Capítulo 1
A parte mais estranha da mudança talvez não seja a mudança em si, quando você encaixota todas as suas coisas, carrega elas de um lado pro outro, enfurna tudo em qualquer lugar e coloca qualquer coisa de qualquer jeito. A parte mais estranha da mudança não é quando você faz toda a sua bagunça, se perde no meio dela e por fim pensa em desistir. A parte mais estranha da mudança, em minha opinião, é quando depois de um tempo a ficha finalmente cai de que tudo está diferente. Inclusive você. E era exatamente daquela forma que eu me sentia naquele exato momento.
– ? – Duas batidas foram ouvidas na minha porta e em seguida a cabeça de Paul apareceu, com seus cachos pretos e um sorriso totalmente aberto. – Vamos ao cinema?
– Quem vai? – Quando eu perguntava quem, eu não perguntava exatamente para saber quem ia. Eu perguntava pra saber se ia. Meu irmão me respondeu com um sorriso que me fez revirar os olhos. Nos últimos vinte dias eu pensava quando eu finalmente me viria livre de e poderia curtir algo em paz com meu irmão, mas já estava começando a me convencer de que era algo impossível. Os dois simplesmente não se desgrudavam, o que quase me fazia chegar a hipótese de que talvez eles fossem gays.
– Eu estou sem carro. Ele vai me dar uma carona. – Eu apenas arqueei minha sobrancelha em resposta e Paul riu mais ainda, entrando no quarto com a expressão de quem tentaria me convencer, mas ele já sabia que não daria muito certo.
Paul era meu irmão, quatro anos mais velho e atual estudante de direito. De todas as pessoas do mundo, Paul sem sombra de dúvidas era o meu predileto. Ele não era apenas meu irmão mais velho, mas também meu melhor amigo e referência. Se em algum momento da minha vida eu chegasse a ser metade do ser humano que ele era, eu, sem sombra de dúvidas, me sentiria realizada. Morar com meu irmão era como parte de um sonho realizado, se não fosse por seu melhor amigo, peste, praga, coisa ruim e desgraça da minha vida: . , sem sombra de dúvidas, era o cara mais insuportável do mundo. Não apenas pelo fato de não ter amadurecido nem um pouco nos três anos que o conheço e me tratar exatamente como se eu fosse uma adolescente idiota que simplesmente não sabe o que quer. Mas também pelo fato dele implicar com cada centímetro de coisa que eu faça e se meter nela, como se eu simplesmente lhe desse o direito.
– Vocês precisam parar com isso, ! – Meu irmão se sentou do meu lado e eu revirei os olhos. Todas as situações que remetessem ao me faziam sentir como se eu estivesse de volta aos meus treze anos e minha mãe vinha brigar comigo, porque eu não tinha gostado de algum filho de alguma amiga dela. – Você está aqui, morando aqui. O mora aqui. Vocês moram juntos. Já passou da hora de se acertarem! – Ele ergueu os braços exatamente da forma que se faz quando se explica algo às crianças. Vocês dois já são bem grandinhos.
tinha 18 anos, enquanto eu continuava na minha casa dos 17. Eu o havia conhecido três anos antes, quando, simplesmente, em um feriado eu havia ido visitar ao meu irmão e ele havia anunciado que tinha saído de casa e que estava morando com o melhor amigo. A parte mais interessante pra mim foi descobrir que o Paul tinha um melhor amigo, já que eu nunca tinha ouvido falar do mesmo. Quando eu conheci , nós não nos demos bem e esse “não se dar bem” acabou evoluindo com o passar dos anos. Todas as vezes que eu vinha visitar o meu irmão, alguma coisa sempre virava motivo para uma briga e as coisas estavam ficando cada vez mais chatas desde que eu havia me mudado. e eu brigávamos por grande parte do tempo em que estávamos no mesmo cômodo. Ele era irritante e eu era irritada. Uma péssima combinação. Meu irmão era um santo, por nos aguentar.
Às vezes eu tentava entender como uma pessoa conseguia me causar tantos efeitos negativos tão rápidos, porque eu o detestava. Com todas as forças da minha vida, eu o detestava.
– Paul, vamos? – simplesmente entrou no quarto, sem bater na porta ou se incomodar em chamar. Como se aquele simplesmente fosse seu quarto ainda.
Quando Paul havia se mudado, ele havia optado por mudar para um apartamento de três quartos, de modo que quando eu fizesse dezoito anos eu pudesse vir morar com ele. E a única coisa boa que eu havia visto o fazer na vida foi oferecer seu quarto a mim, já que o único que havia sobrado não tinha banheiro e, segundo Paul, ele disse que por ser uma mulher, morando em uma casa com dois caras eu merecia pelo menos esse privilégio, que, sem dúvidas, aceitei grata e de bom grado, não que eu tivesse dito a ele, claro.
– Pode dizer que está feliz em me ver, , eu sei. – Ele abriu um sorriso e se jogou na cama ao meu lado. – Vai ao cinema conosco? – Às vezes simplesmente ignorava o fato de que eu não gostava dele e agia como se eu gostasse. O que me deixava mais irritada ainda.
– Pago sua pipoca
– Não – Meu irmão apenas ria.
– Eu pago seu ingresso.
– Já falei que não.
– Vamos, , vamos – ele começou a me cutucar e eu fechei os olhos. Sabe, talvez eu tenha morrido e aquele era o meu inferno.
– Vou me arrumar – meu irmão se levantou e eu deitei voltando a ignorar o , mas ele começou a batucar minha perna.
– Qual o seu problema? Você não consegue esquecer a minha existência, por sei lá, um dia? – voltou a abrir o sorriso, continuando a batucar minha perna. Mas não era um sorriso normal, era aquele sorriso que começava pequeno e ia crescendo até ar todo o rosto. E eu só conseguia me perguntar: O que tinha de errado com ele? Porque não havia forma humana possível daquele cara ser normal.
– Você se irrita muito fácil. – Ele falou depois de alguns segundos olhando pra minha cara e começou a assobiar. Tinha como não se irritar com aquilo? Porque se tinha, eu não sabia como.
Respirei fundo pensando em outras coisas que pudessem bloquear aquele som irritante que chegava aos meus ouvidos. Eu, assim como minha mãe, detestava assobios. E ele sabia muito bem disso.
– Você não sabe ser nem um pouco divertida. – Aquela frase me fez olhar de novo pra ele, que voltou a sorrir quando eu o fiz. Ele tinha aquela expressão “Eu sou foda e você não” na cara.
– Cala a boca.
– Você é, e vai ser aquele tipo de pessoa que fica velha cedo, . Suas rugas vão começar a aparecer e você vai perceber que a vida passou e você não fez nada de útil. – Seus dedos começaram me batucar novamente.
– O que você ainda está fazendo aqui mesmo?
– Eu te desafio. – Ele retirou as mãos de cima da minha perna e eu arqueei a sobrancelha novamente, sem entender sobre o que ele falava.
– Me desafia ao que ? Está fumando maconha?
– Ainda não sei, mas eu te desafio a fazer alguma coisa que eu vou pensar bem – eu ri da sua frase. – E quando eu te desafiar, você vai se sentir obrigada a ceder.
– Você vai precisar de um desafio muito interessante pra me fazer entrar no seu joguinho idiota. – Eu sabia que de alguma forma ele estava querendo me irritar mais ainda, mas, ainda assim, entrei na dele.
– Me deixa pensar então... – Ele se levantou ainda com a pose “Sou foda” E olhou ao nosso redor. – Não tenho nenhuma ideia interessante agora, mas pode ter certeza que eu vou pensar. – Ele me mandou uma piscadela antes de sair do quarto. E a única coisa que eu conseguia pensar era que ele era maluco. Meu irmão morava com um maluco.
– Paul – Precisei interromper meu irmão quando percebi que seu discurso já alcançava mais de sete minutos – Eu já tive um primeiro dia de aula antes. Eu sei como funciona.
xxx
-Eu sei, eu sei – Meu irmão parecia mais ansioso do que eu, o que era demasiadamente engraçado. Como Paul ainda estava sem carro ele estava usando o carro de para ir trabalhar, o que significava que ele ficaria nos dando carona naquela primeira semana e após pegar seu carro no mecânico, eu iria à escola todos os dias com , pois não havia necessidade de não ir. – Já pegou tudo? – Ele parecia um pai.
-Sim, senhor – Eu acenei com a cabeça e apareceu na cozinha já uniformizado e com cara de sono. Ele, assim como eu, era da turma sênior, ou seja, aquele seria nosso último ano.
Paul nos levou animado, falando de como o ano dele de sênior havia sido magnífico, de como ele tinha aproveitado e todos os bla bla blas de pessoas que gostam desse tipo de baboseira. E eu não era uma delas. Quando chegamos em frente à escola eu fui a primeira a descer, observando bem o terreno e as pessoas a minha frente. Sem dúvidas era bem diferente do que eu estava acostumada, afinal, aquele não era o colégio da minha mãe. Ali eu seria apenas mais uma aluna qualquer, e não a filha da dona.
– – Paul chamou minha atenção e eu voltei a olhar pro seu sorriso amoroso que me fazia ter vontade de rir mesmo quando eu não queria – Só queria dizer que você está linda – Ele me jogou um beijo, e eu me toquei que ele havia percebido minha insegurança. Aquele era um colégio sem uniforme, eu estava embarcando em uma vida totalmente nova, acredito que era normal se sentir insegura na hora de escolher sua roupa. E o fato do meu irmão ter percebido isso, me fez amá-lo mais ainda.
– É isso que você fala para as meninas que você quer comer? – Perguntei debochada, apenas para vê-lo abrir um sorrisão que no último mês eu havia descoberto que encantava as meninas. Meu lindo irmão era um desgraçado de um pegador.
– Eu só fico com meninas realmente lindas, logo, eu não minto quando falo que elas estão lindas, como não estou mentindo aqui. E me respeita hein, rapá. Quem houve assim até pensa que eu sou um cara desrespeitador – Sua última frase gerou risadas do que finalmente resolveu sair do carro.
Paul era uma puta. Ficava com várias garotas, e quando digo várias, realmente digo várias. Eu ainda não conseguia me conformar com a ideia de um Paul não virgem. É óbvio que mesmo antes de morarmos juntos eu já sabia que ele fazia sexo por ai, afinal, ele é um cara saudável de vinte e um anos e isso é muito normal. Eu só não imaginava a frequência absurda com que isso acontecia. Já cheguei a pensar na hipótese dele ter alguma espécie de compulsão sexual. Mas ele dizia que era apenas um cara normal. Paul e eu éramos diferentes em muitos sentidos. E acho que era toda essa diferença que fazia com que eu e ele nos déssemos sempre bem.
Ele era fruto do primeiro casamento do meu pai e a mãe de Paul, tia Rachel era um amor de pessoa. Sempre alegre divertida e liberal, assim como Paul. Ele havia puxado isso dela. Enquanto essa parte de bom humor, ou melhor, mau humor, eu havia puxado completamente todo da minha mãe. E não era bem humorada, nem divertida. Eu era chata. Tinha plena consciência disso. Eu era chata pra caralho.
– Não estou falando nada que não seja verdade.
-Ok, Chega. Vamos! Precisamos pegar o seu horário – disse passando por mim e pegando em meu braço, começando a me arrastar pátio a dentro.
– Nós não precisamos pegar o meu horário. Eu posso muito bem fazer isso sozinha.
– E você por acaso sabe onde é a secretaria? – ele começou a andar e eu fui em seu encalço.
– Quem tem boca vai a Roma. – Forcei um sorriso e ele revirou os olhos.
– O ditado certo é: quem tem boca, vaia Roma. E não Vai a Roma. – Bufei quando ele me corrigiu – Você é muito mal humorada. Tem certeza que é irmã do Paul? Cada dia que passa eu tenho mais certeza de que você foi trocada na maternidade. Seu pai também é um cara legal.
– Puxei a família da minha mãe. – Eu parei no meio do pátio, olhando onde poderia ser a maldita secretaria. Havia dois prédios grandes e um enorme gramado com algumas mesas a minha frente. Na lateral havia um campo que parecia em estado de manutenção, já que metade estava sem grama e na outra lateral havia fileiras de carros onde pessoas vestidas das mais variadas formas conversavam animadas. Era incrível como no ambiente escolar era fácil distinguir quem era quem. Quem era "loser", quem era "popular" e quem era insignificante a ponto de não ser nem taxado de "loser". Dude, eu odiava a escola.
– Hey, mate! – Alguém passou por nós e bateu na bunda de que riu, acariciando o lugar afetado.
– Hey, . – deu um beijo no rosto da menina que retribuiu e me encarou em seguida. Ela não parecia antipática, ou metida, ou sebosa. Ela foi até agradável.
– Você deve ser a , né? Sou – ela estendeu a mão e eu apertei achando esquisito o fato dela saber quem eu era – O Paul fala bastante de você. – explicado.
– Prazer. – sorri retribuindo a simpatia mesmo não me sentindo confortável.
– A gente está indo na secretaria buscar o horário dela. Vem junto? – seguiu caminho e a menina e eu seguimos junto com ele.
– Não, vou me encontrar com a vadia da Rose. Ela precisa me atualizar sobre suas "maravilhosas" férias na – A tal revirou os olhos e riu abertamente.
– Boa sorte – Ela jogou beijos no ar e acenou pra mim, saindo quase correndo em direção de uma garota que vinha na mesma direção que ela, acenando energicamente parecendo um sei lá o que. Era aquele tipo de gente que eu não gostava muito. Meninas espalhafatosas.
– Eca – Falei depois de alguns segundos em que andávamos em silêncio e cumprimentou pelo menos umas quinze pessoas. Sem contar às meninas que o olhavam com cara de idiotas conforme ele passava.
– O que? – Ele me olhou parecendo confuso, ele deve ter achado que eu disse algo antes, mas ele não havia prestado atenção. Vai ver ele estava olhando alguma bunda. Mesmo no último mês não vendo com ninguém, uma coisa que eu tinha plena certeza era que ele era exatamente que nem meu irmão. Galinha.
– As meninas te olhando. É nojento. – Ou minha cara de nojo era engraçada, ou a garota que passou estava se engraçando pro . Acho que era mais a segunda opção.
– Claro que elas olham! – Ele falou assumindo a pose superior e estufando o peito. – Com essa beleza, esse sorriso e esse corpo você queria que eu fosse o quê? – ele fez cara de convencido mexendo em seu cabelo que era bagunça maior do que o meu e olhando pro horizonte. – Eu quase tenho o mundo aos meus pés, .
– As mulheres, , as mulheres. – Uma menina não falou nada, ela simplesmente apareceu na nossa frente, abraçou o empolgada e soltando gritinhos e eles trocaram meia dúzia de palavras quando se soltaram. Preciso ressaltar que ele sorriu como se fosse galã quando ela foi embora. – Você vai entender do que eu estou falando quando começar a cruzar com elas apenas de roupa íntima pela sala lá de casa. – Encarei-o, séria. – Ah, e quando ouvir os gemidos também. – tentei não imaginar a cena, principalmente porque o quarto de era ao lado do meu.
– Aff, , se existe uma coisa que eu não quero ouvir, nunca na minha vida, são os barulhos do seu desempenho sexual, se bem que a única coisa que se deve ouvir é: “Nossa, , só isso? Pensei que fosse maior. Nossa, , já?” – Imitei gemidos e ele revirou os olhos com o mesmo sorriso convencido na cara.
– Ai, , como você é engraçada – Ele fez uma imitação da minha risada e cumprimentou um grupo de meninas quando entramos no segundo prédio.
– Todas essas garotas daqui a pouco vão me odiar, achando que eu sou sua namorada – Isso fez ele rir de novo e mais alto dessa vez.
– Elas nunca pensariam isso, elas me conhecem – Ele parou e abriu a porta que tinha secretaria escrito e pendurado, fazendo uma reverência idiota pra que eu passasse. A secretaria possuía uma mini fila, provavelmente outros alunos novos querendo pegar seus horários.
– Eu sei que não faço seu tipo, não sou fútil – Eu lhe mandei uma piscadela e ele revirou os olhos.
– Você não sabe meu tipo, na verdade eu não tenho um tipo. – Ele entrou e se postou ao meu lado, esperando comigo na fila.
– Finge que mente e eu finjo que acredito. E você deve ser ainda pior do que o meu irmão, porque Paul pelo menos não esconde e você deve pegar as meninas na encolha – Ele revirou os olhos com a minha frase.
– , você não me conhece.
– Convivi com você o suficiente nos últimos três anos pra saber muito bem do que eu estou falando. – Acho que o gostava de ser aquele cara que pegava, fazia e acontecia, mas não espalhava esse tipo de coisa.
– Sua vez, senhorita sabe tudo – Me debrucei sobre o balcão da secretaria, dei meu nome e alguns minutos depois ela me dava uma folha com meus horários. – Me deixa ver – ele ou a folha da minha mão e passou os olhos por ela. – Sua aula fica no andar de cima, primeira à esquerda. A gente tem algumas aulas juntos durante a semana, mas não essa. E eu já estou começando a ficar atrasado. Tchau. – Ele me devolveu o papel e saiu andando. Se existia mais uma coisa que eu tinha quase certeza na minha vida, essa coisa era que não era normal.
xxx
Se uma coisa que a vida me ensinou era que aulas conseguiam ser ou muito chatas ou muito interessantes em qualquer lugar. Meu professor do primeiro tempo era um chato, eu havia quase dormido, na realidade, tenho a sensação de que dormi por alguns longos minutos da sua metódica aula de física. Já meu professor de literatura era incrível. Eu quase consegui me sentir atraída por ele. Alto, sexy, inteligente e na casa dos cinquenta. Quase meu tipo perfeito de homem.
Quando o sinal que anunciava o intervalo tocou, chegou a hora que eu mais detestava em escola nova e primeiro dia de aula. Era o momento onde os que se conheciam se reencontravam e conversavam, e os que não conheciam ninguém, ficavam à deriva, apenas olhando e se sentindo excluídos. Não que eu não conhecesse ninguém, eu conhecia o , mas eu não ficaria com ele meu intervalo. Não mesmo. E eu realmente não me importava em ficar sozinha. Eu até gostava.
Com esse pensamento, fui para o pátio e segui para o meio do gramado, próximo a uma árvore e me sentei. Não estava nublado como de costume, e estava até saindo um sol, então tirei meu casaco e peguei meu fone de ouvido. Aquele era o momento que eu colocaria a minha música e passaria a ignorar totalmente as pessoas a minha volta.
Eu adorava fazer aquilo.
Digamos que era a minha melhor especialidade.
– Hey – Alguém cutucou meu pé e eu abri os olhos. Simple Man saia dos meus fones e eu quase xinguei a pessoa que havia me chamado. Eu amava aquela música e tinha bastante tempo que não a ouvia. – Senta ali com a gente – A menina que havia se apresentado a mim como mais cedo me chamou, e eu não entendi o porquê disso.
– Tô bem aqui, obrigada – Tentei ser tão simpática quanto ela. Ela não tinha motivos pra fazer aquilo, ela não precisava fazer aquilo.
– Para de graça, anda, vem sentar aqui com a gente. O Paul é meu amigo e eu já ouvi tanto falar de você que sinto como se já te conhecesse. – Ela pegou a minha mochila. – E nem vem de "não precisa e blablabla " pra cima de mim, não aceito não como resposta.
Aquilo me assustou um pouco. Não o fato de ela ter me convidado e ter sido insistente. Mas a forma que ela havia falado.
Ela havia falado bastante parecida comigo.
Na realidade ela havia soado exatamente igual a mim.
Me levantei seguindo a indivídua que havia completamente furtado a minha bolsa e parei quando ela parou em frente a uma mesa. Jogando minha bolsa no monte onde outras estavam duas meninas estavam ali.
– Gente essa é a , irmã do Paul. – Ela me apontou como se eu fosse um objeto a venda – , essas são Rose e Valerie. – Ela apontou respectivamente uma menina morena dos cabelos lisos e mais cacheados nas pontas, ela era bem alta e usava óculos bem estilosos. Aparentava ser simpática também e comia um sanduíche. A outra menina era loira, dos olhos bem claros e sardinhas espalhadas por todo o rosto. Ela usava aparelho ortodôntico e bebia algum suco.
– Hey – Ergui a mão acenando pra elas.
– O também falou de você. Você não parece nada com seu irmão – Rose disse indo um pouco pro lado e acenando com a cabeça pra eu sentar.
– Somos de mães diferentes, eu pareço com a minha mãe. – Eu não sabia ser simpática. Como havia destacado antes, eu era antissocial e eu nunca sabia como agir direito quando as pessoas eram simpáticas comigo. Principalmente aquelas meninas que pareciam tão diferentes de mim. – Olha, legal vocês me chamarem pra eu sentar aqui porque vocês são amigas do meu irmão e talz, mas não precisa, ok? – Eu ia pegar a minha bolsa e a tal deu um tapa na minha mão.
– Dude, cala a boca e senta. Quer sanduíche? – Eu deveria ficar brava, mas ao invés disso eu ri. Ela era toda abusada. Me lembrava muito alguém que eu conhecia. Então nem discuti, só sentei e comecei a conversar e conhecer as três desconhecidas a minha frente, quem sabe poderia surgir alguma coisa interessante dali.
Capítulo 2
Em quatro dias eu havia percebido que a escola era totalmente diferente da que eu costumava estudar. Talvez porque ali eu não era a filha da dona da escola e ninguém se sentia na obrigação de agir diferente comigo. Ou, talvez, porque ali as pessoas realmente eram mais legais.
Rose, Valerie e eram hilárias. Ao contrário do que eu havia pensado à primeira vista, elas não eram fúteis. Tudo bem que as duas primeiras tinham suas frescuras, mas nas outras coisas em que elas eram legais compensavam as frescuras. Por exemplo, música. realmente tinha um bom gosto musical.
Eu também havia descoberto que tinha um irmão chamado que era um grande amigo do meu irmão. Os dois estudavam juntos e havia sido através deles que todos se conheceram. Descobri também que além dele, havia mais dois amigos do meu irmão que eram os mesmos que o ficava junto no intervalo e que tinham grande convívio com as meninas. , irmão de Rose e . não sentava conosco no intervalo, graças a Deus. Eu já o aturava bastante durante a semana e em casa, não precisava aturar também na escola.
Agora eu estava ali olhando várias marcas de sabão em pó e tentando lembrar qual a minha mãe usava, mas nada vinha a minha mente. Eu não sabia fazer compras, Paul era que sempre fazia as compras. Mas quando e eu chegamos da escola, Paul havia deixado um recado na caixa de mensagem dizendo que nós – e eu – teríamos que fazer compras sozinhos. Segundo Paul: somos dois vagabundos que não fazem nada além de brigar, sentar e ficar se coçando a tarde inteira, enquanto ele trabalhava e estudava horas seguidas pra sustentar a casa. Ele falou também que nós dois precisávamos assumir as rédeas da casa enquanto ele não arranjasse outra esposa, e que ele sabia que era duro pra gente passar pela adolescência sem mãe, mas que nós conseguiríamos sobreviver a isso se nos uníssemos. O Paul realmente parecia um pai e, por diversas vezes, ele agia como um pai super protetor. Não só comigo, mas com também.
– Dá pra você parar com isso e tentar agir que nem gente uma vez na vida? – Pedi irritada a , jogando uma marca qualquer de sabão em pó dentro do carrinho que ele insistia em pilotar. Ao invés disso, agia pior que uma criança de seis anos, pendurando-se no objeto e saindo brincando pelos corredores. Se fosse outra ocasião e até com outra pessoa, eu faria o mesmo, mas ali era o . Por mais que eu fizesse a mesma coisa toda vez que ia ao mercado com a minha mãe, o fato dele estar fazendo já me irritava, na verdade, tudo nele me irritava.
– Ah, cala a boca, você não é minha mãe. – Ele me mandou língua, e, dude, quantos anos ele tem mesmo? Sete?
– Você é tão infantil. – Bufei novamente, revirando os olhos e indo para a sessão de biscoitos. Eu também precisava de cereal e Nutella. Não era nada fácil fazer compras.
– Você que parece uma velha, já te falei isso. – Ele resmungou novamente, pendurando-se no carrinho e tirando os pés do chão conforme andava.
– ara que caia e quebre todos os dentes da boca. – Gritei, vendo-o se virar para me encarar e bater em um mostruário de leite em pó, derrubando no mínimo umas dez latas. Caí na gargalhada vendo ficar sem graça ao levar um esporro do rapaz que fazia a arrumação. Ele o ajudou a pegar algumas latas e voltou em minha direção que nem cãozinho quando leva esporro, todo sem graça.
– Culpa sua e da sua boca grande – Ele puxou meu cabelo. Eu odiava quando ele fazia isso.
– Agora vê se você se comporta que nem gente de verdade senão daqui a pouco vão proibir sua entrada aqui. – Repreendi-o, gargalhando internamente de sua cara. Ele havia revirado os olhos e me mandado língua exatamente que nem uma criança malcriada. Exatamente que nem Emma fazia comigo.
– Você é muito chata, cara. – Ele deu um puxão no meu cabelo de novo e eu dei um tapa na sua mão.
– Para! – Eu parecia a velha da situação, eu parecia exatamente que nem a minha mãe naquele momento e isso quase me causou ânsia de vômito.
– Tá nervosinha é? – Ele deu outro puxão no meu cabelo. Eu não conseguia evitar ficar nervosa, era quase como se eu fosse programada biologicamente pra isso. Se na vida existia algo que me irritava mais do que , essa coisa era mexendo no meu cabelo. Já era muito difícil conseguir deixá-lo no lugar, e ele parecia estar sempre insistindo em bagunçá-lo.
– Merda, ! Dá pra parar? – Pedi, segurando sua mão com força e o olhando ameaçadoramente. – Mas digamos que minha ameaça soava como piada pra ele. Ele continuava me irritando como sempre. Por que, Deus? Por que ele tinha que fazer isso? Dei um tapa forte em seu braço na tentativa falha de fazê-lo parar, mas foi em vão. O pata fez apenas com que ele puxasse meu cabelo de novo. Uma senhora passou por nós e ficou nos encarando, rindo. Ela não percebia que não tinha graça? – Eu juro que corto seu cabelo enquanto você estiver dormindo se você puxar meu cabelo de novo, você está me ouvindo? – Dei um tapa dessa vez bem mais forte que o anterior.
– Sua mão é pesada, se você me bater de novo eu vou retribuir. – Eu duvidava.
– Você não é nem maluco – Desafiei, estapeando-o novamente no braço com as duas mãos. retribuiu, não com força, mas ainda assim retribuiu. – Não me bate. – Eu emburrei, batendo novamente e ele devolveu. E eu retribuí e ele também até que estávamos nos estapeando no meio do corredor do mercado que nem duas pessoas retardadas. passou as mãos nos meus cabelos, jogando-os na frente da cara e eu fiz o mesmo com ele, mas o meu era maior e ficou mais bagunçado. Então voltei a dar tapas em seu braço e ele a cada tapa que eu dava bagunçava meu cabelo. Eu já não estava mais enfezada, eu estava achando engraçado. Então eu comecei a rir, assim como ele.
– Para com isso, seu maluco. – Eu parei de estapeá-lo, tentando colocar meu cabelo no lugar, mas ele continuou o bagunçado.
– Você tem muito cabelo, isso é engraçado. – Ele ria bastante.
– PARA, ! – Eu gritei rindo, mas ele continuava bagunçando meu cabelo, gargalhando. Eu me agachei, mas ele continuou. Juntei os braços tentando proteger minha cabeça e quando achei que ele tinha parado eu me levantei, acertando em cheio seu queixo.
– Outch. – Eu o ouvi exclamar e exclamei o mesmo, acariciando minha cabeça no lugar afetado. Tirei o cabelo da minha cara e olhei para . Ele tinha as mãos na boca e uma expressão de dor.
– Machucou? – Perguntei, chegando próximo. Ele não respondeu, continuou com a mão na boca e os olhos fechados com expressão de dor. – Que foi, engoliu a língua? – Perguntei rindo e ele afastou a mão da boca. – Putz. – Mordi meu próprio lábio ao ver o sangue na boca dele. – Ok, você não engoliu, mas provavelmente arrancou um pedaço com a cabeçada. – Eu comecei a rir porque eu achava bem feito.
– Ê ta uindo? – “Você está rindo” foi o que ele tentou falar, mas babou sangue, o que me fez rir mais ainda. Ele voltou a segurar a boca, como se pudesse segurar o sangue ali. Deus, como eu queria rir, mas coitado. Morder a língua dói pra cacete.
– Vem. – Segurei em sua mão e ele hesitou, mas eu o puxei. Não era um mercado muito grande, o banheiro era pertinho, ao lado dos produtos de higiene. Aproveitando, eu peguei um vidro azul e segui com ele para o banheiro. Quando paramos em frente a pia ele cuspiu. – Eca – eu disse quando tudo que ele cuspiu foi vermelho.
– Poxa. – Ele disse no intervalo de uma cuspida. – Que cabeçada do cacete, hein. – ele agora tentava olhar seu próprio beiço, tinha sido ele que cortou. E um corte enorme. Seus lábios começavam a ficar inchados.
– Coloca na boca e bochecha. – Entreguei a ele o vidrinho azul e ele ficou um pouco desconfiado.
– O que é isso?
– Água oxigenada. – Me olhei no espelho tentando consertar o estrago que havia feito no meu cabelo, mas não deu certo. O negócio era prendê-lo. Eu gostaria muito que meu cabelo fosse liso e direitinho que nem o da minha mãe, mas como a vida nunca era muito legal comigo, a única coisa que eu queria herdar dela não herdei, herdei do meu pai. Cabelos volumosos e cacheados.
– Ele fica legal como estava antes. – Olhei pra sem entender ao que ele se referia. – O cabelo – Ele apontou para minha cabeça. – Ele fica legal quanto está todo cheio. Você fica parecendo um leãozinho, fica engraçado. – revirei os olhos.
– Cala a boca.
– Grossa – Ele falou brincando, mas eu sabia que no fundo era sério. Eu sempre era grossa.
– Limpa isso. – Eu me aproximei de e passei meu polegar pelo canto da sua boca que estava sujo de espuma e ele me olhou um pouco assustado. Talvez seja porque minha atitude normal seria deixá-lo com a boca suja. – Que foi? – Estranhei sua atitude e sua cara, ele parecia que havia visto fantasma. Então ele segurou minha mão, afastando-a.
– Deixa que eu cuido disso. Vai lá terminar as compras e indo pra fila que eu já vou pra pagar.
– Melhor do que encarar essa sua cara que já não é bonita e ficando com a boca inchada assim, tá piorando tudo
– Pode dizer você ama admirar minha beleza. – Ele abriu um enorme sorriso. – Estar comigo em um banheiro pequeno e deserto está até atiçando suas fantasias. – Me vi rindo da piada de .
– Como você adivinhou? – Eu segui para a porta.
– Vai trancar a porta pra termos mais privacidade. – Ele fez uma careta engraçada, tentando parecer sedutor e me olhando pelo espelho.
– Depois dessa sua cara, agora mesmo que eu não fico mais dentro de um banheiro sozinha com você, . Você tem cara de maníaco. Vou terminar de fazer minhas compras. – Respondi antes de sair e bater à porta atrás de mim.
Capítulo 3
– Paul, eu não quero ir. – Eu tentava convencer meu irmão a me deixar em casa ao invés de ir a uma festa junto com ele. Mas não estava dando certo. Paul pegava todas as roupas do meu guarda-roupa e jogava em cima da cama, e eu pegava as mesmas roupas e jogava de volta dentro do guarda-roupa. – Para de bagunçar meu armário, porra! – Eu lhe empurrei da porta do armário, mas não deu certo. Ele não parecia convencido a me deixar em paz. Talvez o espírito do tivesse tomado conta do meu irmão, isso explicaria o fato de ele simplesmente não parar.
– E eu já falei que não. – Ele desistiu de procurar algo dentro do meu guarda-roupa totalmente bagunçado e começou a jogar as peças que estavam em cima da cama pro alto. – Essa não. Esse tá muito curto. Esse daqui pode ser. – Ele colocou um short na cabeça.
– Paul, eu quero ficar em casa. – Eu bati o pé no chão.
– Olha só – ele parou e pegou uma blusa que eu tinha na mão. – Esse short e essa blusa estão bons. Coloca aquela sua botinha, e solta o cabelo. Eu não vou repetir que não vou te deixar em casa essa noite. É sexta-feira à noite, você tem 17 anos e nunca sai à noite. Você precisa viver mana! VIVER! Eu sei que você ainda está chateada, mas isso não é motivo pra ficar o tempo inteiro trancada dentro de casa, ok? A vida é assim! Não importa o que aconteça você tem sempre que seguir em frente. E quando eu digo em frente, eu digo seguir em frente com a sua vida, e não essa vida de séries e filmes que você vive. Para de viver a vida de personagens fictícios e vá viver a sua própria – ele segurou em meu braço, me empurrando pra porta do banheiro. – Você tem quarenta minutos pra se arrumar, ok? Te aviso quando e eu estivermos prontos. – Ele me empurrou dentro do banheiro e fechou a porta. Eu sabia que não conseguiria convencer Paul a me deixar em casa, e talvez sair pudesse ser legal. Eu costumava reclamar que minha mãe não me deixava sair, e agora que eu tinha a oportunidade de fazer isso, eu ficava negando. Ás vezes nem eu me entendo.
Tomei um banho e me enrolei na toalha. Não estava a fim de colocar a roupa que Paul havia escolhido, então apenas mexi no bolo de roupas jogada em cima da minha cama e tirei de lá uma calça preta skinny que tinha rasgos por toda região da perna. Uma camiseta branca larguinha que chegava até a altura do quadril e tinha escrito em preto: "Punk is not dead". Segui o conselho do meu irmão com relação ao cabelo e calcei uma bota de cano curto. Nada de maquiagem. E acrescentei minhas pulseiras. Em meia hora eu já estava pronta. Achei que esperaria, mas quando saí, e Paul já estavam prontos. O primeiro mexia no telefone e nem me encarou quando eu avisei a Paul que estava pronta.
Descemos as escadas juntos, mas eu estava em silêncio. Paul e conversavam animados sobre a garota que Paul queria que conhecesse. Ele por sinal parecia um pouco relutante, mandando Paul esquecer sobre aquilo, mas meu irmão falava empolgado e convencido, de que ele gostaria da menina e que ela fazia exatamente o estilo dele.
– Olha, Paul, eu entendo que você seja um cara de vinte anos, solteiro e sexualmente ativo. Eu entendo, ok? Mas agora se você me deixar sozinha lá eu quero dizer que vou ficar muito, muito puta com você.
– Eu não vou te deixar sozinha lá. – o encarou e pelo olhar que ele fez, eu sabia que Paul deixaria. Talvez ele já tivesse deixado sozinho algumas vezes. – E de qualquer forma, a , e também estarão lá.
– Tá vendo porque eu não queria ir? Vou ficar lá sozinha.
– Eu acabei de falar que via ter mais gente lá.
– Eu vou continuar sozinha.
– Cara, você é muito chata – dirigiu a palavra a mim. – Você vai estar em um galpão, cheio de gente da sua idade, bebida e música boa tocando. Pensa na diversão e não com quem você vai ou não ficar. Deixa de agir que nem uma velha.
– Não estou falando com você.
– Mas eu estou me metendo. – Nós entramos no carro de Paul.
– Crianças, POR FAVOR! – Paul bateu no painel do carro forte, chamando minha atenção e a de quando começamos a brigar. – Hoje é sexta-feira, eu estudei e trabalhei a semana inteira e eu quero ME DIVERTIR, ok? Nada de briga de vocês dois ou eu vou deixá-los trancados dentro de um armário que nem já fizeram comigo. Entendido? – Novamente, estava me sentindo que nem uma criança. – Eu perguntei: entendido? – e eu nos escaramos e começamos a rir. Paul estava engraçado daquela forma. – Minha moral já foi pro ralo mesmo nessa porra. – Ele por fim também começou a rir. – , aqui a chave reserva – ele entregou uma chave à ele e eu me perguntei o porquê. – , é sua primeira noite com a gente, então vou te atualizar com algumas coisas. Caso eu fiquei bêbado e perca a chave ou entregue ela pra algum desconhecido, ou eu suma por aí com alguma garota e vocês queiram ir embora, ou qualquer outro imprevisto, tem uma chave com .
– E se você e o sumirem e eu quiser ir embora? – Era mais do que óbvio que a chave do carro deveria ficar comigo.
– Isso não vai acontecer – respondeu e Paul continuou seu discurso.
– Permito que você beba, mas tome cuidado com seu copo. Cuidado com os caras. Estarei com você ou por perto pra qualquer coisa.
– Paul – eu o interrompi – não é a primeira vez que eu saio, eu não tenho mais quatorze anos e eu sei me virar, ok?
– Tudo bem, senhorita. SO LET'S GO PARTYYYYY – ele gritou dando partida no carro.
Algo me dizia que aquela seria uma noite longa.
xxx
Quando eu passei pela porta eu tive certeza de que iria ser uma assídua frequentadora daquele lugar. O ambiente era legal, muito legal. Eu realmente havia gostado. Aquilo um dia havia sido um galpão abandonado que agora havia sido convertido em uma boate improvisada; um bar pequeno, mas muito movimentado ficava à direita, perto dos banheiros e havia luzes por toda a parte.
Não havia lugar para sentar ou divisão de quem era VIP ou não. Éramos todos a mesma coisa. Mais para o meio da pista, logo abaixo do globo central de luzes, eu estava dançando com meu irmão e simplesmente me acabando. Eu amava dançar de todo o meu coração. E era uma das poucas coisas na minha vida que eu fazia sem me importar se estava mandando bem ou não. Talvez porque sempre que eu fazia isso, existia uma quantidade razoável de álcool rolando por minha corrente sanguínea.
Eu sabia que e estavam por ali em algum lugar, assim como o irmão dela, que eu finalmente havia conhecido. Ele, assim como ela, era bem simpático e eu havia dado boas gargalhada com os dois, antes de sair para a pista de dança com meu irmão.
E falando nele, a parte mais divertida de estar com Paul era que ele era descarado. Ele olhava mesmo para as meninas na minha frente, e espantava mesmo os caras que olhavam para mim. Mas já tinha um tempo que ele estava paquerando uma loirinha e eu decidi que era hora de deixá-lo livre da irmã chata que não quer ser deixada sozinha. Eu poderia muito bem me virar. Eu sempre havia feito aquilo e aquela noite eu me permitiria me divertir. Eu merecia. Só ao chegar ali, eu havia percebido que eu estava cansada da minha monotonia.
– Vai atrás dela. – Falei pro meu irmão antes de sair. Ele não me contestaria, aquilo era o que ele mais queria.
Cheguei próximo ao bar e pedi mais uma bebida ao carinha bonitinho que estava ali servindo as pessoas. havia me dito que o nome dele era Ross, e que se eu o quisesse, ele estava disponível, alguns passinhos e ele seria meu.
Uma das coisas engraçadas sobre era a forma dela de lidar com os caras. Ela era bem bonita e chamava a atenção, e ela parecia muito bem saber e aproveitar as vantagens que isso lhe causava. Uma parte de mim tinha um pouco de vontade de ser dessa forma também, não ficar encanada com tudo o tempo todo. Talvez a bebida me ajudasse um pouco com isso essa noite.
Eu sabia que estava começando a ficar alegrinha ou talvez um pouco bêbada quando um cara parou ao meu lado e me deu boa noite com um belo sorriso no rosto e eu respondi um boa noite bem animado, e o primeiro pensamento que se passou na minha cabeça foi: Se eu quero aprender a desencanar, o primeiro passo é não se encanar. Então eu simplesmente o encarei de cima a baixo, dando um sorriso bem satisfeito. Se ele tinha feito isso, eu também tinha o direito, certo? Ele era bem bonitinho, com um cabelo cacheado castanho, olhos escuros, mais alto que eu e acho que o charme de estar usando all star. Pois é, era oficial, eu estava dando mole pro menino.
– Uma garrafa de Vodka, por favor. – surgiu ao meu lado, se debruçando sobre o balcão e ficando entre o menino e eu. Ele tinha o rosto vermelho, talvez estivesse se pegando com alguma menina. – Você dança. – Ele estava bem animado, talvez resultado de bebida.
– Sim – virei o restante da minha bebida e abriu a garrafa, bebendo dali mesmo. Era oficial, era um pinguço.
– Pelo menos você se soltou. – Ele ergueu a garrafa e eu olhei por cima de seus ombros pro carinha que continuava parado atrás dele e também me encarava. Durante toda a minha vida eu nunca havia sido o tipo de garota que ficava com vários. Eu havia acabado de sair de um relacionamento de dois anos, mas nem por isso significava que eu não sabia dar e entender sinais. E o sinal que eu estava passando naquele momento, era que eu realmente queria ficar com o gatinho do allstar. Havia me dado vontade de beijar na boca. Era estranho pensar nisso já que eu não ficava com ninguém desde o meu término.
– Sim! – eu falei animada e me lançou um sorriso bêbado.
– Quer ir pra perto do pessoal? A e o estão lá com as meninas que chegaram, e daqui a pouco o Paul volta. – Ele virou a garrafa na boca mais uma vez e voltei a olhar por cima de seu ombro. O garoto ainda me olhava e dessa vez me ofereceu um sorriso. E que sorriso.
– Agora não, vou descansar um pouco. – Disse prendendo meus cabelos e voltei a olhar a tempo de vê-lo acenar com a cabeça.
Eu realmente achei que sairia dali e voltaria a procurar o pessoal, mas ele ficou ali, tomando a vodka pelo gargalo da garrafa e fazendo careta. Pelo jeito ele ficaria ali olhando para a minha cara.
– Não vai voltar? Essa vodka não era pra todo mundo? – Perguntei percebendo que meu corpo se balançava no ritmo da música que tocava.
– Sim, mas eu posso te esperar. – Eu realmente não dei bola para o que ele estava falando. Meus olhos estavam fixos no garoto que me dava sorrisinhos insinuantes atrás de . Eu queria muito ficar com ele.
– Não precisa, fico bem sozinha. – Ele me olhou com a sobrancelha erguida e eu bufei alto. Por que ele simplesmente não me deixava em paz?
olhou pra onde meus olhos haviam seguido e observou o menino que olhava na minha direção. O menino ergueu a sobrancelha, como se falasse: Qual foi? Vai sair ou não? E isso me fez rir. voltou a me olhar com aquele sorriso debochado nos lábios, me olhando de cima a baixo, antes de chegar mais perto, de forma que só eu pudesse ouvir por cima de todo aquele barulho.
– Até que pra você tá bom. – Ele falou com desdém e aquilo em qualquer outra ocasião me irritaria muito, mas ali, com o álcool já no meu organismo, eu simplesmente não ligava.
– Não enche o meu saco. – Eu respondi de volta e voltei a olhar pro garoto que eu nem sabia o nome. – Quer dançar? – Sem dúvidas era o álcool, eu não costumava chamar pessoas desconhecidas para dançar comigo. Eu não costumava chamar pessoas pra dançar comigo.
– Claro – o rapaz respondeu passando por e segurando em minha cintura, me guiando pra pista de dança. Na realidade eu não queria dançar e agora não sabia como me livrar disso.
– Sou Ramon, prazer – ele falou perto do meu ouvido e ele tinha uma voz bem agradável. Ao invés de parar no meio da pista eu passei direto indo parar do outro lado.
– – respondi sorrindo e me virando de frente pra ele, quando chegamos ao outro lado, próximo a parede. – Na realidade eu não tô a fim de dançar, usei isso como desculpa pra sair de perto do .
– Alguma espécie de ex namorado? – ele tinha um olhar muito sexy, e os lábios também. O talvez eu só estivesse bêbada.
– Na realidade, ele é melhor amigo do meu irmão. – Revirei os olhos – Mas não vamos gastar nosso tempo falando sobre ele. – Sim, eu estava assanhadinha. Tinha tanto tempo que eu não flertava com ninguém. Eu tinha esquecido como era legal. Foram vários minutos conversando com o menino que eu já havia esquecido o nome até que finalmente nos beijássemos.
Eu havia esquecido como era beijar outra boca. Por uns momentos o álcool no meu corpo me ajudou a não pensar em outro beijo e em outra pessoa ali, junto comigo.
Aquilo era bom, pela primeira vez em muito tempo eu estava me divertindo.
Eu já havia esquecido como isso poderia ser divertido.
– Desculpa atrapalhar. – Eu completamente gritei no ouvido de , que se engolia com um cara que eu nunca havia visto mais esquisito em toda a minha vida, em um canto do galpão. Ela tomou um grande susto e se soltou rápido do garoto que me olhou com cara de poucos amigos. Eu poderia xingá-lo, ou mandá-lo ir a merda, mas meu mau humor era tanto que não permitia isso.
Todas as vezes que eu bebia era assim: ou alegre demais, ou depressivo demais, ou mal-humorado demais, e hoje, a última opção era o que me possuía.
Eu só queria ir pra casa dormir e esquecer o maldito dia.
– Que foi? – perguntou irritada, com o rosto vermelho, talvez ela não estivesse acostumada a ser atrapalhada no meio das pegações. Senti vontade de repetir seu tom de voz irritado só pra irritá-la mais ainda, mas nem me dei ao trabalho.
– Eu estou indo embora, seu irmão já foi, então, solta ele e vamos. – Eu virei as costas pra andar, mas pude ouvir o cara desconhecido com cara de maconheiro falar "se quiser eu te levo". Parei pra ouvir a resposta de , mas ela não veio então simplesmente resolvi responder por ela.
– Escuta, dude, ela vai comigo. – Apontei meu dedo pro meu peito. – O irmão dela sumiu e a partir daí, ela passa a ser "minha responsabilidade". – Usei aspas e fiz questão de revirar os olhos ao falar, apenas pra ela compreender que eu não estava feliz com aquilo. – Ou seja, ela vai comigo, não com um estranho que ela nem conhece, mesmo estando pendurada no pescoço dele. – Meus olhos se desviaram do estranho que me olhava com cara de quem realmente não tinha gostado de mim. – E eu não vou te esperar – disse minha última frase diretamente pra , que me fuzilava com os olhos. Era assim que eu gostava.
Dei meu sorrisinho lindo que eu sabia que a irritava e dei as costas novamente pro casalzinho sensação, dessa vez seguindo meu rumo. Se ela não me seguisse, poderia ficar à vontade pra pegar carona com o cara que poderia muito bem ser um psicopata estuprador caçado pela polícia em 14 países.
Eu não me importava. Mesmo sabendo que Paul arrancaria minhas bolas por deixar isso acontecer.
Estava serenando quando eu cheguei do lado de fora, e lá era bem mais fresco do que o lado de dentro. Fui pro meio da rua, a fim de chamar a atenção de algum taxi que aparecesse.
– O que você está fazendo? – surgiu e minhas bolas agradeceram por poderem continuar em seu lugar.
– Tentando vender meu corpo, afinal o que mais eu poderia fazer parado em uma esquina no meio da madrugada? – Ela revirou os olhos. – Chamando um taxi, o que parece que eu estou fazendo? – Eu sabia que estava sendo estupidamente grosso, mas não era nada que ela ou não merecesse, ou não fizesse comigo todos os dias. Logo, isso me fazia não sentir culpa. Ou talvez fosse só a bebida.
– Você não está com a chave do carro? – Ela pareceu confusa, e eu coloquei a mão na cintura, tendo certeza que aquela minha pose havia ficado nada heterossexual.
– Eu estou bêbado, . Você realmente acha que eu vou voltar pra casa dirigindo? Eu ainda sou um cara responsável. – Um taxi parou ao meu lado e eu abri a porta pra que ela entrasse, me jogando completamente ao seu lado e falando o endereço ao taxista.
– Por que meu irmão te deu a chave se sabia que você também ficaria bêbado?
– Eu raramente bebo.
– Acredito muito. – Ela parecia bem irritada e eu me perguntei se ela havia trocado telefone com o cara que ela estava se engolindo.
– Acredite se quiser – dei de ombros e virei pro lado. Eu só não queria olhar pra cara dela. A simples respiração dela já estava me irritando.
– Grosso. – Ela falou e eu fechei os olhos, jogando minha cabeça pra trás. Tudo rodava, meu estômago estava embrulhado e eu só conseguia sentir um cheiro de perfume barato que vinha dela. Era o cheiro dele. Ou eu estava ficando maluco. Era isso, eu estava ficando maluco. Pressionei minhas pálpebras com força e fiquei contando repetidamente de um a dez até que finalmente chegássemos em casa.
Sabendo que já estávamos em frente ao nosso humilde prédio, eu não esperei por . Ela sabia o caminho. Apenas paguei o taxi com uma nota alta e mandei ela pegar o troco enquanto me mandava pra dentro de casa. Eu queria minha cama, meu quarto, meu sono e minha paz. Apenas.
– Todo esse mau humor é por que a garota que o Paul ia te apresentar não foi? – jogou as chaves por cima do balcão bem no momento em que eu pegava uma aspirina e me preparava para pegar um copo de água. Eu já sabia a ressaca que enfrentaria no dia seguinte.
– Eu não fico de mau humor por causa de garotas. – Eu falei sério.
– Você precisa de uma namorada, . – Ela ainda estava animadinha por causa da bebida e eu realmente quis manda-la à merda. Se eu não tivesse me sentindo tão irritado eu poderia achar aquela situação cômica. Era como se tivéssemos trocado de personalidade. – Ou peguete. Beijar na boca às vezes faz bem. – Ela sorriu abobalhada, jogando os tênis pro alto com um chute.
– Eu não sou desse tipo que fica com qualquer um. – Meu tom foi ácido e ela arregalou os olhos se servindo muito bem com a carapuça. – Boa noite pra você – Foi a ultima coisa que eu disse antes de bater a porta do quarto com força. Eu só queria cama. E finalmente, era aquilo que eu teria.
Às vezes eu gostava de andar sozinha, sabe?
Simplesmente sair para espairecer um pouco e pensar na vida. Eu estava precisando desesperadoramente pensar e tentar esclarecer algumas coisas na minha cabeça. E essa sensação que eu estava sentindo dentro do meu estômago, me fazia lembrar de “casa”. Essa era a minha confusão. Eu já não sabia mais onde chamar de “casa” por que eu sinceramente já não sabia mais onde era a minha casa. Aqui com Paul ou lá com a minha mãe.
Isso me deixava tão confusa e deprimida. Por que sempre que eu lembrava de casa, eu lembrava do motivo que me fizera chegar onde eu estava agora. Eu lembrava de todas as brigas, discussões e todas as coisas que eu tentava não pensar antes de dormir. Tudo isso me causava uma irritação tão grande, por que eu simplesmente não queria pensar, mas era como se fosse uma daqueles trechos chatos de uma música, que por mais que você queira você simplesmente não consegue esquecer. E já estava começando a acreditar que o tempo não estava fazendo nada passar e ao invés disso ele estava fazendo crescer.
E era só começar a pensar e analisar toda a situação da minha vida que eu sentia medo. Por que de certa forma eu já estava começando a criar raízes, e eu precisava tomar cuidado pra que elas não fossem profundas, por que a qualquer momento minha mãe poderia aparecer e arrancar essas raízes com os dentes. Ela sempre fazia isso.
Eu não sei quanto tempo eu demorei na rua, pensando sobre essas coisas, mas quando cheguei em casa já era bem tarde e estava tudo escuro. Paul havia deixado um bilhete com um mini esporro em cima da minha cama e isso me fez rir.
De repente eu me sentia tão cansada que só conseguia pensar em dormir, então simplesmente me joguei na minha casa, com as roupas que eu estava, puxando minhas cobertas por cima de mim, pra apenas alguns segundos ouvi o barulho da minha porta e sentir um corpo fedendo a álcool se jogar ao meu lado.
A primeira coisa que se passou na minha cabeça foi a de que eu seria estuprada.
A segunda que se passou era que era um idiota.
– Que Diabos? Sai daqui , ! – eu falei, mas ele parecia mongo demais pra entender alguma coisa e apenas abriu um dos olhos, fazendo uma careta estranha e resmungando algo em uma língua desconhecida pra mim.
– , sai! Esse não é mais o seu quarto. – Eu tentei empurrá-lo, mas ele se segurou no colchão, afundando a cara no travesseiro.
– Sai da minha cama. – Foi só ele abrir a boca que o cheiro pareceu triplicar. Ele estava muito bêbado.
– , esse não é mais o seu quarto. Eu quero dormir, sai! – Eu o puxei pelo ombro, mas não adiantou muito.
Se eu já estava irritada anteriormente, a irritação pareceu triplicar.
Por que ele simplesmente não poderia ter lembrado que a merda do quarto dele não era mais aquele? Por quê? Porque ele é ! Nada do que ele fez nunca é certo!
Apelei, empurrando ele pelas costelas e acho que exagerei um pouco, já que logo depois da minha força excessiva ele foi parar no chão, fazendo um barulho alto e soltando uma exclamação de dor. Mordi meu próprio lábio, sentindo um pouquinho de culpa e me aproximei da beirada da cama, olhando pro seu rosto que parecia meio perdido e os olhos que estavam abertos demais pro seu normal. Ele havia se sentado e apoiado às duas mãos por trás do corpo.
– Machucou? – Perguntei apenas porque ele não saberia que eu havia perguntado no dia seguinte. Ele fez uma cara muito feia e engraçada e então em seguida começou a rir. Eu fiquei parada, sem entender do que ele ria, mas até que deu vontade de rir, tamanha era a vontade que ele gargalhava. Vai entender?
– Você só me bate – ele parou de rir e tateou o ar, a procura da cama. – Chama a minha vó porque eu quero ckaeif. – Ou a última palavra foi em outro idioma, ou ele falou algo que não fazia sentido.
– Eu não quero ficar com ela. – Ele se levantou, se sentando na beirada da cama e mesmo tendo a oportunidade de expulsa-lo, eu resolvi ficar quieta pra ver o que ele falaria. – Não é dela que eu gosto. O não entende isso. Eu quero ficar com a menina que eu gosto. – Ele usou as mãos pra gesticular, e fez isso de forma totalmente hilária. Que nem criança quando tenta fazer os pais entender sobre algo. – Mais ninguém. Só ela quem me interessa. – Ele fez bico, antes de se jogar pro lado e voltar a deitar na minha cama.
– Não, , seu quarto agora é o outro. Esse é meu! A gente trocou, lembra? – Eu tentei empurrá-lo, mas ele havia migrado pro lado da parede, fazendo com que eu ficasse na ponta. Ótimo, eu teria que puxá-lo ao invés de empurra-lo. Segurei em sua camisa puxando pela gola, mas ele segurou apenas com uma mão a madeira da cama. Sem dúvidas ele era mais forte do que eu. Merda! – ! Anda, sai daí. – Eu me ajoelhei na cama e comecei a puxá-lo.
– Deixa de ser chata! Eu quero dormir. – Ele se enrolou em minha coberta. – Cala a boca. – Ele colocou meu travesseiro em cima da cabeça e bufou mal-humorado. Eu até poderia achar graça da situação se aquele ali não fosse ele. Mas o problema era que ele... parecia uma criança birrenta e por um motivo idiota aquilo me fez rir.
Ele me lembrava eu.
– Dorme também. – Ele se encolheu em posição fetal e ficou parecendo uma criancinha. Confesso que naquela hora eu desisti de tirá-lo dali, já era uma batalha perdida.
– Já vi que você não vai sair – resmunguei mais pra mim mesma do que pra ele e me levantei. – Então eu vou dormir no seu quarto. – Eu soltei sua mão que eu ainda segurava desde a falha tentativa de tira-lo dali.
– Eu gosto do cheiro do seu cabelo – eu o ouvi falar antes de sair e eu revirei os olhos.
Eu poderia dormir na sala, mas a porta da varanda era de vidro e não tinha cortinas, e por algum motivo isso me fazia pensar que eu poderia acordar de madrugada e ter alguém me encarando do outro lado. Cogitei profundamente a ideia de ir pro quarto de Paul, mas eu havia ouvido um barulho na porta antes de , então não queria arriscar abrir a porta e encarar meu irmão em um ato sexual. Não mesmo. Minha única opção era ir pro quarto de .
Desde que chegara eu não tinha entrado no quarto dele e confesso que me impressionei quando o fiz. Para um quarto de homem, e em vista do meu e o de Paul, ele era arrumado. Muito arrumado. Alguns livros no lugar, CD’s DVD’s entre outras coisas. Deitei em sua cama puxando a coberta e me cobrindo, sentindo um cheiro gostoso de loção. A organização do quarto de me fez lembrar a primeira vez que eu o vi. Ele era tão quieto. Às vezes eu queria que ele tivesse continuado daquele jeito.
3 anos antes
A primeira coisa que eu fiz quando desci do trem foi tropeçar. Era incrível como eu tinha a capacidade de ser desastrada e mal-humorada. Por horas nem eu me aguentava. Ajeitei minha mochila nas costas, colocando a alça em um único ombro e soltei o cabelo, ele parecia um ninho de mafagáfos e nem meus dedos estavam dando jeito mais, então resolvi prende-los de novo. Eu estava cansada. Cansada e com saudades de Paul. Eu não via a hora de abraçar meu irmão e enche-lo e beijos e ter o resto de minhas férias apenas com ele.
Demorou um pouco até que eu avistasse meu irmão no meio da multidão e quando eu fiz isso abri o maior sorriso quando ele me encarou. Felicidade pra mim tinha uma tradução: Paul. Ele no meio da bagunça que era a minha vida era o meu tudo. A única pessoa que eu confiava de verdade e me permitia ser quem eu era sem cerimônias. Meu melhor amigo.
Eu me joguei no seu colo no momento em que estávamos próximos o suficiente e ele me ergueu quando eu o fiz, enchendo meu rosto de beijos.
Era bom se sentir em casa da forma que eu me sentia sempre que o abraçava.
– O que aconteceu com o seu cabelo? – Foi a primeira coisa que eu perguntei quando nos soltamos, sua cabeça estava completamente raspada. Eu diria até que ele havia passado a máquina zero e agora estava crescendo. Aquilo me assustou um pouco, não era do feitio de Paul ter cabelos curtos. Ele não tinha aquele corte desde que tinha 6 anos de idade e pegou piolho, seu cabelo era bem volumoso e cheio de cachinhos escuros.
– Resolvi mudar de visual – ele fez uma pose de galã. – , esse é o – ele apontou pra um rapaz que só então eu prestei atenção. Ele tinha o mesmo corte de cabelo que o meu irmão, a única diferença era que o cabelo dele era claro. – , essa é a tão famosa . – Meu irmão fez um gesto engraçado, como se eu fosse um objeto que ele vendesse. – Agora você pode dar seu preço. – Ele debochou e eu lhe dei um tapa que o fez rir. O garoto fez a mesma coisa.
Estiquei a minha mão pra ele, que tinha cara de quieto demais pra ser o melhor amigo do meu irmão. Paul assim como eu era ativo demais, agitado demais, falava demais. Quando Paul falava do melhor amigo, eu idealizava alguém muito parecido com ele, mas esse parecia ser totalmente o oposto. Ele era mais baixo, mais magro e tinha cara de criança.
– Prazer – eu disse e ele repetiu minha frase.
– O está morando comigo – Paul acrescentou logo depois que eu fui educada. Eu havia viajado por seis horas em um trem desconfortável para passar o resto do meu mês de férias com meu irmão. Era algo que eu sempre fazia, passava pelo menos um mês das minhas férias com ele. Geralmente era na casa da tia Rachel, ou nosso pai pagava algum hotel para que pudéssemos ficar juntos e aproveitava e tirava alguns dias de feria conosco. Mas dessa vez seria diferente, Paul estava morando sozinho – ou pelo que eu havia acabado de descobrir com um amigo – e ficaríamos por nós mesmos, totalmente. Eu estava ansiosa demais pra aproveitar cada instante disso.
– Você não falou nada de um amigo – Eu não fiz questão de falar baixo, mas o menino nem deu ideia. Apenas começou a caminhar ao nosso encalço com as mãos no bolso. Acredito que ele não era o tipo que falava muito.
– Digamos que eu queria fazer uma surpresa – Meu irmão fez uma dancinha engraçada e pegou a mala da mão do menino que havia pegado do chão quando eu joguei pra abraçar meu irmão. Paul passou a alça da mala pelo ombro e jogou um dos braços por cima de mim e outro por cima do rapaz chamado . – Nós três vamos nos divertir bastante esse mês que você estiver aqui – Ele falou animado, mas eu não senti tanta animação pelo "Três” que ele havia sido incluso na frase. Aquele era o mês que eu mais esperava durante todo o ano, e eu queria algo entre meu irmão e eu, não entre meu irmão, eu e um intruso qualquer, um amigo que já estava morando com ele pra atrapalhar o pouco de tempo que eu tinha.
– Vocês não se acham novos demais para estarem morando juntos não? Tipo, Paul, você acabou de fazer dezessete anos. Quantos anos você tem, ? É do que?
– Quinze. E é – ele continuou com as mãos no bolso e olhando pra mim só quando eu falava. Acho que ele estava com medo. Tudo bem que eu assusto um pouco as pessoas, mas sei lá né?
– Maninha linda, você sabe que responsabilidade é o meu nome do meio. E minha mãe precisava passar mais tempo com minha vó, ajudar com meu avô, você sabe essas coisas. Eles precisam de alguém pra cuidar deles. E o estava precisando também, então digamos que juntamos o útil ao agradável – meu irmão deu uma piscadela usando a cara que ele sempre usava pra me convencer de que algo daria certo.
– . – Alguém puxou minha coberta e eu acordei assustada, sem saber quem eu era, onde estava e o que tinha ido fazer ali.
– Que susto, Paul! Aprende a acordar os outros. – Eu nem havia percebido que havia pegado no sono, mas agora já estava amanhecendo. Cocei os olhos e meu irmão abriu a cortina.
– Cadê o ? – ele voltou até a mim, seu cabelo estava molhado e ele havia se barbeado.
– Tá no meu quarto. Ele chegou muito bêbado ontem – o rosto do meu irmão mudou.
– Você viu que horas eram? – Paul se sentou ao meu lado e eu coloque a cabeça em seu colo.
– Eu não, Paul. Mas já era bem tarde, eu estava acordada. Estava com insônia – diz um barulho com a boca. Paul ficou em silêncio por alguns instantes.
– Primeiro o mau humor de manhã, e depois isso pela noite. Esse menino tá começando a me dar dor de cabeça. – Ele sacudiu a cabeça como se fosse um pai preocupado e eu ri. – Me ajuda a acordar o ? – ele passou a mão pelos meus cabelos.
– Acorda ele sozinho. – Me sentei e prendi meu cabelo.
– de ressaca pra acordar é pior do que tirar vaca de areia movediça. – Ri da hipótese de meu irmão. E ele fez carinha do burrinho do Shrek. Por favor , eu sempre tenho trabalho pra acordá-lo. Por favor.
– Ok. – Me sentei com os pés para fora da cama. E Paul se levantou me puxando pelo braço em direção ao meu quarto.
– , acorda. – Paul puxou as cobertas do menino que se encolheu resmungando algo incompreensível e se encolheu no canto da cama em posição fetal. Sabe, olhando assim ele parecia até uma pessoa apresentável. Na verdade, ele parecia inocente. Mesmo sem querer eu ri vendo a cena. – Anda cara, levanta – pegou o travesseiro e afundou no rosto, virando-se de bruços e voltando a murmurar.
– Anda moleque, levanta. – Me ajoelhei na cama começando a cutucar sua cintura. se encolheu algumas vezes resmungando algo antes de tirar o rosto do travesseiro, me aproveitei da deixa e o roubei. – ACORDA! – Eu gritei antes de dar com o travesseiro em seu rosto. Paul gargalhou alto e eu continuei atingindo , nas costas, nos braços, na cabeça e na bunda, ouvindo os murmúrios exclamados por , conforme eu o acertava.
– Para, porra. – Ele segurou um outro travesseiro e me acertou, fazendo com que eu cambaleasse pra trás quase caindo, se não fosse por Paul. A parte mais estranha disso foi que eu não fiquei com raiva, achei engraçado o bico dele de mal-humorado. me acertou outra vez e eu gritei, mandando ele parar. – Vai parar com a porra da palhaçada e me deixar dormir? – Ele se ergueu um pouco, me encarando tão sério que nem parecia ele. Olhos vermelhos, cabelos bagunçados, bochechas rosadas e a barba começando a apontar. Foram alguns segundos de silêncio antes dele simplesmente virar pro lado e voltar a deitar pra dormir.
Aquilo me deu uma ideia maquiavélica e eu quase sai correndo do quarto até a cozinha e enchendo uma leiteira com água. Eu molharia minha cama, mas seria prazeroso ver a cara de .
– zinho – Chamei com voz melosa entrando no quarto e me aproximando de seu ouvido e ele soltou uma espécie de gemido em protesto dando um tapa vago no ar próximo a orelha como se espantasse o barulho e eu ri erguendo a jarra e começando a derramar água em seu rosto. tentou bater na água, e movimentou o rosto de um lado para o outro como se ele quisesse fugir da água, começando a tossir logo em seguida, até que finalmente se sentou. Sua cara era das mais hilárias que eu já havia visto, o que fazia com que paul e eu não parássemos de rir.
– Que foi? – Ele fez aquele bico de novo e passou a mão pelo rosto, desgrudando o cabelo da testa e tossindo. – Qual a graça? – Ele perguntou agora mal humorado muito mais mal humorado do que na manhã anterior. – Não se pode dormir mais não? – Ele me olhou sério e logo em seguida seu olhar seguiu para Paul.
– Eu prometi que nunca te deixaria matar aula – Paul disse apenas, dando de ombros.
– Precisava da água? Não tem mais o que fazer não? – Ele se virou pra mim, se levantando muito carrancudo e entrou no banheiro. Meu irmão entrou logo em seguida e trancou a porta. Eu ia estranhar, na verdade eu estranhei o Paul entrar no banheiro com o e fechar a porta, e sinceramente passou na minha cabeça que meu irmão pudesse ser gay. Mas então eu me aproximei da porta e ouvi sua voz.
– O que aconteceu? – Paul parecia preocupado. – Eu tô falando sério, , o que aconteceu? – murmurou alguma coisa do outro lado que eu não entendi e seguiu-se um momento de silêncio onde eu realmente me perguntei o que eles poderiam estar fazendo no meu banheiro.
– Quando você faz isso você não está atingindo seu pai de forma nenhuma, só está se prejudicando. – Meu irmão não falou como um amante chateado, mas como um amigo preocupado. Isso de alguma forma me "convenceu".
– Paul, eu quero tomar banho. – A voz do ainda estava carrancuda.
– Nem vem querer começar com essa porra de novo hein, . Eu não vou deixar, tô avisando – então a porta destravou e eu pulei longe fingindo procurar uma roupa.
– , toma banho lá no meu banheiro porque o está de ressaca e provavelmente vai demorar. – Concordei com a cabeça e meu irmão realmente parecia preocupado. E mesmo não gostando do e não conseguindo entender bem o motivo, aquilo de alguma forma também começou a me preocupar.
Capítulo 4
Durante toda a minha vida, eu nunca fui do tipo de pessoa que costuma se sentar acompanhada de outras pessoas. Sempre fui daquelas que preferem ficar sozinhas, ou melhor, na companhia de um bom livro ou de uma boa música. Quando se tem problemas em casa, você acaba aprendendo a curtir todos os privilégios que o silêncio e a privacidade podem te dar e era isso que eu costumava fazer em todo o tempo que morei com a minha mãe. Minha rotina consistia em chegar em casa, ir para o meu quarto e me trancar lá até o momento em que ela chegasse em casa. Era uma coisa que já estava tão entranhada em mim que, por vezes eu esquecia que eu não morava mais lá, aquela não era mais a minha vida, eu vivia com Paul agora e, por isso, eu tinha liberdade de fazer as coisas como eu quisesse e da forma que eu quisesse. Mas óbvio que com consciência e responsabilidade. Era tão estranho, porque eu simplesmente poderia ser quem eu sempre quis, mas estava tão acostumada a ser o que os outros queriam que eu esqueci como se fazia isso.
Eu precisava admitir que havia criado uma barreira à minha volta, por tanto tempo, que eu havia esquecido como era conhecer pessoas novas, pessoas que pudessem ser legais de verdade. Eu realmente havia esquecido como era se preocupar com as outras pessoas, me relacionar com outras pessoas da minha idade que não fossem aquelas que eu conheci durante toda a minha vida. E isso me fazia ter uma enorme inveja, sim a palavra era inveja, todas as vezes que via a forma como interagia com as pessoas ao seu redor quando me chamava para sentar com ela no horário do intervalo. Eu não era o tipo de garota que tinha amigos, e eu simplesmente não fazia ideia de como fazê-los.
– Hey você – alguém deu um chute leve no meu pé e eu abri um dos olhos, vendo parada cobrindo o sol que deveria pegar no meu rosto. Tirei um dos fones do ouvido e pensei na melhor parte da música que eu perderia. Eu estava sentada embaixo de uma árvore, um pouco distante da muvuca que costumava ficar o pátio. Eu tinha as aulas antes e depois do intervalo vagas. – Fazendo o que aqui sozinha?
– Aproveitando boa música – Respondi tirando o outro fone no ouvido e parando a música em meu telefone.
– Hum – ela fez cara de quem não estava acreditando e se sentou na minha frente. – Por que não se sentou lá com a gente? – Ela apontou com a cabeça o lugar onde ela e as outras meninas sentavam todos os dias.
– Às vezes eu gosto da solidão.
– Ai, para com isso, pelo amor de Deus! Pelo que eu entendi você passa o tempo inteiro em casa! – Ela fez uma expressão engraçada;
– Não passo não. – Discordei, sendo que era a mais pura verdade.
– E onde você geralmente está quando seu irmão e o estão na minha casa?
– Em casa. – Me dei por vencida, vendo ela sorrir em vitória.
– O pessoal vai lá pra casa mais tarde, e você está convocada.
– Que pessoal?
– As meninas, o seu irmão, – ela sorriu ao falar, – , e provavelmente o .
– Você e o meu irmão se pegam? – Aquela pergunta simplesmente veio à minha cabeça e saiu sem filtro nenhum. Foi só como se eu tivesse me tocado do que tivesse perguntado, depois de ter perguntado.
– Não. – Ela riu, mas algo ali me dizia que era mentira. – Não. Eu não pego o Paul e nem o , antes que você pergunte. Por mais que metade do mundo duvide da última opção, eu realmente não pego nenhum dos dois. Por mais que o seja a coisa mais fofa desse mundo. – Ela terminou sua frase e eu fiquei parada por alguns segundos esperando que ela risse, porque aquilo só poderia ter sido uma piada. Mas isso não aconteceu.
Acredito que minha fisionomia se tornou algo engraçado naquele momento. Metade da minha cara estava convertida em uma risada, enquanto a outra metade tentava se manter séria. Mas a tentativa não deu muito certo, porque eu acabei começando a rir.
– Que foi? – Ela pareceu não entender minha expressão.
– Você acabou de dizer que o é fofo.
– E ele é! – ela respondeu com convicção e voltou seu olhar pra trás, na direção onde os meninos estavam sentados. Um menino de camisa verde falava com , mas ele parecia não prestar muita atenção, apenas mexia no celular quieto e olhava de vez em quando para o chão.
– Não, cara, o não é fofo. – Eu precisei repetir, porque não era possível que ela não pudesse achar isso.
– Então não é exagero. Vocês realmente se detestam? – Eu acenei com a cabeça e ela soltou uma risada com ar incrédulo. – Eu nunca achei que viveria pra ver uma garota que detesta o .
– Eu não devo ser a única. – Ela voltou a rir, e eu senti como se não tivesse entendido alguma piada.
– , não sei se já te disseram ou se você não percebeu. Mas é uma raridade. – Ela se virou novamente olhando na direção em que ele estava.
– O que você quer dizer com raridade?
– Ele é diferente do que os outros garotos costumam ser. Ele não fica com várias meninas, ele é educado, romântico, carinhoso e atencioso. Sério, você realmente precisa conhecê-lo. Ele realmente é um cara decente. – Eu tentei me manter imparcial, para não parecer mal-educada, mas antes mesmo do final de sua frase eu já estava rindo.
– Desculpa, você está parecendo tão verdadeira. Mas eu simplesmente não consigo acreditar nessa versão do , ok? Eu olho pra ele e tudo o que eu consigo pensar é em como ele e meu irmão devem fazer um estrago por aqui!
– Não. Quem faz o estrago é o Paul e o . O é mais na dele. – Ela disse.
– Quem é ? – Olhei na direção dos meninos e ela se virou completamente, não disfarçando nem um pouco para onde estava olhando e apontando na direção do menino de blusa verde. – E aquele ao lado dele que é o . Eles são os que fazem um estrago nesse colégio. O não pega ninguém – eu ia rir quando ela falou, mas ela continuava parecendo tão séria.
– Vai ver ele é gay. – Eu olhei bem pra , que pareceu sentir que estávamos falando dele e ergueu os olhos na nossa direção.
– Não. – Ela sacudiu os braços e começou a rir. – O é romântico. Eu tenho muito orgulho dele por ser assim. – Ela abriu um enorme sorriso olhando para ele que arqueou a sobrancelha, como se indagasse o que estávamos falando sobre ele. continuou apenas rindo, sem nem disfarçar e eu acabei rindo também da cara que ele fez virando o rosto. Ele pareceu ficar sem graça. O que ela me descrevia de longe não era o que eu conhecia, o cara que morava na mesma casa que eu, o melhor amigo do meu irmão. – O é a pessoa mais fácil do mundo de constranger. É só você encarar ele, e bum ele já fica que nem um pimentão.
– Eu não acho isso. Eu acho ele um chato implicante e atentado. E sem nenhuma dessas qualidades que você acabou de falar.
– Ah, isso ele também é. – Ela olhou para ele de novo. – Junto com todas as outras coisas que eu falei. Hoje ele está esquisito. – Ela se virou novamente de frente para mim. – Ontem à noite ele passou lá em casa, mas nem ficou muito tempo. Aconteceu alguma coisa?
– Ele chegou bêbado e de madrugada em casa e está de ressaca, só isso. – A cara dela mudou quando eu citei a palavra bêbado, da mesma forma que a do Paul havia mudado mais cedo.
– Gente, por que vocês fazem essa cara? Ele tem 18 anos, é normal ficar bêbado, não? Digo, eu sei que tinha aula hoje e tal, mas não é como se vocês nunca fizessem isso. Eu já vi o Paul fazer várias vezes.
– Não é isso não, , o já teve problemas muito sérios com a bebida e, desde então, ele só bebe quando está com a gente. – Ela tinha aquela ruga de preocupação na testa. – E ele é muito querido, por isso que a gente se preocupa com ele. É porque vocês convivem há pouco tempo e você ainda não se deu a oportunidade de conhecê-lo de verdade. Quando você fizer isso você vai entender do que eu estou falando. É impossível não criar um carinho pelo .
– Já não me basta o Paul puxando o saco dele, agora tem você também? O que esse garoto fez com vocês? Eu já acho que é impossível não criar um carinho pelo meu irmão. Ele sim, é uma pessoa fofa, linda, amável, carinhosa e cuidadosa. – soltou uma gargalhada com a minha frase. – O que foi?
– , seu irmão não vale nada. – Ela falava séria, mas rindo. – Eu tô falando sério, seu irmão não vale nada.
– Ele é um lindo jovem que aproveita a juventude, ok? – Entrei em defesa do meu irmão.
– Não adianta discutir com você. Vocês têm o mesmo sangue, a boa lábia deve vir daí – Fui obrigada a concordar, talvez realmente fosse verdade. O sinal tocou alguns segundos depois de terminar sua frase. – Te espero mais tarde, ok? E nem adianta não ir, porque eu sei onde é sua casa. – Acenei com a cabeça e ainda por cima fiz uma continência que fez com que ela revirasse os olhos rindo e se afastando.
Alguns segundos depois meu telefone tocou com uma mensagem:
“me ame menos”
Dizia a mensagem que me fez olhar pra e revirar os olhos.
“Se iluda menos”
Eu respondi antes de vê-lo sair andando de volta pra sala de aula.
xxx
Flashback
– Você tá falando sério que a gente não vai sair de novo por causa dele? – eu estava irritada com meu irmão que pela terceira vez deixava de fazer alguma coisa comigo porque seu lindo melhor amigo estranho que quase não falava e vivia trancado dentro do quarto não queria sair. -Ele fica trancado ou quieto, qual a diferença se ele for ou não? – eu batia o pé no chão.
– , eu não quero deixar ele sozinho. E a gente pode muito bem ver filme aqui em casa, é só ir na locadora e alugar. Tenho certeza que tem um mooooooooonte de filmes na locadora que você nunca assistiu e que amaria, – ele fez aquele bico que sempre fazia quando tentava me convencer, – a gente pode ir ao cinema amanhã.
– Não tem ninguém que você possa chamar pra ficar de babá do seu amigo, não?
– , você sabe o nome dele, para de chamar ele de "seu amigo", "o menino" ou "o estranho". O nome dele é . – Paul se levantou abrindo o armário.
– Não tem ninguém que possa ficar de babá do , não? – eu revirei os olhos.
– Ele não precisa de babá. Ele só precisa de amigos em volta dele. – Meu irmão e a sua mania de ser um fofo. Aquilo me fez revirar os olhos.
– Eu não sou amiga dele.
– Mas pode ser – Paul tirava algumas coisas de dentro do armário e ia colocando em cima do balcão. – Você me falou que ia me contar como andava a sua vida e até agora só está me enrolando. Que é o menino que você está namorando? – meu irmão fez uma pose séria.
– Eu não estou namorando. A gente só está ficando.
– Você não é menina pra se ficar não. Passou de uma vez é namorar. Eu sabia que um dia essa fase chegaria. Agora eu vou ter que arrumar uma arma, ácido de cianureto, aprender a matar sem deixar pistas. Minha vida seria muito mais fácil se você fosse assexuada – eu comecei a rir daquilo.
– Ou talvez se eu fosse lésbica.
– Não, seria mais complicado, porque se um homem e uma mulher, onde uma fala demais e outro escuta quieto, já dá problemas, agora imagina duas mulheres? Você ia trazer ela aqui e iam me deixar louco. Tá bom assim – ele fez uma cara estranha. – Mas você está desviando do assunto de novo. Quem é? Eu conheço, né? Só não me diz que não é nenhum daqueles estudantes ou inspetores do colégio da sua mãe, por favor.
– É o Toni – eu soltei e mordi os lábios com medo da reação do meu irmão. Ele ficou parado com a boca aberta e a frase morta no meio. – Fala alguma coisa.
– Toni, Toni? Toni...Toni?
– Isso, o único Toni que a gente conhece em comum, e para de me olhar desse jeito. Eu botei a mão no rosto.
– E você tá gostando dele? – meu irmão se debruçou sob o balcão e ele parecia tão sério e preocupado. Eu amava isso nele.
– Tô – me apoiei da mesma forma. – Ele é legal, e me faz sentir bem, e simplesmente aconteceu, sabe? E a gente tem se falado muito e eu realmente tô gostando dele – meu irmão ficou me encarando durante um tempo, até parecer assimilar tudo.
– Bom, conhecendo o Toni como eu conheço, sei que ele é um cara legal, boa criação, espero não ter que matá-lo. Odiaria ir no enterro dele e ver a mãe dele chorando. Ela é uma pessoa legal.
– Eu sei – respirei um pouco aliviada ao notar a "aprovação" do meu irmão.
– Mas você sabe que a sua mãe vai surtar quando descobrir, não sabe? – ele ainda parecia preocupado.
– Eu sei, é por isso que a gente vai manter em segredo. Você é a única pessoa que sabe.
– Como isso aconteceu?
– Ele estava lá em casa como sempre, e começamos a conversar mais, e dessa vez a gente ficou mais junto. Acabou que ficamos e acabamos ficando durante todo o feriado, e depois quando a família dele foi embora, ele voltou algumas vezes pra me ver, e em uma dessas vezes ele me perguntou se eu toparia continuar e eu disse que sim.
– Então vocês estão namorando? , 14 anos é muito nova pra namorar.
– A gente não tá namorando – eu revirei os olhos. – Até porque a gente se vê o quê? Uma vez por mês? De dois em dois meses? Isso não é namoro, mas eu tô gostando dele – eu falava animada com o sentimento que era tão novo pra mim. Eu realmente me sentia feliz. E eu estava louca para que essa felicidade durasse.
Flashback Off
xxx
Quando cheguei em frente ao endereço que Paul havia me passado por telefone, eu vi uma casa que não era muito grande, dois andares. A entrada ficava pela lateral, e pela lateral eu podia ver parte de trás do quintal e uma garagem que ficava ali no final. O quintal era pequeno e o espaço também, mas, de certa forma, tudo parecia bem aconchegante. Bati três vezes na porta antes que alguém viesse me atender e levei um susto quando fizeram isso. O menino que abriu a porta era o mesmo que mais cedo havia me sido apontado como . Ele estava sem camisa e com cara de quem estava animado demais. Eu me perguntei o que diabos eles poderiam estar fazendo dentro daquela casa.
Vejamos bem, aquela era a primeira vez em alguns anos que ia na casa de um amigo, que não fosse para fazer um trabalho. E de qualquer forma, não era minha amiga. Era como se eu estivesse perdendo a virgindade de “ir à casa de pessoas da minha idade”. E de qualquer forma, eu precisava parar de me referir a eles como “pessoas da minha idade”. Talvez eu começasse a me referir a eles como “amigos do Paul” ou “ amigos do ”.
– Hey – eu disse e dei um aceno fraco, me sentindo totalmente ridícula em seguida pelo aceno ridículo e xoxo.
– Hey, . – Ele me chamou pelo apelido e eu agradeci a Deus por ser uma pessoa de fácil controle emocional, afinal, ele deu um belo sorriso e ele estava parado na minha frente e sem camisa. Eu sou humana, ok? – Ganhei uma aposta por você vir. – Ele abriu mais a porta e me puxou para dentro, passando os braços em volta do meu ombro. Aquele ato me surpreendeu, me assustou e me deixou constrangida.
Assim que entrei na casa, me deparei com uma escada e um corredor. A primeira porta do corredor dava na sala, e ela sem dúvidas era muito maior do que eu havia imaginado, que por sinal estava totalmente bagunçada, com algumas latas de cerveja e refrigerante jogadas pelo chão. O outro menino, que eu sabia que era , estava jogado no sofá segurando dois controles e fez uma cara engraçada quando me viu.
– Acabei de perder vinte pratas – ele sorriu e eu continuei não entendendo o porquê de eles estarem apostando a minha ida, mas tentei levar na boa e imaginar que aquela era uma coisa que eles faziam com frequência. , Rose e Valerie estavam no outro lado da sala, em pé e em volta de uma mesa que tinha um estilo daquelas de bares, redonda e alta.
– Hey, , você veio! – Ela me olhou animada e soltou os braços de volta de mim e eu me aproximei delas. Achei estranho não estar ali, afinal, ele havia dito que estava indo para lá depois de me dar carona pra casa depois da escola.
– Sim, eu vim! – Respondi me aproximando e Valerie deu espaço para que eu me colocasse ao lado delas, na roda formada pela mesa.
– Estávamos falando sobre o baile.
– Que baile? – De repente me senti um Alien, por não saber do que ela estava falando e estudar na mesma escola que elas.
– O baile da escola! Estamos no último ano, ! – Rose falou como se fosse a coisa mais óbvia, mas eu fiquei me perguntando se eu estava perdida no tempo ou se realmente esse baile não aconteceria em, sei lá, seis ou sete meses.
– O baile não é daqui há alguns meses? – Perguntei só para ter certeza de que eu não era louca. E Valerie riu.
– Sim, . A Rose é só uma pessoa que sofre por antecedência e já começou a sofrer por não ter um par pro baile.
– Mas o baile é em meses, como assim você tá deprimida por não ter um par? – eu fiquei surpreendida e elas começaram a rir.
– Você só tá fazendo essa cara, porque conhece a Rose há pouco tempo, depois você se acostuma. Ela sofre pelo baile desde a quinta série. – Eu fiquei surpreendida e ela riu.
– Todos os caras legais já estão comprometidos. – Ela falou colocando a mão na cabeça. – Meu resquício de esperança era: Joshua, Emmet ou . Os dois primeiros começaram a namorar.
– Ainda tem o – eu falei e elas soltaram uma risadinha.
– O possui uma parede em volta dele chamada “suposta garota que ele gosta e ninguém conhece” que impede que qualquer garota chegue perto dele. – Ela respondeu revirando os olhos. – E olha que eu sei bem o que eu estou dizendo, eu já tentei. – Valerie disse e fez uma careta.
– Você era apaixonada pelo ?
– Diga o verbo no presente, – quem respondeu e Valerie ficou um pouco sem graça.
– Não é paixão. É quedinha, é diferente.
– É quedinha estilo: eu fico olhando e rindo pra cara dele que nem uma retardada – Rose acrescentou e logo em seguida bateu com a cabeça na mesa. – Estamos perdidas, Val! Não teremos par! Todos os caras decentes dessa cidade já estão comprometidos. – Eu precisei rir da dramatização dela, afinal, eu não achava baile algo tão importante. Não para aquele tipo de reação. Eu não era uma garota de bailes. Colocar um vestido, esperar coisas fantásticas, ter coroação de rei e rainha, fazer discurso. Nada disso combina comigo. Até porque eu nunca seria rainha de baile nenhum.
– Cheguei – Ouvimos a voz de na porta e logo em seguida o barulho dela batendo. Quando apareceu na sala, a primeira coisa que eu olhei foi Valerie, só para ver a reação dela, e ela sorriu que nem uma garotinha. Aquilo me fez rir também, porque achei bonitinho. Os olhinhos dela brilharam. Quando voltei meu olhar para , ele carregava algumas sacolas que deixou jogada em cima da mesa ali e se aproximou de nós dando um beijo no rosto de cada menina e apenas bagunçando meu cabelo, só para me irritar.
– Alguém passou a ser social, é isso mesmo? – Ele falou irônico e parecia um pouco surpreso de me ver ali. Talvez porque não tivesse avisado a ele que eu viria, ou talvez porque ele disse que estava vindo para cá, e eu nem pedi uma carona. Eu sempre preferia andar a pé, do que andar com .
– , a Rose já está surtando por causa do baile. – se enfiou no meio da mesa entre a gente, ao lado de Rose e Valerie, ficando de frente para mim, mas sem me encarar. Ele começou a rir quando disse isso.
– Eu esperava que esse surto fosse acontecer uma semana atrás. – Ela sorriu. – Tá surtando por quê? Por que não tem um par, ou por que ainda não encontrou um vestido perfeito? – parecia tão atencioso ali no meio deles, que eu cheguei me assustar.
– Os dois – ela bateu com a cabeça na mesa de novo, e eu preciso dizer que estava surpresa, porque aquilo era sério. Ela estava chateada e preocupada de verdade
– Você ainda tem tempo. Fica tranquila.
– , todos os caras legais do colégio estão namorando.
– Eu continuo aqui. – Ele ergueu os braços fazendo uma pose de machão e ela sorriu, fazendo uma cara engraçada.
– Como se você fosse ir ao baile comigo. – Ela deu um sorrisinho insinuante.
– Se você não conseguir ninguém até lá, eu vou com você – ele mexeu no cabelo dela, e todas as meninas fizeram uma cara engraçada, mas eu só prestei a atenção na cara de Valerie, que honestamente me fez rir. parecia ter acabado de declarar a terceira guerra mundial. Elas pareciam surpresas e chocadas e eu não conseguia entender.
– Eu não brinco com esse tipo de coisas. – Ele juntou os dedos e beijou. – Se você não estiver com ninguém até lá, e eu também não, eu vou ao baile com você! – Ela ficou tão feliz que pulou no colo de . Eu fiquei apenas olhando e achando aquela cena mais do que bizarra. estava rindo e demonstrando ser um bom amigo ao invés de estar jogado no sofá com os outros meninos jogando vídeo game. Eu entrei em um mundo paralelo quando passei por aquela porta?
As meninas continuaram conversando e eu apenas observando, sem opinar muito. O assunto estava muito diabético para o meu gosto e agradeci mentalmente quando gritou se alguém queria jogar porque havia perdido. Agora sim, as coisas estavam começando a ficar interessantes. Por mais que eu tivesse me sentindo à vontade desde o começo, quando eu me joguei no sofá e peguei o controle, eu finalmente senti que havia achado meu lugar dentro daquela casa. E quando gritou indignado quando eu fiz o primeiro gol, eu tive, pela segunda vez desde que eu havia me mudado, a sensação de que eu seria uma assídua frequentadora daquele lugar.
Capítulo 5
Eu estava fazendo uma massa quando apareceu na cozinha junto com Paul e , que havia saído dali pra abrir a porta. No final de tudo, descobrimos que havia nos convidado com um propósito: anunciar que pretendia dar uma festa de aniversário e que todos ali estariam inclusos na organização, e que ela mesma já havia separado a função de cada um. Não era surpresa pra mim que ela pretendia fazer isso, já que ela vinha anunciando que daria A festa de dezoito anos provavelmente desde que nasceu.
O que foi um pouco de surpresa pra mim foi o fato de chegar na casa e estar lá. E logo depois eu me senti um pouco idiota por não ter me dado conta antes de que isso simplesmente passaria a acontecer. realmente havia gostado dela, então era óbvio que ela passaria a ser frequentadora do lugar. Sem contar também que era ali que Paul sempre estava, então não havia nenhum outro lugar que devesse estar.
Eu ainda estava me sentindo um pouco irritado, mas não poderia usá-la como desculpa ou motivo da minha irritação. Muitas coisas estavam acontecendo e minha cabeça simplesmente havia começado a trabalhar a mil por hora. Eu sentia como se a qualquer momento eu pudesse vomitar pensamentos. Eu não havia esquecido o que havia dito pra ela alguns dias atrás e sabia que ela provavelmente ainda estava puta comigo por isso. Mas não era como se eu simplesmente me arrependesse e fosse pedir desculpas por ser grosso. Ela agia comigo daquela forma o tempo todo e nunca havia se dado ao trabalho de se desculpar. Não era eu quem o faria. Ou talvez eu fizesse.
Culpa era algo que me consumia fácil, e se eu começasse a me sentir culpado demais por algo, mesmo achando que eu estava certo, eu simplesmente pedia desculpas. Eu preferia viver uma vida onde eu me sentia leve, do que uma onde eu simplesmente me consumia por sentimentos aos quais eu não deveria estar preso. Bom, pelo menos em alguns quesitos. E pensando nisso, ela havia jogado água na minha cara pela parte da manhã, então de certa forma estávamos quites.
– Quer ajuda? – perguntou à quando ela voltou a ralar o queijo que havia jogado em cima da mesa para atender a porta. De vez em quando nós tínhamos a mania de simplesmente ir pra cozinha e colocar a mão na massa para fazermos algo de comer ao invés de pedirmos a habitual pizza.
– Não. – Me antecipei em responder, simplesmente porque não a queria ali.
Não me dei ao trabalho de olhá-la, ou de falar qualquer outra coisa. Apenas voltei a mexer na minha massa, jogando um pouco de farinha e cantarolei alguma música que estava na minha cabeça antes. Eu sabia que Paul me encarava com aquele olhar preocupado e que dentro de poucos dias todos começariam a me olhar da mesma forma. Talvez se eles tivessem ideia do quanto eu detestava aquele olhar, eles não o lançassem tanto pra mim.
– Tem certeza? – Ela insistiu ainda se direcionando à .
– Já falei que não. – Eu parei de mexer na minha massa e a encarei só para ser mais convincente. Ela revirou os olhos parecendo irritada com a minha "irritação" e eu realmente achei estranho nem a e nem o Paul terem falado nada. , ao contrário de falar alguma coisa, me olhava minuciosamente.
– Eu posso...
– Tá surda? – Eu fui um pouco grosso e tentei sorrir no final pra amenizar a minha forma de falar, mas no final acho que pela forma que ela me encarou o riso acabou saindo como deboche.
– Grosso.
– Você nunca me viu pelado, como você sabe? – Aquela era uma piada ridícula, de muito mau gosto e que eu não faria a não ser com os caras. Mas ver a cara dela com a minha resposta, pagava qualquer senso de dignidade que eu poderia ter perdido com aquela frase. Só aquilo me fazia ganhar o dia. e Paul riram, com direito a um gritinho e tudo da parte da primeira. Ela não estava acostumava a me ver falando aquele tipo de coisa.
– Depois você fala que seu amigo não é um pervertido. Vai deixar ele falar essas coisas pra mim? – Ela apelou pro irmão que apenas ergueu as mãos ao alto.
– Cara, eu estou fazendo as coisas que você me ensinou. – Repeti seu gesto, entrando em minha própria defesa.
– Já falei que não me meto na relação de vocês dois. – Ele finalizou e eu abri um sorriso, me dando por vencido.
– Gays. – Ela falou em tom de irritação e isso me fez sorrir mais. Vê-la irritada melhorava em muito o meu dia.
– Nem nos seus sonhos. – Eu resmunguei e ela saiu da cozinha pisando duro e levando todo aquele cabelo volumoso junto com ela.
– Cala a boca – eu disse depois de um tempo de silêncio nada aconchegante na cozinha. Paul me encarava e encarava Paul, talvez esperando que ele falasse alguma coisa.
– Mas eu estou em silêncio – ele disse e concordou.
– Seus pensamentos estão altos demais. Não, eu não liguei pra ele. Não eu não vou ligar de volta, eu não vou à lugar nenhum e não, eu não quero falar sobre isso, ok? – Eu disse todos os nãos olhando nos olhos do meu melhor amigo apenas pra ele ter a certeza de que eu ficaria bem, mesmo eu não tendo tanta certeza disso.
Pra mim era muito óbvio o motivo de não gostar de mim: Ela tinha ciúmes. Era comigo que Paul dividia a atenção que deveria dar apenas pra ela. Eu era o outro irmão que ele havia adotado. Era comigo que ele estava quando não estava com ela, e era comigo que ele se preocupava quando não estava preocupado com ela. Ela não era mais a única e acredito que isso a irritava profundamente.
– Tem certeza?
– Absoluta. – Fiz um sinal positivo com a cabeça e ele concordou, saindo da cozinha em seguida.
– Então é sério mesmo, esse lance seu e da ? – perguntou descontraída.
– Que lance? – Me assustei, entendendo apenas alguns segundos depois o que ela falou.
– De vocês não se darem bem. Quando ela fala de você quase sai espuma pelos cantos da boca dela. – soltou uma risadinha.
– Ela tem ciúmes do Paul. Só isso. Mas eu nem tenho nada contra ela.
– Você implica com a coitada da garota.
– No começo eu até implicava, mas hoje em dia eu mais revido. É engraçado vê-la toda irritadinha.
– E como começou essa implicância toda? – Ela perguntou e eu ri, lembrando de nós dois três anos atrás.
xxx
Flashback
– Cadê o seu irmão? – Perguntei a , que fazia alguma coisa na cozinha que cheirava muito bem. Ela vivia na cozinha.
– Saiu pra alugar alguns filmes, já que não vamos mais ao cinema. Ela estava emburrada e eu sabia que era por causa de mim. Eu já tinha falado com Paul que eu não precisava de babá, apenas queria ficar na minha e quieto, mas ele tinha medo de me deixar sozinho e eu fazer alguma merda de novo, então eu era obrigado a ter sempre alguém por perto de mim.
– Muito obrigado. – Eu peguei o copo de refrigerante que havia acabado de colocar pra si e bebi. Foi engraçado ver a sua cara perplexa pela minha atitude. – Quem esse garoto pensa que é? Ele tem intimidade comigo pra fazer isso? – Eu falei em uma voz afeminada e ela pareceu mais surpresa ainda. – É isso que está escrito na sua testa. – Eu ri e ela continuou séria. Era oficial, ela não gostava de mim. – Pode parar de me encarar como se eu fosse um Et. Dá quase pra ler sua mente, você está assim por dentro: Quem "esse menino” pensa que é pra me imitar desse jeito. – Eu usei o mesmo tom que ela usava pra se referir a mim quando falava com o Paul e pensava que eu não ouvia. Acho que a voz muito afetada a irritou.
– Cala a boca. – Ela pareceu bem irritada e eu comecei a rir. Havia muito tempo que uma menina não me mandava calar a boca, e era engraçada a forma que ela me encarava, como se pudesse realmente me calar só com a força do pensamento. – Você nem me conhece.
– Você nem me conhece. – Repeti a sua frase me sentindo um cara de treze anos irritando garotinhas e de repente passou a ser muito divertido a forma que ela parecia realmente irritada.
– Para com isso, garoto.
– Para com isso, garoto. – Ela parou muito séria e eu comecei a rir de novo, na realidade eu comecei a gargalhar e me assustei. Eu mesmo achei que nunca mais ouviria aquele som saindo de mim. O susto me fez parar e ficar olhando-a, enquanto ela continuava com a mesma impressão de que se pudesse me desintegraria com o olhar.
– Meu nome é . – Disse depois de alguns segundos de silêncio
– Para com isso, . – Ela se negou a me chamar pelo nome.
– Tudo bem, . – Eu peguei o outro copo que ela havia colocado e bebi de novo e dessa vez levei um tapa o que me fez voltar a rir. Paul não estava brincando quando disse que ela realmente era nervosa.
– Para com isso. Não é só porque você é o melhor amigo do meu irmão que eu vou te tratar bem.
– Eu não estou te pedindo pra me tratar bem, e não é porque você é irmã do meu melhor amigo que eu vou te tratar diferente de todas as outras garotas que vem aqui. – Eu me levantei colocando o copo vazio na sua frente. – Agora, se você me dá licença, eu tenho mais o que fazer, obrigado pelo refrigerante. – Paul não estava em casa, aquela era a minha deixa para sair sem ser interrogado, e dessa vez eu realmente não faria merda. – Um beijo pra você. – Eu baguncei seu cabelo antes de sair fazendo a garota ficar mais do que vermelha de tão irritada. Se ela queria que as coisas fossem assim, então as coisas seriam assim. Era uma sensação muito boa a de irritá-la.
Flashback Off
xxx
– Vocês dois parecem duas crianças. – ia falando, mas foi interrompida por todos que entraram na cozinha alegando fome e querendo conversar logo sobre as distribuições dos afazeres.
usou quase quarenta minutos para contar sobre todas as ideias que havia tido sobre a festa e dividir as tarefas de cada um. Eu seria o responsável por confeccionar os convites. Ela sempre gostava de usar meus dons com design gráfico. , como era iniciante ficaria junto com ela ajudando na organização. Paul seria o responsável por arrumar um DJ decente e organizar quais seriam as bebidas, assim como . Rose e Valerie distribuiriam os convites e e fariam as compras e assim foi dada por encerrada nossa reunião. Teríamos um mês para organizar todas as coisas. O aniversário de era na primeira semana de novembro.
Quando nossa reunião foi encerrada, duas pizzas já estavam assadas e então decidimos ver alguns filmes enquanto bebíamos algumas cervejas. Eu havia exagerado na noite anterior e não me sentia bem pra beber e só de sentir o cheiro da bebida eu já me sentia enjoado.
Era engraçado como meus amigos "cuidavam" de mim. Segundo eles, eu tinha permissão pra beber, desde que fosse acompanhado por algum deles. Sozinho, era fora de cogitação.
Uma outra coisa que estava me deixando surpreso naquela noite, era o quanto havia se dado bem com os meninos, o que agora me fazia ser oficialmente o único amigo do Paul de quem ela não gostava. Ela havia acabado de sair do sofá após ganhar duas partidas de e perder para o , agora se juntava ao resto das meninas e Paul que discutiam calorosamente sobre algumas coisas da festa. Ele parecia mais animado para organizar a festa do que a própria que tentava anotar quais das ideias que iam surgindo poderiam ser aproveitadas. E eu estava ali, jogado em um puff daqueles que você deita e se esparrama, com um copo de água em cima da minha barriga e rindo das discussões e forma de falar de todos. Aquilo era uma maravilhosa distração. Ver Paul e argumentando um contra o outro era simplesmente hilário. Ela era a única garota que conseguia fazer meu amigo calar a boca, e por vezes eu cheguei a pensar que ela era a única que poderia dar um jeito nele. Uma pena que eles haviam deixado a oportunidade de tentar pra trás, mas eu secretamente ainda torcia para que eles mudassem de ideia com relação à isso.
Pela primeira vez eu via rindo de algo que não fosse dito por Paul e ela parecia realmente se distraindo e enturmando conforme ia entrando na conversa. Às vezes quando eu olhava pra ela, eu conseguia entender um pouco o que me chamava a atenção nela. Ela era que nem eu.
– . – tacou uma lata vazia de cerveja na minha direção, chamando minha atenção. – Vai jogar? – acenei negativamente com a cabeça, vendo sair do sofá e se juntar à roda de discussão da festa.
– Eu acho que deveríamos fazer algo mais interessante. – Ele pegou a sandália do pé de Valerie e jogou no meio da roda. Não era necessário ser muito inteligente para entender o que ele estava sugerindo e perceber que era a coisa mais idiota e clichê do mundo. – Então, que tal brincarmos de verdade ou consequência?
Capítulo 6
Tenho o seguinte pensamento: se você não quiser fazer nada, não faça. Mas se não fizer significa ter seus amigos te atentando e irritando seus pacovás até que você esteja extremamente injuriado, então faça. Se for algo que não te mate ou te deixe aleijado, faça e faça a alegria da galera. É muito melhor do que tê-los no pé.
E esse pensamento que estava me mantendo sentado em uma roda, no escuro e esperando Paul voltar do lado de fora. No nosso meio havia sempre uma tradição: ao brincarmos de verdade ou consequência, eu-nunca, ou qualquer uma dessas brincadeiras que sempre se tornavam pervertidas, nós sempre apagávamos todas as luzes da casa e deixávamos apenas a iluminação de algumas lanternas e velas. Eu sempre havia me perguntado quem tinha tido aquela ideia idiota, mas nunca havia conseguido encontrar uma resposta. Eu não curtia aqueles tipos de brincadeira, eu sempre me constrangia com algumas coisas e nunca me dava bem em qualquer tipo de consequência que caía em mim. Traduzindo: esses jogos nunca me beneficiavam.
– Parece até que vamos fazer algum ritual de magia negra, me sinto em um daqueles filmes de terror onde os adolescentes burros resolvem fazer algo mais burro ainda como invocar espíritos dentro de uma casa mal-assombrada, ou sair só de cueca pra checar o barulho no porão. – Eu disse olhando pra vela que Paul havia acabado de colocar ao seu lado ao sentar. – Vocês vão precisar de sangue? – Fui irônico e recebi uma latada no ombro.
– Deixa de ser ranzinza – falou. – Parece até uma velha.
– Achei que eu era a única que compartilhava desse pensamento.
– Ele está de TPM – Rose entrou em minha defesa encostando a cabeça em meu ombro.
– , cala a boca e para de viadagem. Vamos começar isso logo. – falou e rodou a sandália. – E que os jogos comecem. – Ele deu um sorriso maquiavélico e eu parecia ser o único que não achava graça naquilo.
Foram três rodadas de verdade ou consequência com escolha, uma rodada de consequência, uma rodada de cinco minutos no paraíso e uma rodada de eu-nunca. Para, então, tudo poder voltar às três rodadas de verdade ou consequência com escolha e seguir o cronograma.
Já estávamos passando para a terceira vez da rodada de cinco minutos no paraíso e, graças ao bom Deus, eu ainda não tinha caído em nenhuma delas e eu percebi que havia cantado vitória antes do tempo quando a sandália parou apontando bem na minha direção. E a pior parte não foi apontar só pra mim, foi apontar também para enquanto apontava pra mim. Honestamente, senti vontade de soltar um palavrão bem alto. De todas as rodadas que poderíamos cair juntos, tinha que ser a de ficar trancado dentro de um armário?
foi quem soltou o palavrão que eu não havia soltado. Ela contestou e eu não, eu sabia que não adiantaria contestar, então apenas caminhei em silêncio para o meu fatídico destino enquanto meus amigos faziam algazarra em volta de mim. Inclusive e principalmente Paul. Qual cara normal faz algazarra por ter a irmã mais nova ficando trancada dentro de um armário de vassouras com um cara? Só Paul mesmo.
Quando abriu o armário que ficava embaixo da escada, eu encarei e senti vontade de rir. Ela parecia que ia sair correndo dali. E eu realmente achei que era isso que ela iria fazer: sair correndo dali gritando que não entraria em um armário comigo e me acusando de ser um pervertido. Mas não foi isso que aconteceu, ela apenas abaixou a cabeça e entrou e eu logo em seguida fiz o mesmo, não deixando de ouvir as risadas mal contidas atrás de mim antes que a porta se fechasse.
A escuridão completa tomou conta do lugar, e embora eu não pudesse ver, eu tinha certeza que e Paul estavam parados e rindo do lado de fora. O armário estava em um total silêncio e se sentia tão desconfortável quanto eu e as coisas pareceram piorar quando ouvimos a voz de do lado de fora gritando: "Tira a virgindade do , ". Seguido de um tapa bem alto. Eu tinha certeza que foi do Paul. Bem feito. era lerdo demais pra perceber algumas coisas.
– Acho que seria melhor você virar. – Nós dois estávamos virados de frente para a porta, o que dava menos espaço. Talvez ficasse menos desconfortável se virássemos de lado, de frente um para o outro.
– O quê? Por quê? – Ela perguntou e eu a senti se encolher ao meu lado. O que quase me fez rir.
– Eu não vou te beijar, . – Eu fui direto. Talvez assim ela pudesse se mover e nós dois teríamos um pouco mais de espaço.
– Não? – O seu não teve uma mistura de surpresa e alívio.
– Ué, você quer que eu beije? – Perguntei me virando de frente pra ela.
– Não! – senti que ela se virou de costas pra mim e tentou se apoiar no armário, mas não havia apoio na parte de cima, o que fez com que ela caísse para frente. Segurei em sua cintura apenas para ajudá-la a localizar-se no escuro e ri pensando que se ela tivesse ido totalmente pra frente, ficaríamos em uma posição nada agradável. Foi esse pensamento que me fez começar a rir mais alto.
– Para de rir. – Ela tentou me dar um tapa, mas errou minha mão o que me fez rir mais ainda e então ela se virou de frente pra mim, acertando meu braço.
– Assim é melhor. Nos dá mais espaço.
– Ok. – Ela disse e eu continuei rindo baixo.
– Tá rindo do quê? – Ela parecia irritada, como sempre.
– Por que você achou que eu faria alguma coisa, sabendo que você não quer? – Eu aproveitei a escuridão, para não ter minha fisionomia detectada.
– Porque geralmente é isso que os caras fazem. – Aquela resposta me assustou um pouco.
– Algum cara já tentou ficar com você mesmo sabendo que você não queria?
– Não. Eu estou falando nessa brincadeira. Isso que as pessoas fazem dentro dos armários, se pegam, não é? Digo, o Paul voltou com uma cara de quem tinha dado uns amassos na Rose e eu aposto que você já ficou com várias meninas aqui. – Ela realmente não tinha uma boa imagem de mim e eu voltei a rir.
– Você não me conhece. – Me limitei a dizer e ouvi o sorriso debochado dela. – Eu nunca fiquei com nenhuma garota aqui. Nunca – acho que ela não acreditou muito em mim.
– Fala sério, duvido.
– Pode perguntar a qualquer um. Eu não sou desse tipo. Nunca nem participei dessa brincadeira todas as vezes que eles fizeram, essa é a minha primeira vez. – Eu cruzei os braços na frente do corpo. Ela estava com aquele cabelo soltos e eles roçavam em mim.
– Por isso que o mandou eu tirar a sua virgindade? – Ela já não parecia tão assustada e até um pouco mais à vontade pela forma de falar.
– Acho que sim. – Desconversei, mas acho que ela percebeu.
– Ele não estava falando de nada sexual. não né? O que seus amigos fazem dentro desse armário? – Ela olhou ao redor com nojo e eu ri, fazendo com que ela fizesse o mesmo.
– Faça que nem eu, nunca tente descobrir. Quando a gente não sabe é melhor. Não traumatiza.
– Não quero nem imaginar o que meu irmão já fez aqui e nem com quem. – Ela colocou a mão no rosto. – Com quantas meninas você já ficou aqui dentro? – Ela perguntou tentando puxar algum assunto pra não fazer o silêncio constrangedor reinar.
– Já falei, nenhuma.
– Besteira. Fala sério, , essa parece uma brincadeira frequente entre vocês, vai me dizer que nunca entrou aqui com uma garota antes? Sem mentiras? – Ela realmente parecia ter ignorado o que eu falei antes.
– Não.
– E com um garoto?
– Eu não sou gay. Quantas vezes vou ter que repetir isso? – Era incrível a insistência dela em me fazer admitir uma coisa que eu não era.
– Só vou acreditar quando você conseguir me provar. – Ela soltou, inocente.
– Vou te provar então. – Eu apenas ameacei me mexer e ela se encolheu toda, o que me fez gargalhar alto e só parei quando senti que ela voltou a ficar em uma posição normal. Talvez me olhando com cara de ódio. – Você não me conhece, . Não sabe nada sobre mim, a prova disso é pensar que eu te agarraria assim que entrássemos aqui ou até mesmo agora só pra te provar algo.
– Você também não sabe nada sobre mim, então estamos quites.
– Eu sei um monte de coisas sobre você.
– Sabe o que, por exemplo? – Barulho de gritos comemorativos foram ouvidos no outro cômodo e eu pensei que alguém deveria ter se beijado.
– Você adora dirigir sozinha quando está chateada, escuta muito rock pesado quando está de TPM, e por mais que finja que não gosta você sempre chora vendo comédias românticas. Você gosta de ficar admirando o nada sem motivo nenhum e sua cor predileta não é preto, e sim vermelho. Você não gosta muito de chocolate industrializado e sua comida predileta é macarrão com molho de tomate e ovo. O que eu particularmente, acho bem esquisito.
– Como você sabe disso? – Ela parecia bem surpresa.
– Como eu já te disse, você simplesmente não me conhece. – Ouvi o barulho da porta do cômodo onde estávamos e eu tive uma ideia. – Lembra que uma vez eu disse que adoraria te fazer um desafio? E eu te desafio a me conhecer melhor, . – A porta foi aberta e o espaço foi invadido pela claridade. Foi Paul quem a abriu, segurando uma lanterna mesmo com a lâmpada acesa apontando na minha cara.
– Estou intacto, ela não me molestou. – Eu ergui os braços e Paul sorriu aliviado.
– Fiquei preocupado de que ela não resistisse ao seu charme e te molestasse cara. Eu sei como você é gostoso. Mas acho que você está bem. – Ele me puxou pra um abraço e logo depois apontou a lanterna pra . – Essa é a minha garota. – Ele deu espaço pra que eu saísse e eu o fiz, dando uma última olhada pro guarda-roupa exatamente quando a lanterna de Paul apontava pra , e pra minha surpresa ela estava vermelha, muito vermelha. E de alguma forma desconhecida, aquela informação havia me deixado feliz.
Capítulo 7
A primeira coisa que se passou na minha cabeça quando eu acordei foi que eu estava com fome. A segunda foi que eu ainda estava um pouco animada pela noite anterior. Ao contrário de sempre, dessa vez todos haviam se reunido aqui em casa, e fizemos uma noite de games, onde comemos, bebemos, rimos e falamos muitas besteiras. Eu havia tido uma noite “com amigos” e, isso era algo que eu nunca imaginei que pudesse acontecer em minha casa. Foi uma noite muito agradável e, preciso admitir que eu estava com um sorriso um pouco idiota. Eu nunca imaginei que isso pudesse vim a acontecer.
e eu estávamos ficando mais próximas. Ela havia perguntado tantas coisas sobre mim... E ela realmente parecia interessada, o que eu achava estranho e engraçado. Eu não havia conversado muito com as outras meninas, já que elas pareciam pensar apenas no nosso ano como Sêniores, e surtar sobre todas as festividades e eventos que aquele ano as traria. Era engraçado, porque eu sempre ansiei pelo último ano apenas por saber que seria o último, e por saber que eu não teria que voltar para o inferno que era a minha escola. Mas ali, da forma com que elas falavam, tudo parecia divertido e digno de ser ansiado. Alguma coisa me dizia que algum bichinho havia me mordido, porque não era normal eu pensar daquele jeito.
– Você vai me atrasar. – A cabeça de apareceu na minha porta aberta. Ele havia acabado de sair do banho e estava apenas de calça e a toalha jogada em volta do pescoço. – E, eu não vou te esperar. – Ele falou e tacou sua toalha molhada em cima de mim antes de sair.
Mesmo conhecendo há três anos, eu não sabia muita coisa sobre ele. Nada além das informações de que ele é o melhor amigo do meu irmão e que eles foram morar juntos quando o tinha quinze anos por causa de algum problema na vida dele. Eu nunca me interessei por saber qual era o problema, ou o que tinha acontecido. Pelo menos, não até aquele momento. Mas, preciso admitir que o dia em que ficamos presos dentro daquele armário, mudou o meu ponto de vista com relação a ele. Antes, por ser melhor amigo do meu irmão, eu achava que ele era uma cópia exata de Paul, mas agora essa já não era mais a minha opinião. Pra dizer a verdade, eu não tinha uma opinião formada sobre quem era , apenas poderia dizer que a atitude dele no armário me impressionou. Não que eu achasse ou quisesse que ele tivesse feito algo enquanto estávamos ali, mas eu achei que ele usaria todo e qualquer tipo de piada infame pra me humilhar e usar aquilo contra mim em alguma piada posterior, mas isso não aconteceu. E o que mais me impressionou foi o fato de ele me desafiar a conhecê-lo. Aquilo, de alguma forma, tinha atiçado a minha curiosidade.
Foi então, a partir disso, que eu havia passado a simplesmente observá-lo. Apenas alguns dias se passaram e eu sabia muito pouco sobre ele, mas se tinha uma coisa que eu tinha certeza era que ele estava estranho. Não só comigo, mas com todos. Ele estava mais carrancudo, quieto pelos cantos, rindo pouco e falando pouco com todos. E uma das minhas maiores estranhezas era que ele não estava implicando comigo.
– Já está pronta? – apareceu de novo na porta do meu quarto e eu só peguei minha mochila, acenando positivamente com a cabeça e seguindo enquanto ele ia a passadas largas até o carro.
– Por que você está agindo todo estranho? – Perguntei, quando já estávamos devidamente acomodados dentro do carro e , dirigia para a escola
– O quê? – Ele me olhou confuso, talvez não entendendo a pergunta.
– Por que você está todo estranho? Tem alguma coisa de errado com você? Porque sei lá, você tá todo carrancudo, depressivo e agindo como se não quisesse ninguém perto de você. Mas, mesmo assim, todo mundo ainda insiste em te arrastar pra algo ou sutilmente não te deixar sozinho. Então eu estou perguntando, já que você me desafiou a te conhecer melhor e eu realmente detesto todo esse silêncio que fica no carro enquanto estamos indo pra escola. – Disparei, quase sem respirar e ele me olhou como se eu fosse algum Alien.
– Está tudo bem. – Ele respondeu de uma forma que me dava a entender que não queria dar continuidade no assunto.
– Pelo amor de Deus, . – Eu revirei os olhos. – Que está tudo bem, não tá. Tá mais do que explícito na sua cara que você está extremamente deprimido. Eu conheço essa expressão, eu costumava encarar ela no espelho sempre que eu brigava com a minha mãe. – Ele continuou em silêncio, mas com a expressão menos séria. Eu já começava a entender a preocupação do meu irmão. Aquele não era o que eu estava acostumada a ver. Ele era quase sempre a alegria em pessoa.
– Eu estou bem – ele disse. – E se não estou, vou ficar. Obrigada pela preocupação.
– Eu não estou preocupada – ele riu. E eu não estava mesmo. Paul e estavam preocupados. Eu estava apenas curiosa. – Eu estou curiosa. Porque eu sinto que tem alguma coisa acontecendo e eu sou a única pessoa que não sabe o que é. – Ele riu fraco, de novo se virando pra me encarar.
– E o que te fez ficar curiosa em relação a mim?
– Nós moramos juntos, . Não é como se eu planejasse te odiar pelo resto dos meus dias ou por todo o tempo em que moramos juntos. Quantos anos nós temos? 12?
– Você já ouviu falar em bipolaridade? – Eu quem ri dessa vez.
– Ok. Não tento mais ter uma conversa decente com você. Fique aí, com a sua nuvem de escuridão e depressão – eu fiz um gesto com as mãos indicando a nuvem.
– Eu não estou depressivo. Eu estou temporariamente melancólico. – Ele riu da própria frase.
– Você sabe no meu mundo qual a tradução para temporariamente melancólico? – Ele me encarou com a sobrancelha erguida. – Assumidamente gay. – Ele revirou os olhos.
– Nem em seus sonhos, querida. – Ele parou o carro e, sem dúvidas, ele já estava menos sério do que quando saímos de casa. – E eu sabia que você não ia resistir, pode admitir que você tá louca pra saber da minha vida. – Eu revirei meus olhos novamente, e fiz cara de nojo antes de sair do carro.
– Cale a boca! – eu disse quando ele também saiu.
Estranhei a movimentação que tinha ali do lado de fora. O sinal já deveria ter tocado há, no mínimo, uns dez minutos. , provavelmente pensou a mesma coisa que eu pela cara que fazia, olhando pra todos que se dirigiam à quadra. Parecia que iria acontecer algum tipo de reunião. Um ser saltitante surgiu na nossa frente, mega empolgada, e eu realmente ri de que parecia que tinha ganhado na loteria.
– Bom dia, pessoas lindas da minha vida!
– O que está acontecendo? – e eu perguntamos juntos, e ela deu um sorrisinho indecifrável, pelo menos pra mim antes de gritar.
– SENIOR WEEKEND. – Ela ergueu os braços como se tivesse acabado de dar a notícia mais legal do mundo, e eu olhei pra para ver se era apenas eu quem não tinha ficado nem um pouco empolgada com a notícia. Ele tinha a mesma expressão que a minha, só que um pouco mais engraçada. O rosto dele parecia contorcido em uma careta de dúvida entre tentar fingir estar empolgado ou continuar desanimado.
– What? – Ela jogou os braços ao lado do corpo. – Que caras são essas? ANIMEM-SE PELO AMOR DE DEUS! – Ela agora parecia chocada pelas nossas reações. Seus olhos saltados pulavam de pra mim e ela até olhou pra trás, talvez pra ter certeza se nós dois realmente éramos os únicos desanimados. Sua cara de frustração era hilária. – Eu acabo de vir até vocês e informar que teremos o melhor. – Ela frisou bem a palavra. – Segundo melhor... O primeiro vai ser o do meu aniversário. Mas enfim, um dos melhores finais de semana das nossas vidas e vocês fazem essas caras de bunda? – Ela falou bem séria e quando eu olhei pra vi que ele mordia os lábios. Ao contrário de mim, ele parecia bem incomodado por não estar animado.
– Desculpa, . Eu só não tô muito a fim de ir. – Ele a puxou para perto, passando um dos braços por cima de seu ombro. – Mas eu prometo que irei ao próximo evento Sênior! – Ele tentou parecer convincente, mas não conseguiu convencer ninguém.
– Você está de brincadeira, né? – Ela se soltou dos braços dele e passou a me encarar. – Vai dizer que você também não vai? – Ela agora parecia realmente irritada. E eu sentia que aumentaria aquela irritação, porque eu realmente não iria. Em minha opinião, não existia nada mais inútil do que a “Senior Weekend”. O colégio que minha mãe era dona, sempre aderia à essa semana, e por toda a minha vida, eu vi formandas surtarem por esse tão esperado final de semana.
– Você tem que dividir o quarto comigo! Os quartos são duplos e eu não quero ter que dividir com uma desconhecida.
– Mas eu sou uma desconhecida. – Eu não sei por que falei aquilo, já que eu já não me sentia desta forma. E, talvez seja exatamente por isso que ela me lançou pela primeira vez na vida seu olhar de morte.
– Depois de todas as mensagens de texto trocadas, você realmente ainda acha que é uma desconhecida? – e eu havíamos trocado telefone no dia que ela me conheceu e, de vez em quando, conversávamos aleatoriedades por mensagem de texto. – Eu te convidei pra ir pra minha casa, então apenas cale a boca. – Ela disse e se voltou pra . – E não adianta falar que não, . Você vai! – Ela parecia bem séria em sua decisão, mas eu acreditava que nada no mundo pudesse mudar minha ideia quanto a esse evento. E a expressão de demonstrava que o mesmo acontecia com ele.
Para mim, era apenas mais uma coisa fútil que as pessoas acrescentavam à idiotice de ser um formando. Como se isso fosse a coisa mais extraordinária do mundo. Durante todo um final de semana, cinco escolas se reuniam e enviavam seus alunos formandos a um acampamento, onde eles teriam uma pequena noção do que seria uma vida de universitário. Durante esses três dias as escolas se dividiam em times e várias atividades eram propostas e a escola que no final tivesse acumulado mais pontos, receberia como prêmio todo o baile de formatura, exatamente da forma que a turma exigisse. Isso fazia com que algumas pessoas simplesmente surtassem, afinal, o baile dos sonhos se tornava quase uma possibilidade real e, sem contar, com as festas que acabavam acontecendo em alguns quartos de determinadas escolas, a oportunidade de interagir e conhecer pessoas diferentes, e todas as outras atividades que existiam. A “sênior weekend” em si, não era uma coisa tão idiota. Idiota era o que as outras pessoas faziam dela, com apenas festas, bebedeiras, pegação e pessoas que não se preocupavam com nada além daquilo. Pra mim, nada poderia parecer mais fútil.
– Me desculpe, – fez uma cara realmente de sentido e ela olhou de mim pra ele, lançando seu segundo olhar de morte do dia.
– Vocês estão falando sério que realmente irão me deixar ir sozinha? – Ela parou de me encarar e olhou apenas pro . – , esse é o nosso último ano! Você sabe que eu não ligo para o “Sênior weekend” por causa de festas e bebedeiras, ou qualquer putaria que vai rolar lá. Esse é o nosso último ano juntos e eu só queria ter momentos legais que eu pudesse guardar. – Ela agora parecia bem magoada e por um momento eu pensei que ela pudesse chorar. Isso realmente me assustou e eu comecei a pensar o que eu estava fazendo ali, mesmo sentindo que era exatamente ali que eu deveria estar. Era estranho.
– Você não vai estar sozinha. Você tem a Valerie e a Rose pra ficarem com você. – Eu tentei consolá-la, mas acho que falei alguma besteira, pois no segundo seguinte ela simplesmente virou as costas pra gente e saiu andando.
– O que eu falei de errado? Ela realmente vai ter a Valerie e a Rose, não? – Eu perguntei a , que realmente parecia chateado com a situação enquanto eu permanecia confusa.
– , deixa eu te explicar. – Ele deu um passo e ficou parado na minha frente, bem sério. – , Val e Rose são amigas. Mas Val e Rose são melhores amigas. – Ele não precisou falar mais nada. Eu compreendi a situação.
– Elas excluem a ?
– A maioria das vezes sim. A maioria das vezes sou eu quem fico com ela. – Ele realmente parecia chateado e voltou a andar.
– Você conhece ela há mais tempo, você deveria ir. – Eu pensava em uma forma de não deixar chateada e esse simples pensamento pra mim foi estranho. Estar me preocupando com ela.
– Você não entende. – Foi à única coisa que ele disse antes de sair andando para o lado totalmente contrário para onde as pessoas estavam indo e me deixando ali parada e sem entender o que eu não entendia sozinha. Minha única opção foi procurar e tentar convencê-la de eu poderia lhe arrumar a parceira de quarto ideal. Ou não, afinal, eu não conhecia quase ninguém naquele lugar.
Nada no mundo conseguia me deixar mais chateado do que magoar um amigo meu. E isso havia acabado de acontecer. Eu sabia do significado que todos os eventos de formandos tinham pra e, por mais que eu quisesse me sentir animado, eu não me sentia. Não era nada com ela, nem com ninguém.
– Ela realmente vai ficar sem falar com a gente? – perguntou quando estávamos voltando pra casa em silêncio depois das aulas.
Eu havia feito três tentativas de falar com e havia sido totalmente em vão e , – que, por mais incrível que possa parecer, estava interagindo comigo, – havia tido duas tentativas frustradas também.
Eu estava um pouco surpreso pela forma que havia se apegado à tão rápido. Não era surpresa que, quando ela gostava de uma pessoa, isso acontecia mais que depressa. Mas, mesmo assim, eu ainda havia ficado um pouco impressionado. parecia realmente muito animada em conhecer , e isso até me animava um pouco. Há muito tempo estava tendo problemas com Val e Rose, que a todo tempo pareciam excluí-la das coisas que iriam fazer, deixando sempre pra baixo. Mas agora com , eu percebia que ela poderia ter encontrado uma nova companhia. Bom, agora já nem sei de mais nada. Conhecendo como eu conheço, ela simplesmente ficaria sem falar conosco até que sua raiva passasse.
– Provavelmente até que a raiva dela passe e pelas minhas contas. – Parei um pouco pra pensar e cheguei apenas a uma conclusão. – Nunca. – fez uma careta e desceu do carro jogando sua mochila das costas e seguindo pras escadas.
Assustei-me um pouco quando encontrei Paul em casa no horário do almoço. Ele costumava almoçar no trabalho. Apenas quando ele se virou para nos encarar com um enorme sorriso, eu presumi que ele sabia da Sênior Weekend. E como um bom amante de qualquer evento para formandos ele tentaria nos convencer a ir ao acampamento.
– Senior Weekend! – Ele gritou quando entramos e eu tive uma enorme sensação déjà-vù. Perguntei-me se o mesmo acontecia com naquele momento e pela sua cara, sim.
– Eu não vou. – Ela disse jogando sua mochila em cima do sofá e seguiu pro outro lado do balcão, entrando na cozinha e abrindo a geladeira.
– Eu nem preciso falar, né? – Me sentei ao lado do balcão, que ficava na sala, e joguei minha mochila em cima da mesa. Paul tinha a mesma cara que havia feito e isso honestamente me fez rir.
– Vocês dois estão de brincadeira com a minha cara né? Meu pai amado! Eu tenho dois adolescentes com espírito de velhos dentro dessa casa! – Ele deu um tapa na mesa. – Acho que descobri o motivo que vocês brigam tanto. – Ele olhou de pra mim. – Vocês são exatamente iguais! – Ele falou e e eu nos encaramos. Pela primeira vez não estávamos brigando, mas parecendo trocar alguma espécie de mensagem subliminar com nossos olhares.
– Paul, você me conhece e sabe que eu odeio esse tipo de coisa. – Ela parou ao lado dele com um copo de suco e só pra não perder o costume, eu roubei dela e tomei um gole. Apenas para ouvi-la me xingar por isso. Eu precisava de uma dose de xingamento de para ter certeza de eu meu dia estava normal, ou quase.
– Eu achei que você estava mudando.
– E o que te levou a pensar isso?
– Você tem sido uma pessoa social! – Ele falou e conteve o sorriso. – Você brincou com os meninos, conversou com as meninas e, por mais que você possa dizer qualquer coisa em sua defesa nesse momento, eu sei que você gostou de estar lá e deles terem estado aqui, porque eu te conheço. E, ter esse monte de gente ao seu redor, era algo que você não esperava gostar, mas gostou. – Ele parou de olhar pra ela e me encarou. – E você , você sabe como a valoriza essas coisas, ela deve estar bem chateada com você. Você vai deixar ela sozinha lá. Você sabe o que vai acabar acontecendo? Ela não vai! – Paul falou super sério. – Vocês me decepcionaram. – Ele fez um barulho com a boca e não falou mais nada, apenas foi embora da cozinha e saiu de casa, batendo a porta e nos deixando parados lá e com Cara de Taxo.
– Você conhece ela há muito mais tempo! – usou aquela frase de novo. Talvez tentando se isentar da culpa. Nós dois estávamos sendo consumidos por culpa. – Eu não deveria me sentir culpada por isso! – ela ergueu os braços. – Eu não vou me sentir culpada. – Ela falou seguindo pro seu quarto também. Droga de consciência.
Às vezes era difícil tentar ser um cara legal.
Dois dias de ignorando e eu. Ela havia ignorado minhas mensagens de texto e virado a cara pra mim quando eu havia tentado falar com ela na escola. Segundo , – nós dois agora estabelecíamos uma espécie de diálogo na ida e volta da escola onde ele não falava basicamente nada sobre ele, apenas coisas aleatórias, – ela, além de ignorar suas ligações, não havia atendido quando ele foi à casa dela. Pelo visto a situação estava preta pro nosso lado.
Eu tentava não me sentir culpada, mas sabia que estava me sentindo por saber que ela não iria ao passeio que queria por não ter companhia. Paul havia contado que ela não iria e que Val e Rose nem fizeram questão de convencê-la a ir. Culpa era algo que estava dominando tanto e eu, que era quase possível tocar enquanto conversávamos. Afinal, só falávamos sobre isso.
– Você acha que se a gente tentasse, ainda conseguiria ir? Digo, o Check-In no acampamento começa em algumas horas, o pessoal saiu da escola tem só duas horas, talvez se a gente tentar a gente consegue. – falou, e eu por um momento não entendi sobre o que ele estava falando. Nós dois estávamos jogados pelo sofá da sala e eu havia perdido uma briga sobre em qual canal a TV deveria ficar. – Essa é uma semana importante pra , ela é louca por essas coisas e ela realmente está chateada comigo, e eu me odeio por isso.
Escutá-lo falando daquela forma foi estranho porque, por mais que ele demonstrasse estar chateado, dava uma entonação totalmente diferente. Agora, era oficial! Eu não conhecia .
– Quer saber? – Ele se levantou. – Ela é minha amiga e eu faria qualquer coisa pra alegrá-la, é por isso que eu vou nessa maldita “Senior Weekend” – ele jogou o controle em cima do sofá. – E vou caridosamente te pedir pra ir com a gente. Não pense que eu quero que você vá porque eu vou amar ter sua bela companhia, porque isso não é real. Mas, precisa de alguém pra dividir o quarto e eu não posso simplesmente me alojar na ala das garotas. – Ele parecia tão sério e tão educado que me fez rir. – Primeiro eu pedi educadamente e se você disser não eu talvez comece a te lembrar que moramos na mesma casa e eu talvez possa fazer da sua vida um inferno quando voltar do acampamento.
– Você está blefando. – Eu o olhei dentro dos olhos ele começou a rir, desviando o olhar.
– Sim. Mas eu precisava apelar.
– Agora sim, – me levantei, eu sabia que cederia ir porque eu não queria chateada comigo.
– Quinze minutos? – Ele falou e eu acenei com a cabeça, seguindo pro meu quarto.
xxx
Quando chegamos à porta da casa de batemos três vezes e ninguém atendeu. havia confirmado com que estava em casa, o que nos fazia chegar à conclusão de que ela realmente estava nos ignorando.
– Vou pegar a chave reserva – saiu e seguiu pra parte traseira da casa, voltando alguns segundos depois com uma chave e abrindo a porta. Quando chegamos à parte do corredor que dava na sala, encontramos deitada, envolta por cobertas e vendo algum filme idiota. Eu pensei que ela iria nos xingar, mas apenas ficou em silêncio. abriu e fechou a boca algumas vezes, mas não disse nada. Então, precisei tomar as rédeas da situação.
– Levanta a bunda do sofá – eu entrei na sala falando autoritária. – Nós vamos à maldita “Senior Weekend”. Satisfeita? – Eu disse e ao contrário do que eu pensei que aconteceria ela simplesmente começou a gargalhar. Gargalhar mesmo, alto, da forma mais absurda possível. Eu senti que estava perdendo alguma parte de alguma coisa.
– Eu sabia que isso daria certo. – Ela se levantou do sofá e só então eu notei que ela estava arrumada. Tive vontade de dar um tapa em sua cara. Vaca. – Vocês são uns lindos! Tão emocionais! – Ela nos mandou um beijo. – Vou buscar minhas malas – ela passou por e por mim quase saltitando, e eu não consegui falar mais nada. Estava boquiaberta demais. – Ah, – ela voltou de repente e parou na porta. – Eu não esqueci que é outubro. Obrigada! – Ela sorriu abertamente antes de sumir totalmente de nossa visão.
– Nós somos dois idiotas – ele falou e acabou começando a rir e eu fui obrigada a rir junto e concordar.
– Sim, nós dois somos dois completos idiotas.
Capítulo 8
A primeira coisa que se passou na minha cabeça quando eu entrei no acampamento foi que eu estava ferrada. Muito ferrada. No momento em que estacionou seu carro e o enorme portão se fechou atrás de nós, eu tive a sensação de que tinha acabado de entrar em uma penitenciaria. Eu repito, estava ferrada, muito ferrada.
A maioria das pessoas havia chegado uma hora e meia antes, então quando entramos a maioria delas se encontrava a caminho de algo que depois eu descobri ser uma espécie de salão de festas, ou sei lá. Eu sabia que era ali que a bagunça acontecia.
A primeira coisa que me impressionou no local foi que ele era grande. Muito grande. Quando você passava pelo portão, você entrava em uma espécie de gramado. Se você olhasse para frente, você via os quartos que ficavam em uma elevação. Era uma subida de pedras e então os quartos pareciam divididos em uma espécie de vila à direita. Não ficava muito longe dali de onde estávamos naquele momento.
Se você olhasse para a direita da vila, você via uma cachoeira, com uma pequena ponte que parecia dar em uma trilha e que também não era muito longe dali mesmo o gramado sendo enorme. E se olhasse à esquerda você conseguia ver uma espécie de galpão, um campo de futebol e uma quadra. Acima de tudo isso, em uma subida parecida com a dos quartos ficava uma bela casa que provavelmente era do dono do acampamento.
E em volta de tudo isso havia mato, mato, mato e mais mato. O que honestamente estava me deixando com um pé atrás. A última casa que eu havia visto ficava a, no mínimo, quarenta minutos dali. Tudo ali parecia muito bonito, grande e deserto. Eu honestamente estava impressionada e me sentindo em um daqueles filmes de terror adolescente, onde o maníaco tenta matar todo mundo no acampamento longe da civilização.
– Anda gente, vamos só jogar isso aqui no nosso quarto e depois a gente arruma. , coloca lá junto com a gente e depois você descobre quem é o seu companheiro e onde é o seu quarto. – parecia tão animada que era quase possível tocar sua excitação e honestamente isso até que me dava uma animada também.
– , a gente ainda nem sabe onde é o nosso quarto – eu disse tentando me posicionar com minhas duas malas e agradeci mentalmente quando pegou uma delas da minha mão, sem nem pedir autorização. Ele já carregava a mochila dele e duas das quatro malas de .
– Toma – ela jogou suas outras duas malas em cima de mim. – Espera aqui que eu vou descobrir – ela saiu correndo na direção de um cara de camisa azul que tinha escrito "Organizador" atrás. Joguei todas as malas no chão e fez o mesmo, olhando pro local.
– Aqui é bem bonito – ele falou mais pra ele do que pra mim. – E grande
– Aqui parece um típico lugar de massacre de filme de terror. – Ele me encarou talvez pra ver se eu falava sério. E eu fiz um barulho com a boca. – Enfim, não quero nem imaginar as coisas que vão acontecer no meio daquele mato. – Ele riu quando eu terminei de falar.
– , existem vários quartos por aqui. Ninguém precisa de um-
– Puta que o pariu. – Eu o interrompi, e acredito que nunca soltei um puta que pariu com tanta vontade em toda a minha vida. Aquilo só poderia ser o inferno, porque eu sem dúvidas estava vendo o capeta. Sarabeth descia o caminho de direção aos quartos sorrindo, falando e gesticulando muito rápido com as mãos, demonstrando muita empolgação.
– O que foi? – olhou na mesma direção que eu. E eu desejei ardentemente que naquele momento eu tivesse visão a laser e pudesse matá-la.
– A escola da minha mãe está aqui. – Eu respondi e olhei pros lados, só pra ter certeza de que a própria não estava por ali em algum lugar.
De repente meu cérebro começou a raciocinar algumas coisas e eu comecei a me sentir animada. Por todos os motivos errados, mas comecei. Aquela era a primeira vez que eu ficaria perto de Sarabeth sem ninguém da família . – Sim, esse era o meu sobrenome. Sim, esse era o nome da escola da minha mãe. E sim, família era a forma como ela era chamada pelos seus funcionários.
De repente o acampamento passou a ser a coisa que eu mais precisava pra me sentir bem. Um sorriso enorme brotou no meu rosto e tenho certeza que eu estava com cara de psicopata naquele momento.
– Você está me dando medo – parou na minha frente e eu sorri mais ainda. Talvez ele fosse um bom aliado, afinal ele era expert em ser uma peste.
– Eu de repente comecei a me sentir muito animada com esse acampamento. – Eu me virei, olhando ao redor apenas pra ter certeza de que minha mãe não estaria por ali, embora eu soubesse que ela odiava acompanhar aquele tipo de coisa. Eu queria ter certeza absoluta de que ela não estaria presente, porque se ela estivesse eu viraria as costas e iria embora. Mas se ela não estivesse, eu daria à Sarabeth o que ele sempre sonhou, afinal, aquela era a tão esperada viagem dela, certo? – Toda a minha antiga turma está aqui. – Eu disse depois de apenas uma olhada em volta e reconhecer alguns rostos.
– E quem é aquela que parece ser mais alvo do seu ódio do que eu? – ele parecia saber exatamente de quem estava falando, mesmo Sarabeth estando no meio de várias pessoas.
– Ela é a pessoa que deu sentido a palavra vagabunda – ele riu quando eu falei, talvez ele não entendesse a gravidade da situação.
reapareceu saltitante com um papel na mão.
– 221 B. – Ela disse antes de pegar suas duas malas. – O que aconteceu com você? – Ela perguntou provavelmente estranhando meu sorriso aberto.
– A antiga escola da está aqui, e tem uma menina que inventou a palavra vagabunda que eu acho que nós deveríamos odiar. – Eu ri quando ele usou o termo nós. Ele não precisava odiar ninguém. Ou talvez sim.
– Eu já tenho ódio dela o suficiente por toda a população mundial.
– Uou, o que a garota fez?
– Nada – eu dei de ombros, se eu falasse, teria motivos pra me zoar pelo resto da vida e esse assunto realmente me irritava.
– Anda, , conta o que ela fez só pra gente poder odiar ela também. – insistiu. – E eu preciso entender porque você ficou tão animada de repente.
– Não quero te dar motivos pra me zoar. – Eu olhei pra que fez cara de inocente e cruzou os dedos na frente do rosto.
– Eu não vou te zoar, eu juro – ele deu dois beijos no dedo. – Se eu zoar, pode te dar todas as informações que você quiser sobre mim. – Ele tentava parecer convincente, e realmente pareceu.
– Anda, , o que ela te fez de mal? Conta que a gente cerca ela agora mesmo! – parou com a maior pose de mano do gueto que ela poderia ter feito, o que me fez rir alto. Aquela cara sem dúvidas não combinava com ela.
– Nada demais. Ela só foi responsável por toda a minha fama de lésbica. E inclusive fez minha mãe acreditar nisso – eu fiz um barulho com a boca e quando percebi os dois tinham parado de andar e me olhavam estranho.
– Você tinha fama de lésbica?
– Não só fama, as pessoas passaram todo o ensino médio acreditando nisso, implicando comigo por isso, pichando meu armário com isso. A coisa era tão forte que gerou um problema imenso na minha família, já que minha mãe não aceitava o fato de eu "querer me relacionar com mulheres" – usei aspas pra falar e só de lembrar todas as coisas eu sentia a raiva aflorar. – Eles causaram uma tempestade pelo motivo mais idiotas do mundo. E se eu fosse lésbica, qual o problema?
– E você é? – perguntou e logo em seguida quase engasgou. – Digo, eu já vi você ficando com um menino, mas de repente você é bi. – Ele tinha um olhar curioso e estranho. Era como se ele perguntasse, mas não quisesse saber. é esquisito demais.
– Não! – Eu respondi e ele acenou com a cabeça. – E se eu fosse, seria um problema? – Eu entrei na defensiva. Ele e se entreolharam e por uns instantes eu me arrependi de ter contato à eles. Paul era a única pessoa com que eu tinha entrado nesse assunto.
– Não seria problema, ok. – Ela falou e trocou outro olhar com . – Eu já me envolvi com uma garota uma vez. – Ela falou e rolou os olhos. – Não foi grande coisa. Aconteceu poucas vezes e eu não vejo problema nenhum nisso. Eu acho que a gente se apaixona pela pessoa e não pelo sexo dela.
– Isso! – Eu disse. – Eu não vejo problema nenhum no ser gay e pegar meu irmão. Isso só mostra que meu irmão tem um péssimo gosto, mas quem sou eu pra julgar?
– Eu não sou gay – ele falou vagarosamente.
– Um dia eu talvez acredite nisso. – Ele revirou os olhos.
– Mas cortando de mim, você disse que até sua mãe acreditava nisso? Como assim?
– Imagina que essa sou eu – eu estiquei minha mão esquerda e ergui meu polegar. – Agora imagina que essa é a minha mãe – eu ergui minha mão direita e fiz o mesmo gesto. – Agora apenas imagine que essa é a distância entre a gente – eu afastei o máximo possível meus dois braços e fez um barulho com a boca. – Pra ela foi muito mais fácil acreditar em uma desconhecida, que é exatamente da mesma forma que ela gostaria que eu fosse, do que em mim, a filha desleixada, boca suja e que não se importa com os boatos. Eu não tentava desmentir, ou aparecer com algum garoto pra disfarçar. Eu só não ligava. E minha mãe acreditou, mesmo eu tendo um namorado.
– E o que ele falava disso? Do seu namoro?
– Ela passou grande parte do tempo achando que nosso namoro era fake. Quando ela percebeu que não era, as coisas entre nós duas já estavam estranhas demais e muitas coisas que eu não quero falar agora aconteceram. Agora, chega de falar disso – Eu resolvi mudar de assunto. Eu já teria doses de demais por um final de semana.
– Ok. – Ela fez um sinal com a cabeça e pareceu entender que aquele era um assunto que me incomodava. Qualquer assunto que fizesse nem que fosse a mínima referência à Tony e a minha mãe em minha vida já me enojavam e mudavam completamente meu humor.
– Nós precisamos aproveitar esse final de semana – se pronunciou e eu o encarei, ele que antes parecia tão desanimado quanto eu agora parecia disposto a tentar. – Se vocês estão animadas, eu ficarei animado – ele fez uma expressão que me fez ficar sem palavras, porque a única que eu poderia usar para descrevê-lo naquele momento seria fofa. E eu nunca descreveria dessa forma. – Vamos aproveitar essa droga de final de semana e tirar muitas fotos pra esfregar na cara do Paul que nós tivemos uma Sênior Weekend melhor do que a dele. – abriu um enorme sorriso em concordância. – E , Tira essa cara de desdém, eu sei que você está louca pra jogar na cara das outras meninas que teve esse corpo sexy ao seu lado durante todo o final de semana.
– Eca. Eu não quero você grudado em mim o final de semana inteiro.
– Veremos querida. – Ele usou um tom de voz afetado. – Veremos. Ele me jogou um beijo no ar em deboche antes de finalmente entrarmos no quarto que seria nosso. Alguma coisa me dizia que aquele final de semana renderia.
Capítulo 9
– Duas garrafas de Vodka! – Eu falei animada saindo do banheiro e me olhou sem entender. – Eu trouxe duas garrafas de vodka escondidas dentro da minha mochila. – Eu fiz uma dancinha animada e joguei a toalha em cima da cama enquanto procurava uma roupa que pudesse usar.
– Eu trouxe uma de whisky que eu roubei da minha mãe antes de sair de casa. – tirou sua garrafa de dentro da bolsa e nós duas batemos um High Five. – É oficial, somos duas pinguças. Eu não estava acreditando que poderia passar por esse final de semana sóbria.
– E nem vamos. – Eu disse e ela pegou uma toalha, entrando no banheiro.
era engraçada, ela tinha uma atitude tão parecida com a de em algumas coisas que eu acreditava que havia gostado dela de cara exatamente por isso.
era meu melhor amigo. Da forma mais estranha possível, mas éramos muito próximos. Ele não me contava todos os detalhes da sua vida, como a garota que ele gostava, que era um mistério pra todos menos Paul; ou entrava em detalhes da relação dele com o pai. Coisa que ele não fazia nem com Paul. Ele não ficava com as garotas com as quais eu tentava juntá-lo e muito menos aparecia quando eu combinava de encontrar ele em algum lugar. Ele sabia que era uma emboscada.
era o único cara decente que eu tive o prazer de conhecer e isso era algo que sempre me deixava feliz e orgulhosa. me lembrava um de três anos atrás. Magoado e precisando de alguém que cuidasse dele, mesmo não demonstrando e tentando parecer não se importar com isso.
– Você vai levar dinheiro pra tentar comprar alguém do leilão? – Eu gritei pra porta, enquanto penteava meus cabelos em frente à penteadeira.
O quarto em que havíamos ficado era pequeno assim como todos os outros. Havia uma enorme janela de vidro no alto da parece que nós não alcançávamos para abrir e que mostrava toda a mata que ficava por trás de nosso quarto. havia insistido, na verdade me ameaçado e quase me obrigado, a deixá-la ficar com a cama encostada na parede, de forma que ela não precisasse ver a janela. E ainda assim, ela havia subido em cima da cômoda que tinha ali e colocado um lençol para tapar a visão. Precisava admitir que eu havia ficado grata. Aquela janela adicionava um ar um pouco macabro ao lugar.
Além das duas camas, havia duas cômodas e uma penteadeira no quarto. Nada além disso. O banheiro era minúsculo, mal cabendo uma pessoa lá dentro, mas pelo menos era limpo. Apenas o box, o vaso e uma pia. Dava pra sobreviver por um final de semana.
Enquanto tomava banho eu decidia qual roupa usar. Durante toda a minha vida eu sempre ansiei pelo último ano, sempre pensei que seria o ano que eu aproveitaria com as pessoas as quais convivi durante toda a época de escola, nós aproveitaríamos, discutiríamos sobre faculdade, sofreríamos caso alguém decidisse ir pra algum lugar diferente. Enfim, aproveitaríamos tudo isso junto.
Mas antes mesmo das aulas começarem eu já sabia que as coisas seriam diferentes. Valerie e Rose haviam decidido e feito seus planos sem mim. e não tinham planos de ir pra faculdade e a única pessoa que me restava era , a única pessoa entre nós que ainda não sabia o que queria ser no futuro, mesmo sabendo que queria ir pra faculdade.
Todo o meu ano meramente planejado e ansiado havia começado da forma errada e tudo pareceu ganhar um pingo de esperança no momento em que conheci , talvez ela pudesse partilhar as mesmas vontades comigo. E então, só pra me zoar, a vida havia me mandado alguém que detestava essas coisas.
– Não sei. Você votou em quem?
– – eu respondi e ri.
Durante a apresentação do programa, um universitário muito gato havia nos passado o cronograma de tudo o que aconteceria no final de semana. Começando com o tão esperado "leilão de garotos". Cinco urnas estavam do lado de fora do galpão quando saímos, cada uma representando uma escola e cada aluno deveria colocar o nome de um garoto ali. Os três mais votados de cada escola seriam "leiloados" na festa que aconteceria à noite e ficaria "sob o comando" de sua compradora por vinte e quatro horas, começando a partir da meia noite. O sábado seria feito de competições entre as escolas e mais uma festa aconteceria pela noite. Por fim, o domingo seria com mais competições e o resultado da escola vencedora e sortuda que ganharia o desejado baile.
– Eu votei nele também – saiu do banheiro apenas de calcinha e sutiã e com a toalha enrolada na cabeça. – Eu não sabia em quem mais eu poderia votar, e sem contar que se ele fosse pro leilão, eu gastaria todo o dinheiro que minha mãe me dá e eu não uso só pra comprá-lo e tê-lo sob o meu comando por uma um dia inteiro. Imagina, , fazendo o que eu mando por vinte e quatro horas? Seria o paraíso na terra. – Ela sorriu maldosa e tirou a toalha da cabeça.
Naquele momento foi como se eu tivesse tido um insight sobre algo e eu arregalei os olhos por ter sido tão burra.
– Não me olha com essa cara. Eu não o obrigaria a fazer favores sexuais. Eu não o vejo dessa forma. – Ela falou na defensiva e vestindo a calça preta que as vezes parecia até seu uniforme. Preto parecia seu uniforme.
– Uhum – eu voltei a pentear meu cabelo com um pensamento me cercando. – Eu não duvido nada que ele apareça entre os mais votados. Muitas garotas do nosso colégio pagariam pra tê-lo vinte e quatro horas. – Eu comecei a me maquiar me olhando no espelho, e fez careta.
Três batidas ritmadas ecoaram pelo quarto e eu gritei um entra já sabendo que era . Apenas ele batia na porta daquela forma.
– Não, espera. – gritou quando e ele entrou e vestiu correndo sua blusa quase se fundindo ao tecido.
– Foi mal. – virou de costas ficando constrangido. Ele sem sombra de dúvidas era a pessoa mais fácil de deixar constrangido do mundo e isso o fazia ser muito transparente.
– Você tá um gato. Sem sombra de dúvidas vai fazer sucesso no leilão hoje. – Eu disse quando ele se aproximou e deu um beijo no topo da minha cabeça, dividindo o espelho comigo e passando a se olhar.
– Que sucesso no leilão o quê. – Ele começou a mexer em seus cabelos. – Não vou participar disso não.
– Chega pra lá. – o empurrou um pouco, e começou a se maquiar da mesma forma de sempre, maquiagem pesada e escura.
Se fosse em qualquer outra pessoa eu acharia estranho, mas nela sei lá. Eu acho que combinava com ela. Aquela cena me fez ter vontade de rir e eu peguei meu celular pra tirar uma foto. ao meu lado se maquiando, eu penteando o cabelo e mais acima fazendo a mesma coisa. Tirei uma foto e quando olhei sorri mais ainda, sem dúvidas aquela seria uma das fotos do meu quarto na faculdade.
– Vamos tirar uma Selfie. – sacou o próprio telefone ao ver que eu havia tirado uma foto pelo espelho e todos nós nos aproximamos. Enquanto ele ativava a câmera frontal. Pela primeira vez eu via sorrir e se aproximar pra uma foto. Pela primeira vez eu sentia como se eu estivesse no lugar que eu devesse estar.
Quando me mostrou a foto eu tive certeza de uma coisa: aquela seria uma foto que eu guardaria pro resto da minha vida. Agora sim, mais do que nunca eu me sentia animada. Eu tinha as pessoas certas ao meu lado.
– E aí, quem tá a fim de se divertir?
– Antes de tudo – pegou a garrafa de Whisky que havia trazido. – Não temos copo – ela fez uma carinha superengraçada. Ela parecia uma rebelde sem causa. E então ela abriu a garrafa e deu uma enorme golada, fazendo careta em seguida.
– Um brinde, ao melhor final de semana de todos – ela passou a garrafa pra .
– Um brinde ao final de semana mais estranho de todos – ele disse e bebeu um gole passando a garrafa pra mim.
– Um brinde ao começo de amizade mais engraçado de todos – eu disse antes de beber meu gole. Eu sentia que as coisas só estavam começando.
Sem sombra de dúvidas eu estava animada. E sem sombra de dúvidas eu estava assustada com a minha empolgação. No momento em que eu entrei no ginásio onde as pessoas se concentravam dançando ao som de uma música do Bee Gees eu senti que aquela seria a minha noite, a partir daquele momento eu estava planejando dançar até me acabar, independente de qualquer pessoa. E só de olhar pro lado, eu já tinha certeza que teria companhia, e por incrível que pareça, não seria apenas uma.
parecia bem animado ao ponto de andar mexendo o corpo. Ele era desengonçado e engraçado. Estávamos conseguindo bater o recorde de passar vinte e quatro horas sem brigar. Preciso compartilhar o pensamento de que talvez ele realmente fosse um cara legal. Pelo menos em relação às amizades. A forma que ele havia se preocupado com a , a forma como havia tratado das coisas desde que havíamos chegado. Até mesmo a forma com a qual ele me tratava havia mudado.
A festa em si ainda não havia começado e a maioria das pessoas ainda estava chegando e se enturmando. Demorou apenas um pouco para que esbarrássemos com Valerie, Rose, e . As duas eu diria que estavam "vestidas pra matar". Valeria parecia bem assanhadinha quando abraçou e eu não fui a única a perceber. Ela usava um vestidinho curtinho e justinho que provavelmente a faria passar algum tipo de vergonha até o final da festa.
não deu nenhuma bola para o que as duas falavam, o que me fez concluir que ela ainda estava magoada com o fato delas não terem dado a mínima por ela não ir na viagem. conversou um pouco com os meninos, que contavam das meninas que já haviam conhecido e trocado telefone nas poucas horas que estavam ali. Pelo que eu havia entendido já até tinha ficado com uma menina. Esse povo aqui era rápido.
Quando o som foi abaixado e um menino com um estilo super trash subiu ao palco, todos já sabiam que havia começado. O leilão estava no ar, e aquele seria o momento em que meninas desesperadas gastariam suas economias na tentativa de passar um dia inteiro com o cara que elas desejaram durante todo o high school. O que graças a Deus não era o meu caso. Eu havia falado brincando com que compraria , mas a realidade é que eu não gastaria um centavo das minhas economias com ele. Era mais engraçado vê-lo sofrer na mão de uma desesperada qualquer.
Já havia se passado meia hora de leilão que me levou a muitas gargalhadas, o apresentador, que vestia uma calça skinny vermelha com uma camiseta toda rasgada branca, óculos de sol mesmo estando noite e o cabelo todo lambido de gel, era hilário. Ele tinha toda a pinta de gay e fazia várias caras e bocas hilárias conforme ele apresentava os participantes. Os produtores do evento haviam feito um trabalho bem feito, procurando sobre os sorteados em suas redes sociais e exibindo fotos deles, das mais hilárias as mais fofas enquanto eram apresentado.
– E o próximo gato a ser leiloado. – Ele parou e fez uma cara hilária, que envolvia boca aberta que me lembrou do Moriarty em um dos episódios de Sherlock. – .
Uma foto de dando um sorriso ladino e com os olhos quase fechados surgiu no telão e e eu começamos a dar gritinhos empolgadas e ela até saltava de tanta animação – o mais estranho nessa situação foi ver que eu estava tendo a mesma reação que ela. Ver a reação de naquele momento foi algo impagável. Ele havia ficado constrangido, muito constrangido. Ao contrário da forma que eu imaginei que ele pudesse ficar. Sempre imaginei como o cara que se gabava por aí, coisas que eu estava começando a descobrir que não acontecia. Ele, naquele momento, tinha o rosto coberto pelas mãos.
– Gente, pelo que pudemos perceber, o gato é bem apegado aos amigos, já que encontramos apenas uma foto dele sozinho – o slide que antes continha uma foto cortada de sozinho foi trocado por outra dele cortada e sorrindo com os olhos fechados e pouco tempo depois mudou para uma foto onde ele,, Paul e apareciam sorrindo.
provavelmente tinha sido pego desprevenido na foto, já que não olhava pra câmera e sorria escancaradamente, como se tivesse acabado de ouvir a melhor piada do mundo. A foto que deu lugar a essa, era uma outra que ele provavelmente tinha tirado e estava apenas ele, e Paul.
– Todas as fotos dele são sempre acompanhadas de amigos, inclusive as dos perfil. – O rapaz voltou a falar e o slide mostrou rapidamente algumas fotos onde aparecia sempre com um dos meninos, o que gerava gritos geral da mulherada. E então parou em uma foto dele sozinho – Mas nós conseguimos achar uma foto.
Sem sombra de dúvidas, estava bonito naquela foto. Até eu que não achava ele bonito, havia achado naquela foto. Ele estava com uma camisa social aberta azul, cordão e olhando distraído pra frente enquanto sorria de uma forma "fofa". Eu lembrava dele vestido daquela forma, só não lembrava quando. Mas aquela imagem me era familiar. Ele tinha os cabelos mais curto do que agora e estava bem bagunçado. Seus olhos estavam abertos nessa foto, ao contrário do que raramente acontecia, e na foto era possível ver o quão azul seu olho estava.
– Apenas olhem e admirem a foto. – O cara se aproximou do telão e passou a mão pela parte da foto que mostrava parte do peito de . – Cadê o gato dono desse sorriso lindo? – Ele perguntou e as meninas do local foram à loucura.
Quando eu olhei pra , ele estava tão vermelho que poderia explodir. "Por favor, me compra. Eu pago de volta”, ele fez cara de cachorrinho pidão à . Antes de ser empurrado pelas pessoas ao redor que o reconheceram. Os caras do local não pareciam tão empolgados com o leilão, mas era engraçado ver como eles estavam observando quem não comprava ninguém. Foi no meio deles que eu avistei Vinicius, que olhava na minha direção e me mandou um aceno de cabeça e um sorriso quando nossos olhos se encararam. Fui educada ao ponto de responder da mesma forma, mas na realidade eu arrancaria seus olhos com as unhas se isso não fosse me levar para a prisão.
– Quem é o bonitinho? – perguntou ao notar meu olhar e eu virei novamente pra frente.
– O cara em quem eu dei meu primeiro beijo – eu dei de ombros. – Olha a cara do . – Eu voltei a olhar pra frente, mudando de assunto.
Se em um momento anterior tinha passado despercebido, aquele era o momento em que ele havia se tornado o centro das atenções femininas. E honestamente, ele não parecia estar gostando disso.
– Aqui está o famoso – o rapaz falou empolgado enquanto tentava parecer o mais simpático possível. – Prazer, , eu sou o Allan. – O rapaz estendeu a mão pra como se fosse uma dama. – Você curte garotos? – Ele deu um sorrisinho, uma piscadela e uma mordida nos lábios e eu quase me mijei de rir. Tanto da cara dele, tanto da cara de que parecia que iria explodir. – Ai gente, o gato é tímido, olha a bochecha dele. – O rapaz, que agora eu sabia que se chamava Allan, falou e passou os braços em volta de . – , Quantos anos você tem? – Ele continuou abraçado à que mantinha as mãos nos bolsos e a expressão envergonhada. A empolgação do carinha que falava era uma mistura de Willy Wonka com Effy de Hunger Games.
– Dezoito.
– E quem vai ser a primeira menina que vai se oferecer dinheiro para ter essa coisa linda – o rapaz depositou um beijo no rosto de que riu, – por vinte e quatro horas?
– Vinte dólares. – Valerie foi a primeira a erguer a mão quase desesperada.
– Vinte e cinco. – Uma outra do fundo gritou.
– Trinta dólares. – Outra desesperada
– Quarenta e cinco dólares. – Aquele foi o melhor som que eu ouvi naquela noite. Sarabeth havia acabado de dar um lance, usando seu casual tom de voz que indicava que ela planejava ganhar. Isso significava que ela queria . E se ela queria , bom, eu o queria vinte vezes mais.
– E que os jogos comecem. – Eu falei pra que não entendeu e logo em seguida ergui minha mão. – Cinquenta dólares. – Eu olhei exatamente na direção de Sarabeth no momento em que falei e, quando ela me encarou, eu lhe mandei um beijo. Ela pareceu que tinha visto um fantasma e eu sorri, lhe mandando uma piscadela antes de voltar a olhar pra frente, mas especificamente pra .
– What? – se pronunciou e eu nem prestei a atenção no que ela havia falado.
– Setenta Dólares. – Valerie ergueu a mão e eu fiquei com pena dela. Ela não sabia onde estava se metendo. Talvez eu doasse o pra ela depois de comprá-lo.
– Noventa dólares. – Sarabeth ergueu a mão.
– Cento e vinte dólares. – Eu ergui a mão e entrou em êxtase. não parecia entender, mas me olhava aliviado. Passaram-se alguns lances antes que Sarabeth desse seu lance de novo, e só para irritá-la, eu cobri. As ofertas começaram a se intercalar em um valor menor, apenas cinco dólares de diferença entre elas e eu parei de cobri-las, enquanto Sarabeth fazia isso com todas as outras. Ela já me olhava com o olhar de vitória e eu fiz questão de parecer a derrotada.
– Duzentos e cinquenta dólares, alguém cobre? – Allan perguntou se referindo ao lance de Sarabeth. – Dou lhe uma... – Eu olhei pra ela que parecia bem satisfeita e me olhava com o mesmo olhar que costumava me olhar na escola. – Dou lhe duas... – Ela me mandou um beijinho e eu ergui minha mão, sem olhar pra mais ninguém daquele lugar além dela.
– Trezentos e vinte e três dólares – eu falei e ela arregalou os olhos
– Oh meu Deus. O maior lance que eu já vi nesse leilão. Alguém cobre? Dou lhe uma... – Sarabeth continuava parada, me fuzilando. Eu poderia ficar ali a noite inteira, por que não importa o quanto de dinheiro ela tinha, eu sempre teria mais. Afinal, eu bem sei como o seu pai é controlador referente ao dinheiro que lhe dá. – Dou lhe duas... – Eu virei pra frente e falava alguma coisa que eu continuava ignorando. – Dou lhe três! Vendido pra linda dos cabelos cacheados lá no fundo. – Allan disse empolgado e eu sorri satisfeita comigo mesma.
Apenas alguns segundos depois eu me lembrei de Valerie, que me fuzilava com os olhos. Eu poderia apenas entregá-lo pra ela, mas a forma com a qual ela me olhou me fez concluir que não, seria muito mais agradável ter sob o meu comando por vinte e quatro horas.
– Obrigado – disse quando parou novamente ao nosso lado, sob muitos olhares.
– Não agradece, você vai me pagar de volta – eu dei dois tapinhas em suas costas. A muvuca de pessoas começava a se desfazer e se formar no centro da pista de dança. havia sido o último cara a ser leiloado, e a partir daquele momento, a festa começaria de verdade.
– E então, quem está a fim de dançar? – ergueu os braços e nem esperou resposta, saindo pro meio da pista de dança.
– Tudo o que ela quiser você vai querer mais, é isso? – Ele olhava na direção onde Vinicius conversava com Sarabeth e só de ver os dois eu já sentia enjoo.
– Exatamente – me virei para olhá-lo e ele abriu o sorriso convencido que se você não visse, não diria que era o mesmo cara "aparentemente" tímido que estava no palco. O mesmo cara que eu só havia encontrado o adjetivo "fofo" duas vezes em um mesmo dia para descrevê-lo.
– Dude – ele parou na minha frente e segurou minha mão, começando a me puxar pro meio da pista de dança. Achei o ato estranho, mas não me afastei. Eu estava indo naquela direção mesmo. – Só tenho uma coisa a te dizer – nós dois paramos ainda um de frente ao outro quando chegamos no meio da pista de dança. – Você tá me querendo muito. – Ele deu uma gargalhava alta e olhou dele pra mim e de mim pra ele. Uma música do Queen começou a tocar e eu me empolguei mais ainda, eu AMAVA Queen. – Minto, tenho só mais uma coisa a dizer – ele abriu os braços empolgado. – Não existe hétero quando Fred Mercury canta.
Capítulo 10
Acordei com o toque do meu telefone e ao contrário do que eu estava acostumado, aquilo não era o toque do despertador. Abri o olho e olhei o relógio digital que marcava cinco e quarenta e sete da manhã antes de pegar o celular e ver o nome “” escrito. Meus olhos se arregalaram na hora e o sono passou. Eu e meu instinto preocupado.
– Oi – falei um pouco sobressaltado.
– , me ajuda. – Foi a única coisa que ela disse antes de desligar o telefone e não preciso dizer que mil coisas se passaram na minha cabeça. Quando dei por mim, eu já descia em disparada a escadaria de pedras, sem camisa, de calça de moletom e meias e provavelmente com a maior cara de louco possível. Acabei esbarrando em um casal que provavelmente se comia no caminho e meu celular voou longe, juro que por alguns segundo eu calculei não voltar pra pegá-lo, mas depois lembrei que ele era caro e voltei.
Quando eu parei em frente ao quarto de , a luz estava acesa e antes mesmo de bater eu tentei abrir a porta direto, e pra minha surpresa ela estava aberta. Mas surpresa maior foi a que eu tive quando entrei no quarto esbaforido e só então começando a sentir o frio congelante que estava do lado de fora. Tudo o que encontrei foi enrolada nas cobertas com um sorriso de criança no rosto e com uma expressão entre riso e pena.
– Que foi? – Eu perguntei esbaforido e fechando a porta porque achava que iria congelar, e ali estava tão quentinho.
– Preciso que você pegue minhas sandálias, minha mãe sempre me disse que eu não devo levantar da cama descalça e eu realmente preciso fazer xixi. – Ela abriu um enorme sorriso e finalmente começou a rir, talvez da minha cara de idiota. Talvez da minha cara de quem mataria . Ou talvez da cara e da risada que dava, porque preciso confessar se não fosse eu o idiota da situação eu também estaria rindo.
– Você quer me matar do coração? – Eu falei ficando irritado e me sentindo idiota. havia me comprado em um leilão, era óbvio que ela iria aproveitar isso. – Eu não acredito que você fez isso. – Só pra irritá-la eu me joguei na sua cama e ao seu lado, roubando a sua coberta e finalmente me sentindo esquentar de novo. – Você me assustou – eu me acomodei e só na hora que fui colocar meu celular na cabeceira percebi sua tela toda trincada. – Olha só o que você fez! – Eu estendi o celular em frente ao seu rosto e ela riu mais feliz ainda. – Não tem graça! Eu estou congelando. – Tirei minhas meias que estavam úmidas. – Você levantou pra abrir a porta, mas não podia levantar pra pegar seus chinelos?
– Sim. – Ela ainda tinha um sorriso idiota. – Valeu muito a pena só pela sua cara. Agora sai da minha cama – ela tentou me empurrar e eu resisti.
– Não. Eu não vou voltar aquilo tudo sendo que eu já estou aqui confortável e quentinho. – Me mexi só pra poder roubar mais ainda de sua coberta. – Eu estou cansado! E quero dormir. – Falei. Eu havia deixado as duas ali menos de duas horas atrás. E era assim que me recompensava.
– Nós nem dormimos ainda, estávamos conversando. – disse e se sentou na cama, ainda tentando puxar as cobertas e eu desisti de ficar ali perto dela, porque eu sabia que não era seguro. Então pulei pra cama de que me recebeu muito bem me doando suas cobertas e me abraçando com pena.
– Tadinho, , ele tá gelado.
– Eu poderia pegar uma pneumonia. – Eu falei depois de me acomodar. – E queria ver depois quem iria cuidar de mim. Eu ia aparecer no seu quarto, pedindo remédio. – revirou os olhos.
– Eu cuidaria de você. – disse e eu lhe dei um beijo na testa, passando meus braços por baixo do seu pescoço e nos acomodando na pequena cama de solteiro. Ela deitou a cabeça no meu peito e jogou o braço por cima da minha barriga.
– Para de reclamar. E você não pegou minhas sandálias.
– Você está com meias, . Eu já estou quentinho, confortável e dividindo a cama com uma gata. – Eu abracei mais , que me apertou e fechei os olhos.
– Gente, pelo amor de Deus hein, tem mais gente no quarto. – Eu abri apenas um dos olhos e a vi sentar na cama e sair olhando bem pra nós dois.
– Já era ,, o deitou sem camisa no meu lado, eu não consigo resistir. – jogou a coberta por cima de nossas cabeças começando a fazer uns barulhos engraçados que não pareciam nem um pouco sexuais. O que me fez continuar rindo. Ela só parou e tirou a coberta de cima da gente quando a porta do banheiro foi fechada por e então eu voltei a fechar meus olhos pra poder dormir.
– Eu te conheço, . – Ela disse e eu abri meus olhos, sem entender o que ela queria dizer com aquilo.
– O quê?
– Eu disse que te conheço, . – Ela só repetiu a frase e se virou. – Agora eu preciso dormir.
– Amanhã você não me escapa. – falou ao sair do banheiro e apagar a luz.
– Mal posso esperar – eu respondi debochado, e logo depois disso capotei.
xxx
Acordei com me cutucando ao ponto de quase me jogar pra fora da cama. Fiquei meio desnorteado a princípio, sem entender quem eu era, de onde vim, qual era minha missão ali, mas logo depois as coisas foram se clareando na minha mente.
– Você tem dez minutos pra se arrumar e encontrar a gente no salão principal – disse e eu cocei os olhos, ainda tentando me localizar.
– Que horas são?
– Dez e cinco. Anda, levanta. A já desceu pra tomar café. Acorda. – Ela começou a me empurrar da cama sem um pingo de consideração e eu me dei por vencido. Eu sabia que o dia não seria nada, nada fácil.
– Dez minutos. – Ela disse autoritária abrindo a porta e, no momento em que saí, a menina que ela odiava e que eu tinha esquecido o nome passou por nós no corredor. Ela me deu uma bela olhada, cheguei a ficar constrangido. Afinal, não é todos os dias que uma gata admira seu corpo praticamente nu às dez da manhã, mas mudou totalmente a expressão ao ver sair atrás de mim. também fez cara de nojinho e eu ri, porque ela só fazia aquela cara pra mim.
– Dez minutos – eu disse à passando na frente das meninas e chamando a atenção. – Guarda meu lugar no café e pega meu telefone que ficou do lado da sua cama – eu respondi antes de começar a correr. Eu estava descalço e sem camisa parecendo um mendigo com cara de sono e cabelo bagunçado.
Não demorei muito pra tomar um banho, me trocar e descer, encontrei terminando de tomar café e começando o seu. Ela me passou o prato que tinha trago pra mim e eu agradeci, eu realmente havia acreditado que ela não pegaria nem o dela, me esperando só pra poder mandar em mim.
– Querido , – Ela abriu um sorriso “angelical” e eu sabia que tinha alguma coisa de muito errada por trás daquilo.
– Eu não vou deixar você abusar do meu corpo nu, . Eu não vou fazer dancinha erótica pra ti, e eu também não vou usar o pole dance. Já falei que esse é um truque que eu uso só pra clientes especiais. – Ela riu abertamente, fechando os olhos quando eu terminei de falar. Era a primeira vez que ela ria daquela forma tão espontânea comigo.
– Eu não te quero nu, ! Nem um pouco.
– Você quer que eu finja ser teu namorado? Pra deixar a outra com raiva? – Perguntei por que era aquilo que qualquer outra garota iria querer; talvez eu nunca tenha dito isso antes, mas não era igual a qualquer outra garota.
– Não. Eu quero que você me pague o dinheiro que eu gastei com você de volta, assim eu te deixo livre o dia inteiro.
– Fechado.
– Me candidatei aos jogos, vocês também? – falou, depois de terminar seu bolo de banana.
– Sim. Talvez eu jogue alguma coisa, mandei o colocar meu nome em qualquer coisa. – Dei de ombros. O dia seria feito de competições entre as escolas para, no final da noite, rolar mais uma festa.
– Não. – respondeu. – Eu sou muito bruta pra qualquer tipo de esporte, sempre acabo machucando alguém. Dei meu nome pra ajudar na organização da festa. – Ela jogou os cabelos pra traz e prendeu, olhando ao redor e parecendo reconhecer alguns rostos.
– Seu ex-namorado está aqui? – perguntou e ela parece surpresa.
– Tony? – Ela fez uma cara surpresa. – Não. Ele já está na faculdade. – respondeu e voltou a olhar distraída, então me encarou e bastou olhar pra ela que eu soubesse exatamente sobre o que ela estava falando mais cedo. Não havia dúvidas, eu estava ferrado.
Os jogos já iriam começar, e nada mais justo do que começar o dia animando os meninos, já que ontem a atração principal da noite tinha sido uma animação para as meninas. Então para compensá-los, a primeira competição do dia seria queimado. Mas não era queimado da forma tradicional, era queimado universitário. Várias meninas jogariam queimado em uma quadra molhada com água e sabão e apenas de biquíni. Algumas meninas ainda estavam tendo a decência de permanecer de short, mas a maioria estava apenas de biquíni, mostrando seus corpos sarados e bonitos e sem estria e celulites e com a bunda bonita e normal.
– , para de encarar a bunda da menina. – estalou os dedos em frente ao meu rosto. havia acabado de nos deixar na arquibancada e seguir para a quadra. Ela seria uma das jogadoras do time. Na verdade ela seria a capitã.
– É porque é tão injusto algumas meninas terem o corpo tão bonito, serem tão bonitas e outras não! Olha aquela bunda, ! – Eu apontei pra menina que eu olhava e na hora que eu falei “olha aquela bunda, ” uma menina da minha antiga escola passou e riu. Legal, eu seria eternamente lésbica por lá mesmo.
– Você tem uma bunda bonita. – Ele disse e começou a rir em seguida. Talvez pela forma que eu o havia olhado.
– Eu sou homem. – Ele colocou a mão no peito. – Você usa shorts colados dentro de casa. É meio óbvio que eu já olhei pra sua bunda. E não me olhe com essa cara porque eu não vou me sentir culpado por isso. É um instinto normal do sexo masculino olhar para as bundas do sexo oposto. E pros seios também. Eu só aprendi a não ser consumido por isso, mas não significa que eu não observe.
– Você fica olhando pra minha bunda.
– Eu não fico olhando pra sua bunda, eu já olhei pra sua bunda. É diferente. E você tem uma bunda bonita, um corpo bonito, na realidade. Você é bonita, , não sei porque você fica nessa insegurança toda. – Eu parei por alguns segundos tentando compreender o que estava acontecendo, olhando pra , mas ele não me encarava de volta. Ok, aquilo já estava ficando esquisito.
– Vamos mudar de assunto – eu disse e ele concordou, ainda não me encarando.
– Melhor. Lol, sua amiga é gostosa. – Ele falou e naquele momento eu me senti em um clichê filme adolescente, onde a menina mais popular aparece e uma música sexy começa a tocar, enquanto alguma idiota que deveria estar molhando a quadra joga água em seu corpo e ela sorri, enquanto seus seios se movem e todas as pessoas olham boquiaberta. Tudo o que eu conseguia sentir era nojo, mas precisava admitir: Sarabeth era bonita. E sabia muito bem disso.
– Além dela, tem mais alguém que você odeie na sua antiga escola? Ou alguém que você goste? Ou alguém que tenha sido importante pra você?
– Algumas pessoas – disse buscando com os olhos. – Aquela menina ali – apontei pra menina que acabava de entrar na quadra com um biquíni verde. – Ela escreveu “Sapata” no meu armário quando estávamos no primeiro ano. – Aquele garoto lá. – Apontei pra Vinicius que conversava distraído com Adam. – Ele é ex-namorado da Sarabeth, foi com ele que eu dei meu primeiro beijo, atrás da escola quando estávamos na sexta série. Ele era meu amigo, mas depois ficou um nojo. – Revirei os olhos. – Aquela menina ali, – apontei pro outro lado da quadra onde uma menina sentava sozinha e ela me encarou na hora e acenou com a cabeça, – ela era o mais próximo que eu poderia chamar de colega dentro daquela escola. Ela namora aquela menina de azul. – Apontei novamente com os dedos. – E ser amiga dela só reforçou mais ainda a minha fama. Até que um dia nós brigamos e nunca mais nos falamos até hoje no café da manhã, quando ela acenou com a cabeça pra mim e sorriu.
– E por que vocês brigaram?
– Porque ela começou a namorar a menina de azul, e ela tinha muitos ciúmes de nós duas. Então acabamos brigando porque ela começou a insinuar que eu estava apaixonada por ela e pá. – riu. – Não era um colégio fácil, .
– Percebi.
– Lá é cheio de regras e pessoas muito dispostas a quebrá-las.
– Eu imagino – ele disse e ouvimos uma voz ecoar por toda a quadra, anunciando que os jogos iriam começar. mandou para nós um tchauzinho animado enquanto todas elas se posicionavam.
Sarabeth me olhou e fez uma cara de decepcionada ao perceber que eu não jogaria, talvez ela esperasse que aquele seria o momento perfeito para acertar minha cara com uma bola e sair impune como já havia acontecido em outras vezes, mas eu não lhe daria esse gosto. Na verdade não lhe daria gosto nenhum. Talvez, a melhor coisa que eu pudesse fazer era deixar essa parte da minha vida pra lá. Depois da maravilhosa noite que tive – e o mais estranho era que o estava incluso nela – eu começava a repensar que talvez não fosse agradável mexer nisso.
O jogo começou e os primeiros cinco minutos foram hilários, com as meninas caindo mais do que conseguindo pegar a bola e ficando todas cheias de espumas, enquanto alguns caras com mangueiras se ocupavam de molhá-las mais ainda. Alguns deles tiravam fotos e eu tinha certeza que se em algum momento alguém pagasse peitinho, isso seria registrado e postado em alguma rede social. Motivo pelo qual, eu não gostava de participar desses jogos.
Depois de um tempo e pelo excesso de água jogada com a mangueira, a maioria do sabão saiu ficando mesmo apenas a quadra molhada, o que fez o jogo começar a rolar de verdade. As meninas disputavam a bola e acabavam caindo e era uma coisa muito engraçada de se ver. Sarabeth tentou queimar uma vez, mas a bola passou longe e ela olhou pra minha cara, mesmo eu não conseguindo entender o motivo, mas apenas dei de ombros e continuei olhando o jogo e comentando alguma aleatoriedade com o . Pela segunda vez Sarabeth tentou acertar que desviou, e Sarabeth novamente olhou pra minha cara com uma expressão que era totalmente desconhecida pra mim. Comecei a desconfiar que ela estava com perseguição, e apenas quando ela acertou no estômago, olhou pra mim e sorriu que eu tive certeza de que ela fazia aquilo pra me irritar.
– Onde você vai ?– perguntou quando eu levantei segundos depois de ser atingida na boca do estômago e cair pra trás. Ela havia feito de propósito e havia feito pra me irritar.
– Tudo bem? – perguntei a que já havia sido colocada no canto da quadra e tinha a cara branca.
– Filha da puta – ela sussurrou ainda segurando o estômago e eu me virei com toda calma do mundo pro rapaz que organizava o jogo e pedi pra entrar no lugar de .
– Você não está de biquíni – ele disse me olhando de cima à baixo. Eu vestia um short e uma baby look azul escura. Algumas pessoas olhavam em nossa direção, inclusive o time adversário, já que o jogo tinha parado.
– Não seja por isso – me vi tirando minha baby look e ficando apenas de sutiã na quadra e ouvindo gritos e murmúrios do público masculino. Agradeci a Deus pela minha facilidade em não corar e olhei pra trás, encontrando que parecia ter corado por mim parado ao lado de que me olhava rindo. – Segura pra mim, por favor – eu joguei minha camisa em sua direção. – E agora, posso jogar? – perguntei e senti que tinha raiva na minha voz. Meu único objetivo era entrar ali, machucar Sarabeth e depois ir embora.
– À vontade – ele fez uma reverência e me mandou um sorriso enquanto eu me dirigia ao centro da quadra sobre olhares, assobios e gritos. Preciso admitir que fiquei constrangida e agradeci por ter colocado um sutiã decente e com boa sustentação. O apito foi ouvido e como tinha sido a última a ser queimada a bola começou nas mãos de Sarabeth que jogou exatamente na minha direção, como previsto. Mas ela tinha esquecido apenas de uma coisa muito importante naquele momento: eu sabia jogar.
Agarrei a bola e para sua surpresa eu não taquei em sua direção, mas sim na de outra menina, acertando sua perna e queimando-a. O jogo começou a rolar e eu sempre agarrava as bolas de Sarabeth ou de alguma outra pessoa e nunca revidava nela, apenas queimava alguém à sua volta. Eu queria cansá-la. Por alguns minutos parei de jogar e deixei apenas o jogo rolar, correndo de um lado para o outro vendo algumas meninas do meu time serem queimadas e queimarem.
– Quer deixar ela pro final, certo? – uma menina do meu time perguntou e eu acenei com a cabeça.
– Cansar ela um pouquinho e depois revidar a bolada na – respondi e ela acenou com a cabeça, parecendo passar a me dar cobertura, pois passou a queimar também outras meninas. No final, era apenas eu e ela do nosso time e Sarabeth e mais duas do time delas.
– Posso ser queimada agora? – Ela perguntou e eu acenei com a cabeça. – E que os jogos comecem. – Ela fez uma dancinha engraçada e agarrou a bola que vinha em nossa direção, mas propositalmente deixou cair segundos depois. A menina, que eu fiz uma nota de perguntar mentalmente o nome depois, se direcionou ao outro lado e tacou a bola pra mim. Ela tacava a bola exatamente na minha mão e eu na dela. Era como se o jogo pertencesse apenas a nós duas. Cansamos um pouco as meninas antes de acelerar o ritmo. Era engraçado, eu já via uma Sarabeth cansada e irritada e eu estava gostando daquilo. Aquela era a primeira vez em muito tempo que eu reagia a alguma implicância que ela realizava comigo, e só de ver sua expressão eu já me sentia satisfeita. Mas ainda não plenamente. Demorei um pouco naquele ritmo e então decidi que já era hora. Agarrei a bola, e ao contrário do que ela pensou que eu faria, eu mirei e acertei em cheio o seu rosto. A cena em si aconteceu rápido, mas pra mim pareceu que ocorreu em câmera lenta. A bola indo em sua cara, o barulho das pessoas ao nosso redor. Sarabeth caindo pra trás. Preciso dizer que ri. Ri abertamente antes de simplesmente virar as costas e sair dali. Ela já tinha tudo o que tinha merecido.
– Vamos – disse pegando minha blusa da mão de que me olhava de olhos cerrados e procurei com os olhos, mas acho que ela tinha sido levada pra enfermaria
– Vamos pra onde? – Perguntou.
– Pra qualquer lugar. O dia está lindo. Vamos simplesmente andar – eu falei animada demais e ele riu, me seguindo.
– Sempre soube que você era meio bruta, mas olha... – ele parou no meio da frase começando a rir e eu fiz o mesmo.
– Eu não sou bruta, eu sou vingativa! Muito! Você não tem noção. Por mim, eu faria milhões de outras coisas com a Sarabeth, mas não vale a pena.
– Ela realmente fez da sua vida um inferno, hein. Encontrei alguém que foi pior que eu na sua vida – ele sorriu fazendo careta ao mesmo tempo.
– Você me irrita, . Ela me dá ódio. Ela faz com que eu sinta algo muito ruim que eu não sei nem explicar, mas que eu não quero sentir sabe? – Nós dois caminhávamos ao lado da cachoeira e havia algumas outras pessoas aleatórias por ali. – E eu só percebi isso quando eu olhei pra ela hoje.
– Como assim?
– Eu tô bem. Eu tô feliz onde eu estou, na escola que eu estou. Eu finalmente tô morando com meu irmão, eu tenho a minha liberdade, eu tenho a . Eu tenho pessoas legais em volta de mim com quem eu quero estar junto e quando eu olho pra Sarabeth tudo o que eu consigo lembrar é do quanto eu detestava aquele lugar e a minha casa e o quanto tudo aquilo me fazia mal. O quanto a minha mãe me fazia mal.
– Vocês duas não se falam desde que você se mudou?
– Não. – Eu fiz um barulho com a boca. – Minha mãe é totalmente o oposto daquilo que eu sempre imaginei que uma mãe deveria ser. Pelo menos comigo.
– Você não tem medo ou vontade de que ela apareça?
– , minha mãe na minha vida é que nem uma sanguessuga, mas ao invés de sangue, ela suga a minha felicidade. Parece que se algo me faz bem, ela tenta me afastar desse algo. Às vezes eu me sinto até mal falando assim, porque no final de tudo ela é minha mãe, mas... – Não soube como terminar a frase, na verdade eu não sabia nem porque estava falando daquelas coisas com ele. Não era como se fossemos amigos ou algo do tipo.
– Nesse quesito eu tive sorte. – Ele falou depois de um tempo em que caminhávamos em silêncio. – Minha mãe – ele parou de falar e sorriu – era a melhor pessoa do mundo. Ela não era só a minha mãe, ela era minha melhor amiga, meu player dois e meu pai. Tudo ao mesmo tempo.
– Era?
– Ela faleceu quase três anos atrás. Por isso que eu fui morar com o Paul – acenei com a cabeça, sem saber o que falar. – Ela tinha essa mania de registrar nossos momentos em fotos e espalhar um milhão de porta retratos pela casa, só de fotos nossas, Paul estava em um monte delas – ele riu. – A sua mãe talvez possa ser tudo isso, , só que você precisa estar receptiva à ela. – Eu o encarei. – Eu já a vi ligando algumas vezes e você pedindo ao Paul pra dizer que não estava em casa. Talvez agora com você longe, a relação de vocês possa melhorar. Eu sei que eu não tenho nada a ver com isso e é provavelmente isso que você está pensando agora então antes que você me dê um fora, eu só preciso dizer que por pior que sua mãe seja, é muito melhor tê-la viva e por perto de você. – O tom que usou naquela frase me deu vontade de abraçá-lo. Ele pareceu uma pessoa que precisava de um abraço naquele momento, mas eu me contive apenas refletindo sobre aquilo.
– Quem diria você consegue ser uma pessoa agradável. – Eu disse depois de um tempo em que caminhávamos já voltando para os quartos em silêncio.
– Eu sei ser muitas coisas, . – Ele usou seu tom convencido e eu lhe dei um tapa sendo forçada a ouvir murmúrios convencidos enquanto ele começava a fazer coisas para me irritar.
É, talvez conhecer de verdade não fosse uma tarefa tão difícil.
Capítulo 11
A última festa rolava solta e algumas pessoas já estavam bêbadas e fazendo besteiras. Desde coisas engraçadas à coisas deploráveis. Eu havia perdido e de vista. A última, na realidade eu não tinha perdido, eu tinha certeza de que ela havia me dado um perdido, e já , eu não poderia afirmar o mesmo. De todas as meninas que eu havia visto investindo nele, não o vi dar ideia para nenhuma delas. Ele parecia simplesmente aleatório e educado a tudo o que elas falavam, saindo de perto na primeira oportunidade que elas davam.
Eu não queria ficar na festa, mas, ao mesmo tempo, não queria ficar no quarto. Na realidade, eu só não queria ficar sozinha. Já era tarde e se o quarto não tivesse aquela aparência de mal assombrado talvez eu estivesse lá. Já estava cogitando seriamente a possibilidade de procurar ou algum dos outros meninos apenas pra bater papo aleatoriamente.
Durante todo o resto da tarde, , e eu havíamos nos fechado em nosso quarto e bebido uma das garrafas de vodka que ela havia trazido, enquanto falávamos um monte de besteiras. Podíamos ouvir do nosso quarto o grito animado das pessoas que participavam dos campeonatos, mas não nos interessamos nem um pouco em participar de nada, queríamos apenas ficar ali, juntos e falando besteiras. No final de tudo, acabou admitindo que superestimou o Senior Weekend, dando motivo para e eu zoarmos ela pro resto do ano. Mesmo depois do banho gelado e da janta, eu ainda me sentia um pouco tonta, o que fazia com que eu estivesse sentada no bar, mas sem realmente estar bebendo nada.
– A que ponto nós chegamos, hein? – a voz de Sarabeth do meu lado me assustou, devido à minha distração. Olhei bem pro seu rosto muito bem maquiado, e notei que mesmo assim havia uma marca meio arroxeada perto de seu nariz. – Você acertou uma bola na minha cara. Nunca achei que você fosse capaz de fazer isso. – Ela se sentou, e ela não estava com a máscara da garota implicante que sempre usava.
Quando ela se sentou ao meu lado e bebeu um gole do que tinha nas mãos eu pude ver que ali estava Sarabeth, a garota que um dia já tinha sido minha melhor amiga.
– As pessoas mudam. Você é a maior prova disso. – Usei a frase mais clichê da vida adicionando um sorriso debochado e ela deu um sorriso de mau gosto.
– As pessoas se adaptam, . Eu sou a maior prova disso. – Ela ergueu seu copo. – É o último ano, Em alguns meses eu estarei fora daquela escola, fora daquela cidade e fora daquela casa. Vou poder ser sempre quem eu quis ser. Mas eu vou contar pra eles, antes de sair de casa.
– Eu não me importo. – Fui sincera. Honestamente, não me interesso nem um pouquinho.
Sarabeth costumava ser minha melhor amiga quando tínhamos entre 11 e 13 anos. Ela vivia na minha casa, já que minha mãe achava interessante ter uma criança com educação modelo para que eu pudesse seguir, já que desde muito nova eu já demonstrava rebeldia. Mas o problema era que Sara não era quem parecia ser, e foi por um problema dela que todos os meus surgiram.
Sarabeth era lésbica. Desde muito nova ela já sabia exatamente qual era a sua sexualidade e, quando nos aproximamos, ela não teve vergonha de me dizer isso. Mesmo tendo apenas onze anos, e na época eu nem me interessava por meninos ainda, ela havia me confidenciado que gostava de meninas. E que inclusive, já havia beijado uma.
Todos os meus problemas começaram quando certo dia, quando tínhamos treze anos, Sara tentou me beijar e minha mãe viu. Assustada e com medo da reação de seus pais – que sempre foram muito rigorosos – Sara correu e contou à minha mãe que era eu quem havia tentado fazer aquilo. E com medo de que a fofoca se espalhasse, ela contou não apenas pra minha mãe, mas pra toda a escola.
– Eu posso contar pra sua mãe também, se você quiser.
– Mais uma vez, eu já disse que não me importo, Sarabeth. Não me importo com o que você faz ou com o que você fala ou pra quem você fala. Nós não somos mais obrigadas a conviver no mesmo lugar, suas atitudes não me afetam mais.
– Você parece mais feliz aqui. Aquele menino é o seu namorado?
– Achei que você não se interessasse por caras. – Rebati.
– Isso significa que você gosta dele – revirei os olhos. – Eu só preciso manter as aparências. E enquanto faço isso, posso muito bem me divertir por aí. – Ela estava meio bêbada. – Você parece estar fazendo isso muito bem – ela riu estranho.
– Tchau – eu me levantei e ela segurou em meu braço, me puxando, quase caindo e derrubando sua bebida na minha blusa. – Puta que pariu! – eu falei com raiva e ela me encarou séria.
– Me desculpa, . Por todo mal que eu te causei. É muito bom ver que você está bem. – Ela saiu andando sem nem esperar que eu falasse nada e eu fiquei totalmente sem entender. Ela era louca?
Cacei minhas chaves no bolso apenas para não achá-las. Senti aquela sensação de mini infarto e comecei a procurar ao redor de onde eu estava sentada apenas para não achar nada. Xinguei todos os palavrões possíveis enquanto saía pela festa em busca de , apenas para não achá-la.
A minha última alternativa era tentar ligar pra ela. Mas, como não era surpresa, o telefone também não pegava. Me afastei o máximo que tinha coragem da festa, erguendo meu celular que nem uma louca e procurando um pouquinho que fosse de área para tentar falar com e pedir a chave dela emprestada pra eu poder trocar de roupa, ou melhor, para poder entrar no meu quarto e nunca mais sair de lá.
– Hey – a voz de surgiu no meio da escuridão e eu pulei de susto, sentindo meu coração bater a mil por hora.
– Quer me matar, ? – Perguntei me virando pra ele e logo em seguida voltando a erguer meu celular na tentativa frustrada de encontrar algum sinal.
– O que você está fazendo aqui fora? Está frio pra caramba. – Ele cruzou os próprios braços. Se ele que estava de casaco estava com frio o que eu diria estando toda molhada? Eu sentia que iria congelar. – E por que você está toda molhada? – só então ele percebeu minha blusa azul clara com toda a mancha escura.
– Sarabeth – disse apenas e voltei a olhar o celular que continuava não dando sinal.
– E por que você não foi trocar de roupa?
– Eu perdi minha chave E agora eu tô tentando ligar pra , mas o telefone não pega área. Eu não consigo encontrá-la em lugar nenhum! – Eu sentia vontade de jogar o telefone no chão e pisar nele com todas as minhas forças.
– A não está no camping. Ela saiu, só volta amanhã de manhã. – Era como se o tivesse me dado um soco na cara. Já passava de uma da manhã, estava frio, eu estava molhada e agora sem teto. Talvez eu começasse a chorar.
– Me diz que você está zoando, por favor? – me olhou com cara de pena e não adiantou. Meus lábios já tinham começado a tremer e eu me sentei no chão.
– Sorry. Ela foi encontrar uma pessoa e deu um jeito de sair. Ela pediu pra te avisar porque ela ficou com medo de falar com você e você ficar puta e ela estava muito empolgada. – Por mais que eu quisesse estar com raiva dela, eu não fiquei. Ela estava se divertindo, como eu poderia?
– Eu tô ferrada – eu deitei no chão e sentou ao meu lado. Ele também já começava a tremer, já que usava apenas uma camisa de manga média. Serenava bastante ali e fumaça saía da nossa boca conforme a gente falava. – Vou morrer congelada. Sinto-me o Jack.
– Han? – ele fez uma cara engraçada.
– Titanic, . Jack morrendo congelado. Indo pro fundo do mar.
– Deixa de ser exagerada, garota, vem dormir comigo. Digo, não comigo, mas no meu quarto. Não vou te deixar dormir aqui e nem ficar aqui sozinha. Tá frio, aqui é deserto e seu irmão me mataria.
– Não – respondi a resposta mais óbvia do mundo.
– Se você não dormir no meu quarto, você vai pra onde? – ele ergueu a sobrancelha convencido. – Vai ficar aqui? No frio? No mato? Com bichos? Adolescentes bêbados? – Fiquei quieta. – Meu quarto tem cama, coberta, uma roupa minha que não esteja molhada e é claro que tem alguns contras como o cara que dorme comigo que é um nerd roncador. Mas você vai estar segura lá. – Ele pareceu tão sincero. – E se você não for eu vou ser obrigado a te abraçar.
– O quê?
– Sim te abraçar, tentar te aquecer. Passar calor humano, sabe? – ele se aproximou e me abraçou, cruzando os braços em minhas costas enquanto eu continuava imóvel.
– Sai, – eu o empurrei, mas em vão.
– Eu não vou te deixar morrer aqui sozinha, .
– , me solta – eu quase comecei a rir da voz de drama que ele usava.
– Você pula, eu pulo, lembra? – ele citou Titanic e eu comecei a rir. Então ele me soltou. – É sério, vamos. Juro que não tem nada demais. Você não vai ficar aqui sozinha.
O frio já estava começando a ficar insuportável, então me dei por vencida. Eu sabia que não poderia falar nada e nem teria pra onde ir. Então aquela era minha única solução. teria um motivo pra me zoar pro resto da vida.
Quando entramos a primeira coisa que percebi foi que a cama de ficava em frente à janela e que estava descoberta. Pedi mentalmente aos céus pra que na hora de dormir ele me deixasse ficar na parede, caso contrário eu tinha certeza que não dormiria.
Ele me emprestou uma blusa e uma boxer para que eu pudesse usar como short, já que minha calça jeans também estava molhada e eu me dirigi ao banheiro em silêncio pra me trocar. Constrangida demais para dizer alguma coisa. Quando voltei, já tinha substituído sua roupa anterior por uma calça de moletom e uma camiseta branca.
– Eu gostaria de ser cavaleiro e dizer que dormiria no chão, mas não tenho roupa de cama o suficiente pra fazer uma cama ali e não me arriscaria pegar um resfriado por você. Desculpa – ele fez uma cara de desculpas e eu acenei com a cabeça, pensando apenas que ele estava no canto enquanto eu teria que ficar na ponta. Deitei-me ao seu lado, sentindo todo o embaraço da situação e imaginando que nem em mil anos eu me imaginaria dormindo ao lado de .
– Boa noite, . – Ele disse antes de apagar o abajur que ficava na cabeceira logo acima de nós e se virar de frente para a parede.
Virei-me de costas pra ele e acabei ficando de frente pra janela. Aquela janela maldita que me dava a sensação de que alguém apareceria ali a qualquer momento segurando uma faca e uma cabeça decepada. Eu simplesmente não conseguia tirar os olhos dali. Era incrível, eu parecia obcecada. Tentei virar de costas, mas nessa posição a sensação de que alguém me observava e podia me tocar era pior ainda, então me vi obrigada a virar na posição original. Mudei de posição algumas vezes, antes que a voz de surgisse no silêncio e quase me matasse do coração.
– . – Quase me mijei de susto. Eu nem poderia xingá-lo. Ele estava sendo legal demais pra ser xingado.
– Que? – perguntei baixo com medo de acordar o menino que dormia do outro lado do quarto.
– Você está com medo? – ele perguntou ainda com o rosto meio afundado no travesseiro.
– Não – respondi rápido demais. – Medo de quê? Que ideia – tentei desconversar, mas ouvi uma risada ser abafada e tive vontade de socar à mim mesma.
– Então por que você está tentando se fundir às minhas costas?
– Eu não estou tentando nada – respondi ficando reta e percebendo a quão encolhida eu estava.
– Passa pra cá – se ergueu e passou por cima de mim me empurrando em direção à parede. – É a janela, não é? – ele perguntou depois de se deitar de lado, ficando virado em minha direção. Era muito estranho tê-lo tão perto.
– Não – passei minhas mãos por baixo do rosto, me acomodando. Eu pensava que se eu virasse de costas, seria como se estivesse dando à uma indireta pra ele me abraçar, mesmo sabendo que isso nunca aconteceria.
– É sim – ele riu baixo.
– Cala a boca. – Fechei a cara ainda sentindo a respiração de sua risada bater no meu rosto.
– Pode segurar minha mão se quiser. – Abri os olhos e sua mão estava estendida entre nós quase em frente ao meu rosto. – Quando eu era pequeno e sentia medo das coisas, minha mãe segurava a minha mão e isso me ajudava. – Ele não parecia estar usando aquilo como algo que ele pudesse me zoar depois, ele estava sendo verdadeiro, e eu poderia dizer até que um bom amigo, mas nós não éramos amigos. Pelo menos eu achava isso. Não ainda. Na realidade ainda era tudo estranho.
– Obrigada, mas não precisa. – Firmei mais a voz só pra ele ter certeza, e ele continuava com aquela expressão, aquela que o único adjetivo que eu poderia usar para descrever era fofa. Voltei a fechar os olhos.
– Você quem sabe, ela vai continuar aqui, se quiser. – Eu não ousei voltar a abrir meus olhos. Apenas me mantive ali, o mais distante possível dele, com as costas encostadas na parede e rezando para conseguir dormir, já que isso era tudo o que me restava.
xxx
Acordei com batidas na porta que chamavam ao longe o nome de . Ignorei as três primeiras, pensando que aquele não era meu quarto, aquele não era o meu nome então eu não precisaria me incomodar. Mas após a sétima batida eu descobri que aquela não era a realidade. Abri um olho para só então perceber que estava sem camisa e um de seus braços estava jogado por cima da minha barriga. Fiquei parada olhando pra ele, que estava parcialmente descoberto e tentando pensar o porquê dele não estar mais usando a camisa.
Talvez se alguém olhasse de fora perceberia que minha cara estava cômica naquele momento. Mas as batidas na porta e a voz, que eu então reconheci como sendo de , me fizeram desistir de pensar onde estava à bendita camisa e eu me levantei, pisando por cima de que soltou um muxoxo reclamão e mudou de posição.
– , você viu a ... – começou a falar, mas parou ao perceber que era eu abrindo a porta. Sua expressão mudou de louca desesperada para louca assustada. – Mas o que... – a frase morreu de novo e deu lugar a um sorriso maldoso quando ela olhou por trás de mim e viu deitado sem camisa. Eu estava com as roupas dele, no quarto dele e na cama com ele. Eu também pensaria besteira.
– Nós não dormimos juntos – eu disse com a voz super grossa parecendo até um transexual. – Não transamos na realidade. Você tá com a chave? – Ela continuava com uma cara super cômica e acenou com a cabeça lentamente, como se só segundos depois tivesse processado minha pergunta.
– Perdi a minha, me empresta? – Ela acenou com a cabeça ainda mais lesada do que eu que havia acabado de acordar e eu peguei a chave da sua mão me virando pra trás.
– . – Quase gritei, na verdade acho que gritei e ele ergueu a cabeça assustado. – Obrigada – ele voltou a se deitar e eu acenei a cabeça pra mesmo sem nem entender o porquê e saí do quarto. Eu precisava de uma cama só pra mim e era à isso que eu estava me direcionando. Mas mesmo com toda leseira e sono não deixei de perceber e o momento que ela entrou no quarto e a camisa que ela usava, o que me fez rir. Ela usava uma camisa de Paul.
Senti a cama afundar ao meu lado e abri o olho só pra me assustar ao perceber que aquela não era , mas sim me encarando séria.
– O que você está fazendo aqui? – perguntei coçando os olhos e não entendendo porque ela, e não , estava ao meu lado.
– Por que você está sem camisa? – olhei para baixo apenas para encontrar meu peito nu e voltei a encará-la.
– Eu não sei dormir de camisa, sempre tiro enquanto estou dormindo – respondi o que ela já sabia, mas ela pareceu interessada assim mesmo. – Nós não fizemos nada, se é isso que você está pensando – acho que li seu pensamento, mas ela soltou um sorriso indecifrável pra mim.
– É ela – por uns instantes eu não entendi sobre o que ela falava. Mas bastou olhar o sorriso que foi se formando em seu rosto para que a compreensão me atingisse. – É a a garota que você gosta.
– Você está com o casaco do Paul – eu disse tentando mudar de assunto e se olhou, talvez nem ela tivesse percebido que usava aquele casaco ainda. – A percebeu. Pode ter certeza.
– Como você sabe?
– Foi ela quem deu esse casaco pra ele. Ela e eu já brigamos por esse casaco. Pode ter certeza que ela percebeu que você estava com ele.
– É ela. – voltou ao assunto que achei que tinha abafado. – É ela não é, ? A menina que você gosta. Tudo faz sentido agora. A sua mudança, a forma que você age quando ela está por perto. Você muda – senti meu rosto esquentando e cobri meus olhos com os braços, a fim de evitar encarar e até mesmo que ela me encarasse.
– Eu não vou falar disso. – Disse por fim. E ela soltou um grito animado. – Não com você. Na verdade com ninguém.
– O quê? Por quê?
– Ela é a irmã do meu melhor amigo, . Ela é a . Você já viu como ela é. – Admiti por fim, sabendo que não teria como fugir.
– O Paul sabe? – acenei positivamente com a cabeça. – Desde quando ele sabe?
– Desde o início.
– Oh My Gosh. E quando foi o início? – Eu sentia que não poderia escapar daquilo. estava me encurralando.
– Uns dois anos atrás, quando ela passou a vir pra cá com mais frequência. – Não consegui evitar sorrir, eu conversava muito mal sobre isso com o Paul. Nossas conversas eram basicamente ele falando e perguntando algo enquanto eu acenava positivamente ou negativamente com a cabeça, afinal, aquela era a irmã dele. Eu tinha medo de que algum sentimento sem fundamento da minha parte pudesse afetar nossa amizade de verdade.
Eu conseguia lembrar a primeira vez que eu e ele falamos sobre isso. Ele estava desconfiado da minha “felicidade excessiva” misturada com meu “comportamento estranho” e então simplesmente sentou na minha frente, já sendo curto e grosso e perguntando se eu estava sentindo alguma coisa por sua irmã. Quando ele terminou a pergunta eu realmente achei que ia morrer se eu respondesse que sim. E realmente quase morri, mas não da forma que eu achei que Paul me mataria, mas sim com o ataque de pânico que havia me dado e que me fez entalar, sufocar, perder o ar, quase desmaiar e passar dessa para uma melhor. E pra minha incrível surpresa, Paul me socorreu e não me matou depois de perceber que eu ainda estava vivo. Ao contrário disso ele ficou feliz.
E você me pergunta: Qual ser em sã consciência fica feliz por ter um amigo gostando da sua irmã? E eu te pergunto: Apenas o Paul. Bom, talvez apenas porque ele sabia exatamente como eu era e como eu a trataria. Mesmo com toda a implicância idiota que eu usava como uma forma de chamar a sua atenção, os meus sentimentos por sempre foram ingênuos. Eu nunca havia tido a intenção de fazer nada, ou tentar nada ou confessar nada até o momento em que Paul apareceu com ela de mala e cuia na sala de nosso apartamento e eu tive que começar a conviver com ela todo dia.
O sentimento que eu havia achado que sumiria, tomou um rumo contrário e começou a mudar e ganhar uma proporção que eu ainda não conseguia descrever. A única coisa que eu podia afirmar era que eu ficava feliz de tê-la por perto. Eu inventava desculpas pra implicar com ela só pra de alguma forma nos falarmos. Eu achava ela atraente com todo aquele cabelo esvoaçante e a cara emburrada. Meus sentimentos estavam crescendo e eu tinha medo de verbalizar isso e torná-lo mais real do que já era.
– O que você pretende fazer em relação a isso?
– Nada.
– Como assim, você não pretende fazer nada? Por quê?
– Porque não, . A é totalmente diferente de mim, e por mais que o Paul me apoie e me dê a maior força em fazer alguma coisa, ela continua sendo a irmã do meu melhor amigo. – parou e ergueu a sobrancelha, como se me pedisse para dizer o real motivo de eu estar falando aquilo. – Sem contar que eu não tenho chances, ok? Ela não é nem um pouco a fim de mim e é bem evidente que nunca vai ser.
– Que insegurança ridícula, ! Se ela não é afim, a faça ficar! Conquiste-a. Você é um dos melhores seres humanos que eu já conheci, então tenho certeza que não vai ser difícil.
– Como se fosse fácil assim. Não é como se fosse só eu querer ela e plim, ela se apaixonaria por mim.
– , talvez eu nunca tenha te dito isso, mas você é apaixonante. A maioria das meninas que convivem com você se apaixonam, olha só pra Rose. – Eu comecei a rir, porque sempre havia desconfiado da Rose, mas ouvir a confirmação de era diferente. – Sério, você tem uma coisa na sua carinha de cachorrinho sem dono que chama a atenção. É que nem o Johnny Depp, não importa se ele é um pirata com o dente sujo, um cara com mãos de tesoura ou um vampiro de sei lá quantos anos, você sempre quer levar ele pra casa, sabe? – Eu ri, porque eu sinceramente desconhecia esse meu lado 'cachorrinho que caiu da mudança, vulgo charme do Johnny Depp’. E eu realmente não acreditava que ele pudesse em algum momento existir. – Acho que é porque você fecha os olhos quando ri, e fica vermelho muito fácil – ela sinalizou minha bochecha. – E o seu cabelo também é legal. Você é gato, . Se eu pudesse voltar uns anos atrás, sem dúvidas eu te pegaria. – Nós dois rimos ao final de sua frase.
– Eu não sei, . É tudo muito complicado. Ela é irmã do Paul, pelo que eu já sei, ela saiu de um relacionamento tem pouco tempo e saiu muito magoada dele. Não sei se ela estaria disposta a entrar em outro, e sem contar que moramos juntos, qualquer coisa que aconteça e não dê certo pode causar um clima horrível. E eu, honestamente, amo a minha casa, não quero ter que sair de lá por motivos nenhum.
– , vocês não são crianças. Vocês são maduros o suficiente para caso tenham alguma coisa e não dê certo, continuarem a morar na mesma casa. E eu tenho certeza que a não brincaria com seus sentimentos. Portanto, deixe-a saber que você tem sentimentos, não aja simplesmente como se fosse um cara que quer ficar com ela e pronto e acabou. Mas também toma cuidado com a intensidade, eu sei como você pode ser profundo e de repente isso pode assustá-la, então toma cuidado com a dosagem, vai com calma, mas mostra pra ela quais são suas intenções, mostra pra que tu veio, homem. Se você gosta da garota, levanta a bunda da cama e vá conquistar a sua garota, não espere que algum marmanjo idiota apareça e faça isso por você. – Eu ri de sua frase, mesmo ela tendo me motivado de alguma forma.
– O que eu faria da minha vida se não fosse você? – Eu a puxei para um abraço.
– Nada. Você não existiria sem mim. – Ela revirou os olhos, convencida. – Agora levanta daí, vai lavar essa cara e colocar seu plano de conquista em ação. Você não pode esperar pra fazer isso pra sempre. A hora de começar a agir é agora. – Ela disse se levantando e puxando as cobertas de mim. – Aquela garota é sua, . – Ela sorriu. – Não deixe que ninguém tome o seu lugar. – Ela jogou a coberta na cama ao lado da minha, se dirigindo pra porta. – Não perca nenhuma oportunidade que você possa se arrepender depois. – Ela me jogou um beijo antes de sair e me deixar ali sozinho com meus pensamentos.
Talvez ela estivesse certa. Talvez finalmente tenha chegado o momento de agir e fazer alguma coisa relacionada a esse sentimento.
Capítulo 12
Eu estava jogada no sofá, comendo um pacote de Doritos, enquanto esperava sair do banho e Paul chegar com a comida. Eu tinha certeza que meu irmão estava morrendo de curiosidade de saber como as coisas tinham ido e eu até que estava empolgada para contar, mesmo não tendo acontecido nada demais.
Eu queria ver a cara do meu irmão, ao perceber que e eu estávamos mais próximos, porque isso sem sombra de dúvidas seria hilário, mas a parte mais engraçada mesmo era que isso tinha acontecido.
Naquela manhã, depois de finalmente pegar a chave com e ir dormir no meu quarto, eu fui acordada horas depois por , que disse que eu perdi o café da manhã e já estava atrasada pro almoço, a galera que quisesse, teria autorização para deixar o camping, e nós três partiríamos pra casa. Eu ainda tive que ficar vendo a cara de Sarabeth por mais alguns minutos antes do almoço, enquanto eles anunciavam o vencedor das gincanas e pra minha surpresa havia sido a minha escola.
Valerie e Rose subiram lá no palco pra receber o prêmio e foi aí que eu me toquei o quão off da galera havíamos ficado, porque e eu nos entreolhamos com uma cara de quem não estava entendendo bulhufas. e estavam por ali também e conversavam com , contanto o quanto de garotas eles haviam pegado e repreendia eles. Era engraçado ver isso, pois era outra coisa que eu nunca havia imaginado. Eu estava sendo mais do que surpreendida no final de semana. Mas o fato mais estranho e surpreendente que eu havia passado, havia sido quando finalmente estávamos indo embora.
, e eu entramos numa briguinha pra saber quem voltaria dirigindo, afinal, nenhum de nós queria dirigir, então eu cedi, pegando a chave do carro e acabando com a briga. me entregou a chave e junto com ela um beijo na bochecha seguindo de uma exclamação de “nossa salvadora”, confesso que fiquei parada alguns milésimos de segundos sem entender, mas depois voltei a agir normalmente. Ele vivia dando beijo na bochecha das meninas, então era um comportamento mais que normal dele.
Talvez a noite juntos realmente tivesse nos aproximado, afinal, dividir uma coberta numa noite fria e dormir na mesma cama é mais íntimo que um beijo na bochecha, certo? Nós três já estávamos no carro, com na frente e atrás; e estávamos na fila esperando para sair pelos portões quando eu a vi. Eu senti que a gargalhada que eu dava havia morrido no meio quando nossos olhos se encontraram. Ela estava do lado de um dos inspetores do colégio e, parecendo ouvir minha risada, se virou.
Três meses sem nos vermos e nos falarmos e agora minha mãe estava ali, a menos de cinco metros de distância de mim, parecendo surpresa, assustada e feliz, sim ela abriu um enorme sorriso quando me viu. E não era um sorriso pra mim, parecia um sorriso por mim. Nossa troca de olhares durou por alguns segundos que pareceram horas, até que eu virasse o rosto despertada pelo som de uma buzina, era nossa vez de sair do estacionamento. Eu não sabia dizer como eu estava me sentindo ao vê-la, mas ao olhá-la, parecia que uma parte de mim havia sentido falta dela, sem nem perceber. Aquilo era estranho. Muito estranho. Toda tristeza não estava ali.
– Boa noite! – Fui despertada dos meus pensamentos com Paul entrando pela sala, jogando as duas caixas que trazia em cima do balcão e logo em seguida se jogando ao meu lado no sofá.
– Boo. Trouxe o que de comida?
– Yakissoba. E ai, como foi? – Ele parecia mais empolgado que nós e isso me fazia rir.
– Espera a criatura voltar e a gente te conta. Vai ficar em casa hoje? – Eu o olhei de cima a baixo.
– Provavelmente. – Ele respondeu desconfiado. – Tô na dúvida se fico em casa hoje e te acompanho na monotonia da sua vida ou se opto por ter a minha e saio pra tomar uma cerveja com o ou alguma outra menina por aí. – Eu cerrei os olhos pra ele. – Por que você está me olhando desse jeito? – Eu esperava ansiosamente pelo momento em que ele me contaria que ele estava com a ou que eles tinham algo, mesmo que fosse indefinido, mas já estava vendo que isso não aconteceria.
– A minha vida não é monótona. Eu tive um fim de semana agitadíssimo, só pra sua informação. – Eu fiz um barulho com a boca e não consegui segurar a provocação. – E eu sei que esse “outra menina por aí” significa . – Eu sorri irônica. – Não precisa tentar me tirar por burra. – Ele me olhou um pouco assustado e ficou assim por alguns longos segundos antes de finalmente falar.
– Ela te disse alguma coisa? – Seu olhar mudou quando ele falou e um sorriso brotou no canto de seus lábios. Naquele momento eu percebi que meu irmão estava morrendo de vontade de falar sobre aquilo, mas algo o impedia.
– Não. – Sua expressão mudou pra frustrado. Foi como se uma nuvem tivesse saído dos meus olhos e eu tivesse compreendido as coisas. Paul gostava dela. E provavelmente ela que queria manter em segredo, por isso ele não havia comentado nada comigo.
– Então como você sabe? – Ele ergueu a sobrancelha, exatamente da forma que eu fazia.
– Ela estava com seu casaco no domingo de manhã. Eu te dei aquele casaco, você deveria pegar com ela o mais rápido possível antes que aconteça alguma coisa. – Falei em tom ameaçador e ele riu. – Eu sou sua irmã, Paul. Você sabe que você pode me contar o que está rolando entre vocês dois que eu não vou contar pra ninguém.
– Eu sei que eu posso, . Mas como eu vou te dizer o que está rolando entre nós dois quando nem eu mesmo sei? – Seu tom foi extremamente decepcionado. – Quando a gente voltou a ficar era pra ser só diversão, mas nunca é só diversão com a . Pelo menos não da minha parte e eu não faço a menor ideia se ela sente o mesmo em relação à isso.
– Voltaram a ficar? Isso significa que vocês já tiveram algo no passado, então?
– Sim. A foi minha única namorada.
– Como eu nunca soube disso?
– Porque foi há quatro anos, e nós dois ainda não conversávamos sobre essas coisas de relacionamentos. Você ainda era muito nova. – Revirei os olhos.
– E por que acabou?
– Tudo começou da forma mais errada possível. O não aprovava, ele descobriu da pior forma possível, nós dois ficamos meses sem nos falar e quando tudo voltou a ficar normal entre nós dois, a percebeu que era muito nova pra estar em um relacionamento sério da forma que estávamos.
– Então ela terminou com você. – Parei pra refletir.
– Sim. Ela queria ter certeza que aproveitaria muito bem o colegial, e não queria que em algum momento da vida ela acabasse me culpando por isso não acontecer. Ela achava que não seria saudável pra nós.
– E então pra demonstrar que você não se importava, você começou a ficar com várias meninas por aí e não parou mais. – Ele sorriu. – Eu sabia que no fundo no fundo você tinha um coração.
– Não é bem assim. Eu realmente gosto de ficar com outras meninas.
– Só que com ela é diferente.
– Sim. Eu não sei explicar, . Só que as coisas fluem. Pelo menos quando estamos sozinhos. Mas ela não quer perder a liberdade dela, e de certa forma agora também não quero perder a minha. Então nós não sabemos o que temos porque no fundo nós não temos nada além de uma atração gigantesca um pelo outro.
– Você só está se enganando pensando dessa forma, Paul. Por que você sabe que você gosta dela e que você deixaria de ficar com qualquer outra menina pra ficar só com ela se ela quisesse. Mas você não sabe se ela quer então você coloca essa pose de quem não se importa e de quem não quer perder a liberdade só pra não dar o braço a torcer, que na relação de vocês, você é aquele que está disposto a abrir mão das coisas pra dar certo. – Ele me olhou como se eu fosse um alien e eu ri.
– Quando foi que você cresceu e se tornou especialista em relacionamentos, hein? – Ele usou um tom debochado e carinhoso pra falar, o que me fez rir e encostar a cabeça em seu ombro.
– Em matéria de relacionamentos, eu posso ser mais nova, mas sou mais experiente que você – lhe mandei uma piscadela e ele soltou uma risada alta.
– Não é mesmo. Bom, pelo menos não em todas as áreas. – Ele usou um tom maldoso e eu ri novamente.
– A única diferença entre nós dois é que enquanto você praticava com várias, eu praticava com um só. – Paul me empurrou de seu ombro e me olhou com uma cara assustada, como se eu tivesse acabado de confessar um crime. – Que foi? Vai dizer que tu achava que eu era virgem? – A cara do meu irmão era impagável. Era como se ele tivesse acabado de levar um soco, ou estivesse de frente a um pitbull e não soubesse como reagir. Então eu comecei a rir. – Eu não acredito que você achou que Tony e eu ficamos juntos por todo esse tempo sem fazer nada. – Eu falei rindo.
– FILHO DA PUTA! – Ele gritou e eu ri mais ainda, principalmente quando ele se levantou. – Você era uma criança, ! Você ainda é uma criança!
– Paul, eu não sou mais criança há um bom tempo – eu falei ainda entre as risadas. – Eu não acredito que você foi tão inocente. – Paul agora andava pela sala, me olhando como se buscasse uma forma de me castigar. – Me responde, quanto tempo você e esperaram até transarem?
– Não estamos falando de mim nesse momento. – Eu comecei a rir mais alto ainda. E entrou na sala naquele momento.
– O que tá rolando? Quem Paul quer matar? – Ele parou do meu lado pegando o saco de Doritos da minha mão. – Já contou pra ele sobre a sênior?
– Não, estava te esperando e ele quer matar meu ex-namorado. – Respondi e ele olhou pra Paul.
– Quer ajuda? – Ele perguntou casualmente e de uma forma engraçada. – Sabe que se precisar, eu assisto Dexter. Sei como cortar as partes do corpo dele, dividir em sacos e jogar em uma parte específica do mar. A propósito, meu pai tem um barco e uma vaga num contêiner, o que torna tudo mais fácil. Qualquer coisa, estamos juntos.
– Eu não quero mais falar sobre isso. A minha mente vai explodir se eu falar sobre isso. – Paul fez uma voz extremamente afetada e eu comecei a rir.
Irmãos são uns bichos engraçados. Tenho certeza que ele e provavelmente esperaram pouquíssimo até “consumarem” o relacionamento, mas não vou me comparar a eles. Eu mesma achava que Tony e eu tínhamos ido rápido demais com as coisas em nosso relacionamento, mas se fosse pra pensar bem, não poderia ter sido diferente. Nós dois nos conhecíamos desde muito pequenos. Compartilhamos quase toda nossa infância juntos, entramos na adolescência juntos, nos apaixonamos juntos e então eu julgava mais do que normal que no meio de todas essas fases juntas nós tivéssemos nos descoberto como homem e mulher juntos. Na época, tudo parecia muito natural e normal. Só hoje olhando para trás, eu consigo ver o quanto éramos jovens e imaturos e literalmente só pensávamos com as cabeças de baixo.
Era estranho pensar nele e em nosso relacionamento. Por muitos anos, Tony havia sido meu melhor amigo, havia sido o cara com quem eu compartilhava tudo, o cara que eu levava nos meus lugares secretos e agora quando eu pensava nele, eu só não sabia dizer quem ele era e nem que lugar ele tinha na minha vida. Eu não o odiava, eu não o desejava mal. Eu só não conseguia entender muito bem o que tinha acontecido com a gente.
– Vamos falar da sênior Weekend, melhor do que isso. Como foi? O que aconteceu lá? Tô vendo que vocês dois finalmente começaram a agir que nem seres humanos normais.
– Você conta ou eu conto? – me olhou com uma cara engraçada e eu sabia exatamente do que ele estava falando.
– , talvez essa não seja uma hora apropriada. – Eu entrei na brincadeira.
– Hora apropriada pra quê? Conta logo. – Meu irmão sentou reto no sofá curioso.
– Vou resumir: Sexta feira – ergui o dedo indicando o primeiro dia, – chegamos lá, o colégio da minha mãe estava lá, graças a Deus ela não estava, mas a bastarda do satã, também conhecida como Sarabeth, estava. foi um dos votados pro leilão de garotos e eu o comprei porque percebi que Sarabeth o queria e então eu gastei 300 paus para livrar seu amiguinho dela e também só pra irritá-la e, a propósito, você precisa me devolver aquele dinheiro – olhei pra que acenou com a cabeça e continuou o resumo.
– Sábado: A megera sem coração, também conhecida como sua irmã me acordou às cinco da manhã, fez com que eu saísse no sereno, sem camisa, descalço e quebrasse meu celular só porque ela não podia levantar e pegar as próprias sandálias, e como eu estava no seu comando por vinte e quatro horas ela queria que eu fizesse isso. – me olhou com um sorriso falso. – A Bastarda de satã ficou desejando meu corpo e me viu saindo do quarto da sua irmã da mesma forma que eu havia entrado por causa das sandálias, o que fez ela ficar com mais raiva ainda da sua irmã, afinal, ela deve ter entendido como se sua irmã tivesse esse corpo – ele levantou do sofá, deu uma volta e se sentou da forma mais “forçadamente sexy” possível. – As meninas se reuniram pra jogar queimado em uma quadra molhada e de biquíni. – Paul deu um sorriso maldoso ao ouvir isso.
– Inclusive . – Eu acrescentei e Paul me olhou de cara feia por ter cortado seu barato.
– E meu amigo, você não vai gostar do que você vai ouvir daqui pra frente, ok? – disse. – E quero acrescentar que nada do que aconteceu daqui pra frente foi minha culpa ou algo que eu pudesse evitar, mas saiba que você vai ser pra sempre meu melhor amigo. – Ele só faltou chorar,t amanho o drama o que me fez perceber que Hollywood estava perdendo um astro.
– Para de enrolação e continua. – Paul cortou.
– Então, a bastarda provavelmente como uma forma de irritar sua irmã, tacou uma bola no estomago da que quase desmaiou, naquele momento eu soube que sua irmã pode quase se tornar uma fênix e explodir pra voltar de volta a vida porque foi quase isso que aconteceu, ela – apontou pra mim – ficou apena de sutiã, que eu afirmo pra você que era decente, caso não fosse ou corresse algum risco dela pagar peitinho eu não deixaria ela entrar na quadra, mas, enfim, ela entrou e jogou. E acertou uma bola na cara de Sarabeth. Depois disso nos trancamos no quarto e bebemos pelo resto da tarde enquanto Valerie e Rose faziam alguma coisa que fez nossa escola ganhar o prêmio da Weekend. De noite, nós fomos pra festa, Sarabeth tacou bebida nela, como você sabe deu um perdido, nós dois ficamos sozinhos na festa – começou a diminuir o ritmo da fala e eu entendi a trolagem que ele estava fazendo e entrei no jogo. – Nós acabamos indo pro lado de fora, estava frio, sua irmã estava molhada e a princípio nós nos abraçamos só pra poder aquecê-la – a expressão de Paul foi mudando e seus olhos se cerraram.
– Nós dormimos juntos.
– O quê? – O tom do meu irmão era incrédulo e divertido. Ele ria e fazia careta como se fosse a coisa mais improvável de ter acontecido.
– Nós dormimos juntos. – reafirmou fazendo uma expressão de medo e Paul continuou rindo, ainda não acreditando. Peguei meu telefone no bolso e disquei pra colocando o telefone no viva voz assim que ela atendeu.
– , onde eu estava assim que você voltou pro acampamento no domingo de manhã? – Perguntei depois que ela atendeu o telefone.
– “No quarto do .”
– E o que eu estava vestindo quando abri a porta pra você?
– “As roupas do .”
– Obrigada – disse antes de desligar o telefone. Paul olhou pra e depois pra mim e ficou assim por alguns instantes, nos olhando sério até seus olhos se focarem em mim e ele falar muito sério.
– Como você espera que eu olhe pra você da mesma maneira de antes depois de saber que você tirou a virgindade do meu melhor amigo numa cama de um camping qualquer com um desconhecido dormindo ao lado de vocês? Ele merecia uma coisa especial e...
– O quê? – eu quase gritei. – Virgindade? – eu olhei pra que ficou vermelho que nem um pimentão e Paul começou a rir.
– , nunca teria transado com você num quarto com um desconhecido ao lado de vocês. Ele faria isso ser um momento especial, afinal, ele se guarda pra isso, pra que seja especial. – estava mais vermelho que um pimentão. – Eu acredito que vocês dois tenham dormido juntos, provavelmente porque a estava com a chave e você deve ter perdido a sua de alguma forma, e você estava com a roupa dele porque ele é um cara legal e não quis te deixar dormir no sereno e nem molhada. – Paul piscou pra nós. – Eu não sou tão fácil de enganar. – Ele se gabou. – Foi só isso? Que sênior weekend entediante a de vocês. A minha foi bem melhor. – Ele se levantou e saiu da sala nos deixando lá enquanto falava sozinho de suas experiências passadas.
– É sério esse papo de virgindade?
– Sim, e eu não quero falar sobre isso. – Ele ergueu as mãos e eu fiquei olhando pro seu rosto que continuava vermelho. não era nem um pouco quem eu imaginava que seria.
xxx
– Eu estou entediado. – Ele falou depois de um tempo. Nós já tínhamos comido o yakissoba e Paul tinha saído. Não tinha nada de bom passando na TV e nenhum de nós queria dormir porque ainda era cedo, mas ao mesmo tempo não queríamos sair, pois se fizéssemos isso voltaríamos tarde e no dia seguinte teria aula.
– E o que você geralmente faz quando esta entediado, ? – me virei para encará-lo.
– Você vai rir se eu disser – ele olhou pra cima.
– Pelo amor de Deus, não me diga punheta – gargalhamos juntos e ele revirou os olhos.
– Você falou entediado e não excitado. – Ele me mandou uma piscadela e me empurrou levemente com o ombro. – Mas já que você quer entrar nesse assunto, eu tô nesse clima também, meu quarto ou o seu? – Ele fez uma imitação de algo sexy e me mandou um beijo nada sensual.
– e pelado são palavras que pra mim não funcionam na mesma frase, ok? – Ele sorriu de uma forma que eu achei fofa e eu evitei encará-lo. Talvez por que o fato dele estar rindo estava me dando vontade de rir também.
– Você está me imaginando nu de novo.
– Não estou não! Para de achar que eu estou sempre te imaginando pelado! – eu lhe mandei língua e lembrei que esse era um gesto que eu costumava ter com Tony, sempre que estávamos brincando.
– É por que é a verdade. Deixa seu irmão saber disso.
– Eu que deveria te falar isso.
– Seu irmão me ama, e ele me conhece e a prova disso é que ele sabia que eu não tinha dormido contigo. Mais fácil ele acreditar que você estava com pensamentos pecaminosos com meu corpo, e que ainda por cima me chamou pra uma rapidinha no quarto. – Ele piscou fazendo uma cara de criança e eu revirei os olhos.
– Sério, , o que você faz quando está entediado?
– Eu olho o céu – ele sorriu honestamente, se endireitando em seu lugar.
– Olha o céu?
– É – ele se ergueu. – Vem comigo – ele não esperou resposta e saiu andando pra fora do nosso apartamento.
Paul, e eu morávamos em um apartamento pequeno em um prédio onde havia dois apartamentos por andar e somente três andares. Quem olhasse de fora, diria que morávamos em uma mansão, apenas ao passar pela porta de entrada que dava pra perceber as divisões ali feitas. Ele saiu subindo a escada pro terceiro andar e ao chegar lá abriu uma porta branca, subindo mais um lance de escadas e tirando uma chave de trás de um extintor de incêndio, abrindo uma porta e saindo em um terraço. Pra minha surpresa havia um sofá, que eu reconhecia como sendo o velho sofá de Paul, encostado em uma parede em um canto coberto dali.
se aproximou do sofá, puxando-o bem para o centro do terraço e logo depois se jogou nele, cruzando os braços por trás do pescoço.
– É isso que eu faço quando estou entediado – ele olhou pra cima. – Eu fico olhando pro céu, pras estrelas, e fico imaginando como uma coisa consegue ser tão perfeita. Daqui não é tão bonito. Eu gosto de olhar de lá do céu da fazenda da minha vó. É simplesmente perfeito. – ele se virou pra me encarar. – Pode sentar, eu não mordo – me sentei ao seu lado, ainda perplexa por ele gostar de simplesmente olhar o céu e olhei pro céu. Ele estava lindo naquele dia. Um pouco mais estrelado que o normal. Ou talvez fosse só o fato de que eu não estava acostumada a observá-lo.
– É legal – eu disse por fim. – Eu nunca fui de parar pra olhar o céu – confessei. – A não ser quando eu era pequena e eu ia visitar o Paul.
– Pois deveria. É muito bom, desestressa. E me faz pensar, cara como pode alguém não acreditar que existe um Deus olhando pra isso? – Achei legal a forma que ele falou. Foi bonito. Nós dois ficamos em silêncio por um tempo, até que eu decidi puxar um assunto.
– estava falando que vai convidar uma menina pra ir a festa com ele, e Paul falou o mesmo. E você? Vai convidar quem? Rose? – ele virou a cabeça pra me encarar, provavelmente se perguntando por que eu fazia aquela pergunta. Acho que seria interessante ver com alguma menina. Ele deveria dar um bom namorado.
– Rose? Tá maluca? – ele começou a rir. – A Rose é só uma amiga.
– Você disse que levaria ela ao baile.
– É uma situação totalmente diferente. Só vai acontecer em uma situação de desespero e se ela realmente não tiver ninguém pra ir. A festa da é só uma festa. Curtição e tal.
– Mas vai dizer que não pintaria de rolar um romance entre vocês? Ela parece gostar de você. – Ele riu.
– Eu já falei que a Rose é só uma amiga. Ela não... – Ele parou de falar.
– Ela não o quê? Ela não é o seu tipo de garota? – ele voltou a olhar pro céu e dessa vez eu quem o encarei.
– Não é isso. Não é que ela não seja meu tipo, eu não acredito nisso de tipo. Você não se apaixona pelo tipo de uma pessoa, mas pela essência dela. Eu não saberia te explicar, mas ela não é uma garota que eu consiga me enxergar me relacionando.
– E qual seria o tipo de garota que você se relacionaria, ?– Ele demorou um pouquinho até me encarar de volta, com a bochecha rosa.
– AI MEU DEUS – eu gritei me sentando rápido quando um gato pulou por cima de mim, quase me matando do coração. – Ai minha nossa senhora das borrachas escolares perdidas, quase morri – falei com a mão no coração e apenas ria, quase rolando pro chão. – Filho da puta. Para de rir. – Eu lhe dei um tapa.
– Não dá – ele falou em um pingo de voz. Lágrimas desciam de seus olhos de tanto que ele ria.
– Foi muito engraçada, a sua cara – eu comecei a rir me imaginando. Engraçado, quando ria fechava os olhos.
– Não teve graça – eu tentei falar sério, mas ri também, ok tinha sido engraçado. – Como você queria que eu não me assustasse sendo que um gato pulou na minha direção do nada – eu continuava sentada e ele deitado. Não sei como você não se assustou.
– Eu me assustei, mas com a sua cara. Eu achei que sei lá, tinha um monstro atrás de mim. Só que eu disfarcei o susto, não fiz essa cara que tu fez. Sério, deveria ter sido filmado e posto no youtube.
– Não teve graça – eu repeti fazendo bico. Mas ele não conseguia parar de rir. – Para, – eu lhe dei outro tapa.
– Ok, vou parar – ele voltou a sua posição inicial, olhando o céu enquanto eu continuava sentada olhando sua cara. Ele mordia os lábios tentando segurar o riso mas não conseguiu, A gargalhada saiu pelo nariz. – Parei – ele disse sério quando viu que eu não estava rindo. Na verdade eu estava rindo por dentro vendo-o tentar prender o riso. – Para de me encarar – ele falou sem graça.
– Você fica vermelho muito fácil, parece até uma moça.
– Eu sou tímido, ok? – Suas mãos taparam o meu rosto. – Eu fico constrangido quando admiram a minha beleza.
– Tímido? , você dançou pelado na festa da , nudez não te intimida não?
– Eu estava bêbado, mas não. Por mim, todos deveriam andar pelados por aí. É a forma natural cara. Quando eu casar, dentro da minha casa vai andar todo mundo pelado. Minha mulher e meus treze filhos.
– Treze filhos? – eu arqueei a sobrancelha.
– Sim, treze meninos. Fora as meninas, só que elas não vão andar peladas pela casa não. Na verdade, elas não vão andar pela casa. Eu vou mantê-las trancadas dentro de um quarto no porão e vou passar rosquinhas pra elas todos os dias assim, elas vão ficar gordas e não vão passar pela porta, aí elas nunca vão sair dali e eu nunca vou precisar me preocupar com namorados – o encarei séria e ele riu. – Ok, brincadeirinha.
– Você estava começando a me dar medo. – Voltei a ficar na mesma posição que ele. – Quantos filhos você quer ter?
– Dois. Um menino e uma menina. Menino primeiro.
– Por quê?
– Por que eu vou ensinar ele a proteger a irmã dele contra qualquer idiota, e ensiná-lo a tratar direito uma mulher, pra ele não ser mais um idiota no mundo, e sim um cara que valha a pena. – Quase apertei as bochechas dele. – Eu quero que meu filho seja pra irmã dele, tipo Paul é pra você sabe?
– O Paul não é tão protetor assim.
– Você quem pensa.
– Então por que ele não ficou irritado de termos dormido juntos? Se ele é tão protetor assim, mesmo você sendo melhor amigo dele ele ficaria irritado.
– Porque ele me conhece. Ele sabe quem eu sou, ele sabe exatamente quais seriam as minhas intenções com você e que eu nunca faria algo que pudesse te magoar. – Ele falou tudo aquilo me olhando nos olhos de uma forma diferente. Desviei o olhar achando estranho de repente a proximidade que estávamos. – E ele sabe que eu tenho medo dele brabo. – riu. – Ok, essa última parte é mentira, mas eu realmente tenho medo dele quando ele está alterado.
– Por quê? Eu não me lembro de tê-lo visto com raiva.
– Eu só vi umas duas vezes, ele derrubou um menino na escola com um soco só.
– Por quê?
– Uma amiga nossa estava namorando um cara e tal. Aí ela terminou com ele. Eles estavam discutindo de frente a escola quando o cara deu um empurrão nela e a pegou pelo braço. O Paul virou o bicho. Ele saiu de onde a gente estava e mandou o cara soltá-la senão ele o arrebentaria. O cara duvidou, ele foi pra cima.
– Nossa, meu irmão defendendo uma amiga que lindo.
– Seu irmão tem uma qualidade que ninguém pode criticar, quando ele é amigo ele é amigo.
– É percebi, porque só sendo amigo mesmo pra te aturar há anos.
– Ele me ama. – riu.
– Vocês são dois bichas.
– Ai não fala assim. – Ele usou uma voz afetada e bocejou.
– Acho melhor a gente descer – eu me levantei e lhe estendi minha mão. – Não vou conseguir te descer se você dormir.
– Acho melhor mesmo – ele aceitou a mão que eu oferecia. E então descemos, rindo e falando mais besteiras do que sempre. Acho que sem nem perceber, havia se tornado um amigo.
Capítulo 13
Quando apareceu na sala, eu tive certeza de que alguma coisa estava errada. Ele não parecia muito bem há dias, mas o auge havia acontecido naquele momento. Ele parecia alguém que tinha sido atropelado por um trem e havia acabado de acordar depois de alguns dias em coma. Ele havia colocado óculos escuros, provavelmente para disfarçar que esteve chorando, mas não adiantava muito. Ele era branco demais pra conseguir esse disfarce apenas com um óculos. Senti o impulso de perguntar se estava tudo bem, mas me contive, eu não queria dar a impressão de que eu estava invadindo seu espaço, quando nem Paul ultimamente parecia estar fazendo aquilo.
– Você viu minhas chaves? – Ele me perguntou, e eu poderia ter respondido que havia visto Paul colocá-las no bolso apenas alguns minutos atrás, mas me toquei de que se ele estava fazendo isso, ele tinha um motivo e resolvi não me meter.
– Não.
– Dia! – Paul reapareceu na sala e lançou um olhar estranho pra . Era como se ele quisesse abraçá-lo ou não sei. Só sei que eu reconhecia aquele olhar. Era o mesmo que meu irmão me lançava quando ele queria tirar qualquer tipo de dor de mim. – Vocês estão atrasados.
– Não consigo achar minhas chaves. – disse e talvez se ele estivesse sem óculos, eu diria que ele lançava um olhar acusador pra Paul. Ele, sem dúvidas, sabia que meu irmão estava com elas.
– Dou carona pra vocês. – Me levantei depois de Paul falar e peguei minha bolsa, ainda observando que fazia o mesmo, parecendo sem um pingo de vontade de fazê-lo.
Havia um silêncio no carro, como se todos nós tivéssemos combinado de não falar. apenas olhava pela janela, eu olhava pela janela e Paul olhava para frente – Graças a Deus – enquanto apenas a música que saía do rádio ecoava no carro. Era esquisito, tudo estava esquisito e só quando Paul nos deixou na porta da escola e saltou do carro sem nem ao menos se despedir que dei uma de intrometida e perguntei o que estava acontecendo.
– Hoje é aniversário da morte da mãe do , e ele sempre fica muito mal nessa data e a gente evita deixá-lo por aí sozinho. Então eu preciso contar com você nisso também, ok? Só pra ficar de olho nele. – Acenei positivamente com a cabeça sem saber o que falar apenas imaginando quanta dor isso deveria causar a ele.
Eu havia visto o amor e a admiração que ele tinha ao falar da mãe e essa data relembrando ele o tempo que eles não estavam juntos deveria doer. Falo isso, porque mesmo com todos os meus problemas com a minha mãe, se fosse no meu caso, eu sentiria dor e a única coisa que iria querer fazer seria ficar comigo mesma em um lugar onde ninguém mais pudesse me ver ou falar comigo. Ia querer ficar com todas as minhas lembranças, pensamentos e dores sozinha.
Não prolonguei minha conversa com meu irmão, apenas concordei com o que ele pediu e pulei pra fora do carro, seguindo direto pra minha aula, já que eu já estava atrasada. Eu tinha essa mesma aula com , e evitei olhá-lo apenas para ele não pensar que eu estava direcionando a ele um olhar de pena. Na metade da aula, ele pegou sua mochila, levantou e saiu sem nem ao menos falar com o professor que ficou olhando para a porta com cara de babaca enquanto algumas pessoas comentavam sobre a aparência de , resisti ao impulso de fazer o que o meu irmão havia dito e não fui atrás dele. era um cara legal, se ele precisava de espaço então ele deveria ter espaço.
– Hey, – segurou meu braço quando eu saía da sala na hora do intervalo, – você viu o ? Eu jurava que vocês tinham essa aula juntos. – Ela falou enfiando a cabeça dentro da sala de aula.
– Sim, nós temos. Mas ele foi embora na metade da primeira aula – respondi começando a caminhar e acreditando que ela faria o mesmo, mas ela não fez e quando eu virei para olhá-la, ela estava com uma expressão assustada. – O que foi?
– Eu achei que o Paul tivesse te pedido pra ficar de olho nele. – Embora eu soubesse que ela não queria, ela usou um tom meio acusador ao falar aquilo, como se dissesse que se alguma coisa ruim acontecesse, a culpa seria minha.
– Sim, mas talvez vocês não tenham percebido, mas ele tem tentado ficar sozinho nos últimos dias e vocês não têm deixado. Talvez hoje isso seja tudo o que ele precise. Lidar com a dor sozinho. – Ela parou me olhando por alguns longos segundos antes de sua expressão suavizar.
– Você não sabe o que aconteceu, né? Tipo, como ela morreu, como aconteceu e o que se sucedeu depois disso, né? – Fiz um aceno negativo com a cabeça e ela segurou meu braço, começando a andar comigo enquanto digitava uma mensagem no celular que dizia que havia ido embora e mandava pros nossos amigos. – , quando a mãe do foi diagnosticava com câncer, o câncer já estava em um estado avançado de forma que eles não pudessem fazer nada por ele. Ela já estava com metástase em algumas partes do corpo e assim que eles a diagnosticaram, eles já a classificaram como terminal. O não tinha uma boa relação com o pai e nem com a família dele por parte de mãe, ele realmente só tinha a mãe, então ele que cuidou de tudo sozinho. Ele que cuidava dela em casa e depois no hospital.
“Ele não quis contratar nenhuma enfermeira porque dizia que ninguém poderia cuidar dela da forma que ele fazia. A única pessoa de quem ele aceitava ajuda era de Paul que ficou do lado dele nos seis meses que a mãe dele viveu depois do diagnóstico. Quando a mãe dele morreu, a gente achou que ia perder o também. Ele simplesmente sumiu depois que ela foi declarada morta. Ele não apareceu para o velório, ele não apareceu pro enterro e nem pra nada. Ele simplesmente pegou o carro dela e sumiu por 42 dias.
“Só de lembrar eu consigo sentir a agonia que eu senti nesses dias e no desespero que sentimos procurando pelo em hospitais, clínicas e tivemos que visitar até alguns necrotérios. Ele não deu nenhum sinal de vida por todos esses dias, até que o telefone tocou e informaram ao Paul que um rapaz havia dado entrada no hospital em coma alcoólico depois de ser encontrado bêbado dormindo no quintal de uma senhora.
“O estava do outro lado do país e quando a gente o questionou, ele disse que não queria ter que falar sobre aquilo e que não conseguia nem pensar na ideia de entrar de novo na casa dele, sabendo que a mãe dele nunca mais estaria lá e que ele precisava de um tempo pra lidar com aquilo sozinho. Foi quando o Paul resolveu alugar o apartamento e eles dois começaram a morar juntos.
“Esses primeiros meses foram super difíceis, o bebia muito, não dormia, abandonou a escola. Ficou à base de remédios por um bom tempo. Ele não queria fazer contato com a família do pai dele. O pai dele só soube que a mãe dele esteve doente quando o Paul ligou pra informar do falecimento. Ele até tentou se reaproximar do , mas não deu certo, então ele deu todo apoio ao Paul pra ajudar no que fosse preciso.”
Eu sentia que estava recebendo informações demais pra minha cabeça.
– O foi melhorando aos poucos, voltando a interagir com todo mundo e se recuperar, só que no dia que fez um ano da morte da mãe dele, Paul o encontrou dormindo do lado de uma caixa vazia de remédios tarja preta pra dormir e precisou levá-lo correndo pro hospital. Ele diz que não fez propositalmente, que ele já tinha tomado alguns e não conseguia dormir e resolveu tomar mais e acabou perdendo as contas, pois estava meio grogue; e eu acredito de todo o meu coração que isso realmente possa ter acontecido, mas não quero arriscar que aconteça outra vez, entende?
Eu estava meio que em estado de choque com tudo isso. Havia conhecido provavelmente na sua fase de recuperação, e em momento nenhum eu poderia imaginar que ele carregava toda essa bagagem nas costas.
– Entendo. Agora eu entendo. Eu vi a forma que ele fala da mãe dele, do carinho e da admiração e...
– Você viu a forma? – ela me interrompeu e eu concordei.
– Sim, ele me contou sobre ela e que ela já era morta. Mas não entrou em detalhes sobre isso, só me falou alguns hábitos que os dois tinham e...
– O não fala da mãe dele com ninguém, desde que ela morreu. – Ela voltou a me cortar e fiquei surpresa. – Ele não fala dela, não vai à casa deles e nem toca em nenhum assunto que possa ser relacionado à ela com nenhum de nós há três anos. – Ela sorriu ao terminar a frase e eu não entendi.
– Talvez tenha sido só o momento. Eu estava falando da minha mãe. – Ela concordou com a cabeça falando um talvez baixo e desacreditado. – Mas, de qualquer forma, eu vou para o apartamento ver se ele está lá e se está tudo bem. Vou passar na faculdade do Paul e pegar o carro com ele, assim se o não tiver eu dou uma volta por aí e tento achar ele, ok?
– Ok. Eu vou dar uma procurada também, não quero ser sufocadora, mas também não quero deixá-lo sozinho. – Concordei, entendendo perfeitamente o lado dela, assim como entendia também perfeitamente o lado de .
Peguei um táxi e fui de encontro ao meu irmão, pegando seu carro e seguindo depois para o apartamento. Paul havia me pedido que eu o avisasse imediatamente, se eu encontrasse ou falasse com . Ele estava louco de preocupação e eu entendia. Até eu, que não era próxima ao , estava.
Era uma sensação estranha a que eu sentia naquele momento. Tão estranha que eu não saberia explicar. Eu nunca imaginaria que o já tivesse passado por aquele tipo de sofrimento, ele nunca havia me demonstrado isso. Ele literalmente era totalmente diferente do que eu imaginava.
Quando cheguei ao apartamento à primeira coisa que fiz foi olhar em seu quarto, mas, graças à Deus, ele não estava lá. – Sim, Graças à Deus, porque fiquei com medo de encontrá-lo lá de uma forma que eu não queria.
Sentei-me na sua cama e olhei ao redor, tentando pensar no quanto eu o conhecia – o que era pouco – e onde ele poderia estar, mas nada me veio à mente. Eu não era íntima dele pra saber seus lugares prediletos ou onde ele poderia se esconder. A única coisa que eu sabia era o que eu faria se estivesse em um momento como aquele. Bom, mentira, pra falar a realidade eu não fazia a mínima ideia do que eu faria se estivesse em um momento como aquele.
Fiquei olhando pro quarto e pensando no que havia me dito sobre sua mãe e no que havia me dito sobre o fato de ele não falar nela com ninguém e de repente foi como se um clique tivesse sido feito na minha cabeça. Digitei uma mensagem pra Paul e desci as escadas completamente correndo, indo em direção ao carro enquanto aguardava uma resposta.
Eu dirigi por quase meia hora depois de receber a mensagem de Paul; O endereço havia me levado a uma rua onde todas as casas eram pintadas exatamente iguais, e o que me fazia diferenciar uma da outra era o baixo muro e o pequeno portão de grade que era cercado por jardins, todos muito bem cuidados. Todas as casas eram de cor de tijolo com branco e tinham uma varanda na parte do segundo andar. Dirigi por toda a rua e encontrei o que procurava na penúltima casa e então parei o carro.
estava parado ali, do lado de dentro do portão, em pé e olhando para a casa, como se estivesse em alguma espécie de transe. Ele olhou pra trás em um ato espontâneo no momento em que ouviu o barulho do carro e eu me xinguei baixinho por ter mantido a janela aberta. Se não tivesse feito aquilo, poderia apenas passar direto e dizer a todos que ele estava bem, mas quando ele olhou pra trás eu soube que precisava descer porque não havia forma nenhuma de ele fazer aquilo sozinho.
Desci do carro e andei até ele. Preciso admitir que senti medo dele me dar um fora e perguntar que diabos eu estava fazendo ali. Mas ao contrário disso, quando eu me posicionei ao seu lado ele nem se mexeu, apenas continuou ali, parado e olhando para a porta da casa como se pudesse explodir a qualquer momento. Eu conseguia sentir a tensão por todo o seu corpo e tinha certeza de que se eu pudesse pegar em suas mãos, elas estariam tremendo.
– Você me disse que sua mãe adorava tirar fotos e que a casa de vocês era cercada por elas por toda a parte. – Ele se virou pra me olhar e eu não tive firmeza de fazer o mesmo, apenas continuei olhando pra enorme porta branca a minha frente. – Eu entrei no seu quarto e percebi que não tem nenhuma foto lá. – Finalmente o encarei e ele se virou no momento em que eu fiz isso. Seus olhos estava super marejados e eu pude ver uma lágrima solitária escorrer, mas ser limpa rápido.
– Eu estou esquecendo, . – Ele disse depois de um tempo de silêncio. – Eu estou esquecendo como ela era e não tenho nada pra me lembrar disso. Eu tento entrar aí, mas eu simplesmente não consigo. – Ele parou de falar e respirou fundo. – E eu também não consigo falar sobre isso com mais ninguém, então por que eu estou falando disso com você? – Nós dois nos olhamos e eu fiquei sem saber o que fazer por um instante. Parte de mim dizia que eu deveria abraçá-lo, que se fosse eu no lugar dele eu iria querer um abraço. Mas parte de mim também me lembrava de que não éramos tão próximos assim e que eu não deveria invadir o seu espaço. Todas essas coisas se passavam na minha cabeça enquanto nos encarávamos e no final de tudo, apenas estendi a mão.
– Me dá a chave. – Ele ficou por alguns segundos encarando minha mão, antes de finalmente depositar a chave ali.
Segui pra porta e entrei na casa. Ela tinha cheiro de mofo, provavelmente por causa do tempo em que estava fechada e quando eu acendi a luz que ficava ao lado da porta, eu entendi porque não entrava ali. A sala inteira parecia uma exposição de fotos. Havia porta-retratos por toda a estante onde ficava a TV e a parede frontal era forrada por dezena deles. Desde pequeno, até três anos atrás.
Havia fotos de , Paul, e , mas o rosto que iluminava a maioria deles era o de com sua mãe. Ela parecia incrivelmente nova ali, com os cabelos claros, lisos e curtos caindo sobre os olhos exatamente iguais ao de . Ela tinha um sorriso enorme, que parecia tomar todo o rosto e umas sardas espalhadas por toda a sua região do nariz. Ela era incrivelmente bonita e era extremamente parecido com ela. Caminhei um pouco indo até a parede cercada de fotos e observei algumas onde ele ainda era pequeno. Sua mãe nessa época tinha os cabelos longos.
Notei que em foto alguma aparecia o Pai do . Peguei a foto que achei a mais bonita de todas. Ela mostrava muito bem seu rosto e o de que estava bem a seu lado, colado nela. parecia ter uns quatorze anos então calculei que pudesse ter sido uma das últimas que eles tiraram juntos. Senti vontade de pegar mais algumas, mas optei apenas por aquela naquele momento, aquele era um grande passo que ele estava dando e eu não queria me arriscar a estragar isso de forma alguma.
Quando saí da casa, não saí com o porta-retratos estendido. Mantive-o virado pra baixo e pareceu me agradecer mentalmente por aquilo. Depositei o porta-retratos daquela maneira em sua mão junto com as chaves.
– Vou te deixar sozinho e avisar ao pessoal que você está bem.
– Não – ele pediu segurando minha mão. – Eu preciso que você me dê uma carona até em casa. – Suas mãos confirmaram minha suspeita anterior. Elas estavam tremendo e eu acenei com a cabeça, seguindo com ele diretamente pra casa e enviando uma mensagem à Paul dizendo que eu estava com ele, que ele estava bem e que estávamos indo pra casa.
Assim que chegamos, seguiu para a cozinha, ainda mantendo o porta-retratos virado para baixo. Observei ele pegar um frasco de remédio e me mantive parada em frente a ele, observando o que era e quantos ele tomaria.
– Quando eu tomei aquela quantidade de remédios, não foi proposital. Eu não queria me matar. Eu só estava desnorteado, nada fazia sentido e... – Ele respirou fundo. – Não é como se eu fosse repetir aquilo, eu sei que não é o que minha mãe iria querer pra mim, então pode parar de me olhar desse jeito. – Ele estendeu o frasco me mostrando que era apenas aspirina.
– Bom, não custa nada checar, certo? – Dei de ombros ainda me mantendo parada de frente a ele. – , se você quiser conversar, sei lá – eu me vi dizendo e me arrependendo em seguida. Ele me olhou de uma forma meio surpresa e estranha e um sorriso ainda que triste brotou em seus lábios.
– Obrigado, . Eu realmente sou muito grato por toda a preocupação que vem de todo mundo. Mas hoje, – ele respirou fundo, – hoje eu só tenho vontade de esquecer que esse dia existe, entende? – Seu olhar era tão expressivo. Eu conseguia reconhecer alguns traços dele como minha própria tristeza, de quando brigava com a minha mãe e me sentia a pessoa mais sozinha do mundo e tudo o que eu queria e precisava era Paul e o aconchego que apenas o seu abraço poderia me dar...
– Acho que você precisa de um abraço. – Eu disse antes de atravessar o balcão.
me olhou sem entender e pra dizer a verdade nem eu havia entendido direito àquela minha atitude, mas tudo o que eu sei era que no segundo seguinte eu havia pego seus braços e passado em volta da minha cintura antes de passar meus dois braços em volta de seu pescoço e puxá-lo pra mim.
– Pode me abraçar de volta, eu não vou te morder – eu disse quando percebi que ele parecia tanto confuso, tanto assustado, tanto indeciso.
Mas, após minha frase, apertou seus braços em volta da minha cintura e afundou o rosto em meu pescoço respirando fundo, como se prendesse o choro. Eu conseguia sentir uma batida de coração acelerada, mas sinceramente eu não soube discernir se era o meu ou o dele. Talvez o meu, já que eu o sentia batendo tão forte que chegava a me assustar. Eu procurei não pensar naquilo e tentei afastar qualquer pensamento de minha cabeça conforme me apertava como se nossa vida dependesse daquilo. Acho que acertei na opção de que ele precisava de um abraço. Minhas mãos passaram lentamente por seus cabelos e pescoço, afagando-o, e eu o ouvi suspirar baixinho. Eu não conseguia vê-lo, mas tinha certeza de que ele estava de olhos fechados. Não sabia o que estava acontecendo comigo e o que havia me feito agir daquela forma. Tudo o que eu sabia era que aquilo não era do meu feitio, aquela não era eu, mas de alguma forma, ainda era uma pessoa que eu estava disposta a ser, pelo menos naquele momento.
– Juro que não vou rir se você chorar.
– Não vou – ele falou e sua voz parecia embargada. Como se ele estivesse à beira do choro.
– Não vou me importar se você o fizer, eu só quero que de alguma forma você saiba que não está sozinho.
Não sabia porque estava falando aquelas coisas, afinal, Paul era o melhor amigo de , não eu. era a melhor amiga de , não eu. Nós não tínhamos nada. Nós não éramos nada. Mas mesmo assim estava doendo em mim vê-lo triste daquela forma. Alguma coisa gritava dentro de mim que eu deveria me afastar de , mas ao mesmo tempo uma voz me dizia que eu deveria trazê-lo pra mais perto. se afastou de mim apenas um pouco o suficiente para poder olhar em meus olhos.
– Você não tem ideia do quanto você está sendo importante pra mim hoje. – Seus lábios se moveram em um sorriso reto, triste e nada parecido com o que ele estava costumado a dar.
Pela primeira vez eu parecia estar vendo e quem ele era de verdade, e eu me sentia encantada com toda a força que ele tinha. Uma lágrima desceu por seu rosto e minhas mãos mecanicamente se estenderam para limpá-la. Seus olhos pareciam me transmitir uma mensagem que eu não sabia ler, eu queria desviar meus olhos mais eu simplesmente não conseguia deixar de encará-lo. Sua íris parecia tão transparente, mas mesmo assim eu não conseguia entender a mensagem que ela me transmitia.
Naquele momento eu me vi morrendo de ânsia e desejo de conhecer , seus medos, desejos e mágoas. Meus dedos desceram por seu rosto limpando todo o trajeto que a lagrima havia feito e parado em sua bochecha, fazendo um carinho. Ali e pela primeira vez tão perto e de uma forma tão sincera, eu me toquei de uma coisa que me assustou muito. Pela primeira vez na vida eu estava morrendo de vontade de beijar .
Capítulo 14
Eu não poderia descrever o quanto eu havia chorado, porque acredito que nada no mundo poderia medir isso. Eu havia esperado o silêncio do meu quarto e a certeza de que ninguém apareceria, até finalmente desvirar aquele porta-retratos e encarar tudo o que a minha vida já havia sido e tudo o que eu já tinha tido apenas nos olhos da minha mãe.
Havia doído pra caramba, relembrar totalmente seu rosto e o quão bela ela era, o quanto seu sorriso era radiante e o quanto nós dois éramos parecidos. Havia doído tanto, que por um momento eu achei que já não era capaz de respirar de tão forte que os soluços vinham e impediam que o ar entrasse em meus pulmões.
Era tudo tão forte que eu tinha certeza que podia ouvir meus soluços do outro lado da parede, mas pela primeira vez eu realmente não me importei. Ela havia sido uma pessoa extremamente importante naquele dia, naquele momento, e eu não conseguiria nunca na minha vida explicar o quanto eu estava grato. Talvez meus sentimentos por ela tenham aumentado em milhões por cento após descobrir que se eu precisasse, ela estaria ali por mim.
Não sei se pela força do momento ou a proximidade que tínhamos, mas quando ela me abraçou, eu senti algo diferente. Não foi dela, nem de mim, foi de nós. Foi como se pela primeira vez, desde que havíamos nos conhecido, tivesse surgido um nós de verdade no meio da nossa relação, e eu não conseguiria dizer o quão intenso tudo aquilo me havia parecido. Talvez fosse pela situação ou por nós mesmos, a única coisa que eu sabia era que ela não me lançava um olhar de pena, ela não me perseguia, ela não me sufocava. Ela de uma forma bem singela, simplesmente estava ali.
Não sei quanto tempo fiquei chorando, só sei que quando finalmente parei de fazer isso, a sensação de solidão veio com força total, e a única coisa que eu tinha certeza era de que naquele momento, eu não deveria ficar sozinho. Então me levantei, tomei um banho e logo depois segui pro quarto de . Bati duas vezes antes de ouvir. Ela estava deitada na cama lendo um livro e me olhou confusa. Entrei no seu quarto, tendo plena certeza de que meu rosto estava uma merda, me deitei no chão, ao lado da sua cama e com a cabeça virada na direção oposta do lado que a dela estava.
— Quer alguma coisa? — Ela perguntou preocupada.
— Eu só não quero ficar sozinho e você é a única pessoa em casa — respondi olhando pro teto. Eu já não tinha mais lágrimas pra chorar e eu não choraria na frente dela, não por medo, vergonha ou qualquer coisa do tipo. A partir daquela data, era uma pessoa que eu sabia que poderia confiar. Ela jogou um travesseiro em minha direção que acertou no meu rosto, nos encaramos e ela desviou o olhar mais que depressa.
— Obrigado, . — Acredito que nunca me cansaria de dizer a ele o quanto eu estava agradecido naquele momento. — Obrigado mesmo, pelo abraço.
— Bom, meu irmão é seu cuidador, certo? Quando ele não faz isso alguém tem que fazer. — Ela evitava me olhar e eu me perguntava se ela havia sentido a mesma vontade que eu enquanto nos abraçávamos. Naquele momento eu estava com uma enorme mistura de sentimentos e sensações.
— Quando você precisar de um é só pedir, ok? — eu falei e ela sorriu carinhosamente pela primeira vez de verdade, desde que eu havia entrado no quarto.
— Pode deixar que eu pedirei, . Sem dúvidas, eu pedirei.
e eu estávamos sentados na minha cama e conversando há mais de uma hora. Era bom ver que aos poucos ele estava voltando a ser a pessoa que eu estava acostumada a ver. Bom porque isso me dava a garantia de que ele já estava ficando bem. E bom porque eu poderia justificar toda a vontade absurda que eu havia sentido horas atrás em sua cara de cachorrinho que havia caído da mudança. Porque não havia maneira plausível no mundo de que eu estivesse me sentindo atraída por . Então, a princípio, eu simplesmente não conseguia olhá-lo nos olhos.
Quando ele me soltou daquele abraço e foi para o quarto, eu fiquei parada por alguns minutos processando tudo o que eu havia feito naquele dia e a vontade sem noção que eu havia acabado de sentir. Não tinha cabimento. Quando eu finalmente consegui me mover e ir pro meu quarto, eu senti vontade de gritar. Gritar porque eu conseguia ouvir os seus soluços pela parede e a única coisa que eu conseguia pensar era que eu queria estar lá pra ele.
Talvez o fato de morarmos juntos tenha despertado em mim um instinto protetor em relação a ele. Talvez seja apenas isso. Quando ele finalmente havia parado de soluçar, senti certo alívio por saber que ele havia colocado sua dor pra fora e tomei também um grande susto quando ele apareceu na porta do meu quarto. Eu não estava preparada para aquele contato com ele vulnerável. Ele ainda tinha aquela cara de quem precisava de alguém e isso fez com que eu passasse a última hora simplesmente sem olhar direito em seus olhos. Ele parecia não fazer muita questão, parecia constrangido.
— Hermione. — Ele disse olhando pra baixo. — Não sei, acho que o charme dos cabelos bagunçados. — Ele já estava sentado na minha cama, com as costas apoiadas em uma cabeceira e eu noutra, um de frente pro outro.
— Como assim charme dos cabelos bagunçados? Cabelos bagunçados não são charmosos. — Nós conversávamos sobre paixões platônicas que tivemos em nossa infância e ele estava admitindo a sua pela Hermione.
— Sim, eu imaginava os cabelos dela, cacheados e bagunçados e ela lá, toda feroz e mandona. Sério, eu queria muito ser o Ron. Vai dizer que você também não teve uma quedinha por ele e não quis ser a Hermione?
— Preciso admitir que sim. Na realidade minha queda era pelo Rupert mesmo. Aquele ruivo, ai ai. — Comecei a rir. — E filme? Qual seu predileto e qual te emocionou mais?
— Preciso pensar, já assisti muitos.
— Os meus são Clube da Luta e A Origem. Cara, filmes extremamente inteligentes que me deixaram viajando nos pensamentos depois de terminar. O meu predileto e que mais me emocionou mesmo foi o Efeito Borboleta e quando começa a tocar Oasis no fundo eu já começo a ficar com os olhos marejados.
— Sociedade dos Poetas Mortos. — Me assustei por ele citar esse filme. Eu já havia assistido, chorado bastante e esquecido totalmente da existência dele.
— Eu amo esse filme! É lindo, eu chorei também.
— Nossa, eu começo a chorar quando o menino se suicida e não paro mais. Lembro que quando eu assisti, eu terminei de ver e coloquei o filme de novo e reassisti o filme chorando que nem criança. — Ele comentou rindo.
— Eu chorei muito em Click. É um dos meus filmes prediletos também. Eu começo a chorar na parte que ele fica voltando o controle e revendo o pai dele falar que o amava. — Eu suspirei. — Qualquer filme que fale dessa relação entre pais e filhos mexe muito comigo.
— Eu pensei que você ia ficar diferente depois que a viu. Achei que você ia, sei lá, ficar chateada ou comentar sobre isso com o Paul, mas você agiu como se nem tivesse acontecido. Você me surpreendeu. E eu sei que você percebeu que sente falta dela. — Demorei um pouco até entender que ele estava falando da minha mãe.
— Como... Como você sabe?
— Eu estava do seu lado quando você a viu.
— Mas você nunca a viu, como você sabia que era ela? Como você percebeu? — Eu estava surpresa. Não tinha comentado sobre isso, nem com Paul.
— Vocês podem até não ser muito parecidas, mas vocês têm o mesmo olhar, mas o que me fez reconhecê-la foi o sorriso. O sorriso que ela abriu ao te ver foi o mesmo que você fechou quando seus olhos se encontraram. — Eu estava surpresa demais. — Você respondeu à mensagem dela?
— Não. Espera, como você sabe disso?
— Pouco tempo depois seu telefone recebeu uma mensagem e você passou os dois dias seguintes olhando pra ele parecendo não saber o que fazer.
— Como você sabe de todas essas coisas?
— Eu gosto de te observar quando você pensa que ninguém está te vendo. — Ele não estava com cara de cachorrinho que caiu da mudança. Ele estava ali, sorrindo, sincero e me olhando de verdade. E tão real quanto ele ali, foi a minha vontade de beijá-lo novamente naquele momento.
— ... Hey. — Paul apareceu no quarto. Estávamos tão distraídos conversando que não havíamos ouvido o barulho da porta. — está vindo aqui, disse que precisa da sua ajuda pra ver alguma coisa da festa. — Paul revirou os olhos entrando no quarto e se sentando na cama ao meu lado e eu agradeci por isso.
— Você deveria ter visto a cara do Paul ao sair do cinema depois de Marley e Eu. — continuou o assunto anterior, como se o que ele tivesse acabado de falar não tivesse mexido comigo e ele não tivesse percebido isso.
— Estamos falando de crushs e filmes prediletos. — Eu o inteirei, tentando voltar ao normal.
— Pelo amor de Deus, nem me fala desse filme. Só consigo me lembrar do Stevens. — Paul fez uma voz afetada. Quando ele nasceu, a tia Rachel havia lhe dado um cachorro de presente e ele por muitos anos foi o melhor amigo do meu irmão, até que morreu de velhice quando ele tinha quinze anos. — Eu nunca vou dar um cachorro aos meus filhos. É muita judiação.
— Eu sempre quis um cachorro, mas minha mãe nunca me deixou comprar, ela dizia que eu era sensível demais pra ter um animal. O que ela achava que eu ia fazer se ele morresse? — disse.
— Eu sou a favor de termos um cachorro aqui no apartamento. Eu tinha um lá na minha casa e era legal. Às vezes ele era minha única companhia.
— O único cachorro dessa casa sou eu. E não entraremos no assunto. Stevens ainda é um assunto delicado pra mim, e eu gostaria de não lembrar dele nesse momento. — Paul levou a mão aos olhos e eu lhe dei uma almofadada. — É sério, gente, não vamos ter um cachorro. — Ele falou agora normal e rindo. — Eu trago garotas, aqui. Não seria legal ter um cachorro atacando elas por aí.
— Talvez se você tomar uma atitude de macho e dizer pra exatamente o que você quer, o cachorro não vai precisar se acostumar com várias, afinal, só vai ter ela de fêmea rondando pela casa. Tirando eu, é claro. — Paul me olhou de olhos semicerrados e riu.
— , obrigado por dizer exatamente o que eu penso, mas não digo por ser um cara discreto. — A campainha tocou quando estava no meio da frase.
— Olha, provavelmente é ela. Seria muito interessante que ela só tocasse à campainha pra avisar que está entrado, afinal, ela sabe onde tem a chave reserva. Se ela entrasse diretamente pro meu quarto e percebesse que estávamos falando dela e... Oi, , estávamos falando de você! — Eu disse e riu mais ainda quando meu irmão me deu uma cotovelada. carregava duas caixas de pizza e logo atrás dela apareceu .
— Eu preciso de ajuda ou vou enlouquecer. Meu irmão é um incompetente, eu pedi apenas uma coisa.
— Blablablablablabla. — passou por ela e se sentou do lado de na cama. — Depois a gente mata a pessoa e ninguém quer saber o porquê. Só aparece na manchete que irmão matou a irmã, mas ninguém nunca diz que a irmã encheu completamente a porra do saco do irmão, pedindo pra ter uma faca enfiada no meio do crânio. — fez gestos no ar, como se estivesse esfaqueando alguém.
ignorou completamente o fato de que eu disse que estávamos falando dela e e eu nos entreolhámos, talvez porque percebemos a cara frustrada e aliviada de Paul. Ela sentou na cama, abrindo a caixa de pizza e tirando uma fatia, começando a comer e a falar sem parar, como se tivesse sido ligada na tomada. Nossa única opção foi ouvir e fazer que nem ela, comer.
O dia não estava terminando como eu achei que terminaria, mas eu estava feliz pela forma que as coisas estavam naquele momento. Eu estava feliz, alimentada, com pessoas que eu estava aprendendo a amar, e, o melhor de tudo, eu nunca imaginei que eu pudesse ficar feliz por isso, mas eu estava. finalmente havia voltado a sorrir.
Capítulo 15
— Você precisa parar com essa mania chata! — eu disse batendo na mão de que insistia em ficar desenrolando uma mexa cacheada do meu cabelo.
Ele riu, ignorando completamente meu tapa e voltando a mexer no meu cabelo, mas dessa vez apenas enrolando a mesma mexa que ele havia puxado. Eu gostava disso. Eu sabia que eu não deveria gostar, minha mente me gritava que eu não queria gostar, mas infelizmente meu corpo reagia de forma diferente quanto a isso. Na realidade, meu corpo estava agindo de forma muito diferente ultimamente quando se tratava de . Era como se ele tivesse criado vontade própria quando algo era relacionado a ele e eu estava evitando ao máximo não pensar o que isso poderia significar.
— Seu cabelo é legal. Dá vontade de ficar mexendo nele o dia inteiro. — ele continuou enrolando meu cabelo e eu agradeci por ele estar sentado na mesa atrás de mim e não ver o sorriso que eu sem querer havia dado naquele momento.
Nós dois estávamos sentados no pátio da escola esperando por . Ele estava sentado na mesa e eu no banco, encostada em sua perna. Eu não poderia negar que nossa relação havia evoluído nas últimas semanas. Óbvio que a nossa relação oscilava de vez em quando, como quando eu tentei acertá-lo com a tampa da panela de pressão ou quando ele veio até o meu quarto me oferecer o chocolate que ele comia, mas estava mais do que notável nossa proximidade e havia se tornado o alvo de chacota no meio do nosso grupo.
Era isso e a “tal” garota que gostava e que apenas Paul, e sabiam que era. A minha curiosidade era enorme por descobrir quem era, mas meu orgulho era maior ainda. Se eu perguntasse, mesmo se fosse pro meu irmão, eu sabia que seria motivo de inúmeras zoações, então eu preferia apenas me corroer por dentro e criar inúmeras hipóteses de quem poderia ser.
Até o momento, a hipótese que eu havia chegado era a de que ela era imaginária. Pensar em quem seria essa menina, era algo que havia ajudado a desanuviar a vontade que eu havia sentido dias atrás e que agora eu preferia nem mencionar. Falar sobre ela poderia torná-la real. De novo.
— Está pensando no quê? — ele perguntou de repente e eu senti vontade de rir, maquinando qual seria sua reação se eu o dissesse que estava pensando nele.
Tenho a certeza que ele ficaria constrangido, vermelho e ao mesmo tempo começaria a se gabar por isso. Então deixei apenas o riso como resposta o que o incitou a perguntar de novo o que eu estava pensando. Ele tinha desenvolvido essa mania nos últimos dias e ele não parecia perguntar apenas por perguntar, ele parecia extremamente interessado.
— Em como as coisas mudam — ergui minha cabeça pra encará-lo e ele sorriu, talvez subentendendo que eu estava falando dele.
— O que mudou na sua vida? — ele subiu as mãos do meu cabelo pro alto da minha cabeça, passado a mexer ali de uma forma extremamente carinhosa e eu odiei meu corpo por ter sentido no peito aquela coisa que eu não sabia identificar.
— Um monte de coisas — abaixei o rosto, apenas para não lhe dar a oportunidade de me ver corar. — Desde que eu mudei tudo parece que melhorou. Eu fiz amigos, !
— Nem fora da escola você tinha amigos lá?
— Digamos que como você já percebeu, eu sou o estilo meio explosiva, isso pode afastar um pouco as pessoas — eu suspirei sorrindo.
— Às vezes você parece um leãozinho — ele riu e mexeu no meu cabelo, jogando-o pra cima e se esquivou, prevendo o tapa que sem dúvidas ele levou.
— Literalmente, agora — eu ao invés de ficar brava, ri.
— Você é a pessoa mais facilmente irritável que eu conheço. E olha que eu conheço um monte de gente.
— Eu só perco a paciência fácil com algumas coisas idiotas.
— Você perde a paciência fácil com tudo, .
— Vai dizer que você é o tipo de cara que nunca perde a paciência? Você praticamente me chamou de puta há um tempo atrás, .
— Opa, nada disso. Eu falei que eu não ficava com qualquer uma. Foi só isso — ele entrou em sua defesa. — E eu estava bêbado, não estava bravo. Eu estava grosso, é diferente. Eu só perco a paciência quando algo realmente mexe comigo.
E o que realmente mexe com você? Essa foi a pergunta que eu tive vontade de fazer, mas não fiz. Ao invés disso, fiz o que estava me acostumando a fazer e comecei a imaginar o que poderia mexer de verdade com ele. Talvez algo relacionado à garota que ele gostava, se é que ela existia. Se ela existisse, meus instintos me diziam que ela estava próxima devido à quantidade de sussurros que eu já havia percebido de Paul pra em relação a isso. Talvez o assunto da mãe dele o fizesse perder a paciência. O assunto do pai também.
Era engraçado como as coisas relacionadas a ele haviam passado a me gerar uma enorme curiosidade. Tudo isso em tão pouco tempo. E a melhor parte era que não eram as coisas relacionadas apenas à ele, mas à também. Se alguém me dissesse três meses atrás que eu seria amiga de alguém no estilo dela, eu iria rir e debochar da pessoa, mas agora, eu já não consigo me imaginar uma semana sem falar com aquela peste. Cá estava eu aprendendo que quando a gente cospe pro alto, o cuspe volta e bate na testa.
Na última semana, e eu tínhamos sido assíduos frequentadores da casa de devido aos preparativos da festa. Era bom ver que ele já estava totalmente bem e voltando totalmente ao normal. Ele parecia feliz de novo. Brincando, implicando com tudo e com todos e, por vezes, parecendo um velho carrancudo por algumas coisas.
— Você gosta de dançar? — me virei para olhá-lo. Ele já havia me visto na pista de dança e já sabia que a minha resposta era sim. Não havia entendido a procedência dela.
— Depende da quantidade de álcool que esteja em meu organismo, você já viu isso — nós dois rimos. — Mas eu estou muito disposta a colocar tudo pra quebrar nessa festa amanhã.
Só quando eu falei a frase que eu me toquei de que ela era tão não eu. Tão . Que nós dois começamos a rir. Provavelmente porque ele pensava a mesma coisa.
— Então, eu espero que você bote pra quebrar comigo — ele piscou pra mim. —Vamos abalar aquela pista de dança e dançar de uma forma que nenhuma pessoa nessa cidade jamais viu.
— Vamos abalar — eu ergui a mão e nós dois batemos um high five.
— Vamos abalar — ele se levantou e começou a rir de uma forma totalmente diferente da que eu já tinha o visto rir.
vinha em nossa direção e eu pegaria carona com ela até a sua casa e iria pro nosso apartamento para colocar alguns trabalhos em dia.
— Do que você tá rindo? — perguntei quando ele começou a se afastar, e ele deu um sorriso no mesmo estilo que ele havia dado na sênior weekend.
O único adjetivo que eu conseguia usar para classificar era fofo e saiu de perto de mim, me deixando sem resposta.
Eu conseguia ser a pessoa mais idiota do mundo e fazer tudo da forma mais errada, mas eu não poderia perder aquela oportunidade e muito menos aquela festa. As coisas estavam ficando intensas demais pra que eu simplesmente deixasse passar. Eu já não estava conseguindo disfarçar meu sentimento por ela, ao ponto que os meninos perceberem e me colocarem na parede. Parecia que o episódio dela ter ficado comigo no aniversário de morte da minha mãe havia simplesmente aumentado em mil meus sentimentos e eu sentia que poderia simplesmente calá-la com um beijo a qualquer momento.
Eu estava completamente apaixonado por ela e não fazia a menor ideia do que fazer e como agir, porque eu acreditava piamente, que se eu contasse à como eu me sentia, era capaz de ela mandar abrir todos os canis da cidade e colocar os cachorros atrás de mim por eu me atrever a me sentir daquela forma por ela. Eu não acreditava de maneira nenhuma que ela levaria na boa, e era sempre essa ideia que me fazia recuar. Afinal, morávamos na mesma casa e eu não queria causar um clima. Mas eu já não estava mais conseguindo.
— Que milagre é esse? Quinta-feira à noite e você está em casa? Nesses quase três meses que eu estou morando aqui é a primeira vez que eu presencio essa proeza — eu disse rindo e me jogando no sofá com meu enorme pote de pipoca e uma lata de leite condensado.
— Resolvi passar a noite com você, ué. — Paul deu de ombros e pegou um pouco da minha pipoca enchendo a boca.
Ele geralmente folgava sextas, então a farra de final de semana dele sempre começava nas quintas. Pelo que eu havia entendido anteriormente, , tinha arrumado um encontro pra Paul naquela noite. Eu não havia entendido, já que ele ultimamente realmente só estava com a , mas não ousei perguntar.
— O que aconteceu com a sua menina de hoje? Deu um bolo nela?
— Eu não estava afim, sério mesmo. Hoje eu só queria ficar em casa com você. — Paul apertou minhas bochechas e eu lhe dei um tapa rindo. — Aí eu só disse pro que o queria que ele o encontrasse tal hora e em tal lugar. Coitado, ele nem sabe que estava indo para um encontro. — Paul começou a rir e eu tentei disfarçar alguma mudança no meu rosto, porque eu sabia que havia ficado um pouquinho incomodada. O que eu não precisava era que meu irmão percebesse isso.
— Coitado, Paul, você é um péssimo melhor amigo — continuei falando normal e meu irmão se sentou reto, segurando meu rosto e virando pra ele. — O que foi?
— Você ficou com ciúmes — ele parecia incrédulo.
— Eu não fiquei com ciúmes — puxei meu rosto, fazendo careta e voltando a encarar a TV.
— Olha pra mim. Ficou sim, pode não ser ciúmes, mas você está incomodada — ele começou a rir, como se tivesse visto uma coisa muito engraçada.
— Não fiquei não. Cala a boca — eu lhe dei um tapa, porque sua risada estava começando a me incomodar.
— Você está sentindo alguma coisa pelo ! — Não foi uma pergunta. Ele deitou no sofá, jogando os braços sobre o rosto de uma forma engraçada. — Quem diria que eu viveria pra ver isso — ele começou a gargalhar feliz. — Eu sabia que tinha alguma coisa aí, desde o dia que vocês estavam no seu quarto.
— Não estou não! — declarei firme. — Pare de inventar coisas — Eu estava começando a ficar nervosa. Ele não deveria falar aquelas coisas em voz alta.
— Está sim. Você está caidinha por ele, você está até nervosa e com ciúmes. Eu te conheço muito bem, !
— NÃO. — Eu respirei fundo e ele começou a cutucar minha cintura, o que era algo que ele sabia que me irritava profundamente. Eu sabia que ele só pararia quando eu admitisse o que estava acontecendo. — Eu senti vontade de beijá-lo, ok? Foi uma vez e só. Mais nada. Só isso que aconteceu e não está mais acontecendo — eu falei segurando seu dedo. — Agora você pode parar?
— Foi naquele dia que eu entrei no quarto, não foi? — ele me olhou com os olhos cerrados e eu acenei com a cabeça. — Eu sabia! Eu sabia! Eu sabia que estava atrapalhando alguma coisa — ele bateu em sua própria testa. — Vocês estavam esquisitos e constrangidos de olhar um pro outro e eu achei que era porque o estava chorando e triste, mas não!
— Como você sabe que foi aquela vez? E não em alguma outra?
— Porque ele é o meu melhor amigo e você minha irmãzinha, eu sei muito bem entender quando está rolando um clima entre vocês dois. E digamos que clima era o que não faltava aquele dia. O mundo nunca achou que isso um dia aconteceria — ele falava como se aquilo fosse uma espécie de evento supernatural.
— Foi só coisa de momento, Paul. Não aconteceu mais e eu não quero mais falar disso — tentei mudar de assunto.
— O é hot. Se eu fosse mulher eu daria mole pra ele. É normal você também querer dar — ele falou e tentou prender a risada, porque ele sabia que eu ficaria brava depois disso. Mas a risada acabou saindo pelo seu nariz.
— Cala a boca.
— Vocês formariam um casal bonito sabia? — revirei os olhos. — Sério, você seria o homem da relação e o , a mulher.
— Paul, cala a boca.
— É sério, , se imagina beijando aquela boca. Andando de mãos dadas com ele. Seus filhos seriam lindos.
— Cara, cala a boca! — Eu já estava começando a rir, porque meu irmão já estava começado a imaginar um futuro pra gente.
— Sério vocês poderiam morar em uma casa grande, com um cercado branco, com o quintal gramado e ter um labrador e dois filhos e eu poderia... — Paul foi interrompido pelo barulho da porta e um descabelado apareceu.
Eu simplesmente não sei dizer o que senti naquele momento. Eu imaginei várias hipóteses de como os cabelos dele poderiam ter ficado naquela maneira e quando percebi que o encarava muito decidi voltar minha atenção para o meu irmão que parecia surpreso.
— Você pegou ela? — a voz do meu irmão saiu algumas oitavas mais alta do que o normal e ele fez uma cara super engraçada, ficando de joelhos no sofá como se não acreditasse no que estava vendo.
se jogou no outro sofá em frente a nós olhando feio pra Paul antes de falar.
— Você é um babaca. — Ele passou a mão pelo cabelo tentado ajeitá-los. — Por que você me colocou nessa? O encontro era seu, e não meu.
— Hoje eu queria uma noite com a . — Paul voltou a se sentar e dessa vez se jogou no meu colo, e eu baguncei seu cabelo, como se ele fosse um cachorrinho.
— Aí você me proporcionou um encontro com uma mulher vinte anos mais velha que eu. Ótimo melhor amigo você é! — fez um joinha com as mãos e Paul se sentou na mesma hora, dando uma de suas gargalhadas estrondosas. — Dude, ela tem idade pra ser minha mãe!
— VINTE ANOS MAIS VELHA? CARA, POR QUE EU NÃO FUI? — Paul bateu na própria testa e começou a perguntar animado à como tinha sido, como ela era, se ela era gostosa.
Parecia até que não tinha uma menina ali. Eu apenas revirava os olhos e ria prestando atenção atentamente ao que contava, conforme ele tinha chegado, a surpresa de ao vê-lo. A felicidade da mulher ao conhecê-lo. Ela pagando o jantar, dando carona pra ele pra casa. E preciso dizer que realmente me surpreendi quando disse que não aceitou ir pra casa dela, e que nem ao menos a tinha beijado quando ela o deixou em casa.
— Então como seu cabelo está tão bagunçado se você nem deu uns amassos nela? — eu me vi perguntando. Maldita língua grande e curiosidade maior ainda
— Ela estava de moto. — se ajoelhou no sofá apenas para se olhar no espelho que havia acima da TV. — E nem está tão bagunçado assim.
Eu quase sorri com essas informações, afinal, ele realmente poderia ser exatamente tudo aquilo que falava que era. Ele não ficava com qualquer uma.
— Tá, sim, até EU realmente pensei que você tinha dado uns amassos.
— Até parece que você não me conhece. Vocês estão vendo o quê? — Ele perguntou e eu mostrei a capa de The OC. Achei que ele me zoaria, mas o sorriso dele ficou enorme no rosto. E ele se jogou no sofá ao meu lado.
— Eu amo essa série.
— Então se junte a nossa agradável noite de seriadores. — Paul falou e se levantou. — Vou tomar um banho, que eu ainda não tomei e você — ele apontou pra mim — faça mais pipoca e coloque uma pizza no forno que eu estou com fome. E não façam nada que eu não faria enquanto eu não estiver presente na sala.
— Tem certeza que esse é o conselho que você quer dar? — Não era um bom conselho. Só Deus e poderiam dizer as coisas pornográficas que meu irmão poderia fazer em dez minutos.
— , eu nem tenho com o que me preocupar, é o . — Paul riu dando de ombros e batendo a porta do seu quarto.
— Eu ainda sou homem, ok? — se indignou. — Vocês precisam parar de agir como se eu fosse uma donzela. Eu sou um cara decente, mas ainda tenho colhões!
— Eu confio em você. — Paul gritou de dentro do quarto.
Eu achava a amizade deles uma coisa tão bonita. Porque Paul realmente confiava no , se preocupava com ele e cuidava dele. Alguns dias atrás, de madrugada, , estava começando a ficar doente e começou a tossir muito. Achei lindo meu irmão levantando de madrugada, e levando remédio pro . Ver a amizade deles enchia meu coração de uma coisa tão boa
— Vai fazer pipoca? — me tirou dos meus pensamentos.
— Vou. Você quer? — ele estava próximo de mim e eu evitava ficar muito próxima assim dele.
Evitar ficar próxima, evitava querer beijá-lo. Tudo poderia ser mais simples se ele fosse uma pessoa desagradável, sabe? Mas o problema é que quando você o conhece melhor, você percebe que ele não é. E isso me deixava um pouco incerta, porque ninguém poderia ser tão legal aquele ponto. Ninguém poderia ser esse tipo de garoto que ele dizia e aparentava ser. Tinha que ter alguma coisa bem grave encubada ali, por detrás daquele sorriso que ele dava. Não era normal uma pessoa ser daquela forma.
— Dou um chocolate por seus pensamentos — ele falou tirando uma pizza do congelador.
— Nada, só escola, matéria, a roupa que comprou e disse que eu vou usar. — Rolei os olhos e peguei a pizza de suas mãos.
— , você ainda é apaixonada pelo seu ex? Você ainda sente alguma coisa por ele? Eu sei pouco sobre vocês, nem sei porque vocês terminaram, mas eu lembro que vocês ficaram juntos por um bom tempo. — A minha cara deve ter sido esquisita. Ele fez a pergunta sem enrolar, chegando direto ao ponto. Aquilo me assustou. Desde quando o tinha alguma espécie de interesse na minha vida amorosa? — Não precisa responder se você não quiser. Eu só vou entender a resposta como sim. Pras duas perguntas.
— Não. Digo, não sei. Acho que não. — Aquela era a resposta mais sincera que eu poderia dar naquele momento, porque eu realmente não sabia se sentia ou não alguma coisa por ele. Ali, longe dele, eu sentia mágoa. Mágoa por todas as cosias que aconteceram. Mas eu honestamente não sabia qual seria minha reação se algum dia o encontrasse. E eu nem gostava de pensar disso
— O que aconteceu? — ele me encarava, mas eu não queria encarar de volta. — Por que vocês terminaram?
— Bom, digamos que eu não era o tipo de garota dele — eu dei de ombros. Eu não queria saber o porquê o estava desenterrando aquilo, mas eu não iria mais deixá-lo cavar.
— Se você o reencontrasse, teria alguma chance de vocês voltarem? — Eu o encarei séria e ele coçou a cabeça.
— Por que você está me fazendo esta pergunta?
— Curiosidade — ele deu de ombros. — Não precisa responder se não quiser.
— Não! Nenhuma! — mesmo se houvesse a hipótese de sentir alguma coisa ao reencontrar Tony, NUNCA haveria a hipótese de reatar. Eu não sabia perdoar traição.
— Azar o do cara, porque você é o tipo de garota perfeita pra qualquer um — ele sorriu que nem aquelas crianças em comercial de chocolate, e eu agradeci pelo barulho do micro-ondas atrás de mim naquele momento. Porque só assim eu teria uma desculpa pra virar o rosto e esconder o quão vermelho ele ficou e a minha provável cara de: o que diabos está acontecendo aqui?
Por que ele estava falando aquilo? Coloquei a pizza no forno e me ajudou, despejando a pipoca dentro da vasilha, me pedindo apenas para pegar as latinhas enquanto ele vigiava a pizza. Joguei-me no sofá e ele saiu, aparecendo alguns minutos depois apenas de camiseta e bermuda e com uma coberta na mão, jogando por cima de mim antes de sair e pegar a pizza. Ele fez esse simples gesto de uma maneira tão atenciosa, que eu senti vontade de abraçá-lo de novo. Quase me bati com aquele pensamento. Até porque eu sabia que no fundo no fundo, não era só abraçá-lo que eu queria.
— Sábado, eu estou a fim de extravasar — ele comentou indiferente, como se não tivesse falado nada alguns minutos atrás e como se não tivesse percebido que eu havia ficado extremamente constrangida. — Tem muito tempo que a não dá uma festa, e as festas dela costumam ser ótimas.
— Me sinto da mesma forma. — Tentei parecer normal.
— Vamos extravasar juntos
— Yeah — eu falei e ele continuou comendo pipoca, olhando pra tv e depois de alguns segundos, começou a rir da mesma forma que ele havia feito mais cedo no pátio da escola. — Acho que temos um encontro — ele falou com a boca cheia e se virando pra me olhar rindo.
— isso não é...
— Eu não aceito não como resposta — ele pegou mais pipoca dentro da vasilha em meu colo. Eu simplesmente não consegui dizer que não, mesmo sem saber exatamente o que aquilo poderia significar.
— Você tem problemas — eu tentei soar indiferente.
— Sua cara de indiferente não me convence — eu revirei os olhos rindo.
— Isso não vai terminar em um quarto, você sabe disso não sabe? — Eu falei séria.
— Eu não sou o tipo de garoto que termina um encontro no quarto, . Nem se a menina pedir. Você já deveria saber disso.
— Esqueci que você é um cara decente. — Eu revirei novamente os olhos.
— É incrível como você não consegue acreditar nisso. — Não respondi, porque na verdade eu até acreditava. Mas preferia fingir não acreditar.
— Vamos ver logo esse episódio, o Ryan e a Marissa finalmente vão se beijar. — Paul surgiu na sala de banho tomado e se sentando ao meu lado.
Finalmente pudemos ligar a TV e eu fiquei ali sentada entre os caras mais legais que eu conhecia e me sentindo sortuda por poder ter isso. E só depois de algumas horas, que a coisa mais óbvia me ocorreu e eu percebi o quanto eu estava ferrada. Eu tinha um encontro com e eu não fazia a menor ideia no que isso poderia dar.
Capítulo 16
— O que você está fazendo? — perguntei quando entrei na cozinha e reparei que preparava alguma coisa de comer. — Você não deveria estar arrumando a suas coisas? me ameaçou de morte caso eu não saísse da escola, viesse até aqui, arrumasse todas as minhas coisas e levasse a minha abre aspas bunda fecha aspas até à casa dela permanentemente até amanhã. É sério, ela ameaçou até mesmo cortar meu pinto. – começou a rir da minha cara. — Por que ela não fez o mesmo com você? — me encostei à bancada da cozinha me sentindo injustiçado por tal ameaça de morte e continuou rindo, prendendo o cabelo.
— Bom, ela também me ameaçou dessa forma, mas eu lembrei à ela que por estar envolvida com essa bendita festa durante toda a semana, eu simplesmente não consegui terminar um trabalho que tenho que entregar na segunda, ou seja, se eu não fizer hoje, eu estou fudida. Vale metade da minha nota. Então ela se viu obrigada a deixar a minha abre aspas bunda fecha aspas, se dirigir até em casa e estudar — ela fez careta tirou uma jarra de suco da geladeira e se sentou. — Servido? — peguei um prato e dois copos me sentando em frente a ela. — É impressão minha ou a está mais ameaçadora essa semana?
— É por causa dessa previsão do tempo de chuva forte com nevasca mais forte ainda. — Eu me servi do que ela tinha feito. — Ela está surtando com medo de que tudo dê errado pra amanhã e ela tem planejado tanto essa festa, que acho que se alguma coisa acontecer de errado vamos ser obrigados a ir visitá-la em uma clínica psiquiátrica. — riu, concordando com a cabeça.
— Eu não quero nem imaginar. Mas a previsão do tempo era de chuva só pra hoje. Eu mesma já mostrei pra ela, sei lá, umas quinhentas vezes que amanhã o dia vai ser limpo. Já acessei tanto o site da meteorologia que já está entre o top dez do meu telefone.
— Mas a é assim mesmo. Ela sugou todo o espírito preocupado que o deixou no útero da mãe deles. — Ela deu uma risada alta com a minha frase e eu fiquei parado olhando enquanto ela ria.
Seus cabelos estavam presos, mostrando bastante do seu rosto, e ela estava totalmente sem maquiagem. Preciso destacar que ela ficava divina daquela forma, ou de qualquer outra. Ela tinha alguma coisa nos olhos que me encantavam de forma absurda. Na verdade, tudo nela ultimamente vinha me encantando de forma absurda e eu até ficava um pouco assustado com isso. Não deveria ser normal sentir algo tão forte por alguém sem sequer ter beijado esse alguém ou tido qualquer tipo de contato mais íntimo. Mas todas as vezes que eu a olhava, eu sabia que a coisa que eu mais queria era protegê-la de qualquer coisa que pudesse magoá-la. Guardá-la embaixo dos meus braços e dar a ela todo o amor que ela merecia.
Todas as vezes que eu olhava para aqueles olhos eu pensava que eu nunca queria vê-los tristes, e que se eu pudesse eu eliminaria toda a tristeza da sua vida, tiraria toda mágoa que eu sabia que ela guardava no coração. Eu cuidaria dela e lhe mostraria o quanto ela era linda, e que ela não precisava esconder a sua beleza ou até mesmo quem ela era. Eu só pensava que eu queria dizer a ela como eu me sentia, e fazê-la entender que eu só queria o seu bem, o seu melhor. Nada, além disso. Eu só queria que ela percebesse que eu era totalmente apaixonado por ela, e eu não sabia explicar como ou porque, mas esse sentimento crescia cada dia mais. Era só eu olhar para os seus olhos e seu sorriso que pronto, o sentimento parecia ganhar uma nova intensidade.
— Se há três meses atrás me falassem que eu estaria ajudando a organizar uma festa, era capaz de eu dar na cara da pessoa e chamá-la de mentirosa — eu continuei encarando-a nos olhos enquanto ela falava e ela desviou o olhar. Ela fazia muito isso.
— Você não gosta muito de contato visual próximo, né? – perguntei tentando parecer indiferente.
— Ham? Você faz umas perguntas aleatórias assim que eu não entendo – ela se fez de desentendida quando na realidade sabia muito bem do que eu estava falando.
— Nós dois. Todas as vezes que estamos próximos você evita me olhar nos olhos. Você até tenta disfarçar que está fazendo isso, mas eu só queria dizer que não está funcionando – eu nunca havia visto tão sem graça em toda a sua vida. Seu rosto ficou tão vermelho que eu achei que ela poderia explodir e isso me fez abrir um enorme sorriso.
— Eu não faço isso – ela tentou se justificar abrindo e fechando a boca algumas vezes, talvez surpresa pela observação.
— Faz sim. – Eu apoiei meus braços na mesa e me aproximei dela, olhando em seus olhos. Eu provavelmente parecia um idiota, olhando-a daquela forma. – Acho que você tem medo de que eu descubra no que você está pensando.
— Não faço. – Ela largou o garfo e cruzou os braços em cima da mesa, erguendo rosto e me encarando. – Eu não tenho medo de que você descubra meus pensamentos, você pode tentar fazer isso agora.
— Eu não sou vidente, , agora seus olhos estão preparados pra não transpassar o que você não quer — cruzei os braços sobre a mesa na mesma posição que ela e continuei encarando-a.
— Eu posso ler os seus olhos. – Ela se aproximou um pouco mais, e eu pensei que aquela distância não era nem um pouco segura. Sua expressão se tornou engraçada e ela arregalou bem os olhos.
— Você está tentando me seduzir, me olhando desse jeito? – falei risonho, mas minha pergunta tinha um quê de seriedade.
— Estou. — Ela acenou com a cabeça, levando tudo como uma brincadeira inocente, ou talvez apenas tentando disfarçar alguma coisa. — Eu estou te seduzindo. – Ela falou lentamente imitando aqueles caras de filmes que aplicavam hipnose, e começou a rolar os olhos de um lado para o outro. Aquilo com certeza alargou meu sorriso.
Ela parecia uma criança inocente brincando com um adulto, com um sorriso simples nos lábios. Eu fiz o máximo possível para não quebrar contato visual, por mais que o que eu quisesse encarar fossem seus lábios. Seus olhos eram imensos, um silêncio não constrangedor se instalou entre nós e ficamos ali, apenas nos encarando nos olhos, mais próximos do que o aconselhável. Nenhum dos dois ousou desviar o olhar e eu senti conforto nisso. Era bom. Sua bochecha aos poucos foi tomando um tom avermelhado que eu sabia que provavelmente estava acontecendo comigo.
— Você ainda está me seduzindo? – Meu tom saiu muito mais sério do que eu esperei que ele pudesse sair. Eu precisava urgentemente começar a fazer alguma coisa, e eu esperava que aquela festa fosse a deixa pra tudo dar certo e eu contar a ela como me sentia.
—Acho que não mais. – Ela finalmente desviou o olhar, e eu não queria que ela o tivesse feito. Suas mãos começaram a brincar inquietas com o garfo e a comida.
— Estava dando certo. – Eu falei e me levantei, sentindo seu rosto se virar em minha direção quando eu fiz isso. Eu sabia que ela estava sem graça, mas eu também estava. Mesmo sabendo que eu tinha que fazer algo, eu ainda ficava sem graça e inseguro. – Vou indo, minhas coisas já estão dentro da mochila e eu acho que não estou esquecendo nada.
Eu voltei a encará-la e ela continuava estática, confusa e com uma feição engraçada. Me imaginei naquele momento segurando sua mão, puxando-a de encontro a mim e beijando seus lábios, mas ao invés de fazer isso, eu apenas sacudi a cabeça seguindo-a para a porta. Dude, essa menina um dia ainda me deixaria louco.
— Até mais, .
Eu havia perdido tanto tempo tentando fazer o trabalho que provavelmente havia saído que nem uma merda, que nem havia percebido como o tempo havia se fechado lá fora. Minha cabeça estava tão distraída pensando em , que às vezes eu tinha que bater com a capa dura do meu livro nela, apenas pra ver se ele saía um pouco dos meus pensamentos.
Eu havia sentido vontade de beijá-lo de novo. Beijá-lo muito, muito e muito. Eu havia sentido vontade de beijá-lo loucamente e de novo e de novo e de novo e a única coisa que eu conseguia pensar era nessa minha maldita vontade e no que ele quis dizer com o "estava dando certo". Ele não poderia mexer comigo daquela forma, quando tinha uma menina pela qual era apaixonado. Não era certo, não era justo e eu não deveria pensar mais naquilo. Mas estava ficando quase impossível.
A imagem do atentado que implicava comigo e eu implicava de volta não vinha mais na minha cabeça e eu não conseguia entender o porquê. Por minutos eu tentava lembrar porque eu o detestava, mas não vinha nenhum motivo concreto na minha cabeça e percebi que eu passei grande parte do tempo que nos conhecemos o detestando por um motivo que sequer existia e isso estava me fazendo surtar. Eu não poderia estar me sentindo atraída pelo melhor amigo do meu irmão. Isso era errado demais.
Eu arrumei minha bolsa colocando todas as coisas que achava que ia precisar nela. havia comunicado que após entrar na casa dela hoje, sexta feita, eu só estava autorizada a voltar pra minha no domingo, logo, eu carregava quase a minha vida dentro da minha mochila. Embora fosse aniversário de , ela havia me comunicado também que havia me comprado um vestido de presente para que eu pudesse usar na festa. Eu ainda não havia comprado nada para ela, e me sentia um pouco mal por isso, mas todo o tempo que eu tinha tido livre naquela semana, eu havia dedicado a ajudá-la naquela bendita festa, logo, eu também não poderia me culpar.
Quando eu terminei de me arrumar já era noite e ventava demais, pelo visto o temporal tão anunciado na televisão finalmente começaria e eu precisava me apressar caso não quisesse pegá-lo. A casa de ficava a doze quarteirões dali e eu teria que ir completamente correndo, mas não deu tempo.
Foi só eu colocar o pé na rua que começou a chover. Mas não era qualquer chuva, era A chuva. Chovia tão forte que era quase impossível ver as coisas a minha frente. Decidi voltar para o apartamento para esperar as coisas se acalmarem um pouco. Relâmpagos eram visto em disparada pelo céu e não bastava apenas eles, tinha que estar trovejando também. Ótimo. Eu merecia aquilo. Comecei a andar de um lado para o outro da casa rezando para que a chuva passasse logo, se existia algo que eu odiava mais do que tempestade, era estar sozinha em uma tempestade. E como se Deus não ouvisse as minhas preces, as coisas resolveram ficar piores quando a luz simplesmente acabou.
Eu odiava escuro!
Eu fiquei parada no meio da sala, sentindo que começaria a chorar a qualquer momento de medo. O meu medo não era bem do escuro, mas das coisas que poderiam acontecer no escuro. Eu poderia tropeçar e morrer, eu poderia levar um choque, ser atingida por um raio. Eu não conseguia lembrar se tinha ou não trancado a casa, então eu estava com medo de alguém entrar e me esquartejar. Chuva forte e escuro era algo que me fazia ficar neurótica beirando a histeria. Principalmente porque eu começava a lembrar de todos os filmes de terror que eu via e começava a pensar em coisas idiotas que as pessoas faziam para serem assassinadas e tentava não fazer nenhuma delas.
Eu definitivamente começaria a chorar a qualquer momento, mesmo me sentindo extremamente ridícula por isso. A chuva forte tornava impossível a minha ida a pé pra e eu não tinha outra maneira de ir pra lá. Paul havia ido trabalhar de carro e também iria direto para lá. Minha única alternativa era ficar ali, sentada no escuro e rezando para o Jason não me matar.
Meu telefone tocou cinco minutos depois que a luz acabou e eu quase enfartei com meu próprio toque. Decidi que tiraria aquela risada de criança do toque no momento em que eu tivesse certeza de estar segura em qualquer lugar sem nenhum serial killer. Eu estava com medo até do meu reflexo. Agradeci quando vi o nome de no visor e foi quase impossível não me sentir aliviada. Eu sabia que ele poderia dar um jeito e me assustei com minha confiança nisso. Eu não deveria confiar nele.
— Cadê você? — ele perguntou preocupado do outro lado da linha.
— Começou a chover quando eu saí de casa e eu tive que voltar e agora faltou luz e eu não tenho como chegar aí e está escuro e eu tô sozinha, ! Eu não lembro se eu tranquei a porta, alguém pode entrar aqui e me matar. — Apenas depois de terminar a minha frase eu me toquei da quão desesperada eu havia soado, e ele deve ter rido do outro lado da linha.
— Calma — quando ele falou, seu tom não foi de risada. Era de preocupação. — Eu não tenho como ir te buscar porque o único carro que tinha aqui era o da e ele está com o que saiu e está preso no supermercado por causa da chuva — ele parou de falar e eu soltei um gemido baixo de frustração.
— Eu odeio o escuro. Eu tenho a sensação de que alguém pode chegar aqui a qualquer instante – falei frustrada.
— Escuta, meu carro está aí, estacionado ali na frente. Vai até o meu quarto — eu segui sua instrução e saí andando pela casa escura, tropeçando e xingando conforme esbarrava e derrubava as coisas. — Abre a primeira gaveta do meu criado mudo, e no final dela você vai sentir uma chave solta lá. É a minha chave reserva. Você pega ela, pega o meu carro e dirige até aqui com cuidado, ok? — ele falou de forma carinhosa. — Eu vou ficar aqui te esperando.
— Ok — eu disse depois de finalmente achar a chave e desci as escadas até a rua cegamente, quase caindo e morrendo. A única coisa que eu queria era sair daquela maldita escuridão sozinha.
Mais de quarenta minutos haviam se passado desde que eu havia falado com e eu já estava roxo de preocupação. O telefone dela não funcionava e a chuva parecia ficar cada vez mais forte. Hipóteses absurdas se passavam na minha cabeça, como ela poderia ter caído na escada escura e estar agonizando com as pernas quebradas. Ela ter sofrido um acidente de carro. Ter sido assaltada.
Tantas coisas se passavam na minha cabeça que eu cheguei à conclusão de que não ficaria mais pensando nelas. Eu iria atrás de . Dane-se se estivesse chovendo o segundo dilúvio. Eu não poderia deixá-la sozinha, onde quer que ela estivesse.
— , onde você está indo? — perguntou quando eu passei pela sala completamente correndo. Eu não queria responder, porque ela talvez não me permitisse ir. — — ela se levantou e quase correu para me acompanhar e conseguiu isso quando eu chegava até a porta.
— A . Ela me ligou quarenta minutos atrás, ela pegou o meu carro e ainda não chegou. Eu vou atrás dela. — O olhar que me lançava era um olhar inseguro, ela havia ficado preocupada também.
— E não posso te deixar sair debaixo dessa chuva, . A cidade inteira está sem luz e está chovendo muito.
— E eu não posso deixar a , onde quer que ela esteja, sozinha nessa chuva, . — Ela pareceu entender. Paul e estavam presos no trabalho por causa da chuva e se Paul não poderia ir ao resgate de eu iria. Ok, essa frase pareceu a de um super-herói, coisa que eu não era.
— Vai com cuidado e dá notícias — eu concordei com um aceno de cabeça antes de bater a porta atrás de mim e completamente sair correndo. Não adiantaria pegar um guarda-chuva, o vento iria carregá-lo.
A chuva era forte e parecia cortar cada pedaço do meu corpo conforme ela me tocava. A água nas ruas já estava acima do meu tornozelo e eu comecei a ter a leve sensação de que iria congelar mesmo com os dois casacos grossos. Em poucos minutos meu queixo começou a bater e as pontas dos meus dedos pareciam dormentes.
A casa de ficava a bastante quarteirões da nossa, e eu percorri o mesmo caminho que costumávamos fazer de carro. Demorou alguns quarteirões para que eu encontrasse meu carro, parado em um acostamento e todo escuro. Demorou um pouco até eu perceber que realmente estava lá e eu senti desespero quando percebi que ela estava debruçada sobre o volante.
A possibilidade de acontecer alguma coisa com ela me causava uma sensação tão ruim que me dava vontade de chorar. Eu queria correr até o carro, mas minha roupa pesada da chuva não permitia, mas assim que cheguei lá, eu bati com força no vidro do motorista assustando ela.
deu um salto no volante que se fosse em outra situação, eu acharia graça. Mas ali, eu estava preocupado e congelando. Nada tinha graça.
— Meu Deus, ! — Ela gritou abrindo a porta e pulando para o banco de passageiro. — Você está maluco? — ela perguntou quando eu entrei no carro.
— Na verdade eu estou com frio. Muito frio — eu respondi batendo queixo e tirando o cabelo da minha cara. Estiquei minha mão para ligar o aquecedor e levei um tapa forte.
—Você está maluco? Você está encharcado. Liga o aquecedor e a gente tem que sair daqui direto para um pronto socorro com você com pneumonia — ela se ajoelhou no banco, se virando na minha direção e segurando meu casado. — Tira essa roupa — ela falava de forma autoritária e preocupada e aquilo aqueceu meu coração de alguma coisa muito boa.
Suas mãos se fecharam na barra do meu casaco o puxando para cima e eu ergui a mão para ajudá-la a tirar. Tê-la ali comigo me fazia ter mais vontade ainda de beijá-la. Essa vontade estava ficando insuportável ultimamente e eu várias vezes me pegava perguntando o porquê de simplesmente não a beijar, mas algo dentro de mim sabia que não era daquela forma. Ela jogou meu casaco pra mala, segurando minha outra blusa e começando a puxá-la assim como fez com o casaco.
— Mas é assim? Vai tirar minha roupa toda desse jeito sem nem pegar no peitinho primeiro ou dizer alguma palavra carinhosa no meu ouvido? Podem ser mentiras, , mas algo que me excite primeiro, por favor — eu brinquei ainda batendo meu queixo e erguendo os braços para ajudá-la a tirar a outra blusa.
Eu poderia muito bem tirar minha roupa molhada sozinho, mas ela estava tirando por mim, o que me fazia concluir que ela realmente se importava. Ela revirou os olhos quando eu a encarei, jogando minha blusa na mesma direção do casaco. E parou, fazendo uma falsa pose sexy, que não me pareceu nada falsa.
— Você mesmo tira suas calças ou quer que eu faça isso? — ela jogou o cabelo pro lado brincando. E por mais que fosse uma brincadeira, uma simples brincadeira inocente, aquilo mexeu com minhas fantasias masculinas. Ela não podia fazer aquilo. Não ali, quando estávamos em um carro sozinhos e a minha vontade de agarrá-la havia aumentado em 300%.
— Acho que eu posso manter minhas calças aqui — eu sacudi a cabeça, na tentativa de secar o cabelo e tirei meu tênis e meia. Eu batia o queixo e esfregava meus braços, sentindo que estava congelando. — — eu falei sério e sua feição mudou. — Eu não consigo sentir meus mamilos — ela começou a rir e me deu um tapa que ardeu por causa do frio e ela pediu desculpas em seguida rindo.
— , tira essa calça. — Ela estava querendo me ver nu, não era possível. Eu acenei negativamente com a cabeça. — Você por acaso está sem cueca? — ela segurou na barra da minha calça e eu segurei sua mão, contendo o riso e encarando-a, esperando qualquer reação que ela pudesse ter quando concluísse minha resposta. — VOCÊ ESTÁ SEM CUECA?
— Não — eu comecei a rir. — Depois eu falo que você vive querendo me ver nu e você não acredita e mim, mas está aí a prova. A primeira oportunidade que você tem, tenta tirar minha roupa — eu tirei sua mão da minha calça.
— E não quero te ver nu, idiota. Você só está encharcado e vai morrer aqui dentro se continuar assim — ela se sentou, continuando de lado e me encarando.
— Prefiro manter minhas calças.
— Está com vergonha de mostrar seu corpo, ? — ela riu debochada, procurando alguma coisa na sua mochila.
— Não. Mas não é como se eu me sentisse confortável apenas de cueca em um carro sozinho com uma garota no meio de uma tempestade. — Ela parou e começou a me olhar, começando a rir logo em seguida. Rir alto, o que me fez ficar sem entender e sem graça.
Eu sabia que ela estava apenas preocupada, mas ela estava tirando as minhas roupas. A garota pela qual eu estava apaixonado estava tirando minhas roupas e eu estava tentando evitar isso. Essa frase poderia soar mais impossível?
— Não é como se você fosse se sentir atraído por mim. — Ela tacou um pano que tirou de dentro da mochila na minha direção. — Essa é a bermuda que o Paul me pediu para levar para ele. Tira a calça e coloca.
Eu agarrei a peça e lembrei um fatídico edredom que Paul sempre deixava dentro do meu e do seu carro. Ele sempre serviu para alguma coisa. Pulei para o banco de trás e achei no porta malas o belo edredom que graças aos céus não cheirava a sexo. Enrolei-me com ele e tirei minha calça e cueca, vestindo a bermuda de Paul em seguida e continuando ali quando terminei.
— Agora sim — eu falei abrindo um sorriso feliz por estar finalmente começando a me sentir aquecer. — Vem pra cá. Está quentinho e nem está fedendo — eu cheirei de novo o edredom e ele parecia lavadinho. O que significava que havia sido usado há pouco tempo.
— Por que você tem um edredom lavado dentro do seu carro? — ela se sentou ao meu lado e eu empurrei o encosto do banco traseiro, fazendo-o se deitar e dando mais espaço para a gente.
— Esse espaço aqui — eu apontei o espaço que o banco havia acabado de nos dar. — Digamos que ele de vez em quando é bem usado pelo seu irmão — ela fez uma cara de nojo. — Ele mantém um edredom dentro do meu carro e um dentro do dele.
— Eca — ela deitou, jogando as pernas por cima do banco da frente e eu fiz o mesmo. Nós dois estávamos próximos, mas ao mesmo tempo distantes.
— Por que você parou o carro? — perguntei depois de um tempo de silêncio não constrangedor.
— Porque eu fico apavorada muito fácil e estava com a sensação de que iria morrer se continuasse dirigindo — ela se virou de lado, ficando de frente pra mim. — Eu tentei te ligar, mas acho que por causa da chuva, o telefone não está funcionando — me virei da mesma forma, ficando também de frente pra ela.
— Eu fiquei preocupado. Fiquei criando mil hipóteses do que pudesse ter acontecido.
— E só por causa disso saiu nessa chuva louca e veio atrás de mim? Medo de o meu irmão te matar se descobrisse que você me emprestou o carro para sair nessa chuva?
— Também, mas eu vim atrás de você porque eu me importo — ela sorriu e se manteve me olhando nos olhos. Eu não era maluco e era bem óbvio que tinha alguma coisa ali. Que tinha alguma coisa entre nós. Já não dava mais para evitar. Na realidade dava quase para tocar.
— Estamos presos dentro de um carro, em uma chuva do caramba. Precisamos arrumar um assunto interessante para conversar — ela se virou de barriga para cima. — Me fale sobre você, . Me conte alguma coisa que ninguém mais sabe — eu me virei na mesma posição que ela, encarando o teto do carro e ouvindo apenas o barulho da chuva que batia no capô e da nossa respiração por alguns instantes.
— Lembra o dia que eu cheguei em casa bêbado e fui para o seu quarto porque não lembrava que a gente tinha trocado? — mesmo de soslaio eu pude vê-la acenar com a cabeça. — Meu pai me ligou naquela tarde para me avisar que vai se casar de novo — ela se virou pra me encarar mas eu não devolvi o olhar. — Ele tinha todos os meses do ano para me falar aquilo, ou para decidir aquilo, e ele escolheu fazer isso bem no mês que minha mãe morreu. — Falar aquilo me deu certo alívio. — Eu não contei isso nem para o Paul. Se ele soubesse, ele ficaria insistindo nesse assunto e dizendo que eu deveria dar uma chance para o meu pai, mas eu não quero.
— Por quê?
— Ele traiu minha mãe com a secretária e foi embora para morar com ela e seus três filhos. Eu sinto raiva por ele ter traído minha mãe? Sim! Eu sinto raiva por ele ter ido embora? Sim! Mas você quer saber do que eu mais tenho raiva? Eu só tinha sete anos e eu não tinha nada a ver com o que estava acontecendo entre eles dois. Ele estava se divorciando dela e isso não significava que ele precisaria se divorciar de mim. Ele passou a tentar contato comigo quando eu estava com onze anos, mas ele já era indiferente para mim. Às vezes ele passava lá em casa e insistia em sair comigo e me levava para algumas reuniões onde os amigos dele jogavam e bebiam e os filhos conversavam sobre as meninas que eles “pegavam” – fiz aspas porque nunca acreditei naqueles moleques. – Isso acontecia, sei lá, uma vez por ano? Eu ficava tão irritado. E quando minha mãe morreu, ele começou a insistir de que tínhamos que retomar a nossa relação e que eu deveria ir morar com ele, mas não é assim que as coisas funcionam. Ele não tem o direito de sumir da vida de alguém e reaparecer quando bem entende só porque quer.
Eu não sabia porque estava falando aquilo, eu sabia que era algo que eu precisava contar a alguém. Só não conseguia entender porque estava contando pra ela e não pro Paul ou até mesmo pra .
— Ele me ligou para falar que queria que eu fosse no jantar de noivado, que seria uma coisa muito importante para ele e que ele gostaria muito que eu participasse da sua vida, assim como ele gostaria de participar da minha de uma maneira que não fosse financeira. — Eu comecei a rir, de tão absurdo que eu achava aquele pedido. – Mal sabe ele que eu nunca nem encostei em um centavo do dinheiro que ele deposita para mim todo mês. Está lá, ele pode pegar de volta quando quiser. Nem mesmo depois que minha mãe morreu eu toquei naquele dinheiro. Eu não preciso dele. – Eu suspirei. — A gente não se vê tem três anos e ele quer que eu vá a seu jantar de noivado. O quanto isso pode ser ridículo? Ele só pode ser maluco, não? — ela sorriu
— Toda família tem um louco. Na minha é a minha mãe. Ela tenta fazer da minha irmã um protótipo perfeito dela
— Irmã?
—Sim. Eu tenho uma irmã — fiquei um pouco surpreso com a informação.
— Como eu não sabia disso? Eu nunca ouvi você falar dela ou com ela. Quantos anos ela tem?
— Vai fazer seis. E minha relação com ela é exatamente igual com a minha mãe. A Emma tem aquele jeito de criticar tudo o que eu faço exatamente como a minha mãe. E ela só tem cinco anos! Me diz, quando uma menina de cinco anos é apta a me criticar? Isso me irritava profundamente e o que me deixava com mais raiva, era que como ela sempre estava do lado da minha mãe, ela sempre defendeu a Emma em qualquer coisa. — revirou os olhos. — E para piorar todas as coisas você tem noção do quão ruim é ser filha da diretora da escola e ao mesmo tempo o mau exemplo da sua turma? — ela começou a rir. — Digamos que em matéria de deixar pais descontentes, eu sou nota máxima.
— Nossos pais poderiam se casar — ela começou a gargalhar depois da frase.
— E nós seríamos irmãos — ela parou quando eu disse a frase e nós nos encaramos.
— Não — dissemos em uníssono.
— A gente ia se matar — ela disse. — Eu ia gritar com você e te bater e a minha mãe ia surgir no meio do nada gritando comigo e dizendo que eu não deveria fazer aquilo com o zinho. Ela sempre defende os outros.
— Meu pai iria dizer que eu deveria ser mais ativo. Iria me mandar pegar mulher e provavelmente me dar uma caixa de camisinha por semana — eu comecei a rir. — Foi isso que ele me deu no meu aniversário de quatorze anos. Uma caixa de camisinhas. Acho que ele tinha medo de que eu fosse gay.
— Por quê?
— Porque nessas reuniões que eu falei, enquanto os meninos contavam vantagem e só pensavam e falavam “naquilo” mesmo sem terem feito o aquilo eu não tinha nem beijado ainda.
— Com quantos anos você beijou, ?
— No dia do meu aniversário de quinze anos. – Ela pareceu surpresa e isso não me surpreendeu. Isso geralmente assustava as pessoas. — Eu esperei para ficar com uma garota que eu gostava. Eu não queria que fosse só um beijo, assim como eu não quero que sexo seja só sexo.
— Então o Paul não estava zoando quando disse que você era virgem? — Ela fez uma cara engraçada.
— Não, eu realmente sou virgem. – Revirei os olhos. Ela parecia chocada.
— Eu realmente achei que tudo aquilo que ele tinha dito, tinha sido te zoando. Eu pensei que sua primeira vez tinha sido frustrada e aquilo que ele estava falando era a idealização que você tinha.
—Não. Dá para contar nos dedos com quantas garotas eu já fiquei na minha vida.
— Quantas? — ela parecia curiosa, surpresa e assustada. Era gostoso ver suas expressões mudando.
— Quatro. E tem gente que acha que eu deveria ter vergonha disso. Sabe? O fala que eu sou corajoso por não ter vergonha de dizer que só fiquei com quatro garotas em toda a minha vida, mas eu acho que não é algo do qual eu devo me envergonhar. Eu ficaria envergonhado se já tivesse ficado com a quantidade de garotas que eles ficam. Porque eu poderia ter deixado passar a certa e nem percebido. Ou eu poderia simplesmente estar magoando uma menina, ou usando alguém que estivesse vulnerável. Eu não estou dizendo que todas as que ficam com eles são vítimas, mas eu acho que muitas delas só esqueceram o valor que tem. E eu me sentiria péssimo se eu fosse mais uma das pessoas que fizessem elas esqueceerem esse valor sabe? — Eu procurei não virar meu rosto, pois sentia o olhar de sobre mim e eu só não queria mais encará-la.
— , me conta — ela se virou de bruços, ficando apoiada nos cotovelos. — Qual o defeito?
— O quê? — cruzei os braços atrás do pescoço e a olhei.
— Defeito, . Você deve ter algum defeito daqueles brabos, sabe? Que é quase impossível conviver. Porque não é possível que realmente exista um cara assim.
— Assim como? – Ela ficou constrangida, talvez procurando uma resposta.
— Assim — ela apontou para mim e eu ri.
— Eu tenho muitos defeitos. Eu sou chato, guardo as coisas e quando eu explodo eu raramente sei como recolher os fragmentos. Eu sou rancoroso. Eu exijo e espero demais das coisas e das pessoas e até de mim mesmo.
— Você é atencioso, observador, tem um bom humor, enxerga as coisas boas da vida de uma forma que eu nunca consegui enxergar.
— Como assim?
— , onde você vai as pessoas te adoram. Isso nunca acontece comigo. As pessoas costumam me detestar onde quer que eu vou. Elas me acham metida, prepotente, grossa, entre outras coisas.
— As pessoas te enxergam assim, porque é assim que você se enxerga. Talvez você só precise de nova perspectiva de si mesma.
— Eu me enxergo como eu sou, .
— Não! Você se enxerga de todas as formas negativas. Você se acha chata e mal-humorada, e você afasta as pessoas de você por algum motivo que eu não sei. Mas você também é inteligente, divertida, carinhosa, preocupada, generosa. Eu já enxerguei muitas qualidades em você que eu acho que você mesma não enxerga — seus olhos se desviaram dos meus. — Eu não sei o que já fizeram com você, . Eu não sei o quanto isso já pode ter te magoado em algum momento da sua vida. E não sei o quanto isso ainda te magoa. Mas você não pode deixar que o que fizeram ou falaram de você definam quem você é.
— Eu sei. — Ela olhou para a frente, voltando a se deitar apoiada dessa vez nos braços.
O silêncio se instalou entre nós e eu continuei na mesma posição. Deitado de barriga para cima olhando para o teto e coberto pelo edredom enquanto ela se mantinha de bruços com a cabeça apoiada nos braços e o rosto virado em minha direção, embora não me encarasse.
— Posso te fazer uma pergunta? — ela ergueu o rosto, acho que estava começando a pegar no sono.
A chuva já tinha acalmado muito, e parecia que o tempo que estávamos passando ali era tão agradável, que não nós nem havíamos percebido isso direito.
— Claro.
— Por que você disse aquilo antes? — Ela pareceu não entender muito bem sobre o que eu estava falando.
— Aquilo o quê? — ela parou de mexer nas unhas para colocar os cabelos atrás da orelha. E eu me virei de lado, consequentemente ficando mais próximo.
— Que não era como se eu pudesse me sentir atraído por você, porque você pensa isso? — sua frase simplesmente não conseguia sair da minha cabeça. Ela abriu e fechou a boca algumas vezes.
— Você é um cara legal, . E eu sou uma bagunça, você não parece ser do tipo que se atrai por bagunças — ela sorriu sincera, e não era como se ela estivesse fazendo alguma espécie de drama. A que eu olhava ali parecia tão transparente. Era a primeira vez que eu a via assim. Seus olhos se desviaram dos meus. – Sem contar que existe essa garota por quem você é apaixonado e que a propósito, eu torço para vocês ficarem juntos e ela te fazer feliz, mesmo não sabendo quem ela é — aquela situação me fez rir. E eu só conseguia pensar que ela não poderia pensar daquela forma. Não era justo. Tudo o que eu queria era que ela soubesse.
Era como se todo o meu cérebro processasse apenas a informação de que eu deveria falar pra ela.
Pela primeira vez na vida eu sentia que era hora de contar a ela como eu me sentia.
— . – Era como se meu rosto tivesse passado a se movimentar sozinho para mais perto dela. — Eu não consigo pensar…
— ! ! — o barulho de alguém quase quebrando o vidro do meu carro me fez xingar internamente o desgraçado que havia atrapalhado o momento em que eu finalmente contaria pra ela como eu me sentia.
Eu não só xinguei mentalmente o desgraçado que eu descobri ser desgraçada, eu xinguei toda sua geração. Passada, presente e futura. Toda sua família foi xingada naquele momento com todas as forças do mundo. Eu poderia socar quando saísse daquele carro.
e eu nos afastamos como se estivéssemos fazendo alguma coisa errada e quando olhei pra fora percebi que havia parado de chover. Eu não poderia dizer há quanto tempo isso havia acontecido, já que estava tão distraído conversando. Ela se afastou de mim pulando pro banco da frente e abrindo a janela que mostrou e Paul logo atrás dela. Eu sabia que Paul confiava em mim e me conhecia, mas a cara que ele fez ao perceber que eu estava sem camisa e enrolado em um cobertor não foi das mais agradáveis. E eu não poderia culpá-lo. Ele poderia estar pensando várias merdas naquele momento.
— Que porra vocês estavam fazendo que não atenderam a merda do telefone? Já parou de chover há quase uma hora e está todo mundo louco de preocupação atrás de vocês. — e eu nos entreolhamos e talvez aquela entreolhada tenha feito Paul realmente concluir alguma merda pela sua frase seguinte. — Na realidade eu acho que não quero saber — ele saiu andando e também nos lançou um olhar estranho. Eu saí do carro, enrolado na coberta e descalço, seguindo meu melhor amigo que por mais que me conhecesse estava pensando que eu realmente havia feito alguma merda.
— Vão vocês duas aqui, vou com o Paul. Acho que ele está pensando besteira — eu disse antes de bater a porta e dar uma última olhada pra , que tinha o rosto vermelho e os olhos um pouco assustados. Ela não me encarou de volta, ao contrário de que me encarava com um olhar enigmático.
Eu entrei no carro no momento em que Paul iria dar a partida e ele não falou comigo.
— Você realmente está achando que eu fiz alguma coisa com a sua irmã? — eu ajeitei a coberta em volta de mim — Sério mesmo? — ele continuou a dirigir sem me encarar. — Para com isso, Paul. Você me conhece porra! — Eu estava irritado pela interrupção. Muito irritado.
— Você está de cueca, dentro de um carro com a minha irmã e completamente abraçados. Quando eu chego e bato na porta, vocês estão com cara pós sexo, . E eu entendo bastante dessa cara.
— Talvez você entenda a sua. Mas não a minha e a da sua irmã! Já que não rolou nada lá.
— Então por que você está todo irritadinho se eu não atrapalhei nada? — Ele parou o carro e se virou para me encarar – eu poderia ficar irritado pela desconfiança, mas eu sabia que aquele era o Paul e eu sabia que ele estava agindo daquela forma pra proteger e até mesmo a mim.
— Porque eu estava dizendo, porra! Pela primeira vez em três anos, eu tive coragem de dizer para ela como eu me sentia. Eu estava disposto a dizer para ela como eu me sentia. Exatamente como eu me sentia. Contar tudo. TUDO. Tudinho, Paul. Pela primeira vez eu estava me sentindo preparado para isso e vocês atrapalharam — a expressão de Paul quando eu terminei a frase havia mudado de irritado pra sei lá. Ele parecia que queria sorrir, mas estava tentando conter o sorriso e ficou parado me encarando por alguns segundos. — Paul, você me conhece bem o suficiente para saber que eu não faria com a sua irmã nem metade do que você faz com as garotas por aí. Você sabe que não aconteceu nada. Eu estou de bermuda na realidade, mas é sua e está caindo. Estava chovendo, sua irmã não dava sinal de vida e eu fui atrás dela na chuva. Eu entrei no carro encharcado e ela me ameaçou de morte caso eu não tirasse a roupa molhada. Por isso eu tirei E USEI o seu cobertor que por sinal está limpo, obrigado, para me enrolar e proteger do frio e não ficar exposto para sua irmã. Você sabe o quanto eu sou sexy. Eu sei me controlar e sou um cara decente, mas não sei o que o meu corpo nu pode causar na cabeça da sua irmã. — Eu dei um sorriso e Paul acabou fazendo o mesmo parecendo deixar de lado toda a tensão em seus ombros.
— Vocês sumiram por duas horas, . Eu estava louco de preocupação. Eu saí na chuva com o carro e fui até o apartamento e nem sinal de vocês. A não atendia ao telefone. O seu estava dando desligado. Eu sei que você não faria nada com ela. Talvez nada que ela não quisesse, foi mal. Eu só estava preocupado. Com os dois — eu concordei com a cabeça e Paul teve uma transformação de irmão sério e preocupado pra vizinha fofoqueira da esquina. — MAS VOCÊ IA CONTAR CARA! COMO ASSIM, ME CONTA! — ele falou entusiasmado com direito a bater palminhas e tudo, o que me fez rir alto.
Aquele era o meu melhor amigo. E eu simplesmente não via a hora de tê-lo como cunhado.
Capítulo 17
Se quiser, coloque essa música para carregar e no momento certo aperte o play.
— Não, ! Roxo ali, verde ali e amarelo ali! — apontou respectivamente os lugares que eu deveria colocar as coisas e saiu andando, ou melhor, marchando em direção às escadas. Eu estava começando a achar que se eu não fizesse sentido, ela me daria alguma punição. Ela estava parecendo um general.
— Eu já não consigo mais lembrar onde ela mandou colocar o roxo — eu falei quando Paul e apareceram do meu lado quase suando. Estava nevando e eles estavam suando! — Será que, se eu colocar alguma coisa errada, ela suspende a minha comida e me deixa de castigo na solitária? — colocou a caixa que ele carregava no chão e pegou um dos puffs que eu carregava com custo, colocando no lugar que eu já nem lembrava que era o certo.
— Acho que sim. Melhor nem arriscar. Daqui a pouco nem a lembra onde ela mandou você colocar as coisas — meu irmão disse.
Ele estava montando todo o equipamento do som e luzes. Nós já tínhamos terminado de esvaziar a sala das coisas que normalmente estavam ali, agora precisávamos apenas arrumá-la com todas as coisas pra festa. Puffs, luzes e mais algumas coisas que a tinha meticulosamente organizado.
Eu me sentia perdida, como se nada daquilo nunca fosse ficar arrumado, mas pra minha INCRÍVEL surpresa tudo deu certo; depois de mais de quatro horas de serviço árduo, gritos histéricos de , que começava a chorar dizendo que ninguém ia aparecer, minha cara de assustada e minha quase crise de sair correndo dali com medo de que a qualquer momento ela me tacasse algo e me matasse antes mesmo de completar dezoito anos.
Sabe, se eu sobrevivesse aquele dia, sem que nada extraordinário acontecesse, sem que minha amiga me matasse, ou matasse meu irmão, ou o irmão dela, ou até mesmo seu melhor amigo, se eu conseguisse sair daquele dia sem nenhum hematoma, simplesmente como uma garota que tinha conseguido organizar a festa com os amigos, eu acho que eu sobreviveria a qualquer coisa.
Paul ria dizendo que eu estava exagerando, mas o fato era que ele estava acostumado com esse tipo de coisa. Eu nunca tinha dado uma festa em minha vida, e todas as que eu já tinha ido, eu tinha ido com ele no tempo em que passávamos as férias juntos e nós NUNCA ajudávamos ninguém a organizar. Quando chegávamos já estava pronto. E só.
Mas até que estava sendo uma experiência engraçada. era aquele que colocava na terra quando ela parecia que ia explodir. Ele lhe dava um sacode seguido de alguns gritos e então pronto, ela havia voltado ao normal. Meu irmão era aquele que causava a discussão, colocando as coisas no lugar errado ou gritando de volta com quando ela gritava com ele. era aquele que acatava todas as ordens, super calmo, sem questionar, e ainda perguntava se alguém queria água. E eu era aquela que começava a rir no momento inoportuno e cessava a risada com uma ordem de e um sim, senhora, seguido de uma continência.
Mas depois de todo trabalho, estava tudo pronto, e eu estava jogada no meio do que mais tarde seria uma pista de dança com todos aqueles que trabalharam árduo junto comigo por toda aquela tarde. Eu achei que ela chamaria , e até mesmo as meninas pra ajudar a organizar, mas , como sempre me surpreendia, não chamou. Ela tinha tido alguma briga com Valerie que eu não tinha entrado em detalhes. Mas fiquei feliz de estar ali.
Todas as vezes que eu olhava pra , eu pensava que ela era o mais próximo que eu tinha de uma melhor amiga. Um instinto me dizia que eu poderia confiar nela, sem problemas, e me abrir sobre meus problemas, mesmo não sendo muito de fazer isso, a não ser com Paul. Mas eu sentia que se eu precisasse, eu poderia fazer isso com . Ela parecia ser confiável. Paul e confiavam nela. E eu sabia que sempre poderia confiar em alguém que Paul confiasse. Talvez por isso eu sentisse que poderia confiar em . Bloqueei novamente meu pensamento sobre ele, da mesma forma que eu estava fazendo desde o dia anterior.
— Eu me sinto tão cansada que nem sei se vou ser capaz de aproveitar a festa. — disse. Estávamos deitados com nossas cabeças se encostando e em formato de roda logo abaixo do globo de luz que estava no centro da sala. Já estava começando a anoitecer.
— Você trate de aproveitar essa sua festa até a última gota. Porque o tanto que eu trabalhei pra ela ficar perfeita, não está escrito no gibi. Então você vai aproveitá-la que nem uma louca, nem que seja a última coisa que você faça na sua vida — eu falei séria e me virei para encará-la. Ela abriu um sorriso bonito. era uma menina muito bonita.
— Sim, senhora. — Ela imitou o meu gesto de bater continência e se levantou, ligando o globo de luz e voltando a deitar no mesmo lugar que estava antes.
— Isso aqui ficou bem bonito. — Eu sorri, olhando as luzes que refletiam naquela sala enorme e cheia de coisas. Havia um quadro pras pessoas poderem deixar seus recados, caixa de presentes, mesa de doces, havia tantas coisas, graças a Deus que aquela sala era enorme.
— Dezoito anos! To ficando velha!
— Cala a boca. — Paul e disseram juntos e nós rimos. Eles eram os mais velhos ali.
— No meu aniversário eu não quero festa. Já que agora a está aqui podemos juntar todos e viajar pra um lugar bem legal. Uma viagem de fim de semana, sabe? Com direito a dormir no carro, ou em algum hotel barato, jogar sinuca em um bar e arrumar confusão e roubar supermercado. Tipo isso. — Eu comecei a rir copiosamente e acho que ninguém entendeu, já que perguntou o motivo da minha risada.
— É que eu não consigo imaginar o nessa situação, ele é tão comportado. Hoje, o dia inteiro, ele foi obediente, e então eu imaginei ele assaltando um supermercado e voltando e pedindo desculpas porque roubou um pacote de Doritos. — Todos começaram a rir, inclusive .
— Eu não sei fazer essas coisas. Eu acho que eu voltaria e pagaria.
— Esse é o meu garoto. — Paul ergueu as mãos e bagunçou o cabelo de
— Eu me sinto um cachorro quando vocês fazem isso comigo: Falam essa frase e bagunçam o meu cabelo.
— O cachorro sou eu. Você é o cara bonzinho. É bom assim, pra balancear a nossa amizade. e eu não prestamos e você presta.
— Eu presto. Eu sou um cara de ouro. Você é que não vale nada. Falando nisso, eu chamei a menina do encontro para vir a sua festa, . – disse
— Vai virar namoro? — Ela perguntou
— Não. Não sei. Ela quer ir devagar e eu estou indo devagar, ela é uma garota legal.
— Sinto alguém que está começando a se apaixonar. — Paul fez um barulho com a boca. — Mais um apaixonado? Já não basta o . — Paul ia continuar a frase, mas se calou de repente.
Eu tive a impressão de ouvir um barulho de tapa, mas acho que realmente foi só impressão. Aqueles momentos que me faziam lembrar porque é que eu não poderia começar a me sentir da forma que eu estava me sentindo por ele. Ele tinha um alguém que ele gostava e por mais que em alguns momentos eu simplesmente me deixasse levar, eu não poderia permitir que isso acontecesse. Não depois de ontem, não depois de saber mais sobre ele e perceber que eu estava completamente atraída, não só física, mas também emocionalmente.
Eu precisava me lembrar de que ele tinha um alguém na mente, alguém que não era eu. Provavelmente uma menina bem legal, pelo menos eu esperava, afinal, ele merecia alguém que o fizesse feliz. Eu precisava tirar esses sentimentos da minha cabeça, afinal, ele me tratava normalmente, como qualquer outra das meninas, eu não deveria estar confundindo nada. Eu só queria tanto saber quem era a tal menina que ele gostasse, talvez sabendo fosse mais fácil simplesmente tirar ele da cabeça.
— Já não basta o ... — Eu repeti a frase pra ver se ele continuava, mas todos ficaram em silêncio. — Vocês precisam parar de manter em segredo quem é a garota que o gosta, todo mundo sabe, menos eu. Não custa nada me contarem.
— Vocês precisam parar de falar de mim como se eu nem estivesse aqui.
— , quem é? Eu conheço? – Me arrisquei a perguntar.
Ele havia dito que teríamos um “encontro” e eu não sei se seria capaz de sobreviver a ele sem saber quem era a dita cuja. começou a rir. Mas era uma risada totalmente escandalosa que me fez ficar totalmente por fora da piada interna que todos ali pareciam participar.
— O que foi?
— Nada — ela se sentou, olhando a sala e parou quando olhou o relógio. — Oh my gosh, levanta, vamos nos arrumar. Rápido — ela segurou minha mão e completamente me arrastou pra que eu levantasse. — A gente tem muito trabalho a fazer com você. Vamos, anda.— ela começou a subir as escadas, sem me dar nenhuma outra chance de perguntar quem era a menina que o gostava. Droga!
— Essa não, coloca essa. — Paul tirou a camisa que estava a minha mão e substituiu por outra. A casa havia se dividido e no quarto de estava ele, Paul e eu nos arrumando pra festa, e no quarto de , estavam ela e .
— Agora é assim? Até a minha roupa você vai decidir? — Eu falei em tom de brincadeira, até porque eu realmente não me importava com isso. Sobre qual roupa deveria usar. Eu sempre colocava qualquer uma, sabe como é. Eu sou homem. Homens não ligam muito pra isso. Pelo menos não eu.
— . — saiu do banheiro só de boxer e Paul era o próximo, mas não entrou. — Cara, — pegou em meu ombro e me fez sentar na cama, ficando de frente pra mim, — o que eu vou falar nesse momento é algo muito sério. Você precisa acabar com isso, você tem que contar pra ela hoje. — Ele falou sério, me segurando pelos ombros e eu me senti uma criança quando está levando esporro dos pais e sendo obrigada a pedir desculpas ao amiguinho. Eles sempre me faziam sentir como uma criança.
— Concordo com ele. – Paul parou ao seu lado com a sua toalha pendurada no pescoço. — Depois de ontem você tem que contar. — Eu olhei de um pro outro e comecei a rir, porque eles pareciam desesperados para que eu fizesse aquilo.
— Eu vou contar, eu não garanto que seja hoje. Eu vou contar quando eu achar que devo contar. Que nem ontem. Eu achei que deveria contar ontem, mas vocês me atrapalharam. Eu vou contar quando for o momento certo. – Me levantei, eu queria contar, mas nada sob pressão como se fosse uma obrigação. Eu só queria que as coisas fluíssem. Paul não me deixou andar, me empurrando novamente pelos ombros e me fazendo sentar à sua frente.
— Não, ! Você tem que contar! Você fica esperando o momento certo e vai deixando o momento certo passar porque você fica com medo. – Ele falava como se fosse O experiente, coisa que NENHUM DOS DOIS ali eram. Pelo menos nesse quesito.
— Não fico não — mentira. Eu ficava um pouco assustada em contar, mas era normal. Eu estava esperando o momento certo.
— Dude, é o seguinte: se você não contar pra ela, a gente conta. — Parei olhando de um pro outro e rindo esperando que eles fizessem o mesmo, mas eles se mantiveram sérios. Eles não estavam brincando. — É sério. Você tem uma semana, . Uma semana. Se você não criar coragem e contar pra ela, a gente conta. — Paul e trocaram olhares e cruzaram os braços. Eles deveriam estar se sentindo caras responsáveis pela primeira vez em todas suas existências.
— Não vão não.
— A gente vai sim.
— Vocês não fariam isso comigo. — Desafiei, até porque aqueles eram meus melhores amigos. Eles não podiam fazer isso. Mas aí me lembrei de que exatamente por serem meus melhores amigos eles poderiam fazer aquilo, afinal, quem nunca ameaçou um outro amigo dessa forma?
— Você precisa fazer alguma coisa! — Paul começou a andar de um lado pro outro e o seguiu. — Sério você tem que chamá-la pra jantar ou a gente pode fazer uma lista. Lista de coisas que você poderia fazer hoje. Hoje! — Paul de repente parecia uma garota, procurando um caderno e caneta pra fazer uma lista e estava parado, olhando pra ele talvez com a mesma cara que eu e pensando a mesma coisa que eu. Ou não.
— A primeira coisa da lista, você precisa dizer que ela está bonita quando você a vir. — disse, pegando o caderno da mão de Paul. — E você tem que olhá-la nos olhos, mas olhar também pro corpo dela pra ela saber que é desejada. – Ele anotou algo no caderno.
— Mas não olha muito pros peitos porque ela é minha irmã. — Eu estava incrédulo. Eles não poderiam estar falando sério.
— Segurar na mão também. Coloca aí segurar na mão, acariciá-la, admirá-la e dançar... Você tem que dar um jeito de dançar com ela, mas alguma música lenta. Eu vou colocar umas músicas lentas pra tocar e você só não perde a oportunidade.
— Pegar bebida pra ela também. Você tem que pegar bebida pra ela, mas não a deixa bêbada, cara.
— Cara, eu não vou fazer nada do que vocês estão falando. Não é assim que as coisas vão acontecer eu... — não terminei de falar porque apareceu no quarto.
— Você tem que contar pra ela essa noite. – Ela surgiu falando. – Eu não sei mais por quanto tempo eu consigo esconder isso. Está na cara que tá rolando alguma coisa entre vocês. — Ela falou rápido e eu fiquei um pouco assustado.
— OOUU a gente estava falando disso. — Paul ergueu o caderno. — Ele vai contar hoje. Estamos fazendo uma lista de todas as coisas que ele deve fazer para criar um clima pra contar.
— Vocês estão de sacanagem com a minha cara né? – perguntei.
— Não. — Todos eles disseram juntos. — Já passou da hora, . Se você não contar pra ela essa noite, eu conto. — Foi quem finalizou saindo do quarto e batendo a porta.
— Ela quem manda. — Paul arrancou a folha do caderno e entregou em minhas mãos. — Boa sorte, dude — foi a última coisa que ele disse antes de entrar no banheiro.
— . — Eu segurei sua mão, interrompendo a maquiagem que ela fazia no meu rosto e respirando fundo.
Eu precisava contar pra alguém senão explodiria. E como meu irmão havia ficado cercado por meninos o dia inteiro, e por meninos eu digo , seria aquela em quem eu confiaria. Eu sabia que eu podia confiar nela, então eu havia repetido isso durante todo o dia enquanto tentava puxar o assunto e sempre me via falhando nas tentativas. Mas agora, ali, não tinha como escapar. Eu sentia que meu coração estava escapando pela boca.
— Essa é a décima quinta vez que você chama meu nome, me olha com essa cara e depois não diz nada. Acho melhor você falar logo o que está acontecendo. É sobre o , não é? — ela chegou um pouco pra trás, se apoiando na cômoda e cruzando os braços na frente do peito.
— Está acontecendo alguma coisa entre a gente — eu não consegui encará-la, porque na realidade eu não acreditava que eu estava dizendo aquilo. — Eu não sei explicar o que é. Mas é alguma coisa boa e diferente. Eu acho que eu posso estar confundindo as coisas...
— Você está gostando dele...
— Sim. Digo, não. Quero dizer, da coisa que eu acho que pode estar acontecendo, sim. Não dele — eu a encarei só pra ela ter certeza do que eu falava. — Eu não estou apaixonada — ela sorriu acenando com a cabeça.
Mesmo que seu sorriso praticamente gritasse na minha cara: MENTIROSA. Mas não era. Eu não estava apaixonada. Paixão era coisa forte que te domina. Eu havia sentido vontade de beijá-lo. Principalmente na noite anterior. Muita vontade de beijá-lo. Mas eu poderia classificar aquilo apenas como atração. Não paixão.
— Nós temos um encontro hoje. Eu sei que ele me convidou como um amigo e eu não quero criar expectativas quanto a alguma coisa. Tem essa menina que ele gosta e... — Eu não entendi o motivo do seu sorriso ter se tornado mais largo.
— Como assim encontro? — Ela ignorou a parte da garota que ele gostava.
— Ele me chamou pra vir a festa com ele e disse que era como um encontro. — Eu esperava que ela me dissesse o que aquilo significava, e não que me perguntasse. — Mas eu não faço a menor ideia do que isso pode ser. Eu nunca tive um encontro antes.
— Você nunca teve um encontro? — Ela parou o que fazia, parecendo um pouco incrédula. — O que você fazia da sua vida?
— Eu estive em um relacionamento por dois anos. — Ela acenou com a cabeça. — Antes disso eu era muito nova, era apenas ficar com algum carinha na escola ou alguma brincadeira na casa das amigas. Eu tive um encontro com Tony ninguém além dele, mas acho que não conta. Nós nos conhecíamos por toda a vida.
— Eu não sabia que você tinha namorado por esse tempo todo. — Ela voltou a me maquiar.
— Pois é. Dois anos perdidos. Totalmente jogados no lixo. Ele me traiu e eu não gosto de falar dele.
— Ok. Vamos ao que mais interessa. Como hoje é o seu primeiro encontro, acho que tenho que caprichar com isso. — Ela não parecia surpresa com aquilo e eu me perguntei se havia dito alguma coisa pra ela. — Você não precisa ficar nervosa, . O é um amor e não vai fazer nada que você não queira. — Ela começou a passar pós que eu desconhecia por outras partes do meu rosto. — Você não precisa ter medo dele e nem das coisas que podem acontecer, apenas deixa rolar.
— Eu não estou com medo. — Eu menti na cara dura e ela riu. Na verdade, não era medo, era apreensão.
— Quando eu te conheci, eu pensei: Nossa, ela não poderia ser mais diferente do Paul. Principalmente quando você chegou no galpão aquele dia. Você não queria muito ficar perto da gente e não parecia nem um pouco a vontade. Eu realmente achei que vocês dois eram totalmente diferentes, sabia? — eu abri meus olhos para encará-la.
— E o que mudou?
— Ontem quando eu bati naquele carro. Eu não sei o que estava acontecendo, mas quando você abriu o vidro e encarou o seu irmão era quase como se eu o visse ali, exposto no seu rosto. Você estava com medo. E quando eu digo que você estava com medo, você não estava com medo do que o seu irmão iria pensar, você estava com medo de outra coisa.
— O que te fez pensar que aquilo era algo parecido com o meu irmão?
— Eu já vi aquela expressão antes. Assim como eu já vi esse mesmo comportamento que você teve hoje o dia inteiro. De olhar o de longe e de ao mesmo tempo em que você evita estar com ele, você queria estar com ele. Você não olhou pra ele em momento algum quando ele estava presente no mesmo cômodo que você, mas olhou para ele o tempo inteiro quando ele não estava. E quase saiu correndo pra se esconder todas as vezes que ele te flagrou fazendo isso — meu rosto esquentou, porque ela não estava dizendo nenhuma mentira.
E eu me sentia constrangida só de lembrar quando eu estava encarando escondida e de repente, lá estava ele me encarando de volta, com aquele sorriso no rosto que me fazia sorrir amarelo e completamente correr.
— Você e o seu irmão são completamente iguais — ela riu, guardando o pincel em seu estojo e começando a ajeitar o meu cabelo.
— E quando você viu meu irmão agir assim? — ela abriu um sorriso enorme e antes mesmo que ela pudesse dizer a resposta eu já sabia o que era.
— Logo depois que nós nos beijamos pela primeira vez. — Eu realmente achava que nunca mencionaria comigo o fato de já ter ficado com meu irmão. Talvez ela estivesse fazendo aquilo no momento como um gesto para me mostrar que eu poderia ficar com ela. — Ele agiu exatamente que nem você aqui hoje o dia inteiro.
— e eu não nos beijamos ontem. — Ela cerrou os olhos, talvez desconfiando de que eu tivesse dizendo a verdade. — É sério. e eu não nos beijamos ontem, mas eu juro que teria beijado ele se tivesse ficado mais algum tempo com ele dentro daquele carro. — Ela abriu um sorriso enorme. Talvez ela apenas estivesse feliz com a confissão. — Eu realmente achei que ele me beijaria ontem. Na realidade eu acho que ele iria fazer isso quando vocês chegaram. — Eu me levantei. — Vocês nos atrapalharam. — Mordi meu lábio quando disse a frase.
E aquilo me soava tão surreal. Eu estava falando que ela havia “atrapalhado" e eu. Toda aquela situação era estranha, porque eu queria que tivesse simplesmente deixado pra lá esse assunto da garota que ele gostava e bem, mas bem lá no fundo eu sentia uma leve vontade de que essa garota fosse eu.
— Por que vocês simplesmente não nos mandaram embora? — Ela falou super animada com a informação. — Ou, sei lá! Vocês ficaram DUAS HORAS DENTRO DE UM CARRO. — Ela voltou a se aproximar e começou a mexer no meu cabelo.
— Nós estávamos conversando. E se fosse qualquer outro garoto, talvez a gente tivesse gastado todo esse tempo nos pegando. Mas o é diferente! — O que estava acontecendo comigo pra estar falando aquelas coisas tão abertamente? Porque por mais que eu soubesse que ele era diferente, agora eu havia falado que ele era diferente. E falar sempre tornava as coisas mais diferentes.
— Eu sei que ele é diferente — ela soprou meus olhos.
— Mas o que eu sinto por ele não é nada demais. É só atração, sabe? Ele é um cara legal e tem muito tempo que eu não conheço caras legais e é só uma atração. Daqui a pouco acaba passando. — fez uma careta estranha antes de se afastar de mim.
— Pode se olhar no espelho agora. — desvirou o espelho, que ela havia virado pra parede assim que eu saí do banho.
Ela havia me arrumado, decidido minha roupa, cabelo e maquiagem. Eu estava literalmente nas mãos dela, mesmo com muitos protestos e sofrendo ameaças. Ela havia me dito que aquele era o eu presente: deixá-la me arrumar. Talvez ela achasse que eu andasse largada demais, coisa que não era mentira.
Desde o momento em que havia virado aquele espelho, eu achei que quando ela finalmente me deixasse me olhar, eu não ia gostar do que iria ver. Achei que eu deixaria de parecer como eu, e começaria a parecer como as garotas que eu sempre detestei, mas o fato era que quando finalmente virou aquele espelho e deixou que eu me olhasse, eu me senti linda. Verdadeiramente e profundamente bonita. Como eu nunca havia me sentido em toda a minha vida.
A maquiagem não era forte, mas ainda assim destacava meus olhos, o batom por mais que fosse vermelho não me deixava vulgar e todo o arranjo que ela tinha feito nas minhas sobrancelhas, cabelos e roupa havia me deixado muito bonita. Eu me sentia linda. E talvez essa expressão de paixão por mim mesma estivesse bem explícita em meus olhos.
— Eu lhe apresento você, com um toque de feminilidade e nem um pouco de preconceito. — Ela me deu uma piscadela e fez uma dancinha besta. — Eu realmente estou feliz que você gostou.
— Eu estou gata — eu dei uma voltinha admirando meu lindo vestido preto que não era muito curto. A única coisa que me deixava um pouco insegura era a sandália alta.
— Essa sandália é tranquila de usar. Tem uma plataforma por dentro e é superconfortável. Sorte sua usar junto comigo.
— Depois de hoje, talvez seja um azar — nós duas rimos, porque eu realmente estava gostando do que estava vendo. ao contrário de mim, que pedi pra ser discreta, vestia um vestido vermelho que chamava bem a atenção e destacava várias partes voluptuosas do seu corpo.
— Promete que amanhã você vai me contar tudo o que vai rolar hoje? — Ela colocou a maquiagem da mão dentro de uma gaveta e eu não entendi o que ela queria dizer com aquilo.
— Não vai rolar nada demais hoje. — Eu falei como se fosse óbvio, mas ainda assim sentindo meu coração se acelerar. — O máximo que pode acontecer é eu dançar até cair bêbada na pista de dança com o . Isso é, se a menina que ele gosta não aparecer por ai e ele ir dar atenção pra ela e eu ter que me virar pra encontrar outra pessoa pra dançar comigo. Essa história de encontro é só como amigos. Pra que nenhum de vocês fique jogando meninas pra cima dele. Eu sou só uma desculpa. — Ela me olhava como se eu fosse uma criança que não entendeu a piada.
— Às vezes eu sinto inveja da sua inocência, . — Ela sorriu verdadeiramente antes de abrir a porta atrás de si.
— Eu não sou inocente. – E eu não era. Eu era quase a maldade em pessoa. Minha frase a fez rir de novo.
— Todos os detalhes amanhã, ok?
— Ok. — Revirei os olhos ainda achando engraçado e desnecessário essa expectativa para o dia seguinte. Nada demais aconteceria na festa. Ok, se se pintasse novamente um clima entre e eu, correria um grande risco de eu agarrá-lo e culpa a bebida por isso, mas eu não queria criar expectativas.
Pelo menos eu esperava não criá-las.
Ou talvez não. Pra dizer a verdade, minha mente estava tão confusa que eu não sabia o que esperar dos outros e nem de mim, a única coisa que eu sabia era que eu queria me divertir e não existia dúvida nenhuma de que eu faria isso.
Quando eu desci as escadas, preciso admitir que senti um enorme orgulho de mim mesma por ter ajudado a organizar tudo aquilo. Várias pessoas da nossa escola e outras totalmente desconhecidas por mim já estavam espalhadas por ali, dançando, bebendo e se pegando. Eu tinha certeza que em breve eu seria uma delas. Não no quesito se pegando, mas no quesito de que eu iria extravasar. Aquela era a noite que eu sentia que precisava dançar e dançar e dançar até que meus pés explodissem.
Eu sabia que não aguentaria ficar com aquelas sandálias a festa inteira, então eu dançaria com elas até que meus pés não aguentassem mais, então eu simplesmente as tiraria e começaria a dançar de novo que nem uma louca.
Eu estava de bom humor, de ótimo humor. Esse era um dos poucos dias do ano em que eu havia acordado com aquela sensação de felicidade dentro de mim, como se alguma coisa muito boa fosse acontecer. Eu sentia isso.
Eu não queria ligar isso a , mesmo achando que ele tinha uma grande parte de culpa. Eu precisava simplesmente encarar o fato de que estava atraída por ele. Talvez encarar faria passar. Eu apenas precisava agir normalmente. Nós dois estávamos nos tornando amigos, e talvez atração fosse um passo pra amizade. Não sei, nunca fui boa com essa coisa de amigos.
Tive a impressão de estar sendo observada e meu palpite estava certo. Quando olhei para um canto da sala lá estava , com um copo de alguma bebida na mão e me encarando com uma expressão que eu não sabia identificar. Ele ergueu o copo pra mim quando nos encaramos e eu me aproximei.
— Chegou a minha dama. – Ele abriu um sorriso — Cerveja? — foi o que ele falou, e preciso confessar que fiquei frustrada por não receber nenhum elogio. Eu me sentia bonita e sabia que estava chamando a atenção de alguns olhares, e pareceu nem notar uma única diferença em mim.
— E a achando que ninguém ia aparecer. — Eu me encostei na parede ao lado dele, no exato momento em que uma menina da escola passou com um enorme sorriso insinuante e um vestido que mostrava mais do que deveria. a cumprimentou normalmente, sem nem olhar pra qualquer parte do seu corpo que estivesse à mostra. — Acho que se você não tomar cuidado, você corre o risco de ser molestado hein. — Eu disse quando uma outra menina passou sorrindo taradamente pra . Ele estava com uma camisa com dois botões abertos e cordão de corrente. Eu sempre achei um charme rapazes de cordão e preciso admitir que estava absurdamente mais charmoso naquele dia.
— Sabe por que isso não vai acontecer? — ele se virou pra mim, tirando o copo da minha mão e colocando nas escadas. — Porque hoje — ele pegou em minha mão e entrelaçou nossos dedos – eu sou todo seu. Vamos dançar?
Ele não esperou resposta. Simplesmente segurou em minha cintura e começou a me balançar no ritmo da musica, me guiando pro meio da pista de dança. dançava engraçado, meio desengonçado, mas de uma forma fofa. Havia muitas pessoas ali e nenhuma prestava atenção em nós dois dançando.
Começamos a fazer algumas danças meios engraçadas que me faziam rir de doer a barriga. rebolava e de longe ele parecia aquele garoto tímido que ficava vermelho por tudo. Ele parecia bem descontraído, como se não tivesse mais ninguém ali que pudesse estar olhando pra gente e eu me perguntei quantas cervejas ele já tinha tomado.
Me impressionei por estar da forma que estava com ele, com completamente zero de álcool em meu corpo. Em momento algum da minha vida eu diria que eu estaria dançando na festa da minha melhor amiga com o melhor amigo do meu irmão e ainda por cima rindo junto com ele. Em momento algum da minha vida eu acharia que aquele ali era o verdadeiro e que ele poderia fazer com que eu me sentisse leve e feliz da forma que eu estava me sentindo naquele momento.
Demorou muito até que nossos amigos se juntassem a nós, e eu não faço ideia de onde qualquer um deles estavam antes. e Paul apareceram juntos, um pouco bagunçados, e chegou logo depois com a menina que ele estava saindo. Ela parecia uma pessoa bem descontraída. Valerie, Rose, e apareceram junto com eles e todos nós começamos a dançar que nem loucos no meio daquela pista improvisada, onde o calor já começava a predominar e nossos corpos se encostavam de todas as maneiras possíveis, mas nenhum de nós realmente se importava com isso.
A melhor parte de dançar com era que eu não tinha medo de ser uma esquisitona perto dele, eu não tinha medo de pagar mico, ou do que as pessoas poderiam pensar. Eu só conseguia ser eu mesma. Talvez porque em todo tempo ele me mostrava que também era ele mesmo. Isso me deixava segura.
— Me permite a honra? — Paul perguntou a , o que me fez rir. O segundo fez uma reverência e entregou minha mão ao meu irmão que segurou em minha cintura e começou a dançar comigo.
— Você está muito hot! Eu deveria ter vindo armado pra essa porra de festa porque tem um monte de marmanjo atrás de você — ele gritou no meu ouvido devido a música alta. — Quando foi que você cresceu e ficou uma mulher tão bonita?
— Nem eu sei! — eu respondi animada. — Eu me sinto bonita hoje!
— Para de palhaçada, você é bonita todos os dias — eu fiz uma cara convencida e ele riu. — Escuta, eu preciso da sua ajuda — ele me encarou. — Eu preparei uma surpresa pra , como presente de aniversário. E eu preciso que você não durma no quarto dela hoje, pode ser? — eu cerrei os olhos pro meu irmão que abriu um sorriso.
— Você não presta — eu lhe dei um tapa e ele se afastou um pouco rindo.
— Por favor, só não vai ao quarto — ele se afastou de mim.
Alguém esbarrou em mim, me afastando um pouco da pista de dança e eu aproveitei esse afastamento pra procurar algo pra beber. Eu já estava começando a morrer de sede.
Quando cheguei onde as bebidas estavam, um rapaz sorriu pra mim e eu olhei pra trás pra ter certeza de que aquele sorriso era pra mim mesmo. Eu tinha a impressão de conhecê-lo de algum lugar.
— Posso preparar uma bebida pra você? — ele perguntou quando eu parei ao lado do freezer
— Er, pode — acenei. Eu realmente não sabia o que beber, por isso aceitei, olhando pra pista de dança e vendo dançando com Valerie.
— O que você quer?
— Qualquer coisa que não seja muito forte, por favor — ele acenou com a cabeça e eu não desgrudei os olhos das suas mãos enquanto ele terminava de preparar minha bebida. Eu sempre lembrava da fatídica noite alguns anos atrás que eu havia ficado muito bêbada e Paul desconfiava que aquilo não era apenas resultado de bebida.
— Aqui — ele me entregou a bebida. — Chris — ele estendeu a mão. — Tenho a impressão de que te conheço de algum lugar.
— — respondi apertando a mão dele. — Eu também tenho essa impressão, eu sou irmã do Paul — procurei por meu irmão pra apontar, mas ele pareceu saber.
— Eu sou irmão da Rose. Talvez já tenhamos nos esbarrado em algum lugar, ou eu tenha te visto alguma vez que fui leva-la à escola — concordei com a cabeça e enfiei a mão no freezer, pegando uma latinha de cerveja. — Obrigada pela bebida — eu acenei com a cabeça e ele fez o mesmo. E então saí à procura de , ele assim como eu também deveria estar sentindo sede.
Encontrei com ele alguns minutos depois, no mesmo canto ao lado da escada que ele estava antes de irmos dançar.
— Trouxe pra você — entreguei a lata pra ele que aceitou sorrindo, abriu e bebeu quase tudo em um gole. – Credo! – eu disse e ele sorriu, pegando minha mão, e beijando-a.
— Agora vamos dançar de novo! — droga! Foi a única coisa que pensei quando caminhava de novo em direção a pista de dança junto com ele. Eu já não estava mais conseguindo dizer não a .
Eu dançava com e era diferente do que dançar com qualquer outra garota. Ela dançava que nem eu, toda lerda e desengonçada. Nós dois conseguíamos inventar alguns passinhos idiotas e nos divertirmos juntos antes de aparecer e dizer que já estava cansada de deixa-la comigo. Então ela me roubou a .
Fiquei triste, mas quando Paul e chegaram com uma garrafa de vodka eu esqueci daquilo por um momento. Esqueci que eu tinha uma necessidade enorme de dizer a ela como eu me sentia e que além daquela necessidade eu tinha certa "pressão" da parte dos meus amigos pra isso. O papel que Paul havia me dado mais cedo ainda estava no meu bolso, intocado. Eu sabia que não tinha necessidade de usar nada do que estava escrito ali. No momento em que eu olhasse dentro dos seus olhos eu saberia exatamente o que teria que dizer.
Quando Paul e chegaram perto de mim, já com hálito de álcool, eles não chegaram sozinhos, uns grupos de pessoas que eu nem conhecia se aproximaram junto com eles. Incluindo a menina que estava ficando e que eu já tinha esquecido o nome e uma menina que eu não fazia ideia de quem fosse, mas que estava junto com a garota do . Pelo menos eu achei que estava.
Depois de um tempo no meio dos meus amigos, uma das meninas que havia chegado junto com a ficante de Paul se aproximou de mim. Ela era muito bonita e começou a “dançar” comigo. Não era como se ela estivesse realmente dançando comigo que nem estava fazendo. Ela estava dançando na minha frente. Apenas.
Levei na boa e sorri quando ela sorriu pra mim se aproximando e começando a puxar assunto ali, no meio de toda aquela gente e de todo aquele barulho. Ela me fez algumas perguntas bobas: se eu era alguma coisa da aniversariante, meu nome, até chegar na parte em que ela disse que queria muito me beijar.
Sabe, às vezes eu me assusto quando meninas são diretas assim, da forma que ela foi. Ela usou a seguinte frase: “Prazer, , meu nome é Alana e cara, eu estou morrendo vontade de te beijar." A pior parte não foi ela ser direta, foi ela ter dito já colocando os braços em volta do meu pescoço e se aproximando de mim. Afastei-me o mais delicadamente que pude, sorrindo constrangido. Sim, eu ficava constrangido quando qualquer garota agia assim, não só comigo. Ela parou e pareceu um pouco confusa quando eu tirei seus braços de volta de mim. Aquele era o meu momento de dar uma explicação.
— Alana, você é linda, mas eu to com uma menina, ok? — eu tirei o braço dela do meu pescoço e tentei sorrir simpático.
— Cadê ela, então? — ela olhou em volta, atrás de alguém que pudesse estar encarando-a com cara de mal.
— Está por aí com a amiga, ela ainda não sabe que ela tá comigo — eu respondi e comecei a rir, aquela frase soou bem serial killer. — Eu sei. Eu não sou um assassino. E nem estou perseguindo ela — me expliquei e a Alana riu.
Ela perguntou sobre essa história e eu comecei a explicar pra ela. Acho que só fiz porque já tinha tomado cervejas demais e porque precisava tirar essa tensão de que eu precisava contar pra ela de cima das minhas costas. Então eu simplesmente expliquei que eu gostava da irmã do meu melhor amigo. No final das contas, Alana já estava me dando conselhos do que fazer, como não assustá-la. Dando-me dicas do que dar a ela de presente e dizendo que torcia por mim. Ela até que era bem simpática e nós dois rimos muito. Mas ela não era a e a única garota que eu queria na minha vida era a .
apareceu do meu lado depois de um tempo e eu dei um jeito de fazer a Alana dançar com ele. Eu estava com sede, precisava ir ao banheiro e estava muito suado. Já fazia algum tempo que eu não via a , mas não a procurei. O banheiro era a minha prioridade. Eu estava saindo dele quando encontrei a Hayley, minha ex-namorada, e me perguntei o que diabos ela estava fazendo ali.
— Hey – eu disse e sorri, ela não falou comigo. Passou direto como se eu fosse um desconhecido, e ainda fez cara de nojinho. Vai entender?
Eu ainda procurei e por alguns lugares, mas depois de um tempo desisti e fui convencido por a jogar beerpong na cozinha. Eu não sei quanto tempo eu demorei lá, mas tenho certeza de que quando voltei pra sala eu estava mais feliz do que o normal. Eu era um idiota bêbado, porque eu sempre fazia alguma merda. Alguma merda muito grande. Eu era desses. E hoje era o dia que eu não queria fazer nenhum tipo de merda porque eu queria dizer pra ela. Eu sentia essa vontade desesperadora de desligar toda aquela música e gritar pra ela no meio daquela sala que era ela a garota que eu estava apaixonado. Eu só precisava saber o que ela tinha a dizer sobre isso.
Quando eu voltei pra sala, a primeira coisa que eu vi foi em um canto sendo azarada por um cara. Aquilo me deu raiva, mas eu não era violento, por mais que eu estivesse meio bêbado. Eu era o tipo de cara que nunca sabia ser violento, mas eu sempre sentia vontade de bater. Senti inveja de Paul por ser forte e poder bater em quem ele quisesse. Ele sempre batia por mim nas brigas, eu sempre apanhava. Eu não aguento um tapa. Acho que os caras estão certos quando me chamam de gay. Se eu não gostasse tanto da , eu mesmo me acharia gay.
Nossos olhos se encontraram conforme eu caminhava logo atrás de e nós dois ficamos nos encarando. Aquilo me fez sorrir que nem um babaca e nem perceber quando parou pra falar com alguém e eu continuei andando, dando de cara com suas costas e tropeçando em uma mesinha que tinha ali derrubando a cerveja de uma menina e acidentalmente molhando outra. Pedi desculpas, coçando a cabeça e sendo sincero quando uma menina me xingou de uma coisa bem feia porque eu tinha manchado seu vestido. Quando olhei pra , ela sorriu abertamente.
Provavelmente achando graça da minha pose de idiota. Por que é que ela tinha que ter aquele efeito em mim que fazia com que eu derretesse mais rápido do que gelo em frigideira? Meu Deus. Por que meu coração tinha que acelerar tanto? Por que eu tinha que querer ficar tão perto dela sempre, sempre e sempre? Sorri de volta parando do outro lado da sala e simplesmente não parei de encara-los. Eu precisava admitir que estava com medo de que ela ficasse com ele, da mesma forma que havia ficado com o menino no galpão uns meses atrás. A insegurança bateu forte, porque por mais que as coisas estivessem diferentes entre nós, éramos apenas amigos, certo? Aquilo era um encontro que não estava me parecendo bem um encontro.
— Cara. – apareceu do meu lado, com a boca vermelha e me puxou para a parede.
— Cara! – Paul surgiu, que nem uma bichinha, todo animado e gesticulando e rindo alto, mas eu não entendi nada do que ele estava falando. — Por que o idiota do Natan está conversando com a minha irmã? – Paul fechou a cara quando olhou pra direção que eu olhava.
— Porque a sua irmã está gata, e metade dos caras dessa festa querem ficar com ela. – respondeu e quem fechou a cara dessa vez fui eu.
Ele tinha razão. Continuei olhando pra eles, pensando que talvez em algum momento eu pudesse criar um poder de fazer as pessoas desaparecerem e simplesmente sumir com a existência do Natan da face da terra.
Os meninos continuavam falando algumas coisas no meu ouvido, mas eu ignorava todas suas palavras. Toda minha atenção estava voltada pra e depois de algum tempo, ela olhou pra mim. Nós dois ficamos nos encarando por um tempo, até que o cara pareceu ter feito alguma pergunta e ela foi obrigada a prestar a atenção nele pra responder.
Paul falava alguma coisa sobre estar com raiva de Natan e dava a sua opinião sobre o assunto, mas eu só consegui prestar a atenção nos dois e sentir medo de que eles ficassem. Quando olhou pra mim de novo e revirou os olhos eu senti uma ENORME sensação de alívio.
— Quer que eu te salve? — eu falei, mas ela não conseguiu ler meus lábios. Então além de repetir minha frase, fiz gestos.
— Quer que eu – apontei pra mim mesmo. – Te tire daí? – fiz um gesto como se puxasse ela. – Ele é chato – eu revirei os olhos e ela acenou discretamente com a cabeça.
— Vou salvar minha garota – eu empurrei Paul da minha frente, que riu e soltou um “esse é o meu garoto” que fez com que eu me sentisse mais confiante. Mesmo ainda me sentindo um cachorrinho quando ele falava aquilo.
— Amor! — eu me aproximei e olhei de Natan pra ela. – Foi mal, ok? Eu estava errado e você estava certa. Estou te pedindo desculpas, não precisa dar ideia pro Natan só pra me deixar irritado, porque não vai funcionar – me virei pra ele. – Foi mal, cara, mas ela está comigo — me virei novamente pra . – Agora que eu já te pedi desculpas, vamos parar com a isso? – eu fazia a maior cara de namorado arrependido e ela segurava o riso. Estendi minha mão pra ela, que olhou dela pra Natan.
— Ok, . Foi mal, cara – ela fez uma cara super linda de desculpas, mas segurando o riso que eu quase a agarrei ali. Nathan ao contrario pareceu ficar com raiva. Eu apenas dei de ombros, seguindo com ela pra longe dele.
— Você quase me convenceu com a pose de namorado que pede desculpas, você sempre faz isso? — ela perguntou, enquanto seguíamos para fora da casa, pra longe de todo mundo. Ainda estávamos de mãos dadas.
— Eu só namorei uma vez, e eu nunca precisei pedir desculpas, mas ela está por aí, se quiser tirar as dúvidas – senti ficar tensa e brinquei com seus dedos. – Eu sou um cara muito certo, sabe? – assumi minha pose convencida e ela revirou os olhos. — E isso também porque só namoramos por uma semana.
Definitivamente estava mais frio do lado de fora, mas acho que nós dois não ligamos. Limpei um banco de dois lugares que tinha ali e nós dois nos sentamos, ainda de mãos dadas e ficamos olhando pra neve que caia a nossa frente. Aquela parte da casa estava um pouco mais silenciosa, porque embora a música pudesse ser ouvida claramente, as pessoas quase não passavam mais por ali.
— Está pensando no quê? — ela perguntou e eu ri.
Eu era a pessoa que costumava fazer essa pergunta. Eu não poderia dizer que estava pensando em nossas mãos entrelaçadas e no fato dela não ter soltado ainda. Eu não poderia dizer que estava pensando em seu sorriso, em seus olhos, pensando nela. Na realidade eu poderia dizer, mas eu tinha muito medo de fazer isso.
— Sei lá – dei de ombros.
— Às vezes você faz cara de tão pensativo – ela soltou nossa mão pra ajeitar o cabelo.
— Eu penso muito, acho que um dia vou ser filosofo – eu mesmo ri da minha frase. – Vou escrever um livro sobre a minha vida. Encostei as costas no banco e assumi minha postura de pensador.
— Vai escrever o quê? Sua grande história de amor?
— Talvez. Quem sabe?
— Eu vou querer muito ler — Nós nos encaramos por alguns instantes e ela mudou totalmente de expressão quando uma música começou a tocar do lado de dentro da casa. — Ah eu amo essa música – ela se encostou no banco com os braços abertos e os olhos fechados.
Eu nunca havia ouvido aquela música na minha vida, mas ela parecia gostar bastante dela. Já passava das três da manhã e as músicas dançantes estavam começando a ser trocadas por lentas. Era uma estratégia de , tocar música lenta fazia com que as pessoas ficassem com sono e fossem embora. Assim a festa acabava. Eu queria fazer algo, mas como eu já havia dito uma vez, eu simplesmente não sabia o que fazer quando estava por perto. Ela me deixava perdido.
— Então, vamos dançar. Nós dançamos todos os estilos de música hoje, menos uma lenta. – eu disse e ela abriu os olhos. Levantei-me de onde estava sentindo meu coração se acelerar demais em meu peito. Eu poderia cuspi-lo a qualquer momento, mas eu não perderia a oportunidade. Aquela ali era a minha garota e eu precisava fazer algo para que ela percebesse isso. – Dança comigo? – pedi antes que ela pudesse dizer alguma coisa.
Sua boca se abriu e fechou algumas vezes, como se ela estivesse processando meu pedido. Ela provavelmente diria não. Afinal todas as vezes que dançamos eram músicas rápidas, não lentas e estávamos no meio de todo mundo, não sozinhos.
— Eu não sei dançar música lenta – ela mordeu os lábios e passou a mão pelo cabelo. Era tudo o que eu precisava.
— Eu também não – eu sorri, puxando-a para cima e aproximando-a de mim.
Eu tentei usar toda calma do mundo e aproximei sua cintura da minha. Segui com sua mão que eu segurava até o meu pescoço, depositando-a lá e depois desci minhas mãos por seus braços em uma forma de carinho até que entrelacei sua cintura, trazendo seu corpo para mais junto a mim. Quando nossos olhos se encontraram, foi quase instintivo nossas testas se colarem. Estávamos próximos demais. Eu sabia disso e ela parecia saber disso também. encostou sua cabeça em meu ombro meu rosto ficou no vão de seu pescoço, inalando o delicioso cheiro que saia dali.
(Vire—se)
(Vire—se e fixe seus olhos na minha direção)
(Então existe uma ligação)
(Agora eu não posso falar)
(Não posso fazer algum barulho para chamar a sua atenção)
(Eu estou admirando a perfeição)
Nossos corpos se mexiam conforme o ritmo lento da música e eu passava as minhas mãos por suas costas em uma espécie de carinho. Acaricia-la era tudo o que eu queria naquele momento. Passar as mãos por seu rosto. Tocar seus lábios, seus cabelos. Beijá-la era o que eu mais queria fazer. Eu podia sentir seu coração acelerado batendo em minha barriga. E fiquei feliz por saber que eu não era o único nervoso com aquela situação.
— Você é linda – eu sussurrei em seu ouvido, vendo-a se arrepiar. Aquilo realmente me fez sorrir.
(Me olhe então poderá ver)
(Como você é bonita)
ergueu seu rosto pra me encarar e era praticamente impossível entender sua expressão. Ela estava confusa e eu conseguia ler isso em seus olhos. Por um momento eu pensei que ela me daria um fora e até que sairia correndo dali. Mas não. Ela conseguiu me surpreender.
— A falou que o meu presente de aniversário pra ela era ela me arrumar. O vestido é dela e... — ela tentou justificar o elogio e eu sorri novamente e interrompendo-a. Olhando-a nos olhos agora ao falar.
— Eu não falei que você está linda, eu disse que você é linda.
Sabe quando eu disse que todas as coisas que eu deveria dizer simplesmente apareceriam quando eu a encarasse nos olhos? Eu estava errado, porque ali, parado e olhando para ela, eu sentia como se todas as minhas palavras tivessem sumido de minha cabeça e nada no mundo fizesse mais sentido além daquele momento.
Era como se eu literalmente tivesse desligado de todas as coisas ao meu redor e eu achei que aquilo não deveria ser normal. Uma pessoa não poderia se sentir dessa forma assim por outra. Não deveria ser permitido. Por mais que fosse um ótimo sentimento, não deveria ser permitido, a não ser que fosse recíproco. Era intenso demais pra ser sentido sozinho.
Talvez todas as coisas que tivessem passando na minha cabeça estivessem sendo transpassadas por meus olhos, porque me encarava curiosa talvez tão confusa quanto eu. Não saber o que ela sentia estava me matando.
(Você me chama de estranho, você diz que eu sou perigoso)
(Mas todos esses pensamentos estão deixando você esta noite.)
(Eu estou quebrado, abandonado; você é um anjo)
(Fazendo todos os meus sonhos virarem realidade esta noite)
— eu... — ela ia falar alguma coisa, mas parou.
Ela simplesmente parou e nós dois ficamos ali, nos olhando no meio daquela varanda sozinhos, enquanto as batidas do meu coração conseguiam quase ser ouvidas. E eu não me importava que ela ouvisse. Ela poderia fazer isso se quiser. Só assim ela saberia que ele só estava daquele jeito por causa dela.
(Estou confiante)
(Mas eu não posso fingir que estava apavorado em conhecer você)
(Eu sabia que você poderia ver através de mim)
(Vi minha vida passar rapidamente diante dos meus olhos)
(E qualquer chance que nós tivemos de tornar isso realidade)
(Eu esperava que você pudesse ver)
(Me olhe então poderá ver)
— O que está acontecendo entre a gente? – ela finalmente perguntou e eu não conseguia responder o que estava acontecendo. Talvez porque já fosse óbvio demais. Eu era completamente apaixonado por aquela garota, seu sorriso, sua voz, seu gênio. A única coisa que eu queria era fazê-la entender isso.
— Acho que finalmente estamos nos conhecendo de verdade – eu sorri e ela simplesmente parou de encarar meus olhos.
Se tinha algum vestígio de álcool no meu organismo, ele parecia simplesmente ter evaporado. Aquela história clichê de sentir que não havia mais ninguém à volta era exatamente o que eu estava sentindo naquele momento. Como se o mundo fosse apenas nós dois e aquela música que estava tocando naquele momento.
Eu não sei dizer quem se aproximou de quem, mas quando me deu conta, nossas testas já estavam coladas e nossos olhares mais próximos do que nunca tiveram em nossas vidas. Quando finalmente nos beijamos, eu descobri porque algumas coisas são clichês. Clichês são reais. Você sente aquilo de verdade e os clichês existem pra te mostrar que você não é a única pessoa do mundo que já se sentiu assim.
Quando nos beijamos, eu senti como se tudo tivesse entrado em um lugar certo. Como se o mundo de repente tivesse passado a ser um lugar bom, onde as pessoas pudessem ser felizes. Eu não poderia mentir e dizer que em minha cabeça fogos de artifício não estavam sendo soltos e gritos de "eu consegui" não eram dados pelo meu subconsciente que comemorava mais do que vencedor de Oscar.
Meus braços se apertaram um pouco em sua cintura, e eu poderia segurá-la ali pra sempre, sentindo seus lábios contra os meus e o beijo que dávamos. Nada no mundo me parecia tão certo como aquilo, eu senti meu coração se acelerar de uma forma que eu nunca tinha sentido. Mas não eram só as batidas que estavam rápidas, algo dentro de mim parecia queimar. Era bom, era muito bom. Eu queria sentir aquilo pra sempre. Mas o meu pra sempre não durou mais que alguns minutos, quando nos afastou e tirou as mãos do me pescoço, me encarando com uma cara assustada.
Naquele momento, beijá-lo parecia ser a coisa mais certa a fazer. Parecia que era ali que eu deveria estar e com ele. Era como se eu realmente estivesse no lugar certo, com a pessoa certa e no momento certo. Eu já havia passado por aquilo antes, mas de repente tudo aquilo parou de fazer sentido quando eu me lembrei do seguinte fato: era apaixonado por alguma menina que não era eu, ele gostava dessa menina ao ponto de falar dela com os amigos e preferir manter isso em segredo pra manter seus sentimentos pra si. Eu com toda a minha bagunça não deveria entrar no meio deles e simplesmente estragar tudo. Ou simplesmente me jogar numa situação onde outra pessoa já estivesse apenas por estar sendo levada por uma atração repentina. Isso não daria certo.
Eu deveria ser sua amiga e ajuda-lo. Apenas isso. E simplesmente guardar aquela minha atração pra mim porque não podia ser concretizada. Por mais que as coisas entre nós dois estivessem diferentes, por mais que tudo tivesse mudado da água pro vinho e por mais que eu quisesse que aquela garota simplesmente não existisse, ela existia e eu precisava lidar com isso. Mesmo com ele agindo daquela forma.
— , desculpa — eu me afastei. — A gente não pode fazer isso — eu precisava ir pro mais longe possível.
Eu precisava sumir dali. Meu rosto começava a ficar vermelho e eu estava perdendo toda compostura. Afastei-me dele, caminhando pro quintal, mas tive que parar quando ouvi a sua pergunta.
— Por quê? — ele perguntou e eu me virei a tempo de vê-lo colocar a mão no bolso e fazer uma cara super fofa que quase me fez esquecer de respirar.
A neve estava caindo em mim e eu começava a sentir frio, mas eu não queria ter que me aproximar dele, ali, parado naquela varando, me olhando daquela forma.
— Porque você tem essa garota que você gosta e eu nem faço ideia de quem seja e-
— , essa garota... — ele me interrompeu, mas eu não deixei ele falar, porque agora eu não queria mais saber quem era.
— Você não precisa falar nada, . Não precisa me contar, sério. Não é como você me devesse satisfações de alguma coisa. Ou eu te devesse satisfações de alguma coisa. — Eu disse gesticulando demais.
Eu me odiava por gesticular demais quando estava nervosa, e ele parecia perceber que eu estava nervosa, porque começou a rir.
— Para de rir. — eu fechei minhas mãos, quase gritando a última frase, porque eu queria bater nele.
Eu estava constrangida, parada no meio da neve e ele estava rindo de mim na maior cara de pau. Por mais que eu estivesse começando a ficar com raiva dele, por mais que eu quisesse socá-lo naquele momento, eu sabia que ele não estava rindo de mim. Algum instinto muito idiota me dizia isso, que ele não estava rindo de mim.
— , para de rir — eu me aproximei e dei um tapa em seu braço. Mesmo que a minha vontade fosse de sair correndo dali, minha vontade maior era de simplesmente continuar perto dele.
— Eu não consigo — ele se afastou de mais uma enxurrada de tapas que o atingiram.
Eu estava começando a desconfiar de que meus instintos estavam errados e ele estivesse rindo de mim. Desisti dos tapas e decidi que iria embora. Eu não passaria mais um minuto ali. Então simplesmente me virei e sai andando, deixando-o ali, com sua estúpida risada idiota.
— Eu não consigo parar de rir, porque você conseguiu superar todas as minhas expectativas — ele falou mais alto quando eu andei, mas eu não parei, simplesmente continuei andando. — Sabe, eu estou nesse exato momento me perguntando se você é ingênua ou lerda — eu continuei andando mesmo querendo entender o que ele falava. — Você consegue enxergar todas as coisas ao seu redor, , menos as coisas que estão bem embaixo do seu nariz — eu parei quando ele falou e me virei pra encará-lo.
— E o que é que está bem em baixo do meu nariz que eu não consigo enxergar? – eu quase gritei sentindo a irritação esquentar meu rosto.
— Que é você, , é e sempre foi você a menina que eu gosto.
Capítulo 18
Quando as pessoas usam a frase “esqueci de respirar", você espera que elas estejam falando hipoteticamente e não literalmente. Mas naquele momento eu descobri que aquela frase pode ser usada literalmente, porque eu estava esquecendo como se respira. estava parado, a dois metros de distância de mim, com as mãos no bolso, o rosto vermelho e me olhando de uma forma que ele nunca me olhou antes na vida.
Ele havia acabado de dizer que era eu, era eu a garota pela qual ele era apaixonado e sua frase ficava se repetindo na minha cabeça como se fosse uma espécie de mantra. Talvez meu cérebro tivesse se negando a acreditar. Porque minutos atrás quando ele havia me beijado, eu queria que fosse eu a menina que ele gostava, mas, ali, agora que ele havia pronunciado aquela frase em voz alta, eu não queria que fosse eu.
Ali, com ele parado do outro lado me olhando daquela forma, eu não queria que fosse eu. Porque era um cara legal e que gostava de mim, mesmo que minha mente, meu corpo e meu coração se negassem a acreditar nisso ele gostava de mim. E eu não correspondia da mesma forma.
Eu estava começando a tremer, e eu só não sabia se era de frio ou de outra coisa.
– Desde a primeira vez que eu te vi, descendo daquele trem, usando uma roupa toda largada e assumindo toda uma postura de rebelde sem causa, eu senti uma coisa diferente por você. Eu nunca acreditei nessas coisas de paixão à primeira vista e continuo não acreditando, porque eu sei que não foi naquela vez que eu me apaixonei por você. Você me tratou mal todo aquele final de semana, e eu realmente achei que o fato de você me chamar atenção era só por causa disso. Por me tratar mal quando a maioria das pessoas, ou melhor, todas as pessoas estavam me tratando bem por causa da morte da minha mãe. Mas você não se importou com isso, na realidade você nem sabia disso e simplesmente me tratou da forma que queria me tratar.
“Seis meses depois disso, quando você veio visitar o seu irmão e a gente foi naquela festa em que você ficou bêbada pela primeira vez eu me apaixonei por você. Quando você estava naquele quarto no fundo da casa, rindo e fazendo um monte de idiotices, eu me apaixonei por você e eu não sei explicar como. Eu simplesmente me apaixonei por você. – Ele sorriu. – E eu admito que às vezes passava dos limites na implicância, e que a gente quase se matava quando você vinha pra cá, mas aquela era a minha única forma de chamar sua atenção. – Ele olhou pro chão e colocou a mão no bolso.
“E quando você veio morar aqui, as coisas simplesmente mudaram, porque todo aquele sentimento que eu achava até que era bobo e idiota, mudou. Você mudou. As coisas mudaram e quando eu achei que tudo isso ia simplesmente sumir de dentro de mim cresceu.”
Eu não conseguia falar e estava começando a sentir vontade de chorar. Eu queria poder cavar um buraco no chão e sumir.
– Eu te acho linda, , e eu não te elogiei assim que te vi hoje, porque a forma que você está se vendo hoje, é a forma que eu te vejo todos os dias. Mesmo sem maquiagem e qualquer adereço. – Ele riu. – E pela sua cara eu acho que isso é informação demais pra você – eu concordei com a cabeça. – E você precisa parar de fazer essa cara de quem vai surtar a qualquer momento, porque você está me deixando com medo.
Ele cruzou os braços e eu não soube o que fazer, eu não soube o que falar eu não soube como agir. Eu fiquei apenas ali, parada, olhando pra ele e pensando que eu não correspondia a tudo aquilo que ele falava.
Uma coisa era eu me sentir atraída por ele, outra totalmente diferente era eu ter um sentimento por ele.
– Desculpa, , eu... – busquei na minha cabeça qualquer coisa que eu pudesse dizer, mas eu estava congelada. Eu estava literalmente congelando. – Eu... me desculpa.
Foi a única coisa que eu consegui dizer e eu simplesmente não podia mais ficar ali. Eu precisava sair. Então simplesmente dei as costas e saí andando. Eu não podia mais ficar parada olhando pro seu rosto, olhando seus olhos que me encaravam daquela forma. Então eu simplesmente o deixei sozinho e saí dali. Só Deus sabe o que poderia acontecer caso eu continuasse.
Flashback - 2 anos e meio antes.
– Hey – eu esbarrei em alguém com tanta força que cheguei derrubar a pessoa, que me xingou ainda caída no chão. Quando eu olhei pra baixo e fui ajudar, percebi que era e quando ela me encarou, simplesmente começou a rir. E quando eu digo rir eu quero dizer gargalhar. Pela primeira vez na minha vida eu via gargalhar. E Paul ainda por cima não estava por perto.
– Tá tudo bem? – perguntei preocupado e abaixando, pra conferir. Quando ela me encarou, eu percebi que talvez não estivesse realmente tudo bem. Seus olhos estavam vidrados e vermelhos e eu diria que ela fumou maconha. – , cadê o seu irmão? – eu a ajudei a levantar e ela continuou rindo sem parar como se a coisa mais engraçada do mundo tivesse acabado de acontecer na frente dela. – Dude, o que aconteceu com você? – eu a apoiei em mim, mas ela se soltou, se afastando de mim e andando pelo corredor em direção a algum quarto. – , tá tudo bem? – ela simplesmente trancou a porta e continuou rindo de lá de dentro saindo alguns segundos depois parecendo sem fôlego.
– Tem um casal transando ali dentro – ela sentou no chão e eu tentava entender do que ela tanto ria.
– Cadê o seu irmão? – eu olhei em volta, tentando entender de onde ela tinha vindo, e abri a única porta do corredor de onde saia som.
Quando eu abri, eu comecei a entender o que tinha acontecido. Um grupo de pessoas ali bebia e fumava maconha. Agora estava explicado o motivo de tanto riso.
– Hey, para de rir. – Eu tentei erguê-la do chão, mas foi um pouco difícil.
não era gorda, mas era "corpuda" por assim dizer e eu era magrelo. Não foi fácil erguê-la, ela estava mole e não parava de rir, fiquei com medo até de ela engasgar com a própria saliva. Depois de um tempo e brigas, onde ela me arranhou dizendo que não queria sair dali, eu consegui convencê-la e andar até o carro e deixá-la ali, me esperando enquanto eu ia atrás de Paul. Mas pra minha frustração, eu não o encontrei.
Depois de uns dez minutos rodando na festa, eu recebi a informação de que a última vez que Paul tinha sido visto, tinha sido junto com uma menina morena dos cabelos pretos e blusa vermelha – vulgo – e que os dois estavam dentro de algum carro. Eu não precisei de mais do que isso pra saber que ele só voltaria no final da festa, isto é, se ele voltasse.
Quando eu voltei pro carro, eu quem tive que começar a rir do que eu estava vendo. estava em pé em cima do carro de Paul, descalça e dançando sozinha. Sem música nenhuma e sem mais ninguém. Ela estava simplesmente dançando e rindo como se fosse a coisa mais normal do mundo e ela estivesse em uma pista de dança.
Antes de sair de dentro da casa e vê-la ali daquele jeito eu estava puto. Puto com Paul que havia me deixado de babá, puto porque teria que cuidar de uma menina que nem gostava de mim e puto porque eu estava sóbrio demais pra fazer isso. Mas quando eu saí e a vi dançando ali em cima, sozinha a primeira coisa que eu pensei foi que ela poderia cair e quebrar alguma parte do corpo e torci pra não ser nada demais, afinal, qualquer parte do copo que ela quebrasse enquanto estivesse sob minha supervisão, Paul quebraria igual a minha. E a segunda coisa que me fez rir, foi que ali, ela estava totalmente diferente da pessoa que eu achava que ela era.
Ela estava rindo e dançando sozinha parecendo mais feliz do que qualquer vez que eu já tenha a tenha visto. Ela parecia livre de todo aquele mau humor e arrogância que ela sempre parecia envolvida e eu precisei ficar alguns segundos parado olhando pra ela e torcendo pra ela não cair e ter uma fratura exposta.
Desde a primeira vez que eu a havia visto, vindo com aquelas roupas rebeldes e a postura totalmente diferente, eu soube que tinha alguma coisa de diferente nela que me fazia querer chamar sua atenção. Ela tinha algo que as outras não tinham, alguma coisa de diferente que chamava a minha atenção e me fazia querer conhecê-la, e olhá-la ali, totalmente diferente de qualquer vez que eu já tenha visto ela, me fez querer conhecê-la de verdade ainda mais.
– – ela me tirou do meu transe e se agachou sorrindo. – Vem dançar comigo – aquela era a primeira vez desde que nos conhecemos que ela me chamava pelo primeiro nome, E não só isso. Aquela era a primeira vez que ela me chamava pra alguma coisa e até mesmo falava comigo por livre e espontânea vontade.
– Eu preciso te levar pra casa. O que você fumou? – eu cheguei próximo e aceitei sua mão a ajudando a descer do carro e me surpreendi por ela aceitar minha ajuda e não simplesmente dar uma de rebelde e voltar a dançar.
– Eu não fumei – ela falou depois que eu a coloquei no banco de passageiro, a protegi com o cinto e me sentei no do motorista. – Eu não fumo, meu irmão me mataria se eu fizesse isso – ela tinha cara de criança que apronta, mas parecia sincera. – Eu só bebi. Ele me falou que isso estava liberado – ela começou a rir de novo e eu me perguntei que diabos aquela garota tinha bebido.
– – eu perguntei depois de alguns minutos dirigindo em que ela olhava atentamente pela janela as gotas de chuva que batiam no vidro e escorriam. – Você falou que não fumou então o que você bebeu? – uma hipótese se passou na minha cabeça.
– Eu bebi um negócio que um menino me deu – ela respondeu distraída, colocando o dedo em uma gota que havia acabado de cair no alto do vidro e a seguiu no dedo, abrindo um sorriso que tomou todo o seu rosto quando a gota chegou ao final e ela voltou ao topo, fazendo o mesmo com uma próxima.
Depois de repetir essa cena umas três vezes ela se virou pra mim e continuou sorrindo, como se fosse a pessoa mais inocente do mundo e naquele momento foi a primeira vez que eu a achei linda. Com os cabelos todos bagunçados e cheios, os olhos brilhando e um belo sorriso nos lábios, um sorriso tão bonito que me fez ter vontade de sorrir também, e eu só não o fiz porque estava paralisado demais com aquela cena e com o efeito que ela estava causando em mim.
– ! – ela falou depois de alguns segundos me encarando. – Por que você está sempre tão triste? – ela mordeu os lábios olhando de volta pro vidro. Não era mais dúvidas que ela provavelmente havia bebido alguma bebida batizada. – Todo mundo parece tão preocupado com você. – Suas palavras me travaram. – Você parece um brinquedo que pode quebrar – ela voltou a me encarar, mas eu não tenho medo de quebrar você – ela sorriu verdadeiramente e ela não falava como uma forma de me ofender. – Para o carro. – Ela mordeu os lábios e ligou o rádio. – Tá chovendo, e eu quero banho de chuva.
– , só vamos pra casa, ok? – respondi olhando pra fora, estávamos quase perto de casa.
– Você precisa parar de ser chato, – ela disse abrindo a porta do carro e eu freei, tomando um susto e ela riu, saindo descalça e correndo, parando de frente ao carro e gritando pra que eu aumentasse a música.
– Você é louca? – Eu gritei abrindo vidro de motorista e ela deu de ombros. Todo o seu corpo era iluminado pelo meu farol alto.
A rua estava completamente deserta e mesmo se não tivesse eu tinha certeza de que não conseguiria prestar atenção em nada além dela. Ela dançava mesmo sem ouvir a música, mexendo os braços e sacudindo os cabelos, rindo de algo que era desconhecido até por ela mesma e sobre os efeitos que a bebida havia lhe causado.
Aquela ali na minha frente não era a garota que eu estava acostumado a ver, era a garota que ela estava acostumava a esconder, mas que sem sombra de dúvidas ela era. Eu fiquei alguns minutos, olhando seu sorriso que parecia ter me hipnotizado. Talvez por eu nunca tê-lo visto antes ou talvez por que ela tinha algo que me encantava. Seus cabelos armados sendo jogados de um lado para o outro, seu sorriso aberto, seu corpo eu me rendi a gama de sensações que estavam se apossando de mim enquanto a via ali, sob a chuva me prendendo em uma espécie boa de clichê.
Foi apenas no dia seguinte quando encarei , que procurava desesperadoramente por um analgésico, reclamando que não se lembrava de nada e sem sorrir, que eu percebi que algo tinha mudado. Mesmo ali, parada na minha frente e sendo tudo o que ela sempre tinha sido comigo eu não conseguia tirar a imagem da garota risonha que havia dançado na chuva no dia anterior. Não dava, Já não tinha mais volta. Eu estava apaixonado por ela.
Todos já tinham ido dormir quando eu finalmente saí do banheiro. A realidade é que já tinha amanhecido quando eu finalmente me destranquei daquele banheiro que eu havia me enfurnado desde o momento seguinte ao qual havia se declarado pra mim. Eu havia pensado em várias coisas e em como algumas delas faziam sentido e em como outras simplesmente não.
Minha cabeça trabalhava a tantos mil por hora que nem cochilar ali eu havia conseguido. Eu sabia que se eu saísse eu poderia encontrar com ele, por isso esperei toda a casa ficar realmente silenciosa pra poder sair. E mesmo assim eu saí tomando o maior cuidado do mundo pra não acordar ninguém. Eu sempre tinha o dom de tropeçar e fazer um enorme barulho que acordava até a cidade do lado.
Quando saí do banheiro, a primeira coisa que vi foi . Mas graças a Deus ele estava enrolado em uma coberta e dormindo no sofá. Eu não havia os ouvido colocarem o sofá do lado de dentro e provavelmente deve ter feito isso sozinho, já que deveria estar em seu quarto com a menina que trouxe e no dela com Paul. Por um momento eu fiquei pensando onde eu estaria dormindo caso não tivesse passado a noite no banheiro.
Passei pela sala com o maior cuidado do mundo e subi as escadas, tropeçando em uma latinha de cerveja e completamente correndo escadas acima quando fez barulho. Eu não queria que me visse. Eu não queria ter que encará-lo. Não agora.
Parei em frente ao quarto de e encostei meu ouvido na porta pra ver se ouvia algum barulho. Nada. Estava tudo em um total silêncio. Então bati duas vezes na porta.
Nada.
Bati mais três vezes.
Nada.
Decidi que iria entrar. Mesmo sabendo que poderia encontrar algo que iria me traumatizar pelo resto da minha existência eu simplesmente abri a porta e entrei, dando graças aos céus quando entrei e a única coisa que vi foi e Paul dormindo abraçados. Eu quis pular e sapatear por ver meu irmão dormindo abraçado a uma menina, mas me contive. Eu precisava de Paul urgentemente. Eu me sentia desesperada.
– Paul – eu sussurrei, cutucando suas costas. Eles pareciam em sono profundo. - Paul – eu sussurrei um pouco mais alto cutucando com um pouco mais de força e ele fez um barulho estranho com a boca. – Paul, acorda! Eu preciso falar com você – e continuava cutucando meu irmão que ergueu o rosto do cabelo de e com a cara amassada. Ele estava sem camisa e ela com a camisa dele. Deus queira que ele não estivesse pelado.
– , o que foi? – ele abriu só um olho e se mexeu, acordando também. – Que horas são?
– Seis e meia da manhã – eu mordi meus próprios lábios e fiz cara de desculpas. ergueu a cabeça e me olhou antes de deitar de novo. – Desculpa, mas eu preciso falar com você.
– Paul – tirou a mão do meu irmão da sua barriga. – Acorda, levanta! – Ela se virou de lado de novo. – O contou pra ela e ela tá surtando. – Eu paralisei com aquilo e Paul abriu os olhos.
– Ele contou? – meu irmão já parecia sem sono nenhum. E eu concordei com a cabeça. – Vira pra lá porque eu tô pelado. – Eu não precisava ouvir aquilo. Senti vontade de enfiar um lápis no meu ouvido e sai do quarto, ficando esperando por meu irmão do lado de fora da porta.
Ele demorou só alguns segundos e quando apareceu já estava com rosto lavado e vestido.
– Só vamos sair daqui, eu não quero que ele acorde – eu pedi quase desesperadoramente pro meu irmão que sorriu e passou o braço por cima do meu ombro me guiando para fora da casa.
Quando Paul entrou no carro, ele não falou nada, apenas ligou o rádio e começou a dirigir. Eu sabia por que ele estava fazendo aquilo. Era o que ele sempre fazia. Dirigia por um tempo até parar em um lugar onde sabia que nós não seríamos interrompidos e então começamos a conversar até que eu conseguisse colocar tudo o que eu estava pensando e sentindo pra fora. Até que eu me sentisse leve de novo. Essa era uma das partes que eu mais amava no meu irmão. O fato de que meus problemas pra ele nunca eram pequenos. Sempre eram importantes o suficiente pra ele parar o que estava fazendo e tomar conta de mim.
Tive uma enorme sensação de deja vú, quando depois de um tempo dirigindo Paul parou o carro. Quando ele me olhou eu sorri, estávamos de frente a Ponte Pênsil e olhar para aquela ponte de lembrava de meses atrás, quando tudo na minha vida simplesmente pareceu desmoronar. Paul desligou o carro e saltou, seguindo para a parte traseira de sua caminhonete e eu fiz o mesmo, seguindo o mesmo caminho que ele e me ajeitando lá. Ele tinha trazido consigo o cobertor que tinha dito que ele tinha no carro. A vista que tínhamos dali da ponte pênsil de Clinfton era bonita. Ao contrário da última vez que tínhamos estado ali, hoje era um dia frio e feio.
– Então ele te contou – ele disse depois de um momento de silêncio, onde ele estava deitado sobre os braços e eu sentada com minhas pernas dobradas e meu rosto apoiado em meus joelhos.
– Há quanto tempo você sabe? – eu virei meu rosto de lado de forma que pudesse encarar meu irmão enquanto conversássemos.
– Desde o primeiro momento – ele deu um sorriso breve, mas eu não fiz o mesmo. Eu ainda estava literalmente me sentindo surtar, e não era de um jeito bom.
– Por que você nunca me contou nada?
– Por que era um assunto do . Ele é o meu melhor amigo, e você é a minha irmã. Eu não saio por aí falando dos seus assuntos pra ele, assim como não saio falando dos assuntos dele pra você. – Aquilo fazia sentido, mas mesmo assim não fazia.
– Todo mundo sabe? , , ? – meu irmão ia mentir dizendo que não, mas sua cara entregava que sim, o que me fez bater em minha própria testa. – Droga, Paul! – Eu quase gritei.
Eu me sentia tão idiota, tão idiota! Agora todas as piadinhas que eu não entendia faziam sentido. Todas as reações dos nossos amigos em determinadas situações faziam sentido. Era como se tudo o que tivesse acontecido desde que eu me mudei e não tivesse feito sentido, de repente tivesse começado a fazer todo o sentido do mundo e me mostrava o quanto eu era idiota. O gostava de mim! Eu era a garota de quem eles falavam. Eu! Eu! Era de mim que eles falavam durante todo o tempo e na minha frente. E a pior parte não era me sentir tão idiota apenas por isso, mas por todo o outro resto.
– Nem todo mundo tem a confirmação, só , e eu. – Aquela informação não mudava o que eu estava sentindo. – Você está gostando dele – aquilo não foi uma pergunta.
– Eu não estou gostando dele. – Eu respondi com certa irritação na minha voz e tentei respirar fundo. Todo mundo sabia menos eu.
– – Paul se sentou, ficando de frente pra mim– Vamos fingir por um momento que o não é o meu melhor amigo, que a gente não mora na mesma casa e você vai me contar como você se sente em relação a ele exatamente como você me contava do Tony.
– A gente se beijou, Paul. E logo depois ele disse que eu sou a garota que ele gosta. A garota que todos vocês falam, a garota que ele gosta. Uma coisa é a gente se beijar por um momento de atração, e outra coisa é existir um sentimento nisso tudo. Isso muda tudo! O é um cara legal e eu sou uma bagunça. Não é justo, não é certo, não é saudável. Ele merece melhor do que isso. E você pode até discordar comigo, Mas pare e pensa por um segundo. Vamos fingir que eu não sou sua irmã, sou uma garota qualquer e aquele é o seu melhor amigo. Você ainda acharia que daria certo?
– Sim! Eu realmente acredito que poderia dar certo se você se permitisse.
– A questão não é eu me permitir eu...
– O não é o Tony, – Paul falou e parecia que ele conseguia ler meus pensamentos, pois era aquilo que se passava na minha cabeça naquele exato momento. – Seus problemas com o Tony não foram por culpa sua! Para de ficar se culpando com isso. O Tony e o são pessoas totalmente diferentes, Você pode confiar nele.
– Eu também podia confiar no Tony e você viu no que deu – eu falei irônica e meu irmão ficou mais sério, apenas me encarando.
– Você precisa parar de fazer isso.
– Eu não estou fazendo nada! – Eu elevei um pouco a minha voz e parei, respirando fundo e deitando na caminhonete.
– Você está com medo! – meu irmão falou sorrindo – você está com medo de sentir pelo o que você sentiu pelo Tony e acabar saindo magoada da mesma forma que você foi. Você tá com medo porque ele te beijou e você gostou e o pior ainda, ele se declarou e você sabe que você gostou. Você queria ser a menina que ele gostava. Meu irmão se deitou segurando a minha mão. – Você só está com medo porque você tem bagagem, e sabe que os dois podem se magoar por causa dela. – Eu comecei a sentir vontade de chorar e fechei bem os olhos. – O nunca te trairia, . E você também não vai conseguir afastá-lo tão fácil quanto você pensa.
– Eu sei – respondi porque eu realmente sabia. De alguma forma muito louca eu sabia. Foram longos minutos de silêncio em que eu realmente não queria quebrar. Eu estava confusa demais pra falar qualquer coisa. Eu sabia que não era o Tony, mas mesmo assim, eu conhecia o Tony por toda a minha vida e mesmo assim as coisas foram pro caminho que foram.
– Eu pedi a em namoro ontem – ele soltou e abriu o maior sorriso que eu já havia o visto dar. Aquela informação me fez sentar, abismada e chocada, como se um tapa forte tivesse acabado de ser dado na minha cara me fazendo acordar.
– Como assim você pediu a em namoro?
– Pedindo ué – ele ria que nem um idiota. Eu gosto dela . Gosto dela de verdade. Mesmo com todas as outras que eu ficava, eu realmente gosto dela. Nenhuma outra me faz sentir da forma que ela faz, e só estava sendo idiota demais e deixando um medo estúpido me impedir de ficar com a garota que eu realmente queria. – Aquela informação repentina estava me fazendo abrir a boca. – Então eu segui seu conselho de agir como um homem, e ontem eu me abri de verdade com ela, como eu nunca havia feito. E então decidimos tentar, tentar de verdade.
– Eu estou tão feliz por vocês nesse momento! – eu bati palmas que nem uma foca. – Vocês merecem toda a felicidade do mundo. – Ele sorriu agradecido. - Eu queria ser mais como você. Serio Paul, você não tem noção do quanto eu te admiro. – Ele sorriu.
– Você é exatamente que nem a mim, maninha – ele segurou minha mão. A única diferença é que você não percebeu isso ainda. – Nós dois rimos, voltando a ficarmos em silêncio.
– Por que você me trouxe aqui de novo? – eu perguntei depois de um tempo.
– Porque três meses atrás, nesse mesmo lugar você tomou uma das maiores decisões da sua vida e eu queria que você se lembrasse de como você estava naquele dia e de como você mudou porque você deixou o medo de lado. – Aquilo me fez sorrir. - Vocês moram juntos, você já pensou no que você vai fazer quando vê-lo? - Ele fez a pergunta que eu estava tentando evitar da minha mente: Qual seria minha reação ao olhar pra .
– Acho que vou tentar me esconder por uns dias. – Essa era a resposta mais plausível que eu poderia encontrar. E era a única coisa que eu conseguia pensar em fazer e quando eu falei isso comecei a rir, junto com o meu irmão.
– Por que será que eu já imaginava que você iria me responder isso?
– Porque você é você e eu sou eu. Você sabe exatamente as coisas que eu vou fazer. – nós nos encaramos.
– Promete pra mim que você não vai ficar fugindo dele? Conversa com ele, explica como você se sente. Mesmo que não seja pra vocês ficarem juntos, só explica pra ele e não o deixe criar expectativas se você acha que realmente não vai rolar nada. O é uma pessoa maravilhosa , eu não quero vê-lo magoado, assim como eu não quero te ver magoada. Você dois precisam de alguém pra cuidar de vocês – aquilo fez meu coração esquentar. – E como ele é meu melhor amigo, preciso te avisar que se você magoar ele eu vou ser obrigado a quebrar a sua cara, assim como serei obrigado a quebrar a dele caso ele te magoe, ok? – Eu comecei a gargalhar.
– Eu te amo, eu já falei isso?
– Já. Mas pode me repetir, que eu não cansar de ouvir – ele se gabou e se levantou. – Nós realmente devemos ir. Você sabe que eu também te amo, mas não quero perder todo o meu domingo aqui. Sem contar que está frio e eu estou com fome. – Ele saltou da caminhonete e eu segui seus passos, entrando e começamos a conversar enquanto ele dirigia de volta pra casa.
Paul sempre conseguia me acalmar e me fazer pensar melhor nas coisas. Só ele tinha esse dom. Ele sempre via o melhor das coisas e o melhor nas pessoas e por vezes eu havia me perguntado o que seria de mim sem ele, o que teria sido de mim se ele não tivesse aparecido lá em casa três meses atrás, o que eu teria feito e quem eu teria me tornado. Grande parte da minha personalidade de verdade existia graças à ele, não porque ele tinha me moldado, mas porque ele tinha me dado a força de ser que eu era sem deixar que ninguém além de mim interferisse nisso. Era só conversar com ele que uma luz parecia se acender em minha cabeça me mostrando que nem todo caminho era tão escuro quando eu acreditava ser. Nós estávamos conversando e rindo enquanto uma música muito boa tocava na rádio. Estar com ele me acalmava. Era como se eu estivesse revivendo um momento três mêses atrás, na minha mente era possível até ouvir o som das gargalhadas que soltamos naquele dia.
– Pra onde você pretende ir, já que planeja se esconder de por alguns dias e como é domingo ele provavelmente vai passar o dia em casa? – Eu pensei no que faria, mas não consegui concluir o meu pensamento. Tudo aconteceu muito rápido, em um segundo Paul estava gargalhando da minha casa de quem não sabia o que fazer e no segundo seguinte tudo o que eu consegui ver e sentir foi medo, impacto, barulho e silêncio quando tudo ao meu redor simplesmente escureceu.
Capítulo 19
Paul
4 meses antes
– Cara, eu estou preocupado com a . – Me sentei ao sofá ao lado de que falava no telefone. Ele cobriu o bocal fazendo um aceno com a mão para que eu parasse de falar.
– Tô pedindo pizza, quer qual sabor? – Ele sussurrou e eu peguei o telefone da sua mão.
– Muito obrigado, senhor, mas ele não vai comer pizza hoje. – Desliguei o telefone e o joguei na poltrona do outro lado da sala. – Você já comeu besteira demais essa semana, não acha? – Eu falei sério. – Pede alguma comida decente, depois vai ficar reclamando que tá passando mal ou engordando. Não adianta nada ir pra academia e ficar comendo um monte de besteiras. – revirou os olhos e colocou o pé em cima da mesa a nossa frente e eu fiz o mesmo.
– Vou pedir algo saudável. – Ele pegou o celular no bolso. – Mas continue falando sobre a primeiro, você ainda não conseguiu falar com ela então?
– Conseguir eu consigo. Eu só acho que ela está estranha, desde o término com o Tony ela não pareceu ficar bem, muito pelo contrário. No ano novo eu tentei dar um up nela e até consegui, mas desde então ela parece que só piorou. E já se passaram mais de seis meses. Ela não quis vir passar as férias aqui, . Tem alguma coisa muito errada.
– Você perguntou o porquê?
– Óbvio. – Me sentei com aquela horrível sensação de incapacidade. – Ela só diz que não está afim, para marcarmos um almoço, mas ela está estranha, . Nas últimas vezes que nos vimos ela parecia um zumbi. Eu sei que nem tudo é culpa do término, tem alguma questão com a mãe dela que ela não quer me contar. Sabe, eu adoro a tia Sara, ela fez minha infância muito boa, mas ela nunca facilitou pra . São sempre muitas exigências, pouco incentivo, muita opressão. Antes a brigava, mas agora acho que ela só tá acatando. Sucumbiu a isso. Pra você ter uma noção, da última vez que eu a vi, ela estava com o cabelo escorrido. Nenhum cachinho, nenhum! A ama seus cachos desde que ela tem, sei lá, idade o suficiente para pronunciar a palavra cachos. – fez uma cara engraçada. – Amanhã é o aniversário dela, e eu estou pensando em aparecer lá de surpresa. Ela já me disse que não queria fazer nada, mas mesmo assim eu não quero deixar passar em branco.
– Faça isso. E se você chegar lá e ela não estiver bem, você já sabe o que fazer. – Ele deu de ombros e eu sabia muito bem do que ele estava falando. – Esse sempre foi o intuito, não foi? Você não pegou esse apartamento com três quartos à toa. Desde o início eu sabia que a sua intenção era trazer a sua irmã pra cá em algum momento. Talvez ela não venha passar uns dias porque sabe que depois vai ter que voltar pra lá.
– Eu tenho pensado muito nisso, mas não sabia como entrar no assunto com você.
– Comigo? – Ele pareceu surpreso e se mexeu na cadeira e eu vi um sorriso discreto de animação no seu rosto. – Eu sempre soube que o terceiro quarto seria pra então por mim não tem problema nenhum, afinal, esse é o seu apartamento. Você deveria ir lá, falar com ela, conversar com ela, e propor trazê-la pra cá, se isso vai fazer bem à ela e te deixa menos preocupado.
– Tem certeza? – Ele acenou com a cabeça. – Não vai ficar com ciúmes de ter que dividir minha atenção com ela não? – revirou os olhos.
– Cara, sua irmã esticou o cabelo, algo de muito grave tá acontecendo, vá buscar ela logo.
– É o cabelo, não é? O que te encanta nela? – ficou vermelho e tentou fazer cara de desentendido mas ele sabia exatamente do que eu estava falando. – Tipo, o que me encanta na são os seus olhos. Aqueles cílios enormes e aqueles olhos caramelo que parecem de um labrador pedindo comida. – começou a rir e saiu de perto de mim seguindo para a outra poltrona e pegando o telefone que eu havia jogado aí. – É isso, não é? O cabelo que te faz derreter pela minha irmã?
– Do que você tá falando, cara? – Ele abaixou a cabeça pro telefone, fingindo procurar algum número em sua agenda.
– Do fato de que você é afim da minha irmã e nunca me contou nada. – ficou tão sem jeito que eu comecei a gargalhar alto, e talvez isso não tenha ajudado muito. Ele balbuciou algumas coisas negando, mas sua cara rosa anulava qualquer justificativa que estivesse saindo da sua boca.
– Não viaja, cara. – Ele disse por fim.
– , é muito nítido. Tu fica todo diferente quando ela está por aqui, fica com aquele sorrisinho besta na cara. Implica com ela de um jeito que eu nunca te vi implicar com ninguém. Você até tenta ser sutil quando me pergunta discretamente dela, mas pra mim é muito óbvio meu amigo. E eu já vi suas buscas recentes no facebook e eu sei que você vira e mexe stalkeia ela. – Cerrei os olhos. – Por favor, só não me diga que você é desses caras que pede nudes, isso é algo que qualquer um vai esperar de mim e não de você. – Ele sorriu e eu entendi aquilo como uma confissão. – , é sério. Eu não vejo problema nenhum em você ser afim da minha irmã, ok? Então não precisa ficar cabreiro em falar comigo sobre isso.
– Desde quando você sabe? – Ele ergueu o rosto e pareceu que talvez ele estivesse com medo da minha reação.
– Desde o final de semana que ela desceu daquele trem e você começou a agir todo estranho. Foi ali que começou, certo? – Ele acenou com a cabeça. – Seria legal ver a com alguém que presta pra variar. – Rolei os olhos. Eu havia detestado o relacionamento com Tony com todas as minhas forças e desde o início eu havia previsto que o término daquele relacionamento daria merda no final de tudo eu estava certo.
– Dude, ela é sua irmã. Você tá pretendendo trazer ela pra morar aqui, pode ter certeza que essa simples ideia que eu tive foi mais do que abortada. – Ele se levantou pegando um casaco.
– Seria até mais fácil, já que eu supervisionaria vocês o tempo inteiro. – Me levantei também.
– Cara, para! Não vai rolar nada, eu não vou fazer nada, ela provavelmente vai vir morar aqui, vamos brigar até que você tenha que decidir entre ela e eu, então eu vou me ver pedindo abrigo à , pelo menos até o ano acabar e eu ir pra faculdade.
– Meu Deus, como você é exagerado. Ou ela poderia mudar, vocês poderiam se apaixonar e pronto. Eu apoiaria vocês, você só teria que respeitar e cuidar dela, caso contrário eu vou ser obrigado a quebrar essa sua carinha em alguns pedaços – dei dois tapas leves em seu rosto.
– Cara, não conta nada pra ela, Por favor. É só uma coisa boba, nada demais. – Ele deu de ombros. – Vou ir comer em algum lugar, borá? – Parei olhando pro relógio da sala. Já estava mais do que na hora de fazer algo e ajudar a minha irmã.
– Não, você pode só me dar uma carona até a estação?
A pessoa que atendeu a campainha era uma total desconhecida pra mim, aquilo não me assustou, desde que eu me conhecia por gente tia Sara não era uma pessoa que ficava por muito tempo com os mesmos empregados, seu temperamento forte fazia com que as pessoas pedissem demissão com uma frequência muito maior do que o desejado pela maioria das pessoas.
– Posso ajudar? – Ela ficou me encarando como se me conhecesse de algum lugar.
– Eu sou Paul, irmão da . – Respondi já entrando na sala e a mulher se assustou com meu comportamento, mas apontei para um porta retrato que havia a alguns metros dali, onde aparecia abraçada comigo e a mulher fez um aceno positivo com a cabeça. – Ela está em casa? Tia Sara tá em casa? – Olhei para a casa silenciosa, grande e perfeitamente impecável. Tudo sempre havia sido daquela forma dentro daquela casa, as coisas em seus mais do que devidos lugares, Tia Sara nunca havia sido uma pessoa que aturava indisciplina, e com os anos essa característica da sua personalidade havia se aprimorado de uma forma absurda.
– A está no quarto e a Senhora Sara no escritório, posso te acompanhar em algum desses lugares?
– Não precisa – respondi virando de costas, – pode só avisar a tia Sara que to aqui se quiser, daqui a pouco dou um pulo lá no escritório, eu vim mesmo pra ver a .
Não esperei para ver se haveria alguma resposta da sua parte, subi as escadas de dois em dois degraus, ansioso por ver e ver sua reação com a minha surpresa. Cheguei até a porta de seu quarto e bati duas vezes, mas não tive nenhuma resposta. Abri um pouco a porta e pela fresta pude vê-la sentada na cama de costas para a parede e com um notebook no colo, ela tinha os fones no ouvido e parecia concentrada em algo. Usava pijamas embora passasse do horário do almoço, seu cabelo estava liso preso em um coque e ela parecia mais magra.
Fiquei uns bons segundos observando ela até que seus olhos se ergueram, se encontrando com os meus e ela soltou um grito assustada quase jogando o notebook no chão. Empurrei a porta fazendo uma entrada triunfal e me joguei em cima dela, que abriu um sorriso e me recebeu com um abraço. Era bom vê-la sorrir depois de ouvir por tanto tempo sua voz melancólica do outro lado da linha telefônica. Minha dúvida quanto a seu emagrecimento foi confirmada quando eu a abracei, ela parecia bem menor nos meus braços.
– Então é por isso que você não quer ir passar as férias comigo? Eu sempre soube que Netflix era um competidor nível hard, mas não tão hard. – Puxei o computador do seu colo e fechei a tela sem nem mesmo me importar com o que ela estava assistindo.
Me ajeitei na cama e quando voltei a encarar minha Irmã doeu ver a imagem que estava na minha frente, aquela não era a que eu conhecia. Uma parte do brilho que eu sempre havia visto em seu rosto havia sumido e eu queria viajar alguns quilômetros e socar Tony porque eu sabia que em parte ele era o principal responsável por aquilo.
– O que você está fazendo aqui? – Ela tentou parecer animada, ajeitando o cabelo e fingindo um sorriso no rosto. – Nós nos falamos hoje de manhã e você não me disse nada sobre estar vindo aqui.
– Quis te fazer uma surpresa. Sua voz não me parecia muito agradável, então eu resolvi checar pessoalmente – fiz um barulho com a boca olhando pro quarto ao redor.
– Eu estou bem, você não precisava deixar de aproveitar um dia das suas férias só pra vir aqui – ela me deu um leve empurrão com os ombros e aquilo foi estranho, porque ela sabia muito bem que eu deixaria minhas férias todas de lado caso ela precisasse de mim.
– Eu deixaria minhas férias todas de lado se você precisasse de mim. Eu sou seu irmão, , essa é a minha função. Nunca achei que você fosse duvidar disso. – Me senti um pouco “magoado” pela dúvida, exatamente por ela saber quem eu era e sempre havia sido para ela. E mesmo com minha frase ele não falou mais nada, apenas olhou para frente evitando me encarar nos olhos. – O que aconteceu com você? Eu peguei em sua mão e ela a puxou.
– Eu estou bem. – Seu sorriso era tão falso que eu senti vontade de gritar com ela por estar mentindo daquela forma deslavada pra mim.
– Não, você não está. Você tem se olhado no espelho? Você está horrível. – Aquela frase pareceu afetar ela de uma forma que eu nunca tinha visto antes e eu a vi engolir a seco por um motivo que eu não consegui entender.
– Eu estou bem, para de se preocupar comigo. – Ela foi seca, pela primeira vez na minha vida eu via sendo seca comigo.
– Não, não paro. Principalmente agora depois de vir pra cá e te ver desse jeito. O que aconteceu?
– Nada, eu já disse que eu estou bem e não horrível ao contrário do que você parece achar. – Ela parecia irritada.
– , o que está acontecendo? – Falei pausadamente, talvez dessa forma ela realmente entendesse o que eu estava perguntando e segurei em seu braço fazendo-a me encarar. – Eu não quis dizer que você está horrível, você só não parece bem, usei as palavras erradas.
– Não tem problema, eu já estou acostumada – ela acalmou um pouco a voz. – Eu sei que você não teve a intenção. Desculpa. – Ela parou e respirou fundo.
– Vamos lá pra casa. Por favor. Sair um pouco daqui ou me diz o que está acontecendo.
– Paul...
– Você não é a que eu conheço. Eu não sei pra quem eu tô olhando. O que aconteceu com seu cabelo? Por que você está magra desse jeito? Tony fez alguma coisa, eu juro que eu enfio tanta porrada na cara daquele filho da puta
– Nada aconteceu – Ela se aproximou de mim. – Minha mãe tá tentando me ajudar com algumas coisas
– Que coisas?
– A ser melhor, mudar um pouco. E...
– Por que você precisa mudar?
– Porque ninguém vai continuar por perto de mim se eu continuar assim. – Aquelas palavras não eram pra mim, mas foi como se elas me atingissem como um tapa. – Eu não quero daqui a alguns anos olhar pra trás e ver que eu lutei por algo que não valeu a pena e só me levou a estar sozinha. – Seus olhos se marejaram. – Eu tô cansada, Paul. Não vale mais a pena tentar mudar ou ser eu mesma, não tava funcionando.
– Quem te disse isso, sua mãe? Me deixa adivinhar, ela usou o término do seu namoro pra te manipular à ser o protótipo perfeito dela, mas olha só pra ela, quem é que não tem ninguém ao redor é ela. Quem é sozinha é ela. Não deixe isso te influenciar. – Eu estava com tanta raiva, eu odiava vê-la daquele jeito.
– Eu só cansei, Paul. Ela não me dá descanso. – se sentou na cama e começou a chorar. – Eu só não vejo mais saída, só isso.
– É claro que você tem uma saída. – Bati minha mão na mesa assustando ela. – Eu sempre estive aqui por você, , você é minha irmã e eu jurei sempre te proteger de tudo e eu vou fazer isso. Você vai vir morar comigo.
– Ela não vai deixar, Paul. Você conhece a minha mãe, ela vai fazer ameaças e ameaças e no final de tudo ela vai ganhar.
– Não, ela não vai. Arruma as suas malas agora. Quando eu sair dessa casa você sai comigo, e se você decidir voltar vai ser porque você decidiu voltar e não porque sua mãe te coagiu a isso. – Ela me encarava atônita. – Arruma as suas coisas – eu apontei com a cabeça pro guarda roupa e sai do quarto sentindo meu rosto quente.
Preciso que você pegue meu carro e venha até aqui me buscar. Estou te mandando a localização.
Digitei uma mensagem para e respirei aliviado quando vi que ele visualizou quase instantaneamente e me deu uma resposta positiva.
Abri a porta do escritório sem nem bater, Eu estava com tanta raiva que estava com vontade de gritar. Tia Sara ergueu o rosto de umas folhas me olhando assustada, talvez a empregada tivesse esquecido de avisá-la que eu estava ali.
– Que porra tá acontecendo com a ? – Ela ainda ficou alguns segundos me encarando surpresa antes de recompor toda a sua pose elegante e indiferente.
– Paul! Quanto tempo! – Ela se levantou e deu meia volta caminhando em minha direção e me dando um abraço simples antes de voltar ao seu lugar. – Não sabia que você estava aqui, veio passar alguns dias conosco, como nos velhos tempos? – Ela sorriu mas eu nunca a achei tão falsa.
Eu a conhecia por toda a minha vida, grandes partes das boas memórias da minha infância ela estava no meio e isso fazia com que eu tivesse um grande carinho por ela, mas a mulher da minha lembrança estava longe de ser a mulher que me encarava com um sorriso falso no rosto. Sorriso este que a alguns minutos atrás estava tentando imitar.
– O que está acontecendo com a ? – Perguntei de novo e ela largou a caneta que tinha pego. – Você não tá vendo que sua filha não está bem?
– Ela está passando por um período difícil de transição, Paul. O nome disso é amadurecimento e dói mesmo. Já estava mais do que na hora dela começar a me ouvir e mudar aquele jeito horrível dela. – Só ali eu entendi porque minhas palavras tinham afetado tanto . – Ela vai ficar bem. – Ela voltou a pegar na caneta.
– Como você pode saber disso?
– Eu mesma já passei por isso tipo de transição e estou bem e viva hoje em dia.
– Você só não consegue perceber a pessoa desprezível que você se tornou. – Ela ergueu o rosto pra mim. – Sua filha está definhando no quarto ao lado do seu por um motivo que você dá a ela todos os dias quando rebaixa tudo aquilo que ela é. Isso não te incomoda? Saber que sua boa aparência como mãe vale muito mais a pena do que sua real função como tal? Meu pai sabe das coisas que estão acontecendo aqui?
– Não é como se o seu pai tivesse algum tempo pra se importar.
– Pelo menos ele se importa, ao contrário do que você parece fazer.
– Paul, você não pode entrar na minha casa e me dizer o que fazer com a minha filha – Ela se alterou.
– Sara – foi a primeira vez em vinte e dois anos que eu a chamei pelo nome, sem usar um tia na frente. – A vida de não é sua para que você decida o que fazer ou não fazer com ela. Sua fila está infeliz e grande parte do motivo é você e toda sua ditadura de comportamento que você coloca nela. Você não se conforma de ser infeliz sozinha, precisa arrastar ela pra ser infeliz junto com você? – Eu tinha tanta raiva na minha voz que acho que aquilo a magoou de certa forma pois ela parecia atônita. –Ela vai vir passar uns dias comigo e se ela vai ficar ou não definitivamente é uma decisão dela e não sua. – Terminei minha frase e sai do escritório seguindo de volta pro quarto de mas pra minha infelicidade, Sara veio junto.
– Quem você pensa que é para entrar na minha casa e me dizer o que eu devo ou não fazer com a minha filha?
– Eu sou alguém que se importa com ela, coisa que você não parece fazer. – Entrei no quarto de e ela tinha três bolsas prontas. Talvez ela tenha decidido ir embora de vez mesmo, já que ela parecia ter pego suas coisas mais importantes e jogado dentro de suas malas. Ela olhou assustada pra sua mãe que entrou no quarto atrás de mim.
– Guarda essas coisas agora! – Ela apontou com raiva para as malas. Peguei meu telefone e pedi um táxi pelo aplicativo, não chegaria a tempo.
– Ela não vai guardar nada. – Peguei uma das mochilas que havia arrumado e joguei nas minhas costas. – Você pegou tudo o que você precisava? – Ela acenou com a cabeça. Eu via seus olhos marejados e sabia que ela estava pronta pra desistir de ir a qualquer momento.
– . Eu sou sua mãe e você me deve respeito e obediência. Você não vai sair dessa casa.
Peguei outra mala e com minha mão vazia segurei a mão de , tentando lhe passar confiança e força. Segui com ela para fora do quarto e quando chegamos ao corredor Emma apareceu curiosa. Sara gritou para que ela voltasse pro quarto e ela obedeceu de imediato.
– Você é uma ingrata e egoísta por tudo o que eu faço por você, por todos os meus sacrifícios pra te dar a vida que você tem.
Descemos as escadas com ela ao nosso encalço gritando palavras que eu sabia que estavam magoando profundamente minha irmã. Eu quis gritar para que ela calasse a boca e comprar a briga de uma forma mais intensa, mas minha preocupação passou a ser mais forte em tirar logo da direção das palavras que ela jogava em nós. As lágrimas da minha irmã já desciam silenciosas por seu rosto e eu apertei mais ainda a sua mão tentando mostrá-la que como sempre eu estava ali por ela. Abri a porta de entrada e fiquei feliz pela rapidez do táxi.
– , se você sair por essa porta você pode esquecer que você tem uma mãe porque eu com toda certeza do mundo vou esquecer que tenho outra filha. – Ela parou no meio da sala olhando para a nós dois e pela primeira vez eu vi erguer o rosto para encará-la de verdade, havia muita mágoa quando sua voz saiu, mas ainda assim foi a coisa mais firme que eu já havia ouvido minha irmã falar.
– Tchau, Sara.
Quando entramos no carro, eu mandei uma nova localização para nos encontrar e abracei minha irmã com toda a força do mundo para que ela tivesse certeza que eu estaria ali pra ela, eu a vi prender o choro e morder os lábios enquanto lágrimas teimosas escorriam por seu rosto, mas aos poucos a Velha que eu conhecia parecia tomar conta daquele olhar triste. Quando nos encontrou, ele não olhou pra ela ou perguntou qualquer coisa, ele apenas nos cumprimentou e ajudou a colocar as coisas dela dentro do carro.
ia subir na caminhonete quando eu pulei e sentei na carroceria, batendo ao meu lado para que ela entendesse que era pra ela sentar ali também. Ela me olhou sem entender mas seguiu para o meu lado e eu bati na lataria do carro, sinalizando a que ele poderia começar a dirigir.
Nos deitamos no chão da carroceria e longos minutos de silêncio se passaram enquanto apenas o vento batia em nossos rostos, preenchendo o silêncio das palavras com os barulhos e levezas que apenas o vento poderia trazer.
olhava atenda pro céu acima de nós e pras nuvens que passavam rápidas e de todas as formas. Eu olhava pra ela e via uma mulher que poderia se tornar absurdamente forte, mas que ainda estava com medo de dar os primeiros passos sozinha. Eu queria protegê-la mas sabia que não poderia fazer aquilo para sempre então tudo o que me restava era ajudá-la a ver a mulher incrível que ela poderia ser e dá-la a liberdade de escolher ou não ser essa pessoa.
– Você está bem? – Ela se virou pra me encarar, com os cabelos voando por seu rosto deixando-a toda bagunçada. – Você vai ficar bem. – Ela sorriu de verdade, um sorriso de agradecimento.
– Eu acabei de descobrir que estava com saudades de sentir o vento batendo no meu rosto – ela fechou os olhos. – Acho que era saudade de saber como é se sentir viva, de verdade.
– Isso é a vida, mana, batendo no seu rosto e te mostrando que o mundo é cheio de coisas para serem vistas e vividas e que assim como o vento, não importa se é bom ou ruim: passa. Tudo sempre passa, nada dura pra sempre. Nem essa tristeza que você está sentindo agora e nem a felicidade que você pode vir a sentir um dia. Tudo é uma constante ida e vinda e tudo o que nos resta é encarar isso.
Ela continuou de olhos fechados, talvez absorvendo minhas palavras.
– Senta. – Eu dei uma batida no capô e me olhou pelo retrovisor, sinalizei pra ele diminuir a velocidade, passávamos pela ponte pênsil e eu me sentei na caçamba, apoiando minhas costas na lateral do carro e indiquei a para fazer o mesmo. Fechei meus olhos e abri meus braços, esperando que minha irmã fizesse o mesmo.
A corrente de ar passava pelos nossos corpos e os braços abertos traziam uma plena e absurda sensação de liberdade.
– Nossa, isso trás uma sensação maravilhosa. – Abri meus olhos e estava ali, com seus braços abertos, os cabelos soltos e um sorriso nos lábios. Eu olhava para a minha irmã e via uma menina indefesa que precisava aprender a encontrar dentro de si mesma todas as forças para enfrentar o mundo.
– – Ela abriu os olhos quando eu a chamei. – Você tem duas opções a partir de agora: Vir morar comigo e ter a oportunidade de ser tudo aquilo que você sempre quis ser, não vai ser fácil, nós vamos ter brigas, as coisas podem ser difíceis no início, mas eu prometo que eu vou fazer de tudo pro seu melhor, sempre. – Ela acenou com a cabeça. – Mas pra morar comigo, você tem que fazer um juramento antes – abri um sorriso. – Você tem que me prometer que você vai viver de acordo com o que você acha que é melhor pra você, ponderando sempre. – Ela acenou com a cabeça. – Você também vai ter que entender que o mora lá, ele não é só um convidado, ele é o meu melhor amigo e é como se fosse um irmão pra mim, então eu vou ser totalmente imparcial no meio das brigas de vocês, ok? – Ela deu um sorriso ladino voltando a fechar os olhos.
– Acho que vai ser uma experiência e tanto. Talvez no final de tudo, eu vá parar na delegacia por assassinar . – Ela soltou uma risada anasalada e era bom ver que ela já ria de novo.
– Que nada, você vai conhecer o e ver que ele é um cara legal.
– Duvido muito.
– Talvez você acabe se apaixonando por alguém lá – ela sorriu de verdade agora.
– Na minha atual situação emocional, mais provável eu virar lésbica.
– Pra todo caso, tem a . Ela é uma pessoa legal, você vai gostar de conhecê-la. Na verdade, você vai gostar de conhecer a todos. Acho que vocês vão se dar muito bem.
– Menos com o . – Ela fez questão de frisar e abriu os olhos para olhar pro garoto que dirigia.
– Talvez você acabe se apaixonando por ele. – Dei de ombros como quem não quer nada, mas jogando a deixa no ar e ela gargalhou alto dessa vez, a velha já me encarava de volta, o brilho no olhar já estava ali.
– Obrigada, por me fazer sorrir e por ser a única pessoa do mundo que faz com que eu me sinta amada.
– Você é amada, . Nunca duvide por um mísero segundo que você merece menos do que ser amada. Me promete isso? – Ela acenou com a cabeça.
– Sim eu prometo. – Ela voltou a se deitar na carroceria do carro e a fechar os olhos. Agora eu não tinha apenas um, mas dois adolescentes pra cuidar. O pensamento me fez rir, porque não havia nada no mundo que pudesse me fazer mais feliz, do que ter aqueles dois debaixo do meu teto.
Já passava das oito da noite quando o telefone de casa tocou, eu já estava começando a ficar preocupado com e Paul que haviam saído de manhã e ainda não tinham dado sinal de vida. também já estava começando a ficar irritada, ela havia passado toda a manhã me contando da conversa que ela e Paul tiveram na noite anterior e a decisão que tomaram de finalmente ficarem juntos pra valer e fazerem dar certo. Eu havia ficado extremamente feliz, mesmo não conseguindo demonstrar com todo afinco.
Eu ainda queria ver e saber como as coisas ficariam a partir dali, eu sabia que tudo mudaria mas mesmo assim não me sentia arrependido de ter dito nada, era como se eu finalmente tivesse tirado um enorme peso das minhas costas. havia pedido por detalhes, e eu dei todos aqueles que eu achava necessário, sem falar muita coisa. Tinham coisas que eu preferia guardar para mim, com uma forma de lembrança boa, caso tudo desse errado.
A reação de havia me surpreendido. Eu não calculava que iríamos nos beijar e também não calculava que as palavras iriam sair da minha boca com a facilidade que saíram, mas aconteceu e agora eu estava mais do que ansioso pra saber como as coisas ficaram a partir de então. Eu sabia que ela tinha alguma espécie de sentimento por mim, a forma que nos beijamos, não era possível que só eu havia sentido uma conexão, que era algo vindo só de mim, alguma coisa vinda da minha cabeça. Estava lá, era como se o nós que, há pouco tempo, tinha passado a existir tivesse finalmente se concretizado, como se a nossa história tivesse só agora se iniciado. Eu só precisava vê-la, só isso, ela poderia me evitar ou ignorar, mas eu precisava olhar em seus olhos só pra ter a certeza de que eu não estava me iludindo.
– Alô – atendi o telefone que por sinal havia me assustado, quase ninguém ligava pra aquele número.
Me assustei mais ainda quando Tia Rachel se identificou e senti meu alerta soar ao ouvir seu tom de voz. Em poucas palavras ela havia me avisado que estava no hospital da cidade junto com Paul e e que os dois haviam sofrido um acidente de carro mais cedo. Senti um calafrio descer por todo o meu corpo e parecer se instalar nas minhas pernas naquele instante. Ela perguntou se eu poderia ir até lá e eu não consigo lembrar bem o que eu respondi e se eu respondi alguma coisa, tudo o que eu sabia era que no minuto seguinte eu já estava dirigindo que nem um louco rumo ao hospital.
Eu não entrava ali desde que minha mãe havia morrido e foi como se um vento de lembranças e sensações ruins tivesse soprado em mim no momento em que eu passei por aquela porta. Eu não me informei sobre onde ficava qualquer coisa porque eu já conhecia todo aquele hospital de cor. Ele havia sido minha casa por um tempo.
Segui até a sala de espera, e logo ao cruzar a porta eu pude identificar a mãe de , e só naquele momento eu me toquei de que eu nunca soube seu nome. Ela estava vestida como se tivesse saído de casa de qualquer jeito, seus cabelos estavam presos em um coque alto e ela pareceu me reconhecer no momento em que seus olhos pousaram em mim. Olhei mais em volta, tentando achar Tia Rachel e até mesmo tio Joey, mas nenhum deles parecia estar por ali.
– ? Você é o , certo? – a Sar se aproximou de mim. – Eu lembro de você no carro com no acampamento.
Acenei com a cabeça, ainda tentando entender o que poderia estar acontecendo. Quando ela se aproximou de mim eu percebi que ela estivera chorando e isso fez com que todo o meu corpo entrasse em estado máximo de alerta. Olhei em seus olhos confirmando com a cabeça. Ao mesmo tempo que tudo parecia estar acontecendo rápido demais eu sentia que meus movimentos estavam retardados em velocidade.
– O que aconteceu? – Meu tom de voz ao contrário do que eu imaginei que sairia, foi totalmente baixo e calmo. – Onde está a Tia Rachel? Ela falou muito rápido comigo ao telefone, só me pediu pra vir pra cá o mais rápido possível.
– A Rachel está agora com os médicos.
– O que aconteceu? – Perguntei de novo, tentando de alguma forma entender como eu havia saído de uma tarde inteira imaginando o que falar pra garota que eu gosto pra uma sala de hospital sem saber ao menos se ela e meu melhor amigo estavam vivos.
– Paul e estavam no carro voltando de algum lugar quando o motorista de um caminhão dormiu e acabou invadindo a pista dos dois.
– . – A voz de Tia Rachel chamou minha atenção e eu me virei em sua direção. Seu rosto estava banhado em lágrimas e logo atrás dela vinha tio Joey parecendo avulso e desnorteado de tudo o que acontecia a sua volta.
– – voltei a olhar pra Sra. que chamou minha atenção. – A batida foi...
– Paul está morto, não está? – Eu cortei o que ela falaria. Eu conseguia reconhecer um tom de quem iria anunciar uma morte, eu havia presenciado dezenas deles enquanto esperava nessa mesma sala de espera uma melhora da minha mãe que nunca aconteceu, até o momento em que alguém usando aquele mesmo tom de voz e olhar veio falar comigo.
– Eu sinto muito. – O mundo rodou em volta de mim e eu precisei me apoiar em meus próprios joelhos pra não cair, ela como se alguém tivesse dado um soco muito forte na boca do meu estômago, quase me derrubando.
Tia Rachel me abraçou em algum momento chorando copiosamente e por mais que eu a amasse como uma mãe e quisesse fazer o mesmo com ela eu quase não consegui. Demorou um tempo e um esforço absurdo até que eu conseguisse cruzar meus braços em volta do seu corpo. Eu só conseguia tentar entender como tudo havia acontecido, em como havíamos passado de uma madrugada bebendo e rindo pra uma noite com ele morto. Tia Rachel foi tirada de meus braços pela Sra alguns segundos depois e foi amparada até uma cadeira e eu continuei parado no mesmo lugar, ainda não conseguindo sentir se eu conseguiria realizar os movimentos de minhas pernas.
– Eu sinto muito, . – Tio Joey parou à minha frente, ele assim como eu parecia não estar acreditando em tudo o que estava acontecendo.
– O que aconteceu? Como?
– A batida foi totalmente direcionada no lado do Paul. A teve algumas escoriações, quebrou a perna e precisou de uma pequena cirurgia para reparar o osso, e acabou de sair da sala de cirurgia. Já o Paul deu entrada no hospital com traumatismo craniano e foi levado direto pra sala de cirurgia, mas infelizmente foi declarado com morte cerebral uma hora atrás.
Eu parecia estar em um sonho bizarro.
– Paul se foi – Tio Joey riu ainda que lágrimas escorressem de seu rosto. – Eu não faço ideia de como contar isso pra quando ela acordar. – Ele passou a mão pelo rosto enxugando algumas lágrimas e começando a soluçar alto.
Passei minhas mãos por seu ombro, tentando ampará-lo. Depois de alguns minutos ele se acalmou e voltou a falar.
– A morte foi cerebral, a maior parte de seus órgãos está em perfeito estado, então nós decidimos doá-los. Era isso que ele ia querer. – Um sim saiu de minha boca, mas eu ainda não fazia ideia de como. – Você poderia avisar aos amigos mais chegados, caso eles queiram vir se despedir? Temos vinte e quatro horas antes que levem ele pra cirurgia de remoção.
Ele parou de falar e eu acenei com a cabeça. Informei que precisava ir e assim que cheguei próximo ao meu carro o vômito subiu garganta acima, quase não me dando tempo de curvar em um canto. Estava frio, mas eu suava e tremia, com um enorme mal-estar, como aqueles que te dão quando se está com uma virose muito forte. Minha mão tremia de tal forma que eu encontrei dificuldade de colocar a chave na ignição. Fiquei durante um tempo apenas parado ali, respirando e tentando fazer o mal -star sumir, mas ele parecia que nunca mais iria me abandonar.
Minha cabeça começou a pensar em , , e em como tudo iria ser a partir daquele momento. Mandei uma mensagem pra perguntando onde ela estava e ela me respondeu que estava em casa, junto com toda a galera que tinha ido pra lá matar o que havia sobrado da festa.
Pedi pra que ela não deixasse ninguém sair e dirigi até lá, tentando manter a calma e respirando fundo, sentindo minhas mãos se acalmarem um pouco. Demorei longos segundos do lado de fora da porta, apenas ouvindo risos e gritaria, tomando coragem para entrar. Era o aniversário de e ela estava tão feliz por finalmente ter se acertado com Paul, eu não fazia ideia de como ela poderia reagir à isso.
Tudo parecia surreal demais e eu esperava pelo momento em que eu pudesse despertar e descobrir que tudo não passava de um sonho. Mas não era. Estava acontecendo tudo de novo. Era tão injusto. Tão errado essas coisas acontecerem. Eu sentia tanta raiva, eu queria socar algo ou gritar, mas eu sabia que precisaria ser calmo e estar lá pelos meus amigos que precisariam de mim, assim como eles estiveram por mim quando fui eu quem precisei deles.
Abri a porta e passei pelo corredor entrando na sala, todos estavam lá em frente à TV e rindo de alguma coisa que se passava nela. Nem todos me perceberam, e eu fiquei parado ali um tempo, apenas observando como as coisas eram, sabendo que tudo mudaria definitivamente a partir dali.
Quando Valerie me percebeu, foi inevitável tentar preservar aquele momento e aquela notícia. Quando ela falou comigo eu não respondi, ao invés disso eu caminhei até o centro da sala e desliguei a TV, sendo xingado ao som de risadas que morreram quando eles perceberam minha cara e que eu não estava ali fazendo algum tipo de brincadeira. Meu coração doía por saber o que eu precisava dizer. Eu não queria ter que fazer aquilo, eu queria preservá-los de alguma forma.
– o que aconteceu? – perguntou ficando mais sério e eu não consegui olhar pra . Não era justo com ela.
– Eu preciso que vocês prestem muita atenção no que eu vou dizer, porque eu não sei se eu sou capaz de falar isso duas vezes, ok? – A sala ficou em silêncio total e se levantou de onde estava e se aproximando um pouco mais do centro da sala. Minhas mãos tremiam ao ponto do tremor ser percebido em meus braços. Na realidade todo meu corpo tremia.
– e Paul sofreram um acidente de carro hoje de manhã, um caminhão invadiu a pista onde eles estavam e acertou em cheio os dois. – Minha voz começou a embargar mas eu respirei fundo. Eu precisava aguentar até o fim.
Olhei diretamente pra que já tinha a feição assustada e meus olhos se encheram de lágrimas.
– Ao que tudo indica a está bem, ela teve algumas escoriações, quebrou a perna, passou por uma cirurgia, mas agora já está bem.
– Paul? – perguntou sobressaltada e eu senti minha primeira lágrima escorrer, mas fiz questão de limpá-la mais do que depressa. Aquele ainda não era o momento. Eu precisava dar aquela notícia para olhando nos seus olhos, eu a devia isso.
– Paul foi declarado com morte cerebral uma hora atrás.
Eu vi a minha melhor amiga desmoronar bem na minha frente. Eu vi seu corpo cair ao chão e logo em seguida ser consumido por uma onda incessante de choro. Eu vi abaixar para ajudá-la e abaixar a cabeça e começar a chorar.
Eu vi alguns ali que assim como eu não sabiam muito bem que reação esboçar ou talvez ainda sem acreditar. A minha única certeza naquele momento era a de que eu precisava sair dali. Embora eu quisesse ficar para ampará-la e consolá-la, eu apenas precisava sair dali o mais rápido possível, e eu o fiz. Eu já quase chegava novamente no meu carro quando saiu correndo de dentro de casa atrás de mim.
– , por favor não some! – Seu tom desesperado aumentou o desespero que havia em mim para sair dali. Por favor, Por favor! – Ela soluçava alto e eu voltei dois passos para abraçá-la e apertá-la em meus braços. – Por favor, a gente precisa de você.
Ela soava tão desesperada e só naquele momento eu via a dimensão do que eu havia feito meus amigos passarem quando eu sumi por aí sem destino em um ato totalmente egoísta, a preocupação de naquele momento comigo só me fazia amá-la mais ainda e precisar sair dali o mais rápido possível.
– Eu não vou. Eu juro. – Eu beijei sua testa me desvencilhando dela antes que eu fosse incapaz de fazer isso.
– vai precisar de você! Eu vou precisar de você e você vai precisar da gente. – Ela disse entre os soluços quando eu a soltei.
– Eu não vou a lugar nenhum. – Senti uma segunda lágrima escorrer mesmo que sem minha permissão. – Mas nesse momento, eu só preciso ir pra casa. – Ela acenou com a cabeça. – Eu estou bem .– Disse antes de entrar no carro, mesmo não estando. Mas eu precisava dar a ela a garantia de que ela não precisaria se preocupar comigo. Dessa vez, ninguém precisaria se preocupar comigo. Eu que me preocuparia com eles.
Dirigi por um tempo ainda meio desnorteado antes de parar na penúltima casa da rua onde todas as casas eram iguais. Saltei do carro no mesmo momento em que a Sra Wilts saía do dela e ela me olhou assustada, talvez estranhando eu estar ali. Três anos desde a última vez que eu a tinha visto e eu apenas fiz um aceno de cabeça antes de abrir o pequeno portão.
Ao contrário da última vez, eu não me limitei a ficar parado do lado de fora olhando. Eu apenas enfiei a chave na fechadura e entrei, sentindo o cheio de poeira forte que tinha ali dentro. O primeiro lugar que meus olhos bateram foi na parede coberta por fotos minhas e da minha mãe, assim como algumas de Paul e dos outros meninos e também .
Subi as escadas tão rápido que quase cai ao chegar no final e segui pro último quarto do corredor. Tudo estava exatamente da mesma forma que eu havia deixado antes e isso só me deu mais raiva ainda. Comecei a tirar as coisas do lugar e a jogá-las e a chutá-las pelo quarto, modificando aquela imagem que há muito tempo estava fixada da minha mente, de como as coisas estavam antes e como eu achava que elas sempre deveriam ficar.
Não importava o quanto eu tentasse mantê-las da mesma forma ou evitá-las, elas nunca mais seriam as mesmas e chutá-las me dava a falsa sensação de que se eu as mudasse, o que eu sentia dentro de mim mudaria também, mas eu sabia que isso não aconteceria. Eu não acendi as luzes, eu não recolhi nada do chão, eu apenas fiquei ali chutando as coisas até que meu pé não aguentasse mais e eu finalmente me jogasse na minha cama bagunçada, sozinho e no escuro.
Paul estava morto.
As lágrimas começaram a brotar automaticamente, assim como os soluços que pareciam que iriam me engasgar e sufocar. A dor no peito parecia dilacerante. Nem todas as minhas lágrimas poderiam trazê-lo de volta e nem toda a minha dor poderia fazê-lo entrar por aquela porta novamente, assim como nunca fariam a minha mãe entrar por aquela porta novamente. Os dois se foram.
Eu deixei que todo choro preso em meu peito saísse, toda raiva, toda amargura e toda tristeza minasse por meus olhos, mesmo sabendo que aquelas lágrimas não eram o suficiente para acabar com nenhum daqueles sentimentos. A dor, de alguma forma sempre estaria ali.
Paul estava morto. Eu me sentia novamente mergulhado em um mar de incertezas, solidão, dor e inconformidade, mas a diferença dessa pra primeira vez que eu estive assim, era que a minha única alternativa naquele momento era a de ser forte. Forte por , que havia acabado de perder o namorado, forte por que havia acabado de perder o amigo, forte por que acabara de perder o irmão e forte por mim mesmo, porque eu sabia que o início era insuportável, mas em algum momento, todos nós seríamos capazes de superar isso e seguir em frente.
Paul estava morto, mas se estivesse vivo, era isso que ele iria querer.
Eu precisava ser forte por todos aqueles ao meu redor que não iriam conseguir. Paul era a nossa força, e no momento em que ele se foi, ela simplesmente parou de existir.
A sensação que eu tinha era a de que minha alma tinha saído do meu corpo, voado o mais alto possível e sem aviso prévio havia decidido pousar de volta, não calculando força de impacto e consequências que isso poderia causar. Tudo doía e a simples ideia de me mover trazia um desconforto indescritível.
Mas a maior estranheza pra mim não era a dor que subia pela minha perna esquerda e terminava na altura de meus quadris, não era a cabeça que latejava a cada piscada, era o fato de que meus pais estavam parados à minha frente me avaliando espantados e parecendo aliviados ao mesmo tempo.
Eu não os via reunidos provavelmente desde que eu tinha uns sete anos e a cena pareceu extremamente bizarra naquele momento. Pisquei os olhos algumas vezes tentando trazer foco as coisas na minha frente e um grunhido – era assim que eu poderia chamar – saiu de minha boca. Minha mãe chamou meu nome de uma forma meio desesperada e meus olhos seguiram em sua direção. Ela parecia dez anos mais velha do que da última vez que eu a havia visto. Seus olhos estavam vermelhos e inchados, seu cabelo desgrenhado e pela primeira vez em muito tempo eu a via sem maquiagem.
– ? – A voz do meu pai me chamou e quando eu mexi minha cabeça em sua direção percebi que havia um médico ao seu lado. Ou talvez um enfermeiro. Não saberia identificar muito bem, mas ele estava de branco. – Filha, você tá me ouvindo? – Meu pai repetiu e eu acenei com a cabeça, tentando pensar em tudo o que havia acontecido. Eu ainda me sentia meio sonolenta, mas parecia que o efeito estava passando conforme eu piscava mais frequentemente meus olhos.
– , você pode falar alguma coisa pra mamãe? – O desespero era evidente em sua voz e aquilo soou bizarro. Busquei alguma coisa na minha mente pra falar.
– O que aconteceu? – eu olhei pros meus braços e pro tubo espetado ali. A última coisa da qual eu conseguia lembrar era de Paul e eu dentro do carro rindo. – Cadê o Paul? – Olhei em volta e eu estava em um quarto unitário.
– Eu sou o Dr. Dorian. – O médico se aproximou de mim e colocou uma luz nos meus olhos talvez fazendo alguma checagem de rotina. – Você sabe qual seu nome? Sua idade? Em que ano nós estamos?
– Sim, eu sei. Meu nome é , eu tenho 17 anos e estava dentro de um carro com meu irmão quando um caminhão veio na nossa direção – movi minha cabeça me desvencilhando da luz e consegui ver minha perna em uma espécie de tala. – e o que aconteceu com a minha perna?
– Você sofreu um acidente de carro. – Ele respondeu sem me olhar, me ajudando a sentar na cama e colocando um negócio gelado nas minhas costas. – Você teve bastante escoriações, bateu com a cabeça muito forte. – Ele colocou dois dedos na frente dos meus olhos e pediu pra que eu seguisse seus movimentos. – Eu estou fazendo só uma checagem de rotina, os exames não mostraram nenhum dado cerebral ou do tipo, mas você teve uma pancada muito forte na cabeça.
– E o meu irmão?
– O caso do Paul foi um pouco mais complicado. – Ele colocou a lanterninha que usava no bolso do jaleco e se sentou na cama ao meu lado, nesse momento minha mãe deu dois passos à frente. – Ele chegou no hospital com um traumatismo craniano muito grave e nós tivemos que levá-lo direto para cirurgia. Infelizmente os danos da batida já eram irreversíveis. Seu irmão foi declarado com morte cerebral algumas horas depois de dar entrada no hospital. Eu sinto muito. – Ele disse sua última frase segurando minha mão e eu tive a sensação de que minha alma tinha voltado a sair do corpo e pousar com toda a velocidade possível.
– Como assim? – Eu precisei perguntar pra ver se eu estava entendendo direito o que ele estava querendo me dizer, porque simplesmente não era possível que Paul estivesse morto.
Ele voltou a falar algumas palavras, mas minha mente não conseguia capturar som algum que saia de sua boca. Eu sentia o ar faltando em meus pulmões e fazia uma força absurda para tentar enchê-los.
– Querida. – Minha mãe se aproximou mais, tocando em meu braço.
– Tira a mão de mim. – Minha voz soou mais fria e ríspida do que eu jamais poderia imaginar que sairia. Ao olhar em seus olhos, eu lembrei de todas as coisas que ela havia me dito na última vez que nos falamos e naquele momento eu só desejei que ela não estivesse ali. Seus olhos se encherem de lágrimas, mas eu não a encarei por tempo suficiente para vê-las cair.
– – meu pai se aproximou e sua fisionomia era totalmente diferente do que eu já estava habituada.
Ele estava acabado e era horrível a sensação de vê-lo quebrado daquela forma. Ele não parecia ele, parecia uma pessoa totalmente diferente.
– Paul era doador de órgãos e nós decidimos realizar o procedimento de doação, mas antes nós queríamos te dar a oportunidade de se despedir.
Aquela frase soou tão absurda que eu quis rir, chorar, gritar, fazer qualquer coisa que me tirasse daquele estado de letargia que meu corpo havia alcançado. Eu não poderia simplesmente me despedir do meu irmão, não era possível me despedir dele, eu não estava pronta pra me despedir ele porque isso simplesmente não deveria acontecer.
– Eu quero sair daqui. – Eu puxei minha mão que ainda estava sendo segurada pelo médico e ele se levantou da cama. Me movimentei para levantar. – Eu quero ver meu irmão. – O médico me impediu de fazer mais algum movimento apenas segurando em meu ombro.
– Acho que esse não é o melhor momento. – Ele me segurou pelo ombro.
– Foda-se o que você acha. – Eu falei mais alto e empurrei sua mão do meu ombro. Respirar estava ficando cada vez mais difícil e eu sentia que poderia fazer uma cena a qualquer momento, mas eu não queria que isso acontecesse com qualquer um deles ali.
– , alguns amigos estão com o Paul nesse momento e eu acredito que seja melhor pra você se despedir dele depois. Absorver um pouco a ideia e-
– Eu poderia ficar sozinha? – pedi fechando os olhos. Eu não queria mais ouvir nada de ninguém. Palavras como despedida e absorver a ideia eram palavras que eu não queria que existissem naquele momento. Eu não queria ter que ser obrigada a ouvi-las de ninguém. – Por favor, eu preciso ficar sozinha. – Eu continuei de olhos fechados sentindo lágrimas escorrerem por eles mesmo com toda a força que eu fazia para não abri-los e para que elas não escorressem.
Eu segurava o lençol embaixo de mim com toda a força do mundo, tentando passar pra eles o desespero que apossava meu corpo naquele momento. Quando você é acostumado a ter algo, você nunca acredita que aquilo por algum momento vai deixar de ser seu. Você acredita que você possa emprestar, que essa coisa possa ir pra longe por alguns momentos mas que em alguma hora ela vai voltar pra você. Você raramente calcula a hipótese de que isso possa ser tirado de você definitivamente. Mas havia acontecido. Paul estava morto.
A dificuldade de respirar parecia mais forte quando eu abri meus olhos e me vi naquele quarto vazio. Eu tive a sensação de que o vazio não era apenas físico dentro daquele lugar, mas sim que ele crescia dentro do meu peito junto com a sensação de perda. Eu estava perdida dentro de mim, do vazio que eu sempre tive e que naquele momento parecia estar se tornando absoluto na minha vida.
O relógio rodava enquanto eu continuava imersa naquele mar de incredulidade e desespero, como se toda a minha existência tivesse parado de fazer qualquer sentido, como se meus soluços e lágrimas que descessem por meus olhos fossem o único sinal real de que havia vida dentro de mim. Eu só queria sair daquele lugar e ir pra perto do meu irmão, mesmo que isso significasse não estar mais ali. Um bom tempo se passou até que uma enfermeira entrou dentro do quarto acompanhada pelos meus pais e carregando uma cadeira de rodas.
Meus pais me informaram que agora eu poderia ver meu irmão e quando eles me sentaram na cadeira me perguntaram se eu estava pronta, e eu tive vontade de rir de tão absurda que aquela frase parecia soar. Eu nunca estaria pronta.
Enquanto meu pai me empurrava pelos corredores daquele hospital eu via pessoas sentadas por ali e me perguntava o que havia acontecido em suas vidas para que elas tivessem sido levadas aquele lugar, eu me perguntava se elas assim como eu haviam perdido alguém, se elas estariam sofrendo ou conformadas e como a vida delas seria dali em diante.
Pensar na vida dos outros parecia ser mais reconfortante do que pensar na minha, já que eu não fazia a menor ideia de como ela seria dali pra frente. Uma ânsia subiu pela minha garganta quando eu avistei meus amigos parados em frente a um quarto. Apenas , e estavam ali e eu não consegui encará-los conforme eu me aproximava deles. Não quando eu sabia que a responsável por eles estarem passando tudo aquilo era eu.
Meus olhos se encontraram muito brevemente com os de ,Por uma noite inteira eu havia calculado todas as possibilidades em que nossos olhos se encontraram novamente e qual desculpa eu usaria para desvia-los, mas em nenhuma hipótese eu havia pensado na que estava acontecendo naquele momento.
Dentro do quarto eu havia pedido ao meu pai pra me despedir de Paul sozinha, então ele parou a cadeira de rodas na porta do quarto me ajudando a levantar juntamente com a minha mãe. Eu me apoiei na parede para andar, já que o gesso na minha perna não me permitia colocar o pé no chão e entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim.
Apenas quando eu tive a certeza de estar sozinha eu olhei pro meu irmão, deitado naquela cama, com a cabeça enfaixada e aparelhos auxiliando em sua respiração. Caminhei a passos curtos e me apoiando ainda na parede em sua direção e a dor física era absurda, mas em nada comparada com a dor no meu peito que eu estava sentindo olhando pra ele ali. Quando eu segurei sua mão, ela estava quente e eu a levei de encontro aos meus lábios, depositando um beijo ali e molhando-a com minhas lágrimas.
– Desculpa – O som quase não saiu da minha boca devido a quantidade de soluços que saíam de mim.
Eu pensava em todas as coisas que eu deveria lhe dizer, o quanto eu o amava, o quanto ele era importante pra mim, o quanto eu estava perdida, mas todas os meus pensamentos se baseavam no que eu estava sentindo e não era justo falar nada do que eu pudesse estar sentindo enquanto ele já não estava ali e não teria nunca mais a oportunidade de sentir algo. Nenhuma palavra nunca mais sairia de seus lábios, ninguém nunca mais seria capaz de sentir o calor do seu abraço ou ouvir o som do seu sorriso.
Eu queria gritar, quebrar algo sair correndo dali, arrumar alguma maneira de que a dor forte do meu peito sumisse e que eu assumisse o lugar de não sentir nunca mais nada e não ele, mas eu não conseguiria fazer nada daquilo, porque eu não era capaz de soltar sua mão. Soltar sua mão significaria soltar e ter que associar o nome Paul com a palavra nunca e eu sabia que nunca estaria pronta pra aceitar isso. Não era justo eu sair daquele hospital bem e andando quando ele nunca mais sairia. Não era justo pra perdê-lo logo agora que as coisas estavam começando a dar certo. Não era justo pra , ele já tinha perdido a mãe. Não era justo pra tia Rachel, ele era seu único filho. Não era justo com ele que ainda tinha tanta coisa pra viver.
Eu abriria mão da minha própria existência para ele ter a oportunidade de completar a sua. A dor no meu peito era tão forte que eu não conseguia respirar, o choro e os soluços pareciam nunca acabar e com o tempo se transformaram em um barulho que eu mal saberia identificar. Realidade e incredulidade eram uma linha tênue na minha mente.
Embora eu simplesmente não conseguisse acreditar, era real. Paul estava deixando de existir. Toda sua vida, feitos e existência estavam mortos junto com ele. E tudo o que restaria eram lembranças, que um dia se apagariam na memória e assim como ele também deixariam de existir.
A dor que me atingiu no momento em que uma enfermeira segurou em meu ombro e soltou minha mão da dele foi tamanha que me fez gritar e apertar mais sua mão à minha. Gritar porque embora eu não acreditasse, aquela seria a última vez. Eu não sei quando e meu pai apareceram, mas quando isso aconteceu eu não consegui evitar que o primeiro erguesse meu corpo do chão e me tirasse dali. Eu já não tinha mais forças pra fazer nada. Minha força estava deitada ali naquela cama e no momento em que eu soltei sua mão, eu soube que ela havia ido embora.
Tudo simplesmente acabou e parou de fazer sentido. Estava acabado. E a única coisa que eu conseguia fazer era implorar para alguém me levar para casa, mesmo sabendo que no fundo a minha casa havia acabado de partir.
Capítulo 20
Mumford & Sons – Ghost that we Knew.
(Coloca essa música pra carregar, caso se sinta a vontade)
Todas as vezes em minha vida em que parei para pensar em morte, eu permiti que minha imaginação voasse pelo mundo sobre como as coisas seriam se eu não estivesse mais aqui. Eu sempre havia fantasiado mundanamente com a ideia de que em algum momento eu não mais existisse e me pegava por várias vezes me deliciando com a ideia de como seria a vida das pessoas com relação à isso.
Como minha mãe reagiria à notícia do meu falecimento, o quanto isso simplesmente não afetaria sua vida em nada e em como todas as pessoas ao meu redor simplesmente seguiram a vida normalmente como se nada de importante tivesse acontecido, afinal, eu nunca fui tão relevante para que as pessoas efetivamente chegassem a sentir minha falta. Lembro que em um dos meus piores momentos, um pouco antes de Paul me trazer para morar com ele eu estava cada vez mais convicta de que minha vida não valia mais a pena e que tudo o que eu fazia no mundo era existir sem propósito algum de felicidade ou algo bom.
Eu sentia como se eu fosse um balão que planava e que a qualquer momento pudesse explodir e me via tentadoramente com vontade de acabar com toda aquela tortura incessante que aparecia na minha mente, me lembrando de todas as coisas erradas que haviam acontecido, do quanto eu não me encaixava no que eu vivia e no quanto eu queria de uma vez por todas acabar com aquele maldito sofrimento de sentir que de forma alguma eu algum dia me encaixaria em algum lugar.
Lembro de ter ido ao psicólogo uma única vez e ela me falou que eu precisava aprender a me permitir. Me permitir ser abraçada, cuidada, que a falta de permissão havia me deixado carente, mas que eu convergia a minha carência em falta de necessidade e logo, a solidão batia. Eu queria ser amada por alguém, mas eu criava uma barreira que não permitia que ninguém me amasse, o que gerava frustração e tristeza. Essa era uma das causas bases da minha depressão.
Quando Paul apareceu para me buscar quatro meses atrás, foi a primeira vez que eu dei um passo em direção a permissão na minha vida. Embora Paul e eu sempre tivéssemos tido uma excelente relação, aquela foi a primeira vez de verdade na minha vida que eu me senti cuidada e amparada, talvez porque fosse a primeira vez na minha vida de verdade que eu me deixava ser totalmente guiada e amparada, era a primeira vez que eu percebia que eu realmente precisava de um chão e meu irmão estava ali, sendo o chão que eu precisava.
E nos quatro meses que se sucederam após aquele dia, ele foi meu chão por todos os dias em que estivemos juntos. Ele me ensinou que eu não precisava ser um balão com medo de ser furado e com toda sua maneira ele me ensinou que eu tinha sim um motivo pra viver e que a vida poderia ser melhor.
Mas agora ele havia partido.
O som da sua risada não estava mais entrando pela porta do meu quarto, assim como sua cabeleira escura não alcançava mais meu campo de visão quando minha porta se abria. Na realidade ela nem se abria mais.
O barulho das coisas caindo no chão quando ele tentava inutilmente fazer algo na cozinha, o som da porta do banheiro sendo esmurrada enquanto ele gritava com que a água do mundo ia acabar de tanto que ele demorava no banho.
Coisas tão simples e sutis haviam simplesmente acabado e a ideia hipotética de morte que eu fantasiava na minha mente não era tão interessante na vida real, porque agora, na vida real, não era eu a pessoa a morrer. A pessoa a deixar de existir.
Eu era a pessoa que havia sido deixada pra trás, a pessoa que estava sentindo falta. Eu era a pessoa que estava sem chão e simplesmente não sabia por onde começar. Eu não tinha mais onde pisar, não no sentido ruim da palavra, mas no sentido de ter uma estrutura pra me apoiar. Eu havia destruído minhas paredes e agora estava sem nada onde eu pudesse acomodar a de agora, alguém que queria se permitir, alguém que sentia que talvez viver valesse realmente a pena.
A morte havia tirado de mim toda minha estrutura base e eu simplesmente não tinha mais onde me apoiar.
Ela – a morte – não era moldável que nem nos meus pensamentos mais mirabolantes, era diferente. Doía. Doía pensar, respirar, até mesmo o mínimo esforço para acreditar no que estava acontecendo doía. E os dias, ao contrário do que eu pensei, não faziam a dor passar.
Os dias, as horas, o silêncio tudo isso só faziam a dor e o sufocamento em meu peito aumentarem. Meus pais entrando e saindo do meu quarto como se fossem convidados bem vindos, sem nem pedir minha autorização só me davam mais certeza de que aquela cena que eu estava vivendo não fazia parte da minha vida. Nada daquilo parecia real, nem mesmo a segunda porta do corredor fechada, nada daquilo parecia normal.
Demorou um pouco até convencer meus pais de que eu não iria morar com nenhum dos dois. A ideia de ficar morando com outro adolescente a ainda por cima do sexo oposto não agradava à eles, mas fiz questão de destacar pra eles e até pra mim mesma que aquele era o meu lugar e de forma alguma eu iria sair dali. Aquele era o meu lugar, aquela era a minha casa e eu permaneceria ali até que eu decidisse que não queria mais.
Pela primeira vez eu estava tomando as rédeas de minha própria situação e tentando me acostumar que agora eu sozinha precisaria aprender a lidar com elas. Não foi fácil falar com minha mãe de novo, olhar em seus olhos, ouvir sua voz de choro me pedir perdão. Receber seu abraço caloroso e apertado, ouvi-la dizer que queria uma nova chance. Que ela queria cuidar de mim. Por tanto tempo ela havia terceirizado o cuidado que agora eu simplesmente não queria mais.
Eu precisava liberar perdão mas não me sentia pronta pra isso, Meu peito estava quebrado demais pra que eu conseguisse liberar algo bom de dentro de mim. Tudo o que eu sentia era dor. Física e emocional.
Meu pé doía, coçava, incomodava e por vezes eu forçava ele no chão para que a dor se tornasse mais aguda e que de alguma forma eu pudesse simplesmente parar de sentir a dor em meu peito.
O quarto ao lado do meu se mantinha silencioso, exceto pelas raras vezes que eu ouvia o barulho da porta abrindo e fechando. Eu não me sentia preparada para encarar e ver em seus olhos todas as coisas que havíamos deixado em aberto.
Eu não queria olhar em seus olhos e ver que minha covardia havia tirado mais uma pessoa dele. Eu não queria ter que olhar em seus olhos e dizer que eu não estava apaixonada por ele, não depois dele ter me erguido daquele chão no hospital e me acalentado até que eu pegasse no sono de exaustão. Eu não queria ter que magoá-lo mais. Então eu havia me limitado a ficar reclusa em meu quarto, olhando pela janela enquanto a vida corria normal para a maioria das pessoas.
Eu olhava as pessoas que iam e vinham pelas ruas e me perguntava se elas já haviam perdido alguém, se em algum momento elas haviam conseguido superar a perda e se em algum momento da minha vida eu conseguiria ser normal de novo. Dias, horas, minutos e segundos se passaram enquanto eu apenas observava e criava histórias na minha mente que eram mais fáceis de encarar e manipular do que a minha realidade.
Por vezes eu dormia demais, por vezes eu dormia de menos e já havia perdido inclusive as noções básicas de higiene, não lembrando quando havia sido a última vez que eu havia levantado daquela cama para tomar um banho. Meu cabelo já estava nojento, implorando para que fosse lavado, mas eu não tinha ânimo. Eu só não queria fazer nada.
Meu telefone tocou e eu ignorei a chamada recebida de minha mãe. Foi impossível não parar e encarar a foto no meu protetor de tela que mostrava um Paul sorridente comigo ao seu lado.
Meu coração apertou de tal forma que me vi jogando o telefone pra longe de mim. Eu sentia raiva, eu sentia ódio, eu sentia culpa, eu sentia tanta coisa ruim dentro de mim que a ideia de morrer nunca havia feito tanto sentido. Eu não conseguia entender porque ele havia partido ao invés de mim, ele sim faria muita falta, como já estava fazendo. Ele sim tinha muitas coisas que poderia fazer da vida, ele sim teria motivações. Eu não, minha motivação era ele e sem ele, não havia necessidade de existir. Eu estava vazia. Todas as minhas motivações sobre mim mesmas estavam perdidas no mar de sensações ruins que tomavam conta de mim.
Eu precisava sair dali.
Desde que eu havia voltado do hospital, meu quarto havia sido meu refúgio. Me neguei a participar do velório e inclusive da cerimônia de cremação. Não fazia sentido pra mim ficar ali e ver o fim definitivo do que um dia havia sido uma das pessoas mais felizes e amadas do mundo, então eu não quis fazer parte daquilo. Eu não quis encarar sabendo que eu era a responsável por sua perda, a grande realidade era que eu não queria encarar a vida e ver como ela seria dali pra frente sem Paul ao meu lado.
Meu pé doía, meu corpo doía, minha alma doía, mas nenhuma dessas dores me impediram de seguir o caminho até o quarto a frente, quarto esse que até uma semana atrás estava sempre com as portas arreganhadas, deixando sempre a mostra sua enorme bagunça. Dessa vez, a porta estava fechada, assim como a outra porta ao lado da minha que também sempre vivia aberta.
Era engraçado como uma simples porta fechada trazia toda uma sensação de sufocamento estranha, que nunca tinha acontecido antes. Eu não saberia dizer se estava ali ou não e também não me atrevi a tentar descobrir. Eu queria vê-lo e dessa vez retribuir o abraço que havia recebido, queria dizer que ele poderia contar comigo e que eu estava ali para cuidar dele que nem eu tinha certeza que ele estaria para cuidar de mim caso fosse necessário.
Eu queria dizer à ele as coisas que eu tinha dito a Paul que diria. Que ele era um amigo, que eu me sentia sim atraída por ele, mas que no momento – agora, ironicamente mais do que nunca – eu não estava preparada pra me envolver com ninguém. Eu queria colocar todas aquelas palavras que pareciam entaladas em minha garganta para fora e tirar um pouco do peso do meu peito, mas eu apenas me virei abri a porta do quarto do meu irmão, quase sorrindo ao encarar toda sua bagunça.
Dentro daquele quarto existiam das mais variadas coisas possíveis. Muitos livros, DVDs, jogos, pôsteres. Tudo aquilo que no decorrer dos anos moldou a personalidade do meu irmão fazia parte daquele quarto e os míseros segundos que passei dentro dele, foram o suficiente para me fazer perder o ar de tão sufocante que foi a sensação de perda.
Eu precisava sair dali, mas ao mesmo tempo, eu precisava continuar ali. Aquele agora era o meu lugar.
Antes de sair do quarto, meus olhos bateram na urna ridícula que meu pai havia escolhido para abrigar os restos do que um dia havia sido Paul. O objeto era feio, sem sentido, sem cor e estranho e Paul provavelmente estaria revirando aquelas cinzas preferindo ser colocado numa lata de cerveja ao invés daquela coisa feia e cara. Lembro da frase o meu pai ao me entregar a urna a chegar da cremação:
“decidimos que você deveria ficar com ele, você saberá melhor o que fazer.”
Odiei a sensação que olhar aquilo me causou, detestei a tremedeira que minha mão teve ao tocar aquela urna fria e sem vida e detestei eles terem me dado suas cinzas como se alguma forma ele pudesse pertencer à mim, ou a algum lugar. Paul não pertencia a nada e nem a ninguém, se sua alma havia partido, seu corpo deveria estar por aí, ao vento.
Minha mente estalou em raiva e ideia ao mesmo tempo. Paul odiaria ficar preso dentro daquele quarto, então não pensei duas vezes antes de abraçar aquela urna vazia e sem vida e tirá-la daqui. Caminhei aos pulos pelo corredor de volta ao meu quarto apenas para pegar meu telefone e um casaco e ainda aos pulos e lutando contra a dor física eu saí de casa. Descer as escadas foi a parte mais difícil, eu não sabia se tomava cuidado com meu pé, com a urna ou em cair, mas depois de algum custo eu consegui descer os três andares e finalmente pedir um táxi.
Dei o endereço ao taxista, sentindo meu coração se acelerar ao falar em voz alta com alguém e principalmente por dizer aquele endereço. Aquele local que antes era a lembrança de coisas e momentos bons, agora me lembrava apenas perda, dor e culpa.
Quando o motorista chegou ao local, eu pedi que ele me deixasse ali e peguei seu telefone para que eu fizesse contato para que ele pudesse me buscar depois.
Era estranho pensar que a pouco menos de uma semana Paul e eu havíamos estado ali, sentados na caçamba de seu carro e conversado sobre meus “problemas”. Tudo parecia tão insignificante naquele momento, todos os meus medos, minha ansiedade, minhas frustrações. Tudo relacionado aquele dia que parecia tão grande agora era insignificante e distante. A única coisa que realmente tinha um significado estava abraçado à mim dentro daquela urna fria.
Era estranho pensar que no mundo, mesmo quando eu me via quebrada, Paul nunca havia me visto daquela forma. Ela sempre me via como alguém que poderia superar tudo, ele sempre havia me dado esperança. Só percebi que chorava sentada ao chão e abraçada aquela urna, quando um sorriso idiota brotou no meu rosto e eu senti o gosto salgado das lágrimas.
Meu pensamento começou a voar por momentos aleatórios de toda a minha vida e eu percebi que por toda ela, Paul me deu esperança. Esperança de uma vida melhor, esperança de ser uma pessoa melhor, esperança de que tudo ia ficar bem. Ele estava sempre me dando esperança para continuar, continuar mesmo quando ele não fazia a mínima ideia de que eu estava pensando seriamente em desistir. (N/a: se quiser, coloca a música pra tocar)
Foi quando eu percebi que não era justo agora, depois de tanto tempo com ele, depois de tanto aprendizado, depois de tanta troca eu simplesmente querer jogar toda minha vida, tudo o que ele havia me ensinado, me moldado, e desejado pra mim no lixo por falta de esperança. Paul sempre havia me ensinado que minha esperança não era ele, mas eu mesma. Que apenas eu poderia fazer algo para mudar minha situação.
Pela primeira vez na vida eu precisaria ser meu chão de verdade, aprender a me apoiar, a dar passo após passo até que eu aprendesse a andar e finalmente pudesse correr. Eu devia isso à ele.
Eu devia a continuidade da minha vida a Paul pelo simples fato de que ele não estava mais ali para dar andamento a sua. Eu deveria me agarrar cada milésimo de segundo, cada respiração, cada oportunidade que a vida me desse para honrar de alguma forma a sua breve e marcante vida aqui.
E eu sabia que embora eu estivesse sozinha, Paul de alguma forma estaria ali comigo.
So lead me back
(Então me leve de volta)
Turn south from that place
(Vire para o sul desse lugar)
And close my eyes to my recent disgrace
(E feche meus olhos para minha desgraça recente)
Cause you know my call
(Porque você conhece o meu chamado)
We'll share my all
(Nós vamos compartilhar meu tudo)
Meus olhos baixar pra urna em minha mão e os soluços que antes eram baixos e discretos se tornaram mais fortes e intensos. Cada pedaço de mim doía, mas eu sabia que ele não pertencia ali. Paul pertencia ao vento, ao mundo, ele nunca havia sido de ninguém.
So give me hope in the darkness that I will see the light
(Então me dê esperança na escuridão que eu verei a luz)
Cause, oh, they gave me such a fright
(Porque, oh, eles me assustaram tanto)
But I will hold as long as you like
(Mas eu vou aguentar por quanto tempo você quiser)
Just promise me we'll be alright
(Só me prometa que nós vamos ficar bem)
Paul havia sorrido, sofrido, chorado: vivido. Ele havia aproveitado sua vida de uma forma honrosa e invejosa e eu nunca seria capaz de retribuir toda a esperança e graciosidade que sua breve existência havia trago à minha.
E embora ele não estivesse mais ali, eu sabia que sua presença ainda estava. Que seus olhos ainda estavam sobre nós, nos cuidando e abraçando mesmo de longe, mesmo sem poder ser visto. Sua existência poderia ter acabado mas sua vida de certa forma não. E para concretizar o pensamento de sua presença, joguei suas cinzas ao vento, ao local onde eu havia visto ele sorrir pela última vez. Ao local onde inúmeras vezes ele havia me dito que eu nunca estaria sozinha. E de uma certa forma eu sabia que ele estaria cumprindo aquela promessa.
But I will hold as long as you like
(Mas eu vou aguentar por quanto tempo você quiser)
Just promise me we'll be alright
(Só me prometa que nós vamos ficar bem)
Era um momento novo, uma nova vida e uma nova caminhada. Eu sabia que a partir daquele momento estaria nascendo uma nova , que Paul ainda estaria comigo, e eu estaria com ele e que tudo ficaria bem.
But the ghosts that we knew will flicker from view
(Mas os fantasmas que conhecíamos vão se afastar de você)
And we'll live a long life
(E nós viveremos uma vida longa)
Tudo ficaria bem. Paul ainda estaria ali. Eu ainda poderia senti-lo. E agora juntos, assim como o vento, nós viveremos uma longa, nova e bela vida juntos.
Fim da Parte I
É isso.
Até breve.
Grupo do facebook: Histórias da Mayh.
Outras Fanfics:
My Heart 2
My Very Crazy Life (McFly / Finalizada)
Sudden ( Especial dia do sexo)