CAPÍTULOS: [Capítulo único]









Capítulo único


Bom dia, minha queridíssima Londres! É uma manhã ensolarada, o céu está azul e a semana continua...
Dei um pulo na cama com o rádio gritando no criado mudo. Ainda meio grogue, pisquei algumas vezes e sentei com dificuldade, passando a mão nos olhos. Olhei para o relógio/rádio no criado mudo que indicava que eram oito horas. Uma música animada começou a tocar e levantei os braços, me espreguiçando enquanto bocejava. Levantei da cama jogando o edredom para o lado e calçando os chinelos enquanto me balançava no ritmo da música.
Escovei os dentes cantarolando, lavei o rosto, calcei um tênis e um conjunto surrado de roupas de corrida, prendi os cabelos loiros em cachos desgrenhados em um rabo de cavalo firme e desci os degraus da íngreme e apertada escada, ainda cantarolando a parte que eu sabia da música.
Ao chegar na cozinha peguei o pote de proteína e , com a outra mão, puxei a folha de caderno presa a um imã na geladeira.
Precisamos de mais ração, seu cachorro vai morrer de fome. Love u. xx"
Sorri ao soltar o papel no balcão, dando de cara com o pug preto me encarando inquisitivamente.
- Eu sei. – Suspirei, ao encará-lo. – Eu esqueci.
Puxei de cima do armário o pacote pela metade de marshmallows de e peguei três, soltando-os no pote de comida do cachorro.
- Eu vou comprar daqui a pouco, você sobrevive mais uns minutos, certo? É nosso segredo – sussurrei, beijando a cabeça do cachorro roliço, que atacou os marshmallows favoritos de minha melhor amiga no pote.

Soltei um pouco de leite e umas colheres de proteína de baunilha no liquidificador, misturando-os por uns segundos e depois largando a mistura cremosa em um copo, tomando-o até a metade. Olhei no relógio, eram oito e meia. Soltei o resto da proteína no pote de Bandit, que não tinha mais nenhum marshmallow, e saí da cozinha à procura do iPod e das chaves.
- Ban, estou saindo. Prometo que volto com sua ração. Se a vovó ligar, já sabe o que dizer! – rodei no meio da sala à procura das chaves. – Ela está bem, muito obrigada, e não precisa de dinheiro emprestado! – Ao encontrar as chaves parei, olhando para a cozinha, onde o cachorro lambia a proteína do pote. Eu ia parar de dar porcaria ao cachorro. Eu ia. A partir de agora. – Não vá dizer a ela a verdade. – pisquei para ele, quando me olhou com aquela cara de cachorro.

Ao abrir a porta de casa quase pisei em cima de um punhado de rosas. Me abaixei e peguei o buquê, puxando o pequeno cartão de dentro dele e o abrindo.
Por favor, me dê mais uma chance. Eu posso ser melhor. Não paro de pensar em você. Kev."
- Kev? – Franzi o cenho. – Qual é o Kev?
Dei de ombros um segundo depois, jogando o buquê no sofá e saindo de casa. Coloquei os fones e comecei a correr em uma velocidade razoável, pegando o ritmo enquanto algum R&B relaxante tocava em meus ouvidos fazendo com que a corrida fluísse ainda mais naturalmente.
Em poucos minutos eu já estava no parque. Corri os dois quilômetros usuais e ao terminar eu já suava. Ao olhar para a hora, já eram quase nove e meia. Parei perto de uma árvore e fiz os alongamentos enquanto retomava o fôlego, e depois atravessei o parque em uma caminhada tranquila, curtindo da música e da paisagem, e principalmente do clima favorável, quase milagroso para a capital inglesa.

Quando cheguei ao Park Coffee já me esperava em uma das mesas – a que ela sempre sentava -, enquanto mexia em seu celular. Sentei no banco à sua frente chamando sua atenção e ela me olhou.
- Comprou a ração?
- Sim – comentei, pegando o menu. – Vai pagar o meu café?
Ela me encarou por um segundo com os olhos semicerrados, e por fim relaxou.
- Vou. . – Chamou. – Compre a ração.
Ri e fiz meu pedido quando a garçonete apareceu e ouvi enquanto falava:
- Ok, eu conheço Kira do escritório. Nunca nos falamos muito, até que ela me procurou perguntando sobre você. Disse que ouviu uma amiga falar de você e sabia que éramos amigas.
- E qual é a situação? – Mordi o lábio, enquanto batucava os dedos na mesa.
- Eu não sei, mas de umas semanas para cá ela vem agindo muito estranho. Parece uma pessoa completamente diferente. Ela era simpática e doce, e então do dia para a noite, virou a mulher mais hostil que conheço.
Assenti acompanhando a história, pensando no que a louca devia ter se metido. Bem, era para isso que eu servia. Para limpar a sujeira emocional de mulheres que não tinham tempo, estima ou coragem para tal.
Eu e ficamos conversando besteiras até que poucos minutos depois a garota chegou, juntamente com meu café. Ela sentou no banco vazio da mesa e nos cumprimentou. Era uma mulher jovem, bonita, de pele morena e longos cabelos escuros, com uma leve aparência asiática, talvez indiana. Tinha olheiras fortes e a pele oleosa e mal tratada, os cabelos precisavam de um novo corte e o esmalte das unhas estava descascando. Mas ainda assim ela continuava bonita.
- Já estamos atrasadas, Kira. – comentou, olhando no relógio. – Acho melhor ser breve.
- Não tem muitos detalhes pra dar. O nome dele é – Kira disse, tirando algo da bolsa e deslizando até mim na mesa. Peguei a fotografia de um casal – ela e um garoto igualmente jovem – abraçados e sentados em um gramado verde, sorrindo. – . Ele trabalha em pub. Quando terminamos voltou para lá, já que não tinha mais como se sustentar sozinho. – Ela disse, soltando uma risada seca. – Escrevi o endereço do pub e da casa dele atrás da foto.
Assenti, constatando que havia dois endereços escritos atrás da foto. Dei um gole em meu café.
- Ficamos juntos por dois anos. Ele me pediu em noivado, e um mês atrás terminamos, depois que o peguei no flagra comendo minha prima. No almoço de noivado. Minha família inteira viu – ela balançou a cabeça. Fiz uma careta, tentando imaginar a cena, sentindo pena dela. Depois de um momento em silêncio, ela voltou a me olhar. – é muito infantil. Não sabe o que quer da vida, não tem planos e perde tempo com coisas idiotas. Ele gosta de arte, nas horas vagas pinta ou faz esculturas. Mas você precisa tomar cuidado, ele é persuasivo, capaz de te levar a fazer qualquer coisa por ele. Ele te faz esquecer dos seus próprios ideais – ela explicou. – E querer largar tudo, como se viver sem propósito como ele faz fosse a coisa mais incrível da vida.
ouvia a colega falar, tão atenta quanto eu. Encarei a foto mais uma vez enquanto tomava o café, observando os olhos brilhantes e o sorriso magnífico do rapaz. Parecia até um modelo de catálogo. Ele devia ser bem astuto, mesmo. Para deixar uma mulher daquelas, bonita e bem sucedida, sem chão.
Depois de um momento, Kira então se aproximou da mesa, curvando-se mais para perto de mim.
- Eu quero que destrua o . Quero que ele se sinta tão humilhado quanto eu me senti. Quero ver ele chorar. Se você conseguir isso, eu vou me sentir muito melhor.
Assenti, soltando a foto na mesa.
- Como vai me pagar?
Ela se endireitou no banco, abrindo a bolsa.
- Na verdade, estava conversando com no outro dia e ela me contou que você é modelo.
Dei de ombros.
- Mais ou menos, eu faço uns bicos.
- Bem, eu tenho uma tia que trabalha para uma marca de roupas grande da região e é responsável pela imagem e marketing. – Ela tirou uns papéis da bolsa. – Mostrei suas fotos, consegui que ela matasse um ou dois leões e... – me ofereceu os papéis e eu peguei, lendo o topo da folha. – É um contrato de um ano. Se conseguir fazer o que estou pedindo, o trabalho é seu. Tem estabilidade, ganha muito mais do que você consegue imaginar e mora na cidade.
Encarei o contrato, maravilhada, imaginando aquilo. Imaginando ter estabilidade financeira pela primeira vez na vida, provavelmente. Eu vivia na beirada desde que terminei o colégio saí de casa, sem saber se teria dinheiro para dar o que comer ao meu cachorro na semana seguinte. Tinha sorte em ter conhecido , que era completamente diferente de mim. Organizada, bem sucedida, sabia o que fazia e tinha objetivos. Já éramos melhores amigas e colegas de casa há anos agora, e eu sabia que a devia tanto por sempre me ajudar. Queria um dia poder pagá-la, e aquele contrato em minhas mãos era a chave para isso. Eu já podia sentir o cheiro do dinheiro. Já podia sentir a sensação maravilhosa de contar à minha mãe que, finalmente, eu faria algo da minha vida e a daria orgulho.
Desgrudei os olhos do papel, voltando a olhar para Kira com determinação. Eu nunca falhara até hoje, e por mais difícil que esse serviço pudesse ser, eu sabia que o tinha nas mãos.
- Temos um acordo. – Sorri para ela, que me sorriu de volta contente. – Mas você deve saber de uma coisa, Kira. Eu faço isso há algum tempo agora, e nunca falhei porque não deixo que nenhum tipo de sentimento chegue até aqui – toquei meu peito. – Eu não vou sentir nada por ele, e isso inclui raiva. Vou fazer meu serviço, exatamente como você pediu, e me afastar. Para mim, ele será o produto do meu serviço. Apenas isso. Você precisa saber que não sou você, e que ele não vai me relacionar a você em nenhum momento, e que quando isso acabar, ele não vai voltar para você. Não é isso que eu faço.
Ela assentiu e me aproximei, tocando sua mão por cima da mesa, olhando em seus olhos.
- Faço isso porque somos mulheres, e precisamos defender umas às outras. Em hipótese alguma eu deixaria um dos babacas com quem trabalho voltarem a se aproximar de quem me contratou. Faço isso para ensinar a eles uma lição, e pensar duas vezes antes de tratar outra mulher como tratou você.
Os olhos dela brilharam, e apertei sua mão.
- Então, eu te peço isso em troca do meu serviço. Esqueça ele. Volte a ser quem você era antes dele, antes de tudo. Cuide de você mesma agora, e nunca deixe que ninguém, nem o melhor cara do mundo, te ame mais do que você mesma.
Ela sorriu, e sorri de volta.
- Temos um acordo?
- Temos um acordo – ela assentiu, me oferecendo a mão, e eu a apertei.
- Ótimo.

Encontro 1

Quando percebi que eu não conseguia cometer a proeza de me apaixonar, encontrei aí uma possibilidade de fazer dinheiro e me divertir ao mesmo tempo. Eu sempre saia com caras, me divertia, via e experimentava de tudo que gostava, mas uma semana depois enjoava da cara dele de tal modo que podia vomitar se tentasse beijá-lo. No começo eu não entendia, mas depois simplesmente parei de tentar entender. Eu não me apaixonava, e não importava se era porque ainda não havia encontrado o cara certo ou porque eu estava fadada a viver a vida sozinha e ficar para titia. Londres era uma cidade imensa, cheia de homens bonitos, charmosos e legais, e eu ainda tinha muitos encontros pela frente antes de começar a me desesperar com isso.
Mas não eram só homens legais que existiam no mundo, e disso nós, mulheres, sabemos muito bem. O mundo estava cheio de babacas, cafajestes e sapos disfarçados de príncipes. E eu tinha um certo talento em conseguir ser o que os homens esperavam em uma mulher, eu podia mudar como um camaleão para fazê-los gostarem de mim. Cada um é melhor em alguma coisa, certo? Algumas pessoas são boas em esportes, outras em computação ou em matemática; eu era boa em fazer com que homens se apaixonassem por mim.
E até antes de descobrir que isso era uma coisa boa, eu odiava quebrar o coração deles, mas então um dia, quando o (agora ex) namorado de anos de começou a dar em cima de mim às escondidas e nós duas bolamos um plano de fazê-lo confiar em mim e acabar quebrando a cara, vi nisso uma qualidade em mim. Quebrar o coração dos caras legais era um desperdício, mas ensinar uma lição a caras como o ex de era um ótimo negócio. Um tempo depois uma amiga dela disse que estava com problemas com o namorado que era “um galinha”, e me ofereceu dinheiro em troca de ensinar a ele como tratar uma mulher. Depois disso, o negócio “deslanchou”.
Não era um serviço digno. Mas para mim eram apenas encontros, eu aprendia e passava aprendizado, e acabava ganhando por isso. Se era ou não digno, eu não me importava. Minha mãe, é claro, nem sonhava que sua única filha fazia esse tipo de coisa. Minha mãe era uma vadia controladora, mas eu a amava incondicionalmente e queria um dia dá-la orgulho, por isso, com aquele contrato ainda em mente, eu estava determinada a fazer um bom trabalho. Se tudo desse certo, aquele era o último que eu precisaria fazer em um bom tempo.

- Ok, tá legal. – Parei em frente à televisão que assistia no seu quarto. - Que tipo de cara você acha que é? Esse? – Coloquei um vestido tubinho preto em frente ao corpo. – Ou esse? – coloquei a camiseta de flanela vermelha e ela franziu o cenho. – Claro que com uma regata justa por baixo – expliquei.
- Se a regata for mesmo justa, então a flanela. Kira disse que ele é artista, certo? Deve curtir alguém mais reservada.
- Bem pensado – disse, saindo do quarto e indo em direção ao meu.
Eu havia pesquisado o pub onde ele trabalhava na internet. Era um lugar simples, barato, mas bonitinho e aconchegante, então um vestido tubinho realmente não era uma boa ideia. Coloquei uma calça jeans justa, uma regata branca também colada e a flanela por cima. Soltei os cabelos, que estavam meio que um caos, mas de um jeito bom, e apenas passei um batom simples e rímel. No final, encarei meu reflexo no espelho de corpo inteiro e pensei. Faltava alguma coisa, eu queria ser comum-mas-nem-tanto. Me inclinei para frente e puxei um pouco a blusa para baixo, ajeitando os peitos no sutiã, os fazendo parecerem melhor. Olhei-me mais uma vez e assenti, era isso. Agora eu tinha peitos grandes.

Calcei botas de salto médio, peguei uma bolsa de alcinha e uns brincos do criado mudo e fui para o corredor os colocando na orelha.
- Me deseje sorte!
- Boa sorte. Acabe com ele! – Ela gritou quando eu já estava na escada, e ri. O táxi já me esperava, então dei o endereço e pouco mais de vinte minutos depois chegamos lá. Eu estava sozinha, e uma garota sozinha em um pub na sexta à noite não era algo comum de se ver, então precisava de uma explicação.
Entrei no lugar, que era comprido apesar de não muito largo. Era um tanto escuro, à meia luz, cheio de mesinhas espalhadas por ali com pessoas bebendo e conversando alto, e no fundo do estabelecimento havia um pequeno palco iluminado e tocava uma música antiga, vinda de uma jukebox.
Ao olhar para o balcão, que era um tanto comprido, vi lá dentro vários barmans, e não foi difícil reconhece-lo no meio deles. Tinha os cabelos bagunçados, um pano no ombro direito e servia bebida a uma garota, sorrindo de canto e soltando um charme. Respirei fundo e me direcionei para um banco vazio perto de onde ele estava, sem em nenhum momento olhá-lo.
Sentei no banco que era alto, fazendo com que eu não alcançasse os pés no chão, e soltei a bolsinha no balcão de madeira, bufando. Passei a mão no cabelo e procurei por algo na bolsa, sentindo olhares das pessoas que estavam sentadas ao meu lado em mim.
Peguei meu celular e disquei alguma coisa, a colocando no ouvido.
- Amy? Quando ouvir esse recado me liga, eu preciso de uma carona. Você estava certa, ele era um babaca. – Balancei a cabeça. – Eu devia ter te ouvido.
Um copo quadrado foi soltado em minha frente no balcão e logo enchido com uma dose de whisky.
- Me liga! – Disse, terminando a “ligação” e olhando para cima, encontrando com os olhos de . Ele sorriu com compreensão e deslizou o copo até mim.
- Por conta da casa. Noite ruim?
Peguei o copo com as duas mãos, suspirando e dando de ombros.
- Encontro trágico.
- Sinto muito – ele disse, tirando o pano do ombro e o passando por cima do balcão. – O que deu errado?
- O que não deu errado seria mais correto. – Tomei um gole da bebida, fazendo uma careta. – Por que vocês homens são tão detestáveis? – Resmunguei, o encarando de baixo.
- Ei, não generalize. Eu peço desculpa pela minha raça, mas... – Levou a mão ao peito. – Nem todos são assim.
Sorri. Ah, é mesmo?
- Você deve ser um exemplo de pessoa, não é? – Brinquei. – Dando bebida de graça para as garotas...
- Eu só queria te ajudar. – Se defendeu, sorrindo para mim.
Sorri de volta, encarando o copo e fechando o sorriso, com pesar. Comprimi os lábios e tomei o resto da dose, devolvendo o copo a ele.
- Você parece precisar de outra dose.
- Não, obrigada. – Levantei a mão. – Não quero fazer mais besteiras por hoje. E para ajudar, estou em um lado da cidade que não conheço, sozinha, conversando com um estranho.
- Eu não sou um estranho, sou o barman. – Ele retrucou, me fazendo rir. pegou uma garrafa de cerveja para o cara ao meu lado e parou em minha frente, me observando e então olhando em seu relógio. – Escuta... eu saio em meia hora. Posso te dar uma carona, e aí você me conta o que de tão trágico aconteceu para perder a fé em todos os homens do mundo.
Estalei a língua o encarando.
- Você pode ser um maníaco.
Ele riu e balançou a cabeça. Olhou para trás e chamou outro barman que atendia no outro canto do balcão.
- Joe! Venha cá. – O outro homem veio e o abraçou pelos ombros. – Diga a essa moça que eu não sou um maníaco.
- Você vai me pagar quanto depois? – Joe brincou, sorrindo para mim de orelha a orelha. – não é um maníaco. Ele só é meio bobão.
- Você pode não confiar em mim, mas pode confiar em Joe. – explicou. – Esse é o cara mais confiável de Londres, olha só esse rostinho de anjo.
Eu ria enquanto ele falava, e o outro fazia umas caras engraçadas. Joe voltou a atender outras pessoas e se aproximou de mim se apoiando no balcão.
- Quero salvar o resto da sua noite, assim você não se lembrará só da tragédia. O que me diz?
Pensei por um segundo, por fim me dando por vencida e encolhendo os ombros.
- Tudo bem. Acho difícil ficar pior do que já foi.
- Isso – ele sorriu, estendendo a mão para mim. – Sou . .
Peguei sua mão quente e grande, a apertando.
- .

Em vinte minutos se livrou do pano e do crachá com seu nome e saiu de trás do balcão, e pude notar que ele era mais alto do que eu imaginava. Tinha ombros largos e uma postura bonita. Ele me acompanhou até a porta, e saímos para a noite agradável.
- Ah. Eu adoro o verão. – Olhei para o céu, não exatamente estrelado, mas limpo e bonito.
- Uma coisa que já sei sobre você. – Ele comentou, caminhando sem pressa enquanto eu o acompanhava.
- Então estou em desvantagem. O que eu preciso saber sobre você?
Ele pensou por um segundo.
- Prefiro o outono. – Me olhou. – Sou um barman. E você?
- O que diria que eu sou? – Sorri.
- Uma professora de yoga – disse depois de pensar por um momento, e ri. – Errei muito?
Dei de ombros.
- Eu sou modelo às vezes. Mas não levo isso como profissão.
- Ah, modelo! Isso explica... – ele me olhou e pigarreou. – Porque é tão bonita.
Ri fraco, assentindo. Olhei para trás e percebi que o bar já estava ficando para trás. – Onde estamos indo?
- Ali – ele apontou para uma barraquinha de cachorro quente na esquina. – Para que você prove a melhor comida de Londres.
Gargalhei.
- Ah, deus. Você é pior que um maníaco!
Ele riu e pediu ao atendente dois cachorros-quentes.
- Você vai ver que está enganada quando provar essa delicia.
O atendente entregou os dois cachorros-quentes e pagou, me entregando um, que segurei com as duas mãos dando uma mordida. O pão era macio e o recheio meio picante, mas em uma escala perfeita. Arregalei os olhos para ele, que apontou para mim e sorriu.
- Ah meu Deus, isso é incrível – comentei logo que engoli, mordendo mais um pedaço enquanto o acompanhava caminhando pela calçada.
- Não se preocupe. Eu perdoo você. – Ele disse, comendo o seu também.

- Então essa era a carona que você ia me dar? – Perguntei quando já estávamos caminhando há algum tempo. – Vai me levar até o metrô?
- É o melhor tipo de carona, temos tempo para conversar, curtir paisagem e te dá tempo para decidir até o final da caminhada se vai querer ou não me dar seu número. – Disse e eu sorri. – Além disso, me dá tempo para tentar amenizar o estrago que o outro cara fez.
Assenti, concordando.
- Mas então, como foi? Terrível?
- Ah, sim. Foi um horror. Ele era um babaca. Ficou falando mal da ex namorada para mim durante todo o jantar, e ainda me pediu uma salada! – Olhei-o. – Ele nem deixou que eu pedisse. Só porque sou magra não quer dizer que só como salada. Eu nem gosto de salada! Queria pedir um hambúrguer.
gargalhou.
- Então acertei no cachorro-quente!
- Muito! Eu estava morrendo de fome.
Andamos mais algumas quadras conversando, a conversa fluía naturalmente, ele me parecia uma pessoa perfeitamente normal. Mas todos eles parecem de início.
- Mas e você, ? O que faz além de servir bebidas?
- Eu gosto de arte. Todo o tipo de arte, abstrata, antiga... Cinema, música, teatro. Gosto de pintar e criar coisas estranhas.
- Jura?! Temos um artista entre nós, senhoras e senhores! – Levantei os braços. Nos aproximamos da entrada do metrô e começamos a descer as escadas para o subsolo. – Você tem um estúdio?
- Ah, não. – Ele riu. – Eu faço em casa, mesmo. Moro sozinho, então somos eu e minhas esculturas estranhas. Eu coloco uma música alta e simplesmente... libero. É meu jeito de me comunicar, entende? – Ele me olhou. – É muito libertador.
- Interessante – comentei, sorrindo para ele.
Passamos pelas catracas e chegamos à áera de embarque, para esperar o trem.
- Posso te perguntar uma coisa? – Perguntei e ele assentiu. – Por que decidiu ser legal com uma desconhecida? Existem toneladas de garotas bonitas que passam por aquele balcão toda noite, eu tenho certeza.
Ele sorriu fraco, levando as mãos aos bolsos.
- Você é a estranha mais bonita que já passou por lá. – Falou. – Eu não podia perder a chance de te conhecer.
Sorri. Por um momento nos encaramos, e então ouvi o barulho dos freios e o chão tremeu um pouco. Olhei para trás e vi a luz do vagão se aproximando rapidamente. Olhei de volta para ele, que me olhou também, e então o vagão parou em nosso lado e a porta se abriu, soltando duas pessoas e esperando que eu entrasse. Olhei de volta para ele, arregalando os olhos, e fui até a porta a impedindo de se fechar. Ele veio atrás de mim.
- O seu...!
- É... é, ahm – fechei os olhos com força, tentando pensar claramente. – É, zero sete sete zero oito... – a porta começou a se fechar novamente e entrei. se aproximou mais da porta, dizendo algo do lado de fora com os olhos arregalados. – nove cinco três quatro dois! – desenhei com os lábios enquanto escrevia no ar, e então o vagão começou a andar, o deixando para trás.
Quando eu o perdi de vista, sentei no banco ao lado da porta e ri, passando a mão no cabelo, imaginando ele repetindo esses números de novo e de novo enquanto caminhava para casa, para não esquecer.
Passo um de ensinar a um homem como tratar uma mulher: tornar uma tarefa difícil encontra-la novamente.

***


Era sábado de manhã. Saí para uma corrida com Bandit, indo até o mercado com ele para comprar leite e outras coisas que estavam faltando, e precisei voltar carregando as sacolas e o cachorro no colo. Pugs eram extremamente sedentários, e eu não podia exigir muito dele, o coitado podia ter um ataque cardíaco e explodir.
Eu gostava de acordar cedo e correr, era o único modo que eu encontrei de conseguir ter disposição para encarar o dia, mesmo sendo desempregada e tendo grandes tendências a cair em depressão (brincadeira... ou não). O fato era que estar parada era deprimente, te fazia sentir inútil, mas como eu não tinha nada além de trabalhos de modelo no currículo, era difícil conseguir algo que não fosse atendente de fast food ou garçonete. E essa segunda opção eu já tentara tantas vezes que preferia me sentir uma inútil.

Quando cheguei em casa tomava café na cozinha enquanto via algo em seu celular.
- Sua mãe ligou – ela avisou, quando eu soltei as coisas no balcão. Resmunguei.
- O que ela queria?
- Saber se precisava de dinheiro. – Ela me olhou ao que eu a encarava. – Eu disse que não!
- Não quero contar para ela do contrato ainda. Alguma coisa pode dar errado, e não quero dar esperanças de que a filha dela pode sair do fundo do poço – brinquei, e riu.
- Se não conseguir isso, uma hora você vai conseguir alguma coisa, você sabe. É sempre difícil no começo.
Dei de ombros, guardando o leite na geladeira. Eu sabia que falava isso para ser legal, mas a verdade era que uma pessoa sem diploma universitário em Londres não sobrevivia sozinha. Eu não queria ser garçonete para sempre, mas também sempre quis mais do que passar anos da minha vida em um campus universitário, estudando coisas que não me interessavam. Eu queria mais; mas ainda não sabia mais do quê. A única coisa que realmente gostava de fazer era modelar, e isso não era trabalho para qualquer pobretona do subúrbio... ao não ser que você tivesse sorte.
- Seu telefone tá tocando – disse, e fui até o balcão sentando no banco em frente ao dela e pegando o aparelho que vibrava. Era um número desconhecido. Olhei para ela e sorri.
- Alô? – Atendi, mordiscando a ponta do meu polegar.
- ? – A voz rouca do outro lado inqueriu, e assenti para que me encarava em minha frente.
- ?
- Ah! Isso! Tudo bem?
Ri.
- Você conseguiu anotar meu número!
- Foi difícil, eu confesso. – Ele riu do outro lado. – Liguei para outras duas pessoas até discar certo, eu estava em dúvida sobre o último número.
- Bem, fico feliz que você me achou – comentei, sorrindo para , que parecia empolgada em minha frente. – Como você está?
- Estou ótimo. Escuta, tenho uma proposta para você.
- Estou ouvindo, . – Respondi, pulando do banco e começando a andar lentamente pela cozinha.
- Uns amigos me convidaram para ir a um festival de música há algumas horas daqui amanhã. Segundo eles a música é ótima e só tem gente legal... – Ele parou de falar por um segundo, hesitando. - Ainda temos dois lugares, e eu realmente não queria ser o único solitário entre os casais. Quer dizer, eu quero te ver de novo... – Riu nervoso. - E acabou surgindo isso... Bem. – Ele parou, percebendo que estava se enrolando nas palavras. – O que você acha?
- Seus convites sempre me parecem um pouco assustadores de início – admiti, rindo um pouco. – É o Glastonbury?
- Ahn... é, é isso mesmo. – Confirmou. – Eu sei que parece estranho... Cara, você tem razão. Não foi o melhor convite.
- Não! Sick! - Exclamei, genuinamente empolgada. Era o maior festival de música que realmente prestava na Inglaterra, eu nunca tive a oportunidade de ir. Além de marcar uns pontos, eu estaria curtindo aquela oportunidade irada. Pigarreei, me recompondo. – Você tem sorte que eu sempre quis ir nesse festival, . – Sorri.
- Mesmo? Ah, que ótimo! – Ele disse, empolgado, do outro lado e depois riu. – Ok... bem, então você me dá seu endereço?
- Hum... – olhei para , no mesmo lugar. – Posso levar uma amiga?
- Claro, sem problemas. Vamos em uma minivan alugada, o pessoal é grande.
Sorri.
- Ok. Te passo o endereço por mensagem.
- Legal. Até amanhã, . – Ele disse do outro lado, a voz suave.
- Até amanhã, .
Desliguei a chamada e soltei o celular no balcão, olhando empolgada para .
- Temos compromisso para amanhã.

Encontro 2


- Van? – Inqueri levantando as sobrancelhas sem conseguir evitar, ao ver a Kombi antiga estacionada n frente de nossa casa.
- Então... – coçou a nuca parado ao meu lado, encarando o automóvel também. – Eu posso ter exagerado um pouco as coisas.
Nos olhamos e eu ri, o empurrando de leve.
- Vamos lá!
Ele sorriu satisfeito e pegou minha mochila.
- Deixa que eu levo.
- Você tem protetor solar aí? – veio perguntando de dentro de casa carregando sua mochila que parecia no mínimo muito pesada. Olhei para o céu sem uma mísera frestinha por onde um raio de sol pudesse passar e olhei de volta para ela, que revirou os olhos. – Azar o seu, não vou te emprestar o meu.
- ... Esse é – toquei o ombro do garoto ao meu lado o apresentando a ela. – , assa é minha rommate e melhor amiga .
- Muito prazer, ! – Ela apertou a mão dele, sorrindo o sorriso de “eu serei a melhor amiga da garota que vai te dar um pé na bunda em poucos dias”. Ela usava muito esse.
- O prazer é todo meu. Pode deixar que eu levo – ele disse de volta, pegando a mochila dela também e vacilando brevemente com o peso, me olhando de canto antes de entrar na Kombi. sorriu como cúmplice brevemente para mim antes de se virar e trancar a porta.
- Bancando o cavalheiro? – Murmurou para mim quando nos direcionávamos para a Kombi.
- Ele sabe como parecer genuíno – comentei baixinho.

Estávamos em oito, enchendo a Kombi, que era antiga, porém muito bem cuidada e confortável. Nos bancos da frente iam um casal amigos de , o motorista e sua namorada. Na primeira fileira de bancos e duas garotas de saias compridas, uma delas muito branca e loira e a outra negra e magrinha, com dreadlocks compridos nos cabelos pretos. Eram figuras diferentes, mas lindas fascinantes, que você não costumava realmente conhecer todo dia. Na fileira dos fundos eu, e seu amigo Trevis, um cara engraçado e bem divertido.
Aquilo me pegou de surpresa, eu precisava admitir. O fato de que seus amigos eram pessoas tão diferentes e legais, e simplesmente aquele convite todo de uma roadtrip. Primeiros encontros geralmente eram os mais chatos, porém mais importantes, de todos. E aquele seria diferente de todos, por isso eu precisava focar e pensar no que faria.
A primeira hora da viagem correu rapidamente, com uma playlist relaxante e muito boa de ouvir no rádio do carro. Todos conversavam, e até mesmo , que era o ser humano mais mal preparado para fazer social com pessoas desconhecidas, estava se enturmando e se divertindo. Foi fácil se entregar ao clima e simplesmente curtir sem conseguir conter o fato de que eu estava genuinamente me divertindo dentro daquele carro.
Em certo momento, eu e não estávamos mais participando do mesmo assunto do que o resto do carro, mas sim em uma conversa interessante entre apenas nós dois. Este era o momento mais importante dos primeiros encontros: quando você estabelece um laço com ele. Quando conta sobre você e deixa que ele conte sobre ele, trocam experiências e passam a se conhecer um pouco mais. Eu geralmente precisava focar, pensar no que dizer sem seguida para começar a fazer a imagem de “garota perfeita para você”, mas foi natural demais contar sobre mim para dentro daquele carro, e vice versa. E eu soube que era o suficiente para ele, pois saquei que aquele era o tipo de garota dele: simples, leve, natural.
- Tacos. Tacos com qualquer coisa dentro. São minha comida preferida no mundo, sem sombra de dúvidas. Mas agora é a sua vez – ele virou um pouco mais para mim. – Se pudesse escolher apenas uma comida que comeria para o resto da sua vida?
- Ah, difícil – mordi os lábios. – Espera, eu preciso pensar. Isso é muito sério, é de comida que estamos falando – disse, olhando para baixo e apoiando meu queixo nas mãos, e riu. Pensei por um momento. – Ok, provavelmente... Pizza com borda de doce de leite...
- O quê?! – Ele riu. – Você só pode estar louca. Pelo menos peça borda de chadder!
- Ei! A pizza é minha! – Apontei para ele. – E eu quero com borda doce. – Ri.
- Você está cometendo o maior erro da sua vida – ele avisou, rindo também, e então percebemos que lentamente o carro estava começando a desacelerar até que parou.
O que aconteceu? – perguntou.
O cara que dirigia desceu para dar uma olhada no capô enquanto conversávamos. Estávamos no acostamento, mas a rodovia não estava assim tão cheia.
- Certo... em um apocalipse, onde você se esconderia?
- Shopping. Definitivamente shopping. – Ele deu de ombros. – Tem tudo que você precisa.
- Ah, você morreria muito rápido – revirei os olhos, e fez cara de afetado.
- Espera, depende de que tipo de apocalipse está falando – apontou para mim.
- Agora você fez a pergunta certa – assenti. – Mas de qualquer modo, shoppings são muito grandes. Você seria atacado por outros grupos, não conseguiria ter muita visão do perímetro e ainda não teria por onde fugir.
- E onde você se esconderia, sabe-tudo? – Ele cruzou os braços.
- Obviamente em uma escola! – Levantei os braços. – Tem estoque de comida, água, salas fechadas e câmeras. Viu só? Aprende comigo – revirei os olhos, o fazendo rir.
- Ei... – o amigo de abriu a porta lateral da Kombi, nos olhando com uma expressão duvidosa. – Vou precisar da ajuda de todos vocês.

- Empurra! – Karl, o cara que antes dirigia, gritou outra vez nos fazendo fazer mais força ao empurrar a Kombi para frente.
- Ah, merda. – disse ofegante, olhando-me por entre os nossos braços enquanto empurrava o carro ao meu lado. Parou por um segundo e afastou uma mecha do cabelo da testa suada. – Esse foi o pior encontro de todos, por favor, me perdoe. Eu posso fazer melhor.
Balancei a cabeça.
- Ainda é só meio-dia, . Você tem o resto do dia para me provar o contrário – sorri para ele, o tranquilizando. – Além disso, é legal... estamos nos exercitando.
- Ainda bem que tinha um posto aqui perto – ouvi comentar atrás de nós, seguindo-nos de perto com os braços cruzados enquanto via todos empurrarem.
- Bem, quase todos nós – falei para , que concordou e riu.

A Kombi só precisava de uma lata de óleo. Logo que chegamos ao posto, o que não demorou mais de meia hora, conseguimos coloca-la para andar novamente e depois de almoçarmos hambúrgueres muito gordurosos e muito saborosos, voltamos para a estrada.
Era três horas e alguns minutos quando chegamos a Glastonbury, e demoramos mais uns vinte minutos só para chegar ao enorme campo onde era o festival, porque as ruas estavam lotadas. Ainda estava nublado, mas estava mais quente lá, e bandas menos conhecidas, mas igualmente boas já tocavam nos palcos do festival. Haviam dezenas, senão centenas de barracas de acampamentos já espalhadas pelo gramado gigantesco mais longe de onde ficavam os palcos, e perto de onde ficou a Kombi os amigos de começaram a montar as suas. Lá havia também barracas de comidas, doces, bebidas, óculos, camisetas, bombas de tinta, objetos coloridos e tudo o mais que você conseguisse imaginar.
Eu usava uma blusa vermelha larga e um short branco de cintura alta. Meus cabelos desgrenhados estavam soltos, e apesar de não haver sol eu tinha óculos escuros em cima da cabeça segurando meus cabelos. Nos pés uma botinha simples de franja, e era só isso. estava de legging preta e um crop top branco da Adidas que ela havia roubado de mim, mas tudo bem, porque ficava melhor em seu corpo pequeno.

O tempo praticamente voou desde que chegamos lá. A música era boa, a companhia era ótima, havia cerveja e lugar para sentar, e Trevis até tocou um pouco de seu violão para todos nós. Logo encontramos outros grupos de pessoas, juntamos as barracas, dividimos a bebida e os snacks e todo mundo estava feliz. A banda alternativa The 1975 tocava quando o sol começou a se pôr, e logo os shows mais esperados começariam a acontecer.
- Aí, olha isso aqui – tocou meu pulso, me mostrando um folder colorido do festival que havia encontrado no chão perto de nós, com os nomes de todos os artistas que tocariam no festival. – Vance Joy vai tocar daqui a pouco. Cara, eu não perco isso por nada! – Ele me olhou. – Você vem comigo?
- É claro – ri, concordando, e mostramos para o resto do pessoal.
O casal e preferiram ficar perto da Kombi com a galera das outras barracas, mas eu, , Trevis, Mia e Sarah partimos para o meio da multidão para se aproximar do palco secundário, que era onde o show ia rolar. Enquanto andávamos, percebi Mia e Sarah em nossa frente andando de mãos entrelaçadas e olhei para .
- Eu não sabia que...
- Nem eu – Trevis resmungou, parecendo decepcionado ao meu lado, e rimos.
- Mesmo se elas fossem hétero, você não teria nem chance – disse dando um tapa na nuca de Trevis, que retrucou de volta para ele me fazendo rir.
Apesar de estarmos agora no meio da multidão, o tempo começava a mudar e um vento frio soprava. Encontramos um lugar bom e não tão cheio ao lado do palco, onde não conseguiríamos enxergar muito, mas ouviríamos bem, e então uns cinco minutos depois o show começou. As músicas eram animadas, porém de um modo natural e mais calmo, como uma típica boa banda de indie folk. Curtimos, cantamos, em certo momento Trevis me puxou para dançar um pouco com ele enquanto dançava com as garotas, todos nós de um modo meio desengonçado, mas divertido.
- Ei, quer comer alguma coisa, Anjo? – perguntou em meu ouvido um tempo depois, e apontou para umas barraquinhas ali perto. Assenti, eu estava faminta.
Fomos até lá e peguei uma maçã do amor enquanto ele pegou um saquinho de pipocas salgadas, e voltamos para perto dos outros enquanto comíamos. O vento agora soprava mais forte, e o show continuava firme e forte. Poucos minutos depois eu senti uma gota gelada pingar em meu ombro, e então muito subitamente a chuva chegou, derramando com força e lavando tudo, abafando um pouco o som da música, mas não demais. Muitas das pessoas que estavam naquele lado do palco correram para as barracas de comida para se protegerem debaixo das matrizes, e eu e nos encolhemos perto da grande estrutura onde estava montado o palco, até que Riptide começou a tocar em cima do palco.
- Me recuso a perder esse momento! – Ele gritou para mim, segurando meu pulso e me puxando para a chuva, e só tive tempo de largar o resto da maçã do amor e segui-lo sendo completamente encharcada em segundos.
Paramos bem perto de uma das caixas de som, e não havia outra expressão para explicar: Naquele momento, a música tomou conta de nós.
I was scared of dentists and the dark... I was scared of pretty girls and starting conversations.
pegou minhas mãos e paramos um de frente um para o outro. Começamos a dançar desengonçadamente, e ambos ríamos um do outro.
- É agora... solta tudo que você tem aí dentro! – Ele gritou em meu ouvido, se aproximando e encostando a testa na minha enquanto sorria largamente, quando a música fez uma parada antes do refrão. Fechei meus olhos, e quando a música voltou com força, começamos a dançar e pular, e eu não conseguia segurar as gargalhadas que escapavam de minha garganta ao vê-lo dançar e puxar minhas mãos junto com seus movimentos.
cantava enquanto dançava, e em certo momento se afastou de mim e depois me puxou de volta para si por uma das mãos, me fazendo girar, e fechei os olhos com força rindo, sentindo a chuva cair sobre cada centímetro de mim enquanto dançávamos e pulávamos. Ele me segurou pela cintura com as duas mãos e deitei a cabeça para trás, fechando os olhos e abrindo os braços, sentindo os pingos grossos escorrerem por meu rosto. Começamos a girar, e suas mãos me seguravam para que eu não perdesse o equilíbrio. Era quase como voar, sabendo que eu não cairia.
Lady, running down to de riptide, taken away to the dark side, I wanna be your left hand man.
Olhei para ele por um momento, os cabelos bagunçados completamente encharcados e colados no rosto e no pescoço. Aquele sorriso no rosto, que dizia que naquele momento o mundo era dele, e ele podia fazer o que quisesse, porque era livre. Ele tinha os olhos fechados e a cabeça levemente deitada para trás, sentindo a chuva cair em seu rosto, mas olhou para mim naquele momento, e quando o fez, eu vi em seus olhos os motivos pelos quais Kira ficara tão acabada. Perder aquilo, aqueles olhos... perder aquele espírito era como perder uma parte de você.
I love you when you’re singing that song and I got a lump in my throat ‘cause you’re gonna sing the words wrong.
Eu estava arrepiada, o frio não tomava conta de mim, mas meu corpo estava gelado. Continuamos dançando, e a música parecia fazer cada vez mais parte de mim, até que em algum momento ela acalmou por alguns segundos apenas, e me aproximei passando as mãos pelos ombros de . Ele levou as mãos à minha cintura, ainda de olhos fechados e com a cabeça levemente deitada para trás, e lentamente fomos diminuindo os movimentos. Então ele abaixou a cabeça, ainda sem abrir os olhos, agora com o rosto molhado há centímetros do meu. Nesse momento, cantou baixinho com a música, e eu só podia ver seus lábios se mexendo, formando as palavras, molhados, rosados, quentes e próximos dos meus.
Quando terminou abriu os olhos, encontrando os meus, formando um sorriso sereno com os lábios, e enquanto a música ainda rolava, levou uma das mãos à minha nuca, afastando meu cabelo molhado dali, e me puxou para si.
Sua boca molhada encostou na minha, aquecendo-me no mesmo segundo, me passando seu calor. Eu não planejara aquilo, não estava nos meus planos. Não consegui prever nenhum dos seus movimentos, e mesmo assim havia acontecido. E estávamos lá, entregues à música, com a chuva nos lavando completamente... E tudo em que eu conseguia pensar naquele momento era em sua boca na minha.

- Ah, Deus, vocês são absurdamente loucos! – gritou quando nos viu correr em direção à Kombi encharcados e tremendo de frio. Pelo menos eu estava tremendo. Paramos ao lado da janela que estava aberta e nos olhou.
- Não vão entrar aqui assim, vão molhar tudo! Tomem isso aqui, e se sequem aí fora – ela disse, empurrando duas toalhas pela janela para nós dois e ri, entregando uma a enquanto me enrolava na outra.
Depois de um momento ele sorriu para mim, e se aproximou um pouco passando a ponta de sua toalha em meu rosto, afastando uma mecha molhada da minha bochecha. Se aproximou e beijou minha testa, ao que eu tive outra onda de tremores e bati meus queixos o fazendo rir e se aproximar mais, me abraçando e me cercando com sua toalha.
Ficamos assim por um tempo, e enquanto eu tinha o rosto enterrado em seu peito quente e largo, tentei botar meus pensamentos me ordem. Estava ficando cada vez mais difícil separar as coisas perto dele, porque ele parecia tanto ser genuinamente aquele cara fofo, gentil e bondoso que aparentava, que eu estava com dificuldade para enxergar o babaca por trás de . Quer dizer, toda vez que pensava que talvez ele realmente fosse aquela pessoa legal, eu imaginava Kira em minha frente, parecendo acabada. E eu já havia visto de perto aquela parte dele que ela avisou para eu tomar o máximo cuidado: sua capacidade de persuasão, e de te fazer acreditar que podia largar tudo para estar com ele. fazia parecer simples largar qualquer coisa para estar ao seu lado, e mesmo depois de apenas um dia, eu podia ver isso claramente.

A noite foi longa, divertida, extraordinária. Depois da chuva o vento passou e logo nos aquecemos de novo. Fizemos uma roda perto das barracas, Trevis tocou o violão, conversamos muito, muito mesmo, e no final todos se ajeitaram para dormir. Os casais dormiram nas duas barracas disponíveis, enquanto Trevis dormiu nos bancos do carona e motorista, e eu, e dividimos a cama que a Kombi formava quando todos os bancos eram deitados completamente, deixando o porta malas aberto.
E na manhã seguinte, ao acordar ainda bem cedo e me deparar com aquela visão do sol nascendo e centenas de barracas espalhadas por aquele campo sem fim, eu só consegui sorrir. Precisei admitir que, naquele momento, eu entendi um pouco de , do modo como ele vivia e de como aquilo parecia bom. E senti que eu poderia facilmente viver daquela maneira, também. Sem compromisso, sem grandes esforços. Era a vida dos sonhos.

Encontro 5


- Não se assusta – disse pela milésima vez ao que eu revirei os olhos. Ele finalmente abriu a porta de seu apartamento e senti um cheiro fraco de tinta. Ao entrar, entendi porque. O apartamento – um flat, bem pequeno mesmo – era todo pintado nas paredes, algumas ainda pela metade, outras por terminar, com desenhos e junções em sua maioria abstratas.
- Uau... – olhei em volta para as paredes, entrando involuntariamente no apartamento.
- Eu ainda preciso terminar, e... – ele fechou a porta e passou a mão nos cabelos, respirando fundo. – Estou sempre começando algo novo, por isso o lugar é sempre tão bagunçado e apertado – ele balançou a cabeça.
Olhei para parado perto da porta.
- Pare com isso! Esse lugar é incrível, você não vê? – Apontei para as paredes. – Você vive em uma obra de arte! É incrível!
Ele sorriu, se aproximando e olhando para as paredes em volta.
- É o que eu mais gosto de fazer. – Admitiu.
- Você é muito talentoso, ! – Disse, genuinamente impressionada com as paredes coloridas. A maioria dos móveis estavam no meio da sala, debaixo de um plástico para não sujarem de tinta. Ao redor das paredes no chão jornais com alguns respingos de tintas, que estavam fechadas em galões no chão.
Olhei para quando ele se aproximou e tirou uma mecha do meu cabelo de meu ombro. Beijou meu ombro, e sorri para ele. passou uma mão pela minha nuca por debaixo dos cabelos e me puxou para um beijo, que eu prontamente correspondi. Nos afastamos, e ele passou a mão em meus cabelos.
- Acho que tive uma ideia – comentou baixinho perto de mim e me olhou por inteiro de repente. – Quer me ajudar a pintar, anjo?
Abri a boca.
- Eu? Agora?
Ele sorriu e assentiu.
- É divertido, eu juro.

Cinco minutos depois eu usava uma camiseta velha sua, que ficava larga em mim, e estava com os cabelos presos. me entregou um pincel e abriu uma tinta vermelha no chão em minha frente.
- É só... liberar o que tem dentro de você. Riscar, circular, rabiscar... o que você quiser.
- Eu... tenho medo de estragar o resto, . – O olhei, incerta. – Não sou nenhuma artista, e isso vai ficar na sua sala depois...
Ele riu.
- Também não sou nenhum artista, – falou, pegando seu próprio pincel. – Isso é sobre liberdade, e... anarquia.
Ri da expressão.
- É sobre fazer o que você quiser com algo que é seu. Eu já pintei essas paredes de branco milhões de vezes, elas são minha tela de arte. Sempre que me canso, eu pinto de branco e recomeço. – ele sorriu e me beijou rapidamente, afastando uns fios de cabelo de minha testa com o polegar. – Não tenha medo de errar. Só se solta.
Assenti, respirando fundo e me preparando para aquilo. Molhei o pincel na tinta vermelha ao que ele molhou o dele na amarela, e toquei a ponta na parede, começando com rabiscos finos e pequenos. Poucos minutos depois eu já havia pegado o espírito daquilo, e soltado completamente o que havia dentro de mim, como dizia. E era realmente libertador. Não somente por desenhar, mas por sentir que tem o controle de algo, que está fazendo algo louco, que sempre quis fazer, sem medo de ser julgado.
Passei a mão na testa, um tanto ofegante por estar pintando com tanta vontade, e olhei para . Ele riu.
- O que é?
- Você tá suja – ele apontou para a minha testa e passei a mão lá. Ele riu. – Piorou!
Fiz bico, passando a minha mão suja no rosto dele também, que soltou seu pincel e me puxou para perto dele, me beijando de súbito e me fazendo rir.
- Você tinha razão, isso é maravilhoso, – comentei, quando nos separamos e ele ainda me abraçava pela cintura. Olhei para “minha arte” na parede, e encostei a cabeça em seu ombro. – Nunca pensei que fosse possível encontrar a liberdade de espírito em coisas tão comuns.
Aquilo fora sincero, assim como muitas coisas que eu compartilhava com ele quando passávamos juntos. A verdade era que estava ficando cada vez mais difícil separar as coisas entre nós, e eu estava tentando manter a calma e fingir ter o controle sobre a situação, mas eu tinha medo de na realidade não saber o que estava fazendo. Mas eu escolhera não pensar sobre isso, até tê-lo completamente nas mãos. E então eu simplesmente... acabaria com aquilo e conseguiria o contrato, e tudo estaria bem.
- Essas são minhas coisas preferidas. – Comentou, perto do meu ouvido. – Encontrar a felicidade nas coisas mais simples. Estão sempre debaixo do nosso nariz, e então quando você percebe... é até difícil de acreditar. Eram só paredes... – ele sorriu. – Até que viraram arte. Sabe?
Fiz que sim com a cabeça, me afastando do seu corpo e o olhando no rosto. Passei a mão no seu cabelo bagunçado.
- Era só uma música... Até resolvermos dançar na chuva, e se tornou em um beijo.
Ele sorriu.
- É isso mesmo – concordou, aproximando o rosto do meu. – Você pegou o espírito da coisa. Estou orgulhoso...
Ri, ao que ele me empurrou um pouco para traz, me derrubando no sofá e caindo comigo, me fazendo rir alto. voltou a me beijar e fechei os olhos. Não havíamos passado dos beijos ainda, mas eu queria aquilo e sabia que ele também queria. Quando os beijos começaram a ficar mais urgentes ele se levantou e estendeu a mão para mim, me ajudando a levantar também. Me aproximei do seu rosto e o segurei com as duas mãos, o beijando de leve.
- Eu quero você – sussurrei para ele, o fazendo sorrir fraco. – Quero você essa noite.
afastou meu cabelo e beijou meu rosto, depois beijou o outro lado, e depois minha boca, se afastando e me puxando pela mão em direção ao quarto.
- Venha, anjo.
Eu o segui sem pensar.

Encontro 6


- E aí, garotão! – saudou Bandit quando eu abri a porta de casa para ele entrar.
- Já estou saindo – avisei. – Coloca a guia nele, por favor?- Pedi a , voltando para a cozinha enquanto ele fazia o que eu pedi na sala. Terminei de tomar a vitamina do copo e o soltei na pia, pegando o molho de chaves do balcão e voltando para a sala. – Vamos lá? Você está ótimo, by the way. – Ri, observando sua bermuda larga e a regata cinza.
- Estou levando a sério esse negócio de corrida. Vou ficar tão gostoso e saudável quanto você. – Piscou para mim, me fazendo rir.
- Esse é só o primeiro dia, não se precipite – avisei, piscando um olho para ele e pegando o pote de protetor solar da estante. Peguei um pouco com o dedo e espalhei em meu rosto. – Mas como está tão ansioso, você vai levar o cachorro – avisei, peguei um pouco mais do creme espalhando pelo rosto de .
Depois de todos prontos e devidamente protegidos, saímos de casa.

Durante os primeiros cinco minutos até conseguiu me acompanhar, mas depois de mais alguns minutos eu não sei quem se arrastava mais: ele ou Bandit. Não havíamos feito nem a metade do treino quando ele parou de correr no parque e se atirou na grama debaixo de uma árvore, e Bandit se atirou ao lado dele com dois metros de língua para fora da boca. Enquanto eu, só o que conseguia fazer era rir.

Encontro 7


Quando ligou por volta de meio dia daquela sexta-feira ensolarada perguntando exatamente o que eu gostava de fazer no meu tempo livre, disse a ele que eu o mostraria em meia hora. E vinte e oito minutos depois eu estava chegando em seu apartamento com dois sacos de comida chinesa e duas garrafas de cerveja.
Almoçamos enquanto assistíamos a uns episódios de House no Netflix deitados em sua cama, e acabamos passando boa parte da tarde fazendo isso enquanto conversávamos sobre nós, contávamos um pouco mais um do outro e falávamos besteira.
- Já sei que você é modelo no tempo livre, gosta de correr e aparentemente sua série de TV preferida é House. – Ele disse, apoiado no cotovelo meio deitado ao meu lado, olhando para mim. – O que mais?
- Ah, qual é, agora é sua vez. – Tirei os olhos da TV e o encarei. – Só sei que é barman e gosta de pintar. Me conta algo sobre você.
- Tipo o quê?
Dei de ombros.
- Algum outro talento secreto – sorri.
pensou por um momento, mordendo o lábio, e então me olhou quando seu rosto se iluminou.
- Sei cantar todo o rap de Ice Ice Baby. – Disse, e eu gargalhei. – É sério! Eu sou bem orgulhoso disso! Escuta só...
cantou a música toda, e quando eu pensei que fosse acabar, ele vinha com mais, enquanto subia em cima de mim e me fazia cócegas. Acho que nunca ri tanto em minha vida, minha barriga chegava a doer.
- Legal, . Muito legal. – Sentei na cama pegando meu celular no meio do lençol e procurando por uma música em especial. - Mas eu imagino que você não saiba dançar a coreografia de push it, sabe?
Ele gargalhou, balançando negativamente a cabeça ao que eu me levantei da cama e parei em frente a ela afastando o banco com os restos da nossa comida que deixamos ali. Enquanto a introdução da música começava comecei a pular, me aquecendo, e só sabia rir na cama.
- Qual é, não diga que nunca assistiu a aquela cena épica de O Noivo da Minha Melhor Amiga?! - Perguntei enquanto ele ainda ria.
A música começou e comecei a dançar igual as garotas do filme. Eu fizera aprender a dançar comigo há uns anos atrás, quando assistimos àquele filme juntas e decidi que a gente definitivamente precisava ser aquele tipo de amigas que têm uma coreografia juntas. Enquanto eu dançava ria muito em cima da cama, e quando acabei ele me puxou pela cintura, me fazendo cair em cima dele e me beijando, enquanto ríamos.
Aquela fora a melhor tarde de sexta-feira que eu tive em anos.

Encontro 8


Estávamos em Holmes Chapel. Fazia mais ou menos dois meses que eu e saíamos esporadicamente e nos divertíramos horrores, quando ele me convidou para conhecer a cidade dele no fim de semana. As coisas estavam indo bem, e eu geralmente não ficava com alguém por tanto tempo antes de acabar tudo, mas aquele serviço era diferente.
Também nunca havia viajado com nenhum deles, o que era um tanto assustador, mas o pior de tudo foi que não soube como dizer não a ele. O lugar era legal, a família dele era simples e todos eram gentis e divertidos.
- Ok, você vai soltar a embreagem bem devagar... – ele segurou minha mão em cima do câmbio. – Sem soltar o acelerador.
- Eu não acho que isso seja uma boa ideia. – Voltei a dizer, engolindo em seco. A rua estava deserta, o carro era antigo e segundo “não tinha porque ter medo”, mas nem era meu para começo de história, e eu não sabia nada de dirigir! – , eu vou...
Sem querer, soltei um pouco rápido demais a embreagem e o carro deu um pulo para frente, apagando em seguida. Soltei um grito agudo.
- Meu Deus!
- Tudo bem! – Ele riu. – Tá tudo bem, tenta de novo. Só tem que soltar a embreagem enquanto aperta no acelerador, tudo bem de leve. – Ele explicou, e assenti segurando o volante com força com as duas mãos.
Tentei mais uma vez, mas o carro apagou da mesma maneira. Depois de outras duas vezes, na terceira finalmente o carro começou a andar, e arregalei os olhos dando um grito.
- Está andando! ! Está andando!
- Muito bem! – Ele riu, ainda segurando o câmbio. – Não acelera muito, vai com calma... isso. Não vou trocar de marcha, então continua com calma. Aqui você para, a preferencial é da outra rua.
Parei na esquina e olhei para os dois lados, não vinha ninguém então prossegui. Continuamos com o percurso até eu ter dado a volta pelo quarteirão, e então paramos em frente à sua casa.
- Agora eu... Ah! – Soltei o acelerador muito rápido e o carro deu um solavanco, apagando. – Ok. – Soltei a direção, olhando para ele. – Pelo menos ele andou.
riu assentindo e se aproximando para me beijar.
- Minha garota! – Disse, me fazendo rir.

As noites em Holmes Chapel eram mais frias do que em Londres. Depois da janta todos nós nos juntamos na sala de estar, eu, , sua mãe, seu padrasto e sua irmã. Até a gatinha de estimação deles se juntou, pulando no meu colo na poltrona em que eu dividia com , enquanto todos tomávamos chá.
- E se a gente jogar Scrabble? – Gemma, a irmã, sugeriu sorrindo torto.
- Ah, não... – murmurou, quando todos olharam para ele.
- Gemma, eu não sei se é uma boa ideia. – Anne disse, rindo fraco.
- Qual é, somos todos adultos! – Ela olhou para o irmão. – , prometa que não vai pirar quando dermos uma surra em você!
O olhei curiosa e ele estreitou os olhos para a irmã.
- Eu vou agir como adulto quando você perder vergonhosamente, irmãzinha. – Ele sorriu.
- Eu pego o jogo – Robin, o padrasto, levantou rindo e foi até um pequeno depósito debaixo da escada.
- Já tivemos alguns desentendimentos durante o Scrabble, , por isso precisamos estabelecer limites antes de cada jogo hoje em dia – Anne explicou, me fazendo rir.
- Aqui está – Robin soltou a caixa do jogo na mesinha de centro, e se ajeitou ao meu lado na poltrona. Eu estava praticamente em seu colo.
- Duplas, eu vou com a mãe. – Gemma avisou, sentando ao lado da mãe no sofá em frente a nós.
- Nós vamos acabar com elas, – ele disse para mim, beijando meu rosto rapidamente, e dei de ombros.
- Se você diz.
- Vou ser o juiz – Robin falou, se escorando no sofá com sua xícara de chá. – Eu não jogo com esses malucos de jeito nenhum – comentou para mim, me fazendo rir.

O jogo começou calmo, mas com o tempo e as jogadas as coisas foram ficando mais interessante e entrei na onda de de ganhar a todo custo. Nos custou muitas risadas, principalmente a mim e a Anne, enquanto e Gemma levavam o jogo muito a sério. Dusty, a gatinha da família, continuava dormindo confortavelmente em meu colo desde o começo do jogo, e quando Anne percebeu ela sorriu e acenou com a cabeça.
- Ela gosta de você, geralmente não é tão receptiva com visitas assim. – Disse sorrindo, e eu sorri de volta.
De repente olhei em volta, enquanto todos riam de alguma piadinha de , e percebi aquela atmosfera toda. Todos em família, se divertindo, rindo, jogando. Olhei para meu colo, afagando entre as orelhas da gatinha, e de repente aquilo começou a pesar dentro de mim. Eu era uma intrusa... todos haviam gostado tanto de mim, até a bendita gata, e eu estava ali com o único intuito de machucar no final daquela história. E toda aquela atmosfera familiar, feliz, divertida, algo que eu nunca nem sonhei em ter, de repente se tornou simplesmente demais.
Um nó se formou em minha garganta e precisei contê-lo até que o jogo terminasse. ganhou com uma jogada muito bem pensada que contou doze pontos com a palavra zoológico, e uns minutos depois enquanto todos ainda conversavam eu aleguei estar cansada e subi as escadas para o quarto de hóspedes, onde passaríamos a noite.
Meu rosto queimava com a vontade de chorar, e eu já beirava o desespero. Nunca havia chorado por nenhum homem antes. Nunca havia me sentido mal por nenhum homem antes, porque nunca deixei chegar tão longe. E, merda, todos ali eram tão legais. era tão bom! Eu já não conseguia ver mais sentido nenhum naquilo tudo, nunca enxergara nele a pessoa que Kira dissera que ele fosse. Ele era, sim, influente e persuasivo, mas isso era porque ele era tão original e tão criativo que tornava impossível não seguir suas ideias geniais todas as vezes. E eu não desacreditava na história de que ele havia traído Kira com sua prima na frente da família toda, mas simplesmente não conseguia ver como aquilo podia ser verdade. era tão honesto, bondoso, verdadeiro. E mesmo se aquilo tudo fosse fingimento, não havia mais sentido em ele estar fingindo para mim. Eu nunca o negara nada, estávamos sempre juntos, conheci sua casa, sua família, seus maiores sonhos, seus detalhes mais esquisitos. Por que ele precisaria fingir ser alguém que não é, se tudo que ele podia já havia conseguido de mim?

Enviei algumas mensagens a pedindo socorro, sem saber o que fazer. Eu precisava desabafar com alguém, precisava que ela me dissesse para parar com aquilo e manter a postura, fazer meu trabalho direito, me lembrar de tudo que eu tinha a perder. Uma vida decente, pela primeira vez em muito tempo, . É isso que você precisa manter em mente.
abriu a porta de repente, e me assustei soltando o celular na cama. Ele entrou sorrindo, mas parou de sorrir quando me olhou, parecendo preocupado.
- O que aconteceu? – Perguntou, e só aí percebi que eu estava mesmo chorando. Deus, há quantos anos eu não chorava por algo que não fosse um filme ou série?! Toquei a ponta dos dedos em minha bochecha, sentindo o traço gelado de lágrimas, e o limpei dali, fungando.
- Ah, ahn... eu... – Tentei pensar em uma explicação razoável, tentando organizar minha mente. Aquilo era tão fora de percurso. – Eu... Me desculpe – disse, por fim, sem saber o que falar.
sentou ao meu lado e passou o polegar por meu rosto, virado de frente para mim.
- O que está acontecendo?
- Eu... eu só... fui pega de surpresa com toda essa viagem. – Balancei a cabeça, fungando.
- ... se você não quisesse vir eu teria entendido! – Ele tocou meu ombro. – Eu entendo que possa ser meio rápido demais... me desculpa, eu devia ter te perguntado.
- Não, não, . Não é isso. – Olhei para cima, respirando fundo. – É que eu nunca tive isso que vocês têm. Essa cumplicidade, essa união. – Encolhi os ombros. – Eu... Eu fui criada sozinha, eu e minha mãe, e ela nunca teve muito tempo para mim, e sempre foi bastante rígida. Eu a amo, de verdade, mas nunca tive isso. Irmãos, pais amorosos, jantares e jogar Scrabble, e um animalzinho de estimação da família... – Ri fraco, limpando o rosto de novo. – Eu sinto muito, estou sendo uma idiota... Isso só me pegou desprevenida.
- Está tudo bem – ele sorriu, me confortando. – Ei, está tudo bem. É compreensível. E você pode ter certeza... minha família gosta muito de você.
Sorri de volta. Aquilo não ajudava em nada, mas pelo menos ele havia acreditado. Aquilo era também verdade, mas não era o que havia me feito chorar. me puxou para perto e quando encostei a cabeça em eu ombro ele me abraçou, passando a mão pelas minhas costas para me confortar. Mas dentro de mim, aquilo ainda pesava.

Encontro 9


- Fica quieto aí! – Chutei fraquinho o fazendo rir e parar de se mexer tanto. – Você vai alagar o banheiro.
- Pensei que fosse maior na foto do catálogo – ele comentou, fazendo um bico ao olhar para a banheira em que estávamos dentro. Eu deitei a cabeça para trás novamente e fechei os olhos.
- Está bom o suficiente para mim.
- É claro que sim, folgada. Você está tomando todo o espaço! – Ele reclamou, me fazendo rir.
- Só fica quietinho e curte essa sensação dos sais na sua pele.
parou e fez o que eu disse por um tempo.
- Cara... isso tá me excitando. É errado?
Gargalhei, balançando a cabeça. Tirei as mãos de dentro da água, as secando com a toalha que estava ao nosso lado em uma mesinha, e peguei as duas taças de champanhe entregando uma a ele e me virando com dificuldade para ficar no mesmo lado que ele da banheira. Sentei ao seu lado e ele se espremeu um pouco para o lado.
- Isso é mais glamouroso no cinema – comentei, dando um gole no champanhe, e ele concordou. O beijei. – Mas ainda assim é gostoso.
Voltei a beija-lo, descendo os beijos pela linha do seu maxilar e seu pescoço. Sua pele quente e molhada era gostosa de tocar. Me afastei por um momento, pegando sua taça da sua mão e largando as duas na mesinha outra vez, voltando aos beijos ao que levou as mãos à minha cintura. Continuamos nos beijando e ele puxou o grampo que segurava meu cabelo o fazendo cair por meus ombros molhados. Em um movimento rápido me levantei um pouco e sentei em sua cintura o fazendo gemer baixinho sem parar de beijá-lo, e levou uma das mãos à minha nuca, descendo a outra mão de minha cintura para minha coxa e a apertando um pouco. Eu já sentia a excitação de , e também já estava pronta para aquilo.
- ... – ele murmurou sem quebrar o beijo. Apenas resmunguei, sem querer cortar aquele momento. – , eu...
Desci os beijos para o seu pescoço e ombro, e ele já tinha a respiração um tanto ofegante.
- , preciso te dizer uma coisa... - Abri os olhos, retesando um pouco os músculos, mas sem parar de beijá-lo. Eu sabia o que ele queria dizer. Mas não estava pronta para ouvir, não naquele momento. – , eu... - Me afastei e o olhei nos olhos, tocando o indicador em seus lábios. Seus olhos e calmos, naquele momento estavam inquietos e eu podia sentir o seu coração batendo forte contra o meu próprio peito.
- Shhh... – Pedi, voltando a beija-lo com calma. – Não agora. – Toquei meu nariz no seu e fechei os olhos, erguendo um pouco o quadril e ajeitou o seu, segurando minha cintura com as duas mãos e me fazendo sentar de novo, lentamente, em seu membro.
Nós dois gememos baixinho em uníssono, e quando sentei completamente encostei a boca na curva do seu pescoço, me apoiando com firmeza em seus ombros. Ele tinha ombros largos, braços firmes, mãos grandes. era lindo também por fora. Era alto, tinha uma boa postura, era excitante. Eu entendia que as outras mulheres também caíssem na dele fácil, ele só precisava sorrir com suas covinhas e seus olhos .
Lentamente comecei a me movimentar em cima dele, meu ritmo sendo guiado pelas suas mãos firmes em minha cintura, e eu podia ouvir a respiração pesada de em meu ouvido gemendo baixinho vez ou outra, me fazendo deseja-lo ainda mais. Quando o ritmo aumentou, me afastei um pouco dele e deitei a cabeça para trás, de olhos fechados, gemendo baixinho. começou a beijar e morder de leve meu pescoço, brincando com a língua em minha pele, e tirou uma das mãos de minha cintura desenhando uma linha delicadamente por meu umbigo e descendo até minha intimidade, encostando os dedos em minha pele, começando a massagear meu clitóris. Gemi mais alto, mordendo o lábio inferior, apertando os olhos fechados.
continuou me massageando enquanto eu subia e descia em um ritmo médio, nem rápido e nem devagar, apertando cada vez com mais força os seus ombros, sentindo seus dedos me tocarem exatamente da maneira certa, fazendo com que às vezes meu corpo tremesse. Não conseguia mais evitar os gemidos, nossos peitos encostando um no outro enquanto eu me movimentava em cima dele, a boca de fazendo rastros por meu maxilar, pescoço e clavícula, sua respiração ofegante batendo em minha pele.
Daquela maneira levou pouco tempo até que eu começasse a sentir o calor crescer em meu ventre, e logo eu chegaria ao orgasmo. Queria segurar aquilo por mais tempo, sentir aquele prazer por mais tempo, ele me tocava de uma maneira tão gostosa, era tão bom. Eu não queria que acabasse, mas estava cada vez mais perto, e meus gemidos foram ficando cada vez mais rápidos também.
- Deixa vir, meu anjo... – ele disse baixinho, a voz rouca e fraca como a minha, entregue ao prazer. – Pode soltar. – Sussurrou em meu ouvido, fazendo mais pressão com os dedos em movimentos circulares em meu clitóris, apenas me fazendo gemer mais alto, quando senti aquele calor quase insuportável se espalhar pelo resto do meu corpo. Colei meu corpo no dele, sentindo a onda de tremores que acometeu meu corpo cortando um gemido pela metade que escapou de minha garganta. continuou forçando minha cintura para cima e para baixo, agora segurando-a com as duas mãos. Absolutamente todos os músculos do meu corpo estavam tensionados, até os nós dos meus dedos que apertavam sua pele com força. estocou mais algumas vezes até que ele mesmo foi acometido pelo orgasmo, gemendo em meu ouvido. Senti seu líquido quente dentro de mim e quando ele parou com os movimentos finalmente pude sentir meus músculos relaxando lentamente, e me encostei no peito dele, completamente mole, sem força para absolutamente nada naquele momento.
Sentia seu peito subir e descer embaixo do meu e seu polegar afagar a pele da minha cintura. Meus olhos estavam fechados e eu sentia meu coração bater forte em todos os cantos do meu corpo, enquanto ouvia sua respiração ofegante em meu ouvido, um som maravilhoso de se ouvir.
Depois de um tempo em silêncio, sem aviso nenhum, eu ouvi a voz de dizer baixinho:
- Eu te amo, .

Encontro 10


Era a primeira vez que eu encontrava depois da noite incrível que passamos. Àquela altura, eu já tinha certeza de que nada mais era o mesmo comigo. De que eu havia me apaixonado por ele tão fácil quanto respirar, e tão rápido quanto uma queda-livre. Na verdade, soube desde nosso primeiro encontro. Soube desde aquele beijo naquele festival, mas preferi ignorar, porque eu não podia. O preço era alto demais para simplesmente jogar fora. Eu preferi dizer a mim mesma que era apenas outro trabalho, o último deles. E devia ser, porque agora eu já fora longe demais e não podia desistir.
Era a hora certa, e o momento certo para acabar com aquilo.
Ao me arrumar para sair de casa naquele sábado à tarde, eu pensei em todos os outros homens com os quais fiquei, para tentar lembrar de porque fazia aquilo. Nunca me senti culpada antes, porque todos eles, sem exceção, não conseguiam esconder completamente os babacas que eram. Mas então conheci , e eu ainda não entendia porque ele havia feito o que fez com Kira, porque era uma pessoa tão incrível comigo. Eu não acreditava naquela coisa de almas gêmeas, de amor à primeira vista e qualquer outra besteira que os contos de fadas criaram para iludir as mulheres. Não acreditava que fosse possível que alguém fosse um tremendo babaca com uma pessoa, e genuinamente bom com outra. Como era possível? E por que era aquele comigo, e não fora com Kira?

Todas aquelas questões rondavam a minha cabeça quando saí de casa. Caminhei até o Park Coffee sentindo um nervosismo incomum, um frio na barriga, uma vontade de evitar aquele encontro a todo custo. Mas quando cheguei lá e o vi sentado em uma mesa me esperando por entre o vidro da janela, eu respirei fundo e aquilo tudo passou. Eu sabia o que precisava fazer, e o faria.
Entrei no café, ouvindo o sininho da porta denunciar minha presença. estava em uma das últimas mesas, perto da janela, e o lugar estava lotado. Fui até lá devagar, e sentei no lugar à sua frente. Ele sorriu ao me ver e se levantou, me beijando e sentando de novo.
- Você está linda hoje – Ele disse, sorrindo para mim, e retribui o sorriso. Uma garçonete chegou em nossa mesa, e pediu um cappuccino, enquanto eu pedi um expresso. Ela se afastou e vi bater os dedos na mesa, um sinal claro de nervosismo. Eu sabia o que aconteceria ali.
- Como passou esses dias? Foi difícil te ligar durante a noite, o bar estava lotado todas as noites – ele explicou.
- Eu estava ocupada, fiz uns ensaios durante a tarde nessa semana, e sei que você dorme de manhã. – Dei de ombros, balançando a cabeça.
- É, mas tudo bem. Estamos aqui agora – ele sorriu e tocou minha mão com a ponta do dedo.
- É, estamos.
Ficamos em silêncio por um momento.
- Aquela noite foi... – ele balançou a cabeça. – Foi incrível, .
- Foi mesmo – sorri fraco para ele, olhando para minhas mãos.
- Você está bem? Parece meio... distante. – Ele franziu o cenho. Antes que eu pudesse responder a garçonete voltou com nossos cafés, e ele se ajeitou em sua cadeira, agradecendo a ela antes que se afastasse.
Tomei um gole de meu expresso e fez o mesmo, e depois de soltar sua xícara, ele respirou fundo e então começou a falar.
- ... – ele sorriu fraco. – . Eu queria conversar com você. Em relação àquela noite. – Ele me olhou, se ajeitando no banco, nervoso. – Eu... quer dizer, eu... – ele riu fraco. – Estou meio nervoso, por favor, me dê uma chance.
Balancei a cabeça, apenas ouvindo. Era sua vez de falar. Ele ficou quieto por um momento, olhando para algo além de mim, e então voltou à nossa conversa e respirou fundo.
- Eu conheci essa garota há uns três meses atrás. Logo quando a vi eu tive certeza de que ela era incrível, e desde a primeira palavra ela me provou que eu estava certo. Nos encontramos algumas vezes durante esses três meses, e cada vez, sem nenhuma exceção, foi maravilhoso. Ela é... engraçada, divertida, inteligente. Ela é diferente de qualquer mulher que já conheci. Ela tem esses olhos que me fazem perder o fôlego – ele sorriu para mim. – E sua risada é o melhor som que já ouvi. E ela me entende. Acho que essa é a melhor parte de tudo isso, porque ela me entende. Ela sente o que eu sinto, entende o que eu quero, compreende meu modo de viver. E em apenas três meses, ela já faz parte dessa minha rotina. Ela faz meus dias mais interessantes. – Ele se ajeitou na cadeira de novo e levou uma mão à mesa. – Mas, eis aqui o problema: Da última vez que nos vimos, nós tivemos uma noite inacreditável, e não digo apenas pelo sexo, que foi... Uau. - Ele deu ênfase na última palavra, me encarando com um sorriso por um momento. – Eu... eu nunca havia sentido aquela conexão com pessoa alguma antes. Fisicamente, e também emocionalmente. Eu literalmente senti como se... como se pudesse pegar o seu coração com as mãos. E então eu disse, eu disse a ela o que eu já sabia que sentia há algum tempo, porque é simples, e é verdadeiro. Eu disse que a amo... E ela não falou de volta. – Ele desgrudou os olhos da mesa e me olhou nos olhos. Fez uma pausa por um tempo, e depois sentou mais na ponta da cadeira e voltou a falar. – Mas isso não é um problema. Eu não tenho pressa. Inclusive, , eu digo com toda certeza que seria um imenso prazer te ensinar a me amar... se você me permitisse.
Abri a boca por um momento, mas não disse nada. Ele sorriu com minha reação, e olhei em volta, para todas as pessoas do recinto, e de volta para ele.
- V-você... você está... – Olhei em volta outra vez. – O que quer dizer com isso?
sorriu mais, e afastou a cadeira da mesa. Tão fácil, pensei. Tão incrivelmente fácil manipulá-lo a fazer aquilo. Ele se pôs de pé, pigarreando.
- Com licença! – Disse alto, fazendo com que a maioria da conversa do local cessasse e atraindo a atenção para si. – Com licença, eu peço a atenção de todos! Tenho uma coisa a dizer, e quero que todos aqui ouçam. – Ele voltou a olhar para mim, fazendo um momento de silêncio. – ... Eu amo você. – No momento em que ele falou, todo mundo arfou e começou a cochichar, achando tudo muito lindo. – Eu amo você, . E estou aqui, agora, te pedindo... – Estendeu uma mão para mim, e levantei ficando em sua frente. Ele pegou minhas duas mãos. – Por favor, namore comigo.
Todo mundo exclamou, com “awns” e coisas do tipo. Absolutamente todo mundo lá dentro tinha os olhos em nós, esperando com expectativa pela minha resposta. , em minha frente, tinha ainda aquele sorriso nos lábios e seus olhos brilhavam. Ele se sentia tão confiante... suas mãos que seguravam as minhas nem sequer tremiam. Diferentemente de mim, que apesar da expressão impassível no rosto, tinha os batimentos tão rápidos e fortes que eu podia ouvi-los atrás dos meus ouvidos.
Depois de vários segundos de expectativa por uma resposta, eu soltei suas mãos.
- E é assim, , que se trata uma mulher de verdade. – Disse, vendo o sorriso sumir de seu rosto e a confusão tomar seus olhos, assim como os de todo mundo no local. – Obrigada pela cooperação durante esses três meses, você tornou meu trabalho muito, muito fácil. – Sorri fraco, um sorriso cínico, forçado. Virei para trás, pegando minha bolsa da mesa e voltando a olhá-lo. – Sua ex noiva, Kira, mandou notícias. Espero que nunca mais trate uma mulher como a tratou sem antes pensar duas vezes. – Pisquei para ele, ouvindo os murmurinhos em volta se transformarem em comentários altos, de surpresa. Passei por indo em direção à porta, e só soltei o ar que eu segurava quando saí do local.

Atravessei a rua e cheguei ao parque do outro lado, caminhando o mais rápido possível para chegar em casa logo. Havia um nó em minha garganta, tão denso que quase me impedia de respirar.
- ! – Ouvi atrás de mim e não pude acreditar que ele estava vindo atrás, depois do que eu disse. Eu não sabia se estava pronta para aquilo, se conseguiria. Então continuei andando. Ouvi os passos atrás de mim e aumentei o passo, mas parei ao ser puxada para trás quando ele segurou meu pulso e me virei para ele. estava ofegante.
- Que merda foi aquela?! – Ele perguntou, apontando para trás. – , por que...? Olha, eu não sei o que Kira te disse, mas eu juro que posso explicar! – Ele balançou a cabeça. – Eu sei que...
- Kira me contratou, ! – Soltei, o fazendo parar e me encarar, a expressão completamente bagunçada, uma mistura de todos os tipos de sentimentos possíveis. –Você ainda não entendeu? Esse é o meu trabalho. – Balancei a cabeça. – Fazer com que babacas como você aprendam uma lição por terem sido babacas.
Ele soltou meu pulso, e vi seus pensamentos serem expressados pelos seus olhos enquanto ele me olhava, entendendo a situação.
- Você está me dizendo que nada do que vivemos nesses três meses significou alguma coisa para você? Era só o seu trabalho?!
Seus olhos olhavam tão fundo dentro dos meus que poderiam queimar a minha alma. Tentei engolir, mas o nó em minha garganta só aumentou.
- Exatamente. – Disse, a voz saindo baixa. – Espero que tenha aprendido a lição.
ainda ficou parado lá por um tempo, encarando o nada, mas eu não podia ficar para ver aquilo. Dei meia volta e saí de lá o mais rápido possível.
Naquela tarde eu chorei, chorei como nunca, trancada em meu quarto, com a esperança de que, assim que as lágrimas acabassem, também acabariam os sentimentos. Contar todas aquelas mentiras foi a coisa mais difícil que já fiz. E eu temia sempre me arrepender daquilo.

Outros 3 meses depois


Eu estava voltando de Paris quando aconteceu.
Sim, Paris. Sim, eu havia fechado o contrato e estava trabalhando como modelo nas capitais mais próximas. Nada enorme, mas também nada muito pequeno. Era um mundo... fútil. A melhor parte era posar para as fotos, mas tão rápido quanto começava ela terminava, e depois só sobrava coquetéis e horas e mais horas de conversação com outras modelos uma mais fútil que a outra. E no dia seguinte, mais disso. Horas e horas de maquiagem, cabelo, figurino, algumas fotos, e mais horas e horas de “que lindas as suas unhas, onde comprou”?
Eu gostava do dinheiro, da estabilidade. O que me faltava era alguém real com quem conversar. Alguém sem três quilos de laquê nos cabelos, ou com cílios reais. Alguém com quem compartilhar os pensamentos no final do dia.
Então, eu estava voltando de um shoot em Paris quando aquilo me acometeu. Um casal sentado em minha frente na primeira classe estava discutindo pelos últimos quinze minutos quais músicas tocariam em seu casamento se algum dia casassem. E então eu percebi. Eu simplesmente percebi. Passei anos “corrigindo” babacas que haviam passado pelas vidas de mulheres, e nunca havia me dado conta de que, do oposto, eu era a babaca que passara pela vida daqueles homens.
Até que um deles, involuntariamente, me corrigiu.
E eu talvez nunca encontrasse alguém tão bom quanto ele, e talvez nunca tivesse discussões idiotas sobre “quais músicas vamos tocar em nosso casamento caso um dia ele aconteça” com alguém. E aquilo foi simplesmente insuportável.
Então, quando desci daquele voo, eu não pensei em ir para qualquer outro lugar do que ao encontro dele.
Cheguei no aeroporto no final da tarde e peguei um táxi para o apartamento de , mas na metade do caminho percebi que já estava escuro e ele provavelmente estava trabalhando, então pedi que o taxista trocasse de percurso, o que o forçou a entrar na avenida principal, que naquele horário estava completamente congestionada. Ele andou por mais ou menos quinze minutos parando a cada dois segundos, e quando estava perto o suficiente eu o entreguei o dinheiro da corrida e desci do carro correndo.
Eu precisava fazer aquela cena, sim, porque estava tão nervosa e aflita, e mil e quinhentas possibilidades do que poderia acontecer passavam em minha mente, a maioria delas não eram boas. Cheguei ao pub dez minutos depois, ofegante, suada dos pés à cabeça, amaldiçoando até a décima terceira geração do maldito que criou aquelas botas, que definitivamente não prestavam para correr atrás do amor da sua vida.
De início eu não o vi no balcão, mas então ao entrar uns passos para frente, eu o encontrei. Com a camisa branca, o crachá vermelho, o pano no ombro, os cabelos desarrumados, o sorriso no rosto, entregando uma cerveja a uma garota.
Sem pensar, marchei até lá abrindo um espaço no balcão e soltando minha bolsa em cima dele. riu de algo que o cara ao meu lado disse e veio até mim, sem de fato olhar atentamente para mim, passando o pano no balcão.
- O que seria para v... – sua voz sumiu quando ele me viu. Piscou algumas vezes, me olhando, e então fechou a boca travando o maxilar, sem dizer apenas uma palavra. Por um momento o ar fugiu dos meus pulmões, eu não sabia o que estava fazendo lá, e um medo aterrorizante percorreu cada centímetro dentro de mim. Mas foi só por um momento. Depois, engoli em seco e apoiei as mãos nos ombros dos dois caras que estavam aos meus lados e fiz uma força, subindo no banco de madeira onde eu deveria sentar.
Em questão de segundos as conversas paralelas cessaram no bar para olhar para a maluca de pé em cima do banco, e aquela plateia era muito maior do que a do café. Não quebrei o contato visual com em momento algum, e nem ele comigo, olhando-me lá de baixo ainda com o pano nas mãos.
Quando o silêncio era quase absoluto, respirei fundo e comecei a falar.
- Conheci um cara, há uns seis meses atrás. Eu fui levada a acreditar que nada do que viesse da boca dele podia ser confiável, e que meu trabalho era fazê-lo se apaixonar por mim para então poder destruí-lo, de todas as maneiras romanticamente possíveis. Eu já fizera isso tantas vezes antes, que já não era mais nenhuma novidade, então aceitei em troca de uma oportunidade de trabalho irrecusável. Eu pensei que sabia o que estava fazendo, que tudo estava sob controle, e que tudo daria certo, mas ele destruiu tudo isso no primeiro encontro. E já lá no começo, eu me apaixonei. Não só por ele, mas pelo espírito dele, pela coragem dele, pelo modo como ele via o mundo. Eu me apaixonei por seu estilo de vida, por sua família, por suas paixões e por cada coisa que compunha o que ele era. E a cada vez que o encontrava, meu plano falhava mais miseravelmente. Mas eu segui em frente com isso, fui até o final. E quando ele disse que me amava, eu não disse de volta, porque não devia dizer, mas também e principalmente porque estava apavorada. Porque nunca usei essas palavras antes, porque nunca amei a ninguém antes, e era tão simples, tão puro, e tão bom, que eu não consegui aceitar. Eu o magoei. O humilhei. O destruí. Menti para ele. – Soltei o ar pela boca, fechando os olhos brevemente e abrindo os braços. Voltei a encarar , meus olhos já ardendo. – E agora estou aqui, prestes a passar pelo que ele passou. Porque eu percebi que não quero passar o resto da minha vida voltando àquele momento, naquele parque, em que menti que nada do que passamos foi real. Porque a verdade é que... ... os três meses que passei com você foram os mais reais da minha vida. E foram os melhores. E eu não estou aqui porque acho que te mereço de volta, estou aqui para que saiba que não te mereço de volta... E que você merece alguém que... – Respirei fundo, tentando conter as lágrimas. – Alguém que te compreenda por inteiro, que sinta você, que viva você, assim como você vive as coisas ao seu redor. Eu estou aqui para pedir desculpa. E porque você me ensinou que eu não podia perder a chance de encontrar a felicidade nas coisas mais simples... – Há essa altura eu já chorava. Limpei uma lágrima do rosto, respirando fundo, e balancei a cabeça. – E eu a encontrei em você.
Minha voz falhou, eu não conseguia mais falar uma palavra sequer, então ri fraco, ainda o encarando. Esperava, genuinamente, pelo pior. Eu esperava não receber absolutamente nada em troca por ter feito aquele discurso. Era o justo, o certo. Eu precisava sentir o que ele sentiu, ele tinha todo o direito de me fazer passar o mesmo.
Mas era muito melhor do que eu.
Ele puxou um banco de trás do balcão e subiu nele, ficando da mesma altura que eu. Há essa altura, o silêncio era mortal em cada canto daquele pub, e todos aguardavam pela resposta, inclusive eu, pela pior. Parece que demorou eras até que eu ouvi a sua voz dizer:
- E é assim, , que se trata um homem de verdade. – Falou, em alto e bom som, encarando-me no fundo dos olhos por tempo suficiente para que eu pudesse rever tudo que vivi e senti com ele durante aquele tempo. E então, depois de um tempo que pareceu infinito, ele soltou o pano que tinha nas mãos e me puxou para um beijo pela nuca.

Eu ouvi o bar explodir em volta de nós, em gritos e comemorações, e de repente todo mundo estava batendo palmas. Só me afastei quando realmente precisava de ar, e então toquei o seu rosto quando ele sorriu, passando o polegar pelos meus lábios de leve.
- Eu não mereço...
- Conheço um modo de te cobrar o que me deve. – Ele respondeu, sorrindo de canto. Quando abri a boca, surpresa, ele levantou as sobrancelhas. – Dançando Push It para mim de novo, é claro!
Revirei os olhos rindo e voltei a beijá-lo, sem conseguir acreditar que aquilo estava acontecendo.

O que aconteceu entre e Kira era passado, e eu não precisava saber. Mas, para as mentes curiosas, a verdade era que ela e ele eram pessoas muito diferentes. era uma mente peculiar, diferente de qualquer coisa que alguém já conhecera, e precisava de alguém que pensasse semelhante para compreendê-lo, e Kira não era a pessoa certa. Ela era uma mulher forte, independente e linda, e provavelmente estava melhor sem ele assim como ele estava melhor sem ela. Ela o amou... apenas o amou da maneira errada.
E fora um babaca em definitivo. Acabou com o noivado – que havia deixado ir longe demais, porque não sabia como terminar – da pior forma possível. Ele nunca planejou machucar Kira, mas o que fizera fora apenas um erro estúpido – provavelmente o maior de sua vida.
E agora eu entendia bem. Ninguém está livre de ser um babaca na vida de outra pessoa, e às vezes isso nem está sob nosso controle. Mas a nossa história acabou terminando bem... E agora ambos tínhamos alguém para quem contar sobre como fora o dia.

That was quite a show
Very entertaining
But it's over now
Go on and take a bow.





FIM.



Nota da autora: (13/04/2016) Olá, delícias! Então, apesar de ter escrito na correria (como sempre, né) eu até que gostei do resultado dessa fic. Peguei Take A Bow da Riri porque né, clássica das clássicas girlpower e eu não teria como amar mais. Desculpem por qualquer coisinha que deixei passar, eu sei que tem alguns errinhos, mas peço que relevem porque realmente não vou ter tempo para corrigi-los agora. Amo vocês, delícias, e até a próxima. Comentem! <3

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