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Atualizada em: Mai/2024

[ 46 ] – Run, but you cannot hide

🎵 Ouça aqui:
Mad Sounds - Arctic Monkeys

"Sons loucos em seus ouvidos fazem você se sentir bem
Eles vão levá-lo de volta à vida
﹝...﹞
Fivelas de amor sob a tensão dessas noites selvagens
Corra, mas você não pode se esconder."

Antigamente, Jungkook procuraria no Google Maps um lugar mais próximo ou tão longe possível para se sentar caso visse Candice Chaperman ocupando o mesmo metro quadrado que ele queria ocupar.
Mas naquela madrugada fresca e até um pouco gelada de Jeju, onde o deck dos fundos recebia toda a massa de vento que vinha do mar lá na frente, escondido no vácuo negro da noite, Jungkook andou sem preocupação para a cadeira de descanso ao lado da dela, sentando-se o mais silenciosamente possível, mas que ainda era mais alto do que todo o silêncio que já rodeava a casa.
Candice levou um susto com a aparição, e o cigarro queimando entre os dedos quase caiu no piso de madeira. Mal dava pra acreditar em como aquilo ainda estava aceso com tanta ventania.
— Meu Deus, não sabe bater? — ela grasnou, falando a primeira coisa que lhe veio à mente. Jungkook riu pelo nariz.
— Bater? Na cortina? — ironizou, gesticulando para a entrada do cômodo, que era dividido do restante da casa apenas por uma cortina de uma mistura de miçangas acrilicas, imitando um estilo boho indiano com um pouco do subúrbio da Coreia. Candice revirou os olhos quando se tocou do que disse e voltou a tragar o cigarro, não abrindo a boca para mandá-lo sair. Era um bom sinal. Talvez não estivesse mais tão incomodada assim por absolutamente tudo a respeito de Jungkook. — O que faz aqui acordada a essa hora?
— Devo te perguntar a mesma coisa?
— Eu não estava dormindo — ele respondeu naturalmente, mas o toque de malícia foi instantâneo e sem margem de erro. Candice virou para olhá-lo e percebeu os detalhes: ele estava sem camiseta e com uma bermuda preta qualquer, segurando algo na mão perto do bolso. Ela revirou os olhos mais uma vez. — E pelo visto você também não.
Agora era a vez de ele reparar: o roupão branco jogado pelo corpo, o cabelo ondulado preso de qualquer jeito no alto da cabeça e aquela expressão relaxada de…
Bom, Jungkook sabia exatamente quando uma mulher tinha acabado de gozar. Era um talento seu. Cada expressão era única, mas todas carregavam uma coisa óbvia.
Ela, sabendo que tinha sido pega, abriu um sorriso falso sem mostrar os dentes e respondeu sem grande civilidade:
— Eu estava trepando com o seu amigo e você estava trepando com a minha amiga, pronto, fim de papo.
Jungkook riu e torceu a boca em concordância, ajeitando as costas na cadeira espaçosa e finalmente puxando o próprio cigarro do maço amassado que segurava, posicionando a ponta entre os dentes e acendendo-o com um isqueiro pequeno quase invisível.
Candice o viu atear o fogo e tragar a primeira leva do tabaco, sem se dar ao trabalho de balançar as mãos para dispersar a fumaça como geralmente faziam as pessoas que fumavam ao lado de outras pessoas – uma questão de respeito básico. Mas é claro que Candice não dava a mínima pra isso.
— Dunhill? Sério? O que você é, um aristocrata? — perguntou ela, reparando na caixa avermelhada que ele apoiou na mesinha de madeira.
— Você fuma Davidoff, quer falar o que de mim?
— Yoongi fuma Davidoff, eu fumo Parliament. Quer dizer, não fumo mais — ela sacudiu a cabeça, rápido demais. — Eu não compro mais. Não posso mais, eu promet- Você não pode contar isso pra , entendeu?
— Só se você não contar de mim também.
— Prometeu a ela que iria parar?
— Eu não prometi. Mas… Disse que ia tentar — ele levantou os ombros com relutância, como se a ocasião em que aquilo foi dito não mostrasse uma confiança plena de suas palavras. — E também que não iria fumar na frente dela, e que ia tentar fazer só em momentos especiais. Mas acho que isso não cola, né?
Candice engasgou uma risada.
— Esse tal de momentos especiais é um tiro no pé. Acredite, já tentei. Daí você começa a trabalhar como maluca, ajudar velhinhos a atravessar a rua, oferecer sorvete pra criancinhas carentes e transforma todos os momentos em especiais pra buscar sua recompensa.
— Isso aí. E fica difícil não cair nessa fábula quando se vive com ela. Sabe? Todo dia é especial com a .
Jungkook falou sem olhar pra ela, colocando o cigarro na boca de novo como quem comenta sobre o clima, quem não está prestando atenção de verdade nas próprias palavras. Candice ouviu e sentiu um milésimo de segundo de choque e depois de paz, uma paz que vinha do concordo plenamente com você.
— Meu Deus, em quem nos transformamos por ? Agora nem podemos mais ser jovens adultos normais e depravados com seus vícios sem se importar com os problemas futuros que eles trazem? Só por que ela não é uma depravada?
— Você que pensa — Jungkook soltou imediatamente e Candice arregalou os olhos antes de desferir um tapa no seu braço. Ele gemeu um “Ai!”
— Cuidado com o que fala. Não é só porque agora namoram que preciso da imagem de vocês dois pelados na minha cabeça.
— Não foi a gente que performou um pornozão em alto e bom som hoje mais cedo que até o Vaticano escutaria.
— Que coisa horrível de se dizer.
— Foi horrível de ouvir também.
Candice lhe deu outro tapa, mais fraco dessa vez porque precisava controlar o riso.
— Não importa, só espero que você continue tratando ela como a porra da Cleópatra, mesmo depois de ter conseguido o que quer — ou volto a planejar o seu assassinato, ela quis completar.
— Acha que eu sou tão idiota de deixar ela escapar? — Ele fez uma careta, talvez pela fumaça reversa que invadiu seus olhos ou pela ideia absurda de tratar menos do que bem. Candice arqueou as duas sobrancelhas pra ele. — Tá bom, sei que sou idiota, fui um idiota esse tempo todo, mas me dá um crédito agora. Tô apaixonado. Pra caralho. No nível de querer viver a vida com ela e tudo isso.
Candice ficou parada por um minuto inteiro até abaixar a mão e voltar a encarar a noite, internalizando mais uma onda de alívio que as declarações de Jungkook sobre sua amiga traziam nela. Esse desgraçado estava convencendo ela de verdade. Não tinha caído nenhuma vez desde o dia do aeroporto.
— Acho que te julguei mal. Você não é tão burro quanto eu pensava — murmurou, tragando mais um pouco. Ele riu pelo nariz.
— Ah, eu era burro sim. Não precisa ser gentil — disse ele, levantando os ombros. — Mas acho que te julguei mal também, então estamos quites — Candice o olhou com as sobrancelhas juntas em dúvida. — O lance da exposição e tudo mais. Fui meio duro com você no jantar naquele dia, mas caí do cavalo quando cheguei aqui. Pensei num monte de merda quando fui ao cinema com a .
Candice olhou pra ele.
— Acha que alguém te reconheceu?
— Não, mas fiquei com medo. Odeio ficar me preocupando com estimativas baixas, mas foi exatamente o que eu fiz. Pelo menos por um tempinho.
Ele bateu as cinzas no piso de madeira, bem entre os seus pés descalços. Candice não falou nada, mas não teve tempo porque ele logo estava falando de novo:
— Olha, eu achei que você só tava buscando uma desculpa pra acabar com tudo, que só seria a namorada do hyung até certo ponto. E eu não ia te crucificar por isso, falo sério. Ninguém merece ter a vida invadida e o nome pipocando pra lá e pra cá sem nunca ter pedido por isso. Quer dizer, sei que tem garotas por aí que matariam pra ter a imagem vinculada com o Yoongi ou qualquer um de nós, mas você batalha pela própria vida e pelos seus objetivos, e, talvez por isso, cheguei a pensar que vocês dois não eram pra ser. Se você não tava disposta a correr os riscos que envolvem a gente, então devia mesmo ir embora. Ia doer pra caralho nele, mas era melhor do que prolongar um sofrimento certo.
Candice continuou olhando pra ele, agora mais curiosa, sem saber onde ele queria chegar. Ele abriu um fininho sorriso de canto.
— Tô falando isso pra te agradecer. Você não foi embora e isso me surpreendeu. Conheço Yoongi há 10 anos e nunca nem passou pela minha cabeça e nem na de ninguém que o tipo dele eram loiras estrangeiras malucas e boca suja, que usam saltos enormes e bolsas Prada feitas de titânio. Ninguém esperava por isso, e agora ninguém quer que ele perca isso — ele finalizou com um levantar de ombros, e viu os olhos de Candice se estreitarem até quase fechar, sem saber se levava as palavras como elogio ou ofensa. “Prefiro que você não me descreva mais assim”, ela murmurou. Jungkook riu um pouco mais alto. — Tudo bem, só queria deixar claro que também te julguei mal, e isso veio lá do início. Nunca falei sobre nada disso com ele, até porque todo mundo tem direito de ter suas próprias trepas casuais por aí. Mas no fundo, eu pensava que não ia durar. Que não tinha como durar, não tinha como dar certo, já que os relacionamentos dentro do nosso meio estão quase sempre destinados ao sacrifício. E ser um sacrifício, nesse caso, não tem nada de admirável.
— Talvez porque vocês lidam com algo tão comum quanto namorar de forma bem saudável — ela ironizou.
— Não precisa zombar, sei que essa parte da nossa cultura é uma grande merda, e fica pior a cada ano que passa. É muita camada de mentira e atuação. Nunca imaginei você no meio disso, e tenho certeza que ele também não. Além disso, você não combina com quem se esconde — Jungkook foi sincero ao olhar para Candice, que não soube o que responder imediatamente. — Enfim, o lance é que a duração de vocês foi uma pauta pra todo mundo, mesmo que ninguém tenha aberto a boca sobre isso, e aí ele foi ficando cada vez mais de quatro por você. Era até um pouco ridículo. E por mais que eu tivesse certeza que Yoongi merecia ser feliz, mais do que todos nós juntos… fiquei um pouco preocupado. Por ele. Depois de tudo que aconteceu na minha vez.
— Isso pode acontecer com qualquer um. Qualquer celebridade desse país — Candice puxou as pernas para cima, escondendo-as dentro do roupão largo. — No fundo, eu sabia que aconteceria comigo. Toda essa explanação, os comentários, o roubo da minha privacidade. É injusto, mas a gente imagina. Só que eu nunca quis que o resto das coisas dessem minimamente errado por causa disso. Nunca quis que minha rotina e meus planos fossem atingidos, mudados ou cancelados. Os comentários de um bando de desconhecidos não fariam isso, mas me esqueci que outras pessoas poderiam fazer. Nunca quis, mas aconteceu e agora penso que era até um pouco inevitável. Quero dizer, mesmo que demorasse 5 anos, não podíamos viver no anonimato pra sempre. Então eu passaria por toda essa merda mais cedo ou mais tarde, mas sempre soube que opiniões alheias jamais seriam capazes de me matar — ela tragou mais uma vez, tranquila com o fato. — Já conversou com a sobre isso?
Jungkook sentiu o embrulho característico no estômago, aquele que antecedia um cenário inteiro, com imagens reais do que aconteceu e as imagens do que provavelmente aconteceria de novo. Ambas com o mesmo peso, os mesmos estresses, com uma dose a mais de ampliação. Ele balançou a cabeça em um não, cabisbaixo.
— Não consigo imaginar ela nessa situação.
— Nem eu. E honestamente, prefiro que você faça de tudo pra não acontecer. Vocês dois. Ela é dos bastidores, sabe? Merece uma vida normal, com privacidade e uns passeios no parquinho. É o jeito dela. Ser reservada, se abrir apenas para pessoas que ela confia muito. Parece com o Yoongi, se você pensar bem.
— E isso é admirável nele — Jungkook fitou os próprios pés enquanto soltava mais uma chuva de fumaça. — Viveu tantos anos na mídia junto com a gente e conseguiu ser o mais discreto de todos nós. O namoro de vocês foi mais chocante por isso, porque ninguém nunca imagina qual o próximo passo dele. Não faço a menor ideia do que essas pessoas diriam se me descobrissem com a . Também não quero que isso aconteça, na verdade. Não quero nunca. Nem gosto de pensar.
— Tem algo a ver com você ter medo de que ela vá embora também? — Candice perguntou, mas já sabia a resposta. Jungkook nem tentou abrir a boca para responder. Ficou mudo, os olhos fitando o horizonte, fazendo o esforço que fazia todos os dias desde que se descobriu apaixonado por : não pensar no futuro. Não naquele futuro específico, naquela parte da vida dele que o fazia se lembrar que era uma super celebridade. — Eu te entendo. Consigo me colocar no seu lugar. Mas se te ajuda, não faria isso, Jungkook. Tenho certeza disso.
— Eu sei. Mas é mais forte do que eu, às vezes. Se acontecesse hoje, sei que a culpa não seria minha, mas doeria pra caralho do mesmo jeito. Seria… não consigo nem explicar.
Ele manteve a boca entreaberta para tentar dizer mais, mas sabia que tropeçaria nas próprias palavras e se calou. O assunto era dramático, viscoso. Sua vontade era de fugir de qualquer feixe disso, qualquer chance.
Candice se solidarizou na mesma hora. Estava ficando cada vez mais fácil se identificar com Jeon Jungkook.
— Eu faço ideia do que seria e te garanto de novo que não faria isso. Ela te ama. Te ama mais do que já amou alguém, e sei disso só de olhar — ela virou um pouco o tronco para ele, jogando as pernas para a lateral da cadeira larga. — E quando ama alguma coisa, ela não solta, não deixa escapar. Olha ela e aquelas câmeras. O jeito como ela separa, escreve e organiza todas aquelas polaroids, o sorrisinho dela em qualquer lugar minimamente bonitinho. O jeito como ela se encanta com as coisinhas mais idiotas — Candice revirou levemente os olhos, levando um polegar até a cabeça para puxar um fio preso. — É bom de ver. Mostra que todas as coisas ruins que ela passou não foram o suficiente pra deixá-la na vala.
Agora Jungkook quem a encarou, não com curiosidade, mas com consternação. Seja lá o que Candice interpretou daqueles olhos, foi uma ótima oportunidade para continuar falando:
— Acho que você já deve saber, mas ela teve uma vida muito complicada. Uma bem merda, para ser plenamente gentil. Não consigo imaginar e nem me colocar no lugar dela nesse caso. Nunca consegui. Só sei que em uma certa época do passado, perdeu a única família que se importava com ela e isso deve destruir qualquer um. Na verdade, mexe com ela até hoje, mesmo que ela nunca diga nada ou nunca queira se lembrar. E sei que ela se sente assim porque já teve alguma esperança de renascimento da família feliz, ter o que as outras pessoas têm, ter o que eu tenho com a minha. Isso aí já não é bom, mas sim muito triste de ver — ela suspirou, e olhou os últimos resquícios do fogo queimando na ponta da bituca. — Por isso tento ser a melhor família pra ela, ou só tento ser alguém que ela merece. não tinha nada, absolutamente nada, quando a conheci há 4 anos. Só um punhado de dinheiro contado e uma ou duas câmeras velhas. Eu nem sabia como essa garota iria conseguir ganhar dinheiro tirando foto, e até cheguei a dizer que ser garçonete era uma ideia melhor. Mas ela nem me ouviu; simplesmente foi, na cara e na coragem, porque amava isso. Dava pra ver que não se via fazendo outra coisa, sendo outra pessoa. E vendo onde ela chegou, não tenho mais dúvidas de que ela aguentaria muito mais desafios, se precisasse, por qualquer coisa que ela ame. Porra, e você já deve ter sentido o quanto ela te ama.
Dessa vez, Jungkook não desviou o olhar, nem pediu desculpas por estar soltando a fumaça naquele espaço médio entre ele e Candice e não respondeu a nada daquele discurso de imediato. Sua mente ficava tão cheia toda vez que pensava naqueles detalhes sobre , detalhes do passado que ele não poderia mudar, que odiaria ver acontecendo de novo, como naquele maldito dia do quarto, do término, do espelho quebrado, da choradeira e tudo. Tinha medo que os cães do inferno voltassem para atazaná-la, mas também em alguma parte do mais profundo ser de Jungkook, ele também tinha medo de ver a cena se repetir por outro motivo. Um que tivesse a ver com ele, e com o fardo da fama que ele carregava, um fardo imutável e cada vez mais crescente.
Mas esse pensamento veio e foi rápido demais. Os olhos de Candice eram honestos e seu aviso também. também era.
— Também vejo isso nela — disse ele, tragando forte, fazendo a pontinha da guimba brilhar no escuro. — Ela me inspira, Candice. Me inspira em muita coisa, e amo ela por isso. Amo essa força e toda a coragem que ela acha que não tem. Nunca encontrei uma mulher como ela, e às vezes ainda tenho medo de estragar tudo, mas depois passa. Porque me sinto corajoso também. Porque me dá alívio saber que agora posso cuidar dela — ele sorriu de canto, e viu a mesma coisa em Candice. — é forte, mas… Tenho certeza que ela nunca se imaginou nesse cenário. Ela mal gosta de posar pra uma porra de selfie, imagina ter fotos de todos os ângulos zanzando por aí? Tenho certeza que ela já deve ter pensado nisso, mas não quer comentar, e honestamente, prefiro assim. É um assunto que não serve pra relaxar, mas ainda fico imaginando– até onde vai a força dela? Até onde ela é capaz de passar por cima dos próprios princípios se algum incidente acontecer? Sinceramente, não quero ver força nenhuma. Não quero que ela tenha que se sentir desconfortável e perdida numa realidade que ela nem pediu — ele pareceu um pouco mais frustrado, um pouco mais ansioso, a mente viajando naqueles universos paralelos que sempre tentava não montar.
— Olha, também não gosto de pensar nessas coisas, Jungkook, mas acho que você devia confiar mais em . Na capacidade dela de segurar algumas barras.
— Eu não disse que não confio.
— Mas quer colocar ela numa concha longe de tudo e todos, escondê-la do inevitável. Você sabe o que inevitável significa? Quanto mais sério o relacionamento de vocês fica, mais essa palavra sai de algum cantinho e vem caminhando pra cá. Não quero de jeito nenhum que ela te alcance agora, mas quando acontecer, tem que deixar ela lidar com as coisas. Da forma dela. E não, essa forma não seria indo embora. não aguenta mais ir embora.
Ele paralisou e pareceu relaxar por um segundo, como se ouvir aquilo de Candice fosse uma confirmação divina. Não havia ser humano mais confiável para compartilhar de para ele que não fosse sua melhor amiga. Naquela hora, ele percebeu que ainda guardava um resquício de medo de toda a história de abril se repetir, mas tratou de se livrar desse inconveniente ali mesmo.
O outro sentimento intrusivo veio pela última frase de Candice, dita com um exalar forte pela garganta, uma expressão repleta de cansaço: não aguenta mais ir embora.
E a dor e revolta pelo passado e pelas cicatrizes dela estavam de volta.
— Eu não sei o que faria se fosse comigo — ele disse, meio aéreo, se enfiando em um contexto da própria cabeça. — Se tivesse passado por tudo que ela passou. Não faço ideia da pessoa que eu seria. Não sei se eu seria a pessoa a não ir embora — declarou, bagunçando o cabelo devagar. — Não quero parecer desconfiado, é só que às vezes eu reflito nessas coisas quando escuto as histórias dos outros. Tento me imaginar no lugar delas, passando pelas mesmas merdas, e quando vejo a fortaleza que as pessoas se tornaram depois disso tudo, eu me sinto meio… vazio. Um pouco oco. Como se eu estivesse muito abaixo deles e não soubesse uma caralhada de coisas importantes sobre a vida porque tive uma família foda que me apoiou em absolutamente tudo que eu quis fazer e isso faz eu me sentir meio… deslocado. Não rende um bom testemunho.
— Qual é, sofrimento não é a única coisa que traz amadurecimento. Apesar de que, quando conheci Yoongi, me senti desse jeito também — Candice apoiou os cotovelos nos joelhos, que agora balançavam constantemente. — Ele fez eu me sentir como se eu não soubesse merda nenhuma da vida, e olha que morei em 10 países e nem sei mais o que é pudor desde que usei meu primeiro sutiã. Achei que se jogar no mundo era a única forma que uma pessoa poderia adquirir conhecimento sobre as coisas, que colecionar aventuras era o que tornava alguém sábio. Mas quando começamos a compartilhar histórias pessoais, senti como se eu estivesse vivendo dentro de um globo de neve esse tempo todo, cheia de coisas práticas, bonitas e fáceis, medindo o mundo lá fora de acordo com a minha régua. Percebi que, quando se trata de pessoas, o buraco é muito mais embaixo. Yoongi sofreu e chorou boa parte da adolescência, enquanto eu nunca achava motivos pra isso. Às vezes também me sentia triste e queria perder as estribeiras, mas era diferente. As pessoas ao meu redor não pareciam apenas tristes, elas tinham um buraco. Uma lista de reclamações, uma família com um armazém de problemas, enquanto eu– Bem, eu sentava com meu pai no piano, brincava com 3 golden retriever, zoava os empregados, ia ao spa com minha mãe e jantava na sala enquanto eles me obrigavam a assistir o CityLine na TV enquanto perguntavam sobre o que eu queria fazer no futuro. Todo dia eu falava uma coisa diferente, e todo dia eles se empolgavam do mesmo jeito. Todo dia eu me sentia amada e cuidada, vivendo uma vida perfeita e uma família perfeita. E sabe o que é pior? Isso nunca mudou — ela até tentou rir, mas não tinha emoção suficiente. — Antes de eu conhecer o mundo, achava que aquilo era o normal em todos os lugares. E se não fosse, deveria ser. Mas aí eu comecei a entender que nada deveria nada. Na verdade, quando você recebe tanto amor e é ensinada a valorizar isso, você é colocada numa bolha. E é um choque quando percebe que a falta de amor no mundo é mais assustadora do que os filmes de terror, e até fica um pouco desesperado pra dar um jeito nisso, mas é impossível. As pessoas também estão na própria bolha, tentando escapar da esteira de hamster. Você se sente um pouco estigmatizado. Acha que não tem direito de reclamar ou de chorar por qualquer coisa que aconteça, porque seus privilégios têm a obrigação de amortecer suas dores. Mas isso foi só por um tempo. Depois, ficou mais fácil de aceitar. Saber que cada um é cada um. Prestar atenção nos outros faz a gente virar um filtro ambulante sobre as pessoas, mas isso não é ruim, te ajuda a ser seletivo sobre quem manter manter por perto. E essas pessoas sim, pra essas pessoas você pode doar seu tempo e seu amor, e passar adiante todos os valores bonitinhos que ter uma família ensina pra você.
Jungkook tragou mais um pouco da nicotina. Estava começando a sentir o relaxamento que tanto desejou desde que tinha levantado da cama ao lado de naquela madrugada. Relaxamento para um pandemônio interno que ele não sabia bem qual era a fonte; era seu aniversário e ele estava feliz, mas alguma coisa, sempre havia alguma coisinha minúscula, microscópica que se manifestava no silêncio tardio da noite, roubando seu sono e sua paz.
— Consigo te entender — murmurou ele, tamborilando alguns dedos no braço da cadeira. — Já pensei sobre isso também. Quero dizer, às vezes eu sentia que não me encaixava. O que um cara como eu, com uma família como a minha e pais como os meus saberia escrever sobre a vida? Fazer uma reflexão sobre superação dos problemas? Eu não conhecia nenhum. Eu pensava isso. Achava que a pior coisa que tinha acontecido comigo eram as minhas notas da escola, porque elas sempre deixavam minha mãe brava e um pouco decepcionada. Fora isso, dava pra superar, sempre dava — ele contorceu a boca com a lembrança e se virou para a loira. — Quando precisei compor profissionalmente pela primeira vez, eu e os outros fizemos uma reunião pra ler o trabalho de cada um e discutir algumas coisas. Daí eu li as letras de Yoongi e Taehyung, e de Namjoon também, e sei lá– me senti horrível. Horrível por não ter nada de horrível e minimamente profundo pra contar. Horrível porque a única coisa esquisita e diferente que eu tava sentindo naquela época era saudade e um pouco de solidão. Eu não tinha medo da cidade grande, não tinha medo de faltar dinheiro, não tinha medo de não dar certo no Bangtan, porque poderia dar certo em outro lugar. Eu tinha medo de errar em um passo de dança porque seria constrangedor pra mim, enquanto eles tinham medo de errar porque só tinham aquela chance. Ou dava certo, ou dava certo. Eles tinham uma série de problemas reais, enquanto os meus– sei lá. Minhas questões sempre podiam esperar. Porque alguém sempre estava sofrendo mais. Alguém sem o peso do privilegiado com a família feliz e talento de nascença.
Candice ficou em silêncio por um momento longo até tossir uma risada alta demais para o padrão, trazendo Jungkook junto, que em vez de tentar explicar o termo, preferiu não dizer nada. Ele sabia que ela entendia. Pela primeira vez, sentiu que Candice Chaperman sabia exatamente o que ele queria dizer.
— O peso do privilegiado — ela assentiu e levou o Davidoff quase no fim à boca de novo. Olhou por sobre o ombro para a porta de vidro e depois se voltou para Jungkook, derramando nele um olhar de duração interminável. Era tão profundamente penetrante quanto exaustivamente comprido. — O lema dos amaldiçoados com famílias perfeitas e sem problemas paternais para resolver. Ninguém faz um reality da Discovery sobre isso?
— Não quando elas se apaixonam por pessoas que são o completo oposto — ele deu de ombros, mas também teve vontade de rir. Era um pouco engraçado, se fosse colocar na ponta do lápis. — De qualquer forma, e Yoongi, bom… eles lidam com os problemas melhor do que nós.
— Mil vezes melhor — Candice concordou com veemência.
— Ela nunca me acertou um segundo chute em todo esse tempo desde que se mudou pra cá, e olha que teve todos os motivos pra isso.
— Ele não desistiu de mim mesmo depois das 5 milhões de vezes em que falei que nós nunca teríamos nada sério.
— Passar alguns perrengues na vida te transforma em níveis assustadores.
— Total.
Eles riram, mas só por um breve momento. Jungkook foi o primeiro a ficar um pouco mais sério, abaixar a mão e fitar o horizonte mais uma vez, sendo incomodado pela verdade que pesava seu peito, as revelações que guardava e pensava, pensava muito, pensava mais do que deveria.
Ele quis contar tudo para Candice. Quis abrir a boca e deixar jorrar tudo. Não era como se fossem amigos apenas porque estivessem fumando um cigarro juntos em um deck sem trocar farpas, mas aquela era Candice Chaperman, a família de , a guarda-costas de seu bem-estar, a pessoa que mais se importava com ela além dele mesmo. Ela precisava saber da situação iminente, do risco que Ji Changmin de repente apresentou, dos olhos de Ali à espreita em algum lugar, e que esses dois…
Mas Jungkook não disse nada. Não conseguiu fazer isso, porque haveria consequências fora de seu controle. Não fazia ideia de como prever as reações de Candice ainda, e ele sentiria um ligeiro arrependimento por ter escolhido compartilhar aquilo com ela caso Changmin aparecesse sem os braços no dia seguinte. A situação era maior, mais delicada, mais preocupante. Jungkook sabia disso, e por isso não podia meter os pés pelas mãos. Tinha que ter calma, tinha que ser mais como e Yoongi quando o assunto era resolver problemas.
Porque ele conhecia Ali. E, se ela ainda não tinha feito nada, estava esperando alguma coisa. Talvez alguma coisa dele, talvez alguma coisa de . Talvez do próprio Changmin. Se desse as costas e passasse a ignorar aquele desgraçado agora, Jungkook não fazia ideia do que ele poderia fazer. De como ele reagiria. O filho da mãe pareceu muito agradável até Jungkook ir pra cima dele, se meter nas suas intenções, e agora ele parecia estar numa corda bamba, em modo de alerta total ao menor dos detalhes, esperando alguma coisa porque sabia que alguma coisa vinha por aí.
— Eu faria de tudo pra que ela não tivesse que viver nada disso de novo — disse ele, mais para si mesmo do que para Candice, sentindo a determinação esmagadora daquela verdade absoluta. Ele enfrentaria Changmin de novo, em alguma hora. Tentaria conversar, tentaria perguntar. Era difícil ter uma conversa civilizada com alguém após a lembrança de que um tentou socar o outro, mas tinha que fazer isso. Ele enfrentaria até Ali Dalphin, caso ela quisesse seguir com isso. Ele esperava que não. Esperava que ela estivesse bem longe, de volta pra casa, de volta ao trabalho, em alguma passarela do planeta.
Fazia muito tempo que ele não pensava em Ali Dalphin. Que não tentava adivinhar o que ela andava fazendo, o que estava sentindo. De alguma forma, foi um alívio pensar nela naquela hora. Trouxe o nada que ele sempre desejou, a extensão de vazio e indiferença que jamais pensou que um dia fosse sentir por ela.
— Eu também faria de tudo pra que Yoongi não tivesse que passar pelo que passou de novo — Candice trouxe barulho e distração à mente zoneada de Jungkook, que logo dispersou os pensamentos e olhou para ela. — Sinto que isso transformou ele de alguma forma, transformou por dentro, em um lugar que nem ele mesmo alcança. Às vezes, ainda o vejo acordando no meio da noite depois de ter tido… um pesadelo, uma lembrança, sei lá. Às vezes ele nem dorme. Ou dorme demais. Passa por processos criativos muito dolorosos, e sei que pode ter algo a ver com toda a história da vida dele, mas… Bom, é o passado. E a gente não pode mudar essa merda, infelizmente — ela tragou com mais força. — Por isso quero que ele não precise passar por isso de novo. Que ele não sofra por mais nada, ou, se isso for necessário, que saiba que estou aqui. Estou aqui pra qualquer coisa. Tentando compreender, me colocando no lugar dele. Sempre tive certeza disso, estive disposta, mas nos últimos dias, eu… enlouqueci um pouco. Bom, você viu como anda a minha situação no trabalho.
— Você explicou pra ele? — perguntou Jungkook. Candice levou dois segundos para negar com a cabeça. — Candice, olha, é natural que você fique frustrada com tudo que tá acontecendo. Mas se quiser ficar com ele, não pode esconder essas coisas, não pode…
— Não é só isso, Jungkook. Sei que deveria me abrir com ele sobre isso, mas o que ele poderia fazer? E se ele tentasse interferir? Estragaria tudo, pioraria as coisas. Mesmo que planejasse algo e não agisse por impulso, não dava pra eu jogar isso pra cima dele. E também, eu– eu sei lá, tava tão confusa. Amo Yoongi, mas também amo o meu trabalho, e em nenhum plano da minha existência já fui rebaixada em alguma coisa. Principalmente quando faço o que faço porque gosto. Meus planos sempre foram avançar, ir em frente, ir para o alto. Então, eu não soube o que fazer. Fiquei com raiva. Fiquei confusa. Foi isso. Talvez você estivesse certo, pensei mesmo em terminar essa loucura de namoro e voltar a fazer o que vim pra cá pra fazer, mas a ideia não durou nem 1 minuto — ela mordeu o lábio inferior, levando a mão para um fio solto do coque. — Não consigo mais imaginar a vida sem ele. Seria doloroso demais. Não melhoraria em nada.
Jungkook compreendeu. Compreendeu no fundo do peito.
— Então ele merece saber — argumentou de novo. — Mesmo que você peça pra ele não fazer nada, ele merece saber, Candice. Merece saber de tudo que você tá passando, porque assim como você, ele também não imagina mais a vida sozinho. Sei que você sabe disso, mas talvez não saiba o quanto, não tem ideia da força disso. Te garanto que você anda por aí com o coração dele há mais tempo do que pensa, e quando você não se abre, ele fica perdido, confuso, sai da rotina. Não precisa fazer isso com ele. É a hora certa de vocês dois se unirem, e não se afastarem como você achou certo fazer.
Uma lembrança explodiu na mente de Jungkook ao mesmo tempo que sua garganta cuspia mais um pouco de fumaça. Aquela semana tenebrosa da sua exposição com Ali, a forma como ela descarregou sua raiva nele, no whisky e na fotógrafa desconhecida. A forma como ela se afastava e o culpava, porque precisava culpar alguma coisa, precisava que alguém pagasse. Ali não conseguia terminar uma caminhada da cozinha à sala sem socar uma parede, resmungar palavrões, amaldiçoando a existência humana. Uma garota perfeita exposta na vitrine da internet, tendo defeitos seus apontados, defeitos antes nunca mencionados ou reparados, defeitos até então inexistentes, fazendo-a pirar, questionar a si mesma e se deixar ser abalada por uma multidão que não a conhecia. Ela nunca entendia ou aceitava quando Jungkook estava claramente defendendo-a. Tentando resolver a situação, melhorá-la o máximo possível. Ele simplesmente parecia ser o vilão, tão vilão quanto todo o resto.
Pensando hoje, Jungkook definiu tudo isso como uma loucura irracional. Ele sabia que Ali estava sofrendo, mas nunca tinha tentado imaginar porquê, de uma forma mais profunda, no cerne da personalidade da loira que ele achava que conhecia tão bem. Ali nunca foi uma pessoa com picos estáveis de auto estima, não aparentemente, mas todas as drogas que usava quando a conheceu, o inferno que causava na cama, a forma como sabia como deixá-lo maluco, dependente, as promessas que fazia e descumpria e ele mal se tocava… talvez vinham de uma necessidade astronômica de estar sempre sendo validada. Que o mundo exterior sempre renovasse seus elogios sobre ela, sempre continuassem reparando na raridade de seu ser, que notassem sua presença como ela merecia ser notada. Ali Dalphin sempre parecia ser uma estrela brilhante no topo da árvore de Natal, mas, no fundo, talvez fosse o ser mais lamentável do planeta Terra.
Era um sentimento estranho para Jungkook estar de volta à essa lembrança onde ele viu Ali pela última vez. Ele havia pensado que um momento ruim com ela era somente isso e que não os afetaria quando ela decidisse voltar, quando poderiam esquecer tudo e continuar. Agora, essas reminiscências serviam para uma análise profunda dele mesmo, mais do que ela. Como ele jamais poderia dizer o que realmente sentia, o que pensava, porque ela não pensava o mesmo e acharia idiota. E em como ele queria lutar pela honra dela, mais pelo fato de ela acreditar que era uma divindade intocável do que por ele acreditar nisso. Ele não acreditava, nem se importava com isso, mas precisava estar na sua sombra. Precisava não perdê-la.
Olhando para Candice, ele sabia que ela não tinha metade desses problemas em relação à Yoongi, mas estava fazendo a mesma coisa na essência: se afastando. Querendo resolver as coisas sozinha, talvez com um medo interno e fantasma de piorar as coisas pra ele, piorar as coisas para ela, piorar tudo no geral. Mas não, aquilo não funcionava. Jungkook estava dizendo com essa certeza apenas pelos olhos: isso não funciona, Candice. Qualquer hora do dia, você não ia aguentar. Nem ele. Repito: não funciona.
— Eu sei. Bom, a gente… começou a se acertar mais cedo — ela disse em voz baixa, e sorriu sugestiva quando olhou para os próprios pés no piso de madeira. — Não conversamos ainda de tudo, mas já é alguma coisa. A atmosfera sempre fica mais leve depois dos nervos descarregados.
Jungkook riu pelo nariz e revirou os olhos.
— Não sabia que meu hyung era adepto do sexo de reconciliação.
— Ele não é, mas não resiste a mim. E eu falei que ia contar. É sério. Já entendi que ele é o amor da minha vida, não tenho mais pra onde correr. Só precisava de um desses antes — ela gesticulou para o cigarro cada vez menor entre os dedos e, no momento em que fez isso, uma vibração audível encheu o ambiente, vindo de algum ponto da cadeira de Candice. Ela se virou e puxou o celular, dando apenas uma olhada rápida na tela, abrindo um sorriso. — Hm, parece que tenho pra onde correr agora sim. Alguém pode estar querendo uma segunda… — ela olhou para o lado e encontrou o rosto de Jungkook impassível, duro, com uma sobrancelha arqueada. Imediatamente, Candice suspirou. — Eu vou falar com ele! Prometo! Que coisa.
Ela balançou uma mão e enfiou o cigarro no cinzeiro, que nada mais era do que uma porcelana que enfeitava a sala grande e alugada do lado de dentro, e se colocou de pé, sem se tocar de que tinha acabado de fazer uma promessa para Jeon Jungkook.
Mas antes de se virar e caminhar animada para o quarto no segundo andar, Candice parou e olhou o garoto na espreguiçadeira, analisando-o como talvez nunca analisou na vida – e nem tinha vontade disso.
— Ei. Você não é tão detestável assim, Jeon. Acho que somos mais parecidos do que pensei. Vê se não vacila com a , tá bom? Naquele dia te fiz ameaças pra isso, mas agora tô pedindo de coração — e ela engoliu em seco com força, como se estivesse libertando algo agonizante da garganta — Como família.
E ele sorriu, como se tivesse, finalmente, alcançado o alto do Everest – com vida.
— Essa é fácil, Chaperman — disse ele. — Ela também é o amor da minha vida.

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Ei, ! Acorda!”
Na quarta vez que foi balançada, finalmente conseguiu acordar, mesmo de uma forma tão abrupta. Ela não entendeu nada quando abriu os olhos devagar, uma pálpebra de cada vez, tomada de exaustão. A imagem borrada do rosto de Jungkook na sua panorâmica demorou a se encaixar e estabilizar.
— Mas o que foi? — Ela estava grogue, cansada. Muitas partículas de sono pipocavam na sua cabeça. Virou para olhar a janela e ainda estava de noite.
— Levanta. Temos que ir em um lugar.
É o quê?! nem sabe se falou isso mesmo ou se foi o reflexo de sua mente. A luz amarela do quarto recém acesa mostrou Jungkook de pé, usando uma bermuda cargo marrom e um moletom, um outro, bem menos chamativo que seu presente de aniversário, com chinelos nos pés e um fogo aceso nos olhos que não estava sendo capaz de compartilhar.
— Que horas são? — finalmente ela se sentou, puxando o lençol para cima do tronco, um pouco por causa do ar gelado que vinha da janela e um pouco pela nudez. Grande parte de seu cansaço era por causa de Jungkook; depois da live finalizada, ela se sentiu no direito de oferecer a trepada de aniversário, que era pra ser bem rápida porque já eram 2 da manhã e eles sempre podiam continuar em outro momento, mas esqueceu que Jungkook odiava e ignorava o termo “rapidinha” e ela era fraca demais pra resistir.
— São 5 horas. Precisamos ir — ele caminhou da entrada do quarto até a janela, abrindo as cortinas até a metade enquanto verificava o relógio de pulso. Depois, virou para , que continuava na mesma posição: sentada, confusa, sonolenta. — ?
— Você ficou maluco? — ela passou a mão pelo rosto lentamente, forçando o sistema a voltar a funcionar. — Que história é essa de ir? Sabe que horas a gente dormiu?
— Ainda não dormi.
— O quê?
— Eu te explico depois. Mas sério, precisamos sair agora, prometo que você vai gostar — ele gesticulou com os braços mais uma vez, dessa vez para apanhar uma camiseta de dentro de sua mala aberta no canto do quarto, jogando o tecido para enquanto procurava os sapatos dela.
viu toda essa movimentação com o rosto contorcido.
— Eu não quero sair agora.
— Mas você vai gostar.
— Eu quero dormir, Jungkook.
— Podemos dormir quando a gente voltar. Vai, coloca a camiseta — ele saltou para perto dela na cama, agarrando o tecido e puxando seus ombros para começar a levantar. fez mais uma careta.
— Eu quero dormir — repetiu em um choramingo fraco. Jungkook riu pelo nariz.
— Você vai me agradecer. Vai, só coloca a roupa, a gente volta rápido.
Ele a puxou para cima e se rendeu, com a careta de contragosto. Mas que coisa, ele não parecia nem um centímetro cansado, mesmo com o dia cheio e a noite intensa. Como uma coisa dessas era possível? ainda sentia as pernas meio bambas quando as pousou no piso.
Por dentro, queria reclamar muito mais, mas então olhou o sorriso dele, uma mistura de entusiasmo com sacanagem, e sentiu a mão dele apoiar sua cintura por pura fora do hábito, e como ele sempre ficava um pouco bobo e hipnotizado quando estava na frente dela daquele jeito, nua em pêlo, admirando um diamante dentro de uma caixa de vidro em um museu, e a vontade de resmungar passava. Ainda era 1º de setembro, afinal.
Ela suspirou, pegou a camiseta preta estampada com is a Laserquest – um presente dele com uma piada interna que até hoje Jungkook não tinha feito questão de contar – escrita com letras de colagem de revista e enfiou os braços por ela.
— Cadê a minha calcinha?
— Você não precisa dela.
— Não começa, Jungkook. Minha calcinha e um shorts.
Ele riu abafado e se virou para pegar as coisas. não fazia ideia de onde tinha ido parar a maioria de suas roupas, mas Jungkook sempre se achava de alguma maneira. Em menos de dois minutos, ele a entregou uma calcinha e um shorts de moletom com elástico, que era curto demais em relação à camiseta, que desceu até a metade das coxas, fazendo-a se sentir dentro de uma lona.
Mas que se dane, ela não tinha mais como voltar pra cama. Até porque ele estava parado na frente dela, um pouco apressado, transbordando de energia matinal que ela odiava.
Ela abriu a boca para pedir, por último, que eles só adiassem a tal visita surpresa, mas Jungkook logo balançou a cabeça em negativa, segurando em seu cotovelo.
bufou e rangeu os dentes.
— Vou escovar os dentes — andou para o banheiro, ou melhor, se arrastou pra lá — Você vai ter que fazer uma trança em mim.
Jungkook assentiu com energia.
— Pode deixar.
E assim, foi até a pia e Jungkook parou em suas costas, puxando os fios grossos da montanha de cabelos para trás e começando a montar uma trança folgada, sem nenhuma técnica ou muito capricho.
Ela olhou para o espelho e topou com o rosto concentrado dele, tendo certeza de que ele nunca tinha tentado fazer nada daquilo antes, mas estava se esforçando. Ela o deixou em paz com seu cabelo. E mais tarde, quando estivesse com menos sono e estivesse radiante diante da surpresa abrasadora de Jungkook, perceberia que não havia nada, absolutamente nada de sua antiga vida sem aquele sujeito ao qual ela sentia falta.

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Em contrapartida, sentia falta de absolutamente tudo a respeito da praia.
A despreocupação com que as ondas do mar batiam nas pedras, engoliam a areia, entregavam o controle de seus movimentos para o vento, brilhavam durante o dia e se tornavam parte do céu e desapareciam em um vácuo negro durante a noite, tudo era impressionante, mágico e distinto, ainda que fosse padrão e constante, um espetáculo repetitivo. Mas não se importava. Gostava de saber que o mar era o mar em todos os lugares, ganhando novos nomes e denominações, sendo mais claro ou mais escuro em outros, mas sendo, bem lá no fundo, apenas um só, em beleza e dimensão.
Naquele início da manhã, não havia nada de extravagante nele, nada além do que esperava. Antes de sair, Jungkook mesmo tinha agarrado a Nikon profissional de , e foi sorrindo o caminho inteiro, desde que pisou no pedal do acelerador na frente da casa até puxar o freio no meio fio de uma outra praia desta vez, uma mais afastada das outras, uma que não tinha placas de identificação e com muito menos pedras do que as anteriores.
O vento estava forte quando os dois saíram do carro, forte e gelado, fazendo se abraçar e choramingar internamente sobre o que estaria fazendo ali, mas não disse nada. Jungkook passou um braço pelo seu ombro, e ela o abraçou imediatamente, resolvendo o problema do frio em um segundo. Ele puxou o celular para ver as horas e começou a andar na direção da costa.
— Você podia começar a falar — murmurou enquanto sentia o pé se encher de areia e roçar em pedaços pontudos de grama. O céu começava a clarear em um plano de fundo rosa com laranja, adiantando uma paisagem linda que viria acompanhada do Sol no horizonte.
Ele não respondeu de imediato. Só deu de ombros, tão pacífico quanto o mar.
— Já falei que você vai gostar. Agora resta você confiar em mim — ele deu uma piscadinha para convencê-la, mas não era necessário. já confiava nele, confiava em cada molécula do corpo, só estava curiosa, agora mil vezes mais, já que o cérebro já estava acordado o suficiente para raciocinar. Aquela felicidade dele não era estranha, mas estar feliz às 5 da manhã depois de uma noite em claro, era no mínimo esquisito.
Quando chegaram ao limite da costa, um lugar com mais pedras ao redor, grandes elevações de rocha que fechavam a praia em um muro pela metade e uma pequena trilha ao lado com mais variedades de flora muito parecidas com as que conheceu mais cedo, ela começou a pensar que ele queria ver o nascer do Sol. Esse era seu plano o tempo inteiro. não odiaria se fosse aquilo, mesmo que estivesse louca para voltar para cama. Não era sempre que podiam se dar ao luxo de assistir o Sol se elevando para um novo dia direto da praia, ainda mais em uma tão bonita.
Mas então, ele soltou por um momento e caminhou mais rápido na frente, olhando para o chão de uma extremidade a outra até colocar os pés em uma zona específica da areia e dar dois passos para trás, sentando-se de qualquer jeito.
— Vem, não vai demorar — ele estendeu a mão para o lado, indicando o lugar de . Ela não entendeu nada, mas estava cada vez mais convencida da história do nascer do Sol. Sem discutir, ela sentou ao lado dele, sentindo o vento no rosto, o frescor gelado da maresia, a iminência do Sol presente nos primeiros cantos dos pássaros.
— Era isso que você queria o tempo todo? — perguntou ela, com gentileza. Jungkook murmurou um “hum?” — Ver o nascer do sol. Podia ter me avisado, eu não teria caído no sono com tanta determinação, sabe. Teria dormido mais leve.
— Você é capaz de dormir mais leve? — ele levantou uma sobrancelha em deboche. estreitou os olhos.
— Claro que eu sou. É que você dorme demais e não percebe.
— Aham, claro que é isso — ele riu e beijou seu ombro. — Mas o nascer do sol é só um detalhe do contexto. Digamos que eu estou agora tendo um tempo livre com você.
— Tempo livre? — arqueou as sobrancelhas. Sentiu o braço dele deslizar pela sua coxa em um gesto natural e carinhoso, mantendo-a por perto. — Isso tá ficando cada vez mais misterioso.
— Não tem mistério no tempo livre. Você tornou isso uma benção pra mim — ele estendeu o dedo para ajeitar um fio insistente escapando da trança dela. — Antes, eu odiava o tédio. Era uma maldição, a hora perfeita pro meu cérebro pirar. Agora, com você… — ele suspirou por um momento. Os primeiros raios do dia estavam batendo no rosto de . — É, dá pra ficar o dia inteiro aqui com você. Batendo papo, te beijando, ouvindo você falar. Sentindo essa areia desgraçada entrar na nossa bunda.
— Ah, eu tava me segurando pra não falar isso — riu e se remexeu, sentindo aquele amontoado de grão pinicando sua pele debaixo da coxa quase exposta, se arrependendo de não ter colocado uma calça. — Você foi fofo, mas eu não ficaria o dia inteiro aqui sem uma toalha.
— Pode sentar no meu colo, se você quiser.
— Você vai sexualizar tudo que eu digo hoje?
Ele riu alto.
— Não, eu tô falando sério, pode mesmo sentar no meu colo. Talvez você precise esticar o pescoço pra ver direito.
franziu o cenho. Ele iria matá-la de curiosidade daquele jeito.
— Pra ver o quê? Sério, eu já tô ficando–
— Espera — ele levantou um dedo para interrompê-la. Jungkook fixou o olhar em um ponto na areia à frente, o lugar onde tinha pisado, e puxou o celular logo depois, zapeando a tela até parar em uma sequência de fotos com textos e mais textos, textos demais até mesmo para ele, que não lia nada que tivesse mais de 3 parágrafos.
estranhou e se aproximou para ver o que ele lia. Não dava pra entender muita coisa porque as letras eram minúsculas e ele se mexia muito, olhando do celular para o relógio, monitorando algo que não estava entendendo.
— O que foi? O que tá acontecendo? Quero participar — ela o balançou pelo ombro de leve, querendo atenção.
— Acho que vai acontecer agora — ele disse mais para si mesmo do que para ela, e não entendeu uma vírgula sequer. Estava começando a ficar nervosa. De repente, Jungkook chegou com o corpo para a frente e olhou para o mesmo ponto sem nada da areia.
Um montinho mínimo se mexeu. Devagar e muito lentamente, quase como uma imaginação.
Imediatamente, Jungkook se colocou de pé e se aproximou da região, se abaixando no ponto e, literalmente, começou a cavar.
Jeon Jungkook estava cavando um buraco na areia da praia. Com as mãos.
piscou os olhos várias vezes, confusa, muito confusa.
— O que você tá fazendo? — ela não se aguentou sentada. Jungkook riu e olhou pra cima.
— Vem cá me ajudar. Já tá acontecendo.
abriu a boca para perguntar mais uma vez “acontecendo o quê, pelo amor de Deus?”, mas talvez gritaria de indignação e apenas bufou, aceitando a derrota e meteu os joelhos na areia ao lado dele, cavando seja lá o que precisava cavar.
Mas não demorou muito para que descobrisse. Na verdade, demorou menos de 2 minutos. Porque assim que avançou alguns centímetros terra abaixo, ela sentiu a casca dura do ovo. E outro e mais outro. Sentiu as lascas caídas, quebradas e divididas enquanto os primeiros cascos respiravam o novo ar da manhã, recebendo as primeiras luzes do Sol entre as nuvens.
Tartarugas marinhas.
parou por um momento, enquanto Jungkook continuou cavando, abrindo caminho, afastando as cascas dos ovos que ficaram presos na carapaça dos filhotes, tendo o cuidado de mantê-los em fileira para seguirem o caminho até a água.
— Não acredito — ainda estava chocada, aturdida, perdida, um monte de coisas por segundo. — Não acredito.
— Pode acreditar. Elas são bem pontuais — ele verificou o relógio de pulso e o relógio do celular, voltando aos textos em fotos. — E são parte da raridade da natureza.
virou a cabeça pra ele, sem entender.
— Bem, eu… andei lendo uns artigos — ele pareceu com vergonha de admitir isso, ou muito constrangido. — Não foram tantos, no máximo uns 3… talvez 4. Enfim, pensei que achar um ninho no início de setembro não iria rolar porque é a época em que elas colocam os ovos, mas fiz umas ligações pro Instituto Nacional de Biodiversidade e eles disseram que verificariam. Essa praia tem muita incidência de passagem sazonal da tartaruga-verde, eles registraram uma aqui em junho. Disseram que poderia existir um ninho, mas não tinham certeza. Então fui pesquisar a espécie, ver onde era mais possível que ela fizesse o ninho. Tive ajuda, mas achei. Consegui uma autorização pra ajudá-las a ir pra casa e estamos aqui. E a outra coisa é que elas geralmente saem do ninho à noite por conta do resfriamento da areia e dos predadores, mas quando o Sol não nasce — ele apontou o queixo para o horizonte nublado, onde o Sol devia estar perdido e enclausurado. — Então elas podem fazer um esforço mais cedo. E voilá!
Ele riu e apontou para o ninho, onde um mar de tartaruguinhas idênticas cheias de areia escapavam para fora, para a bolha de oxigênio, lentas e sem pressa. Jungkook pegava uma a uma, ajudando na subida, pondo-as juntas na direção do oceano. ainda estava olhando pra ele. Ainda estava hipnotizada. Ainda não sabia o que dizer.
Sentiu uma emoção do fundo do âmago que não soube explicar.
Jungkook percebeu seu silêncio e franziu o cenho.
— O que tá esperando, amor? Pega a sua câmera. Tá na hora.
Ele apontou para os animaizinhos enfileirados. voltou para a realidade em um estalo, assentindo de repente e se tocando de que o cenário era perfeito e familiar, um que ela já tinha visto por acaso na praia de Malibu, onde um grupo de acadêmicos realizavam uma pesquisa prática sobre os ninhos de tartarugas marinhas e ela aproveitou o momento bacana pra tirar uma foto icônica. Nem tinha prestado atenção a qualquer explicação sobre os ninhos. Como funcionavam, a que horas funcionavam. simplesmente viu a imagem e sabia que era especial. Que, de alguma forma, o nascimento pontual e um pouco desordenado daquelas criaturas queria dizer alguma coisa para ela. Para o mundo. Vai saber.
Ela levantou e bateu a areia dos joelhos, indo direto para a câmera dentro da capa no mesmo lugar em que esteve sentada antes, puxando a máquina de dentro e se aproximando do buraco agora mais aberto à medida que novos filhotes iam ascendendo.
Jungkook a viu se posicionar o mais perto possível dos animais, lançando a lente para enquadrá-los com a luz pálida manhã, agora sem se importar tanto com a areia teimosa nas pernas. Ele sorriu e se retirou do cenário, indo para o lado dela, curioso e empolgado, vendo um mestre em ação. Ele ficou em silêncio, querendo apenas observar, admirar. Sabia que não era o primeiro fã de , mas se sentia o mais animado, ferrenho, apaixonado. O jeito como ela ficava séria enquanto se concentrava no flash o enchia de tesão. Inacreditável que era sua namorada. Estava tão feliz por isso que não se lembrava que era seu aniversário.
Quem diria que era assim que começaria seus 25 anos: 5 da manhã em uma praia distante em Jeju, observando tartarugas migrando para o mar e não pichando a placa de “bem vindo à Gwangju” na saída da cidade depois de ficar extraordinariamente bêbado com seus amigos e desconsiderar consequências dos seus atos. Hoje ele ficaria bêbado, sim, caso houvesse a oportunidade, mas só se ela estivesse junto, só se o acompanhasse para tudo.
Jungkook já sentia falta. Nem tinha voltado para Seul e já pensava em como iriam se ver no meio de uma rotina cheia e maluca que o esperava. Já sentia falta dela antes de se afastar. Uma loucura sem tamanho. Ele não se permitiu pensar em saudades nenhuma vez nos últimos 3 anos porque acreditava que não saberia lidar muito bem com esse sentimento, que ele carregava um tipo de maldição, porque Ali sempre dizia que ele estava exagerando, que não precisava sentir isso; bastava que pegasse um avião para vê-la. Bastava que se encontrassem em um país qualquer e estava feito. Sem precisar fazer sala com a saudade.
Mas talvez sentir saudade não fosse tão ruim assim. Não quando se tinha conhecimento que a outra parte sentia o mesmo, que se dedicaria ao mesmo tempo. Saudade era amontoado de memória, e memória eram as filmagens do cérebro, fotografias em movimento que provavam que o momento existiu, que você viveu. Sentia falta de porque amava estar com ela, amava a forma como se sentia perto dela, amava a atmosfera que entravam quando estavam juntos. Amava como ela o deixava sentir as coisas, demonstrar o que pensava. Ao contrário do que um dia ele já sentiu: arrependimento por ter saudade, medo de só ele estar guardando as memórias, servindo de depósito sentimental para suprir a si mesmo quando os de Ali faltavam.
Jungkook tentou se convencer, por muito tempo, da inutilidade de seus sentimentos e pensamentos e da praticidade do silêncio, já que seus problemas tão comuns eram insignificantes perto dos problemas dos outros. E seus sentimentos por Ali eram intensos e explosivos, tomavam-no por completo, queimavam cada partícula de seu ser, sobrecarregavam sua mente, até ele entender que isso só acontecia porque sentia por dois, amava por dois, esperava por dois.
À medida que os animais avançavam, os seguia, bem devagar e sem pressa, ficando de pé e se abaixando, e depois ficou parada e observando. Jungkook a imitou, seguiu ela de perto, fez carinho em sua cintura, beijou seu ombro, mexeu com a pontinha da trança, deixou ela trabalhar e fazer o que quisesse. Sabia que ela estava quieta por uma questão de concentração, mas também uma questão de imersão, de felicidade, vontade de não perder o momento. E ele amava isso, amava mesmo, sabia que ela teria bastante tempo pra agradecê-lo depois. O importante era que ela se divertisse fazendo o que gostava, essa era a intenção dele em tudo.
O sol já tinha cruzado vários quilômetros de céu quando a primeira delas atingiu a água, recebendo um impacto forte que a fez girar e girar, até ser carregada e bater as patas em sua nova casa, entregando-se ao caos das ondas.
baixou a câmera e suspirou. Tinha chegado a hora de registrar as coisas na mente. De agradecer à natureza, à Deus, ao universo pela beleza do que via. Ela sentiu Jungkook abraçá-la por trás, passando um braço pelo tórax dela, perto do pescoço, onde ela imediatamente descansou o queixo.
— São bonitinhas, não são? — ele disse em seu ouvido. assentiu devagar.
— São lindas. Tudo isso foi lindo, Jungkook — ela fez um carinho no braço dele. — Ainda não acredito que você fez isso por mim — que você leu alguma coisa por mim, ela pensou em brincar, mas preferiu ficar quieta. Afinal, vai que ele poderia ler mais coisas no futuro.
No entanto, Jungkook riu pelo nariz, um pouco engasgado.
— Ei, sou um doador de fundos pro WWF, quem disse que foi só por você? — disse ele. virou o rosto em perfil para fuzilá-lo. — Tá bom, é claro que foi pra você, não tem nada que eu não faria por você, esqueceu?
— Mas o aniversário é seu.
— E eu já ganhei meu presente — ele puxou o corpo dela para ficar de frente ao seu. E talvez nem toda a beleza do mundo fosse comparável ao que ele enxergava naquela hora em . — E é mais do que o seu moletom engraçadinho, os filmes do Stallone e meu bolo favorito. É o padrão em todos esses momentos, é o elemento principal. É você, . Porra, é tudo você. Eu poderia estar feliz hoje de qualquer forma, mas com você, me sinto mais do que feliz. Tô completo. Não consigo pedir nada porque sinto que já ganhei tudo.
mordeu o lábio inferior e se apertou mais perto dele. Era inacreditável toda vez que ele falava aquelas coisas, quase sempre sério e até um pouco angustiado, sufocado com aquela paixão e amor queimando dentro dele que precisava colocar pra fora toda vez, e sabia que qualquer garota normal incharia como um balão e choraria com tantas declarações, mas ela não. Ela amava ouvir e amava a reação que as palavras tinham dentro dela, aquele aperto no ventre, a folia no coração, o desequilíbrio do cérebro. Já pensava em se jogar nos braços dele, em cometer loucuras. O amor era a única coisa da vida de que a fazia querer chorar, um tipo de choro que ela não conhecia: o de felicidade. Era surreal sentir isso ali, agora, com Jeon Jungkook. Quando ela o beijou naqueles primeiros raios da manhã, se lembrou do som que sua câmera fez quando ele a tomou e a acertou no chão em um pequeno camarim em New York, e em como ele agora pegava aquela máquina de suas mãos, se afastava de sua boca e virava a lente para os dois, determinado a registrar cada pedaço de minuto, cada mísera hora com ela.
E não precisou dizer para que eles andassem um pouco mais e curtissem mais a paisagem. Jungkook pegou na sua mão e, assim, os dois arrancaram os sapatos e seguiram a trilha das tartarugas, molhando os pés até as panturrilhas, encharcando um pouco das camisetas até que a última delas sumisse no horizonte, carregadas pela correnteza de suas novas vidas.
No fim, fizeram todo o caminho de volta para o carro pelas bordas da areia molhada, segurando os sapatos em uma mão e os dedos entrelaçados na outra, como um casal normal. Feliz e normal.

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já estava chamando aquilo de viagem dos milagres antes mesmo de voltar para Seul.
A começar pelos abraços e beijos trocados de forma indiscreta por Candice e Yoongi na mesa do café da manhã, ao qual e Jungkook mal participaram, porque logo estavam correndo para o quarto pensando em uma única coisa: dormir. Jungkook dormiu muito, mais do que o necessário, despertando já no fim da tarde sem se lembrar de quem era ou onde estava, vendo ajeitando polaroids no tapete e digitando um trabalho qualquer no computador. Por um momento, ele se sentiu arrependido por ter perdido um dia inteiro por causa do sono, mas passou rápido quando soube que tinha chovido o dia todo, e o vento gelado parecia um recado da cidade litorânea de que a temporada tinha acabado e que eles poderiam se ver de novo no verão do ano que vem.
Naquela noite, as carícias entre Yoongi e Candice continuaram e os quatro jantaram pizza e assistiram Poltergeist da franquia original. Yoongi engolia em seco e pegava na mão de Candice com um pouco mais de força toda vez que a garotinha loira arrumava os cinco pontos de um pentagrama esquisito, e Jungkook ansiava por alguma parte particularmente assustadora, onde a música de fundo faria um trabalho excelente para que ficasse com medo e lhe desse mais uma cena de romance clichê. No entanto, ele mesmo pulou de susto na cena em que a vela se apagava e o rosto do monstro apareceu, agarrando-se nela por um segundo, arrancando uma gargalhada das duas. O plano tinha ido por água abaixo.
Na manhã seguinte, Candice surpreendeu a todos ao dizer que poderiam deixar os carros alugados para trás e voltar de trem-bala, como cidadãos comuns.
— Você tá falando sério? — perguntou quando depositou sua única mala de rodinhas no chão da sala, achando que ela só podia estar fazendo uma pegadinha.
Candice balançou a cabeça em negação para todos, com veemência.
— É sério, nós podemos ir. Atravessamos de balsa como na chegada e os carros ficam na empresa da filial. Depois vamos pra Estação Mokbo e chegamos em Seul em no máximo 3 horas. Sempre quis pegar um desses — ela bateu uma palminha animada, os olhos cinzentos brilhando como dois pontos de velas acesas. arqueou as sobrancelhas, achando que entendeu errado, e olhou para Jungkook, que tinha os olhos estreitados em desconfiança.
Mas Yoongi se aproximou e passou um braço por sua cintura, controlando um sorriso enorme.
— Ela tá falando sério, pessoal. É uma ótima ideia pra vocês duas, . Os vagões não devem estar cheios no meio da semana.
e Jungkook olharam para o ponto de contato entre os dois e, em seguida, olharam um para o outro de esguelha e entenderam tudo. É claro. Os dois tinham se entendido. E tinham se entendido mesmo.
não hesitou em aceitar e, 2 horas depois, ela estava com um braço enlaçado no de Jungkook em um assento confortável ao lado de uma janela imensa, em frente à uma mesa de centro com alguns pacotes e tigelas vazias de um almoço rápido enquanto compartilhavam um fone de ouvido com fio que ele tinha guardado em algum bolso da mochila, ouvindo The Chain do Fleetwood Mac.
— No que está pensando? — ela perguntou depois de vê-lo olhar fixamente para a paisagem passando em um borrão do lado de fora, uma paisagem com muitas montanhas verdes e algumas casinhas minúsculas separadas umas das outras por muitos quilômetros de distância.
Ele virou a cabeça para ela, ajeitando a touca preta.
— Estou pensando que quero mais uma tigela cheia de lámen — ele gesticulou com o queixo para a louça de plástico na mesa e revirou os olhos. Não era sobre aquilo.
— Tô falando sério.
Ele riu e umedeceu os lábios, olhando para fora novamente.
— Só pensando que tudo está… dando certo demais. Acho que isso me assusta.
— Te assusta as coisas estarem dando certo? — não foi acusatória ou até indignada. De alguma forma, entendia o sentimento. E era por isso que Jungkook assentiu, e soltou um suspiro leve.
— Um pouco — ele torceu a boca, ponderando se falava o que estava prestes a falar. Por fim, ele virou o corpo um pouco mais para ela, abaixando o pescoço. — Sabe quando você sente um– sei lá, pressentimento?
— Sei… — franziu o cenho.
— Nem sempre é algo ruim, mas às vezes eu, não sei… sinto que alguma merda vai acontecer. E não gosto disso, me dá vontade de fugir, me isolar em algum lugar até essa sensação passar.
Ele teve medo de repente de o achar maluco, ou até achar aquilo uma besteira tremenda. Mas o rosto dela não demonstrou nada disso, nem algo bom nem algo ruim. Ela apenas estendeu uma mão para acariciar a bochecha dele, que automaticamente virou e beijou sua palma, agradecendo o carinho que o acalmava automaticamente.
— Não vai acontecer nada de ruim. Vou cuidar de você — ela sorriu de canto e ele sorriu com alegria, achando lindo e fofo, sabendo que, mesmo que tivesse um poder aquisitivo menor do que o dele e muito menos poder para coisas diversas, ele se sentiu tranquilo e protegido só com aquelas palavras e aquele carinho no seu queixo. Uma coisa inimaginável, para não dizer o mínimo.
— Por favor, cuida de mim — ele fez uma reverência com a cabeça, referenciando um discurso tradicional de seu país quando as pessoas se dirigiam formalmente a um superior. riu e estalou a língua, dando um tapa leve no seu ombro. — Ei, o pedido foi sério. Mas no seu caso, vou querer ser cuidado no nosso quarto com as mãos presas na cabeceira da cama enquanto você dita todo o resto.
sufocou uma gargalhada, virando para trás em um impulso para ver se alguém tinha ouvido, mesmo que só estivesse os dois e Candice e Yoongi, praticamente do outro lado da locomotiva, quase na mesma posição: agarrados, grudados, a cabeça de Candice no ombro dele enquanto Yoongi lia um livro qualquer em voz baixa para os dois.
Vendo aquilo, soube que ela estava bem. Que estava feliz, entregue, pronta para lutar de novo. Min Yoongi apaziguava toda a imagem de Candice Chaperman. Puxava o freio de mão, apertava o botão de parar. Fazia ela estacionar um pouco para apreciar a vista, apreciar a vida num geral.
se voltou para Jungkook, que beijou a ponta do seu nariz e voltou a olhar pra fora. Ele ficava lindo naquela posição.

Don’t Dream It’s Over começou a melodia nos fones de ouvido.

— Ei — ela o chamou. — Caso você decida que vai fugir, pode me levar junto?
Ela lhe deu uma piscadinha. E Jungkook teve de novo aquele delay momentâneo, aquela constatação de que não existia.
Ele assentiu e a beijou rapidinho, entrelaçando seus dedos por cima do assento estofado e fazendo carinho em sua pele.
Jungkook nem notou que falou a palavra fugir de forma tão explícita, tão natural, sem nenhum medo de que ela o achasse irresponsável, imaturo, fraco ou coisa parecida. Sem preocupações se ela fosse achar que estava sendo abandonada ou deixada de lado.
E também não percebeu quando disse “nosso quarto”. Nem percebeu.
E seguiram a viagem em silêncio, ao som de mais melodrama dos anos 80 no fone compartilhado.

・ ❬📸💔❭ ・


Ainda estava quente na França quando Ali Dalphin recebeu uma ligação decisiva do outro lado do mundo.
Ela desejava encontrar forças para chorar há semanas. Por causa do passado, do presente, das memórias, dos pensamentos negativos que a engoliam viva. Porque, mais uma vez, tinha terminado no mesmo lugar: abaixo daquele teto de 200 metros quadrados, rodeado por extensões de terra e pequenos bosques, de animais soltos por aí, de pássaros no céu, de requinte estampado no ouro dos portões e nos mordomos e empregados espalhados pela enorme residência que resguardava os Dalphin do restante do mundo, mantendo-os em um pódio seguro de aparências ainda mais seguras.
Ela quis chorar ao desligar o telefone. Tentou de tudo, imaginou os cenários vívidos na cabeça, ficou empolgada, feliz, animada. As pessoas também podiam chorar de animação. Ela tentou, de verdade. Mas só conseguiu murmurar um “ok, entendi”, desligar e ficar imóvel, encarando as pequenas ondulações em anil da piscina, pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo, sem conseguir aliviar aquele peso horrível dentro dela.
Um peso que ela não entendia bem a origem, não sabia se era uma coisa só ou várias, não gostava de pensar nesses detalhes. Ali considerava essas coisas de autocrítica um pé no saco, uma luta dela com ela mesma que nunca tinha uma vencedora. Era uma batalha todos os dias, uma guerra que já durava anos. Ou sua mente pensava em tudo ou ela não pensava em nada. A maioria das vezes foi tudo, tudo de verdade, tantas coisas por segundo que ela precisava aliviar. De forma sintética, ou de forma carnal. Precisava preencher, preencher, preencher.
Ela mal ouviu os saltos altos atravessarem o gramado extenso até a beira da piscina, mas reconheceu o cheiro há vários metros antes que ele finalmente chegasse. Aquela coisa adocicada e floral, elegante e pomposa, o que era hilário porque sua mãe odiava flores.
— Chegou pra você — Julie Dalphin não se deu ao trabalho de estender o pedaço de papel educadamente para a filha. O pacote caiu no colo de Ali, em um envelope azul sem nada aparentemente explicativo, mas ela entendeu bem rápido ao olhar para a logo da companhia aérea na lateral superior do envelope. — Achei que ninguém mais imprimia passagens de avião hoje em dia, com toda essa coisa de QR Code e blabla. Essa geração nunca se decide.
Ali nem precisou abrir. Sabia perfeitamente o que estava ali dentro, cada letrinha.
— Eu achei que tinha pedido por e-mail — murmurou ela, guardando o envelope ao lado da perna. — Quem entrega passagens em casa hoje em dia?
— Passagens compradas pelas milhas do seu pai, minha querida. Ou achou mesmo que os sócios dele da companhia não reconheceriam o seu nome?
Ali a olhou de esguelha, enxergando o rosto muito bem conservado daquela senhora, que ainda exibia uma beleza extravagante aos 62 anos, e imaginou que ela já estava se chateando com sua partida próxima.
— Valeu — murmurou ela mais uma vez, apertando o maço de cigarros escondido dentro da palma da mão. — Acho que você não está gostando disso.
— Ah, você acha? Antigamente, você apenas sabia. Sabia com toda certeza e mesmo assim, não se importou em bater as asas para qualquer parte do mundo e me deixar te ver apenas por fotos de revistas — ela disse suavemente, com sua personalidade padrão de não se importar nem um pouco em demonstrar suas opiniões e pensamentos, pelo menos dentro de casa. Quando Ali era uma adolescente e chorava por não querer seguir a carreira do pai, a mãe fazia um carinho no seu cabelo e apenas dizia “não fique assim, é só uma sugestão. Se quiser ficar em casa pra sempre, vamos te apoiar do mesmo jeito.”
Depois disso, ela começou a ser modelo. Começou a perder peso e a se preocupar com miseráveis gramas sendo ingeridas porque, de todos os terrores disfarçados em sorrisos que tinha ouvido naquela casa, a possibilidade de permanecer nela era a pior de todas.
Apesar disso, Ali amava sua mãe, e sentia falta da paz de uma vida que parecia longe de ter novamente. Com um sorriso de canto, ela olhou para a mulher e logo desviou os olhos, forçando os pensamentos anteriores a irem embora, aquela junção de coisas que a estavam paralisando por completo.
Ainda de pé, Julie se aproximou da cadeira da filha, virando-se na direção da piscina calma, reparando em qualquer ponto de sujeira que possam ter deixado para trás.
— Com quem você estava falando? — perguntou com a doçura autoritária de sempre, um tom que Ali só tinha ouvido dela em toda a sua vida. Sua única reação foi ficar quieta. — Vamos lá, não vai doer muito me contar isso. Não é como se eu fosse te impedir.
Você vai tentar, ela pensou e a palavra quase saiu pela boca. Engoliu de novo, reconsiderou a resposta e se corrigiu:
— Era o Marco. Vou voltar a trabalhar.
— Isso é ótimo. Pra onde vai?
— Você estava com a passagem.
— Quero ouvir de você.
— Você quer ver se vou mentir.
— Honestidade não é o seu forte, querida — murmurou Julie, agora encarando as unhas pintadas de vermelho recém feitas, ignorando o quanto o rosto de Ali se contorceu e seus dedos apertaram ainda mais a caixa de Marlboro. — Teve uma época que você se esforçou para dizer a verdade, sim. Há 3 anos atrás, eu podia confiar em você, mas daí tudo se perdeu de novo. A mudança não durou por muito tempo.
Ali quis levantar e sair, voltar para o quarto no 3º andar, voltar para a cama de dossel e seu espaço gigantesco que parecia mais e mais vazio a cada dia que passava. A ideia de passar um tempo em Lyon estava se virando contra ela. Ainda mais depois de todos os últimos acontecimentos envolvendo suas pílulas.
— Você vai ver aquele garoto? — Julie fez a pergunta, a principal que Ali não queria que fizesse. De jeito nenhum.
— Não é da sua conta — ela respondeu baixo, mas muito firme. Não virou para ver a expressão entediada da mãe.
— Tudo bem, você está certa. Mas vai dizer a verdade pra ele? Do porquê precisei olhar a sua passagem? — ela virou o corpo um pouco em perfil, olhando-a em em cunho provocativo. — Vai dizer pra ele que estava se aventurando em novas formas de se matar de novo?
— Jungkook sabe dos meus problemas — rosnou Ali, virando a cabeça para cima, os músculos começando a se contrair.
— Eu duvido que saiba. Duvido que você o contou tudo. Cair depois de 3 anos sóbria não é uma cura de verdade.
Vaca, Ali gritou em pensamento. Sentiu a pontada forte e dolorosa de raiva no fundo do peito. Sentiu que aquela conversa não funcionaria, como nunca funcionou.
— Isso é injusto pra cacete — resmungou, com mais raiva pela falta de argumento, de elementos de defesa. Odiava aquilo na mãe, odiava aquilo na família inteira. A necessidade do 8 ou 80, a exigência da constância, da perfeição. Estimavam você enquanto as coisas funcionassem. Valorizavam a sua pessoa enquanto fosse útil.
3 anos sóbria ainda é uma vitória, porra. Vai ignorar isso?
— É a realidade, Alison. Não ignore seus próprios feitos — e Julie sempre conseguia, muito fácil, abrir um sorriso de simpatia enquanto dizia coisas… não muito simpáticas. — Contar pra alguém que enchia o braço de furos no passado e voltar a fazer o mesmo depois de ficar sozinha, não é cura. É uma melhora transitória, é usar alguém de muleta. Se contar pra esse garoto a verdade, vai ficar claro que você o usou como uma reabilitação. E se não contar e usar os sentimentos dele pra reatarem, só vai significar que você tem tanto medo de cair e lidar consigo mesma que se submete a isso. De ficar com alguém que, o mundo já viu, não combina com você.
Ali franziu o cenho. Não comece com esse papo, sua miserável! Não venha com isso de “combinar” de novo porque acho que já provei dezenas, centenas de vezes que nada do que você ou papai escolherem, combina comigo! Absolutamente nada! Qual é o seu problema com ele? A fama? O dinheiro? A nacionalidade? Seu preconceito?
Aquelas não eram perguntas fáceis e muito menos seriam respostas fáceis, então Ali engolia tudo e dispersava. Não esquecia, não se livrava, mas tentava deixar passar. As regras debaixo do teto dos Dalphin não permitia que sua cabeça saísse da linha do restante dos membros. Seu bisavô tinha construído aquela casa e aquele império, e isso foi sendo passado adiante, hereditariamente, construindo mais e ganhando mais, passando o mesmo tipo de pensamento e autoridade para as mulheres e crianças que ingressavam naquele castelo, crianças que já nasciam com a vida planejada, crianças que não tinham a liberdade de questionar, crianças que conheciam as pessoas que tinham que conhecer, gostavam das cores que tinham que gostar, e se relacionavam com quem tinham que se relacionar.
Ali sempre esteve nesse limbo a vida toda, odiando a posição do sentimento de não pertencimento, e as brigas à mesa com o pai começaram já no início da adolescência. Eu quero a minha vida!, mas no fundo, ela nem sabia que vida era essa que queria. Quero ser diferente deles!, mas ser diferente quanto? Como? Que tipo de pessoa? Quero namorar quem eu quiser!, mas ela, afinal, entendia de namoros? Entendia de alguma coisa a dois, quando só pensava no que queria? Eu quero, eu quero, eu quero, eu quero…
Ali queria. Passou a vida grudada nessa palavra, focada em seu bem-estar, no seu prazer e nas suas necessidades, sentindo que o mundo devia isso a ela por ter nascido em um lar tão restrito, que ditavam regras que iam contra o seu querer.
Ela queria, ela podia, e era o que importava. Ela, ela, ela. Ai de quem não acatasse, não entendesse.
Portanto, se ela decidisse que Jungkook combinava com ela, que ele ainda a amava, e que sua mãe odiava isso, então faria isso. Já tinha pegado sua carteirinha de ovelha negra da família há muito tempo. Continuaria pintando o quadro de sua vida, com as cores que ela quisesse.
— Jungkook é um cara ótimo — afirmou ela, com toda a honestidade que ainda tinha. Quando o assunto era Jungkook, Ali conseguia se desviar, minimamente, bem pouco, de sua própria vontade e enxergar o outro como realmente eram. — Ele é mesmo. Não entendo porque…
— Ah, querida, pessoas ótimas não se submetem a isso. Pessoas ótimas atraem outras pessoas ótimas, e não alguém que as fazem se sentir mais necessárias do que ótimas. Entende a diferença? — Ela sorriu de novo. Ali sentiu raiva de novo. — Você ficou bem com esse garoto e acha que ele é a salvação da sua vida, mas ah, Alison… você vai cair de qualquer jeito. Porque não tem disciplina consigo mesma, porque ignora a volatilidade das pessoas, das relações. Porque não confia na família.
Ela segurou uma gargalhada perplexa, segurou o olhar de asco, fez todo o processo que conseguia fazer para não gritar e piorar as coisas. Confiar na família, que piada! Nunca entenderam o que eu quero! Não sabem que as coisas no mundo funcionam à base de sentimento!
Estar com sua mãe deixava a mente de Ali ainda mais volátil, confusa, com questionamentos de uma vida. Tudo voltava, até os mesmos comportamentos voltavam. Em quase 2 semanas, ela já tinha se livrado do cabelo ruivo e retornado ao loiro, e cortado todo o comprimento até os fios baterem na altura do pescoço em um corte short bob. Os olhos verdes voltaram a ficar mais em evidência do que nunca, e ela viu Julie sorrir e dizer “muito bem”.
Argh!
— Você não sabe de nada. Nunca soube — Ali queria tanto que ela desaparecesse. Julie se virou finalmente, juntando as duas mãos caídas.
— Sei que você é fraca e que odeia isso. Sei que acha que essa rebeldia ajuda em alguma coisa, mas você já tem 29 anos, Alison, então eu não vejo…
— Eu não sou fraca! Não sou! — Ali se levantou em uma explosão, e Julie não moveu um músculo. O par de olhos foram, automaticamente, para cima da cadeira, para o maço de cigarros pela metade, como se Ali estar com raiva não importava um centímetro. — E se quer saber, agora me sinto mais forte do que nunca. Porque estou resolvendo toda essa merda que fizeram comigo e adivinha só? Não pedi sua ajuda pra nada. Mas quer saber? Vou usar todos os seus recursos. Se precisar, vou usar o meu maldito sobrenome, vou ir à fundo nessa merda, pensar em cada detalhe, porque sim, ele pode ser a salvação da minha vida e eu quero ser salva! Por ele e só por ele! Eu quero. Foda-se suas clínicas de reabilitação caras, foda-se sua vigilância em cima de mim e foda-se suas opiniões sobre isso. Eu vou conseguir de volta o que eu perdi, não foi isso que você sempre me ensinou? A não abaixar a cabeça? A não deixar passar nada que fira meu orgulho?
Julie olhou nos olhos dela e percebeu o que talvez Ali nunca tenha percebido. Percebeu que ela era mais parte de casa do que pensou. Percebeu que ela seguia o próprio caminho, mas com o lema dos Dalphin tatuado em sua identidade. Se é que ela soubesse que tinha uma.
— É, foi exatamente o que eu ensinei — e olha como você está, ela pensou, se permitindo, talvez pela primeira e última vez na vida, se questionar se o que tanto ensinava servia para alguma coisa, servia para todas as pessoas.
Ali não queria saber se ela tinha mais algo a dizer. Pegou a caixa amassada da cadeira, agarrou sua passagem e bufou:
— Então observe o meu retorno, mamãe.


[ 47 ] – Oh, those silly boys in blue

🎵 Ouça aqui:
Riot Van - Arctic Monkeys

"Nós não fizemos nada tão errado
Ainda assim corremos para rir
Somente para rir."

DEDICATÓRIA


— Isso é um pentagrama?
Jimin soltou o pacote com um susto, flexionando os dedos para se livrar do resquício da caixa, seja lá o que estivesse dentro dela. Jungkook franziu o cenho e a puxou para mais perto, gargalhando logo em seguida.
— Isso é uma estrela de Davi! Não sabe mais contar?
— Ah, que se dane! Vai dizer que essa bizarrice não é idêntica a um pentagrama ou qualquer talismã esquisito? Essas coisas são fortes pra feitiço, cara. Você não devia sair tocando assim.
— Bom, você tocou primeiro, então acho que o feitiço tá com você.
Jimin matutou a ideia por alguns instantes, ficando pálido por meio segundo até começar a rir sem humor e estalar a língua, gesticulando com as mãos em negação.
— Que nada, essas coisas não funcionam assim. Os seus fãs jamais te mandariam uma coisa dessas — disse ele, puxando outro pacote ainda não aberto. Jungkook sufocou uma risada enquanto passava o estilete em um pacote mole, abrindo-o e encarando o conjunto em jeans da Calvin Klein mais legal que ele já tinha visto.
— Nossa — Jimin arfou, arrastando-se para mais perto de Jungkook. — Que irado! É da coleção 90’s Denim?
— Não sei, tem um panfleto enorme explicando isso em algum lugar por aqui — Jungkook tateou no aglomerado de pacotes e caixas de papelão ao lado, mas no fim, deixou tudo como estava e se concentrou em outro. Jimin continuou o trabalho de procurar coisas até soltar um urro, que assustou Jungkook de imediato.
— Cacete, estão te chamando pra uma parceria de novo! Não sei como não alugaram um jatinho só pra virem se ajoelhar pra você e te implorarem pra ser o embaixador — resmungou em tom divertido. Jungkook balançou a cabeça.
— Acho que eu trabalharia bem com eles — Jungkook largou mais um pacote. Eram um par de coturnos novos da Balenciaga. Versão exclusiva. — Os jeans e tudo mais, parece interessante.
— Um contrato quebrado por vez, campeão. Você acabou de posar pra uma revista sem o conhecimento do Bang, dá pra terminar o ano sem querer desafiar quem paga nossas contas?
— Esse contrato é a coisa mais ridícula de todas as agências — Jungkook revirou os olhos. Agora estava encarando uma caixa que não parecia um presente caro de marcas luxuosas.
Jimin estalou a língua.
— É ridículo, mas nos satisfaz. Ganhamos mais dinheiro do que todo o resto.
— De que vale isso se a nossa liberdade é uma piada? Que coisa é essa? — Ele balançou uma outra caixa, tentando adivinhar o seu conteúdo, mas logo desistiu e abriu com o estilete, revelando algo que ele não entendeu na hora.
Era uma vela acompanhada de uma garrafa. Uma grande e adornada de curvas, como se tivesse sido feita à mão, sob encomenda, guardando um líquido vermelho vivo que se destacava muito no fundo do papel branco estirado na caixa.
Uma garrafa de sangria. Ele reconhecia aquela cor e aquela viscosidade há quilômetros de distância.
Já era final de outubro quando Jungkook conseguia olhar para aquela bebida e não se lembrar de nada, como se suas memórias antigas tivessem sido apagadas temporariamente. Uma bebida que já lhe causou tanta energia, tristeza, raiva, dor. A lembrança que aquela coisa trazia fazia seus músculos retesarem. Mas agora…
Ele não pensou em nada. Absolutamente nada.
— Uau. Sangria de Mía? — Jimin se arrastou novamente para perto, pegando aquela coisa nas mãos. — Cacete! Será que me mandam uma dessas no meu aniversário também? Isso é de outro mundo, você é um sortudo desgraçado!
— Se quiser, pode ficar — Jungkook puxou um dos sacos de lixo que tinha levado enrolados em outros para aquela tarefa que esteve postergando pelo mês inteiro: abrir seus presentes de aniversário. Tinha chamado Jimin porque ele não parou de enchê-lo um minuto sequer para participar daquilo, e Jungkook sempre dizia que não podia porque, afinal, estava trabalhando. Trabalhando muito. Setembro passou em um piscar de olhos no meio de gravações, photoshoots, reuniões, mais gravações e uma pequena parcela de vida pessoal acontecendo. Uma vida que envolvia dormir e , não necessariamente nessa ordem.
Ele tinha cruzado os dedos por várias vezes naquele mês para que ela não repensasse sobre eles depois de vê-lo ficar cada vez mais distante por conta do trabalho. Saindo cedo e chegando tarde, às vezes no outro dia. Ele foi e voltou do Japão pelo menos 3 vezes até o início de outubro, e não sabia explicar como ele ainda ficava tão enérgico e caloroso quando estavam juntos. Devia estar cansado, devia estar querendo dormir, com a cabeça na lua. Mas quando a via, ele sempre ficava bem, disposto, como se nunca tivesse ido embora. Isso servia para deixá-la mais apaixonada. não sabia com certeza a natureza da energia de Jungkook, mas pensar que tinha algo a ver com isso não tinha preço.
Ele viu Jimin soltar um gritinho de comemoração enquanto vasculhava as outras caixas, já cansado de tantas marcas, tantos convites, tantas roupas, perfumes, sapatos e até mesmo bebidas. Jungjae não tinha deixado muito claro sobre quantos presentes passaram pela autorização de sua equipe, mas agora Jungkook pensou que ele omitiu os números porque eram muitos. Havia um pacote gigantesco no canto do estúdio, com uma faixa imensa escrita FRÁGIL que fez Jimin se recusar a chegar perto e um outro com uma embalagem de vidro que faria alguém sangrar caso tentasse abrir, e tantas e tantas camisetas e joias entulhadas em uma única bolsa da Louis Vitton que ele gostaria de apenas pegar e jogar no seu closet, separando um dia futuro para olhar aquilo com mais calma.
A maioria daquelas coisas não parecia lhe dizer muito respeito. Para um cara em constante observação dos holofotes, as grandes marcas pareciam não se importar nenhum pouco com o estilo pessoal de Jungkook. Pareciam ignorar totalmente o fato de que ele só usaria amarelo no dia que tivesse um aneurisma e sandálias de Jesus quando estivesse morto.
Prestes a abrir outra caixa, ele sentiu o celular vibrar no bolso e nem precisou olhar para saber quem era. Aquele grupo tinha um toque especial, um que ele tinha tentado mudar de todos os jeitos e não conseguiu.

Eunwoo: Tá tudo pronto, estão todos convocados a aparecer a partir de AGORA
Yug: Você disse que iria invocar a gente
Eunwoo: Convocando, idiota
Mingyu: Vai ter que invocar falando o nome das bebidas
Eunwoo: É a bebida de sempre
Yug: Budweiser? Ai, decadência
Mingyu: Melhora isso aí
Eunwoo: Melhorar o quê, é a festa de aniversário do JK, vocês vão beber o que tiver
Mingyu: Se ele tivesse montado a própria festa, a bebida seria melhor
Yug: Aniversário do JK? Por quanto tempo eu dormi?
Eunwoo: Foi mês passado, mané. Vc sempre esquece
Eunwoo: Vc esqueceu do meu em março
Yug: Pra quem eu dei parabéns em março então?
Mingyu: Vc me deu parabéns e me levou pra comer carne, com direito a bolo e tudo
Mingyu: E o meu é só em abril
Yug: VC ME ENGANOU??
Eunwoo: Gente, foco! Não interessa a merda da bebida, quero vcs aqui em menos de 20 minutos ou as enchiladas vão esfriar
Mingyu: Ah, não! Comida mexicana…
Yug: Se vc colocou pimenta, me esquece
Mingyu: Se eu ver uma uva passa nessa merda, vou dar pra sua cachorra comer
Yug: Ele não tem cachorra
Eunwoo: Não tenho cachorro, seu idiota
Eunwoo: Tenho um gato
Yug: O JK tem cachorro
Mingyu: O Bam comeria uva passa?
Yug: Dizem que uva mata eles, melhor não arriscar
Mingyu: Mesmo uva passa? Não é mais uva
Yug: Como q não é mais uva? Já leu o nome?
Mingyu: E daí? Pepino e picles é a mesma coisa pra vc?
Yug: Sim????
Eunwoo: Gente? Vcs já estão vindo?
Eunwoo: Pq o JK não responde?
Eunwoo: @Jungkook, anda logo e vem pra cá, não faz eu me arrepender de ter pendurado bandeirinha preta na minha sala a toa
Eunwoo: JUNGKOOK


Jungkook bufou forte ao terminar de ler as mensagens, digitando em seguida:
“20 minutos não, preciso de pelo menos 1 hora. Vou passar em um lugar primeiro, prometo que disso não passa”, e não ficou para ver as mensagens de protesto. Sabia que Eunwoo, como a “esposa” do grupo, tinha dado duro para preparar uma pequena comemoração pra ele de aniversário tardio, como fazia com todos sempre que a data chegava, ainda que, naquele ano específico, o grupo não estivesse nas melhores condições.
A começar por Jaehyun não ter dito mais uma palavra desde o ocorrido com Jungkook. Nem mesmo mandou uma figurinha, um emoji de negação, um ponto final, qualquer coisa gramatical o bastante que provasse sua presença. Absolutamente nada. Um silêncio completo e torturante, uma montanha mais gelada que o McKinley.
Jungkook não ia pensar nisso. Já bastava um tempo livre qualquer em que o olhar duro de Jaehyun naquela sala de Mingyu explodia na sua mente vazia, lembrando-o desse enorme problema que ainda precisava resolver, desse laço que precisava amarrar de novo, trazê-lo de volta, tentar alguma coisa. Ainda que Jaehyun também tenha mentido e escondido coisas dele nos últimos meses, o que aplacava um pouco da culpa de Jungkook, isso não melhorava em nada. Só fazia com que os dois continuassem no mesmo lugar, sem acrescentar vitória ou derrota para nenhum dos lados, bem ou mal. Depois de tudo aquilo, Jungkook estava mais do que certo de que não existiam lados certos ou errados na história, pelo menos não 100%, mas duvidava que seu amigo pensasse da mesma forma.
Duvidava mais ainda que ele fosse pensar assim depois que descobrisse seu namoro com . Era mais uma das coisas que ele não queria pensar.
Depois de mais 3 caixas abertas, Jungkook chegou em uma interessante, uma que não era tão grande e tão fantástica, uma que parecia como uma encomenda qualquer que ele mesmo tenha pedido. Quando virou o papelão para olhar a outra extremidade, viu realmente o seu nome, e logo abaixo o endereço da agência e a sigla do eBay logo ao lado do código postal.
Ele arfou e desceu o estilete na camada de fita rápido demais e sem muita delicadeza, sentindo o pacote pesado e muito plastificado. Jimin desviou os olhos de uma coleção nova de joias da Cartier quando viu o amigo puxar alguma coisa muito bem embrulhada em plástico bolha, camadas e mais camadas, impossibilitando de ver o que era.
— Isso! — Jungkook sorriu, sorriu muito, os olhos brilhando enquanto começava a missão de libertar aquela coisa de tanto plástico. Dessa vez, começou devagar, com destreza, mas a empolgação talvez o fizesse mudar um pouco o ritmo ao longo do desembrulho.
Jimin franziu o cenho e se aproximou de novo.
— Que negócio é esse? — ele não conseguia ver nada. Era apenas um vulto preto abaixo de muitas bolas. Aquelas coisas precisavam ser muito flexíveis para não rasgarem em três partes de tanto que estavam apertadas.
Jungkook olhou para ele por um segundo, ainda sorrindo.
— Essa aqui é um presente meu. Que eu pedi — ele pareceu misterioso, mas na verdade só estava mesmo muito ansioso para se livrar do plástico. Puxou a tesoura, rasgando as bordas, jogando pra Jimin o restante da embalagem porque sabia que estourá-las o relaxava, e não demorou para que ele realmente começasse a estourar. Ficou mais fácil depois de tirar as fitas das laterais, e, pouco a pouco, o negro do fundo foi se tornando mais evidente, mais nítido, revelando-se depois em algo meio… inacreditável.
— Você comprou isso? — Jimin não entendeu nada no início. A coisa parecia tão velha que vinha com a poeira de brinde — Uma câmera? Mas por que você… — ele parou os dedos nas bolhas, e precisou de apenas um segundo para desvendar toda aquela mecânica — Ah, tá. É lógico.
Jungkook sorriu e não negou. Agora raramente negava algo para Jimin quando as coisas já estavam óbvias. O amigo sabia no que ele estava muito interessado ultimamente. Principalmente porque Jeon Jungkook, no último mês, se parecia muito com um dos atores de A Rosa Púrpura do Cairo, vivendo 24 horas por dia em um filme de romance, andando por aí com a soundtrack de La Vie En Rose tocando no fundo.
Deus do céu, nem precisavam quebrar muito a cabeça para dizer que ele estava apaixonado. Aquele sorrisinho bastava.
— É isso aí — Jungkook deu um tapinha animado no ombro de Jimin e voltou a guardar a câmera com muito cuidado, agora atestando que ela tinha mesmo chegado, e não um tijolo. Então, terminou de fechar a caixa, sem tanta preocupação pelo estado dela, e voltou a se levantar.
— Ei, ei, pra onde você vai? — Jimin arqueou as sobrancelhas.
— Vou sair. Parece que tenho uma festa de aniversário pra ir — respondeu. Jimin franziu a testa — A minha festa de aniversário. Eunwoo já fez todo o processo.
Jimin contorceu o rosto imediatamente, abrindo a boca em choque.
— Ele organizou uma festa pra você? E não me chamou?
— Não é exatamente esse tipo de festa…
— Que seja, você sabe que eu amo organizar festas! Essa parte do processo é a mais interessante!
— Jimin, você não pode ir — ele deu de ombros, tentando parecer o mais firme possível. — Vão ser só os caras do grupo. Não tem tequila, não tem garotas, não tem outros amigos…
— Sério isso? Só porque nasci 2 anos antes? — ele bufou, um pouco indignado, mas Jungkook achou engraçado. A cara emburrada de Jimin era hilária, e ficava mais ainda quando o motivo era tão idiota — Beleza, pode ir, mas quando rolar a festa dos mais velhos, você não vai ser convidado.
— Os mais velhos não fazem festas — Jungkook esticou uma mão para uma continência mal feita e virou as costas para a porta.
— Ei, e os seus presentes?
Jungkook parou e se virou para a bagunça inominável em que tinha deixado o cômodo, com vários esqueletos de papelão e papel colorido, caixas firmes e fracas de todos os jeitos, tamanhos e cores espalhadas pelo chão, já suspirando de cansaço.
— Se limpar tudo isso pra mim, pode ficar com o que quiser. Menos — ele levantou um dedo para impedir Jimin de falar — As roupas da Calvin Klein. Essas você não encosta.
Jimin comemorou com um gritinho, já agarrando a primeira caixa ainda não aberta que viu.
— Por que isso? Você nem vai ser o embaixador.
Jungkook sorriu por cima do ombro.
— Talvez eu mude de ideia.
E saiu para fora da sala antes que visse Jimin escorregar a mão e desfazer mais um laço de mais um presente.

・ ❬📸💔❭ ・


Jungkook não mentiu sobre a festa para Jimin. Mas mentiu sobre a hora que chegaria lá.
Antes de dirigir para o apartamento luxuoso de Cha Eunwoo sediado em uma das partes mais prestigiosas de Gangnam, o maknae fez a rota já automática na quilometragem da Mercedes, subindo a pequena ladeira de Gangdong-gu e parando na frente da entrada característica do último edifício da rua, que hoje em especial exibia alguns pequenos galhos caídos na frente do pequeno quintal, onde a árvore que fornecia sombra e ainda mais escuridão à noite para o lugar já estava, pouco a pouco, começando a perder as folhas, preparando-se para o frio de novembro e toda a força que precisaria reunir para ficar de pé.
Ainda que o frio não fosse o suficiente para matar aquela figueira velha, a cada ano que passava ela aparentava estar mais… velha. Torta. Cansada, até. Jungkook ainda tropeçava em algumas de suas raízes longas que pegavam quase 2 metros além do caule grosso, serpenteando até a porta, aparecendo e afundando no solo, lutando contra todo o concreto que desabaram sobre ela. Ainda assim, nas épocas mais quentes, ela ainda exibia os galhos verdes e macios, e esse era um dos maiores motivos de Nitro ainda mantê-la por ali, no mesmo lugar, sem ceder à pressão da prefeitura de arrancar aquela coisa dali.
Quando abriu a porta da loja, sentiu o cheirinho de café imediatamente. Um café que Nitro sabia fazer, e não o café que disponibilizava em cápsulas na entrada, um café moído na hora e importado de alguma parte da Espanha que certamente deixaria Jungkook de joelhos quando provasse. Cervejas e cafés, esses eram o passatempo real de Jungkook e Nitro nas horas vagas, uma bebida e uma conversa, uma dupla essencial para formar bons amigos.
— Na hora certa, velhote! — Ele falou alto quando chegou por trás de Nitro, muito concentrado em alguns documentos por trás do balcão, fazendo-o pular de susto e quase derramar o porta-canetas da mesa.
— Caralho, garoto! Não é assim que você vai me deixar chegar nos 50 — ele gemeu e balançou a cabeça lentamente, abaixando os óculos de grau até o peito. — Você demorou, já ia começar a fechar a loja.
— Precisei abrir umas encomendas no estúdio. Ela já chegou? — O olho dele brilhou na mesma hora. Era a única pergunta que iria fazer e a única resposta que precisava. Nitro sorriu e assentiu.
— Chegou tem 1 hora, eu já tava preparando o café. Levei as rosquinhas também, e mais aqueles salgadinhos que você disse que ela gosta. Só pra não restar dúvida de que ela não passaria fome.
— As rosquinhas são de pistache?
— E os salgadinhos de requeijão. é mesmo uma caixinha de surpresas — ele riu, e finalmente baixou os olhos para o pacote embaixo do braço de Jungkook. — E vejo que ela vai ter mais surpresas pra hoje.
Jungkook sorriu de um jeito orgulhoso.
— É só uma lembrancinha de nada, mas acho que ela vai gostar. Parece o tipo de coisa que precisa ter.
— E você quer que ela tenha tudo que merece, sim, tô vendo — Nitro balançou a cabeça com divertimento, e Jungkook corou um pouco de repente, um pouco envergonhado pela forma nítida com que estava apaixonado. — Não precisa abaixar a cabeça, garoto, gosto muito de te ver assim. Aliás, acho que nunca te vi assim, então parece que gosto ainda mais. Você amarrou essa mulher com o laço que você tanto tentou se desvencilhar, então fico feliz de te ver mordendo a língua e gostando de sangrar, é como uma justiça divina. E eu amo justiças divinas!
Jungkook riu alto, dando um soquinho no ombro de Nitro, sentindo-se menos envergonhado.
— Ok, você tá certo, tô sofrendo uma retaliação. E eu poderia fazer isso todo dia, todo santo dia. E acho que ela também — ele adicionou malícia no sorriso e Nitro revirou os olhos.
— Ok, chega, chega, vai lá pra sua namorada, vai. Aperta mais esse nó que você colocou nela, e sejam felizes. Mas não tão felizes, tá bom? Pelo menos não no carpete, acabei de passar o aspirador lá.
Jungkook deu um abraço rápido, porém firme e apertado em Nitro, saindo de trás do balcão e caminhando quase saltitante para o corredor estreito já conhecido, aquele que te enfiava em baixa extrema de luzes e dava vazão para os milhares de símbolos e códigos anarquistas dos anos 80 nas paredes negras, caminho necessário para se chegar ao final dele em uma porta velha que rangia e te jogava em um paraíso iluminado e muito bem cultivado, com cheiro de revelador de filmes, umidificador de água e lugares fechados, mas que ainda era perfeito. Ainda tinha um aroma estranho de casa.
No meio disso tudo, lá estava ela: em seu cantinho exclusivo na frente da prateleira das câmeras, sentada com as pernas cruzadas em borboleta na frente de uma mesa de té que apoiava seu laptop ultrapassado, beliscando um outro salgadinho ao lado do corpo, sempre muito concentrada para notar o barulho da porta se abrindo.
Mas acordaria até de um coma com o som daquelas botas, que pareciam ser tão dele, sempre ele. Impossível que seu cérebro não reconhecesse, não mudasse o foco. Era um pouco assustador que tivesse entregado tantas partes dela para ele, inclusive a função dos ouvidos, que reconheciam até o jeito de andar do sujeito, mas nada parecia assustador o bastante quando ela o via. Quando o coração dava uma cambalhota daquele jeito, quando ela sorria tanto que tinha medo de rasgar o próprio rosto.
Ele fechou a porta e andou rápido para sentar ao lado dela, puxando seu rosto para um beijo que demorou mais do que o necessário, e só faziam algumas horas que tinha estado com ela. Naquela manhã, por exemplo, quando acordaram juntos no apartamento 402 em Seongdong-gu.
— Achei que você estava brincando sobre vir aqui — disse ela quando se separaram. Jungkook estreitou os olhos.
— E eu já brinquei sobre querer te ver?
— Não, mas achei que você tinha hora marcada para estar no Eunwoo. Ele não está fazendo uma festa de aniversário atrasada pra você?
— Sim, e eu seria um maluco de não comparecer. Já fiz isso uma vez e ele chorou tanto que fez eu me sentir o ser humano mais miserável do planeta, e eu aprendo com os meus erros — ele deu de ombros e riu. Ele não precisava explicar aquilo, na verdade. A vestimenta inteira de Jungkook gritava por uma festa para ser exibida. Jaqueta Long Sleev Oxford da Mihara Yasuhiro, calças de couro da Dion Lee e as famosas botas de combate um pouco mais incrementadas, grandes e grossas, o tipo de coisa que ele só usaria em ocasiões especiais. — Mas eu ainda tenho um tempinho. Vim te dar uma coisa primeiro.
— Ah, é? — Jungkook puxou a caixa do lado da perna, colocando em cima do colo. — O que é isso?
— Abra e veja, bonitinha.
o olhou desconfiada e arrastou o pacote para cima do próprio colo, agora esquecendo-se completamente do computador e começando a desfazer as fitas já meio desfeitas, percebendo que a coisa era meio pesada, mas nem tanto. Depois de uma tarefa de menos de 3 minutos, ela desembrulhou o presente, livrando-se das camadas de papel e viu a câmera.
não precisou de muito tempo para reconhecer, nunca precisava. Os olhos foram se arregalando devagar.
— Meu Deus — ela poderia desmaiar se Jungkook não estivesse por perto, de forma muito figurativa, mas que era quase isso. — Meu Deus! Jungkook, meu Deus! Isso é uma Zenit?
Ele concordou com a cabeça, sorridente.
Zenit DF-2, original da Rússia. Uma das poucas que foram produzidas na China e que foram vendidas pro Brasil e pra Argentina. Parece que é uma relíquia — ele a provocou com um sorriso. paralisou por um momento.
— Você… Calma, como conseguiu isso? Foram feitas há tanto tempo, e é uma das únicas com baioneta não padrão. Sério, como?
Jungkook riu e sentiu um prazer imensurável só de olhar para a forma com que segurava aquela coisa. Com medo, com felicidade, com delicadeza, com amor.
— Como você disse, não dava pra eu entrar em alguma loja hoje em dia e comprar uma dessas novinha. Mas é por isso que existe o eBay — ele deu de ombros e pareceu ainda mais chocada. — Eu não estava procurando nada especificamente, mas parei em um anúncio de uma garota brasileira e uma palavra me chamou a atenção, aquela que você me ensinou naquele dia. Raro. Você me disse isso quando a gente tava na piscina. Você é raro. Pedi pra você escrever em Chainsaw porque gostei do som — ele riu e assentiu ligeiramente. — Vi essa palavra no anúncio e cliquei. A partir daí precisei de um tradutor, mas basicamente essa garota, lá no Brasil, tava vendendo essa câmera que quase ninguém tem por um preço muito abaixo do normal, mas não foi isso que me convenceu. Não foi só pelo item, foi a história dela. Me lembrou um pouco de você — ele acariciou de leve os dedos de segurando a câmera. — O pai dela tinha falecido recentemente e era apaixonado por fotografia. Era o trabalho dele também, mas parecia ser mais do que isso. Essa câmera, e tantas outras, uniam os dois de uma forma muito foda. Essa era a câmera preferida do pai dela porque foi a primeira, foi a que iniciou a paixão, foi a que fez a vida dele começar a valer a pena. Quantas lembranças ele já não registrou nessa coisa? Quantas coisas boas não passou pra essa garota mostrando como isso era importante? Quantas coisas ele moldou nela, assim como seu pai moldou em você? — ele sorriu de canto. não conseguia emitir nada além de espanto. — Eu só… depois que li isso em alguns parágrafos do anúncio, não consegui pagar o que ela pediu. Era pouco demais, era raso. Era minúsculo perto da palavra raro. Você me ensinou isso. Então entrei em contato com ela e… — ele apontou para o objeto, aumentando o sorriso. — Agora você tem uma raridade na sua coleção. Mais uma. Incluindo eu mesmo, e foi você quem disse isso.
Ele riu porque quis parecer divertido, mas ainda continuava parada, olhando pra ele com aquela ternura esmagadora que tirava o próprio sorriso de Jungkook, junto com todas as suas reações. E quando ele viu o olho dela brilhar com mais força, aquele tipo de brilho lacrimal que já tinha visto, mas que ainda acontecia muito pouco, ele não soube o que fazer.
… — um pouco culpado e com desespero nascendo do fundo do estômago, Jungkook levou a mão ao ombro dela, aproximando-se um pouco. — Desculpa, , eu não…
Ela o abraçou antes que ele completasse, ou que continuasse com mais daquelas besteiras de desculpas. ainda segurava a câmera, mas agora com força, com determinação, com um sentimento explosivo de estar segurando a tocha das olimpíadas. Era a primeira vez que sentia como se fosse verdadeiramente perigoso não amarrar aquela câmera no seu punho, nas suas pernas, em qualquer lugar onde ela não pudesse sofrer nenhum risco de cair ou de pegar um grão de poeira. Também era perigoso porque ela podia chorar, chorar de verdade, não soltar apenas aquelas lágrimas solitárias de felicidade que estava soltando, com a cabeça afundada no ombro dele.
— Você não existe — e essa frase era verdadeira, poderosa, intensa até os ossos. Tornava tudo que aconteceu antes e o que acontecia naquela hora uma mudança de vida para . — É sério, você não existe. Eu amo você.
Jungkook sorriu, com o braço em volta dela agora, se deleitando na felicidade dela e não na gratidão. Sabia porque ela estava tão grata, e deixava claro que ela não precisava falar, se não quisesse. ainda não podia ser considerada a melhor pessoa para sair contando casos do passado, mas estava melhorando nisso. Estava percebendo a força disso, em como a vulnerabilidade tornava as coisas mais poderosas entre duas pessoas. Se sentia tão próxima e íntima de Jungkook que não precisava externar o que estava sentindo naquele momento. Apenas gratidão e gratidão, um punhado disso. Ele era tão atencioso e generoso. Procurava um milhão de formas de suprir as dificuldades e carências de , carência de uma coisa que lhe foi arrancada, negada, enquanto ele tinha recebido o dobro, triplo do que era necessário. Agora ele agia na direção de atingir um equilíbrio com , ajudá-la a curar feridas que não perceberia sozinha, chegar em um ponto com ela que nada, absolutamente nada, ficaria escondido. Esse era seu objetivo. Era sua dedicação diária a quem amava e quem lhe fazia tão bem.
Quando se afastou, já tratou logo de limpar o rosto carregado de algumas lágrimas que vieram de um tsunami de lembranças, e estava tudo bem, Jungkook não ligava. Sabia que o choro era de alegria, e por Deus, ele queria que ela só chorasse por isso.
— Eu nem sei o que dizer — ela conseguiu sorrir, e os olhos ainda brilhavam muito. — Por que ela estava vendendo se era tão importante assim?
Jungkook prensou os lábios e dedilhou as costas de por um momento.
— Não sei. Não me meto muito no luto das pessoas. Acho que cada um lida com isso do jeito que achar melhor — disse ele, com o timbre baixo. — Mas, sabe, essa câmera estava à venda há quase 1 ano. O mesmo anúncio com algumas perguntas, mas nenhum negócio fechado. Não sei se acredito nessas coisas, mas acho que essa câmera não podia ir pra qualquer um. Acho que a garota pensava assim também. Acho que ela estava guardando, selecionando para passar adiante a raridade dela pra outra raridade. Acho que ela estava esperando você.
riu pelo nariz, balançando a cabeça.
— Mas foi você quem comprou, não eu.
— E eu aceito meu papel de ponte para as suas alegrias, não tem nada que eu ame mais do que isso — ele disse em tom óbvio, e riu ainda mais. — Quer dizer, amo muito mais você, mas amo que você seja o Soluço e eu o Banguela. Você me diz pra onde quer ir e eu levo, me diz o que quer e eu dou, e se quiser ir sozinha, te faço café pra viagem e seus salgadinhos de requeijão. É assim que funciona a química do meu cérebro quando se trata de você.
mordeu o lábio inferior e aproveitou a proximidade para beijá-lo com paixão, com a mesma delicadeza e os mesmos sentimentos que colocava naquela câmera naquele momento, sabendo do fundo do peito que ele também fazia parte de seu acervo de itens raros ao qual ela estava destinada a encontrar.
Ela espalhou o beijo pelo queixo e nariz dele até dizer:
— Eu também faria isso tudo por você.
— Sei disso, linda. E é por isso que eu vou ganhar o mundo. Pra você ver que valeu a pena não ter aceitado nenhuma passagem que eu enviei.
revirou os olhos, mas se viu rindo. Atualmente, tudo que Jungkook falava sobre aquela época tenebrosa dos dois de antes de tudo ficar lindo e cor-de-rosa soava engraçado, como uma comédia romântica sendo montada, um roteiro ainda sendo escrito, tendo uma primeira intenção muito diferente de como a história se desenrolou de fato. gostava de pensar nisso, às vezes; em como não imaginava, não imaginava de jeito nenhum sentir o que estava sentindo por ele, e Jungkook achava interessante aquela nova forma de se apaixonar que acabou descobrindo: um amor que não vinha da primeira vista, amor que era construído no meio de uma tempestade, um que revelava partes escondidas da gente, um que abria os nossos olhos para o mundo, transformava a nossa vida pra sempre. Jungkook tinha certeza absoluta que nunca mais seria o mesmo depois de , ela estando ali ou não.
Antes que começasse a beijá-lo sem parar, virou a cabeça para o computador aberto.
— Acho que você tá atrasado — ela se afastou rapidamente, puxando a câmera para o colo de novo. — Já são quase 11, seus amigos devem estar esperando.
Ele sentiu aquele peso característico de foda-se quando via a hora de se afastar dela chegando, seja de manhã ou até mesmo no meio da tarde, mas estava começando a se acostumar com isso. estava se assentando cada vez mais na rotina, e em uma rotina, sempre sabíamos que faríamos as mesmas coisas no próximo dia, e no próximo e no próximo. Dava um certo tipo de paz e sossego.
Mesmo assim, ele bufou de forma irônica e acariciou a bochecha dela, ainda um pouco vermelha enquanto os olhos começavam a voltar ao normal.
— Não devo demorar. São só algumas cervejas, uns petiscos e um bolo decorado que Eunwoo compra na cafeteria.
assentiu, abraçando a câmera.
— Se ficar bêbado e dançar Twice de novo, quero provas em vídeos.
— Mas é claro. Também guardaria um pedaço de bolo pra você, mas seria tão mais fácil se eu pudesse entregá-lo depois da festa. Na minha casa. Com você lá.
Ele espichou os olhos para ela, sugestivo. não demorou a entender, e soltou um suspiro cansado.
— Preciso terminar esse artigo. Meu segundo semestre acabou de começar e preciso correr com o lançamento do TXT. É bagunça demais pra deixar na sua mesa dessa vez — ela torceu a boca em uma expressão de “é o que é”. Jungkook revirou os olhos.
— Você sabe que eu não me importo com isso.
— Tudo bem, mas eu me importo, preciso de… tempo, eu acho — ela abaixou a cabeça rapidamente, sentindo o rosto corar furiosamente. — Ainda estou tentando me acostumar com a chave que você me deu.
— A chave que eu te devolvi, você quer dizer. E você nunca usou ela.
— Porque é meio estranho às vezes, entende? Sair entrando na sua casa assim, quando você não está lá.
Ela baixou drasticamente o tom de voz na última palavra, desviando os olhos para o piso, a câmera, qualquer ponto longe do rosto de Jungkook. Se sentia meio boba e patética com aquele comportamento, mas não iria fingir. ainda estava se acostumando a algumas coisas que poderiam ser normais para Jungkook, poderiam ser normais pra muita gente, como andar por aí com a chave e a senha da casa dele e ter passe livre pra entrar e sair quando quiser, mesmo que parecesse algo tão explícito. Ela dormia com ele na maioria dos dias, mas pensar em entrar daquele jeito… Era como um passo a mais na relação, e ela ainda estava processando o passo anterior.
Jungkook também se sentia um pouco mal, com medo de estar pressionando, de estar afastando minimamente com aquele papo. Ela era, sim, mais do que liberada a estar na casa dele, a transformá-la em sua se quisesse, mas nessas horas o freio falhava. Sua parte que a amava e a queria todo dia falava mais alto. Mesmo que fosse algo tão fácil de se fazer…
— Tudo bem, não vou forçar — ele a puxou pelo queixo para mais um beijo, tranquilizando ambos. — Fico arrasado de não te ver na minha cama, mas ainda bem que temos o restante do ano. Da vida, se você me permitir falar.
Ela riu e lhe deu um tapinha no ombro. Jungkook a beijou de novo e se colocou de pé.
— Tô indo. Te aviso quando sair.
— Com os vídeos do Twice.
Ele assentiu, disposto a qualquer coisa para fazê-la rir, mesmo que ele não estivesse olhando. Quando estava quase no batente da porta, ouviu a voz em suas costas:
— Ei, JK — ele parou e se virou. sorriu com carinho e apertou mais ainda seu novo presente: — Obrigada.
E ele respondeu algo que já tinha dito antes:
— Não tem nada que eu não faria por você.

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A chuva havia dado lugar a um chuvisqueiro intermitente quando Jungkook estacionou do outro lado da garagem de Eunwoo, já abarrotada com uma mistura de Fords, Porsches e Jeeps. Ele sabia quem estava lá antes de tocar a campainha, e se preparou para a mesma coisa que não tinha se preparado no casarão alugado em Jeju.
Ele se desviou inteligentemente para o lado antes do tubo de confete explodir na sua cara, mas não impediu que tudo aquilo tomasse sua jaqueta, seus pés, seu cabelo, caindo um pouco nos outros três: Eunwoo, que tinha apertado o gatilho, Yugyeom à sua esquerda segurando uma garrafa grande com brilho em âmbar e sem lacre nenhum e Mingyu à direita, com um embrulho grande em papel de presente.
— Uhul! Viva o Jeon! — Eunwoo gritou em meio às palminhas, e os outros se viram obrigados a contribuir na animação, assim como, honestamente, se viram obrigados a participar de todo aquele circo. Tinha algo em Eunwoo que simplesmente não te dava a opção de negar suas exigências, e o principal deles é que ele era um poço de sensibilidade. E, bom, ninguém daquele grupo gostava de deixar os outros amigos tristes.
Jungkook recebeu mais um bolo embaixo do queixo, esse muito menor que o de Jeju, mas muito mais decorado e com mais velas. Ele não precisava pensar sobre o seu desejo. Mas, daquela vez, ao olhar para a frente e para todos os amigos, teve um sentimento carregado que o fez encarar com bastante ansiedade por alguns instantes para todos eles. Uma junção de tristeza, aborrecimento, frustração. O quadro que via em todos os seus aniversários nos últimos 7 anos, estava diferente demais naquele ano. 3 pessoas em vez de 4, uma rachadura no alinhamento do cosmos, dos planetas.
Jaehyun não estava ali. E Jungkook lamentou isso profundamente, mais do que seria capaz de admitir.
No entanto, ele logo se aprumou e sorriu, tirando essa preocupação dos ombros e soprando todas as velinhas, 25 no total, recebendo outra ovação animada dos amigos e sendo puxado para dentro, saindo da umidade do tempo frio lá fora.
— Caramba, achei que não viesse mais. Já tava indo dormir no sofá — Yugyeom resmungou enquanto fazia o caminho de volta para a cozinha. Mingyu estalou a língua.
— Mentiroso, você disse que ia fazer uma ligação e chamar garotas com uniforme de policial aqui. Ia ferrar com o plano.
— E desde quando garotas fantasiadas não são o plano de todos nós aqui?
— Me tira dessa — Jungkook agarrou seu bolo das mãos de Eunwoo e partiu para a cozinha um pouco apertada do amigo, mas que se revelava como um dos cômodos mais exclusivos onde você podia estar. Cha Eunwoo era um cara bem apaixonado por decoração e cores, muito diferente da forma como Yugyeom cuidava de sua casa, mas as duas mostravam cuidado: o apartamento dele era pequeno, mas não parecia ser. Não existia uma única parede que estivesse livre de alguma prateleira ou quadro, e ele definitivamente era apaixonado por corvos, porque havia pequenos ganchos no formato dessa ave ao lado de todos os interruptores possíveis. — O que vocês prepararam?
Yugyeom franziu o cenho na mesma hora, pronto para abrir a boca e gritar um imenso É O QUE para a declaração de Jeon sobre as garotas, mas Mingyu riu e o puxou pelo braço.
— Bebida surpresa! O Yug foi o responsável por essa parte, então talvez dê um pouquinho de medo, mas tudo bem, você tem 25 anos agora e precisa ser mais corajoso.
— Isso não é ser corajoso, é ser maluco — Eunwoo torceu a cara para a garrafa do amigo, mas logo suspirou e sorriu. — Mas tudo bem, o dia de hoje merece! Que comecem os jogos!
Ele pulou animado até a mesa pequena que tinha organizado no canto da casa, em uma área vazia entre a cozinha conjugada e a sala, onde tinha entulhado o móvel com tudo que Jungkook espera ver em uma festa de aniversário de um garoto de 11 anos de sua terra natal: as porções de arroz, a sopa de algas marinhas, docinhos de feijão vermelho e uma enorme faixa presa na parede atrás escrita “Feliz aniversário” e algumas bandeirinhas e balões em preto. Também havia uma cortina brilhante e dourada, e outro varal de letras de plástico logo abaixo escrita “Golden Maknae”. Era a cara de Eunwoo, mas Jungkook não se importava. Para bem ou para mal, ele se parecia um pouco com sua mãe, e isso era um ponto positivo.
O garoto reuniu vários copinhos em cima da mesa, todos prontos para a bebida de Yugyeom, que sorriu quando distribuiu tudo nos copinhos menores. Eunwoo não reparou que havia organizado 5, e não 4. Os outros fingiram que não repararam.
Com os copinhos completados, todos eles se reuniram em uma pequena rodinha e se prepararam.
— Nenhuma dica? — Jungkook estreitou os olhos para Yugyeom, que negou imediatamente. Ele levou o copo para perto do nariz, tentando captar alguma coisa, mas só sentia o cheiro de… álcool. — Cacete, não tenho nem ideia.
— E isso me apavora — Mingyu comentou, um pouco desanimado.
— Eu não quero aparecer gritando em uma vigília de igreja de novo — Eunwoo murmurou, o que arrancou risadas de Mingyu porque aquele dia foi hilário. Mais do que isso.
— Tudo bem, parem de chorar, vamos no 3! 1, 2, 3…
Eles viraram o líquido ao mesmo tempo, e esboçaram exatamente o mesmo nível da careta de desgosto, sentindo absolutamente tudo queimar e queimar, desintegrando algumas células do pulmão e definitivamente perdendo um milímetro do fígado.
— Porra, que merda é essa? — Mingyu tossiu uma vez, sentindo o céu da boca ficar molhado, sem relação alguma com a bebida. Aquela salivação constante de alguém que estava prestes a colocar as tripas pra fora.
— Não consigo me mexer — Eunwoo abriu e fechou a boca várias vezes, colocando e tirando a língua para fora, testando seus sentidos. Jungkook piscou os olhos várias vezes.
— Preciso sentar — disse ele.
— Que isso, gente — Yugyeom advertiu, mas ainda não tinha se livrado da careta de desgosto. O sofrimento estava estampado na cara, mas ele era o mais orgulhoso de todos — Que exagero, já tomamos coisas muito piores, e falo com muita propriedade. Anda, vamos de novo!
— Sério? — Eunwoo choramingou.
— É lógico. E depois vamos jogar Jangga.
Eunwoo revirou os olhos e os outros riram, porque jogar Jangga bêbado seria muito engraçado. Muito mesmo.
Depois dos copos preenchidos novamente, os 4 os estenderam para o centro do círculo e Eunwoo disse animado:
— Ao JK!
E viraram a bebida misteriosa mais uma vez.

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Se a bebida misteriosa trazida por Yugyeom naquele ano era rápida em fazer efeito, ela se mostrou mais rápida ainda para dispersá-lo. Ele certamente não tinha contado com isso, e agora o futuro daquela festinha particular estava entregue às cervejas Loffe Brown de primeira, que Mingyu tinha garantido porque estava sempre preparado pra esse tipo de coisa. Aquela noite era uma ocasião especial, então até mesmo Eunwoo disponibilizou as vodkas de seu acervo pessoal, mas na verdade, ele teria disponibilizado de qualquer jeito porque Eunwoo não costumava ser um cara que dizia não aos amigos. Se os faria felizes, ótimo. Então ele ficaria duas vezes mais feliz.
As horas passaram e, entre uma partida de Jangga, tênis de mesa, truco e poker valendo 20 mil wons de cada, Jungkook sentia um pouco do cansaço querendo tomá-lo de forma integrada. O peso do trabalho chegava nessas horas de tempo livre, quando ele sabia que, mesmo que pudesse acordar umas horas mais tarde no outro dia, se sentia tão cansado que poderia precisar de mais do que isso; precisaria de uma semana inteira dormindo, direto de preferência, sem nenhuma interrupção.
Eles conversaram sobre tudo; perguntaram sobre as fotos, sobre a música que logo mais seria lançada, sobre o figurino, sobre os programas musicais, sobre a gravação do MV e de como Jungkook tinha batido o pé em uma reunião que não gostaria, de forma nenhuma, que colocassem uma atriz estrangeira e loira. Vocês estão querendo um falatório, não é? Só podem estar querendo um incêndio com isso.
Porque é claro que, por maiores mudanças e pontapés que a vida de Jungkook tenha mergulhado nos últimos meses, o restante do mundo ainda estava preso no escândalo de abril, na exposição do namoro do cara mais cobiçado do momento no cenário musical, um escândalo que ainda era comentado por aí em qualquer viela da internet. Jungkook estava fadado a encontrar com esse assunto de novo assim que voltasse aos holofotes das entrevistas, lançamentos, talk shows e isso tinha ainda mais risco se estivesse sozinho, mas poderia aguentar quando viessem até ele, não o contrário. Ele, de jeito nenhum, daria brecha para esse assunto, alimentaria isso. Não daria antes, e muito menos agora, que estava em um novo relacionamento e um feliz novo relacionamento. Um que ele guardaria em uma concha, protegeria do universo, mentiria quantas vezes fosse preciso para que nem chegassem nessa possibilidade.
Ok, ele tinha feito a live mais comentada da agência e praticamente se declarado para a nível mundial, mas anunciar nas entrelinhas que estava apaixonado não era exatamente uma exposição. As pessoas não saberiam, não podiam saber de , e muito menos da história que os envolveu lá no início, porque era maluca demais para entender. Até ele mesmo demorou a entender, tendo em vista que só tinha duas opções com aquela mulher: ou ele a mataria ou se apaixonaria por ela, um ou outro.
Porém, o tudo no meio daquela rodinha não era de forma literal. Entre um silêncio e outro do quarteto, a mesma pergunta passava pela cabeça de todos, barulhenta e escandalosa, querendo sair, querendo tirar aquele pônei do meio da sala: e o Jaehyun?
Jeong Jaehyun.
A peça faltando. O elemento que pesava o clima, que os relembrava de que, por mais que estivessem rindo e comemorando, estavam incompletos.
Mingyu tinha deixado claro que aquele assunto não caberia naquela ocasião. Eunwoo se forçou a sorrir o tempo inteiro e usar a imaginação e a própria fé de que seria o último aniversário que passariam em apenas 4, e que em novembro, quando fossem comemorar os 25 anos de Yugyeom, todos estariam juntos, como deveria ser. Jungkook sabia que eles sabiam o que tinha acontecido, sabia que provavelmente tinham uma infinidade de perguntas sobre os motivos, sobre os segredos, sobre toda aquela merda que esconderam de todos, mas não tinha intenção de responder. Não naquela hora, não quando ainda não podia contar sobre , e não quando ainda não podia contar sobre Changmin e Ali. Era muita coisa que queria compactar e dizer o necessário, mas nada naquela história se resumia a necessária. E certamente, depois de ver tudo que viu e ouvir tudo que ouviu, Mingyu não teria deixado ele ir para aquela festa naquela noite se sentisse que Jaehyun estaria lá e presenciar mais uma baixaria de novo.
Mas esse medo era inútil, porque Jaehyun jamais iria à festa de Jungkook. Sendo mais extremo: Jaehyun não deveria nem estar passando pela esquina de Jungkook, nada que o relembrasse que o maknae ainda andava e respirava por aí.
Mas um novo assunto logo chamou a atenção dos amigos. E ele era:
— Karaokê!
Eunwoo gritou animado, já um pouco bêbado e abrindo caminho entre as almofadas do sofá para puxar a jaqueta de Jungkook, balançando o tecido como uma criança. O maknae franziu a testa e estalou a língua.
— Quê? Ficou doido? Sabe que horas são?
— Estamos na capital, Jeon — Mingyu se colocou de pé, igualmente animado como Eunwoo. Yugyeom não esboçou grandes reações, mas assentiu com a cabeça, mostrando de que lado estava. Jungkook arregalou um pouco os olhos, apontando para atrás das costas de Mingyu.
— Vocês estão vendo essa TV enorme? Ela também serve pra um karaokê. E Eunwoo tem os microfones que eu sei.
— Ah, sai dessa! Para de ser sem graça — Mingyu protestou e puxou sua mão para se levantar. Jungkook foi arrastado até o meio da sala enquanto Eunwoo digitava ferozmente no celular de repente, guardando-o para seguir o maknae.
— Isso aí, larga disso porque hoje você tem um compromisso com a gente e com a sua festa de aniversário. Não é porque é outubro que não vamos fazer o negócio direito, anda logo! Todos comigo!
Ele cambaleou até um dos milhares de ganchinhos em formato de pássaro e puxou uma chave aleatoriamente no meio de tantas, balançando-a na direção dos amigos.
— Quem vai dirigir? — Ele riu do nada, como se tivesse feito a pergunta mais idiota do mundo, porque era lógico que ninguém iria dirigir seu Porsche.
— Acho melhor você não fazer isso — disse Jungkook, estreitando os olhos.
— Por que não?
— Porque você é meio idiota com faróis e lanternas. Melhor eu…
— Eu vou dirigir! — Mingyu estendeu o braço mais rápido do que Jungkook, puxando a chave de Eunwoo com maestria. O amigo nem se importou; na verdade, pareceu aliviado por saber que não iria precisar prestar atenção em nada. Mas Jungkook contorceu o rosto de um modo muito, muito confuso.
— O quê? Você vai dirigir? — ele apontou para Mingyu, que também tinha as bochechas um pouco vermelhas. — Tá maluco? Eunwoo nunca te deixaria dirigir o carro dele. Esqueceu do que fez com o Toyota?
— Ei, esse Toyota nem existe mais — disse Eunwoo.
— Exatamente! Porque Mingyu destruiu ele numa cerca viva e você nunca mais deixou ele respirar perto do seu carro. O que tá acontecendo? Tinha alguma coisa nessa merda de bebida misteriosa?
— Você pode não ofender a minha contribuição da festa? — Yug já estava colocando o casaco e guardando o celular no bolso, chegando perto dos outros. — E vamos logo antes que essa cerveja comece a dar sono. Quem vai me acompanhar em Just Right?
— Eu, eu, eu! — Eunwoo esticou o braço junto com os pés. Mingyu gargalhou e puxou Eunwoo pelo ombro para fora do apartamento, e Yugyeom colocava um cigarro na boca ao passar por Jungkook para seguir os demais.
Então era isso? Eunwoo colocou o carro dos seus sonhos livremente nas mãos daquele que já o tinha destruído uma vez? Não aquele carro especificamente, mas… Minha nossa, as coisas estavam diferentes mesmo.
Sendo o último para trás, ele respirou fundo e olhou as horas. 1:30 da manhã. Não estava nem perto de bêbado, mas não se sentia exatamente apto para fazer uma prova de matemática, então apenas aceitou a noitada que vinha pela frente e finalmente saiu, apagando todas as luzes.

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Mingyu estacionou o carro bem próximo de onde um grupo de garotas acabava de se sentar na calçada, esperando uma das integrantes curvar o corpo quase inteiro dentro de uma lata de lixo.
Várias garrafas vazias, guimbas de cigarro, lixo plástico e algumas folhas pisoteadas que caíram das árvores pavimentavam o caminho do carro até a entrada lateral do Rocket Riders, uma enorme estrutura em formato de caixa de fósforo, que não tinha a melhor acústica para um karaokê, mas tinha uma estética suja e atraente como os pubs da Europa, o que era interessante pelo simples fato de que ali, o grupo de Jungkook poderiam ser pessoas normais. Quando os clientes tinham mais de 50 anos, era muito fácil.
Os quatro se espremeram na entrada, sendo engolidos pela escuridão arroxeada do lugar, que cheirava a makgeolli e cigarro de palha. A recepção era um cubículo ao lado da porta, onde uma mulher de cabelo vermelho vivo estava lixando as unhas enquanto assistia um drama qualquer pela tela do celular. Ela não esboçou uma única reação aos clientes novos que passaram pela porta.
Mingyu se apressou em direção ao balcão.
— E aí, gracinha! Arruma uma salinha pra gente soltar o gogó — ele apoiou os antebraços para se aproximar, e Jungkook revirou os olhos logo atrás, rindo em seguida. A mulher não respondeu verbalmente; olhou para Mingyu de cima a baixo, em seguida olhou para os outros até pausar a programação e começar a puxar folhas e chaves.
Nessa hora, Mingyu olhou para trás na direção de Eunwoo, e um segundo depois, o garoto passou os braços pelo ombro de Jungkook.
— Me leva até o bar? Preciso tomar uma água com limão agora — ele começou a puxá-lo na direção contrária aos corredores das salas, direto para onde ficava a parte que se pareceria realmente com um pub. Jungkook franziu o cenho.
— Você pode esperar a gente entrar e pedir por lá mesmo. Por que você…
— Por favooor, JK — Eunwoo juntou as duas mãos na frente do peito. — Yugyeom tentou nos matar com aquela mistura de gasolina com chá verde e eu preciso muito, muito mesmo cantar Haru Haru essa noite! Tem ideia de que essa música tá completando 15 anos? Você sabe como ela é importante pra mim, não sabe? Sabe que só estou onde estou porque G-Dragon correu até o hospital por causa da Min Young e chorou naquele corredor quando ela morreu? Dá pra você ter um pouco de solidariedade aqui?
Jungkook pensou em discutir, mas só pensou. Passou rápido. Ele estava mesmo bêbado, era inútil.
Bufando, Jungkook assentiu e o puxou pelo ombro.
— Tá legal, vamos pegar sua água com limão.
Eunwoo sorriu e os dois se afastaram de Yugyeom e Mingyu, que estava se inclinando para ainda mais perto da recepcionista, gesticulando com as mãos enquanto cochichava. Pelo amor de Deus, ele não sabia que aquilo podia ser assédio? Tinha sempre que perder a chance de ficar calado?
Ele pensou em voltar e puxar Mingyu para longe dela, mas Eunwoo agora o estava carregando tão rápido e com tanta determinação que ele quase tropeçou no caminho. Eunwoo parecia bêbado e muito incapaz de se decidir por qual vereda entrar e achar aquele bar, mas logo o espaço se abriu diante dos dois e se viram diante do ambiente um pouco mais iluminado, mas que ainda era muito escuro e muito cotado para ser um dos lugares mais estranhos que Jungkook já esteve. A começar pela cabeça empalhada de um cervo acima de um piano de madeira velho, e a carcaça de um Camaro na outra extremidade, onde um senhor de idade estava jogado em um dos bancos e segurando uma garrafa de soju, com os olhos fechados.
O que é isso? Estavam no leste do Texas? Que absurdo de lugar era aquele? Como seus amigos conheciam aquilo?
— Ei, vem logo! — o rosto de Eunwoo chegou muito perto do seu para gritar e apressá-lo. Jungkook tirou os olhos do lugar e se deixou ser arrastado pelo amigo até o balcão de madeira que rangia toda vez que uma senhora com cabelos negros e encaracolados apoiava um copo ou uma garrafa. Ela parecia séria; séria demais.
— Boa noite, senhorita! Poderia me dar uma água com limão? Sem gelo, por favor — Eunwoo pediu educadamente, e por um momento, não parecia tão bêbado como estava antes. A mulher parou de passar um pano furiosamente no vidro de um copo, e se antes parecia séria, agora tinha o olhar mais duro do que pedra.
— Eu não te dar nada — ela jogou o pano de louça em um espaço abaixo do balcão, e depositou o copo com tanta força que Jungkook e Eunwoo tremeram os ombros de susto. O sotaque dela era arranhado e evidente. — Limão não ter. Só água, nem gás.
Eunwoo olhou para Jungkook por um momento, piscando os olhos enquanto tentava pensar no que dizer que tirasse um pouco daquela carranca da mulher… chinesa? Filipina? A pele era bronzeada demais para ser dali. Que tal vietnamita?
— Eu, hum… Só água, então.
Ela continuou parada, encarando-o, agora cruzando os braços, sem expressão. Eunwoo sabia que ela tinha entendido. Tinha falado devagar.
No próximo segundo, Jungkook estalou a língua e tateou os bolsos atrás da carteira, tirando duas notas de 100.000 wons e colocando na mesa.
— Com isso você consegue o limão? — perguntou ele. A mulher se virou como se estivesse vendo-o pela primeira vez, e olhou para a nota com atenção, olhou para Jungkook com ainda mais atenção e puxou o dinheiro para o bolso da frente da calça, fazendo uma reverência meio torta e não natural.
— Logo, senhor.
E deu as costas para a outra extremidade do bar.
Eunwoo abriu e fechou a boca, levantando o dedo pronto para apontar, mas Jungkook o empurrou com o ombro.
— Você praticamente deu 150 dólares pra ela. Sabe disso, não é? — ele sussurrou. Jungkook apenas deu de ombros e puxou o maço de Dunhill quase no final do bolso de trás, aproveitando a deixa de não ter visto nenhuma placa sobre proibido fumar e de ter visto 3 ou 4 cidadãos fazendo a mesma coisa ali.
Não parecia ser um lugar em que se importavam muito com o cheiro das coisas.
Nenhum deles falou mais enquanto a barista fazia um trabalho rápido em pegar a bebida de Eunwoo, que chegou menos de 3 minutos depois em uma taça alta, com gelo, limão e uma folha de hortelã. Ela até tinha colocado um pequeno guarda chuva na beira do copo.
— Alguma coisa mais? — perguntou ela diretamente para Jungkook. Ele balançou a cabeça em negação e a mulher se retirou para o outro lado, voltando a secar copos e a ranger a madeira. Eunwoo ainda estava encarando o copo com incredulidade.
— Bebe logo isso e reflete sobre a sua vida depois — murmurou o maknae, tragando o cigarro despojadamente. Eunwoo torceu a boca e bebeu um gole.
— Esse mundo tá perdido, tudo é sobre dinheiro. Ela feriu os meus sentimentos, sabia? A carga do karma na próxima vida vai ser insana.
— Aham, claro — a possibilidade daquela mulher lembrar do rosto de Eunwoo no dia seguinte era igual a zero, mas ele o deixaria acreditar. — É melhor a gente voltar, acho que os outros…
— Não, calma — Eunwoo agarrou o pulso de Jungkook antes que ele se mexesse. Os olhos saltados ficaram ainda mais pronunciados, mas ele logo disfarçou com uma risada engasgada. — Eles vão vir até a gente, tenha paciência. Quer que eu saia daqui segurando esse copo? Aquela mulher vai me comer vivo.
— Ela não vai te comer vivo se andarmos até a recepção.
— Acho que ela me odeia só por respirar, JK — ele fez um bico de frustração, daquele tipo ridículo que quase adiantava que ele choraria. Pelo amor de Deus, Eunwoo tinha como estar mais instável naquele dia? O que tinha naquela porcaria de bebida?
Pensando pelo lado racional, era melhor mesmo que ele bebesse toda aquela água e ficasse 1% melhor para que, como disse mais cedo, não aparecesse em um estabelecimento qualquer perturbando a ordem pública. Ele era o que mais se lembrava de que era a porra de uma celebridade e evitava esse tipo de coisa, mas também era um cara que colecionava alguns poucos momentos vergonhosos.
Sendo assim, Jungkook apenas respirou fundo e assentiu, gesticulando com as mãos a aceitação de ficar, recostando-se no balcão e tragando mais uma vez.
Não demorou cinco minutos para Mingyu e Yugyeom surgirem do caminho para o bar, lado a lado, entrando em meio às mesas e desviando de um ou dois clientes que quisessem repetir a dose da bebida forte.
— O seu cartão deu problema de novo? — Jungkook apontou para Mingyu, que franziu o cenho. — Demorou muito pra reservar uma sala. Por acaso eles não aceitam pagamento pelo celular?
Mingyu desviou os olhos para Eunwoo em um milésimo de segundo, e depois olhou para Yugyeom, e em um piscar e outro, riu fraco, balançando a cabeça.
— É, exatamente isso — ele deu um tapa no ombro de Yug, forte demais para ser considerado normal — Eles são ultrapassados, cara, não tá olhando ao redor? Queriam me cobrar taxas a mais pra usar o cartão.
— E você sabe como é o Mingyu com as taxas — Yugyeom balançou uma mão e riu, mas não parecia estar realmente rindo.
— É, ele é um idiota sobre as taxas também — Eunwoo participou, agora sugando a água pelo canudinho, seja lá como tinha conseguido aquilo.
Por um momento, brevíssimo momento, Jungkook olhou para os três amigos e franziu a testa, enxergando o mesmo sorriso hesitante em todos eles, e notando que nenhum o estava olhando nos olhos. Pelo menos por um instante. Mas antes que tivesse tempo de destrinchar essa ideia, Mingyu deu um pulo e estendeu uma chave para o meio deles:
— Mas o que importa é que a gente conseguiu e vamos poder até mesmo desfrutar de uns petiscos de frios. Ela não disse a validade deles, mas quem se importa? O importante é cantar!
— E eles tem um aparelho AMD de depois dos anos 90, ou seja, tem alguns grupos da 2º geração misturados na playlist da Celine Dion!
— Celine Dion — Eunwoo bateu palminhas animadas e se colocou de pé num pulo, agarrando a chave de Mingyu. — A Celine é demais! Você gosta dela também, não é, JK? Aposto que não, mas você tem uma voz foda e vai cantar qualquer coisa que aparecer! Se quiser, podemos até colocar Arctic Monkeys pra você, mas acho que só vão ter os álbuns de 2006 e 2007…
— Espera — Jungkook parou quando notou que já estava sendo arrastado de novo por Eunwoo, e se virou para trás. — O que estão fazendo aí?
Mingyu e Yugyeom tinham se recostado no balcão do bar, e olharam um para o outro novamente, daquele mesmo jeito.
— Hum… Nós… — Mingyu começou, mas Yugyeom completou:
— Vamos comprar umas bebidas. Vocês podem ir na frente, o lugar não é tão grande pra se perder.
— Fala sério. A gente espera — Jungkook disse em tom óbvio, porque não fazia sentido. Já estava pronto para voltar ao balcão, mas sentiu Eunwoo puxando-o de novo.
— Deixa eles aí, JK. Não vão demorar tanto assim. A Celine, lembra da Celine!
— Cara, qual é o seu…
— Vai lá antes que ele encha o nosso saco também. A gente não quer ouvir ele cantando Titanic — Mingyu fez uma careta. Yugyeom assentiu rápido.
— E você prometeu fazer a introdução de Haru Haru comigo.
Jungkook olhou para Eunwoo com uma grande expressão de “hein?”
— É, você faz o T.O.P e eu sou o G-Dragon porque fico lindo chorando — ele deu de ombros, como se o fato fosse óbvio. Eunwoo adorava relembrar os amigos de que era um ótimo ator.
— Sou o lado do triângulo amoroso que se ferra? — Jungkook arqueou uma sobrancelha. Eunwoo revirou os olhos e começou a puxá-lo de novo.
— Vamos logo, seu idiota. Estamos perdendo tempo.
Ele abriu a boca para protestar de novo, mas Eunwoo tinha ganhado mais força e o resto dos amigos não pareciam se importar com isso. Olhando de seu lugar para a parede atrás do balcão, lotada dos mais variados tipos de bebidas, Jungkook não viu nenhuma que chamaria a atenção de Yugyeom e Mingyu, mesmo que eles não fossem muito exigentes com álcool no geral. E por que não podiam pedir direto da sala? Todas elas eram equipadas para isso, até a mais simples e decadente daquele lugar simples e decadente.
Mas Jungkook relevou. Não adiantava discutir, de qualquer forma. Se deixou ser levado por Eunwoo e sua animação, curvando em um corredor do outro lado do bar, bem longe da recepção, onde se viram cercados por uma luz sonhadora e quase vespertina, totalmente diferente dos outros cômodos anteriores. Ele tateou o telefone no bolso da frente, pensando em pegá-lo e avisar a que estava bem, ou que achava que iria demorar um pouco porque tinha ido parar em um fim de mundo na saída da cidade e agora estava se preparando para a magia de um karaokê bêbado, e que muito provavelmente ela teria, sim, provas em vídeos de uma vergonha daquelas, como pedia. Era um tipo de vingança por ele ainda ter a fita de sua dancinha na Panasonic.
Mas ele não chegou a pegar o aparelho, porque Eunwoo agarrou a curva de seu cotovelo, enredando seus braços nele, como duas garotas andando pelos corredores da escola.
— Ei, JK — disse ele, e sua voz abaixou bruscamente à medida que seus passos também iam diminuindo o ritmo. — Você sabe que amo você, não sabe?
Jungkook tirou o cigarro pela metade da boca, virando o rosto para ele.
— Ah, sei muito bem disso — ele riu pelo nariz. Eunwoo não parecia estar rindo, mas estava bêbado. Com certeza estava. — Onde é essa sala? Deixa eu ver o número…
— Você sabe que te amo — Eunwoo puxou a mão que segurava a chave para trás das costas, um pouco atônito. — Amo todos vocês e amo a nossa amizade. Vocês são as pessoas mais importantes pra mim desde que me mudei pra essa cidade.
Jungkook quis rir de novo, mas pareceria um pouco estranho, já que Eunwoo estava tão… sério? O que era isso?
— Você tá bem? — Jungkook perguntou, agora um pouco preocupado. O que estava se passando pela cabeça do amigo? Era uma nova skin bêbada desbloqueada pela bebida de Yugyeom?
Eunwoo notou seu olhar intrigado e conseguiu abrir um sorriso, um que parecia muito verdadeiro e, finalmente, parou na frente de uma porta pintada em tinta spray lascada com o número 18.
— Tô ótimo. Só queria que você soubesse disso — ele estalou a língua e murmurou um baixíssimo “você tem que lembrar disso” e enfiou a chave na fechadura devagar, girando-a no trinco e pousando a mão na maçaneta. — Então, pronto pra fazer o rap do T.O.P.? Espero que tenha melhorado suas habilidades.
Eunwoo girou a maçaneta devagar e fez um gesto com o braço para que Jungkook passasse. O maknae não pescou nada em particular e revirou os olhos.
— Você esquece que vai ter que segurar um rojão bem maior sendo o G-Dragon e eu não–
Jungkook parou de falar quando viu as luzes da sala já acesas, a mesa já cheia de comida e bebida e o aparelho em data show já aceso e ligado, assim como o sofá no canto da sala já ocupado por uma pessoa. Uma pessoa que também paralisou onde estava, sem esboçar nenhuma expressão.
— Desculpa, gente. Prometo que é pro bem de vocês — Eunwoo murmurou. E então, em um piscar de olhos, já estava puxando a porta para fechá-la e girando a chave com força no trinco mais uma vez.
Jungkook não soube o que pensar. O som do trinco reverberou em sua mente dez mil vezes até ele voltar à realidade e ver o outro sujeito da sala se levantando, tão chocado quanto ele, e logo mais, tão puto quanto ele.
Estava trancado. Estavam trancados.
Jeon Jungkook estava trancado com Jeong Jaehyun.


[ 48 ] – Golden boy's in bad shape

🎵 Ouça aqui:
Star Treatment - Arctic Monkeys

"Eu só queria ser um daqueles fantasmas que
Você achou que
Poderia esquecer
E então eu
Te assombraria pelo espelho retrovisor em uma longa viagem
Do banco de trás."

— Tá brincando… — Jaehyun trincou os dentes com força, agarrando uma porção gorda de cabelo da nuca, sentindo a raiva tomá-lo por completo assim que seus olhos trombaram com a silhueta de Jeon Jungkook, uma que agora o irritava mil vezes mais: aquelas mesmas botas, aquela mesma jaqueta e aquele mesmo cigarro.
Jungkook não parou para avaliar a ira de Jaehyun. Virou automaticamente para a porta e tentou, inutilmente, girar a maçaneta, se frustrando com a tranca idiota que não saiu do lugar.
— Filhos da puta… — ele trincou os dentes e bufou. Não sabia o que seria capaz de fazer caso estivesse na frente de Eunwoo agora. Como ele pode brincar com isso? — Eunwoo!
— Eu sei, eu sei! Mas vocês pediram por isso! — A voz do amigo veio do outro lado da porta, e incrivelmente, o desgraçado parecia mais sóbrio do que nunca. Como se o efeito daquela bebida nunca tivesse existido, nem dela e nem das outras. — Vocês precisam conversar e eu digo conversar, e não trocarem socos como dois animais. Uma conversa civilizada, ci-vi-li-za-da!
— Eu vou matar você — do nada, Jaehyun também já estava na porta, provavelmente sendo guiado pelo mesmo ímpeto de fúria, dando um tapa forte na madeira tão velha quanto a do balcão. — Abre essa porta agora, Eunwoo!
— Você sabe que eu não posso fazer isso, Jae. Você me obrigou a fazer isso também. Você tem ideia de como eu– de como todos nós ficamos? — e ele parou, suspirando, perdendo o interesse de responder a própria pergunta. — Olha só, sinto muito por ter te enganado e ter feito você dirigir até aqui depois que eu prometi uma noitada de amigos, mas eu queria todos os amigos juntos. Todos nós. E vocês vão acabar com isso hoje! — Jungkook abriu a boca para rosnar um palavrão, mas Eunwoo falou na frente. — Eu vou voltar em 1 hora, e se vocês não tiverem se resolvido ainda, vão ficar aí por mais 1. E eu tô cagando pra suas aulas de boxe, JK, você não é páreo pra mais 3. Fui.
Jungkook abriu e fechou a boca, tentando a maçaneta de novo em um gesto automático, mas conseguiu ouvir os tênis de Eunwoo voltando pelo corredor, desaparecendo, largando-o ali de vez.
Ainda chocado, puto, completamente desorientado, ele olhou para o lado. Jaehyun virou a cabeça ao mesmo tempo e o oxigênio pareceu ter virado vidro. Jungkook sentiu novamente aquele peso duro do olhar dele, enquanto Jaehyun era atingido por um milhão de farpas apenas com a imagem do maknae. Era doloroso, sufocante. Jaehyun imediatamente não aguentou e se afastou para a outra parte.
— Ótimo. Perfeito — resmungou ele, sentindo tanta raiva que era difícil comportar. Aquela mesma raiva que sentiu na sala de Mingyu, até um pouco mais ardente. — Era tudo que eu precisava. Cair nessa armadilha idiota com você…
Ele nem escondeu o tom de desprezo. Jungkook franziu o cenho e se virou pra ele, que andava de um lado para o outro com o celular na mão, prestes a tentar ligar para os outros babacas, mesmo que eles não fossem atendê-lo.
— É, você tá certo, mais idiota que isso só alguém que aceita vir num lugar desses a essa hora a pedido do Eunwoo sem desconfiar de nada.
Jaehyun se virou para ele imediatamente, com um olhar de incredulidade.
— Você vai ter coragem de dizer que a culpa é minha?
— Ninguém falou em culpa, mas fala sério, você sabia da festa, como não…
— Que porra de festa você tá falando?
— Minha festa de aniversário. A gente falou no grupo, eles estavam–
— Não sei que merda de festa e nem que merda de grupo você tá falando. Ninguém falou nada no nosso grupo, caso você não presta atenção.
Foi um pouco perturbador ouvir isso. Jungkook puxou o celular com pressa, abriu o aplicativo de mensagens e, depois de rolar e rolar a tela, notou que estava mesmo em um outro grupo, o 9.7 Centímetros, que tinha a foto idêntica ao Estação 97 que foi criado há quase uma década atrás, que sempre se misturava a tantas outras conversas e tantos outros grupos no seu telefone que era muito fácil que ele perdesse umas atualizações por lá, tipo mudança de foto e mudança de membros.
Sentindo-se meio idiota, Jungkook guardou o celular de novo.
— Tá bom, eles foram mesmo umas ratazanas. Eu não queria estar aqui tanto quanto você.
— Ah, ótimo. Um ponto pra sua sensatez. O que me garante que você não tem nada a ver com isso?
— Quê? — Jungkook torceu a testa.
— Se eles acharam que existia uma mínima possibilidade de eu querer conversar com você ou te ouvir mesmo estando no mesmo ambiente, eles estão viajando. Eu não dei indícios de que queria isso, então como tiveram uma ideia dessa?
— Eu sei lá, cara. Eu não disse nada…
— Aham, claro. Você nunca diz nada, nunca faz nada. Nada nunca é culpa sua.
Jaehyun apertou algumas teclas com mais força no celular. Mas que porra? Jungkook segurou a língua dentro da boca e precisou estabelecer todo um espírito de Monja Coen pra não se igualar à mesma raiva de Jaehyun, apesar de que, em tempos passados, já teria no mínimo dado um empurrão nele. Mas não, ele não faria uma cena dessas de novo, não estava mais afim de se sentir um lixo depois. Mesmo que fosse difícil canalizar essa luz dourada de sensatez de outro mundo quando Jaehyun estava mais do que disposto a cutucar feridas.
Bufando forte, Jungkook respondeu:
— Olha só, presos ou não, não tô afim de brigar com você. É sério. Temos que dar um jeito de sair daqui — ele imediatamente olhou para as paredes, procurando uma janela, uma báscula ou simplesmente o telefone que usariam pra pedir bebidas na recepção, mas, como esperado, essa linha de comunicação já tinha sido vedada por Mingyu há muito tempo. Toda aquela demora no balcão, que piada. Estava tudo esquematizado, e Jungkook ficou ainda mais aborrecido por não ter percebido nada.
— Os filhos da mãe não estão me atendendo. Aposto que desligaram o celular — Jaehyun resmungou, e dava pra ver a pontinha da orelha ficando vermelha de desgosto. Jungkook estalou a língua e balançou a cabeça.
— E agora devem estar se aproveitando dos meus dólares pra vietnamita — disse ele. Jaehyun o olhou confuso. — Nada. Talvez eu possa ligar pro Jimin. Ou pro Yoongi, ou Tae, ou pra–
Ele parou imediatamente quando achou o nome de no celular, e Jaehyun percebeu. Ah, como percebeu. Jungkook estava cansado de saber como seu tom de voz mudava quando o assunto estava prestes a ser materializado, até mesmo antes, quando a odiava daquele jeito escroto. sempre teve um espaço particular nas suas emoções – sempre dava pra saber que ele iria falar dela.
— Pra alguém — mesmo assim, ele preferiu desconversar e voltou pro telefone. Jaehyun soltou uma risada incrédula.
— Não, vai lá, chama ela. Vai ser super divertido ela estar aqui com toda essa situação. Bem a sua cara fazer isso.
Jungkook parou de mexer no celular.
— Bem a minha cara o quê?
— Esfregar na cara dos outros as suas vitórias. Como você se veste de modéstia na frente das câmeras, mas na vida real fica louco pra encher a boca para cuspir tudo que consegue, seja uma garota, seja um prêmio, um carro, um contrato, qualquer merda dessas.
— Eu não–
— Não, valeu. Não quero te ouvir.
Mas que porra de novo? Jaehyun já estava atravessando a sala mais uma vez, segurando o celular com ansiedade e prendendo a respiração para não falar mais do que já estava falando. Devia ter mais coisa guardada, muito mais, coisas que ele não deve ter descarregado nem pro próprio espelho, e estar sob o mesmo teto que Jungkook era um teste cósmico pra verem se o nível de sua paciência continuava intacta, mas a resposta pra isso estava clara. Ele não estava se aguentando no lugar e mexer com ele agora seria a maior merda que Jungkook poderia fazer, mas ele não era de ferro e não estava afim de ficar calado enquanto Jaehyun passava em cima dele com um trator de ofensas.
— Beleza, não quer ouvir, mas quer falar o que quiser? Quando você ficou assim, tão estúpido pra ter uma conversa?
— Olha quem tá falando, até parece que você é um diplomata.
— Exatamente, seu babaca! E sei que isso foi errado, ser desse jeito não ajudava nada e nem ninguém, mas você costumava dar o exemplo. Deu pra retroceder agora?
— Eu retroceder? Eu? Achei que mentir e enganar os próprios amigos já fosse um retrocesso o suficiente, quer me dar uma lição de moral sobre isso? — Jaehyun se aproximou a passos perigosos de Jungkook. O maknae rangeu os dentes.
— Não vou dar lição de moral em ninguém, e você deveria fazer o mesmo, porque se vamos falar de mentir e enganar, você foi tão podre quanto eu, imbecil — e esbarrou no ombro de Jaehyun quando passou por ele para o outro lado da sala, bem em frente à mesa de centro. Jaehyun, com a atenção recobrada, ficou parado por um momento até se virar.
— De que merda você tá falando?
Jungkook não queria fazer isso. Não pretendia abrir a boca tão cedo, mas se Jaehyun fosse se juntar à banda Inimigos de Jungkook, ele se juntaria sabendo de tudo.
— Acha que eu não sei de você e da Ali? — Acusou, olhando fixamente para o amigo. — Acha que eu não sei que estava com ela nos Estados Unidos, que foram juntos pra Los Angeles, que foi pra revista e esteve ao lado dela o tempo todo enquanto ela procurava por ? — Jaehyun ficou calado, amortecido, vazio de palavras e respostas. Um silêncio pior do que o do início se instalou, cercando ele e Jungkook em um ambiente fechado e claustrofóbico, igual daquela última vez que se viram, na arena da sala de Mingyu. — Pois é, seu cuzão. Eu sei de tudo. Então, se quer falar de enganar, você é só o sujo falando do mal lavado.
Jaehyun continuou imóvel, catatônico, como se tivesse caído de joelhos em um balde de cimento líquido. Até a raiva que estufava o seu peito tinha se extinguido mais da metade; só restava o choque e o rosto tenso de Jungkook na sua frente.
— Como– como você sabe disso? — Ele conseguiu perguntar, com urgência estarrecida. — Ali te procurou? Não me diga que ela procurou você.
Podia ter feito isso sem citar o meu nome, ele pensou imediatamente. Não era bom ter moral de mentiroso. Não era legal decair no mesmo nível de Jungkook.
Ele, por outro lado, deu aquela risada sarcástica, se deliciando pela saia justa em que tinha colocado Jaehyun.
— Ela não tem essa coragem ainda — respondeu ele. — E se quer saber, prefiro assim. que me contou. E fiquei me perguntando porquê você não fez isso naquele dia.
Jaehyun desviou os olhos e escondeu as mãos nos bolsos da frente da calça cargo.
— Também não sei. Acho que fiquei com muita raiva, e tudo que aconteceu depois… não cabia mais falar disso. Mas eu devia mesmo ter contado — ele voltou a encará-lo com fogo nos olhos, recuperando toda a ira de antes. — Devia ter dito tudo que eu fiz para quem sabe assim, você visse a situação como eu vejo, como qualquer um veria.
— Que situação?
— Você não merece a . Nunca mereceu. Tudo em você deixa ela mal, desequilibrada, estranha. Ela só se envolveu com você por minha causa e não tenho a menor vergonha ou culpa de admitir que tudo que fiz com Ali, todos os lugares que fui com ela, foi pensando em , foi pra manter a história dela segura, foi para que Ali não soubesse de nada, diferente de você que–
— Isso não resolveu nada, seu babaca — Jungkook interrompeu, já cansado daquele tom de voz superior que achava o mínimo ter um pedido de desculpas de Jungkook redigido em letras arredondadas e escrita a mão gravadas em um outdoor. — Não do jeito que você pensa. Ali já sabe de tudo.
Jaehyun teve a segunda onda de choque da noite, piscando os olhos freneticamente até falar:
— Quê?
Outra coisa que Jungkook não pretendia dizer, mas agora já era. Novamente: se ele quisesse continuar odiando-o pelo resto da vida, que continuasse, mas tinha que odiar baseado na verdade, e não em sua interpretação isolada das coisas.
Puxando bastante ar para os pulmões, Jungkook prosseguiu:
— A Ali sabe da . Sabe das fotos, da revista, que era ela no camarim, sabe de tudo. E tá observando de longe.
Não.
Qual é.
Não!
Jaehyun foi arregalando os olhos aos poucos. A informação pareceu muito irreal a princípio, como dizer de repente que o presidente da República tinha sido assassinado, mas a seriedade no rosto de Jungkook não deixava dúvida porque ele quase nunca ficava sério. E assim, a bomba no cérebro de Jaehyun explodiu. Foi tão forte que ele largou o corpo no sofá poeirento de 6 lugares, o semblante ainda mais atônito que antes.
— Que droga você tá dizendo, Jungkook? — ele perguntou mais devagar, e agora a raiva tinha ido embora de vez.
— Tem um cara. Ji Changmin. Ele é–
— O fotógrafo — Jaehyun respondeu na mesma hora. Se lembrava perfeitamente do sujeito. Daquele sorriso, da voz melodiosa, da presença forte e marcante. — Ele participou da minha sessão na Esquire.
Jungkook confirmou, e não se impediu de soltar uma risada amarga, aquele tipo de coisa que se parecia com tudo, menos com uma risada.
— É, ele andou se embrenhando em tudo que pode — resmungou ele, andando a poucos passos para a frente até se sentar em cima da mesinha com as comidas intocadas. — Ele admitiu pra mim que conhece a Ali, que tá de olho na , que sabe da gente. Disse isso na minha cara, e ainda ameaçou contar tudo sobre as fotos, sobre o nosso envolvimento, sobre o envolvimento de todos do grupo. Quer armar um pandemônio.
Jungkook não queria contar a história toda, porque se não, seria obrigado a contar porquê encontrou com Changmin, como o encontrou depois de novo naquela cafeteria-barra-restaurante, e que tudo isso foi motivado única e exclusivamente por , e que acabaram ficando juntos pra valer naquela última tempestade bizarra. Pra valer.
Podia poupar Jaehyun dessa parte, mesmo que ficasse um vazio na conversa. Querendo ou não, ele era o único cara que conhecia tanto quanto Jungkook dentro de seu círculo de amigos. Era o único cara que estava lá, em New York, que conheceu a garota, que se apaixonou por ela e que sabia das dificuldades e o geral de . Desde o início, era o único que merecia saber de Changmin e Ali e que seria capaz de entender a situação.
E a face estampada de puro abalo, como se Jungkook tivesse virado aquela mesa em cima dele, revelavam que ele estava, sim, entendendo tudo perfeitamente bem.
— Não pode ser — a voz saiu em um silvo.
— Infelizmente pode — Jungkook bagunçou grande parte do cabelo, embora ele já não estivesse tão arrumado assim. — Agora me fala, você não sabia mesmo disso?
— Do quê?
— Que Ali sabia. Você estava com ela, como não viu que ela tinha descoberto alguma coisa?
Jaehyun negou forte com a cabeça, parecendo um pouco irritado – consigo mesmo ou com Jungkook, por ter considerado a possibilidade de que ele saberia de algo assim e ficado quieto.
— É claro que não. Ela me disse que não tinha conseguido nada, por que mentiria sobre isso? Vi com meus próprios olhos ela subir no prédio da revista, ficar lá por mais de 30 minutos e descer chorando depois porque conheceu a garota e não teve coragem de fazer nada. Absolutamente nada. Disse que o nome dela era Hilary, e ponto final — as imagens em sua mente eram claras, límpidas e inquestionáveis, mas mesmo assim, Jaehyun se sentiu desesperado com a ideia de ter perdido alguma coisa, de ter ignorado alguma pontinha da cena, mesmo que estivesse tão atento a tudo, esperando uma mísera menção do nome de . Ele parou e pensou, forçou tanto o cérebro a voltar naquela lembrança que nem parecia estar mais ali. — Depois disso, deixei ela no hotel e voltei pro aeroporto. Não a vi mais, nem tentei nenhum contato, principalmente por causa daquela foto nossa. Eu não fazia ideia de que ela sabia.
Jungkook refletiu por um momento, torcendo os dedos das mãos enquanto apoiava os antebraços nas coxas. Jaehyun pareceu sincero, e ele não conseguia, de forma alguma, desconfiar disso ou questionar sua história. Até porque aquela cara transparecendo choque e desespero falava mais por ele do que todo o resto.
Infelizmente, nada disso apagava a esquisitice da coisa toda.
— Talvez ela tenha descoberto antes. Ou talvez depois. Não faço ideia, mas é lógico que ela não falaria mais com você depois que se separaram, ainda mais porque agora sabe que você mentiu pra ela sobre .
— Como ela chegou nisso? — Jaehyun se exasperou ainda mais. Em um segundo, já estava de pé de novo. — Não faz o menor sentido. James não falou nada da verdade, só expôs a Hilary e Ali foi embora, fim de papo. Não tem como o nome da ter rolado naquela sala, caso contrário, sua ex-namorada nem teria entrado em um carro comigo depois disso.
— Eu sei, Jaehyun. É mais provável que Ali tenha descoberto isso depois que você se mandou, e já pensei sobre essa merda umas mil vezes, mas quando foi e quem foi a corujinha fofoqueira não é o que interessa. O negócio é que ela sabe e já tá mexendo os pauzinhos — Jungkook ficou sério demais quando o encarou fixamente, muito sério. — Não tenho medo de Ali, mas não sei o que esperar dela. Esse é o problema. Mesmo que eu tenha visto todos os seus lados nesses últimos 3 anos, o jeito como ela ficou no escândalo foi diferente de tudo. Tava obcecada por um nome, um culpado, e seria capaz de qualquer coisa pra se sentir melhor.
— E o que seria se sentir melhor pra ela, nesse caso?
— Alguma coisa pesada que pode destruir a , com certeza.
Isso é mais apavorante do que você imagina, ele quis quis completar, mas naquele quesito, Jaehyun não entenderia. Para o bem ou para mal, Jungkook era a única pessoa que sabia como Ali Dalphin escrevia as próprias regras.
— Mas… e esse cara? Onde ele está? O que você fez? já sabe de tudo isso?
— Não, ela não sabe — Jungkook negou com a cabeça, sentindo aquele peso característico de novo. — Eu pensei em contar, mas– eu ainda tô tentando entender.
— Como assim? Entender o quê?
— Entender a estranheza disso tudo. Tem muita coisa que não bate, que não faz sentido. Se Changmin estivesse realmente contando tudo pra Ali, ela já estaria aqui, com plano ou sem plano, ainda mais se soubesse que eu e estamos… — ele travou. Por mais que fosse auto explicativo o status dele com , não parecia a hora certa de “esfregar na cara de Jaehyun”, como ele havia dito antes com tanto amor. — Enfim, eu já estaria recebendo uma visita dela agora. Isso mexeria com ela, por uma questão de orgulho, e se o que aquele escroto me disse daquela vez é verdade…
— O que ele te disse?
Jungkook hesitou por um momento, olhando para os próprios pés.
— Que Ali me quer de volta.
Falar aquilo em voz alta causou um furacão de sensações, uma mais estranha que a outra.
— Isso é verdade — Jaehyun confirmou. — Foi no que ela estava se agarrando na Califórnia. Conseguir algo pra ter o que te oferecer, pra você perdoá-la.
A risada que saiu de Jungkook foi automática e amarga. Seus lábios se contorceram em uma expressão de… raiva? Ah, aquilo era mesmo raiva. Uma emoção forte e esmagadora, a única que ele estava sendo capaz de sentir diante daquela piada.
Como ela tinha a audácia de querê-lo de volta?
— Honestamente, não dou a mínima para o que ela quer ou pensa. Minha única preocupação é com o quanto ela sabe. E o que ela deve estar esperando.
Jaehyun coçou a testa, ainda em busca de esclarecimento.
— Ainda não entendo como ela não saberia de vocês dois. Se o Changmin sabe.
— Eu também não sei, cara. Essa é a merda: eu não sei! — As botas fizeram barulho quando Jungkook decidiu por ficar de pé, sendo engolido de novo por aquela sensação de impotência. Quer dizer, ele ainda não se sentia impotente porque ainda não sabia com o que estava lidando, mas era questão de tempo. Falar com Jaehyun estava sendo como colocar os pratos na mesa, e colocar os pratos na mesa te dava uma sensação do problema ser físico, tangível, real, podia ser tocado. E se pudesse ser socado, Jungkook também faria o serviço, porque era exatamente o que queria fazer naquele momento: socar alguém. Socar Changmin. Gritar. — Não sei qual é a desse cara, não sei se quero saber, gostaria de ter mais tempo pra pensar nisso, mas tenho que me apressar, porque além de tudo, tá trabalhando com ele.
— Ela o quê?!
— Ele arrumou um trabalho pra ela. Um negócio super importante na Nikon, parece que estão desenvolvendo uma nova câmera ou coisa assim e anda fazendo uns testes. É uma oportunidade gigantesca pra ela, eu só–
Ele fechou os olhos por um segundo e bufou.
— Eu não consegui contar. Não consegui tirar isso dela.
Jaehyun levantou na mesma hora.
— Tá maluco?! Que se dane esse trabalho, precisa saber, Jungkook. Mesmo que seja o sonho dela, não interessa, esse sonho pode virar um pesadelo na mão desse cara, e se Ali estiver envolvida nisso também? Você não pensou nisso?
Jungkook prensou os lábios, arregalando os olhos aos poucos. Não, ele não tinha pensado nisso! Jesus Cristo, que idiota!
Os olhos de Jaehyun reviraram tanto que quase sumiram pra dentro do cérebro.
— A gente precisa contar pra ela.
A gente.
Jungkook não notou de imediato o uso do plural na frase dele, não notou uma certa união na coisa, porque estava ocupado demais com a cabeça explodindo.
— Você não entende.
— Como que eu não entendo? É você que tá escondendo coisas dela, que tá–
— Ela é minha namorada, Jaehyun — Jungkook soltou os braços. — Tem pouco tempo, mas já conheço o bastante pra saber que, por mais que ela seja maravilhosa, o seu histórico de pessoas é uma merda. Ela passou a vida confiando nos outros e sendo enganada, eu só não quero que ela se sinta assim de novo. Não até eu saber se esse cara é realmente nosso maior problema, ou se ele é só uma pedra no sapato.
Jungkook esperou que ele gritasse. Do jeito como a expressão de Jaehyun ficou, como se o maknae tivesse esbarrado na sua costela com uma faca, ele com certeza gritaria. Parecia um pouco com a expressão daquele dia, na casa de Mingyu. Ele gritaria, espernearia, desenharia no vidro das janelas com o sangue de Jungkook. Ouviu tudo que menos queria ouvir, que nunca quis, em todo aquele tempo:
é minha namorada.
E essa frase nem tinha saído dele. Tinha saído da mesma boca que ele tinha socado há dias atrás.
Mas ele também estava vendo aquela mesma coisa que viu na casa de Mingyu, o que terminou de acender a fogueira de sua raiva: Jungkook não correu. Não fugiu das próprias palavras, das próprias alegações, não tentou atirar seus sentimentos pra bem longe da janela. Isso era bem novo pra ele.
Pelo visto, não ter nada a esconder deixava as pessoas mais corajosas.
Embora achasse seu amigo um tremendo filho da puta, Jaehyun assentiu e focou no real problema no centro da sala.
— E o que a gente faz? — perguntou ele, voltando ao plural, ainda mais firme do que antes porque via a mesma coisa que Jungkook: só eles poderiam resolver aquilo. — Sobre a Ali.
Jungkook prensou os lábios, pensativo.
— Temos que falar com ela. Aliás, você tem que falar com ela — disse ele, por fim. Jaehyun arqueou a sobrancelha. — Sei que não se falam desde Los Angeles e ela vai dar desculpas pra te ignorar porque te acha um otário, mas precisamos tentar. Nem que seja pra ela admitir tudo e dizer que chegamos tarde demais.
Jaehyun piscou os olhos.
— Ok, foi mal, você pode repetir? Acho que ouvi você dizendo pra eu falar com ela.
— Eu tô falando sério.
— Jura? E em que cenário isso funciona exatamente? Porque você tá certo, Ali deve estar brincando de tiro ao alvo com a minha foto nesse exato instante, cara, então–
— Jaehyun, se liga. Em que época estamos?
— Outubro? Halloween?
— A Semana de Moda — Jungkook respondeu. Jaehyun franziu a testa, sem entender. — Recebi uns presentes da Calvin Klein, e alguns da Louis Vitton e mais um monte de marcas que falaram da mesma coisa: a Fashion Week de Tóquio. Tenho certeza que a Prada deu um jeitinho de te avisar também.
Jaehyun piscou de novo. Ele com certeza deve ter tropeçado em alguns pacotes novos da Prada que precisaria abrir e fazer postagens no Instagram até o próximo fim de semana antes que Gregory o enchesse de ligações, mas até aquele momento, tinha esquecido o assunto completamente.
Prada. Jaquetas de nylon. Broches transversais. Regatas, peças transparentes, botas de inverno e… um convite. Um comunicado de um grande evento.
— Tá bom. E…? — Ele ergueu uma sobrancelha. — Você acha que ela vai estar lá?
— Acho. Tenho quase certeza.
— E no que você se baseia nisso?
— Porque já passou da hora, Jaehyun. Ali tem que voltar aos holofotes em algum momento. Não é como se ela se interessasse por outra coisa pra ganhar a vida a ponto de ter um plano B.
Jaehyun semicerrou os olhos na direção de Jungkook, querendo soltar uma risada irônica e dizer que ele só podia estar brincando, mas decidiu por falar:
— É um palpite arriscado.
— Mas acredito muito nele.
Essa confiança exalando dele deixou Jaehyun sem outra opção a não ser concordar, mesmo que fizesse isso com o rosto contorcido.
— Beleza, e como você acha que isso vai dar certo? Qualquer coisa que eu falar pra Ali vai ser como uma arma contra mim mesmo, ela não vai cair em papo furado.
— Claro que não vai cair. Mas você vai usar um trunfo — ele apontou para si mesmo. — Eu. Você vai falar de mim.
— O que vou falar de você?
— Qualquer coisa. Fala que sinto falta dela, que não a esqueci ou qualquer baboseira que você já tenha me ouvido repetir há meses atrás. Pode aumentar minhas reações, dizer que eu choro e tô na bad até hoje, não ligo. Se ela achar que estou esperando, talvez pense que não precisa armar um circo pra me conseguir de volta. Ou talvez faça o que sempre fez: fugir — ele deu de ombros, aceitando aquele fato como nunca antes. — Vai tratar meu excesso de disponibilidade com indiferença, me colocar de molho porque tem certeza que pode me ter a hora que quiser. Parece complexo, mas percebi que é assim que ela age.
Jungkook achou que, se algum dia chegasse ao ponto de admitir aquela verdade em voz alta, sentiria um pico de tristeza enorme, ou frustração, ou lacrimejar e ficar dizendo “por que? Por que?”, mas foi o contrário. Novamente: ele estava tirando os sentimentos para fora e tornando-os palpáveis, mais reais e bem menos monstruosos do que quando os estava sentindo. As verdades sobre Ali se pareciam cada vez mais um problema dela e não dele. Na sua cabeça, ele ainda a imaginava usando o corpo quente para fazê-lo se esquecer dos problemas, e que essa tática costumava ser infalível, mas depois tudo ficava mais escuro e feio do que estava antes, os problemas apenas adiados e não resolvidos. O fato de ela ter esperanças em pegá-lo desse jeito outra vez, mesmo depois de meses separados e nenhuma atitude da parte dela de explicar alguma coisa, só deixava tudo mais injusto. Era injusto que ela pensasse que as coisas com ele seriam tão instantâneas assim, mesmo se ele nunca tivesse dormido com .
Mas com Ali não existia o equilíbrio. Negar alguma coisa espontaneamente para aquela mulher parecia impossível. No entanto, hoje, Jungkook tinha certeza que não era. E pretendia dizer isso na primeira oportunidade.
Mesmo Jaehyun sabendo de tudo isso apenas olhando para o maknae, ele ainda balançou a cabeça em dúvida.
— Não sei, não. Ela parecia muito decidida a te conseguir de volta. Muito mesmo — ele suspirou, e olhou para as cervejas depositadas no tampo da mesa, tendo o ímpeto de coragem de perguntar algo que precisava ser perguntado. — Já pensou no que faria se ela voltasse?
— Não — Jungkook respondeu imediatamente, porque era a mais pura verdade. — Mas não ligo pra isso, cara. Antes esse tipo de coisa não saía da minha cabeça. Eu esperaria por ela na minha janela, receberia ela de braços abertos, faria uma festa. Se eu não tivesse passado por tudo que passei e decidido parar e entender as coisas, talvez estaria assim até hoje. Mas eu mudei. Eu soltei. Eu voltei a enxergar o mundo, voltei a me enxergar. Não importa mais o que ela faça, Ali nunca vai me ter de volta. Não sou mais o cara que ela conheceu. Mas estou certo de que ela é a mesma mulher, por isso esse plano pode dar em alguma coisa.
Jaehyun assentiu, e sufocou a areia de desgosto querendo tomar conta de toda a sua boca. Odiaria menos aquela versão sensata e madura de Jeon Jungkook se isso não tivesse acontecido às custas de , mas por um lado… era realmente bom olhar pra ele e ver um rosto normal, e não aquela face pálida que transparecia ódio e desesperança, com buracos escuros no lugar dos olhos, esperando alguém que não ia voltar.
— Isso não é só adiar o inevitável? — Jaehyun perguntou, estreitando os olhos. Jungkook deu de ombros.
— Isso é tentar acabar com o inevitável. Mesmo se ela aparecer aqui, vou falar a verdade, ela vai ver a verdade e vai se mandar. Não precisa aparecer na frente de , não precisa saber de nada além da minha decisão de não voltar. Com ela longe daqui de novo, acabou. Ali só tá fazendo isso pra curar o ego ferido, pra aplacar a própria culpa. Quando não ter o palco que quer, vai desistir. Ela não é a pessoa mais persistente do mundo.
Jungkook riu com escárnio, porque depois de tudo, tinha ainda mais certeza daquilo: ele e Ali só ficaram de pé porque ele sustentava tudo. Fazia tudo, abraçava tudo. Ela não fazia ideia de como manter as coisas na linha, esmagava qualquer indício de avanço de Jungkook na relação, morria de medo de se entregar demais e sempre o orientava a fazer o mesmo.
Jaehyun mordeu o lábio, vendo que aquela era a hora perfeita para se abrir sobre coisas que Jungkook provavelmente não precisava saber.
— Aquela história do barco… — ele começou antes que desistisse. Jungkook olhou pra ele. — Não sei se você quer saber disso, mas… foram as drogas. Ela voltou com elas, teve uma recaída. Não se lembrava de nada. Não foi consciente.
Jungkook ficou imóvel. Não tinha sentimento nenhum em seu rosto; nem surpresa, choque, raiva, ou mísero brilho de curiosidade. Não tinha nada. Parecia quase desumano.
— Acho que devo ter considerado essa possibilidade umas duas ou três vezes na época — ele finalmente disse, com a voz pacata e indiferente. — Esperei ainda mais que ela ligasse pra mim, porque a gente tinha prometido, sabe? Ela disse que se caísse de novo, me ligaria, mas– talvez isso doeu mais do que aquelas fotos. Não a traição do beijo, mas a traição da confiança. Do elo e das promessas que tinha feito comigo. É o tipo de coisa que quando quebra, não dá pra colar de novo.
— Então você tem certeza? De que se Ali voltasse, você não sentiria nada?
— É claro que eu sentiria, Jaehyun — ele bufou, estreitando os olhos, e Jaehyun arqueou as sobrancelhas. — Tenho certeza disso. Mas acho que sentiria tudo que nunca senti por ela. Tudo que sufoquei por um tempão, tudo que eu achava errado sentir, como reconhecer que ela não é quem eu pensava — um resmungo partiu de Jungkook, e aquele cubículo parecia ter ficado mais quente. Se parasse para pensar em Ali agora, sentiria toda a raiva que nunca sentiu por ela acumuladas, a maior parte motivada por aquela frase de merda “Ali te quer de volta” — Olha, entendo você desconfiar, mas eu amo a . Nunca amei ninguém assim, nunca me apaixonei assim. Ela é a melhor coisa que aconteceu comigo nos últimos anos, e entendo se você não quiser acreditar em mim, se quiser ficar preso naquele nosso início de merda, mas preciso que você acredite que eu vou cuidar dela. Que não vou deixar nada acontecer com ela, e muito menos magoá-la por causa de Ali ou qualquer outra pessoa. Eu não faria isso, Jaehyun.
De novo: aquela sinceridade esmagadora quase acabava com ele. Jaehyun passou uma língua no lábio, sentindo a pontada fria que aquela declaração dava em suas costelas.
— Ainda é uma merda escutar isso — grunhiu ele, engolindo em seco. — Sabe que eu ainda gosto dela, não sabe?
Jungkook jogou os braços para o lado do corpo, bufando fraco.
— Sei.
— Sabe que também fui pra cama com ela, não sabe?
Agora o maknae trincou os dentes com mais força, mas não desviou o olhar.
— Sei.
— E que eu odeio que ela seja sua namorada.
— Sei, sei. O que você–
— E você sabe — Jaehyun se aproximou a muitos passos de JK, mas sem intenção de fechar o punho no seu rosto mais uma vez. — que também não vou deixar nada acontecer com ela. Não sabe?
Jungkook não teve como responder. Viu os olhos de Jaehyun brilhando em honestidade e determinação e soube de uma coisa muito simples: eles estavam unidos. Talvez não pelos motivos que ele imaginou que voltariam a ficar, talvez não para sempre, mas ele estava disposto a não pular a primeira janela para ficar longe de Jungkook apenas porque ele respirava. Ainda podia existir raiva ali, mas ela tinha sido aplacada completamente pela situação emergente de . Uma pessoa que era importante para ambos, uma pessoa que precisava de ajuda, mesmo se não soubesse. Uma ajuda que eles poderiam conceder.
É o Jaehyun, afinal. Sempre ajudando os fracos e oprimidos. Jungkook riu quando se lembrou dessa frase, antes de descobrir que não tinha nada de fraca.
— É muito bom saber disso — Jungkook sorriu e estendeu a mão direita para o meio deles. — Posso contar com você?
Jaehyun olhou para a palma com repreensão.
— Eu ainda não te perdoei.
Jungkook riu.
— Eu sei. Mas isso não é sobre nós — ele deu de ombros, e aumentou um pouco o sorriso, tornando-o mais simpático. — E você disse ainda.
Jaehyun revirou os olhos e cedeu ao aperto de mão, pensando exclusivamente em , refazendo a rota de sua cabeça: primeiro, eles precisavam se livrar de Ali e Changmin. Depois ele poderia voltar a torcer para que aqueles dois dessem muito errado.
— Espero que você esteja certo sobre os seus sentimentos. Porque se você se contradizer só um pouquinho, se desviar um centímetro que seja… vou estar lá pra ela num piscar de olhos. E vou fazer de tudo pra ela voltar a me amar.
Jungkook o olhou como olhou para Candice naquele aeroporto: grato. Sorridente. Considerando ameaças como provas máximas de votos de confiança.
— Se isso chegar a acontecer, você é o único pra quem eu pediria isso.
E o selamento daquele pacto estranho chegou ao fim com o trinco da porta soando alto, e Eunwoo, Mingyu e Yugyeom colocando as cabeças para dentro da sala, uma de cada vez, vasculhando o lugar devagar em busca de corpos ou sangue.
Quando avistaram os dois parados lado a lado, nenhum deles teve coragem de falar alguma coisa. Jungkook segurou o riso enquanto Jaehyun revirou os olhos. Por fim, JK suspirou e apontou para a tela apagada do televisor e disse diretamente para Eunwoo:
— Primeiro de tudo: vou fazer questão de pichar o seu carro com tinta de graxa. E segundo — ele pegou o microfone enrolado nos fios. — Agora eu vou ser o G-Dragon. Você vai se virar como T.O.P.
Os três pares de olhos piscaram lentamente, apreensivos, até Eunwoo levantar os dois braços e gritar com um sorriso:
— Fechado!
Em um segundo, Jungkook e Jaehyun estavam tendo os ombros sacolejados em um abraço desengonçado de Eunwoo.
— Eu sou o Taeyang e não quero reclamações sobre isso — Jaehyun puxou o outro microfone, e fuzilou Jungkook com o olhar quando ele protestou.
— Eu sou o Daesung! — Mingyu correu disparado para a mesa e tomou um microfone. Yugyeom ainda estava parado na porta e soltou um palavrão entre os dentes.
— Droga, sou o Seungri de novo — ele deu um muxoxo e os outros fizeram uma careta. Ninguém queria ser o Seungri. — Mas eu vou ser o Taeyang em Bad Boy.
Quando estavam posicionados na frente da tela projetada na parede, Eunwoo finalmente se abaixou e ligou o aparelho. A tela começou a se acender e os comandos para a escolha da música ficaram pendendo para lá e para cá até Haru Haru ser selecionada.
— Ah, antes que eu me esqueça — Jaehyun se virou para os amigos segundos antes da primeira batida começar. — Jungkook tá namorando.
돌아보지 말고 떠나가라, 또 나를 찾지말고 살아가라…

P.S.[1]: caso te interesse em visualizar melhor esse icônico momento dos amigos, deem uma olhada em Haru Haru e na minha favorita Bad Boy desse monumental grupo que fez história no k-pop e que com certeza foi inspirador não só para os nossos 97liners, como pra muitos idols da nossa geração. Imaginar eles atuando exatamente como no MV vai ser uma experiência muito diveritda.

P.S.[2]: e como punição, é claro que o Jungkook foi o Seungri em Bad Boy.


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Já eram quase 4 da manhã quando Jungkook finalmente digitou a senha da porta da frente e foi abraçado pelo aconchego de sua casa.
Estava tão tarde que nem mesmo Bam foi recebê-lo, como sempre fazia. O cachorro, que ficava maior a cada dia que passava, estava deitado em cima das próprias pernas no sofá, e se conteve em apenas levantar as orelhas e a cabeça quando a luz se acendeu, olhou quem chegou e logo em seguida voltou para a posição inicial, caindo no sono de novo.
Jungkook estava louco para fazer a mesma coisa que ele, então apenas largou as botas na entrada, fez um carinho no seu colega de quarto e jogou a jaqueta na poltrona, arrastando os pés para as escadas e o andar de cima, aproveitando para digitar um “cheguei” para , que já devia estar dormindo há muito. Ele não esperou uma resposta e só voltou a guardá-lo, pensando de repente se a contaria sobre aquela noite, se diria que agora ele e Jaehyun poderiam se considerar minimamente civilizados e que poderiam até voltar a fazer parte do mesmo grupo.
E ah, deveria contar também que agora todos desse grupo sabiam sobre eles? Graças a fofoca de última hora de Jaehyun? Por causa disso, todos eles se embananaram no início da música e, de repente, fazer um cover perfeito de BigBang tinha caído pra segundo plano. Pelos próximos 20 minutos, o assunto da vez foi: quem é a nova namorada de Jeon Jungkook? Não havia nada que ele pudesse fazer a não ser falar.
Completamente esgotado e com a energia drenada pelo repertório de 15 músicas e mais 8 cervejas, ele já estava arrancando a camiseta antes mesmo de abrir a porta do quarto, planejando só jogar uma água no corpo ou ir direto para a cama de uma vez. Era uma ideia perfeita e tentadora. O plano era dormir sem pensar em que horas teria que estar de pé no dia seguinte, ainda que fossem cedo demais para o seu gosto.
Jungkook estava tão cansado que demorou pra perceber. Demorou tempo demais, até. Ele abriu a porta e andou cinco passos até notar a luz. Um feixe violeta, e depois outro verde, azul, laranja, todos passeando pela sua pele, seus pés, seu abdômen, tomando as paredes e o teto do jeito que ele bem conhecia.
Ele levou um susto tremendo, sentindo um pequeno pânico imediato porque tinha certeza absoluta de não ter deixado nada daquilo ligado. Deveria checar se as portas de vidro estavam trancadas também? E Bam, não surtou com algum desconhecido na casa? E o seu cofre, as suas roupas, o seu estúdio, e tudo…
Daí ele olhou para a cama no centro do quarto. Mesmo com a galáxia disparando em formas nas paredes, a escuridão ainda era predominante, mas ela não o impediu de reconhecer a silhueta deitada no colchão, respirando suavemente em um sono profundo, embrenhada nos cobertores e em seus milhões de travesseiros.
Jungkook paralisou por um momento, largando a camiseta no chão, sendo invadido por um tipo de felicidade violenta que poderia facilmente mandá-lo dessa pra melhor.
era um emaranhado de cabelos respingando no seu lençol, desenhando círculos e espirais por todo canto, enquanto suas pernas estavam na mesma posição de sempre: uma para dentro do cobertor e a outra para fora, exibindo a calcinha cinza por debaixo de uma camiseta qualquer dele, e o jeito como ela respirava… Jungkook não compreendeu o que sentiu. Não sabia que palavra usar. Talvez ela nem existisse no dicionário.
Mas soube de uma coisa: sentia que estava em casa. Definitivamente, em casa.
Ele ficou parado por alguns instantes no escuro, tentando dispersar um nó esquisito que atarraxou na garganta, com medo de estar bêbado demais. Deu um passo à frente e quis muito tocar nela, mas voltou a guardar a mão imediatamente. Tinha que tomar um banho, tinha que agir normalmente, mesmo que ela não estivesse olhando.
Nem 5 minutos se passaram e ele já estava achando aquele banho um desperdício de tempo. Maldito desperdício de água, de shampoo, de sabonete, de qualquer coisa que ele precisava fazer pra manter a boa aparência por causa do trabalho em vez de esquecer de tudo isso e ir abraçá-la.
Ele tratou de se secar e se vestir mais rápido do que normalmente faria e, quando voltou ao quarto e a viu parada no mesmo lugar, perdida no vale dos sonhos pesados, ele mordeu o lábio e sentiu o coração palpitando de novo. E de novo, e de novo, e de novo até balançar a cabeça e sentir o sono se enredando sobre ele novamente. Jungkook arrastou os pés para o outro lado da cama, entrou embaixo do edredom com muito cuidado para não acordá-la, se aproximou dela pelas costas e estendeu o braço para abraçá-la de conchinha, fungando o cheiro de seu pescoço e seu cabelo.
murmurou um “hmmm” e se mexeu um pouco. Depois de 1 minuto, se mexeu de novo até virar o corpo para o lado dele, sem abrir os olhos, e depositou a cabeça no seu peito, como fazia sempre, no automático.
É, o dicionário atual não apontava nenhuma palavra pra definir aquilo. O sorriso dele estava brilhando no escuro, e o seu cérebro estava igualzinho aquela Via Láctea no teto.
— Torci mesmo pra você mudar de ideia — ele sussurrou quase sem voz, dedilhando suas costas e seu cabelo. — Obrigado.
Jungkook estalou um beijo leve na sua testa e, antes de ser varrido pelo sono, sibilou perto de seu ouvido:
— Não vou deixar nada de ruim acontecer com você. Eu prometo.
E, naquele momento, ele também prometeu nunca descumprir a promessa.

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Em um belo dia nublado no meio daquele outono, Changmin estava passando pelas portas duplas da Hybe para fazer uma visita.
Normalmente, ele decidia racionalmente não pisar muito naquele prédio, que chamava às vezes de território inimigo, mesmo que Jeon Jungkook já tivesse finalizado todos os seus trabalhos pesados para se tornar o mais novo cantor solo de sucesso da Coreia do Sul e do mundo. Não, não era apenas pelo maknae infeliz. Era por ele mesmo. Era por mais uma socialização cansativa, onde ele seria obrigado, pela manutenção de sua personalidade sempre altiva e simpática, a sorrir e conversar com todas as pessoas que o conheciam quando queria fazer isso apenas com uma pessoa. A garota que agora não saía de seu pensamento, tomando espaços obsessivos e vertiginosos, engolindo seu juízo, fazendo-o ficar acordado à noite com a triste constatação de que estava perdendo. Merda, ele estava perdendo!
Havia tanta em seu cérebro, tantas coisas que queria dizer a ela, tantos choques de realidade, que se empilhavam e empilhavam em cenários imaginários que, no fim, nenhuma dessas palavras podia ser lida, de tão emboladas e histéricas. Ele tinha mudado de ideia duas ou três vezes sobre aquele plano-barra-pedido de Ali, pensou em contá-la sobre tudo de uma vez, deixar que ela viesse e armasse o pandemônio que quisesse, ver sofrer porque só assim ela entenderia. Só assim entenderia o que ele quis dizer, veria a verdade sob seus olhos. Eu te disse, não disse? Te falei que isso não ia dar certo, te falei que ele não era pra você.
Aquele era o único cenário que o acalmava, que o fazia pensar que ainda havia esperança. Mas, ainda assim, não discava o número de Ali. Não entregava o jogo de uma vez. Porque ela era instável demais para o seu gosto, e ele tinha alguma cautela. Podia tentar uma coisa, talvez. Algo que faria chorar, mas as lágrimas dela não eram um problema. Seria sempre um convite para que ele as secasse.
Naquela tarde, ele vestiu o sorriso no rosto, ajeitou os fios já bem alinhados na janela de um carro vazio qualquer no estacionamento e entrou no edifício, fazendo seus cumprimentos básicos e gentis até dizer para uma recepcionista qualquer que estava indo ver Kang Sooyoung. A mulher o deu passe livre imediatamente, alegando que a diretora adoraria revê-lo depois da reunião que estava tendo com a equipe de criação.
Ah, sim. Sooyoung devia estar louca pra vê-lo.
Ele sorriu mais um pouco e seguiu para o elevador com a expectativa já característica quando pensava nela. era da equipe de criação. Ele já começava a imaginar como ela estaria vestida, como estaria seu cabelo, como estariam suas fotos novas, quais os assuntos tão profissionais que insistiria em conversar…
Ah, às vezes ele sentia muito por não poder estender os dedos e tocar sua boca. Não poder tocar naquelas pernas, não poder sentir seu quadril, qualquer merda dessas que configurava um desejo desmedido por alguém.
Ele saltou no corredor do 5º andar, onde ficavam os inúmeros gabinetes de auditórios para reuniões, e não para dois andares acima, onde ficava a sala de Sooyoung, como foi orientado. Ele caminhou por toda aquela extensão de salas de vidro até chegar na última, vedada o suficiente para que apenas um som seco passasse para fora, e não demorou para ser avistado pela diretora, que estava, literalmente, apertando o botão do projetor que mostrava um “Obrigada” de fim de apresentação.
Ela sorriu e acenou lá de dentro. De costas, virou a cabeça para trás em um impulso, e por um momento, ela também sorriu, um sorriso como o dele, um sorriso de satisfação em vê-lo.
Isso, gata. Pode ficar feliz o quanto quiser. Fique ainda mais feliz, me deixa entrar ainda mais.
logo voltou a atenção para o bloquinho nas mãos e Changmin tomou a liberdade de dar um passo à frente e entrar, tendo a certeza que a reunião havia acabado.
— Querido! Você por aqui — Sooyoung sempre ficava feliz demais ao vê-lo. Talvez fosse pelo fato de que seu desejo mesmo era sair com ele daquele edifício no último horário e jogá-lo por cima do capô de seu carro em uma cena brutalmente erótica, onde ele arrancaria suas roupas com violência e pressionaria seus peitos no para-brisa, e por isso ele a tratava tão bem. Bem daquele jeito sedutor, ilusório, plantando a esperança de algo que jamais se realizaria, mas que a manteria com aquele sorriso e aquela devoção para cima dele, manteria a chama acesa para quando ele precisasse realmente dela. Sooyoung parecia ser uma mulher extremamente forte e potente por fora, mas ninguém era tão observador quanto Changmin. Aquela mulher era carente e manipulável por dentro, e nem estava tentando manter as portas fechadas para ele.
Ele sentiu isso no arrepio da pele dela quando a abraçou, sem se preocupar com formalidades, chamando a atenção de alguns olhares aleatórios da sala, pouco se lixando se iriam escrever uma fofoca completa sobre isso nos grupos da empresa.
— É o seu dia de comer cordeiro. Acha que esqueci? — disse ele, solícito. A mulher corou absurdamente.
— Meu Deus. Você ainda lembra disso? — ela riu pelo nariz. Do outro lado da sala, Yoona cutucou as costelas de rapidamente, mandando-a prestar atenção em uma cena que já viu algumas vezes, mas que ainda continha o mesmo choque inicial: Kang Sooyoung rindo. De verdade. Nada maquiavélico ou forçado.
estalou a língua para a amiga enquanto terminava de juntar suas coisas, pegando blocos, post-its, agendas e juntando-os na bolsa preta crossbody de sempre. Changmin reparou, pelo canto do olho, que ela estava usando jeans wide lag e um suéter branco, deixando o colo abaixo do pescoço exposto e o cabelo caindo até muito perto do quadril, cheio e presente como sempre, mas… tão linda, porra. Andava exalando um tipo diferente de beleza ultimamente, e toda vez que via isso, a voz dela daquele dia falava em sua cabeça: sim, ele me conseguiu de volta.
Ele precisou recuperar o sorriso depois de um milésimo de segundo de hesitação, balançando a cabeça enquanto via Sooyoung listar os motivos do porquê não conseguiria almoçar com ele naquele dia, mesmo que ele não tenha feito nenhum convite e muito menos ouviu uma palavra do que ela disse.
— Ah, não se preocupe, temos todo o tempo do mundo. O que vocês estavam aprontando aqui? — ele finalmente se virou para , que estava quase na porta, passando bem ao lado dele.
riu e revirou os olhos.
— Sigiloso, senhor Ji. Coisas que nem você poderia ouvir.
— Ah, mas eu sou ótimo em guardar segredo — ele lhe deu uma piscadinha, e Sooyoung riu, um pouco abobada. Era claramente ridícula a forma como ele a afetava.
— A curiosidade matou o gato, então… — deu de ombros, fazendo Changmin rir, e fazendo-a rir do mesmo jeito, e de repente aquilo ali se parecia com uma bolha fechada, que deixou Sooyoung um pouco desconcertada e Yoona olhou para o relógio no celular.
— Bom, eu vou indo nessa, preciso me reunir com os outros roteiristas e tentar colocar essas anotações em prática. Você pode me emprestar a Wonnie, por favorzinho? — ela lançou um olhar pidão e um biquinho para , que estreitou os olhos.
— Tá bom, vá. Mas só porque não vou mesmo precisar dela hoje.
— Você é uma deusa, — Yoona apertou os ombros de em um abraço desajeitado e, sem mais nenhum comentário, fez uma breve reverência para Sooyoung e Changmin e deixou a sala.
— Eu vou precisar imitar ela. Tenho umas fotos pra fazer hoje — estava começando a se retirar como Yoona, mas Changmin falou na frente:
— Posso ir com você? — perguntou ele. olhou para Sooyoung na mesma hora. Ele se virou para a mulher. — Ah, Soo, você sabe que tô andando meio entediado esses dias, não é? Quis tirar um tempinho sabático em casa, mas não tá sendo o que eu esperava. Acho que perdi a inspiração e tô tentando recuperar ela de volta. Olhando outras pessoas, talvez. Queria ficar olhando pra você, mas você está muito ocupada.
Sooyoung corou ardentemente de novo. arqueou as sobrancelhas explicitamente, um pouco chocada pela primeira vez com alguma atitude humana da diretora. Caramba, Changmin sabia mesmo o que estava fazendo. Ele achava uma brecha e se embrenhava com sucesso no coração até daquelas que todo mundo pensava que não tinham.
Ela sufocou um riso, e Sooyoung puxou todo o controle que tinha para agir com normalidade.
— Ah, eu entendo como é isso, e sinto muito, querido, por não te dar muita atenção hoje. Estamos preparando um lançamento, você sabe como é essa loucura — ela balançou a cabeça, e olhou para rapidamente até sorrir de novo. — , ele pode ir com você, se não for te atrapalhar, é claro. Acho que Changmin tem muitas coisas a ensinar também, talvez ele dê dicas muito úteis sobre o novo conceito.
Por um momento, um instante mais rápido que um piscar de olhos, pensou em negar. Não soube do motivo, nunca, jamais, pensou que seria ruim ter Changmin e sua experiência profissional presentes com ela em qualquer canto, nunca pensou que negaria extrair grande parte de seu conhecimento, mas naquela janelinha de momento, uma voz fantasma sibilou no seu ouvido aquela palavra, fria e urgente: Não.
Mas aquela brisa de dúvida sem sentido algum desapareceu rápido no ar e ela suspirou quando assentiu.
— É claro. Vamos te entreter um pouquinho — ela riu, ainda que tenha saído um pouco engasgada. Changmin e Sooyoung sorriam do mesmo jeito e logo a diretora estava se despedindo porque tinha uma outra reunião urgente com a equipe de figurinistas que, novamente, não conseguia chegar em um acordo, principalmente sobre o peso ideal que aparentemente Soobin não estava mais apresentando.
Depois que ela saiu, cruzou os braços na frente de Changmin, estreitando os olhos.
— Tá legal, o que foi aquilo?
Ele piscou os olhos, confuso.
— Aquilo o quê?
— O seu flerte com a Sooyoung. Acha que estavam sozinhos? — arqueou as sobrancelhas, segurando a risada que não conseguiu dar antes. Changmin revirou os olhos e riu com menos empenho.
— É o meu jeito de falar com mulheres mais velhas. Faz elas te respeitarem mais, sabia?
— Aham. É tudo por respeito — riu mais um pouco e começou a sair da sala. Changmin logo a seguiu.
— Ei, você precisa compreender o que eu tô tentando dizer. Adoro as quarentonas. Mulheres mais velhas adoram quando são paqueradas por caras mais novos, faz elas se sentirem mais jovens, mais confiantes, com boa auto estima, e consequentemente, mais aptas para serem agradáveis. É uma conta muito simples.
— Acho que você vai ter que repetir essa conta, porque só ouvi: adoro as quarentonas, adoro as quarentonas. Se você se casar com ela, pode convencê-la a melhorar o café em cápsulas da cozinha? Ou nos dar mais dias de folga?
riu um pouco mais alto e Changmin revirou os olhos, segurando a língua na própria boca antes que dissesse que ela não fazia ideia do que ele adorava mesmo. Do que estava adorando ultimamente.
— Tudo bem, , pode parar de me zoar e me dizer pra onde estamos indo?
— Para o estúdio de dança — parou na frente do elevador e apertou o botão para os andares mais acima. — Vou começar a registrar os bastidores da coreografia principal dos meninos. Uma delas é surpresa, então só vai ser lançada bem depois. Eles não veem a hora.
Ela sorriu com apreço, começando a mexer na bolsa para verificar a câmera e tudo que precisava, e naqueles breves minutos em que o elevador não chegava e tinha a cabeça abaixada para a bolsa, Changmin sentiu uma vontade surreal de pegar na sua mão e dizer que ela não precisava daquilo. Não precisava de nada daquilo, porra! Não precisava daquela baboseira sem fim de ficar perdendo tempo com idols, com gente tão fútil reciclando outros conceitos fúteis, pelo amor de Deus. tinha sido feita para mais, para muito mais, tinha sido feita para o mundo inteiro. Vê-la ali era um desperdício tão grande que o dava raiva, sempre dava raiva.
Quando ela o olhou de novo, ele tentou sorrir como antes, o que não adiantou muito, mas ela não percebeu. O sino do elevador apitou e as portas se abriram, e ele entrou atrás dela.
— Para o estúdio de dança, então — ele soube performar uma animação na voz e recostou o quadril no espelho em suas costas, agarrando as barras de metal com as duas mãos. apoiou uma mão também e ele aproximou seus dedos do dela. Era um impulso, um teste para ver alguma reação. Os braços de estavam ao lado dos seus, suas mãos na mesma posição que a dele, era só chegar mais perto, só escorregar mais um pouco…
Mas afastou a mão no último minuto, afundando-a dentro da bolsa em resposta a um toque baixinho e insistente no celular. E o jeito como sorriu abobada para a tela já dava pra saber quem era. Era lógico quem era.
E toda aquela onda de ódio estava novamente ali, ardendo como as chamas insistentes de um incêndio nunca apagado.
Antes de contorcer o rosto por completo, as portas se abriram, e levou um pequeno susto, distraindo-se.
— Ah, meu Deus, foi muito rápido dessa vez. Geralmente esse elevador é pior do que aquele do prédio da Esquire — ela imediatamente saiu, guardando o celular de volta na bolsa e puxando o crachá enrolado do bolso de trás. — Você não vem?
Changmin umedeceu os lábios e sorriu enviesado.
— Atrás de você, gata.
Ele esperou em vão por mais alguns segundos e depois soltou os dedos já brancos de tanto apertar a barra de metal, ainda sentindo uma raiva pulsante que incendiaria todo aquele prédio.


To be continued...

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