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Última atualização:26/03/2021

13. We’re just swimming around in our glasses and talking out of our asses.

DEZEMBRO, 2018
3 meses atrás




- Não acredito que já está chegando o dia de você ir embora! - Eu reclamei com assim que desci do meu carro e fechei a porta.

Tínhamos chegado ao restaurante que combinei de encontrar com Harry para almoçar. Minha melhor amiga só ia conhecê-lo agora. Harry havia passado o mês de novembro todo no Japão e uma pequena parte em Londres.

Estávamos olhando o cardápio para matar o tempo quando ele chegou.

- Oi, ! Como você ‘tá? - Disse ao se aproximar e me dar um beijo no rosto e um abraço leve e meio desengonçado. me olhou engraçado por causa do jeito que ele me chamou. Mas não liguei para isso. Já tinha me acostumado.

Porém, eu quis revirar os olhos, Harry era muito britânico às vezes, não me via há mais de um mês e nem sequer esperou que eu levantasse para lhe dar um abraço apertado. Ou é coisa de brasileiro ficar sem ver poucos dias e nem querer soltar mais a pessoa de tanto abraçar?

- E você deve ser a , certo? - Também deu um abraço rápido e um beijo no rosto da minha amiga.

- Isso mesmo! E você é o Harry. - Ela respondeu, sem alterar nem um músculo facial pela presença dele.

Eu digo isso porque, né? Harry Styles? Você me entende?

- Gostei do sotaque dela. - Ele deu um sorriso daqueles que eu considerava como um divisor de águas, era definidor! No sentido de: Ou você gosta de Harry Styles, ou você ainda não o conhece. O sorriso era como uma marca registrada, pois quando ele sorria daquela forma, não havia ninguém que não o conhecesse que não passasse a gostar dele.

Mas era um pouco... Digamos que “osso duro de roer”. Ela não se deixava impressionar pelo fato de ele ser uma celebridade. Mas eu sabia que ele a conquistaria de qualquer forma. Ou talvez não, nesse caso ele implicaria com ela até ela passar a amar odiá-lo.

- Então, como estão as coisas? Você resolveu? - Harry me perguntou ao se sentar na cadeira ao meu lado, passando a olhar o cardápio.

Eu havia contado para ele sobre o incidente na sala de Henry no mês anterior, mas não conversamos muito depois, Harry ficou ocupado no estúdio mesmo tendo me dito que não iria trabalhar no álbum até o ano que vem. Ele não se aguenta.

já sabia como tudo tinha se resolvido. Relembrei os pontos principais antes de retomá-los a Harry.



Assim que cheguei no dia seguinte, não consegui sossegar e trabalhar em paz enquanto não dava o horário de Jane chegar, como engenheira de segurança, ela sempre ia embora uma hora mais tarde do que todo mundo, eu não fazia ideia do porquê, então também chegava uma hora mais tarde. Eu tinha mínimos conhecimentos de segurança do trabalho e, sinceramente, não era minha área favorita.

Ela mal havia guardado a bolsa quando bati na porta.

- Oi, Jane! Tudo bem? - Eu pagava para dispensar as formalidades de chamar todos pelo sobrenome, então só fazia isso com a gerência (porque eu fazia parte dela) e dos mais velhos, porque eles faziam questão. Ou quando estávamos em reunião. - Como está o bebê?

- Oi, ! Tudo bem e você? - Ela olhou para mim ao responder e antes de se sentar na cadeira. Eu ainda estava parada na porta. - Ele está ótimo. Não aguento mais esperar para ele nascer.

- Tudo bem também. - Eu sorri, simpática. - Ele nasce quando, mesmo?

- Em fevereiro!

- E o nome, já escolheu?

- Dylan não gosta de nenhum que sugiro. - Ela bufou.

- Homens, certo? - Falei e ela riu. Cocei a garganta. - Eu posso... posso conversar com você?

- Claro! O que você está precisando? - Ao ouvir a resposta, eu entrei na sala e fechei a porta.

- Então, sobre ontem... - Hesitei, na verdade eu não sabia bem o que falaria. - Eu-eu não sei bem o que você viu, mas-mas eu queria esclarecer qualquer mal-entendido. - Eu gaguejava tanto que se estivesse vendo a cena de fora, com certeza estaria rindo da minha eu, muito otária, daquela versão.

- Fica tranquila, ! Eu não sou do tipo que faz fofoca da vida dos outros. - Ela deu de ombros.

- Eu sei. Mas... - Eu não tinha resposta. Qualquer coisa que eu falasse automaticamente denunciaria minha culpa. Eu não conseguiria mentir.

- Além do mais, eu sou sua amiga. Não sou? - Jane continuou quando eu fiquei em silêncio por tempo demais.

- É claro! - Isso eu respondi sem hesitar.

- Eu já tinha percebido que você anda muito mais amigável com ele do que antes. E você só age assim com a Lucy e talvez comigo. - Ela riu. - Claro que isso não prova nada, só mostra que você fez mais amizade e tem mais intimidade com a gente do que com as outras pessoas. Eu queria te perguntar desde antes da festa da Lucy, mas fiquei com vergonha de estar enganada e você se ofender, por causa da regra de não se envolver com colegas, sabe? - Ela fez uma pausa e eu assenti. - Mas agora senta aqui e me conta tudo!




- A sala da Jane e a minha são umas das únicas que não tem câmeras. Eu devo ter ficado lá uma hora conversando. Eu contei para ela como uma prova de que a considero minha amiga como ela me considera amiga dela.

Eu deixei de fora para Harry que, quando tudo aconteceu, mesmo eu tendo tomado o rumo de casa, acabei mudando de ideia no meio do caminho e fazendo o retorno para a casa de Henry, porque pensei: Bem, se isso tudo vai acabar agora, pelo menos podemos fazer isso pela última vez, como uma despedida.

Mas ainda bem que deu tudo certo. Ainda bem que não foi a última vez.

Mas eu precisava tomar muito cuidado agora, Lucy e Jane sabiam do meu envolvimento com Henry. Eram pessoas demais.

Harry não precisava saber que eu tinha ido até Henry naquele dia, porque achei que não seria legal contar exatamente o dia que fui para casa de outro cara. Sim, a gente sempre contava sobre os sexos casuais um do outro, mas geralmente eram com pessoas que não conhecíamos e não veríamos mais. Acho que eu não gostaria de saber que ele se encontrou com a Kendall ontem, por exemplo. Detalhes sobre os rolos fixos não parecia algo que eu poderia aguentar saber. Na minha cabeça eu era o único rolo fixo dele, e para mim isso bastava.

- Então tudo foi resolvido? - Harry perguntou.

- Sim. Tudo continua como sempre. - Eu respondi em conclusão.

- E eu achava que o problema todo tinha sido quando ele te viu beijando aquela garota. - revirou os olhos, fingindo tédio.

Harry arregalou os olhos, me olhando assustado.

- Espera! Essa parte eu não fiquei sabendo. - Comentou meio rindo.

- Eu tinha até esquecido disso. - Foi o que respondi.

- Você se esqueceu de me contar a melhor parte? - Harry brincou.

Contei brevemente e sem muitos detalhes. Aquele assunto não era a mesma coisa quando não estávamos dirigindo, indo para algum lugar ou voltando pela noite de vidros fechados e com música para completar o cenário de fundo.

- E você está gostando de Los Angeles, ? - Perguntou quando terminei de contar.

- Ah sim! Adorando. Pena que logo vou embora.

- Sério? Achei que passaria o natal e ano novo aqui. - Harry replicou confuso.

- Infelizmente preciso voltar para o meu trabalho. Eu não queria deixar a passar o natal sozinha, sabe? Mas ela não quer voltar para o Brasil.

- Eu já te disse, Docinho. Eles disseram que poderiam me dar no máximo dez dias de folga. As passagens são muito caras para eu não ficar nem duas semanas lá. Não compensa. Eu já vou nas férias, você sabe. - Falei em português. Já discutimos sobre aquilo antes, não queria brigar de novo e nem colocar o Harry no meio da briga.

- Tá bom, . Tá bom. - E ela revirou os olhos.

Harry ficou com cara de quem não estava entendendo nada. Até porque não estava entendendo mesmo. Depois eu acabei contando o que havíamos falado.

- Vocês são bem parecidas, sabe? - Harry comentou.

e eu olhamos uma para a outra e explodimos em uma gargalhada. Não erámos nem um pouco parecidas.

- Não estou falando fisicamente. - Harry revirou os olhos também.

- Onde ele aprendeu a fazer isso? - gritou apontando para ele.

- Comigo. - Respondi começando a rir mais ainda.

- Não acredito que você passou as minhas manias para ele. - voltou a falar.

- A culpa é sua que passou todas as suas manias para mim. - Retruquei.

- É disso que eu estou falando! - A voz de Harry se sobressaiu a nossa, rindo também. - Vocês duas tem um jeito muito parecido.

- É a convivência. - Eu falei e concordou.

Eu não sabia o que faríamos a seguir, mas esperava que tivéssemos mais momentos juntos, minhas duas pessoas preferidas comigo, eu estava feliz.

Por mais que eu já vivesse há alguns meses na cidade, parecia que eu ainda não conhecia nada, Harry sempre conseguia me levar em um lugar novo que eu nunca tinha ouvido falar. Eu já deixei claro o meu amor por cafeterias, mas eu achava incrível a quantidade delas que havia em LA.

Harry ia se encontrar com Jeff, seu agente, depois do almoço e nos chamou para ir junto. Fui seguindo o carro dele até uma cafeteria que não era muito longe de onde almoçamos. Jeff já estava lá quando chegamos.

- Ei, mate. - Harry cumprimentou Jeff com um abraço. - Essa é a e essa é a amiga dela, .

- Ei, Harold! - Jeff respondeu. - É um prazer conhecer vocês duas. - Direcionou a fala a cada uma de nós depois de um aperto de mãos.

- Quais são as novas? - Harry perguntou. Nos sentamos em uma mesa de madeira com bancos inteiros sem encostos, também de madeira. Eram bem diferentes, nunca tinha visto assentos daquela forma em cafeterias.

- Bom, eu estou começando a ficar com ciúmes da . Porque você chegou em LA e foi vê-la primeiro.

Eu comecei a rir.

- Pode me chamar de , Jeff! Estamos entre amigos aqui, você não precisa competir a atenção de Harry comigo, ele é todo seu. - Brinquei.

- Ah, então você está me dispensando assim? Tão fácil? Achei que fosse pelo menos discutir por minha causa.

- Eu não brigo por homem, Harry. E você não seria o primeiro, sinto muito. - Quando terminei de falar, já havia levantado o braço e fizemos um high five.

Ele fez a melhor cara de ofendido que conseguiu, enquanto e Jeff riam.

Eu estava impressionada. Eu nunca havia visto ou conversado com Jeff, mas ele puxou assunto e fez piadas comigo como se já me conhecesse. Depois, eu perguntei a Harry se aquele era o jeito dele, Harry respondeu que em parte era, e em parte porque provavelmente ele já havia falado muito de mim.

Conhecer Jeff não foi muito diferente de conhecer James, eu fiquei com medo da mesma forma. Mas com James eu fui avisada antes, tive muito mais tempo para ficar remoendo os mesmos pensamentos. Com Jeff foi algo instantâneo, Harry nos convidou para acompanhá-lo e eu não tive muito tempo para pensar em nada disso, apenas durante o caminho que não foi muito demorado.

Eu dei graças aos céus pela forma que ele me tratou, com muito mais intimidade do que eu esperava, porque afinal, eu estava conhecendo um dos amigos mais íntimos de Harry, que além de tudo ainda cuidava de sua carreira. Era mesmo muita pressão ou eu estava exagerando?

Mesmo que tivéssemos acabado de almoçar, pedimos milkshakes de sobremesa. Harry contava sobre o período em que esteve fora, e eu já havíamos ouvido tudo enquanto almoçávamos, então ficamos caladas ou às vezes conversávamos entre nós, esperando uma brecha na conversa para falar de alguma outra coisa.

Era muito legal que mesmo que Harry e Jeff trabalhassem juntos e tivessem ficado sem se ver por tanto tempo eles não falaram de trabalho nem uma vez. Harry tinha esse poder de ter acabado de chegar de, sei lá, uma apresentação super importante e conseguir só falar de outras coisas irrelevantes. Como se tivesse acabado de chegar de um dia como o meu, num escritório. Daí ele sentaria na frente da TV e facilmente conversaria sobre o livro que estava lendo. Por falar em livro, ele estava lendo um que eu emprestei, My policeman, eu tinha gostado tanto que falei por dias com Harry que ele deveria ler, até que ele finalmente aceitou pegar emprestado.

Jeff e Harry ainda conversavam entre si, quando me peguei observando Harry melhor, seu cabelo estava enorme! Tudo bem que já havia um tempo em que ele não cortava, mas não imaginei que pudesse dar tanta diferença em apenas um mês. Sentado com os cotovelos apoiados na mesa e com o tronco flexionado em uma posição relaxada, seu cabelo dava a ilusão de já estar no pescoço. Como eu estava sentada do seu lado, discretamente me arrastei pelo banco um pouco para longe e tirei uma foto. olhava para ele e ele olhava para Jeff, tinha ficado engraçada. Harry vestia uma camisa de botões branca, uma calça xadrez com uma meia na canela e um sapato da Gucci amarelo. Ali, sentado, não parecia uma boa combinação. Mas pra mim ele sempre estava lindo. Me aproximei novamente.

- E a Glenne? Como vai? - Já que Jeff havia agido como meu amigo íntimo, pensei que também poderia fazer isso perguntando sobre a namorada que eu nem conhecia. Não que eu tivesse alguma ideia do que estava fazendo (num geral), para ser sincera.

- Glenne? - Ele me olhou confuso por um momento, depois trocou um olhar com Harry. - Ela está ótima. Obrigado por perguntar.

- Achei que ela fosse vir com você. - Completei. - Uma pena, queria conhecê-la.

- Vamos marcar alguma coisa. - Jeff replicou prontamente e eu sorri. - Eu peço Harry para te falar.

- Claro. Okay!

estava um pouco excluída da conversa, então falei com ela em português.

- É a namorada do Jeff, que inclusive não conheço. - Ela acenou concordando que entendeu. - Eles devem estar me achando meio louca agora, porque supostamente não era para eu saber sobre ela. Mas eles são amigos do Harry, então saem fotos, sabe como é.

- É impressão minha ou você está numa onda de mulheres que falam línguas estrangeiras? - Jeff questionou falando baixo para Harry quase quando terminei de falar. Acabou que eu ouvi mesmo assim.

Eu já sabia que Jeff sabia do meu envolvimento além da amizade com Harry, eu tinha me incomodado um pouco antes, mas agora que estava ali diante dele, eu não via muitos motivos para me preocupar.

- Olha, Jeff, eu acho que ele está meio obcecado. - Fingi um tom sério, mas que claramente era brincadeira. Jeff arregalou os olhos, envergonhado por eu ter ouvido. - Se ele pelo menos aprendesse a falar a língua de todas essas mulheres com quem ele sai, estaria em vantagem, não é?

- Gostei dela. - Jeff falou para Harry, que tentou ignorar a alfinetada.

- Você que não me ensina português, ! - Retrucou em sua defesa.

- Estou ao seu dispor, babe. Quando quiser. - Falei num tom cínico e dei uma piscadinha para ele.

- Debochada. - Sussurrou em minha direção, ainda assim de modo audível a todos.

- A maior de todas. - Pisquei de novo.

Estávamos rindo dessa última provocação quando vimos a silhueta de alguém se aproximando da nossa mesa. Era uma garota de uns 15 anos, tremendo.

- Harry? - Ela chamou e ele imediatamente a encarou com um sorriso.

- Ei!

- Desculpa incomodar, mas você pode tirar uma foto comigo?

- Claro. - Ele sorriu de novo. Enquanto isso, eu tinha deslizado pelo banco para menos um metro de distância dele.

- Obrigada! Desculpa atrapalhar vocês.

- Não tem problema nenhum. - Eu falei tentando tranquilizá-la. Ela estava tremendo muito.

Jeff mexia no celular, nem um pouco preocupado, acho que ele já estava acostumado com essas abordagens e meninas quase desmaiando.

Harry se levantou e foi para o lado dela, tocando seu ombro.

- Você está bem? - Ele perguntou.

- Sim, sim. Eu estou nervosa. Eu te amo muito. - Harry então pegou em suas duas mãos.

- Respira fundo. Está tudo bem, ok? - Ela concordou com a cabeça. - , pega o celular dela. - Harry me chamou e eu levantei prontamente.

- Deixa eu tirar a foto para vocês. Fica calma, ok? - Ela assentiu de novo e Harry os posicionou de frente para a câmera. Eu bati uma foto rápida e devolvi o celular para ela.

- Obrigada. - Ela falou com Harry e então pareceu me notar pela primeira vez. - Obrigada. - Disse para mim. - Quem é você?

- Eu... eu... - Gaguejei de olhos arregalados e encarei Harry, gritando por socorro silencioso.

- Ela é a , uma pessoa nova da equipe. - Harry respondeu por mim. - Vai trabalhar diretamente com o Jeff. - Completou, chamando atenção de seu agente, que até então continuava alheio a conversa.

- Sim, isso mesmo. - Jeff confirmou assim que conseguiu desfazer a cara de surpresa.

A garota não questionou muito depois disso, agradeceu e foi embora. Ela nem sequer abraçou Harry. Esse povo era muito esquisito, ela estava mais preocupada com o fato de ser Harry Styles ali ou com a foto do que com o fato de que ela tinha a chance de abraçar o ídolo e conversar com ele. Vai entender.

Me sente no banco de novo, desolada.

- Ei! Veja pelo lado bom, agora todo mundo vai achar que você trabalha comigo e ninguém vai te perseguir mais. - Harry brincou tentando amenizar a situação.

Eu só concordei com a cabeça, incapaz de pensar muito além disso.



*


Eu tinha ido trabalhar normalmente nos próximos dias, ninguém havia descoberto minhas redes sociais depois do incidente, até porque não tinha nada meu na internet com nome de “”, Harry foi esperto nesse ponto. Ele me seguia, mas meu Instagram era privado e continuaria assim.

Era sexta feira e e eu tínhamos combinado que passaríamos o fim de semana todo juntas. Inclusive, naquele dia quando eu chegasse em casa íamos patinar na orla da praia em Santa Mônica.

O expediente já estava quase acabando, Lucy já tinha ido embora e eu subi para deixar uns documentos com Henry. O bonitão, como tinha o apelidado, tinha tomado uma multa num dos carros da empresa.

- Knock Knock. - Falei quando cheguei à porta de sua sala, que como sempre estava aberta.

- Who’s there? - Ele respondeu sorrindo ao me ver na porta.

- Ah não, sem piadas de “toque-toque”.

- Você que começou. - Riu. - E o que você tem contra piadas? - Perguntou divertido enquanto eu me sentava na cadeira do lado oposto na sua mesa.

- Nada, só me fazem parecer que eu não sei nada de inglês, porque nunca as entendo. - Respondi frustrada e Henry gargalhou.

- Bem, você está me entendendo agora, certo? - Revirei os olhos e vociferei um “lógico” que o fez rir de novo. - O que você precisa, pretty? - Perguntou observando os papéis no meu colo.

- Do seu autógrafo. - Coloquei os documentos na mesa. - Bem aqui. - Apontei para a linha que tinha o nome dele impresso bem embaixo.

- O que é isso?

- Seu presente de natal adiantado. O desconto da multa por estacionar em local proibido.

- Aí, que saco!

- Não sabe dirigir, é isso que acontece.

- Oh! O que você quer dizer com isso? Que você dirige melhor do que eu?

- Isso é óbvio.

- Ohhh! - Henry tinha expressões de quem se sentia desafiado. - Vamos ter que conferir isso.

- Quando quiser. - Pisquei e depois sorri debochada. - Agora assina isso logo, porque preciso ir embora.

- Também estou indo. - Respondeu enquanto rabiscava algo que chamava de sua assinatura no papel.

- Vai sair mais cedo, Campbell?

- Sim, as crianças vão ficar comigo esse fim de semana.

Henry sempre saia mais cedo quando ia buscá-los na casa da mãe.

- E você? Por que a pressa para ir embora?

- e eu combinamos de patinar em Santa Mônica hoje. Ela está com o carro, vai passar daqui a pouco para me buscar.

Só era ruim sair sem tomar banho depois de um dia de trabalho, mas eu sabia que se fosse para casa não teria coragem de voltar todo o trajeto. A empresa ficava na metade do caminho entre minha casa e a praia de Santa Mônica, era muita estrada.

- Sério? Que legal. Eu estava procurando alguma coisa diferente para fazer com eles esse fim de semana. Acha que é uma boa ideia?

Henry juntou suas coisas, fechou a sala e desceu comigo. Fomos até a minha, ainda conversando, enquanto ele me esperava juntar as minhas coisas e também trancar minha sala.

- Acho que é uma ótima atividade para que vocês três façam juntos.

Henry e eu íamos caminhando em direção ao estacionamento, provavelmente pararíamos entre nossas duas vagas, que ficavam lado a lado. Fazíamos isso sempre e acabávamos estendendo o assunto por mais 20 ou 30 minutos antes de finalmente irmos embora. Vi o carro de Henry e logo depois o meu, já tinha chegado.

- Vou levá-los amanhã. Ali estão eles. - Apontou para um carro do outro lado do estacionamento, que no mesmo minuto teve três portas abertas.

Da parte da frente saíram uma mulher e uma menina e atrás um menino. Não eram apenas os filhos de Henry, a ex esposa também.

- Achei que você ia buscá-los. - Comentei enquanto estávamos parados ao longe, observando-os se aproximarem.

- Kate quis trazê-los para adiantar para mim. - Olhei-o surpresa. - Acredita?

Eu balancei a cabeça na horizontal, rindo. Pelas histórias que Henry me contava sobre a ex, mesmo tendo um convívio amigável, ela não facilitava as coisas para ele; era quase como se ainda o estivesse punindo depois de tantos anos. E eu não achava que ela estivesse errada, eu sei que há pessoas que podem ser bem rancorosas.

E Henry aceitava tudo, apaziguador, como se fosse uma sentença jurídica que ele tinha prazer em cumprir para o bem da própria consciência. Por isso, alguma coisa me dizia que ele ainda gostava dela e quisesse fazer tudo certo e compensar seus erros.

Quando ele me falava sobre ela, o que não acontecia muito se eu não perguntasse, mas não era como se ele quisesse esconder algo de mim, porque sempre que eu demonstrava interesse, Henry tinha facilidade de se abrir comigo, era algo que eu definitivamente gostava nele. Ele fazia tudo ser muito simples, eu perguntava e ele respondia, sincero e límpido, sem jogos, sem medo de dizer alguma coisa errada.

Nessas conversas, eu já notei como ele conta coisas sobre ela com admiração, principalmente na parte de como ela é uma boa mãe para os filhos dele e como ela fazia e sempre fez de tudo pelos dois pequenos.

Talvez esse jeito dela fosse apenas uma implicância velada para enterrar os velhos sentimentos que ela também ainda nutria por ele. Essas eram as minhas teorias, eu não conhecia o lado dela e acho que Henry jamais admitiria se eu estivesse certa sobre isso.

- Então eu vou indo.

- Não, espera aqui. Quero te apresentar a eles.

- Ok. - Confirmei, mas na verdade só estava travada no lugar sem saber como reagir.

- Oi, Pumpkin! - Madison, a filha de Henry, foi a primeira a se aproximar, dando-lhe um abraço.

- Oi, pai. - Respondeu ao soltá-lo e olhou para mim. - Oi.

- Ei. - Eu levantei a mão em um aceno e sorri, mas tenho quase certeza que saiu mais como uma careta de surpresa.

- Ei, campeão. - Abraçou Tyler, o qual foi para o lado da irmã em seguida sem falar nada.

- Oi, Henry! - Katherine o cumprimentou com um beijo no rosto.

Ela era alta, esbelta e usava um scarpin salto 15cm. Acho que as descrições sobre suas extravagâncias estavam corretas, pois suas roupas pareciam caríssimas. Eu abaixei o olhar, dando uma checada em mim mesma. Um scarpin tão alto quanto e, por incrível que pareça, eu até usava o terninho completo naquele dia, blazer e tal. Eu não estava nada mal. Mas não vou mentir, ela me deixou intimidada. Não por estar mais arrumada que eu, porque não estava. Mas porque ela era claramente uma mulher muito elegante, por volta dos seus 35 anos. Enquanto eu, em termos de atitudes e jeito de agir, parecia só uma pirralha deslumbrada perto dela.

- Kate, essa é a . A nova supervisora de logística.

- Olá, é um prazer. Eu sou a Katherine. - Se virou para mim e estendeu a mão.

- ! - Corrigi Henry, já que eu preferia que me chamassem pelo apelido. - E o prazer é meu. - Cumprimentei-a.

- E esses são Madison e Tyler, certo? - Apontei para os dois adolescentes. - Seu pai fala muito de vocês! Seus filhos são lindos. - Completei olhando para Katherine.

- Obrigada! - Ela sorriu. - E você está gostando daqui? Henry comentou que tinham contratado uma nova supervisora de outro país.

- Ah sim, eu sou do Brasil. Até então tem sido tudo ótimo. Quero dizer, a Califórnia é um ótimo lugar para viver.

- E já tem muito tempo que você mora aqui? - Katherine perguntou simpática, o que me impressionou. Não pensei que ela fosse me dar “bola”.

- Eu me mudei logo antes de assumir o cargo, faz um ano em março.

- Ah, então você já não é tão nova mais assim. - Ela riu.

- É. Acho que não. - Eu ri também.

- Então... - Bateu as mãos uma na outra. - Preciso ir. Henry, eles têm tudo o que precisam nas mochilas, mas Maddie está com a chave e podem ir lá em casa caso precisem pegar algo.

- Kate vai viajar esse fim de semana. - Henry me explicou.

- Ah! Isso é ótimo. - Eu sorri. - E para onde você vai?

- Para Solvang.

Eu encarei Henry sem saber o que responder. Eles eram separados e ela ia para a fazenda dele? Eles dividiam a fazenda?

- Ah! Que legal, Katherine!

- Você conhece, ?

Olhei para Henry de novo. Eu não sabia se ele tinha falado algo sobre nós, e ao tempo mesmo tinha medo de mentir e ela soubesse sobre.

- E-eu já ouvi falar. Dinamarca na Califórnia, certo?

- Um lugar encantador. - Ela confirmou. - Enfim, foi um prazer te conhecer. Mas eu preciso ir, pego a estrada ainda hoje.

- Então tenha uma boa viagem. - Eu falei enquanto ela já abraçava os filhos.

- Se comportem com seu pai.

- A gente não é criança mais, mãe. - Madison quem respondeu revirando os olhos e eu segurei um risinho, porque eu era igualzinha a ela na adolescência.

- Tchau, tchau. - Katherine falou enquanto já se distanciava e acenava.

Eu arregalei os olhos para Henry que retribuiu o meu olhar. Henry, que estava com a chave do carro esse tempo todo nas mãos, destravou o alarme.

- Ponham suas coisas lá no carro, eu já vou. - As crianças concordam e se afastaram.

- Eu vou te matar, Campbell! - Vociferei em um sussurro. - Como você arma uma dessas para mim sem nenhum aviso?

- Eu não sabia que ela ia falar de Solvang. E também, por que você perguntou para onde ela ia?

- Eu só queria ser simpática! - Rebati. - Eu ia adivinhar que ela ia para a sua fazenda?

- A minha fazenda? O quê?

- Não é? De vocês?

- Não, claro que não. Os pais dela moram em Solvang, têm uma fazenda vizinha à minha. Todos os nossos bens já estão divididos. Nosso divórcio foi amigável, você sabe.

- Henry, você não... não tem que me dar satisfação. Eu só entrei em pânico. Fiquei sem saber o que falar, pensando que você tinha comentado alguma coisa, sei lá.

- Não, claro que não contei nada. Regra de não ter relacionamentos afetivos entre funcionários, se esqueceu?

- Eu não me esqueço dessa merda nem dormindo. - Retruquei sincera e Henry começou a rir.

- Nós conversamos, lógico. Ela me pergunta sempre como está o trabalho, eu pergunto sobre qualquer coisa que ela esteja fazendo na época... Eu provavelmente contei quando mandaram o outro supervisor embora e quando você chegou, essas coisas. Mas eu e você nem tínhamos contato.

- For god’s sake, Campbell! Você me deu um susto. - Coloquei uma mão na testa e balancei a cabeça. - Enfim, eu preciso ir. Vejo você na segunda?

- Claro. Até segunda. - Me deu um abraço rápido e correu para o carro.

Eu fiquei parada no mesmo lugar pelos segundos que demoraram que ele entrasse no carro. Como um despertar, me movi automaticamente até meu carro, abrindo a porta do motorista e levando um susto ao encontrar lá.

- Esqueci que você vinha me buscar. - Bati a mão na testa.

- O que aconteceu? Eu cheguei uns dez minutos antes de você descer, mas quando vi que você estava com o bonitão preferi não chamar atenção e te esperar no carro.

Estava decidido, era completamente #TeamHenry. Embora ela não desgostasse do Harry, ela não era nem um pouco fã dele. Só o aturava. Ela dizia que o Henry era mais gostoso, mais velho, mais experiente e, por isso, era óbvio que ele era melhor. Palavras dela!

- Mas depois chegou aquela mulher com aqueles meninos e vocês conversando, pensei que ainda estavam resolvendo algo do trabalho.

- Aqueles, Docinho, minha querida, eram a ex esposa e filhos do Henry.

- Babado! - Sua boca formou um “o” perfeito. - Você acabou de conhecer seus enteados.

- Aí, cala a boca e sai daí, eu que vou dirigir. - Rindo, ela pulou para o banco do passageiro.

e eu tínhamos combinado várias atividades para os seus últimos dias de férias. Como o dia de sua volta para o Brasil já estava chegando, queríamos aproveitar ao máximo os últimos momentos.

Mais rápido do que imaginei chegamos à praia, já estava começando a escurecer e as luzes do píer já estavam todas acesas, tornando o lugar ainda mais lindo.

e eu sempre fazíamos esses tipos de passeio quando adolescentes, ou patinávamos ou andávamos de bicicleta ou qualquer outra coisa do tipo, conforme fomos crescendo e nos tornando adultas, trocamos esses passeios pelos empregos, faculdade e, claro, festas e bares. Mas nunca nos esquecemos desses momentos que tanto nos fizeram felizes ao longo dos nossos mais de quinze anos de amizade.

Estar ali com ela, fazendo algo que fazíamos mais de dez anos atrás, mas a quase 10 mil quilômetros de distância de casa era surreal. Aquele passeio havia me conectado de uma forma muito amigável com um passado saudoso e de gratidão, que também me ligou a um outro momento passado não tão distante, na verdade, que havia acontecido há menos de um ano.

- Foi aqui que eu conheci o Harry.

e eu tínhamos nos sentado em um dos bancos próximos ao píer depois de mais de uma hora patinando sem parar. Sem prática, eu sentia meus tornozelos arderem pelo peso dos patins.

- Sério? Aqui?

- Não, não exatamente aqui, mas quando nos conhecemos viemos para cá. - Expliquei. - A gente se sentou naquele banco ali. - Apontei para o lado, indicando um banco um pouco mais distante.

- ... - Me virei para olhá-la. - Você tem certeza que isso que você tem com Harry é só amizade mesmo? Você falou dele a noite toda. Você fala demais dele desde que eu cheguei.

- Você ‘tá doida, ? Claro que somos só amigos. E é claro que eu falo demais dele, é o Harry?!

- Eu sei que você já falava demais dele antes, mesmo antes de conhecê-lo. Mas não sei, parece de um jeito diferente agora. Eu continuei pensando que era só a sua chatice – revirei os olhos – por ele quando conversávamos pelo telefone, mas depois que cheguei aqui e o conheci e vi vocês juntos... Você convive muito mais com o bonitão e não fala dele metade do que fala desse garoto.

- , ele é o Harry!

- , para de falar isso como se ele fosse um deus, um alienígena ou sei lá! Caralho, fodas que ele é o Harry. - Ela já estava impaciente. - Isso não impede que ele goste de você também. - Dessa vez eu ri com sarcasmo.

- Impede, porque ele é o Harry! - Ela fechou a cara. - Docinho, o que eu quero dizer é que o Harry tem milhares de mulheres caindo aos pés dele.

- E daí? Ele caga igual todo mundo. - Eu comecei a rir, era muito desbocada.

- E homens também... - Completei e ri, tentando descontrair um pouco a conversa. - Não ‘tô dizendo que ele é o Harry, o perfeito, imaculado, sem defeitos, que nunca erra. ‘Tô dizendo que ele é alguém que pode ter quem ele quiser que esteja à altura dele, à altura do dinheiro, da fama.

- , vai tomar no cu. - Eu comecei a gargalhar de novo, meu Deus, como eu amo conversar em português e amo essa garota. - Eu já falei que se foda, foda-se dinheiro e fama, eu não conheço o Harry como você conhece, mas eu te conheço e se o Harry ligasse pra essas porras, você nem seria amiga dele, menos ainda fã. Além do mais, você também tem um monte de caras aos seus pés. E mulheres também. - Completou e riu, também tentando descontrair.

- O Henry não conta como “um monte”. - Brinquei.

- O bonitão vale por vários. - Rebateu. - Você não enxerga o Henry, porque tudo o que vê na sua frente é o Harry.

- Nada a ver, se fosse assim eu nem ficava com o Henry. E eu já te disse que Harry e eu somos só amigos.

- Se me lembro bem, você começou exatamente assim com Daniel.

- Você acabou de comparar o Harry com o Daniel? - Eu ri mais ainda. - A minha história com o Daniel não tem nada a ver com a minha com o Harry! Eu conhecia o Daniel há anos, porque ele é seu melhor amigo! Eu virei amiga dele, porque eu não queria que você precisasse escolher com quem passar tempo, então sempre tentei me dar bem com ele por isso! Por sua causa! E além do mais... - Repeti o mesmo que ela disse, mas com ironia. - O Harry é apaixonado por outra.

- ‘Tá bom, Florzinha. Eu não vou falar mais nada sobre isso. Se você quer enganá-lo e enganar a si mesma, tudo bem. Eu não me meto mais. - Eu bufei e revirei os olhos.

- Por falar no Daniel, como ele está? - Eu estava decidida a não discutir mais também. Esse assunto era desgastante. Eu não queria ter que ficar provando para as pessoas que era possível que eu ficasse com Harry e fosse apenas sua amiga, sem complexidades.

- Ah, eu já te contei tudo quando cheguei. Ele ficou na fossa quando você terminou com ele. Ainda mais vendo no meu Instagram que você estava em todos os rolês, o carnaval, as festas, as pessoas que você pegou.

- Meu irmão tinha morrido, . Eu não fui viver a minha vida enquanto ainda tenho tempo para alfinetar meu ex. O início desse ano foi perturbador, se eu ficasse em casa remoendo o fato de que o André se foi para sempre, eu nem sei como eu estaria agora.

- Eu sei disso. - Concordou compreensiva. - E no fundo o Daniel sabe também. Ele só não aceitou bem no começo. Ele sempre pergunta de você, sabe?

- Mas ele não tá saindo com ninguém?

- Claro que tá, é o Daniel, ! - Respondeu sem vacilar usando o mesmo tom que eu ao dizer “é o Harry”, nós duas não precisávamos de muito para nos entender. Eu comecei a rir. - Por quê? Ainda tá interessada? Achei que Henry e Harry já fossem demais para você dar conta. - Debochou. - Daqui a três meses você vai para o Brasil, né? Posso falar com ele. - Comecei a rir.

- Eu sinto falta dele, mas não como namorado, acho que não vejo mais espaço para o Daniel na minha vida, . As coisas mudaram tanto, tudo tem sido tão diferente, eu sou uma pessoa diferente.

- Eu sei. Você sente falta dele como pessoa, né? De quando éramos amigos e saíamos nós três.

- ISSO! - Concordei aliviada, sempre sabia o que eu queria dizer sem que eu precisasse me explicar muito.

Como eu senti falta de alguém que pudesse me compreender assim. Só tinha alguém que me entendia quase tão bem quanto, mas depois dessa conversa com , eu não queria mais admitir quem.



*


Acordamos bem cedo no dia seguinte, sábado, porque tínhamos um cronograma para cumprir, pela manhã tínhamos feito um passeio até o letreiro de Hollywood, tínhamos acabado de voltar para casa para tomar um banho e nos arrumar novamente, pois íamos para a casa de Jane almoçar, onde encontraríamos com Lucy e passaríamos a tarde na piscina em sua casa.

- Finalmente fomos no letreiro de Hollywood. Não acredito que você me enrolou tanto pelo passeio mais óbvio de Los Angeles. - reclamou.

- Docinho, eu moro aqui há meses e nunca tinha ido lá. - Repliquei revirando os olhos.

Quando estávamos juntas só conversávamos em português. Acho que isso era o que eu mais tinha sentido falta, falar na minha língua materna, e a comida, é claro.

- Eu não acredito, por que você não foi antes?

Eu já tinha ido perto da entrada do letreiro e passava perto sempre, mas nunca tinha de fato subido a serra e ido próximo ao ponto em que era área de visitação turística.

- Ah, porque eu não tinha companhia.

- E o Henry? - Torci a cara, como se dissesse “não, nada a ver”.

- Por quê? Vocês convivem diariamente, sempre que você fala dele conta só coisas boas, não entendo porque você não fala tanto dele quanto fala do Harry. - Voltou a falar a mesma coisa. - Eu achei que vocês fossem muito mais próximos.

- Ah, eu acho que somos próximos... Mas o Henry não tem tempo de ficar fazendo esses passeios.

- Você já chamou?

- Não. Eu geralmente só saio com o Harry, e com ele não tem como ir lá, porque, bom, ele é Harry, né?

me deu um olhar que eu sabia muito bem o que significava e imediatamente a nossa conversa da noite anterior veio em minha mente.

- Bom, já que você e Harry são só “amigos” - Fez aspas com os dedos. - Você nunca considerou que passa muito mais tempo com o Henry? Vocês são próximos assim como diz, o que te impede de chamá-lo para sair e fazer coisas juntos?

- Nada, ué. Um pouco porque ser vistos juntos não é bom, né. Você sabe da proibição da empresa.

- , eu não acho que seja isso.

- E o que você acha, ? - Rebati sarcástica. - Que eu não enxergo o Henry por causa de Harry Styles?

- Exatamente. E Harry Styles não faz parte do mundo real. Você deveria prestar mais atenção no Henry.

- Ou o quê?

- Ou ele pode se cansar. Vocês têm muito mais a ver um com o outro, vocês convivem muito mais, o estilo de vida de vocês coincide mais. Henry seria um cara para casar, estabilidade física e emocional.

Tudo isso fazia sentido, eu sabia que em parte concordava, mas, contrariada, preferi ignorar.

- E o Harry não?

- Não era você quem acabou de dizer que o Harry “é o Harry”? Não é você quem fala todo dia que ele faz parte de um mundo diferente, porque ele é famoso, cobiçado e milionário? Achei que você não se achava à altura de ter um relacionamento com ele.

- Só quero dizer que ele também pode se casar e ter algo estável mesmo sendo famoso e tal, porque ele é uma pessoa incrível; e, como eu disse, eu não acho que ele é melhor que ninguém por ser uma celebridade, a questão é que Harry e eu não temos nada! Esse é o meu ponto! Nós somos amigos, independente de ficarmos. Essa é a única certeza entre mim e ele.

estava pronta para rebater e eu só balancei a mão como se dissesse “chega!”.

- ‘Tá pronta?

- Eu sempre fico pronta antes de você, . - Revirou os olhos também.

- Ok, então vamos.


14. I want you here with me, like how I picture it.

DEZEMBRO, 2018
3 meses atrás




No dia seguinte ao que foi embora, Harry me chamou para jantar em sua casa, ele sabia que eu estava triste por estar sozinha novamente, não exatamente porque estava sozinha, mas sim pela falta que uma pessoa tão próxima a gente faz quando parte, né?

Eu sei que Harry costumava cozinhar na época em que ele morava no complexo em Princess Park com o restante dos meninos e dividia a casa com Louis. Mas, sinceramente, quão bom cozinheiro era um garoto de dezesseis/dezessete anos que nem sequer ficava em casa? Ele deve ter cozinhado algumas poucas vezes e olhe lá!

Eu esperava chegar com o jantar pronto, mas quando Harry não foi me receber na entrada, tendo apenas aberto o portão eletrônico pelo sistema do celular e eu o encontrei na cozinha com uma panela quase transbordando água, eu quis rir, ou xingá-lo, porque eu estava com fome. Não consegui decidir na hora.

- Que diabos você está fazendo, Styles? - Eu falei alto ao contemplar a quase bagunça.

- Macarrão cacio e pepe, pois sei que é uma das poucas comidas que você gosta sem carne. - Respondeu com tom de voz inocente.

- Com esse monte de água e só esse pouco de macarrão? Você quer alagar a sua cozinha? - Debochei.

Não que eu achasse que isso fosse possível; o cômodo era muito amplo para se alagar tão fácil. Harry como sempre começou a rir, ele era muito bem treinado para a mídia e levava isso para a vida, ele nunca se alterava por nada. Não que houvesse motivos ali, porque eu o tratei num tom de brincadeira o tempo todo. Mas mesmo se eu tivesse falado sério, acho que ele não faria nada além de rir um pouco sem graça.

- Joga um pouco de água fora, H. E prova para ver se está bem temperado. - Ele concordou com a cabeça fazendo imediatamente conforme orientei. - Ótimo, agora vou esperar na sala.

- Nãoooooo! - Gritou, mesmo que eu estivesse bem ao seu lado.

- Você alugou meu ouvido por acaso, meu filho? - Respondi em português. - Deixa pra lá. - Acrescentei em inglês porque ele já estava me olhando confuso.

- Fica aqui na cozinha comigo. - Pediu.

- Eu achei que VOCÊ fosse cozinhar pra mim.

- Eu pedi sua ajuda? - Retrucou imediatamente, afiado.

Dessa vez quem começou a rir foi eu. Não, eu gargalhei.

- De onde aprendeu a ser mal educado assim, hein? Deixa só eu contar para sua mãe para ver o que ela acha disso.

- Só fica aqui comigo, . Não vou te pedir ajuda, prometo. - Falou no tom de voz de sempre, aquela era a resposta que ele daria desde o começo. Aposto que não fez isso só para tirar onda com a minha cara. - Por falar na minha mãe, quero te fazer um convite.

Arqueei uma sobrancelha, desconfiada.

- Hm? - Dei um resmungo como resposta.

- Quero que você vá para a Inglaterra comigo na sexta que vem para passar o natal na casa da minha mãe. - Harry nem me olhava enquanto falava, mexia a colher na panela.

Engasguei com minha própria saliva.

- Harry, na sexta ainda vai faltar mais de uma semana para o natal. - Eu dei a resposta mais lógica e aleatória em que consegui pensar enquanto não processava aquilo.

- Eu sei. Mas você se lembra que preciso ir na confraternização dos meus amigos em Londres antes de ir para Holmes Chapel? - Olhou para mim por um breve segundo e voltou a atenção para a panela. - Falando em festa de natal, você vai comigo na casa de Michael, certo?

Michael era um dos amigos não famosos de Harry e que também tinha ido à praia em San Diego conosco.

- Eu não sei, Harry... Digo, eu vou à casa de Michael, é claro. Mas viajar até sua cidade natal com você para o feriado de natal, eu não sei. Isso é muito familiar, você não acha? Não quero ser uma intrusa.

Harry abaixou o fogo e largou a colher, se aproximando de mim, o olhar sempre fixo ao mesmo.

- Eu não estou te pedindo em namoro, . É só o natal.

- Há-há. - Fingi rir. - Engraçadinho. - Ele piscou para mim ao ouvir minha resposta.

- Eu só não quero que você fique sozinha, porque me importo com você. Além do mais, você é minha amiga, e por isso é mais do que bem vinda na minha casa ou na casa da minha família.

- Para a casa de Nova York ninguém me convida. - Forcei um drama.

- Você é bem-vinda inclusive na minha casa de Nova York.

- Você sabe que tem aquele restaurante lá que eu quero muito ir, eu já te falei dele.

- De tanto você falar desse restaurante até eu quero ir lá, preciso saber se a comida é tão boa quanto parece nas fotos no site. Vamos para lá no ano que vem, combinado?

- Tudo bem.

- Agora vamos lá, aceita passar o natal comigo em Cheshire?

- Sim, aceito! - Eu dei um largo sorriso.

Harry deu um suspiro de alívio.

- Ainda bem que aceitou, porque já comprei as passagens.

- Harry! - Repreendi sem tentar segurar o riso.

Eu jamais tinha cogitado passar as festividades de fim de ano com Harry, até porque eu sempre soube que ele sempre ia para Holmes Chapel e estar diante do fato de que eu realmente ia junto me trazia certo conforto e aquecia meu coração, porque o primeiro natal longe de casa seria com a pessoa que mais me fazia sentir em “casa”, seja qual fosse esse lugar.

Ao mesmo tempo a ideia de conhecer as pessoas mais importantes na vida dele simplesmente me aterrorizava!

- Eu não queria te deixar passar o natal sozinha, darling. É o natal! - Nesse ponto, Harry já tinha voltado a mexer na panela.

- Pffff. - Bufei. - Não me pede em namoro, senhor “é só o natal”. - Provoquei rindo. - E eu ia arrumar alguma coisa para fazer.

- Você? Eu duvido! É cheia de “não quero incomodar”, aposto que ninguém sabe que você ia estar sozinha.

Droga! Como ele tinha razão... Eu não poderia negar nem se quisesse.

- Eu te compraria uma passagem para o Brasil, mas eu não sei exatamente onde você mora. - Se justificou. - E eu sei que se eu te perguntasse você jamais aceitaria.

- Você está certo. - Concordei rindo. - Mas o problema não é o dinheiro, Harry. É só que eu não quero ter que ir para voltar tão rápido.

- Claro, eu entendo. Mas fico feliz de ter sua companhia.

Eu não respondi, mas dei um sorriso.

- Eu vou te levar em todos os lugares que eu costumava ir quando criança. E tem uma loja em Londres, eu acho que você vai adorar...

Harry desatou a falar, lembrando que isso não significava falar mais rápido ou menos pausado. Eu fiquei ouvindo por um tempo, apenas concordando com a cabeça tentando me lembrar de todos os planos que ele estava fazendo para nós.

Meu estômago roncou alto.

- O que é isso? - Eu já havia começado a rir quando Harry perguntou.

- Eu estou com fome.

- Não, você tem um bicho aí dentro.

- Cala a boca, Styles.

- Já falei que adoro quando você fica sem graça?

- Certo! - Revirei os olhos. - Mas agora me diz, quando esse jantar fica pronto?



*




Há uns dias eu tinha encontrado Elinor nos elevadores e recebi uma bronca por não ter ido visitá-la para o chá que havia prometido meses atrás. Combinei que iria na mesma semana e tive que ir mesmo, porque logo viajaria para Londres com Harry e depois voltaria praticamente no ano novo.

Quando bati na sua porta naquela tarde, fui recebida com um caloroso abraço.

- Entra, entra! - Elinor abriu passagem. - Acabei de colocar a água para ferver. - Fechou a porta atrás de nós. - Você quer tomar chá de que?

- Qualquer sabor desde que esteja bem quente. - Respondi simpática.

Eu nunca tinha tomado chá do tipo Londrino, com leite e todas aquelas coisas, então como estávamos nos Estados Unidos, eu esperava que fosse um daqueles de pacotinhos que tem em todos os lugares. Mas se fosse diferente, eu gostaria de experimentar, de qualquer forma.

- Como você está, El? - Perguntei quando já estava confortavelmente sentada em uma cadeira à mesa de jantar.

- Estou ótima, minha filha. Meus filhos vão vir na semana que vem para o natal. - Elinor era viúva havia alguns anos.

- É mesmo? E quantos filhos a senhora têm?

- Dois homens e uma mulher. E dois netos, por enquanto. O terceiro a caminho! - Ela respondeu me olhando da cozinha.

A copa, sala e cozinha eram conjugados, assim como no meu apartamento. O fogão ficava de lado para onde eu estava sentada, então ela poderia me olhar sem muita dificuldade.

- Que legal! E seus netos tem quantos anos?

- O mais velho tem sete e o mais novo tem cinco. Os dois são da minha filha que é mais velha e a esposa do meu filho do meio está grávida do meu terceiro neto.

- Devem ser uma família linda.

- Você poderia vir aqui de novo quando eles chegassem. Eu adoraria que você os conhecesse.

- Seria um prazer! - E então me lembrei que iria para a Inglaterra com Harry. - Mas eu viajo na sexta-feira.

- Vai visitar a família? - Respondeu enquanto trazia as coisas para a mesa.

- Não. Eu não consegui muitos dias de folga, então ia ficar por aqui mesmo, sozinha. Mas um amigo me convidou para passar o natal com ele, na Inglaterra.

- Amigo, huh? - Respondeu desconfiada. Eu comecei a rir negando com a cabeça por causa do tom.

- Sim. Ele descobriu que eu ia ficar sozinha, ficou com pena de mim e comprou as passagens para que eu fosse com ele antes de me chamar. Não pude recusar. - Ela concordou com a cabeça enquanto me entregava uma xícara. - Obrigada.

- De nada. - Ela sorriu se sentando na cadeira mais próxima a mim. - Você volta quando?

- Devo chegar aqui no dia 27 de madrugada. Eu só consegui dez dias de folga. - Sorri triste.

- Eles vão ficar aqui até o ano novo.

- Então eu passo aqui quando voltar, pode ser?

- É claro! - Concordou animada. - Sabe, minha filha... Acho que você se daria super bem com o meu caçula. Você tem quantos anos?

Eu comecei a rir. Porque as mulheres idosas ou mais velhas sempre querem empurrar seus filhos solteiros para as moças jovens que elas fazem amizade?

- Eu tenho vinte de quatro.

- Ele tem vinte de sete. Vocês formariam um casal lindo. Eu vou te mostrar uma foto dele. - Ela levantou devagar e caminhou até o celular que estava em uma bancada. Mais devagar ainda mexeu no celular até encontrar o que queria.

Quando olhei para a foto, tentei não demonstrar nenhuma expressão de surpresa. O homem era simplesmente maravilhoso. Era negro com um tom de pele que fazia com que ele parecesse ser indígena e tinha lindos olhos cor de avelã. O cabelo cortado rente a cabeça e usava um terno, o que me fez me perguntar com o que ele trabalhava. Eu ia precisar de um babador. Ele tinha um sorriso perfeitamente alinhado e completamente cativante. Parecia bem alto também. Talvez tivesse por volta de 1,85m.

- Esses são meus outros filhos.

Passou para o lado mostrando uma outra foto, uma mulher parecida com o filho mais novo, se não mais bonita, um homem que supus ser o marido e duas crianças. Depois, em outra foto, um homem com aparência de trinta e poucos anos, de pele mais escura que os outros dois e um sorriso gentil, ao lado de uma mulher grávida.

Numa das paredes, havia um retratado de Elinor e um homem, que supus ser seu marido, daqueles que pessoas mais velhas tem em casa, minha avó tem um desses em casa e provavelmente você também conhece alguém que tem uma foto dessas.

A de Elinor mostra uma versão desbotada dela de pele um pouco mais bronzeada, ainda que pálida e longos cabelos pretos e grandes olhos amendoados, ao seu lado, um homem negro de pele escura, os mesmos olhos avelã dos filhos e um sorriso gentil, que eu descobri na hora de quem o filho do meio puxou.

- São lindos. Sua família é. - Respondi ainda admirando-os.

- Obrigada, querida. Mais chá? - Perguntou olhando para minha xícara vazia.

- Claro! Por favor. - Aceitei porque ainda não queria ir embora.

- Coma alguns biscoitos! - Puxou um dos vidros que havia colocado na mesa para mim. Então peguei um.

- O chá está ótimo. - Eu não fazia ideia de que sabor era e fiquei com vergonha de perguntar.

- , o que você vai fazer no ano novo?

- Hm... Eu ainda não sei. Provavelmente nada, já que vou gastar toda a minha folga com o natal.

- Você gostaria de passar o ano novo aqui, com a minha família?

- Eu-eu... - Eu não sabia o que responder. - Eu não quero incomodá-los, imagina!

- O que é isso, minha filha. Não é incômodo algum. Eu adoro a casa cheia.

- Bem, eu não vejo motivos para recusar. Será um prazer.

Eu não conseguiria descrever a felicidade de Elinor, tamanha era a genuinidade. Fiquei feliz por saber que ela realmente queria a minha presença. Fiquei com medo de que talvez estivesse me chamando por pena, por saber que talvez eu ficaria sozinha, eu não me importaria de passar sozinha, se fosse o caso. Eu estava acostumada a passar os feriados sozinha, afinal, eu já não morava perto dos meus pais há anos e não era sempre que dava para viajar de volta.

Dali para frente, Elinor só me falou de seus filhos e netos, me contou várias histórias do passado, eu mais concordava e ria, deixando que ela falasse o tanto que quisesse. Acho que ela ficava bem sozinha às vezes, fiquei com pena, porque ela era uma companhia muito agradável. Uma senhora espetacular, eu diria.



*


- Knock Knock? - Henry disse após a sua clássica atitude de bater uma única vez na porta da minha sala e depois abri-la com tudo como se fosse derrubar o lugar.

- O que eu disse sobre piadas de “toc toc”? - Não falei nada sobre suas entradas espalhafatosas, porque eu simplesmente tinha desistido de reclamar.

- Você disse “isso”. - Fez um gesto de “grande” com as mãos. - E eu ouvi “isso”. - E então usou o polegar e o indicador para demonstrar algo bem pequeno.

- Hum. Perdeu o respeito, então? - Lucy que estava na sua mesa deu uma risadinha.

- Posso entrar?

- Não sei nem que milagre você só abriu a porta; quase a quebrando como sempre, mas milagre por não ter invadido. - Revirei os olhos e ele já tinha entrado e fechado a porta atrás de si.

- Seria mais fácil se você a deixasse aberta igual a minha. - Ele me mostrou a língua. Muito maduro. - Oi, Lucy! - Caminhou até ela, a qual se levantou para lhe dar um abraço.

- Oi, Campbell. - Lucy também havia pegado minha mania de chamar Henry apenas pelo sobrenome.

- Eu não gosto. O barulho das pessoas passando me incomoda. - Respondi.

- Não sabia que ainda estava aqui. Há tempos não te vejo. - Henry falou com Lucy. Eu revirei os olhos por ter sido ignorada e voltei a atenção para o computador. - Como estão os planos para o fim de ano, Kiddo?

- Você sabe que eu sou só três anos mais nova que a , não sabe? - Ela odiava o apelido.

- Três anos e dez meses. - Eu corrigi.

- Tanto faz. - Ela balançou a mão num ar de indiferença.

- Você nem podia beber até ontem, para mim você ainda é uma adolescente. - Henry quem respondeu e eu comecei a rir.

- ! - Lucy me chamou. Aquele tom de voz era o de “me defenda”.

- Ok, Campbell. Chega de implicar com a minha estagiária. O que você precisa?

- Quando você sai de recesso?

Henry sabia que eu ia passar o natal na Inglaterra com o Harry. E ele ia passar a véspera com os filhos e levá-los no dia 25 para cear com a mãe. E eu não sei o que eles fariam no ano novo.

- Dia 17, mas eu já viajo nessa sexta. E você?

- Provavelmente no fim da semana que vem.

- Então só vou te ver de novo no ano que vem?

- Provavelmente, sim. A não ser que você queira ir para a minha casa no ano novo. - Piscou divertido.

- Não dá, Angel. Eu já aceitei passar o ano novo com a família de uma amiga lá do prédio.

- E se não fosse isso, ela ia para a minha casa, eu chamei primeiro. - Lucy rebateu.

- Aí, você ainda está aí? - Henry provocou. - Que horas você vai embora mesmo?

Esses dois só ficavam se alfinetando, mas no fundo se adoravam. Afinal, se eu ficava com Henry era por causa de Lucy, porque foi ela que desde o começo me avisou que ele estava interessado em mim. Embora eu nunca tenha a escutado.

- Só vou quando a quiser. - Ela rebateu, topetuda. - Você acha que eu gosto de ficar de vela para vocês?

- Lucy! - Eu repreendi.

- Na verdade, eu acho que você gosta, sim. - Henry respondeu sem se abalar e ela riu.

- Gosto mesmo. - Concordou sem hesitar. - Adoro o fato de ter sido o cupido de vocês. Vocês são as minhas pessoas preferidas aqui. E fazem do meu emprego o melhor de todos e eu nunca pensei que eu poderia gostar tanto de trabalhar aqui. Eu amo nossos almoços corridos juntos, os happy hours nas sextas... Quando a vai. - Se corrigiu e revirou os olhos.

- Awww, Lindinha! Vem cá! Chamei-a, que se levantou da cadeira e veio me dar um abraço.

Assim que nos soltamos, Lucy mostrou a língua para Henry.

- É isso, muito maduro vocês dois.

- ‘Tá vendo, ? É por isso que agora reajo a tudo mostrando a língua. Culpa dessa pirralha.

- Ah, Campbell, pelo amor de Deus, você tem quarenta anos, vai me dizer que uma menina de vinte te influenciou?

- Vinte e um! - Lucy corrigiu ultrajada e eu revirei os olhos. - Por falar em idade, seu aniversário está chegando, não é, ?

André.

A imagem do meu irmão que morreu dias antes do meu aniversário imediatamente apareceu na minha mente.

Uau! Eu não tinha parado para pensar que em um mês faria um ano de sua morte.

E não seria agora que eu pararia. Não. Sem tristeza. Não era o momento!

Olhei no relógio, vendo que já havia se passado dez minutos do horário de Lucy.

- Lucy! Sua hora! - Ela se levantou e saiu correndo em direção à porta, o ponto eletrônico não ficava longe. O sr. Stein me mataria se tivesse que pagar horas extras para ela.

- Pronto. Deu doze minutos, desculpa, florzinha.

- Não, ‘tá tudo bem. O Henry vai lá dizer que foi culpa dele.

- Eu vou? - Arregalou os olhos. - Ah, eu vou. - Concordou irônico. - Sonhe! - Nós três começamos a gargalhar.

- Poxa, Campbell. O sr. Stein puxa seu saco, se você falar que precisou que ela buscasse, sei lá, um contrato na sua sala para mim, ele não vai achar ruim.

- Boa tentativa, mas não.

- Achei que você fosse mais bondoso. - Fiz um biquinho fingindo tristeza.

- Então... - Lucy nos interrompeu. - Eu vou deixar vocês nessa D.R, hoje é noite de filmes com Charlotte.

- Isso, você nem me chama. - Continuei com o bico, dessa vez direcionado à Lucy.

- Ei! Você não ia para casa comigo?

- Cala a boca, Campbell.

- Tchau tchau, casal favorito. Vejo vocês amanhã. - Lucy nos mandou beijos no ar e saiu da minha sala mais que depressa.

- ‘Tá vendo? Você está assustando a minha estagiária. - Reclamei assim que a porta foi fechada.

- O que a assustou foi esse bico falso.

- Credo, Campbell. Você já foi mais amoroso, sabia? - Reclamei ainda fazendo drama.

- Ainda sou, Felina. - Piscou numa tentativa acertada de me seduzir.

- Hum. Não sei se acredito. - Cruzei os braços e encarei algum ponto fixo na lateral.

- Você já terminou por hoje?

- Sim. E você?

- Eu também. Então podemos ir? Vou te mostrar todo o meu amor. - Eu comecei a rir.

- Podemos. - Concordei ainda rindo.

- Vou buscar minhas coisas. Te encontro no estacionamento? - Assenti e Henry saiu da sala.

Desliguei o computador, peguei a minha bolsa e tranquei a sala. Caminhei os poucos metros que separavam a minha sala da primeira porta que ia para o estacionamento e me lembrei que esqueci o ar condicionado ligado.

Mas que bostaaaaaaaa!

Voltei para trás enfurecida. Não enfurecida de verdade, mas você me entendeu.

Demorei quase dois minutos para achar a chave dentro da minha bolsa. Quando cheguei no estacionamento, Henry me esperava encostado no próprio carro.

- Desculpa a demora, esqueci a merda do ar ligado. - Falei impaciente e Henry gargalhou.

- Estranho seria se você tivesse se lembrado de desligar. - Pendi a cabeça para um lado.

- É verdade. - Concordei em seguida, rindo. - Por onde vamos?

- Com certeza tem trânsito agora. Caminho alternativo que te ensinei?!

- Ok. Até na sua casa. - Henry concordou com a cabeça e entrou no seu carro.

Eu fiz o mesmo, só que no meu. Esperei que ele saísse na frente e fui o seguindo. Mais ou menos 35 minutos depois chegamos em sua casa. Henry estava de BMW naquele dia, a mesma que fomos para Solvang.

- Você tem que me emprestar esse carro. - Eu falei quando bati a porta do meu carro, já dentro da garagem da casa de Henry.

- Sonha.

- Henry!

- Você já tem o seu. - Deu de ombros.

- Mas não é uma BMW?

- Mas é um Mercedes?

- O que custa, Henry? Eu já dirigi mesmo naquele dia.

- Mas eu estava do lado. Outra coisa totalmente diferente é deixar meu carro na sua mão sem supervisão.

Eu comecei a gargalhar, uma gargalhada de puro sarcasmo.

- Você sabe que eu sou supervisora de logística, não sabe? Eu dirijo melhor que você, você queira admitir ou não.

- De novo nessa?

- Eu só vou deixar para lá quando você aceitar esse fato. - Henry quem gargalhou dessa vez.

- Vem, pretty. Vamos discutir isso melhor na cozinha.

- uhhhh, você vai cozinhar pra gente? O que você vai fazer? - Perguntei já com água na boca, eu só tinha almoçado naquele dia, estava com fome. - Espera! Por que eu sinto que isso foi um desvio de assunto?

- Porque foi. - Ele gargalhou de novo. - Sempre que eu falo de comida você esquece qualquer coisa que estamos discutindo.

- Isso não é justo. O que você vai cozinhar?

- Viu? - Riu de novo. - Estou pensando numa carne assada, com umas batatas, arroz para acompanhar, aquela salada que você gosta com champignons e o meu molho especial. O que acha?

- Sim, por favor! Eu só como comida de verdade quando venho para cá. Minha mãe ficaria orgulhosa. Não, espera. - Fiz uma careta e comecei a rir. - Ela me mataria, na verdade.

- Como é a sua mãe? - Henry perguntou curioso.

Nesse momento, já tínhamos entrado em casa e eu me dirigia para o quarto de Henry com ele logo atrás de mim.

- Ah, a minha mãe é um doce de pessoa. Mas bem direta, sabe? Com ela não tem muito drama. O que é bom, mas também é ruim, porque ela literalmente me mataria se soubesse que estamos quebrando as regras.

- Para que servem as regras se não para as quebrarmos às vezes? - Replicou em um tom divertido.

- Você sabe que eu levo meu emprego a sério, não sabe?

- Não tem ninguém que leva o emprego mais a sério que você, .

- Tem, sim. a minha mãe. Pensa em mim multiplicada por cinco, no mínimo. É a minha mãe.

Joguei a minha bolsa em cima da poltrona do quarto de Henry e depois abri a segunda gaveta do armário ao lado, ali tinham algumas peças de roupas minhas.

Eu sei o que você está pensando nesse momento. Para um relacionamento que não era sério eu tinha até roupas na casa do cara? Bem, sim. E eu não tinha roupas nem na casa de Harry, que era de longe meu melhor amigo em Los Angeles. Mas pense pelo lado prático: Antes usar as minhas roupas na casa dele do que usar as dele, né? Seria bem mais íntimo.

- Posso tomar banho? - Henry revirou os olhos.

- Não sei por que ainda pergunta.

Eram só algumas roupas velhas, umas camisas e calças de moletom, porque quando eu ia para lá direto do trabalho sempre tomava banho. Era uma questão de praticidade brasileira. Henry já sabia disso.

Quase nunca combinávamos quando eu ia para lá, estávamos trabalhando e Henry me ligaria, mandaria uma mensagem ou desceria até a minha sala e falaria “vamos para a minha casa hoje?” e eu diria que “sim” sempre quando podia, então nunca estava preparada para isso e não dá para ficar sem tomar banho depois de um longo dia de trabalho.

- Só queria ser educada. - Dei de ombros.

- , você está em casa.

Não estou não. Não é um lugar estranho, é mais como se fosse um hotel, confortável o bastante para que eu me sentisse como se estivesse de férias, ou passeando, no caso, já que durante os dias de semana que eu ia para lá, não dormia. Sempre voltava para casa no mesmo dia por causa do trabalho no dia seguinte. Mas não era casa. Não mesmo.

- Obrigada. - Eu sorri. - Você quer ir comigo?

- Tentador, mas não. - Negou com a cabeça. - Vou cozinhar e quando acabar venho.

- Isso aí, vai fazer a minha comida, Chef. Campbell. - Brinquei.

- Te espero na cozinha? - Assenti e Henry saiu pela porta e eu entrei para o banheiro.

Eu desci imediatamente após o banho. Ao passar pela mesa de jantar, vi o blazer do terno de Henry pendurado perfeitamente nas costas de uma das cadeiras. Na cozinha, o encontrei exatamente como ele falou que estaria. Na pia, ele cortava alguns legumes, descalço, dois ou três botões da camisa branca abertos e a gravata com nó já afrouxado ainda se encontrava em seu pescoço.

Dei um tapa em sua bunda. Ele pulou de susto.

- Não vi você chegando. - Falou depois de me xingar pelo susto.

- Sorrateira como um felino. - Fiz a piada com o meu apelido e comecei a rir.

Ficamos conversando enquanto Henry terminava de fazer tudo. Eu nem me atrevia a tentar ajudar, Henry cozinhava muito bem para que eu me metesse. Depois que ele colocou o assado no forno, eu disse que olharia para que ele pudesse ir tomar banho. E então ele foi, me deixando sozinha ali.

Passado algum tempo, percebi que Henry estava demorando para voltar, eu não duvidava nada que alguém tinha ligado do trabalho e se eu subisse para o seu quarto o encontraria com o notebook ligado resolvendo alguma coisa. Eu sabia disso, porque sempre acontecia comigo também.

Tirei a carne do forno quando ficou pronta, eu não cozinhava tão mal ao ponto de não saber nem isso, na verdade, eu até cozinhava bem, mas gostava muito mais de não precisar cozinhar.

Enquanto Henry ainda não voltava, tirei uma foto da comida para postar no Instagram. Acabei compartilhando a foto também no direct com Harry. Óbvio que ele não viu na hora. Abri as mensagens, então.

07:00pm: Tá aí?



Esperei um minuto e não tive resposta, deixei para lá e fui até a escada.

- Campbell? - Gritei e esperei alguns segundos. - A comida ficou pronta. - Gritei de novo.

Ele também não me respondeu, então fui até seu quarto, encontrei-o exatamente como imaginei, sentado todo encurvado na cama, vestindo só a calça social que já estava antes.

Assim que me viu, levantou um dedo como se dissesse “só um minuto”, enquanto ainda falava ao telefone.

07:12pm: Oiiii.


- Espere um minuto, por favor. - Henry falou para quem quer que fosse que ele estivesse conversando e então tirou o celular do ouvido. A pessoa do outro lado falou de novo, fazendo com que ele voltasse com o celular. - Cala a boca. - Henry revirou os olhos rindo e colocou o celular no viva-voz para que eu ouvisse também.

- Uhhh, Campbell. - A pessoa do outro lado, que distingui como um homem, afinou a voz ao falar. - A comida está pronta. - Uma falha tentativa de imitar a minha voz.

- Eu gritei tão alto assim? - Falei em um sussurro e Henry concordou com a cabeça, rindo.

- Quem é a mulher que está aí cozinhando para você, Henry? É gostosa?

Eu comecei a rir, reconhecendo a voz de um dos supervisores da produção, que também era grande amigo de Henry.

- Não é da sua conta, Elliot. E eu que cozinhei para ela. Agora cala a boca e espera um minuto. - Respondeu e em seguida tirou do viva-voz e tampou a saída de voz do celular. - Teve um problema com o material da Stack Tecnology. - Concordei em silêncio, sabendo de qual cliente falava. Henry destampou o alto-falante. - Erro da produção, para variar. - Gritou para provocar Elliot, de quem eu não ouvi a resposta. - Mas o cliente está furioso.

- Aí ele te liga para você resolver? - Perguntei incrédula, ainda falando mais baixo do que o normal para não correr o risco de ele ouvir e reconhecer minha voz.

- Está me ligando mais como um pedido de ajuda de um amigo do que colega de trabalho. - Deu de ombros.

- Esse povo da produção é folgado, não deixa jogarem a culpa em você. - Henry sorriu divertido e assentiu.

Eu, mal saída das fraldas, dando conselho de maldade empresarial para Henry. Era engraçado mesmo.

- Eu já estou terminando, vou só tomar um banho e já vou.

- Uh-hum. - Concordei. - Desculpa gritar e atrapalhar.

Henry fez um gesto de “deixa para lá.” ou talvez fosse “não tem problema.” e eu voltei para a cozinha.

07:20pm: Te mandei uma DM
07:20pm: No instagram



07:22pm: Ok.

07: 33pm: *emojis dormindo*



Henry finalmente voltou. Parece que o problema foi sério mesmo. Ele estava me contando mais detalhes sobre e meu celular não parava de apitar mensagens.

07:41pm: Desculpe. Esqueci a senha
do meu istagram.
07:41pm: Você quem cozinhou aquela carne?
Parece uma delícia.

07:42pm: Foi o Henry



07:42pm: Você e Henry, huh? Estão sérios
mesmo...
07:47pm: Mas isso é uma indireta?
07:47pm: Sobre os meus dotes culinários?

07:48pm: Sobre a sua falta deles



07:48pm: Você está querendo dizer que eu
cozinho mal????

07:49pm: EXATAMENTE. Chora boy.



07:49pm: Eu nem gosto de carne mesmo.
07:49pm: O que ‘chora’ quer dizer?




*




- Porra, isso aqui tá muito bom! - Eu falei de boca cheia. - Tem certeza que não quer?

- Não, eu tomei café antes de descer para a sua sala. Eu ‘tô cheio, como mais tarde.

- Não acredito que você fez aquilo tudo só para mim.

- Eu adoro cozinhar para você. Eu quase não estava cozinhando, sabe? Antes... Porque sozinho não tem graça. E ninguém valoriza tanto os meus dotes culinários quanto você.

- Então você faz comida para mim porque gosta que eu inflo seu ego?!

- Basicamente isso. - Concordou rindo.

- Pois muito bem, continue sempre, porque só tem uma coisa que você faz melhor que cozinhar.

- Sexo? - Henry chutou sem hesitar e eu comecei a gargalhar negando com a cabeça.

Estávamos na sala de estar, Henry tinha ligado a TV num canal que estava passando Grey’s Anatomy, então conversávamos enquanto fingíamos assistir à série. Sentados cada um em um sofá, porque eu era espaçosa e colocava as pernas para cima. E Henry me assistia comer, o que era estranho.

O interfone tocou. Imediatamente tirei os pés do sofá, me sentando ereta.

- Você está esperando alguém? - Olhei-o confusa.

- Não. - Respondeu retribuindo o olhar de confusão.

Henry caminhou até a parede onde ficava o monitor da câmera, depois me olhou confuso de novo.

- Quem é? - Perguntei.

- Já volto. - Respondeu e sumiu pelo corredor.

Eu não conseguia escutar a porta sendo aberta ou fechada dali, mas certamente consegui ouvir as vozes altas. Eu não distingui o que Henry falava, até ouvir seus passos voltando pelo corredor.

- O que você está fazendo aqui? Você veio sozinha?

- Briguei com a mamãe. E peguei um Uber.

A pessoa respondeu ao mesmo tempo em que ambos entravam novamente no meu campo de visão. A filha de Henry, Madison, era quem estava ali, dando de cara comigo vestindo uma camisa velha dois números maior, uma calça de moletom e com os cabelos presos para o alto... eu nem comento.

- Sua mãe não sabe que você está aqui? Madison!

- Ela é uma chata, pai.

- Não fale assim da sua mãe. - Repreendeu e Madison fez uma cara emburrada.

Eles discutiam como se eu nem estivesse ali. E eu... eu observava a tudo com o prato ainda na mão e a comida dentro da boca meio mastigada, daquele jeito em que temos medo até de respirar e atrair atenção indevida.

- E o que ela está fazendo aqui? - Apontou com o dedo para mim e eu engoli a comida do jeito que estava, quase me engasgando.

- Eu? - Apontei com meu dedo para mim mesma. - Eu-eu-eu... ‘tô comendo. - Respondi idiotamente mostrando o prato.

Parecia que um furacão havia chegado, sem avisos, destruindo tudo.

- Bem, eu não quero atrapalhar vocês. - Respondeu sarcástica e virou de costas, mas trombou com Henry que estava bem atrás dela.

- Não! - Eu praticamente gritei. - Eu-eu vou embora. Não se preocupe. Eu sei que você precisa conversar com o seu pai.

- , você não precisa ir embora. - Henry disse e lançou o olhar para Madison, aquele olhar de pai que vai te dar uma surra. Ela revirou os olhos antes de concordar.

- Tudo bem, você pode ficar.

Affff!! Que garota audaciosa!

“Você pode ficar”. Abusada!

- Okay. - Foi tudo o que eu respondi. - Você está com fome? Seu pai fez carne assada. - Ela continuava me olhando desconfiada e não respondeu. - Vem, eu vou servir um prato para você, está uma delícia.

- Vai. - Henry ordenou entre dentes e a deu um empurrãozinho pelas costas. De braços cruzados, ela me acompanhou até a cozinha e Henry ficou na sala.

Eu peguei um prato no armário e destampei as panelas em cima do fogão.

- Arroz? - Eu perguntei e ela concordou com a cabeça. - Batata? - Retirei a carne de dentro do forno. - Tem um pouco de cebola, mas podemos tirar se você não gostar.

- Eu gosto. - Aleluia, ela falou!

- Ok. - Concordei terminando de servir a comida. - O que você gosta para beber? Eu fiz suco de laranja.

- Refrigerante.

- Ok. - Eu abri a geladeira e entreguei um copo para ela, o qual enchi em seguida. - Você gosta de Grey’s Anatomy? A gente estava assistindo.

- A gente, você diz... Você e meu pai?

Engoli em seco, forçando minhas pernas a continuarem caminhando até a sala.

- Si-sim. - Dei de ombros, ainda meio vacilante. O que eu poderia responder?!

Assim que entramos na sala, Henry andava de um lado para o outro na frente da tv enquanto falava ao telefone.

- Sim, ela está aqui, não se preocupe. Eu a levo embora depois.

- Com quem você estava falando? - Madison perguntou.

Me sentei calada no mesmo lugar em que estava e peguei meu prato que tinha deixado em cima da mesa de centro. Eu nem estava mais com fome.

- Com a sua mãe, é claro.

- Não acredito que você ligou para ela!

- Ela estava preocupada, Maddie! Tenha consciência.

Madison então se sentou no outro sofá, onde Henry estava sentado antes de ela chegar. E ele, para não ajudar em nada, veio e se sentou ao meu lado.

- O que você está fazendo? - Sussurrei para ele.

- Me sentando?

- Do meu lado? - Henry revirou os olhos e se afastou trinta centímetros.

- Está bom? - Desviei o olhar de Henry, voltando a encarar a garota, dessa vez tratei de sorrir.

- Uh-hum. - Ela respondeu.

- Agora você vai me contar por que brigou com sua mãe?

Madison negou com a cabeça.

- Deixa ela terminar de comer, Campbell. Depois vocês conversam. - Minha intromissão fez com que ela me encarasse.

- Uh-hum. - Ela então concordou.

Eu quase podia jurar que era possível cortar a tensão do ambiente. A série ainda passava na TV, eu fingia assistir enquanto Henry não parava de encarar a filha. Uma série de pensamentos passava pela minha cabeça naquele momento.

“Meu Deus, o que eu ‘tô fazendo aqui?”

“Eu nem ei lidar com adolescente”

“A garota me odeia”

“Eu nem tenho nada com Henry para aguentar esse B.O”

“Onde eu fui me meter”

E o meu clássico: “puta que pariu!”

Encarei Henry, seus olhos sempre brilhantes em uma expressão divertida ou tranquila, agora estavam focados e sustentavam uma carranca que eu tinha que admitir que era sexy.

Foco, !

A filha dele está bem aqui do lado, ele está bravo. Eu ‘tô no meio da briga familiar, isso não é bom. Isso não é legal.

- Tem alguma chance da sua mulher aparecer aqui? - Sussurrei para Henry, mais tensa ainda ao cogitar a possibilidade.

- Não, já conversamos. Vou levar Madison embora mais tarde. - Concordei com a cabeça.

A garota comeu tranquilamente pelos próximos minutos que para mim pareceram horas.

- Pode me dar. Eu levo para a cozinha. - Estendi a mão para pegar seu prato antes que ela o colocasse em cima da mesa de centro. Madison não disse nada ao me passar o objeto.

- Madison?! - Henry interviu.

- O quê?

- Cadê a educação? - Ela revirou os olhos.

- Obrigada. - Falou para mim.

- De nada, querida. - Eu sorri e sai do cômodo, mas não antes de ouvir Henry.

- Então, quer me contar agora o que aconteceu?

Somente quando eu estava na cozinha sozinha e longe das vistas de qualquer um que pareceu que eu pude finalmente respirar. Balancei a cabeça para me concentrar e comecei a guardar as coisas. Coloquei as panelas e a carne na geladeira e juntei todas as louças na pia, começando a lavá-las. Fiz o processo o mais devagar que consegui. Queria que fosse possível me teletransportar dali até a minha casa sem que eu tivesse que passar pela sala e ter que encarar aquela situação que eu tinha caído de paraquedas.

Mas, infelizmente, uma hora eu teria que voltar. Então, antes fosse logo para que eu pudesse sair daquela situação o mais rápido possível.

Então caminhei decidida até a sala e me sentei no sofá exatamente no lugar que eu estava antes, ao lado de Henry. A pose era só um disfarce superficial, porque por dentro eu me sentia como uma criança que queria pedir permissão para ir embora.

- A escola ligou para a sua mãe! Você tem noção do que é isso?

A discussão continuava calorosa tal qual quando deixei o cômodo.

- Relaxa, pai. É só uma nota baixa. Não é o fim do mundo.

- Não é o fim do mundo? - Respondeu sarcástico. - Desde quando você tira nota baixa, Madison? Você precisa me dar uma justificava melhor do que “não é o fim do mundo”.

- A minha mãe não tinha nem que ter ‘te falado nada.

- Eu sou o seu pai! Eu me preocupo com você. A professora disse que você tem andado distraída e não tem prestado atenção nas aulas.

A garota ficou calada. Encarava um ponto fixo à sua frente, incapaz de olhar nos olhos do pai. Eu deveria me meter? Não, claro que não. Eu não tinha nada a ver com a paternidade de Henry. Mas eu meti? Óbvio, porque o meu instinto de resolução de problemas gritava dentro de mim, mesmo que absolutamente nada fosse da minha conta.

- Madison. - Chamei-a, que em um susto repentino por eu ter falado, me olhou. - Aconteceu alguma coisa com você na escola? Para te deixar distraída? - Perguntei com cautela e com a voz mansa. - Algo de ruim? Alguém fez algo com você?

- Não... - Ela balançou a cabeça negando, já não me olhava mais. Não olhar as pessoas nos olhos ao responder perguntas objetivas não era um bom sinal. - Mas tem-tem uma coisa.

- O quê? - Henry respondeu imediatamente e eu me voltei para ele, fazendo uma cara feia.

- Nada, deixa para lá.

- Henry, você ficou aqui com a garota por vinte minutos e vocês só brigaram. - Eu sussurrei para ele. - Ela é uma adolescente, sabia? - Ele bufou e não falou mais nada.

Senhor, o que mesmo que eu estava fazendo ali? Ah sim, eu era legal demais para simplesmente sair andando.

- Maddie... - Me levantei e sentei no outro sofá, ao lado dela. - Eu posso te chamar de Maddie? - Ela assentiu. - Aconteceu alguma coisa? Se você não quiser contar para o seu pai, porque ele é homem, você pode me contar, ok? Pode confiar em mim. Coisas de garotas e tal.

- Não é nada de mais. - Ela respondeu, num típico sinal de enrolação.

- Não tem problema, pode falar mesmo assim.

- É que tem esse menino na minha sala...

- O que tem ele?

- Ele é super legal e a gente conversa no snapchat às vezes. - Eu consegui ouvir Henry soltando a respiração imediatamente. E eu fiz uma prece de agradecimento aos céus por não ser nada do que eu estava pensando.

- E você gosta dele?

- QUÊ? NÃO! - Reação exagerada. Ela se denunciou tão fácil.

- Tudo bem. - Eu respondi rindo. - Vocês ficam conversando na aula?

- Não... - Eu arqueei uma sobrancelha. - Às vezes. - Admitiu. - Mas ele conversa mais com os amigos e eu fico olhando, não consigo prestar atenção na aula.

- Awwwww. Você está apaixonada. - Eu olhei para Henry, que tinha uma expressão nada satisfeita.

- Eu não estou apaixonada! - Ela rebateu, envergonhada.

- Madison, você não tem idade para isso!

- Awwwww, você está com ciúmes. - Ele retribuiu meu comentário com a sua melhor cara de “sério, ?” - Ah, qual é, Campbell! Até parece que você nunca teve uma paixão na escola.

- Maddie, baby, eu entendo que você já é uma adolescente, que você gosta de sair com as suas amigas e... e-e falar de garotos. - Henry fez uma careta de desgosto. - Mas você tem que se concentrar nos estudos, sabe disso, não sabe? Lembra que conversamos uma vez sobre hora para ser sério e hora para se divertir?

- Uh-hum. - Ela assentiu, parecia ouvir atenta.

- Vocês podem conversar no intervalo e pela internet quando não estão fazendo o dever de casa, mas na escola precisa estudar. Lembre-se disso. Por que não explicou para a sua mãe?

- Porque ela só sabe gritar. Em nenhum momento ela quis saber porque eu tinha me distraído, ela só queria saber de dizer que isso não poderia acontecer.

- Maddie, a sua mãe só quer o seu bem. Tenho certeza que ela ficou preocupada com você. - Eu falei.

- Depois vamos conversar sobre isso nós três, tudo bem? - Henry sugeriu e ela concordou com outro aceno de cabeça. - Agora vem cá, me dá um abraço. - A garota se levantou com um sorriso e o abraçou. - Me desculpa ter ficado nervoso, você sabe que pode me contar tudo, não sabe? - Ela concordou de novo. - E você sabe que pode me ligar ou me pedir para ir falar com você também, certo? A qualquer hora.

- Eu sei, pai.

Eu assistia à cena com um quentinho no coração, completamente derretida pelo amor que dali emanava. Notei a pulseira que havia ajudado Henry a escolher bem no braço de Madison. Ela se assustou um pouco quando a toquei involuntariamente.

- Já está cheia de pingentes. - Comentei.

- Berloques. - Ela me corrigiu divertida ao se sentar ao lado do pai.

- Certo. Berloques. - Concordei me sentindo uma idosa de 95 anos.

- quem me ajudou a escolher seu presente, sabia, Maddie? - Henry comentou e a garota arregalou os olhos.

- Sério? - Ele e eu assentimos ao mesmo tempo. - Pai, posso perguntar uma coisa? - Ela falou com Henry, mas olhava para mim.

- Claro. - Ele respondeu e eu concordei com a cabeça.

- Vocês estão namorando?

Se eu estivesse bebendo alguma coisa, aquele seria o momento em que eu cuspiria tudo. Henry travou por um segundo e me encarou, sem saber o que falar.

- Não! - Eu neguei no segundo seguinte e então Henry me acompanhou com outro “não”, como se ele estivesse esperando para repetir o que quer que fosse que eu dissesse.

- Não? - Nos olhou confusa. - Então o que você está fazendo aqui? - Seu tom de voz não era mais grosseiro como quando chegou. Ela perguntava com genuína curiosidade.

Eu cocei a nuca e encarei Henry.

- Madison... - Henry estava tão cercado pela pergunta quanto eu.

Dei um tapa na minha própria testa.

- Não fica me olhando, não, Campbell. A filha é sua. Você que se explique. - Revirei os olhos.

- Vocês podem me falar. Eu tenho 15 anos, não sou uma criança!

Henry suspirou alto e gaguejou um pouco, tentando encontrar as palavras certas.

- Você sabe que a trabalha com o papai, não sabe? - Ela balançou a cabeça que sim. - Então, acontece que no trabalho do papai, não podemos namorar outros colegas, entende?

- Uh-hum.

- Por isso você não pode contar para ninguém que eu estava aqui, Maddie. - Eu completei e ela me encarou. - Nem para a sua mãe. Para ninguém mesmo, ok?

- Ok.

- Sério? - Questionei surpreendida com a facilidade com que ela concordou.

- Sim. Eu não sou criança. - Ela repetiu revirando os olhos, como se estivesse cansada de ter que dizer o óbvio. - Eu sei guardar segredo.

Será que eu parecia adolescente também de tanto que revirava os olhos? Porque eu já estava irritada com esse deboche.

- Mas então quer dizer que se não fosse isso vocês estariam namorando? - Ela completou. E mais uma vez aquele seria o momento de cuspir qualquer líquido que estivesse na minha boca.

- Ok, Madison, chega por hoje, já está tarde e preciso te levar embora porque você tem aula amanhã!

- Ah, não! Não quero falar com a minha mãe hoje. Posso dormir aqui? Você me leva para a escola amanhã. - Ela pediu com a voz totalmente transformada e um jeito doce, nem parecia a mesma.

- Ok. - Henry concordou sem hesitar.

Babão.

- Então eu vou indo. - Anunciei e já me levantei do sofá na mesma hora, precisava aproveitar a deixa.

- Está cedo ainda, . - Só encarei-o sem dizer nada. - Ok. Tudo bem, já entendi. - Completou rindo. - Vou te levar até a porta. - Se levantou também.

- Tchau, Maddie. - Acenei para ela e dei um sorriso, que foi retribuído.

Henry subiu até o quarto para buscar minhas coisas e depois atravessamos a casa em silêncio. Ao chegarmos à porta de entrada, assim que Henry a abriu, me virei subitamente de frente para ele.

- Henry, me desculpa! - Despejei.

- Pelo quê? - Sua resposta e expressão confusas vieram no mesmo segundo.

- Henry, me desculpa, por favor. Eu não queria passar por cima da sua autoridade, a filha é sua, eu juro que só queria ajudar.

- , do que você está falando?

- De eu ter me intrometido no meio quando ela não queria contar o porquê está ficando distraída na aula.

- , você não tem que pedir desculpas por isso.

- É porque eu te interrompi e eu sei que eu faço isso às vezes e sou meio mandona, mas você sabe que é sempre brincando, não sabe? E dessa vez não fiz por mal e...

- ! - Me interrompeu. - ‘Tá tudo bem, ok? Na verdade, queria te agradecer, você lidou com ela muito bem. Adolescentes não são fáceis. - Ele arregalou os olhos e deu um suspiro profundo. - E ela foi muito rude com você no início. - Colocou as duas mãos na cintura.

- ‘Tá tudo bem também. - Eu sorri. - Então... - Cocei a nuca de novo, era uma situação um pouco esquisita. - Te vejo amanhã?

- Pode apostar que sim.

Henry se aproximou para um beijo, mas o freei com uma mão em seu peito assim que entendi suas intenções.

- Henry! - Balancei a cabeça em negativa algumas vezes seguidas. - Sua filha pode ver.

- E daí? - Continuei negando com a cabeça, dessa vez sorrindo. Lhe dei um abraço rápido e me afastei.

- Tchau. - Acenei para ele, já distante. - Não esquece de abrir o portão! - Gritei ao me lembrar.


15. I'm not ever going back.

DEZEMBRO, 2018
2 meses e meio atrás




A viagem até Londres havia sido super tranquila, era a primeira vez que eu andava na primeira classe. E, claro, a primeira vez que eu ia para a Europa também. Eu teria que voltar um dia depois do natal, porque só tinha dez dias, mas eu não queria pensar naquilo na hora, eu tinha acabado de chegar, ia aproveitar ao máximo possível.

- Harry, faz quanto tempo que você não vem aqui? - Eu gritei da cozinha enquanto abria os armários praticamente vazios.

- Em Londres? Um mês, talvez. - Harry gritou de volta da sala, onde escolhia um filme para assistirmos.

Eu sabia que ele esteve aqui em Londres há pouco tempo, mas parecia que ele não aparecia nessa casa há pelo menos seis meses. Quem estava num lugar e volta em menos de um mês e não tem comida? E tudo parecia recém limpo, como se ele tivesse mandado uma empregada para limpar antes de vir, talvez há uns dois dias.

- Se vamos ficar aqui até semana que vem, precisamos de comida. - Gritei novamente.

Harry apareceu na cozinha em seguida me dando um susto.

- Não precisa gritar, estou do seu lado. - Deu um sorriso de lábios fechados enquanto recebia um tapa no braço.

- Idiota! Odeio essa sua mania de estar conversando de outros cômodos e aparecer onde eu estou do nada. - Ele riu.

- Das últimas vezes que vim aqui fiquei por pouco tempo. Só vinha para dormir, então comi fora. Mas podemos pedir comida, o que acha? - Harry sugeriu.

- Podemos pedir pizza! E tomar um vinho. - Eu dei a ideia, sim, eu queria pizza, por incrível que pareça. E ele sabia que eu não gostava de vinhos super caros e chiques, geralmente preferia comprar em supermercados mesmo.

- Vinho? Acho que não tenho nenhum aqui, eu já levei a adega para minha nova casa. - Eu mencionei que ele havia comprado outra mansão em Londres? Pois é! Ele tinha. - Teríamos que sair para comprar. - Respondeu meio desanimado, mas eu não percebi a princípio.

- Ótimo! Vou pegar um casaco. - Falei já fazendo menção em deixar o cômodo, mas Harry segurou um dos meus braços, me impedindo. - O que foi, H?

- Só tem um lugar que vende o vinho que eu mais gosto em toda a região e é também o motivo pelo qual a dispensa está vazia há meses. - Harry começou a dizer com a voz baixinha, como se fosse com muita dificuldade que revelasse aquilo.

- Como assim? - Foi tudo o que perguntei.

- Era o mercado que ela fazia compras, depois que tudo aconteceu, eu jurei que não voltaria mais lá, . - Então tudo fez sentido para mim.

- Harry, podemos ir em outro mercado. - Eu dei a opção.

- Mas em nenhum outro tem esse vinho. - Harry argumentou.

Assim fica difícil né, meu querido?! Contive a vontade de revirar os olhos e pensei um pouco antes de respondê-lo. Eu precisava ser um ombro amigo naquele momento. Aconselha-lo. Suspirei ao decidir o que falar.

- Já fazem meses, Harry. Seria bom se você pudesse seguir em frente, evitar todos os lugares que vocês foram juntos em Londres só faz tudo doer mais, você só vai saber se superou quando ir e perceber que não sente mais nada, ou que talvez sinta, mas que não quer mais voltar atrás. - Eu falei enquanto afagava seu braço, em consolo.

Harry me olhava muito atento enquanto eu falava e continuou olhando por alguns segundos depois disso, pensando.

- Quer saber? Você tem razão. Além do mais, o pior que poderia acontecer é ela estar lá! - Disse com o tom de voz mais animado, como se pensasse que as possibilidades daquilo acontecer eram praticamente nulas. E seria bastante má sorte também.

- Tudo bem, então! - Foi o que eu respondi. - Ah, eu só trouxe um par de botas de cano baixo que está secando depois da chuva que tomamos quando chegamos, você pode me emprestar um?

- Sim, eu vou pegar. Me espera aqui. Não quero correr o risco de você ver aquele closet agora.

Harry deu uma risadinha já caminhando e sumiu pelo corredor. Ele claramente estava debochando da vez que conheci sua casa em Los Angeles e não me controlei ao ver suas coisas. Que memórias seu guarda-roupas de Londres, lugar que considera como sua casa oficialmente, poderia conter? Aposto que são mais incríveis ainda.





- Você está andando muito engraçado. - Foi o que Harry disse ao entrarmos lado a lado no pequeno mercado, cada um com uma cesta em mãos.

- Bom, deve ser porque o seu pé é enorme?! - Empurrei seu ombro. - Mas pelo menos o cano é apertado e a bota não vai sair do meu pé. Vou pegar algumas coisas para tomarmos café amanhã, e uns lanches para os próximos dias. Quer alguma coisa?

- Não, como o que você comprar. Eu vou pegar o vinho. - Harry respondeu e entrou em outro corredor, enquanto eu seguia pelo lado oposto.

Acho que estava para existir uma pessoa mais fácil de se conviver. Quero dizer, Harry era muito participativo e opinava em tudo em que eu pedisse sua opinião. (E às vezes no que eu não pedia também). Mas ao mesmo tempo, eu sentia total liberdade para escolher coisas por nós, sabendo que ele ficaria satisfeito com o que quer que fosse. Ele não era uma pessoa exigente nesses aspectos.

Comprei pães de forma, iogurte, frutas – especialmente bananas – E outras coisas que eu sabia que Harry gostava, além de biscoitos recheados – que eram o meu fraco – e chá gelado, que não podia faltar, apesar de estar frio. Harry estava numa fase que não tomava mais o típico chá londrino. Eu nem oferecia mais, ele sempre deixava esfriar e usava isso como desculpa para não querer. O chá já estando gelado não tinha como arrumar desculpas. De qualquer forma, ele sempre optava por café preto.

Só parei de pegar coisas quando enchi a cesta mais do que calculei, não precisaríamos mais que aquilo, pois na semana seguinte já seria véspera de natal e iriamos para Holmes Chapel passar com família de Harry. Pelo menos ele teria coisas quando voltasse pra Londres de novo. Não peguei nada que tivesse que ser preparado, eu não iria cozinhar, eu estava me considerando de férias.

Caminhei pelos corredores à procura de Harry, mas não o encontrei em nenhum lugar. Parei pertos dos caixas olhando para frente para ver se o avistava vindo para já pagar, pois eu havia demorado sozinha, era provável que tivesse terminado primeiro que eu. O único lugar que eu não havia ido era a sessão de bebidas, porque... bem... ele havia ido direto lá, não era possível que ainda estivesse no mesmo lugar. Talvez eu tenha ficado parada uns cinco minutos quando decidi o procurar de novo. Levantei olhar para encontrar a placa que indicava essa seção e me dirigi até lá.

Não acreditei que fosse possível, mas não foi uma surpresa que ele estivesse ainda na seção das bebidas. A surpresa foi quando o encontrei, sua cesta estava vazia e ele sequer tinha algo em mãos. Ele estava de costas para o início do corredor, de onde eu tinha vindo, conversando com uma mulher. O rosto dela foi a primeira coisa que vi, não a conhecia, mas sabia muito bem de quem se tratava.

Diminui a velocidade dos passos. Pelo modo como Harry balançava a cabeça em negação e a mulher recuava para trás com um olhar triste que tentava a todo custo desviar do meu, eu sabia que a conversa estava chegando ao fim, mas não porque eu tinha chegado.

- Mas eu não posso, sinto muito. - Escutei Harry dizer assim que parei ao lado dele, tocando imediatamente seu ombro para que ele percebesse minha presença, mas ele nem se mexeu.

- Está tudo bem, eu entendo. Eu preciso ir, foi bom te ver. Se cuida, ok? - Ela sorriu de lábios fechados antes de se afastar de vez.

A cesta de Harry continuava vazia. Sem saber como reagir àquela situação, peguei uma garrafa do vinho que Harry anteriormente havia comentado o nome e, sem dizer nada, caminhamos até o caixa. Tudo ficou ainda mais esquisito quando tirei meu cartão para pagar e Harry não protestou, na verdade, ainda não havia pronunciado nem uma mísera palavra, parecia absorto.

Guardamos as compras no carro e eu resolvi me pronunciar.

- Era ela, certo? Sophie? - Perguntei ao fechar o porta-malas e Harry assentiu. - Você está bem?

- Eu vou ficar. - Foi tudo o que ele respondeu antes de me lançar um sorriso sem mostrar os dentes, que retribui. - Você pode dirigir? Preciso escrever algo.

- Pode apostar que sim! - Respondi animada e peguei as chaves da mão dele que pendia no ar.

Me desloquei rapidamente para o lado esquerdo e quando abri a porta: banco do passageiro.

- Ops! - Cocei a cabeça meio sem graça.

Mesmo cabisbaixo, Harry imediatamente começou a rir da minha mancada. Mas logo ficou sério de novo.

- Me esqueci da mão inglesa. Nem acredito que vou dirigir em Londres.

O caminho não foi nada como eu havia imaginado, pensei que dirigir pela primeira vez na Europa seria muito mais divertido; janela aberta e cantando junto com alguma música aleatória que saia do rádio, porém havia começado a chover de novo e eu não me atrevi a ligar o som. Não com Harry escrevendo e riscando, escrevendo e riscando de novo, ferozmente em um bloquinho de notas que tirou do porta-luvas do carro.





Harry havia ficado distraído o resto da noite, eu não fiz mais perguntas e deixei-o um pouco com os próprios pensamentos. Eu não tinha como, sei lá, ir embora e deixá-lo sozinho, mas tentei me manter neutra o máximo possível para que ele pudesse processar o que estava sentindo sem grandes interrupções. Eu nunca perguntei o que realmente aconteceu antes que eu chegasse até eles. E ele nunca me contou.

Ele acordou no dia seguinte parecendo a mesma pessoa de sempre... Até começar a falar.

- O que acha de irmos à praia?

- O quê? Você está louco, Harry? Estamos no inverno!

Se o inferno congelasse, Londres seria uma amostra de como seria.

- Eu sei. Não estou dizendo para irmos com roupas de banho, só... andar por lá.

Não nevava ainda, mas chovia constantemente e o frio era absurdo.

- Eu sei de um lugar que não vai estar chovendo. - Completou quando eu não falei nada.

Suspirei alto, impaciente.

- Onde, Styles?

- Eu te conto quando chegarmos.

- Pode pelo menos me dizer algo sobre?

- Não é por aqui, são três horas de carro.

Droga! Meu palpite era que talvez fôssemos até Brighton. Mas eram só duas horas de viagem.

- Claro, Harry! Ótima ideia dirigir à toa por três horas. - Revirei os olhos. - Aliás, pode contar quatro, com essa chuva.

- Você tem razão. Não foi uma boa ideia. Me desculpe.

Merda! Agora ele ia fazer com que eu me sentisse mal. Eu deveria mesmo ter um pouco mais de consideração. Eu sabia que ele não estava tão bem quanto tentava fingir.

- Tudo bem, Harry. - Revirei os olhos ao ceder. - Mas eu vou montar a playlist de ida! - Anunciei com a voz um pouco mais alta do que o normal. Como se fosse uma competição de que quem pedisse primeiro, ganhava.

Harry levantou um dedo ao mesmo tempo em que ia começar a falar.

- Não adianta pôr objeções. Vai ter que escutar One Direction sim, vai ter que escutar sua própria voz sim!

Ele abaixou o dedo, desistindo de falar.

Harry acabou se animando bastante durante o trajeto, ele foi dirigindo e eu, como havia dito, comandei o rádio. Quando eu colocava para tocar uma de suas músicas solo, ele tentava fingir certo desdém, mas acabava rindo e me acompanhando nas cantorias. É aquilo que dizem, se você não pode com eles, junte-se a eles. Harry não podia comigo, não nesse aspecto.

Era quase como se estivéssemos em um Carpool karaoke, quadro do programa de James Corden. Eu cantava assustadoramente mal e mesmo que fosse uma brincadeira, Harry não saia nem um milímetro do tom. Mesmo gritando e dançando no banco. Até desligamos o ar quente em determinado momento, porque quase começamos a suar.

- Jezz, ! Você está indo fundo aqui. - Apontou para o rádio que havia começado a tocar She’s Not Afraid, uma música não muito popular do segundo álbum da banda.

- Essa música é super animada. É perfeita para uma viagem de carro, você não acha? - Defendi a injustiçada.

- Não é uma das minhas preferidas. - Ele riu.

- Não é uma das minhas também. Mas tem aquele cheiro de adolescência e nostalgia. - Me ajeitei no banco, sentando em cima de uma das pernas e com as costas na porta. Assim eu conseguia olhá-lo melhor. Eu sempre me sentava assim quando ele dirigia.

- Exatamente! Música pop genérica para adolescente. - Respondeu indiferente e eu levantei um braço, ofendida.

- Tudo bem, senhor musicista, artista impecável que nunca escuta música pop hit. - Ele começou a gargalhar imediatamente após ouvir o que eu disse.

- Eu não disse que nunca escuto música que é feita para ser hit. - Se defendeu.

- Até porque seria mentira. Você acha que eu nunca te ouvi cantando One Direction no chuveiro? Tudo bem que você canta, tipo, No Control, mas ainda assim. - Ele balançou a cabeça, rindo e concordando. - Não seja hipócrita.

- Até que você poderia ser musa de She’s not Afraid. - Comentou, o sotaque carregadíssimo ao pronunciar o nome da música.

- O que isso quer dizer?

- Não sei, me lembra um pouco você.

- Por quê? Acha que eu tenho medo de me apaixonar?! - Retruquei.

- Eu não disse isso. - Triplicou com um sorriso no rosto.

- Então do que você ‘tá falando? - Eu quase tinha uma interrogação na testa

- Você é toda corajosa para algumas coisas, a maioria para coisas que as outras pessoas não são. E quando são coisas que a maioria das pessoas são corajosas, você não é. - Respondeu com um ar misterioso.

- O que isso quer dizer? - Perguntei mais confusa ainda. Ele começou a rir.

- Deixa pra lá. - Balançou uma das mãos, como se dissesse que eu deveria descobrir sozinha, porque ele não explicaria. - Quem escreveu essa música? Eu não me lembro.

- Eu não sei. - Dei de ombros.

- Você não sabe? - Fingiu uma surpresa debochada. Eu odiava quando ele fazia isso. Era sempre quando eu dizia não saber algo sobre ele ou a banda. Sempre me olhava com um olhar de “que tipo de fã é você?”.

Eu tô dizendo, Harry Styles é um idiota.

- Vou olhar no Google. - Respondi e pesquisei rapidamente. - Não foi nenhum de vocês.

- AHÁ! - Gritou acusatório e eu fiz cara de tédio. - Se fosse uma que tivéssemos escrito eu tenho certeza que ia gostar mais.

- Você é tão narcisista! - Revirei os olhos, o que só fez com que ele gargalhasse mais.

O resto da viagem foi todo assim, Harry implicava com as minhas músicas e eu fingia estar entediada das opiniões dele enquanto eu me divertia mais do que tudo.

Eu nem me assustei quando Harry estacionou o carro em um espaço aberto bem de frente para a praia.

- Onde estamos? - Eu olhava admirada. Era simplesmente lindo.

- Em Lyme. - Harry sorria me olhando.

Realmente não estava chovendo ali, mas ainda assim fazia muito frio. Havia um enorme paredão de concreto com escadas laterais que levavam até muito próximo da água. Ventava muito e a água batia com força em um dos lados do paredão. Era um lugar muito alto que cortava na vertical mar a dentro. Fomos naquela direção caminhando lado a lado. Harry tinha colocado casualmente as mãos nos bolsos de um grande casaco Gucci e eu me sentia como um pacote enrolada naquela jaqueta de couro, com luvas, cachecol e touca. E usava outro par de botas de Harry. Acho que eu estava viciada nessa peça.

Fizemos o caminho até uma das pontas em completo silêncio.

Eu já tinha ouvido falar de Lyme em um dos livros de Jane Austen, mas estar ali, de verdade, me deixou sem palavras. Tínhamos todo o lugar só para nós, não era o ponto mais procurado por turistas naquela época do ano. Não me admira. Quem seria o doido? Só Harry Styles e uma amiga/fã completamente perturbada que toparia até pular na água se ele sugerisse! E estava muito frio!

- Eu costumava vir muito aqui nos últimos anos da banda. - Harry disse em um determinado momento.

Estávamos parados olhando as ondas se quebrando quase tão longe quanto uma boa visão pudesse ver nitidamente. O barulho das águas batendo abaixo de nós era forte e ao mesmo tempo acolhedor. Familiar e calmante.

- Às vezes tínhamos uma ou algumas semanas daqueles bem cheias, sabe? - Me olhou e eu concordei ainda em silêncio. - E tudo parecia demais. Às vezes era tarde da noite e eu não conseguia dormir, mesmo estando cansado. Um dia eu peguei o carro e dirigi sem rumo, não sei como, vim parar aqui.

Alguma coisa me dizia que ele sabia muito bem como tinha ido parar ali.

- Eu me sentei várias vezes aqui para ver o sol nascer. - Ele tirou uma das mãos do casaco e envolveu a minha, que ainda estava coberta pela luva. - Sempre que eu tinha alguma decisão importante para tomar, tipo quando decidimos nos separar. Ou quando eu precisei selecionar as músicas para o meu primeiro álbum.

Harry não me olhou. Estava com o olhar perdido no horizonte. Eu tentava acompanhar seu olhar. Fiquei me perguntando se ele tinha uma grande decisão naquele momento e se tinha a ver com Sophie. Mas apenas escutei enquanto ele falava, sentindo sua mão segurar firme a minha. Eu senti medo de verdade de pensar que talvez ele fosse perdoá-la e que eles pudessem ficar juntos de novo. Eu esperava que não fosse isso a tornar o meu sonho realidade, eu esperava que isso não o fizesse ir embora.

- É lindo aqui, não é?

Concordei.

- É sim.



*


Harry ia correr todos os dias no Hampstead Heath, o parque que ficava literalmente atrás da sua casa. Como não tinha que se preocupar em sair muito cedo para não pegar o sol muito quente, já que estava frio, geralmente ia às nove e pouco. Provavelmente fui com ele duas vezes durante toda a semana que ficamos em Londres. Eu não conseguia acordar, fazia muito frio. Harry acordava mais cedo e sempre deixava o café da manhã pronto para mim, mesmo quando eu não ia com ele.

No geral, ele estava sempre muito animado para me mostrar todos os lugares que gostava de ir. A princípio, fiquei um pouco chateada de não poder ir nos pontos turísticos; mas era um preço baixo a se pagar considerando que eu estava com Harry Styles. Na verdade, eu até poderia ir, mas não achei vantajoso “turistar” enquanto deixava Harry fazer as compras de natal sozinho.

Fomos a sebos, lojas de antiquarias e brechós, entramos pela porta dos fundos nos restaurantes e o dono da academia que Harry fazia pilates até tirou uma foto nossa quando fomos um dia à noite. Harry conhecia todo mundo; era pior do que em Los Angeles. Parecia que eu estava em um daqueles bairros do interior, em que todo mundo se conhece pelo nome. A diferença é que ele fazia isso nos lugares em que íamos. Acho que, de certa forma, era uma zona de conforto, entende? Frequentar os mesmos lugares, com os mesmos donos que criou amizade desde que se mudou para Londres pela primeira vez, desde que ficou famoso.

Harry tinha tantas coisas para me mostrar, que fazia com que todos os lugares óbvios não fossem tão importantes assim. Era como se eu estivesse em uma outra Londres, totalmente diferente da visão que somos acostumados a conhecer. Era como sua bolha particular. Todas as noites ao deitar a cabeça no travesseiro ao seu lado, eu demorava a dormir imaginando o privilégio de ter sido permitida a conhecer aquela parte do mundo dele. Aquilo era algo importante, com toda a certeza. Tudo o que eu vi dizia muito mais sobre Harry Styles do que eu jamais tinha visto até então. E eu preciso confessar, nada me decepcionou.

Seguimos uma certa rotina para conseguir fazer tudo o que Harry havia proposto. E eu fazia o possível para deixá-lo animado depois do que havia acontecido. Harry não era o tipo de pessoa que escondia quando estava mal, mas ele não gostava de preocupar ninguém com seus problemas, então ele meio que tentava não ficar voltando em assuntos que já haviam passado. Mas eu sabia que aquele encontro não tão inesperado havia mexido com ele. Eu só não fazia ideia de quanto.

Na metade da semana, Harry ainda não parecia 100% normal. Às vezes eu o pegava pensativo, como se ainda tivesse aquela grande decisão a ser tomada.

Estávamos voltando do centro de Londres da casa de um de seus amigos, onde tínhamos nos reunido para um almoço de natal adiantado. Era início da noite e, como ali era a Inglaterra, chovia.

- Harry, será que você pode passar em algum supermercado?

- Claro. Você precisa de alguma coisa?

- Não, só vou comprar sorvete.

- Sorvete? Está fazendo três graus, !

- Eu sei. - Respondi com um sorriso e Harry continuava me olhando como se eu fosse louca. - O que acha se fizermos uma noite de beleza? Eu trouxe uns cremes faciais. A gente fofoca e toma sorvete. E você liga o aquecedor no máximo.

- Acho uma ótima ideia. - Sorriu também ao entender minhas intenções.

Harry parou em uma loja de conveniências em um posto de combustível e aproveitou para abastecer.

- Você quer entrar ou vai esperar no carro?

- Vou entrar. - Ele respondeu colocando a bomba de volta na máquina e caminhou para perto de mim, assim fomos andando lado a lado.

Harry abriu a porta para mim e me concedeu passagem. Aquele sininho típico de lugares como aquele tocou.

- Você ouviu isso? - Parei na porta me virando para ele, que pareceu prestar atenção e deu um passo para ficar do meu lado. Ficamos parados sem exatamente estar do lado de fora ou do lado de dentro por alguns segundos antes de reagir.

A loja estava tocando Night Changes da One Direction e tinha pelo menos meia dúzia de garotas no fundo cantando junto.

- Eu acho que vou esperar no carro. - Harry falou rindo ao passo em que me estendeu seu cartão e o cupom fiscal que tinha o código para pagamento do combustível.

- Okay. - Peguei o cupom, rindo também. - Pode deixar que eu pago.

- Não! , pega aqui o cartão!

- Eu não demoro. - Soltei a porta e Harry não teve escolha se não dar meia volta.

Entrei cantando a música também e ninguém pode me julgar! Procurei pelo que eu precisava e não demorei a voltar, encontrando Harry mexendo nos botões do rádio, escolhendo uma música.

- Você tem que parar de ficar pagando as coisas para mim! - Falou numa tentativa de se mostrar bravo quando me sentei dentro do carro e o entreguei o cupom com o carimbo de pagamento.

- Eu também andei no carro. - Respondi rindo. Era só isso que esse tom dele conseguia arrancar de mim, risos.

- Ah, cala a boca. - Eu ri mais ainda da sua resposta.

- Olha o que comprei. - Falei abrindo a sacola.

- Você tá levando a sério esse negócio de noite de beleza. - Foi o que ele respondeu ao ver três vidros de esmalte de cores diferentes lá dentro.

- Sempre! - Respondi com convicção e Harry deu partida enquanto ainda ríamos.



*




Dois dias antes de irmos para Holmes Chapel eu conheci Gemma. Ela precisava comprar alguns poucos presentes que restavam e ainda aproveitaria a carona para sua cidade natal. As pessoas presenteavam todo mundo (mesmo!) nesses feriados. Compravam um presente para cada membro da família, para cada amigo e para qualquer pessoa que fosse estar junto na ceia. Era incrível.

Gemma queria que Harry fosse com ela em algumas lojas de marcas para ajudá-la no presente da mãe, Anne. Eu sabia que Harry já tinha comprado o seu presente, porque havíamos ido em uma loja que ela gostava muito uns dias atrás. Mas Gemma tinha uma ideia totalmente diferente de presente.

Eu já vinha pensando no que compraria para Harry há meses e eu não conseguia pensar em nada bom o bastante e tudo só havia piorado depois de ele ter me dado quase sete mil dólares em forma de customizações para o meu carro. Para ser sincera, àquela altura eu já estava desesperada.

Quando Harry e Gemma começaram a se arrumar depois do almoço para irem onde quer que ela quisesse ir eu tentava pensar em algum motivo para não ir junto.

- ? - Gemma entrou no quarto de Harry me chamando.

Ele havia acabado de sair do banho e estava com uma toalha branca enrolada na cintura, mas estava dentro do closet escolhendo o que vestir. Sim, eu havia visto tudo lá dentro, sem comentários para a minha reação.

- Depois que comprarmos tudo o que for preciso, você vai comigo numa loja de coisas de casa? O Harry não gosta dessa parte das compras.

- Não aceita, . - Harry respondeu fechando a porta do closet. - Gemma vai te prender para o resto da vida, o mundo para de girar quando ela entra nessas lojas. Sinceramente, qual é a graça de ficar escolhendo toalhas? Para mim são todas iguais. - Parou ao meu lado com uma das mãos na cintura e a outra segurando uma muda de roupas.

- Isso é porque você contrata alguém para comprar tudo o que tem dentro das suas casas. - Gemma retrucou.

Ótimo! Briga de irmãos e eu aqui no meio.

- E daí? Isso não significa que eu não opino em nada. Eu só deixo as escolhas para quem entende mais do assunto do que eu.

Eu me sentei na cama. Eu paro a briga ou deixo rolar? Aliás, eles estão mesmo brigando? Apesar dos tons de voz ríspidos, acho que era de família esse negócio de falar baixo e devagar.

- Então como você pode dizer que é tudo igual?

- Eu disse que para mim são todas iguais. É por isso que eu contrato pessoas para escolher. Eles sabem a diferença.

- Okay, guys! O que está acontecendo aqui? - Intervi. Mas não deixei que ninguém me respondesse. - Gemma, eu adoraria ir com você. Mas eu estava pensando em ficar por aqui hoje, sabe? Eu estou um pouco cansada. Eu tentei acompanhar Harry nessa rotina doida dele, mas dá para ver que eu não ‘tô nem um pouco acostumada.

- Sem problemas, ! - Ela sorriu para mim e fez uma careta para o irmão.

Harry foi para o banheiro vestir as roupas.

- Vocês brigam assim sempre? - Eu perguntei baixo para Gemma, com medo de que Harry ouvisse.

- Nunca! - Ela riu fraco. - Isso a gente chama de briga simulada. Só uma implicância para não perdermos o costume. A gente se dá muito bem mesmo.

Suspirei aliviada.

- Ainda bem. Vocês me assustaram. - Isso fez com que ela risse de verdade.

- , tem que certeza que não quer ir mesmo? - Harry me perguntou ao voltar do banheiro.

- Sim. Tudo bem para você se eu ficar aqui?

- É claro que sim. - Parou ao meu lado de novo, dessa vez com as duas mãos na cintura.

- Tem certeza? Eu pensei que como Gemma está aqui, vocês podem fazer companhia um para o outro. Mas agora estou com medo de vocês se matarem. - Ri assustada e eles me acompanharam, só que em divertimento.

- Vai ficar tudo bem. Então, eu vou deixar a Range aqui para você, tudo bem? Caso queira sair para comprar algo, alguma comida.

Eu ainda conseguia me impressionar com o fato de que Harry tinha dois carros no mesmo modelo, um aqui em Londres e um em LA. Deve ser mesmo um carro muito bom.

- Obrigada!

Eu gostava dessa confiança que Harry depositava em mim. Quero dizer, qual é?!!! Ele ‘tá deixando um carro comigo. Um carro. Ninguém fazia isso. Pelo menos não sem você pedir.

- Sem problemas. - Me respondeu como se deixar um carro com alguém não fosse nada demais. - Gem, você já está pronta? Vou na garagem buscar outro carro.

Ela concordou e ele saiu do cômodo.

O que dizer da garagem de Harry? Ele tinha uma garagem subterrânea onde guardava todos os carros. E eram muitos. Eu tinha ido lá uma vez quando chegamos, era impressionante. A maioria eram carros antigos, junto com outro Tesla que ele jurava que não era do mesmo modelo do que ele tinha em LA.

Eu fui para a frente da casa para me despedir. (Mentira, eu fui para ver com qual da meia dúzia de carros Harry sairia da garagem.)

Alguns minutos depois, uma frente branca pôde ser vista. Era um ford clássico dos anos 70. Ninguém poderia dizer que Harry Styles não tinha estilo.

- Uau! Eu nem sabia que você ainda tinha esse carro. - Gemma comentou.

- Esse carro não é um que você tinha deixado largado num estacionamento aqui perto? - Perguntei enquanto Gemma contornava o veículo para entrar no banco do passageiro.

- Isso foi antes de eu aumentar a garagem, já tem anos e... Espera! Como você... - Pensou melhor no que falaria. - Como EU ainda fico surpreso que você sabe dessas coisas?

- Do mesmo jeito que você fica surpreso quando eu não sei. - Lancei uma piscadela. - Já podemos considerar que eu sou sua terceira maior fã?

- Terceira? - Replicou confuso. O braço direito pendia para fora do vidro aberto.

- Sim, depois da sua mãe e da sua irmã, é claro.

- Eu não sou fã desse garoto, me tira dessa lista. - Gemma gritou do outro lado, brincando.

- Acho que você supera a minha mãe, . - Harry respondeu rindo.

Assim que eles foram embora, corri para dentro da casa para tomar banho (quase desisti dessa parte) e trocar de roupa. Depois de passar todos aqueles dias visitando lugares que Harry gostava de ir, eu sabia muito bem onde encontraria o presente perfeito: uma loja de roupas e acessórios masculinos vintage. Ou como eu chamaria: O brechó favorito de Harry.

A maioria das t-shirts antigas de Harry vinham dessa loja, então eu pensei em comprar algo do tipo. Eu sabia que nada disso me custaria muito, ainda mais por ser vintage, mas eu esperava que trouxesse algum valor sentimental. Na verdade, Harry e eu fomos nessa loja no dia seguinte ao que chegamos em Londres, ele nunca procura por nada específico, só olha as coisas e se gosta de algo, compra. Dessa vez, acabou por não comprar nada e um dos vendedores afirmou que chegariam mais coisas durante a semana, então eu estava apenas me arriscando.

Eu estava toda empolgada, porque Harry havia deixado o carro comigo, não que ele nunca tivesse oferecido antes de eu comprar o meu. Mas era diferente, era Londres! E por isso mesmo que quando sai na rua fiquei morrendo de medo de dar alguma coisa errada. E se furasse um pneu? E se alguém batesse em mim? Pior! E se eu batesse em alguém? Esse último era o mais improvável de todos, porque eu sempre fui cautelosa, mas esses foram apenas alguns dos pensamentos que me ocorreram durante todo o meu trajeto até a loja.

Quando cheguei, a mesma pessoa que Harry conhecia me atendeu e também me reconheceu. Será que era uma ideia muito ruim dar algo de um brechó como presente de natal? Era incrível o quanto eu estava desesperada. Eu só queria comprar algo que Harry gostasse, queria agradá-lo! Por que tinha que ser tão difícil?

Fiquei uns bons trinta minutos rodando pela loja sem achar nada que me interessasse, na verdade, eu tinha até visto umas camisas legais que eu sabia que Harry gostaria, mas eu não tinha sentido aquela coisa, sabe? Tipo “é isso!”, até ver os acessórios de cabelo pendurados em um canto perto do provador. Bati o olho em uma boina jeans e então o “é isso!” me ocorreu.

Era simples e os pedaços pareciam de tons diferentes, o vendedor me contou que era uma peça reciclada que tinha sido feita de jeans Levi’s. Era por isso a diferença dos tons de jeans. Isso definitivamente era algo que Harry acharia super legal. Ele amaria saber da história. Eu fiquei simplesmente apaixonada e já conseguia imaginá-lo usando.

Acabei olhando os outros chapéus e achando outra boina parecida, porém de lã cinza. Decidi levar as duas. Eu estava aliviada por ter conseguido achar algo e mesmo sabendo que era algo que Harry gostava, ainda fiquei apreensiva. Mas acho que não teria nada que eu ficaria 100% certa da escolha. Era difícil comprar algo para quem tinha tudo e o fato de ele ter me dado de presente de natal os sete mil me deixava ainda mais insegura. Eu tinha que parar de me preocupar com isso, porque eu sabia que ele odiaria saber que eu ficava preocupada de dar algo à altura, mesmo que fosse impossível e, sinceramente, era ridículo como eu nem sequer tinha chegado perto.

No caixa, havia um suporte com anéis, enquanto o caixa registrava a compra, eu fiquei olhando-os distraída, acabei encontrando um anel de coração num dourado desgastado que achei a cara de Harry, incluindo-o na compra. Eu esperava que servisse em algum de seus dedos.

No caminho de volta eu tive uma ideia melhor e já que o meu presente tinha se tornado múltiplos presentes, mesmo não tendo sido a intenção a princípio, eu decidi que faria aquilo direito, voltei ao centro, direto para um dos sebos que eu havia ido com Harry. Quase chorei quando encontrei uma cópia de 1987 do vinil de Graceland do Paul Simon, ele ia amar. E eu sabia que ele não tinha esse, especificamente, porque escutamos vários álbuns da coleção de Harry durante essa semana em Londres.

Parecia que o destino estava ao meu favor naquele dia, passando por uma das prateleiras bati o olho em uma pequena pilha com os romances de Jane Austen, não precisei procurar muito para achar Persuasão, a obra que tem menção ao litoral de Lyme. Não era uma edição muito antiga, estava relativamente nova. Mas achei que fosse legal incluir no meu kit de presente.

Por fim, fui à uma loja de doces e chocolates de fabricação típica da Inglaterra (foi a loja mais próxima da casa de Harry que consegui achar pelo Google). Em LA havia somente uma em toda a cidade e foi um dos primeiros lugares que Harry me levou quando viramos amigos. Por sorte, eu conseguia me lembrar das embalagens, porque eu não lembraria nomes nem sob hipnose.

Juntei todos os presentes numa caixa simples e coloquei um laço bonito com um bilhete. Acho que eu tinha feito um bom trabalho. Ainda que eu não soubesse dizer se eu tinha sido criativa ou completamente idiota.

Bom, eu descobriria em três dias.


16. Friends just sleep in another bed.

DEZEMBRO, 2018
Véspera de Natal




Minha respiração estava ofegante, eu podia sentir meu coração batendo no mesmo ritmo descompassado.

- Eu não posso te esperar para sempre. - Harry falou ignorando todas as minhas perguntas.

- O que está acontecendo, Harry? Me diz por que você estava me esperando?

- Você só está enganando a si mesma. E a mim. - Repetiu pela segunda vez.

In a black dress, she's such an actress

- Eu não posso esperar para sempre para saber. - Recebi a mesma resposta de sempre.

Ele sorriu e eu acordei.

Mas que caralhos está acontecendo?

Encarei o teto branco do que costuma ser o quarto de Harry quando visita a casa da mãe em Holmes Chapel.

Virei a cabeça, encontrando-o dormindo profundamente. Meio de lado, meio de bruços, um dos braços debaixo do travesseiro e o outro abraçado a mim, na altura da minha barriga. Me mexi desconfortavelmente dentro do espaço limitado. Acabei o acordando.

- Hmmm. - Primeiro resmungou. - O que foi? - Perguntou com a voz falhada.

- Nada. Desculpa te acordar. - Respondi sussurrando.

- Está tudo bem, babe?

- Uh-hum. - Menti.

- Hum. - Murmurou mais alguma outra coisa inaudível e travou os músculos me puxando para mais perto de si, em seguida levantou a cabeça o suficiente para alcançar meu ombro e depositou um beijo ali.

- Acho melhor voltar para o meu quarto. - Falei depois de alguns segundos.

Ele abriu os olhos imediatamente.

- Por quê? Está tudo bem mesmo?

Tínhamos chegado na cidade pela noite e não demorou muito para irmos dormir, não que estivéssemos cansados da viagem, porque foram só quatro horas. A mãe de Harry gentilmente preparou o quarto de hóspedes para mim, mas eu escapei para o quarto dele nas primeiras horas da madrugada, não que eu tivesse a intenção de dormir por ali, aconteceu sem que eu percebesse, acho que ainda daria tempo de voltar para meu quarto sem levantar suspeitas.

A verdade é que eu não fazia ideia de que horas eram, não que houvesse algum problema nisso, porém fui em quem pediu o quarto separado, Harry ficou surpreso, Gemma ficou surpresa e até Anne ficou surpresa. Acho que eu só não queria causar uma impressão errada, uma vez que Harry e eu éramos amigos nos termos mais claros. Independente que todos ali sabiam que dormíamos juntos, para mim não parecia normal simplesmente dormir no mesmo quarto que ele. Não éramos um casal.

- Porque não quero que sua mãe me veja saindo do seu quarto.

- Por quê? - Perguntou de novo. Revirei os olhos.

- Porque não. Fico com vergonha.

Ele sorriu. Maldito sorriso igual ao do meu pesadelo.

- O que foi, ?

- Nada. Já falei. - Eu ainda sussurrava.

- Não vou te deixar levantar se não me disser a verdade.

- Merda! Você tem que me conhecer tão bem assim? Coisa chata. - Dessa vez ele deu um risinho abafado.

- Então? - Incentivou.

- Eu tive um pesadelo, mas não é por isso que eu quero voltar para o meu quarto. Esse é só o motivo pelo qual acordei.

- Uh-hum. - Murmurou voltando a fechar os olhos.

- Dá para parar de responder tudo com resmungos? - Meu sussurro ficou um pouco mais alto.

- Quer me contar o que você sonhou? - Perguntou sussurrando de volta, o tom de voz vezes mais baixo que o meu.

- Na verdade, não. - Seria bem constrangedor. - Acho que vou ligar para a minha terapeuta.

- Você faz terapia? - Surpreso, sussurrou.

- Eu fiz algumas sessões no Brasil depois que o André morreu.

- Quem?

- Meu irmão, Styles.

- Desculpe. Ainda estou meio dormindo.

- Tudo bem. - Eu sorri. - Posso ir agora?

- Poder, você pode. Mas a minha vontade é que você fique.

- Não dá, H. É sério. Seria muito estranho. Eu sou sua amiga, não faz sentido dormirmos no mesmo quarto, na mesma cama. Estamos na casa da sua mãe!

- Você fica repetindo isso o tempo todo, que somos amigos isso, que somos amigos aquilo.

- E não é o que somos? - Revidei ríspida.

- Sim, é! - Replicou calmo. - Mas onde foi dito que não podemos dormir juntos na casa da minha mãe?

- Isso é questão de bom senso, Harry. - Voltei a acalmar a voz.

- Você nunca quebra as regras? - Me perguntou retórico. - Você não quebra nem mesmo as regras não ditas. Aliás, isso nem seria quebrar alguma regra.

- Vou ter que te responder isso de novo?

- Não! Mas você fica dizendo que somos amigos como se isso justificasse tudo. Como se isso fizesse sentido para tudo como faz na sua cabeça.

- Eu não quero justificar nada. Só estou expondo meu ponto de vista.

- Você é tão correta às vezes. - O resmungão respondeu. - Sempre calculando e ponderando até mesmo as coisas sem menor importância. Tipo agora! Sobre dormir ou não no meu quarto na casa da minha mãe.

- Sério? Quer voltar nesse assunto hoje? Na véspera de natal?

- Não. Você sabe que eu odeio discutir.

- Então para de implicar com as minhas paranoias. - Respondi voltando a soar ríspida e impulsionei o corpo para sentar na cama, Harry não esperava por esse movimento, então não conseguiu me segurar a tempo.

- Espera! Não vai embora com raiva. - Ele também se sentou na cama.

- Eu não estou com raiva, Harry. - Respondi quase vociferando seu nome, ainda sem olhá-lo.

- Mas também não está tranquila. - Retrucou. - Vem cá. - Me puxou pelos ombros, me fazendo cair com as costas em seu colo. - Você sabe que eu odeio me despedir brigado.

- Harry, eu só vou para o outro quarto. - Revirei os olhos para disfarçar um sorriso involuntário.

- Mesmo assim. Me desculpa?

- Não. Você nem mesmo se sente arrependido pelo que disse.

- Só porque eu acho uma coisa não significa que eu posso te chatear por isso.

- Você está levando a sério esse negócio de admitir quando está errado, hein? Tão a sério que está admitindo até quando não acha que está.

- Eu tenho que parar de te mostrar minhas músicas. - Revirou os olhos também.

- Você tem que parar de pegar as minhas manias, isso sim!

Eu já sorria como uma tola àquela altura da conversa, e o pior, eu não me sentia preocupada diante do poder que Harry exercia sobre mim. Talvez eu devesse me preocupar com a facilidade com que ele me desarmava.

- Que seja. - Revirou os olhos de novo. - Você quem me ensinou que precisamos nos comunicar, não é? Você sempre conversa comigo, não importa o que eu fiz, ou o que você fez, ou sobre o que seja. Você diz na hora, sem enrolação.

- Eu sei, mas eu sempre fui assim. Se eu não gostei de algo, o melhor jeito é dizer “olha, eu não gostei do jeito que você falou, ou agiu”. Eu acho que é bem mais justo, sabe? - Concordou com a cabeça.

- E você sabe que eu nunca fui assim. - Contrapôs. - Eu sempre fodo os meus relacionamentos por isso. Por palavras não ditas ou meio ditas, suposições feitas sem pensar direito, por ser orgulhoso demais para admitir meus erros. Eu não quero mais ser assim. É por isso que eu não vou te deixar sair desse quarto sentindo qualquer coisa ruim por mim. Mesmo que você esteja só indo para o outro quarto.

- Tudo bem, Harry. Eu te desculpo. Me desculpa também?

- Mas você não fez nada. - Me olhou confuso enquanto afagava meus cabelos.

- Me desculpa por ser tão inflexível às vezes.

- Você não é! Você não deveria fazer nada que te deixa desconfortável só porque eu quero. Eu sou um idiota.

- Isso você é mesmo.

- Heeeeeey! - Protestou ultrajado.

- Agora deixa eu tentar fingir que não dormi aqui. A gente se fala daqui a pouco, okay? - Fiz um bico esperando que ele beijasse.

- Claro! - Respondeu abaixando o pescoço e me dando um selinho antes que eu levantasse de vez.



*


Antes mesmo do almoço, Anne e Gemma se reuniram na cozinha para começar os preparativos para a ceia, ainda que a tradição fosse diferente do Brasil, já que comemoravam o natal no dia 25, de fato. A véspera era usada para adiantar o que era necessário para a ceia.

- ? - Anne me chamou assim que desci do quarto depois de subir para escovar os dentes.

- Sim, senhora Anne? - Respondi respeitosa.

- Só Anne. - Retrucou e eu ri.

- Desculpe. E pode me chamar só de , também.

- Tudo bem. - Ela sorriu, era uma mulher muito gentil, Harry nunca mentiu em nenhuma das vezes em que falou tão bem da mãe. - Você quer nos ajudar a fazer os biscoitos de natal? Não precisa se você não quiser, é claro.

- Eu adoraria! - Respondi animada. - Meu Deus, eu sempre quis fazer biscoitos de natal, no Brasil não fazemos essas coisas.

- Que ótimo! Então vem cá! - Me puxou pela mão até a cozinha.

- Ma-mas você vai ter que me instruir. Eu não faço ideia do que fazer. - Respondi um pouco sem graça.

- O Harry me disse que você não sabe cozinhar. - Deu um riso abafado.

- O quê? Eu sei cozinhar sim. - Eu estava totalmente envergonhada agora.

- Não muito bem, não é, ? - Harry respondeu entrando no cômodo.

- Como você ousa falar mal de mim para a sua mãe, Harry Styles? - Eu cruzei os braços ao me virar para ele.

- Eu só falei a verdade. - Rindo, passou um dos braços por cima dos meus ombros. Eu olhei-o com cara de desprezo. - Ok. Tudo bem. Você não cozinha tão mal assim. Só o seu conhecimento culinário que é limitado.

- Obrigada! Agora me sinto menos injustiçada. - Anne riu da minha resposta.

Gemma entrou na cozinha.

- A comida estava muito gostosa naquele dia que a cozinhou para a gente na sua casa. - Gemma encarou o irmão ao sair em minha defesa.

- Viu? Você que é ingrato.

- Era só macarrão. - Harry respondeu.

- Você está falando de quem aqui, meu amor? - O apelido saiu no meu português mais sarcástico. - Pelo menos eu faço macarrão melhor do que você.

- Touché!

- Isso aí, agora desgruda de mim porque eu quero ajudar aqui. - Falei tirando seu braço dos meus ombros.

- Ouch! Você está recusando contato físico comigo? E eu pensei que você fosse minha fã.

- Aí, Harry. Eu já te falei, foram só decepções depois que te conheci. - Harry imediatamente soltou outro “ouch” ao colocar as duas mãos no peito.

Esse é um homem que sabia ser dramático.

- Estou brincando, Harry. Você sabe que eu te amo. - Harry sorriu e eu lhe dei um beijo na bochecha.

Anne e Gemma assistiam à nossa cena, caladas. Apenas observadoras com sorrisos de divertimento.

- Isso aqui está cheirando muito bem. - Harry falou apontando para o forno.

- A primeira assada de biscoitos já está quase pronta. - Anne respondeu. - Então eu vou colocar as mini tortas. - Foi então que eu reparei em duas grandes formas lotadas de tortinhas em cima de um fogão maior ainda. - Harry, você quer decorar os biscoitos junto com a ?

- Claro, mãe.

- Meu Deus, eu vou decorar os biscoitos? - Respondi animada. - E se eu deixá-los parecendo monstrinhos? - Perguntei assustada, mas teve efeito contrário em todos, que só riram.

- Não é difícil. O Harry te mostra. - Gemma falou colocando a mão no meu ombro, consoladora.

Harry e eu nos sentamos na mesa de jantar com dois tabuleiros de biscoitos, um monte desse recheio colorido que eu não sabia o nome e bisnagas daquelas que usam para decorar bolo, só que em tamanhos consideravelmente menores, os bicos dessas bisnagas eram super finos, perfeitos para desenharmos olhos e sorrisos nos biscoitos em formato de bonecos ou os contornos das árvores de natal.

Logo no meu primeiro biscoito eu decidi que fazer aquilo era difícil, sim; ou eu que era burra e não sabia controlar uma bisnaga. Ou eu podia simplesmente concordar com a teoria de Harry de que meu conhecimento culinário era limitado, em todos os aspectos.

Não sei bem quando, mas Harry e eu começamos a competir quem decorava mais biscoitos. Preciso dizer que eu estava perdendo de lavada?

- Não vale! Você está roubando! - Eu quase gritei.

- Eu estou roubando como, exatamente, ? - Harry respondeu sarcástico.

- Você está fazendo mal feito só para fazer mais. - Retruquei.

- Isso não é verdade. - Me olhou ofendido.

- É sim. Olha isso! - Apontei para o biscoito que estava em sua mão.

- Eu errei, foi sem querer. - O encarei, desconfiada.

- Hm. Então ‘tá bom. Você é muito competitivo, tenho que ficar de olho.

Harry começou a rir.

- Assim você me ofende. Eu gosto de ganhar de maneira justa! Eu sou honesto.

- Blah blah blah. - Revirei os olhos enquanto o remedava.

- Você não tem um pingo de respeito por mim, não é? - Dessa vez eu que comecei a rir.

Harry enfiou um dedo em uma das vasilhas e passou recheio na minha bochecha.

- Eu não acredito! - Tentei fazer o mesmo, mas ele segurou o meu braço.

- Você não pode revidar. Eu só estava me vingando do seu deboche.

- Você estava... se vingando? - Perguntei pausadamente. - Você pegou o treat people with kindness e enfiou no cu? - Falei e imediatamente tampei a boca com a mão. Harry gargalhava. - Será que sua mãe escutou? - Olhei em direção à cozinha para ver se via algum movimento de Anne. Será que eu conseguia ficar um dia sem passar vergonha?

- Desde quando você usa esse tipo de palavreado, ?

- Desde sempre. - Dei de ombros.

- Eu nunca te vi falando nada disso. - Harry ainda ria. - Quero dizer, você fala palavrão, mas não assim.

- É porque geralmente eu falo em português, então você não entende. - Dei um tampinha no seu ombro.

- Você é tão cínica.

- Eu? Eu???? Você que fica aí dizendo para tratar as pessoas com gentileza e acabou de dizer que estava SE VINGANDO de mim.

- Para de ser dramática. - Harry conteve o sorriso só para revirar os olhos em um falso tédio.

Decidi ignorá-lo e me concentrar nos biscoitos. O silêncio não durou muito.

- Já deu parabéns para o Louis? - Eu perguntei de repente.

- O quê? - Harry respondeu confuso. Ao contrário de mim, ele estava concentrado. - Oh, Louis. Sim. Eu mandei uma mensagem mais cedo. E você?

- Eu o quê?

- Deu parabéns para o Louis? - Perguntou como se fosse óbvio.

- Eu não. Ele nem vai ver. - Dei de ombros, como se fosse óbvio também.

Harry revirou os olhos de novo e puxou o celular do bolso, digitando rapidamente e depois colocando o aparelho em cima da mesa, todo sujo.

- Mandei uma mensagem perguntando se ele está ocupado.

- Por quê? - Perguntei inocentemente.

- Porque vou ligar para ele. Aí você deseja feliz aniversário.

Eu entrei em choque no mesmo momento. Harry me olhou e imitou a mesma expressão de pateta que eu estava fazendo. Dei um tapa no seu braço.

- Para de me imitar.

- Então fecha a boca, . Você não vai desmaiar agora, for fuck’s sake!

- Claro que não. - Respondi fingindo ofensa.

Por fora eu dizia “não”, por dentro meu cérebro estava gritando “mentira!”

O celular apitou uma mensagem.

- Ele acabou de me responder. - Harry disse olhando para a tela.

- E aí? - Perguntei, tentando não fazer cara de choque de novo.

Harry não respondeu, em vez disso, escutei o som clássico de “chamando” do FaceTime.

- Hey, mate. Feliz aniversário.

- Hey, lad. Obrigado. Feliz natal. - Eu escutei Louis fuckin’ Tomlinson responder.

Eu estava sentada na ponta da mesa e Harry estava na cadeira ao lado, então eu não conseguia ver a tela do telefone. E nem precisava, eu já estava surtando só de ouvir os dois conversando, se eu o visse, não garantia que não fosse desmaiar mesmo.

- Harry, espera aí. O Freddie está me chamando. - Eu ouvi Louis falar depois que Harry falou algo que eu não escutei.

- O Freddie? - Eu balbuciei para Harry.

- É. O filho dele. - Harry me explicou.

- Eu sei quem é o Freddie, Harry. Pelo amor de Deus. - Falei exasperada.

- Pronto. Freddie, diz oi para o tio Harry. Você se lembra dele? Amigo do papai.

Aí! Eu não sabia se o meu coração doía mais por saber que eles se conheciam, ou se por saber que Harry e Louis não conviviam o bastante, ao ponto em que provavelmente fosse possível que a criança se esquecesse de Harry.

- Como estão as coisas? Tudo bem? Você já tinha me desejado feliz aniversário, não imaginei que fosse ligar. - Louis perguntou.

- Até o Louis sabe que você não é de chamadas de vídeo. - Eu, que estava até então muda, soltei sem perceber.

Louis começou a rir. E eu acabei rindo também.

- Quem está aí com você?

- É a . - Harry respondeu e tentou arrastar a minha cadeira para o seu lado. Eu me levantei um pouco para terminar de chegar perto e entrar no ângulo da câmera. Vi que Freddie estava no colo de Louis. - Liguei por causa dela.

- Harry! Disfarça pelo menos. O cara não precisa saber que você não liga para desejar feliz aniversário, sabe? Se limita a uma mensagem! E de repente liga para que outras pessoas o façam. - Falei e olhei para a tela. - Oi, Louis. Eu sou a .

- Eu sei. Legal finalmente te conhecer. Tudo bem?

- Sabe? - Olhei para o Harry, depois para o celular, depois para Harry de novo e mais uma vez para a tela. - E-e-eu estou bem e você, Louis? Feliz aniversário, a propósito. E feliz natal, para você e sua família. - Completei olhando para Freddie.

- Obrigado! Um feliz natal para vocês também. Como estão os planos para amanhã?

- Os de sempre. Estamos em Holmes Chapel. - Harry quem respondeu.

- Anne está te fazendo decorar biscoitos, ? - Louis perguntou maroto.

Eu não respondi, apenas ri para a tela e olhei para Harry confusa.

- Uma vez os meninos vieram passar o natal aqui, minha mãe fez com que todos decorassem biscoitos. O Louis jogou farinha dentro do nariz do Liam. - Harry explicou.

- Ele ficou espirrando o resto da noite. - Louis completou, gargalhando.

- Isso tudo porque o Liam estava errando todos os biscoitos. - Harry completou Louis.

- Coitado! - Penalizei.

- Coitado nada! Eu já tinha falado para fazermos do meu jeito que seria melhor. - Louis replicou.

- “Esqueça o que te disseram nos escoteiros, Payno. Vamos fazer isso do jeito Tommo” - Eu repeti a icônica frase de Louis que aparece no filme This Is Us, de quando os meninos foram acampar e estavam tentando montar barracas.

- Harry?! - Louis chamou.

- Eu te falei. - Harry respondeu com um sorriso.

- O quê? - Eu soltei, confusa em meio à conversa em que os dois trocavam apenas com os olhares.

- Eu te falei que ela sabia tudo, man. - Harry falou de novo.

- Harry me contou que você é fã da banda. - Louis riu.

- E de vocês solo também. Quero dizer, seu álbum, mal posso esperar.

- Obrigado, love! - Louis sorriu. - Se Harry apostar qualquer coisa com você, não aceite. Ele rouba, principalmente decorando esses biscoitos.

- Eeeei. - Harry gritou.

- Eu sabia! - E eu falei junto.

Eu não queria ter um mini surto só porque estava falando com Louis. Mas o que eu poderia fazer? Eu era uma fã! Antes de tudo, antes de ser amiga, antes de ser ficante, antes de estar inserida no mundo de Harry e, consequentemente, ter contato com seus amigos... Eu era só uma fã! Não importava quanto tempo passasse, eu nunca poderia me acostumar o bastante.



Eu não sabia decidir qual havia sido a coisa mais divertida do dia, decorar biscoitos com Harry havia sido o auge dos meus sonhos que eu nunca havia nem mesmo pensado na possibilidade. Quando se pensa em um ídolo, não se imagina essas coisas, eu acho. Se imagina saindo com eles, jantares, festas, não sei, mas decorar biscoitos de natal? Nunca havia sonhado com nada tão específico. Era algo tão simples. Para eles uma tradição que faziam todos os anos, mas para mim era como... Eu não sei. Não tenho como comparar a nada. E conversar com Louis? Como eu explico o quão incrível foi sem parecer boba?

Já pela noite, após todos termos tomado banho porque ninguém saiu dessa empreitada com menos do que a roupa e cabelos brancos de recheio e farinha, a família tinha tradição de se sentar em frente à televisão, mas não assistir nada, e sim, ficarem conversando. O namorado de Gemma, Michal, havia chegado no fim da tarde e passaria a noite e o dia seguinte conosco. Oficialmente todos os membros da família eram incrivelmente maravilhosos. Só faltava o pai de Harry, que eu não sabia se conheceríamos.

A conversa estava animada quando entramos no assunto memórias do passado e Anne começou a contar histórias de Gemma e Harry quando crianças.

- Eu devo ter uma foto disso. Eu vou buscar o álbum.

- Nãooooo! - Gemma e Harry gritaram ao mesmo tempo.

- Ela faz isso todo ano. - Michal me falou. Estávamos rindo dos irmãos. - Eu já devo ter visto esse álbum pelo menos três vezes.

Anne voltou e se sentou ao meu lado, já que eu era a única ali que nunca tinha visto as fotos. Parecia que o álbum estava em ordem cronológica. Era enorme e volumoso. Uma das primeiras fotos que me chamou atenção fora de um Harry de aproximadamente um ano, cabelos lisos completamente loiros e um par de enormes olhos azuis. Estava deitado na grama com a cabeça em cima da barriga de um cachorro malhado de cinza.

- Esse era o Max. - Gemma quem falou. - Harry fazia o que queria com esse cachorro e o bicho simplesmente aceitava.

- O que eu posso dizer? Eu levava jeito com ele. - Harry se defendeu, rindo.

- Você se lembra quando íamos buscar sua irmã na escola e não podíamos ficar parados esperando-a por nem mesmo dez minutos sem que você começasse a contar alguma história para qualquer pessoa que te desse atenção? - Anne perguntou a Harry.

- Dá para acreditar que antes mesmo de ter idade para estudar, Harry já tinha essa facilidade de lidar com as pessoas? - Gemma me perguntou de forma retórica. - Quando começou a conviver com pessoas diferentes na escola isso só piorou. Ele chamava atenção por onde passava. Sempre teve esse magnetismo que fazia com que simplesmente todos parassem para ver o que quer que fosse que ele estivesse fazendo. Ninguém acreditava que éramos irmãos. Porque eu era o total oposto. Ninguém prestava atenção em mim.

Depois, havia uma foto de Gemma e Harry crianças em roupas de banho ao lado de uma piscina. Em um canto da página dizia “Gem & H. Férias em Chipre”.

- Awwww. Você era tão fofinho. - Eu comentei para Harry, em parte tirando sarro com sua cara. - Você também, Gemma. Mas ainda é. Diferente dele. - Pisquei para ele que pegou a indireta provocativa.

- Gem, você se lembra que roubou todo o presunto do café da manhã para alimentar os gatos que viviam nas ruas ao redor do hotel? - Anne perguntou rindo.

- Eu não sabia dessa história. - Michal comentou, divertido.

- Pois é. Você sabe, Gemma sempre foi mais quieta que Harry. Enquanto isso, ele passou todos os dias jogando um jogo de tabuleiro com adolescentes na quadra perto dessa piscina. - Anne apontou para a foto.

- Harry ficou tão popular que tinha uma galera se despedindo quando fomos embora. E ele tinha só sete anos. - Gemma completou.

- Essas covinhas foram sempre carismáticas, então? - Brinquei cutucando Harry no braço que a esse passo já estava totalmente constrangido. E eu não podia negar que me divertia às custas disso.

Depois, outra foto hilária. Harry e Gemma com franjas tão grandes e cheias que lhes cobriam a testa e parte dos olhos. Harry usava uma calça tão baixa que eu não saberia descrever. Gemma tinha lápis super pretos ao redor dos olhos e pulseiras com tarraxas pontudas.

- O que é isso? - Eu perguntei mal aguentando parar de rir.

- Ah, minha cara , essa foi a fase de emo adolescente. - Gemma respondeu. - Harry, como você me deixava queimar o seu cabelo só para alisá-lo dessa forma horrenda?

- Bom, era melhor do que quando você cortava. - Harry retrucou rindo.

Eu não conseguia parar de rir também. Ainda estava dividida entre achá-lo ridículo ou totalmente engraçado.

- Eu também tive essa fase. - Me lembrei de uma eu de dezesseis anos que achava ser a mais hardcore ouvindo bandas de rock e vestindo preto o tempo todo. - Quando meu irmão cresceu e foi para a faculdade, ele abandonou o estilo emo e passou para mim tudo o que ele tinha, como uma herança. Eu tenho uma coleção de camisas de bandas de rock na casa dos meus pais.

- Eu não sabia que você tem um irmão. - Gemma comentou.

Imediatamente percebi Harry ficar tenso ao meu lado. Presumo que ele não falou nada. Eu também não me lembraria de falar se estivesse no lugar dele. Mas tentei não me importar.

- Sim. Ele era quase cinco anos mais velho. - O uso do verbo no passado deixou claro coisas que ninguém precisaria perguntar para entender.

- Eu não consigo imaginar você sendo emo na adolescência. Em que ponto você foi corrompida e virou fã de One Direction? - Harry brincou para quebrar o clima.

Eu gargalhei imediatamente. Na página da vez, a foto de um Harry que parecia ter a mesma idade de quando foi para o The X-Factor.

- Bem, o que posso dizer? One Direction sempre foi o meu guilty pleasure.



*


Antes de dormir, eu liguei para meus pais para desejar feliz natal. Eu estava com tantas saudades! Foi bem difícil conversar com eles. Sempre dizem que os primeiros são os mais difíceis quando se perde alguém, primeiro natal, primeiro aniversário... Eu não fazia ideia de como meus pais estavam passando sem ele por perto.

Todos nós fomos dormir mais de meia noite. Ainda assim foi estranho não virar a noite acordada enchendo a cara com André enquanto nossos pais já dormiam há horas, controlando as risadas de bêbados a cada memória que lembrávamos, contando-as pela milésima vez, como fazíamos todos os anos.

Estava sonhando com uma dessas memórias, uma em que meu irmão e eu vestíamos camisas iguais do Pink Floyd logo antes do meu aniversário de dezessete anos, foi o meu prêmio daquele ano conseguir que ele vestisse uma das camisas antigas. Eu ainda não conhecia One Direction naquela época.

Eu acordei com o barulho de leves batidas antes da porta ser aberta.

- Ei, ‘tá dormindo? - Mesmo no escuro, pude ver a silhueta da cabeça de Harry que apontava dentro do quarto.

- Sim. - Respondi e escutei sua risada baixa quase imediatamente.

- E desde quando gente que está dormindo responde perguntas? - Harry retrucou entrando no quarto.

- Sonâmbulos. - Revirei os olhos, mesmo que ele não pudesse ver. - Você me acorda e ainda tem a audácia de perguntar se eu estou dormindo? Difícil, não é, Styles?

- Desculpe. Eu não consegui dormir, então vim ver se você queria companhia.

Bufei fingindo irritação e arrastei o corpo para o canto.

- Vem cá. - Chamei e Harry imediatamente entrou e se deitou de costas para mim, o abracei pela cintura, numa conchinha, cobrindo-o com o edredom.

Settle down with me
Cover me up
Cuddle me in


Era como se a nossa discussão sobre dividir a cama nunca tivesse acontecido.

- Por que não conseguiu dormir? - Sussurrei próximo ao seu ouvido.

- Não sei. Acho que me acostumei a dormir com você. - Respondeu se aconchegando nos meus braços.

Lie down with me
And hold me in your arms


Eu comecei a rir, uma risada abafada, porque eu tinha medo de acordar alguém mesmo que os quartos não fossem perto o bastante para isso.

- Para, né! - Respondi em um tom descrente enquanto ainda ria.

- Por que você nunca leva a sério nada do que eu falo? - Harry perguntou num tom de voz de chateação.

- Eu sempre levo a sério o que você fala.

- Então por que está rindo?

- Porque isso é engraçado, só dormimos juntos por uma semana. - Deixei escapar outra risada.

Harry e eu sempre dormíamos juntos na minha casa ou na dele, mas nunca dormimos juntos por tantos dias seguidos.

- Os meus sentimentos são algum tipo de piada para você, ? - Harry se virou de frente para mim. Quando falou de novo, eu senti seu hálito de pasta de dentes. O rosto bem próximo ao meu. - Eu sei que nós dormimos juntos por só uma semana, mas você não facilita as coisas, sabe? - Me puxou pela cintura, afundando o rosto no meu pescoço e inspirando fundo antes de voltar a cabeça para o travesseiro.

And your heart's against my chest,
Your lips pressed in my neck


- O que eu fiz agora????

- Você tem o melhor cheiro do mundo! Eu durmo sem perceber, quase embalado por ele.

I'm falling for your eyes,
But they don't know me yet


- Agora você está sendo exagerado.

- É sério! Mesmo quando você não está com perfume, tipo agora, o seu cabelo cheira tão bem que eu consigo sentir a um metro de distância de você. - Eu ri mais um pouco, dessa vez constrangida pelos elogios. - E você sempre faz carinho nos meus cabelos e me abraça para dormir, mesmo que você saiba que vai praticamente me chutar da cama quando dormir de verdade.

And with a feeling I'll forget,
I'm in love now


- É por isso que você tem que me deixar ficar na ponta.

- Não, tenho medo de você se espaçar demais e cair.

- Desde quando eu já cai de alguma cama?! - Respondi ultrajada.

- Você não cai justamente porque fica no canto. Então pode me empurrar a vontade dormindo, porque eu vou saber que você está segura.

- Awwww, Harry. - Fiz uma vozinha de neném. - Você me deixa sem saber o que te responder.

- Só diz que sempre vai me abraçar enquanto ainda estiver acordada.

- Prometo! - Harry se virou de costas novamente, ao passo em que me mantive abraçando-o pela barriga, suas costas ao encontro do meu peito.

- Como foi para você falar com Louis hoje? - Ele me perguntou de repente.

- Foi incrível, H! Obrigada por isso. Eu acho que a minha ficha ainda não caiu. O Louis sempre foi o meu preferido.

- Achei que eu fosse o seu preferido! - Revidou ofendido.

- Depois de você, é claro. - Eu ri e dei um beijo em seu pescoço.

Kiss me like you wanna be loved
You wanna be loved


- Viu? Você não facilita. - Eu quase gargalhei, mas me contive.

- H? - Chamei quando consegui me controlar.

- Sim?

- Como o Louis sabia quem eu era?

- Bem, eu falei de você outro dia. - Eu ainda não estava satisfeita com essa resposta, mas sem que eu falasse nada, ele completou: - O gosto musical de vocês é idêntico. Aliás, vocês são bem parecidos em muitos aspectos.

- O Louis é o próprio One Direction, é claro que nossos gostos musicais são parecidos. - Eu respondi como se fosse óbvio, no sentido de que Louis tinha escrito a maioria das músicas da banda.

- Não. Não é disso que eu estou falando... - Fez uma pausa. - Por exemplo, qual seria sua música de cantar no karaokê?

- I Don’t Want To Miss a Thing, Aerosmith, é claro.

- Viu? É a música do Louis também.

- Sério? Eu não-eu não sabia disso. - Respondi incrédula.

- Eu sei que você não sabia. Mas vocês gostam das mesmas bandas, Oasis, Nirvana, Kings of Leon...

- Esse gosto musical todo é culpa do meu irmão.

- Se eu fosse escolher uma música para um karaokê, eu cantaria, sei lá, Sledgehammer, Peter Gabriel.

- Ou alguma música da Joni Mitchell ou Stevie Nicks.

- Exato! Você é muito mais para o rock progressivo. E eu sou mais um rock anos 60/70.

- Tipo Fleetwood Mac e The Beatles. - Completei de novo. - Mas eu também gosto das suas músicas.

- Eu sei. Mas você é muito mais a vibe do Louis.

- Eu sempre te disse que meu irmão era como o Louis. - Dei um risinho.

- Então, eu acho que podemos declarar que você é mais Louis do que Harry. - Eu ri com o comentário, me lembrando de quando toquei nesse assunto pela primeira vez, meses atrás quando ficamos pela primeira vez e eu contei da morte de André.

- Ah, mas eu queria mais ser você. - Bocejei.

- Por quê?

- Porque você é mais alto. - Dessa vez foi Harry quem riu.

- Não o deixe ouvir você falando isso. - Harry respondeu e eu fiz um sinal de silêncio com o dedo nos lábios.

- Segredo. - Eu sorri.

- O jeito de vocês também. Louis é mais minimalista, tipo você.

- E você é todo extravagante. Ousado, divertido. Irritantemente energético pelas manhãs.

- Até nisso vocês se parecem. Ele é a pessoa mais mal humorada que eu conheço se tem que levantar antes das 11h. O que acontecia sempre, é claro. Então ele estava sempre revirando os olhos, como você também!

- Ok, ok. Eu já entendi que somos parecidos. Mas vem cá, me conta... - Comecei, mas acabei rindo antes de terminar. - Vocês já se pegaram, não se pegaram? Pode me falar.

- Ah, . Qual é? Achei que ia falar algo importante.

- Isso é importante. - Bocejei de novo.

- Eu já te falei que eu não falo sobre isso. - Apesar da resposta em tom sério, Harry sorria, achando graça no meu tom pedinte.

- Só sim ou não. Por favor. - Implorei.

- De todas as fãs do mundo que eu poderia me envolver, fui arrumar logo uma Larry shipper.

- Eu não sou Larry shipper. Eu sou eu e você shipper.

You wanna be loved

- Ah é? Achei que você fosse Henry e você shipper... - Harry retrucou debochado e eu comecei a gargalhar.

This feels like falling in love

- Ciúmes de novo? - Perguntei provocando, me lembrando do dia que fomos ao Nobu e ele fez menção a Henry com o mesmo tom sarcástico na voz.

Falling in love

- Cala a boca. - Harry retrucou e eu comecei a rir. - Shiu. - Me repreendeu. - Você vai acordar alguém.

- A culpa é sua, idiota. - Dei um tapinha desajeitado em seu braço. Eu faria aquilo melhor se não estivesse deitada tão próxima a ele. - Bem, eu preciso saber se devo me preocupar com o Louis. Sabe, como você precisou saber se devia se preocupar com .

- Ah, não, ! - Dessa vez quem riu foi Harry. - Ciúmes de novo? - Repetiu o que eu falei.

Falling in love

- Você não sabe como é ter que te dividir com milhões de pessoas. - Eu respondi rindo também.

- Ah, mas você não precisa. Sou todo seu.

Settle down with me
And I’ll be your safety
You’ll be my lady


Dessa vez eu gargalhei de verdade mesmo e Harry tampou minha boca com a mão.

- Essa realmente foi uma piada boa. - Eu respondi quando ele me soltou e até mesmo Harry riu, sabendo que era mentira.

- Eu sou todo seu. Aqui e agora. - Quando ele disse isso meu riso morreu em uma tosse forçada, meio constrangida e talvez muito mais séria do que calculei.

Então procurei seus olhos que já me encaravam na escuridão.

- Mas por quanto tempo?

Nem mesmo eu esperava por essa resposta, então não me surpreendi com a surpresa de Harry, que o deixou sem fala.

I’ve been feeling everything

- Meu Deus, como chegamos nesse assunto mesmo? - Eu dei um sorriso seguido de um riso curto.

- Porque você disse que shippava a gente... - Harry respondeu divertido, ignorando o momento tenso que havia acabado de acontecer.

- Ah é... - Respondi desanimada. - Mas então, você e Louis?

- É meio impossível conviver com vocês dois que são tão parecidos e não mencionar vocês um para o outro. Além de que você também é fã da banda.

- Não foi isso que eu perguntei.

- Não sabia que era só você que podia fugir dos assuntos.

Touché, Harry Styles.

- Hum. - Murmurei divertida. Eu não tinha resposta para aquilo.

I guess that’s how I know you

- Vamos dormir, você está cansada. - Harry falou quando eu bocejei de novo.

- Acho que amanhã vai ser muito divertido. - Respondi em um sussurro.

- Vai ser um dia cheio, eu sei, mas eu queria te levar em um lugar amanhã. - Harry sussurrou de volta.

So I hold you close to help you to give it up

- Uh-hum. Tudo bem. - Lhe dei um beijo no rosto, me aconchegando melhor naquele espaço. - Vamos aonde você quiser. - Concordei, já não mais tão consciente.

So kiss me like you wanna be loved
You wanna be loved
You wanna be loved


- Boa noite, .

- Boa noite, Harold.

This feels like falling in love


17. Let me change your ticket home.

DEZEMBRO, 2018
Natal




Eu tinha esquecido a cortina aberta.

Mentira.

Eu tinha deixado a cortina aberta. De propósito.

Mas não foram os raios de luz da manhã que me acordaram e, sim, o despertador de Harry.

- Seria clichê demais que eu tivesse acordado e estivesse nevando lá fora? - Perguntei dramática ao abrir os olhos e ver que eu tinha deixado a cortina aberta para nada. Só chovia naquele lugar.

- Bom dia para você também, reclamona. - Harry respondeu com sua voz rouca e grave em níveis só atingidos ao acabar de acordar.

- Eu queria que saíssemos antes que as lojas abrissem. Eu vou para o meu quarto me arrumar. Eu volto em dez minutos, está bem?

- Uh-hum. - Murmurei em resposta, não tinha mexido nem um músculo ainda.

Harry havia acordado mais cedo do que o normal para que fôssemos seja lá onde fosse que ele queria ir. Fechei os olhos pelo que pareceram trinta segundos e então Harry estava de volta. Como aparentemente eu tinha dormido por quase dez minutos, ele desceu na frente para adiantar um café para nós enquanto eu me arrumava. Fazia tanto frio que eu não sabia ser possível.

- ‘Tá pronta? - Harry abriu a porta do quarto em um baque surdo.

- Shiu! Você vai acordar os outros! - Respondi deixando de olhar no espelho e me virando para ele. - Mas sim, estou pronta.

- Maravilha! Vamos tomar café?

- Vamos. - Concordei parando ao seu lado na porta. - Harry, você acha que tem algum problema se eu sair com essa roupa?

Eu vestia o meu moletom TPWK. Um que ele havia me prometido e me dado há meses.

- Problema nenhum. - Negou me olhando da cabeça aos pés. - Você está ótima. - Saiu na frente pelo corredor em direção as escadas. - O que houve com as minhas botas? - Perguntou ainda de costas.

- Achei melhor calçar as minhas, mesmo. - Eu tinha comprado um par novo em Londres, porque chovia muito e os dois pares que eu tinha levado não estavam sendo suficientes; inclusive era a primeira vez que eu estava usando-o, já que eu estava sempre usando algum par de Harry. - Não sei aonde vamos. Vai que eu as arranho? - Harry riu em resposta.

- Provavelmente é melhor que calce algo que não vai sair dos seus pés. Nós vamos andar um pouco.

- Aonde vamos? - Perguntei mesmo que soubesse ser em vão. Harry gostava de manter mistério.

- Em alguns lugares. Só para você conhecer ao redor.

- Hum. Okay! - Parecia um programa despretensioso de quem não tinha nada planejado.

Desci as escadas na sua frente, dando de cara com Gemma sentada à mesa, também tomando café. Eu estava crente que todos ainda dormiam.

- Bom dia, casal! - Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.

- Bom dia. - Eu respondi sem entender muito bem o porquê do “apelido”.

- E aí, dormiram bem?

- Ahnnn, sim e você? - Eu respondi incerta, mas levando a pergunta a sério.

- A Gemma só ‘tá implicando com você. Ignora. - Harry revirou os olhos.

- O qu-quê? - Respondi em choque. - Por quê?

- Suas risadas me acordaram ontem. - Ela deu de ombros com naturalidade. - Vocês estavam falando bem alto do seu quarto. - Apontou para mim e enfatizou o “vocês”.

- Meu Deus, me desculpa, Gemma!

Ela imediatamente começou a rir. Se divertindo às custas do meu embaraço.

- O Harry ainda é super sutil, você não acha? Ele deve ter acordado a casa toda quando foi ao banheiro.

- Você que já estava acordada e me viu passando em frente ao seu quarto.

- E se você não estivesse no quarto da , eu não teria visto sua cara feia. - Ela rebateu.

Depois disso, eu queria ser um avestruz e poder cavar um buraco no chão, bem ali mesmo, e enfiar a minha cabeça. Como eu não podia fazer isso, tomei o meu café o mais rápido possível e fiquei apressando Harry.

- Vocês vão demorar? - Ela ainda tinha um olhar malicioso sobre nós.

- Não. Logo estaremos de volta. - Eu ouvi Harry parando para respondê-la enquanto eu já tinha fugido pela porta.

Saímos ainda encontrando uma chuva que alternava entre uma garoa fina e grossos pingos que duravam pouco mais de vinte minutos cada pancada.

O vilarejo era pequeno, Harry me contou, pouco mais de cinco mil habitantes. As ruas estavam relativamente cheias, mesmo na manhã de natal as pessoas saíam para comprar pão, ir à missa ou estavam a caminho de casa de amigos e parentes.

- Eu costumava pegar o meu salário todo da padaria e pegar um trem até Manchester no fim de semana para comprar roupas. - Harry comentou quando passamos em frente à padaria que ele costumava trabalhar. Recém aberta, pelo carro foi possível ver uma pequena movimentação lá dentro.

- Achei que você comprava passagens para ver sua namoradinha que morava em outra cidade. - Comentei me lembrando que ele havia dito isso em alguma entrevista.

- Bem, isso também. Mas eu não namorei durante todo o período em que trabalhei lá. - Ele riu divertido. - Acredita que até outro dia eles tinham um pôster bizarro meu posicionado bem em um dos vidros da frente?

- Mentira! - Exclamei em choque. - Com uma foto de quando você ainda trabalhava lá?

- É! Em tamanho real e tudo.

- Pensa na galera que foi naquela padaria depois que você ficou famoso? Eles devem ter ganhado um monte de dinheiro. Essa vila toda virou turística por sua causa. - Brinquei.

- Você acha que eles mantiveram fotos minhas espalhadas pela padaria por todos esses anos de graça? - Harry perguntou em um tom entre estar ofendido e ser sagaz.

- Não! Você não fez isso! - Ri incrédula, mas achando divertido.

- Não, não fiz mesmo. - Quebrou o clima de suspense e começou a gargalhar. - Eles me pediram e eu deixei. Na época era legal, sei lá, quando eu tinha dezessete anos parecia o máximo. Depois comecei a achar esquisito. Foi um alívio quando minha mãe me contou que haviam tirado.

Eu ria tanto que minha barriga doía. Se Harry não contasse suas histórias de modo tão engraçado, talvez eu até pudesse sentir pena dele.

Fizemos uma rotatória e subimos na última entrada à esquerda, caindo em uma avenida longa e reta. Completamente vazia se não fossem pelos poucos carros passando, bem diferente dos lugares que tínhamos acabado de passar. Acho que não estávamos mais no centro. Logo Harry parou o carro num acostamento/entrada de uma casa. Não sei bem como chamar, já que as casas por ali não tinham necessariamente entradas. Era mais como um espaço aberto em frente as portas de entrada que pareciam cada uma ser de uma casa. Como um prédio de um andar só. Ou um condomínio de apenas três casas interligadas.

Harry desceu do carro em um pulo, contornou pela frente correndo e abriu a porta para mim.

- Uh, Harry? O que viemos fazer aqui? - Perguntei ao pegar em sua mão estendida para me ajudar a descer do carro.

- É aqui que eu morava. Antes de tudo.

Eu não disfarcei quando meu queixo caiu e minha boca formou um perfeito “o” de surpresa. Eu não acreditava que estivesse mesmo ali.

Assim que eu estava firme no chão, Harry soltou minha mão batendo a porta atrás de mim e acionando o alarme. O carro não estava impedindo a entrada e saída de outros veículos, porém era uma Range Rover, um puta carro grande, que, certamente dificultaria se alguém chegasse ou quisesse sair e, ademais, não estava, digamos, estacionado, propriamente falando. Não que Harry se importasse com isso, ele era a pessoa com mais multas por estacionamento que eu já conheci.

- Uh, Harry? - Eu estava hesitante e sem entender muito bem o que estávamos fazendo ali. - Você pode deixar o carro aqui desse jeito?

- Não tem problema, não vamos demorar. - Ele respondeu ainda olhando para a casa.

Viu? Ele não se importava.

- A gente não pode entrar porque moram outras pessoas aqui. Mas podemos ver ao redor. Vem! - Pegou a minha mão e me puxou por dois passos antes de parar, me soltar e olhar para trás. - Uh... Acho melhor não te segurar pela mão, ainda é cedo e parece que não tem ninguém, mas todo mundo sabe que venho pra cá no natal, melhor não arriscar.

- Claro! - Concordei, apesar de sentir instantaneamente a falta da sua mão quente. - Apesar que duvido muito que alguém pense que você está na rua na manhã de natal, ainda mais com essa garoa irritante. - Eu concordei rindo.

A casa era na esquina, entramos na rua ao lado, saindo da avenida e fomos caminhando calmamente lado a lado, não era uma rua muito grande, por isso chegamos ao fim em poucos minutos, não tinha saída, terminava em um campo de futebol.

- Eu costumava brincar aqui com meus amigos depois da aula. Quando não trabalhava na padaria ainda.

- Você? Jogando futebol? - Provoquei. - Deviam mesmo ser seus amigos para te aceitar no time.

- Engraçadinha. - Deu uma daquelas risadas lentas e sarcásticas.

Harry me contou algumas histórias, enquanto apontava para pontos específicos que só ele parecia ver, nostálgico. Ao longe, eu não poderia afirmar se ele mostrava o meio do campo ou a entrada, eu não tinha a mesma visão, nem suas memórias, embora eu tentasse imaginar cada cena com deleite.

Eu queria que Harry me contasse tudo do passado, tudo de quando ainda não nos conhecíamos. De alguma forma, isso me fazia sentir mais próxima a ele, como se eu realmente tivesse vivenciado tudo aquilo com ele. Como se nos conhecêssemos há muito mais tempo do que eu realmente me lembrava.

- Vem, vamos voltar. - Esticou a mão pegando na minha, estava prestes a me puxar de novo quando se lembrou do que havia acabado de dizer. - Oops! Força do hábito.

Depois da nossa última briga sobre sermos vistos juntos, exposição da mídia, etc, etc, Harry vinha fazendo de tudo para evitar qualquer coisa que pudesse me deixar chateada. Não que eu quisesse que ele fizesse isso, mas ficávamos nessas atitudes; eu fingia que não via nada para tentar agradá-lo e ele evitava que me fizessem de alvo, também para me agradar. E no final não percebíamos que não precisávamos ficar fazendo coisas para agradar um ao outro.

Na metade da rua havia um beco que eu não havia notado, pensei que fosse somente uma entrada de garagem quando passamos, mas Harry entrou ali e eu o segui. Não tinha acesso para carros depois dos primeiros dois metros e saímos bem atrás de sua antiga casa. Aquele quarteirão não era bem um quarteirão.

- Ali, tá vendo? - Apontou para a última janela da direita no segundo andar. - Ali era o meu quarto. - E tá vendo ali? - Apontou para a casa ao lado. - Ali fica o meu restaurante chinês favorito da infância. - Parecia literalmente só uma casa, como qualquer outra. - Eu costumava chegar da aula, abrir a janela e inspirar profundamente o ar. Eu conseguia sentir perfeitamente o cheiro da comida.

Eu sorria enquanto Harry me contava. Aquela conhecida sensação de eu parecia à par de cada mínimo detalhe de sua vida no passado, como se fosse uma memória minha.

- É uma pena que não está aberto. Eu queria muito te levar lá para que conhecesse.

- Devíamos ter vindo ontem. - Falei ao me lembrar que na Europa o dia 24 de dezembro era completamente comum para eles.

- Nah! - Negou. - Tudo bem. Quando você vier para cá de novo, vamos vir sem falta. - Concordei em silêncio. - Vem, vamos embora. Eu quero passar em mais um lugar antes de voltarmos.

Voltamos pelo mesmo caminho que tínhamos feito até ali, passando novamente pela padaria e eu até achei que estivéssemos voltando para casa, mas em algum momento Harry tomou um caminho diferente, nos levando para outro possível destino. Era um daqueles momentos em que a chuva engrossava por alguns minutos, então Harry dirigia devagar. No carro, uma música dos anos 80 tocava pelo rádio. Eu apostaria fácil que aquela era a rádio preferida de Harry. Um celular começou a tocar.

- Não é o meu. - Avisei imediatamente. Eu só usava meu celular pessoal no silencioso, então só vibrava ao receber chamadas.

Era o telefone pessoal de Harry que tocava dentro de seu bolso. Ele havia deixado o aparelho para assuntos profissionais no quarto. Diminuiu ainda mais a velocidade enquanto lutava para retirar o aparelho do bolso, este último bloqueado pelo cinto.

- Atende para mim, por favor. - Pediu entregando o celular na minha mão. Olhei o nome rapidamente. Era a mãe dele.

- Oi, Anne. - Cumprimentei-a assim que levei o telefone ao ouvido. - O Harry está dirigindo, me pediu para atender. Eu não tenho certeza... Não, não sei. Eu posso colocar no viva-voz para que você fale com ele, pode ser? Ok. Só um minuto. - Fiz o que falei. - Pronto.

- Harry?

- Oi, mãe. - Harry respondeu.

- Harry, aonde vocês foram? - Anne perguntou, parecia preocupada.

- Dar um passeio.

- Na manhã de natal? Onde vocês estão?

- Perto da antiga casa. - Harry tentava ouvir através do barulho da chuva e manejava não gritar muito para ser ouvido.

- Vocês já estão vindo? Estamos esperando vocês para abrir os presentes. - Já devia ser quase o horário do almoço.

- Sim, chegamos em trinta minutos, okay?

- Okay, filho. Amo você.

- Te amo, mãe. Tchau.

A chamada se encerrou sozinha, então bloqueei o telefone, colocando-o em um dos descansos de copo do carro.

- Temos que nos apressar. - Harry falou, voltando a dirigir na velocidade que estava antes da ligação.

Como eu disse antes, o vilarejo é pequeno, demoramos menos de cinco minutos para chegar ao destino de Harry: uma ponte em um campo aberto.

- Aqui é onde eu estou pensando que é? - Perguntei quando Harry parou o carro um pouco longe e eu finalmente entendi o que ele quis dizer mais cedo com “nós vamos andar um pouco”. A avenida não tinha muitos lugares para paradas.

- Ainda não leio mentes. - Respondeu jocoso.

Não, não era somente uma ponte num campo aberto. Era a ponte onde Harry escreveu seu nome e o campo aberto onde ele gravou cenas para o filme One Direction: This is Us.

- Idiota. - Revirei os olhos. - Será que você consegue ser mais previsível? - Debochei.

Não que eu achasse que fosse previsível ME levar ali, mas se eu parasse para pensar, é onde eu levaria alguém que sabe tanto sobre mim e assistiu a tudo isso de longe. Era quase como se ele sentisse que me devesse esses momentos. Não que ele devesse, é claro.

- Se quiser podemos ir embora. - Apontou para trás, despretensioso. Olhei e vi os quase duzentos metros que tínhamos caminhado desde o carro. O chão molhado fazia o barro grudar nas laterais do solado da minha bota. A grama estava falhada.

- Não, claro que não. - Harry gargalhou. Ele escondia as mãos nos bolsos do casaco.

- Eu sabia que não. - Respondeu convencido.

- Como se chama o rio que passa por essa ponte? É um rio? Um lago?

- É o lago Dane Meadow.

- Você sempre vinha muito aqui antes de ser famoso?

- Costumávamos vir para cá em casais depois das aulas. Foi logo ali em baixo que dei o meu primeiro beijo. - Apontou para um ponto distante em que havia uma descida. - E a escola fica não muito longe naquela direção. - Apontou para a extremidade oposta.

- Como você se sente quando volta aqui, depois de todos esses anos? - Perguntei me referindo a cidade e não ao lugar em específico.

Harry deu mais alguns passos em silêncio antes de responder.

- É surreal. Agora eu venho sempre, mas no começo da banda... Ficar tanto tempo ser vir e encontrar tudo igual era reconfortante. Andar por aqui assim, sem mais ninguém, é quase como se eu voltasse a ter dezesseis anos e ninguém soubesse quem eu sou.

- Deve ter sido difícil, você sabe, ficar longe por tanto tempo. E ao mesmo tempo ter que lidar com pessoas sabendo cada passo que você dava.

- Eu sou muito sortudo por ter tido os meninos para fazer aquilo comigo. Eu não estava sozinho. - Harry falava de cabeça baixa, prestava atenção a cada passo que dava. O chão estava escorregadio.

- É verdade. E vocês passaram por muitas coisas juntos. Eu fico muito feliz quando olho para trás e vejo que vocês conseguiram. E eu não sou absolutamente ninguém, então eu nem imagino como vocês se sentem vendo agora tudo isso que viveram, tudo o que conquistaram.

- Só pudemos passar por tudo isso por causa de pessoas como você, . - Harry me olhou pela primeira vez em algum tempo.

Havia muita sinceridade em seu olhar. Talvez mais sinceridade do que somente suas palavras conseguissem transmitir. Talvez mais sinceridade do que eu pudesse descrever.



Quando chegamos, senti como se Anne quase pudesse ser capaz de nos matar. Demoramos muito mais que meia hora para voltar. Harry tinha nos encrencado. Era uma situação engraçada, porque parecia que erámos crianças e tínhamos feito algo errado. Mas tudo bem, tinha valido a pena.

Tinha valido tanto a pena. A cada hora que eu passava naquele lugar, eu conhecia uma versão diferente de Harry, diferente da sua versão dos Estados Unidos. Diferente e ao mesmo tempo tão igual. Aquele Harry que estava com a família, era em essência o mesmo Harry que eu sempre conheci. Mas também era um Harry que se parecia muito mais com uma pessoa que vive no mesmo mundo que o meu. O mundo normal, sem fama, sem mídia, sem trabalho extraordinário.

Harry era um cara família. Amoroso. Era cheio dos toques, abraços, carinhos. Ele estava o tempo todo em contato físico com alguém. Ele não conversava com ninguém por dez minutos sem abraçar a pessoa sem motivo algum. Era quase como um cachorro carente, que fica roçando o rabo na sua perna e te seguindo aonde você vai. Eu sei que pode ser uma comparação engraçada, mas era fofo. Harry não perdia a oportunidade de deitar a cabeça no ombro de Anne, ou de dar um soquinho de punho com Michal ou Gemma. E comigo, bem, qualquer lugar que estivéssemos parados um ao lado do outro, ele sempre tinha que passar um braço por cima dos meus ombros.

Era assim que estávamos naquele exato momento após o almoço tardio. Tínhamos nos sentado ao redor da árvore para trocar os presentes de natal. Harry e eu dividíamos o sofá menor e ele tinha passado o braço pelos meus ombros no momento em que nos sentamos.

Os costumes eram tão diferentes que eu me sentia um pouco perdida, por exemplo, aparentemente, toda a comida que tinha sido feita no dia anterior, (e realmente eu tinha estranhado porque foram só um ou dois pratos diferentes) não era para almoçarmos ali, mas sim, para levar para a casa de uma prima de Harry, que seria onde celebraríamos o natal em um jantar mais tarde. Cada pessoa da família fazia alguma coisa para a ceia e se juntavam pela noite na casa de alguém. Esse ano era na casa dessa prima.

E eu fiquei achando que provaria um dos biscoitos logo depois do almoço. Ledo engano.

Voltando aos presentes, eu estava um pouco envergonhada, porque não fazia ideia de que Michal estaria ali, então não comprei nada para ele. Na verdade, era lógico que ele estaria ali, mas eu simplesmente não tinha pensado nisso.

Para Gemma, comprei um par de óculos escuros e um conjunto de colar e brincos para Anne.

- Obrigada, . Eu os adorei. - Ouvi Anne me agradecer enquanto voltava a me sentar ao lado de Harry e o entregava a caixa com os artigos vintage e chocolate.

- O que você comprou para mim? - Perguntou brincalhão.

Os presentes estavam debaixo de um papel. E ao abrir a caixa, a primeira coisa que Harry visualizou foi o bilhete que escrevi. Ele pegou cuidadosamente e eu vi que ele lia somente para si.

“Espero que goste dos seus presentes não tão novos assim.
Obrigada pelo ano incrível.
Feliz natal.
Sua amiga, sempre,

.”


Sorriu colocando o bilhete no braço do sofá e levantando o papel para visualizar os itens. Harry pegou um a um, primeiro as boinas, depois o livro, o vinil...

- Meus chocolates preferidos. - Comentou. - E o que é isso aqui? - Perguntou ao ver o anel no fundo da caixa.

- Espero que goste. - Respondi um pouco sem graça.

- ... - Harry falou meu nome para me chamar, o semblante sério. Eu o encarei sem entender. - Você está me pedindo em namoro? - Quase me engasguei de tanto rir.

- Eeeei! Essa fala é minha! - Eu retruquei enquanto ele também ria.

- Como você sabia que eu não tinha justamente esse EP de Graceland?

- Talvez eu seja mais observadora do que você pensa. - Brinquei, com um ar de misteriosa.

- Eu adorei tudo, . Sério. Obrigado. Você é incrível! - Me abraçou e em seguida começou a testar o anel nos dedos para ver em qual caberia.

Foi a vez de Harry e em seguida Gemma darem seus presentes.

Anne foi quem entregou seus presentes por último, deu a Harry, Gemma e Michal suéteres iguais daqueles que são tradicionais de se usar no natal. Eram vermelhos e tinham o desenho de uma rena. Na verdade, o de Harry tinha só uma rena e de Gemma e Michal um casal de renas. Acho que porque eles eram um casal. A cena dos três vestidos com a roupa era completamente adorável.

- Posso tirar uma foto de vocês com os suéteres iguais? Vocês estão a coisa mais fofa do mundo. - Eu pedi.

- Falta você, . - Anne falou do outro lado da sala e eu olhei para ela confusa.

- Como assim?

- O seu presente. - Anne pegou um embrulho que estava em um canto do cômodo que eu não havia notado e me entregou.

- Você comprou um presente para mim? - Perguntei surpresa. Eu não esperava ganhar nada de ninguém, eles nem me conheciam!

- Mas é claro, bobinha! - Me entregou a caixa e, quando abri, encontrei um suéter igual ao de Harry, com uma rena só.

- Eu não acredito que ganhei um suéter natalino. Esse é o melhor natal da minha vida! - Exclamei rindo.

Aquilo era simplesmente perfeito. Eu amava essas tradições, principalmente as de natal. Decorar biscoitos, suéteres combinando de natal... Aquilo era tudo para mim e mais um pouco.

- Obrigada, Anne. Eu amei de verdade. - Dei-lhe um abraço apertado, que ficou rindo do meu entusiasmo.

- Então vista também. Vou tirar uma foto de vocês quatro juntos.

Não importava que Harry e eu tivéssemos 24 anos, e nem que ele fosse um famoso multimilionário, nem que Gemma tivesse 28 anos e Michal mais ou menos a mesma idade. Mães eram mães. Em qualquer lugar.

- Agora é a vez do meu presente. - Harry falou depois que tiramos as fotos.

- Mas você já deu presente para todo mundo. - Eu comentei.

- Falta você. - Sorriu enigmático e saiu correndo do cômodo.

Não faltava eu, nada. Ele já tinha me dado um presente. Os acessórios do carro. Eu já podia ficar completamente envergonhada ou era exagero?

- Meu Deus, Harry. Você já me deu presente de natal. Lembra? - Eu falei quando ele apareceu de volta e se sentou de novo do meu lado.

- Ah! Não acredito que você levou o que eu falei a sério. Não era seu presente de natal de verdade. Esse é o seu presente de natal.

Harry então passou a case de violão para o meu colo.

- Já que você começou a aprender a tocar, acho que nada mais justo do que você ter o seu próprio violão.

Eu estava completamente sem palavras. Alternava meu olhar entre Harry e o grande objeto a minha frente. Até que criei coragem e abri o zíper, revelando um violão da marca Fender de cor bege com as bordas pretas. Devia ter custado uns 500 dólares, o que era caro, considerando que violões de outras marcas ali não passavam de 60 dólares.

Analisando melhor os detalhes, reparei que em uma das casas do violão, bem no meio do braço, as iniciais do meu nome e sobrenome estavam gravadas ali. Se eu afastasse as cordas de lugar, podia ver os detalhes das duas letras em dourado. Minimalistas, mas significantes. Definitivamente eu poderia descartar o preço, havia sido muito mais caro do que eu imaginava.

- Até pensei em te dar um dos meus. Mas você merece um que tenha sido sempre só seu. - Completou diante da minha mudez.

Novo e customizado. Céus! O que eu fiz para merecer tanto?

- Harry... - Eu estava mesmo sem palavras. - É perfeito. Obrigada. - Eu o abracei apertado.

- “Obrigada”, nada. Você já pode começar a tocar alguma coisa para nós. Pela primeira vez em anos não vai ser eu o cantor das festas. - Brincou.

Eu só sabia tocar vários pedacinhos de algumas poucas músicas, mas foi o suficiente para nos entreter pelo resto da tarde. Harry tentava me passar mais alguma melodia, mas eu não achava que era tão fácil assim.

Anne fez chá, porque também fazia parte da tradição natalina. Harry não era fã do chá com leite e, para ser sincera, eu também não tinha gostado.

Logo depois fomos nos arrumar para encontrar o restante da família de Harry. Saímos de casa pouco depois das cinco. Fomos no carro de Anne, foi a primeira vez que eu não vi Harry dirigindo. Gemma foi ao lado de Anne carregando duas vasilhas com biscoitos. Acho que daria para ver de longe quais foram os que eu decorei. Uma tristeza só.

Eu me sentei em uma ponta e Michal na outra. Harry ia no meio. Acho que ele realmente tinha gostado do meu presente. Vestia uma camisa de botões branca com listras finas em um tom de rosa, uma calça jeans de lavagem clara, seu único par de vans branco que já não estava mais tão branco assim e uma das boinas que eu havia dado, a de lã cinza. Além dos seus anéis de sempre, o anel de coração estava no seu dedo do meio.

A prima de Harry, Chloe, foi quem nos recebeu na porta junto com um enorme cachorro preto. Absurdamente manso. Havia um monte de pessoas na casa, eu não conseguiria gravar todos os nomes. Tinham os tios de Harry, que eram os pais de Chloe, seu marido, além de um casal de amigos com um bebê que não parecia ter mais que dois ou três anos de idade e mais umas outras crianças.

- Vocês chegaram na hora exata! - A mãe de Chloe disse. - Vamos começar os jogos de adivinhação agora.

Todos tinham taças e copos nas mãos, cheios com as mais variadas bebidas. Logo nos primeiros cinco minutos ali, fui cercada por Chloe, que só me liberou após aceitar uma taça de champanhe. Eu nem era muito fã de champanhe, mas não consegui recusar. Ela era uma pessoa bem persuasiva, de fato.

Harry se sentou no sofá, Anne ao seu lado e Gemma em uma cadeira atrás dele. O enorme cachorro automaticamente foi para o colo de Harry, parecia bem familiarizado com a sua presença. Eu me sentei numa cadeira ao lado, formando um semicírculo junto com Chloe que havia sentado em outra cadeira de frente para o sofá.

- Vamos lá, Tia Anne, você é a primeira! - Chloe gritou sobre as outras vozes que conversavam, chamando a atenção de todos. - Eu vou começar com uma pergunta fácil para você. - Ela tinha uns cartões nas mãos, como daqueles de jogos de tabuleiro, tipo “imagem&ação”.

Ninguém me explicou do que se tratava aquele jogo, mesmo assim, e mesmo antes de começar, eu estava achando tudo muito engraçado. Para mim, ficou claro que aquela era uma atividade que faziam em todos os natais.

- Para entrar no clima natalino, qual é o nome do escritor inglês que escreveu A Christmas Carol?

Todos olharam para Anne, esperando que ela respondesse.

- Charles Dickens. Clássico. - Anne falou depois de alguns segundos de tensão.

- Din din! - Chloe imitou o bagulho de um sino, confirmando a resposta certa.

Em seguida, passou para a próxima pessoa.

- Harry, 100 pessoas foram entrevistadas e disseram qual o apelido que mais usam para chamar o parceiro.

- Okay!

- Dentre o mais votado, as opções são: Honey, Darling, Sweetheart e Love.

- Okay! - Repetiu e pensou por alguns segundos. - Darling.

Um din din em outro tom saiu da boca de Chloe. A resposta estava errada.

- Sweetheart. - Chloe deu a resposta certa com seu perfeito sotaque britânico.

- Oh oh! Parece que alguém aqui não é o melhor em todos os jogos. - Falei provocando Harry, me lembrando do quanto ele foi competitivo no boliche.

- Quem ia imaginar que darling não é o apelido mais usado? - Harry rebateu ultrajado e eu comecei a rir.

Eu também teria errado, para falar a verdade.

Era a vez de Gemma.

- Qual desses instrumentos musicais não possui cordas? Opção a: harpa, b: contra baixo, c: trompete ou d: Cítara

- Seja inteligente com essa. - Harry virou para trás falando com a irmã.

Essa era muito fácil e Harry ficaria completamente ofendido se ela errasse.

- A resposta é a letra c.

Outro din din de resposta certa. E novamente um Harry se virando para trás, dessa vez para um soquinho de punho com Gemma.

Ainda estavam jogando quando meu celular começou a tocar. Era Henry. Como estávamos na sala de estar pedi licença e atendi a ligação.

- Heeeey! - Cumprimentei animada enquanto me levantava e saia pela porta da frente, indo para a calçada

- Feliz natal, Pretty! Como estão as festividades em Londres?

- Feliz natal, Campbell! Então, eu não estou mais em Londres, viemos para a cidade natal do Harry, no noroeste da Inglaterra. E você? O que está fazendo? - Devia ser pouco mais de 11 da manhã na Califórnia.

- Acordei agora pouco, aproveitei que as crianças dormiram até mais tarde também. Fizemos um brunch daqueles. Agora Tyler está jogando videogame e Maddie está por aí, acho que no quarto. Daqui unas horas vou levá-los para a mãe.

- Hmmm! Só de pensar no seu brunch me deu água na boca. Diz que mandei um abraço para eles!

- Okay! - Concordou. - , você sabe que brunch não é nada além de comprar as comidas prontas, não sabe? - Provocou.

- Mas só você sabe comprar as comidas certas. - Repliquei em um elogio que o desarmou, então soltei um riso.

- Oi, !!!!! - Escutei o grito de Maddie.

- Como você sabe que é a , garota? - Henry rebateu assustado, como se a menina tivesse surgido do nada.

- Você acabou de falar o nome dela! - Dessa vez a resposta estava mais longe, acho que ela tinha chegado perto do telefone e não gritava mais.

- Oi, Princesa! Feliz natal! - Respondi enquanto ria da briga fingida. - E aí, o que você ganhou de natal do seu pai?

- , porque você não ajudou meu pai a escolher meu presente dessa vez? Ele é terrível com isso.

Eu adorava a sinceridade dessa adolescente, pensei enquanto ria.

- Achei que você gostasse de pantufas. - Henry rebateu.

- Eu gosto, mas não com o desenho das princesas. Eu não tenho mais cinco anos!

- Tem só 10 a mais que isso. O que é a mesma coisa. - Henry rebateu de novo e eu pude escutá-la bufando. Acho que nesse ponto da conversa já estávamos no viva-voz.

- , espera só para ver o seu presente de natal que meu pai comprou. Eu que ajudei a escolher. - Falou em uma mistura de animação e orgulho.

- Hum, é mesmo? E o que é?

- Não posso falar! É surpresa! - Eu gargalhei com sua resposta.

- Então eu devia mesmo ter ajudado seu pai a comprar seu presente. Assim seria mais justo. - Brinquei. - Mas, em minha defesa, ele não me pediu ajuda dessa vez.

- É porque você já tinha viajado. - Henry se defendeu.

- Bem, se você não deixasse todos os presentes de todas as datas comemorativas para a última hora isso não teria acontecido e você teria tempo de ter me pedido ajuda!

- Mas o seu presente o meu pai ficou pensando já tem muito tempo! - Maddie entregou.

- Madison! - Henry repreendeu e eu comecei a rir.

- Ah é?

- Uh-hum! - Concordou. - Quando fomos no shopping ele entrava e saia das lojas resmungando: “Por que é tão difícil achar um presente?!” “Já tem semanas que penso no presente da e ainda não faço ideia do que comprar!” e coisas assim.

- Então é isso? Perdi a minha filha para o inimigo?
- Henry dramatizou. - Você viu a uma vez e já está me entregando assim? Que tipo de filha é você?

Na verdade, tínhamos nos visto duas vezes, mas não quis corrigi-lo.

- Aceite, Campbell, eu sou a mais legal de nós dois.

Eu estava de costas para a porta e encarava a rua deserta, no entanto completamente iluminada com os enfeites de natal. Não havia nada ali naquele bairro simples que indicasse que eu estivesse realmente na Inglaterra em vez dos Estados Unidos. Talvez os volantes que se encontravam no lado direito dos carros estacionados, pensei.

Nesse momento alguém tocou meu ombro, me fazendo levar um susto dos grandes. Olhei para trás encarando um Harry que já se desculpava.

- Você me assustou! - Esbravejei, o coração batendo acelerado.

- O quê? - Henry perguntou confuso do outro lado da linha.

- Não, não você, Campbell. Só um momento. - Pedi enquanto via Harry gesticular na minha frente.

- Desculpe, eu não quis te assustar. É porque te chamei lá da porta e você não ouviu. O jantar já vai ser servido. Só vim te chamar.

- Tudo bem. Só vou me despedir. - Falei para Harry que apenas concordou com a cabeça e literalmente ficou ali parado me esperando. - Eu já vou. - Reforcei, e, como se ele acordasse de um transe, balançou a cabeça de novo e virou de costas.

Quando ele abriu a porta e eu achei que ele fosse fechá-la logo atrás de si e entrar na casa, ele parou bem no batente, segurando a maçaneta.

- Henry, preciso desligar. Styles acabou de vir me chamar para o jantar. - Expliquei.

Agora eu estava de costas para a rua e, enquanto falava, encarava Harry prostrado na porta.

- Ah, então não sou só eu que você tem essa mania de chamar pelo sobrenome? Poxa, achei que pelo menos nisso eu fosse exclusivo. - Brincou.

- Na verdade, eu quase nunca chamo Harry pelo sobrenome.

- Styles? Harry? - Maddie rebateu imediatamente, como se juntasse as peças de um quebra-cabeças.

- Ah, não, Campbell. Não me diga que sua filha é fã do Harry.

- Okay. Então eu não digo. - Ele respondeu rindo e eu revirei os olhos, mesmo que ele não pudesse ver. - One Direction foi uma febre. - Completou, como se estivesse tentando se justificar, ou se desculpar, eu não sabia mais.

- E como você não sabia quem ele era? - Perguntei incrédula.

- Eu não sabia que o Harry One Direction que ela falava era o seu Harry. - Eu quase podia visualizá-lo dando de ombros, indiferente.

- Harry Styles? - Ela gritava afobada. - !!!

- Preciso ir. Agora você que se explique para a sua filha. Feliz natal! - Me apressei desligando o telefone. Era só o que me faltava. Henry só me metia em furadas mesmo.

Soltei um suspiro e então caminhei até Harry. Parei na porta ao seu lado quando vi que ele não se mexeu.

- Henry, uh? Nem no natal você se desliga do trabalho? - Brincou num tom desconcertado.

- Ele só me ligou para desejar feliz natal. - Dei de ombros.

- Entendi.

- O que foi? - Eu perguntei.

- Nada. - Deu de ombros também. - Posso te dar um beijo?

- Só um? - Soltei um riso divertido.

- Quantos você me deixar te dar.

Me aproximei colando nossos lábios em selinho rápido, então Harry me segurou pela cintura, me dando uma série de selinhos.

- Vamos? - Perguntei sorrindo quando nos afastamos.

O jantar aconteceu em uma enorme mesa quadrada, exatamente como nos filmes que estamos tão acostumados a assistir. O clima completamente amigável me deixou mais confortável do que eu pensei que conseguisse ficar. E eu que nem era da família, me peguei completamente envolvida pelas histórias que contavam, ao ponto de me sentir como se também me lembrasse de cada uma delas.

Eu não fazia ideia de que horas eram quando fomos embora. E eu também não saberia dizer se eu estava mais tonta de sono ou de champanhe, ou vinho, ou cerveja, ou de todas as bebidas que misturei ao apostar com Harry num dos jogos. A pessoa mais sóbria era Michal que havia bebido somente uma taça de champanhe na hora do brinde, ele nos dirigiu para casa.

Pela primeira vez na viagem nem eu ou Harry acordamos no meio da noite para nos esgueirar para o quarto um do outro. Foi a única noite da viagem em que dormimos separados, cada um sozinho em seu respectivo quarto.



Eu gostaria de dizer que acordamos no outro dia com o melhor humor do mundo, mas a ressaca não deixou que isso fosse possível. Estávamos felizes, é claro. Tinha sido um ótimo feriado. Mas eu tinha que parar de acompanhar Harry, eu estava acabando com meu fígado. Na verdade, tínhamos urgentemente que parar de encher a cara em qualquer oportunidade. Harry era, definitivamente, meu companheiro para todas as horas. Seja o ombro para chorar, o conselheiro amoroso durante as viagens de carro, ou até mesmo para beber assistindo TV ou comer até sentir que vai passar mal. Seja para o que fosse, estávamos os dois prontos. E isso nos fazia quase uma dupla de “sem limites”. Harry pelo menos ainda era saudável, não comia carne nenhuma além de peixe, meditava, fazia ioga, pilates, academia e boxer às vezes, além de sair para caminhar duas vezes ao dia. Eu era só frituras e álcool, o combo perfeito para entupir as veias do meu coração. Talvez só eu fosse sem limites, então.

O pior é que eu teria que voltar para Los Angeles naquele dia. Já que meus dez dias estavam acabando e eu teria que voltar para trabalhar nos dias 28, 29 e 30. Inacreditável, eu sei. Mas eu já não tinha mais horas disponíveis para folgar. O que me consolava era que o voo era de madrugada, então ainda teríamos a parte da tarde para aproveitar.

- O que você quer fazer no seu último dia aqui? - Harry me perguntou quando entrei em seu quarto.

Todos tínhamos acordado um pouco tarde naquele dia, ninguém ficou imune a ressaca, nem mesmo Anne, que de todos nós, foi a que mais bebeu champanhe e vinho.

- Tomar um remédio para dor de cabeça e fingir que não acordei ainda? - Sugeri divertida.

- Acho uma ótima ideia.

Como estava quase no horário do almoço, decidimos pular o café da manhã.

Harry e eu nos sentamos na frente da TV e optamos por assistir The Notebook. Na verdade, estávamos só com preguiça de procurar por algo novo e seria uma opção legal, já que nunca tínhamos assisto ao filme juntos. Eu, pelo menos, nem me lembrava da última vez que tinha assistido, e com certeza foi bem antes de conhecê-lo.

- Eu odeio quando ele faz isso. - Reclamei na cena em que Noah se pendura na roda gigante para coagir Allie a sair com ele. - Ele é muito manipulador.

- O quê? - Harry discordou. - Ele é um homem apaixonado!

- Ele é abusivo! - Rebati.

- Bem, isso eu tenho que concordar. - Harry riu e desviamos o olhar da TV para encarar Gemma que entrava na sala.

- Não acredito que vocês vão ficar deitados no sofá o dia inteiro! - Ela encarou a TV por alguns segundos enquanto reconhecia o que passava. - Harry, você já deve ter visto esse filme umas vinte vezes! Vamos fazer alguma outra coisa.

Harry estava deitado no sofá com a cabeça no meu colo, nos encaramos e eu sutilmente dei de ombros, sem saber o que fazer.

- Você quer fazer alguma coisa, H?

- Vamos lá, Harry! Você só vem para cá uma vez no ano, vamos, sei lá, mostrar a cidade para a !

- Ma-mas eu-eu já... - Levantei um dedo, sem saber muito bem como estragar a empolgação de Gemma dizendo que eu já conhecia a cidade.

- Então vamos! - Harry concordou e eu dei de ombros, concordando também.

Andamos alguns quarteirões de carro, sem ter muitas ideias do que fazer. Acabamos parando em um parque próximo à casa. Estava bem mais frio do que no dia anterior, mas contávamos com uma tímida luz de sol.

Por fim, decidimos voltar para a casa de Chloe para um almoço tardio das sobras do jantar da noite anterior. Anne nos encontrou lá depois disso. Dessa vez, éramos só nós lá. Passamos o resto da tarde jogando, bebendo e rindo.



Quase na minha hora de ir embora, Harry e eu discutíamos.

- Harry, você não precisa me levar, eu olhei no Google e o aeroporto de Manchester fica a menos de trinta minutos daqui.

Já que logicamente Harry não iria embora de Holmes Chapel no dia 26 de dezembro, eu pegaria um voo de Manchester até Londres e então para Los Angeles. Infelizmente não tinham voos direto.

- , eu já falei que eu vou te levar no aeroporto. - Revidou pela milésima vez.

- E eu já falei que não tem necessidade de você deixar sua família para me levar embora. - Repliquei pela trigésima vez.

- Eu não vou te levar embora. É só o aeroporto, que você mesma disse “menos de trinta minutos daqui”. - Fez aspas com os dedos em um tom sarcástico.

Bufei, me dando por vencida.

- Jezz! Você é muito irritante! - Revirei os olhos.

- E você é muito teimosa.

- Você que é! - Retruquei implicante.

- Não, você!

- Aí! Cala a boca e vamos logo. - Harry começou a rir e saiu do quarto carregando as minhas malas, enquanto eu continuei emburrada e desci atrás dele.

Eu me despedi de Anne e Gemma com promessas de que voltaria para visitá-las em breve.

- Você parece que tem doze anos com esse bico desse tamanho. - Harry sorria enquanto falava.

- Não me provoca, Styles. - Ele começou a gargalhar.

- Então deixa de ser marrenta. - Apertou a minha bochecha quando já estávamos sentados lado a lado no carro.

- É só que eu sou autossuficiente para ir até o aeroporto sozinha, sabia? - Retruquei impaciente.

- Sabia, é claro. Mas você pode me culpar por querer passar míseros trinta minutos a mais com você?

- Passamos os últimos dez dias juntos. - Soltei um riso nasalado.

- Ah, então quer dizer que você não queria passar mais tempo comigo? Dez dias é o suficiente? Por isso está indo embora?

- Você sabe que sim.

- Eu sei que você quer se livrar de mim? - Rebateu divertido.

- Você sabe que eu queria passar mais tempo com você. - Repeti revirando os olhos.

Harry sorriu e, parecendo se dar por vencido, se inclinou no banco e colocou a mão direita na minha cintura, colando nossos lábios em seguida, num beijo despretensiosamente carinhoso.

- Vou sentir saudade. - Completou ao se afastar. - Não é a mesma coisa sem você.

- Eu também. - Sorri com os lábios fechados e fiz um carinho no seu rosto. - Eu adorei essa viagem. Nossa, não tenho palavras para te agradecer. Foi tudo incrível.

- Imagina. Não precisa de me agradecer por isso. Eu fiquei muito feliz de você ter vindo.

- Eu adorei a tarde também, termos saído com Gemma e Michal e depois na casa de Chloe. Foi bem divertido, vocês são muito animados.

- Eu também gostei muito da tarde. Tem certeza que não pode ficar mais uns dias? - Comecei a rir.

- Tenho. Eu preciso trabalhar depois de amanhã.

- Porque eu consigo dar um jeito de trocar suas passagens, você sabe. - Respondeu ignorando o que eu havia acabado de dizer.

- Eu ficaria se pudesse, H.

- Eu sei. Mas não custa tentar, não é?

- E por que você tem que ir para o Japão de novo, hein? - Inverti a situação contra ele. - Por que você não pode ir embora daqui para LA e ficar lá comigo?

- Eu quero muito passar meu aniversário no Japão.

- Nem me fala disso. - Cruzei os braços, fazendo drama. - Eu ainda não superei que você não vai estar por perto no seu aniversário.

- Você sabe que é só dizer e te mando as passagens para lá.

- Harry, eu não posso ir para o Japão! Você sabe que eu tenho que trabalhar. Isso gastaria dias que eu não tenho.

- Eu prometo que venho para o seu, tudo bem?

- E daí? Quem se importa com o meu aniversário? Eu queria passar o seu com você! - Retruquei.

- Eeeei. Eu me importo!

- Mas isso não é justo! - Voltei a falar com a voz manhosa. Harry riu.

- E desde quando a vida é justa, ?

Desde quando a vida é justa?!


18. Maybe I'm too busy being yours to fall for somebody new.

DEZEMBRO, 2018
Ano Novo




Eu gastei o dia seguinte inteiro desfazendo malas. E dormindo antes das oito da noite.

Cheguei para trabalhar no dia 28 adiantada em meia hora. Eu sei que só tinha viajado por dez dias, mas era bom estar de volta. Estava com saudade até da minha cadeira na minha sala. A quantidade de serviço acumulado não era muito grande, pois Lucy tinha me salvado como sempre. Por falar nela, acho que foi a pessoa de quem mais senti falta nesses dias. Mal podia esperar que ela chegasse para me contar como havia sido as coisas nos dias em que estive fora.

Eu também estava com saudades de Henry, que também tinha pegado dez dias de folga, só que ele saiu depois de mim e só voltaria depois do ano novo.

Quando Lucy chegou no horário de sempre, fomos imediatamente almoçar, como também sempre fazíamos. Também achei estranho não ter a companhia de Henry na mesa. Bom, para compensar, Jane almoçava sempre conosco agora.

- Seus pais voltam quando para a Alemanha? - Perguntei para Lucy, cujos pais tinham vindo passar o natal com ela, já que ela não poderia viajar devido ao trabalho.

Há empresas que tiram férias coletivas, dão recesso nessa época, mas como erámos uma empresa que prestava serviços a nível comercial e industrial, isso não poderia acontecer lá. Não tinha como todos pararem de trabalhar ao mesmo tempo.

- Acho que na segunda semana de janeiro. - Ela respondeu.

- Ah! Então ficarão aqui por bastante tempo. - Jane comentou.

- Você precisa conhecê-los antes de irem embora. - Lucy falou comigo.

- Sim, vamos combinar! Mas me conta, como foi a festa? Estou morrendo para saber. - Perguntei referente a confraternização de natal que não pude participar, porque já estava em Londres no dia.

- O sr. Smith ficou tão bêbado que começou a dançar quando tocou ABBA. - Lucy comentou em postura de fofoca. Eu gargalhei.

- Você tinha que ver a cara do sr. Stein vendo a cena. - Jane completou.

Jane era mais velha, estava grávida, então seu jeito contrastava muito com o de Lucy, mas isso não nos impedia de nos dar muito bem. Ela só não era tão energética e “meninininha” como Lucy. Ela, assim como eu, tinha um senso de responsabilidade um pouco maior, mas era tão bem humorada quanto Lucy e eu.

- Não acredito! E eu achava que ninguém conseguiria passar mais vergonha com o homem do que eu.

- O que você já fez de vergonhoso na frente do CEO, ? - Lucy perguntou.

- Eu só fico gaguejando como se estivesse tendo um derrame cada vez que tenho que falar com ele.

- Você não é a única. - Jane brincou e todas rimos.

- E como foi o seu natal Harry Styles, huh? - Lucy perguntou sugestiva e dando ênfase no nome de Harry.

Eu acabei contando sobre Harry para Lucy depois de ela ter ficado uma semana inteira insistindo para saber com quem e para onde eu viajaria.

- Harry Styles? O cantor? - Jane perguntou, ela estava totalmente fora do assunto.

- Foi ótimo. Os amigos e a família dele são incríveis. - Contei alguns detalhes sobre Londres, Gemma, o passeio em Holmes Chapel e a ceia com a família dele. - E ele me deu um violão de natal! Eu realmente me diverti muito.

- Hummm, já está no nível de conhecer a família, é? - Lucy provocou.

- De tudo que contei, foi isso que você prestou atenção? Você sabe que somos amigos!

- Só até estarem sozinhos entre quatro paredes. - Ela retrucou sem vacilar.

- Lucy! - Repreendi. - Você é terrível!

- Eu e você, somos. - Lançou uma piscadela.

- Mas... - Jane hesitou, olhando para os lados antes de continuar em um sussurro. - E o Henry?

- O que tem ele? - Perguntei confusa.

- Eu achei que vocês tinham alguma coisa. - Ela explicou.

- Temos, mas não é nada sério.

- Eu acho que vocês formam um casal muito bonito. - Jane elogiou.

- Ah, não. Você também? - Choraminguei.

- Eu sempre disse isso para ela. Eu percebi que Henry presta atenção nela desde o meu primeiro dia! - Lucy concordou.

- me deu um sermão outro dia sobre como eu não ligo o suficiente para ele e poderia estar deixando-o escapar por isso. Mas não é como se ele quisesse algo sério. Nem eu.

- Vocês já conversaram sobre isso? - Jane perguntou.

Não, nunca tínhamos conversado.

- Você gosta dele? - É claro que a pergunta veio de Lucy.

- Ahn, gosto. Acho que temos muitas coisas em comum e a gente se dá muito bem. É tudo muito fácil com ele, mas talvez seja justamente porque não temos cobranças de algo sério.

Quando falou que eu deveria pelo menos considerar a possibilidade de ver Henry como um potencial relacionamento sério, eu sequer ouvi; primeiro porque ela não morre de amores pelo Harry e então achei que ela só estivesse falando isso por não “gostar” dele e achar que ele estivesse atrapalhando que eu fique com Henry, o que não é verdade, porque somos amigos e nada que tenho com Harry é empecilho para nada relacionado ao Henry, uma vez que eles não são concorrentes e meu relacionamento com os dois é totalmente diferente e não comparativo. E segundo e mais simples, ela amou o Henry e, por isso, talvez só nos queira juntos.

- Se você realmente o perdesse por não estar considerando algo com ele, mesmo que talvez ele esteja e só não fale, você se arrependeria? - Essa foi Jane, eu não esperava; as perguntas constrangedoras sempre vinham de Lucy.

- Não faço ideia. - Eu respondi sincera.

Por mais que eu tenha dito que acho que tudo só é fácil porque não há cobranças, eu não acredito que seja só por isso, acredito que mesmo se namorássemos, ainda seria assim, ainda daríamos certo.

- Mas vocês acham mesmo que faríamos um bom casal?

eu pude ignorar, mas agora Jane e Lucy dizendo a mesma coisa totalizava nas três pessoas mais próximas de mim atualmente me dizendo algo que eu nunca tinha parado para pensar antes e talvez realmente fosse algo que me faria feliz e eu estivesse perdendo se pelo menos não tentasse.

- Sim! - Responderam juntas.

- Eu queria que você pudesse ver quando vocês dois engatam numa conversa sobre planejamento de rota e estratégia de vendas. É uma conexão linda de se ver. - Lucy suspirou teatralmente.

- Ah, não é bem assim. - Desconversei.

- Bem, eu achei vocês bem íntimos naquele dia. - Jane comentou. - E não ‘tô falando de vocês quase se agarrando. - Completou e rimos.

- Henry é um cara incrível, mas eu realmente não sei se ele está procurando um relacionamento sério agora. - Eu sorri e remexi no resto de comida no prato.

Por mais que eu estivesse pensando sobre isso tudo, não queria admitir considerar a possibilidade.

- Mas vamos parar de falar de homens? - Perguntei levando o astral. - Parece que não temos outro assunto! Será que três mulheres podem usar o intervalo de almoço para conversar sobre um assunto que não seja centralizado no sexo oposto? Passamos dez dias sem nos ver, girls! Eu sei que podemos fazer melhor que isso!

Imediatamente as meninas introduziram um novo assunto.

Eu não posso mentir, a partir desse dia eu não consegui tirar da cabeça essa conversa. Eu tinha que concordar que ter algo sério com Henry poderia ser algo a se considerar. E era isso, me peguei pensando que gostaria de namorar Henry, de estar com ele em algo sólido com compromisso, de viajarmos mais juntos como quando fomos para Solvang, de passar mais tempo com seus filhos, principalmente Maddie, a quem eu já adorava.

A forma como Henry me entendia e eu o entendia era algo que eu sempre gostei. A proximidade dos nossos mundos parecia mais real quando eu não pensava somente no “agora”, por que onde eu gostaria de estar em cinco anos? É bem fácil de imaginar que provavelmente eu ainda estaria ali, no mesmo emprego, fazendo as mesmas coisas, assim como Henry. Eu já tinha quase 25 anos, não era exatamente como se eu estivesse pensando em me casar, mas construir algo junto com alguém, um relacionamento forte, duradouro, era definitivamente algo que eu queria para os próximos anos e, querendo ou não, isso era algo que eu visualizava em Henry.

Talvez eu devesse chamá-lo para conversar depois do ano novo; não que eu estivesse pensando em dizer que eu queria algo sério com ele, mas talvez, apenas... Não sei, me abrir para a possibilidade? Acho que o maior problema para mim é que eu não tinha sequer me aberto para essa possibilidade antes de e, agora, Jane e Lucy. Talvez eu devesse me deixar levar e ver no que daríamos.



*


Pouco antes de ir para o apartamento de Elinor, recebi uma ligação de Henry. Tínhamos conversado por horas nesses três últimos dias. Eu ligava para Henry com a desculpa de que queria contar algo que tinha acontecido no trabalho, com “algo”, lê-se: fofoca. E Henry era muito bem resolvido para usar alguma desculpa para me ligar.

Não tínhamos esse costume de ligações antes, talvez porque nós nos vemos todos os dias, mas agora nesse recesso esse foi o modo que encontramos de continuar próximos. Na verdade, estava certa, eu passava muito mais tempo com Henry, e nessas últimas semanas com o recesso também na faculdade foram raros os dias em que não fui para casa com ele depois do trabalho. Estava sendo esquisito essas quase duas semanas longe.

- Feliz ano novo, Angel!

- Feliz ano novo, ! Você já está na casa da sua vizinha?

- Ainda não, vou daqui a pouco.

- A Madison estava me falando que eu preciso filmar sua reação quando entregar seu presente.

- Vocês estão me deixando curiosa!

- Eu juro que não é nada demais. É só porque ela escolheu e está nessa ansiedade para saber se você vai gostar.

Eu soltei uma risada e em minha mente rondava apenas uma frase.

Não o deixe escapar.

Não o deixe escapar.


- Estou com saudades. - Falei sincera.

- Eu também. Acho que nunca ficamos tanto tempo ser nos ver, não é?

- Acredita se eu disser que estava pensando nisso agora? - Gargalhei e Henry me acompanhou.

- Eu sei que eu sou difícil de ficar longe.

- Aí, meu Deus, mas você se acha, hein?

E o pior é que eu tinha que concordar.

Nós conversamos por mais alguns minutos e eu tive que desligar, pois já estava na hora que eu havia marcado de ir para Elinor.

Toda a família estava ficando na casa dela, eu não sabia como ela fazia caber tantas pessoas naquele apartamento que, apesar de não ser pequeno, também não era grande o bastante para tantas pessoas.

Assim que cheguei, parecia que todos já estavam me esperando.

- ! Chegou em boa hora. - Elinor me saudou na porta. - Acabamos de abrir uma garrafa de champanhe! Vamos, entre, querida! - Ótimo, mais champanhe, eca.

- Feliz natal atrasado. Eu comprei isso para você. - Entreguei o embrulho simples que continha um porta-retrato. - Sabe aquela foto que me mostrou quando vim tomar chá aquele dia?

- Aquela foto? - Elinor confirmou desembrulhando o item.

- Aquela. - Concordei. - Isso é para você colocá-la na estante.

- Obrigada! Na próxima vez que você vier aqui, vai estar lá. - Me abraçou de lado e me guiou para dentro, até a sala de estar.

O lugar estava uma zona, dois meninos estavam sentados no chão com brinquedos e gritavam o que parecia ser uma narração de corrida com os carrinhos. Em um dos sofás, a esposa do filho do meio de Elinor conversava com outra mulher, a filha mais velha dela. Eu reconheci ambas pelas fotos.

No outro sofá, os outros dois filhos de Elinor, que também reconheci pelas fotos, conversavam com um outro homem em uma poltrona, provavelmente marido da filha de Elinor. Muitas conversas em paralelo.

- Olha quem chegou! Nossa única e última convidada! - Elinor brincou rindo.

- Oi, boa noite! - Acenei tímida de pé ao lado de um dos sofás.

O filho mais velho de Elinor imediatamente se levantou para me cumprimentar.

- Olá! Eu sou o Isaac. - Estendeu a mão, a qual apertei. - Aquela linda mulher grávida é a minha esposa, Amelia.

- Aquela é a minha filha, Scarlet. - Elinor disse apontando para a outra mulher. Acenei e soltei outro “oi” tímido.

- O meu marido, Andrew. - Scarlet apontou e ele me cumprimentou com um aceno de cabeça. - E as crianças são os meus filhos, Samuel e Joseph.

- E o meu caçula, Adam. - Elinor apontou para o primeiro de seus filhos que eu tinha visto foto, e que era mais bonito ainda ao vivo.

- Eu sou a , mas podem me chamar de .

Elinor se retirou do cômodo e eu me sentei em uma cadeira, tendo imediatamente toda a conversa centralizada em mim.

- Então, mamãe disse que você mora aqui no prédio... - Scarlet começou. - Há quanto tempo você mora aqui? - Ficou claro para mim que ela era a “líder” do bando.

- Há nove meses. Me mudei em março. - Respondi tentando soar o mais simpática possível.

- E onde você morava antes? - Ainda Michelle perguntou.

- No Brasil. - Respondi com um risinho.

- Ah, você não é daqui! - Amelia comentou. - Está gostando dos Estados Unidos?

- Bom, eu só conheço a Califórnia, mas gosto muito do clima daqui. E acho que todo mundo é sempre muito animado, o que é legal.

- E o que você faz aqui? - Não preciso dizer quem perguntou, né?!

- Eu sou supervisora de logística numa empresa em West Hollywood.

- Legal! - Ouvi Adam dizer.

- E como você conheceu nossa mãe? - Isaac perguntou em um tom de curiosidade.

- Na lavanderia do prédio. - Contei, rindo. - Sua mãe, aparentemente, adora lavar roupas nos sábados de manhã. Cá entre nós, se eu pudesse escolher um horário para lavar roupas, certamente não seria num sábado de manhã, sabe? Eu dormiria até tarde.

Elinor voltou com uma bendita taça de champanhe. O que aconteceu com as cervejas ou qualquer outra bebida nesse país? Todo mundo só toma essa merda em festas?

- Obrigada, El. - Sorri e apoiei a base da taça na perna.

Elinor se sentou em uma cadeira ao meu lado.

- Como foi o natal na Inglaterra, querida? - Me perguntou com seu jeito doce de sempre.

- Foi ótimo. Mas lá chove o tempo todo e faz muito frio. Eu não gosto de tanto frio.

- Achei que você tivesse dito que era do Brasil. - Scarlet, em seu tom de voz desconfiado, falou.

- Ah sim, eu estava na Inglaterra na casa de amigos. - Expliquei sem perder o sorriso. - E com vocês, como foram as festividades por aqui? - Lancei a pergunta para ninguém em específico.

- Você perdeu o melhor peru do mundo, feito pela minha sogra linda. - Foi a primeira vez que ouvi Andrew falar.

- É mesmo? - Olhei para Elinor. - Por que não me disse isso, El? Com certeza eu não teria viajado. - Brinquei, dando um tapinha no seu joelho que estava próximo do meu.

- Para sua sorte, estou fazendo-o de novo. - Devolveu o tapinha na minha coxa. - Inclusive, vou olhar o forno. - Se levantou e foi em direção a cozinha.

Aos poucos, as perguntas pararam de ser direcionadas somente a mim e todos voltaram para as conversas que antecederam minha chegada.

Ninguém estava mais prestando atenção em mim, o que foi um alívio, então eu só ouvia as conversas e sorria quando olhavam para mim e perguntavam coisas tipo “você não acha, ?”

Adam se sentou na cadeira vaga de Elinor ao meu lado.

- Oi.

- Oi. - Me virei para olhá-lo.

- Desculpe pela minha irmã, ela é meio super protetora.

- Bom, parece que ela não foi com a minha cara. - Sorri divertida.

- Ela só está com ciúmes de mim. Irmã mais velha, sabe como é...

- De você? Por quê?

- Por causa do... - Observou minha expressão confusa. - Oh, meu Deus! Você não sabe? - Perguntou surpreso. Eu não fazia ideia do que ele estava falando, então neguei com a cabeça. - A minha mãe disse que tinha arrumando um date para mim hoje.

Eu comecei a gargalhar.

- Então eu sou o seu date da noite e por isso sua irmã estava me interrogando?

- Desculpe, e-eu achei que você tivesse concordado com isso... A minha mãe, meu Deus, me desculpe! - Adam se atropelava nas palavras ao falar, parecia ser uma pessoa muito tímida.

- Relaxa. ‘Tá tudo bem. - Eu toquei no seu ombro. - Eu não concordei antes, mas posso concordar agora. - Completei rindo e ele me acompanhou.

- É por isso que você mal olhou na minha cara. Você não fazia ideia de nada. - Agora ele também ria enquanto falava.

- A sua mãe comentou algo sobre achar que nos daríamos bem, mas foi só isso. Não achei que ela estivesse levando a sério.

- Isso é cara da minha mãe. Eu... - Parou de falar ao olhar para a minha mão e ver a taça de champanhe intocada. - Eu vou beber uma cerveja, você me acompanha?

- Sim. - Respondi no mesmo instante, o que o fez rir. - Desculpe, eu não sou muito fã de champanhe. - Sussurrei a última parte, como se contasse um segredo.

- Certo. - Piscou ao entender o recado. Seria exagero se eu dissesse que quase desmaiei? - Eu volto já. - Entreguei a taça para Adam, que saiu do cômodo e voltou com duas long necks.

- Obrigada.

- Cheers. - Bateu a sua cerveja na minha e tomou um gole. - Então... Você é do Brasil e se mudou para cá para trabalhar?

- Sim. E eu faço mestrado na CiAM.

- Instituto de Gestão Avançada da Califórnia. Você está mesmo dentro dos negócios empresariais, huh? - Eu ri um pouco sem graça.

- Pode-se dizer que sim. - Concordei com um aceno de cabeça. - E você?

- Stanford. Doutorado em direito. Eu sou advogado.

Ahhhhh, por isso a foto de terno.

- Então você mora aqui na Califórnia! Pelo que Elinor falava de vocês, achava que moravam em outros estados.

- Eu sou o único que mora por aqui. - Riu. - Eu tenho um escritório em San Jose.

- Onde eu trabalho há uma filial em San Francisco. É perto. - Eu disse.

- Ahhhh. - Ele balançou a cabeça em um sinal de “mais ou menos” e eu ri.

Enquanto conversávamos mais um pouco para nos conhecermos, eu notei que ele realmente era bem tímido.

- Minha vez. - Eu falei ao ver a garrafa vazia em sua mão. - Volto já. - Sorri e sai levando nossas garrafas.

Eu conseguia ver Elinor na cozinha de onde estávamos, o benefício de cômodos conjugados. Passei pela mesa da sala de jantar e vi que já estava parcialmente arrumada.

- Oi. - Eu disse para ela ao chegar na cozinha. - Eu vim pegar mais cervejas.

- Na geladeira, querida. - Apontou. - Você pode avisar a todos que o jantar está quase pronto? Mais quinze minutos.

- Okay. - Abri a geladeira e peguei as bebidas. - Obrigada.

- ? - Eu ia saindo do cômodo quando Elinor me chamou.

- Sim? - Voltei para perto de dela.

- Me ajude a levar essas comidas para a mesa.

- Claro. - Deixei as cervejas na pia e peguei uma panela de sua mão.

Andei até a mesa e Elinor veio atrás de mim.

- Onde?

- Pode deixar aqui ao lado dessa. - Concordei com a cabeça e a segui de volta para repetirmos o mesmo processo e voltamos de novo para a cozinha. - Então, gostou do meu filho?

Comecei a gargalhar, era claro que ela não tinha me pedido ajuda só para carregar umas vasilhas para ela.

- Sim, ele é muito simpático. E um pouco tímido, não é?

- Ah, meu filho, muito tímido, sim. - Eu sorri.

- Bem, eu vou levar essa cerveja para ele. - Voltei a pegar as garrafas.

- Não se esqueça de avisar sobre o jantar. - Acenei com a cabeça e sai do cômodo.

O jantar não demorou muito depois disso, foi bem divertido, apesar que eu ainda estava achando que Michelle não tinha gostado muito de mim.

Ainda faltava algumas horas para a meia noite, todos estavam de volta à sala, conversando e bebendo. Parecia que eu tinha voltado ao ano anterior e eu estava em casa, com a minha família. Com André.




- E então, mana... Você e Daniel, como vão fazer? - André me perguntou quando meu até então namorado foi ao banheiro.

- Eu só contei para ele da proposta, mas não paramos pra conversar sobre como isso nos afetará. Achei melhor deixar virar o ano primeiro. Mas eu sei que ele não quer terminar, sabe?

- Mas... E você? O que você quer?

- Eu sei que eu ‘tô indo para outro país. Eu não queria terminar, mas também não quero um relacionamento a distância.

- Mas vocês já não estão? Desde que você foi para São Paulo?

- Ah, André, mas não tem em comparação, né? A gente se vê quase todo fim de semana.

- Aposto que o Daniel te visitaria quantas vezes fossem possíveis.

- É... Uma vez nas férias dele e uma vez nas minhas.

- Qual é, mana! O Daniel é um cara legal.

- André, se toca! - Revirei os olhos. - Eu ‘tô indo para Los Angeles. Você acha que eu vou para a cidade dos famosos namorando um cara que está à 10 mil quilômetros de distância?

- E eu achei que você não queria terminar. - Riu da minha resposta.

- Eu não quero magoar ele.

- Mana, eu sou a pessoa que mais te conhece no mundo, você tem o maior coração que eu já vi.

- Eu já te disse que você é o melhor irmão do mundo?

- Hummm. - André murmurou, fingindo pensar. - Hoje não. - Brincou.

- Eu te amo. Você é o melhor irmão do mundo.

- E você é a melhor irmã do mundo. - André deu um beijo na minha testa e sorrimos. - Mas eu aposto que se fosse o Harry Styles você aceitaria o namoro a distância.

- Lógico?! - Respondi rindo. - Eu não sou idiota?! Além do mais, Harry Styles tem tempo e dinheiro, poderia viajar todo dia para me ver.

- O que tem o Harry Styles? - Daniel tinha se aproximado de nós e pegou o fim da conversa.

- ‘Tô contando pro André que eu comprei ingressos pro show do Harry em Los Angeles. - Meu irmão arqueou uma sobrancelha, porque ele não fazia ideia desse fato.

- Hum. Não sabia que você tinha decidido ir.

- Achei que era óbvio? - Rebati sem entender.

- Talvez para você seja mesmo.

- Amor... Por favor, ano novo, né?

Essa era sempre a minha desculpa quando alguém tocava em algum assunto que eu não queria conversar “feriado, né?”; “natal, vamos falar disso agora?”; “ano novo, vamos discutir de novo?”; “falamos disso outro dia, agora de novo?” etc etc.

- Daniel, vamos comigo buscar mais cervejas? - André interrompeu o início do que poderia ser uma discussão.

André sempre foi o melhor em acalmar os ânimos. Por isso ele era a minha pessoa.





Quando eu respondi aquilo, há exatamente um ano, eu era apenas uma fã inocente e apaixonada... Como as coisas mudam, como aprendemos e como crescemos e como passamos a enxergar as coisas de modo diferente quando se tornam realidade, não é mesmo?! Num passado não tão distante em que a minha eu de 23 anos que nunca tinha saído do Brasil sonhava em encontrar com Harry Styles, parecia óbvio que eu faria qualquer coisa para estar com ele.

Mas agora ali, me lembrando em que disse que era “lógico” que eu faria qualquer coisa pelo Harry Styles que eu não conhecia, agora parecia estúpido. Eu ainda faria qualquer coisa por aquele Harry que agora eu conhecia, mas eu não sacrificaria meu emprego ou meus sonhos, assim como não os sacrifiquei por Daniel, porque no fim do dia, Harry era somente um homem, como qualquer outro, não havia nada de mágico, nada de perfeição divina. Era só o Harry, um ser humano incrível, mas só isso, um ser humano. Imperfeito, com erros, defeitos, maus hábitos... Mesmo que todas as questões de distância pudessem ser facilitadas pelo dinheiro, não era como se só aquilo fosse um problema. Seu mundo era como uma realidade paralela, talvez o meu eu que agora havia passado pelo processo de “desmitificação do ídolo”, talvez esse meu eu buscasse algo mais real, concreto.

Tipo... Tipo um relacionamento estável com Henry Campbell. Era algo assim que o meu eu buscava agora. Algo que não parecesse um sonho o tempo todo, algo que não fosse frágil e que eu tivesse que me preocupar. Algo que se ajustasse ao meu mundo.

Como eu queria que André estivesse aqui para me ouvir e fazer o que ele fazia de melhor: Não me dar conselho nenhum que prestasse. Ele sempre me acolhia com frases que pareciam retiradas de um biscoito da sorte. Ele era ótimo em dizer as maiores obviedades; mas só eu sei como o seu “vai ficar tudo bem” sempre foi o melhor remédio.

- Meu irmão me mataria se me ouvisse dizer que minha banda preferida não é Pink Floyd. - Eu completei ao responder à pergunta que Adam havia acabado de me fazer. André esperaria que eu dissesse pelo menos, sei lá, Fresno.

- Ele é muito fã?

Acho que eu poderia dizer que Pink Floyd era para ele o que Harry Styles é para mim. Acho que todo esse amor por música, bandas e cantores eu herdei dele, aliás, aprendi com ele. Nossos pais sempre gostaram daquele sertanejo raiz, afinal, nasceram e foram criados no interior, mas nunca foram tão aficionados em nada disso quanto nós dois. André e eu nascemos na cidade, sem ter essa cultura de interior tão próxima, ainda que tenhamos crescido indo para o interior na casa da nossa avó nas férias escolares, mesmo assim não ligávamos mesmo para sertanejo.

- Ele era.

Ainda era muito doloroso ter que me referir a ele no passado. Mas eu não conseguia deixar de sorrir sempre que me lembrava dos nossos melhores momentos.

- Ele morreu há quase um ano. - Completei quando vi o olhar de confusão de Adam.

- Meu Deus, . Eu sinto muito.

- Tudo bem. Sério. - Eu sorri. - É sempre bom falar dele assim. Mantém a memória viva, sabe?

André me deu meu primeiro CD do Pink Floyd, e do Queen, e do Beatles e de todas as bandas de rock famosas brasileiras no auge de 2010. André me deu o meu primeiro CD da One Direction também, embora sempre me fizesse jurar que os meus cantores favoritos ainda eram os mesmos que os dele. Eu não era capaz de negar, eu o idolatrava, eu queria ser como ele, ouvir o que ele ouvia, vestir o que ele vestia, falar como ele falava. Aquela coisa de irmão mais novo que quer ser exatamente como o irmão mais velho quando crescer. Ele era a minha maior inspiração.

André me levou no meu primeiro show, André segurou a minha mão quando entramos pelos portões da escola no meu primeiro dia de aula. André foi quem deu um soco no meu primeiro namoradinho, ainda nessa mesma escola. Ele me mostrou o mundo aos seus olhos... Como na primeira vez que dirigi depois que tirei carteira.




André parou o carro no acostamento. Estávamos em uma rodovia à uma distância de uns 25km de onde morávamos. Era domingo e a estrada estava naturalmente vazia.

- Okay! - Bateu as mãos nas pernas. - Vamos trocar de lugar. - Ele disse e saiu do carro, deixando-o ligado. Eu apenas pulei para o banco do motorista. - Cuidado para não sentar no freio de mão e o carro descer! - Gritou quando viu o que eu estava fazendo.

- Foi! - Gritei a vitória ao conseguir me sentar no banco do motorista com sucesso. Ele abriu a porta do outro lado e se sentou.

- Agora você precisa soltar bem devagar a embreagem e se o carro não andar sozinho, dá um ‘toquinho no acelerador.

- Eu sei disso, André. Eu fiz autoescola, sabia?

- Sei lá, vai saber.

- Você não confia em mim?

- Não exatamente. - Riu e eu fiz uma careta.

Era um daqueles domingos de sol escaldante. O carro de André não era velho, mas não era o mais moderno ou o mais caro, por isso nem ar condicionado tinha. Os vidros estavam abertos ao máximo, os da janela de trás só abriam até a metade, com aquelas manivelas que parecem a coisa mais velha do mundo agora. E isso foi em 2012.

Eu tirei os sapatos e joguei para o banco de trás, já começando a suar, não saberia dizer se pelo calor ou nervosismo. André colocou o cinto e imediatamente segurou na alça do teto, que carinhosamente é apelidada de “puta que pariu” ou “puta merda”, o nome depende da intensidade do susto que você passa na estrada.

- Ah não, André! Segurar no puta merda é ofensa, porra.

- Puta que pariuuuuuu! - Ele gritou, rindo. Ele tinha 23 anos nessa época, o humor no auge. - É assim que eu vou ficar quando você arrancar esse carro.

- Cala a boca, idiota. - Acabei rindo também. - Tá bom, vamos lá. - Com um suspiro, engatei a primeira marcha e soltei o freio de mão, virando o volante na direção da estrada, o pé quase todo afundado na embreagem, mas o carro desceu sozinho, graças a Deus.

- Fica na faixa da direita, assim você só precisa olhar o retrovisor esquerdo. Não esquece de olhar. Sabe quando a gente passa de moto? É assim que os motoqueiros vão passar.

André pilotava também e eu sempre estava na garupa com ele. Talvez pilotar tenha sido outra coisa que comecei a fazer por causa dele.

- Desenvolve o carro. - Concordei com a cabeça, jogando terceira e depois quarta. - Ótimo. Cuidado que logo ali na frente tem um radar.

- Tá bom.

- Olha o retrovisor. - Olhei. - O radar. !! O radar, diminui, caralho! - Entrei em pânico por um segundo e acabei pisando no freio com tudo, jogando André para frente, que bateu com as mãos no painel para se segurar. - Porra, cara, você freou muito em cima.

- Desculpa.

- Não pisa no freio de uma vez assim, vai afundando o pé gradualmente, tá bom?

- Tá.

- Logo ali na frente, mais ou menos daqui uns dois quilômetros, vai ter uma reta, aí você pode colocar quinta e só acelerar. O próximo radar está longe.

- Ok. - Eu dava respostas monossilábicas, tentando concentrar a minha atenção em todas as mil coisas que precisa fazer para deixar o carro em movimento e dentro da faixa.

- Você consegue dirigir com o som ligado?

- Eu acho que sim.

Escutei o barulho do porta-luvas abrindo e depois fechando, em seguida o barulho do plástico da capa e então ele colocou um CD no rádio. Eu não conseguia virar a cabeça para olhar. Antes que alguma música tocasse, meu irmão apertou um dos botões passando as faixas, parando subitamente, sabendo exatamente onde estava a música que queria ouvir. Uma melodia tão conhecida soou pelos alto-falantes do veículo.

Pink Floyd – Learning to Fly



- Ah não, André. - Eu comecei a rir. Ele sorriu para mim, mas não disse nada, em vez disso, cantou junto com a música.

- Into the distance a ribbon of black / Stretched to the point of no turning back / A flight of fancy on a windswept field... - Sua voz começou tímida, num timbre baixo que quase não se escutava com o barulho externo que era ampliado pelas janelas abertas.

- Aumenta o volume. - Eu pedi.

- Tem certeza?

- Sim. O vento tá fazendo muito barulho, quase não tá dando pra ouvir a música. How can I escape this irresistible grasp? - Eu terminei gritando a letra por cima do barulho.


Can't keep my eyes from the circling skies
(Não consigo tirar meus olhos dos céus circulando)
Tongue tied and twisted just an earth bound misfit, I
(Língua presa e enrolada, só um desajustado preso à Terra, eu)


Gritamos o último verso juntos, dessa vez a música tão alta que quase não nos ouvíamos.


Ice is forming on the tips of my wings
(Gelo se formando sobre as pontas das minhas asas)
Unheeded warnings I thought I thought of everything
(Avisos não observados eu pensei que tinha pensado em tudo)
No navigator to find my way home
(Nenhum navegador para me guiar para casa)
Unladened, empty and turned to stone
(Descarregado, vazio e petrificado)

A soul in tension that's learning to fly
(Uma alma em tensão que está aprendendo a voar)
Condition grounded but determined to try
(Condição: preso ao chão, mas determinado a tentar)

Can't keep my eyes from the circling skies
(Não consigo tirar meus olhos dos céus circulando)
Tongue-tied and twisted just an earth-bound misfit, I
(Língua presa e enrolada, só um desajustado preso à Terra, eu)


E então ficamos em silêncio para a parte da música em que falam sobre a preparação para decolagem de um avião. Era quase o mesmo mantra que eu havia feito minutos antes de sair com o carro do acostamento. Meu irmão... Ele sabia das coisas.

Above the planet on a wing and a prayer,
(Acima do planeta, em uma asa e uma oração,)
My grubby halo, a vapor trail in the empty air,
(Minha auréola suja, uma trilha de vapor no ar vazio)
Across the clouds I see my shadow fly
(Através das nuvens vejo minha sombra voar)
Out of the corner of my watering eye
(Com o canto do meu olho lacrimejado)
A dream unthreatened by the morning light
(Um sonho não ameaçado pela luz da manhã)
Could blow this soul right through the roof of the night
(Poderia soprar essa alma para além dos limites da noite)


Atingimos o ponto mais reto da estrada bem quando a última parte da música se iniciou. Cantávamos com todo o ar dos nossos pulmões.


There's no sensation to compare with this
(Não há sensação que se compare com isso)
Suspended animation, a state of bliss
(Animação suspensa, um estado de êxtase)

Can't keep my mind from the circling skies
(Não consigo tirar minha mente dos céus circulando)
Tongue-tied and twisted just an earth-bound misfit, I
(Língua presa e enrolada, só um desajustado preso à Terra, eu)


André tocava uma guitarra imaginária junto com o solo do guitarrista. Eu sorria de orelha a orelha. Conseguia sentir o suor na pele e aquela sensação de completo êxtase, de se sentir muito bem mesmo, era como se ali, naquela estrada quase vazia, dirigindo “pela primeira vez”, eu realmente pudesse voar.




Foi ali que eu me apaixonei por dirigir, era por isso que qualquer mínima distância em que eu dirigia tinha tanto impacto para mim. Eu sempre me lembrava desse dia. Eu e meu irmão, como se fôssemos uma só alma, ainda aprendendo a voar em um mundo tão grande.

- Queridos, a contagem vai começar. - Elinor nos chamou.

Era isso, 2019 estava ali na esquina.

Fomos todos para a varanda. Era bem pequena, mas nos apertamos ali, foi o momento da noite em que mais me senti parte. Parte de algo. Parte dali. Finalmente.

Eu escutei a contagem regressiva, as vozes pareciam distantes demais e as pessoas pareciam estar se mexendo devagar demais, tudo externo parecia desconectado. Eu queria que André estivesse aqui.

5, 4, 3, 2, 1...

Os fogos começaram a estourar, me trazendo de volta à realidade.

Na ponta da varanda, do meu lado esquerdo, estava Adam. Me virei para ele, dando-lhe um abraço.

- Feliz ano novo. - Eu sussurrei em seu ouvido. Ouvindo a felicitação de volta em seguida.

- ! Feliz ano novo, minha querida! - Elinor veio gritando para o nosso lado, eu sorri, me soltando de Adam e dando-lhe um abraço apertado.

- Feliz ano novo, El. - Brindei a taça que tinha na mão com a dela. Dessa vez não tive como fugir do champanhe.

Depois de abraçar e desejar as felicitações usuais para todos, ainda continuamos na varanda por alguns minutos, bebericando o champanhe e ouvindo os planos uns dos outros para o ano seguinte.

O que eu queria para 2019? Quais eram os meus planos? Minhas metas? Ali, nos primeiros minutos daquele ano que se iniciava, era a primeira vez que eu parava para pensar naquilo.

Olhando para trás, eu havia conquistado em 2018 tudo o que eu mais almejei nos últimos anos. Eu tinha um emprego que eu amava e que tinha ficado melhor ainda porque eu o fazia em Los Angeles agora, eu tinha o carro dos meus sonhos, eu tinha a amizade de Harry, e isso resumia tudo. Eu tinha ótimos amigos ali e outros me esperando no Brasil. Em breve eu teria um título acadêmico de mestre. Tudo parecia perfeito. Exceto que faltava uma coisa. Tudo o que eu mais queria e nunca poderia ter de volta: O meu irmão.

Meus planos para 2019: Eu não queria nunca esquecer do seu rosto, seu cheiro, sua voz. Isso era o que eu queria naquele momento. Era o bastante.

- Ei, ! - Ouvi Adam me chamar num canto. - Quer outra cerveja? - Me perguntou como quem compartilha um segredo. Bem, de certa forma, ele guardava o meu segredo de que eu detestava champanhe.

O meu irmão estava morto. E uma parte de mim se foi com ele. Mas eu estava muito viva e uma parte dele sempre viveria comigo. E ali, pela primeira vez, eu prometi algo por mim e por ele: Eu viveria aquela vida por nós dois.

- Eu quero sim. - Então sorri para ele, feliz.

- E o que achou da virada do ano aqui? - Me perguntou enquanto caminhávamos de volta para a cozinha.

- Basicamente igual ao Brasil. - Respondi dando de ombros.

- Sério? - Ele abriu a geladeira e tirou duas cervejas, me entregando uma.

- Ah, sim. Mesma vibe. Pelo menos quando a gente passa a virada com a família, assim.

Por falar em família, aproveitei para digitar uma mensagem para os meus pais avisando que ligaria depois. Eles provavelmente estariam dormindo. Duvido muito que tenham ficado acordados esperando a virada, ainda mais que agora eram só os dois em casa.

Adam e eu conversamos por mais algumas horas. Respondíamos as conversas na roda em paralelo, mas na maioria do tempo estávamos envoltos em uma bolha de assuntos particular só nossa.

- Estou começando a ficar com sono, acho que vou embora. - Falei com Adam.

- Ah, tão cedo? - Me olhou com uma cara de cachorro abandonado.

- Nem sabemos que horas são. - Comecei a rir antes de olhar o celular, era um pouco depois das três. - A hora passou voando.

- Está quase cedo. - Brincou. E era verdade, se não fosse inverno, o sol nasceria em poucas horas.

- Eu preciso dormir, amanhã eu trabalho.

- Amanhã... Hoje? - Perguntou confuso.

- Amanhã, amanhã. Dia 2.

- Tão rápido? - Demonstrou surpresa.

- Não temos recessos. A produção da empresa não pode parar, sabe? Consequentemente, a logística também não pode. Se estão produzindo, temos que entregar.

- E a demanda é muita alta? - Perguntou quando eu me levantava da cadeira. - Eu te levo até a porta.

- Bastante! Principalmente nessa época do ano.

A parte que eu mais odiava sobre ir em festas era ter que me despedir de pessoa por pessoa, então fazia isso o mais brevemente possível. Só demorei um pouco mais com Elinor, combinando o horário que nos encontraríamos na lavanderia no sábado para lavarmos roupa juntas.

Adam abriu a porta para mim e fechou-a atrás de si, saindo para o corredor comigo.

- Então é isso. Obrigada pela companhia. - Eu falei, de repente me sentindo muito sem jeito.

- Foi um prazer te conhecer. - Me puxou para um abraço demorado.

Quando nos soltamos, não nos afastamos. Tivemos aquela troca de olhares tensa que sempre precede um beijo entre desconhecidos. A primeira coisa que pensei naquele momento foi como era hilário que, pela primeira vez um gringo me beijaria, porque eu sempre era a pessoa quem puxava o beijo. Foi assim com Harry e também com Henry.

Quando você beija alguém sempre tem duas possibilidades: Ou o beijo encaixa e é muito bom, ou o beijo não encaixa e é horrível (sim, eu já disse isso sobre Harry), mas essa foi a segunda coisa que pensei, bem quando Adam se aproximou e chocou seus lábios contra os meus. Na verdade, acho que poderia dizer que nos beijamos ao mesmo tempo, mas eu darei um crédito extra para ele pela atitude.

Adam apoiou uma das mãos no meu rosto tão delicadamente que eu mal podia sentir seu toque. Não foi um beijo voraz, cheio de desejo. Foi um beijo cauteloso e carinhoso, que combinava com a sua timidez e com a parte da sua personalidade que eu conheci naquela noite. Não, não foi um beijo horrível. Adam e eu nos encaixamos, foi muito bom, foi leve, foi refrescante, foi legal.

Foi... legal? E ao mesmo tempo foi diferente. Alguma coisa parecia terrivelmente errada.

O que me levou a pensar na terceira coisa sobre toda a aura que precedeu e envolveu aquele beijo.

Não era um diferente do tipo completamente diferente como era beijar Harry.

Porque ele não era o Harry. Ninguém era.

Então eu me afastei. Os olhos arregalados, assustada.

- Desculpa. Eu-eu não posso fazer isso. Eu tenho que ir embora.

E então eu sai correndo.

Porque ali, beijando Adam na noite de ano novo, eu tive uma epifania.

Eu estava apaixonada por Harry Styles.

E eu só queria que a vida tivesse uma alça de teto para que eu pudesse segurar enquanto grito: puta que pariu!


19. In a black dress, she's such an actress.

JANEIRO, 2019
Dois meses atrás




De todos os livros que li na minha vida, a última personagem que achei que algum dia eu pudesse me identificar era Bella Swan de Crepúsculo. Mas, naquele momento, eu me sentia exatamente como ela.

De três coisas eu tinha absoluta certeza:

1 – Harry Styles não era um vamp... tá, eu não tinha certeza disso, porque eu ainda não conseguia explicar como ele aparecia de um país para o outro tão rapidamente.

Na verdade, só tinha uma coisa que eu podia afirmar estar absolutamente certa: Eu estava completamente apaixonada por ele.

Não, não por Edward Cullen.

Por Harry Styles.

E não dá nem para me culpar por estar levando essa revelação com a maior carga de ironia que eu consigo depositar.

Eu. Apaixonada por Harry. O mesmo Harry que era apaixonado por outra. Você consegue sentir daí o tanto que eu me fodi?

Quero dizer, não ainda, mas eu já consigo prever o final disso.

Aliás, eu poderia listar, sim, três coisas que eu tinha certeza:

1 – Eu estava completamente apaixonada por ele.

2 – Eu estava completamente fodida também.

E eu nem queria começar a pensar nas outras partes complicadas disso. Eu estava apaixonada por Harry Styles, cantor famoso que tinha outras milhões de pessoas também apaixonadas por ele, e pior, sem nunca terem o visto, exatamente como eu já fui um dia. Isso realmente parece que aconteceu há uma vida, eu estava tão acostumada a conviver com Harry que eu sequer me lembro mais de como era apenas sonhar com tê-lo por perto.

O que também tornava tudo mais assustador, essa paixão era diferente da que eu sempre tive, porque ele estava bem ali do meu lado agora. Muito perto, e talvez nunca antes tão distante, já que não podia ser meu.

3 – E estar perto dele, sim, era isso que ia acabar comigo.

O que eu vou fazer agora?

Me arrastei para fora da cama como se eu estivesse indo para um funeral. Tipo o meu próprio.

Eu não tinha ideia do que eu faria a seguir, Harry voltaria do Japão no fim de semana, como eu poderia encará-lo agora? Como eu olharia em seus olhos e agiria como se os meus sentimentos por ele não estivessem me consumindo tão avassaladoramente quanto estão agora?

Talvez fosse óbvio que eu já tivesse todos esses sentimentos há mais tempo do que havia me dado conta, mas sabe quando você vê a coisa ali e não a enxerga? A coisa simplesmente está ali e, sem que você perceba, ela vai tomando forma e ganhando um espaço que depois é difícil de mensurar e mais difícil ainda de aceitar que está ali e que ocupa tanto do seu coração. Esteve o tempo todo bem ali, debaixo do meu nariz. Eu sei o que é se apaixonar, eu já me apaixonei antes, mas dessa vez era como se eu estivesse completamente cega por tanto tempo que eu sequer sei quanto.

Realmente tudo ainda era igual. Exceto dentro de mim; em que tudo tinha mudado. Todas as cores, cheiros, sons que tinham um certo significado prévio a entrada de Harry na minha vida, agora adquiriram nuances diferentes.

Como eu me comportaria como se nada tivesse mudado?

Como se eu não tivesse descoberto essa coisa que arde em meu peito sempre que seu nome surge na minha mente e a sua imagem com um sorriso torto aparece diante dos meus olhos, projetado tão poderosamente que poderia até mesmo ser real?

Meu Deus, desde quando meus pensamentos viraram uma peça shakespeariana? Essa coisa de “arde em meu peito” e dramatizações derivadas eu deixo para os poetas.

Peguei meu celular checando as horas, não era nada cedo no Brasil. Busquei um velho contato tão conhecido e há muito tempo esquecido.

11:47am: Oi, Angela! Tudo bem? Feliz ano novo!
Posso marcar uma sessão via skype quando você
retornar do recesso?



Eu não esperava que a minha antiga terapeuta do Brasil fosse responder ainda naquele dia, afinal, era primeiro de janeiro.

Acabei pedindo um almoço, meu humor fúnebre não me permitiria cozinhar nada. Exagerado? Talvez. Mas estar apaixonado já era uma merda. Já experimentou estar apaixonada por Harry Styles? Uma merda ao quadrado. E apaixonada por alguém que está apaixonado por outra pessoa? Uma merda ao cubo. E apaixonada por Harry Styles, enquanto ele está apaixonado por outro alguém que deu um pé na bunda dele e recentemente apareceu e pode ter abalado todas as suas estruturas? O que vem depois de cubo? Pois é uma merda multiplicada na contagem depois de cubo.

2:28pm: Oi, ! Estou ótima e você? Feliz
ano novo! Que bom que me procurou. Eu
atendo amanhã mesmo, que horas você
quer marcar?




2:29pm: Pode ser às 17h? Eu trabalho
amanhã.



2:29pm: Te vejo amanhã às 17h!

2:30pm: Pera, as 17h daqui ou daí?
Hahaha



2:30pm: Desculpa! Para você as 21h!



2:30pm: Combinado!



Quando foi um pouco mais para o fim da tarde e início da noite, eu já estava estranhando por Harry não ter aparecido. Estava estranhando e também estava um pouco aliviada, porque eu não queria ter que falar com ele tão cedo. Mas o destino adora tirar uma com a minha cara. ‘Tá, ‘tá, tudo bem, era óbvio que Harry ia me procurar mais cedo ou mais tarde. Harry tinha ido para o Japão uns dois dias depois que fui embora de Holmes Chapel e não conversávamos desde então.

- Feliz ano novo para a minha Brasileira favorita! - Harry gritou do outro lado da linha assim que atendi a ligação.

- Que animação é essa? - Eu ri. - Feliz ano novo, babe. - Torci a cara quando percebi que havia o chamado de “babe”, porque até mesmo isso tinha adquirido um significado diferente agora.

- Por que você não está animada? É 2019! - Rebateu. - Por que recusou a chamada em vídeo?

- Porque eu ‘tô descabelada debaixo das cobertas no sofá com um balde de pipoca assistindo todos os filmes de natal que sobraram na Netflix.

- Que mórbido. - Riu e eu concordei com um “uh-hum”. - E desde quando você liga para isso?

Eu achava difícil esconder qualquer coisa de Harry só usando minha voz, imagina se ele estivesse me vendo? Seria praticamente impossível.

- Sempre liguei!

- Eu acordei com você uma semana inteira, . Não tem nenhuma versão sua que eu não tenha visto.

- É! Obrigada por me lembrar de toda a perda da minha dignidade. Eu gostaria de tentar salvar um pouco, se possível.

- Ah, qual é?! Você acorda toda fofa mesmo descabelada.

- Obrigada?

- Acha que vou tirar um print e postar na internet?

- E você lá sabe tirar print?

- ...

- Esse é o meu nome. - Retruquei jocosa. - André quem escolheu.

- Sério?

- Uh-hum.

André tinha quatro anos quando minha mãe ficou grávida de mim. Meus pais não conseguiam decidir meu nome, então colocaram alguns papéis com as opções e pediram que ele escolhesse. Ele nem sabia escrever, acho que foi totalmente aleatório.

Mas não contei nada disso a Harry.

- Que legal. E quando eu penso que já te conheço o bastante, você me solta uma informação totalmente nova.

Ah, Harry, você não sabia da missa a metade.

- Pois é...

Um silêncio se seguiu depois da minha resposta.

- Você ‘tá ocupada?

- Não... Acabei de falar que ‘tô no meu sofá sozinha e depressiva vendo filmes de natal.

- Eu ‘tô te atrapalhando?

- Claro que não, por quê?

- Não sei. Parece que não quer conversar. Não está me respondendo direito.

- Eu ‘tô te respondendo, sim! - Ri nervosamente. - ‘Tá carente, é?

- Olha, já que você tocou nesse assunto... Não é que eu esteja carente, sabe? Mas se você estivesse aqui, eu aceitaria... sei lá, um boquete.

- Harry!!

- Você quem perguntou.

- Eu não perguntei nada disso! - Ri mais nervosa ainda. - E você é carente!

- Não sou, não!

- Agora vai virar mentiroso? - Rebati e ele gargalhou.

- ‘Tá, talvez eu seja um pouco.

- Pois é.

Outro silêncio. Meu Deus. Eu estava me sentindo como quando nos conhecemos. Aquele silêncio constrangedor que sucedia cada uma das nossas conversas em Santa Mônica. Aqui estávamos novamente numa situação tão similar que até me assustava. Antes, era eu, a fã que não sabia – ou não queria – dizer que sabia quem ele era. A fã que tentava se conter para não acabar se entregando. Agora, era eu, a amiga que claramente nunca conseguiu ser só amiga e não sabe como agir sem entregar o quão terrivelmente apaixonada está.

- Aconteceu algo?

Ah, ótimo, parabéns, . Você achava mesmo que ia cortar uma piada pervertida de Harry e ele não ia desconfiar de nada? Logo você? Que embarcava em absolutamente todas.

- Hum, tipo o quê?

- Não sei. Você está esquisita.

- Impressão sua.

- Eu fiz alguma coisa errada? Eu sei que a gente discutiu quando você foi embora de Holmes Chapel, mas-mas eu achei que estava tudo bem. Você não ficou brava, ficou?

- Não, Harry. Você não fez nada. E não, eu não fiquei brava. ‘Tá tudo bem.

- Okay. Vai ver eu ‘tô carente mesmo. - Admitiu.

- Pois é! Cadê o seu amiguinho aí do Japão? - Provoquei, eu precisava agir como de costume.

- Você sabe.

- Sem chance para vocês?

- Sem chance.

- Sinto muito, H. Não queria te ver sofrer.

- Já falamos sobre isso. Você não pode me proteger.

- Porra, e eu não sei? - Falei brincando. - Vou te prender no meu apartamento e só te deixar fazer aparições públicas para trabalho, assim ninguém brinca com seu coração.

- Vou dá-lo para você. Tenho certeza que você vai cuidar dele e dos meus sentimentos.

- Harry, nem brinca com isso. - Gargalhei petrificada.

Isso só poderia ser algum tipo de piada do universo. O que eu fiz para merecer isso? Hein? Eu sou uma pessoa legal. É divertido para quem quer que seja ficar jogando essas ironias na minha vida? Porque olha, não ‘tô achando graça.

- Não é brincadeira. - Riu também. - Sabe o que eu ‘tava lembrando mais cedo? - Mudou de assunto repentinamente.

- O quê?

- Daquele dia que estreamos seu carro.

- Que paramos perto da entrada do letreiro?

- Não, não o dia que buscamos. O dia que estreamos.

Eu engasguei ao entender sobre o que ele falava e tossi tanto que acabei o assustando.

- ? Você ‘tá bem? O que aconteceu?

- Na-nada, eu-eu... fui beber água e me engasguei.

Nossa! Essa foi a pior desculpa de todas.

- Você está bem?

- Sim, ‘tô bem. Pode falar.

- Então...Talvez eu esteja carente daquilo, com você. - Limpei a garganta, aproveitando a desculpa do engasgo.

Oh, todos os santos das fãs que se apaixonam pelos ídolos! Eu ia responder o quê? Eu estava entrando em COLAPSO. Como eu ia sequer beijar Harry se eu não conseguia nem olhar na cara dele através da tela do celular? Ou não conseguia nem ouvir ele falando sobre sexo. No carro. Comigo.

- Quando você volta?

- Na sexta. Podemos passar o fim de semana juntos... O que você quer fazer?

- Hummm, não sei. Achei que você já tinha escolhido... Sabe, um passeio no meu carro. - Dei de ombros, mesmo que Harry não pudesse ver. Ele riu, entendendo pelo meu tom de voz.

Eu não podia dar outro corte, ele ia ficar mais desconfiado do que já estava.

- Eu ‘tô com saudade da minha amiga, não só do ‘escape’.

- Mas eu-eu... vo-você acabou de dizer que...

- Não ‘tô falando só de sexo no carro, eu quero aquilo, aquele momento. Você e eu. Quero esse seu sorriso cretino que sempre precede uma das suas implicâncias. Quero não ter que ficar limpando a marca do seu sapato do meu carro, porque quando você dirige não coloca o pé no banco. Sabe? É disso que eu ‘tô falando. Eu quero mais momentos como aquele. Com você. É disso que ‘tô carente. Do sexo também, é claro. Mas isso é só bônus.

- Pervertido. - Acabei gargalhando.

- Então, o que quer fazer? Qualquer coisa. Podemos ir num restaurante novo, ou só sair dirigindo por LA de madrugada, eu provavelmente vou estar com insônia mesmo por causa do fuso horário.

- Ah, eu não sei, Harold.

- Podíamos montar um quebra-cabeças! Ou jogar algum jogo de tabuleiro?

- Quê?! - Comecei a rir das ideias malucas.

- Só uma sugestão. Só quero passar um tempo com você, sabe? Compensar essas semanas longe nos últimos meses.

- Você chega na sexta?

- De manhã. Vou direto para a sua casa, tudo bem?



*


Eu não me aguentei de ansiedade nos últimos dois dias, pensava em como o fato de estar apaixonada por Harry interferiria no meu relacionamento com Henry, provavelmente tudo teria morrido também. Assim como quando beijei Adam, talvez eu não tivesse mais vontade de ficar com Henry. Precisaria tirar mais essa prova, assim eu me declararia oficialmente derrotada pelo amor.

Eu tinha levado o presente dele até a empresa, porque eu sentia que não fosse vê-lo a não ser ali por um bom tempo. Eu não precisei procurá-lo, nos encontramos ainda pela manhã quando ele foi até a minha sala. Coincidentemente, ele também havia levado meu presente.

Assim que Henry pisou na minha sala e estava na minha frente, eu soube, eu soube que não poderia mais fazer aquilo, eu soube que precisava contar a ele que não queria mais nada.

Eu não conseguia me imaginar beijando Harry sabendo que agora escondo meus sentimentos por ele e aparentemente eu não conseguia ficar com mais ninguém porque eu só conseguia pensar em Harry. Ótimo, esse era o momento em que eu ficaria sozinha? Preciso começar a adotar gatos.

- Você fez falta aqui depois do natal. - Falei ao abraça-lo.

Tudo o que eu sentia em relação a Henry estava muito mais claro agora. Era por isso que eu só consegui considerar a possibilidade de estar com ele depois de ter sido influenciada, porque por mim mesma eu nunca pensaria nisso, e era simples... Eu não estava apaixonada por ele, nunca estive. Podíamos nos dar bem como fosse, ter essa absurda atração e desejo um pelo outro, fora o fato de gostar de estar em sua presença. Mas era só isso.

Talvez isso também tenha me confundido, eu nunca achei que meu relacionamento com Henry fosse parecido com o meu com Harry, em nenhum aspecto, porque sempre achei que meu relacionamento com Harry fosse apenas amizade e com Henry sempre foi um interesse físico, desde o primeiro momento.

- E você fez falta antes do natal! - Henry rebateu.

- Como foram os feriados? Como estão as crianças?

- Você não vai acreditar se eu te contar... que ceamos juntos no natal... Nós quatro!

- “Nós quatro”, com sua ex?

Era óbvio que sim.

- Você acredita?

- Meu Deus, isso é ótimo, Henry! Como isso aconteceu?

Eu sabia que Henry e a mulher se davam relativamente bem, mas eles sempre revezavam os feriados, nunca passavam juntos. Era no mínimo de se estranhar.

- Você se lembra que mencionei que os levaria para a casa da mãe porque esse ano era vez de jantarem com ela? - “Uh-hum”, eu murmurei. - Quando chegamos lá... Ela me convidou para entrar, pela primeira vez.

- E você?

- Eu entrei! - Deu de ombros. - No começo foi um pouco esquisito, mas foi bem divertido.

- Imagino o quanto você deva ter ficado chocado na hora.

- Você não faz ideia! Mas as crianças ficaram felizes de estarmos reunidos. Acho que foi bom para eles.

- Henry, posso te dizer uma coisa? - Perguntei ficando séria.

- O que foi? Aconteceu algo? - Eu comecei a rir.

- Não! Essa é a minha cara de quem está prestes a se intrometer na sua vida. - Ele riu também.

- Ah! Pode falar. - Respondeu e eu concordei com a cabeça.

- Você voltaria com ela? Se pudesse?

Henry hesitou. Não sei se ele gostou da pergunta.

- Está com medo de ficar sem mim? - Brincou numa tentativa não muito acertada de descontrair.

- Não, bobo! Mas não seria bom se vocês pudessem fazer tudo juntos de novo?

- Seria perfeito! Sinto falta de estar mais tempo com meus filhos às vezes.

- Não só por causa dos seus filhos. Eu tenho a impressão de que você ainda a ama..., mas o que eu ia dizer é: Por que vocês nunca tentaram de novo?

- Eu-eu não sei. E também não sei como poderia fazer isso ou por onde começar.

- Eu posso te ajudar! - Henry riu. - É sério, Campbell! - Reforcei, falando mais sério dessa vez. - Quero dizer, ela ter te chamado para passarem o natal juntos... Isso quer dizer alguma coisa, não quer? E eu acho que ela ainda te ama também!

- É muito estranho falar disso com você! - Deu uma risada constrangida por fim. - Você está se oferecendo para me ajudar a reconquistar a minha ex esposa!

- Eu gosto de você, Henry. Mas eu acho que você já deve saber que eu não gosto de você desse jeito.

- Eu sei.

- E eu também não acho que você goste de mim assim.

- Eu sei. - Repetiu em um suspiro.

- Eu acho... Eu acho que estou apaixonada pelo Harry. - Admiti.

- Agora conta a novidade. - Revirou os olhos e me deu um sorriso irônico.

- Sempre foi tão óbvio assim? - Henry balançou a cabeça em um “sim”. Dessa vez fui em quem suspirou.

- Ei! Que desanimo é esse?

- Eu não acho que o Harry goste de mim desse jeito, Henry.

- Vocês já conversaram sobre isso?

- Esse é o problema! Ele sempre encontra um jeito de enfatizar que somos só amigos. E quero dizer, somos mesmo. - Dei de ombros.

- Mas vocês não ficam? Como ele pode não gostar de você de outro jeito? - Dei de ombros de novo. - Você é incrível e ele é um idiota se não percebe isso. Você é uma das mulheres mais inteligentes... - Levantou uma mão e começou a contar nos dedos. - Independentes, bem resolvidas, gentis e altruístas que eu já conheci.

Abaixei o olhar um pouco sem graça pelos elogios.

- Ele é apaixonado por outra, Henry.

- Bem, isso é um problema. - Ele concordou com a cabeça. - Mas você deveria falar com ele.

- O quê? Nunca! Eu nunca vou dizer nada.

- Como não? Você precisa contar.

- Temos um trato implícito desde o começo de que somos só amigos e que não confundiríamos as coisas ao começarmos a transar. E se eu disser algo e estragar tudo? Não quero o perder, perder sua amizade. Eu prefiro ser só sua amiga. É mais seguro. Não vou dizer nada.



*


- Me desculpa te fazer me atender tão tarde! - Falei com a minha terapeuta assim que iniciamos a consulta online.

- Não tem problema nenhum, ! Sei que estamos em fusos diferentes e fiquei muito feliz por você ter me procurado.

- Obrigada.

- Então, como estão as coisas?

- Estão bem...

- E o que você tem feito?

- Trabalhado. - A resposta curta veio precedida de uma risada nervosa. Os primeiros minutos na sessão sempre eram constrangedores para mim. - A , minha melhor amiga, tirou férias e veio para cá mês passado, foi bom matar as saudades. - Acrescentei, não adiantaria pagar sessão na terapia para ficar igual idiota e não responder devidamente.

- E o show do cantor que você ia?

Tinha esquecido que eu tinha contado até para as paredes que eu ia no show do Harry aqui em Los Angeles. Por que eu tinha que ser assim? Involuntariamente balancei a cabeça em negação.

- Você não foi? - Ela interpretou errado o meu sinal, que nem era para ela.

- Não! Eu fui, sim. Foi incrível. Na verdade, isso é meio que o motivo pelo qual precisava muito conversar.

- Me conta o que aconteceu.

- Então, eu fui no show do Harry Styles e ele mora aqui em Los Angeles, né? Tem um monte de famoso aqui, na verdade, e é engraçado, porque você vai nos lugares e tem famoso sentado assim, casualmente... Outro dia eu fui com uma colega de trabalho almoçar perto dos estúdios Paramount e aquela mulher que faz os filmes dos vingadores, Scarlett Johansson estava sentada duas mesas atrás da gente. - Falei tudo em um fôlego só.

- E ninguém a interrompeu?

- O mais bizarro é isso, o pessoal aqui está tão acostumado que nem ligam. Alguns ficam tirando umas fotos de longe, mas só isso.

- E o Harry Styles?

- O que tem ele?

Eu estava meio que desviando o foco da conversa mesmo sem querer. Mas eu precisava falar logo antes que eu realmente passasse a desviar do assunto por querer e desistisse de vez.

- Onde ele entra nessa história?

- Ah, é! O Harry... Longa história, mas somos amigos agora.

- É mesmo? E como isso aconteceu?

Contei uma versão resumida de como fiquei perdida em West Hollywood, sobre o show e o boliche.

- E então uma coisa levou à outra e viramos amigos. Tudo graças a essa facilidade de encontrar pessoas famosas por aqui. - Brinquei.

- E como ele é?

- Ele é incrível! Um amor de pessoa, super humilde. A gente se dá super bem, na verdade, não sei como ele me suporta, porque eu fico dando ataques de fã quase todos os dias. - Dei uma gargalhada. - Vou te mostrar algumas fotos nossas.

Peguei meu celular e abri a galeria, procurando primeiro pelas fotos mais antigas.

- Essa foi no show. - Tentei enquadrar a tela do celular na pequena câmera do notebook. Quando ela assentiu, voltei a procurar por outra foto. - Essa aqui é de quando fomos ao boliche. - Mostrei do mesmo jeito que tinha feito. - Essa foi no natal. Fomos para a casa da família dele, na Inglaterra. - Era uma das fotos que Anne tinha tirado. - Essa é a irmã dele e o namorado dela.

Eu tinha um monte de fotos aleatórias, umas de Harry fazendo caretas, outras dele tocando violão na minha casa, ou piano na casa dele, umas selfies nossas deitados de cabeça para baixo na cama, claro que essas eu não mostrei. Um monte de fotos dele no Japão, fotos dele na mesa de algum restaurante junto com algumas minhas que ele tirava bem na hora que eu estava mastigando a comida... Minha galeria estava lotada com o rosto dele.

- Acontece que de uns meses pra cá, eu ‘tô tendo um mesmo sonho repetido com ele.

Contei o sonho com todos os detalhes, enfatizando como às vezes algumas frases de Harry mudam, mas ele parece sempre pronto para ir embora, porque sabe que eu escondo algo dele e que eu deveria contar. Embora eu não soubesse o que era.

- Hum... - Angela ficou pensativa. - Interessante.

- Interessante? Como assim?

- E por que você acha que está sonhando especificamente com ele dizendo que você demorou e ele ficou te esperando? Esperando por quê? Pelo quê?

- Não faço ideia.

- O que você acha do Harry?

- Ah, isso que já falei, ele é um cara legal, somos super amigos... Ele me atura.

- Por que você diz que ele te atura? Você acha que ele não gosta de você?

- Não, não é isso. Acho que se somos amigos é porque ele gosta de mim também. - Soltei um risinho. - Mas deve ser chato para ele, porque eu fico cantando suas músicas o tempo todo no em seu ouvido.

- E o que ele diz quando você faz isso?

- Ele finge que não gosta, mas canta junto. - Ri de novo. - Ele é muito educado para me mandar calar a boca.

- Como você se enxerga nessa relação? Como você se sente sobre ele?

- Não sei, como assim?

- Você disse que vocês são amigos, mas ao mesmo tempo que ele só te atura. E você, também o atura? Ou você gosta de conviver com ele, gosta do jeito dele?

- Ele é meu ídolo. - Respondi num riso como se fosse uma obviedade. - Eu adoro tê-lo por perto.

- Então é isso que ele é para você? O ídolo que atura a fã, no caso você?

- Não! Por que você diz isso?

- Foi você quem disse, só estou confirmando. Você ainda não me disse como se sente sobre ele. Vocês são só amigos? Ou tem algo a mais? Além de ele te aturar e você o idolatrar.

- Não é que eu o idolatre. - Me justifiquei. - Eu sou fã do trabalho dele, só isso. - Dei de ombros.

- E o que mais?

- Não sei.

- , vou ser um pouco mais direta aqui, tudo bem? - Assenti. - Nunca rolou nada entre vocês? Pelo menos um interesse da sua parte? - Eu torci a cara e olhei para baixo.

- Isso importa? Não acho que seja relevante pra questão do sonho.

- Claro que importa. Todos os detalhes são relevantes.

- A gente fica... às vezes.

- Às vezes? Com que frequência?

- Ultimamente em quase todas as vezes que a gente se vê.

- E qual é a frequência que vocês se veem?

- Quando ele está em LA quase todos os dias.

- E onde ele está agora?

- No Japão. Ele volta na sexta.

- E você vai vê-lo?

- Uh-hum.

- Ok. Então vocês são amigos coloridos?

- Acho que sim.

- E o que você pensa sobre isso?

- Eu acho, sei lá, normal?

- Para você tá tudo bem ser a amiga que ele procura quando quer? - Dei de ombros, confirmando. - E você sonha com ele especificamente dizendo “não posso te esperar para sempre.”? - Concordei de novo. - E o que você acha que isso quer dizer?

- Não faço ideia.

- E quando ele diz “Não posso esperar para sempre para saber.”?

- Que ele pode arrumar outra pessoa e eu perder a chance?

- Você acha isso? Lembre-se, você que sonhou, não foi o Harry quem disse. O que você precisa saber?

- Não sei. Eu sonho com isso há meses e eu nunca o vi mais do que como amigo... Até semana passada.

- Por que até semana passada?

- Porque semana passada eu percebi que estava apaixonada por ele.

Quando percebi, já tinha falado. Eu estava assustada com a facilidade que meu inconsciente tinha fixado essa ideia e a facilidade que a minha boca dizia essas palavras em voz alta.

Angela assentiu devagar. Como se não fosse nenhuma informação nova.

- Bem, então acho que você já sabe o que precisava saber. E isso explica algumas coisas.

Parecia tão óbvio agora que ela havia praticamente me entregado tudo mastigado. O meu sonho não queria me avisar que Harry precisava saber de algo, e sim que eu precisava saber o que estava sentindo, para, assim, saber o que fazer e agir. Eu precisava descobrir que eu estava apaixonada por ele, ou, aparentemente segundo meu sonho, parar de me enganar. E eu que mal conseguia mentir nas situações mais bobas, me percebi sendo uma excelente atriz, daquelas que mentia para si mesma ao ponto de realmente acreditar.

In a black dress, she’s such an actress.

- Tipo quais?

- Bem, você disse que está apaixonada por ele, certo?

- Sim.

- E o que ele acha disso? - Neguei com a cabeça.

- Ele não sabe.

- Por que não? Você acha que ele te corresponderia?

Neguei com a cabeça tão rápido que senti o quarto girar.

- Não, ele não corresponderia.

- Como você sabe?

- A questão é que ele não gosta de mim assim.

- Ele já te disse?

- Nunca disse que não gosta de mim, mas já me contou de outra pessoa que é apaixonado.

- E isso impede que ele goste de você?

- Eu acho que sim.

- Por que você acha que isso impediria? Você acha que não podemos nos apaixonar por duas pessoas ao mesmo tempo?

- Ah, eu não sei.

- Como você se sente com a ideia de que ele goste de você também?

Psicólogos e suas habilidades de analisar as pessoas era um inferno, né.

- Eu acho que você tem medo de ser correspondida, agora a questão é, por quê?

- Ele é o Harry! - Respondi.

- E o que isso quer dizer?

Dei de ombros.

E um novo questionamento me surge: Quem é Harry Styles para mim? Ele é meu ídolo? Meu amigo? O cara por quem estou apaixonada? Ele é tudo isso? Dá para ser tudo em um só? Ele não é nada?

Eu não consigo discernir a forma como o enxergo por que tudo está embaralhado agora.

- Eu não sei. Não quero falar mais sobre isso. Preciso pensar.

- Tudo bem. - Angela concordou. - E como as outras coisas vão? Quando você me mandou mensagem, achei que quisesse falar sobre o seu irmão. Vai fazer um ano, não é?

Ah, não. Eu não queria falar disso também. Por que mesmo que a gente precisa encarar como nos sentimos sobre as coisas? Não dá só para ignorar tudo?



*


Todos os gerentes que tinham pegado folga no fim do ano foram voltando a trabalhar aos poucos durante a primeira semana do novo ano. Eu tinha quase certeza que as datas tinham sido calculadas para que fosse possível ser feito o coquetel do ano bem na sexta, naquela semana como sendo uma substituição ao famoso “happy hour”.

Eu já sabia há algum tempo sobre essa reunião de staff que era feita todo início de ano, na qual eram estabelecidas as novas metas para o novo ano, assim como verificação do fechamento do ano anterior e, para ser sincera, também era um motivo para todos os gerentes encherem a cara de bebidas caras numa festa bancada pelos donos da empresa.

Eu trabalhei pela manhã e fomos para o local logo após o almoço, Lucy ficou choramingando porque ela tinha que ficar para trabalhar enquanto Jane, Henry e eu íamos para o coquetel encher a cara com desculpa de reunião. Eu fiquei com dó dela, porque eu também já tinha sido estagiária, mas se ela seguisse carreira, em alguns anos também estaria enchendo a cara nos coquetéis disfarçados de reuniões de negócios.

Fomos parar nesse lugar que era uma espécie de café com ar de pub e que foi locado exclusivamente para a reunião, bem na beira da praia em Venice com uma vista maravilhosa. Alguns barmen já estavam a postos quando chegamos, prontos para preparar as bebidas. De cara eu pedi um Martini, aproveitando o oferecimento dos donos. Jane teve que ficar nas bebidas não alcoólicas, isso que dá ficar grávida.

Num primeiro momento, realmente falamos sobre metas para o próximo ano, mas de uma maneira muito mais informal do que pensei, como se realmente fosse uma conversa de bar. Não demorou muito mais que uma hora para que os assuntos destoassem completamente disso.

Eu não bebi muito, porque precisaria dirigir para ir embora. E sei que o certo é não beber nada, por isso só me hidratei com água depois das 16h para que não ficasse com a consciência pesada. Nos meus dias usuais de trabalho, eu chegava em casa as cinco e pouco, porém nesse dia eu me atrasei um pouco mais de meia hora.

Eu estava exausta quando cheguei em casa. Subi pelo elevador já me imaginando no banho e pensando no que eu pediria para comer. Eu abri a porta do meu apartamento com facilidade e não me assustei ao encontrar Harry de costas sentado no sofá e a TV ligada; afinal, ele tinha uma cópia da chave do meu apartamento desde que a troca da fechadura foi feita.

- Ah, oi! Esqueci que você vinha para cá hoje. - Eu disse fechando a porta atrás de mim.

- Ei, ! Como foi o traba... Uau! - Ele interrompeu a própria fala ao se virar para me encarar. - Você está gostosa! - O comentário me fez gargalhar. - Por que está de terno? - Perguntou enquanto se levantava e encontrava comigo no meio do caminho entre a porta e o sofá para me dar um abraço acalorado.

- Primeira reunião do ano. Fomos num coquetel bancado pelos donos da empresa, um monte de gerentes daqui e das outras filiais da Califórnia. - Expliquei com desdém. - Sabe como é.

Não, ele não sabia. Era uma realidade que não fazia parte do mundo de Harry.

- Você deveria se vestir assim mais vezes. - Ele ainda me segurava em seus braços, ainda que a uma distância em que conseguisse me olhar dos pés à cabeça.

- Do que você está falando? Eu vou trabalhar assim todos os dias! - Gargalhei.

- Mas você não usa o blazer, usa? Você usa uma calça social e uma camisa, e olhe lá, porque eu já fui te buscar e você estava de jeans, tênis e uma camiseta minha.

Eu ri de novo, porque era verdade. Tinha vezes que eu tinha preguiça de me vestir, então, em algumas sextas-feiras quando Sr. Stein não estava na empresa, e eu geralmente não tinha nada importante marcado, como reuniões ou visitas de clientes ou fornecedores, eu me dava ao luxo de ser um pouquinho flexível no dresscode. ‘Tá, eu me dava ao luxo de ser totalmente flexível, um pouquinho eu já era todos os dias me recusando a usar o terno completo.

- Só uso quando está frio.

- Então, deveria se vestir assim mais vezes, te dá um ar de mulher de negócios super sexy e eu já ‘tô excitado só de falar.

- Mas eu sou uma mulher de negócios! - Rebati junto com outra gargalhada.

- Claro que é. Mas o visual ajuda na imaginação. - Eu não conseguia parar de rir, para mascarar que estava um pouco constrangida também, porque era como se Harry me despisse com os olhos.

- Tudo bem, vou trocar as suas camisas velhas pelos ternos.

- Também não precisa ser radical assim. - Voltou atrás. - Quando puder usar jeans e minhas camisetas para trabalhar, use, mas quando eu for te buscar depois do trabalho, vá de terno.

- Sim, senhor! - Bati continência e ele só revirou os olhos.

- Não que eu esteja mandando no que você vai vestir, é claro. - Se apressou a falar. - Você veste o que quiser. Só estou dizendo que adoraria te ver assim mais vezes.

- Uh-hum. - Murmurei com um meio sorriso.

Soltei suas mãos e caminhei para dentro de casa, indo em direção ao quarto para deixar minha bolsa.

- E como você se esqueceu que eu estava no Japão e chegaria hoje de manhã? - Harry retomou o assunto num tom ofendido enquanto ia atrás de mim até o quarto.

- Eu me lembrava que você vinha hoje. Só me esqueci em algum momento durante essa tarde. - Expliquei.

Assim que guardei a bolsa dentro do closet, encostei as costas na porta, me virando para Harry que tinha parado na porta do cômodo.

- Senti sua falta. - Atravessou o quarto e se aproximou de mim. - Você demorou a chegar hoje.

Encarando os olhos sempre atentos de Harry pela primeira vez depois de tudo, eu quis dizer que o amava. Mesmo que nos dias anteriores eu não soubesse como eu o encararia, ali, naquele momento, eu sabia que mesmo assim havia sentido a sua falta, mesmo que o meu coração estivesse vivendo no paradoxo entre esperar por seu retorno e não querer o ver nunca mais, no fundo, eu mal podia esperar para vê-lo de novo. Eu quis dizer o quanto eu o amava e também o quanto senti sua falta e o quanto o queria por perto, o quanto eu tinha medo de tudo o que eu estava sentindo e das consequências que aquilo trazia para a minha vida, também quis perguntá-lo se saber sobre os meus sentimentos afetaria a sua vida ou se simplesmente não seria relevante o bastante para mudar algo para ele. Será que ele colocaria a cabeça no travesseiro e pensaria: “A está apaixonada por mim, como isso nos deixará em termos de amizade?” Ou se ele deitaria a cabeça no travesseiro e nem se lembraria disso, nem se preocuparia ao cortar os laços, uma vez que eu não pude não confundir tudo. Eu gostaria de saber, gostaria de perguntar. Porém, tudo o que eu disse foi:

- Eu também.

Harry abriu um sorriso, as covinhas aparentes, e eu não pude fazer nada além de sorrir de volta.

- Eu vou tomar um banho, porque estou morta. Estava pensando em pedir algo para comer, o que acha? - Não é que eu queria mudar de assunto, mas veio a calhar para o momento.

- Eu ia perguntar se você queria sair para comer tacos, mas acho melhor pedirmos, não é?

- Seria ótimo, H! Podemos sair amanhã, tudo bem?

- Claro! Como você quiser. Pode ir para o seu banho que eu cuido dos pedidos.

- Obrigada! Você é o melhor!

- Eu sei. - Piscou e, num movimento rápido, deu um beijo no meu pescoço que me arrepiou imediatamente e fez meu coração acelerar. Então saiu do quarto, sem que eu pudesse reagir.

- E muito modesto também! - Gritei tardiamente e ainda pude ouvir sua risada.

Enquanto deixava a água fervendo cair nas minhas costas de modo relaxante e agradável, eu me perguntava por quanto tempo conseguiria agir de uma maneira que beirasse o normal, eu estava me esforçando muito para tentar ao menos ser como sempre fomos, mas eu não sei se seria convincente. Em alguns momentos a conversa fluía e eu chegava até a pensar que tudo ficaria bem e eu conseguiria esconder, mas, em outros momentos, atingíamos níveis de conversa que me deixavam desconfortável o suficiente para estragar tudo em um piscar de olhos.

Milhares de pensamentos passavam pela minha cabeça ao ponto de fazê-la doer. Eu sai do banheiro e procurava uma roupa ainda com tudo pairando sobre mim, aquela grossa e pesada nuvem preta que anuncia um verdadeiro temporal. Como se tudo estivesse prestes a desabar e, dessa vez, em cima de mim.

Ainda dentro do quarto, adiando de propósito o momento em que encararia Harry de novo, sem saber como eu conseguiria passar o resto da noite com ele, eu ouvi a campainha do apartamento tocar. Estranhei um pouco, porque ninguém vinha até a minha casa, pelo menos não sem avisar, só Harry, mas ele já estava ali. Eu ri do pensamento e caminhei até a mesa de cabeceira, checando o celular, só para ter certeza que não era nenhuma das minhas amigas.

Quase no mesmo momento em que larguei o celular no mesmo lugar, uma batida na porta e o meu “entre” revelou Harry, eu estava só de calcinha e começava a vestir uma camiseta.

- Tem um cara na porta querendo falar com você. - Fiz uma careta de confusão, primeiro porque seu tom de voz estava sério/informativo e eu esperava alguma piada suja pelo fato de eu estar seminua, e segundo porque eu não fazia ideia de quem era.

- Será que é o Henry? Ele não viria sem falar nada. - Falei alto, mais para mim mesma do que para Harry.

Não fazia o menor sentido Henry vir na minha casa, primeiro porque ele só tinha passado aqui uma vez para me buscar e provavelmente nem se lembrava mais onde eu morava e segundo porque tínhamos entrado em consenso de que não ficaríamos mais juntos e ele tinha aceitado minha ajuda para reconquistar a esposa. Porém, Henry era o único homem que eu conseguia pensar além de Harry.

- Ele disse que o nome dele é Adam. - Harry respondeu à pergunta que não havia sido direcionada a ele.

- Adam? O que ele está fazendo aqui? - De novo outra pergunta retórica para mim mesma e então vesti o short de pijama que eu já tinha separado e sai do quarto.

- Eu falei que você estava saindo do banho, o convidei para entrar e disse que vinha te chamar. - Harry disse enquanto caminhávamos até a sala, eu assenti e agradeci.

Encontrei Adam sentado no sofá. O que ele estava fazendo aqui?

Assim que ele me viu, se levantou e veio na minha direção.

- Oi! - Forcei um tom de voz simpático e animado quando o cumprimentei com um abraço leve e um beijo no rosto.

Harry passou direto por nós e se sentou no mesmo lugar no sofá em que ele estava quando eu cheguei, de costas. Também pegou o controle e começou a zapear os canais.

- Oi, . Tudo bem?

- Tu-tudo e você?

- Tudo bem.

Uma pausa. Eu não sabia se soaria rude em perguntar o que ele estava fazendo ali. Ele abriu e fechou a boca algumas vezes enquanto alternava com sorrisos.

- Ahn... Será que podemos conversar lá fora? - Apontou com o dedão para a porta que estava atrás dele.

- Claro. Tudo bem. - Ele estava claramente desconfortável, talvez pela presença de Harry.

Assenti e fui para fora, sendo acompanhada por ele. Já no corredor, fechei a porta do apartamento e ficamos bem em frente a ela, eu ainda segurei a maçaneta por alguns segundos.

- Então, o que está fazendo aqui? - Acabei perguntando, mas logo depois dei um sorriso. - Desculpe estar sem jeito, é que não esperava te ver.

- Eu volto para casa amanhã de manhã, então tomei a liberdade de perguntar para a minha mãe qual era o seu apartamento, porque queria me despedir..., mas aquele cara que abriu a porta não era o Harry Styles? - Apontou para a porta fechada com uma expressão perturbada ao mudar o foco repentinamente, o que me pegou de surpresa.

- É, é sim. - Cobri a boca com o punho fechado soltando uma tosse desconfortável.

- Mas a gente... e-eu não sabia que você tinha namorado. - Comecei a rir. - Qual graça?

- Ele não é meu namorado; é meu amigo. - Quando eu disse isso, Adam arqueou uma sobrancelha e me encarou dos pés à cabeça.

- Entendi. - Falou por fim, apontando sutilmente para o meu pijama curto.

Eu não me senti nem um pouco ofendida pelo seu tom sugestivo. Nem mesmo eu acreditaria nisso se a situação fosse invertida. Harry estava casualmente na minha casa, atendeu a minha porta e eu ainda estava vestida como se estivéssemos prontos para dormir. Mas o que eu fazia ou como me vestia na frente dos outros era um problema meu e se ele não acreditava em mim era um problema dele.

- Achei até que tinha batido no apartamento errado, mas depois pensei que não tinha a menor possibilidade de ele morar nesse prédio e que deveria ser só um cara muito parecido. - Ele soltou um riso sem graça.

- Não mesmo. - Concordei rindo também.

- Eu também vim para perguntar se você poderia me passar seu número, pra gente conversar, quem sabe se ver quando eu voltar para cá.

- Adam... - Cocei a cabeça, constrangida. - Sabe o que é? Você é um doce e eu adoraria te passar meu número para que fôssemos amigos.

Pelo olhar desapontado de Adam, com certeza essa não era a resposta que ele esperava. Mas bem, o que ele poderia fazer, se não, aceitar?



Fechei a porta atrás de mim e dei um suspiro, quase me esquecendo de que Harry estava ali e que eu ainda teria que lidar com isso, com ele.

Eu preciso de férias da minha própria vida!

Mesmo que o sofá fosse de costas para a porta, Harry tinha o pescoço torcido e me encarava com uma das sobrancelhas erguidas. Me desencostei da porta ficando numa posição ereta e dando um daqueles pigarros que a gente acha que disfarça tudo quando na verdade só se entrega mais.

Levantei uma sobrancelha também e balancei a cabeça.

- O que foi? - Questionei.

- Nada! - Deu de ombros.

Ficamos em silêncios por alguns segundos, eu ainda processava o que tinha acontecido, perdida em meus próprios pensamentos, e Harry ainda me encarava.

- Quem era esse cara? - Me perguntou por fim.

- Filho da Elinor, minha vizinha.

- Que você passou o ano novo junto? - “Uh-hum”, eu murmurei. Harry abriu e fechou a boca algumas vezes, balbuciou alguns sons indistintos para mim, como se pensasse melhor no que dizer, como se pensasse melhor se diria ou desistiria.

- Ele não mora aqui, aí está indo embora hoje, veio se despedir. - Completei após alguns segundos de silêncio, quando vi que ele realmente não diria mais nada e só estava se embolando mais. Eu tentava não rir. Harry deu de ombros de novo e pigarreou.

- Vem aqui! Você está muito longe.

Automaticamente caminhei até Harry após seu pedido, parando na sua frente e abaixando a cabeça para encontrar seu olhar. Ele então segurou com as duas mãos nas laterais dos meus braços como apoio para se levantar, deixando nossos olhares mais alinhados.

Era 2019, a primeira vez que eu via Harry pessoalmente naquele novo ano e a primeira vez que o via em uma semana. Seus cabelos um pouco mais cacheados que o normal devido ao tamanho consideravelmente maior do que ele normalmente usava desde que o conheci, os olhos com o mesmo tom de verde cristal, o nariz com a pontinha fina que curvava levemente para baixo quando ele sorria agora estava empinado porque ele tinha uma expressão neutra no rosto. Desci o olhar em direção ao seu peito, ele usava uma t-shirt basicona, possivelmente vintage e que não deixava nenhuma das suas tatuagens do tórax à mostra. Levei a mão ao seu pescoço, puxando a corrente de prata até que revelasse o pingente que cruz, que soltei, deixando-o por cima da camisa.

Ele era exatamente o mesmo.

Encontrei o seu olhar novamente a tempo de ver seu rosto se aproximando do meu e logo senti o toque suave dos seus lábios nos meus.

Ele ainda era o mesmo. Mas não para mim.

Me afastei com um sorriso sem graça. A tempo de ainda ver seus olhos fechados por alguns segundos.

- Por que está me beijando? - Perguntei dizendo num tom descontraído.

- Como assim “por quê”? - Me olhou confuso.

- Do nada. - Harry pendeu a cabeça para um lado e soltou o ar num sorriso que se confundiu com uma bufada.

- Desculpa? Eu posso te beijar? - Eu ainda estava sendo segurada bem próxima de si.

Eu não esperava que ele fosse pedir. Como se nega algo do tipo? Como eu teria forças para negar algo do tipo para Harry?

Sem perceber, inclinei a cabeça sutilmente para baixo e depois para cima. Foi o suficiente para que Harry voltasse a colar nossos lábios e aprofundasse nosso beijo.

Num movimento rápido, me girou contra o sofá e lentamente me deitou ali sem quebrar o beijo, mais rápido ainda senti seu corpo pressionando o meu e, sem que eu percebesse, eu já estava presa entre ele e o sofá.

A mão de Harry que não apoiava as minhas costas, começou a deslizar pela minha perna, subindo pela parte de dentro da minha coxa e parando na minha barriga antes de deslizar para a lateral e pressionar a minha cintura com dedos precisos.

Eu travava uma batalha interna entre arfar ou me sentir desconfortável. Seus lábios, imediatamente ao partir o beijo, traçaram um caminho molhado até o meu pescoço e nuca, onde deixou outros beijos tão molhados quanto.

- Harry?

- Hum? - Os beijos desciam pela minha clavícula, quase chegando ao ombro.

- E-e-eu n-na-não ‘tô afim agora.

Minhas palavras fizeram com que Harry travasse no mesmo instante. Ele levantou a cabeça e me encarou.

- Aconteceu algo? - Neguei com a cabeça. - Foi aquele cara?

- O quê? Que cara? - Harry levantou a sobrancelha de novo, com um olhar de “você sabe”, eu nem estava mais me lembrando que Adam tinha ido ali. Eu não gostava desse Harry sarcástico, só era legal quando estávamos os dois brincando e nos provocando. - Não aconteceu nada. E não foi ele, ele só veio se despedir, eu já falei.

Harry concordou com a cabeça sem dizer mais nada e se levantou de cima de mim. No mesmo momento me sentei no sofá. Ele tirou o cabelo do rosto com uma das mãos e depois as colocou nos bolsos para ajeitar a calça.

- Tudo bem. - Deu um meio sorriso. - O que você quer fazer então? Quer jogar palavras cruzadas?


20. Would you wanna stay, if I were to say?

JANEIRO, 2019
Um mês e meio atrás




Eu nunca pensei muito sobre a morte.

É claro que pessoas sempre morrem, o tempo todo. E a gente vê sobre isso o tempo todo também, na tv, na internet, nos jornais..., mas eu nunca me deixei pensar mais do que o normal momentâneo quando sabemos da morte de alguém. Até André morrer.

Perder meu irmão foi a pior coisa que aconteceu na minha vida.

Era o meu aniversário de 25 anos. E eu só conseguia pensar que poucos dias atrás completava um ano que ele se foi.

As pessoas lidam com o luto de maneiras diferentes. Droga, uma mesma pessoa lida com vários lutos de formas diferentes. Eu lidei. Me lembro de anos atrás quando meu avô morreu, ou aquela tia que eu adorava. Em cada uma dessas vezes eu agi diferente, eu fui uma pessoa diferente.

Mas nada me preparou para perder meu irmão. Acho nada nunca nos prepara para perder alguém. Cada vez é como se fosse a primeira.

E tudo bem não estar preparado.

Tudo bem ser como o Louis, que foi para a balada com a irmã uns dias depois da morte da mãe. Ele estava destruído, dava para ver na cara dele. Mas ele fez o possível para que pudesse superar, ou suportar, ou talvez só tentar não morrer por dentro também.

E tudo bem ser como eu, que de forma alguma quero socializar ou fazer qualquer tipo de comemoração ao meu aniversário.

Era uma sexta-feira e eu não pretendia ficar em casa deixando que tudo isso me corroesse de dentro para fora. O trabalho me esperava. E trabalhar era o que eu queria.

Mas é claro que eu seria ingênua se acreditasse que Lucy simplesmente aceitaria que eu não queria fazer nada.

Ela tinha me mandado uma mensagem dizendo que se atrasaria e que eu deveria ir almoçar sozinha porque ela chegaria só depois que o almoço parasse de ser servido. Logo hoje, eu pensei. Henry também não poderia almoçar comigo, tinha uma reunião com um cliente e Jane tinha um treinamento. Okay. Eu almoço sozinha.

Foi o que fiz.

Estranhei o refeitório vazio de pessoas conhecidas. Estava cheio, como sempre, mas daquela sensação de estar ao redor de milhares de pessoas e, ainda assim, sozinho.

Talvez fosse porque eu fui um pouco mais tarde, inconscientemente esperando que Lucy chegaria em algum momento, mais cedo do que previu, dizendo que deu tudo certo com o que quer que fosse que a estava atrasando. Mas não aconteceu.

E foi então que voltei para trabalhar, já que não tinha ninguém para conversar e me fazer gastar o curto tempo do almoço. Eu abri a porta da minha sala, só para descobrir que todos estavam lá dentro. Todo mundo do escritório, os gerentes, Henry e seus vendedores, Lucy e Jane. Era por volta das uma da tarde. Eu nem sabia que tanta gente gostava de mim assim.

De repente fiquei feliz por Lucy não ter me escutado. Ela nunca escuta.

Havia alguns balões pregados num quadro que eu usava para traçar rotas, esquemas ou deixar recados para os motoristas e mecânicos. Meu monitor também tinha alguns balões pregados e a minha mesa e de Lucy tinham sido juntadas e formavam uma só, com bolo, salgados e refrigerante, no melhor estilo brasileiro.

- Meu Deus! Onde você arrumou coxinha? - Eu perguntei à Lucy enquanto a abraçava.

- Campbell quem comprou. - Ela sussurrou de volta no meu ouvido e, quando nos soltamos, eu olhei para Henry do outro lado da sala, com um copo na mão, ria de alguma coisa que o sr. Cooper tinha lhe dito.

Se eu pudesse, correria até ele e pularia em seu colo, dando-lhe o melhor abraço de urso que eu conseguisse. Quem ia imaginar que tudo o que eu precisava era de coxinha ou empadinha? Só Henry mesmo.

Agradeci a todos, alguns com abraços e outros com apertos de mãos. Sim, era esquisito, mas o pessoal aqui não era muito de abraçar, não. Deixei Henry por último e, sem me importar muito com o que falariam, dei-lhe um abraço breve, mas apertado.

- Soube que você encomendou as coxinhas. Onde você encontrou isso? - Eu estava incrédula.

- Eu tenho um amigo que a prima da esposa dele é brasileira. Ela tem um restaurante ou algo assim que vende isso no Brasil.

“Isso”, chamando coxinha de “isso”? Mais respeito, Campbell, pelo amor de Deus, coxinha é comida sagrada.

- Outro dia falou que era comida obrigatória nas festas de aniversários brasileiras, lembrei de você na hora. Ela veio passar umas semanas aqui, com o fim de ano e tudo mais, ela quem fez tudo. O bolo também.

- Henry... Eu não sei nem como te agradecer.

- Imagina. Você merece. E sei também o quanto gosta de comida. - Riu depois.

Será que Henry teria feito isso tudo sabendo que eu “terminaria” com ele?

- Claro que não, . - Foi a resposta quando perguntei discretamente se ele tinha encomendando antes de tudo acontecer. - Isso aconteceu depois, tipo, há umas duas semanas.

Então ele gostava mesmo de mim. Era um bom amigo, afinal.

Harry me ligou em algum momento da bagunça e eu saí sutilmente da sala, dizendo que ia ao banheiro para Jane, eu acho.

Ele tinha voltado para o Japão, mas tinha prometido que viria nessa noite para comemorar o meu aniversário, me levar para jantar ou algo assim.

- Olá, babe. - Foi como Harry me cumprimentou assim que atendi. - Feliz aniversário.

- Obrigada, H. Você está em conexão? - Estranhei um pouco a ligação, porque era supostamente para Harry estar em algum avião vindo para cá.

- Então, eu ‘tô te ligando porque não consegui embarcar.

- Como assim, Harry? - Respondi confusa.

- E vamos à saga dos “como assim”. - Brincou e eu revirei os olhos, os quais ainda bem ele não podia ver. - Está chovendo muito aqui, cancelaram alguns voos. O meu.

- Aí, não! - Exclamei desapontada. - Sério?

- , me desculpe. Eu acho que não vou conseguir ir. Não tem previsão para liberarem e, mesmo que eu conseguisse um voo direto, ainda são mais de 10 horas de viagem e eu precisaria voltar na segunda-feira se quero passar o meu aniversário aqui.

- Não! Não tem problema, H. Tudo bem. Fique aí, não se preocupe. A gente se vê quando você voltar.

- Se eu conseguisse um voo agora, mesmo que fossem duas escalas eu iria. Eu juro.

Era para Harry ter embarcado bem mais cedo. Deve ter ficado esse tempo todo esperando um voo.

- Eu sei que sim. Mas tudo bem, sério.

- Me desculpa mesmo. Você sabe o quanto queria estar aí com você, não sabe? Eu sei de tudo o que está acontecendo, imagino como você se sinta agora, por causa do André e tudo mais. Mas se você precisar de qualquer coisa, você sabe que pode me ligar, não sabe? A qualquer hora. Eu estou aqui para você. Conta comigo, por favor.

- Uns 50 mil na minha conta bancária resolveriam algumas coisas. - Descontraí.

- Não brinca com isso, porque você sabe que eu te mando esse dinheiro agora. - Gargalhou e eu o acompanhei.

- Eu brinco justamente porque você não leva a sério. Se você levasse, eu não poderia falar mesmo, porque senão seu dinheiro já estaria todo comigo.

- Meio difícil que todo o meu dinheiro estivesse com você. Mas alguns milhares, talvez.

- Ah, é. Você tem milhões. Eu me esqueço disso às vezes. - Respondi com desdém seguido de um riso.

- Te vejo mês que vem?

- Com certeza.

Assim que a ligação foi finalizada, ainda aguardei alguns minutos dentro do banheiro, pensando. Com certeza Harry me veria mês que vem, mais especificamente daqui uma semana, no dia de seu aniversário, porque o que ele não sabia é que eu estava planejando ir para o Tóquio, só por causa dele.

Acho que também foi por isso que não me importei muito de ele não poder vir, porque eu sabia que eu estava indo. Eu planejava ir somente para o fim de semana e voltar na segunda ou terça. Eu não tinha muitas horas para ficar mais tempo fora do que isso. E o sr. Stein meio que gostava de mim o bastante para me deixar ficar ausente bem no início do ano e tão próximo assim das minhas férias. Já tínhamos resolvido isso, eu tiraria 30 dias em maio, ficaria 20 no Brasil. Parece pouco, né? E é mesmo. Se eu pudesse ficaria 6 meses.

Voltei para a minha sala e pouco a pouco as pessoas foram indo embora. Tudo não durou mais de uma hora, afinal, todo mundo ainda precisava trabalhar.

De qualquer forma, Lucy não deixou que a festa acabasse por ali, insistiu para que saíssemos depois para comemorar o meu aniversário. “Mas já comemoramos com a festa surpresa”, eu disse. “Festa na empresa não conta”, ela respondeu. Depois de muito insistir e de muito eu negar, entramos no consenso que nada de baladas, no máximo o Happy Hour de toda sexta. Conforme o fim do expediente se aproximava, percebi que fui iludida de novo, pois acreditei que ela deixaria que eu fosse para casa depois do Happy Hour. “Chama mais alguém. Vamos jantar depois.”, foi o que ela disse, bem sutil, como se não fosse nada demais. Só uma sugestão inocente.

Jane topou na hora e ligou para o marido nos encontrar lá. Só faltava falar com Henry, então liguei para seu ramal.

- Não posso, é o meu fim de semana com as crianças.

- Leva eles. Só a Lucy e Jane que eu chamei, não tem ninguém demais e não tem mais nada a ver. Agora também não temos nada para esconder. - Completei e ri.

- Você quer que eu leve meus filhos de 11 e 15 anos para o bar?

- Se você for, a gente cancela o Happy Hour e vai direto para o restaurante.

- Só se eles quiserem ir.

Henry desligou avisando que me ligaria de novo quando falasse com as crianças. O que não aconteceu. Então supus que ele ficou muito ocupado ou não conseguiu falar com eles.

Como usual, fui para o estacionamento ao fim do expediente, Lucy ia de carona comigo, e Jane nos acompanhava porque nossas vagas ficavam todas próximas. O carro de Henry ainda estava lá quando cheguei. Em menos de cinco minutos ele apontou na porta de saída, corria.

- Oi! - Se aproximou ofegante. - Quase não te pego mais aqui. Não consegui ligar para eles, o sr. Smith apareceu na minha sala.

- O que dança ABBA? - Perguntei jocosa e ele riu negando com a cabeça. - Eu perdi mesmo essa festa?! - Reclamei fingindo chateação.

- Perdeu. - Henry falou.

- Uh-hum. - Jane concordou.

- Então, vamos? Você vai passar na casa da Kate para pegar as crianças? - Perguntei.

- Não, ela está vindo. - Arqueei uma sobrancelha para Henry e ele pegou o recado. - Vai chegar a qualquer momento. - Completou com um risinho.

Eu apostava meu carro que ela também estava tentando uma reconciliação.

Não mais que cinco minutos depois, ela realmente chegou. A mesma pose de sempre, cabelos esvoaçantes, salto 15cm e uma elegância inabalável.

- Oi, ! - Maddie foi quem chegou perto de nós primeiro, quase me derrubando ao me abraçar em um baque. O sr. Stein estava na empresa hoje, então eu estava propriamente vestida, e digamos que saltos tendem a me trair.

- Madison! - Ela gritou. - Olha os modos! Você quase derrubou a menina!

- Oi, Maddie. - Eu respondi um pouco insegura, olhando para sua mãe que não entendia nem um pouco o porquê de tanta afeição a mim.

- Oi, Henry. Oi, meninas. - Nos cumprimentou ao chegar perto. Tyler veio logo atrás e me deu um abraço também, acho que imitando a irmã.

- Desculpa! É que eu estou animada. - Respondeu à mãe - Você trouxe meu autógrafo?

- A-autógrafo? - Fiz uma careta para ela e encarei Henry, o qual deu um tapa na própria testa.

- Esqueci de pedi-la. - Henry explicou.

- Do que vocês estão falando? - Katherine perguntou o que rondava a minha mente.

- A Madison estava comigo em um dia que tivemos um problema na empresa. - Henry interviu com uma desculpa tão rápida que me surpreendeu.

- Eu falei com ela no telefone outro dia, mãe. Ela é namorada do Harry Styles.

- Oi? - Eu rebati imediatamente, mas fui ignorada.

- Meu pai disse que ela podia me arrumar um autógrafo.

Ah, você disse? - Eu olhei para Henry incrédula. Meu olhar dizia “Quando eu pedi para você se virar, não era isso que eu esperava.”, ele deu de ombros. Deve ter entendido.

- Ela não parava de falar dele depois que você soltou o nome.

Eu comecei a rir, não tinha o que fazer.

- Bem, eu não tenho um autógrafo agora, porque eu não sabia. Mas posso ligar para ele.

- O quê? Não, não precisa disso, . - Katherine interveio.

- Não, Katherine, não é problema nenhum.

- Pode me chamar de Kate. E obrigada. Ela o adora. Aquela banda toda.

- One Direction? - Maddie balançou a cabeça primeiro.

- Eu também. - Respondi rindo. E ela fez uma cara de “sério?”. - Uh-hum, eu conversei com o Louis pelo FaceTime outro dia. Foi incrível. - Contei em uma falsa tentativa de sussurrar e todo mundo riu.

Eu tentei fazer uma ligação para Harry naquele momento, mas ele não atendeu.

- É aniversário da , vocês querem ir? - Tyler deu de ombros, como tanto faz.

- Assim que Harry puder, ele vai me ligar de volta. - Falei para Madison, não que eu precisasse convencê-la de qualquer forma.

Katherine, que agora eu podia chamar de Kate, estava prestes a ir embora quando cutuquei Henry. Já estava na hora de colocar o plano em ação.

- Chama ela. - Sussurrei.

- O quê?

- Chama ela para ir! - Falei mais alto e ele finalmente entendeu.

- Kate! - Henry gritou numa decisão completamente impensada, fazendo com que ela se virasse assustada. - Quer ir conosco?

- Não, imagina, é o seu fim de semana com as crianças, além disso vocês vão comemorar um aniversário e eu não quero...

- Eu faço questão da sua presença. Vamos só jantar. - Intervi. - Se você não estiver ocupada, é claro.

- Tudo bem. - Ela sorriu cedente. - Então eu acompanho vocês.

Fomos em um italiano em West Hollywood mesmo. Eu estava morrendo de vontade de comer carbonara. Um vinho branco para acompanhar, alguma das pessoas que eu mais gostava e pronto, tinha uma receita de noite perfeita.

Jane não podia beber, ela já estava com por volta de sete meses de gravidez; isso foi motivo de piadas entre todos, que a comparamos aos filhos de Henry e Kate, que, logicamente, também não podiam beber.

Eu fiz questão que Henry e Kate se sentassem juntos de forma que parecesse que foi aleatório. Jane e Lucy sabiam que não estávamos mais juntos, mas ficaram um pouco confusas quando chamei Kate e mais ainda quando puxei as duas para que sentassem cada uma do meu lado, não deixando alternativa para o casal, senão, sentar juntos.

Foi ótimo ver os dois juntos, me deu uma ideia melhor do que achavam um do outro e de como era a dinâmica entre eles. Ela definitivamente ainda gostava dele também; não era muito difícil de perceber.

No decorrer do jantar, Henry me lançava alguns olhares como quem dissesse “acho que está dando certo”, ao passo em que eu sorria e meneava a cabeça discretamente.

- Vamos fazer um brinde. - Henry disse em determinado momento, o que chamou a atenção de todos. - Ao aniversário da .

- À . - Eu ouvi um a um repetindo enquanto erguiam suas taças.

Eu sorri encarando cada um dos rostos daquelas pessoas. Foi o momento em que mais senti falta de Harry na noite. Eu estaria mentindo se dissesse que não havia pensado nele durante todo o dia depois da ligação e, talvez, até antes disso. Eu queria muito que ele estivesse ali, por mais que eu estivesse rodeada de pessoas queridas e agradáveis, não era a mesma coisa sem ele, não era tão vívido.

Eu percebi ali, no brinde, que só faltava ele. Que onde quer que eu estivesse, se ele não estivesse junto, no meu coração sempre haveria um buraquinho vazio que só se preenchia com a sua presença.

E, puxa, como ele fazia falta.



*


Por um milagre, eu não acordei com dor de cabeça no dia seguinte, acho que não bebi o suficiente para isso, ainda bem.

Sábado, como de costume, eu desci até a lavanderia do prédio para lavar roupas, quando cheguei Elinor já me esperava. Ela sabia do meu aniversário e tinha me comprado um vaso com flores. Uma fofa, eu sei.

Passamos boa parte da manhã ali. Eu adorava esses momentos com ela, tínhamos ficado muito próximas nos últimos meses e estávamos ali quase todos os sábados e eu ia à casa dela pelo menos uma vez por mês para tomarmos chá. Eu me sentia bem com esse tempo que passávamos juntas, ainda mais porque ela já era mais velha e ficava sozinha. Eu não queria que ela ficasse sozinha e ao mesmo tempo ela também me fazia companhia. Não que eu me importasse em ficar sozinha, é claro.

Quando voltei para o meu apartamento, procurei imediatamente um lugar para deixar as flores, parecia que havia completado de forma única o ambiente, como se só faltasse aquilo.

Liguei o som e fui para a cozinha. O que eu prepararia para o almoço? Eu seria muito crucificada se fizesse macarrão de novo? Às vezes eu tinha a sensação de que só cozinhava macarrão, o que não era bem mentira. E parecia que era a única comida que eu sabia fazer, o que não era bem verdade. Dei de ombros e enchi uma panela com água. A campainha tocou.

“Estranho”, pensei. Eu não estava esperando ninguém. Nunca estava. Abri a porta dando de cara com a última pessoa que eu esperava ver naquele momento.

- Você gosta de Blues e Jazz? - Meus lábios formaram um sorriso para acompanhar o seu de covinhas.

Agora tocava “Feeling Good” de Nina Simone.

- “It’s a new dawn, It’s a new day, It’s a new life... (É uma nova manhã, é um novo dia, uma nova vida...)” - Puxei Harry pela mão já me mexendo ao som da música e fechei a porta.

- “...for me. And I’m feeling good (Para mim. E eu estou me sentindo bem)”. - E não hesitou em completar com sua voz sempre perfeitamente afinada.

Rimos e ele me abraçou.

- Feliz aniversário, Darling.

- Harry, o que você ‘tá fazendo aqui? - Eu o encarei com um sorriso de orelha a orelha.

- Você achou mesmo que eu perderia o seu aniversário?

- Mas, e a chuva? Como você fez?

- Não tinha chuva, pelo menos não no Japão.

- Co-como assim? - Ele revirou os olhos, eu dei um tapa em seu braço. O de praxe.

- Choveu, mas eu já estava no avião, tivemos que pousar em Dubai e aí cancelaram um dos voos... - Suspirou. - Uma longa história.

- Em Dubai? - Franzi o cenho.

- Uh-hum. No aeroporto de Qatar.

- Mas eu achei que você viesse do Japão para LA pelo oceano pacífico.

- Jeff me comprou uma passagem que vinha até San Francisco e aí teria que pegar outro voo para LA. Quando o avião teve que parar em Dubai, eu já sabia que não ia chegar a tempo ontem, então pensei em te pregar uma peça dizendo que não viria de jeito nenhum. - Sorriu cínico. - O bom é que de Dubai foi um voo direto. Fred me buscou no LAX não tem duas horas, ele me deixou direto aqui.

- Por isso você tocou campainha... - Comentei ligando os pontos. - Você se acha muito engraçado, não é?

- Eu acho que eu sou hilário. - Levantou as sobrancelhas duas vezes rápido. - Huh? - Deu um tapinha com as costas da mão no meu ombro.

- Idiota. - Revirei os olhos.

- Você ficou chateada porque eu não ia vir, não ficou?

- Eu? Não... - Levantei uma sobrancelha com desdém e dei as costas para ele, voltando para a cozinha.

- Pode dizer a verdade. - Insistiu quando já estávamos na cozinha.

Nem fodendo que eu admitiria isso. Eu já tinha admitido sentimentos demais pelo ano que mal havia começado. Eu tinha pelo menos uma média de 340 dias até precisar admitir algo de novo.

- Você é de verdade assim tão narcisista? - Isso fez com que ele gargalhasse.

- O que você está cozinhando, babe?

- Espaguete.

- De quê?

- Não sei ainda. Agora que você chegou, posso descartar à bolonhesa.

- Eu te admiro por isso, você sabe, não sabe?

- Pelo quê? - Encarei-o confusa.

- Por esse esforço em respeitar o fato de que não como carne.

- Harold, não é esforço algum!

- Tem razão. Essa sua facilidade em descartar qualquer coisa que contenha carne quando estamos juntos. Talvez eu não diga isso o suficiente, mas eu reconheço cada uma dessas vezes. Por mais que você sempre faça parecer como se não fosse nada. Obrigado.

- Imagina. - Dei de ombros. Para mim realmente não era nada de mais fazer aquilo. - Você deve estar cansado, quer tomar um banho?

- Quero. Não vou mentir, eu poderia dormir agora.

- Toma banho e dorme, quando ficar pronto eu te chamo.

- O aniversário é seu. Eu que deveria estar cozinhando para você.

- Você paga o jantar mais tarde. - Pisquei.

- Ah, com toda a certeza. - Piscou de volta.



- Então, já decidiu aonde quer ir? - Harry me perguntou pela milésima vez enquanto eu terminava de me arrumar.

- Você que mora aqui há anos, sabe os melhores lugares.

- Okay. O que você quer comer?

- Não sei. - Dei de ombros. - Têm tantas opções. - Ele revirou os olhos pela terceira ou quarta vez desde que começara a me perguntar sobre onde iríamos. - Que tal o Nobu? Acho que quero comida Japonesa.

- Sério?

- O quê?

- , é o seu aniversário e você está na Califórnia com um cara com uma conta bancária de 8 dígitos. E você quer ir ao Nobu?

- Não é qualquer cara. É Harry Styles, famoso e – enfatizei irônica, uma pausa dramática – com uma conta bancária de 8 dígitos.

- Só quero dizer que eu poderia alugar um barco na baia em Marina Del Rey. - Pensou um pouco. - Eu poderia alugar um jatinho e em uma hora estaríamos em Las Vegas ou qualquer merda assim.

- Nunca que você poderia alugar um jatinho e chegar em Las Vegas em uma hora. Esses trâmites de aluguel demoram.

- Você e sua racionalidade são umas estraga-prazeres, sabia?

- Não tenho culpa se você não sabe fazer cálculo. - Soltei um risinho.

- Pra sua informação, poderíamos, sim, estar lá em uma hora. Se eu já tivesse resolvido isso antes de chegar aqui.

- Harry!

- Estou brincando! Eu só queria deixar claro que você tem todas as opções que quiser aqui.

- Harry, desde quando eu me importo com fazer passeios chiques e exclusivos? Desde quando você acha que eu me importo com isso?

- Tudo bem, tudo bem! - Revirou os olhos, se dando por vencido. - Nobu será!

- Obrigada. - Irônica.

Resmungando eu terminei de me arrumar e saímos. Demorávamos uma hora da minha casa até Malibu. Até parece que chegaríamos em Las Vegas com uma hora. Bufei sozinha enquanto pensava nisso, Harry ao meu lado sentado no banco do passageiro nunca poderia imaginar o que se passava na minha cabeça naquele momento, tendo como única pista a cara feia que eu provavelmente estava fazendo. Tínhamos invertido os papéis hoje, ele sempre dirigia na ida para os lugares, mas por algum motivo, eu que o fiz. Talvez fosse porque estávamos no meu carro.

Eu entendi o que Harry quis dizer com ser o meu aniversário. Ir jantar com ele no sábado à noite era algo que sempre fazíamos, não tinha nada de “especial” ou diferente nisso. Era nossa rotina, era conforto. E era exatamente isso que eu precisava. Eu não precisava de grandes gestos ou de ir para lugares caros (não que o Nobu fosse barato, mas você entendeu o ponto.), eu não precisava de Harry gastando rios de dinheiro para me agradar só porque era meu aniversário. Talvez se não tivesse acontecido tudo o que aconteceu, eu até aceitasse o jatinho para Las Vegas, até porque era Las Vegas, né?! Porém, ao considerar a situação atual da minha vida, tudo o que eu queria era uma das minhas comidas favoritas e a companhia de Harry. Básico e sem muito drama.

Eu até cheguei a começar a explicar isso para ele enquanto esperávamos o manobrista nos estregar a chave do carro para irmos embora. Mas ele disse que não precisava. Ele entendia. Eu sabia que ele entendia e que também sabia exatamente todos os meus motivos.

- Ah, eu quase ia me esquecendo! - Harry disse ao parar o carro num semáforo. Tínhamos saído do estacionamento mais do que depressa. Nunca se sabe quando tem paparazzi e onde estão escondidos.

- Do quê? - Eu perguntei confusa.

- Abre o porta-luvas. - Pediu e assim eu o fiz, imediatamente localizando o que provavelmente seria para mim.

- Presente? Que horas você colocou isso aqui?

- Eu mesmo embrulhei. - Fez uma cara de convencido, a qual só consegui ver porque estava inclinada para bem perto dele.

- Agora eu realmente estou lisonjeada. Sendo colocada na mesma categoria que Louis Tomlinson e tendo meu presente de Harry Styles sendo pessoalmente embrulhado por ele mesmo?!

Eu ri um pouco da ironia de estar citando Louis pela terceira vez em assuntos completamente opostos em menos de 30 horas. Ele era meu exemplo para tudo mesmo. Incrível.

- Eu vou te bater! - Ele disse em um riso esganiçado.

- O quê? Primeiro ameaçador e agora agressor? - Brinquei, fingindo estar assustada.

- Ameaçador? - Rebateu confuso.

- É! Não pense que esqueci quando você queria se vingar de mim na casa da sua mãe.

- E me vinguei. E não aja como se você não gostasse de uns tapas. - Gargalhei.

- Desde quando tudo o que a gente fala se transforma em algo com cunho sexual?

- Tudo bem, não fui eu quem embrulhou. - Ele desviou o assunto.

- Merda! - Exclamei. - Não dá para competir mesmo com o Louis.

- Quer calar a boca e abrir logo?

Era uma caixa pequena, quase do tamanho de uma caixa de joia...

Arregalei os olhos e meu coração acelerou quando me dei conta. Era, sim, uma caixa de joia, era óbvio, e eu nem precisava desembrulhar o papel para ter certeza.

- Meu Deus, Harry! - Exclamei de novo. - Isso deve ter custado uma fortuna!

- Gostou? - Virou a cabeça por só um momento para ver minha reação.

- Depois disso eu duvido que você ainda tenha 8 dígitos no banco. - Ele gargalhou.

Eu desprendi a corrente fina muito delicada de dentro da caixinha, segurando-a bem próxima dos meus olhos para ver os detalhes.

Era um colar com dois pingentes bem pequenos, um era um morango e o outro um violão, ou talvez uma guitarra, eu não saberia distinguir. Tudo em dourado. Era a combinação perfeita entre o meu gosto minimalista, por causa dos pingentes delicados; e o de Harry, por causa da estética contida na sobreposição de dois pingentes num só cordão.

- Espero que goste de acessórios dourados. Quero dizer, também poderia ser prata, mas eu acho que dourado é definitivamente a sua cor. E você também pode usar um de cada vez se quiser, sabe, os pingentes. - Ele quase gaguejava.

- Eu amei, Harry. Obrigada. É perfeito.

Eu o ouvi suspirar aliviado.

- Então valeu a pena não ter mais os 8 dígitos. - Revirei os olhos.

Como eu poderia arriscar tudo isso? Eu nunca teria coragem. Ter uma pessoa como Harry por perto é como ganhar na loteria, com um prêmio numa quantia de 8 dígitos e tudo. Mesmo que fosse para ser sempre só a amiga.

Você permaneceria? Se soubesse de tudo o que eu tenho para te dizer? Se soubesse de tudo o que eu sinto por você?

- Você é um idiota, sabia? - Ele negou com a cabeça, mas não conseguia parar de rir. - Ah, você pode me dar um autógrafo?

Eu não poderia arriscar tudo. Falar pode ser um erro. O que você faria se soubesse, Harry?

- Um autógrafo? - Me perguntou confuso diante da mudança repentina de assunto.

Eu sou uma idiota.

Pessoas apaixonadas agem como tolos, mesmo.

- É. É que a filha do Henry descobriu que eu estava com você aquele dia no natal e ela o fez prometer que me pediria para te pedir um autógrafo.

- O Henry tem uma filha? - Harry perguntou num tom surpreso, mais porque não sabia disso do que pelo conteúdo da informação em si.

- Uma filha e um filho.

Eu não falava muito sobre Henry para Harry. Ele só sabia que ficávamos, sem muitos detalhes, não sabia quando, quantas vezes eu o via, nada disso. Eu também não comentava nada. Eu nem comentei que não ficávamos mais, também.

- Ela tem 15 anos. E consegue ser o reflexo perfeito da adolescente chata e menina adorável ao mesmo tempo.

Harry não questionou nada.

- Ahn, é claro. Você me lembra quando chegarmos em casa?

Concordei. Não estávamos muito longe, entrávamos em Hollywood já.

- Eu só vou fazer uma parada. Seu carro precisa abastecer. Mas fique longe do cupom de pagamento! - Me advertiu.

- Depois desse presente, eu deveria pagar o seu combustível pelo resto do mês.

- O mês acaba em uma semana, .

- Exatamente. - Pisquei e Harry caiu na gargalhada assim que entendeu.

- E eu achei que você estava sendo benevolente.

- Você espera muito de mim. - Gargalhei também.



Assim que Harry saltou do carro e estava fora da minha vista lá pela lateral o abastecendo, eu peguei minha bolsa que havia jogado no banco de trás. – Que, por ironia, Henry havia me dado de presente de natal. – De lá, retirei o presente de Harry; compacto o bastante para caber na bolsa.

Eu havia o trazido porque pensei que se já presenteasse Harry agora, o deixaria mais convencido de que não nos veríamos mesmo. Ele tinha tocado no assunto de me comprar passagens de novo outro dia. Da primeira vez, eu logicamente não levei a sério e pensei que ele só estava sendo educado porque eu tinha reclamado que não o veria bem no seu aniversário. Mas, dessa outra vez, ele sugeriu sem nem estarmos falando sobre o assunto. Por isso decidi fazer essa surpresa. Seria legal para mim também. Afinal, eu viajaria para o Japão. Incrível.

Encarei a pequena caixa em minhas mãos, apenas um pouco maior do que a que eu havia ganhado de Harry, enrolada num laço de cetim comprado numa lojinha qualquer. Eu já tinha aceitado o fato de que Harry sempre me superaria em questão de preços de presentes. Principalmente se ele continuasse sendo criativo assim. Eu duvido que exista algo tão específico quanto um pingente de morango e de violão quanto aqueles. Aquilo era algo personalizado, eu não tinha dúvidas, imediatamente me lembrei do violão com as minhas iniciais gravadas. Eu queria matar Harry ao pensar no preço que essa joia pode ter custado.

Enfim, voltando para o meu presente para ele... Apesar de saber que nunca o superaria em valor material, eu estava orgulhosa do valor sentimental que aquele presente reunia. Eu tinha selecionado algumas das músicas que costumávamos ouvir juntos, as que mais ouvíamos, ou as que eu mais gostava e também as que mais me lembravam de Harry quando eu ainda estava no Brasil e não o conhecia. Eu tinha feito um compilado de todas essas músicas e as reunido numa fita cassete.

Era uma mixtape.

Uma mixtape que consistia no Lado A: músicas internacionais; e Lado B: músicas brasileiras. Harry já tinha ouvido algumas músicas do Lado B, mas outras seriam inéditas para seus ouvidos. As do Lado A ele conhecia todas, provavelmente, embora algumas nunca tenhamos escutado juntos.

O lance da fita cassete era simples: Eu havia feito uma mixtape porque queria trazer de volta uma vibe meio anos 80/90 e, como Harry tinha vários carros antigos, era a minha versão de playlist só que do século XX, para que ele ouvisse dirigindo. Sim, acredite, existem carros que o som tem entrada para fita cassete. De qualquer forma, dentro da caixinha e junto com a fita, eu também coloquei toda a mixtape em formato de pendrive. Qual é! Eu não era tão oldschool assim para não ter uma cópia digital. E também, um bilhete. Ok, na verdade era uma carta. Eu também percebi que gostava de escrever bilhetes e entregá-los junto com presentes.

As músicas são as seguintes:

Lado A

Graceland – Paul Simon (A gente ama essa);

Scarborough Fair / Canticle – Simon & Garfunkel;

Sledgehammer - Peter Gabriel;

Vapour Trail – Ride;


Kiwi – Harry Styles (Essa não poderia faltar);

Feeling Good – Nina Simone (Já ficou na cara qual playlist eu estava ouvindo mais cedo quando ele chegou de surpresa?);

Rooms on Fire – Stevie Nicks (Ele ama essa, só entrou na fita por isso);

Do I Wanna Know? – Arctic Monkeys (Essa a gente faz karoakê no carro sempre);

Temporary Fix – One Direction (Essa só entrou porque eu gosto da ironia);

1950 – King Princess (Ele me viciou total nessa música);

Landslide – Fleetwood Mac;

What Makes You Beautiful – One Direction (Guilty Pleasure de Harry Styles, não poderia deixar de fora; eu mesma não suporto mais ouvir);

Sunflower, vol. 4 (demo) – Harry Styles; (Era mais uma gravação de áudio que ele me enviou por mensagens)

Count On Me – Bruno Mars (Trilha sonora da nossa amizade, pode entrar);

My Old Man – Joni Mitchell;

Atlas – Shannon Saunders;

Faith – George Michael;

Breathe (In the Air) – Pink Floyd;

I Don’t Wanna Miss A Thing – Aerosmith;

Don’t Stop Believin’ – Journey.


Eu poderia fazer parênteses em cada uma dessas músicas, mas acho que talvez fosse ficar chato. A verdade é que consigo pensar em pelo menos uma memória engraçada para cada música, algumas memórias com Harry, outras, sem ele.




Voltávamos de algum lugar que eu não me lembro onde agora, eu dirigia e Harry ficava trocando de música sem parar.

- Dá para você deixar uma música rolar inteira? - Eu reclamei, já irritada.

Nem tudo são flores, meus amigos. Para quem romantiza os nossos passeios de carro, talvez seja um choque descobrir que a gente briga sobre as músicas mais do que gostaríamos de admitir.

- Nossa, mas você está chata hoje. - Rebateu.





Eu acho que a gente tinha brigado por alguma outra coisa que também não me lembro. Só sei que ele não teria falado assim comigo se fosse só pela música.




- Se você tivesse me deixado escolher a playlist, isso não estaria acontecendo.

- Mas é você quem sempre dirige na volta e eu tomo conta da playlist!

- Bem, talvez devêssemos ter mudado hoje.

- Chata.

- Implicante.

- Azeda.

- Ah, cala a boca.

Eu tomei o controle do som da sua mão.

- Desisto. Acho que já ouvimos todas as músicas do mundo.

- Melodramático.

- Eu ‘tô tentando fazer com que a gente pare com a troca de ofensas aqui, .

- Você quem começou, Styles. - Debochei antes de dar de ombros.

- Muito madura.

- Essa fala é minha! - Ele suspirou. - Tudo bem, desculpa. - Eu cedi. - Por que a gente está brigando mesmo?

- Porque você é chata.

- Achei que a gente tinha parado de rebater ofensas um contra o outro. - Retruquei debochada.

- Desculpa, eu não resisti. - Ele gargalhou ao responder, mais descontraído. Bipolar, eu diria.

A gente nunca brigava de verdade sobre essas coisas bobas. Nada que durasse mais do que uma troca de farpadas inofensivas.

Levou o dedo nervoso até o som, apertando o botão de mudar de faixa. Dei um tapa em sua mão.

- Ouch! Sem me agredir, por favor.

Eu ia chamá-lo de dramático de novo, mas me distrai ao reconhecer o arranjo melódico extremamente familiar que saia através das caixas de som espalhadas pelo veículo.

- Por que está rindo? Você não conhecia essa música? - Harry perguntou confuso diante da minha mudança de humor.

Well, I guess it would be nice
If I could touch your body

- Não, eu conhecia. Claro que conheço! - Balancei a cabeça de um lado para o outro na horizontal, contendo um riso nasalado conforme a ideia da próxima implicância tomava forma em minha mente. - Eu só tinha me esquecido que você a tinha copiado na cara dura.

- Ei! Eu não copiei! - Estava ofendido.

- Harry, você tem uma frase exatamente igual na sua música.

- Foi só uma inspiração.

- Okay. Qualquer coisa que te faça dormir à noite.





O Lado B me trazia muito mais memórias de quando Harry era apenas um rosto num pôster na parede do meu quarto. Mas que eu, enquanto como qualquer outro ser humano, ainda sonhava e tinha esperanças. Entenda isso como quiser.

Lado B

Espatódea – Nando Reis;

O Leãozinho (ao vivo) – Caetano Veloso e Maria Gadú
(Eu fico cantarolando essa para ele, principalmente quando ele prende o cabelo em um topete com um prendedor);

Eu Te Devoro – Djavan;

All Star – Nando Reis
(Ele adora o título dessa);

Amigos Até Certa Instância – Jovem Dionisio (Essa só entrou porque eu gosto da ironia);

Que Estrago – Letrux;

N – Nando Reis;

Chamego Meu – ANAVITORIA;

Luz Que Me Traz Paz – Maneva;

Trevo (Tu) – ANAVITORIA e Tiago Iorc
(Demorei só cinco minutos – um recorde – para explicar o que significava “trevo” quando ouvimos essa música na primeira vez);

Por Você – Frejat;

Aonde Quer Que Eu Vá – Os Paralamas do Sucesso;

Pisando Descalço – Maneva;

Você Me Encantou Demais – Natiruts
(Uma das minhas preferidas);

Supera – Marília Mendonça (Desculpa, eu não resisti).

Eu sei. Talvez a parte em português seja bem romântica, mas temos que considerar que a maioria - não todas - das músicas eram ouvidas quando eu estava no Brasil e sonhava em conhecer Harry. Eu era permeada por toda aquela aura de endeusamento do ídolo e tal. Espero que minha justificativa seja suficiente para que isso seja relevado aqui. Eu juro que melhorei.

Três ou quatro memórias específicas tomavam destaque em minha mente. Era até difícil escolher só uma para contar.




O ano era 2013. Eu estava no último período de Design e no primeiro de Administração, que fiz em EAD para conseguir conciliar com meu trabalho na empresa. Eu ainda não trabalhava em logística e, por isso, não tinha me mudado para São Paulo. Trabalhava igual a uma cachorra e estudava mais ainda. Não que isso tivesse mudado ao longo dos anos, mas com certeza era pior.

“One Direction anuncia primeira turnê na América do Sul”, era o que a notícia dizia. Todo o twitter entrou em colapso. Eu precisava ir nesse show.

Foram dias de ansiedade em que eu dormia e acordava pensando nesses ingressos.

“E se eu não conseguir comprar?”

“E se eu não conseguir pagar?”

“Eu vou em São Paulo ou no Rio de Janeiro?” “Lógico que no que eu conseguir comprar ingressos”

Se meu pai me via sozinha em algum cômodo, ele fugia. Minha mãe me mandava calar a boca de cinco em cinco minutos. Ninguém aguentava mais me ouvir falando desse show que eu sequer tinha ingressos.

- Você vai conseguir comprar, não se preocupe. - André tentava me acalmar, ele era o único ali que me entendia minimamente.

- Você vai comigo?

- Não força a barra.

- Pô, André! O que custa?

- Eu vou estar ocupado.

- Como você sabe que vai estar ocupado? O Show é em maio do ano que vem!

- Porque qualquer coisa que eu fizer é mais interessante.

- Assim você me magoa.

- Sem chantagem emocional! Desculpa, mana, mas essa eu vou ter que recusar.

Tivemos vários diálogos parecidos com esse ao longo dos meses até a abertura das vendas dos ingressos. As vendas começaram à meia noite e eu passei o dia inteiro elétrica e a noite em claro por causa da adrenalina depois de conseguir comprar dois ingressos, Rio de Janeiro, uma quinta-feira.

“Dois?” Você deve estar se perguntando. Sim, eu consegui convencer André a ir comigo eventualmente.

O show ainda demoraria alguns meses. O show ainda demoraria alguns meses!!!! E eu fui ingênua, não contei com isso, não pensei na possibilidade. Eu não tinha informação do calendário da faculdade para a época ainda. E essa foi a minha rasteira.

O ano de 2014 chegou, muitas expectativas, recém formada em Design de Interiores e tinha ido para o segundo período de Administração, agora presencial. Eu já tinha começado a ser notada no trabalho, estava sendo delegada para algumas tarefas de maior responsabilidade. Os gerentes sabiam que eu estava estudando na área. Tudo caminhava perfeitamente bem.

As aulas começaram. As duas semanas padrão para aplicação de provas? Programadas justamente para a semana dos shows aqui e a semana seguinte. Eu tinha 20 anos. E, com o drama da adolescência ainda fresco em minhas veias, eu queria morrer.

Eu faltaria. Perderia a prova. Foi o meu primeiro pensamento.

Depois, comecei a raciocinar sobre isso. Eu poderia trocar o ingresso para São Paulo, sábado.

Mas eu precisava do fim de semana para estudar para a outra semana de provas que viria.

Eu faltaria à prova na quinta. Voltei a pensar.

E assim levei meu pensamento a trancos e barrancos pelos meses que se seguiram. O plano parecia perfeito. Eu pediria folga na quinta e sexta, viajaria quinta de manhã e voltaria na sexta à tarde, bem a tempo de ir para a faculdade fazer a prova do dia.

Parecia o plano perfeito. E talvez realmente fosse.

Até eu me ver afundando na matéria de quinta-feira. Sim, esse é o meu passado obscuro. Talvez eu não fosse tão nerd quanto aparentava ser, porque eu estava com uma dificuldade fodida de entender a matéria e as minhas notas estavam horríveis. Se eu perdesse a prova, eu reprovaria com toda a certeza.

Quando eu vendi meus ingressos, dois dias antes do show, eu estava deitada na minha cama olhando para o teto, chorava compulsivamente, me sentindo uma fraude como fã.

Por você eu dançaria tango no teto
Eu limparia os trilhos do metrô
Eu iria a pé do Rio a Salvador

Eu me declarava uma super fã e não tinha conseguido fazer nem isso por eles. Ir em um maldito show.

Eu aceitaria a vida como ela é





Eu achava que aquele tinha sido o pior dilema da minha vida até o ano passado. Incrível como ter um irmão morto muda drasticamente suas perspectivas.

Com o passar dos anos, acabei me perdoando por perder o show. Eu entendi que eu tinha feito algo por alguém: eu mesma. Eu aceitei a vida como ela é, assim como a música que eu tanto dedicava a eles dizia. Eu aceitei que as coisas deveriam ter sido daquele jeito. Assim como aceitei sobre André.

No fim, a prova realmente me salvou de repetir a matéria. Talvez se eu não tivesse a feito, talvez, não; com certeza isso teria atrasado minha formatura e teria causado um efeito dominó na minha vida profissional. Quais poderiam ter sido os rumos que o meu destino tomaria se essa decisão tivesse sido diferente? Talvez eu nem estivesse bem aqui hoje, em Los Angeles, sentada no banco do passageiro do meu carro dos sonhos, esperando Harry Styles abastecê-lo.

“Eu faria muita coisa por você.”, me lembrei daquela ligação que tivemos quando busquei Docinho no aeroporto. E me lembro de como escolhi bem aquelas palavras, porque eu realmente quis dizer aquilo. Porque eu faria muita coisa, desde que isso não custasse a minha carreira. E por isso, eu nunca poderia fazer “tudo”.

Eu não faria tudo por você, Harry, mas tudo o que eu fizesse teria sido decidido do fundo do meu coração.

Ele abriu a porta do carro.

- Você demorou. - Comentei.

- A balconista era uma fã. Meu Deus, como ela fala. Eu devo ter gravado vídeos mandando oi para umas quatro amigas diferentes.

- Ah, pobre coitado do Harry Styles. Como é difícil ser famoso. - Eu debochei e ele riu, desviando o olhar do meu rosto para a caixa nas minhas mãos pela primeira vez.

- O que é isso? - Perguntou curioso.

- Bem, já que não vamos nos ver no dia do seu aniversário, pensei em te dar seu presente de uma vez. - Entreguei a caixinha em suas mãos.

Como sempre o papel com o recadinho cobria o conteúdo ao fundo. Harry então primeiro pegou o papel, que era uma folha de caderno qualquer que eu tinha em casa e que estava dobrada ao meio. Quando abriu e viu que era longa, deixou-a em uma das pernas para ver o restante do conteúdo da caixa.

- Uma fita cassete? - Perguntou olhando o verso, no qual cuidadosamente escrevi cada uma das músicas separadas pelo Lado A e Lado B. - Você é a pessoa mais criativa que eu conheço. - Elogiou ao terminar de ler cada um dos títulos.

- É uma mixtape. Como as pessoas presenteavam músicas que gostavam e que lembravam quem elas amavam em algum momento uns 30 anos atrás.

- Excelente escolha de músicas. Apesar de eu não ter reconhecido metade das em português.

- Eu queria que você conhecesse algumas novas. O Brasil tem uma cultura linda.

- Eu tenho certeza disso. - Desviou o olhar da fita em seu colo e me encarou. - Obrigado. - Disse muito sincero. - Eu adorei de verdade. Minha mãe vai ter um problema para conseguir superar o seu presente. - Eu dei uma gargalhada.

- Fico feliz que tenha gostado. Eu escolhi seu presente de aniversário primeiro do que o de natal. Então eu fiz tudo com muito carinho.

- , melhor do que me comprar acessórios vintage, só fazendo algo a mão para mim. Sério. Você não poderia ter acertado mais.

Harry me puxou para um abraço, daqueles desengonçados, porque se você se esqueceu, ainda estávamos dentro do carro!!

- Posso ler agora? Você se importa? - Tinha pegado a carta de novo.

- Não. Vá em frente. - Eu estava ansiosa para que ele lesse, naquele papel havia uma explicação muito mais real e profunda para o motivo daquele presente.



Dear Harry,

Enquanto escrevo essa nota para você, eu penso sobre as músicas que eu escolhi para compor essa fita cassete (e o pendrive, que você já deve ter visto também. Na verdade, não sei quais dos seus carros antigos tem entrada para fita, mas sei que você tem um toca fitas em Londres, eu vi. ;) Mas fiz essa versão “digital” para você tocar as músicas enquanto estiver dirigindo sozinho algum dos seus carros antigos que não tem conexão bluetooth, e poder sentir como se eu estivesse com você lá!)

O que eu realmente penso sobre essas músicas é, na verdade, sobre o fato de como elas me fazem pensar em todas as nossas memórias juntos e também em todas as minhas memórias de um passado não tão distante, de quando você existia apenas nos meus sonhos. E agora, quando você não está por perto, mas sempre nos meus pensamentos.

Eu também penso sobre como essas músicas são importantes e significativas para outras pessoas e o que elas sentiram e ainda sentem, o bom e o ruim, enquanto as ouvem. Porque alguém uma vez me disse que sentir, seja o bom ou o ruim, é o que nos faz nos sentirmos humanos. ;)

Eu amaria ter escrito qualquer uma dessas músicas, porque elas realmente significam muitas coisas lindas para mim. E eu espero que elas sempre te façam tão feliz quanto me fazem.

Feliz aniversário e eu te amo.

Sua,
.

P.s.: Eu acho que essa nota virou uma carta.
P.s.s.: Eu espero que você goste de recebê-las. (quero dizer, cartas)




Eu poderia dizer que vi os olhos de Harry se encherem de lágrimas, mas não vou dar certeza.

- , eu não quero ir para casa.

- Por que não?

- Porque precisamos sair dirigindo pela cidade enquanto essas músicas tocam.

- Tudo bem. Então vamos! - Eu concordei com uma risada breve.

Ouvimos uma buzina e olhamos para trás ao mesmo tempo, os olhos arregalados, assustados.

Havia um carro esperando para abastecer.

Nós nos encaramos de novo e começamos a gargalhar.

- Vamos! - Harry confirmou, já dando partida.

E então só havia um pensamento em minha cabeça, como um déjàvu.

“Com você? Para qualquer lugar”.


21. Do you think is easy being of the jealous kind?

FEVEREIRO, 2019
Um mês e meio atrás




A minha viagem para o Japão foi super tranquila. Comprei um voo com uma conexão, porque era metade do valor de um voo direto. Um absurdo, eu sei.

Era sábado, dia 02 no Japão e, portanto, oficialmente não mais aniversário de Harry. Ele e os amigos – todos do Japão – tinham montado praticamente um roteiro de coisas para fazer em seu aniversário, o final de semana seria todo de comemorações para ele.

Eu sabia qual era o nome do hotel que Harry estava ficando, porque ele tinha me mandado uma foto da entrada para eu ver como era bonito. Então reservei uma diária lá. A internet borbulhava de rumores de que a estadia longa de Harry no Japão era por causa de uma modelo, Kiko Mizuhara. Eu não sabia se era verdade ou não, então não queria tomar como garantido que eu ficaria no quarto dele. Até porque se ele estivesse com ela, eu não queria atrapalhar nada.

Eu não o avisei nem mesmo que estava indo, foi totalmente surpresa. Eu deveria ter filmado a cara dele quando abri a porta do quarto na casa de seu amigo. Harry tinha dormido lá porque aparentemente ele estava muito louco para ir para o hotel sozinho na noite anterior.

- Então você passou a tarde toda em uma cafeteria sozinho? - Perguntei, incrédula.

Harry estava me contando sobre como havia sido seu aniversário no dia anterior.

- Sim. Lendo Norwegian Wood.

- Como a música dos Beatles?

- Exatamente por causa da música dos Beatles. - Respondeu.

- E o que aconteceu com My Policeman?

- Já terminei. - Deu de ombros.

- E aí? Gostou?

- Definitivamente um dos meus preferidos que li ano passado. Por falar em livro, quando voltar para LA e eu for devolver o seu, quero te emprestar um.

- Qual?

- In Watermelon Sugar.

- Nunca ouvi falar.

- Foi através dele que descobri esse que estou lendo agora.

- E você gostou?

- Você não faz ideia do quanto. - Deu uma risadinha que não entendi muito bem o sentido. - É muito importante para mim que você leia esse.

- Como assim?

- Você precisa ler e depois eu te explico. - Fiz cara de confusa.

- Tudo bem. - Concordei mesmo assim. - E depois?

- Depois o quê?

- Depois que você passou a tarde toda sozinho?

- A gente foi jantar fora e fomos em um bar. Sabe aquele programa, Queer Eye? - “Sim”, respondi. - O Kizuku é amigo de um dos apresentadores, o Bobby.

Kizuku era o dono da casa. O que tem um cachorro com instagram.

- Qual é o Bobby?

- Um loiro. - Assenti. - Encontramos com ele ontem, que ficou de ir hoje de novo no bar que vamos. Ele é super engraçado. Daqueles que fica do seu lado zombando se você está bebendo devagar.

- Agora está explicado porque você dormiu até tão tarde. Deve ter morrido de beber. - Harry gargalhou.

A expressão “morrer de fazer algo”, não fazia o menor sentido em inglês para ninguém de outro país. Mas para Harry fazia, porque eu tinha ensinado o significado.

- Ele e o marido bebem como peixes.*

Harry e eu já tínhamos voltado para o hotel para nos arrumarmos para a noite. É claro que ele me fez levar todas as minhas coisas para o quarto dele, depois de quase ficar irritado explicando que nunca tinha sequer visto pessoalmente a tal da Kiko. “Você sabe que se eu tivesse algo com ela, eu te contaria.”, foi o que ele disse. E, bem, eu acredito que ele contaria mesmo.

A noite de hoje era em um karaokê-bar. Quando chegamos, Harry já foi imediatamente em direção à algumas pessoas em uma mesa, conhecia todos muito bem.

- , esses são Kunich, Sean e Himawari. - Harry apontou para cada dono dos nomes enquanto eu dava um aperto de mão em cumprimento.

- Himawari. - Repeti quando cumprimentei o último deles. - Sunflower. - Olhei para Harry tentando não esboçar nenhuma reação.

- Sim, meu nome em inglês significa girassol. Você fala japonês? - Himawari me perguntou.

Antes de responder, eu deixei que minhas memórias me levassem de volta para o meio do mês de outubro.




- Eu odeio você. - Proferiu em um riso soprado.

- Eu só sou uma boa amiga e presto atenção em tudo o que você desabafa comigo. O que tem para odiar em uma excelente confidente?

- Cala a boca e termina seu café.

E rindo se levantou da cama, fazendo uma saída teatral para fora do quarto.

- Ei! - Gritei. - Volta aqui! Você ainda não me contou o que aconteceu para você ter escrito a metade de Sunflower que não é sobre nós!

- Bloody Hell, ! Você não vai me deixar em paz enquanto eu não te contar, não é? - Harry respondeu ao voltar para trás exatamente como fazia quando fingia que iria embora de entrevistas ao receber perguntas constrangedoras.

- Não, tudo bem. Se você não quiser me contar, eu não pergunto mais. - Levantei os braços em sinal de rendição, fazendo drama e em seguida tomei outro gole do café. A bandeja de café da manhã que ele havia trazido para a cama já estava quase vazia.

- Unfffff. Você sabe que eu estou só brincando. Desde quando eu consigo ficar sem te contar alguma coisa? - Riu voltando a se sentar na cama.

- Não sei. Às vezes quando o assunto é muito sério você fica meio introspectivo. - Dei de ombros.

- Ah, . Qual é?!

- “Ah, ” nada. Eu ‘tô mentindo agora?

- Não. - Harry demorou a responder, contrariado.

- Eu não quero ser invasiva. Você não precisa me contar tudo.

- Eu te conto porque eu quero. Porque você é minha amiga e eu confio em você para dividir as coisas. Todo mundo precisa de alguém para contar os problemas e pedir opiniões, do contrário, não seria possível que chegássemos a ver as coisas com mais clareza.

- Isso é diferente. Você já resolveu. Só me contaria para sanar minhas curiosidades.

- Bem... Digamos que não está assim tão resolvido?

- Harry! Você está com problemas esse tempo todo e não me falou nada? Você contou para alguém?

- Não. - Olhou para baixo, arrumando os anéis nos dedos.

- Está vendo o que eu acabei de dizer? Você só me conta as coisas depois que as resolveu. Foi assim desde o começo, desde a Sophie. - Falei o nome dela e isso fez com que Harry fizesse uma careta. - Você tem essa mania de querer resolver tudo sozinho! - Bufei. - O que aconteceu? Você está bem? Quer conversar sobre isso agora?

- Corações quebrados são inevitáveis, . Não dá para ficar bem o tempo todo.

A resposta de Harry foi como levar um banho de água fria ou um soco na boca do estômago. Eu achava que poderia resolver todos os seus problemas só porque não suportava a ideia de vê-lo triste. Mas a verdade é que eu nunca poderia protegê-lo de todo o mal do mundo e menos ainda curá-lo sendo aquela pessoa que sempre está “ali” por ele. Isso era muito pouco. Estar perto e ser alguém disponível para ouvi-lo era tudo o que eu podia oferecer e aquilo não era nada. Quem eu era e o que eu sabia da vida para que meus conselhos e opiniões pudessem ser capazes de consertar tudo?

- Eu sei, Harold.

- Eu não tenho medo de pular de cabeça nos meus sentimentos. Isso é o que nos faz sentirmos humanos, e, seja bom ou ruim, é a vida, .

- Eu sei. - Repeti. - Mas eu tenho medo por você. Essa intensidade toda... Quando você está num momento bom, é quando você sente o melhor. Mas quando algo ruim acontece, é um dos momentos em que você mais se sente mal. Você vai nos extremos e isso me assusta. Porque eu nunca quero te ver mal.

- Obrigado por se importar tanto comigo. - Assenti com a cabeça. - Eu só... - Ponderou antes de voltar a falar. - Quero viver tudo o que há para viver. Não é que eu goste de me sentir mal, ninguém gosta, não é? Mas não quero evitar, eu não posso me fechar quando as coisas dão errado, eu quero ser aberto.

Eu não soube o que responder.

- É por isso que eu te conto, mas nem sempre quando aquilo ainda está me machucando. Porque é por isso que eu escrevo; quando algo me machuca, é através da música que eu coloco para fora, é na música que eu posso ser patético, engraçado, dramático, gótico, exagerado... Tratar tudo como se fosse o fim do mundo, sendo que nem sempre é.

Ele voltou a se sentar na beira na cama.

- E, às vezes, não parece bom preocupar meus amigos com alguma reação que pode ser exagerada, sabe? Eu escrevo o que me incomoda e depois... depois tudo passa. Não parece mais ser tão ruim como era. Eu sigo em frente. E se realmente não passar, aí sim eu procuro alguém para conversar, faço terapia, sei lá... Só não quero ser precipitado. Não quero chegar para você e dizer que o mundo desmoronou porque eu conheci um cara tão incrível e babaca ao mesmo tempo que faz eu me sentir o maior ignorante do mundo, um burro, literalmente.

Se ajeitou na cama, claramente desconfortável.

- De ficar ensaiando o que falar no espelho depois do primeiro encontro, de ter a sensação de precisar lavar a boca antes de falar, se não pareceria idiota, estúpido. De me sentir um garoto de quinze anos que chega para a menina que gosta na escola e trava para dizer “oi” e quando consegue falar, tudo o que recebe em resposta é indiferença, porque eu não sou popular o bastante, ou legal o bastante, ou bonito o bastante.

Eu não sabia muito bem se estava entendendo a analogia da escola, mas não quis interrompê-lo.

- Só que agora eu tenho vinte de quatro anos e a resposta indiferente que eu recebo faz com que eu sinta que não sou inteligente o bastante, ou culto o bastante, ou interessante o bastante. É como ser rejeitado pela menina que eu gosto porque ela gosta do popular rico.

Ah! Agora eu entendi.

- Só que agora eu sou a porra de um cantor famoso que com só vinte e quatro anos viajou o mundo inteiro, que tem cinco álbuns de sucesso lançados com uma banda e um álbum de estreia em carreira solo que atingiu número 1 nas paradas de mais de 85 países! E eu odeio que isso não significa nada porque não me impede de me sentir assim!

Eu já tinha colocado uma das mãos no ombro de Harry e tirado a bandeja que estava entre nós.

- Vem cá. - Falei quando pareceu que ele tinha acabado de vez. Ele me abraçou e afundou a cabeça no meu pescoço. - Você sabe que você é tudo isso que não está sentindo e mais, não sabe? - Perguntei depois de um tempo ao ver que ele havia recuperado o fôlego.

Eu sempre ficava em um misto de surpresa e alerta quando ele falava incisivo assim, o que era extremamente raro de acontecer. Não precisa conhecê-lo para saber que ele é a pessoa que mais usa interjeições ao falar. Era até estranho ouvir um Harry que completava uma sentença sem se interromper com “hums” e “ahns”.

Parecia que esse discurso já tinha sido repassado na sua cabeça milhares de vezes, era quase como se tivesse sido decorado.

- Eu sou? - Respondeu em escárnio.

- É claro, H. E você não deveria deixar ninguém te fazer pensar o contrário.

- Você fala como se fosse fácil fazer isso. Como se fosse só fazer e tudo se resolver.

- Sinto muito. - Suspirei. - Não quero que seja simples. Eu sei que todo mundo tem inseguranças. Deus sabe das minhas. - Ri sem humor.

- Eu não te acho insegura. - Harry tirou a cabeça do meu pescoço para me olhar.

- Isso porque você não sabe o que se passa dentro da minha cabeça. - Ri com um pouco mais de graça dessa vez.

- Pensando bem ontem você estava meio estranha, mas eu nem conto. Não é comum te ver assim...

- O que eu quero dizer... - O interrompi. O foco não era eu. - É que você não pode se diminuir. Porra, parece absurdo eu precisar disso isso logo para você! Mas a real é que parece que você colocou quem quer que seja essa pessoa em um patamar elevado ao seu. Você o deu muita credibilidade, entende? Por que ele é alguém que você considera com tanta importância a opinião?

- Eu não sei. - Falou pausadamente, refletindo. - O nome dele é Himawari. Sabe o que isso significa? - “O quê?”, eu murmurei. - Sunflower.

Inteligente, Harry Styles. Muito inteligente.

- E ele é foda. Já produziu um monte de músicas para artistas no Japão. - Completou com um sorriso de lado.

- E? - Desdenhei. - Assim como os seus produtores que produziram as suas músicas são fodas também. - Suspirei antes de voltar a falar. - Olha, Harry, eu sei muito bem o que é admirar alguém e sentir que qualquer que seja a opinião vinda daquela pessoa passe a ser verdade absoluta. Mas pasmem! Ele também é um humano como você, ele não sabe de tudo.

- Sabe o que eu acho? - Perguntou.

- Hum?

- Que é incrível como você enxerga coisas assim para dar conselhos para os outros e não vê que poderia usar para si mesma.

- Você está fugindo do assunto. - Retruquei na defensiva.

Harry sorriu.

- Eu estou?





- Não, eu não falo Japonês. - Sorri ao responder. - Harry comentou comigo um dia.

- Hum! Quer dizer que o Harry fala de mim? - Perguntou e eu sorri de novo.

- De todos vocês. Ele me conta histórias o tempo todo! Como aquele dia que o Sean, eu acho, dormiu depois do almoço e você pintou o rosto dele com um canetão. Não foi? - Ele concordou com a cabeça. - Eu nunca tive nenhum contato com a sua língua e eu nunca consigo gravar os nomes, aí ele me disse o significado para me ajudar a lembrar. Assim eu não ficaria perdida quando ele me contasse as histórias.

Inventei a primeira desculpa que me veio à cabeça. Foi bem convincente porque Himawari talvez tenha parecido decepcionado. Não sei se ele esperava ter sido mencionado por Harry de outra maneira, mas eu não daria esse gostinho a ele.

- Todas as vezes que ele vem para cá sempre me conta uma história mais engraçada que a outra. Fico com ciúmes que ele se diverte tanto com outros amigos que não sou eu. - Dei um risinho para mostrar que estava brincando.

- Mas a gente também se diverte, ). Só que do nosso jeito. - Harry lançou uma piscadinha para mim.

Qualquer idiota pegaria o duplo sentido da fala depois do tom sugestivo que Harry usou.

Era impressão minha ou eu estava sendo usada para fazer ciúmes?



Sean estava em pé a alguns metros na nossa frente, cantando no karaokê com Bobby. Era uma música que eu não conhecia. Kizuku era o único dos amigos que não tinha ido. Aparentemente tinha prometido que levaria a namorada para jantar.

A mesa era redonda, os lugares para sentar eram estranhos, alguns eram cadeiras, outros eram bancos almofadados, os quais eram tão confortáveis que eu poderia até dormir neles. Harry e eu sentávamos um ao lado do outro, Himawari à nossa frente e Kunich ao meu lado. Além do marido de Bobby, o cara do Queer Eye, havia também duas outras mulheres, eu não sabia se eram namoradas de alguns deles ou só amigas. O resto dos lugares estavam vagos. E olha, ainda tinham bastante lugares. Era uma mesa grande.

Bebíamos, ríamos, conversávamos, o pessoal na mesa gritava obscenidades para Sean, como “gostoso!” “arrasa!” e coisas do tipo. E detalhe: Tudo em Japonês. Eu não entendia nada! Harry, que já estava bastante familiarizado com a língua, traduzia para mim quando eu pedia. Quase todo mundo falava inglês, com exceção de uma das mulheres, então, no geral, eu estava conseguindo participar da conversa.

- Olha quem chegou! - Himawari gritou por cima das vozes e antes que eu pudesse virar para o lado que ele apontava, uma mulher se sentou bem ao lado de Harry.

- Olá! - Cumprimentou em Japonês e deu uma olhada na roda, reconhecendo a mim e Harry como ocidentais e passando a falar em Inglês. - De quem é o aniversário?

- Meu. - Harry levantou uma mão, tímido.

- Harry Styles... Então é você quem aparentemente eu estou namorando? É um prazer te conhecer, sou a Kiko. - Estendeu uma mão para cumprimentá-lo.

Harry sorriu um pouco sem graça e eu fechei a cara. Achei muito atirada para o meu gosto.

- Aparentemente, sim. - Ele respondeu e eu virei a cara para o lado contrário, revirando os olhos. Kunich me deu um sorriso ao perceber.

- Então, feliz aniversário! - Harry assentiu e murmurou um fraco “obrigado” - E essa moça ao seu lado? - Apontou para mim com a cabeça. - A namorada de verdade, suponho.

- Essa é a minha amiga, . - Harry me apresentou enquanto eu abria um daqueles sorrisos forçados.

- Bem, então é um prazer amiga do Harry. - Também me deu um aperto de mão, o qual retribui sem muita vontade.

- . É o meu nome. - Corrigi.

Ela estava achando que era quem para se referir a mim meramente como a “amiga do Harry”?

- Vamos cantar na próxima? - Perguntei a Harry, passando a ignorá-la imediatamente.

Era infantil da minha parte? Talvez. Até porque eles realmente não se conheciam e ela parecia simpática. Meio forçada para o meu gosto, mas aparentemente simpática aos olhos de todos ali.

- Claro! Já vou lá procurar a sua música.

- Quer saber de uma coisa, Harold? - Passou a me encarar, a atenção completamente voltada para mim. - Hoje eu vou dar uma de você. Vou cantar, sei lá, Don’t Stop Believin’.

- Jura? - Um vinco formado em sua testa. - Nada de I Don’t Want To Miss a Thing? - Neguei com a cabeça, sorrindo.

- Nah! Hoje, não. É seu aniversário, essa vai ser minha homenagem a você. - Ele deu uma gargalhada.

- Okay. Então vou dar uma de você, também.

- Ou de Louis. - Completei. - Qual vai ser a sua música? - Harry pensou por um momento.

- Nirvana... Smells...

- Like Teen Spirit. - Falamos ao mesmo tempo.

Começamos a rir por termos falado sincronizado.

Eu fui primeiro, porque já era humilhação demais cantar num karaokê com Harry Styles ali, agora cantar depois que ele tinha ido criaria um contraste maior.

Não que eu desse a mínima para isso, porque enquanto Kiko cantava com Himawari em um dueto, eu sugeri que Harry e eu deveríamos fazer o mesmo.

- Okay. Mas que música vamos cantar? - Ele perguntou e eu sugeri algumas músicas que foram todas negadas por ele.

- I Will Survive? Rich Girl? Faith?

- Faith! - Repetiu gritando.

- Você sabe que não é justo você escolher essa música, não é?

- Por que não?

- Porque está na sua zona de conforto!

- Todo mundo só canta músicas que tem familiaridade. - Deu de ombros.

Eu mordi o lábio, segurando uma risada.

- Não entendi seu ponto. - Me encarava confuso.

- Você tem mais familiaridade com essa música do que a maioria das pessoas, visto que você é um plagiador. - Provoquei e gargalhei em seguida.

- Ah, não. De novo com essa história?

- Desculpa, eu não consigo evitar. - Eu ria enquanto Harry revirava os olhos.



A noite passou como um borrão. Estávamos apenas Harry e eu sentados na mesa depois da última rodada de karaokê. A galera tinha meio que se dispersado a esse ponto. Todos tínhamos comido alguns petiscos, bebido saquê, tequila, muita vodka e sei lá mais o quê, cantado músicas do karaokê sentados dali mesmo enquanto passávamos o microfone tal como passa-se um baseado, o qual inclusive também fez parte da roda. Eu fui de sóbria, para muito bêbada, chapada e bêbada e, agora, a sei lá que horas da madrugada, o efeito já tinha passado um pouco, não que eu estivesse completamente sóbria ainda; mas eu estava melhor do que Harry.

- Você está me evitando? - Harry me perguntou de repente, me assustando.

- Quê? - Respondi debilmente. - Estávamos cantando no karaokê abraçados há menos de uma hora.

- Só na hora do karaokê, em que todos os meus amigos prestavam atenção em nós. Mas por que toda hora que eu chego perto de você, você se afasta discretamente? Não me deixou colocar a mão na sua perna quando estávamos sentados mais cedo, eu te abracei e você nem me abraçou de volta e agora mesmo eu fui te beijar e você se levantou!

- É óbvio, Harry, estamos em público, você quer que a sua bunda bêbada esteja na mídia amanhã beijando uma estranha num bar? Aliás, esqueceu que supostamente você veio para cá por causa da Kiko? - Apontei com a cabeça para a mulher que agora estava cantando no karaokê com Bobby.

- Estamos no JAPÃO! - Ele falou mais alto como se ali ninguém o conhecesse. Em parte, era um pouco verdade. Ninguém o abordou naquela noite. - Eu não dou a mínima para a Kiko. E você não é uma estranha. - Corrigiu o tom de voz quando viu que havia chamado a atenção de pessoas nas mesas próximas. - E eu estou falando sobre você estar me evitando desde o início do ano!

- Quê? Eu não estou! - Revidei na defensiva.

- Não? Então prova! Me beija, aqui e agora. - Eu balancei a cabeça em descrença.

- Você está bêbado.

- Foda-se. Eu ‘tô bêbado, mas sei o que eu ‘tô falando. Isso está me incomodando há dias! E daí que só agora bêbado que ‘tô dizendo? - Ele falava um pouco embolado, era fofo, mas eu estava brava demais para ligar. - Você está me evitando. - Repetiu. - Se você não está, então prova.

- Não, eu não tenho que te provar nada.

- É porque você está me evitando.

- E você só está causando essa ceninha porque seu plano de me usar para fazer ciúmes no Himawari não está dando certo, já que ele nem liga para você! - Falei fria.

- Ah, então é por isso que você está me evitando? - Ele pareceu não sentir a cutucada, como se ele realmente não se importasse com Himawari.

- Não, porra! - Gritei. - Eu não ‘tô te evitando. - Eu jamais gritaria com Harry daquela forma estando completamente sóbria.

- . - Harry cerrou os olhos e se inclinou na minha direção. - Você está com ciúmes dele? - Deixou um sorrisinho escapar no fim.

- Ah, puta que me pariu. Era só o que faltava. - Soltei em português enquanto jogava as mãos para o alto. - Não, Harry. - Revirei os olhos. - Eu só não ‘tô aqui para ser uma espécie de conserto temporário para você.

Harry começou a gargalhar, muito, como se eu tivesse contado uma piada engraçadíssima.

- Nem brigando comigo você deixa de citar músicas da banda

- Foi totalmente não intencional dessa vez. - Revirei os olhos de novo, já estava perdendo a paciência.

- E eu achei que você fosse exatamente isso. - Juntei minhas sobrancelhas, numa expressão nada satisfeita. - O escape. E eu sou o seu. Não é isso que somos um do outro? Não é para isso nossa amizade? Uma reserva? Alguém para contar sempre pra sexo?

- Sim, Harry. Mas não é SÓ para isso. Pelo menos eu pensei que não fosse, não é? - O veneno do escárnio era projetado em cada sílaba. - Por isso que eu viajei do outro lado do mundo até a porra do Japão! Porque somos amigos e eu queria estar presente no seu aniversário. Não para servir de tapa buraco porque esse cuzão aí não vê o cara incrível que você é. Menos hoje, porque hoje você está sendo um completo babaca.

Eu me levantei e peguei a minha bolsa, ia voltar para o hotel imediatamente, a chave do quarto estava comigo, mesmo. Eu pegaria minhas coisas e reservaria outro quarto até ir embora. Eu não queria olhar para a cara de Harry naquele momento.

- Espera! Aonde você vai? - Harry segurou meu braço quando eu já estava de pé.

- Para o hotel. - Puxei o meu braço num solavanco e sai andando.

Era bom que esse idiota viesse atrás de mim, ou eu nunca mais olharia na cara dele.

Eu mal terminei de pensar isso e o escutei gritando meu nome e em seguida sua mão segurou meu braço novamente, me virei lentamente, sem olhá-lo nos olhos.

- Me. Solta. - Falei quase babando como um cachorro raivoso. De fato, eu estava tão puta que se eu fosse um pinscher estaria tremendo.

Harry imediatamente afrouxou a mão e, hesitante, abaixou o próprio braço.

- , eu não estou tentando te usar para fazer ciúmes em ninguém. Podemos, podemos conversar depois? Eu não ‘tô raciocinando bem agora para explicar.

- Você não tá raciocinando bem para nada nesse momento.

Eu movi o corpo para me virar de costas e Harry levantou o braço para me segurar de novo, mas parou no meio do caminho, fechando a palma aberta em um punho, se repreendendo antes de me tocar.

- )... - Me chamou, a mão ainda no ar, próxima do meu braço, mas sem me tocar. - Babe...

Eu encarava o chão, metade do corpo virado para ir embora e a outra metade ainda preso a Harry.

Uma das músicas novas que Harry havia me mostrado em algum momento no ano anterior era reproduzida na minha cabeça.

Don't call me ‘baby’ again
You got your reasons
I know that you're tryna be friends
I know you mean it


- Me desculpe, eu não sabia que você estava se sentindo assim, nunca foi minha intenção fazer com que você se sentisse usada.

Do you think it's easy
Being of the jealous kind?
'Cause I miss the shape of your lips
You'll win
It's just a trick
And this is it
So I'm sorry


- Tudo bem. - Terminei de me virar e continuei andando.

- ! - Harry me gritou e deu passos rápidos para me acompanhar. - , espera!

- O que foi, Harry? - Me virei de uma vez, dessa vez encarando-o.

- Aonde você vai?

- Eu já disse! Eu vou embora.

- Eu-eu... Espera, eu vou-vou com você.

- Eu não quero que você vá comigo. - Revidei imediatamente, fria.

It's hard for me to go home
Be so lonely


- Por favor. Me desculpa, podemos conversar com calma? Vamos embora juntos e a gente conversa. Me deixa só pegar minhas coisas e avisar ao pessoal.

Assenti com a cabeça ainda meio contrariada, mas Harry não se afastou enquanto não teve certeza de que eu não iria embora assim que ele se virasse.

No fundo, bem no fundo mesmo, eu senti uma pontinha de culpa por estarmos indo embora, era seu aniversário! E ir embora estragava tudo..., mas a culpa era dele! Ele quem falou besteira. Para mim, a noite já tinha acabado mesmo. Eu não podia continuar ali. Nem mesmo por ele. Dessa vez eu me colocaria em primeiro lugar na minha vida.

Parece que o álcool que estava no corpo de Harry evaporou em menos de dez minutos, que foi o tempo que gastamos saindo do bar e entrando no primeiro táxi que passou. Eu fui o caminho todo emburrada e de braços cruzados, e Harry, sentado ao meu lado claramente desconfortável, não disse uma palavra, respeitando meu espaço.

Eu abri a porta do quarto e a minha vontade era fechá-la na cara de Harry e deixá-lo no corredor, mas ele estava grudado em mim igual carrapato.

- Espaço pessoal? - Pedi suspirando quando larguei minha bolsa na mesinha e caminhei para o banheiro e vi que Harry ainda estava me seguindo.

- Desculpe. Podemos conver-

- Eu vou tomar banho. - Entrei no banheiro e bati a porta em um estrondo. Foda-se, o quarto estava no nome do Harry mesmo. Se alguém reclamasse do barulho de madrugada seria problema dele.

Liguei o chuveiro e fui até o espelho, me apoiando na pia e levei uma das mãos aos olhos, cobrindo-os e apertando os cantinhos.

Oh, todos os santos das fãs que se apaixonam pelos ídolos! Eu precisaria de calma naquele momento para não jogar minhas roupas na mala e ir direto para o aeroporto.

Eu comecei a rir ali sozinha, em plena... olhei o relógio, 4h48 da manhã. Eu nunca conseguiria ir embora. Deixo em aberto se é porque Harry não deixaria ou se eu não teria forças o suficiente para isso.

Depois que eu descobri... depois que eu aceitei estar apaixonada por Harry as coisas ficaram piores e eu achava que de alguma forma fossem melhorar, bom, pelo menos eu parei de sonhar que ele iria embora.

E eu nunca pensei que eu que cogitaria a possibilidade de ir embora e nunca mais voltar.

Eu demorei ao máximo no banho, eu queria torturar Harry. Ele era um idiota e eu mais ainda, porque estava aqui toda apaixonada e ele não estava nem aí para mim. E eu sentia que eu seria sempre a amiga que ele pega quando quer, quando para mim, por mais que tivesse tentado vê-lo também dessa forma, eu já entrei nessa amizade em desvantagem, porque ele nunca foi só um amigo para mim, ele nunca seria. Ele sempre seria meu ídolo ou alguém por quem me apaixonei. Ele sempre seria mais, de qualquer forma que fosse.

Eu fechei o registro do chuveiro decidida: Eu iria superar Harry Styles.

É claro que já comecei falhando, percebi isso quando me lembrei que entrei no banheiro sem ter pegado a toalha.

Quando abri a porta, Harry que estava nervosamente andando de um lado para o outro em frente ao banheiro, parou e deu um passo na minha direção, mas arregalou os olhos quando me viu sem roupas e molhada.

- Isso é a minha punição? - Perguntou de boca aberta.

- Eu só esqueci a toalha. - Revirei os olhos, passando bem do seu lado em direção a pequena varanda que tínhamos ali.

Me enrolei na toalha e peguei a primeira roupa que vi na mala e parti em direção ao outro ambiente do quarto, onde ficava uma mesinha de jantar e frigobar.

- Não precisa sair! - Ele me gritou e eu parei onde estava. - Eu vou. Para você trocar de roupa e tal.

Me virei de uma vez e acabei trombando com ele que já caminhava para sair.

- Desculpa. - Eu pedi enquanto ele ainda me segurava. - Você pode me soltar agora, eu não vou cair.

- Eu não quero te soltar, ).

- E-eu... - Antes que eu pudesse formar uma sílaba sem gaguejar, Harry me beijou.

E foi aí que eu falhei pela segunda vez seguida em menos de dez minutos de decisão em superar Harry; com sexo de reconciliação.





* Em Inglês, a expressão “to drink like a fish” ou, na tradução literal, “beber como um peixe” é o equivalente a “beber como um gambá” em Português.





*


Eu acordei com a luz da janela invadindo o quarto, porque esquecemos a porta da varanda aberta.

Harry já estava acordado e me encarava.

- , isso entre a gente só dá certo porque usamos um ao outro no melhor sentido da palavra, porque você me apoia e eu espero que você se sinta apoiada por mim também.

Harry começou a falar assim que viu meus olhos abertos, eu fechei e abri algumas vezes tentando focá-lo e processar o que ele estava dizendo.

- Ei! Easy, tiger! Me deixa acordar primeiro. - Reclamei.

- Me perdoa pelo que eu disse ontem, eu sei que estar bêbado não justifica, mas eu não falei na intenção de ser maldoso. Eu nunca te usaria dessa forma.

- Falou, sim. - Eu rebati e ele negou com a cabeça.

Eu me sentei na cama e esfreguei os olhos.

- Porque é isso que você faz, Harry. - Voltei a falar e ele me deu um olhar confuso. - Você sempre sabe exatamente o que dizer para magoar alguém. - Meu tom de voz era baixo, calmo. - E quando você se sente ameaçado, você ataca com o que sabe que vai doer no outro.

- E-eu-eu não faço isso! Foi você quem sempre brincou que somos como a música Temporary Fix!

- Você já se sentiu ofendido alguma vez em que eu disse isso? Ou em que eu usei qualquer uma das suas outras músicas como referência?

- Não! Claro que não.

- Mas eu me senti, Harry. E muito. Senti como se você tivesse nos reduzido a isso. E eu juro que eu pensei que fosse muito mais para você do que apenas uma foda fixa.

- É claro que você é! , você me salvou! Houve momentos no último ano em que eu me vi no fundo do poço e ter a sua amizade foi crucial para que eu não me mantivesse lá!

Harry se sentou na cama também e colocou uma das mãos no meu ombro, e eu o olhei por reflexo.

- Você é a minha melhor amiga, minha confidente, meu copiloto, a que sempre comanda o rádio com as melhores das piores músicas.

- Cala a boca que você gosta de One Direction também. - Eu acusei e ele sorriu, concordando.

- Você é uma das melhores pessoas que eu conheci nos últimos anos e eu falo sério quando digo isso, não é nenhum exagero! E eu estava tão feliz ontem por você estar aqui. Ainda estou. Mas você me evitou a noite toda.

Eu percebi Harry engolindo em seco, um pouco nervoso e hesitante. Respirou fundo antes de continuar.

- Sendo sincero, meu ego ficou ferido. - Parou de falar de novo, apenas por um momento.

Parecia fazer muito esforço para verbalizar essa frase.

- E por mais que você não admita, tem me evitado, sim, desde o início do ano. E eu sei que isso também não justifica. E eu-eu me senti inseguro, não pensei muito antes de falar, pensei que talvez você não quisesse mais ser meu conserto temporário. - Ele finalizou um pouco acanhado. - Não te ofendi dessa vez, ofendi?

- Não, Harry. - Revirei os olhos. - Não ofendeu.

- Merda! Como essa coisa de comunicar é difícil. - Harry respirou fundo. - Mas é isso, eu fiquei inseguro. Me perdoa por deixar isso atingir você. - Suspirou aliviado. - Como é difícil admitir estar errado também. - Deu um sorrisinho, tentando soar engraçado.

Mas eu continuei o encarando por alguns segundos, pensando no que falar.

- Você me magoou, Harry.

- Eu sei. Eu fui um idiota. Me desculpa, por favor.

- Não me magoe de novo.

Me levantei da cama em um pulo e fui para o banheiro, porque estava me sentindo sufocada no mesmo ambiente que Harry.

Eu havia me trancado naquele banheiro e encarado meu reflexo no espelho mais vezes nas últimas doze horas do que eu havia feito desde que eu cheguei.

Aproveitei que já estava ali e tomei um banho. Eu tinha lavado os cabelos quando chegamos e dormido com eles molhados, o que não me favoreceu nem um pouco, então lavei de novo. Sendo sincera, eu só queria poder estender ao máximo possível o tempo até ter que encarar Harry de novo.

Eu não passei mais do que quinze minutos lá dentro dessa vez, mas quando abri a porta, não encontrando Harry na cama que, por sinal, estava feita, tive a sensação de que fiquei fora por horas. Pelo menos parecia. Fora do meu corpo.

- Harry? - Chamei.

- O quê?

Ele apareceu no vão da porta. Na verdade, somente a sua cabeça e uma das mãos, que segurava o celular.

- Achei que você tivesse saído. - Comentei como explicação de que não era nada.

Ele caminhou na minha direção, levantando os braços ao se aproximar, como se fosse me abraçar, mas abaixou-os batendo na lateral do corpo, parecendo mudar de ideia.

- Está com fome? - Perguntou ao parar na minha frente, mexendo um dos braços na minha direção, desajeitado.

A ideia de que ele se conteve me deixou desconfortável e aliviada ao mesmo tempo.

- Hm... Eu comeria. - Dei de ombros.

- Eu pedi café da manhã. Está na mesa.

Eu devo ter o olhado com uma cara engraçada antes de me mover instintivamente até o outro cômodo. Eu estava surpresa.

Fiquei mais surpresa ainda quando cheguei até o mesmo vão de porta que Harry estava antes. Dali, já conseguia ver a mesa simples redonda, que estava decorada com um vaso de flores bem no centro e, em volta, o típico café americano que se encontrava em qualquer lugar. Ovos mexidos, bacon, café, leite, suco, torradas, pães e frutas. A variedade era enorme, mas tudo parecia ter sido feito em porções para dois.

- Eu imaginei que você não gostaria de comer arroz e sopa agora. - Apesar de falar sério, o tom de voz de Harry saiu divertido.

- Não acredito que você me privou de um típico café da manhã japonês. - Brinquei também e ele sorriu. - Obrigada.

- Então eu vou tomar banho enquanto você toma café. - Apontou, ainda desajeitado, em direção ao banheiro.

- Você não vai tomar café comigo? - Questionei.

- E-eu... - Harry gaguejou.

E eu entendi tudo.

- Ei! É claro que eu quero que você tome café comigo! - Puxei-o pela mão e só soltei quando já estávamos ao lado de uma das cadeiras. - Agora senta a sua bunda aí.

- Eu estou com vergonha de te olhar. Me sinto muito idiota pelo que eu disse. - Harry falou ao se sentar na cadeira, ainda sem tocar em nada do que estava na mesa.

- E deveria mesmo. - Concordei, sem dó. - Mas você não pode pegar suas palavras de volta. Não pode retirar o que disse.

Harry apenas concordou com a cabeça. Eu dei de ombros, como se dissesse que aquilo não tinha mais importância e comecei a comer.

Após alguns segundos, Harry fez o mesmo, ainda sem dizer nada.

Comemos em silêncio por alguns minutos. A situação estava toda muito desconfortável e Harry mais ainda.

- Então... - Quebrei o silêncio, tentando agir normalmente. - O que vamos fazer hoje?

Harry, que antes estava com a cabeça baixa, parecendo concentradíssimo em um pedaço de melão, me encarou.

- Quer conhecer a cidade? Posso te levar em alguns lugares. - Harry respondeu.

- Mas você não marcou nada com seus amigos? Não quero atrapalhar os seus planos.

- Passamos o tempo todo que você está aqui com outras pessoas. Hoje queria aproveitar o dia sozinhos... Se você estiver tudo bem para você.

- Claro, H! É seu aniversário. A programação é da sua escolha. - Eu sorri para ele e recebi um sorriso de volta.

- Ok. - Concordou.

- Ok. - Reforcei.

- Então eu vou tomar banho agora.

Balancei a cabeça concordando.

- Ok. - Repeti.

Harry se levantou da mesa e a passos desajeitados saiu do cômodo.

Já sozinha, eu balancei a cabeça de novo, dessa vez em negativa.

O que eu estava fazendo ali?



*


Era bem comum ver pessoas andando de bicicleta nas calçadas das ruas de Tóquio. E podíamos encontrar bicicletas para alugar em praticamente qualquer esquina.

Mesmo com muito esforço, eu não conseguia me lembrar da última vez que havia andado de bicicleta. Eu andava de moto, é claro, e eram dois meios de transporte parecidos em termos de equilibro e tal. Mas só isso. E não que eu tivesse tido algum problema para pedalar. Afinal, o que diziam sobre nunca se esquecer como se anda de bicicleta era verdade. Mesmo que passassem anos, mesmo que você se sentisse pouco confiante nos primeiros metros, uma vez adquirida, era impossível perder a habilidade de andar de bicicleta.

Apesar de Harry ter visitado Tóquio com frequência nos últimos tempos, a quantidade de lugares que ele conhecia era impressionante. Pedalamos pelas ruas a um primeiro momento parecendo sem rumo.

- Você precisa ver o fluxo de pessoas que passa por aqui durante a semana, é impressionante. - Harry comentou quando paramos em frente à estação de trem.

Enquanto Harry falava, eu murmurava em concordância sem muito o que dizer, sem ter o que acrescentar àquela conversa.

Não é que eu estivesse exatamente com raiva de Harry... Eu estava chateada, é claro. Decepcionada também. Mas a culpa era somente minha, porque eu nem mesmo sabia o que esperava de Harry.

Eu esperava que ele fosse gostar de mim também?

Que ele fosse se declarar?

Que ele percebesse o quão terrivelmente apaixonada estou?

Não, isso não.

Tudo o que eu menos queria é que ele percebesse.

E era por isso que eu tinha que disfarçar o melhor que pudesse.

- Eu costumo vir aqui de manhã e caminhar seguindo o fluxo de pessoas, eu imagino que tenho uma pasta nas mãos e que eu estou indo para o trabalho em algum escritório por aí.

- É mesmo? Isso não parece divertido.

- É bom... Ser anônimo de novo.

- Imagino que seja.

Harry suspirou e voltou a se sentar no banco da bicicleta.

- Vamos?

Concordei com a cabeça.

Eu sabia que ele tinha ficado incomodado com a forma como falei. Eu queria muito fingir que nada tinha acontecido e eu tentava muito agir assim também. Mas era muito difícil.

Continuamos andando por mais alguns minutos, até que Harry subiu em uma das calçadas e parou em frente ao que parecia uma loja de antiquarias misturada com um brechó.

- Quer entrar?

Dei de ombros.

- Pode ser.

Descemos das bicicletas e as encostamos em um poste. Assim mesmo, sem prendê-las a ele ou algo do tipo. Harry havia dito que voltaríamos para encontrá-las da mesma forma.

Sem sair do lugar, dei um giro de 360 graus observando as pessoas, coisas e sons ao nosso redor.

Havia alguns pássaros espalhados pelos fios dos postes. Pousados ali, pareciam ter todo o tempo do mundo.

Talvez estivessem esperando um companheiro que estaria para chegar.

Será que os pássaros tinham certeza de que algum outro iria, um dia, salva-los da solidão?

- Podemos tomar sorvete antes? - Pedi.

Harry olhou para os lados procurando pelo que eu falava, até encontrar o pequeno carrinho de sorvete do outro lado da calçada.

- É claro, babe.

Com um sorriso, Harry colocou uma das mãos nas minhas costas e nos guiou até lá. Eu pedi uma bola de chocolate e ele pediu chocomenta, que poderia facilmente ser confundido por pistache, até mesmo no gosto.

- Você não vai me deixar provar o seu também? - Perguntou manhoso.

Os pássaros sequer eram sozinhos? Eu não sabia dizer.

Será que sentiam um vazio bem grande ao se perguntarem o que fazem por tanto tempo do ano ali, até precisarem voar ao sul no inverno? O voo alcançado nessa época trazia-lhes algum propósito?

Do que é mesmo que eu estou falando?

- Mas é só chocolate! - Rebati, mas antes de ouvir uma resposta, eu já havia esticado o braço para que Harry alcançasse meu sorvete.

- Hmmmm. - Murmurou. - Passando um dos dedos nos lábios que haviam se sujado. - Tem razão. É chocolate com gosto de chocolate.

Eu revirei os olhos. De praxe. E sai andando em sua frente, atravessando a calçada em direção à loja.

- Eu acho que o sorveteiro confundiu a caixa de chocomenta. - Harry comentou ao vir correndo atrás de mim.

- Você acha? - Debochei. - Isso não é chocomenta nem aqui, nem na China.

- Na China não é mesmo, apesar de estarmos perto.

- N-não... - Segurei o riso. - Deixa para lá.

Por que eu ainda insistia em traduzir para o Inglês as expressões Brasileiras?

- Ahnnn, o que foi? O que isso quis dizer? Se você está rindo, tinha outro sentido. - Harry perguntou curioso.

Eu empurrei a porta da loja e o sino preso a ela fez barulho.

Eu esperei Harry estar ao meu lado e cruzei meu braço no dele. Parados de costas à porta fechada, eu o encarei.

- Tem coisas, meu amigo, que você nunca vai entender.

Em um movimento rápido, passei a casquinha para a mão que estava com o braço cruzado no dele e com a livre, passei o dedo no sorvete e em seguida no nariz dele.

- Ah, não. - Negou com a cabeça. - Você não fez isso.

Voltei com o sorvete para a outra mão e desfiz nossos braços dados.

- Eu fiz, sim. - Respondi rindo e comecei a dar alguns passos de costas para os fundos da loja.

Harry fez o mesmo com seu próprio sorvete e esticou o braço, tentando me dar o troco.

- Cuidado! - Me alertou a tempo para que eu desviasse de uma caixa no chão.

E tempo suficiente para que ele passasse o sorvete verde na minha bochecha.

- Lambe! - Falei alto. - Agora você vai lamber! - Completei rindo.

- Com prazer! - Rebateu rindo também enquanto eu já passava a mão na bochecha para me limpar.

Sabe quando duas pessoas riem até quase ficar sem ar? Nós brasileiros soltamos sempre alguns “ai ai” ao fim das risadas. Eu fiz isso, até pararmos de rir de vez e nos olharmos de um jeito esquisito.

De um jeito como se tivéssemos esquecido de tudo por um momento. E realmente nos esquecemos. Como se não tivéssemos esse grande e incômodo elefante na sala.

Eu encarei o chão por alguns segundos. E então girei os calcanhares para ficar de costas para Harry e voltei a caminhar em direção ao balcão da loja.

Será que um elefante se metamorfosearia em um pássaro?

Talvez fosse minha hora de voar.


22. And we know that sometimes it all gets a little too much.

FEVEREIRO, 2019
Um mês atrás




Os dias estavam passando muito rápido e os fins de semana mais rápido ainda. Antes que eu percebesse já era o sábado do chá mensal com Elinor.

Tínhamos lavado roupas como sempre e conversávamos em sua sala com um sabor novo de chá e biscoitos. Eu poderia facilmente me passar por uma velhinha fofoqueira depois de me associar à uma.

Ela ficava insistindo para saber o que eu tinha achado de Adam e o que tinha acontecido quando ele foi ao meu apartamento.

- Você precisa perguntar ao seu filho! - Eu rebatia.

- Ele não quis me contar. - Ela choramingava.

- Se ele não quis te contar, não sou eu quem vai quebrar o silêncio.

- !

- El! - Ela suspirou e sorriu em seguida.

- Você é a única pessoa que me chama assim.

- Eu aprendi com um certo alguém a ficar dando apelidos diferentes do que as pessoas já estão acostumadas. - Eu sorri também.

Harry veio na minha mente na hora e era quase como se eu pudesse ouvir sua voz me chamando, “Ei, ), olha só essa música!” ou “), o que você acha de irmos comer fora?”

- Ih, que cara é essa? - Elinor pegou algo no ar e não deixou passar. Foi a minha vez de suspirar.

O ruim de não conseguir mentir era isso: eu não sabia nem disfarçar o que estava pensando; qualquer um que me conhecesse, perceberia.

- Ah, nada não.

Mas é claro que ela insistiu em saber. E é claro que ela não fazia ideia de quem era o Harry quando contei tudo, desde quando pedi ajuda para chegar ao píer e surtava, porque não sabia o que fazer com meu ídolo na minha frente, até a nossa briga mais recente, no Japão.

O que me deixava em uma situação mais conflituosa eram meus próprios sentimentos em conflito; oscilando entre a dor do coração partido pelas coisas que Harry disse e tentando não guardar aquela mágoa, a todo momento me relembrando de não deixar pequenos momentos ruins se sobressaírem sobre os outros momentos muito bons.

- Sabe, isso me lembra de como conheci John...

John era o falecido marido.

- Eu tinha acabado o treinamento de aeromoças de 1962 e era meu primeiro dia no trabalho. Eu nunca tinha andado de avião antes, naquela época passagens de avião eram bem caras e só viajava quem tinha muito dinheiro para pagar.

Eu assentia de tempos em tempos para mostrar que estava acompanhando o que ela falava.

- Eu nunca tinha estado em um aeroporto também, então fiquei completamente perdida lá dentro. Fiquei por incontáveis minutos arrastando a minha malinha pelos corredores, procurando onde eu deveria embarcar. Eu me lembro perfeitamente de conferir o meu papel com a minha escala da semana e os horários de voos que eu faria e, mesmo assim, continuava andando em círculos.

Ela fez uma pausa e tomou um gole de chá antes de continuar, as mãozinhas delicadas e finas tremiam um pouco pela idade.

- Eu devo ter parecido muito desesperada, porque aquele homem com um sorriso aberto e simpático parou ao meu lado e disse: “Primeiro dia?”. - Ela deu uma gargalhada fraca, como se estivesse se lembrando da cena. - E eu me lembro de olhá-lo no uniforme de piloto e pensar em como ele era bonito.

Ela me deu um tapinha no braço e eu coloquei o cotovelo em cima da mesa e descansei o rosto na mão. Um sorriso de lado não saia dos meus lábios.

- John era o único piloto negro da companhia. Não foi fácil quando começamos a namorar. Casais interraciais não eram bem vistos.

Eu fiz uma careta, mas não a interrompi.

- É bem normal nos sentirmos inseguros quando chegamos naquele ponto das nossas vidas em que parece que todas as decisões são sempre grandes decisões, sabe? Mas eu vou te falar uma coisa, ... John me ajudou muito na época! Ele me mostrou todos os lugares que eu precisava saber ir, quem procurar. Escala, trocas de turno...

Ela fez uma pausa, procurando meu olhar.

- Ele me mostrou um caminho e eu o segui. Não só no trabalho, mas também na vida. Eu decidi.

De maneira literal e figurativa, John e Elinor traçaram caminhos em direção a um mesmo destino. Primeiro das salas de embargue até os aviões, depois até o altar e outras escolhas que fizeram ao longo da vida.

- Entende o que quero dizer?

Balancei a cabeça ao mesmo tempo em que dava de ombros, ainda confusa com o significado.

- Eu conheço o olhar... de quando se esbarra em uma dessas decisões. A primeira vez que o vi foi em mim mesma, sobre ser aeromoça ou quando John me pediu em casamento. Depois passei a reconhecê-lo nas salas de embarque, nas faces de pessoas que estavam indo para não mais voltar... Ou nos sorrisos que acompanhavam o pisar no avião, de quem tinha decidido voltar, ou ficar... - Ela deu um sorriso. - Sempre depende da perspectiva. - Completou dando uma piscadela descontraída.

Continuei calada, apenas absorvendo o que ela falava.

- E eu vi isso em você agora, querida. E acho que sua grande decisão tem a ver com esse rapaz.

Harry... Harry e eu realmente seguimos juntos por um mesmo caminho e eu não estou falando daquele para chegar até o píer de Santa Mônica.

Em alguns momentos fomos guiados por mim e, em outros, ele escolheu a estrada e eu o segui; por minha própria escolha, afinal de contas.

- Eu o amo... - Confessei em um suspiro, percebendo como verbalizar meus sentimentos por Harry se tornavam um ato mais fácil a cada vez que eu o fazia.

- Mas? - Elinor replicou, sentindo meu tom de hesitação.

- Mas eu não sei se ele sente o mesmo. Eu acho que ele não sente o mesmo.

Apesar dos caminhos sinuosos que tínhamos traçado até então, será que chegaríamos ao mesmo destino?

- Só há um jeito de descobrir... - Elinor deixou a resposta no ar e eu retruquei com ar de impaciência.

Eu já havia falado sobre os meus receios de ter como consequência o encerramento da nossa amizade.

- Eu não vou conversar com ele sobre isso!

- E quem disse que para descobrir você precisa conversar com ele? - Ela respondeu sorrindo e, quando fiz uma careta de confusão, completou: - A descoberta só diz respeito ao que você decidirá. Se quer continuar sendo apenas amigos, é o que serão, porque só depende de você qual caminho seguir.

Eu tossi, desconfortável com a conversa.

- Bem, preciso ir embora agora.

Antes que Elinor pudesse protestar, eu completei:

- Em maio eu saio de férias e estou adiantando matérias para terminar antes de viajar e ficar só por conta de terminar de escrever minha dissertação do mestrado. - Sorri, querendo desesperadamente mudar de assunto. - E eu me formo em setembro! Você vai na minha colação, não vai?

- Mas é claro, querida! - Ela deu uma risada, como se a minha pergunta fosse totalmente sem lógica. - O ano mal começou, mas parece que você terá um bem cheio. - Ela brincou e eu sorri antes de concordar.

- Pela amostra que já tive até então, não tenho dúvidas disso.

*


- Está muito vinho para ser de uva! De uva é mais arroxeado. - Eu retruquei.

- É de framboesa! - Lucy rebateu convicta.

- Já descartamos framboesa, está muito escuro.

- Então é de morango. - Lucy chutou.

- Morango é mais vermelho. - Eu neguei de novo.

- Fuck! Por que não perguntam para a cozinheira? - Henry interferiu.

Ele já estava sem paciência pela nossa discussão para adivinhar qual era o sabor da gelatina que era a sobremesa do almoço naquele dia.

- Vou procurar no google. - Anunciei para ninguém e peguei o celular.

Mas Henry bufou, se levantando da mesa e indo em direção à uma das funcionárias da cozinha.

Da mesa, Lucy e eu o observávamos conversar e gesticular, longe o bastante para que não pudéssemos ouvir o que eles falavam.

- Se a Jane estivesse aqui, ela faria o desempate. - Eu choraminguei.

Nossa amiga já tinha ganhado seu bebê recentemente e estava de licença maternidade.

- Podíamos ir vê-la juntas. - Lucy sugeriu.

- Claro! Que dia?

- Acho que mês que vem seria ideal. - Concordei com a cabeça.

- Verdade! Para que eles tenham um período tranquilo de adaptação. - Ela concordou também.

Nesse mesmo momento Henry voltou a se sentar ao nosso lado.

- E então? - Lucy incentivou antes que ele pudesse abrir a boca.

- Framboesa.

- Eu sabia! - Ela comemorou.

- Foi o primeiro sabor que falei. - Me fiz de esperta, causando risos em nós três. Provei a sobremesa. - Mas nunca que isso tem gosto de framboesa!



Ao voltarmos do almoço, eu sabia que todo o momento de descontração anterior iria para o ralo. Henry e eu estávamos passando por uma semana difícil em relação ao nosso trabalho.

Lucy e eu nos assustamos quando ele abriu a porta da sala com a agressividade de sempre.

- Assustada, Felina? - Perguntou com um sorriso debochado enquanto fechava a porta atrás de si. - Achei que já tivesse se acostumado com as minhas entradas triunfantes.

- Eu estava concentrada, Campbell! - Revirei os olhos. - Que bom humor é esse? - Perguntei quando o sorriso de seu rosto não havia sumido. - A gente está fodido, você está me entendendo? Você deveria estar mais preocupado que eu, o cliente é seu!

- O cliente é nosso! Até onde eu sei, você trabalha no mesmo propósito que o meu.

Lucy arregalou os olhos com a má resposta e eu gargalhei.

- Humm. Você está afiado hoje, hein? Sua mulinha. - Henry riu também, embora “mulinha” em inglês não soasse tão engraçado assim.

- Desculpe. Não foi minha intenção.

- Só desculpo se me deixar dar uma volta no seu BMW. - Pisquei para ele.

- Deus! Você é muito mercenária! - Henry respondeu em tom de revolta e Lucy e eu rimos muito.

- Por falar em carro, posso buscar café no Starbucks no seu? - Lucy me olhou com cara de cachorro pidão.

- Nem pensar! - Neguei imediatamente. - Te deixo usar um dos carros da empresa.

- O Starbucks é do outro lado da rua. - Henry apontou com o dedão em uma direção aleatória enquanto tinha um olhar confuso no rosto.

- Eu odeio aquela loja! - Foi a vez de Lucy revirar os olhos.

- Ela brigou com todos os atendentes. - Eu sussurrei para Henry, fingindo que ela não conseguia ouvir.

- Eu gosto de ir no da Melrose’s. - Ela falava da avenida que ficava à pouco mais de duas quadras de distância.

- Isso é perto. Por que não vai a pé? - Henry questionou inocente.

- Você já viu o sol que está lá fora? - Seu tom de voz de obviedade fez com que ríssemos.

- Carro da empresa, sim. Benzinho, não. - Decretei e ela bufou. - Me respeita que sou sua chefe! - Repreendi brincando e ela me mostrou a língua.

Henry ria, enquanto eu resmungava sobre essa mania infantil de mostrar a língua para os outros. Nesse meio tempo, Lucy se levantou para pegar a bolsa e já estava prestes a abrir a porta quando eu cocei a garganta.

- Eu quero um mocha frappuccino e me traz um muffin também.

Ela soltou a maçaneta da porta e caminhou de costas até chegar perto o bastante de mim, para depois estender uma das mãos na altura do meu rosto, já que eu estava sentada. Desviei o olhar de sua mão para Henry que estava em pé ao meu lado e de braços cruzados. Ele revirou os olhos nada sutilmente antes de enfiar a mão no bolso da calça para pegar a carteira.

- Pode me trazer um smoothie verde e... - Lucy o interrompeu.

- Virei assistente agora? - Ele ignorou a brincadeira.

Teoricamente, estagiários buscam mais cafés do que assistentes; não que fosse o caso de Lucy, já que eu nunca fui folgada com ela. Ela buscava café para ela mesma porque queria e eu só aproveitava a viagem. E não que eu fosse entrar nessa discussão deles.

- ... e pegar o que quiser para você mesma. - Lhe entregou uma nota de 50 dólares.

- E o troco é meu? - Henry suspirou.

- Certo. - Concordou relutante.

Satisfeita com a barganha, ela sorriu antes de sair.

- Benzinho, não! - Gritei de novo para reforçar.

Ela acenou indiferente e fechou a porta.

- Depois eu que sou a mercenária. - Comentei rindo.

- Ela aprendeu com você. - Fiz uma cara de ofendida e Henry riu. - E “Benzinho”? - Completou confuso.

- É o nome do meu carro. - Balancei a cabeça como se dissesse “dã?” - Mercedes Benz. E “inho” é o sufixo para o uso de diminutivo em português. - Comecei a rir ao me explicar. - E também leva um duplo sentido, porque “benzinho” no Brasil é um apelido brega para tratar um namorado ou alguém que você é bem íntimo. - Dei de ombros, indiferente.

Henry não respondeu, ficou apenas balançando a cabeça em negativa, como se estivesse ouvindo a explicação de uma louca que não adianta retrucar. E claro, um maldito sorrisinho acompanhava a expressão em seu rosto.

Eu tinha um pacote meio vazio de pirulitos em uma das gavetas da minha mesa. Ofereci um a Henry, que negou, enquanto me olhava incrédulo.

- O quê?! - Questionei enquanto tirava a embalagem de um para mim. - Eu ‘tô nervosa! Quando eu ‘tô nervosa, eu bebo. Mas já que não dá para fazer isso, então eu como. Mastigo alguma coisa, sei lá. - Completei afobada.

- Mas você precisa chupar o negócio assim? - Eu olhei para a minha mão que segurava o canudinho na boca e depois para ele e então dei de ombros.

- Estou chupando normal. - Dei de ombros de novo.

- A gente não tem nada mais, e acredite, para mim está ótimo assim, sendo amigos. Eu totalmente respeito você estar apaixonada e eu estou... dando novos passos com Kate..., mas-mas você precisa admitir que é meio difícil de ignorar a sua boca fazendo isso. - Gesticulou exageradamente os braços, tentando reproduzir o que eu fazia.

Eu soltei uma gargalhada alta e revirei os olhos em seguida.

- Se você quiser, eu quero.

- Sério?

- Não. Eu não faria isso com a Kate. Pelo menos não depois que vocês foram no primeiro reencontro.

- Merda! Por que mesmo que eu aceitei a sua ajuda? - Dessa vez ele quem revirou os olhos, mas estava totalmente brincando.

- Em quantos vocês já foram?

- Quatro. - Ele se escorou na mesa, quase se sentando. - Inclusive, comentei que a ideia do passeio a cavalo em Solvang foi sua.

- Jura? - Arregalei os olhos, preocupada.

- Sim. - Deu de ombros. - Ela sabe que trabalhamos diretamente e, por isso, acabamos tendo muito contato, não é? Talvez eu tenha deixado a entender que nos damos bem e... conversamos. - Fiz uma careta. - Calma! Não precisa se preocupar. Ela achou legal que eu tenha conversado com alguém sobre nós dois... ela disse que ‘mostra que eu me importo’, sabe? Em fazer certo dessa vez. E por isso ela acha que “pedi” dicas.

- Aww, Campbell! Você não é mesmo um doce tão doce quanto esse pirulito?! - Debochei.

- Engraçadinha. - Afinou a voz, tão debochado quanto eu. - Kate disse que deveríamos convidá-la para jantar algum dia desses, porque Maddie sempre fala de você e em como você é divertida e que vocês são amigas.

- Eu adoro sua filha.

- E ela adora você!

- Tyler sempre diz que você é bem legal.

- Se me lembro bem, ele disse que eu sou “legal para alguém tão velho”. - Citei fazendo aspas com os dedos. Minha voz em uma mistura entre ofensa e divertimento.

- Bem, ainda assim ele te acha muito descolada. - Henry riu.

- De qualquer forma, eu vou, é claro! Sabe que nunca dispenso sua comida. Inclusive, sinto falta de ir para a sua casa depois de um dia do cão e ter algo que não seja congelado ou algum tipo de delivery para comer. - Tentei fazer uma piada, mas não dava para rir da minha própria desgraçada sem que soasse uma risada triste.

- Ok. Vamos marcar. - Respondeu vagamente, pois seu celular apitou. - Vamos subir para a sala de reunião. Elliot já está nos esperando.

- Não vamos esperar Lucy voltar com os cafés? - Fiz cara de triste e arregalei os olhos

- Já é mais de uma e meia da tarde, precisamos resolver isso logo. Ela leva para a gente lá em cima.

Eu mordi o cabo do pirulito em um sinal de nervosismo e concordei com a cabeça, me levantando da cadeira em seguida. Henry então abriu a porta e me deu passagem para sairmos dali e enfrentarmos o dragão.

*


Joguei a bolsa no chão e em seguida me joguei de costas na cama, caindo como um saco de batatas.

- Preciso de férias. - Falei comigo mesma encarando o meu quarto vazio. - Mas antes preciso de uma bebida.

Depois de um banho rápido, me servi de uma dose de whisky barato que tinha acabado de comprar no caminho para casa e carreguei comigo até a varanda a sacola praticamente vazia debaixo de um braço e a garrafa no outro.

Acendi um cigarro do maço que eu também havia comprado e dei uma tragada rápida antes de abrir a barra de chocolate e comer um pedaço, engolindo-o com whisky. Uma combinação não muito agradável, mas eu estava pouco me fodendo. Naquele momento havia coisas mais desagradáveis e que deixavam um gosto mais amargo em minha vida.

Eram mais de sete da noite e eu tinha trabalhado quase doze horas naquele dia, estava estressada e cansada.

Havia uma poltrona simples no canto da varanda, a qual o antigo morador havia deixado para trás ao se mudar. Eu me deixei cair no assento e larguei a garrafa de whisky no chão.




Eu ouvi a porta de entrada bater e olhei no relógio: oito e quinze da noite. Tudo ficou em silêncio até que eu ouvi a porta de novo ser fechada em um baque. Eu havia chegado do trabalho há umas duas horas e estava estudando para as provas finais, já que não tinha aula naquele dia. Conforme eu avançava na faculdade, mais difícil ficava, mas eu já tinha passado da metade, então ia acabar logo. Era o que eu esperava.

Sai do quarto, aproveitando a desculpa de que precisava descansar as vistas e caminhei inconscientemente até a porta da frente, em direção à varanda.

- Oi. - Eu cumprimentei meu irmão que estava sentado em uma das cadeiras. - Chegou agora?

Estudei sua fisionomia abatida e um pouco agitada. Ainda vestia seu uniforme do trabalho.

Ele soltou lentamente a fumaça que havia prendido na boca e me respondeu com um aceno de cabeça seguido de um suspiro. Com uma expressão que eu reconhecia no espelho, me convidou a sentar na cadeira ao seu lado.

- Quer? - Me estendeu o copo de whisky que antes descansava no chão aos seus pés.

Eu tomei um gole e fiz uma careta instantânea.

- Eca! Você não colocou gelo?

Tomou delicadamente o copo da minha mão e deu outro gole antes de responder.

- Eu não fui na cozinha.

- Puta merda, garoto! O que aconteceu? Você está tomando whisky puro em temperatura ambiente. - Meu tom de voz assustado fez com que ele soltasse uma gargalhada desanimada.

- Cadê nossos pais? - Desviou o assunto.

- Foram jantar fora.

- O que você estava fazendo?

- Estudando. - Respondi concisa.

- Você é o meu orgulho mesmo, né. - Forçou um sorriso e eu sorri de volta, porque sabia que o problema não era comigo.

- Dia difícil? - Concordou com a cabeça em resposta e deu outro trago no cigarro. - Você sabe que as coisas vão melhorar, não sabe? - Recebi uma careta em resposta dessa vez.

- Eu sei? - Respondeu irônico.

- André! É claro que sim!

- E se não aceitarem a minha proposta, ? Eu estou trabalhando nesse projeto há meses, se negarem... Eu não sei o que fazer, todo o esforço e tempo gastos...

André me encarou por um momento, desviando o olhar em seguida e fixando-o num ponto específico embaixo da janela, em uma parte da parede que tinha um pedaço de tinta descascando.

- Maninho, com essa proposta vão é te promover! Já tenho dito! - Ele me olhou sorrindo e voltou a encarar o buraco com tinta descascada.

- Você não existe, mana.

- Vai dar tudo certo, maninho. - Eu sorri também. - Eu tenho orgulho demais de você. E você é a minha maior inspiração.

- Eu sei que você paga um pau para mim. - Respondeu fingindo indiferença e eu gargalhei antes de dar um tapa em seu ombro.

- Passa esse copo pra cá que eu vou por gelo nessa merda.




Não muito tempo depois disso, realmente aconteceu sua promoção, ele saiu da casa dos nossos pais dois meses depois. Nunca imaginaríamos que tudo terminaria como terminou.

Eu encarei a minha parede que estava com a tinta impecável. E então cocei a cabeça em um ato de nervosismo e suspirei.

Minha vida já estava complicada o bastante tendo que lidar com meus sentimentos amorosos sem controle e com todos os problemas que estavam acontecendo no meu trabalho; agora eu ainda ficaria para baixo com saudades do meu irmão.

Tudo estava acontecendo ao mesmo tempo e eu sinceramente não sabia se suportaria o peso de tudo desmoronando.

O quê? Que pensamento maluco é esse?

Foi como se eu tivesse acionado um freio dentro de mim mesma.

Eu não acredito em coincidências! Eu acredito que as coisas acontecem porque estão destinadas a acontecer. Pessoas ficam juntas porque o tempo todo fazemos escolhas que, por mais que possam parecer aleatórias num primeiro momento, revelam todo um sentido quando atingem aquele propósito final.

Não é à toa que-

O meu celular começou a tocar e quebrou a minha linha de raciocínio. Era uma ligação no FaceTime e quando alcancei o aparelho e olhei para a tela, um sorriso involuntário brotou no meu rosto.

- Ei, estranho!

- Eiii. Como você está?

- Sentindo sua falta! E você?

- Ocupado. - O sorriso não saia do meu rosto. - As coisas estão uma loucura aqui no estúdio!

Harry estava na área e conversávamos todos os dias pelo celular, ele tinha alugado um estúdio em Malibu que era uma casa e estava finalizando o álbum. Não saia de lá para nada, comia, dormia, assistia TV, usava drogas recreativas e me mandava fotos malucas, tudo lá.

- Você diz isso todos os dias, H.

Sem perceber, levei o cigarro que eu ainda segurava entre os dedos até a boca.

- Isso na sua mão é um cigarro? - Harry perguntou curioso. - Não sabia que você fumava. - Completou confuso.

- Eu não fumo. - Rebati indiferente e tomei um gole de whisky.

- Ahnnnn, eu tenho plena certeza que isso na sua boca é um cigarro.

- Bem, eu estou fumando nesse exato momento. Mas eu não fumo.

- Aconteceu alguma coisa? - Harry arqueou uma sobrancelha ao perguntar.

Não foi à toa que, mesmo que inconscientemente, eu tinha reproduzido um hábito tão comum do meu irmão e que me trouxe à mente justamente a lembrança de quando ele estava passando por algo parecido pelo que eu estou agora e eu lhe disse palavras de conforto que eu ouviria dele se ele estivesse aqui.

- Só um dia difícil. - Eu respondi a Harry, forçando um sorriso de lábios fechados no final.

- Hmm. Desculpe, mas não me convenceu. - Eu suspirei.

Às vezes eu odiava ser tão transparente. E odiava que Harry me conhecesse tanto também.

- Estão acontecendo algumas... situações no meu trabalho. Henry e eu as apelidamos de dragões. - Eu ri da piada interna. - Estamos trabalhando para apagar o fogo que produzem.

Era claro que Harry não ia entender a metáfora, então balancei uma mão na frente da tela e comecei a explicar desde quando e onde o problema todo tinha surgido.

- ...E então quando foi mais ou menos uma e meia da tarde, Lucy foi buscar café do Starbucks e o Henry, eu e o Elliot, que é um dos supervisores da produção, ficamos até às seis e vinte planejando o que fazer. Cheguei em casa há pouco.

Dei uma pausa, conferindo se eu não estava entediando Harry. Talvez estivesse. Então fiz um comentário mais descontraído.

- Mas foi engraçado, porque a Lucy tinha reclamado com Henry que não era nossa assistente e, mesmo assim, ela acabou levando os cafés para a gente lá na sala de reunião.

- Uau! Tão tarde? Parece mesmo um problema difícil de resolver. Mas tenho certeza que você vai dar um jeito. Você é muito competente.

- Sim! Dá para acreditar? O coitado do Henry teve que ligar para a ex-esposa buscar os filhos na escola. Essa semana era a vez dele, que supostamente deveria levar e buscar, mas hoje só conseguiu deixá-los na escola. Ele ficou arrasado, tinha planejado levá-los para o parque depois.

Encarei as marcas dos meus dedos no copo agora vazio. Demorei alguns segundos para perceber que eu não mais encarava a tela enquanto falava distraída. Dei um sorriso calmo.

- Você não faz ideia de como ter você do meu lado dando esse apoio faz diferença. Eu não sei o que faria se não fôssemos amigos!

Harry tampou a boca para tossir e eu achei até que ele não havia me escutado, até que respondeu:

- É... Se não fôssemos amigos...

*


Outro dia vencido e, com as coisas melhorando, caminhava em direção ao estacionamento enquanto digitava rápidas e animadas mensagens para Harry.



05:10pm: Ei, você vem jantar comigo hoje?



05:10pm: Eiii, Babe! Claro! Só finalizando
a mixagem de uma música.

05:11pm: Já chegou em casa?

05:11pm: Saindo do trabalho.

05:11pm: Qual música?



05:12pm: Não vou te dizerrrr!

05:12pm: hahaha




Respondi com um emoji revirando os olhos, minha marca registrada e ignorei-o.





05:13pm: Te espero à que horas?



05:13pm: Te aviso quando sair daqui.
Prometo não demorar.

05:13pm: Você vai cozinhar o que pedi?

05:14pm: Vouuu *outro emoji revirando olhos*



05:15pm: Obrigadoooo.


Com um estúpido sorriso no rosto, dei partida no carro e fui para casa. Depois de tomar banho, eu trabalhei um pouco na minha dissertação e só percebi quanto tempo havia passado quando senti meu estômago roncar.

Às quase oito horas da noite, Harry ainda não tinha dado sinal de vida.

07:42pm: Estou com fomeeee. Cadê você?



07:53pm: Desculpe! Tom precisou que eu
regravasse um backvocal.

07:53pm: Harry, pelo amor de Deus! Qual foi
a última vez que você saiu desse estúdio?

07:53pm: Vocês terminam isso amanhã!
Vocês têm todo o tempo do mundo.

07:54pm: Qual foi a última hora que você comeu?



07:55pm: Calma, mamãe! Uma mensagem de
cada vez! Hahaha

07:56pm: Ainda vou demorar mais 10 minutos.
Você ainda me espera, por favor?

07:56pm: 10 dias.

07:57pm: 10 dias o quê, cabeção?



07:57pm: Que não saio do estúdio.

07:58pm: HARRY, VEM EMBORA AGORA!

07:58pm: Você tem 30 minutos para chegar aqui!



Rindo sozinha, coloquei o celular em modo avião, pois eu sabia que quando ele enviasse a resposta e não mostrasse que eu havia visualizado, ele ficaria inquieto.

Era impossível que ele chegasse na minha casa em trinta minutos saindo de Malibu. Mas eu queria vê-lo tentar.

Como eu previ, foi uma hora depois que escutei o barulho da chave na fechadura e um Harry com seu olhar de cachorro que caiu da mudança passou pela porta.

- Eiiii. - Cumprimentou eufórico. - Desculpa a demora, eu passei lá em casa para buscar isso! - Gritou rindo e ergueu a garrafa de vinho branco que carregava em uma das mãos.

Eu estava sentada no sofá e lia o livro que Harry havia me emprestado e virei o pescoço para encará-lo com o olhar que eu chamava de “preguiça alheia.”, antes de colocar o livro virado para baixo no assento para marcar a página que eu estava.

- Oi... - Eu caminhei até ele a passos decididos e segurei sua nuca antes de lhe dar um beijo. - Que saudade! - Falei em português.

Parecia que havia meses que eu não o via.

Harry não hesitou em retribuir o beijo, meio sem jeito pela quantidade de coisas que segurava nas mãos.

Colei nossos corpos com um pouco de agressividade e, como ele foi pego de surpresa, cambaleou para trás, batendo as costas na porta. Aproveitei o apoio e coloquei uma das pernas entre as suas.

Como Harry estava com as mãos ocupadas, seus movimentos ficaram restringidos, o que tornou tudo ainda mais divertido para mim, que distribui beijos pelo seu pescoço e rosto enquanto o via rendido aos meus braços, voltando até seus lábios e prendendo-os entre os dentes antes de enfiar a língua em sua boca para outro beijo urgente.

Senti Harry ofegar e pressionei meus quadris um pouco mais contra seu corpo. Com a mesma mão que antes segurava sua nuca, puxei de leve seus cabelos, enquanto a outra eu espalmava na lateral do seu abdômen, pressionando-o cada vez mais firme contra a porta. Quando Harry gemeu, eu aproveitei para sugar sua língua, arrancando um “aí” de seus lábios dessa vez. Foi esse alerta que me fez parar.

- Minha língua. - Falou esquisito com a língua que já sangrava para fora. - Eu cortei. Você se esqueceu que contei?

Desencostei meu joelho da porta. Indecisa entre rir e sentir pena.

- Awww, me desculpe. - Decidi pela pena, ainda que eu tivesse um sorriso debochado no rosto.

- Está sangrando? - Colocou a língua para fora de novo e eu arregalei os olhos.

- Sua língua está cortada em duas. - Respondi alarmada.

- Ah, não! - Correu em direção ao banheiro, deixando as sacolas e o vinho em cima da bancada da cozinha ao passar.

Eu o acompanhei já gargalhando. Dando de cara com seu olhar enfurecido assim que entrei no quarto.

- Era brincadeirinha. - Confessei rindo mais ainda enquanto via Harry encarar a própria língua no espelho do meu banheiro. - Mas está sangrando um pouco, sim. - Parei de rir. - Sério, me desculpa. Está doendo?

- Não, a culpa não é sua. - Parou de se olhar no espelho e escorou o corpo no batente da porta do banheiro e me encarou. - Eu que sou burro e tenho uma equipe mais burra ainda. E eu falo para todo mundo pular no buraco e todo mundo pula. - Resmungou a última parte e eu ri de novo.

- O quê?

- A gente usou uns cogumelos uns dias atrás.

- Aquele dia depois que conversamos ao telefone, não é?

Na madrugada em questão, Harry tinha me mandando umas fotos com a língua sangrando e a única mensagem era uma palavra: “cogumelos”. Como eu estava ocupada, tínhamos trocado mensagens breves, nas quais só me preocupei em saber se ele estava bem. Por isso, acabei sem saber exatamente o que aconteceu.

- Sim, você estava fumando e bebendo whisky e eu pensei que eu estava só trabalhando e não estava me divertindo e isso supostamente deveria ser divertido!

Eu concordei com a cabeça, pois já tivemos conversas sobre isso antes.

- Então eu tive essa ideia e todo mundo topou. A gente usou uns cogumelos e colocou Paul McCartney para tocar. Deitamos na grama que tem na frente do estúdio e eu acho que até dormi. - Ele se desencostou do batente e caminhou até mim, que estava escordada no outro batente, o do quarto. - ...E teve aquela outra conversa que tivemos outro dia...

- Sobre você se arriscar mais artisticamente? Eu não estava falando sobre usar drogas e cortar a própria língua! - Repreendi e Harry encostou o rosto na curva do meu pescoço. Gesto que me desarmou. - O que aconteceu, afinal?

- O Mitch começou a tocar esse solo muito bom junto de uma das músicas que estava tocando e eu decidi pular a janela para ver. Bati meu joelho no queixo. - Fiz uma careta de dor, ainda que ele não pudesse ver.

- Por que você não passou pela porta, Harry Styles?

- Porque eu estava chapado?! - Respondeu como se fosse óbvio e lógico.

- Deixa eu ver. - Pedi enquanto passava meus braços em volta de seu tronco e sentia-o passar os dele em volta do meu.

Com a língua para fora, Harry acompanhava com o olhar enquanto eu analisava sua língua.

- Está doendo? - Perguntei. - Da para ver um risquinho aqui. - Usei uma das mãos para apontar com um dedo bem próximo de sua língua.

- Um pouco. - Respondeu guardando a língua e eu me inclinei para lhe dar um selinho. - Mas valeu a pena.

- Porque você se divertiu?! - Chutei.

- Não. Quero dizer, sim. Eu me diverti... até morder a minha língua e ficar 40 minutos tentando fazer pará-la de sangrar. - Soltei uma gargalhada e ele sorriu. - Mas valeu a pena porque escrevemos uma das minhas músicas favoritas até agora.

- Jura? Isso é ótimo! Me mostra?

- Vou pensar. - Sorriu de novo.

- Harry! - Fiz cara de brava.

- Precisamos aprender a tocá-la de novo. - Fiz cara de confusa.

- O quê?

- Mitch começou a tocar, certo? Antes de eu ter a minha língua cortada. Só que ele também usou cogumelos e não se lembra mais do que tocou.

- E agora? - Exclamei assustada.

- Temos tudo gravado. Não se preocupe.

- Você não existe, H.

- Você me esperou para jantar? - Mudou de assunto.

- Claro!

- Então você que não existe, Darling!

Voltamos para a sala abraçados de lado e eu fui até a cozinha esquentar a comida.

- Deixa que eu te ajudo. - Harry ofereceu.

Como não tinha muito o que fazer, já que estava tudo pronto, eu sugeri:

- Obrigada. Que tal se você começar abrindo o vinho para nós?

Harry prontamente apanhou a garrafa que ainda estava no balcão e, provando que conhecia muito bem a minha cozinha, buscou pelo abridor em uma das gavetas, retirando a rolha habilmente em seguida.

- Taças... Taças... - Começou a murmurar enquanto fazia um uni-duni-tê entre as portas do armário, tentando se lembrar em qual delas ficavam os copos.

- Na terceira porta da...

- Esquerda! - Completou e abriu imediatamente a pequena porta. - Me lembrei.

Harry então me passou uma das taças e eu tomei um gole ainda em frente ao fogão.

- Você pode levar os frios para a mesa? - Apontei para a bancada ao lado da pia onde tinham duas vasilhas.

- Okay.

Logo em seguida, levei o restante das panelas para a mesa que eu já havia arrumado e nos sentamos.

Durante o jantar, continuamos conversando sobre o álbum, meu trabalho e algumas trivialidades. De certa forma, demos um jeito de voltar ao “normal” depois do que havia acontecido em seu aniversário. Para ser sincera, eu realmente não queria ter feito um grande alarde por tudo, então na maioria do tempo bloqueava o que havia acontecido.

Fazia quase duas semanas que eu não via Harry. Ele estava mesmo focado no processo do álbum e, por mais que estivesse sentindo saudades, eu havia meio que dado um espaço também, sempre esperando que ele é quem me procuraria quando não estivesse ocupado.

Era por isso que conversávamos apenas por telefone, mesmo que ele estivesse a alguns quilômetros de distância.

Não é que eu achasse que eu o atrapalhava, nem nada disso. Menos ainda que eu me achasse importante o suficiente para ser uma distração... Eu só não queria incomodar também. Eu sei o quanto o trabalho era importante para ele... esse álbum. E, mesmo que a minha opinião não importasse muito, o álbum também era importante para mim, sendo a fã que eu era.

Depois que Harry retirou a mesa, lavou as vasilhas e eu as sequei, continuamos sentados na mesa da cozinha conversando.

- Vou ao banheiro. - Harry disse e eu acenei com a cabeça.

Aproveitei para checar as mensagens do meu telefone corporativo, estava estranhando que ninguém havia me ligado com algum problema.

Harry apareceu à minha frente enquanto eu ainda estava distraída.

- Obrigado por ter sido meu valentine hoje... Nesse ano. - Me entregou uma das sacolas que estavam na bancada. - Happy Valentine’s Day.

- Harry... Eu-eu não comprei nada para você. - Me levantei da cadeira, olhando-o nos olhos e depois abaixando o olhar para a sacola simples de papel.

- Tudo bem. Não é como se tivéssemos falado algo sobre trocar presentes. - Ele deu de ombros, como se realmente não se importasse.

Eu sabia que a cultura de “Valentine’s Day” dos outros países era totalmente diferente da cultura de “dia dos namorados” do Brasil. Para começar nos Estados Unidos você dava cartões ou presentes simples para amigos, familiares, colegas de trabalho e também para qualquer pessoa que você gostasse e tivesse feito companhia no “feriado”.

Não que eu achasse que Harry fosse me dar alguma coisa quando me pediu que jantássemos juntos por causa disso. Afinal, era super comum que amigos fizessem alguma coisa do tipo nesse dia.

Coloquei a mão dentro da sacola, tocando imediatamente em um tecido macio. Ansiosa para descobrir o que era, puxei-o descobrindo uma camisa branca.

A camisa do merch de Wish You Were Here do Pink Floyd.

A camisa do Pink Floyd de Harry. Vintage.

- Eu tenho essa camisa há anos. Achei em um brechó em Nova York em uma das viagens com a banda.

A camisa que antes nova era branca, agora havia adquirido um tom amarelado e tinha pequenos rasgos ao redor da gola, alguns furos distribuídos na região dos ombros e também das barras, provavelmente já tendo sido comprada assim por Harry, o tecido parecia bem antigo e a estampa estava bem desbotada.

- Estava guardada em uma caixa no fundo da loja. Foi um verdadeiro achado. É um pouco pequena para mim; acabei comprando assim mesmo, porque amei. Mas eu nunca a usei.

- Você falou dessa camisa quando você fez a entrevista para capa da Another Man em 2016... Eu me lembro. - Eu estava atônita. - Meu Deus, Harry! Eu não posso aceitar!

- ), eu sei que essa banda significa muito mais para você do que jamais poderia significar para mim, mesmo que eu ame essa camisa. E é por isso que se torna muito mais especial que eu a dê para você. Por favor, não recuse meu presente.

Ao mesmo tempo que eu sabia que era só uma camisa e não havia motivos para eu recusá-la, consciente de que eu já havia aceitado muitos outros presentes de Harry, eu também sabia que aquilo era tudo, menos “só” uma camisa para mim.

Eu suspirei, sem saber muito bem onde eu havia acertado para merecer tanto. Grata por Harry sempre encontrar novos meios de fazer mais momentos bons para sobressair quaisquer que tenham sido os ruins.

Fiz uma prece silenciosa para quem quer que fosse o responsável por trazer Harry para a minha vida.

- Obrigada. De verdade.


23. Are we friends or are we more?

MARÇO, 2019
Alguns dias atrás




Faltavam poucos dias para que completasse oficialmente um ano que eu morava nos Estados Unidos.

Enquanto no Brasil era carnaval e cada vez que eu abria o Instagram tinha que ver todos os meus amigos se divertindo... Eu, que estava na outra extremidade do continente, só trabalhava. Quero dizer, não me entenda mal; acho que a essa altura já deu para perceber que eu gosto do meu trabalho, gosto do que faço, gosto da ideia de ir para West Hollywood e passar dirigindo pela calçada da fama todos os dias. Não há o que reclamar sobre isso.

Mas dizer que eu não queria quatro dias de folga para me afogar em álcool com meus amigos enquanto beijamos bocas de procedência duvidosa era mentira. Não que na minha situação atual eu fosse beijar alguém, já que Harry não saia da minha cabeça. Viu? Até para explicar sobre minha deprê por não estar com meus amigos eu tenho que o mencionar.

A melhor parte do carnaval não era nem todos aqueles dias de festa em que eu mal dormia ou comia, só bebia e ficava acordada o máximo de tempo possível; a melhor parte era que meu irmão odiava.

André nunca gostou de carnaval. E sabe qual era a melhor parte dessa melhor parte? Sim, as melhores partes ainda têm melhores partes. Um pouco confuso, mas juro que faz sentido. E era a melhor da melhor porque eu tinha um motorista particular; corrigindo, um piloto particular. André me levava e me buscava para todos os bloquinhos e festas nessa época do ano. Todo mundo sabe que o trânsito em época de carnaval é o caos instaurado, e é claro que uma moto facilita o acesso a qualquer parte da cidade, então eu sempre estava no foco de qualquer bagunça muito rápido e nunca tinha que me preocupar em como eu ia embora ou se eu tinha bebido demais, porque ele não gostava de ir, ou seja, então ele não estaria bêbado e poderia me buscar sempre que eu ligasse. Era perfeito!

Me lembrar do carnaval e, mais especificamente das caronas na moto de André, me fizeram pensar por onde anda a minha Hondinha. Bem, ela não é mais minha. Espero que seu novo dono dê tanto valor a ela quanto eu. Eu poderia cantar When I Was Your Man do Bruno Mars. Tudo bem, agora eu estou rindo sozinha ao comparar um término de relacionamento à venda da minha moto. Bem, de qualquer forma, eu espero que seu atual dono lhe dê todas as suas horas disponíveis para cuidar de você, Hondinha. Espero que ele segure sua mão, ops, guidão, assim como eu segurava e te leve para todas as festas, ou trabalho, tanto faz. Ou melhor, espero que você leve seu dono para onde ele precisar ir, assim como você me levou. Nunca me esquecerei que a minha moto me levou até Harry, até seu show. E lá vem o bendito aparecendo de novo nos meus pensamentos!

Droga! Que saudades de um passeio de moto. Eu amo dirigir por essa ou qualquer outra cidade de madrugada, mas andar de moto às quatro da tarde em um sol escaldante também tem o seu valor. Como quando você está em um lugar abafado e abre uma janela, aquela primeira lufada de ar fresco que vem de fora. No Brasil, apesar de proibido, a viseira levantada do capacete enquanto você pilota é a janela aberta. A música que sai do painel do carro é substituída pelo ruído do vento que é abafado pelo acolchoado do capacete. A mão direita que costuma descansar no câmbio de marcha passa a contrair e relaxar o músculo ao usar o acelerador e, às vezes, o freio da roda dianteira.

Em um impulso, peguei o celular e, com um clique rápido nas chamadas recentes, o número de Harry já chamava.

- Boa tarde, babe.

- Ei! Tá fazendo o quê?

- Eu estou ótimo, , obrigado por perguntar! E você, como está? - Dei uma gargalhada diante do tom ofendido.

- A gente se falou por mensagens de manhã, dramático. - Depois dessa resposta ele bufou, contrariado porque eu estava certa.

E exatamente porque tínhamos nos falado pela manhã, eu sabia que Harry estava em casa e não no estúdio.

- Acabei de almoçar e estou lavando as vasilhas.

- O quê?

- Você perguntou o que eu estava fazendo...

- Ah! Por que você está lavando as vasilhas? - Dava para perceber mesmo que a chamada estava no viva-voz e a voz dele estava um pouco longe e dividia lugar com algum outro barulho.

- Porque depois que Margot fez o almoço, eu disse para ela que poderia ir embora. É sábado, não gosto de ter que fazê-la trabalhar até tarde.

- Ela passou suas roupas?

- De manhã, enquanto fui correr.

Harry sempre acabava dizendo que ela poderia fazer isso na segunda-feira e aí acabava sem roupas passadas para o fim de semana.

- Você tem sorte de ter uma mulher tão legal trabalhando para você, porque você é um bagunceiro.

- Sorte não, eu pago muito bem. - Riu em seguida.

- Nem por todo o dinheiro do mundo eu trabalharia para ficar recolhendo suas meias espalhadas pela casa.

- Você faz isso de graça!

- Porque você é folgado e espalha suas coisas pela minha casa! Eu devia jogar tudo fora mesmo.

- Você sempre ameaça que vai jogar tudo fora.

- Talvez eu devesse começar a cumprir! A senhora Thompson vai direto para o céu por te aguentar.

- Mas eu sou um amor. Estou até lavando as vasilhas!

- Não faz mais que a sua obrigação. Você quem sujou.

- Você é cruel, sabia disso?

- E você me ama! - Gargalhei e ele me acompanhou. - E eu também te amo, você sabe disso, não sabe?! Quero te pedir uma coisa! - Falei tudo de uma vez só.

- É claro que você não estava se declarando. Foi muito fácil para ser verdade.

- Sonha, Harry Styles. Sonha.

- O que você quer, interesseira?

Eu tinha aquela conversa com Harry no tom mais descontraído possível, mas, por dentro, eu sentia meu coração batendo mais rápido do que o normal. Eu poderia ser considerada uma masoquista por ficar brincando assim comigo mesma? Eu sabia que essas piadas internas, que não passavam de nada além disso, piadas, mexiam comigo. E mesmo assim eu continuava agindo como antes. Como quando éramos, de fato, só amigos. Bem, ainda éramos só isso, porque Harry não sabia que eu me sentia diferente agora.

- Então... Sabe o que é? É porque é carnaval no Brasil e eu estava lembrando dos meus amigos e também do meu irmão e aí lembrei de quando eu fui para o seu show e...

- ), pede logo o que você quer. Eu sei que você está enrolando. - Comecei a rir.

- Me empresta sua moto?

- Para que você quer a minha moto? Quero dizer, é só isso? É claro que eu te empresto, mas ‘tô curioso, para que você precisa dela?

- Você quer dar um passeio de moto comigo? Eu piloto, é claro.



A minha fissura por passeios de carro na madrugada ou de moto pela tarde não tinha a ver com o lugar, ou com o fato de andar por aí sem ter para onde ir ou onde precisar chegar; tinha mais a ver com a companhia. Fosse a minha própria ou de alguém de quem eu gostasse muito. As únicas pessoas que me acompanharam nisso antes de Harry foram André e meu último ex, Daniel.

Para ser sincera, eu quem acompanhava André e não o contrário, porque esse hábito, ou melhor, esse gosto por passeios sem destino foi primeiro dele. Ele quase nunca me deixava pilotar, então estava sempre em sua garupa.

O meu carro ficou do lado de dentro da entrada arborizada da casa de Harry.

- Eu não estou muito confiante com isso.

O portão branco eletrônico abria e eu batia no estofado do banco de sua Harley Davidson para que ele montasse atrás de mim.

- Harry, eu piloto há tanto tempo quanto você e considerando que eu pilotei muito mais vezes durante esse tempo, você não tem com o que se preocupar.

- Eu nunca andei na garupa de ninguém. Eu sempre piloto.

- Você não confia em mim? - Ele suspirou e concordou com a cabeça.

Ainda um pouco hesitante, Harry montou na garupa e eu acelerei para fora, parando um pouco no passeio enquanto esperávamos que o portão se fechasse às nossas costas.

- Aonde vamos? - Perguntou antes que eu começasse a andar

- Vamos passar pela orla da praia? Deve ser ótimo fazer isso de moto.

Harry concordou com um murmúrio, precisávamos conversar tudo agora, porque depois que estivéssemos na rua seria muito difícil ouvir um ao outro.

- Quando você anda na garupa, precisa travar suas pernas para dentro o máximo que conseguir, okay? Assim você nos ajuda a ficar estáveis nas curvas. - Outro aceno de cabeça.

- Então eu tenho praticamente que te encoxar? Isso não vai ser tão ruim quanto eu pensava. -

Eu dei uma gargalhada me lembrando que eu já ouvi a mesma coisa de Daniel. Homens eram tão previsíveis.

- Isso é uma desculpa porque você quer ser encoxada? - Arregalou os olhos fingindo ter descoberto meu real e obscuro motivo.

- Não, Harry. Estou falando sério. Se você deixar suas pernas frouxas e abertas, pode nos fazer tombar. - Senti seus joelhos apertando as minhas pernas. - Também não precisa ficar neurótico assim, travado. Só fique firme, okay? É como quando você pilota.

- Por que não falou antes?

- É a mesma coisa, é só que quando as pessoas estão na garupa costumam achar que podem deixar as pernas soltas. - Revirei os olhos e fechei o capacete. - Pronto?

- Sim! - Falou um pouco mais alto para que eu ouvisse através dos capacetes.

Sem responder, acelerei a moto e recolhi os pés do chão, trocando quase no mesmo segundo para segunda e depois terceira marcha quando já estávamos na nossa faixa na rua.

Eu nem me lembrava mais como era pilotar nas ruas do bairro de Harry, já que foram raros os momentos em que fui para sua casa com a Hondinha, ele sempre me buscava de carro, ou ficava mais na minha casa. Ao pensar sobre isso, vejo como nossa logística melhorou em 80% depois que comprei meu carro.

De carro até qualquer parte da costa demorávamos em torno de uma hora, chegamos com 45 minutos de moto. Como não íamos para nenhum lugar específico, eu continuei pilotando pela estrada que beirava a praia. No horizonte, víamos o azul do oceano ir ao encontro do azul do céu.

A tarde em Los Angeles era sempre ensolarada. Na verdade, eram raros os momentos em que não fazia calor nesse lugar. A falta de proteção da moto nos fazia sentir um vento refrescante conforme eu ia mais rápido.

Harry tinha as mãos fechadas em punho apoiadas nas próprias pernas, provavelmente as costas estava doendo depois de vir com aquela sua mal postura característica por todo o caminho, eu achava que agora talvez não adiantasse muito ficar com as costas retas, mas me divertia com ele tentando. Eu conseguia senti-lo puxar o ar e estufar o peito bem atrás de mim, na tentativa de manter a postura corrigida.

Tirei a mão esquerda do guidão e tateei cegamente procurando pela dele atrás de mim, apertando-a e em seguida apertando sua perna. Meu gesto fez com que ele levasse as duas mãos até os meus quadris, depositando-as suavemente ali.

Eu tinha prendido meus cabelos dentro do capacete, pois pensei que poderiam incomodar Harry quando ventasse, mas eu me lembrava perfeitamente da sensação dos fios ricochetando para todos os lados, como se eu não tivesse ficado nem mesmo um dia sem subir em uma moto.

A moto de Harry era, de fato, muito diferente da Hondinha, demandava uma inclinação maior do meu corpo para alcançar os guidões, visto que era uma moto mais baixa do que a que eu tinha, parecia até que eu estava em uma corrida profissional ou algo assim, era uma sensação gostosa.

Andamos de Santa Mônica até um pouco depois de Malibu, eu peguei a moto com o tanque um pouco menos da metade e não queria nem pensar na possibilidade de precisar descer em um posto com Harry na garupa, então achei melhor voltar antes que ficássemos sem combustível.

Mas antes disso parei em um acostamento. Tinha ido tão longe que nem via mais a praia dali da avenida principal. A coisa toda meio que tinha desviado do propósito, já que eu queria ir o mais próximo da orla da praia.

- Onde estamos? - Harry perguntou confuso quando desci da moto meio trôpega.

Do lado do acostamento tinha uma rua que provavelmente ia em direção à praia. Do outro lado da rua, lotes vagos com muito mato. Era como se estivéssemos no subúrbio de Malibu, se não fosse pela praia que provavelmente estava logo depois dos lotes.

Eu nunca tinha ido ali também, então não tinha muito mais noção do que Harry.

- Você que vem para Malibu sempre. - Dei de ombros, encarando-o que ainda sentava na moto.

- Eu nunca vim para cá. - Rebateu.

- Verdade! Você só vai até os restaurantes caros no centro. - Ele deu uma risada da provocação. - Você precisa viver fora dessa sua bolha de famoso, Styles. O mundo é um lugar enorme e você tem possibilidade de explorar muito além do óbvio. Não se limite a ir aonde todo mundo que você conhece vai.

- E você conhece aqui?

- Não. - Ele tombou a cabeça e arqueou uma sobrancelha. - E esse é o ponto!




- Amor, aonde você está nos levando?

- Para um lugar.

- Você ao menos sabe aonde está indo?

- Não se preocupe com isso, Dan. Curte a viagem enquanto a sua namorada pilota.

- É um pouco difícil apreciar a paisagem enquanto eu estou sentado bem atrás de você assim.

Eu comecei a gargalhar. Daniel e eu gritávamos um para o outro, as viseiras dos nossos capacetes estavam levantadas para que conseguíssemos mal nos escutar.

- Eu sei que sou uma grande gostosa.

Meu comentário fez com que Daniel deslizasse uma das mãos pela minha coxa, apertando a parte interna.

- Você já caiu de moto? - Gritei.

- Não! Eu nem sei andar de moto, você sabe que só ando com você. - Gritou de volta.

- Pois é o que vai acontecer se você continuar fazendo isso.

- Isso o quê? - Se fez de desentendido e passou a mão na minha virilha dessa vez. Soltei o ar em um gemido misturado com uma bufada de frustração. - Ah, isso? - Fez de novo.

Nesse ponto eu já ria de nervoso, porque eu estava ali, pilotando uma moto a mais de 80km de distância por hora, enquanto meu namorado na garupa me provocava.

- Okay. Vamos precisar fazer uma parada. - Anunciei bem a tempo de ver a placa de um motel na estrada.





Eu ainda tinha essa moto, estava na casa dos meus pais no Brasil.

- Só... aprecie a vista. - Eu sugeri.

- Vista? Estamos numa estrada no meio do nada! - Rebateu.

Bem, ele tinha razão.

Montei na Harley Davidson novamente, dessa vez, sentando praticamente no colo de Harry de propósito, garantindo que ele sentiria a rebolada discreta.

- Então tire uma foto minha. - Eu pedi como se não tivesse feito absolutamente nada e ele me olhou confuso, ainda processando a sentença que tinha ouvido.

- Vai, desce. - Mandei e ele desceu da moto um pouco atordoado.

Eu não podia reclamar de Harry, até que ele era um bom fotógrafo e não se importava que eu pedisse para repetir a pose ou que tirasse outras 50 fotos diferentes.

- Vem aqui, vamos tirar uma foto juntos. - Chamei.

Ele se aproximou e bateu uma selfie nossa. Sim, Brasil, Harry Styles sabe tirar selfies.

- Obrigada. - Eu desci da moto olhando para as fotos e Harry voltou a se sentar. - Ei, ei, ei! - Chamei sua atenção. - Eu que vou pilotar! - Decretei apontando um dedo em seu rosto quando vi que havia se sentado mais pra frente e segurado um dos guidões.

Sem dizer nada, Harry colocou as duas mãos para o alto e depois as apoiou no tanque de combustível, mas ainda assim não mexeu a bunda do banco. Se ele estava tentando me enrolar para não ir na garupa de novo, não ia funcionar.

- Não estou tentando roubar a minha moto. - Falou por fim e eu respondi com uma careta.

Harry fixou o olhar em algum ponto à sua frente, mexendo-o ao acompanhar o passar dos carros pela estrada.

Eu tinha as mãos nos bolsos e comecei a chutar uma pedrinha que estava aos meus pés.

- Vai fazer um ano... desde que eu me mudei. - Quebrei o silêncio que não havia durado muito tempo.

- Então nos conhecemos há um ano? - Harry tentava balançar os pés no ar, mas, por ser alto, o máximo que fazia era arrastar o solado do vans branco imundo no asfalto quente.

- Não. Eu já tinha me mudado há mais de um mês quando nos esbarramos.

- Na minha cabeça é como se tivéssemos nos conhecido no boliche.

- Você não se lembra de como nos conhecemos? - Retruquei incrédula ao encará-lo com uma expressão de espanto. - O boliche foi meses depois! - Harry começou a rir.

- Claro que me lembro. - Ele revirou os olhos, parando de arrastar os pés por um momento. - Parece que foi há uma vida que você me abordou desesperada perdida nessas ruas. - Eu cruzei os braços e também revirei os olhos.

Harry e eu estávamos relativamente bem depois do episódio no Japão. Já havia se passado mais de um mês e eu não me sentia magoada pelo que ele havia dito, mas eu experienciava momentos de fraqueza em que as suas palavras ressoavam na minha cabeça de maneira distorcida.

Harry disse “...mas não é isso que somos? O escape?” e a minha cabeça transformava em “você não é nada para mim” “só somos amigos porque posso fazer sexo com você sem me preocupar com cobranças ou dar satisfações”. Ah! A tão indesejada montanha russa de emoções...

Balancei a cabeça, espantando esses pensamentos.

Eu sabia que tudo aquilo que eu pensava era mentira e que a única verdade é que ele era meu amigo, sim.

- Eu sinto falta, sabe? Dos meus pais. De todo mundo no Brasil. É bom ter alguém como você para quem dizer isso, porque eu acho que você entende bem como é. - Harry concordou com a cabeça.

- Quando você diz todo mundo... - Harry deixou um sorriso ladino preencher seu rosto. - Isso inclui o seu namoradinho que está longe também?

Eu tombei a cabeça para o lado e dei uma risada confusa, balbuciando alguns “o quê?” inaudíveis.

- Desculpe. Eu não sei porque eu disse isso. - Harry respondeu nervoso e um pouco sem graça.

- Eu não acredito. - Falei pausadamente e Harry deixou escapar outra risada nervosa que tentou disfarçar colocando a mão na boca. - Eu falando sério e você debochando de mim? Não sabia que tínhamos invertido os papéis. - Comecei séria e acabei rindo para descontrair.

Não havia motivos para que ele ficasse tímido perto de mim. Se o meu ex com quem eu não conversava há um ano passou pela cabeça dele, ele não deveria ter que reprimir o pensamento; não comigo. Nunca comigo. Se ele sentia raiva, que não me escondesse, se ele sentia ciúmes, que dissesse. Fosse o que ele estivesse sentindo, eu deveria saber que, comigo, ele nunca precisaria não ser ele mesmo, porque eu o queria o mais próximo de mim possível e isso só aconteceria se ele sempre sentisse que comigo ele jamais precisaria ensaiar o que dizer.

Comigo ele nunca precisará ensaiar o que dizer.

- É a convivência. - Piscou divertido e eu sorri sentindo que ele captou a mensagem quando o vi relaxar.

- Você acha que eu estaria com você se eu estivesse sentindo falta dele? - Retruquei sem vacilar.

- Ah, então você admite que está comigo?

- Estou... te pegando. - Gargalhei. - Quero dizer, não nesse exato momento, até porque estamos na rua e tudo mais.

- Estou me sentindo usado. - Arqueei uma sobrancelha e acabei ficando séria mesmo sem querer.

Harry me encarou e eu sustentei seu olhar por alguns segundos.

- Bem, pode não ser um ano ainda, mas te conhecer foi uma das melhores coisas que me aconteceram no ano passado. E esse tempo desde então tem sido um dos melhores. Eu sinto como se-se... - Gaguejou um pouco e eu praticamente não respirava porque não queria o interromper. - ... como se eu tivesse um lugar para voltar, sabe? Como se eu tivesse algo muito importante me esperando. - Sem graça, abaixou a cabeça e sorriu. - Há muito tempo eu não me sentia assim. - Balançou a cabeça como eu tinha feito minutos antes, como se para espantar pensamentos. - Há anos.

- Hmmm. - Murmurei. - Você só está dizendo isso porque está com remorso. - Minha voz saiu extremamente esquisita na tentativa de ser engraçada com aquele fundo de verdade que usamos para dar uma leve cutucada.

Mas eu me arrependi assim que terminei de falar. Então depositei todo o peso do corpo em um só pé, me sentindo desconfortável.

- Por que eu diria isso só por estar com remorso? - Replicou sério.

- Para tentar fazer com que eu não me sinta só como sua amiga de sexo. - Rebati rápido e ficando séria também.

Eu também não queria ter que ensaiar o que dizer para ele.

- Isso é sério? - Dei de ombros. - Depois de um ano convivendo comigo você acha que eu seria falso o suficiente para dizer isso tudo só para consertar algo idiota que eu disse antes? Você me conhece tão pouco assim? Quando eu te digo isso, é porque eu realmente quis dizer.

- Eu não quis dizer que você é falso. - Troquei o peso de perna de novo.

- Então me diz, , o que você quis dizer?

- Jezz. Você está bravo? Calma, eu estava brincando. - Tentei contornar a situação, mas talvez já fosse tarde demais. Mas também não havia motivos para ficar tão ofendido. - Você pode debochar de mim, mas eu não posso debochar de você?



O ruim da moto de Harry era que o descanso de estacionar não a inclinava muito.

Assim que entramos em sua garagem e eu estacionei nos fundos bem atrás do meu carro, meu calcanhar quase ficou agarrado quando tentei descer dobrando a perna em vez de esticá-la pela parte de trás, já que não tinha como fazer isso com Harry ainda sentado na traseira. Como o descanso deixava a moto apenas levemente inclinada, a altura não ajudava muito.

- O que você está fazendo? - Me perguntou confuso ao me segurar involuntariamente antes que eu caísse de cara no chão.

- Descendo da moto. O que parece que eu estou fazendo?

Todas as minhas ideias malucas de sexo na moto tinham evaporado depois do clima tenso que nós mesmos criamos por uma bobagem.

A viagem de volta não foi nem metade divertida como foi na ida. Eu acabei montando na moto de novo e vindo embora. Harry não disse uma palavra mais.

Era incrível como podíamos ir de brincalhões à extremamente sérios e quase discutindo num piscar de olhos. A bipolaridade que rondava a nossa relação me deixava zonza.

- Ei! - Harry tinha soltado um dos meus braços, mas permaneceu segurando o outro. - Não vamos ficar brigando.

Suspirei audivelmente antes de olhá-lo nos olhos. E lá estava o turbilhão de sentimentos e sensações mais uma vez, bloqueando todo o meu discernimento e racionalidade.

Voltei a me sentar na moto, dessa vez de frente para ele.

- Deixa os pés no chão, senão a moto pode tombar. - Pedi e ele concordou com a cabeça, ainda confuso.

Do jeito que eu estava, meus pés não alcançavam o chão. Que ideia foi essa que eu tive?

Passei os braços ao redor de seu pescoço, demonstrando toda a confiança que eu consegui reunir antes de beijá-lo sem aviso.

O bom da moto de Harry era que o descanso não a inclinava muito.

Harry correspondeu sem hesitar e passou os dois braços ao redor do meu tronco, abraçando-me firme.

Eu não entendia antes como meus sentidos, emoções, sensações e todo o resto podiam oscilar em tantos extremos na presença de Harry, talvez pensasse que fosse um efeito exclusivo de sua pessoa, mas hoje vejo que é o efeito de se estar intensamente apaixonada por ele.

- Vamos para o quarto?! - Me perguntou ofegante.

Eu estava apaixonada por Harry. E esse sentimento era como um furacão na minha vida, bagunçando, destruindo e deixando tudo revirado em um piscar de olhos. E eu sabia que não poderia me livrar disso.

- Não, vamos ficar aqui.



*




Entramos para a casa de Harry aos risos e olhares cúmplices. Convenhamos que seria meio difícil continuarmos estranhos um com o outro depois do que tinha acabado de acontecer, do que tínhamos acabado de fazer.

- O que acha se fôssemos para a piscina? - Harry sugeriu ao abrir a porta de seu quarto.

Era um pouco mais do meio da tarde e o sol ainda brilhava.

- Você sabe que eu não tenho nenhuma roupa aqui, não sabe? Isso inclui biquinis.

Harry parou no meio do quarto se virando para mim. Uma de suas mãos foi até a minha nuca e ele começou a fazer um carinho nos meus cabelos.

- Nos próximos dias eu vou separar aquelas roupas que tenho dito que quero doar. Isso vai abrir espaço no meu closet, e aí você pode trazer algumas roupas suas, coisas de mulher... Tipo biquinis que não tem como eu te emprestar. O que você acha? - Eu desviei o olhar até a porta do closet. - Ou podemos também sair para comprar algumas coisas para você deixar aqui. Não que eu me importe de você usar as minhas, é claro.

- Seria legal. - Voltei a olhá-lo e dei um sorriso. - Quero dizer, eu posso trazer algumas coisas. Obrigada.

Eu nunca tinha me preocupado em levar nada para a casa de Harry, pois compartilhávamos tudo; desde roupas até shampoos e cremes de pele. Ele sempre teve muito bom gosto, então eu gostava de todos os cheiros desses itens. E eu sempre andava com calcinhas limpas na bolsa, caso eu não voltasse para casa.

- Mas hoje você pode ficar de calcinha e sutiã. Eu não me importo. - Fez uma careta de indiferença e sorriu também.

- Cretino. - Harry tombou a cabeça para trás e deu uma gargalhada. - Então me empreste uma dessas suas camisas de botão, porque eu não vou sair andando até lá fora só de calcinha e sutiã. - Dei um tapa em seu ombro.

- Meu closet é seu. Pegue o que quiser. - Revirei os olhos.

- Agora você está sendo brega.

- Mas você é mesmo uma mulher difícil de agradar, . Jezz! - Arqueei uma sobrancelha e caminhei desviando dele para chegar até o closet. - Okay! Tudo bem. Isso é mentira. - Falou mais alto quando eu sumi lá para dentro. - Você é bem fácil de agradar.

- E sou mesmo. Obrigada pelo reconhecimento. - Falei ao sair de dentro do closet com uma camisa em cada mão.

Uma das camisas era uma rosa estampada com bolinhas brancas, da YSL, bem famosa entre os fãs, pois ele usou uma vez em um show em 2015, ainda com a banda. A outra era uma camisa da Gucci cor de pêssego, personalizada com a palavra ‘Styles’ bordada no peito.

- Posso usar uma dessas duas?

- Claro. - Deu de ombros. - Mas com essas mangas longas você não vai sentir calor de ficar no sol? - Neguei com a cabeça. Eu não tinha intenção de ficar no sol vestindo a camisa.

- Qual? - Alternei as duas na frente do meu corpo.

Harry contorceu os lábios pensativo. Murmurou alguns “hums” e colocou a mão no queixo.

- A pêssego. - Quando falou, não houve hesitação.

- Mas você é mesmo fangirl da Gucci, não é? - Debochei.

- Só porque você gosta mais de Saint Laurent não quer dizer que eu sou fangirl da Gucci.

- Quem disse que eu gosto mais de Saint Laurent? - Arqueei uma sobrancelha.

- Eu já percebi. - Deu de ombros de novo. E eu neguei com a cabeça e um sorrisinho nos lábios. - Além do mais, escolhi essa porque tem o meu sobrenome gravado. - Me lançou uma piscadela.

- Mas você é mesmo um homem muito narcisista, Harry Styles. Jezz! - Imitei o mesmo tom de voz que ele havia usado comigo ao dizer que eu era ‘uma mulher difícil de se agradar’.

Harry estendeu uma das mãos em direção a camisa da YSL.

- Vai aceitar minha opinião?

Sem dizer nada, eu entreguei o cabide a ele, que imediatamente saiu andando para guardá-lo de volta no closet.

- Além do mais, isso tem muito mais a ver com você usando algo com meu nome do que com o meu ego.



Eu tinha pegado no carro um livro que Harry havia me emprestado e lia-o enquanto estava deitada de bruços em uma toalha ao lado da piscina, os cotovelos apoiados no chão para firmar o livro que eu segurava nas mãos. Eu tinha prendido os cabelos em um coque bagunçado e aberto o fecho do sutiã para que não ficasse com marcas estranhas nas costas.

- Qual é, ! Você não vai mesmo entrar? - Harry, que tinha acabado de emergir da água, gritou enquanto balançava a cabeça rapidamente e puxava os cabelos molhados para trás. - O sol já vai se pôr!

- Depois. - Gritei de volta e alcancei a lata de cerveja ao meu lado. Fiz uma careta ao provar o líquido. - Está tão quente que a cerveja já esquentou.

Harry mergulhou de novo, nadando na minha direção.

- Eu posso te fazer um drink. - Sugeriu ao apoiar os braços na beirada da piscina. Eu tirei o par de óculos escuros dele que eu usava e coloquei ao lado da toalha.

- Que tal se eu te fizer um drink? - Ele sorriu confuso e tombou a cabeça para o lado enquanto eu já me punha de pé e estendia a mão para ele. - Vem!

- O que você vai fazer?

- Eu vou fazer uma bebida típica brasileira que você já tomou.

- Eu já? - Concordei com a cabeça e murmurei um “uh-hum”.

- Em 2014, quando foi para o Brasil na primeira vez. Vocês beberam na piscina no hotel no Rio de Janeiro. Caipirinha, você se lembra?

- Eu me lembro de beber muitas coisas no Rio de Janeiro. Teve uma festa no hotel à noite.

- Agora ficar loucasso você não se lembra, né. - Resmunguei em português enquanto revirei os olhos.

- O quê?

- Nada. Deixa para lá.

Eu balancei uma mão no ar e entrei dentro da casa em direção à cozinha. Harry me seguiu trôpego.

- A gente deveria ter ido em alguma feira em Hollywood para comprar uma garrafa de cachaça.

- Caçaxa? - Repetiu e eu comecei a rir.

- É uma bebida alcoólica feita de cana-de-açúcar e a gente usa para fazer caipirinha.

Eu expliquei sem corrigir sua pronúncia, porque tinha achado muito fofinho para que não deixasse que ele continuasse falando errado.

Fui em direção ao bar, ou seja lá como chama a área em que Harry tinha uma coleção de bebidas de todos os tipos, e puxei uma garrafa de vodka que estava cheia um pouco além da metade.

- Mas vodka serve também. - Balancei a garrafa em sua frente e voltei para a cozinha, quase trombando com Harry que estava completamente perdido me seguindo.

- O que mais precisa?

- Limões, gelo, açúcar. - Listei enquanto abria um dos armários da parede para pegar o açúcar e ouvi Harry abrindo a geladeira logo atrás de mim.

Em seguida, com todos os itens em cima da bancada, procurei na gaveta uma faca e o que mais servisse para fazer a bebida. Caprichei no álcool como boa brasileira que sou e provei antes de passar o copo, de whisky que eu havia usado, para Harry.

- Acha que está bom ou precisa de mais vodka?

Harry bebericou com cuidado e imediatamente afastou o copo com olhos arregalados, seguido de uma tosse contida.

- Ficou forte? - Perguntei com um sorriso inocente.

- Na-não. Está ótimo. - Respondeu com a melhor pose de machão que conseguiu fazer. E, considerando que estamos falando de Harry Styles, não foi muito convincente.

- Ótimo! - Repeti.

Eu havia preparado uma jarra, então rapidamente coloquei um copo para mim também e guardei a jarra na geladeira.

Caminhamos juntos para o lado de fora, Harry pegou a minha mão que não segurava o copo e me puxou contra seu corpo, me dando um beijo leve nos lábios.

- Você está linda atravessando minha casa de calcinha e sutiã.

Em um primeiro momento eu encarei seus olhos e depois desviei o olhar para o chão, com um sorriso tímido e envergonhado nos lábios.

- De sutiã aberto, inclusive. - Rebati depois de alguns segundos. A peça ainda tampava meus seios, mas uma parte embaixo escapava para fora do bojo enquanto eu andava.

Eu vestia um sutiã simples que não combinava com a calcinha. Normalizem não vestir o conjunto de lingerie!

- Melhor ainda. - Harry não hesitou na resposta quando voltamos a caminhar de mãos dadas e balançando os braços e eu dei uma gargalhada.

Andar de calcinha e sutiã em um local em que eu não estivesse sozinha era algo fora de cogitação antes de conhecer Harry. Eu jamais teria me sentido confortável. Mas ele me fazia sentir como se eu não precisasse me preocupar com a minha aparência, seja como ela fosse naquele determinado momento; desde que eu estivesse confortável, nada mais importava.

E, puta merda, como eu me sentia confortável com Harry. Quando eu conseguia me esquecer do formigamento nos meus dedos que tocavam os seus. Se eu conseguia esquecer do quase choque térmico da sua mão quente e, sem anéis, na minha, que suava frio.

Porque quando eu não conseguia me esquecer, era impossível de me sentir confortável sabendo que eu estava apaixonada por ele e que o menor contato físico me deixava inquieta e nervosa porque eu estava mentindo, ou melhor, omitindo algo dele e, num geral, já era difícil guardar qualquer segredo de Harry, mais difícil era guardar um segredo sobre ele.

Eu me deitei do mesmo jeito que estava e Harry se sentou na beira da piscina ao meu lado, para que pudéssemos conversar e desfrutar da bebida.

- Me conta alguma coisa. - Eu pedi.

- Sobre o quê?

- Sobre a sua ida ao Brasil em 2014. Do que você se lembra?

- Eu me lembro disso. - Alcançou o copo que tinha depositado no chão e o ergueu batendo no meu. - E de entrar em pé nas escadas da piscina às oito da manhã com meu par de chelsea’s preferido.

- É claro que você se lembra da melhor bebida alcoólica do mundo.

- Não exagera. - Rebateu e eu revirei os olhos.

- H, você bebe tequila como se fosse champanhe. Você não tem parâmetros para julgar o que é bom ou ruim.

- Ei! Você também gosta de tequila!

- Em shots com limão e sal. - Fingi bufar e apanhei o meu celular que tinha ficado ao lado dos óculos. - Meu Deus! - Exclamei. - Eu quase explodi o meu iPhone. Está fervendo, olha! - Falei alto e alarmada e encostei o celular na bochecha de Harry com um pouco de força que gerou um tapa estalado.

- Ouch! - Exclamou de susto.

- Desculpa. - Falei ao mesmo tempo.

- Está bem quente mesmo, tire do sol.

Encarei-o como se dissesse “o que acha que estou fazendo?”. Em vez de dizer algo, procurei no Google fotos de Harry na piscina do hotel em 2014, passando o aparelho para ele em seguida.

- Uau. Esse sou eu. - Respondeu debilmente.

- Você ainda fica idiota exatamente assim quando está bêbado.

- Eu não fico idiota! - Exclamou ofendido. E eu arqueei uma sobrancelha.

- Jura? - Dei uma risadinha.

- , seu celular está tocando. - Avisou ao mesmo tempo em que me erguia o aparelho vibrante de volta.

Eu encarei a tela enquanto um número não salvo com DDD da minha cidade natal brilhava.

- Hum. - Murmurei. - É do Brasil. Quem será? - Perguntei mais para mim mesma, mas vi Harry dando de ombros.

- Alô? - Atendi em inglês por hábito e rolei os olhos quando vi Harry negar com a cabeça segurando uma risada. - Alô? - Repeti em português depois de coçar a garganta.

- Oi, . - A voz que eu ouvi do outro lado da linha fez arrepiar a minha espinha.

- Que-quem é?

- Você não reconhece mais a minha voz, amor?

Harry me encarava atentamente e ficou em alerta quando eu suspirei e revirei os olhos de uma maneira que eu não costumava fazer. De uma maneira que não era em divertimento.

- Como você conseguiu o meu número? - Rosnei entre dentes e Harry me olhou ainda mais confuso por não estar entendendo nada.

- Nossa, linda, isso é jeito de falar comigo depois de tanto tempo?

- Rafael, o que você quer? - Vociferei, ainda com a voz grave e baixa.

- Só liguei para saber como você está, bebê. Estou com saudades. Soube que vai vir de férias para o Brasil.

- Como você conseguiu esse número? - Perguntei de novo, falando pausadamente.

- Então, que dia você chega? - Perguntou casualmente ignorando a minha pergunta anterior.

- Não é da sua conta! - Acabei falando um pouco mais alto do que calculei, o que fez com que Harry arrastasse o corpo para mais perto de mim.

- Quem é? - Sussurrou e eu apenas neguei com a cabeça.

- Nossa! - Rafael exclamou. - Mas você não mudou nada mesmo não é, ? Seus pais não te deram educação e mesmo tendo namorado todos aqueles anos comigo não aprendeu nada do que eu te ensinei.

O tom de voz agressivo teria me feito recuar, se eu não estivesse deitada. Mas foi o suficiente para que eu me pusesse de pé.

- Cala a boca. - Gritei tão agressiva quanto e coloquei uma mão na testa. Eu não ia chorar.

Harry se levantou imediatamente e se pôs na minha frente, tentando fazer contato visual comigo, mas permaneci olhando para o chão.

- É por isso que ninguém te quer, sua vadia, eu te falei que eu era o único que ia te aturar, por isso que o seu namoradinho te deu um pé na bunda e agora você está sozinha.

Era quase como se eu estivesse em choque até então e suas palavras finalmente me fizeram acordar.

- Vai tomar no seu cu, Rafael. Eu que terminei com ele, seu escroto do caralho! - Cada vez eu gritava mais alto. - E quer saber de uma coisa? Morre!

Eu desliguei o celular tremendo tanto que não percebi que as dobras dos meus dedos estavam brancas por causa da força que eu o segurava até Harry tocar a minha mão, pegando o aparelho e me puxando para um abraço.

Ele me apertou em seus braços com segurança sem dizer nada pelo que pareceu um longo tempo e quando percebeu que eu não tremia mais, sussurrou:

- O que aconteceu?

- Eu não sei como ele descobriu o meu número. - Balbuciei e Harry me segurou pelos ombros e se afastou para me encarar.

- O quê? - Confuso, mas me olhava intensamente. - ), você ainda está falando em português.

- E-eu não sei co-como ele descobriu o-o meu número. - Quase soletrei, como se tivesse me esquecido da entonação das palavras na língua em que eu já estava tão familiarizada.

- “Ele”, quem? - A voz de Harry era baixa e cautelosa.

- Meu ex.

- Deni-el? - Harry falou o nome em uma mistura de sotaque em inglês com português, esse último sendo como ele me ouvia falar.

Neguei com a cabeça.

- O outro.

Aquele que pertencia ao meu real passado obscuro, do qual eu não queria me lembrar.

Eu contei superficialmente o que Rafael tinha falado, sobre ter descoberto que eu ia passar férias no Brasil e que ele tinha sido agressivo e que eu tinha mandado ele tomar naquele lugar desligando na cara dele.

Era o máximo que eu conseguia trazer à tona de uma só vez. Assim como a morte de meu irmão quando nos conhecemos, isso era algo que eu preferia nunca ter que falar sobre.

- O que é tomá nu cú? - Perguntou inocente, tentando imitar o meu sotaque.

Eu mais do que depressa comecei a gargalhar. O que fez com que Harry me olhasse ainda mais confuso e um pouco envergonhado.

- Desculpa. É que você falou de um jeito tão fofo.

- Para de me chamar de fofo. Eu sou um homem! - Engrossou a voz numa brincadeira, o que me fez rir mais ainda.

- Você só não é mais queer* porque ainda gosta de mulher. - Ele passou os dedos gentilmente ao redor dos meus olhos, limpando qualquer resquício de lágrimas.

A minha resposta não fazia nenhum sentido, uma vez que o que faria com que ele não se identificasse como hétero seria o fato de não gostar só de mulheres... Não de, bem, gostar. O que ele, como eu podia provar, gostava. Mas desde que ele gostasse de qualquer outro gênero também, ele já não era mais hétero. De qualquer modo, foi o bastante para provocar Harry e direcioná-lo ao foco do que eu queria que ele prestasse atenção.

- Ainda? Como assim “ainda”?

- Achei que tínhamos deixado para trás a saga do “como assim”. - Rebati com um sorrisinho de lado.

- Você não tem jeito, não é? - Balançou a cabeça e passou um dos braços sobre o meu ombro. - Vem, vamos pegar mais caipirinha e você me conta o que é esse palavrão que você disse aí.

- E é, literalmente, um palavrão. - Fiz a tradução, que imediatamente deixou Harry de boca aberta.

- Eu não acredito que você, a doce , diz coisas desse tipo.

- Ah, cala a boca. - Revirei os olhos. - Eu te falei aquele dia na casa da sua mãe que eu digo essas coisas o tempo todo, você só não entende porque eu digo em outra língua.

- Bem, eu preciso aprender a falar português e expandir meu vocabulário de palavrões.

Enquanto Harry falava, eu já tinha nos servido com mais um copo cada de bebida, guardado o restante na geladeira de novo, tomando o copo da mão de Harry em seguida e parado de costas para ele.

- Abotoa para mim, por favor. - Falei me referindo ao sutiã.

- Com todo o prazer. - Embora a resposta atrevida, Harry apenas abotoou o sutiã como eu pedi e me virou de frente para ele novamente, depositando um beijo suave na minha testa antes de pegar o próprio copo de volta.

Eu tinha bebido metade do meu copo em um gole, então voltei a abrir a geladeira para completar. A caipirinha me fez relaxar. Quase me fez esquecer do incômodo constante no meu peito, que apenas foi agravado pela ligação inesperada do meu ex-namorado abusivo.

- Vou fazer mais. - Anunciei ao balançar a jarra na frente do meu rosto e ver que ali só tinha o equivalente a talvez um copo e meio.

Eu praticamente esqueci o episódio de alguns minutos atrás, quase balançada angelicalmente pelo conforto da presença e cuidado de Harry.

Antes mesmo que eu terminasse de fazer mais, Harry tinha enchido o seu próprio copo e completado o meu, esvaziado a jarra, jogado fora os limões e passado água para limpar os resquícios de açúcar.

- Você já sabe quando tira férias? - A pergunta veio cautelosa e com um tom indiferente, como se testasse o ambiente.

- Em maio. - Eu respondi casualmente, mostrando que não havia necessidade para evitar nenhum assunto correlacionado com o fatídico acontecido.

Mas apreciei seu cuidado.

- E viaja quando para o Brasil? Você já comprou suas passagens?

- Ainda estou olhando as passagens, então não sei o dia certo. Coloquei um alerta no google para me avisar de promoções. Espero pegar um dia com preço bem bacana.

- E é muito caro?

- Um pouco. Mas como nunca fui, também não tenho parâmetros para saber se está no valor normal que é sempre, ou se está muito acima, sei lá, preciso pesquisar bem.

- Bem, eu posso pagar a diferença para você. - Sugeriu no mesmo tom casual que eu havia usado, como quem diz “bem, eu posso buscar água na cozinha para você”.

- Puffff! - Meus lábios fizeram um barulho de “até parece”, antes mesmo que eu vocalizasse essas palavras. - Até parece! - Rolei os olhos enquanto transferia o líquido para a jarra e misturava mais uma vez só para garantir.

- Sabe qual é o problema? - “Hm?”, eu respondi com um meio sorriso, já sabendo o que estava por vir. - Você não tem um pingo de respeito por mim! Você debocha de mim na minha cara, você nem hesita ao fazer isso. Você é muito, muito afrontosa. - Eu dei uma risadinha. - Terminou?

- Terminei. - Respondi.

- Então vamos voltar. - Eu concordei com a cabeça.

Já estava escuro quando voltamos lá para fora. Eu estava prestes a me deitar no mesmo lugar quando Harry tirou o copo da minha mão e o colocou em cima da toalha.

Eu não estava excepcionalmente bêbada, não como eu geralmente costumava ficar quando bebia com Harry, mas eu já sentia a cabeça um pouco mais leve, principalmente depois de tomar um copo de servir whisky cheio de caipirinha em dois goles, quase como água.

- E sabe de outra coisa? - Harry voltou a falar ao se curvar para depositar seu próprio copo no chão.

- O quê?

- Eu vou fazer você começar a me respeitar.

No mesmo momento, na velocidade de uma piscada de olhos, Harry passou um dos braços atrás dos meus joelhos e o outro nas minhas costas, me fazendo soltar um grito ao ser erguida do chão.

Com menos de cinco segundos eu emergia a cabeça da água, puxando o ar por ter sido pega desprevenida e jogada na piscina. Aliás, jogada não, Harry pulou comigo em seu colo e ainda me segurava quando subimos de volta à superfície.

- Filho da pu... Me solta! - Me debati sem necessidade, uma vez que meus pés tocaram o fundo da piscina no mesmo momento em que verbalizei a ordem.

Afundei de uma vez e voltei puxando os cabelos para trás, passei as mãos no rosto e cabelo para em seguida procurar por Harry e jogar água nele.

- Isso foi maldade.

- Você é má comigo o tempo todo e eu não reclamo.

- Porque você gosta! - Rebati sem vacilar, deixando Harry desconcertado por um segundo.

Mas só por um segundo. Ele se recuperou no mesmo momento, me puxando pelo pescoço e me dando um selinho. O empurrei pelo peitoral e, quando ele estava distante o bastante, revirei os olhos e caminhei até a beirada da piscina, apanhando meu copo e dando outro gole generoso.

Harry imitou o que eu fiz em seguida. Nos apoiamos na borda da piscina segurando nossos copos e eu alcancei os óculos de Harry que eu havia largado também ali, trazendo-os para o meu rosto e encarando Harry ao meu lado esquerdo através das lentes.

- O que você está fazendo? - Perguntou risonho e confuso.

- Você tem me perguntado muito isso hoje. - Eu sorri também. Eu teria piscado, se ele conseguisse ver meus olhos.

- Já está escuro.

- E daí? Você não acha que eu fico bem nos seus óculos?

- Eu acho que você fica bem em qualquer coisa, mas especialmente usando algo meu.

A minha reação instantânea foi revirar os olhos, mas me lembrei no mesmo momento de que ele não os via, então soltei uma bufada enquanto sentia o “tu-tum tu-tum" do meu coração tão alto que eu tive medo de que ele pudesse ouvir.

- Se você vai ser brega de novo isso não vai ter graça. Você supostamente deveria dizer que eu me acho ou estou sendo egocêntrica, ou qualquer coisa parecida.

- Como você faz comigo?

- Exatamente como eu faço com você.

- Impossível. Porque você é muito boa... ARGH! Você é muito boa pra se achar de verdade.

Eu quis revirar os olhos de novo, mas meu coração apaixonado acabou enviando comandos errados para o meu cérebro e o que saiu foi um sorriso bobo e nada contido.

Eu esbarrei o meu ombro no dele, empurrando-o de leve.

- Vou buscar mais bebida. - Harry me puxou de volta assim que dei o primeiro passo em direção as escadas da piscina.

- Eu vou. - Ele respondeu.

Sem que eu pudesse protestar, Harry tomou impulso e subiu para fora da piscina usando a borda.

- Coloca mais gelo na jarra e a traga! - Eu pedi. - Agora não tem mais sol, acho que aguenta ficar aqui fora.

Harry concordou com um aceno e sumiu para dentro de casa. Voltou com um sorriso bobo no rosto, a jarra em uma das mãos e o meu celular, que eu não fazia ideia de onde estava antes, na outra mão.

Esvaziamos outro copo rapidamente e eu já tinha me desprendido da beirada e boiava de olhos fechados sentindo a sensação da água tapando meus ouvidos e os meus sentidos ficarem turvos por causa do álcool. Algo tocou meu pé e eu me desesperei por alguns segundos me fazendo afundar, voltando para à superfície tossindo água e encarando Harry que ria da minha cara.

Uma música que eu não conhecia tocava.

- Desculpe, eu não quis te assustar. Mas eu te chamei e você não estava ouvindo.

- É, geralmente as pessoas não ouvem com os ouvidos debaixo d’água, mesmo. - Fiz uma careta de sabichona.

- Espertinha!

- O que foi?

- O quê?

- Você quem me chamou! - Levantei os braços para o alto e abaixei rápido e com força, fazendo espirrar água em Harry.

- Eu achei que você estivesse dormindo. Só quis conferir. - Balancei a cabeça para os lados e voltei a me aproximar da beirada da piscina e, consequentemente, dele.

- Impossível dormir assim.

- Você não está se vendo.

- Dã. Claro que não.

- Eu quis dizer - usou o tom de voz mais paciente e pausado - que você não está vendo como você está alcoolizada. Então não duvido que você dormiria.

- Me poupe. Eu ‘tô de boa. - Bati a mão em seu ombro e puxei meu copo, chocando-o com o dele em um brinde que espirrou bebida para todos os lados. Então fechei os olhos e tomei outro gole.

Meu corpo se retraiu ao sentir a água que Harry de propósito espirrou em mim depois disso. Abri os olhos apenas para tomar outro jato de água na cara.

Com o rosto virado para o lado oposto, comecei a jogar água de volta em Harry, enquanto gritava cada vez que ele também me acertava. Nossas risadas ecoavam alto na área vazia.

- Chega! - Eu gritei, mas continuei jogando água para todos os lados, incapaz de ceder primeiro e tomar mais esguichos de água.

- Eu estou aqui. - Harry falou bem próximo do meu rosto, me causando outro susto. - Você está apenas jogando água na água.

Abri os olhos, percebendo imediatamente que ele estava tão próximo quanto a sua voz tinha denunciado estar.

Passei os braços ao redor de seu pescoço e lhe dei um abraço. Nesse momento, ele me levantou um pouco e começou a girar comigo dentro da água. Apertei o abraço e afundei meu rosto na curva do seu pescoço enquanto ria e dava mais impulso com as pernas para trás, sentindo meu corpo flutuar.

Parecia tão fácil que eu confessasse ali, naquele instante, todos os meus sentimentos. Era só abrir a boca e as palavras deslizariam facilmente, como eu sabia que deslizariam; como eu já tinha treinado antes ao confessar para outras pessoas.

- Eu...

Quando não continuei, Harry parou de nos rodar e desfez o abraço para me olhar, mas ainda me apertando contra si.

- O quê?

Eu dei um sorriso sem graça e olhei para baixo, onde nossos corpos estavam colados da altura do colo para baixo.

Voltei a olhá-lo em seguida, o sorriso ainda nos lábios.

- Eu acho que bebi demais.





* Termo utilizado para se referir à pessoas que não se identificam com o padrão heteronormativo de sexualidade.




Clique aqui para ler a parte 3



Nota da autora: OI, PODEROSAS!! Como estamos? Chorando em posição fetal? (não pela att, mas porque ontem foi um dia triste para todas as directioners que ainda sofrem pela bandinha morta, ou talvez pela att também; já que, COINCIDENTEMENTE, tem umas coisinhas sobre a relação da pp com a banda nesse cap). Mas enfim, a intenção da att era pra alegrar e deixar o coração quentinho depois de sofrer por... vocês sabem o quê (aniversário da saída de Zayn cof cof)

ENFIMM!! Não deixem de me dizer o que vocês acharam, pode ser aqui nos comentários ou onde vocês quiserem, sempre aceito teorias e adoro conversar sobre as possibilidades de MDD no meu pv do whats, só entrar no grupo aqui e pegar meu número. (ps: Sai MUITO spoiler, MESMO!) whatsapp ou facebook.
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Mixtape do aniversário do Harry:
SIDE A
SIDE B

É isso! Até a próxima e beijinhos da Cam Vessato ♥

Outras Fanfics:
The Spaniards' Girl - Restritas, Cantores, Harry Styles, Shortfic
The Spaniards' Girl - The Dinner - Restritas, Cantores, Harry Styles, Shortfic
Just Another Hotel Room - Bandas, One Direction, Shortfic

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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