CAPÍTULOS: [Único]









1


“Love will tear us apart, again.”
- Joy Division



The Smiths gritava em meus ouvidos, enquanto eu empilhava alguns exemplares do Guiness Book em uma mesa, trocando a etiqueta de cada uma das capas por outra mais nova, recém dagitada. Era um serviço lento, que exigia paciência e atenção e, é claro, que você não tivesse exatamente mais nenhuma opção de serviço no mundo.
Eu ouvia muitas reclamações diárias de como era um saco trabalhar na biblioteca municipal de Detroit. Fingia concordar só para parecer legal, mas no fundo eu adorava aquele serviço aparentemente inútil, porque literatura sempre fora minha maior paixão. Meu sonho mais louco e inimaginável era um dia me tornar um daqueles nomes renomados, e que minha história e minha foto estivesse em um livro no meio de todos aqueles, em todas as bibliotecas do mundo. Era um sonho piegas e muito previsível para alguém como eu, mas desde que escrevi minha primeira palavra este era meu objetivo de vida. Só que ele acabou caindo em segundo plano enquanto eu ainda não tinha “a história perfeita”, que, eu acreditava ingenuamente, um dia simplesmente surgiria em minha cabeça como uma lâmpada que se acende.
Ali dentro, a tarde era sempre silenciosa, te dava muito tempo para pensar e, acima de tudo, você tinha praticamente qualquer história do mundo à sua disposição. Ou seja: nunca ficava realmente sem nada para fazer, outro motivo pelo qual era um ótimo serviço.

Terminei de colar a última etiqueta na capa do Guiness Book 1985, empilhando todos os livros e pegando-os para coloca-los de volta em suas prateleiras de origem. Porém, ao dar meia volta, bati com força em alguém fazendo metade dos livros caírem e me esforçando para equilibrar a outra metade nos braços.
- Que ótimo, Jace. – Murmurei, organizando os livros em uma pilha novamente no braço enquanto ele juntava os livros do chão.
- Depois quando eu digo que você anda dormindo, eu tô errado?! – Ele riu, empilhando o restante dos livros em seu próprio braço. – Onde?
- G23. – Respondi, seguindo para a prateleira que eu indicara, com Jace em meu encalço.
Jace Edwards era meu colega de seção na biblioteca, e provavelmente o melhor e único amigo de verdade que eu tinha. Ele era um dos caras “legais”, que adorava reclamar do serviço, quando na verdade eu sempre o via lendo algum Stephen King no almoço em algum canto de prateleira. Eu guardava seu segredo, mas sabia que ele, assim como eu, não era tão descolado assim. Deus o livre que alguém saiba que, em pleno século XXI, alguém ainda goste de ler livros! Era como pedir para ser chamado de geek ou algo pior.
Revirei os olhos com meu próprio pensamento e soltei a pilha de livros em outra mesa ao chegar na prateleira correta. Puxei a escadinha debaixo da mesa para subir e alcançar as prateleiras mais altas, mas Jace segurou meu braço e se pôs em meu lugar.
- Eu faço isso. Não quero que você quebre uma perna ou sei lá, do jeito que é.
Dei de ombros. Menos trabalho para mim.
Comecei a entrega-lo os livros um por um para que ele organizasse, e assim alguns minutos se passaram.
O tempo ali dentro parecia parar. Não de um modo ruim, pelo menos para mim, mas parecia. Como uma estudante de direito novata, meu dever era estar sempre com a cara enfiada nos livros, e não havia lugar melhor para se trabalhar, nesse caso. Além disso o dinheiro era suficiente para bancar as poucas despesas do mês, que consistiam em metade das compras mensais para o dormitório e uma pizza de vez em quando.
Claro que trabalhar em uma biblioteca, tendo seus vinte e um anos de idade e cursando a universidade, não era considerado um emprego dos sonhos. Mas tendo em vista que eu não fazia ideia do que fazer com meu futuro depois da faculdade, eu preferia não pensar muito em meu trabalho.
- Aí... quer sair e tomar alguma coisa essa noite? Ally quer ir naquele bar novo que abriu perto do campus. - Fiz uma careta, mas ele continuou falando antes que eu pudesse responder que não podia, porque tinha que estudar. – Qual é, ! Eu sei que vocês não têm trabalho nenhum essa semana. Caso não se lembre, minha namorada é sua colega e rommate , então nem tenta dizer que precisa estudar.
Bufei e entreguei o último livro a Jace.
- Vou entender isso como um sim. – Disse e riu, descendo da escada e se afastando, indo atender algumas garotas que estavam no balcão com livros nas mãos.
Peguei alguns livros fora do lugar em cima da mesinha para colocá-los em suas devidas prateleiras, mas quando puxei um deles, um pedaço de uma folha de papel dobrada caiu no chão.
Olhei para a capa do livro: Cartas Na Mesa, de Agatha Christie. Primeiro eu coloquei todos os livros na prateleira, e depois me abaixei e peguei o pequeno papel, o abrindo e percebendo uma caligrafia meio torta, porém legível e até um tanto bonita.

Hoje é sexta-feira. O dia está uma merda lá fora. Aqui dentro também.
Ela terminou de ler O Grande Gatsby, encostada ao balcão tomando um cappuccino. Chorou. Não entendi porque, assisti ao filme e achei uma merda. Mas isso prova que ela tem um profundo entendimento dentro de si. Ou talvez ela seja um pouco chorona.
De qualquer maneira, ela está linda com aquele cachecol azul.


Após ler aquele fragmento de texto arrancado de uma folha de caderno, foi inevitável olhar em volta, à espera de encontrar algum par de olhos me observando. Como se fosse uma brincadeira.
Porque aquela pessoa era eu.
Fui eu quem chorei no final de O Grande Gatsby, encostada ao balcão tomando um cappuccino. E também tinha o cachecol azul, que era meu preferido, e cogitei seriamente usar hoje de novo, mas acabei por deixar em casa. Já sobre o livro, ele não era nem de longe um dos meus preferidos, mas acho que chorei porque estava sensível.
- ! – Ouvi a voz de Jace chamar, e voltei à Terra. – Prateleira C9! Ajuda aqui, eu vou morrer!
Ri. Olhei mais uma vez em volta, mas a biblioteca estava vazia naquele dia, então guardei o papel no bolso fui socorrer a Jace, que tinha livros caindo em sua cabeça.

O resto da tarde passou, e acabei esquecendo daquele papel por um tempo. Já era quase hora de ir embora quando lembrei, e enquanto Jace batia o ponto eu lia de novo o papel.
- Ei! – Ele soprou em meu ouvido, me fazendo pular e enfiar o papel no bolso novamente.
- Ai, Jace!
- O que é isso? - Ele tentou espiar.
- Nada. Não é nada. – Dei de ombros. – Já vai?
- Vou. Quer uma carona? Ah, você vai querer sair?
- Uma coisa de cada vez. – Toquei em seu ombro e o guiei para a porta de saída. – Primeiro, carona.
A “carona” consistia em ir a pé até o campus da universidade, porque era mais seguro andar com Jace do que andar sozinha, mesmo que eu soubesse que ele provavelmente correria se fôssemos atacados.
Jace era um cara legal, e sua namorada/minha rommate também. Por isso acabei aceitando ir beber alguma coisa com eles, e acabei me divertindo bastante.

You... soft and only. You... lost and lonely. You... strange as angels. Dancing in the deepest oceans. Twisting in the water, you're just like a dream.
- The Cure


Era uma terça-feira. Se eu não gostasse de meu trabalho, aquele seria o pior dia da semana, porque eu já havia sobrevivido à segunda-feira, mas como uma crueldade do universo, ainda precisava sobreviver a outros quatro dias.
Mas felizmente eu adorava meu trabalho. Todos os dias, sem exceção, passavam muito rapidamente, mesmo aqueles em que não havia serviço, porque eu podia sentar e ler um bom livro. Além disso, o fato de a biblioteca não ter janelas manipulava sua mente como um supermercado: você não conseguia ter ideia de há quanto tempo estava lá.
Estava tudo muito silencioso lá dentro. Eu não via Jace desde que ele disse que iria catalogar os livros das últimas prateleiras. Não ouvia sequer um pio, e se eu o conhecesse bem, diria que estava dormindo escondido em algum canto.
Além de mim, em meu campo de visão havia apenas três pessoas. O garoto da mesa mais afastada no canto da prateleira A e duas garotas conversando baixinho enquanto faziam um trabalho nas mesas mais afastadas do balcão.
Eu estava terminando de ler O Caçador de Pipas, praticamente devorando as palavras, com a mente o mais longe dali possível, quando as duas garotas levantaram e vieram para o balcão com seus cadernos e uns livros para locarem. Relutante, precisei deixar o livro de lado na metade de uma frase. Eu tinha essa mania de ter que terminar pelo menos o parágrafo para poder fechar o livro, o que demonstrava o quanto era estranha.
Peguei a ficha de trás dos livros delas e carimbei com a data daquele dia, as entregando para assinarem a ficha que ficaria comigo.
- Vocês têm quinze di... – Minha voz lentamente sumiu quando notei, de canto de olho, a mesa do canto da prateleira A vazia, com apenas um pedaço de folha de caderno em cima da madeira escura. Segui com o olhar até a porta da biblioteca, que bateu quando o garoto da mesa saiu de lá. – Dias... só um momento. – Pedi às garotas e pulei de meu banco, caminhando até a mesa dele e pegando o pedaço de papel.
Imediatamente reconheci aquela letra, e antes mesmo de ler, olhei para a porta pensando em correr até lá, mas eu provavelmente não o alcançaria. Era péssimo, porque aquele garoto frequentava a biblioteca há meses, exatamente todos os dias, e sentava no mesmo lugar, e se eu precisasse procura-lo, não reconheceria seu rosto.
Voltei para o balcão e carimbei a ficha que ficaria com as garotas, rabiscando a data de entrega dos livros rapidamente, para me livrar delas logo. Elas pegaram seus livros e saíram, e abri o papel dobrado em dois em cima de minhas pernas abaixo do balcão, lendo o que nele estava escrito.

Ontem terminei.
Não estou com medo, mas não me sinto pronto para ir embora.
Sei que minha ausência não será notada, mas ainda não consigo aceitar. Então coloquei as cartas na mesa. Dizem que o sol nasce para todos, mas é apenas mais uma tragédia divina, mascarada.
Por isso, arranjei um modo de me tornar eterno. Eterno aos olhos da única pessoa que gostaria que enxergasse minha alma.


Era tão óbvio. Como alguém saberia que chorei lendo O Grande Gatsby atrás daquele balcão se não fosse alguém que me via todos os dias? E a única pessoa além do garoto da mesa da prateleira A era Jace, mas Jace não perceberia nem se minha cabeça estivesse pegando fogo.
- Deus, eu fui tão idiota! – Sussurrei para mim mesma, voltando a olhar para a mesa vazia.
Ele geralmente ficava ali até mais tarde, era a única coisa que eu conseguia lembrar. Aquele garoto tornara-se quase parte da decoração da biblioteca, para ser sincera. Eu sabia que ele estava ali, mas na maior parte do tempo apenas esquecia. Eu não acho que alguma vez chegamos a trocar alguma palavra.
Mas então o que ele queria dizer com tudo aquilo?
Voltei a ler suas palavras, uma, duas, três vezes. Acho que ”Não posso mais fazer isso” e “Por isso, arranjei um jeito de me tornar eterno.” indicavam que ele não voltaria mais. Mas só depois de ler três vezes foi que peguei sua referência a Agatha Christie.
Então coloquei as Cartas na Mesa. Dizem que O Sol Nasce Para Todos (...)
Pulei do banco novamente e corri até a prateleira C, desejando imensamente que o que eu procurava estivesse ali.
Procurei pelo exemplar surrado e esquecido de um livro que ninguém queria ler. Já era ruim o suficiente que ele fosse leitura obrigatória no ensino médio, as pessoas costumavam passar longe daquele título o quanto podiam.
E, depois de passar os dedos por alguns títulos, lá estava ele. Cobb, Irvin S. O Sol Nasce Para Todos.
Logo que o peguei, algumas páginas caíram, e junto com elas, uma folha de papel. Meu coração acelerou e juntei todos os papéis, colocando-os dentro do livro e abrindo a folha de papel.

Se ela fosse uma vendedora de loja de discos com tatuagens nos ombros.
Se ela fosse uma caixa de supermercado, com o cabelo sempre preso para trás.
Até mesmo se ela fosse uma droga de aeromoça.
Eu estaria lá.
Mas o fato de ela ser exatamente o que é: a garota quieta que trabalha na biblioteca municipal, já é a maior das perfeições do universo. Porque eu não poderia passar despercebido frequentando todos os dias a mesma loja de discos sem comprar nenhum. Eu não poderia comprar alguma porcaria todos os dias no mercado só para cair em seu caixa, e nem muito menos pegar um avião todos os dias para vê-la. Mas aqui, entre prateleiras e livros, universitários e funcionários... Eu tenho a camuflagem perfeita.


Ele gostava de mim. Durante todo esse tempo em que dividimos o mesmo espaço todas as tardes, e eu nem bem saberia dizer qual a cor de seu cabelo... ele gostava de mim. Estava ali por mim.
Senti-me horrível ao chegar a esse fato.
- Ei! – Jace soprou em meu ouvido, me fazendo soltar um gritinho agudo. Levei a mão ao peito e o olhei, rindo de mim.
- Jace!
- Parece que você viu um fantasma!
- Vi você, sua assombração! –Revirei os olhos e o empurrei fraco, levantando do banco.
- O que está fazendo?
- Nada – disse, dando de ombros com o último pedaço de papel que encontrei amassado em minha mão. – Ahm... Jace, se eu te dissesse... – Cocei a cabeça e ele me olhou interrogativo. Me perguntei se realmente deveria envolve-lo naquilo, mas não havia tempo para pensar. – Uma charada em relação há algum livro dessa biblioteca. Tragédia divina, mascarada.
Ele abriu um sorriso de canto na mesma hora, divertido.
- Ora, é A Divina Comédia. Não é óbvio?
Abri a boca, piscando algumas vezes e sorrindo a seguir. Tragédia. Mascarada.
- Tem razão.
- O que é isso, alguma espécie de jogo? – Ele perguntou, sorrindo. – Divertido.
- Não. – Ri. – Só estava te testando. Tem esses livros para guardar – apontei para a pilha de livros em cima do balcão dando tapinhas em seu ombro, já saindo de trás do mesmo. –Vou fazer uma contagem na prateleira A.

Alighieri, Dante. O livro grosso e pesado, com uma capa medieval vermelha, cópia fiel do original, estava todo empoeirado. Há meses ninguém tocava naquele clássico. Eu mesma nunca tocara, até seus fragmentos na época de escola eram tão complicados que sempre tive preguiça de sequer tentar lê-lo.
Abri a capa com cuidado e folheei as páginas até abrir em uma, mais ou menos no final do livro, que marcava em letras grandes o início da jornada de Dante pelo Paraíso.
Soltei o livro ainda aberto na mesa da qual estava ao lado e peguei a folha a abrindo, curiosa e afoita para ler o que dizia.

Hoje há serviço a ser feito aqui. Ela está em meio às prateleiras mais distantes, trabalhando graciosamente com seus fones de ouvido, como sempre. Eu gostaria de ouvir o que ela ouve. Em minha mente, seu gosto musical é impecável, até faria com que eu me sentisse envergonhado.
Este lugar não demorou a se tornar meu lugar preferido, não só por ela, mas porque é quieto, pacífico, e dá a sensação de que é o único lugar no mundo onde minha vida entra em equilíbrio, onde o tempo para. É como um paraíso... Perdido até que eu o encontrei.


Mesmo tendo entendido sua próxima referência, ela me parecia muito vaga. Haviam dezenas ou centenas de títulos com paraíso no nome, e eu não tinha absolutamente nenhuma dica além dessa. Além disso, já estava na hora de ir para casa.
Coloquei o novo fragmento que encontrei também em meu bolso e fui novamente para o balcão, bater o ponto para ir embora. Eu planejava ficar em casa naquela noite. Às terças-feiras Ally ia até tarde no apartamento de Jace, e eu tinha tempo sozinha. Planejava estudar melhor cada uma de suas palavras, e tentar coloca-las em ordem. E também, quem sabe, encontrar alguma pista de quem ele fosse ou porque estava escrevendo sobre mim.

Will you recognise me? Call my name or walk on by? Rain keeps falling, rain keeps falling down, down, down, down...
- Simple Minds



A chuva caía forte lá fora, e tudo que eu via era uma janela embaçada pelo vapor que saía de minha xícara de café. Era um domingo extremamente frio, tanto que a calefação dos dormitórios não estava dando conta de acabar com o frio dentro dos cômodos. Eu estava sentada em minha cama, escorada na parede próxima à janela com a xícara de café apoiada ao parapeito da janela e o laptop no colo, esquentando minhas coxas enquanto eu pesquisava por algo.
Tentei entrar no anuário online dos últimos cinco anos de todas as escolas de que tinha conhecimento nas redondezas. Por mais apaixonado que aquele garoto fosse de mim, essa paixão não seria suficiente para fazê-lo deslocar-se de uma zona completamente diferente da cidade todos os dias apenas para me ver, certo?
Bem, qualquer que fosse a resposta, quando não obtive sucesso em encontra-lo (ou a alguém meramente parecido, já que não lembrava com perfeição do seu rosto) eu comecei a procurar em escolas mais afastadas. Gastei horas e horas procurando, e creio que procurei em todos os sites disponíveis de todas as escolas de ensino médio da cidade de Detroit... e nada.
Além disso, um sentimento de desconforto crescente se desenvolvia dentro de mim, por diversos fatores. Depois de ler e reler um milhão de vezes os versos que já havia encontrado ao longo daquela semana, e de tornar-me acostumada a eles, eu pude notar algumas características do texto que o tornavam um tanto... deprimido. E somando-se isso ao fato de que o garoto nunca mais aparecera na biblioteca desde o último dia em que o vi partindo, eu comecei a ficar preocupada com o que pode ter acontecido. O que apenas tornava minhas buscas mais pesadas por algum nome, alguma foto ou qualquer coisa que me indicasse a ele.
Eu precisava encontrar aquele garoto. Não fazia ideia do que exatamente perguntaria a ele, mas eu já via este momento acontecendo, de vários modos diferentes. Tinha mil perguntas a fazer. Eu começara a construir toda uma personalidade em cima da imagem que seus textos me passavam dele, e com base nisso imaginava como seria quando conseguisse encontrá-lo. Precisava entender o que o levou a fazer tudo aquilo. E principalmente porque eu.

Frustrada, suspirei e soltei o laptop de lado voltando a ler os fragmentos de texto que encontrei do garoto. Li mais uma vez o último, que encontrara dentro de A Divina Comédia. De repente, mordi o lábio e peguei o laptop abrindo uma nova página do Google.
Paraíso Perdido.
A Wikipédia dizia: Paraíso Perdido é uma obra poética do século XVII, escrita por John Milton, originalmente publicada em 1667 em dez cantos.
Eu não lembrava de alguma vez ter encontrado aquele livro em todos os quatorze meses que trabalhava na biblioteca, mas ela era tão grande, que não me espantaria em encontra-lo se procurasse bem. Mas eu só saberia no dia seguinte.

Na segunda-feira a primeira coisa que fiz ao entrar na biblioteca foi procurar na estante M. Foi difícil, e quase caí da escada que me ajudou a procurar na última prateleira, mas encontrei. Milton, John. Paraíso perdido.
A folha de papel dobrada dentro do livro caiu antes mesmo que eu a procurasse, revelando a caligrafia inconfundível em caneta azul.

Começou quando precisei fazer uma pesquisa para um trabalho idiota sobre fotossíntese e, ao sentar na mesa do canto mais afastado ao lado da prateleira A com alguns livros de biologia, depois de sofrer por vinte minutos tentando entender bulhufas daquela merda, eu notei uma garota encostada ao balcão de madeira, dentro do círculo do balcão, lendo atentamente a biografia do Mick Jagger.
Eu ainda tento entender o que ela tem, que me faz sentir a urgência de voltar a essa biblioteca todos os dias que se seguiram àquele, que deu início há um vício difícil de largar. Ela não é “gostosa”, como os caras dizem. Ela não tem aquela beleza clichê ou previsível das outras garotas. Ela é linda de um jeito diferente, exótico e puro. Ela chora com livros estranhos, e seu gosto de leitura é inegavelmente diferente. Ela sussurra enquanto está lendo, quando o livro é muito bom. E uma vez passei perto o suficiente dela para poder ouvir um pedaço de How Soon is Now. Quer dizer, quem ainda ouve The Smiths hoje em dia?!
E ela tem a melhor camiseta de Star Wars. Qual é. Parece que ela foi tirada de um dos meus sonhos mais profundos.
E mesmo não sabendo seu nome ou nada sobre ela, desde então eu venho aqui todas as tardes, e por mais absurdo que isso soe, essa biblioteca se tornou a melhor parte da minha vida.
Todas as tardes tento imaginar qual nome combina mais com sua aparência. Eu até mesmo tenho uma lista em ordem alfabética, que começa por Amber. April. Abigail...
Seja lá seu nome, sei que ela é maravilhosa. Talvez eu esteja completamente fora de mim, mas sei que ela seria a única pessoa nessa Terra que me entenderia. Porque eu sei, de algum modo, eu sei que compartilhamos isso.
I am human and I need to be loved... Just like everybody else does.


Aquele era o maior relato dele que eu havia lido desde que descobri seus bilhetes. Não fazia ideia de quem ele era, nem se sabia que eu havia encontrado seus textos, ou se aquilo tudo era proposital. Não fazia ideia de onde estava. Mas eu estava sorrindo. Toda vez que sabia da possibilidade de encontrar com o garoto da biblioteca outra vez por meio de seus textos, meu coração disparava.
Eu precisava encontra-lo. Não sabia se ele seria tudo que eu imaginava ou se, o que era ainda mais desesperador, eu seria tudo que ele esperava de mim, mas isso pouco importava. Eu queria encontra-lo. Precisava saber mais sobre ele.

Depois de reler o texto que havia encontrado algumas vezes, eu sentei no lugar onde ele sempre sentava, com o intuito de imaginá-lo ali, imaginar sua visão, o modo como ele me via. Então eu encontrei algo interessante. No canto da prateleira A, bem no campo de visão de quem ficava sentado na mesa dele, havia um livro que não deveria estar ali: Star Wars: A Tempestade se Aproxima. Peguei o livro e o abri. Nada. Nem uma única página marcada, rabiscada, nada. Absolutamente nada.
Foi aí que algo me ocorreu. Abri a capa traseira do livro e puxei a ficha de registro do mesmo, procurando por entre as assinaturas uma letra familiar. E entre tantas, eu a encontrei.
Meu coração praticamente virou uma cambalhota. Era a mesma cor de caneta e a caligrafia inconfundível, que dizia .

You don't know how desperate I've become, and it looks like I'm losing this fight. In your world I have no meaning, though I'm trying hard to understand. And it's my heart that's breaking.
- John White.


O seu nome era .
Como não havia em especial um , mas vários, procurei em uma lista telefônica online por todos os que haviam cidade, e anotei o número de cada um. Não eram poucos, mas também não eram tantos assim. Usei meu horário de almoço para fazer as ligações pelo telefone da biblioteca, usando como desculpa um livro que não foi devolvido. Não era verdade, pois ele não deixara pendência nenhuma, mas eu não podia simplesmente ligar e perguntar “olá, você se chama ? É a garota da biblioteca. Não nos conhecemos, mas quero te ver.”
Eu acabei não almoçando, ligando para todas as pessoas das quais consegui o número. Alguns não consegui contatar, outros mal me responderam, mas não me contentei com isso.
- Lar Sta. Lúcia, boa tarde.
Mordi o lábio, parando de batucar com a caneta no balcão. Talvez ele trabalhasse lá.
- Oi... oi! Meu nome é . Eu poderia falar com, hum... O ? – Franzi o cenho.
Houve silêncio do outro lado da linha.
- ?
Então esse era seu sobrenome? Fisher.
- Sim.
- Desculpe, quem está falando? – A mulher do outro lado perguntou depois de um momento, parecendo incomodada.
- . Eu trabalho na biblioteca municipal de Detroit...
- não está mais aqui há alguns anos. – Ela disse. Balancei a cabeça, confusa.
- Desculpe, de onde você fala?
- Orfanato Sta. Lúcia. – Ela disse, e abri a boca, mas nenhum som saiu. – O ... ele... está bem? – Ela perguntou um tempo depois.
- Eu... – Balancei a cabeça, voltando à Terra. – Eu não sei. Ele deve um livro à biblioteca, eu só queria... eu encontrei esse número na internet com seu nome. Me desculpe.
- Tudo bem. Desculpe não poder ajuda-la, tenha uma boa tarde.
A ligação foi finalizada, e fiquei por um tempo digerindo isso. Talvez não fosse o que eu procurava, mas o sobrenome era uma coincidência e tanto. E eu não conseguia deixar de pensar que isso, junto com sua ausência da biblioteca há mais de semana e seu modo de falar de si mesmo nos textos tinham uma correlação. Isso me preocupou.

Entrei no Google pelo computador extremamente lento da biblioteca e pesquisei pelo nome , em Detroit. Poucos resultados apareceram, então entrei nas imagens do Google, e, para minha surpresa, lá estava ele.
Eu mal lembrava de seu rosto, mas minha memória fez um belo trabalho em desenhar o que lembrava de seus traços em minha mente. Eu o reconheci em uma das poucas fotos que apareceram como resultado, uma foto qualquer, com seu rosto recortado em meio há muitos em alguma fotografia de colégio.
A sensação de encontra-lo foi tão boa! Senti que eu estava cada vez mais perto de conseguir falar com ele, tirar minhas dúvidas. Dar e ganhar uma chance de conhecer uma pessoa tão diferente, como ele mostrou ser.
Ainda no Google encontrei um endereço, o qual anotei e guardei comigo, para visitar assim que possível. Talvez eu estivesse levando aquilo muito a sério, mas estava tão envolvida que não podia mais esperar.

Atendi algumas pessoas que locaram livros, e voltei a ficar sozinha. Jace havia saído para seu horário de almoço e haviam poucas pessoas ali agora, e eu não tinha mais nada a fazer. Depois de ler seu texto mais uma vez percebi que a única obra que ele havia mencionado naquele fragmento era Star Wars, então procurei por algum dos livros da série. Todos os que a biblioteca dispunha estavam agrupados em uma única prateleira, em ordem alfabética. Ao pegar um e tirá-lo do meio dos outros livros mais uma folha caiu. Sorri e a peguei.

Comecei a perder o controle de novo. Não pude ir à biblioteca por alguns dias, e talvez tenha sido apenas uma coincidência que as coisas tenham começado a desandar justo neste momento, mas talvez esse seja o motivo. Eu quero vê-la. Quero dizer a ela que acho que já conheço mais dela do que conheço de mim mesmo, mas sei que posso ser mal interpretado. Eu não quero que ela enxergue que sou uma aberração.
Eu a conheço o suficiente para saber que ela merece alguém melhor.


Eu não esperava ler aquilo, o que acabou me deixando angustiada. Mordi o lábio, guardando o livro e olhando para os outros, decidindo tentar ver se neles existia mais alguma coisa. Peguei o próximo na prateleira e o abri, encontrando outra folha.

Talvez a garota da biblioteca já tenha notado minha presença algumas vezes. Eu já a vi lançando um olhar ou outro para a minha mesa, de vez em quando, ao passar os olhos pelas prateleiras.
Gostaria de saber o que passou por sua cabeça quando seus olhos passaram por mim.
Provavelmente absolutamente nada.


O pior de ler aquilo foi saber que era verdade. Eu costumava ser uma pessoa observadora, mas ele nunca sequer passou por minha cabeça. Até eu descobrir aqueles textos, ele simplesmente não me era interessante. Eu me sentia péssima, principalmente nesses momentos, em que lia o quanto eu era especial para ele.
Peguei o próximo livro apressada, querendo saber mais coisas. Ler seus textos se tornou um vício. Eu precisava de mais, eu precisava de algo novo. Precisava conhece-lo mais, como era há cada vez que pegava mais um de seus textos.

Acho que a garota da biblioteca se tornou uma obsessão tão grande porque ela é a parte mais bela de meus dias cinzentos. Ela é como uma miragem de meus sonhos mais absurdos. Eu consigo pintá-la em minha cabeça de absolutamente qualquer maneira. Às vezes, eu consigo até imaginar como será seu cheiro, seu beijo.
Acho que eu sou apaixonado pela garota da biblioteca porque ela me permite fugir da minha existência patética, ser quem eu quero ser. Ela me permite ter o controle. As coisas podem ser como eu quero que sejam, em minha mente. E de algum modo, é ela quem faz isso comigo.


Balancei a cabeça, por um momento atônita. Suas palavras sobre mim me arrepiavam. Nunca sequer sonhei em ter alguém que gostasse de mim tanto assim. Quando o encontrasse, eu tenho certeza que ficaria até sem graça em frente a alguém que eu sabia que sentia tamanho apreço por mim.
Abri o próximo livro e peguei o papel, que encontrei com facilidade.

A parte hilária de tudo isso é que, basicamente, eu não sei nada sobre ela. Eu não sei nem o seu nome. E eu sou incontestável e ridiculamente apaixonado por ela há mais ou menos quatro meses agora. Como, eu não faço ideia.


Mordi o lábio. Sempre pensei ser impossível se apaixonar por alguém que nunca conhecemos. Namoro por internet ou mesmo amor de fãs por boybands ou essas coisas. Nunca acreditei que fosse verídico, recíproco. Mas eu começara a sentir algo por aquele garoto. Não sei se um tipo platônico de paixão, ou se um apreço incontestável, algum tipo estranho de empatia. Mas eu sentia sua voracidade, eu sentia a mesma ligação que ele dizia que tinha comigo em seus textos. Talvez eu fosse egocêntrica, talvez só sentisse isso porque gostava de saber que alguém notava minha existência como ele fazia, mas eu sentia aquilo. Suas palavras me transmitiam um sentimento estranho, engraçado, de que já havíamos nos conhecido antes em algum lugar, como em outra vida ou algo assim. Outro conceito que eu não acreditava, mas... depois disso, e dele, comecei a rever meus conceitos.
Havia um último livro do Star Wars na prateleira, e desejei imensamente que ele desse abertura há outros livros. Eu não queria parar de lê-lo. Não queria que aquilo acabasse.

Minha vida está em ruínas. Não consigo mais parar. É a única forma de sentir que ainda estou vivo, de sentir que tenho o controle.
Como podemos ter tanto medo de deixar alguém que nem sequer sentirá nossa falta?
Não quero deixa-la. Tomei minha decisão, mas não quero partir sem que ela saiba que eu a amei. Por isso vou escrever aqui a breve história de como isso começou a acontecer.
Ela merece saber que foi amada, mesmo que tenha sido por alguém como eu.
Deixarei os relatos em meus livros preferidos, com referência uns aos outros, sem seguir ordem alguma. Darei um jeito de fazê-la saber que estão por aqui, em algum lugar.
Então partirei.
E se ela estiver lendo isso, por Deus... que não pense que fui um maluco qualquer.
Fui um maluco que a adorou incontestavelmente. E agradeço pela honra de tê-la conhecido.


Meu coração acelerou. Voltei ao balcão sem nem mesmo guardar o último livro no lugar e abri a gaveta onde guardava meus pertences. Procurei por entre os pedaços de papel na gaveta, os espalhando em cima do balcão e procurando aquele que deixou em cima da mesa quando foi embora pela última vez.
Eu o li e em seguida li o último que havia encontrado. Não estava em ordem, mas um explicava o outro. Então eu entendi que ele não estava apenas indo embora. Não era uma despedida qualquer.
Eu precisava encontra-lo.

- - -

- Você quer que eu faça o quê? – Jace me olhou confuso. – Te dar uma carona? Mas não podemos sair daqui.
- É uma biblioteca, por Deus, Jace! – Disse andando em volta de meu colega de serviço enquanto ele tirava o pó de algumas prateleiras. – ninguém nem sequer nos supervisiona. E vai ser rápido!
Ele estreitou os olhos para mim.
- De onde veio essa rebeldia toda, da garota que até hoje nunca vi fazer nada errado?
Bufei.
- Você é a pessoa que mais reclama que não tenho devoção a nada que não seja livros. Mas agora eu tenho, e é algo que significa muito para mim, e preciso fazer isso. Eu não posso explicar, só... preciso da sua ajuda. – Suspirei, ansiosa, nervosa, angustiada. - Por favor. Por favor, é importante! – Juntei as mãos quando ele me olhou, implorando.
Jace soltou o pano que tinha nas mãos e respirou fundo, me olhando.
- Tudo bem, tudo bem. Mas depois dessa loucura, você vai me explicar direitinho o que está acontecendo.
- Sim! – Pulei, abraçando-o pelo pescoço. – Sim, sim, sim! – Ri o soltando e já saindo do meio das prateleiras, indo em direção ao balcão com ele em meu encalço.
- E se perdermos o emprego você vai ter que dar um jeito de me sustentar até eu encontrar outro!
- Prometo que sim. – Sorri, pegando meu casaco e vestindo-o, apressada.

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Jace me deixou há uma quadra do endereço indicado na internet, e eu desejei imensamente que aquilo me levasse há algum lugar, ou eu não saberia o que fazer a partir dali. Precisava encontrar , conversar com ele. Enquanto íamos até lá eu podia até imaginar como seria sua reação. Sentia que, por menor que fosse, eu passei a conhece-lo por meio daquelas palavras.
Caminhei com cuidado pela rua daquele bairro pouco movimentado, na zona leste de Detroit. Eu nunca havia ido para aqueles lados da cidade na vida, e apesar de dizerem ser um pouco perigoso, aquela parte do bairro me parecia calma.
O dia estava gelado e uma garoa úmida caía, e talvez fosse por isso que não havia ninguém na rua. Por isso e porque era metade da tarde, e todo mundo estava trabalhando há essa hora. Respirei fundo para tentar me acalmar, e cuidei os números das casas à medida que me aproximava da que estava no endereço.
A casa do endereço ficava no final de uma rua sem saída, de onde o único barulho além de latidos de cachorros que podia ser ouvido há quilômetros vinha. Era barulho de algo sendo pregado, e quando me aproximei o suficiente pude perceber um senhor em cima de uma escada de mão pregando o marco de uma janela de madeira.
Por algum motivo tive quase certeza de que não era aquela casa, mas decidi me aproximar só para tirar a dúvida.
- Ah... hmm... com licença? – Chamei um pouco alto para ser ouvida por cima do barulho das marteladas, e o senhor grisalho olhou para baixo, parando de bater na janela.
- Olá.
- Oi. Meu nome é . Ahn, eu gostaria de...
- Só um minuto, filha. – Ele disse, segurando-se na escada e descendo dela com cuidado. Esperei até que estivesse no chão e sorri quando ele se aproximou. Soltou o martelo e arrumou algo no ouvido direito. – Desculpe. Não consigo ouvir bem com isso aqui desligado... – Riu, e percebi o aparelho auditivo em seu ouvido. – O que você disse?
- Meu nome é . – Apertei sua mão, que ele me ofereceu. – Eu estou procurando uma pessoa. Encontrei esse endereço na internet, mas...
- Quem você está procurando?
- Hm... . Você o conhece?
- ? O garoto que morava nessa casa? – Apontou para trás e olhei para a casa de madeira azul, percebendo que, apesar de alguns materiais de reforma espalhados pelo gramado, a casa se encontrava fechada.
- Eu não sei. Mas, bem... – tirei meu celular do bolso e abri a foto de que eu havia encontrado no Google. – Esse aqui é ele. Reconhece?
- Ah, sim. Sim, é esse mesmo.
- Ele morava aqui? Sabe para onde ele se mudou? – Perguntei, mordendo o canto do lábio ansiosa. Eu estava perto. Ele morou nesta casa.
A expressão do senhor mudou, porém, quando perguntei isso. Ele fez um barulho com a boca e passou as mãos pelos cabelos ralos, coçando a testa.
- Você não vai encontrar esse garoto, filha. Ele... ele se matou. Semana passada. Bem aqui.

Don't try to wake me in the morning ‘cause I will be gone. Don't feel bad for me, I want you to know... Deep in the cell of my heart I will feel so glad to go.
- The Smiths.



Há trinta minutos eu estava sentada no banco de uma cafeteria segurando uma xícara de chá que há essa hora já estava frio. Acho que estava em choque, porque ainda não conseguia entender exatamente o acontecimento dos fatos.
Mas eu entendi que estava morto.
- Como... – Balancei a cabeça, pigarreando para minha voz sair mais firme. – Por quê? – Perguntei ao senhor, sentado em minha frente na mesa. O café era perto da casa onde o encontrei, e quando viu que eu não estava em condições de sair de lá sozinha, levou-me até ali e sentou comigo.
Ele deu de ombros.
- Ninguém sabe. Como te disse, apenas alugava a casa para ele. Ele tinha idade aproximada de vinte anos. Talvez uns vinte e dois. Morava ali há um ano e meio, e sempre pagou o aluguel em tempo, apesar de ter pedido para que eu baixasse algumas vezes. Uma vez entrei na casa, ela estava um caos. Ele não era uma pessoa organizada, e percebi que nem tinha muitas condições de vida, por isso baixei o preço do aluguel. Eu não sei o que ele fazia ou como conseguia o dinheiro, mas estava sempre sozinho, com as janelas fechadas. Nunca vi nenhum amigo ou namorada... nem sequer seus pais.
- Eu... eu estava o procurando e acabei encontrando o telefone de um orfanato.
- Bem, isso explica um pouco de porque ele estava sempre tão sozinho. Trocamos algumas palavras poucas vezes, mas ele parecia triste. – O senhor suspirou. – É realmente uma pena. Era um jovem tão bonito.
- Foi você que o encontrou? – Perguntei, e ele negou.
- Recebi uma ligação da vizinha. Ela não o via há alguns dias e decidiu ir checar, como a boa fofoqueira que é. Então quando ninguém atendeu, ela chamou a polícia e ligou para me avisar. Quando cheguei lá já haviam removido o corpo, mas todos seus pertences continuaram lá. Ah! – Ele ergueu os olhos para mim. – Já removeram os móveis mais pesados, mas seus pertences pessoais ainda estão lá. Eles deixaram sob minha responsabilidade, e eu estava pensando em doar suas roupas, sapatos e seu colchão para algum abrigo. Mas tem também alguns cadernos e papeis rabiscados, talvez você queira pega-los para si.
De repente me lembrei da figura de na biblioteca, sempre rabiscando em algum caderno. Talvez houvesse mais. Eu não tinha certeza se queria ler, sabendo que nunca o veria, que ele não fazia mais parte desse mundo. Era algo tão pesado, tão difícil de aceitar. Mas lembrei-me de suas palavras sobre mim. “Por isso, arranjei um modo de me tornar eterno. Eterno aos olhos da única pessoa que gostaria que enxergasse minha alma. Se tinha alguém com quem se importava nesse mundo, esse alguém era eu, e se pudesse escolher alguém com quem deixar seus textos, tenho certeza que seria comigo. Era um fardo grande a carregar, um tipo de responsabilidade. Mas ao mesmo tempo era simples e verdadeiro; ele já havia se tornado eterno para mim.

Depois de passado o susto e o choque, acompanhei o senhor de volta à casa e ele me entregou os pertences de . Deixei com ele o contato do orfanato para o qual liguei para que ele doasse seus pertences para lá, como eu achava que era o correto a fazer.
Chamei um táxi e enquanto ele me levava para casa eu folheei os inúmeros cadernos, todos completamente cheios de escritos do início ao fim. Sua letra inconfundível já me era conhecida e até um pouco acolhedora. Todos os seus cadernos tinham escritos na parte de dentro da capa o período em que ele escreveu tudo que havia dentro, e assim que li o começo de um texto percebi se tratar de diários.
Procurei por entre os cadernos o mais atual de todos, e quando o encontrei, folheei até suas últimas palavras.
Meus olhos marejaram ao encontrar sua última frase, escrita em letras maiúsculas.

. ESSE É O BELO NOME DELA. AGORA POSSO DESCANSAR EM PAZ.

To die by your side is such a heavenly way to die [...] to die by your side, well the pleasure and the privilegie is mine.
- The Smiths.



Apesar de seu triste fim, foi uma pessoa incrível e geniosa, que infelizmente não deu a ninguém a chance de conhecer sua mente maravilhosa. Depois de ter terminado de ler toda a história de sua vida, conhecer seus sonhos mais absurdos e seus pensamentos mais profundos, percebi que fui eu que tive o privilégio de conhecer uma pessoa tão fascinante, e decidi que, como meu agradecimento a ele, eu realizaria seu sonho de infância e também seu último desejo. Não apenas para mim, mas para todos que procurassem ter esse privilégio de conhecer sua história. Eu escreveria um livro sobre ele.
E assim, o tornaria eterno.

Fim.



Nota da autora: (24/12/2015) Por algum motivo minhas shorts sempre envolvem morte, eu devo ter algum problema. Mas, bom, apesar de ter escrito correndo (como sempre) eu acabei adorando a história de Creep. Talvez nem tanto a escrita em si, mas a história ficou legal, por favor, me deem algum crédito, hehe.
Por favor, se você leu e tem algum comentário/crítica, me deixe saber aqui embaixo. E se gostou da minha história, leia meus outros trabalhos! Tks xx
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