contador free

[ 25 ] – If I predicted tears then, I wouldn't have said it

🎵 Ouça aqui:
If You Were There, Beware - Arctic Monkeys

"Vá em frente, garota, vá em frente, nos dê algo horrendo
Exigimos sua tristeza, os assassinos ajudam os ladrões
Enquanto eles estão tentando roubar as palavras da boca dela e tirar a fonte dos inocentes
﹝...﹞
Por quê? Deixe-a sozinha
Se eu previsse lágrimas, então não teria dito
Não teria dito se eu soubesse."

Go on, girl, go on, give us something gruesome, we require your grief…
A música vinha de toda parte, dançando nos ouvidos de , vibrando por cima de sua pele, baixa e suave como o vento que entrava pela janela.
O ruído a acordou primeiro que a luz do sol, que reluzia na parte frontal de seu rosto enquanto a cortina balançava lentamente pela brisa externa.
Ela tentou abrir os olhos, mas a claridade a fez recuar e apertar os lábios, virando-se para o outro lado em seguida, resmungando um pedido de mais 5 minutos. Em poucos segundos, a corrente de ar escaldou suas costas nuas, e uma pequena pontada no braço direito a obrigou a abrir os olhos mais uma vez.
O quarto não era seu, mas disso ela já sabia. Era o mesmo quarto do fim do corredor oposto à suíte principal da grande mansão de Itaewon, onde as paredes brilhavam em luzes de galáxia e a parede soltava músicas lentas ou acentuadas, como aquele conjunto de acordes de Arctic Monkeys em plenas…
Que horas eram mesmo?
se sentou devagar, coçando os olhos à medida que puxava o lençol contra o corpo. Não se lembrava da hora exata que tinha dormido. Na verdade, isso pouco importava quando o que estava fazendo antes disso era tão bom. Sempre rendia uma boa noite de sono depois, independentemente da intensidade. Há sete anos atrás, poderia ter sido mais esperançosa sobre dormir tão bem no futuro e ter feito algo sobre isso o quanto antes.
Mas havia algo errado. O silêncio preenchido pela canção era único e solitário. A cama confortável era um mar de cobertores bagunçados, a imagem que representava o caos de uma noite inteira, e o restante… Onde estava o restante?
Onde estava Jungkook, que tinha dividido isso tudo com ela?
não o encontrou na outra metade do colchão, e isso talvez tenha mexido com ela mais do que imaginou. O que era completamente insustentável. Afinal, era algo que Jeon Jungkook fazia: ia embora de manhã. Mesmo que estivesse na sua própria casa.
Suspirando, se viu frustrada por tratar o assunto como novidade. O que esperava? Que um jantar singular depois de algumas horas tatuando juntos como dois amigos fosse mudar alguma coisa?
Ainda grogue, a garota esticou os braços até a mesinha de cabeceira mais próxima, procurando o telefone. Não lembrava exatamente aonde o tinha colocado, mas se surpreendeu quando encontrou o aparelho descansando bem embaixo do travesseiro.
Assim como outra coisa.
O papel estava grudado na tela apagada do celular. tentou desbloqueá-lo para averiguar as horas, mas foi surpreendida pela falta de carga. Quando puxou a folha e a desdobrou, reconheceu imediatamente a caligrafia tão característica que amontoava um certo caderno cheio de rabiscos chamado Chainsaw.

Tá legal, sei que é brega deixar bilhetinhos, e isso não faz ninguém ser indicado para um prêmio Nobel, mas seu telefone está sem bateria e não adiantaria te mandar uma mensagem.
Tive que vir para o ensaio mais cedo do que eu gostaria, porque Namjoon de repente tá preocupado demais com um certo passo que pode quebrar nossa perna e isso é até engraçado de se ver, mas na hora não posso rir porque ele sempre parece um membro do Congresso quando está dando ordens. Você estava dormindo e eu seria o maior canalha da história se não te deixasse na mesma posição. Deixei drunk paparazzi 2.0 tocando – depois te explico sobre isso – mas não sei a que horas você vai acordar para pará-la, então talvez outras músicas interfiram no meio do caminho e você pode acordar ao som de Nirvana gritando sobre cortar os pulsos. Foi mal, nunca disse que eu era perfeito.
Mas fora a baderna do meu gosto musical, imagino que você esteja confusa, ou talvez surtando porque está sozinha na minha casa, mas como eu disse, queria tirar o peso de ser um babaca te acordando. Se não achar isso tão bizarro, deixei uma chave reserva em cima da bancada da cozinha, junto com alguma coisa que a internet me disse que é bom comer de manhã depois de furar o braço. Não se preocupe, não tem nada com pimenta. Acho que você não gosta muito de pimenta assim como não gosta de cappuccino.
Não sei exatamente a que horas vou sair daqui, mas pode levar a chave com você que busco hoje à noite na sua casa. Você vai ter muita coisa a explicar pra Candice quando aparecer com uma blusa sem manga, então vou me certificar de aparecer em um horário mais seguro. Pode me contar a reação dela depois.
Tome um banho se quiser, também. Suas roupas daquele dia estão na gaveta do banheiro. Se conseguir não transformá-lo em um ⅓ do rio Han, eu vou ficar feliz.
É brincadeira, mas se quiser usar a banheira da minha suíte também, fica a seu critério. Não lembro se tenho sais de banho, pode procurar nos armários. Também tenho escovas de dentes lacradas. E você não precisa pagar por elas.
Acho que isso tá ficando grande demais pra quem não escrevia uma redação desde a escola, então espero ter sido claro. Aceito suas broncas por não ter te acordado mais tarde.

PS: você fala dormindo, sabia disso? Nunca reparei. Foi muito engraçado.”


se levantou na mesma hora, sentindo que o chão abaixo de seus pés ou o ar à sua volta estava brandindo como trovões. Seus olhos acompanhavam cada linha da carta, lendo e relendo com incredulidade. A única coisa plausível a se pensar naquele momento era:
Que horas são, porra?
Agarrando uma camiseta qualquer dele jogada por aí, passou pela porta do quarto de hóspedes, correndo para as escadas, tentando lembrar se existia alguma parte de Jungkook que se interessava por relíquias como relógios de parede em pleno anos 2020. Ela achava que não, mas não custava tentar. Depois de examinar todos os cômodos, ela chegou até a cozinha e foi surpreendida com alívio pelo relógio digital no microondas, piscando pacificamente por cima de um forno elétrico.
O alívio de se transformou em desespero ao ler também o dia indicado na tela.
10 da manhã. De uma sexta-feira.
Sexta-feira era um dia de trabalho. Um dia útil. Um dia em que pessoas normais e adultas precisavam acordar cedo, pegar o metrô e chegar à empresa porque tinham um cargo relativamente importante no meio de um pré-lançamento. Não dava pra acreditar que tinha sido tão descuidada desse jeito.
Antes de se afligir de vez, notou que ainda segurava a folha de papel, e que existia um parágrafo não lido no rodapé, linhas escritas em menor tamanho que seu olho apressado não captou.

“E pode ficar tranquila, Sooyeon mudou o ensaio das fotos dos pivetes para a tarde. Sei disso porque Hobi está doido pra ir checar o figurino. Tenho certeza que ela também mandou uma mensagem avisando, mas você não vai ver e vai se desesperar como bem faz parte de . Se conseguir acordar antes das 14 horas, você vai ficar bem.”


foi tomada novamente pelo alívio, e também por um constrangimento sem igual. Era como se tivesse deixado algo escapar na noite passada, como se não lembrasse de tudo direito e algo mais tivesse acontecido entre os bolinhos e o sexo. Como se uma colônia de borboletas agitadas tivessem invadido seu estômago, que não era capaz de comportar todas elas, ainda mais com a confusão que estavam fazendo.
Mas seus dedos formigavam ao segurarem aquele pedaço de papel. E seus lábios sorriam sem querer. Inconscientemente, sabia que guardaria aquela carta pra sempre na memória, e Candice já tinha falado uma vez que as memórias eram como sonhos. E que seja, ela tinha certeza que sonharia com Jungkook algumas vezes depois desse dia.
Mas antes que percebesse que estava praticamente pelada entre a sala e a cozinha de sua casa, ela visualizou o brilho verde fluorescente em cima da bancada de mármore, bem ao lado da bandeja improvisada com uma tábua de madeira.
caminhou até ela, pegando a chave pequena nas mãos, com o pequeno chaveiro verde legendado com “reserva”. Então, sentiu o cheiro da salada de frutas misturada com um prato de ovos enrolados, parecido com tamagoyaki, omelete japonês, café preto e pão de castanha.
Enfim, o que mais ele queria que ela pensasse? Que ele era incrível? Que era mais atencioso e gentil do que demonstrava por aí? Que tinha mais habilidades culinárias do que dizia ter?
suspirou, sorrindo com felicidade, afastando o banco para se acomodar e começar a usufruir do seu café da manhã. Comeu feliz, satisfeita e grata, relendo a carta dele durante toda a refeição.
Talvez ela fosse mesmo usar a banheira.

・ ❬📸💔❭ ・


— Eu voto no skate — traçou uma linha pela folha de papel A2, desenhando um sinal de OK na frente da palavra — Acho que condiz com a atmosfera Billy the Kid que estamos querendo passar. Só não sei com quem ele combinaria mais… Talvez com o Soobin? Ou ele é alto demais pra isso? Pode ser o Kai, ele ficaria bem com a touca colorida que Seojun separou. Ou talvez…
Ela parou e olhou para a frente, onde viu Yoona e seus olhos ainda imóveis e esbugalhados na direção de um ponto específico de sua pele.
revirou os olhos pela terceira vez, largando a caneta em cima do tampo da mesa.
— Até quando você vai ficar olhando para o meu braço?
Yoona acordou em um estalo com a repreensão, corrigindo a postura na mesma hora.
— Q-quê? Eu não tava olhando.
— É só uma tatuagem, Yoona. Tenho certeza que viu várias delas naquela festa chata que estava me contando mais cedo.
— Eu sei, eu sei, é que… — ela tentou dizer sem gesticular tanto com as mãos, mas sabia que estava abalada demais para isso — Ela é tão… grande. E colorida. E você é , não se espera essas coisas de .
ergueu a sobrancelha no meio de uma risada. Dedilhou o ombro direito inconscientemente com a ponta dos dedos, onde os contornos de Polyc ainda ardiam e a pele ao redor ainda estava um pouco inchada sob a blusa de mangas curtas, que cobria quase toda a parte superior do desenho. Os olhares que tinha recebido desde que chegou eram iguais ou até piores do que Yoona; seria motivo o bastante para se preocupar em dias normais, mas estava sendo uma experiência quase imperceptível. Quase.
Porque não podia deixar de concordar com Yoona quando disse que uma coisa daquelas não era esperado dela. Nem esperava esse tipo de coisa de .
— Eu te entendo. Mas algumas coisas mudam — respondeu com simplicidade, voltando a pegar a caneta. — Só investi em algo grande demais na primeira vez, mas nada fora do comum. Você nunca quis ter uma?
— Talvez. Quando eu tinha nove ou dez anos e era muito fã da Miley Cyrus — Yoona estendeu a mão para puxar uma caneca roxa largada de lado, trazendo o aroma de um novo tipo de chá fedorento — Sua nova pupila deve ter amado. Já percebi aqueles desenhos loucos que ela tem na base do pescoço. Falando nisso, onde ela está?
— Foi ajudar o Seojun com as roupas. Acho que foi uma desculpa pra ver o Hoseok tão de perto, mas não vou tentar impedi-la. Ela organizou todas as minhas demandas em 4 planilhas e ainda imprimiu um cronograma físico do lançamento em formato de banner. Tudo em uma noite.
— E ainda achou tempo de vir para o trabalho com um vestidinho preto e uma gravata vermelha. Não quer dar ela pra mim? — Yoona fez um biquinho. riu.
— De jeito nenhum. Ela disse que se chegar ao fim desse projeto sem raspar o cabelo, vai me levar em um rodízio de comida vegana com todos os pratos que puder imaginar. Achei fofo, mesmo ela tendo começado ontem — balançou a cabeça. Yoona gargalhou alto, acarretando em um olhar de advertência da outra mesa ao lado, fazendo pedir desculpas pelo barulho.
Vegana? Mas ela estava comendo camarão hoje no almoço.
— Ela não considera os peixes como animais não comestíveis porque jura que eles tremem quando saem da água por pura necessidade fisiológica, e não por dor. Vai entender. Ela leva muito a sério essa coisa de sofrimento.
Yoona já estava preparada para rir de novo.
— O que ela diria sobre Sooyeon e seu guisado de tripas de boi de todas as segundas-feiras? Sem contar das porções extras que encomenda para o resto do departamento.
— Por favor, deixa ela fora disso, ou vai começar a brincar de esconde-esconde com a gente por achar a situação cruel demais — fez uma careta — Ou nojenta demais.
A risada de Yoona que veio logo a seguir, levou junto. A ideia de que Wonnie, aquela garota tão doce, não parecesse tão velha assim para literalmente brincar de esconde-esconde e desse um jeito de evitar e o departamento de criação inteiro por causa de seus hábitos alimentares era algo a se considerar, por mais que a ideia fosse absurda e hilária ao mesmo tempo. Quando viu, as duas já estavam rindo na mesa compartilhada como se não tivessem nada para fazer.
Como se não estivessem tentando entrar em um acordo sobre as posições dos garotos para o grande dia do photoshoot promocional que estava se aproximando.
Quando as duas receberam mais um “shh” de advertência, repuxou os lábios e limpou uma lágrima do canto do olho para se conter, enquanto Yoona disfarçou a inconveniência com mais um gole de chá.
— Ah, você parece feliz de verdade, — disse ela, estreitando os olhos em seguida — Aconteceu alguma coisa especial?
franziu o cenho, sinceramente confusa.
— Como assim?
— Não sei, sabe. Você andava meio pra baixo nesses últimos dias, e juro que pensei em falar alguma coisa, mas você mal responde quando pergunto o que quer almoçar, é sempre “o que você quiser” ou “não tenho preferências” e coisas desse tipo que vão criando um enorme vácuo entre a minha preocupação com você e a vontade de perguntar de novo. Isso permite que a nossa amizade não cresça, — o suspiro de Yoona saiu com indignação, mas não parecia brava ou coisa do tipo. Parecia apenas alguém contando ao carteiro porque a grama ainda estava tão alta — E, bom, é por isso que você almoça japchae todo dia, mas esse não é o ponto. Você estava com problemas e agora parece que esses problemas nunca existiram. Pode me dizer qual foi o estopim maluco que virou sua chavinha? Quero experimentar essa onda também. Mas nada que envolva tatuagens coloridas no braço, por favor.
riu intensamente, apoiando um dos cotovelos na mesa, colocando uma mecha de cabelo ainda um pouco molhada para trás da orelha.
— Não teve nenhum boom especial, Yoona. Às vezes, eu só… Tenho dias ruins. Sabe? Dias em que eu quero me esconder atrás de um arbusto e não ver ninguém. Às vezes, esses dias ruins se estendem por vários dias ruins, mas nunca dura pra sempre. Ainda bem.
— Ia ser uma merda — Yoona concordou com a cabeça, antes de apoiar os dois cotovelos para cima e se aproximar de para sussurrar: — Mas aquela tristonha estava assim por causa de um certo idol lindo de morrer e sua aparição com outra?
A pergunta curiosa fez travar um pouco. Já se sentiu cansada antes mesmo de abrir a boca. A verdade era que estava presa em uma história de fantasia criada por Gong Yoona, onde Jaehyun e protagonizavam um romance que possivelmente nunca iria acontecer. Yoona desejava, naqueles olhos castanhos, que alimentasse isso, que se transformasse em uma contadora de histórias, revelando detalhes sórdidos sobre como era ficar com um idol.
Não havia detalhes desse tipo com Jeong Jaehyun. Na verdade, não sabia o que dizer quando pensava nele hoje em dia. Antes, as coisas eram mais fáceis; identificar e nomear seus sentimentos por ele era rotina. Mas as coisas tinham mudado. Na verdade, mesmo que tivesse certeza de que algo mágico e transformador havia acontecido de ontem para hoje, e ela notoriamente se sentisse uma pessoa diferente, suspeitava que seu coração já estava mudando há muito tempo, lentamente a passos de bebê, transformando-a em uma versão completamente diferente daquela que Jaehyun havia encontrado.
O garoto gentil que confiou e acolheu aquela história bizarra de “eu não publiquei aquelas fotos do seu amigo, por mais que isso fosse garantir o meu emprego.
Jaehyun tinha dezenas de pontos positivos. E gostava muito do sentimento de antecipação e frio na barriga que sentia quando ele estava perto, ou quando demonstrava esforço e interesse, e todas essas coisas que entraram forte em seu coração e a fizeram de repente querer ser perfeita para um cara perfeito.
Mas ser perfeita era tão cansativo. Com a vida e o passado que tinha, era custoso viver o tempo todo como se não tivesse um tapete lotado de tralhas. Um tapete que entulhava, fedia, crescia. E a possibilidade de mostrar tudo isso a ele nunca existiu.
não sabia o poder transformador de levantar uma parte do tapete até a noite de ontem.
E isso definia seus sentimentos no momento. Sentimentos secretos, ainda muito confusos e nebulosos, mas que foram plantados como uma semente no coração. E essa semente germinaria, quieta e ligeira, enquanto se ocuparia apenas em viver sua vida como nunca viveu.
Eram coisas particulares e sensíveis demais para se falar com alguém tão interessada em outra coisa. Yoona ainda a olhava do outro lado da mesa, esperando uma resposta, e reconheceu que ela não aceitaria não ouvir.
— Yoona, está quente como o Hades lá fora e você quer me ouvir repetir que não tenho nada com ele? — ela disse em voz baixa, dando uma rápida olhada para o lado.
— Mas não é possível — Yoona choramingou, largando a caneca no tampo. — Candice me contou naquele dia do karaokê, eu tenho certeza, mesmo que eu não me lembre de mais nada depois daquelas tequilas. Ela não deu detalhes, mas o NCT saiu em turnê há quase dois meses, e na primavera você já estava aqui, e não me diga que não rolou nada…
— Não vou responder.
!
— Não devo sair falando essas coisas, Gong. Mesmo que eu tenha beijado ele uma ou duas vezes, ainda é errado deixar as pessoas ficarem sabendo e criarem expectativas em malucas como você.
tinha uma expressão exasperada. Yoona piscou os olhos algumas vezes, algumas várias vezes, com as pálpebras quase ganhando vida, até murmurar:
— Você o beijou mais de uma vez? — questionou ela, mostrando que seu cérebro tinha estacionado apenas naquela parte específica — Puta merda, ! Como foi isso? Me diga que ele sabe usar a língua direito. E o tanquinho, você viu? Jeong Jaehyun deve ter um dos abdomens mais lindos da Coreia. Não me diga que não tirou uma casquinha…
— Yoona — inclinou a cabeça para a esquerda, onde os olhos de uma garota aparentemente concentrada no monitor do computador há uns 10 metros pareceram rolar para o lado e para a frente algumas vezes, os ouvidos atentos — Pode ficar satisfeita com a minha resposta? Vamos voltar ao que eu estava falando…
Argh. Não pode me contar isso no meio do trabalho — Yoona se queixou, voltando a puxar o laptop — Vamos sair pra beber de novo. Eu, você e Candice. Coisas mais leves e saudáveis, e sem karaokê ou hospitais. Quero que você fale comigo, , e me explique como homens lindos e belos não tem o poder de alcançar o seu coração.
— Talvez você tenha que convencer a Candice melhor na parte do saudável respondeu, voltando a olhar para as anotações da folha A2, tentando se lembrar de onde tinha parado. Yoona tamborilou os dedos pelo teclado, igualmente tentando voltar ao raciocínio. Demorou menos de 5 minutos para que o afastasse de novo com um grunhido de frustração.
— Mas era primavera, ! Primavera! Me diz que pelo menos foram ver as cerejeiras.
revirou os olhos, mas achou cômico. A fisionomia pateticamente desesperada de Yoona por uma fofoca era até que engraçada.
— A primavera se foi, Yoona. Estamos no verão, por que não deixa o verão ser o verão? — Foi a resposta mais óbvia que pensou. Yoona desabou as costas na cadeira.
— Então você prefere o verão?
A cabeça de pendeu levemente para o lado, onde a metade do cabelo caía em cascata ao lado do pescoço, exalando o cheiro ainda recente do shampoo que usou no banho de mais cedo.
Cranberry.
— Digamos que eu ame o verão.

・ ❬📸💔❭ ・


saiu do elevador a passos lentos, andando para a porta do apartamento com os olhos distraídos nas mensagens de texto que deixou para ler no fim do expediente. Candice, em uma atitude severamente incomum, tinha mandando uma única mensagem dizendo que tinha reposto o iogurte que pegou emprestado. Uma única mensagem. Sem perguntas sobre almoço, frutas na promoção ou qualquer coisa sobre o fato de não ter dormido em casa.
Provavelmente porque ela também não tinha dormido em casa, mas ainda assim. Candice Chaperman era feita da energia primaveril de um golden retriever, mandando inúmeras mensagens no dia sobre qualquer coisa feliz ou triste que acontecia. Seu silêncio era prova suficiente de que estava extremamente chateada.
E se sentiu um pouco mal por ter uma grande influência nisso. Mesmo sabendo como funcionava Candice Chaperman e seu sistema temporário de mágoas, ainda era muito ruim vê-lo em andamento.
Esperava que essa vibe pesada do apartamento 402 se dissipasse assim que ela contasse a verdade para a melhor amiga. Só precisava se preparar para não chorar como uma maluca antes.
digitou uma resposta simplista: podemos jantar juntas hoje? Acho que eu quero dividir o iogurte que você comprou.
E antes que recebesse uma resposta, foi ler a próxima mensagem, uma que lhe tirou um sorriso sem querer, uma que ela tinha deixado parada de propósito só pra poder reler, sentir e falar com calma.
Jungkook: Não sabia que você conhecia tamagoyaki. Tentei olhar uma receita na internet, mas não tinha muito tempo, então só fiz o que eu lembrava. Aprovado?
: De certa maneira, deu pra comer. Você se esforçou tão bem.
Jungkook: Ambiguidade? Não sei se considero essa resposta positiva ou negativa. Vou encontrar os restos da omelete nos fundos do meu quintal?
: Que horror, eu jamais faria isso.
Mas tô torcendo para que você não saiba do bosque grande que tem ali perto dos seus vizinhos.
Jungkook: Não vacila desse jeito, gata. Mexe com a minha autoestima de competidor.
: Tô brincando, estava uma delícia. Fantasiei com você em uma dólmã escura, sua cor preferida, enquanto cozinha mais um.
Jungkook: Gosto da parte de realizar fantasias. O uniforme pode ser azul ou verde?
: Azul. Escuro. O único jeito de juntar nossas cores favoritas.
Jungkook: Eu gosto de azul.
Já chegou em casa?
: Acabei de chegar.
O botão do Enter tinha acabado de ser pressionado quando seus olhos enxergaram um par de sapatos brancos ao lado do tapete de boas-vindas brega que Candice havia trazido da Califórnia. Com um susto inesperado, ergueu os olhos e deu de cara com 1,85m de altura imóveis ao lado do número 402.
O rapaz a encarou com incerteza, sem saber se a cumprimentava ou pedia desculpas, enquanto se recuperava do sobressalto que abalou o coração, preparando-se para perguntar o que diabos um cara desconhecido estava fazendo parado ao lado de sua porta.
Mas antes que fizesse isso, ele falou primeiro, curvando as costas em uma reverência exagerada:
— Boa noite, senhorita . Já faz um tempo.
abriu e fechou a boca várias vezes, sem emitir um único som. Quando o cara voltou à posição vertical, os cantos de sua boca se abriram em um sorrisinho tímido e, então, ele não era mais um estranho.
— Gook Doo? — Perplexa, se aproximou a vários passos, atestando que ele não era uma espécie de holograma — É você?!
Gook Doo segurou um riso e assentiu com a cabeça.
— Eu mesmo, senhorita.
Não dava para acreditar. Parecia que tinham mergulhado aquele garoto travado no Poço de Lázaro, puxando de volta um cara gato, com ombros mais relaxados, postura confiante, jeans casuais, lentes de contato e sorriso solto. Uma transformação mais do que genial, na singela opinião de .
— Uau — ela suspirou, rindo um pouco. — Você está… — tentou achar as palavras, mas não era necessário. Ele corou tanto que precisou rir mais um pouco para disfarçar.
— Diferente? — completou. concordou.
— Sim, muito. O que faz aqui? Achei que estava em Xangai.
— Eu estava, até ontem. Entrei em um programa de treinamento para novos redatores na filial chinesa e agora posso tomar posse da promoção. Levou mais tempo do que imaginei, mas foi uma experiência e tanto.
— Que incrível. Então não é mais o assistente de Candice?
— Não, mas ainda não estamos no mesmo nível. Com a nova promoção dela, ainda sou seu subordinado de certa forma, mas vamos dividir uma sala. Alguns hábitos nunca se perdem.
Ele sorriu com satisfação, enquanto o sorriso de se perdeu no meio do semblante chocado.
— Candy recebeu uma promoção?
Gook Doo franziu o cenho e colocou uma das mãos nos bolsos.
— Ahm… Sim, a senhorita Chaperman agora virou a editora principal da seção de entretenimento nacional da revista. Ela vai colaborar com a Shin Eunji, que é o braço direito do editor chefe e que vai dar as devidas correções quando necessário em razão das questões sensíveis à nossa cultura, mas Candice se saiu muito bem em um desempenho geral na agência. Ela também…
não estava escutando direito. Seus olhos se perderam para além daquele rosto novo e bonito, sem vê-lo de verdade, sentindo o estômago afundar gradativamente. Em menos de cinco minutos que saiu daquele elevador, já estava se sentindo culpada por mentir para Candice pela quarta vez.
Ela parou de cutucar seu ninho de culpa quando Gook Doo encerrou seu monólogo, parecendo encabulado com a falta de reação.
— Ah… que legal. Isso é, nem sei o que dizer. Estou tão feliz por ela receber tudo o que merece.
E perdeu o resto das palavras, deixando um silêncio constrangedor no ar; tanto pela resposta nada convincente quanto pelo olhar confuso de Gook Doo, que ainda tentava disfarçar sem sucesso a estranheza do fato de não saber de algo tão importante sobre Candice Chaperman.
Meu Deus, ela devia estar muito chateada mesmo.
— Então… Você está esperando ela chegar? — perguntou , limpando a garganta enquanto puxava a chave da bolsa. Teve que olhar direito para ver se não estava pegando a chave da casa de Jungkook.
— É, vamos precisar fazer uma reunião externa com urgência e vou entregar o meu primeiro artigo, e eu só… — ele levantou uma das mãos para mexer nos óculos imaginários, atrapalhando-se por um momento — Acho que me arrumei com muita antecedência.
se conteve para não rir. Alguns hábitos não se perdiam mesmo, incluindo o fato de que Gook Doo estava sempre pronto para agarrar a bolsa e os sapatos de Candice como um perfeito lacaio.
— Tudo bem, então. É melhor você entrar antes que caia em cima desse tapete quando suas pernas se cansarem — abriu a porta, sem esperar as recusas do garoto. Quando apertou no interruptor para jorrar a luz fluorescente pela sala, ela tirou o casaco com as mangas torcidas até o meio do cotovelo, uma peça sutil que não saía de seu guarda roupa mas que não funcionava tanto em dias quentes.
Quando terminou de baixar a peça, ouviu nitidamente a expiração surpresa de Gook Doo.
Ela se virou para ele na mesma hora, que ainda estava muito perto do batente da porta, terminando de tirar os sapatos.
— Isso estava aí antes? — perguntou ele, semicerrando os olhos na direção do desenho colorido no braço, daquela maneira que as pessoas fazem quando estão se esforçando para parecer casuais.
Mas era óbvio que ver uma garota com uma tatuagem tão chamativa como aquela era qualquer coisa menos casual para ele.
riu e concordou com a cabeça.
— Antes de ontem, não — deu de ombros, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo. — Mas é uma novidade um pouco interessante, não acha?
Ele tentou rir despojadamente, mas parecia tão nervoso olhando a figura e a postura nova de que acabou voltando, em questão de segundos, a ser o mesmo Gook Doo que ela estava acostumada. Aquele que parecia estar 24 horas por dia guardando marimbondos nos bolsos do casaco.
— É… Interessante, como você disse.
— Pode sentar, vou pegar uma bebida pra você.
— Não prec…
— Suco? Tudo bem — ela abriu um sorrisinho prepotente, e se retirou para a cozinha antes de vê-lo corar novamente e tomar seu lugar no sofá, um pouco mais relaxado do que costumava ser.
Quando voltou com um copo de suco de laranja, ele aceitou de bom grado.
— E então, como é Xangai? — perguntou , conseguindo algo inédito com a questão: fazer aquele cara tão quieto falar.
Gook Doo tinha amado a China. Contou das tecnologias inovadoras em transporte, dos prédios de arquiteturas peculiares, dos parques arbóreos com propostas de urbanização, das comidas bizarras de rua – que tinham estoque de ninhos de marimbondos no chão para servir de alimento e ovos fermentados em urina, resultados de uma grande era de guerra sem fim –, dificuldade na pronúncia do mandarim e o contato com grandes marcas e seu interesse especial nos modelos chineses.
Toda essa imersão foi totalmente necessária para o conhecimento de sua nova função como redator cultural da revista, que o cederia uma página inteira a cada edição apenas para que contasse histórias de sua terra local, o que consistiria de muitas viagens pelo país, trazendo curiosidades que valorizariam ainda mais a visão da Coreia sobre si mesma e sua identificação pela própria população.
Parecia algo que gostaria muito de fazer.
— Não preciso dizer isso pra você, mas nosso povo leva muito a sério a própria história. Tudo que se conhece de épocas marcantes do país são decorebas de livros escolares e uma dezena de pequenas regrinhas, então eu acho interessante a proposta da empresa de mostrar um outro lado da narrativa. Um lado mais divertido, talvez mais informativo, sem sensacionalizar nada. Ou talvez só um pouquinho — ele sorriu abertamente, e assentiu, ainda impressionada.
— Isso é tão legal, Gook Doo. Sobre o que é a sua primeira matéria?
— As colaborações culturais e históricas entre o Sul e a China, considerando toda a nossa preocupação de preservação de certos costumes e tudo mais. É mais uma coisa de contrato, já que a China não é das melhores em relembrar o passado, mas foram muito abertos com essa questão. A primeira coisa que senti quando pisei no treinamento foi essa alfinetada sobre ter limites ao falar do pretérito deles. Mas fora isso, foram muito gentis em mostrar a antiga casa do imperador, os mausoléus de esposas, de…
Ele parou de falar com o barulho do telefone tocando em algum lugar dos bolsos da frente. Gook Doo levou um pequeno susto, como se sentisse um espinho escapando pelo tecido, e deu um sorrisinho de desculpas para puxar o aparelho e atender.
— Alô? — disse ele, e escutou ligeiramente o ruído de um grito do outro lado — Ah, senhorita Chaperman, eu já…
Eu sei, já vou chegar… Trânsito…
franziu o cenho. O barulho da chamada havia ficado mais alto, duplicando-se no ar, assim como barulho de saltos.
— Não tenha pressa, senhorita Chaperman, eu já estou…
Eu sei que você já está, você sempre está, mas tinha uma tonelada de coisas na minha mesa hoje cedo e sabe que ainda não posso me dar ao luxo de dizer não.
Agora a escutou perfeitamente, assim como o tuc tuc dos sapatos no corredor afora. Em pouco tempo, ouviu também o clique da chave na porta, e Candice entrou como um furacão, segurando o telefone entre o ombro e a bochecha.
— Eu sei que você acabou de… — Candice parou de falar ao olhar para a sala já iluminada, vendo Gook Doo imediatamente — Gook Doo! Você está aqui! Por que não me disse antes? Como você…
E Candice olhou para sentada do outro lado, com os cabelos presos e a blusa sem mangas, terminando de tomar o suco de laranja.
Os olhos cinzentos da garota foram atraídos imediatamente para o ponto colorido do braço.
— Minha nossa… — murmurou, se aproximando imediatamente, esquadrinhando a pele de para se certificar que não estava vendo errado — Mas o que foi que você fez?
— É… uma longa história — fez uma careta de desânimo. A história era mais do que longa; era complicada, triste e depressiva. Uma zona repleta de espinhos verdes. Mas se ela já estava chocada com a tatuagem como se tivesse sido atingida por um chicote, que dirá quando soubesse do resto — Eu vou te contar…
— É claro que você vai me contar — Candy a interrompeu, erguendo o queixo com descrença — Pelo menos fico feliz por eu ainda ser uma amiga suficiente pra quem você conta coisas.
se segurou para não retrucar ou revirar os olhos. Candice estava certa em ficar chateada, mas desde quando pagava as coisas na mesma moeda?
— Tudo bem, Candy, eu entendo sua irritação. Pelo visto também não fui uma boa amiga pra saber da sua promoção.
Em contrapartida, Candice não teve o menor pudor para revirar os olhos, virando-se para Gook Doo logo depois, que estava parado como uma estátua e com olhos um pouco arregalados, tanto pela chegada repentina de Candice quanto pela conversa que certamente não o dizia respeito.
Ele com certeza sentiu fisicamente na pele os olhos da loira o fuzilando.
— Fui promovida ontem — ela se voltou para novamente, frisando a palavra — E já quis mostrar serviço ficando umas boas 4 horas extras para me adaptar no cargo, mesmo que tecnicamente eu não precisasse. Aprendi isso com você — alfinetou, bagunçando um pouco dos cachos desalinhados pelo cansaço — Por isso não deu tempo de te contar. Eu faria isso o mais rápido possível. Talvez amanhã, depois de mais uma bateria de horas extras que preciso fazer com meu assistente.
— Redator — Gook Doo corrigiu timidamente em voz baixa, e Candice suspirou.
— Isso, meu redator. Eu e ele estamos há — ela olhou no relógio de pulso — 10 minutos atrasados de enfrentar aquele trânsito insano na Teheranno para chegarmos a tempo da última reunião. Então acho que precisamos ir — Candice bufou mais uma vez, agora puxando o cabelo para o topo e torcendo-o em um coque desarrumado, trocando os saltos por tênis de corrida.
sentiu uma ligeira pontada de culpa, bem pequena. Candice ainda estava usando seu terninho plissado habitual, mas a maquiagem já tinha ido para o espaço em algum banheiro da empresa e era uma visão mais rara do que um cometa Halley vê-la se desfazer de seus saltos caros e inseparáveis. O rosto denotava uma exaustão nítida, mas ela não parecia infeliz ou esgotada. Estaria mais animada se tivesse dormido por pelo menos 2 horas, mas mudar de cargo devia virar o seu mundo de ponta cabeça, ainda mais quando não se estava esperando por isso.
Os últimos dois dias de Candice Chaperman tinham sido equivalentes a 1 mês e estava pensando que sua falta de mensagens vinha de uma mágoa.
— Candice — ela chamou, e Candice a olhou de lado enquanto calçava os tênis — Estou muito feliz por você. Muito, de verdade.
Candice soltou os cadarços para lhe lançar um pequeno sorriso de canto, um que soube que era igual aos outros, sem tirar nem pôr.
— Obrigada, . Se eu não enlouquecer até a próxima semana, vamos sair pra tomar um drink. Depois que eu conseguir dar a devida atenção ao meu namorado, é claro — suspirou, e as duas ouviram um novo som de descrença vindo do embaraçado Gook Doo, que já estava devidamente perto da porta — Sim, garoto, sua colega decidiu se render ao romantismo barato da sociedade. Ando enjoada de tanta flores que eu recebo, vai se acostumando — ela lançou uma piscadinha brincalhona pra ele e se voltou pra , ou para o seu braço — E isso aqui, senhorita … Estou realmente ansiosa pra saber o que houve. Tão ansiosa que estou pensando em largar esse emprego, sentar nesse sofá e tomar pelo menos 7 dry martini.
— Você não faria isso — riu um pouco, e Candice fez uma careta de concordância — Vai lá. A nova editora de entretenimento precisa começar a treinar em gritar ordens.
— Ah, sim! Eu vou amar isso! Gook Doo, trouxe meu café? — ela se virou para ele, que apenas piscou os olhos do mesmo jeito temeroso de sempre — Desculpa, força do hábito. Vamos nessa, garoto. Vou precisar de não só 1, mas 3 cafés.
Candice agarrou a bolsa que havia jogado no sofá, e tirou os brincos grandes das orelhas, depositando-os na mesinha de centro e caminhou para a porta enquanto murmurava uma lista de check-lists que tanto ela quanto Gook Doo precisavam cumprir antes que o sol nascesse.
Já quase no corredor, Candice se virou para enquanto ela se despedia com um tchauzinho para Gook Doo.
— Nós vamos ter uma conversa bem séria, mocinha — e lançou as pupilas para o braço de mais uma vez — Bem séria mesmo.
E fechou a porta, gritando para Gook Doo esperá-la.
continuou parada por um tempo, talvez absorvendo a informação da promoção de Candice, e logo um sorriso bobo brotou de seus lábios naturalmente, genuinamente feliz pela melhor amiga. Era tão fácil se sentir feliz por Candice. Tão fácil torcer pelo seu sucesso. Um sucesso que ela sabia já ser destinado a acontecer, mas que vibrava do mesmo jeito quando de fato acontecia.
Com um suspiro de paz, juntou os copos em cima da mesinha, lavou e guardou na cozinha, pegou a bolsa que havia deixado no sofá e voltou para o seu quarto. Sentiu o celular vibrar levemente na mão, e um outro motivo para arrancar mais um sorriso:
Jungkook: O boxe acaba daqui há 20 minutos. Já jantou?
se preparou para digitar uma resposta, mas outro pensamento saltou na frente, uma vontade nascida do nada, uma que jamais teve. De repente, parecia tão pertinente querer fazer aquilo que ela nem se perguntou se era o certo, ou como seria recebida do outro lado da linha.
Quando digitou o número de Antônio, a ligação chamou e chamou. andou pelo quarto, verificando as horas no despertador digital, vendo que não passava muito das 8 da noite, e com 12 horas de diferença significava que era um horário propício para que ele estivesse acordado, assim como ela. Agda costumava encher os dois braços de roupas para lavar em pleno sábado de manhã, mas não fazia ideia se alguns hábitos se mantiveram desde a sua partida.
De algum modo, estava ansiosa para ser atendida. Ansiosa para perguntar, para saber o que estavam fazendo, se tinham recebido o dinheiro e quando iriam dar entrada em um tratamento decente. Poderia até ajudar a procurar, caso quisessem. Estava louca para confirmar o bem-estar de sua mãe, mesmo que ela provavelmente não perguntaria a mesma coisa para .
A chamada foi parar na caixa postal. suspirou e tentou mais uma vez, recebendo a mesma resposta. Talvez decidiram dormir até mais tarde no sábado, pensou ela. Era compreensível, mesmo que não fizesse ideia se os dois tinham empregos que funcionavam aos sábados. Decidiu deixar o telefone em cima da mesinha de cabeceira e se preparou para juntar sapatos bagunçados, trocar a roupa de cama, pendurar a chave de Jungkook no porta chaves ao lado da escrivaninha e outras coisas que fariam 20 ou 30 minutos passarem voando. Mas a vibração repentina do celular a fez parar tudo e se virar.
O número de Antônio estava retornando.
puxou o aparelho com rapidez, limpando a garganta ao atender.
— Alô…
O que você quer? — A voz raivosa do outro lado era feminina e firme. Estava mais cansada, talvez mais grave, mas inegavelmente familiar. notou o aperto instantâneo no estômago — Tô falando com você, cacete! Quem é?! A mesma vadia da semana passada?
franziu o cenho, tentando adivinhar se estava prestes a entrar em uma conversa comum ou em uma descoberta arrasadora.
Quando Agda começou a resmungar outros palavrões desconexos, ela lentamente disse em voz baixa:
— Mãe?
O som na outra linha parou. Não se ouvia um mísero barulho de trânsito, de pássaros, cigarras, de ar em volta. Parecia que a mulher tinha parado de respirar, assim como .
Quando estava prestes a perguntar de novo, a voz da outra soou pesarosa em seus ouvidos:
O que você quer?
umedeceu os lábios, e seus pés tinham recomeçado um novo circuito pelo quarto.
— Eu… Há quanto tempo — disse ela, se sentindo pequena, como se visse claramente os olhos severos e grandes da mãe, uma mãe que a olhava de cima e de longe, muito longe — Como você está?
Normal. Como você tem esse número?
ficou confusa de novo, mas se lembrou rápido da insistência de Antônio sobre manter seu pedido de ajuda em segredo, porque Agda tinha deixado claro que jamais recorreria à de novo.
Mas agora isso não importava mais. Estava feito.
— Antônio me ligou. Achei que já estava sabendo — respondeu ela, fechando um dedo dentro das mãos — Achei que soubesse do dinheiro.
Que dinheiro?
— O dinheiro que mandei. Para o seu tratamento.
ouviu um palavrão. E mais outro, um mais escabroso que o outro, uma série de ruídos que se misturaram a uma risada bizarra. Um arrepio anormal atravessou cada centímetro de sua espinha.
— Você… Recebeu o dinheiro, não recebeu?
Agora Agda riu abertamente, e captou ruídos de vidro batendo um contra o outro.
Essa é boa. Eu não sei que caralho de dinheiro você está falando, .
— Não, espera — sua voz saiu trêmula. As pernas estavam lentamente começando a perder o ritmo das passadas — Ele me contou do seu diagnóstico. Contou do tratamento. Mandei o dinheiro porque o seu câncer…
Câncer?! — A gargalhada da mulher foi tenebrosa. Tão alta que vibrou dentro da cabeça de , deixando-a ainda mais enojada, recordando-se daquela mesma risada antiga, que era fruto de seu vício favorito: o álcool — Eu não tenho porra de câncer nenhum. Tá ficando maluca?
paralisou como se tivesse sido atingida por uma flecha envenenada. As palavras de Agda ressoaram por cada canto da mente, indo e vindo, fazendo ecos nos seus ouvidos, tirando toda a sua coordenação motora.
— O-o quê?
Você é uma idiota mesmo — a mulher atestou, e sentiu o desprezo nítido naquele timbre por cada célula do corpo — Sabe o que fez? Mandou seja lá quantos para o desgraçado meter o pé. Ele estava devendo um homem importante por aí, talvez porque fez apostas muito burras sem a minha ajuda e não sabia onde estava se enfiando, mas não volta pra casa desde ontem e comecei a pensar que tinha fugido com alguma vagabunda. Estava com tanta pressa que nem levou o celular. Mas, quem diria… — ela riu com sarcasmo, e ouviu um fungar disfarçado, e mais vidro. Mais bebida — Você tinha que ter um dedo nisso, sua infeliz.
— O quê?! — arfou em choque, e a queimação no nariz estava ali de novo, ardendo até a alma, preparando-se para o que estava por vir — Eu não…
Você não pode ser tão burra a ponto de achar que eu te procuraria por causa de uma porcaria de câncer, direta ou indiretamente. Estaria morta antes de fazer isso, . E se acha que Antônio se preocuparia com alguma de nós duas a ponto de tentar fazer uma boa ação pelas costas, então você é mais burra ainda — cuspiu Agda, e agora começava a se sentir um pouco zonza, os olhos se abrindo e abrindo ao passo que embaçavam, o formigamento se deslocando para a garganta — Mas eu e ele poderíamos resolver juntos as coisas, garota. Nós dois passamos por poucas e boas e sobrevivemos, e não seria diferente agora, independentemente da merda que ele tenha arrumado com quem quer que seja, porque é assim que nós funcionamos. Mas você, como sempre se metendo onde não é chamada, mesmo depois de ter nos abandonado. Mandou a porra de um dinheiro que sabe-se lá como conseguiu, de algum buraco que seja que você deva estar agora, e fez ele se mandar pra longe! Parabéns, você conseguiu o que queria, o que você sempre quis, não é? Com todo esse papinho que te maltratamos e blá blá blá. Aposto que ofereceu o dinheiro para ele, torcendo para que dessa vez ele fosse mesmo embora!
ouviu um pequeno choro vindo do outro lado, acompanhado de mais lamentações de Agda, mas tanto a voz quanto os ruídos estavam agora abafados, acontecendo a quilômetros de distância. Não era mais uma voz firme e explosiva, mas um sussurro, a sombra de uma voz. a ouvia falando, mas o som se desintegrava no meio do caminho à medida que seu cérebro ia se partindo, e o corpo inteiro tremia sem parar, absorvendo o impacto das palavras nocivas. Parecia louco. sentiu tudo dando errado dentro do corpo, tudo se preparando para um colapso.
— M-mas… Eu não sabia. Mãe, eu não sabia…
Ah, claro! — Agda a cortou com outra gargalhada embargada — Não sabia que pra sua querida mãe ir parar no hospital, precisa de muito trabalho? Que a última vez que estive lá, foi quando tive você? Acorda, garota. Você foi tão enganada quanto eu — rosnou com fúria. — E se fez de idiota se pensou que o que mandou era o suficiente. Considerando toda a quantia que me roubou há 7 anos atrás, devia ter mandado o triplo. Mas fique tranquila que Antônio é um homem que sempre volta. Mas não garanto que vai voltar com o seu dinheiro nojento, então espero que não o queira de volta.
O queixo de despencou. As palavras travaram no céu da boca. A garganta se condensou em um nó tão atado que mal permitia a entrada de oxigênio. Aquilo era… O que era aquilo? Quem era aquela mulher? Por que…
Dinheiro nojento…
teve certeza de que estava tendo um tipo de ataque de pânico.
— Ele me disse que você estava doente — falou, assustada com a própria voz falha, assustada com a queimação do estômago, dos olhos, do nariz, da cabeça, de tudo — Doente, Agda! Câncer de mama, porra! Sabe o que é isso? Tem ideia do que significa isso?
Tem ideia do quanto você é patética? — a mulher retrucou, elevando ainda mais o tom — Antônio nunca nem ligou pra você. Por que te ligaria para pedir ajuda por mim? Tem dias que nem lembramos do seu nome, a não ser quando o dinheiro falta e nos sentimos dois imbecis por termos cuidado de você por tantos anos e não recebemos nada por isso. Pensamos que talvez você estivesse ganhando bem dançando em bares noturnos na América, mas daria muito trabalho pra te encontrar, então o seu nome passa e cai no esquecimento de novo. Tudo passou, . Acorda! Se não ligou pra resolver a situação e me pagar, então não me atrapalha. E se por acaso Antônio não voltar até…
desligou na mesma hora. O celular foi catapultado até o outro lado do quarto, como se pegasse fogo, como se fosse um animal vivo e nojento, transformando tudo ao redor em um pesadelo.
Imobilizada, se viu zonza, trêmula, o tórax expandindo e expandindo em busca de ar. As paredes do quarto estavam duplicadas, girando em vórtice, e seus músculos doíam tanto como se estivessem levando cem picadas.
Ela se apoiou na escrivaninha, deixando o corpo desabar na cadeira de rodinhas, os ombros tremendo violentamente conforme as duras lágrimas jorravam para fora silenciosas, fundindo-se com o entulho de palavras que tinha sido despejado em cima de sua cabeça.
Sua mãe não estava doente. Antônio tinha mentido. Tinha se esforçado para achá-la só para mentir. Sabia o ponto fraco de , conhecia seus maiores medos, ainda via aquela garotinha que ele prendia com os trovões no quintal de trás, sabia exatamente onde espetar para conseguir o que quer. E , ao ceder a isso, voltou a se sentir daquela forma, como a mesma menininha patética que chorava com medo, que não tinha escolhas, não tinha oportunidades para sonhar e que não podia inventar uma vida melhor.
Seus dedos se afundaram no couro cabeludo enquanto a realidade desabava de forma violenta. A voz de Agda estava dentro de seus ouvidos, a verdade aumentando a intensidade do choro, sentenças que se cravaram como facas no peito e abriram um rombo no lugar, puxando todos os sentimentos de uma vez só.
Tem ideia do quanto você é patética?
Um grunhido anormal estourou da garganta de , que não conseguiu mais se manter sentada. As lágrimas ofuscavam sua visão. A mágoa estava se misturando com a raiva. Uma raiva cega, frustrada, injustiçada, beirando ao ódio irracional. Ódio de seu pai e a morte repentina, ódio de Agda e sua loucura, de sua incapacidade de amá-la, ódio de Antônio por ter aparecido e estabelecido o inferno, ódio dela mesma por querer ser amada, querer ter uma mãe, ainda querer uma família, a única que a restava…
Ele não vai voltar com o seu dinheiro nojento, então espero que não o queira de volta.
chorou com fervor, chorou com fúria, chorou com tanto desespero que começou a ficar com medo. Mas as frases dançavam e dançavam sem parar no cérebro, e seus punhos estavam quentes, o rosto estava quente, a cabeça estava quente com a lembrança do banco, com as decisões difíceis tomadas um dia antes, com a sua conta agora limpa do dinheiro de tantos empregos – um dinheiro que não era nojento –, tantas não-escolhas, tanto esforço honesto a que tinha se submetido pela busca da realização do sonho distante para aquela garotinha de antes, a que tinha como prioridade sentir orgulho de si mesma, sem depender do amor e compaixão de ninguém para seguir em frente.
Mas aqui estava ela, destruída por perceber, ao longo de tantos anos, que ainda se importava. E que não receberia amor da única pessoa que deveria amá-la.
O grito escapou de novo, e não enxergava o chão. O punho estava doendo outra vez, e o choro era alto, salgado, assustador, barulhento, angustiado. O mundo estava ruindo. O ódio por si mesma e pelos outros era inédito, nefasto, nascido das trevas. nunca tinha se sentido tão amargurada, zangada, fraca, inútil, vulnerável. E essa vulnerabilidade que tanto desejou alcançar um dia, a esperança de uma vida de coragem e sem medos que sentiu há 24 horas, agora parecia uma coragem tosca, imaginária, um sentimento bom e cor-de-rosa que só existia nos livros ficcionais de Yoona, uma emoção inalcançável que a faria sentir fé no amor em geral, se isso fosse possível; fé para amar e ser amada de volta, fé para abraçar novas perspectivas e se livrar de toda a bagagem que carregava nos ombros.
Ela acreditou nisso. Por 1440 minutos.
Por fim, o lugar onde tinha chegado com essa ilusão era ali, naquele quarto, sendo vítima de um tiro de franqueza ácida. Estava explodindo naquele cubículo, explodindo por todos os lados, sentindo-se mais sozinha do que jamais esteve porque acreditou nisso.
Alguma coisa agarrou seus ombros, fazendo-a parar em algum lugar, enquanto segurava em alguma coisa, dizendo outras que não entendia. Seu corpo estava se mexendo sozinho, respondendo ao seu descontrole por si só, e um som estava tentando ultrapassar sua falha de audição, perto e longe ao mesmo tempo, indo e voltando, enquanto ela mexia os pés para alguma direção, qualquer uma que não conseguia ver.
! , calma!” A voz chamou, e dedos tomaram suas bochechas para mais perto, erguendo seu rosto para cima, direto para uma silhueta desfocada, uma miragem com olhos alarmados e uma boca que abria e fechava, emitindo sons muito, muito distantes.
— Você tá me ouvindo? Ei,
Ela expirou o cheiro de sabonete com um leve toque de tabaco. E as imagens foram lentamente voltando ao foco.
Jungkook tinha a fisionomia pasma, tensa, com um brilho atônito nos olhos. A boca dele ainda estava se mexendo, exprimindo palavras que ela não escutava direito, muito abafadas pelos soluços altos e as lágrimas que não paravam de cair. Levou um tempo considerável até que ele tomasse coragem para chegar ainda mais perto e falar um pouco mais alto:
— O que aconteceu? , o que aconteceu aqui? Você tá tremendo. O seu quarto… — ele deu uma rápida olhada ao redor, e girou a cabeça quase um minuto depois.
A cadeira de rodinhas tinha tombado para o lado, e a escrivaninha antes organizada, agora parecia um mar de caos. Duas câmeras tinham sido violentamente atiradas no chão. A luminária articulada que tinha ganhado de Candice tinha rolado até debaixo da janela. O espelho ao lado da mesa exibia um trincado na zona superior do vidro, resultado do impacto de algum objeto quebrado que exalava um perfume doce e enjoativo por todo o aposento.
Jungkook puxou seu rosto inchado de novo, cerrando os dentes com ímpeto.
, por favor, fala comigo. O que aconteceu aqui? Te ouvi gritando do corredor, por favor…
Em um segundo, acordou do transe e se livrou das mãos e dos braços dele, afastando-se a vários passos para trás. O cenário ao redor era assustador, mais assustador do que os soluços que tentava controlar.
— Não. Não, não, não, não… — murmurou para si mesma, com as mãos na cabeça e no rosto — Vai embora…
, não…
— Vai embora! — ela voltou a se aproximar de Jungkook, e seu coração batia dolorosamente forte, como se estivesse a ponto de explodir e morrer — Sai daqui, por favor… — engasgou, mantendo os olhos nele. Não fazia ideia do que tinha acontecido, mas tentou manter uma postura firme até vê-lo sair, sair e esquecer de tudo que tinha visto, de tudo que estava vendo, mas também estava torcendo para que ele não fosse real, que tudo fosse uma miragem da sua cabeça fodida e que ele não estava presente naquela hora de merda em que tinha decidido levantar o tapete.
Ou foi simplesmente forçada a isso. Forçada pela primeira pessoa da lista a quem devia amá-la. A pessoa que a ensinou que o amor é complicado, é feio, é apavorante, mas necessário. achou que poderia aceitar até esse tipo de amor, caso ela estivesse disposta a dá-la.
Estava doendo muito. Doendo como nada doeu em toda a sua vida.
Mas Jungkook continuou parado no mesmo lugar. E não teve forças para mandá-lo embora de novo.
O choro veio com toda força pela milésima vez. Porque sequer importava quem estava vendo ou não, estava sendo destroçada a cada minuto que passava. Sendo destroçada por uma verdade que estava ignorando desde muito nova, uma verdade que andava de mãos dadas com uma última esperança. Mas tudo não passou de uma mentira. Uma mentira fantasiada de um sonho de criança ferida. estava finalmente chorando todas as lágrimas que tinha deixado de chorar a vida inteira por um fato escancarado: você está sozinha. Você não tem casa. Você não tem família. Você não tem amor. Se nem Agda, sua própria mãe, estava disposta a te amar, como você seria capaz de se permitir passar por isso com outra pessoa?
Não acha que já está doendo o suficiente?
Você é mesmo tão corajosa assim?
Quando sentiu os braços de Jungkook a envolverem em um abraço, sua única opção foi se deixar cair em seu peito, se deixar afundar a testa em sua jaqueta e se deixar chorar e tremer naquele espaço apertado onde podia pelo menos fantasiar que estava segura. E toda a tristeza e cólera vieram sem esforço, derramando pela camiseta dele. Se derramando como nunca se derramou antes, na frente de ninguém.
— Ela… não me ama — disse, afogada nas lágrimas, sentindo as pernas pesarem como chumbo — Ela nunca me amou, Jungkook. Minha mãe nunca me amou. Ela mentiu pra mim. Todos eles mentiram pra mim — ela grunhiu com força, sentindo o rosto ainda mais quente, o nariz já perdendo a função.
Jungkook era um poço de desespero e aflição. Só conseguia agarrar com força, temendo que ela desabasse a qualquer minuto. Fora isso, era apenas um garoto loucamente perdido, totalmente impotente, que sentia o coração parar e se partir.
— Por que eles não me amam? — murmurou, balbuciando coisas desconexas, confissões recheadas de dor — Por que não puderam me amar, Jungkook? Por que ela nunca me amou? Por que não me escolheu? O que tem de errado comigo?
Ela não me ama.
Talvez nunca tenha amado.
Eu entreguei tudo.
Foi em vão.
Foi tudo em vão.
7 anos.
Foram 7 anos da minha vida.
7 anos evaporados em menos de 7 minutos.
Jungkook trincou o maxilar, vivenciando a tortura de um coração se partindo, as veias ardendo ao sentirem todas as coisas erradas desse mundo, toda a raiva de uma situação que não sabia e não entendia, mas olhar para já era motivação o suficiente. Apesar disso, sua boca não emitia nada. Não conseguia pensar em algo a dizer, até que teve certeza de que não devia ter algo a dizer. Não ali, naquela hora. Não quando os ouvidos de não estavam funcionando direito. Não quando sua cabeça estava explodindo. Não quando algo tão grave tinha acontecido que a quebrou por completo.
Mas ele conseguiu puxá-la para a cama, e conseguiu sussurrar alguns vários pedidos de calma enquanto a fazia se sentar, e depois deitar, aninhando sua cabeça no travesseiro e cedendo um abraço duradouro que diminuiu gradativamente os soluços até cessarem de vez. Até que pegasse no sono, infiltrando-se na inconsciência de seus sonhos ainda não destruídos.

・ ❬📸💔❭ ・


Havia um zumbido.
Parecia que um ninho de marimbondos fazia uma festa em seu crânio. Ela abriu os olhos, mas não completamente. A imagem do quarto demorou a focar, e sua cabeça estava doendo tanto quanto a mão. Ela esfregou os olhos e se virou para olhar a janela, onde uma luz pálida e saliente entrava por uma fenda entre as cortinas.
Sonolenta, se sentou, olhando para as mesmas roupas que estava usando quando chegou no dia anterior, assim como o cabelo rebelado. Quando olhou para a frente, tudo parecia igual. A escrivaninha estava arrumada, com os papéis e os livros no mesmo lugar, de uma forma até mais organizada, mesmo que tenha certeza de que não limpou nada na última semana. A cadeira estava de pé e um pouco torta para o lado, mas a luminária e o perfume que Candice tinha dado de presente…
Ela sentiu o resquício do cheiro impregnado no ar ao mesmo tempo que viu o espelho quebrado.
E olhou para os nós dos dedos. E viu a pele descascada e a vermelhidão, combinados com o rosto igualmente inchado.
As lembranças da noite passada a picaram como os marimbondos em sua cabeça.
Antes que pudesse raciocinar, ouviu os passos se aproximando. E então, o cara de roupas pretas estava entrando no quarto, trazendo a luminária perdida em uma das mãos.
Quando olhou para , parecia morto de alívio.
— Você acordou — ele chegou mais perto, colocando o objeto em cima da mesinha de cabeceira — Nada mal para quem dormiu 12 horas direto. Fiz café.
parou, vasculhando todos os pontos do rosto dele até dizer:
— O que está fazendo aqui?
Jungkook umedeceu os lábios, e se sentou na sua frente.
— Eu passei a noite aqui.
— Por que?
— Fiquei preocupado com você.
O rosto de ardeu em chamas, e o coração convulsionou de um jeito inédito. Aquilo não deveria acontecer. Ela ainda se lembrava do discurso de Agda e das mentiras a que foi submetida, e igualmente se lembrava das lamentações que jorrou em cima do peito de Jungkook, e isso só a deixava com ainda mais vontade de sair correndo.
Mas essa era a parte difícil. Ela não queria sair correndo, não de verdade. Mesmo que a razão dissesse que deveria, principalmente depois de ele ter visto o que viu.
Envergonhada, ficou de pé de cabeça baixa, incapaz de olhar para ele.
— Me desculpa — sussurrou ela, tentando abaixar o cabelo, limpar os olhos, ajeitar as roupas amassadas e melhorar o que devia estar sendo o caos de sua aparência no momento — Eu tinha esquecido que você vinha, a sua chave está bem aqui.
Ela agarrou o chaveiro fluorescente de mais cedo, estendendo-o para ele. Jungkook a olhou com descrença, levantando-se logo em seguida.
— A chave não é importante agora — respondeu ele, em voz baixa. — Como você está se sentindo?
engoliu em seco, e o sentimento de fugir estava de novo ali, o sentimento do dever. Aquela mesma raiva borbulhante retornando, a raiva de si mesma por não ter trancado aquela porta quando Candice saiu, ou por não ter insistido que ele fosse embora na noite passada e poupado-o de tudo aquilo.
O olhar de Jungkook recaía sobre o dela com a mais pura tormenta. percebeu que ele tinha o par de olhos mais acalentadores com quem ela já cruzara. Eram seu par de olhos favoritos. Os olhos de alguém que tinha visto seu ponto máximo de fragilidade e não pulou a janela de madrugada.
Mas a razão de , aquela que ocupava um espaço maior em suas decisões, estava apavorada com tudo que tinha acontecido. Com a explosão emocional que nunca imaginou ser capaz. O estouro nefasto que vedou seus olhos e ouvidos. Estava ainda mais apavorada por ele tê-la visto nesse estado.
Olha onde ser vulnerável tinha trazido-a. Levou direto para um reboot de traumas e medos, externando fatos que ela havia ignorado por anos: se nem Agda, minha própria mãe, tinha se disposto a me amar, como poderia ser diferente com outra pessoa? Como posso me permitir passar por isso com mais alguém?
Como posso me arriscar desse jeito?
se sentia mais nua agora na frente de Jungkook do que jamais esteve antes. E isso era trágico.
— Estou bem…
— Não, , você não está bem — ele interrompeu, com a voz firme, apesar do olhar inquieto — Não precisa mentir pra mim. Por favor, não mente pra mim. Ontem, aquilo…
— Você não devia ter visto aquilo — disse ela, desviando os olhos novamente. — Nem eu queria ter visto. Recebi notícias ruins e reagi mal, foi isso. Você não precisa se preocupar.
, você machucou a mão — Jungkook interferiu no espaço entre os dois para puxar os dedos de , vítimas de alguns socos na escrivaninha ou até mesmo na parede — Tinha acabado de jogar aquele perfume no espelho quando eu cheguei. Não entendia uma palavra do que você dizia. Ainda não entendi 100% o que houve — ele chegou mais perto, obrigando-a a encará-lo — Então não me diga que está bem. Mas não precisa me contar agora, se não quiser. Vamos tomar um café, e tentar procurar o manual daquela luminária que tentei consertar sem sucesso nenhum, e acho que a cadeira perdeu uns parafusos…
— Jungkook — se empertigou, puxando a mão com rapidez, tentando esconder a voz hesitante, louca pra dizer “sim” — Podemos deixar para outro dia. Não precisamos fazer isso agora.
Precisar e querer é uma linha tênue. Garanto que o café vai estar do seu agrado. E aí, você…
— Por favor — ela gemeu com indignação, passando uma mão agitada pela nuca — Eu não quero tomar café com você. Não quero que você conserte minha luminária ou minha cadeira, que entre pelo meu quarto de manhã, que me dê uma chave da sua casa, que me empreste câmeras ou camisetas ou me leve a encontros, que me abrace ou durma comigo, não, eu não quero fazer nada disso. Eu só… eu quero ficar sozinha agora. Por favor.
Ela inspirou bastante ar. Os ombros de Jungkook cederam lentamente à medida que as sobrancelhas se juntavam no meio da testa, esperando uma resposta melhor do que essa.
Quando não veio, ele arriscou:
— O que você tá dizendo?
engoliu em seco com dificuldade e cruzou os braços. Olhar para ele doía como um soco no estômago. Doía ainda mais por saber o que sentia, por saber o que queria.
Mas não havia nada mais lógico para alguém que sofreu com uma ferida de rejeição tão profunda afastar pessoas com medo de ser magoada outra vez.
— Eu acho que… Isso precisa parar — sussurrou. Jungkook permaneceu imóvel — Isso. Nós dois. Sei que é algo que já devia ter acabado há muito tempo, que foi uma besteira toda essa história do Jaehyun, mas era bom. Era bom e levamos mesmo assim, mas… não faz mais sentido. Estamos extrapolando. O prazo bateu.
O silêncio a seguir veio de todos os lugares, assim como a música que escapava das paredes na mansão de Itaewon. Até mesmo as árvores ao redor do apartamento caíram na mudez. O único som vinha dos rugidos particulares do coração de Jungkook, que se contraiu e diminuiu os batimentos até que sua boca conseguisse encontrar as palavras e perguntar, muito devagar:
— Você tá terminando comigo?
— Não é um término quando já ia acabar de qualquer jeito.
Ele riu pelo nariz, repleto de perplexidade, esperando ela dizer que estava brincando.
— Você não pode estar falando sério…
Estou falando sério, Jungkook. Isso era um acordo, um que devia ter acabado na primeira regra quebrada. Não precisamos mais empurrar com a barriga.
Empurrar com a barriga?!
— Você me entendeu. Eu me diverti e você se divertiu, agora podemos voltar ao normal. Ser amigos normais. Caso você ainda queira.
O olhar de não combinava com a frieza de sua voz. Parecia tão perturbado quanto o seu, tão incerto sobre as coisas que dizia que ele esperou que ela voltasse atrás. Mas, ao mesmo tempo, parecia alguém inteiramente firme sobre a rocha da certeza. Alguém que não mudaria de ideia.
, não tô entendendo… — começou, e após uma pausa, acrescentou: — Isso é por causa de ontem? Porque cheguei na hora errada? Porque você chorou na minha frente? Fala sério…
— Não, isso não tem nada a ver com você, Jungkook. É sobre nós. Nós nascemos de uma brincadeira que se estendeu além da conta, e foi gostoso e tudo mais, mas agora acabou. Não é como se você já não estivesse esperando isso — ela desviou os olhos para baixo mais uma vez, encabulada com o olhar intenso dele sobre ela, um olhar que não concordava com o que estava acontecendo — Afinal, era só isso que a gente era. Um prazo de validade. Mas pelo menos agora podemos ser amigos.
Ele trincou os dentes com a retificação da palavra amigos.
A queimação no peito não era mais raiva; era a mais pura frustração, um sentimento louco de angústia ao ver afastando-o de novo, erguendo a barreira que tinham incinerado na noite anterior, pedindo desculpas nas entrelinhas por ter sido pega em flagrante em um momento tão frágil, fugindo dele logo agora que alguma coisa estava avançando.
… — ele disse entredentes. Ela bufou, impaciente.
— Por favor, sei o que você tá pensando, sei o que você quer me perguntar, mas não posso falar disso agora. Não quero falar disso agora. Podemos só voltar a ser como antes? — ela se afastou a mais um passo para trás — Antes de tudo isso. Com mais civilidade, é claro.
Jungkook passou uma língua nos lábios, controlando a mandíbula e o impulso de aumentar o tom de voz, de se indignar com as palavras dela. Não era sua intenção parecer revoltado, por mais que fosse exatamente isso que seu sangue fervendo demonstrasse.
— Então é isso que você quer? Chorar sozinha e se acovardar do mundo quando a realidade explode?
— Sim, é exatamente o que eu quero.
Jungkook respirou fundo por um minuto e a encarou com os mesmos olhos intensos, mais sério do que nunca, enquanto sustentou o olhar, ainda trêmulo, ainda inquieto, mas que não abria espaço para negociações.
Tinha sido bom levantar o tapete e mostrar a bagunça para alguém, mas ninguém tinha avisado da parte mais difícil: deixar que toquem nessa sujeira. Permitir que tropecem em uma bagunça que não pertence a eles. não queria isso, não estava pronta pra isso.
Jungkook sorriu em linha fina, um sorriso feio repleto de sarcasmo e desgosto.
— Tudo bem, então. Aproveite as suas lágrimas sozinha.
Ele esticou as mãos para pegar o casaco jogado ao pé da cama e começou a se afastar para a porta com os olhos em , ainda esperando um “espere!” ou uma risada pela piada de mau gosto, mas a garota estava em um modo irreversível. Jungkook soube, então, que era aquilo. Pronto. Estava acabado. Acabado. E um turbilhão de coisas o invadiram de forma tão violenta que tudo que queria era sair daquele apartamento antes que seguisse impulsos idiotas e implorasse para que ela contasse o que raios tinha acontecido.
Os passos pesados fizeram barulho por todo o corredor até chegar na porta de entrada, onde ele puxou as botas em movimentos mecânicos e irritados, lutando contra a vontade de voltar para o quarto, ou de dar um grito de “por que está fazendo isso?” e qualquer coisa que comprovasse o quanto estava puto e frustrado com a situação.
Desnorteado, Jungkook colocou a mão na maçaneta e apoiou o casaco no ombro. Quando a girou, encontrou uma loira parada no batente com olheiras enormes e óculos de grau quadrados, segurando duas embalagens de café enquanto puxava uma chave distraidamente do compartimento externo da bolsa.
Jungkook abriu a porta mais ainda.
— Bom dia, Candice — ele cumprimentou com um rosnado, totalmente indiferente à mulher. Passou por ela sem esperar uma resposta, ainda com a cabeça no quarto, puxando imediatamente o maço amassado do bolso de trás enquanto seguia o caminho para o elevador.
— Bom di… — Candice respondeu no automático, ainda com a mente letárgica de sono, demorando quase um minuto inteiro para reconhecer a voz fantasma que passou por ela em um flash.
Seus ouvidos não acreditaram naquilo.
Ao olhar para trás, Candice viu claramente a silhueta das costas largas do garoto se afastando, que desistiu da ideia do elevador no meio do trajeto e curvou para as escadas de emergência, desaparecendo andar abaixo com uma cortina de fumaça em seu encalço em um piscar de olhos.
Boquiaberta, Candice teve medo do que tanto café em um dia poderia fazer com o cérebro, porque Jeon Jungkook não podia ter acabado de sair do seu apartamento às 8 da manhã. Por nenhum motivo. Nenhum mesmo.
Mas foi antes de entrar de vez para dentro do número 402 que ela ouviu o barulho tímido dos soluços que vinham do quarto mais próximo.
? — chamou, fechando a porta atrás de si e andando rápido até o cômodo, vendo sentada com a cabeça entre as mãos, fungando silenciosamente um choro discreto, e muito mais leve do que na noite passada.
Foi o suficiente para fazer Candice largar as embalagens na escrivaninha e correr para ela.
? , o que houve? — ela colocou as duas mãos em seus ombros, e finalmente levantou a cabeça.
— Candy… — fungou, e parecia que queria rir para tentar disfarçar o choro, mas só durou um segundo; em seguida, já estava fazendo uma careta que adiantava ainda mais lágrimas e deixou os braços se Candice passarem ao seu redor.
— Por Deus, o que aconteceu? Eu vi o Jungkook sair daqui, o que… — Candice parou, notando a epifania óbvia. Imediatamente, puxou o rosto de para olhá-la, tornando a voz rigorosamente ameaçadora — O que aquele cara fez com você? Como ele entrou aqui, ? Me conta tudo, eu vou…
— Não. Não, não Candy, ele não fez nada — balançou a cabeça, soltando o ar lentamente. Passou as costas das mãos embaixo dos olhos, ajeitando a postura ligeiramente exausta — Ele só passou a noite aqui.
— O quê? Por que o Jungkook passaria a noite aqui?
a fitou por um tempo, um tempo particularmente longo, sabendo que estava ouvindo aquela voz que a perturbava de tempos em tempos, o sussurro que dizia: está na hora. É a Candice. Já passou da hora.
E fungando mais uma vez, colocou uma mão no ombro da amiga e antecipou:
— Que bom que você chegou. Acho que tenho algumas coisas para te contar.


[ 26 ] – But you're daft to think she'd care

🎵 Ouça aqui:
Secret Door - Arctic Monkeys

"Ela nadou para fora do fantasma da noite
Agarrou minha mão e deixou muito claro
Que não há absolutamente nada para nós aqui."

Jaehyun recuou vários metros do parapeito para conseguir apertar o botão de disparo da câmera.
Ele abaixou o apetrecho para avaliar a foto. As luzes da ponte pareciam sem contraste, e o filme Kodak estava acabando, assim como a bateria. O rapaz suspirou e tateou os bolsos, mas é claro que tinha deixado o mais importante no hotel. Se aquela velharia analógica desligasse, com certeza não religaria.
Ele a colocou em modo suspensão e caminhou novamente para o peitoril margeado pelo rio Tâmisa, apoiando os cotovelos na superfície enferrujada enquanto ouvia Johnny resmungar piadas sobre um casal que estava se pegando além do permitido em um pedalinho no lago. Mais um suspiro e Jaehyun olhou a London Eye com os próprios olhos, frustrado por infelizmente não poder transpor a bela imagem que via para algo mais permanente.
— A bateria está fraca? — perguntou Johnny, dando vários cliques seguidos na câmera do telefone. Jaehyun apenas assentiu — Eu avisei.
— Por que não usa sua cara de pau e vai perguntar a alguém naquele bar caríssimo se por acaso não teriam uma bateria de Kodak Ektar H35 pra me emprestar? — sugeriu Jaehyun com um sorriso ácido. Johnny revirou os olhos.
— Eu te disse pra verificar assim que saímos. Eu não sei fazer isso, então te disse uma segunda vez. Vai você procurar uma bateria.
Foi a vez de Jeong revirar os olhos e ignorar as alfinetadas. Já que não tinha escolha, pelo menos poderia usar a bateria até que ela findasse de vez. Ele voltou a ligá-la, passando todas as fotografias que tinha conseguido capturar desde o hotel em Minories Street até ali, na paisagem da London Eye.
Johnny estendeu a mão para ver uma delas, emitindo uma expressão de satisfação.
— Ficou irado. Vai mandar para a sua namorada?
— Já disse que eu não tenho namorada — Jaehyun tomou a câmera de volta, pulando as fotos novamente.
O suspiro de Johnny saiu entrecortado e misturado com o cheiro das duas cervejas que tinha tomado.
— Mas seria muito bom se tivesse.
— Por que? — Jaehyun pressionou o botão da lente na mesma hora em que as luzes ao longe irromperam num vermelho muito intenso. Torceu para que a bateria aguentasse só mais uma.
— Porque eu sempre tô afim de quebrar padrões e ver a cabeça da população explodindo — Johnny apontou para os ouvidos e girou o dedo indicador em um movimento circular — Nunca gostei dessa imagem de perfeição do trabalho. A gente bebe, fuma alguma coisa, dá um tapinha de vez em quando, beija e fode como qualquer ser humano normal. Por que preciso fingir que sou um moleque virgem e indefeso mesmo com 28 anos?
O outro suspirou. Agora a luz estava mudando na parte esquerda da ponte, passando de um vermelho para laranja.
— É... você tá certo.
Johnny assentiu, ainda olhando para o vermelho da direita.
— Por isso ia ser fantástico se um dos personagens mais perfeitinhos do nosso ramo começasse a namorar — ele ergueu uma mão para apertar a bochecha de Jaehyun, que se esquivou rapidamente. Os dois trocaram um olhar — Se você sobrevivesse, faria nossos colegas de trabalho tomarem coragem também. Você pode ser nosso bode expiatório.
Jeong riu sem humor.
— Isso já tá acontecendo de certa forma, não? Você leu tudo que estão postando.
— Ah, tem razão. Você e a garota desconhecida de Los Angeles — disse Johnny, com uma careta. — Ainda não estamos na fase de falar sobre ela, certo?
— Não. Eu não quero falar disso.
— Algum dia vai querer?
— Provavelmente não. Mas você não consegue acreditar quando eu digo que não aconteceu nada, não é mesmo?
Tão logo Johnny sorriu, Jaehyun sabia qual seria sua resposta.
— De jeito nenhum. Mesmo toda borrada, ela ainda parecia ser uma gostosa.
Jaehyun balançou a cabeça.
— É, então deixa como está.
De repente, as luzes ao longe lentamente enfraqueceram até apagar, sobrando apenas as conversas altas dos outros turistas espalhados e os resmungos de quem ainda queria ver mais da famosa roda-gigante. Os pubs da região vibravam em pop atual e bandas de rock inglesas dos anos 80. Jaehyun se lembrava apenas de uma Londres com trovões e muita chuva em um dia de março, há pelo menos 4 anos atrás, quando podia apreciar a vista com a cabeça limpa e com preocupações ligadas apenas ao seu desempenho iniciante no palco.
Agora a única coisa que parecia no lugar era o seu desempenho como idol.
— Acho que tá na nossa hora — Johnny se espreguiçou com os braços para cima enquanto se preparava para dar as costas e voltar ao carro alugado estacionado no meio-fio, um imenso Tesla sedutor e crepitante, que tinha sido gentilmente doado por Doyoung como uma maneira de suborno para que o deixassem quieto no hotel lendo seus livros de poesia.
Antes de se mexer, Jaehyun verificou a Kodak novamente. A luz vermelha piscava em desespero, pedindo para que ele não tentasse mais porque ela não estava disposta a lhe dar mais nada. Ele passou os dedos pelo botão, olhando para a roda gigante agora iluminada apenas pela fila de postes inferiores da margem, pensando e pensando em coisas que gostaria de fazer quando saísse dali, das mensagens que queria mandar e em como provavelmente desistiria de tudo isso antes de agir.
Ainda assim, o rapaz deu as costas para o monumento e girou a lente na direção de seu rosto, afastando o braço para cima para estabilizá-la em uma posição onde sua panorâmica fosse visível junto com a paisagem, torcendo para que o clique tenha dado certo. Antes de verificar se a foto tinha sido tirada, ele sentiu algo vibrando dentro de seus bolsos, e pela forma personalizada que o som aumentava e morria, já dava pra saber quem era.
Alguém que tinha exigências sobre ser atendido no máximo ao 3º toque.
— Alô? — atendeu ele, segurando o telefone no ombro enquanto verificava a fotografia.
Esse é o 4º toque, garoto.
— E eu ainda estou bem aqui — Jaehyun bufou, e um segundo depois a câmera finalmente deu adeus à energia — É sério, você precisa me dar uma explicação lógica para essa regra do 3º toque.
Porque meus clientes que não atendem no 3º toque estão metidos em problemas.
— Gregory, você é meu agente há 5 anos, quando estive metido em problemas?
Na semana passada. Quando não me atendeu no 3º toque.
Jaehyun se cansou antes que a conversa continuasse. Johnny já estava encostado no carro, agora rindo de alguma coisa no telefone enquanto provavelmente sentia vontade de tomar mais uma cerveja.
— Não estou sozinho. Estou…
Eu sei, está com Johnny em algum lugar perto da London Eye, não que a companhia dele seja um alívio. Se estivesse com Doyoung, eu estaria mil vezes mais tranquilo. O garoto é um santo — Gregory suspirou — Mas não é sobre isso que vim falar. Vou precisar ir embora dessa cidade na semana que vem.
Jaehyun foi tomado por faíscas de expectativas no peito, as primeiras que teve desde que pisou naquele continente.
— Sério? — ele não conseguiu segurar o sorriso. Desde o incidente das fotos, Gregory tinha voado para a Europa em um piscar de olhos e estava grudado em seu pé como nunca esteve. Dizia que estava fazendo seu trabalho de não metê-lo em problemas, mas as coisas tinham passado do aceitável. Não havia explicação lógica em lhe dar horários para sair, dormir, comer e tomar banho.
Eu sei o que você está pensando — disse o homem, e soltou uma risada seca do outro lado — E você vai junto comigo.
E a faísca em Jaehyun se apagou como as luzes coloridas da roda gigante.
— Quê?
É isso que você ouviu. Arrume as malas de uma vez, você leva tempo com a sua organização.
— Gregory, tenho uma agenda com o grupo para cumprir daqui há 3 dias. Na verdade, pela próxima semana inteira.
Você acha que sabe mais dos seus compromissos do que eu? — Jaehyun quase podia vê-lo trincar os dentes — Portanto, no sentido mais chulo da anunciação, você não vai continuar a turnê na Europa, Jeong. Mas pode deixar que vai estar presente no fechamento dela, no Gocheok Sky Dome em Seul.
Jaehyun piscou os olhos várias vezes, contendo as imensas perguntas que tinha. Viajar de última hora era sempre um motivo de estresse. Gregory estava certo em uma coisa: odiava organizar as coisas com pressa, dormir com planos e acordar com outros. E era impressionante o quanto aquele homem, por maior que fosse sua eficiência, não se importasse com isso.
— Meu deus, por que isso agora? Para onde nós vamos?
Gregory soltou um suspiro pesado, e sua voz saiu arrastada de cansaço.
Vamos resolver demandas chatas de contratos milionários que assinamos e agora não podemos quebrar. Parabéns, você é a capa da Esquire do mês de setembro. Lembre-se de não colocar um grão de açúcar na boca.
Jaehyun franziu o cenho, e avistou Johnny mover os braços para apressá-lo.
— Espera. A que assinamos em abril? Quer dizer…
É, essa mesma, garoto. Nós vamos pra casa.

・ ❬📸💔❭ ・


— E daí ela simplesmente terminou comigo.
Jungkook finalizou com um suspiro, as costas já muito afastadas do encosto da cadeira, os cotovelos massacrando os joelhos nos exatos 32 minutos em que esteve parado na mesma posição, movendo braços e dedos em um monólogo ininterrupto sobre…
Sobre tudo.
Minji não se deu ao trabalho de anotar nada. Talvez tenha tentado no início, mas com o andamento da história, pareceu que perderia o menor detalhe importante se simplesmente piscasse os olhos.
Por isso, aquele par de glóbulos castanhos por trás dos óculos meia lua estavam totalmente abertos em um choque quase indisfarçável.
— Ahm… Tudo bem — a mulher limpou a garganta, fingindo ler alguma coisa nas breves anotações enquanto pensava em uma pergunta plausível — Então vamos compilar tudo: você está me dizendo que estava em um relacionamento?
— Não usei essa palavra — Jungkook respondeu na defensiva. Minji assentiu.
— Ok, tudo bem. Você e essa garota… — ela abaixou o queixo para verificar o papel — , certo? Você e eram o que chamam de “amigos coloridos”?
— Nós não éramos amigos — ele respondeu rápido de novo, balançando a cabeça logo em seguida, sem fazer ideia do que tinha ampliado ou não para Minji — Quer dizer, antes não éramos. Depois fomos. Tipo isso.
— Tipo isso. Tudo bem — ela riscou algo no bloco de notas. Jungkook normalmente odiava aquele som, mas no momento parecia que tinha soltado lorotas sobre um amigo seu, e não exatamente sobre ele. Não sabia o que estava pensando, ou sentindo, ou o que deveria estar, e era por isso que precisava de Minji — Não eram amigos coloridos, mas tinham uma dinâmica de benefícios porque ela, originalmente, estava afim de um dos seus amigos, mas era virgem…
— Meio-virgem.
— Isso, meio-virgem. E vocês fizeram sexo no banco de trás do seu carro há quase 2 meses, e desde então, vêm vivendo esse acordo sem o conhecimento de ninguém.
— É. Tirando você, é claro — ele ergueu os dois ombros, ainda se sentindo como um espectador de todos os acontecimentos, um espectador que em uma hora estava arrumando coisas já arrumadas no estúdio de sua casa e depois estava dirigindo para a rua Namdaemun, com os vidros abertos, o Sol e o ar estremecendo à sua volta, grunhindo toda a história antes mesmo de chegar ao consultório.
Não havia sinal do sol agora. E Jungkook de repente se perguntou há quanto tempo estava naquela cadeira.
— E vocês tinham desavenças. É isso?
Desavença é um termo modesto. Digamos que eu a detestava.
— Estava fazendo sexo com alguém que detesta?
— Eu já sei. Idiota — Jungkook bufou, soltando uma expiração pesada enquanto se recostava para trás — Eu sei.
Minji umedeceu os lábios, mantendo os ombros alinhados enquanto relia as poucas palavras que escreveu, e Jungkook esperou suas perguntas indiscretas, aquelas que o analisavam até o último fio de cabelo e o faziam se sentir claustrofóbico, preso em uma sala branca sem janelas.
Esperou que ela o perguntasse quem em sã consciência doaria tanto de si mesmo para alguém que não respeitava, mas isso geraria questões muito mais profundas sobre como Jungkook enxergava o sexo, beijo, intimidade e relacionamentos de um jeito um pouco diferente das outras pessoas, e o tempo da consulta iria se estender ainda mais.
— Se bem me recordo da última sessão… é a garota que carregou a culpa pelo seu término daquela vez?
Jungkook desviou um pouco os olhos, mas assentiu lentamente.
— Acha que sempre se sentiu atraído por ela? Desde aquela época?
Ele negou com a cabeça com a mesma rapidez.
— Não. Nem perto disso.
— Entendo — Minji riscou uma linha — Se o ódio era o único sentimento que alimentava por ela, é compreensível. As emoções costumam alterar a imagem que temos de uma pessoa bem na nossa frente. Tanto para bom quanto para mau. O que você pensa sobre hoje vem das suas emoções ou de uma observação racional dela como um todo?
Jungkook franziu o cenho diante da pergunta, deixando isso bem evidente. Não sabia para onde as perguntas de Minji o estavam levando, mas desta vez não podia fazer a birra de sempre pra sair pela porta da frente. Desta vez, ele tinha entrado no carro e dirigido até ali por livre e espontânea vontade, porque caso contrário, estaria batendo na porta do apartamento 402 de Seongdong-gu como um idiota sem ter qualquer argumento na ponta da língua para fazê-la mudar de ideia.
— Eu não sei que tipo de emoção você está querendo que eu responda, mas acho ela uma das pessoas mais interessantes que conheço — respondeu, encarando-a por tempo suficiente para que engolisse em seco e suspirasse — Considerando tudo que sei hoje, claro. Tenho vontade de saber mais coisas, mas ela tem um alarme vermelho muito sólido que apita toda vez que tento chegar perto demais.
— Como quando chegou naquele quarto da última vez — Minji completou, e Jungkook assentiu novamente. — E como você está se sentindo agora?
Ele deu de ombros, trocando uma perna cruzada por outra, temendo que ela estivesse avançando lentamente pelos seus sentimentos e ele não soubesse organizá-los para responder.
— Eu não sei, eu… Acho que nunca pensei que contaria isso pra alguém.
— É uma trajetória muito intensa pra compartilhar. Nunca pensou em dizer a nenhum dos seus amigos?
— A maioria dos meus amigos a conhece, e nenhum deles ouviria tudo isso numa boa. Sério. Me mandariam apagar esse acordo da mente, fingir que nada nunca aconteceu ou ficariam jogando piadinhas desconfortáveis. No fim, não era necessário que alguém soubesse. Tudo iria acabar de qualquer jeito — ele percebeu o nó importuno na glote, e um amargo esquisito na boca — E acabou.
Minji assentiu, vendo-o trocar de posição de novo, deixando ainda mais nítida a inquietação.
— Há quanto tempo isso aconteceu?
— 4 dias, 5 horas e 25 minutos — ele verificou o relógio no pulso, e os olhos da mulher piscaram com surpresa — Não me olha assim, sou muito bom em gravar datas.
— Claro — ela limpou a garganta, guardando os comentários pessoais para si — E como anda a relação de vocês atualmente?
— Não sei. Responder mensagens com "sim", "não" e “legal” significam o que pra você?
— Que vocês estão com problemas em se comunicar.
— Não, ela está com problemas para se comunicar comigo. Parece que estou falando com uma máquina. Ela só sabe me evitar como fazia antigamente, a diferença é que naquela época eu queria isso.
— Você disse que a viu em um momento delicado. Um momento de vulnerabilidade emocional muito grande. Pelo que me contou de , isso não é algo comum. Ela não parece ser o tipo de pessoa que quebra muito fácil.
Jungkook abriu a boca para responder, mas o amargo ainda estava ali, fluindo como veneno contra a gravidade, saindo da garganta e subindo para o cérebro, onde ele abaixou a cabeça com uma intensa vontade de gritar. Quando viu, estava assentindo para Minji, um movimento mecânico, lotado de frustração. Sim, não quebra, e isso costumava me intrigava, me deixava maluco para ver o que tinha por trás daquele vidro fumê, mas quando vi…
— Preferia não ter visto — disse ele com nada mais que um sussurro, sem olhar para a terapeuta, porque sentia algo doloroso e pulsante queimando no peito quando se lembrava do terror de entrar naquele quarto e ver destroçada.
Com um bom poder de observação, Minji perguntou:
— Como se sentiu ao vê-la chorar?
Ele franziu o cenho novamente.
— É claro que me senti mal.
— Sim, imagino. Mas você nunca tinha visto isso antes, então também deve ter ficado chocado. Mas existem outras reações pertinentes. Você sentiu vontade de correr pra lhe dar privacidade primeiro ou ir para ela?
Correr? Ela tinha acabado de quebrar um espelho — ele voltou a enrijecer as costas, gesticulando com as mãos agitadas — E isso foi apenas o que eu vi. A cadeira estava no chão, as câmeras, o abajur, todas as coisas, e ela estava chorando tanto, e… E, sei lá. Eu fiquei desesperado. Só conseguia pensar “o que eu faço agora? O que eu falo agora?” porque só queria que aquilo parasse. Parecia estar doendo, e então estava doendo em mim, e sei lá…
Ele parou de repente, respirando fundo, bagunçando um pouco os cabelos pelas ideias flutuantes. Doía até mesmo agora, 4 dias depois. Doía só de pensar.
— Entendo a sua agonia. Nunca é bom assistir ao sofrimento de pessoas que gostamos — afirmou Minji. Ele não negou — Mas se é alguém que retraiu sentimentos durante a vida toda, uma explosão sem escrúpulos é totalmente esperada. Nosso corpo não foi feito pra aguentar tanta bagunça emocional. O momento que você presenciou com certeza foi peculiarmente difícil pra ela também, e deve estar sendo difícil até agora.
Jungkook olhou para o chão. Agora a dor vinha exatamente do fato de não saber o que estava acontecendo com . De não saber se ela tinha chorado até dormir na noite passada; se tinha quebrado mais algum móvel do quarto; se tinha consertado a luminária, pegado sua câmera e ido trabalhar como se nada tivesse acontecido; se tinha voltado a ser a de sempre ou se tinha desistido completamente de ser corajosa.
Era o que ele mais temia. Que ela desse passos para trás quando claramente tinha começado a avançar.
— É, eu sei — murmurou ele, apertando um pouco o braço da cadeira — Quer dizer, eu não sei. Eu não sei de nada. Não sei os motivos que a levaram a isso. Ela tinha acabado de me contar da mãe e do padrasto, e toda aquela história… — ele trincou os dentes imediatamente, sabendo guardar certos comentários que não precisavam ser ditos — A história que me fez ver que ela não quebrava porque estava quebrada. Eles a quebraram. Completamente — sua expressão era nitidamente pungente. Uma condolência misturada com raiva, e muita insatisfação. O desgosto que o fazia pensar que, se quisesse, poderia pegar um avião e resolver coisas que não lhe diziam respeito, e o mesmo desgosto de não saber como se aproximar de de novo sem que ela levantasse sua armadura e se encolhesse mais do que antes — Isso me deixou tão… Decepcionado. Não sei explicar. Fiquei com raiva de pessoas que nunca vi, mas orgulhoso dela também, mesmo com toda aquela merda, mas ainda seria capaz de fazer alguma besteira caso a magoassem de novo, e aí… Eu simplesmente não sei o que aconteceu naquele dia e isso me deixa maluco. Totalmente pirado. Não consigo relaxar quando penso que ela pode estar chorando por isso de novo. Tem alguma explicação pra essa maluquice?
Minji suspirou depois de um momento, e lentamente suas mãos foram de encontro ao bloco de notas, fechando-o completamente e olhando para o garoto.
— Jungkook, vou te fazer uma pergunta que parece meio óbvia, ou tão óbvia para todas as pessoas de fora da história — disse ela, e tinha um sorriso disfarçado nos lábios — Já pensou na mínima possibilidade de estar simplesmente se apaixonando por ?
Jungkook não demorou muito para rir. Na verdade, a única reação possível era rir, já que o formigamento no estômago pareceu soar como cócegas.
— Acho que imaginei que você diria isso. E a sua resposta é não. Não é isso — sua risada não parecia muito convincente. Minji permaneceu na mesma posição, sem a mínima mudança de expressão. Jungkook inclinou-se para apoiar os cotovelos nos joelhos — Meu Deus. Não é desse jeito, Minji. Não estou apaixonado por ela!
— De que jeito estamos falando, Jungkook?
Desse jeito. Não tem nada a ver — ele bufou, bagunçando os cabelos novamente, trazendo de volta o inigualável semblante de aborrecimento, aquele que prontamente se distanciaria de qualquer assunto que entrasse na zona proibida com um pulo — Quer dizer, sim, eu gosto dela, acho ela uma garota especial e diferenciada, torço pelo seu sucesso e desempenho, tenho vontade de ajudá-la, de ficar perto dela, de… — ele parou, enxergando as próprias palavras saírem da boca sem travas, abrindo ainda mais os olhos quando viu o pequeno sorriso de Minji de canto — Não. Não. Não quer dizer nada. Já me apaixonei antes e sei como é, Minji. E não é assim. As coisas com só estão um pouco…
— Descontroladas?
— É, descontroladas — completou ele, trazendo mais ar para os pulmões — Porque ela virou como parte da minha rotina. Nunca tive uma relação de sexo casual tão frequente por tanto tempo, e é isso. Eu me acostumei. Viramos amigos. E é por isso que estou aqui falando com você pra tentar me livrar disso.
— Quer se livrar da ideia de que pode ser mais do que uma amiga?
— Não, quero me livrar de toda essa zona de sentimentos que tá me confundindo e me impedindo de trabalhar. Te contei que vou lançar uma música solo, não é? Foi decisão de todos os outros, mal pude opinar. Também é algo que eu nunca fiz, e não sei se tô preparado pra isso.
Minji assentiu, ainda segurando o caderno fechado.
— Me parece que você está enfrentando muitas coisas novas ultimamente. E coisas novas geralmente trazem medos novos — ela puxou os óculos até o meio do nariz, fitando-o com menos seriedade — Consegue me dizer o que sua música e têm em comum?
— Sinceramente, não.
A mulher anuiu diante da afirmação rápida.
— Tudo bem. Mas esse turbilhão de sentimentos que comentou, ainda existe o desejo? — a pergunta vagou pela sala por quase um minuto até Jungkook concordar com a cabeça, relutante — Acha que a excitação que sente por pode atrapalhar sua atual amizade por ela?
— Não. Sim. Quer dizer… — ele cerrou os dentes — Se pensar que amigos normais não incluem sexo periódico no pacote, é bem difícil pensar nela como minha amiga.
Mais uma vez, Minji desviou os olhos do paciente, demonstrando as poucas mudanças na posição.
E Jungkook começou a sentir algo pesado no peito, um indicativo de mal estar, ou apenas uma sensação de sufocamento característica daquelas que o forçavam a pensar direito nas coisas, mesmo quando não queria fazer isso. A ideia de vir até Minji foi para que finalmente despejasse sua frustração em alguém com a garantia de não precisar responder perguntas insistentes e furiosas, como viria de seus amigos. Mas a que preço faria isso? Para responder as perguntas dela, que eram um milhão de vezes piores? Que o faziam confrontar suas várias camadas que não queria confrontar?
Ah, meu Deus. Sou um idiota. Um idiota que deveria estar fazendo idiotices em casa, e não falando sobre elas do outro lado da cidade.
— E você tentou ir vê-la depois de tudo? Para atestar um comportamento diferente das mensagens?
Ele balbuciou uma negação. Minji umedeceu os lábios, esperando por mais.
— Não sei se ela quer me ver.
— Você não vai saber se não tentar.
— Não quero que ela me mande embora de novo, Minji. Não quero pisar naquele apartamento com essa sensação, não quero insistir pra ficar, porque é exatamente o que vou fazer caso eu apareça por lá.
— Então você iria caso ela chamasse?
— É claro que eu iria.
— Porque também está com saudades.
— É lógi… — Jungkook analisou a resposta antes de soltá-la, rindo engasgado pelo nariz logo em seguida — Calma, não acha meio exagerado sentir saudade com 4 dias, 5 horas e 35 minutos? — ele volta a verificar o relógio.
Minji suspirou, como se estivesse diante de uma criança respondona.
— Me diga você. Achei que já tinha se apaixonado antes.
— Não é assim.
— Existe mais de uma forma de se apaixonar, Jungkook.
— Mas não é assim — ele retorquiu. E aquela queimação no peito tinha voltado, voltado com toda a força, e ele já estava pronto para tirar o pé daquele assunto que incomodava até os seus ossos — Olha, não estou apaixonado, tá bom? Estou carente. Estupidamente carente, como um adolescente. Éramos bons na cama, e isso influencia bastante por um tempo, mas vou ficar bem. É sério. Agora eu preciso…
— Acha que ela pode te magoar como sua ex-namorada?
Jungkook parou com os dedos levantados, olhando para Minji como se ela tivesse abaixado suas calças de repente e ele fosse obrigado a se cobrir.
Ele engoliu em seco, se retraindo sem perceber.
— Nada me garante que isso nunca mais vai acontecer — sussurrou ele, encarando-a logo em seguida — Mas nada me garante que eu também não possa fazer isso com ela.
Minji abriu o caderno muito lentamente, sentindo que começava a ver os ossos do processo de dissecação da alma de Jeon Jungkook.
— Então você tem medo de quebrá-la?
— Não sei. Eu posso fazer isso. Não sou o cara mais legal do mundo. O que aconteceu com a Ali me pegou de surpresa porque não esperava que essas coisas… Enfim, sei que já superei, mas nunca se sabe. E o não saber não me deixa avançar. Não estou pronto para avançar. Tanto no amor quanto na carreira — admitiu ele, e certamente não esperava que fosse falar disso tão claramente. Quando o fez, soltou um suspiro pesado, um que se assemelhou a uma risada seca — Acho que estou finalmente sofrendo o karma da Chayoung.
Minji o olhou com dúvida, buscando uma segunda confissão embaixo da primeira.
Jungkook balançou a cabeça em negação, franzindo os lábios.
— Minha primeira namorada. História curta, mas muito desagradável.
— Ainda temos mais 10 minutos.
— É o tempo suficiente para chegar no meu próximo destino — ele se levantou imediatamente, ajeitando o relógio em volta do pulso — E não, não estou indo bater na porta dela. Eu juro.
Quando deu um sorrisinho, Jungkook se preparou para sair do consultório.
— Jungkook — Minji chamou, fazendo-o parar — Por que esperou 4 dias, 5 horas e 50 minutos pra vir até mim?
Ele umedeceu os lábios, e a sinceridade que deixou escapar um segundo depois parecia até irreal.
— Porque fui um idiota que pensou que ela não estava falando sério — falou baixo, colocando uma das mãos no bolso. — Porque pensei que meu telefone tocaria com uma mensagem naquele mesmo dia. Ou no outro. Até eu me lembrar que sempre foi muito certinha com as regras. E nós quebramos todas elas — o amargo na boca voltou novamente, toda vez que era acompanhado de uma verdade dura. Se continuasse naquele cubículo com Minji, viraria um esqueleto de tanto que se autoflagelava com as confissões — Então, foi como foi. É o que aconteceu.
O que não devia estar acontecendo, pensou ele. Porque sentia – sabia – que precisava dele naquele momento. Precisava de alguém.
Mas ah, ficar ali remoendo onde deveria ou não deveria estar não iria ajudar em nada. Então, com mais um leve cumprimento, ele voltou a sair.
— Jungkook, mais uma coisa — Minji chamou mais uma vez, fazendo-o parar de novo. Desta vez, ela se colocou de pé, caminhando até a mesa de madeira branca e puxando um cartão retangular para entregar ao garoto — Dê isso pra . Quando vê-la em algum momento. Acho que vai ser bom pra ela.
Jungkook baixou os olhos para ler o nome e número no cartão. Doutor Park Sung Chul. Psicólogo.
Ele não disse nada. Apenas repetiu o cumprimento e saiu da sala, guardando a única desculpa válida para falar com que conseguiu nos últimos 4 dias, 5 horas e 55 minutos.

・ ❬📸💔❭ ・


— Chegamos, senhorita.
A voz do homem parecia um sussurro. poderia confundi-la com o vento. Demorou mais alguns segundos para que ele repetisse a mesma coisa, até que ela finalmente captasse a proximidade do barulho e virasse a cabeça para a frente.
— Sim? Ah… — ela mirou o pára-brisa, tão limpo quanto peças de museu, enxergando o letreiro grande da cafeteria piscando em uma fachada amarela e rosa — Muito obrigada.
O motorista apenas concordou com a cabeça, decidindo não perguntar se ela estava bem e se precisava de alguma ajuda para andar 5 passos. saiu do carro, puxando o telefone para verificar a mensagem anterior de Candice: Me encontre no Dalshar. Preciso de um donut, minha glicose já caiu faz tempo.
não estava afim de sair do trabalho e ir para qualquer lugar que não fosse sua casa, mas tinha entrado em um acordo mútuo com Candice de voltarem a fazer alguns programas juntas novamente. Alguns que já faziam do outro lado do oceano, mas que tinham se perdido nos novos compromissos e também nas novas mentiras – assunto longo, difícil e histérico. Ela tinha certeza de que a amiga ainda estava digerindo toda a história.
Quando passou pela porta de vidro com o sino, quase esbarrou em um casal que saía com duas sacolas cheias de donuts. A mulher espichou os olhos de cima a baixo para ela, talvez constatando o visto de estudante ou talvez nos farrapos que cobriam seu corpo, sem nem disfarçar. Não importava com qual roupa se vestia quando saía de casa pela manhã, o outfit no fim do dia sempre escancarava seu cansaço.
Haviam pessoas demais para um horário relativamente cedo. As mesas redondas pareciam todas ocupadas por famílias ou casais, e não conseguia visualizar nenhuma fração de cachos loiros balançando por aí, ou nada que fosse minimamente parecido com a sombra de Candice Chaperman.
Mas um braço grande e revestido por camisa social levantou-se bem no fundo, em uma mesa ao lado da janela, um braço ligado a um rosto agora livre de óculos de grau.
suspirou e caminhou até Gook Doo, sentando-se do outro lado.
— Acho que eu esperava te ver — brincou ela, tirando cuidadosamente a bolsa dos ombros e apoiando-a na cadeira.
— Jura? Estou acenando há horas, você parecia bem distraída.
— É que eu estava procurando Candice. Ela se destaca bem aqui — deu de ombros, puxando os cabelos para um coque.
— Acho que você reconheceria até o esqueleto da senhorita Chaperman, mesmo em uma convenção de loiras em Santorini.
riu alto, concordando com a cabeça.
— Isso é verdade. O que você tá tomando aí?
— Ah, isso? — ele puxou o copo grande com um canudo para a frente. Tinha bastante chantilly e gelo — Se chama ice cream float. Uma invenção americana muito estranha, mas gosto de experimentar coisas novas.
— Uau — ela contorceu o rosto, rindo logo em seguida — Acho que precisa de coragem pra experimentar essas coisas.
— Achei que a senhorita fosse corajosa — ele estreitou os olhos em zombaria, e cedeu um pouco os ombros, passando uma perna torta por cima da outra.
— É, também achei — sussurrou ligeiramente, e coçou a garganta para continuar — Mas e então, achei que seu trabalho com Candice não incluía mais andar pra lá e pra cá com ela. Sei como pode ser cansativo.
— Tecnicamente, não inclui — ele fez uma careta, mexendo na bebida com o canudo — Mas hoje tivemos algumas reuniões de planejamentos, adiantando coisas para os próximos dois meses seguintes, e pudemos ir para casa mais cedo. E aí a senhorita Chaperman falou desse lugar e não vi porque não. Gosto de donuts — ele deu de ombros, bebendo um gole da bebida gasosa — Menos os de pistache. Tem gosto de menta falsificada. Mas fiquei sabendo que são seus favoritos, então…
— Ficou? — franziu levemente o cenho, esparramando as duas mãos em cima do tampo. Gook Doo assentiu com a cabeça.
— Sim, a senhorita Chaperman disse que você viria e que os seus donuts favoritos são de pistache. Assim como o milk shake, o sorvete e as bombas de chocolate. O que foi um choque pra mim, porque sempre pensei que bombas de chocolate fossem literalmente de chocolate, e fiquei completamente congelado diante dessa tragédia da gastronomia, mas já superei. Fiz o pedido há uns 5 minutos.
tentou sorrir, mas o tempo em que entrou naquele lugar, se sentou com Gook Doo e o ouviu falar sobre donuts e convites trouxe à tona elementos escondidos. Sua cabeça andava no mundo da lua nos últimos 4 dias, então foi fácil se esquecer que o doce favorito de Candice eram trufas recheadas e que só elas poderiam curar sua baixa de glicose. E o relógio bem ali mostrava que já passava das 6 da tarde, e ela podia jurar que Candice havia comentado na noite passada que se encontraria com Yoongi depois do trabalho para compensá-lo da sua ausência – consequência da promoção. virou a cabeça lentamente para o espaço aconchegante e cor-de-rosa, cheio de casais dando as mãos sobre a mesa, e a placa estampada acima do balcão com o prato do dia: sobremesa dupla → cupcakes do chefe com cobertura cremosa de chocolate na forma de coração. ₩34.000, peça já o seu!
repuxou os lábios, lutando para não ser consumida pela enorme vontade de soltar um palavrão.
— Desculpe, Gook Doo… — ela interrompeu seja lá o que ele estava tagarelando até aquele momento, encarando rapidamente aquela gravata que permanecia intacta no fim de um dia de trabalho, muito diferente dela e seu estado — Candice comentou a que horas chegaria?
Ele balançou a cabeça em um não.
— Ela disse que não ia demorar. Mas falou pra eu saber aproveitar o tempo, seja lá o que isso signifique — ele deu de ombros, um pouco tímido — Talvez eu devesse…
— Com licença — a voz doce de uma garçonete surgiu no espaço vago entre os dois, depositando os pedidos com muito cuidado no tampo: uma bebida grande de milk shake de morango, 3 donuts médios de pistache e duas bombas de chocolate: uma de chocolate e outra de pistache.
Por fim, a garota colocou um aparelho pequeno com um botão no centro da mesa e saiu sem dizer nada.
encarou os pedidos um a um, sentindo a irritação ondular sobre os montes e vales dos ossos das costelas.
Gook Doo engoliu em seco, e tentou inutilmente levantar o dedo para ajeitar os óculos que não estavam mais lá. Pura força do hábito.
— Eu, hum… Acho que exagerei um pouco na quantidade.
olhou para ele, vendo um sincero deslocamento no rapaz, que ainda não estava percebendo a verdadeira intenção de Candice naquilo tudo, mas que sabia, de algum jeito, que havia algo errado. suspirou, encarando rapidamente os próprios sapatos sujos, trincando um pouco os dentes para dissipar o aborrecimento com a melhor amiga e levantando a cabeça de volta.
— Não, não é nenhum exagero, Gook Doo — ela exibiu um sorriso intacto, puxando o milk shake para perto e tomando um grande gole — De morango. Meu segundo favorito. Combina com pistache, caso você queira mudar de ideia sobre menta falsificada — deu de ombros e puxou um donut com a calda verde bem delineada. Ele soltou uma risada fácil — E então, como foi a entrega do seu primeiro artigo?
E com isso, o observou abrir a boca e começar a falar. E fez questão de absorver cada palavra, ou demonstrar que estava, porque por dentro estava lutando para não pegar o telefone e dizer à Candice que nunca mais veria suas meias de algodão que combinavam com seus sapatos de couro. Aliás, poderia se livrar dos sapatos também, aquela coisa parecia apertar muito na altura dos tornozelos.
comeu, bebeu, riu, conversou o máximo que sua tolerância permitia até voltar a fazer perguntas e deixar Gook Doo pegar a bola do diálogo. Fez tudo isso com a maçã do rosto afundada, os dentes mordendo o interior das bochechas, mantendo um único pensamento na mente:
Você me paga, Chaperman. Ah, com certeza vai me pagar!

・ ❬📸💔❭ ・


Jungkook tocou a campainha pela terceira vez em um intervalo de 10 segundos.
A caixa em seus braços estava ficando mais pesada. Ele a segurou com mais força, olhando brevemente para o jardim ao lado, tentando não ficar tão impaciente e bater de novo. A grama de Yoongi estava mais alta do que da última vez que esteve ali, e algumas flores no canteiro já estavam com o pé na cova. Jungkook se perguntou se foi assim que aquele antigo pé de laranja do amigo tinha morrido, simplesmente porque ele era péssimo para sair do estúdio e ver que outras coisas vivas em sua casa precisavam de atenção.
E também era péssimo para atender portas.
Quando ele estava prestes a tocar outra vez, Yoongi apareceu com rapidez, pronto para resmungar alguma coisa sobre não ser surdo.
Mas antes que abrisse a boca, ele olhou para a caixa nos braços de Jungkook. E ouviu a caixa também.
— O que é isso? — disse ele, retoricamente, porque a caixa tinha grades e latia.
— O nome dele é Bam — Jungkook respondeu com a voz inexpressiva, abrindo espaço para entrar na casa de Yoongi sem pedir licença.
Yoongi ainda ficou parado por um tempo, tentando entender. Depois de um segundo, viu o garoto fazer um som com a língua, balbuciando com o filhote preso naquele quadrado de transporte até Holly surgir de algum buraco do cômodo vizinho, latindo de encontro ao outro de sua espécie na sala.
— Ei, amigão — Jungkook fez um carinho animado no poodle, abaixando-se para apoiar a caixa no chão — Esse aqui é o Bam, um garotinho muito legal que adotei na Brewbrew. Ele tem certidão de nascimento e tudo. Temos um pedido pra te fazer, tá afim?
— Jungkook — Yoongi se aproximou como um jato na sala, apontando para Holly e o outro cachorro — O que tá fazendo?
Jungkook deu de ombros, ainda indiferente à agitação de Yoongi.
— Adotei um cachorro e queria ver se a ração do Holly vai agradar ele. Fiquei sabendo que você enfia umas coisas bem caras nesse cãozinho, mas isso não é problema, não é? Talvez o Bam não goste, mas queria saber pra passar em algum pet shop ou…
— Você veio pra isso? — Yoongi olhou rapidamente na direção das escadas, como se temesse ser ouvido. Jungkook juntou as sobrancelhas em confusão, enquanto sentia as patinhas de Holly baterem entre suas costelas, pedindo desesperadamente para sair.
Jungkook soltou o cachorro, levantando-se para encarar Yoongi.
— O que foi? Tá ocupado?
Yoongi engoliu em seco. Olhou de Bam para Jungkook, e em seguida de Jungkook para a escada, alisando rapidamente as fibras sintéticas da camiseta azul, gesticulando rapidamente com as mãos.
— Talvez… Espera, vou te dar um pacote inteiro da ração do Holly e você leva pra casa, tudo bem? É coisa boa, impermeável ao tempo, eu juro. Mas você precisa…
— Yoongi, você viu meu bracelete?
A voz feminina veio de cima para baixo. Os saltos agulhas causavam um estrondo no piso de mármore como o som do apocalipse. O perfume doce invadiu as narinas de Jungkook antes mesmo que ele visse o cabelo loiro despontando na entrada da sala.
Tudo aconteceu muito rápido.
Primeiro, Jungkook e Candice se encararam pelo tempo máximo de 1 minuto redondo. Depois disso, o grito dela surgiu junto com a corrida. Jungkook demorou a entender o que estava acontecendo até sentir o impacto forte no rosto e correr para o outro lado. Uma sombra tomou todo o lado direito das bochechas até sentir uma almofada batendo direto no nariz, enquanto o azul da camiseta de Yoongi entrava na frente e gritava pedidos de calma enquanto Candice gritava ainda mais alto, xingando Jungkook de nomes que ele nem sabia que existiam no mundo.
E quando Candice decidiu apelar usando os sapatos, Jungkook não conseguiu escapar por muito tempo. Um deles acertou seu joelho, e o outro passou de raspão pela orelha, e Candice parecia um animal raivoso, misturando-se à luz dos outros animais da sala, que latiam e pulavam enquanto Jungkook tentando falar e Yoongi precisava agarrar os braços de Candice quando ela finalmente alcançou Jungkook no corredor ao lado da cozinha, tendo certeza de que ele perderia a vida se não corresse rápido demais.
Depois de 15 minutos de caos completo, Jungkook retirou o saco de ervilhas congeladas do olho direito, encarando a loira enfurecida de pé.
— Tá legal — falou, exausto, apontando para as unhas de gel pintadas de vermelho — Abaixa essa bolsa, Candice.
— Vou abaixá-la no seu crânio, seu filho da mãe desgraçado…
— Tá bom, já entendi que vocês conversaram — Jungkook fez uma careta ao segurar o rosto de novo. Estava doendo muito, doendo como se Candice tivesse enfiado agulhas embaixo de sua pele — Quer parar e me escutar agora?
— Escutar você?! O que vou escutar de você, Jeon? Que estava gostando muito de se aproveitar da minha amiga? Que foi uma ótima distração pra você e seus problemas amorosos?
— Ei, calma aí…
— Como ousou chegar perto dela depois de tudo que você fez?
Jungkook franziu os lábios, desencostando-se do sofá e retirando o saco congelado da superfície das maçãs do rosto, que estavam saindo de vermelhas para roxas. Inclinou as costas para a frente, soltando um grande suspiro.
— O que você espera que eu diga?
— Que você é um dissimulado sem noção! O que você pretendia seduzindo ? Fazendo um acordo com ela? Como teve coragem…
— Ela te contou tudo? — Jungkook pareceu surpreso. Candice torceu tanto os lábios que ele jurou que ela o mataria apenas por se lembrar da história — Ah, claro que contou. Então você sabe porque começamos…
— Eu sei. Sei e não deixa de ser grotesco nem por um minuto. Você foi desprezível com a , por que diabos quis propor isso a ela? Por que deixou que ela aceitasse? E por que continuou por tanto tempo? — ela trincou os dentes de novo, começando a caminhar na direção de Jungkook, expelindo raiva pelo nariz. Yoongi, em silêncio, colocou uma mão nos seus ombros, balançando a cabeça em negativa porque obviamente já estava tarde e se um repeteco dos últimos 15 minutos acontecesse de novo, existia uma grande chance dos poucos vizinhos decidirem chamar a polícia.
Mas Jungkook também estava com o rosto contorcido de frustração. Sem perceber, encarou Yoongi pelas costas de Candice, e viu um lapso de censura estacionado naqueles olhos.
É claro que ele também estava sabendo de tudo.
— Candice, ela é adulta — disse ele, colocando-se de pé devagar, sentindo a área machucada latejar e doer ainda mais — Nós somos adultos. Ninguém fez nada contra a vontade, tinha consentimento, tinha…
— Não é essa questão, Jeon. Você fez um inferno na vida da . Você e sua maldita mania de culpá-la pelo seu fim com a vadia Secrets, o que me levou a questionar mais de 10 vezes como foi capaz de se submeter a esse papel, mas não dá pra esperar sensatez de uma cabeça já tão abalada por sua causa. E por mais que você tenha aparentemente melhorado, o que eu duvido muito, não vou baixar a guarda com você. E espero que também não — Candice respirou fundo, fitando o garoto como se pudesse fuzilá-lo e transformá-lo em pó ali, no meio da sala. Sem receber uma resposta imediata, ela só precisou de um minuto para puxar o telefone dos bolsos do quadril e verificar as horas — Tenho que ir. Estou atrasada — e agarrou a bolsa com mais força nas mãos, uma bolsa de couro muito bom que Jungkook sentiu antes de ver — Atrasada para buscar . De um encontro. Um bom encontro.
Ela falou provocativa, estreitando o olhar na direção de Jungkook. Ele prontamente levantou os ouvidos, sentindo todo o corpo enrijecer em estado de alerta. Ficou tão evidente que Candice abriu um sorriso venenoso.
— Ouviu só? É um aviso — ela ergueu o dedo indicador — Fica longe da . Ela não precisa de mais problemas, como os que você com certeza traria.
E com um selinho rápido em Yoongi, Candice saiu com passos altos e pesados da casa, batendo a porta dramaticamente.
Jungkook ficou parado por um tempo até desabar novamente no sofá, fazendo outra careta com a dor. Voltou a colocar o pacote de gelo no rosto, tentando ignorar toda a raiva que sentia com a situação no geral.
Ele sentiu a outra metade do sofá afundar com o peso de Yoongi, que se sentou na mesma posição do garoto, mas sem fechar os olhos de dor.
— Cara — ele começou, com um suspiro — Você é um idiota. Sabe disso, não sabe?
— Eu sei — Jungkook murmurou, a voz abafada pelo pacote — Eu sei.
— Você já sabia antes de toda essa merda ou está sabendo agora? Porque eu achei mesmo que você não podia se enfiar mais na lama, mas daí Candice aparece aqui em casa fervendo de raiva me contando absurdos como Jungkook e estão fazendo sexo há mais de 1 mês.
— Que sutil — ironizou, tirando o pacote do rosto.
— Tentei tranquilizar ela na maior parte do tempo, e só consegui raciocinar a informação depois. E continuo te achando um babaca.
— Obrigado, hyung. Sei como é — Jungkook deu um sorriso fraco, levantando a cabeça para encarar o teto — Mas se te deixa melhor, já fiz uma sessão de autocrítica bem rigorosa desde que tudo começou e já me diagnostiquei como um babaca.
— Que bom, não gosto de bater na mesma tecla — Yoongi cruzou os braços, olhando o teto junto com Jungkook — Mas falando sério, que coisa mais bizarra. Como convenceu a a fazer um acordo desses?
— Não foi tão difícil — ele deu de ombros. — A gente já tinha transado naquela festa do Grammy. Estávamos bêbados, eu estava com raiva, ela estava curiosa e foi isso. Acha que eu também não pensei que era bizarro?
— Mas fez mesmo assim.
— Porque abri a porta daquele carro, olhei pra ela e sei lá, deu branco. Não consegui pensar em mais nada. Até hoje não sei explicar — Jungkook bufou, passando uma mão pelo cabelo.
— E seguiram com isso sem contar pra ninguém.
— A gente não precisava de ninguém examinando e julgando a situação, Yoongi — Jungkook estalou a língua, erguendo as costas para cima — Nem a gente fazia isso. Acho que não fizemos por tempo demais. Nossos interesses estavam alinhados, até… Bom, até na semana passada.
Jungkook engoliu em seco, abaixando o tronco na direção do transporte de Bam, abrindo o cadeado para deixar o filhote sair afoito de lá, pulando direto para as suas mãos, que o puxaram para o seu colo.
Yoongi o viu se recostar de novo no sofá enquanto fazia um carinho no cachorro de pelagem preta com o polegar.
— Então vocês tipo… terminaram de vez?
Jungkook assentiu devagar, com a respiração frustrada presa na garganta.
— É. Parece que sim.
— E o Jaehyun?
Jungkook virou o rosto para o amigo.
— O que tem ele?
— Agora que você e , bem… fizeram o que tinha que fazer, os dois vão finalmente sair juntos, não é? Sempre achei que eles tinham um rolo mesmo, até combinam um pouco…
Yoongi parou de falar diante da face totalmente contorcida de Jungkook. Parecia o rosto de Hoseok na carteira de motorista, uma foto tirada às pressas depois de uma noite virada de bebedeira que tinha começado às cinco da tarde. Faltou muito pouco para que ele não vomitasse na própria câmera do lugar.
Jungkook tinha o rosto muito parecido com isso, mas em vez de vomitar, ele provavelmente socaria Yoongi.
— Eu não faço a mínima porra de ideia, Yoongi — rosnou, puxando Bam para mais perto antes que fugisse para o chão — Não sei se vão sair pra jantar ou tomar um sorvete, se vão dar um passeio de bondinho em Busan, amarrar fios vermelhos no Monte Fuji, alugar um trailer, se beijar, transar, eu nem quero saber disso. Não é mais da minha conta.
Jungkook estava aborrecido. Uma veia latejava na têmpora, e seus olhos furiosos fitavam a pintura de cimento queimado da sala de estar. Yoongi notou imediatamente o alvoroço incomum daquela postura, desconfiando que Jungkook estivesse mais afetado pelo "término" da não relação com do que admitia. O que não fazia sentido nenhum, porque Candice tinha deixado claro que eles estavam apenas fazendo sexo.
E se Candice havia dito, era porque pegou a informação de . E tinha sido bastante firme na parte do apenas sexo.
Mas Yoongi não insistiria nas incoerências que seus olhos estavam vendo. Estava na cara que Jungkook tinha desligado a sessão de perguntas e respostas daquele dia, preferindo se retrair e guardar os sentimentos como sempre fazia.
— Mas e então… Bam? — Yoongi perguntou, com uma careta divertida — Que raio de nome é esse?
— É um nome legal — Jungkook respondeu com um suspiro, observando a boquinha do cachorro agarrar seu dedo indicador com toda a força que as perninhas conseguiam — Não disse que era bonito, mas é legal. Ela achou legal.
— Ela?
.
Yoongi ergueu uma sobrancelha. As coisas começaram a ficar notoriamente mais óbvias.
— Você acha que ele se daria bem com um gato? — Jungkook perguntou de repente, os olhos brilhando como se a questão fosse muito importante — Se eu adotar um gato filhote amanhã, eles podem se dar bem, não acha? Não quero largar meu trabalho no meio do dia por achar que os dois estão se matando e destruindo minha casa, por isso preciso saber que isso não vai acontecer. Talvez você possa construir uma casinha pra eles pra mim, o que acha? Com seu novo hobby de marcenaria e tudo mais. E também…
Yoongi continuou encarando Jungkook falando e falando, como se esperasse que ele mesmo percebesse o que estava acontecendo. Que percebesse como estava tentando preencher seus vazios de uma forma muito peculiar. Geralmente, ele fazia isso com novas aulas de violão, vodka com cerveja e garotas selecionadas na lista de contatos, como tinha feito no término difícil e unilateral de Ali, mas agora ele parecia apenas desanimado demais para essas coisas. Queria fugir do término da vez de outra forma, buscando outros tipos de distrações.
Caramba. Alguma coisa de muito importante devia ter acontecido entre ele e em quase 2 meses de segredos.
— Como seria o nome do gato? — Yoongi perguntou, segurando uma risada — Bing? Boom?
Jungkook estreitou os olhos e riu abertamente.
— Não seria uma má ideia.
— Tem certeza? iria gostar de uma dessas opções?
— Talvez sim. Ela tem cara de nomear gatos de rua quando está entediada.
Os dois gargalharam por um tempo indeterminado, as risadas ecoando pela sala grande enquanto Bam tentava desbravar o tronco de Jungkook, apoiando as patas na sua barriga, cheirando o que não teve chance de cheirar enquanto a Mercedes rodava o motor em marcha lenta pela cidade.
— Ah, isso é muito louco — Yoongi balançou a cabeça, ainda vibrando com uma risada desacreditada — Você e , cara. A maior loucura da face da Terra.
Jungkook não respondeu imediatamente, agora olhando para o teto escuro com a mente viajante, traçando pela primeira vez a trajetória que tinha se envolvido com desde o início.
— Nem me fala.
— Ela disse mesmo pra você imaginar a Ali? — Yoongi perguntou. Jungkook se virou para ele, com as sobrancelhas arqueadas, surpreso pelo tanto que o amigo sabia.
Mas antes que respondesse ou explicasse o absurdo, os dois entraram em mais uma sessão de risadas.
— Disse sim — Jungkook assentiu, sem necessidade de contextualizar a situação de quando bateu na sua porta embriagada há 2 meses atrás.
— Meu Deus — Yoongi arregalou um pouco os olhos, lembrando-se das palavras duras de Candice quando disse que “ quando bebe só fala besteiras” — E você imaginou?
Jungkook diminuiu as risadas barulhentas, mas o sorriso permaneceu intacto.
— Nenhuma vez.


[ 27 ] – She was close, well you couldn't get much closer

🎵 Ouça aqui:
Cornerstone - Arctic Monkeys

"Achei que tinha te visto no Battleship
Mas era só alguém parecido
Ela não era nada além de uma ilusão de ótica
Sob a luz de um aviso
Ela estava perto, perto o suficiente pra ser seu fantasma
Mas as minhas chances se foram quando perguntei
Se podia chamá-la pelo seu nome
﹝...﹞
Pensei que tinha te visto no Rusty Hook
Aconchegada numa cadeira feita de vime
Eu me aproximei para olhar mais de perto
E beijei quem quer que estivesse sentada ali
Ela estava perto, e ela me abraçou firmemente
Até que perguntei de forma ridiculamente educada
Por favor, posso te chamar pelo nome dela?
﹝...﹞
Pensei que tinha te visto no Parrot's Beak
Mexendo no alarme de incêndio
Estava alto demais pra eu ouvi-la falar
E ela tinha um braço quebrado
Estava perto, tão perto que as paredes estavam molhadas
E ela escreveu com o Letraset
Não, você não pode me chamar pelo nome dela
﹝...﹞
Me diga o lugar onde você se esconde
Estou preocupado em acabar esquecendo seu rosto
E eu perguntei pra todo mundo
Estou começando a achar que te imaginei o tempo todo."

— Jogo sujo, Candice! — tirou os sapatos no hall com um chute — Imundo! Perverso! Pior do que todos que você já fez.
A loira de olhos arregalados fechou a porta do apartamento com um empurrão, surpresa com o aumento expressivo da voz de , desde o momento em que tinha entrado no carro até a chegada no elevador. No entanto, não estava nem aí para suas queixas. Estava brava de verdade.
— Meu Deus, , por que não chama o Vaticano e me exorciza em praça pública de uma vez? Qual foi o grande pecado que cometi em fazer você comer com o Gook Doo?
— Como se a sua intenção fosse que eu apenas comesse com ele! Acha que eu te conheci ontem?
— Bom, vocês nunca comeram sozinhos antes e talvez pudesse ser uma experiência interessante!
— Experiência interessante?! Corta essa, Chaperman. Você tentou arrumar um encontro pra mim. Um encontro, como estava dizendo que faria antes. Vai negar isso?
— E vai me dizer que foi ruim?
se preparou para retrucar, mas não adiantaria. Com a cabeça quente, seus argumentos se queimariam junto. Estava zangada demais para formar uma frase sem que ela fosse cheia de tropeços.
Com um suspiro forte que continha todos os xingamentos existentes no mundo, ela apontou um último dedo para Candice e grunhiu:
— Nunca mais faça isso. É sério. Nunca mais.
E se virou para ir direto à cozinha, buscando um lugar para bufar em paz. Frustrada, Candice a seguiu, cruzando os braços enquanto puxava um copo grande da prateleira e o enchia de água com gelo.
— Na verdade, você deveria me agradecer em vez de reclamar — chiou com petulância. rangeu os dentes.
— Eu não vou te agradecer por me enganar, enganar o Gook Doo e me arrumar um encontro às cegas sem meu conhecimento. De jeito nenhum, sua maluca — bateu com a forma de gelo na pia de granito, com um pouco mais de força que o normal.
— Ok, ok, eu te enganei, tudo bem, sou culpada. Mas devo te lembrar que tenho uma licença poética para isso quando fui eu a primeira a ser enganada?
E lá estava o óbvio.
fechou os olhos com uma expiração dramática, seguido de um riso sem humor. Ela se virou para Candice lentamente, torcendo os lábios em desgosto pelo assunto.
— Sério? Ainda isso?
— Não faz tanto tempo assim que fiquei sabendo.
— E por eu ter mentido pra você que estava trepando com um cara, você se sente na obrigação de arranjar um outro pra mim imediatamente?
— Você não estava trepando com um cara, , você estava trepando com Jeon Jungkook!
— E daí, cacete?!
— Daí que você precisa voltar a si. Se eu soubesse que estava tão desesperada para transar a ponto de se entregar pra um canalha que não se importa com você, eu teria agido antes e melhor. Existe uma dezena de homens nessa cidade que fariam uma fila para ocupar a sua cama na mesma hora, e uma outra metade que imploraria pelo seu telefone, você poderia ter várias chances…
— Pelo amor de Deus — agarrou seu copo rapidamente, passando por Candice para voltar à sala, querendo fugir do tópico mais uma vez, fugir de tudo que a amiga provavelmente ainda repetiria antes que o relógio batesse meia noite.
— Não pense que eu vou esquecer essa história tão cedo, . Assim como não vou deixar que você caia na lábia daquele imbecil de novo, como bem fiz questão de avisar pra ele hoje quando...
— Você fez o quê?! — parou antes de seguir pelo corredor até o quarto. Suas sobrancelhas foram parar no meio da testa, mas Candice pareceu ainda mais afrontosa.
— Isso mesmo que você ouviu. Ele apareceu na casa do Yoongi quando eu estava prestes a sair, e de jeito nenhum passei a mão na cabeça dele ou fui educada. Na verdade, ele merecia perder o dedo só por ter tido a coragem de tocar em você.
Candice incorporou um olhar mais perverso ainda, um com o dobro de ira de quando se viu parada na cafeteria com Gook Doo, presa em um plano ardiloso da melhor amiga — Pela última vez: esquece. Essa. História. Eu e Jungkook não temos mais nada, e tudo o que tivemos foi porque nós quisemos. Eu quis. Para de falar como se ele tivesse me manipulado, me obrigado ou apontado uma arma na minha cabeça porque não foi o que aconteceu. Nós nos demos bem e temos uma relação completamente diferente hoje. Sei que eu errei te escondendo tudo isso, mas por favor, não use o fato do meu passado com ele pra me arrumar encontros que eu não quero.
observou o bico de Candice se formando, se segurando para não aumentar o tom de voz e grasnar respostas baseadas em sua raiva, mas calou-se onde estava. De jeito nenhum queria duelar com Candice sobre a razão daquela conversa, então se preparou para voltar a andar, voltar para o quarto e voltar para o que quer que estivesse fazendo antes de ir parar em um encontro arranjado.
, eu só quero saber uma coisa — Candice interrompeu, e revirou os olhos, voltando a encará-la com a expressão cheia de repreensão — Você gosta dele? Do Jungkook.
Era uma pergunta simples. abriu a boca para ceder igualmente uma resposta simples. Mas foi tão estranho como as letras do "não" se recusaram a se formar. Como foi lenta sua passagem para a boca, e mais esquisito ainda quando se grudaram na língua e ficaram por ali. O “não” era a primeira resposta que deveria ser dada, a resposta certa que Candice esperava.
Mas ela não quis sair. E a pergunta estranha sem respostas se transformou em um momento estranho, que logo mais se condensaria em uma noite estranha.
Candice estava pronta para perguntar de novo, mas falou na frente:
— Era só sexo, Candice. Te expliquei tudo naquele dia — afirmou com um suspiro, olhando para a água imprensada pelo gelo dentro do copo de vidro.
A feição de Candice beirou a um deboche doloroso.
— Eu queria muito acreditar nesse papinho de “só sexo”, mas essa sua cara de coitada e o seu chorinho escondido no quarto me impedem! — A loira grunhiu com ódio do fato. entreabriu a boca com surpresa nítida — Sei que eu sou a pessoa mais desligada deste mundo, que não perceberia um incêndio acontecendo na própria casa, mas achei que depois de toda aquela história da escrota da sua mãe, eu deveria ficar um pouco de olho em você. E olha só as coisas que descubro quando finalmente decidi fazer isso: você está arrependida.
— Não sei do que você…
— Tá arrependida por ter se livrado daquele projeto de bad boy da Mercedes. E sinceramente, nem quero imaginar o porquê! Não sei se sente falta dele, do pau, do beijo ou do que quer que faziam quando não estavam trepando, mas tenho certeza que o que ele fazia, outros milhares dessa cidade também são capazes de fazer.
Candice arqueou uma sobrancelha convencida. Estava certa de que não estava bem, mas também tinha certeza que podia melhorar. Ela garantiria isso, de um jeito ou de outro. Garantiria que Jungkook, com sua personalidade ácida e instável, não machucassem ainda mais.
Porque é claro que ele a machucaria, mais cedo ou mais tarde.
Em contrapartida, sentiu os ombros cederem, e fez um esforço além do normal para não gritar com a amiga que tinha certeza absoluta de que nenhum outro cara seria como ele – tanto na cama quanto em todo o resto.
Umedecendo os lábios, manteve a voz firme quando retrucou:
— Não estou arrependida de nada. Pode só aceitar que também sou capaz de ter um caso sem compromisso?
— Sem compromisso? Consigo — Candice se aproximou, e tomou o copo de suas mãos — Mas sem sentimento? Duvido muito.
E entrou no corredor, bebendo um gole da água até gritar novamente da porta do quarto:
— Ah, e não se esqueça da minha festa de comemoração no fim de semana. Isso sim é um compromisso.

・ ❬📸💔❭ ・


Jungkook examinou cada ponto da sala por quase cinco minutos inteiros.
O abajur decorativo no formato de uma caveira estava entrelaçado nos próprios fios logo abaixo do móvel da TV, a manta em cima do sofá estava embolada no chão, seus coturnos recém comprados estavam separados por um cômodo de distância, e a lama…
A lama estava em toda parte, no formato de pequenas pegadas, salpicadas pelo piso sem uma direção definida.
Isso o deixou um pouco mais aliviado. Se tivesse topado com a mesma bagunça no dia anterior, ele chamaria a polícia na mesma hora. Mas o criminoso estava ali, parado ao pé da porta, com o rabo balançando enquanto emitia pequenos latidos agudos para chamar a atenção.
Seu mais novo colega de quarto: Bam.
— Boa, garoto — ele largou a bolsa do boxe ao lado dos calcanhares, abaixando-se para pegar o cachorro no colo — Devo ser um ótimo pai por deixar uma criança que nem você sozinho em casa, não é? Deixou pelo menos a cozinha inteira? Tô morrendo de fome.
Bam latiu, agitando-se em seu colo, apoiando as patas no seu peito como se estivesse loucamente desesperado para que Jungkook apenas olhasse para ele. O garoto sorriu, acariciando-o por algum tempo, porque raramente via tanta inocência e bondade irrefletida como aquela que via em Bam.
Só fazia 1 dia, mas dava para sentir que aquele Doberman já havia marcado seu território devidamente na mansão de Itaewon, e não havia mais nada que Jungkook pudesse fazer.
Bam logo estava no chão, e Jungkook disparou para o banheiro em seguida, recebendo a companhia do cachorro enquanto se despia, entrava no box e demorava pelo menos 20 minutos embaixo da água, imóvel, pensando em coisas que tinha evitado pensar durante o dia inteiro, ignorando vontades que não poderiam ser atendidas e repreendendo impulsos que o colocariam ainda mais na merda.
Nem mesmo Bam suportou assistir a isso de camarote por tanto tempo.
Ele fechou o chuveiro com certa brutalidade, puxando o cabelo molhado para trás. precisaria começar a pagar o aluguel se fosse morar de vez em sua cabeça. Mandá-la embora não estava adiantando. Quando menos se esperava, ali estava o rosto dela, triste, desesperado, inchado pelo choro, e as palavras duras que tinha dito sem tanta precisão, mas que continuavam definitivas.
E agora já faziam 5 dias, 3 horas e 40 minutos que ela ainda não tinha mudado de ideia.
Se Candice não estivesse prestes a assassiná-lo no dia anterior, ele poderia ter perguntado pelo menos se estava bem. Já que as respostas curtas das mensagens de texto não o convenciam. Aquilo não convenceria ninguém. Precisava que ela o desse um dia, apenas um dia, para que ele pudesse olhar em seus olhos e tentar compreender a situação na íntegra, e não apenas aceitar uma decisão unilateral.
Unilateral. Porra. Com ele as coisas sempre eram unilaterais.
Quando se vestiu e balançou o cabelo para espalhar o restante dos fios molhados, caminhou até a cozinha para atender à fome deixada em segundo plano. Optou por duas fatias de pão e recheio misturado de tudo o que via na frente: queijo, tomate, kimchi, ovos, uma embalagem de tteokpoki…
Tteokpokki. A primeira refeição que tinha feito com , numa noite arrasadora de chuva.
E alguém o julgaria se ele automaticamente se lembrasse do dia em que a colocou naquela mesma bancada e devorou sua boceta como um maníaco?
O gosto dela explodindo na sua boca era uma lembrança tão forte e constante agora que o tirava da realidade por alguns segundos. Sentiu o sangue pulsar e o estômago apertar com a falta absurda que tinha do corpo dela. A cada dia que passava, a ficha caía mais um pouco, o desesperava mais um pouco, o enlouquecia pra caralho.
Ele largou a embalagem e se livrou dos ovos, fechando o pão com o que tinha. Antes que saísse, viu Bam de tocaia aos seus pés, latindo para o sanduíche com um sonoro alto.
— Cara, eu deixei comida pra você antes de sair — ele se virou para o animal, apontando para o canto da cozinha, próxima à porta de vidro dos fundos — Deixei na sua casinha. Lá fora. Aquela coisa paga uns 80 sanduíches desse.
Bam não se importou. Continuou latindo e pulando até os calcanhares de Jungkook, que revirou os olhos e tirou um pedaço da casca, jogando-a para ele.
— Qual é o problema dos cachorros? — ele mordeu um pedaço de seu sanduíche, andando de volta para a sala, juntando pequenas coisas espalhadas com uma mão, contente por pelo menos não passar a tarde na polícia assistindo câmeras de segurança para saber qual maluco tinha tido coragem o suficiente para invadir a casa de um membro do BTS.
Depois de colocar a manta e os demais objetos no lugar, Jungkook deixou o corpo desabar no sofá, não demorando nem 1 minuto completo para que Bam se juntasse a ele, aninhando-se ao lado de suas pernas.
— Ei… O que você fez hoje, hein? — disse Jungkook, passando os dedos levemente pelo seu torso — Além de se divertir com as minhas coisas, claro. Bem que Tommy me avisou quando eu disse que tinha te deixado sozinho em casa. Mas você tem o que, 3 meses de vida? É de se esperar de um bebê — ele mordeu mais um pedaço do lanche. Bam latiu — O que? Você quer saber do meu dia? Não fiz nada de interessante. É sério, ir à igreja teria sido mais produtivo. Fugi de uma conversa com Junghyuk, nosso produtor, porque segundo ele, foi informado que precisávamos nos preparar para uma gravação solo. Minha. Daí eu quis fugir e mandei uma mensagem para o Nitro, mas ele estava ocupado. Apanhei igual um filho da puta no boxe porque não conseguia focar nas luvas de Tommy. Foi humilhante — Bam latiu mais uma vez, olhando para o seu rosto, para uma zona específica dele, ainda um pouco inchado — Ah, isso? Isso não foi o Tommy — Jungkook apontou para o lado direito da bochecha — Uma maluca chamada Candice Chaperman fez isso em mim. É verdade mesmo quando dizem da qualidade das bolsas da Prada? Aquela coisa quase quebrou minha mandíbula. Mas sei exatamente o que ela estava sentindo. Eu sei.
Bam, agitado, se deslocou para o colo desocupado de Jungkook, recolhendo as patas para se sentar, agora olhando na mesma direção que seu dono.
— Tudo bem, já que você está tão entediado, vamos ver meu filme favorito. É uma comédia, você vai adorar.
Com delicadeza, Jungkook esticou o braço para o controle no braço do sofá, apertando em um botão até que as luzes se apagassem e a TV acendesse ao mesmo tempo.
O círculo de carregando ficou por um tempo no centro da tela até sumir e dar lugar à imagem em VHS do olho direito de uma garota. Logo depois veio o esquerdo, junto com a metade do nariz e, então, um rosto inteiro se materializou na panorâmica; um rosto sem maquiagem, com algumas olheiras, o cabelo preso em um rabo de cavalo torto, facilitando uma imensidão de fios a serem pegos pelo frizz e, de resto, uma camiseta larga e surrada com shorts de moletom azul escuro ainda mais desgastados, um que Jungkook já tinha visto um milhão de vezes, um que ficava guardado na última gaveta de uma cômoda de madeira branca, a mesma que estava servindo de apoio para a filmagem em questão.
mexeu em alguns botões da câmera, provavelmente ajeitando configurações de foco que ainda estava aprendendo, olhou para a direção da janela e se afastou até que o corpo inteiro estivesse à mostra até os tornozelos. Quando a melodia da música começou, Jungkook abriu um sorriso.
— É agora, Bam.
Então, Pied Pier começou a tocar e ele estava diante, novamente, da dança desengonçada e sem ritmo de com exclusividade, graças à última fita perdida na Panasonic que ela o tinha devolvido há muitos dias atrás, mas que só recentemente tinha mexido para guardá-la direito. E lá estava, puf! Um achado. Um tesouro. A coisa mais adorável que ele tinha visto nos últimos tempos.
E que estava vendo, ininterruptamente, nos últimos 5 dias.
Com uma risada espontânea, ele murmurou para Bam que a parte mais engraçada era a da tentativa do giro com os calcanhares, o que a fez rir sozinha quando não conseguiu, e como ela ficava bonita quando pensava que ninguém a estava olhando, e como ele provavelmente nunca teria a chance de ver isso ao vivo agora já que tinha mudado drasticamente de opinião sobre uma possível aproximação deles antes mesmo de começarem.
Agora o ciúme e baixo astral atingiram Jungkook como uma facada, profunda e inesperada, quando se lembrou das palavras amargas de Candice antes, aquelas que afirmaram com todas as letras que estava livre. Em um encontro. Com outro cara.
Um cara que ele esperava muito que tivesse hérnia de disco e QI menor que 50.
Uma ferida escondida de insegurança, antiga e detestável, seguiu ardendo no fundo do peito, uma que o deixou severamente mais desanimado do que quando saiu do apartamento dela há 5 dias. Uma que trazia desesperança sobre qualquer possibilidade de que ela reconsiderasse a decisão que tomou.
Deus do céu, ele nem sabia porque queria tanto que ela mudasse de ideia. Não fazia sentido. esteve certa o tempo todo: o que tinham acabaria de qualquer jeito, independentemente de Jaehyun ou não, porque e Jungkook não eram do tipo de pessoas que nasceram para ficar juntas. Pelo menos não de acordo com sua percepção sólida do que era necessário para cogitar um relacionamento com alguém.
Mas essa certeza não tornava os fatos menos dolorosos. Não o isentava de sentir falta dela – precisamente do sorriso, da risada, do cheiro, das mensagens de texto, do conforto de seu corpo, caloroso e incomparável, e tantas outras coisas que encheriam 4 folhas de Chainsaw.
Que merda, era isso que acontecia quando decidia dar ouvidos à terapeutas que custavam uma fortuna. Ele começava a concordar com elas.
Quando o rosto de se aproximou novamente da lente depois da sessão particular de dança, seus olhos vagaram por toda a extensão do painel, analisando a si mesma até estalar a língua e dizer:
Não vou tirar uma selfie, Jeon Jungkook. Vai sonhando.
Ele rapidamente pausou o vídeo assim que lhe cedeu um ângulo que contemplasse todo o seu rosto, e encarou a imagem por um tempo relativamente longo demais, sendo atingido por suspeitas, verdades e emoções que certamente o levariam para uma vala já conhecida.
Seu rosto é o que eu quero lembrar. O corpo é o que eu quero sentir…
— Isso não é justo, Bam — grunhiu consigo mesmo, acariciando o topo da cabeça de Bam sem prestar muita atenção. — Ela se abre comigo, se permite experimentar coisas novas, vence alguns medos, sorri por uma noite inteira, me deixa estupidamente de quatro por ela, me enlouquece como o inferno e daí depois me diz que acabou? Usando todas as minhas palavras contra mim? — A tentativa de uma risada ressoou da garganta com um resquício de tristeza — Se for usar o argumento de que eu fui um completo filho da puta no início, então eu deveria apenas aceitar. Mas por que continuo querendo procurá-la mesmo depois disso tudo? Por que quero saber o motivo de ela estar chorando? Por que esse fim sem mais nem menos me perturba tanto? O que ela tá fazendo comigo?
Bam latiu, claramente louco para dissipar o climão que Jungkook e seus ombros caídos traziam para o ambiente, ou apenas reclamando por ainda não ter ganhado um pedaço do sanduíche. Jungkook arqueou uma sobrancelha para ele, obviamente não considerando nenhuma das duas coisas.
— Não olha pra mim desse jeito, vamos morar juntos daqui em diante, vai ter que se acostumar com as minhas queixas — e apontou para a TV, direto para a imagem de — Aliás, a culpa é dela. Toda dela. Inclusive do seu nome ser Bam, vá me desculpar, mas é brochante. E o pior de tudo é que você parece se amarrar nesse nome, dá pra ver nessas orelhas balançando, puta merda, é de acabar. Vocês dois se merecem, sabia? Espera só até ela te conhecer, capaz de você até ganhar um sobrenome, e daí talvez…
As palavras morreram no meio do caminho ao mesmo tempo em que ele girou o corpo todo para o lado de Bam, que inclinou a cabeça levemente para trás, percebendo a mudança súbita de posição do dono. Um grande sorriso brilhou no rosto de Jungkook.
— Bam, você é um gênio — ele tomou o rostinho do filhote entre as duas palmas, arregalando os olhos com entusiasmo — É isso, é claro que é.
Em um instante, Jungkook estava se levantando em um jato do sofá, disparando para a cozinha, mas parou e se virou novamente.
— Ah, e se quiser, eu até deixo você comer uma parte do sofá. Você provavelmente já ia fazer isso mais cedo ou mais tarde, então pode se adiantar. Ela com certeza vai dizer para chamar esses serviços de estofado e essas coisas demoram pra caramba — o sorriso aumentou ainda mais. Jungkook apertou o passo para a bancada, onde o telefone estava jogado ao lado de uma cesta de frutas e abriu a conversa com , que estava cheia de frases curtas e decisões muito bem estabelecidas. Quando começou a digitar a mensagem, ele logo desistiu e apagou. Se lesse mais uma resposta monossilábica da garota, seria capaz de gritar.
Foi diretamente no botão de ligar. Seu coração pulsava em pequenos batimentos desesperançosos, aflitos com a possibilidade de que o outro cara em questão não fosse um desempregado acneico que não soubesse formar uma frase sem perguntar a nacionalidade de , e que isso fosse um bom motivo para marcarem um segundo encontro, um repeteco que poderia estar acontecendo naquele momento, e dessa maneira aquele “tuu” da chamada jamais completaria.
No momento em que a voz dela soou no último toque, Jungkook não reagiu de imediato. Percebeu, de repente, que não tinha pensado no passo seguinte. Não se deu nem um mísero minuto para bolar um plano sólido. Não existia uma parte sequer de seu corpo que não estivesse tensa.
Quando repetiu o “Alô” do outro lado, ele sentiu os ossos da mandíbula saírem do estado de hibernação e deu um sorriso aliviado, limpando a garganta antes de continuar:
— Oi, é… desculpa te ligar essa hora, mas… — olhou para Bam, que já estava no chão, cheirando todos os móveis em busca de um lugar onde pudesse marcar novamente seu território — Acho que preciso da sua ajuda.

・ ❬📸💔❭ ・


Quando o interfone soou, Jungkook nem se deu ao trabalho de olhar pela câmera. Seus pés se lançaram sozinhos até a porta, abrindo-a em um rompante, encontrando e sua respiração acelerada por uma aparente correria.
— Pedi para o taxista me deixar na outra esquina — ela explicou, apontando para a entrada da rua — Acho que ele entendeu errado e me deixou há duas esquinas, mas tudo bem. Era melhor do que passar mais 5 minutos tentando explicá-lo que eu não era da Costa Rica.
Ela colocou as duas mãos na cintura, enquanto ele permanecia imóvel, ainda com os dedos na maçaneta, olhando para ela como quem tenta adivinhar o que aconteceu, ou onde ela poderia ter estado antes de parar ali na porta – um restaurante, um cinema, um parque, ou seja lá onde o cara inepto de caráter duvidoso e beleza mediana tinha decidido levá-la naquele dia.
umedeceu os lábios, constrangida de repente com sua chegada súbita e o olhar acentuado de Jungkook.
— Vim correndo porque já são 20:30 e você parecia com pressa. Ou posso ter entendido errado. De qualquer forma, o que houve?
Ele estava prestes a perguntar, da maneira mais neutra possível, onde ela estava para pegar um taxista que se confundisse tão bruscamente naquela parte da cidade, mas o latido agudo veio primeiro, tirando Jungkook de seu transe temporário de vê-la depois de… De um tempo específico que nem mesmo sua cabeça boa de gravar datas conseguia se lembrar.
Bam surgiu como um foguete por entre as pernas de Jungkook, fazendo arfar com surpresa e se abaixar no automático para impedi-lo de sair para o lado de fora, trazendo-o para o colo.
— Ah, meu Deus! Quem é esse?
Jungkook suspirou de alívio. Tanto pelo reflexo rápido de , quanto pela interrupção de Bam na conversa que ainda não tinham iniciado direito, mas que ele ainda não tinha uma resposta coerente. Ficou difícil pensar em uma depois que a viu. Mesmo que tivesse um plano formado, certamente acabaria com ele.
— Esse é meu novo colega de quarto — ele estendeu o braço para passar o filhote, que era bem maior do que os filhotes normais — , esse é o Bam. Bam, essa é a . A fotógrafa do seu primeiro álbum.
o olhou sem entender.
— Vem, entra. Antes que ele pule do meu colo.
Jungkook caminhou para dentro da casa sem mais explicações. permaneceu parada por alguns segundos até finalmente segui-lo, fechando a porta com um pouco de choque.
— É o quê?
— Você perguntou o que houve. Houve o Bam — ele agarrou no cachorro nas duas patas dianteiras, balançando-o ligeiramente em direção à — Agora que eu entrei oficialmente no clube de pais de pet, vou seguir o roteiro: fazer fotos, vídeos caseiros, comemorar o mêsversário, essas coisas.
— Fazem isso com recém nascidos, não com cachorros.
— Sei disso. Mas como eu não pretendo ter um bebê Homo sapiens tão cedo, vou fazer isso com outra espécie. Fazia tempo que eu queria ter um, lembra? — ele puxou Bam um pouco mais para cima, trajando um sorriso confiante que deixou ainda mais embasbacada.
— Mas… — As palavras lhe faltavam. Ela observou a língua de Bam passear pelos dedos de Jungkook, até que sua boca abria para morder as unhas do garoto, e qualquer pedaço de pele que encontrasse na frente — Isso não tem graça, Jungkook.
— Do que está falando?
— Você disse que era uma emergência. E considerando que você nunca falou assim, eu fiquei… — engoliu em seco antes de continuar, recusando-se a dizer a palavra preocupada — Enfim. Nem sei se tranquei a porta do apartamento direito. Achei que estivesse doente ou sei lá.
Ele sufocou o sorriso vitorioso antes que se espalhasse pelo rosto inteiro. Apartamento. Ela estava em casa.
— Eu parecia doente no telefone?
— Não, mas… — parou de novo, encarando-o com hesitação, e desviou os olhos logo depois para que ele não percebesse o quanto foi fácil para que ela largasse os livros e se levantasse da cama em um jato para colocar tênis e um vestido que obviamente não combinavam entre si e entrar no primeiro táxi que atravessou a avenida, justo no momento em que tinha parado de vigiar o telefone, sem nem pensar em momento algum sobre os verdadeiros motivos dele.
Mas, de alguma forma, Jungkook tinha se tornado um especialista em ler um pouco de nos últimos tempos. E soube que ela e sua pressa para chegar tinham totalmente a ver com ele.
— A saúde anda bem, . Não precisa se preocupar.
assentiu devagar.
— Tudo bem, então… Espera, Bam? — ela ergueu uma sobrancelha. — Achei que tivesse dito que nunca chamaria seu cachorro de Bam.
— O nome não soou bem da primeira vez, mas na segunda já comecei a me acostumar. É pequeno, fácil e ele pareceu gostar. Não é, Bam?
O animal latiu na mesma hora, e deu um pequeno sorriso ao notar o movimento descompensado do rabo balançando sem parar, como se naquela cabecinha, seu novo nome estivesse pulsando em um eco.
Ele era fofo. E aquela pelagem preta, de certa forma, combinava com seu novo lar.
— Então está me contratando? É isso?
— Você me deixaria te contratar?
Ela riu seco, prestes a dizer uma recusa mal educada e alegar que ainda não estava vendo motivos plausíveis para aquele convite enigmático no telefone. Mas ele estava ali, diante dela, acariciando um filhote com ternura, tão perto e ao mesmo tempo tão longe, fazendo as sinapses de seu cérebro trabalharem com mais velocidade, fazendo-a sentir a vontade mais primitiva do ser de : registrar.
Ponto para Jungkook.
— Eu não trouxe minha câmera — ainda assim, tentou se esquivar da proposta. Jungkook apenas deu de ombros.
— Isso não é um problema.
Em um segundo, ele soltou Bam no piso de porcelanato e girou os calcanhares para a porta abaixo da escada, onde seu estúdio particular abrigava uma gama de modelos de máquinas que ainda não tinha desbravado.
Ela apertou os olhos por um momento, sem saída. Bam correu atrás de Jungkook e a deixou sozinha naquela sala gigante por um instante, sozinha com sua vontade de fugir, ou com a vontade de ter vontade de fugir.
Em algum momento, ele chegaria perto dela. Em algum momento, ela chegaria perto dele. sentia isso como algo fatídico, uma regra da natureza. Independentemente de acordo ou não, os dois sempre estavam, no fim das contas, perto demais um do outro. E teve certeza, como nunca teve na vida, de que estaria a um passo de avacalhar com sua mais nova regra, intitulada em tópicos como: não fique sozinha com Jeon Jungkook.
• Não mande mensagens para ele, a menos que seja um caso de vida ou morte.
• Não aceite nenhum café, caronas, abraços ou câmeras novas. Amizades modernas sobrevivem muito bem sem isso.
• Não deixe ele contar piadas. Mas caso aconteça, não ria de volta. Isso vai fazer com que ele sorria ainda mais.
• Não escute as músicas dele, em hipótese alguma, muito menos cante.
• Não escute Daniel Caesar pelo próximo mês. Vai ser suficiente.
• Não passe perto da academia.
• Não faça nada que seu coração idiota disser para fazer.
Ela andou até o vão da porta do estúdio, com o pensamento claro e determinado: se tinha conseguido esquecer as duras verdades sobre sua mãe pela maior parte dos anos com muito trabalho e distrações, por que não seria diferente com uma mera atração por um garoto?
Já teve algumas paixonites antes, não devia ser tão difícil.
Lá dentro, ele parecia concentrado em torno de uma prateleira industrial aparentemente nova, cheia de caixas ainda lacradas e garrafas de whiskey de marcas variadas.
— Como você pretende fazer isso? — perguntou .
Jungkook olhou para ela e mordeu a boca levemente com a pergunta. Ele parecia um pouco pálido, e seus olhos, sombreados e fora de foco como sempre ficavam à noite, estavam se desviando da silhueta de . Seu medo era de que, de repente, ela percebesse que tudo não passava de uma sequência de cenários improvisados, sem nenhuma direção definida, buscando um objetivo muito simples: fazê-la ficar.
Mas o onipresente senso de observação de estava quebrado naquele momento, naquela casa, junto com a companhia do cara que andava fazendo seu coração balançar como um chocalho. Paixonite idiota. Esse era o status que ele carregava agora, o que deixava ainda mais tensa.
— É uma coisa bem… simples. Apesar de você ser profissional, o Bam vai gostar de vídeos caseiros e fotos dele pequenininho cavando um buraco no jardim. Ele e a minha mãe, claro. Já fui intimado a mandar material para ela.
Ela assentiu devagar, e Jungkook voltou a se virar para a prateleira, tateando entre as caixas e garrafas, passando para outro móvel ao lado, abrindo e fechando gavetas até achar o que procurava.
Em poucos segundos, ele puxou a mesma Bencini que tinha ganhado de Nitro há algumas noites atrás no Covil, com rolos de filmes 127 em uma mão e uma cordinha de suporte na outra. pareceu feliz em ver o instrumento raro de novo.
— Você quer fazer fotos analógicas? — A garota pareceu surpresa. Jungkook concordou — Achei que o seu lance fosse material moderno e latas velhas escritas Pro Max.
Ele riu de uma maneira quase cintilante.
— Não tem nada vintage em imagens de alta resolução e com boas capturas de luz. Os anos 2020 não estão com nada — ele estendeu a Bencini para , que riu de seu sarcasmo explícito — Mas no seu caso, eu faço questão de me adaptar às suas preferências, senhorita.
capturou o lapso de uma piscadinha brincalhona que ele lhe lançou, o que foi motivo suficiente para que se desconcentrasse por meio segundo e corresse o risco de derrubar a câmera, mas nada aconteceu. Também porque ela o viu puxar o cabelo longo para trás, e inclinar a cabeça para fora quando disse:
— Montei uma coisa no quintal. Acho que vai ser útil.
Mas antes que ele desse um passo para a frente, ela chegou mais perto para perguntar:
— O que é isso no seu rosto?
Jungkook percebeu a direção em que seus olhos estavam e puxou o cabelo para baixo de novo. Tarde demais; ela já tinha visto e já estava tentando imaginar as possíveis histórias por trás da mancha arroxeada na lateral de sua têmpora.
— Isso? Nada demais. O boxe não é o esporte mais seguro do mundo.
— Já colocou um gelo?
— Já. Vai melhorar em alguns dias, o Bam vai ser testemunha. Agora vamos antes que ele pense que o carpete é um bom lugar para fazer as necessidades.
Com um sorrisinho convincente, Jungkook seguiu para a porta dupla de vidro que dava acesso ao exterior da casa, na parte silenciosa e discreta adornada por uma piscina pouco utilizada e um gramado muito bem cuidado por um serviço terceirizado de qualidade. A cada passo, ele se sentia estranho, como se os ossos estivessem esmigalhando por baixo da pele de tanto que estavam rígidos. Postura rígida e mecânica não passavam um ar de normalidade para ninguém que convivesse com Jeon Jungkook o suficiente, mas não estava reparando. Seu nariz estava virado para o chão, decidindo-se por falar apenas o necessário e deixar seu lado profissional vir à tona, e apenas esse.
O lugar estava vazio, a não ser pelo varal de luzes que contornava o deque desde a festa da casa nova, e um novo par de pisca-piscas que rodeava um grande puff azul-marinho, bem atrás de um banquinho de madeira com um pote de ração – ou o que quer que fosse aquilo.
acabava de escanear toda a produção quando perguntou:
— O que é isso?
— Ahm… Bolo de carne, eu acho — respondeu Jungkook, segurando Bam no colo para que ele não atacasse a coisa de uma vez só. o olhou sem entender — Claro que não é carne de verdade, o sabor da ração é carne, tem alguma coisa de premium nela que me faz pensar que estou comprando um boi inteiro. Mas Yoongi disse que como ele é um bebê e não morde direito, seria legal misturar com leite. Foi o que eu fiz.
— Ah — falou, erguendo uma sobrancelha — Você quer tirar fotos do seu cachorro comendo ração com leite?
— Eu disse pra todo mundo que ele era o cachorro mais lindo da Coreia, preciso provar isso de algum jeito.
cruzou os braços, pensando em argumentar contra, já que tudo ao redor estava começando a se parecer mais e mais com uma desculpa esfarrapada, mas desistiu bem rápido. Suspirando, ela passou a cordinha de suporte da Bencini no pescoço e gesticulou para a frente.
— Tudo bem. Posiciona ele no puff.

・ ❬📸💔❭ ・


achou que estava no controle da situação.
Achou que passar umas horinhas ao lado de Jungkook depois de tudo que tinha acontecido iria doer, incomodar, ser constrangedor de alguma forma, mas que poderia fingir que não era e transparecer a mesma postura habitual que tinha com o cara quando o conheceu. Tirando todas as alfinetadas e toda a mágoa envolvida, é claro.
Mas o que mais precisava na vida era encarar os fatos: não dava. Não era tão simples assim. Ou não era mais tão simples assim controlar tudo, a partir do momento em que ela via Jungkook segurar Bam no colo e fazer palhaçadas para que o cachorro olhasse para a câmera, enquanto ela se atentava ao menor momento perfeito onde tanto ele quanto Bam pareciam estar sorrindo no mesmo segundo.
Lá se foi a preocupação de ficar desconfortável. Tudo em seus trejeitos, risadas e palavras demonstravam uma vontade genuína e espontânea de ficar ali. Jungkook sorria, ela sorria. Ele chegava perto demais enquanto posicionava Bam em cima do puff sozinho e ela mal respirava. Se aproximava de Bam para dar mais um clique e sentia o cheiro dele em volta. Pareciam detalhes tão bobos, coisas que menininhas escreviam nos diários, mas percebeu que era verdade mesmo quando diziam do poder que uma pessoa tinha de ficar completamente grudada no seu cérebro, como um parasita.
Ainda assim, estava fazendo questão de citar duas vezes e sublinhar seu novo mantra para que seu órgão supremo entendesse: não dá. Não posso. Já não conversamos sobre isso? Não quero que ele presencie uma coisa daquelas de novo. Não quero sentir uma coisa daquelas de novo.
E ele era Jeon Jungkook, afinal. As chances de as coisas darem relativamente certo com um cara desses era, no mínimo, improvável. Candice estava um pouco certa, afinal.
percebeu que não sabia realmente o que encontraria quando chegasse à casa dele hoje. Tinha teorizado sobre uma doença, mas não passava de uma explicação fajuta para sair correndo do jeito que saiu. No fim, o que encontrou foi um cara feliz, sorridente, tramando palhaçadas para que um filhote de Doberman prestasse atenção nele e não na comida no recipiente, o que foi imensamente melhor do que as histórias malucas e sem sentido que estava inventando na cabeça, como: Jungkook deve estar sentindo minha falta e finalmente decidiu falar sobre isso. Deve estar querendo me ver e perguntar sobre nós dois. Deve ter algo a me dizer, finalmente, mesmo que eu não deveria querer ouvir e apenas retificar que tudo realmente acabou.
Que besteira. Ele não estava sentindo falta dela dela. Estava sentindo falta de partes dela, partes que só se revelavam dentro de 4 paredes e que sempre achou que conseguiria manter por muito tempo sem deixar sua outra parte atrapalhar, mas não foi o que aconteceu. Ele igualmente perceberia isso mais cedo ou mais tarde.
E novamente: ele era Jeon Jungkook. Conseguiria um outro alguém para um outro acordo em menos de 1 semana.
Em um momento propício, Jungkook estalou a língua quando percebeu que Bam estava mais interessado em se coçar do que em realmente olhar para a câmera. “Espera um pouco”, ele murmurou, andando até o outro lado do jardim, direto para uma espreguiçadeira branca na beira da piscina e puxou o que parecia ser um osso de borracha, retornando em seguida para o cenário das fotos.
viu o que ele trazia nas mãos e balançou a cabeça imediatamente.
— Melhor não fazer isso.
Ele franziu o cenho.
— Por que não? Dizem que eles gostam.
— Exatamente. Se ele ver…
Tarde demais. Jungkook fez um breve movimento com o braço, muito breve, deixando o objeto à vista de Bam por apenas 3 segundos, que foram mais do que suficientes para que ele latisse com energia e corresse na direção de seu dono.
Mas como alguém poderia acreditar que filhotes tinham algum senso de direção? Quando os olhos focavam no que queriam, já estavam avançando para qualquer lado que fosse, sem enxergar obstáculos como o pequeno banco prostrado à frente, apoiando o pote enorme de ração com leite, que o fez tropeçar e tomar um banho de sua própria comida.
E, de repente assim, Bam também tinha desistido do osso de borracha e se interessou muito mais pelos grãos espalhados pelo solo.
baixou a câmera, suspirando com a imagem, enquanto Jungkook abriu a boca, completamente atônito.
— Eu avisei.
Ela o ouviu bufar por um momento antes de se livrar do brinquedo e caminhar até Bam, que ao menor dos movimentos, também deixou de se interessar pela refeição.
— Cara, você fez um estrago aqui — Bam correu para o seu tornozelo, e balançou o pelo cheio de leite, molhando Jungkook e sua camiseta. colocou uma mão na boca para rir — Ah, que beleza, Bam, isso foi muito gentil. O que você quer que eu faça agora? — ele puxou Bam para o colo, sujando agora toda a camiseta — Você não tem medo de morrer enquanto come coisas do chão? Vão dizer que sou um pai desnaturado.
Ele ouviu a risada de mais uma vez, soando como uma música que ele queria muito ouvir, mas que tinha se perdido no meio de tantos outros discos.
— Acho que preciso da sua ajuda de novo. Com essa coisinha aqui.
balançou a cabeça. Estava com os braços cruzados firmemente sobre o peito, ainda rindo do “você não tem medo de morrer, Bam?” e observando cada detalhe da cena que presenciava enquanto pensava, debilmente, que não estava com vontade de responder qualquer outra coisa que não fosse:
— Ele precisa de uma banheira.

・ ❬📸💔❭ ・


— Eu provavelmente deveria ter me preparado pra isso antes.
A voz de Jungkook soou melancólica. O cenário diante dele era um claro pedido de socorro.
— Eu disse pra você não abrir o shampoo daquele jeito.
olhou pra ele com cara de “dãã”. Mesmo que ela também estivesse com espuma até os tornozelos e com alguns respingos de água encharcando a blusa, estava muito melhor do que Jungkook e sua camiseta estampada com mistura de leite, grama e algumas doses de comida de cachorro.
Se aquilo custasse mesmo o preço de 80 sanduíches, tinha sido um desperdício e tanto.
Mas perto de toda água que estava esburrando da banheira naquele momento, alguns grãos de ração premium não interferiram tanto assim nas contas do próximo mês.
— Realmente, sou um idiota. Por que não ouvi a sabe tudo? — ele estreitou os olhos com ironia, andando até a redoma de espuma, onde Bam parecia ser o único que estava se divertindo.
revirou os olhos, caminhando em sua direção para ajudá-lo.
— Bom, cuidar de um bebê pareceu bem mais real do que você esperava, não é? Ou só tinha imaginado até a parte do bolo de mêsversário?
— Você quer me ouvir dizer que eu não pensei em tudo? Bom, é verdade, não pensei — grunhindo, ele esticou os dedos para puxar a embalagem de shampoo flutuando na água enquanto rebocava as patinhas de Bam para que ele chegasse mais perto. Não demorou muito para que o animal enrijecesse todo o corpo se balançasse com vontade, espalhando gotículas por todo lado.
apenas segurou o riso. Jungkook olhou para o companheiro com choque de novo, estarrecido pelo comportamento que claramente era óbvio.
Reparou em e sua despreocupação em gargalhar, mostrando-se totalmente indiferente às roupas molhadas, como se nem estivesse notando isso. Jungkook riu fraco, apontando um dedo para ela.
— Você acha isso engraçado. Legal — ele bufou, e se colocou de pé por um instante para fazer algo que já devia ter feito há muitos minutos atrás: se livrar da camiseta arruinada.
desviou os olhos de Bam por pura força do hábito e odiou a forma como eles congelaram em cima de Jungkook e suas omoplatas definidas. Pareciam um pouco diferentes da última vez que tinha visto – maiores e mais fortes, como se o rapaz tivesse passado os últimos 5 dias morando na academia. O que ainda não explicava porque ela estava debilmente hipnotizada. Não era uma novidade, não eram os bíceps do The Rock e não era uma fantasia inalcançável.
Mesmo assim, não parou de olhar. Ainda mais quando ele se virou para jogar a camiseta no canto do banheiro, deixando à mostra as asas recentes das costas, cintilando pela água com sabão, deixando-a em um estado de torpor ridículo onde esquecia até mesmo seu sobrenome.
Quando ele se virou, a garota logo voltou a atenção à Bam, que quase saltava para fora da banheira. Seja lá de onde tinha vindo aquela vertigem tenebrosa que deixou seu sangue pulsando, ativando desejos sempre presentes, precisava mandá-la embora imediatamente.
Jungkook voltou a se sentar, apontando para e suas mãos que esfregavam o pelo de Bam.
— Já teve um cachorro?
não o olhou quando assentiu.
— Já. Há muito tempo.
Ele esperou que ela continuasse, ainda que a denominação “há muito tempo” implicava coisas que provavelmente não eram para ser ditas.
— A Elis — continuou , com um mísero sorrisinho — Era uma vira-lata que achamos machucada perto dos trilhos de trem. Devia ter menos de 3 meses de vida, mas já tinha sido tão maltratada. Implorei para que o meu pai deixasse eu levá-la com a gente. Eu devia ter uns 8 anos. Ela viveu conosco até os meus 14.
Jungkook sorriu daquele jeito sacana como só ele sabia sorrir.
— Uau. 6 anos sendo mãe de pet. Tem umas aulas pra me dar?
— Uma pequena quantidade de shampoo é o suficiente. Ainda mais se for tão caro como esse — estendeu as mãos pegajosas para arrancar a embalagem de Jungkook, colocando um pouco nas palmas e voltando a esfregar Bam, que parava tudo que estava fazendo para usufruir do carinho.
— O mais importante é que ele está limpo e o meu quarto atrás daquela porta continua intacto — afirmou ele, com um sorriso presunçoso. — O que houve com a Elis?
diminuiu o movimento dos dedos e hesitou um pouco, mas continuou com os olhos cravados em Bam. Coçou a garganta com um pequeno grunhido disfarçado e respondeu:
— Foi envenenada.
— Algum vizinho mau humorado?
— Não tínhamos vizinhos em um raio de 3km.
Ela continuou a dar o banho de Bam, sem reparar na mudança explícita de expressão de Jungkook, que saiu de curiosidade para uma completamente abalada de quem entendera perfeitamente sobre o que estava falando.
Meu Deus. Merda.
Aquela mesma raiva voltou com toda a força a salpicar seus olhos. Em contrapartida, permanecia inexpressiva; havia apenas atestado um fato já consumado, de um passado muito distante. O fato de que não apenas Elis, mas todos os seus sonhos, sua infância e sua paz de espírito estavam mortos a partir do momento em que conheceram Antônio já não a faziam tão mal como antes.
A realidade daquela época para sempre foi como uma ponte desmoronando abaixo de seus pés, onde seu corpo se mantinha preso por um guincho no ar e todas as coisas que amava caíam e se transformavam em entulho. Uma realidade que, muito provavelmente, se estenderia para o futuro, não importa quantos quilômetros estivesse longe deles.
— Que merda, — disse Jungkook, por fim. E um pouco desesperado: — Eu sinto… Não, não é isso que você quer ouvir. Sinto muito, mas não queria sentir, porque você não devia ter passado por nenhuma dessas coisas, por nada que te deixasse desse jeito…
— Jungkook — cortou, raspando os dedos para longe de Bam, que ficou parado por 2 segundos até encontrar uma bolha flutuante que pudesse perseguir — Todo mundo tem a sua hora. Infelizmente, eu ainda não tinha coragem de ir embora antes daquela fatalidade, mas pode ter certeza que ela me motivou a correr um pouco mais rápido.
O olhar dele disparou em ternura e algo parecido com dor, lembrando-se penosamente das sombras que aquele rosto corroído pela mágoa demonstrara naquele dia, uma imagem que perdurou por várias e várias noites em sua cabeça, deixando-o acordado com whiskey, partituras e uma péssima habilidade de adivinhação.
— Gostaria que você pudesse só andar — murmurou com o timbre grave, torcendo os dedos das mãos — Não correr. Não andar rápido. Só caminhar. Dormir, comer e viver como qualquer outra pessoa.
A garota o observou por tempo indefinido, pensando no fato de que a última coisa que queria quando voltasse a encontrá-lo era que falassem daquele dia, de qualquer aspecto dele, qualquer segundo ou minuto que o constituíssem. Mas como poderia andar para trás quando o cara tatuado não parecia ter nenhuma vontade de fazer a mesma coisa?
— Isso é… bem gentil — disse ela, com uma voz que mal se ouvia.
Jungkook responderia alguma coisa diante da mínima brecha, mas de repente o pequeno caos instaurado de Bam se converteu em um grande caos. Num piscar de olhos, ele tinha conseguido, sabe-se lá como, morder o pequeno chuveirinho móvel preso na altura da banheira, que estava ligado para ajudar a apaziguar a montanha de espuma ao redor, puxando-o com a boca até que a água se espalhasse por todo o canto, molhando azulejos, piso, toalhas, espelhos e as duas pessoas ocupadas demais navegando nos olhos uma da outra.
— Bam! — gritou, jogando os pés descalços para dentro da banheira para fechar o registro hidráulico, puxando o objeto desligado e colocando-o no lugar enquanto Bam latia em direção à Jungkook, dando um salto para o colo do rapaz, que tinha agora os cabelos e toda a parte do tórax pingando de água.
— Bam — os dentes trincaram com um pouco de indignação, mas passou tão rápido quanto apareceu — Você não tem medo de morrer de traumatismo craniano? E se essa coisa caísse na sua cabeça?
virou o rosto para os dois e riu. Jungkook logo se colocou de pé e olhou para ela.
— Acho que nem você esperava por isso, não é? — apontou para as roupas de , totalmente encharcadas.
— Se você tivesse avisado que era um pai tão inexperiente, eu teria me vestido melhor — puxou as barras pesadas e úmidas do vestido para alguns centímetros acima dos joelhos e torceu o tecido ensopado. Depois, passou o cabelo para um lado do ombro e ergueu a perna cautelosamente para voltar a pisar no chão sem escorregar.
Em um lapso de tempo, as gotículas de água que desciam em cascata pela lateral de seu pescoço deixaram Jungkook tão hipnotizado quanto ela mesma havia ficado há dois minutos atrás.
— É… vou colocar ele lá embaixo e pegar uma toalha pra você.
Ele mal esperou uma resposta. Apenas escapou para fora de seu banheiro e respirou fundo, resmungando com Bam o quanto estava tentando ser um cara direito para que ela não saísse correndo dali, mas era difícil. As resoluções que tinha estabelecido para saber o que fazer e dizer estavam desmoronando, e logo perceberia que tinha sido chamada ali por um capricho completamente intencional.
Quando se certificou que as portas estavam fechadas e Bam agora tinha uma nova porção do jantar para saborear, Jungkook voltou correndo para o quarto, encontrando de pé em frente à janela gigante do aposento, encarando uma mistura de prédios ao longe e muitas árvores perto.
— Preocupada com sasaengs? — ele brincou, andando direto para o closet.
— Elas tem uma casa na árvore ou coisa assim? — riu pelo nariz. Lá dentro, Jungkook puxou uma toalha grossa azul marinho, e outra de cor preta para ele mesmo.
— Elas têm tudo que você imaginar. Todos os recursos possíveis e impossíveis. — Ele já estava de volta ao quarto, e o viu revirar os olhos antes de estender a toalha — Tenho certeza que você já percebeu a profundidade do negócio.
Ela comprimiu os lábios antes de puxar o tecido das mãos dele.
— Ainda tenho esperanças que elas não tenham casas na árvore, se não você estaria encrencado.
— Você também.
Demorou 1 segundo para que ela entendesse. E odiou profundamente como as bochechas coraram no mesmo instante em que foi invadida por um monte de lembranças ocorridas naquela maldita casa sem cortinas o suficiente.
Quando a viu desviar os olhos, Jungkook notou o mal uso das palavras.
— Mas essa não é a questão, é? — Riu nasalado, tentando contornar a situação. — Acho que elas morreriam de tédio por aqui, com casas na árvore ou não. Não tem nada de muito interessante nessa vista. Não quando existe Gangnam e os shows de fogos na ponte do rio Han.
— Dá pra ver a Namsan Tower — esfregou as pontas do cabelo na toalha, voltando-se para a janela para apontar um horizonte aparentemente comum — Ela é a questão.
Jungkook franziu o cenho e olhou para fora. Por quase dois minutos, tudo parecia igual. Mas então, longe, bem longe, a pontinha circular da torre brilhou claramente acima dos arranha-céus, adornada de florestas que escondiam a maior parte de sua luz, mas que não escondiam o fato de que ela estava ali.
Livrando-se da toalha, ele se aproximou devagar da janela, apertando os olhos para ter certeza do que via.
— Caramba. Você matou a charada.
se achegou junto com ele.
— Que charada?
— Antes de me mudar, o corretor de imóveis disse que eu teria uma vista incrível do quarto principal. Imagina a minha cara quando cheguei aqui e não vi nada além de matagal. Mas, olhando agora… — ele franziu a testa e comprimiu os lábios, fazendo uma análise matemática da situação. Em seguida, virou-se para e disse: — Eu acho que fui enganado do mesmo jeito.
riu alto, acompanhada por Jungkook. Suas mãos apertaram o parapeito da janela semi aberta, e seus olhos focaram novamente na torre com serenidade, deleite, sentimentos bons que faziam brotar um sorrisinho de bem-estar no rosto, muito diferente do semblante deprimente que andava exibindo nos últimos dias, mesmo que ele viesse acompanhado de um sorriso.
Parecia muito difícil sorrir quando pensava que nunca mais iria sorrir com ele.
— Vou me lembrar de sempre ler as linhas pequenas do contrato de agora em diante — comentou ela, virando o queixo para ele.
— Paguei alguém pra fazer isso por mim, então sinto que fui enganado duas vezes.
— Mas uma paisagem embaçada ainda é uma paisagem.
— Discordo. Paisagens embaçadas são miragens — argumentou ele, girando o corpo para apoiar o cotovelo no peitoril — E não preciso de mais dessas coisas falsas. Só considero os espetáculos que estão perto de mim. Do que adianta se não for desse jeito?
Alheia ao restante do cômodo, se viu subitamente próxima dele, como seu inconsciente disse que estaria. De repente, todo o seu corpo estava profundamente consciente de que aquelas novas regras criadas não serviriam de nada enquanto morassem há tão poucos quilômetros um do outro, residissem na mesma cidade, trabalhassem na mesma empresa, enquanto tivessem essa linha estranha que os conectava de uma forma bizarra demais para o seu próprio bem. Ele nem precisou verbalizar um motivo concreto para que ela se esquecesse de tudo e estivesse ali, controlando os dedos para não tocá-lo, e o mesmo arrependimento pontuado por Candice mais cedo estava ardendo e borbulhando como lava de todas as cavidades de seu coração.
E Jungkook estava mais do que certo de que o rosto e o cabelo meio molhado de banhados à luz da noite eram muito mais fantásticos do que torres de cartão postal.
Muito mais. Muito, muito mais…
— Acho que se você pudesse contar ao seu corretor sobre isso…
Muito mais… Caralho, estava tão linda como se ele estivesse vendo-a pela primeira vez, sem um disfarce tosco para invadir um camarim. Jungkook a teria achado linda desde aquele mísero instante se não fosse a raiva cega das circunstâncias.
— … Ele te disse alguma coisa sobre quebra de contrato?
Ela riu… estava rindo, do jeito que ele queria que risse. E nossa, por que ela não gravava essa risada e colocava no banco de músicas do Spotify? Ele encheria sua casa com ela…
— … Mas nem você tem 500 bilhões de wons, não é? Quer dizer, acho que tem, mas duvido que iria querer pagar por isso e daí ele com certeza colocaria a polícia na sua cola…
… Ela estava rindo de novo. Impossível parar de olhar. Impossível não se lembrar. Impossível segurar braços, pés e boca no mesmo lugar. Em um segundo, o queixo dela estava na palma de sua mão. Os lábios pararam de se mover. Ela se encolheu, ou ele que estava alto demais, perto demais, envolvendo-a com sua sombra e os ombros recentemente robustos…
Em um instante, ele a beijou.
Ou melhor: relembrou. Reviveu. Ressignificou. Todas as expressões usadas para se referir a um impulso de euforia.
Euforia. Puro estado de êxtase.
Pela primeira vez em muito tempo, tanto tempo que ele mal conseguia se lembrar, Jungkook se sentiu no lugar certo e na hora certa.
De algum modo, o beijo de o dava uma sensação de pés no chão, e não a de flutuar. A sensação da realidade, uma que ele não queria fugir, não queria transformar, não queria interromper.
Jungkook não viu o momento exato em que fez. As engrenagens do cérebro entraram em curto circuito e, então, desnorteado, suas mãos puxaram a cintura dela para mais perto, e seus dedos se afundaram no montante de cabelos de , puxando os fios sutilmente conforme aprofundava o beijo, ao passo que movia seu corpo para a parede mais próxima, que serviu de substrato para que se encaixassem com mais perfeição. Um suspiro forte escapou quando a língua dela se enroscou com voracidade, cheia de desejo, fogo e agonia, e seus dedos agora passavam para uma parte de seu rosto, enquanto ele fazia o que não entendia porque não tinha feito antes: beijar, e beijar, e beijar…
Talvez ele pudesse beijá-la pelo resto da noite.
Seus dentes eventualmente puxavam seus lábios, e reagiu com lentidão, lutando inútilmente contra o que seu próprio corpo buscava, que eram a nuca de Jungkook, os braços dele, o tórax exposto, cada parte onde seus dedos podiam alcançar. Mas lá estava sua língua buscando a dele com veemência, com necessidade. Jungkook tinha perdido temporariamente a capacidade de raciocinar. O beijo dela era surreal – os lábios eram macios, seu cheiro ficava mais evidente, o gosto era uma mistura de frutas cítricas com pasta de dente. Um gosto que de repente era perfeito, era magnífico, ardia na língua dele assim como ardia as demais partes do corpo.
Talvez ele pudesse beijá-la pela eternidade.
Jungkook sentiu o peito derreter quando ela suspirou forte e gemeu baixinho, as órbitas dos olhos se deslocando para outro universo, a necessidade pela garota crescendo à medida que o oxigênio ia se findando, e as coisas começariam a literalmente pegar fogo caso ele não se afastasse, mais fogo do que já estava pegando, e suas mãos não conseguiriam mais sair dela, e sua boca…
De repente ele estava fora. Fora da bolha com , sozinho e ofegante, olhando para a parede vazia enquanto ela se afastava para o outro lado, controlando a respiração ruidosa e passando os dois dedos indicadores nos lábios inchados, tentando se situar naquela bagunça, perdida entre loucura e realidade.
— Você… — ela disse em voz rouca, separada agora há vários metros seguros da janela — O que você tá fazendo? Ficou maluco?
estava olhando para ele com um misto de choque, desejo e tristeza. Jungkook não respondeu de imediato – ainda estava tentando voltar daquela bolha.
Ela cerrou os dentes:
— Qual é a lógica de querer me beijar agora?
Ele passou a língua no lábio inferior e a fitou, tendo certeza que ainda sentia o gosto dela ali.
Tão linda, porra.
— Não tem nada a ver com lógica.
— Ah, pois tem! A sua lógica! Aquela que acha beijos e intimidade completamente inadmissíveis numa relação casual. Ou vai fingir que nunca disse e nem agiu desse jeito agora?
— Eu não vou fingir nada, , eu só... — ele abriu a boca, mas parecia que explicações plausíveis não pertenciam a um garoto que ainda estava tentando se recuperar. Que ainda olhava para e tudo que queria era beijá-la de novo — Aquelas foram regras do acordo, e ele já acabou.
Ele queria dizer: foram regras idiotas de alguém que estava se pressionando a não sentir uma mísera simpatia por você, quanto mais o desejo absurdo que você me deu.
riu com perplexidade. Em suas mãos, os dedos se fechavam em punho.
— Claro… O acordo acaba e agora você pode agir da forma que bem entender. Foi pra isso que me ligou?
— É claro que não…
— Ótimo. Então já terminamos aqui.
— Não aja como se não tivesse gostado, — Jungkook disse antes que ela se virasse. — Sei que foi idiota e repentino, aliás, devo ser um idiota mesmo por ter começado toda essa história, como a Candice deixou bem claro ontem com aquela bolsa de tijolo, mas prefiro que você grite comigo a ir embora sem admitir que foi bom.
abriu os olhos exponencialmente.
Candice fez isso com você? — perguntou, apontando para a faceta roxa na lateral do rosto dele.
Jungkook apenas assentiu.
— É, o Tommy tá perdendo a melhor aluna de todos os tempos. Sempre imaginei que um dia ela saberia de tudo, mas achei que estaria morando num asilo quando isso acontecesse.
— Eu não imaginei que ela faria isso — hesitou, aproximando-se com passos desesperados na direção dele, controlando a vontade de erguer os dedos e tocar a região em um mero pedido de desculpas discreto. Quando não o fez, ela apenas engoliu em seco e continuou: — Candice é a única pessoa que sabe tudo sobre mim, e esconder isso dela estava me matando, então eu precisei...
— Não precisa explicar, , eu entendo esse lance de amizade. Além de ganhar um carimbo da Prada no rosto, Candice também foi muito gentil em me fazer algumas ameaças medonhas caso eu tocasse em você de novo.
repuxou os lábios com desdém.
— Parece que escolheu negligenciar essa parte.
— Não tenho medo de uma loira de saltos, linda. Já você... — o sorriso venenoso delineou os lábios ainda inchados dele, que logo diminuiu e se transformou em algo feio, repleto de desgosto à medida que se lembrou das outras palavras de Candice — Ou existe outro motivo para não querer me beijar?
— Não preciso de outro motivo — os lábios dela tremeram levianamente.
— É mesmo? Nem por causa do seu encontro?
paralisou, unindo as sobrancelhas no meio da testa.
— O que você disse?
Ele deu de ombros.
— Só mais uma das coisas que Candice fez questão de me informar.
— Candice te disse que eu estava em um encontro?
— Em um bom encontro. Palavras dela, mas espero que estejam totalmente equivocadas.
Agora ele tinha o maxilar trincado, as veias saltando da pele dos braços. Por um momento, não existia nada no mundo a não o ruído daqueles ossos faciais, o latejar incessante da têmpora na testa, ambas esperando uma resposta de , esperando uma confirmação de como sua tentativa de achar um outro cara tinham sido totalmente frustradas.
Mas o olhar da garota o atravessou como uma lança quando ela baixou as pálpebras, encarando-o por debaixo daqueles cílios com um lampejo de irritação, um que não era muito comum.
— Você acha que eu sairia em um encontro imediatamente, logo depois que a gente... — ela travou, desviando o rosto para o lado.
Jungkook estava afoito demais para perceber isso.
— Por que não? Achei que era o que você queria, já que se desfez do nosso lance e achou melhor buscar algo sem um prazo de validade.
— As coisas não aconteceram desse jeito.
— É claro. Então, o que te impedia de responder as minhas mensagens? De conversar comigo, de parar de fugir da minha presença? Você nem me explicou...
— Eu expliquei. Expliquei do melhor jeito que consegui, Jungkook, você que não entendeu ou não quis entender.
— Eu tentei, . Fiz o possível pra te entender e dar o seu espaço, mas pelo visto quando disse que podíamos ser amigos foi baboseira da boca pra fora.
Amigos? Na primeira oportunidade que te vejo pessoalmente, pra te ajudar em uma coisa de amigos, você me beija! Faz a única coisa que disse que não poderíamos fazer durante todo o nosso lance. Isso é coisa de amigo?
De repente, já estava na frente dele de novo, perto de novo, mas sem se afetar por coisas que a afetariam se não estivesse com tanta raiva. Ela o encarava de baixo, as íris fervendo de irritação. Parecia impossível que um corpo tão pequeno pudesse fazer um ruído tão grande.
— Não, mas... — um pouco intimidado com a reação, Jungkook estalou a língua, gesticulando com as mãos — Porra, entendi. Eu quis. Eu quis te beijar. Sinceramente, ainda quero, pra caralho.
— Você quis? — ela riu engasgado, pasma novamente — Quando eu disse a mesma coisa naquele estúdio, você deixou claro que jamais faríamos isso de novo. Alguma coisa mudou?
— Como assim?
— Entre nós dois. Mudou alguma coisa?
Jungkook a encarou sem resposta. Seus olhos estavam bem abertos, aguardando as palavras atropeladas que sairiam dele. Mas tudo que conseguiu foi dizer em sua voz normal:
— De que isso importa? Não vai mudar o fato de que vou ficar louco se não te beijar agora.
— Para com isso…
— Por que? Você beijou ele?
— O quê?
— Beijou o cara do encontro?
negaria aquele absurdo com veemência na mesma hora, mas logo parou e entendeu o verdadeiro sentido da pergunta. Entendeu terrivelmente tudo, e a raiva e decepção que sentiu saíram na forma de uma risada engasgada.
— Ah, não… — ela balançou a cabeça, tristemente espantada — Então é isso. Você me beijou por causa do maldito cara que eu aparentemente saí. Isso tudo é uma porcaria de competição pra você? — Bufando, se aproximou ainda mais dele, apertando o indicador em seu peito — E se ele tiver me beijado? Acha que por isso você deve me beijar também?
— Você não tá falando sério...
— Não interessa, Jungkook. Você é um puta de um egoísta.
— Por que cacete eu sou egoísta, ?
— Porque começamos um trato sem beijos há 2 meses atrás, quebrei essa regra e te beijei no nosso encontro, para depois escutar pra nunca mais fazermos isso, por mais que nós dois quiséssemos. Agora você me beija de novo, simplesmente porque quis! Você não tá nem aí se estou feliz ou triste, se vamos transar hoje ou depois, se te afastei por questões bem mais importantes do que acordos, você só quer mexer comigo pra que eu não me esqueça de você e assim atrapalhar qualquer oportunidade que surgir com outras pessoas.
Jungkook estremeceu.
— Mexer com você?
— Você mexe comigo, cacete! Tá mexendo desde o nosso encontro, talvez até antes disso, e não importa se notou ou não porque nunca seria capaz de corresponder. Sei que fui uma distração de quem você ama de verdade, aceitei isso desde o começo, mas ainda assim, isso não é motivo pra me confundir a essa altura do campeonato, Jungkook, não é.
respirou fundo entre as palmas das mãos, virando-se para a porta na tentativa de se acalmar. Estava prestes a sair por ela quando ele deu um salto em sua direção, materializando-se na sua frente.
— Espera aí, que papo é esse? Entramos nessa porque você também estava apaixonada, apaixonada por outro cara, e tudo que estava fazendo comigo também era um tipo de distração pra fazer com ele. Se estivesse mesmo mexida, você falaria...
— Por isso eu quis que acabasse! — aumentou a voz, comprimindo os lábios para segurar os gritos dentro da garganta — Porque não estou mais apaixonada pelo Jaehyun. Porque a base do acordo se foi. E sem isso, não fazia sentido a gente continuar. Não estava nos meus planos querer dormir com você, tomar banho com você, te ouvir cantar, ganhar um café, te contar da minha vida e nem te beijar avulsamente sem uma data limite no futuro, e tenho certeza que você também não pretendia. Se continuássemos, as coisas iriam se complicar, e eu não posso… — parou, sentindo as cordas vocais estremecerem com a possível revelação do “não posso passar por uma coisa dessas de novo, não posso esperar que alguém me ame e depois me descontrolar” — Só não posso. Não podemos. Você não acha o mesmo?
Jungkook ficou em silêncio. Novamente, era como se o mundo inteiro parasse de respirar, inclusive , que mesmo percebendo a expressão dele como uma de “não quero falar sobre isso”, ainda esperava uma resposta.
Quando ela não veio, seus ombros se encolheram e sua cabeça balançou em concordância.
— É, já tava na cara — com um suspiro, se desviou dele para a porta novamente — Por isso você não pode sair me beijando. Nunca mais.
Jungkook parecia um mísero pedaço fragmentado de corpo humano, inerte no ar, olhando para ela e sentindo um milhão de coisas que explodiam e se espalhavam pelo seu organismo, mas que congelavam ao mesmo tempo diante do ultimato.
Estava na cara que sentia alguma coisa, mas que rejeitava essa mesma coisa na mesma proporção.
— Tá. Claro. É justo — quando conseguiu dizer, não tinha mais coragem de olhá-la nos olhos — Beijo seguido de proibições, estamos quites.
— Ótimo. E você também está proibido de comentar sobre qualquer beijo que eu queira dar em qualquer pessoa no futuro.
Agora o ciúme voltava a corroer todas as partes do seu estômago, de dentro pra fora.
— Claro, . A vida é sua, suas escolhas, e suas novas experiências. Não é essa a vontade que teve naquele dia? De querer desbravar o mundo?
balançou a cabeça. Ele falava, se movia e gesticulava como o Jungkook que ela sempre conheceu – aquele idiota que falava com ela como se fosse a líder de um grupo terrorista.
— Nossa, você é mesmo um babaca, Jeon — ela atestou com um sorrisinho ácido de canto, ainda percebendo os mesmos sentimentos não ditos no rosto dele, sentindo-se trouxa por querer saber mais — Sinto muito por Ali ter fodido tanto com o seu psicológico que te impede de dizer o que realmente pensa. Não precisa ficar com medo de me magoar. Sei que você me quer, mas me quer na sua cama e nos horários livres, e não posso lidar com isso agora. Sua frustração vem do simples fato de eu não querer mais fazer isso só com você.
Jungkook riu. Foi uma risada chocada, irritada, como se tivesse dito a ele pela centésima vez que a Terra era plana. Sem nem questionar.
— Caralho, devia continuar falando apenas sobre a merda que você sabe, , não o contrário.
— É, talvez eu realmente não saiba, mas de qualquer forma, chegamos ao fim desse absurdo.
E ela voltou definitivamente para a porta, desta vez mais rápido, saindo para o corredor até que Jungkook se tocasse do quanto ela estava se afastando para voltar a mover os pés.
— De qual fim você está falando? — ele a alcançou de novo, sentindo-se um pedaço de papel vacilante, alguém que estava se aproximando de um precipício — Agora acabou tudo de vez?
enxergou uma dúvida genuína na pergunta. E talvez um desespero para que ela ficasse, mas imaginar isso partia seu coração mais do que antes.
— Ainda somos amigos — respondeu em voz mais baixa — Só acabamos com o que começamos, Jungkook. Nada além disso. Deixei os fatos bem claros e espero que você entenda. Se tentar me beijar de novo sabendo de todas essas coisas, vou mandar todo o resquício de consideração por você direto para o inferno.
E em menos de um minuto, ela já estava quase nas escadas.
! — ele rangeu os dentes, fazendo-a parar de novo — Não é justo. Não é justo você falar por mim, você supor...
— Tudo bem, você tem alguma coisa a dizer? — disse ela, levantando os ombros — Pode dizer que eu tô errada? Ou que alguma coisa é recíproca?
Não havia absolutamente nada que Jungkook conseguisse dizer. Ela estava certa, estava certa em muitas das coisas que disse, mas não em tudo. Absolutamente não em tudo, principalmente no fato de que ele queria sim fazer todas aquelas coisas com ela, queria muito, mas já tinha decidido que não faria.
Já tinha decidido.
Então, sua resposta estava no silêncio.
Por mais que estivesse esperando por isso, novamente sentiu o estômago afundar.
— Foi o que eu pensei — ela assentiu, dizendo-se internamente que estava tudo bem — Tchau, Jungkook.
Ela desceu as escadas. Terminou de chegar à sala. Pegou sua bolsa em cima do sofá. Ouviu o latido de Bam e lhe fez um carinho rápido. Caminhou para a porta. E, finalmente, quando as costas dela estavam praticamente sumindo, Jungkook acordou do delay que o tinha deixado parado como uma estátua de novo, preso no dilema irracional que massacrava sua cabeça.
— Espera… — A voz que saiu dele era aérea, pequena, transtornada pelas travas. Aos poucos, sua mente ia conseguindo estruturar tudo que gostaria de falar com ela, tudo que gostaria de fazer — Espera…
Mas a porta bateu como a última despedida, e o chão se afundou no precipício.


[ 28 ] – I took the batteries out my mysticism

🎵 Ouça aqui:
The Hellcat Spangled Shalalala - Arctic Monkeys

"E numa caverna de feiticeira de lantejoulas
Quando seu julgamento está em fuga
E você está agindo como um estranho
Porque você pensou que parecia diversão
﹝...﹞
E você já teve o sentimento
Que essas são coisas que ela disse antes
Possivelmente, suas mãos firmes fizeram
A pedicure do Diabo
O que está esperando?
Para cantar outro maldito
Shalalala..."

— Jungkook! Ei… JK!
Jimin gritou mais alto que a música. Jungkook estremeceu levemente com a voz tão perto de seu ouvido, virando-se imediatamente para o lado.
— Porra. Não vi você aí — disse ele com a voz abafada pela algazarra. O rosto de Jimin estava escondido na semi escuridão do lugar, iluminado pateticamente por luzes coloridas e míseras spotlights que piscavam, mas o jeito como franziu o cenho em uma careta o deixou bem nítido.
— Como assim? Eu tô aqui faz meia hora — pontuou. Jungkook apenas deu de ombros.
— Foi mal, eu estava… Olhando outra coisa — e voltou a mirar o ponto fixo que sugava sua atenção desde que pisou naquela festa policromática de Gangnam, um ponto usando vestido cor de creme e saltos altos.
Saltos altos.
Jimin seguiu seu olhar, tentando ver e compreender o que poderia ser tão interessante em uma massa de pessoas que mal dançavam direito, e que pareciam todas iguais por trás da cortina de fumaça que rodeava a pista central.
No entanto, com um pouco de atenção, tudo ficou bastante óbvio para Jimin.
— Ah, cara. De novo? — Bufou, virando o corpo inteiro para o amigo — Por que não vai falar com ela de uma vez?
— Quê? — Jungkook juntou as sobrancelhas no meio da testa. Jimin apontou para a pista de dança.
— A Siyeon não vai esperar você tomar uma atitude pra sempre. Garanto que ela só precisa de 5 minutos para ir parar na sua cama.
Jungkook piscou duas vezes e seguiu o rosto na direção indicada. A garota em questão desviou o olhar imediatamente assim que ele se virou. Alta, bonita, com cabelos curtos e uma franja na testa. O jeito como se empertigou no salto para disfarçar sua tocaia parecia uma confissão abrasadora.
Mas não eram aqueles saltos que ele estava olhando.
— Não estou olhando para Siyeon — concluiu, levando o copo de whiskey aos lábios. Já estava um pouco quente àquela altura, e graças a Deus que a mesa de gelo estava bem atrás dele.
Jimin sorriu suavemente e colocou sua própria taça vazia de cabeça para baixo no balcão.
— Você acha que me engana — zombou, servindo-se de outra bebida, a mesma que Jungkook agora se reabastecia — Quase não vi você essa semana, mas não duvido nada que tenha marcado um encontro com alguém nessa festa. Mesmo que Candice só tenha enviado o convite ontem.
Jungkook o ignorou por um momento, voltando-se novamente para a mesma direção, preocupado em perdê-la de vista. Ela agora estava dançando com mais confiança e menos timidez, mesmo que ligeiramente ainda movesse pouco os pés por segurança. Aqueles saltos eram bem grandes.
— Eu estive fora… — respondeu quando notou o olhar curioso de Jimin queimando na lateral de seu rosto — … Fui encontrar uns amigos. Adotei um cachorro, você viu as fotos. Nada demais.
— Sei… — Jimin semicerrou os olhos entre cada frase, não acreditando em nenhuma delas — Inclusive, quando vou conhecer o Bam? Devia levar ele lá na empresa, o Tae leva o Yeontan pra todo canto.
— Quando ele crescer um pouco e entender que madeira e cadarços não são comida, eu posso levar.
— Aposto que se falar dele pra Siyeon, ela vai se oferecer na mesma hora para conhecê-lo.
Jungkook revirou os olhos. Por puro instinto amador, olhou na direção da mulher, que desta vez lhe lançou um sorrisinho sem esconder nenhuma interpretação. Talvez ele não precisasse nem de 5 minutos para conquistá-la, afinal.
— Eu tô dizendo — Jimin falou novamente, mas Jungkook já estava encarando o gelo na bebida de novo — Mulheres gostam de filhotes. Se ele for pequeno e peludinho, então! E ela canta pra caralho, pode até fazer ele dormir caso você saiba pedir.
Jungkook tentou parecer sério.
— Cara, você pega alguém com esses papos aleatórios?
— Toda vez.
O garoto segurou uma risada com a certeza ingênua do amigo. Jimin se dava muito bem com a maioria das bebidas, mas aquela festa tinha misturas demais, e álcool demais, e luzes demais, bem no nível de Candice Chaperman.
— Minha nossa, achei que nunca fosse vê-la assim.
Jungkook nem precisou perguntar. Imediatamente, seus olhos seguiram para ela de novo, e desta vez Jimin estava olhando definitivamente para a direção certa, para a garota no vestido cor de creme que ria espontaneamente enquanto se segurava nos braços de outra na sua frente, ocupando a outra mão com uma taça fina preenchida com um drink de duas cores.
A garota que não saía de sua cabeça e sua visão, repetindo-se como um rádio quebrado: “Você mexe comigo, cacete! Tá mexendo desde o nosso encontro, talvez até antes disso, e não importa se notou ou não porque nunca seria capaz de corresponder.”
Aquela com certeza não estava olhando pra ele.
— O quê? — Jungkook perguntou aéreo, preocupado de Jimin estar novamente falando algo que ele não escutava. O plano daquela noite era se esforçar ao máximo para não soar suspeito, mas o que poderia fazer quando ela apareceu daquele jeito?
— Nunca pensei que a fosse ficar tão bonita com brincos de rubi.
Jungkook voltou a beber, um grande gole desta vez. Ela bebeu logo depois, terminando o copo. Já era o terceiro, de acordo com a contagem dele. Sabia disso porque não tinha tirado os malditos olhos de cima dela. E com saltos daquele tamanho, o álcool podia ser o algoz de um acidente.
Por que ela estava usando coisas que claramente não queria usar?
— É, nem eu — murmurou ele, desviando os olhos. Jimin estava notando só agora que escondia uma beleza inquestionável, mas o fato já era concreto para Jungkook. Ele não estava surpreso por vê-la tão bonita; estava constrangido. Intimidado pela súbita presença magnífica da garota que entrou por aquela porta como se caminhasse sob um holofote. Pelo menos foi assim que ele a viu.
Só queria ter a coragem e oportunidade de apenas dizer isso à ela.
— Ela tá uma gata — continuou Jimin, com um suspiro — Tipo muito gata. De um jeito diferente. Na verdade, tem alguma coisa diferente nela, eu só não sei o que é.
Jungkook prensou os lábios, trazendo o copo novamente para um gole, controlando a língua quente e os dentes nervosos.
— Você viu o Yoongi? — tentou mudar de assunto.
— Ainda não. Você acha que ela dançaria comigo?
— Quem?
— A .
— Ela está dançando — arranhou Jungkook. Agora seu rosto já estava completamente virado para Jimin, esboçando um início de irritação.
— E daí? Ela está dançando com uma amiga. Vou chamá-la pra dançar comigo igual fiz na festa do Grammy. Ela se amarrou nos meus passos — ele exibiu uma piscadinha tão maliciosa quanto o sorriso, e Jungkook não soube por quanto tempo o encarou com a garganta formigando até tomar mais um gole para abrandar a agitação. Não era muito inteligente manter aquela carranca óbvia de ciúmes, mas ultimamente estava sendo difícil controlar aquele sentimento novo e terrível.
— Que tal você me ajudar a achar o Yoongi antes disso?
— Depois. Antes, vou fazer algo a respeito daquela gata bem ali — a cabeça de Jimin se inclinou na direção de , que olhou para o palanque bem no momento em que o DJ decidiu que Lady Gaga anos 2010 era uma boa escolha.
— Você está falando sério? — Jungkook apertou lentamente o vidro entre os dedos. Jimin assentiu, sem reparar no detalhe.
— Claro que sim. Pensa comigo: ela é bonita, é legal, inteligente, gosta de mim e não acho que esteja mais ocupada com Jaehyun depois da notícia. A situação é perfeita! Tá escrito que nossos caminhos iriam se cruzar hoje.
— Você tá falando merda.
Jungkook inflou as narinas. O whiskey parecia mais amargo que de costume.
— É sério. Hobi honrou seu papel de fofoqueiro e disse que ouviu Yoongi no telefone ontem quando saía do estúdio. Parece que Candice falou alguma coisa sobre precisar de um encontro, ou qualquer coisa dessas. Eu seria uma ótima opção.
— Para um encontro?
— E outras coisas também.
— Não, você não seria.
Jimin o olhou ofendido.
— Ah, nessa eu vou discordar de você.
— Tudo bem, que tal você esquecer essa história e me ajudar a achar a porra do Yoongi? — Jungkook se virou para o balcão de novo. Jimin parecia estar completamente alheio à sua irritação. Olhou para o mais novo com os olhos estreitos, murmurando um “humm” incessante, como se estivesse refletindo sobre a pergunta que ouviu.
— Não, cara. Estamos na festa da namorada dele, acha mesmo que ele vai se lembrar da gente? Podemos voltar a falar dos meus planos imediatos? Sou totalmente contra à sua opinião de que eu não seria um bom par essa noite pra , porque tenho certeza de que é só isso que ela quer. Não um namorado, não um cara para mandar 10 mensagens por minuto nem nada disso. Ela tem um ar romântico e reservado, e parece ser um pouco difícil, o que a deixa ainda mais sexy na minha visão. Tenho certeza que ela deve surpreender entre quatro paredes…
— Você não entende mais as brechas para mudar de assunto? — Jungkook ergueu uma sobrancelha, claramente sendo arrancado do sério. Jimin cruzou os braços, confuso com a reação aborrecida e sem fundamento.
— Cara, sei que você não é o fã número 1 dela, mas o que eu tenho a ver com isso? Você pode ser meu amigo e dar uma opinião imparcial sobre a garota que eu quero ficar? Sempre fizemos isso…
— Você não vai ficar com ela.
Jimin levantou as duas sobrancelhas ao mesmo tempo em uma clara pergunta de “como é que é?”
A imagem de e Jimin juntos, fora de uma pista de dança, fora da multidão de pessoas que entulhavam aquele clube, fora de qualquer lugar minimamente público em que Jungkook conseguia pensar, o deixava desnorteado. Já não estava difícil perder a paciência naquela festa – ela estava um porre, mesmo com todas as comidas e bebidas que ele gostava, e que Candice não soubesse, mas só tinha aceitado o convite (que ela claramente o fez porque ele por acaso era um membro do BTS) porque tinha prometido ajudar Yoongi. Ajudá-lo com a surpresa.
E, claro, porque parecia a única oportunidade de ver sem que ela desse um jeito de escapar. Mesmo que ele não tenha sido capaz de fazer nada a não ser segui-la com os olhos e ficar aflito por ela não fazer o mesmo.
Mas Jimin estava piorando tudo, dizendo as coisas erradas no momento errado.
Já era ruim o suficiente descobrir o ciúme ridículo que doía no peito ao saber do encontro, envolver um de seus amigos nessa imaginação era um teste à própria sanidade.
— Quê? — Jimin riu alto, apertando um dos ombros do amigo — Você tá me desafiando? Só porque eu pensei em tentar naquela festa e ela nem me deixou chegar perto? Não duvida de mim, JK, sabe que quando eu quero alguma coisa…
— Você não vai. — Jungkook trincou os dentes, vociferando mais que o som, afastando-se para o lado antes que pegasse aquelas adoráveis mãos de Park e as torcesse em 360 graus.
O sorriso de Jimin se esvaiu no ar.
— Qual é o seu problema, caralho? Eu só falei…
— Ela tá fora de cogitação, Jimin — Jungkook fechou um punho de leve no peito dele, aproximando-se para se fazer entender no meio do pop estourando nas caixas — Cláusula 13.
No mesmo segundo, os olhos de Jimin saltaram das órbitas, e seu copo semi cheio seria capaz de ir ao chão caso ele não se recuperasse no mesmo instante e soltasse uma grande gargalhada.
Jungkook bagunçou o cabelo, ansioso de repente por ter aberto a boca. O amigo não demorou a notar que Jungkook não tinha acompanhado sua risada, e que seus olhos permaneciam tão sérios como quando disseram a palavra de peso “cláusula 13.”
E outra vez, a felicidade de Jimin estava indo embora junto com a fumaça dos Vapes.
— Mas que porra você tá dizendo?! Você e a
— Achei você! — De repente, o tronco de Yoongi se materializou como um furacão, puxando o ombro de Jungkook — Temos 10 minutos. Precisamos ir.
Jungkook não refletiu muito. Com um movimento rápido, engoliu o restante do whiskey e largou o copo na mesa, preparando-se para seguir Yoongi para a porta de acesso ao interior do palco.
— Ei, espera aí! JK, caralho! Que história é essa de Cláusula 13?!
Jungkook fez um sinal esnobe com as mãos. Yoongi parou no meio do caminho, olhando-o com certo espanto.
— Você fez o quê?!
Jungkook bufou e revirou os olhos mais uma vez.
— Ele está bêbado, falou da , me irritei e ativei a cláusula. Podemos ir logo com isso agora?
E sem mais delongas, puxou o cotovelo do mais velho para a frente, deixando um Jimin ainda chocado e estarrecido para trás.

・ ❬📸💔❭ ・


— Eu juro que ele estava olhando pra você.
Yoona soltou uma risadinha nada inocente assim que passaram pelo batente da porta baixa. Fazendo uma leitura geral de todos os drinks que tinha tomado desde que chegou, era possível julgar que sua percepção das coisas tivesse ido para o espaço, dando brecha para que seu cérebro imaginasse coisas.
Mas não sabia de quem ela estava falando. E não tinha outra resposta para dar que não fosse:
— Ah, não reparei. — Era a verdade. Se mais pessoas além de Jeon Jungkook estavam fitando-a naquela noite, ela não saberia.
E Yoona não estava falando de Jungkook.
A garota cheia de pulseiras barulhentas revirou os olhos até o limite.
— Por Deus, se eu fosse um pouco mais vadia, estaria levantando as mãos para o céu e agradecendo à Buda por você ser tão desligada, e assim eu poderia me aproveitar. O cara era um gato, ! Você não pode dizer que não o viu.
— Não posso dizer que lembro — suspirou, se jogando na primeira cadeira que encontrou na sala pequena e apertada do backstage, onde as paredes tremiam e vibravam com as caixas de som do palco alguns metros acima — Conseguimos despistá-la?
Yoona balançou a cabeça em concordância.
— Sim. Da última vez que conferi, Candide estava tentando convencer o assistente a beber um shot de tequila.
— Não o chame de assistente na frente dele — fez uma careta ao se desfazer dos saltos. As tiras fizeram marcas profundas na pele, e um pouco de sangue saía de uma pequena ferida no calcanhar — Que horas são?
— 11pm. Me diz por que não usou um salto menor?
— Porque achei que seria justo usar sapatos Candice no Dia da Candice. Agora isso parece presunçoso demais — fez uma careta quando se colocou de pé e andou até a bolsa grande que havia deixado no lugar há algumas horas atrás — Tenho que ir. Yoongi já deve estar se preparando.
— Vai conseguir uma boa posição quando toda aquela gente chegar perto do palco? E os seus sapatos? Você veio cambaleando até aqui.
— Eu dou um jeito — disse rapidamente, sem a menor pretensão em complicar o que não tinha mais tempo de ser complicado. A cabeça girava um pouco pelos três drinks, os pés doíam pelos sapatos, mas as instruções que recebeu não pediam que ela estivesse sóbria ou com tornozelos intactos, pediam apenas que ela incorporasse a profissional .
Quando colocou as mãos na Sony sagrada de David Fincher, Yoona se aproximou mais um pouco para dizer:
— Você vai me contar sobre o que é essa coisa toda? Não precisa de ajuda? Acho que você está mesmo um pouco mal.
se virou para ela com os dentes trincados. Parte dela se questionou se Yoona perguntava essas coisas por gentileza ou como uma psicologia invertida, porque sabia que realmente não estava em seu estado normal.
Culpa de sua mente aérea. Culpa de seu autocontrole fajuto que buscava na bebida uma distração para não fazer nenhuma besteira.
— Yoona, vou sair agora e vou precisar fechar essa sala. Vamos — murmurou, começando a caminhar em direção à porta.
— Você está sem sapatos.
olhou para os pés e bufou, pensando em alguma maneira de não precisar torturar os dedos mais uma vez.
— Você tem outro sapato? — perguntou, juntando os saltos nas mãos. A outra não respondeu — Yoona?
— Ah, você chegou.
A voz de Yoongi entrou na sala com pressa. Atrás dele, Jungkook carregava uma caixa longa de guitarra, trajado de uma forma essencialmente espetacular, como jeans denim da cabeça aos pés, botas encorpadas de motoqueiro e uma camiseta branca que deixava todo o resto mais suave. Foi motivo suficiente para a mudez temporária de Gong Yoona.
E da hipnose ainda mais temporária de . Quando o viu, os dedos ao redor da câmera ficaram mais firmes, enquanto o coração lutava para não escapar da caixa torácica e a pele esquentava até atingir o ponto máximo de ebulição.
Ela sabia que ele estava aqui. Sabia e tinha se exigido a dar apenas duas olhadas: uma na chegada e outra na saída. Esperava que, apesar de estarem juntos na proposta de Yoongi, não seria necessário que interagissem um com o outro, muito menos que se cruzassem em um espaço onde era impossível não se falarem. Essas e outras pequenas atitudes tornariam ainda mais difícil que ela fingisse não ter nada a ver com a persona de Jeon Jungkook.
Mas ali agora, vendo-o tão perto, revestido de seu cheiro inconfundível e olhos penetrantes, carregando seja lá qual instrumento para seja lá qual fosse a surpresa de Yoongi, era difícil seguir suas próprias regras e não lembrar instantaneamente da boca faminta dele na sua há meras 48 horas atrás.
— Yoongi tocou levemente seu ombro para chamar sua atenção. apenas se virou pra ele — Você está pronta?
Ela confirmou com a cabeça.
— Sim. Eu só vou… — O pescoço dela girou pelo cômodo, esquecendo-se repentinamente do que pretendia fazer — Vou colocar os sapatos.
Yoongi assentiu.
— Beleza. Vou me posicionar.
Yoongi já tinha corrido para a escada apertada na lateral que dava acesso ao palco em um piscar de olhos. Jungkook não foi atrás. Yoona limpou a garganta e se voltou para a bolsa ainda aberta em cima da mesa, arrumando coisas provavelmente já arrumadas, esperando o menor sinal de para sair.
Mas o olhar intenso de Jungkook sobre ela prendiam seus pés no chão. O mesmo olhar avulso que Yoona não foi capaz de captar porque era único e exclusivo para .
O rapaz trocou o peso de uma perna para outra, umedecendo os lábios antes de dizer em voz grave:
— Você trouxe chinelos? — acenou com o queixo para os saltos na mão de . Ela apenas balançou a cabeça em negação.
Jungkook suspirou levemente, olhando por sobre o ombro de direto para a garota fingindo fazer alguma coisa lá atrás.
— Ei. Yoona, não é? — Yoona levantou a cabeça em um jato, os olhos se transformando em bolas de gude — Consegue arrumar chinelos pra ela? Temos um pequeno trabalho a fazer agora.
mal viu o momento em que ele colocou a mão no bolso e puxou a carteira. Em um segundo, o cartão black fosco reluziu naquela luz fraca. Mal viu quando a afirmação de Yoona aconteceu com um gritinho esbaforido. Quando se tocou, a amiga já estava avançando para pegar o objeto, como se ele a tivesse coroado rainha do baile.
mal terminou o “espera, Yoona” antes de vê-la sair pela porta, aborrecendo-se logo em seguida, porque a tonta nem parou para pensar que já era quase meia noite e a loja de conveniência mais próxima estava há mais de 2km dali.
Enfurecida, se virou para ele com as narinas dilatadas.
— Isso foi totalmente desnecessário — balbuciou. — Gosta de agir como um Deus ou coisa parecida?
— Do jeito como ficou brava, pareço mais com o diabo — um pequeno sorriso convencido escoou de seus lábios, o de sempre, o que a tirava as próximas palavras — Não use eles. Estão machucando seus pés.
— Eu consigo lidar com a droga de saltos altos.
— Mas eu não consigo lidar com você sofrendo — ele apertou mais os dentes, pretendendo soar brincalhão, mas a expressão azeda deixou uma com a boca congelada em uma resposta que nunca veio.
Jungkook! Sobe logo!”, o berro de Yoongi se tornou mais evidente com o silêncio súbito do palco. Jungkook ajeitou a caixa da guitarra nas costas, afastando-se imediatamente em direção às escadas, mas logo parou e virou a cabeça para ela, confessando o que pareceu se expandir em um eco:
— Você está linda pra caralho hoje.
E sumiu pelo buraco estreito que ligava o cubículo ao palanque.
ficou parada por um minuto inteiro, recuperando-se do impacto daqueles malditos olhos apaixonantes até grunhir de raiva e soltar a porcaria dos sapatos no chão, puxar a bolsa e sair do cômodo com os pés livres.

・ ❬📸💔❭ ・


No início, ninguém estava realmente interessado na plataforma.
A escolha do péssimo DJ foi culpa da má distribuição de tarefas que Candice havia pedido para os amigos. Era muito óbvio que Gook Doo não seria capaz de fazer uma boa escolha quando considerava que custo era melhor do que benefício, ainda mais sabendo que as bebidas da confraternização seriam de primeira. Talvez tenha pensado que bêbados não se importavam muito com a música que tocava ao redor.
Mas ah, Candice Chaperman teria uma ótima playlist compensatória que ainda nem fazia ideia.
se posicionou na dianteira da pista, aproveitando que o fim da apresentação dolorosa do DJ havia dispersado um pouco dos convidados, que agora se concentrariam em xeretar as bebidas que ainda não tinham experimentado. Seus pés descalços estavam muito bem protegidos da multidão naquela parte, onde só existiam restos de papel prateado no chão e alguns balões que se soltaram do teto. A primeira imagem a ser captada pela Sony foi Candice, completamente magnífica em um vestido dourado com lantejoulas grossas, sem problema nenhum para andar e saltitar com os saltos de 20cm, sorrindo alegremente na outra metade do lugar enquanto conversava com duas mulheres extremamente elegantes em blazers caríssimos.
Por um segundo, ela se virou para e lançou um tchauzinho animado para a câmera.
Quando as luzes pararam de piscar e diminuíram a intensidade, sabia que estava na hora.
Cada par de olhos presentes se viraram na direção do palco esquecido quando as solas macias dos tênis Air Jordan deslizou por ele debaixo da escuridão. Candice se atentou junto com os outros, confusa, pronta para perguntar o que tinha dado errado em seu roteiro. Em um segundo, o rosto da mulher passava da hesitação para um total espanto quando o holofote se acendeu e Min Yoongi surgiu resplandecente diante de um piano de cauda, que era grande demais para um palco relativamente pequeno.
Ao lado dele, escondido no breu dos fundos, Jungkook estava sentado em um banquinho alto, longe das luzes de destaque, apertando as tarraxas na extremidade da guitarra enquanto a instalava sobre a coxa.
Quando estava certo de que era realmente Min Yoongi naquele palco, a pista central começou, gradativamente, a se encher de olhos curiosos.
— Boa noite, senhorita Chaperman — Yoongi cumprimentou no microfone acoplado no piano. Os burburinhos foram gerais e completamente agitados. Não deviam ter mais de 70 pessoas muito bem selecionadas no evento, pessoas que conheciam Candice e a Vogue, não necessariamente nessa ordem, e que trabalhavam ativamente no entretenimento regional há mais tempo do que diziam. Ainda assim, ninguém era totalmente alheio a qualquer membro do BTS — Soube que você aprecia muito um certo Noturno[1] que tocaram antigamente em um teatro de Montreal. Nocturne in C Sharp Minor, N. 02 de 1830. Quem diria que Chopin marcaria a sua vida com tanta intensidade.
Yoongi deslizou os polegares sobre algumas teclas, e viu claramente a palidez tomando o rosto de Candice. Ela não sabia o que dizer, não sabia como agir; no entanto, o conjunto de convidados ao redor não pareceu interessado com as verdadeiras intenções por trás da declaração de Yoongi. Ainda estavam atônitos encarando o piano e Min Yoongi tocaria aquele piano!
— Parece que seu pai arriscou tocar para você quando pequena e, mesmo que não parecesse muito com a original, você amava e pedia que ele fizesse mais vezes. Infelizmente, essa foi a única coisa que você não pode carregar por aí quando decidiu explorar o mundo. Eu entendo como deve ser difícil deixar uma parte da nossa essência para trás em busca de construir outras partes da nossa história. Por isso, quero tentar trazer esse pedaço tão importante da sua vida em um dia igualmente glorioso, de uma forma meio… diferente. Espero que faça você se sentir um pouco mais completa.
Yoongi voltou a se concentrar nas teclas. Seus pés baixaram no pedal à medida que os dedos tocavam a primeira nota. Candice teve ambos os ombros e o queixo despencados. Quando as linhas primárias da melodia começaram levemente no piano, sabia que ela choraria em menos de 2 minutos.
O elemento surpresa veio da guitarra de Jungkook, que soou serena nas profundezas do palco, em partes perfeitamente ensaiadas e ritmadas com o piano, dando vida à uma música de 200 anos de uma maneira tão peculiar.
precisou se esforçar muito para não deixar a lente da Sony por muito tempo em cima dele.
Já era tarde para abrandar a multidão boquiaberta que tomava o espaço da pista, abrindo os olhos para ver, sentir e absorver as habilidades pianistas de Min Yoongi, habilidades que eram conhecidas mas nunca presenciadas.
Se Candice soubesse que alguém tocaria piano em sua festa de comemoração do novo cargo, ela expulsaria o coitado antes mesmo que passasse pela entrada. No entanto, ali estavam os olhos emocionados da nova editora notável de entretenimento da Vogue, que levaram apenas 80 segundos para formar a primeira poça, mas só porque o choque inicial tinha atrasado o fato.
se certificou de se aproximar mais à medida que Candice ia andando lentamente para perto do palco, mantendo-se camuflada entre as outras pessoas, fazendo o possível para não ser uma distração. Ainda que, quando virava a filmadora para o palanque a fim de registrar o show de Yoongi, seus verdadeiros olhos só conseguiam mirar no cara de jaqueta escura posicionado atrás, escondido, sem destaque, tornando aquela apresentação muito mais especial e memorável do que já era.
O mais importante de tudo era que Candice parecia feliz. Melhor: parecia estar nas nuvens.
Os próximos 4 minutos passaram voando quando Yoongi finalmente finalizou sua performance, a qual foi fortemente ovacionada por toda aglomeração, que incluíam grandes nomes do mercado editorial de Seul, chefes e patrocinadores de Candice, funcionários secundários e uma dezena de amigos muito especiais.
A loira ainda estava no centro da pista, olhando para cima com os olhos ainda surpresos, as mãos levemente trêmulas e um sorriso que não sairia do rosto nem que costurassem seus lábios. Parecia pronta para ir para cima de Yoongi, sem se importar com local e horas inoportunas.
torceu que as demais pessoas, por mais absurdo que fosse, considerassem uma surpresa daquelas algo aceitável para dois amigos, já que o namoro ainda não era de conhecimento geral.
— Obrigado, obrigado — Yoongi agora estava de pé, puxando o microfone do pequeno suporte — Não é sempre que um piano faz tanto sucesso numa boate. Acho que vocês não são tão modernos quanto eu pensei — pequenas risadinhas afloraram do público. Yoongi suspirou, cravando os olhos em Candice, segurando-se para não dizer as palavras que seu coração certamente queria dizer. — Senhorita Chaperman, nunca imaginei que te faria chorar na frente de um bando de pessoas, ainda mais sob circunstâncias tão festivas, mas não vou me sentir mal. Gosto desse seu lado humano e frágil que você guarda por baixo de tanta determinação e bravura, mas também embaixo de muita gentileza e bondade. Esse lado que se manifesta não só com os outros, mas com você mesma. Toda essa gente sabe disso. Estão aqui por você. E me perdoe a franqueza, pessoal, mas a canadense ainda vai desbancar o topo de muitos de vocês — Yoongi sorriu com vontade. Mais risadas despreocupadas tomaram o povo, que se ainda não tinham notado a verdade, com certeza estavam torcendo por ela — O que você está fazendo é grande o suficiente para que todos vejam, mesmo enquanto estão olhando para outras coisas. Espero que você carregue esse fato mais do que verídico dentro de você. Meus parabéns, Candice – por isso, e por todas as outras coisas.
procurou manter a filmagem em um ângulo satisfatório, obtendo a expressão suave de Yoongi com excelência, uma que não demonstrava a menor preocupação com o peso das palavras ditas, com a admiração explícita, com as possíveis abordagens correndo na cabeça de todas as pessoas. Suas mãos estavam fechadas em torno do microfone enquanto dizia algo para Candice com apenas o movimento dos lábios. Uma declaração muda para todos, mas ensurdecedora para a mulher. Candice teria saído correndo na mesma hora para ele se não fosse detida pelos outros admiradores que se fecharam em torno dela em uma roda, parabenizando-a talvez pela vigésima vez na noite, sentindo-se ainda mais compelidos a fazerem discursos depois que Min Yoongi tinha feito.
Enquanto isso, no palco, Yoongi se preparou para sair. Fazendo um sinal com os dedos para que os dois staffs começassem a retirada do piano, o rapaz se virou para Jungkook, recebendo um sorriso grande imediatamente do companheiro, que dizia alguma coisa para ele, frases rápidas e animadas, com certeza reiterando que o que tinha feito foi extremamente romântico e brega, bem condizente com sua idade, mas que Candice seria maluca se não o pedisse em casamento naquela noite.
pegou essa parte da brincadeira. A câmera agiu por conta própria, captando bem o sorriso de Jungkook cintilando do escuro, e também seus olhos pronunciados quando se desviaram para ela, misturada entre a multidão, mas que para ele, a garota parecia ser um ponto brilhante no meio de uma selva fosca.
Números normalmente eram fáceis para , mas já tinha perdido as contas de quantas vezes quisera olhar para ele. Apenas parar e ficar olhando, como ele certamente estava fazendo a noite toda, como o outro cara qualquer que Yoona contou também estava.
Lá em cima, Yoongi guardou o microfone primeiro, olhando para Candice enquanto bolavam um plano mútuo, uma rota de fuga. Contudo, quando estava prestes a deixar a estrutura, três rapazes emergiram da escadaria apertada, grunhindo com dentes e dedos, puxando pelo menos 5 caixas que brotaram do nada, assim como eles. Jungkook, preparando-se para guardar a guitarra, olhou-os sem entender.
— E aí, onde a gente coloca as coisas? — perguntou o primeiro deles, um garoto que não devia ter mais de 22 anos, com cabelos longos até os ombros e um sotaque arranhado de alguma região de Incheon. Os outros dois em seu encalço ofegavam para terminar de trazer os demais objetos, igualmente aguardando uma resposta.
Jungkook piscou os olhos duas vezes.
— Vocês estão na programação? Achei que só ia ter o DJ.
O rapaz da frente puxou um papel amassado dos bolsos frontais, lendo-o em voz alta:
Mavinat, Gangnam, 12 de agosto, festa de Candice Chaperman, contrato assinado por Min…
— Puta que pariu! — Yoongi arfou, passando uma das mãos no cabelo. — Vocês são os Elfos de Balrona? — Os rapazes assentiram. Yoongi fez uma careta vacilante, enquanto Jungkook não escondeu a expressão totalmente intragável.
— Mas que porra de nome é esse?
— A gente toca punk irlandês, cara — respondeu o da esquerda, e virou-se para Yoongi — Você é Min Yoongi?
O terceiro e último rapaz à sua direita lhe deu um peteleco com o cotovelo.
— Ele é o Suga, cara.
Suga?
— É. Faz rap no BTS.
— Ah — o garoto com uma enorme tatuagem de pássaro no pescoço fez um som indistinguível com a boca. Em seguida, ajeitou um pouco a postura, tentando dar um sorriso de desculpas — Desculpa aí. Sou ruim com gente importante.
Yoongi mal estava prestando atenção. Com um suspiro forte, tentou mudar o semblante para algo mais calmo e se aproximou dos três.
— É, sou eu, fui eu que assinei o contrato, mas não consegui falar com vocês até ontem, e só me disponibilizaram um número de telefone. O que houve? Precisei improvisar.
— Foi mal, cara, o nosso empresário é um pouco incompetente e fez a ponte da informação com atraso e pela metade. Estávamos fazendo um show em Paju quando ele avisou, pegamos a estrada e aqui estamos. No papel dizia às 11, então… — o da frente levantou os ombros, cedendo a explicação mais fácil. — Então, onde colocamos as coisas?
Yoongi prensou os lábios, tentando invocar uma resposta resoluta e educada para ceder à banda, porque estava mais do que claro que seus serviços não eram mais necessários. Entretanto, ouvir o nome de Paju e imaginar quantos quilômetros aqueles garotos não muito mais novos que Jungkook tinham percorrido para se atrapalharem na selva de pedra de Seul, o impediu de dispensá-los imediatamente.
Ainda no canto, Jeon coçou a garganta, aproximando-se mais do grupo, fechando a visão que um público confuso na pista de dança tinha do palco subitamente silencioso de repente.
— Eles seriam o que? A sua orquestra? — Jungkook sussurrou para Yoongi. O amigo balançou a cabeça.
— Na verdade, era para ser um solo. Eu cantaria, talvez diria algo, mas quando o contato falhou, pensei em uma segunda opção. Trazer o piano daria mais trabalho, mas lembrei do Noturno e pareceu uma ideia muito melhor, e daí… — Yoongi bufou novamente. O rapaz à frente o encarava com nada menos do que apreensão. Jungkook poderia dizer que ele estava apenas aguardando instruções, sem se preocupar com as intercorrências de antes de sua chegada e com a mínima possibilidade de ter dirigido tantos quilômetros para a capital à toa.
— Deixa eles tocarem, então — Jungkook argumentou, virando-se para o mais velho — O horário do DJ já acabou, e as pessoas podem limpar os ouvidos daquela porcaria com música ao vivo. Você já os pagou?
— 50% de entrada — ele logo respondeu. Jungkook assentiu.
— É só tocarem o que sabem por 1 hora e pronto. Tudo bem, hyung? — Jungkook passou uma mão pelo ombro de Yoongi. O amigo respirou fundo e anuiu, percebendo que a surpresa inesperada de ver a banda perdida tivesse mascarado a enorme e simples solução.
— Isso, podem tocar. Não tem mais ninguém na programação. Agora eu preciso…
— Só tem um problema — o garoto da frente voltou a falar, segurando firme nas alças da caixa do que parecia ser um baixo — Não temos um vocalista.
Jungkook riu com perplexidade.
— São uma banda e não tem um vocalista?
Yoongi suspirou novamente, cabisbaixo.
Eu seria o vocalista.
O garoto assentiu para Jungkook. Yoongi bagunçou mais um pouco o cabelo e ficou em silêncio por quase um minuto até se virar para o maknae, depositando uma mão em seus ombros para anunciar:
— Você vai fazer isso.
Jungkook franziu o cenho.
— Vou fazer o quê?
— Vai cantar com a banda. Eles têm uma bateria, um baixo e um teclado, você tem a voz e a guitarra, é perfeito.
— Não, não é — Jungkook abriu um sorriso estranho; um que viraria uma gargalhada de escárnio, mas que não aconteceu porque Yoongi não parecia estar brincando — Não é, Yoongi. Eu mal sei tocar essa coisa. Ensaiei por 8 horas nos últimos 2 dias por sua causa, para essa apresentação, não sou um astro do rock. E que cacete de banda não tem um guitarrista? Pelo amor de Deus.
— Eu não pedi um guitarrista, caramba. E eu sei que você está tocando há pouco tempo, mas também sei que praticou suas músicas preferidas no seu estúdio por semanas. É só tocar uma delas.
Jungkook abriu e fechou a boca várias vezes, totalmente desnorteado.
— Cara, você não…
— Vocês podem posicionar os instrumentos bem ali — Yoongi apontou para o fundo do palco, onde os mesmos caras da produção já estavam praticamente terminando de tirar o piano. O público lá embaixo encarava a agitação no palco com uma estranha expectativa. Os garotos logo assentiram e começaram a se mexer.
Jungkook encarou o amigo com raiva, com frustração, apertando a corda da guitarra com mais força. Sabia que estavam sendo esquisitos para quem via de fora, parados ali em uma discussão silenciosa no escuro da saída, mas quem se importa? Ele não podia fazer aquilo.
Nunca tinha feito aquilo.
Yoongi parecia estar pouco se lixando para levar isso em conta.
— Escuta, JK, sei que você provavelmente quer me matar…
— Ah, eu estou louco para te matar.
— … Mas só confio em você pra quebrar esse galho pra mim. Eu sei que poderia continuar nesse palco e colocar meu plano A em ação, mas viu Candice quando toquei? — ele deu de ombros, esboçando um sorriso dócil no canto da boca — Viu o sorriso dela? Acha que posso passar uma hora entretendo esse monte de gente quando quero fugir com ela daqui?
Jungkook pensou em responder que sim, ele podia, que não estava nem aí pra bolha apaixonada de Yoongi, não quando ele teria que segurar as pontas em algo tão… Estranhamente assustador quanto se apresentar sozinho pela primeira vez.
Ele fazia parte de um grupo, afinal. Um grupo de 7 pessoas, que enfrentavam outras 50 mil com muita facilidade.
Mas quando fitou aquele olhar brilhante e pungente no amigo, não conseguiu fazer nada a não ser responder finalmente:
— Vou chutar sua bunda de pombo daqui se não sair imediatamente da minha frente.
Yoongi riu. Sabia que a ameaça era concreta, mas também sabia que ele estaria morto faz tempo caso Jungkook não quisesse mesmo fazer aquilo.
Antes de sumir pela escadaria, Yoongi se virou para o mais novo, que ainda agarrava com força o braço da guitarra até os dedos estarem pálidos.
— Ei, JK. As pessoas iriam gostar muito de ouvir sua música nova.
O rosto de Jungkook se contorceu de ânsia.
— Cala essa boca.
Yoongi deu de ombros.
— É só uma dica. Divirta-se! Vai ver que você nasceu pra isso.

・ ❬📸💔❭ ・


Ele queria vomitar.
O pior de tudo é que sentia que teria ainda mais vontade antes que tudo aquilo terminasse.
Quando viu as pessoas se reunindo cada vez mais para perto do palco, jurou que a superfície acústica estava virando uma geleia.
Meu Deus, como se explicava aquela sensação estranha e absurda? Jeon Jungkook era uma celebridade. Não apenas isso, mas era um idol, uma persona nascida para os palcos, um artista nato e referencial, bom em tudo que fazia, cansado de cantar, dançar e sorrir para milhares e milhares de pessoas a maior parte dos dias do ano.
E ali, diante de um número menor do que 80 unidades, seu estômago embrulhava como o mesmo papel amassado que o cara anterior tinha tirado dos bolsos.
Que droga. Isso não devia estar acontecendo, não agora, não quando ele não se sentia preparado.
Jungkook se dava bem com grandes multidões porque estava seguramente rodeado por seus 6 companheiros, que formavam uma corrente de confiança e orientações às quais ele deveria seguir, como sempre seguiu desde que era um garoto de 16 anos em Seul. Até mesmo nas apresentações solo que exibia para essas tantas pessoas, ele era Jungkook, maknae do maior grupo de K-pop da atualidade, uma pequena parte de um grande acontecimento.
Mas ali, sozinho com aquela guitarra e 3 caras desconhecidos, ele era apenas Jeon Jungkook, o garotinho de Busan, o cara que estampava camisetas velhas e escrevia letras distorcidas em Chainsaw. Um cara que ainda não tinha alcançado o sucesso que já tinha. Um garoto que estava se preparando para desafinar e provavelmente dar um vexame na frente de 70 pessoas.
Bem, para quem nunca tinha feito isso, 70 pessoas pareciam 70 mil.
E essas pessoas cochichavam entre si, apontavam para a escuridão parcial do palco central, perguntando-se o que estava acontecendo para faltar música em uma boate. Jungkook balançou a cabeça lentamente, tentando se livrar da sensação sufocante da exposição e andou para os outros caras reunidos, vendo-se completamente sem saída.
— Tá legal, é o seguinte — comunicou ele, agarrando alguns fios da nuca. — Me digam que sabem tocar Arctic Monkeys.
Os 3 instrumentistas abriram sorrisos grandes e animados.

・ ❬📸💔❭ ・


não tinha sido avisada sobre quaisquer mudanças na programação.
Ninguém tinha dito sobre três novos rapazes montando instrumentos variados na escuridão do palco, enquanto retiravam o enorme piano de cauda com certa dificuldade. Em pouco mais de 10 minutos, havia uma bateria, um pedestal articulado para microfone, um teclado mediano, um cara com um baixo, e…
Havia Jungkook.
Ele teve todo o cuidado para segurar a guitarra de forma correta e se posicionar perfeitamente na frente do dispositivo, olhando para a multidão como se não a visse realmente. fechou a Sony, encarando o garoto com a testa enrugada. O que ele estava fazendo ali? E por que parecia que estava prestes a cantar?
E pior: por que parecia tão incomodado em fazer isso?
Os burburinhos ao redor se intensificaram. As pessoas que tinham saído do lugar ao final da apresentação de Yoongi estavam de volta novamente, agora mirando o jovem no palco com igual dúvida, mas com a mesma expectativa esperando quando se tratava de Jeon Jungkook. Afinal, onde havia o Golden Maknae, havia o Deus de boas performances.
Mesmo que, pela cara que ele fazia lá de cima, parecia que estava diante de uma legião de diabos.
Pela primeira vez na vida, tinha certeza de que ele estava nervoso. Ela podia ver seus olhos piscando mais do que o normal, e os dedos agarrarem na escala da guitarra com mais força.
Olhando para os lados, ela procurou ver Yoongi ou qualquer outro dos garotos para perguntar o que estava acontecendo – caso soubessem. Aquela festa era um dia exclusivo de folga para todo o grupo, e estava mais do que na cara que nenhum dos outros 6 pretendiam aparecer para se juntar à Jungkook no palco.
Com os dedos rígidos, o garoto segurou na base do pedestal e se aproximou do microfone, fazendo o aparelho emitir um barulho agudo e insuportável por dois segundos, chamando ainda mais atenção. Quando estalou a língua para testar o som, Jungkook limpou a garganta duas vezes e disse:
— É… Boa noite. — Aquela voz estava mais rouca e distante do que costumava ser. deu um passo à frente sem notar, tão curiosa quanto os demais espectadores — Aconteceram algumas coisas inesperadas ali atrás… E sendo o sábado um dia programado para se fazer loucuras, aqui estou eu. Seja lá o que isso signifique — tentou rir, mas sua garganta seca transformou o ato em um lamento — Espero que vocês curtam essa.
Relutantemente, Jungkook olhou para trás, acenando com a cabeça em um sinal para começarem. Antes do rapaz sentado à bateria golpear com as baquetas três vezes, Jeon virou a cabeça para o bando de pessoas e logo encontrou o que tanto estava procurando desde que colocou as botas naquele espaço.
Os olhos dela. O rosto dela.
E instantaneamente, ele tinha um motivo para não sair correndo.
Na contagem de 1, 2, 3, seus dedos escorregaram nas cordas da guitarra, dando vida à introdução já conhecida de Suck It and See.

Your love is like a studded leather headlock
(Seu amor é igual uma cela de couro cravejada)
Your kiss it could put creases in the rain
(Seu beijo poderia enrugar a chuva)
You're rarer than a can of Dandelion and Burdock
(Você é tão rara quanto uma lata de Dandelion e Burdock)
And those other girls are just postmix lemonade
(E aquelas outras meninas são apenas limonadas pré-preparadas)


parecia uma espectadora assistindo um programa musical atrasado. Os braços do baterista despencaram no bumbo depois da primeira estrofe, e de repente, a casa inteira estava arfando com o estrondo indie, combinando todos os instrumentos de uma só vez. Jungkook, de imediato, se sentiu mais acolhido dentro da barulheira do que no silêncio anterior. Seus olhos se desviaram dos dela por um instante para se concentrar na ponte para o primeiro refrão, e mesmo que estivesse ligeiramente desafinado, colocou a boca no microfone de novo, sorrindo enviesado quando cantou:

Suck it and see, you never know
(Pague para ver, nunca se sabe)
Sit next to me before I go
(Sente-se perto de mim antes de eu partir)
Jigsaw women with horror movie shoes
(Mulheres enigmáticas com sapatos de filme de terror)
Be cruel to me, 'cause I'm a fool for you
(Seja cruel comigo, porque eu sou idiota por você)


Alguém soltou um berro de animação, puxando outros junto e, de repente, os ombros tinham se duplicado, invadido a pista, junto com as luzes coloridas de antes e o resquício mínimo de papel prateado. sentiu os corpos batendo contra ela, empurrando-a mais para trás, mas não conseguia lutar para se manter no lugar. Estava parada, hipnotizada, encarando a imagem de um Jungkook nervoso transformando-se lentamente em um Jungkook alegre, sorridente, exalando confiança ao se virar para o cara do baixo e soltar a guitarra, segurando o microfone preso com as duas mãos e mantendo os olhos no mesmo ponto específico no meio do público eufórico:

I poured my aching heart into a pop song
(Eu converti meu coração ferido em uma música pop)
I couldn't get the hang of poetry
(Eu não consegui pegar o jeito da poesia)
That's not a skirt girl, that's a sawn-off shotgun
(Isso não é uma saia, moça, isso é uma escopeta de cano-serrado)
And I can only hope you've got it aimed at me
(E eu apenas espero que você esteja mirando-a em mim)


A bateria arranhou de novo e Jungkook teve coragem de sair do lugar, arrastando o pedestal do microfone para a esquerda, preparando-se para repetir o refrão.

Suck it and see, you never know
(Pague para ver, nunca se sabe)
Sit next to me before I go
(Sente-se perto de mim antes de eu partir)
Jigsaw women with horror movie shoes
(Mulheres enigmáticas com sapatos de filme de terror)
Be cruel to me, 'cause I'm a fool for…
(Seja cruel comigo, porque eu sou idiota por…)


O interlúdio exigiu que ele se concentrasse nos novos acordes, e havia algo fenomenal no momento em que fez isso, algo que o transformou em mais do que era, algo grosseiro e ao mesmo tempo divino, algo que não o distanciava muito do rapaz que ficava bebendo e compondo em seu estúdio, mas que tornava a banalidade desse ato em algo completamente genial.
Jeon nem estava mais lembrando que tinha medo dessas pessoas quando se virou para cantar mais uma vez, a sua parte favorita, a que fez questão de olhar para , mesmo sem nenhum motivo.

Blue Moon girls from once upon a Shangri-la
(Garotas raras vindas do faz-de-conta de um local paradisíaco)
How I often wonder where you are
(Tão frequentemente eu me pergunto onde você está)
You have got that face that just says
(Você tem aquela cara que apenas diz)
Baby, I was made to break your heart
(Amor, eu fui feita para partir seu coração)
Ooh


E ele se afastou do microfone, deslizando os dedos com agilidade pelas cordas, provavelmente errando algumas sem notar, mas recebendo todo o suporte magnífico dos outros caras, que estavam tão animados quanto, provavelmente bastante surpresos pelo desempenho do vocalista improvisado. observou o momento em que Jungkook andou até o baixista sorridente, e pôde jurar que eles estavam sincronizando o que era para ser um solo, e jurou também que haviam pessoas subindo nas mesas para ver melhor porque o centro da pista estava mais abarrotado do que nunca, e ela tinha sido casualmente empurrada a muitos metros atrás, ou talvez não tivesse se mexido nem por um centímetro, ou talvez…
Talvez estivesse totalmente afogada na felicidade e alegria de Jungkook como se fosse a dela mesma.
Quando ele cantou a última Be cruel to me, ‘cause I’m a fool for you, o baixo se estendeu por 3 segundos até cessar, gerando uma ovação muito maior do que todas as apresentações daquele dia, e se viu automaticamente levantando as duas mãos para imitá-los, percebendo que ainda estava com a Sony fechada, e que tudo aquilo que tinha visto aconteceu com a ausência de um registro.
Mesmo assim, havia uma dor incomum do lado direito de seu rosto, um incômodo provindo do sorriso enorme que parecia desenhado, acontecendo sem que ela percebesse. As outras pessoas estavam sorrindo normalmente depois de uma ótima apresentação, mas estava sorrindo com o coração, com os olhos e com a alma.
Não dava para acreditar que ele tinha feito o que fez. Não dava para acreditar que foi tão bom. teve esperança de que alguém tivesse filmado aquilo, que postasse em algum lugar mais tarde, que fizesse o mundo ver esse lado completamente notório de Jeon Jungkook.
Do palco, o rapaz deixava, aos poucos, de sentir a sensação opressiva que 70 par de olhos abarrotados em sua direção podiam passar. Parte dele queria continuar ali por muitos minutos, respirando ofegante não pelo cansaço, mas pelo coração martelando no peito, a adrenalina queimando nas veias, a confiança aos poucos preenchendo todos os espaços que antes eram tomados pelo medo.
Aquela sensação. Era a mesma que sentiu no Summer Sonic há algumas semanas, enquanto olhava os malucos do rock pulando em cima da multidão, cantando a plenos pulmões, se divertindo mais do que realmente trabalhando, não dando a mínima se eram verdadeiramente bons ou não.
Talvez a maior parte do que Yoongi dissera estava certa: ele não estava no lugar errado. Não precisava ter medo.
— Hmm… Valeu? — Jungkook disse, ainda com a cabeça um pouco baixa pela adrenalina se dissipando, rindo deliberadamente logo em seguida, fazendo os outros o imitarem — Não sei o que dizer, achei que seria mais traumático, mas na verdade, foi mais rápido do que pensei. Então, acho que vou ter que tocar mais uma — os berros soaram profundamente escandalosos. — Vocês não se importam? Não? Então vamos.
Mais gritos demonstraram que a plateia estava esperando por isso.
Jungkook mordeu o lábio inferior e se virou novamente para os 3 rapazes, murmurando perguntas mudas e dedilhando notas invisíveis no ar até que eles assentissem, e o jovem logo voltou a se instalar na fachada do estrado. Com 3 batidas na baqueta, a bateria espalhou a sinfonia inigualável de Do I Wanna Know?
Desta vez, se apressou. Estivera parada por muito tempo, levada a um outro universo, e ficaria de luto eternamente por não ter registrado o primeiro momento dele solo, mas agora a Sony já estava sendo ligada e posicionada para vê-lo dando o seu melhor.
Com isso, Jungkook logo estava encarando-a e sorrindo novamente, desta vez através da tela pequena de seu presente.
não fazia ideia de que precisava rabiscar uma tarefa chamada “assistir a um show particular de Jeon Jungkook” em sua lista mental até estar de fato diante do acontecimento. Estava dormindo com o cara há quase 60 dias, tinha total noção de seus talentos e potencial, mas só agora a ficha do que estavam fazendo caiu. Caindo bem na hora que ele cantava: Simmer down and pucker up (Se acalme e prepare seus lábios) / I'm sorry to interrupt, it's just I'm constantly on the cusp of trying to kiss you (Sinto muito interromper, é que apenas estou constantemente à beira de tentar te beijar) / I don't know if you feel the same as I do… (Mas não sei se você sente o mesmo que eu sinto…)
O olhar desta vez foi intenso demais. Ela sentiu até mesmo os joelhos tremerem. Estava consciente de que a luz que entrava pelas poucas clarabóias daquela caixa apertada não iluminava o piso tão bem assim, então precisou lutar contra a gravidade para não fazer um papel ridículo como tropeçar nos pés de outra pessoa e, de quebra, perder todo o trabalho que tinha registrado até então. Mas ele não parava de encará-la, e logo alguém notaria isso, assim como notariam o coração dela escapando para fora e as pernas errantes correrem para ele, a boca buscando a dele, o corpo necessitado daqueles braços, as mãos…
precisava urgentemente de uma bebida.
Um minuto depois, o hit tinha chegado ao fim e as palmas se demoraram desta vez, e ela perceberia no vídeo gravado depois como as vozes dos ouvintes se uniram às do vocalista durante toda a música em uma sincronia perfeita, como a cantoria se deslocou por todo aquele espaço em um hino único, e como Jungkook parecia já ser um sucesso antes mesmo que se tocasse do que estava fazendo.
No entanto, quando pensou que tinha acabado, ele continuou parado, sorrindo de uma orelha a outra, segurando o microfone no suporte com mais descontração do que antes.
— Obrigado, obrigado. Não vou mais precisar tomar um chá de hortelã para me acalmar depois daqui — ele incitou mais risadinhas animadas. — Vocês foram incríveis na recepção de um amador como eu. Não sabia que era capaz de fazer uma coisa dessas, mas vocês aceitaram bem e isso conta muito. Mas acho que vocês ainda não conhecem os profissionais — ele se afastou um pouco do microfone, apontando para o baixista — Jaehyeong, no baixo. Hajoon, na bateria. E Dojoon no teclado. Com prazer, esses são os Elfos de Balrona. Uma salva de palmas pra eles.
A unanimidade dos aplausos foi forte e receptiva. Os 3 rapazes sorriram e fizeram uma reverência com as costas, totalmente energizados pelo público. sentia um cheiro intuitivo de sucesso futuro vindo dali – principalmente se dividissem o palco mais vezes com Jeon Jungkook.
— E pensando nisso, aproveitando toda essa atmosfera maluca de karaokê, vou fazer algo que com certeza estou com medo de fazer, mas que precisa ser feito em algum momento — ele olhou para sob os cílios longos e negros e dedilhou uma nota no instrumento — Essa música ainda não tem nome, mas tem história o suficiente para ser apreciada. Me disseram que fiz um bom trabalho, então… Lá vamos nós.
Ela engoliu em seco. O braço com a filmadora continuava levantado na altura do queixo, pegando os movimentos e palavras do garoto no palco, que parecia estar gostando cada vez mais de estar ali. Com mais uma consulta aos rapazes, Jungkook desta vez demorou cerca de 3 minutos até voltar ao microfone, mais sério do que antes, se esforçando para entrar na realidade em que tinha se metido, prestes a fazer algo que seus instintos não queriam fazer. Até mesmo o jeito com que segurou a guitarra foi diferente, como se estivesse com medo de que ela despencasse no chão, ainda que a faixa grossa que a prendia em seu pescoço não permitisse isso. Suas pálpebras pesaram na direção das tarraxas e seus pulmões se encheram de ar antes que deslizasse a paleta e iniciasse mais um acorde.
Este que não foi reconhecido imediatamente por ninguém. Este que fez o coração de dar uma cambalhota, e começar a bater descontroladamente na garganta. Este que trouxe um silêncio geral em toda a boate, até que ele finalmente começasse a cantar.
A música dele. A música ainda não lançada.
As expressões gerais viraram uma combinação de surpresa e, logo, de satisfação. Certamente, alguém devia estar tentando adivinhar de onde vinha aquela canção, uma pergunta que jamais alcançariam a resposta, e Jungkook muito menos quisera dar uma explicação. não fazia ideia de como os outros rapazes estavam conseguindo acompanhar a modulação nova, trajada agora de guitarra em vez de violão, mas que trazia a mesma excelência de quando ainda morava em pedaços de papel.
E de repente, tudo foi ficando demais para . Demais para quem claramente tinha sentimentos fortes por ele e sentia uma saudade quase sufocante, misturada com o arrependimento inconveniente de tê-lo mandado embora quando mais precisava de sua presença.
Fechou a câmera sem piscar, virando-se para caminhar até o outro lado. Mais gente tinha brotado das paredes, e ela precisou empurrar e empurrar no meio de aromas de sabonete e suor até emergir na parte mais vazia, porém a mais necessária: a mesa de bebidas. A salvação de seus pensamentos loucos e impulsivos.
Imediatamente, a garota puxou uma taça já cheia de sabe-se lá o quê, entornando algo que queimou até a última cartilagem da garganta, passando a corrente da câmera pelo pescoço sem notar, fechando os olhos com força logo depois. A taça foi depositada com força de volta na mesa.
— Puta merda — balbuciou, levando as duas mãos aos olhos. Já se sentiu zonza instantaneamente. — Ainda estou ouvindo ele. Ele ainda está cantando. O que é aqui? O inferno? — e puxou outra bebida com um ranger dos dentes, desta vez de outra cor, mas que queimou a garganta do mesmo jeito. Nesses míseros segundos em que passava pela experiência torturante de ingestão do líquido flamejante, seus ouvidos vedavam para o restante da festa – e isso era um pouco interessante para o que desejava agora.
Apenas um gole era necessário para acabar com a dose disponibilizada. Portanto, em menos de 5 minutos, 4 pequenos cálices estavam apoiados em paralelo na frente de e nada tinha acontecido ainda. Ela podia ouvir Jungkook ao longe, agora quase chegando ao fim da canção maravilhosa que tinha cantado para ela a capella, ou que estava cantando de costas naquele dia na piscina, e aquele timbre parecia estar ali, em forma física, assombrando-a, chamando-a para se virar e ver, para sonhar e se torturar só mais um pouquinho por coisas que nunca dariam certo.
Quando cedeu à tentação, assistiu o rapaz ainda tocando, desta vez com a cabeça mais baixa, o sorriso um pouco menor e os olhos se movendo sutilmente em todas as direções. Estava procurando-a? Ficaria mais feliz e seguro se ela estivesse olhando?
Isso significava alguma coisa grande ou apenas uma coisa de amigos? Se Jimin estivesse lá, seria a mesma coisa?
Não houve resposta para essas perguntas. Houve apenas um flash.
fechou os olhos e pendeu a cabeça para baixo primeiro antes de virá-la para o lado. O clarão tinha sido tão brusco que precisou piscar várias vezes até as pupilas se ajustarem novamente ao escuro e focalizarem na silhueta de alguém muito próximo.
— Droga de flash — chiou um rapaz agitado há menos de 5 metros, abaixando rapidamente a câmera nas mãos como se ela tivesse agido sozinha.
, com a mente atordoada, levou quase um minuto para entender.
— Você acabou de tirar uma foto minha?
O cara abriu e fechou a boca, e se não estivesse tão escuro, certamente pareceria tão pálido quanto papel.
— É, eu… Bem…
já estava caminhando até ele com passos pesados, sem se importar com o chão molhado em que seus pés descalços poderiam facilmente escorregar.
— Você tirou uma foto minha? Você é maluco? — Ela avançou para tomar a máquina. Ligeiro, o sujeito prontamente a afastou da garota, tentando entender as palavras que ela dizia. estava soltando alguns verbos sem sentido, prestes a misturar as três línguas que falava de novo, claramente um traço particular de bebedeira — Tirou uma foto minha sem permissão? Qual o seu problema? Você vai…
— Calma aí, moça… — Ele quase se desequilibrou ao se afastar outra vez, quando se deslocou na direção do apetrecho com mais irritação. Estava na cara que ele queria proteger o objeto com a vida. Se estivesse sóbria, até tentaria apostar onde tinha sido fabricada — Não é isso que você está pensando, eu posso explicar.
— Você tirou uma foto ou não?
— Tirei, mas…
— Apague.
— Quê?
— Falei pra você apagar a merda da foto. Aliás, quem é você? Não tem fotógrafos profissionais na lista dessa festa, ela é totalmente fechada! Quem deixou você entrar?
A escuridão e a bebedeira não permitiam que o indivíduo ficasse muito nítido para , mas ela jurou que ele estava segurando uma risada.
— Senhorita, eu não sou o que você está pensando e com certeza posso estar aqui. Me deixa só…
— Vou dizer pela última vez: Apague. Essa. Foto já estava se aproximando dele de novo, cerrando punhos e dentes. A própria filmadora presa no pescoço bateu de encontro ao peito do cara, e seus pés levantaram para alcançar a câmera inimiga que tinha ido parar lá em cima, graças ao idiota ter levantado os braços para preservá-la.
— Ei, ei, se acalma! Você está carregando uma Sony Super 8, e essas são muito caras para consertar! Ai, meu pé…
! — Em um piscar de olhos, teve o corpo apartado do garoto arfante por unhas compridas e voz familiar — O que você tá fazendo? Ficou doida? Solta o cara!
Yoona a virou para ela. O sacolejar de sobre o desconhecido tinham deixado-na ainda mais tonta do que antes, mais tonta do que esteve desde o início da festa, visualizando o rosto redondo da amiga se duplicar e borrar até entrar em foco.
— Ele tirou uma foto minha, Yoona. Do nada! Com tantas celebridades nessa festa, querer tirar uma foto minha só pode ser uma coisa: ele é um pervertido ou algo muito próximo disso!
— O quê?! — O rapaz se abismou com a afirmação, ouvindo absolutamente tudo que as duas diziam. Yoona o olhou com um ligeiro pedido de desculpas e puxou para alguns metros longe dele.
, pelo amor de deus, para de viajar! Eu saio por um minuto e você consegue ficar ainda mais bêbada? Não pode sair avançando nas pessoas como um bicho, caramba. Não tá vendo que ele não tá de penetra?
— Perguntei quem ele é e ele não me respondeu. Não acha isso suspeito, Yoona? — se virou novamente para o estranho com um movimento rápido demais, fazendo-a cambalear um pouco e apoiar-se em Yoona enquanto erguia o indicador para apontá-lo: — Já apagou a porra da foto?
O cara piscou duas vezes e suspirou pesadamente, vendo-se sem saída, e logo enfiou uma das mãos nos bolsos de trás da calça cargo.
— Eu não sou penetra, sou fotógrafo. Profissional — explicou ele, empunhando um pequeno pedaço de papel retangular e estendendo-o para , que hesitou em pegá-lo por 2 segundos até que Yoona o fizesse por ela — Me contrataram, aliás, caso ainda esteja com dúvida. Ji Changmin, muito prazer. Não sou nenhum tarado, gata, muito menos um maluco.
Gata?!
encarou o cartão rodopiante nas mãos de Yoona, conseguindo identificar o nome estampado nele por puro milagre. Quando voltou a enxergar o cara à sua frente, ele agora não parecia mais tão estranho. Tinha um rosto devidamente translúcido sob as luzes, cabelos negros e arrumados para cima, uma corrente de metal atravessando a lateral da calça larga e um relógio reluzente no pulso direito, bem onde segurava a câmera ainda não identificada. Olhando bem, ele não parecia muito mais velho do que ela, e nem muito mais novo. Parecia um garoto, um bem comum, do tipo que pega o metrô em Soyosan e toma café barato de maquininha todos os dias.
— Você é fotógrafo mesmo? — perguntou, agora apenas curiosa. Changmin assentiu e ouviu o estalar da língua de Yoona ao mesmo tempo em que a garota revirou os olhos.
— Juro pela minha mãe. Você não a conhece, mas ela é uma santa, ou coisa muito parecida.
— Mas então…
— Jesus! Pode nos dar uma licencinha? — Yoona abriu um sorrisinho amarelo, puxando novamente, desta vez a uma distância realmente segura, falando baixo de uma maneira que podia ser entendida apesar do som — Dá pra você parar de tentar interrogar o cara? Ele está dizendo a verdade! Inclusive, ele é o gatinho que não parava de te encarar mais cedo, por que teve que tratá-lo daquele jeito?!
Yoona parecia genuinamente exasperada. inclinou a cabeça, esboçando uma fisionomia totalmente confusa, como se as frases ditas pela amiga tivessem saído em outra língua.
— Hã? Ele é um fotógrafo, Yoona, fotógrafos olham para todos os lados.
— Você quer mesmo jogar esse papo pra cima de mim? Então o que me diz de fotógrafos que só olham para um lado? Eu sei quando um homem está interessado, , e aquele dali não estava nem tentando disfarçar isso — bufando, Yoona moveu os braços para sacar algo da bolsa apoiada nos ombros, um embrulho frágil embalado em plástico vermelho — Aqui os seus chinelos, é melhor calçá… Minha nossa! — Agora o grito dela tinha conseguido ultrapassar a onda sonora restante no ambiente, assim como os olhos se arregalando quando viraram para baixo — Olha os seus pés! Como teve coragem de falar com ele com esses pés, ?! Você precisa de água e sabão agora mesmo. Vem, vamos ao banheiro… — ela agarrou no cotovelo de , mas a garota se desvencilhou inutilmente.
— Não, eu não quero…
— Uma pessoa com essa nojeira em forma de pés não tem que querer algo, ! Vamos agora. Jesus, podia ter esperado com os saltos, foram só 30 minutos…
— Yoona… — choramingou, manhosa. Yoona revirou os olhos e passou o braço pelo de .
— Preciso te dar um copo de água antes que você quebre alguma cerâmica cara desse lugar. Então, não teima.
Nãooo, Yoona…
— Com licença, senhorita — subitamente, o cara estava de volta, pousando ao lado delas como se estivesse de tocaia o tempo todo. Uma das spotlights dançantes no teto curvou-se na zona deles, fazendo com que o rosto de Changmin fosse totalmente banhado pela luz pálida por 2 segundos antes de se afastar de novo. Foi o suficiente para que constatasse que ele era bonito — Sinto muito por ter te deixado desconfortável com as fotos. Posso apagar se quiser, o que vai ser uma pena, porque ficaram muito boas. Mas conheço o karma de paparazzis no tribunal, então vou te deixar apenas com isso — de novo, ele estava afundando os dedos em outro bolso e tirando agora um quadrado de polaroid, oferecendo a uma que pegou-o imediatamente, contemplando uma foto sua do exato momento em que estava sorrindo intensamente diante de um Jungkook tocando no palco, perdida em um universo onde só existissem os dois — Você estava fascinante. Parecia muito feliz, se posso completar. Foi o sorriso mais verdadeiro que vi nessa festa.
Changmin admitiu com convicção, deixando um singelo sorriso preencher o rosto bonito, que combinava com o nariz empinado e as covinhas na bochecha. Ele era mesmo um gatinho, como declarou Yoona, e isso não ajudava a missão de de odiá-lo por ter sido alvo de sua lente.
Quando ele estava prestes a sair, ela chamou impulsivamente:
— Ei! — Ele logo parou e se virou. hesitou por um instante, até balançar a polaroid — Essa foto só é um suborno para te livrar do tribunal. Se tivesse pego um ângulo que eu detesto, você já era! — Seus pés tentaram se aproximar, e a luz escondeu os lábios comprimidos de Changmin, segurando para não rir — Mas quer saber? Ficou legal. A sua foto, eu quero dizer. Você deve ser mesmo um profissional.
Um profissional em pessoas, muito diferente de mim, ela pensou. Mas tal ideia nunca a tinha deixado perturbada, até vir parar na Coreia do Sul e precisar ganhar a vida tirando fotos de idols.
O rapaz abriu um sorriso maior.
— Gostaria de ver o resto antes de irem pra lixeira?
— Não preci…
— É claro que ela quer — Yoona interrompeu, extraindo novamente algo da bolsa grande demais, algo que se parecia muito com o retângulo de papel que tinha recebido do fotógrafo — Aqui. Manda pra ela direitinho. E certifique-se de provar que apagou. Agora vamos.
tentou negar, mas os braços de Yoona estavam mais fortes e a bebida amarga estava subindo mais do que deveria. Ela viu a boca do garoto se mexer mais uma vez, como se fizesse uma última pergunta. Entretanto, ele ficava cada vez mais longe e sumiu rápido entre as pessoas à medida que ela era arrastada como uma boneca.

・ ❬📸💔❭ ・


— Fala sério, como você conseguiu sujar o pé desse jeito?
Yoona bufou forte enquanto molhava as mãos mais uma vez para esfregar as solas de , sentada em cima da pia larga do banheiro sem a menor preocupação de alguém aparecer. O sabão líquido mal fazia espuma em sua pele, obrigando a amiga a apelar para os lenços de papel e a força bruta que escondia nos braços. Ela parecia horrorizada demais para algumas manchas pretas e cheiro de álcool variado.
— Ele disse para eu não usar os saltos — falou com a voz embriagada, os olhos e ombros caídos e a mente em outra dimensão. Olhava para o movimento das mãos de Yoona com indiferença. Ela duvidava de que todo o empenho fornecido em limpar seus pés com sabonete de boate fosse realmente ajudar — Que eles estavam machucando meus pés.
— Eles deceparam os seus pés, isso sim. Tenho certeza que a Candice não ia se importar se usasse uma coisa mais baixa.
— Também acho — levantou os ombros, grogue. Candice já tinha dito que os ossos dela não foram feitos para saltos, mas o que custava querer provar o contrário?
Yoona finalizou a limpeza, e sentiu a cabeça girar quando foi realocada lentamente para o chão, onde os pés já estavam devidamente calçados.
— Pronto. Essa coisa acabou com o seu lindo look, mas é mil vezes melhor do que te ver torcendo o tornozelo por aí e tendo que usar botas ortopédicas igual à Candice.
— O que é isso? — sentiu um pequeno incômodo atrás do calcanhar.
— Um band-aid. Você estava sangrando — com um suspiro, Yoona puxou a pequena embalagem do curativo da mesma sacola dos chinelos. Era excessivamente rosa choque e tinha um desenho do Frajola — Toma, pode guardá-lo. Nunca se sabe o que pode acontecer até à meia noite.
segurou o pacote minúsculo e olhou para Yoona com agradecimento silencioso. Mesmo se dissesse algo, tinha certeza que a voz arrastada a deixaria mais engraçada do que tudo. Mas ali, naquele lapso de instante, sentiu que a relação entre ela e a figura caricata de Gong Yoona tinha sido mais aprofundada.
— Eu preciso voltar. Deixei a Sony em algum lugar, e o vídeo de Yoongi está lá, e preciso achar a Candice, você viu a Candice? Ela disse que me levaria pra casa, mas não sei se dá pra acreditar.
Yoona estreitou os olhos.
— Na verdade, ela me mandou uma mensagem e disse para eu te levar pra casa.
— Mas você está bêbada.
, você está bêbada.
— Não estou.
— Está sim.
— Não estou bêbada, Yoona.
— Você está carregando a Sony no pescoço como um crachá há 40 minutos, está descalça numa pista de dança e tentou atacar o fotógrafo. Preciso continuar?
abriu a boca para retrucar, mas Yoona tinha exposto muito mais do que ela e seu estado ébrio eram capazes de assimilar.
No entanto, isso não a impediu de afirmar:
— Vou procurar a Candice.
— Yoona bufou, mas a garota embriagada já estava andando para fora do banheiro — Eu já te falei que eu vou te levar pra casa.
— Não, ela ainda está por aqui, eu sei que está. Candice! Cand-
— Candice não está mais aqui.
A voz masculina soou como um sopro quente há alguns metros do rosto de . Tudo que planejava fazer em seguida desapareceu em instantes da mente, já que aquela voz era conhecida em pelo menos 7 pontos diferentes de seu corpo.
Jungkook estava escorado com as mãos dentro dos jeans bem ao lado da porta, sorrindo como sempre. Lindo como sempre. Arrebatando seu coração como ultimamente.
Naquela noite, parecia ainda mais bonito do que nos outros dias.
— Como tem tanta certeza? Ela não iria embora da própria festa — revidou, levantando uma sobrancelha debilmente.
— Você está vendo ela por aqui? — ele girou o rosto para todos os lados, piscando um olho com ironia — Acha mesmo que ela aguentaria mais 2 horas pra agradecer o que meu hyung preparou?
novamente não tinha respostas para isso. Estavam falando de Candice, aliás. Ela não tinha o dom de ser reservada, fazendo com que qualquer festa reconhecesse avidamente sua presença – caso ela estivesse em uma.
Com o sorrisinho insistente, Jungkook agora o direcionou para a garota baixinha atrás de , que tinha os olhos focados na cena à frente como se estivesse diante de uma tela de cinema. Mais uma que não tinha ideia de como ser discreta.
— Obrigado pelos chinelos — Jungkook agradeceu devagar, descendo os olhos vagarosamente para os pés de . — Parecem confortáveis. Você escolheu bem.
Yoona provavelmente não o ouviu com clareza nos primeiros 3 segundos, mas logo riu para esconder o nervosismo, uma risada desconcertada, e puxou o cartão de crédito guardado na bolsa para entregá-lo.
— Que nada, foi divertido entrar em uma loja de conveniência com esse tule, pensaram que eu estava saindo de uma festa à fantasia — ela apontou para a saia rodada, fazendo pensar subitamente o quanto deveria ter sido desconfortável para que a amiga entrasse e saísse do Mustang antigo que dirigia com aquela coisa — Até comprei um band-aid pra ela. agora está a salvo — e fez uma continência divertida, fazendo Jungkook rir, o que certamente a levaria a se sentir um pouco idiota depois — Mas… cheguei bem na hora que você estava fazendo aquilo no palco. Foi tão… eletrizante e magnífico.
— Foi, não é? Eu estava morrendo de medo — ele deu de ombros, e Yoona forçou um sorriso compreensivo, porque era complicado demais imaginar Jeon Jungkook com medo de palcos — Mas depois passou. As pessoas pareceram gostar, mas pode ter sido só a bebida. O que todo mundo diria se eu perguntasse diretamente?
Seus olhos imediatamente se moveram para , que indiscretamente limpou a garganta, preocupada que suas bochechas coradas se tornassem públicas demais.
— Yoona, preciso achar minha bolsa, pode me ajudar? — Ela arrancou a câmera do pescoço com mãos agitadas — Tem um conteúdo de ouro sem backup aqui, então preciso que ela seja guardada antes de…
Yoona tomou o objeto, encarando ele e a dona ao mesmo tempo, preocupada inicialmente de derrubá-la com aqueles dedos traidores. Ponderou sobre simplesmente recusar o pedido de ou tentar adiá-lo o máximo possível, já que parecia insano sair dali e se enfiar no meio daquelas pessoas quando tinha Jeon Jungkook bem ali, agora, na sua frente, parecendo muito disposto a jogar conversa fora.
Mas Yoona olhou de novo. E quando se tocou de que a atenção do artista sobre ela levou um tempo recorde de 10 segundos, onde ele apenas a agradeceu pelos chinelos e fez comentários triviais com a gentileza destacada que sempre teve, começou a ver a situação como algo a mais. Algo que estava acontecendo bem debaixo de seu nariz, algo que não a incluía.
Jungkook podia ser educado, mas com certeza não olhava para todos do jeito como estava olhando para naquele momento.
— Ah… a sua bolsa está muito longe. Acho que você a deixou perto daquela sala — disse Yoona, ainda fitando um ao outro, sufocando a vontade de sair correndo e se livrar da sensação de vela — Vou guardá-la para você. E talvez tomar um drink.
negou com a cabeça e tentou impedi-la, mas a amiga já estava sumindo de vista. E em um segundo, se viu no cenário que desesperadamente tentou fugir a noite inteira: ela, ele e mais ninguém.
Só o cheiro dele a inebriava de um jeito que a fazia ter certeza de que não estava bêbada o suficiente.
— Como você está? — Jungkook perguntou, e tomou a liberdade de dar um passo à frente.
— Bem. Pare agora de fazer isso, Jungkook.
— Fazer o quê?
Isso. Essa coisa que está fazendo agora com os olhos, a coisa com o sorriso, e… e tudo. Tenho certeza que até a Yoona percebeu. Acha que eu não notei que estava tentando olhar pra mim no seu show?
— Eu não tentei, eu estava olhando pra você.
Desgraçado. Aquela arritmia estúpida no coração estava de volta novamente, massacrando o peito de , colocando em jogo sua própria saúde todas as malditas vezes que ele insistia em ter respostas tão seguras na ponta da língua.
Eventualmente, ela conseguiu rebatê-las para longe e achar sua voz normal para arquejar um:
— Por quê?!
Ele apenas levantou os ombros.
— Técnicas de oratória. Olhar para um ponto fixo te ajuda a ficar menos nervoso em lidar com multidões.
— Aquilo não era uma multidão. Você já se apresentou para o quádruplo de pessoas.
— Mas nunca estive sozinho. E olhar pra você fez eu me sentir menos perdido. Obrigado por isso, inclusive.
Segurando um suspiro, passou os dedos pelo cabelo, mordendo o lábio inferior para tentar desinibir qualquer expressão corada que escapasse no meio daquelas luzes baixas.
— Eu nem sabia…
— Não sabia e me ajudou da mesma forma. É um ótimo ponto — o sorriso dele cintilou no escuro. Seus pés se aproximaram dela em um instante — Agora pode parar de me enrolar e me responder de verdade como você está?
A verdade era relativa e perigosa demais para ser dita, então apenas respondeu:
— Estou bem, já disse. Bebi um pouco além da conta, talvez, mas é porque estou feliz. Por Candice.
— Não esperaria menos. Me diga o que houve naquele dia.
parou, desejando que o álcool não a deixasse entender do que ele falava.
— Isso não vai rolar.
— É sério,
— Não é o lugar e nem o momento para isso. Tenho certeza que você sabe.
Ele sabia. E abaixou a cabeça em um pedido de desculpas implícito, odiando-se por agir da forma que prometeu a si mesmo que não agiria quando estivessem sozinhos novamente: com ansiedade, com a loucura que o dominava nos últimos dias, com a dúvida que aquele “você mexe comigo, cacete!” estava causando à sua sanidade.
— Tudo bem, você está certa.
suspirou e baixou os ombros. Deveria ir atrás de Yoona agora. Deveria ir embora da festa, caso Candice realmente não estivesse mais nela.
Deveria tantas coisas.
— E você? — abriu um sorriso consternado. Estava tentando recolocar os pensamentos sóbrios na cabeça, mas álcool e Jeon Jungkook pareciam ter o mesmo efeito — Como se sente agora depois de dar vida à fantasia geral de um Jeon Jungkook astro do rock?
— Fiquei parecido com o que você imaginava na sua cabeça?
— Não — ela piscou. — Ficou melhor.
Jungkook olhou para a garota parada na soleira com uma intensidade incendiária. sentiu como se ele estivesse arrancando suas roupas sem nem sequer tocá-la, o que causava certo desespero e desejo, na mesma proporção.
— Posso te oferecer uma carona? — questionou em voz grave e abafada, e sentiu imediatamente o formigamento quente nas coxas, a promessa do que receberia caso dissesse sim. Os batimentos nem estavam funcionando de uma maneira uniforme.
— Para onde? — perguntou antes que ponderasse sobre a questão.
— Para onde você quiser. Comemorar o sucesso dos nossos amigos.
sabia que a última coisa que faria caso entrasse naquela Mercedes essa noite seria comemorar qualquer coisa que não fosse poder sentar novamente no belíssimo pau de merda daquele idiota, e Jungkook sabia ainda mais, assim como sabia como sorrir da maneira certa; não para convencê-la de nada, mas porque queria deixar claro o quanto queria isso.
Ela tentou desviar os olhos, mas a luz colorida refletida no piercing do lábio trouxe imagens e vontades assustadoramente urgentes. Ele parecia uma pessoa diferente quando estava de jeans, mesmo que eles fossem impecavelmente escuros e caros. Parecia mais jovem e menos ofensivo do que normalmente o via.
— Não sei se a gente devia fazer isso — finalmente, ela havia recuperado o bom senso de esticar os olhos para outra parede. Devia ter acabado essa conversa naquele “oi” que não existiu na pequena salinha há 1 hora atrás.
Jungkook colocou as mãos nos bolsos, onde os dedos eram cravejados por vários anéis brilhantes.
— Somos amigos, . Achei que isso não tinha acabado — demandou. respirou pela boca.
— Eu sei, eu sei, é que… É complicado — ela tentou segurar a antiga câmera no pescoço, mas não estava mais ali. — Isso é tão…
— É difícil pra caralho, — então, o tom de Jungkook tinha passado de meramente normal para algo totalmente sério, feroz, liberando o que estivera segurando o tempo todo, talvez desde que ela tinha saído de sua casa há 2 dias atrás: — É uma tortura perversa te ver nesse vestido e não poder nos trancar nesse banheiro bem atrás de você pra matar a saudade, é difícil te ver rindo de alguma coisa que não seja das minhas piadas, é difícil não saber se você anda feliz ou triste, é difícil escutar Jimin se coçando no lugar pra dar em cima de você, é difícil simplesmente te ver porque depois que te beijei a minha mente virou um inferno. Tudo que eu achei que sabia tá derretendo e se desfazendo na minha frente, e não consigo parar de pensar no que você disse naquele quarto! Então, não é só complicado, é uma mer-
— Você disse saudade?
Jungkook parou no mesmo lugar, os dedos agora apertados nos jeans, olhando para todo o rosto dela até responder em um fio de voz:
— O quê?
— Disse, tenho certeza que sim — balançou a cabeça. Jungkook permaneceu sério, os olhos faiscando com brilho ofuscante de excitação — Você sente minha falta?
Ah, ele sentia. Poderia falar todas as desculpas do mundo, distorcer todos os fatos dos últimos dias, ser acusado de mentir sobre suas respostas, mas a falta dela estava tomando cada tecido do seu corpo. Se entremeando nos afazeres fúteis da rotina, nos planos que ele tinha para o futuro, nas convicções que tinha sobre o passado. estava em todos os lugares, nos que queria e nos que não queria, e nua entre seus lençóis era apenas mais um da lista.
Mas falar isso ainda era difícil pra caralho. E não falar também não estava ajudando, visto que a sombra que tomou os olhos de pela falta de resposta dele fez seus ombros desabarem e a postura retrair. Jungkook sabia exatamente o que ela estava pensando, sabia que passava a impressão idiota de que só a queria para sexo e mais nada, de que ele ainda estava apegado à ideia de que fodeu com sua vida, mesmo que não se importasse mais com esse passado, mas não era isso. Não era nada nem perto disso. E ele, ainda covarde e apreensivo, precisava ser mais claro sobre as coisas que queria, por mais que ainda não as entendesse.
— O que você acha? — Não parecia mais do que um sussurro quando ele levou os dedos delicadamente para a bochecha de , que sentiu o arrepio imediato na base da nuca, o nó no ventre vibrando de expectativa. O cheiro dele tinha tomado suas narinas. A boca dele era um pedido de descontrole — Não aguento mais sentir a sua falta.
E que se foda. Era isso, e era isso. Ele se lembrava de sentir saudade, e de como era insuportável. Mas Ali era de longe, e estava perto. E normalmente, ele tinha meios melhores para mostrar o que queria sem precisar falar sobre os sentimentos, mas era… Ela estava em uma posição incomum. Uma posição em que agora ele tinha que conquistá-la, se esforçar para isso.
E isso o impossibilitava de querer apenas levá-la para casa. Se conseguisse fazer com que mudasse de ideia sobre eles, seria como ganhar um presente de aniversário adiantado.
Mas mesmo com a voz confiante, o porte totalmente seguro e determinado, a forma como Jungkook estava se aproximando sem pudor, sem qualquer medo ou rejeição de seus lábios como antigamente, exibindo um apetite quase sufocante de um beijo… sabia da verdade. Ela estava ali, em algum lugar, e se sobressaía sobre todos os seus desejos: ele sentia falta da facilidade. Sentia falta do tesão, da rotina que tinham à distância de um SMS, da companhia despreocupada de , uma que comeria os próprios dedos antes de admitir que estava apaixonada por ele.
Mas essa não estava mais aqui. E essa não queria mais coisas pela metade, não com ele. Jungkook carregava incertezas demais, e palavras rasas demais que desperdiçariam seu presente valioso.
No entanto, ouvi-lo admitir causou um impacto para o qual não tinha se preparado. Fraca, estava prestes a deixar que ele a beijasse. Estava prestes a aceitar o seu convite perigoso. Prestes a se entregar ao fogo sórdido que queimava na pele, prestes a…
— Merda! Saiam daqui!
O estampido agudo vindo do local da pista de dança fez com os dois levantassem a cabeça ao mesmo tempo.
— Imprensa! Imprensa!
De repente, uma gritaria insana invadiu o clube inteiro. A música parou, o barulho característico dos flashs ecoaram sobre a multidão e o começo de um caos não pareceu mais uma impressão errada.
olhou para Jungkook com temor. Ele tinha os olhos cravados na entrada do corredor que antecedia os banheiros, vendo pessoas apressando o passo ou correndo enquanto homens de preto disparavam na direção da entrada.
— Fica aqui.
Jungkook marchou pelo passadiço de luzes baixas, desviando de um casal que corria para o lado contrário, direto para os fundos. Depois, seus ombros foram atacados por mais um cara, um que a TV certamente reconheceria na mesma hora, e causaria confusão pelos olhos vermelhos e desnorteados, fruto do que quer que tenha ingerido no grande salão. Quando enfim observou o montante de pessoas reunidas em uma roda no canto do espaço, bem perto da saída de emergência, Jungkook viu as cores vibrantes do vestido de lantejoulas, escondido atrás da roupa preta de Yoongi, que estava sendo atingido por flashes como o alvo de um tiroteio.
— Merda — uma veia de raiva disparou em sua têmpora, e ele olhou para o lado ao mesmo tempo em que o alcançou — Pedi pra você ficar .
— Eu quero ver.
Jungkook bufou quando deu um passo à frente, mas a trouxe para trás em um instante pela cintura.
— Você está vendo aquilo? — ele apontou na direção do foco da gritaria, onde as ondas loiras e características de Candice Chaperman estavam cada vez mais afogadas pela claridade das câmeras.
engoliu em seco, e parecia mais assustada do que aborrecida.
— Sim, estou.
— Então fica aqui — ordenou.
E antes que Jungkook a soltasse e avançasse por entre as pessoas para ajudar os demais a gritarem e expulsarem aquela maldita invasão de fofoqueiros, ele ouviu um deles erguendo a voz para interrogar:
— Min Yoongi, o que tem a declarar sobre o flagra que temos em mãos de você e da estrangeira? Pode nos dizer o nome dela?

[1]: Noturno é uma composição que evoca, ou é inspirada pela noite. É feita principalmente para piano solo. Chopin escreveu 21 noturnos, tornando-se assim o pianista mais renomado a conduzir esse tipo de apresentação.


[ 29 ] – I heard an unhappy ending, it sort of sounds like you leaving

🎵 Ouça aqui:
Piledriver Waltz - Arctic Monkeys

"Se você vai tentar andar sobre a água
Certifique-se de usar seus sapatos confortáveis
﹝...﹞
Mistérios piscando em âmbar ficam verdes quando você responde
Mas o vermelho no resto do questionário nunca muda."

— Ali! Aquele cara ali! — Candice apertou o dedo contra o vidro da janela, indicando-o na direção da rua — Aquele cara não estava ali antes.
bufou e largou o livro novamente para o lado. Já era a terceira vez que era interrompida antes que terminasse um parágrafo. Não precisava nem olhar para saber para onde Candice apontava – e que não havia nada para ver.
— Candy, ele está comprando laranjas — disse ela, cansada. estava no controle de seu tom de voz desde que acordara com o caos de notícias daquela manhã, principalmente porque Candice tinha inclinações a se desesperar com muitos dedos apontados em sua direção. Por isso existia , alguém que era capaz de lidar com a maioria das situações, nem que seja para deixar a amiga mais calma — As pessoas podem comprar laranjas e não serem paparazzis.
— Paparazzis são capazes de tudo, . Eles podem ser qualquer pessoa, caso queiram, qualquer um — disse ela. Depois, acrescentou com um dar de ombros: — Sem ofensas.
— Tudo bem — deu outro suspiro profundo e se aproximou de Candice para afastá-la da janela com os ombros, puxando as cortinas logo em seguida.
— Ei! Eu estava olhando!
— Você vai ficar cada vez mais neurótica se achar que todos os pedestres do lado de fora estão vindo dar uma espiadinha na namorada de Min Yoongi — bufou, andando de volta para o sofá e retomando seu livro. — Já avisei: ele está cuidando de tudo. As notícias já estão desaparecendo. Você está segura.
Candice pensou em fazer birra e simplesmente ignorar as palavras de , puxar a cortina novamente e ver sua frágil imaginação ganhando vida ao tentar imaginar as coisas terríveis que deviam estar falando na internet, as perguntas extremamente curiosas e chocadas de seus colegas de trabalho e as possibilidades terríveis de ter pessoas com câmeras escondidas zanzando nos arredores de Seongdong-gu, prontas para transformarem sua privacidade em um privilégio do passado.
Mas se sentir ansiosa e insegura não fazia parte da personalidade de Candice Chaperman, mesmo que soubesse que namorar uma celebridade global trazia esse tipo de risco.
Por isso, com apenas um grunhido na garganta, ela se afastou do vidro e sentou-se de pernas cruzadas na poltrona à frente do sofá, embaraçosamente séria.
— Tá bom, eu consigo me controlar — murmurou, torcendo um cacho que escapava do coque alto — Acho que… Só estou com medo. Sabe?
— Medo do quê? De definhar por passar um domingo à tarde em casa? — passou uma página — Ou tem medo que descubram o que fez no verão de 2015 em Turquoise Bay?
— Não! — Candice guinchou — Eu não me envergonho por já ter tido 20 anos, . Eu era ingênua e aspirava ser famosa. As pessoas não tem nada a ver com isso — ela balançou a cabeça, como se não estivesse totalmente confiante da última frase. — O problema não é esse. O problema são eles. Fico pensando no que eles vão fazer.
— Eles quem?
— A Hybe. A burocracia de idols. Coisas que são padrões nesse meio, como tipo: ah, você tem uma namorada? É simples, termine com ela e fazemos como se nunca tivesse acontecido. Esse tipo de coisa.
levantou os olhos do livro. A fisionomia ansiosa de Candice implorava por palavras de conforto, por uma antecipação que o mesmo que aconteceu com as outras não fosse acontecer com ela. Que a próxima visita de Yoongi naquela casa não viesse acompanhada com uma sentença de término induzido, explicando que ele não poderia fazer nada sobre isso porque existiam contratos milionários que o deixavam sem uma saída.
Mas isso era impensável. Existia uma outra opção, a que achava que combinava mais com o idol: a que ele recusava tudo isso e propunha à Candice que extravasassem os padrões e gritassem foda-se para o mundo inteiro, e seja o que Deus quiser. Como Jungkook tinha feito – ou chegado muito perto de fazer. Pelo menos, tinha certeza que a amiga aguentaria a barra e não iria embora daquele jeito.
— Yoongi não vai terminar com você — disse com toda a certeza que conseguia reunir. O medo que se manifestava dentro de Candice agora precisava disso — De jeito nenhum. O que aconteceu naquela noite foi perverso e criminoso. Os seguranças não estavam onde deveriam estar, o que é muito estranho, mas não é culpa sua. Ficar alguns dias sem te ver é para conseguir resolver a situação, nada mais.
— Acha que alguém armou tudo isso?
— Acho que alguém se aproveitou de uma brecha. Odeio pensar em armações, você sabe disso.
Candice suspirou profundamente. Mais do que nunca, queria ver Yoongi. Queria dizer que não precisava se estressar tanto com alguns users na internet dizendo que ela não era bonita ou boa o suficiente para ele, porque ela era, e sabia disso! Mas imaginá-lo entrando em conflitos empresariais e tendo reuniões de emergência com advogados para preservar sua imagem não era algo de que gostava.
— Faz sentido. Quer dizer, acho que faz. De qualquer forma, eu e Yoongi temos um código-chave de emergência para quando precisarmos ter conversas sérias, e ele ainda não foi acionado. Só espero que ele não queira que eu fique em casa até o meu aniversário — ela puxou as pernas para cima da poltrona, abraçando os joelhos enquanto encarava os detalhes despercebidos na cortina fechada — O que você faria, ?
— No quê?
— Se fosse com você — completou ela. Agora seus olhos tentavam achar algo interessante no painel do termostato perto da porta — Se descobrissem que você namora uma estrela.
fingiu ler uma página, mas os olhos logo perderam o foco. Aquele tipo de pergunta, esta pergunta em específico, sempre teve uma resposta muito rápida.
— Eu não chegaria a esse ponto.
— Você diz de não ser descoberta?
— Eu não namoraria — ela ergueu uma sobrancelha, e logo viu o cenho de Candice enrugando toda a testa — Digo, nunca considerei a menor possibilidade de me envolver com pessoas com mais de mil amigos no Facebook, que dirá celebridades globais.
Candice arregalou os olhos confusos, tão grandes quanto aquele apartamento.
revirou os olhos.
— O Jungkook não conta.
— Não conta? Então o que conta? O rei das Valentines, Jeong Jaehyun?
— Também não — fechou o livro, a face travada como pedra. Quando tinha prometido ficar com Candice durante todo o domingo enquanto Yoongi “segurava as pontas”, ela também prometeu que não falaria sobre aquilo — Nada disso chega perto do que você tem com Yoongi, Candice. Vocês se amam e querem ficar juntos, e dizem isso um para o outro sem nenhum problema, sem nenhuma complicação. Sem contar que se esforçam pra isso. Não é apenas por um acordo.
— Ah, é. Nem me lembre dessa coisa de acordo — Candice agarrou uma almofada enquanto se mexia de novo e agora jogava as pernas para cima da mesinha de madeira — Mas desconsiderando todo o ranço que sinto por aquele fedelho no momento, preciso elogiar o que ele fez na minha festa. Não é à toa que a Vogue e todas as nossas concorrentes vivem aumentando o valor da proposta ao agente dele a cada mês para tentar conseguir nem que seja uma mísera página de entrevista solo com direito a uma foto bem grande. Mas ele recusa toda vez, é impressionante. Fiquei sabendo que até o CEO da GQ ofereceu um estábulo de cavalos de raça pura para ele por um café da manhã e umas perguntas. Gente rica demais me assusta.
— O que ele faria com cavalos?
— Eles valem milhões de dólares.
— Jungkook já tem milhões de dólares. Poderiam oferecer algo que ele goste — Assim como todos eles, ela quis completar. Parecia muito difícil para toda uma sociedade capitalista entender que nem sempre os ricos queriam ficar mais ricos apenas para serem mais ricos.
Candice examinou as unhas.
— Tudo bem, a escolha dos cavalos foi idiota. Esse povo da GQ não se incomoda em fazer pesquisas antecipadas. Se oferecessem uma garagem inteira de carros antigos ao Yoongi, ele com certeza aceitaria — uma sombra de um sorrisinho apareceu e logo diminuiu no rosto dela — Mas com toda essa situação… Bom, seria muito engraçado se vazassem a música nova do Jungkook como uma forma de dispersão do namoro de Min Yoongi. Até eu admito que seria legal vê-lo abrindo as asinhas e mostrando algo diferente de tudo que as pessoas já viram.
também queria. Mas não para apenas dispersar a confusão em que a melhor amiga estava inserida, mas sim porque ele merecia. Porque tinha potencial, e porque iria restaurar todas as crenças limitantes que tinha sobre si mesmo e sua capacidade de conquistar o mundo.
Os especialistas familiarizados com a maquinaria midiática diriam certamente que Jeon Jungkook seria um sucesso comprovado, caso tivessem visto-o no palco no dia anterior.
— Vocês conversaram ontem? — Candice voltou a perguntar.
— Quê?
— É, estavam juntos ontem? Quando ele interviu na confusão, posso ter jurado que você estava perto. Antes que Yoona te arrastasse pra longe.
voltou ao livro. Agora nem parecia saber do que ele se tratava. A maioria dos livros que tinha eram comprados em sebos nos Estados Unidos, e a maioria tinha sido importado da Europa, e muitos tinham orelhas nas folhas e se embolavam em outras línguas estrangeiras, como se tivessem sido descaradamente digitados em qualquer computador.
E as capas não eram merecedoras de serem exibidas em uma linda prateleira de mogno, como Candice sempre dizia. Porém, mais importante do que tudo isso é que eles a distraíam. Domavam seus pensamentos. Ultimamente, ela estava precisando de vários deles para isso.
Mas mesmo uma montanha de livros velhos não seriam capazes de impedir o famoso olhar afiado de Candice Chaperman enquanto espera uma resposta.
— Conversamos um pouco, foi só isso — levantou os olhos.
— Você não quer me dizer?
— Sinceramente, não. Você está completamente fora da casinha quando o assunto é o Jungkook, então prefiro poupar você e eu de todo o estresse. Já estamos nervosas o suficiente — Candice abriu a boca para retrucar, mas jogou as pernas para o chão — Mas estou falando a verdade. Só conversamos, mais nada. Era inevitável fazer isso, já que estávamos juntos no plano de Yoongi.
E mais uma vez, a loira tinha uma resposta na ponta da língua, mas não se parecia exatamente com o que esperava.
— Eu não estou fora da casinha — ela guinchou, e cruzou os braços, levemente ofendida. — Eu só estou preocupada com você.
— Ficar preocupada comigo e discordar da minha conduta é o suficiente, Candice. Bater nele com a sua bolsa Prada já é um exagero.
— Como você sabe que eu bati nele? Já estava bom no dia da festa.
— Porque ele me contou — colocou o livro de lado; um romance antigo escrito por alguma celebridade inglesa que ela não fazia ideia de quem era — Quer dizer, eu vi antes de ele me contar.
— Onde você viu? Isso foi quando… — Chaperman parou de falar quando entendeu, e o vinco na testa não escondeu a faísca de irritação — Você foi vê-lo, não foi?
— Fui. E não é o que você está pensando.
— Ah, meu Deus! Como não é o que estou pensando?! Vocês por acaso… não, eu não quero saber! Não tenho a mínima vontade de tentar imaginar o que pode ter no órgão genital de Jeon Jungkook que faça mulheres sensatas como você perderem a linha desse jeito.
grunhiu, agora elevando o corpo para ficar de pé, se arrependendo imediatamente de não ter colocado um filme para as duas ao invés de pegar o livro e deixar Candice na janela, correndo o risco de se envolver em um acidente e finalmente alcançar seu antigo desejo de ficar famosa por causa da forma como seu corpo seria encontrado no concreto lá embaixo. Devia saber que ela, hora ou outra, voltaria a falar daquilo. Estava voltando sempre que podia, porque segundo ela, não a dava as respostas que precisava.
nem tinha as respostas que ela mesma precisava.
— Me dispus completamente a te contar toda a verdade e a não mentir mais pra você, Candy, mas vou começar a repensar quando você simplesmente não acredita em mim — bufou, se ajeitando nos chinelos e virando-se para a cozinha em busca de um sorvete de creme. Ou de distância — Já disse que a gente não transou. E já disse que não vamos mais fazer isso.
— Então por que foi vê-lo? Achei que quando isso acontecia, é porque iria rolar. E de qualquer forma, você disse que queria dar um tempo dele.
— Eu queria. Mas ele me ligou, e disse que era uma emergência, e… — olhou para o lado a tempo de ver Candice logo atrás, recostando-se no batente da porta — Sei lá, nós somos amigos. Disso eu tinha falado.
— Claro — Candice estreitou os olhos, com evidente desagrado pelo fato. — Apesar de que eu particularmente acho impossível essa coisa de ser amigos quando já teve sexo no meio, ainda mais no caso de vocês que não eram amigos nem antes de toda essa putaria.
— Você e Mike Hanscom eram amigos na revista, e transavam como coelhos em qualquer sala vazia. Como me explica isso?
Candice abriu os olhos exponencialmente, e os pés descalços pousados no piso começaram a lentamente trocar pesos da perna loucamente.
— Ei, é injusto colocar Mike nessa história, eu não sentia isso por ele.
— Do que está falando?
— Eu não sairia da minha casa em qualquer horário que fosse nem se ele tivesse quebrado a perna numa escadaria — ela levantou uma sobrancelha, falando de um jeito óbvio. — Na verdade, também não acho que ele me chamaria se isso acontecesse. Seria só uma desculpa pra dizer algo pervertido depois e perguntar em seguida “e aí, pode vir me ajudar vestida de enfermeira?” e coisas assim, mas duvido que esse seja o caso que Jungkook usou. O que estou dizendo é que nós éramos amigos, mas todo aquele sexo atrapalhava que fôssemos amigos-amigos. Quando você tem essa dinâmica com alguém, ou os dois não querem nada sério ou as coisas evoluem para além do fogo do tesão, um evento chamado romance.
Os dedos de pararam de percorrer a lateral da embalagem congelada do sorvete, e seu corpo girou para Candice à medida que se tocava do que ela queria dizer.
Ouvir aquilo doeu mais do que esperou, e ela logo invocou aquela versão controlada de si mesma, aquela que espreitava dentro dela na maior parte do tempo.
— Bom, se está avaliando minha situação, você já sabe a resposta — e pegou o sorvete na taça, andando de volta para a sala. Candice bufou, seguindo a amiga logo em seguida.
— Eu sei. E você também. Às vezes, só uma pessoa passa para o romance, — com um suspiro, Candice tomou o antigo lugar de no sofá. Ela a encarava com veemência, fazendo seu expediente em conselhos amorosos que nunca pedia — E quando isso acontece, é normal que as coisas se compliquem e caiam por terra. Se tivesse me contado desde que abriu as pernas pra ele pela primeira vez, eu juraria que essa pessoa seria você, e o mal ainda teria chance de ser cortado pela raiz. Afinal, você nunca me enganou.
pensou em dizer que nunca tentou enganar ninguém, mas entender o que Candice estava dizendo era pior do que tentar se defender. Com uma risada sem humor, ela afastou a pilha de cartões de crédito e de visita sobre a mesa de centro e se sentou em cima da mesma, murmurando:
— Você tá maluca.
— Ai, para, é comigo que você está falando. Às vezes tenho certeza que não me contou essa loucura antes porque eu diria exatamente o que estou dizendo agora: as verdades que você não aceita — a resposta de Candice veio com um suspiro forte, algo que fez concordar com Jungkook quando disse que ela parecia um pouco uma mãe. Não a sua, mas uma mãe — Quando percebeu?
— O quê?
— Que está apaixonada por ele, oras — bufou ela novamente, vendo se retrair inconscientemente — É difícil de imaginar qualquer uma das coisas minimamente fofas que me contou que Jeon Jungkook tenha feito por você, mas acho que aqui está o resultado. Foi no encontro test drive de vocês? Nos presentes? Na comida? Ele dirige o câmbio do carro com uma mão só? Dizem que é bem sexy. Ah, não me diga que foi quando lambeu o…
Argh. Candice, menos! — grunhiu, largando o sorvete e levando as duas mãos para a cabeça. Candice apenas arqueou as duas sobrancelhas. estava encurralada. Pelo jeito, seria forçada a pensar, a refletir sobre uma resposta para dar, uma que colocaria para fora tudo que queria engolir — Está tão na cara assim? Essa porcaria de paixão tá dando pra ver em mim? Porque se for isso, prefiro ficar trancada nessa casa com você pelos próximos meses.
Trincando os dentes, se colocou de pé, e o sorvete já não tinha mais graça. Poderia juntar com leite e transformá-lo em um milk-shake razoável, mas nem isso parecia tão mais legal agora. Nada parecia legal. Não quando se lembrava que estava estupidamente apaixonada e que não conseguia se livrar disso de um dia para o outro.
Seria mais fácil se pudesse acordar amanhã com sentimentos totalmente normais por Jungkook, como trocar a primeira marcha de um carro para a segunda. Corações podiam funcionar dessa forma, assim como cérebros.
Sem perceber, estava encarando o sorvete derretendo dentro da taça, martirizando a si mesma por não ser a porcaria de um carro enquanto ouvia os passos silenciosos de Candice se aproximando de novo.
— Acho que foi quando conversamos no terraço — ela iniciou com um sussurro, como se visse o cenário de estrelas e comidas típicas bem ali, no sorvete derretido — Quando conversamos sobre coisas da vida, sobre o passado, sobre sermos amigos, sobre nós e tudo isso. Ele foi tão sincero sobre ele mesmo, compartilhou coisas que nunca tinha contado pra ninguém. Eu também disse coisas que normalmente não diria para qualquer um. Fez eu vê-lo como… Um cara comum. Sei lá. Só mais um tolo que estava tentando seguir em frente, vivendo a vida… Alguém que eu podia me interessar, que eu podia beijar — levou um tempo muito longo para dizer as sílabas da última frase e, logo menos, expirou forte pelo nariz e puxou o sorvete novamente, marchando para a cozinha e jogando-o na pia — Mas ele não é uma pessoa comum. Eu sou. E diferente de você e Yoongi, não tivemos um início digno de uma história de amor, e não dá pra abandonar algumas coisas do passado.
Candice não disse nada enquanto via arrumar uma bagunça já arrumada na pia, organizando copos e talheres, ao passo em que a loira lutava para colocar o rosto e o nome de Jungkook em situações tão íntimas e especiais para .
— Se deu um chute na bunda dele porque sabia que ele seria um filho da puta no futuro, não vou tirar a sua razão — respondeu, por fim, completamente imperturbável naquela afirmação. Quando o assunto era homens, Candice Chaperman era motivada e metódica, a qual chamava de “muito tradicional” e a própria Candice se considerava “uma fábula moral” — Mas se se permitiu sentir o que sente por ele, nem que fosse por um dia, já me parece abandonar algumas coisas do passado, . Amar alguém é uma das formas de superar aquelas pessoas que ligam em nome do inferno para tirar a sua paz. Elas te impediam de se apaixonar, de viver. Você sempre foi muito difícil de sentir essas coisas.
— Ah. — fez um barulho mínimo enquanto secava as mãos, virando-se para Candice com o lábio retorcido — Nunca me pareceu uma boa ideia. Acho que não levo jeito pra isso.
— Nada disso. Você só precisa mudar o foco. Talvez você devesse sair mais. Conhecer outras pessoas. E — Candice levantou as mãos em rendição assim que o olhar de se tornou repreensivo — não estou dizendo isso pra te forçar a alguma coisa, eu juro. Afinal, quem já se atracou com dois caras mega gatos e famosos desde que chegou aqui foi você, e não eu. Tem ideia de que já atingiu o objetivo de vida de metade da população só desse continente? As pessoas se aventuram com professores e dentistas antes de irem para o inalcançável — não precisou de tempo para limpar a garganta e baixar os olhos, meramente constrangida — Mas talvez você devesse procurar alguém… comum, como você mesma disse. Alguém que compartilhe um pouco da sua rotina.
riu pelo nariz, e desta vez se sentou junto de Candice no sofá.
— Bem, não quero, Candice. Não quero pensar nessas coisas de novo tão cedo, não quero usar alguém como estepe, não quero arriscar…
, para com esse papo de proibição a si mesma sobre sentir algo por alguém. Para de generalizar, isso já tá batido. Não é que você não queira sentir algo por mais ninguém, você não quer é sentir algo pelo Jungkook. Porque se desiludiu com um futuro falido da parte dele, e nem precisamos discutir os detalhes do porquê você deveria mesmo expulsar esses sentimentos — Candice disse, tentando no fundo não parecer tão prepotente, e baixou o tom de voz — Eu entendo que namorar um idol possa ser uma aventura perigosa, e sinceramente não consigo te imaginar no meio dessa selva, mas isso é com ele. Sei que você está sofrendo em silêncio agora, mas existem outros caras, outras histórias e outras experiências que você pode contar e viver por aí. Procure em outros lugares; vá a um maldito clube do livro, conheça um engenheiro, ou puxe papo com o carinha da cafeteria. Coisas desse tipo. Gente comum, , gente que respeita a sua trajetória e pegue o metrô junto com você — ela se interrompeu para sorrir um pouco para o sorriso meramente tristonho de , e passou o braço pelo ombro da amiga para puxá-la para perto e apoiar a cabeça em seu ombro — Sempre desconfiei que aquela gente que se intitula como sua família tinha deixado um legado muito errado dentro de você, mas bem, você nunca tinha me feito o favor de gostar de alguém de verdade pra eu tirar a prova. Pelo menos nisso toda essa loucura com Jungkook serviu. Você não se permite ser amada porque já acredita que ele não vai ser capaz de te amar, e pode estar certa. Mas isso não quer dizer que ninguém vai fazer isso. Pode prometer pra mim que vai tentar pensar?
balançou a cabeça devagar e se deixou ser abraçada por Candice. No meio de todo o caos turbulento que as rodeava, tanto do lado de fora quanto do lado de dentro, em diferentes facetas, as duas estavam absolutamente conscientes que aquele abraço era tudo que precisavam para se sentirem em casa. O abraço que concedia um lar.
raspou o nariz na pele macia dos ombros da amiga e murmurou:
— Não vou tentar puxar papo com o cara da cafeteria.
— Por que não? Ele é tão bonitinho.
— Porque ele tem um namorado! Você nunca percebeu?
— Não. Achei que as unhas pintadas de pink fossem só tendência.
As duas riram demoradamente da situação específica e hilária que seria levando um fora do carinha de pink, e em como isso a faria usar o adormecido cartão de crédito e estremeceria ainda mais seu estado emocional frágil.
Quando Candice foi diminuindo gradativamente os risos, seus dedos se apertaram ainda mais ao redor de e sua voz saiu no topo de sua cabeça:
— Eu te amo, . De verdade. E se alguém que te ama não tem a capacidade de dizer isso, então ela não te merece. Me ouviu?
O sorriso de se esvaiu lentamente enquanto o coração se apertou de forma agonizante pela constatação do fato. Ela achou que não amar ninguém fosse ruim o suficiente, mas talvez amar alguém que era incapaz de amá-la fosse ainda pior.
Por sorte, quando estava do lado de Candice, conhecia pelo menos uma parte da alegria reconfortante da reciprocidade.
— Eu também te amo.

・ ❬📸💔❭ ・


— Você vai continuar fingindo que não está me escutando até quando?
Jimin bufou pela milésima vez. Os braços cruzados na altura do peito já estavam se cansando. Ele conhecia Jungkook há 10 anos, desde que aquele cara era um garotinho que não falava e apenas obedecia, e precisava pontuar os avanços que ele tinha alcançado desde que passara a viver com ele e com os outros, mas quando Jungkook resolvia não falar sobre alguma coisa, ele insuportavelmente não falava!
Do outro lado do estúdio profissional, Jungkook revirou os olhos e se livrou dos fones de ouvido ligados ao amplificador da guitarra.
— Eu realmente não estava te escutando — suspirou quando largou a caneta na mesa ao lado do caderno cheio de anotações. Desta vez, não tinham apenas letras de música, mas cifras de partituras, perfeitamente bagunçadas como de praxe, entendidas apenas por ele — E eu achei que você levasse mais a sério quando a mensagem dizia “estou ocupado”. Não tá vendo que tô tentando trabalhar?
— Você acha que eu sou imbecil? Sei que tá um inferno lá fora com essa história do Yoongi, mas vou ser egoísta por um momento e focar no meu problema que se chama: cláusula 13! — Jimin já estava perto dele, com os dentes trincando e a embalagem de café nas mãos quase no fim. A notícia de que Candice e Yoongi estavam namorando deixava todos tensos e agitados por tabela. Mesmo que tivesse aberto o jogo sobre os dois há menos de 1 semana atrás, Yoongi ainda tentava explicar aos amigos seus motivos do silêncio, como se as coisas entre ele e a loira não fossem simplesmente óbvias para todos aqueles que prestavam um pouco mais de atenção.
No fundo, todos eles nutriam uma certa desconfiança do fato. Porque era assim que funcionava o sistema dos 7: as coisas facilmente eram sentidas antes de contadas.
E quando isso não acontecia, fazia Jimin pensar que existia um buraco entre eles, um buraco em forma de cláusula 13.
— Tá lembrado? Claro que se lembra, desgraçado. Era o único que não estava bêbado ontem.
— Pelo visto, você também não — Jungkook suspirou. Jimin balançou as mãos, agitado.
— Você pediu a cláusula em . , Jungkook! E ainda não me explicou essa história.
— O que eu vou explicar? Você sabe o que significa a cláusula.
— Claro que sei, nós criamos isso há quase 8 anos, precisa que eu repita?
— Não preci-
— “Qualquer acontecimento das partes que envolva carinho exacerbado, ternura contínua, fascínio discrepante, angústia, ansiedade ou reflexões acerca de uma união subsequente, tornando-o assim a exceção à regra do compartilhamento, deve ser informado imediatamente à outra parte, visando assim a paz e a harmonia da amizade.” — ele recitou e balançou a cabeça, como se perguntar aquilo sangrasse em seu coração: — Você ficou com a ?
Jungkook umedeceu os lábios, não estando inteiramente convencido de que Jimin se lembrava de tudo.
— Bem, se pedi a cláusula 13…
— Como?! — o amigo arfou. Os olhos voltavam a esbugalhar na caixa craniana.
JK ergueu uma sobrancelha.
— Você quer detalhes?
— Não! Mas… — e as palavras se perderam porque Park Jimin era apenas mais uma das pessoas que jamais apostariam em um sucesso futuro na relação de Jungkook e , nem mesmo para serem amigos — Tudo bem, posso aceitar que ficou com a , mesmo que seja bizarro, mas a cláusula?! Por isso ficou tão puto quando eu disse que queria ficar com ela?
— Exatamente — A expressão de Jungkook se contorceu automaticamente — E vou saber se você desrespeitar isso, Jimin.
— Mas quantas vezes essa porra aconteceu? — Jimin disse com um passo para o lado, voltando a cruzar os braços para que não gesticulassem alvoroçadamente pelo vento — Só te vi pedindo a cláusula em Ali Dalphin, e vocês namoraram por anos, cacete! Tá apaixonado pela ?
— Não! — A resposta imediata escorreu como veneno pelos dentes de Jungkook. Ele engoliu em seco um momento depois, completando em um sussurro: — Não sei. Não se parece com nada que eu tenha sentido antes. Nos últimos 2 meses…
— Estão se pegando há 2 meses?! — protestou Jimin, desistindo de manter os braços parados — Caralho, você é um louco de merda, JK! Depois de tudo que fez com a garota, ainda teve coragem de ficar com ela?
— Jimin…
— Pior: teve coragem de se apaixonar por ela?!
— Jimin! — Jungkook olhou para a porta semi aberta. As pessoas ainda passavam correndo e a notícia do namoro de Yoongi ainda estava quente e servida na mesa para os piores sites de fofoca. Falar em paixão ou relacionamentos naquele lugar hoje era um pedido de confusão — Primeiro: fala baixo. Segundo: não estou apaixonado desse jeito por ela, não é assim que as coisas funcionam, para de falar merda — ele andou para mais perto do amigo, expirando devagar e mantendo a voz baixa — Olha, não vou conseguir explicar pra você agora os últimos dois meses, mas é diferente e não tô afim de te ver usando seu charminho de quinta categoria pra tentar levá-la pra cama. Duvido que ela cairia na sua, mas é melhor garantir.
Jimin não viu outra opção a não ser rir.
— Ah, mas se ela caiu na sua, deve estar traumatizada demais pra cair na minha mesmo! Fala sério! — ele riu, totalmente inclinado a concordar com Jungkook naquele ponto — Vai demorar para eu conseguir digerir toda essa história. Quem mais sabe disso?
— Você, Yoongi, Candice e minha terapeuta.
Yoongi sabe disso?!
— Bem, contou pra Candice, o que você esperava?
— Mas então vocês dois… Espera, isso ainda tá rolando?
Jungkook voltou a andar para a porta da sala acústica, girando a manivela do vidro temperado e desconectando os fones.
Quando respondeu, aquilo passava pouco de um sussurro:
— Não, a gente terminou.
— Terminaram o quê?
— Terminamos, oras. O que estava acontecendo.
— E o que estava acontecendo? Estavam namorando?
— Claro que não.
— Sexo casual?
— Nã… — parecia algo muito mais complexo do que sexo casual, mas Jungkook não tinha mais alternativas — Tipo isso.
Tipo isso? O que faziam, transavam como selvagens pra descontarem a raiva um do outro?
— Parece que você quer os detalhes.
— É que agora você aguçou a minha curiosidade. Como é transar com alguém que você literalmente queria mandar pra casa do caralho? O ódio deixa as coisas mais gostosas? Porque toda vez que cruzo com a Jeongyeon, tenho vontade de cortar os pulsos e não de tirar a roupa dela — comentou Jimin com uma dúvida genuína no olhar. Uma dúvida que Jungkook certamente escolheria não responder — Ela é safada a que ponto? Sempre quis saber se toparia algo com chicotes ou plugs…
— Cara, cala a boca, sabe que eu não vou te responder nenhuma dessas coisas.
— Mas, JK…
O barulho salvador que interrompeu a insistência de Jimin veio de cima da mesa oposta à dos gravadores, do telefone de Jungkook que estava propositalmente configurado no modo de toque porque havia deixado Bam com Taehyung e ele estava preocupado, de certa forma, com o ciúme de Yeontan pelo dia de babá.
Jungkook andou para pegar o telefone e viu que não era Taehyung. Jimin continuou atrás, ainda esperando uma resposta.
— Porra, não vou te contar — Jungkook respondeu com firmeza. — E para de pensar nela desse jeito. Agora — antes que Jimin protestasse, Jungkook atendeu: — Que foi, Yug?
— Tá com a agenda cheia para amanhã?
— Mais ou…
— Ah, que se foda. Vamos sair pra beber!
Jungkook bufou. Pensou imediatamente em recusar, mas, na verdade, sabia que não teria chance. Yugyeom estava falando daquele jeito de “você não tem escolha.”
— Qual a ocasião?
Ele quase podia ver o sorriso do amigo do outro lado.
— Reunião de velhos amigos.

・ ❬📸💔❭ ・


Depois de quatro horas de Google e um telefonema persuasivo, havia convencido Candice de que ela poderia ir trabalhar e realizar as tarefas do dia sem se preocupar com um doido qualquer escalando a janela de seu quarto e furtando suas roupas íntimas para usar de conteúdo para a mídia.
As notícias estavam lentamente desaparecendo, o furor do possível namoro de Min Yoongi sendo substituído pela exposição de uma guerra no oriente médio e outras questões políticas dentro da própria Coreia, o que deixou um pouco desconfiada, mas Candice não precisava saber disso. Ela estimava a preocupação da amiga sobre Yoongi mais do que a si mesma, mas não queria dizer que ainda era seguro que aparecessem de mãos dadas em público e falassem sobre tudo.
nem sabia se eles iriam falar sobre tudo. Nenhuma nota tinha sido lançada. Seja lá o que Yoongi e seu conglomerado corporativo estavam discutindo, a morte cerebral do irmão do governador parecia ser algo muito mais importante.
No começo daquela semana, as coisas estavam tensas para todos que presenciaram aquela invasão. Fotos tinham sido tiradas, famosos tinham sido flagrados e explicações precisavam ser dadas, mesmo que nenhuma delas tivesse o peso do furo principal. estava preparada para ignorar e repreender quaisquer perguntas invasivas que receberia de qualquer ser humano que sabia que ela dividia a moradia com a loira da revista, e quem se atrevesse a interromper seu trabalho por isso, receberia respostas além de desagradáveis. Mas ninguém seria maluco o suficiente. Muita gente já estava ciente que via Candice Chaperman como uma irmã ou alguém muito próximo da família, e consequentemente isso a tornava sua defensora.
Na manhã ensolarada de segunda-feira, chutou discretamente um par de jeans sujos para debaixo da janela e pegou chaves, bolsa e tudo que precisava para sair e enfrentar a cólera geral quando o telefone tocou em cima da mesinha de centro da sala. A tela trincada do aparelho fazia o som sair de um jeito grogue, mais baixo do que antes. Com a pressa, ela não prestou atenção no número e atendeu:
— Alô?
Eu juro que não pretendia ligar — A voz masculina era irreconhecível no início. parou tudo que estava fazendo, enquanto ele continuou: — Tá meio ultrapassado falar no telefone hoje em dia, mas ainda estou preso em antigas convenções sociais, então oi. Aqui quem fala é o Ji Changmin. O pervertido.
O nome passeou por todas as paredes da mente de , dançando em busca de reconhecimento, permanecendo no ócio do desconhecido. Quem era Ji Changmin? E por que tinha aquele número?
Ah, droga, me desculpe, isso foi um engano? Eu devia saber que aquela garota me passaria o número errado de propósito…
— Ah! — se recordou em um súbito. — Estou aqui. Você é o cara da festa? — perguntou, ainda confusa. Jamais reconheceria a voz dele longe de todo aquele barulho. Jamais reconheceria quando a voz dele estava abafada pela voz de Jeon Jungkook.
Ele estava rindo com gosto do outro lado.
Sim, sou eu. Achei que se eu mandasse mensagens, você com certeza iria ignorar. Apesar de que você pode desligar a qualquer momento, se assim preferir, mas eu gostaria que não fizesse isso — com um suspiro, ele disse em um tom animado: — Eu estou com suas fotos.
umedeceu os lábios e soltou as chaves na mesa.
— Achei que tivesse pedido para apagá-las.
Eu sei. E eu vou. Mas é que é uma pena! Sua amiga me deu o seu cartão e não sei o que pensar por ver que você também é fotógrafa. Estou pronto para te enviá-las por e-mail e sumir com elas da face da Terra da minha máquina, mas você vai ver que será uma pena. Espero que não as apague logo depois também.
Ela ouviu um barulho semelhante a um teclado, e imaginou os dedos dele correndo rápido por algum enquanto segurava o aparelho entre o ombro e o pescoço. Quando um aperto mais forte se sobressaiu, sentiu o celular vibrar em uma notificação.
E então, chegaram?
mordeu o lábio e puxou o laptop de dentro da bolsa já pronta, abrindo-o direto na caixa de entrada e revelando os arquivos enviados por Ji Changmin Photographer.
precisou respirar fundo e desabar na cadeira para olhar aquilo.
Ela não sabia qual câmera ele usava, mas imediatamente ficou curiosa, porque não parecia algo tão antigo, mas os filtros que captou transformaram as imagens em lindas fotos de polaroid que Candice amaria guardar. Changmin tinha, de algum modo, captado em várias situações que ela não fazia ideia: bebendo e rindo com Yoona, mexendo na Sony, olhando para os pés descalços, até mesmo a careta de dor que fazia de vez em quando por causa dos sapatos quando pensou que ninguém estava vendo.
Em outras, ela nem se lembrava do que estava fazendo na hora. Só estava fazendo. E ele tinha visto tudo, lido tudo, como se estivesse de olho nela durante toda a noite, como Yoona tinha mencionado. Mas isso era impossível, porque quem teria interesse nela desse jeito?
No entanto, precisava admitir que as fotos estavam boas. Estavam incríveis. Serviram ligeiramente bem para o propósito de espontaneidade que procurava captar nas pessoas e nem sempre conseguia. Changmin tinha nascido para isso.
— Qual é o grande sacrifício? — ela limpou a garganta antes de perguntar; percebeu que ele estava fazendo pequenos barulhos do outro lado, vendo se ela ainda estava lá — O que tem demais nelas?
Changmin riu com perplexidade, como se tivesse lhe perguntado o que era um panning[1].
Estou começando a acreditar que ninguém nunca te disse o quanto você é bonita — respondeu ele, em tom divertido, e sentiu o rosto mudar de cor levemente — Ah, desculpe, isso não é um flerte, não estou tentando te cantar. Estou falando de um olhar profissional, você entende? A maioria das pessoas nos eventos estão constantemente fazendo poses, imitando sorrisos e se maquiando para o menor dos flashs repentinos. Não conseguem conversar olho no olho sem pensar em quem está vendo, quem está registrando e como está o batom, a postura, o iluminador e as joias. Algumas pensam mais, outras de menos. Você não estava pensando em nada — ele expirou com um certo tom de admiração. — Acho que é uma característica nossa de observador. Mas você poderia facilmente estar do outro lado da lente, nem que seja por engano.
abriu e fechou a boca algumas vezes, encarando as fotos como quem via uma cópia de si mesma, e não ela de verdade. Porque ela não era boa na frente das câmeras, ela não tinha sido selecionada pelo Criador para lidar com isso.
— Eu não acredito que isso não seja um flerte — disse, por fim, fechando o notebook.
Tudo bem. Contanto que não as apague, pode ter minha cabeça presa em cima da sua lareira.
— Isso foi tudo, senhor Ji? Você está certo, falar no telefone tá muito ultrapassado.
Na verdade, considerando sua reação e a minha certeza que você nunca vai salvar o meu número, queria fazer um convite… E uma confissão. Qual você gostaria primeiro?
— Considerando que vou recusar o seu convite, pode fazer a confissão.
Eu vi seu portfólio — ele expirou mais uma vez. franziu o cenho na metade do caminho para a cozinha — Na verdade, também fiz uns photoshoots na JYP e na SM e as letrinhas pequenas do seu nome ficaram bem grandes pra mim quando li. Foi fácil achar sua página no Behance e devo dizer que estou encantado. Já pensou em vender algumas no banco de imagens do Google?
— Como você… — ela piscou os olhos com surpresa. Com espanto — Essa página é antiga.
Antiga? Nem imagino como seja a nova! Estou encantado, . Você é um talento. Se ninguém também nunca te disse isso, vou dizer: sou seu fã. O primeiro, caso ninguém também nunca te disse.
— Você não é o primeiro — grunhiu. Um misto de coisas estavam atingindo-a junto com aquela voz alegre do cara. Seu portfólio pessoal era a única coisa que tinha a mostrar para conseguir um emprego na Coreia, mas não era por isso que gostava quando outras pessoas o viam. Outras pessoas a quem ela não mostrou — E não sei como me sinto com isso, mas…
Não tenho um grande nome pra dizer que deve se sentir lisonjeada, mas de um colega de profissão para outro: você é acima da média. Tem algumas preferências nítidas, como animais migrando no pôr do sol da praia, mas ainda é excelente quando olha para pessoas.
— Ahn… Obrigada? — ela voltou a guardar o computador, e se sentiu mais tranquila para perguntar: — O que você quer?
Me deixe te fazer um convite.
— Eu ainda posso dizer não.
Tudo bem. Tenho uma sessão de fotos pra fazer em uma revista no Hearst Joongang Central hoje às 4, é uma equipe grande, uma grande marca, grande modelo e profissionais bem treinados. Já foi numa sessão de fotos assim?
— Não — Era verdade. havia estacionado no país conseguindo tirar fotos de casamentos e aniversários, mas graças à posição de Candice, tinha conseguido que grandes empresas como a JYP e a SM confiassem um photoshoot pequeno ou outro nas mãos da brasileira. Não eram exatamente grandes marcas ou algo que dava rios de dinheiro, mas era o que ela conhecia. — Photoshoots básicos e sessões de comeback. É o que eu sei sobre pessoas, senhor Ji.
O conceito dessa sessão não é apenas captar a pessoa. Eles vão usar cenários externos, elementos noir e criar uma história poética e marcante. Não é só maquiagem e um cara bonito, apesar de ele ser também — ele deu uma risada divertida. permaneceu em silêncio — E então? Aceita?
— Você quer que eu vá de penetra a uma sessão de fotos?
Ninguém é penetra com nome na lista, senhorita . Já coloquei o seu lá, inclusive. Pensei que você fosse achar interessante.
— Mas… — interrompeu, a hora no relógio de pulso correndo e sua curiosidade martelando — Olha, eu nem te conheço.
Não estou te chamando para me conhecer, estou te chamando para uma reunião de grandes nomes do ramo e uma chance de networking pouco vista na Coreia.
Ela mordeu o lábio com força. Parecia uma tentação, parecia o diabo em forma de gente oferecendo-lhe trufas recheadas que ganhava de Candice, mas não mudava o fato de que era o diabo.
Mesmo que Ji Changmin estivesse vestindo uma linda fantasia de cordeiro.
— Eu tenho um trabalho. Talvez eu não possa ir.
Ela podia ouvi-lo suspirando de derrota.
Tudo bem se não puder. No cartão estava escrito diretora de fotografia, então acho que você é bem ocupada — disse, e voltou a ouvir o teclado, mais devagar dessa vez — Mas se tiver um tempinho vago, é só aparecer. Os equipamentos são grandes e monstruosos. É uma verdadeira exposição do que tem de novo no mercado. Parece que vem pessoas direto de Paris, Grã-Bretanha, Itália e todas as frescuras europeias que puder imaginar. Até mesmo o dono da Kodak, caso tenha conseguido pegar o voo.
A simples ideia de tamanha produção fez o coração de disparar. Parecia algo grande que paparazzis e fotógrafos freelancers não tinham a oportunidade de ir. Algo que transpirava dinheiro, luxúria e elegância, mas também conhecimento e tecnologia. Parecia um lugar em que ela precisava estar.
Ainda assim…
— Não posso te dar uma resposta agora, mas obrigada pelo convite.
Disponha. Se mudar de ideia, seu nome está na lista — ele disse com confiança, e odiou a serenidade e segurança que ele a trazia — Foi um prazer falar com você, . Espero vê-la em breve.

・ ❬📸💔❭ ・


Não é um encontro.
repetia a frase constantemente para si mesma, temendo se esquecer do fato assim que virasse a cabeça para o lado e percebesse a cidade passando pelas janelas do táxi, antecipando as curvas longas e bairros com prédios altos em que estava prestes a se meter.
Eram 3:45. Talvez estivesse em cima da hora. Talvez ela nem pudesse mais entrar. Talvez ele nem tinha mesmo colocado seu nome em uma maldita lista, para início de conversa. Talvez estivesse zombando dela porque quase foi açoitado por seus braços no dia da festa e fosse engraçado se vingar.
E, de qualquer forma, não era um encontro! Por que estava tão preocupada em chegar na hora?
Quando o motorista anunciou a chegada, levou quase um minuto para tirar uma nota da bolsa e entregá-lo para sair do carro. O senhor de meia idade a olhou com cara feia por estar recebendo dinheiro físico, mas o que poderia fazer? Ela era uma mulher que não abria mão de papéis e moedas, seja em qual país que fosse.
Já do lado de fora do automóvel, ela encarou o prédio espelhado de cima a baixo devagar, sentindo o estômago contrair de leve e as mãos ficarem geladas. As demais fachadas do magnífico bairro de Nonhyeon-dong eram refletidas nas placas gigantescas de vidro do monumento, e seu letreiro acima de tudo passava uma imagem de poder absoluto.
Esquire. Um dos maiores nomes da Ásia. Os únicos nomes que não estavam dançando e bebendo na festa de Candice porque tinham um orgulho asfixiante acerca da Vogue e, consequentemente, com as pessoas que trabalhavam nela.
Um lugar onde possivelmente jamais pisaria em dias normais.
Ela olhou para a avenida movimentada do meio da tarde. Ainda dava tempo de caminhar até o meio fio, erguer o dedo e entrar em outro táxi, voltar para casa e fingir que nunca cogitou aquela ideia. Mas a vozinha que a avisava que estava ali, não a deixaria fazer isso. O que de ruim poderia acontecer? Eles não a deixarem entrar? Tudo bem, era só dar as costas e sair pela mesma porta giratória que entrou, prometendo a si mesma que nunca mais acreditaria na palavra de um cara que não conhecia.
Em poucos minutos, já estava lá dentro, sendo engolfada por luzes e pisos claríssimos, recebendo um tsunami de ar gelado direto na pele, sendo observada de leve por seguranças em pontos estratégicos e desviando de mulheres de saltos altos que falavam outras línguas ao telefone enquanto carregavam um tablet e uma sacola de café nos braços.
caminhou até a recepção, vendo que as mulheres ali estavam igualmente maquiadas, arrumadas e lindas, como cópias de atrizes da TV. De repente, se sentiu extremamente desarrumada e inadequada para um prédio como aquele. Quantas pessoas assistiam a uma sessão milionária com jeans de brechó e casacos xadrez? Nem os tênis pertenciam a uma mísera parcela da alta sociedade.
Pelo menos, as unhas pintadas da festa de Candice ainda estavam ali, carregando toda a responsabilidade de causarem uma boa impressão.
Antes que se aproximasse do primeiro balcão, a garota da frente já estava sorrindo para ela:
— Posso ajudar?
Ela limpou a garganta, torcendo os dedos da mão à frente do corpo e tentou:
— É… Vim para a sessão de fotos da capa. Acho que está marcado para 4 horas.
verificou o relógio por puro nervosismo. O sorriso congelado da recepcionista demonstrou intensa simpatia, mas não a fez checar o horário.
— Você faz parte da equipe? — balançou a cabeça em negação — Faz parte dos patrocinadores? — Também não. A garota começarou a ficar encabulada — Está com alguém?
— Parece que sim. O nome dele é…
— Senhor Keller! — A funcionária repentinamente mudou a postura e o sorriso, que se alargou tanto que mostrou todos os seus dentes, assim como iluminou ainda mais o rosto com a visão direta do sujeito. precisou chegar para o lado quando o homem se instalou à frente do balcão, exalando um perfume forte e muito caro — Estávamos esperando o senhor.
— Eu sei, assim como eu estava esperando o palerma do motorista me pegar no hotel certo. O serviço de carros particulares desse país precisa imitar um pouco o da China, que eles não saibam disso — a voz arrastada dele era acompanhada por braços agitados que moviam bolsas de um ombro a outro até que ele conseguisse tirar um cartão de uma delas — Aqui está, o que precisavam para o coquetel das 7. Nem acredito que o esqueci em um lugar tão estúpido. Onde está o meu cliente?
— Ele chegou faz 1 hora. Disse que teve problemas com o trânsito também. Achei que estariam juntos.
Humpf. Ele bem que queria estar sozinho — o homem torceu o nariz enquanto a garota digitava coisas no teclado baixo e não parava de sorrir por nenhum minuto — Mas se visse o quanto a Esquire ofereceu de diferença da concorrência, ele até sorriria com mais vontade para a câmera. O concierge da Prada já chegou?
— Sim, senhor, toda a equipe da marca já está a postos.
Prada?!
precisou morder a língua. Bem, Changmin tinha dito uma grande marca, e nisso não estava mentindo.
— Muito bem, obrigado — ele deu um pequeno aceno com a cabeça e se virou para o outro lado. notou o quanto seu coreano era excelente e seus olhos tão azuis. Olhou demais para dentro deles e viu o cumprimento ligeiro do homem em sua direção, fazendo-a balançar a cabeça da mesma forma grogue. Quando ele se afastou, o seguiu com os olhos até ser tirada da atenção pela voz anterior.
— Me desculpe, senhorita. O que você estava dizendo?
voltou para ela, sentindo a garganta mais seca do que concreto, o estômago mais revirado, com medo de repente de que as coisas se tornassem reais e que ela se enfiasse em um cubículo com outros Sr. Keller, todos com perfumes caros e jóias enquanto ela parecia exalar apenas pó e sujeira.
— Eu fui convidada pelo fotógrafo — começou ela, um pouco nervosa — Ji Changmin o nome dele.
O sorriso da recepcionista mudou instantaneamente. Passou de um convidativo para um totalmente lascivo, onde uma sobrancelha teimosa foi jogada para cima em um piscar de olhos antes de ser abaixada de novo.
— Ah… O senhor Ji. Que honra — ela prontamente se tornou ainda mais solícita e puxou um crachá para cima do balcão — Ele quase nunca convida ninguém. Pode me dizer o seu nome, por favor?
. . Ele disse que tem uma lis…
— Ah, está aqui mesmo — a mulher olhou para a tela do computador, e em seguida apertou alguns botões até uma máquina de impressão fazer barulho em algum lugar embaixo do balcão. Com movimentos rápidos, ela puxou o adesivo e o colou na área branca do crachá — Aqui está. A sessão está acontecendo na cobertura. Vou avisar ao senhor Ji que você chegou.
precisou levar um tempo para se situar na situação. Olhou a forma como a mulher ainda sorria, viu quando ela falou ao telefone com o aparentemente honroso senhor Ji e como sorriu mais ainda quando ele deve ter lhe falado alguma gracinha que a deixou com as bochechas coradas. E claro, olhou para o crachá e viu seu nome estampado, acima de palavrinhas pequenas escritas “visitante especial” e quase engasgou com a veracidade da coisa.
O “senhor Ji” realmente existia e realmente tinha colocado seu nome na lista.
— Ele está te esperando lá mesmo. Aproveite o coquetel.
Coquetel?!
não perguntou. Nem sabia se seria capaz. Apenas pegou o crachá em cima do balcão e respondeu, meio trêmula:
— Obrigada.
Engolindo em seco, andou para onde as placas apontavam para os elevadores e apertou o crachá entre as mãos. Ainda podia ser uma pegadinha. Ainda podia ser algo menos do que estava pensando. Ainda era mais seguro colocar aquela coisa no pescoço quando realmente visse o lugar.
Quando chegou, as portas duplas do elevador estavam prestes a se fechar. Com um ímpeto de ansiedade, correu para elas, erguendo os braços para que se mantivessem abertas, encontrando outro que o segurava, avistando a garota antes que ela o visse.
entrou apressada para dentro, murmurando um pequeno agradecimento ao mesmo homem que estava parado na recepção há dois minutos atrás. Estranhou o fato de que ele só estivesse pegando o elevador agora, o que a deixou a impressão terrível de quantos andares aquela coisa devia ter.
— São muitos andares, não é? — disse ele, como se lesse seus pensamentos — Fico com medo algumas vezes, mesmo já tendo visitado o Burj Khalifa e a Torre de Xangai.
ajeitou uma mecha do cabelo, tentando sorrir educadamente.
— Sim, é bem alto. E devagar. Dá a impressão que a queda vai ser mais rápida que o normal.
Ela riu pelo nariz por um segundo até se virar com o rosto alarmado para o homem.
— Ah, desculpe, não quis…
A risada dele preencheu o cubículo. percebeu que ele tinha pequenos pés de galinha estampando o canto dos olhos, e que devia ser mais velho do que aparentava.
— Tudo bem, gosto desse tipo de senso de humor peculiar que não tem intenção de confortar as pessoas. Não sei fazê-lo, é claro, mas gosto — e de repente, ele virou o rosto para ela e disse em um inglês fluente: — Devo perguntar o que a possível conterrânea faz por aqui?
— Sou do Brasil — respondeu, igualmente em inglês. — Moro aqui há 6 meses.
— Trabalho?
— Também. Faço pós graduação na Universidade de Seul.
— Hum… — ele olhou para o crachá apertado nas mãos dela. logo seguiu seu olhar e se empertigou para colocá-lo, pensando debilmente que ele poderia denunciá-la por invasão caso desconfiasse de algo — Fotógrafa?
Ele pareceu achar graça do comportamento afoito da garota. balançou a cabeça em concordância, confusa com aquela suposição, já que seu crachá tinha apenas “visitante especial”.
— Fotógrafa. Freelancer.
— Que interessante. É um serviço muito importante no ramo do entretenimento desse continente.
— Creio que de todos os outros, senhor.
— Ah, por favor, são só 43 anos, me chame de Gregory — ele estendeu a mão, que apertou com apreço. — Então… . O pop e o k-pop são dois gêneros que não podem ser comparados, pelo menos na parte visual. Não há nada do outro lado do mundo como o que existe aqui, nas batidas, nas cores vivas, na maquiagem e nos conceitos próprios. Conceitos que pessoas como você ajudam a montar, muito mais do que o roteiro embasado dos diretores executivos — Gregory pontuou com igual simpatia. se sentiu de repente inspirada a ouvi-lo falar mais, mesmo que o elevador ainda continuasse subindo. — E é por isso que os idols são, sim, um negócio lucrativo e futurístico quando existe uma boa gestão. Digo isso aos meus companheiros e a todos os meus clientes.
— Ah. Seu cliente também é idol?
— E quem neste país não quer ser? — ele deu um sorriso brilhante na mesma hora em que a porta dupla apitou, avisando da chegada ao andar. Gregory pareceu ter levado um susto repentino, virando-se para rapidamente enquanto a porta ainda não fechava — Bem. Foi um prazer conhecê-la, senhorita . Te vejo no coquetel?
Ele não esperou uma resposta e tampouco estava saindo na cobertura, onde aparentemente era o lugar certo das fotos. voltou a ficar parada, pensando em que diabos de coquetel era aquele quando, baixando os olhos para apertar o botão novamente, viu o brilho em prata e laranja reluzindo no piso branco de mármore do elevador, enxergando o mesmo cartão que o homem tinha passado anteriormente na recepção.
— Ei! — gritou ao mesmo tempo que se abaixou para pegá-lo — Ei, Gregory…
Mas as costas do homem já estavam muito longe, sumindo por entre a fenda das ombreiras metálicas que se fechavam mais rápido do que subiam.

・ ❬📸💔❭ ・


chegou à conclusão que queria vomitar.
No seu estômago, um circo de chicotes e bombinhas e monstrinhos faziam piruetas e raves à medida que ela se via no topo do mundo, em um set completamente equipado, lotado de pessoas correndo pra lá e pra cá, com gritos sobrepondo-se em cada parede, araras de roupas, café, pães, bolos, fundos brancos e verdes e muitas spotlights espalhadas.
Parecia o caos de backstage aos quais ela estava acostumada desde que chegou, mas aquele tinha algo diferente. Parecia mais fervoroso. Mais mecânico, de certa forma, como se as pessoas se recusassem a se desesperar porque o que tinha de dar errado, certamente já tinha dado.
Aparentemente, ninguém notou quando ela entrou. As vozes gerais estavam concentradas em seu próprio trabalho, ou em conversas paralelas que certamente também eram sobre o trabalho. enxergou dezenas de estrangeiros, e ouviu francês, italiano, inglês, até mesmo um pouco de japonês, uma voz passando por cima da outra, até que finalmente escutasse o timbre recentemente familiar:
! — ela se virou na mesma hora em que Changmin se aproximava, com uma pequena horda de staffs atrás dele, sendo completamente ignorados — Você está mesmo aqui. Fico muito feliz que conseguiu chegar sem se perder. Tudo bem?
olhou para ele com um pouco de apreensão, mas balançou a cabeça em concordância, olhando sutilmente para as cabeças atrás dele, que aguardavam alguma coisa de Changmin.
— Eu sabia que você iria aparecer. Eu sinto essas coisas, sabe? A sua voz no telefone não estava tão firme assim, você é bem transparente, caso alguém ainda não tenha falado — ele riu, e parecia totalmente feliz e alheio ao que acontecia atrás. deu um sorriso de canto para mostrar que estava escutando mas olhou para além de seus ombros de novo, na direção dos funcionários batendo os pés de ansiedade. Changmin finalmente pareceu entender a pendência e bufou com tédio ao se virar — Caramba, vocês…
E então não conseguiu entender uma palavra do que ele disse porque de repente, o rapaz tinha firmado a postura e iniciado um diálogo rápido e intenso em um francês perfeito e eloquente.
Seja lá o que tenha dito, fez todos os empregados assentirem e se dispersarem como soldados. Ele se virou para novamente, com o mesmo sorriso divertido, destoando completamente da expressão séria e firme de um segundo atrás.
— Então, onde estávamos? Ah, elas te deram um crachá — ele apontou para o retângulo de papel que batia no peito de , parecendo ainda mais animado — Que bom, que bom, não se esqueça de mostrá-lo na hora do coquetel. Você quer conhecer o espaço?
— Coquetel? — finalmente ela se viu com coragem de perguntar, porque agora a palavra parecia ainda mais real — Que coquetel? Você não falou nada de coquetel.
— Não falei? — Changmin franziu o cenho levemente, mas logo sorriu de novo — Ah, verdade, me esqueci. Não é algo tão importante assim, se quer saber. O mais importante é o que vai acontecer aqui. E bom, se você estava prestes a recusar a sessão, que dirá o coquetel.
Ele riu, como se fosse uma piada o fato de haver um coquetel, enquanto continuava estática, com a boca entreaberta de pânico e sentindo o intestino delgado subir para o pescoço.
— Mas… Eu não… — ela olhou rapidamente para as roupas, e suspirou forte pelo nariz — Não vim adequada para um coquetel.
Changmin desatou a olhar pelo corpo da garota, e talvez em um milésimo de segundo, tenha deixado uma faísca perspicaz de malícia escapar de seus olhos.
— Ah… Você parece ótima pra mim. Não precisa esquentar com essas coisas, é só um coquetel idiota, não um jantar com o Presidente da República.
— Mas…
Iniziamo tra 20 minuti!, um grito estrondoso perpassou por todas as pessoas, vindas de uma mulher loira do outro lado, que fez os passos já rápidos aumentarem para a velocidade da luz. Changmin olhou para o relógio e logo passou um braço folgado pelo ombro de .
— A sessão vai começar em 20 minutos. Vamos.
— Vamos para onde? — ela perguntou quando viu que estavam seguindo para o oposto do cenário.
— Temos que fazer algumas imagens de bastidores antes da sessão oficial. Parece que o canal da empresa do artista quer fazer um tipo de daily reminder ou coisa assim. Inclusive, não te disse que ele é idol?
— Não, mas já soube — ela respondeu quando curvaram em um corredor, que descia levemente para outro, este sem nenhuma janela e com várias portas ladeando as paredes.
— Jura? Quem te contou? Conhece alguma música dele?
— Não, eu não sei quem…
— Ah, isso é uma pena, seria bom se você pudesse me ajudar com essa coisa de colocar músicas em vídeos. Eu sou péssimo com essa coisa de idols, morei fora boa parte da minha vida e ainda preciso escutar que preciso saber dessas coisas por ser coreano. Bizarro — ele estalou a língua e continuou andando, agora mais rápido, para uma porta específica do meio do corredor que estava semi aberta — Inclusive, que tipo de música você gosta? Não me diga que virou diretora de fotografia porque queria conhecer um deles.
— Ah, definitivamente não — balançou a cabeça, tentando não deixar tão evidente que já estava um pouco saturada de conhecer idols — Mas eu…
— Ele está saindo — Changmin puxou a câmera pendurada no pescoço, movendo os dedos pela lente com inteligência e destreza, sem nenhum sinal de afoitamento. reparou na máquina na mesma hora, vendo que não fazia ideia de qual era. Era algum lançamento estrangeiro? O último modelo da Olympus? Foi com essa que fez as fotos dela?
Sem ter tempo pra isso, viu a porta agora abrir quase totalmente, e várias vozes se ajuntando e se entrelaçando, saindo uma por uma da saleta enquanto davam ordens e seguravam bolsas de maquiagem.
— O que eu faço? — perguntou, automaticamente saindo do centro do corredor e andando rente à parede. O passadiço era estreito e pareciam haver muitas pessoas saindo de lá; a última coisa que queria era ser a visitante especial que atrapalhava o trabalho dos outros.
Changmin agora parecia mais concentrado, e respondeu sem olhar para ela:
— Só observe, gata.
Quando se aproximaram de vez, a porta tinha sido quase completamente aberta, e prontamente passou para o outro lado da entrada, o lado em que as pessoas não passariam, um pouco atrás da porta aberta que, percebeu tardiamente, e desconcertadamente, tinha um nome gravado nela.
leu o nome romanizado por um lapso na placa grudada na madeira antes que terminassem de puxá-la de vez.
Um lapso. Um fantasma. Um delírio.
E quando a abertura se mexeu e o homem envolto por mais 6 assistentes saiu da sala, o nome se materializou na pessoa. A última que esperava ver.
A que ainda tinha a cabeça abaixada para que alguém ajustasse a maquiagem nas bochechas.
A que levou apenas 45 segundos para erguer os olhos e vê-la na outra parede.
— Ei, Jaehyun! — Changmin se colocou à frente do rapaz, abrindo o mesmo sorriso convidativo enquanto erguia a câmera — Pode sorrir um pouco pra mim, por favor?

[1]: Na fotografia, panning é um efeito óptico executado por uma câmera fotográfica onde se transmite a sensação de movimento. Como resultado, o foco da imagem aparece nítido enquanto o fundo em desfoque parece estar “se movendo”.


Interlude I

🎵 Ouça aqui:
Arabella - Arctic Monkeys

“Ela tem um maiô prata Barbarella
E quando ela precisa se proteger da realidade
Ela mergulha em meus devaneios
﹝...﹞
Meus dias terminam melhor quando esse pôr do sol fica atrás
Da senhorita sentada no lado do passageiro
É muito menos pitoresco sem ela capturando a luz
O horizonte tenta, mas não é tão agradável aos olhos
Como Arabella, oh
﹝...﹞
Arabella tem uma cabeça dos anos 70
Mas ela é uma amante moderna
É uma exploração, ela é feita do espaço sideral
E os seus lábios são como a beira da galáxia
E seu beijo, a cor de uma constelação se encaixando.”

Paris
França
3 anos antes
Jungkook imaginou seus dedos pousando no rosto dela desde a primeira vez que a viu.
Não era um pensamento nada comum, considerando sua total indiferença para mulheres que nunca tinha visto na vida. Ele passava por garotas bonitas todos os dias, em várias localidades, em diversas situações diferentes. Só naquele bar que estava sentado com Jimin no momento, enxergava uma tonelada delas por metro quadrado apenas com uma virada de cabeça.
Mas nenhuma delas o atingiu com tanta força quanto o cabelo dourado que tomava um mojito no balcão, aproveitando a própria companhia, puxando a taça para cima e devolvendo-a logo depois para a superfície de pedra rústica, parecendo ponderar se o dinheiro gasto naquilo realmente estava valendo a pena.
Uma mulher que tinha saído para beber, pelo gosto de beber, e não para chamar a atenção em um vestido verde de seda elegante – apesar de que estava chamando.
Ela era delirantemente bonita. Antes que a caneca de chopp com gelo pousasse na mesa dele e Jimin reclamasse que estava falando sozinho, Jungkook já queria beijá-la.
E Jeon Jungkook não beijava ninguém.
Por meia respiração, ela pareceu virar a cabeça em sua direção, para depois voltar a olhar o resto do pub, carregando uma expressão entediada. Não dava para sequer imaginar o que ela estaria esperando. Mais pessoas? Uma companhia? Uma bebida melhor? Alguma briga de bar?
— Ei, cara! — Jimin tocou seu pulso, chamando sua atenção. Jungkook se virou para o amigo, tentando reconfigurar os pensamentos — Responde logo: dry martini ou a boa e velha Heineken?
— Não faço ideia. Não queria comer? — Jungkook juntou as sobrancelhas. Jimin revirou os olhos.
— Ninguém parece estar comendo por aqui.
— Você disse que eu precisava dar comida pra você.
— Por ter rasgado a minha camiseta favorita, sim. Mas saca só pra esse lugar. Por acaso tá vendo alguém pedindo hambúrguer com batata frita?
Jungkook revirou os olhos e não disse nada. A ideia de comer também o agradava, e apenas por aquele motivo tinha cedido à chantagem de Jimin e saído para as ruas de uma Paris em pleno inverno, agasalhado até os ossos não apenas por causa do clima, mas por uma finalidade ainda mais urgente: Kim Namjoon e sua ordem explícita sobre estarem terminantemente proibidos de saírem naquela noite.
Felizmente, a palavra proibido nunca fez sentido nenhum para aqueles dois.
Com máscaras e bonés a postos, foi apenas o tempo do líder desaparecer pelo quarto de hotel minúsculo e fechar a porta para que Jimin e Jungkook sinalizassem para o primeiro táxi amarelo na avenida gelada.
Em compensação, agora Jungkook tinha em mãos, na famosa Nikon Coolpix 4K, uma boa história para contar e mais material para o Golden Closet.
E ali, perfeitamente acomodado e aquecido debaixo daquelas luzes amarelas do pub qualquer, ele raspava os dedos sobre a câmera em cima da mesa, inclinando o olhar novamente na mesma direção das banquetas altas ocupadas pela mulher, como se estivesse se controlando para não registrá-la também. Só para que não esquecesse que algum dia a viu.
Um guincho inumano foi emitido da garganta de Jimin, chamando a atenção para si novamente, agora parecendo um pouco mais aborrecido.
— Caralho, você ouviu alguma coisa que eu disse? Mas que porra…
A cabeça do amigo se virou na direção que sugava os olhos de Jungkook. E as coisas instantaneamente ficaram mais claras.
— Ah. — Jimin comentou, voltando a olhá-lo agora com um sorriso cheio de malícia — Que grande clichê, JK.
— O quê?
— A gata bebendo sozinha. Você em uma noite de folga. Estão tocando Arabella no volume mínimo. Essa porra de lugar é tão mal iluminado que não me surpreenderia se estivessem escondendo um corpo embaixo daquela mesa de sinuca — Jimin esboçou uma careta rápida, e logo estava sorrindo de novo — Obviamente, tudo indica que você deve ir falar com ela.
— Não, de jeito nenhum — disse Jungkook, rindo com escárnio. As sobrancelhas de Jimin se arquearam até a testa — Quer que eu abra o Google Tradutor no meu telefone e tente flertar com uma mulher daquelas? Vou parecer um idiota.
— O idioma não pareceu ser um problema pra você por todos esses anos. Se as pessoas soubessem o que você fez no Chile…
— O Chile fez comigo, você quer dizer. E eu estava bêbado, já é motivo o suficiente para não citarmos essa merda. Pagar de idiota estando sóbrio não é minha praia.
— Não precisa ficar tão arredio, você e Chayoung tinham acabado…
— Jesus Cristo, lá vem você de novo — Jungkook suspirou forte pelo nariz, puxando o cardápio das mãos de Jimin, já que inevitavelmente iriam acabar ficando por ali — Pode me poupar dessa sua fixação com a Chayoung? Sei que você ficou com ela depois que terminamos.
Os olhos de Jimin se estreitaram em choque ao mesmo tempo em que ajeitou a postura no sofá.
— Ei, ela disse que estava sofrendo. E ninguém deveria sofrer com aqueles peitos — parecia um argumento muito válido. Jungkook apenas levantou uma sobrancelha, segurando-se para não rir. — Mas essa não é a questão, seu idiota. Só estou dizendo que aquela garota te jogou uma maldição da pesada e você ainda duvida.
— Seria mais fácil eu acreditar no Papai Noel. Não tem um garçom por aqui?
— Ela tem o seu boneco de vodu. É sério, ele fica em uma caminha e tudo, nem sei como você ainda está com as duas bolas — Park puxou o cardápio aberto das mãos de Jungkook, aproximando a cabeça para o meio da mesa para murmurar: — E você vai pedir as nossas bebidas. Lá no balcão.
O rapaz olhou novamente na direção do bar. A mulher permanecia sozinha, agora deslizando os polegares na borda de uma nova taça, cheia de um líquido vermelho sangue. Ainda tinha a cabeça baixa e não parecia interessada em conversar com ninguém, nem mesmo quando o barman tinha tentado a sorte por um minuto.
Racionalmente, aquele tipo de cenário não deveria ter nada de novo para Jeon Jungkook. Ele era um jovem de 21 anos que ficava mais famoso a cada dia. Estava rodando o mundo em uma turnê de sucesso absoluto, arrastando multidões ensandecidas e cada vez mais títulos nas costas. Logicamente, precisava apenas de um sorriso e poucas palavras para ter uma mulher linda em sua cama, quantas mulheres quisesse, todas com perfumes doces e bolsas de couro de aparência bastante cara, assim como ele mesmo aparentava ser um produto de alto valor.
Aquela loira não era diferente de nenhuma outra loira que já tinha se enroscado com ele por aí, mas ao mesmo tempo, ela era diferente. E não tinha a ver com os parafusos de bronze lustrosos e raros que detalhavam aquela bolsa de couro em questão.
A diferença maior estava no incoerente formigamento que aumentava em seu estômago. Como se somente a ideia de se aproximar dela fosse como vender a alma ao diabo.
— Eu acho que vi um garçom…
— JK! — Jimin bufou mais uma vez, apontando para a loira discretamente — Vai buscar nossas bebidas. E, caso tenha coragem, fale com a garota. Prometo não filmar caso ela te dê um fora.
Jungkook ergueu o dedo do meio ao mesmo tempo em que a mirava de novo. Ela com certeza o diria não. Para qualquer coisa, até mesmo se ele usasse a clássica “posso te pagar uma bebida?”
Patético. Muito patético.
No entanto, já tinha fugido do hotel, ido à loja da Dior para não levar nada, filmado Jimin correndo atrás de pombos na Praça da Concórdia e sentido tanto frio que prejudicara a circulação dos dedos. O que mais uma humilhação poderia fazer?
Respirando fundo, Jungkook semicerrou os olhos na direção de Jimin até se levantar e começar a caminhar na direção do balcão, propositalmente posicionado na frente de uma janela que ia do chão ao teto, margeando o Sena de um modo muito conveniente.
Ele diminuiu os passos à medida que ia chegando mais perto até finalmente parar e apoiar as mãos no tampo, esperando a atenção que o barman estava cedendo à outro cliente do outro lado. Um homem igualmente sozinho, e igualmente bem vestido como ela, usando terno corte inglês como se ainda estivesse sentado na mesa do escritório com papéis espalhados, na qual deve ter ficado o dia inteiro.
Se tivesse a chance, ele poderia ser o cara que a oferecia uma bebida.
Jungkook esperou 2 minutos para que o barman notasse sua presença. Nada de olhares da parte dela.
— Boa noite, o que vai levar?
O homem falou em um inglês perfeito, o que o deixou aliviado. Limpando a garganta, Jungkook bagunçou um pouco o cabelo automaticamente, já começando a se sentir um pouco idiota.
— Hmm… Vou querer dois dry martini.
Imediatamente, o barman fez uma careta.
— Estamos em falta de vermute seco. Por mais absurdo que isso pareça.
Jungkook ouviu uma pequena risadinha vir da banqueta ao lado. Pelo canto do olho, ele conseguiu captar um sorrisinho tão rápido e tão sagaz que pareceu imaginário.
— Tudo bem, então… E o rum?
O homem balançou a cabeça negativamente.
A mulher riu de novo. Jungkook agora virou mais do que a metade do rosto. Por que parecia que ela estava zombando dele? Existia um código interno naquele maldito bar que ele não estava sabendo seguir?
O rapaz suspirou, e passou uma língua rápida no lábio inferior para dizer:
— Então quero o mesmo que o dela.
Ele nem a olhou quando disse, ainda que soubesse que seu tom de voz gerou uma atenção instantânea da mulher. Talvez ela realmente quisesse isso: um pouco de atenção.
E com o sorriso grande que recebeu do barman, Jungkook pensou que ele também só estava esperando isso. Que tinha algo combinado ali. Que, se fosse maluco o suficiente para passar para o outro lado daquele balcão, encontraria todos os itens que aparentemente estavam faltando naquela noite.
— Duas sangrias, senhor?
Jungkook puxou um banco e assentiu.
— Pode trazer três.
Com um olhar rápido para a loira, o barman assentiu e deu as costas para iniciar o serviço.
Jungkook se acomodou no assento, levando-o para mais perto dela propositalmente, ainda que a postura permanecesse longe de qualquer intenção. A mulher mexeu nas rodelas de laranja desidratadas no fundo da taça, movendo o líquido pra lá e pra cá como se não estivesse vendo-o de verdade, e agora não parecia mais tão naturalmente desinteressada como antes. Talvez Jungkook estivesse certo sobre suas suposições.
— Ele é seu amigo ou algo mais?
Jungkook ouviu a voz melodiosa em câmera lenta. Ele a desejou perto do tímpano desde o primeiro segundo.
Seus ombros viraram-se para ela, e toparam com olhos tão verdes quanto o próprio vestido que ela usava.
— Quem?
— Seu amigo curioso na mesa. É seu amigo ou namorado?
Jungkook riu sarcasticamente pelo nariz. A primeira taça de líquido escarlate foi depositada na bancada.
— Ele é meu irmão — respondeu com uma ênfase divertida. Não era a primeira pessoa que julgava que ele e Jimin fossem um casal.
A mulher sorriu com satisfação, ou o que quer que tenha despertado um brilho incandescente naqueles olhos verdes. Verdes, como a música do Børns. Verdes como dinheiro americano[1].
— Como eu imaginei. Acho que se fosse seu namorado, você não olharia tanto pra mim.
— Sabia que eu estava olhando pra você?
— Desde que passou pela porta.
Jungkook tamborilou os dedos na faceta de pedra, agora incapaz de desviar o olhar. Talvez o fato de ela ter sido tão direta primeiro tenha roubado suas próximas palavras.
— Então devo julgar que você também estava olhando pra mim?
— De uma forma mais inteligente que você, sim.
Erguendo a taça vermelha, a loira bebeu até o último gole do que restava. Jungkook prendeu a respiração por um momento, tentando não pensar nos lábios dela e sim no que tinha dito.
A forma com que ela o fitava, ali, era intensa e cheia de provocação. Ao mesmo tempo, parecia ansiosa, louca para que ele desviasse os olhos para que ela pudesse fazer o mesmo.
Não tinha como essa mulher tê-lo olhado por mais de 2 segundos. Mesmo que ele estivesse ali há menos de 1 hora, teria percebido alguma coisa.
A não ser que…
— Vou correr o risco de parecer um babaca arrogante agora, mas… Sabe quem eu sou? — O rapaz perguntou com apreensão. A mulher abriu um sorriso, e esse sim era arrogante.
— E você sabe quem eu sou?
— Sinceramente, não. Só sei que é a mulher mais linda que eu vi desde que cheguei na cidade.
O barman depositou a próxima taça enquanto ela deu uma rápida verificada na boca entreaberta do sujeito.
— Há quanto tempo está aqui?
— Menos de 48h.
— E teve tempo de ver muitas mulheres?
— Vi o bastante. Essa é sua — Jungkook deslizou a terceira taça pelo tampo em sua direção. Ela riu pelo nariz e olhou da cortesia para ele.
— Isso é um clichê total — disse ela, resmungando algo em um francês excelente logo depois.
Jungkook deu de ombros levemente, puxando a sua própria taça.
— É só uma bebida.
— Posso pagar pela minha própria bebida, lindinho.
— É só me pagar outra de volta.
Malícia tomou seus olhos e boca. A loira, seja lá quem fosse, já estava começando a achá-lo interessante demais. O mais interessante naquela escuridão tediosa no rio Sena.
— Você tem idade para um Everclear? — Ela bebeu um gole da nova sangria. Jungkook passou uma língua no lábio pela bebida amargamente doce.
— Tenho idade o suficiente.
Clichê — respondeu ela, com o sotaque avantajado. Logo depois, virou-se para o barman, que tentava inútilmente disfarçar a torcida interna pela dupla e pediu dois Everclear — Devo perguntar o seu nome antes que comecemos com esse joguinho de retribuição de bebidas?
— Talvez você não entenda o meu nome.
— Passei um tempo na Tailândia. Não há nada mais incompreensível do que os nomes de lá.
Jungkook hesitou. Percebeu que os ombros dela, antes erguidos e seguramente afastados, começavam a lentamente se inclinar para o meio deles, e que se ele apenas jogasse as pernas para o lado, tocaria nos joelhos dela. Vários outros movimentos poderiam ser feitos depois para que chegassem enfim em um quarto de hotel, e ele iria embora antes do sol nascer porque é assim que as coisas funcionavam com ele, era assim que levava seus muitos prazeres pontuais de forma tranquila.
Mas aqueles olhos verdes eram lindos e queriam jogar, e ele percebeu que sim, estava disposto a abrir uma brecha de tempo para ela, e várias outras exceções que não faziam parte do pacote, exceções que envolviam aquela boca.
— Meu nome é Jungkook.
A mulher alargou o sorriso por trás da bebida.
— É um prazer, Jungkook. Eu sou a Ali — o nome saiu de seus lábios e se fixou em algum lugar do peito de Jungkook. Um segundo depois, ela desviou os olhos para além de seus ombros, na direção da porta e disse: — E parece que seu irmão acabou de dar o fora.

Seul
Coreia do Sul
3 anos depois


Em algum momento daquele março, Jungkook não sabia se era dia ou se era noite.
As paredes de cor bege refletiam alguma luz aleatória do ambiente, seja do sol lá fora ou da luminária grande instalada na pequena cozinha, e talvez ele estivesse naquele limbo de frio e calor como só a primavera proporcionava, e grande parte dos ruídos de fora não passavam disso: ruídos. Estrépitos insistentes facilmente esquecidos, percebidos mas não internalizados.
O peito dele subia e descia devagar, e todas as demais coisas pareciam lentas, grogues, desfocadas como uma falha na Matrix. Até mesmo o oxigênio parecia mais espesso, difundindo-se pelo ar como vento sólido.
— Mas que merda é essa que você me deu? — Jungkook disse para o vazio. Ele via o teto, mas a estrutura parecia estar se deslocando, se desfazendo, como se a casa estivesse girando e girando e girando.
Nem sabia se estava em uma casa. Nem sabia se seu corpo estava de pé ou deitado. Só sabia que estava nu, com uma ereção semi desperta e sem nenhuma reserva de energia para uso. O teto exibia detalhes em listras pretas e brancas, e Jungkook precisava que elas parassem de rodar e dançar, ainda que isso fosse muito engraçado.
A segunda risadinha no ambiente ecoou em seus ouvidos. Pernas longas e finas se enroscaram nas suas e o característico perfume doce se achegou na curva de seu pescoço, onde a língua dela fez uma volta completa no lóbulo de sua orelha e atiçou seu tesão quase em repouso.
Ao virar a cabeça para beijá-la, viu que sua expressão era enigmática. Ou talvez também estivesse distorcendo isso, junto com todas as outras coisas da sala.
— O que foi? — ele franziu o cenho, tentando levantar os braços para tocá-la. Eles não o obedeciam.
Ali piscou os olhos por um momento e beijou a ponta de seu ombro.
— Foi muito corajoso da sua parte tomar junto comigo.
— Você não me disse o que era — ele atropelou as palavras, o que o fez rir. Ali apoiou o tronco no cotovelo, encarando-o mais de perto.
— Não disse e mesmo assim você aceitou.
— Porque você disse que era divertido.
— E você acredita em tudo que eu digo?
— É claro que sim.
Ali achava que não; o lance de Jungkook não se tratava meramente de acreditar no que ela dizia, mas sim de confiar. Ele confiava até os ossos na garota, cegamente, ainda que ela mesma não tivesse toda essa segurança. Precisava ser mais corajosa para lidar consigo mesma, mais do que ele imaginava.
— Você é tão doce.
— Você é linda demais — disse abafado, puxando ar entre os dentes, fazendo uma vigília sobre ela e sua boca, vivenciando o coração disparado que não era apenas pela pílula desconhecida que ela ofereceu — Quero ficar aqui com você pra sempre.
— Não pode. Vai viajar daqui há dois dias.
— É só uma premiação. Vou estar de volta antes que sinta minha falta.
— Não é só uma premiação, é o VMA. E com os prêmios, vocês vão finalmente falar sobre o álbum novo. E trabalho novo significa menos tempo.
Uma pontada de ressentimento escapou da frase de Ali. Foi tão rápido que o rapaz poderia muito bem não ter notado, mas Jungkook se achegou no corpo dela no piso, beijando sua têmpora com delicadeza.
— Já passamos por isso antes.
— Eu sei. Mas é meu ano sabático e fico entediada muito rápido — ela brincou, raspando as unhas pelo abdômen exposto. Não queria dizer que, na verdade, se sentir útil naquela porcaria de ano sabático estava sendo cada vez mais difícil. Aquela ideia de folga prolongada tinha sido uma completa tolice — Por que não vamos pra Jeju quando você voltar?
— Ainda tá frio pra irmos à praia.
— Não digo da praia, digo das montanhas. Songaksan Mountain. Elas são uma opção brilhante. Bem longe e escondidas, sem vizinhos para reclamar do barulho — disse com malícia. Jungkook sorriu antes de voltar a olhar o teto.
— Eu tenho uma ideia melhor. Bem mais simples.
— O que é?
— Vamos ao cinema.
Ali trincou os dentes de imediato. Os dedos pararam de acariciá-lo no ato.
— De novo com isso?
— Podemos ir ao cinema e depois jantar em um lugar legal. Polyc disse que abriram um restaurante novo em…
Ele não terminou de falar. Em um segundo, o corpo quente junto ao seu já estava se afastando, flexionando os joelhos para se colocar de pé, a nudez agora exposta por uma pequena frestinha de luz que entrava pela persiana. Então, era dia, afinal. Mas qual o dia, Jungkook ainda não saberia responder.
— Você e esse papo estragam a onda.
Ele se sentou devagar, ainda sentindo a cabeça girar em pequenas piruetas, como se o mundo ao redor fosse a parte desfocada de uma foto e ele e Ali fossem os únicos elementos reais. Mesmo com isso, pode ver a expressão aborrecida dela enquanto puxava a caixa metalizada do Marlboro que morava em qualquer bolso de Ali Dalphin.
— Qual é o problema, Ali? Tá fugindo de novo desse assunto, é tão simples…
Ali balançou a cabeça.
— Não. Simples são as suas fantasias idiotas, Jungkook. Não tem nada de simples no fato de fazermos essas coisas, como um casal normal. Já pensou se nos pegarem? Se alguma foto é tirada? — Ela imediatamente puxou um cigarro e caminhou até a primeira janela, apenas para abri-la o suficiente para deixar a fumaça sair.
Ela continuou ali perto, acendendo-o com o isqueiro barato em cima de uma caixa de papelão de mudança ainda fechada, os olhos presos na extensão de Seul do lado de fora da fenestra.
— As coisas não são tão factuais assim, Ali. E posso fechar a droga do cinema, se é com isso que se preocupa…
Argh, para com esses impulsos de poder. Não quero que feche a droga de um cinema porque não precisamos de um cinema, podemos ficar bem do jeito que estamos, assistindo qualquer filme nessa porcaria de tela plana. Qual é o problema com isso?
— Não é um problema.
— Então o que é?
Jungkook prendeu o ar entre os pulmões e elevou o corpo para cima, se juntando a ela perto da janela. Múltiplas coisas se embolavam em sua língua, várias declarações fervorosas que tinha vontade de dizer apenas por vê-la ali, parada debaixo de um fiapo de sol, sem maquiagem, sem inibições, cedendo aos próprios desejos que o incluíam. Ele gostaria de morar naquele mesmo apartamento, de ver aquela mesma imagem todos os dias, ainda que a opção não parecesse boa para Ali. Porque, segundo ela, não passava de um capricho. Porque Jungkook estimava ter todas as coisas que gostava em um lugar só.
Ela, por outro lado, queria ter coisas que amava em cada lugar do mundo.
— Eu quero ter esses momentos com você, Ali. Quero poder pegar na sua mão numa calçada, usar um anel de compromisso, ver a droga de um filme em um cinema com pipoca, poder dizer pra quem quiser ouvir que eu te amo. É algum pecado agora? — Sua voz soou um pouco mais amarga. Ali voltou a cerrar os dentes.
— Jungkook…
— Por que a gente não conta de uma vez? Já se passaram 3 anos. Já vimos que a distância não é nada para nós, por que nos preocupar com as outras coisas? Podemos vencer o mundo, linda. Toda notícia passa, só precisaremos aguentar perguntas por 1 semana.
— Que tipo de perguntas você acha que vão fazer? — Ela gesticulou com os braços, e, após uma pausa, acrescentou por conta própria: — Ainda mais pra mim, a detentora do coração de Jeon Jungkook. Você está imaginando o mesmo cenário que o meu?
— Ali, não é isso tudo…
— É isso sim! Você tem números exorbitantes e uma legião de malucas que não entenderiam nada disso. E tudo bem que seus superiores sabem que elas são surtadas, mas são elas que pagam o seu salário. É assim que vocês veem, não é? Se não fizer a vontade das suas fãs, acabou a carreira.
— Ali, não me importo com nada disso. Sei que vai ter perguntas, sei que a bomba pode estourar de um jeito pior do que imagino, mas tenho plena certeza que podemos enfrentar isso juntos. Eu vou proteger você, eu vou…
— Me proteger! O que você é? O Bruce Wayne? — Ali se afastou da janela. Whiskey, por Deus, ela precisava de whiskey. Odiava quando ele dizia aquelas coisas, odiava como ele estava sempre tão disposto a parar um caminhão com o próprio corpo por ela — Jesus Cristo, por que falar disso logo agora? Como você disse, são 3 anos e estamos bem! Não temos dor de cabeça, as pessoas que precisam saber sobre nós já sabem e não ficam questionando quando o mundo vai saber. Por que toda essa preocupação de me mostrar como um troféu? Eu não quero isso com você.
Ali se arrependeu das palavras antes mesmo que depositasse o líquido no copo. Quando voltou a olhá-lo, encontrou Jungkook e sua feição fechada, o cenho franzido de descontentamento.
— Acha que eu quero te mostrar como um troféu?
Ela hesitou por um momento antes de responder, em voz baixa:
— Eu não quis dizer isso. É que os outros caras…
— Achei que você estava cansada de saber que eu não sou igual aos idiotas que você namorou — Jungkook grunhiu para perto dela novamente, bagunçando o cabelo jogado na testa — Não dou a mínima para o seu status e para sua profissão, não dou a mínima para o que vão dizer dela, eu só não aguento estar tão feliz e ter que dizer que fãs são o motivo disso. É raso, Ali, muito raso. Não quero mais ter que fingir que não tenho ninguém.
— Se isso fosse realmente tão difícil assim, não teria terminado com a sua primeira namorada.
— Pelo amor de Deus, Chayoung era um caso completamente diferente — Jungkook abriu os braços em exasperação — Foi um namoro de escola, um relacionamento em que os dois não faziam a menor ideia do que estavam fazendo. No meu primeiro ano de debut, ela achou que seria uma boa ideia fazer vários posts anônimos contando do nosso relacionamento porque alegou que o assédio me tiraria dela. O Bang nem precisou me convencer a terminar o namoro porque ela estava fora de controle, vivendo a minha vida e se esquecendo da própria. Sei que nunca fui apaixonado de verdade por Chayoung, mas todo o resto de admiração que eu tinha se foi à medida que eu percebia o quanto ela estava desesperada pra não me perder — ele bufou, e uma veia na têmpora direita não estava se aguentando no lugar. Ali sabia que ele não era mal intencionado, nunca foi, e todos os relatos de sua vida antes mesmo de conhecê-la provavam isso — Não tem comparação, Ali. Amo você por simplesmente ser você. Por ser tão livre e sagaz, tão aberta e disposta. Por ser linda pra caralho. Se quer saber, te amo tanto que eu mesmo tenho medo de te perder — ele se aproximou mais uma vez, tomando seu rosto dentro das mãos — Mas você não é um troféu. Nunca foi. Você é um trevo da sorte. É o jeito que eu te amo.
Ali segurou um suspiro forte e controlou os ânimos para que não desabasse nos braços dele e voltassem a fazer o que estavam fazendo há 5 minutos atrás. A paixão dele a sufocava certas horas – deixava-a completamente enfurecida, principalmente no início quando alegava várias vezes que “estamos indo rápido demais”, mas Jeon Jungkook não se importava com as marchas que depositava no seu relacionamento. Amava ela e ponto. Agia conforme o que sentia. E tantas dessas coisas com o passar dos anos foram abrindo a parede grossa e bem colocada de Ali Dalphin, aquela parede que tinha erguido não para impedir que alguém passasse, mas para impedir que ela mesma se jogasse demais. Os freios que não fariam uma Ali apaixonada ser motivo de piada para que os homens batessem no peito e jogassem para o mundo inteiro que a tinham na palma da mão.
Mas esse lugar reservado era de Jungkook. Já era dele, talvez antes mesmo do que ela pensava. Tudo ali dentro era dele, e por isso ela estava ali, do outro lado do mundo, tentando ser igual a ele. Um pouco mais parecida, pelo menos. E não conseguiria isso se afastando cada vez mais de suas propostas.
Quando inclinou os pés para beijá-lo lentamente, deixou-se pensar, por um momento, como seria morar onde quer que ele estivesse.
— Tudo bem. Podemos ir ver o seu filme idiota — a boca dela estava muito tensa, mas a confirmação era verdadeira. Jungkook sorriu largamente perto de seus lábios, beijando-a mais uma vez, tomando as duas partes de seu rosto como se temesse que ela deslizasse para longe — E eu vou escolher! Nada daquela coisa de heróis e o cara esquisito de bandana que tem TEPT[2].
— Podemos ver o que você quiser. Depois que eu voltar de New York, vou mandar preparar tudo, não precisa se preocupar. Vai ser o melhor encontro que você já teve.
E ele estava totalmente radiante e confiante disso. De que nada, absolutamente nada, poderia dar errado a partir do momento em que ela quisesse alguma coisa.
Ali sentiu o peito afundar quando ele ergueu seu corpo no ar e passou suas pernas por sua cintura, olhando-a como se olha para as belezas atemporais do Louvre, ou como se olha para uma galáxia distante em um telescópio. Ela se livrou do cigarro na janela e o abraçou com força, depois o beijou com força e estava pronta para fazer amor com ele de novo em outro piso de outro cômodo daquele apartamento quase sem móveis, pensando pela primeira vez que aquele lugar que tanto tinha feito questão de viver sozinha, parecia agora um espaço tão dele quanto todo o seu coração.
Um lugar feito para ser deixado. Para ele. Para se igualar completamente e perder ainda mais de si mesma.

Seul
Coreia do Sul
1 mês depois


Quando abriu os olhos, ainda era dia.
Não fazia ideia de que horas eram, mas o sol estava à pino e sua barriga roncava em desespero. Isso era uma resposta melhor do que o relógio. Quando andou sonolenta para a nova sala cheia de caixas, encontrou o celular jogado entre uma aba aberta do papelão e um par dos saltos de 20cm de Candice. Não era um lugar que se lembrava de ter chegado perto algumas horas antes, mas não importava. O fuso horário não tinha sido ajustado no telefone de modelo flip, e ela precisou fazê-lo manualmente enquanto acompanhava as horas reais direto do relógio de parede vintage que Candice havia insistido em trazer da Califórnia.
Duas da tarde. E ela ainda estava exausta pra cacete.
O barulho dos carros não era alto o bastante para deixar o ambiente insuportável, mas ainda havia um pequeno zumbido urbano no ar, o que a deixava estranhamente em paz. A falta do caos da cidade nunca havia sido uma opção para . Nesse sentido, não seria tão terrível se adaptar à capital coreana.
A barriga roncou de novo e se tocou de que não fazia ideia de como iria cozinhar, pois não sabia onde era o mercado. E muito menos como pedir um delivery. Também não arriscaria solicitar qualquer informação na rua, já que a única palavra que havia aprendido até agora era annyeonghaseyo. O jeito seria comer o pacote de 30g de salgadinhos que haviam servido no avião até que Candice chegasse – quem sabe com alguma comida.
decidiu, então, que começaria a limpar e organizar o quarto. Guardou as poucas roupas, os acessórios das câmeras, o único porta retrato com Candice e, como só havia morado em lugares quentes até então, teria de arrumar alguns casacos mais pesados logo. O inverno dali não era igual ao de LA.
Demorou menos tempo nessa tarefa do que imaginou, já que o apartamento foi entregue parcialmente limpo e, em relação ao seu quarto, não havia mais o que fazer. O cômodo cru parecia sem graça, sem nada decorando as paredes ou colchas que chamassem a atenção. Talvez ela se desse ao luxo de, pelo menos, comprar um painel para pendurar suas fotos.
É isso. Painéis melhorariam aquela pintura tosca. Suas fotos serviriam mais do que um papel de parede. Encheria cada pedaço de taipa com imagens de Zuma Beach, Malibu Lagoon e Manhattan Beach. Colocaria o sol e o mar em evidência para se sentir abraçada pela parte boa de sua antiga estadia. Colocaria um ou dois pôsteres do Justin Bieber e do Ricky Martin. Não fotos de capas de revista, nada disso, mas fotos que ela mesma havia tirado, que havia flagrado em pontos estratégicos da cidade dos anjos e faturado uma boa grana por isso.
Em sua defesa, eles não estavam fazendo nada demais em nenhuma delas. Justin passeava com o cachorro enquanto mexia no celular e Ricky mascava um chiclete preguiçosamente enquanto andava até o carro. Muito normal, se não fosse a captura do letreiro do Emberthane, um dos maiores moteis de luxo da cidade bem ao fundo, gerando assim o maior bafafá sobre um possível divórcio com o marido. Como desencargo de consciência, preferia pensar que ele só não tinha outro lugar para dormir. Que sua mansão de milhões de dólares tinha pegado fogo. Estavam bem na época de incêndios florestais naquele verão mesmo. E de jeito nenhum aquela foto tinha ajudado a estragar alguma coisa no relacionamento.
É. Era melhor ficar apenas com as fotos das praias. não tinha parado para pensar nelas até o momento. Tudo aconteceu tão rápido e tão intensamente. Ela sentiria uma falta absurda da praia, do seu caminhar diário até o apartamento na Laurel Canyon, de prestar atenção nos carros antigos e medianos estacionando em frente à orla – porque celebridades adoravam disfarçar com carros populares –, de ter que explicar seu nome ao senhor de 70 anos da cafeteria todos os dias, de ouvir o “vá pegar o meu burrito, ” da senhora Johnson da revista que parecia uma cópia da Dolores Umbridge sem a vestimenta rosa, das ordens sem fundamento de James Parker, e…
Minha nossa, sentiria falta até daquele emprego? Do emprego que odiava a cada segundo do dia? Do trabalho que a colocava em posições nada nobres e respeitáveis? O trabalho que tinha um certo teor de perigo, se você pensasse bem? Algumas pessoas preferiam ter uma pistola apontada para o próprio rosto ao invés de terem um caso extraconjugal vazado, caramba! Reputação era mais importante que a própria vida em Hollywood. Se algum dia ela fosse pega…
Mas era um trabalho que aceitava apenas para conseguir sobreviver, e isso estava muito claro e límpido na mente, sempre esteve. Que sentimento esquisito era aquele agora que a fazia se perguntar de repente se estar ali, há mais de mil léguas do cenário daquelas fotos, era realmente uma boa ideia? Talvez porque não soubesse nada sobre Seul? Na verdade, não sabia nada sobre a Coreia. Eles tinham praias? Cafeterias com senhores de idade? Celebridades que escondiam segredos terríveis bem debaixo dos narizes da população? Os famosos iam à praia?
Bem, não havia praias em Seul. E isso já adiantava a grande mudança que a vida de tomava.
Era saudade ou apenas medo do novo? Aquele medo destrancado que a dizia em uma voz fantasma e distante: aí está você de novo, fugindo, tentando, se esgoelando por um lar! Na última vez, sabe bem o que aconteceu. Demorou 4 anos, mas aconteceu. Quem vai te expulsar dessa vez?
Bufando, se tocou de como aquilo era ridículo. Injusto, até. Não faziam nem 48 horas redondas que estava ali. O teste de sua nova rotina nem havia começado. Não podia se deixar levar pelo temor de mais coisas erradas, pelo apego aos pequenos detalhes bons que cintilavam todo um contexto indesejável na América. precisava se recompor. Achar novas coisas boas, novos lugares favoritos, novas praias – se tivesse a oportunidade de viajar sabe-se lá quantos quilômetros para conhecê-las – e aprender uma nova língua e seus novos substantivos para sentir, finalmente, que poderia recomeçar.
Então, nada de fotos da praia. Nada de pôsteres da paparazzi da LA Parker. Aquelas paredes de tom amarelado seriam preenchidas no tempo certo. Quando julgasse que estava vivendo o suficiente e não apenas pensando em fugir o tempo todo.
Sem essa tarefa, o dia se arrastou mais lentamente e tediosamente. Nesse meio tempo, aproveitou para juntar a bagunça de Candice e suas malas, realocando-as para o quarto da amiga, a segunda porta no final do corredor, vizinha da sua. Logo depois, limpou o chão e as janelas, a cozinha e o banheiro. O sol ia sumindo mais a cada cômodo em que entrava.
O céu estava rosa com laranja quando Candice finalmente chegou, bem na hora em que terminava de apoiar a TV em cima de um móvel branco temporário.
— Achei que tinha voltado para Los Angeles — murmurou enquanto prendia o cabelo novamente em um coque, que desatava o tempo todo pelos meus movimentos.
— Melhor do que isso. Olha o que eu trouxe! — Candice ergueu os braços, cheios de sacolas de compras. É claro. Como não supôs aquilo antes?
A loira tirou os saltos na soleira da porta, posicionando-os no canto da parede e pegando um chinelo de algodão de uma das bolsas de papelão, calçando-os com delicadeza para só então entrar de fato no apartamento. olhou para ela, totalmente confusa.
— Trouxe um pra você também — disse, soltando outro par dos calçados bem ao lado dos saltos. — Não devemos entrar de sapatos em casa. Eles acham estranho — Candice sussurrou, olhando para trás. ficou ainda mais confusa; não havia ninguém para ouvi-la.
Uma respiração ofegante e um rapaz de não mais do que 22 anos apareceram atrás de Candice, com os braços igualmente lotados de sacolas. Era alto, magro e esguio, os óculos redondos deixando seu rosto um pouco mais cheio. Ele usava um terno fino e um crachá e parecia, no mínimo, tão exausto quanto , ainda que uma viagem pelo oceano não tivesse nada a ver com aquilo.
— Pode vir por aqui, Gook Doo.
O garoto realmente tirou os sapatos antes de entrar, de forma muito natural. Cumprimentou em um inglês perfeito proferido em voz baixa e seguiu para dentro, colocando o restante das sacolas em cima da mesinha de centro da sala.
, esse é o Cheol Gook Doo. Cheol é o sobrenome dele, vem antes do nome — Candice riu animada, como se estivesse apresentando um programa de curiosidades sobre a cultura local. — Ele é meu assistente na empresa. E adivinha só: vai nos levar pra jantar!
estendeu a mão para cumprimentar o garoto, que repentinamente curvou as costas em uma reverência. Ela achou estranho e automaticamente quis se curvar também, em um reflexo, mas não o fez. Só lhe ofereceu um sorriso amarelo sem graça. Já estava com pena dele antecipadamente: Candice sempre quis um assistente. Ele precisaria ser forte – e ter um bom terapeuta.
A palavra jantar teve o efeito de um alarme de incêndio no estômago de . Não havia lhe ocorrido há quantas horas que estava sem comer desde a última vez que notou a fome. Aqueles salgadinhos só serviram para enganá-la temporariamente.
Por isso, a resposta saiu automaticamente:
— Claro, vou tomar um banho — e foi na direção do banheiro sem nem piscar, tendo certeza que se interessaria 100% pelo primeiro dia de trabalho de Candice assim que preenchesse o vazio horrendo no estômago.
Antes de se despir, ela se olhou no espelho por alguns segundos. Se existisse uma outra situação capaz de deixar daquele jeito, preferia nem descobrir. A aparência exausta foi quase uma súplica de sua outra eu no reflexo para que ela ficasse em casa. Que preferisse o descanso à fome, ou que implorasse ao rapaz na sala que havia acabado de conhecer para que ele colocasse o idioma materno em jogo e pedisse algo por telefone. Era um plano perfeito. Um que logicamente funcionaria… Caso ela não conhecesse Candice Chaperman.
Isso significava que fugir não era uma opção.
Só esperava que um bom banho melhorasse a soma de jetlag, fome e faxina estampados na cara. Seria bom estar com a aparência minimamente apresentável para sair e conhecer um pouco do lugar onde ficaria por tanto tempo.
Sua nova casa. Mais um lar em potencial.

・ ❬📸💔❭ ・


— Vaca desgraçada! — falou entredentes, mas duvidou que Candice tivesse escutado. Não com aquelas vozes, com a música e… com tudo! — Você disse que íamos jantar!
— Nós vamos jantar! — disse Candice, abaixando a voz logo em seguida: — Depois do show.
lutou contra a vontade de mandá-la para o inferno.
Agora mesmo, apertada entre ombros correndo e gritos estrondosos de ordens avulsas em um corredor estreito demais, ela queria gritar e se encolher em qualquer canto, louca para entender o que estava acontecendo.
Por mais que os crachás, o roxo brilhante, a quantidade absurda de imprensa e os gritos de sabe-se lá quantas milhares de pessoas ecoando do lado de fora deixassem tudo muito bem auto explicativos.
Um show. A porra de um show! Como não tinha desconfiado disso antes? Ela costumava considerar todas as opções quando Candice lhe convidava para alguma coisa. só podia estar maluca de fome para não ter cogitado essa alternativa.
E igualmente não considerou quando Candice entrou no seu quarto depois do banho, trazendo uma linda saia cargo e uma blusa de manga comprida com um decote que dobrava o tamanho de seus peitos. O tipo de coisa que não era necessário para um jantar qualquer – não para .
Minha nossa, como estava se sentindo idiota. E frustrada. E faminta!
E agora estava furiosa.
O lugar era imenso demais para se lembrar sequer de onde tinha entrado. Foi uma confusão muito rápida para assimilar. A grande estrutura majestosa que passou apressada pelas janelas do carro indicava algo muito maior do que um pavilhão, e quando viu o grande campo aberto que se estendia por trás das aberturas daquele corredor, precisou segurar o queixo para não cair. Um estádio olímpico.
Candice tinha se enfiado na porra de um estádio olímpico!
Por Deus, o que tinha feito à Candy para merecer aquilo? Nem tocou no nome da One Direction dessa vez.
Ela andou por um amontoado de pessoas até finalmente parar em uma espécie de fila, que se estendia até uma porta larga com seguranças nas duas pontas. estava atrás de Candice, que estava atrás de Gook Doo, que parecia tranquilo até demais em relação à multidão, ao espaço e tudo, como se fizesse aquilo toda semana. Um olhar raivoso pulsava de para a canadense maldita que parecia tão feliz que nem virava a cabeça em sua direção, até que recebessem pulseiras de cor púrpura no pulso por uma mulher alta que não lhes disse uma palavra.
O trio seguiu em linha reta até chegar à primeira curva, e depois outra, e outra até pararem diante de outra entrada gigantesca, fechada perante a vários outros seguranças. Com um passo à frente, Gook Doo fez uma reverência educada e disse algumas palavras formais e enfáticas, e em seguida, gesticulava para Candice se aproximar e os dois mostrarem o crachá guardado no bolso da frente da camiseta, onde viu a grande logo da Vogue dizendo tudo que os homens de preto precisavam saber. Rapidamente, a passagem foi aberta e os três voltaram a seguir na direção do que era, claramente, uma área VIP.
Ou um VIP dentro de um VIP.
Tudo lá dentro piscava e se misturava com fumaça de comida, gelo seco ou cigarro eletrônico. Era a única parte de todo aquele trajeto em que havia um número mínimo de pessoas. Pessoas as quais incluíam imprensa e outras que claramente faziam parte dos 3% da população mundial que tinham dinheiro o bastante para nunca precisar trabalhar. e a dupla continuaram subindo por uma escada em espiral até chegarem ao topo. Lá, ela quase não conseguiu segurar a boca. Era como se estivessem em um outro palco, um que era fechado por vidro e acústica, dando-lhes uma visão panorâmica do palco à frente como se estivesse dentro de uma TV. Ela teve a impressão, pela primeira vez, de como o lugar era gigantesco. E estava lotado.
Vídeos e fotos dos membros do BTS brilhavam nos telões, e alguns instrumentos tocavam enquanto o show não começava. Um mar de pontinhos luminosos sobre o manto negro do campo imitava o céu estrelado daquela mesma noite. nunca tinha visto coisa parecida antes.
— Não é incrível?! — Candice falou ao seu ouvido, tirando sua atenção.
— Não, não é — rangeu os dentes. — Você é maluca, Chaperman? O que te faz pensar que eu iria querer assistir um show quando acabamos de chegar?!
— Se eu te dissesse para o que era, você viria? — ela levantou uma sobrancelha e não respondeu — Vou repetir quantas vezes forem necessárias: vou te fazer curtir a vida de uma vez por todas! E não se preocupe, também estou aqui a trabalho — ela apontou para o crachá estampado com o logotipo da Vogue, empolgada.
— Precisava ter me trazido logo ao show dele?
— Não foi por mal, eu só não queria ver um espetáculo desses sozinha — a loira se remexeu ligeiramente no lugar e buscou a imagem do rapaz de terno há alguns metros na frente — Sei que Gook Doo é legal e tudo mais, mas acabei de conhecê-lo e não acho que ficaria confortável em gritar o tanto que quero gritar só com ele aqui.
quase perguntou o que mudava com a sua presença ali, já que com certeza não participaria da euforia de Candice durante as apresentações, mas por um lado, entendia o que queria dizer. Ainda faltaria um tempo para que ela se acostumasse com o garoto a ponto de ser desinibida. Talvez 1 semana fosse o suficiente.
Ainda assim… precisava ser aquele show?
— Tá legal, o que você precisa fazer aqui? — perguntou, referindo-se à parte do trabalho.
Candice abriu um sorriso tão grande quanto o do gato da Alice.
— Uma coisa muito legal! Você vai ver… Olha, vai começar! — ela apontou para o palco, que ficou escuro de repente, e os gritos foram à loucura.
Pouco a pouco, os meninos foram surgindo na superfície, regados de efeitos pirotécnicos e baterias estrondosas. Era uma visão de tirar o fôlego. Com as roupas combinando, o grupo começou uma performance de abertura com uma música que ela ainda não havia escutado muito, mas ainda assim era incrível. A sincronia deles era perfeita. Em poucos minutos, a apresentação no palco adiantava para como teria sido uma das melhores experiências de sua vida.
Até que se tornasse a pior.

・ ❬📸💔❭ ・


Os berros do estádio conseguiam abafar os de Candice de uma forma muito eficiente.
nem queria imaginar como era assistir a tudo aquilo lá debaixo, sendo constantemente empurrada e engolfada por pessoas desesperadas para… gritar? Só podia ser para gritar, porque a quantidade de seguranças ao redor dos palcos era assustadoramente grande para que tentassem outra coisa.
A parte dos palcos era mais do que verídica. Além do grande palanque principal, várias passarelas se ramificavam deste, formando um símbolo muito parecido com a logo do grupo, nos quais os membros se espalhavam constantemente, correndo, rindo, cantando e se divertindo. não tinha dúvidas de que eles estavam em uma relação mútua de fã: a multidão por eles e eles pela multidão.
Era lindo, sem tirar nem pôr. Ela achou que Candice iria testar sua paciência enquanto cantava e vibrava por cada música, por cada pausa onde o líder, Namjoon, fazia um discurso legal que ela não entendia, mas no final de tudo, a própria estava batendo palmas e sorrindo. Não era apenas pelas luzes que disparavam do palco, os efeitos estroboscópicos que acompanhavam as batidas, as brincadeiras e as interações que pareciam reais como ela não via muito do outro lado do mundo, era apenas… eles. E eles em questão tinham algo que ela não sabia descrever, algo que não a deixava com vontade nenhuma de sacudir Candice para ir embora.
Mas toda aquela exibição parecia longe de acabar quando afirmou que precisava de algum líquido. Alguma coisa simples e barata que não fosse cerveja artesanal e nenhum drink colorido que era servido no bar da área VIP.
Como água, por exemplo. Coisa que parecia impossível estar em falta em um evento daqueles, mas foi exatamente a resposta que deram a no balcão.
Com um inglês arrastado e várias gesticulações com as mãos, conseguiu entender o que o cara de brincos prateados e tatuagem no pescoço dizia, apontando para uma reta que daria de encontro a uma outra porta, uma diferente pela qual havia chegado com Candice e Gook Doo. Agradecendo rapidamente, ela seguiu a orientação, desvencilhando-se de mais flashes e de outros fãs que certamente tinham parentesco com o presidente da República.
finalmente chegou no que deveria ser o primeiro espaço completamente vazio daquela balbúrdia de pessoas e gritaria. O corredor era um milhão de vezes mais afunilado do que o anterior, descendo e descendo sem parar, com as luzes mais fracas ou ausentes. O lugar inteiro tinha um cheiro empoeirado, mas da boa e velha maneira de uma biblioteca ou museu, um aroma que não dava a ideia de abandono. Então sim, pensou, devia estar com certeza em uma entrada para funcionários, ou em uma passagem secreta para os artistas.
Passagem secreta para os artistas. Fala sério.
Piada.
No entanto, mal tinha acabado de pensar no assunto quando chegou a uma outra porta no final, que se abria para um outro corredor, este totalmente iluminado e com barulho de pessoas, mostrando que lá estava sua resposta: alguém vinha caminhando lá na frente, um tanto ofegante e enclausurado por uma dezena de staffs.
Cada par de mãos estava a postos no ar, segurando ventiladores, bolsas de maquiagem, cabides e água. Eram muitas coisas, era muito barulho e era muita gente que obstruía totalmente a visão da pessoa afogada no meio da roda.
Mas então, com um movimento rápido, a mulher da frente, trajada de roupas pretas e com muitos aparelhos comunicadores presos na camiseta, chegou para o lado com uma pequena corrida, passando por sem nem mesmo olhá-la, totalmente alheia à uma garota qualquer que brotou de outra porta qualquer na parede, e abriu espaço para que visse o homem guardado dentro da concha.
Puta que pariu.
não tinha saído de casa para isso.
Quando percebeu que era ele, foi tão rápido que mal pode confirmar no que seus olhos viam. Jungkook recebia toques atrás de toques das pessoas que tiravam sua camiseta suada, ajeitavam o plug no ouvido, colocavam e tiravam jóias, secavam suor, faziam tantas coisas ao mesmo tempo que quase ficou tonta. Quando notou, ele já estava passando como um jato ao seu lado, murmurando coisas distraidamente para suas funcionárias.
E poderia ser apenas isso. Ele poderia ter passado e seguido a vida e seus compromissos como qualquer artista normal, se deleitando e se entregando em um lugar que ele mesmo tinha feito, aproveitando a multidão que ele mesmo havia criado.
No entanto, quando o cantor passou ao seu lado pelo milésimo de segundo existente, seus olhos rolaram distraidamente na direção dela. Olhos involuntários, que queriam se desviar desesperadamente do montante de cabelos iguais e vozes iguais e ordens iguais que o rodeavam. Meio segundo, menos do que uma respiração; Jungkook olhou para o lado. Jungkook a viu.
E seguiu o seu caminho, virando para a frente mecanicamente, como se nada tivesse acontecido.
paralisou por aquele milésimo de segundo em câmera lenta, ainda com as mãos na maçaneta, estudando a situação como se se perguntasse o que faria caso ele a reconhecesse. O que poderia fazer? Dizer que ele estava vendo coisas? Que não tinha sido a pessoa que publicou suas fotos, mesmo que isso não parecesse nada óbvio para quem não estava naquela sala administrativa com Hilary e James quando a bomba estourou?
E por que isso tudo teria alguma importância? Não mudava o fato de que era ela, em corpo e alma, naquele camarim com aquela câmera.
Mas ele a olhou nos olhos. tinha certeza disso. Olhou em seus olhos e não a reconheceu. Ou pelo menos ela achou que não tivesse reconhecido. Afinal, de que importaria? Ele tinha trabalho a fazer.
Com as mãos trêmulas e o estômago revirando, soltou a maçaneta e seguiu pelo lado contrário, torcendo para encontrar logo o estoque de água ou de outras coisas que aparentemente sua pulseira e crachá especiais permitiam e sumir para sempre daquele espaço, como se fosse uma criminosa foragida ou algo parecido.
Ela não viu o momento em que Jeon Jungkook, já no final do corredor oposto, diminuía os passos por um instante e torcia o pescoço para trás, franzindo o cenho para as costas misteriosas que ele jurou que não lhe eram estranhas.

・ ❬📸💔❭ ・


Com o fim do show, teve certeza de que, mesmo que não conseguisse nunca ser uma mulher rica, ainda assim daria um jeito de designar suas economias para um concerto daqueles futuramente. Sem nem hesitar. De preferência, vendo-o do lugar majestoso que estava vendo naquele instante, daquele ângulo privilegiado.
Os caras eram mesmo incríveis. Ela não se importaria de ter uma experiência daquelas de novo. As músicas eram empolgantes, as cores eram vibrantes, e cada um exibia uma particularidade impossível de ser comparada ou anulada. Os vários talentos distintos que se agrupavam no meio daqueles 7 garotos a deixava genuinamente admirada, estarrecida com o poder que tinham de se juntar e formar um monumento perfeito.
Ela diria a Candice que foi gratificante. Que não precisava mais matá-la ou ameaçá-la por causa disso.
O tempo todo, a loira havia gritado e cantado todas as músicas. Não era à toa que ela estava naquele trabalho: tinha bastante conhecimento prévio. Até Gook Doo, que não falava muito, estava batendo palmas animado no final do show; e podia jurar que tinha visto-o sorrindo.
O relógio marcava quase meia noite. Ela deveria estar na cama naquele momento e sua barriga roncou novamente ao se lembrar que ainda não havia feito a única coisa que faria quando saísse de casa naquela noite – jantar!
— Eles são realmente incríveis! — Candice deu um gritinho, ainda batendo palmas enquanto os meninos saíam do palco.
— Foi um ótimo show — estava sendo sincera. De forma geral, havia sido o melhor em que já esteve. Os olhos de Candice brilharam de empolgação.
— Então você não vai se importar com o que iremos fazer agora.
fez uma careta confusa, mas Candy não a deu tempo nem de questionar. Murmurou algumas palavras no ouvido de Gook Doo e pegou na mão da amiga para seguirem por mais uma escada e outro passadiço cheio de luzes.
Os seguranças lá fora tentavam dispersar as pessoas da forma mais organizada possível. O poder do crachá de Candice e seu estagiário abriam caminho entre a multidão. De repente estavam passando por uma entrada por trás do palco principal, onde há pouco os meninos estavam. E de repente, entendeu tudo.
Merda!
Tentou soltar instintivamente do aperto de Candice, mas já era muito tarde para voltar atrás. Ela nem sabia onde estava. Só lhe restava seguir em frente e torcer para que voltassem pra casa logo.
Candice e seu assistente conversaram alguns minutos arrastados com uma mulher vestida formalmente de terninho. Ela falou algumas palavras em uma escuta aleatoriamente e em seguida entregou mais um trio de crachás para cada um. Estava escrito em coreano, assim como tudo ao redor. O que era aquilo? Candice realmente queria arrastá-la para os bastidores do BTS?
Outra piada. Por Deus, que fosse uma piada!
Sua pergunta foi respondida assim que entraram em um saguão silencioso, com poucos seguranças, muito parecido com o que tinha descoberto mais cedo. Gook Doo, apesar de com certeza mais novo do que , tinha a imponência de um homem de negócios. Ninguém ousou dizer uma palavra, apenas abriram caminho. Pararam à frente de uma porta depois de passar por várias, e uma outra mulher se aproximou, dessa vez bem mais jovem. Ela os cumprimentou com sorrisos e também uma leve curvatura. Disse algumas palavras e em seguida abriu a porta, que deu para um cômodo amplo com paredes e piso branco, algumas poltronas espalhadas aleatoriamente e uma mesa retangular em um canto.
— A staff disse que eles estão se trocando e logo estarão aqui — Gook Doo informou de modo formal até demais. Puta que pariu.
— Candice, eu realmente não acho…
— Você vai ficar aqui — Candice a puxou para mais perto enquanto ajeitava os cabelos e tirava um gravador da bolsa. Ela iria entrevistá-los? Por que tinha que ficar ali? — Por favor, , preciso de você me dando apoio moral nesse momento ou vou enlouquecer. Estou fazendo de tudo pra não parecer que estou surtando, mas olha isso aqui — ela estendeu os dedos na altura do quadril, mostrando o quanto estavam ligeiramente trêmulos — Sei que me jogaram aqui de repente no meu primeiro dia e eu deveria estar furiosa, mas estou tentando não pensar nessas coisas e acreditar que eu consigo. Que sou a profissional que eles acham que eu sou. Também sei que você adoraria não estar aqui por causa daquilo… — a loira abaixou a voz e olhou brevemente para os lados, sussurrando perto de logo em seguida: — Ele não vai se lembrar de nada. Nenhum deles vai, tenho certeza disso. Serão 20 minutos e depois estaremos no melhor restaurante da cidade. Pode fazer isso por mim?
tentou argumentar que não tinha como ela ter certeza de que ele não se lembraria, mas Candice e Gook Doo começaram a cochichar algo que parecia importante. Ele aparentava estar dando instruções a ela de como se portar, sobre o que devia ou não devia falar e etc. se sentiu injustiçada, como uma criança de cinco anos. Talvez pudesse sair e vagar até achar a saída. Pegar um táxi era igual em todos os lugares. Mas mal se lembrava do endereço do apartamento, o que dificultava a ideia de chegar sã e salva ao destino.
Mas era uma situação importante para Candice, de qualquer forma. E isso tinha o poder de mudar as decisões de . Ainda teria de fazer uma intervenção com Candice quando estivessem sozinhas, claro, alegando como sempre era metida em roubadas e situações constrangedoras desde que a conheceu, e aquela realmente ultrapassava o limite diário do que queria suportar.
Ela não queria vê-lo de jeito nenhum; não de novo, não com tanta exposição, dando-o toda a oportunidade do mundo para que ele a reconhecesse. Ainda que ela tivesse esperanças de que isso não fosse acontecer – afinal, ele devia ver funcionários, agentes e milhares de pessoas todos os dias –, ela ainda tinha um pressentimento ruim. Que o tal encontro não acabaria bem.
Mas deveriam existir mais pessoas que falassem inglês por ali. Candice era alta e escultural, uma loira de olhos cinzentos de tirar o fôlego. As pessoas já supunham que ela não falava coreano, pelo menos não ainda. Será que seria assim no caso de também? Ela não chegava aos pés da amiga, mas a pele morena e o cabelo indomável falavam por si só. Se começasse a falar em inglês, eles poderiam continuar.
Era isso, Candice nem a veria saindo. Faria seu trabalho imaginando que estivesse ali, e seria o suficiente. Ficaria nervosa depois quando descobrisse tudo, mas iria passar. não tinha interesse, coragem e muito menos necessidade em conhecer os 7 caras que haviam se apresentado mais cedo.
Eu sei que outras pessoas se importam muito com conhecer artistas legais, mas eu não. Vou deixar passar desta vez.
De costas para a porta, se virou para sair furtivamente. Infelizmente, um por um, eles foram entrando, conversando um pouco entre si, até estarem todos enfileirados na parede oposta, acompanhados de alguns seguranças e mais staffs.
olhou para todos eles, e contou apenas 5. Jungkook e Jimin não estavam. Será que ele estava cansado demais e havia desistido da entrevista? Estava ocupado fazendo outra coisa? Seria um alívio! Eles prontamente os cumprimentaram, também curvando-se, e estendendo as mãos educadamente.
Eram muito mais bonitos pessoalmente do que em todas as fotos e MVs que ela havia visto. Candice prontamente ativou seu modo profissional e jornalista e apertou a mão de todos de um jeito sério, mas extrovertido e despreocupado. Só ela conseguia fazer aquilo. Nem parecia a garota que estava surtando por cada um deles minutos atrás.
Eles também falaram com brevemente. Diziam repetidos “hi, how are you?” e se curvavam daquele jeito, como se ela, de algum jeito, também fizesse parte daquele cenário glamouroso.
Mesmo dentro daquele cômodo fechado e quente, o clima leve e descontraído era palpável. Os garotos certamente estavam exaustos, as roupas brilhantes tinham sido trocadas por camisetas mais folgadas e confortáveis, tornando o aspecto deles muito mais leve sem todos aqueles aparelhos de som presos no corpo. Dois deles conversavam entre si enquanto Candice balbuciava algo com J-Hope logo após ele ter apontado para as flores na sua blusa sem mangas e dito em um inglês arrastado: “Margaridas?”
E pronto, parecia que Candice Chaperman havia feito mais um amigo.
Ao lado dele, um cara mais baixo e mais sério encarava os dois de soslaio, fazendo uma pequena careta enquanto segurava uma risada. não sabia se ele estava olhando para o amigo ou para Candice, mas quando a amiga se virou brevemente para ajustar o aparelho de som na saia, viu os olhos dele percorrerem o corpo e o rosto dela de um jeito intenso, pelo tempo suficiente de ela concluir a arrumação e inclinar a cabeça de volta para eles. Tempo suficiente para que o cara virasse o rosto para a pintura na parede, como se nunca tivesse tirado os olhos dali.
Era Min Yoongi e sua terrível tentativa de ser discreto.
Quando Candice comentou baixinho sobre o Canadá, aproveitou para incluir no pacote e dizer que sua amiga vinha do Brasil, o que gerou uma grande comoção em Hobi, que logo cutucou Yoongi e o trouxe para dentro da conversa sussurrada, deixando claro que o Brasil era um dos países que eles mais queriam voltar.
apenas sorriu e anuiu muito ligeiramente. Ela certamente não podia dizer a mesma coisa.
Mais alguns minutos se passaram e Candice ainda não havia começado a entrevista, porque para isso precisava de todos os membros e Jungkook e Jimin ainda não tinham aparecido. No entanto, como a boa borboleta social que era, ela já estava entretida em uma conversa regada a risos e piadas incessantes com o mesmo J-Hope, ainda que tentasse falar algo com Yoongi e ele apenas concordasse com a cabeça. Até mesmo , que mais observava de longe, recostada na parede ao lado de um pequeno grupo de staffs, precisava admitir que já gostava muito do membro sorridente. Ela se lembrava dele e da risada escandalosa que preencheu seus ouvidos naquela pequena sala de camarim em New York, um sorriso contagiante que não foi capaz de colocar outro no rosto de um Jungkook tristonho com motivos desconhecidos para isso.
Finalmente, um dos staff se aproximou discretamente de Gook Doo, murmurando algo em seu ouvido, que ele apenas consentiu em resposta. O assistente falou algo com Candice, que endireitou a postura e puxou seu pequeno bloquinho com alguns rabiscos de perguntas e fatos.
Um cheiro parecido com cranberry misturado com tabaco invadiu o ambiente, fazendo olhar para trás na mesma hora em que ele estava entrando.
Jimin passou na frente e se juntou aos outros. Jungkook olhava algo no celular e o enfiou no bolso antes de pisar na soleira da porta, olhando para frente. E para ela.
desviou o olhar na mesma hora, instintivamente abaixando a cabeça. Ele não vai se lembrar, ele não vai se lembrar. Ele não se lembraria de um rosto tão comum, enriquecido com uma ou duas pintinhas na bochecha, nada mais. Deu alguns passos para trás, ficando um pouco atrás de Candice, e mal viu quando Jimin a cumprimentou, todo simpático. fez mais uma reverência torta, abrindo o melhor sorriso que pode com os olhos cravados nos tênis, buscando um esconderijo atrás da montanha que era Gook Doo. Jimin cumprimentou Candice, que em seguida se virou para Jungkook, que se posicionou ao lado de Jimin no terminal da fileira.
Eles também se cumprimentaram e pode sentir que ele olhava para a pessoa estranha se esquivando atrás do assistente na sala. Todos ficaram em silêncio e ela teve de encarar, para que tudo aquilo acabasse logo. Levantou a cabeça e olhou para ele, que não demonstrou nenhuma expressão ao vê-la, abrindo um sorrisinho cortês para a loira logo depois.
Ótimo, ele não se lembrava dela. Não se lembrava que a morena da sala foi a responsável por expor seu relacionamento para o mundo. E responsável também por ter lhe chutado.
Candice começou a falar, confessando abertamente que estava ali também como uma fã, o que era uma confissão verdadeira, e que se sentia extremamente feliz em ter aquela oportunidade no seu currículo. Em seguida, disse sobre sua função e seu nome, iniciando aquela mensagem introdutória antes de se começar uma entrevista, que já estava atrasada, visto que outros membros da imprensa também precisavam fazer seu trabalho.
No entanto, os olhos de Jungkook continuaram desfocados. Ele encarou a loira, os próprios pés, o piso liso, tentou abrir mais sorrisos ensaiados, mas, por fim, voltou a encarar a garota perto da entrada.
Para ele, aquela noite estava sendo mantida no piloto automático. Nunca tinha sido tão difícil se manter concentrado, firme nas expressões manipuladas, nas respostas prontas, nos detalhes da vida de um artista que não expunham problemas de sua vida privada para a mídia, ainda que o mundo inteiro estivesse comentando sobre ela no momento. Agora mesmo, entre aquelas quatro paredes claustrofóbicas, só estava tranquilo e “normal” porque tinha desfrutado de uma boa dose de Jack Daniels patrocinada por Jimin na área externa, e talvez duas ou três tragadas em um cigarro qualquer. Pronto; já estava apto de novo para sorrir para as câmeras pela próxima hora, ou era o que esperava.
Contudo, em poucos minutos, a mente embaralhada tinha voltado. A boca da entrevistadora estrangeira abria e fechava com as mesmas perguntas, a mesma risada, o mesmo timbre de todos os outros… Não era o suficiente para prender sua atenção já desfalcada. Os olhos dele pulavam de uma parede a outra, de uma pessoa a outra, com nada sendo exatamente interessante para que ele fingisse que estava ali com mais eficiência. Nada capaz de reter sua atenção. As coisas estavam apenas passando e passando… Até aquela garota.
Jungkook paralisou por um instante. E se manteve parado à medida que ia absorvendo lentamente, muito lentamente, cada detalhe daquele rosto. E até mais do que isso.
As costas. Os ombros que escaparam daquele camarim bem debaixo de seu nariz.
percebeu. E notou alguma coisa acontecendo ali.
Sua imagem ganhando vida e um passado no cérebro do idol.
Um segundo que pareceu uma eternidade se passou até que ele assumisse uma expressão dura e um sorriso que esbanjava sarcasmo.
— Achei que eu estava louco, mas era você mesmo — ele falou naturalmente, interrompendo a fala de Candice no ato e fazendo com que todos trocassem olhares confusos — Está aqui a trabalho também? E dessa vez veio com uma gangue inteira.
O seu olhar era de puro desprezo, sem nenhuma tentativa de disfarce. Um burburinho começou entre os staffs e apesar de querer sair correndo antes, agora não conseguia mais se mexer.
Namjoon aproximou o tronco de Jungkook o quanto pôde, sussurrando algumas palavras que com certeza pediam uma explicação plausível para a atitude que ele estava tendo.
— Ei, hyungs, vocês não estavam loucos para saber quem tirou aquelas fotos? Deviam perguntar pra ela.
— Jungkook… — Candice começou a falar em um sussurro, mas ele não a deixou terminar.
— Qual o problema das produções dos shows ultimamente? — ele parecia incrédulo de forma chula, egocêntrica. Caminhou alguns passos para chegar até um pouco mais perto de , não se importando com a cena que causava. Ela imediatamente sentiu cheiro de álcool, um cheiro que se sobressaía ao da fruta — Eles são descuidados ou você realmente consegue se esgueirar por qualquer buraco? Está disfarçada de que hoje? Você parece normal pra mim, não consigo identificar…
— Jungkook, isso é um grande mal entendido. Ela só estava fazen…
— Candice! — interrompeu; seu orgulho não permitia que deixasse alguém defendê-la naquele instante, causando ainda mais comoção. Ela não conseguia deixar de retribuir o olhar nojento daquele cara, rico em ódio e rancor. Mas um nó em sua garganta prendia qualquer argumento que ela pudesse usar — É melhor eu ir…
— Acho que por questões de segurança vou ter de pedir para revistarem sua bolsa. Talvez você tenha conseguido comprar uma câmera nova para o seu passatempo favorito de destruir o lado humano das pessoas. Aliás, ela era mesmo tão cara assim? Afinal, você está aqui…
Em um impulso de ódio, jogou a bolsa com toda a força no chão à frente de seus pés. Ele queria humilhá-la, deixar claro para todos que ela não merecia nem a simpatia deles. Que ela era a completa escória. tinha rubor escarlate no rosto, tanto de vergonha quanto de raiva, mas não conseguia aceitar a situação da injustiça. Seja como fosse, ela não havia publicado as fotos. Na verdade, se sentia mal até por tê-las tirado.
Em um segundo, as vozes começaram a se misturar, fervorosas e indignadas, mas não ficou para ver o que aconteceria. Em um instante, estava saindo da sala, o nariz ardendo inutilmente, maluco para que ela gritasse alto, deixasse escapar um palavrão. Não sabia se era um grito de raiva ou culpa. Ela sentia culpa, sentia toda vez que lia sobre o assunto na internet, e seu interior tentava se convencer o tempo todo que talvez ele já estivesse bem. Que não era nada demais e que ele poderia ter a garota que quisesse. Poderia nem ter terminado com a garota das mensagens. Vê-lo ainda tão magoado por causa daquilo só mostrava como sua intuição era péssima.
não sabia para onde estava indo. Os seguranças pareciam estar em outro lugar, e os poucos que restavam por aquele grande corredor não parariam uma garota com aquele crachá, mesmo que ela irrompesse como um furacão na direção da saída. Ao final dele, havia uma led gigante pendurada no teto, e a noite escura lá fora. Parecia um backstage, lateral ao palco, com uma visão total do estádio, e a área vip em que ela estivera ao longe.
Ela trincava os dentes com brutalidade, apertando os dedos dentro das mãos, querendo fazer algo com eles, como socar uma parede ou derrubar um daqueles leds. Estava um pouco assustada com a ideia de que gostaria mesmo de fazer aquilo, porque chorar estava fora de cogitação. Só fazia 1 dia que estava na cidade, 1 mísero dia, e ela já estava tendo motivos para se questionar se tinha feito a escolha certa.
Ao menos, se quisesse chorar, não havia ninguém ali para vê-la, mas expulsou esse pensamento. Apesar de se sentir mal, a vontade que ela tinha de não dar nenhum gostinho de vitória para ele era maior. Sabia que Jungkook era um grande fragmento entre celebridade e pessoa, assim como todos que tinham a fama como um fardo nas costas, e que certamente o Harry Styles e o Timothée Chalamet devem ter ficado furiosos quando suas fotos escapavam nas revistas em momentos inesperados, mas ela nunca teve de encontrá-los em algum lugar depois para verificar isso.
Era por esse singelo motivo que paparazzis quase sempre conseguiam escapar de broncas e de processos na Califórnia: ninguém sabia quem eles eram, e ninguém deveria querer saber. Sem eles, o mundo dos famosos seria nada mais que um programa de auditório, onde tudo é milimetricamente roteirizado e perfeito. Mas no fundo, ninguém suportava perfeição, por mais que a desejassem na mesma intensidade.
Portanto, a dualidade de sentimentos entre o se sentir culpada ou não a consumia aos poucos. Ela poderia dizer que estava trabalhando, mas de que isso importava? Não era um trabalho muito respeitável, de qualquer forma.
segurou nas barras de metal frágeis do pequeno parapeito, respirando o ar gelado do início da primavera enquanto via um montante de funcionários invadirem o campo para começarem a desmontar tudo.
— Espero que não esteja pensando em jogar alguém daí ouviu uma voz às suas costas e se virou no susto.
Ela teve certeza que teve uma arritmia cardíaca, mesmo que não soubesse como era uma. Sua boca ficou seca e não conseguiu responder de volta, não só pelo fato de não ter entendido o que ele disse.
Um vinco se formou em sua testa. Uma expressão de reconhecimento.
— Eu reconheço você, não é? — Agora ele falou em inglês e mesmo assim não conseguiu responder. Já não bastava a humilhação de Jungkook, agora esse cara também a crucificaria pelas fotos.
Continuou sem dizer nada. Talvez ele pensasse que ela era muda e fosse embora.
— Você é a paparazzi? — ele a lançou um sorriso leve, sem rancor ou surpresa. Apenas achava a situação divertida.
— Não sou paparazzi — não era mais. Naquela noite realmente era, mas ela não queria ficar parada se explicando para um cara que claramente só queria rir dela. Pegou o tranco nos pés e passou por ele para sair do lado de fora, mas ele encostou a ponta dos dedos em seu braço, fazendo-a parar sem grande esforço.
— Ei, calma… Eu não tô aqui pra te entregar nem nada. O que está fazendo do lado de fora nesse frio?
Por que raios ele estava perguntando aquilo quando havia uma infinidade de outras coisas para perguntar? Como por exemplo: vem cá, o que você está fazendo na Coreia? Não era uma pobre coitada? Mas só depois que ele falou, percebeu o quanto realmente estava frio, e aquela blusa e saia não serviam de nenhum abrigo. Sua repentina tremedeira não passou despercebida pelo cara bonito, que deslizou os polegares pela própria jaqueta por tempo demais, como se ponderasse em tirá-la para oferecer a garota.
engoliu em seco. Aquilo era ridículo. Deveria dar um jeito de ir embora. Esperava sinceramente que Candice não boicotasse sua primeira entrevista oficial com o grupo para sair e procurá-la. Esperava encontrar um local afastado até que a amiga fizesse um malabarismo como só ela era capaz e terminasse o que veio fazer para que finalmente fossem jantar, ou algo perto disso.
Pensar no jantar fez sua barriga roncar de novo, dessa vez mais alto. Tão alto que o cara claramente escutou, já que começou a rir. sentiu as bochechas ficarem ainda mais vermelhas.
— Valeu pela preocupação, mas já estou indo — falou rápido e se virou para o corredor, seguindo em frente novamente para lugar nenhum.
Ouviu a voz dele chamando-a atrás, mas não se virou. De algum modo, ela tinha gostado muito da gentileza sem contexto do cara, e não se impressionava com a gentileza de ninguém. Mas isso não apagava aquele peso no estômago e a sensação horrível de ser tratada como lixo tal qual aconteceu há minutos atrás. Ela não sabia descrever a necessidade de desaparecer que estava florescendo em todas as partes do corpo. Queria desesperadamente não olhar para ninguém, e que o mesmo acontecesse da outra parte.
Subitamente, Candice brotou de uma porta ao lado esquerdo do corredor, a mesma da qual ela havia saído, porém não se lembrava. Tinha saído rápido demais.
— Meu Deus, onde você se meteu?! Pedi ao Gook Doo que te procurasse lá embaixo! — ela parecia realmente preocupada, mas ainda segurava a vontade de gritar com ela — Você está gelada, onde você estava?
— Ela estava lá fora no frio, e pelo visto também está com fome.
Com o piso estalando sob os pés, o cara de antes tomou a frente da resposta, como se nunca tivesse saído de trás de . A jaqueta agora estava pendurada em uma de suas mãos e ele trajava um sorriso de canto encantador.
A boca de Candice se abriu em uma expressão de choque, mas ela logo se recompôs. Olhou de para ele rapidamente, como se estivesse ligando os pontos. Não, ela não podia estar pensando naquilo. Era impossível. Eles tinham acabado de se conhecer, isso se a primeira vista naquele corredor fosse totalmente desconsiderada.
— Claro, o jantar! Eu ainda não a levei pra jantar — ela deu um riso sem graça, explicando para ele, não para a amiga.
— Você conseguiu sua entrevista? — redirecionou sua atenção para ela através de um puxão discreto. Candice estava encarando o cara fazia mais de 20 segundos, o que já era estranho — Podemos ir pra casa?
— Sim, deu tudo certo, não eram muitas perguntas mesmo. E eu tratei de explicá-lo sobre a história, eu disse que você não foi a resp…
— Ótimo, então podemos ir embora — interrompeu, puxando-a levemente para o outro lado, até as janelas na outra extremidade — Onde está o Gook Doo? Peça para nos encontrar na entrada, acho que você sabe chegar lá.
— Então você é repórter? — O cara falou novamente, fazendo-a parar de tentar arrastar Candice dali, pois ela virou bruscamente para ele, soltando a mão de .
— Colunista da Vogue, pra ser mais exata. Infelizmente ainda não tenho cartão de visitas, mas me chamo Candice Chaperman. Acabei de ser transferida pra filial daqui — ela deu um sorriso vitorioso, mas contido — Essa é minha amiga — ela a puxou para o seu lado, como se tentasse exibi-la.
— Você veio assistir o show? — ele inclinou a cabeça para a porta ao lado.
— Sim, e também entrevistá-los para a revista. E você?
— Eu vim para o happy hour — ele deu de ombros — Uns amigos estão chegando também. Tenho certeza que vocês podem vir junto se quiserem, depois de tirarem esses crachás.
— Não podemos! — respondeu prontamente antes que Candice abrisse a boca. Ela de repente teve uma sensação de altura vertiginosa. Não existiria tragédia pior do que ter de encarar Jungkook e todos os outros 6 de novo — Acabamos de chegar no país e não gravamos nem o endereço da nossa casa ainda. Então…
— Posso levar vocês depois — ele deu outro sorriso irritantemente bonito — Claro, se essa for a sua preocupação real.
— Nós aceit…
— Não podemos — reiterou, apertando as unhas na mão de Candice, que se segurou para não choramingar — Temos compromissos amanhã bem cedo e, como eu disse, mal sabemos o caminho de casa. E creio que não é bem visto que a imprensa se misture com os artistas dessa forma, mesmo que ela seja uma novata. Vamos deixar pra próxima.
Para uma próxima vida, ela quis dizer.
Candice esboçou uma careta um tanto surpresa pela eloquência de em responder o sujeito, vestindo um olhar desesperado para que ele fosse embora dali, de preferência naquele momento, e foi algo extremamente diferente que a fez se ajeitar nos saltos e dizer:
— É… Minha amiga está certa, não podemos aceitar. Vou procurar meu assistente para irmos embora. Me esperem aqui!
E ela já estava dando as costas, entrando pela mesma sala de antes.
A porta que havia corrido minutos atrás, uma porta que ainda podia se abrir com Jungkook e seu olhar frio e letal.
— Você parece brava mesmo — o cara parecia sentido. não fazia questão nem de disfarçar, e de repente se sentiu mal por isso.
A garota suspirou e coçou levemente a cabeça.
— Não, foi mal, é que… É que o dia de hoje não está sendo exatamente o que eu esperava.
— Acho que reparei… — ele olhou bem no fundo em seus olhos de uma maneira quase hipnótica. Percebeu que ela poderia não ter chorado, mas se segurou para isso, assim como os dedos ainda estavam um pouco fechados em punho nas mãos. franziu os lábios e desviou o rosto para as janelas, aquelas enormes e velhas janelas de fábrica que começavam apenas alguns centímetros acima das velhas e largas tábuas do parapeito — Ele não te fez chorar, fez?
ficou sem palavras. Não só pela insistência dele em olhá-la daquele jeito, mas pelo tom de suas palavras. Como se fosse uma pergunta que ele precisasse fazer.
Pensou em fazer a desentendida e questionar sobre quem ele falava, mas ele sabia quem ela era no mesmo segundo em que bateu seus olhos nela, assim como ela jamais esqueceria aquele rosto entalhado de beleza e gentileza que havia se chocado no seu há cerca de 1 mês atrás.
apenas cruzou os braços distraidamente, balançando a cabeça em negação.
— Ele não tem esse poder sobre mim.
Os lábios do desconhecido cintilaram em um sorriso pequeno e confiante, e ele se aproximou rapidamente, claramente satisfeito.
— Boa resposta, .
entreabriu a boca quando sentiu um pulsar nada familiar na região do peito, seguida de uma queimação intrometida na bochecha quando percebeu que, talvez, de todas as músicas que tinha escutado naquela noite, seu nome proferido por aquela voz tinha sido a melhor de todas.
Meu. Deus. Só podia ter ficado maluca.
Quando ela o encarou mais uma vez, percebeu que ele era mais alto do que quando pensou que fosse alto da primeira vez que o viu.
— Caso você precise, meu nome é Jaehyun. E seja bem-vinda à Seul.

[1]: referência à música American Money, do cantor Børns.
[2] TEPT: transtorno de estresse pós-traumático. Referência ao possível distúrbio mental retratado no personagem Rambo.


Interlude II

🎵 Ouça aqui:
Why'd You Only Call Me When You're High? - Arctic Monkeys

"O reflexo no espelho
Me diz que é hora de ir para casa
Mas eu não estou pronto
Porque você não está ao meu lado
﹝...﹞
É cada vez mais difícil fazer com que você ouça
A medida que eu avanço
Incapaz de fazer as escolhas certas
E tendo ideias ruins
﹝...﹞
E não consigo te ver aqui, me pergunto onde eu estou (estou)
Meio que parece que estou correndo contra o tempo (tempo, tempo)
Eu não encontrei o que esperava encontrar (encontrar)"

Jungkook se agachou e começou a remexer numa pilha de caixas de papelão encostadas nas janelas até conseguir formar um assento.
Quando finalmente encontrou uma posição, sentou-se no amontoado de poeira e puxou o maço amassado do bolso de trás, acendendo-o com o isqueiro minúsculo que não dava volume no tecido e tragou com força, retendo a calmaria e silêncio que necessitava das pequenas partículas de fumaça.
Silêncio esse que não durou por mais 3 minutos, quando a porta velha de madeira rangeu e Yoongi colocou a cabeça para dentro.
— Sabia que você estaria aqui.
O mais velho entrou, deixando que um resquício da música e das conversas respingassem um pouco para dentro antes de calá-las com o fechar da porta. Jungkook revirou os olhos e apoiou as costas na parede.
— Se veio me mandar subir, vou dizer pra você ir se foder.
— E eu mando em você, por acaso? — Yoongi se aproximou e estendeu uma mão — Me dá isso.
— Vai se foder.
— Achei que só diria se eu te mandasse subir.
— Se me mandar subir ou tentar pegar o meu cigarro. Vão ser só 10 minutos, o happy hour pode continuar sem mim.
— Me dá logo essa porra — Yoongi grunhiu, mantendo a mão no ar. Jungkook revirou os olhos e xingou, entregando o maço com irritação. Sempre era difícil se livrar de um maço de Dunhill, porra.
Yoongi caminhou até o outro lado e arrastou uma das outras caixas espalhadas, bem ao lado dos caixotes que escondiam os restos dos vegetais e dos produtos vencidos do restaurante, e sentou-se da mesma forma que Jungkook, puxando uma guimba da caixa e acendendo-a com um isqueiro bem maior e bem mais bonito.
Jungkook arqueou uma das sobrancelhas.
— Disse que tinha parado de fumar.
— Você precisa parar de acreditar em tudo que eu digo — Yoongi ergueu o pulso e lançou a caixinha pelo ar até que Jungkook a pegasse com apenas uma mão — E eu devia dizer pra você parar de fumar, mas que se foda, já tem 24 anos, sabe bem o que faz.
Jungkook se endireitou para ficar mais confortável no montante de pó e do cheiro almiscarado de madeira molhada. O lugar não devia ser visitado há pelo menos 1 semana, e as pessoas duvidariam muito se descobrissem que o porão escuro do restaurante caro em que o BTS era cliente fiel situado no distrito de Gangnam era um dos lugares favoritos de Jeon Jungkook quando queria que o mundo lá fora explodisse.
Hoje, especialmente, ele queria muito isso.
— Por que desceu também? — Jungkook quebrou o silêncio confortável, a cabeça apoiada para encarar o teto sem luz.
Yoongi moveu um pouco os pés para se desvencilhar de uma teia de aranha que estava pressionada contra o osso do joelho.
— Estava chato.
— Se estivesse chato, você iria embora para a sua casa, não viria até aqui.
— Em casa também estaria chato.
— Você tem um cachorro, quadros para pintar, um estúdio…
— Você quer mesmo me ouvir dizer que vim ver se você está bem?
Yoongi não estava olhando para ele, o rosto coberto com a fumaça do Dunhill, mas soube pelo silêncio do garoto que aquele tipo de resposta também não o deixava melhor.
— Eu estou bem — afirmou, reiterando a palavra. Havia algo em sua postura que não permitia o julgamento do contrário.
Afinal, para seus amigos e irmãos do trabalho, Jungkook sempre estaria bem.
— Como vai a Ali? — Yoongi perguntou, e Jungkook engoliu em seco.
— Péssima. Disse que não quer mais sair de casa. Não quer mais voltar para a UNS. Não quer chorar na minha frente, mas já secou todo o estoque do whiskey. Os filhos da puta com as câmeras não saem da frente do apartamento dela, não importa o quanto eu ligue pra polícia — Jungkook bufou, e mesmo no escuro era possível distinguir sua expressão entupida de cólera. — Eles encontraram coisas que nem acreditei que ainda existiam. As nossas fotos em restaurantes, no carro, em algum beco da Europa, tudo isso nas mãos dos desgraçados que tinham sido pagos para se livrarem do material. Pelo menos foi o que o Bang me disse, que tinha pagado. Mas os filhos da puta acumularam cópias e mais cópias dessa merda ao longo dos anos e esperaram o momento oportuno para fazer ainda mais dinheiro com elas. Um momento em que essas coisas não seriam interessantes o suficiente apenas na merda desse país, mas em todos os outros.
— Foram inteligentes, se me permite dizer. Conseguiram até mesmo provar a antiguidade do relacionamento de vocês. Instigaram uma revolta implacável — Yoongi encarou a fumaça sem denotar grandes mudanças na voz. Se enchesse seu vocabulário com palavras de conforto e um timbre um pouco mais passional, faria Jungkook se retesar com a mísera ideia de que ele estava com pena.
Mas o garoto apenas rangeu os dentes audivelmente, querendo passar adiante toda a frustração que estava guardando a partir do momento em que Namjoon o dera uma bronca pelo modo como agiu naquele camarim.
— Doentes de merda. Todos eles são. Quem tirou, quem publicou e todos os imprestáveis que estão cedendo tempo para comentar aquelas coisas horríveis e insanas sobre Ali. Eles nem a conhecem, não sabem de um ⅓ do que aconteceu, e não sabem o quanto ela é importante pra mim! Caso contrário, parariam de perder tempo tentando fazê-la chorar.
— Você sabe que isso pioraria as coisas, não sabe? — Yoongi se ajeitou na caixa até inclinar o corpo para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos — Se você falasse alguma coisa, não melhoraria em absolutamente nada, JK. Infelizmente, não temos o privilégio de responder as perguntas que queremos e nem de perguntar sobre as ordens que recebemos. Parece uma loucura, mas é verdade, independentemente do que dizem nos blogs. Vai muito além de reputação, tem a ver com imagem, com uma ilusão para venda, uma posição que decidimos ocupar há quase 10 anos porque tínhamos um sonho e precisávamos pagar o preço.
Agora esse preço estava sendo cobrado em todas as áreas, porque Jungkook percebeu, pela primeira vez, que também tinha se iludido quando pensou que seu coração fosse a única coisa que conseguiria esconder das pessoas, o único elemento que não faria parte dos holofotes, junto com todas as caixas de pequenas coisas que fazia questão de guardar para si, como gostar de estourar os ouvidos com Nirvana e fumar um Gold Flake sempre que tinha vontade.
Agora até mesmo essas caixas pareciam escondidas por uma peneira frágil, ameaçando estourar e revelar o personagem que ele manteve esses anos todos para a selva midiática.
Porque o Jungkook de verdade, o garoto enclausurado dentro daquele porão e dentro daquelas roupas ainda de pós show, estava louco para pegar um microfone e gritar para a multidão que amava Ali Dalphin, independentemente de tudo que estavam dizendo sobre ela, sobre o que achavam que ela era, e que se pudesse, pegaria o primeiro avião para a Virgínia e faria um casamento no campo, com apenas os dois, muita cerveja e Justin Vernon no lugar de um padre.
Impulsivo e sonhador. Esse era Jeon Jungkook quando amava, quando estava claramente apaixonado e entregue a uma causa. Cada mísera ação daquele cara disseminava determinação, bondade, um furor maluco de querer lutar contra o mundo, de fazer até mesmo o que diziam ser impossível, como cuspir em cima de um sonho que tinha desde que se conhecia por gente.
Mas toda essa loucura não combinava com sua posição. Ele sabia disso, sabia tanto que o esmagava quando pensava nisso. Toda a impotência da situação massacrava seu cérebro, e as circunstâncias de silêncio o faziam abrir um sorriso forçado no rosto que as pessoas insistiam que era de verdade. Isso só o mostrava cada vez mais o quanto aquele bando de gente que o amava não sabia porra nenhuma sobre ele.
— Eu sei que estragaria tudo — disse ele, chutando um pedaço murcho e morto de alho poró, com uma quantidade prodigiosa de terra — Sei que as vendas cairiam. Sei que vasculhariam ainda mais a vida dela, que a porra dessa sociedade conservadora do caralho não nos deixaria em paz com as fotos, mas ainda assim… Ainda assim, eu acho que quis estragar tudo, Yoongi. Ainda quero. Porque no momento, odeio tudo isso. Odeio essa indústria, odeio as regras, os contratos, os shows, as músicas, a maquiagem, o dinheiro, odeio tudo. Odeio mais do que já amei algum dia. E mais ainda quem causou tudo isso.
E odeio não poder pegar um voo para a Virgínia, ele queria completar. Odeio não me esconder em uma dessas caixas de porão até que tudo passe. Porque também odeio Ali e sua raiva mórbida, e odeio tudo que causou isso, odeio ela. Aquela.
Yoongi baixou os olhos, murmurando um “humm” de compreensão, como se Jungkook finalmente tivesse chegado ao ponto que ele queria.
— Você não devia ter feito aquilo.
Jungkook soltou uma risada sem humor, recheada de sarcasmo.
— Não dou a mínima. Sempre admirei a coragem alheia, mas a dessa garota ultrapassou todas as expectativas. Ela só pode ser algum tipo de pirada para aparecer aqui.
— A loira disse que não foi ela.
— E a loira agora é nossa amiguinha para que todos vocês acreditem naquela historinha dramática do caralho de armação, porra? — Jungkook travou o maxilar com a raiva, nervoso com a lembrança da mulher que falava e gesticulava sem parar enquanto contava como sua pobre amiga não teve a chance de publicar aquelas fotos. De onde veio tanta criatividade, meu Deus? — Vocês já foram melhores do que isso, Yoongi.
— Não estou dizendo para você acreditar em nada, só estou falando que não importa mais. Não chamo aquela garota de corajosa, já que ela parecia tão perturbada quanto você, e se deixou levar pelo seu descontrole para sair da sala. Essas coisas não se resolvem assim, e não vejo como algo pode ser feito…
— Eu não queria que algo fosse feito, Yoongi.
— Então…
— Eu queria que ela desaparecesse! — Jungkook aumentou ligeiramente o tom de voz, colocando-se de pé em um impulso, balançando os braços e os dedos que seguravam o cigarro na metade — Queria sentir ódio só da imagem dos infernos que tive em New York, a imagem que eu amaldiçoei centenas de vezes desde que tudo aconteceu, mas me livrei dela porque não adiantaria de nada ficar tentando adivinhar quem acendeu o fósforo quando a explosão já aconteceu e ainda estamos limpando a bagunça. Mas ela apareceu, Yoongi, apareceu andando calmamente por aí, como todos aqueles filhos da puta no exterior aparecem depois de foderem com alguém, escondendo a porra do rosto atrás de uma lente, os profissionais de merda em escalonar o caos e se fingirem de civis inocentes depois. Pode me olhar do jeito que você quiser, mas não tô suportando a ideia de que essa garota esteja aqui, dividindo a mesma cidade comigo, vinda da puta que pariu como se quisesse esfregar na minha cara que conseguiu me foder.
— Eu não acho que ela estava pensando em te foder. Não acho nem que estava pensando em você quando tirou as fotos.
— Você sempre me disse pra desconfiar de tudo e todos, qual o seu problema agora, cacete? — Jungkook rosnou para o amigo, fechando ainda mais a cara furiosa — Vai me dizer que não acha toda essa merda estranha? Vê-la e vê-la aqui, qual é, vai se foder. Até Jaehyun confirmou que era mesmo ela, e ele a viu por dois segundos! Chame do que quiser, mas o fato é de que ela tirou aquelas fotos, bagunçou o que estava no lugar e agora tenho seu nome e rosto como um tipo de castigo. Porque não tenho nada a fazer com isso a não ser sentir ainda mais ódio.
Jungkook respirou fundo, olhando para a primeira parede cheia de infiltrações, lembrando-se daqueles olhos grandes sustentando seu olhar com medo, raiva e descontentamento, recusando-se a abaixar a cabeça, recusando-se a pedir desculpas.
Pelo menos nisso ela era corajosa. Até o momento em que fugiria de novo, como ele bem esperava que fizesse.
— Você vai contar pra Ali? — Yoongi perguntou no meio da semi escuridão, vendo Jungkook com os braços caídos ao lado do corpo, ardendo internamente com a imagem da garota em sua cabeça — Que a encontrou hoje.
Jungkook ponderou por meio segundo até se virar novamente para o amigo, sacudindo a cabeça em um não.
— Nunca vou contar isso para ela.
— E por que não?
Jungkook suspirou, e chutou mais um pedaço de folha para a outra parede.
— Porque algo me diz que as bombas de Hiroshima e Nagasaki não seriam nada comparadas a ela.
O vinco na testa de Yoongi fez Jungkook levantar os ombros levemente. A imagem que tinha da namorada, presa dentro de seu apartamento por dias, o lugar onde tinha batido o pé que não moraria, o trazia um misto de revolta e tristeza. Quanto mais Ali insistia em ler as notícias, mais ela bebia, mais resmungava, mais se afastava dele. Estavam mais perto fisicamente do que estiveram em 3 anos e mais longe do que nunca. Ali insistia em convocar uma legião de advogados e quem quer que fosse para destruir o mal pela raiz – a pessoa que tinha dado o clique, a pessoa que Jungkook havia tido o desprazer de conhecer há poucas horas atrás.
seria a cura da fossa de Ali Dalphin, o motivo que faria sua garota voltar a sorrir, nem que fosse por motivos obscuros, mas quando ele se lembrava dos olhos animalescos e dos discursos regados a álcool que escutava dia após dia, sabia que Ali não estava brincando e que não estava no seu melhor estado mental.
Ninguém estava. E naquilo tinha que concordar com seus amigos: não podia resolver nada com os nervos ainda tão escancarados.
— Ela não vai saber, Yoongi — Jungkook reiterou quando viu que o amigo ainda esperava resposta — Ainda acho que tudo isso vai passar e as pessoas vão se esquecer de toda essa merda e nos deixar em paz. Já passei por fases ruins antes com Ali, não vai ser essa merda que vai nos destruir. E além do mais… — ele soltou uma grande quantidade de fumaça no ar, que embaçou até mesmo as vigas frágeis do teto — Não vou perder meu tempo com turistas.
Yoongi balançou a cabeça, jogando um pouco de cinzas no chão empoeirado.
— E se ela não for uma turista? — perguntou ao se lembrar da apresentação da loira, e de como ainda parecia um pouco mecânica para falar e se portar como normalmente os canais de comunicação faziam. Ela era novata, e certamente não estava fazendo um trabalho esporádico de curto prazo.
Jungkook virou o rosto para Yoongi, e havia algo de infantil e venenoso no seu sorriso, algo que era grotescamente bonito.
— Então vou fazê-la desejar nunca ter entrado naquele avião.

・ ❬📸💔❭ ・


Jungkook forçou a comida de volta na garganta.
O súbito susto o fez engasgar como um idiota, e Ali franziu o cenho do outro lado da mesa.
— O que você disse? — perguntou ele quando terminou de tossir, puxando uma caneca grande de café.
— Falei que conheci alguém no curso.
— A outra parte — inquiriu. Ali remexeu os ovos com o hashi até puxar um.
— Que é uma garota?
— A última parte, meu bem.
— Que o nome dela é ? Eu acho que é esse, só a conheço por uma semana e nos tratamos pelo sobrenome. . Eu achei bem bonito — ela esboçou um mísero sorriso de canto enquanto mexia em uma velha moeda romana que sempre carregava no bolso — É bom conhecer outra estrangeira, para variar. Sei que ela sabe quem eu sou, mas parece que não dá a mínima pra isso. E as fotos dela…
Jungkook não estava mais escutando. Sua atenção tinha se dissipado, se transformado em poeira secular, à medida que o nome ganhava um rosto e um contexto, e de repente o ar lhe faltou de modo audível. Ali perguntou se estava tudo bem e ele apenas balançou a cabeça e disse que estava, controlando o ímpeto de mover as pernas e ir fazer alguma loucura.
Não dava para acreditar. Não dava para aceitar que fosse tão maluca!
A raiva se acendeu em Jungkook em cada molécula do corpo, e a comida já não tinha mais graça, o que o deixava com ainda mais ódio. Era a primeira vez naquela semana que Ali quis tomar o café da manhã; que disse algo da universidade; que esboçou um sorrisinho por alguma coisa que acontecia do lado de fora.
E tudo isso por causa de uma garota que logicamente estava mentindo pra ela.
Com os músculos rígidos, Jungkook olhou apenas para o café, lembrando e relembrando daqueles olhos odiosos na superfície do líquido, como se ela pudesse se afogar ali.
— A que horas é a sua aula? — Ele perguntou sem perceber. Ali mordeu um pedaço de torrada.
— Daqui há 40 minutos.
— Posso te levar?

・ ❬📸💔❭ ・


Ali recusou a carona. É claro.
Por mais que Jungkook tenha insistido que jamais iria com a Mercedes, Ali Dalphin já estava ferida demais pelos comentários que tentava ignorar dia após dia, ou pelo menos era o que tinha dito à ele.
Ele respeitou sua vontade. Mas não deixou de estacionar com a Hyundai bem na frente do campus, tranquilo com os vidros escuros como breu e misturando-se com os outros carros espalhados no estacionamento de grama baixa tão parecidos uns com os outros.
Jungkook já havia perguntado como eram os prédios, os professores, as aulas e tudo que é possível de saber sobre o curso de fotografia de Ali muito antes de toda aquela bagunça. Ele se lembrava nitidamente do edifício que a deixou uma vez, uma grande caixa retangular de tijolos brancos, ou que eram brancos, com uma outra pedra mais clara que o resto da superfície hoje encardida.
Quando viu aquele emaranhado de cabelos descendo as escadas largas da entrada no fim da manhã, Jungkook logo cerrou os dentes e desfez o cinto de segurança. Odiou cada segundo da sequência de abrir o porta-luvas, colocar um boné, máscara e sair do carro, enfiando as mãos nos bolsos para esconder cada mínimo reflexo da tatuagem nos dedos. Ninguém parecia estar saindo junto com ela, e a garota andou distraída pela calçada enquanto puxava algo da bolsa crossbody, algo que parecia uma barrinha de cereal. Ela parecia mesmo um pouco faminta.
Quando se virou para entrar em um estabelecimento, Jungkook não se preocupou em ver qual era. Observou a garota freando os pés repentinamente, lendo algo em um pequeno bloco de notas, e em seguida caminhando até o balcão para dizer palavras arrastadas em coreano. Para quem estava na cidade há menos de 3 meses, ela estava conseguindo se fazer entender, pelo menos. O homem do balcão assentiu com a cabeça diversas vezes e apontou para um dos corredores nos fundos da loja, comentando algo sobre ela não precisar ter pressa.
Jungkook olhou para a direção que ela seguia. E só então caminhou, com os olhos grudados em um conjunto de fitas para o pescoço, amuletos chineses e pingentes de chaves, como qualquer outro cliente.
Mais ao fundo, os limites da loja repeliam qualquer luz do sol, mantendo-a seguramente do lado de fora, transformando a estrutura estilizada do lugar em algo parecido com os bares subterrâneos de Bangkok. Havia a imagem de um corvo entalhado em uma das paredes de tapeçaria vermelha, e quando as prateleiras começaram, ele pensou por um segundo que a havia perdido. Prateleiras enormes, guardando todo o tipo de coisas: cerâmicas, louças, aparelhos eletrônicos, bandeiras, artesanato oriental, dezenas e dezenas de estátuas de Buda e… Câmeras. Várias delas. Diversos modelos antigos com seus respectivos filmes ou respectivas peças para se vender separadas. Não parecia um bom lugar para se comprar equipamentos profissionais.
Ele costurou as estantes com rapidez, sem tempo para adivinhar o que ela fazia ali. Quando a viu, há alguns metros na frente, ela tinha a cabeça inclinada para trás, o corpo se alongando para tentar pegar algo em uma prateleira mais alta. Ele arrancou a máscara e se aproximou em silêncio, erguendo o braço para cima e pegando o objeto que seus dedos tentavam desesperadamente tocar.
— Obrig…
travou no meio da palavra quando se virou para olhar o responsável pela ajuda. Jungkook segurava o carretel, um objeto que se parecia muito com uma pedra com um buraco no meio, no qual ele encarou a garota através dele por um segundo. A forma da pedra deixava a imagem de em foco, e talvez trazia à tona os últimos resquícios de sua simpatia.
— Qual é a sua? — ele perguntou, estendendo aquela coisa para ela. olhou do objeto para ele antes de perguntar:
— O que está fazendo aqui?
— Eu perguntei qual é a sua, porra? — não demorou muito para que ele trincasse os dentes com a raiva que engoliu junto com o café. — O que você ainda está fazendo aqui?
— Como assim? O que…
— O que ainda tá fazendo na porra da cidade, na porra do país? Se aproximando da minha namorada com essa cara de pau?
— Quê?!
— Para de se fazer de desentendida, cacete. Por que caralho você ainda não foi embora?
— Eu nunca disse que iria embora…
— Que se foda o que você disse — Jungkook se aproximou da garota, os olhos crepitando com a ira explícita, deixando parte de seu controle completamente de lado — Quanto você quer pra sumir? Hm? Tenho certeza de que seja lá o que esteja estudando aqui, pode estudar em qualquer outro lugar. Para onde você quer ir? Paris? Espanha? Londres? — ele pontuou as sugestões com um levantar de ombros, e sentiu como se ele tivesse jogado uma caixa pesada bem na sua cabeça — Uma ligação e você tá dentro.
Qualquer outra resposta que poderia sair da garganta de morreu junto com a sua paciência. Cada sugestão dele formava um buraco dentro dela, e de repente o rosto escondido debaixo do boné não era de Jeon Jungkook, mas um rosto muito parecido com o de James Parker, um cara que dissera coisas e prometera Londres com olhos esperançosos para conseguir o que queria. sentiu nojo dele na mesma hora, nojo de suas palavras e de sua presença.
— Responde! O que mais você quer arrancar dela? Quer escolher uma oportunidade que case com seu próximo furo? Não vê que o psicológico dela já tá fodido o suficiente? Qual é o seu…
— Saia de perto de mim — murmurou entre os dentes, sustentando o olhar de repulsa do rapaz, controlando-se para não repetir o movimento do camarim: um chute certeiro que o deixaria desorientado por vários segundos.
Só então Jungkook percebeu o quanto estava próximo, e o quanto seus dedos se enterravam nas palmas para não tocar no braço dela, ou qualquer outra coisa para que ela não visse o quanto a fúria irradiava de seu ser. Ele se afastou lentamente, olhando para a face com músculos cerrados da garota. Um lado de seu rosto estava vermelho com a luz escarlate do ambiente, transformando-a em um reflexo de seu próprio ódio.
— Eu não sei do que você está falando, não quero a porcaria do seu dinheiro e não sou quem você julga que eu sou — voltou a falar, mantendo o tom de voz normal, ainda que ele parecesse um pouco hesitante.
Jungkook riu pelo nariz, e a raiva borbulhou ainda mais.
— Tá ofendendo a minha inteligência? Pelo amor de Deus, se toca! Olha a zona que você arrumou! E não contente, decidiu se matricular na turma dela? O que você quer com a Ali? É consciência pesada?
— Eu não quero nada com ela…
— Por que não contou a ela quem você era?
— Por que você não contou?
Jungkook franziu os lábios, respondendo em um tom mais baixo que o normal:
— Porque ela acabaria com você — e se aproximou novamente, desta vez bem pouco, apenas o suficiente para abaixar a cabeça e reiterar: — E apesar de eu não dar a mínima pra isso, Ali acabaria se destruindo também. Mais do que já está, com todos esses comentários grotescos sobre ela que estão fazendo mais mal do que ela se permite admitir.
se encolheu por um segundo. Mesmo que Jungkook quisesse mandá-la para qualquer barco em alto mar ou para o mais alto das montanhas, ele também estava genuinamente preocupado com Ali e seu estado mental, mesmo que pudesse estar sendo, de uma forma louca e de muito de mal gosto, um dos motivos para o qual Ali não queria se manter trancada e fora da realidade em seu apartamento.
E ela se lembrava de como havia encontrado Ali naquele banheiro na primeira vez. De como a modelo parecia um pouco destruída, e de como se sentiu uma maluca por ter tido coragem de abrir a boca com ela. E em como quis fugir para alguma caverna de pedra no Reino Unido quando a mesma loira se sentou a alguns metros dela na grande sala oval, e em como esses metros estavam gradativamente diminuindo com o passar dos dias apenas porque não parecia nutrir nenhum olhar curioso sobre Ali Dalphin e sua vida pessoal.
Nada disso foi premeditado, em nenhum centímetro. Mas ele ainda estava olhando para através de sua raiva, inflexível em sua crença de que ela era o anticristo particular de sua vida perfeita.
— Não falei pelo mesmo motivo que você — admitiu ela, estranhamente constrangida — Eu sabia que contar não ajudaria em nada, e pioraria tudo, e eu… Eu não vim pra cá por causa de absolutamente nada relacionado a você, ou a vocês dois, acredita em mim, tudo isso é uma terrível coincidência…
— Coincidência é coisa dos seus livros, garota. Na vida real, eu acredito na maldade e no calculismo das pessoas, e você pode até enganar os outros e meus próprios amigos, mas a mim você nunca vai chegar perto de enganar — observou sua garganta se mover no pomo de Adão, como se ele estivesse se controlando para não gritar e atrair a atenção da recepção, e antes que pudesse retrucar os absurdos, ele já estava dando passos na direção da saída — Pensa na proposta da viagem. Tenho certeza que você vai perceber que aqui não é lugar pra você.

・ ❬📸💔❭ ・


País de Gales. Peru. Austrália. Montana, e outros lugares estranhos que só alguém insanamente rico poderia saber.
Qual o destino da próxima passagem que receberia?
Com raiva, ela amassou o envelope pardo, sem nem checar seu conteúdo. No mês que se seguiu, já era o 6º que chegava em suas mãos, das formas mais inusitadas possíveis. Uma passagem de ida para um país qualquer que não ficasse a menos de 8 mil km da Coreia.
No início, achou que ele estava apenas zangado, mas agora tinha certeza que ele era maluco.
Não perguntou a Candice por quanto tempo aquela coisa estava na caixa de correio, e muito menos se ela fazia alguma ideia das passagens, mas não importava. Candice ter conhecimento das mínimas coisas que Jungkook andava aprontando só pioraria tudo. Ela seria capaz de transformar um galho em um garfo para atacá-lo, sem se importar nem por um minuto se ele era o Golden Maknae ou que tinha criado um laço estranhamente forte com a maioria dos outros membros do BTS.
Ah, aquela amizade. ainda tinha dificuldade de pontuar como tudo começou. Trocar risadas com Hoseok no camarim naquele primeiro dia tinha se transformado em convites esporádicos, e os convites se transformaram em outros convites, e de repente Candice estava visitando eventos e se sentando ao lado de outros deles como se fossem grandes amigos há anos, amigos que discutiam suas casas e suas varinhas preferidas do mundo de Hogwarts.
Embora nunca tivesse um interesse real em acompanhá-la, vez ou outra, era arrastada para um restaurante propositalmente mais vazio, um bar em Itaewon ou outros lugares que as pessoas não faziam ideia de que os garotos frequentavam.
Mas as poucas vezes em que se deixava levar e se sentar à mesa com Candice e seus novos amigos tinham uma condição muito bem estabelecida e inegociável: Jungkook também vai?
Não?
Então podem contar comigo.
achava impossível, mas aquele cara realmente tinha deixado claro para quem quisesse ouvir o quanto odiava . E o quanto a queria bem longe, o mais longe possível. E mostrou isso não apenas com as palavras, mas também nos impedimentos propositais de reuniões onde ela tentava um bico nas produções de photoshoot da empresa, em como seu portfólio demorou mais do que o normal para parar nas mãos do senhor Ahn, o chefe de seção; em como as ferramentas de manutenção de sua câmera vendidas na loja em frente à Universidade andavam cada vez mais em falta, ao mesmo tempo que o estoque da Hybe ia aumentando gradativamente, entre outras coincidências bizarras que não cheiravam a coincidências. Era apenas uma intuição, mas Jungkook não parecia ser o tipo de cara que negaria a responsabilidade em tudo aquilo caso ela o confrontasse.
O que com certeza não faria, porque ela queria distância dele. A máxima distância que era capaz de conseguir.
Ainda fervendo por dentro com mais um pacote, passou pelas portas giratórias da outra grande empresa a qual tinha se candidatado para um trabalho na produção. O e-mail de confirmação havia chegado no dia anterior, dando-lhe as instruções para onde ela deveria se dirigir assim que chegasse e o que deveria levar para o teste inicial. A Canon improvisada teria de servir por um momento até que ela conseguisse se firmar mais um pouco no mercado e investir em uma nova, já que a anterior tinha sido completamente destruída pelas mãos do idiota que queria transformá-la em um cadáver.
Antes de chegar à recepção, ela desdobrou o papel onde constava o e-mail que tinha imprimido, lendo as instruções novamente com a tradução que tinha anotado a mão em cada linha. Em seguida, puxou o telefone acabado para verificar as horas e viu que talvez pudesse estar 30 minutos adiantada.
— Então você tem um telefone.
A voz foi arduamente reconhecida em cada poro de sua pele. levantou a cabeça ao mesmo tempo em que o cara se aproximava, murmurando um pedido de espera para os outros dois que o acompanhavam.
Jeong Jaehyun. O cara.
Ultimamente, o único cara que não saía de sua cabeça.
Enquanto ele caminhava até ela, o imaginou sob holofotes, com ventiladores e câmera lenta como a cena de um drama. A cada passo, seu coração se esquecia de bater direito. Era como se ela estivesse pisando em lençóis de água escondidos sob aquele piso brilhoso.
Quando ele estava perto o bastante, olhou de novo na direção de suas mãos, onde ela segurava o celular.
— Interessante. Faz tempo que não vejo um desses.
deglutiu algo pela garganta, talvez um nó enorme que sempre era formado quando ele aparecia. Patético, patético.
— É… bem antigo — respondeu com uma voz baixa e encolhida. Não conseguia falar direito perto dele. Não conseguia desde que o viu naquele estádio, desde que o viu depois, em um dos bares que Candice a arrastou, não conseguia desde que viu seu rosto em destaque em vários MVs no YouTube junto de outros 8 ou 9 rapazes.
Por que infernos não tinha desconfiado desde o início que ele também era uma celebridade? Em que mundo ignorante ela vivia?
Bastava olhar para ele. Jaehyun era simplesmente perfeito. Perfeito demais para um cara comum. E a beleza era o último item dessa lista.
Ele abaixou os olhos de novo para o aparelho nas mãos dela, uma versão de tecnologia simples demais comparado ao iPhone bacana de última geração que ele guardava no bolso.
— Você me disse que não tinha um — ele voltou a dizer, como se esperasse uma resposta melhor do que aquela.
guardou-o no bolso, como se estivesse, pela primeira vez na vida, com vergonha dele.
— Acho que ele não pode ser chamado de um celular. Seria só um quebra galho — uma completa mentira, mas precisava dissipar o estranho fato de Jeong Jaehyun parecer estar interessado no telefone dela.
— Ele recebe mensagens? — perguntou ele. balançou a cabeça que sim. — Recebe ligações? — Outro sim. — Ele manda mensagens?
Ela bufou, mas assentiu. Onde ele estava querendo chegar?
— Então posso te mandar a localização amanhã.
juntou as sobrancelhas, sem entender. Então Jaehyun colocou a mão no bolso e puxou o telefone de capinha preta, estendendo-o para .
— É um jeito menos assustador de pedir o seu telefone. E ah, te convidar para o aniversário do Jeno.
encarou o celular à sua frente como se não fosse real. Não ousou tocar nele até perguntar:
— Aniversário de quem?
— Lee Jeno é um dos nossos membros. Bonito, talentoso e ama bolo de chocolate. Parece que sua colega de quarto já está sabendo e confirmou presença — ele disse com um sorriso lindo, como se deixasse claro que aquela informação era a única que precisava para ir.
Mas a garota ainda continuou parada como uma pedra, olhando de Jaehyun para o telefone como se fosse um engano.
— M-mas… Eu não conheço ele.
— Não precisa conhecê-lo para ir ao Yukur — ele respondeu de imediato. — A propósito, é lá que vamos cantar os parabéns. Só estou preocupado de você não saber chegar. E não sei se aceitaria uma carona caso eu oferecesse.
A pele de ficou instantaneamente quente. Ele falava e gesticulava tão casualmente como se já fossem amigos ou conhecidos de longa data, e não um idol mundialmente famoso diante de uma garota comum que estava indo para a sua 20° entrevista de emprego, passando pelo menos 18 horas do seu dia preocupada com contas e um novo futuro que teria que resolver.
Mas ao contrário de todos os outros famosos do ramo, e ao contrário de Candice e sua facilidade de socialização com quem quer que seja, não via malícia ou um senso podre de superioridade em Jaehyun. Ele não parecia estar pedindo seu telefone por uma mera questão de arrogância – pensando que ela com certeza o daria porque ele era Jeong Jaehyun, e ninguém seria louca de recusar –, mas porque estava sendo legal como era desde o início, tentando tornar sua adaptação no país o mais leve e divertido possível.
Perfeito, como ela já sabia. simplesmente sentia uma conexão bizarra com ele, algo que a permitia confiar nele.
Sem saber o que estava fazendo, engoliu em seco e puxou o telefone estendido, roçando a ponta de seu dedo sem querer nos dele, deixando-a aturdida por um mísero segundo.
digitou o número, voltando a entregá-lo, tentando não pensar com desespero no que tinha acabado de fazer.
“Vamos, Jaehyun!” um dos garotos altos acenou da entrada, e conseguiu vê-los cochichando entre si não tão disfarçadamente, todos eles sendo completamente proprietários de uma beleza extraordinária, mesmo que usassem calças de moletom e chinelos com meias diferentes.
Jaehyun fez um sinal rápido para eles, mas não deixou de encarar . Ele parecia fazer muito aquilo, vivendo em dois mundos simultâneos: no real e nos olhos dela.
Isso a deixava odiosamente sem fôlego.
— Então… Te vejo na sexta?
tirou delicadamente uma mecha caída na testa e assentiu rapidamente que sim, antes que mudasse de ideia completamente.
— Vou esperar — ele lhe deu uma piscadinha de leve e começou a se afastar, mas logo retornou para dizer: — E boa sorte na sua entrevista. Tenho certeza que vou te ver mais vezes por aqui.
E se afastou, juntando-se aos outros garotos na entrada e saindo pela porta da frente em meio à risadas altas e brincadeiras internas.
Com o coração em estado anormal, precisou de quase um minuto para ajeitar a postura e se voltar para o balcão da recepção e procurar seu devido setor. Só depois de muito tempo percebeu que agarrava o telefone flip entre os dedos com força, como se pela primeira vez na vida, não quisesse perdê-lo.

・ ❬📸💔❭ ・


Antes que Lee Jeno completasse 21 anos, Ali Dalphin foi embora da cidade.
Jungkook envolveu uma parte do cabelo rebelde com os dedos furiosos, lendo e relendo o pedaço patético de papel como se, quanto mais fizesse isso, mais ele teria chance de ser uma completa alucinação.
Mas a parte vazia do armário, a ausência das últimas garrafas de whiskey e os últimos maços de Marlboro desaparecidos provavam o ponto que ele não conseguia aceitar.
Ali tinha repensado, se desesperado e simplesmente desistido de tudo.
E ele só conseguia pensar em como não reparou em tal coisa antes.
Devia ter notado quando ela fez uma piada na noite anterior. Quando quis fazer amor no meio da madrugada, e Jungkook não conseguia se lembrar de vê-la tão enérgica desde que tudo começou. Estava disposta a tudo, querendo devorar tudo. Ele estava exausto demais para ouvi-la sair na manhã seguinte. Merda, talvez nem tivesse esperado o sol nascer.
E deixou Jungkook para trás, com dúvidas, medos, sem respostas e um número de telefone. Apenas ele, a carta e as fotos.
Aquelas malditas fotos expostas no tampo da mesa, imagens provindas da câmera de e fixadas em um portfólio amador que Ali parecia achar o máximo. Principalmente, quando se referia à sua favorita: tartarugas migrando para o mar em um pôr do sol, um clique peculiar de tirar o fôlego.
Jungkook admitira na noite passada que a garota tinha algum talento. E não tinha sido apenas para que Ali parasse de falar nela.
Mas agora, ali, só queria jogar aquela pasta ridícula pela janela. E naquela situação, não havia outro nome que pairava em sua cabeça como a responsável pela atitude drástica de Ali.

・ ❬📸💔❭ ・


A mãe de costumava dizer: não se aproxime de uma ponte que balança com o vento.
Também tinha dito: não desperdice elogios enquanto eles forem de graça, mas dizer coisas que parecesse minimamente com um elogio naquela situação pareceria muito com não apenas chegar perto da ponte instável, mas literalmente pular e dançar em cima dela.
O rosto de Jaehyun estava muito sério debaixo daquelas luzes piscantes enquanto ele bebia e conversava em uma roda com outros caras, que gesticulavam e falavam alto pela música nas alturas. A partir do momento em que o viu, não conseguiu olhar para mais nada. Nem sequer teve tempo de processar de que aquilo poderia ser o pub mais diferente de todos que já viu – não que tenha visto muitos –, porque se parecia muito com uma casa. Uma casa enorme, com 3 andares repletos de vidro.
Mas seu elogio preso na garganta não se referia à grandeza do lugar, e sim ao cara que fazia a boca de seu estômago encolher e gelar. O cara que a fez pensar que era uma boa ideia nem sequer discutir quando Candice disse “tenho uma festa para ir hoje, tá afim?”
A amiga fazia mais contatos a cada dia, e não demorou a cumprimentar deus e o mundo assim que pisou no lugar.
brincou com a bainha do vestido estampado, agarrada ao mesmo copo desde que chegou, há quase 2 horas. Se manteve seguramente longe do rapaz rodeado de pessoas, sem desviar os olhos dele, porque sabia que ele não a olharia de volta. se sentia em um papel diferente de todos que já esteve, interessada em um cara que provavelmente não deveria estar, mas as coisas estavam simplesmente acontecendo e ela não tinha mais controle. Quando viu, respirava fundo para tomar coragem e começava a dar passos para se aproximar, ciente de que não tinha nada a dizer, mas que alguma coisa sairia quando estivesse perto dele, qualquer coisa…
— Puta merda! — um resmungo mais alto escapou de um cara que esbarrou em seu ombro, derramando um líquido vermelho bem em cima do tecido verde claro com estampas de flores do vestido da garota — Ah, merda… Meus sapatos.
paralisou com os olhos arregalados, pulando para trás com o susto. O cara nem ao menos virou o rosto para vê-la. Tinha uma voz grogue, e olhos muito alheios ao estrago que tinha feito no vestido dela. não tinha o que dizer; ele nem parecia enxergá-la.
Antes que ela pudesse se recuperar totalmente do susto, braços longos se esticaram diante dela, afastando-a do pequeno homem revoltado à frente, que estava se preparando para erguer o dedo e gritar coisas nada educadas para a garota.
— Nem pense nisso — a voz de Jaehyun soou alta e presente, mesmo mergulhada no barulho intenso. O cara piscou os olhos desfocados, tentando avaliar o responsável por tirar a maldita garota de sua frente.
— Ela derrubou minha bebida — ele insistiu, mas um segundo depois estava baixando os ombros e chegando para trás em um breve reflexo defensivo. estava atrás das costas de Jaehyun, e não fazia ideia de como estava seu rosto para o cara.
— Qual bebida? Essa aqui? — ele estendeu o copo vermelho para o homem, que franziu o cenho lotado de dúvida, como se realmente não lembrasse do que estivesse segurando há um segundo atrás. Sua reação foi olhar para ele e Jaehyun simultaneamente, olhar e recuar, olhar e recuar, até estalar a língua e soltar um palavrão escabroso, pegando o da mão dele com força e se retirando com uma golada.
Jaehyun se virou para , ainda atordoada com os dedos molhados de seja lá o que fosse aquilo.
— Estava esperando o momento em que os imbecis começariam a aparecer — ele murmurou, encarando o estrago — Você tá legal? Ele te fez alguma coisa?
balançou a cabeça que não, agitando os dedos para se livrar do excesso do líquido. Ela não sabia o que dizer quando ele agia com aquele olhar preocupado – mesmo que o vestido dela estivesse arruinado. O único vestido que ela quis usar naquele dia, um vestido guardado no armário há tantos anos que se parecia um mero pedaço de pano brega comparado aos outros outfits do lugar.
Jaehyun não pareceu se importar com isso. Apenas puxou um dos dedos dela e passou os seus próprios limpos para tentar ajudar.
— Você pode me dizer caso ele tenha esbarrado com muita força. Não me custa nada cuspir duas vezes naquele copo.
Quando entendeu, seus olhos se arregalaram no mesmo momento enquanto levava uma das mãos à boca, soltando uma risada particularmente alta e desacreditada. Jaehyun devolveu o gesto e deu de ombros, indiferente.
— Você é maluco — disse . Ela estava dividida pelo desejo de encorajá-lo a vingá-la mais um pouco e o temor de onde aquilo iria levar.
Mas poxa, justo no dia que tinha decidido ir à festa por livre e espontânea vontade. E com suas próprias roupas.
— Eu prefiro justo — Jaehyun riu novamente, e percebeu que gostava muito quando ele dizia essas coisas — Desde quando chegou?
— Tem umas duas horas.
— Estou tentando te ligar há mais tempo do que isso.
— Você tentou? — ela perguntou com as sobrancelhas juntas. Imediatamente, buscou o telefone na bolsa pequena de lado e não viu nenhuma notificação sobre ligações perdidas.
Jaehyun pareceu esticar os olhos para ver a mesma coisa. Quando fez isso, abaixou os ombros na direção de , loucamente perto.
— Você disse que ele recebia ligações.
— Ele recebe — prensou os lábios, abrindo um sorrisinho amarelo: — Mas talvez tenha esquecido de falar que não é sempre.
Jaehyun abriu um sorriso ladino, divertindo-se com a imagem de atrapalhada, claramente nervosa com a mera possibilidade de deixá-lo na mão com a ligação. Era o que aconteceria com certeza, ela só não queria dizer.
— Tudo bem. Pensei em mandar uma mensagem, mas achei que seria muito ultrapassado.
— E fazer ligações não é?
— Ouvir a voz das pessoas nunca deveria ser ultrapassado — Jaehyun respondeu simplesmente. abriu a boca, com o intuito de dizer alguma coisa, mas apenas conseguiu ficar olhando pra ele — Vem, vou te ajudar com isso.
Ele estava prestes a pegar em sua mão, mas deu um passo para trás.
— Não precisa, só me diz onde é o banheiro mais próximo.
O rapaz viu todos os tons de vermelho na bochecha de , nervosa de repente por estar causando algum tipo de incômodo, e Jaehyun apenas limpou a garganta e disse:
— Segundo andar. Terceira porta. Eu te mostro onde fica.
— Eu consigo achar sozinha, não precisa se incomodar — disse ela. Jaehyun estava prestes a protestar, quando interrompeu: — Eu ouvi dizer que estão dando frozen yogurt em algum desses quiosques. Posso te encontrar em um deles daqui há 10 minutos?
Não dava pra acreditar que tinha dito uma coisa dessas.
Nervosa, continuou olhando para o rosto dele, tão lindo e escultural mesmo por baixo de tanta semi escuridão. Jaehyun a avaliou por uma respiração, encarando a face dela, tão frágil e até um pouco estranha com uma maquiagem feita por suas próprias mãos.
Deus do céu, ela teve mesmo toda a coragem do mundo para sair assim.
Por fim, Jaehyun assentiu com a cabeça, sem insistir.
— Vou estar naquele perto da piscina de bolinhas. Não se apressa.
assentiu e se prontificou para seguir pelo caminho contrário, andando a passos largos por entre as pessoas, tentando não tocar em nenhuma delas porque ainda balançava braços e um pouco dos pés para se livrar dos resquícios da bebida.
Que vergonha. Nem tinha se olhado em um espelho ainda, mas já sabia que o vestido estava arruinado, e junto com ele, toda a sua pouquíssima auto confiança.
não conhecia Jeno, mas precisava admitir que a estrutura escolhida pelo garoto para a sua festa de aniversário era simplesmente a maior que já viu desde as festas dos milionários adolescentes da Califórnia. Para chegar ao segundo andar, precisou passar por casais desinibidos, um malabarista de fogo e pernas soltas de uma mulher em um pole dance, tudo isso em uma escadaria.
Lá em cima, contou até a terceira porta, mas só então percebeu que Jaehyun não tinha sido específico sobre o lado em que ela estaria. Não havia ninguém de ambos os lados, então, adivinhando por si só, foi para a porta esquerda e girou a maçaneta.
A porta não se abriu de primeira, mas não porque estava trancada. Quando fez um pouco mais de força, ela tremeu até se mexer, mas continuou parada, como se estivesse sendo forçada a permanecer onde estava. E não tinha voz alguma vinda do lado de dentro.
Bufando impaciente, usou os ombros para empurrá-la mais uma vez, conseguindo finalmente que a madeira chique se movesse. Quando olhou para o cômodo de dentro, viu claramente a superfície de plástico duro de uma cadeira embaixo da fechadura, travando a porta propositalmente no lugar. Ela empurrou até que a cadeira saísse e a porta finalmente se abrisse por completo.
não fazia ideia do porquê não pensou na merda do motivo de alguém estar travando uma porta de propósito. Em uma festa.
Os motivos passaram em um flash por sua cabeça, fazendo-a se preparar tardiamente para o que veria. Mas o resultado daquilo foi pior do que pensou.
Primeiramente, porque aquela porta não levava ao banheiro. O espaço amplo e coberto era recheado de máquinas de fliperama dos dois lados da parede, e na outra extremidade vinha acompanhada de pares de sofás espalhados bem ao lado de um pequeno bar vazio no fundo. E no meio dela, em cima de um tapete persa gigantesco que tomava quase todo o piso, 4 mesas de sinuca estavam enfileiradas abaixo de pendentes de luz amarelada que eram a única iluminação da sala.
E a segunda coisa é que havia um cara desacordado em cima de uma delas.
nem pensou: simplesmente correu para dentro na direção dele. Um pico de alerta maluco pareceu avisá-la de que alguma coisa estava errada, que ele tinha se trancado em uma sala no meio de uma festa para fazer aquilo mesmo que ela nem tinha coragem de completar no pensamento.
Antes de sequer tocá-lo, notou como era fácil fazer uma leitura de seu estado, algo frágil e problemático, algo tão preocupante que fazia alguém escorar a cabeça escondida por um capuz em uma sala fechada abraçado a uma garrafa de vodka.
— Ei, você! Ei… — empurrou um de seus braços, procurando riscar a primeira desconfiança da lista: talvez ele estivesse apenas dormindo. Foi o que pensou quando ele grunhiu levemente, mas não se moveu do lugar. Com um pouco mais de desespero, ela o cutucou de novo, sem sucesso. Ela estava começando a, lentamente, pensar que ele era um adolescente ou um penetra escondido, buscando conseguir material para vender em alguma revista de fofoca por aqui e ganhar um bom dinheiro com isso. Apelando para a rapidez, ultrapassou o próprio limite e puxou a garrafa quase vazia das mãos do cara, obtendo algum resultado: ele finalmente virou a cabeça devagar, piscando os olhos pesados.
E, quando ergueu as mãos para abaixar o capuz, descobriu que ele não era nenhuma das duas coisas que havia ponderado.
Porque era Jungkook.
Ele ficou calado por um bom tempo, examinando a garota de pé com os olhos pressionados, retornando ao foco. Quando a imagem dela se estabilizou, o rapaz logo soltou uma grande expiração do nariz e um palavrão consternado da boca.
— Só pode ser brincadeira.
Ele puxou a garrafa de suas mãos, resmungando coisas ininteligíveis. permaneceu ainda parada, o choque em vê-lo ainda se dissipando pelo corpo, sem dizer nada. Não que lhe faltassem palavras, mas o que estava acontecendo?
— Não sabia que você estaria aqui — ela murmurou, por fim. Alguém, afinal, sabia que ele estava ali?
Jungkook se levantou do assento devagar, segurando-se na superfície de veludo da mesa de jogo para conseguir não cambalear para o lado. Ele fedia a álcool mais do que todos os consumidores do andar debaixo, mascarando completamente o cheiro marcante de cranberry que ela tinha sentido naquele dia do estádio. Ao conseguir ficar de pé, ele fungou uma vez pelo nariz, e observou a garota parada com a mesma cólera já programada de seu sistema nervoso.
— E quem diria que você estaria aqui? — disse com a voz arrastada, lotada de desprezo, por mais que hoje sentiu que não era o único alvo. Se parasse para pensar, Jungkook e aquelas olheiras fundas, o moletom amassado e o cabelo em estado de caos o tornavam alguém irreconhecível até para seus perseguidores. Até para alguém que não o conhecia direito, como . Mas perceber esses detalhes incomuns sobre ele ainda não a ajudava a responder a pergunta: o que tinha acontecido com ele? — Ou o Jeno anda sem critério mesmo, ou os paparazzis só estão seguindo seu instinto natural de ver luzes e festa e saírem correndo para ganhar dinheiro.
revirou os olhos na mesma hora, e seu interesse por ajudá-lo – quando não sabia que era ele – terminou de se dissipar.
Sem dizer uma palavra, ela se virou para sair, lembrando-se que ainda tinha um vestido arruinado para consertar e um frozen yogurt para dividir com um cara gato no andar debaixo. Talvez devesse apenas alertar Jungkook sobre o perigo de aparecer daquele jeito em público, e que possivelmente ele estivesse certo sobre paparazzis naquela festa, mas que se dane. Ele podia ir para o quinto dos infernos com toda aquela hostilidade.
— Ei — ele a chamou de repente. parou, quase na porta, ouvindo-o arrastar os tênis por alguns centímetros — Achei que estivesse sendo uma boa amiga pra ela.
Com o cenho franzido, se virou. Ele a olhava com os mesmos olhos baixos, opressivos e irados. Era tão mais fácil olhá-la daquele jeito. Como se toda a raiva que precisou engolir na vida fosse facilmente descarregada ali, em cima da imagem de uma única pessoa.
— Do que está falando? — perguntou, arrependendo-se no mesmo instante. Ele estava bêbado – um poço de álcool. Nada do que diria faria sentido, e ela não deveria se importar, seja qual fosse o conteúdo.
Mas Jungkook, ainda segurando a garrafa, arqueou as duas sobrancelhas com espanto.
Do que estou falando? — E riu com incredulidade. Em seguida, os pés pisaram firme no tapete quando ele levou uma das mãos ao bolso da frente e puxou o que já tinha sido um pedaço de papel intacto, jogando-o no tórax de , que automaticamente o agarrou para que não caísse — É disso que estou falando, dissimulada do caralho.
não se ateve ao veneno de suas palavras. Em vez disso, olhou para o papel e desdobrou a folha até que as primeiras palavras surgissem, tortas e desengonçadas pelas linhas do amassado.
A carta de Ali. Uma despedida curta gravada em um post-it qualquer.
não percebeu quando a boca se entreabriu em espanto, ou quanto tempo ficou lendo e relendo linha por linha, tentando entender o que aquilo tudo significava.
A risada dele chamou sua atenção. Uma risada grotescamente perversa.
— Agora vai, faz a sua carinha de inocente como se não soubesse que ela já estava planejando fazer isso, ou que não tenha comentado nada com você.
— Mas… — ainda olhava para o papel. Parecia ter sido dobrado e desdobrado uma dezena de vezes — Ela não me disse nada, Jungkook. Absolutamente nada. Achei que não estava indo essa semana porque não se sentia bem, ou porque não estava com vontade de fazer os trabalhos, ou não…
— Corta essa, — ele trincou os dentes, largado a garrafa na mesa, apontando um dedo grogue e bêbado para ela, deixando a raiva fluir como o álcool no sangue — Você sabe de alguma coisa. Deve saber! Sabe pra onde ela foi?
— Eu não sei.
— Fala a verdade!
— Eu não sei, cacete. A última coisa que eu faria era mentir sobre isso agora, seu imbecil — ela levantou o tom de voz, dando passos para perto para se fazer entender com mais afinco. Não tinha vontade alguma de se igualar à raiva dele, ainda mais quando ele estava tão propenso a lançar frases tão odiáveis na direção dela, a única pessoa que tinha qualquer vínculo com Ali Dalphin fora ele mesmo.
Foi a primeira vez que teve a constatação de que poderia ser a única amiga do verdadeiro amor de Jungkook, ou o que ele via como amiga. Porque para , aquele título era entregue a apenas uma pessoa, e como poderia ser amiga de alguém para a qual tinha feito tão mal, direta ou indiretamente? E para quem não disse nada sobre sua participação naquele momento tão difícil que vivia?
Ali estava acumulando coisas por trás daquele sorrisinho que a dava nas aulas de Poéticas Visuais. Coisas que não faria a besteira de descarregar em público, como tinha feito no banheiro no dia em que se conheceram. sabia disso e não fez nada, absolutamente nada para ajudá-la a se sentir melhor.
Jungkook voltou a rir, e naquele momento, não havia nada de bonito nele. Só havia dor, desespero e olhos vermelhos como o resquício de seu inferno pessoal.
— Você está mentindo…
— Jungkook, eu não estou…
— Você está mentindo! — em um movimento brusco, ele abriu os braços com fúria e tentou dar um passo para a frente. Uma das mãos bateu com força na garrafa quase vazia, fazendo-a cambalear até cair e se espatifar no piso. Desorientado, Jungkook se desequilibrou para se apoiar na mesa, abaixando o tronco em direção aos cacos, soltando um palavrão grogue logo em seguida: — Porra.
olhou para baixo. Mesmo com a iluminação patética dos pendentes, dava para enxergar nitidamente o brilho das luzes fracas tremulando no sangue da palma da mão.
Ela se abaixou em um impulso, largando a bolsa de lado e puxando a mão dele para a luz.
— Calma, fica parado — chiou, avaliando o estrago. Estava claro que ele tinha alguma pressa em limpar os cacos, e ponderou que havia alguma chance de que ele pudesse ter roubado aquela bebida do bar vazio, e isso o traria problemas, ainda que pudesse pagar por ela.
— Eu não preciso…
— Cale a boca.
olhou o corte semi profundo na palma, o sangue começando a escapar para fora e descer pelo pulso. Rapidamente, puxou o cara para cima, colocando-o na mesma cadeira de antes, empunhando a bolsa para pegar o estilete que carregava por aí, mais para abrir peças grudadas de câmeras velhas do que exatamente para auto defesa.
Jungkook não pensou assim. Com a mente letárgica e embriagada, viu em câmera lenta a lâmina brilhando sob a luz, aproximando-se rapidamente dele até que ela abaixasse de novo e fizesse algo no próprio joelho. Joelho? Ou seria na canela? O que ela estava fazendo? Ele não conseguia dizer e igualmente não conseguia perguntar essas coisas, porque a dor latejante começava a pulsar em sua palma, uma dor pior do que a que ele sentia no peito.
Mas antes que tivesse a chance de se mexer e exigir que ela mantivesse aquela coisa longe dele, Jungkook soltou um urro seco da garganta, um grito que escapou quando sua mão pareceu ferver em chamas.
— Porra! — disse ele, travando o maxilar enquanto erguia o rosto — O que você tá fazendo?! Me larga…
— Estou limpando! — ela puxou sua mão de volta, e Jungkook percebeu que a queimação, na verdade, vinha do líquido que ela esfregava delicadamente em seu machucado com um tecido verde estampado, que tinha agora partes em vermelho e, olhando mais adiante, parecia muito com o tecido do vestido dela, e a mesma cor carmesim estava espalhada pela barriga de até a borda da roupa.
Jungkook, debilmente, teve medo de repente de todo aquele sangue ser dele.
— Vou amarrar agora — avisou ela, agora envolvendo a palma de sua mão com o tecido fino, fazendo tudo com um cuidado cirúrgico, claramente demonstrando a mínima experiência no assunto. Ele jamais admitiria o quanto ela estava mandando bem. A raiva impulsionada pela bebida se esvaiu como fumaça enquanto dava voltas e voltas por sua mão, e ele sentiu o peito mais leve e tranquilo, desobstruindo também suas narinas, que respiraram o oxigênio longe de fumaça de nicotina pela primeira vez nas últimas 24 horas, o que foi responsável para que ele confirmasse que o vermelho revolto no vestido de não era sangue. Tinha cheiro de sangria.
O líquido vermelho que combinava muito com os lábios de Ali.
— Ela simplesmente… Se foi — ele nem percebeu quando falou, mantendo os olhos aéreos na direção das janelas altas, como se fossem uma saída alternativa para a qual Ali tinha usado para desaparecer — Sumiu. Não me disse onde ia, onde queria ir, quando voltaria, não me atende, não responde mensagens, não me deixou nada, só… Foi. E não faço ideia do que pensar sobre isso. Parece um pesadelo, e fico tentando refazer os passos de antes de toda essa merda, e talvez… Talvez tenha sido por minha causa também. Eu tinha dito pra gente contar, estava tentando convencê-la que era a coisa certa a fazer, íamos a porra de um cinema pela primeira vez e agora… Agora é como se ela estivesse certa o tempo todo, certa sobre tudo.
diminuiu os movimentos do pequeno nó que fazia na mão do rapaz. Aqueles olhos fitando as janelas não pareciam olhos de verdade; era um par de glóbulos negros e vazios, sem brilho ou esperança, retidos dentro da própria cabeça. Qualquer pessoa que prestasse o mínimo de atenção veriam a carência escancarada de sono e boa alimentação no rosto do rapaz, e isso de repente apertou o peito de em uma angústia repentina.
A ida de Ali ainda estava sendo uma completa surpresa para ela, mas para Jungkook, era como se ele a tivesse sentido por 7 vezes ininterruptas desde que tudo acontecera. Pensando e repensando no caminho que ele e Ali ainda tinham que percorrer, e de como isso pareceu extremamente insustentável para ela.
Como não disse nada na hora, Jungkook se virou lentamente para ela, e se apressou em dizer:
— Quanto te devo pelo vestido? — ele inclinou o queixo para a base rasgada nos tornozelos. pressionou os lábios e revirou os olhos, endireitando a postura para longe de sua mão.
— Existe gentileza gratuita, caso você não saiba — murmurou ela, pegando a bolsa jogada no chão e jogando o estilete lá dentro.
Jungkook riu pelo nariz.
— A gente acabou de se conhecer. E eu te odeio — afirmou, trazendo a mão machucada para o colo — Por isso, tenho o princípio pessoal de não ficar te devendo coisa nenhuma.
— Você só deve alguém quando não faria o mesmo pela pessoa. Então, sim, talvez esteja me devendo. Mas, diferente de você, eu faria isso por qualquer um. Pode me pagar me deixando em paz. Sou muito nova pra ir pra cadeia por chutar um idol duas vezes no mesmo lugar.
finalmente se virou para a porta, passando a bolsa pelos ombros e as mãos pelo tronco do vestido, buscando se livrar do álcool de cheiro doce da vodka que tinha usado para limpar o machucado dele.
No meio do caminho, contudo, freou os pés e se virou para ele apenas com o perfil do rosto.
— Eu não faço ideia pra onde ela foi. Não trocamos contatos ou detalhes da vida pessoal, por mais que você duvide disso. Ali sempre dava um jeito de sorrir quando conversava comigo porque eu não perguntava o que ela não queria responder. Imagino que isso a dava uma falsa sensação de que as coisas estavam bem. Mas eu não… — e perdeu a coragem de explicar que também não se abria como as pessoas normais deveriam se abrir quando encontravam alguém tão legal, e que isso era um mecanismo de defesa antigo e enraizado da própria , mas essa não era uma confissão que deixaria escapar para aquele cara — Eu não acredito nem por um segundo que ela não fez o melhor que achou que estava fazendo. E nem por isso ela tenha deixado de te amar.
Jungkook engoliu em seco, deixando os braços cederem moles ao lado do corpo, encarando com menos do ódio que alimentava incessantemente sobre ela. esperou que ele dissesse alguma coisa, algo nada bonito ou simpático, porque ela certamente também era muito nova nessa coisa de tentar consolar pessoas, mas pela primeira vez viu um brilho ínfimo irradiar daqueles olhos sem vida, como se ele, por mais que a odiasse, também confiasse que ela dizia a verdade.
Ela se contorceu para não abrir a boca e dizer para que, por Deus, que ele não fosse embora dirigindo ou que não fosse embora sem parar em um pronto socorro para ver aquela mão, mas antes que abrisse a boca para tentar, a porta meio fechada se escancarou por completo, e Jaehyun demonstrou alívio absoluto ao ver .
— Desta vez, acho que mandei umas 5 mensagens — ele disse entre uma respiração longa, apontando para a bolsa dela, onde provavelmente estava o celular. engoliu em seco e automaticamente se virou para abrir a bolsa e verificar, mas logo desistiu e lhe lançou um sorrisinho de desculpas. Jaehyun balançou a cabeça, como se não importasse — Tudo bem. Achei que tinha se perdido. Parece que tem mais gente do que Jeno imaginou — e ele logo olhou para o canto da sala, para a pessoa abatida bem embaixo das luzes amarelas — Você se parece como uma das pessoas que ele não esperava.
Jungkook fez um ruído sarcástico com a boca, arrastando-se para longe da luz bem em cima da cabeça.
— Eunwoo me convidou.
— Eunwoo te convidou para a festa. O que está fazendo aqui em cima? — ele logo lançou um olhar apreensivo para , e para as manchas da bebida ainda quase intactas em seu vestido — Você chegou a encontrar o banheiro?
buscou as melhores palavras, mas nada era mais verdadeiro do que:
— Eu errei a porta.
Com os olhos rápidos, Jaehyun olhou para a borda irregular do vestido no lugar do rasgo do tecido, passando para a palma de Jungkook e a faixa fina que rodeava o sangue ainda fresco.
E o cheiro da vodka doce que começava a encher as paredes.
— Você está bem? — Jaehyun perguntou, mas Jungkook não precisou nem se virar para saber que não era com ele, por mais que os olhos do amigo queimaram em sua direção. Olhos sensatos, pacientes, porém resolutos e firmes. Obstinados, era o adjetivo que Jungkook havia encontrado para dar a eles. Eram olhos que ele evitava entrar em conflito — ?
entendeu tardiamente a pergunta e logo limpou a garganta, assentindo com a cabeça.
— Claro, estou bem. Ele tropeçou e cortou a mão, então quis ajudar.
Jaehyun lançou mais um olhar para Jungkook. Aquele que o perguntava discretamente se podia acreditar que ele não tinha sido um babaca como Jaehyun o havia dito para não ser, agindo como um ser humano completamente sensato que tentava distribuir um pouco desse princípio aos amigos, mas naquele momento, Jungkook não tinha forças para sustentar aquele olhar com uma resposta. Em vez disso, olhou para Jaehyun com faíscas de gana agressiva, como se ele fosse o ser humano mais idiota da face da Terra por estar sempre pronto para defender aquela garota ridícula que havia causado tanta merda na sua vida.
Ele estava publicamente escolhendo o lado dela, de novo. Isso era penoso, era repulsivo, de certa forma.
— Se estiver pensando em me lançar um discurso moralista agora, já sabe onde eu vou dizer para enfiá-lo — com um sorrisinho venenoso, Jungkook usou a mão boa para se impulsionar para cima da mesa de sinuca, puxando um maço amassado do bolso de trás e tirando o seu último cigarro de dentro.
Jaehyun revirou os olhos. Sentia como se tivesse trabalhado tanto para parecer o mais sereno possível, mas ver Jungkook ou qualquer um de seus amigos naquela circunstância era um convite à perda de controle.
— Consegue achar o Eunwoo sozinho? — perguntou ele ao ver o amigo acendendo o cigarro com um isqueiro barato. Se não estivesse perto, ele provavelmente sacudiria os ombros de Jungkook e o falaria para voltar a si e agir racionalmente sobre as coisas. Era possível que o maknae ficasse ainda mais bravo, e ainda assim, Jaehyun tentaria de novo.
Mas aquela situação tinha um cheiro de novo que Jaehyun ainda não conseguia identificar. Quando o avaliava agora, não conseguia enxergar seu amigo de sempre. Antes de Ali, Jeon Jungkook nunca tinha se apaixonado antes e, consequentemente, não havia términos difíceis no histórico e nada que roubasse sua sanidade como aquilo.
Ainda nem estava claro que o que tiveram foi realmente um término.
Mas não havia outro caminho que Jaehyun pudesse tomar além de ser paciente. E permitir, pela primeira vez, que Jungkook pedisse ajuda sozinho, ou que agisse com sensatez pelo bem de si mesmo.
Porque, no momento, havia . E sinceramente, entre ela e Jungkook, sabia quem estava sendo a pessoa mais afetada daquela história toda.
Antes de responder, Jungkook tragou forte a fumaça, olhando para Jaehyun com um tédio absoluto.
— Eunwoo vai me encontrar. Ele sempre encontra.
Jaehyun assentiu e se virou para .
— O frozen yogurt deve estar sem fila agora. Vamos?
abriu um sorrisinho automático, direcionado a ele. Concordou com a cabeça, esquecendo-se imediatamente do cheiro forte de álcool em volta, do vestido agora literalmente acabado, dos olhos vazios e escuros do cara bêbado e chapado em cima da mesa de jogos.
E Jaehyun sorriu de volta, como se todo esse conjunto de coisas igualmente desaparecesse.
— Você ainda precisa ir ao banheiro?
olhou insegura para a própria roupa, e em seguida apenas deu de ombros e riu pelo nariz.
— Acho que não vai adiantar muito. Vou escolher as raspadinhas.
Ele assentiu e deu espaço para que ela caminhasse na frente, saindo do cômodo atrás dela, ambos não se dando ao trabalho de olhar para trás nenhuma vez.
E naqueles breves minutos, muito breves, antes que Jungkook erguesse o olhar com o som de passos cruzando o piso em sua direção e percebesse a presença de Mingyu com seus músculos e erva de má qualidade, o garoto pescou algo por entre a fumaça que escapava de seus dedos que o deixou igualmente irritado e incrédulo, as duas coisas se misturando até se transformar em mais ódio.
estava caidinha pelo seu amigo. E ele, como o palerma romântico que era, estava se deixando levar como o burro atrás da maçã.
Burro! Estúpido do caralho!
O grande cabeçudo que lia Sócrates e ouvia Cigarettes After Sex em discos de vinil não conhecia a expressão: não durma com o inimigo?
Quem seria tão imbecil a ponto de fazer uma merda dessas?

・ ❬📸💔❭ ・


se lembrava de estar segurando algo embaixo do braço antes de abrir aquela caixa de e-mail, mas depois, todos os seus músculos pareceram ter sido banhados em poção Esquelesce e virado borracha.
Ela se abaixou cuidadosamente com o laptop no colo até se sentar de pernas cruzadas ao lado da prateleira na biblioteca, lendo e relendo aquela mensagem de spam que estava parada ali já fazia 1 semana.

“É a Ali.

Não sei bem como dizer isso. Sei que minha vida pessoal não tem sido parte das nossas conversas e isso, de certa forma, foi me cansando mais do que alegrando, mesmo sabendo que você certamente sabe de tudo. Sabe que eu tenho um namorado nativo, um motivo muito raso para ter feito essa matrícula e péssimas habilidades para estar por trás de um flash. Você sabe de tudo. Fico igualmente aliviada e desapontada que a sua presença efetivamente encerrava tantos ruídos ao redor, mas por mais que você só recebesse a Alison, sinto que eu estava sufocando ainda mais a Ali. Permitindo que as pessoas continuassem fazendo isso. E isso me enfureceu. Porque percebi que gosto de ser a Ali, independentemente do que as pessoas acham que ela é.
A Ali não queria estar aí e segurar essa barra, para início de conversa. Por mais egoísta que posso parecer, a Ali queria continuar em suas passarelas, no seu mundo rodeado de câmeras, sendo o centro dos holofotes e alvo de várias Canon como a sua. Queria estar mais aqui do que aí, e não me pergunte onde é o “aqui”. Eu sinceramente não sei e duvido que vá ficar por muito tempo até ir para outro “aqui”.
A coisa é que eu afoguei tanto a Ali no início de toda essa confusão que ela acabou se perdendo. E se fizer uma análise mais profunda, coisa que odeio fazer, acho que perdi muito dela nos últimos anos, enfurnada em uma paixão avassaladora que me segurava de pé e me mantinha viva como eu nunca estive desde que buscava isso em coisas nada saudáveis. Por Deus, se formos falar sobre essa coisa de auto conhecimento, diria que eu estava dando tanto de mim que comecei a enlouquecer. A me perder. Mas não é exatamente assim que o amor funciona?
Sei que você não precisa entender isso, . Não precisa entender porque tomei essa decisão, mas precisava dizer a alguém de fora da situação que o ar dessa cidade estava consumindo minha sanidade. E por mais que eu o ame e tenha certeza de que não vou amar ninguém assim na vida, fui tendo cada vez mais certeza, em vários momentos do dia, que ele estava amando alguém ainda muito egoísta para ser a pessoa que ele merece.
A única coisa que posso fazer agora é contemplar a ironia de que estou sendo realmente o que os últimos comentários tanto insistiram que eu fosse: uma vadia sem coração que não o merece. Esses ruídos foram adentrando, se infiltrando por osmose, e foderam com a minha percepção. Então, agora estou sendo uma vadia? Talvez. Não o mereço? No fundo, sempre soube. Ele me ama de um jeito espetacular a ponto de planejar um futuro comigo? Eu sei. E talvez ele me odeie e repense sobre tudo que já deixou esquematizado sobre nós na sua cabeça, mas eu imaginei tudo isso. Eu imaginei dezenas de vezes como seria viver no mundo e no futuro dele. Mas onde ficava o meu futuro?
À essa altura, isso não importa mais. Preciso de um tempo, e não consigo especificar de quanto. Enxergue isso como colocar as coisas no lugar, como a redescoberta de quem é Ali Dalphin depois de tantas suposições a seu respeito.
Obrigada pela sua companhia nesses dias. Espero que nos encontremos de novo.”


levou as mãos à cabeça, absorvendo cada linha das palavras com pesar no peito, com um certo desespero ao olhar a data de envio. Tinha pelo menos 1 semana, 3 dias antes da festa de Jeno, uma mensagem escondida na caixa de spam que já havia comentado que ficava oculta em sua caixa de entrada. Uma mensagem para ser apenas lida e não respondida, já que estava claro que Ali já havia decidido que todas as suas respostas àquele assunto seriam não.
Ela tinha de fato ido embora e desaparecido em seu “aqui” sem nome. se lembrou imediatamente da conversa que tivera com Jungkook naquele dia, em como ele a acusava de saber de alguma coisa quando ela literalmente não fazia ideia. E lembrou-se ainda mais daqueles olhos vazios e desfocados, da tristeza em forma de gente, fazendo o possível para se segurar na raiva na frente dela para desabar logo depois.
O que isso tudo queria dizer? Era a única pergunta que queria fazer à modelo, a única coisa que poderia se transformar em uma resposta definitiva.
Mas agora, a imagem de Jungkook permeava sua mente como se estivesse vendo-o naquela noite bem ali, na sua frente, perguntando-a de novo: “Você sabe de alguma coisa, não sabe? Sabe pra onde ela foi?
Ela não sabia, mas agora tinha alguma coisa. Diferentemente dele, que foi deixado com um pedaço patético de papel quadrado com nada mais que uma linha de aviso.
Ah, Ali… Se você o visse.
Se ela o visse, entenderia o que estava prestes a fazer.
Levantando-se do chão, ela conectou a máquina de impressora no computador e apertou o botão.

・ ❬📸💔❭ ・


Durante a afobação, não parou para pensar que estava indo falar com Jungkook.
E que ele era um idol mundialmente famoso que vivia rodeado por seguranças de 2 metros, usava elevadores separados, salas com trancas eletrônicas e tudo o mais que tornavam impossível a invasão de uma garota qualquer na área da empresa.
Mas não estava pensando em invadir. Não depois do fiasco do VMA. Ela só precisava vê-lo por um breve minuto. Seria o bastante para colocar aquela folha dobrada nas mãos dele e ir embora imediatamente.
Entrar na agência tinha sido fácil, mas sem um motivo convincente, não passaria da recepção. De jeito nenhum poderia perguntar se Jungkook estava ali, ou qualquer um dos outros membros, porque pareceria uma piada se dissesse que os conhecia e até já tinha tentado uma entrevista ali.
E antes que recuasse por não ter mais ideias, essa última pareceu tão louca e tão brilhante ao mesmo tempo.
Eu queria pegar meu portfólio de volta.
Foi a única coisa que disse à recepcionista, que mesmo que tenha precisado de informações mais detalhadas do que isso, ainda se convenceu da aparente urgência de e a informou o corredor para os elevadores do lado contrário onde ela sabia que Jungkook deveria estar. Isso não pareceu um problema em potencial.
entrou no elevador para a sala de multimídia, não exatamente certa do caminho que tomaria ao chegar ao andar. Sua memória sobre aqueles corredores era muito frágil, e mesmo que soubesse que poderia mandar uma mensagem para Candice pedindo o número de Jungkook – ela literalmente tinha os contatos de todos eles, mesmo que não se falassem com frequência. Pelo menos não como ela andava falando com Yoongi –, não valeria a pena quando precisava realizar só uma entrega. Apenas aquilo. Seria tão rápido que ele só entenderia quando ela fosse embora.
As portas metálicas se abriram e avistou o princípio de um passadiço muito longo e muito vazio para uma agência de entretenimento. Virou em uma daquelas bifurcações, andando rápido por entre escadas de emergência, mais elevadores e portas com caracteres coreanos que ela ainda não entendia.
Em 5 minutos, tinha certeza que estava perdida. E isso definitivamente não fazia parte do plano.
Não havia ninguém a quem pudesse perguntar como se chegava ao estúdio. Depois, percebeu que seria a pergunta mais idiota de todas, porque oras, a porra da Hybe devia ter no mínimo uns 20 estúdios. E quem era ela para querer saber uma coisa dessas?, eles logicamente iriam querer saber e, mais uma vez, se veria na situação chata de precisar correr para não ser arrastada pelos seguranças.
Não havia ninguém. A não ser um ponto colorido que vinha caminhando distraidamente na outra extremidade, cantarolando algo antes que levantasse a cabeça e dissesse:
?
Ela prendeu a respiração por um milésimo de segundo até reconhecê-lo.
— Oi, Hoseok — graças a Deus era ele e não, sei lá… Namjoon? Ele certamente não iria sorrir tão imediatamente assim como o cara vestido de Louis Vitton, atravessando o corredor com passadas mais largas em sua direção.
— Caramba, o que faz aqui? Acho que não te vejo desde aquelas cervejas no Walkas. Como vai a Candice?
— Esperando o convite para as outras cervejas, com certeza — riu, notando que ele não a abraçou imediatamente apenas pelo fato de estar pingando de suor dos pés à cabeça — Você estava ocupado, pelo visto.
Ele sorriu, movendo os ombros categoricamente em uma dança improvisada.
— Ocupado do melhor jeito que eu sei — e riu com uma estranha felicidade, como se no fundo, estivesse tentando impressionar apenas pelo fato de que parecia ser impossível impressioná-la — Mas e você? Veio fazer a sua entrevista?
— Não, na verdade… Você viu o Jungkook?
Hoseok franziu o cenho na mesma hora, prestes a pedir que ela repetisse. se sentiu extremamente idiota e estranha por não ter pensado que seria muito mais suspeito perguntar sobre Jungkook para os seus amigos do que para qualquer funcionário zanzando pelo ambiente, mas se consolou com o fato de que pelo menos Hoseok não chamaria a segurança por invasão desordenada de uma fã.
— O Jungkook? Quer falar com ele?
— É, Candice me pediu pra passar um recado. Parece que ela ainda está tentando usar o nome dele pra conseguir mais bônus no novo cargo — falou tão rápido que não percebeu as palavras que saíam. Aquilo não bem uma mentira – Candy ficava de olho constantemente nos números das maiores personalidades da Ásia, e garantia que mesmo que pessoalmente não curtisse muito Jeon Jungkook, não podia negar que ele colecionava um montante de popularidade igualável ao número de conchas no oceano.
Hoseok continuava com a mesma expressão.
— Candice pediu pra você fazer isso?
— Eu também achei uma maluquice — riu pelo nariz nervosamente. O papel em sua bolsa pareceu pesar como chumbo — Mas sabe como é, ela me prometeu trufas de pistache em troca, e não sei como dizer não. Os sacrifícios fazem parte da vida.
Hoseok piscou os olhos algumas vezes, como se estivesse ponderando se acreditava. sustentou o olhar, o coração batendo de ansiedade, a pele das mãos ficando úmida no local onde seus dedos apertavam na bolsa. Por fim, o garoto riu, alto e escandalosamente de praxe, balançando as mãos pela aparente piada que tinha contado.
— A Candice é uma figura. Como fica metendo você nessas coisas?
— Pois é, me pergunto a mesma coisa todo dia.
Ele endireitou a postura e apontou para algum ponto de trás.
— Ele tá na sala de dança. Mas se me permite dizer, não sei se ele vai querer falar com você. Nada pessoal dessa vez, mas no caso ele não queria falar nem comigo. Ainda tá muxoxo com toda essa história da Ali.
engoliu em seco, perguntando no automático:
— Então ela foi embora de vez?
Hoseok prensou os lábios, sem perguntar como sabia da história, mas pensando logo depois que não era tão difícil assim que soubesse. Ela morava com Candice Chaperman, afinal. E Candice estava cada vez mais amiga de Yoongi e do próprio Hoseok.
— É, parece que sim. Acho que todo mundo tá meio chocado com a história ainda. Ela também não me disse nada, mas não via ela sorrir há um tempão.
— Ela te diria caso decidisse uma coisa dessas?
— Ali costumava me dizer um monte de coisas — Hoseok deu de ombros, e inclinou a cabeça para trás ao ouvir um grunhido alto misturado com o som de impacto no chão. Jungkook tinha errado mais um movimento — Tem certeza que quer falar com ele agora?
Não.
— Tenho — aproveitou a guarda aberta e começou a se afastar em direção à porta, pensando loucamente que ainda existia a chance da mulher da recepção ligar para a multimídia para verificar se ela havia pego mesmo o portfólio — Vai ser bem rápido. Obrigada pela informação, Hoseok. Não vou te atrapalhar mais.
— Você não me atrapalha, . Vamos comer churrasco um dia desses. E beber aquele refrigerante que Candice importou do Brasil. Como é o nome mesmo? Guaraná?
— Claro, vamos sim. Até mais — ela deu as costas e apressou o passo, sem esperar mais perguntas dele até estar próxima o suficiente da porta semi aberta da sala de dança, andando e andando até tocar na maçaneta larga e abri-la.
O momento do impacto bagunçou todos os músculos de quando deu de cara com o peito nu e suado que empurrou a porta ao mesmo tempo, fazendo-a se afastar imediatamente pelo susto e Jungkook gemer de dor por um instante.
Por 3 segundos exatos, os dois se olharam com olhos arregalados e a respiração presa.
Depois disso, as sobrancelhas dele tomaram a típica expressão raivosa que já era exclusiva de , mesmo que esboçada naquele rosto úmido e cabelos caóticos longe da testa, ficasse aterrorizante e adorável ao mesmo tempo. As tatuagens espalhadas pelo braço ajudavam na parte do aterrorizante.
— Como você entrou aqui? — ele olhou automaticamente para os lados, mas é claro que não havia seguranças.
— Vim te entregar uma coisa — enfiou a mão na bolsa imediatamente, puxando o papel dobrado e estendendo para ele.
— O que é isso? — Jungkook puxou o papel, mas não o olhou — E o que você é, um rato? Consegue se esgueirar por todos os buracos igual a eles. Preciso chamar a segurança ou memorizou a porta de saída?
— Dá pra deixar de ser babaca por 2 minutos e ler a porcaria da carta?
— Carta?
Ele levou 1 segundo para juntar as sobrancelhas e abrir o papel. Na mesma hora, foi tomado por um fogo ardente na base dos dedos, como se a folha de papel impresso fosse alguém real, a pessoa real que havia digitado aquelas palavras, a pessoa que o fazia pensar que tinha uma vidinha tão pequena, tão frágil, comparada a tudo que queria viver com ela.
— O q-que é isso? — perguntou ele, o coração batendo na garganta.
— Estava na minha caixa de spam. Acho que ela me enviou um pouco antes de ir embora, mas eu não tinha visto. E isso é verdade — ela respondeu de forma fulminante, antes que ele se enchesse de acusações — Se eu tivesse visto antes, eu teria te falado na festa.
Jungkook semicerrou os olhos, lutando para não trincar os dentes.
— Teria mesmo?
— Claro que eu teria. Tanto que me esgueirei como um rato pra te trazer isso agora — ela voltou a fechar a bolsa — E já tô de saída. Guarda sua saliva com a segurança.
se virou para o corredor. Já fez o que tinha que fazer. Por aquela fagulha mínima de alívio e felicidade que enxergou nos olhos dele ao ler a primeira frase, tinha valido a pena, de certa forma. Ela ainda seria capaz de cortar a língua dele com uma motosserra caso abrisse a boca para falar merda, mas estava com uma consciência estupidamente tranquila por ter chegado ali.
— Por que? — A voz dele veio em suas costas. parou, ouvindo passos se aproximando — Porque veio me dar isso?
Ela respirou fundo e pensou em seguir em frente. Mas virou a cabeça de lado e respondeu:
— Porque você precisava de mais do que aquela despedida.
Ela não sabia direito o que ele merecia, mas por mais que fosse um completo escroto com ela, ainda era apaixonado por Ali e devia estar criando histórias bizarras para o seu sumiço. Graças àquela carta na caixa de spam, ele não enlouqueceria com suas dúvidas, mas também nutriria esperanças sobre ela.
E tinha um péssimo pressentimento sobre isso.
Ela recomeçou a andar, mas ouviu a voz dele de novo:
— Espera — Jungkook arfou, andando rápido para se colocar à sua frente. Ela deu um passo para trás, abrindo um espaço entre os dois. Ainda era estranho e… desconfortável vê-lo ali sem camisa — Obrigado… Essa foi mais uma atitude legal sem esperar nada em troca?
— Não, já disse que seu pagamento é me deixar em paz.
— Posso fazer outra coisa, se você quiser — ele levantou um ombro e ergueu a carta — E você pode fazer melhor do que isso.
Um princípio mínimo de um sorriso surgiu em seus lábios, e arregalou um pouco os olhos.
— Do que está falando?
— Quero saber se ela está bem. Quero saber qualquer coisa sobre ela, . Mesmo que ela precise de um tempo, estou disposto a dar, mas vou ficar louco se não souber de nada.
o fitou e arqueou as sobrancelhas. Ainda estava esperando entender o que tinha a ver com isso.
— E como você acha que eu posso conseguir uma coisa dessas?
Jungkook apontou para a metade superior do documento, onde as palavras dentro dos símbolos “<” e “>” mostravam uma mensagem eletrônica cheia de códigos HTML escondidos e ícones matemáticos.
— É o antigo e-mail de agenciamento dela. Ali não manda e-mails pra ninguém por ele, nem sabia que ainda tinha a senha. Se fizer uma análise da mensagem, pode pegar alguns dados. Ela te deixou pelo menos um número de telefone que você possa ligar. E se ela pensa que você não me conhece, tem mais chances de te atender e conversar.
abriu a boca para contestar, porque tudo parecia ridículo demais.
— Isso é loucura. Ela não disse que queria receber ligações.
— Também não disse que você não poderia ligar.
— Tá bom, sei que você quer vê-la de novo, que vocês precisam se resolver, mas eu não quero me envolver nisso, Jungkook. Não quero ficar te passando informações quando não suportamos compartilhar o mesmo ambiente. Então, minha consciência já tá mais leve, e se quiser, pode usar esse número de telefone ao seu favor. Tô indo nessa.
bateu em seu ombro ao passar por ele, mas parou imediatamente com a voz perto de seu ouvido:
— Eu posso te ajudar com Jaehyun.
Uma garra invisível e gelada desceu por sua espinha, e ela achou que estava louca por não saber se vinha do nome de Jaehyun ou daquela voz odiosa tão perto de seu tímpano.
— Quê? — tratou de se afastar para o lado. Jungkook tinha um sorriso completamente sádico.
— Posso te achar insuportável, , mas tenho olhos e você é completamente péssima em tentar esconder sua paixãozinha.
sentiu a bochecha arder. Estava mais do que claro o quanto queria ir embora dali.
— C-claro que nã-
— Qual é, . A verdade tá bem aí, na sua carinha de sonsa: você gosta do Jaehyun. E por mais que isso me dê mais repulsa do que ânimo, posso te ajudar a pelo menos não ficar sem assunto com o cara.
abriu e fechou a boca várias vezes, revoltando-se a cada segundo que passava, socando a si mesma com luvas de boxe por ter sido tão, tão… por estar simplesmente ainda parada ali, deixando aquele idiota rir dela!
Mas, por mais que odiasse a forma como foi descoberta, simplesmente aceitou a verdade e acariciou o fato já estabelecido: ela realmente gostava de Jeong Jaehyun, ainda que não entendesse muito bem disso. E Jungkook ser a pessoa a captar essa veracidade não a deixava nada empolgada.
— Em que mundo você acha que eu aceitaria isso?
Ele riu e deu um passo à frente.
— No mundo em que você esteja louca por ele e não sabe merda nenhuma do que fazer. Olha naquela festa! Conseguiu pelo menos que ele te desse um beijo? — Jungkook inclinou um pouco a cabeça para olhá-la nos olhos, apoiando as duas mãos na cintura — Claro que não, como conseguiria sendo tão desastrada e ainda por cima se vestindo para a missa. A bebida no seu vestido pelo menos deixou ele um pouco melhor. Mas que se fodam as suas roupas. O fato é o seguinte: eu sei do que ele gosta e sei do que precisa pra chamar a atenção. Acredite, se ele tivesse chegado um minuto antes naquela sala e visse o jeito como você consertou isso aqui — ele levantou a mão machucada, agora com apenas uma pequena faixa transparente — ele acharia foda e ao mesmo intimidante, porque Jeong Jaehyun gosta de garotas que querem ser protegidas, e não o contrário. E você literalmente precisa guardar essas garras se quiser um jantar.
soltou o ar com incredulidade, balançando a cabeça em negação.
— Isso é ridículo…
— Isso é um acordo, . Com o bônus de uma trégua.
— Trégua?
— Isso mesmo. Faz parte do te deixar em paz.
— Vai parar de me ofender?
— Publicamente, sim.
— Vai parar de se meter no estoque dos meus filmes? De aparecer do nada no campus? E principalmente, vai parar de me enviar as passagens?
— Vou, vou. E então? — Jungkook estendeu a mão para a frente — Vai aceitar?
olhou para a mão dele no ar com hesitação. Mesmo que aquele cara odioso e babaca, gostoso e gentil na mesma proporção estivesse totalmente relaxado com a possibilidade de um acordo entre eles, ainda assim, sentia como se estivesse prestes a se aliar a um supervilão que destruiria o seu mundo no futuro.
Mas Jaehyun… Jaehyun estava desestabilizando o seu mundo de agora, no presente, e esse jogo era tentador demais.
Ela torceu os dedos e murmurou entredentes:
— Se isso for uma brincadeira…
— Nada que envolve a Ali é brincadeira, . Vamos, não tenho o dia todo.
umedeceu os lábios e olhou dentro de seus olhos. Ele não parecia que iria dizer mais nada e ela tampouco tinha condições para seguir. Parecia simples. Parecia.
Ela apertou sua mão quente com receio. Jungkook sustentou o toque e de repente puxou-a para mais perto, se aproximando de como um raio, com um sorriso debochado cortando o rosto. Ela conseguiu sentir o cheiro dele antes que sussurrasse, perto demais do seu nariz:
— Mas fique sabendo que isso não anula absolutamente nada do que penso ou sinto sobre você. Eu te odeio, sempre vou odiar e ansiar pelo dia em que você suma pra sempre — e se afastou tão rápido quanto se aproximou, começando a seguir pelo corredor ao qual já deveria ter ido embora há muito tempo — Ah, só pra constar: Jaehyun odeia frozen yogurt e vai odiar se continuar usando sapatilhas de freira.
E lhe deu uma piscadinha.
Uma piscadinha.
Atônita, ficou parada enquanto observava as costas largas se afastando, assobiando descontraidamente, sentindo que, de um jeito ou de outro, tinha vendido a alma ao diabo.
E agora só lhe restava pagar o preço.


To be continued...

Capítulos Anteriores | Página Inicial | Próximas Capítulos

N/A FIXA 📌: Olá! É um prazer te ter aqui!
Seguinte: caso você tenha caído aqui de pára-quedas, a história começou no Filme I, uma shortfic linda, gostosa e esclarecedora. Visite esse surto AQUI caso você ainda não conheça.
Se você está no lugar certo, aproveita pra visitar os links logo abaixo. Temos a playlist oficial da fanfic cheia de música boa e também o nosso grupo do WhatsApp, onde eu solto spoilers, faço sorteios e você ainda aproveita pra fazer amizade. Claro, me segue no insta também pra saber quando vai sair a próxima atualização. ❤
Por fim: nunca deixe de falar o que achou de cada att, isso é MUITO importante pra mim! Agradeço de coração pelo seu tempo e pelo seu feedback 🔗


OLÁ! DEIXE O SEU MELHOR COMENTÁRIO BEM AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus