, só fiquei muito feliz ao entregar minha carta de demissão hoje na mesa daquele boçal.
— Não acredito — pareceu ainda mais surpresa, mas soltou uma risada e estendeu a mão para um hi-five — Isso merece um brinde!
As duas ergueram os drinks e secou o copo. Era a primeira vez que se sentia genuinamente feliz naquela semana, e aquilo parecia bom. Não queria se desprender da sensação.
Mas o sorriso de Candice foi encurtando à medida que ela devolvia o copo à mesa.
— Tem mais uma coisa…
— O quê? Não me diga que vai receber menos do que no James!
— Não! Pelo contrário! Mas… — ela mordeu o lábio inferior, não sabendo por onde começar.
— Mas o que, Candy? Pode dizer.
— A chefe da redação ficou encantada com a forma com que falei do JK e de todos os outros meninos, e ela disse que isso me deu bastante credibilidade para que fosse contratada. Como o k-pop anda cada vez mais em alta, elas acharam interessante trazer uma visão ocidental falando sobre o tópico na terra natal do gênero, não que mude muita coisa, mas vai ter ainda mais visibilidade e lucro. Coisas como o BTS e todos os grupos por trás deles andam chamando bastante a atenção.
piscou os olhos, ainda não entendendo. Candice fechou os olhos rapidamente e suspirou:
— Eles… Eles querem me transferir pra Coreia por pelo menos 2 anos. Querem que eu publique diretamente de lá.
— Ah.
bebeu um gole de água porque não havia mais drink. Candice a olhava ansiosa, mas ela não sabia o que dizer. Não sabia nem o que sentir.
— Meus parabéns, sunflower — ela forçou um sorriso, dizendo o apelido aposentado de quando se conheceram. O disfarce ficou evidente, e se odiou exatamente no mesmo instante.
— Ah, … — ela enterrou a cabeça entre as mãos — Como eu vou te deixar sozinha nessa situação?
— Você está maluca? De forma alguma vou deixar você se sentir mal por correr atrás dos seus sonhos, isso é uma oportunidade gigantesca, Candy! Não faça isso comigo e muito menos com você mesma.
— Você me conhece, sabe que eu vou ficar um caco se chegar lá sabendo que você está aqui jogada, sabe-se lá fazendo o que já que não está nem procurando emprego, não quero estar longe caso você tenha outra decepção, e…
— Candy, é sério, não precisa se preocupar comigo. Eu sei me virar sozinha, sempre me virei.
— Não estou dizendo que você não sabe, eu apenas não quero mais que você faça isso. Eu me sinto parte da sua família, não entende? Não aguento mais te ver sozinha, sendo durona até quando não deve… — seu lábio tremeu e não acreditou que a faria chorar. Essa semana estava sendo um inferno em todos os sentidos.
Ela ficou em silêncio, esperando que a amiga se recuperasse. Candice não entendia que eu só não queria sobrecarregá-la. Não queria prender ninguém, ser um fardo. Poderia precisar dela mais do que tudo, mas jamais admitiria isso.
— Candy…
— Por que não vem comigo? — ela interrompeu, a voz mais firme.
— Ir com você pra onde? — perguntou, confusa.
— Pra Coreia, ! Vem comigo pra Coreia!
— O quê? — a única reação imediata de foi soltar uma risada alta.
Candice a olhou séria. Aquilo não era piada.
— Você não tá brincando? — levantou a sobrancelha — Candice, o que eu faria na Coreia? Minha vida está toda aqui, eu não posso…
— Sua vida também estava no Brasil, e mesmo assim você se arrumou rapidinho pra vir pra LA. Você pode recomeçar onde bem entender, .
Ela abriu a boca para responder, mas tornou a se calar. Quando saiu do Brasil, a situação era completamente diferente, não que Candice precisasse saber. Era o único jeito.
— Candy, estamos falando de uma viagem pro outro lado do mundo. Um lugar onde eu não sei de nada, não entendo a língua deles, a cultura, os costumes, fora as mais de 13 horas no avião, céus…
— Eu fiz o meu dever de casa — Candy vasculhou a bolsa pendurada atrás de sua cadeira e jogou uma pasta pequena na mesa, com panfletos e uma cópia de um edital — Vá fazer a droga do seu mestrado na Universidade de Seul. Eles tem ótimos programas de bolsas de estudos e você tem dinheiro suficiente para se virar até encontrar um emprego. Existe até uma modalidade específica para estrangeiros, e você pode aprender o idioma em qualquer curso básico e da forma mais basal que existe: falando com as pessoas. Não tem porque recusar e continuar nessa maldita inércia sem perspectiva.
parou os olhos na pasta. Era uma chuva de informação que ela não conseguia processar no momento. A expectativa de voltar a planejar sua vida era gigante, e ela queria poder enxergar a esperança dos seus problemas naquele papel.
— Candy, isso é muito legal, mas… Eu não posso responder agora, você entende? É uma decisão gigantesca, é praticamente replanejar toda a minha vida, todo o meu futuro.
— Você e esse papo de futuro planejado — ela desviou os olhos — Achei que estava na cara que você não possui controle de nada. As coisas nem sempre acontecem da forma como a gente esperava, mas você pode tentar outros caminhos. Vamos pra Seul, você pega seu diploma em dois anos e vai pra onde quiser depois. Eu só estou pedindo pra você começar por algum lugar.
Ela não estava errada. O que faria em LA depois que Candice fosse? Arrumaria um emprego, sabe-se lá do quê e nem de quanto iria ganhar. Conseguiria guardar tanto dinheiro como conseguia com o salário da revista? Teria que se mudar para um buraco para poder guardar mais? Teria que vender seus móveis? Lá teria uma cama decente? Seu plano para Londres seria passado para dez anos adiante?
Uma crise de ansiedade quis tomá-la, mas ela não a deixaria vencer. Aquilo era uma decisão importante e teria de ser avaliada nos mínimos detalhes.
Planos, planos, planos… Os planos já eram. A vida se estendia para a frente, não para qualquer outra direção.
Era em frente. É lá que morava novas oportunidades e novas experiências. E, por mais assustador que parecesse, era pra lá que iria.

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A luz o atingiu primeiro do que o cheiro na manhã seguinte.
A brisa fresca balançava as cortinas da porta grande dos fundos, e um barulho muito longe de uma serra que corria alguma madeira de obra pública também se fez presente, o que só contribuiu para que Jungkook sentisse os famosos espasmos de uma pessoa se preparando para despertar.
Ele se mexeu devagar, enrugando o rosto pela claridade, e franzindo o nariz pela sensação estranha de soterramento do oxigênio. Uma sensação diferente, brusca, como algo fino e múltiplo, enroscando-se na pele ao lado das narinas, passeando pelas maçãs do rosto, acompanhada de um cheiro familiar também, pois era inevitável não sentir o aroma do que sepultava seu olfato.
Jungkook abriu os olhos devagar até se deparar com o amontoado de fios de cabelo. O cabelo de . E também suas costas nuas coladas em seu peito e a cintura rodeada por um braço sarapintado de tatuagens. O seu braço.
O primeiro pensamento de Jungkook foi: puta que pariu. De novo não.
E a primeira reação sensata seria sair dali. De preferência, sem acordá-la, porque com certeza teria bastante disposição para brigar logo de manhã pelo mesmo assunto de novo. Ou melhor, ele nem sabia se era manhã. Não fazia ideia de que horas eram. Só sabia que, novamente, não se lembrava de que horas tinha apagado em cima de um sofá com a garota que prometeu não dormir junto.
Em vez de se martirizar, Jungkook tentou se mexer. A cabeça dela estava em cima de seu braço, e ela certamente acordaria se sentisse movimentos bruscos na nuca. E ele não queria que ela acordasse. Claro, por causa da discussão, e seja lá mais de qual palestra ela daria sobre a quebra das regras e blá-blá-blá. Mas, olhando para aquele rosto, ela parecia tão... Serena. Tranquila de um jeito contagioso. Fez Jungkook se virar e parar para observar a imagem inédita. E ficar parado no mesmo lugar.
Devagar, ele retornou para a mesma posição de antes: abraçado àquela cintura, encaixado na curva daquele pescoço. Os resquícios de sono ainda pesavam suas pálpebras. Uma noite inteira de insônia não era mais tão recorrente na rotina de Jungkook, o que era um alívio. Era horrível ter de ligar sempre para Yugyeom e falar sobre o ritual que o fazia dormir em períodos difíceis — algo complexo que envolvia baseado, conhaque e algumas pílulas, não necessariamente nessa ordem. Depois, uma nova ligação era feita, desta vez de Yug para Jungkook, para saber se o amigo tinha tentado. A chamada não chegava a durar 3 minutos.
No entanto, imobilizado pela cabeça e pelo cheiro de , Jungkook achou que o combo de transar por algumas horas seguidas com aquela garota e cair no sono logo depois era um ritual contra vigília bem mais eficiente do que as misturas de Yugyeom. Um que podia ser realizado em qualquer momento do dia, inclusive. Em qualquer ponto da casa, igualmente.
Mesmo com a intensidade da noite passada, os dois não tinham chegado no ponto principal. O “coração” da casa, como Jungkook gostava de pensar. O estúdio meio empoeirado, intacto de ideias novas, mesmo que recebesse sua presença todos os dias.
Esse tipo de coisa não poderia ser feita lá, de forma alguma. Dormir, no caso. Muito menos dormir do jeito que estavam: agarrados, cobertos por uma manta patética — a única coisa que tinha disponível no sofá — e com aquele sopro brando vindo do lado de fora que o fazia se esquecer de todos os tópicos anteriores.
Não. Envolver em seus espaços pessoais já era demais. Era como admitir coisas que ele não estava disposto a admitir.
Não dava para ter certeza da hora exata em que ele desistiu de acordar. Ali era quente, confortável, sossegado. Exalava uma energia tão forte sobre Jungkook, uma que não o deixava agitado, mau-humorado ou ansioso. Só era bom. Era muito bom. E ele achou que era exatamente sobre isso que Namjoon queria dizer quando relatou sobre coisas assim: “A paz, JK, cabe nos menores espaços.
No entanto, o famigerado momento pacífico teve o seu fim quando começou a se mexer. Foi devagar no início, como se seu corpo estivesse decidindo ainda se aderia aos 5 minutos de tolerância ou acabava logo com aquilo porque era perigoso procrastinar quando se despertava, mas algo pesado se movia devagar por seu quadril. E um bafo quente corria por sua clavícula. E aquele cheiro de cranberry ainda estava por todo lugar.
se virou para Jungkook. Ele abriu e piscou os olhos, associando-se à realidade de novo.
Os dois se encararam de perto por alguns instantes.
Jungkook se preparou para ter sua energia drenada pelos gritos.
E então, apenas retraiu as pálpebras e as fechou de novo, como se declarasse para si mesma que estava sonhando e decidido não dar atenção para aquilo. Ou que tivesse visto, entendido e simplesmente pensado: foda-se.
Estava com tanto sono que nem se acordasse no banco do parque da próxima esquina a pegaria de surpresa.
— Achei que esse sofá não tinha sido feito pra dormir — ela resmunga, com a voz grogue e arrastada. Não se deu ao trabalho de virar as costas para ele de novo. Também não se importou com o possível estado do cabelo e da palidez. A paz irracional era totalmente recíproca. Era como se tivesse dormido por um dia inteiro.
Jungkook estava ocupado demais notando a proximidade repentina e a negligência de em querer brigar. Com espanto, choque. Finalmente, ele impulsionou os ombros para cima e puxou o braço de volta com delicadeza, expulsando todos os pensamentos desvairados dos últimos minutos.
— Não é um lugar bom pra fazer isso, de qualquer forma — com cuidado, ele se sentou na outra extremidade do móvel. O sofá era grande e acolhedor o bastante, perfeito para que ele e dormissem sem que precisassem se submeter àquela constrição absurda, mas do que adiantava pensar nisso agora? Ele ainda estava com sono demais para avaliar as conjunturas desnecessárias da situação — Que horas são?
, por fim, levantou o tronco como ele, puxando o tecido que antes marcava apenas o cós para cobrir a parte de cima do corpo. Com a atenção mais aguçada, ela pode avaliar rapidamente a sala, o sofá, a calça de Jungkook jogada no tapete, a camiseta de Busan embolada do outro lado da bancada da cozinha, a porta dupla aberta e o barulho da cortina vindo da mesma direção…
O estado daquele piso tornou sempre as coisas muito mais claras para o cérebro.
Jungkook colocou os cotovelos nos joelhos, encarando-a sem expressão aparente. Pensou em dizer: Podemos falar disso só mais tarde? Estou com dor de cabeça, mesmo que não estivesse. Ou então: Legal, você estava certa, aconteceu de novo, ponto para , agora podemos esquecer?, mesmo que não quisesse esquecer. Ou poderia: Tá legal, sou um idiota que inventou uma regra idiota e estou me livrando dela nesse momento. Agora, será que podemos fazer isso de novo de vez em quando?
Não. Isso não. Estamos falando de negócios aqui.
No entanto, para o seu assombro, não disse nada. Encarou-o apenas para se certificar de que ele também não diria nada sobre o assunto. E os dois se sentiram absurdamente satisfeitos com o silêncio mútuo — era cansativo fingir odiar um momento bom sempre que surgia a oportunidade.
Ela apertou os olhos ao redor da sala outra vez. Não fazia ideia da onde estava seu celular. Não fazia ideia nem se tinha pegado-o na saída do hospital. Não sabia nem se tinha levado uma bolsa para o karaokê. A noite passada na íntegra ainda era nebulosa, mesmo depois de 2 horas de sono, pílula, café, jjuk e sexo gostoso na bancada da cozinha.
Percebendo a mesma coisa, Jungkook se colocou de pé de uma vez, puxando a calça de moletom emaranhada do piso e enfiando as pernas por ela, mesmo que não se importasse em ficar nu por mais um tempo. Com um suspiro, andou até a cozinha novamente, puxando o celular de cima do microondas e ignorando as demais notificações como de praxe.
— São 10:30 — ele respondeu à ela, bagunçando o cabelo para se livrar dos últimos resíduos de sono. O horário não o pegou de supetão; era uma sexta-feira livre, sem ensaios ao raiar do dia e sem gravações pendentes para marcas de publicidade que entulhavam seu dia-a-dia com reuniões e propostas que não tinham fim.
Mas sentiu. Com os olhos bem abertos, ela se enrolou ainda mais no cobertor e levantou imediatamente.
— Caramba, preciso ir — ela olhou para o chão poluído de coisas que denunciavam a bagunça da madrugada, como se seu telefone fosse brotar de algum buraco do piso — Você sabe onde coloquei meu celular?
— Deve estar na sua bolsa — Jungkook respondeu, entrando na sala novamente. ergueu uma sobrancelha, esperando o resto de sua resposta — No meu carro.
— Por que eu não trouxe para dentro? — o questionamento foi feito para si mesma, com indignação.
— Não conseguia nem lembrar de como se anda direito, como queria lembrar de uma bolsa? — ele afastou a mesa de centro levemente com o pé, estendendo as roupas dela antes jogadas na cozinha.
— Isso é seu — pontuou.
— Sim, mas hoje, tecnicamente, serão suas. Tenho certeza que não ficou quente o suficiente para suas roupas terem secado de verdade na madrugada — disse ele, com um levantar de ombros.
revirou os olhos. Era só o que faltava.
— E por que essa pressa toda? Achei que seu primeiro dia fosse só na semana que vem — ele perguntou com uma mão nos quadris.
— Não estou atrasada para o trabalho, tenho uma consulta médica.
Jungkook amoleceu os braços, franzindo o cenho em alerta.
— Tá sentindo alguma coisa?
percebeu a mudança facial repentina, e em como ele naturalmente tornou mais forte o grave de sua voz, mas não significava nada. Jungkook não tinha tempo para se preocupar com coisas tão triviais quanto .
— Não. Coisa da Candice. Não é nada demais — respondeu ela, sendo o completo oposto ao reparar nas mudanças de seu próprio comportamento. Era uma imbecilidade sem tamanho querer tranquilizar um cara que não estava preocupado. Era ainda mais ridículo ver o coração se transformar em uma bateria ambulante quando notava a forma como ele a estava olhando naquele momento, e juntar tal coisa com todos os acontecimentos das últimas horas era a cereja do bolo da insanidade: as mãos, o abraço, o quase-beijo e o sexo seguido do amanhecer.
Mas que merda tinha acontecido conosco?!
Sentindo o peso da veracidade dos fatos pela primeira vez naquela manhã, deu um passo para trás, desviando os olhos para o chão, sentindo a célebre vontade de sair correndo. Por que tinha que passar a noite naquela casa de novo? Passar a noite com ele? Era Jeon Jungkook, caramba, o rosto mais procurado do Google no último ano. Ele era como a mesa que todo mundo queria no Starbucks. Transar com ele tudo bem, mas dormir de conchinha como a porra de um casal apaixonado faz? Que merda você tinha na cabeça?
Se Jungkook começasse a pensar que ela queria algo a mais com tudo aquilo, seria ainda mais humilhante do que quando lhe pediu ajuda com sexo. Mais humilhante do que se abrir sobre seus problemas com ele. Mais humilhante do que implorar por mais daquele homem.
Ela coçou a garganta, aceitando as mesmas roupas de antes.
— Muito obrigada por toda a ajuda que você me deu ontem, sério. E me desculpa por todo o trabalho.
— Em qual parte? — ele abriu um sorriso sugestivo. se viu presa por aqueles olhos novamente. Um pouco caídos de sono, misturados com o cabelo bagunçado e a calça em cós muito baixo, mas ainda assim, era compreensível até os ossos o rótulo de international playboy.
— De todas elas, eu acho — ela riu e balançou os ombros. O clima leve não precisava ser ponderado; só estava acontecendo. Como nunca tinha acontecido antes. Mesmo depois da realidade ter gritado na sua cara — Então, vou me trocar lá em cima, e…
— Não quer tomar um banho antes de ir? — perguntou ele. As palavras saíram antes que o cérebro processasse. começou a caminhar, mas parou novamente, olhando para ele com dúvida, mas captando a sugestão quase explícita daquele olhar.
Ela esperou que ele voltasse atrás. Ele esperou que ela respondesse.
piscou, assentindo devagar, sentindo um leve arrepio na base da nuca.
Bem, ele disse que queria quebrar suas regras peculiares. Talvez só estava começando por algum lugar.
— Sem aumentar as coisas? — disse em voz baixa e incerta, como um acordo extraoficial. Jungkook, parado a alguns centímetros, se viu abrindo um sorriso de canto e concordando com a cabeça.
— Sem aumentar as coisas.
E abrindo um sorriso de verdade, se despiu das neuroses que queriam cair sobre seus ombros e andou primeiro para o banheiro, ouvindo os passos de Jungkook logo atrás.
Na cabeça do rapaz, a adrenalina corria solta. O medo era pequeno, mudo e insignificante. Jungkook não ouvia mais o que ele gritava em cada canto de sua mente relaxada: quanto mais se desafia o universo, mais ele entrega aquilo que você menos espera.
Naquele momento, não dava para saber se isso era bom ou ruim.


[ 13 ] – They said it changes when the sun goes down

🎵 Ouça aqui:
When the Sun Goes Down - Arctic Monkeys

"E que homem imprestável
Dê só meia chance para ele
E aposto que ele te rouba se puder
Pode se ver nos olhos dele
Que ele já teve sua carteira de motorista apreendida
Entre outros delitos
﹝...﹞
E ele não tem que dizer nada
Ela já está pronta pra ser pega
Aposto que ela está encantada quando o vê
Chegando e dando aquele olhar a ela
﹝...﹞
E eles dizem que muda quando o sol se põe."

Candice Chaperman já dizia que gozar é uma arte.
Nem todo mundo consegue esse feito, seja lá o que isso signifique. já tinha escutado tantas histórias mascaradas de conselhos que nem prestava mais atenção. Contudo, agora que podia dizer que tinha uma vida diferente da Califórnia, muito diferente por sinal, e que vivia algumas — menores do que a amiga — aventuras carnais das quais tanto ouviu, ela tinha alguma propriedade para dizer que certas coisas que a senhorita Chaperman dizia estavam corretas.
Algumas coisas. Sem crédito excessivo. Mesmo que Candice pudesse abrir um curso para formar todos os gurus sexuais do mundo.
Mas quando dizia que sexo matinal revigorava as células, achou que era só mais um papo desnecessário sobre coito. Bem, soa como uma informação descartável pra quem não tinha tempo de pensar nessas coisas, como . Mas, lembrando agora, depois de ter feito exatamente o que seu pitaco disse, podia dizer, com propriedade, que ela estava certíssima. Sexo antes do café da manhã era melhor do que o próprio café da manhã.
Quer dizer, não que ela tenha tomado café da manhã com Jungkook. De jeito nenhum. Seriam muitas etapas puladas, muitas regras quebradas. O que aconteceu foi mais simples: antes de pisarem no box, Jungkook achou que seria uma ótima hora para ser oportunista e dar a um motivo real para um banho emergente. E ah, é claro que ele também tinha camisinha no banheiro.
E agora, enquanto ele estacionava na frente de seu prédio, puxando o café preso no câmbio enquanto ela fazia o mesmo com o seu — puro e com muito açúcar, ele se lembrou bem —, não conseguia se lembrar de ter parado de sorrir desde que saiu daquela casa. Ele também não. E ninguém reparava nisso.
Gozar fazia isso com as pessoas? Jura?
não pensaria sobre isso agora. Estava muito ocupada rindo de alguma piada que Jungkook fez sobre o Homem de Ferro. Ele era do time do Tony na Guerra Civil, aparentemente. o censurou muito por isso. Por que alguns homens têm tanto tesão em poder aquisitivo alheio?
— Ah-ah. Você é contra o Tony por que ele se aliou ao governo ou por que ele foi um babaca?
— Não ligo pra governo, então fico com a opção do babaca — ela pontua com um levantar de ombros.
— Então você gosta do tipo rebelde sem lei como o Steve Rogers?
— Ele estava tentando salvar o mundo.
— Ele não consegue salvar nem os amigos, que dirá o mundo — Jungkook levantou uma sobrancelha. tenta segurar a risada, mas já estava balançando a cabeça e voltando a tomar o café — Fora que é hilário usar salvar o mundo como argumento. Desde quando você é do tipo que quer ser salva?
— Salvar o mundo, Jungkook. O mundo é mais importante do que eu, e saber disso mostra toda a integridade, o altruísmo…
— Então você não quer os certinhos do sistema, mas os certinhos do povo? Aqueles de coração bom, com honestidade, virtudes e todas essas baboseiras de mocinhos?
— Já disse, o mundo…
— O mundo que se foda. Que foi, vai me dizer que não queria ser salva pelo Steve Rogers? Que ele explodisse tudo por sua causa?
— Ele não faria…
— Só responde.
— Particularmente? Sim. Já que perguntou.
Um sorrisinho áspero brotou dos lábios dele, como se a provocação tivesse, enfim, funcionado.
— Então você também tem sua parcela de egoísmo — e levantou os ombros, satisfeito. A ideia de que pudesse ser um pouquinho como ele em qualquer diagrama soava como um deleite — Entre super-heróis rebeldes e rockstars, você ainda continua sendo uma grande contradição.
Ela riu pelo nariz, tomando mais um gole do café. Provavelmente, deveria estar olhando as horas e se apressando para entrar em casa e sair de novo, mas… Ficar mais um pouco parecia divertido.
— Ah, beleza. Tô doida pra saber qual é o seu tipo.
— Eu não tenho tipo — a resposta veio imediata enquanto ele se recostava mais relaxadamente no banco, levantando o cotovelo para apoiá-lo na janela.
— Tem certeza? Diz isso para todas as mulheres consideravelmente mais velhas e primordialmente loiras que podem preencher sua lista de ex.
— Primeiro: eu só tenho duas ex. Segundo: acontece — ele dá um sorrisinho debochado enquanto balança os ombros novamente — Isso não é uma regra. E nós dois temos a mesma idade.
franziu o cenho, colocando uma mecha do cabelo ainda molhado atrás da orelha.
— E daí? Não faço parte da sua lista.
— Você faz parte de alguma lista.
— Tudo bem, então. De qual lista sua eu faço parte?
Antes que ele respondesse, o som agudo do alarme do celular de soou entre os dois, fazendo-a se empertigar no assento e resmungar algo sobre estar atrasada. Jungkook continuou com o rosto virado para ela, incomodado de repente com o fato de que, na verdade, não tinha resposta para aquela pergunta. Será que ele tinha uma lista para todas as fodas decentes que teve na vida? Uma lista das garotas que mais teve vontade de beijar?
Ou uma lista das pessoas que não queria que saíssem do seu carro tão depressa?
Em resumo, não havia respostas, e os dois sabiam disso. Todas essas perguntas sumiram rapidamente da cabeça de Jungkook assim que ela começou a juntar suas coisas, e ele se viu subitamente agradecido pela repreensão do telefone que cessou a conversa.
Ele olhou pela janela, e riu logo em seguida.
— O velho da barraca tá olhando pra cá de novo.
seguiu o olhar para a frente, averiguando o senhor de mais ou menos 60 anos que erguia o queixo explicitamente para a calçada, sondando mais do que postes e janelas do outro lado da rua.
— Não tem muitas Hyundais por aqui, quanto mais Mercedes, dá um desconto pra ele — disse .
— Do jeito que ele olha, é como se nunca tivesse visto uma Mercedes na vida.
Ela riu e bebeu mais um pouco do café. Jungkook virou novamente a cabeça para olhá-la, de forma um tanto automática desta vez. ficava bonita rindo. Ficava mais bonita ainda quando deixava que os outros vissem isso.
Posso pedi-la para ficar mais um pouco? Sei lá, só pra saber a opinião dela sobre o Lanterna Verde. Ou sobre os X-Men. Ela prefere Marvel ou DC? Gosta mesmo de super-heróis ou só está falando de modo geral? Quero saber…
— Então… Obrigada pela carona. Ajudou bastante — a voz dela interrompeu os devaneios destrambelhados de Jungkook, que ergueu as costas em súbito para cima e apertou um pouco o volante, desviando os olhos para a rua. O que eu tô fazendo? Por que me importo se gosta de caras que tem superpoderes?
Não quero saber do que ela gosta.
Não quero saber o que está acontecendo.
Por fim, ele teve sucesso em impedir sua imaginação e abriu seu clássico sorriso zombeteiro.
— Não há de quê, . Afinal, sou um cara legal, não é mesmo?
— Sim, você é. Talvez se continuar repetindo isso, alguma hora você acredita — ela desatou o cinto. Ele não disse nada por um momento, cansado e ainda incomodado com o tema.
— Quando você começa? — Jungkook passou para outro tópico, vendo-a agora já colocar as mãos na maçaneta.
— Ah… As reuniões começam na semana que vem, se não me engano. Yoona ficou de trocar um horário ou outro, mas no geral é isso.
— Legal… Então, acho que te vejo por aí. Quer dizer, por lá.
— É, acho que você vai me ver com um pouco de frequência. Sem poder fazer muita cara feia.
Ele passou uma língua pelo lábio inferior, segurando uma risada.
Preciso fazer cara feia, , faz parte do disfarce. Acha que sou tão idiota quanto o Yoongi?
arregalou os olhos.
— Não, por favor, não seja o Yoongi.
— Impossível eu ser ele, porque o caso daqueles dois já passou do nível de sexo casual há muito tempo. Vergonhoso pro meu hyung, se apaixonando a essa altura da vida.
estava prestes a sair. As coisas estavam devidamente organizadas nos braços, o senhor da barraca já tinha perdido o interesse no modelo mais novo da Mercedes e a música já tinha parado no aparelho de som. Mesmo assim, ela se virou para ele com um riso descrente.
— Você namorou por bastante tempo pra quem tá discriminando seu amigo por querer a mesma coisa.
— Por isso mesmo sei do que eu tô falando. Antes dos 30 é sexo sim, compromisso não. É tipo uma regra básica de sobrevivência no entretenimento.
— Bom, Yoongi tem quase 30. E Candice tem 27. Não é o suficiente?
Jungkook abriu a boca para responder, mas se viu abruptamente desconcertado. Uma reação típica de quem foi pego na própria antítese. Como se tivesse arrancado sua máscara em praça pública.
— Acho que você e sua língua do contra vão se atrasar pra consulta — ele abriu um sorriso cínico, mas que foi suficiente para que ela gargalhasse com gosto e, finalmente, abrisse a porta.
— Tchau, JK. Aparece pra pegar sua camiseta de volta.
Jungkook assentiu com um intenso olhar ainda naquele sorriso. Pensou em dizer que não precisava fazer isso porque tinha ficado melhor nela, que coisas velhas precisavam mesmo ser passadas para a frente, mas, em vez disso, em um repentino estalo de ansiedade ao vê-la partindo novamente, preferiu ser oportunista de novo e transformar situações em brechas.
— Claro. Vou verificar na minha agenda.
Ele voltaria o mais rápido possível.
Ela revirou os olhos com a piscadinha e saiu do carro, caminhando até a entrada do prédio.
Jungkook observou pela janela até que ela entrasse, sentindo o coração estúpido bater tão forte como se estivesse escalando o topo de uma pedra.
Ele preferiu acreditar que, talvez, também precisasse visitar um médico.

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Em alguma parte do Novo México, ao leste do Texas, fazia mais de 27º à noite.
O placar dos Yankees contra o Red Sox estava extraordinariamente de 7 entradas contra 2. O rádio da loja de conveniência era alto o bastante para anunciar os resultados por todo o pátio do posto de gasolina. Jaehyun manteve o boné na altura dos olhos enquanto caminhava para as bombas de combustível organizados em fileiras, puxando a carteira e colocando o primeiro cartão de crédito na máquina. 4 galões de gasolina comum. Quando o recibo escapou do aparelho, ele voltou a guardar o cartão e ouviu o estalo da bomba sendo liberada ao seu lado. Viu de relance quando o vulto vermelho passou rapidamente para dentro da loja. Ele lhe dera 5 minutos. Ainda que a expressão de Ali tenha sido de indignação, como quem perguntava: Você acha que consigo usar o banheiro e comprar um bom energético com 5 minutos?
Bem, ele não podia explicar que só não queria prolongar o trajeto.
No entanto, mais tarde, Jaehyun agradeceria se sua colega de viagem demorasse o tempo que fosse preciso no intervalo.
Antes que retirasse a bomba da trava, ele sentiu a vibração intensa vinda do bolso de trás. Até então, não tinha se tocado de que estava com o telefone ligado. Na verdade, era de se esperar — dele mesmo — que tivesse colocado aquela coisa no porta-luvas ou em qualquer lugar que não o fizesse repensar no que estava fazendo. Ele estava bem com a decisão de acompanhar Ali até Los Angeles, mas temia que qualquer distração fosse fazê-lo reconsiderar.
Então, até suspirar e pegar o celular do bolso, ele estava bem, da maneira como estivera até estacionar naquele posto. Depois de ler o nome no visor, esse status mudou bruscamente.
Não que Jaehyun tivesse medo de luzes piscantes de câmeras de segurança que podiam flagrá-lo naquela beira de estrada, ou de Ali se recusando a desistir daquela ideia maluca. Não. Quando viu quem estava ligando, ele percebeu que tinha muito mais medo da culpa — e de como lidaria com ela.
Mas ele não saiu da cama no dia anterior esperando encontrar uma jornada sem qualquer imprevisto.
Com uma olhada rápida para trás, ele suspirou pesadamente pelo nariz e apertou no botão verde.
— Alô.
— Achei que não fosse atender. Sua idade mental aumentou para 70 anos nessa viagem e agora você dorme antes das 10? — a voz de Jungkook era tipicamente divertida. Jaehyun estendeu o braço para enfiar a bomba no tanque do carro.
— 70 anos? Não acha que exagerou?
— Antes era 53, a idade onde os caras ainda são capazes de jogar MMORPG sem começar a fritar os neurônios de um jeito literal.
— Você nunca teve muitos, então toma cuidado.
— Babaca — Jungkook resmungou, mas claramente não escondeu a risada — Então, onde você está? Liguei para o Johnny, e ele…
— Você falou com o Johnny?! — os músculos de Jaehyun ficaram rígidos quando se viu perguntando, sem hesitação. O sobressalto também veio na forma de uma respiração ruidosa do fundo da garganta. Os piores cenários se passaram por sua cabeça na velocidade da luz.
— É, cara, mas ele só me disse que você decidiu passear no seu dia de folga. Então imagino que saiu do Texas, não é?
Jaehyun repuxou os lábios, voltando ao estado natural de calmaria. Era como se estivesse esperando o tempo todo a acusação. O entendimento totalmente lúcido de Jungkook do que estava acontecendo: ele e Ali juntos. Não importaria a real situação, o amigo só escutaria essa parte, nada mais.
E seria muito cansativo explicar que Jaehyun jamais faria isso com ele.
— É, é isso mesmo — disse em voz baixa, limpando brevemente a garganta — Estou viajando. Espairecendo.
A resposta tinha sido, aparentemente, simples. Jungkook não respondeu nada por quase um minuto inteiro. Quando falou, o tom era tão grave que parecia estar perguntando para si mesmo:
— E a sua folga por acaso vai ser em Seul?
Jaehyun franziu o cenho, totalmente confuso com a indagação. A voz de Jungkook era sussurrada, diferente. Como se estivesse com medo de perguntar, ou com medo da resposta.
— Não, JK, não vou pra Seul. Não ainda — ele respondeu em um tom óbvio. Seu coração não estava mais batendo como um louco pela possibilidade de que Jungkook soubesse onde e com quem estava, mas não se podia dizer a mesma coisa sobre o coração de Jungkook. — Por que a pergunta?
— Nada. Nada — ele respondeu rápido demais. Estranhamente, rápido demais — Então… Pra onde está indo?
— Não sei. Arizona. Las Vegas. Só quero dirigir — e não havia mais nada a dizer. Jaehyun olhou para trás novamente. Estar com Ali não era o que mais o afetava. Mentir era. Mentir descaradamente para alguém que gostava — E você? Por que me ligou do nada? Se meteu em problemas de novo?
— Você sempre acha que estou com problemas.
— Acho. Mas se tivesse feito merda agora, não estaria ligando pra mim — Jaehyun moveu a bomba por dois centímetros para averiguar se funcionava direito. Estava mais lento do que o normal.
— Você tem razão. Dessa vez, meu punho não pressionou a cara de ninguém. Tudo pra não receber uma palestra motivacional por telefone.
Jaehyun revirou os olhos e soltou uma risada curta. Olhou por sobre os ombros outra vez. Os 5 minutos de Ali já tinham ido há muito. Era óbvio que estava comprando muito mais do que energéticos e prendedores de cabelo.
Ele apoiou as mãos em uma das janelas do banco de trás, virando-se para a bomba que enchia o tanque com a velocidade de uma tartaruga.
— Conselhos costumavam funcionar com você — comentou, pensando em alguma forma de encerrar a conversa educadamente sem parecer tão estranho.
— Seus conselhos funcionam pra mim, se não envolverem celibato, lei seca e versos da Bíblia.
— Nunca usei versos da Bíblia.
— Não precisa, eu e os outros fizemos um meme seu vestido de monge, e aquele cara diz vários versos da Bíblia.
Os dois agora riram como antigamente. Foi quando Jaehyun percebeu a falta que os amigos faziam em uma rotina onde era minimamente obrigado a estar bem o tempo todo — ou, pelo menos, mostrar isso, o que era tão cansativo quanto um trabalho braçal. Na maioria das vezes, era fácil carregar esse detalhe da profissão nas costas. Mas com a iminente aparição de Ali, as mentiras e omissões que precisou aderir, a possibilidade de um futuro catastrófico, a ausência que se seguiu disso e todas essas coisas que faziam-no se sentir uma pessoa ruim, tinham tomado a forma de um fardo insuportável, avacalhando todo o trabalho que esteve fazendo até então.
Não importa, pensou. Se Ali desistir dessa ideia, vai ficar bem. Se não achar nada, também vai ficar bem. Ela não merece ter o nome de Ali na sua cola, não merece sofrer as consequências por algo que não fez. E Ali Dalphin é a perfeita definição de calamidade, principalmente no estado em que estava.
— Você é um idiota. Não tem que trabalhar hoje? Já passou da hora do almoço.
— Não acha que sou rico o bastante pra escolher meus próprios horários?
— Acho que é exatamente por ser rico o bastante que te colocam pra trabalhar ainda mais.
— Justo — Jungkook fez um barulho engraçado com a boca, como se quisesse demonstrar seu melhor timbre de sarcasmo, o que fez Jaehyun também rir mais uma vez. O silêncio estacionou na conversa logo depois. Jungkook certamente não estava se importando com gastar milhares de wons em uma ligação internacional, mas Jaehyun precisava encerrá-la imediatamente, o mais rápido possível. Porém, antes que o fizesse, Jungkook disse na frente: — Mas sabe, falando em trabalho… Você não acredita. Sabe a ? Sua bela
Em um impulso automático, Jaehyun olhou para trás, desta vez por mais tempo e com mais atenção, como se tivesse sido tocado por um espírito. O nome de dito em voz alta causava um certo tipo de alerta, ainda mais com quem estava e por toda a história oculta que Ali não sabia, e que queria arrancar dele com um pouco de estratégia.
Tão rápido quanto aconteceu, o pico de adrenalina se esvaiu e Jaehyun voltou a perguntar, com a voz explicitamente mais séria e abafada:
— O que tem a ?
— Ah, você sabe. Ela foi promovida a diretora de fotografia na empresa. Assinou um contrato de quase 1 ano. Vai se dedicar à Hybe até terminar as promoções do novo álbum dos pupilos — Jungkook respondeu, com um leve pico de desdém ensaiado — Mas é claro que você sabia disso, não é? Quer dizer, vocês conversam como um casal de chatos, e trocam fotos ridículas…
— Não — a palavra saiu antes que seu cérebro calculasse a situação. Jaehyun se viu olhando para a pintura lascada da parede mais próxima, atrás das bombas em paralelo. Inerte, absorvendo a informação. Ele ouviu o amigo dizer “O quê?”, e então balançou a cabeça, sentindo algo quente se espalhar pelo peito, subindo até o queixo e terminando em um sorriso — Não, eu… Caralho, isso é tão incrível, eu não sei o que dizer, JK. Estou muito, muito feliz por ela… Meu deus.
A alegria se dissipou aos poucos quando a outra metade das palavras de Jungkook chegaram à memória: “Mas é claro que você sabia disso, não é?
Não. Não sabia.
Como saberia?
Se ela tivesse lhe contado.
não o contou. Não o retornou. Não tentou mais. E não precisava analisar a situação para saber que era uma reação totalmente válida e compreensível.
Eu preciso dizer a ela que está tudo bem, ele pensou. Preciso dizer que estou ocupado. Mais ocupado do que antes. Que ainda penso nela. Que valeria a pena quando terminasse…
Mas ainda não. Nesse momento, ele não queria se sentir pressionado pela presença de Ali e dar na cara de que, além de conhecer a garota que tirou as fotos, também estava apaixonado por ela.
— Imagino que sim — murmurou Jungkook. As oscilações de seu humor estavam ainda mais evidentes naquele dia, de um jeito bizarro, até — Ela anda bem focada no trabalho. Ela…
— Por favor, me diz que tá deixando ela em paz.
Jungkook juntou as sobrancelhas do outro lado da linha.
— Quê?
— Eu sei dos seus problemas com ela, mas por favor, não dificulta a vida da na empresa. Sabe como esse emprego é importante pra ela, e você já tem conquistas demais pra se preocupar ao invés de remoer uma história tão batida.
A conduta dos dois amigos pareceu a mesma por um momento: ambos os pulsos se tornaram rápidos e incertos. Jaehyun porque, mesmo que estivesse se sentindo frustradamente de fora de toda a situação, sentia-se extremamente indignado com a possibilidade de ser alvo da antipatia de Jungkook, como foi desde que se conheceram — ainda que o amigo tenha prometido que daria uma trégua para a garota.
E Jeon, do outro lado do oceano, deslizou as mãos pelo cabelo enquanto encarava a sala acústica do estúdio privativo da agência, sozinho, pensando no paradoxo que era aquela bronca de Jaehyun. Fechou a cara na mesma hora. A censura era incoerente, considerando a atualidade. Fazia tempo que ele não mexia com . Não de verdade, em público, não com a claríssima intenção de magoá-la. A madrugada anterior na piscina tinha sido prova suficiente do quanto ele se sentiria um completo merda se alguma coisa parecida acontecesse de novo.
Eles não eram amigos, mas não era por isso que seria um imbecil 100% do tempo. Jungkook percebeu também que era minimamente improvável não se dar bem com alguém que dividia tanta intimidade por metro quadrado.
Mas, bem, as pessoas não sabiam dessa parte.
Portanto, se baseando no comportamento que demonstrou com até o momento, era nítido a atitude defensiva de Jaehyun. E não tinha como contar a ele que as coisas não eram mais assim.
Era louco como, mesmo se sentindo diferente por dentro, as pessoas ainda esperavam o pior de você.
Ou talvez, Jungkook tenha repuxado os lábios e assumido uma carranca severa porque a voz imponente e o posicionamento protetor a favor de vinda de Jaehyun o tenha incomodado mais do que a recriminação contra sua pessoa. E isso era incomum. Por que raios ele se importaria se Jaehyun quisesse escalar uma torre e salvar a pobrezinha ? Que se explodam.
— Me erra, Jaehyun. Acha que eu tenho tempo pra azucrinar essa garota? Tenho mais o que fazer, como você sempre faz questão de lembrar.
— Eu espero que sim.
Jungkook respirou fundo do outro lado, batendo a sola dos pés com uma súbita impaciência, tentando se livrar da sensação ridícula de alguns segundos atrás, indo direto ao ponto que imaginou:
— Que bom que sabe. Isso não quer dizer que vou ficar feliz vendo ela na entrada e na saída todos os dias. E parece que ela vai ficar sempre aqui, fazendo aquelas malditas horas extras que ninguém pediu, sem sair por um minuto… — ele resmungou, em seu melhor timbre de aversão — Aliás… Espero que quando você voltar, leve ela pra jantar num lugar que seja péssimo. Testa a simplicidade da brasileira fazendo ela experimentar bungeoppang naquelas barraquinhas no rio Han. Dizem que fica vazio depois de 1 da manhã. Ou então comer pele de porco naqueles restaurantes cheios de gordura e soju. Ela parece gostar dessas coisas — ele riu com zombaria, denotando o fracasso das ideias.
Jaehyun revirou os olhos. O relógio já marcava 10 minutos do combinado. Os níveis do tanque iam ficando maiores à medida que ia sendo preenchido.
— Jamais levaria em um lugar desses no nosso primeiro encontro, Jungkook. Tenha um pouco de noção.
— Tudo bem, Elvis, só queria me divertir um pouco às custas dela. Você é careta demais para encontros alternativos. Tenho certeza que vai buscá-la de smoking na porta de casa e abrir a porta do carro.
Jaehyun abriu um sorriso silencioso com a ideia. Se existisse um restaurante na região que tivesse a arquitetura de um castelo, esse com certeza seria um de seus planos.
— Vai ser em um bom lugar, de qualquer forma. Um que seja clássico, e que ela com certeza vai gostar. Acho que ela já foi a vários encontros, mas vou dar o meu melhor — disse ele, e logo em seguida sussurrou: — Claro, isso se ela ainda quiser sair comigo.
Jungkook ficou quieto. Na outra linha, ele ouviu a última frase perfeitamente, mas estava perdida na outra. Uma sentença que de repente pareceu imponente e enorme, atingindo-o como uma revelação descabida.
Como assim vários encontros? Da onde tirou isso? nunca foi a nenhum encontro. Como você não sabe que é o primeiro encontro da vida dela?
No entanto, a explicação para isso também pairava acima de sua cabeça. Ele fechou os olhos com força, apoiando os cotovelos nos joelhos enquanto escorava uma palma na testa. É claro. Se não contou da virgindade, claro que não contou sobre isso.
Mas, repito: como assim parece que já teve vários? Ele já olhou pra ela? Olhou direito?! Teve uma conversa mais longa? Não vê como ela é destrambelhada e insegura para lidar com essas coisas? Totalmente inocente, inexperiente e… E…
E era difícil admitir que já tinha passado da fase de inocente e reverente aos seus comandos há um tempinho.
— Você acha que ela já teve vários encontros? — ele precisou perguntar, porque precisava saber se Jaehyun estava vendo o mesmo que ele ou se estava louco e observando coisas demais sobre .
Tudo era muito silencioso enquanto Jaehyun analisava o que dizer. Só faltava uma mísera barra para o tanque estar completo. Ali ainda não estava de volta.
— Na verdade, não — ele respondeu com a voz pesada, e Jungkook sentiu o peito se soltar de alívio. Então Jaehyun também via algumas verdades sobre , mesmo que ela não tenha contado. Ele sim reparava demais em , não Jungkook — Mas com certeza ela sabe do que não gosta. E seria sincera quando eu pedisse sugestões.
Em algum lugar à frente, Jungkook olhou seu próprio reflexo na divisória de vidro com uma expressão descrente. Como se estivesse olhando para Jaehyun cara a cara. Como faria isso se nunca tinha ido a um encontro? Ela sabe do que não gosta no geral, mas saber do que não gosta em um encontro? É diferente, pelo amor de deus! Como ele não considerava nenhuma possibilidade disso ser um fracasso?
O ruído da bomba indicando o fim do abastecimento surgiu ao mesmo tempo que o sino da porta da loja de conveniência. Ali andou rapidamente em sua direção, com o capuz cinza escondendo metade do rosto e os óculos de sol quadrados e exorbitantes completando o que chamava de disfarce, mesmo que só um tipo de pessoa usasse óculos escuros à noite, e ela estava inserida nesse diagrama.
— Preciso desligar — ele disse, mais apressado que de costume. Puxou a bomba para fora, colocando-a na trava como antes. — Obrigado por ter ligado. Nos falamos depois…
— Ei. Chocolate ou café? — Ali falou há pelo menos 7 metros de distância.
E Jaehyun desligou sem esperar uma despedida.
Por um breve momento, seu coração saltou de agonia com a possibilidade da voz dela ter invadido a ligação ainda em processamento. Quando ela se aproximou o bastante, tinha um pacote de doces variados e um copo de papelão estendidos um de cada lado do rosto.
Ele engoliu em seco, olhando para cada embalagem sem vê-las realmente.
— É… Qualquer um, não importa — Jaehyun limpou a garganta, tirando o molho de chaves do bolso e jogando para ela — O tanque tá cheio e é a sua vez de dirigir. Vamos.
Ali não reparou na desorientação do colega de estrada, mas apenas revirou os olhos e seguiu para o banco do motorista, jogando pelo menos três sacolas de plástico no banco de trás e entregando o café para Jaehyun.
— Com quem você estava falando? — ela perguntou distraidamente enquanto colocava uma música no aparelho de som. Jaehyun suspirou, puxando o cinto de segurança e olhando para a estrada infinita à frente.
— Ninguém.
A voz dele soou desamparada. Pela preocupação. Pelo conteúdo da conversa. Pela ausência. Por tudo que estava por vir.
O som começou mais alto do que quando saíram do Texas. O trecho “you got the lights on in the afternoon and the nights are drawn out long, and you’re kissing to cut through the gloom with a cough drop coloured tongue” fez o garoto virar a cabeça para a nova motorista.
— Achei que não gostasse de Arctic Monkeys.
Ali não olhou para ele. Apenas puxou um dos doces do pacote e jogou os óculos em qualquer canto.
— Agora eu gosto.
Foi um jeito sublime de dizer que “as pessoas mudam”.
Para Jaehyun, forçar novos gostos não era mudar de verdade.
Ela pisou no acelerador com força, cantando os pneus pelo asfalto à medida que Alex aumentava a velocidade dos dedos na guitarra.
Em Seul, Jungkook encarava o telefone por quase dois minutos, desejando estar maluco por ter pensado que escutara uma voz feminina do outro lado da linha; uma voz baixinha, muito ínfima e muito distante, mas com certeza uma voz. E se Jaehyun estivesse no meio de um lugar público, várias vozes já teriam penetrado a conversa desde o início.
Ele estava sozinho. Não estava? É claro que estava…
Uma dúvida poderosamente ridícula e perigosa se apoderou dele por 3 segundos antes que jogasse esse tipo de coisa fora e permanecesse com a mesma opinião de sempre: Jaehyun não mentia. Ele não era esse tipo de cara. Não era o tipo de cara que Jungkook era. E, se estivesse sendo, com certeza teria uma boa explicação depois.
Assim como teria uma boa explicação por não falar com . Para não saber de uma notícia daquelas. Algo muito bem contado para que não fizesse Jungkook pensar que ela estava livre. Que seu melhor amigo não estava mais na jogada. Que ele não precisava mais sentir aquela metanoia corrosiva que o deixava perdido e maluco.
Jungkook preferia pensar que Jaehyun ainda pretendia levar em um encontro. E prometia caprichar no melhor estilo Jaehyun de ser. Mas será que Jaehyun pensava que encontraria a mesma de quando foi embora? Ou será que agiria de forma mais confiante com Jaehyun a ponto de lhe dizer o que gostava ou não? Em todas as situações?
Uma ideia impertinente começou a tomar forma na cabeça de Jungkook. Algo ridículo, invasivo, desajustado, péssimo! Uma coisa fora de suas responsabilidades, uma ação nem um pouco condizente com sua parte no trato.
Mas infelizmente, esse tipo de ideia soava como algo que precisava ser feito.
Pelo bem do acordo.

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Yoona a alcançou no instante em que deixava a mesa.
A mesa que era dela.
Exclusivamente dela.
A superfície tinha apenas alguns centímetros e era de madeira clara, polida, lustrosa. Estava perfeitamente limpa quando lhe foi apresentada e terminou o expediente do mesmo jeito, muito diferente das outras baias dispostas na sala compartilhada, exibindo papeis e post-its espalhados de forma revoltante. O computador era tão grande e magnífico que implorava para ser tocado.
E, claro, também ganhou um crachá.
— Achei que tinha ouvido mesmo um zumbi — comentou no instante em que Yoona parou ao seu lado, com os ombros baixos pela fadiga e o olhar pacato de alguém que tentava se manter de pé — Por que não disse que não podia trabalhar hoje?
— Porque acabamos de ser promovidas, hello! — a garota tentou abrir os olhos para uma expressão de sarcasmo, mas sua cabeça doía só de mover os músculos faciais — Mas prometo que na próxima vez vou dar um jeito de não aparecer.
— Eu não quero uma próxima vez — Yoona abriu a boca para contestar, mas a interrompeu: — Não esse ano. Por favor.
A outra assentiu com a cabeça, ainda meio devagar. avaliou pela última vez a arrumação do tampo e concluiu que não havia mais nada a ser feito. As duas começaram a andar para o lado de fora do setor, que não estava nem perto de movimentado, mesmo àquela hora do dia.
— Caramba. Você aguenta mais coisas do que imaginei. Olha a hora que estamos saindo daqui — Yoona deixou os olhos caírem no relógio analógico e moderno da parede acima da porta de saída. Eram 6 da noite — Achei que estaria tão horrível quanto eu, mas me enganei. Tudo o que eu queria era não ter levantado daquela cama de hospital. Por falar nele, como está a Candice?
— Entediada, da última vez que chequei — abriu a bolsa na transversal, puxando uma garrafa de água vazia — Deve ter me mandado mais algumas mensagens durante o dia, mesmo que eu tenha tentado explicar que precisava trabalhar. Mas no geral, ela tá bem.
— Acho que ela ficaria menos solitária se eu tivesse ficado lá.
— Ela vai ser liberada hoje à noite, só tá fazendo drama. Vou encontrá-la em casa depois daqui.
— Isso é bom. Vou me lembrar de agradecê-la por pagar o mesmo quarto pra mim ontem. Me trataram tão bem, como se eu fosse alguma princesa da era Joseon ou coisa parecida. Essas pessoas da Vogue ganham mesmo uma boa grana — mais uma vez, Yoona recostou o quadril na parede enquanto parava em frente a um bebedouro. Inconscientemente, ela abaixou a cabeça para segurar o riso. Candice havia dito no telefone que tinha feito o dever de casa quando as coisas envolviam Yoongi: inventar histórias; criar cenários; mentir, mentir muito — Mas a noite de ontem… É um branco. Isso é desesperador, sabia? Não me lembro de absolutamente nada e sinto que perdi coisas fantásticas. É uma merda.
a olhou de soslaio. Seu rosto aparentava tanta confusão com o fato de estar com uma amnésia terrível pós ressaca que dava até para sentir pena. Seria engraçado contá-la que realmente havia perdido coisas divertidas, até mesmo inacreditáveis, como Jungkook e Yoongi correndo ao seu resgate, mas existiam limites sobre o que podia e não podia ser dito para Yoona.
— Já falei, levamos Candice para o hospital e, bem… Você também precisou dele, no fim das contas — deu de ombros, enchendo a garrafa de água. Yoona apertou as têmporas com mais força, como se pudesse perfurar o cérebro com a memória perdida.
Ela suspirou, derrotada.
— Não dá. Não lembro — a garota olhou pelo corredor vazio e se virou novamente para — Acho que esqueci minha caixa de aspirinas na mesa nova. Ela é tão incrível e tem tanto espaço que não consigo lembrar onde guardei. E sinto que preciso de pelo menos 5 comprimidos agora. Já volto.
— Mas… — tentou dizer que seria extremamente desastroso que ela tomasse 5 comprimidos de qualquer coisa, mas Yoona já estava deixando seu lado e voltando ao escritório, que só era totalmente apagado quando a última pessoa deixava o lugar, o que não se podia dizer da equipe criativa, por exemplo.
Pela primeira vez na vida, tinha conhecido pessoas tão ou mais workaholics da mesma forma como ela se imaginava. Tanto que estava ali, em uma sexta-feira particularmente não obrigatória, para dar uma olhada em seu novo local de trabalho. E, começando por isso, tinha conhecido o resto dos funcionários, feito um tour pelo setor, conversado diretamente com as pessoas que aprovaram suas ideias e, claro, pegou o seu crachá.
Foi um dos melhores dias de sua vida.
Ainda que tenha bebido tanto quanto Yoona e Candice no dia anterior e dormido menos do que gostaria, a intenção era manter a normalidade da vida. E a normalidade de incluía esforço e trabalho. Trabalho é tempo. E tempo é dinheiro.
Quando ela terminou de encher a garrafa e se preparou para virar para o outro lado, uma outra pessoa estava parada bem atrás de suas costas. E essa pessoa não era Yoona.
— Porra, que susto — ralhou, colocando uma das mãos no peito. Jungkook estava estático no piso, com as duas mãos no bolso como se estivesse esperando-a esse tempo todo — O que tá fazendo aqui?
— Eu trabalho aqui. Lembra? — ele levantou uma sobrancelha, junto com o pequeno caderno grosso e rabiscado nas mãos. O mesmo que estava encarando na noite de ontem — Vim testar algumas coisas no estúdio. Parece que finalmente tenho um material.
Involuntariamente, deixou um sorrisinho de canto escapar. Não sabia o que vinha a seguir. “Parabéns, Jungkook, posso ver?”, seria muito invasivo?
Ele viu a curiosidade ardendo naqueles olhos, mas apenas balançou a cabeça e desceu o olhar por seu tronco de forma sacana, totalmente intencionado em dissipar o assunto.
— Roupa legal, . Achei que você se importaria em ser formal demais no seu primeiro dia, mas ainda bem que se tocou que vivemos no século 21.
Ela piscou os olhos antes de abaixar a cabeça e reparar em si mesma. A risadinha de Jungkook a fez revirar os olhos. Não iria começar mais uma discussão por causa dessas zombarias. usava o conjunto de sempre: jeans e camisetas xadrez. Por dentro, qualquer blusa básica servia. Por mais que ela tenha demorado mais que o normal para arrancar aquela camiseta de Busan mais cedo.
Ele também estava, de alguma forma, radiante. Com os cabelos bagunçados, suas calças pretas versáteis e um suéter azul-escuro puxado até as mangas que não combinariam em nada com uma sessão no estúdio de dança, dava para concluir que ele estava entocado em uma sala acústica durante toda a tarde. E parecia muito satisfeito com isso.
De alguma forma, a aproximação repentina dele roubou toda a concentração de , que se sentiu estranhamente agitada. Por dentro, no sangue que correu para o rosto, sem nenhum motivo aparente. Aquele tipo de rebuliço do coração que não dava para esconder, embora ela não achasse que Jungkook reparasse em coisas desse tipo.
Ela precisava urgentemente parar de dormir com esse cara! Literalmente dormir!
— O que você quer, Jungkook? Aliás, não se preocupa de andar por aqui de repente? — esse era o tipo de coisa que não gostaria nem de imaginar. Ela olhou para os lados rapidamente, lembrando que Yoona não costumava demorar.
— As pessoas nessa empresa me conhecem, , não sou um bicho de sete cabeças pra elas — ele disse com confiança e repuxou os lábios. É, ele não conhecia Yoona. Ou não sabia como as pessoas aqui sabiam disfarçar muito bem.
No entanto, conhecendo a parte de Jungkook que era facilmente insistente, soltou um suspiro pesado e se voltou para ele.
— Tá legal, pessoa normal, o que foi?
Em sua mão, Jungkook apertou um pouco mais aquele bloco de notas gigante. Automaticamente, bagunçou os cabelos de novo. Tinha feito isso a tarde inteira, a partir do momento em que pensou naquilo. Seus olhos tomaram uma coloração mais escura, a garganta ficou seca e parecia que as palavras iriam desaparecer.
ergueu uma sobrancelha para apressá-lo. Jungkook ajeitou a postura, dizimando toda a estupidez daquele nervosismo sem sentido, e hesitou pela última vez antes de perguntar:
— O que você vai fazer amanhã à noite?
usou a mão livre para pegar a garrafa de água.
— Acho que preparar uns relatórios, fazer uns planejamentos…
— O que você vai fazer de urgente amanhã à noite?
— Ah… Nada, eu acho. Por que?
— Porque vamos sair. Eu e você.
— Sair pra onde?
— Um encontro.
quase cuspiu toda a água recém ingerida.
A declaração a atingiu como um soco no estômago. Depois de tossir algumas vezes, ela arqueou as costas, com os olhos bem abertos para ele.
— O que você disse?
— Disse que vou te levar em um encontro — agora ele parecia extremamente tranquilo com o fato. A superfície da expressão de Jungkook não era séria, mas também não parecia que não estava falando sério — É uma das novas cláusulas do acordo: se você nunca foi em um encontro, precisa ir em um. Não adianta nada rebolar como uma perfeita gostosa se o sexo acontece depois do jantar. Quer dizer, vocês dois com certeza vão trepar só depois do jantar.
sentiu a garrafa escorregando sob as mãos fracas, ainda não recuperadas do choque.
— Minha nossa, diz que tá brincando…
— Aí que você se engana, tô falando muito sério — e ele levantou os ombros, mais descontraído do que nunca. A boca de abria e fechava, sem palavras. Jungkook se mexeu para mais perto, falando um pouco mais baixo: — Mas não se ilude, isso só vai acontecer uma única vez. Não tenho tempo e nem saco pra atender as suas outras necessidades que não sejam pervertidas.
— Mas…
— Amanhã à noite, coloca uma roupa bonita. Te pego às 7.
E simplesmente foi embora.
sabia que existiam milhares de coisas a dizer, perguntar, reclamar, contestar, mas… Só conseguiu ficar paralisada, encarando as costas de Jungkook desaparecerem.
Ela nem notou quando Yoona apareceu ao seu lado, olhando fixamente na mesma direção que , com os olhos brilhando de dúvida e espanto ao mesmo tempo.
— Aquele era o Jungkook? — perguntou, indiscreta. mal escutou sua própria voz quando respondeu:
— Sinceramente, não sei.


[ 14 ] – You're his favourite worst nightmare

🎵 Ouça aqui:
D is For Dangerous - Arctic Monkeys

"P é de Prazeroso
E tente manter-se com suas calças
Eu acho que você deveria saber que você é
É o seu pior pesadelo favorito
﹝...﹞
Ele está se aproximando da margem mas
Ele pensa primeiro
O universo paralelo
Talvez fosse o cenário perfeito."

esperou até o último segundo.
O ponteiro do relógio andava rápido. Parecia apressá-la para tomar logo uma decisão, de uma vez por todas. Era uma coisa tão ridícula de se pensar que ela nem queria olhar muito para ele. Mas isso não mudava o fato de que precisava arrumar um veredicto.
Seu corpo balançava para a frente e para trás. Ainda estava parada no quarto. A cama era um caos de roupas e acessórios — pequeno, se comparado a outras garotas de sua idade. O sol se pondo na janela a observava como uma ameaça. Já são 5:30, você não devia estar se preparando?
Que besteira. Isso era inacreditável.
Bufando, ela finalmente saiu para o corredor, encarando a outra porta na frente da sua; o objetivo que precisava enfrentar. Tinha que esquecer a vergonha e o nervosismo. Eles estavam ali porque ela pensou que deveriam estar — afinal, era a primeira vez que aquilo lhe acontecia.
Um encontro.
bateu duas vezes.
— Entra! — disse Candice.
Quando entrou, viu que Candice arrumava alguma coisa em cima da penteadeira. O espelho cravejado de luzes redondas estava ligado enquanto ela parecia procurar um lugar adequado para os seus brincos e maquiagens, que ocupavam a superfície inteira e ainda garantiam mais um espaço em cima da cama. Era bom que estivesse se distraindo. Poupava os ouvidos de de suas lamentações sobre estar de repouso e em como aquela bota preta assassinava qualquer look possível.
Ela deveria perguntar de uma vez. Mas quando abriu a boca para falar, só conseguiu dizer:
— É… Como você está?
— Bem pra uma inválida — Candy respondeu sarcasticamente — Nada mudou desde que você me perguntou a mesma coisa há vinte minutos. Já disse que não vou ter uma síncope e arrancar essa coisa com um estilete.
— Hum… Tá bom.
Candice suspirou, virando-se para na porta.
— O que foi? Veio reclamar das escovas de dentes trocadas no banheiro?
— O quê? Não…
— Então veio dizer que o tapete da sala escorrega demais e que isso pode ser perigoso na minha condição? Porque se disser isso, vou ter que ser obrigada a concordar: aquela foi a pior compra que eu fiz em anos. Deus, juro que se mais alguém me vender alguma ideia de produtos bons perto de Gangnam, e não na própria Gangnam, vou mandá-lo pro inferno.
balançou as mãos no ar.
— Não é nada disso, Candy…
Era nítido a forma como nada parecia normal. A loira franziu o cenho, encarando com suas pernas agitadas trocando posições a cada segundo e seus olhos observando tudo ao mesmo tempo.
— O que é, então? — Candice largou uma paleta de sombras brilhantes bem em cima da bagunça — Tá parada aí faz quase cinco minutos, tem uma notícia ruim pra me dar? — Hesitante, abriu a boca de novo, mas foi interrompida pelo arfar de Candice: — Oh meu deus, não me dê notícias ruins, por favor, eu acabei de saber que vou ter que entrevistar o Chris Evans pro novo lançamento da Marvel, eu não posso ter notícias ruins na minha cabeça.
— Candy, calma. Não tem nada a ver com notícias ruins, relaxa — depois de acalmá-la, umedeceu os lábios e tentou, mais uma vez, seguir em frente — Eu só… Eu queria… Na verdade, eu…
— Você o quê, minha nossa? Eu não leio mentes, o que tá acontecendo? Fala logo, tá me deixando nervosa.
— Eu preciso que você me ajude a escolher uma roupa — ela soltou, e antes que Candice dissesse alguma coisa, continuou em plena voz baixa: — Na verdade… Gostaria de ver o que você tem.
A fisionomia de Candice falava o seguinte: “O que essa mulher está dizendo?
— Por que você precisa de uma roupa minha? — ela perguntou devagar, ainda assimilando o pedido de .
Já se achando ridícula o suficiente, aceitou que não havia mais como voltar atrás.
— Porque elas são mais legais — seus dentes trincaram tanto quando disse isso que as palavras saíram massacradas, mas muito bem claras para Candice.
— Eu sei — foi sua resposta imediata. O rosto ainda esboçava dúvida com o pedido, e até uma desconfiança — Mas por que você me pediria isso de livre e espontânea vontade? Não me diga que finalmente vai participar de um MV e experimentar o outro lado das câmeras.
prensou os olhos com força, segurando uma expiração derrotada. Droga, Candice, não me faça contar isso, não me faça mentir ainda mais pra você, fala sério…
Não tinha saída. Ela precisava mentir e precisava mentir rápido.
— Porque eu vou… Bem, vou sair pra jantar.
Agora sim o sacode da realidade chegou em Candice Chaperman. O rosto se iluminou de forma drástica. O sorriso veio acompanhado da boca em um “o” perfeito. O cabelo preso se desfez quase totalmente quando ela se apoiou na mesa para se levantar.
— Você vai o quê?!
— Com a equipe — a ideia veio na hora. manteve os olhos nela para parecer ainda mais convincente — Fui apresentada a eles ontem, lembra? E daí surgiu essa ideia da confraternização antes do trabalho começar e essas coisas. Você deve saber como é.
A questão era que Candice sabia. O olhar da amiga se anuviou, perdendo aquele brilho excitado, mas não o sorriso.
— Sim! É claro que eles fariam essas coisas. É a Hybe — ela deu de ombros, mancando para perto de — Mas é óbvio que vou te emprestar uma roupa! Precisava fazer esse mistério todo por causa disso? E vou te maquiar e arrumar o seu cabelo também! Meu deus, tomara que tenha algum cara muito gato nessa equipe… — disse enquanto puxava os pulsos de para que se sentasse na frente do espelho luminoso — Você quer se arrumar porque ficou interessadinha em alguém em especial?
— Não! — se apressou em negar, sentindo o coração dar um salto atípico com a ideia da coisa — Claro que não, Candy, eu só… Só quero causar uma boa impressão, só isso.
— Tudo bem, tudo bem — a outra revirou os olhos, voltando-se para a porta do closet e cruzando os braços, pensativa — Hum… Veja bem, tudo é uma questão de percepção. Onde vocês vão jantar?
— Não sei — respondeu rápido, mas se apressou em corrigir quando Candice a olhou, confusa — Quer dizer, eles ficaram de mandar mensagens quando estivesse perto do horário de sair, mas não deve ser nada demais. Ou deve. Não tenho a intenção de tentar adivinhar.
Mentirosa. Tinha passado o sábado inteiro andando em círculos, olhando para o celular esperando uma mensagem de Jungkook que dissesse “ei, aquela história de encontro era brincadeira, você sabe, não é? Nós dois em um encontro? Até parece…
Qual é, não era difícil de acreditar. Jungkook tinha plena capacidade de mexer com sua cabeça daquele jeito a ponto de fazê-la se arrumar de um jeito atípico e alegar que tudo não passava de uma pegadinha.
Mas algo a dizia que daquela vez ele não estava brincando.
Candice pareceu ter confiado no papo das mensagens indecisas e atrasadas da equipe e apenas suspirou.
— Bom. Então vamos apostar no meio termo.

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Às 7 em ponto, Jungkook estacionou na frente do prédio.
A intenção era chegar um pouco atrasado. Talvez 5 ou 10 minutos depois. Era esperado que não fosse tão pontual, mesmo sendo seu primeiro encontro, mas o que diria de si mesmo? Ele nunca tinha sido pontual, em absolutamente nada na vida. E chegou na hora marcada porque se ficasse mais um minuto em casa, enlouqueceria de ansiedade.
Para quem já teve muitos encontros na vida, Jungkook estava se sentindo estranhamente nervoso daquela vez. O que era ridículo porque: 1) Era ; 2) a noite já estava perfeitamente planejada e esquematizada; 3) não existia a menor possibilidade de ser uma experiência ruim; 4) era .
O medo e a expectativa brigavam em sua mente ao mesmo tempo, fazendo-o ficar mais de 2 horas arrancando camisetas do cabide e entulhando roupas em um canto do closet porque nada estava bom o suficiente. Parecia estar com 21 anos de novo: conhecendo uma garota legal, chamando ela pra sair e se montando do jeito mais extraordinário que conseguia pensar porque aquela mulher era o padrão perfeito que sempre quis no passado e que pretendia mantê-la para o futuro.
Essa garota era Ali Dalphin, mas isso não vinha ao caso. Se Jungkook levaria em um encontro, então seria um bom encontro.
Por fim, ele ficou bem com as roupas de sempre: preto da cabeça aos pés, um casaco fino com estampa em xadrez escuro e as famosas botas de combate de quase dois mil dólares. Não eram botas que ficavam bem em qualquer pessoa. Eram botas para Jeon Jungkook.
E essas mesmas botas batiam no forro do carro, junto com os dedos no volante enquanto Fake Tales of San Francisco ocupava o aparelho de som e ele olhava para a porta, ansioso. Viu o relógio no painel. 7:05. De repente, pensou que ela poderia ter desistido. Ou pior: achou que ele estava brincando. deveria estar agora mesmo deitada na cama, estudando ou editando fotos, comendo um pacote de trufas recheadas sem intenção nenhuma de sair de casa porque a ideia de um encontro entre eles era totalmente absurda.
Quando esticou o braço para pegar o celular, ela apareceu.
Jungkook achou que estava ficando louco.
Mais do que isso: teve certeza que entrou em pane total. Alguma coisa dessas que paralisam as pessoas no lugar.
andou rápido assim que avistou o carro. A mesma Mercedes agora tinha os vidros abaixados, impossibilitando a visão externa. Ela não o via, mas sabia que era ele, e a constatação de tudo aquilo não ser uma piada trouxe um pouco de alívio.
O vestido azul-claro incomodava um pouco na área do colo, onde a costura era aberta e retangular. Equivalia a um escândalo mais para ela mesma do que para os outros, que nunca se sentiu tão… Colorida. Andar na rua com toda aquela maquiagem era como estar com um cone de trânsito na cabeça. se sentia mais exposta do que jamais sentiu, apenas pelo fato de estar extremamente bonita.
Quando chegou perto o suficiente da porta do carona, tratou de não pensar se alguém estava espiando alguma coisa e puxou a maçaneta, acomodando-se no banco ligeiramente.
Virando-se para o motorista, Jungkook continuava na mesma posição embaraçada, com a diferença de que agora aparentava um pouco de choque com a entrada repentina quando sua mão estava posta em cima da própria maçaneta, pronto para abri-la.
— Você veio — disse ela, arrumando um pouco dos fios do cabelo com a ponta dos dedos. Não era um “você veio” com desdém, ou com animação exagerada. Era apenas uma certificação. “Você veio, que alívio, não coloquei essa roupa excessivamente linda e nem deixei que Candice aplicasse duas camadas de maquiagem em mim à toa. Obrigada por isso, Jeon.”
Jungkook ainda estava em silêncio, reparando em tudo que conseguia reparar na luz baixa do carro. O vestido azul delineado no corpo, as sandálias abertas, a bolsa simples de couro marrom e o batom vermelho médio, chamando mais atenção do que todo o conjunto da roupa.
registrou o olhar dele com as bochechas coradas.
— Olá? — falou um pouco mais alto para chamar a atenção — O que foi? Quer dizer alguma coisa?
Jungkook limpou a garganta imediatamente, esticando as costas no banco.
— Quero dizer o quê?
— Não sei, você ficou aí parado igual a alguém com crise de aneurisma, como se outra pessoa tivesse entrado aqui, e não eu — engolindo em seco, se calou. Era degradante se sentir constrangida com a atenção de Jungkook, e piorava ainda mais quando pensava que ele não tinha gostado tanto assim do visual.
Com um suspiro, ela se empertigou no banco, desejando que ele tivesse mais espaço para que se encolhesse.
— Enfim, podemos ir?
A atenção dele ainda estava debilitada, portanto, só conseguiu responder:
— O quê? — perguntou, abobado. enrugou a testa. Ele ainda demorou quase um minuto para assentir e, finalmente, desviar os olhos dela — É, claro. Certo.
Só depois de girar a chave na ignição e de dirigir por quase 3km que Jungkook umedeceu os lábios e falou:
— É claro que eu viria — a voz saiu mais baixa que o normal, mas estava bem ao seu lado. Queria dizer alguma coisa, como um “ah” e um “hum” porque era tudo que conseguia pensar, mas deixou que o silêncio se instalasse. Um instante depois, Jungkook continuou, com o timbre ainda mais abafado: — E você está linda.

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Jungkook não era um cara que negociava com a sorte.
Pensando de forma realista, aquela noite tinha tudo para ser, de fato, uma boa estreia para no universo das relações contemporâneas, se as questões pertinentes fossem levadas em conta.
A primeira delas era que, sendo Jungkook ou Jaehyun, ela estava saindo com um idol.
E não precisava perguntar por aí para saber as chances que uma coisa dessas tinha de dar errado.
No entanto, a caminho de uma rodovia que nunca esteve antes, ela preferiu deixar as coisas rolarem. Parecia fácil confiar que Jungkook sabia o que estava fazendo quando ele configurava tanta concentração. Era impossível que estivesse tão nervoso quanto ela, mas o rapaz parecia… Diferente. Mais calado do que o normal. Não por ter algo errado, mas por não saber o que dizer.
As cores do lugar se tornaram visíveis há vários metros antes de chegarem. Primeiro, viu luzes de pisca-pisca em torno dos postes. Depois, o gramado do meio-fio ia ficando mais denso até que Jungkook foi diminuindo a velocidade à medida que parava atrás de outro carro. E este estava parado atrás de outro, que estava parado atrás de outro e assim por diante.
— O que é isso? — esticou o pescoço para olhar adiante. Tinha uma fila de carros relativamente longa que seguia até um portão largo de ferro batido, dando passagem para algum lugar rodeado de muros altos e ainda mais luzes piscantes.
— Nossa primeira parada — a resposta foi simples. esperou que ele dissesse mais, mas Jungkook apenas tateou os bolsos até tirar uma carteira de couro e puxar duas notas de 10000 wons. Por um momento, ela pareceu mais surpresa com isso do que com o lugar desconhecido — O quê? Eles não aceitam cartão.
levantou uma sobrancelha. Um lugar inóspito bem na saída da cidade, rodeado de muros e que só aceitam dinheiro vivo. Pra que tipo de culto você está me levando, Jeon?
Quando finalmente os primeiros carros avançaram com mais agilidade, a Mercedes estacionou ao lado de uma pequena guarita, onde Jungkook desceu os vidros o suficiente apenas para passar o dinheiro e receber de volta dois retângulos de papel. Um preto e um prata — ou pelo menos pareciam assim no reflexo das luzes coloridas de fora. abaixou os olhos para tentar ler melhor, mas ele arrancou novamente até o portão, parando apenas para entregar os dois ingressos a outra pessoa estática que fez um gesto para que entrassem.
Ela ainda buscava sinais do que poderia ser aquele lugar inexplicável. Ao entrarem, finalmente, para dentro dos muros, a junção da iluminação baixa e o espetáculo de motores e buzinas serviu como uma resposta imediata.
A arena era tão grande que não se via onde começava e terminava. Os outros carros se posicionavam paralelamente em vagas delimitadas por tinta branca no gramado baixo, e os pisca-piscas formavam varais de uma extremidade a outra. À esquerda, dois trailers juntos expeliam fumaça com cheiro de pipoca, salsicha e molho de pimenta, enquanto à direita, um outro trailer já exibia uma fila de pessoas em busca de sorvetes e milk shakes. No centro de tudo isso, o grande motivo da reunião automobilística: um imenso painel branco, tão grande quanto o de um cinema, montado estrategicamente para ser bem visto por todo o pavilhão.
Não dava para acreditar.
Jungkook apertou a Mercedes entre um Jeep Wrengler monstruoso e um Mustang 1987. Ele desatou o cinto de segurança e se virou para a garota.
— Infelizmente, só consegui reservar pra exibição do Batman 1989. Quer dizer, infelizmente pra você, caso não goste do Batman. Na verdade, não sei. Você gosta do Batman? — perguntou, desconcertado. Ela estava muito quieta. Estava quieta porque ainda estava rolando os olhos por todo o lugar e parecia chocada demais para falar.
— Isso é um drive-in? — atestou , retoricamente. Ainda era um fato muito impressionante.
Jungkook fez que sim com a cabeça, endireitando-se no assento.
— É. Foi uma opção mais alternativa que o clichê do cinema — e acrescentou, em um sussurro: — Mais segura também.
olhou para ele. Ali, conseguiu ver a mesma preocupação que ela sentia em relação à sua aparência daquela noite; alternativa. A apreensão se ele tinha gostado ou não, se existia algum problema ou não, se estava de acordo ou não. Jungkook sentia a mesma coisa quando se tratava de sua ideia.
E sentiu a pele ficar quente com todo aquele cuidado.
— Isso é incrível — acentuou, abrindo um sorriso sincero — Nunca vim a um drive-in. É o tipo de coisa que só vi nas séries. Ah, e é claro que eu adoro o Batman — deu de ombros. Jungkook levantou uma sobrancelha — Gosto dos mocinhos do povo, lembra? Bruce Wayne influenciou todos eles.
Jungkook gargalhou com gosto.
— Ainda é chocante você ter uma queda pelos inimigos do governo. Mas quer saber? O uniforme azul dessa versão é horrível. Eu repensaria, se fosse você.
— Concordo. O preto do Bale é melhor.
— Preto é sempre melhor. — Os dois trocaram um sorrisinho cúmplice. Dependendo do ângulo, dava pra ver uma luz diferente brotando dos olhos de . Jungkook limpou a garganta.
— Falta 10 minutos pro filme começar. Quer comer alguma coisa?
pensou por um instante. A mistura de aromas era irresistível.
— Tem pipoca?
Ele assentiu com um sorriso de canto. Mesmo sendo o plano original dividir uma pipoca com , ouvi-la sugerir a mesma coisa foi estranhamente bom.
Em seguida, abriu o porta luvas e puxou de lá um boné e uma máscara preta, e agarrou a mesma carteira de antes guardada nos bolsos.
— Não prefere que eu vá? — assumiu rapidamente o que ele pretendia fazer. E, mesmo dentro de carros, os dois ainda estavam no meio de uma multidão — E se as pessoas te reconhecerem? Se tirarem fotos? Ou te pararem na fila?
, não…
— Eu posso ir. Você pagou as entradas, então posso pagar a pipoca, certo? Não é assim que funciona? Só vou pegar a minha…
Jungkook puxou sua mão antes que ela a colocasse na maçaneta.
— Será que dá pra você ser menos… — parou. Queria dizer “bonitinha” ou “fofa”, mas optou por: — Amadora?
juntou as sobrancelhas, sem entender. Jungkook deu um longo suspiro.
— Escuta, muito legal a sua preocupação, mas quando um cara te convida pra sair, deixa ele fazer coisas pra você, tudo bem? Coisas de carinhas legais e tudo mais. Pode lidar com isso por algumas horas? — Ele lhe lançou seu melhor sorriso, tipicamente debochado, e viu o momento em que sua bochecha corou — Já volto.
Colocando a máscara e o boné, Jungkook saiu do carro e caminhou até os trailers de comida salgada.
sentiu as palmas das mãos ficando úmidas assim que ele se afastou. O ambiente ao redor era escuro e indistinto onde as luzes não pegavam. Com isso, veio a ideia desesperadora de alguém ter seguido aquele carro já conhecido. De ter a lente de uma câmera virada para ela naquele momento, mesmo que o vidro do carro fosse totalmente indistinguível. Se as sombras escondem sasaengs com celulares assim como escondem paparazzis na Califórnia, o resultado daquela noite seria visto na primeira página da Dispatch na manhã seguinte, e o resto disso…
Pare. Pare já com isso. Não estrague esse momento com as minhocas da sua cabeça. Lembre-se que é um teste. Uma mentirinha. Você precisa se comportar. Jungkook jamais te levaria a um lugar onde existisse 1% de chance de serem vistos.
Para se distrair, ela puxou o espelho em cima de seu assento, encarando seu reflexo enquanto respirava fundo. O batom estava no lugar, e Candice tinha obrigado a trazer uma reposição naquela bolsa, assim como o número de emergência e um perfume caríssimo.
E você está linda.
sentiu o arrepio na base dos braços e da nuca. A voz dele ecoou por todas as partes de seu corpo, parando justamente no coração. Era loucura. Como um elogio tão chulo era capaz de causar isso nas pessoas?
Talvez fosse pelo fato de que não se esperava elogios vindo de Jungkook. Observando onde estava agora, não sabia nem dizer como eles haviam chegado ali, saindo juntos como um casal sem a finalidade de tirarem a roupa depois.
Ao voltar para o carro, Jungkook puxou a porta com certa dificuldade, equilibrando toda a comida que tinha comprado na barraca. Quando a fechou e se livrou dos acessórios de disfarce, o cheiro da pipoca ainda fumegando impregnou todo o veículo. Ele a colocou bem no meio do câmbio, deixando-a entre ele e , que arregalou os olhos para a iguaria.
— Minha nossa, existem pipocas tão grandes assim? — comentou, genuinamente surpresa. O balde com listras vermelhas e brancas parecia algo saído dos anos 70.
— Existem várias coisas incríveis nos lugares que não aceitam cartão de crédito, — ele brincou, estendendo o refrigerante para ela — Tipo o cara atrás de mim na fila, que começou a falar sobre uma nova espécie de truta que vive nos rios menores e sei lá mais o quê. Certeza que é um homem sozinho.
riu pelo nariz e provou um pouco da pipoca. Era macia, saborosa e completamente diferente do que se vendia em qualquer cinema. Jungkook a encarou pelo canto do olho, satisfeito pelo sorriso da garota.
— Vou considerar que você gostou da ideia — disse ele, puxando um pouco de coca-cola pelo canudo.
— Do drive-in? Lógico. Do encontro? Só vou dizer quando terminar — ela alfinetou com um levantar de ombros, relaxando sobre o banco e virando o rosto para a frente, onde o telão começava a ser ligado.
— Aguentei um cara falando sobre trutas selvagens por quase 10 minutos, você precisa levar isso em consideração.
— Aham, claro — ela segurou um riso. O projetor iniciou a contagem regressiva decrescente antes da abertura clássica da Warner Bros indicar o início do filme.
Durante os primeiros minutos de exibição, achou que faria mais sentido se manter com o máximo de conforto possível se passaria as próximas 2 horas na mesma posição. O interior de uma Mercedes-Benz era totalmente favorável a isso. Livrando-se das sandálias, ela puxou as pernas para cima, entrelaçando-as em borboleta e dando adeus à qualquer cuidado que foi instruída a ter com aquele vestido.
O alívio de não ter ido parar em um restaurante 5 estrelas era muito maior do que a preocupação de uma bronca de Candice. Jungkook conseguiu fazer uma ótima introdução, afinal. Bem do jeito dele.
Em outro momento, ele a observava de soslaio. A face vidrada na dinâmica de Keaton como o Batman e em como aquela intérprete de Vicki Vale tinha sido tão ruim, e viu também que os dedos dela pegavam a pipoca automaticamente, sem tirar os olhos da tela, e em como seu joelho balançava nas cenas de ação, e ela não se importava nem um pouco de apoiar o refrigerante no espaço vago entre uma coxa e outra, molhando o vestido e sujando os dedos de manteiga.
, você não existe. Era nisso que ele estava pensando. Mesmo que não soubesse o significado na hora.
Os dois riram nas cenas engraçadas. Vibraram com a atuação de Jack Nicholson como o segundo melhor coringa do cinema — porque ninguém, jamais, vai desbancar o Heath Ledger —, criticaram as batalhas longas, os pontos sem fundamento, o romance superficial, mas, no fim… Continuaram achando que era um ótimo filme. Um bom início para o Batman nos cinemas, muito melhor do que o fracasso de Adam West nos anos 60.
Naquele momento, Jungkook julgou que não se arrependia. Do convite, das ideias, da festa de lançamento, onde tudo isso tinha começado. Ele provavelmente enfrentaria aquela fila da pipoca e escutaria o relato sobre trutas vermelhas de ribeiro de novo se isso o trouxesse as sensações boas que estava vivenciando naquele instante.
As pessoas mergulhavam de vez nos momentos felizes quando não pensavam no fim deles.
— Tudo bem, eu sei que estamos falando dos anos 80, mas você não pode negar que aquele tiro foi ridículo — ele disse, com um sorriso automático de quem já estava rindo há um tempo.
— Foi o mesmo tiro de Blade Runner, e você vai ter a audácia de dizer que Blade Runner é ridículo? — estreitou os olhos.
— Não. Não! — balançando a cabeça, Jungkook estalou a língua — Mas qual era o tesão das produções em ser tão irreais? Quer dizer, é lógico que um disparo não sai aquele monte de pó, e é óbvio que uma Glock não derruba um cara como uma bazuca faria.
estendeu a mão para pegar o restante do refrigerante, mas parou e ficou imóvel antes de rir alto pelo que ele disse.
— É, você tá certo. Mas lembre-se: é a magia vintage dos anos 80. As pessoas se impressionavam com balbúrdia — ela destacou, em um tom raso de zombaria.
— Prefiro a magia dos anos 80 como fazem em Stranger Things.
— Você é um péssimo cinéfilo.
Jungkook a censurou com os olhos, sem deixar de rir. O balde de pipoca tinha se esgotado quase todo, e as bebidas já estavam a ponto de esquentar. Alguns carros já começavam a sair enquanto as últimas cenas do filme passavam na tela. A cena do beijo e das declarações esdrúxulas que jamais deixariam de existir na sétima arte.
encarou a coletânea com atenção. Houve a luta final. A testificação de Gotham em assumir que, sem o Batman, a cidade fracassaria. O pé na bunda que Vicki deu àquele personagem chato chamado Alex, porque já estava apaixonada por Bruce. E a frustração no desfecho, quando percebeu que seu homem, na verdade, sempre pertenceria à justiça e proteção de uma cidade inteira, e não apenas a ela.
Era engraçado pensar uma coisa dessas.
nunca cogitou amar alguém, mas, caso acontecesse, esperava que tivesse a sorte de ser uma pessoa a quem pudesse sempre recorrer. Alguém presente, atencioso, acessível. Que pertencesse só a ela. Não pertencer como a ideia do filme vendia, mas pertencer como sendo parte dela. De alma e de coração. Uma outra metade sua que também vivia por aí, com seus próprios sonhos de planos, mas que só estaria completa quando se juntassem num enlace íntimo e surreal — algo muito mais profundo do que toque físico ou palavras bonitas.
Não percebeu que tinha parado de sorrir. Também não percebeu quando passou a pensar em seu pai, e em todo o desespero que deixou para trás quando decidiu morrer de um ataque do coração de repente. Uma agonia tão grande que despertou o pior de sua mãe, uma pobre mulher que era incapaz de viver sozinha e aceitou o primeiro homem disposto a dá-la migalhas de carinho e atenção.
Talvez seus pais fossem a metade um do outro nessa vida. E quando se perdia uma delas, era como se o mundo rebobinasse e todas as coisas perdessem o sentido. E, quando as coisas perdem o sentido, as pessoas se tornam outras pessoas.
E por isso ela tinha se sujeitado a estar com um crápula, que a dizia coisas bonitas depois de pintar seu rosto de vermelho.
Isso não era amor. E era revoltante como sua própria mãe, que viveu com um marido bondoso e honesto por tanto tempo, não se lembrava disso.
A palma quente de Jungkook deslizou sobre a dela, caída ao lado do câmbio, paralisada com pensamentos recentes. O contato a fez desviar os olhos dos créditos subindo, e virar para ele com susto. Inclinou o queixo para olhar os dedos entrelaçados.
— Eu tô bem — ela se apressou em responder, antes que ele fizesse algum comentário constrangedor sobre ter visto muita tristeza em sua postura.
Jungkook não disse nada. Apenas olhou para ela.
— Sei que você tá bem — falou. — Mas é isso que os caras fazem em um encontro quando as garotas se sensibilizam com o final do filme.
engoliu em seco. A sensação da mão dele era boa. Trazia uma certa segurança, como quando ele tinha feito a mesma coisa no hospital. Era como se dissesse sem dizer: Tá tudo bem, você está aqui agora, não é o momento de pensar em coisas tristes que não podemos resolver.
E por isso, talvez, ela tenha apertado seus dedos com mais força.
Ele baixou os olhos, ignorando todo o calor que subia pelo corpo, um tipo de incêndio que o alertava para correr porque iria se queimar ou gritava para que ele chegasse mais perto porque o inverno tinha começado e ele estaria mais seguro e aquecido se se aproximasse.
Definitivamente, havia algo queimando ali dentro.
Jungkook puxou a mão rapidamente.
— Vamos — balbuciou, ajeitando a postura e esticando os dedos para puxar o cinto novamente.
assentiu, meio atônita com o fim do momento e começou a juntar a bagunça em uma sacola plástica jogada no forro.
— Você está pronta? — Jungkook perguntou, retornando à animação sarcástica.
disparou o olhar para ele, franzindo o cenho.
— Pronta pra quê?
Ele deu de ombros.
— Pra nossa próxima parada, é claro.

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Jaehyun tinha certeza que cada uma das opções de quarto era um péssimo negócio.
A começar pela cor escandalosa das paredes. Não era um vermelho fraco, mas vermelho-vivo, vermelho pôr do sol, vermelho como um sonho. Como se elas nunca tivessem sido de nenhuma outra cor, apesar da ótima ideia que isso seria.
Ele depositou a mochila na poltrona, jogando as costas na cama que rangia. Não dava para entender Ali Dalphin. A garota se achava, literalmente, o centro do universo. “Você acha mesmo que eu queria me hospedar em um hotel de 2 estrelas sem hidromassagem? Óbvio que não. Mas aqui eles não têm câmeras de segurança e não fazem perguntas, você devia fazer o mesmo”, disse ela quando estavam na recepção. Jaehyun tinha revirado os olhos tão fundo que quase sumiram de suas órbitas.
Não fazia a menor diferença onde dormiria. O que começava a deixá-lo inquieto era o fato de estar em Los Angeles. E a pressa de Ali em ir atrás de suas próprias confusões faziam-no começar a questionar se não seria uma ideia melhor contá-la a verdade e torcer para que ela entendesse e reconsiderasse.
Por favor. Estamos falando de Ali Dalphin.
Ele bufou de encontro ao teto. Virou-se para o lado, encarando o bolso da mochila onde estava o celular desligado. Algo em Jaehyun doía. Deviam ser umas 7 da noite em Seul. 3 da manhã em LA. 16 horas de diferença para que ele dissesse que sentia muito.
E ele certamente compreenderia caso não recebesse nenhuma resposta.
Quando levantou e pegou o aparelho, toda a coragem desapareceu. A conversa com estava ali, sem nenhuma mensagem apagada desde a primeira, há alguns meses atrás. O jeito como se comunicavam era tão despojado e sem reservas, e Jaehyun chegou a pensar que era tão estranho como ela parecia combinar tanto com ele em coisas aleatórias, como cor e comidas favoritas, lugares a se conhecer, livros repletos de reflexão e outros detalhes que somente pessoas muito próximas a ele sabiam. Tipo seus amigos.
Mas a trava que sentia na frente daquela tela não podia ser descrita com palavras. Algo embrulhava seus pensamentos. Jaehyun sempre sentiu que fizesse parte de um sonho que andava tendo, e, na melhor das hipóteses, que ele também fizesse parte de um sonho dela. Duas pessoas que poderiam se encaixar a longo prazo, que somariam juntos em um relacionamento pacato e agradável, mesmo com carreiras totalmente agitadas.
Para isso, ele precisava, no mínimo, estar demonstrando alguma coisa. Acima de tudo, mostrar que a distância não afetaria em nada, o que era o total oposto do que andava fazendo ultimamente.
Tem um motivo, eu juro que tem. Eu também não queria virar um covarde e desaparecer, mas se Ali souber de alguma coisa…
Sem refletir muito, ele abriu a caixa de mensagens e digitou a primeira coisa que veio à sua mente. Antes que perdesse as estribeiras e escrevesse demais, o barulho agudo da porta antiga sendo aberta o fez se virar ao mesmo tempo em que Ali entrava.
— Vou usar o seu banheiro. — Ela não disse muito mais. Simplesmente, caminhou até a porta do lado esquerdo de um pequeno cômodo que apoiava uma TV, depositou um maço de cigarros aberto no tampo e entrou por ela.
Jaehyun permaneceu estático, irritando-se com o bater rápido de seu coração assustado, prestes a ser pego no pulo por aquela maluca.
— Isso foi inconveniente até pra você — ele falou alto através da porta. O barulho do chuveiro era tão baixo que ele não se surpreenderia se fosse daquele modelo que parecia um conta-gotas.
— Por acaso te atrapalhei? — perguntou ela com ironia.
— Meu descanso, talvez — ele revirou os olhos. Os dedos ainda trêmulos guardaram o telefone de volta no bolso. Pelo menos, a mensagem mais importante tinha ido — O que houve no seu quarto?
— Ele não tem água quente.
Jaehyun franziu o cenho.
— Jura? — Parecia estranho, já que foi a primeira coisa que ela tinha feito questão de perguntar na entrada.
— Tudo bem, ele não tem a água quente certa. Eu chequei. Você abre sem parar e aquilo parece queimar até 80 graus. Eu não tô afim de me expôr a um ferimento de segundo grau.
Ele não soube o que dizer. Talvez fazer uma pergunta tipo: Como assim você mediu a temperatura da água do hotel?, mas estava tão descrente que se recusou a pronunciar uma coisa dessas.
— Você é louca? — Era um questionamento sincero. Ali soltou um grunhido do lado de dentro; poderia ser uma risada ou um palavrão, nada muito definido.
— Você já sabe essa resposta.
Com um arqueio das sobrancelhas, ele facilmente desistiu do papo e voltou a se sentar na cama.
Jaehyun ligou a TV de 30 polegadas enquanto a escutava desligar o chuveiro e andar de lá para cá enquanto se vestia. Não passava nada de muito relevante na programação americana — alguns assaltos aqui, eventos ali, calamidades políticas e sociais, impactos ambientais e, claro, programas de entretenimento.
A lembrança veio clara na mente dele: cerca de 5 meses atrás, o nome de Ali e Jungkook estampado como um outdoor, conteúdo vazado e especulado para nações inteiras, milhares e milhares de fãs raivosas e um combo de sanidades mentais indo pelo ralo.
Foi o pesadelo da década. Não tinha porquê revirar essa história de novo.
Ali saiu do banheiro secando o novo cabelo ruivo na toalha, parando ao lado da poltrona e visualizando o talk-show apresentado na TV: Glow Famous. Bem ao lado do título exagerado, existia o slogan mais discreto: Tudo o que você não sabe se quer saber sobre seus artistas favoritos. E, mais ao lado, havia um carvalho desenhado dentro de um círculo, servindo como representação de uma vibe hollywoodiana, ou seja lá o que fosse.
Uma expressão de desprezo do tamanho daquele quarto se abriu como uma cavidade no rosto da modelo. A mulher na TV, baixa e de tronco sinuoso, tinha sido apenas uma das repórteres que lideraram a caçada à namorada de Jeon Jungkook, e não segurou a língua na hora de contar e inventar fatos, personalidades e acontecimentos que apenas duas pessoas poderiam saber.
Os dedos de seus pés descalços se contorceram sobre os chinelos de banho. Jaehyun os olhou rapidamente, vendo o rosto de Ali vidrado na apresentadora, que agora contava uma das últimas notícias quentes do momento: a separação da cantora Shakira, que estava absoluta e totalmente ligada a uma traição do marido.
Ele apertou rapidamente no botão de desligar. Sobrou apenas ele, Ali e seus reflexos na tela de retina — uma imagem espelhada mais fria e mais distante que a realidade.
Ela acordou de seu torpor e se virou para ele, engolindo em seco algumas vezes antes de falar.
— Vou voltar agora. Obrigada pelo empréstimo. — Ela esfregava os braços ferozmente, como se sentisse frio de repente. Quando passou por ele em direção à porta, Jaehyun estalou a língua.
— Ali, espera aí. — Ele se colocou de pé, vendo-a parar antes de alcançar a maçaneta — Tem certeza que vamos fazer isso?
A modelo olhou para o chão, molhou os lábios e soltou um suspiro longo, cansado.
— Precisa que eu desenhe pra você, Jaehyun?
— Preciso que você veja que pode estar cometendo um erro.
— Você tá falando de novo como se eu fosse entrar naquele lugar com um extintor de incêndio e bater na cabeça da garota com ele. Por favor — Ali revirou os olhos. Com alguns passos à frente, já estava quase ao lado dele de novo — E mesmo se eu quisesse, você está aqui pra me impedir de ser uma maluca, esqueceu? por isso. Não pra me fazer desistir. Aliás, eu não vou desistir.
Jaehyun apoiou uma palma na parte de trás da cabeça, bagunçando um tufo de cabelos da nuca.
— E se você não achar nada?
— O que quer dizer?
— Se você não conseguir um nome, ou alguma prova. Sendo específico, e se ela não estiver mais lá?
Ali olhou por sobre o ombro de Jaehyun como se visse algo que ele não podia ver, ou que simplesmente estivesse refletindo sobre uma pergunta que não tinha feito a si mesma até agora.
— Bem, eu vim até aqui. — Ela deu de ombros, descontraída — Se ela não estiver lá, vou descobrir onde está. Ela tem que estar em algum lugar.
Jaehyun não disse nada. Se apegou ainda mais na esperança silenciosa que o fez oferecer sua companhia naquela viagem, para início de conversa: foi um bode expiatório. James, o dono do lugar, não daria seu nome porque o trabalho de foi roubado. As aparências precisavam ser mantidas. Hilary era a tal responsável e, sinceramente, se tivesse de segurar Ali para que não fizesse uma loucura para Hilary ou James, ele escolheria se manter parado.
Se o nome de não fosse mencionado, tudo estaria à salvo. Longe dos olhos, longe da mente.
A garota se virou novamente para sair do quarto, mas deu meia volta outra vez.
— Você já esteve apaixonado, Jaehyun?
Ele a olhou com confusão.
— O quê?
— Se eu não estou ficando louca, você estava apaixonado. Ou começando a ficar.
Seu sotaque francês estava pronunciado. Jaehyun engoliu em seco, rindo com nervosismo.
— Não entendi onde quer chegar.
— Já fez algo que a magoou, não é? — Ali foi incisiva. Os olhos se apertavam na direção dele, como se já soubesse a resposta. Jaehyun, para ajudar, sempre foi um cara muito transparente. Fugia de conflitos ou tentava acabar com eles imediatamente. Mentir era um tormento, um gatilho que sugava suas noites de sono. E diante daquela expressão de Ali, ele não fez nada além de parar de sorrir.
A garota estava começando a entender que isso significava que ele estava enrolado demais na situação específica para escondê-lo.
— Bom, eu também estou apaixonada e fiz algo que o magoou. Pra caralho. Você sabe — disse, com um levantar de ombros — Sou uma filha da puta desgraçada. É. Mas sou humana, e você pode espiar na sua Bíblia que erros fazem parte dessa espécie. Uma merda, mas acontece. — Como todos os outros suspiros anteriores, o daquele momento veio ao mundo com esgotamento, como um discurso ridículo que tinha feito somente a si mesma e não precisava mostrá-lo a alguém — Mas pelo menos, sei reconhecer que fui uma vaca. E estou tentando consertar isso, de algum jeito, por mim e por ele. Pelo que eu conheço de Jungkook, deve estar sentindo tanta raiva dessa garota quanto eu. E posso usar isso quando avisá-lo que ela teve o que mereceu.
Jaehyun umedeceu os lábios e desviou os olhos para as paredes escarlate. Era insuportável não ter nada a dizer. Não ter nada para refutá-la. Não poder usar um barbante e fita adesiva para prendê-la naquele quarto e não correr o risco de cometer a insensatez que pretendia cometer.
— Você tentaria consertar as coisas, não é? — ela continuou, dando um passo irregular para a frente — Caso tivesse feito merda. Na verdade, acho que você já fez. E tá morrendo por isso.
O tom dela era como um fungo preso na casca de uma árvore; um ser vivo irritante que trabalhava para aumentar ainda mais uma cratera já aberta, já exposta e machucada.
— É. É, talvez — ele murmurou, coçando a garganta. Era desconfortável mostrar vulnerabilidade na frente de alguém que não se importava com ele — E sim. Eu tentaria consertar as coisas — já estou tentando, e você precisa desistir da sua persistência para que dê certo.
Ali compôs um mero sorriso de canto, balançando a cabeça devagar e dizendo entre dentes:
— Então você entende pelo menos 1% da merda que estou prestes a fazer. Até amanhã, Jeong.
E deu as costas de novo, puxando o maço de cigarros em cima do móvel antes de sair do quarto.


[ 15 ] – Do the bad thing

🎵 Ouça aqui:
The Bad Thing - Arctic Monkeys

"Faça a coisa errada
Tire sua aliança de casamento
Mas isso não vai melhorar as coisas
Talvez piore ainda mais."

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Os pés de Ali suportavam seu corpo inteiro em perfeito equilíbrio na superfície do pequeno baú de madeira ao pé da cama.
Ela fechou os olhos, sentindo a brisa morna de Milão passear pelo seu corpo, cobrindo-a como uma das peças de roupa da grife que teria de representar no outro dia na passarela, as quais estava fazendo questão de ignorar.
Não era por mal. Ali Dalphin gostava muito do seu trabalho, e dizia isso abertamente a quem quisesse lhe perguntar. Mas, naquela ocasião de pré evento, um compromisso mais urgente precisava de sua atenção.
Seu namorado estava na cidade. Então, automaticamente, as prioridades eram outras.
Quando respirou fundo e girou o corpo na direção da cama, viu que ele mexia naquela câmera amadora de novo, prendendo o cigarro entre os dedos de uma mão enquanto apertava em vários botões do aparelho com a outra.
Ali cruzou os braços. Ao redor, o quarto de hotel estava um caos — uma balbúrdia que era característica dos dois. Várias coisas faziam parte desse cenário: as roupas atiradas em qualquer canto, as garrafas de vinho vazias, a mala de mão dele que não trazia nada além do essencial. E, claro, aquela música irritante soando no fundo.
She don’t do major credit cards, I doubt she does receipts, it’s all not quite legitimate…
Jungkook adorava esses caras. Dizia que contavam histórias em forma de música. Ali não via nada demais em alguém gritar aos quatro cantos que encontrou uma prostituta de manhã.
— Por que você sempre pega essa coisa? — perguntou, com um leve revirar de olhos. Aquela câmera estava apontada em sua direção de novo. Ele, encostado na cabeceira da cama bagunçada e ela, servindo de alvo para o seu clique em um estado natural: nua, sem maquiagem e um pouco embriagada.
As mãos dele seguraram firmemente o apetrecho até pressionar mais um clique. Tragou o cigarro outra vez, encarando o resultado de sua tomada.
— Porque estou feliz — foi sua resposta mais simples e verdadeira — E quero registrar todos os meus momentos felizes. Lembra?
— Careta — Ali murmurou, esticando uma perna para pousar novamente no colchão. Caminhou perfeitamente sobre a superfície irregular da cama e se acomodou por cima dele, igualmente nu, que ainda apertava algum comando na câmera, passando várias imagens para o lado, como se tivesse tirado uma grande sequência delas no intervalo de 10 minutos — Quer tirar uma foto mais interessante? Posso ficar naquela posição que você gosta…
Jungkook sorriu tranquilo. Depois, balançou a cabeça em negativa.
— Não. Quero o seu rosto — e tirou mais uma foto repentina. Quando abaixou a máquina para mostrá-la, a face de Ali estava bem ali na panorâmica, tirada extremante de perto. Deslizando o dedo para o lado, ela também estava ali, desta vez um pouco de longe, e com seu habitual sorriso desdenhoso — Seu rosto é o que eu quero lembrar. O corpo é o que eu quero sentir. Existem...
— “... Coisas para serem lembradas e coisas para serem vividas”, já sei. Você sempre diz isso — ela revirou os olhos, mas achava adorável. A forma como ele encarava certas coisas da vida lembrava-a de como se sentia quando tinha 21 anos. Com prazer, amor e leveza. Talvez por isso o amasse tanto; porque amava se sentir com 21 anos de novo — E onde pretende guardar o meu rosto?
— Ainda não sei direito. Em uma caixa, um painel, porta-retrato, tanto faz — ele deu de ombros, com um sorriso de canto — Fiz várias dessas antes de chegar aqui e vou anexar no Golden Closet. Acha que vai ficar legal?
— Vai colocar a minha cara no Golden Closet?
— Sim. É o que faz parte da minha vida. Do meu coração também — Jungkook esticou um dos dedos para tocar uma das bochechas da modelo. Ali engoliu em seco — Mas só o que vai ser divulgado no canal somos eu e Jimin indo na loja da Dior em Paris e saindo de lá sem nada.
Ali riu enquanto o via passar mais algumas fotos, prendendo o cigarro agora entre os dentes. Jungkook fumava muito quando estavam juntos. Fumava muito desde que a conheceu. Fazia porque ela fazia. Ou era o que parecia de fora, para olhos que só viam o superficial.
Ali sabia a verdade; o conhecia bem o suficiente para saber que Jeon Jungkook só fazia o que queria fazer.
Isso o tornava extremamente apaixonante.
Com a respiração aos trancos, ela molhou os lábios, torcendo os dedos conseguir dizer o que queria dizer.
— Lembra do que eu disse no mês passado? Sobre dar um tempo? — perguntou. Jungkook ergueu o queixo rapidamente apenas para mostrar que estava ouvindo.
— Lembro. O que decidiu?
— Que vou aderir. Estudar um pouco, talvez — anunciou, com um dar de ombros desengonçado. Jungkook esperou que ela continuasse; Ali normalmente era péssima para fazer mistério — Lembra daquele curso de fotografia que eu pensei em fazer? Achei um bom lugar.
— E onde seria?
— Em Seul.
Jungkook levantou o olhar de súbito. O sorriso dela se alargou com a reação esperada. Ele ainda esperou um tempo para poder sorrir de volta — um sorriso ainda chocado, feliz, animado; o peito doía com a excitação da ideia que nem sabia que existia.
— Vai morar em Seul? — A voz saiu em um sopro. Ali deu de ombros.
— Por um tempo, sim.
Ela pretendia dizer mais alguma coisa, mas foi esmagada pelos braços e lábios dele, puxando-a para mais perto, segurando sua nuca enquanto Jungkook demonstrava sua euforia do jeito mais banal que conhecia: beijando.
Depois que eles começavam, era difícil dizer quando parariam.
Ali riu e se separou dele, recuperando o fôlego.
— Ei, ei. Será que devo acreditar que você ficou tão feliz assim? — ironizou, vendo-o colocar a câmera de lado e erguê-la para o seu colo.
— Isso quer dizer o que eu estou pensando? — ele abordou com um sorriso indestrutível. Ali entrou em transe com sua boca tão próxima, mas logo se esquivou do carinho, revirando os olhos.
— Eu não vou morar com você, Jungkook.
Os ombros dele murcharam levemente com a resposta, mas nada que apagasse totalmente seu entusiasmo pela notícia.
— Não vai morar ainda — acentuou. — Mas por enquanto, hoje é o melhor dia do ano.
Ele a beijou de novo, sem perguntar datas de chegada e partida, ou qual a modalidade escolhida do curso, ou em qual lugar da Coreia ofereciam isso em primeira mão. Jungkook deixaria esse tipo de coisa para depois, quando não estivesse tão contente ou quando se despedissem de manhã, porque não teria tempo de fazer qualquer outra coisa.
Aquela ideia surgiu do nada, como uma intrusa. Veio e foi diversas vezes até que Ali decidisse bater o martelo e seguir as convicções de sua cabeça. Estava bem financeiramente — não que algum dia não tenha estado —, profissionalmente e mentalmente (esta última na medida do possível). Namorava há dois anos com um cara que jurou ter jogado um feitiço contra ela, fixando-se em sua cabeça por meses até que aceitasse seu convite para sair. E saiu. E agora estavam aqui, se contentando com horários e países esporádicos, entre um trabalho e outro, fazendo as coisas darem certo.
Ali estava cansada disso. Cansada de encontrar buracos para vê-lo; cansada de morrer de saudades. Acima de tudo, estava cansada por não estar mergulhada no mundo de Jungkook tanto quanto ele estava mergulhado no seu.
Ela não sabia nada sobre câmeras. Seu lugar era na frente delas. Mas ele gostava tanto. E isso era tudo que precisava.
— Eu amo você — disse ele, em cima de sua boca. Ali deixou que ele a beijasse de novo, aliviada por não ter tempo de lhe responder.
Eu te amo tanto que dá medo, ela diria. Te amo tanto quanto uma pessoa não deveria amar outra sem se perder.
Jungkook nunca ouviu essas palavras. Naquela época, não importava. Amá-la era o suficiente.
Naquela época, ele não tinha medo. Só tinha certezas.
Incontestáveis e sonhadoras.

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No próximo destino, os postes mal funcionavam.
Em vez disso, a rua era iluminada pelos letreiros em neon de um único edifício no fim de um pequeno morro em paralelepípedo. A Mercedes foi estacionada do outro lado da calçada, bem em frente a uma placa engraçada escrita “Pare aqui sim, por favor!” e um boneco com o dedo apontado para a entrada reluzente.
Desta vez, não perguntou. O lugar não parecia um restaurante chique, mas o conceito de luxo na Coreia era um tanto diferente; uma cafeteria sem reboco era considerada vintage, assim como biscoitos em formato de fezes. Vai saber. Não se julgava essas coisas com base na fachada de fora.
No entanto, o lado de dentro a deixou ainda mais surpresa.
As bordas da entrada eram irregulares e finas, abrindo-se em um espaço apertado, muito parecido com o hall de uma cafeteria. O piso de madeira rangia um pouco sob os pés, e as lâmpadas incandescentes não pareciam muito eficientes para iluminar um quadrado inteiro. Do lado direito deles, existiam diversas prateleiras baixas de madeira clara, apoiando milhares de discos de vinil de todos os artistas possíveis.
Do lado esquerdo, um balcão descansava bem no canto do cômodo, iluminado por pendentes finos que emitiam luz amarelada e decorado com algumas suculentas e cactos pendurados. O lugar era escuro e cheirava a cigarro. Não existia janelas à vista ou qualquer entrada de luz natural, o que tornava a sobrevivência daquelas plantas no mínimo milagrosa.
— Onde estamos? — Ela precisou perguntar. Na verdade sussurrou, já que o silêncio era mais alto do que o punk rock soando baixinho nos fundos.
Com um sorrisinho bem articulado, Jungkook respondeu:
— No paraíso perdido de Seul.
franziu o cenho. Como um lugar monótono e peculiar desses poderia ser dono de um rótulo tão específico?
Antes que vocalizasse suas dúvidas, uma voz repentina brotou de algum canto escuro do lugar:
— Garoto! — Um homem pálido e de altura mediana saiu de trás do balcão, puxando os óculos de grau pendurados no pescoço — Achei que tinha sido um trote. Não acredito que estou mesmo te vendo depois de tanto tempo!
Jungkook abriu um grande sorriso para a nova figura. O homem finalmente entrou em um campo de luz visível, mostrando características ainda mais evidentes de sua possível personalidade: uma camiseta velha do AC/DC, pulseiras de couro nos pulsos e uma barba cheia que pegava até o peito. Parecia ter uns 40 anos, mas os músculos avantajados podiam diminuir facilmente essa idade.
— Como vai, Nitro? — os dois trocaram um aperto de mãos seguido de um abraço muito particular, o que adiantava um nível de proximidade que Jungkook reservava apenas aos amigos.
— Vou bem, garoto. Nossa, como você tá diferente. Da última vez que veio aqui, só tinha feito duas tatuagens. Irado! — Nitro vibrou, olhando diretamente para a mão pintada de Jungkook e seu braço colorido debaixo do casaco.
— Depois da primeira, a tendência é sempre aumentar. Elas só foram aparecendo. Pintei algumas recentemente também — ele puxou uma manga — Devia fazer o mesmo com as suas.
Nitro estalou a língua com desdém.
— De jeito nenhum. Pintar uma tatuagem é coisa de gente dos anos 90. Aqui é P&B do rock ‘n roll raíz, Jeon — ele bateu levemente no peito, estreitando os olhos para Jungkook, que soltou uma risada espontânea como (reiterando) só fazia com amigos. A declaração de Nitro soou como uma questão de princípio em vez de covardia — Mas e então, Grammy, hã? Vejo sua cara e a dos meninos por toda parte agora.
Jeon deu de ombros, como se não fosse grande coisa.
— É o resultado do nosso trabalho em grupo. Só isso.
— Puta merda, você não tá tentando ser modesto a essa altura do campeonato, não é? — Nitro levou as mãos aos quadris, sorrindo embasbacado. Quando mudou o peso de uma perna para outra, viu a silhueta da garota parada um pouco atrás do cantor, olhando discretamente para os dois como se se recusasse a atrapalhar a conversa — Mas estou vendo que não estamos sozinhos dessa vez.
sentiu uma leve queimação nas bochechas. Jungkook sorriu, olhando rapidamente para ela antes de dizer:
— Nitro, essa é . Trabalha na empresa. É diretora de fotografia — ele disse com tanto orgulho que olhou para ele em vez de olhar para quem estava sendo apresentada.
Em um lapso de milissegundos, ela quis pegar em sua mão de novo.
— Ah! Esta é — o homem tatuado chamou a atenção dela, que voltou a encará-lo. Nitro estendeu uma de suas mãos — Como vai, senhorita?
— Vou bem, obrigada — ela aceitou o cumprimento, um pouco surpresa com toda a abertura de toques em um lugar onde a maioria das pessoas não se abraçavam — É um prazer te conhecer.
— O prazer é todo meu, senhorita, acredite em mim — Nitro frisou o sorriso e as palavras, o que deixou ainda mais embaraçada. Parecia estranhamente que esse cara tinha um conhecimento prévio sobre ela — É sempre bom conhecer outros do ramo.
Jungkook riu pelo nariz em cumplicidade com o amigo. o encarou pelo canto de olho. Você se importaria de explicar o que está acontecendo aqui?
, esse é o Na Tae Young, ou Nitro, que sinceramente é muito melhor — disse Jungkook — Conheço ele há uns bons anos. É dono do lugar mais foda de Seul.
— Queria ficar sem graça com um elogio desses, mas só posso concordar — o outro riu, levando uma mão teatralmente ao peito — E eu vou agradecer muito se você ficar apenas com Nitro. Combina com a minha máquina estacionada ali fora.
levou quase um minuto para levantar uma sobrancelha e entender do que ele falava — a origem de seu apelido tão incomum. Sem perceber, soltou uma risada, sentindo-se menos intimidada na presença de um cara com apelido de elemento químico.
— Então… Conseguiu o que eu pedi? — Jungkook perguntou para o amigo, levemente sugestivo. Nitro automaticamente abriu um sorriso mais sugestivo ainda.
— É claro que consegui, olha bem com quem você tá falando. Não importa o quanto os diretores possam ser assustadores, nenhum deles é imune à minha persuasão — Nitro estufou o peito junto com um estreitar de olhos — Deixei guardado lá nos fundos, não queria arriscar nenhum contato com o mundo exterior antes de você chegar. É uma beleza das grandes. Vou buscá-la lá dentro, quer fazer um tour com a moça antes disso?
— Vou levá-la até o Covil — Jungkook respondeu como se dissesse que levaria ao supermercado. Não houve nem risadinhas de deboche. Era simplesmente: vou levá-la ao Covil.
— Boa! Tenho certeza que ela vai adorar. Seja bem-vinda, — ele usou seu primeiro nome com tanta naturalidade que ela não viu outra opção a não ser dizer um agradecimento rápido antes de vê-lo desaparecer por uma curva escondida.
Menos de dois minutos se passaram até que ela se virasse para Jungkook.
— Você disse a palavra covil?
— Sim — ele deu de ombros. — Está pronta?
— Não sei dizer.
A gargalhada dele foi tão espontânea que puxou o canto dos olhos.
— Você realmente não vai ter o que dizer. Vem comigo.
— Vou precisar ligar pra Candice? — perguntou, acrescentando logo depois: — Ou pra polícia?
— Não seria necessário, mas celulares são particulares, não é?
Ela revirou os olhos com mais ironia do que ele.
— Será que é o momento certo de eu dizer que o deixei em casa?
— Você anda esquecendo coisas muito importantes ultimamente, . Agora tenha um pouco de coragem e vamos lá.
não viu outra alternativa a não ser segui-lo.
À medida que avançavam, o lugar ia, pouco a pouco, ganhando mais iluminação. Em poucos passos, Jungkook curvou em um corredor estreito, com paredes recheadas de grafites de arte anarquista como um show de metal da década passada. Uma porta de madeira velha chiou quando ele a abriu, entrando em um outro cômodo tomado pelo breu.
Ele avançou sem hesitar. engoliu em seco, inconscientemente buscando algo para se apoiar enquanto prosseguia. Rapidamente, encontrou a mão dele e a agarrou. Jungkook apertou seus dedos e a puxou delicadamente para dentro.
Com a outra mão, ele acendeu o interruptor. E precisou pressionar os olhos pela claridade repentina.
Quando as imagens tomaram forma, ela pensou em perguntar se ainda estavam no mesmo lugar, ou se aquela porta era uma alusão à Nárnia. Primeiro, reparou na tapeçaria em vermelho e marrom. Depois, no carpete preto que dava a icônica impressão de que Jungkook estava flutuando. E então, todo o resto despontou em sua visão como um soco.
Parecia algo saído de outro mundo.
O ar ali dentro tinha um cheiro úmido e pesado. Estava gelado também e, apesar de saber que devia ser por causa da falta de janelas, isso fazia com que o cômodo parecesse imaculado e divino, e ela era um dos poucos escolhidos a pisar naquele templo.
Seu coração bateu rápido de uma forma que misturava todos esses sentimentos no peito: choque, confusão, pernas bambas e uma grande, grande emoção.
— E esse é o Covil — a voz de Jungkook era audivelmente acompanhada de um sorriso pretensioso — O melhor lugar pra se guardar coisas velhas e mortas.
E apontou para a frente, na direção das prateleiras de madeira polida em paralelo, onde já estava andando para ver mais de perto sem perceber.
Puta merda.
As paredes eram tomadas por câmeras. De todos os tamanhos, cores e formatos, mas, primordialmente, por câmeras analógicas. Itens raros, históricos. Não era nada parecido com a sala de multimídia de qualquer agência de entretenimento em que já esteve. Ela viu filmadoras 35mm, videocassete Betamax de 1975, dezenas de fitas compactas de JVC, diversos protótipos de videotapes e aparelhagem de som que ocupavam uma estante inteira. Aquilo era rústico, extraordinário e carregava toda uma beleza atemporal. Era como se tivesse entrado numa máquina do tempo.
— Isso é uma Leica III?! — pegou a câmera mediana em cor prata, fabricada nos anos 30, exposta bem na frente do seu nariz — É uma original alemã ou a cópia da Rússia? E isso é uma Kodak Folding Pocket do século 19? Minha nossa, não me diga que essa é uma Voightlander de 1962? Achei que não existiam mais… Meu deus, uma Kodak Brownie Hawkeye
Jungkook cruzou os braços, assistindo-a de longe com um sorriso no rosto. Parecia errado interromper o momento de enlace entre e sua paixão. Ela deve ter falado mais ali, balbuciando sozinha, do que em todos os meses que a conhecia.
— Creio que todas as respostas sejam sim, mas não vou arriscar — finalmente respondeu, aproximando-se devagar das prateleiras — Meu negócio é equipamento moderno e sem graça, .
Ela relevou a zombaria. Na verdade, mal prestou atenção nela. Virou para ele com as pupilas dilatadas de entusiasmo, segurando duas ou três máquinas grandes nas mãos, odiando como seus olhos não conseguiam captar tudo ao mesmo tempo. O que estava acontecendo ali era um estado raro de no mais genuíno êxtase.
— Isso é tão... Incrível. Puta merda, isso é muito incrível, Jungkook. Não sei o que dizer — e não sabia mesmo. Estava com medo até de fechar os olhos por um segundo e perder qualquer detalhe — Esse lugar sempre esteve aqui?
— Sim e não — disse, passando um dos dedos nos instrumentos de cima, onde ela provavelmente não alcançaria — Quando me mudei pra Seul, esse lugar ia ser demolido. Nitro era só um cara sem rumo que consertava carros pra umas partidas ilegais. Não era muito a praia dele, sabe. Seu negócio mesmo é isso aqui: consertar e colecionar essas belezinhas — imediatamente, ele puxou uma delas para baixo: uma Fuji preta dos anos 70. Não tão raro, mas pouco comum — Eu tinha mudado de escola, de casa, estava em uma cidade nova, não tinha amigos além dos caras, meus pais insistiam todos os dias para que eu voltasse pra Busan, a pressão era angustiante, tudo era incerto… Acho que foi uma das fases mais turbulentas da minha vida. Nessas horas, eu sempre gostava de registrar alguma coisa legal pra substituir uma memória de estresse, ou pra mostrar à minha mãe que eu não estava cometendo um erro tão brusco. Naquela época, eu não tinha grana pra comprar uma câmera de ponta, então descobri que tinha um lugar que vendia câmeras usadas. Dentro de uma oficina de carros — ele mexeu no aparelho, verificando o filme — Então, parei aqui, comprei um bom material por um preço ridículo porque o dono estava desesperado. Namjoon quase me matou quando descobriu que um moleque tinha andado por aqui sozinho. Mas fiz um ótimo negócio. E por isso voltei mais vezes, principalmente em dias de chuva.
depositou as câmeras no mesmo lugar delicadamente, sem tirar os olhos de Jungkook.
— Por que em dias de chuva? — perguntou, atenta.
— Era quando ele resolvia mexer na Janis. A Mercedes-Benz 450 SL 1970 mais foda e original que você vai conhecer. Corre mais do que o Mitsubishi do Paul Walker no Velozes e Furiosos — ele riu com a referência, e fez o mesmo — Eu gostava de ficar assistindo. Gostava de me imaginar dirigindo uma máquina daquelas também, ou escutando Nitro e as histórias de vida. Voltava pro dormitório com a fragrância de óleo e graxa, mas não me importava. Ele sempre me disse coisas importantes nos momentos mais decisivos da minha vida, principalmente antes do debut. Tipo como “você não é mais uma criança, garoto” e etc, mesmo que eu tecnicamente ainda fosse — Jungkook desviou os olhos da câmera, direcionando-os para a garota — Um dia, numa puta tempestade tenebrosa, cheguei aqui e encontrei uma placa de vende-se na frente da porta. Foi um pouco antes de eu ir para os Estados Unidos. Nitro estava uma bagunça, fodido até os ossos e eu insisti pra que ele não fizesse o que queria fazer. Era o pedido mais egoísta que alguém podia fazer na época, mas acho que eu também estava desesperado.
Ele estendeu o aparelho para ela. aceitou a relíquia com cuidado, cultuando cada detalhe do modelo como se fosse um pedaço de sonho. Até o cheiro parecia saído de uma alucinação: tinha o aroma aberto de uma brisa se deslocando pela água, exatamente como os dias de chuva da história de Jungkook.
— E o que aconteceu? — ela se viu ainda mais curiosa pela continuação — Como ele se virou sem vender o lugar?
— Ah, ele vendeu — respondeu, com um sorriso fino — Pra mim.
piscou os olhos várias vezes, abrindo e fechando a boca.
— Quê?
— É. Foi um processo meio insensato — ele passou os dedos para cima de novo, puxando uma Pentax desta vez. Fabricada no Japão, mais comum no seu continente. Tinha sido algo que seus avós usaram, e hoje estava exposto no museu de antiguidades de Nitro — Quando implorei pra que ele não vendesse o lugar, fui chamado de maluco, o que era a mais pura verdade. Então falei que, se fosse assim, eu mesmo compraria a oficina e entreguei os únicos 100.000 wons que eu tinha no bolso como um adiantamento. Disse que pagava o resto quando ficasse famoso — Jungkook sufocou uma risada com a lembrança, mas ainda tinha a boca entreaberta em total interesse — Ridículo, não é? O engraçado é que essa foi a única vez antes do debut que eu falei com tanta certeza que seria famoso. Que fiz uma promessa sobre isso, tanto pra ele quanto pra mim mesmo. Ou eu alcançaria meu objetivo, ou perderia meu lugar favorito, e então não tive mais escolha a não ser me esforçar ao máximo — deu de ombros, verificando o filme novamente — Ele devia ser louco pra ter aceitado uma proposta dessas.
— Ou acreditava em você mais do que você mesmo — completou.
A concentração de Jungkook se distanciou da câmera, como se algo tivesse tocado seu rosto. A voz dela tinha saído com firmeza e carinho. Como se dissesse do mesmo modo: “eu também acreditaria em você de olhos fechados”, mesmo que vivesse uma vida totalmente diferente do outro lado do mundo.
Seu rosto esquentou de repente, e Jungkook se viu coçando a garganta e abrindo bem os olhos para sair do frenesi que era o semblante amistoso de .
— É, devia ser — os pés se deslocaram até o outro lado, embaraçados com toda a desordem acontecendo dentro de seu corpo — Essa aqui — rapidamente, puxou um novo apetrecho direto de uma cavidade na parede: Bencini Comet, italiana, 1950. Média e pesada o suficiente — Quer testar?
A diante dele tornou a ficar com aquela expressão de novo: imóvel, um brilho radiante nos olhos, e a centímetros de distância de cair de joelhos.
— Eu posso? — foi quase um sussurro. A garota reconheceu a máquina na mesma hora, assim como sua raridade.
Um sorriso brotou nos lábios dele.
— Claro. Acha que eu traria você aqui se não pudesse experimentar nenhum desses brinquedos?
Ela engoliu em seco. Com uma ligeira inclinação da postura, guardou a que estava nas mãos e agarrou o instrumento com a mesma doçura de antes, observando-o em cada ponto.
— Ela usa filme 127 — constatou, com uma leve pontada de decepção — Acho que não…
Jungkook caminhou até um armário esquecido, menor do que os outros, estacionado bem perto da porta. Abriu a primeira gaveta, tirando uma caixa quadrada de cor verde claro.
— São esses? — ele exibiu um cilindro em branco e verde, com o formato um pouco maior do que os filmes normais de câmeras antigas.
se aproximou, fitando o rolo de perto, os olhos salpicados de expectativa.
— Minha nossa — exclamou, puxando o objeto para ver melhor — Isso tinha sido erradicado. Quer dizer, depois dos cartuchos no século 20, qualquer coisa que não fosse compacta perdeu o valor. E essa coisinha, meu deus! Deve ter sido uma fortuna.
— Não existe a palavra erradicado para o Nitro. Ele consegue tudo o que você quiser — falou Jungkook. franziu o cenho para ele — O cara é um vendedor, já nasceu com a lábia certa. E não, eu não tenho nada a ver com isso. Agora coloca essa coisinha pra funcionar.
Animada, abriu o maior sorriso que seus lábios permitiram e apoiou a câmera e a caixa de filmes em cima da única mesa do lugar: redonda e igualmente de madeira polida. Tudo parecia tão limpo e organizado que denunciava que o espaço estava sempre recebendo uma manutenção. Ou Nitro era um colecionador compulsivo ou era uma exigência do verdadeiro dono do edifício — que, por acaso, era Jeon Jungkook.
Os dedos dela abriram o corpo da câmera com cuidado, pegando três rolos e enfiando-os em seus respectivos lugares. O formato 127 era usado primordialmente em câmeras do início do século 20, e aqueles em preto e branco deixariam qualquer captura parecendo um trecho de Citizen Kane.
Ela bateu a primeira foto ali mesmo, da prateleira. Tocou na área delicada do visor direto com o dorso dos dedos, como se já conseguisse visualizar a fotografia antes mesmo de revelá-la.
— Nenhum preset criado nos dias de hoje vai substituir essa qualidade — comentou, para ninguém em especial — É nostálgico e especial — faz eu me lembrar de casa, quis completar. Mas não era o momento de falar dessas coisas. Não era o momento de lembrar. Esse negócio de passado era desnecessário e trazia lágrimas mais desnecessárias ainda.
O rapaz parecia igualmente satisfeito com o visual de feliz, como se aquela cena emitisse uma estranha magia. Hoje, o Covil não parecia mais tão… Mórbido.
— Sabe o que mais é nostálgico e especial? — disse ele, caminhando até a outra extremidade, como quem conhecia o aposento na ponta da língua. Abaixo de uma das prateleiras, 3 gavetas estavam organizadas uma em cima da outra. Jungkook puxou a do meio, que se estendeu por pelo menos 1,5 metros à frente, como as gavetas de fichas que existem em secretarias escolares.
Vários discos estavam enfileirados naquela zona engavetada. Discos de todos os gêneros, cores e nacionalidades. esbugalhou os olhos de novo.
— Isso é vinil?! — arfou com surpresa.
— LP de todas as décadas que você imaginar. Lá em cima tem o rock de ponta dos anos 70, mas aqui tem algo melhor — e ele estendeu a mão para puxar um dos discos para fora, posicionando-o ao lado do rosto — Música do século 21. O melhor deles.
podia sentir uma estranha comoção se apoderando dela naquele instante. Uma que veio sem nenhuma repreensão. Havia estímulos por toda a parte, atacando-a ao mesmo tempo, e ela odiava apenas não ser capaz de prestar atenção em tudo igualmente.
— Puta merda, isso é o Freudian em vinil?! — ainda segurando a câmera, ela andou até Jungkook, estendendo uma das mãos para tocar o disco, mas lembrando que elas já estavam ocupadas. O mesmo brilho nos olhos aumentava gradativamente, como uma angústia crescente. Ela estava tão… Fascinada? Feliz?
— O próprio. E sabe o que mais? Podemos escutá-lo sem burocracia — ele deu de ombros, caminhando até o móvel ao lado.
A garota não reparou no aparelho recostado em mais uma superfície lisa e bem cuidada do cômodo. Um toca-discos moderno e na cor preta parecia pequeno e sem graça em comparação a todo o espetáculo de exemplares espalhados pela sala. Jungkook tirou o disco de dentro da capa com cuidado, colocando-o no lugar e baixou a agulha Ruby para que a melodia de Best Part escapasse para fora.
Não havia nada nas paredes, mas as notas pareciam estar saindo de todos os lados. A acústica varreu seus ouvidos, fez carinho em suas bochechas e, quando Jungkook virou o rosto lentamente para ela e abriu um lindo sorriso, soube que estava sendo esmagada por uma paz que parecia maior do que ela.
Uma paz compartilhada com Jungkook. Algo não dito, mas completamente sentido. Uma troca silenciosa e muito, muito marcante.
Por algum motivo, teve certeza que se lembraria daquele momento e daquele lugar pra sempre. Ainda que estivesse ali, vivendo aquilo com Jungkook.
Era Jeon Jungkook. E, mesmo assim, estava feliz por estar com Jeon Jungkook.
Com um pigarro, ela puxou a câmera novamente para os olhos, apontando-a para ele.
E fez seu segundo clique.
Ele não disse nada. Não agiu como se fosse algo desconfortável. Não fez questão de demonstrar que não tinha intenção de ser o modelo de mais uma vez, depois da desagradável primeira vez entre os dois.
Em vez disso, apenas ficou parado, lançando-lhe um olhar interminável, sentindo tantas coisas no coração que teve medo de analisar. Teve medo de uma realidade onde aquela garota fosse tudo que estava mostrando ser e que ele fosse estúpido o suficiente para se apaixonar por ela.
— Eu oficialmente amo esse lugar — balbuciou, com um sorriso singelo. E Jungkook sentiu as mãos suarem como um amador.
Ela se virou para a próxima prateleira, com o olhar seguindo de uma parte a outra, animando-se com cada minúcia. Vagarosamente, depositou a câmera em mãos novamente na mesa, ao lado da outra. Jungkook não percebeu que tinha encostado os quadris no móvel, bem ao lado da voz de Daniel Caesar e em como as palavras It’s this sunrise and those brown eyes, yes. You’re the one that I desire combinadas com a imagem do sorriso de soava como uma canção ainda mais bonita e real. Cada nota parecia traçar um caminho idêntico em seu rosto, transformando-a na personificação tangível de todas as músicas que Daniel já fez na vida.
Aquele rosto…
Devagar, o cara de botas de combate enrijeceu a postura, andou até onde tinha deixado a Bencini e pegou, inclinando-se para colocar o olho direito no visor direto e dirigindo-a para a garota sorridente de pé.
Ele sentiu frio na barriga quando viu seu rosto na panorâmica, de perfil, concentrada enquanto olhava os outros originais. Jungkook notou uma pressão nos ouvidos quando, finalmente, apertou no clique, ouvindo sua própria voz repetir algo do fundo da memória, algo que não dizia há alguns anos.
“Quero seu rosto…”
“Seu rosto é o que eu quero lembrar. O corpo é o que eu quero sentir.”
“Existem coisas para serem lembradas e coisas para serem vividas.”
“Eu te amo… Te amo…”
— Você tirou uma foto minha?
Subitamente, a câmera foi afastada de seus olhos, e o encarava com a testa enrugada.
Ele demorou a entender. O sorriso de antes tinha sumido, dando lugar a uma expressão taciturna, séria, ainda embaralhada pela lembrança repentina. Seu coração estava batendo desordenadamente no peito, e isso era o mais ilógico de tudo.
Jungkook? — ela repetiu, finalmente tirando-o da nuvem de recordações.
— Tirei? — ele imediatamente fez cara de desentendido. semicerrou os olhos.
— Você tirou?
— Não sei — o rapaz deu de ombros, abrindo seu sorriso sacana habitual. inflou as narinas, olhando-o abismada, indo para cima da câmera instintivamente — Ei, ei, que isso?! — Jungkook levantou a câmera no alto, dando um passo pra trás.
— Me dá isso — ela grunhiu.
— Não? — ele ergueu uma sobrancelha de deboche. esticou o braço para tentar a sorte mais uma vez, mas aquele cara era estupidamente alto, muito mais alto do que ela — Ei! O que você é? Um pinscher? Preciso te dar uma vacina?
— Me dá isso! Deixa eu ver — ela deu um leve empurrão em seu peito, o que fez Jungkook rir e dar outro passo distante pela sala, sendo seguido por ela e seus pulos fracassados.
— Qual é, , é só uma foto. Você tirou uma minha, já era hora de eu retribuir, não acha? — ele riu mais uma vez com a zombaria, deixando-a ainda mais nervosa.
— É diferente. Você faz isso o tempo todo, eu não. Fotos minhas não acontecem, Jeon, seu grande filho da…
Então, quando ela saltou a uma distância significativa, Jungkook deu um passo para trás, indo de encontro a uma das estantes, recebendo o peso do corpo dela colado ao seu com os braços erguidos para cima, ainda tentando alcançar o objeto. Ele gargalhou e baixou a câmera, inclinando o queixo na direção do rosto de tão próximo. Com a mão livre, agarrou a metade de seu rosto, sussurrando em seu nariz:
— Se não queria ser fotografada, não deveria ter saído com esse batom.
Ela prendeu a respiração.
Freudian iniciou como um som longínquo, confuso, como se estivesse sendo reproduzido da Califórnia. sentiu a pele se irritar por completo com o toque. Notou a distensão muscular do coração que, de novo, pela segunda vez naquela noite, decidiu se movimentar mais do que fazia normalmente. Reparou as pernas virando geleia e a vontade paradoxal de correr e fugir daquele lugar, ainda que outra parte de si quisesse desesperadamente ficar e viver.
Mas, acima de tudo isso, identificou o desejo desenfreado de beijá-lo. Mesmo que se arrependesse depois. Mesmo que significasse uma briga daquelas. Mesmo que, provavelmente, perdesse seu professor de perversidades.
Contra toda a razão das regras já criadas, tudo que seu cérebro gritava enquanto tinha os olhos cravados no rosto dele, era: o que você está esperando, caramba? Me beije! É sério, você precisa me beijar agora.
— Desculpem a demora! — A nova voz se sobressaiu acima da de Daniel Caesar e, principalmente, acima das respirações irregulares de Jungkook e , que se afastaram imediatamente como se tivessem sido empurrados — Percebi que tinha guardado bem demais. Mas, finalmente, aqui está o nosso valioso dinossauro.
Nitro depositou uma caixa em cima da mesa redonda. Era preta e tinha cheiro de hortelã. Não parecia guardar nada de impressionante.
— O que é isso? — se viu perguntando, afastando-se de Jungkook e de toda aquela cena maluca de antes.
— Isso? Um presentinho do David Fincher.
A garota ergueu os olhos, arregalados mais uma vez.
— David Fincher? O diretor David Fincher?
— Conhece outro David Fincher, senhorita ? — Nitro brincou, deslizando a caixa para a frente. — Quer fazer as honras?
não soube o que responder. Automaticamente, olhou para Jungkook, que deu um sorrisinho de canto, como quem dizia “está tudo bem” e passando a segurança necessária para que ela puxasse o primeiro lacre da caixa.
Foi fácil se livrar de todas as faixas e adesivos e, quando abriu o topo de papelão, viu que existia outra caixa pequena. E, abrindo essa outra pequena, tirou de lá um objeto médio, preto e envolto em plástico.
Um objeto familiar e completamente notório.
A garota ficou com medo do seu cérebro não aguentar tanto fascínio em um só dia.
Dentro da embalagem, uma filmadora Sony Super 8 com filme 8mm parecia nova. Era preta, sofisticada, com lente e sensores em vermelho, o visor direto sobressalente redondo e o suporte em cordas já injetado. Ela a pegou com as duas mãos, chocada demais para falar alguma coisa, abrindo e fechando a boca diversas vezes enquanto encarava o que se chamava de monumento antigo.
— Minha nossa… — arfou, processando aquela relíquia na própria mente — Como conseguiu uma coisa dessas, Nitro?
— Jungkook chegou a comentar que eu consigo qualquer coisa? — ele deu de ombros, e soltou uma risada perplexa, averiguando o equipamento — Ela tem sistema de velocidade NTSC, filme 8mm e lanterna embutida. E, claro, é exclusiva. David usou em uma de suas melhores filmagens. Quer adivinhar qual foi?
A fisionomia dela beirou a um completo abalo.
— Não me diga que ele filmou Clube da Luta com isso.
Plim-plim. Você é uma garota esperta — Nitro riu, jogando uma piscadinha discreta para Jungkook.
— Você gostou do material? — o garoto perguntou, aproximando-se o bastante para ver o aparelho de cima. Não seria maluco de tirar aquilo dela naquela hora.
— Tá brincando?! Isso aqui é de outra dimensão, Jungkook. A Sony não fabrica mais essas coisas, nem de perto. Não acredito que estou tocando em uma coisa dessas.
— Que bom que você gostou — Jeon sorriu, colocando uma mão nos bolsos — Porque ela é sua.
Como se ainda fosse possível: ficou estática no lugar, como se não o tivesse escutado direito.
Nitro riu e sorriu abertamente, batendo uma palma.
— Tenho que admitir: com isso aí, você vai ser a diretora mais descolada de todas.
Jungkook acompanhou o amigo nas risadas, mas a garota o interrompeu imediatamente com um:
Não! — ela balançou a cabeça, olhando para os dois — Eu… Eu não posso aceitar isso.
Jeon suspirou, prevendo o que vinha.
— Tudo bem, , não…
— Não, isso deve ter sido uma fortuna. Aliás, não consigo nem mensurar quanto isso deve valer. Não posso aceitar… — fez menção de devolver o objeto para a caixa, e Nitro mudou de um sorriso feliz para um sorriso indelineável, esperando que ela dissesse que estava brincando.
Jungkook soltou um grande suspiro entediado. Como não tinha previsto o quanto podia ser inacreditável?
— Para com isso. Você ama o seu trabalho, . E é muito boa nele. Só quero garantir que vai dar o melhor de si por aqueles meninos — seus pés se movimentaram para mais perto dela, e Jungkook buscou colocar toda a solidez e seriedade na voz — Aceita o presente. Pode ver como uma reparação por New York, um pedido de desculpas, um boa sorte, tanto faz… Só aceita.
E ali, ele também estava dizendo: “E eu igualmente acredito em você de olhos fechados.
A razão do coração descompassado de agora tinha nome, sobrenome, peso, altura e usava botas maiores que os pés.
Ela baixou os olhos, constrangida pelo cuidado e confiança.
— Por que tá me dando isso? — perguntou em voz baixa.
— Sei lá. Saudades da minha Panasonic, talvez — Jungkook debochou, fazendo com que as bochechas dela ficassem ainda mais vermelhas — E talvez porque eu quero te ver botando pra quebrar, . Mostrar que não cruzou um oceano à toa…
Antes que ele completasse a frase, jogou os braços por seus ombros, envolvendo-o em um abraço repentino e impetuoso.
Jungkook não reagiu. Assim como no hospital, ele desejou que ela o largasse, que não fizesse aquilo, que um “obrigada” já estava de bom tamanho. Um abraço era demais. Era intimidade demais. Mas nem esses motivos agora pareciam ser de verdade.
Ele odiava abraçar porque sabia que o toque dela matava toda a sua pose de indiferença, e ele já estava perdido no personagem demais.
— Obrigada. Nunca mais me dê nada, mas muito obrigada.
Jungkook sentiu a intensidade do quanto seus braços queriam envolvê-la de volta, mas um pigarro alto e real o fez virar a cabeça para o lado.
— Então, acho que tá na hora — disse Nitro, escondendo os lábios em linha fina para sufocar uma risada, vendo os dois agora se separarem na mesma hora. Se não estivessem tão constrangidos, o homem com certeza teria rido abertamente pelo fato de ter sido completamente esquecido pela dupla — Os sinos da meia-noite vão tocar e as portas do Covil serão fechadas. Isso significa que vou fumar meu Marlboro, beber o meu conhaque e apagar o mais rápido possível.
Jungkook assentiu, umedecendo os lábios várias vezes antes de perguntar:
— Tá tudo pronto?
— Claro que sim, garoto — Nitro enfiou uma mão no bolso da frente e puxou um molho de chaves, jogando-a para Jeon, que pegou direto do ar — No esquema, organizado e delicioso. Só ir lá.
O outro sorriu de canto e andou até o homem, pegando-o em um abraço sem nenhuma restrição.
— Obrigado, Nitro. Foi muito, muito bom te ver.
— É sempre bom te ver, JK. Ainda mais tão feliz — Nitro murmurou em seu ouvido — Eu temia que isso nunca mais fosse acontecer. Se essa luz tiver nome, já adianto que gosto muito dela.
Jungkook coçou a garganta, separando-se dele agora com um riso fraco. Quis imediatamente contestar: Como assim estou feliz? Eu estou normal. Do mesmo jeito que estava quando nos vimos pela última vez. Um pouco menos fodido, é claro, porque tive tempo pra isso, Nitro, acorda. Acha mesmo que eu ia sofrer por ela pra sempre?
Bem, no estado em que estava, talvez fosse totalmente compreensível de se imaginar que sim, ele sofreria pra sempre por Ali Dalphin.
E tem o Grammy. As conquistas nos charts. O número 1 que não se distanciava do nome BTS. A música que finalmente terminei. Uma boa noite de sono que tive em semanas…
Parou. A menção daquele prazer tão banal foi relacionado imediatamente com . Seu cérebro só podia estar de brincadeira.
Embora Nitro não soubesse de nada, certamente já estava insinuando isso com aquele sorrisinho travesso.
— Ei, — chamou, tirando a atenção dela de seu novo presente — Escolha uma das minhas meninas e leve também. Agora é um presente meu.
O brilho nos olhos da garota se estendeu para todo o rosto. teve certeza de que aquele dia só podia ser uma memória inventada, e não a realidade em si. Existia tanta felicidade assim no mundo real?
— Tá falando sério?
— Claro, garota. Fica à vontade, e escolha com sabedoria.
Nitro lhe lançou uma piscadinha, e hesitou por um instante antes de fazer o que ele disse. Com um olhar para Jungkook, ela se lembrou das atuais palavras dele sobre botar para quebrar e rapidamente se afastou para as prateleiras, feliz como uma criança.
Jungkook seguiu seus movimentos com os olhos novamente, perdido em suas nuances, seus trejeitos e no entusiasmo, que era tão contagioso. Ele nunca pensou que gostaria de vê-la tão animada. Nunca pensou que a conhecesse minimamente bem para saber como causar isso. Nunca pensou que essa imagem dela, de agora, obscureceria todas as outras memórias ruins que cultivava a seu respeito — ou a respeito de qualquer outra situação.
Nitro riu pelo nariz. Jungkook voltou-se para ele, percebendo seu flagrante.
— Não é o que você tá pensando…
— Ah, não é? — o homem ergueu uma sobrancelha, junto com o pincelar de um sorriso falso — Puxa, então devia avisar isso pra você mesmo, Jeon. É a primeira vez que traz uma garota aqui, o que eu devo pensar disso?
Shiu! — Jungkook chiou, olhando para trás automaticamente — Ela não precisa saber desse detalhe, ia tornar as coisas estranhas.
— Mais estranho do que você se relacionar com uma garota bacana? É, faz sentido, a última foi prova o suficiente que você curte coisas mais intensas.
O garoto revirou os olhos, bufando logo em seguida.
— Não é assim. As coisas não são assim, não entre nós. Você não entende… Ela gosta de câmeras, e trouxe ela ao lugar que é perfeito pra isso. Só isso.
— E sobre tudo aquilo que eu passei a tarde arrumando no terraço? Aquilo também não significa nada?
A resposta não veio imediatamente. Na verdade, Jungkook nunca tinha sido muito bom em contornar ultimatos, mas sempre tinha uma resposta na ponta da língua para, ao menos, adiar o assunto.
— Não… — e sua resposta foi perdida, atrapalhada, sem qualquer firmeza que normalmente tinha ao falar. Desistindo, ele suspirou pesadamente, bagunçando uma parte do cabelo — É complicado, não posso te explicar agora. Quem sabe outro dia em que eu não esteja fazendo nada.
O escárnio maculou sua última frase, tornando-a grosseira para quem ouvisse de fora, mas aquele era Nitro. Pouquíssimas coisas sobre Jungkook enganavam aquele homem.
— Tudo bem, moleque, você sabe o que faz — uma de suas mãos pesadas foram de encontro a um ombro de Jungkook em tapinhas leves. Com a aproximação, ele soprou perto do garoto: — Mas já beijou ela?
— Não — o outro respondeu rapidamente. E verdadeiramente.
— Ah, bem. Então eu não perderia tempo, se fosse você. Parecia que você queria muito fazer isso antes de eu chegar.
Jungkook nem teve tempo de se irritar com o sarcasmo de Nitro e aquele sorriso perverso de quem diz coisas sobre você que você sabe, mas não quer saber. Não. O cantor se ocupou apenas em fechar a cara, desviar os olhos e detestar a queimação nas bochechas e na boca do estômago ao se recordar de seus lábios quase tocando os dela por duas vezes seguidas, e sem nenhuma tentativa de fuga da parte dele.
— Tudo bem, eu vou nessa. Um cara de 38 anos precisa urgentemente descansar o corpo. Apaga tudo antes de sair, ok? A casa é sua — Nitro o abraçou novamente, mais rápido desta vez, recebendo um sorriso em linha fina do mais novo. Estava tudo bem. Jungkook era assim: demorava a admitir coisas. Principalmente quando não queria. Teimoso como uma mula. Era uma personalidade que Na Tae Young já havia vivido, e por isso entendia a importância da paciência nesse processo.
Aquele garoto estava apenas correndo infinitamente em uma roda de hamster, tentando escapar de uma gaiola que nem queria sair de verdade.
— Foi um prazer, — falou para o outro lado da sala, onde segurava suas duas grandes dúvidas nas mãos: Fuji ou Kodak — Espero encontrá-la mais vezes!
— Igualmente, Nitro — ela se despediu com um mísero declínio da nuca, mesmo que o homem não parecesse ser do estilo tradicional coreano — Muito obrigada. Por tudo isso.
Ela se referiu à sala, ou aos discos, ou ao Covil inteiro. Nitro não soube interpretar muito bem. Só sabia que tinha gostado muito, muito dessa garota.
Bem, ele tinha sido a única pessoa que não tinha curtido Ali Dalphin quando a conheceu pela primeira vez, mesmo que tivesse sido tratado com uma impecável educação. Jungkook não deu bola para isso na época — já estava apaixonado. E o motivo de seu grande amigo não ter gostado de sua namorada pode muito bem ter sido porque ela não se sentia confortável em entrar em um lugar chamado Covil.
também pareceu muito inclinada a fazer o mesmo lá em cima. Mas, no fim, mesmo que tivesse medo, seguiu adiante. E talvez essa era a diferença entre as duas.
parecia ser o tipo de pessoa que estava pronta para correr riscos.
Jungkook visualizou tudo isso apenas com o último olhar que Nitro lhe lançou antes de ir embora.
Pare de viajar, pensou ele consigo mesmo, como se pudesse jogar a mensagem para Nitro. Quem te garante que seja legal? Que seja uma pessoa melhor? Que seja diferente das outras? Que não me deixaria fodido assim como…
Ele mordeu os lábios, engolindo em seco.
— Já pegou tudo? — A voz de Jungkook hesitou, só um pouco.
sorriu quando concordou com a cabeça.
— Parece que sim. Olha isso — puxou uma das câmeras na altura do peito; branca com detalhes em vermelho — Minolta 70mm. Um clássico. Tarantino gosta muito dessa resolução. Incrível, não é? — o cintilar de seus olhos parecia um pedido de “me belisque, JK. Isso é insano demais e tenho medo de coisas tão irreais.” — Não sei nem onde vou guardá-la quando chegar, mas não ligo de passar horas procurando um lugar.
Fofa. Foi o primeiro lampejo de pensamento de Jungkook quando a viu equilibrar seus presentes nos braços, abraçando-os com firmeza e delicadeza ao mesmo tempo, sem tirar aquele maldito sorriso do rosto. Ela não pararia de sorrir nunca, caramba? Isso já estava abalando o rapaz, abalando seu coração.
— Tudo bem, podemos deixá-las no hall. A gente pega quando sair — ele comunicou ao ajudá-la com a caixa maior da filmadora. abriu bem os olhos em sua direção.
— Como assim? Não estamos indo embora?
Ele balançou a cabeça em negação, encarnando libertinagem no sorriso.
— Ainda não. Vamos fazer mais uma parada antes.
— Pra onde nós vamos?
Jungkook puxou a chave dos bolsos e deu de ombros.
— Vamos jantar.


[ 16 ] – The first and final chance

🎵 Ouça aqui:
Dangerous Animals - Arctic Monkeys

"Ela faz minha cabeça girar
Mais do que eu estaria disposto a confessar."

Depois de três lances de escadas e duas portas de ferro, começou a pensar que a hora de Jungkook zombar dela tinha, finalmente, chegado.
Era uma desconfiança válida depois de todas as atitudes zelosas que teve durante o encontro. Conhecendo Jeon Jungkook da forma que conhecia, aquele cara nunca foi legal com ela por muito tempo. Mesmo que não aparentasse querer sair do personagem de pretendente perfeito para um primeiro encontro tão cedo.
Que não seja um restaurante chique. Tudo menos isso.
No momento em que sentiu o vento fresco no rosto quando a segunda porta foi aberta, ela soube que se surpreenderia pela trigésima vez naquela noite.
— E aqui — começou ele — é o nosso destino final.
De cara, viu apenas a escuridão do espaço em volta de si, iluminado apenas pelo tapete de estrelas no céu e pelas luzes distantes da cidade. Sentiu de novo aquele cheiro de móvel guardado, de relíquias intocadas, mas agora, outros aromas se faziam presentes no ar: doce, cítrico, salgado e doce de novo.
Seu estômago se embrulhou assustadoramente com a constatação do quanto estava faminta e o desejo por uma visão da onde vinha todos os odores.
— Onde estamos? — perguntou. Era difícil enxergar alguma coisa. Ela viu um canteiro de flores, um parapeito com objetos desconhecidos, uma poltrona e silhuetas de pilastras extraordinariamente altas espalhadas pelo lugar.
Jungkook sorriu no meio da caligem.
— No meu convento.
E então, o rapaz arrastou os pés até uma das colunas erguidas e levantou um dos braços, fazendo jorrar uma luz torrencial por todo o espaço.
As colunas se tratavam de pilares de madeira que, uma a uma, sustentavam alguns varais de luzes grandes, clareando parcialmente os metros quadrados de luz amarelada. Os contornos desconhecidos dos objetos no parapeito eram vasos diversificados com etiquetamento na frente, identificados como “cebolinha”, “tomate”, “orégano” e outros temperos. O chão era liso e de concreto, como se tivesse sido reformado a pouco tempo. Um aquário médio descansava embaixo de um pequeno toldo de lona no canto. Uma gaiola estava pendurada logo ao lado, perto dos vasos de plantas, onde um pássaro muito bonito grasnou duas vezes quando viu Jungkook se aproximar.
— Nossa, como você cresceu — ele colocou um dos dedos indicadores para dentro, sem se importar com as bicadas que recebeu em retorno — Vou dizer ao Nitro que já tá na hora de você ter uma casa nova. Com alguns brinquedos novos também. Ou uma família, sabe. Gente boa não merece ficar sozinha assim.
deu alguns passos à frente. O mais surpreendente não era o visual. Não era a organização metódica do local. Não era o fato de estar quase no topo de Seul. Não era pelas luzes surpreendentes ou o cuidado com as flores. Não era pelo peixe de quase 20cm no aquário. Não. A maior surpresa de todas estava ali, no meio daquele cenário, em cima da mesa de madeira.
Ela estava repousada bem no centro da área, embaixo das estrelas, repleta de tantas iguarias que não conseguiu identificá-las por completo. Mas o cheiro era evidente: açafrão, coentro, queijo derretido, iogurte, manteiga, maracujá…
A memória olfativa de deu um boom insano, transportando-a para o outro lado do mundo, para um país tropical com muito verde e água salgada, inúmeros problemas sociais, suor e alegria.
— Meu deus — foi a única coisa que foi capaz de dizer quando viu todos os pratos na superfície. Sentia-se até mesmo um pouco enjoada e envergonhada. Frutas aqui eram tão caras!
— Aquele sacana fez até demais — disse Jungkook quando saiu de perto da gaiola. Ele rodeou a mesa de pé, repuxando os lábios enquanto averiguava tudo — Velas são demais. Eu não pedi velas.
não conseguiu olhar para Jungkook. Para ela, as velas eram o de menos comparadas a toda explosão de cores espalhadas pela mesa.
— E então? — A voz do rapaz a chamou de volta para o presente. Ele estava tirando uma das botas quando perguntou: — Não vai sentar?
Não havia cadeiras, mas sim um espaço bem delimitado e confortável ao redor do tampo, que era declinado o suficiente para que se sentassem no chão.
Comida típica brasileira consumida no estilo oriental. Ele não podia ter sido mais engenhoso.
Quando se sentou, ela disse, ainda com os olhos vidrados:
— Isso é tão legal — e soltou um suspiro longo, procurando observar cada coisa debaixo de seu nariz — Espera, aquilo ali é coxinha?
— É… E tem farofa, moqueca, cuscuz, brigadeiro, e… — ele parou quando puxou os lábios para dentro para engolir a risada. Jungkook revirou os olhos — Tá bom, não sei falar esses nomes, mas você entendeu. Tem até mesmo kimchi com queijo, milho e mais algumas coisas que vocês usam pra estragar uma receita — apontou para a pequena tigela deixada no meio de tantas outras.
— Estragar não. Melhorar — corrigiu com um sorriso, e olhou para a mesa de novo — Isso é demais, Jungkook. Como se lembrou disso?
— Do quê? Daquela conversa no carro onde você diz que os brasileiros fazem tudo do jeito deles? Por que eu não lembraria? Foi uma informação interessante — ele retrucou com um dar de ombros descontraído. Tinha sido a primeira coisa que pensou quando decidiu que levaria em um jantar. Todo mundo sentia falta da terra natal, até mesmo forasteiros há tanto tempo quanto ela — Agora come, você deve estar com fome.
Como não havia mais nada a dizer, puxou um prato para perto e assumiu a tarefa de servir um pouco de cada coisa. Em seguida, passou o mesmo para Jungkook.
Quando terminou de montar o dela, viu que o rapaz continuava parado encarando a comida, como se estivesse se perguntando como aquelas misturas podiam ser reais.
— O que foi? Tá com medo de não gostar?
Ele fez uma careta.
— Não tenho medo de comida, . Também comemos arroz todo dia, sabia?
— Ah-ah. Vocês não comem esse arroz — puxando um dos talheres, ela deslizou o alumínio em cima dos grãos, que se moviam facilmente, muito diferente do arroz coreano — Seu hashi não vai funcionar dessa vez.
Ele revirou os olhos mais uma vez, agora rindo pelo nariz.
— Você sabe que eu já fui no Brasil, não sabe?
— E como não sabia o que era coxinha? — levantou uma sobrancelha. Jungkook abriu a boca para responder, mas não disse nada. Não tinha o que dizer. Já era um fato que ele raramente comia da comida local em outros países se tivesse um restaurante coreano por perto, e não era algo que mudaria de um dia para o outro, nem no futuro. Jeon Jungkook gostava, acima de tudo, de se sentir em casa, independente das milhas que o separavam dela.
— Eu estava ocupado. Mas vou saber agora — ele inclinou o corpo para a frente, puxando uma das coxinhas pequenas organizadas também em um recipiente branco. Quando ele deu uma mordida, as sobrancelhas se levantaram ao mesmo tempo, e não demorou para que ele desse a outra e terminasse tudo — Uau. Nossa, é bom. Gorduroso, talvez, mas é bom.
Um grande sorriso torto se abriu nos lábios de . Ela riu e balançou a cabeça, um tanto desacreditada. Em qual futuro alternativo imaginaria estar compartilhando coxinha e brigadeiro com Jeon Jungkook? Em nenhum. Zero. Na verdade, as chances eram menos que zero. Parecia um sonho acordado, ou um episódio de alguma série de multiverso.
Ela não conseguia se imaginar curtindo momentos normais e agradáveis com Jungkook, entre todas as pessoas, mas, naquela visão onde ele pegava mais uma coxinha e balbuciava seu novo feedback, desejou que isso se repetisse mais vezes.
— É maravilhoso, pode dizer. Todas as calorias valem a pena — com uma piscadinha, ela voltou a se concentrar na própria refeição, fechando os olhos quando misturou a moqueca com o arroz na boca. Não era nem de perto tão boa quanto as feitas no Brasil, mas já servia como um desbloqueador de emoções.
Sentir saudades de casa pareceu não somente possível, mas indiscutível. Independente de todos os problemas que a fizeram ir embora.
Os dois comeram em silêncio, alternado o tempo todo com comentários de sobre o cardápio, curiosidades sobre ele, e uma pequena discussão sobre como kimchi ficava muito melhor com queijo e milho — e como isso também soava um pouco como heresia. o fez pegar o isqueiro do bolso para acender as velas porque “elas não estavam aqui para serem desperdiçadas”, mas o vento tinha apagado metade delas em menos de 30 minutos. Ela riu com o barulho do pássaro na gaiola e perguntou se existia música nessa parte do prédio também. Jungkook levantou e andou para dentro do edifício de novo, voltando com um aparelho de som pequeno e uma caixa de cerveja.
— Não existe lugar sem música por aqui — e conectou o telefone no dispositivo, deixando que Daniel Caesar conduzisse a noite outra vez.
Quando voltou a se sentar, passou uma das bebidas para ela sobre a mesa, abrindo a sua logo em seguida. terminou de mastigar o doce grudento e certamente comprado pronto da mesa, mas não se sentia no direito de reclamar. Com um sorriso, ergueu a garrafa para a frente e disse:
— Quero que você saiba que a zona dos babacas perdeu um dos maiores membros hoje. Parabéns, JK, você se superou.
Ele revirou os olhos.
— Acho que você não devia comemorar antes do tempo. Eu falei que ia ser só uma vez — mesmo assim, também inclinou sua garrafa até que brindasse com ela.
— Tá tudo bem. Só de saber que é possível que você não seja insuportável, vou ficar menos furiosa quando realmente for a partir de agora.
— Eu nunca faria nada que não te deixasse furiosa.
— Eu sei.
Os dois sorriram. entornou grande parte da cerveja como normalmente fazia quando estava plenamente relaxada. Ou feliz. As duas coisas pareciam bem reais agora.
Ela estendeu a mão para pegar mais um brigadeiro borrachudo, puxando uma das pequenas torradas junto e mordendo os dois de uma vez. Jungkook franziu a testa.
— Você gosta de misturar doces e salgados?
— Você não gosta? — Ela levou as mãos à frente da boca, ainda mastigando.
— Eu nunca faria isso comigo mesmo.
riu pelo nariz. Bebeu mais um pouco da cerveja para terminar de engolir, e apertou os dedos na garrafa quando constatou que os gostos misturados não deram tão certo assim.
— Não é exatamente doce e salgado. É que quando vejo chocolate e biscoitos no mesmo lugar, eu lembro imediatamente de pavê e quase tremo de saudades. É uma sobremesa onde colocamos camadas de biscoitos, chocolate e um creme branco por cima. Não sei dos detalhes, pra ser sincera. É uma receita bem famosa que servem nas ceias de natal — ela bebeu mais um gole, pegando agora um dos biscoitos sozinho — Rola uma piadinha clichê sobre ela, que você não vai entender na sua língua, mas garanto que é tão ridícula que fica engraçada. Meu pai repetia ela todo ano, junto daquela roupa vermelha que usava pra se fingir de papai noel e assustar as crianças da vizinhança. Quer dizer, olha que bizarro: os pirralhos são criados pra amarem o papai noel, mas meu pai fazia isso ser totalmente impossível. Era aquela barba grande de plástico, ou a heterocromia do olho dele, ou aquele tecido horrendo feito de uma cortina velha, mas várias famílias já foram bater na nossa porta por causa disso. Diziam que o senhor estava destruindo a infância das crianças, enquanto meu pai dizia que só estava os ajudando a economizar dinheiro — uma risada espontânea partiu de sua garganta, animada e contagiante.
Jungkook não sabe se riu pela história ou por vê-la sorrir.
— Seu pai era um economizador compulsivo? Caramba, não sei mesmo a quem você deve ter puxado.
— Acho que não foi só nisso que puxei ele — piscou para Jungkook, passando um dedo embaixo dos olhos — A melhor parte do natal não era o pavê, a fantasia e as crianças chorando na rua, os presentes embaixo da árvore… Nada disso. A minha parte favorita do natal eram as fotos — ela colocou um cotovelo sobre a mesa, apoiando sua cabeça nas mãos ao mesmo tempo em que olhava para ele — Meu pai pegava a câmera dele, uma AMY bem antiga, fabricada no Brasil mesmo, com o cartucho falsificado e pouco filme 120 e capturava toda a família em posições diferentes. Ele nunca gostava de tirar aquelas fotos ensaiadas, com todos reunidos na sala com sorrisos forçados. Não. O negócio dele era pegar as crianças brincando com os presentes, as mulheres cozinhando o jantar, os homens fumando e jogando lá fora, a árvore antes de montar… Momentos que ninguém percebe, mas que são muito mais honestos do que toda a pose que uma foto artificial pode tentar dizer.
O sorriso agora saiu lento e fraco, sem mostrar os dentes. suspirou quando tomou mais um gole da bebida. A saudade que sentiu ao falar do assunto fazia seu estômago revirar. Poucas lembranças eram fáceis de serem deixadas de lado. A maioria delas iam diminuindo cada vez mais com o tempo, permanecendo sem serem tocadas ou mexidas. Coisas não tocadas tendiam a, um dia, desaparecer. Ou era o que tentava desesperadamente acreditar.
Levou apenas um instante para Jungkook notar a mudança de semblante na garota, um que era difícil de ler. Era tristeza ou saudade? Arrependimento ou frustração?
Ele só sabia que tinha ficado inteiramente curioso a seu respeito.
— Foi aí que quis começar a querer tirar fotos?
Ela mordeu levemente o lábio inferior antes de responder.
— Acho que sim. Não consigo me lembrar de em algum momento desejar uma profissão normal, estável e relativamente fácil. Só sabia que amava aquela coisa velha do meu pai, mesmo que tenha trabalhado em muitas coisas antes de tomar coragem pra viver disso.
— Você foi muito bem influenciada, então — Jungkook bebeu mais uma vez, acompanhando o sorriso dela aumentar um pouco mais.
— É. Ele era um apoio antes mesmo de eu descobrir do que gostava. Ele vivia com aquela câmera na mão. Registrou todos os momentos importantes que viveu. Meu nascimento, meus saltos de crescimento, meu primeiro machucado, o primeiro dente, a barriga da minha mãe, seu casamento, o primeiro emprego… Ele dizia que gostava do poder dessa tecnologia. O poder de congelar o tempo. Congelar as memórias. Algo que engana nosso cérebro. Se ele estivesse triste, era só olhar pra um momento feliz congelado que tudo ficava bem. Porque ele avisava ao cérebro que os períodos ruins não eram pra sempre.
— Parecia ser um cara muito sábio — comentou Jungkook, mas queria dizer mais do que isso. Parecia um cara incrível, . Adoraria conhecê-lo se ainda estivesse aqui. Apesar de que, conhecendo você, eu já tenha uma boa ideia de como ele seria.
— Ele era. Via a vida como muita gente não vê. Como um mundo vasto de oportunidades, de entradas e saídas, tinha um pensamento abundante e otimista. Nunca conheci ninguém como ele — com um muxoxo, ela baixou os olhos, assim como a voz — Nunca me tornei como ele também.
Eu discordo, Jungkook protestou internamente. Se alguém o perguntasse o que ele via em , era exatamente aquilo: abundante. Sensata. Determinada. Um ímã de possibilidades. Uma caixa de Pandora. Alguém com camadas que ninguém nunca foi capaz de atravessar.
— Mas e você — começou ela, endireitando os ombros e puxando sua cerveja — Sempre soube que seria idol?
Os ombros dele se levantaram, indiferentes.
— Eu sempre quis ser artista. Sabe, pintar, cantar, dançar… Essas coisas. Eu era muito ruim na escola, talvez isso tenha influenciado um pouco.
— Talvez seja por isso que você é tão bom em todas as outras coisas, precisava dar algum orgulho pra sua mãe — levantou uma sobrancelha com a ironia, terminando sua bebida e puxando outra da caixa.
— Foi um orgulho a longo prazo, mas é, não posso discordar — deu de ombros, rindo — E como é a sua mãe?
A pergunta não tinha nada demais. Saiu naturalmente como se estivesse lhe perguntando as horas. Mas não conseguiu controlar os músculos faciais se retesando, dispersando seu sorriso em um estalo.
Não deu tempo de Jungkook perceber. Ela já estava abaixando a cabeça, sorvendo o álcool para disfarçar a carranca.
— Minha mãe é… — parou para limpar a garganta. Era difícil encontrar as palavras certas a dizer. Tentou pensar em algo para dispersar o assunto, mas parecia um pouco injusto. Tinha sabido coisas demais sobre ele esta noite, não tinha problema contar algo… Minimamente pessoal de volta — Uma mulher determinada. Acho que posso descrevê-la assim.
Ele a observava descaradamente. Parecia esperar uma descrição mais sucinta daquilo, algo mais longo e parecido com a história de seu pai, mas não recebeu. engoliu em seco, ciente dos olhos de Jungkook sobre ela, com medo de que ele perguntasse se havia algo errado.
Então, continuou:
— Ela sofreu muito com a morte do papai. Talvez mais do que todo mundo. E acho que ela não é alguém que sabe pedir ajuda… E… — e não havia mais nada a ser dito. Ela não sabia mais o que dizer. Ainda que tivesse convivido com sua mãe até os 17 anos de idade, não fazia ideia de quem era aquela mulher — E a sua mãe? Ela curte poder dizer que o filho dela é uma mega celebridade?
— Isso é um exagero — ele riu engasgado, porque sabia que não era tão exagero assim. Por fim, deu de ombros, indiferente novamente — Acho que ela é uma pessoa normal. Enxerida, preocupada ao extremo, carinhosa, animada… Escolhe os meus produtos de limpeza — os dois riram ao mesmo tempo — Mas… Normal, eu acho. Uma boa mãe.
— Uma boa mãe — repetiu com melancolia. Alguns metros adiante, Hold Me Down soou mais alto pelo silêncio pesado. Lembranças abriam uma cavidade na mente da garota, deixando-a sem respostas melhores pra dar.
Como é ter uma boa mãe, Jungkook? Como é poder fazer uma mísera mesura para a pessoa que te deu a luz? Será que você me acharia um monstro se soubesse que não posso dizer a mesma coisa sobre a minha?
E assim, bebia ainda mais.
O garoto permaneceu parado, imóvel como uma estátua de igreja, olhando para ela em busca de mais. Tinha tantas perguntas sobre que parecia impossível que já a conhecesse há vários meses. Como tinha sido a escola? Quando foi seu primeiro beijo? Como ela e a mãe se viraram sozinhas? Em que cidade morava no Brasil? Posso já ter estado lá, quem sabe, só por curiosidade. Com quantos ela foi embora?
E pretendia voltar?
Algo o dizia que não. não aparentava nenhuma intenção de dar passos para trás.
Com as mãos unidas à frente, ele pegou sua bebida do chão e a acompanhou em um grande gole. Havia algo ancestral a respeito dos dois naquele instante, com o céu estrelado arqueado sobre suas cabeças e as luzes pálidas nas sombras. Estavam sendo eles mesmos, em totalidade, mas havia algo a mais também — aquilo que sentiu pela primeira vez com Candice, aquele sentido de alteridade, de algo mais, que parecia irradiar daquele retrato imóvel de Jungkook preservado naquela posição tranquila. O sentimento indescritível de paz novamente, acompanhado agora da contemplação de algo muito mais vasto do que aquelas estrelas: o silêncio.
Poderia passar horas assim. Até dias, se ele deixasse.
E talvez, apenas talvez, aquele lugar também estava se tornando o favorito de .
Depois de um tempo consideravelmente desconhecido, ela balbuciou, sem virar o rosto para o lado:
— Você sente falta da sua antiga vida? Da sua casa?
Jungkook a olhou de soslaio, e soltou um ínfimo suspiro.
— Às vezes. Senti mais quando tudo isso começou. Hoje não costumo pensar sobre isso. O agora ficou mais interessante.
riu pelo nariz. Não dava pra discordar. Seu agora estava melhor do que jamais havia sido. Suas perspectivas e sonhos nunca estiveram tão perto, a excitação pelo novo era totalmente renovadora e os prós eram muito maiores do que os contras. Pela primeira vez, se sentia um pouco mais completa do que sempre tinha se sentido — alguém estagnada no meio do caminho, retornando mais do que avançando, ouvindo mais do que falando, evitando mais do que agindo. A vida lhe tinha concedido uma intensa virada de chave nos últimos meses mais do que os últimos 20 anos.
Ainda assim, existiam ciclos em aberto. Etapas não encerradas, assuntos mal resolvidos e muitas, muitas palavras não ditas.
Essas pontas soltas faziam-na ter medo de ficar feliz demais. Como se o bicho-papão escondido no armário fosse sair a qualquer momento e puxá-la de volta para a realidade.
— Acharia errado se não sentisse falta de casa? — sibilou ela, estremecendo um pouco com a última palavra. Casa era uma palavra forte, gigantesca. O bicho-papão do armário.
Jungkook olhou para ela. sabia qual era a expressão dele: confusão. Denotava o quão vaga era aquela pergunta.
Ela sentiu vergonha, mas permaneceu em silêncio. Bebeu mais um gole, agora girando o rosto em perfil cautelosamente, temendo o olhar julgador que ele poderia lançar. Mas o que quer que Jungkook tenha visto no rosto de , permaneceu com a fisionomia serena e despreocupada.
— Tudo depende de onde é a nossa casa, — respondeu, por fim — É uma coisa que minha avó costumava dizer: casa são as pessoas. É um lugar que comporta a gente e todo mundo que a gente gosta e vice-versa. Não importa se for família ou não. É uma escolha — com um suspiro, ele abriu um singelo sorriso de canto — Quem tem que decidir isso é você. Já sabe onde fica a sua casa?
esperou quase dois minutos para sorrir, sem motivo aparente. Talvez fosse porque era engraçado ouvi-lo falar sério. Talvez fosse porque o que disse fazia sentido. Mas, acima disso, foi porque ela tinha entendido. E teve certeza de que Jungkook estava vendo isso também.
Era como se um daqueles blocos vazios de ciclos inertes começasse, finalmente, a ser concluído. Findado. Resolvido.
Seus olhos se deslocaram para o céu de novo, bebendo mais um pouco, não suportando o pequeno entusiasmo pela ideia do que ele dizia. Abrindo os olhos para a atualidade, sua casa estava muito bem delimitada. Consistia em qualquer metro quadrado onde houvesse suas câmeras e uma canadense loira e rica que falava pelos cotovelos. Tinha sido assim pelos últimos 4 anos, onde se viu nos melhores e piores cenários da vida, mas sempre, sempre, onde existissem essas duas coisas juntas, a garota sabia que tinha uma casa para voltar.
— E como descobriu que sua casa era aqui? — perguntou.
Ele inclinou a cabeça para o lado. Foi um gesto lento, como se estivesse sonhando.
— Quando eu vi que eu não estava sozinho — disse ele. — Quando senti que aqui também existiam pessoas que eu podia contar, ou correr quando tivesse problemas, celebrar minhas conquistas… É uma coisa sem aviso. Aqui foi onde eu comecei a conquistar tudo que eu queria, fazer minha própria vida, e é pra cá que eu quero voltar pra me lembrar do porquê comecei a fazer o que eu faço. Como se Seul, antes, tivesse sido só uma fantasia, e eu transformasse tudo isso em realidade. — Ele levou dois segundos para explorar a imensidão cunhada de pontos luminosos à frente e, por fim, concluiu: — Eu amo essa cidade.
seguiu seu olhar, encarando o infinito adentro da capital.
— Como você descobre que ama alguma coisa? — questionou, observando as luzes distantes da ponte do rio Han mudarem de cor.
Jungkook tornou a olhar para ela.
— Que pergunta é essa?
deu de ombros.
— O jeito como você descobriu que ama Seul. Ou amava cantar. Ou amava a Ali…
Dizer com tanta naturalidade não permitiu que pensasse sobre sua própria pergunta. Provavelmente, o álcool estava começando a fazer efeito e espelhando as primeiras atitudes alucinatórias que não faria normalmente, como falar de Ali Dalphin para Jeon Jungkook.
No entanto, ele não pareceu nem um pouco afetado. E sequer percebeu isso.
— Sabe, essas coisas não vem com uma placa e uma buzina pra te avisar. Quando você descobre que ama alguma coisa, já está amando há muito tempo. É tipo uma doença, quando se depara com os sintomas, já é tarde demais — ele a fitou com uma expressão tranquila. Pelo seu relógio de pulso, as horas corriam de forma inusitada, vazias, sem serem notadas — Soube que amava Seul porque ela realizou os meus sonhos. Cantar me fazia bem, relaxado e alheio a tudo em que eu não me encaixava — umedecendo os lábios, concluiu: — E soube que amava Ali porque não conseguia me ver sem ela.
podia ter levado pelo menos sete minutos mirando-o naquela configuração. Uma das coisas mais loucas que emanava daquele cara naquele momento era sua total sinceridade. Sua capacidade de ser tão verdadeiro e profundo sobre seus sentimentos causava um choque em tudo que pensava saber sobre ele.
Isso a deixaria furiosa há alguns meses. Gostava de pensar que Jungkook não passava de um artista fútil que berrava como uma criança quando não tinha o que queria, mas ele sempre dava um jeito de refutar esse tipo de ideia agindo com maturidade em tantas outras situações.
Quando lhe disse sobre amar Ali, o brilho divertido nos olhos se apagou por um instante. E toda a verdade sobre aquela frase a concedeu uma reflexão imediata:
“Eu não me vejo sem as minhas câmeras, isso é amor?”
— Ali era sua casa? — puxou os joelhos pra cima, virando-se para olhá-lo de frente.
— Não — ele respondeu sem pestanejar. — Ali era como… A peça principal da minha casa. Uma casa que já existia, mas que eu insistia que só ficaria perfeita com ela. Acho que fiquei desesperado, afobado por um tempo, pedindo demais, tudo pra conseguir trazê-la pra mais perto. Pra dentro. Como se isso fosse me deixar finalmente completo. E eu nem sabia porque não me sentia completo — uma risada seca saiu e sumiu quase imediatamente — É muito louco pensar isso hoje. Toda vez que ela ia, era como se levasse uma parte de mim embora. Mesmo que eu já tivesse tudo: a grana que eu queria, o sucesso, o carro, o patrimônio, os amigos, a música… Tudo era tão insignificante, e ao mesmo tempo tão importante quando ela não estava. Porque ter essas coisas não a fariam voltar, mas eu sentia que se deixasse de tê-las, também não teria mais Ali Dalphin.
— Claro que não, Jungkook — franziu o cenho automaticamente — Ali não estava com você por causa do que você tinha.
— Eu sei, . Sei exatamente disso. Mas sei lá, eu… Talvez não me achasse o suficiente pra fazê-la ficar por conta própria. Não sei explicar — os olhos dele afundaram no concreto da cobertura. Nunca tinha falado aquilo pra ninguém. Nem mesmo para a mulher do consultório na rua Namdaemun que cobrava uma fortuna por 1 hora de sessão, a qual ele não ficava nem 40 minutos — Eu só não queria mais ser Jeon Jungkook de Busan porque Jeon Jungkook de Busan jamais teria qualquer chance com Ali Dalphin. Mas Jungkook do BTS tinha bastante. E, desde então, tenho sido esse cara.
Ela ficou em silêncio.
O maxilar dele estava enrijecido, assim como o resto do corpo, demonstrado pelas veias saltando nas mãos fora do casaco. quis pegá-las de novo e dizer que entendia. Que, agora, as coisas pareciam um pouco mais claras do que sempre tinham sido.
Aquele Jungkook, international playboy, Golden Maknae, main vocal, o nome mais procurado do Google, o recorde de menções em redes sociais e todos os títulos que abriam discussões variadas na mídia, pertencia a Ali Dalphin. O cara arrogante, talentoso, legal (mas nem tanto), esbanjador e que ficava com raiva quando tiravam algo dele — principalmente, algo que estava tão aflito para manter.
Mas existia o outro cara. Animado, gentil, sensível, educado, simplista, atencioso, perseverante, corajoso e agradável. O que tinha suas semelhanças com o artista sob os holofotes, mas também suas grandes diferenças. A personalidade que era reduzida para caber em outra pessoa.
Ali nunca tinha se relacionado com Jeon Jungkook. E a culpa disso era dos dois.
— Esse cara é um pouco desagradável às vezes — disse ela, bem-humorada — Prefiro o Jeon Jungkook de Busan.
— Vai sonhando — apesar do tom de descaso, Jungkook sentiu o peito quente — Mas sem levar minha vida em conta, por que perguntou isso? Descobriu que ama alguma coisa recentemente?
— Acho que sim. Ou talvez não — ela deu de ombros — Não sei se é alguma coisa que eu já estava amando ou passei a amar a partir de agora. Então sim, talvez eu descubra isso daqui pra frente.
— É claro. Você parece disposta a amar bastante coisa.
percebeu um raso desprezo no jeito como ele disse.
— Eu não fujo do amor, Jungkook. Na verdade, gosto da ideia — e levantou as sobrancelhas, bebendo mais um gole da cerveja quente — Você é que é medroso.
Com uma careta, ele também se serviu da bebida, impossibilitando-se de responder instantaneamente de propósito.
Enfim, o rapaz deu um longo suspiro e argumentou:
— Quero me manter vivo.
— O amor não mata, Jungkook.
— Mas enlouquece. E de loucura pra morte, basta apenas um gole.
— Posso dizer a mesma coisa da falta dele.
A garrafa parou no ar antes de atingir os lábios dele de novo. Jungkook vasculhou o rosto de em busca de alguma coisa para refutá-la, mas não achou. A situação deveria ter criado um silêncio constrangedor, mas, em vez disso, foi mais fácil simplesmente arquear as sobrancelhas de um jeito pretensioso e entornar o líquido goela abaixo.
— Então você ama o Jaehyun? — A indagação veio do nada. sorriu apática.
— Quem sabe. Talvez seja uma das coisas que vou descobrir — abraçando os joelhos, ela se voltou para ele — E você ama a Ali?
— Francamente, não sei — falou, sem rodeios. Era a resposta mais neutra que conseguia oferecer — Não acho que tenha sobrado muita coisa depois de tudo.
— O que faria se ela voltasse?
— Que pergunta é essa? — ele grunhiu. É impossível, quis responder. Mas, pensando bem, não era tanto assim.
— É só uma dúvida — disse .
A música de fundo agora estava quase no fim. Era uma que ele não conhecia, derivada de sugestões da playlist, dizendo coisas como “my breaking heart and I agree that you and I could never be, so with my best, my very best, I set you free”. Ele prestou atenção nela, mas também pensou no que diria. E, no momento em que o som deixou o terraço em silêncio suficiente para que ele pudesse falar, Jungkook se viu estarrecido com o que estava prestes a dizer.
— Eu… Não faço ideia — respondeu, devagar — Não faço a menor ideia do que faria se a visse de novo.
E sempre pensou que soubesse.
também pensou que ele sabia.
— Posso fazer mais uma pergunta? — Ela se viu pedindo mais uma vez. Jungkook apenas murmurou uma permissão — Você ainda me odeia?
Desta vez, ele paralisou de novo, olhando-a com a testa enrugada e a fisionomia túrbida.
— Por que isso te importa? — Foi uma pergunta sincera.
— Porque vi o jeito como você estava naquele camarim. Isso me assombrou por um tempo, acredite se quiser. Fiquei mal por alguém que nem conhecia. E ainda preciso me sentir melhor sobre isso. Sobre ter contribuído pra que tudo explodisse.
Surpreendentemente, Jungkook riu. Uma risada alta e curta, exalando escárnio e menosprezo.
— Então você acha que tudo ficou uma merda só por causa do seu clique amador?
endireitou as costas.
— Não foi isso?
Ele balançou a cabeça, sorrindo agora de um jeito depreciativo, tosco, como se se forçasse a contar algo desagradável.
— Sim, você realmente fez tudo explodir. Acendeu um fósforo inesperado na situação. Mas nós dois já estávamos lotados de gasolina, — suspirou, dispersando o sorriso aos poucos — Acho que o que aconteceu foi só um catalisador pra um fim inevitável.
O tempo parecia ter parado. Na cabeça de , os últimos 5 meses foram rebobinados até lá, em New York, na maldita noite onde todas as coisas começaram a dar errado. Começando por virar a mídia de cabeça pra baixo. Ter entrado em pé de guerra com Jungkook. Iniciado uma aventura depravada com esse mesmo cara, que a odiava com motivo e com total convicção de seus atos. A total certeza de que era impossível que ele mudasse de ideia sobre ela. E o momento de agora, onde ele tratava o assunto como: é, bem, foi isso. Fazer o quê.
— Do que você está falando? — Foi mais uma resposta do que uma pergunta. Jungkook umedeceu os lábios, atravessando o olhar por toda a extensão da cidade novamente.
— A verdade que eu não admiti por um tempão: eu não faço a mínima ideia do que seria de mim e Ali se aquela foto não tivesse acontecido — sua voz se transformou em um grave rouco, prensado, como se finalmente estivesse forçando verdades sombrias a se escancararem — Quer dizer, as coisas estavam conturbadas a algumas semanas, quando falei pra gente abrir o jogo. Desde então, ela apresentava argumentos contra e eu não conseguia compreender. Entendia os riscos, as consequências, a exposição, a bagunça que ia ser, mas mesmo assim… Estávamos juntos há 3 anos. Apaixonados, cheios de planos e certezas. Não tinha porquê não. Eu estava disposto a enfrentar tudo isso.
Mais uma lembrança engolfou . As mensagens expostas naquele aplicativo agora pareciam fazer todo o sentido. A expressão abatida de Jungkook no camarim, o desabafo com Tae e Hoseok, incompreensíveis para ela naquela época, as fotos que ele contemplava da garota loira tatuada que, a princípio, não deviam ser nada, mas que causaram um verdadeiro estrago.
A peça principal da minha casa.
— Tá dizendo que você estava se preparando pra assumir seu namoro? — parecia atônita. Jungkook concordou devagar com a cabeça.
— Eu sim, ela não. E talvez por isso te odiei tanto — ele recaiu um olhar pesado sobre ela; não de acusação, mas um olhar carregado de verdade rigorosa — Porque aquelas fotos adiantaram uma decisão que precisava ser tomada devagar. Com paciência. Era o que eu estava fazendo com ela. Mas Ali realmente não estava pronta pra isso… E sinceramente, não sei se estaria algum dia.
quis refutar. Dizer alguma coisa que soasse diferente do “era pra ser” ou todas essas coisas que faziam alguém se acomodar a alguma realidade, mas isso não colava com Jungkook. Ele tinha sido o exemplo perfeito de alguém que lutou e insistiu por uma relação falida, e estava disposto a aguentar ainda mais.
— Eu sinto muito — assumiu ela, em um sussurro.
De acordo com o sorriso de Jungkook, ele estava achando o momento cômico.
— Acho que eu devia estar dizendo isso.
— Eu sei que sente — se apressou, avaliando o ambiente — Agora eu sei.
Ele riu com a referência, sacudindo a cabeça meio zonza.
— Ah, claro. Em qual parte deixei isso explícito? Quando te salvei da ressaca, te levei pra ver um filme, aguentei um maluco falando sobre peixes, te mostrei o submundo incrível de Seul ou quando coloquei milho no kimchi?
— Uau, você está registrando tudo em uma lista ou o quê?
— Nem vem, essas coisas precisam ser levadas em consideração na sua avaliação final. Faço questão disso. Quero um feedback honesto.
— Claro, Jeon, vou levar — ela revirou os olhos, mas riu mesmo assim — Essa noite foi realmente incrível, de verdade. Nunca imaginei que o tempo pudesse ser tão fluido com um panaca como você. Muito obrigada.
Ele lhe lançou uma piscadinha de zombaria.
— Não por isso. Tenho certeza que Jaehyun faria algo melhor.
— Tenho certeza que isso não anula nada do que você fez — estreitando os olhos, ela ergueu a mão para apontá-la para a mesa — Eu comi coxinha. Tem noção disso? E brigadeiro. Tem banana frita no meu arroz. E nem pensa em tocar nas sobras porque vou levar pra casa.
Os dois riram ao mesmo tempo, um efeito esperado depois da junção de álcool e clima leve, apesar de todos os relatos consideravelmente íntimos que tinham trocado.
These Foolish Things não deveria tocar em momentos assim. Especialmente naquele espaço, especialmente entre aquelas duas pessoas. Mas o barulho do jazz foi, lentamente, substituindo o som de suas vozes.
não desgrudou os olhos dele por um tempo. Jungkook apoiou as palmas das mãos para trás, sustentando o corpo enquanto a encarava sob o varal de luzes. Se não estivesse tonto o suficiente, diria que ela parecia aquelas pinturas encantadoras do folclore escocês.
— Você fica bonito quando sorri — disse ela, de repente. Foi mais um sopro no ar. Saiu baixo e distante.
Mas ele tinha escutado bem o suficiente.
— Você também — respondeu. — Está muito bonita hoje.
De novo.
se sentiu profundamente desorientada por aquele cara. Desorientada e atraída, sem nenhuma conotação afrodisíaca.
Era como se tivesse se mantido em uma linha reta esse tempo todo naquela relação apenas para chegar aqui, conhecê-lo melhor e se encontrar inexplicavelmente perdida sobre onde tudo isso estava indo, parada de repente em um cenário que não fazia a menor ideia de ter seguido.
— Quero te perguntar uma última coisa — disse ela, e continuou antes que ele respondesse — Será que algum dia nós podemos ser amigos?
Jungkook ponderou a questão em silêncio. Depois, repuxou os lábios e perguntou:
— Por que você quer ser minha amiga?
— Porque acho que gosto de conversar com você — anunciou. — E em 23 anos, não gostei de conversar com muita gente.
Aquilo foi inesperado. Mais do que isso, parecia errado.
Partindo do ponto que Jungkook não teve qualquer cerimônia para infernizar a vida de desde que a conheceu, aquela resposta era esquisita e irreal. Anulava tudo que ele tinha feito. Como se ela — e somente ela — tivesse tropeçado em uma dobra no espaço-tempo e não se lembrava do que tinha acontecido, quando deveria se lembrar.
A verdade era que Jungkook ainda tinha dificuldade em não atribuir suas próprias reações aos outros. já tinha superado aquela história há muito tempo. E, no fundo, ele também. Ele era o único que ainda estava pregando peças em si mesmo.
— É... — respondeu em voz baixa, ainda fissurado por aquele rosto e tudo que tinha nele — Acho que um dia podemos ser amigos.
— Você tem regras pra amigos? — perguntou ela.
— Não existem regras pra amigos.
— Ah, não? — Ela duvidou — Eu e Candice não podemos negar massagem nos pés quando ficamos tristes. Também não podemos deixar de dar presentes em datas comemorativas, e não podemos mencionar One Direction dentro de casa porque se não ela começa a chorar feito uma maluca.
Ele riu pelo nariz, bebendo novamente.
— É, não sei exatamente como funciona isso. Se for assim, Mingyu me proibiu definitivamente de afogar as mágoas com ele antes do meio dia, Namjoon exigiu que eu me exercitasse mais pra descansar a mente… Regras é um pouco vago. Não sei…
— Ah, vá, todos os amigos têm regras. São coisas que você não poderia fazer sem dizer a um deles, ou decisões importantes que você não consegue tomar sozinho, ou um aviso claro do que podem ou não fazer.
Poderia dizer que, agora, Eunwoo decidira que não frequentaria mais bares de Itaewon sozinho com ele. Que Yugyeom o fez prometer que estaria presente em todas as festas da AOMG, sua nova empresa, quando o amigo batesse uma meta de vendas nova. Que ele e Jimin contariam tudo um para o outro, mas só as coisas realmente importantes. Que ele e Jin entraram em um combinado estranho de ler sobre interpretação de sonhos quando tivessem algum bizarro demais. Não eram necessariamente regras, eram apenas coisas que aconteceram naturalmente nas suas amizades.
Mas não foi nada disso que o fez ficar sério de um momento pra outro.
Jungkook não conseguiu parar de pensar em uma única coisa.
— É. Talvez tenha uma.
— Qual?
Ele engoliu em seco antes de responder:
— Não deseje a mesma coisa que seu amigo.
E era a única em que estava falhando miseravelmente.

・ ❬📸💔❭ ・


Jungkook diminuiu o volume do som bruscamente quando estacionou no meio fio.
— Nota 8?! Você tá de sacanagem?
— É uma nota acima da média.
— Acima da média?! Meu deus… — ele mordeu o lábio inferior. Toda a excitação de antes tinha evaporado em um piscar de olhos — Justificativas. Agora.
— Podíamos ter dançado quando Nancy Wilson tocou.
— Dançar? Você queria dançar? — Jungkook estava perplexo. No banco do carona, apenas riu — Ah, você tá me zoando. Você odeia dançar.
— Dançar Nancy Wilson é muito diferente de dançar Blood Sweat & Tears, sabia?
— Não importa. E eu nem sei quem é Nancy Wilson e como essa mulher estava na minha playlist.
— Na verdade, ela estava na minha playlist. Drunk paparazzi, esqueceu? Fez uma seleção de todas as músicas que eu gostava.
Ele pareceu surpreso, e revoltado, ou ambas as coisas.
— Mas… Ah, que se dane. Não é justo você me tirar pontos por causa de uma informação que eu não sabia. Aliás, uma informação errada.
— Caramba, quando dizem que você é competitivo, não é mesmo mentira. Devo te lembrar que isso aqui é um teste? Não é um concurso, bonitinho — bufou e fez questão de revirar os olhos de forma explícita — E seria bem fofo dançar embaixo daquelas luzes, então me sinto no direito de pontuar isso.
Ele ficou ainda mais frustrado. Aquela mulher só podia estar de brincadeira!
— Tá bom. 1 ponto pela playlist.
prendeu a língua no céu da boca enquanto pensava.
— Tá bem. 9 então.
— Isso é uma audácia — Jungkook seguiu protestando — As sobras. Você vai poder comer coxinha amanhã graças à minha ideia.
— Quer que eu te dê pontos por causa de sobras de comida?
— É uma estratégia. Pedi pra fazer bastante exatamente pra isso.
— E se eu não gostasse?
— Não pensei nessa possibilidade. Confio na sua memória olfativa.
— Isso não significa nada.
— Mais 1 ponto pela comida.
— Não.
— Já contabilizou os pontos do Nitro?
— É claro.
— Então tenho certeza que ele merece mais 1.
gargalhou. Como ele era ridículo.
— Você não pode estar falando sério.
— Tô falando muito sério, . Espero que você esteja bêbada o suficiente pra ser influenciada e dar os 10 pontos que eu mereço.
— É isso que você quer ouvir? Que tudo foi perfeito, maravilhoso, simplesmente o melhor primeiro encontro de todos os primeiros encontros?
— Ah, por favor, sim — disse ele, arqueando as sobrancelhas.
já estava rindo demais, então preferiu sufocar o acesso de gargalhadas desta vez e apenas soltou um grande suspiro.
— Pois foi exatamente tudo isso, Jeon. Uma das noites mais legais que já vivi, e juro que te dou todo o crédito por ela — inclinando-se para a frente, ela sussurrou: — Mas ainda não é um 10. Agora preciso ir.
Ela prontamente tirou as chaves do bolso, organizando as alças das sacolas nos pulsos para conseguir se livrar do cinto de segurança e tocar na maçaneta.
— Não, espera — Jungkook disse em um estalo, tirando seu próprio cinto imediatamente e saindo do carro mais rápido ainda. Quando percebeu o que tinha feito, ele já estava do outro lado, abrindo a porta do carona com diligência — Pelo menos esse clichê eu posso fazer.
Agora quem estava chocada era ela. Reza a lenda que seria um dia gelado em toda a Ásia quando Jeon Jungkook tivesse qualquer atitude cavalheiresca. Foi mais bizarro do que se pode imaginar.
— Uau, Jeon. Tô impressionada — com uma risada, ela saiu do carro, ajeitando as sacolas nos braços mais uma vez — 0,5 pela gentileza.
Agora ele voltara ao estado totalmente pasmo. E quando ficava desse jeito, tendia a rir de puro nervosismo.
— 9,5 pontos. É sério isso?
— É sério. Mas não se apega nisso, você foi melhor do que se esperava. Olha o que você fez — levantou os braços, exibindo as três embalagens de papel. Uma com a Super 8, a outra com a comida e sua nova Kodak acompanhada de um LP de Daniel Caesar que nem sabia onde escutaria — Isso foi muito, muito especial pra mim. Consegue acreditar nisso?
Jungkook levou um tempo para notar que ela falava sério, apesar do efeito raso do álcool. A noite tinha sido inesperada em vários momentos e, mesmo que tenha dito que seria apenas uma vez, a ideia de fazer tudo isso de novo com ela, algumas dezenas de vezes a mais, era totalmente pertinente.
— Claro. Não foi nada — disse, desconcertado. — Mas… Eu não vou aceitar esse resultado. Não consigo imaginar o que tá faltando. Até falei que podíamos ser amigos.
Foi a vez de hesitar. O sorriso foi se fechando aos poucos, sem sumir totalmente a ponto de deixar algum rastro para que ele descobrisse alguma coisa. O que ela pensava de verdade sobre aquela noite serviria apenas para estragar o que tinham começado a construir.
É lógico que seria legal ser amiga de Jungkook. Fazia muito tempo que ela não se sentia tão íntima de alguém, em várias facetas da vida. Reconhecia que podia, de verdade, conversar com ele sobre qualquer coisa — até mesmo aquelas que não queria conversar. Bem, acreditar que podia falar não queria dizer que necessariamente ela iria falar, mas sentir isso já mudava tudo. Ou quase tudo.
Não mudava seu desejo de beijá-lo.
E não mudava a percepção juvenil e ridícula de que, em seu primeiro encontro, ela deveria ganhar um beijo do cara.
— Não pensa demais nisso, Jungkook — sorriu sem mostrar os dentes, aturdida com a ideia anterior. Vamos lá, , hora de ir embora, não de se perder em possibilidades impossíveis — Como eu disse, foi incrível. Um 9,9.
Como se ainda fosse possível: ele pareceu ainda mais abismado.
— Na boa, você tá bêbada.
— Talvez. Mas vou nessa. Obrigada por tudo — o agradecimento saiu em bom tom, com uma delicadeza que demonstrava mais do que as palavras — Boa noite, Jungkook.
Ele retribuiu o olhar, tão agradecido quanto.
— Boa noite, .
Com o oxigênio desaparecendo no peito, começou a andar em direção ao prédio, sorvendo mais ar para fingir que todo o formigamento no estômago não passava de alucinação.
Os ombros caíram imediatamente assim que deu as costas para ele. Uma frustração do tamanho do mundo insistia que faltava alguma coisa. Uma ânsia infernal queria fazê-la desistir de toda a racionalidade e meter os pés pelas mãos. E, caso ela atendesse a esse chamado, poderia estar jogando fora todo o progresso da noite e afundar as coisas de vez.
O quão fundo eles ainda poderiam chegar? Já tinham ido pra lá uma vez, e foi desagradável, desgastante, miserável…
Vamos, você está quase lá…
Então, ela parou. Isso não fazia sentido. Essa noite e tudo isso nem faziam parte do acordo. Tudo estava fora do roteiro. Pra onde mais ele poderia fugir?
Quase ao pé das escadas, depositou as bolsas com cuidado nos degraus e deu meia volta, apressando o passo na direção de Jungkook, sem pensar em absolutamente nada.
Ele estava quase se virando para voltar ao carro quando a viu se aproximando de novo. Antes que tivesse a chance de questionar, teve a parte frontal do casaco puxada para a frente, sentindo o impacto explosivo que a boca de causou na dele.
Foi como um soco. Um golpe que veio do nada. Daqueles que te atingem com força e você não esboça nenhuma reação a princípio, mas apaga logo depois. Era o estado total espontâneo de Jungook: parado, experimentando todo o seu sistema nervoso entrando em colapso.
assaltou os lábios dele de forma simples. Levantando os pés, aprofundou o beijo em um selar lento, muito lento. Ele, envolvido o suficiente para não controlar mais o próprio corpo, colocou uma das mãos hesitantes na lateral de sua bochecha, puxando sua boca pra mais perto, sentindo suas línguas avançando devagar, transformando aquele contato em um êxtase infinito, abrindo a boca para mais um, e mais um, e mais um…
Acabou tão rápido quanto começou. arfou quando afastou o rosto, olhando para ele com os olhos arregalados, enquanto Jungkook tinha apenas a expressão… Perdida. Atônita. A cara de alguém que levou não um, mas pelo menos 10 socos.
— Agora sim é um 10 — ela soprou em seu queixo, abrindo um sorriso satisfeito.
E correu de volta pra casa, deixando pra trás um cara com botas militares que estava tentando lembrar do próprio nome.


[ 17 ] – And still you’ve got to dance, little liar

🎵 Ouça aqui:
Dance Little Liar - Arctic Monkeys

"Ouvi dizer que a verdade foi construída para ser dobrada
Um mecanismo para suspender a culpa é o que você exigirá
E ainda assim você terá e-commerce que dançar, pequeno mentiroso
﹝...﹞
E abrir o jogo vai machucar
E você nunca poderá apagar essa mancha
Quando há sujeira debaixo de sujeira
O mentiroso leva muito menos tempo."

A sala era claustrofóbica.
Jungkook não conseguia parar de mirar aquela ampulheta em cima da estante. Era grande e ameaçadora. Parecia estar desafiando-o a quanto tempo ele aguentaria desta vez, sentado ali, resistindo a abrir a boca. O objeto estava parado naquela posição há 2 meses atrás e continuava no mesmo lugar. Por que não se livravam daquela coisa horrorosa?
Atrás da mesa retangular de madeira, a mulher ainda tinha a cabeça inclinada sobre uma das gavetas, remexendo em documentos intermináveis enquanto balbuciava coisas incompreensíveis por cima da música ambiente que saía da Alexa mais próxima do aposento.
Já tinha 5 minutos. Ele estava esperando demais. Esperar não era nada bom quando já não se tinha muita certeza do que estava fazendo. Na verdade, já não estava convicto desde que ligou para Namjoon, há mais de 12 horas atrás.
A areia daquela coisa pareceu cair ainda mais devagar quando ele pensou nisso, como se estivesse literalmente tomando fôlego pra rir da sua cara. “Demorou tanto pra decidir se vinha? Ora essa, Jungkook, já são quase 18:30, não podia ter sido convencido a aparecer aqui mais cedo?
Era verdade. Ele tentou dizer isso a Namjoon. Você tá de sacanagem, não é? É domingo, Nam! Ninguém deveria trabalhar em um domingo, fala sério!
O líder respondeu: Então por que está me ligando às 5 da manhã de um domingo pra falar de trabalho, cacete?
Quando Jungkook não soube responder a isso, começou-se, finalmente, a sessão de filosofias de Kim Namjoon. Era mais chato do que se pensava, mas aquelas malditas palavras se prendiam no cérebro como se tivessem sido colocadas ali por furadeiras. Ajudou para que Jungkook, já vítima da insônia, conseguisse dormir por 3 horas e depois voltar a vagar pela casa até decidir dirigir para o maldito lugar.
Ele teve um sentimento incrível de equívoco, de erro, um enorme erro. Mas bem, agora já estava aqui.
— Finalmente encontrei — a mulher arfou quando, enfim, puxou uma pasta escura para cima do tampo da mesa — Sua ficha estava mais escondida do que imaginei. Talvez ela não achou que fosse te encontrar tão cedo, senhor Jeon. Mas preciso dizer que é um imenso prazer revê-lo.
Jungkook se empertigou na poltrona, um pouco indisposto pelo sorriso radiante da mulher à sua frente, como se ela tivesse chamado todos os proprietários de comércios da rua Namdaemun e se reunido em torno do milagre da vez: Jeon Jungkook tinha marcado uma consulta.
— Como vai, Minji? — O sorriso não foi retribuído, mas ela já esperava por isso.
— Vou muito bem. Como se o verão nunca mais fosse terminar — ela puxou uma caneta e um pequeno bloco de notas — A que devo a honra da visita?
— É uma visita se estou te pagando?
— Podemos ver como uma. Qualquer coisa que você possa usar pra conversar.
A primeira dose de silêncio foi depositada. Era exatamente o que Namjoon tinha dito no telefone mais cedo. Pode falar qualquer coisa, é como uma conversa, você se lembra, não é? É um estilo mais descontraído.
Jungkook só se lembrava que não queria conversar com ninguém, por muito tempo. Não com Namjoon, não com Mingyu, não com Jimin, não com sua mãe e muito menos com uma terapeuta.
Mas aparentemente, depois do turbilhão de coisas que aconteceram na noite passada e de passar horas intermináveis naquele estúdio, ele parecia, finalmente, desesperado para conversar. Só não sabia o quê.
— Quais são as novidades? — Minji perguntou pacientemente em busca de estimular o mínimo de interação com o garoto.
Com um suspiro, ele apoiou um cotovelo no braço da cadeira, passando uma palma pela nuca.
— Eu tô... Fumando menos.
— Que boa notícia! Algum motivo especial pra isso?
— Os índices de câncer no pulmão são uma boa motivação.
— Claro que são. Mas você sempre soube deles, não é? — Minji ergueu uma sobrancelha — Algum outro motivo especial?
— Não é nada especial. Só quero estar na minha festa de aniversário de 60 anos.
— Entendo — ela crispou os lábios, deslizando a caneta em uma rápida anotação no papel. O barulho o deixou ansioso de novo, tentado a olhar para a porta e sair por ela — Mais alguma novidade?
— Só me sinto mais relaxado, é isso — deu de ombros, indiferente — Antes, o cigarro era o que me deixava assim, mas agora... Sei lá, consigo me sentir assim sem ele. De boa. Tranquilo. Por isso não preciso mais tanto dele.
— Entendo... — Minji escreveu mais uma vez e endireitou as costas para trás, olhando atentamente para ele — E como você se sente sobre isso?
— Sobre não fumar?
— Sobre se sentir tranquilo.
— Ah, é muito bom. É ótimo. Quer dizer, não é o mesmo ótimo que a erva do Yugyeom me traz, e nem o mesmo ótimo dos entorpecentes, ou do whiskey, mas... É legal. Quem não gosta de se sentir bem, não é?
— É claro, todo mundo quer se sentir bem. Você se sente bem agora?
— Como assim? Claro que me sinto.
Minji notou a perna dele trocando de posição mais uma vez. O braço, antes apoiado na poltrona, agora se cruzou com o outro, e um dos pés balançava no ar com a ansiedade. Os olhos de Jungkook continuavam rondando a sala, como se procurasse uma saída do lugar, pronto para deslizar por ela a qualquer momento.
Suspirando, a mulher fechou o bloco de notas devagar e guardou a caneta.
— Tudo bem, vou reiterar: você se sente bem por estar bem?
Jungkook solta uma risada sarcástica pelo nariz.
— O que está dizendo, Minji? Existe alguém que se sente mal por estar bem?
— Existe. Quando existe culpa no meio — respondeu, com um leve dar de ombros — Você se sente culpado por estar bem?
O mísero sorriso de Jungkook se fechou instantaneamente, de uma forma explícita. Aquela parecia ser a hora certa de levantar e sair. O momento oportuno que seu cérebro tanto gritou no caminho: você tem certeza que precisa disso? Só vira esse carro e finge que nunca falou com Namjoon.
Namjoon. A culpa era toda dele. Ele tinha feito uma ligação porque estava em dúvida da última estrofe. Precisava de um impulso para achar a frase que faltava e que estivera buscando a madrugada toda para finalizar uma música que parecia ter sido escrita há anos. Ficou confuso quando tentou explicar para o amigo, mas se tratava daquilo: finalizar. Ou caminhar pra isso.
Mas parece que pedir ajuda às 5 da manhã ainda soava estranho para os caras. E prometer ficar até o final daquela tortura era o jeito que Jungkook achou de reparar o incômodo que causou.
— Escrevi uma música — disse, de repente, afugentando o assunto anterior — Aquela música.
Minji se lembrou rápido.
— Que ótima notícia, Jungkook. Quer falar sobre ela?
— Eu... Não sei o que dizer — ele mordeu o lábio inferior. Seus ombros relaxaram um pouco mais — Era uma coisa que eu estava tentando escrever desde... Desde a Ali. E era insuportável, porque pensar nela era uma merda. Não sei dizer porquê. Eu só odiava o fato de estar fazendo alguma coisa pra ela, depois de tudo que ela fez comigo.
— Você sentia como se Ali estivesse roubando ainda mais coisas de você.
— É, tipo isso... Roubando meu tempo. Minhas convicções. Meus princípios. Roubou o meu "estar bem". Porque eu... Eu…
Ele encarou o piso, caçando mais palavras. Elas não vieram nos próximos 2 minutos inteiros.
— Você a odiava, Jungkook? — perguntou a mulher, em voz firme — Você odeia sua ex namorada?
Ainda imerso no silêncio, Jungkook refletiu, sendo invadido por certezas que estavam sendo descobertas agora. Ódio era uma palavra de seu cotidiano. Estava ali, presente, junto com toda a frustração que veio do kamikaze de ter sua vida e sua intimidade exposta pra nações inteiras.
Lembrou de Ali, sem reservas. Pensou naquele bar onde a conheceu na Europa, quando fugiu com Jimin do hotel, mesmo que Namjoon tivesse deixado bem claro que teriam uma passagem de som muito cedo no dia seguinte. Pensou nas primeiras conversas, nos beijos, nos convites e na euforia de estar junto. Pensou nos planos futuros, na saudade esmagadora e em como esse sentimento funcionava como uma motivação para ser cada vez melhor, mesmo que já tivesse decidido ser o melhor por conta própria antes de qualquer coisa com Ali.
Pensou de novo naquele sentimento tão vigente, mas que agora parecia tão confuso: a busca por ser um cara bom, adequado, no sentido de ter mais. Como se, apesar de tudo que estava fazendo, ainda não fosse verdadeiramente suficiente até que Ali fizesse parte de tudo isso.
— Não — a resposta veio em voz baixa, distante — Acho que eu nunca a odiei. Eu só... Odiei a situação. Odiei ter ficado de fora. Odiei a impotência de não poder agir. Odiei ter que escrever uma música sobre ela e não poder ser sobre amor. Porque eu a amava, mas.... Mas não podia escrever isso porque ela não me amava mais, então... Não sei. Não sei explicar.
E era só isso.
Minji tentou dar o sorriso mais microscópico que conseguiu, para não afugentá-lo. Ele parecia mais sincero do que jamais pareceu, quando apenas sentava ali e ficava em silêncio.
— Entendo... E estar bem foi um dos motivos dessa música ter deslanchado?
— Eu só estava... Com a cabeça cheia, eu acho. E quis desabafar.
— Com o que sua cabeça estava cheia?
— Com várias coisas. Coisas sobre ela. Coisas sobre a traição, o sumiço, sobre , sobre...
. É um nome novo. Quem é ?
Jungkook desfez os braços cruzados, entreabrindo a boca para responder, mas conseguiu apenas trincar o maxilar.
Não. Agora não.
Já tinha perdido uma noite inteira de sono por causa dessa garota, não precisava arrastá-la pra outra parte íntima do seu dia também.
— Não é ninguém.
— Todo mundo é alguém.
— É só... Uma garota. Não tem nada demais.
— E por que sua cabeça ficaria tão cheia por causa de ninguém importante?
Agora ele pareceu levemente aborrecido. Não gostava dessa dinâmica de terapia que Namjoon julgava importante. Essa rebatida de perguntas simples, mas que se tornavam difíceis, como se Minji estivesse com uma pá e cavasse até o mais profundo do seu inconsciente.
O que ela era mesmo? Uma tia dele? Uma amiga da tia? Mais informal do que as outras da profissão, seja lá qual fosse ela, e que aparentemente era boa demais para trabalhar em hospitais ou cooperativas normais?
Isso lá importava?
Eram perguntas desnecessárias que ele não queria responder, porque não sabia o que responder.
— Que horas são?
— Só se passaram 15 minutos.
— Droga — a vontade de se retirar pareceu ainda mais urgente — Quanto você cobra por meia consulta?
— Eu não faço meias consultas, mas você pode levantar e ir embora, Jungkook. É um direito seu. Já fez isso antes.
— Tem razão.... — uma risada seca escapou do nariz. A lembrança de meses atrás era muito real. Depois de ter socado a cara de alguém e fugido pra Bangkok, era lógico que seus companheiros mais velhos o esperariam de volta com uma placa de intervenção e o obrigariam a conversar sobre seus problemas.
Bom, pelo menos hoje ele sabia que tinha um problema. Mas nada que precisasse daquilo. Foi só uma ligação de madrugada, pelo amor de deus!
— Quer falar mais sobre a sua música? — Minji tentou mais uma vez porque, com alívio, parecia que Jungkook não iria realmente embora.
Ele engoliu em seco e continuou:
— Ela é uma boa música. Ainda não mostrei aos caras, mas acho que vão adorar. Estou testando algumas coisas pra saber onde ela se encaixa melhor. Mesmo se não for lançada agora, já me sinto satisfeito.
— E por que se sente satisfeito?
— Porque finalmente terminei. Quer dizer, ainda acho que falta uma estrofe, mas fiz minha parte. Gosto de saber que fiz a minha parte pelo grupo.
— Fazer a sua parte é o único motivo da satisfação?
Ele enrugou a testa, pensando.
— Também gosto da música. Do que ela representa.
— E o que ela representa?
Mais uma pausa. Jungkook pensou na pergunta e na música ao mesmo tempo, como se estivesse ligando as duas coisas para si mesmo pela primeira vez: a letra e seu significado.
— Não sei. Eu... Consegui pensar nela. Na Ali. Consegui lembrar da gente, de todos os momentos, tanto os bons quanto os ruins, e só fui escrevendo. Consegui pensar em tudo isso sem querer parar.
— Então você passou por cima do medo que tinha sobre Ali Dalphin?
— Eu não tinh... — parou. Jungkook ergueu os olhos para Minji, revelando algo impensável: o que você disse faz todo o sentido. O que mais fiz nos últimos meses foi fugir. E quem foge de alguma coisa é porque tem medo — É, eu... Acho que passei.
— E tirou algo importante desse passo?
— Não sei se eu deveria tirar alguma coisa.
— Tiramos coisas de situações que você nem imagina.
— Eu só... Por um momento, eu imaginei como se eu realmente não tivesse que ter medo. Como se tudo que tinha acontecido fosse fruto de escolhas dela. Como se... Eu não fosse a pessoa ruim da parada, eu não fosse a pessoa insuficiente, que eu não tinha afastado ela pela minha posição, meus... Enfim. Como se a culpa não fosse minha.
— A culpa não foi sua — Minji pontuou. — Nosso valor inconsciente está sempre suscetível a ser determinado pelas outras pessoas, mas só se deixarmos isso. Você acha que deixou a Ali determinar o seu valor?
Jungkook pensou novamente na pergunta, e franziu o cenho devagar.
— É... Parece que sim.
— É algo importante pra se tirar disso, então — a mulher sorriu sem mostrar os dentes — Parece que você está começando a recuperar a sua autoestima. Ficando bem. Mas posso voltar a perguntar: por que se sente culpado por isso? Alguma parte de você acha que a Ali deveria sofrer por tudo que fez e, vendo você sofrer, causaria essa dor nela?
— Não — ele negou rapidamente — Não quero que ela sofra.
— Tudo bem. Você não sente raiva dela, não quer que ela sofra. Mas você tem raiva, não tem? — instigou — Ou tinha.
— Todo mundo tem raiva de alguma coisa.
— Do que você tem raiva?
— Sei lá. Esquilos no meu telhado?
— Do que mais?
— De perder no League of Legends. Ou... Atrasar o grupo, como estava fazendo. Errar uma performance. Gente que maltrata animais, coisa assim — ele disse em tom neutro e imparcial, desviando os olhos para o tampo da mesa, até dizer um pouco mais baixo e desatento: — Querer algo e não poder.
— Tem algo que você quer e não pode?
Jungkook passou uma língua pelos lábios, dobrando as costas para apoiar os cotovelos nos joelhos.
— Todo mundo quer algo que não pode ter.
— Por que você não poderia ter?
Ele a encarou com surpresa, e ficou ainda mais atônito ao ver que não retorquiu na hora. Por que ela fazia perguntas tão triviais? E por que ele demorava a responder todas elas?
— Porque não é meu — disse, por fim, voltando a se recostar na poltrona, trocando a posição das pernas.
Minji observou quando cada um dos dedos dele se fecharam nos fios do topo da cabeça, como se ele mesmo estivesse obrigando-se a permanecer sentado.
— Não é algo que você pode conquistar? — ela continuou. Jungkook voltou a travar o maxilar.
— Não quero conquistar.
— Mas achei que disse que tinha raiva porque queria.
— Eu não quero — ele respondeu, duro. Uma pontada de aborrecimento fez barulho em sua garganta, fazendo sua voz sair hesitante — Eu não quero desse jeito.
— De que jeito estamos falando, Jungkook?
— Desse jeito de, de... Desse jeito. Não quero desse jeito. Eu só... Quero. Sei lá. Você não entenderia.
De alguma maneira, Jungkook sentiu uma torrente de alívio por dizer aquilo em voz alta. “Eu quero. Só quero.
— Tudo bem. Eu não preciso entender. Estou aqui pra ajudar você a entender — a voz de Minji era doce e diplomática, mas, naquele momento, onde o sangue se agitava dentro do garoto, parecia estar soando de um helicóptero — Você entende por que quer essa coisa?
— Eu... — a palavra se repetiu por 3 vezes até que ele bufasse, abrindo as pernas pelo piso. As botas pesadas fizeram um barulho audível quando se esparramaram no chão, mas Jungkook estava desatento demais para notar. Ele se sentiu exatamente da mesma maneira como ficou nas primeiras sessões: inquieto e nervoso, lotado de pensamentos conturbados. Não pelos acontecimentos, não pelas perguntas; mas porque não sabia o que responder de forma clara. Não sabia olhar para dentro de si e descobrir, ou sinceramente não queria isso.
O fato era: ele estava lutando para se manter sentado, quando simplesmente podia cair fora. Não tinha mais nada a dizer. Jungkook não sabia porque queria tanto a mulher que jurou que detestava. Porque esse era o único sentimento que teve quando a viu pela primeira vez: raiva. Mágoa. Ranço. Não uma atração e desejo avassalador tal qual sentiu por Ali desde que seus olhos pousaram nela. Era assim que as coisas funcionavam: a primeira impressão ditava tudo.
— Eu acho... Que ela tem algumas qualidades, eu acho — recomeçou, voltando a apoiar um dos cotovelos no braço da poltrona — E... Sonhos incríveis. Ela é inteligente, determinada, interessante, só... Me parece única. De algum jeito. Algo que não se acha em qualquer lugar.
Você com certeza não vai achar uma em qualquer lugar, Minji.
— Então você gosta de coisas que não se acham em qualquer lugar?
— Talvez. Quer dizer, não gosto. Não gosto dela... Dessa coisa. Quer dizer, eu não gostava...
— Por que não gostava dessa coisa?
— Porque culpei ela por destruir meu relacionamento.
A declaração saiu rápida e voraz. Ele ergueu o rosto, surpreso consigo mesmo. Minji o encarava sem expressão aparente, mas com uma sobrancelha erguida, como se gritasse “te peguei, viu?”
Ele engoliu em seco, bagunçando o cabelo de novo, ainda atônito com tantas verdades saindo pela sua boca por segundo.
Vendo que ela esperava mais, Jungkook coçou a garganta e continuou:
— Culpei ela por divulgar tudo, tornar público, ter assustado Ali e assim mandar ela embora. Simplesmente culpei ela. Porque... Porque...
— Porque temos que culpar alguém, não é? — Minji completou. — Nunca somos nós. Nunca é quem não queremos que seja. Nesse caso, culpou essa coisa — ela afirmou, e ele permaneceu em silêncio — Agora você quer essa coisa.
— Não quero assim...
— Não importa o jeito como quer. Querer abrange tudo. Querer é querer. E é um grande passo em relação ao "não querer". Assim como você não queria terminar a música. Por acaso, essa coisa teve alguma participação nessa criação?
Jungkook travou de novo. Como seria seu diagnóstico se lhe respondesse sim imediatamente? Como diria que sim, ela teve, porque me deixou muito irritado depois de agir como uma maluca e tentar me beijar, e talvez isso tenha me ajudado a descarregar algumas coisas, ele pensou.
Ah, e por que ela tentou me beijar? Sei lá, ela estava bêbada. Eu tinha avisado que não podíamos fazer isso na nossa relação.
Que relação? Ah é, porque transamos de vez em quando. Ela era meio virgem, sabe? Parece que precisava de uma ajuda pra transar com meu amigo depois.
Eu só estava ajudando porque os caras me fizeram prometer que faria as pazes com ela.
Tudo bem, acho que não era esse tipo de pazes que eles falavam. Mas conta, não conta?
Eu tinha regras, Minji. Ia acabar rápido, ninguém precisava saber, depois era cada um por si. Sinceramente, era um acordo brilhante, porque ela é a maior gostosa, além de tudo que falei, e eu literalmente não tinha nada melhor pra fazer.
Mas as outras coisas pegam, não pegam? Que droga, pegam sim. Eu não sabia que ela era tão bonita, por exemplo. Não sei como nunca tinha reparado antes, mas ela é linda pra caralho. E o sorriso dela é diferente de todos que eu já vi. Não é midiático, nem espalhafatoso. É acanhado, autêntico. Ela faz umas piadas ruins, gosta do Batman e é uma profissional com câmeras. Também gosto muito de câmeras, você sabe, Minji. Sinto que posso aprender muito com ela, e também quero dizer a ela tudo que eu sei, mesmo que não seja muito.
Ela não quebra à toa como a maioria das pessoas que conheci. Isso me fascina de um jeito imprudente. Talvez por isso nunca gostei de garotas mais novas. Elas sempre reclamam de tudo, das dores da vida e das desgraças que aparecem, mas … Não sei. Ela é um mistério. Sempre de cabeça erguida. Tenho certeza absoluta que já passou por coisas difíceis pra caralho, e mesmo assim… Simplesmente não fala. Não fica triste. Ela também deve sentir essas coisas, não é? Mas não tenho como saber, e isso me deixa louco.
Ela nem me odiou por tudo que fiz com ela. Pelo menos, não me odiou por tanto tempo quanto a odiei.
Ela me acha legal, Minji. Eu. Que queria denunciá-la como uma paparazzi assim que vi seu rosto na Coreia.
Eu, que quebrei a câmera dela e a amaldiçoei de todos os nomes sujos que você pode imaginar.
E ela nunca pareceu triste. Só com raiva. Zangada comigo.
Queria que ela demonstrasse mais. Não tristeza, nada disso, não quero que ela fique triste, mas… Queria que ela tirasse toda aquela armadura e falasse. Queria saber mais sobre ela. Do que gosta e o que não gosta. Do que pretende fazer daqui há 10 anos. Se vai continuar aqui ou ir embora de vez. Tenho um zilhão de perguntas pra fazer. Um zilhão de coisas que queria fazer…
Mas acho que não vou fazer nada. Não posso, Minji. Isso tá virando de cabeça pra baixo, isso tá me enlouquecendo.
Ela gosta do meu amigo, entende? Jaehyun, você deve lembrar dele. É um cara legal, o mais legal de todos nós. Quer casar, ter filhos e toda essa baboseira. É leal e gentil. Eu sempre gostei de como ele se classifica como o equilíbrio do grupo. Sempre soube que ele terminaria com alguém à sua altura, e é a descrição perfeita desse perfil.
Você entendeu, Minji? Esses dois vão terminar juntos. Não importa se não tem nada sério agora. Não importa se ele provavelmente, muito provavelmente, esteja saindo com outras garotas lá fora. Não importa se anda se divertindo comigo. Não importa toda essa curtição que acontece no meio do caminho. No fim, os dois irão se encontrar e se entender, porque se entenderam desde a primeira vez. É assim que as coisas são. A primeira impressão dita todo o resto do trajeto.
E onde eu termino nisso tudo?
Sei que a história é complicada, mas eu só queria me vingar, Minji. É uma coisa boba e sem noção querer transar com alguém que você odeia, mas bem, pareceu uma boa ideia no começo. Foi como se eu finalmente visse aquela garota quebrar, ficar vulnerável. Ela nunca pede nada, mas estava pedindo por mim, e sei como ela provavelmente se odiava por isso. E é só sexo. Você sabe que essas coisas não significam nada. Que prazer e amor juntos na mesma bolha é algo muito, muito incomum. Transar é transar. Era só isso.
Estava tudo bem. Eu tinha tudo sob controle. Mas não sei, Minji… Acho que agora as coisas não estão mais tão bem assim.
Descobri que ela é uma garota legal. Até aí tudo bem. Que se foda, não é mesmo? Mudar de opinião é normal. Ela me acha legal também. Talvez eu tenha começado a me achar um pouco mais legal ultimamente, mas não porque ela disse. Ou sei lá, talvez porque ela tenha dito e eu fui olhar mais pro que eu já fiz, ou tenho feito. Percebi que eu sou mesmo legal, mas não sei se legal do mesmo jeito que ela pensa. Eu sou um artista legal, um profissional de respeito, mas como pessoa? Não tenho tanta certeza.
Ela começou a me fazer pensar nessas coisas e, sinceramente, isso tá fodendo com tudo.
Porque além de querer dormir com ela, comecei a querer conversar com ela. A perguntar sobre o seu dia e contar do meu. Parabenizá-la pelas conquistas e ajudar no que ela precisar. Isso é uma merda. Eu não quero conversar, Minji. Não quero me envolver desse jeito. Quero continuar minha filosofia de que sexo casual é coisa de instinto e que não existe problema nenhum em manter uma coisa dessas a curto prazo, mas querer expandir isso para outros blocos da vida e adicionar vínculos que possam se caracterizar como “amizade” já se torna invasivo demais. Não, isso é inaceitável. Assim como o lance de beijar. É íntimo demais. Beijar é abrir portas pra um possível carimbo de upgrade na relação. Nunca gostei de sair distribuindo beijos à toa. Juntar tudo isso na mesma pessoa é a receita que me levou a deixar de pisar aqui no seu consultório por um tempão.
Mas é isso que tá pegando. As coisas explodiram. Tudo agora está, literalmente, fervendo em caos.
E adivinha por que tudo tá um caos?
Porque ela me beijou.
E eu juro, Minji, não consigo esquecer essa merda até agora.
Não consigo parar de pensar nela.
Não sei nem o que eu deveria sentir sobre isso.
E não consigo tomar nenhuma atitude sobre o assunto, porque sim, talvez você esteja certa, estou bem pra caralho, mas me sinto um bosta por isso.
Porque jamais, em toda a minha vida, achei que eu fosse querer algo que odiei à primeira vista. Algo que não é pra ser meu.
Não, não dava pra dizer tudo isso.
No fim, Jungkook apenas repuxou os lábios e falou:
— Acho que não quero mais fazer isso por hoje, tudo bem?
E se colocou de pé, metendo as mãos nos bolsos do jeans.
Minji se contentou em abrir um singelo sorriso, plenamente satisfeita com o novo recorde.
— Como quiser, Jungkook. Pela primeira vez, sinto que vou te ver de novo em breve.
— Não vai contando com isso — ele resmungou com censura e arrastou as botas para bem longe dali.
Lá fora, o céu já estava escuro. Jungkook ainda ficou um tempo parado ao lado da porta do motorista, olhando a rua, as árvores, os pássaros, qualquer coisa que registrasse ao seu cérebro que acabou. Ele estava livre, podia respirar. Aquela ampulheta já estava bem longe e o tempo gasto dentro daquelas quatro paredes não precisava influenciar em nada na sua vida a partir de agora.
Mas já estava influenciando.
Seus pensamentos nunca estiveram tão claros como naquele momento. Os olhos de Jungkook se arregalaram ao encararem o asfalto sob os sapatos. A avenida era tão silenciosa que parecia ter sido esvaziada propositalmente para que ele raciocinasse com mais calma. As mãos foram parar nos bolsos imediatamente. Fumar parecia uma boa ideia no momento, mas não tinha nada ali. E se sentiu aliviado por não ter, porque nem sabia se queria fumar de verdade.
O que era essa zona? Parecia que não sabia de mais nada.
Ele se recostou na Mercedes, fechando os olhos com força. Estava tudo bem passar pelas mudanças que estava passando porque eram pra melhor. Estava tudo bem se desapegar de crenças antigas, como a convicção de que era mais prudente não falar sobre os seus próprios problemas e sentimentos. Era algo comum que sempre carregou com ele, mas que tinha se intensificado quando conheceu Ali. Ah, sempre Ali. Ela jamais poderia ver seu pior lado, jamais deveria vê-lo como fraco ou incapaz de resolver quase todos os problemas do mundo.
Namjoon sempre o incentivou a se abrir para não explodir. Já fazia 10 anos com a mesma conversa: não, não, você precisa falar. Todo mundo tem dias de merda, JK. Todo mundo precisa de ajuda. As pessoas precisam de amigos, e você já tem um bem aqui.
Nitro passava a maior parte do tempo desabafando sobre suas próprias lutas e contando histórias passadas de seus 20 anos atribulados, mas também fazia perguntas ao garoto. Perguntas pessoais, daquelas que servem para conectar as pessoas e torná-las mais próximas. No entanto, Nitro ouviu muito pouco de Jungkook. Quase nada. Só histórias de vitória e conquistas escancaradas para o planeta inteiro.
A verdade era que Jeon Jungkook não era um cara que tinha passado por muitos momentos difíceis na vida. Vinha de uma boa família, sempre teve bons amigos, era extremamente talentoso em tudo que se propunha a fazer e se destacava de graça. Sem muito esforço; ou não com tanto esforço como via seus amigos aplicarem. Às vezes, era capaz de se dedicar menos para deixar que outro se sobressaísse. Nunca foi sua intenção ser o centro das atenções, por nada. Se não tinha nada de bom para falar, simplesmente ficava quieto. Se tinha algo pitoresco para compartilhar, preferia mostrar a dizer.
Mesmo assim, depois do debut, teve que ver o rótulo Golden Maknae brilhar em letras garrafais por todos os lugares em que passava, até que essa denominação atravessasse o mundo inteiro.
Odiava esse nome no começo. Não se achava tudo isso; ainda tinha tanto a melhorar, a aprender. Mas, infelizmente, ele não podia adotar um novo nome ou personalidade só porque não gostava de como as pessoas o viam.
Apesar disso, ele era honesto. O Jeon Jungkook de Busan se assustava com a fama, as viagens, a multidão, o choque cultural com pessoas totalmente diferentes dele e a relação com mais 6 caras que precisava aprender a conviver enquanto entrava em uma fase da vida onde tinha que ser responsável com 15 anos de idade. Foi difícil, mas necessário. Nesse meio tempo, aprendeu coisas sobre si mesmo que não fazia ideia. Ele gostava de dançar e de fazer rap, mas não sabia que podia cantar. Muito menos, que podia ser vocalista principal. Ser o center, popular, amado, elogiado, convocado e cobiçado. Eram grandezas demais para um garoto que só queria morar na capital e ter uma tatuagem.
Ele não viu o Jungkook do BTS nascendo. A personalidade moldada para as câmeras apareceu da exigência do trabalho. E deu certo. Com alguns anos, ele olhou para tudo que tinha feito, todo o empenho que depositou em si mesmo para criar aquela figura e finalmente constatou: Eu gosto desse cara. Gosto do Jungkook celebridade. Ele é quem eu queria ser.
Ele conquistou tudo que eu queria. Conquistou Ali Dalphin.
Porém, naquele instante, ele não podia dizer que se orgulhava desse cara. Mal conseguia se lembrar quem era antes dele. E quem tinha a culpa disso? Quando essas coisas tinham mudado?
Ele bateu a porta do carro quando entrou, apertando o volante involuntariamente. Que idiotice. Era tão difícil admitir coisas ultimamente. Era tão difícil se sentir gentil de novo, alegre, grato, satisfeito com a própria pessoa. Quando estava com Ali, se sentia o rei do mundo. Dava mais vontade de ser feliz. Quando ela sumiu, foi como se levasse embora todas essas coisas boas que ele sabia que era. Como se tudo dependesse dela. E isso era uma merda porque, desde quando Jungkook dependia de alguém pra ser ele mesmo?
O que tinha acontecido com ele? O que aconteceu naqueles últimos 3 anos? Ele achou que estava apaixonado.
E amar tornava a gente melhor, não? Trazia uma alegria serena, uma vontade de crescer, uma melhor relação com nós mesmos e essas coisas leves. Não trazia dependência. Não nos fazia querer diminuir para caber dentro do espaço apertado de outra pessoa.
Ele grunhiu, olhando para o lado. A Bencini ainda estava ali, repousada no banco do carona, um presente de Nitro para ele. Os filmes 127 e o manual que o explicava os três banhos químicos para a revelação das fotos estava junto. A foto dele. A foto de . As lembranças da noite passada em forma física.
Merda, ele murmurou, descansando a cabeça no banco. Podia enumerar todas as coisas que sentiu desde que reuniu forças para andar até o carro e dirigir pra casa ontem. Raiva. Frustração. Indignação. Desejo. Maluquice. Êxtase. Tudo menos paz. Tranquilidade.
Ele com certeza foi um idiota por não ter impedido nada. Também foi um idiota por ter se mostrado tão afetado com isso e se permitido perder o sono e ir terminar aquela música. Pior ainda: tinha facilitado que o hiperfoco tomasse conta de tudo e ligou para Namjoon sem pensar duas vezes — e, também, sem pensar nas horas. Deu tanta bandeira que era até ofensivo. Mas o que podia fazer? o tinha beijado. E a merda era que não conseguia encarar aquilo como só a porra de um beijo, porque tinha dito desde o início que não beijava. Porra. Mil vezes porra.
Ela era louca, e aparentemente tinha conseguido deixá-lo louco também.
Ele queria muito perguntá-la por que tinha feito essa estupidez, mas a porcaria de seu coração queria completar com: por que não fez isso antes? Admitir que tinha gostado era honestidade demais para um dia só, e se sentiu no direito de culpar Minji por isso.
A única coisa que Jungkook sabia era que precisava se distrair. E precisava se distrair fazendo algo de útil.
Ele pegou o telefone, discando o número de cabeça sem dar nenhuma atenção às outras notificações.
Yoongi atendeu no 3º toque.
— Fala.
— Preciso de um amplificador de violão. Tem uma parte da música que pensei em uma batida específica, e ter um sampler ajudaria muito a terminar. Um isolamento acústico de ponta também cai bem, e meu estúdio é amador demais perto do seu.
O amigo demorou a responder. Talvez porque Jungkook tenha falado rápido demais, ou ele estivesse distraído com outra coisa.
— Ah… Claro. Entendi. Estava trabalhando com um desses ontem, é o amplificador rústico com aparelhagem em MIDI que comprei em Los Angeles. Posso te arrumar se quiser, mas é que…
— Ótimo. Chego em 10 minutos.
Ele não esperou a resposta do outro. Simplesmente, girou a chave e enterrou as botas no acelerador.

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No apartamento em frente à barraca de frutas em Seongdong-gu, também não tinha conseguido dormir.
Demorou um tempo incalculavelmente longo para que a eletricidade disparada pelo seu corpo finalmente se dissipasse. Ela não sentiu as pálpebras fecharem por sei lá quantos minutos — um recorde para o Guinness, talvez. A parte frontal do cérebro não respondia aos seus comandos, repassando a mesma cena como um disco arranhado: os pés voltando para Jungkook, o colarinho do casaco na panorâmica, a respiração descompassada pelo receio, o beijo. O estúpido beijo que durou 1 minuto, mas parecia ter durado 1 hora.
As bochechas arderam de novo com a lembrança. Agitada, deixou o corpo cair no meio da cama, puxando um travesseiro para soltar um gritinho agudo preso no fundo da garganta.
Louca. era, oficialmente, uma mulher maluca, descarada, desrespeitosa, sem juízo e sem noção. A garota mais desajustada da cidade inteira!
O que tinha sido aquilo? Coragem ou burrice?
Bem, quando fizera a mesma coisa com Jaehyun há alguns meses atrás, logo depois da vitória do Music Bank, se sentiu da mesma forma, mas conseguia ver o desejo dele inebriar junto com o toque de suas mãos. Pareceu uma atitude de coragem daquela vez. Com Jungkook não tinha sido bem assim. Ele tinha pedido antes para não ser beijado.
Então burrice soava melhor.
Mas não se manteve nesse estado atônito por muito tempo. Com o coração disparado, ela se levantou, rodeando o quarto com a postura inquieta, balançando as mãos nervosamente no ar e sofrendo com a terrível dúvida do que faria a partir de agora.
Ela tinha beijado Jeon Jungkook. Por livre e espontânea vontade. E ele a beijou de volta!
girou o corpo e procurou seu telefone antes que entrasse em pânico. Mesmo sabendo que seu cérebro tinha sido vítima do álcool e de que nada no seu discernimento estava funcionando direito, seria bom aproveitar esse momento para se desculpar. Jungkook com certeza estaria mais do que bravo com a atitude impensada, mas o que ela poderia fazer agora além de pedir desculpas? Já foi. Ele poderia muito bem lidar com um beijinho rápido que mal teve língua.
Deus me livre se tivesse, pensou com um arrepio. Puxou o carregador do aparelho com a mente aérea. Se fosse mais ousada, talvez aquela loucura tivesse se estendido por mais tempo. Algo a dizia que Jungkook a afastaria caso acontecesse, mas teria conhecido cada detalhe de sua boca, e só a possibilidade disso já fazia tudo valer a pena.
O cheiro dele estava impregnado em suas narinas até agora, o que não tinha lógica. Era o mesmo cheiro da cama, o mesmo cheiro quando mordia a curva de seu pescoço. Mas o aroma que sentiu quando beijou aquele cara parecia conter algo diferente. Era livre do teor de sexo e suor. Não vinha da atmosfera carnal e instintiva do erotismo que os rodeava. Era só um beijo; leve, simples, intenso e carregado de desejo irregular, distinto, um desejo que não precisaria ser materializado em cima dos lençóis para ser real.
chutou esses pensamentos para longe, tentando pensar naquelas músicas detestáveis e barulhentas que Candice odiava enquanto via o telefone começar a ligar.
Quando desbloqueou a tela e escancarou suas notificações, duas coisas lhe chamaram a atenção de imediato.
E foi como se todo o frenesi e toda a noite agradável que teve com Jungkook se transformasse em um evento meramente insignificante.
Na verdade, todas as coisas legais que aconteceram há algumas horas atrás foram esmagadas pelos dois alertas: uma ligação perdida e uma mensagem imprevisível.
ainda estava olhando para as duas coisas no dia seguinte, ao fim da tarde. Era a forma errada de passar o tempo em um domingo, ainda mais agora que tinha um trabalho novo. Ela deveria estar cuidando das tarefas pendentes do mestrado, das anotações prévias sobre tudo que aprendeu no tour da sexta-feira, arrumar um lugar decente para os seus novos presentes — que sequer tinha desembalado —, limpar o quarto, se livrar daquele tapete da sala…
Mas, em vez disso, um peso do tamanho de Seul pairava acima de seu coração angustiado, subindo diretamente para a mente e paralisando qualquer pico de dopamina que ela poderia retirar da execução de afazeres. A ligação perdida era uma junção de números soltos e desconhecidos que não faziam sentido algum. Todo mundo sabe o que fazer em situações assim: ignorar. Existiam empresas de telemarketing na Coreia bem insistentes. Alguém devia estar tentando vendê-la um liquidificador super potente, só isso.
Mas o número não era da Coreia.
Era do Brasil.
E tinha certeza de que não existia nenhum motivo para alguém do lado de lá estar tentando se comunicar com ela.
Um pedaço de gelo descia por toda a sua espinha a cada vez que cogitava a origem daquele contato.
Por outro lado, existia a mensagem de texto. Parecia gritar na sua cara, gritar do outro lado do planeta, convidando-a a olhar para trás.
Espero que você esteja bem”, escreveu Jaehyun. Sem ponto final, sem vírgulas, sem explicações. Só isso. Semanas sem uma palavra, e tinha sido apenas isso.
A tela aberta estava exposta sobre a cama enquanto ela abraçava os joelhos bem forte, como fazia quando criança ao saber que algo ruim estava chegando. Algo ruim como uma bronca de sua mãe, que nunca se tratava apenas de palavras. Algo ruim como os raios e trovões que adiantavam uma grande tempestade. Ruim como a presença de seu padrasto. Ruim como se sentir sozinha e desesperada no meio de uma praça na madrugada mais tenebrosa que já passou na vida.
A ligação era uma verdadeira premonição de lembranças nocivas. No entanto, a mensagem, por incrível que pareça, também antecipava coisas estranhas. Duvidosas. não fazia ideia do que pensar sobre ela.
— Seu gosto para música é aterrorizante — a voz de Candice cortou os pensamentos altos do quarto. Com um susto, se virou para a porta, onde a amiga mancava devagar para sua cama, apertando no botão do velho aparelho de som da mesinha de cabeceira, encerrando alguma balbúrdia de David Guetta das antigas — Ufa. Como deixou isso nesse volume com a porta fechada? Não acha importante manter uma audição saudável?
piscou os olhos, um pouco desnorteada. Nem tinha notado a música, quanto mais o volume.
— Ah… Não percebi, desculpa — ela disse à Candice, distraída, voltando a puxar o livro aberto ao lado das coxas. Também não sabia do que se tratava. Ler qualquer coisa era mais uma tentativa de expulsar suas preocupações; mais uma que tinha falhado.
A cama afundou quando Candice se sentou ao lado da amiga, puxando o pé enfaixado para cima.
— E então, você tá trancada aqui nesse quarto o dia todo, nem quis ir comer os meus preciosos tacos. Tá tudo bem?
— Claro que sim. Tá tudo bem.
Candice estreitou os olhos para , nada convencida. Há algum tempo atrás, teria se esgoelado para que lhe contasse a verdade sobre o que sentia, mas hoje tinha noção de que as pessoas precisavam de uma coisinha chamada espaço.
— Hum… E como foi o seu jantar? — tentou, esboçando um sorriso com a pergunta.
— Que jantar? — mantinha os olhos grudados no livro, sem absorver nenhuma palavra dele. Quando pensou na pergunta direito, levantou o queixo em um jato e quase gritou: — Ah! Claro, ontem. Foi legal. Você deve imaginar.
— Da Hybe eu imagino de tudo! Foram em algum lugar caro? — animada, Candice não esperou que ela respondesse e acrescentou: — É claro que foram, eles não seriam tão muquiranas com a nova equipe. Foi Gangnam ou Itaewon? Karaokê ou bife? Espero que não tenha sido comida italiana daquele bairro perto da Namsan Tower, eles cheiram a gasolina, é um horror.
A fisionomia de era reduzida a um sorriso em linha fina e sobrancelhas esticadas. Ela puxou o telefone lentamente para mais perto, bloqueando a tela para não pensar que seus traumas poderiam ligar a qualquer momento e deixá-la totalmente sem forças para lidar com isso.
— É, como eu disse, foi legal. Do jeito que foi — disse com o riso forçado, mas nada que chamasse muito a atenção de Candice — Não sou a melhor pessoa pra julgar o que é adequado ou não, você sabe.
— É claro… — a loira revirou os olhos levemente de volta. Viu que tinha voltado a prestar atenção no exemplar, que continha muitos termos técnicos para que ela se interessasse em questionar, e por isso levantou-se para sair. Mas antes, virou o rosto na direção do armário, comprimindo os olhos para enxergar melhor o amontoado de sacolas — Nossa, como eles são generosos lá na Hybe. Você até ganhou presentes — imediatamente, Candice abriu uma delas, levando as mãos à boca — Isso é uma câmera? Que legal! Até te deram um disco. Mas você nem tem um toca-discos.
engoliu em seco, colocando-se de pé na mesma hora.
— É… Acho que a intenção importa mais — respondeu, caminhando até Candice e puxando o que ela já tinha visto para debaixo da escrivaninha. Nada era muito seguro nas mãos de alguém que não estava se equilibrando direito — Mas acho que posso arrumar um qualquer dia desses.
— Bela forma de te fazer gastar um dinheiro. E isso aqui? É aquelas coisas velhas que você gosta? — Candice puxou a caixa da Super 8, e definitivamente não se sentiu nada segura. Tanto pelo objeto raro nas mãos dela quanto pela continuidade do assunto que só seria aceitável se fosse envolto em mentiras.
— Sim. São pro trabalho, não é nada demais.
— Uau. Vou até pensar em trocar de profissão caso eles forem pagar um preenchimento labial pra mim, já que posso aparecer na TV e coisas assim.
pegou a câmera com cuidado, depositando-a no tampo da mesa.
— Você não gostaria disso, já é bonita o suficiente.
— Eu sei disso — Candice deu um sorriso convencido, junto com uma piscadela — E o que nossa querida Yoona ganhou?
— Como assim?
— É, ué. Ela não estava nesse jantar da equipe e não vão trabalhar juntas? Imagino que ela tenha ganhado alguma coisa também.
levou um minuto para processar a pergunta e mais dois para pensar em outra história.
— Ah, é claro. Ela é da equipe de produção, sabe. Vai escrever roteiros e essas coisas. Não vi o que ganhou — coçando a garganta, ela desviou os olhos para o LP, sentindo um arrepio pela memória de milésimos de segundos quando ele tocou na noite anterior — Acho que eles foram gentis porque sabem que ainda estou estudando. Não foi nada pra eles.
— Hum… Então por que você não parece nada animada com seus novos brinquedos?
foi salva de responder à pergunta que a faria mentir ainda mais pelo berro que o telefone de Candice fez questão de emitir direto da sala. Com um revirar de olhos, ela levantou um dedo e murmurou:
— Eu já volto — e saiu do quarto com seus passos pesados.
Por um momento, desejou que ela não voltasse.
Ou que voltasse e a perguntasse o que havia de errado de novo porque estava a ponto de falar. Qualquer coisa. Tudo e nada ao mesmo tempo. Só sentia que, a cada vez que mentia para ela, mais e mais palavras iam se acumulando na garganta e tudo isso teria um efeito dominó do mais terrível no fim das contas.
Poderia contar da mensagem de texto. Ela com certeza teria uma opinião para dar sobre isso. “Pra onde vocês estão indo, afinal, caramba? Esse garoto não sabe o que quer?
Bom, se ele não sabia, sentia que estava na mesma situação.
Ou poderia contar sobre a ligação. Ela daria um jeito de acalmá-la. Com certeza diria que aquela alternativa era impossível. Que eles jamais a procurariam de novo. Já fazia 3 anos desde a última vez. Eles prometeram.
Estou com medo, Candice, pensou ela, colocando uma mão na nuca. Tenho medo do que eles possam querer. Tenho medo de ouvir. Medo de saber. Medo de concordar. Medo de sentir. Medo de chorar. Medo de sentir medo.
Por que tenho tanto medo de casa?
“Tudo depende de onde é a nossa casa, ”, Jungkook tinha dito. “Casa são as pessoas. É um lugar que comporta a gente e todo mundo que a gente gosta. Não importa se for família ou não. É uma escolha.”
E respirou fundo, fechando os olhos, e tentou se lembrar que estava em casa. Candice estava aqui, tinha sorvete na geladeira, e seus pesadelos estavam muito, muito longe dali.
Quando a loira voltou ao quarto, tinha uma expressão altamente ácida no rosto.
— Adivinha só onde vamos jantar hoje?
não respondeu. Com isso, Candice revirou os olhos e soltou uma expiração.
— Nós vamos para a casa do Yoongi. Parece que ele quer nos contar do seu novo hobby: marcenaria.
Se existia algum sentido naquele convite, não chegou a percebê-lo.
Nós? Por que nós? Você é a namorada dele, não eu — disse ela, meramente indignada.
— Primeiramente: não sou namorada de ninguém, mesmo que seja de um gostoso como Min Yoongi. Segundo: nós tivemos uma pequena briga. Não tô afim de ceder tão fácil.
Foi inevitável revirar os olhos. entendeu tudo antes que Candice se oferecesse para contar a história.
— Então era só recusar o convite pra jantar.
— Jamais! Se eu mostrar que qualquer palavrinha dele me afeta, não vou sair ganhando nesse jogo, . Não é estratégico dar o próximo passo antes dele. Consigo resistir e ir jantar naquela sala como qualquer amigo faria.
Era inacreditável. achava interessante a possibilidade de aprender mais com Candice com relação a energia e coisas sobre relacionamentos, mas naquele momento, sua amiga não estava se mostrando muito… Sensata, se podia dizer assim.
— Espera, você acha mesmo que vou na casa do Yoongi quando ele te chamou pra jantar? Não lembra como chamam isso?
— Relaxa, já disse que vou te levar junto. E claro, eu não posso dirigir, como eu chegaria lá?
— Ele te buscaria?! — A pergunta retórica vinha acompanhada de vários pontos de exclamação. Era óbvio, lógico. Yoongi sabia da condição de Candice, e claramente era mais cavalheiro do que a maioria dos seus outros amigos.
Só que, mais uma vez, a loira revirou os olhos, como se a resposta para todas as sugestões de estivessem notórias demais: Candice Chaperman estava com a razão e Min Yoongi precisava reconhecer isso.
Isso era um fato. Candice se recusaria a contar a história de novo para ser entendida, ainda que, talvez, não estivesse tão certa assim.
— Você ouviu a parte que nós brigamos? Vamos, me ajuda a escolher uma roupa.
E assim, já começou a rapidamente sair do quarto.
— Candy, qual é…
— Relaxa, só teremos nós 3 lá. E o Holly, aquela coisinha fofa que você já conheceu. Vai ser divertido — com um levantar de ombros, Candice voltou-se para antes que ela tentasse protestar ainda mais — Pode levar suas câmeras, a casa dele é grande e silenciosa, você pode trabalhar ou estudar o quanto quiser lá, só sai um pouco desse quarto. Agora vamos.
Candy esticou o braço para puxar uma das mãos de , que grunhiu e praguejou até ser arrastada para o quarto vizinho, livre de qualquer escolha.
Conviver com aquela loira desvairada até poderia ser o seu significado de casa, mas às vezes desconfiava de que não era lá um lugar muito pacífico.

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— É nesse muquifo?
Ali tirou os óculos escuros para olhar a fachada melhor. O prédio parecia ter sido recém reformado, mas ainda era menor do que o esperado e com o letreiro ainda empoeirado da maresia de Malibu. O nome LA Parker era exibido em uma configuração de ondas, e pelas bordas espessas, deu a impressão de que com certeza devia brilhar em luzes neon assim que a noite caísse.
Em outros lugares do país, aquele lugar poderia ser facilmente confundido com um motel, se não fosse pela bela localização, bem nas mediações de Venice Beach.
— Você esperava um arranha-céu? — Jaehyun nem se deu ao trabalho de retirar os óculos escuros para avaliar o lugar. De que importava como fosse a empresa? Não era como se a modelo maluca fosse depredar tudo com os saltos Versace que usava.
Ali riu sem humor, fechando os dedos no volante com um pouco mais de força.
— Depois de toda a grana que ganharam com o meu nome, acho que esperava algo assim — ela murmurou com desgosto, se desfazendo do cinto imediatamente assim que viu uma mulher usando uma saia colorida descendo as escadas da entrada — Vamos.
Jaehyun engoliu em seco, sentindo o sangue agitar na última tentativa que tinha de pensar em alguma coisa para impedir, mas nada vinha. Era aquilo, era tarde demais. Ali Dalphin estava pronta para dar o seu show e ele podia apenas levantar e segui-la, e esperar pelo melhor que ela podia oferecer.
Ele deu um salto para trás enquanto a via lutando para sair do banco do motorista. Quando finalmente bateu a porta, a garota não fez muita questão de olhar para trás para verificar se seu companheiro estava indo.
Antes de atravessarem a porta de vidro giratória, Jaehyun sussurrou para ela:
— Você lembra do primeiro combinado?
Ali concordou brevemente com a cabeça.
— Não vou gritar.
— Ótimo.
Se Ali estava preocupada com o destino da grana adquirida com a fofoca de meses atrás, a estrutura interna do lugar respondia a todos os seus questionamentos.
As paredes tinham sido completamente revestidas de mármore branco e decorada com inúmeros castiçais de alguma era provinciana que brilhavam em tons amarelados pelos quatro cantos do quadrado. O pé direito era gigantesco e exibia uma enorme faixa de concreto de uma extremidade à outra onde uma pequena apresentação digital piscava e brilhava com a imagem de um homem com sorriso pretensioso, de cabelos charmosamente grisalhos e um orgulho estampado nos olhos. James Parker, era o que dizia a legenda. A lenda do mundo editorial do entretenimento. O dono daquele circo.
Por um momento, ela não sabia para onde olhar primeiro. Passos apressados surgiam de todas as direções, e as vozes ao telefone abafavam uma música baixinha soando ao redor. Jaehyun precisou puxar levemente os ombros de Ali para que pudessem sair da frente da porta porque uma estagiária qualquer já começava a resmungar baixinho sobre estar atrasada antes de correr para o elevador mais próximo, há alguns metros dali, onde ela se apressou em entrar enquanto carregava pelo menos 4 sacolas divididas entre os braços e uma caixa com alguns cafés.
Não era o que esperava encontrar. Não era mesmo. Ali notou um estranho desconforto subindo pela glote, uma vontade súbita de se encolher diante de todos aqueles estímulos vindos das luzes e correria, e, por fim, sentiu a última coisa que esperava sentir quando finalmente chegasse: a vontade de ir embora.
— Caramba. Não sabia que uma matéria podia render tanta grana — Jaehyun expirou com surpresa ao lado dela. A percepção do lugar inteiro o causou o mesmo impacto, mas de uma forma diferente. Ele não estava paralisado como a mulher ao seu lado estava.
Quando percebeu isso, Jaehyun limpou a garganta e murmurou:
— Quer voltar para o carro?
A sugestão de desistência e o barulho do telefone na recepção trouxeram Ali de volta ao eixo, fazendo-a piscar os olhos algumas vezes e balançar a cabeça.
— De jeito nenhum. Temos que estar de volta em três horas — e começou a caminhar em direção ao grande balcão em formato de semicírculo na outra ponta do lugar, onde garotas jovens vestidas com blusas sociais digitavam em monitores enormes e sorriam placidamente como se trabalhassem em um hotel.
— Bom dia, em que posso ajudar? — disse uma delas antes mesmo que Ali chegasse a três metros da mesa. Aquele sorriso parecia grande demais e solícito demais, o que a deixou levemente intimidada.
Antes de responder, ela olhou brevemente para Jaehyun pelo canto do olho.
— O CEO. Senhor Parker, não é? Aquele carinha ali de cima — apontou para a grande sequência de imagens digitais no topo do prédio — Quero falar com ele. Ele está?
O lábio da garota pareceu tremer levemente enquanto descia os olhos disfarçadamente pelo rosto de Ali, escondido pelos óculos escuros e pelo cabelo vermelho.
— Tem hora marcada?
— Não preciso marcar hora. Ele quer me ver.
De novo a falha morfológica do sorriso da garota. Desta vez, seus olhos esquadrinharam de forma muito rápida o espaço ao seu lado, onde suas colegas estavam ocupadas demais em ligações ou xerox intermináveis para prestarem atenção à sua breve insegurança.
— Quem deseja? — perguntou novamente, trocando o peso de uma perna para outra.
— Uma conhecida.
— Isso não é suficiente para uma visita, senhorita — a funcionária esboçou um sorriso descontraído, puxando um pequeno bloco de notas da mesa logo abaixo — Mas posso deixar recado, se quiser. Qual é o seu…
Ali encurtou o espaço até o balcão, apoiando os dois cotovelos na superfície requintada enquanto erguia o tronco para aproximar o rosto da garota. Ela parou a pergunta no meio, tomada de surpresa pela proximidade repentina, mas ficou ainda mais chocada quando a mesma mulher de cabelos vermelhos tirou os óculos escuros.
Ninguém era tão desinformado a ponto de não reconhecer imediatamente o par de esmeraldas mais famosos do mundo da moda. Tantas vezes citados na fornalha da imprensa, em revistas como aquela e em cadernos secretos intitulados de Motosserra.
Sem reação, a garota conseguiu apenas arregalar os olhos e abrir a boca.
— Você vai dizer a James Parker que estou subindo agora mesmo. E que tenho algumas perguntas pra fazer.

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— Já vai!
Yoongi berrou pela terceira vez enquanto fazia o caminho da cozinha até o hall de entrada. A campainha não parou mesmo assim. Os latidos de Holly ao lado da entrada adicionavam ainda mais desespero na cena, como se já soubesse quem estava do outro lado.
Quando abriu a porta, Jungkook tinha o antebraço encostado no batente, e uma outra mão sorrateira prestes a apertar no sino de novo.
— Cara, você entende o conceito de esperar? — Yoongi bufou, com uma ínfima pontada de aborrecimento.
— Entenderia se você fosse um cara que atende em menos de 10 minutos — ele murmurou, caminhando para dentro sem convite — Estou subindo.
— Ei, calma aí — Yoongi fechou a porta, observando as costas de Jungkook pararem e se virarem para ele. Algo naquela expressão parecia um tanto… Diferente — Você tá legal?
— Sim — ele respondeu imediatamente, mesmo que por dentro tenha rezado que Namjoon não tivesse feito nenhuma fofoca pro mais velho — Tô muito bem, só preciso de um café. Posso contar com o seu estoque lá de cima, não posso?
E assim, começou a andar de novo, sem esperar resposta.
— Pode, mas… Ei, espera — Yoongi insistiu mais uma vez. Jungkook parou, levando um tempo até se virar de novo para o amigo, desta vez com os lábios franzidos — Não tô vendo seu caderno.
— Não preciso dele. Não vou demorar — respondeu rápido, com muita clareza. Não quero precisar dele e não quero demorar, era uma verdade mais honesta, mas isso também servia.
Foi quando Jungkook deu um giro rápido pelo hall de entrada, constatando algo que não era muito comum de Min Yoongi: organização.
— Não se preocupe comigo, vou ficar lá em cima o tempo todo. Você e sua “visita” estão em paz — ele torceu os dedos pela expressão, fazendo Yoongi revirar os olhos.
— Eu sei. Mas se você quiser jantar, Candice e a…
— Não. Não. Como eu disse: lá em cima. O tempo todo — pontuou Jungkook, agora movendo os pés mais rápidos para a escada em espiral — Eu não escuto nada dentro daquelas paredes, então vai ser como se eu não estivesse aqui. Façam o que bem entenderem naquela mesa, tenho certeza que você não limpou ela à toa.
— Cara, não…
— Fui. Bom jantar.
E, sem mais delongas, Jungkook estava subindo de dois em dois degraus, eliminando qualquer conversa com Yoongi. Ele não estava ali para conversar, estava ali para desocupar suas ideias, para fazer algo produtivo, e estava feliz pelo amigo também ter um compromisso naquela noite; assim ele não precisava se preocupar com quem pediria o frango e a cerveja daquela vez e começaria a falar sobre os próprios problemas.
O estúdio de Min Yoongi era tão impressionante quanto uma Abbey Road Studios. Era uma parte do mundo profissional de seu cotidiano alocado ali, em um espaço de sua própria casa. Diversos monitores se revezavam em cima de uma mesa cheia de outros apetrechos, como mesa de som de 60 canais AMS Neven, Focusrite e equipamento vintage. Ah, sem contar no piano de cauda descansando no canto, reluzente, imenso, etéreo; uma verdadeira obra de arte.
No espaço ao lado da cadeira presidente confortável, ainda tinham algumas embalagens de café gelado e comida de delivery, o que só mostrava quanto tempo o cara passava ali dentro.
Aquela sala era o maior xodó de Yoongi. Se fosse sua primeira vez ali, Jungkook com certeza teria medo de tocar em coisas que não conhecia, mas os últimos 2 anos planejando o seu próprio estúdio no papel com as dicas do mais velho serviram para que não fossem tantos assim.
Jungkook esperava que toda aquela energia criativa fluindo daquele cubículo servissem de alguma coisa pra ele. Tinham que servir. Música era a única coisa que podia colocá-lo no eixo naquele momento, sem pensar nas mágoas do passado e nas incertezas do futuro.
Primeiro, ele juntou a bagunça de Yoongi e trocou todos os sacos de lixo cheios — tanto de embalagens de comida quanto de papéis amassados. Depois, deu um longo suspiro e se sentou em frente ao cinturão de telas, puxando o violão guardado ao lado do teclado. Ele o conectou no amplificador e abriu o celular na aba onde havia todas as notas que tomou durante a madrugada, uma bagunça de letra misturada com partitura, e deixou que o som invadisse tudo ao redor.
Sabe-se lá quanto tempo depois, Jungkook investiu nos últimos acordes com os pés para o alto na mesa, deslizando os dedos de uma só vez até parar e encarar a tela. Naquela hora, a superfície do móvel já tinha sido tomada por papéis em branco rabiscados porque escrever tornava as coisas mais concretas e palpáveis, além de conduzir o cérebro num caminho mais claro. Cantou e recantou a música umas dezenas de vezes. Gravou e regravou a mesma parte que achou que não estava encaixando. E, finalmente, encontrou a parte final que tanto massacrou sua mente nas últimas horas.
Quer dizer, estava mais para um grande acho que encontrei. Suas ideias no papel estavam um perfeito caos. Sempre foi óbvio que estava cantando sobre Ali, mas, conforme ia rascunhando, pensava em coisas sem pé nem cabeça, como “Você é uma miragem de força, e miragens não existem, não existem, você não existe”;
Eu daria tudo pra te ver quebrar, só pra poder ter a chance de te consertar”;
O seu beijo compete com o verão, e todas as dunas estúpidas que…
Nossa.
Ele riscou todas essas opções imediatamente. Estava viajando. Só uma delas parecia verdadeira o suficiente para alinhar todas as anteriores.

“E mesmo se eu te visse
Se eu te visse de novo agora
Descobriria que o amor é uma dádiva
Ou um tempo jogado fora?”

Jungkook puxou o violão para o colo, recomeçando toda a música de novo, dando pequenas pausas para avaliar o funcionamento do equipamento apenas, não como uma forma de analisar o que criou. Não havia mais o que analisar. Tudo o que sentiu por Ali nos últimos 3 anos cabiam em menos de 10 estrofes no papel, contando com repetições.
Era assim que tudo acabava? 3 anos de vida preenchida com felicidade, planos, ansiedade terminava com uma extensão de rancor e mágoa, muito maiores do que tudo de bom que havia acontecido? — e coisas boas eram o status principal que regiam seu relacionamento nos últimos anos.
Isso era absurdo. Tinha uma coisa muito errada nessa concepção.
Momentos ruins não deviam ser o resumo de uma relação tão foda. Não importa como tenha acabado, existiu alegria, respeito e harmonia na maior parte do tempo. E que se foda se as pessoas acreditavam que era exatamente nas crises que o verdadeiro caráter do parceiro aparecia; não dava pra reduzir as coisas a apenas isso. Tudo estava caótico naquela época. Tudo. Pra todo mundo. A merda literalmente explodiu pra todos os lados, em um vórtice desenfreado.
Foi a primeira vez que Jungkook se colocou no lugar de Ali. E, mesmo que depois de alguns minutos de reflexão ainda tenha decidido com certeza que os daria um término mais digno — oficial, de preferência —, não conseguiu sentir mais raiva dela. Da situação em geral. Não conseguiu sentir raiva de mais nada.
E perguntou-se, honestamente, porque não sentia mais isso.
Era totalmente válido pensar que sofreria pra sempre. Que mesmo que não pensasse mais nela, pensaria sobre todos os seus momentos juntos e isso abriria um rombo ainda mais fodido em seu peito. Que as viagens que faria com ela teriam que ser feitas sozinho ou com outra pessoa. Aliás, jamais conseguiria pensar em outra pessoa! Nunca. Ninguém jamais roubaria o posto de Ali Dalphin. Ela era única, a única a arrebatar seu coração de forma tão explosiva.
Mas qual era exatamente o posto de Ali Dalphin agora? Uma paixão avassaladora ou um amor verdadeiro?
E por que essas duas coisas pareciam tão diferentes uma da outra?
Jungkook não sabia responder isso. A sementinha infernal de Minji tinha se enfiado com força total em cada parte de seu hipotálamo.
— Merda — ele grunhiu, deslizando o tronco na cadeira para torcer o pescoço para o teto, tocando agora no automático. Que merda de dia. Que merda de sensação. Estava perdido ou se encontrando? Ou se encontrando para se perder de novo? Estava gostando mesmo daquela música ou só desesperado pra terminá-la? A cada vez que chegava no final, tudo que aconteceu nos últimos 3 anos — os melhores de sua vida —, começavam a não fazer sentido nenhum, a começar por passar a agir como alguém que não respeita as origens e que ignora tudo que sente. Alguém que esqueceu do que queria lá no início, quando era só um menino em Busan. Alguém que odiava esse cara e tudo que ele gostava — desenhar em suas próprias camisetas, fazer vídeos caseiros e tocar Arctic Monkeys quando nem sabia tocar alguma coisa.
Esse cara parecia bem legal hoje, olhando por uma perspectiva sincera. Honesto, divertido, curioso, esforçado e sonhador. Um cara que pouca gente elogiaria na época. Afinal, ele ainda não tinha conquistado nada. Só queria, cogitava e corria.
Mas certamente gostaria desse cara. Em cada detalhe.
Pensar nela agora era incontrolável. Seus traços estavam gravados na memória de Jungkook. Seu beijo ainda parecia uma alucinação. O calor de seu corpo quente contra o dele era uma lembrança que gritava na mente, um berro de prazer, insanidade, delírio e saudade, uma vontade do caralho.
Para! Uma voz em seu inconsciente gritou mais alto, fazendo-o travar os dedos em movimento. Pare agora.
Estou tentando. Estou tentando pra caralho. Mas os resultados estão sendo tão ruins que acho que a única solução é eu nunca mais vê-la de novo.
Ele estalou a língua, imaginando a situação. Ficar sem , sem sua expressão aborrecida, suas piadas ruins, seu senso moral, seu brilho nos olhos, seu sexo viciante e, definitivamente, sem seu beijo.
Acima de tudo: sem o beijo.
Cacete, ele disse que beijo estragava tudo. Disse desde o começo! E estava chocado com o quanto estava certo, porque o beijo de tinha claramente estragado alguma coisa dentro dele. Apodrecido uma parte antes tão viva. Remexido tudo como um furacão, deixando aquele cara uma completa bagunça sem entender o que foi, o que é e o que vai ser.
Ele bufou, largando o violão no mesmo lugar. Álcool. Ele precisava de álcool. Que se foda o café. Não fazia ideia de que horas eram, mas esperava sinceramente que Yoongi e Candice não estivessem transando na cozinha ainda. Ele só precisava de uma bebida, e pegaria a que ele achasse primeiro: whisky ou cerveja.
Levantando-se rapidamente, Jungkook estalou os dedos enquanto atravessava a sala até a porta. E então, antes que tocasse na maçaneta, a madeira grossa se mexeu em um rompante em sua direção.
E estava do lado de fora.


To be continued...

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