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35. And I would say I love you, but saying it out loud is hard

AGOSTO, 2019




- Sabe, mãe, tem tanta coisa acontecendo, às vezes tenho vontade de largar tudo e sair correndo, talvez pegar o primeiro avião de volta para o Brasil.

- Você pode vir embora quando quiser.

- Não! Você não pode me tentar assim! - Eu retruquei, o tom de voz de desespero. - Eu tenho uma convenção em Nova York na semana que vem!

Minha mãe riu do outro lado linha. Eu usava só um dos lados do fone de ouvido e também estava tocando música pelo notebook, na altura máxima. Eu me sentia aconchegada o bastante para ser transportada de volta para casa, como se minha mãe estivesse sentada na cama me ouvindo reclamar da faculdade.

Eu tinha passado por uma situação um pouco chata no trabalho na semana anterior e que foi completamente minha culpa. Eu me esqueci de um prazo e quem recebeu a reclamação foi um dos meus subordinados que, claro, ficou furioso por ter que lidar com algo que eu, como chefe dele, deveria ter resolvido. Incompetente foi a coisa mais agradável que eu ouvi. Foi daí para baixo.

Como sempre, eu me martirizei e me culpabilizei pelo resto da semana. Na verdade, eu ainda não superei. Passei por todo aquele processo de duvidar de mim mesma que todo mundo que me conhece já sabe.

Harry sentiu que tinha algo de errado comigo logo de cara; eu cheguei do trabalho e ele estava me esperando com pizza, chocolate e sorvete. A desculpa foi que havia muito tempo que não fazíamos a noite da pizza e que deveríamos assistir um filme também.

Só que ele voltou no outro dia; outra pizza, mais chocolate e sorvete. E era sobre isso que eu falava com minha mãe ao telefone.

- E você me conhece, mãe. No outro dia eu só queria deixar isso pra lá e fingir que nada tinha acontecido, mas quando cheguei, Harry estava me esperando de novo porque queria ter certeza de que eu não ficaria triste e sozinha.

Eu me lembro que ele disse “eu não posso controlar seus sentimentos, mas se você vai ficar remoendo o que aconteceu, pelo menos não vai fazer isso sozinha".

Era muito difícil seguir em frente quando ele era tudo o que eu queria. E ele só tornava o processo ainda mais difícil quando fazia tudo o que estava em seu alcance para me fazer feliz.

Eu pensei sobre ele sentado ao meu lado assistindo ao filme, sua postura tímida e como ele estava sendo cuidadoso desde que tinha prometido que se esforçaria para ser o que eu precisava no momento: Só meu amigo. Quase parecia quando nos conhecemos, quando ele me buscava no trabalho e me levava em cafeterias. Aqueles tempos, quando fomos à praia em San Diego e quando ele me levou para comprar meu carro foram os melhores da minha vida.

A música que tocou em seguida foi “woman”. Escutar sobre os sentimentos de ciúmes de Harry Styles era a última coisa que eu queria, especialmente depois de ter escutado a versão atualizada que era explicitamente sobre mim.

Eu não queria ficar pensando em nada daquilo. Eu me levantei e troquei a música.

- Por falar nisso, até me deu fome. Eu comeria aquela pizza de marguerita, mas saudade mesmo da sua comida... - Suspirei, me virando para me sentar novamente. - Aqui eu só faAAAAAAAAAAAAAAAA - Eu completei minha fala com um grito.

- O que foi? ? - Minha mãe perguntou assustada.

- PUTA QUE ME PARIU, HARRY STYLES! - Eu gritei em português, meu cérebro em pane o suficiente para não me lembrar de trocar o idioma.

Harry estava petrificado e de olhos arregalados no batente da porta, um dos pés ainda levantado para dar o próximo passo.

- Você quer me matar de susto?

Harry balbuciou alguma coisa.

- O que você está fazendo? - Parei na frente dele, ainda assustada.

- Eu bati na porta, mas você não atendeu e eu ouvi sua voz quando entrei, fora que seu carro está na garagem.

- Há quanto tempo você está aí?

- Eu acabei de chegar e ia chamar sua atenção, mas você se virou bem na hora.

- Filho da puta! - Exclamei com a mão no peito e soltei uma bufada, me sentando na beirada da cama. - Desculpa, mãe. O idiota do Harry tava parado aqui na porta do meu quarto. Me deu um susto do caralho.

- É a sua mãe? - Harry apontou para a minha orelha, sussurrando.

Eu acenei que sim. Mesmo quando eu falava em português, Harry sempre sabia com quem eu estava falando. Ele entendia várias palavras soltas, inclusive “mãe".

Ele se aproximou e se sentou ao meu lado.

- Por favor, diga que eu falei “oi”.

- Mãe, depois conversamos, tá bom? Eu preciso ver o que esse maluco tá fazendo aqui. - Eu revirei os olhos e inclinei a cabeça sugestivamente para ele, que riu sem entender nada, mas sabendo que era sobre ele.

- Tá bom. Me liga depois.

- Ok. Te amo. - Eu ia desligar, e me lembrei. - Ah, Harry disse “oi”.

Tirei o fone do ouvido e encarei Harry.

- Ela disse oi também. - Ele sorriu em resposta. - Você só pode ser louco, não é, garoto? - Acusei, franzindo a testa em uma tentativa de transparecer irritação.

- Eu peço desculpas. - Harry soltou uma risadinha. - É só porque você parece ter noção do momento perfeito, se virou bem na hora...

- Tudo bem, eu só fui pega de surpresa.

- Eu te ligo na próxima, tudo bem? Eu não imaginei que você estaria distraída e eu sempre entro sem avisar, eu não vou fazer mais isso.

- Não, não precisa me ligar. É só que aconteceu algo bem esquisito comigo outro dia...

Harry franziu a testa.

- O quê?

- O ar-condicionado aqui não estava funcionando direito desde que voltei do Brasil. Talvez desde antes, não sei, eu não tinha ligado ainda desde sei lá quando realmente fez calor pela última vez.

- Eu só vinha pegando climas frios ultimamente. - Ele refletiu. - Entre aqui e o UK.

- Só que agora é verão, não tem a menor condição de ficar sem ar-condicionado, não é?! - Eu disse e Harry concordou com a cabeça. - Então, eu liguei para o senhorio e ele ficou de mandar alguém para consertar, sabe?

- Ah, bom! E foi consertado?

- Então... Se passaram alguns dias e eu me esqueci completamente disso... e um dia eu chego em casa e tem simplesmente um homem que eu nunca vi na minha vida no topo de uma escada mexendo na ventilação do teto!

- Não acredito! - Harry exclamou, engajado no assunto.

- Eu tomei o maior susto!

- É claro! O senhorio deveria ter te avisado que o cara da manutenção estava vindo.

- Exatamente! - Concordei efusivamente. - Fora que eu sou Brasileira!

Harry gargalhou, confuso.

- O que isso tem a ver?

- Eu desconfio até da minha sombra! Eu não quero um cara desconhecido entrando no meu apartamento quando eu não estou aqui. E também não o quero quando eu ‘tô aqui. - Refutei. - Mas o ponto é que eu suspeito de qualquer um, vai saber quais são as intenções da pessoa.

- E você está completamente certa. - Harry balançava a cabeça para cima e para baixo. - Especialmente porque você é uma mulher que vive sozinha. Se algum dia isso acontecer de novo, me ligue e eu venho te fazer companhia, assim você não fica sozinha com ninguém. Certo?

- Certo. Obrigada.

Harry sorriu aquele sorriso perfeito que eu amava e olhou de canto de olho para o meu notebook.

Uma nova música começava a tocar. E era, ironicamente, If I Could Fly. Eu tenho certeza de que o universo me odeia!

- “I’m missing half of me when we’re apart / Now you know me, for your eyes only.” - Ele cantou junto com a própria voz.

Eu cruzei os braços e pisquei lentamente, em um quase revirar de olhos. O seu sorriso de lado se abriu um pouco mais. Estava claro que ele achou a oportunidade perfeita para me mandar uma indireta.

- “I’ve got scars”... - Ele tombou a cabeça para cima, em uma representação dramatizada enquanto acompanhava a voz de Louis.

Ele não terminou o verso todo e eu o encarei com uma sobrancelha erguida.

- Parou por quê?

Harry ainda sorria de lado.

- Sabe, eu escrevi essa música há muitos anos... - Comentou, a voz arrastada como sempre foi.

- É, eu sei que você escreveu essa música, H. - Eu revirei os olhos de novo, suspirando.

- Mas não me pergunte sobre ela! - Colocou uma das mãos no peito. - Infelizmente não poderei revelar nada.

Eu também coloquei uma mão no peito, que pareei com uma expressão ofendida.

- Eu não me atreveria!

- Claro. E eu não te conheço. - Ele soltou uma risadinha e eu sorri junto. - Você já deve ter me pressionado para saber sobre pelo menos metade das músicas que escrevi.

- E você não me respondeu sobre nenhuma delas! - Enfatizei.

- Bem, eu já te disse que não posso estragar a magia.

- E eu já te disse que você é um porre? - Bufei. - Qual é a graça de te conhecer se você não vai me contar essas coisas?

- Você vai descobrir seus próprios significados.

- Mas eu quero os seus! - Reclamei como uma criança birrenta.

Harry me encarou por um momento em silêncio, parecia ponderar o que dizer em seguida.

- Meu ponto é: Eu escrevi essa música há anos e, de uma forma diferente, mas ainda igual... - Harry parou de falar.

Eu continuei o encarando, sem entender. Ele suspirou e fechou os olhos com força.

- “I think I might give up everything just ask me to.” - Ele retomou a cantoria e não era nem na parte em que a música estava.

- O que você está dizendo?

- Não é óbvio? Mesmo que eu tenha escrito em um momento do qual nem me lembro mais, eu ainda sou aquela mesma pessoa que desistiria de tudo por alguém que vale a pena. Eu desistiria de tudo se você me pedisse.

Eu pisquei, perplexa.

- Do que você está falando? - Repeti outra variação da mesma pergunta, como uma idiota.

- Eu estava pensando... sobre quando você me disse que sentia como se não fosse uma prioridade pra mim. Eu desistiria de tudo por você, essa é a sua posição na minha lista de coisas importantes.

- Isso parece muito extremo para quem não conseguiu embarcar em um voo.

Harry respirou fundo mais uma vez, se concentrando em não deixar a alfinetada o atingir.

- Eu já perdi muitos voos na minha vida e a resolução sempre foi simples: apenas pegar outro. Eu subestimei a importância que isso teria para você. Eu não sabia que você se sentia como se não pudesse contar comigo. Eu não associei uma coisa na outra e eu sei que isso não é desculpa, que continua sendo minha culpa, que eu deveria ter me importado mais.

- É, você deveria.

- Eu errei, admito isso. E eu desistiria de tudo se isso significasse ficar com você, esse é o tanto que eu te amo. Eu desistia de tudo se você me pedisse.

- Por que está me dizendo isso agora?

- Porque me matou te ver daquele jeito aquele dia e isso foi porque uma coisa saiu errada no seu trabalho. Eu não suporto imaginar que te fiz sofrer mais ainda por tudo de errado que eu fiz. E Falling... Falling foi só o que eu tive coragem de considerar mostrar para o mundo, é por isso que eu não posso te contar o que as músicas significam.

- Harry...

- Eu sei o que você vai falar. Eu sei. - Ele abaixou o olhar para as mãos entrelaçadas no colo. - Mas eu também sei o que eu estou falando. Não é algo que eu estou dizendo aqui porque eu sei que você jamais me pediria isso e, portanto, estou seguro. Eu desistia de tudo se você me pedisse. - Enfatizou. - Eu teria desistido do Met Gala se você tivesse me pedido, mas quando perguntei, você negou. Mas eu teria desistido, . Bastava você me pedir.

- Eu não quero que você desista de nada por mim. Eu não quero que as suas únicas opções sejam uma coisa ou outra. Eu nunca quis!

- Mas eu nunca sei o que você quer. - Puxou o ar com força e expirou devagar. - Isso é tudo muito confuso. Às vezes parece que você faz o que acha que eu quero que você faça, mas eu quero que você faça o que você quer!

Eu que desviei o olhar para as suas mãos entrelaçadas dessa vez. Pensei por um momento sobre o que ele estava me dizendo e o que aquilo tudo significava para mim e, então, o encarei; suas íris verdes me olhando de volta com aquele brilho cristalino que eu amava me perder.

- Eu não sei o que eu quero.

Harry comprimiu os lábios, ele sequer piscava; observava o fundo dos meus olhos, procurando pela minha alma.

- Eu entendo. Você tem todo o tempo do mundo. Eu estou aqui e eu quero você.

Como se responde a algo assim?

Havia tantas coisas das quais Harry não sabia.

Eu cocei a garganta, aterrorizada.

- Nós podemos- podemos mudar de assunto? - Eu pedi com o cuidado que uma voz falhada demandava.

- Nós podemos falar do que você quiser, . - Harry sorriu suavemente.

Eu sorri também e pensei por um momento.

- Bem, eu tenho uma novidade! - Falei animada ao me lembrar. Ou pelo menos me esforcei para parecer assim.

- O quê?

- Eu vou para Nova York a trabalho!

- Quando? - Harry franziu a testa.

- Semana que vem.

- Jura?

- Juro! Por quê? - Questionei, com um riso frouxo, o seu tom duvidoso.

Harry parou por um momento, analisando as minhas feições. Ele tinha uma ruguinha entre as sobrancelhas que denunciava que estava pensando. Eu respirei fundo, pacientemente esperando, talvez um pouco perdida nos seus traços, tão delicados.

Eu queria desesperadamente esquecê-lo, mas como eu poderia se só o fato de ele estar ali na minha frente me tirava o ar?

Ele tinha acabado de dizer tudo o que eu queria ouvir e, de alguma forma, eu ainda não conseguia acreditar. Eu precisaria de mais do que palavras bonitas. As palavras mais bonitas que alguém já tinha me dito? Incontestavelmente. Mas ainda assim, apenas palavras.

E eu tinha medo de Harry nunca poder as colocar em prática.

- Nah. Deixa pra lá. - Ele finalmente disse.

- O quê? Fala! - Eu pedi, ainda sorrindo. Minha voz tranquila e fácil.

- Bem... Eu também... vou para Nova York...

- Semana que vem? - Eu quase pulei da cama. - Meu Deus! Isso é demais! Podemos ir juntos!

A ruguinha entre seus olhos ficou mais profunda.

- Sério? Quero dizer... Eu pensei que... é... Eu achei que você não ia querer viajar comigo tão cedo.

- Bem, eu já tenho que ir mesmo. - Encolhi os ombros. - Podemos, talvez, só nos encontrar lá, sabe, sem pressão. - Sugeri, agora insegura.

- Se é o que você quer, eu adoraria que fôssemos juntos. - Harry se inclinou para me tocar, mas recuou, incerto.

- Qual é, H! Somos amigos, não é?! - Eu tomei cuidado para não ironizar demais o tom.

- Claro que somos. - Concordou.

- Além do mais, depois do que aconteceu, eu duvido muito que você vá furar comigo de novo. - Prendi os lábios, me segurando para não rir.

Harry jogou a cabeça para trás.

- Isso não tem graça, .

Eu soltei um gritinho seguido de uma risada. Do mesmo jeito em que estávamos, eu o segurei pelo pescoço para um abraço, mas, de alguma forma, meu cérebro se confundiu e, inconscientemente, colei nossos lábios em um selinho.

- Ah! - Eu me afastei em um sobressalto. - Me desculpe! Eu não sei... foi sem querer... eu não... desculpa...

Tentei usar todas as palavras que eu sabia ao mesmo tempo, o que resultou em uma enorme gagueira.

Eu ainda tinha as mãos em volta do seu pescoço e Harry apenas me abraçou sem dizer nada. Seu coração estava acelerado e seus dedos nas minhas costas, gélidos.

- Você pode me beijar sempre que quiser. - Sua voz zumbiu no meu ouvido e eu me afastei do abraço de novo.

- Eu não... não fiz de propósito. Eu não queria... não foi...

- Relaxa, . - Harry olhou no fundo dos meus olhos. - Eu não estou te acusando.

- Me desculpe. Sério.

- Está tudo bem. Estou feliz que você esteja animada. - Harry sorriu, afastando de vez o assunto com maestria.

Houve aquele clima constrangedor de silêncio que eu tentei ignorar.

- Realmente, eu nem acredito que vou para Nova York! - Coloquei as duas mãos na cabeça. - Aaah! - Fingi um grito, bem mais contido do que o outro. - E que você vai estar lá!

- Eu não posso ficar muito tempo, entretanto.

- Por quê? E por quanto tempo?

- Dois, três dias... - Harry falou cauteloso. - Eu preciso fazer um reajuste de roupas, é urgente e ficarei lá esperando que fique pronto.

- Oh! - Eu exclamei, curiosa. - Urgente? - Me levantei ainda falando e fui para o banheiro.

- É. Para a gravação do clipe de... , o que você está fazendo?

- Xixi? - Eu respondi, confusa.

- Com a porta aberta?

- Você estava falando... - Eu encolhi os ombros. - Não quis te interromper.

Eu disse que meu cérebro não estava funcionando direito.

- Você já me interrompeu. - Ele gargalhou.

- Desculpe. Pode continuar. - Falei enquanto já me levantava e subia a calça.

Ele revirou os olhos e depois encarou a parede.

- É porque eu vou para o México.

- México? - Repeti como uma maritaca.

- Para gravar o clipe.

- Quando?

- Assim que minhas roupas ficarem prontas. - Ele sorriu.

- AH! Entendi agora. E você precisa ir para Nova York provar as roupas?

- Só porque Alessandro tem um compromisso e não pode me encontrar aqui em LA. A nossa agenda teve um pequeno conflito.

- Isso é uma pena!

- Nah, tudo bem! Só vai ser bem apertado para mim e não terei muito tempo.

- Mas... Como você está se sentindo? Um novo clipe, novo álbum...

- Estou animado! - Harry respondeu sem hesitar. - Um pouco nervoso, confesso. - Completou ao pensar melhor. - É só que parece que o álbum... eu não sei, como se mesmo pronto, ainda não está bom o bastante, sabe? Não sei explicar.

- Você tá brincando? - Respondi, ultrajada. - Está perfeito, H!

- Eu sempre sinto que ainda poderia mexer em mais alguma coisa, talvez fazer algo diferente com alguma música..., mas, você sabe, chega um momento em que a gravadora diz “chegou a hora” e você tem que deixar ir... - Brincou, descontraído.

- Então vai ser Lights Up mesmo?

Harry murmurou “uhum”.

- Não acredito que o seu primeiro single é justamente uma música sobre a Sophie! - Eu brinquei.

Aquilo não me incomodava de verdade, era uma ótima música e era melhor do que ter pessoas especulando sobre a minha vida. Ainda que não soubessem quem eu era, eu sabia que haveria julgamentos. E eu sabia que teriam pessoas tentando decifrar “quem foi a vadia que quebrou o coração do meu bebê".

- ... - Harry suspirou, me encarando quando eu parei na moldura da porta do banheiro. - Eu estou apaixonado por você.

- H, não! - Eu queria pedir para que ele não recomeçasse.

- Eu estou. É verdade.

Cruzei os braços, desconfortável com sua honestidade desnecessária.

- E o que eu sentia por ela quando escrevi essas músicas não existe mais, eu posso te garantir isso. Não se preocupe.

- Eu não estou preocupada.

- Se você me disser que quer que essa música nunca veja a luz do sol, eu cancelo tudo agora.

- Harry, você é louco? Você está de viagem marcada para o México para gravar o clipe dessa música!

Ele deu de ombros, como se não se importasse.

- Eu troco a música, apago todas as demos feitas e finjo que ela nunca existiu.

- Não, você não pode fazer isso!

- Eu posso, se é o que você quer.

- Eu não quero isso, pelo amor de Deus! - Rebati, desesperada. Harry parecia falar muito sério.

Ele olhou dentro dos meus olhos, como se decidisse se acreditava em mim.

- Tudo bem então.

Eu soltei o ar.

- Ok.

Harry continuou me observando, analisando se eu escondia algo mais. Antes de dizer qualquer outra coisa, ele sorriu de lado. E então, perguntou:

- Quer dar uma volta de carro?

*


Harry e eu voamos em um voo noturno até Nova York. Na verdade, o voo que a empresa comprou para mim era noturno e Harry só foi naquele por minha causa. Eram seis horas até Nova York, com mais três de diferença do fuso horário, ou seja, perdíamos nove horas no total. Não havia ninguém que gostava de voar red eye, o termo para voos que decolavam em um dia e aterrissavam no outro. Era o próprio inferno na terra dormir no avião e, mesmo na classe executiva, absurdamente desconfortável.

- Obrigada por vir nesse voo comigo, H. Você não precisava.

- Pfff. Besteira! Eu vou viajar logo, então fico feliz de passar o máximo de tempo possível com você antes de ir.

- Mesmo assim. Obrigada. É importante para mim. - Ele sorriu quando ouviu o que eu disse.

- Eu sei.

Pousamos por volta das oito da manhã e eu fui primeiro para o apartamento de Harry no SoHo, que ficava na Baixa Manhattan. O check-in do meu hotel era só as quatro da tarde, como estava a trabalho, eu precisaria usar o hotel.

Apesar de estarmos em uma área turística, era também uma região nobre, com lojas de grife e dispendiosas galerias de arte. Nós conseguimos andar em volta sem chamar muita atenção quando Harry me levou em um café para tomarmos café da manhã.

Na volta foi um pouco mais tumultuado, Harry foi parado por grupos pequenos de fãs em duas ocasiões. Ele tirou fotos rápidas e fomos embora antes que chegasse mais gente. Quanto mais nos aproximávamos da sua casa, menos pessoas passavam por nós e uma vez que estávamos na área residencial foi muito tranquilo.

Eu não me importei de ter fotos e vídeos meus ao lado dele tanto quanto imaginei que me importaria. Fazia um tempo desde a última vez em que saímos “em público” juntos e antes disso sempre tiveram fotos irreconhecíveis minhas por aí. De certo modo, eu sabia que seria impossível manter o anonimato em Nova York.

E, estranhamente, eu estava ok com isso.

Sempre tinha alguém para nos filmar de costas, mas, dessa vez, nos filmaram atravessando uma rua. Então, lá estava eu por toda a internet. Bem, como Harry me disse uma vez: eu não precisava me preocupar com quem dissesse o contrário, nós éramos só amigos.

E agora mais do que nunca.

- ... - Harry me chamou ao fechar a porta de casa quando entramos.

- Sim? - Eu me virei para olhá-lo.

- Amanhã você trabalha, certo?

- Tenho a conferência. - Eu disse enquanto acenava com a cabeça e voltava a andar.

- Eu quero te levar em um lugar hoje.

- Ok. Que lugar? - Eu me sentei na poltrona na sala de estar e Harry parou em pé na minha frente.

- Para... jantar.

- Ok. - Eu dei de ombros, sem entender o motivo do suspense. - Precisamos comer, não é mesmo?

- Não, você não entendeu. - Ele respondeu, enrolado, e eu franzi a testa. - Para jantar... como num encontro.

- Oooh! - Eu balancei a cabeça de novo quando entendi.

Bem, nesse caso, eu precisaria me preocupar com quem dissesse que não éramos só amigos.

- Eu não acho que nós já fomos em um. Digo, encontro. Juntos. - Contemplei.

No começo, saíamos como amigos e, depois, quando parecia que já nos conhecíamos há anos, decidíamos juntos aonde iriamos para comer e só. Nada muito profundo. Eu acho que nós sempre enxergamos nosso relacionamento como algo acima desses rituais tradicionais, como se não precisássemos daquilo.

- Eu sei. E acredite em mim, eu me sinto um idiota. Eu nunca tinha percebido isso, como eu nunca te convidei para um simples jantar?

- A gente janta juntos o tempo todo. - Eu encolhi os ombros.

Harry balançou a cabeça negativamente.

- Você merece muito mais do que isso! Eu não... - Se interrompeu, a frustração visível no seu rosto. - Eu sinto muito por nunca ter sido claro quanto a encontros. Eu sou um idiota, ok?

- Não tem problema, H. - Eu o tranquilizei e ele balançou a cabeça novamente.

- Então? O que me diz? Você aceita?

- Ahhh... - Eu gaguejei.

- Por favor, . Eu estou tentando. - Harry suplicou com seus olhos verdes e brilhantes.

Eu sorri, talvez um pouquinho mexida. “Eu estou tentando” transmitia tudo o que eu já sabia. Ele estava tentando ganhar meu perdão e minha confiança de volta, estava tentando agir diferente e tomar o caminho oposto ao que fizemos na primeira vez.

E apesar de não ser necessário que ele dissesse, porque eu sabia, eu gostei de ter ouvido. E, talvez, algumas coisas precisem ser ditas mesmo assim.

- Eu adoraria, H.

- Yeah!!! - Harry comemorou, fazendo aquele gesto em que se puxa o braço para trás com o punho fechado.

- O que foi isso? - Eu soltei uma risada.

- Consegui o encontro com a garota, é o grito da comemoração.

Eu rolei os olhos, contendo o impulso de dizer que ele não precisava disso tudo. Era só eu.

- Aonde vamos?

- É surpresa.

Eu revirei os olhos de novo.

- Como eu devo me vestir?

- Você trouxe aquele vestido que eu te dei para o casamento?

Neguei com a cabeça. Harry olhou no relógio na parede.

- Não se preocupe, vista o que você trouxe e que se sinta confortável. - Sorriu. - Nossa primeira reserva é para as quatro, apenas esteja pronta a tempo.

Eu olhei para o relógio também. Ainda tínhamos algumas horas.

- Espera, nossa primeira reserva?

- É, tem uma coisa que eu queria que fizéssemos antes do jantar, se estiver tudo bem para você.

- Eu não sei o que é. - Eu dei de ombros.

- Apenas diga “sim”. Você não confia em mim?

Eu confiaria minha alma para esse garoto.

- Ok. - Respirei fundo. - Como temos reservas se você acabou de me contar? Quando você reservou isso? Ontem?

Harry baforou uma risada, achando a minha pergunta hilária.

- Essas coisas precisam ser reservadas com pelo menos um mês de antecedência. Ontem. - Repetiu, risonho. - Mas como eu sou... bem, eu – riu mais –, eu reservei quando você me contou que vinha para Nova York.

- Mas você nem sabia se eu ia aceitar! - Rebati, ofendida.

- Não. - Sorriu, tranquilo.

Eu fiquei sem resposta, pois esperava alguma justificativa ou desculpa mais elaborada.

- Mas era um risco que eu estava disposto a correr. - Completou.

Continuei sem resposta, encarando-o como se buscasse uma verdade que ainda estava escondida. Simplesmente não conseguia aceitar que tudo aquilo era real; não havia pegadinha por trás e eu não acordaria na casa dos meus amigos enquanto seu toque fantasma se esvaía.

O celular de Harry começou a tocar em seu bolso, e nós dois arfamos juntos pelo susto causado pelo barulho repentino.

Com dificuldade, ele quebrou nosso contato visual e enfiou a mão no bolso.

- Alô? Ah... oi, Rick! - Ele pausou por um momento. - Entendo. Uhum. Posso, mas precisa ser agora. Tenho. Estou levando no máximo às três, preciso estar de volta antes desse horário. Tudo bem. Certo. Até mais.

Quando Harry desligou, se aproximou de mim.

- Eu preciso encontrar o pessoal agora para uma parte do ajuste das minhas roupas. Eu disse que tinha um compromisso com você e ficaria indisponível pelo resto do dia.

Harry esticou o braço e tocou meu queixo com os dedos, delicadamente.

- Quer vir comigo?

- Você quer que eu vá junto?

- Você decide. - Sorriu.

- Eu acho que vou ficar e tirar uma soneca; estou realmente cansada da viagem.

- Sem problemas, minha linda.

Eu prendi o ar. Me lembrei imediatamente das mensagens que trocamos antes de tudo desmoronar; aquela foi a última vez que ele tinha me chamado de ‘minha linda’.

Eu tinha memorizado cada uma daquelas mensagens, porque tinha sido a última vez em que fomos felizes juntos, quando não sabíamos o que estava por vir. “Te amo, minha linda”, eu sequer me lembro mais o contexto da conversa, mas eu me lembro da sensação ao ler a mensagem, como meu peito se encheu de alegria. De amar e ser amada.

- Você está bem, ?

Eu sabia que meus olhos estavam marejados, tentei fungar disfarçadamente.

- Sim, só cansada. - Eu sorri sem mostrar os dentes.

Ele concordou com a cabeça, embora não tivesse sido enganado pela minha desculpa esfarrapada.

- Eu volto para te buscar por volta das três, ok? - Concordei com a cabeça. - Experimenta a banheira do meu quarto, é uma delícia. - Piscou, divertido.

Com isso, Harry recolheu o casaco que tinha acabado de tirar, olhou em volta, conferindo se não estava esquecendo nada, e desapareceu pela porta.

Eu fiz o que H sugeriu e tomei um banho demorado de banheira. Fiquei pensando aonde nós iríamos e não conseguia parar de sorrir. Eu fechava os olhos, sentindo quando a água parava de balançar e tudo ficava calmo e eu não conseguia ouvir nada além da minha própria respiração. Era esperançoso demais pensar que as coisas pareciam estar, finalmente, entrando nos eixos?!



Harry voltou para me buscar antes das três da tarde e eu estava praticamente pronta, exceto que não fazia ideia do que vestir. Quando ele abriu a porta do apartamento, eu corri ao seu encontro, desesperada.

- Você já chegou? - Quase gritei. - Eu ainda não estou pronta!

Eu parei abruptamente quando o vi. Ele vestia uma roupa totalmente diferente da que ele estava usando quando saiu; uma regata branca simples com um blazer creme de listras, uma calça azul-marinho flare, uma bandana de um azul um pouco mais claro amarrada no pescoço e calçava um mocassim marrom de couro com textura de crocodilo e pompons no topo. Seu cabelo estava arrumado e as unhas pintadas de branco.

Harry também carregava uma sacola gigante da Gucci em uma das mãos e duas caixas de sapato penduradas debaixo do outro braço.

- Uma mãozinha aqui? - Pediu.

- Desculpe. - Eu alcancei seu braço, pegando as caixas. - O que é isso tudo?

- Já que eu precisava provar umas roupas, eu pensei em trazer algo para você vestir hoje.

- O quê?

- Você pode ficar com tudo ou posso trocar o que você não gostar.

- T-tudo?

Harry abriu as duas caixas; em uma havia uma sandália de salto médio branca com o logo da Gucci na tira que segurava os dedos e, na outra, havia um mocassim de couro off-white, também com o símbolo do logo.

- Aonde nós vamos? - Eu perguntei de novo, confusa.

- Não vou dizer. - Harry sorriu.

- Esses sapatos têm propostas totalmente diferentes.

- Talvez você queira ir com o mocassim e levar o salto para trocar depois, não acho que a sandália seja apropriada para agora. Ou ficar com o mocassim, eu trouxe o salto só para você ter opções.

Eu fiquei ainda mais confusa.

- Aqui. Toma.

Harry estendeu a sacola e eu enfiei a mão sem olhar.

A primeira peça que peguei foi uma camisa de manga longa de botões num cetim azul claro, estampada com mini morangos e na gola havia uma fita fina pendurada, provavelmente para fazer um laço.

- H... - Eu choraminguei, olhando para ele. - É linda.

Em seguida, peguei outra coisa dentro da sacola, uma calça jeans flare com um patch escrito “Gucci” na ponta de uma das pernas, era exatamente igual a que ele estava usando no dia da festa no estúdio.

- Harry! - Exclamei em um quase grito. - Não acredito! Essa calça...

- Eu sei. - Ele sorriu. - A coleção saiu, então eu pude pegar uma para você.

Harry sempre usava as roupas antes das coleções saírem, então quando estavam disponíveis para o público, para ele já era notícia velha.

- Olha na sacola, ainda tem mais.

- MAIS?

Harry soltou uma gargalhada curta.

Dessa vez, eu olhei dentro da sacola, a peça era de um rosa claro fosco e havia mini símbolos Gucci como estampa, no mesmo rosa e brilhante. Eu entreguei a sacola para Harry e revirei o tecido nas mãos até achar os ombros; era um macacão de calça com mangas curtas, com uma gola e botões como uma camisa, e havia um cinto fino da mesma cor adornando a cintura.

Aquela era, sem dúvidas, a minha peça preferida.

- Uau! Eu amei! - Exclamei, admirada. - Que roupa mais linda, H! Obrigada! - Eu o abracei desajeitadamente com apenas um braço.

- Fico feliz que tenha gostado.

- Eu amei! Tudo!

- Bem, é tudo seu. E acredito que seja tudo seu tamanho, mas me fale se tiver algum problema.

Eu franzi a testa.

- Lambert me passou.

- Oh! - Exclamei de novo, entendendo.

- Obrigada, mesmo!

- Não há de quê. - Harry sorriu, satisfeito que tudo tenha sido do meu agrado.

- Você tem um gosto impecável. E me conhece muito bem! Essas são roupas que eu facilmente compraria para mim.

- Eu sei. - Fingiu jogar o cabelo para trás.

- Convencido!

- Então... Vá experimentar para eu ver! - Ele estendeu o braço, apontando para o quarto.

- OK! - Eu ri e saí dando pulinhos, esquecendo o resto para trás.

Voltei alguns passos com os mesmos pulinhos e, rindo, peguei as outras e saí.

Eu já sabia que usaria o macacão, então vesti primeiro a camisa e a calça e saí do quarto descalça.

- A calça está arrastando um pouco, mas acho que a sandália vai ajudar. - Eu falei enquanto caminhava de cabeça baixa até Harry.

Peguei a sandália e calcei, finalmente encarando Harry. Ele, claro, já me encarava.

- O que acha?

- Linda.

- Porém sinto como se estivesse formal demais, não acha?

- Bem, realmente parece com um conjunto que você usaria para trabalhar.

- Sim. - Concordei.

- Totalmente apropriado para onde vamos, no entanto. - Harry revelou. - Pode ir assim, se quiser.

- Uhum. - Murmurei. - Eu vou experimentar o macacão, tudo bem?

- Sim, claro!

Eu peguei o mocassim dessa vez antes de voltar para o quarto. Lá, eu experimentei com os dois sapatos e saí com o mocassim.

- E então? - Perguntei ao me aproximar.

- Você está... - Suspirou. - Linda.

Aparentemente Harry também tinha um look preferido.

- Eu gostei muito do outro. - Harry justificou. - Mas esse é... diferente.

- Você já está acostumado a me ver com roupas do trabalho.

- Esse te deu um ar... não fica brava! - Riu. - Te deu um ar mais jovem. As camisas de botões te deixam séria e com ar de mulherão, mas agora você está... - Harry pausou, procurando pela palavra certa. - Doce e encantadora.

Se essa conversa fosse há alguns meses, aquele era o momento em que eu perguntaria: “Harry, você está me pedindo em namoro?”, ele riria e tentaria se justificar enquanto gagueja, sem graça. Agora, eu precisaria controlar minha língua, porque tinha medo de que a resposta fosse “sim”.

- Bem, isso condiz com o esperado para onde vamos?

- Com certeza.

- Então vou assim.

- Perfeito! - Harry pegou o celular, conferindo as horas. - Vamos, então?

- Agora?

- Sim. Você já está pronta, não é?

Eu passei a mão pelo meu cabelo e roupas, tateando e conferindo.

- Estou. - Pensei melhor. - Aliás, vou levar a sandália, vai saber aonde você vai me levar para jantar. - Revirei os olhos, inconformada.

Harry riu e eu fui buscar a sandália.

Quando já estávamos no carro, ele disse que precisaríamos atravessar para Nova Jersey.

Nós fomos conversando trivialidades, eu percebia que ele estava evitando entrar em qualquer assunto que me possibilitasse perguntar o que estávamos indo fazer que não era o jantar ainda.

Entramos num túnel e tudo ficou muito escuro.

- Sabe onde estamos agora? - Harry se virou, me dando uma olhadinha e um sorriso ladino.

- Onde? - Eu olhei em volta, sem entender exatamente o que eu deveria enxergar naquele breu.

- Holland Tunnel.

- Mentira! - Eu arregalei os olhos, olhando para as janelas, ainda não enxergando nada.

- Aham. - Harry confirmou, rindo.

- Bem, não é nem de longe tão impressionante quanto eu achei que seria. - Falei, rindo.

- E nem tão entupido.

Eu gargalhei dessa vez, achando muito engraçada aquela referência.

- Você é... - Balancei a cabeça, sem conseguir expressar.

- Inteligente, eu sei.

- Ah, fica calado, vai. - Revirei os olhos e Harry riu.

Demoramos mais ou menos quarenta minutos para chegar. Harry parou o carro no estacionamento no meio de vários prédios e eu ainda não fazia ideia de onde estávamos ou o que faríamos.

- Eu gostaria de vendar os seus olhos. - Harry informou mais do que pediu.

- E eu gostaria de cinquenta mil na minha conta. - Eu revidei.

- Hmph. Eu já ouvi essa antes. - Harry sorriu. - E, se me lembro bem, minha resposta foi que eu poderia te transferir na hora.

- Não seja ridículo.

- Então não faça pedidos se não os quer atendidos. - Rebateu, afiado.

Eu cruzei os braços e me virei para ele, mas fiquei um pouco limitada porque não tinha tirado o cinto de segurança ainda.

- Eu vou te vendar, tudo bem? - Confirmou. - Não estraga a surpresa, por favor.

- Tá bom, tá bom!

Eu soltei o cinto e me virei para o outro lado, de costas para Harry. Ele desamarrou seu lenço e o usou para me vendar.

- Pensei nisso agora, não trouxe nada melhor. - Justificou.

De braços dados, eu caminhei sem rumo, confiando que Harry me guiaria.

- Tem um degrau aqui na frente, para descer. - Harry avisou.

- Ok. - Eu respondi, me apoiando mais em Harry.

Em silêncio, caminhamos mais alguns passos antes de pararmos. Eu sentia o sol quente sob a minha cabeça, o que significava que não tínhamos entrado em nenhum lugar.

- Pronta?

- Sim. - Eu ri. - Esse mistério todo está me deixando ansiosa.

Harry riu também e puxou a venda de uma vez.

Estávamos parados ao lado de um helicóptero em um pátio enorme.

Eu desviei o olhar para Harry, começando a entender.

- Nós vamos andar de helicóptero? - Perguntei, esperançosa.

Harry sorriu e acenou com a cabeça. Eu girei, observando tudo em volta. Atrás de nós, havia um prédio que tinha uma parede toda de vidro e lá dentro eu conseguia ver outros helicópteros.

- O que é esse lugar? - Eu perguntei para Harry.

- Bem-vindos ao heliporto de Nova Jersey.

Eu ouvi uma voz desconhecida e me virei.

O piloto se aproximava, vindo de dentro do helicóptero. Aparentemente, ele já estava nos esperando e cumprimentou Harry como se o conhecesse. Depois, se apresentou para mim e disse que seu nome era Charles.

Charles fez as perguntas clássicas: Era a minha primeira vez em Nova York? Eu já tinha ido em algum ponto turístico? De onde eu era e onde eu morava.

- Vocês já andaram de helicóptero antes? - Charles também perguntou.

- Eu já. - Harry respondeu. - Mas é a primeira vez da . - Eu concordei com a cabeça.

- , esse passeio vai ser um pouco diferente; como você pode ver no helicóptero, esse é um passeio de portas abertas e vamos sobrevoar alguns dos pontos mais famosos da cidade de Nova York.

Eu acenei, prestando atenção em tudo.

- O passeio dura por volta de trinta minutos e o pacote que Harry escolheu é personalizável, então se há algum lugar específico que você queria sobrevoar e que não esteja lista, você pode me dizer e faremos a rota.

Boquiaberta, eu dividi meu olhar entre Harry e Charles.

- Vamos lá, . Pode escolher. - H assegurou.

- E-eu... não sei.

- Ok. Sem problemas. - Charles respondeu, simpático. - Enquanto você pensa, eu vou passando todas as informações importantes e como vai funcionar.

Depois, ele se afastou para pegar os equipamentos e nos deu um tempo sozinhos. Harry se aproximou o bastante para que conseguisse tocar meus cabelos.

- Quando as pessoas viajam para algum lugar pela primeira vez, o passeio ideal é sempre visitar todos os pontos turísticos. - Harry me encarava profundamente. - Infelizmente, isso é algo que eu não poderia facilmente fazer e não quero que você perca nada. - Explicou. - Pensei que esse seria um jeito próximo o bastante.

- Você está brincando... - Eu rebati, descrente. - Isso é perfeito!

Harry sorriu com a minha resposta.

- Onde você quer passar?

- Eu acho que não pode faltar os clássicos... Estátua da Liberdade, Brooklyn Bridge, Central Park e – respirei fundo, sobrecarregada de lembranças – Times Square.

Pensar em ir para a Times Square com Harry me causava um pouco de pânico, eu sempre me lembrava daquele sonho que tinha me atormentado por meses. Ainda conseguia sentir a sensação horrível de perder o fôlego de tanto correr, correr sem saber de quem eu corria ou para onde eu corria, só para no final descobrir que eu jamais alcançaria Harry.

Chacoalhei a cabeça, espantando aquelas memórias. Aquilo era diferente, eu não tinha mais medo de Harry descobrir que eu o amava e que ele se afastaria por isso. Eu podia amá-lo se eu quisesse, sempre pude, eu só não sabia.

Charles voltou e eu repassei os lugares que tinha pensado.

- Só esses? - Perguntou, surpreso. E eu encolhi os ombros. - São trinta minutos, vamos nesses e em muitos outros lugares.

Ele sorriu e eu sorri junto, procurando por Harry, que estava sorrindo também.

- OK! Tudo pronto? - Charles perguntou.

Harry e eu acenamos com a cabeça e subimos no helicóptero. Charles nos ajudou com o equipamento de segurança e Harry colocou o fone em mim antes de colocar nele mesmo. Eu ajustei sem necessidade, um pouquinho nervosa.

Em menos de cinco minutos, decolamos. Eu busquei pela mão de Harry, assustada como barulho e com o fato de que não havia portas! Ao mesmo tempo, eu queria gritar de animação, aquilo era, sem dúvidas, a coisa mais legal que eu já tinha feito. Ou melhor, faria.

Os fones tinham microfone acoplado e só assim conseguíamos conversar um com o outro.

- Vamos começar sobrevoando a Estátua da Liberdade. - Charles disse. - Quando estivermos estabilizados, eu vou avisá-los e vocês podem se levantar dos assentos e se sentar na porta.

Eu olhei para Harry, assustada e ele riu.

Não demorou muito para que eu a avistasse, aquele pontinho verde no meio da água. Eu olhei para baixo, só via água e mais água envolta por prédios e arranha-céus. Era maravilhoso e mágico.

- Estamos a 10 mil pés de altura e vocês podem, com segurança, se sentar nas portas. - Charles informou.

Eu alternava meu olhar entre Harry e a vista. Ele sorria aquele sorriso lindo que eu amava em que suas covinhas eram evidentes e seus olhos estavam mais cristalinos que nunca.

Pela esquerda, na ponta em que Harry estava sentado, víamos a Estátua se aproximar; aliás, nós nos aproximávamos.

O céu estava de um azul límpido e uma barca atravessava logo abaixo de nós. Harry sacou o celular e registrou algumas fotos. Eu olhava boquiaberta, era tão lindo que eu duvidava que as fotos fossem fazer jus. E nada que eu pensava era o bastante para descrever aquilo.

Mesmo assim, eu apontei meu celular para Harry, a Estátua ao fundo, agora muito mais perto, e bati uma foto.

- Incrível. - Eu falei e Harry me olhou.

- É mesmo. - Charles concordou. - Eu faço isso aqui há quinze anos e nunca me canso.

- Logo a frente, também do lado esquerdo, vocês verão a Ellis Island e o Museu Nacional de Imigração. Como vocês dois não são daqui, foi pela Ellis Island que os imigrantes chegaram aos Estados Unidos entre o final do século XIX até o meio do século XX.

- Que interessante. - Exclamei.

- É estimado que aproximadamente 40% dos cidadãos Americanos conseguem ligar seus ancestrais à chegada pela Ellis Island.

Charles nos jogou mais alguns fatos históricos, mas ele falava tão rápido e sobre tantas coisas que eu acabei me perdendo.

- Agora estamos saindo do estado de Nova Jersey e atravessando para Nova York. Vocês vieram de Nova York, certo? Ou estão ficando em Nova Jersey mesmo?

- Nova York. - Harry respondeu. - Em Manhattan.

- Oh, legal. Muito legal. Vamos sobrevoar por lá também. Mas, primeiro, abaixo de vocês, está o The Battery, seguido por Wall Street ambos à direita e logo a frente o Memorial Onze de Setembro à esquerda. Todos esses pontos são muito perto um do outro, então não pisquem e preparem os celulares porque passaremos rápido.

Eu tirei mais algumas fotos de Harry, ele conseguia ser fotogênico sem esforço algum. Ele estava lá, parado, apenas olhando para fora e era como se estivesse posando para um photoshoot.

Era inacreditável como Harry deixava impressa a sua presença onde quer que ele estivesse, era como um poder, que atraía todos os olhos para si; era impossível que ele passasse despercebido. Ele era o personagem principal de qualquer história.

Eu não me cansava de olhá-lo e até perdi alguns pontos que passamos, distraída com sua beleza; a cada dia eu estava mais convencida de que ele tinha sido esculpido por Deus. Olhei para o horizonte, onde os prédios se encontravam com o céu e agradeci, como há muito tempo não fazia, a qualquer que fosse o poder divino que tivesse colocado Harry na minha vida.

- Estamos oficialmente sobrevoando a Baixa Manhattan. Me conte se conseguirem ver onde estão hospedados.

- Onde está o SoHo? - Harry perguntou, olhando para os dois lados.

- Logo abaixo de nós.

- Ah, não dá para ver então. - Eu fiz um bico.

- Em dois minutos estaremos sobrevoando o Empire State Building. - Charles informou.

- De que lado? - Eu perguntei, arregalando os olhos e apurando meu estado de alerta já ligado.

- Na sua direita, .

Eu não tirei os olhos daquele ponto pelo tempo informado.

- Lá está! - Charles exclamou. - Conseguem ver a ponta?

- Estou vendo! - Eu quase gritei, embora fosse desnecessário, eles me ouviam perfeitamente.

Diferente de sobrevoar a baía e só ver água, ali só víamos prédios e estruturas de metal. Era incrível, eu não tinha palavras.

- Parece que estou numa abertura de uma comédia romântica que se passa em Nova York...

- “When Harry Met Sally” - Harry completou minha fala.

- Exatamente! - Gargalhei.

- Do lado direito, a Brooklyn Bridge.

Eu olhei e lá estava, a ponte cinza tão famosa e eu, maravilhada.

Eu senti quando o helicóptero fez uma curva para a esquerda.

- , a Times Square está a sua direita agora.

Foi muito rápido e eu tive um vislumbre das luzes das telas. Todas piscando diversas cores e estava lotada de pessoas, o completo oposto do meu sonho.

O que eu esperava? Que tudo fosse ficar em preto e branco e vazio?

Eu ri ao pensar naquilo e olhei para Harry. Ele estava com o celular apontado para mim, tirando fotos minhas. Eu desviei o olhar para fora de novo, um pouco tímida por ser o foco dos seus registros.

- H? - Chamei e ele me olhou. - Obrigada por isso. - Ele sorriu.

Eu travei por um momento com o que se passou pela minha cabeça, meu coração batia muito forte pela adrenalina.

- Eu te amo. - Eu falei, sem som.

Pela reação de Harry, eu sabia que ele tinha entendido.

- Eu te amo também. - Ele fez o mesmo, nada mais que palavras sem som.

Eu não acho que eu jamais poderia agradecer a Harry propriamente por aquilo. Ele era a melhor pessoa na minha vida. Como alguém sobreporia aquilo? Como eu compensaria aquilo? Nada que eu fiz por Harry foi tão incrível.

- Estamos entrando no nosso último ponto, o Central Park. - Charles avisou.

Eu já conseguia ver o retângulo verde em meio a cidade.

- Parece tão pequeno daqui. - Eu disse, risonha.

Eu sabia que era enorme, mas tudo parecia minúsculo ali de cima. De uma forma muito agradável, eu contemplei a minha insignificância. O mundo era um lugar tão grande, havia tantas coisas que eu não conhecia e nem era capaz de imaginar. Ao mesmo tempo, havia tanto que eu queria e tanto que eu nem sabia que queria. O futuro era muito incerto e era muito louco pensar que eu estava animada pelo que viria, mesmo que eu não soubesse o que era.

Eu olhei para Harry sorrindo ao meu lado, a única coisa que eu não poderia perder era a capacidade de vê-lo assim sempre.



Quando Harry e eu entramos no carro, minhas pernas estavam tremendo. Eu tinha me sentado na porta do helicóptero na volta para que Harry tirasse uma foto minha com a Estátua ao fundo. Meus pés, pendurados a quilômetros de distância do chão me causaram frio na barriga e eu tive um medo inconsciente de que meus sapatos saíssem voando. O que não aconteceu. Mas quando contei a Harry, isso o fez sorrir.

Ele disse que teria que dirigir de volta para Manhattan e nossa reserva era às seis.

- Não é um pouco cedo? - Eu perguntei.

- O restaurante fecha às oito.

Eu franzi a testa com a informação. Eu sabia que na Califórnia os lugares fechavam cedo, especialmente em dias de semana, entre nove e dez da noite, mas, em Nova York, a cidade que nunca dorme, eu imaginei que seria diferente.

- Qual é o nome? Você pode me contar agora, não é?

- Se chama Masa. É de culinária japonesa.

- Hum. - Eu murmurei. - Nunca ouvi falar.

- Eu gosto bastante. Eu pensei em reservar como um evento privado e só jantar nós dois, mas imaginei que você gostaria da experiência do restaurante funcionando normalmente.

- A experiência? - Eu franzi a testa de novo.

- Há só 26 lugares nesse restaurante, não tem janelas e é bem famoso por ser intimista. - Harry explicou. - Tem uma área ainda mais reservada que é um balcão meia-lua com um chef. Nós podemos ver as peças sendo preparadas, é bem interessante.

- Hum. - Murmurei de novo. - Parece bem legal mesmo.

- Eu conheci o dono uma vez... - Harry começou a contar a história.

Discretamente, enquanto ele ainda falava, eu procurei no Google sobre o restaurante e quase me engasguei quando li que era um dos cinco únicos restaurantes em Nova York com três estrelas Michelin.

Harry não estava apenas “me levando para jantar”, ele estava me levando para a experiência gastronômica de culinária japonesa.

Eu alcancei a caixa das minhas novas sandálias no chão do carro e, enquanto ainda fingia ouvir o que Harry contava, eu troquei de sapatos.

- Decidiu colocar a sandália? - Harry perguntou ao notar meu movimento.

- Acho que vai ficar mais elegante.

- Você já é elegante, não precisa de saltos para isso.

- Awn, obrigada! - Eu sorri.

Antes de calçar a sandália no pé esquerdo, eu me virei um pouco de lado, ficando mais de frente para Harry e coloquei o pé para cima no banco.

- Sabe, H, eu estou um pouco... desconfortável.

Harry me olhou imediatamente, preocupado.

- Com o que, babe? - Coçou a garganta, envergonhado. - Desculpe.

Eu balancei a mão, tentando não me mostrar alarmada pelo apelido antigo.

- Acho que com o tanto que você está gastando comigo hoje tem o direito de me chamar do que quiser. - Eu brinquei.

- É com isso que você está incomodada? - Harry me deu uma olhada de lado e voltou a prestar atenção na estrada.

- Eu acho que sim. Essa roupa, esses sapatos, mais o passeio de helicóptero... Além do jantar nesse restaurante, você deve ter pagado o que em cada reserva? Mil dólares para cada?

Harry sorriu.

- Não se preocupe com isso.

Ele não negou, o que significava que eu tinha chegado perto do valor. Eu fiz as contas mentalmente na cabeça: O mocassim era, pelo menos, 900 dólares, mais aquela camisa que não foi menos de 500, mais uns 1.200 da calça, mais esse salto que também não deve ter sido menos de mil e esse macacão maravilhoso que eu não fazia ideia, mas que eu chutava no mínimo o dobro do preço da calça... Fiquei assustada e parei de somar.

Eu não queria perguntar quanto tinha sido o passeio de helicóptero.

- O piloto... Ele disse que você pegou um pacote personalizado...

- E privado. - Harry completou. - Eles geralmente fazem esse passeio com 4 a 6 pessoas no helicóptero. Eu comprei todos os lugares.

- Harry!

- O quê? - Rebateu, inocente. - Você queria ir comigo e mais um monte de gente que a gente nem conhece?

- Não. - Concordei, inconformada.

Eu olhava diretamente para Harry, mas ele mal desviava o olhar da estrada.

- Quanto é cada lugar?

Ele me encarou brevemente e eu vi em seu olhar que ele estava considerando se me contaria ou não.

- Qual é?! Isso não é a sua música que você não pode me contar para não estragar a magia.

- 600 cada lugar.

- SEISCENTOS? - Eu gritei, maluca. - Harry, pelo amor de Deus, dá a volta, vamos embora.

Ele gargalhou.

- Você é tão engraçadinha.

- E você tá gritando “pobre” na minha cara.

- É só você parar com essa sua mania de se sentir mal sempre que eu faço essas coisas. Não é pelo valor, , esse dinheiro não faz diferença nenhuma na minha vida.

- Viu? Me chamou de pobre de novo.

- UGH! - Harry grunhiu, revirando os olhos. - Você que me deixa desconfortável com essa conversa.

- Desculpa, é que eu não tô acostumada com isso! Sei lá, você gastou mais de dez mil dólares num dia!

Era o que eu ganhava trabalhando um mês inteiro! Eu não ia dizer isso, mas era completamente maluco para mim.

- Eu não estou entendendo o que você quer de mim, . O que quer que eu faça? É a minha realidade, me desculpe se não é a sua.

- Não, você não precisa se desculpar. Só é bizarro para mim.

- E a culpa é minha. Se eu parasse de te tratar como um filho da puta mal-agradecido e te incluísse mais na minha rotina, você já teria se acostumado. É sempre essa maldita conversa que eu evito ter junto com “é, vão ter pessoas tirando fotos nossas” em qualquer lugar que eu esteja. Eu não queria te deixar assustada, ou intimidada, sei lá.

Eu sentia que Harry estava ficando chateado. Como eu tinha conseguido estragar tudo assim tão rápido?

- Me desculpe. Não vamos brigar, por favor?

- Só... vamos deixar isso pra lá, ok? O valor não é nada demais, o lugar me importa menos ainda, foca no gesto, ok? Foca no gesto.

- Tudo bem.

- Eu só quero te levar num lugar aconchegante e te tratar como você nunca foi tratada antes.

A confissão me pegou de surpresa.

- Como você sabe que eu nunca fui tratada assim? - Provoquei.

- Isso é uma piada, não é?

- Óbvio. - Sorri, debochada.

Ele bateu a mão na minha perna, o estalo abafado pela calça. Harry deixou a mão ali.

- Foca que é um encontro. Você já foi em um, não foi?

Eu revirei os olhos. Esse debochado!

- Óbvio. - Respondi no mesmo tom de antes.

- Agora imagina mil vezes melhor. Comigo colocando o sushi na sua boca e coisas assim.

- Paraaa! - Eu gargalhei, dando um tapa em seu braço. - Ninguém é assim tão ousado no primeiro encontro.

- Tem razão. - Harry pareceu repensar. - Vou precisar mudar de tática.

- Você é ridículo, sabia disso?

- Sério? - Ele abaixou o tapa-sol para se olhar no pequeno espelho e jogou uma mecha de cabelo para cima. - Eu até que não me acho tão ruim.

Segurando a risada e com os ombros já tremendo, Harry me deu uma piscadela.

- É disso que eu ‘tô falando. Ridículo.

- Então quer dizer que eu posso te chamar do eu que quiser, então?

*

Harry estava sentado numa poltrona e tinha os pés descalços sobre a cama, onde eu estava deitada. Ele mexia no celular e eu zapeava pelo YouTube na TV, montando uma playlist na sua conta privada, porque sentia minhas pálpebras pesadas e tentava lutar contra o sono.

- Então... - Ele falou sem levantar o olhar. - Ao que parece, eu preciso estar no Brooklyn à uma da tarde.

- Oh, okay. - Eu parei e pensei. - Vamos sair para almoçar antes?

- Podemos, se quiser. - Ele desviou a atenção do celular e me olhou. - Você já está com fome?

- Não. - Harry concordou com a cabeça.

- Ok. Me fala quando quiser ir. - E voltou a mexer no celular.

Eu contemplei seu rosto angelical por um momento; eu achava um charme a sua ruguinha de concentração entre as sobrancelhas, e os cabelos presos para cima com uma presilha o tornavam real e palpável. Desci o olhar, escaneando-o por completo. Vestia uma t-shirt vintage de banda e uma cueca boxer, que ele tinha gentilmente perguntado se poderia ficar assim. Eu não era de longe louca o bastante para recusar essa oportunidade e, mesmo se fosse, estávamos em sua casa e eu jamais ditaria como ele poderia ficar vestido lá dentro. O esmalte da mão estava descascando, mas nos pés ele usava um lilás clarinho que de longe quase parecia bege; isso já o transformava num sonho de tão irreal que parecia.

- H... - Chamei.

- Hum?

- Você se lembra daquele restaurante aqui que eu sempre falava? - Harry levantou a cabeça na metade da frase.

- Sim, eu me lembro.

- Sabe, eu estava pensando... talvez pudéssemos jantar lá hoje. Acha que conseguimos? Eu não sei se reservam assim tão de última hora.

Aquele era nosso último dia juntos em Nova York, pela noite ele me deixaria no meu hotel e não nos veríamos mais pelo resto do mês.

- Claro que podemos. E eu vou dar um jeito nisso das reservas.

Eu acenei com a cabeça, concordando.

Harry me olhou por mais alguns segundos, como se para garantir que eu não falaria mais nada e, então, voltou ao celular.

Eu continuei o observando. Eu não sabia se o que ele estava fazendo no celular era relacionado ao trabalho ou se ele só estava entediado e rolando pelo feed vendo tudo e nada ao mesmo tempo. O que era não importava. Estar ali com ele naquele silêncio confortável era absolutamente tudo o que eu mais queria. Eu sabia que não precisava de mais nada, se eu pudesse me sentar em silêncio absorvendo sua presença tranquila e pacífica, apenas sendo nós mesmos, era o suficiente.

Eu queria estar por perto tempo o bastante para saber que ele estava bem, que as coisas em sua vida estavam caminhando como planejado por ele, mas que se não estivessem, que ele soubesse que eu era a pessoa para quem ele poderia correr.

- Eu acho que tenho uma reunião com Tommy mais tarde, depois do meu compromisso no Brooklyn. - Harry quebrou o silêncio. - Ele está vindo me encontrar para irmos ao México juntos.

- O Tommy? - Eu arqueei uma sobrancelha, mesmo que Harry não visse minhas expressões. - E o que aconteceu com o Jeff?

O Tommy só aparecia quando Jeff estava ocupado com algum outro agenciado. No geral, por serem amigos há mais tempo, Jeff quase sempre era quem acompanhava Harry.

- Nada. Jeff só teve outro compromisso e não pôde vir. - Harry fingiu indiferença.

- Ah não, vocês ainda estão nessa? - Eu respondi ao sentir que tinha algo mais.

- Eu não.

- Harry... - Eu usei aquele tom que era um aviso que precedia uma repreensão.

- Eu juro! - Ele levantou o olhar para mim ao passo em que largava o celular no colo para juntar as mãos. - A gente só está tirando férias um do outro. É necessário. - Riu.

- Hum. - Outro tom de aviso.

- Você se importa se Tommy for jantar conosco?

- De maneira alguma! Você deveria convidar Lambert também, ou quem você quiser; você vai passar vários dias fora, é bom que veja seus amigos.

- Ok.

Analisando minha expressão, Harry parecia pensar em algo.

- Podemos dizer que esse é um encontro? - Brincou.

Eu franzi a testa e me dei alguns segundos, preparando a piadoca.

- O que é isso? Segundo encontro e você já quer me introduzir ao seu grupo de amigos? Não acha que é um pouco rápido?

Harry sorriu de lado, segurando a risada.

- Melhor já ver logo se você vai se dar bem com eles antes de investir mais tempo.

Abri a boca, incrédula.

- Então quer dizer que se seus amigos não gostarem de mim, eu estou fora da jogada?

- Basicamente... - Harry encolheu os ombros.

- Isso é uma regra ou o quê? Se sim, você já ignorou.

Dessa vez Harry quem franziu a testa.

- Eu já?

- Jeff... - Eu só soltei o nome na roda, nem precisava de explicações.

- Que absurdo! - Harry rebateu, ultrajado. - Jeff não desgosta de você.

- Mas não morre de amores por mim também.

- Claro que não! - Harry tirou os pés da cama para conseguir se inclinar para mais perto de mim. - , olha só, a minha briga com o Jeff não é culpa sua, tá bem? Isso é algo que eu já resolvi com ele. Além do mais, Jeff tem 33 anos, ele não é uma criança para ficar com birra de você por nada.

- Não é por nada. - Justifiquei. - Quero dizer, ele tem motivos...

- , não. - Harry negou com a cabeça. - A minha vida pessoal é a minha vida pessoal. Ele não tem motivos, acredite em mim.

- Tudo bem. Eu acredito em você. - Eu sorri. - Desculpe ficar tocando nesse assunto, eu só me sinto péssima com tudo isso.

- Não tem nada acontecendo, minha linda. Fica tranquila.

Eu expirei com força.

- Ok.

Harry se levantou da poltrona e se aproximou.

- Eu te amo e meus amigos também. - Ele se inclinou e me abraçou desajeitadamente. - Você é muito querida. Eu não conheço ninguém que te conheça e não fale bem de você.

Eu suspirei audivelmente

- Eu te amo também. - Sussurrei.

Harry se soltou do abraço e me encarou, havia um meio sorriso nos seus lábios. Ele continuou inclinado sobre a cama, se apoiando no colchão com apenas um braço.

- Eu estou muito feliz que estamos fazendo essa viagem juntos.

- Eu também, H. Não tem ninguém com quem eu queria estar vivendo essas coisas se não com você.

Harry tentou disfarçar a careta de surpresa, mas não conseguiu evitar o tic que seu rosto fez.

- Sério?

Eu concordei com a cabeça.

- Você é a minha pessoa favorita no mundo. - Confessei fácil.

Na verdade, tinha uma coisa que eu queria mais do que estar ali.

Como se Harry soubesse exatamente o que eu estava pensando, seu rosto se aproximou do meu. O braço apoiado no colchão se flexionou e, com a outra mão, tocou minha bochecha; o metal gelado dos anéis me fez fechar os olhos e eu senti o frio sendo carregado para o meu estômago. Eu quase estremeci. Quase. Meu coração acelerou e eu abri os olhos, encontrando os dele vidrados em mim.

- Eu amo tudo sobre você. - Murmurou.

Harry mexeu a mão, fazendo um carinho suave, passando pelo meu cabelo e terminando atrás da orelha, como se afastasse o cabelo, mesmo que não tivesse nada no meu rosto, porque meu cabelo estava preso para trás.

- Eu amo cada detalhe seu. - Completou, passando um dedo pela minha sobrancelha, nariz e voltando a fazer carinho na bochecha. - É por isso que você é a minha pessoa favorita, .

Harry parou a mão perto do meu maxilar, os dedos entre minha orelha e o dedão ainda se movimentando, alisando minha bochecha e perigosamente próximo de tocar meus lábios.

Seu toque era leve como uma pluma, quase fazia cosquinhas. Eu mal piscava, não queria perder nada. Minha respiração ficava mais desregulada a cada segundo que passava, e eu me esforçava para respirar devagar e não entrar em pânico.

Tudo o que eu mais queria era me perder naquele toque, no verde escuro dos olhos dilatados e nos lábios rosados.

- Você vai me beijar agora? - Eu perguntei, baixinho.

Harry apertou os olhos, analisando minhas feições. Eu o sentia hesitante.

- Eu posso?

Acenei com a cabeça, os lábios já sutilmente entreabertos.

Harry quebrou a distância, a princípio apenas encostando os lábios nos meus. De olhos fechados, eu alcancei o seu rosto com as duas mãos e coloquei pressão no selinho e, num movimento brusco, Harry tirou o peso do braço, apoiando-se pelo cotovelo, puxou meu rosto e abriu a boca em seguida, sua língua quente tocando a minha, que ansiava por aquele beijo.

Harry subiu por cima de mim, ainda apoiando seu peso em um braço. A mão que estava no meu rosto desceu pelo meu ombro, passando pela cintura e parando no quadril, onde ele segurou com força e puxou a carne. O beijo, tão intenso que eu mal respirava. Entrelacei as pernas na sua cintura e Harry soltou o peso do corpo por cima de mim.

Quando ele se afastou, eu arfei, tentando respirar. Harry desceu para o meu pescoço, distribuindo beijos que me fizeram tentar apertar as coxas uma contra a outra enquanto sentia minha nuca se arrepiando e eu me esforçava para segurar o espasmo involuntário do meu corpo. Eu puxei seu rosto, o beijando de novo.

Foram três as vezes em que nos beijamos desde que eu tinha voltado. O primeiro beijo, na Philadelphia, foi de saudade. Na Listening Party foi um beijo de dor e arrependimento. E na minha última noite em Londres foi um beijo de despedida, revolta e fúria; foi a última vez que dormimos juntos e era como se soubéssemos que aquele seria o fim, mesmo que fôssemos contra, mesmo que todo o meu ser quisesse que fosse o recomeço.

E havia agora, o quarto beijo. Esse dizia “eu não consigo mais ficar longe de você. Eu não quero”. Eu sentia meu corpo vergonhosamente entregue e, minha mente, a mais resistente, começava a ceder. Estar com Harry era como nada que eu pudesse comparar.

O que eu sentia por ele era tão profundo que me sufocava, eu estava caindo e caindo, tão alto e rápido que a queda não poderia terminar bem.

Quebramos o beijo ao mesmo tempo, ofegantes. Harry me encarou profundamente, eu sabia que ele esperava que eu fosse o culpar, arrependida.

Mas eu não ia, não dessa vez.

Harry respirou fundo e sorriu.

- Chega para lá. - Pediu, tentando me mover.

Eu me arrastei para o meio da cama e ele saiu de cima de mim, se deitando na ponta, mas ainda colado em mim.

- Vamos com calma, certo?

Eu concordei com a cabeça, ainda ofegante demais para produzir qualquer palavra.

Harry passou o braço por debaixo do meu pescoço e me puxou para mais perto, me virei de lado e coloquei o braço sobre a sua barriga, espalmando a mão sobre seu tórax. Fechei os olhos, sentindo a queda quase no fim.

Eu estava caindo, mas sabia que Harry estaria lá embaixo para me aparar e, assim, havia esperança.

*

Eu acordei atrasada para ir trabalhar. Paranoica como eu era, perder a hora era pior que a morte.

Não sabia bem se eu tinha desligado o despertador e voltado a dormir ou se nem tinha tocado, o que era irrelevante depois que eu já estava tentando vestir a calça e escovar os dentes ao mesmo tempo.

Todas as viagens nas últimas semanas destruíram o meu ciclo de sono. Até que ir para a Philadelphia não me atrapalhou muito, mas as oito horas de diferença para Londres me bagunçaram e, sem chance de me recuperar, Nova York foi o meu fim. Não que fosse isso desculpa para o atraso, mas eu jamais teria deixado isso acontecer normalmente.

E não que eu esteja reclamando das viagens, é claro que não.

Só que eu só acordei porque recebi uma ligação de um funcionário que estava com problemas.

Meu carro estava no conserto e a seguradora tinha me emprestado um que eu estava odiando. Nada pior do que ter que dirigir um carro que não é o seu.

Harry ainda estava em Londres e não voltaria por mais uma semana ou duas. No entanto, nós nos falávamos por chamada de vídeo todos os dias antes que ele fosse dormir, que era mais ou menos no começo/meio da tarde para mim, e também me mandava bom dia por mensagem sempre que acordava, o que era de madrugada aqui. Nós também não estamos brigando mais e nem nos alfinetando. Não ficávamos falando sobre ficar juntos, mas também não estávamos agindo como se fôssemos só amigos. Não éramos, nunca fomos, nunca seriamos. Como ele tinha dito na carta, estou levando um dia de cada vez.

Minha rotina estava como deveria ser; eu quase perdia a cabeça no trabalho, tinha aula de yoga uma vez na semana porque tinha tomado gosto pela coisa desde que Harry tinha me levado pela primeira vez, lavava roupa todos os sábados com Elinor, e agora estava fazendo pilates duas vezes na semana no lugar das aulas da faculdade. E, por falar em faculdade, eu também tentava convencer Lucy de que eu não queria fazer uma “festinha” de formatura.

Minha colação de grau era no mês seguinte e eu só queria pegar o canudo e encerrar esse ciclo. Então negava a comemoração, embora soubesse que a batalha já estava perdida. Lucy faria algo com ou contra a minha vontade.

Quando parei no estacionamento, desci correndo e já estava na metade do caminho ao encontro do meu funcionário antes de ouvir a porta do carro bater.

Olhando de fora, nada parecia estar errado ali. Isso era bom, ninguém além de nós – meu departamento, no caso – precisava saber dos nossos problemas.

- Bom dia, Garret. - Peguei sua mão, cumprimentando-o. - Me mostra o pneu?

- Bom dia, chefe. Vem comigo.

Sem que eu dissesse nada, Garret virou as costas e saiu andando. Eu o acompanhei enquanto ele dava a volta pelo caminhão, parando em frente a uma das rodas.

- Eu tentei encher, mas murchou de novo.

- Hum. - Murmurei. - Está furado, então. - A resposta era óbvia. - Cadê o mecânico?

- Sei não. Ninguém o viu hoje.

- Nem na portaria? - Apalpei os bolsos à procura do meu celular.

Garret negou com a cabeça.

- Hum.

Abri as mensagens, mas não havia nada do dito cujo. Nessa linha de trabalho era bem comum que os funcionários faltassem sem dizer nada, especialmente quando eram contrariados. Esses homens eram muito sentimentais e achavam que assim estavam me punindo, ou saindo por cima de alguma forma, já que era inconcebível que uma mulher de 25 anos fosse quem mandasse neles.

No geral, eu tinha um bom relacionamento com a maioria. Garret era um deles; estava sempre de prontidão para realizar qualquer tarefa que eu pedisse.

- Eu trocaria o pneu, mas não tenho a chave.

Os pneus ficavam trancados dentro da oficina e só o mecânico e eu tinham a chave. Uma questão de segurança com todos os equipamentos de valor.

- Sem problemas, Garret. Você me ajudaria a trocar agora?

Ele confirmou com um aceno.

- Lucy já chegou?

- Sim, senhora. Está no seu escritório.

Eu fiz cara feia e ele riu.

- Senhorita.

Não fazia diferença o tratamento se não conseguiam manter só "". Então balancei a mão, deixando para lá.

- Você pode ir chamá-la, por favor?

Enquanto Garret se afastava, eu resgatei um molho de chaves de dentro da bolsa e procurei pela cópia da oficina. Do pátio até a minha sala eram menos de dois minutos ida e volta, quando Garret demorou mais do que isso e não voltou com Lucy, eu fui até a oficina e abri a porta.

Em vez de esperar ali, eu entrei, passando o dedo pela pilha de pneus até encontrar o correspondente. Não tinha a menor condição de eu conseguir carregar aquele pneu enorme, mas pensei pouco até me lembrar que já tinha feito isso antes, empurrando-o.

Eu estava usando a camisa da Gucci que Harry tinha me dado em Nova York, então deixei as mãos bem longe do corpo quando terminei de empurrar o pneu até o caminhão.

Eu entrei na cabine e bati a chave, quase como se esperasse que o motor não ligaria, mas ligou, claro. Manobrei o caminhão para a plataforma, já que precisaríamos levantá-lo para trocar o pneu.

Enquanto eu fazia isso, repetia baixinho como um mantra “camisa da Gucci, camisa da Gucci, camisa da Gucci” para que eu não me esquecesse que não poderia, em hipótese alguma, encostar em mim mesma até que lavasse as mãos.

Eu tinha começado a desparafusar a roda quando Garret voltou com Lucy.

- Já trocou um pneu antes na sua vida, Lucy? - Eu perguntei, mesmo que soubesse que a resposta era negativa.

Infelizmente, o motorista poderia se recusar a fazer isso na falta de um mecânico. Não que fosse minha obrigação também, mas considerando que eu era a gerente, eu precisaria tomar responsabilidade de qualquer coisa que estivesse impedindo a funcionalidade do meu departamento. Expliquei que, na minha falta, a pessoa responsável seria ela, agora que não era mais só estagiária.

No terceiro parafuso, meu celular começou a vibrar sem parar. Me levantei, entregando a chave de roda para Garret com uma das mãos e pegando o celular no bolso da frente da minha calça com as pontas dos dedos da outra.

Garret, imediatamente, se agachou e continuou de onde parei.

Com a mão meio torta, com medo de sujar a capinha de graxa, eu virei o celular e olhei a tela.

- É o Harry. - Informei para Lucy que estava ao meu lado. - Que horas são na Inglaterra? - Perguntei em voz alta, encarando a nossa foto na tela. - Ele não me ligaria tão cedo.

Eu pedi licença ao passo em que atendia a chamada e já gesticulava o que eu esperava que desse a entender que eu voltaria logo.

- Quem é Harry? - Escutei Garret perguntar em um tom de curiosidade quando eu dei as costas para me afastar.

- O namorado dela. É o Harry Styles. - Lucy fingiu falar baixo, como se contasse uma fofoca, mas claramente intencionou que eu escutasse.

Eu me virei, dando alguns passos de costas, e fiz uma careta para Lucy, seguida de um chacoalhar de cabeça.

- ? Você está aí?

- Oi, H! Desculpa, ‘tô no meio de um problema. Está tudo bem? Ou já está na hora de dormir?

Conferi as horas no meu relógio de pulso, tentando, mas incapaz de calcular o fuso horário sob pressão.

- São 6:30pm aqui. - Harry respondeu, como se soubesse que eu estava tentando fazer as contas. - Me desculpe por te atrapalhar, eu posso ligar depois.

- Não, tudo bem. Só expliquei isso porque atendi e não disse nada a princípio. Está tudo sob controle.

- Tem certeza?

- Sim. Você está bem?

- Eu estou. Sim. Tudo certo.

Franzi a testa. Reafirmação não era algo que Harry fazia a não ser que a resposta que ele quisesse entregar fosse exatamente o contrário.

- Eu vi que você me mandou mensagem, mas eu não tive tempo de responder ainda, me desculpe. É por isso que você está me ligando? Eu não estou te ignorando, prometo. Eu acordei atrasada. Ugh! - Grunhi, ainda frustrada por ter pedido a hora. - Eu não sei o que aconteceu, mas claramente acordei com o pé esquerdo. - Disparei, jogando tudo em cima de Harry.

- Ok. Respira. Você está bem? - Devolveu a pergunta, enfatizando-a.

- Eu acordei atrasada, o mecânico faltou, um pneu furou e agora minhas... Ah! - Arfei de susto. - Merda! Minhas mãos estão sujas de graxa e eu esqueci que não poderia encostar em mim mesma! - Olhei para baixo, inspecionando minha roupa.

Não, eu não tinha encostado sem perceber. Ufa!

- O que você estava fazendo?

- Trocando um pneu.

- Essa é nova. - Harry riu.

- Eu vou lavar as mãos. Espera aí.

Com isso, apoiei o celular no ombro e fui em direção ao banheiro, com o pescoço torto mesmo para conseguir continuar falando com Harry.

- O que você fez hoje?

- E-e-eu... - Harry gaguejou.

Era como se a pergunta fosse inesperada e o tivesse pegado completamente de surpresa.

- Eu trabalhei! - Falou por fim. - Tive uma reunião com a gravadora aqui do UK.

- OK. - Eu falei, suspeitando um pouco. - Sobre o que foi a reunião?

- Ahhhh, você sabe, o álbum, single, turnê...

- Turnê, huh?

Segurei na quina da pia após ter lavado as mãos.

- Estamos para fechar as primeiras datas.

- E você me ligou para espontaneamente contar uma informação importante como essa?

- Ahn... Não é como se você não pudesse saber.

- Você está agindo estranho. - Fui direto ao ponto.

- O quê? Estou normal.

- O que foi, hein? Eu não vou abrir meu celular agora e encontrar alguma foto sua com outra ex em algum site de fofoca, vou?

- O quê? - Repetiu, dessa vez soando genuinamente surpreso. - Claro que não!

- Porque eu posso jurar que você está agindo muito suspeitamente.

Ele suspirou alto.

- Eu realmente tenho algo para dizer, mas acho que agora não é o momento.

- Você está brincando?! O que é?

- É só que... - Suspirou de novo, como se desistindo de falar.

- Você sabe que se você não me contar eu não vou te deixar em paz?!

A linha ficou muda por um momento.

- Harry?

- Estou aqui.

Eu esperei até que ele falasse novamente.

- O que eu queria te contar é que... Estou sentindo sua falta.

Eu franzi a testa. Não era aquilo que ele ia dizer, eu tinha certeza.

- Sinto sua falta também, H. Você sabe que pode me ligar quando quiser, não sabe?

- Eu sei...

- E que você pode me contar qualquer coisa. Qualquer coisa. E que se precisar de alguém, eu estou aqui.

- Eu sei.

- O que quer que seja que você não está me contando, você não está sozinho. Não tem nada que você possa me dizer que me faça te odiar, ok? Eu posso sumir por uns dois meses, mas eu volto. - Dei risada.

- Não tem graça, .

- Qual é! É um pouquinho engraçado...


36. And I won't ever let you go, wait for me to come home

AGOSTO, 2019




Eu fui buscar H no aeroporto. Eu estava sozinha e ficaria esperando no estacionamento. Achamos mais seguro do que eu parar do lado de fora onde as pessoas são deixadas e buscadas, porque não queríamos ser vistos.

Dei muita sorte ao conseguir estacionar no primeiro nível do estacionamento; era o que ficava sempre cheio porque todo mundo tinha preguiça de subir as rampas para estacionar nos outros andares.

Deixei o carro ligado por causa do ar-condicionado e tirei o celular do suporte, primeiro conferindo as horas. Depois, rastreei o voo pelo link que ele tinha me mandado e vi que o avião já tinha pousado. Abri a nossa conversa e olhei para a parede, conferindo o espaço que eu tinha parado para o avisar por mensagem.

Digitei algo como “estou parada no espaço 1D, entre um Tesla vermelho e um BMW prata”, apertei enviar e só então reli a mensagem.

Espaço “1D”. Quase chorei quando percebi. Comecei a rir sozinha. Que triste.

Harry pareceu não ter notado, pois só respondeu que já tinha desembarcado e estava esperando alguém trazer sua mala despachada.

Eu esperei mais uns quinze minutos, e entre mexer no celular e trocar compulsivamente de música, eu não conseguia parar de encarar os dois lados do estacionamento, ansiando pelo momento em que ele surgiria, parecendo ter sido teletransportado em vez de saindo de um elevador.

E assim foi. Abri o maior dos sorrisos quando o vi. Harry usava uma calça flare num jeans escuro, uma camisa de listras horizontais branca e vermelha e uma jaqueta jeans no mesmo tom da calça. Carregava duas bolsas no ombro direito, uma marrom grande de couro, e uma ecobag. Na outra mão, ele carregava uma mala rígida da Gucci estampada com desenhos do Mickey Mouse.

Pensei em descer do carro, mas não o fiz. Nunca se sabia se ele estava sendo observado; apenas apertei o botão que abria o porta-malas quando ele estava perto o bastante.

- Hey, ! - Ele disse ao jogar a primeira mala dentro do carro.

- Oi, H. - Eu virei o pescoço para trás, ainda sorrindo. - Como foi a viagem?

- Foi tudo bem, darling. - Harry jogou a mala marrom em seguida. - Estou exausto, só.

- Não dormiu no voo? - Falei um pouco mais alto quando vi que ele apertara o botão para fechar o porta-malas.

Ele atravessou para o lado do passageiro e entrou no carro.

- O que disse?

Antes de eu repetir, ele se virou para mim e me abraçou, deixando um beijo estalado na minha têmpora ao me soltar.

- Como você está?

- Estou bem, H. E você?

- Bem. - Confirmou com a cabeça.

- Você não dormiu no voo?

- Não dormi nada. Tinha esse bebê chorando e, quando ele dormiu, houve uma sequência de turbulências que não me deixou pregar o olho.

- Foi assustadora? A turbulência?

- Nah. Só chacoalhou um pouco e foi incômodo. Por isso não dormi.

- Oh, sinto muito por isso. Você quer que eu te deixe na sua casa em vez de irmos para a minha?

- Por quê? - Harry questionou com uma sobrancelha arqueada.

- Bem, você está cansado, talvez queira tirar um cochilo em casa.

- Tirar um cochilo na minha casa ou na sua casa dá no mesmo para mim.

- Ok. - Concordei com a cabeça.

Liguei o carro e dei ré, saindo da vaga.

- Eu não te vejo há não sei quantos dias, eu não quero ir para casa sozinho.

Eu franzi a testa, olhando-o pelo canto do olho.

- Ok. Tudo bem. Desculpe. Eu não estou tentando me livrar de você.

Harry suspirou e olhou pela janela.

- Eu sei. Só estou cansado, me perdoe.

- Tem certeza de que é só isso?

- Oi? - Ele virou o rosto, me olhando incomodado.

Era crepúsculo, aquele primeiro momento da noite após o sol se pôr e o céu ainda não está completamente escuro.

- Só perguntando... Você tem agido estranho nos últimos dias. Eu não queria trazer isso à tona agora, porque, como você disse, não nos vemos há muito tempo e você mal chegou. Mas você está esquisito.

- Você não deveria se preocupar com isso.

- Ah, então tem alguma coisa acontecendo?

- Não tem nada a ver com você, ok? Não se preocupe.

- Então só porque não tem nada a ver comigo eu não deveria me preocupar?

- É. Eu já estou cuidando de tudo.

A tom de Harry foi cortante, transmitia que a sua palavra era a última naquele assunto.

Eu concordei sutil e silenciosamente.

E permaneci dirigindo em silêncio. Não é que eu estivesse brava, ou que o silêncio fosse insustentável, só não era fácil seguir a partir daquela evasão astronômica.

Harry observava o lado de fora, também em profundo silêncio. A música que tocava era uma de suas favoritas e era estranho não o ouvir cantarolando junto.

- Sabe de uma coisa? - Eu abri a boca e Harry se virou na hora. - Já que você não quer contar o que está acontecendo, eu tenho uma confissão para fazer.

- Hum? - Ele arqueou uma sobrancelha, parecendo interessado.

- Eu assisti The Great British Baking Show até o episódio que saiu semana passada.

Antes que eu terminasse a frase, o queixo de Harry já tinha caído, o deixando com a boca aberta em um perfeito “o”.

- Você não fez isso! - Harry exclamou escandalizado.

Eu pressionei os lábios para reprimir um sorriso.

- Eu não acredito que você assistiu sem mim!

- M-me desculpe. - Eu sorri de lado. - Eu falei que era uma confissão!

- Ah não, ! Você disse que ia me esperar voltar de Londres!

- Me desculpe! - Eu repeti, não conseguindo mais conter o tom de risadinha. - Eu não consegui esperar.

- Me desculpe nhenhenhe. - Me imitou, rabugento. - Você é uma traidora! - Cruzou os braços e forçou um bico gigantesco.

- Veja pelo lado bom, essa semana tem um episódio novo e podemos assistir juntos.

- Como? Se eu tenho uns três episódios para assistir antes porque você não pôde me esperar?!

Eu me chacoalhava, rindo pelo nariz.

- H...

- Não, não vem com 'H’ pra cima de mim, não! - Harry deu o seu melhor para ficar de costas para mim.

- Babe... - Harry virou só o pescoço, a testa franzida. - Me desculpe. - Eu usei aquela voz, aquela que era uma mistura de um tom manhoso com meiguice e uma pitadinha de sensualidade.

Ele abriu um sorriso e voltou a ficar de frente para mim.

- Eu prometo que não vou mais assistir sem você. - Assegurei, também sorrindo.

- Hum. - Ele resmungou, lentamente se inclinando na minha direção, como se estivesse sendo atraído involuntariamente. - Só porque você me chamou de “babe”. - Explicou, os olhos me queimando. - E acho bom mesmo. - Ameaçou.

Eu cruzei os dedos da mão direita, me esforçando para continuar olhando para a estrada enquanto seu olhar não saía do meu rosto.

- Prometo. - Repeti.

Harry levantou o dedo mindinho e parou a mão na altura do meu rosto.

- Jura de dedinho?

Eu soltei uma lufada. O olhei de rabo de olho, minha cara dizia “sério isso?”

- Juro de dedinho. - Revirei os olhos e cruzei o meu mindinho no dele.

- E você vai ter que me recompensar por isso!

Eu estreitei os olhos, sem saber se o duplo sentido foi intencional, ou se eu só era maldosa mesmo.

- O que você quer?

- Hummm. - Harry segurou o queixo. - Eu vou pensar em algo.

- Tudo bem.

- Tudo bem? - Repetiu, confuso.

- Sim. - Encolhi os ombros.

- Achei que você fosse protestar.

- Me diga o que você pensar, primeiro, e eu vejo se protesto.

- Você... - Chacoalhou o dedo, apontando para mim. - Você está ficando muito petulante.

Eu soltei uma gargalhada.

- Com quem será que eu aprendi, não é mesmo?

- Comigo não foi! Eu não sou assim.

- Você está brincando comigo! - Outra gargalhada. - Você adora uma audácia sutil seguida de um gracejo pra ninguém pensar que é sério.

- Essa acusação é escandalosa! - Rebateu, rindo.

- E aquela entrevista que você deu que tinha perguntas de fãs e selecionaram as coisas mais idióticas do mundo e você... Apesar de tentar responder o mais sério e honesto possível– daquele seu jeito que não responde porra nenhuma... - Desdenhei. - Eu me lembro perfeitamente dos seus comentários muito ofensivos entre uma pergunta e outra.

Harry suprimiu uma risada.

- O que eu disse?

- Olhou para a produção e falou algo como “espero que estejam gravando tudo, estamos respondendo coisas importantíssimas aqui”.

Eu quase não notei quando ele revirou os olhos.

- Eu dificilmente classificaria isso como ofensivo.

- Qual é! A pergunta anterior tinha vindo de uma menina de dez anos, Harry! Foi no mínimo maldoso.

- Ok. Talvez tenha sido um pouco maldoso.

Eu comprimi a testa, como se dissesse “viu?”. Harry riu e balançou a cabeça.

- Senti sua falta. - Confessei.

Harry abriu um sorriso e sua mão alcançou a minha descansando na minha coxa e a apertou levemente.

- Deveríamos pegar algo para comer? - Eu perguntei, porque estávamos chegando.

- Essa é uma ótima ideia! Estou faminto.

- Tem algo que você esteja com vontade?

- Hummm. - Fingiu refletir. - Eu consigo pensar em um lugar que costumava ser o nosso favorito, mas não sei se você vai gostar da ideia.

Eu já sabia sobre onde ele se referia apenas com esse comentário e, para tentar segurar o sorriso idiota que meu cérebro queria mostrar para Harry, eu revirei os olhos.

Em vez de seguir em frente, eu virei na próxima rua, em direção ao local.

- Bem, eu acho que eu vou pegar uma pizza de pepperoni naquela pizzaria na esquina de casa e você... pode escolher algum outro lugar que queira comer.

A menção ao sabor errado de pizza certamente o aborreceria.

- , qual é... - Harry quem revirou os olhos dessa vez.

- Tá bom, tá bom! - Cedi, com uma risadinha. - Marguerita, então.

Ele levou a mão que estava sobre a minha para a minha bochecha e a cutucou com o dedo indicador.

- Eu te odeio, sabia disso? - Assoprou em meio a risinhos.

- Para né! Você me ama!

Entrei no estacionamento e parei em frente à porta de entrada. Pela quantidade de carros, a pizzaria não estava vazia o suficiente para que entrássemos juntos.

- Eu ia dizer para você ir lá dentro buscar, mas já que chegou de viagem hoje e está cansado, eu vou te quebrar esse galho. - Provoquei.

Harry estava de cabeça abaixada no celular, mas eu consegui ver seu sorriso de lado mesmo assim.

- Aham. - Falou com descrença. - 3725. - Soletrou esses números do nada.

- O quê?

- O número do pedido. 3725. - Repetiu, virando a tela do celular para mim.

- Que rápido! - Franzi o nariz, surpresa. - Eu nem vi você pedindo.

- O app tem opção de salvar favoritos. - Piscou se achando. - Ah! Também peguei aquela Coca-Cola de morango que você gosta. - Fez uma careta de nojo. - Aquela monstruosidade.

- Eu seeeeei. - Tombei a cabeça para trás, choramingando. - Mas é tão estranho que é gostoso, não consigo resistir.

- Você sendo brasileira, eu esperava mais do que isso. Tantas comidas maravilhosas no Brasil.

- Quem só foi ao Brasil duas vezes não tem opinião. Especialmente se a última visita foi há mais de um ano.

- Tsc Tsc. - Fez o barulho com a boca enquanto negava com a cabeça.

Eu não sabia se era de desaprovação pela minha escolha duvidosa de sabor de refrigerante ou por desprezar da sua opinião sobre o Brasil.

- Eu volto já! - Eu bati a palma na sua perna e abri a porta.

O pedido já estava pronto quando entrei, e fazendo jus a expressão “ir num pé e voltar no outro”, eu logo voltei para o carro.

Abri a porta e coloquei a cabeça para dentro.

- Você pode segurar, por favor?

Entreguei a caixa para Harry e voltei a me endireitar, para depois colocar o pé primeiro e entrar de vez no carro.

Coloquei o refrigerante no porta-copos e Harry imediatamente o pegou de lá, tomando um gole.

- Ei! - Repreendi. - Você diz que não gosta e tá aí tomando!

- Estou com sede.

Harry encolheu os ombros, segurando um meio-sorriso. Tomou mais um gole e voltou o copo para o porta-copos.

- Você é insuportável! - Revirei os olhos e apertei o botão de ligar o carro.

Enquanto eu dirigia os cinco minutos que faltavam até a minha casa, Harry abriu a tampa da caixa para dar uma espiadinha na pizza. Antes que ele pudesse fazer o que eu imaginava que ele queria, dei um tapa em sua mão.

- Ouch! - Recolheu o braço rapidamente, soltando a tampa.

- Já estamos chegando, se controla.

- Eu não ia pegar um pedaço. - Se defendeu.

Eu o olhei de rabo de olho.

- Sério mesmo? Acha que eu vou cair nessa?

- Não custa tentar. - Ironizou, balançando os ombros.

Logo depois, estacionei o carro na garagem e abri o porta-malas.

- Pega o meu copo, por favor! - Pedi enquanto Harry ainda se contorcia para sair sem virar a caixa.

Fui primeiro para a mala do Mickey Mouse, que tirei com facilidade. Depois, estendi a mão para pegar a outra, mas não esperava que estivesse tão pesada. Puxei uma segunda vez, com mais força, mas mal saiu do lugar.

- Segura a pizza.

Harry empurrou a caixa contra o meu peito, o refrigerante balançando por cima. Com a outra mão, pegou a mala que já estava comigo e colocou no chão, em seguida puxou a mala marrom e a jogou sobre o ombro direito, em cima da ecobag que já estava ali. Fechou o porta-malas e se abaixou, pegando a outra mala do chão.

- Eu posso te ajudar. - Eu disse, dando uma corridinha para o acompanhar.

- Só tranca o carro, doida. - Respondeu sem se virar ou parar de andar.

Eu chamei o elevador, já que tinha mais dedos desocupados do que ele.

- Por falar em Brasil, eu acho que eu te conheci alguns dias antes da minha viagem para lá.

- Você só notou isso agora? - Eu revirei os olhos, encarando o painel que contava os andares.

- Eu acho que não tinha associado, mas refletindo agora... - Olhou para cima, também acompanhando o elevador chegar. - Eu me lembro que tinha acabado de voltar da turnê na Ásia. Eu tive uma janela de folga minúscula antes de ir para a América do Sul, se não fosse por isso, eu nem estaria em Los Angeles naquele dia.

Eu entrei na caixa de metal primeiro, graças ao cavalheirismo de Harry.

- Foi uma grande casualidade que a gente tenha se esbarrado. Alguns dias de diferença e teria sido impossível; você estaria aqui e eu estaria no Brasil. - Harry me encarou pela primeira vez desde que tinha tocado no assunto. - Loucura, não é mesmo?

Eu senti um aperto no peito só de pensar na possibilidade de nunca ter o conhecido.

- No entanto, sempre que penso sobre como nos conhecemos, a primeira memória que vem à minha mente é de você no show.

- Sério? - Eu perguntei impressionada.

- Sim. Eu não sei por quê. Eventualmente a memória certa me vem, mas a primeira, a inconsciente, é sempre daquele momento em que nossos olhos se cruzaram na multidão. Sua cara de espanto quando viu a minha cara de espanto.

- Bem, eu esperava que você não fosse notar, nunca me passou pela cabeça que você me reconheceria meses depois.

- Eu tenho uma memória boa. - Piscou brincalhão.

- Então como você ignora o fato de que quando realmente nos conhecemos foi porque você praticamente me salvou?

Ele sorriu com a forma em que coloquei a situação.

- O que é estranho, porque o meu primeiro pensamento sobre a memória de te conhecer é, na verdade, quando eu te reconheço. - Voltou a encarar a parede.

- Poético. - Brinquei e ele sorriu.

- Acho que um pouco era aquele primeiro choque de “quais as chances de ser a mesma pessoa? De termos nos encontrado duas vezes por acaso?”

- A segunda não foi por acaso. - Eu encolhi os ombros. - Embora seja verdade que já tivesse o ingresso há meses, eu deveria ter mencionado quando te conheci e, por isso, me desculpe.

Ao chegarmos no meu andar, Harry também me deu passagem para ir primeiro.

- Eu acho que só fiquei um pouco abalado, primeiro porque imaginei que nunca fosse te ver de novo e talvez por isso eu tenha agido tão defensivo e achado que você tivesse me seguido de propósito.

- Não foi de propósito.

- Eu sei, . Eu nunca pensaria isso à essa altura. Confesso que, talvez, naquela época, eu tenha pensado. Eu só... me lembro do resto do show depois de te ver, como eu fiquei uma pilha de nervos, eu não conseguia parar de te encarar.

- Eu percebi. - Soltei uma risada, tentando amenizar o clima. - E você só associou isso tudo agora porque eu mencionei que faz um ano?

- Não. Eu sempre penso sobre aquele show, a forma que te acusei deliberadamente é um dos meus maiores arrependimentos. Eu penso sobre o que teria acontecido se você tivesse dado as costas e ido embora com raiva de mim, ou o que teria acontecido se eu não tivesse te visto.

- Não se preocupe, eu teria te encontrado de qualquer jeito. - Eu sorri quando Harry me encarou, prendendo seus olhos nos meus.

- É. No boliche. - Brincou e eu gargalhei.

- Provavelmente.

Paramos em frente à minha porta e só então me lembrei de que tinha que pegar a chave no fundo da bolsa.

A porta ao lado se entreabriu, os olhos de Emma apareceram primeiro do que o resto do corpo.

- Oi, . Oi, Harry. - Então escancarou a porta e saiu no corredor.

- Oi, Emma. - Harry disse primeiro.

- Oi. - Eu sorri. Parecia que ela estava indo dormir.

- Eu ouvi suas vozes lá do começo do corredor.

- Me desculpe. Nós te acordamos? - Perguntei.

- Não. Eu só quis dizer oi, faz muito tempo que o Harry não vem aqui.

- Isso é verdade. - Harry sorriu e eu virei a cabeça de uma vez para ele, franzindo a testa.

- Só algumas semanas. - Eu disse.

- Não desde que você viajou. - Ela me corrigiu. - Só aquele cara velho que está sempre de terno.

Eu olhei para Harry e Harry me olhou. Ele foi o primeiro a soltar um sorriso. A percepção de crianças sobre idade era uma coisa muito engraçada. Henry não era nem de longe “velho”.

- E aquele moço que parece um ator. - Completou.

Dessa vez, apenas Harry me olhou e eu mantive meus olhos na bolsa, mexendo a mão lá dentro sem rumo.

Como essa garota sabia tanto da minha vida?

- Ele é seu namorado? - Ela direcionou a pergunta para mim. - É por isso que Harry não veio mais aqui?

Eu queria entrar no meu apartamento, trancar a porta e nunca mais sair.

- Ele é só meu amigo.

- Você tem muitos amigos. - Comentou, desconfiada.

- Eu acho que talvez você só não tenha me visto. - Harry se inclinou para ficar mais próximo da altura dela. - Um abraço? - Pediu, abrindo os braços.

Ela sorriu e se jogou nele. Harry a apertou, tirando-a do chão. Ela grunhiu e o estapeou com a mão que parecia tão pequena comparada ao braço dele. Ele a soltou, rindo.

- E você não? - Eu rebati.

- Meninos? Eca! Não!

- E por que Harry não poderia vir mais aqui por isso? - Eu cometi o erro de tentar usar a lógica com uma criança.

- Porque Harry deveria ser seu namorado.

Eu abri e fechei a boca, sem saber bem o que responder.

- Vocês dois andaram conversando? - Apontei para um e para o outro simultaneamente.

- Não, por quê? - Ela respondeu, confusa.

Ah, a ingenuidade infantil que não é capaz de processar sarcasmo.

- A quer que sejamos só amigos, Emma. - Harry disse, deixando a menina ainda mais confusa.

- Por quê? Você queria ser namorado da , Harry?

Quando Harry abriu a boca para responder, eu o cortei.

- Boa noite, Emma. Nós temos que ir agora.

Eu puxei Harry pelo braço, voltando para a frente da minha porta, ele se deixou ser arrastado enquanto acenava para Emma. Ela acenou de volta e entrou para sua casa.

- Aí! Você está furando meu braço. - Reclamou e eu o soltei.

- Desculpe, a minha mão segurando a chave é a única disponível nesse momento. - Eu revirei os olhos e girei a maçaneta.

Entrei primeiro e segurei a porta para Harry passar. Ele foi na frente pelo corredor, enquanto eu a trancava.

- MERDA! - Escutei um barulho de metal que foi seguido pelo seu grito.

- O que foi? - Eu gritei de volta, caminhando até ele.

Seu tom foi de frustração, então eu não estava preocupada que ele tinha se machucado. Parei no final do corredor. As malas estavam no chão, ao lado de um vaso de plantas.

- Eu esbarrei nessa merda aqui. - Apontou para o suporte do vaso de plantas, que estava levemente fora do lugar. - Quase derrubei tudo.

- Me desculpe?! - Pedi com um tom risonho.

- Não é culpa sua! - Ele me encarou como se eu o tivesse insultado. - Eu que fui desastrado.

- Mas eu mudei a planta de lugar.

Harry fez menção de responder, mas se conteve, pensando melhor.

- É verdade! - Exclamou ao perceber. - Esse vaso não ficava aqui. - Eu neguei com a cabeça. - E era outra planta que ficava nesse suporte. - Apontou, reconhecendo as mudanças.

- Eu ganhei de presente, a outra acabou morrendo.

- Henry?

- Não.

- Elinor?

- N-não. Mais ou menos. - Voltei atrás.

- Quem?

Respirei fundo.

- Adam me deu o vaso com a planta.

Ele me olhou por meio segundo antes de se agachar e pegar as malas.

- H... - Eu tentei falar alguma coisa, mas ele me cortou.

- O que eu tô fazendo aqui, ? - Ele me olhou profundamente, parado na minha frente com as emoções mais frias do que uma pedra.

As malas pendiam nos seus braços, a impressão era de que elas estavam o afundando aos poucos. Seus ombros mais e mais curvados.

- Uh-uh-uh... e-e-eu...

- Quando ele te deu isso?

- Quando voltei de Nova York.

Harry soltou as malas, o barulho fez um eco pelo apartamento.

- Mas que porra, ! - Harry esfregou a testa e deu as costas, caminhando até o sofá, onde se jogou com tudo.

- Me desculpe! Eu não pude recusar.

- Você ainda está saindo com ele?

Eu fiquei calada por um momento.

- Porra, !

Aquela reação parecia relativamente melhor do que a última, quando ele demandou respostas agressivamente.

- Eu o vi mais uma vez pouco antes... Foi antes de irmos para Nova York, eu juro! - Me apressei em dizer. - Ele viu que a planta antiga estava morrendo e comprou uma nova quando estávamos viajando e deixou com Elinor; foi ela quem me entregou. Eu não o vi!

Harry se inclinou para frente, colocando a cabeça entre os joelhos e as mãos na cabeça.

- Você... - Ele começou a dizer, a voz abafada.

- Por favor, não me pergunta se eu dormi com ele.

Ele levantou o tronco e me encarou.

- Por quê? Eu não vou gostar da resposta? - Ironizou.

- Não, é que eu não suporto quando você fala daquele jeito comigo. - Funguei.

- Eu não... - Negou com a cabeça. - Me desculpe, eu não estou.

- Eu sei. É só que eu fico esperando quando você vai.

- Mas você... - Ele começou baixinho. - Dormiu? - Terminou num sussurro, quase como se a pergunta em si já foi o suficiente para o quebrar.

- Que diferença a resposta vai fazer?

- Se você não diz “não", é porque a resposta é “sim”. - Ele ainda falava baixo.

- Não é. - Neguei com a cabeça.

- Então por que você não pode me dizer? - Desviou o olhar, encarando as mãos no colo.

Eu não queria dizer, porque eu não queria que Harry achasse que ele tinha o direito de saber, eu não queria que ele pensasse que era ok me perguntar esse tipo de coisa e que eu deveria responder o que ele queria saber.

- Harry...

- Eu odeio isso, ! - Cobriu o rosto com as mãos. - Eu odeio essa imagem que o meu cérebro forma de você com alguém que não sou eu. Odeio imaginar outra pessoa te tocando quando deveria ser eu! Eu odeio, odeio!

Era melhor acabar com isso de uma vez por todas, porque não era minha intenção torturá-lo com essa dúvida.

- Não, Harry.

Ele me encarou.

- A resposta é não.

Ele pressionou os lábios, as narinas infladas quando ele acenou uma única vez.

- Também odeio saber que ele está à espreita e que a qualquer momento você pode correr para os braços dele. - Confessou, a voz voltando a ser sussurrada.

- O qu... Isso não faz o menor sentido! - Rebati.

- Vai fazer quando eu te contar.

- Me contar o quê?

- O que eu venho escondendo...

Com calma, eu respirei fundo, de repente amedrontada com a possibilidade daquele conhecimento.

- Harry o que você não está me contando?

- Você se lembra... - Coçou a garganta, enrolando. - Você se lembra daquele cara que compramos comida aquela vez em Londres?

Eu acenei com a cabeça, me sentindo completamente perdida.

- Ele está... me perseguindo.

- Te perseguindo? Como assim te perseguindo? - Eu rebati rápido, sentindo urgência nas minhas palavras.

- Ele tem me ameaçado e me pedido dinheiro.

Sem saber como reagir, eu fiquei ali parada, sem dizer nada por meio segundo.

- O-o quê?

- Eu estou assustado, .

Praticamente deslizando, eu fui até o sofá e me agachei na sua frente.

- Você precisa denunciar esse cara! - Eu puxei suas mãos para mim. - Quando isso começou?

- Quando você foi embora de Londres. Um dia, ele me abordou na rua e perguntou se eu tinha algo para ele. Eu não tinha, então fiz um sanduíche e levei; ele estava no mesmo lugar, no banco do ponto de ônibus. Às vezes eu saía de casa para caminhar e não tinha ninguém, mas quando eu voltava, ele estava lá. No começo, eu não pensei em nada demais. Só que ele começou a me enviar bilhetes, colocando-os debaixo do meu portão. O primeiro foi só me agradecendo e pedindo por mais comida quando eu o visse; eu não achei nada demais. Mas, depois, ele começou a me pedir dinheiro.

- M-mas o que ele... - Eu gaguejei, sem saber como formular o que eu queria saber ou o que eu queria perguntar primeiro.

- Eu só ignorei, eu não achei que precisasse denunciar e não queria fazer uma cena chamando a polícia. Eram só alguns bilhetes, pelo amor de Deus!

- Harry! Mas isso é perigoso para alguém como você!

- Eu sei. Eu sei. - Esfregou a testa, o rosto ficando vermelho. - Eu só não queria fazer tempestade em copo d’água.

- Ele fez mais alguma coisa com você? Ele não entrou na sua casa, nem nada disso, não é?

- Não. Mas tem mais uma coisa.

Eu me sentei de vez no chão, mas Harry não soltou minhas mãos.

- Naquela noite em que te liguei mais cedo... Tinha um envelope quando eu cheguei...

Harry parou abruptamente, apertou minhas mãos e respirou fundo.

- Está tudo bem, H. Você pode me contar. - Assegurei. - Estou aqui, ok?

- Esse é o problema.

Harry apertou seus lábios e olhou o mais para cima que conseguiu. Seus olhos estavam brilhando, mas não era o brilho de sempre, era um brilho de lágrimas.

- Eu não acho que você vai ficar depois que souber.

Eu segurei sua mão mais firme.

- Você fez alguma coisa que sabe que me deixaria chateada?

- Quê? Não!

- Então me diz de uma vez, por favor!

- No envelope que ele colocou por debaixo do meu portão havia duas fotos. Suas.

Eu pisquei, tentando assimilar o que ele dizia. Essa resposta sequer tinha passado pela minha cabeça.

- Minhas? Como ele tirou fotos minhas? Eu nem desci do carro naquele dia!

- Fotos suas fumando na minha janela.

Minha ficha finalmente caiu e eu entendi o que ele estava dizendo.

- Ele me pediu 60 mil libras para não as vazar.

Aquilo não estava acontecendo. Não estava.

Coisas assim só aconteciam em filmes. Tá que tinha o John Lennon, assassinado por um stalker, coitado. Mas mesmo assim! Isso era loucura!

E agora esse cara perturbado que tinha fotos minhas e o pior não era apenas que eu estava na casa de Harry Styles, mas que eu estava pelada lá dentro.

Isso poderia destruir a minha vida.

- V-você tem certeza?

- É claro que eu tenho certeza, .

- Eu quero dizer, você tem certeza de que sou eu nas fotos?

Harry fechou a cara.

- Eu não estive com mais ninguém.

Cobri a boca com as duas mãos.

- Meu Deus do céu!

- , olha pra mim. Olha pra mim! - Harry me puxou pelo queixo. - Eu não vou deixar isso acontecer, ok? Tá me ouvindo? Meu advogado já entrou com uma ação contra ele e a polícia está esperando o mandado de prisão.

Um mandado de prisão? A informação me fez arregalar os olhos. Parecia muito extremo, mas é claro que uma ameaça daquelas só seria resolvida dessa forma. Eu que fui ingênua.

- Fala alguma coisa, , por favor!

E se ele descobrisse que a polícia ia atrás dele e vazasse as fotos antes?

- É por isso que eu não sabia como te contar, eu não queria te contar. Você nunca mais vai querer me ver! - Harry exasperou, seu tom de voz apreensivo, desiludido.

- Ele não sabe de nada?

- Não.

- E se ele descobrir que você o denunciou?

- Não vai. Eu contratei uma companhia de segurança especializada nisso. Eu não estive em casa depois, ele não sabe que eu recebi o envelope, para ele, eu sequer estava em Londres.

- Mas e se... - Meu coração estava disparado.

- Eu prometo, . Eu prometo que não vou deixar que isso afete você. - Eu sentia meu nariz começar a arder enquanto eu segurava o choro. - Ele pode ser levado a qualquer momento, é por isso que eu saí de Londres agora.

- Isso é horrível. Como podem ter pessoas assim no mundo?

- Eu sinto muito, muito mesmo. Eu me sinto péssimo e eu entendo se você nunca mais quiser falar comigo. Eu coloquei a sua vida em risco, se você não estivesse em Londres comigo...

Harry estava completamente derrotado, nem parecia a mesma pessoa que eu tinha acabado de buscar no aeroporto.

- Eu ia de qualquer jeito para o casamento. No mínimo, a culpa é minha por ficar fumando pelada na frente da janela. O que eu estava pensando?

- Por favor, não diga isso.

- Se eu não tenho culpa, por que você acha que tem?

- Eu... não sei.

Alguma coisa me dizia que ele tinha a resposta exata e só não queria admitir.

- H, isso não é sua culpa! - Reafirmei.

- Eu não acredito que eu te arrastei para essa confusão. - Ele falava como se não me ouvisse.

Ele provavelmente pensava de forma retorcida naquele momento, associando sua culpa à fama. É claro que aquilo só acontecia porque ele era famoso, mas ele nunca assinou permissão para ser perseguido por isso. Assim como eu estava ciente de muitas coisas, mas muitas vezes me pegava surpreendida por outras que ninguém poderia prever.

Deve ser doloroso pensar que a coisa que você mais ama fazer no mundo poderia te fazer tanto mal. E mais doloroso ainda seria dar voz aos seus pensamentos e admitir isso em voz alta para a pessoa mais atingida por esse mal.

Eu me ajoelhei no chão novamente e abri os braços, ficando na altura de Harry inclinado no sofá. Ele se deixou ser abraçado sem hesitar.

- Eu te amo, Harry. - Afaguei suas costas, enquanto sentia seu corpo deslizar para o chão ao passo em que ele se ajoelhava também, aproximando mais nossos corpos. - A Califórnia é o meu lar e eu não vou fugir.

Eu senti quando ele respirou fundo algumas vezes.

- Eu não estou indo a lugar algum.

- O-obrigado. - Murmurou, a voz cortada pela angústia.

Aquilo me disse mais do que eu esperava ouvir. E doeu muito mais também.

*


Eu estava presa num daqueles loopings em que você aparece sem roupas na escola, exceto que eu via a mim mesma pelada através da tela do computador; minha imagem estava em todos os lugares, meu nome e a minha vida.

Era um sonho, eu tinha consciência disso. Ainda assim era aterrorizante. A perspectiva era de que poderia se tornar realidade sem avisos.

Abri os olhos de uma vez, meu coração disparado no peito.

Sem me mexer, pisquei algumas vezes, ajustando a visão a realidade e então olhei para o lado, procurando por Harry no espaço vazio da cama. Eu precisei de um minuto para me lembrar de que ele tinha dormido no sofá.

Por algum senso de respeito, estávamos evitando pernoites juntos. A princípio, depois que transamos em Londres, foi apenas uma consequência de Harry cumprindo o que tinha prometido, acho que, para ele, assim era mais fácil. Só que, depois do nosso beijo em Nova York, eu sentia que alguma coisa tinha mudado e esse não era mais o motivo.

Harry ia na minha casa e eu ia na dele; na hora de dormir íamos embora. Ontem, devido as circunstâncias, eu quis que ele ficasse. Estávamos vulneráveis e assustados, não sei o que aconteceria se dormíssemos na mesma cama e eu não queria acordar hoje e o culpar.

Confesso que tem sido cada vez mais difícil me manter longe dele assim. Um palmo de distância se transformava em dois oceanos separados por uma ilha.

Com muita preguiça eu me sentei na cama, me alongando e bocejando. Chequei as horas no celular e ainda era cedo. O ar-condicionado estava em uma temperatura baixa demais e eu senti frio ao me levantar, então vesti um roupão antes de sair do quarto.

Caminhei com calma pelo corredor, aumentei a temperatura do ar e atravessei a sala na ponta dos pés, vendo que Harry ainda dormia profundamente.

Meu sofá era daqueles em que você conseguia puxar os assentos e eles dobravam de tamanho, uma pessoa dormia confortavelmente nele. No entanto, Harry ocupava pouco mais da metade do espaço; encolhido em posição semifetal, coberto até o pescoço e com as mãos embaixo do travesseiro, o cabelo cobria a testa e parte dos olhos. Sua expressão era suave e ele, em concordância com todos os clichês existentes, parecia um anjo dormindo.

Entrei na cozinha, coloquei água para ferver e comecei a pensar no que poderia fazer de café da manhã. Tentei fazer o menor barulho possível ao tirar uma frigideira do armário e quebrar ovos para uma omelete.

Quando terminei de passar o café, eu me virei e encontrei Harry com o cotovelo encostado na meia parede, ele esfregava os olhos e parecia ter tentado arrumar os cabelos, que estavam ainda mais amassados.

- Dormiu bem, eu suponho?

- Como eu não dormia há dias! - Se espreguiçou, perdendo um pouco do equilíbrio e batendo na quina da parede. - Que cheiro delicioso! - Comentou ao recobrar o equilíbrio.

Pelo menos um de nós. Pelo menos um de nós estava descansado depois de tirar um peso das costas.

Um stalker! Harry Styles tinha um stalker! E, de tabela, eu também.

- Que cheiro maravilhoso de café! - Harry exclamou animado, demonstrando aquela energia que só ele tinha pela manhã. - Parece diferente do que você faz normalmente, quase cheira a... avelã?

- Eu comprei esse pacote em que os grãos foram torrados com avelã. - Eu abri o armário e mostrei.

- O que aconteceu com você? - Ele fez uma careta de choque. - Seus conterrâneos sabem que você os traiu assim?

- Quer experimentar? - Revirei os olhos e Harry acenou com a cabeça. - Com fome? - Coloquei um pouco numa caneca e a entreguei nas mãos dele. - Sendo sincera, o cheiro é melhor do que o gosto.

- Um pouco.

- Eu comprei uma caixa de croissants no Costco há umas semanas e o A– me disseram para congelar e ir tirando conforme eu fosse comer, tá afim de um?

Quase falei o nome que com certeza começaria uma discussão.

- Claro. Por que não? - Harry encolheu os ombros.

- Vou rechear o meu com essa omelete, quer também?

- Nah. - Harry fez uma careta. - Prefiro sem recheio.

- Ok. - Concordei com a cabeça e coloquei para esquentar na airfryer. - Cinco minutos.

Harry entrou e se escorou na bancada da pia, me observando terminar o meu café.

- Olha só para você! Café cheio de frescuras e croissant recheado. Os americanos ficariam orgulhos, tão americana!

- Ugh, e você quer me ofender a essa hora da manhã?

- Tão... garota da costa-oeste. Faltou só comer abacate.

- Só porque você está citando Carolina não significa que o sentido melhora.

Ele riu, encolhendo os ombros.

- Citando Costco e qual é o próximo? Trader Joe’s?

- Na verdade, eu tenho um pacote de hashbrowns de lá, quer?

Harry sorriu de lado, como se satisfeito que seu ponto tivesse sido provado.

- Quero.

- E como você está se sentindo hoje?

Deu de ombros, um pouco indiferente.

- Melhor, agora que estou aqui com você.

- Que bom.

- Você se importa se eu tomar uma ducha?

- À vontade.

E ele foi.

- Não demora porque seu croissant tá quase pronto! - Eu gritei quando ele sumiu de vista, mas puxei a gavetinha para parar a airfryer mesmo assim, eu sabia que ele ia demorar e quando voltasse eu colocaria para continuar.

No entanto, eu ouvi um barulho muito alto de algo se quebrando.

Eu corri até lá e encontrei um caos no corredor. Havia terra, pedaços de cerâmica e planta por toda parte. E Harry ajoelhado no chão por cima da sujeira, como se fizesse meia-flexão.

- Você está bem? - Eu praticamente gritei, embasbacada.

- É. Eu ‘tô. - Ele resmungou, se levantando e batendo uma palma na outra.

Eu comecei a rir muito. Ri tanto que quase tive que me sentar no chão.

- O que aconteceu? - Manejei perguntar em meio à crise.

- Eu tropecei nessa merda. - Revirou os olhos, batendo as mãos nas pernas numa tentativa de se limpar.

O suporte do vaso tinha voado longe e estava caído sozinho à frente da bagunça. Estava mais para “eu chutei essa merda”.

- Você fez isso de propósito? - Perguntei, já recuperada dos risos.

Ele me encarou com os olhos cerrados, a mão esfregando o joelho que provavelmente tinha batido no chão com a queda.

- Eu pareço ter feito de propósito?

- Não. Mas eu tinha que perguntar. - Dei de ombros. - Ótima canalização para sua raiva.

- Eu não estou com raiva. - Se defendeu.

- Não agora. - Respondi com um sorrisinho.

- Meu pé entrou por baixo do suporte, eu saí tropeçando e arrastando tudo. Satisfeita? - Rebateu, emburrado.

- Perfeitamente.

Abri o armário que tinha no corredor e peguei a vassoura e a pá. Harry ainda esfregava o joelho.

- Você tem certeza de que está bem? - Perguntei de novo.

Me aproximei de Harry e me agachei na sua frente, levantando sua perna e tocando seu joelho. Ele pulou como saci, tentando se reequilibrar.

- ! Eu estou bem! - Reforçou e eu olhei para cima, procurando afirmação nas suas expressões. - Não vou ficar em alguns minutos se você continuar ajoelhada assim na minha frente.

Eu soltei uma risadinha e me levantei, ficando cara a cara com ele.

Eu passei a mão pela sua testa e segui para o topo da cabeça, tentando colocar um pouco dos seus cabelos para cima, parando na lateral da sua nuca.

- Desculpe pelo seu vaso. - Disse, baixinho.

Eu fechei os olhos por um segundo e neguei com a cabeça, como se dissesse “não tem problema. Deixa isso pra lá”.

- Fico tranquila que você não se machucou.

Levei a outra mão para sua testa, fazendo o mesmo movimento e parando-a na outra lateral. Me debrucei, ficando na ponta dos pés e soltando o corpo sobre o dele, com os antebraços apoiados nos seus ombros. Harry me aparou com as mãos na minha cintura.

Ele abriu a boca para dizer algo, mas mudou de ideia. Seus olhos estavam presos nos meus, seu olhar era tão profundo que ele mal parecia respirar. Ele me soltou de uma vez e eu tombei mais na sua direção, assim, ele me envolveu com os braços.

Nos beijamos.

Minha mente ficou quieta, completamente em branco.

Foi um beijo inocente e durou o tempo perfeitamente certo.

Eu abri os olhos e Harry já sorria para mim. Nos abraçamos e ele afundou o rosto no meu cabelo, inalando profundamente antes de me soltar.

- Eu amo o seu cabelo.

- Também amo o seu. - Sorri de novo.

- E o seu sorriso.

- E eu amo tudo em você.

Harry quem sorriu dessa vez e segurou meu queixo para me dar um selinho. Eu voltei a me pendurar no seu pescoço.

- Vai lá tomar seu banho e eu vou limpar aqui. - Sugeri.

- Eu te ajudo. - Acenei uma única vez e o soltei.

Harry começou a varrer e eu fui à cozinha pegar uma lixeira. Catei todos os pedaços grandes do vaso e as folhas e ele enchia a pá com a terra.

Quando terminamos, ele guardou tudo e trocou o lixo.

- ... - Ele chamou.

- Hum? - Eu virei o pescoço para ele, que já estava na outra ponta do corredor.

- Quer ir para o banho comigo?

Eu pressionei os lábios, gesto que não me impediu de sorrir.

- Quero.

A resposta o deixou perplexo.

- Sério?

- Sim, eu quero. Mas não vou. A semântica é diferente.

- ... - Revirou os olhos.

- Você achou que ia me pedir isso e eu ia aceitar?

Ele encolheu os ombros.

- Não custa perguntar.

- Então me pergunta de novo. - Eu me virei totalmente para ele e cruzei os braços.

- , quer ir... - Se cortou no meio e deu alguns passos na minha direção. - Vamos para o chuveiro comigo?

- Não. - Eu respondi, segurando a risada.

Antes que eu pudesse prever, ele acabou com a, agora curta, distância entre nós e me jogou por cima dos seus ombros como se eu não pesasse nada – e claro que assim era muito mais fácil de carregar alguém do que nos braços.

- O que você tá fazendooooo?! Me soltaaaaa! - Eu gargalhei, balançando as pernas, mas quando me senti deslizando fiquei com medo de cair e parei de lutar.

- Estou te levando comigo. Se perguntar não está funcionando, então agora estou te informando.

Harry cumpriu sua palavra, me carregando até o banheiro e só me soltando depois que tinha bloqueado a porta com o próprio corpo.

Mantendo o contato visual, ele se aproximou e me segurou pela nuca com uma mão. Então, houve um segundo de hesitação em que ele conferiu se eu ainda estava dentro do jogo e outro segundo para que nossas bocas se chocassem naquele campo magnético.

Eu o abracei pelo pescoço, mas fiquei consciente de evitar pressionar meu corpo contra o dele. De alguma forma, eu estava com medo de fazer isso. Eu não queria perder o controle e agir impulsivamente.

Seus lábios deslizavam macios contra os meus e sua língua estava quente com o gosto do café. Passei uma mão pelo seu tronco até chegar na lombar e coloquei o braço por baixo da sua camisa. Subi a mão o máximo que consegui e depois desci devagar, passando as unhas em zig zag nas suas costas.

Arfei com o susto causado por Harry nos girando e me prensando com tudo contra a parede.

Ele me beijou de novo e suas mãos subiram para os botões do meu pijama. Ele tentou desabotoar aleatoriamente, mas as casas eram mais apertadas e cobertas por um pedaço de tecido. Foi quando eu coloquei as mãos por dentro da sua camisa de novo e intercalei o deslizar das minhas unhas com um aperto em sua pele que ele enfiou os dedos nos espaços entre um botão e outro e puxou o tecido de cetim para lados opostos, estourando mais de um botão e rasgando as casas.

- Pare. - Disse assertivo. - Ou eu não respondo por mim.

Olhei primeiro para o meu pijama destroçado com só o último botão permanecendo intacto e depois para o teto quando ele começou a distribuir beijos urgentes pelo meu pescoço.

- O que eu fiz? - Respirando fundo, eu perguntei inocente, sabendo que aquele era o ponto fraco do momento e que eu faria aquilo até que ele se cansasse.

Quando Harry sentiu meus dedos mais uma vez em sua pele, ele me puxou pelos pulsos e levantou meus braços acima da minha cabeça, pressionando-os também na parede.

- Nã-hã. - Negou com a cabeça para ênfase. - Eu fiz a porra de uma promessa que você não está me ajudando a cumprir.

Ele dizia isso, mas ao mesmo tempo seu quadril prensava o meu com força contra a parede.

- Quem te fez prometer uma coisa tão idiota? - Brinquei e fingi revirar os olhos.

- ... - Ele me repreendeu.

- Você que me trouxe para o banheiro. - Reclamei.

- Era brincadeira e eu pretendia te deixar sair logo em seguida. Agora não sei se consigo.

Eu forcei meus braços para me soltar. Sem sucesso.

- Eu não vou te soltar até ter certeza de que estarei salvo dessas suas mãos traiçoeiras.

- É só um carinho, poxa.

- E você finge que não sabe o poder que tem sobre mim, não é?

- Eu tenho?

- , qual é. - Seu tom engrossou de leve e ele me pressionou um pouco mais.

- O que você quer que eu fale? Que eu revogo o que pedi? Que eu estava errada?

- É um começo... - Brincou.

Eu olhei para os lados. Ele realmente ia me fazer implorar, estava na cara. Eu conhecia Harry bem demais para não entender seus padrões de comportamento.

Voltei a encará-lo, meu olhar passeou pela sua boca e desceu até o peitoral, que era o mais amplo que eu conseguia visualizar estando prensada daquela forma.

- Então cala a boca e me beija logo, seu idiota.

*


SETEMBRO, 2019


Era a minha colação de grau.

Todos os meus amigos estavam ali. Bem, todos exceto Harry.

Ele sabia que era minha colação, embora eu não tivesse tido a oportunidade de o convidar. O motivo pelo qual ele não viria era porque tinha um compromisso importante em relação ao leadsingle que sairia no próximo mês. Percebemos o conflito de agendas nas últimas semanas, então não vi motivos para que oficializasse um convite.

O auditório não era muito grande e estava apenas parcialmente cheio. Os assentos dos convidados eram divididos de acordo com o curso; o meu estava mais ou menos no meio do auditório, do lado esquerdo.

Do meu lugar lá na frente, eu via todo mundo: Lucy, Henry (que levou Maddie), Jane (que levou Dylan e o bebê Eddie) e Elinor, que insistiu em vir mesmo quando eu disse que ela não precisava; Henry foi gentil o bastante para a buscar em casa por mim.

Já tinha tocado o Hino Nacional e tínhamos recitado o Juramento. O reitor da universidade também já tinha feito seu discurso e dado as boas-vindas e estava na vez do coordenador do departamento de Business, que era o do meu curso.

Só isso e a cerimônia já durava quase uma hora, os discursos eram longos, mas inspiradores. Ainda assim, a parte que todos não aguentavam mais esperar era a entrega dos graus.

Eu aprendi recentemente que na graduação de mestrado, além de entregar o grau, os professores colocam nos mestrandos uma espécie de capuz que adorna o longo robe preto. Todos os meus colegas de classe e eu segurávamos o capuz dobrado no antebraço direito. Eu precisei até assistir um tutorial no YouTube para descobrir o jeito correto de o dobrar.

Outra hora se passou até que, por curso, os mestrandos começaram a ser chamados no palco. O meu curso ficou por último, e mais meia hora se foi antes que, finalmente e em ordem alfabética, eu fui a sétima da minha turma a ser chamada. Quando o reitor disse o meu nome completo, minha primeira reação foi uma careta, não tinha saído nem de longe a pronúncia correta.

O coordenador me esperava no meio do palco com o canudo em uma das mãos, e eu subi as escadas morrendo de vergonha. Tudo ficou ainda pior quando eu cheguei ao centro do holofote e um assovio ecoou por todo o ambiente.

Eu virei a cabeça assustada, meus amigos também olharam discretamente enquanto batiam palmas e faziam coros de “uhuuul” “yeah”, mas o resto do auditório não se perturbou, já que esse tipo de reação era sempre comum por parte dos convidados dos estudantes; o assovio só passou como mais um para eles.

Mas não para mim, que demorei um milésimo de segundo para identificar de onde os assovios seguintes vieram. Próximo da porta no fundo do auditório estava Harry, com os dedos na boca.

Quando nossos olhares se encontraram, ele parou de assoviar, levantou um braço como se comemorasse um gol e em seguida bateu palmas. Sua boca emitiu um “yeah. Vai, !” que eu consegui ler mesmo com o som não chegando até mim.

Aquilo me fez sorrir.

Tudo isso aconteceu em menos de cinco segundos e, sem perceber, eu estava entregando meu capuz para o coordenador. Esse capuz não era feito para colocar por cima da cabeça, então ele o passou pelo meu pescoço, prendeu a fita na frente e eu me virei de costas para que ele ajustasse o caimento nas minhas costas.

Assim, nós trocamos um aperto de mãos ao mesmo tempo em que ele me entregava o canudo e eu voltei para o meu lugar.

Sim, quase três horas esperando para que a coisa toda durasse uns vinte segundos.

Quando tudo acabou, eu fui em direção aos meus amigos já procurando por Harry com o olhar, mas não o encontrei mais.

Campbell foi o primeiro a me abraçar. Alguma coisa na forma com que ele falou comigo me lembrou de André. Era quase como se ele estivesse fazendo aquele papel, já que sabia que meu irmão nunca poderia. Eu sabia que aquele era um dos maiores sonhos de André: o meu sucesso. Independentemente de como viesse, o que eu faria ou quando, André só queria me ver sendo a melhor no que eu fazia de melhor. E, onde quer que ele estivesse agora, eu sabia que ele estava orgulhoso da minha conquista.

Eu fechei meus olhos por um momento e pensei: André, essa é para você.

Uma a uma, eu recebi as parabenizações. Elinor me deu três tapinhas nas costas que me lembraram da minha avó; como eu queria que ela estivesse aqui! Lucy estava com o meu celular e fez uma chamada de vídeo para que os meus pais pudessem assistir o momento em que me entregassem o grau de mestra. Quando toda essa loucura passasse, eles seriam as primeiras pessoas para quem eu ligaria.

Por último, Lucy me apertou tão forte que eu fiquei me perguntando de onde ela tinha adquirido tanta força.

- Você viu o Harry também ou eu fiquei completamente maluca e ‘tô tendo alucinações? - Eu sussurrei em seu ouvido e ela riu.

- Ele está logo ali atrás. - Apontou com a cabeça ao me soltar.

E lá estava ele, mesmo. Na lateral do auditório, algumas fileiras para baixo, como se calculasse a distância exata que deveria manter para não chamar atenção.

- Eu já volto. - Anunciei em voz alta e tentei fazer contato visual com todos antes de sair.

Harry tinha o ombro esquerdo descansando na parede e as pernas cruzadas numa postura despojada. Sua expressão estava neutra, mas ele sorriu de lábios fechados quando viu que eu caminhava em sua direção.

O tempo desacelerou. Como se eu andasse em câmera lenta, eu comecei a escaneá-lo pela cabeça e segui em direção aos pés, mas parei na metade do caminho, no buquê de rosas brancas que ele segurava na mão direita.

Eu o abracei assim que estávamos perto o bastante.

- Oi! - Eu sorri ao soltá-lo.

- Olá, mestra. - Harry fez uma meia reverência e levantou a mão, deixando as flores na altura das minhas. - Meus parabéns.

Eu peguei o buquê e, sem jeito, o segurei de lado como todo mundo fazia ao receber flores; comigo parecia que eu estava segurando como alguém que não sabe segurar um bebê o seguraria.

Fora aquela paranoia de estar sendo assistida de perto por todos do ambiente.

- Obrigada.

O observei por um momento e aproveitei para terminar o escâner. Harry vestia uma camisa de botões na cor creme com uma risca de giz sutil, a calça era de linho cinza e tinha uma dobra nas pontas e nos pés um daqueles loafers de couro que eu odiava, este era branco.

Acima de tudo: lindo e perfeitamente apresentável.

- Eu não acredito que você veio.

- Você está brincando? - Riu nasalado. - Eu não perderia esse momento por nada!

- Mas... o seu compromisso...

- Eu já fui. - Encolheu os ombros. - Pedi para remarcar para mais cedo para que eu pudesse vir. Acabou que nos prolongamos um pouco, mas entrei uns dois nomes antes do seu. Eu estava morrendo de medo de não chegar a tempo.

- Ótimo. Pegou só a melhor parte. O resto foi uma chatice. - Pisquei.

Harry sorriu de lado.

- Você só está dizendo isso para que eu não me sinta mal por ter perdido todo o resto.

- Você está aqui agora e é isso o que importa. - Eu o abracei de novo.

- Deus! Como eu queria te beijar agora. - Sussurrou no meu ouvido enquanto me apertava.

Eu desfiz o abraço e roubei um selinho.

- Serve?

- Nem de longe o que eu queria fazer. - Ele riu.

Olhei em volta. No automático, Harry me espelhou. Ninguém realmente estava prestando atenção em nós, cada mestrando – agora mestre – estava ocupado demais com seus próprios familiares e amigos.

- Estou tão orgulhoso de você, . - Afagou um dos meus braços. - Você me mostra uma força que eu nunca vi antes.

- Paraaaaa. - Choraminguei com a voz fina. - Senão eu vou chorar.

- Eu sei que eu já te falei isso um milhão de vezes, mas você me inspira tanto e todos os dias. - Ele colocou um pouco do meu cabelo atrás da orelha. - Te assistir fazer todas essas coisas não deixa de me surpreender. É incrível como eu consigo te amar ainda mais!

- Eu vou chorar. Eu vou chorar. - Ameacei, abanando o rosto com a mão enquanto dava pulinhos em sua frente.

Harry riu e me segurou pelos braços para que eu ficasse quieta.

- , eu não quero nunca mais te fazer chorar, mas se for, que seja apenas assim.

*


Desde que Harry me contou sobre seu stalker os dias têm sido difíceis. Eu não compartilhei o incidente com ninguém. Era estranho, porque eu não era de guardar nada por muito tempo; no geral, eu era muito boa em me abrir sobre tudo da minha vida com pelo menos uma pessoa, ou uma pessoa para cada assunto, geralmente a que não tinha nada a ver com o problema. Por fora, eu tenho vivido minha vida como se nada estivesse acontecendo, exceto que eu tinha essa premonição de que o trem descarrilaria a qualquer momento.

Harry tinha voado de volta para Londres uns dias atrás e ele não estava me contando nada do que estava acontecendo. Sempre que eu perguntava, ele dizia que não sabia de nada ainda, o que estava me levando à loucura. De qualquer forma, eu havia alimentado uma falsa sensação de segurança quando ele estava comigo e que tinha ido embora assim que o deixei no aeroporto e voltei para casa sozinha.

E, no meio disso, lá estava eu vivendo cada dia com a angústia de que aquele seria o último. Por exemplo, eu tinha ido ao farmers market – é como uma feirinha de domingo – de Santa Monica com Elinor; estávamos aproveitando a sensação de verão que o comecinho do outono trazia.

Era um domingo gostoso, o sol quase nos enganava, mascarando o frio que estava por vir. Nós compramos frutas frescas e nos sentamos num dos bancos da praça ao lado. Havia pais com seus filhos jogando uma bola de futebol americano para baixo e para cima, carrinhos de bebê com mães conversando sobre levar suas crianças para ver as luzes de Natal quando fosse a hora, um cachorro latindo e, para fechar o combo, uma banda no fundo da feira cantando ao vivo.

Eu não tinha muito contato com esse estilo de vida familiar e a única criança na minha vida era o bebê de Jane e os filhos de Henry que eu nem sei se poderia contar. Todo o barulho daquela praça era incomum e inesperado para mim e, clichê como eu sei que pode parecer, há uma sensação muito grande de paz em meio ao caos externo. Sobrepunha tudo o que estava passando pela minha mente.

Elinor e eu nos sentamos por incontáveis minutos em silêncio, petiscando as frutas e observando Vida à nossa frente.

- Começou a ventar bastante, não é? - Elinor questionou de repente.

- Você quer ir embora?

- Daqui a pouco. - Ela balançou uma mão e eu acenei com a cabeça.

- Mal posso acreditar que o verão já está acabando. - Comentei. - Passou num piscar de olhos!

- Los Angeles é quente quase o ano todo, minha querida. Ainda que não seja mais verão, teremos um clima agradável nos próximos meses.

- Ah, não me entenda mal, El! Eu estou aliviada que esteja no fim. Não aguento mais esse clima tão quente.

Como resposta, Elinor soltou uma gargalhada.

- Mas é o seu segundo verão aqui, não é?

- É sim. No ano passado foi um pouco diferente, sabe? Eu não conhecia ninguém, então não saía realmente de casa. - Falei num tom de brincadeira, embora fosse verdade. - Eu saía para o trabalho e nem desligava o ar da minha casa, porque aí voltava para encontrar tudo fresquinho assim como estava no escritório e no carro.

- Então no Brasil não é mais quente do que aqui? - Questionou curiosa. - Eu sempre pensei que o Brasil fosse muito quente.

- Depende do estado. O Brasil é bem grande, sabe? Acho também que pelo fato de o clima não ser seco como aqui, é diferente.

Elinor concordou com a cabeça e não fez mais nenhum comentário.

Eu gostava de como Elinor não deixava nada que acontecia por fora interferir na nossa amizade; eu chegava sempre com as histórias mais absurdas e opiniões controversas e nada do que já falei nunca foi medida de julgamento para ela. Em dois momentos diferentes eu quase me envolvi com o filho dela, nós quase fomos algo e, nas duas vezes, eu dei para trás sem medir as consequências de como minhas atitudes afetariam Adam. Ela nunca se meteu nessas questões, nunca me questionou por causa disso e, o mais importante, nunca ficou contra mim. Era algo meio: O que quer que tenha acontecido comigo ou que eu tenha feito eram coisas que eu tinha que resolver comigo mesma e com as pessoas envolvidas e que, para ela, ter sido o filho dela ou não, não mudava nada entre nós e a relação que tínhamos não era e nunca seria condicionada pelos meus erros.

Quando eu aceitei esse emprego aqui em Los Angeles, eu nunca me preocupei em não fazer amigos, por mais que eu tivesse um jeito mais reservado, mais “na minha”. Eu sabia que eu arrumaria alguém da minha idade ou parecido. Porém, mais perto do que nunca do meio dos vinte anos, eu achei que já estava velha demais para ser acolhida nas asas de alguém, eu não esperava criar uma conexão dessas que tornaria alguém não só uma amiga, mas uma mãe, uma avó e um apoio. Elinor era a versão de tudo que me era familiar num lugar que nem sempre foi tão familiar assim.

Só que, assim, eu também não esperava que conheceria Harry Styles e, mesmo depois de o conhecer, não imaginava que ele pudesse se apaixonar por mim.

Mas isso não é sobre ele. Pelo menos não agora. O ponto é como as coisas acontecem mesmo quando achamos que não temos mais chance.

- Pronta para ir embora? - Eu perguntei e ela acenou com a cabeça.

Andamos de braços dados até o meu carro. Eu reduzindo a velocidade dos meus passos para a acompanhar.

O trânsito não estava lá tão ruim. Naquele horário, era comum que as pessoas estivessem indo em direção à praia, não voltando.

Elinor e eu ríamos de todas as idiotices que falávamos, como se ela realmente tivesse a minha idade. Até mesmo tocávamos as músicas que ela gostava, as quais, é engraçado, não fugiam muito do que eu ouvia normalmente.

Quando eu estava na metade do caminho, notei que havia um carro preto com vidros escuros que seguia atrás de mim há um tempo. A via-expressa de Santa Monica variava entre três e quatro pistas e eu sempre gostava de me manter no meio, não queria ir muito rápido para aproveitar o tempo no carro com Elinor e não gostava de dirigir na extrema direita para não acabar me distraindo e pegando alguma saída sem querer – o que todo mundo sabe que é algo que eu faria facilmente. Hoje em dia, conhecendo melhor LA, desconfio que foi o que aconteceu e acabou me levando até Harry na minha primeira vez dirigindo aqui.

O carro estava mais perto do que eu gostaria e, depois do acidente, eu não queria de jeito nenhum que batessem na minha traseira de novo. Então, não tive opção a não ser mudar para a faixa da direita e dar espaço para que o carro me ultrapassasse, embora ele pudesse ter feito isso pela pista da esquerda.

As coisas começaram a ficar esquisitas quando o carro preto apenas me seguiu, trocando para a faixa da direita também. Paranoica como eu já estava – e já era, mesmo antes de ter um stalker indiretamente me ameaçando –, nem por um minuto considerei que pudesse ser só uma coincidência. Poderia ser, é claro, mas eu já estava ficando nervosa de qualquer jeito.

- El, tá vendo esse carro preto atrás da gente?

Ela se inclinou para frente para olhar pelo retrovisor lateral.

- Não... Sim! Vi agora.

- Ele está atrás da gente desde que saímos de Santa Monica.

- É sério? Tem certeza de que não era outro carro preto?

- Não. - Ri nervosamente. - Não tenho certeza.

Eu não estava prestando tanta atenção assim antes para afirmar que era o mesmo carro o tempo todo. O que Elinor questionou fazia muito mais sentido e poderiam ser carros diferentes.

Esfreguei a testa com uma das mãos, sentindo a pele grudenta ao passo que eu começava a suar mais do que já tinha suado naquele dia inteiro de calor.

- Acho que estou louca. - Brinquei. Outra risada nervosa saindo no meio das minhas palavras.

Foquei no retrovisor central, tentando enxergar e memorizar os últimos números da placa, apenas para ter certeza se seria o mesmo. Eu poderia parar o carro no acostamento e o outro não teria opção senão seguir em frente, no entanto, continuei o trajeto como faria normalmente e esperei que o carro fosse parar ou entrar em alguma outra rua quando chegássemos em Hollywood. Talvez fosse só um turista que não conhecia a estrada e nunca tivesse dirigido em LA.

Nada disso aconteceu, para o meu terror.

- Ok. Isso está estranho. - El comentou quando compartilhei meus pensamentos e vimos que o carro ainda nos seguia mesmo após termos pegado a saída para o nosso bairro.

Ela não tinha parado de olhar para trás desde que eu falei sobre o carro e agora éramos duas paranoicas.

- Eu vou despistar ele. - Anunciei em voz alta como se eu precisasse explicar o que faria.

Com isso, acelerei um pouco, mantendo o limite razoável para a estrada residencial, mas comecei a pegar atalhos, entrando e saindo de ruas numa rota imprevisível, passei mais de uma vez no mesmo lugar, dando voltas até sair na entrada da rodovia, onde eu, finalmente, afundei o pé no acelerador.

Eu não tinha o melhor histórico de respeitar o limite de velocidade, Harry era prova disso, então eu não tinha nenhum problema em correr até sumir da vista de quem quer que fosse que eu achasse que estivesse nos seguindo.

E não parei mesmo quando não o vimos mais e continuei tensa o tempo inteiro enquanto fazia o caminho de volta para casa, assustada e com medo de que o carro fosse se materializar na nossa frente, como em um filme de terror.

Ao aproximar do condomínio, já com o portão se abrindo, lá estava a porra do carro preto, muito próximo de bloquear a entrada.

- Eu vou chamar a polícia. - Elinor disse, tateando suas coisas em busca do celular.

Eu parei e abri a porta do carro sem dar muita atenção a ela.

- Faça isso.

- Aonde você vai?

- Eu sou brasileira, El. Eu sei perder alguém de vista. Mas ele estava nos esperando, claramente sabe onde moramos. Por isso ele desistiu tão fácil, sabia para onde ir. Não é alguém aleatório. E eu sou brasileira, El. - Repeti como se de alguma forma a minha nacionalidade fosse explicação o suficiente.

Eu queria dizer o quê? Que eu sou esperta? Que ninguém me passa a perna? Que eu tô ligada em todos os golpes? Sim, isso tudo.

Bati a porta com tudo sem ouvir a resposta. Caminhei pisando firme os poucos metros, a medida de um portão, até o carro preto.

O motorista saiu quase ao mesmo tempo. Para a minha confusão, era um homem desconhecido. Eu tinha criado essa fantasia de que o rosto que eu reconheceria seria o do stalker de Londres, a logística de como ele tinha chegado em Los Angeles não passou pela minha cabeça.

- Olá.

- Quem é você e por que você está me seguindo? - Cruzei os braços na sua frente e ergui as costas, tentando parecer mais alta.

Tentativa falha, o homem, na faixa dos 35 anos, era uns bons centímetros mais alto que eu.

Sim, eu poderia até ter minhas fotos vazadas e minha vida arruinada, mas eu não deixaria ninguém me intimidar assim. Se tudo vai cair por terra, eu vou por cima da terra.

- Meu nome é Oliver, senhora. - Ele abaixou a cabeça, não foi uma reverência, mas mais como um sinal de respeito. - E eu sou o seu segurança.

Eu o encarei debilmente, piscando devagar.

- M-meu segurança? O quê? Do que você está falando?

- O senhor Styles me pediu para que te dissesse para ligar para ele. - Disse automatizado, como se fosse uma fala decorada.

- Harry? - Eu rebati num quase grito, atônita.

- Sim, senhora.

- Harry é o seu chefe?

- Não, senhora. - Negou com a cabeça também. - A senhora é.

- Você só pode estar me zoando! Por que caralhos estava me seguindo? Me deu um susto da porra!

- Devido ao processo do senhor Styles contra o Sr. Tabour, eu tenho instruções claras para acompanhá-la aonde for até segunda ordem.

Eu supus que aquele era o nome do stalker.

- Há quanto tempo você está me acompanhando? - Fiz aspas com os dedos e revirei os olhos.

- Há dois meses, senhora.

- Dois meses? - Eu quase gritei.

Eu fiz as contas mentalmente e havia menos tempo que isso que H tinha me contado sobre o stalker. Isso significa que o homem ali já estava me seguindo antes que eu soubesse que alguma coisa estava acontecendo.

Comecei a dar passadas, andando rapidamente de um lado para o outro na frente do segurança.

- Eu não quero você me seguindo! - Parei de uma vez, o dedo indicador apontado para ele. - Por favor, vá embora.

- Mas, senhora... Eu acredito ser mais seguro se eu a acompanhar.

- Você disse que eu sou sua chefe, certo? Então eu estou mandando que você pare de me seguir!

- Acho melhor que a senhora ligue para o senhor Styles.

Eu bufei com força, era como se eu estivesse falando sozinha. Sem pensar, eu me virei e me afastei, batendo os pés audivelmente.

Entrei no carro e fechei a porta em outro baque, o barulho demonstrava como eu estava furiosa.

- Eu acho que deixei meu celular em casa. - Elinor falou preocupada.

Olhei pelo retrovisor, porque ainda precisava manobrar o carro e guardar na vaga. O segurança que eu já tinha esquecido o nome estava parado no mesmo lugar e digitava no celular.

- Alarme falso, El. - Eu sorri levemente. - O Harry conhece aquele homem. Não se preocupe. - Assegurei. - Estamos seguras. Mais do que pensávamos.

O que quer que ‘estar segura’ significasse naquela altura do campeonato. Eu tinha sido fotografada sem perceber e agora seguida por dois meses... O que mais estava acontecendo a minha volta que eu estava deixando passar despercebido?



Após deixar Elinor na porta de seu apartamento, eu mal entrei no meu já com a ligação para Harry em andamento.

- , eu posso explicar! - Foi assim que ele me atendeu. - Eu tenho uma explicação...

O sentimento de fúria era esmagador. Eu queria afundar a cabeça no travesseiro e gritar até ficar rouca e gritar com Harry no telefone.

- Ok. Explique. - Eu respondi seca e controlada, mas ele continuava falando por cima.

- Uma ótima explicação. Eu juro que eu-eu...

Seu tom de voz me lembrou imediatamente a primeira ligação que ele me fez quando perdeu o voo para o Brasil.

- Espera, você...?

- Sim. Você disse que pode se explicar. Estou ouvindo.

Só que eu também não queria cometer os mesmos erros. Então eu ouviria o que ele tinha para dizer e, depois, se eu ainda quisesse gritar com ele, eu faria isso.

Ele não respondeu. Em vez disso, eu recebi uma mensagem na tela de que ele estava pedindo para trocar a chamada para vídeo.

- Oi. - Eu disse ao atender. Dei um sorrisinho de lado porque foi impossível não reagir a sua cara de espanto.

- Oi! - Ele respondeu agitado. - Merda. Oi! - Repetiu. Ele parecia perdido, sem saber o que fazer primeiro. - Me perdoe! - Apertou o cantinho dos olhos em um tic completamente dele. - Eu nem sei por onde começar.

- Pelo começo, oras. - Revirei os olhos, soltando um português involuntário no final. - Apenas... Por que tem um dos seus seguranças me seguindo?

- Me desculpa, eu deveria ter te contado! Mas eu sabia que você ia negar se soubesse e eu precisava de alguém de olho em você.

- Quantos anos eu tenho? Cinco? Eu não preciso de ninguém de olho em mim! - Rebati ultrajada.

- ... - Ele suspirou. - Você sabe do que eu estou falando.

- Eu sei. - Suspirei também. - No entanto, não acha isso um tanto quanto... extremo?

- Talvez. Eu não sei.

- Você está me deixando paranoica! Se eu não percebi esse cara me seguindo, o que mais eu estou deixando passar?

- Oliver é treinado para não ser visto. - Harry deu uma risadinha - Não era para você ter percebido mesmo.

- Bem, saiba que Oliver fez um péssimo trabalho grudando na minha traseira igual chiclete!

- Me desculpe. Espero que ele não tenha te assustado muito.

- Me assustou pra um caralho! Milhares de coisas passaram pela minha cabeça, poderia ser um louco me perseguindo, poderia ser um paparazzo, tantas possibilidades! E Elinor estava no carro comigo, pelo amor de Deus!

- Eu sei, eu deveria ter te contado. - Harry passou uma mão no cabelo.

- Não. Você deveria ter me perguntado. - Suspirei. - Nós já conversamos sobre isso, Harry. Eu não sou sua propriedade, você não pode colocar um segurança na minha cola como se eu fosse algum bem que você assegura.

- Você nunca teria aceitado, . Eu te conheço. Eu te conheço bem demais. - Ele balançou a cabeça, como se reprovasse minhas atitudes num geral. - Eu não sabia o que poderia acontecer e eu entrei em pânico, ok?

- Ok. - Eu suspirei, concordando ainda inconformada.

- Estava tentando evitar exatamente o que você achou que Oliver era; eu não queria aceitar a possibilidade de algo sobre você vazar, mas eu queria estar preparado para se descobrissem algo e começassem a te perturbar... E você, sozinha em LA, se eu pelo menos estivesse aí... Eu nunca me perdoaria! Eu nunca me perdoaria, , se alguém fizesse algo com você. Você não tem ideia de como é pisar fora de algum lugar e ter um milhão de câmeras na sua cara como se você estivesse fazendo algo de errado. Eu não quero nunca te fazer passar por isso. Me perdoa por não ter dito nada, mas eu não me arrependo por ter feito.

Eu puxei uma das cadeiras da mesa de jantar e me sentei com calma, a imagem dele me implorando me impactando como tudo o que o envolvia. Seus olhos pequenininhos e brilhantes através da tela eram o suficiente para me intimidar como se ele estivesse na minha frente.

- Por favor, não para de falar comigo. - Seu lábio inferior foi projetado para frente, tremendo tão sutilmente que só o conhecendo detalhadamente para perceber.

Isso amoleceu de vez o meu coração e dissipou toda a raiva.

- H... - Eu choraminguei. - Eu não... Me desculpe que eu fiz isso, eu sei que não foi fácil para você que eu tenha sumido no Brasil por todos aqueles dias e sei como deve ter sido difícil ter tomado essa decisão mesmo que você estivesse com medo de que a minha reação fosse sumir de novo. Mesmo com isso em mente você escolheu fazer o que achou melhor para mim.

Era a primeira vez que eu reconhecia em voz alta meus próprios erros nessa situação toda e Harry pressionou os lábios, acenando levemente. Eu não acho que ele conseguiria dizer nada naquele momento. E talvez eu seja a pessoa que mais entenda isso. Às vezes, ouvir o que você mais queria ouvir pode te deixar sem resposta.

Eu desviei o olhar da tela, de repente me sentindo muito envergonhada.

O nível de coragem que requeria para fazer uma escolha que a consequência fosse exatamente aquilo que você lutava por meses para consertar não era baixo. Eu admirava Harry por isso, porque eu sabia que aquela pessoa nunca seria eu. Eu, que reprimi por meses meus sentimentos por ele só pelo medo de o perder. E ali estava Harry, fazendo o que ele acreditava que deveria ser feito, mesmo que isso significasse nunca mais poder falar comigo.

- Eu só queria te proteger.

Eu concordei com a cabeça primeiro, calculando se eu conseguiria falar sem que minha voz se engasgasse na garganta.

- Eu sei. - Mordi o lábio e puxei o ar pelo nariz, me controlando. - Talvez na próxima vez só... converse comigo antes.

- Jesus! Eu espero que não haja uma próxima vez. - Ele brincou para amenizar o clima. - Eu prometo. - Disse simplesmente.

- Por favor! Eu preciso de um aviso na próxima vez que um carro aleatório for me seguir intencionalmente! Eu sou muito nova para morrer infartada com uns sustos assim. - Brinquei e revirei os olhos.

Harry riu e eu senti o clima aliviar um pouco mais.

- Pelo que eu saiba você se virou muito bem sozinha.

O comentário me fez franzir a testa.

- Oliver me ligou preocupado dizendo que vocês estavam chegando em casa quando você mudou a rota de repente e sumiu de vista. Ele disse “eu tenho certeza de que ela percebeu que algo estava acontecendo”.

- Ah, então é por isso que quando o confrontei a primeira coisa que ele disse foi “ligue para o Harry”. - Engrossei a voz no final, numa tentativa falha de imitar o tom do segurança.

Isso fez Harry gargalhar, o que foi o suficiente para me satisfazer.

- Fico feliz que os meus problemas te causem entretenimento.

- , qual é... - Harry reclamou com um sorriso no rosto.

- Eu devo ter cara de palhaça mesmo, não é?

Ele riu mais ainda.

- A palhaça mais linda que já vi.

- Ugh, cala a boca. - Repreendi. - Seu brega!

- E o que você disse para ele? - Harry agora tinha aquele sorrisinho filha da puta de lado. - Ele me enviou umas mensagens falando sobre isso, o que eu devo dizer que, sinceramente, me surpreendeu. Eu não esperava que você fosse falar nada, especialmente não sabendo que ele era um segurança.

- Depois que eu o perdi na estrada e voltei para casa, ele estava estacionado na frente do meu portão! Você queria que eu fizesse o quê?

- U-uhhhh. - Harry gaguejou. - Talvez isso seja culpa minha. - E coçou a pontinha do nariz, envergonhado. - Eu que pedi para que ele voltasse e te esperasse. Como eu imaginei que você estivesse tentando o perder de vista, logo voltaria. O plano era que ele fosse falar com você e não que você o abordasse. Por isso ele parecia um pouco...

- Um pouco o quê?

- Receoso. - Harry explicou. - Como se você o tivesse ameaçado, o que não parece algo que você faria. Mas, de novo, eu também não esperava que você fosse o confrontar, então...

- Claro que não o ameacei! - Rebati completamente ofendida.

- Ok. Ok. Eu acredito em você! - Ele se defendeu.

- Ele, Oliver, disse que era meu segurança...

- Teoricamente... - Harry ponderou.

- Mas se recusou a me ouvir, então ele só responde a você.

- Bem... - Enrolou. - Ele foi contratado para você. O Jeff pensou que...

- Jeff? - Eu repeti com uma sobrancelha erguida.

- Aham, Jeff. - Confirmou. - Quando eu levei para ele minhas preocupações sobre eu ter te deixado sozinha em LA, eu disse que queria que Fred voasse de volta para ficar com você, já que ele é alguém que você conhece e confia, mas aí tinha o problema de que você provavelmente não aceitaria e o reconheceria facilmente se você não soubesse.

- Que loucura! Digo, que vocês realmente tiveram uma conversa em que o assunto era sobre um segurança para mim. Eu não sou ninguém!

- Enfim. - Harry revirou os olhos com o meu comentário. - Jeff estava igualmente preocupado, especialmente depois que contei das fotos...

- Contou das fotos?

- É claro. Você não achou que eu ia mostrar suas fotos nua para alguém, achou?

Não tinha pensado naquilo antes.

- Talvez você precisasse. - Encolhi os ombros. - Eu perguntei no sentido de “ele já estava preocupado antes das fotos?”.

- A única pessoa que tem as fotos é a advogada, porque ela precisou anexar na pasta do inquérito como evidência do crime.

- Eu achei que você tinha um advogado. - Questionei confusa.

- Eu pedi para o escritório acrescentar uma mulher quando me pediram a foto e só ela tem acesso. E, claro, provavelmente o juiz terá.

- Sim, faz sentido.

- E sim, eu já tinha pensado na possibilidade do segurança antes das fotos, especialmente porque em todas as vezes que o encontrei ou estava sozinho ou com você, e não sabia a proporção das coisas. Não queria que chegasse a esse ponto, mas, como eu disse, queria estar preparado.

Eu acenei devagar, sem saber o que dizer.

- Mas Jeff quem sugeriu contratar alguém novo. O importante é que cuidássemos da sua segurança e privacidade. - Harry continuou de onde tinha parado.

- Ou talvez ele não quisesse te deixar com um segurança a menos.

- Eu tenho seguranças o suficiente. - Ele o defendeu. - Se te deixa melhor, ele também contratou novos para mim. Agora tenho um cara que vai dormir na minha casa.

- Para caso alguém entre? - Harry concordou com a cabeça. - Isso soa assustador.

- Pra ser sincero, eu durmo mais tranquilo. - Ele riu. - E são dois seguranças, na verdade. Revezam.

- Mais o Oliver.

- Mais o Oliver, que foi designado para você e você pode pedir qualquer coisa para ele.

- Eu disse para ele parar de me seguir.

- Menos isso. Ele assinou um contrato com seu nome na função. - Harry refutou com um sorrisinho na cara. - Ele pode te dirigir para onde você quiser, te buscar, te acompanhar em lugares ou só te seguir de longe se você preferir privacidade.

- Como assim o meu nome?

Harry entortou os lábios.

- O que foi? Fala. - Insisti.

- O trabalho dele é exclusivamente estar com você o tempo todo. Na descrição do contrato diz algo como “Segurança pessoal de – namorada de Harry Styles”.

- Harry...

- Eu sei! Eu sei! Não fui eu quem fez o contrato. Eu não tenho culpa se é assim que a minha equipe te considerada. Eles que te denominaram “namorada”, sabe, por questões legais.

- Por questões legais... - Repeti debochada.

- Eu juro!

- E quando ele está de folga? Quando ele dorme?

- Quando você dorme, quando você está no trabalho...

- E como ele sabe que eu não vou sair do nada?

- Você é uma criatura de hábitos, .

- Ou acordar no meio da madrugada pra comprar sorvete na 7-eleven?

- Você não tem ido mais de madrugada há um tempo, mas vai no safeway às terças-feiras entre as nove e dez da noite.

- COMO você sabe disso?

- Ele faz relatórios. - Harry riu.

- Você é esquisitão! Meu stalker é você! - Eu gritei para o celular, rindo também.

- Eu estou meio brincando. - Harry voltou atrás. - Há relatórios, mas não sobre o que você faz. Eu sei disso tudo porque eu te conheço e presto atenção no que você fala. E Oliver só te acompanha para o trabalho e coisas que você faz durante o dia, ninguém fica de tocaia de madrugada esperando que talvez você saia de fininho.

- Menos mal. - Eu brinquei. - E quando você volta, por falar nisso?

- Não sei ainda. - Suspirou. - Tá tudo meio caótico. Eu queria te ligar para contar que ele já está sob custódia e eu preciso comparecer para depor no processo.

- Como assim? E você não me disse nada?

- Eu fiquei sabendo recentemente.

- Por que não me mandou mensagem?

- , sendo sincero, eu preferia conversar sobre isso pessoalmente, como não tem jeito, eu estava esperando o melhor momento para te ligar.

Eu neguei com a cabeça, fazendo um barulho de reprovação com a língua.

- Isso é informação séria, H!

- Eu sei. Eu só... Eu ia falar no começo da ligação, mas fiquei com medo. - Disse um pouco sem graça. - Você já estava brava por causa do Oliver, não queria piorar as coisas.

- Eu fico mais brava quando você não me conta as coisas!

- Me desculpe. - Harry desistiu de argumentar. - Eu só quero que isso acabe logo.

- Eu também.

- Eu só queria manter o Oliver com você por mais alguns dias, pelo menos até eu voltar. - Tenho umas entrevistas no mês que vem na semana que lançarmos Lights Up e a equipe está negociando para que seja online e eu não precise ir, então não sei ainda como vai ser.

- Eu perguntei porque dia 19 de outubro é a festa de 16 anos da Maddie, filha do Henry, sabe? Ela me perguntou se eu poderia te pedir para ir.

- E o que ele acha sobre isso?

- Eu não sei o que você disse para ele quando vocês se encontraram aqui em casa, mas você o tem a seu favor.

Harry fez uma careta.

- O que eu disse? Eu sei lá o que eu disse. Só falei a verdade.

- Bem, funcionou. Ele gosta de você de novo.

- Eu não sei, não, . Não sei.

- Tudo bem. Eu tinha que perguntar porque ela me pediu.

- Eu vou estar em Nashville na última semana do mês.

- De outubro?

- Sim.

- Você não volta até lá?

- Eu vou dar um jeito de te ver antes, ok?

- Ok. - Eu concordei, embora fosse fácil perceber meu semblante tristonho. - Bem, você veio para a minha graduação mesmo ocupado, entendo se não puder fazer isso de novo.

- É mais fácil remarcar coisas quando eu não preciso pegar um voo de dez horas. - Falou divertido.

- Eu entendo, H.

- Eu sei. E obrigado por isso. Mas eu estou com saudades e quero te ver mais do que tudo.

- Ainda tá em tempo de cancelar o lançamento do single? - Brinquei.

- ! - Harry aumentou o tom de voz ao fingir choque. - Eu poderia arranjar isso, quero dizer, ninguém sabe de nada ainda.

- Estou brincando! Estou brincando! - Gargalhei. - Eu prefiro uma música nova a ver você, sinceramente.

- ! - Falou do mesmo jeito.

- O quê? É verdade.

- Não é, não.

- Tá, não é verdade. - Cedi. - Eu prefiro te ver, até porque já escutei mais do que o álbum todo.

Harry gargalhou, jogando a cabeça para trás.

- O que eu faço com você, hein, ?

- Comigo eu não sei, mas você deveria voltar para os meus braços.

- Eu não demoro. - Harry sussurrava. - Me espera voltar para casa?

O nosso amor era mesmo desses em que se era capaz de o transferir para uma fotografia, onde se manteria eternamente imutável. Eu já tinha ouvido essa frase antes, mas não na linda voz de Ed Sheeran. A cena se reproduziu na minha cabeça: Harry me ligando do Japão enquanto escrevia uma música - mais de uma - sobre nós, e eu com dentro do carro no estacionamento do LAX. Ele me pediu para que o esperasse voltar para LA, para que o esperasse voltar para casa.

Numa época em que o meu maior pesadelo era que ele não pudesse me esperar mais.

Mal sabia ele que eu sempre o esperei; desde uma Times Square em preto e branco e vazia até o aeroporto de Guarulhos quando eu sabia que ele não viria. E, no meio disso e mesmo depois, eu nunca deixei de o esperar.


37. I hate accidents, except when we went from friends to this

DEZEMBRO, 2019




Era uma sexta-feira, 13 de dezembro. Ao contrário do mito popular sobre a sexta-feira 13, o qual, na verdade, eu nunca soube muito bem sobre o que se trata e o porquê é um dia de azar, aquele dia seria diferente. Era o lançamento do segundo álbum solo de Harry Styles, Fine Line. O The Forum, em Inglewood, estava hospedando uma comemoração, onde H tocaria todas as músicas na ordem do novo álbum, em um show único, One Night Only. Esgotado, é claro.

Eu sei que há uma quebra no tempo. E eu preciso dizer: Muita coisa aconteceu nos últimos dois meses e meio. Depois de tudo o que passamos nesses pouco mais de um ano e meio, eu acreditava que as chances de que tudo continuar a dar errado era grande. Mas deu tudo certo, ou, pelo menos, a pior coisa que já enfrentamos até agora não deu completamente errado.

Harry processou o stalker e ele ficará preso por um tempo, agora há uma medida restritiva em que ele não pode chegar perto da casa de Harry ou dele.

O mundo inteiro descobriu e se compadeceu com a sua situação. Para a mídia, foi veiculado como um absurdo que Harry Styles teve sua privacidade violada por causa de um stalker, como se eles próprios não fizessem o mesmo todos os dias. No entanto, nada foi vazado sobre mim e tudo parecia como antes. Exceto que você nunca sai o mesmo depois de uma experiência tão traumática quanto essa.

Eu não quero ficar revivendo tudo isso, os detalhes estão por aí para quem fizer questão de saber, mas eu não os quero envenenando nossa história.

Pelo menos eu tinha H do meu lado para seguir em frente depois disso. E ele tinha a mim. Nós estávamos fazendo o possível para viver normalmente e sem paranoias. Eu sabia que só podíamos dar um passo de cada vez naquela jornada, no entanto. O que aconteceu era algo que sempre nos ligaria, porque passamos por tudo juntos. Só ele e eu. Como sempre foi.

E isso é tudo que eu vou dizer. Agora as coisas boas:

Lights up foi um sucesso! E, apesar de eu já conhecer a música quando saiu, eu também só vi o clipe quando o mundo todo viu. Foi incrível ver o meu ídolo voltar às paradas depois de um ano e meio sem aparições públicas, mesmo que eu o tivesse pertinho de mim todos os dias. Aquele amor de fã sempre seria incondicional.

Nós fomos juntos à bombástica festa de Sweet 16 de Maddie, foi muito maior do que qualquer coisa que eu já tinha participado, as festas de 15 anos no Brasil de quando eu era adolescente não chegariam aos pés do que foi o aniversário dela. Ouso dizer que foi maior e mais produzido até do que muitos casamentos. H e eu nos divertimos muito e foi um momento muito legal e uma chance para que todos os meus amigos também o “perdoassem” depois do que aconteceu com a nossa viagem ao Brasil. No fim, H até mesmo subiu no palco durante um dos shows para cantar uma música para Maddie, o que foi a parte mais emocionante para mim.

No último final de semana de outubro eu fui encontrar H em Nashville, onde ele fez uma aparição surpresa no show da Kacey Musgraves, uma cantora country que abriu shows da Live On Tour em 2018, e eu acabei na festa de Halloween dela com uma fantasia improvisada e com Harry vestido como um stormtroomper de Star Wars. Foi o melhor momento que tive desde que tudo aconteceu; ver Harry num palco depois de tanto tempo serviu como combustível para me manter funcionando.

Na semana passada Harry emplacou outro hit com o clipe de Adore You. Ver esse pedacinho do começo da nossa história ser contado de forma tão mágica me deixou imensamente orgulhosa. E, mesmo que ele não admitisse, eu sabia que ele tinha escolhido essa música como o segundo single porque ele acreditava que precisava “consertar” as coisas entre nós, já que o primeiro tinha sido sobre outra mulher. Só que, pra mim, isso era o que parecia como o verdadeiro começo de uma nova era. O passado ficou para trás e o futuro estava comigo.

Depois de anunciar a turnê para 2020, incontáveis entrevistas, ser apresentador e convidado musical de um dos episódios do SNL, ser capa de revistas e todas as tarefas que estamos acostumados a ver cantores completarem como parte da divulgação de um novo trabalho, finalmente estávamos ali: O lançamento do álbum.

Percorremos um longo caminho, Harry principalmente. Eu estava muito feliz pela oportunidade de estar ali ao seu lado, participando de um marco tão grande na sua carreira e a realização de um sonho.

Havia uma imensidão de fãs ao redor da arena quando chegamos no final da manhã. Eu fiquei um pouco tensa, porque H dirigiu seu novo carro vintage, um Ferrari Dino amarelo de 1972, cujo não tinha insulfilme nos vidros. Fred e mais dois seguranças nos acompanhavam logo atrás em um Maserati Ghibli preto, e eu fiz as pazes com o fato de que as pessoas me veriam de qualquer jeito. A fita cassete que eu dei em seu aniversário foi o que tocou no caminho da minha casa até o local, foi um momento muito especial e, sinceramente, eu estava cansada de me esconder depois de tudo o que vivemos, o bom e o ruim. Eu não queria mais carregar o peso de que a internet não pudesse saber meu nome. Eu não ia a lugar nenhum e era bom o mundo se acostumar com isso.

H não parava quieto e eu ficava como uma barata tonta correndo atrás dele pelo backstage. Ele estava prestes a ser chamado para a passagem de som e ninguém tinha chegado ainda além de... mim.

Anne e Gemma tinham voado de Londres, muitos de seus amigos também estavam confirmados, Stevie Nicks ia aparecer e Harry disse que havia uma surpresa preparada com ela.

As equipes dos patrocinadores estavam montando vários stands temáticos dentro da arena, haveria lanchinhos, frutas e bebidas nomeadas pelas músicas, além de espaços personalizados para que os fãs registrassem o momento.

Ia ser muito mais do que um show, mas sim uma verdadeira celebração.

No camarim de Harry, Tessa, a gerente da turnê, conversava com a banda e Harry antes que eles fossem para a passagem de som.

- A intro para “Lights Up” vai começar e aí... - Ela falava enquanto Harry estava do seu lado distraído brincando com um par de óculos de plástico que eu não fazia ideia de onde ele tinha tirado. - Desculpe, a intro para “Golden” começa... - Ela tocou o braço de Harry, tentando ganhar sua atenção completa.

Eu estava sentada naquele mesmo sofá da última vez, quando era somente eu ali dentro, aterrorizada pela presença de Harry, há um ano e meio. Agora, o camarim estava lotado pela equipe de filmagens, porque haveria um Behind the Scenes sobre o show.

Eu observava tudo acontecer no mais completo silêncio, eu era só uma espectadora e, preciso dizer, era maravilhoso assistir e entender um pouco mais sobre como funcionava por trás dos palcos.

- E ele entra e vem para o centro do palco no mesmo momento em que a melodia começa, tipo “da-da-da-da” - Tessa ainda tentava repassar os detalhes, fazendo contato visual com o resto da banda.

Cada um deles estava espalhado em um canto do camarim, Sarah tinha uma garrafa de água e se escorava na mesa de lanchinhos, Mitch estava sentado do meu lado com aquela cara sem expressão que lhe era tão característica, Adam estava de pernas cruzadas numa cadeira ao lado do sofá e Ny Oh e Charlotte, as meninas novas da banda, amontoadas sobre uma caixa de guardar instrumentos perto da porta.

Eu acho que eles já tinham repassado aqueles detalhes muitas vezes antes de hoje, por isso estavam tão relaxados e brincalhões.

De fininho, eu me levantei, Harry me seguiu com o olhar enquanto eu caminhava até a porta, minha tentativa de sair sutilmente não passando despercebida por ele, eu pisquei para ele e cruzei a porta, lançando um sorriso para Ny Oh e Charlotte quando passei por elas.

Sem direção, escolhi um dos lados do corredor e fui, andei cegamente já que eu não sabia qual caminho tomar. Eu precisava ir ao banheiro, mas não queria fazer xixi dentro do camarim com aquele monte de pessoas e microfones me ouvindo. Fui parar em um dos banheiros em frente à área de comida/bebida, um dos poucos lugares que eu sabia chegar, já que tinha vindo no ano passado. Eu aproveitei que já estava ali para pegar um drink.

Lá fora, as colunas tinham os nomes das músicas, juntamente com algumas frases que remetiam à Harry. Bati um papo com a equipe que estava finalizando a decoração e tomei um susto quando escutei música começar a tocar. Me despedi e saí correndo por dentro da arena, descendo as escadas da arquibancada até a pista.

Fui para o fundo, onde ficava a mesa com os equipamentos técnicos e arrastei uma cadeira para perto do palco. Parei bem em frente ao suporte de microfone de Harry, a alguns passos de distância da grade. Logo aquele lugar estaria cheio de fãs como eu.

Eu me sentei na cadeira e tomei um gole do drink que veio num copo personalizado, estampado com o pôster do evento.

Como eu disse, não havia ninguém ali além da equipe, ainda era muito cedo. Eles estavam espalhados, verificando que todos os instrumentos, microfones e sons funcionavam perfeitamente.

As luzes piscavam e se mexiam, Harry, que tocava a guitarra bege, estava correndo de um lado para o outro fugindo das luzes e fazendo todos rirem.

Quando me viu, ele acenou com os dedos livres da mão que segurava a palheta da guitarra e piscou. Eu acenei entusiasmada, encenando uma fã tentando chamar sua atenção e tirei o celular do bolso, caracterizando uma filmagem quando ele começou a cantar um novo verso.

Harry gesticulou para aumentar o volume e mexeu no ponto nos ouvidos.

Eu balançava a cabeça, me mexia na cadeira e cantava junto as partes que eu já sabia de cor. Eu tentei não me empolgar muito para guardar energia para a hora do show.

Harry fazia muitas gracinhas, dançava e tudo parecia como se ele estivesse sozinho no quarto e não em cima de um palco.

- Cantem comigo!

Ele gritou no meio de Adore You. Eu imaginei que aquilo fazia parte do script.

As mulheres da banda fizeram o coro de “aaaaah”.

- I walk through fire for you... - Harry cantou num sussurro gritado, como se imitasse os fãs.

- Just let me adore you! - Eu gritei de volta num tom esganiçado, agindo num impulso.

- Ok, eu deixo. Fica calma! - Harry respondeu e todo mundo caiu na gargalhada.

Eu reagi mostrando o dedo para ele.

- O que é isso que você está bebendo? - Ele falou no microfone, ignorando a melodia de fundo em que ele deveria estar cantando “like is the only thing I’ll ever do”.

- “Strawberry lipstick state of mind!” - Gritei o nome do drink e levantei o copo em sua direção.

Para minha surpresa, ele estendeu o braço também. Sem perceber, eu já estava indo ao seu encontro e tentando passar o copo para ele. Eu não consegui, então dei a volta pela grade e subi numa caixa de som embaixo do palco para conseguir alcançar a mão dele.

Harry bebeu um gole, entortou os lábios e balançou a cabeça em aprovação. Se agachou e devolveu o copo. Ele não estava tocando nessa música, então ele só precisava prestar atenção para não perder a hora certa de cantar.

O ensaio continuou assim, tudo muito leve e nem parecia que eles iam tocar para mais de 17 mil pessoas em algumas horas. Essa parte foi muito diferente do que eu pensava que seria, já que a minha única referência era o próprio show. Eles tocavam e cantavam um trecho de alguma música, paravam, ajustavam alguma coisa, mudavam de música e faziam tudo de novo.

Até mesmo os momentos de interação, as dancinhas, o discurso de abertura, tudo o que ele faria e falaria estava sendo ensaiado. Não exatamente “ensaiado”, mas Harry testava para ter certeza de que ficaria bom na hora do show.

Era bem engraçado vê-lo acenando e mandando beijinhos para o vazio. E mais engraçado ainda ver a equipe mandando beijos e tchauzinhos de volta.

Sarah como sempre arrasou na bateria ao fundo, me dando aquela sensação de estar em um show de Rock; Mitch fez um solo incrível em She e tinha um violão e um guitalele pendurados no pescoço para tocar ao mesmo tempo em To Be So Lonely. Adam no baixo concentrado nos tons graves de Falling e as duas novas adições da banda; Charlotte, quem eu já sabia desde quando conheci Harry porque ele usou essa informação como chantagem emocional, e também Ny Oh, as duas tocando instrumentos de teclas: cravo, teclado ou sei lá quais eram os nomes, em mais de uma música.

Foi bem legal ter essa prévia. E, mesmo assim, eu sabia que ainda ficaria surpresa com como tudo parecia gigantesco quando chegasse a hora.



Eu tinha ido ao banheiro de novo e quando voltei para o camarim Harry estava com o braço estendido enquanto tomava um daqueles soros vitamínicos na veia junto com Mitch. Mais pessoas já tinham chegado, eu tinha visto Tom conversando com alguém da equipe e Lambert em um dos outros camarins.

- Ei. - Ele abriu um sorriso e eu parei na porta. - Onde você foi?

O que eu respondi foi o uso de um termo não muito delicado, algo como “tirar água do joelho” ou “dar um mijão", que combinei com um tom debochado e um revirar de olhos.

Mitch foi o primeiro a reagir, jogando a cabeça para trás e dando uma gargalhada.

- Poderia só ter dito “resolver necessidades fisiológicas” - Ele sugeriu.

- Se o seu amigo aí do lado – apontei com a cabeça para Harry – não me fizesse esse tipo de pergunta eu não precisaria ter dito nada, Mitchell.

- Eu apenas notei sua ausência. - Harry se defendeu com um falso tom melancólico.

- Justo. - Mitch concordou comigo.

Atravessei o cômodo e me joguei no sofá bem entre os dois.

- Ei, cuidado aí! - Mitch me repreendeu. - A gente tem agulhas fincadas no braço, sabia?

Eu pisquei languidamente para ele e mostrei a língua.

- Vocês dois se merecem mesmo. - Mitch resmungou.

Harry riu, passando o braço livre por cima dos meus ombros e eu segurei sua mão, levando-a até minha boca, onde deixei um beijo estalado no dorso.

- Então... O que você está achando sobre o pré-show até agora? - Harry questionou curioso.

- Confesso que achei que seria mais... - Pensei, escolhendo a palavra que transmitiria melhor meus pensamentos. - ...agitado.

- Achou que estaríamos todos bebendo, ouvindo música alta, recebendo celebridades no backstage para uma social, mas em vez disso estamos sentados tomando soro na veia? - Traduziu perfeitamente o que eu queria dizer.

- Sim. - Eu soltei uma risada sem graça.

- Bem, a realidade não é nem um pouco glamurosa.

- Nem me fala... - Mitch concordou.

- Onde estão o resto da galera?

- Cabelo, maquiagem, prova de roupas...

- MAS JÁ? - Exclamei assustada. - Que horas são? - Perguntei retoricamente enquanto eu mesma olhava as horas.

A médica do show chegou não muito depois disso para liberar Mitch do soro, porque ele também tinha que se arrumar. Harry pediu para que ela o tirasse também, mesmo que ele ainda tivesse alguns minutos.

Quando os dois saíram, Harry e eu ficamos sozinhos pela primeira vez desde a hora em que chegamos.

- Como você está se sentindo?

Eu tinha me arrastado para a ponta oposta do sofá para dar espaço para a médica e eu tive outro déjà vu da primeira vez em que estivemos nessa mesma posição.

Alguma coisa me diz que Harry pensou na mesma coisa, pois ele me chamou com a mão. Eu me virei de barriga para cima e deitei a cabeça no seu colo, dessa forma eu ainda conseguia o olhar nos olhos.

- Bem. Animado. - Suas mãos foram imediatamente para os meus cabelos, me fazendo carinho.

- Nervoso?

- Não ainda. Estou naquele estágio em que ainda não parece real ou que ainda falta muito tempo para eu me preocupar.

- Faltam três horas para você subir no palco, H...

- Eu sei! - Ele cobriu o rosto rindo, as bochechas levemente coradas pela animação.

Eu pulei do sofá de uma vez.

- O que foi? - H perguntou alarmado, o corpo se inclinando para frente.

- Eu sei de uma coisa que pode te deixar mais tranquilo. - Eu falei sem explicar, puxando-o pelo braço sem esperar que ele estendesse a mão para pegar a minha. Ele se deixou ser puxado, de qualquer forma.

- Eu estou tranquilo. - Arqueou uma sobrancelha.

Eu revirei os olhos como resposta e fui em direção à porta, mas dei meia-volta ao pensar melhor. Em vez disso, o puxei para o banheiro dentro do camarim.

- Babe, o que está aconte...

Eu fechei a porta com o pé ao mesmo tempo em que o empurrava contra a parede.

- Ahhhhh. - Ele expressou ao finalmente entender as minhas intenções, um sorriso muito mal-intencionado pintado nos lábios.

Em uma reação caricata, ele se rendeu levantando os braços para o alto. Me posicionei melhor e encaixei as minhas pernas entre as dele para beijá-lo; começando pelo pescoço e traçando um caminho que eu esperava terminar na boca.

- Que indecente, . Um escândalo! - Ele riu, se contorcendo com um arrepio.

Levantei meus olhos para encontrar os seus.

- Podemos voltar se você quiser... - Eu falei numa falsa indiferença, fazendo menção a me desgrudar dele.

- Na-ão. Volta aqui. - Mesmo que eu esperasse que ele fosse me puxar, seu braço envolveu meu tronco muito mais rápido do que eu calculei.

Rindo e tentando me reequilibrar, pendurei meus braços em seu pescoço e nós trocamos um olhar breve. Seus olhos estavam mais escuros do que estavam há um minuto e eu tinha certeza de que os meus brilhavam, refletindo tudo de mais bonito que eu sentia.

Numa ação súbita até mesmo para mim, choquei meus lábios contra os dele, com mais força do que esperei e até mesmo um pouco grosseiramente. Harry enfiou uma das mãos na minha nuca, segurando meu cabelo num aperto que correspondeu a minha intensidade.

Estava um a um. Para vencer a competição que eu tinha criado, o puxei pela camisa, trazendo o para mais perto. Harry Styles, o ser mais competitivo da face da terra, não deixou barato e usou a outra mão para levantar uma das minhas pernas. Em contrapartida, fiquei na ponta dos pés e pressionei como pude meu corpo contra o dele. Cada vez que as nossas línguas se tocavam mais eu o puxava e mais eu me pressionava contra ele. Ali eu já tinha perdido as contas de quem estava ganhando. E entre o beijo quente e a falsa ideia de que estávamos escondidos, eu sentia minha adrenalina subir para as nuvens.

Harry quebrou o beijo com selinhos, deixando minha perna livre e soltando meus cabelos. Então apenas encaixou a mão na parte de trás do meu pescoço. Eu, sem conseguir soltar sua camisa, continuei a nos pressionar juntos.

- Meu Deus, ! - Harry exclamou ainda sem fôlego.

- Eu queria fazer isso desde que entramos aqui. - Eu respondi com um sorrisinho, abrindo as mãos e dando tapinhas nas duas partes do tecido completamente amarrotadas acima do seu peito.

- Bloody Hell, por que não fez antes?

Minha resposta foi um tímido encolher de ombros. Finalmente processando aquela pegação repentina, eu dei um passo para trás.

- Você percebeu que não ficou sozinho por nem um minuto?

Ele sorriu de lado, sem negar ou concordar.

- Sentiu a minha falta? - A pergunta saiu assoprada.

Eu fechei os olhos por um segundo e mordi a boca.

- Você é tão detestável!

Harry jogou a cabeça para trás, gargalhando bem alto.

Alguém bateu na porta e eu não sei quem virou o pescoço na direção das batidas mais rápido, Harry ou eu.

- H, está tudo bem? - Eu não reconheci de quem era a voz - Estão te procurando. Dana precisa de você.

- Puta que pariu, você não pode sumir por um minuto? - Eu sussurrei para Harry, que apenas me lançou um daqueles sorrisinhos de lado que eram a minha morte.

- S-sim! Estou indo! - Forçou uma voz contida que me deu ainda mais vontade de rir.

Harry segurou meu rosto com as mãos e me fez olhar para ele. Com cuidado, ele ajeitou meu cabelo, alisando as laterais da minha cabeça para abaixar os fios fora do lugar e puxou a barra da minha blusa para baixo.

Por reflexo, eu fiz o mesmo; passei a mão outra vez na sua camisa, tentando diminuir o amarrotado concentrado apenas naqueles dois pontos onde o segurei. Ele mesmo jogou os cabelos para cima e olhou para baixo para se autoconferir, colocando as mãos nos bolsos e sacudindo as pernas.

Ele abriu a porta e eu saí primeiro, ajeitando o cabelo por puro reflexo, já que eu sabia que H tinha feito questão de não deixar nada fora do lugar.

Jeff estava sentado no sofá esperando por Harry e eu parei de andar no mesmo momento em que o vi. Eu nunca quis tanto um buraco no chão como naquele momento.

- Ei, . - Ele me cumprimentou casualmente. Se eu o conhecia o suficiente, poderia dizer que havia até mesmo um tom humorístico na sua voz.

- Jeff! - Harry exclamou antes que eu pudesse responder qualquer coisa. O seu passar de mãos nas pernas foi o giro final da faca. Acho que também era reflexo.

- Me desculpem, eu não queria atrapalhar nada. Eu passei por Dana vindo para cá e ela me pediu para que te avisasse que ela está pronta para você. Quando entrei e não vi ninguém, fui até a área do palco, mas você não estava lá também. Eu ouvi sua risada do corredor quando estava voltando.

Eu olhei para Harry transparecendo toda a humilhação que eu sentia naquele momento. Qualquer pessoa poderia ter entrado ali, qualquer uma! Deve ter umas 100 pessoas trabalhando nessa turnê e a que me pega no banheiro com Harry Styles é justamente aquela que mais me odeia. Eu enfrentaria um stalker por dia em troca de ter que viver essa experiência.

- Você não atrapalhou nada. - Eu sorri amarelo. - Nós estamos só... estávamos só...

Foi a vez de Harry me olhar com aquela expressão que eu tinha certeza de que era personalizada para mim; era uma cara de “sério isso, ?”, a qual eu nunca o via fazer com ninguém, em nenhuma entrevista, lugar nenhum, a não ser comigo.

Eu desisti de explicar, possivelmente porque eu não tinha uma explicação, mesmo.

- O-kay! - Harry exclamou sentindo o clima esquisito. - Vamos, então?! - Harry direcionou a pergunta para mim.

- Na verdade, eu posso roubar a de você por uns minutos?

Eu arregalei os olhos e franzi a testa para Jeff. Harry não disse nada a princípio; embora a pergunta fosse direcionada para ele, a resposta era minha.

- Nós vamos verificar onde está o crachá de acesso dela que você pediu para fazer.

Analisando a situação, Harry olhou de mim para Jeff e dele para mim. Eu o encarei de volta, seu olhar era transparente para mim, estava me perguntando se tudo bem me deixar com Jeff, mas eu sabia que o meu menor movimento, um piscar diferente ou um retrair de sobrancelhas ou o inflar do meu nariz seria o suficiente como negativa para que Harry arrumasse uma desculpa para me levar consigo. Ele só estava esperando a resposta que o meu olhar lhe dissesse.

- Ok. - Eu enfatizei com a cabeça por medo de que a minha linguagem corporal me traísse. - Eu te vejo daqui a pouco, ok?

- Ok. - Harry repetiu. - Estarei com Dana. Veja pelas placas nas portas para me achar, é da maquiagem e cabelo.

Eu concordei com a cabeça de novo e Harry se aproximou para me dar um selinho antes de sair. Eu fiquei de costas para Jeff durante todo esse processo e me virei pelos calcanhares num suspiro quando eu não conseguia mais ouvir os passos de Harry no corredor.

- Ei. - Eu sorri outro sorriso amarelo.

- Quanto tempo a gente não se vê!

- Bem, considerando tudo o que aconteceu nos últimos seis meses, eu imagino que tenha sido melhor você não ter me visto mesmo.

- O quê? - Jeff sorriu sem graça.

Eu e a minha boca grande. Por que, Deus? Por que eu não posso ser fina e elegante e comedida? Era só ficar calada, manter a língua dentro da boca.

- Quero dizer... Eu imagino que você não ficaria feliz em me ver. Digo, depois do problema que eu causei e de como Harry...

- Eu nunca estive com raiva de você, . - Jeff colocou uma das mãos no peito ao me cortar, se inclinando levemente ao falar. - Na verdade, eu gostaria de pedir desculpas pela forma que lidei com essa situação, que pela sua reação eu imagino que H tenha te contado.

- N-não tem nada que se desculpar. - Eu neguei veemente com a cabeça. - Não é sua culpa. Foi algo entre mim e Harry e eu entendo como tudo afetou muita gente, profissionalmente falando.

- O que eu quero dizer é que... a resposta de H durante toda essa experiência foi porque eu o deixei na mão, eu não fiz o meu papel de amigo, e o apoiei quando ele precisou.

Eu abri a boca para responder, mas Jeff foi mais rápido ao esclarecer:

- Eu tive um conflito de interesses; como gerenciador de Harry Styles, eu agi pensando no melhor para a sua carreira. Mas H não precisava que eu fosse a pessoa que cuida da sua carreira naquele momento. Ele estava sofrendo porque talvez tivesse cometido um erro irreparável que lhe custou o seu desaparecimento, e esse cara que estava sem saber como lidar com o fato de que poderia perder o amor da sua vida, esse cara precisava dos seus melhores amigos; e eu não fui esse amigo.

- Talvez todos nós poderíamos ter feito alguma coisa de forma diferente. - Eu sorri compreensiva.

Jeff interpretou aquilo como o meu perdão e me envolveu em um abraço fraternal.

- Obrigada. - Minha resposta não precisava de explicações, ele entendeu o quanto significava para mim que ele me afirmasse que estava tudo bem.

- Bem-vinda de volta à família. - Ele desfez o abraço, mas ainda continuou me segurando pelas mãos. - Você não vai mais embora, né?

Eu neguei com a cabeça.

Eu nunca fui. Não de verdade.



Quando chegamos no Grooming Room, o camarim de “preparação”, Harry estava largado na cadeira e tinha os pés para o alto, estendidos na penteadeira. Dana estava finalizando seu cabelo; jogando laquê e ajeitando algumas mexas com os dedos. Os dois riam de alguma coisa que ele mostrava no celular.

- ! Jeff! - Ele exclamou. - Tudo certo?

Jeff e eu trocamos um olhar cúmplice.

- Tudo certo. - Ele respondeu e eu acenei em concordância.

Harry também acenou e foi como um acordo. Estava tudo bem entre nós.

Gemma apareceu no camarim quando Dana começou a maquiagem de Harry, nós já tínhamos nos visto quando ela e Anne chegaram, só ficamos conversando um pouco e logo ela se despediu e deu um beijo no irmão porque ela não voltaria mais para o backstage antes do show e ia fazer companhia para os amigos que já tinham chegado.

Pelo horário, os portões já tinham sido abertos e provavelmente o local se enchia conforme conversávamos ali. A acústica do backstage era excelente, porque não conseguíamos ouvir nada.

Mais rápido do que a produção da maquiagem de Harry – um pouco de corretivo nas olheiras e um pó para uniformizar o tom da pele – era a troca de roupa. Fomos para outro cômodo para isso, e a roupa que Harry usaria – a mesma da capa do álbum – estava separada em uma arara.

As pessoas iam e vinham para cumprimentar Harry e o parabenizar. A equipe de filmagem era a única que permanecia, seguindo Harry por todos os camarins.

Estava quase na hora do show, Harry tirou a blusa e a jogou na câmera fingindo timidez, Lambert e eu em um canto trocamos um olhar.

Harry vestiu a blusa primeiro, Lambert foi até ele e o ajudou a ajeitar o colarinho. Depois, H passou os fios do seu retorno por dentro da blusa e ajeitou a caixinha dentro de um bolsinho que tinha sido costurado no cós da calça.

Nas fotos promocionais, a calça de alfaiataria parecia branca, mas pessoalmente percebi que era um de off-white com fundo quente e os botões dourados eram apenas de enfeite, pois ele a vestiu por um zíper lateral.

- Essa calça é maravilhosa... - Elogiei. - Te faz parecer bem alto. - Completei com uma risadinha.

- Vem aqui. - Harry me chamou.

Estávamos só nós três ali além de mais dois caras filmando e um fotógrafo, então eu fui.

Ele me puxou pela cintura e estalou um beijo na minha têmpora.

- Isso fica fora do corte final. - Harry apontou ameaçador para eles, mas não me soltou.

- Posso ficar com essa calça? - Eu pedi na cara dura.

Embora Lambert e Harry já estivessem me olhando, eles conseguiram me encarar ainda mais.

- Uh? Não. - Lambert respondeu por ele.

- Você é mal.

- Essas peças vão para o museu, provavelmente.

Harry fez uma careta.

- Não, elas não vão.

- Algum dia. - Lambert levantou uma das mãos. - "Looks icônicos que marcaram o final da década dos anos 2010.""

- Eu consigo ver isso. - Eu pontuei.

- , não. - Harry balançou a cabeça. - Não alimente as desilusões dele.

- Você disse a mesma coisa sobre o terno azul.

- Terno azul? - Eu questionei.

Lambert fez aquela cara de “como você não sabe disso?”, absurdamente ofendido e incrédulo.

- Que Sue usou no discurso para a Stevie Nicks no Rock ‘n Roll Hall of Fame... em maio.

Ohhhh. A lâmpadazinha em cima da minha cabeça se acendeu.

Eles estavam falando daquele compromisso que Harry não conseguiu cancelar para ir atrás de mim no Brasil.

Sorria e acene, . Sorria e acene.

- Eu nunca vi esse terno. - Eu me virei para Lambert e H me abraçou por trás. - É mesmo bonito?

- Icônico! - Lambert me corrigiu e Harry e eu gargalhamos. - Eu vou te mostrar fotos!

- Ok. - Eu continuei rindo e me soltei de Harry.

- Então, ele é um azul royal de camurça, o blazer naquele estilo que Sue gosta, sabe?

Na tela do celular de Lambert já aparecia uma sequência de fotos de H no dia.

- Uau. Eu não me lembrava que seu cabelo estava tão longo. - Eu apontei para Harry. - Eu gosto mais assim como está agora.

- Bem melhor, não é? - Lambert concordou.

Harry revirou os olhos.

- Certo! Então parece que eu vou terminar de me arrumar sozinho... - Ele mandou a indireta.

- Sua bota está na caixa embaixo da arara. - Lambert balançou a mão sem o dar atenção.

- Harry! - H exclamou ultrajado, mas foi até onde Lambert tinha indicado.

- Harry? - Lambert repetiu.

- Você está dizendo o meu nome de volta ou repetindo o seu? - Ele se sentou no sofá e calçou as botas.

- Isso está muito confuso. - Lambert travou. - Eu termino de te mostrar quando esse chato estiver no palco. - Direcionou o resto da frase para mim.

- Sabe, quando eu estiver no palco, vocês supostamente deveriam estar assistindo ao show... Sabe?

- Nós vamos, meu amor. - Eu intervim. - Não se preocupe.

- Hum. - Harry resmungou.

- Vocês dois brigam como um casal de velhinhos. - Eu provoquei.

- H, vinte minutos! - Alguém esticou o pescoço dentro do camarim, gritou e saiu.

- Ok. Vamos lá! - Harry disse animado e saiu de uma vez. O resto de nós confusos correndo para o alcançar.

Nós fomos até o camarim da banda, lá eles fizeram os seus rituais de pré-show, testaram se conseguiam ouvir pelos seus pontos e tiveram conversas técnicas que eu não entendi nada.

Tudo isso tomou metade do tempo que eles tinham. Eu estava num canto só assistindo tudo. Sempre que tinham mais pessoas, era difícil ficar muito próxima dele, porque ele estava sempre se mexendo e interagindo com todo mundo e eu não queria ficar no caminho. No entanto, eu conseguia vê-lo ficar mais e mais nervoso.

- Vamos? - Alguém disse.

Eu cruzei a sala e o segurei pelo pescoço.

- Posso falar com você por um minuto sozinha antes que a gente saia daqui? - Eu perguntei no seu ouvido e o soltei.

Harry me olhou nos olhos e depois scaneou o lugar.

- Vocês podem ir primeiro? Eu vou logo em seguida.

A banda inteira espalhada pelo camarim sumiu no mesmo minuto.

- Vocês também, por favor. - Harry se direcionou para a filmagem.

Harry foi atrás do último de saía e fechou a porta.

- Está tudo bem? - Ele perguntou ao voltar até mim.

- Eu só queria te dar um beijo antes de você subir no palco. - Eu respondi simplesmente.

E o abracei bem apertado, de um jeito que eu ainda não tinha feito naquele dia.

- Eu estou tão feliz por você, H. Tão orgulhosa. Não tem nada que você não seja capaz de fazer. - Ele sorriu, os olhinhos começando a brilhar. - Eu sei o quanto você esperou por esse momento e o quanto você trabalhou nesse álbum e tem... tem sei lá quantas mil pessoas lá fora esperando por você, - ele riu quando eu me perdi nos números - porque elas te amam independentemente do que a crítica diga sobre as suas músicas. E elas só querem se divertir, mas para isso você também precisa se divertir.

Harry acenou com a cabeça, o significado da mensagem estava sendo recebido.

- E eu sei do que eu estou falando, porque eu sou uma delas. Todas essas pessoas querem se conectar com quem você é de verdade. A sua versão mais pura e autêntica, a mesma que me fez me apaixonar por você.

- Eu te amo. - Harry suspirou fundo e me deu um selinho.

- Eu não sei o que está se passando na sua mente agora, mas, você sabe... tudo vai ficar bem. E eu estou aqui com você pro que der e vier também, ok?

- Ok.

- Ok. - Repeti. - Temos que ir, né?

- Temos. - Ele concordou.

Nós saímos de mãos dadas pelo corredor. Mais próximo da parte de trás do palco encontramos o restante do pessoal: Molly, Lambert, Tommy, Jeff, os gerentes da gravadora, a equipe de publicidade de Harry, Tom, os outros compositores, engenheiros e todo mundo que tinha trabalhado ou tocado algo para o álbum estava ali.

Dali, eu conseguia ouvir a abertura, a mesma que eu tinha ouvido na passagem de show: Charles Bukowski recitando “Style”.

Harry saiu distribuindo abraços em alguns, “high fives” em todos, ambos em outros, enquanto um coro de “Gary, Gary, Gary – apelido inventado por Tom – era feito. Ao se afastar, H mostrou os dois dedos do meio por causa do apelido – ou do coro, eu não consegui distinguir.

Assim, ele sumiu pelas escadas do palco junto com a banda e eu soube quando ele tinha entrado porque a gritaria foi ensurdecedora.



Sacrifiquei Kiwi com muita dor no coração, porque queria estar esperando por Harry quando ele saísse do palco.

Agora que Jeff e eu tínhamos resolvido todo e qualquer mal-entendido, ele me acompanhou pela parte de trás do palco enquanto o restante de sua família e amigos ficaram para a última música. Entramos no corredor que Harry passaria e dali tínhamos uma visão direta para a escada do palco, mas ninguém conseguia nos ver.

- Você se lembra mais cedo quando conversamos como eu falei que H não saberia lidar se te perdesse? - Jeff me perguntou enquanto esperávamos.

Eu ouvia a plateia gritar de volta para Harry enquanto ele cantava a última parte da música. O zumbido era tão alto que o chão parecia tremer.

- Sim, o que tem?

- Você é familiar com o termo The One? Eu sei que você não é daqui, mas é quando...

- É, eu sei o que significa. - O cortei, nervosa que aquela conversa me faria perder o momento em que H saísse do palco. - Feliz ou infelizmente, o Brasil é bombardeado de referências norte-americanas.

She sits beside me like a silhouette
Hard candy dripping on me ‘till my feet are wet


Aquela letra definitivamente não era apropriada para aquela conversa; isso se eu estivesse certa sobre para aonde ela estava indo.

- O-kay. - Jeff riu. - Então vou direto ao assunto. - Mesmo falando isso, ele pausou por um segundo. - Eu acho que você é a “The One” do H. Você é o amor da vida dele.

- Por que você acha isso? - Eu fiz uma careta de descrente, dispensando aquela teoria.

- Eu conheço H há quase dez anos, ele é um dos meus melhores amigos.

- Só isso? - Eu perguntei depois da justificativa superficial e nada esclarecedora.

- Talvez seja por isso que eu tenha sido tão relutante em o deixar mandar tudo pelos ares para ir atrás de você, eu não ligo para o dinheiro que ele perderia, e ele muito menos. Só que eu não conseguia acreditar que ele realmente falava sério sobre você; quero dizer, ele estava falando sério, mas eu não sabia se... Eu pensei que ele se arrependeria depois... quando tudo passasse, e eu me culparia por ter cedido, não ter sido sua voz da razão.

- Mas não passou... - Eu completei, interpretando perfeitamente o que ele queria dizer.

Jeff negou com a cabeça.

- Não. Meu primeiro pensamento foi de que talvez ele estivesse confundindo todos esses sentimentos; H já se relacionou intensamente com muitas pessoas, acho que isso faz parte da natureza artística dele.

Eu soltei uma risada, porque não poderia concordar mais.

- Tom, Kid Harpoon – esclareci –, uma vez me disse para quebrar o coração dele, eu não entendi muito bem o que ele quis dizer na época, mas eu acho que tinha a ver com conseguir as melhores músicas assim.

- O Kid tem um espírito aventureiro e esse é um pedido recorrente feito para o H, eu mesmo já testemunhei algumas vezes. Agora, é a primeira vez que eu ouço que ele pediu diretamente para a outra pessoa na relação.

- Ele também disse que Harry tem passado mais tempo em LA por minha causa.

- Hum! - Jeff murmurou pensativo. - Pensando melhor, é verdade. Quero dizer, especialmente agora que ele vendeu a casa, era para ele passar menos tempo aqui, no entanto esse tempo tem aumentado.

Eu concordei com a cabeça. Eu não tinha reparado nesse aumento de estabilidade desde a venda da casa, porém houve momentos nos últimos meses em que parecia até que morávamos juntos.

- Ele me disse isso há oito meses.

Jeff pausou por um momento, como se seu sistema estivesse em pane.

- Oito meses atrás? - Repetiu como se não tivesse entendido direito.

Eu concordei com a cabeça.

- Mas ele realmente tem passado mais tempo comigo depois da venda. Às vezes uma semana completa. Uma vez ele passou dez dias direto na minha casa; eu chegava do trabalho e ele tinha tirado o pó de todas as minhas prateleiras e passado o aspirador na casa inteira, acho que ele acabava ficando entediado sozinho. - Comentei com um sorriso. - E com o álbum finalizado e a ideia de que deveria estar descansado para a nova Era... ele não tinha muito o que fazer.

Jeff balançava a cabeça enquanto eu falava, absorvendo cada pedaço de informação que eu lhe dava.

- Como eu disse, ao longo desses anos eu já vi Harry com outras pessoas, mas eu nunca o testemunhei considerando nenhuma delas como alguém com quem ele se estabeleceria, dividiria os momentos verdadeiramente importantes, o bom e o ruim...

Aquela carta que Harry escreveu para mim veio na minha memória. Era uma memória pouco confiável, meio apagada, mas eu sabia que tinha algo sobre a possibilidade de um futuro e foi naquilo que eu me apeguei enquanto Jeff confirmava, sem saber, tudo aquilo que foi há meses confessado por Harry.

Eu cresci vendo nos meus filmes preferidos de comédia romântica conversas como aquela. Em que família ou amigos próximos conversam com um dos protagonistas sobre como nunca viram a outra parte tão feliz ou apaixonada. Sobre como acreditam que aquela pessoa é a The One da outra. Estar naquela posição era impossível de processar.

- , tudo isso que você compartilhou comigo só me faz acreditar mais ainda que o que ele sente por você é algo para uma vida inteira. É por isso que ele não soube o que fazer quando você sumiu e ameaçou não voltar, porque para ele nunca seria a perda de um “e se fosse ela...”, nunca seria a sombra de uma dúvida, entende?

Eu não sabia se ele queria uma confirmação ativa, mas balancei a cabeça mesmo assim.

- O que você preferia? Nunca ter sentido nada ou sentir algo e perder, mas pelo menos você sabe como é? Ninguém em sã consciência escolhe a segunda opção. Harry já sabe que é você, ele sabe o que estaria perdendo. Te amar e ter o seu amor é a certeza que ele já provou e uma perda dessas nunca vai ser melhor do que nunca ter conhecido o sentimento...

- Eu acho que...

- E eu consigo ver em você o mesmo. - Seus olhos me encararam profundamente, era uma daquelas análises de alma. - Ele é o seu The One também. - Concluiu.

Eu olhei para o palco e Harry andava de um lado para o outro, já se despedindo. Eu só escutava a bateria violenta de Sarah. Ele deu a volta e parou no topo da escada, fazendo a icônica pose da capa do álbum, a qual rendeu uma sequência de gritarias. Então desceu correndo, Fred e Matt visivelmente estressados correndo atrás dele.

- Ele sempre foi.

Jeff não disse mais nada e nem eu. Ele sabia que tudo o que importava para mim naquele momento era receber Harry de abraços abertos.

E assim Harry fez. Ele só parou de correr quando jogou os braços em volta do meu pescoço, o impacto me cambaleando para trás. Nas suas costas tinha uma mancha de suor e também senti sua barriga molhada quando o abracei. Ele tinha dado tudo de si e mais um pouco.

- Foi incrível, H! - Eu gargalhei com a sua animação, não deixando transparecer minha tensão pela conversa séria. - Meus parabéns! Parabéns pelo álbum, por esse show! Você é incrível!

Ele tirou a cabeça do meu ombro e me deu um selinho.

- Casa comigo, ! - Gritou no meu ouvido.

- O QUÊ? - Eu gritei de volta, meu tom uma mistura de “eu não ouvi direito” com “só posso ter entendido errado”.

Eu olhei para o lado e Jeff não estava mais ali. Éramos só Harry e eu.

E claro, os seguranças ao redor.

- Esse é um dos melhores dias da minha vida! E pode ser o melhor.

- Você está brincando?!

Ele riu e me encarou, a pupila dilatada, a face brilhando em suor.

- Ok. - Revirou os olhos. - Namorada, então. Quer namorar comigo?

Eu gaguejei como resposta, eu não sabia se ele ainda estava brincando e sua risada boba não me convencia do contrário.

- Estou falando sério. - Sua expressão se neutralizou por meio segundo. - Esse pedido não parece tão absurdo depois de ouvir o primeiro, certo? E um dos dois você precisa aceitar. Eu acho que casamento é um pouco repentino e somos novos ainda, mas se você quiser, fico feliz em obedecer... Quero dizer, para mim agora ou depois, não faz diferença.

- Você é louco, Harry! Louco... - Eu balbuciei.

- , eu só quero tentar de novo e do jeito certo dessa vez; sem ambiguidades, sem espaço para dúvidas... Eu quero o status, o rótulo. Eu quero ser seu namorado.

- Harry, você acabou de sair do palco, está claramente cheio de adrenalina. Por que nós não vamos para casa, você dorme e amanhã se ainda estiver com esse pensamento nós conversamos?!

- Eu não preciso dormir para ter certeza de que quero você, .

- Mas nós não estamos bem assim? Um rótulo pode complicar tudo de novo...

- ... - Harry segurou meu rosto com as duas mãos e me encarou profundamente. - Eu sei que eu demorei a consertar as coisas e que ter te magoado talvez tenha sido a minha ruína, mas eu quero mais, você sabe disso. Eu sempre quis.

As palavras de Jeff ressoaram como um sino nos meus ouvidos. Você é a “The One” do H. O amor da vida dele. E, pela primeira vez, ficou claro como a água o que significava o “eu quero mais” de Harry. Ele quer a certeza de que ele também é o amor da minha vida e que ele não está sozinho nessa. Nunca foi sobre o rótulo em si, sobre dar o próximo passo esperado num relacionamento...

- Eu sei. - Sussurrei, minha voz fraca demais para acompanhar o nível de energia de Harry.

- Eu vou precisar cantar Golden pra você de novo? Você não gostou muito da última vez...

Aquilo me fez sorrir.

- Não. Não precisa. - Revirei os olhos apenas para manter o costume. - E sempre foi eu quem cantou suas músicas contra você. Você não pode as cantar contra mim.

Eu também fiz H sorrir. Eu amava mais do que tudo o fazer sorrir; essa era a certeza que eu tinha, que eu queria ser a causa daquele sorriso tortinho que sempre derretia o meu coração.

- Olha, eu não prometo que eu não vou te magoar de novo, , porque puta que pariu, eu consigo ser um idiota, eu sei disso. E você é uma teimosa do caralho. No entanto, eu prometo que se isso acontecer eu vou fazer de tudo para consertar meus erros e vou lutar até o fim pela gente. - Ele deslizou uma das mãos para a minha nuca, me segurando com mais firmeza. - E eu sei que você também não pode prometer que não vai me magoar, mas você sabe como as coisas são... porque corações se quebram.

Eu não conseguia parar de sorrir, mas bufei pelo nariz e chacoalhei a cabeça. Harry me seguiu como olhar o tempo todo para não quebrar o contato visual.

- Tô praticamente dizendo que... sei lá! Quebre meu coração, . - Descontraiu risonho. - Mas eu tô aqui disposto a passar por isso, os altos e baixos; desde que sejam com você. Então me dê essa chance. Vamos tentar de novo?

Harry era e sempre foi o único capaz de dizer tudo aquilo que eu precisava – e muitas vezes não queria – ouvir. Meu coração estava tão cheio que eu sentia ser capaz de explodir naquele momento. Eu sempre acreditei no amor, por mais que ele me aterrorizasse às vezes; eu sempre soube que existia e sempre o senti em níveis diferentes.

Todos os amores sempre me foram plausíveis: Você ama seus pais, seus amigos, seus interesses amorosos, seus animais, seus filhos, todos esses esperados e justificáveis. E tem o amor de fã, o qual é condicionado numa realidade de via única; seu ídolo é tudo o que você vê, mas ele não te vê, é o único amor que nem todo mundo algum dia vai sentir, por isso é tão julgado, é como um delírio e soa enlouquecedor tentar validar.

E isso parecia o mais distinto do habitual que eu algum dia sentiria, esse amor de fã que é impossível de justificar pra quem nunca o sentiu. Eu não sabia que era possível acumular mais de um tipo de amor, numa combinação que se tornou triplamente poderosa; é como aquela frase que diz “ter o melhor amigo e o amor na mesma pessoa”. Que sorte a minha de ter o meu ídolo, melhor amigo e o amor da minha vida, os três na mesma pessoa.

E eu acreditava em cada palavra que Jeff tinha me dito, acreditava também em cada mínima prova que todos os dias Harry me apresentava, sem perceber, de que ele sentia exatamente o mesmo por mim. E, por isso, não havia mais volta dali; ou Harry e eu ficaríamos juntos para sempre ou o término acabaria com as nossas vidas. Não existia um meio termo, não tinha uma terceira opção; ter nos apaixonado seria a melhor ou a pior coisa que já aconteceu com a gente. Esse era o nível do nosso amor que transcendia tudo o que eu já conheci. Era poderoso demais. Não tinha mais jeito. Para mim só existia Harry. E para Harry, só eu.

- Só se a música que você usar contra mim for Gotta Be You.

- Da One Direction? - Harry franziu a testa sem entender do que eu estava falando.

Um sorrisinho de lado pendia no meu rosto.

- Can we try one more time? Stop the tape, rewind, oh?

Harry jogou a cabeça para trás, rindo.

Antes que pudéssemos dizer qualquer outra coisa, nossos amigos e sua família nos alcançaram e eu me afastei para que Harry pudesse receber o amor de todos eles.

*

Semana de Ano Novo


A temperatura em Miami era amena, mas estava quente se comparado aos últimos dias que passamos na Inglaterra.

Tínhamos voado de Londres no dia anterior depois de passar o Natal com a família de Harry em Holmes Chapel. Fizemos tudo como no ano anterior, exceto que dessa vez eu já sabia o que esperar e estava animada para tudo.

Estávamos no estacionamento de uma feira cubana no bairro Little Havana. Harry estava filmando um quadro com os pais de James Corden para o Late Late e o cenário de fundo eram os trailers brancos da produção.

O lugar estava cercado, ao passo em que havia muitas pessoas na área. Eu o observava pela câmera, James do meu lado esquerdo e Ben Winston do lado dele.

Nós viemos a convite de Adele (sim, A Adele) para passar o ano novo com ela e outros amigos na sua casa de praia no Caribe, mas antes de seguirmos para as Ilhas, H estava gravando esse último trabalho do ano, que pelo que ele me explicou, só iria ao ar no final de janeiro.

- Você está se divertindo em Miami? - Malcolm, pai de James, perguntou.

- Sim, eu estou. Está quente aqui. - Harry respondeu olhando na direção em que estávamos. - É o meu aniversário amanhã.

Ben fez um joinha para ele. Acredito que aquilo era para parecer que tinha sido gravado no mesmo dia que iria ao ar.

- Quantos anos você está fazendo? - Margaret engajou.

- Eu vou fazer 26. - Harry balançou a cabeça para enfatizar.

- E quando você vai se casar? Se estabelecer com alguém? - Margaret fingiu sussurrar, o tom de voz caracteristicamente materno. - Você já conheceu alguém?

- Eu estou procurando, estou procurando. - Harry respondeu olhando para baixo.

Eu não sabia se era intencional que ele parecesse tão estranhamente desconfortável, mas estava me arrancando boas risadas.

- Ele está procurando... - Malcolm repetiu sutilmente irônico.

- O mundo é difícil... - Harry tentou argumentar.

- Você... Olha só... - Margaret segurou o rosto de Harry entre as mãos, balançando sua cabeça de um lado para o outro. - Você é muito bonito. - Ela gargalhou ao soltá-lo.

Harry sorriu completamente quadrado de tão sem graça e deu outra olhada para onde estávamos.

Eu tampei a boca com a mão para não estragar a gravação com a minha risada. James colocou uma das mãos no meu ombro e chacoalhou a cabeça descrente.

Eles continuaram numa conversa casual. Eu me distraí por um segundo e Malcolm estava tentando ensinar Harry a dançar salsa.

- Você é Isabela por hoje. Isabela.

- Quem é Isabela? - Eu sussurrei confusa. Talvez aquela fosse alguma piada interna.

- Ontem gravamos com eles aprendendo a dançar salsa e a dançarina que dançou com meu pai se chamava Isabela. - James sussurrou de volta.

- Isabela, ela era maravilhosa. - Malcolm continuava lá na frente.

Parecia que ele estava prestes a dizer que a apresentaria para Harry ou algo assim.

- Ah é? - Mas H tinha a maior cara de desinteresse do mundo.

- Quero dizer, você ficaria ótimo no que ela estava vestindo.

Harry balançou a cabeça negativamente, soltando um riso abafado. Todo mundo no fundo caiu na gargalhada e o diretor precisou parar a cena.

James se inclinou sobre mim, colocando a cabeça no meu ombro e rindo sem parar.

- Seu pai é muito engraçado. - Eu comentei também incapaz de parar de rir.

Margaret se aproximou e os outros dois vieram logo atrás.

Harry tirou o braço de cima do ombro de Malcolm e foi para o meu lado, segurando minha mão e me puxando para a frente dos pais de James.

- Essa é a minha namorada, .

Os dois se olharam ao mesmo tempo em que exclamavam “ahhh”.

- Só . E é um prazer conhecê-los. - Eu estendi a mão e os cumprimentei. - Desculpe não ter os visto antes, eu precisei voltar no carro para pegar um carregador.

- Oh! E ele te deixou ir sozinha? - Ela perguntou escandalizada.

- Fred foi comigo. - Apontei para o grandão num canto. - Além do mais, H tinha um horário marcado com vocês.

Harry coçou a garganta, fingindo querer mudar o foco da conversa.

- Bem, como vocês podem ver, eu não estou procurando por alguém. - Harry passou o braço sobre o meu ombro, exatamente como ele tinha acabado de fazer com Malcolm. - Ela morreria se eu falasse algo em frente às câmeras.

- Eu te mataria, isso sim. - Corrigi e soltei um sorriso inocente. Nós rimos.

- Por um instinto de autopreservação eu escolho ficar calado. - H deu uma cotovelada em Malcolm. - Você entende o que eu quero dizer; quando a nossa mulher manda, a gente obedece. - E terminou com uma piscadela.

- , e o que você faz? Você não é da indústria, é? - Margaret perguntou.

- Não. - Eu sorri e mexi a cabeça. - Tenho um trabalho normal de 9 às 5. Gerente numa multinacional. - Simplifiquei.

- Você é tão bonita e eloquente. Pensei que fosse uma atriz ou apresentadora. - Me elogiou.

- Ah, bondade sua! - Eu balancei uma mão no ar modestamente, me sentindo envergonhada.

- Vamos, , eles precisam continuar. - James se aproximou e tocou no meu braço.

Harry fuzilou James, mas não disse nada; ele odiava quando as pessoas me chamavam de “”.

James só me puxou e nós dois voltamos para trás das câmeras rindo.

*

JANEIRO, 2020


A batida na minha porta chegou delicada, isso já descartava a presença de Henry Campbell.

Eu nunca respondia, todo mundo sabia que o meu estilo era “avise e entre”.

Primeiro, apenas uma fresta foi aberta e eu abri um sorriso quando reconheci Jane.

- Jane! - Eu me levantei para a receber e nós nos abraçamos.

- Como vai você? Oi, Lucy!

- Oi, Jane!

Pelo cumprimento rápido, as duas já tinham se visto naquele dia.

- Bem! E você? - Respondi.

- Ótima! - Respondeu exagerada.

- Ih, o que foi? - Eu franzi a testa, já desconfiada.

- O que você vai fazer nesse domingo?

- Hã... Eu não sei. Não tenho nada programado ainda.

- Então... Dylan e eu temos esse dia no spa que ele me deu de presente de aniversário de casamento e vai expirar no meio da semana que vem e esse fim de semana é a nossa última chance de usar, mas eu não tenho ninguém para ficar com o baby Eddie.

- Jane... Eu não posso. - Eu respondi triste. - chega na segunda-feira para passar a semana comigo e eu tenho milhões de coisas para fazer, além da surpresa para o aniversário do Harry no outro fim de semana...

- Você é a única pessoa que eu conheço que faria uma surpresa de aniversário pro namorado no dia do seu próprio aniversário! - Lucy se intrometeu lá do canto da sala, sentada em frente ao próprio computador.

- Não é bem no dia do meu aniversário. - Tentei me justificar.

- Dois dias antes! - Lucy rebateu afiada.

- É que ele vai fazer show no dia do aniversário dele e não vai dar tempo de fazer nada para ele no dia. - Me defendi com mais chateação do que eu realmente sentia. Um pouco de drama para garantir veracidade.

- , por favorzinho! Você pode levar o Harry com você.

- Pois é. Que tipo de tia é você? - Lucy botou pilha.

- Por que você não fica com ele? - Eu a fuzilei com o olhar.

- Não posso. Tenho prova, preciso estudar.

- Eu jamais confiaria meu filho nas mãos de Lucy, 22 anos de idade. - Jane exclamou.

- Eu tenho 25?!

- Só até semana que vem. - Ela desdenhou.

- Ah, claro! - Respondi sarcástica. - E fazer 26 vai magicamente mudar alguma coisa.

- Eu confio em você, . Você é a gerente mais nova dessa empresa.

- Grandes coisas. - Lucy provocou e eu me virei para ela com a boca escancarada.

- Atrevida!

- Bem... Então eu acho que é isso, eu vou perder o meu presente. - Jane suspirou exageradamente.

- Ugh! - Eu revirei os olhos. - Por quanto tempo você precisa?

- Três horinhas depois do almoço.

- Tá! Tá bom! - Eu concordei contrariada. - Mas só porque eu sou uma amiga do caralho, viu? Eu sou a mais legal!

Jane soltou uma risada e me abraçou.

- Sim, você é, titia .

*


Quando chegou o domingo, eu não poderia estar mais arrependida de ter aceitado ser babá; não porque seria horrível, mas porque eu não queria sair da minha cama, não quando eu tinha Harry Styles dormindo nela. Ele dormia praticamente todos os dias, mas eu nunca ia me acostumar com isso.

Eu rolei preguiçosa e joguei uma das pernas por cima dele. Como resposta, Harry resmungou e me puxou pela cintura.

- Bom dia. - Eu murmurei piscando os olhos.

- Dia, babe. - Sua voz não passava de um resmungo baixo e rouco. - Que horas são?

- Eu não sei, mas eu preciso me arrumar para ir na Jane.

- Hum. - Se espreguiçou, me puxando de novo quando seus braços se retraíram. Tudo isso sem abrir os olhos. - Não vai. - Pediu manhoso. - Eu pago uma babá para ela.

- Harry! - Eu o repreendi e ele abriu os olhos com o susto. - Eddie não tem nem um ano, ela não quer deixá-lo com desconhecidos.

- Me desculpe... por... sugerir isso. - Ele piscou preguiçosamente, não parecendo realmente arrependido.

- Você não precisa ir comigo se não quiser.

- Eu vou. - Respondeu assertivo. - Essa é a sua semana e vamos fazer o que você quiser.

- A semana nem começou. - Eu revirei os olhos. Ele tinha fechado os dele de novo.

- Hoje é domingo, início de uma nova semana.

- Na regra pode até ser, mas para mim só começa na segunda-feira.

- É por isso que você odeia segundas-feiras. Se as suas semanas começassem com caminhadas e sorvete nos domingos tudo seria diferente.

- Eu não odeio segundas-feiras. Odeio o fato de que as coisas no trabalho tendem a dar errado nas segundas.

- A partir de hoje nós vamos estabelecer uma tradição: nossas semanas juntos sempre começarão no domingo! - Harry sugeriu ainda letárgico na cama.

- Eee! - Eu fingi animação, na verdade apenas correspondi sua energia, ou a falta dela.

Harry se sentou devagar e eu protestei com choramingos e sem realmente verbalizar nada enquanto ele me soltava.

- É sério. Eu te amo, ok? - Ele passou as duas mãos sobre a cabeça, fazendo movimentos repetidos para jogar o cabelo para trás e desembaraçá-los ao mesmo tempo. Seu tronco curvado para frente escondeu um pedaço da borboleta entre as dobras da pele. Seu corpo estava lentamente perdendo o tom bronzeado que ganhara na temporada no Caribe, mas ainda assim ele estava mais moreno do que o seu habitual, até mesmo os seus cabelos pareciam mais escurecidos, realçando mais o verde cristalino dos seus olhos.

Observando-o na minha frente como a cena do meu filme favorito, uma miragem de água no deserto, um sonho acordado de nirvana ou uma escultura de Michelangelo, eu disse:

- Eu te amo também.

- E quero que você tenha uma boa semana.

- Tipo, essa semana ou todas as semanas? - Respondi com um tonzinho de deboche.

Se eu não desviasse o foco de qualquer momento sério com humor, não seria eu. Eu sei que Harry me amaria sem isso, mas eu amo que ele me ama com isso.

- Todas as semanas. - H semi revirou os olhos e me deu um beijo na têmpora seguido de um selinho.

- Sabe o que me faria ter uma boa semana por um bom tempo? - Eu coloquei as mãos atrás da cabeça.

- Hum?

- Aqueles 50 mil na minha conta...

Harry jogou o edredom para o alto.

- Já basta, eu juro por Deus. - Ele se arrastou para a ponta da cama. - É isso! É hoje que eu te transfiro essa merda desse dinheiro e eu nunca mais quero ouvir você falar sobre isso. - Marchou até o celular, todos os seus movimentos muito exagerados.

Ele fingia digitar no celular, mas só usava um dedo que batia repetidamente no mesmo lugar da tela. Eu tampei a boca com uma mão, minha risada soando como hihihihi.

- Considerando a virada do ano e a inflação, acho que podemos dobrar esse valor, não é? Você pode investir e nunca mais trabalhar.

- Mas eu gosto de trabalhar...

- Você acabou de dizer que odeia as segundas-feiras por causa do trabalho... - Harry distorceu minhas palavras.

Eu me levantei da cama também, isso só para dar um tapa em seu ombro.

- Paraaaa. - Reclamei. - Não foi isso que eu falei.

- Tem certeza? Porque eu posso jurar que ouvi você dizer que preferia passar dias inteiros nesta cama – apontou agressivamente – com este corpo do seu lado – e bateu a ponta do dedo no próprio peito.

Eu puxei o ar pelo nariz lenta e audivelmente, soltando pela boca e focando bem em revirar os olhos na mesma velocidade.

Na metade da minha performance, H já estava rindo e me envolvendo pela cintura. Em seguida, começou a me puxar de um lado para o outro e eu demorei algumas arrastadas de pés para perceber que ele estava tentando dançar, então deixei de ser peso morto e passei a o acompanhar, movendo os pés no famoso dois-pra-lá-dois-pra-cá.

- O que nós estamos dançando? - Eu perguntei quando pousei de novo no seu peito após ser girada.

Harry apenas encolheu os ombros como resposta e eu comprimi os lábios num sorriso.

- O quê? - Ele questionou de imediato. - O que você está pensando?

Sem responder, eu me soltei abruptamente e me agachei com as mãos nos joelhos, cantarolando o que eu achava estar soando como uma batida de funk: tchu-tcha-tchu-tchu-tchu-tcha. No ritmo, flexionei e contraí minha barriga e tronco em vez de mexer a bunda.

Num primeiro momento, a cara de Harry foi de completo horror.

- É funk, amor! Vamos, dança! - Eu falei alto.

Jogando as mãos para o alto, eu girei nos meus calcanhares seguindo o ritmo que inventei, ainda cantarolando o mesmo tchu-tcha e me balancei, quase como um joão-bobo de posto. Eu sei, eu sei. A cena toda parece uma coisa ridícula, mas não há nada melhor do que estar completamente confortável na presença de alguém ao ponto de ser quem você é sem nenhum filtro.

Harry abriu a boca no maior sorriso e jogou os braços para o alto também, balançando o quadril de um lado para o outro, só que de um jeito mais bonitinho do que sensual.

Eu voltei com as mãos para o joelho e numa virada rápida eu saí da situação dançando de frente para Harry encarando minha bunda. Dessa vez, eu rebolei com tudo do jeito “certo”, minha bunda friccionando sua pelve.

- WOAH! - Harry exclamou muito surpreso, mas levou as duas mãos para o meu quadril instintivamente. - O que é isso?

Eu não aguentei e comecei a rir, me endireitando e jogando os braços pelo seu pescoço.

- Isso é uma rebolada de raba.

Ele ficou tentando repetir e eu traduzi sem parar de rir.

E foi ali, meus amigos, que eu me arrependi amargamente, porque Harry Styles nunca mais parou de falar “raba”.

- Você precisa fazer isso mais vezes. - Harry sugeriu num tom bem malicioso.

- Talvez eu faça de novo quando voltarmos da Jane. - Eu respondi com uma piscadinha. - A JANE! - Eu arfei. - Que horas são?

H resgatou o celular de cima da escrivaninha que eu nem tinha visto quando ele tinha colocado lá.

- OK. Temos que ir.

Eu entrei no chuveiro e Harry foi fazer café para tomarmos no caminho.

Quando eu terminei, invertemos. Ao passar por H na porta da cozinha, ele fungou o ar.

- Hummm. - Murmurou vindo para o meu lado. - Cheirosa.

Eu ri e o parei para um beijinho, foi quando ele fungou o meu pescoço.

- Você pode pegar minhas roupas e deixar em cima da cama? Eu acho que esqueci na secadora ontem à noite.

- Uhum. Quer que eu separe o que você vai vestir?

- Seria ótimo. Obrigado. - H respondeu e começou a se afastar.

- Ei! Você precisa me falar o que você quer usar?!

- Qualquer coisa que esteja lá dentro. - Harry parou na porta do banheiro e virou o pescoço para responder. - Se escolher alguma camisa de botão, separa uma camiseta branca para eu usar por baixo também.

- Uau. Estamos mesmo atrasados! Você jamais me deixaria escolher suas roupas de outra forma.

- Ahhh, cala a boca. - Ele revirou os olhos e entrou no banheiro.

Eu saí gargalhando e bebericando meu café.

Nós não estávamos assim tão atrasados, chegaríamos em cima da hora, mas chegaríamos a tempo, isso se o trânsito não resolver ficar pior do que normalmente, aí estaríamos ferrados.

Para não correr o risco e adiantar o máximo que poderíamos, H saiu na frente pelo corredor para chamar o elevador e eu fiquei para trás trancando a porta

Depois, quando chegamos na garagem, eu gritei “eu dirijo”, como se fosse uma competição de quem falasse primeiro ganhava.

- A gente já está atrasado e você é muito devagar, bem lento.

Harry caminhava do meu lado e parou de uma vez e eu vi pela minha visão periférica a expressão de profunda ofensa em seu rosto.

- Não mesmo! - Negou efusivamente. - Eu dirijo na ida e você na volta, nós temos um combinado! Inclusive, eu vou te provar que eu não sou lento!

- Você está falando sobre dirigir ou... - Deixei minha frase morrer, mas permaneci com um sorriso satisfatório direcionado para ele.

- Eu posso ser devagar em muitas coisas, mas dirigir não é uma delas. - Harry clarificou, num modo “não vou entrar no seu jogo, talvez só um pouquinho”.

- Então tá! - Eu ria naquele tom de “não vou discutir com você” e entreguei a chave para ele.

Ele ligou o carro e acelerou consecutivamente com o freio de mão acionado, fazendo um barulho muito alto e acumulando um pouco de fumaça em volta.

- Para com isso e vai logo. - Eu dei um tapa no seu braço.

- Só aquecendo, só aquecendo!

- Se o síndico me notificar você vai pagar a multa!

Harry gargalhou como resposta. Ele era muito abusado mesmo, até porque pagar uma multa não era uma coisa que o preocuparia.

- Depois eu sou expulsa do condomínio e eu quero ver onde você vai morar!

- Eu? - Ele perguntou confuso enquanto manobrava meu carro até o portão.

- É! Agora você fica mais na minha casa do que eu mesma.

- Se eu bem me lembro, você quem me deu a chave.

- Justo.

Ele pisou fundo no acelerador e saiu cantando pneu.

Eu suspirei alto.

- Você vai pagar pelos meus pneus também se continuar fazendo isso.

Harry abriu o porta-luvas e pegou um dos óculos de sol dele de lá de dentro.

- Eu pago o que você quiser, minha linda. - Harry mostrou todos os dentes para mim e colocou os óculos.

Ugh! Era impossível ameaçá-lo com qualquer consequência que fosse ele pagando por prejuízos materiais.

- Cala a boca e dirige, Harry Styles.

- Sim, senhora! - Bateu continência.

Uma vez que entramos na via-expressa, o engraçadinho achou uma ótima ideia manter a velocidade perto das 100 milhas por hora. Se a polícia nos parasse não ia ser uma multa que levaríamos, acima disso era prisão e apreensão do veículo.

- Harry, você está correndo muito.

- Tá tudo sob controle, .

- Eu não quero ser presa, seu ridículo.

- Você não vai. - Assegurou.

Mesmo fingindo me contrariar diminuiu a velocidade que caiu para 80.

Não foi muito depois disso que eu vi as luzes vermelhas e azuis: Uma viatura na nossa cola.

- Tá vendo, Harry! Eu falei! - Eu cobri a testa com a mão e balancei a cabeça.

- Desculpe. - Harry falou sem um pingo de remorso e um sorrisinho no rosto enquanto trocava de faixa até chegar no acostamento.

- Você é um idiota e nós estamos pra lá de atrasados agora!

Harry abaixou o vidro e observou pelo retrovisor o policial descer do próprio carro e se aproximar do nosso.

Eu mandei uma mensagem para Jane pedindo mil desculpas e dizendo que íamos nos atrasar.

- Boa tarde, senhor. - Harry abriu um sorriso ao falar.

O policial nem olhou na nossa cara.

- Registro do veículo e sua habilitação, por favor.

Eu prendi a respiração e deixei Harry tirar o registro de dentro do porta-luvas sozinho, até porque se eu fizesse algo o policial poderia interpretar como eu tentando fazer algo, o que definitivamente não era algo que eu queria numa situação como aquela.

- Já volto. Não saiam do veículo. - O policial advertiu quando Harry entregou o que ele pediu.

Ele saiu de cabeça baixa, concentrado em ler nossos documentos.

Eu já estava aterrorizada, imagina se eu ia sair do carro?! Apesar do meu próprio histórico como alguém que respeita pouco o limite de velocidade, eu nunca tinha sido parada ou multada aqui, e não saber o que esperar era o que me deixava em pânico.

O policial parou por um momento em frente a porta da viatura e deu meia volta. Ao se aproximar novamente, ele se debruçou na nossa janela e olhou bem para Harry e depois brevemente para mim.

- O senhor sabe qual é a velocidade dessa pista, senhor...? - Fingiu olhar para a habilitação dele. - Styles?

- 65, senhor policial. - Pela primeira vez eu vi Harry sério desde que fomos parados.

- Uhum. - O policial concordou com um aceno. - E o senhor sabe quanto estava indo?

Harry gaguejou por uma fração de segundo.

- Sabe de uma coisa, policial Adams? - Harry leu o nome dele na farda ao recuperar a postura. - Eu sei que estava correndo um pouquinho além do limite, me desculpe por isso. Nós estamos indo buscar o sobrinho da minha namorada, os pais dele tem um compromisso muitíssimo importante que não podem se atrasar, sabe? E nós só queríamos ajudar... O senhor tem filhos? - Harry trocou a expressão para o mesmo sorriso convencido e charmoso do começo da abordagem.

Eu nunca vi Harry mentir tanto nunca tacada só. Eu estava impressionada. E aquele tom de voz condescendente? Eu não sabia que ele era capaz daquilo. Se eu não estivesse praticamente cagando nas calças, eu certamente estaria rindo.

- S-sim. Eu tenho. - O policial vacilou na firmeza da voz por um momento, eu não acredito que ele estava caindo naquela! - O carro é da sua namorada, suponho. - Apontou com a caneta para mim. - ... - E ele se atrapalhou para dizer meu nome completo que era, com certeza, muito latino para ele.

- Sim, é meu. - Eu respondi sem paciência de corrigir meu nome.

- Posso ver sua habilitação também?

- Claro. - Eu respondi tão rápido que não deixei nenhum espaço para dúvidas sobre mim.

Arranquei o cartão – habilitação de motorista da Califórnia era em forma de cartão – de trás da capinha do meu celular e estendi para ele.

Ele pegou, nem fingiu olhar e me devolveu. Eu entendi na hora o que aconteceu, acho que somando o meu nome estrangeiro + eu não estar dirigindo o meu “próprio” carro, ele só queria conferir se eu tinha uma habilitação válida do estado ou sei lá o que se passou na cabeça dele.

- Olha, senhor Styles... Hoje eu vou deixar o senhor ir só com um aviso, ok? - Ele devolveu os documentos.

Ah, claro. Adicionaremos à soma o fato de que quem dirigia o meu carro era Harry Styles.

- Muito obrigado, policial Adams. - Harry abriu outro sorriso que ele sabia que completava o combo que o tornava irresistível.

O policial andou num círculo como se fosse se afastar, mas parou em frente à janela de novo.

- E... - Coçou a garganta e colocou uma das mãos atrás do pescoço. - Pode me dar um autógrafo? Uma das minhas filhas, a mais velha, é sua fã.

- É claro que sim. Com certeza. - Harry aumentou a voz, soando mais animado ainda.

Esse filha da puta dissimulado do caralho. Eu estava sem acreditar.

O policial entregou a caderneta e a caneta para Harry, que perguntou o nome da menina antes de assinar e o devolver tudo.

- O-obrigado!

- Tenha um bom dia! - Harry sorriu e fechou o vidro da janela quando o policial se afastou.

- Eu não acredito, Harry! - Eu exclamei indignada e ele riu.

Logo estávamos na estrada novamente e não tão atrasados quanto eu pensei que ficaríamos. Se o policial fosse consultar os nossos dados teríamos ficado ali por pelo menos meia hora.

- As únicas multas que eu tenho são de estacionamento, porque...

- ...é quando você não pode ostentar este rostinho de celebridade. - Fiz um movimento com a mão em frente ao seu rosto.

Ele riu mais ainda e afirmou com a cabeça.

- Um aviso seria bom, sabe? Que você não estava preocupado com ser parado porque nada te aconteceria.

- Me desculpe. Esse até fingiu bem, por um momento eu achei que ele não se ia me deixar passar. Geralmente eu não preciso nem entregar meu documento, quando eu abro o vidro eles nem disfarçam quando me reconhecem.

- É porque ele nem olhou para você quando pediu. Acho que ele só percebeu quando leu seu nome na habilitação.

- Provavelmente. Mas ele se manteve no personagem, até pediu sua habilitação. - Harry riu de novo, ele estava claramente tirando sarro.

Esse era um lado de Harry que eu não esperava. Eu sabia que ele podia ser um pouquinho maldoso quando queria, mas isso era... completamente atraente, puta que pariu.

- Ele pediu minha habilitação por pura xenofobia. - Eu soltei. - Ele só queria ver se eu tinha algum documento daqui.

- Não... - Harry respondeu boquiaberto. - Babe... Me perdoe, eu n-não percebi. E eu aqui brincando sobre isso. Me desculpe.

- Nah. - Eu dei de ombros. - É por isso que o meu namorado é Harry Styles, algum privilégio eu preciso tirar dessa relação e não tomar multas nunca mais quando ele estiver no carro parece uma boa troca.

Harry me olhou pelo canto do olho algumas vezes consecutivas para tentar conferir se eu realmente não estava chateada, aquele era um dos momentos em que ele encararia minha alma se pudesse, mas ainda bem que ele estava dirigindo.

Por fim, ele desistiu ou acreditou que eu realmente não me importei tanto assim. E não era que eu não me importasse, eu só estava anestesiada contra essas coisas depois de todo esse tempo. Era mais comum do que parecia e se eu fosse chorar minhas pitangas todas as vezes que acontecia, eu ia passar minha vida chorando. Eu não ia embora dali e resolvi que ignorar era a solução mais fácil.

Ao chegarmos, Jane nos recebeu muito mais animada do que eu esperava para alguém que estava atrasada. Ela nos instruiu e em cinco minutos eles já tinha saído.

Acabou que Eddie estava dormindo e se ele acordasse só precisaríamos dar a comida que Jane já tinha deixado pronta.

Harry e eu pedimos almoço porque não queríamos cozinhar, embora Jane tivesse nos dado passe livre para fazermos o que quiséssemos.

Ficamos assistindo nosso reality de confeitaria e Eddie dormiu o tempo todo. Foi como se estivéssemos em casa, exceto que havia um bebê no quarto ao lado.

Eu nem percebi a horas passando e me assustei quando ouvi o barulho da porta se abrindo.

- Ei, Dylan! - O marido de Jane apareceu primeiro.

- Oi, galera. - Ele se aproximou do sofá e Harry pausou o programa. - Como foi tudo?

- Ele ainda está dormindo. - Harry respondeu. - foi no quarto mais de dez vezes para checar se ele ainda estava respirando. - Completou rindo.

- Eu nunca fiz isso antes, eu sou a irmã mais nova! - Me defendi. - Fiquei preocupada.

- Mas pelo que eu ouvi você tem experiência, certo? - Dylan direcionou a pergunta para Harry.

- Eu sou o irmão mais novo também. - Harry brincou, como se a pergunta tivesse sido sobre isso. - Não, mas sim, tenho quatro afilhados.

- Cadê a Jane? - Eu perguntei.

- Eu a deixei no salão fazendo as unhas e mais tarde o baby Eddie e eu vamos buscá-la. - Dylan explicou. - De qualquer forma, vocês estão liberados. - Ele levantou e bateu o braço ao lado do corpo. - Muito obrigado por terem ficado com ele.

- Imagina, Dylan. É para isso que servem os amigos.

- Se vocês precisarem de novo, podem contar conosco. - Harry completou e eu controlei a vontade de virar a cabeça para ele e lançar “o olhar”, e sorri em vez disso.

Dylan nos acompanhou até meu carro que estava parado na rua ao lado da entrada da casa e Harry e eu fomos embora.

- Até que não foi ruim. - Harry falou enquanto rolava a tela do celular procurando o que ouviríamos. - Seria legal fazer isso mais vezes.

- Tá me dizendo que quer um filho, Harry Styles? - Eu desviei a atenção da estrada e o olhei com os olhos cerrados.

- Acha uma má ideia?

- Tá falando sério?

Ele me olhou também e um sorrisinho de lado surgiu.

- Eu deveria filmar sua cara. - Abriu o sorriso. - Suas reações são as melhores.

- Você é um idiota! - Eu dei um tapa no seu ombro. - Eu não sei como ainda considero qualquer coisa que sai da sua boca!

- Mas eu quero ter filhos, você sabe disso, não sabe?

- Bem, sei. - Eu mudei a posição que segurava o volante. - Mas não é algo para agora.

- Não. - Concordou. - Quando o baby Eddie nasceu... - Harry começou. - Você comentou que não sabia se queria ter filhos.

Eu ficava surpresa com a capacidade de Harry de se lembrar de detalhes, pedaços de conversa e coisas que eu disse que nem eu mesma me lembrava.

- Esse pensamento mudou de alguma forma?

- Por que a pergunta?

Eu sabia aonde ele queria chegar. Não era uma preocupação de estar com alguém que possivelmente não tivesse os mesmos objetivos para o futuro. O que Harry queria saber era mais algo como se estar com ele tivesse mudado minhas perspectivas, se eu considerava o incluir no meu futuro. Não era sobre ter filhos, era se eu os queria com ele.

- Só uma pergunta. - Encolheu os ombros. - Acho que é natural que em algum ponto entremos nesses assuntos.

Eu concordei com a cabeça, mas fiquei em silêncio. Harry não me pressionou pela resposta. Ele voltou a mexer no celular, finalmente selecionando uma música, cujo som preencheu de imediato o silêncio no carro.

Eu sempre pensei em filhos como a consequência de um relacionamento bem-sucedido e duradouro, logo essa opção para mim era totalmente condicionada pela pessoa que dividiria essa experiência comigo. Então, sempre imaginei que quando eu amasse muito alguém e tivéssemos a certeza de que queríamos ficar juntos pelo resto das nossas vidas e se ter filhos fosse o que fizesse sentido para nós dois, então teríamos. Sem a pressão de que é o que precisamos, ou porque é o próximo passo.

Eu abaixei o volume porque eu não queria gritar para ser ouvida.

- Se eu fosse ter um filho alguma dia, seria com você.

Harry estudou meu rosto por um momento, claramente surpreso com a minha resposta.

- Eu te amo, você sabe disso, não sabe? - Ele repetiu no mesmo tom da pergunta sobre querer ter filhos e aquilo mexeu comigo de maneiras inexplicáveis.

- Eu sei. - Eu sorri de lado e dei uma piscadinha. - Mas vamos cortar esse papo de filhos porque eu sou muito nova e você mais ainda.

- Dez dias, ! Eu sou mais novo do que você por dez dias! - Harry rebateu impaciente.

- Na semana que vem eu vou ter 26 anos e você ainda vai ter 25.

- Por dez dias, pelo amor de Deus!

- E daí? Eu ainda vou estar na casa numérica diferente da sua.

Nós chegamos em casa, eu estacionei o carro e subimos pelo elevador ainda falando desse assunto.

- Você só está indignado assim porque não aceita que eu sou mais velha. - Eu falei quando saímos no corredor do meu apartamento.

- Eu não estou indignado!

- Qual é, H. - Eu abria a porta e ria. - Você sabe que é verdade.

Ele ficou resmungando atrás de mim enquanto fechava a porta e eu caminhava pelo corredor até a sala, mal sabia ele que comemoraríamos seus 26 anos antes ainda do meu próprio aniversário. Eu virei para olhá-lo que vinha logo atrás e segurei um sorrisinho.

- SURPRESA!

Eu pulei para trás com o susto, quando uma chuva de confete caiu por cima de mim. Fui amparada pela mão de Harry nas minhas costas.

Os gritos vieram de todos os lados. Tinha tanta gente e eu estava tão envergonhada que abaixei a cabeça na hora.

Pelo que eu vi no susto, a sala/sala de jantar estava decorada com balões coloridos, na mesa havia um bolo e na parede acima uma faixa que dizia “Feliz aniversário ”. Mais embaixo “E Harry” recortado da faixa que eu tinha comprado para o aniversário dele para a semana seguinte.

Eu me virei para Harry boquiaberta. Ele olhou surpreso para a adição na decoração.

- Você fez uma festa surpresa para mim? - Nós dissemos ao mesmo tempo.

- Sim, mas era só para você. - Ele respondeu.

- A sua era semana que vem.

Eu mal tive tempo de dar outro passo e alguém me abraçou de uma vez.

- ! - Eu gritei quando reconheci o abraço que só ela tinha. - Eu achei... achei que você só viria amanhã!

- Não acredito que você conseguiu guardar segredo. - Harry comentou com ela e eles se deram um “high five”.

Que tipo de feitiçaria era aquela em que minha melhor amiga e meu namorado que não se gostavam tinham arquitetado um plano contra mim?

- Harry adiantou minhas passagens para que fizéssemos tudo isso. Ele deixou a cópia da chave dele comigo e Lucy e Jane contaram que você tinha a mesma intenção de Harry – apontou para elas perto da janela – então resolvemos unir tudo e fazer a surpresa para vocês dois.

- Babe... - Eu olhei para Harry fazendo um beicinho.

- E tem mais. - Ele disse e apontou para o outro canto, perto da porta da cozinha.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu não conseguia acreditar.

- Você trouxe os meus pais?

- Claro, eles precisam estar aqui. - Harry encolheu os ombros. - Eles perderam a sua colação de grau e eu pensei que...

Sem deixar que ele terminasse, eu o agarrei num abraço apertado e o beijei.

- Obrigada.

Então corri para os meus pais e os abracei. Foi quando eu chorei de soluçar. Ficamos assim por pelo menos dois minutos inteiros, até que eu conseguisse respirar direito.

- Vocês disseram que não conseguiriam vir esse mês! - Eu os segurei atordoada, sem processar como tudo aquilo estava acontecendo.

- O Harry pagou tudo. - disse ao se aproximar com Harry. - A minha passagem também. Um cara nos buscou no aeroporto ontem de manhã e nos levou para um hotel.

Eu olhei para incrédula e depois para Harry, que não entendia nada do que dizíamos, mas sorria mesmo assim.

- Hoje depois do almoço o mesmo cara nos buscou e nos trouxe aqui.

- Fortão e careca? Cara de mau? - Descrevi.

- Sim.

Era o Fred. Eu comecei a chorar de novo.

Eu abracei meus pais e outra vez e fui com Harry cumprimentar o restante dos convidados.

Todos os meus – não muitos – amigos estavam ali, exatamente as mesmas pessoas da minha colação.

Eu puxei Lucy de canto e trouxe H junto. Jane ficou conversando com Elinor e Henry. Fazendo unha coisa nenhuma!

- Desde quando você sabe disso?

Ela deu de ombros e riu.

- Há algum tempo.

- E semana passada você estava me questionando que eu ia fazer a festa para o Harry... Sua dissimulada!

- Bem, não era exatamente isso que eu planejei. - Harry brincou, apontando com a cabeça para seu nome na parede.

Agora com mais calma, eu conseguia perceber mais coisas da decoração que eu tinha comprado. Parecia que tinham feito um mix perfeito entre o que Harry pediu e o que eu “pedi”.

- Você merece essa comemoração tanto quanto . - Lucy colocou uma das mãos no ombro dele.

- Obrigado. - Eles se abraçaram. - Como você incluiu meus amigos? - Harry perguntou curioso e nós dois olhamos de canto de olho para Jeff, Glenne, James e sua esposa Julia, Tom e a esposa, Tommy e o namorado, Michael e a namorada que eu não lembrava o nome.

- Eu achei a lista com os nomes e números nas coisas da no trabalho.

Eu abri a boca num “o” perfeito.

- Você mexeu nas minhas coisas?

- Foi por uma boa causa. - Lucy se defendeu com olhos de cachorrinho abandonado.

- Como você tinha todos os números? - Harry me questionou.

- Peguei no seu celular quando você estava tomando banho e levei para o trabalho porque não tinha onde esconder, já que você fica aqui o tempo todo. - Terminei com um sorriso largo e falso.

Harry imitou perfeitamente a cara de surpresa que eu fiz antes.

- Você mexeu no meu celular?

- Foi por uma boa causa. - E eu imitei Lucy.

- O importante é que deu tudo certo! - Lucy interveio. - E nós estamos aqui porque amamos vocês e queremos celebrar suas vidas.



Minha mãe e meu pai aguentaram até quase o fim da festa, mas eles capotaram na minha cama assim que eu assegurei que eu tinha outro lugar para dormir. Eu sei muito bem como é o fuso-horário e imaginava como estavam cansados.

Depois cortamos o bolo e Harry tentou mergulhar a minha cara num deles. Retribuí afundando um dedo no glacê e tentando passar na sua bochecha, mas acertando seu cabelo quando ele desviou, o que sinceramente tinha sido vingança melhor.

Nos abraçamos e nos beijamos na frente de todo mundo. Ainda era meio louco pensar que estávamos assumidos assim, mas eu tinha me acostumado muito fácil. Harry nunca foi de evitar afeto e contato físico quando estávamos no mundo pessoal dele, na bolha segura e particular de amigos, família e outras celebridades. Era só eu que faltava fazer o mesmo. Mas agora fazia.

Quando todos foram embora, Lucy ficou para nos ajudar a limpar as coisas. Ela e pegaram um lado da sala e Harry e eu, outro.

Eu tinha terminado de limpar todo o glacê que Harry e eu tínhamos jogado um no outro do chão e tudo parecia mais ou menos organizado quando eu agradeci às meninas e disse que arrumaria o resto depois. Era domingo, estava ficando tarde e Lucy e eu trabalharíamos no dia seguinte.

disse que ia tomar banho logo quando nos despedimos de Lucy na porta e eu voltei para os braços de Harry que continuava a colocar coisas no lugar na sala.

- Quer uma bebida? - Eu perguntei, desviando por completo sua atenção da organização.

Estávamos naquele estágio de cansaço pós-festa em que você não sabe se termina de arrumar a bagunça, se desiste ou se toma banho.

- Quero. - Ele sorriu e me soltou para que eu fosse até a cozinha.

Eu nos servi uma única taça de vinho que enchi até a boca.

Quando eu voltei, o encontrei sentado do lado de fora, na varanda.

Aquele era um hábito que tínhamos adquirido juntos desde que Harry tinha vendido a casa dele. Antes, se eu tinha usado aquela varanda três vezes tinha sido muito. Eu raramente passava tempo suficiente em casa para pensar em me sentar lá, o que era um absurdo de se pensar já que eu pagava mais pelo meu apartamento do que todas as outras pessoas do andar somente pela varanda.

A varanda não era muito grande. Tinha uma porta de correr de vidro, duas cadeiras grandes e confortáveis e um pufe que servia de mesa de centro. Era uma das partes da casa que eu sequer tinha decorado quando me mudei, não tinha sido uma prioridade.

Tudo o que tinha ali era novo, porque eu tinha começado a decorar nos últimos meses, por causa do tempo que agora passávamos lá. Especialmente agora no inverno; algumas vezes eu chegava do trabalho para encontrar Harry enrolado num cobertor com uma dose de whiskey vendo o sol se por. Tinha se tornado a minha cena favorita.

Eu tinha comprado cobertores um pouco mais grossos apenas para ficarem ali e Harry já estava coberto por um deles quando eu me sentei ao seu lado.

Eu tomei um gole e passei a taça para ele, que sorriu pelo volume de líquido, mas não disse nada. Ele fez o mesmo que eu: tomou um gole e voltou a taça para mim.

De repente, me lembrei de algo. Me levantei, entreguei a taça para ele e saí sem dizer nada. Fui até o meu quarto e entrei na ponta dos pés, meus pais dormiam exatamente como eu me lembrava quando era criança. Eu parei por um momento, sorrindo para a cena.

Em seguida, abri o closet, resgatando uma caixinha escondida no meio dos meus sapatos, o único lugar que eu sabia que Harry não mexeria porque não calçávamos o mesmo número, de resto, tudo eu corria o risco de que ele pegasse emprestado. Quanto às calcinhas, ele adorava jogá-las na minha cara sempre que eu não queria me levantar. Literalmente. Se eu fazia hora para sair da cama, ele não apenas separava alguma roupa para eu usar, como mexia na minha gaveta de calcinhas e atirava contra mim a primeira que ele pegava.

Voltei para encontrar Harry no mesmo lugar, ele levantou o olhar, me acompanhando enquanto eu me sentava do mesmo jeito; cruzando as pernas em cima da cadeira, jogando a coberta por cima do colo e a caixinha por cima da coberta. Em silêncio ele me entregou a taça, da qual bebi mais uma vez.

Eu coloquei a taça na minha frente e medi. Já estava na metade e era por isso que eu tinha enchido tanto assim, para não precisar encher de novo.

- Eu estava planejando te entregar isso só na semana que vem. - Eu comecei. - Mas já que estamos aqui... - Eu estendi a caixa para ele. - Feliz aniversário.

- Isso é o meu presente? - Ele perguntou ao pegar a caixa. - Eu não trouxe o seu. Eu ia te entregar... no dia. - Tentou se explicar envergonhado.

- Tudo bem. - Eu encolhi os ombros. - Eu aceito no dia também. - Brinquei e ri.

- Aw. - Ele fez um biquinho e eu me inclinei para beijá-lo. - Obrigado, . - Terminou me abraçando desajeitadamente.

Ele me soltou e desfez o laço da caixa. Ao passo em que ele abria a tampa, eu continuei:

- Eu não sabia o que te comprar, então pensei em talvez começar uma tradição.

Dentro da caixa havia uma fita cassete e uma folha de papel dobrada ao meio, idênticas às que eu o presenteei no ano anterior.

- Babe... - Harry fez um outro biquinho e pegou a cassete primeiro, lendo quais eram as músicas no card de fora.

- Diferente da mixtape anterior, nessa eu pensei em compilar músicas que representaram de alguma forma esse período entre o seu último aniversário e o atual. - Eu disparei a falar. - A-a-algumas você nunca ouviu, mas eu ouvi muito em vários momentos. - Eu me remexi na cadeira, mas continuei do mesmo jeito. - Eu sei que tem um bocado de músicas suas, mas acho que músicas como Golden não poderiam faltar.

- Eu amei como você intercalou músicas brasileiras com músicas em inglês. - Comentou distraído, enquanto ainda lia cuidadosamente música por música. - Me faz pensar em como você é inteligente e tem esse repertório de músicas incríveis que nunca nem ouvi falar.

- Você também toca músicas incríveis que não conheço.

- Eu sei, mas é que... - Ele parou de falar. - Taylor Swift? - Ele leu e me encarou.

Era a última música da mixtape.

- Eu gosto de Taylor Swift. E não tenho culpa que ela seja sua ex. - Rebati indiferente.

- Nós nunca ouvimos essa música.

- I like shiny things, but I’d marry you with paper rings. - Fiz o melhor que pude para cantar, e claro que saiu completamente desafinado.

- Ah-ah, that’s right. - Harry completou com um sorriso.

- VOCÊ SABE A LETRA! - Eu gritei acusatória e ele sorriu mais largo.

- Eu não disse que não conhecia, só que nunca ouvimos... juntos.

- Eu sei. É só que me faz pensar em você, como eu acordo a noite e fico te olhando pra ter certeza de que está respirando.

- Como você fez com o baby Eddie... - Eu dei um tapa em seu braço, por um breve momento nenhum dos dois levando aquilo a sério.

- É porque você é o único que eu quero... E mesmo que eu não sonhe mais com você indo embora, às vezes... às vezes eu só quero ter certeza de que você ainda está aqui.

- Eu estou aqui. Isso que a gente tem... e eu não falo do nosso relacionamento amoroso; eu falo de o que quer que seja essa conexão inexplicável que eu só sinto com você. Esse encontro de... almas. - Ele apontou para mim e depois para ele repetidas vezes. - Isso se manteve de pé por todo esse caminho e agora estamos mais fortes do que nunca e eu não pretendo ir à lugar nenhum. Eu seria louco se te deixasse escapar.

- Eu sinto essa conexão também. Diferente de tudo o que eu já senti antes.

- Nós fizemos uma festa surpresa um para o outro sem saber, não dá para ser mais conectado do que isso. - Ele riu.

- A gente é tão diferente, H.

- Como? Em quais aspectos?

- Nossos mundos, pra começar...

Eu deixei a frase morrer, mas Harry continuou me encarando como se ainda ouvisse o que eu dizia silenciosamente.

- Eu não acho que sejamos tão diferentes assim. - Harry discordou. - Quero dizer, nós não concordamos sempre, tipo agora. - Riu. - Mas a graça é essa, você traz o melhor em mim. Sem o seu olhar talvez eu não fosse capaz de enxergar na mesma direção.

- Sabe de uma coisa? - Eu perguntei. - Eu sempre desejei alguém que fosse me entender, que notasse minúcias sobre mim que eu mesma deixo passar. Tipo... tipo que eu gosto de lavar as roupas coloridas só depois de ter lavado as brancas.

Harry gargalhou com o meu exemplo.

- Ou como você se recusa a escovar os dentes antes de tomar café da manhã.

- Não faz o menor sentido! - Me defendi. - Por que eu vou ficar com gosto de pasta de dente na boca se eu vou comer?

- Porque escovamos os dentes ao acordar. - Respondeu como se fosse óbvio.

- Vocês que são esquisitos, depois os dentes ficam sujos do mesmo jeito! - Harry dava risadinhas enquanto eu falava. - Eu sei que algo do tipo é ridiculamente irrelevante num relacionamento, mas pra mim mostra o quão profundamente a outra pessoa te conhece, significa ser visto. - Voltei a falar sério. - Eu nunca pensei que a pessoa que me veria seria você.

- Como eu poderia não te ver, ?

Eu dei de ombros como resposta.

- Eu só sinto que... eu não deveria nem estar naquela rua naquele dia. Mas, de alguma forma, eu estava... E você também.

Harry abriu a boca em um “ahhh” silencioso. Finalmente entendendo aonde eu queria chegar.

- Como é aquela frase? “Deus age maneiras misteriosas”.

- Você não acabou de citar a bíblia para mim, né? - Eu segurei a gargalhada.

- Eu acho que sim. - Ele assumiu risonho.

- E eu aqui esse tempo todo achando que você era muito mais espiritual do que religioso. - Debochei.

- Chame de planos de Deus, sorte, sina ou destino..., eu não sei como você chegou até lá ou por que eu decidi te seguir...

- Tá mais para eu te seguir – o cortei –, sabe? No carro... Já que eu não sabia para onde ir.

Ele respirou fundo e pressionou os lábios para não sorrir.

- Eu não sei por que eu me ofereci para te acompanhar, mas o pouco que você me mostrou naquela breve interação foi o suficiente para me fazer querer continuar. Você se lembra no meu camarim? Como eu te disse como eu achei que tínhamos nos dado bem?

- Sim. Eu me lembro.

Eu me lembro de tudo, Harry.

- Ouso dizer que foi ali mesmo, com aquele único dia, que eu já senti essa conexão; uma prévia, pelo menos. Eu não entendi o que era aquela sensação, mas hoje eu sei o motivo. E, , a forma que as nossas vidas se cruzaram ainda é um mistério para mim, mas eu sei que era para ficarmos juntos.

Eu o encarei profundamente e ele fez o mesmo. E eu vi não o nosso passado passar diante dos meus olhos, como acontece no final de todo filme clichê; em vez disso eu vi aquele presente. O presente que descobrimos e escolhemos para nós.

O que vivemos hoje já foi uma das infinitas possibilidades que a realidade poderia tomar, era apenas uma questão de revelar a porta certa. E Harry tinha razão; havia esse mistério que nos unira, e por isso alguma coisa me dizia que descobriríamos como chegar até o outro de uma forma ou de outra.

- É porque você já estava escrito no meu destino, Harry.

E eu sabia que estávamos prontos para desvendar os próximos mistérios, juntos.


Epílogo

MAIO, 2020


Harry estava de olhos fechados com a cabeça descansando no meu ombro. Abri a pequena janela oval e a claridade me cegou. Entortei o pescoço para enxergar o rosto de Harry e ele tinha apertado os olhos, mas não os aberto. Demorou algumas piscadas para que eu enxergasse nitidamente o céu azul da manhã e olhei para baixo com cuidado para não me mexer e acabar o despertando.

Peguei o celular para tirar uma foto, o relógio registrava quatro horas e doze minutos e contei mais quatro dedos para chegar à conclusão de que eram oito e pouca. Eu liguei o wi-fi que Harry tinha pagado o pacote e deixei que a hora se atualizasse sozinha só para que eu confirmasse que eu não tinha esquecido como fazer uma simples conta de soma.

Por fim, tirei a foto, era só céu e nuvens. Virei a câmera e bati outra foto, uma selfie de Harry com a parte da frente do cabelo preso para cima como uma calopsita, o travesseiro do pescoço servindo de apoio cobria o meu ombro e metade do meu rosto, porque assim eu pareceria apenas meia múmia e não uma múmia completa.

Um bipe soou na cabine e eu olhei para cima, como se precisasse dos olhos para apurar os ouvidos.

“Here is your Capitan speaking, we’re expecting to land in Guarulhos Airport in about thirty minutes. It’ll be cloudy, and the temperature is currently 66 degrees Fahrenheit. Reminder to keep your seatbelt fastened and enjoy the rest of your flight”.

Outro bipe.

“Aqui é o piloto, nós vamos aterrissar no aeroporto de Guarulhos em aproximadamente trinta minutos. O tempo está nublado e a temperatura é de 19 graus celsius. Por favor, mantenha o cinto de segurança afivelado e aproveite o restante do voo”.

Harry tinha aberto os olhos agora e eu dobrei o pescoço de novo para vê-lo.

- Você está bem? - Ele levantou a cabeça do meu ombro e me encarou preocupado.

Eu franzi a testa sem entender.

- Sim, por quê?

- Por que você está chorando?! - Levou uma das mãos com cuidado até estar bem próximo dos meus olhos, mas não me tocou.

Eu pisquei, sentindo meu rosto se molhar. Eu não tinha percebido.

- É que ele falou em português.

- Falaram português o voo todo. É sempre assim em voos internacionais, falam inglês e a outra língua. - Harry respondeu sem entender. - O que disseram? - Ele perguntou.

- Que estamos chegando. - Eu encolhi os ombros. - Eu só... Sei lá... Parece surreal toda vez que os ouço falando português. Não consigo acreditar que é real.

O sentimento de morar em outro país só é entendível para quem o sentiu. Eu poderia ficar horas descrevendo e, ainda assim, quem nunca viveu isso não seria capaz de entender por completo. É uma daquelas coisas que você não consegue imaginar como seria.

- Awww. - Harry fez um biquinho e eu o beijei. - Você é tão fofinha.

- Paraaaa. - Eu cobri o rosto com as mãos. - Eu achei que não fosse ficar tão ansiosa, já que vi meus pais em janeiro. - Comentei. - Mas é só um tipo diferente de ansiedade.

- Bem, eu sei exatamente do que você está falando.

Eu nunca tinha sequer me dado conta de que Harry tinha passado por tudo isso quando saiu pelo mundo aos 16 anos de idade; para quem está de fora parece incrível, mas só hoje, depois de fazer o mesmo, eu consigo imaginar como foi um pouquinho do que ele passou.

- Sabe... Eu fico feliz que tenhamos isso em comum. - Eu disse. - E isso é algo que eu refleti muito nesses últimos dois anos. É algo que eu nunca considerei, como era difícil estar longe de todo mundo e deve ter sido ainda mais difícil para você. É muito estranho pensar que faria um ano que eu não os via se você não os tivesse trazido para o meu aniversário. E pensar que você fazia uma turnê atrás da outra.

- Um ano já é muito tempo sem voltar para casa.

Há um ano eu estava num avião como esse, por mais ansiosa que estivesse para chegar, eu mal podia esperar que H viesse me encontrar. Por mais que eu quisesse, era impossível não pensar em como tudo foi completamente diferente do que está sendo agora.

Harry e eu não tocamos nesse assunto, não em nenhum momento durante todas as semanas que planejamos essa viagem. Eu sabia que ele pensava o mesmo que eu, era uma ferida aberta, e era um território que, se eu tinha perdoado e decidido seguir em frente, não poderia cavar novamente. Mas eu também sabia como era importante para ele estar aqui justamente por tudo o que passamos.

Era um ciclo e aquela era a oportunidade de Harry de o fechar.

Eu busquei pela sua mão e entrelacei nossos dedos.

- Obrigada por tirar essas férias comigo, H.

Harry encontrou os meus olhos e sorriu.

- Eu não sei como poderíamos comemorar seis meses oficialmente juntos de outra forma.

- Awwwn. Você é tão fofinho! - Eu debochei, imitando como ele tinha falado comigo.

- Eu sou mesmo. - Ele fez um biquinho e eu o beijei de novo.

- Mas agora você tem anos de prática, mal posso esperar para que isso fique mais fácil.

Harry sorriu tranquilo.

- Fica menos difícil, mas nunca é tão simples assim.

Eu refleti por um momento.

- Não mesmo. - Concordei. - E pensar que você começou tão novo. Se para mim, fazer isso depois de adulta tem sido tão desafiador, eu não consigo imaginar como seria fazer isso na adolescência, com pouca ou nenhuma supervisão e dinheiro ilimitado. Eu acho que eu teria me matado acidentalmente.

Harry tampou a boca com a mão livre ao deixar uma risada que mais pareceu um quack sair pelos lábios.

- Mórbido.

- Não é? - Eu ri também.

- Eu duvido que isso teria acontecido com você, no entanto. Pelas histórias que você me conta, parece sempre ter sido uma adolescente responsável.

- Meu irmão era o rebelde. - Eu sorri ao pensar em André. - Eu tive que ser a filha que nunca deu trabalho, o que, honestamente, é muito cansativo. Então eu acho que com uma oportunidade dessas, naquela idade, eu teria jogado tudo para o alto.

- Eu sinto muito por isso. - Harry alisou as costas da minha mão enquanto elas ainda estavam entrelaçadas e descansando no braço da poltrona. - Eu não acho que minha mãe teve um filho rebelde, mas Gemma definitivamente sempre foi a que nunca deu trabalho. Eu ia bem na escola, mas eu estava numa banda, ia em festas e sempre acabava me metendo em confusão, mesmo que eu não quisesse.

- Dá para imaginar, Harry Styles brigando numa festa? - Eu debochei.

- Bem, uma vez, eu tinha 14 ou 15 anos... - Começou a contar, o piloto fez outro anúncio que eu escutei pela metade, o pouso devia ter começado. - Tinha essa menina super popular na escola, considerada a mais bonita, essas coisas.

- Uhum. - Eu concordei apenas para que ele soubesse que tinha minha atenção.

- E todo mundo tinha uma queda por ela e eu não era diferente. Só que eu também era, bem, popular... por causa da banda. - Explicou devagar. - E um dos nossos colegas deu uma festa uma vez quando os pais não estavam na cidade...

Eu queria pedir que ele fosse direto ao ponto, mas aquilo não seria algo que eu faria com H, nunca. Então ele contou, todos os detalhes, naquela velocidade que só ele usava.

- ... E aí eu tentei beijá-la.

- Mentira! - Exclamei.

- E o namorado dela viu.

- Harry! - Continuei de boca aberta e descrente.

- E acertou meu nariz em cheio. Eu tentei devolver o soco, mas eu era magrelo e não sabia brigar, eu passava todo o meu tempo ensaiando ou trabalhando na padaria. Ele me deu outro soco que cortou minha boca e eu terminei no chão, sangrando na frente de todo mundo.

- Harry... Por que você fez isso? Você sabia que ela tinha namorado?

- Todo mundo sabia, mas namoro de escola? Aos 14 anos? - Encolheu os ombros. - Ninguém levava a sério. Não era um namoro de verdade.

O avião deu aquele tranco de quando as rodas batem no asfalto da pista e eu me distraí antes que pudesse respondê-lo.

Tínhamos chegado. No Brasil.

A sensação de êxtase mal deu tempo de me atingir, porque precisávamos ser práticos. Assim que liberassem a porta, uma das comissárias nos deixaria sair antes que anunciassem para os passageiros, assim não causaríamos tumulto e quando desembarcassem já estaríamos passando pela imigração numa daquelas filas VIP.

Quando o avião parou, Harry, que estava no corredor, se levantou e tirou nossas malas do compartimento e eu fiquei por conta da minha mochila abarrotada e sua bolsa marrom, aquela de couro que ele usava em todas as viagens.

A comissária nos chamou discretamente com um aceno, Harry deu dois passos para trás para que eu pudesse passar na sua frente e me acompanhou em seguida. Era impossível que ele passasse despercebido, mas até que não tinha sido nem de longe tão aterrorizante quanto eu pensei que seria.

Eu andei muito rápido e nem olhei para trás, eu só sabia que H estava perto porque eu ouvia o som das nossas malas. Eu não pensei em nada, eu só fui.

Só paramos de andar ao chegar até o carro de que nos esperava com o novo namorado do lado de fora na área de embargue e desembarque, depois de passar pela imigração e pelo corredor de “nada a declarar” da polícia federal.

Então, eu finalmente deixei que tudo me atingisse.

No banco de trás, eu entrelacei minha mão na de Harry e trocamos um olhar significativo.

Eu poderia dizer que tinha chegado em casa, mas, nos braços dele, eu sempre estive.

FIM



Nota da autora: EU NÃO ACREDITO QUE ESTAMOS AQUI! Eu comecei a escrever MDD em 2019 e foram muitos trancos e barrancos, eu poderia escrever um capítulo inteiro só sobre a minha transformação pessoal causada por essa história. Lá, naquela época, eu nunca pensei que eu fosse capaz de escrever uma longfic inteira e menos ainda que eu teria pessoas acompanhando até o fim. É isso. O FIM!
Eu queria agradecer a todas as minhas leitoras que viraram minhas amigas por causa de Harry Styles e dessa fic, e por cada uma delas que me ajudou ao longo desse caminho. Quero agradecer a todo mundo que leu em algum momento, se chegou aqui no começo, no meio ou só final; cada leitura, cada comentário, cada interação, cada surto... tudo isso, pra mim, foi muito mais importante do que as palavras podem transcrever.
Obrigada por acreditarem nessa história até mais do que eu.

O grupinho no whatsapp se mantém vivo e por lá as interações continuam diárias e você pode saber em primeira mão sobre as minhas novas histórias.
Eu ainda não sei o que vou fazer com o instagram da personagem, mas por enquanto vai continuar lá e eu tô sempre a uma DM de distância.
A playlist com as músicas-títulos vai ficar pra sempre disponível para quando quiserem matar a saudade, assim como as Mixtapes dos aniversários do Harry:
SIDE A
SIDE B
2020

Te espero na próxima fic!
Beijinhos da Cam Vessato ♥

Outras Fanfics:

De Volta a Dezembro (Mistérios do Destino Spin-Off) - Restritas, Harry Styles, Shortfic
01. Music for a Sushi Restaurant - Ficstape Harry's House
The Spaniards' Girl - Restritas, Cantores, Harry Styles, Shortfic
The Spaniards' Girl - The Dinner - Restritas, Cantores, Harry Styles, Shortfic
Just Another Hotel Room - Bandas, One Direction, Shortfic

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.

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