30. Cause baby you look happier, you do
Duas últimas semanas de férias
Eu estava ignorando Harry há mais de 10 dias agora.
Há dois tipos de mensagens ignoradas: aquelas que não lemos e aquelas que sim, mas decidimos não responder. Eu nunca tinha pensado nisso antes, mas sempre achei que o último tipo fosse pior; para que se dar ao trabalho de ler e não responder?
Eu abri todas as mensagens, o que teoricamente deixara Harry imaginando que eu li tudo o que ele havia escrito.
Talvez fosse melhor assim. Só abrir e fechar sem ler. Eu não sei se conseguiria continuar o ignorando se eu tivesse que ver todas as mensagens ao mesmo tempo, ali, compiladas, datadas e sem resposta. Súplicas, pedidos desesperados para que eu atendesse suas ligações, que eu aceitasse seus pedidos de desculpa... eram demais para mim.
Eu refletia tudo isso sentada num sofá velho e desbotado que ficava na varanda da casa dos meus avós. Com o celular na mão, encarando (e, ironicamente) lendo a última mensagem que Harry havia me enviado, horas atrás.
A varanda era estreita o bastante para que eu pudesse alcançar os balaústres e eu tinha os pés apoiados nos vãos entre um e outro. O sol estava alto no céu e me banhava do joelho para baixo. Dali, eu encarava a caminhonete do meu pai, estacionada de qualquer maneira em cima da grama. Minha moto presa na carroceria.
Em volta, campos verdejantes, o galinheiro, estábulo, chiqueiro. Um gato que vez ou outra passava por baixo das minhas pernas, procurando onde se esfregar. Tudo muito simples.
- Ô, minha fia! - Minha avó tocou no meu ombro e eu tirei um dos fones para pausar a música.
Ironicamente, ou nem tanto assim, Harry tocava nos meus fones. Meet Me In The Hallway. Porque eu gostava de sofrer, é claro. Ou talvez essa era uma forma de sofrer menos. Eu jamais conseguiria ignorar a existência de Harry ou o banir completamente da minha vida. Não responder suas mensagens já era o bastante. Sempre que ele viajava, eu escutava suas músicas mais frequentemente do que o normal. E agora era como se eu quisesse compensar o fato de que não estávamos nos falando. Como se, através de sua música, eu pudesse nutrir o buraco causado pela sua falta. E também porque eu tinha medo de me esquecer do timbre da sua voz, o que era completamente ilógico e estúpido. Eu poderia ouvi-lo falar incansavelmente sempre que eu quisesse, bastava abrir o youtube.
- Oi, vó. - Olhei para cima, encontrando seu rosto enrugado, mas o qual carregava os olhos mais gentis.
- Por que cê tá sentada sozinha aqui fora?
Não tinha muito o que se fazer ali agora que eu não era mais uma criança. A cidade era numa dessas regiões bem afastadas que sequer pegava sinal de rede, e a casa tinha um Wi-Fi que mal funcionava.
- Ah, vó, eu tô só descansando as pernas, sabe? Aqui fora tá bom.
Eu respirei fundo, de alguma forma sentindo diferença no ar ali do interior.
- O almoço tá quase pronto. Tamo só esperando seu tio com seus primos.
- Uhum. Não tem problema, vó. Eu nem tô com fome, não. - Eu balancei a cabeça e ela concordou com a dela.
- Cê num quer ir dar uma voltinha de cavalo? Eu peço seu vô pra arrear um pra tu.
Eu abri a boca, pronta para negar. Como eu poderia fazer isso? Como eu poderia sair para cavalgar na casa dos meus avós sem André?
- Você deu uma volta ou só ligou o carro?
- Sim, , eu fui dar uma volta. Eu levei o carro para a minha casa e fui para o trabalho nele.
- Você fez o quê? - Eu perguntei incrédula.
- O carro sentiu falta de ir trabalhar. - Henry justificou jocoso.
- Você supostamente deveria cuidar do Benzinho, sabe? Se certificar que a bateria não descarregaria.
- Benzino? - Repetiu com sotaque.
- Você personificou o carro primeiro!
- Não sou eu quem está apelidando o carro.
- Tanto faz. - Olhei bem em direção a câmera e então, revirei os olhos. - Você foi mesmo nele para o serviço?
- Claro que não! Por que eu acabaria com a minha reputação assim?
Bem, ele tinha um ponto.
- Eu esqueci que a gente já fodeu e que existe uma regra contra isso. - Respondi indiferente.
- Você realmente está dizendo que esqueceu o melhor sexo de toda a sua vida? - Eu ri tão alto que minha mãe foi até meu quarto para ver o que estava acontecendo.
- Você não pode dizer essas coisas quando você está no alto-falante. - Eu o repreendi.
- Eu não sabia disso, sua Felina louca!
- Ah, para com isso! Por que você está me chamando assim de novo? Achei que tinha conseguido te fazer parar.
- Não. Eu não parei. - Henry arqueou a sobrancelha. - Olha, eu levei Maddie e Tyler para dar uma volta no seu carro, okay? Nós fomos comer panquecas naquela cafeteria que você gosta naquele lugar que dá para ver o letreiro de longe, como é o nome da rua? Beachwood Drive.
- O Beachwood Cafe? - Quis confirmar, mesmo que fosse óbvio.
- Esse é o nome do lugar? Uau, quão criativo. - Seus olhos se moveram lentamente.
- Rude. - Entortei os lábios. - Mas EU deixo você levar o carro para casa. Assim você não precisa dirigir de Santa Mônica até minha casa toda vez pra isso.
- E as plantas?! Eu preciso molhar as plantas!
- Porra! Esqueci das plantas. - Minha resposta fez com que ele soltasse uma gargalhada gostosa.
- Isso é bom. Digo, molhar as plantas. É uma oportunidade para eu aprender a cuidar delas.
- Para que você quer aprender a cuidar de plantas? - Questionei num impulso. - Não é como se você tivesse muitas delas em casa. Não reais, pelo menos.
- Bem, Kate tem algumas.
- O que ela ter... - Parei a frase no meio. - O QUÊ? - Berrei esganiçada. - Você está dizendo o que eu estou pensando?
- Tã-dã! - Falou sem graça. - Bem pode ser que eu esteja me mudando com eles novamente.
Como ele me soltava uma bomba dessas como se não fosse nada? Homens, sinceramente!
- Porra, Campbell! Eu não acredito! Isso é incrível! Meu Deus! Estou tão feliz por você! - Henry deu uma risadinha da minha empolgação. - Como você tá se sentindo? E o que Maddie e Tyler disseram sobre isso?
- Eu achava que Tyler havia ficado feliz, mas você o superou. - Riu de novo. - Madison tem aquele jeito que você já sabe, gosta de agir como se ela não ligasse para nada.
- E você? E você? - Repeti como uma maritaca, incapaz de conter minha empolgação.
- Eu? Ah, eu ‘tô muito feliz. - Coçou a lateral da cabeça. - Preciso te agradecer por me dar o pontapé inicial. Eu jamais pensei que isso seria possível.
- Eu posso ver isso estampado na sua cara! Sério! Essa é a melhor notícia da semana! Você não merece nada menos do que ser feliz e se era isso o que você queria, eu fico muito satisfeita de ter ajudado. - Henry balançou a cabeça em silêncio. Ele tinha um sorriso de lábios fechados.
Eu nunca pensei que Henry e eu pudéssemos ser esse tipo de amigos. Eu já tinha ficado com amigos antes e preservado a amizade, o Felipe era prova disso, mas nunca tinha me acontecido de me envolver com alguém primeiro e depois me tornar somente amiga assim. Era legal saber que isso era possível; pessoas que queriam se manter na minha vida mesmo que não tocassem a minha pele.
- E você? Como está indo? - O tom da conversa mudou completamente.
- Você sabe. - Dobrei o pescoço para um dos lados, foi o mais próximo que eu consegui de demonstrar indiferença.
- Ele disse mais alguma coisa?
- Só o que você já sabe. - Murmurei. - Ele me manda umas mensagens às vezes, mas estou ignorando.
- Está certa! - Henry concordou com a minha atitude. - Deixa ele sofrer um pouco. Ele foi muito otário! Eu não esperava uma atitude dessas vindo dele. - Balançou a cabeça em desaprovação.
- Nem eu, mas sei lá. É a Kendall Jenner, sabe? Faz sentido. - Escolhi os ombros.
- Não! Não! - Ele balançava a cabeça freneticamente. - Você não está o defendendo agora, está?
- Não! Não é isso. É só que... Até eu faria ela.
- Até EU faria ela. - Henry fez uma careta de "é óbvio". - Mas não importa se ela é a Kendall Jenner ou a... Shakira. - Eu dei uma risadinha, eu sabia que Shakira era o padrão de beleza para Henry. Ela era a famosa que ele pegaria. - A questão é que eu faria ela e chegaria a tempo para o voo.
- Henry! - Repreendi, rindo.
- Claro, se fosse em outra situação, mas vocês estão juntos! Se ele pediu exclusividade, o mínimo que eu esperava dele, como homem, é que ele cumprisse sua palavra.
- Não é? - Concordei franzindo a testa.
- Mas a sua cara de brava agora é impagável. - Deu uma risadinha. - Sorria! - Fiz cara de confusa. - Não, não sorria. O print era para pegar justamente essa expressão.
- Apaga! Agora!
- Nunca! Vou fazer um pôster e colar na porta do seu escritório no seu aniversário.
- Você não ousaria. - Desafiei.
- Espere até janeiro e verá! - Deu uma risada maléfica.
- Mas o que me deixa mais chateada é isso, sabe? - Suspirei. - Ele que veio até mim, ele que disse que queria isso, por mim ficaríamos do jeito que estávamos. E agora ele simplesmente estragou tudo. - Puxei o ar com força.
Para quem se gabava por não chorar mais na frente de homens, eu estava me saindo uma bela de uma hipócrita.
- E o pior é que eu não consigo ficar com raiva dele. Me dói muito mais o ignorar do que o perdoar. Dói muito mais pensar que eu só queria que ele estivesse vivendo isso tudo aqui comigo agora. E eu fico com raiva de mim mesma por ser tão idiota e ainda o querer perto de mim mesmo depois de tudo.
Henry balançou levemente a cabeça.
- O antídoto é o próprio veneno às vezes.
Senti um arrepio na espinha, deixando que o significado daquelas palavras fizesse sentido para mim. Eu olhei para cima e tentei não piscar.
- Mas eu não quero que ele pense que ele pode fazer essas coisas comigo e que depois é só negar e me pedir desculpas que está tudo certo. - Cocei o cantinho dos olhos apanhado uma lágrima antes que escorresse. - Eu não sei o que é pior ainda, se é pensar que pelo menos foi com a Kendall Jenner, porque ela está num patamar muito acima do meu ou se é justamente pensar em quantas dela existem por aí.
- Isso eu vou ter que discordar. - Henry balançou a cabeça para os lados. - Eu acabei de falar que não importa se é a Kendall Jenner, o cara tinha uma viagem com você! Ele fez um compromisso com você! E, nossa! - Deu uma risada amargurada. - Eu não acredito que preciso dizer isso para você nesse contexto, mas você é incrível, ! Quantas vezes eu já te disse como você é especial? Você tem tantas qualidades que não se acha em todo mundo.
Para cada bom adjetivo que Henry me atribuía, um defeito ou ofensa ditas por Gabriel vinham na minha cabeça. Você é patética, arrogante, se acha muito inteligente, mas é uma vadia fácil. E ingênua. Sem graça! Acha que alguém vai te querer se eu terminar com você? Estou te fazendo um favor ficando com você. Só eu para te aturar.
Eu balancei a cabeça com força, tentando espantar todas essas memórias.
- Não. Não discorda de mim. - Herny disse, achando que eu negava o que ele havia dito. - Eu não tô dizendo nada disso para fazer você se sentir melhor porque é a tal da Kardashian...
- Jenner.
- Tudo a mesma coisa. - Torceu o nariz. - Eu não tô dizendo agora nada que eu já não tenha te dito antes, nada que você já não saiba. Dá para fazer o favor de não esquecer?! Sim, é a Kendall Jenner, mas quem garante que ela é tão boa como você? Ela ser famosa não quer dizer nada. Eu já disse e vou repetir: Com uma mulher como você, nem a Shakira tinha chance comigo. - Eu dei uma risada sem graça.
- É porque você não é famoso.
- Mas eu sou homem!
Ui, o shade no Harry Styles. Cheguei arrepiar.
- Você, eu conheço, sei tudo isso sobre você. O que importa num relacionamento vai além de beleza e até mesmo além do que você é, porque engloba também o que você faz. Elas só são uma imagem fabricada. Se como amiga você é leal, honesta, prestativa..., eu posso imaginar mil outras coisas que você faz por esse cara que eu duvido que qualquer outra pessoa que ele já se relacionou faria! Você é o tipo de pessoa que daria o mundo para ele, se pudesse.
Se já não fosse dele...
Inspira, respira.
Nada além da escuridão diante dos meus olhos. O infinito tic-tac do relógio é o único barulho além da minha respiração. Eu estou consciente de cada centímetro do meu corpo, desde os dedos dos meus pés às pontas do meu cabelo que tocam minha nuca. Eu deveria ter feito um coque em vez de apenas de um rabo de cavalo!
Droga, ! Se concentra.
Minha mente supostamente deveria estar vazia.
Mente vazia.
Mente vazia, caralho!
Eu não estou pensando em nada. Primeiro, inspiro. Depois, respiro. É só isso o que importa. O chão que eu sento está gelado e minhas pernas, dobradas. Tudo é tão calmo que eu poderia ouvir as batidas do meu coração. De alguma forma muito bizarra, eu consigo senti-lo bem aqui do lado esquerdo do peito. Ainda bem que eu não tô usando sutiã, porque senão o fecho ia estar incomodando.
Merda, foco!
Hoje é um novo dia e eu escolho começá-lo com boas energias e positividade. Eu quero apro-
- Mas que MERDA! - Eu me joguei de costas no chão e estiquei as pernas.
Minha mãe parecia estar abrindo a própria escola de samba de tanto bater panelas. E assim, com um tic do relógio, o silêncio se esvaiu.
É por isso que eu moro sozinha!
- Bom dia, minha flor.
- Bom dia. - Eu passei por minha mãe na cozinha e me servi uma xícara de café.
- Eu te acordei? - Perguntou, inocente.
- Não. - Cocei a cabeça, sentindo que ela parecia um ninho de ratos depois de ter me revirado na cama a noite toda. Fechei os olhos com força, ah, todos os nós no meu pobre cabelo.
- Eu já estou fazendo o almoço, mas seu pai comprou pão se você quiser.
- Huumm, pão! - Meu humor melhorou instantaneamente.
Eu dei um 360°, meus olhos como os de uma águia à procura do saco de pães.
Dois pães, muita manteiga e um copo obsceno de café depois e eu estava radiante, como se a meditação que dera errado não houvesse existido.
Ou talvez fosse só a cafeína fazendo efeito.
- Bom dia, minha filha! - Meu pai chegou até a cozinha com um sorriso no rosto e me abraçou. - Dormiu bem?
- Sim. - A resposta saiu tão automática que eu quase achei que não fosse mentira.
Eram meus últimos dias de férias e eu estava sentindo aquele costumeiro aperto no peito por precisar ir embora... de novo.
Quando eu ouvi Harry Styles cantar “So hard to leave it, that’s what I always do” nunca fez tanto sentido como agora. Harry, eu te entendo. Eu achava que entendia antes, mas eu não sabia que não.
- Preciso ir no mercado comprar aquela carne de porco que a gosta. - Meu pai disse para a minha mãe.
- Aí, sim!! Por favor! - Me intrometi. - O Harry não come carne, então eu acabo não comendo quando tô com ele. - O que era quase sempre.
Harry...
Ele não havia mais me ligado desde que eu pedi, mas as mensagens estavam sempre chegando. Eram sempre dois tipos: Mensagens despretensiosas, como de quem puxa conversa ou eram mensagens dramáticas. Geralmente uma seguida da outra. Ele apelava para diferentes tópicos para me fazer respondê-lo, mas eu seguia firme até então.
Eu não tinha espaço para sofrer por mais de uma coisa ao mesmo tempo. Já era muito eu estar indo embora do Brasil e ter que passar por todo o processo de despedida de novo. Deus! Como eu esperava que isso ficasse mais fácil com o passar dos anos... Eu não tinha opção senão lidar com a minha vida amorosa, que mais parecia uma piada ruim dessas que Harry contava, depois.
- Mas ele come carne de vez em quando, né? - Percebi meu pai e minha mãe trocando olhares.
- Não, pai. Ele só come peixe e outros frutos do mar. - Falei naturalmente, fingindo não notar a tensão.
- Você vai agora? - Minha mãe mudou o assunto. Parecia que eles haviam decidido que Harry era assunto proibido.
- Não sei. O que acha? - Meu pai respondeu e minha mãe deu de ombros.
- Achei que fosse me ajudar com o almoço. - Ela comentou calmamente, uma nota sutil de agressividade. Eu arqueei uma sobrancelha.
O que tá rolando aqui?
- Eu ajudo, ué! - Intervi e meu pai assentiu e saiu em seguida.
Minha mãe simplesmente se virou de frente para o fogão e voltou a mexer nas panelas.
- “Achei que você fosse me ajudar". - Repeti em um tom jocoso. - Desde quando você fala manso assim com meu pai?
- Não é nada. - Deu de ombros de novo. - Mas seu pai... sabe como é. - Disse despretensiosamente.
- Ai ai ai! O que foi? - Perguntei.
- Ele brigou comigo outro dia porque eu reclamei que o congelador tava muito cheio. - Entortou os lábios. O tom era de quem não sabia o que tinha feito para causar tanta ofensa. - Ele só fica lotando a geladeira com coisas que ele nunca faz. Eu disse que não ia ficar fritando nada.
- ELE brigou com você? - Estalei os lábios e ela deu uma risada.
- Ele que ficou bravo. - Se defendeu. - Falou que eu deveria reclamar se o congelador estivesse vazio.
- Hummm. - Murmurei. - Ele não tá errado.
Recebi um tapa instantâneo. Na bunda.
- Você precisa ficar do meu lado!
- Mas eu tô!
- E do lado do seu pai também. - Ela bufou.
- Exatamente. - Dei uma risadinha. - Eu só quero dizer que eu não moro mais aqui para ficar interferindo nessas brigas bestas de vocês dois.
Você sabe que virou adulto quando começa a dar sermão nos seus pais porque começaram a agir como adolescentes.
- Aí, filha, eu sei. Não é nada sério. - Ela rebateu na defensiva.
- É só que daqui para frente vai ser assim, mãe. Eu venho só algumas semanas por ano. E agora que André não tá mais aqui... - Me calei. - Só quero garantir que vocês estão bem.
- Estamos ótimos. Não se preocupe. Vai viver sua vida, brigar com seu cantor famoso... - Alfinetou com uma risadinha.
- É melhor do que caçar briga com o meu pai. - Nós duas rimos dessa vez.
- Isso mesmo!
só me mete em furadas.
Desde que eu fui embora do Brasil, ela estagia como estilista numa fast fashion bem famosa, o que a possibilita de também modelar para a marca, sempre estampando o site com as novas coleções. Acontece que isso também faz com que ela conheça muitas pessoas novas todos os dias, e ela é daquelas que encontra o amor da sua vida três vezes no mesmo mês.
Faz anos que eu parei de conhecer seus namorados, não porque sou uma amiga ruim, ou porque não os aprovo, pelo contrário, eu acho que ela faz muito certo em não levar as coisas tão a sério quanto eu. A forma como ela lida com seus relacionamentos amorosos não funciona para mim.
A questão é que a rotatividade de seus rolos é tão alta quanto a troca de coleções da fast fashion, ela me contava de alguém num dia e quando eu voltava de São Paulo no fim do mês aquela pessoa já tinha perdido a vez na infinita lista de Gomes.
Eu não sei por qual motivo ela insistia tanto para que eu conhecesse o cara da vez. Talvez fosse o fato de que ela não tinha mais opção de escolher me apresentar ou não, já que eu me mudei; aquela coisa de só dar valor quando perde se aplica para detalhes muito menos profundos às vezes e até algo que você nunca se importou passa a ter um valor muito maior quando sua melhor amiga larga tudo para trás e se muda de país. Ou talvez ela só realmente estivesse apaixonada por ele. Não mesmo.
- Ah não, , eu não tô no clima pra ser vela, sabe? Nem com clima de ir em restaurante de casalzinho.
Era até certa crueldade que ela esperasse isso de mim sabendo tudo o que aconteceu há poucos dias. O que, se eu conhecia bem Daniel, ela sabia. Ele com certeza tinha contado depois que eu o contei.
- Quem disse que você vai segurar vela? - Perguntou divertida.
- Você tá vendo o Harry aqui do meu lado? - Levantei o braço, segurando o ar.
- Eu falei que você deveria ter escolhido o bonitão! - Eu a encarei com a minha melhor cara de “é sério mesmo?” - Esquece o Harry, tá legal? - Ela abanou uma das mãos. - Eu tenho um date para você.
- Não! - Neguei imediatamente. Um dos meus dedos foi parar bem na altura de seu nariz e minha língua estralou na boca. - An-an. Eu não vou ficar com ninguém. Você só me mete em furada.
- Que mentira! - Protestou. - Quando eu te meti em furada? Da última vez que te apresentei alguém deu muito certo.
- Você não me apresentou o Daniel. Não oficialmente. Ele só começou a sair com a gente.
- Então tá. Então te apresento hoje.
- Quê? Tá dizendo que meu date de hoje é o Daniel? - Dei uma risada nasalada. - Me poupe!
- Eu também quero que ele conheça o Matheus! - Seu tom era de reclamação. Como se o que ela estivesse esperando fosse racional.
- , não.
- Tá bom! Não é um date, então. Mas eu preciso que vocês dois conheçam o meu boy.
- Mas precisamos ir juntos? - Choraminguei. Nesse ponto, eu conseguia ver que a batalha já estava perdida. Eu precisava apelar para minha última opção: Chantagem emocional.
- Sim ou claro? - Bufei.
- Você não poderia ser amiga de algum outro ex meu? - Reclamei. - Daí poderia chamar um deles.
- Tipo quem? - Debochou. - O insuportável do Gabriel?
- Não! - Balancei a cabeça, repugnada só de imaginar em ter que vê-lo de novo. - Tipo... a Luiza!
- Puts! - deu uma gargalhada. - Eu tinha esquecido completamente que você tinha namorado aquela chata!
- Ela não era chata! - A defendi e vi o arquear de sobrancelhas de . - Só um pouco carente. - Cedi, escolhendo de ombros. - O André a amava!
- Só ele. - Fez uma careta. - E só porque ele queria pegar a irmã dela e fazer de vocês uma dupla de casais irmãos.
- Isso não soou bem. - Torci os lábios e demos risada.
- Você entendeu.
- Mas, cara, até eu queria pegar ela!
- Aí, que mulher você não pegaria, ? - falou com tédio na voz.
Eu fiz cara de ofendida, mas ela não estava tão errada. Eu sentia que era muito mais exigente ao escolher parceiros homens, talvez porque, enquanto mulher, sempre tinha receio de acabar em alguma armadilha. E eu nunca ia para encontros com mulheres pensando que eu poderia me meter com uma psicopata estupradora. Logo, parecia mais “fácil" que o meu alcance de relacionamentos femininos fosse maior.
Porém, era só o que parecia mesmo. Eu achava muito mais difícil interagir com mulheres pelos meios “tradicionais” e sempre acabava refém de aplicativos de namoro ou baladas específicas para público LGBT, o que para mim só reforça como a homoafetividade ainda não atingiu naturalidade e normalidade na sociedade. Eu era perseguida pelo estigma da mulher que ‘só pode ser hétero’ e, superficialmente, era esperado de mim que minhas interações amorosas fossem sempre com homens, e qualquer interação com o mesmo sexo fosse puramente visto como nada além de ‘amizade’. Isso quando não acontecia das próprias lésbicas desconfiarem da minha autenticidade e acharem que eu só quero experimentar, me descartando. Tudo isso me deixava fadada a situações como a que tive com Adam; ambiente social “tradicional”. Uma garota como eu. Como eu poderia, sem medo de sofrer represarias, flertar com uma mulher da forma que fiz com ele? Quais as chances de ser correspondida?
Os sinais que mulheres transmitem para seus interesses amorosos são muito mais complexos e nada garante que eu não poderia confundir algo e acabar constrangendo alguém. Quantas mulheres lésbicas ou bissexuais tiveram medo de serem acusadas de algo por simplesmente elogiar suas amigas? Héteros não sentem medo de elogiar amigos do sexo oposto e parecer que estão dando em cima. E se estiverem? Qual seria o problema? É "normal". Acho que parte desse pensamento nada mais é que reflexo dessa heteronormatividade e consequência do medo constante que sentimos de sermos “errados”, “do contra”, “anormais”. Então, não, eu não sinto como se eu pudesse demonstrar interesse amoroso por mulheres com a mesma naturalidade social que eu demonstro por homens.
- Você, por exemplo, que é chata que dói. - Rebati e ela gargalhou.
- Fala sério! Minha beleza se sobressai.
- Se manca, sua ridícula! - Brinquei. - Não é só porque gosto de mulher que eu quero pegar todas. Você, por acaso, sente atração por todos os homens que você conversa? Porque eu não!
pressionou os lábios juntos, como se, pela primeira vez, tivesse parado para pensar sobre isso.
- Concordo em discordar.
- Seu cu. - Ela morreu de rir com a minha resposta. - Sabe que tenho razão.
- Foda-se, sabichona. Vai ir ou não, caralho?
- E eu tenho opção?
O tal do Matheus era um desses modelos saídos das páginas de catálogo de cueca. Até Daniel havia ficado meio boquiaberto quando o viu. Eu não sei porque eu fiquei surpresa, sempre saia só com esses caras que pareciam que não tinham nada no cérebro além de qual era a ordem do treino do dia seguinte. Nada contra os marombas, inclusive gosto.
Era estereotipá-lo pensar isso ou estava liberado porque, sabe como é... “homem padrão não passamos pano”? Espero que tenha panos prontos para serem passados para mim, então.
Eu odiava o mapeamento de restaurantes no Brasil, em que os casais se sentavam lado a lado. Saudades, Estados Unidos, em que nos sentamos sempre de frente. Eu estava me sentindo muito desconfortável com Daniel ao meu lado naquela mesa minúscula. Parecia que se eu mexesse o braço, nos esbarraríamos. Não é como se isso não pudesse acontecer, visto que Daniel e eu até nos esforçávamos para ser amigáveis um com o outro. O clima não estava tão ruim quanto eu pensei, talvez porque quando o contei sobre Harry, foi a primeira vez em nossas vidas em que tínhamos conversado civilizadamente depois de discutir.
Eu nem sempre fui essa pessoa que conversa como eu faço com Harry - ou me esforço MUITO para fazer -, foi com ele que comecei a colocar em prática tudo o que eu já ouvia há meses na terapia. Com Daniel, geralmente, eu fugia de todo e qualquer conflito e, se chegássemos a discutir, eu sairia batendo portas e nunca mais conversaríamos sobre aquilo. E Daniel era quase um anjo, eu podia contar nos dedos de uma mão as vezes em que ele havia dito alguma coisa com intenção de me machucar. Santa paciência era a que ele tinha, até mais do que Harry, a quem eu conseguia pensar em muito mais vezes em que tinha dito coisas no calor do momento justamente porque sabia que me atingiriam.
e Matheus já tinham ido ali e sugeriram de pedirmos uma tábua, porção, sei lá como as pessoas chamam, com picanha, mandioca frita e alguns outros aperitivos. e eu tínhamos tomado açaí na casa dela há poucas horas e não estávamos com muita fome. Matheus disse que ia pedir uma Heineken e eu me segurei para não revirar os olhos. Tinha como ele ser mais padrão? Eu não vou ser hipócrita, eu também bebia Heineken. Mas eu tô querendo implicar com ele, me deixa!!!
Matheus também tinha passado na casa da e nos buscado, eu ia mandar uma mensagem para ela perguntando se ela ia dirigir na volta, já que ele estava bebendo, mas resolvi falar na frente de todo mundo mesmo.
- , você vai beber também?
- Por quê? - Perguntou.
- Porque o Matheus vai beber, então você precisa nos levar de volta. Ou se quiser beber, eu dirijo.
- Ahhh, entendi. Pode beber. - Ela disse e eu acenei com a cabeça. - E você, Dani? - Perguntou.
- Também tô dirigindo. - Respondeu.
- Porra, ninguém vai beber, então?! - Exclamei.
- Eu vou e você não pode me deixar beber sozinho. - Matheus falou comigo e eu tentei não franzir muito o nariz para que minha cara de nojenta não ficasse tão óbvia.
Eu não tinha nada diretamente contra ele, era só a situação como um todo que havia me deixado de mau humor.
- Beleza. - Concordei.
Todos viramos as cabeças ao mesmo tempo, procurando pelo garçom mais próximo para que pudéssemos chamar até a nossa mesa.
pediu a porção e Matheus sua cerveja. Eu esperava pacientemente minha vez de falar, mesmo que eu estivesse na ponta, bem do lado do garçom, todas as vezes em que abri a boca, um dos dois falara primeiro.
Quando eu tentei falar meu pedido mais uma vez, Daniel foi mais rápido.
- Eu quero uma água com gás. - O garçom concordou com a cabeça e anotou o pedido.
- Rodela de limão? - Perguntou.
- Sim. - Se virou para mim. - Você vai beber mesmo, né, ?
- Uhum. - Murmurei em resposta.
- E uma brahma. - Falou para o garçom. Depois, para mim de novo. - E ainda bebe Brahma, certo?
- Bebo. - Dei um sorriso, impressionada.
Às vezes, Daniel e eu fazíamos uns passeios mais sofisticados, tipo alugar uma suíte com hidro em uma pousada no meio do mato e sumir pelo fim de semana inteiro.
Não era nosso habitual, no entanto. Sempre acabávamos indo para um boteco copo sujo beber cerveja. Daniel era o sério da relação e só me acompanhava para me agradar. Por ele, faríamos mais esses rolês classudos.
Por isso, às vezes substituíamos a cerveja por algo mais no estilo de Dani. Como naquele dia, em tomávamos vinho no quarto da pousada.
- E eu achando que você tinha me trazido aqui pra gente transar na hidro. - Daniel reclamou de brincadeira.
- Quem disse que não vamos? - Arqueei uma sobrancelha.
- Uhhh. Você é perversa. - Eu dei uma gargalhada. - Gosta de atiçar.
- E, teoricamente, você quem nos trouxe aqui. - Encolhi os ombros.
- Porque você merece! Uma notícia dessa precisamos comemorar!
Eu tinha recebido a notícia de que o cargo em LA era meu se eu quisesse. Eu ainda não tinha pensado sobre o peso daquela notícia e como ela mudaria o rumo do nosso relacionamento. Eu estava leve, com a sensação de ter conseguido e eu podia ver no rosto de Dani como ele estava feliz por mim.
- Quando eu for te visitar, vamos no jogo do Lakers juntos! - Ele falava.
- Eu quero ir patinar no gelo em algum estádio. - Eu respondi. - Será que tem algo assim?
- Imagina que incrível? - Seus olhos brilharam. - Podemos pesquisar sobre.
- Sim. - Concordei. - Eu queria que a gente pudesse ir na cachoeira amanhã.
- Pena que viemos na época do frio. - Fez um bico. - Acho que dá tempo de a gente voltar antes de você ir, o que acha?
- Não sei. Tem o meu aniversário também.
- 24, hein. Tá ficando velha. - Brincou.
- Olha quem fala. - Revirei os olhos e ele riu, se aproximando para me dar um selinho. - O André tá pirando já, dizendo que não quer saber, que quando ele for me ver eu vou ter que viajar para Orlando com ele.
- Ah é, ele gosta de Harry Potter, né?
- Gosta? Ele é obcecado! - Dei risada. - Eu falei ainda que podíamos ir na Universal de LA.
- E ele?
- Disse que vamos também. - Respondi e Daniel foi quem riu dessa vez.
- O que é que você mais quer fazer ou qual lugar você mais quer ir lá?
- Eu quero muito ir para Nova York. Na Times Square. - Falei animada. - Mas acho que isso vai demorar, porque é do outro lado do país. - Fiz um bico.
- E na Califórnia?
- Acho que no Píer de Santa Mônica. - Sorri.
E, de repente, eu pensei em algo, algo que eu queria muito mais do que ir na Times Square ou no Píer.
- Aliás! - Exclamei, anunciando minha mudança de ideia. - A coisa que eu mais quero fazer é ir no show do Harry.
Muitas cervejas depois, sugeriu que já era hora de ir embora.
Eu fiz uma cara de tristeza, eu poderia ficar mais tempo ali conversando com eles. Até que tinha sido divertido e Matheus não era só treinos como eu havia pensado. E parecia até gente boa.
Eu tinha sentido falta de sair assim com , de me sentar numa mesa de bar ou restaurante e conversar por horas, conversar em português, beber brahma. No fim, eu estava feliz por ter insistido para que eu viesse. Senti outro aperto no coração, desses que eu estava sentindo com muita frequência sempre que pensava que eu ia embora e não poderia repetir isso por muito tempo.
Eu vi Matheus se remexendo na cadeira para pegar a chave do carro que estava no bolso e a passar para . Eu me sentia sonolenta, mas ele estava realmente bêbado.
- Daniel, você se importa de deixar a em casa? - Ela perguntou de repente e eu arregalei os olhos. - Eu vou ficar na casa do Matheus.
What a bitch!
Inacreditável! Ela tinha arquitetado todo um plano e eu não percebi!
- Beleza. Deixo sim. - Daniel respondeu.
Eu cruzei os braços enquanto todos se levantavam das cadeiras.
- Vamo, ? - Daniel perguntou.
Desgostosa, eu estendi a mão para que ele me desse o braço para eu apoiar.
Eu nunca tive um arrependimento tão grande em usar um salto fino na minha vida, a saída do restaurante tinha uma rampa com piso duvidoso e eu tive que me segurar em Daniel o tempo todo para ter certeza de que eu não deslizaria e morreria ali mesmo. De vergonha, é claro. Se bem que sair de braços dados com ele me matou mesmo assim.
Nos despedimos na calçada e Matheus e subiram a rua, na direção em que ele tinha parado o carro.
- Quer esperar aqui e eu vou buscar o carro? - Daniel perguntou. - Eu parei um pouco para baixo da rua, pode ser ruim para ti andar até lá.
Eu olhei em volta de onde estávamos.
- De qual lado da rua?
- Nesse mesmo. - Estávamos no lado direito. - Ali na frente. - Apontou.
Daria muito mais trabalho dar a volta de carro do que andarmos até lá.
- Não, tudo bem. Só me dá seu braço.
O piso não era nivelado, então andamos com cuidado. Permanecemos em silêncio, porque eu estava me concentrando em não torcer o pé. Eu pensava comigo mesma em como eu era uma chacota ambulante. Usa salto praticamente todos os dias e ainda assim parece uma pata andando.
- Qual é o seu carro? - Perguntei quando andamos uns vinte metros.
Eu não reconhecia nenhum dos carros estacionados na rua e parecia que não chegávamos nunca.
- Aquele ali. - Apontou para o carro cor grafite, talvez um pouco mais clara do que a cor do meu carro.
- Trocou de carro? - Perguntei, mesmo já sabendo a resposta.
- Tem uns quatro meses. É um Captur.
Hum. He upgraded. Ele melhorou.
Eu dei um sorrisinho. É óbvio que eu sabia qual carro era só de olhar, ele não precisava ter falado.
- E é melhor do que o que você tinha? - Perguntei para jogar conversa fora.
- Esse é mais novo. - Disse simplesmente.
- Ah é?
- 2019.
- Uau. Um carro zero. - Falei admirada e ele deu uma risadinha. - Tá sonegando imposto?
- Óbvio que não. - Riu. - Eu dei o outro de entrada, mais uma grana e tenho ainda uns dois anos de parcelas para pagar. - Fez uma careta de dor.
- Força. - Brinquei dando um tapinha amigável em seu ombro.
Eu agradeci quando ele abriu a porta para mim.
- E tu? Comprou um carro já? - Perguntou colocando o cinto.
Eu cerrei os olhos, o encarando desconfiada por um momento. Até parece que ele já não sabia de todos os detalhes que a com certeza tinha contado.
- Eu comprei um Mercedes. Conversível. - Ele virou a cabeça para mim, tinha os olhos arregalados. Sua surpresa parecia genuína.
Bem, talvez ele não soubesse de todos os detalhes assim.
- Tu tá indo bem, então. - Desviou o olhar e deu partida no carro.
- Ah, eu tô indo. - Dei uma risadinha modesta.
- Eu vi um stories que tu postou outro dia em um conversível, mas era uma BMW. - Eu dei uma risada.
- Ahhh, é do meu colega de trabalho. - Expliquei. - Ele precisava de um favor e meu preço era que ele me deixasse dar uma volta. - Ri.
- Achei que fosse do Harry Styles. - Daniel falava o nome dele com certa imparcialidade. Como se quisesse manter um distanciamento, como se só falássemos sobre o cantor famoso e não o cara com quem eu tinha um relacionamento próximo.
- Acredito que ele não tenha nenhuma BMW. - Coloquei a mão no queixo. - Mas eu não sei se já vi todos e os que vi são muitos pra lembrar.
- Todos? - Daniel perguntou surpreso.
- É, ele tem, tipo, uns dez carros só nos Estados Unidos. - Eu gargalhei ao exagerar o número.
- Meu Deus! A coisa só piora! - Exclamou exagerado. - Como assim?
- É porque ele é da Inglaterra, né? - Gesticulei. - Daí ele tem mais uma porrada de carros numa casa que ele tem em Londres.
- Caralho...
- Pois é! - Eu ri. - Mas em Londres a maioria são carros antigos. Uns modelos assim anos 70 e tal. Eu simplesmente enlouqueci quando vi.
- Tu foi para Londres? - Indagou confuso.
- Aham. No Natal.
- Co-com ele?
- É. - Dei uma risadinha, tentando manter um tom leve e descontraído.
- Nossa, é mais sério do que eu pensava. - Refletiu.
Eu desviei o olhar para a janela, estávamos quase chegando na casa dos meus pais.
- O que achou desse boy novo da ?
- Parece bacana.
- Muito hétero top pro meu gosto. - Desdenhei, mas imediatamente dei uma gargalhada ao lembrar de Henry.
- Mas eles combinam. - Daniel pontuou e eu concordei.
- É, eles ficam bonitos juntos. Quero dizer, a é linda, ela fica bonita com todo mundo. - Ri.
- Ele parece meio avoado. - Daniel contrastou. - Acha que dura quanto tempo? - Perguntou.
- Não sei. Quanto tempo ela ficou com o último cara?
Eu tinha um sorriso estúpido nos lábios desde que começamos a falar disso.
- Nem queira saber. - Rebateu tedioso, desviando o olhar da estrada para me encarar e sorriu de volta.
Eu dei dois tapinhas em seu ombro. Eu havia me esquecido de que Daniel era o maior maria fofoqueira e que passávamos a maior parte do tempo juntos falando abobrinhas sobre a vida dos outros.
- Senti sua falta. - Eu disse e Daniel se virou para me olhar mais uma vez, um rosto sem expressões, como se não soubesse como reagir diante do que havia acabado de ouvir.
Em silêncio, ele desligou o carro depois de parar em frente a garagem, tirando o cinto ao mesmo tempo em que se virava levemente na minha direção.
- E eu... - Se interrompeu e olhou para o meu colo, onde eu descansava as mãos. - Não consegui levar ninguém a sério depois de ti, . - Me encarou novamente.
Eu o olhei exatamente como ele havia me olhado há segundos, com o rosto sem expressão. Eu não sabia exatamente o que ele queria que eu fizesse ou dissesse com essa informação.
- Tu criou padrões muito altos. - Deu uma risada sem graça e eu entrelacei as mãos que ainda permaneciam no meu colo.
- Daniel, eu... - Tirei o meu cinto também. - Eu não... - Ele me interrompeu.
- Eu realmente queria casar contigo. - O seu tom não era mais descontraído, ele não falava mais como se fizesse uma piadinha. - Droga! Depois de passar esse tempo contigo hoje, não sei, acho que ainda quero. - Outra risadinha sem graça ao desviar o olhar mais uma vez.
- Desculpa. Eu não queria causar nenhum desconforto. A ... - Eu olhei para fora das duas janelas, sentindo como se estar ali, naquele momento, tendo aquela conversa, fosse algo errado e que eu pudesse ser pega a qualquer momento.
- Eu sei, a te obrigou a ir. - Completou. - Eu conheço bem de quem estamos falando. Porra, eu não tô te culpando de nada, só que... - Exalou, como se estivesse frustrado. - Foi divertido, né? Eu tinha me esquecido como era ter tu aqui.
- Poxa, foi divertido, sim.
- Como quando estávamos juntos - Balançou a cabeça, como se espantasse quaisquer que fossem as lembranças que eu havia, inconscientemente, reacendido em sua memória. - Eu vou fazer 31 anos, sabe? A maioria dos caras da minha idade em contextos similares de vida já estão casados. E eu, de verdade, imaginei que fôssemos ficar juntos.
- Daniel, eu... - Eu balançava incessantemente uma das pernas. - Por que tá me falando isso?
- Não sei. - Encolheu os ombros.
Eu olhei novamente pela minha janela, estranhando toda aquela situação. Pensar que eu já amei tanto aquela pessoa que estava ali ao meu lado ao ponto de nada mais existir. Era estranho pensar que houve um momento em que eu também acreditava que fôssemos ficar juntos. Isso, claro, foi antes; antes de eu sequer imaginar aplicar para uma vaga em LA, antes de eu ser aceita, antes de Harry...
Mas antes de tudo isso acontecer, se ele tivesse me pedido em casamento em outro contexto eu teria aceitado, e é assustador essa certeza. Mesmo que talvez eu acabasse indo embora de qualquer forma depois.
Nunca saberemos.
- , – Daniel pegou uma das minhas mãos, fazendo com que eu me virasse assustada pelo seu toque inesperado – eu sinto muito que as coisas tenham terminado daquela forma.
- Eu também. - Encarei sua mão que cobria firmemente a minha. - Mas era o único jeito.
Eu não sabia que estávamos tão próximos até levantar o olhar para encontrar o dele.
- Eu acho que poderíamos...
Daniel deixou a frase solta no ar que nos envolvia, eu não sabia se eu estava exagerando ou se eu realmente já conseguia sentir sua respiração batendo no meu nariz. A minha mão que ele não segurava tremia no meu colo e a outra, que tocava a sua, queimava, úmida de suor.
- O quê? - Soprei as palavras, tão suaves quanto as pontas dos seus dedos tocando minha pele.
- Acha que poderíamos... - Hesitou, soprando as palavras levemente no meu rosto, os lábios perto o bastante para raspar nos meus. - tentar de novo?
Tentar de novo?
Eu pisquei rapidamente, percebendo que, por uma fração de segundo, eu havia me deixado levar naquela aura de nostalgia. Eu pensei que ele ia pedir para que entrássemos. Um remember com o ex? Aceitável. Quem nunca, né? Mas aparentemente isso não servia para Daniel. Ele queria a posse.
Puxei minha mão, batendo as costas de volta no encosto do assento.
Que merda eu estava pensando?
- Eu... gosto do Harry. - Ele também recostou no assento. - Desculpe.
- Não, tudo bem. - Respondeu sem jeito. - Tu não precisa se desculpar por nada. - Ele escondeu o rosto nas mãos.
- Não tem como, Dani. Eu moro em LA agora. - Tentei amenizar a situação. - A gente já falou sobre isso, você não vai largar tudo aqui.
- Mas já deu um ano! Tu pode vir embora agora. - Sua voz saiu abafada através de seus dedos.
- Eu renovei o contrato. - Eu não queria, mas minha voz saiu carregada de culpa.
- E tu gosta do Harry.
- Gosto. - Apesar de tudo, eu não me sentia mal por admitir meus sentimentos por Harry. Torci os lábios, porque talvez eu devesse.
- É só que, sabe? - Tirou as mãos do rosto abruptamente, batendo-as no colo. - É estranho ver todas aquelas tuas fotos com Harry Styles. Caralho, na verdade, é surreal! E pensar que enquanto eu estava aqui sofrendo pelo nosso término, tu provavelmente já nem se lembrava mais de mim.
- Dani, isso não é verdade. - Eu neguei com a cabeça. - Independente de tudo eu me importo com você. Eu te amo e é claro que eu sofri também.
- Mas não do mesmo jeito que o ama!
- Não. - Concordei. - O que eu sinto pelo Harry é... é diferente. E horrível! - Bradei, sentindo a pontinha do nariz arder.
Meu Deus. Eu estava muito sensível.
- É horrível pensar que depois de tudo o que aconteceu, do que ele fez comigo, meus sentimentos por ele continuam intactos. Eu daria tudo, Daniel, tudo para não me sentir assim, tudo para que as coisas voltassem a ser simples como eram antes, como quando namorávamos. Tudo era pacífico, leve, constante, certo.
Eu nem mesmo me lembrava mais como era não me sentir constantemente em uma montanha russa que eu nunca podia descer.
- Nós fomos felizes, não fomos? - Ele perguntou.
- Eu fui muito feliz contigo. - Respondi com carinho.
- Mas eu te acho mais feliz agora. - Disse.
Eu pisquei devagar, sem entender.
- Mesmo que tudo isso tenha acontecido contigo e ele, claramente não foi o suficiente para mudar a forma que tu o vê ou a forma como os teus olhos brilham quando fala dele, mesmo que o que tu esteja dizendo sobre ele seja algo que te magoou, eu ainda assim consigo ver no teu olhar... algo que eu nunca vi quando tu olhava para mim.
Meu coração batia forte, descompassado. Eu tinha medo, pavor da proporção, ainda não mensurada, dos meus sentimentos por Harry.
- Tu tá triste agora, eu também consigo ver isso. Mas vai passar, por mais que eu odeie admitir isso, tu e ele vão se resolver. Se depender de ti, eu tenho certeza.
Minha boca se abriu, prestes a dizer alguma coisa que eu ainda não tinha sido capaz de formular.
Tirando toda essa situação com o H, eu me sentia feliz agora; eu estava com a minha família, com os meus amigos, eu estava no Brasil. No entanto, não poderia negar que eu era muito feliz em Los Angeles também, eu era feliz com o sentimento de pertença que eu tinha enquanto vivia lá, que era tão natural quanto ao de me sentir Brasileira. Eu não imaginava que fosse me sentir tão em casa mesmo estando tão distante, e eu sabia que eu ia me adaptar, claro, mas foi completamente incrível chegar e perceber que aquelas terras não eram assim tão desconhecidas.
Talvez Daniel estivesse certo, talvez eu só estivesse magoada e por isso pensava que as coisas antigamente eram melhores que agora.
- Meus amigos me disseram que eu também serei feliz assim um dia. - Daniel sorriu de lado.
- Não acredito que você está realmente citando Ed Sheeran para mim. - Eu neguei com a cabeça, um sorriso similar ao dele nos meus lábios.
- Tu sempre teve essa mania de usar trechos das suas músicas preferidas como se fossem frases de efeitos em conversas sérias. Uma hora ou outra eu tinha que pegar essa mania, né?
- Eu achei que nunca ia conseguir esse feito. - Falei enquanto dava uma risada.
- Só que tu também sabe o final da música...
Aquilo me atingiu mais do que todo o resto.
But if he breaks your heart like lovers do
Just know that I’ll be waiting here for you
31. You can call it another lonely day
Harry acordou alarmado de um sonho que não conseguiu se lembrar do conteúdo. Encarou o teto com a mente ainda confusa enquanto ajustava seus pensamentos à realidade. Seu primeiro instinto, como sempre, foi olhar para o espaço ao lado – naquele momento vazio – na cama. E então, como um clique, se recordara.
Pobre Harry.
Aquele era o dia em que voltaria do Brasil.
Eu não vou dizer que gostaria de contar o que estou prestes a contar, mas é necessário. Talvez esse capítulo da história de Harry e seja doloroso; então prepare um lencinho e eu prometo entregá-lo com todo o cuidado.
Prontos? *Suspiro*. Vamos lá!
Harry sentiu como se seu corpo tivesse recebido uma nova dose de energia naquele dia e pulou da cama, disposto a fazer de tudo para consertar seus erros e ter a sua garota de volta.
Ele saiu do quarto e deu de cara com Margot, a senhora incrivelmente gentil que há tantos anos cuidava dos afazeres em sua casa.
- Bom dia, Margot!
- Harry! - Ela reagiu num susto. - Já acordado? Bom dia! Você está animado!
- Que horas são? - Ele se escorou no batente da porta e esfregou os olhos.
- Acho que um pouco depois das nove. Olha, eu passei no mercado e comprei algumas coisas, mas ainda não fiz café porque não queria que esfriasse até você acordar. Você quer que eu faça agora ou vai sair para correr antes?
H não gostava mais daquele tipo de café de cápsula, cujo você só aperta um botão numa máquina e está pronto. Ele tinha aprendido com a a esquentar a água em uma cafeteira, coando o pó fresco que impregnava a cozinha com aquele cheiro que ele adorava.
- Hmm. - Harry murmurou vagamente, ainda processando todas as informações em seu cérebro meio dormente. - Não se preocupe. Eu faço meu café.
- Ok. Posso limpar seu quarto agora?
- Por favor. - Ponderou por alguns segundos antes de continuar. - A volta hoje de viagem, seria bom se meu quarto não parecesse com a zona que está agora. - H deu um sorriso de lado, aquele que era sua marca registrada, e coçou a lateral da cabeça.
E também precisava lavar os cabelos e fazer a barba.
Fez uma lista mental de coisas a fazer antes de ir à casa de .
Quarto apresentável
Estar apresentável para ela
Não eram muitas coisas. Na verdade, ele tinha muitas outras coisas para fazer que não eram atreladas à , mas se sentia fisicamente incapaz de executar qualquer outra tarefa antes dessas pequenas questões que o levariam a resolução do assunto mais importante.
- Eu sinto falta dela. Uma moça tão doce e educada.
- Eu também, Margot. Eu também.
- Ela mantém você na linha. - Margaret deu um sorriso de lábios fechados enquanto gesticulava para a aparência levemente desleixada de Harry.
- Eu não sei o que aconteceu. - H suspirou e abriu um sorriso triste ao resgatar memórias. - Espero que ela volte aqui, as minhas gavetas estão cheias de roupas dela, são como fantasmas.
- Ela ainda está chateada?
- Considerando que ainda não está conversando comigo, sim.
Margaret carinhosamente afagou o braço do rapaz, o consolando.
- Você gosta dela, não gosta?
- Muito. - H sorriu ao perceber em como a resposta deslizou de seus lábios sem o menor sinal de hesitação. - Gosto tanto dela que meu peito até dói.
- Quando vocês conversarem, tenho certeza de que ela verá que suas desculpas são sinceras.
O cantor mundialmente famoso, que agora não parecia mais do que um menino de coração partido, balançou a cabeça, os cachos se mexendo na testa.
- O pior de tudo é saber que a culpa é minha, e ela tem todo o direito de nunca mais olhar na minha cara.
- Se ela gosta de você, vai te dar uma segunda chance, Harry. - A mulher afirmou com a convicção que faltava nele.
- O problema é que ela já me deu segundas chances antes.
Harry revisou todo o tempo que desperdiçaram, em que o esperou pacientemente. Nada o causava mais remorso do que pensar naqueles meses perdidos. Se lembrou de sofrer por Sophie enquanto tinha ali, se lembrou de se preocupar com impressionar Himawari em todas as vezes em que esteve no Japão e, inclusive, de tentar causar ciúmes nele a usando. A mulher a quem ele dizia ser apenas sua amiga, ainda que já soubesse que a relação deles não era tão simples assim.
Pensou também sobre quando foram ao Beachwood Cafe pela primeira vez, se lembrou do beijo que trocaram no carro e das suas palavras de conforto diante do medo que tinha de ser exposta. “Nós somos apenas amigos, você não precisa se preocupar em desmentir quem disser algo além disso.” Harry não fazia ideia do quanto suas palavras podiam machucá-la.
Todas essas coisas passaram porque estava o tempo todo o dando “segundas chances”, uma segunda chance para que ele não dissesse ‘somos apenas amigos’; agora se arrepende de ter dito em incontáveis vezes que sequer se lembrava todas, uma segunda chance de perceber que não era Sophie quem ele queria, uma segunda chance para arriscar algo com , uma segunda chance de perceber o quanto ela é incrível.
E agora H precisava de uma segunda chance ainda maior do que todas as outras.
Aquele provavelmente tinha sido o dia mais longo da vida de Harry. Ele sabia que o voo só chegaria de tarde, então dirigiu para a casa de apenas no fim do dia. Ansioso para revê-la, passou pela portaria apenas cumprimentando o porteiro com um aperto de mãos, sem parar para uma breve conversa fiada como sempre fazia.
Enquanto o elevador subia até o apartamento dela, H não conseguia parar de cutucar as cutículas, irritado que não tinha esmalte nas unhas para descascar. Travava um conflito interno mais complexo do que deveria ser sobre se deveria bater na porta ou usar sua própria chave. Ele tapeou o bolso, conferindo se o objeto não tinha misteriosamente evaporado dali.
De frente para a porta, ainda não tinha se decidido. Achou que o mais sensato seria bater.
E bateu.
Esperou.
E bateu de novo. E mais uma vez. Esperou mais um pouco.
Talvez ela estivesse no banho. sempre estava tomando banho.
Resgatou a chave do bolso e abriu a porta com cuidado, não queria assustá-la.
Da porta, com apenas a cabeça para dentro, chamou seu nome.
- ? Está aí?
Aguardou por um momento em silêncio. Não se ouvia o barulho de chuveiro. Não se ouvia nenhum barulho dentro da casa.
Entrou e fechou a porta atrás de si.
- ? Sou eu. Não se assuste, por favor. - Falava enquanto caminhava até o quarto.
Ao atravessar a sala de estar e o corredor, percebeu como tudo parecia muito ‘dentro’ do lugar para alguém que tinha acabado de chegar de viagem. E tudo muito organizado para alguém como , ela sempre tinha alguma coisa fora do lugar.
Onde estava o par de sapatos que ela tinha usado no voo? As chaves que ela com certeza deixaria na mesa do abajur? As sacolas de plástico de lojas que ela insistia em usar para colocar o lixo?
No quarto, teve a mesma sensação estranha que lhe apertou o peito.
Onde estavam as malas? A cama bagunçada? As roupas jogadas? Nem a gaveta do armário que deveria estar meio aberta, como se ela tivesse puxado qualquer roupa e fechado com desdém enquanto saia de pressa do quarto.
Tudo estava perfeitamente no lugar.
O apartamento todo se juntava em uma só evidência: não tinha chegado.
H nunca tinha feito o caminho de volta em tamanho torpor. Ele não sentia nada além da inércia que a ausência de causava. Inércia e arrependimento.
Quando abriu a porta de casa, ainda se sentindo esquisito, tinha um fio de esperança de que se materializaria atrás dela, o esperando com um sorriso. Apenas encontrou sua enorme casa vazia e ele sozinho ali dentro.
Harry tinha prometido que daria espaço e tempo para , mas quanto espaço ela precisava? Quanto tempo era tempo suficiente? Ele sabia que o tratamento de silêncio, embora merecido, não era um plano mirabólico (mirabolante e diabólico, como ninguém inventou essa palavra ainda??) de para o punir, ela era tão melhor que isso. No entanto, saber disso não o deixava menos ansioso, só o mostrava como ele realmente tinha fodido as coisas entre eles, tanto que ela não conseguia nem falar com ele.
Essa divagação toda é para dizer que Harry quebrou a promessa e acabou enviando uma – algumas, vai?! - mensagem para . Dormiu com o celular na mão enquanto relia as outras mensagens enviadas por ele, que assim como a mais recente, todas sem resposta.
A primeira coisa que Harry fez ao abrir os olhos foi checar as notificações de todas as suas redes sociais. Ele acordou pensando em , assim como tinha ido dormir. Era um novo dia e, inocente o bastante, criou teorias para justificar o possível motivo do sumiço dela. Algo poderia ter acontecido algo com o seu celular, não é? Ela poderia ter entrado em contato pelo Instagram ou...
Qualquer coisa que o cantor tinha imaginado se provou mentira quando ele entrou no perfil de e abriu os stories sem pensar muito no que poderia encontrar. Lá estava o perfil verificado de Harry Styles, 30 e tantos milhões de seguidores, stalkeando , que seguia mais do que tinha seguidores, e morrendo por dentro enquanto fazia isso.
A primeira foto que apareceu era de sentada numa cadeira ao lado de... procurou a marcação do IG da pessoa, e por que não se sentiu surpreso quando descobriu ser Daniel, seu ex?! A maldita foto que eles riam olhando um para o outro parecia que foi clicada sem que eles percebessem. No fundo, Harry identificou o que parecia um restaurante e, na mesa, havia garrafas de cerveja e água. As outras fotos passaram praticamente despercebidas, aquela era a única que importava.
Era simples assim: poderia destruir Harry com apenas uma foto. Harry Styles, aquele por quem mulheres (e homens) morreriam para ter um stories visualizado por ele, sabia que nada daquilo o impediria de se sentir patético.
E, naquele momento, ele odiou se dar conta disso.
Harry, não pela primeira vez naqueles últimos dias, se lembrou de algo que ele e haviam conversado, parecia, uma vida atrás.
- Você parece bem confusa agora. - Ele disse. - Você ainda gosta dele?
- Pensar sobre tudo me deixa confusa. Quero dizer, eu estava lá no Brasil, certo? E ele era um cara legal! Mas agora eu ‘tô aqui, nos Estados Unidos, sem data para voltar. Entende?
, que pintava as unhas de Harry, parou por apenas um momento.
- A minha vida virou de cabeça para baixo num piscar de olhos.
Na época que essa conversa aconteceu, Harry não pensou muito sobre a dificuldade de em ser direta, e se fosse ser sincero, ele nem se importava tanto assim. Na época.
Mas ali, naquele momento, rebobinando o passado, ele só conseguia chegar a uma conclusão plausível: ainda sentia algo por Daniel.
E Harry se sentia um tolo por nunca ter percebido isso antes. Na verdade, todas as suas inseguranças até então não passavam de mera especulação, sugestões sem fundamento, o famoso "jogar verde para colher maduro”, mas aquilo era possível, concreto e assustador. O único motivo pelo qual e Daniel não estavam mais juntos era porque ela estava nos Estados Unidos e ele no Brasil, de certa forma, ela tinha confirmado isso naquela conversa tão antiga. Agora ambos estavam no mesmo lugar e a distância, única coisa que os impedia de estar juntos, não existia mais.
E a única pessoa que poderia ter impedido aquilo havia feito exatamente o contrário. Harry tinha facilitado as coisas para Daniel e e quanto mais ele pensava nisso, mais ele se sentia devastado.
[...]
Harry encontrou os Gerber numa parte mais reclusa da praia. Como já tinha prometido não poderia desistir. Claro, isso tinha sido antes de descobrir que não voltaria na data certa.
O dia estava lindo! Tão ensolarado e a temperatura alta era a premonição do verão que estava há poucas semanas dali. O mar estava congelando como sempre. Esse era o mal da Costa Oeste, mesmo no verão, a água nunca era quente. Harry estava acostumado a nadar em águas frias, já que, na Inglaterra, essa era a única opção. Naquele dia, no entanto, ele desejava desesperadamente algo que pudesse esquentar seu corpo e não o contrário.
Harry adorava ir para Malibu, de qualquer forma. Fosse para gravar no estúdio, almoçar no restaurante dos Gerber, jantar no Nobu com ou fazer trilhas de bicicleta com o pai de Kaia. A cidade emanava verão o ano inteiro, com a vista estonteante do mar azul, pessoas bonitas e os badalados restaurantes do píer, os quais ele nunca havia frequentado, mas sempre que passava em frente sentia uma vontade súbita de parar o carro e descer para ver o que estava acontecendo que causava tamanho burburinho de pessoas.
Ele estava se esforçando como nunca para mascarar toda a sua confusão mental e emocional, mas sua frustração era tangível e gritava que ele não queria estar ali. Agora que estava, percebia que até que não tinha sido uma má ideia, mas odiava estar ali sozinho e seus pensamentos continuavam voltando para enquanto ele se perguntava onde caralhos ela estava.
- Você está esquisito. - Kaia comentou enquanto procurava o protetor solar em uma das bolsas.
- Estou? - Harry se fez de desentendido.
- Sim. Você escutou o que eu estava dizendo?
- Claro que sim.
Kaia fez uma careta de impaciência. Ela achava Harry um péssimo mentiroso profissionalmente, sempre dava risadas quando via suas entrevistas e todas as tentativas malsucedidas de evadir suas respostas. Só isso já dava uma ideia de como ele poderia ser duplamente pior mentiroso no âmbito pessoal.
- Problemas no paraíso?
- Olha, garota, ninguém diz isso, for fuck’s sake! - Harry brincou tomando o protetor de sua mão.
Harry gostava mesmo de Kaia. Ainda que a diferença de idade entre eles fosse grande, até que eles se davam bem. Ele praticamente tinha visto a adolescente crescer e a considerava como uma irmã mais nova irritante.
Eles sempre faziam companhia um para o outro, especialmente em eventos onde todos tinham um acompanhante e só os dois estavam solteiros. Quer dizer, nem sempre Harry estava de fato solteiro, mas estava acostumado a mostrar que sim, então nunca levava ninguém para que não complicasse um relacionamento que, às vezes, estava só começando. Solteiro, nem sempre. Sozinho, com certeza.
As coisas para Harry Styles poderiam parecer mais fáceis do que para o resto das pessoas, mas ele apenas lidava com outro tipo de difícil.
- Charlotte perguntou de você.
Harry conteve o impulso de perguntar “quem?” como resposta.
- Ela estava comigo quando minha mãe te chamou para a praia.
Claro! Charlotte! Como ele poderia ter se esquecido? A amiga de Kaia que ele pegou na festa de Halloween no ano passado.
Em um momento de distração de Harry, Kaia roubou o frasco de protetor de volta, espalhando um pouco nos braços. Ela usava uma calça jeans, mas a parte de cima estava coberta apenas por um cropped de tricô.
- Ela ainda espera que role algo entre vocês. Algo que vocês não fizeram na festa. - Comentou sugestiva.
Dessa vez, o impulso que Harry conteve foi o de revirar os olhos. Maldita mania que tinha passado para ele!
- Eu não quero ser grosseiro, mas sem chances!
- Por quê?
- Ela tem a sua idade!
- E daí?
- Ela é muito nova! Eu não vou transar com uma garota de 19 anos.
Harry tinha uma careta permanente de “que merda eu tava pensando quando fiz aquilo?”
- E? - Kaia incentivou.
- E eu tenho 25!
- Tem algo a mais aí. A idade dela não te incomodou quando você a puxou para o banheiro.
- Ela me puxou! - Harry se defendeu, ofendido. - Além do mais, eu não sabia a idade dela.
- Ah, qual é, Harry. Conta outra.
Mesmo que Harry soubesse, ele jamais admitiria. Não era como se ele tivesse feito algo ilegal, mas o drama de se relacionar com adolescentes entrando na fase adulta não era algo que ele necessariamente adoraria.
Além do mais, ele preferia morrer a admitir em voz alta que, já em outubro do ano anterior, enquanto estava com uma modelo na festa dando uns amassos proibidos no banheiro feminino que ele tinha subornado o segurança para entrar, a única pessoa que ele conseguia pensar era na, até então, somente amiga. E que ele tinha a deixado sozinha em casa estudando.
E em como se sentia errado em estar fazendo aquilo com . Mesmo que eles não fossem nada além de um sexo sem compromisso. Mesmo que ela também contasse sobre outras pessoas. Ainda assim, ele só queria ir para a casa dela e dormir com o cheiro de seus cabelos impregnando o nariz.
Pobre Harry.
- E então? Me conta! Charlotte já me disse tudo, por que não fizeram nada?
- Porque ela é uma adolescente! - Harry repetiu, irredutível.
- E é por isso que você está com essa cara de defunto?
- É por isso que você não tem namorado. Você não deveria dizer isso para os caras.
- Você nem conta!
- Eiii! - Harry reclamou, ofendido. - Por que eu não conto?
- Vejamos... Você não faz meu tipo. - Harry deixou escapar uma risada alta.
- Que bom, porque você também não faz o meu. Não gosto do cheiro de leite e tal.
- Cheiro de leite? - Kaia repetiu confusa.
- É! De quem acabou de mamar. Bebê.
Com um movimento brusco, Harry tomou mais uma vez o frasco de protetor solar e saiu correndo descalço na areia quente.
Ao redor, os pais de Kaia e os amigos ouviam os risos enquanto ela corria atrás de Harry. E ignoravam as câmeras apontadas para eles.
[...]
Harry encarou o grande portão de grades com seus olhos verdes arregalados, respirou fundo três, quatro, cinco vezes antes de abrir a porta do carro. Tudo parecia exatamente igual desde a última vez em que ele estivera ali.
Eu queria dizer que Harry caminhou em passos firmes em direção ao porteiro que o observava, mas não foi o caso. Ele já não tinha passos firmes normalmente, parecendo ter dois pés esquerdos e os joelhos que dobravam para dentro quando ele os flexionava. Ali, H sentia suas pernas como geleia. Enquanto se aproximava, ele podia quase materializar atravessando os portões, vestindo uma camisa de botões de seda branca e uma calça de linho cor de areia, ela o flecharia com seu sorriso brilhante que lembrava a vista do pôr do sol pela janela do seu quarto e...
- O-olá. - Sua voz também não era das mais confiantes. - Eu queria falar com a...
Como era mesmo seu sobrenome?
Harry entrou em pânico por um segundo.
Só queria se ajoelhar na frente do porteiro e implorar que ele o deixasse falar com sua . Talvez se chorasse o homem se sentiria comovido e entenderia que ele estava transtornado o bastante para não se lembrar do maldito sobrenome.
- ... Senhorita .
Mas nenhum drama foi necessário.
- Do departamento de transporte.
Ufa! Pelo menos o setor foi lembrado com facilidade. Ela falava o tempo todo, ele se sentiria uma fraude completa se esquecesse disso também.
O porteiro fez uma ligação de trinta segundos, tempo suficiente para que Harry tivesse suor transbordando por todos os poros do corpo.
- Ela está de férias.
Os ombros de H caíram tanto quanto sua decepção.
- N-não... Ela deveria ter voltado há dois dias. Vinte dias. Eram as férias. Ela me falou. - A voz de Harry saia fragmentada, tal como sua desolação.
- Desculpe, mas ela não está aqui. Você tem horário marcado?
O porteiro encarou desconfiado o carro de Harry que estava estacionado do outro lado da rua.
É óbvio que ir com a Ferrari havia sido uma péssima escolha.
- A estagiária dela! Lucy! Ela está aí, não está? Você deve ter ligado para ela. Eu posso falar com ela?
Dava para ver que o porteiro não estava com a maior paciência do mundo. E Harry também via; só não se importava.
- Senhorita Schulz, me desculpe incomodá-la novamente, mas tem um homem na porta insistindo em falar com a senhorita , eu já disse que ela está de férias, e ele disse que quer falar com você, então.
- Quem é? - Lucy perguntou do outro lado da linha. - Se for alguém que falou com ela por telefone e veio sem avisar, peça para voltar no mês que vem.
Harry não ouvia a parte dela da conversa e estava ansioso demais para prestar completa atenção no que o porteiro falava.
O porteiro, que não era o mesmo da primeira vez em que Harry fora ali, ou de quando Harry buscara porque estava chovendo, tampou a saída de voz do telefone ao dizer:
- Qual é seu nome?
- Harry.
Idiota!, Harry se xingou mentalmente. Deveria dizer primeiro seu último nome; estava na portaria de uma empresa nos Estados Unidos e, nesse país, usavam sempre o sobrenome, ele sabia disso.
- St-Styles. Harry Styles
- Você ligou antes? Falou com alguém que viria?
Harry negou com a cabeça. Ele não podia se importar menos com o fato de não ser reconhecido e, se fosse ser sincero, também não assumiria que um cara parado na porta de uma empresa usando uma camiseta desbotada e jeans rasgados seria de alguma forma alguém famoso. Harry Styles até achava ótimo quando não era reconhecido, mas, naquele momento, não poderia odiar mais que isso não o estivesse ajudando.
- Senhorita, Harry Styles é o nome dele. E parece ser um assunto pessoal.
Na sala que pertencia à , Lucy balançou a cabeça antes de soltar um “merda” inaudível.
tinha avisado à Lucy para não dizer nada para Harry sobre seu paradeiro, ela só não imaginava que ele fosse procurar sua chefe ali.
- Posso deixá-lo entrar?
- NÃO! Quero dizer, eu vou até aí falar com ele.
- Ok. Obrigado. - Com isso, o porteiro desligou o telefone e transmitiu o recado. - Ela está vindo.
- Muito obrigado, mesmo! - Harry agradeceu mais fervoroso do que tinha calculado.
Por um tempo que pareceu longo demais, Harry esperou. Até que, subitamente, a cabeleira longa e loira de Lucy apareceu no portão, fechando-o atrás de si ao passar.
- Oi, Lucy! Tudo bem? - Cumprimentou-a com um beijo no rosto, tentando agir o mais normal possível.
- Tudo bem, Harry e você?
- Tu-tudo bem. - Harry acenou com a cabeça e então ficou calado, olhando-a.
- E então? Em que posso te ajudar?
- Desculpe! - Harry balançou a cabeça e soltou um riso nasalado. - Na verdade, eu vim procurar a , ela não voltou de férias ontem?
Aquele estava sendo o diálogo mais vergonhoso da vida dele. E olha, Harry Styles tinha uma longa lista de diálogos vergonhosos. Então talvez seja um pouco exagerado de sua parte pensar assim, mas tudo era muito intenso quando estava na parada. Não era como se ele pudesse evitar.
- As férias dela ainda não terminaram.
- Eu fui na casa dela...
- Desculpe... - Lucy o cortou. - Eu não sei se ela já voltou ou quando volta do Brasil.
- Ok. - Harry balançou a cabeça e olhou para os pés. - E-eu...
- Me desculpe, Harry. - Lucy repetiu. - Eu realmente não tenho nada para te ajudar.
Harry estava exausto de retornar sem notícias de , dar de cara com a casa vazia e nada além da sombra deixada por todos os seus objetos pessoais que só serviam para provar que ela um dia esteve ali.
Ele caminhou até à poltrona ao lado de sua cama, onde um dos casacos de estava há dias pendurado no encosto. Puxou o casaco, mas se arrependeu instantaneamente quando o cheiro do perfume dela exalou diretamente para suas narinas. Precisou se sentar na poltrona, abraçando o casaco e escaneando o resto do quarto.
Embora não enxergasse dali, sabia sobre a necessaire de maquiagem que estava no banheiro, havia também a gaveta que ele esvaziou para que ela trouxesse suas coisas, agora cheia com camisetas, pijamas e qualquer outra roupa que achasse que precisava deixar na casa dele.
A única prova de que realmente não estava mais ali, era a sua própria ausência.
Harry não sentia vontade de chorar, era como se ele não tivesse mais lágrimas para isso. Mas conseguia sentir no peito a frustração crescente se transformar em raiva. Dele mesmo, é claro. Ele nunca se odiara tanto quanto naqueles últimos tempos.
Ainda assim, se fechasse os olhos, poderia facilmente se enganar, fingir que tinha acabado de chegar e só estava tomando banho, que sairia pela porta do banheiro a qualquer momento, uma toalha enrolada na cabeça e vestida em qualquer que seja a roupa que ela tenha achado pendurada nos ganchos atrás da porta.
Suspirou, levando as mãos aos cabelos e os puxando para trás.
Enviou três mensagens seguidas para . As duas primeiras contando que tinha ido em seu trabalho e o que Lucy o tinha contado. A última pedindo para que ele pudesse ligar para ela.
Ignorado, é claro.
Enviou outra mensagem.
Ignorado.
Ele não tinha absolutamente mais nada a perder, então ligou para ela mesmo sem resposta.
A ligação chamou, chamou, chamou e... caixa postal.
- QUE MERDA, ! ATENDE O TELEFONE!
Harry jogou o celular na direção da cama, que aterrizou na pontinha, quase caindo do outro lado. Ele tampou o rosto com as mãos, irritado por estar irritado.
Harry se levantou e alcançou o aparelho, desiludido, sentia o despedaçar de mais um pedacinho do seu coração. Pobre Harry. Persistente como era, apertou o botão de “chamar” mais uma vez.
E chamou... chamou...
- Alô?
Harry tomou um susto ao ouvir a voz de do outro lado da linha. Como doía ouvir a sua voz e não saber como ela estava. Como doía não estar ali, sentada ao seu lado na cama, fazendo carinho nos seus cabelos e esfregando seu pé no dele.
- ? - Perguntou, ainda sem acreditar.
- Oi, Harry. - Ela não parecia nada animada ao falar com ele. Mas mesmo assim, só o fato de ela ter o atendido era suficiente para o dar esperanças.
Uma emoção avassaladora tomou conta de Harry e ele se percebeu querendo chorar de alívio. Todos os seus impulsos o diziam para declarar seu amor. “Eu te amo, .”, era o que H queria dizer. Mas o que a desejar com todas as suas forças o ajudaria em tê-la de volta?
- M-me desculpa estar te ligando, eu sei que disse que te daria espaço. E que você deveria ter voltado há dois dias e e-eu fui à sua casa e não tinha ninguém. Fiquei preocupado. Está tudo bem, não está? Sim?
- Eu estou bem, não se preocupe.
Harry puxou o ar, mesmo que achasse que não perderia a oportunidade de falar com ela mesmo se não respirasse mais.
- Aconteceu alguma coisa? Você perdeu o voo? Você precisa de alguma coisa? Dinheiro? Passagens? Uma carona do aeroporto até em casa? Precisa que alguém te busque direto no Brasil, sei lá? Qualquer coisa. Qualquer coisa.
soltou uma risada fraca que aliviou um pouco o aperto no peito de H.
- Não aconteceu nada. Eu só adiei as minhas passagens de volta. Eu estou... ahn... indo para São Paulo, para o meu apartamento.
- Seu... apartamento? - Harry perguntou debilmente. - Você tem um apartamento em São Paulo?
Milhares de perguntas passaram pela cabeça do nosso querido cantor naquele momento. As principais eram: O que faria em seu antigo apartamento e por quê?
- É alugado. Um casal de amigos mora lá agora, eu vou visitá-los.
- Mas por que adiou suas passagens? E o seu trabalho?
- Eu ainda tenho alguns dias de férias. E está tão bom aqui, sabe? Eu senti muita falta da minha família e amigos.
- Você quer dizer que... o quê? , você está dizendo o quê? - Harry gaguejou, em pânico. - Que talvez você não volte?
O outro lado da linha ficou mudo. O silêncio seguiu-se em uma longa pausa.
- Eu não sei.
[...]
Harry tinha que tratar de negócios em Londres.
Ele não queria ir de jeito nenhum. Nosso querido cantor queria ignorar que tinha um álbum em pós-produção e simplesmente se sentar nas escadas do prédio de até que ela resolvesse aparecer. Bater em sua porta até quebrar um dedo ou se arrastar pelo chão até ter farpas nas juntas... Dessa vez não figurativamente. Mas ficou engraçadinho mesmo assim, né? (Tô falando da referência a Only Angel se você faz parte do time dos lerdinhos)
Falando em músicas, Harry, a gravadora e sua gestão precisavam alinhar os últimos detalhes e começar a agendar as promos em rádios, programas de TV, gravação do single... uma lista infinita de coisas que ele não conseguia ficar parado no lugar só de pensar. Ele estava dividido entre se sentir animado com o próximo passo na sua carreira ou continuar como um moribundo porque a sua vida pessoal estava declinando mais rápido do que soltar o freio com o carro embalado num morro.
Além de tudo, ainda faltava a parte mais importante e que estava o deixando mais agitado do que animado: definir, de vez, as músicas do álbum.
Mesmo com o álbum finalizado, Harry não conseguia parar de escrever. Nos últimos vinte e poucos dias escreveu duas novas músicas e, uma delas, Boyfriends, pensava seriamente se deveria inclui-la. Seria mais uma sobre , ou, nesse caso, como ele se sentia sobre ela: Um péssimo namorado.
Harry também tinha resgatado uma música que escrevera para um dos álbuns da banda, essa ele tinha nomeado de Half The World Away e considerava gravá-la, não tinha nenhuma música que representasse o momento que ele passava agora como aquela. A linha que diz “it kills me that you’re not around” tinha conseguido não só trazer à tona tudo o que ele sentiu quando escreveu a música a uns bons cinco anos atrás, mas adicionado novos sentimentos que pareciam ainda piores.
No fim, H tinha 16 músicas prontas para o álbum e queria diminuir esse número para 13. Como ele escolheria quais cortar? Ele ainda não tinha descoberto. E se o fato de estar por aí no mundo já não o estivesse tirando o sono, isso certamente tiraria.
De qualquer forma, Harry sabia o que ele não poderia fazer: Ir para Londres sem ver sua . Ele não sabia ainda quanto tempo ficaria fora da América e esperava que pudesse pelo menos vê-la antes de ir, sabia também que tudo estava para virar de cabeça para baixo em sua vida, uma vez que seu retorno com um trabalho novo fosse divulgado, ele trabalharia por muitos dias sem parar e não teria tempo suficiente para ficar indo atrás dela. (Não o leve a mal, ele faria isso com prazer, rolando pelo chão e tudo.)
Tantas coisas em sua cabeça para se preocupar, queria poder resolver tudo com , assim, ele poderia focar em outras coisas sem se preocupar, porque se tudo desse errado no final, pelo menos ele ainda a teria ao seu lado.
Era cedo quando Harry dirigiu até a casa de , seu voo sairia ainda naquela manhã e ele não queria correr o risco de ela já ter saído para trabalhar também. Claro que ele sempre corria o risco de ser assassinado se a acordasse, mas, naquele ponto, qualquer interação com ela era melhor do que interação nenhuma.
O céu estava fechado, como era costumeiro naquele horário em Los Angeles. Havia muita neblina, ainda que se pudesse sentir o calor abafado no ar. Logo ficaria quente demais para que qualquer pessoa nascida e criada na fria Inglaterra pudesse suportar.
Harry bateu na porta como tinha feito a algumas noites atrás e, em seguida, enfiou a mão no bolso para resgatar a chave. Ele tinha esperanças de aparecer na porta, mas também precisava ser realista e queria se preparar para entrar no apartamento e não a encontrar. Afinal, ela tinha dito que não sabia quando voltaria. Se voltaria. O pensamento de nunca mais a ver o fizera estremecer. Ele se recusava a considerar essa possibilidade, parecia completamente maluco que eles nunca mais se vissem. Ela não poderia fazer tal coisa com ele, simplesmente sumir de sua vida assim. Harry não sabia se aguentaria a perder. Bem, ele sabia que a tinha perdido, de certa forma, mas jamais suportaria que ela o desprezasse para sempre.
Seu coração, que acelerava as batidas gradualmente conforme seus pensamentos o preocupavam, parou por fisicamente dolorosos segundos quando seu ouvido captou o barulho da maçaneta. Era isso, o fim da vida de Harry, ele poderia cair duro ali mesmo. Seus olhos arregalados em expectativa não piscaram.
- Oh, Olá! Harry, certo?
Uma coisa que Harry não tinha considerado era encontrar outra pessoa no apartamento de . What the he-?
- Campbell! - Harry disse assustado e em um tom agudo. - Digo, Henry!
- Oi. - O homem riu e estendeu uma mão para cumprimentá-lo. - Tudo bem?
- Tudo ótimo. - H sorriu sem graça. - Uh, cadê a ? - Tentava enxergar qualquer coisa dentro do apartamento por cima do ombro do outro.
- Você quer entrar? - Campbell perguntou educado e abriu espaço para que Harry passasse.
H abaixou a cabeça, com medo de não conseguir conter suas expressões faciais. Campbell tinha o convidado para entrar como se a casa fosse dele. H faria o mesmo, sabia disso, mas não pôde evitar se sentir irritado com a audácia.
- Obrigado. - Harry falou quando estavam do lado de dentro e Campbell já tinha fechado a porta.
Henry Campbell não era muito mais alto do que o rapaz à sua frente, embora uns bons dez anos mais velho e obviamente mais forte e largo. Intimidaria qualquer cara e, às vezes, até mesmo as mulheres.
H sentiu a tensão apesar do tom cordial e mal imaginaria que Campbell queria e poderia ter acertado um soco no meio do nariz dele quando o encontrou na porta, mas bem, ele era Harry Styles e Campbell não queria ser processado. Ainda assim, ele não conseguia entender como alguém poderia ser burro o bastante para ter feito tudo aquilo com .
Para Henry, H deve ter uma explicação que faz muito sentido para justificar a atitude.
- Então... está aqui?
- Não.
- Onde ela está?
- No Brasil?! - Campbell respondeu aborrecido, enquanto apertava o punho com força.
H deu um passo para atrás, intimidado pela hostilidade do outro.
- A pergunta certa é: Por que você está aqui?
O cantor não entendeu se a pergunta queria dizer por que ele estava ali, na casa de , ou por que ele estava nos Estados Unidos e não no Brasil com ela.
- Vamos. Estou esperando. Fale! - Campbell pressionou após o silêncio.
Ficou claro para H que Campbell sabia de tudo. Estava ali o tempo todo na cara dele. E, se ele sabia de tudo, tinha ligado para ele para contar. Então, aparentemente, o único do outro lado do continente sendo ignorado, era Harry.
- Quem você acha que é? O pai dela? - H respondeu com uma pontada de irritação.
Harry já não era o maior fã de Campbell e a última coisa que ele queria era ter que dar explicações para o cara que tinha fodido . Sentia sua pele formigar apenas com o pensamento dos dois juntos.
- Se isso fosse sobre a minha filha você sairia daqui com um olho roxo, então não banque o engraçadinho comigo.
Os olhos de Harry desviaram automaticamente para os punhos cerrados de Campbell e ele teria dado outro passo para trás se não estivesse encurralado.
- Você faz mesmo o tipo agressivo. - Harry deu um sorriso calmo, analisando-o de cima a baixo - Posso me sentar? - Completou, apontando na direção do sofá.
Harry tinha um ensaio fotográfico em dois dias, um olho roxo seria um desastre. Ele precisava abrir uma distância segura entre eles, não podia correr o risco de Campbell perceber que valia a pena o risco de socar Harry Styles. E nem perceber que o próprio cantor acreditava merecer o soco prometido.
- Eu já estava de saída e receio que não gostaria que você ficasse aqui. - Henry cruzou os braços.
- Eu tenho a chave. - Mostrou o pequeno objeto que ainda estava em sua mão. - Não acho que ela não se importaria.
- E eu tenho certeza de que ela não se importaria... antes de tudo o que você fez.
Harry se sentou mesmo assim, cruzando as pernas e as mãos sobre o colo, enquanto Campbell continuava parado de braços cruzados na entrada do cômodo.
- É mesmo? Então me diz, Henry, o que eu fiz?
Aquela situação não era nem de longe o que Harry tinha imaginado, ele não tinha ido ali para enfrentar ninguém. E ele normalmente nem reagiria assim lidando com alguém aparentemente agressivo, mas alguma coisa dentro dele o fazia querer competir com o outro homem.
- Eu sei de tudo. A me contou.
- Toda história tem dois lados.
Henry deu a volta por trás do sofá e se sentou de frente para Harry.
- Justo. - Falou por fim.
Harry encarou o homem à sua frente, não sabia se ria ou se levava a sério.
- O quê? Você quer que eu me explique para você?
- Bem, você quem disse que tem o seu lado da história. E, sinceramente, essa parece ser a sua melhor chance da sua versão chegar até . - Henry entrelaçou as mãos na frente do corpo. - Você ‘tá sabendo que ela disse que talvez não volte? O sonho da vida daquela mulher é estar aqui!
Harry ficou ainda mais preocupado. Se já estava falando com outras pessoas sobre não voltar, talvez fosse mais possível do que ele estava se permitindo acreditar.
- Isso é tudo o que importa para ela. Ela terminou um noivado por isso. E, de repente, VOCÊ fez algo que a afetou tão profundamente ao ponto de ela questionar as próprias escolhas. Se você não percebe o quanto isso é uma merda bem séria, eu não sei nem por onde começaria a te explicar.
Harry tentou manter a expressão neutra, mas o que entrou em seus ouvidos o deixou quase em pânico.
- Terminou u-um noivado?
Harry queria gritar, quebrar algo, chutar alguém; se possível, ele mesmo, bem na bunda. Uma voadora nas costas não resolveria sua culpa. Sua cabeça doía, eram tantas vozes o dizendo coisas ao mesmo tempo. Por que aquilo estava acontecendo? Por que ele tinha que ser tão estúpido e achar que o que ele e tinham era garantido? Ele foi tão confiante, convencido de que nada poderia estragar o que eles sentiam um pelo outro que ele mesmo se perdeu... Como Ícaro, que voou muito perto do sol.
Enquanto dirigia em direção ao Beachwood Cafe, H recebeu uma ligação de Tom.
- H, onde você está?
- Indo para o aeroporto. Parei para comprar café.
Uma meia-verdade, no máximo.
- Que horas são? - Se lembrou de repente, ele não fazia ideia de quanto tempo tinha ficado conversando com Henry.
- Você tem vinte minutos para chegar.
Vinte minutos do Beachwood até o LAX? Só com um milagre.
- Porra! - Harry esbravejou, batendo as mãos no volante.
- Você precisa se apressar ou vai perder o voo!
- O que é perder mais uma coisa, não é mesmo?! Já estou acostumado. - Harry rebateu com amargura.
Eu sei, eu sei. Isso soa bem drástico, mas o coitado se encontrava em um beco emocional sem saída. E, conhecendo Harry através de seu histórico de músicas, sabemos que ele tem essa tendência a sair completamente dos eixos se uma única coisa dá errado.
- O que foi? - Tom nem precisava perguntar para saber qual era o motivo de tanta dramatização.
- A não voltou... - H suspirou alto. - E tinha um cara no apartamento dela.
- Um cara?
- É. Um amigo dela. - Ele especificou, o tom de nojo. - Está cuidando das plantas dela ou qualquer merda assim. Longa história, te explico sobre isso depois.
- H, meu amigo, eu não entendo por que você não deixa isso para lá! Se a não quer mais falar com você, desiste!
Harry soltou uma gargalhada curta e irônica.
- Oi, tudo bem? Prazer, meu nome é Harry. Tem certeza que me conhece?
Era ultrajante ouvir de alguém que o conhecia tão bem uma sugestão acompanhada do verbo 'desistir'.
- Você precisa seguir em frente em algum momento. Isso não vai demorar a acontecer com ela.
- Não. Hã-hã. - A negativa saiu pelo nariz.
- Não é como se você nunca tivesse terminado com outras pessoas antes, ou as trocado por outras, ou traído.
- Não. Isso é diferente!
- Como, H?
- Como assim, “como”? Porque é da que a gente ‘tá falando, Tom! Você conhece a ! É diferente com ela. Ela é diferente!
- Eu tenho certeza que sim. Sei que ela é uma garota incrível. E eu a amo de paixão, a considero uma amiga mesmo. Só que há muitas pessoas por aí, entende? Que você pode se relacionar.
- Não! - Harry continuava negando com a cabeça também, mesmo que Tom não pudesse ver. - Pode ter outras pessoas, mas nenhuma é ela. E se disserem que sim, eles estão mentindo!
- Eu só espero que você esteja escrevendo músicas sobre isso.
Harry revirou os olhos tão fortemente que se sentiu tonto. Ele se lembrava perfeitamente das palavras ditas por Tom há menos de um ano “Namore mulheres incríveis, ou homens, ou quem você quiser, deixe que quebrem seu coração e escreva sobre isso", mas escrever significava para Harry fechar um ciclo. E isso era o extremo oposto do que ele queria que acontecesse.
- Eu não quero seguir em frente, Tom! Eu a quero de volta. Eu quero consertar as coisas!
- E como você vai fazer isso se não consegue nem a encontrar?
Harry quase parou o carro na esquina mesmo, que se danasse as multas! Queria culpar Henry Campbell por ter o tirado do sério ou até mesmo a ligação com Tom, mas sabia que se alguém tinha culpa em algo, era somente ele mesmo. H precisava beber, mas onde ele encontraria algo – decente – aberto às nove e pouca da manhã em Hollywood? Não era como se ele pudesse descer a rua e entrar em qualquer loja de licores da Calçada da Fama.
Contrariado, parou o carro no estacionamento ao lado do Beachwood Cafe. Ele sabia que seria impossível chegar ao aeroporto em vinte minutos e causar um acidente porque ele tinha estacionado no meio da rua não o ajudaria a vencer esse tempo.
Ao entrar, notou que o local estava vazio. A cafeteria não era a mais popular, Harry sabia disso, especialmente porque ficava numa parte reclusa na ponta das colinas de um bairro classe alta. Mas, para aquele horário, onde estavam os velhinhos que saíam para caminhar e passavam ali para tomar o primeiro café do dia?
Parou no balcão de retirada.
- Bom dia! - Forçou um sorriso. - Como você está? - Perguntou para a moça que o atendeu. - Eu queria o café da casa, preto, para levar.
A atendente fez uma careta.
- Desculpe. Estamos sem café. Temos outras bebidas, se você preferir.
- O quê? Como assim vocês estão sem café? Como uma cafeteria não tem café?
- Uh... - A garota gaguejou, sem graça. - Tivemos um problema com a carga, mas se você quiser esperar, acho que estará pronto em trinta minutos.
- Não tem nenhum outro café?
- Temos um espresso descafeinado.
- Nah, tudo bem.
- Desculpe mais uma vez. Há alguma outra coisa que eu possa te servir?
- Não. Obrigado. Tenha um bom dia.
O jeito seria beber café no avião, isso SE ele conseguisse embarcar. Ótimo! Mais alguma coisa para dar errado naquela porra de dia que tinha acabado de começar?!
[...]
- Nossa, eu não vou num jogo de futebol há meses! - H gritou no ouvido de James Corden, enquanto batia palmas.
- Oh, mate, esse está sendo um bom jogo! - James respondeu, também batendo palmas.
- Eu nunca tinha vindo em um jogo no Wembley. - Mitch mencionou.
- Estaremos tocando aqui em breve, meu amigo. - Harry replicou, dando dois tapinhas no ombro dele. - Em dois álbuns, é aqui que vamos estar. Eu sei disso.
- Eu tenho certeza disso! - James concordou, passando um braço em volta do ombro de Harry. - Você é incrível, Harold!
Harry mal tinha acabado de finalizar segundo álbum, mas sabia que se trabalhasse bastante, o terceiro seria tocado ali, para um público de noventa mil pessoas. Aquela era a meta no momento.
Ele tinha essa coisa de planejar o que faria com cada álbum. Era uma escada, H sabia disso. No primeiro álbum, ele começou devagar, tocando em espaços pequenos. Já para esse próximo álbum, Fine Line, ele estava pronto para ir para arenas maiores. Ele sabia que, fazendo isso agora, o terceiro poderia ser em estádios. Ele só precisa trabalhar assim agora e então, em breve, muito em breve, em dois, três anos, ele poderá fazer desse jeito.
Será que estaria com ele até lá? Ele esperava que sim, que fossem amigos, pelo menos. Ela era sua fã, afinal. Odiaria saber que teria arruinado até aquela parte para ela. Ele esperava que, independentemente do desfecho de suas histórias, ela ainda pudesse gostar de suas músicas, ainda mais que agora parecia que todas eram sobre ela. E Harry sentia que elas ainda seriam sobre ela por algum tempo.
Estaria H ainda cantando sobre em Wembley um dia? Ele já sabia que pelo menos uma das músicas que escreveu para ela seria um single no álbum. Um single é uma música que alcança além dos fãs, então Harry perpetuaria aquele sentimento no mundo, mesmo que talvez não existisse mais quando as pessoas finalmente pudessem ouvir.
- O que foi, H? - James perguntou.
- Uh? Oi?
- Você ficou calado, parece que viajou.
- Desculpe. O que você perguntou?
- Nada. - Riu. E Harry riu junto.
Harry tinha uma participação no Late Late Show de James em LA mais ou menos em duas semanas. Ele ia jogar dodgeball. Era só isso que ele ia fazer por lá, já que ainda não tinha música nova para apresentar. Era uma boa estratégia de marketing, ele achava. Começar a aquecer o público novamente com a sua imagem, pois em breve ele anunciaria o lead single, uma música que ele escreveu para Sophie, infelizmente. Na verdade, H gostava de pensar que a música dizia mais sobre ele e como ele lidou com uma situação em particular da sua vida, do que sobre qualquer outra pessoa. Achava que nada melhor do que começar uma era encerrando outra. A última música que ele escreveu sobre aquilo e então... . Tudo depois foi apenas sobre ela e sobre ele quando não estava com ela.
Até o programa, Harry tinha três sessões de fotos, duas entrevistas para revistas – que só sairiam com o lançamento do álbum – e precisava ensaiar algumas músicas, porque também ia para a Itália se apresentar com Fleetwood Mac em um evento da Gucci. Fazia pouco tempo que ele tinha visto Stevie e já estava com saudades. Queria convidá-la para ouvir o álbum na próxima vez que eles estivessem em Londres ao mesmo tempo. Esperava que até lá ele e já tivessem voltado a conversar, assim ele poderia até mesmo fazer uma listening party e ela poderia ouvir o álbum pela primeira vez também, junto com Stevie.
Jezz! Como ele queria que e ele estivessem ao menos se falando! Todas essas coisas emocionantes acontecendo com ele e tudo o que ele conseguia pensar era em como ele queria contar tudo para ela. Não, ele queria dividir tudo aquilo com ela.
H se permitia fantasiar como seria quando tudo ficasse bem, ele levaria para Venice, eles poderiam checar os restaurantes favoritos dele e andar de gôndola juntos; num passeio bem romântico, segurando seu chapéu para não sair voando e rindo do cabelo de Harry voando junto. Ele riria da sua risada, enquanto tentava sem muita determinação jogar os cabelos para cima, mas chacoalhando a cabeça logo depois, porque queria que continuasse rindo de como ele parecia engraçado com os cabelos fora do lugar. Eles poderiam nadar em algum lago próximo da costa e dançar lento em cima das pedras. Ele roubaria alguns, ou muitos, beijos e daria uma apertadinha na bunda de porque gostava de como ela pulava surpresa sempre que ele fazia isso. Eles poderiam se sentar no balcão da cozinha, o ar-condicionado correndo pela casa enquanto bebem o vinho menos duvidoso que conseguiram encontrar no mercado mais próximo.
Seria um verão perfeito. E Harry tremia ao pensar que aquilo poderia jamais sair de sua cabeça.
Do outro lado do oceano... Ok, não é do outro lado do oceano considerando que os Estados Unidos e o Brasil estão no mesmo continente. Era só para causar efeito.
À 9.906km de distância, não acordou abruptamente de um sonho... Até porque o Brasil está quatro horas à frente de Los Angeles no fuso horário e, por isso, quando Harry acordou, já estava almoçando.
Mas isso não vem ao caso.
O que quero dizer é que a gente está voltando para o momento em que Harry estava acordando no início, mas dessa vez... é a . Até aqui você tá me acompanhando?
Ótimo.
Então, na verdade, deveria estar em um avião a caminho de Los Angeles naquela hora, mas uns dias – irrelevantes – atrás, ela tinha decidido que ficaria mais tempo.
Simples assim.
Fosse porque ela não estivesse pronta para voltar à sua atual vida, que incluía o famoso Harry Styles, talvez esperando-a, talvez não. Fosse porque a parte de si que acreditava que ele estava a esperando, queria torturá-lo. Fosse porque a parte de si que acreditava que ele tinha desistido deles, torturava-a.
estava sentindo falta da sua vida em Los Angeles. Eu não quero que você me entenda mal aqui! absolutamente amava estar rodeada por tudo no Brasil – as pessoas, lugares, cheiros que lhe eram tão familiares –, mas tinha algo sobre estar na sua própria casa, rodeada das suas próprias coisas, vivendo sua própria vida que, no fim das contas, pesava a balança um pouco mais para um dos lados.
Ela tinha uma rotina em LA, gostava das coisas de uma certa forma e se percebeu incomodada com os mais irrelevantes detalhes. Como a diferença na máquina de lavar roupas – e ter que realmente pendurá-las para que secassem! –; parecia tão retrógrado não ter uma secadora. O barulho de ter outras pessoas em casa, e até mesmo o cheiro do amaciante parecia errado, ou aquele travesseiro antigo que um dia fora seu, mas que agora tinha a sensação de que tinha pegado emprestado de alguém que ela nem conhecia. Sentia falta de retirar rapidamente qualquer coisa que quisesse comer e de tomar starbucks no café da tarde com Lucy. Ela odiava ter que descer do carro para abastecer (Harry sempre fazia isso por ela), e percebeu que odiava mais ainda ter que esperar longas filas para que o frentista o fizesse.
Contudo, ela sentiu falta do seu guarda-roupas. Essa coisa de closets e ter que guardar as calcinhas em caixas não era com ela. Sentia falta das gavetas dentro do guarda-roupas, ou da geladeira cheia de garrafas de qualquer coisa reutilizadas para gelar água (nos Estados Unidos as pessoas simplesmente compram o fardo de garrafas e vão colocando conforme o uso para gelar). Ela queria que houvesse um jeito de levar seu guarda-roupas do Brasil para LA e ela não podia simplesmente começar a servir água para seus convidados em copos aleatórios, seria um choque para eles.
Era dualidade a deixava com um sentimento agridoce ao passo em que reconhecia que nenhum lugar nunca seria o encaixe perfeito para alguém como ela. E, no fim, como uma verdadeira brasileira, era só uma questão de se acostumar com o que era disponibilizado a ela.
queria voltar para São Paulo para visitar alguns amigos e ex-colegas de trabalho que não conseguiu ver quando chegara. Augusto e Felipe ficariam mais do que felizes de a hospedar novamente. Ela só precisava acertar os últimos detalhes com eles. Também precisava criar coragem para se despedir de todo mundo, porque, afinal, uma vez em SP, ela não teria chances de voltar antes de ir para Los Angeles de novo.
Como sempre, viu a mensagem que Harry tinha enviado assim que a notificação chegara. Assim como viu todas as outras, e as ligações eventualmente perdidas também.
Só não estava pronta. Para o que quer que fosse que envolvesse o nome dele.
Sabia, no entanto, que tão certo como o fato de ela ter que voltar para Los Angeles, ela não poderia ignorar Harry para sempre.
[...]
Aquela foi mais uma noite em que passou acordada, encarando o teto e o telefone. Mais alguns dias e ela voltaria para casa.
Todas as noites passadas em claro eram à espera de uma ligação bêbada de Harry – era o padrão que ele tinha estabelecido naqueles primeiros dias conturbados –, mesmo que ele não ligasse mais desde que ela pediu. Ela se sentia agradecida por isso, por H respeitar o seu espaço, mas não podia negar que sentia sua falta.
“Às vezes, o antídoto é o próprio veneno”, Campbell havia lhe dito. Harry, o causador da sua dor, era, inegavelmente, o único que ela queria para curá-la. E como ela queria que H fizesse isso? A segurando em um abraço firme, enquanto a assegura de que tudo não passou de um mal-entendido e que ela é a única pessoa que ele quer.
Só que isso não significava que ela facilitaria as coisas. Como ela acha que Harry faria isso se ela sequer respondia suas mensagens? Parece simples: não queria falar com Harry, mas desejava secretamente que ele quisesse falar com ela.
só queria que as coisas voltassem a ser simples como antes, mas se ela realmente parasse para refletir sobre isso, veria que as coisas nunca foram simples para ela.
Ela não dormiu nada naquela noite. Como em várias outras, imaginava como seria se H estivesse ali. Imaginava todas as conversas que teriam tarde da noite, quando estavam tão conectados e envolvidos pela presença um do outro que se esqueceriam do sono. Imaginava, também, como seria sentir o calor de seu corpo a abraçando quando eles dormissem atravessados na sua antiga cama, naquele exato mesmo quarto onde há muitos anos antes tinha o rosto angelical de olhos verdes impresso em todas as paredes. Vergonhoso.
Havia a promessa invisível de todos esses pequenos momentos impremeditados que H e viveriam juntos no Brasil, nada além de minutos passageiros que jamais existiriam e que agora eles nunca experienciariam.
Era assim que ela ia se deitar e se levantava no outro dia sem ter pregado os olhos. Ela não via o tempo passar, porque ela não conseguia tirar H de sua cabeça.
Tudo o que queria era fazer Harry feliz.
Claro, isso foi antes de seu ídolo, o cara que ela mais amava no mundo, a fazer se sentir como a pessoa mais triste do universo.
Lucy tinha ligado para mais cedo para contar que Harry tinha aparecido na porta da firma procurando por ela. A mulher não imaginara que H iria tão longe ao ponto de fisicamente a procurar. Ela não sabia se ria de nervoso ou se chorava de estresse. Harry estava passando de todos os limites! Ele poderia bagunçar sua vida pessoal o quanto quisesse, mas era inconcebível que ele envolvesse qualquer aspecto da sua vida profissional nisso. Se uma coisa que tinha orgulho era de nunca misturar profissional com o pessoal e ter seu pseudo ex-namorado (essa definição patética é completamente dela, eu não tenho nada a ver com isso) fazendo uma cena na porta do seu trabalho era um NÃO bem grande.
tinha tantos sentimentos conflituosos que tinha vontade de explodir só para acabar com tudo de uma vez. Não que ela pensava em estar morta de forma alguma. Não era para tanto assim.
Mas ela também queria dar a louca, surtada e gritar na cara de Harry, exigindo que ele se explicasse e justificasse plausivelmente tudo aquilo, mas tinha tanto medo do que ele diria. Ela sabia que não suportaria o ouvir dizendo “é tudo verdade” (assim como fez com a pobre da Taylor Swift, não vamos nos esquecer do histórico do gato), seguido de algum pedido esfarrapado de desculpas enquanto ele choramingava que o que ele fizera tinha sido um erro. Não, não tinha sido um erro. Harry escolheu trair , mesmo que ele não tenha ficado com Kendall naquela noite, ainda assim se sentia traída de alguma forma por toda a situação.
Dá para imaginar também? Você vai dormir morrendo de orgulho do seu namorado e quando acorda a internet está cheia de fotos dele com outra mulher? O mundo inteiro dizendo que eles foram embora juntos e, mesmo que não saibam, você foi corna. E mesmo que você não foi corna, você ainda assim foi traída, excluída, desconsiderada.
A única explicação que conseguia formular é que as celebridades talvez tivessem algum acordo tácito entre eles e essas coisas não contavam, mas esqueceram de informá-la das regras.
Agora, quem ligava era Harry.
sentia seu coração bater como uma bomba, temporizando a explosão que ela premeditava e que formaria um buraco em seu peito.
A capinha do celular estava molhada sobre sua mão suada. Petrificada, segurava firme o aparelho enquanto olhava vidrada para a foto dos dois que aparecia sempre que eles se ligavam por FaceTime.
Era a segunda ligação seguida. Covardemente, ela queria justificar que tinha perdido a primeira porque não sabia como sua raiva reagiria ao confrontá-lo sobre a ida dele ao seu trabalho. Era apenas mais uma máscara, é claro. não sabia o quanto seus sentimentos intensos a atrapalhariam a lidar com Harry de forma racional e madura.
só via uma opção, ir embora antes que Harry a deixasse de vez.
[...]
A expressão ‘cabeça no mundo da lua’ nunca fez mais sentido para do que naquele momento. De fora, parecia que ela era um zumbi, se arrastando pelos corredores do supermercado enquanto todas as suas ações eram automáticas. A mente fervilhava, tantas coisas para se pensar ao mesmo tempo.
Seu telefone vibrou e ela o tirou do bolso de trás da calça tão rapidamente que quase o derrubou. tinha tanta certeza de que era Harry que mal percebeu sua expressão aborrecida ao ler o nome de Docinho na notificação.
- Que isso? - Ela se virou para a amiga. - Por que tá me mandando mensagem se você tá do meu lado?
- Abre. - demandou simplesmente.
o fez, a mensagem era nada além de um cartão de contato.
- É o telefone de uma clínica de botox. - Encolheu os ombros, o tom de voz inocente. - Você vai precisar se continuar franzindo a testa com tanta força assim. - Explicou e soltou uma gargalhada instantânea.
- Se foder você não quer, né?
- Eu adoro! - riu também e revirou os olhos e suspirou dramaticamente com a resposta maliciosa.
era uma trouxa! Isso mesmo, trouxa! Burra e idiota! Era assim que ela se sentia. Estava ali no mercado fazendo compras de coisas que levaria consigo de volta para a Califórnia e, obviamente, a cada passo lá dentro, ela via alguma coisa que podia imaginar H experimentando.
Como ela pôde acreditar que ele estava mesmo arrependido? Num dia ele a liga, implorando para o perdoar, no outro, ele é visto na praia com Kaia Gerber. Sinceramente, Harry, você desiste de manter o personagem muito facilmente! Isso passava em looping na cabeça de . Raiva e indignação eram os sentimentos atrelados.
- Tá difícil não aceitar o troféu... - disse.
- Troféu?
- De trouxa do ano. Tem que ser dado para mim.
Como ela AINDA caía no papo de Harry Styles? Ela sabia que ele era esperto, que ele sempre sabia o que falar e quando falar. O cara era treinado para lidar com a mídia desde os 16 anos, é claro que ele saberia driblar mera . Quem? Isso mesmo, uma ninguém!
- Eu juro por Deus, . - exclamou e desviou o olhar para o carrinho cheio de coisas que ela tinha escolhido a dedo para H. - Por que caralhos eu ainda acredito quando tudo me prova o contrário?
ficou calada, ela queria que pelo menos daquela vez pudesse fazer ou falar algo que não terminasse sendo sobre o maldito do Harry Styles.
ainda tinha seu celular numa das mãos enquanto resmungava com . E se assustou de novo quando o objeto começou a tocar. Era Lucy, ufa!
- Será que você pode vir embora?
- Por quê? - Seu coração disparou. Ela não conseguia identificar se a voz de Lucy demonstrava desespero real, ou se ela só estava exagerando. - Não me diz que o Harry apareceu aí de novo? - Tirou o telefone do ouvido para conferir as horas e ver se Lucy ainda estava na empresa.
desejava que Lucy respondesse “sim” tanto quanto queria que a resposta fosse “não”.
- Não, não é isso! Ele não voltou aqui depois daquele dia.
soltou o ar. Decepcionada ou aliviada, ela não saberia dizer.
- Como assim, o Harry esteve aqui? - escutou outra voz na ligação.
- Oi, Henry. Não sabia que estava aí também. - Ela respondeu. - E menos mal, Lucy. - Admitiu, contrariada. - O que é, então?
olhava bem através de , como se ela não estivesse bem ali em sua frente, completamente avulsa à conversa, mas em expectativa por uma explicação.
- Estou sempre aqui, minha querida. - Henry bajulou.
- Eu adoro o Campbell, . - Lucy ignorou toda a conversa paralela. - Mas ele está me tirando do sério e eu estou a ponto de estrangulá-lo... - A linha ficou muda por um momento. - Ele acabou de sair de perto de mim.
- Provavelmente uma jogada inteligente. - brincou.
- Eu ainda estou aqui! E não sou tão ruim assim! - Henry gritava para ser ouvido.
- Você é uma pedra no meu sapato!
- , em minha defesa, eu só preciso que Lucy encaixe alguns contratos novos para a próxima semana.
- A Lucy não tem sequer acesso a essa parte do sistema, você sabe disso, só eu e você ou a supervisão tem esse login.
- Mas você não está aqui. - Choramingou. - E Lucy conseguiria fazer se pudesse, não conseguiria?
- Definitivamente! - Lucy rebateu sem hesitar.
- Sim, mas ela não está autorizada. Lucy, você não está autorizada! - Reafirmou.
- Eu te falei. - Lucy resmungou mais baixo.
- Você terá que me esperar voltar, Campbell.
- Mas o cliente precisa com urgência.
- Então peça ao Sr. Stein para encaixá-los. Não sendo feito pela minha senha quando eu não estou aí... - encolheu os ombros em indiferença.
- Ele não sabe qual a melhor opção. - Henry admitiu com relutância.
- Exatamente. - concordou com tom de obviedade. - Você vai ter que esperar.
- Você pode pelo menos me confirmar? Eu tenho uma leve ideia.
- Não posso te confirmar sem conferir antes. Vocês de vendas... Tsc. Tsc. - disse em sinal de desaprovação. - Sempre querendo tudo imediatamente, prometendo mundos e fundos quando não depende só de vocês, agarrando como sanguessugas.
- Credo, ! Não é para tanto. Não somos amigos?
- Absolutamente. E eu te amo até a morte, se precisar de mim como amiga, pode me procurar a qualquer hora. - deu uma risadinha. - Mas você não vai bagunçar o meu setor quando estou fora.
- Cof Cofelina! - Henry fingiu tossir a provocação.
- O que é isso? Estamos na quarta série?
- Ensino médio. Aqui fazemos isso até o ensino médio. - Lucy corrigiu.
- Não é à toa que muitos vão para a faculdade ainda virgens.
- O que isso tem a ver? - Henry elevou a voz, perdendo a paciência.
- Qual é o prazo que você deu aos clientes?
- U-uma semana... - Houve um contraste na altura da sua voz agora quase sussurrada.
- E qual a dificuldade de dizer o prazo mínimo padrão e realístico de vinte dias, hein?
- Stein... - Henry dissera o nome do homem como se fosse uma frase inteira.
- O quê? Ele quem deu esse prazo idiota quando eu estou de férias? - quase se esqueceu de que falava de seu próprio chefe. - Ele está fazendo vista grossa com você? Ele que te pediu para falar comigo? Qual das opções? - parou e pensou. - Você fez algo de errado para entrar no radar dele?
- Eu? Não! Mas Ryan...
- Ah, não! Nem precisa terminar!
deu um tapa na própria testa, arregalou os olhos e murmurou um “o que aconteceu?”, que foi ignorado quando deu um giro e começou a andar de um lado para o outro.
- Eu não consigo entender por que você mantém esse pateta no cargo!
- Ele é meu amigo. E um cara bacana. - Henry se defendeu calmamente.
Ele já tinha discutido aquilo com antes e sabia que qualquer outra reação só acenderia um fogo que terminaria numa briga séria que ele não queria ter – e perder.
- Você me demitiria se fosse eu no lugar dele?
- Com certeza! - disparou. Sem pensar duas vezes, sem medo, sem remorso. - Se você fosse um incompetente como o Ryan!
Para Henry, a justificativa de não deixava a resposta melhor.
- Se você não consegue fazer o seu trabalho e isso tem atrapalhado o meu... Não seria nada pessoal, é só como o ambiente corporativo funciona.
- Uau. - Henry exclamou assustado com a frieza da amiga. - Você não tem mesmo coração. - deu uma gargalhada.
- E se Stein chegasse para demitir você no lugar dele? Você assumiria a culpa das coisas erradas que ele faz? Ou diria que não foi você? Acobertar o cara “bacana” só te fode. Confia em mim, eu sei do que estou falando.
- Você não pode simplesmente abrir o arquivo e conferir em cinco minutos? - Henry ignorou a pergunta e assim soube a resposta.
Ela estava certa. Como sempre.
- Eu não trouxe meu computador.
- Conta outra! - Henry até riu do absurdo que era ouvir dizer algo do tipo. - Você não vai a lugar nenhum sem esse seu notebook! Você, , sairia sem sapatos, mas não deixaria seu trabalho para trás. E seu trabalho está naquele computador. É aquele computador. - fez uma careta.
Henry também estava certo às vezes. Não que isso implicasse que estivesse errada. Claro que não.
- Tudo bem! - finalmente cedeu. - Eu vou entrar mais tarde e analisar, mas só porque você é meu amigo. - Ela completou debochada. - Agora pare de atormentar a minha estagiária! E não me liguem para pedir mais nada do tipo. Ouviu, Lucy? Eu só resolvo coisas quando voltar. Beijos, amo vocês e estou com saudades!
desligou antes que seus dois amigos pudessem pensar em novos favores absurdos para pedir.
- Esses folgados... - Reclamou em voz alta ao buscar por com o olhar.
- Você precisa ir para casa? - perguntou observando atentamente, ainda sem saber qual era a gravidade da ligação, era difícil traduzir o inglês rápido de e interpretar os termos técnicos ao mesmo tempo.
- Nah. - Negou indiferente. - Eles podem esperar. - deu de ombros e piscou confusa.
- Quem é você e o que fez com a minha melhor amiga workaholic?
- Workaholics também tiram férias. - piscou divertida. - Mas enfim, me conta mais desse ensaio que você vai fazer hoje! - Redirecionou a atenção para a amiga.
- É coisa pequena, uma microcoleção para a empresa mesmo. Uma das modelos está doente e me pediram para substituir. Eu sou a funcionária mais versátil do time, eles adoram não precisar se preocupar se alguém vai faltar, é sempre um "a faz", “a gente usa a ”, “tem a aqui”.
- Espero que você ganhe mais por isso.
- Não muito. Teoricamente, se alguém que a gente selecionou para fazer as fotos não pode comparecer a culpa é nossa e nós mesmos temos que nos virar e encontrar a solução. Só é realmente menos preocupante quando a solução sou eu mesma. - Ela terminou com uma risadinha.
Elas iam direto dali para o estúdio.
- Me desculpa te arrastar nisso assim de última hora, eu sei que você odeia.
- Ah, não é que eu odeio...
- Acha chato. - corrigiu.
- A troca de roupas e poses parece eterna. - soltou uma risada.
- Eu só quero passar o máximo desse resto de tempo juntas. Eu só preciso posar com umas quatro ou cinco peças, prometo que dessa vez vai ser rápido e então podemos sair para beber!
balançou a cabeça em falsa desaprovação.
- Você só pensa em festas e bebidas?
- E em macho. - quem riu dessa vez.
- Ah, pelo amor de Deus! Como somos amigas? - empurrou de leve o ombro de , que riu de novo.
- Os opostos se atraem.
O cômodo era amplo, mas bagunçado. Iluminado, mas fechado. já tinha ido levar em outros trabalhos do tipo e, às vezes, por ser longe, ficava a esperando. Então, ela já tinha uma noção de como tudo aquilo funcionava e de como os estúdios só tinham um canto bonito e organizado: onde batiam as fotos.
- Não é engraçado que você vai abrir o site para conferir se tudo tá lá certinho e dar de cara com você mesma vestindo as roupas que você ajudou a criar? - encarava a amiga através do espelho da penteadeira. - É meio narcisista, né. - Brincou.
- Eu não tenho culpa se sou confiável. - murmurou tentando mexer o menos possível enquanto tinha os olhos sendo maquiados.
- Confiável? - repetiu segurando o riso.
- E identificável. Eu criei coisas que são o meu estilo, que eu mesma usaria, por isso a minha imagem dá certo com a coleção.
- Não! Isso soa mais convencida ainda.
- Tá pronta? - Alguém perguntou da porta e se virou assustada para ver quem era.
Matheus, o namorado? Ficante? Rolo da vez?, era quem perguntava.
- Quase. - respondeu ainda sem se mexer.
As outras pessoas no camarim também reagiram naturalmente a entrada nada sutil do homem. Ou aquilo era recorrente, ou só se assustava muito facilmente mesmo. (a segunda opção).
- Ele vai fotografar também?
- Uhum. As peças são para o Dia dos Namorados.
pensava sobre como era boa naquele trabalho, tanto o por trás das câmeras, sendo a criadora das peças, mas principalmente como, com um virar de chave, ela se tornava a modelo, emanando a todos a confiança e a certeza de que pertencia àquela posição. , reclinada na cadeira de maquiagem, tinha a mesma convicção como modelo como sabia que quem tinha entrado pela porta era alguém que ela conhecia intimamente.
Aquele ambiente era para o que o escritório era para ou o estúdio de gravação para Harry. Ela sabia cantar a música que tocavam.
A diferença estava na maneira muito despreocupada que levava a vida.
sempre se sentiu muito diferente de em muitos aspectos, especialmente quando estavam separadas, mas quando estavam juntas, ela até disse uma vez, parecia que tirava uma espécie de filtro que a segurava. realçava o sentimento de “foda-se o que os outros pensam” que vivia no canto da mente de .
Era por isso que elas eram tão amigas. Elas podiam, superficialmente e em muitas especificidades, ser tão diferentes, mas, no fim, era sobre identificar instintivamente pessoas parecidas com nós mesmos. Um gênio sempre reconhece o outro e coisa e tal. só era dura demais consigo mesma e não conseguia enxergar que era o mesmo tipo de espírito livre.
[...]
A mulher tocou a campainha uma vez e bateu o pé no chão, impaciente. O muro era alto, mas ela conseguiria ouvir os passos se alguém fosse atender o portão.
Quando considerou que tinha esperado tempo suficiente, tocou a campainha de novo, dessa vez, logo em seguida, ouviu passos apressados e um “já vai".
- Ah, finalmente! Sabia que você estava em casa! - Ela exclamou quando um Daniel sonolento e confuso apareceu atrás do portão.
- ? O que tu tá fazendo aqui?
Ele bateu as mãos nas laterais das pernas, como quem procura pelo celular. Ele estava usando uma bermuda sem bolsos.
- Achei que eu fosse te buscar. - Ele deu um sorrisinho de lado quando olhou a moto parada em frente ao portão da garagem.
- Ainda não tá na hora. - respondeu finalmente.
- Entra aí. - Daniel deu um passo para trás, abrindo espaço para que passasse.
caminhou em silêncio na frente de Daniel e entrou pela porta de trás da casa, como fazia quando eles ainda estavam juntos. Ela tomou a liberdade de se sentar numa das cadeiras da mesa de jantar, que ainda estava posta com o que provavelmente fora usado para o almoço dele.
Cada movimento era preciso e instintivo, como se ela não tivesse ficado mais de um ano sem pisar ali. Sem cerimônias, gastou algum tempo olhando em volta, reconhecendo a maioria dos objetos.
- Bonita geladeira.
- Comprei mês passado. - Daniel se escorou na meia parede que dividia a sala de jantar da cozinha e cruzou os braços.
- Huuum. - murmurou com o movimento da cabeça.
- Quer beber alguma coisa? - Ele descruzou os braços e se mexeu como se fosse em direção à geladeira.
- Não, brigada.
via que Daniel estava levemente retraído, provavelmente por não saber o motivo da visita.
- Eu queria dar uma volta no centro. Vim aqui perguntar se cê quer ir comigo.
- Por quê? - Perguntou desconfiado e confuso.
- Você lembra daquele lugar que costumávamos beber cerveja no domingo?
não conseguiria se lembrar do nome do local nem se sua vida dependesse daquilo. Ela conseguia se lembrar perfeitamente como chegar lá, ou até mesmo em quais vagas da rua já tinha estacionado.
- O Cinco Pontas? - Daniel se escorou na parede de novo, dessa vez visivelmente mais relaxado. - Lembro.
Ela quase beijou Dani apenas pelo prazer de ter sua pergunta respondida, como se ele tivesse lido seus pensamentos. Ele tinha posto fim a agonia de , a de não conseguir se lembrar de coisas que antes eram naturais em sua vida.
- Estava pensando que poderíamos ir lá pegar comida. Como nos velhos tempos.
- Como nos velhos tempos? - Repetiu debilmente. - Tu diz, tipo, de moto?
- É. - deu de ombros.
- Como nos velhos tempos?
- É, Daniel! - concordou efusivamente. - Lembra? A gente acordava na hora do almoço e ia para lá comer.
- Então tu não quer dizer, como nos velhos tempos, como nos velhos tempos?
- Quê? - franziu a testa.
- Tu não tá falando da parte de tomar cerveja depois, chegar cambaleando e transar no sofá, né?
- Aiii, claro que não, pervertido! - rebateu de olhos arregalados.
- Tu chega aqui dizendo que quer que eu saia de moto contigo e completa com “como nos velhos tempos”, quer que eu pense o quê?
- Que você tem a mente suja!
- Eu achei que era algum tipo de código.
- Daniel, eu não vou transar com você!
Não que não tivesse pensado na possibilidade, porque ela tinha. Aqueles vinte dias e poucos dias no Brasil tinham sido o maior tempo que ela tinha ficado sem fazer sexo no ano inteiro. Ela não poderia negar que ver Daniel em sua frente a fazia sentir coisas. E ela meio que queria o beijar só para testar como seria.
No entanto, ela tinha receio de que tudo passasse de uma nostalgia que eles jamais poderiam agarrar novamente. E ela não queria estragar a memória que ela tinha dos dois juntos, e tinha certeza de que se rolasse algo não seria como antes, e poderia ser melhor ou poderia ser muito ruim porque ficaria pensando em Harry na hora. Tinha medo de que essa vontade de tocar Daniel fosse, na realidade, um mascaramento da sua vontade de estar perto de Harry, fosse uma vontade inconsciente de se vingar dele ou de provar para si mesma que seus desejos físicos não estavam interligados aos seus sentimentos amorosos, que ela poderia, sim, se relacionar com alguém de quem ela gostava, como Daniel, sem se lembrar do homem que a tinha destruído.
sempre foi o tipo de pessoa que prefere se arrepender por não ter feito do que se sentir culpada por ter feito. E ela não queria fazer algo que pudesse se culpar depois. No topo de tudo isso, ela ainda achava que devia algum tipo de fidelidade para Harry e, num futuro hipotético, não queria ter que confirmar que todo o ciúme que ele sentia de Daniel tinha um fundamento, afinal. Se ela ficasse com Daniel, ela só daria razão a Harry. E se tinha uma coisa que Harry não tinha, essa coisa era a razão.
- Ok. - Ele levantou os braços para o alto. - Só queria ter certeza!
deu um tapa no braço de Daniel, que recolheu o ombro e esfregou o local com a mão.
- Você é ridículo! - Ela reclamou em meio aos risos.
se levantou da cadeira com um pulo e colocou as mãos nas laterais do corpo. Daniel, ainda esfregando o braço dolorido, a analisou em silêncio.
- Então? Bora?
- Sem sexo? - Confirmou.
- Sem sexo! E para de falar sobre isso!
Daniel soltou uma risada.
- Preciso trocar de roupa.
se sentou de novo, um suspiro sincero saiu de sua boca. Ela sabia que aquilo ia demorar.
- Anda logo. - Ela levantou um braço, apontando-o na direção do corredor que levava até o quarto de Daniel.
Ele correu para o quarto e quase foi embora quando ouviu o barulho do chuveiro. Porém, alguma parte dela queria mesmo que Daniel fosse com ela. Confusa sobre como aquilo a fazia se sentir. Essa necessidade de se apegar ao último fio de algo que já não era mais o mesmo.
aprendera a fazer coisas sozinhas desde que havia se mudado para LA, mas aquela viagem a lembrou de que ela sentia falta de estar sempre com alguém, porque era isso que era estar no Brasil, estar sempre rodeada pelas pessoas que ela amava, e ela literalmente não tinha passado nem um minuto sozinha. Aquela ida ao centro, de certa forma, era o seu rolê com Daniel, e ela não queria voltar ao lugar sozinha e o involuntariamente ressignificar, não quando sabia que podia contar com ele.
Essa viagem ao Brasil não tinha servido apenas para que pudesse matar as saudades de quem ela amava, mas também para fechar ciclos e para que ela descobrisse que alguns não precisavam ser fechados, apenas redirecionados. Ela era muito grata por tudo o que viveu com Daniel e, por isso, ele poderia contar com ela e ela sabia também que sempre poderia contar com ele. Ela pôde voltar ali e perceber que o laço que os unia só estava perdido, mas não quebrado. E que bom que eles o encontraram. Os anos que eles compartilharam juntos jamais poderia ser apagado.
Enquanto esperava por Daniel, ficara segurando seu celular no colo, inconscientemente se preparando para receber alguma, uma notificação. Ao mesmo tempo, sua mente também vagava pelo passado, ela podia ver Daniel se arrumando para alguma ocasião da qual ela não se lembrava. André estava lá também. E, nossa, como ela estava feliz. Ela olhava ao redor e via tudo o que sempre sonhara; viver momentos incríveis com um cara que a amava e a tratava como ela nunca fora tratada. A família bem pertinho, por mais que ela morasse em São Paulo agora, eles nunca estiveram tão unidos. Daniel estava lindo, usava uma camisa branca simples, uma calça jeans e um perfume que deixava suspirando. Chame de estar apaixonada, de amor, ou o que for, mas as borboletas estavam em seu estômago.
Quando tudo aquilo deixou de ser o bastante?
- ?
Por que ela teve que ir embora?
- ?!
Por que André morreu?
- !!!
Daniel estava agachado na sua frente, uma mão agarrando firme seu ombro.
- Hã???? - Ela respondeu desnorteada.
- Tá dormindo? - Brincou e ela sorriu forçada. - Tô pronto. Vamo.
concordou com um aceno de cabeça e se levantou da cadeira. O cheiro de Daniel a encontrou no meio do caminho e ele precisou a segurar quando seu corpo pendeu para trás.
- Tá tudo bem? - Ele perguntou preocupado.
- T-tudo.
Sua voz a traiu assim como suas pernas. Aquele perfume... Era exatamente como ela se lembrava. Ela não entendia muito de cheiros, mas o distinguiria como de Dani até mesmo numa multidão. Aquilo a pegou totalmente desprevenida, porque em todas as vezes em que ela o encontrara naqueles últimos vinte dias, e que foram muitas, ele tinha um cheiro desconhecido por ela. E, agora, era como se ele estivesse usando aquele perfume de propósito.
As intenções por trás daquela escolha não eram claras para , mas ela não se deixaria demonstrar abalo, ou melhor, o motivo.
Do lado de fora do portão, entregou um capacete para Daniel, que montou na garupa da moto e imediatamente pousou as mãos nas laterais do corpo de .
Antes de arrancar, ela se mexeu desconfortavelmente, se sentindo um pouco restringida pelas mãos intrometidas.
Era curioso como há pouco fantasiava algum tipo de contato físico com Daniel e, agora que parte da sua fantasia estava se realizando, tudo parecia fora do tom, como quando imaginamos um diálogo e, quando finalmente o dizemos em voz alta, percebemos como tudo só soava bem na nossa cabeça.
- Dani, cê não precisa segurar em mim, né! - Falou num tom de brincadeira.
- O quê? E perder essa chance?
- Você virou virgem depois que eu fui embora? - Ele riu gostosamente com a pergunta. - Parecendo que nunca tocou em mulher!
- Não, mas faz mais de um ano desde que andei de moto pela última vez, tu não pode me culpar por me sentir mais seguro segurando em ti do que na moto.
- Tá, né. - revirou os olhos, deixando o assunto para lá. - Fecha as pernas pelo menos, caralho.
Daniel sorriu com a última frase. Não importa o quanto ele resistisse, sabia que algumas coisas sempre mudariam, mas não era uma delas. E que alívio.
Não havia nada de especial sobre o lugar onde e Daniel foram, não era um local sofisticado; referência, talvez. Eles costumavam ir quase toda semana quando namoravam, era simplesmente um ponto de encontro para os amigos deles nos domingos à tarde. Se havia um jogo de futebol do time da cidade, era lá que eles iam para assistir. Se queriam beber cerveja barata para criar ânimo para a semana que estava começando, era ali que encontravam os melhores petiscos para acompanhamento. Era lá que esbarravam com os conhecidos, colegas e aqueles “amigos” que marcavam de ver e nunca rolava. Só assim para encontrar aquela galera, por coincidência.
se considerou sortuda quando conseguiu encaixar a moto num espacinho maroto entre dois carros bem em frente à entrada do Cinco Pontas. Ela entrou na frente, capacete pendurado no braço e mexendo nos cabelos para os desamassar. Daniel foi logo em seguida, desajeitadamente passando o capacete de uma mão para a outra, e sequer pensou nos cabelos; já havia aceitado que jamais pareceria tão cool como descendo de uma moto. Ela era descolada e estilosa. E isso era algo que as pessoas eram ou não eram. Simples.
O lugar estava lotado, parecia não ter sequer uma mesa disponível. Tudo bem. Eles não tinham intenção de se sentar mesmo. foi direto ao caixa, sabia o menu de cor, mas o folheou procurando por algo novo, ainda que soubesse o que iria pedir antes mesmo de ter decidido ir até lá.
- Vai pedir o quê? - Daniel perguntou. Ele estava parado ao seu lado.
- Um mexidão, é claro.
- Clássico. Tu quer resgatar todos os aspectos dos velhos tempos mesmo. Quer se sentar para tomar uma cerveja também?
- E quem vai levar a gente embora? - Ela deu uma risada.
Daniel fez uma careta.
- Tá de boa, a gente vai beber mais tarde, mesmo.
- Beleza. - Ele concordou com um aceno de cabeça.
Depois de fazerem seus pedidos, eles saíram para procurar algum lugar para se sentar. Do lado de fora, havia uma quantidade grande de mesas, todas ocupadas, então eles ficaram em pé em um cantinho, se sentindo observados e julgados pelas pessoas ao redor.
Logo depois, alguém cutucou o ombro de Daniel. Era um de seus amigos do bairro, se lembrava de já o ter visto em algumas ocasiões.
- E aí, cara! Tudo joia? - Daniel o perguntou quando eles se cumprimentaram daquele jeito que homens se cumprimentam: aperto de mãos e tapinhas nas costas.
- Tudo firme, meu irmão!
O nome do homem permanecia um mistério. não lembrara nem o nome do bar, ia lembrar o nome de um colega aleatório de Dani? Era pedir demais de sua memória.
- E aí, . - Ele a cumprimentou também. - Soube que você tinha ido embora pros Estados Unidos, voltou?
- Tô aqui de férias. - soltou uma risadinha sem graça.
- Ah. Tá curtindo?
Ela concordou com um aceno de cabeça e um sorriso de lado.
- Você sumiu, meu. - O cara se virou para Daniel. - Não te vejo mais aqui.
Essa informação era nova para . Ela olhou para Daniel como se tentasse ler sua mente.
- Pois é, Carlão. A vida tá corrida demais, sabe como é, né.
Carlos! Mais uma vez Dani a salvando de alguma vergonha pública.
- Bora sentar ali na nossa mesa. Tá o Vitor, a Rafa, o Pedro, tem dois amigos dele também. E mais uma galera.
Daniel olhou para e ela o olhou de volta.
- Vamos lá só dar oi? - Ele perguntou para , que encolheu os ombros.
- Tá.
Eles caminharam entre as mesas e, ainda de longe, reconheceu para qual estavam indo. Ela conhecia a maioria das pessoas que Carlão tinha citado. Todos moravam na região perto da sua casa, ou de Dani ou de . Já tinha ido para rolês com todos ali. E, se sua memória não estava falhando, ela já tinha ficado com a Rafa em um desses antigos “rolês". Ela nem sabia se Daniel sabia disso. Tinha sido bem antes de eles se envolverem.
Quem eles conheciam gritaram diversos cumprimentos seguidos de seus nomes; “E aí, ” “Fala, Dani”, que não soube identificar quem disse o quê.
Havia só duas cadeiras vagas na mesa, uma delas Carlão ocupava.
- Oi, gente. - acenou de longe para todos.
Rafa estava mais linda do que se lembrava. Elas trocaram um sorriso que deixara encarando seus sapatos por incontáveis minutos. Se tinha uma coisa que derrubava era a sua queda por garotas bonitas. (Perdoa o trocadilho, mas é verdade)
- Vocês já conhecem todo mundo, menos o Bruno, amigo do Pedro. - Carlão falou e deu um tapa nas costas do cara.
- Tem também o Biel, que tá no banheiro. - Pedro falou.
Isso explica a outra cadeira vaga, pensou.
- Alguém vai lá dentro pedir duas cadeiras pro Daniel e pra . - Marcella falou para todos e ninguém ao mesmo tempo.
- Nem precisa. - disse. - A gente só veio buscar comida, estamos só esperando ficar pronta... A moça pediu vinte minutos. Tá cheio aqui hoje, né?!
- Tem certeza? - Vitor, que estava sentado ao lado de Marcella e tinha prestado atenção no que ela tinha falado, perguntou. - Sentem aí, tomem uma com a gente.
- A gente tem compromisso depois. - Daniel justificou com um encolher de ombros.
“Mas eles tão juntos de novo?”, escutou Rafa cochichar com uma outra menina que não lembrava o nome. Ela olhou de lado para Daniel, que não tinha reagido. supôs que só ela tinha ouvido. E claro, fingiu que não ouviu.
Daniel engajou uma conversa com alguns dos meninos, lentamente se virando de frente para eles e dando as costas para . Algo sobre passarem o próximo feriado prolongado na praia ou ir ao estádio assistir a um jogo.
não se importou em ser momentaneamente esquecida. Isso era algo que ela já tinha experienciado nessas férias. Era recorrente. Ela escolhera ir embora e o mundo continuou girando, todos os seus amigos e conhecidos continuavam fazendo planos sob o calendário brasileiro, continuavam se encontrando, indo a festas, aniversários e passando outros momentos importantes juntos.
Era o preço que ela não estava ciente de que pagaria. Ser esquecida da vida de quem ela conheceu a vida toda. Apagada.
Alguém tocou o ombro de e ela deslizou para a lateral, imaginando que seria o ocupante da última cadeira.
- Ah, aí está ele!! - Foi somente quando alguém gritou que ela olhou para a pessoa parada ao seu lado.
Na-na-na-não. Aquilo não estava acontecendo!
Era como se o chão tivesse congelado aos seus pés, imobilizando-a.
- Oi, !
encarava a figura de Gabriel como se estivesse vendo um fantasma.
- Que coincidência agradável!
Gabriel sorria charmoso enquanto passava os olhos por cada um na mesa, absorvendo as reações. Não tinha ninguém realmente interessado naquela interação, o que o incentivou a continuar. Ele não tinha notado Daniel do outro lado de .
- Eu não sabia que já estava no Brasil, linda! Como estão suas férias?
ainda estava congelada no lugar e não conseguiu se fazer abrir a boca.
- Posso te perguntar uma coisa? - Ele perguntou educado, mas não queria ou achava precisar de uma resposta.
Gabriel a segurou pelo braço, arrastando-a e os afastando da mesa.
No cantinho, perto do limite do bar e mais próximo da calçada, Gabriel parou. Ainda segurava o braço de .
- Por que não atendeu mais as minhas ligações? - Ele perguntou com um sorriso.
Qualquer pessoa que conhecia poderia ver o pânico, não só nos seus olhos, mas em toda a sua face.
- Eu senti sua falta, amor. Você não sentiu a minha?
- Ga-Gabriel..
- Ah! Ela fala! - Deu uma risada. - Tava começando a pensar que o gato comeu a sua língua. Olha só que coisa engraçada! Eu não sabia que você conhecia o povo ali. E aposto que você também não imaginava que eu os conhecia.
tentou fazer contato visual com algum dos conhecidos, mas com todos sentados, seus corpos sumiam sob as cabeças ao redor. Ela só via Daniel em pé, que ainda estava de costas.
- Hein? - Ele a balançou puxando seu braço para frente e para trás. - Me responde! Por que não me atendeu? Quando você chegou? Você deveria ter me avisado!
- Me solta! - rosnou em voz baixa, ao mesmo tempo em que puxou o braço.
- Sua... - Gabriel falou alto. - Idiota! - Mas terminou sussurrando, com medo de chamar atenção indevida. - Você não vê que eu sou o único que já te amou de verdade?
não podia acreditar no que estava ouvindo e soltou uma bufada.
- Me deixa em paz! - Ela se virou para ir embora, mas Gabriel a segurou.
- Não. Eu ainda não terminei.
Desesperada, ela olhou para a mesa de novo e, dessa vez, nem Daniel conseguiu encontrar.
- Acha que foi coincidência que a gente se encontrou? Não! Foi o destino! No fundo, você queria me ver. Eu sei disso. Você estava com saudades.
- Gabriel, me solta ou eu vou gritar.
- Você? Fazer uma cena num bar lotado? - Ele deu uma gargalhada. - Você não teria coragem. Eu te conheço muito bem, minha linda.
não sabia o que era mais assustador em Gabriel, quando ele a tratava como lixo ou com falso cuidado. Ele era incrivelmente bizarro. Depois que terminaram, volta e meia se pegava refletindo sobre como ela conseguira viver por tantos anos com alguém tão desprezível, e o pior: Não ver nada disso. Como dizia aquela música mesmo? Gente jovem se apaixona pelas pessoas erradas às vezes. E, na vida de , havia uma longa lista de pessoas erradas.
- ! - Ela ouviu Daniel chamar e se virou aflita procurando por ele.
Ele se aproximava, vindo da entrada do bar e segurando uma sacola que parecia levemente pesada.
- Onde tu tava? A comida já ficou pronta. - Ele levantou a sacola.
- Ahnnnnnn... - gaguejou, com medo de falar algo.
Gabriel continuava segurando seu braço, ainda que agora o aperto tivesse sido afrouxado. Ele não tinha se intimidado pela chegada de outra pessoa, confiante de que tinha absoluto controle sobre e que ela não reagiria.
- Quem é esse? - Daniel perguntou ao parar ao lado dela, o homem não lhe era estranho, mas não fazia ideia de onde o conhecia. E algo parecia errado com .
- Gabriel. - manejou falar depois de abrir e fechar a boca algumas vezes.
- Gabriel? - Daniel repetiu alternando o olhar entre ela e ele. - Gabriel, Gabriel? - Repetiu com ênfase, num jeitinho completamente dele.
- Sou eu. - Gabriel deu o sorriso que enganaria até o diabo. - E você é?
Daniel o ignorou, olhando fixamente para agora.
- Esse é o Gabriel que eu tô pensando? - Perguntou seriamente e confirmou com um aceno quase invisível.
- Vejo que falou de mim. Que fofa você, princesa. - Gabriel a puxou gentilmente para mais perto de si.
- Solta ela agora. - Daniel falou baixo, o olhar cravado em Gabriel.
- Quem é você, cara, pra me dizer o que fazer?
- Não te interessa! Se tu não soltar ela agora...
- O quê? O que você vai fazer? - Gabriel incitou. - Eu nem te conheço, meu parça. Tá crescendo pra cima de mim por quê?
Era só o que precisava naquele momento, uma briga de galos. Com o resto de força que tinha, ela mesma tomou posse do seu próprio braço. E, então, se aproximou de Daniel.
Ela odiava a pessoa que Gabriel conseguia fazer ela se transformar. Amedrontada. Sem voz. Complacente.
- Tu pode não me conhecer, mas eu te conheço e sei muito bem o que tu fez com a . - Daniel apontou o dedo na cara de Gabriel.
- Dani, vamos embora. - pediu tentando puxar Daniel pelo braço, mas ele permaneceu imóvel.
- Ah, você é aquele namoradinho que largou dela quando ela foi embora, não é? Eu sei quem você é, Daniel.
sentiu um arrepio assustador quando o tom debochado de Gabriel entrou em seus ouvidos.
- Eu não larguei ela! - Daniel se defendeu, mas não acusou .
- Daniel, sério. Vamos embora. - implorou, mas ele apenas esticou o braço na frente dela, empurrando-a delicadamente para trás.
- Eu sabia que eu te conhecia de algum lugar. - Gabriel apontou o dedo para Daniel.
Daniel deu um tapa na mão de Gabriel.
- Se tu me apontar esse dedo de novo eu vou quebrar ele!
- , - Gabriel chamou e dobrou o corpo para a lateral, na tentativa de olhar diretamente para ela - por que a gente não vai embora daqui?
- Tá louco? - gritou e apertou o braço esquerdo de Dani por reflexo, como se acreditasse que Gabriel pudesse, literalmente, arrastá-la dali.
- Ela não vai a lugar nenhum contigo, irmão. Rala! - Daniel se projetou para frente, tentando diminuir seu oponente.
- Mano, eu não tô falando contigo, tá ligado? Fica na sua aí. - Gabriel estava perdendo a paciência.
- Dani, vamo, por favor. - pediu mais uma vez e Daniel, finalmente, acatou.
Eles deram as costas para Gabriel, o corpo de Daniel servindo de escudo para que ainda segurava o braço esquerdo dele. Gabriel esticou o braço, alcançando apenas a camisa de Daniel, a qual puxou.
O momento seguinte passara diante dos olhos de como flashes. Era como se o tempo tivesse parado. Ela piscara uma vez e o braço direito de Daniel tinha se virado junto com seu tronco, outra piscada e o punho dele tinha ido de encontro ao nariz de Gabriel, uma última piscada e havia uma linha de sangue escorrendo sobre a boca dele.
Rapidamente, eles estavam colados peito a peito. Nada foi dito por alguns segundos. segurava o ar, sem acreditar no que estava acontecendo.
- Se tu revidar, a próxima coisa que vai acontecer vai ser nós dois indo embora daqui de camburão. - Daniel ameaçou. - Isso se eu não for sozinho.
Algumas pessoas mais próximas estavam assistindo a possível briga, mas parecia que ninguém tinha visto o soco acontecendo, então estavam apenas esperando, tensas.
Daniel foi quem tomou a atitude de dar um passo para trás, mas sem desviar os olhos de Gabriel, esperando o soco de contrapartida que poderia vir a qualquer momento.
- Isso – Dani apontou para o nariz sangrento de seu oponente – não é nada perto do que tu merecia pelo que fez com a . Mas agora eu e ela vamos embora, juntos, e se eu souber que tu tentou qualquer contato com ela de novo... - Daniel pausou por um momento, criando tensão. - Eu vou te deixar pior do que só com um nariz sangrando.
Ele segurou pela mão e entraram no restaurante.
Daniel segurava a comida com uma mão e puxava em direção aos banheiros com a outra. Ele só parou quando estavam em frente à porta do banheiro feminino.
- Ok, já passou. Se calma. - Ele soltou a mão dela e agora alisava um de seus braços, tentando a consolar.
tremia. Ao mesmo tempo parecia estática, em estado de choque. Seus olhos estavam arregalados.
- Obrigada, Dani. - disse. - Se você não batesse nele, eu que ia bater, eu já não aguentava mais.
- Tu quer uma água? - Perguntou e acenou com a cabeça.
- Não! Não me deixa aqui sozinha, ele pode voltar. - Ela pediu quando a Daniel fez menção de se afastar.
- Talvez tu queira ir ao banheiro, então. Passar uma água na cara.
- Uhum. - balançou a cabeça freneticamente, concordando.
- Eu te espero aqui na porta. Ninguém vai entrar nesse banheiro. - continuava balançando a cabeça.
Daniel esperou, mas nem se mexeu, não conseguia fazer suas pernas funcionarem.
- Beleza, mudança de planos. - Ele disse quando viu que ela seria capaz de entrar sozinha.
Ele a pegou pela mão novamente e a puxou pela porta ao lado, a do banheiro masculino.
A posicionou em frente ao lavatório e observou seu reflexo no espelho. Ela parecia exatamente a mesma de quando saiu de casa, exceto pelos olhos, ela não se lembrava daquele terror neles.
- Que isso? Tá no banheiro errado, hein! - escutou algum engraçadinho falar.
- Isso não é hora de foder em banheiro público! - Outro homem gritou.
- Tem que entrar em uma cabine! Oh, aquela ali tá vaga! - Riram.
A princípio Daniel tentou ignorar, mas seu sangue que já estava fervido começou a borbulhar.
- Vai tomar no cu! - Gritou. - A mina tá passando mal, respeito, maluco!
Daniel estava tão ocupado rebatendo as ofensas no banheiro que nem notou se realmente lavou o rosto e só se deixou ser puxado para fora.
- Vamos embora! - Ela disse.
- Certeza que já tá bem pra pilotar? Podemos esperar.
- Sim, eu só quero ir embora, por favor.
- Tá bom.
- Vai na frente, pra ver se ele tá esperando a gente.
Daniel concordou com um aceno e a segurou pela mão mais uma vez. Ele andou o tempo todo na frente de , e a cada dez passos olhava para trás para conferir se ela estava bem, como um segurança passando na multidão de fãs.
fez o caminho de volta sem perceber.
Quando tirou o capacete em frente ao portão de Daniel, ela finalmente pôde respirar tranquila.
- Entra aí! - Daniel ofereceu de novo.
- Claro que vou entrar, achou que eu ia comer na rua? - Brincou.
- Trocou a ferradura, é? - Daniel sabia que o humor era só uma fachada.
se sentou na mesma cadeira que tinha usado mais cedo. Daniel foi no quarto e voltou com um cigarro nas mãos.
- Beck?
- Não, só cigarro. Quer? - Daniel perguntou, mas já tinha a mão esticada para entregá-lo. Com a outra mão passou o isqueiro.
observou o cigarro, virou de um lado para o outro e o colocou entre os lábios. Acendeu e tragou. Puxou o ar com força. Acendeu, acendeu e tragou. Nada saía. Daniel percebeu sua dificuldade e pegou o cigarro de sua mão.
- Esse não é bom. - Ela comentou.
- Claro, tu acendeu o lado errado! - Daniel constatou com um revirar de olhos. - Nunca fumou não, porra? - Brincou e eles riram.
- Fiquei confusa. - encolheu os ombros, constrangida.
Daniel entregou o cigarro de volta aceso no lado certo. tragou, enquanto deixava as costas recaírem no encosto da cadeira. Ela soltou a fumaça e se dobrou sobre a mesa para dar uma garfada na comida.
- Um trago e uma colherada. O jantar completo dos maconheiros. - Daniel brincou.
- Exceto que esse aqui não vai deixar ninguém chapado. - riu de volta. - E tá mais muito cedo pra janta.
Eles comeram em silêncio por alguns minutos e o cigarro passava entre eles.
- Ainda vai querer ir encontrar a galera na casa do Caio? - Daniel perguntou quando achou que já era seguro tocar no assunto. - Depois do que aconteceu… Eu posso mandar uma mensagem avisando que não vou também. Daí tu pode ficar aqui se quiser.
- Não precisa. Eu vou sim. Se a souber que a gente tava junto ela não vai me deixar em paz.
- Ah, é segredo? Quer ficar me encontrando no sigilo? Virei contatinho agora? - Daniel dramatizou.
- Quer calar a boca? - riu. - O que eu quis dizer é que se eu não for e cê não for e ela ficar sabendo que a gente furou o rolê e estávamos juntos, ela vai começar a imaginar coisas.
- Então imagino que tu ainda queira a carona?!
- Sim, por favor! - Mas o que quis dizer era um “óbvio” seguido de um revirar de olhos.
- Bele. Eu até vou te deixar dirigir, então. - Daniel piscou carismático.
- E quem te disse que eu quero? - arqueou uma sobrancelha arrancando risadas de Dani e de si mesma. - O intuito de uma carona é justamente não precisar dirigir.
É confiar o bastante em alguém para te levar pra casa.
32. It feels like there’s oceans between you and me once again.
Felipe atravessou na minha frente, cambaleando até a porta ao se soltar dos braços de Augusto, cujo quem o equilibrava.
- Me espera abrir a porta, porra! - Reclamei quando ele tombou em cima de mim.
- Eu tô cansadoooo! - Choramingou. - Quero dormir!
- Você está bêbado e quer se deitar para não vomitar, isso sim! - Augusto rebateu atrás de mim, o mais sóbrio de nós três. - Misericórdia, bicha! Por que eu achei que você estava em condições de destrancar a porta? - Tomou a chave da minha mão enquanto eu ria descontroladamente.
- Shiu... - Eu coloquei um dedo na frente dos lábios, como se fossem eles quem estivessem fazendo barulho. - A gente vai receber uma reclamação desse jeito.
Quebrando as regras do prédio com essa quantidade de barulho de madrugada. Aquilo era engraçado.
Augusto escancarou a porta, que bateu na parede fazendo ainda mais barulho. Eu, não tão cambaleante quanto Felipe, mas ainda assim cambaleante, fiquei com a missão de fechar a porta. O que eu fiz, meio com o pé, meio com o corpo, incapaz de usar as mãos.
Eu me deitei na cama, embriagada o bastante para sentir o teto girando, mas não o suficiente para me sentir enjoada.
Eu não percebi quando dormi, mas acordei com batidas na porta. Minha cabeça doía e minha garganta estava seca. Eu cobri a cabeça com o edredom, esperando dormir de novo. As batidas não cessaram, ninguém atendia a porta. Que saco!, reclamei em voz alta ao me levantar arrastadamente. Felipe e Augusto só poderiam estar em coma para não terem acordado depois de tanta bateção.
Eu cambaleei pelo apartamento e abri a porta bufando. E quase caí para trás vítima de um infarto fulminante quando vi quem estava parado no corredor.
Harry.
Meu coração acelerou tão rápido que eu quase fui para o chão de novo. Minhas pernas falhavam.
Ele sorriu e disse oi. Assim, casualmente.
Quando eu consegui fechar a boca, eu perguntei o que ele estava fazendo ali.
- Eu vim te buscar.
- Como-como você me achou?
Harry encolheu os ombros e sorriu de novo.
- Isso importa? - Ele recolheu as mãos para dentro do bolso da calça cinza de linho que usava, enquanto seu cabelo caía na testa. - Eu estava com saudades.
Eu pisquei lentamente, ainda processando sua presença viva na minha frente. E então joguei os braços em volta do seu pescoço, afundando o nariz ali, em um abraço que dizia o quanto EU estava com saudades.
Harry afastou nossas cabeças e segurou meu queixo para que eu o encarasse. Analisou meu rosto e trancou nossos olhares, ele via em mim o que eu via nele, estava ali, refletido. O magnetismo, que como ímãs próximos o bastante não têm opção a não ser se chocar um contra o outro.
Sua boca era familiar, embora seu beijo nunca fosse exatamente igual ao anterior. Naquele momento, parecia como quando nos beijamos na cozinha da sua casa, na noite em que ele terminou de escrever Sunflower. Eu sempre quis Harry como nunca quis ninguém, mesmo antes de tudo isso, antes das músicas escritas para mim e até mesmo antes do primeiro beijo. Mas, naquela noite dançando na cozinha, eu achei que o queria como nunca antes. E agora também.
Por isso o beijo era diferente do último, mas parecia algo que eu já tinha provado antes. Era um beijo perfeito, suas mãos segurando o meu rosto, me prendendo o mais perto possível de seu corpo.
O corredor vazio era a testemunha daquele momento, ecoando o barulho do nosso atrito. Ele me beijou até que estivéssemos sem ar, mas o que me faria morrer era não o beijar novamente.
Eu o segurei pela mão e o guiei até o quarto.
Ao lado da cama, eu puxei sua camisa para cima pela barra e ele levantou os braços instintivamente, deixando que eu a tirasse. Seu corpo parecia uma miragem. A escultura perfeita que nenhum museu poderia copiar. Passei os dedos leves pelo seu peitoral e abdômen, desenhando suas curvas e as linhas pretas. Sua pele era macia e brilhava hidratada, os pelos claros de seus braços arrepiados pelo meu toque.
Eu mordi os lábios e suspirei.
- Gosta do que vê? - Ele perguntou, um sorriso ladino.
Eu neguei com a cabeça, descrente com sua atitude, embora totalmente esperada.
Ele permanecia parado exatamente como eu o posicionei, confiante, o queixo em pé e peito aberto, os braços caindo nas laterais de seu corpo, sua linguagem corporal relaxada e acessível.
Era exatamente o mesmo Harry que eu deixei em Los Angeles a quase um mês atrás. O mesmo Harry que eu me lembrava parado sem camisa na minha frente, nenhuma tatuagem a menos, nenhuma a mais. O mesmo tom de pele, que jamais denunciaria o dia na praia. Seus ombros largos e definidos, seu peitoral marcado, a cintura fina e o quadril que acompanhava a linha da cintura.
Ele era deslumbrante. Eu não tinha palavras.
Harry tentou me deitar gentilmente, mas acabei escorregando e caindo com tudo no colchão. Nós rimos um pouquinho e ele ainda me segurava, como se preocupado que eu fosse cair para além da cama, acho que ele tinha notado que eu tinha bebido. Eu o acalmei beijando-o novamente, uma das minhas mãos percorreu seus cabelos e a outra entrelaçou a dele. Eu tremia, nervosa e ansiosa como se aquela fosse a primeira vez.
A sensação era alucinante, e misturada com o álcool no meu corpo, meu sangue fervia e minha cabeça girava. A expectativa era torturante. Minha respiração não parecia certa, como se eu estivesse com dificuldade de me lembrar como respirar. E eu não sabia se queria me fundir a Harry ou sufocá-lo também, para que ele compartilhasse do que eu estava sentindo.
Harry tentou desajeitadamente descer o meu shorts com apenas uma das mãos. Eu ofegava, o teto girava.
- Eu te amo. - Ele dizia entre um beijo e outro. - Você é tão linda. Como eu senti sua falta.
Sua boca descia pelo meu corpo, minha respiração cortada, o teto girando. Minha visão estava turva, mas meu foco era inteiramente em Harry. Seus cabelos castanhos e ondulados, os fios macios contra os meus dedos. Puxei uma mecha com força.
- Harry... - Eu o chamei, supliquei, desejei. - Eu te amo. Eu te amo muito.
Uma das suas mãos subiu pela minha barriga, se fechando no meu pescoço.
- Promete... que... nunca mais... vai embora... assim...? - Eu sentia a vibração das suas palavras contra a minha pele. Seu tom de voz dominante, punitivo.
- Eu prometo, Harry. Eu te amo.
Eu te venero. Seu corpo é o meu templo.
- Eu nunca conseguiria te deixar. - O aperto no meu pescoço ficava mais forte. - Eu sempre vou voltar para você. Sempre. Eu prometo.
O teto girava, minha cabeça girando junto.
Harry alinhou nossos rostos e me lançou um sorriso largo antes de juntar nossas bocas. Outro beijo perfeito, feroz, quente.
- Me diz, , o que você quer agora?
Eu pisquei e puxei com ar com força.
O teto ainda girava, mas Harry não estava mais ali.
- Eu estou dizendo! Eu deveria ter ficado com você em vez de te entregar de bandeja para Kate!
- Sinceramente, tem eu para todo mundo.
- Campbell! - Gargalhamos quando eu o repreendi.
- Tudo bem, tudo bem. - Ele suspirou, num quase revirar de olhos. - Que pena que você perdeu a chance.
- Não melhorou. - Eu revirei os olhos.
- Agora que você está vindo embora...
Literalmente, pensei ao olhar em volta; tantas pessoas atravessando o aeroporto, inconscientes da minha conversa particular.
- ...Eu já posso contar que conversei com o seu Harry. - Henry soltou do nada. - Claro, isso foi depois de quase marcar aquele rosto que deve valer milhões de dólares com um soco.
- O quê? - Eu quase gritei, preocupada. - Por quê?
- Porque ele estava agindo como um babaca.
Eu suspirei.
- O que há com os homens na minha vida? - Falei mais para mim mesma.
- O que você quer dizer? - Henry franziu a testa.
- Deixa para lá. - Balancei a cabeça. - Qua-quando foi isso?
- Ele foi no seu apartamento quando eu passei para regar as plantas.
- Eu sei. - Suspirei de novo. - Ele me contou que foi me procurar quando não voltei na data certa.
- Não. Foi depois.
- Depois? Quando?
- Eu não me lembro exatamente quando. - Henry disse, confuso. - Um dia de manhã. Ele estava horrível, Felina. Roupas amassadas e olheiras. E suponho que o cabelo seja daquele jeito sempre, o que é difícil de dizer se estava pior devido as circunstâncias. - Balançou a cabeça, desaprovador. - Ou ele está realmente sofrendo, ou é um ótimo ator.
Eu esfreguei a testa, incapaz de formular alguma resposta.
- Ele tentou me intimidar. - Henry riu. - Com um tom sarcástico, passivo-agressivo. Nem parecia a mesma pessoa que eu conheci na casa da Jane.
- O Harry? - Falei em um tom descrente. - Harry, trate as pessoas com gentileza, Harry? Estamos falando da mesma pessoa?
- Harry Styles, sim. Foi por isso que eu quase bati nele.
- Uau. Ele deve estar mesmo muito mal... - Contemplei. - Eu não consigo imaginar por qual outro motivo Harry agiria dessa forma.
- É claro que ele estava mal. Eu acabei de descrever como ele parecia.
- O que mais você notou?
- Ele parecia agitado, como se estivesse prestes a surtar... E nervoso. Definitivamente nervoso.
- Bem, fico aliviada por você não ter feito nada. Eu odiaria se você se metesse em confusão e Jeff me odiaria se Harry tivesse um olho roxo por minha causa.
Estremeci apenas por pensar como todos, com toda a certeza, virariam as costas para mim se eu causasse um inconveniente como esse para Harry. Dá para imaginar ele com um olho roxo? O que a mídia falaria?
- Mas isso foi só em um primeiro momento. O resto do tempo eu fiquei sem saber se ele ia chorar ou me implorar para te ligar para que ele pudesse falar com você.
Eu não consegui não imaginar Harry como Campbell descreveu, as olheiras e roupas amassadas. Meu coração se partiu em pedacinhos ao pensar que ele estava assim por minha culpa.
- Sabe, , eu tomei partido dessa briga sem saber o outro lado da história. - Henry pressionou os lábios. - Eu estava furioso pelo que ele fez com você, mas depois de conversar com ele, eu preciso te dizer: Eu não acho que ele mentiu sobre a Kendall.
Eu fechei a porta do meu apartamento e encostei as costas nela, observando a extensão do lugar, parecia que tinha acontecido um assalto, cometido por mim mesma. Minhas malas estavam jogadas num canto, junto com uma jaqueta no chão e alguns pares de sapatos. Acho que o sábado de lavar roupas teria que ser adiantado. Suspirei.
Pelo menos eu estava de volta. Eu estava em casa.
Ah, Califórnia!
Eu era a única no corredor quando Harry saiu correndo por uma das portas, e parou abruptamente quando me viu, surpreso por ter conseguido me encontrar ou por chegar a tempo. Talvez um pouco dos dois.
Eu tinha ido participar da plateia do Late Late Show e o corredor era por onde eu estava indo embora.
Somando o tempo que passei no Brasil, havia quase seis semanas que eu não só não conversava com Harry como também tinha zero notícias dele. Por onde ele andou, o que estava fazendo? Eu não fazia ideia. E de todas as maneiras que eu poderia encontrar Harry pela primeira vez depois de voltar, aquela certamente era a mais inusitada.
Paralisada ali na frente dele, observei o suor brotando na linha do cabelo e escorrendo por suas têmporas. Ele tinha as duas mãos na cintura, levemente encurvado enquanto respirava rápido.
Harry soprou um pouco de ar, parecendo finalmente ter recuperado o fôlego quando se endireitou. As mãos permanecendo na cintura.
- Oi. - Falou finalmente, tímido.
- Oi, Harry. - Puxei o ar com força, como se eu precisasse de mais além da quantidade que eu estava recebendo naturalmente. - Jogando dodgeball, é? - Eu chutei, um sorriso de lado. Ele confirmou com um aceno.
Eu só sabia disso porque tinha, inevitavelmente, sido descoberta por James. Ele me bombardeou de perguntas quando me reconheceu e foi através dele que eu soube que Harry também estava ali.
James usava uma roupa esportiva, calça vermelha e camisa raglan com a bandeira do UK quando trombamos na entrada do estúdio.
- Harold sabe que você está aqui?
- O Harry está aqui? - Eu rebati com a voz esganiçada e olhos arregalados.
- Hum. - James murmurou. - Julgando pela sua reação, acredito que a resposta seja “não”. - Soltou uma risadinha. - Estamos um pouco atrasados com a programação desse mês e filmando dois dias de programa ao mesmo tempo.
Eu afirmei com a cabeça, mas não disse nada. Isso explicava por que H não estava na lista de convidados para aquele dia e também o motivo de estarmos mofando ali.
- Quando eu te vi na plateia pensei que soubesse que ele estivesse aqui e por isso veio.
- Você me viu?
- Claro, . Eu vejo todo mundo. - Ele deu uma risada divertida.
- Não, eu não sabia que ele viria. - Eu balançava incessantemente a cabeça. - Eu me cadastrei no site por um ingresso.
- Sério? - Franziu a testa. - Por quê?
- Porque eu queria participar da plateia?! - Eu respondi meio confusa.
- Não, digo, por que você não me ligou? Eu arrumaria um ingresso para o dia que você quisesse.
- Eu não sabia-não sabia se podia... Não sei se...
- Qual é, ! - Ele me deu um tapinha amigável no ombro. - Qualquer amiga do Harold é minha amiga.
Eu abaixei a cabeça, encarando meus sapatos.
- Eu não sei se somos mais amigos. - Eu finalmente disse.
- Ah, isso. - Ele suspirou. - Sim, eu soube que vocês brigaram.
- James! - Alguém nos interrompeu. - Dois minutos!
Salva pelo gongo.
- Olha, eu preciso ir. - Ele disse, agitado. - Não vai embora, ok? Eu tenho certeza de que ele vai querer falar com você. - Ele apertou meu ombro como despedida.
Eu acenei com a cabeça, embora eu não soubesse se seria possível sair dali mesmo se eu quisesse.
- Estou no meio da gravação. Ouvi quando falaram que começaram a liberação do quadro anterior... - Balbuciou rapidamente enquanto avaliava meu rosto. - Você pintou o cabelo?
Falei que sim enquanto trocava o peso de uma perna para a outra.
- Você voltou... - Disse como se até então estivesse num transe.
- Eu não sabia que você ia gravar algo hoje. - Justifiquei enquanto gesticulava excessivamente. - Se soubesse que você viria, teria pegado ingresso para ver o seu massacre em vez disso.
- Ah claro. - Ele riu desajeitado. - O que te faz pensar que eu estou perdendo?
- Hum. Instinto. - Eu ri igualmente estranha.
- Ei, - Harry suspirou - como você está?
- Eu estou... bem. - Estalei os lábios. - Trabalhando bastante para colocar tudo em ordem, sabe como é...
Não, ele não sabia.
- Isso é bom. - Balançou a cabeça exageradamente animado.
- E você? Tudo bem?
- Ótimo. Trabalhando muito também como você pode ver. - Apontou para si mesmo e soltou uma gargalhada.
- Um trabalho bem divertido, eu diria.
- É. - Ele abaixou a cabeça enquanto ainda sorria. - Você se divertiu hoje?
- Sim. Foi... Um pouco cansativo, muitas regras, muito tempo de espera..., mas interessante, com certeza.
- Bem-vinda ao meu mundo. - Harry ajeitou as mechas de cabelo e usou as costas da mão para secar o suor da testa.
Ele parecia estar se esforçando muito para manter aquela conversa. O clima era estranho, como se nos conhecêssemos o suficiente apenas para uma tentativa falha de conversa casual, mas com um diálogo polido de quem não sabe o limite da intimidade.
- E... como foi... a viagem? - Soletrou lentamente.
Eu desviei o olhar. Ele fez uma careta, percebendo imediatamente que era muito cedo para tocar na ferida.
Eu abria e fechava a boca sem saber como responder. “Bem”, eu diria? No começo uma merda, graças a ele, mas depois consegui abstrair? Foram só alguns segundos pensando na resposta, mas a minha mente parecia correr a milhares de quilômetros por segundo.
Havia sido uma longa construção do nosso relacionamento para chegar em um ponto onde poderíamos desfrutar do silêncio entre nós. Pausas confortáveis em que não sentíamos necessidade de preenchê-las com palavras; agora tudo ia por água abaixo, parecia uma eternidade encarar seus olhos silenciosos. Como o próprio poeta ali na minha frente uma vez disse, ou melhor, cantou: Comfortable silence is so overrated.
- ... - Harry retomou o controle das nossas vozes. - Eu... Ahn... queria me desculpar... Eu...
Seu olhar, tão intenso e intimidador, me tirava o ar, como se eu estivesse me afogando, junto com tudo que eu nos via perdendo.
- EI, GAROTA!
Eu virei o pescoço num susto. Um segurança que mais parecia um armário se aproximava a passos rápidos.
- O que você está fazendo aqui? Todos os convidados do estúdio já foram liberados e não podem ficar andando pelos corredores.
Ele me olhou dos pés à cabeça, terminando a frase cravando os olhos nos meus. Eu retiro o que eu disse sobre o olhar de Harry ser intimidador, o desse homem era infinitamente mais, e mais assustador também.
Em seguida, ele direcionou o olhar para Harry.
- Senhor Styles, estava te procurando. Precisam que volte para o estúdio 4.
E então, me encarou novamente. Os olhos de águia, ferozes.
- É proibido falar com os artistas, especialmente os parar nos corredores. - Estendeu um braço. - Por favor, me acompanhe.
Eu já estava paralisada de vergonha, aquele foi o golpe final. Mortificada.
Harry deu um passo para frente, alinhando-se ao meu lado e estufando o peito, ficando mais alto do que ele já era.
- Ela é minha amiga e parou para me dizer oi.
Desconfiado, o segurança alterou o olhar entre mim e Harry algumas vezes.
- Desculpe, Sr. Styles. Ela não pode ficar aqui.
- Por que não? Agora ela está me acompanhando. Não é mais convidada da plateia, do estúdio, do programa, seja lá o que for - Harry semicerrou os olhos, devolvendo o mesmo olhar desafiador para o segurança.
Harry se virou para mim, sua mão foi automaticamente para o meu braço.
- James não te deu nenhum passe?
- Não, eu não quis. - Abaixei a cabeça. - Tudo bem, H. Eu preciso ir embora mesmo.
Harry me estudou.
- Você tem certeza?
- Sim. Estou cansada. - Afirmei com a cabeça. - Depois, quando puder, passa lá em casa.
Eu achei que ele fosse me perguntar outro ‘tem certeza?’, porém, acho que ele teve medo de que eu dissesse que não.
Eu hesitei por um momento, mas o abracei. Juntei nossas bochechas como quem consola um filho, uma das minhas mãos segurando firme seu pescoço e a outra sobre suas costas molhadas de suor.
- Eu senti sua falta. - Harry sussurrou no meu ouvido, seu peito inchando conforme ele puxava o ar com força. Com alívio.
- Eu também. Eu estava preocupada com você.
Harry se afastou e seu olhar estava perdido, opaco.
- Tem um novo porteiro e vou deixar sua entrada liberada. Eu não sei se você ainda tem a chave... - Pensar naquela possibilidade doeu e eu suspirei com força. - Eu sei que precisamos conversar.
Observei seu semblante caído uma última vez. Doía pra caralho o deixar assim.
Sem olhar para trás, deixei que o segurança me guiasse até a saída.
Eu joguei a bolsa no sofá e me joguei ao lado em seguida.
A última mensagem que me lembro de ter recebido de Harry dizia que ele ia para Londres. Quando ele tinha voltado? Ou desde quando ele estava em LA?
Na minha cabeça, não havia nada que pudesse ter prevenido esse encontro; parecia que mesmo que eu o evitasse, alguma força externa sempre nos atrairia um para o outro.
Ou talvez eu devesse parar de tentar justificar minha vida como se tudo estivesse completamente fora do meu controle. Porque bastava eu ter aberto UM aplicativo para evitar toda aquela situação esquisita.
Estava tudo lá... no google! Harry num jogo de futebol em Londres, Harry num show, Harry num evento da Gucci em Roma, Harry numa foto com Stevie Nicks, Harry mandando beijos em vídeos para fãs, Harry em fotos com fãs, Harry almoçando com Rob Sheffield, autor de Love is a Mixtape; Hélène tinha até mesmo publicado uma foto dele lendo esse livro quando o desejou parabéns pelo seu aniversário.
Eu balançava a cabeça para os lados em sinal negativo enquanto via pela milésima vez o mesmo vídeo onde mostrava Harry e Rob no restaurante.
Ah! O aniversário de Harry! Eu cheguei em LA um mês depois de seu aniversário no ano passado, não o conhecia ainda, mas o aniversário desse ano, o mesmo que Hélène publicou a foto, eu estava com ele. No Japão.
Harry e eu tínhamos nos visto só duas vezes em janeiro. Uma logo depois do ano novo, em que ele estava me esperando na minha casa quando cheguei de uma reunião da empresa e a outra foi no final de semana do meu aniversário.
Quando cheguei em Tóquio, deixei as malas no meu quarto e mandei uma mensagem para Harry. Eu não sabia qual era seu quarto, sequer sabia que se ele estava de fato no hotel, provavelmente só vinha para dormir. Ele não respondeu a mensagem. Era um pouco depois do horário de almoço. Eu estava morta, o fuso horário era horrível.
Liguei para ele e o telefone chamou algumas vezes antes que ele finalmente atendesse.
- Alô. - Atendeu, a voz quase inaudível.
- Harry?
- ? É você?
- Sim.
- Está tudo bem?
- Eu que te pergunto. Que voz é essa?
- Acabei de acordar. Ressaca.
- Novidade. - Ironizei. - Onde você está? No hotel?
- Não, dormi na casa do Kizuku.
- Quem?
Para mim todos os nomes soavam iguais, eu nunca conseguia identificar quem era quem.
- O que tem um cachorro.
- Ah. Sei.
Eu tinha o endereço desse amigo perdido nas mensagens com Harry. Ele tinha usado a nossa conversa como bloco de notas para salvar o endereço caso precisasse pedir um Uber, ou sei lá.
Quase desisti de procurar, estava numa mensagem de outubro, numa das primeiras vezes que ele viajou para o Japão.
Peguei um uber e fui para lá, não era muito perto, saudades do meu carro.
Quando bati na porta da casa, num bairro simples que não lembrava nenhum lugar que eu já tivesse visto, quem abriu a porta foi o tal do Kizuku. O cachorro, enorme, bem atrás da porta, tinha a língua para fora e abanava o rabo.
- Oi. Você não me conhece, mas eu sou a , amiga do...
- ! - Exclamou alto, fazendo uma leve reverência. - O Harry falou de você! - Respondeu em um inglês quebrado.
- Ele não sabe que eu estou aqui. - Coloquei um dedo na frente dos lábios. - Eu vim fazer uma surpresa. Ele ainda está aqui?
Kizuku me convidou para entrar e me guiou até o quarto onde Harry estava. A casa era pequena e muito entulhada. As superfícies estavam cheias de papéis e outras tralhas, tudo parecia que tinha sido largado de qualquer jeito e o desorganizado era o padrão.
A porta do quarto estava fechada.
Bati.
- Pode entrar! - Harry gritou.
Girei a maçaneta devagar enquanto prendia a respiração. Harry apareceu na minha visão, de costas para a porta, uma toalha na cintura e cabelos e costas molhados.
- Então é assim que você fica quando se hospeda na casa dos outros? - Ele se virou abruptamente ao ouvir minha voz. - Praticamente pelado, achando que está na própria casa?
- ! - Com passos largos, cruzou o cômodo e chocou seu corpo contra o meu em um abraço apertado que me tirou do chão. - O que você está fazendo aqui? - Um sorriso largo estampava seu rosto.
- Harry, - bati a mão em seu ombro - você está me sufocando.
Ele afrouxou o abraço no mesmo momento e murmurou um “desculpe”.
- Feliz aniversário, meu amor! - Eu disse em português.
- ‘Brigadô’. - Harry respondeu também em português, a palavra soou como uma mistura de obrigado e brigadeiro com sotaque japonês, eu supus. - Ma-as, como, quando? Você me ligou agora. - Harry arregalou os olhos. - E o seu trabalho? - Me perguntou com um tom de voz alterado.
- Se você não estivesse sonolento o bastante, teria visto que te liguei por facetime. Eu nunca ligo por facetime sem ver com vídeo. - Dei uma risada. - Peguei umas folgas para vir passar seu aniversário com você, já que agora você mora em Tóquio! - Completei divertida. - Arrumou uma namorada e esquece dos amigos. - Provoquei ao me lembrar dos rumores.
- ... - Harry rolou os olhos. Maldita hora que passei essa mania para ele.
- O quê? - Me fingi de sonsa. - E que tipo de pessoa acorda às duas da tarde no dia do aniversário? - Fingi que não havia tocado no assunto anterior, sabia que mudar de assunto o deixaria mais irritado.
- Você sabe que se eu tivesse algo com ela, eu te contaria. Você sabe de todos os meus.... uhh... como é aquela palavra mesmo?
- Que palavra? - Perguntei tão confusa quanto ele.
- Aquela... ko-kota-os...
- Ahhhh! Contatinhos!
- Isso! Kota-teen-oos. - Harry repetiu pausadamente, tentando pronunciar como eu. - E meu aniversário foi ontem!
Eu conheci Kiko naquele mesmo dia, na verdade Harry também a conheceu no karaokê-bar em que fomos para a comemoração do dia.
Pensei em quantas das vinculações da mídia eram realmente verdadeiras, ele sequer conhecia a mulher antes. Eles não poderiam estar mais errados, porque mesmo que Harry tivesse um affair no Japão, a potencial pessoa não era nem mesmo uma mulher.
Harry passou o fim de semana inteiro comigo. E a mídia nunca descobriu.
E isso me fez perceber uma coisa... Harry e Kendall nas notícias. Alguma coisa tinha acontecido, eu tinha certeza disso, porque Harry não tinha negado que esteve com ela, mas o que era verdade e o que não era?
Foi ali que a minha ficha caiu. Eu já tinha passado por aquilo antes, não era a primeira vez.
Sem pensar duas vezes, peguei o celular, pronta para enviar uma mensagem para Harry. Eu não tinha percebido que era a primeira vez que eu realmente abria a nossa conversa nesse tempo todo. Rolei a página, finalmente lendo todas as mensagens de uma só vez, e não apenas a prévia que aparecia na barra de notificações.
08:22am: Me manda mensagem quando chegar.
11:47am: Já estou em São Paulo.
10:25pm: Como foi o jantar?
07:12am: Foi ótimo. Desculpa não ter respondido
ontem. Foi um dia cansativo.
07:13am: Como foi seu voo?
10:50am: Tudo certo. Detalhes
quando você chegar.
01:15pm: Como você consegue viver com o
fuso horário? Eu sou uma ameba. Só durmo!
06:30pm: A gente se acostuma. Hahaha
Chegando no red carpet. Falo com você depois?
06:30pm: Claro! Boa sorte, babe!
Te amo! Você consegue!
07:30pm: Acabou de começar a transmissão aqui.
07:45pm: Meu Deus você está lindoooo!
07:45pm: Retifico: Gostoso.
07:46pm: Lindo e gostoso.
10:03pm: Eu te amo, .
Eu não posso falar, mas te ligo quando puder.
10:05pm: Te amo, minha linda.
Obrigado por estar ao meu lado
mesmo de longe. Significa o mundo pra mim.
Obrigadooooo.
10:10pm: Eu estou tão orgulhosa de você, H!
10:10pm: Meus parabéns! Você arrasou, meu amor!
Tenho tanto tanto orgulho!
Mal posso esperar pra te ver e te
parabenizar pessoalmente.
10:11pm: Meu superstar!
03:10am: , o Jeff escorregoi na tquila ru esrou
rindi muito. Parece que el fez xizi na roup
03:11am: Muito insanooop
03:11am: meus olhps esyao vibramdp
03:13am: querua qie vpce estivrsse aqui.
11:00am: Ahahahaha O quê? Você escreveu
tudo errado. Seu bêbado!
01:21pm: Acabei de ver que você saiu de uma after
com a Kendall às 6h da manhã.
01:22pm: Uma after depois da after? Com a Kendall?
Você pode me ligar?
02:20pm: Cadê você?
02:21pm: Está tudo bem?
06:17pm: Bem, já está quase no horário do seu voo.
7:30pm? Harry?
7:31pm: Atende o telefone!
08:00pm: Te liguei e caiu direto na caixa postal.
Você embarcou sem falar nada?
08:15pm: Enfim, quando chegar em SP me avisa.
11:45pm: Harry, pelo amor de Deus, eu estou
preocupada. As mensagens não estão nem chegando mais!
12:02am: Harry? Caralho!
12:03am: Já era para você ter aparecido!
Tem Wi-Fi na porra do avião!
03:35am: Por favor, me desculpa. Por favor,
entende o meu lado.
03:36am: Me deixa comprar as passagens e ir agora.
03:40am: Eu não perdi o voo por querer.
05:00am: ? Não vai me responder?
03:36am: , por favor, me atende. Me perdoa.
03:48am: Eu juro que não fiquei com a Kendall
Ela é só minha amiga.
04:02am: Eu sei que você também só era minha
amiga e eu sei que isso foi a justificativa mais idiota
que eu já dei na minha vida.
04:05am: Mas eu juro que é verdade. Eu não te
trai. Eu não tenho nada com ela.
05:42am: Brber sem vocr não é a mrsma coisa. Me
perdpa. Eu te amo.
05:43am: Merds. Esqueci q é de maddurgada aí.
Sgora aquu tambrm é. hahahs.
07:10am: Me atendeeww. Eu implorp. Por fsvorrrr.
11:00am: Eu sei que você disse no telefone
que precisa de espaço.
11:01am: Mas eu estou indo para o aeroporto agora. Eu
posso trocar a passagem para o Brasil.
11:58am: Certo! Já vi que você não vai responder isso
também. Por favor, só acredita em mim!
12:00pm: Eu não fiz nada. Na verdade, eu fiz. Eu perdi o voo.
Eu te decepcionei, eu sei. Mas eu não fiquei com a Kendall.
Eu nunca faria isso com você. O meu erro não foi esse.
12:46pm: Okay. Acabei de entrar no avião. Não acredito
que vou chegar em Los Angeles e você não vai estar lá.
12:48pm: Eu não vou mandar mais nada. Prometo que vou
te dar o tempo e espaço que pediu.
12:48pm: Mas já sinto sua falta.
11:39pm: Ei.
11:49pm: Ainda não podemos nos falar?
12:00am: Quantos dias você considera 'alguns dias'?
12:35am: OK. Acho que você ainda não está pronta
para conversar. Tudo bem.
12:37am: Só queria dizer que te amo e sinto sua falta.
03:25am: , já faz uma semana. Estou preocupado.
Só me diz se está tudo bem por aí...
03:30am: Merda! Eu continuo me esquecendo do fuso
horário... Desculpe pela mensagem de madrugada.
02:17pm: Eu mandei uma DM para perguntando
de você. Não acredito que você me fez chegar ao nível de
desespero de precisar stalkear seus seguidores para achar
alguém próximo que tenha notícias suas.
02:18pm: E é claro que ela não disse nada. E nem precisa.
Os stories já falam tudo.
02:20pm: Por que ela me odeia?
07:22pm: Estou feliz que você vem embora em dois dias.
07:23pm: Eu te amo. Não sei fingir. Não quero.
07:24pm: Eu sinto sua falta mais do que “saudade” pode expressar.
07:24pm: Por favor, fala comigo.
08:24pm: Acabei de passar na sua casa e não tinha ninguém.
Também não vi suas malas. Você não chegava hoje?
09:19pm: Estou indo para Londres na quarta-feira, eu preciso
te ver antes de ir! Preciso falar com você! Preciso saber que
tá tudo bem!
05:46pm: Passei no seu trabalho. A Lucy disse que as
suas férias ainda não acabaram (Não eram 20 dias???)
e que não sabe quando você volta do Brasil.
05:47pm: Ela sabe, não sabe? Você pediu para ela não
me contar?
05:56pm: Eu posso te ligar?
05:57pm: Me atende pelo menos dessa vez, por favor.
06:38pm: Me perdoa por tudo. Eu sou um tolo.
06:39pm: Eu espero de verdade que você volte. LA
nunca vai ser a mesma coisa sem você.
Nada vai ser o mesmo sem você.
06:39pm: Me dê uma chance de conversarmos pessoalmente.
06:45pm: Você pode me ignorar o quanto quiser!
Eu não vou desistir, ! Eu não vou!!!
07:15am: Estou indo na sua casa de novo e torcendo para te
encontrar lá.
07:16am: Já que você não responde e nem atende as minhas
ligações.
07:17am: Eu embarco para Londres daqui a pouco e queria
te ver antes de ir.
09:02pm: Queria não ter ido na sua casa...
09:03pm: Me sinto um idiota por saber que ainda assim
te procurar vai ser a primeira coisa que farei ao voltar.
11:20pm: Estou embarcando, . Espero te ver em breve.
As últimas cinco mensagens eu ainda não tinha nem aberto. Mesmo que eu não tenha respondido, Harry tinha me ligado e, depois de conversarmos, eu imaginei que ele não teria dito nada de diferente nas mensagens e por isso não me dei ao trabalho. Eu estava enganada. Ele deveria estar se referindo a encontrar Henry na minha casa...
E era isso. Depois que eu tinha voltado para Los Angeles, não tinha mais nenhuma mensagem.
05:04pm: Você almoçou com o cara do ‘Love is a mixtape’?
Eu digitei e apaguei várias vezes a mesma variação de palavras. Parecia simplesmente muito baixo ignorar que as últimas mensagens eram de Harry, todas súplicas e pedidos desesperados de perdão. Mas eu era doutora em agir como se nada tivesse acontecido; e nós já tínhamos nos esbarrado mesmo.
A verdade é que nesse um mês eu senti falta de Harry terrivelmente. Sempre parecia que havia algo faltando em qualquer lugar que eu estivesse, em qualquer coisa que eu fazia. Eu amava Harry, apesar de tudo. E eu já o perdoei há muito tempo.
Eu posso dizer isso, certo? É possível ter perdoado alguém e ainda assim se sentir magoado? Harry tinha tentado, ele respeitou meu espaço quando eu não quis conversar. Ele me deu todo o tempo que pedi. E se eu tinha mesmo o perdoado, agora era a minha vez de dar algum passo.
Apertei o maldito botão e enviei a mensagem.
Que se dane.
Aumentei o volume das notificações, larguei o celular em cima do sofá e saí andando. Bom, eu não estava tão “que se dane” assim.
Fui para a cozinha procurar algo que me distraísse da ansiedade que crescia em meu peito. E se Harry não me respondesse? Eu o afastei por mais de um mês, ele pode ter decidido que aquilo era o bastante e que deveria cortar contato.
Enquanto minha mente fervilhava milhares de pensamentos, eu sequer notei que tinha pegado o pote de sorvete, uma colher e já estava escorada na bancada da cozinha.
E se ele voltou com a Kendall? Pode ser que depois de todas as suas tentativas malsucedidas de falar comigo tenham resultado em seu cansaço que consequentemente o fizera procurar outra. Ele já estava cansado de todas as minhas atitudes há bastante tempo, isso poderia ter sido só o estopim, que eu estourei. Talvez ele tenha só... desistido.
Plin
Eu corri de volta com uma mão no peito, meu coração bombeava tão rápido que eu me sentia sufocada.
Eu só percebi que eu tremia quando alcancei o celular e minha mão balançou no ar. A tela se acendeu sozinha e sugou o brilho nos meus olhos. Era uma notificação da minha mãe.
Eu definitivamente preciso escolher um som de notificação diferente para as mensagens do Harry...
Desbloqueei o telefone para responder minha mãe e novamente o “plin”, dessa vez a mensagem surgiu pela barra superior de notificações: Harry.
Okay! Dessa vez o meu coração parou de verdade e eu puxei o ar pela boca em uma arfada. A notificação até desapareceu, meus dedos não foram rápidos o bastante. Parecia até que tínhamos voltado um ano atrás e era uma das primeiras mensagens que eu recebia de Harry, quando eu ainda estava me acostumando com a ideia de que éramos amigos e meu coração acelerava a cada mensagem recebida.
Na verdade, eu nunca parei de sentir algo quando o via, o sentimento só foi transformado.
05:14pm: Você leu o livrooo?
Oh ou! Tom casual. E eu odiava conversar por mensagens por isso. Não dava para saber se ele estava agindo como mais cedo ou se ele realmente estava despreocupado como aparentou pela mensagem. Acho que eu também agiria assim se as minhas últimas mais de 20 mensagens tivessem sido ignoradas.
Antes de enviar qualquer coisa, porém, outra mensagem de Harry chegou.
05:15pm: Espera, como você sabe disso?
05:15pm: Ainda não. Só lembrei da
foto que Hélène postou no seu aniversário.
05:17: Meu aniversário desse ano? Que
você foi para o Japão passar comigo?
05:17pm: Twitter.
Fiquei encarando a tela do celular, sem saber o que responder e sem querer enviei a resposta sobre como eu sabia do Rob. Claro! É claro que eu ia cometer esse vacilo!
05:20pm: Merda! Havia alguma info
sobre o que estávamos fazendo?
05:20pm: Era uma entrevista para a Rolling Stone.
#segredomaximoooo
05:31pm: Não. Não tinha nada falando
do motivo que vocês estavam juntos.
05:31pm: Ok. Isso é bom.
05:35pm: Boa memória.
05:45pm: ?
05:45pm: Ainda está aí?
05:45pm: Sim. Estou aqui.
05:46pm: Me desculpe.
05:47pm: Pelo quê?
05:47pm: Você sabe...
05:48pm: Eu aposto como você está pensando
sobre ter viajado para o Japão.
05:48pm: E que eu não viajei com você...
05:49pm: Não...
05:50pm: Me desculpe.
05:50pm: Tudo bem. Você nunca teve obrigação de ir comigo.
05:51pm: Eu sei. Mas eu queria.
Especialmente depois de tudo o que
você fez por mim...
Eu respirei fundo e comecei a digitar ferozmente.
“E é assim que você me retribui! Com mentiras e descompromisso! Eu não consigo acreditar que você realmente queria ir, sabe? Foi tão difícil ter coragem para te chamar e eu fui feita de boba. Como eu posso acreditar em você daqui pra frente? E além de tudo isso, você ainda organizou uma festa com a sua ex, em menos de dois meses depois de dizer que queria algo sério comigo.”
Eu evitei a todo custo aquela conversa, não queria jogar nada na cara de Harry. Então apaguei tudo.
06:00pm: ?
06:01pm: ?????
06:01pm: O quê?
06:01pm: Harry?
06:02pm: Eu posso te ligar? Por favor?
O telefone começou a vibrar na minha mão. Uma foto minha com Harry aparecia na tela.
- Vai começar a me ignorar de novo? - Perguntou num tom que tentava soar descontraído.
- Você nem me deu tempo de digitar a resposta.
- Como você está?
- Eu estou bem. - Suspirei.
- Tem certeza?
Fiquei calada.
- ...Eu achei que ainda estivesse chateada comigo.
- Eu estou chateada com você! - Esfreguei a testa. - Mas isso não interfere na forma como me sinto de um modo geral. Não é como se eu estivesse no fundo do poço ou sei lá.
Eu reviraria os olhos se ele pudesse ver, porque no fundo do poço era exatamente onde eu me sentia estar.
- Wow... - Harry soltou uma risada claramente irônica. - Achei que você se importasse mais com a gente. Achei que eu significasse algo a mais para você, sabe? Pra pelo menos afetar um pouco sua vida.
Homens... Nunca entendem a ironia.
- Eu não estou com raiva de você, Harry! - Bufei e fiquei em silêncio por um momento. - Na verdade, estou com muita raiva, sim. De mim! Porque a culpa foi exclusivamente minha em confiar em você. Se eu tivesse feito como sempre e não esperado nada de você, nós nunca teríamos brigado, você teria ido para o Brasil e poderíamos seguir como se realmente nada tivesse acontecido.
- Você não pode simplesmente ignorar tudo na sua vida, não é assim que as coisas funcionam.
- E quem é você para me dizer como eu devo viver a porra da minha vida?
- Eu sou alguém que te conhece, . - Harry respirou fundo. - “Eu sei que você está assustada porque corações se quebram”.
Eu tirei o celular do ouvido e quase o arremessei com toda a minha força na parede.
- Cara, cala a boca. - Eu passei a mão na testa. - Você não vai jogar essa conversa de que eu tenho medo para cima de mim, não. Você não tem o DIREITO, Harry, de ficar usando contra mim essas músicas que escreveu sobre como você me enxerga! O que você pensa que eu sou e o que eu sou são coisas diferentes!
A linha ficou muda, eu não consegui sequer ouvir a respiração dele.
- , você não entende...
- Eu não sou essa pessoa brilhante e iluminada como você pensa! Para você tudo é dourado-pôr-do-sol e girassóis...
- É claro que eu não acho que a vida é assim.
- ...que ironicamente também remetem o mesmo sentido de sol. - Eu completei ao mesmo tempo em que ele se defendia.
- Q-quê?
Bufei.
- Eu não sou essa pessoa que você escreve sobre. Eu não sou.
- Você não percebe? - Harry falou com impaciência. - Eu não ligo, ! Eu não escrevo porque não enxergo seus defeitos, eu escrevo porque eu te quero mesmo com eles! E NÃO quero seguir como se nada tivesse acontecido! Você acha que eu teria escrito tantas músicas sobre você se eu realmente quisesse ser só seu amigo? Se eu quisesse que você não esperasse nada de mim? Se eu quisesse que você não confiasse em mim?
- Você claramente não sabe o que quer, Harry.
- EU QUERO VOCÊ, !
Respirei fundo, chocada demais para falar algo de imediato. Eu nunca tinha ouvido Harry gritar assim.
- Gritar comigo não vai te levar a lugar nenhum aqui.
- Desculpe... - O resto da sua voz saiu falhada. - Mas você não me ouve. Eu quero você, . Eu quero você! Quero resolver isso.
- Harry, você planejou toda uma festa com a sua ex e não mencionou isso nem uma vez. Você não acha isso suspeito?
- Ela não é minha ex! - Rebateu irritado. - Não oficialmente.
- Eu não quero saber, Harry.
- Dá para parar de me chamar de Harry?
- É a porra do seu nome! Como eu supostamente deveria te chamar?
- Dá para parar de falar a porra do meu nome com esse tom de voz?
- Agora você vai implicar com a minha forma de falar? - Esfreguei a testa, estressada e arrependida por ter mandado aquela mensagem. - Olha, Harry, por que você me ligou?
- Porque eu preciso me explicar.
- Você deveria ter se explicado um mês antes do Met Gala, ou sei lá quando você decidiu fazer essa festa com a Kendall!
Parece que Harry sequer respirou, ou pensou, antes de me responder.
- Você fala como se você não tivesse corrido para os braços do seu ex-namorado no minuto seguinte em que pensou que eu estivesse com a Kendall!
- O quê? Do que você está falando?
- Você acha que eu não vi todos aqueles stories? Dos seus amigos? Seus? Dele? Você passou o mês inteiro com ele, em festas, jantares, sei lá onde mais... TODOS os lugares que você ia, seu ex estava junto.
Todas aquelas fotos de vocês dois rindo um para o outro, íntimos, na casa de alguém. Era a sua casa? A casa dele? Foi só uma vez? Várias? Vocês passaram o mês inteiro juntos? Vocês têm alguma coisa agora? Algo que eu precise ser informado?
- Ele é amigo da minha melhor amiga, seu arrogante do caralho! Você queria o quê? Que eu nunca mais conversasse com ele porque já namoramos? Só você pode ser amigo de ex, seu idiota?
- As fotos e vídeos de vocês juntos sugeriam mais do que uma amizade. Olha, se você queria se vingar de mim, tudo bem, você conseguiu. Cada uma daquelas fotos me matou por dentro. EU vi cada uma, eu sofri por cada uma. Se você queria me mostrar como se sentiu quando me viu nas manchetes com a Kendall, ótimo. Ponto provado. Mas não se faça de boba agora!
- Não, não... - Eu repetia enquanto negava fervorosamente com a cabeça. - Você não vai virar o jogo contra mim! Você é maluco? VOCÊ organizou uma festa com a sua ex-namorada! E depois – eu me engasguei num riso amargo – e depois me ligou querendo saber ONDE eu estava e por que eu não tinha voltado para Los Angeles no dia que eu tinha falado, como se EU tivesse obrigação de te explicar por que eu QUIS ficar mais tempo no meu PRÓPRIO país.
Eu odiava mais do que tudo confrontos pelo telefone. E não era naturalmente uma pessoa que gritava, mas minhas palavras estavam saindo com mais agressividade do que eu calculava. Ou melhor, não calculava.
- Você só gosta da ideia de me ter quando quiser, não é? Como você pode ser tão filho da puta estúpido do caralho? Você está muito acostumado a me ver a sua disposição e agora diz isso tudo porque você me viu com outra pessoa? Na boa, vai se foder, Harry!
Ele balbuciava defesas aleatórias enquanto eu gritava descontroladamente tudo o que estava entalado na minha garganta por tantos meses.
A nossa relação sempre teve um nível desproporcional de poder. Sempre foi assim para mim, como se Harry fosse soberano... E tudo porque... tudo porque ele era aquele cara, aquele rosto que estampou os pôsteres nas paredes do meu quarto. Sempre haveria aquela relação de poder nos rodeando. E ele nem se dava conta de como ele mexia comigo, como ele bagunçava minha mente. E o pior: Eu tinha criado aquela desvantagem. Ele não tinha culpa de que EU o tivesse empoderado assim.
Mas eu tinha chegado no limite.
- Você é um narcisista do caralho. Não sou eu quem faz as coisas como um ataque pessoal contra você! Jesus! Eu não sou sua, Harry. Eu não sou sua posse! A porra do meu mundo não gira ao seu redor!
- Eu sei que não...
- E então, depois de conseguir conversar comigo naquele dia, não sei se achou que estava tudo sob controle, que eu voltaria do Brasil e te perdoaria, o que você fez? Foi se divertir na praia com Kaia Gerber!
- O quê? - Deu uma gargalhada irônica. - Eu estava desabafando com ela sobre você. Ela é minha amiga! E além do mais tem só dezoito anos!
- Ter dezoito anos nunca te impediu de foder ninguém!
Era como se eu só processasse parcialmente o que ele me dizia.
- Você está me ofendendo...
- Eu estou te ofendendo, Harry Edward Styles? Eu estou te ofendendo? EU que fiz um compromisso idiota com você e o cumpri! Dá pra acreditar nesse caralho? - Soltei uma gargalhada. - Eu cumpri a porra do nosso compromisso, MESMO QUE VOCÊ MERECESSE QUE EU TIVESSE FODIDO O DANIEL!
Isso fez com que Harry calasse a boca.
- Isso mesmo que você ouviu! Eu não fiquei com ele. Mas eu quis, tá ouvindo bem? Eu queria que ele tivesse me fodido para ver se eu esquecia as outras formas que VOCÊ me fodeu!
- E por que não deixou ele te foder, se claramente você queria? - A voz de Harry saiu grave, tremida e fortemente ironizada.
Eu cerrei os olhos, irritada com o tom pejorativo. Eu poderia falar assim sobre mim mesma e ninguém mais.
A resposta para a pergunta de Harry era: Porque eu não quero ninguém, senão você.
- Eu não vou ficar aqui te ouvindo gritar comigo e me ofender como se você tivesse esse direito. Eu não fiz nada de errado, eu não menti para você!
- Nem eu! - Retrucou.
- Sinceramente, tchau, Harry.
- Não, espera! Eu vou...
- Harry, tchau.
Eu desliguei antes que ele pudesse terminar o que estava dizendo. E chorei em seguida inevitavelmente.
Tudo tinha escalado a um nível absurdo. O que eu mais queria evitar era essa discussão. Por mais que eu soubesse que, em algum momento, teríamos que brigar por isso. Eu não seria capaz de tratar desse assunto em uma conversa civilizada, por mais que eu tivesse adiado. Eu sabia disso. Mas não esperava que as coisas fossem ser tão ruins assim.
Não é mais como se eu ainda tivesse dúvidas se Harry tinha ou não ficado com a Kendall, mas em algum ponto a briga deixou de ser sobre isso e passou a ser sobre quem estava certo e quem estava errado. E eu me sentia horrível por ter me deixado levar. Se Harry não tinha ficado assustado com o meu nível de descontrole, eu certamente estava. Meu Deus.
E se ele não me odiava de verdade antes, esse era um bom motivo para começar. Ele merecia, eu sabia disso, mas eu tinha claramente exagerado.
Eu não sei quanto tempo se passou até que a batida na porta me tirara daquele transe. Eu tinha parado de chorar há algum tempo, e encarava a tela preta da TV. Quando olhei pela janela, vi que já estava escuro. Merda! Eu tinha esquecido completamente que tinha combinado de ir até Elinor. Ela certamente veio checar porque não apareci.
Eu me apressei até a porta, abrindo-a em um puxão enquanto já começava a me desculpar.
- El, me desculpe, eu me–
Parei. Ficando tonta com o cheiro que ventilei na minha direção.
- Tudo bem, eu te desculpo.
Harry estava escorado no batente da porta, as mãos nos bolsos de uma calça jogger e um sorriso de lado.
Respirei fundo enquanto meu coração acelerava. Ele estava cruelmente irresistível.
- Harry! - Exclamei confusa. - O que você está fazendo aqui? - Bloqueei, desajeitada e sutilmente, a moldura da porta.
- Você me convidou, lembra?
Por que eu fazia essas coisas comigo mesma?????
- B-bem, e-eu n-n... - Gaguejei, sem saber o que falar primeiro. - A gente estava brigando no telefone agora, eu não achei que você viria depois daquilo.
- Agora? - Olhou em volta. - Achei que já nos tinha dado tempo o suficiente para nos acalmar e poder conversar. - Ele chacoalhava os ombros enquanto falava.
Eu cerrei os olhos, desconfiada. Aquilo não soava como ele; o Harry que eu conhecia pegaria o carro e bateria na minha porta assim que eu tivesse desligado na sua cara, sem espaço para reflexão.
Claro, isso antes de tudo.
- Na verdade, eu teria vindo antes se pudesse, mas estava preso no estúdio até agora. - Levantou as mãos, gesticulando.
- Entra aí. - Eu suspirei e me arrastei para a lateral, dando espaço para que ele passasse.
Harry entrou e se virou para mim, me observando enquanto eu fechava a porta e caminhava até a mesa da sala conjugada com a cozinha.
- Você pode se sentar aqui, se quiser. - Eu apontei para a cadeira ao meu lado.
Harry deu um passo para frente e pendeu a cabeça para os lados, observando a extensão do apartamento.
- Da última vez que estive aqui seu cão de guarda me encurralou.
- Meu cão de guarda? - Eu segurei uma risada.
- É. Henry Campbell. Só estou checando se ele não vai sair de algum lugar e pular em mim. - Harry brincou, amenizando o clima.
Eu não aguentei e soltei uma gargalhada.
- Você é hilário!
- E você... - Harry hesitou antes de se aproximar e se sentar ao meu lado. - ...você fez falta. Jezz! Como é bom te ver! - Ele puxou uma das minhas mãos, travando seus olhos nos meus.
Eu encarei o chão em segundos, constrangida com sua intensidade.
- E-eu não sei por onde começar. Eu senti tanto a sua falta. Estava com saudades. - O português saiu fácil. - Agora eu sei para onde vão os corações partidos, eles fogem do país por um mês inteiro. - Ele deu um sorrisinho sem graça.
- Oi?
- Where do broken hearts go. Eu estava ouvindo hoje no carro indo para a gravação. Muito cedo para outra referência? Você não disse nada sobre músicas que não são sobre você.
Eu soltei uma risadinha fraca. Tinha sido realmente engraçado.
- Por favor, me perdoa por não ter ido. - Ele ainda segurava firmemente minha mão.
- Está tudo bem. - Encolhi os ombros.
- Não. Eu sei que não está nada bem. Eu sou um idiota e fiz uma merda gigantesca.
Eu esfreguei os olhos com a mão que ele não segurava.
- E-eu não estou entendendo... Harry... Como você... - Eu puxei a mão, batendo-a na minha perna. - Como você consegue falar isso tudo? A gente não estava nem se falando.
- Eu sei! Foi um mês terrível. Eu não acredito que estou te vendo agora. Que você voltou!
- M-mas eu te xinguei no telefone. A gen- a gente brigou! - Chacoalhei a cabeça.
- Eu sinto muito, ! Me desculpa por perder a cabeça. Eu não deveria ter falado daquela forma com você, eu mereci cada palavra que você disse.
Eu pisquei debilmente, me irritando muito rapidamente.
- Não! Você não pode vir aqui dizendo isso pra mim e achar que tudo vai se resolver.
- Eu não... acho que vai resolver. - Balançou a cabeça, negando. - Mas eu quero conversar com você.
- Eu não consigo, Harry! - Afastei a cadeira, pronta para me levantar, mas percebi que estava reagindo exageradamente e tentei me acalmar. - Eu não quero brigar com você de novo. - Esfreguei a testa e apertei o cantinho dos olhos. - Eu só quero deixar isso tudo pra lá e seguir em frente.
Harry me encarou inexpressivo.
- Olha, eu sei que você está magoada com tudo o que aconteceu. E eu sei que não ter ido para o Brasil foi a merda mais... merda que eu poderia ter feito... Ou não ter feito, nesse caso. Mas eu quero te compensar, consertar as coisas entre nós.
- Eu só quero... deixar isso pra lá.
- OK. - Harry balançou a cabeça concordando. - Por que eu sinto que isso não resolve as coisas?
- Porque eu não acho que podemos resolver isso.
- O que você quer dizer? Você quer terminar por isso?
Eu fiquei calada.
- Você não quer me ver mais? Quer que eu suma da sua vida?
- Não. - Respirei fundo. - Eu só acho que não devemos ficar juntos.
Outra encarada inexpressiva.
- Não! Não é isso o que você quer. Eu não acredito nisso.
- Nós somos melhores como amigos. Dessa forma nós não vamos nos machucar.
Harry fez um barulho de irritação com a boca.
- Não. - Harry negou várias vezes com a cabeça. - Não! Por que você quer fugir disso? Você não quer ser só minha amiga, eu sei disso!
- Harry, você mentiu pra mim! A gente tinha um combinado! - Apontei para ele, quase afundando o dedo em seu peito.
- Quantas vezes eu vou ter que dizer que eu não menti para você! - Ele bateu o pé no chão. - Eu queria, sim, poder dizer que eu quase não vi a Kendall, mas as fotos não negam que a gente passou a festa juntos. Mas não só nós dois! Jeff, Glenne, Mark Ronson, Alexa Chung, estávamos todos juntos. Como amigos. - Harry puxou o ar, respirando fundo.
- Não é o que parece.
- Você e Daniel também não é o que parece! Mas, porra, eu acredito em você! Se você diz que não fez nada, eu acredito em você! Mesmo não sendo o que parece.
- Porque eu não minto!
- Eu não menti!
- Mas omitiu!
- Eu só não falei nada sobre a festa porque era totalmente irrelevante, eu nem me lembrava que tinha concordado com essa merda! A Kendall que organizou tudo! For fuck’s sake! Ela é minha amiga!
- Eu estou cansada e não quero brigar.
- , eu só quero tentar conversar e resolver isso. Mas está vendo o que você faz? Está vendo? Você sempre faz isso! É disso que eu ‘tô falando. Quando fingir que nada aconteceu não dá mais efeito, você foge! Você está fugindo agora! Sempre que você não tem uma resposta, sempre que você perde o domínio da situação, você foge!
- É, Harry! É isso mesmo que eu faço! - Admiti. - Porque ao contrário de você, eu não quero sofrer só pela experiência! E ‘tô longe de ser compositora pra lidar com isso engavetando um monte de músicas! E eu não quero ter meu coração partido por você de novo!
- E acha que fazer isso torna algo mais fácil? - Harry bufou. - Olha só o Harry, mais um relacionamento que deu errado, ele vai lançar músicas sobre o término. - Disse com chacota.
Harry fechou os olhos com força e passou as mãos pelos cabelos. Sua respiração estava rápida, ele estava hiperventilando. As narinas infladas.
- Você sabe de uma coisa? - Ele abriu os olhos e se levantou da cadeira de uma vez, causando um ruído incômodo. - Você é uma hipócrita do caralho!
- Como é que é? - Eu também me levantei, parando à distância de um braço dele.
Harry travou os braços nas laterais do corpo, se impedindo de fazer o mesmo que eu e apontar o dedo na minha cara.
- Você... sempre com aquela conversa que devemos nos comunicar, que eu posso te contar as coisas, mas só quando elas te interessam, não é mesmo? Você nunca me conta nada, mas se é para saber algum baixo da minha vida, você está toda ouvidos... como eu nunca percebi isso? - Harry riu sarcástico.
Eu dei um passo para trás, completamente sem reação.
O que ele acha? Que eu sinto prazer em saber que as coisas não estão indo bem para ele? Que eu vou vender seus problemas pessoas para a mídia?
Eu tive que me controlar para não dar um tabefe nele ali mesmo.
- Sai da minha casa! - Apontei para a porta, que nem era visível dali.
Harry ponderou por alguns segundos.
- Eu não vou a lugar nenhum.
- Você é muito arrogante, como é possível! - Eu joguei os braços para o alto.
Sem pensar, saí a passos rápidos. Se ele não ia se retirar, eu ia. Eu não queria dizer nada que realmente o magoasse e que eu fosse me arrepender depois.
- E você é uma hipócrita, . - Ele repetiu enquanto me acompanhava, sabendo que aquilo estava causando reação.
Entrei no quarto e bati a porta na cara dele. Me agachei no canto perto da porta do closet e cobri o rosto com as duas mãos.
Eu não tranquei a porta e Harry teve a audácia de entrar atrás de mim, ainda falando coisas como se listasse as minhas acusações para um júri.
- É isso que você é! Todo mundo tem que fazer as coisas quando você diz, mas nada se aplica a você. Quando chegou o momento em que mais deveríamos ter conversado, você não quis me ouvir. Não importa quantas vezes eu tente te dizer a verdade, você só se importa com o que você acredita!
Eu me levantei num pulo e avancei em sua direção, parando frente a frente com ele, que sequer piscou. Eu sentia meu sangue queimar de raiva. Eu queria picar Harry em pedacinhos.
- Cuidado com o que você está dizendo. - Apontei o dedo novamente, dessa vez na altura do seu rosto. - Escolha bem as suas palavras, porque como você mesmo já sabe, não há antídoto para essa maldição.
Harry prendeu a respiração por um segundo. A letra de sua música o atingindo imediatamente. Qual tenha sido o motivo para ele tê-la escrito, a memória caiu sobre ele como um banho de água fria. Ele deu um passo para trás, como se finalmente caísse em si. Talvez ele tenha se lembrado de um momento não muito tempo atrás em que ele se sentira amaldiçoado pelas palavras dolorosas de alguém.
E agora ele notou que tinha feito o mesmo comigo. A mesma coisa que alguém fizera com ele. E que ele odiara. E que ele não desejaria o sentimento nem para seu pior inimigo, se ele tivesse um. Mas ele tinha feito. Justamente com a mulher que ele dizia amar tanto assim.
Não era sobre as palavras em si ou o que elas significavam. Era sobre atingir o seu ponto mais baixo só para magoar alguém. Era isso o que Harry tinha feito.
E eu consegui ver em seus olhos o momento exato em que ele percebeu que talvez tenha dito algo do qual se arrependeria para sempre.
- Eu-eu... esquece essa última parte, não foi isso que eu quis dizer.
- Oh, não, foi exatamente o que você queria que eu soubesse! - Eu rebati, ainda perplexa. - Eu não acredito que essas palavras saíram da sua boca. - Eu deixei que me corpo caísse sobre a cama. - Eu deveria ter ficado no Brasil, assim que não teria que escutar isso. Eu deveria ter ficado.
- Eu teria ido até o Brasil atrás de você! - Harry se sentou na ponta da cama mais afastada de mim.
- Para falar esse monte de merda? E por que você não foi? - Desafiei.
Harry abriu e fechou a boca algumas vezes e, quando falou, gaguejou.
- Você queria... que eu fosse? - Seu olhar surpreso e sua boca semiaberta denunciaram que ele, finalmente, tinha percebido.
- Isso não importa mais agora.
- Mas você... pediu espaço e...
- E desde quando você me ouve, Harry?! - Eu gritei, o cortando.
- Porra! - Harry vociferou. - O que você quer de mim, então? Me diz o que você quer e eu te dou!
Inflei o peito e soltei o ar pela boca, descrente.
- O que eu queria não é algo material que você pode simplesmente comprar numa loja com os seus milhões de dólares.
Harry suspirou.
- O que eu posso fazer para compensar o que eu fiz, eu quis dizer...
- Eu sei o que você quis dizer, Harry. Eu sou hipócrita, não burra.
Ele puxou os cabelos para cima, e os ajeitou agressivamente na lateral.
- Não é sobre você não ter ido... - Balbuciei.
- É sobre o quê? A Kendall? Pelo amor de Deus, ! - Harry colocou as duas mãos no rosto. - Eu já te disse o que aconteceu. Você quer que eu faça o quê? Pare de a seguir no Instagram? A ignore em todos os futuros eventos que eu possa talvez encontrá-la?
- É PORQUE EU NÃO POSSO CONTAR COM VOCÊ! - Bati a palma da mão na cama, ação que assustara Harry e a mim mesma. - No momento mais importante, quando eu mais precisava... - Eu sussurrava agora, minha voz falhava. - Você me deixou na mão. Eu nunca te pedi nada, Harry. Nunca te pressionei a nada em todos esses meses em que te amei e você só me ignorava.
Eu não ia chorar, eu não ia chorar, eu não ia chorar.
Não agora. Eu aguentei até agora.
- Eu sinto como se eu nunca fosse ser tão importante para você quanto você é para mim.
- ... Não. - Harry negava com a cabeça. - Você é a minha namorada. É a mulher que eu amo.
- Eu não sou a porra da sua namorada! - Respondi alterada. - Você nunca me pediu. Você nunca me assumiu!
- Eu... achei que não era isso o que você queria. A exposição...
- Você não confirmou para aquela mulher na sua festa quando ela perguntou! Isso é o "assumir” que eu esperava, não me levar para o evento fashion mais famoso do mundo!
- Era isso que você queria que eu fizesse? - Harry rebateu. - “Ah, sim, aquela é a minha namorada por quem eu estou perdidamente apaixonado. Anote todas as informações, pessoa desconhecida, e depois venda para a mídia para que todos fiquem sabendo da minha vida pessoal!” - Disse irônico. - É claro que eu não ia falar sobre a minha vida para ela, eu nem a conheço!
Eu pausei por um momento, encarando Harry.
- Você é paranoico!
- Eu? - Retrucou ofendido. - Você não sabe como as pessoas podem destruir a vida uma das outras por alguns minutos de fama ou alguns dólares. Precaução nunca é demais.
- Quem sabia da festa? Mitch? Jeff? Molly? Você se lembrou de contar para todo mundo, mas eu não era alguém importante o suficiente na sua lista. - Olhei para meus braços, caídos no meu colo.
- Isso não faz o menor sentido! São pessoas que trabalham comigo, é claro que sabiam. Eles têm acesso a tudo na minha vida profissional.
- Só que isso foi pessoal! - Eu encarei Harry. Sentia meus olhos tremendo enquanto analisava suas expressões. - Jezz. - Exclamei. - Você acha que o problema é que você não teve a chance de conversar, se justificar? Logo comigo, que nunca impus nenhum limite sobre o que ou quando você falaria algo... eu gostava de acreditar que estava te deixando à vontade para ser você mesmo comigo e olha o que isso me custou!
- O que você quer dizer?
- Que você tem razão. Eu te deixei livre para dizer o que queria, quando queria e eu nunca disse o que eu achava sobre nada... Então talvez seja culpa minha. Na próxima eu vou anotar no caderninho de regras que eventos com sua ex famosa precisam ser informados ANTES que eles aconteçam. É isso o que eu acho.
- Você não tem culpa de nada, . - Harry estendeu a mão e tentou tocar o meu rosto, mas eu me afastei.
- A verdade, Harry, é que eu nunca quis te pressionar a colocar nenhum rótulo para nós e, de certa forma, entreguei o poder do nosso relacionamento para você. Você, inconsciente ou não, tomava todas as decisões. Quando nos veríamos, se nos veríamos, onde nos veríamos. Eu sempre só aceitei o que é que você pudesse me oferecer. Se você dissesse que éramos amigos, então éramos amigos, se você dissesse que queria transar comigo ocasionalmente, era o que faríamos. Se você dissesse para uma fã que eu era a nova funcionária, eu perguntaria 'onde está meu crachá?’. Quando você disse que queria algo a mais, eu aceitei, mesmo que temesse que te perderia. E você disse para Kate – de novo, escárnio ao falar o nome dela – que o que tínhamos era mais ou menos sério... no fim, eu não tinha absolutamente nada.
Enquanto eu falava, eu via Harry tentar segurar lágrimas que enchiam seus olhos.
- Eu nunca tive nada nesse relacionamento. Eu dei tudo de mim para você, desde o primeiro segundo, desde quando você foi um idiota comigo no seu camarim, e mesmo quando você era sequer meu... e eu precisava, eu precisei que você fosse meu nam-... eu só precisava que você entrasse naquele avião. Eu só precisei dessa uma coisa de você. Eu pedi muito?
Harry repetia baixinho “me perdoe”. Ele tocava em seu nariz, que estava bem vermelho. Eu o tinha feito chorar.
- E não é como se eu tivesse feito todas essas coisas esperando por algo em troca. - Suspirei. - Mas, sabe, meu irmão morreu, e eu tô a milhares de quilômetros de distância de tudo o que eu conheci a minha vida toda e eu preciso ter por perto pessoas com quem eu possa contar quando eu precisar.
- Eu sou um idiota. - Harry fungou. - Você pode contar comigo, ! Me desculpa se eu deixei parecer que não.
- Eu nunca posso contar com você, Harry. Dessa vez foi a Kendall, foi a festa que você omitiu... Na próxima pode ser a turnê, pode ser uma gravação, pode ser uma viagem inesperada para qualquer parte do mundo, pode ser você decidindo passar outro mês no Japão...
Eu nem queria mesmo dizer aquilo, mas na hora parecia verdade.
- Não fala isso, você está acabando comigo. - Harry olhou para cima, tentando impedir as lágrimas de caírem. - Não é justo.
- Eu sei. Mas também não é justo comigo que eu fique esperando você passar por todas essas coisas prioritárias na sua vida até chegar a minha vez.
- Estar com você é com certeza uma das coisas no topo da minha lista.
- É mesmo, Harry? Será?
- É claro que sim, !
- Então por que você não viajou comigo? - Harry deu um tapa na própria testa. - Suas ações provam o contrário!
- Eu iria, mas você não deixou!
- Você perdeu o voo!
- E eu poderia ter pegado outro!
- Tá vendo! É disso que eu tô falando! E se eu precisasse de você naquele dia? E se fosse algo urgente que eu precisasse de você lá e não pudesse esperar?
- Mas não era!
- Não é esse o ponto! - Eu que bati o pé dessa vez.
Harry me olhou mais uma vez inexpressivo. Eu suspirei, tentando parar as lágrimas que rolavam, ainda relutantes.
- Eu te amo. - Eu falei com toda a dor que pressionava meu peito. - Eu realmenteamo você. Eu não sei se jamais conseguiria ficar longe de você, mas eu não quero te prender a nada, não quero sentir que o que você faz por mim, por nós, é uma obrigação que você tem que cumprir. Eu não quero te perder, mas não quero que você me machuque. - Eu solucei e cobri o rosto.
- Você acha que você é a única que se machuca? Você não pensou só por um momento que você vem quebrando a porra do meu coração desde que eu te conheci? - Seu tom de voz era suave, baixo.
Lágrimas rolavam por seus olhos livremente agora.
- Me desculpe por ser um inconveniente na sua vida. - Sussurrei.
- Não é isso... - Harry grunhiu e passou uma mão no rosto. - O que eu quero dizer é que isso faz parte da vida! E eu quero você na minha, quebrando meu coração ou não. E eu pouco me importo se você acha que ter meu coração quebrado por você é a parte ruim de te ter.
Eu desabei a chorar. Aquilo era pior do que as brigas e gritarias. Chorei tanto que mal conseguia respirar, chorei de soluçar.
- Eu já te falei uma vez que o que tínhamos não era o suficiente e eu realmente quis dizer aquilo; eu quero tudo, , o bom e o ruim! Porque é isso que a gente faz quando ama alguém. A gente quer cada parte, cada momento com aquela pessoa! E a minha pessoa é você.
- E-eu n-não p-preciso q-que v-você s-seja s-só m-meu, e-eu s-só p-preciso q-que s-sejamos nós. Nós. Juntos, independentemente de como.
- Mas que MERDA! Por que você precisa ser tão cabeça dura?
- Harry, por-por favor...
- , eu não vou desistir! Você precisa cortar esse papo de merda de sermos amigos. Sim, tudo bem, você é a minha melhor amiga e eu não vou deixar nossa amizade morrer!
Eu negava com a cabeça, incapaz de falar.
- Eu não quero ser só seu amigo, eu quero deixar isso bem claro. Eu sei que tá tudo uma merda agora e nada que eu disser vai fazer você mudar de ideia. Droga, talvez eu só piore as coisas...
- Você é especialista nisso. - Dei um sorrisinho fraco.
- Mas você vai me perdoar. Eu sei que você também não quer ser só minha amiga. Você vai voltar a confiar em mim, e quando isso acontecer, eu vou te provar que podemos sim, ficar juntos, porque só existe você, .
Eu abri a boca para responder, mas Harry segurou meu rosto com as duas mãos e chocou nossos lábios num beijo grosseiro. Eu fiquei muito surpresa, mas mal tive tempo de fechar os olhos e já tinha terminado. Foi o selinho mais agressivo que já recebi.
E, caralho, foi o suficiente para me arrepiar até onde não tem pelo. E peço perdão pela piadinha ridícula.
- Me desculpe, talvez eu devesse ter perguntado antes. - Esfregou a testa.
Eu respondi o abraçando, ele retribuiu me apertando fortemente.
- Um beijo de adeus.
Eu conseguia sentir o meu ombro se molhando onde suas lágrimas, tão silenciosas, pingavam.
- Eu sempre vou estar aqui por você. - Ele sussurrou no meu ouvido, a voz seca, falhada.
Eu realmente queria acreditar que aquilo fosse verdade.
33. The same person that I need is the one I’m running from
- O que aconteceu?
Harry irrompera pela porta do meu apartamento; eu ainda segurava a maçaneta quando notei que seu rosto estava molhado e seu nariz e orelhas, vermelhos.
- O que aconteceu? O que aconteceu? - Eu repetia num tom amedrontado.
Ele gaguejava, mas não conseguia fazer sentido enquanto soluçava e andava de um lado para o outro na sala. Quanto mais ele passava as mãos no rosto mais lágrimas pareciam cair. Ele espalmava as mãos na cabeça e puxava os cabelos para cima completamente alterado.
- Meu amigo... morreu.
Eu fiquei estática por meio segundo e entrei em sua frente para o abraçar.
- Harry! Eu sinto muito! - Eu sussurrei em seu ouvido.
Ele se deixou ser abraçado e deitou a cabeça no meu ombro. Seu corpo todo tremia. - Ele se matou, . Ele se matou. - Ele repetia em meio aos soluços.
- Ei, tá tudo bem. Eu tô aqui. - Eu passei a esfregar suas costas desajeitadamente.
E segurei o peso do seu corpo mole por desconfortáveis minutos.
- Eu p-preci-preciso ir. - Harry se afastou desorientado. Seus braços caídos nas laterais de seu corpo e seus lábios tremendo.
- Aonde? Você não vai a lugar nenhum assim. - Eu neguei com a cabeça, talvez demonstrando mais urgência do que deveria. - Vem, vamos nos sentar no sofá. - O puxei pela mão e ele não protestou.
- Eles acabaram de me mandar uma mensagem que ele... se foi ontem com as informações do velório. - Ele passou as costas da mão no nariz. - Eu o vi no mês passado. Eu não... - Harry puxou o ar, suas palavras estavam entrecortadas. - Ele parecia bem. - Ele cobriu o rosto com as mãos. - Ele... parecia... bem.
- Eu sinto muito, H. Sinto muito mesmo.
Ver Harry assim mexeu comigo. Sempre que eu o imaginava tinha essa visão de um homem despreocupado, brincalhão e forte. Mas eu nunca pensei nele assim tão sombrio, melancólico e extremamente vulnerável. Eram momentos obscuros para Harry Styles, os quais nunca imaginei que presenciaria.
- Eu só queria... Eu só queria ter perguntado mais uma vez se ele realmente estava bem. - Harry levara uma mão ao peito, a outra cobriu-lhe a boca.
Eu conseguia ver a sua dor. Era quase palpável.
- ...Mas tinha tanta coisa acontecendo; o Met Gala, a viagem para o Brasil, e eu não-eu não notei na-nada.
Eu deixei que ele falasse ou ficasse em silêncio quando queria. Aos poucos ele se acalmava.
- Quem é o seu amigo? - Eu perguntei quando parecia seguro supor que ele não teria outra crise de choro.
- Marcus. Você não o conhece, ele é irmão do Xander. Era. - Harry fechou os olhos com força.
- Xander, seu amigo bonito da época da One Direction, Xander? - Eu respondi em um tom levemente humorado.
Harry me olhou de cara feia; um lampejo de ciúmes na sua expressão.
- Olha, eu preciso ir para o aeroporto. Alguém está me comprando passagens para o próximo voo. Eu só queria te avisar antes de viajar sem dizer nada, eu não queria você pensando que eu sumi. - Esfregou o nariz.
- Para onde você vai? Nova York?
- Philadelphia.
- Okay. - Confirmei com a cabeça, mesmo que ele não estivesse me olhando. - Você precisa que eu vá junto?
Harry hesitou por um momento enquanto me encarou surpreso.
- Você iria? - Uma expressão que eu não soube interpretar; era uma mistura de dor, tristeza e apreciação.
- É claro que sim, H. - Eu sentia meu lábio inferior levemente projetado para fora enquanto eu me esforçava para não chorar também.
Eu me levantei do sofá e rodei em círculos até me lembrar onde eu tinha deixado meu celular.
- Quantos dias você precisa? Você acha que já estamos de volta na segunda? - Eu escrevia uma mensagem para o RH enquanto falava com ele. - Ou eu peço a terça livre também?
- Segunda está bom. - Afirmou com a cabeça. - Eu tenho um casamento em Londres no próximo fim de semana e tinha planejado ir na terça-feira. Na verdade, eu estava planejando te convidar para ir comigo. - Harry riu fraco.
Eu pendi a cabeça para um dos lados. O que ele acha que eu faria em um casamento de quem eu nem conhecia com ele? Bancar o casal que nunca fomos?
Tudo bem que tínhamos concordado que ainda seríamos amigos. Mais fácil falar do que fazer. Na realidade, nossas trocas de mensagens eram cuidadosas, milimetricamente calculadas, absurdamente estranhas, o claro reflexo de como a nossa própria relação estava numa corda bamba, ou o que havia sobrado dela. Involuntariamente estávamos até nos evitando.
- Podemos ver isso depois? - Harry assentiu. - Segunda. OK. - Eu repetia enquanto ainda digitava. - E o velório é amanhã? - Ele assentiu de novo e eu voltei a escrever, avisando Lucy dessa vez. - Vem comigo.
Harry me acompanhou até o quarto. Em cima da cama havia uma pilha de roupas limpas que eu tinha lavado pela manhã.
Ele se sentou no cantinho, perto da cabeceira. Eu abri a porta do closet e puxei uma mala de mão lá de dentro.
- Como está o clima lá?
- Ahh... - Harry gaguejou. - Quente, eu suponho.
- Ok. Claro. É verão. - Concordei com a cabeça. - Olha, eu não tenho muitas roupas pretas que podem ser usadas em velório. No Brasil, quando alguém morre, a gente veste qualquer coisa.
- Tudo bem. Não tem problema.
Eu joguei dentro da mala um vestido preto de mangas 3/4 que ia um pouco abaixo do joelho, com um decote redondo na frente, mas a parte de trás era completamente aberta. Eu teria que vestir um casaco por cima, que foi a segunda peça que joguei na mala.
- Preciso de algo para vir embora na segunda e algo para amanhã que não seja a roupa do velório. - Eu falava mais comigo mesma do que com Harry.
Eu já tinha passado por aquilo antes. Eu sabia o que fazer.
Eu fui jogando outras peças, as primeiras que eu vi pela frente, que não eram de inverno. Fui ao banheiro e peguei meu kit de higiene para viagem que já ficava separado em uma necessaire.
Em dez minutos eu já fechava a mala. Harry tinha parado de chorar de vez e parecia bem mais como ele mesmo agora.
- Eu não acho que estou esquecendo nada.
- Se você precisar de algo nós compramos.
Eu troquei de roupa e saímos.
A Range Rover estava estacionada no mesmo lugar de sempre, na “vaga” de Harry. Eu achei estranho quando ele abriu a porta de trás para mim, mas entrei calada, me arrastando até a outra ponta.
Eu me surpreendi ao perceber que já havia alguém ali dentro.
- Oh, oi!
Um segurança que eu não conhecia estava sentado no banco do motorista.
Harry se sentou ao meu lado e fechou a porta.
- Babe... er.. , esse é o Matt. Ele está cobrindo Fred, que está de férias.
- Olá, senhorita . - O grandão acenou com a cabeça.
Ele sabia meu nome. Bizarro.
- Uh, Jezz. - Fiz uma careta. - Só , por favor. E prazer em te conhecer. - Dei um sorriso e ele deu outro aceno.
Harry se curvou sobre o banco da frente e pegou algo. Ao voltar, deixou as costas baterem com força no encosto.
- Alguém me ligou? Eu esqueci o celular aqui.
- Sim, chefe. O senhor Jeff.
H acenou com a cabeça e retornou a chamada imediatamente.
- Harry! - Eu escutei quando Jeff atendeu, o volume do celular alto demais. - Onde você estava? Amy achou um voo para daqui três horas, mas disseram que está quase lotado.
- Perfeito, pode ser esse. Eu preciso de uma passagem para também, estou te mandando os dados dela por mensagem.
- O quê?
- O quê? - Harry repetiu. - Duas passagens para a Philadelphia. E ela volta na segunda-feira.
- O que ela está fazendo com você? Eu achei que vocês estivessem brigados, terminados, mortos.
- E? - Harry encolheu os ombros. - Eu não perguntei o que você acha sobre isso, eu disse que ela vai comigo. O que não dá para entender nessa parte?
Tinha algo no tom entredentes de Harry que de alguma forma conseguia ser mais assustador do que ele se estivesse alterado. E também me dizia que alguma estava não estava certa.
- Eu não sei se vamos conseguir duas passagens.
- Jeff, a vai comigo. - Repetiu calma e pausadamente. - Manda a Amy se virar, se não for em um voo comercial, freta um particular. Estou esperando o cartão de embarque.
Eu não contive meu queixo caído quando percebi que Harry tinha desligado na cara dele. Eu olhei para Matt pelo espelho retrovisor e depois para Harry.
- Matt, vamos para o LAX, por favor.
- Você quem manda, chefe. - Matt deu partida e saiu do meu prédio.
Desde que entramos no carro, Harry não tinha sequer olhado para o meu lado. Ele constantemente alisava as mãos nas coxas, como se limpasse alguma coisa. Ele usava uma calça preta de malha com tiras laterais de alguma grife que eu não conhecia, um moletom também preto com a logo da Gucci e, nos pés, vans old skool, pretos com detalhes brancos.
Ele parecia tão jovem naquele momento, como se tivesse 21 anos de novo. Mas tão cansado, como se, na verdade, tivesse o peso do mundo em idade.
- O que foi isso? - Eu finalmente perguntei, sussurrando.
- O quê?
- Você e Jeff no telefone, eu nunca te vi falando assim com ninguém. - Eu franzi a testa.
- Ahh! - Ele exclamou desanimado. - Nós brigamos. Longa história. Ele está bravo comigo. - Harry revirou os olhos.
- Por quê? O que aconteceu?
Harry suspirou e, finalmente, me encarou.
- Eu não acho que você queira saber.
Eu nem precisei de tempo para processar a resposta dele.
- Foi por minha causa?!
- Quando eu perdi o voo... para o Brasil – completou como se tivesse necessidade de explicar – e você ficou sem me atender por vários dias, eu queria cancelar uma apresentação para ir atrás de você. Jeff, claro, foi contra.
- Espera, que apresentação?
- Um discurso que eu fiz em homenagem à Stevie Nicks. Ela queria que eu fizesse desde o começo, mas eu já tinha declinado porque estávamos com a viagem marcada, quando eu não fui e você sumiu, Stevie me pediu de novo e eu aceitei, só que depois nós conversamos aquela última vez no telefone e você disse que não sabia se voltaria e eu quis cancelar para ir atrás de você.
- Então você teria ido se não fosse por isso?
Harry concordou com a cabeça.
- Você ‘tá me dizendo que teria ido sozinho até o Brasil atrás de mim mesmo que não soubesse onde me encontrar?
- Sim, eu teria.
Eu observei seu rosto, tentando identificar alguma falha na sua afirmação.
- Eu só não fui porque realmente não conseguiria mais cancelar. Contratualmente, eu digo. - Harry esfregou uma das mãos na calça de novo. - E eu tentei. Eu tentei de tudo. - Harry suspirou. - Jeff surtou quando viu o valor que eu estava disposto a pagar em multa. - Ele encolheu os ombros. - O que não era o problema, e, sim, Stevie que não conseguiria outra pessoa para me substituir em cima da hora e eu não pude fazer isso com ela.
- Me desculpe por isso.
- Pelo quê? Não é sua culpa. - Harry chacoalhou a cabeça.
- Eu não sei... Me parece minha culpa. Se não fosse por mim, você não ia querer cancelar e não brigaria com Jeff.
- Bem, ele não ficou nem um pouco feliz em saber que eu queria largar tudo e ir para o Brasil por causa de uma mulher. - Harry deu um sorrisinho de lado.
- Como eu disse, me desculpe. - Estralei os dedos das mãos, mantendo a cabeça abaixada.
- Bem, Jeff não sabe nada sobre nós. Ele não entende que você é... você.
Eu encarei Harry por um momento, mas não consegui sustentar seu olhar que dizia muitas coisas que eu não queria saber.
Olhei pela janela, estávamos saindo da rodovia 110 e entrando na 105, eu supus que em vinte minutos estaríamos no aeroporto.
- Olha só, você está ficando vermelha. - Ele riu e cutucou minha bochecha com o dedo.
Revirei os olhos.
- Cala a boca.
Quando chegamos no aeroporto da Philadelphia já era noite. Havia um BMW X5 nos esperando na saída e um cara vestindo um uniforme entregara a chave nas mãos de Harry. Ele agradeceu enquanto um funcionário do aeroporto colocava as nossas coisas no porta-malas.
Harry ficou no mesmo lugar, encarando a chave. Ele olhou para o carro e depois para mim. Ele estava pálido, seus olhos, cansados.
- Você pode dirigir?
- Sim, é claro! - Eu estendi a mão para ele que, com cuidado, depositou a chave ali.
Foram apenas vinte minutos até chegarmos ao hotel.
No elevador, subindo para o quarto, Harry estava quieto. Ele veio a maior parte do caminho calado. E no voo ele não comeu nada, apenas tomou água e café.
Eu não sabia bem o que dizer. Quando André morreu, eu odiei que as pessoas ficaram me dizendo que tudo ia ficar bem; ele tinha morrido, pelo amor de Deus! O que ia ficar bem?! Claro, com o tempo eu passaria a lidar melhor com a dor, mas aquele não era um problema que seria resolvido e tudo voltaria a ser como era antes. Nada é mais como antes.
Eu entrelacei meu braço no dele e apertei um pouco, tentando passar algum conforto. Harry me olhou surpreso com o contato inesperado e deu um sorriso desanimado.
Quando abrimos a porta, primeiro ele exclamou algo inaudível.
- , eu me esqueci completamente disso! - Falou, atravessando o quarto e apontando para a cama. - Me desculpe, eu me esqueci de avisar ao hotel que eu não viria mais sozinho. Eu não estava sequer pensando nisso, eu deveria ter pedido um outro quarto para você quando fizemos check-in. Por que não me disse nada?
- Eu... não... pensei nisso também. - Respondi devagar enquanto meu cérebro ainda processava as palavras que saíam de sua boca tão rapidamente.
Só tinha uma cama.
É claro que só teria uma cama.
Com tantas coisas acontecendo, a última coisa que pensei é onde eu dormiria.
- E eu não esperava que você se preocupasse com isso quando nem eu mesma me lembrei. - Encolhi os ombros.
- Eu vou ligar na recepção e pedir um outro quarto.
Eu não tive tempo de responder, Harry já estava se sentando na beirada da cama e pegando o telefone.
- Harry! - Eu fui atrás dele antes que ele discasse. - Não precisa! - Falei afobada e ele soltou o telefone de volta no gancho. Sua expressão atenta ao que eu diria.
Eu não queria deixar Harry sozinho no quarto, se eu estivesse em outro lugar eu não poderia vigiá-lo. Não que ele precisasse de uma babá, mas eu sentia que seria errado o deixar sozinho.
- Tá tudo bem. - Eu me enrolei na explicação. - Eu posso dormir no sofá.
Harry nunca se hospedava em quartos que não tivessem pelo menos outro cômodo além da suíte. Eu sabia que teria um sofá.
- Eu não vou te deixar dormir no sofá. - Disse, ofendido. E reagi cruzando os braços.
Isso era algum tipo de psicologia reversa? Para eu me sentir mal por ele querer dormir no sofá no meu lugar e eu dizer que então dormiríamos juntos?
- Você não vai me fazer dizer que a cama é grande o suficiente para nós dois, né?!
Harry pendeu a cabeça para o lado.
- Então é isso? Você acha que eu fiz de propósito?
- Quê? - Rebati, surpresa. - Eu não disse isso!
- Bem, soa como se você estivesse dizendo isso. - Rebateu enfático. - Eu não estou tentando te enganar para dormir comigo.
- Eu sei disso! - Bufei. - Podemos não brigar dessa vez?
- Eu não estou brigando. - Harry deu de ombros e em seguida esfregou a testa, suspirando. - Você está com fome?
- Sim, um pouco.
- Você se importa de pedir comida no quarto? Eu não estou com vontade de sair daqui.
- Não, ok. Sem problema. O que você preferir.
Eu fui tomar banho e Harry ligou para pedir comida. Eu me sentia como se estivéssemos no hotel no Japão de novo. Como era mesmo aquela música da One Direction? Circles, we’re going in circles. We know where it takes, we’ve been here before.
Comemos em silêncio; aquilo me fez perceber como não só todos os aspectos importantes do nosso relacionamento sempre estiveram sob domínio dele, mas também aspectos mínimos que eu nunca tinha notado, como o quanto do nosso diálogo sempre era controlado por Harry. E, agora que ele estava calado e pensativo, eu não sabia o que dizer.
- Então... Como estão as coisas? Sua família está bem?
- Sim, minha mãe e Gemma estão bem. Eu as vi no mês passado. - Harry apenas mexia na comida. - Eu fiz as fotos do álbum, cujo já terminamos, como você sabe. Quero dizer, eu acho que vou não escrever mais nenhuma música para ele. - Encolheu os ombros e deu uma risadinha.
- Você escreveu alguma desde a festa no estúdio? - Eu perguntei, embora alguma coisa me dissesse que eu já sabia a resposta.
Ele levantou a cabeça e me encarou.
- É. Escrevi.
- Hum.
Foi tudo o que eu falei pelo minuto inteiro seguinte. Harry se concentrou em comer e eu fiz o mesmo.
- Eu preciso me preparar? Ouvir a música antes do álbum ser lançado só para saber o que vem por aí? - Falei, finalmente.
- Músicas.
- Hã?
Harry coçou a garganta.
- No-no plural. Tipo, mais de uma.
- O-kay.
- E, sim. Eu gostaria que você ouvisse antes de todo mundo. Se você fosse para Londres comigo no fim de semana, nós poderíamos...
- Podemos falar disso amanhã? - Eu o interrompi.
- Sim. Claro. - Harry engoliu lentamente. - Uhhhhh... E-e v-você? Como você está? Parece que faz meses desde a última vez em que realmente nos falamos. O que está acontecendo na sua vida?
- Ah, você sabe, o mesmo de sempre... - Encolhi os ombros. - Trabalhando bastante desde que voltei de férias. Lucy tem me ajudado muito para voltar a rotina.
- Isso é bom. E como está o mestrado?
- O último dia foi logo depois que voltei do Brasil. Mas eu fiz tudo adiantado antes de tirar férias, só precisei enviar nas datas certas. - Coloquei uma das mãos atrás do pescoço. - Agora só preciso esperar a defesa da minha dissertação.
- O quê? - Harry franziu a testa. - Você já vai se formar? - Eu fiz que sim com a cabeça.
- Era para ter acontecido esse mês, mas precisei adiar por causa da viagem. E vai ter uma cerimônia para entrega do grau em setembro.
- Eu não percebi que você estava tão perto de se tornar Mestre. Uau. Isso é sexy. - Brincou. - Meus parabéns!
Eu agradeci, envergonhada.
- Bem, eu ainda preciso ser aprovada na defesa.
- É claro que você vai ser aprovada. - Harry respondeu ultrajado. - Você não é, tipo, uma das melhores da turma?!
Continuamos conversando durante todo o jantar, mas era claro que evitávamos qualquer tópico sensível, então tudo se resumiu a uma conversa fiada milimetricamente calculada.
Quando terminamos de comer, Harry recolheu os pratos e jogou o resto de comida no lixo, organizando rapidamente a mesa.
- Eu estou cansada. - Eu disse após bocejar.
- Eu também. - Esfregou um dos olhos. - Você devia se deitar, o dia vai ser longo amanhã.
- E você?
- Eu vou entrar no chuveiro primeiro. - Eu acenei sem dizer nada e Harry deixou o cômodo.
Eu escutei quando ele fechou a porta do banheiro, mas não a trancou. Por um tempo, o barulho do chuveiro era a única coisa que podia ser ouvida. Depois, o som abafado da sua voz, as palavras irreconhecíveis.
Eu estava coberta até o pescoço com o edredom e o ar-condicionado corria pelo quarto. Parecia que Harry estava cantando. Eu me levantei e caminhei em direção ao banheiro com cautela, como se houvesse o risco de ele me pegar no flagra. Na porta eu encostei uma das orelhas, ouvindo o que ele dizia ficar mais alto.
Era uma música calma, suas palavras saíam espaçadas e dolorosas. Eu não entendi tudo, mas parecia que ele repetia “we’ll be alright” como um mantra, uma frase de consolo. Quando nenhuma palavra era cantada, ele harmonizava perfeitamente. Eu fiquei arrepiada ouvindo e meu coração ficou pequenininho enquanto eu tentava imaginar por tudo o que Harry estava passando naquele momento.
Eu só desejava que eu pudesse tirar a sua dor. Mesmo depois de todos esses meses, era impossível fingir que eu não o amava daquela forma que só uma fã pode amar um ídolo. Quando eu bloqueava todo o resto o que sobrava era isso. E isso era uma parte tão grande de mim que me consumia por inteiro.
Ele desligou o chuveiro de repente e eu tomei um susto, correndo para a cama na ponta dos pés. Ele abriu a porta enquanto eu ajeitava o edredom sobre mim.
O vapor do banho como uma capa que balançava atrás dele.
- Desculpe. Esqueci de pegar uma cueca.
Com a toalha na cintura, ele atravessou o quarto até sua mala. Seus cabelos pingavam água no peitoral e costas, molhando-o onde ele já tinha se secado.
Eu segui seus movimentos sem piscar. Harry abrindo a mala, escolhendo uma cueca, dando a volta e sumindo para dentro do banheiro.
No Brasil, eu sempre fui o tipo de pessoa que dorme no lado da parede. Desde que me mudei todas as camas eram centralizadas: Na minha casa, na casa de Harry, neste hotel... Era o que eu mentalizava para evitar rebobinar a cena que eu tinha acabado de assistir. Minha respiração saía entrecortada como se eu tivesse acabado de correr um quarteirão. Sem fôlego.
Harry saiu do banheiro e também se deitou na cama. Nenhum dos dois na ponta ou na parede. Eu me virei de frente para ele que estava vestindo uma t-shirt larga e um short de dormir. Eu nunca o vi dormindo com nada mais que uma boxer, isso quando ele usava algo.
- Ei. - Ele sorriu quando percebeu que eu o observava. - Achei que já estaria dormindo.
- Não consigo dormir. - Eu sorri sonolenta.
- Eu estou cansado, mas sem sono. - Harry suspirou.
- Eu posso te perguntar uma coisa? - Falei cautelosa.
- Qualquer coisa.
- O que você estava cantando no chuveiro... - Ele se mexeu desconfortável, como se surpreso por eu ter o escutado. - É uma das músicas?
- É... Pode-se dizer que sim.
- Okay. - Eu acenei com a cabeça. - Obrigada por me dizer.
- Claro.
Nós nos olhamos por alguns segundos, ambos sem saber o que dizer em seguida. Seus olhos, sempre tão verdes, estavam escurecidos e sua expressão facial denunciava seu cansaço.
- Você quer conversar... sobre alguma coisa? - Perguntei.
Ele sorriu levemente.
- Sim. Eu gostaria disso.
- Okay.
Eu esperei que ele falasse alguma coisa então, mas ele apenas me observara.
Finalmente, ele disse:
- As coisas não são exatamente como antes.
Eu pensei sobre o que ele disse por um momento.
- Você diz... entre nós?
- Não. Quero dizer, também. Mas num geral.
- Como assim?
- Tipo... quando só fazia alguns dias que tínhamos nos visto e eu já estava sentindo sua falta.
Eu soltei uma risadinha.
- Como isso é diferente?
- Antes... - Harry pausou e engoliu em seco. - Eu sinto que não deixaríamos alguns dias se transformarem em semanas, não se estivéssemos no mesmo lugar.
- Você estava por LA esse tempo todo?
- Viu? - Rebateu num tom frustrado. - Antes... você saberia onde eu estaria o tempo todo.
- Eu não... não sei se... se estou te acompanhando.
- Sei lá, antes parecia que eu tinha um plano e agora... agora eu não sei o que seguir, onde ou quem.
- O que você quer dizer, “quem”?
Ele não respondeu. Sua expressão corporal me dizia que ele não estava confortável em explicar mais do que isso.
- As coisas vão melhorar, H. Pode parecer difícil agora, mas tudo vai melhorar.
Harry me encarou em silêncio por um momento.
- Ah, corta essa! - Falou de uma vez e eu me assustei. - Você com esse papo furado de que fez a coisa certa não me convence!
Eu abri e fechei a boca algumas vezes. Nada saiu.
- Não me diga que você acredita nesse monte de merda que você está me dizendo? As coisas vão melhorar? O que é melhorar para você? Nós dois ficando miseráveis, mas, olha só! Pelo menos estamos separados como você quer?
- Eu acho que... com o tempo... vamos perceber que fizemos o melhor. Com o tempo...
Harry bufou pelo nariz.
- Não faz o menor sentido, esse seu pensamento soa muito errado para mim!
- Sinto muito que você se sinta assim.
Ele quase revirou os olhos, mas se controlou.
- Com o tempo podemos perceber que não temos mais tempo suficiente. Que o que parecia o melhor não é mais o bastante.
Eu nem tentei dizer nada dessa vez.
Harry praticamente não piscava, acompanhava cautelosamente todas as minhas reações.
Ele tocou o meu rosto. A princípio seu toque era tão leve como uma sensação fantasma. Ele passou as pontas dos dedos na minha testa, afastando alguns fios que caíam nos meus olhos. Eu prendia a respiração com tanta força que sentia pressão na costela.
Ele estava tão perto.
- Quando alguma coisa é o suficiente? - Eu respondi, por fim.
Sua réplica, no entanto, veio muito mais rápida.
- Você é o bastante para mim.
Eu sabia que Harry tinha sentido que, naquele momento, ele me ganhara. Não houve tempo perdido para que ele se aproximasse. Gradualmente, sua respiração ficou mais próxima e quente sobre o meu rosto.
Seu dedão fazia carinho na minha bochecha, e eu só focava em sua boca, o contorno um pouco mais pálido do que o habitual rosado. Ainda incerto, Harry procurou os meus olhos, como se quisesse garantir que eu não me afastaria quando ele finalmente me beijasse.
Eu sabia que isso ia acontecer em algum momento, fazia parte de agir como se nada tivesse acontecido. E fingir que nunca mais ficaria com Harry era apenas querer bancar a idiota.
We play all the same old games and wait for the end to change.
A princípio, quase não nos encostamos. Sua boca se mexia com a minha e ele tinha a ponta dos dedos segurando o meu queixo. O beijo era delicado, como se para testar o chão sob nossos pés. Ou, nesse caso, o céu com as línguas.
Harry se afastou primeiro, buscou no meu olhar alguma indicação de que eu não tinha gostado. No entanto, eu suspirei e não disse nada.
Então, ele me beijou de novo. Seu toque ainda suave, afetuoso. O seu cheiro de sabonete, desodorante e do condicionador de chá branco do hotel bloqueava os meus pensamentos e ofuscava os meus outros sentidos.
Eu pensava que quando nos beijássemos de novo seria quente. Eu pensava que ele buscaria o meu corpo e eu buscaria o dele com desejo feroz e urgente. Não é que era menos intenso, só parecíamos mais amedrontados.
Nós estávamos em perfeita sincronia. Embora parecesse que havia muito tempo desde que os nossos corpos se tocaram pela última vez, eu sentia que tempo nenhum havia se passado. Eu ainda o conhecia exatamente como me lembrava. Os pelinhos finos entre seu peitoral, os quatro mamilos que sempre fazíamos piada, a marca de nascença praticamente apagada nas suas costas e como ele deixava a boca levemente aberta quando meus lábios deslizavam pela sua pele.
Tudo no nosso tempo.
Era como se eu estivesse sonhando de novo, exceto que não estava. Eu conseguia sentir o relevo das suas tatuagens; eu sabia que não dava para ser mais real do que aquilo.
Não tinha nada mais real do que o que eu sentia quando meus dedos delineavam sua pele, como o meu coração dava batidas fortes e espaçadas enquanto seu corpo todo reagia sob o meu toque.
Harry Styles era meu.
E puta que pariu, eu estaria arruinada se não pudesse ser dele pelo menos essa noite.
Demoramos mais de uma hora para chegar no local. Eu dirigi de novo.
Eu conseguia perceber o quanto Harry estava se esforçando para segurar o choro. A faceta vulnerável e crua que eu tinha testemunhado não era para os olhos gerais. Era como se eu conhecesse um Harry único, que ninguém mais sabia da existência. Ninguém ali o tinha visto soluçar, ninguém ali cujo braços tinham o amparado e segurado forte tão recentemente quanto no dia anterior.
O que fizemos um com o outro pode ter nos deixado em pedaços, mas eu nunca deixaria que alguma outra coisa fizesse Harry cair.
Eu o segurei, fisicamente, durante toda a coisa. Na igreja, cada vez que eu o soltava era só quando eu tinha certeza que outra pessoa o tinha nos braços.
Eu tinha ficado aterrorizada com a expectativa de como o velório me afetaria. Eu tive medo das minhas memórias e dos caminhos que minha mente traçaria. Mas a morte em si não me deixava mais abalada do que ver Harry engolindo lágrimas nunca caídas. Eu não sentia pelos mortos tanto quanto eu sentia pelos vivos que ficavam para trás.
Nós não falamos sobre a noite anterior, o que, além de tudo o que estava acontecendo, era mais uma questão que teríamos que lidar e eu sabia que Harry não deixaria passar batido. Então eu não estava preocupada em apressar a conversa, ele falaria algo.
Às vezes, enquanto Harry abraçava algum amigo, minha mente vagava nas cenas da madrugada, eu via a nós mesmos deitados na cama, o céu não mais tão escuro assim enquanto ainda conversávamos. Nós conversamos a noite toda. Sobre o começo, quando Harry tinha o melhor de mim; sobre dançar na Malibu Boulevard depois do nosso primeiro jantar no Nobu e depois dançar quase no escuro, sob nada além da luz do exaustor do fogão e transar no balcão que ele escreveu Sunflower horas depois; sobre as garrafas de vinho compartilhadas, só ele e eu.
Sempre foi só ele e eu.
Era como se as memórias estivessem me cortando em duas metades. Uma antes da viagem ao Brasil. Outra, depois. E as duas agora eram tão distintas que se repeliam.
E Harry me apresentava para algumas pessoas e eu demorava a estender a mão, porque eu continuava pensando naquele tempo, onde havia só luz nas nossas vidas e a escuridão tinha ficado presa em um passado que passamos a desconhecer.
- Eu não tenho mais dias de folga para isso, H. E eu vou precisar para o casamento do Mitch e da Sarah no mês que vem.
Mitch tinha me ligado diretamente para me convidar, me deu um sermão no telefone sobre como eu deveria me recompor e que não era só porque eu estava de drama com o Harry que eu ia usar de desculpa para me afastar dele e sair ilesa. Também disse que se eu não fosse ele me buscaria em LA pessoalmente. E, como se essas não fossem justificativas suficientes, ainda completou que seria uma cerimônia íntima e reservada, então eu não poderia fazê-los passar vergonha deixando o assento vazio.
Então era isso, eu meio que não tinha escolha. Eu não ia como acompanhante de Harry, tinha meu convite à parte. Fora que eram Sarah e Mitch e eu não poderia perder o casamento deles.
- Tudo bem, eu te dirijo de volta para Londres no domingo. Não se preocupe com passagens nem nada disso, eu cuido de tudo.
- Eu... não posso. Não consigo ir para Londres duas vezes num espaço de trinta dias.
- M-mas por quê?
- Harry, o que eu vou fazer no casamento do filho do seu padrasto?
- Ele é como meu irmão, nós-nós crescemos juntos. E se Robin estivesse aqui... ele ia amar te conhecer.
Aquilo me desequilibrou. Todo o discurso que eu preparei para negar o convite dele agora não parecia bom o bastante.
- Eu sinto muito que ele não esteja mais aqui...
Era muita morte envolvida em apenas um fim de semana. Muito casamento envolvido em apenas um mês.
Mas eu não poderia ceder apenas por pena de Harry. Diferente do velório, era um casamento, ele conseguiria se divertir sem mim.
Na verdade, seria muito melhor para ele se eu não estivesse envolvida.
- Sinto mesmo. Eu só não vejo como participar disso.
- Então é assim que vai ser agora? Você não é minha namorada, e daí? - Harry dizia com mágoa na voz. - Isso não faz com que não sejamos nada. Se você fosse minha amiga... - Deixou a frase morrer.
No escuro do quarto eu só via sua sombra, mas a dor em seu rosto eu sentiria mesmo que nunca mais enxergasse.
- Eu sou sua amiga! - Me defendi. - É só que não estamos no melhor momento para socializar juntos como se nada tivesse acontecido.
- Eu achei que era exatamente isso que você queria, fingir que os últimos três meses não aconteceram.
- H, não é bem assim. - Eu rebati, nada mais que um fio de voz preso na garganta.
- E o que aconteceu ontem? Você vai fingir que não foi nada também?
- Eu não disse isso.
Harry soprou o ar no meu rosto, uma bufada mais de derrota do que de irritação.
- Por um momento ontem quando você estava nos meus braços eu me esqueci de toda a parte ruim, era como se estivéssemos na sua casa de novo, depois que eu disse que estava apaixonado por você. E eu realmente acreditei que, talvez... talvez pudéssemos voltar a ser como antes. - Harry pausou. - Ou eu me esforcei muito para acreditar.
- Nós não somos quem costumávamos ser. E não enxergamos mais as coisas como costumávamos ver.
Eu tive a impressão de que ele revirou os olhos.
- Não use ‘two ghosts’ contra mim.
Eu soltei uma risadinha, mantendo o clima o mais leve possível. Eu estava exausta de brigar.
- O quê? Agora vai revogar os direitos autorais e só você pode usar suas músicas contra mim?
- Exatamente isso. - Seu tom era sério, mas ele também sorria. - E-eu, Harry Styles, uhh... revogo... uhhh todos os seus direitos de... como se diz mesmo?... citar minhas letras.
- Suas obras.
- Isso!
Eu esperei que ele concordasse apenas para mandá-lo calar a boca.
- Arghhh! - Ele protestou. - Eu posso te beijar agora?
- Não! - Recuei inconscientemente. - Nós não deveríamos fazer isso.
- Por que não?
- Porque eu estou brava com você! E somos amigos!
- Sério isso?
- É sério, H... O que aconteceu ontem foi... um erro que nós não deveríamos cometer novamente. Você estava chateado e nós agimos no calor do momento. Ontem não muda nada entre nós.
- Não. - Negou firmemente com a cabeça. - Você não vai me dar o discurso de que ter ficado comigo foi um erro. Eu não aceito!
- H, nós não podemos fazer isso. - Repeti.
- Por quê? Me diz, , por quê?
- Nós já conversamos sobre isso.
Harry se virou e ligou a luz do abajur.
- Na verdade, não. - Ele se sentou na cama. - Você impôs o que queria, ou melhor o que não queria e foi isso. Eu não tive voto, eu não concordei com nada.
- Bem, quando um não quer, dois não brigam.
- E o que eu acho disso? O que eu acho não conta?
- Não me faça jogar nada na sua cara. - Eu cruzei os braços na altura do peito, meio desajeitadamente porque ainda estava deitada, mantendo a postura relaxada.
Eu falava baixinho, como se ele ainda estivesse deitado do meu lado e a luz não estivesse acesa, porque eu não queria que Harry pensasse que eu estava em posição defensiva. Enquanto ele se mantivesse calmo, eu também me manteria. Qual é?, eu consigo conversar de boa também. Eu consigo.
- Diz, pode dizer.
Eu suspirei. Neguei com a cabeça.
- Eu sei o que você vai dizer, que eu não tenho que achar mais nada porque essa merda toda é culpa minha!
Eu entortei a cabeça levemente, como se dissesse “é mais ou menos essa a ideia”.
- Foi tão ruim assim estar comigo ontem? Você me despreza tanto assim? - Harry não me encarava quando perguntou.
- Claro que não! Harry... eu...
- Eu sei que as coisas não poderiam estar mais estranhas entre nós e que talvez não seja mesmo o melhor momento para um casamento, mas como você pode negar o que você sente por mim assim? Como você consegue agir como tanta indiferença? Como se eu não fosse ninguém importante para você? Como se você não... me amasse.
Eu puxei o ar e soltei com força. Tudo o que eu mais queria era dizer que eu o amava.
- Eu não estou dizendo para você me perdoar. Porra, eu já atingi meu limite de pedidos de desculpa; se você não consegue, tudo bem. Mas estamos aqui agora, e eu só quero estar com você. Então por que não podemos ficar juntos essa noite e a gente pensa no resto depois?
Eu queria muito que pudéssemos fazer isso sem que eu me machucasse mais. Só que voltar a nos relacionar sem compromisso seria reiniciar o mesmo ciclo de erros, e eu precisava seguir em frente, e eu não conseguiria se continuasse me entregando para ele assim.
- Eu... só não quero mais ficar com você, Harry.
Eu não percebi que diria aquilo até que eu disse. Harry piscou algumas vezes como se não tivesse me ouvido direito. O que eu falei o deixou sem reação.
Ele se sentou na beirada da cama, ficando de costas por um momento. Então levantou o edredom e voltou a se deitar.
- Sim... É claro. Eu entendo. - Seus braços estavam rígidos, assim como sua voz. - Se isso é o que você deseja, eu respeito completamente.
- H, você não... e-eu... uh...
- Boa noite, . - E apagou a luz.
Ele não disse mais nada e eu não preguei o olho a noite toda.
O toque do meu telefone de mesa me fez pular da cadeira. Era Henry pedindo para que eu fosse até a sua sala.
Eu não conseguia focar em nada desde que voltei da Philadelphia no começo da semana, eu saía por aí fazendo as minhas obrigações como se eu fosse um robô. Campbell falava comigo, mas quanto mais eu percebia que o assunto não era imediatamente importante, mais eu divagava sobre Harry e sobre como eu fui embora na segunda-feira com não muito mais do que um “bom dia” e “obrigado por ter vindo comigo”.
Harry não tocou mais no ‘assunto’ desde que eu disse aquela merda no domingo à noite. E eu sentia como se aquilo realmente tivesse virado uma chave dentro dele.
- Terra chamando ? - Henry estralou os dedos na minha frente.
- Hã? O que foi?
- Você ouviu o que eu disse?
- É claro. Sr. Stein. Blah blah blah. Aprovação de orçamentos antes que ele saia de férias. Blah blah.
Ele se levantou e caminhou até a porta. Eu achei que ele fosse sair sem falar nada.
- Ok. O que tá rolando? - Ele perguntou ao se virar para mim, encostando as costas na porta agora fechada.
- Na-nada. Como assim?
Ele cruzou os braços e os calcanhares sem dizer nada, apenas me dando ‘o olhar’.
- Harry está me dando tratamento de silêncio. - Eu confessei como se nem me importasse.
Meu celular vibrou no bolso e eu ignorei.
- Sério? - Henry franziu as sobrancelhas, desacreditado.
- Quero dizer, não exatamente. Não é como se ele estivesse me ignorando como eu fiz com ele. - Encolhi os ombros. - Quero dizer, se eu mandasse alguma mensagem ele provavelmente responderia.
Meu celular vibrou de novo. Dessa vez, algumas vezes seguidas, me deixando ansiosa.
- Vocês brigaram de novo? - Henry bufou. - Eu não sabia que era possível brigar mais ainda já estando brigados.
- Bem, nós demos um jeito, aparentemente.
- O que aconteceu dessa vez?
- É só que eu disse algo estúpido. - Revirei os olhos. - Só que dessa vez parece que ele realmente levou a sério e, assim, era isso que eu queria, não é? Que ele finalmente entendesse que é sério, que não tem mais jeito. Eu não sei por que estou tão incomodada se era esse efeito que eu queria causar, mas mesmo assim eu acho que estou me sentindo culpada, porque...
- Ok. - Henry me cortou. - O que você disse?
- Que eu não o queria mais?! Quem ia imaginar que só bastaria falar isso para que ele me deixasse em paz?!
- Você disse o quê? - Henry praticamente cuspiu as palavras.
- Não exatamente com essas palavras, e não é como se fosse mentira... - Encolhi os ombros. - Quero dizer, eu o quero, mas o melhor é que não fiquemos mais juntos.
- Você acredita nessas merdas que você fala? - Ele perguntou completamente sério e eu dei uma gargalhada. Ele e Harry eram mais parecidos do que eu imaginava.
- Eu preciso.
O telefone da mesa de Henry tocou e ele pediu licença antes de atender.
Eu não prestei atenção na conversa porque divaguei pensando em Harry. De novo.
- É para você. - Henry disse enquanto estendia o braço.
Eu caminhei até sua mesa e coloquei o telefone no ouvido.
- .
Meio segundo depois eu arregalei os olhos, porque sequer me dei ao trabalho de pensar em quem poderia ser. Se fosse o Sr. Stein e ele percebesse o meu desleixo ao atender, com toda certeza, eu ouviria uma bronca.
- Você precisa vir aqui agora ver uma coisa.
Soltei o ar pesadamente, aliviada.
- Por quê? O que aconteceu, Lucy?
- Só... vem. - Ela rebateu irredutível. - Não é nada ruim, não se preocupe. - Ela completou quando percebeu o quão obscuro eu poderia fantasiar a falta de informação.
Eu desci as escadas correndo e atravessei o corredor com meus saltos ecoando no silêncio. Abri a porta com força, num jeito completamente Henry Campbell de ser.
- Finalmente! Te mandei um monte de mensagens! - Ela reclamou.
- Eu vim correndo. O que foi?! - Respondi ofegante.
Ela estendeu o braço e apontou com a mão para a minha mesa... onde havia um buquê colorido e um cartão.
Travada no lugar, eu apontei também.
- O q... - Tentei perguntar, mas não consegui terminar a frase.
- Acabaram de entregar. - Lucy respondeu como se lesse a minha mente.
- É para mim?
- Tem seu nome no cartão.
Eu caminhei até a mesa e peguei o buquê, rodando-o entre as mãos.
- Que flores são essas? - Eu perguntei retoricamente.
- Eu pesquisei. - Lucy rebateu orgulhosa. - São chamadas de Alstroeméria.
- Astro- o quê?
Lucy riu.
- Alstro! Alstroeméria. Ou lírios peruanos. É uma flor nativa da América do Sul. - Explicou. - Mais especificamente encontradas no Peru, Chile e... Brasil.
Olhando mais de perto, as flores realmente pareciam um pouco com lírios, mas com as pontas mais arredondadas e naquele buquê havia nas cores rosa, vermelha, amarela e branca. Algumas pétalas, também, tinham algumas pintinhas pretas como riscos de caneta.
- São lindas. - Eu sorri. - O buquê parece um arco-íris.
- São bem raras aqui, parece que leva anos para crescerem das sementes.
Eu fiz uma cara de “uau” e peguei o cartão; tinha meu nome e sobrenome no envelope, mas a letra eu não reconhecia.
- Abre logo! - Lucy sibilou, um sussurro gritado de empolgação.
O envelope era branco e o cartão também; não era nada além de meia folha de papel de gramatura alta dobrada ao meio.
Ao desdobrar o cartão, a primeira coisa que captou meus olhos foi o meu apelido exclusivo impresso no papel.
,
Tudo o que você tem feito por mim não deixa de me surpreender. Obrigado por seu apoio incondicional e por estar lá por mim sempre que preciso.
Você é a pessoa mais especial da minha vida, com as qualidades de uma bela flor. Eu realmente não te mereço, mas tento todos os dias ser melhor por sua causa.
Eu enviaria todo o meu amor, se já não fosse seu.
Sempre seu,
H.
P.s.: Essa nota é só uma nota, eu realmente não tinha mais espaço.
P.s.s: TPWK :)
Eu olhei para Lucy sem dizer uma só palavra e isso foi o suficiente para ela vir até mim e me abraçar.
- Você está bem? - Perguntou ao me soltar.
Eu balancei a cabeça afirmativamente e estendi o cartão para Lucy. Ela leu o conteúdo bem mais rápido do que eu e sorriu.
- Isso aqui... é lindo. Não precisa chorar.
- Eu não estou chorando! - Rebati enquanto, ironicamente, limpava as lágrimas que tinham escorrido.
- Por que ele te mandou isso?
Eu suspirei, pensando e absorvendo tudo aquilo. “Com as qualidades de uma bela flor”.
- Lucy, qual é o significado dessas flores?
Ela se virou e foi para o computador, teclou rapidamente e começou a ler:
- “Alstroemérias geralmente tem um significado ligado à lealdade e ao forte vínculo entre duas pessoas. Cada uma das seis pétalas simboliza compreensão, humor, empatia, paciência, respeito e compromisso.”
Minha boca caiu no chão. Esse homem pensava em cada detalhe.
- Lê de novo. - Eu pedi, passando o cartão novamente para ela.
Eu observei atentamente sua reação que não foi muito diferente da minha.
- Ele é um gênio! - Lucy falou de olhos arregalados e a boca entreaberta.
Em seguida, caímos na gargalhada.
Não tinha como negar, Harry Styles sabia o que estava fazendo.
- Tá bom, tá bom. Chega. - Repreendi quando não aguentava mais rir. - De volta ao trabalho!
Lucy limpou as lágrimas quando conseguiu parar de rir e eu coloquei as mãos na barriga, sentindo a dor que só uma boa gargalhada proporciona. Parecíamos duas adolescentes excitadas.
- Eu não tenho nada para fazer. - Ela disse, por fim.
- Como assim você não tem nada para fazer? - Levantei uma sobrancelha.
Aquilo era um absurdo sem tamanho.
- Bem, eu tenho, mas estou sendo impedida.
- O que você quer dizer? - Eu franzi a testa ainda mais confusa.
- O estúpido do Peter deveria ter feito um filtro no sistema para me passar uma relação de clientes, material e entrega, só que o que ele me entregou foi uma aberração.
Eu soltei uma risadinha, dava para ver claramente que essa garota tinha sido treinada por mim.
- Quem é Peter mesmo? - Eu perguntei confusa.
- O estagiário do Ryan.
- Ah. Então está explicado. - Brinquei, com aquele fundinho de verdade, e ela riu.
- Então eu ‘tô aqui perdendo meu tempo esperando que ele faça uma coisa que leva dez minutos desatentos. - Ela revirou os olhos. - Cinco, se eu estiver com pressa.
Lucy se virou de frente para a mesa e começou a mexer no computador.
- Eu vou ligar para Ryan.
- Uhum. - Ela soltou aquele tom descrente que eu odiava, mas que dizia que sabia que eu não faria aquilo.
- Não agora, preciso me preparar psicologicamente para passar raiva primeiro. - Quando terminei de falar, Lucy soltou uma risadinha. - Talvez eu peça para Henry, já que eles são tão amigos. - Revirei os olhos.
- OK.
- E o que você está fazendo agora? - Eu apertei meus olhos para ver a página.
- Uhh, só checando umas vagas de emprego... - Lucy respondeu, ainda sem desviar o olhar da tela.
- Lucy! - Repreendi, rindo. - Não é para tanto, ele vai te enviar.
- Não, é sério.
Eu franzi a testa de novo. Sempre que algo dá errado ela dramatiza dizendo “vou procurar outro emprego”, como se soubesse que seria demitida como consequência. De brincadeira, é claro, eu nunca a demitiria.
- Mas por que você está procurando vagas?
- Bem, faltam menos de três meses para finalizar o meu estágio. - Encolheu os ombros. - Então estou procurando por alguma outra coisa meio período.
- O quê? - Eu murmurei para mim mesma, ela nem ouviu.
- Na verdade, você poderia me fazer uma carta de recomendação?
Eu não percebi que faltava tão pouco tempo para perder Lucy. Eu estava tão envolvida nos meus problemas pessoais que eu estava fazendo o meu trabalho e indo embora para substituir minha memória de tudo o que eu tinha feito no dia com todas as outras coisas que eu estava preocupada.
- É claro que sim. - Balancei a cabeça várias vezes seguidas quando percebi que estava paralisada há tempo demais. - Claro. - Repeti.
- Ótimo! E eu posso te ajudar a analisar os perfis dos próximos candidatos ao estágio, se quiser. - Ela sorriu.
- Isso seria ótimo. Obrigada, Lucy. Você é um amor.
Eu me virei de frente para o meu computador também e continuei a trabalhar, mas fiquei pensativa pelo resto do dia.
Eu tinha que fazer alguma coisa sobre aquilo.
Lucy sempre pareceu tão bem-ajustada ali, como se ela pertencesse ao ambiente, estivesse ali desde sempre e eu meio que me esqueci que seu contrato, diferentemente do meu, tinha um prazo de validade.
Eu me esqueci que ela não pertencia à California mais do que eu pertencia. Ambas tínhamos passado a viver ali por algum motivo, uma escolha. Por mais que parecesse tudo tão natural para Lucy, talvez ela me entendesse mais do que eu percebia.
Quando fui embora, carregando o meu buquê em um dos braços e a bolsa do outro, eu liguei para Harry assim que entrei no carro. Eu estava um pouco nervosa porque não tínhamos conversado desde a Philadelphia.
Então não pensei muito bem antes de ligar.
- , está tudo bem? - A voz grave e sonolenta de Harry me atendeu.
- Merda! - Cocei a cabeça. - Eu me esqueci de que você está na Inglaterra.
Ele deu uma risadinha falhada.
- São mais de uma da manhã aqui.
- Eu sei. Me desculpe. A gente se fala depois. - Falei e já ia desligando.
- Não! - Ele respondeu alto. - Tudo bem, já estou acordado. - Tossiu, limpando a garganta. - Você está bem?
- É, eu ‘tô bem. Eu só liguei para dizer que... recebi as flores.
- Que bom. - Eu não conseguia ver, mas sabia que ele tinha sorrido. - Espera, você só as recebeu agora?
- Não, mais cedo, mas estava trabalhando.
- Faz sentido. - Harry refletiu. - Eu mandei mensagem para Amy hoje de manhã, o que para vocês em Los Angeles era madrugada de ontem, ela deve ter acordado e entrado em contato com a floricultura. - Harry tossiu de novo.
- Você está bem?
- Estou. Só com a garganta arranhada dos ensaios. Eu vou me levantar e fazer um chá.
- OK. - Eu respondi e a linha ficou muda por uns trinta segundos.
- Você recebeu o cartão também? - Harry perguntou do nada. - Me desculpe que eu não pude escrever à mão; eu faria isso se estivesse aí.
- Sim. Eu queria dizer... obrigada. Eu... - Parei de falar.
Eu conseguia ouvir seus passos pela casa, o chinelo estalando enquanto ele descia as escadas.
- Você vai acordar a sua mãe assim! - O repreendi pelo barulho.
- Ela está na casa do Darren.
- Quem é Darren?
- O novo namorado dela.
Eu gargalhei imediatamente do tom ciumento. Eu conseguia imaginar perfeitamente o nariz torcido de Harry enquanto ele falava aquilo.
- Deixa a sua mãe ser feliz.
- Eu quero que ela seja feliz. Mas eu preciso gostar que tem um cara que eu nunca vi na minha vida fazendo sei lá o que com ela na casa dele?
Eu ri de novo.
- Você sabe o quê.
- Ugh! - Grunhiu. - Por favor, cale a boca.
Eu ri mais ainda.
- É tudo novo entre eles, parece. Ainda não tive tempo de conhecê-lo. Acho que ela vai levá-lo ao casamento.
- Sério? - Eu franzi a testa. - Que esquisito. O filho do Robin...
- Não é como se o meu padrasto estivesse aqui para achar ruim. - Harry rebateu, bem-humorado.
- Diga a ela que mandei um beijo e que a vejo logo!
- Direi.
Eu ficaria alguns dias na Inglaterra para o casamento do Mitch e Sarah que seria numa terça-feira. Eu queria voar na segunda e voltar na quinta, usando a quarta para descansar, mas Harry achou um absurdo que eu fosse logo no primeiro dia da semana e sugeriu que eu voasse na sexta depois do trabalho e ficasse o final de semana todo. Não faria mal, faria?
- H... - Chamei quando passamos alguns segundos em silêncio e tudo o que eu escutava era o barulho da chaleira fervendo a água.
- Estou aqui.
- Eu queria dizer obrigada pelas flores. E pelo cartão também. - Completei.
- Eu quem deveria estar te agradecendo. - Imagina! Eu fiz o que qualquer amigo de verdade faria.
- Mesmo assim. Obrigado, de verdade.
Eu suspirei.
- Eu não sei bem... ahn... o que dizer.
- Você gostou?
- Eu amei.
- Isso é o que importa. Eu quero que você saiba que eu reconheço. Você não precisa me dizer nada.
- “You don’t have to say you’re mine?!” - Cantarolei pouco confiante.
Harry deu uma risada tão gostosa que eu ri da sua risada. Eu fechei um dos olhos e mordi os lábios, abobada. Minha visão desfocada enquanto eu encarava distraidamente o estacionamento.
- Bem, se você quiser me deixar... ‘animado’, eu posso dizer que eu sou seu.
- Paraaaa. - Choraminguei, dando risada e me sentindo constrangida pela piada sexual. - Não é disso que eu estou falando!
- Eu sei. - Pelo som da sua respiração, eu percebi que ele ainda sorria. - Só estou me perguntando como você se lembrou disso.
- Bem, já que eu vou ouvir o álbum em breve, eu estava procurando na nossa conversa todos os arquivos e letras que você me mandou e achei uma demo dessa. A letra ficou presa na minha cabeça.
Harry riu, parecia descrente.
- Eu amo você por isso. - Harry... - Como amiga! - Rindo, me interrompeu. - Você não me deixou completar.
Eu bati na porta já aberta e passei só a cabeça pelo batente, ficando pendurada com o resto do corpo no corredor.
- ! Pode entrar. - Ele disse ao levantar a cabeça e ver que era eu.
- Olá, Sr. Stein.
- Fique à vontade. - Ele apontou a cadeira na frente de sua mesa para que eu me sentasse. - Como você está? - Sorriu, charmoso.
- Eu estou bem. E você, senhor?
- Muito bem. Obrigado. - Ele entrelaçou as mãos em cima da mesa, me dando total atenção. - Em que posso te ajudar?
- Eu queria conversar com você sobre o meu novo estagiário.
- Oh, já temos um novo?
- Não. Não ainda. Lucy, minha estagiária, está no último trimestre na empresa. E, na verdade, eu gostaria de saber se há alguma possibilidade de a contratarmos como minha assistente, por definitivo. - Fui direto ao assunto. - E, claro, eu dispensaria o estagiário.
- Por quê?
- Bem, eu suponho que a empresa possa fazer um reajuste no salário dela dentro do orçamento do setor para um cargo de entrada e, assim, teríamos um funcionário fixo, que já conhece os processos internos da empresa, em vez de um estagiário que teria que começar do zero.
- Não, por que você quer contratá-la?
- Oh! - A pergunta me pegou de surpresa. Eu estava preparada para argumentar com números. - Por que eu quero contratá-la? - Repeti a pergunta, estratégia para ganhar mais tempo para pensar. - Bem, Lucy é alguém confiável, competente e experiente nos nossos processos internos. Ela trabalha bem tanto em equipe quanto individualmente, tem uma ótima dinâmica e relacionamento interpessoal com os demais setores e funcionários, e vejo grande potencial de crescimento interno. Ela é uma profissional que enxerga o todo e não somente as partes, habilidade essa muito importante para liderança, junto com todas as demais já citadas. Como pessoa, ela é muito positiva e energética e eu acredito que esse tipo de personalidade só tem a acrescentar para tornar o ambiente profissional mais leve e agradável.
- Hum. - Sr. Stein murmurou enquanto me analisava.
Eu estava nervosa, parecia que a entrevista era minha. Eu sentia uma das minhas pernas tremendo debaixo da mesa. Eu só esperava que ele não conseguisse notar.
- Isso é exatamente o porquê contratei você.
- Perdão?
- Sabe aquela coisa que dizemos sobre como nem todo detentor de um conhecimento é professor dele? Você tem todas essas competências que citou sobre a senhorita Lucy, mas isso não significa que você saberia passá-las para frente. E isso, esse aspecto específico, é algo que eu não conseguia saber só com testes e entrevistas. - Ele colocou as mãos entrelaçadas embaixo do queixo, apoiando a cabeça nelas, cotovelos na mesa. - Você pensa nos números, eu consegui ver isso na sua primeira entrevista. E, bem, podemos ver isso nos resultados do seu departamento. - Ele riu.
Pelo amor de deus, ele RIU! O Sr. Stein deu uma risadinha. Eu preciso contar isso para o Henry, ele não vai acreditar! Aquilo era absurdamente assustador.
- Eu geralmente nunca estou errado quando escolho pessoalmente alguém, como eu fiz com você. E eu estava me perguntando se você traria ao meu conhecimento profissionais com potencial similar ao seu.
Minha boca estava selada. Costurada. Mandíbula travada.
- Isso era o que eu esperava verificar quando contratei você. Sabe, uma empresa não é nada se não tiver profissionais qualificados e satisfeitos. Eu, sozinho, não faço as coisas continuarem girando, então é importante para mim que eu tenha sempre os melhores profissionais comigo. Como eu disse, você vê os números, . E isso é ótimo, claro. A empresa precisa de números. Mas você vê os humanos além desses números. Enxergar o todo é ideal, mas as partes também precisam ser vistas. Cada pessoa aqui é uma parte que faz essa empresa. - Ele balançava a cabeça afirmativamente enquanto falava. - E não é comum encontrar profissionais que enxerguem os dois, como você. E eu preciso que meus líderes saibam identificar potencial em outras pessoas, enquanto ainda visualizam o todo. E isso era exatamente o que eu esperava de você.
- O-obrigada...
- Eu tenho certeza de que essa pessoa que você descreveu não era a mesma há quase um ano. Você transmitiu todas as suas competências para ela. Se hoje ela tem esse potencial, é por sua causa. Foi porque você pegou essa estudante, uma aprendiz e a ensinou. Você a transformou na profissional que ela é hoje. Ela é um reflexo do seu profissionalismo.
Tudo tinha me pegado de surpresa e eu pressionava meus lábios juntos para me impedir de sorrir.
- Você sabe, muitos profissionais têm grande conhecimento, mas não querem compartilhar o que sabem, têm medo de perder seus lugares, medo de deixar de serem especiais.
Ele se levantou da cadeira e estendeu uma mão para mim.
- Obrigado por escolher compartilhar seus conhecimentos conosco.
- Hum, é-é claro. É um prazer. Obrigada pela oportunidade.
- Eu sei que você renovou o seu contrato no RH antes das suas férias.
- Sim, eu renovei.
- Muito bom. - Balançou a cabeça, enfatizando. - Caso ainda não tenha ficado claro, você também tem potencial de crescimento interno. E está mais perto do que você imagina.
Eu fechei a porta com as costas, torpor completo. Ali fiquei por alguns segundos.
- O que aconteceu? - Lucy perguntou ao me ver com olhos arregalados.
- O Sr. Stein... acabou de... me... elogiar.
- Por quê? - Lucy arqueou uma sobrancelha.
No fim, o Sr. Stein não tinha dito se contrataria Lucy ou não, ou sequer se pensaria nisso. Ele tinha me deixado completamente atordoada, eu até me esqueci de confirmar uma resposta. Mas, bem, considerando a conversa, parecia bem claro que ele a contrataria, não é? Ou pelo menos que pensaria no caso.
- Pelo meu trabalho, eu acho.
- Assim, do nada?
O telefone da minha mesa tocou quando abri a boca para responder, e saí correndo alarmada para atender.
- .
- , Lucy está aí com você? - Era o Sr. Stein.
- S-sim. - Balancei a cabeça, como uma idiota. - Ela está.
- Passe o telefone para ela.
Ah, esse era o Sr. Stein que eu conhecia. Sem um cumprimento, sem um por favor, só dava ordens. Esse Sr. Stein me assustava, mas o que eu tinha acabado de testemunhar na sua sala era algo imprevisível, fora do script, e tinha me assustado muito mais.
- Sim, senhor.
Eu estendi o telefone para Lucy no mesmo segundo. Pelo meu tom respeitoso, ela não precisava questionar quem era e o aceitou tão assustada quanto eu.
Quando ela atendeu, fez exatamente como eu, dizendo seu nome e sobrenome, como se não soubesse quem era do outro lado da linha.
- Sim, senhor. - Lucy respondeu.
Eu não conseguia ouvir o que ele estava falando.
- Claro, eu posso. Sim. Agora. Sim.
Ela me devolveu o telefone de olhos arregalados e já estava de pé.
- O que ele queria?
- Perguntou se eu poderia ir até a sala dele. Agora. Eu volto já.
Ela saiu e fechou a porta atrás dela antes que eu pudesse a alertar sobre algo.
Eu fiquei roendo as unhas e tomei tantos goles de água seguidos que acabei precisando ir ao banheiro.
Minha mente traiçoeira me driblara por tempo o bastante para que minhas mãos ansiosas procurassem pelo contato de Harry e quase fizessem uma chamada para ele. Eu me parei prestes a apertar o botão. Sempre que algo acontecia comigo, meu primeiro instinto era buscar o conforto das suas palavras. A voz de Harry sempre me acalmou, e tê-la à uma ligação de distância era um perigo.
Lucy voltou pálida e mais em choque do que eu.
- E aí? O que ele queria?
- Ele me ofereceu um emprego. - Ela respondeu boquiaberta.
Primeiro, meu queixo caiu. Depois, eu abri um sorriso enorme.
- Meu Deus! Eu não acredito! - Eu a abracei e dei pulinhos junto com ela. - Eu não acredito! - Repeti. - Me conta tudo!!
- Ele me perguntou o que eu achava de você.
- De mim? - Franzi a testa.
- Parecia um teste. Foi aterrorizante.
- O que você disse sobre mim?
- Que você é a pessoa mais incrível que eu já conheci.
- Awwwww! - Eu a abracei de novo, mais emocionada do que esperava.
- Que eu estava muito feliz pela oportunidade de trabalhar aqui e aprender tanto com você.
- Você vai me fazer chorar! - Eu falei já com o nariz ardendo.
Lucy também estava com os olhos levemente lacrimejados.
- Ele contou que foi você quem sugeriu a vaga para mim. - Ela fechou os olhos e passou a mão na testa, exatamente como eu fazia quando algo ali me tirava do sério. - E deu um discurso sobre aprendizes e professores.
Eu soltei uma gargalhada.
- Ele fez o mesmo comigo! Embora eu nunca teria resumido tão bem quanto você. - Ela riu também.
- ! - Ela disse meu nome num quase grito e com a voz esganiçada. - Obrigada!
Num movimento muito rápido, ela colocou as duas mãos no meu rosto e me puxou, me dando um selinho.
- Obrigada! - Repetiu com o mesmo tom de voz.
Eu, que estava até então com o lábio inferior projetado e quase chorando, comecei a gargalhar surpresa.
- Garota? - Eu questionei.
- Me desculpe, estou muito animada! - A frase saiu toda como um gritinho. - Você me inspira! Obrigada, obrigada, obrigada!
Ela já estava à par de toda a fofoca da minha vida, eu contei sobre a viagem, sobre Daniel, sobre como Harry me deixou na mão no último minuto e agora eu apenas a atualizava dos detalhes sobre a nossa última conversa na Philadelphia.
- Se fosse o meu filho, eu daria uma surra nele. - Ela levantou um dedo trêmulo enquanto tentava soar ameaçadora.
Nós sempre nos sentávamos à mesa e ela organizava todos os utensílios; tapetes americanos, xícaras com pires e todo o resto. Eu me sentia como se estivesse na casa de um membro da realeza britânica tomando o chá da tarde.
- Eu não acho que a mãe dele saiba. - Eu ri. Elinor era uma fofinha.
Absolutamente todo mundo concordava comigo que o que Harry fez foi inaceitável e que eu tinha todo o direito de ficar chateada pelo tempo que eu precisasse. O fato de que ele tinha finalmente aceitado que não voltaríamos foi algo bom, no fim. Seria muito mais fácil sermos amigos se pudéssemos não ficar falando sobre ficarmos juntos. Depois das flores, eu até mandei um meme para ele no Instagram, ele curtiu e respondeu “hahaha”, é por isso que eu sei que está tudo bem.
Além do mais, não é ele quem alega ser amigo das ex-namoradas? Nós que fomos não-oficialmente namorados por apenas três meses também podemos fazer isso.
Mas Elinor e eu não ficamos muito tempo nesse assunto, ela me contava sobre os filmes que tinha assistido ultimamente, o que tinha bordado de tricô e também me falava das receitas que via na TV, enquanto prometia que quando fizesse levaria um pouco para mim.
A campainha tocou na metade do nosso encontro.
- Eu atendo! - Ofereci quando ela se mexeu vagarosamente para se levantar.
Eu olhei pelo olho mágico antes de abrir a porta, coisa que eu nunca fazia quando era no meu próprio apartamento.
Eu virei o pescoço de uma vez para falar com Elinor e senti um estralo na hora.
- É o Adam. - Eu disse e ela franziu a testa.
Eu abri a porta logo em seguida. Ele estava distraído e também franziu a testa quando me viu. Adam usava uma t-shirt com as mangas dobradas e tinha um colar delicado adornando seu pescoço, seus olhos âmbar incrivelmente destacados pela malha preta. Ele também vestia uma calça jeans de lavagem escura dobrada no calcanhar e vans pretos com detalhes brancos, exatamente como o par que Harry tinha. Esse era o uniforme dos homens gringos nos seus vinte e poucos anos de idade?!
Quero dizer, não estou reclamando. Ele estava de tirar o fôlego.
- Ei! ?... - Apontou para cima, girando o dedo. - Eu... tô no andar certo? Errei o apartamento? - Perguntou incerto. - Não, esse é o apartamento da minha mãe. - Confirmou apontando para o número na porta.
- Sim. - Eu sorri e dei passagem para ele. - Você tá no lugar certo.
- Oh. OK. - Respondeu, ainda confuso, enquanto entrava. - Obrigado.
- Sua mãe e eu estamos tomando chá e fofocando. - Dei uma risadinha enquanto o acompanhava pela casa.
- Eu não sabia que você estaria aqui. - Ele estava envergonhado. - Oi, mãe.
Adam abraçou Elinor e a beijou na bochecha.
- Bem, eu não sabia que você viria também. - Eu respondi ao me sentar.
- Eu não sabia que você viria! - Elinor completou, me fazendo rir.
Adam se sentou numa cadeira vaga de frente para mim.
- Mãe! Eu te mandei uma mensagem dizendo que viria! - Ele rebateu e pegou um pão de queijo. - O que é isso?
- Eu não vi. - Elinor respondeu.
- Pão de queijo. - Eu respondi junto.
- O quê?
- Pão de queijo.
- Mãe, você visualizou a mensagem. - Adam afirmou com um ar de “deixa pra lá”. - Pau de quejo? - Repetiu e deu uma mordida.
- É, é brasileiro.
- Hummm. - Murmurou enquanto mastigava. - Muito bom. - Quando completou, colocou o resto na boca e pegou outro.
- Você veio dirigindo?
- Uhum. - Terminou de engolir. - O trânsito chegando aqui estava horrível. - Suspirou.
- Pela rodovia 5?
- Uhum. - Repetiu.
- Los Angeles, sábado à tarde no verão. Você queria o quê? - Brinquei.
- Um jato particular. - Respondeu enquanto gargalhava.
- Me chama para andar quando tiver um. - Eu pisquei.
Adam tossiu, coçou a garganta e disse “ok”. Ele era tão engraçadinho. Parecia que ia ter um ataque e sair correndo de tanta timidez.
- Mas eu acho que está rolando alguma promoção no Costco de Burbank, eu passei por dentro da cidade para chegar mais rápido e tinha uma fila do lado de fora.
- É mesmo? - Elinor perguntou.
- Podemos ir lá amanhã cedo se quiser. - Ele respondeu.
- Eu nunca fui nesse lugar. - Eu disse.
- O quê? Nunca? Como assim? - Adam rebateu surpreso e eu encolhi os ombros.
- Eu não sou membro. E moro sozinha.
O Costco era uma rede de mercados daqueles que vendem tudo em grandes quantidades, e que você só faz compras se pagar uma assinatura anual.
- Bem, você quer ir conosco amanhã para conhecer? Talvez ache algo útil para você. Eu gosto de comprar itens de casa, produtos de limpeza, essas coisas que duram bastante.
- Tá bem. - Concordei.
- Não, como isso chama mesmo? - Adam perguntou de novo e eu repeti. - É divino! - Elogiou exageradamente.
- Isso porque eu comprei congelado no mercado brasileiro. Se fosse feito na hora seria muito melhor.
- Melhor que isso? Ooh!
Elinor deu um tapa na mão de Adam quando ele a esticou para pegar outro pão de queijo.
- Tenha modos.
Ele pediu desculpas e nós rimos.
- Você comeu alguma coisa hoje? - Elinor perguntou. O tom inegavelmente de mãe.
- Só tomei café da manhã antes de sair. Tem algo para beber que não seja água?
- Tem chá. - Ela disse e apontou para a garrafa. Adam fez uma careta.
- Amanhã podemos reabastecer tudo. - Adam sugeriu ao ir à cozinha e abrir a geladeira.
- Sim. Eu preciso comprar abacates.
- El, se você precisar de algo pode me pedir e eu compro para você, não precisar esperar que algum dos seus filhos venha para te levar ou sei lá. - Eu interferi.
- Obrigada, minha querida. - Ela deu um sorriso e um tapinha na minha perna.
- Claro. Sem problemas.
Eu virei o resto de chá que tinha na xícara.
- Bem, eu vou embora então.
- Não, por quê?! - Elinor protestou.
- Eu suponho que você queira um tempo com seu filho. Não quero atrapalhá-los.
- Eu vejo esse garoto todo mês. - Ela respondeu com desdém.
- El, você me vê toda semana. E eu posso voltar qualquer outro dia, eu moro no andar de baixo.
- Isso não é justo. - Adam reclamou enquanto voltava da cozinha.
- Pois se mude de San Jose e volte para Los Angeles. - Elinor provocou.
- Credo. Eu detesto morar aqui.
- O quê? - Eu exclamei ofendida. - Morar aqui é maravilhoso.
- Tá brincando? O trânsito é horrível 90% do tempo e as pessoas não sabem dirigir. Tudo bem que isso é comum da Califórnia...
- É, eu tenho que concordar que vocês dirigem muito mal.
- E também é cheio de gente esquisita.
- Estamos falando do mesmo lugar?
- Você não conta, . Você não nasceu aqui. Se você tivesse crescido rodeado dessas pessoas... fúteis, para não falar pior, você entenderia.
- Eu acho que você tem razão.
- Ele não tem razão em nada, . San Jose não é muito melhor. - Elinor retrucou.
- Ah, é sim! - Adam defendeu. - Não tem comparação.
- Bem, eu nunca fui para San Jose.
- O quê? Você tá brincando? - Adam exclamou surpreso. Eu só encolhi os ombros. - Vale do silício? Todas as empresas de tecnologia...
- Eu já fui para San Francisco, mas foi a trabalho, então só fiquei dois dias.
- Pois você está intimada para um passeio de verdade pela Bay Area comigo. Pode ser qualquer final de semana que você quiser e você fica hospedada na minha casa.
O meu primeiro instinto foi concordar, é claro. Você diz que sim por educação, mas é algo que você sabe que não vai para frente.
- Bem, isso parece uma ótima ideia. Eu adoraria.
- Ok. Legal. - Ele sorriu. - Você pode voar para San Jose ou San Franscisco e eu te busco no aeroporto.
- Ou você pode ir de carro com ela na próxima vez que ele vier. - Elinor sugeriu.
- Eu posso programar para ficar uma semana toda com você, mãe, e ir embora na sexta-feira, assim a pode ir comigo.
- Eu adoraria que você passasse uma semana comigo. - Elinor respondeu.
- Eu posso arranjar isso para o mês que vem, mas é claro que se ela preferir voar eu posso...
Eles começaram a combinar os detalhes como se eu simplesmente tivesse evaporado. Então eu percebi que talvez devesse ter levado o convite mais a sério do que eu tinha.
- Ok, pessoal! - Eu cortei. - Ótimas ideias, mas eu vou embora agora.
- Eu te levo até a porta.
Adam ofereceu prontamente e se levantou, prostrando-se ao meu lado.
- Ok.
Elinor nunca me acompanhava até a porta, porque eu já era de casa o suficiente para abrir eu mesma os armários, geladeira, me deitar no sofá e isso incluía sair sozinha.
- Ok. - Eu repeti desconfortável quando nenhum de nós dois se moveu. - Tchau, El. Vejo você depois.
Acenamos uma para a outra enquanto eu me deslocava até a entrada. Adam foi na minha frente e abriu a porta para mim.
Eu agradeci e ele respondeu com um aceno desajeitado, fechando a porta atrás de si.
- Você se importa se eu te acompanhar até a porta do seu apartamento?
Eu neguei com a cabeça e seguimos até o elevador em silêncio.
- Então… Como estão as coisas com você?
- Tudo bem. - Adam balançava a cabeça para enfatizar. - E você?
- Tudo bem. Elinor me contou que você terminou o doutorado.
- Sim. Esse semestre.
- Eu também. O mestrado, digo.
Nós paramos em frente ao elevador, mas não o chamamos.
- Ah, sério?
- Sim, quero dizer, ainda preciso pegar o canudo, mas, praticamente sim. - Eu gesticulei excessivamente com as mãos.
- Bem, meus parabéns.
- Para você também.
Adam parecia completamente atrapalhado enquanto falava comigo. Eu achava fofo, mas acabava ficando um pouco retraída também.
- Você já sabe o que fazer em seguida? Vai seguir carreira acadêmica? Doutorado?
- Ah, eu acho que não. Eu gosto do meu emprego agora. Mas nunca se sabe.
- Nunca se sabe. - Ele repetiu, concordando.
Eu apertei o botão para chamar o elevador.
- Você vai embora amanhã?
- Não. Na terça ou na quarta-feira.
- Você está de folga?
Adam encolheu os ombros.
- Eu sou meu próprio chefe, não preciso aparecer no escritório se não quiser.
- Ah! - Eu bati na minha própria testa. - É verdade. Advogado, não é? - Adam concordou com a cabeça. - Então, quando você não tem casos, você está de folga.
- Teoricamente.
- O que vocês fazem, exatamente?
- Advocacia imobiliária.
- Ah! Então não tem casos assim. - Eu concluí e Adam riu.
- É o que a maioria das pessoas pensam quando digo que sou advogado, mas há muitas áreas além da criminologia.
- Mas o que você faz também é legal. Cuida de vendas de casas e essas coisas.
- Isso. - Ele soltou outra risada. - Você resumiu bem.
Entramos no elevador.
- Desculpe. Eu trabalho com a mesma coisa desde sempre, eu não entendo muito. Sobre nada.
Adam balançou uma mão no ar.
- Não seja boba. Se você me pedisse para explicar o que você faz eu não saberia resumir nem assim.
Eu dei um sorriso.
A porta do elevador se abriu. Adam deu um passo para frente e colocou um dos braços contra a porta. Com o outro, ele ofereceu a passagem. Eu saí agradecendo e parei logo à frente esperando por ele.
Voltamos a caminhar juntos, o meu apartamento era no final do corredor, eu tinha uma sacada em L, diferente dos outros apartamentos.
- Bem... obrigada por me acompanhar. - Eu disse ao parar em frente à porta.
- Eu te mando mensagem para acertarmos os detalhes.
- Detalhes?
- Sobre você ir me visitar. - Ele abriu um sorriso lindo, que mostrava todos os dentes perfeitamente enfileirados.
Merda merda merda, era realmente sério. Eu não imaginava que ele ainda tinha meu número.
Eu fui fisicamente incapaz de voltar atrás. Parecia que tinha ido longe demais para isso. Eu só tinha uma opção.
- Ok. - Eu sorri também, concordando.
Meu Deus, onde é que eu estava me metendo?
34. But I’m standing here with you, just trying to be honest
Em Londres, H e eu fomos encontrar Harry Lambert, seu personal stylist, em uma loja da Gucci no centro. Ele estava com o terno que Harry usaria no casamento.
- Ei, ! Quanto tempo! - Lambert me cumprimentou com um abraço e dois beijinhos.
- Não é? Você nunca mais foi para LA.
- Eu vou aonde Sue vai. Ele não tem tido muitos compromissos profissionais em Los Angeles.
Sue era o apelido que Lambert, Harris Reed e Harry usavam entre eles.
- Estou apenas passando férias em LA. - Harry se justificou.
- Um ano e meio de férias. - Lambert retrucou, brincalhão.
- Ele tem que aproveitar, em breve deve sair em turnê de novo. - Eu o defendi.
- Por falar em férias, como foi no Brasil?
- Ótimo, obrigada por perguntar. Ele deu muito trabalho enquanto eu estava fora? - Brinquei, fingindo olhar de lado e disfarçadamente para Harry.
E eles trocaram um olhar autoexplicativo.
- Você nem imagina. - Lambert respondeu, risonho.
Eu ri também, deixando H claramente desconcertado.
Lambert entregou algumas peças nas mãos de Harry sem prestar muita atenção nele, empolgado na conversa comigo.
- Vamos! O que está esperando? Vá se trocar. - Ele enxotou Harry para o provador.
Harry mostrou o dedo do meio e saiu, rindo.
Quando ele estava fora de vista, eu foquei minha atenção em Lambert novamente.
- Foi realmente tão ruim assim? - Eu perguntei, uma nota de preocupação na voz.
- Ele ficou bem decepcionado com ele mesmo, sabe?!
Eu acenei com a cabeça, esperando que ele continuasse.
- Ele brigou com Jeff e com metade da gravadora. - Lambert dizia baixinho. - Até falou sobre adiar o álbum. - Eu arregalei os olhos. - Ele não foi fazer as fotos no dia marcado, tiveram que remarcar com todo mundo, a equipe toda tinha voado para Londres pra isso, meu assistente e eu também.
- Meu Deus! - Eu murmurei, chocada. - E eu ouvi que o fotógrafo é super requisitado, não é?
- Molly quase o matou quando descobriu que ele perdeu o voo, porque foi ela quem acomodou o horário de acordo com o que Sue tinha pedido porque ele exigiu explicitamente que deveria ser no final de maio porque estaria viajando com você.
- De perder voos Harry entende, então. - Eu critiquei e Lambert soltou uma risadinha.
- Ele estava insuportável. - Lambert falou pausadamente, jogando a cabeça para trás. - E isso deixou todo mundo confuso porque ele é simplesmente a celebridade mais fácil de lidar na face da terra; ele está sempre adiantado, aceita sugestões e todas as minhas loucuras e é sempre alto-astral. E, de repente, discute com todo mundo, falta a um compromisso importante e... ugh!
Enquanto ele falava, eu balançava a cabeça para dos lados. Todas aquelas atitudes de Harry pareciam mesmo muito fora da sua personalidade habitual, era até difícil de o imaginar daquela forma, tão absurdo que soava.
- Tommy precisou ir até a casa dele uma vez porque ele sumiu por dois dias.
- Aqui em Londres?
- Uhum. - Confirmou. - Foi depois que ele já tinha feito o ensaio fotográfico, pelo menos. Mas Jeff ficou em LA e mandou Tommy o acompanhar por causa da briga.
- Mas o que aconteceu, afinal? Por que eles brigaram?
Lambert abriu a boca em uma arfada e pegou minha mão, pronto para edificar minha vida com a fofoca.
- Eu só sei o que Molly me contou, porque Sue não tocou no assunto comigo. Ao que parece, Jeff disse algo que ele não gostou, ficou ofendido.
- Que o Jeff não deixou que ele furasse um compromisso profissional, não é? Harry queria quebrar o contrato e tal.
- É isso o que Sue te contou? - Lambert baforou, desacreditado.
Eu confirmei com a cabeça.
- Jeff não estava feliz desde o começo com essa história de Sue indo para o Brasil sozinho, sem ele, sem seguranças, sem ninguém.
- Eu acho que o Harry é bem grandinho para ir aonde quiser sozinho. - Eu sorri ironicamente.
- Não é nada pessoal contra você, . Jeff só é muito preocupado com ele. E depois, quando viu como Sue ficou quando você o deixou para trás... - Ele assobiou. - Ele gostou menos ainda da ideia de deixá-lo ir sozinho sem rumo, vai que vocês dois brigassem por lá e ele fizesse algo de errado estando longe.
- Essa briga foi muito mais séria do que Harry fez parecer. - Eu balancei a cabeça, inconformada.
- Como eu disse, Sue não estava agindo como ele mesmo, ele estava totalmente fora de controle.
- É, ele me disse umas coisas nada legais quando eu voltei, totalmente fora do caráter dele.
- Viu? É o que eu estou dizendo. - Lambert suspirou e levou uma das mãos para o meu ombro. - Sue achou que fosse te perder. Nem quando aquela bruaca mal-educada o deixou chupando dedo e o trocou por outro, ele não ficou assim.
- Quem? - Harry apareceu do nada, nos fazendo virar para ele assustados. - Quem trocou quem por outro?
Eu fiquei paralisada, como se a minha capacidade de falar tivesse desaparecido.
- Um personagem da série que estou assistindo. - Lambert sorriu, sendo rápido ao pensar na desculpa.
- O que foi? - Harry me encarou, uma das sobrancelhas arqueada. - Estou feio?
Harry passou as mãos pelo peitoral e depois pelas coxas, num movimento de alisar o tecido. Ele vestia um terno que, olhando de relance, poderia se passar como um clássico preto.
A olhos clínicos era outra história.
O blazer tinha um corte quadrado e um acabamento delicado com um bordado de linha nas bordas. A calça de alfaiataria tinha o corte flare que H tanto gostava. A estrela do look era a blusa branca de renda transparente desabotoada no colarinho, que dava um ar ousado para o combo.
Eu inalei audivelmente.
- Feio? - Eu sorri ao exalar. - Não é a palavra que eu usaria.
- É que não sei se gostei dessa parte da camisa aberta... e com o blazer também aberto. - Ele comentou olhando para Lambert e apontando para si mesmo.
Lambert se aproximou sorrindo, fechou o restante dos botões, ajeitou o colarinho e tirou algo do bolso, prendendo em volta do pescoço de Harry. Em seguida, se afastou.
- Uau! - Eu soltei, intrometida, quando consegui enxergar a gravata de laço.
Harry se virou de frente a um espelho que havia ao nosso lado e pegou nas duas pontas do blazer, ajeitando-o antes de abotoar o único botão.
- Pré-outono 2020. - Lambert pareceu falar para mim, parando atrás de Harry.
- Eu gosto assim. - Harry sorriu e desabotoou o blazer de novo. - Deu certo tanto com o blazer aberto quanto fechado.
- Perfeito! - Lambert bateu uma palma na outra.
- Obrigado. - H, sorrindo de lado, estendeu o punho fechado e Lambert deu um soquinho.
- E você, minha amiga? - Lambert se virou para mim.
- Eu o quê?
- O que vai vestir?
Eu fiquei pálida, sentindo todos os poros do meu corpo se abrirem e espirrarem suor.
- E-e-eu tenho esse vestido que tem uma manga assim... - Eu gaguejei, gesticulando e tentando explicar algo que eu não fazia ideia de como dizer em inglês.
Lambert lançou um olhar de puro horror para Harry, que apenas gargalhou.
- Por que você acha que eu a trouxe comigo? - Harry perguntou, como se tivesse lido a pergunta na cabeça do amigo.
Lambert colocou uma das mãos no peito, suspirando em falso alívio.
- Vem comigo, querida! - Ele me puxou abruptamente para a saída da área.
Eu virei o pescoço, olhando para Harry que ficou para trás.
- Achei que tinha me trazido porque estou, literalmente, hospedada na sua casa, você não queria me deixar sozinha e precisava de opinião sobre a sua roupa! - Eu gritei, ainda sendo arrastada.
- Isso também! - Ele gritou de volta, rindo.
Quando saímos para a loja, Lambert se virou para o primeiro vendedor que apareceu.
- Bonitão, uma fita métrica, por favor!
- Sue, o que você está fazendo?
Era como se eu tivesse feito a campeã das perguntas idiotas que ele já tinha ouvido na vida.
- Tirando suas medidas, é claro!
Com Lambert ainda me puxando, fomos para um canto, onde havia uma arara com vestidos.
- Dá uma olhada e vê o que você gosta. - Gesticulou, apontando primeiro para a arara e depois amplamente para a loja inteira e lugar nenhum específico. - Uma dica: vestidos midi estão super em alta, e podemos colocar um laço no seu cabelo no mesmo tecido da gravata de Sue, assim vocês ficam combinando, discreta e sutilmente, como um par.
- Eu não...
- Eu não ligo! - Ele me cortou.
- Você nem sabe o que eu vou dizer. - Soltei uma risadinha, achando engraçado seu tom dramalhão.
- Vai me dizer que você e H não são um casal, que não estão juntos e blah blah blah. - Abriu e fechou uma mão perto do meu rosto, como se simulasse um fantoche falando. - Eu disse um par, porque vocês vão juntos, não vão?
- Sim, mas...
- Mas nada! - Ele se virou de frente para mim, começando a juntar meus cabelos como se fizesse um rabo de cabelo. - Você gosta de coque baixo?
- Mas, Sue... - Eu abaixei o tom de voz, com medo de ser repreendida novamente. - Essas roupas aqui nunca vão me servir.
Lambert parou estático no mesmo momento e olhou bem diretamente para os meus olhos.
- Não diga isso perto do Sue ou ele é capaz de comprar a loja inteira em peças customizadas para você. - Ele negou com a cabeça, desaprovando meu comentário.
Eu abri e fechei a boca, mas tudo o que saiu foi a vogal “aaaa” em diferentes tons.
- Olha para mim. - Ele pediu. - Os tamanhos dessas roupas são ridiculamente pequenos e elitistas. Não se sinta mal com você mesma por causa disso. - Ele sorriu, amigável. - Eu não sou o padrão dessa loja também e, sinceramente, quase ninguém é. É por isso que você está aqui com Harry Styles, meu amor. Nós vamos tirar suas medidas e, antes do casamento, Alessandro vai me ligar para eu vir buscar suas peças; customizadas e feitas exclusivamente para você! - Piscou. - Ok? Agora escolha!
Nesse momento, o vendedor voltou com a fita métrica e Harry chegou ao mesmo tempo, vestindo as mesmas roupas de quando saímos de casa.
- E então, , gostou de algo? - H perguntou, inconsciente da conversa que eu e Lambert tivemos.
Eu olhei para a arara e passei a mão pelos vestidos.
- Você sabe, não precisa usar um vestido. - Harry disse ao perceber minha incerteza. - Pode ser qualquer outra peça, se você preferir. Uma calça e blazer ficarão lindos em você, pode escolher uma cor diferente, ou sei lá. Qualquer coisa que você quiser, não se preocupe com nada, é por minha conta. Leve mais de uma coisa, se tiver dúvida!
- Não sei ainda o que escolher. - Suspirei.
Harry sorriu e o cantinho lateral de seu lábio subiu, mostrando a covinha esculpida à mão pelos deuses.
- Não tenha pressa, nós temos tempo.
Harry e eu assistiríamos ao show da Fleetwood Mac.
Ele tinha essa tradição de levar bolo de cenoura para Stevie em todos os shows da banda que ele ia. O bolo de cenoura era muito diferente do Brasil, uma vez provei na casa de Elinor e foi uma experiência traumática. Então, eu fiz Harry me dirigir para vários mercados em Londres até que eu encontrasse todos os ingredientes necessários para fazer um verdadeiro bolo de cenoura com calda de chocolate.
Foi um pouco corrido e eu precisei levar o bolo sem desenformar, porque não tínhamos tempo suficiente para esfriar antes e chegaríamos mais cedo para passar um tempo com eles no camarim. O bolo fez mais sucesso do que Harry.
Depois do show, nós fomos encontrar Stevie e algumas amigas que ela convidou para jantar em um restaurante indiano perto da casa de Harry.
- Esse foi um dos melhores shows que eu fui na minha vida. - Eu disse quando saímos da arena.
Harry parou no meio do estacionamento, colocou a mão sobre o coração e torceu a boca, numa expressão de completa ofensa.
- Você não está me dizendo, na minha frente, que esse foi o melhor show da sua vida?! - Ele dramatizou.
- Para com isso. - Eu ri e dei um tapa em seu ombro. - Eu disse um dos. Não o melhor.
- Porque eu sou o melhor show que você já foi na sua vida, não é?
- Uhhhh. - Torci a boca, fingindo dúvida.
- ! - Me repreendeu imediatamente e eu ri mais um pouco.
- Tá bom, tá bom! Harry Styles, você performou o melhor show que eu já fui na vida. - Cedi.
- Obrigado! - Ele sorriu falsamente e voltou a caminhar, serelepe.
- Você é insuportável! - Acusei, gargalhando.
Depois de termos tomado algumas garrafas de vinho no jantar, Stevie perguntou se ela e suas três amigas poderiam ir até a casa de Harry para escutar o álbum. Ele disse que sim, é claro. Isso tinha sido próximo das onze da noite. Meu sono ainda estava desregulado por causa do fuso horário e, além de disso, meu estômago tinha começado a embrulhar; eu não sabia se estava pronta para ouvir o que quer que Harry tinha escrito sobre mim, especialmente ouvir pela primeira vez na frente de outras pessoas.
A distância entre o restaurante e a casa de Harry era curta, ele dirigiu porque eu estava muito sonolenta depois da bebedeira, e nós viemos jogando conversa fora. Eu escorei a cabeça no seu ombro e fiquei o tempo todo de olhos fechados. Parecia que fazia uma vida desde a última vez que tivemos um momento assim, em que éramos os antigos nós sem pensar em tudo o que aconteceu. Eu não estava pensando, pelo menos. Não de uma forma negativa, quero dizer. Eu estava pensando só como algo pertencente ao passado, não algo que ainda afetava o presente, embora fosse claro que ainda afetava. Ainda era esse gigantesco elefante na sala. Infelizmente.
Harry estava claramente nervoso quando conectou o celular no som ambiente da casa. Eu notei suas mãos levemente trêmulas, como quando ele precisava se apresentar em algum evento importante e tinha medo de errar uma nota. Fazia total sentido que ele estivesse assim, afinal, ele estava prestes a tocar seu álbum recém finalizado para Stevie Nicks e sua gangue de bruxas. Não falo isso de forma pejorativa, é só que elas passavam toda uma energia mística com as roupas escuras e cheias de camadas, saias flutuantes e botas de cano alto.
Parecia que estávamos em uma sala de aula e Harry era o professor. Eu estava sentada numa poltrona e as meninas em um dos sofás, todas escutando o que Harry dizia sobre o álbum.
- , você pode me ajudar a trazer taças? - Ele perguntou ao terminar o breve discurso.
Eu me levantei ao mesmo tempo em que murmurava uma concordância, mas parei na porta de uma vez.
- O-onde... taças... eu esqueci?
Eu só tinha vindo até a casa de Harry em Londres uma vez e havia seis meses, eu não fazia ideia em qual dos muitos armários eu encontraria as taças.
- Eu vou te mostrar. - Harry jogou o celular em cima da minha poltrona e me acompanhou até a cozinha.
A casa estava quieta, dali não escutávamos a conversa que estava em um tom baixo demais de Stevie e amigas. Harry e eu seguíamos pelo mesmo caminho, preferindo a quietude à conversa.
Eu me apoiei na quina da ilha e deixei Harry passar por mim, ele abriu o armário certo no automático e foi colocando as taças, uma a uma, na minha frente.
- , olha... - Ele buscou o meu rosto ao retirar a última taça, e se posicionou na minha frente. - Eu escrevi uma outra música desde que fomos à Philadelphia.
- O-kay?! - Eu franzi a testa.
- Eu sei que já conversamos, mas eu só não queria te pegar de surpresa. E-eu tinha esse conceito há um tempo, mas nunca tinha compartilhado com ninguém, era só algo que eu pensava e não pensei... – ele riu da contradição – não tinha pensado em escrever sobre isso.
- Nossa, H! Você está me deixando nervosa. O que tem nessa música?
- Não! Não! - Negou veemente. - Não é como se eu estivesse dando nomes ou falando mal de você. - Ele sorriu de lado, uma singela covinha marcou seu rosto.
- Qual é a música?
- Eu acredito que você vai saber quando ouvir.
- Tudo bem.
- Outro dia, o Tom me buscou para jantar, mas eu estava atrasado; quando eu saí do banheiro ele estava tocando essa – Harry mexeu os dedos no ar – melodia no piano tão... Ufff. - Harry soprou e balançou a cabeça, como se estivesse desacreditado. - Parecia que ele estava tocando para o que eu guardava nos meus pensamentos. Eu me sentei com ele e escrevi a letra em dez minutos. De toalha e tudo. - Riu.
Eu estava impressionada, é claro. Essa era uma informação que abalava o meu coração de fã, uma dessas que Harry pensava muito bem antes de compartilhar comigo. Ao mesmo tempo, eu percebia que era uma dica. Músicas tocadas no piano nunca eram felizes e animadas.
- Quando terminamos, Tom disse: “É isso, está pronta. H, será que você pode, por favor, ir vestir calças?”
Harry e eu rimos nos inclinando um para o outro.
- Isso é algo que eu consigo imaginar perfeitamente. - Eu disse. - É muito você deixar os outros desconfortáveis com a sua falta de vontade de simplesmente usar roupas.
- Eu só gosto de ser livre. - Deu uma risadinha. - É, mas... é isso. - Encolheu os ombros. - Eu só queria que você soubesse, para não parecer que falei uma coisa e fiz outra, ou sei lá. - Encolheu os ombros de novo.
- Obrigada por me falar. - Eu busquei pela sua mão, segurando-a. - Eu queria que você soubesse que realmente aprecio sua honestidade.
- Sim, é claro. - Respondeu sem graça. - E eu queria que você soubesse que eu estou disposto a retirar qualquer coisa que possa te incomodar.
Antes de deixar LA, eu tinha assinado um NDA para ouvir esse álbum antes de todo mundo, e eu tinha certeza de que Jeff já tinha garantido nas clausulas que eu não poderia processar Harry por nenhum tipo de dano, tipo por divulgar inconscientemente através das letras informações que me ligassem até ele.
- Eu espero que não haja nada que você precise retirar.
Harry me deu um olhar significativo, pegou duas taças em cada mão e deixou duas para que eu levasse.
Na sala, ele encheu as quatro taças e as distribuiu entre as mulheres. Por último, ele colocou vinho para mim e para ele nas taças que eu ainda segurava.
- Harry! Estamos bem, por favor, toque o álbum. - Stevie o repreendeu após o ouvirmos perguntar mais uma vez se precisávamos de mais alguma coisa antes de começar.
Eu estava sentada na poltrona de antes, personificando o verdadeiro significado de ‘quieta no meu canto’.
Harry suspirou profundamente antes de apertar o ‘play’.
A batida que começou não era exatamente rápida, mas não parecia de uma música triste, pelo menos. Eu estava tão concentrada que tomei um susto quando sua voz ecoou pelo cômodo em um "há!", seguido por vozes harmonizando algo como: “tatanana-tatanana”.
Golden, golden, golden as I open my eyes.
- Wow! Excelente adição de harmonias. - Stevie pontuou, suas amigas balançando as cabeças em concordância. - Guitarra acústica?
- Guitarra acústica. - Harry concordou com um sorriso.
Eu olhei para Harry e ele já estava me observando, sua expressão demonstrava que estava esperando pela minha reação. Eu não disse nada, é claro, e acho que nem saberia o que dizer se precisasse.
A única coisa que eu poderia opinar sobre era o significado das letras, as palavras eram tudo o que eu realmente conseguia entender.
E olha, eu não tinha assinado nada para ser tombada daquela forma. O refrão me atingiu diferente quando identifiquei as exatas palavras que Harry tinha me dito naquela manhã em que nos declaramos. I know that you’re scared because hearts get broken.
De alguma forma, Harry entendeu na hora o que eu estava pensando. Nós nos encarávamos, naquele jeito esquisito em que você tem certeza de que está se comunicando apenas com a troca sutil de expressões.
Ali, diante de todos os meus receios e inseguranças sendo expostos através da voz de Harry, eu me senti vulnerável como nunca. Eu pensei sobre todas as vezes em que imaginei como seria o máximo ter uma música escrita sobre mim. Agora, eu não conseguia me decidir se isso era bom ou ruim. No fundo era legal ter alguém no mundo que me enxergava. Mas eu queria ser vista daquela forma?
Eu estava dividida entre o sentimento de fã e o de “objeto de inspiração", se é que eu poderia me classificar assim. A questão era que estava me sendo oferecido aquele material exclusivo e em primeira mão, mas tinha o fato de que era sobre mim ou, melhor, sobre o que Harry achava de mim.
Era impossível separar essas duas partes e simplesmente curtir o momento como fã. Apesar de saber que muitas matariam para estar no meu lugar - há mais de um ano as pessoas esperavam por uma música nova de Harry Styles e eu estava ali prestes a ouvir o álbum todo -, tudo o que eu conseguia pensar era na minha parte pessoal, na minha parte que era diretamente ligada a Harry.
O pior era que eu queria me explicar, dizer algo, qualquer coisa, mas como eu faria isso na frente de outras pessoas? Isso me fez começar a teorizar que, talvez, Harry tenha feito isso de propósito. Ele sabia que eu ficaria intimidada de dizer o que eu realmente pensava na frente de outras pessoas. Ele sabia que eu não o confrontaria, que eu não faria uma cena.
Eu rolei meu celular de uma mão para a outra, pensando se eu faria mesmo aquilo.
11:34pm: Eu não gosto dessa parte.
Eu escrevi e enviei essa mensagem. Harry conferiu o celular imediatamente quando recebeu a notificação e levantou uma sobrancelha. Discretamente eu o vi digitar e, em seguida, meu celular vibrou.
11:34pm: Qual parte exatamente?
11:34pm: “I know that you’re scared because I'm so open”
11:35pm: “hearts get broken” ou tanto faz.
Eu não tenho medo.
Eu estou sendo realista.
Harry sorriu para a tela e levantou o olhar para mim sem mexer a cabeça. Ele não respondeu nada, o que me deixou um pouquinho irritada.
A música seguinte se chamava California, depois teve Adore You, que eu já tinha ouvido a demo.
No geral, essas duas músicas foram de momentos bons que eu me lembrava. Infelizmente não estávamos no melhor clima para relembrar os bons momentos. Casualmente, eu enviei mensagens falando que gostava de uma letra específica, mas evitei mencionar que me lembrava dos momentos.
Nossa história estava toda ali, sendo cantada através das músicas de Harry Styles, interpretada com a sua bela voz e eternizada para sempre no Fine Line. Mesmo que tudo tenha acabado em chamas, eu sei que nós ardemos do começo ao fim.
Watermelon Sugar foi o nosso começo.
Três meses depois do show, Harry escreveu a primeira música para mim; era o fim do verão, não sabíamos o que estava acontecendo e nem para onde iríamos. Era tão simples, só queríamos passar tempo juntos.
Tanta coisa tínhamos vivido.
Quando tocou Canyon Moon, que eu tinha ouvido Harry gravar no estúdio, Stevie exclamou:
- Oh! Eu acho que essa é a minha preferida!
- A minha também. - Eu concordei, sorrindo.
- Sério? - Surpreso, Harry questionou.
- Uma delas, pelo menos. Eu acho que sim. - Depois, me virei para Stevie e amigas. - Eu já tinha ouvido essa.
- É linda! - Uma das mulheres disse.
- Não é??? - Concordei de novo.
- E a instrumentação... Uffff! - Outra completou.
- Soa bem folk.
- É o D Maior.
- E o tempo?
- Harry?
- Uhhh, 94BPM.
Eu observei, admirada, a conversa. Todos aqueles termos musicais soavam como outra língua para mim.
Na música seguinte, Harry me enviou uma mensagem dizendo que aquela que seria o Lead Single, me deixando claramente de boca aberta por pelo menos as duas próximas músicas.
A maioria das músicas foi assim, eles trocaram comentários pontuais que envolviam melodia, harmonia, instrumentos usados, tom da voz e até mesmo quantas guitarras foram usadas em uma das músicas. Enquanto eu... bem, eu ouvia e tentava manter minha boca fechada enquanto ligava as letras com os momentos vividos com Harry.
Quando as músicas não eram tão obviamente sobre mim ou sobre momentos tristes, eu surtava internamente como quando eu ouvia os lançamentos de músicas que eu gostava com meus amigos.
Era estranho pensar na minha eu de pouco mais de um ano atrás, que jamais imaginou que isso aconteceria. E era mais estranho ainda porque a situação seria totalmente diferente se ele não estivesse ali na minha frente.
O álbum seguiu com Boyfriends, 30.000 miles e Half The World Away, uma atrás da outra e foram mais do que o suficiente para me abalar.
Como eu poderia opinar sobre o que achei das músicas, se eu tinha vivido tudo aquilo? Eu vivi, estava tudo na minha memória tanto quanto estavam naquelas letras. Eu estava envolvida demais. Até o pescoço, como diriam. Havia muito sobre mim naquelas músicas.
As três músicas, de forma diferente, mas ainda interligadas, eram claras ao transmitir os sentimentos de Harry no período em que eu estive no Brasil. As duas últimas principalmente, que tinham como tema principal a “distância". Comunicavam coisas como: ele se sentia como se fosse morrer porque a pessoa de seu desejo não estava por perto. E essa pessoa, no caso, sou eu. Soa estranho dizer que sou eu. Mas é. Não tem mais ninguém, todos os detalhes nas letras batem com o que passamos.
Uma das músicas mencionava “uma história que você ouviu” e que agora me impedia de dizer que o amava. Ele também admitia várias vezes que conseguia ver que tudo isso nos fez nos perder e que nada mais seria como antes.
Por mais que tenha sido minha escolha, não significava que tinha sido uma fácil, não significava que as consequências eram brandas.
Estávamos no aqui e agora, lutando como nunca para permanecermos um na vida do outro, mas a que custo? Qual o preço que eu pagaria para manter Harry na minha vida? Até onde seria suficiente para ele? O quão longe ele estava disposto a ir se isso era o mais longe que chegaríamos?
Harry me encarou o tempo todo enquanto eu encarava meus pés. Era simplesmente muito intimidador o ouvir cantando todas aquelas coisas. Eu tinha feito que ele se sentisse assim. Eu também sentia o mesmo, mas jamais conseguiria colocar em palavras tão certeiras.
Eu estava nervosa, mas conseguia sentir que Harry estava muito mais.
Era angustiante vê-lo daquela forma, eu não sabia mais quanto tempo eu conseguiria segurar tudo.
Um dedilhar tranquilo no violão começou a tocar e eu apurei os ouvidos. Stevie e sua gangue tinham as cabeças abaixadas e as mexiam de acordo com o ritmo.
Don’t you call him baby
We’re not talking lately
Meu celular vibrou. Eu franzi a testa antes de ler: “Desculpe, você não vai gostar dessa.” Eu o encarei e chacoalhei a cabeça. Ele digitou de novo: “Eu escrevi para a Sophie”.
Bem, isso estava prestes a se tornar muito esquisito.
Don’t you call him what you used to call me
- Eu não acredito! - Soltei em voz alta e cinco cabeças se viraram para mim.
- O quê?
- Você escreveu essa música linda para ela? - Eu encarava Harry tão focada que o restante das pessoas da sala não aparecia nem na minha visão periférica.
Harry tinha os olhos arregalados, parecia com medo do que eu falaria.
Ele precisava tanto assim da minha aprovação?
- Para quem?
- Não olhem para mim. Ele quem escreveu. - Apontei um dedo para Harry, meus lábios formando uma linha fina para me impedir de cair na gargalhada.
Eu não estava remotamente brava. Acho que era só engraçado. E estranho. Era também um triste que ela o tivesse feito se sentir daquela forma; descartável, substituível, insuficiente.
- Valeu, . Ótimo. Obrigado mesmo.
- À sua disposição. - Fiz uma reverência desajeitada.
- Será que você pode parar, Stevie? - Harry reclamou.
- O quê? Eu nem disse nada. - Ela se defendeu, ofendida.
- E nem precisa! Eu conheço esse seu olhar. - Harry rebateu e ela gargalhou.
- Estou esperando pela história.
- Não há história!
- Ah, tem sim. - Eu disse, intrometida.
- Eu não vou fazer isso. - Harry rodou os anéis nos dedos.
- É sobre aquela... mulher que ele tinha... um rolo? - Tentei explicar.
- Quem? Quando?
- Anos atrás. 2016, 2017? Acabou de vez ano passado.
- A loira? - Stevie indagou com o nariz franzido.
- ISSO! - Quase gritei porque ela realmente sabia de quem estávamos falando.
- Obrigado mesmo, . Você é uma excelente amiga. Sério. Quem precisa de inimigo?
- Qual é! Essa sua versão é a minha preferida!
- Que versão? Patético e com ciúmes de alguém que eu nunca tive nada?
Eu apenas acenei com a cabeça e ele me mostrou o dedo do meio. Eu gargalhei.
- Eu a encontrei uma vez no camarim de algum show do Harry. Uma garota um tanto quanto desagradável. - Stevie contou, enquanto me encarava, como se quisesse me dizer alguma coisa silenciosa.
- Eu também. Em Londres.
- Ela mudou! Me pediu desculpas e tudo. Parecia arrependida. - Harry a defendeu.
Stevie soltou algo parecido com uma bufada.
- Eu estou nesse meio desde antes de você nascer, Harry, eu reconheço uma pessoa interesseira quando eu vejo uma. Se ela tentou se aproximar de você de novo, alguma coisa ela queria.
Eu encarei Harry com uma sobrancelha arqueada, como se dissesse: “Está vendo? Você não acredita quando eu falo!”
- Podemos encerrar o assunto e nos concentrar no álbum, por favor? - A voz de Harry saiu abafada pois o rosto estava escondido nas mãos.
Nós ficamos imediatamente calados. Eu estava me sentindo bem mais tranquila depois daquilo, acreditava que todas as “minhas” músicas já tinham acabado e que o resto do álbum seria para o Sophie. Ele tinha escrito pelo menos três músicas sobre o que aconteceu recentemente conosco e mais de cinco desde que nos conhecemos. Era o bastante. Eu estava disposta a relaxar e me divertir com as letras.
Preciso dizer que eu não poderia estar mais remotamente enganada?
Eu tinha me esquecido completamente do que Harry tinha me dito na cozinha.
Eu não associei a melodia no piano que começou a tocar como sendo aquela que Harry escrevera de toalha com Tom até que a letra me atingiu em cheio. Muito mais forte do que se eu tivesse levado um tapa.
I'm in my bed
And you're not here
And there's no one to blame
But the drink in my wandering hands
Forget what I said
It's not what I meant
Tudo fez o mais perfeito sentido logo no primeiro verso. Todas as madrugadas em que Harry me ligara bêbado, e depois aquelas coisas horríveis que ele disse sobre mim quando brigamos.
And I can't take it back
I can't unpack the baggage you left
As suas palavras ressoavam na minha cabeça como um sino irritante: “Você é uma hipócrita, . E você só se importa com o que você acredita". Eu consigo ver como ele estaria arrependido de ter me dito coisas assim. Logo para mim.
Era bom pensar que ele não acreditava no que tinha me dito, porque doeu. Doeu mais do que qualquer outra coisa que ele me disse ou poderia ter dito. Doeu mais do que ser chamada de vagabunda, de imprestável, de vazia e sem graça. Doeu muito. Harry era tudo para mim. Só existia ele. Eu só me importava com ele. Como ele poderia pensar qualquer coisa diferente disso?
What am I now?
What if I'm someone I don't want around?
I'm fallin' again
Um bolo de choro ficou preso na minha garganta. Aquela música mexeu muito comigo. Eu não poderia encarar Harry, não enquanto o aparelho de som reproduzia sua voz no tom mais machucado que eu já tinha ouvido. E saber que ele tinha se sentido assim em algum momento, ou ainda se sentia, por minha culpa.
Aquela era, sem dúvidas, a pior música de todas até então.
What if I'm down?
What if I'm out?
What if I'm someone you won't talk about?
Eu tentei imaginar como eu me sentiria se alguém me ressentisse tanto ao ponto de nunca mais tocar no meu nome. E pensar que Harry considerou que eu o ressentisse tanto assim foi um choque.
You said you cared
And you missed me, too
And I'm well aware
I write too many songs about you
And the coffee's out
At the Beachwood Cafe
nd it kills me 'cause I know
We've run out of things we can say
Meus olhos estavam dolorosamente inundados. Quantas vezes nós fomos reféns do silêncio porque nada parecia bom o bastante para dizermos?! Tudo nessa música parecia errado, mas nunca foram ditas tamanhas verdades.
And I get the feeling that you’ll never need me again
Estava insustentável ficar ali. Eu comecei a respirar com força, parecia que eu estava selada num cofre cujo a entrada de ar fora cortada. Ao mesmo tempo eu também tinha levado um soco na boca do estômago, de tão embrulhado que estava.
Eu só conseguia pensar em que horrível seria achar que eu fiz um mal tão irreversível assim a alguém. E Harry achava que tinha feito isso comigo.
- Eu vou pegar mais vinho. - Manejei dizer com o único fio de voz que ainda tinha.
Eu deixei o cômodo muito depressa, ao mesmo tempo em que o refrão tocava mais uma vez. Eu prendia a respiração, pois eu sabia que o menor movimento despencaria as lágrimas que eu segurava.
Na cozinha, eu segurei na bancada com toda a força que eu tinha. Eu precisava daquela força para me manter em pé.
What am I now?
What am I now?
What if you're someone I just want around?
A mesma bancada que guardava nossas memórias. Eu só notei naquele momento que ainda não tinha tocado Sunflower. Talvez ele a tivesse descartado. A possibilidade me fez desabar de vez. Eu gostava daquela música.
- ? - A voz de Harry tão próxima me assustou. Como sempre.
Só que dessa vez seu susto, mesmo que desproposital, não teve graça. Ele não ria, eu não ria, nada ali era engraçado.
- Tem uma garrafa de vinho cheia na sala.
- Eu sei. - Eu respondi ainda sem me virar.
- Você não gostou daquele? Podemos pegar outro. - Ele respondeu, mas também não se moveu. - O que foi? Aconteceu alguma coisa?
- Não. - Eu segurei a respiração antes de endireitar o corpo, que antes estava quase que completamente debruçado sobre a bancada.
- Olha só para você, mal consegue me encarar!
Eu passei as costas da mão no rosto e me virei de frente para ele.
- O que aconteceu? - Ele repetiu.
Eu encarava algum ponto na altura de seus braços.
- Nada. - Se eu tivesse que falar mais do que duas sílabas eu choraria de novo.
- , não mente para mim!
Eu abaixei mais o olhar, com medo de que meus reflexos me traíssem.
- Não depois dessa merda toda que aconteceu! Não aprendemos nada? - Seu tom abaixou alguns decibéis, a voz ficando mais grave.
Então, eu o encarei. Os meus olhos como duas piscinas cristalinas.
Tudo em seguida aconteceu muito rápido, eu apenas senti o baque do corpo de Harry contra o meu e os seus braços me envolvendo em um abraço firme, seguro e acolhedor.
- Ei! Tá tudo bem, ! - Uma de suas mãos pressionou a minha cabeça contra seu ombro.
Eu solucei, incapaz de controlar todas as emoções que sentia somadas à reação de Harry, que era a última que eu esperava.
- Nada tá bem, H.
- Baby, você sabe que pode me dizer o que foi. Me fala o que está acontecendo e nós vamos resolver.
Eu mal me mexi, incapaz de parar de chorar.
- É por causa de Cherry? Oh, ! Eu a escrevi muito antes de te conhecer!
Eu solucei mais, sem conseguir responder.
- Vo-você estava brincando e implicando comigo... - A voz de Harry agora parecia realmente preocupada, como se ele estivesse sendo tomado pela culpa. - E-eu achei- achei que você não se importaria de ouvir as músicas que escrevi para ela.
Eu balancei a cabeça, segurando-o firme perto de mim.
- O quê? Você se importa?
Eu me afastei apenas o suficiente para o encarar.
- É assim que você está chamando essa música? - Fiz uma careta. - “Cherry”?
- É... - Harry replicou um tanto sem graça. - Você não gostou?
Harry secou o meu rosto com os polegares e eu soltei uma risada.
- Você é muito previsível. - Nossos rostos estavam muito próximos enquanto ele ainda me segurava firme. - Gado. - Eu soprei a palavra contra seu rosto, ciente de que meu hálito provavelmente cheirava a vinho.
- Vai começar a me chamar disso de novo? - Harry bufou em falsa irritação, revirando os olhos.
- Eu já te falei que...
- ...essa mania é sua. É, eu sei. - Seu polegar direito fez um carinho leve no meu rosto. - Mas tem como não me inspirar em você?
Seus olhos cravados nos meus, tão verdes e cristalinos como nada que eu achava bonito o suficiente para comparar.
Eu suspirei, arrebatada. E incerta se ele falava apenas sobre as minhas manias e gestos viciosos.
Havia um laço que nos sustentava ali; eu não era capaz de me mover. Era como se me causasse amnésia também. De repente, eu parecia forte novamente, forte o bastante para arriscar tudo apenas para sentir seus lábios mais uma vez, mas não pela última vez. Eu queria de novo e de novo.
- Tem como ver esse brilho nos seus olhos e não querer que eu seja quem faz eles brilharem assim?
Eu sorri. Sem saber bem como corresponder.
- Tem como ver esse seu sorriso tão lindo e não sorrir junto? Tem como ver a sua bondade, gentileza e carinho e não me inspirar? É impossível não querer ser o mesmo para você. É impossível não me inspirar para estar à sua altura, para merecer o seu amor, seu afeto, seu cuidado.
- Harry... - Eu disse, mas a minha voz não saiu.
Ele conseguia ler os sons que os meus lábios não pronunciavam. Estávamos perigosamente perto um do outro. Eu também sentia seu hálito de vinho quando ele falava.
- Me diz, ... Me diz como eu faço para suportar ver você assim? Meu coração se quebra cada vez que eu te vejo chorar. E é pior ainda te fazer chorar; eu desmorono completamente.
Harry levou uma das mãos até sua própria testa, esfregando em um movimento circular de quem tenta espantar uma enxaqueca.
- Eu sou egoísta. Eu sei, você sabe, droga, o mundo sabe! - Ele riu amargurado. - Eu sei que eu sou egoísta, porque me diz se tem como não querer que você seja alguém que fique perto de mim, mesmo quando nem eu me quero por perto?
Eu pressionei meus lábios juntos com força, meu nariz ardeu e eu pisquei para espantar novas lágrimas.
- Eu também sei que eu disse coisas que não poderiam estar mais longe de ser a verdade porque eu sabia que te machucariam. E que tipo de filho da puta faz isso? Eu nem me reconheço mais e eu consigo me ver me transformando em alguém que eu não quero ser. Eu não quero te decepcionar, embora eu suspeite já ter feito isso. Eu não sei como eu poderia estar mais errado, mas eu não quero me afastar de você. Eu não quero deixar de te amar e não quero que você me esqueça.
Sem pensar, eu o beijei. Seus lábios estavam salgados com o gosto das minhas lágrimas.
Porque Falling contou o nosso fim.
No meio de toda aquela confusão... Ouvir o álbum novo de Harry, conhecer Stevie Nicks, casamento Mitch e Sarah e entre uma briga e outra; Harry e eu entramos em uma trégua e fomos para uma aula de cerâmica que ele queria fazer.
Ainda estávamos em Londres e tínhamos batido um recorde de seis horas sem brigar. Era assim: nós estávamos conversando e do nada o assunto entrava em nós dois, discutíamos porque eu insistia em dizer que deveríamos ser só amigos e Harry não aceitava. Exceto pelo beijo que demos durante a Listening Party, nós não tivemos mais recaídas.
Então fomos fazer cerâmicas. Diziam que era terapêutico.
Nós sempre conseguíamos nos aproximar da nossa versão original quando fazíamos algo juntos. Era um alívio ignorar todos os ressentimentos e passar um tempo de qualidade.
Eu temia que, com isso, eu acabaria cedendo mais uma vez. Quanto melhor ficávamos, mais fácil era para mim ignorar tudo o que estava acontecendo e fingir que éramos nossas versões de antes da viagem ao Brasil. Era muito fácil mesmo. E eu podia sentir que em algum momento alguma coisa aconteceria. E eu já me arrependia previamente.
Estávamos voltando da aula de cerâmica e chovia um pouco. Eu dirigia devagar e diminuí mais ainda na curva que a rua fazia bem antes da casa de Harry.
- Você pode parar aqui?
Harry falou do nada e, no susto, eu joguei o carro para o canto e parei imediatamente.
- O que foi? - Eu o encarei de olhos arregalados.
- Você pode esperar aqui um momento, por favor?
Eu franzi a testa, porque Harry já estava abrindo a porta do carro quando perguntou e saiu antes que eu pudesse responder.
Ele atravessou para o outro lado da rua, se aproximando do ponto de ônibus onde havia um homem dormindo no banco.
Eu me senti muito mal porque não tinha percebido.
Eu observei os olhos do homem se iluminarem quando Harry atraiu sua atenção. Ele não parecia exatamente um morador de rua, mas mais como um nômade, tinha cabelos longos e malcuidados, além de várias camadas de roupas, que pareciam, apesar de tudo, limpas. A interação durou menos de dois minutos.
- Eu já vi esse homem aqui antes. - Harry disse ao voltar. - Você poderia dar a volta?
Eu manobrei o carro e dirigi por onde viemos.
- Aonde vamos?
- Tem uma padaria em direção ao centro. Dez minutos daqui. Eu só quero comprar algo para que ele possa comer.
- Eu não o tinha visto antes.
- Ele não estava aqui quando saímos.
Eu suspirei aliviada.
- Achei que estava ficando doida. - Brinquei e Harry soltou uma risadinha.
- Eu o vi perambulando pela área algumas vezes. A última quando voei da Philadelphia para cá. Sabe, quando você não quis vir.
Eu revirei os olhos.
- Você não precisava de mim aqui. Assim como eu não precisava vir para Londres só para ouvir o álbum.
- Você ia me deixar o tocar para Stevie & Cia sozinho? - Eu encolhi os ombros. - Eu precisava da sua ajuda!
- Não é como se eu entendesse de música.
- E o apoio moral, ? Vira na próxima esquina.
Eu o fiz.
- Bem, estou aqui, não estou?
Eu conseguia sentir outra briga vindo, era melhor mudar de assunto antes que fosse tarde.
- Para onde agora?
Harry guiou o caminho e nós não falamos mais sobre aquilo.
Ele comprou sanduíches e uma caixa de cupcakes veganos e eu dirigi de volta, parando no mesmo lugar, logo depois da curva.
- Ele não quis dinheiro. - Harry contou ao voltar para o carro. - Eu ofereci para pagar um quarto de hotel para ele passar a noite.
- Vai ver ele tem onde morar, e só não quer ir para casa.
Eu literalmente arranquei e já tive que parar de novo, esperando o portão da garagem se abrir. Do ponto de ônibus, o homem estranho conseguia nos ver, mas não o víamos.
- Talvez. Ele parecia meio aéreo mesmo, como se estivesse drogado.
Era no mínimo estranho que houvesse alguém dormindo nas ruas do Hampstead Heath, o bairro era afastado do centro de Londres e se tornou uma área nobre, onde moravam pessoas como... bem, Harry Styles. Celebridades. O máximo de movimentação na extensa rua, majoritariamente residencial, era o histórico pub The Spaniards Inn. E, digamos, não era o mais badalado.
Eu estacionei em frente ao jardim e pulamos para fora do carro. Nossas roupas estavam cobertas de argila da aula de cerâmica e necessitávamos desesperadamente de um banho. Pelo menos eu. Quem diria que se poderia suar tanto só tentando moldar argila na roda de oleiro. Eu poderia até postar um story no instagram dizendo que o treino de braço estava “pago”.
- Você se divertiu hoje? - Harry perguntou ao entrarmos.
- Sim, foi bem legal. E você?
- Eu me diverti. Obrigado por ir comigo.
- Obrigada por me convidar!
Trocamos um sorriso cúmplice que se transformou numa encarada desconfortável.
- Podemos ir ao museu de arte amanhã. - Harry sugeriu depois de um pigarro.
- Só se isso incluir a seção com pinturas do século XIX.
Harry franziu a testa.
- Uma garota que conhece suas artes, então. - Um sorriso cretino desenhava seus lábios.
- Cala a boca. - Eu revirei os olhos.
- Eu só ‘tô dizendo que isso foi bem específico.
- Eu gosto de Monet, tá legal?
- Francês, não é?
Dessa vez eu que franzi a testa.
- Dá licença? Você conhece e tá tentando tirar sarro de mim? - Ele encolheu os ombros.
- Pinturas do século XIX ficam no terceiro andar.
- Cala a boca! - Eu repeti, dessa vez descrente que ele sabia até a localização das pinturas no museu.
Ele apenas sorriu.
- Fome?
Eu torci os lábios e balancei a cabeça.
- Eu comeria.
- O que você quer comer?
Eu pensei por um instante.
- Aquele seu purê de batatas com molho veggie! Muito alho, cebola, cenouras e brócolis?! E também... como é aquele negocinho verde em bolinhas? - Eu descrevi, de repente esquecendo do nome em inglês.
- Ervilhas? - Harry adivinhou. Ele tinha outro sorriso cretino lateral.
- ISSO! - Eu rebati entusiasmada enquanto apontava para ele. - Obrigada! Ervilhas! - Repeti.
- Ao seu dispor! - Ele fez uma meia reverência, brincalhão. Sua covinha esquerda em destaque enquanto ele ainda sorria. - Eu posso começar assim que sair do banho, – olhou as horas no celular – esse jantar antes da hora? Almoço atrasado?
- Os dois. - Eu sorri. - Eu vou para o banho quando você sair.
- Você me ajuda?
- A tomar banho? - Eu arqueei uma sobrancelha, a risadinha presa.
- Assim... se quiser, eu não recuso. - Encolheu os ombros e eu revirei os olhos. - As suas unhas coçando as minhas costas... - Ele tremeu, como quem sente o espasmo involuntário de um arrepio.
- Harry! - Repreendi, antes que ele falasse algo completamente obsceno.
- Mas não, eu quis dizer com o jantar. - Esnobou.
Eu concordei com a cabeça.
- Vou lavar os ingredientes e colocar as batatas para cozinhar.
Harry quase me deu uma chave-de-braço ao subitamente envolver meu pescoço para me dar um beijo na cabeça. Em seguida, se afastou enquanto fazia “joinha” no ar.
Sua ação foi tão automática que ele nem deve ter percebido o que estava fazendo. Era tão comum para ele esse tipo de contato físico constante que eu acho que por um momento ele se esqueceu que não fazíamos mais isso desde que voltei.
Eu fechei os olhos por um segundo, regulando a minha respiração antes de ir na direção contrária.
Eu não sei o que aconteceu.
Aliás, eu sei. Harry e eu dormimos juntos. De novo. Eu estava me sentindo extremamente vulnerável depois da Listening Party. Eu não sabia o que pensar ou o que fazer.
Foi minha última noite em Londres e agora já estava claro o bastante para que eu enxergasse a estrutura das casas através da janela. Harry ainda estava dormindo e eu fumava escondido um cigarro que eu tinha esquecido dentro do estojo de um dos meus óculos escuros.
Eu soprava a fumaça por uma frestinha que eu tinha aberto enquanto contemplava distraída o céu azul com algumas nuvens, parecia que seria um dia bonito e sem chuvas. Era verão, pelo amor de Deus! Os Londrinos mereciam um pouco de paz, talvez um piquenique no parque se a grama não estivesse molhada ainda, os cachorros correndo e pulando atrás de brinquedos. Era o que eu faria se morasse ali, um lugar que chove na maior parte do ano, e era tudo o que eu não teria ao lado de Harry.
Não que isso fosse uma questão agora, não estávamos mais juntos.
E não voltaríamos.
- O que você está fazendo?
Eu soltei uma arfada de susto seguida de um gemido depois de bater o topo da cabeça no vidro. Eu me virei rápido e segurei o cigarro nas costas, a mão esquerda esfregava onde estava dolorido.
- Me desculpe, eu não quis te assustar. - Harry tinha os olhos cerrados e falava bem baixinho. - Mas preciso dizer que esse é um ótimo jeito de acordar. Achei que ainda estava sonhando.
Ainda?
- Um sonho bem molhado. - Ele sorriu, colocando as duas mãos embaixo da cabeça.
Só então me dei conta de que estava completamente nua, e se antes ele só tinha visto a minha bunda, agora ele tinha o frontal completo.
- Engraçadinho. - Eu torci o nariz e relaxei os braços, ligando o botão de “foda-se” para o que ele acharia do meu cigarro.
No entanto, Harry não disse nada.
Eu me virei para a janela de novo, dando um longo trago no cigarro, enquanto empurrava o vidro para abrir mais a janela, cujo corrimão fez um barulho estridente que provavelmente o teria acordado se eu tivesse tentado antes.
Eu fumei o resto do cigarro em silêncio, certa de que Harry me observava ao passo que sentia seus olhos queimando minhas costas. Eu deixei o toco do cigarro no ferro da janela e a fechei de novo.
- Eu sou completamente obcecado por você. - Harry disse quando atravessei o quarto.
- Bem, bom dia para você também. - Eu parei em pé ao lado da cama.
- Bom dia, maravilhosa. - Piscou lentamente, como se ainda estivesse meio adormecido. - Onde estão os meus modos? Me desculpe, foi o vinho que tomei ontem. - Completou galanteador.
- Misturado com ginger ale. - Fiz uma careta. - Isso deve dar uma caganeira.
Harry gargalhou.
- Eu me sinto bem. - Considerou.
- Ainda.
Ele esticou a mão e alcançou um dos lados do meu quadril.
- Vem aqui. - Apertou o toque, mas não me puxou.
Eu me inclinei e o abracei desajeitadamente. Eu queria desesperadamente me deitar ao seu lado, mas sabia que não deveria.
- Patético. - Ele reclamou quando não fiz o que ele esperava.
- O que você queria que eu fizesse?
- Eu sei lá, . Qualquer coisa menos agir como se não tivéssemos fodido ontem à noite e você não estivesse pelada na minha frente.
- Eu posso ir colocar roupas. - Apontei com o dedão para a porta do banheiro atrás de mim.
Ele colocou a outra mão do outro lado do meu quadril, agora apertando com um pouco de força.
Eu não disse nada, apenas o encarei. Harry também não disse nada.
Suspirei.
- Eu não vou evaporar.
- Eu não sei sobre isso. Às vezes acho que você se tornou uma paranoia minha, como se só existisse na minha cabeça.
- Oi? - Eu franzi a testa, sem entender.
Harry grunhiu, frustrado.
- Eu poderia escrever um outro álbum inteiro sobre você. É enlouquecedor!
- Agora a culpa é minha?
- Eu não disse que... - Ele bufou, desistindo de completar a frase. - Vai lá, diga que o que fizemos foi um erro! Vamos logo com esse ciclo sem fim!
- Eu não ia dizer isso... - Eu cruzei os braços na altura do peito, cobrindo meus seios de um jeito não intencional, mas intencional.
- Mas?!
- Mas não é como se eu estivesse feliz com isso.
- Por quê?
- Porque eu estou chateada com você, Harry! E não conseguir me manter longe de você me deixa chateada comigo mesma!
Harry fechou os olhos com força e esfregou a testa.
- Eu não consigo me manter longe de você também, .
- Esse não é o ponto. Eu não estou dizendo isso para ser fofa.
- E você acha que eu vejo isso como algo bom também? É mais forte do que eu.
- Eu não sei como você vê isso, Harry. - Eu dei de ombros. - Eu só sei que... - Desisti de falar.
- Só sabe o quê? - Harry insistiu. - Que não consegue me perdoar por algo que eu não consigo controlar? Como paparazzi tirando fotos minhas com outras pessoas enquanto eu estava trabalhando?
- Você é um insuportável irritante, sabia disso?
- Sabia. Agora será que podemos ficar bem?
- Eu estou tentando, H. Eu estou tentando.
- O que você precisa? O que falta para você conseguir?
- Não transarmos mais.
Harry bateu uma perna na cama, irritadiço.
- Eu amo você, ! Eu não quero só transar. Eu quero ser seu. Você não quer ser minha?
- Não é só sobre a Kendall, ou o voo perdido, Harry... - Eu rebati com a voz trêmula. - Tudo o que você me disse naquele dia, as coisas que você acha sobre mim...
- Eu desrespeitei você. - Harry afirmou. - E estou pagando por isso todos os dias. Você não acha que é o suficiente?
- Você não deveria estar pagando por nada. Você não foi levado à julgamento.
- Mas fui declarado culpado mesmo assim.
Ouch!
- H, eu só queria que pudéssemos não misturar mais as coisas. Eu te quero na minha vida, mas eu não consigo lidar com isso agora, eu não quero... não quero me afastar de você, mas se não conseguirmos ser amigos e nos respeitar como tal, eu não sei— não vejo outra solução.
- ...
- Eu queria que as coisas fossem simples assim; eu te amo e você me ama e é só ficarmos juntos, mas não é. Eu estou profundamente magoada, Harry, e é por um conjunto de coisas. E não estou dizendo que é sua culpa; apesar de você ter feito coisas, eu também tenho minha parcela de culpa nisso, eu tinha expectativas, eu tinha crenças, eu tinha questões comigo mesma. E como poderíamos seguir em frente com essa ferida? Eu queria muito que o que eu sinto por você fosse suficiente para superar, mas não é!
Harry piscou várias vezes seguidas, seus olhos se enchendo de lágrimas.
- E eu não estou dizendo que nunca mais vamos ficar juntos. Talvez façamos isso de novo. - Eu apontei para ele e depois para mim.
Eu não queria o dar falsas esperanças, mas também não queria quebrar mais seu coração. Só optei por uma resposta um pouco mais gentil, então.
- Mas agora não é o momento. Só isso. E cada vez que fazemos isso eu fico ainda mais confusa. É foda pra caralho.
Harry concordou com a cabeça, compreensivo.
- E eu só preciso que você me ajude nisso. Se não pudermos ficar na presença um do outro como amigos, então não deveríamos nos ver.
- Eu não quero que você vá embora. - Ele respondeu com a voz falhada.
- Eu não vou. Mas você precisa me ajudar.
- Eu consigo fazer isso! Eu consigo.
- Sem mais joguinhos. - Eu pedi.
- Sem mais joguinhos. - Concordou.
- Sem provocações ou piadas de duplo sentido.
Harry entortou os lábios.
- Isso vai ser difícil.
- Harry!
- Ok, ok. Sem provocações de qualquer tipo, incluindo em forma de piadas.
- E sem flertes!
- Hmph! - Ele grunhiu.
Mais difícil ainda, eu sabia disso. E, para Harry, que era o tipo de pessoa que gostava de flertar só pela diversão, ainda mais desafiador.
- Nós deveríamos... tentar seguir em frente.
Harry fez uma careta.
- Eu não quero seguir em frente!
- O que eu estou querendo dizer é: Viva sua vida. O que for para acontecer, vai acontecer.
Harry suspirou longamente.
- Tudo bem.
Eu acenei com a cabeça, selando o pacto.
- Preciso terminar minha mala. - Informei na tentativa de me afastar suavemente.
Catei uma camisa jogada no chão ao lado da cama, eu nem sabia mais se era minha ou dele. Nos pés da cama, a minha calcinha. Vesti ambas com calma, sem intenção de trazer mais atenção para a minha nudez.
- Você realmente precisa ir embora hoje? - Eu acenei que sim. - Fique o resto da semana, já é quinta-feira mesmo. No domingo eu volto para LA com você.
Eu estalei os lábios, me abaixando para dobrar algumas roupas que estavam jogadas em cima da mala.
- Eu gostaria, mas não posso.
Com cuidado, eu fiz um rolinho do vestido que tinha usado no casamento Mitch e Sarah. Era de cetim preto e midi, personalizado Gucci. Ao lado da mala tinha um par de sapatos e uma bolsa, também pretos e da mesma marca.
- Por que, ? Podemos ir para Brighton, o dia está ótimo para ir à praia. Ou até mesmo voltar para Bath se você preferir.
Harry se sentou na cama, espreguiçando-se e olhando ao redor do quarto como se procurasse por algo, talvez uma camiseta.
- Eu- eu...
Minha cabeça deu um nó. Era assim tão difícil simplesmente falar logo o porquê?! Eu ia para San Jose naquele final de semana... encontrar Adam.
Eu tinha que falar alguma coisa, não tinha? As chances de Harry descobrir onde eu estava eram baixas, mas eu não queria mentir.
- Eu estou saindo com alguém.
Ele me encarou inexpressivo. Piscava como se não tivesse me ouvido.
- Como assim?
Suspirei.
- Eu estou vendo outra pessoa.
Eu tinha um certo interesse em Adam, não poderia mentir. E era quase como se eu estivesse pedindo permissão, eu tinha consciência disso, mas eu me sentia menos suja por estar avisando Harry antes de ir.
Não que Adam tivesse demonstrado segundas intenções ou que eu tivesse certeza de que algo a mais aconteceria, mas vínhamos trocando algumas mensagens nas últimas semanas, nos conectando e descobrindo várias coisas em comum.
Harry não reagiu bem à informação. Ele endireitou a postura imediatamente, enrijecendo o corpo.
- Quem? - Perguntou, seu tom de voz possessivo.
- Você não vai querer saber.
- ! Quem?
- É o Adam.
- Quem? - Seu tom dessa vez foi de confusão.
- O filho da Elinor.
- Você está brincando...
- Eu não estou.
- Eu sabia! Eu sabia... aquele dia que ele foi no seu apartamento! Eu sabia que tinha acontecido alguma coisa! - Acusou. - Eu me lembro que ele ficou completamente surpreso ao me ver, como se não esperasse que você estivesse com alguém. Foi por isso que você me rejeitou!
- Te rejeitei... o quê?
Incrédulo, Harry balançava a cabeça em negativa.
- Eu tentei- tentei te beijar naquele dia e você recusou... Eu sabia que era por algo!
- Eu não me lembro disso! - Me defendi agressivamente.
- Mas eu me lembro muito bem.
- H...
- Você fodeu com ele?
Eu abri a boca em um “o” perfeito, pasma.
- Me responde, ! Vocês dois...
- Primeiramente, cuidado com esse tom! - Eu exprimi uma bufada. - E segundo, não é da sua conta!
- Não era você quem queria que fôssemos amigos? - Replicou debochado. - Você costumava me contar essas coisas.
- Antes, quando você não demandava uma resposta.
- Eu estava pouco me fodendo para com quem você transava antes. - Harry explicou com desdém, como se me contasse o enredo de um filme, como se fosse claro que, antes, eu não importava.
- Ugh! - Eu estava incrédula. - E por que isso?
- Por quê? Não é óbvio? Porque eu não estava apaixonado por você. - Deu de ombros, indiferente.
- E agora porque está, você acha que tem o direito de agir assim? - Eu me levantei do chão e caminhei até a porta.
- Não. - Harry parou para respirar quando eu fiz menção de o largar sozinho. - Você tem razão. Me desculpe.
- Eu não gosto quando você age assim comigo. Quem é você?
- E-e-eu... - Puxou o ar, gaguejando. - Esse sou eu caindo novamente. - Disse simplesmente e escondeu o rosto nas mãos.
- Ultimamente parece que você é compelido a dizer qualquer coisa só para me atingir, não importam as consequências. Por que você está me atacando assim?
Eu sabia que Harry estava ferido, mas por que ele queria me ferir também?
- Eu não sou assim. Me perdoe, me perdoe. - Ele balançou a cabeça que ainda estava apoiada nas mãos. - Eu não sei o que está acontecendo comigo.
- Eu não sei também, mas se quer um conselho, dê um jeito nisso!
Minha resposta foi suficiente para que ele entendesse que não deveria ir atrás de mim.
Eu estava voltando do trabalho quando o acidente aconteceu.
Eu dançava uma música aleatória que a minha playlist tocava enquanto esperava o sinal vermelho se tornar verde. Por eu estar distraída, não previ nada e o barulho veio primeiro do que a percepção do impacto.
Eu olhei pelo retrovisor assustada, uma caminhonete prata estava colada na minha traseira. Não foi uma batida grave, então puxei o freio de mão e desci.
Eu estava bem, mas Benzinho não tinha saído tão ileso. A colisão, apesar de numa velocidade não considerada alta, mas somada com a diferença entre os dois carros foi suficiente para acabar com a traseira do meu; o porta-malas estava levemente torto, o vidro da lanterna esquerda e o para-choque traseiro – feito de materiais fracos como plástico –, quebrados.
O homem da caminhonete também desceu, de olhos arregalados, para avaliar o estrago que tinha feito. O impacto tinha me arrastado uns bons 50-60 centímetros para frente, enquanto o carro dele parecia intacto.
Eu olhei bem para a cara dele, parecia ter entre 30 e 35 anos, não estava confuso ou machucado; a probabilidade era grande: ele estava distraído no celular.
- Você é idiota?! - Eu gritei, chegando perto dele e apontando para os nossos carros colididos. - Olha o que você fez com o meu carro!
O sinal agora já estava aberto e os carros nos contornavam para passar.
- Leva essa merda para o acostamento! - Eu mandei e dei as costas, voltando para o meu carro.
Com cuidado, manobrei Benzinho e o cara parou atrás de mim. De dentro do meu carro, a portas trancadas, eu liguei para a polícia.
A profissional que lidava todos os dias indiretamente com acidentes de trânsito tomou controle. Felizmente, eu sabia que todos os acidentes precisam ser reportados no ato para que o seguro seja acionado, o que é diferente do Brasil, onde eu provavelmente só teria trocado informações e feito um boletim de ocorrência depois. Eu sempre instruía novos funcionários sobre isso e, viajando tanto quanto eles viajavam, a frequência que eu resolvia algo relacionado a esse tipo de imprevisto era alta.
Era diferente quando era com você mesmo, no entanto. Eu tremia tanto que não sabia mais se era pelo susto ou pela raiva, ou se a raiva era uma consequência do susto.
Quase bati a cabeça no teto quando o homem bateu no meu vidro, chamando minha atenção com base em outro susto. Eu respirei fundo, tentando me acalmar ou eu não mediria minhas palavras. E nunca se sabe com o tipo de doido que estamos lidando; ter o chamado de idiota foi um risco, especialmente num país onde era tão fácil carregar uma arma.
- Eu chamei a polícia. - Foi a primeira coisa que falei quando desci do carro novamente. - Já estão vindo. - Me assegurei, acreditando que aquilo o inibiria se estivesse pensando em fazer algo comigo.
Ele acenou com a cabeça.
- Qual é o seu nome?
- .
- , eu sou George.
“Eu não ligo", eu pensei enquanto me segurava para não revirar os olhos.
- Eu peço desculpas por ter batido no seu carro. Eu assumo a culpa e é claro que pagarei por todos os seus danos.
Eu cerrei os olhos, desconfiada.
Era assim tão fácil quando batiam em você? Ele não ia tentar me comprar oferecendo alguma quantia alta de dinheiro que cobrisse além dos danos só para que eu não envolvesse a polícia? Eu já tinha visto fazerem isso várias vezes aqui na Califórnia.
- Hã? - Eu perguntei debilmente.
- Você está sozinha no carro, certo? Ninguém mais se machucou?
- Ahn... sim. - Eu balancei negativamente a cabeça, confusa, e apertei os olhos.
- Você precisa se sentar? Está se sentindo bem?
- Estou bem. - Confirmei com a cabeça para o lado certo, dessa vez.
Eu ainda estava com medo, mas decidi jogar também.
- E você? Está bem? Me desculpe por ter te chamado de idiota, eu fiquei nervosa.
- Eu estou bem. Acabei de deixar meu filho na casa de um amigo, então estou aliviado que ele não estava no carro.
- O que aconteceu? - Indaguei. - Eu estava parada.
- Eu vacilei. Eu realmente sinto muito.
Eu olhei para o meu celular.
- Licença, meu celular está tocando. É o meu namorado que está preocupado.
Com essa desculpa, eu me afastei, indo para dentro do meu carro esperar a polícia.
Não tinha ninguém me ligando, é claro. Eu só achei que seria ainda mais seguro se George pensasse que mais alguém sabia onde eu estava, caso a polícia demorasse muito mais.
Eu ainda estava assustada e minha mente fervilhando vários pensamentos nocivos do que poderia acontecer comigo. Parecia que estava atingindo o nível da paranoia e eu fiz aquilo que eu sempre fazia inconscientemente: procurar Harry.
5:35pm: Ei, um idiota bateu no meu carro
comigo parada no sinal.
Ele está sozinho no carro.
Só achei que seria mais seguro se
alguém soubesse onde estou.
05:36pm: Bloody hell, ! Você está bem?
05:36pm: Estou bem. Só esperando a polícia chegar.
O cara parece meio estranho, no entanto.
05:37pm: Onde você está?
05:37pm: Na esquina daquela Walgreens perto
da minha casa. Perto da pizzaria
que você adora.
05:40pm: Eu não estou em casa agora.
Mas você precisa de alguma coisa?
05:40pm: Não. Estou bem, H. Só precisava que
alguém soubesse minha localização, assim
fico mais tranquila.
05:41pm: Eu te aviso quando chegar em casa.
05:43pm: Ok. Me ligue se precisar de algo.
A polícia chegou depois de uns trinta minutos, o trânsito naquele horário era pesado e eu entendia a demora, especialmente porque não havia feridos.
O policial pegou o meu depoimento primeiro e, enquanto eu esperava que ele terminasse com George, a Range Rover de Harry – que eu conhecia pela placa – parou na minha frente.
Ele desceu do carro pelo banco do passageiro e caminhou a passos largos até mim.
- , você está bem?
Eu estava encostada no meu carro e Harry me puxou pelas mãos, me desequilibrando para frente e me apanhando em seus braços.
- Estou bem. - Eu respondi, me soltando do abraço.
- Eu vim o mais rápido que pude.
- Eu achei que você não estava em casa. - Eu rebati, confusa.
- Eu estava saindo para um compromisso, estava esperando me buscarem. - Apontou para seu carro. - Pensei que talvez não chegassem na minha casa a tempo para que eu viesse para cá, então ia direto para a sua casa.
Eu acenei com a cabeça, sem ter muito o que responder. Eu não pedi para que ele fosse me encontrar, mas eu estava mais do que grata por ele ter ido.
- Foi aquele cara ali? - Ele perguntou ao apontar com a cabeça e eu murmurei um “uhum”.
Harry me puxou pela mão até a traseira do meu carro e parou, observando o estrago. Ele fez uma careta que me deixou ainda mais chateada.
- Eu sei. Estragou muito. - Suspirei. - Vai demorar eras para que o seguro conserte. - Suspirei de novo.
Eu olhei para Harry com os olhos marejados, acho que agora que ele estava ali, eu estava me permitindo abaixar a guarda. Harry me observou por uns segundos, seus olhos fixos nos meus, lendo o que quer que fosse que eu estivesse transmitindo tão honestamente para ele.
Ao segurar minha mão de novo, ele entrelaçou nossos dedos. Calmamente, ele se aproximou do policial, observando a conversa. Eu fiquei um pouco mais para trás, sem espaço para me incluir na roda sem precisar me afastar de Harry.
O policial estava concentrando escrevendo numa caderneta e demorou alguns segundos para olhar para cima. Como eu esperava, ele arregalou os olhos ao reconhecer Harry.
- Olá. Eu sou o Harry. - Sorriu, simpático.
Antes de estender a mão para cumprimentá-los, Harry trocou a minha mão para a sua esquerda, só para não me soltar. Então, apertou a do policial primeiro e, em seguida, fez o mesmo com George.
- Minha namorada me disse que você vai entrar em contato amanhã mesmo com o seu seguro para o conserto do carro dela. - Direcionou a pergunta para George, mas alternava o olhar entre os dois.
Eu encarei Harry abismada. Eu não tinha dito absolutamente nada.
- Ela precisa do carro para trabalhar, então provavelmente vão providenciar um carro provisório, não é?
Sempre que Harry passava muito tempo seguido nos Estados Unidos, seu sotaque se misturava e ele sempre acabava dizendo algumas palavras com sotaque bem americanizado e outras num limbo entre o britânico e o americano. Mas, naquele momento, seu sotaque não poderia ter saído mais britânico; cada palavra pronunciada perfeitamente, acompanhando seu tom polido e classudo.
- S-sim. - George não esperou que Harry fechasse sua boca para responder. - Eu vou resolver tudo o mais rápido possível.
- Ótimo! Eu tenho certeza de que o policial...
- Wilson, senhor. - O policial respondeu seu sobrenome.
- Tenho certeza de que o policial Wilson tem todos os seus dados, mas você poderia me passar seu telefone para caso precisemos entrar em contato com você?
- É claro, sim. - Concordou com a cabeça.
No mesmo momento, ele disse o número e Harry anotou em seu celular.
- Policial Wilson, o senhor pode me passar seu número de distintivo e estação policial? Para que minha namorada saiba exatamente onde te encontrar, caso precise.
Harry continuava enfatizando “minha namorada”, toda vez que se referia a mim. Eu queria ficar incomodada com o fato de que ele estava me reduzindo a algo similar a uma adjacente de Harry Styles em vez de me tratar pelo meu nome, mas ele parecia saber o que estava fazendo e, convenhamos, eu era uma ninguém. Se ele conseguiria adquirir alguma vantagem para mim com o fator ‘celebridade’, eu estava ok com isso. Só que me incomodava que eu não estava incomodada por estar ok. Era um conflito interno muito bobo e pequeno, eu sabia disso, mas, de alguma forma, refletia naquela relação de poder que eu queria dizimar a existência entre mim e Harry.
O policial passou tudo o que ele pediu na mesma hora.
- Ela já pode ir para casa, policial Wilson? Veja bem, ela está muito assustada com toda essa situação, visto que o senhor George bateu no carro dela quando ela estava parada no sinal.
- Sim, eu acho que já tenho tudo o que preciso da senhorita... – olhou na caderneta – e ela está liberada para ir embora.
Harry apertou a mão dos dois homens novamente e, antes que ele pudesse se virar, o policial o chamou.
- Sim? - Harry o encarou, ainda esbanjando educação e simpatia.
- Minha sobrinha é sua fã, será que o senhor poderia me dar um autógrafo para ela?
Harry abriu um sorriso que quase se transformou numa risada.
- É claro. Qual o nome dela? - Respondeu ao receber nas mãos a caneta e a caderneta que o policial segurava.
- Wendy.
Harry balançou a cabeça e começou a escrever.
De tão acostumado, ele fez isso muito rápido e devolveu a caderneta sem que eu nem conseguisse ler. Harry trocou um último olhar com George, como se estivesse esperando que ele fosse pedir um autógrafo também.
Quando isso não aconteceu, H pegou na minha mão e nós saímos lado a lado, como o casal que fingimos ser.
Fomos até seu carro e paramos em frente à porta do motorista.
- Pode ir embora, Fred. Eu vou com para a sua cas...
- Oi, Fred! Não te vejo há muito tempo! - Eu desviei o olhar rapidamente para Harry enquanto eu falava, franzindo a testa por ele estar dispensando o segurança assim tão rápido sem me dar chance de dizer oi primeiro.
- Oi, . - Ele apertou a mão que eu estendia. - Você está bem?
- Eu estou, foi só um susto. Obrigada por perguntar. - Eu sorri, fingindo indiferença. - Como foi de férias?
- Ótimo. Fui para casa ver a família.
- De onde você é?
- Arizona.
- Que legal! Harry não está te fazendo trabalhar muito para compensar, não é?
- Não. - Ele riu. - Styles é o melhor chefe que já tive. - Eu revirei os olhos, de brincadeira dessa vez.
- Ele é tão legal que chega a ser chato! Ninguém me conta nenhum podre dele. - Eu comentei com uma risadinha, me lembrando de Lambert.
Eu sabia que Harry estava numa fase meio obscura e que ele já se culpava o suficiente, não precisava que ninguém mais apontasse seus erros na sua cara. Achei que um reforço positivo cairia melhor na situação atual, o impulsionaria a voltar a ser seu antigo ele.
- Ele dá trabalho às vezes quando insiste em sair sem ninguém. Ele nos deixa preocupados.
Harry fez uma cara feia, fingindo indignação.
- Bom ver você, . Não suma.
- Você também, Fred.
- Estou sempre aqui. - Piscou e eu sorri.
- Fred, você pode levar meu carro com você; eu cancelei o briefing e não vou precisar de você mais hoje, então pode tirar o resto do dia de folga.
- Tem certeza, chefe?
- Eu prometo que não vou sair de casa, ok? - Harry bufou, brincando. -Vá descansar!
- Obrigado.
- Até mais. - Harry se despediu e eu acenei.
Nos afastamos do carro e ficamos vendo Fred ir embora.
- Me passa sua chave. - Harry pediu.
- Está dentro do carro.
Ele me levou até o lado do passageiro, abriu a porta para mim e só a fechou quando eu estava acomodada e já tinha colocado o cinto.
Ao se sentar ao meu lado, ele perguntou mais uma vez se eu estava bem e se eu queria alguma coisa. Eu disse que sim e não, respectivamente.
- “A minha namorada blah blah blah”... - Eu tentei o imitar, engrossando a voz.
Harry sorriu de lado, imperturbado.
- Achei que dizer “minha amiga” não causaria o mesmo efeito.
- Provavelmente não. - Concordei. - Obrigada por me buscar. - Ele acenou com a cabeça.
- Vou te levar para a minha casa, tudo bem para você? - Ele deu partida e saiu do acostamento.
- Ok. - Concordei.
Assim, ele fez o retorno para pegar a via-expressa. No caminho, passamos por aquela estrada onde ele tinha parado o carro para aquele piquenique que fizemos há meses, no Laurel Canyon. Eu sorri com a lembrança e também me lembrei de outra coisa.
- Você escolheu as músicas para o álbum?
Harry me encarou por meio segundo, seu olhar de confusão se perguntando de onde tinha vindo aquela pergunta.
- Sim, eu escolhi. - Respondeu, por fim.
- Então a opinião de Stevie te ajudou?
- E a sua também.
Dessa vez, eu o encarei com a testa franzida.
- Você disse que Canyon Moon era a sua preferida, então sem possibilidade de eu não a incluir. - Explicou sem que eu precisasse verbalizar a pergunta.
- Eu gosto de Sunflower também. Você não a tocou aquele dia.
- Estávamos finalizando uma nova versão e eu não quis tocar a antiga.
- Entendi. Quais as outras?
- Watermelon Sugar, Adore You, Lights Up, é claro. - Gesticulou. - Falling. - Desviou o olhar da estrada, subindo-o pelos meus pés até a minha cabeça.
Eu engoli em seco e coloquei um dos pés descalço no banco. Eu deixei o salto no chão; meu banco era bege, pelo amor de Deus! Eu não era louca.
Harry mudou de faixa abruptamente e levamos uma buzinada. Eu abaixei a perna com o susto.
- Harry! Cuidado! - Eu gritei, uma das mãos no coração.
Olhamos para o carro que passava ao nosso lado e o motorista tinha o dedo do meio levantado e xingava algo inaudível para nós.
H levantou uma das mãos aberta, como se acenasse um pedido de desculpas para o cara.
- Bem, nem sempre ser Harry Styles vai me salvar dessas coisas. - Ele gargalhou e eu dei um tapa no seu ombro.
- Seu idiota! Você quer nos matar? - Bufei.
- Relaxa, . Foi só uma fechada. Acontece.
- Pois preste mais atenção.
Ele bateu continência com a mão direita.
- Sim, senhora!
- Eu já estou nervosa e você ainda faz isso. - Disse com a voz trêmula.
- Ei, que isso? Me desculpe. Eu vou ter mais cuidado, tá bem? Fica calma.
Eu respirei fundo e concordei com a cabeça.
- Já estamos chegando. - Assegurou.
Realmente, já tínhamos entrado no bairro de Harry e em menos de dois minutos estávamos esperando seu portão terminar de abrir.
Subimos pela longa estrada da garagem até a porta de entrada.
Harry desceu do carro primeiro e deu a volta, abrindo a porta para mim.
- Onde você foi de moto?
A primeira coisa que notei ao sair do carro foi a moto do lado de fora da garagem. Harry olhou na mesma direção quando perguntei.
- Ah, eu não saí. Se Fred não chegasse rápido, eu imaginei que levaria menos tempo se eu fosse de moto até você.
Eu me aproximei, parando ao lado da moto. Harry fez o mesmo.
- Você... quer dar uma volta? - Ele perguntou, a ideia acabando de passar pela sua cabeça. - Sei que isso vai te deixar mais calma.
Meu coração bateu forte no peito, eu sabia que era porque estava cheio de amor. E, também, como não amar esse homem? Era impossível.
- Sim, quero. - Eu nem precisava agradecer, minha expressão de alívio dizia tudo.
- Mas eu piloto dessa vez! - Ele disse rapidamente.
Eu revirei os olhos e respondi um “tanto faz”.
Ele entregou o capacete na minha mão e montou na moto, colocando o dele. Eu fiz o mesmo e me sentei na garupa. No automático, deixei minhas mãos apoiadas nas minhas pernas, era como eu sempre me posicionava quando andava com André. Eram tantos anos de costume que eu não precisava me segurar em nada.
Harry levou seus braços para trás, procurando cegamento pelos meus. Ao senti-los, os puxou para frente, colocando-os em volta da sua cintura. Por fim, deu dois tapinhas em cada uma das minhas mãos, agora sobre sua barriga.
Eu sorri involuntariamente, um sorriso idiota, lateral.
Ele me olhou por cima do ombro, era como se dissesse “o lugar do seu corpo é aqui, colado ao meu”.
Cutuquei com as pontinhas dos dedos os gominhos da sua barriga e ele se contorceu, rindo.
- Aonde vamos? - Eu perguntei.
- Eu tenho uma ideia.
Com isso, Harry levantou o cavalete da moto e deu partida. Saímos pelo portão que já estava aberto e o vento me fez estremecer. Agora que era verão, eu raramente usava casacos, então, naquele momento, eu vestia apenas uma blusa fina.
Eu colei mais o peito nas costas de Harry, tentando me proteger do vento. Ele endireitou o tronco quando percebeu, cada pedacinho dele encostado em mim. Nós nos fundiríamos ali, se isso fosse possível.
Passamos pela calçada da fama e pela Sunset Blvd, em direção ao que parecia a Melrose Ave, e eu ainda não tinha ideia de para onde íamos. Antes que chegássemos nesta avenida, Harry entrou num estacionamento.
Olhei em volta, estávamos na Santa Monica Blvd, a avenida que eu atravessava todos os dias para ir e voltar do trabalho.
- O quê... Sério, aonde vamos? - Eu perguntei, confusa, ao tirar o capacete.
- Whole Foods. - Harry apontou para a placa enorme do lugar.
- Você me trouxe para um passeio no supermercado? - Ele riu.
Aquela era a coisa mais doméstica que fazíamos em meses. Todas as coisas mundanas que fazíamos juntos sempre tinham uma pitada de irrealidade. Um velório? Normal, mas o segurança pessoal que nos levaria ao aeroporto, passaríamos na fila especial, além de descer do avião na pista de pouso com um carro nos esperando; um show? Só se for com direito a passar um tempo junto com os artistas no camarim antes, e depois do show ir jantar com eles; um casamento? Precisamos ir à uma loja de grife pegar a roupa feita sob medida que custa facilmente dez mil dólares.
- Eu suponho que você esteja com fome, então vou cozinhar o jantar para você.
Aquilo soava até como um absurdo, tão mundano era. Nós tínhamos feito comida juntos em Londres e só isso já atingiu nossa cota de cozinhar pelo resto do ano.
- Oh! Ok, então! - Eu levantei os braços em rendição.
- Tem algo que você esteja com vontade de comer? - Ele perguntou enquanto entrávamos.
- Uh... eu não sei.
- Posso te surpreender, então?
- Me surpreenda, Harry Styles.
- Aí, não fala meu nome assim que eu fico sem graça. - Ele colocou o queixo no ombro, se fingindo de tímido.
Com uma cestinha num braço e o capacete no outro, Harry começou a pegar coisas demais e eu tive que o lembrar que não estávamos de carro. Relutante, ele devolveu alguns itens e só levamos os absolutamente necessários.
Imagina a cena, Harry Styles pilotando uma Harley Davidson comigo na garupa com os braços lotados de sacolas. Só ele para nos meter numa dessas e agir com naturalidade.
Já na sua casa, nós descemos da moto e Harry correu para dividir o peso das sacolas comigo, e rindo, entramos.
Tomamos um susto ao encontrar a Sra. Thompson limpando a bancada da cozinha.
- Margot, o que você ainda está fazendo aqui? - Harry repreendeu, pegando o produto de limpeza que estava em cima da bancada.
Eu ri e a abracei.
- Como você está, Sra. Thompson?
- Eu ficarei melhor quando você parar de me chamar assim. - Ela rebateu.
- Desculpe. - Soltei uma risadinha.
- E eu estou esperando algumas das roupas terminarem de secar, Harry. - Ele revirou os olhos com a resposta.
- Ah não acredito! Jezz! Você termina isso amanhã. Por favor, vá embora! Vá descansar, ver sua família, fazer qualquer coisa que não seja lavar minha roupa suja!
Harry literalmente enxotou a mulher, que saiu da cozinha, rindo.
Eu comecei a guardar as compras e reparei que a geladeira estava quase sem ovos, então peguei uma caixa nova na dispensa.
Enquanto Harry lavava os ingredientes que comprou, a Sra. Thompson passou, se despedindo. E eu colocava cuidadosamente os ovos no lugar, todas as vezes que eu precisava fazer isso, eu acabava rachando pelo menos um ovo porque o soltava com força dentro do recipiente.
Quando eu estava quase acabando, Harry se aproximou, pegando três ovos em uma só mão. Eu achei que ele fosse me ajudar, mas começou a jogá-los para o alto.
- O que você acha de uma caçarola de ovos? - Perguntou, concentrado no malabarismo.
Eu dei dois passos para trás, também seguindo os ovos com o olhar.
- Uhhh, acho uma boa ideia.
- Quer abrir um vinho para nós?
Antes que eu pudesse responder, tudo aconteceu muito rápido; Harry parou o malabarismo catando um ovo em cada mão e, quando foi segurar o outro, ele bateu em seus dedos e passou direto, se esparramando no chão.
- Oops. - H olhou para o chão agora amarelo e gosmento.
- Ugh! - Eu revirei os olhos. - Eu não vou limpar! - Falei rápido e ele riu.
- Eu não pedi.
- Sua cara de pau não tem limites, Harry.
Eu saí balançando a cabeça negativamente e fui pegar o vinho.
Quando voltei, Harry estava inclinado, sugando o ovo do chão com papel-toalha. Eu precisava passar por ele para pegar as taças e acabei agindo nos meus pensamentos impulsivos, metendo um tapão em sua bunda.
Harry pulou e se endireitou com o susto. Eu comecei a gargalhar e ele gemeu, esfregando a bunda.
- Você se lembra onde fica o quarto?! - Perguntou, retoricamente. Um sorriso malicioso se formando em seus lábios.
- Desde quando precisamos ir para o quarto? - Retruquei, dando uma olhadinha de lado com um aceno de cabeça para a bancada.
- !!! - Harry quase gritou, horrorizado.
Eu dei um tapa em seu ombro, deixando a mão ali por um momento enquanto ria mais ainda.
- Pode falar, por essa resposta você não esperava.
- Você é má. - Riu também. - Não brinque com meu coração. - Dramatizou, com uma mão no peito e tudo.
Minha resposta foi um sorriso e um negar de cabeça. Harry fez o mesmo e foi para o fogão.
Eu bufei antes de abrir o armário e pegar o limpador multiuso para espirrar no chão. Eu sabia que ia sobrar para mim, H não ia limpar direito aquela sujeira. Bem, até que ele tinha limpado o grosso, só que sem nenhum produto o chão ficaria pegajoso. Mas é claro que ele não sabia ou não se importava com isso, e estava aí o motivo das coisas mundanas nunca serem mundanas.
Eu abri o vinho e estendi uma taça para Harry. Ele brindou comigo e tomou um golinho antes de a deixar na bancada da pia, ao lado do fogão.
Logo o cheio de comida invadiu o ambiente.
- Sabe de uma coisa? - Harry chamou minha atenção.
- Hum? - Eu estava bem madame sentada na ilha e bebendo meu vinho.
- Esse cheiro de alho na cozinha me lembra muito você. Sempre que vou na sua casa e você está cozinhando, esse é o cheiro que eu sinto. Isso e café sendo passado na hora, é claro. Além de morangos quando você lava o cabelo.
- Então você está me dizendo que eu cheiro a alho, café e morangos?
- Não. - Harry riu. - Você cheira a morango e, às vezes, café. Sua cozinha definitivamente cheira a alho e café.
Eu me aproximei, parando ao seu lado e me debruçando sobre a bancada.
- Essa é uma observação interessante. - Brinquei, tomando outro gole de vinho.
- E você? Tem algum cheiro assim que te lembre a mim?
Eu pensei por um momento.
- Hum... Acho que o cheiro doce e picante do seu perfume.
Eu dei uma fungadinha no seu pescoço, sentindo aquela fragrância tão familiar de baunilha misturada com o cheiro de tabaco, como se ele tivesse fumado um charuto. Aquele era o perfume perfeito para alguém como Harry. A dualidade nos mínimos detalhes, a contradição entre delicado e o viril masculino.
Era realmente um aroma único.
- Aquela vela de lavanda que tem no seu quarto. Eu me lembro de sempre acordar com o cheiro porque você acendia e apagava a vela antes de dormir.
Harry murmurou um som que parecia de contentamento, como se gostasse do que ouvia.
- E... uh... acho que aquele seu sabonete líquido de pink grapefruit para o rosto.
- Como...? - Perguntou, confuso e surpreso. - Isso fica guardado dentro do armário do banheiro.
- Eu sei. - Sorri.
- Você usa o meu sabonete?
- É claro. - Fiz uma careta de obviedade. - Você acha que eu lavo meu rosto com o que quando durmo aqui?
- Eu não tinha parado pra pensar nisso. - Ele riu, achando aquilo muito mais engraçado do que era. - Eu quase não uso aquele, sempre me esqueço.
- Bem, me lembra você, porque é algo que sempre esteve no seu banheiro, desde quando vim aqui pela primeira vez.
- Isso não é justo, suas respostas foram melhores que as minhas.
Eu encolhi os ombros, como se dissesse “a culpa não é minha”.
- Eu poderia continuar listando... - Eu disse, provocativa.
- Cala a boca, você não poderia! - Exclamou, duvidando.
- Cheiro de limão e coco do seu shampoo. - Coloquei a mão no queixo. - Peixe! A cozinha sempre cheira a peixe, não de um jeito ruim, cheira a peixe caro e frutos do mar. - Completei, rindo. - Tipo camarão e polvo.
- Aquele sabão de laranja. - Harry rebateu, sem muita explicação.
Eu franzi a testa, muito surpresa.
Eu tinha acabado de redecorar a casa para o verão... Toalhas de mão com estampa de frutas, velas com aromas adocicados, óleos essenciais cítricos e... sabonete líquido de laranja para a pia do banheiro.
- Creme de mão de castanha. Aquele Brasileiro. - Continuou.
- De castanha-do-Pará... - Eu completei.
- Uhum.
- Uau. - Eu ri. - Isso foi bem específico.
Eu tinha aquele sorriso idiota, aquele sorriso estúpido que entregava na minha cara o quanto eu era apaixonada; o quanto H mexia comigo e qualquer mínima coisa vinda dele, boa ou ruim, abalava toda a minha estrutura, física e emocional.
- Qual é? Eu sei do que você gosta. - Deu de ombros, convencido.
- Sabe mesmo.
- Tem duas coisas que você sempre leva no carro... Chiclete de morango e creme de mão de castanha. - Ele levantou os dedos, contando.
- Isso não vale, você dirigiu o meu carro agora a pouco.
Ele me encarou, ofendido.
- Eu notaria até a falta desses itens no seu carro.
Nós continuamos numa conversa leve. Eu acabei por ajudar Harry um pouco e tivemos um momento muito agradável.
Depois que jantamos, eu lavei todas as louças e Harry sumiu pela casa por um momento. Rumours do Fleetwood Mac preenchia as caixinhas de som presentes em todos os cômodos.
Harry voltou dançando e cantando junto com “You Make Love Fun”, me puxou pelo braço, meus dedos pingando sabão e água, e envolveu um dos braços pelo meu troco e pegou minha mão, me girando e fazendo sua voz num tom mais grave do que era seu natural.
“Youuuu make love fun, it’s all I wanna doooo” - Ele cantava, me rodando e rodando, como se dançássemos quadrilha ou forró em vez de um rock dos anos 70.
Eu gargalhava enquanto tropeçava nos meus próprios pés, Harry praticamente me arrastando. Ele escorregou na lambança que minhas mãos molhadas fizeram no chão e quase caímos; ele precisou se segurar na pia, mas seu aperto firme ao redor do meu tronco me manteve em pé até que ele recobrasse o equilíbrio.
A música acabou e outra começou, assim, ele me soltou.
- Ufa! Deu para cansar. - Eu suspirei, ofegante e risonha.
- Deixa as louças para lá. - Ele balançou uma das mãos com desdém na direção da pia.
- Só preciso colocá-las na máquina e acabou.
- OK. Eu te ajudo.
Com isso, Harry fingiu arregaçar mangas imaginárias e colocou todas as louças na máquina, o pacotinho de sabão e a configurou, sem deixar mais que eu chegasse perto da pia.
- Pronto! - Bateu uma palma na outra, espirrando água no meu rosto.
- Ei! - Reclamei, me secando com as costas da mão.
Ele viu aquilo como uma oportunidade e, sem hesitar, sacudiu as mãos diretamente no meu rosto até que eu saísse correndo.
- Quantos anos você tem? Quinze? - Eu gritei da sala de jantar.
- Acabei de fazer doze! - Respondeu, sua voz se aproximando.
- Idiota! - Eu gargalhei. - Quase trinta anos nas costas, para de se iludir.
Ele colocou a mão no peito, fingindo ofensa.
Depois, nós nos calamos por um momento e eu encontrei seus olhos já me encarando. Harry deu um passo para o lado e depois para trás, incapaz de se manter parado no mesmo lugar.
- O que foi? - Eu perguntei, sentindo sua agitação.
Ele desviou o olhar para as mãos e eu acompanhei. Ele segurava um papel.
- Quando eu te mandei as flores, eu escrevi algo... - Começou, ainda hesitante. - Eu queria enviar junto, mas tinham um limite de caracteres para as notas na floricultura.
- “P.s: Essa nota é só uma nota...”
- “Eu realmente não tinha mais espaço”. - Harry completou.
- Eu achei que fosse uma referência a nota que eu escrevi no seu aniversário.
- Também. Mas era para ser uma carta. - Ele levantou o braço que segurava o papel e balançou a mão no ar. - Essa não é mais a versão que eu escrevi aquele dia, mas mesmo assim...
- Você vai me dar ela? - Eu perguntei, um pouco confusa.
Harry, como resposta, estendeu o braço, porém o recolheu antes que eu pudesse alcançá-lo.
- Na verdade, eu gostaria de ler para você.
Eu pisquei, atônita.
- Ok. - Concordei com a cabeça para enfatizar. - Você quer se sentar na sala ou...?
- Boa ideia.
Harry esperou que eu fosse primeiro, mas eu também o esperei e acabamos indo juntos.
Eu me sentei no sofá, mas ele ficou em pé.
- Isso é uma palestra, é? - Provoquei, segurando uma risadinha.
- ...
- Ok. Ok. - Revirei os olhos. - Desculpa. Eu não estou zombando de você, mas você está me deixando agitada.
- Posso?
- Por favor! - Estendi a mão, como se passasse a palavra para ele.
Harry quem revirou os olhos dessa vez, nem um pouco impressionado com as minhas habilidades de não levar absolutamente nada a sério quando ele queria falar sério.
- ...
- O quê?
- É... a carta. Começa assim: “”.
Eu caí na gargalhada.
- Eu avisei que ia começar! - Ele reclamou.
- Desculpa. - Funguei, rindo mais um pouquinho.
- ...
- Espera! - Eu o interrompi de novo. - Mas nem um “Querida ”? O que é isso? Até o banco me manda cartas mais românticas.
- Você quer calar a boca?
Eu tampei a boca com a mão, abafando a risadinha.
- Queridíssima ... - Ele revirou os olhos.
“Eu não sei como eu não tinha pensado em fazer isso antes, mas estou feliz por finalmente estar te escrevendo algo.
Muito obrigado pelo seu apoio incondicional. Eu realmente não mereço você. ‘Obrigado’ não me parece o suficiente depois de tudo o que você fez e ainda faz por mim. Sério. Muito obrigado.
Você é a pessoa mais especial da minha vida. Eu estou tentando ser a melhor pessoa que eu posso ser; um filho melhor, um irmão melhor, um amigo melhor, um ídolo melhor...
Como Harry Styles, eu te pus em uma situação que nenhum ídolo deveria colocar um fã. É quase inimaginável para mim pensar em você como alguém que um dia eu não conheci e que sempre me conheceu. Como deve ter sido difícil para você ter que ouvir todas aquelas músicas sobre como eu me sentia – muitas vezes muito mal –, sobre a mulher que eu amo e sobre alguém que não está mais na minha vida, mas que já fez tanto estrago.
Como Harry, eu só queria a minha melhor amiga, a minha “”, segurando a minha mão num momento de caos; você é a minha luz, é quem eu sempre quero me guiando pela escuridão. Eu me sinto seguro com você.
Como ambos, eu deveria ter te protegido; de todas essas situações catastróficas que nos trouxeram até aqui e, principalmente, de mim mesmo. Eu admiro sua força, entretanto.
Por tudo isso, eu peço que me perdoe. Eu sei que eu errei em todos os passos ao longo do caminho, mas eu não poderia viver com a culpa de perder sua admiração. Eu sei, eu errei, e eu nunca mais te decepcionarei assim.
Estou tentando levar um dia de cada vez, mas quando eu penso sobre o futuro, é você quem eu imagino ao meu lado. A possibilidade de passar o resto da minha vida sem você é um desperdício que me aterroriza.
Era você quem eu esperava por todo esse tempo e eu sei que posso esperar mais um pouco. Eu amo ser seu amigo, mas eu não quero ser só seu amigo. De qualquer forma, eu sou seu.
E eu amo você, mas não só amo você, eu gosto de quem você é, e gosto muito de quem você me faz querer ser.
Todo o meu amor,
H.”
A princípio, eu não soube como reagir. Eu só fiquei ali sentada, parada, sem me mexer. A forma como Harry tinha lido tudo aquilo... seus olhos buscando os meus como confirmação a cada poucas palavras, como se o discurso lhe fosse tão familiar que era como se ele cantasse uma de suas músicas, ele sabia exatamente o que dizer, porque era o que ele pensava há tanto tempo.
Eu já tinha ouvido muitas palavras bonitas e já tinha ouvido outras horríveis, mas nunca tinha ouvido nada tão honesto e cru, nada tão simples e que falou direto com o meu coração como aquilo.
Harry esperava, congelado, em expectativa.
Todo esse tempo eu esperava por algo, eu acreditava que haveria um sinal quando fosse o momento certo, SE houvesse um momento certo. Acreditava com a minha vida que eu saberia se tivéssemos uma nova chance, se valesse a pena nos permitir essa chance.
Eu me levantei e me joguei contra Harry, sendo amparada por seus braços e calor acolhedores, por seu aroma paradoxal e a voz que parecia enviada dos céus dizendo que me amava.
Eu ainda não sabia se aquele era o sinal que eu esperava, nem o que eu faria a partir dali; como em Fine Line, há coisas que nunca saberemos. Mas, no fim, independente do que aconteça, eu sei que ficaríamos bem.
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É isso! Até a próxima e beijinhos da Cam Vessato ♥
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