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Última atualização: 31/01/2024

Homecoming XXV — Nothing But You

(Dez meses desde a queda dos Vingadores)

“No interior do vórtice cósmico do Poço do Infinito, residem os conhecimentos universais inimagináveis pelos seres de menor existência. Uma criatura somente compreende todas as verdades cósmicas nas profundezas da sabedoria quando viajar além do véu e retornar. Somente ali, os olhos do Grande Deus Odin se abriram para a verdadeira natureza das seis Jóias do Infinito. As Jóias do Infinito são os artefatos mais poderosos do universo, cada uma garantindo aos seus detentores controle extremo sob um aspecto universal: tempo, espaço, realidade, mente, poder e alma. Separadas, as seis Jóias Espirituais contém poder além da compreensão. As Jóias foram parte da entidade primordial Nemesis, que, eons atrás, encerrou sua vida em detrimento a ser a única consciência no universo.
Cada Jóia é lapidada como uma gema oval, nomeadas e representantes de uma diferente característica da existência. A Jóia da Mente permite que seu detentor aprimore e obtenha habilidades mentais e psicônicas supremas, acessando pensamentos e sonhos de criaturas de superior existência. Em seu ápice, munida da Jóia do Poder, a Jóia da Mente pode acessar todas as mentes existentes simultaneamente. O acesso ao Reino Mental permite que o detentor da Jóia transforme tudo o que imaginar e sonhar em realidade no interior da Jóia, contudo, sua estadia é vigiada pelo Sleepwalker.”



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— Como é estar apaixonada? — A Dra. Hall indaga. — Como você se sente?
Tem um quinjet sendo descarregado na pista que posso ver pela janela do consultório da psicóloga, inúmeros tablados com itens envoltos em plástico transparente sendo carregados para fora pelos militares enquanto três homens são encarregados de gerenciar toda a situação com StarkPads e seus rádios. Cruzo os braços com a pergunta feita por Kate Hall, meus ombros também se tencionam, mesmo que eu possa ouvir-lhe rascunhar algo em seu bloquinho; provavelmente sobre como a dúvida me deixou nervosa e na defensiva, como a minha linguagem corporal entrega.
Contudo, não me sinto nervosa para falar sobre Peter, talvez apenas tímida. O verdadeiro problema é precisar estar de volta neste consultório e passar pela mesma situação vergonhosa como nas outras vezes que simplesmente larguei a terapia e todos os tópicos a serem tratados por ela foram anotados em um post-it por mim. Já riscamos alguns outros, o mais difícil tendo sido o do acidente e que demorou algumas horas. O sol já se pôs e estou cansada, afinal, voltar para a rotina de aulas não é nada fácil e precisar prolongar o dia com uma sessão de terapia é pior ainda. Eu esfrego meu rosto, o lip-oil que Pepper havia comprado para mim ficando grudado em minha mão. A pergunta de Hall pode ser interpretada de várias formas, mas eu sei exatamente o que ela deseja saber: se o meu amor por Peter conseguiu curar todas as minhas dores.
— Bom... Não é uma cura. — Consigo ver o reflexo da psicóloga pela janela, com sua mão sobre a protuberância em seu estômago e o dedão se movendo de cima para baixo. Aperto minha boca e volto minha atenção para o descarregamento de materiais dois andares abaixo de nós, mesmo que a minha mente esteja em Peter. — É como um ferimento — Meço bem as minhas palavras. — Como um hematoma na água quente. — Soa ridículo, mas não enxergo outra forma de comunicar à Dra. Hall como me sinto. Estou doente e meus medicamentos são a prova disso. Estou doente e cansada, mas Peter é um bálsamo. Amá-lo diminui a dor intensa, mesmo que não a cure. — Quando… — Engulo em seco, esfregando o pescoço até sentir a abelhinha em meu colar, assim como a pequenina flor. — É como tomar um banho de água quente quando tem um hematoma. O machucado e as dores ainda estão lá, mas eu tenho um bálsamo.
— Qual o nome dele? — A Dra. Hall questiona após um instante quieto entre nós.
— Peter. — A resposta é rápida e eu quase sinto vergonha. Não há dúvida.
— Peter… — Ela repete pensativa. — Peter e . — O complementar esquenta meu rosto. — Soam bem juntos.
— Obrigada — É uma resposta tão automática como dizer o nome de Peter ao descrever a pessoa que tem me ajudado mais do que nenhuma outra. Corro os dedos pelo cabelo, ainda que parte dele caia de volta sobre o meu rosto e faça cócegas no meu nariz. Minhas orelhas estão quentes. — Eu estava pensando em fazer parte do grupo de debates da escola, mas não coloquei na lista — Me afasto da janela, enfiando as mãos nos bolsos do vestido e coçando meu calcanhar com o pé, minha meia não ajudando muito. — O que acha?
Hall remove a mão do estômago, apoiando a palma inchada na cadeira e suspira.
— Acho que é uma boa extracurricular. — A ausência de um “mas” ou um “porém” em sua fala me surpreende. — Fiz parte do clube de debate no ensino médio e até fomos para o nacional. — Ela sorri um pouco. Seus sorrisos não são mais tão raros agora com a gravidez. — Mas porque tem interesse? — Aperto os lábios para conter um sorriso irônico. Entendo ser o seu trabalho questionar cada respirar meu para me ajudar a viver melhor, porém, chegamos a um ponto onde é engraçado me distrair tentando adivinhar onde o seu “mas” será encaixado no diálogo. — Você é tão tímida, . Tão quieta. — Mordo minha língua, abaixando a cabeça. Ouvir que sou tímida é sempre um motivo para me sentir mais tímida ainda. — Algo te despertou o interesse?
— O meu pai fala muito bem. Minha mãe… — Não é preciso prosseguir. Hall fez careta.
— Lembra-se do que nós conversamos antes? — É possível que esta seja a pergunta mais vergonhosa que alguém pode ouvir. É como perguntar “você não aprendeu nada?” — Sobre ser bonito que você se espelhe neles, mas não que force características que não são suas para agradá-los? Você não precisa ser exatamente como eles. — Me encosto na poltrona onde deveria estar sentada, mas não me sento. — Eles a acolheram da maneira que é. A única pessoa que não a aceita como é… — Quero sorrir, pois sei para onde isto está indo. — Bem, é você.
— Quero que se sintam orgulhosos. — Reformulo o que deveria ter dito ao mencionar as habilidades dos meus pais. Também desejo ser como eles, porém quero que gostem do que vou ser. — Sei que não deveria me sentir assim, mas...
— Se sabe que não deveria se sentir dessa forma, por que está ouvindo essa voz na sua cabeça que te diz o contrário? — Hall é cirúrgica e eu aperto a boca. — Acha que o seu pai a levaria de volta para a Hydra? Acredita que alguém teria coragem de fazer isso? — Seu exagero não me agrada. Tony não faria isso e nós duas sabemos, mas é a sua forma de dizer que minha ideia é tão insana quanto essa possibilidade. — O seu pai, aquele que te acolhe quando você chora e a sua mãe que está radiante com o casamento e me falou o quão linda você estava em um Zuhair Murad? Acha que eles iriam deixá-la por não ser a cópia de carbono deles? — Me prendo na conversa que Hall supostamente teve com meus pais. — Eles te escolheram, .
— Eu não quero que se arrependam dessa escolha. — Confesso e bato as mãos nas pernas como Pepper costuma fazer quando está impaciente com Tony. Bufo quando ela ergue a sobrancelha e sorri com gentileza. — Se você vier com uma analogia...
— Você se arrepende de escolher eles? Por que também foi uma escolha. — Meu grunhir é alto e eu pendo a cabeça para trás, esfregando as mãos no tecido do vestido. Ainda estão grudentas. — Não espera que Tony Stark seja igual a você, mas acha que ele quer que você seja a versão feminina dele? E o que acharia da Pepper ser ansiosa como você? Calada como você? Amedrontada como você?
— Obrigada. — Meu sorriso não é tão falso como eu gostaria que fosse. Hall não facilita.
— Estou dizendo que a escolheram pelas mesmas características que você quer mudar. — Ela dá de ombros para minha insatisfação. Sua honestidade é refrescante e eu penso em MJ. Penso que ela agiria assim comigo se soubesse a verdade. — A personalidade que te faz ser amada por muita gente é essa aí: tímida, reservada, um pouco mal-humorada e irritada. — Esfrego meu olho, sentindo o rímel se desfazer em meus dedos. MJ deveria ser uma terapeuta. Hall abaixa a cabeça para ler o bloquinho. — Ainda tem escondido comida no seu quarto?
— Não. — É a sua menção de meu mau-humor que me deixa mal-humorada agora.
— Ganhou peso, eu estou vendo. Mesmo doente. — Desta vez o sorriso de Hall é satisfeito e ela anota mais alguma coisa, apoiando o bloquinho sobre a barriga. — Tenta manter a alimentação como está fazendo agora que está se recuperando, . Não precisa comer tudo o que vier pela frente e depois se fartar e não comer pelas próximas duas refeições.
— É automático. — Eu suspiro, escorregando para sentar-me no braço da poltrona.
— Eu sei, mas você não precisa viver sempre no automático — Hall lembra. — Você tem a possibilidade de escolher viver, não só sobreviver no automático.


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A Jóia da Realidade permite que o seu detentor realize todos os seus desejos, ainda que em contradição com os limites da realidade existente, possibilitando o desempenhar de feitos irreais. No ápice de seu potencial de execução, quando junto às demais Jóias do Infinito, a Jóia da Realidade permite ao seu detentor modificar a conjuntura da existência em proporções cósmicas e conceber qualquer forma de realidade alternativa desejada, contudo, sua habilidade de alterar e distorcer as linhas da realidade ainda é incerta e considerada ilimitada até o momento de minha pesquisa. Há milhares de eons atrás, Melekith, Rei dos Elfos Negros de Svatalfheim, desejava utilizar-se da Jóia da Realidade para devolver o cosmos ao seu estado primordial de escuridão. Tamanha monstruosidade somente seria possível através do poder da Jóia da Realidade e sua infinita força de destruição.
Liquidificada em um fluido rubi denominado Aether, as últimas informações registradas acerca da Jóia da Realidade são referente ao Segundo Conflito dos Elfos Negros, onde, após o conflito sangrento entre os Elfos Negros e o Principe Thor, a jóia foi entregue ao Colecionador para protegê-la e foi posta em exebição no museu em Luganenhum. Luganenhum é a cabeça decapitada de um Celestial, o qual foi morto pelo Imperador Deus Destino para proteger o Mundo Bélico, e permaneceu em órbita do planeta como um lembrete do poder de Destino. Assim como as demais Joias do Infinito, a Jóia da Realidade somente poderá ser manipulada por seres suficientemente poderosos e capazes de suportar seu uso.


? — O livro quase escapa de mim quando batidas na porta me distraem. Meu StarkPad desliza pela cama quando eu me movo, a página de tradução de nórdico antigo estando na parte das sílabas enquanto meu caderno, onde tenho transcrito as frases do livro, se fecha com o meu movimento. — Tá decente?
O livro que lia é um grimório asgardiano antigo, cujo dono não pude identificar, mas que creio não ter escrito há muito tempo, uma vez que as páginas não são desgastadas e frágeis como as dos outros que tive medo de sequer folhear. Sua recente escrita é óbvia em comparação com aquele que está no chão de meu quarto, acima de um filme plástico para poupar o carpete das suas marcas marrons de sangue oxidado na lombada. O que leio é grande e possui uma capa emoldurada em prata desgastada, com um grande símbolo hexagonal no centro, assim como couro escuro o cobrindo. Este, para minha absoluta sorte, trata de artefatos asgardianos. Ainda que tenha sido cuidadosa em tocar nestes livros, apesar de não temê-los, não precisei de muito convencimento para saber que, se Thor decidiu mantê-los na Terra, talvez não sejam tão nocivos à humanos como os demais livros de Asgard.
— Tô sim! — Aviso ao me acomodar melhor na cama, puxando algumas almofadas para que Tony possa sentar-se se desejar. Ele empurra a porta com o pé e ombro, entrando com ambas as mãos ocupadas, seja com um bowl azul fumegante ou uma latinha de LaCroix de pêssego. O cheiro da comida domina o ambiente fechado com rapidez, mas não é tão forte como a minha surpresa em não ter nada queimado ou o Complexo estar em chamas. — Você fez isso? — Afasto os livros.
— Tá vendo o Corpo de Bombeiros lá embaixo? — Ele revira os olhos, mas eu dou risada. Tony também sorri suave, usando o porta-copos na mesa de cabeceira e a mesma bandeja que Pepper usou quando eu estava em repouso da perna, a colocando do meu lado sobre a cama. — A madame te avisou que vai ficar até tarde na Torre pra uma reunião hoje?
— Hong-Kong — Assinto ao me curvar para observar a comida que, analisando bem, não tem sinais de queimado ou cheiro, portanto, não foi feita por ele. — A Stark Industries importa placas de circuito impresso da Shenzhen Kinwong Electronics e a CEO Zhuo Jun é uma das cinco mulheres mais ricas de Hong-Kong em uma lista de 50 pessoas, e a única com foco em tecnologia e manufatura.
Pego uma colherada dos vegetais e do arroz sete grãos, reconhecendo o prato que já vi ser o jantar de Pepper algumas vezes. Abro a LaCroix enquanto mastigo a comida, me preparando para os medicamentos que Tony certamente trouxe para acompanhar o jantar e me colocar para dormir.
— Você engoliu uma Forbes Hong-Kong ou… — Ele puxa a cadeira da escrivaninha e a aproxima da cama antes de sentar-se e segura o livro que estava sobre ela. Se não estou enganada, este trata de runas de batalha e foi escrito pela própria deusa nórdica da guerra. — Jun é uma senhorinha muito agradável — Ele dá de ombros. — Ela só herdou a empresa por casamento, então não consideram muita coisa, principalmente por ter colocado o próprio irmão como vice-presidente. — Misturo as ervilhas no molho salgado ao ouvi-lo. — Descendência pesa muito.
— Imagino — Murmuro com a boca cheia das ervilhas. Não levanto a cabeça do bowl quando Tony passa a mão em minha testa para erguer a franja, ou reajo negativamente quando usa um grampo que estava na cabeceira para prender a franja de maneira torta. — Happy vai trazer a mamãe para casa? — Minha reação interna é de um ruborizar voraz. Mamãe soa infantil. Vulnerável. Mas é com Tony que estou falando e sua expressão não falha em se suavizar com o termo que uso.
— Vai — Confirma ele, assentindo e colocando o livro no chão. — Você lembra que eu fui na casa do Peter semana passada, certo? — Mastigo bem a cenoura na minha boca, evitando engasgar ao ouvi-lo mencionar Peter. Diferente de Pepper, nós nunca conversamos sobre mim e Peter. — Come direito, — Tony revira os olhos, mesmo com um filete de sorriso nos lábios. — Não vou matar o menino.
— Aconteceu alguma coisa? — Minha voz é apertada após um mastigar rápido.
— Controla a cara de constipação — Ele se inclina e usa a mão para levantar o outro lado da franja, parecendo querer olhar em meu rosto. Ergo a sobrancelha ao continuar mastigando para o incentivar a prosseguir. — Eu só quero dizer que, apesar de botar terror no menino as vezes e zoar muito esse rolo de vocês, quero que saiba que eu tô feliz pelos dois. — O observo por alguns instantes, um grão-de-bico crocante me ajudando a regular-me e ele parece precisar do mesmo ao roubar um do meu jantar. Tony apoia as mãos nos joelhos e dá de ombros como pode, lábios inclinados para baixo. — Apoiar esse namoro de vocês não descarta a minha preocupação com os dois, mas ameniza. — Eu deixo a colher apoiada no bowl, atenta para ele. — O que eu te falei sobre ser herói, que são muitas as responsabilidades envolvidas e muitos os perigos, não deixa de ser verdade. Mas ameniza um pouco a segunda parte. — Limpo a boca com os dedos, assentindo para que prossiga. — Nós conversamos na vez que fui visitar ele e naquela época que você estava ficando… — Tony sinaliza “louca” com o dedo fazendo círculos perto da orelha. — E eu arranjei todo o circo pro Peter ficar aqui.
— Fez aquilo de propósito? — Questiono ao tomar um gole da água saborizada. Okay…
— Fiz. Sei como é importante ter alguém que te tire da crise e faça pensar em outra coisa. — Meu pai dá de ombros, sem remorso. — Mas de volta pra conversa que eu não vou fofocar toda para você porque existe algo chamado “código masculino” — A expressão me faz rir. Tony sorri para mim. — Esse tempo que o Peter passou aqui, as conversas que eu tive com ele e a maneira que eu vejo ele agora; tudo me convenceu mais ainda que ele é a pessoa certa pra você. — A afirmação aquece o meu rosto de forma agradável. — Essa foi a coisa mais ridícula e melosa que eu já falei, que horror…
— Achei fofo, preciso admitir. — Intervenho com um sorriso maior.
— Porque não é você precisando admitir que um adolescente cheio de hormônios e que se pendura em Manhattan como o Tarzan é um bom namorado pra tua filha — Tony resmunga enquanto esfrega as têmporas, claramente perturbado. — Única filha, por falar nisso. Acho que pesa mais assim — Enfio uma colher de comida na boca para não rir do seu sofrimento exagerado. O mais velho solta um suspiro alto, apoiando as mãos nos joelhos novamente e me olhando. — Peter é gente boa. É isso o que eu tô tentando dizer. — Eu concordo. Ele é. — O jeito que ele ficou no dia do seu acidente, tenha sido com o medo de perder a May ou te ver ferida daquele jeito — Tony balança a cabeça, o humor lhe escapando. — E ele cuida de você, assim… Aquele rolo do picles no sanduíche? A Pepper fez um show contando pro Rhodey — Seu revirar de olhos é amoroso. — E ele ligou todo santo dia pra saber de você enquanto estava doente…
— Eu gosto do Peter. — Minha garganta dói com a pressão.
Gostaria de ser capaz de elaborar mais. Gostaria de contar para meu pai como Peter me faz feliz por estar ao seu lado, como seu sorriso faz mil sóis entrarem em colapso dentro do meu peito e como gostaria de passar cada instante do meu dia ao lado dele. Porém, as palavras que formulo em minha mente não conseguem alcançar minha boca e eu me calo, ainda que Tony esteja me olhando e os seus olhos não negam que ele entende o que quero dizer. Ele sorri um pouco mais.
— Acredita que eu não tinha percebido isso antes? — Tony bagunça meu cabelo e se põe de pé. — Termina de comer, vai dormir e não revive um morto. Não tenho condições de bancar uma de Rick Grimes e você não tem cara de Carl.


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— Trouxe chá de canela e maçã.
Me esforço para não fechar os olhos ao sentir o breve tocar dos lábios de Peter em minha têmpora segundos após entrar no laboratório. Ele havia comentado ontem sobre como faria Química Orgânica II este ano, ainda que já houvesse feito a III no ano anterior, afinal, mesmo que Midtown nós dê toda a liberdade do mundo pra decidir as matérias que gostaríamos de fazer em cada ano, universidades não são tão compreensivas.
— Meu herói. — A vontade de fechar os olhos é ainda maior quando toco o copo térmico e sinto o calor agradável da bebida através do isopor. O aroma de canela é intoxicante.
— Bom dia — A ironia do meu suspirar faz Peter rir ao contornar a mesa dupla, tirando a alça da mochila de cima do ombro e colocando seu notebook arranhado e com pedaços de fita-isolante em cima da mesa. Enquanto ele empurra a mochila para o nicho abaixo de seu assento, seguro o seu casaco e o ergo, voltando a cobri-lo após a alça da mochila quase ter o removido por inteiro de um dos ombros dele. — Dormiu bem?
— Bom dia. — Seguro o copo térmico com uma mão, enquanto uso a outra para abrir a tampa, cuidadosa para não deixar nenhuma gota ser desperdiçada. — Sim, e você?
Essa é uma das raras ocasiões onde não há nenhum traço de mentira na resposta. Não faço ideia se foram os medicamentos ou se Tony colocou quinze gotas extras de clonazepam em meu jantar ontem, mas não me recordo de dormir tão bem assim quanto na noite em que dormimos juntos após o acidente. Peter se acomoda melhor no banquinho antes de se aproximar mais e pressionar um outro beijo em minha bochecha, murmurando um outro “bom dia” que não disfarça o quão energético ele está. Seguro em seu pulso com carinho, afagando as veias saltadas ao tomar um gole do chá com a ideia de culpar o calor da bebida pelo aquecer de minha face.
— Ia ficar surpresa em como é fácil dormir se desligar o rádio da NYPD. — Peter sorri um pouco e eu ergo a sobrancelha até lembrar-me.
— Está realmente dando uma pausa? — Não estou tão surpresa assim por ele ter ouvido minha recomendação, ou o que soou mais como um suplicar quando entrei no assunto, mas estou um tanto mais animada por ter tomado a decisão. Suas atividades como vigilante sempre foram de grande importância, mas fico satisfeita por saber que está descansando. Pete assente veemente ao se dedicar a erguer a tela de seu notebook sem permitir que ela desconecte da parte de baixo. É só em tal momento que percebo que não está em seu lugar usual, como costuma ser ao lado de Ned. — O que...
— Ned vai sentar com a MJ hoje. Você ficou muito encolhida e tensa ontem. O máximo que vai acontecer é a MJ dar um gelo nele, nada demais. — Ele dá de ombros, aguardando a tela ligar. Franzo a boca, insatisfeita com o estado de seu computador. Desvio o rosto para Ned sozinho na mesa ao lado da nossa, batucando os dedos e claramente nervoso. Faço uma nota mental para lhe agradecer mais tarde. — E sim. Tô dando aquela pausa que a gente combinou. — Peter digita a senha do computador. — Me dá tempo de fazer companhia pra May e estudar sem ser interrompido por um trombadinha ou traficante.
O Sr. Harrington entra na sala de aula acompanhado de mais uma leva de alunos, mas o meu foco se divide entre MJ, que nem mesmo ergue a cabeça até perceber que precisa escolher onde se sentar, e Harry Osborn que entra logo depois dela. Não lembro-me de ter o visto ontem, mas sei que teremos aula de Biologia Avançada e não terei escolha. Harry coloca a mão no bolso da jaqueta jeans e usa a outra para tocar no ombro do Sr. Harrington, sorrindo amigável e o cumprimentando. MJ passa pelas mesas devagar, seu estômago embrulhando por não saber onde se sentar ou com quem.
— MJ — O chamado de Peter a faz nos olhar enquanto finjo estar muito interessada em procurar algo em minha mochila, mesmo que esteja apenas esfregando o fundo macio. — Ned me pôs pra fora da dupla. — Nós quatro sabemos que é uma mentira, e talvez Osborn também reconheça isso ao passar por nós, oferecendo um rápido aceno com a cabeça que retribuo tarde demais. — Senta aí.
Quanto tenho coragem de olhar para MJ, ela desvia os olhos e tira a mochila do ombro.
— Valeu, Parker.
Levo a mão para o copo com o chá, lutando contra a vontade de fugir. No entanto, essa tal vontade cresce quando noto a outra pessoa que entra na sala. Com uma calça branca estruturada, suéter creme com detalhes elegantes e saltos, Gwendolyn se parece com Pepper nos dias em que tem reuniões por longas horas, mas Stacy somente está vindo assistir uma aula de química. Seu rosto se ilumina quando nossos olhares se encontram, mas eu não me encolho, meus ombros erguidos ao sorrir de volta e erguer meu copo, apertando a boca devido ao leve desconforto e tendo certeza de que, se Tony estivesse aqui, iria cair na gargalhada. Michelle, Harry e Gwen. É hilário, não posso negar. Percebendo o humor da situação e sem autopiedade, levo o copo para meus lábios, evitando rir mesmo que queira muito.
— Como sempre, você tem o estilo mais street-clean de Nova Iorque, e eu fico morrendo de inveja — Gwendolyn fez um show de cruzar os braços diante de mim e revirar os olhos. “Somente se street-clean significa suéteres pretos sem graça, calças de bem maiores do que deviam ser e com claras alterações e... Certo. É com monumentais ressalvas que assumo que esse Trullem da Malene Birger ficou incrível na mineradora. Assim como as botas Ferragamo." — Quando vamos sair para fazer umas comprinhas juntas, ?
— Assim que você fizer o convite, Gwen — Dou de ombros, descansando meu copo sobre a mesa. — Conhece a Jen Atkin? — “Só pode ser piada…” — Ela vai estar trabalhando com a Carolina Herrera na Semana de Moda. Me disse que o Wes — Abrevio propositalmente o nome do designer que nunca ouvi falar antes e, desta vez, fico extremamente grata pelas conversas fúteis que as cabeleireiras tiveram na semana anterior. — Vai lançar uma coleção de florais impecáveis. — Sinto quando Peter se move ao meu lado, provavelmente surpreso por meu extensos conhecimentos, mas ele não diz nada, e eu permaneço com um sorriso brincando em meus lábios.
— Marcado! — Ela sorri animada, mesmo que esteja me xingando em sua mente.
Ainda devo perguntar à Pepper o que “mineradora” deve significar.
— O que foi isso? — Peter murmura para mim quando Gwendolyn segue para o final da sala. Ele não parece absurdamente surpreso, mas está tão confuso quanto MJ está, afinal, sentando tão perto, ela ouviu toda a conversa enquanto encarava Gwen descaradamente.
— Uma das cabeleireiras estava falando isso quando foi lá em casa — Murmuro de volta, tentando ter certeza que MJ não vai ouvir nada. Ela está se questionando se um dia me viu falar com Gwen, mas eu sei que não. — Não sei quem é esse Wes, mas acho que foi uma boa. — Meus dedos estão frios e meu rosto quente, pois é sempre assim que me sinto após uma interação com ela.
— Foi sim — A mão de Peter sobre a minha me conforta, assim como o seu sorriso. — Não entendi muita coisa, mas foi uma boa. — Ele afaga minha palma e eu aperto os seus dedos. Pelo menos ela não dirigiu palavra alguma a ele hoje.
Com dois toques no quadro branco com a tampa do pincel vermelho, o Sr. Harrington faz a introdução da matéria, o seu habitual nervosismo e o sua personalidade “sem jeito” não sendo assim tanta novidade para mim como foi no ano anterior. Como fez na última vez, não hesitou em convidar a todos os alunos para uma reunião experimental no Decatlo, e para o próximo seletivo na primavera, já que já tinha a lista de novos integrantes e as vagas se esgotaram. A reação imediata de Tony ontem quando lhe contei sobre a reunião foi de ligar para o Sr. Harrington, a sua desconfiança em mim não sendo assim tão passageira como eu esperava, afinal, mentir acerca da minha saúde foi uma falta grave, e eu ainda estou sendo castigada por isso. No entanto, sua perda de confiança em mim até mesmo para algo tão simples não deixa de me magoar.
— Agora que estamos todos sentados e apresentados, eu vou pedir que me entreguem os nomes dos seus parceiros de mesa. As duplas permanecerão as mesmas no resto do ano letivo, exceto casos específicos se eu precisar trocá-los. — Por um momento, o afagar de Peter em minha mão é pausado e eu sinto meus lábios formarem um sorrisinho.
— O Ned vai matar você. — Sussurro contra meu punho ao fingir coçar a garganta.
— Não se a MJ matar ele primeiro. — Parker pondera, inclinando a cabeça levemente pra mesa ao nosso lado, onde a cabeça dos dois está a mil. Ned somente quer que Peter cumpra com sua parte do acordo e MJ está considerando me agarrar pelo braço e levar para outra mesa.
Pete pega um post-it grande em sua mochila e uma caneta, sua caligrafia acelerada para escrever nossos nomes. B. e Peter P. Não sei o motivo de um sorriso querer surgir em meu rosto quando o B após meu nome é escrito bem redondinho, a fim de esconder a curvatura da letra que ele começou a escrever como um S. Stark e Peter Parker. Engulo em seco, balançando a cabeça e ouvindo inúmeros focos de conversa na sala. Algumas pessoas estão rindo e eu olho para o Sr. Harrington, ele que está inclinado sobre a mesa para ler algo no notebook, sem se atentar que a ponta da sua gravata azul de patinhos está dentro da xícara de café.
— Bom, já que estamos aqui, eu me chamo Peter — Viro o rosto para Peter, que está com a tampa da caneta na boca, inclinado sobre a mesa para ler o elemento na placa que identifica nossa dupla. Ele escreve nitrogênio no post-it antes de me olhar, sorrindo torto com a tampa plástica na boca. — Você vem sempre aqui?
— Somente nas terças e quintas. — Respondo o flerte que May havia me ensinado há uns meses, arrancando um sorriso ainda maior e mais adorável dele.
Apesar do Sr. Harrington passar uma boa parte da aula tentando chupar o café que está na gravata, sua aula é uma das minhas favoritas. Química, biologia e física sempre foram mais fáceis para mim, pois não é necessário um olhar mais amplo e filosófico sobre elas, assim como matemática e as suas demais ramificações. A exatidão é confortável, afinal, ciências exatas e linguagens foram os temas mais recorrentes durante a minha educação militar na HYDRA. Humanísticas nunca foi o foco da organização, uma vez que formavam soldados, não rebeldes. Minha educação enquanto prisioneira me guiava para um único objetivo: produzir e conquistar para eles. Produzir armas e conhecimento, bem como conquistar regiões e futuros membros. Me questiono a que extensão o treinamento iria se eu houvesse atingido a puberdade e fase adulta na HYDRA, bem como Natasha fez no Red Room.
No entanto, fui sortuda o suficiente para que isso não acontecesse e eu aprendesse sobre éteres e epóxidos em uma sala de aula muito menos hostil do que a que fui enfiada antes de ao menos ser ensinada a escrever meu nome. Aqui, o professor sorri abertamente para nós ao ensinar sobre um fenômeno de quebra ácida, os alunos não estão definhando e com hematomas nos rostos. Aqui, há um rapaz incrível ao meu lado, atento para cada palavra do professor, bem como atento para cada palavra que escapa ou não de mim. E quando me pega olhando as suas anotações, ele sorri gentil e vira o seu computador na minha direção, sua mão na costa de meu banquinho e dedos afagando minha coluna.
Aqui há carinho e paz, principalmente porque Peter está ao meu lado.
Quando a aula termina após uma hora, já preenchi um documento de quatro páginas, as anotações de Peter já estão confusas e sem negrito, e a gravata do Sr. Harrington já está seca e ele se despede após relembrar a turma sobre a reunião de inauguração da nova sala do Decatlo e a recepção dos novos alunos. Ainda estou guardando meus materiais quando MJ se levanta de supetão e deixa a sala e um Ned confuso para trás.
— A cada ano fica mais difícil entender como vocês duas são amigas — Ned resmunga ao colocar a sua mochila sobre o ombro, seu livro de mecânica debaixo do braço pois claramente não cabe em lugar algum além de seu armário. Ouço um riso baixinho de Pete enquanto organiza suas coisas. — Peter, tá me devendo um energético.
— O meu bem-estar vale um energético? — Pendo a cabeça para trás, questionando-me quanto tempo até Michele reconhecer seu erro e decidir conversar de forma civilizada comigo.
— Ia ser uma carona todo dia, mas o seu namorado não quer usar o carro novo — Peter passa o braço por meu ombro, claramente ignorando a reclamação do melhor-amigo, mas assumindo o papel que ele indica, pressionando um beijo rápido em minha têmpora. Ned revira os olhos. — Vocês dois são tão melosos. — Essa reclamação não é bem uma reclamação, é só um apontar de algo óbvio. Peter ri e eu passo o braço por sua cintura. — Quando eu vou arranjar alguém? — Leeds choraminga.
— Você está interessado em alguém? — É a minha vez de intervir. Não me recordo de Ned ter demonstrado interesse em alguma pessoa, então possivelmente não há ninguém de seu interesse. Ele balança a cabeça enquanto alguns alunos passam por nós. Não estar interessado em ninguém lhe incomoda mais do que não ter ninguém interessado nele.
— Então porque já tá preocupado? — Pete faz a pergunta do ano, me incitando a ir para trás e sair do meio do corredor, Ned também fazendo o mesmo já que a mesa atrás de nós está vazia.
— Acho que deveria aguardar até sentir interesse por alguém — Não me sinto confortável em discutir tal assunto tão abertamente enquanto a sala esvazia, mas somos amigos e eu sei cada um dos pensamentos de Ned. Não imagino que há outra forma de sermos mais íntimos que isso. — Quer realmente arranjar alguém só por estar entediado?
— Escuta ela — Peter dá de ombros. — A tem experiência nisso. — Abro a boca para retrucar a acusação, ciente que não há nada além de humor na fala dele, mas Ned bate palmas, sorrindo amarelo. “Essa é a minha deixa pra ir pra aula de economia doméstica?” Ned ri nervoso.
— Na verdade, é a minha de ir para a de Biologia Avançada... — Relembro com humor.
— Eu tava brincando — Peter ri com o nariz encostado em meu cabelo, firmando o braço ao meu redor e eu reviro os olhos. A onda de alívio que atravessa Ned é quase cômica. Ele não estava esperando que brigassemos pela brincadeira que não entendeu, mas estava pronto para dar o fora e deixar que Peter se virasse igual o ele fez ao colocá-lo pra fazer par com MJ. — Sem brincadeira agora, escuta a . — Peter prossegue. “Alguém já falou que vocês são insuportáveis?” Leeds cruza seus braços, claramente insatisfeito com nossas observações.
Sinto um toque delicado em meu braço, o sorriso prévio em meu rosto perdendo o vigor.
— Eu já pensei em dizer, mas nunca tive coragem, sabia? — É Gwendolyn que intervém em nossa conversa, um beicinho formado ao fingir ponderar se deveria ou não dizer isso. Ela ri junto a Ned enquanto, em sua mente, está satisfeita que o “balão”, como aparenta ter o apelidado, concorda. A expressão com que descreve Ned faz um amargor se espalhar por minha boca e me ajuda a lembrar o quão perversa Gwendolyn é na privacidade de sua psique.
— O seu autocontrole sempre me surpreende, Gwendolyn.
Aperto os lábios quando, pela primeira vez em quase duas semanas inteiras, ouço o som da voz de Harry Osborn tão próxima de mim, em diferença à última vez que nos falamos no corredor e eu lhe contei sobre Peter. Ele passa por nós com um sorriso sarcástico para a ex-namorada que revira os olhos para seu comentário, dando um tapinha no ombro de Ned e recebendo um joinha em troca pois os dois se conhecem da aula de economia. Instintivamente ou não, me aproximo ainda mais de Pete, seja para me afastar de Gwendolyn quando ela suspira insatisfeita com a intromissão de Harry, ou pelo tensionar de seu braço ao meu redor, assim como todo o seu corpo devido à aproximação de Osborn. Engulo em seco, questionando-me se este é verdadeiramente o melhor período para a aula de química, apenas para sentir um gentil afagar em meu braço e erguer meu rosto para Peter, que tenta sorrir para mim apesar de seu também óbvio desconforto com a situação.
— Você realmente vem aqui toda terça e quinta?


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Como havia comentado com Peter há algumas semanas, a última vez que estive presente na aula de educação física ainda foi na época que Liz Toomes estudava conosco, logo, faz muito tempo que o vi com o uniforme esportivo de Midtown. Então, quando entro na quadra, puxando a barra do short amarelo que visto, e meus olhos o encontram conversando com Ned em um canto, eu engulo em seco.
Minha memória é uma dádiva, seja pelas facilidades que me oferta no aspecto intelectual, seja pelo pequeno quadro comparativo que meu cérebro elabora nas menores mudanças que identifica sem muita dificuldade. É através de tal comparação que percebo o quão diferente Pete está em comparação à última vez que o vi usando o uniforme. Desde que o conheço, Peter nunca teve um porte físico que alguém consideraria não ser saudável. Mas é impossível não reconhecer como a sua bermuda de uniforme era menor menos de um ano atrás, ou como as veias de seus braços e mãos estão saltadas hoje em dia ou como a sua estrutura óssea foi afetada após poucos meses.
Como na noite em que nos beijamos pela primeira vez, eu identifico as súbitas mudanças com um breve olhar, uma vez que sempre prestei muita atenção nele. Sua cabeça está mais erguida ultimamente, bem como os ombros levantados e postura correta. Não demoro muito para perceber que foi tudo por conta de Maria Hill e os demais treinadores dele no Complexo que o colocaram nos eixos de um herói de filmes. Peter está mais forte, sim. Mas também está mais confiante e isso me deixa feliz por ele.
— Acho que eu tô sonhando — Ned me olha torto enquanto eu me aproximo, confusa em como alguns alunos, como Peter, trajam moletons azuis com a insígnia da escola mas eles não foram incluídos em meu uniforme esportivo. — É a primeira vez que eu te vejo nessa quadra, sabia?
— Segunda vez — O corrijo sentando-me na arquibancada de madeira desengonçada enquanto os dois estão de pé, Ned fingindo se aquecer e Peter fingindo não saber que seu rosto está ficando rubro. Toco em minhas pernas, desconfortável com a ausência de tecido para cobri-las, bem como incomodada por minha camiseta estar um pouco apertada também. — Na primeira vocês dois estavam tentando fazer flexões e alguém — Olho para Ned, evitando atentar-me às coxas de Peter e as veias no seu antebraço, as mangas de seu moletom erguidas. — Disse que o Peter conhecia o Homem-Aranha.
— O que é ridículo, é claro — Peter comenta, mãos nos quadris e rosto um pouco menos rosado. Ele também parece estar se esforçando para não olhar-me muito. — O Homem-Aranha já tá sem graça — Balanço a cabeça, observando o Sr. Wilson entrar no ginásio com um carrinho cheio de bolas de vôlei. Pete se vira para o professor enquanto mais alunos o acompanham, os meninos todos em um grupinho próximo às cordas. — Eu conheço mesmo é a Phoenix. — Mordo um sorriso quando Peter me olha, entretido com minha timidez.
— Vou ver se o Sr. Wilson me empresta uma corda pra eu me matar — Ned faz a mesma careta de hoje cedo e eu encolho os ombros, olhando na direção onde Betty faz algumas de suas amigas rirem. Novamente, me questiono como conseguir um casaco. — Vai de corda, Peter?
— Treinador me colocou no grupo de escalada hoje… — Sinto Peter virar-se para mim de novo, mas estou ocupada tentando decidir se seria perigoso usar meus poderes para transformar o short em uma bermuda e folgar minha blusa.
Aparentemente Peter não foi o único com muitas mudanças na aparência e eu somente percebo as minhas ao vestir uma roupa que não colocava há quase um ano. Lembro-me bem da aula que assisti da última vez, desde MJ me arranjando um cobertor para cobrir minhas pernas quanto ela também me emprestando seu casaco para me cobrir. Se tive dúvidas quanto a mostrar tanta pele com o vestido que usei em meu encontro com Harry, shorts curtos e blusas justas são absurdas demais. O apito do professor convoca todos a se aproximarem, de forma que Ned se afasta de nós, mas Peter se mantém comigo. Estou fingindo precisar amarrar meu tênis quando ele se ajoelha diante de mim, as mãos sobre meu sapato ao ajudar-me com minha desculpa esfarrapada.
— Quer meu casaco emprestado? — Concordo veemente antes mesmo que Peter possa terminar sua oferta bondosa. Ele sorri pra mim, parecendo entender minha vergonha. — O Sr. Wilson não vai ligar muito se você não quiser jogar com o resto do pessoal, — De meus pés, suas palmas agora afagam meus tornozelos, acima das meias brancas. Daqui de onde lhe olho, Peter parece mais adorável que nunca, sua dedicação e compreensão o deixando mais belo ainda. — Ele nem liga que a Betty passa a aula inteira fofocando, então acho que se você ficar quietinha ele vai até agradecer.
— Desculpa, é só que roupas assim não são a minha praia. — Cochicho com minha face quente, tensa com a situação e ainda sem entender como tive coragem de sair do vestiário. Engulo em seco, angustiada por lhe dar trabalho até nisso, mas Peter não parece se importar pois a justificativa o faz rir baixinho.
— Eu sei — Ele assente e seu sorriso cresce mais quando apoio os cotovelos nos joelhos e acabo por aproximar nossas faces um pouco mais. — A sua praia é vestido longo de verão, pijama dos Vingadores e roupa alheia.
— Eu ia comprar um pijama do Homem-Aranha, mas não vou mais. Ele é sem graça. — Uso a ponta de meu dedo em sua testa para afastá-lo, mesmo que queria sorrir e ele faça uma cara de desdém para minha brincadeira. — E vou devolver as suas roupas, Parker.
— Isso aí é mentira. — Ele sopra ainda rindo ao se levantar.
Peter começa a remover o moletom, primeiro encolhendo os braços para dentro da roupa e então o puxando para cima, o removendo do corpo segurando na costa da peça. E eu tento, mínima e culposamente, desviar os olhos quando sua camiseta sai junto com o moletom, expondo seu torso definido. A ágil exposição de seu corpo, bem como a maneira que seus músculos se tensionam com o mero movimento de remover o moletom são o suficiente para que eu queira enfiar a cabeça em um buraco no chão. Seu físico não é novidade para mim, mas no atual ponto em nosso relacionamento, é diferente e me deixa nervosa, seja por revisar o que já sabia sobre a sua aparência, seja por precisar entender que não devo mais ter tremenda vergonha de o ver exposto e vulnerável assim. Engulo em seco quando Peter puxa a camisa para baixo, um movimento tão rápido que demonstra como ele pode nem mesmo ter notado que eu lhe observei de maneira tão predatória e depravada.
— E-eu… — Minha voz falha e eu engulo em seco ao me levantar, minha mão pousando no moletom que Peter me entrega enquanto assenta o seu cabelo, empurrando-o para trás. — Eu vou sentar com as meninas. — Indico o pequenino grupo com meu queixo, ansiosamente vestindo a roupa e tentando prender minha respiração em razão do perfume de Peter estar impregnado na peça. Isso já é demais para mim. Quando tenho coragem de olhar para Peter, ele está tão confuso com a situação que quero apertar suas bochechas, mas ainda assim o seu assentir é encorajador. — Boa sorte na corda, Pete.
Betty Brant me recepciona com um sorriso agradável quando me junto a ela e as demais alunas de nossa turma em uma sessão da arquibancada, atraindo alguns olhares e fomentando certos pensamentos curiosos por estar usando a roupa de Peter, mas isso parece ser descartado bem rápido. Na ausência de meu celular ou demais distrações por me sentar alguns andares cima delas, me atento na conversa sobre o baile de boas-vindas deste ano e em como Betty será a responsável por ele que, no ano anterior, foi competência de Liz. Ao lembrar-me dos eventos que levaram ao último baile, questiono-me ansiosa se Peter ainda terá interesse em comparecer, agora que nada irá me impedir de ir a tal evento. Não há criminoso algum tentando matá-lo e meu castigo, com sorte, não deve se estender aos próximos dois meses. Com uma certa satisfação, imagino como seria se, na ausência de Liz Toomes no baile anterior, tivéssemos ido juntos para a celebração.
No entanto, as únicas memórias que tenho daquela noite estão manchadas com o sangue dele. Seja em Coney Island onde o encontrei escorado em uma rocha com sangue escorrendo pelo seu peito, seja quando não tinha forças para remover o uniforme que vestia e eu precisei rasgá-lo para que Peter pudesse tomar uma ducha e higienizar seus ferimentos. Com tais memórias amargas, torço para que a próxima experiência que dividamos em relação a um baile seja mais positiva. Estou dando um nó nos cadarços do moletom quando ouço um suspirar encantado vindo de Mia Harper. Antes mesmo que eu possa conter-me, utilizo meus poderes para poder olhar através de seus olhos e preciso engolir em seco com o que tanto a atrai.
— Quando o Parker ficou musculoso? — Eu fecho meus olhos quando a sua pergunta me alcança, mesmo tendo sido direcionada a sua amiga Beatrice Chapman que está sentada ao seu lado.
— Mia! — Chapman lhe dá uma cotoveladinha no braço, mesmo que esteja com a mão na boca para conter o seu sorriso cúmplice orriso.
Eu sigo os olhares curiosos delas na direção de Peter, entendendo com agilidade o que se questionam pois, ainda que sem querer, ele está dando um tremendo show. Com as mãos apoiadas no quadril e os braços flexionados ao erguer a cabeça para ver os outros alunos lutando com suas vidas e ainda assim falhando em subir a corda que eu tenho total certeza que não será dificultoso para ele. E, outra vez, o foco de Mia é nas pernas nada menos que torneadas e musculosas dele. A bermuda não faz nada para esconder o músculo bem definido das coxas de Peter e eu seguro-me com força em seu moletom, um tanto desconfortável com os olhares curiosos e interessados na direção dele. No entanto, eu encontro espaço em mim para um certo orgulho além do que é, indubitavelmente, ciúmes. Se elas estão o olhando dessa forma, é porque sua aparência as agrada bastante e, ainda assim, Peter está do meu lado. O orgulho transborda em meu peito
— Todo mundo já notou, Tish… — Harper murmura de forma sigilosa, mas utilizando os meus poderes, a ouço bem ao entrar na cabeça de Beatrice. — A camisa tá super apertada, ué!
Ela arregalou os olhos para a amiga, tentando convencê-la e diminuir a surpresa alheia. “Pensei que todo mundo já tinha percebido. Ou será que eu sou a pervertida aqui?” Entorto os lábios assim que Mia sente suas orelhas se aquecerem e ela começa a fingir prestar atenção no jogo de vôlei. Acompanhando-a, tento ignorar que Gwendolyn está participando ativamente do jogo, uma faixa azul mantendo o cabelo fora de seu rosto e seus shorts tão curtos quanto os meus não parecendo estar lhe incomodando tanto. E é claro que não lhe incomoda, pois é Gwendolyn e a única coisa que poderia lhe incomodar é não ser o centro das atenções, o que não acontece agora já que grande parte dos rapazes nas filas para subir a corda estão atentos para o jogo, principalmente quando ela se lança no chão e impede que a bola atinja o piso do ginásio. Preciso admitir que ela sabe como atrair olhares e como os fazer valer. Quando olho para Peter, ele está fazendo uma careta confusa para Ned enquanto o amigo o explica que escalar a corda é “pura tortura”.
— Eu gosto do cabelo dele. — Beatrice deu de ombros, se atentando para Peter e seu riso maldoso enquanto Ned discute sua teoria com o Sr. Wilson. Em sua mente, o professor está calculando quantas décadas ainda faltam até a sua aposentadoria. Controlo meu instinto de concordar com ela.
— Ele é bonitinho, vai… — A garota revira os olhos quando a amiga cutuca sua costela. — Tem um jeitinho meio nerd fortinho. Fora que ele é um doce. — Ergo a sobrancelha, interessada em saber como Mia sabe que Peter é um doce. Detesto o filete de ciúmes que sinto, mesmo ciente que qualquer um faria tal julgamento só de olhar para ele. — Se lembra que ele te ajudou na aula de física no ano passado? Depois que você voltou de Milão, perdeu duas semanas de aula, ele fez o trabalho de vocês sozinho e colocou seu nome por pena? — E é claro que Peter é um doce. Fazer todo o trabalho sozinho e ainda assim recusar todo o crédito é a coisa mais Peter Parker do mundo.
— Mas você tá sabendo que ele e a Black tão namorando? — Beatrice retrucou em uma tentativa de mudar de assunto pois “Claro, eu fui para Milão e não para a Suiça fazer uma rinoplastia tão perfeita que você nem sequer notou a diferença, Harper”. Estou surpresa pela notícia sobre o nosso relacionamento ter alcançado tantos alunos assim, mais ainda sou rápida suficiente para fingir estar atenta para um garoto asmático lutando com sua vida para ultrapassar dois nós na corda. Ele nem mesmo está a cinquenta centímetros do chão quando seu tempo se esgota e o Sr. Wilson apita em seu ouvido.
— Quem disse isso? Será possível que eu não tenho sorte? — Mia soa realmente ofendida e eu ergo a sobrancelha mesmo sem querer. — Mas, assim… — Nesse ponto, tenho certeza que minha sobrancelha já se misturou com meu cabelo. — Ela também é a maior gostosa, né?
O choque pela fala de Mia Harper me deixa sem reação exterior alguma, ainda que algo pareça ter estalado em minha cabeça. Aperto ainda mais a roupa de Peter contra mim. Cubro meus lábios para evitar deixar que meus pensamentos escapem, ou que possam reparar que meu rosto está queimando. Por fim, também me preocupo que alguém presuma corretamente que, para minha surpresa, o “elogio” me agrada um pouco.
— Trish, eu nunca tinha visto ela de shorts. Pelo amor de Deus! — A última exclamação é feita com um revirar de olhos e pender de cabeça para trás. Então Mia me olha sem querer e eu desvio o olhar a tempo. No entanto, é para Peter que eu olho agora, o que torna tudo ainda mais louco e comitantemente hilário. Ele está com ambas as mãos nos quadris, um triângulo invertido na sua testa e os lábios apertados de forma a formar um leve beicinho emburrado. — Você sabe que eu tenho uma queda por mulher alta.
— Decide — É a vez de Beatrice revirar os olhos, entediada. — Ou ela ou o namorado.
Aperto a boca para conter um sorriso ao perceber que, até o meu nome ser mencionado, Peter não prestava atenção na conversa alheia. Como se alguém houvesse mudado o tom de sua face com um pincel, Peter se ruboriza e a expressão alivia um pouco. No entanto, chega a um ponto no que me questiono se, uma vez que todo o sangue de seu corpo foi para seu rosto, se Peter não vai acabar desmaiando.
— Os dois — Mia dá de ombros. “É bem simples”. — O B de LGBTQIA+ não é de enfeite.


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Chega a ser adorável o sorriso que o Sr. Harrington dá para os alunos quando entramos na sala de reuniões do Decatlo, espaço que se tornou sua vitória pessoal por ter lutado com unhas e dentes com a diretoria para conseguir. Previamente, este era um ginásio de esgrima, mas após nossa vitória nas nacionais em Washington, Midtown decidiu investir na atividade e nos dar um espaço bom para estudarmos. No entanto, algumas das cadeiras novas estão envoltas em plástico e o professor se embola ao pagar o entregador que trouxe pizzas para nossa primeira reunião do ano, então não poupo tempo em guardar minha mochila atrás de algumas caixas de papelão e me aproximar, aguardando as instruções, afinal, fomos convidados a chegar uma hora antes dos novos membros para organizar o novo espaço.
, como vai? Como foi o recesso? — Aperto a mão do professor, sua animação sendo contagiante. — Ah, vocês também chegaram! — O Sr. Harrington faz questão de cumprimentar todos os alunos que chegam, mesmo que seja recepcionado com eventuais caretas, como Michelle faz ao entrar e evitar o tapinha nas costas. — Crianças, podem me ajudando com as decorações? Precisamos impressionar os novos membros do clube!
Evitando MJ, começo a desempilhar as cadeiras de metal, organizando-as em fileiras por não saber de que forma o professor as deseja. Betty também se junta a mim, comentando algo sobre a forma que conseguimos arrecadar mais dinheiro que o time de lacrosse pela primeira vez em décadas e como isso se deve a vitória nas nacionais. De certa forma, enquanto desembolo o cordão com letreiro de boas-vindas aos novos alunos, consigo me sentir um pouco orgulhosa por ter feito parte de algo que fez diferença, mesmo que tenha sido somente na vida do Sr. Harrington e de alguns alunos. Corto a fita com os dentes para poder pendurar o letreiro do lado de fora da porta, ficando na ponta dos pés para não precisar de uma cadeira.
Enquanto Betty remove nossos novos manuais de teste das caixas e alguns rapazes estão varrendo o chão, exceto Flash, começo a organizar os estojos que o professor havia pedido que nós montássemos e MJ resmungou algo sobre somente ser demandada para tal atividade por ser mulher. Coloco algumas canetas caríssimas com o logo de Midtown que muitos alunos nunca irão usar fora da escola, lapiseiras japonesas, borrachas artísticas e paginadores para os manuais. E, para uma breve surpresa, eu sinto a chegada de Peter na sala ao lado de Ned e alguns outros alunos. Toco o curativo em meu braço, o ardor da runa carvada em minha pele tendo se amenizado após algumas horas. Não me mantenho focada na dor, mas em como conseguiu ultrapassar, com tão pouco tempo, os limites que o chip no corpo de Peter havia me impedido de superar.
— Ei, você — A voz de Peter me alcança e eu viro o rosto na sua direção, o recebendo com um sorriso que uso para disfarçar a descoberta que, infelizmente, não posso dividir com ele ainda. Ele me oferece uma garrafa de água e um sorriso de volta, aproximando-se mais e colocando sua mochila e livro de biologia sobre o palco. — Seus remédios dão muita sede. — A justificativa antecede uma pergunta que estava na ponta de minha língua.
— Obrigada, Pete. — Sussurro ao buscar uma forma decente para o agradecer enquanto Peter abre a garrafa e gesticula para que eu a pegue de sua mão. Ao invés disso, segurando um maço de canetas de luxo, aproveito-me das botas que calço e somente me aproximo um pouco para beijá-lo rapidamente e sem poder aprofundar o selar, sendo este apenas um singelo toque de meus lábios nos seus que me faz torcer para que tenha lhe transmitido todo meu agradecimento pela sua preocupação.
— Imagina se eu trouxesse chá de novo… — Sua expressão satisfeita me garantiu que eu atingi meu objetivo mesmo que de forma tão simples.
Pete pega a caixinha com borrachas e começa a as distribuir nos estojos de couro, suas orelhas um pouco rosadas enquanto bebo da água gelada. Ele não vê necessidade de mencionar que pode ter lido a bula de meus medicamentos ou que pesquisou sobre efeitos adversos de psicotrópicos, muito menos, de me questionar se minha boca estava seca por causa deles, apenas trouxe-me água para ajudar como pode. Dando uma rápida olhada ao redor, me aproximo de novo e pressiono um outro selar, dessa vez na sua bochecha, uma vez que me toco que ele também me trouxe chá hoje cedo e foi pela mesma justificativa.
— Isso aí… — Peter assentiu devagar, balançando a cabeça e sorrindo largo como se tivesse ganhado na loteria. Meu coração se enche de carinho por ele e minha face esquenta. — O pobre do Sr. Harrington ia ter um treco se eu trouxesse chá pra você, . — Fecho a garrafa, ainda mantendo minha voz baixa ao sussurrar um outro agradecimento a ele e me encostar no palco enquanto toma as rédeas da organização dos estojos. Falo baixo pois não quero que os outros nos ouçam, ciente que meu amor por ele é somente seu e me sinto nervosa em o dividir com pessoas que mal conhecemos. — Notícias da MJ?
— Nada ainda. — Engulo em seco ao colocar as canetas enquanto ele abre outro estojo.
— “Ainda” significa que você tem esperanças — A resposta é por meio de um cantarolar e eu aperto meus lábios quando nossos olhares se cruzam rápido, o seu bom-humor sendo um antidoto para minha desilusão. Dou de ombros, um pouco mais distraída quando seu braço esbarra no meu e eu mordo a língua. — E eu “ainda” estou com a esperança de você me contar como se machucou.
Abro a boca mesmo sem resposta formada, abismada em como Peter é perceptivo e como precisei que uma runa rasgasse minha pele a fim de ter o mesmo nível de atenção que ele. Peter me olha com a sobrancelha erguida, como se estivesse aguardando uma resposta. Molho meus lábios, em uma tentativa de evitar deixar que perceba como a sua expressão facial e seriedade me deixam tensa.
— Ok… — Me sento sobre o palco, apanhando o rolo de fita vermelha que o professor deu para podermos montar os presentes para os novos membros do clube. Tento ponderar a melhor forma de explicar-lhe o que levou à runa em meu braço. Peter permanece atento aos kits e também em mim. — Quando o Thor voltou para a Terra depois do — Engulo em seco, a palavra não querendo deixar os meus lábios. — Ultron — Sinto como se tivesse engolido uma pedra de gelo e Peter é perceptivo com o vibrar de minha voz, deixando de lado a sua atividade para se atentar a mim. Seus olhos buscam um sinal em meu rosto que não consigo identificar do que, então a sua palma encosta a minha enquanto eu uso a unha para enrolar a fita. Não olho para o seu rosto de novo, apenas dando continuidade. — Ele deixou…
— Se isso envolver o que aconteceu em Sokovia, pode me contar depois. — A garantia é o seu apertar em meu pulso, o dedão dançando sobre minhas veias. Eu balanço a cabeça sem lhe olhar, me inclinando para pegar a tesoura do seu lado. — ?
— Não envolve — Repito o movimento. — Só estou dando o contexto, entende? — Ouço o “hmm” de Peter enquanto corto a fita e logo o olho, tentada a beijar o espaço entre suas sobrancelhas, bem onde uma ruga se formou. Somos jovens demais para rugas, não? — Quando o Thor voltou para a Terra depois do Ultron, depois que o Visão foi criado usando a Jóia da Mente e ele me conheceu — A perspectiva que tenho de nossa apresentação ainda é turva e confusa, afinal, eu havia acabado de ser resgatada e ele via o reflexo monstruoso de Wanda Maximoff em mim. Wanda que havia entrado em sua mente horas antes e mostrado Asgard em ruínas. — Ele decidiu que seria adequado que alguns livros asgardianos que pudessem ajudar a mim, Visão e Wanda, ficassem aqui…
O imediatismo no qual Peter fecha os olhos e pende a cabeça para frente me interrompe, e eu atento-me para a maneira que apoia as mãos no palco e dá um passo para trás, curvando-se e balançando a cabeça devagar. “O que?” Toco em seu ombro, ciente de que se sua saúde não fosse tão perfeita, suspeitaria que a sua pressão havia caído e ele estava tentando manter-se de pé.
— Nada — Peter esfrega o rosto com as mãos antes de as apoiar nos quadris, sua linguagem corporal se assemelhando com a de Pepper quando soube dos livros. — Nada, eu só…
— Está sentindo que já viu um filme de terror com a mesma premissa? — Repito a exata frase que Pepper grunhiu ontem ao saber que eu estava na Torre Stark para buscar os livros. — E só espera que eu não faça alguma magia e Nova Iorque vire The Walking Dead ou pior, The Last of Us? — Peter assente repetidamente, mas me olha com um sorriso quase entretido com as possibilidades que eu ergo. Mordo minha bochecha, fazendo um lacinho delicado. — Tem muitas coisas legais que não levam a isso, sabia? Essas são runas. — Explico com paciência. Peter deixa os kits de lado e cruza os braços, demonstrando que ainda não está perto de ser convencido. — É um método de leitura de oráculos, mas no caso, a que estou usando se chama verð varr e a utilizam para ampliar a percepção. É uma das centenas de runas criadas pela Rainha Frigga, e são os grimórios dela, e uns da deusa Freya, que Thor trouxe para nós.
Peter pisca algumas vezes, e eu reconheço o quão insano o que o contei pode soar. Ele parece estar tentando romper a barreira do ceticismo para tentar entender. Seguro seu casaco para chamar a sua atenção e indicar que o quero mais perto, o que Peter prontamente entende e se aproxima até que esteja com o quadril encostado em meus joelhos.
— Parece loucura, eu sei, mas… — Minhas explicações caem por terra. É loucura.
— É loucura — Ele corrige apertando os lábios e eu faço o mesmo quando apoia a palma larga em meu joelho, sua sinceridade sendo bem-vinda. — É loucura e o pior é que é verdade — Peter se permite um balançar alarmado da cabeça e um pequenino sorriso incrédulo. — Esse é o problema.
— Eu sei — Sussurro de volta quando afaga meu joelho com um suspirar breve, o sorriso tentando escapar por seus lábios com um pouco mais de crença. Deuses e magia, androids e aranhas radioativas. — Esse livro de runas, Fuþark, é brilhante. — Peter não esconde suas reações, os olhos se arregalando um pouco, como se essa fosse uma pílula difícil de engolir. — Mas o mais interessante de todos é um sobre os artefatos asgardianos, que fala sobre as Jóias do Infinito.
— A sua joia também? — Ele questiona baixinho, dedão traçando o osso de meu joelho.
— Ainda não tive coragem de ler muito sobre ela, apenas sobre as outras cinco. — O interrompo com um balançar rápido da cabeça. As Jóias do Infinito são receptáculos do poder do Universo cuja capacidade de destruição é inigualável. Me preocupa saber o que isso impôs a mim.
— Podemos estudar juntos, se quiser — Enquanto temo o que me tornei após o contato com algo tão perigoso, a gentileza inerente à Peter não parece se preocupar com o que a Joia da Mente fez de mim, mas com o que sinto. Engulo em seco, avaliando sua proposta. — Estudar os livros, procurar soluções caso alguma coisa te incomode sobre ela… — Quando toma minha mão na sua, dezenas de dúvidas surgem, a maioria acerca de como consegue conter a sua aversão. — Já tem alguma ideia se o seu castigo anti-Queens envolve uma visita minha? A gente poderia fingir que estava estudando pra escola… — Ele faz um beicinho que nem deve perceber, tentando formular alguma desculpa para meus pais.
— Senhores, um pouquinho de atenção, por favor! — Aperto seus dedos e escorrego para fora do pequeno palco, sendo desnecessariamente amparada de imediato por ele. Imploro com o olhar para que abaixe a guarda, mas sua mão na curva de minha coluna adverte que está fora de cogitação. O Sr. Harrington bate palmas para chamar atenção dos alunos mais afastados, mas permanecemos de fora, atentos a ele da melhor forma possível. — Como eu já tinha dito, nós temos novos membros este ano! — Como o resto dos alunos, bato palmas e Peter faz o mesmo, possivelmente mais orgulhoso que eu por já estar há tanto tempo no decatlo. O professor sorridente se dirige a porta, secando suas mãos suadas na calça cáqui e deixando impressões escuras que arrancam alguns risinhos. Peter não consegue evitar se render e encosta a cabeça em meu ombro, vibrando um pouco pelo riso ainda que eu sussurre o seu nome, intoxicada pelo seu perfume tão perto assim. — Recebam com muito carinho Luke Stevens, Noah Martin, Lucas Kirsten, Harry Belvoir e Gwendolyn Stacy! — O “uhul” do professor é sufocado por meu suspirar.
Evito fechar os olhos com os dois últimos nomes, mas me encolho e dou para trás, sem mesmo saber se é adequado rir ou lamentar a situação. Peter controlou o riso momentaneamente, no entanto, parecendo notar minha reação, volta a rir com mais intensidade, rosto em meu ombro e mãos em meus braços para usar-me como um escudo-humano. Do outro lado da sala, com uma caixa nas mãos, Ned está com os olhos arregalados como os meus e eu me sinto compreendida quando Michelle se engasga com a água que bebia.
— Senhores, eu quero dizer que é um prazer os receber aqui — Enquanto Harrington faz os cumprimentos de estilo, meus olhos se dividem entre Harry e Gwen que se mantém tão distante que duvido que alguém imaginaria que uma vez estivessem em um relacionamento. Ele se concentra no professor e Gwen, no entanto, se concentra em não demonstrar tanto desgosto com o local. Assim que ela começa a notar defeitos até mesmo em uma teia de aranha na janela, eu tento a ignorar. — Nos ultimos anos tivemos poucos novos integrantes, mas após uma vitória merecida nas nacionais — Harrington faz uma menção honrosa à MJ e eu contenho um sorriso para ela, mesmo que Peter bata os dedos em meus braços como algumas palminhas silenciosas para ela. Ned também o acompanha e dá uma leve cotoveladinha em Michelle. — Estamos recebendo um apoio maior da escola, então conseguimos abrir espaço para novos participantes.
— Com sorte, esse ano irão mudar as nacionais para outro lugar que não Washington. — Inclino a cabeça na direção de Peter, ciente que pode me entender. Quanto mais longe passarmos de Washington, melhor. Não me atrevo a considerar reviver o que passamos um ano atrás com Volture.
Uhum… — A sua resposta é distante, quase como se não estivesse atento ao que digo, então desvio minha atenção para o professor que permanece apresentando o programa do decatlo e os alunos, imaginando que Peter esteja agindo como eu também deveria: com responsabilidade e atenção às atividades. Nossos últimos anos são os mais importantes para conseguirmos bons resultados nas inscrições para universidades, algo que previamente me comprometi em conseguir. Faço uma notinha mental para dar andamento em meu artigo assim que chegar em casa essa noite e deixar as leituras para depois. — Você almoçou? — A voz de Peter soa um tanto entalada, lutando para escapar antes de ele limpar a garganta baixinho.
— Sim, senhor. — Confirmo e toco a sua mão que segura meu braço esquerdo, afagando os seus dedos momentaneamente antes de Peter os entrelaçar com os meus de maneira que deixaria o nosso professor nervoso se estivesse prestando atenção. O Sr. Harrington prossegue com informações básicas sobre o Decatlo, apresentando seu objetivo para Midtown e para os alunos, bem como suando e gaguejando algumas vezes como costuma fazer. Lhe dou toda atenção, cuidando para prender-me nos detalhes, incluindo em como selecionará monitores para cada uma das frentes de estudo. Estou tentando decidir em qual posso me candidatar quando sinto um suspirar breve vindo de Peter, quase soando impaciente. — Tudo bem? — Controlo o tom, falando baixo para não atrapalhar ainda mais o professor.
Uhum — A mesma resposta desligada o escapa e eu aperto seus dedos, o entendendo. Nós não teremos descanso daqui para frente e ele tem todo direito de se sentir chateado por isso.
— Acho que podemos dar início à nossa reunião, certo? — Alguns alunos concordam e eu também, a fim de saber o que faremos este ano e quais novos manuais precisarei estudar. — Betty e , vocês podem ir distribuindo os novos manuais?
Olho para Betty Brant, que prontamente se levanta de sua cadeira como se houvesse um escorpião em seu colo, o que me leva a perceber que dizer não deixa de ser uma opção se desejo o posto de monitora, precisando demonstrar mais interesse ainda nas atividades do clube. Concordo e aperto os dedos de Peter ao me distanciar e seguir Betty, começando a empilhar os manuais em meus braços para distribuir aos alunos que estão mais distantes e, como eu, foram os últimos a recebê-los no ano letivo anterior. Ethan e Nate Larson me cumprimentam ao pegarem os novos manuais, mas se voltam para suas cartas de Pokémon logo depois, diferentemente de Mia Harper, quem me oferece um sorriso gentil quando nossos dedos se tocam e eu preciso prender um sorriso, lembrando-me de ter de comentar isso com Peter assim que possível.
— Obrigado, — Ergo meu rosto, ainda sorrindo ao lembrar de sua conversa com Sasha na aula de educação-física, o mesmo sorriso perdendo a intenção quando percebo que é para Harry Osborn, não Belvoir, que estou entregando um novo exemplar e não um outro aluno qualquer. Ele aperta a boca, como se estivesse prendendo uma careta quando uma risada estridente soa há uns metros, vinda de ninguém menos que Gwendolyn, que recebe o livro de uma Betty igualmente risonha e que me faz engolir em seco. Aulas e agora Decatlo com Gwendolyn; a situação só decai. — Garanto que também não sabia sobre a transferência da Gwendolyn para Midtown. — Osborn suspira, o seu desconforto com o constante contato e intromissão da ex-namorada sendo palpável desde suas breves interações na aula de química. — Só tenta… Ignorar. — Harry balança o livro.
— Realmente acredita que é possível? — A sincera dúvida escapa e Harry se demonstra um tanto chocado com ela. Sinto minhas orelhas se aquecerem quando ele parece quase entretido e balanço a cabeça. — Desculpa.
— Não, não é possível — Harry pende a cabeça, também soando sincero. Ainda me lembro bem de como esteve na defensiva todas as vezes que vimos Gwendolyn durante a festa, então o seu desconforto com a aproximação dela também não me surpreende. — Mas não custa tentar. — Eu assinto, segurando um outro livro e tentada a distanciar-me o máximo possível dele, atenta para que a nossa pequena conversa não alcance o radar de sua ex-namorada e piore as suas brincadeirinhas e a indiscutível insistência dela comigo, bem como sua aproximação com Peter. — , está tudo bem entre nós, certo? — Seu tom é baixo o suficiente ao ponto que, se eu não estivesse tão atenta a tudo ao meu redor, fosse fácil ignorá-lo em meio a todo o burburinho na sala. Eu engulo em seco, segurando os últimos livros contra meu peito ao assimilar a sua pergunta enquanto Harry mantém-se de olho em mim da mesma forma que fiz quando conversamos da última vez e eu implorei que ele me perdoasse pelo o que fiz.
— Sou eu quem deveria estar fazendo esta pergunta, e você a pessoa a responder, Harry. — Relembro com um respirar raso. — Não foi você quem induziu o outro ao erro.
— Então estamos bem. — Harry decide ao assentir e balançar o livro como uma bandeira branca. Sua decisão me conforta, mesmo que não me faça esquecer de como eu pisei na bola com ele e pior, com Peter.
— Bem-vindo ao Decatlo.


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— Está tudo bem, Pete?
A pergunta é feita através de um suspiro, não direcionado a ele, mas sendo um som que eu emito devido ao clima agradável no jardim e a ausência de alunos por perto. Há um pouco de sol e a maioria dos outros alunos ainda estão escondidos da leve ventania dentro de Midtown ou apertados em banquinhos para descansarem ao aguardar seus motoristas. Ainda assim, com o clima agradável e caminho não obstruído, estou um tanto preocupada com a expressão de Peter; a mandíbula apertada e um semblante um tanto incomodado. Algumas vezes antes, já lhe vi chateado e, principalmente, o vi chateado comigo, mas não é esse tipo de descontentamento que identifico em seu rosto ao passearmos pelo jardim.
Apesar de meus olhos não me enganarem, Peter assente em resposta a minha pergunta, ainda que pareça nem sequer ter a registrado direito. A mandíbula se mantém apertada apesar de sua tentativa de me oferecer um sorriso que outrora faria meus joelhos virarem gelatina, mas agora valida a minha preocupação. Seguro em seu braço com a mão que não está entrelaçada com a sua, meu dedão afagando seu antebraço por cima do casaco escuro dele ao tentar identificar a justificativa para o seu distanciamento e, sem demora, imaginando que o que lhe contei sobre minhas descobertas nos livros asgardianos sejam o que tanto ocupa sua mente. Peter teve aquele terrível pesadelo quando nós mergulhamos de cabeça no treinamento intensivo preparado por meu pai após eu os contar sobre meu episódio de terror noturno, então faz sentido que alguma coisa nos guiando na direção de meu pesadelo lhe cause tanta preocupação. Reconhecendo minha óbvia responsabilidade, não me convenço de que um problema assim não mereça ser discutido, contudo, nós permanecemos caminhando pelo jardim na direção do prédio de botânica para buscar um livro que Peter havia esquecido durante sua aula, as nossas mãos entrelaçadas com o vigor de videiras.
— Tem certeza de que está tudo bem, Pete? — Entendo que estou exagerando ao repetir o apelido duas vezes, mas parece necessário pois desejo arrancar alguma reação dele. Peter parece quase entristecido e meu coração se aperta, a preocupação crescendo e se espalhando. — Aconteceu alguma coisa?
— Nada não. — Peter me responde com pouca atenção e sem me olhar por mais de dois segundos, sorrindo vazio como eu faço às vezes, como alguém que diria "eu estou sorrindo, está tudo perfeito, por favor, não se preocupe". Insatisfeita com a situação, ainda estou segurando em sua mão quando ando um pouco para ficar na sua frente apesar da baixa camada de neve que lhe faz segurar em mim com mais afinco, eu decido parar diante dele em uma tentativa de o impedir de fugir de mim. Seguro sua outra mão, erguendo o rosto para olhá-lo diretamente e sem duvidar de toda a paciência que tenho e posso fazer uso pelas próximas décadas até saber o que está lhe incomodando e descobrir como atenuar o problema. A sua face relaxa com um sorriso pequeno e, finalmente, verdadeiro. — O que aconteceu? — Peter questiona, as três palavrinhas adocicadas pelo som da sua risada quando eu desvio a cabeça quando tenta erguer nossas mãos em seu óbvio extinto de massagear a ruga entre as minhas sobrancelhas. Lhe dou um sorrisinho para que saiba que não estou chateada e somente quero que sua atenção permaneça em mim.
Você me aconteceu, Parker. — Remarco com um revirar de olhos, soltando suas mãos e movendo meus braços para que encontrem apoio em seus ombros, o que baixou minha guarda e lhe permitiu envolver os seus ao meu redor. Minhas botas estão quase em cima de seus tênis quando me traz para mais perto. Quando me segura, Peter não cruza os braços em minha costa; ele apoia minhas omoplatas com uma palma e segura em minha cintura no lado contrário. No fim, somos um embolado que não consigo imaginar nada melhor para substituir. — Fala comigo — Ainda que eu insista, não se passa de um pedido. Somente espero que ele esteja bem. — Por favor.
Peter me olha por uns bons momentos, claramente analisando as opções que tem e tento engolir o fato que a sinceridade não é a única, compreendendo como deve lhe ter feito se sentir com as minhas próprias incertezas. Ele desliza a mão na minha costa, desviando seus olhos para o que quer que esteja atrás de mim, franzindo suas sobrancelhas e apertando um pouco os lábios. Claramente, o que lhe incomoda é importante o suficiente para que fique na defensiva.
— Eu acho que… — Peter aperta a boca de novo e ergo mais o rosto, atenta para como engole em seco e balança a cabeça, descartando o que diz. — Na verdade, eu sei que… — Ele suspira e afaga a minha coluna. — Que o Osborn gosta de você. — Eu respiro, assimilando sua explicação. Sim, eu também sei que Harry tem algum sentimento por mim que pensei ter contido, mas saber que Peter também está ciente e obviamente intimidado pelo o que for esse tal sentimento… É estranho. — E eu também sei que não devia ficar nessa… — Peter prossegue, respirando fundo e molhando seus lábios, voltando a desviar os olhos de mim e os direcionando ao céu. — Nessa… Nesse ciúmes, mas eu tô vendo a forma que ele olha pra você e ele olha pra você da mesma forma que eu te olho e…
Pete faz uma careta de desconforto, seja pelo o Sol fraco ou como ele se sente. Eu quero me encolher contra ele, esconder meu rosto contra sua garganta e lhe garantir que eu não sinto, nem da forma mais remota, o mesmo que Harry pode estar sentindo por mim. Lhe dizer que os olhares dele não são sequer registrados por mim e que me preocupa que se sinta assim, pois entendo seu ciúmes e ainda assim reconheço que Harry não tem chance contra ele. Seus dedos se flexionam em minha costa, acariciando-me apesar da forma que se sente.
— E como você olha pra mim, Pete? — Questiono de volta, sentindo-me culpada devido a forma que meu peito se aquece.
Ainda está além de minha compreensão a forma que me sinto ao seu lado, p que acaba por intensificar a maneira que vejo dificuldades em compreender sua preocupação. Não há mais ninguém que me faça sentir da forma que Peter faz; nem todas as cantadas baratas de Flash ou toda a atenção que Harry me deu quando saímos chega a alcançar os níveis de felicidade e carinho que Peter provoca simplesmente por respirar ao meu lado.
— Você sabe o que eu quero dizer e sabe que me chamar de Pete é golpe baixo. — Ele se inclina um pouco até mim para murmurar, mantendo-se quieto apesar da expressão mais suave.
— Eu sei. — Concordo, dando de ombros. Minha reação o surpreende e Peter me observa, tentando decifrar o que passa por minha cabeça. — Você vai além da superfície e nós sabemos disso. Me enxerga bem do que os olhos captam. — Tento lembrá-lo de nossa conversa há algumas semanas. — Ninguém me conhece tão bem como você me conhece. E ninguém me vê como você me vê. — Lhe garanto, minhas mãos espalmadas em seus ombros e olhos buscando os seus que, enfim, reconhecem o que desejo lhe repassar. Harry pode ser quem for, agir como desejar e olhar-me como lhe couber: mas eu não poderia desejar estar com qualquer outra pessoa além dele. — A parte externa, essa que os olhos do Harry alcançam, não tem valor algum. Não para mim. E ainda assim eu entendo como você pode se sentir desconfortável com isso e peço descul…
— Não, não, não — Pete balança a cabeça imediatamente, aproximando-nos ainda mais e inclinando-se até mim, sobrancelhas franzidas ao beijar a coroa de minha cabeça repetidas vezes a fim de pontuar sua negativa. — Não é culpa sua e por isso eu não ia te dizer nada. — Peter segura em meu rosto, como se fosse necessário tal para que eu lhe olhasse. — Você é a última pessoa que tinha que pedir desculpas, ! — Ele garante com tanta sinceridade e preocupação na sua expressão que não posso fazer nada além de assentir devagar. — Sou eu quem tinha que estar pedindo desculpa por ficar chateado e deixar você se preocupar com isso. — Quase fecho os olhos quando beija minha testa, afagando o meu rosto enquanto o faz. Um dia Peter Parker irá me matar. — Eu confio em você de olhos fechados, , por isso tava engolindo isso pra que você não pensasse o contrário. — Sua afirmação me conforta e eu assinto devagar, segurando em seus pulsos; ele confia em mim o tanto quanto eu confio nele. — Só tô chateado que não consigo tirar da minha cabeça que o Osborn tá literalmente metido na nossa vida, e eu vou precisar aguentar ele, com justificativa, ficar com essa quedinha por você. O Flash é mais fácil, já que ele é um pateta. Agora o Osborn tem esse… — Ele fecha os olhos com demasiada chateação enquanto afago o seu antebraço. — As meninas que fazem aula com a gente dizem que ele tem esse “charme” que eu ainda não entendi e… E o Ned comentou hoje sobre ele ser “a competição” e…
— Não tem competição alguma, lembra? — Outra vez, tento lhe fazer lembrar de nossas conversas antigas, me aproximando mais, desejando os seus olhos em mim para que possa notar que falo a mais pura verdade. Peter engole em seco, então se permite assentir um pouco, boca um pouco franzida enquanto as memórias parecem voltar e sua face assume um pouco mais de cor. — Antes de estarmos juntos não tinha, então imagine agora.
— Desculpa — Peter mergulha até mim novamente, beijando a minha bochecha algumas vezes. — É bobagem minha.
— Pra mim não é bobagem — Retruco ao envolvê-lo em meus braços. Peter beija o meu nariz agora, parecendo estar se movendo para o centro do meu rosto enquanto tento me concentrar na minha respiração e não no seu hálito de chocolate quente com menta. — Não se te incomodou. — Lhe garanto, curvando meus dedos contra seu casaco como se acariciasse sua costa e não o tecido macio. Peter respira e eu posso ver um pouco da tensão escorregar dos seus ombros, contato e compreensão parecendo lhe acalmar. Ele se inclina para mim de novo, a testa encostando em minha têmpora e a pontinha morna de seu nariz ruborizado encostando em minha bochecha. — Obrigada por me contar o que estava sentindo.
Ele assentiu devagar e meu coração doeu por saber bem como se sente, as memórias de Liz Toomes retornando para mim lentamente. Escorrego a mão até seu peito no intuito de o confortar, sentindo o seu coração pulsar debaixo de meus dedos quando fico na ponta dos pés e lhe beijo. O seu lábio inferior desliza entre o meu e eu o beijo firme, respirando o ar que Peter exala e tentando manter minha sanidade, calor irradiando do ponto onde nosso lábios se tocam e lentamente espalhando-se pelo resto do meu corpo. A sensação é tão boa que eu seguro seu rosto, na mesma intensidade que ele faz ao amparar minha costa para nos aproximar ainda mais, tentando entender como pode crer haver alguma competição ou um risco. A mera ideia me faz querer rir e eu me afasto, dedos acariciando sua face encantadora enquanto respiro e conto as sardas em seu nariz.
Harry Osborn não tem chance alguma contra Peter e eu espero que ele entenda.


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A Arena está escura quando entro depois de terminar meu dever de casa e entregar uma cópia de meu artigo para Tony. Fecho as portas atrás de mim com cuidado para não emitir som algum que possa indicar para meus pais que é aqui que estou, e não em meu quarto, uma vez que o castigo que me foi imposto não foi oficialmente suspenso. Ainda no escuro, coloco os grimórios sobre a mesa mais próxima a porta e removo meu casaco, jogando no mesmo local antes de tentar acender as luzes com um movimento de minha mão, a erguendo um pouco acima da altura de meus ombros e girando igual vi personagens em filmes fazerem ao trocar uma lâmpada. O êxito não somente me surpreende por comprovar que os livros asgardianos estão certos ao recomendar adoção de gestos para reserva de energia essencial, mas ao demonstrar que os grimórios não são um amontoado de mentiras.
Balanço as mãos após folhear algumas páginas, atenta para cada explicação que traduzi em um pequeno caderno de bolso que também deixei aberto. Utilizando-me da mesa digitalizadora ao lado, seleciono um conjunto de 4 alvos físicos, esfregando minhas palmas quando surgem há uns doze metros de mim, manequins de material similar à resistência e integridade do corpo humano. Em cuidado ao primeiro indiciamento do grimório, tento controlar minha respiração e o seu fluxo, ciente que o controle interno é um dos pressupostos para que o resto funcione devidamente. Quando sinto a confiança que julgo necessária, estendo minha palma direita na direção do primeiro alvo. Transfiro o foco da concentração para o meu coração — para seu pulsar — e tento imaginar o sangue que corre por minhas veias. Ainda seguindo os ensinamentos dos livros, eu tento controlar a natureza volátil de meus poderes que começam a forçar uma tensão fervente em minhas palmas antes que eu me sinta pronta para eles.
O descontrole quanto à intensidade de minhas habilidades já feriu minhas mãos inúmeras vezes, ao ponto de queimarem e sangrarem quando os utilizei em Berlin um ano atrás. Então, agora, os manter sob controle, bem como me auto-preservar, se torna meu objetivo principal antes de sequer ousar utilizá-los contra um alvo. Antes que o calor intenso pareça queimar as minhas veias e me exauste como é de costume acontecer após os utilizar, devolvo a força para meu átrio, como se cortasse o elástico que impede meus poderes de escaparem por meu dedos e eles se recolhem em meu peito outra vez. Dando uma segunda olhada nos livros, me remeto ao que já sei: é necessário treinamento e autocontrole. Me dedico a repetir a mesma rotina anterior, imaginando meu respirar e o oxigênio em minhas veias como um bálsamo contra o fogo, mesmo que seja o exato contrário. Repito os preparativos algumas vezes até que o sangue deixe de se assemelhar a lava em minhas veias e, com um toque de concentração, eu consiga externar a energia que havia formado.
Prendo a respiração quando um amalgamado de energia se origina pelas extremidades de meus dedos, movendo-se e unindo-se no intuito de formar um disco protetivo. Já moldei escudos cuja capacidade de proteção ultrapassa a densidade do vibranium wakandiano, escudos que que já utilizei para proteger não somente a mim, como terceiros, então não demoro a reconhecer que, o que formei não é um simples escudo, mas um indiscutível núcleo energético que, pela primeira vez, mantém-se estável e sob meu indiscutível controle. Então, o mais cuidadosa que consigo, utilizo minha mão livre – nos moldes dos ensinamentos asgardianos que decido não mais julgar – como o elástico de um arco e flecha, a fim de gerar maior impulso quando disparar o núcleo na direção do meu alvo. Com a mira ideal, impulsiono o núcleo ao mesmo tempo em que torço a mão que o mantinha íntegro, e faço o novo movimento que queria testar.
O núcleo partiu-se em inúmeras partes, assumindo o formato que eu idealizei no silêncio. Após atingido, o alvo se manteve de pé, parecendo não ter sofrido dano, então decido me aproximar a tempo de ver o primeiro rastro de sangue falso escorrer há distância, se somando aos demais e, assim que estou há menos de um metro, o manequim com inúmeras perfurações se desfaz diante de meus olhos. Dou um passo para trás quando pedaços do material sintético começam a derreter e o sangue falso borbulhar com o calor, o líquido se infiltrando pelas frestas do piso de metal. Recolho minha mão contra o peito de imediato.
— Lâminas no treinamento não é novo — Viro o rosto pra porta tão rápido que sinto minha cabeça doer, surpresa por ouvir o som da voz de Maria Hill, mas nem tão surpresa assim. — Mas essas… Nunca vi igual. — Ela prossegue ainda entretida, fechando a porta atrás de si enquanto me recolho, tomando distância do que não passa de uma gosma negra no chão, o cheiro de plástico queimado me forçando a torcer o nariz.
— Gênese de Energia. — Engulo em seco, tentando não demonstrar meu susto conforme retorno para a mesa digitalizadora e recolho os restos destroçados com um rápido clique na tela. — O que…
— Quando o Tony me designou como sua segurança, não me limitou a aguardar fora do seu campo de visão — Respiro fundo para controlar qualquer palavra que soe mais infeliz do que deveria, afinal, sou a responsável por isso e não posso culpar meus pais por querer manter os olhos em mim. — Você foi atacada dentro do Complexo, então, até aqui dentro, na ausência deles, está sob minha responsabilidade. — Concordo devagar com o meu rosto em chamas, sentindo minhas pernas tremerem um pouco quando o cheiro de queimado me alcança de novo. — Gênese de Energia, certo? — Hill se aproxima dos meus livros e traduções, removendo o óculos no bolso de seu casaco e o colocando sobre a ponte do nariz, correndo os olhos sobre o grimório enquanto tento não lhe deixar notar o quão trêmula estou. — Porque escolheu as lâminas? A recomendação é de esferas maciças.
— São os óculos ou o seu treinamento foi diferente do meu? — Questiono devagar. Maria sorri gentilmente, passando a analisar a folha seguinte. — Não chegamos a aprender nórdico antigo.
— São os óculos. — Ela me responde pacientemente, dirigindo a sua atenção para o local onde o alvo antigo estava e onde ainda há plástico escuro grudado no chão. — Quando salvou aquela criança na Ponte do Brooklyn, você sentiu o fogo tocar em você? — O desviar de assunto é incomum e eu, ainda que confusa, balanço a cabeça. Senti o impacto e ouvi o som da explosão, mas não senti um calor característico de quem está envolto em chamas de uma explosão. Hill assente devagar e, antes que eu possa lhe questionar o motivo da sua dúvida, mesmo ciente que ambas reconhecemos a ironia, ela enfia as mãos nos bolsos e vira-se para mim. — Quando atingiu o seu alvo, você precisou recolher as mãos ou só o fez por medo? — Mantenho meus olhos em seu rosto, em busca de decifrar qual foi, dentre todos os horrores que passamos na HYDRA, que permitiram que Hill me entendesse tão bem. — Se aquele alvo fosse um monstro como os Chitauri, ou um dos androids do Ultron dois anos atrás, você teria o destruído com um mover das suas mãos. Faz ideia do quanto isso seria útil? Quantas das vidas perdidas poderia salvar se não tivesse tanto medo assim de perder o controle?
— Os livros indicam que a temperança é necessária para o controle da magia. Que devo me manter sobre controle antes de tentar a manipular.
— Os livros ensinam crianças a controlar magia, . Isso seria útil a você se ainda fizesse janelas de vidro se partirem quando gritava com enfermeiras e médicos. — Hill estava na Torre quando fui resgatada e eu me lembro bem dela, principalmente do episódio em que ela, Steve Rogers e Natasha Romanoff me observavam através do vidro blindado de meu quarto na enfermaria. — O seu problema é muito auto-controle e pouca experiência por causa disso. Lembro de quando criou aquele escudo de oito metros de altura e quase cem metros de raio quando estava em Sokovia — Maria dá de ombros. — Ou os androids que destruiu.
— Destruí os androids pois haviam matado o Pietro. — Meu coração se aperta. Ainda me lembro de o arrastar para o aerodeslizador e do sangue espirrando em mim enquanto Clint Barton lhe fazia uma massagem cardiaca inútil pois não tive coragem de contar que a brutalidade do alvejamento expôs o coração de Pietro. — A raiva que deu força aos meus poderes foi por ter perdido ele.
— Não estou dizendo que precisa de raiva e dor o tempo todo — Ela apoia-se na mesa ao me observar. Hill tem a invejável habilidade de controlar bem as suas expressões, sem jamais permitir que identifiquem como realmente se sente com algo; contudo, o movimento de sua boca demonstra a sua sensibilidade. — Fomos ensinadas que ódio e força significam a mesma coisa, mas não é verdade. Você me provou isso quando chegou aqui depois do atentado — Fecho minhas mãos em punhos, sem entender como o horror de quase perder May foi capaz de lhe ensinar que ódio e medo não significam força. Passei por coisas terríveis, mas não consigo me recordar de um episódio em que temi tanto que alguém morresse. — Você estava claramente apavorada, eu sei. Com os olhos arregalados e enrolando a língua ao falar; mas não estava só assustada. Você tem sentimentos fortes por ela, pela May, não tão fortes como o que tem pelo Peter, pelo Tony e a Pepper, mas você tem sentimentos que te ajudaram a abrir um portal que demorou cinco minutos para desaparecer que ligou a Ala 4 da enfermaria e o Rio Hudson. Tem ideia do cheiro podre de poluição que ficou naquele lugar?
— Não. Eu estava dominada pelo poder do amor… — Pouso a mão no coração ao cantarolar, um sorriso sarcástico em meus lábios. Hill desvia o olhar de mim, mesmo com um sorrisinho na boca.
— Humor não é o seu forte, sabia? — Entorto os lábios e assinto, rindo. — Só quero dizer que toda a concentração não gera grandes feitos como a suas reações naturais conseguem. Thor tinha motivos para dizer que você era natural.
— Sabia que o termo natural para os asgardianos significa incontrolável para nós? — Meu cérebro nunca me permitiu esquecer tal coisa, afinal, um deus de milhares de eons, em menos de dois dias após me conhecer, me deu o título de força da natureza. — “Uma imparável força da natureza”, se minha memória não falha.
— Imagine o que ele diria, ou melhor, o que a Romanoff diria se te visse agora — Retorno toda a minha atenção para a militar ao lhe ouvir mencionar Natasha. É tão raro ouvir seu nome neste Complexo que todas as vezes que isso acontece, sinto meu coração acelerar. — Ia ficar feliz, é claro, no entanto, só consigo imaginar que ela usaria uma única palavra para descrever você — Ergo a minha sobrancelha, interessada ainda que permaneça temerosa. — Dócil. — Mordo minha língua e ela parece notar, balançando a cabeça. — Sei que esse era o seu objetivo, mas para alguém que foi vítima de um atentado, você tem estado dócil demais, . Saiu do ponto de completo descontrole para esse em que parece estar usando uma camisa de força.
— Me chamou de desequilibrada? — Cruzo os braços assim de meu peito, mesmo ciente de que seria uma caracterização correta.
“Finalmente você entendeu, pensei que iriamos precisar ficar nesse tango a noite inteira” Hill revira os olhos, me fazendo rir ao esfregar as mãos nas pernas e se curvar, fingindo cansaço. Eu abaixo a cabeça também, sentindo-me revigorada por falar com alguém que não teme meus poderes e o efeito deles em mim. Também, faço questão de manter os seus apontamentos em mente, afinal, ela é cirúrgica ao propor a opinião recente que Natasha teria de mim. Antes de meu castigo e antes de meu pai iniciar os fins de semana de treinamento para nós, há meses eu não colocava os pés nessa Arena, tanto que ao considerar uma possível mano-a-mano, tenho surpreendentes dúvidas quanto às minhas habilidades.
Contudo, no mesmo nível que duvido de minhas habilidades de combate físico, sinto-me disposta a enfrentar um tanque no campo psíquico; os destroços do alvo sendo uma representação do quão adequada me sinto. Porém, com o passar do tempo, meus poderes têm crescido e evoluído, como Tony fez questão de pontuar há algumas noites; o que denota que sua potência também aumentou e eu não mais me vejo capaz de manipulá-los tão bem como desejaria. Ainda que o caráter físico de meu repertório de combate esteja duvidosamente alinhado, minhas capacidades de combate com os meus poderes ainda me preocupam. Preciso me aperfeiçoar o máximo possível com os livros asgardianos se desejar melhorar a manipulação destes.
Quando a Agente Hill se despede com um mero toque em meu ombro, avisando que estar presente enquanto testo magia anciã demandaria mais coragem do que estava disposta a demonstrar, acabo presa nas suas teorias quanto minhas habilidades estarem sendo sabotadas por mim mesma, principalmente ao atentar-me no pequenino aspecto que mencionou sobre o episódio em que levei May para a enfermaria através de um portal. Portais são diferentes da forma de teleporte que costumo usar habitualmente, uma vez que o simples imaginar do local que desejo é suficiente para que, se eu abrir os olhos, esteja exatamente onde quis. Um portal, ainda seguindo os ensinamentos asgardianos, não é de fácil criação, mas não deixa de ser impossível. Folheio as páginas do grimório, localizando as breves anotações à mão quanto a abertura de portais, a caligrafia em verde sendo belíssima, ainda que eu não entenda-a sem utilizar-se de minhas traduções.
Passo as duas horas seguintes falhando em algo que nem sequer compreendo.


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— Pelos velhos tempos?
A risada incrédula de Tony me alcança quando estou nas escadas, as meias me forçando a andar mais devagar para evitar escorregar no piso liso e me impedindo de flagrar a cara que minha mãe deve ter feito para ele. Pepper havia avisado uma hora atrás que teriamos massa para o jantar e a nossa presença era estritamente necessária, então não consigo diminuir a velocidade quando sinto o cheiro de manjericão, indicando que há algo com pesto no cardápio. Assim que chego na cozinha, eles estão de costas para mim, Pepper lutando contra um abridor de garrafa e Tony tentando utilizar uma concha de plástico.
— É um convite, Tony — Pepper esclarece o que quer que tenha o causado tanta revolta, apanhando três taças nos armários. Aproveito a distração de ambos para analisar as sacolas de papel e tentar contabilizar quanto da fortuna deles é utilizada apenas com delivery, uma vez que tweets com fotos de Tony Stark em um restaurante seriam o suficiente para a cidade parar e todos os paparazzis possíveis se espremerem na frente do local por uma mera foto valendo milhões. — Eles querem discutir negócios, provavelmente uma parceria com a Stark Industries. — Pep permanece tentando lhe convencer enquanto busco por alguma sobremesa nas sacolas. Quando pouso os olhos em três quadrados envoltos em papel alumínio, minha boca saliva. — As minhas fontes têm comentado que a Oscorp está planejando investir em inteligência artificial para uso médico.
A menção da Oscorp me faz apertar os dentes, principalmente em razão das informações que Tony expôs para mim e Peter há uma semana em face das atividades praticadas por Norman Osborn e seus cientistas que produziram a arma biológica responsável pelo desastre em Lagos. Sento no banquinho de sempre, colocando as sacolas sobre os demais para liberar espaço para meus pais, o som chamando atenção de Pepper, que se vira para mim com um pequenino sorriso. A sua clara intenção em dar prosseguimento ao que for que seja incitado por Norman Osborn me leva a questionar se ela sabe sobre toda a verdade ou Tony a poupou dos detalhes sórdidos das ações dos competidores da Stark Industries.
— A mesma coisa que a FRIDAY faz há três anos. — Meu pai a interrompe quando finalmente consegue vencer a concha e usa duas toalhas (apesar de já ter sido alvo de sérias reclamações de Pepper por sua habilidade de sujar inúmeras toalhas apenas secando uma remessa de louças) para carregar a travessa com penne ao pesto para a ilha, onde eu também lhe ajudo ao alinhar os descansa-panela, a fim de que não manche a pedra com a louça quente.
— Eles planejam lucrar com isso, Tony, o que não seria nada mal, considerando que para uma empresa de tecnologia, você tem evitado comercializar o serviço que é o mais vendido no mundo nos últimos anos. — Pepper reprova afiada ao se aproximar, colocando duas taças de vinho na mesa e uma garrafa de La-Croix para mim, bem como um canudo de vidro.
— FRIDAY e Jarvis não foram criados com a intenção de serem comercializados. Nem a Karen ou a Elena. — Tony balança a cabeça ao se sentar, fazendo uma careta de descontentamento e tomando um gole de seu vinho antes mesmo da comida ser servida. Pepper também nota sua ação, se ocupando momentaneamente em remover a garrafa de vinho de cima da ilha. O clima pouco amigável entre eles me desconcerta um pouco, o suficiente para que eu permaneça quieta quando Pepper pega o prato que estava diante de mim e coloca uma quantidade absurda de salada. — Como tudo que o Norman coloca as mãos, tem uma óbvia intenção de lucro — Meu pai revira os olhos, agitando a sua taça. — Fora que, não sei se você está ciente, mas a Oscorp vai ser penalizada pelo armazenamento de flamáveis no porto e usar a Stark Industries para uma parceria é dizer que nós não condenamos o que eles fizeram.
— Quando disseram que a minha presença era estritamente necessária, não imaginei que seria para impedir que pulem um no pescoço do outro. — Comento com um manear de minha cabeça, recebendo o prato de volta das mãos de Pepper quando ela se senta. Tony vira o rosto para tomar um outro gole de seu vinho, as sobrancelhas erguidas enquanto Pepper suspira. — É a possível parceria entre a Stark e a Oscorp que precisava da minha opinião? Porque se for… — Afasto alguns grãos que estavam em minha salada, abrindo espaço para a massa. Pondero minha opinião por um momento, as infinitas possibilidades de resolução do problema não passando despercebidas. — Se a Oscorp quer se utilizar da tecnologia da Stark Industries, não vejo problema de parte do lucro ser remanejada para os fundos de realocação dos atingidos pelo desastre no Porto. — O silêncio dos dois me surpreende e eu aproveitei a distração para pegar uma concha generosa de massa. — No mínimo a Oscorp ia se sentir obrigada a “fazer o bem também”. E a Stark Industries poderia embarcar nessa de Robin Hood, sabe? Ainda que seja a coisa mais… Controversa que uma empresa desse porte pode fazer.
Pego uma garfada cheia, meus olhos se fechando com o sabor do molho, o mesmo que um dia disse para Pepper que tinha gosto de sabão. Parto a burrata que estava no centro da travessa, enfiando um tomate cereja nela antes de comer a salada com molho de laranja e mel. Eu preciso admitir que, não importa quanto dinheiro seja gasto com nossa alimentação, certamente deve valer cada centavo. Confusa com o silêncio dos dois, ergo minha cabeça em meio a mais uma garfada robusta de massa, sendo recepcionada por um olhar surpreso de Pepper e meu pai, que ainda segura a sua taça, me olhando como se eu tivesse três cabeças.
— As vezes eu paro e penso se realmente não tem nenhuma possibilidade de você ser pai biológico dela, sabe? — Ela confessa, olhando o noivo sem tanta irritação como antes. Meu pai dá de ombros e acaba por assentir, dirigindo-me um olhar atento e incrivelmente carinhoso. Pepper suspira, um sorriso pequenino lutando para ser contido enquanto coloca comida em seu prato, apenas para o entregar para Tony, que lhe entrega o prato que previamente era seu a fim de que ela possa usá-lo. — Esse é o seu parecer, Srta. Hood? — Ela questiona sem mais conseguir conter o sorriso. — Aceitar a proposta e usar o dinheiro para ajudar aqueles afetados pela Oscorp? — Dou de ombros, bebendo da água saborizada de uva. Não faço ideia do que estou fazendo, mas a ideia de Norman Osborn ter a sua ideia usada contra ele não deixa de me agradar mais do que deveria, as únicas ressalvas que tenho se chamando Harry e Louis Osborn. — E o contrato que teríamos de assinar com a empresa? Como fica a boa-fé entre os contratantes se humilharmos publicamente a Oscorp?
— Não tinha nenhum carregamento da Stark Industries no porto? — A defesa de minha mãe soa como um pequenino ataque pessoal em face de minha decisão pender mais para as ideias de Tony do que para as suas. — Diz que a empresa, ciente de suas atribuições como grande exportadora e o que mais puder usar para dizer que vocês são muito ricos, se responsabiliza por qualquer dano que possa ter causado. — Olho para meu pai desta vez, o seu sorriso cúmplice me incentivando. — O local foi pelos ares, mamãe — Pepper está com as mãos cruzadas e queixo apoiado nos nós dos dedos, me observando como águia. — Não tem como saber o que seria, ou não, culpa da Stark e, no fim do dia, todo mundo ia saber o real motivo e ia ser o suficiente para humilhar a Oscorp e não render uma multa bilionária para vocês. — Pego mais uma garfada de massa e de alface banhado em molho. — Precisam de mais dinheiro para comprar esse macarrão incrível.
Enquanto pego uma cenourinha e a burrata, percebo a troca de olhares entre os dois.
— Eu disse que ela iria saber resolver. — O tilintar de suas taças chama minha atenção, semelhantemente aos sorrisos que me dirigem. Ergo a sobrancelha, ainda tentando entender o que foi toda a cena anterior. Tony ri e coloca mais comida em seu prato, pegando os camarões que enfeitam a massa. — Sua mãe tinha pensado na mesma coisa, porém a gente queria saber se você tinha alguma outra ideia.
— Muita coragem confiar a reputação de uma empresa como a Stark nas mãos de uma adolescente, sabia? — Balanço a cabeça ao sorrir um pouco pois querem saber a minha opinião sobre assuntos importantes da empresa, bem como Peter havia premeditado.
— Sua idade não determina se você tem ou não tato — Pepper intervém ao meu favor, se servindo mais vinho. — Ou, nesse caso em específico, bom-senso. — Ela aperta a boca, demonstrando a sua inconformidade com a omissão da Oscorp.
— Eles não querem pagar os atingidos, é isso?
— Nem a Oscorp, nem a Mittal. Vão deixar o processo judicial se arrastar por dez anos e aguardar uma sentença a favor deles — Tony acusa e tudo no que posso pensar são os milhões que já foram gastos pela Mittal em sua festa celebratória com a CLP Holdings. Bem como penso em Harry e se ele concordou ou não com as atitudes de seu pai. — A ONG da May está dando assistência aos que foram atingidos, mas isso não é garantia que eles vão receber as indenizações devidas. — Ele bebe do vinho, fazendo uma careta. — Por isso nós precisamos, por conta própria, resolver essa situação.
— Vocês tem uns advogados bem poderosos, não? — Solto meu garfo. Tony tem contatos com juízes e advogados que comandam quase todo o aspecto judicial americano, mas, ainda assim, os Mittal e os Osborn também têm esses mesmos contatos. — Já falou deles com a May ou com o Peter?
— A ONG tem uma parceria com um escritório em Hells Kitchen, meu bem — Pepper me informa, sua expressão mais suave. — E você conhece os Parker.
— Conheço. — Meu suspiro é mais pesado do que eu gostaria. Pete e May são orgulhosos e gostam de resolver seus problemas sem muita ajuda externa, mas isso não significa que estamos tão impedidos assim que nem mesmo podemos tentar intervir a favor das vítimas. — Mas vou tentar falar com a Tia May mesmo assim — Dou de ombros, voltando a dar atenção ao meu jantar. — Eu sou tão cabeça-dura quanto os dois. — A frase arranca concordâncias exageradas, tapas na mesa de meus pais, bem como me força a precisar segurar o riso. No entanto, não deixo de verificar que minha personalidade também é fruto de tudo que aprendi com eles, então não há muito que possam dizer que não vai ser uma tremenda hipocrisia. — Agora que todo mundo se divertiu e eu tenho a nova missão de convencer meus pais a me deixarem visitar a May…
Bebo uma longa golada de água, os observando enquanto o faço, bem como me escondendo atrás da taça quando Pepper cerra os olhos de forma humorística para mim. Só ver Peter na escola está me matando e eu sinto falta do Queens, bem como de May. No entanto, meus interesses egoístas não substituem meu interesse em ajudar a ONG da melhor forma possível.
— A parceria é para usar inteligências artificiais para detectar células cancerígenas e as mapear — Tony explica antes de minha pergunta, cruzando as mãos sobre a mesa. — A Oscorp tem o banco de dados, mas nós temos a tecnologia necessária.
— Então a Stark Ind só vai servir como ponte? — Questiono confusa. Não parece ser algo que Tony faria. Simplesmente emprestar sua tecnologia e deixar as rédeas dela alheia a terceiro, ainda mais se for de interesse da Oscorp, é perigoso e, sem descartar a periculosidade, é redundante. Além de dinheiro que iria para as famílias, o que ele ganha com isso? — Emprestar a tecnologia e deixar ele fazer o que quiser?
— O banco de dados vai ser compartilhado e tem mais de vinte anos de pesquisa que vai ser útil para criação de novas tecnologias que podem muito bem desbancar a Oscorp e esse método aí deles de “identificação por imagem”, que é o que radiologistas têm feito há séculos. — Pepper explica, virando-se então para seu noivo com um sorrisinho travesso. Ele está olhando para ela de uma forma que não consigo evitar sorrir. — Viu? Eu fiz meu dever de casa, Stark.
Molho meus lábios, considerando minhas próximas palavras.
— Já pensaram em investir de tratamentos? — Indago ao deixar meu jantar de lado mais uma vez, mesmo que um pouco envergonhada de atrapalhar o momento deles. Meus pais me olham, o questionamento deixando muito a desejar acerca do que desejo. — O Peter também está pesquisando algumas coisas para a feira e o assunto que quer discutir é um pouco parecido com isso que a Oscorp quer fazer, porém com uma aplicação em tratamentos. — Tony se atenta mais. — Ele está pesquisando sobre o uso de nanopartículas envoltas em sílica. São biocompatíveis e tem essa possibilidade de uso em transporte de medicamentos para terapias-alvo. — Assim que ele pende um pouco a cabeça para o lado, me sinto um pouco mais incentivada. — Podia dar uma olhadinha na pesquisa do Pete, pai. Acho que vale a pena.
— O nepotismo permanece forte nessa empresa — Tony pondera e eu busco o rosto de Pepper, sua opinião também sendo de extrema importância. Ela apenas dá um tapa no braço do noivo. — Piti mal entrou oficialmente na família e está sendo cotado para uma pesquisa de doze bilhões de libras. — O número absurdo me faria engasgar se ainda estivesse comendo. — Faz o seguinte, Monstrinha: fala de manhã com o Piti — Pepper revira os olhos em razão das provocações de meu pai. — E pede pra ele se acalmar, já que ele provavelmente vai ter um perecuteco — Limpo o canto da boca com o guardanapo de papel, ignorando que ele não deixa de estar certo. Minha mãe também riu, dando uma cotovelada nele. — E me enviar o projeto dele. — Concordo veemente, a ansiedade borbulhando em minha barriga. Já posso imaginar o quão feliz Peter ficará com a oportunidade. — Aviso logo que não é nada prometido, mas conhecendo vocês dois, eu imagino que… — Empurro meu banquinho, correndo em sua direção para envolver os braços em seu pescoço e tascar um beijo em sua cabeça grisalha. — Pep, tira isso de mim?


Homecoming XXVI — Fine Line

(Dez meses desde a queda dos Vingadores)


— Conhecendo o Peter como eu conheço, acho que vai acabar ficando bem mais ansioso do que feliz com a ideia de participar da pesquisa. — Respiro enquanto tiro as luvas que Pepper pediu para que eu usasse enquanto lavava a louça.
Logo após o jantar, Tony se recolheu para seu laboratório, acompanhado de uma garrafa de energético e a sua sobremesa que possivelmente irá derreter sem ser provada. A sua decisão por se unir a Oscorp uma segunda vez para esta nova frente de pesquisa é surpreendente. Removo meu avental, tentando distanciar-me da ideia de que esteja fazendo isso não tão somente para fazer a Oscorp pagar pelo o que fez com a Iniciativa Vingadores, mas de maneira a manter a Stark no topo.
— Acha que ele não vai aceitar? — Pep desvia meus pensamentos de Tony e os direciona para Peter. Pedir que meu pai o convocasse para compor a sua equipe não foi fácil, mas não é nada comparado ao trabalho que terei para convencê-lo de que é apto tal.
— Ele vai aceitar, mas não por confiar em si mesmo, mas para não desapontar ninguém. — A verdade é dura, pois não cabe a mim compreender como pode duvidar de seu intelecto e todas as suas habilidades desta maneira.
Meu treinamento me fez confiar, acima de todo o resto, em minha inteligência. Logo, não compreendo como alguém do calibre de Peter consegue dar para traz quando se trata de demonstrar suas capacidades.
— Especialmente você — Encolho meus ombros ao apoiar-me na pia, observando Pepper secar as poucas louças com cuidado, sorrindo cúmplice para mim. — Ele, de uma forma ou de outra, vai imaginar que foi você a convencer o Tony, meu bem. Não pode esperar que ele não sinta precisar te impressionar e fazer um bom trabalho.
— Mãe, acho que não tem maneira alguma do Peter me impressionar mais do que já faz. — Confesso apesar do aquecer de minhas orelhas. Ela havia utilizado a expressão “pacote completo” ao descrever Hugh Jackman em um filme e não posso deixar de encaixar Peter no mesmo molde e me questionar como ele não consegue se enxergar da mesma maneira. Pepper sorri para mim novamente, sem ser de forma a me provocar e deixar tímida. Sua satisfação é genuína. — O Peter é uma das pessoas mais brilhantes, boa e esforçadas que eu conheço. Porém não deixa de ser cabeça-dura e pensar o contrário.
— Você também não é a pessoa mais confiante que eu conheço, , mas desde que vocês dois começaram esse namoro — Mordo a língua. Namoro. Eu namoro alguém. Melhor, eu namoro Peter. — Tem se tornado mais aberta. — Ela usa suas mãos para dar ênfase ao que diz, gesticulando de forma a demonstrar o que se refere. — Fala mais, se impõe mais… Se bem que não foi só o Peter que ajudou com isso, o Harry também. — Aperto a boca enquanto ela pondera o que deve dizer a seguir. — Happy disse que você estava bem falante na festa e eu não posso negar que você estava bem segura na noite anterior e até no dia.
Contenho a intensa vontade de lhe contar que o meu “coração partido” foi o motivo de ter mergulhado de cabeça na ideia de sair com Harry. No entanto, preciso admitir que Pepper está correta. Há algo diferente em pessoas como Harry e Peter desejarem estar ao meu lado de forma romântica. Peter, principalmente. Não há outra maneira de estar junto a ele, com todas as suas qualidades e cada infinito detalhe que o torna tão extraordinário, que não faça crescer um leve pulsar autoconfiante em mim. A confiança, contudo, compete com a amarga inadequação, semelhante à que senti próxima a Harry.
É incrível e intimidador saber que alguém como Peter deseja estar junto a mim, e que, após as suas incontáveis e significativas tentativas de me fazer perceber minha importância para ele, é difícil considerar que está sendo o mais sincero possível quando minha mente ainda luta para tentar me convencer do quão inadequada sou para ele.
— Sei que quando a gente está apaixonada, parece que o resto do mundo se desfaz e para de existir qualquer coisa exceto a outra pessoa — Mordo o interior de minha bochecha, ciente que ela fala por experiência própria e o que sinto não é uma mera exceção à regra. — Mas nós somos atentos com vocês dois, tá? — Pepper acentua a sua afirmação ao balançar o pegador de macarrão para mim. — E o jeitinho que o Peter te trata — Ela balança a cabeça, instigando minha curiosidade. — A May deve ter lido algum livro sobre como criar bons meninos, porque aquele garoto parece que vive para ser o mais bem educado e cuidadoso que eu conheço. Principalmente com você.
— Eu sei. — Finjo coçar o nariz quando meu sorriso se torna largo demais para disfarçar e a timidez me faz querer esconder como me sinto. Minha mãe está certa ao dizer que o mundo deixa de importar quando estamos apaixonados pois, vez alguma consigo pensar em qualquer coisa além de Peter quando estamos a sós. Seu talento de me fazer esquecer qualquer coisa fora o espaço entre nós é admirável. — É estranho mas, quando eu estou com o Peter, é como se houvesse esse escudo entre a gente e o mundo exterior, sabe? — Apoio as mãos em meus quadris e olho para o chão, evitando os olhos de Pepper. — Falei com a Doutora Hall sobre isso hoje, sobre o Peter e o nosso… — “Namoro”, Pepper caracteriza. — Isso. Sobre ser semelhante a um bálsamo. Sobre a maneira em que esses momentos em que estamos juntos atenuar as preocupações. — Molho meus lábios, respirando fundo. — Eu só quero que ele se sinta dessa forma, também. — A confissão faz Pepper sorrir. — Tão querido como me faz sentir.
— Não quero apostar que ele já se sente assim, principalmente porque já tenho muito dinheiro e não gosto de jogos de azar, mas acho que iria ganhar de você. — Aperto a boca, obrigada a segurar o riso e discordar. Não sinto que faço o suficiente, muito menos que Peter se sinta tão querido por mim como me sinto por ele, principalmente ao considerar o que confessou hoje sobre Harry e pela maneira que não consegue enxergar como é a única pessoa para mim.
— Me ajuda? — Encosto em seu ombro, observando enquanto rasga as sacolas de papel para que possam ir no lixo reciclável. Tony e Pepper levam a reciclagem muito a sério.
— O que tem em mente? — Ela ri um pouco quando eu suspiro em derrota, pois não faço ideia do que posso fazer. — Ok… — Pepper pausa a batalha contra um adesivo. — Eu não acredito que vou dar uma de Dorothy Potts, mas porquê você não cozinha algo para o Peter? — Se não estivesse tão surpresa por sua proposta, poderia rir. Quão bom qualquer coisa que eu tente cozinhar sem magia ficaria quando nem mesmo sei fazer pipoca? Antes que eu possa indagar se chá conta como algo cozido, Pep prossegue: — É uma ideia retrógrada que eu jurei que nunca daria à minha filha? Sim, mas tende a funcionar.
— Lembra quando tentei fazer waffles? — Murmuro com o queixo apoiado em seu ombro.
— Cozinhar no sentido de preparar alguma coisa pro Peter que, pelo amor de Deus, não envolva fogo ou você perto de um fogão. — Pepper quase implora e eu pondero a possibilidade. “Então a minha melhor aposta é um sanduíche ou maçã picada”. Ela pausa seu embate com o adesivo outra vez. — A gente tem uns queijos e geléias muito bons, , você pode fazer algo legal pro Peter. Tenta começar pequeno.
— Um sanduíche, sério? — Considerando o quanto MJ riria de mim, começo a imaginar que pode ser uma boa ideia.
— Sim. E você coloca num guardanapo legal, com um bilhetinho e diz que fez correndo porque pensou nele ou algo bem meloso do tipo. — A ideia me faz franzir o nariz, incerta se estou tão confiante ao ponto de arriscar soar melosa demais. Peter me conhece bem o suficiente para estranhar algo assim. — O que o Peter costuma colocar nos sanduiches dele? Já viu alguma vez?
— Picles. Muito picles. — Torço o nariz de novo. — E mostarda.
— O Google está aí para isso, certo?


*


A tempestade de neve se formando me impede de chegar cedo em Midtown a tempo para a minha primeira aula, dando uma folga no dia para que eu consiga enfim organizar meu armário.
Estou jogando meu lixo dentro de um copo descartável quando sinto o aproximar de MJ, mas não lhe olho, voltando a recolher os descartáveis e canetas sem tinta. Ela abre o seu armário também, a proximidade dele com o meu sendo o máximo de proximidade que tivemos em semanas. Retiro o casaco grosso, o dobrando e colocando na caixa organizadora que Michelle me deu no ano anterior após reclamar que meu armário era uma bagunça. Aperto meus dentes ao pôr o casaco branco mais fino que havia guardado ali, satisfeita que combine com a ponteira dos sapatos “retrô” da Chanel que Pepper havia me presenteado. Com cuidado, também pego em minha mochila o pote com o sanduíche que preparei, sentindo o rosto esquentar quando pressiono o post-it amarelo na tampa.
Limpo minhas mãos com uma pequena garrafa de álcool enquanto Michelle permanece atenta a algo em seu armário, ainda que, em sua mente, ela esteja considerando falar comigo sobre o decatlo. Admiro seu autocontrole quando percebe que o único assunto que poderia invocar seria sobre o ingresso de Harry e que isso me deixaria mais enfezada com ela que antes. Continuo acompanhando os seus pensamentos ao testar algumas canetas, lhe ouvindo considerar o quão bagunçado o corredor ficou com os novos alunos e remanejamento de armários, como o som de conversas altas a incomoda. Os alunos do segundo ano também foram transferidos para a mesma área que nós, o que inclui nosso pequeno grupo de amigos, Betty Brant, Flash, Harry Osborn, Gwendolyn e mais alguns alunos. Mordo a língua quando penso em Harry e lhe questionar se estava a par das decisões de seu pai, mas a imediata raiva que sinto por Norman Osborn me atinge como um trem e a pergunta azeda em minha boca.
Esfrego minha nuca, percebendo como estou ficando cada vez mais parecida com Tony.
— Bom dia, tesoros! — Me orgulho por não bater com a testa no armário ao ouvir a voz de Gwen. — Dio santo, , esses jeans são The Row?
Para a minha absoluta surpresa, Gwendolyn usa jeans semelhantes aos meus, de igual e indiscutível semelhança. No entanto, ao contrário de minha blusa vermelha de primavera, com poás e mangas fluidas, ela veste um colete de lã sobre uma blusa branca de mangas bufantes. Sempre presa a tons de nude ou rosa antigo, Gwendolyn se destaca com seu cabelo loiro curto e lábios rosados. Ela passa por mim, tocando em meu ombro e então faz o mesmo com MJ. O choque que sinto quando MJ sorri para Gwen poderia me derrubar.
— O nosso trabalho está quase pronto, mas eu preciso que revise mais algumas coisas. — Gwen comenta com MJ, abrindo seu armário ao lado do dela. Volto a olhar para meus materiais. — Também estou fazendo aquela monitoria que comentei com você, lembra? — “Você também se lembra, querida?” Mordo meu lábio quando os pensamentos dela se desviam para mim. “Seria maldade perguntar sobre o Peter? Será que a ativistazinha sabe?” — Por falar nisso, -querida, você sabe se o Peter fez aquela dissertação? — Pendo para trás, olhando acima do ombro de MJ enquanto engulo o ciúme que sinto. Gwendolyn realmente decidiu roubar minha única amiga?
— Creio que sim, Gwen — Assinto mesmo sem saber. — Posso lembrá-lo se você quiser.
Ela sorri vibrante para mim e contenho a vontade de revirar os olhos.
— Deixa que eu falo com ele na aula mais tarde. — Gwen descarta minha oferta com o mover de sua mão e eu concordo, voltando a fingir cuidar de meus materiais.
“Para alguém que gosta de cuidar do namorado alheio, se demonstra tão defensiva quando a situação se inverte que chega a ser engraçado. Pondero lhe questionar sobre Harry e seus sorrisinhos ontem, mas só lembrar da forma que o rosto dele ficou corado em conversar com ela sinto uma pontada no peito. Meses atrás, eu era a única pessoa a fazê-lo sorrir tão fácil, mas agora os seus sorrisos que uma vez já foram tão raros, são todos reservados para .”. O seu desviar do assunto me incomoda pois é óbvio que Gwendolyn ainda está ferida por seu término com Harry e ainda tem sentimentos claros por Osborn.
— Temos decatlo hoje? — Ela indaga.
— Só amanhã. — A resposta de MJ é rápida e ela limpa a garganta.
Consciente como se demonstrou vezes e vezes mais, Michelle reconhece que Gwendolyn menciona Peter e seu vínculo com ele de maneira proposital, bem como está tão indigesta com o “-querida” como eu também estou, contudo, se demora na menção sobre meus jeans que “Podia jurar já ter visto iguais na Target”. Mordo meu lábio ao jogar alguns lápis fora quando ela pensa em dizer isso para Gwendolyn. MJ fecha o seu armário e coloca a mochila no ombro antes de ir para aula em silêncio e sem se despedir
— Vocês estão brigadas? — Mordo a língua com a pergunta de Gwendolyn. “Não vai me tratar com ignorância, certo? sempre é boazinha com todos todos ao seu redor, e sem dúvidas pegaria muito mal me tratar de forma contrária.” — Eram amigas, não eram? — “Não é surpresa que viva rodeada de rapazes e tenha uma única amiga. É ideal que esteja rodeada de homens, afinal, é a melhor forma de se entrosar entre eles” Ignoro os seus pensamentos venenosos e respiro bem fundo.
— Tivemos um desentendimento, mas vamos ficar bem — Sempre me admiro com a sua farsa, principalmente pela maneira que demonstra genuína preocupação por meu bem-estar, apesar de sorrir por dentro com a minha infelicidade sempre que pode. — Obrigada por se preocupar, Gwen.
— De nada, querida. — A forma que ela franze as sobrancelhas me garante que deseja que eu perceba como está exagerando e não hesito em lhe oferecer um sorriso complacente. Não sei se gosto do jogo que ela decidiu jogar sozinha, mas me recuso que considere que minha indiferença seja um sinal de desistência. — Vai ficar tudo bem entre vocês, eu tenho certeza. A Mitch é ótima e sei que irão resolver esse impasse de vocês. — Evito exteriorizar meu horror com o apelido que presenteia MJ, meramente sorrindo uma outra vez para ela de forma a retribuir seu falso interesse em um resultado que possa me favorecer.
Gwendolyn se despede não muito após eu devolver a atenção para a bagunça que está no meu armário, seus pensamentos se direcionando para Harry e sua aula de Economia em breve. Não é uma surpresa tão grande que tenha descoberto e decorado a grade de aulas dele, porém a trivialidade não deixa de ser bizarra. Desisto momentaneamente de tentar entender as suas intenções, mantendo meu foco em MJ. Suas palavras me feriram, contudo, Michelle continua sendo minha única e mais antiga amiga, e talvez possamos contornar a situação, por mais humilhante que seja permanecer próxima a ela apesar de tudo.
— Senhor Parker — A menção me faz virar na direção do som, onde um professor que se despedia das moças da secretaria chama por Peter, localizado um mar de alunos que entram em Midtown. — O gorro, por favor. — Estreito os olhos quando ele ergue a mão para remover o gorro, bem como mais alguns alunos que o imitam. — Srta. Larsen, que tal uma blusa com mangas amanhã? E Darren, tira esse boné!
Peter caminha apressado até mim enquanto luta para enfiar o gorro vermelho dentro do bolso do jeans, a case da câmera que lhe presenteei está embolada com a alça de sua mochila e eu dou um sorriso para ele ao finalizar com a limpeza de meu armário.
— Bom dia, — Inclino o rosto quando sinto o beijo quente em minha bochecha, sua mão encontrando apoio na curva de minha coluna.
— Oi! Estava pensando em... — Quando finalmente viro o rosto para vê-lo por completo, sinto meu sorriso se desfazer ao perceber o pequeno, porém fundo, corte na lateral de sua testa. — Isso é sangue? — Sussurro, ciente de que, como estamos em público, outras pessoas poderiam se preocupar e querer ouvir nossa conversa. No entanto, tenho uma leve vontade de erguer a voz pela surpresa, não mais acostumada a vê-lo ferido. Tem um pequeno rastro seco no rosto dele também, indicando que Peter pode ter tentado secar o sangue sem ter tido um bom resultado e tentado esconder o ferimento com o gorro. A sua expressão não nega o flagra, com um sorrisinho culpado ao notar que realmente me assustei com seu machucado.
— Teve um assalto. — Peter explica-se baixinho ao passar por trás de mim e eu lhe sigo com os olhos, atenta para o ferimento que é mais fundo do que eu tinha imaginado.
Me arrepio pela dor que deve estar sentindo, bem como meu peito dói por Peter estar machucado, mesmo que isso não pareça lhe incomodar muito quando se apoia no armário ao lado do meu quando o Sr. Grant passa por nós na direção de sua sala.
— Explodiram um caixa eletrônico. — Tateio o meu armário, sem desviar a atenção de Peter, procurando pela pequena caixinha vermelha com band-aids e antiséptico e tentando ignorar o afagar de seu polegar em minha costa. É ridículo que um toque tão singelo consiga me desconcentrar dessa forma. Peter segue meus olhos e remove a mochila do ombro, a descansando no chão ao lado de nossos pés. — Sei que tinha dado um tempo no negócio de herói, mas tinham reféns. — A justificativa não me surpreende, mas não posso evitar suspirar ainda que lhe entenda. Começo a escolher entre os band-aids pequenos e os grandes quando sinto um outro beijo, desta vez mais prolongado, em minha bochecha. É difícil não fechar os olhos e mais dificil ainda não cobrir seus lábios com os meus. — Eu fiquei com medo de só te ver mais tarde.
— Está machucado em mais algum lugar? — O tremular em minha voz me envergonha.
— Só um pouquinho, não se preocupa. — Sua garantia é complementada por um sorriso entretido e travesso, aparentando estar satisfeito em quase me tirar dos eixos. Abro um band-aid, me entretendo com o movimento circular em minha costa. — Como você está? Já tomou café? — O meu revirar de olhos é automático. Há um corte do tamanho de um Trident em sua testa e ele se preocupa se já tomei café. Mesmo sem olhar, eu sinto o seu sorriso quando ergo o cabelo que tenta cobrir o seu machucado, agora sendo apoiada por suas duas palmas largas e quentes em minha cintura enquanto colo a bandagem sobre o ferimento, finalmente podendo respirar. Assento as bordas adesivas com cuidado para não pressionar muito, mas sou interrompida por um breve selar sobre meus lábios. — Obrigado, .
Apoio um braço em seu ombro e seguro em seu pulso com o outro, balançando a cabeça.
— Exceto o fato de você ter estado na cena de um crime, estou bem. — Ainda mantendo a voz baixa, enfim o respondo e indico seu cabelo com um aceno. Rapidamente, Pete balança a cabeça e alguns fios ondulados caem sobre o curativo, disfarçando a diferença de cor entre ele e sua pele. Me prendo por um instante no fato de que ele não usa mais gel ou o que for para esconder a curvatura normal de seu cabelo. — Agora, tem certeza que não se machucou mais? — Deslizo meus dedos entre os seus, sentindo o calor de sua mão esquentar-me. — Tenho tendência a mentir sobre isso e acabo desconfiando dos outros.
— Sim. Eu juro juradinho. — Pete ergue a sua mão livre entre nós, levantando seu dedo mindinho. Busco seus olhos, confusa com o que deseja com tal ação. — Pera aí — Para minha tristeza e confusão, ele solta minha mão e dobra todos meus dedos, exceto o mindinho. — Faz assim — Peter me faz cruzar o dedo com o seu, concentrado no ato e me fazendo sorrir um pouco com a estranheza de tudo. — Assim. — Ele me olha, sorrindo satisfeito ao balançar nossas mãos como uma criança. — Promessa de mindinho tem mais valor que promessa normal.
— Hmm… — A ingenuidade do ato é adorável.
— Hmm... — Peter me imita, assentindo devagar ao admirar nossas mãos. Os seus dedos são maiores que os meus e suas unhas não estão pintadas de vermelho como as minhas. — Ah, May está perguntando sobre você — Ouvir que May sente minha falta, ou sequer se importa o suficiente para perguntar de mim me deixa feliz. O pequeno repuxar nos lábios de Peter indica que ele também gosta de saber disso. — Quer saber quando vai visitar ela, e eu quero saber quando a gente vai conseguir passar mais de cinco minutos juntos sem o pavor de ser suspenso.
— Posso ir visitar vocês amanhã, o que acha? — Proponho, ansiosa com o que “mais de cinco minutos” deve prometer-nos. Penso por um instante nos beijos que trocamos na marcenaria, e a vontade de visitá-los aumenta mais. No entanto, me mantenho ciente de que minha necessidade de ir ao Queens ultrapassa querer passar tempo com Peter, mesmo que não tenha tal diferença tão grande. — Eu preciso conversar com a May.
— Sobre o meu dote? — Peter entorta a cabeça ao pegar sua mochila, a case da câmera nunca saindo do contorno de seu pescoço. Apesar do humor, não precisa atenção para perceber a sua curiosidade.
— Talvez. — Dou de ombros ao pegar minha mochila, enfiando o pote de vidro dentro pra que não o veja ainda. O maldito post-it continua caindo. — História?
— Geopolítica. — Peter resmunga. Já lhe ouvi comentar com Ned que, para uma escola com foco em ciências e tecnologia, Midtown se importa demais com outras áreas do conhecimento. — Vem, te acompanho pra aula. — A oferta é impossível de ignorar, principalmente quando Pete estende a mão para mim. Ele entrelaça nossos dedos de imediato, afagando minha mão como sempre faz e me levando a ponderar sobre como posso não ser a única que aprecia tanto toque físico. — Você viu que prorrogaram as inscrições para a feira? — Pete questiona ao balançar nossas mãos enquanto caminho ao seu lado.
Certo, este é o momento ideal para lhe contar.
— Não, mas… — Engulo em seco, tentando imaginar a melhor forma de entrar no tópico. — Hum... — Molho meus lábios, incerta e ciente de minha conversa com Pepper ontem. — Posso ter comentado com o meu pai sobre a sua pesquisa para a feira... — No mesmo segundo em que a última palavra me escapa, sinto um momentâneo tensionar vindo de Peter. Faço uma nota mental de tentar me preparar melhor para lhe dar notícias, sentindo que o resultado seria melhor se Peter parasse de andar e simplesmente demonstrasse seu espanto. Mas ele não faz, apenas relaxa devagar. — E ele está considerando chamar você para um estágio na supervisão para o projeto que a Stark Industries vai fazer com a Oscorp...
— Oi? — Mordo o interior de meu lábio quando Peter se pronuncia, enfim diminuindo a sua marcha na direção do corredor de minha sala. Com a mão em meu ombro, ele tenta nos desviar da multidão de alunos no corredor, para que não atrapalhemos ninguém.
— E ele disse que a sua pesquisa se aplica bem. — Decido finalizar o que comecei assim que nos encostamos em uma parede, abaixo do quadro de avisos de Midtown. Peter se curva um tanto para me olhar bem, quase ficando na mesma altura que eu. Sua mão não se desprendeu da minha e eu opto por acreditar que é um bom sinal.
— Mas, , é só teoria… — Suas sobrancelhas se curvam e eu aperto a boca. Percebo que não exagerei ao comentar com minha mãe ontem e que o conheço bem o suficiente para antecipar suas reações. Peter tem um olhar quase amedrontado ao se explicar, a ansiedade e falta de confiança o comendo vivo.
— Teoria que vai ser aplicada e você vai poder participar de forma ativa ao em vez de ler o que os pesquisadores estão fazendo. E nós dois sabemos que bioquímicos são péssimos em escrever artigos — Coloco minha mão livre em seu peito, tentando ter um certo controle quanto suas reações e na expectativa que ele possa relaxar um pouco, principalmente em razão do suave rubor de seu rosto. — O meu pai vai coordenar tudo e você vai ajudar ele, Pete. — Tento diminuir a responsabilidade, na expectativa que isso lhe conforte. — Vai ter o seu nome na pesquisa, o que é mais importante ainda.
— Tem certeza que o Tony me chamou? — Desta vez, eu hesito em assentir mesmo sem querer, o que é suficiente para os olhos de Peter saltarem. — ! — Ele sussurra meu nome, quase como se o gritasse baixinho.
— Não é nepotismo! — O olhar que me dá é claro. — Ok, só um pouco. — Eu respiro, sem muitas justificativas para a acusação silenciosa dele ou para como Peter corre os dedos por seu cabelo. Sua reação entrega a preocupação que eu já havia previsto. — É só que você é tão inteligente, Peter… — Aperto sua mão, tentando atrair sua atenção para mim, mesmo que ele esteja ocupado apertando a ponte do nariz. — E é uma oportunidade que dificilmente alguém de fora teria, sabe? — Balanço sua mão, chegando mais perto que o aceitável para o ambiente escolar. — E vai ser tudo na Torre, perto para você e está tudo convergindo para dar certo.
— Você é impossível, sabia? — Peter se encosta no mural, olhos fechados apesar da leve sombra de um sorriso.
— Já me disseram isso. — Assinto, somente para vê-lo sorrir. Não sei o quão longe iria por seus sorrisos e a extensão de tal me preocupa. — Quando ele mencionou a parceria e a pesquisa, você foi meu pensamento imediato. Lembrei de você no mesmo momento e não podia ignorar o quanto isso ia ser bom. — Seguro no seu pulso também, atenta para expressão de Peter que se ameniza um pouco. — Ah! — Removo minha mochila dos ombros, ignorando a cara que ele faz de “Tem mais?”. Pressiono outra vez o post-it amarelo na tampa do pote antes de sequer ousar apresentá-lo a Peter. — Eu trouxe um sanduíche pra você. Parece que tinha adivinhado que ia precisar de energia extra.
Seus olhos se abrem com a menção do sanduíche e quase desejo que Peter os mantivesse fechados para que não visse o desenho estúpido que passei quinze minutos tentando fazer, ou o flerte embaraçoso. I “pickle” you. Contudo, talvez o sanduíche salve a pátria, afinal, se não fosse a cebola e o picles, eu comeria uns quatro desses de uma vez só. Queijo suiço, presunto curado fatiado, rosbife com azeitonas, mostarda, picles e cebola. A composição foi o suficiente para conquistar Tony quando o usei como grupo de teste ontem e ele me pediu por um segundo sanduíche que nunca fiz, focada em preparar o mesmo exato sanduíche para trazer para Peter. O “presente” lhe distrai suficientemente de minha intromissão em sua pesquisa, ao ponto em que Peter se inclina com um sorriso enorme para ler o que escrevi no post-it, bem como traçar o desenho de uma jarra de picles. Esfrego meu pescoço quando ele me olha, tentando amenizar o calor e garantir que não irei ter um colapso pela vergonha.
— É um cubano. — Indico, bem mais tímida, a bandeirinha no rótulo do desenho. O som da risada de Peter quebra minha tensão e eu mordo a parte de dentro de meu lábio para não sorrir. — Assumo que não sabia nada que tivesse picles e só achei essa receita na Internet, mas foi feito com carinho e um pouco de enjoo. Mas carinho. 60/40, pra ser sincera.
— Você entrou no Google e achou o meu sanduíche favorito, é isso? — A sua reação não é nem tão costumeira como esperei que fosse: Peter parece verdadeiramente maravilhado com o mero sanduíche.
— Esse é o número 5 no Delmar? — Questiono, igualmente surpresa com a coincidência.
— É — Peter assente várias vezes, segurando o pote com cuidado e sorrindo tão animado que sinto vontade de apertar suas bochechas. — E como esperado, você acertou em cheio. — No lugar disso, é ele que segura em meu rosto ao beijar-me outra vez, com um som estalado para enfatizar seu agradecimento desnecessário. O seu sorriso me deixa tonta. — Obrigado, .
Desconsidero a gratidão com um selar no seu queixo enquanto sorri para meu desenho.


*


Pai
visto por último hoje às 18:39

Vem no laboratório quando terminar de estudar.

Eu pedi jantar para a gente.



Vejo a mensagem somente vinte minutos após o seu envio, no momento em que guardo o livro em minha mochila e começo a juntar as folhas de papel que havia utilizado para os cálculos ao responder o novo manual do decatlo. Guardo meu notebook e o livro que leio para antropologia, com a esperança de que possa me ajudar a escrever algo para minha redação da faculdade. Desço a escada para o laboratório enquanto visto um cardigã para compensar o frio que sinto por estar descalça, meu celular enfiado no bolso da calça de pijama. Estou removendo o colar de dentro do cardigã enquanto passo pelo reconhecimento facial, assentando a flor e a abelhinha sobre meu peito.
Quando chego no laboratório de Tony, ele não está lá. Algumas telas estão ligadas, assim como o display no monitor principal indica que ele havia finalizado há pouco tempo um facetime com alguém chamado Benedict Young, mas a foto do desconhecido desaparece quando me aproximo mais do vidro. Ainda na procura por Tony, estou no primeiro degrau da escada quando ouço sua voz atrás de mim:
— Quando te dei o laboratório, não imaginei que eu ia ser a única pessoa a lembrar dele.
Meu pai está na porta do laboratório que havia me presenteado assim que minhas visões começaram. Seus braços cruzados sobre o peito poderiam ser indicadores de alguma preocupação se não fossem a sua pose clássica que ele tanto repetiu em capas de revistas anos atrás. No entanto, Tony não mais parece um jovem rebelde que havia acabado de herdar uma das indústrias mais valiosas do mundo. Os fios grisalhos se acumulam em sua barba, braços e cabelo, indicando que a idade chegou e ele amadureceu com ela.
— Eu esqueço dele. — Minto sem dar muita importância, ou ao menos tentando não dar.
— Esquece? — Daqui eu também posso ver os fios brancos na sobrancelha que ergue para mim. Ele é tão desacreditado na desculpa quanto eu sou em minha capacidade de enganá-lo. Nós dois sabemos que não sou fã do meu laboratório ou do motivo que o levou a me presentear com ele. — Tô precisando conversar com você — Outrora me preocuparia com a possibilidade de ter feito algo errado ou pela forma que Tony coça a barba, um tanto desconcertado, mas estou certa que me mantive longe de problemas nos últimos dias. A expressão dele se ameniza quando percebe minha confusão e uma sobra de um sorriso surge, mas não passa disso. É uma sombra. Quase uma ilusão. — Relaxa. Tá tudo bem.
Com um acenar, ele me chama para dentro do laboratório e eu respiro fundo ao segui-lo.
O local não mudou desde a última vez que estive aqui, a única diferença notável sendo a sacola do McDonalds sobre a mesa central e um notebook ligado. Me aproximo e pego o copo de Pepsi, preparando-me mentalmente para os comentários que fará sobre meu projeto de artigo. Tony prepara a mesa em silêncio enquanto me sento, colocando dois hambúrgueres na minha frente e um pacote de batatas fritas, sem esquecer do ketchup.
— Não é possível que o trabalho esteja tão ruim assim, Tony. — Resmungo após afastar a sacola de papel e encontrar os picles de meu sanduiche em cima de um guardanapo. Se Peter estivesse aqui, ele teria colocado no seu hamburguer.
— Ainda não tive tempo de ler o seu trabalho, mas sendo você, é certeza que não tá nada mal. — Quando ele aperta a boca e força um sorriso amigável, começo a me sentir ansiosa. São poucos os tópicos que poderia querer tratar com tanta urgência e que seriam discutidos diante de um cheeseburger. Eu tento sorrir também e desembalo a o sanduiche, tirando uma mordida grande para ocupar minha boca e não resmungar um “desembucha” mal educado pois ele permanece me olhando. Olhando e pensando e ruminando. Sua indecisão me distrai e eu forço a comida goela abaixo. Minha expressão desconfortável parece lhe incentivar a enfim respirar e começar a desenrolar seu sanduíche com baixíssimo interesse na comida. — Lembra que mandamos a Agente Hill para Seoul? Encontrar o corpo da Cho e...
Abaixo o sanduiche ao concordar. Cho está morta e, infelizmente, não fui a responsável.
— Pois é — O ranger de sua voz, demonstra a força que faz para conter algo íntimo seu. Tony percebe como sua voz está rouca e bebe seu refrigerante. Coca diet, é claro. — A Hill também foi em uma missão de resgate de arquivos em nome da SHIELD. E, na volta, no Reino Unido, localizou um arquivo que estava em um banco de dados que imaginaram ter sido perdido.
Click.
— É sobre o meu orfanato, então? — A sua tensão se faz mais fácil de entender, assim como a hesitação. O único laço que pode ou não me ligar ao Reino Unido é o orfanato no qual vivi até ser traficada pela HYDRA.
Aguardo por um sorriso dele, indicando que acertei em cheio o tópico de nossa conversa, mas a menção do orfanato não parece ser o ponto que pretende tratar comigo, muito menos um tema que é importante agora.
— Não exatamente. — Quando Tony deixa o lanche de lado, eu me acomodo melhor na cadeira. Sua tensão indica que também vou me sentir tensa com o que iremos discutir. — Você sabe que desde que o Barnes chegou na Torre e queria saber sobre a irmã Ruth… — O erro gritante, que não sei ser proposital ou não, em razão do estranherismo de Tony, me faz o interromper e corrigir. Rebecca. — Essa aí. — A ausência de um revirar de olhos ou pressionar impaciente de lábios me pega de surpresa, mas estou anestesiada. Família. Tony quer tratar algo sobre família. — Eu instrui um novo protocolo onde todos os novos dados inseridos no sistema rodam a nossa base prévia, verificando desde similaridades comuns até as mais específicas, incluindo parentesco.
— Acharam meus pais biológicos na base de dados antiga da SHIELD.
Não lhe questiono, mas afirmo a hipótese que me soa mais plausível no mesmo momento em que ignoro o frio intenso em minha barriga.
— Sim.
Eu prendo a respiração e aguardo por um sentimento que não recordo ter sentido antes. Meu pai me espera, cauteloso como um policial que observa um artefato explosivo engatado em na contagem regressiva. Permanecemos em silêncio por alguns instantes enquanto aguardamos a ocorrência de algo impensável, um surto meu ou que o mundo simplesmente acabe. No entanto, para minha surpresa, sinto uma estranha sensação de tranquilidade. A SHIELD encontrou meus pais biológicos, mas eu não encontro implicações que possam justificar a apreensão de Tony. Eles estão mortos, tenho certeza. Ou, se a rara possibilidade de estarem vivos se concretizou, não devem saber quem sou.
Ainda assim, eu espero e tento pensar. Como devo lhe questionar sobre aqueles que me deram a vida sem o machucar? Sem ousar indicar que quero realmente saber sobre as pessoas que me abandonaram em um momento de tamanha vulnerabilidade e foram causadores dos horrores que sofri e que são hoje responsabilidade de Tony e Pepper conter? Sinto a culpa amargar minha boca. Eu não posso pedir por informações sobre essas pessoas, principalmente não depois de tudo o que nós já passamos. Tony e Pepper irão se casar em breve. Eles têm cuidado de mim há anos. Como posso ousar querer saber sobre aqueles que não sofreram comigo tanto quanto eles?
— Sei que é muita coisa pra processar, — Fixo meus olhos nos seus, assentindo no mesmo momento que Tony faz. Sou o seu espelho, seu reflexo, pois sou sua filha e nenhum pai ou mãe biológico pode alterar isso. Apesar de minha tentativa de conter minha reação, Tony me conhece o suficiente para saber que estou balançada com a informação. — Está tudo bem. — Eu concordo novamente, pois é verdade. Tony toca em meu braço e eu sei que é verdade. Está tudo bem.
— Está. — Eu repito como o pássaro artificial de Jogos Vorazes. — Me chamou aqui para falar sobre isso, apenas? — Tony pende a cabeça levemente para frente, com um leve toque de seriedade. Ele sabe de meu blefe e sabe que não consegui absorver a notícia tão rápido assim e, acima de tudo, sabe que eu estou afetada com a situação. Toco na mão que colocou em meu braço, evitando encostar nele com meus dedos sujos de sal e ketchup que poderiam ser metáfora para algo que me foge a mente. É difícil pensar. — Desculpa. — Meu pai balança a cabeça, sem se importar com isso. E eu tento ser como ele e não me importar em sentir alguma coisa, porém, é difícil sentir e não lhe fazer um milhão de perguntas. Então eu respiro fundo e bebo mais refrigerante. Quando minha língua está dormente de tanta bebida gaseificada, eu molho os lábios e ouso questionar: — O que tem no notebook?
— Dados sobre eles — Seus olhos se desviam para a tela que está de costas para mim. O observo escanear as informações, algumas imagens distorcidas refletidas em seus óculos. Eu prendo a respiração de novo quando me olha. Em seus olhos, não há nada além de pena por mim e meu coração dói. — Quer ouvir sobre eles?
Sem confiar em minha voz, eu assinto. Quando Tony respira fundo, o medo me domina.
— Eles se chamavam Sophie e Benedict Hawke. — O tempo verbal me agarra pela garganta e sufoca. Não sinto tanta familiaridade com o cenário que montei sobre os pais biológicos que sempre imaginei que estariam mortos. Imaginar sempre foi menos leve do que saber a verdade e eu não posso evitar o choque. Em seguida, também não sinto familiaridade com os seus nomes. Sophie e Benedict não soam como mãe e pai. Não soam como Tony e Pepper. — Eram oncologistas ingleses, então… — Tony toca o óculos na ponte do nariz, coçando sua barba uma outra vez. — Você é mais britânica do que nós imaginávamos, Monstrinha.
Tento sorrir como ele, mas nossos esforços não passam de tentativas tristes. Sophie e Benedict Hawke são meus pais biológicos. Ambos estão mortos.
— Como… — O questionamento incompleto é compreendido por Tony e ele suspira.
— Morreram em um acidente de carro em novembro de 2000, ano em que você nasceu. Foi enquanto saiam da propriedade deles em Oxford e iam para Londres. — A ironia dos Hawke terem morrido em um acidente de carro assim como a família de Helen Cho não me passa despercebida, mas não desvio a atenção do Tony em momento algum. Não me atreverei a lhe indagar sobre isso nunca mais, portanto, devo absorver todos os detalhes possíveis neste momento. — Você estava no carro também e foi pronunciada morta ainda no local por uma unidade não identificada.
Minhas mãos estão geladas.
— Quando descobriram que havia sido vítima de um sequestro, imaginaram que pediriam um resgate do corpo. A ligação nunca chegou, então imagino que foi por isso que você foi parar no orfanato. — Não tenho palavras para agradecer meu pai por continuar a me contar e não aguardar que eu reaja a tudo o que me diz para prosseguir, apenas olhando em meus olhos para ter certeza que ainda estou aqui. Agora entendo a rouquidão em sua voz e o amargor em seus olhos. É uma história brutal de ser contada e pior de ser vivida, mesmo que eu não possua memória alguma de tal evento. — Eu acho que deve ter ido parar em um hospital depois de notarem que estava viva e, como estava uma tempestade péssima em Londres no dia, tiveram muitos óbitos, e possivelmente você foi transferida de hospitais. No meio de todo o caos, não encontraram você.
— Foram… — Engulo o nó em minha garganta. — Causas naturais, então? — Tony me observa por alguns instantes antes de reconhecer o que lhe questiono. Eles não foram assassinados? Esta é a pergunta que quero lhe fazer.
— Sim. — É o suficiente e eu concordo com cabeça, mais rápido do que gostaria, pois só o mero pedaço de hambúrguer que comi está fazendo meu estômago doer. —Pelo o que verifiquei, houve uma chuva muito forte, vários alagamentos, deslizamentos… Uma catástrofe. — Somente assim eu entendo o impacto que Tony pode ter sentido e como ele conhece a necessidade de saber se não houveram outros fatores para a morte dos Hawke. Até doze meses atrás, Howard e Maria Stark haviam morrido da mesma forma em um acidente numa noite chuvosa. — Mas eu estou aguardando cópias do laudo da autópsia para termos uma ideia melhor do que aconteceu.
— Certo. — Eu sussurro, ciente que este tópico é doloroso para ele. Meses atrás Tony foi em busca dos laudos dos legistas que receberam os corpos de seus pais, mas nada indicava que foram assassinados. Nada ali continha traços ou indícios de algo além de um grave acidente de carro. Uma catástrofe, como os Hawke.
— E… — Tony toca na tela do notebook e só assim percebo que ele elaborou um roteiro para discutir isso comigo. O seu cuidado é impossível de ser ignorado. — Eles, a sua tia Eloise, ela procurou você por anos, . — Tia Eloise. — Eloise é a irmã mais nova do Benedict. — Meu pai esclarece o grau de parentesco. — Ela procurou você sem parar por anos. Segundo a Agente Hill, quatro corpos foram exumados na esperança de ser o seu, mas não eram compatíveis com o DNA do seu irmão.
— Irmão? — A pergunta escapou sem que eu sequer pudesse assimilar tudo.
Tony me olha, incerto se deve prosseguir.
— Alexander. São gêmeos. Ele também sobreviveu. — O choque é o suficiente para que meu estômago revire. Além de uma tia, eu também possuo um irmão. Vivo. — O índice combinado de paternidade entre você e os dados que encontramos é absurdo. Fizemos o duo e o trio.
Tento imaginar a aparência da pessoa que Tony diz ser meu irmão. Talvez nossos olhos sejam parecidos ou até mesmo a nossa estatura. Eu mordo o interior da bochecha quando sinto algo que somente consigo identificar como crueldade. O que levou o destino a me escolher e não escolhê-lo? Meço meus pensamentos maldosos, ciente que não consigo desejar a crueldade a qual me impuseram a ninguém, principalmente uma pessoa inocente. Prendo a língua, incerta do que pensar nesta situação. No entanto, não é difícil reconhecer que não há nada diferente: o meu passado permanece o mesmo; cruel e destroçado, apenas com algumas peças a mais para completar o quebra-cabeças. E o meu presente se mantém estático. Os Hawke estão há, no mínimo, um oceano de distância.
— Contou pra mamãe? — Somente agora consigo pensar em Pepper. Em como ela reagiu com toda a história: se ficou feliz por sabermos mais sobre mim, ou se ficou triste e com pena, da mesma maneira que Tony.
— Não. — A sua resposta me surpreende, mas sou grata somente a certo nível. Não quero contar sobre isso para Pepper, mesmo ciente que ela deve ser informada sobre os restos da minha família biológica. — Sou eu quem roda os dados na base. Tenho feito isso desde chegou. — Meu pai se explica com cautela, o rosto apoiado nas suas mãos entrelaçadas. Nem sequer me prendi na possibilidade de alguém, um oficial da SHIELD, no caso, saber disso. Sou grata que apenas nós dois tenhamos conhecimento de minha árvore genealógica. — Não acho que ninguém deveria saber sem que você quisesse.
— Tudo bem. É a mamãe. — Eu suspiro, fingindo ignorar a comida se embrulhando em meu estômago. — E não significa nada — Sinto uma vontade intensa de me enrolar em um cobertor e me esconder debaixo da cama. — Você mesmo me disse que sangue não significa nada.
— Não se você quiser que signifique. — A sua resposta não é o que eu esperava. Gostaria de que me contasse que realmente não muda nada; que sua relação sanguínea com Howard Stark não significa nada além de genética. Que a família que temos é tão valiosa quanto. No fim, apenas quero que diga que sabermos quem são meus pais biológicos não muda absolutamente nada. — Você quer conversar mais?
— Não.
— Tudo bem — Sua surpresa é esperada, mas seu arregalar de olhos é engraçado. Tony obviamente havia se preparado para mais algumas horas de diálogo e talvez algumas lágrimas, porém não posso lhe entregar o que aguardava. Sou extremamente agradecida por seu cuidado e respeito pelo tema, mas não quero ouvir mais sobre os Hawke. Isso é o suficiente. — Qualquer coisa eu tô aqui pra você.
— Eu não… Não estou mais com muita fome. Posso...
— Claro — Nós nos levantamos ao mesmo tempo, porém o meu movimento é rápido o suficiente para que o guardanapo se erga e o banquinho arranhe o piso. Tony ainda está afastando o banco quando me preparo para sair, mas ao notar minha pressa, ele agiliza suas providências. Quero suspirar quando abre os braços com timidez, quase preocupado que eu vá negar me aproximar. — Só vem aqui primeiro, Monstrinha.
Buscar conforto em meu pai se tornou automático nos últimos meses, principalmente no momento em que abre os braços para mim como se seu fosse uma criança pequena que ralou o joelho. Eu me aproximo o suficiente para que ele dê o último passo, o que resulta em um abraço apertado de fechar os olhos. Tony me abraça com força, como se o seu intuito fosse garantir que eu tenho um lar ainda, possivelmente ciente do medo que se esgueira por meu corpo como uma serpente sussurrando ameaças em meu pescoço. Eu também o abraço com força, implorando com cada fibra de meu ser que entenda que nada mudou e que os Hawke não são nada além de resquícios do que eu podia ter sido e que ele e Pepper são minha família.
— Isso aí não muda nada. — Papai sela sua promessa com um beijo no topo de minha cabeça, esfregando minha costa e se afastando um pouco mais para poder olhar-me melhor. Evito me prender no pequenino traço de melancolia em sua expressão. — Continua sendo a minha filha e razão dos meus cabelos brancos. — Consigo sorrir um pouco desta vez, apertando meu lábios antes de lhe abraçar de novo. — Eu enviei para o seu servidor algumas pastas sobre eles, ok? — Abro a boca para murmurar que não quero mais saber nada sobre eles, mas Tony assobia um “shh” baixinho para mim de forma a conter qualquer reclamação minha. E me embala como o bebê indefeso que fui um dia. — Uma hora vai querer saber, . E está tudo bem.


*


Consigo resistir à tentação de procurar por fotos dos Hawke por algumas horas. Uma em que passo dentro da banheira fumegante que preparo para mim, e mais algumas enquanto tento me forçar a dormir. Quando atinjo a terceira hora, começo a ceder à possibilidade de não ser tão terrível como imagino. Talvez não exista qualquer semelhança entre mim e meus genitores, e que tudo possa ser exatamente como imaginei por anos: um par de estranhos. Pessoas que poderiam passar por mim nas ruas abarrotadas de Nova Iorque e sumirem na multidão. Anônimos. Mantendo tal possibilidade em mente, me levanto da cama com calma, desviando-me das montanhas de livros de magia no chão e seguindo até meu computador sobre a escrivaninha.
Respiro fundo algumas vezes enquanto procuro pelas pastas que Tony indicou, evitando pedir que FRIDAY as apresente diretamente para mim, de forma que ele não precise saber que cedi e busquei por mais informações sobre os Hawke. Somente quatro minutos depois de encontrá-lo, que me sinto preparada para abrir o folder “B., S., C., T. Hawke”. Cinco subpastas são indicadas, sendo elas: Benedict, Sophie, Alexander e Theodora. Empurro minha cadeira para trás e me levanto, dando uns passos para longe da mesa, tentando amenizar o peso em meu peito com os nomes, com ênfase no último nome listado. Esfrego minha nuca ao sentir o nariz formigar. Quando penso bem, toda ideia é tão melancólica como Tony a fez soar. Os Hawke escolheram um nome para mim, nome este que eu era pequena demais para lembrar-me e que foi substituído por um número e uma letra na HYDRA. Segundo a linha do tempo de meu pai, Benedict e Sophie Hawke morreram em 2000, antes de eu completar um ano, e três anos depois, Brock Rumlow me traficou para a HYDRA.
Theodora foi a escolha do Hawke. C5 foi a da HYDRA.
No entanto, apesar da curiosidade que se agita em meu peito junto a uma tristeza que não consigo explicar a mim mesma, seleciono a pasta de Sophie e me sento quando suas fotos surgem na tela do notebook. Tateio a mesa até que um espelho se forma em minha mão e, sem jamais desviar-me da imagem dela, eu posiciono o objeto em minha direção. E é de maneira temerosa que viro-me para meu reflexo, apertando os dentes quando percebo a indistinguível semelhança. Cubro minha boca com a mão que apoiava meu rosto, olhos viajando da fotografia de Sophie Hawke para o meu reflexo, a similaridade entre os ângulos delicados que formam nossas estruturas ósseas sendo quase assombrosa. Sophie é indiscutivelmente bela, tão bonita quanto Pepper e May Parker, porém com uma aparência tão delicada como uma boneca de porcelana que vi na loja de antiguidades que visitei há muitos meses.
Sua pele tem a mesma tonalidade que a minha, eu noto, assim como seu cabelo escuro cuja curvatura se assemelha ao meu. Mas é o seu rosto que me assombra: somos tão parecidas que dificilmente seria impossível ignorar um laço sanguíneo. Eu me olho novamente no espelho, com esperanças que possa estar enganada, mas quando retorno para a imagem da desconhecida, prendo a respiração. Nossos rostos são em formato de diamante, com entradas pequeninas em nossas testas que são facilmente ocultadas pelo cabelo. A linha do couro cabeludo de Sophie é um tanto mais recessiva que a minha, tornando sua testa maior, o que foi disfarçado pelo partir de seu cabelo na altura dos ombros. Seus olhos são um pouco mais caídos que os meus, a pálpebra superior ocultando parte da leve maquiagem em seus olhos, mas sem conseguir distrair-me de suas irises azuis-acinzentadas.
Toco em minha maçã-do-rosto e no pequeno afundar abaixo delas, que é mais proeminente que o em sua face, mas indiscutivelmente semelhante. Na foto seguinte, aparentemente tirada por um profissional, ela está sorrindo até que rugas se formam ao lado de sua boca, os dentes grandes, largos e perolados sem qualquer falha, pousando um pouco acima de seu lábio inferior. Mordo a língua quando faço contato visual no espelho, me contendo para não tentar imitar o seu sorriso com meus lábios trêmulos e coração apertado.
Respiro fundo quando começo a ler seus dados. Sophie Francesca Heathcote-Hawke, nascida em Frimley/UK, em 20 de janeiro de 1965. Sophie tinha 35 anos quando morreu. Toco em meus lábios ao navegar por mais informações sobre ela. Ela se formou em 1990 na Faculdade de Medicina da Universidade de Cambridge e fez residência médica em oncologia em Oxford até 1992, seguida de um doutorado em 1996. Sophie dedicou parte de sua vida a salvar pessoas, assim como Tony faz até hoje. E é impossível não ponderar se minha afinidade com biologia não seja uma herança sua.
Não sei quanto tempo passo lendo sobre Sophie até que as informações sobre ela se acabem. E quando isso acontece, meu coração se aperta como se uma mão de ferro o comprimisse. Devagar e igualmente mexida, eu abro a pasta com o nome de Benedict Gregory Hawke, sendo recepcionada novamente por documentos de identificação e um acelerador de meu coração.
Se minha semelhança com Sophie foi chocante, me faltam palavras para descrever o sentimento que me envolve quando a primeira imagem de Benedict Hawke surge na tela. Desvio minha atenção do computador, precisando de um momento para controlar as lágrimas que ainda não havia percebido ter deixado escaparem desde minha leitura sobre minha mãe biológica. Minhas mãos estão trêmulas enquanto procuro pelos lenços de papel na gaveta da escrivaninha, a menção feita pela mãe de Michelle há quase um ano atrás fazendo mais sentido do que jamais imaginei. Kate ria enquanto o marido abraçava MJ, e comentou comigo como pais e filha tem uma semelhança gigantesca. E eu havia subestimado seu comentário até agora.
Enquanto alguns traços isolados demonstravam a minha aparência similar a Sophie, quase tudo que vejo em meu reflexo parece uma versão mais delicada de Benedict.
As suas sobrancelhas grossas foram reproduzidas em meu rosto com mais delicadeza, um tanto mais finas, mas igualmente retas e sem nenhum arquear natural, criando uma aparência eterna de seriedade que ele transparece bem em sua fotografia. Logo abaixo, nossos olhos escuros são duplicatas, muito diferentes do azul de Sophie. E o nariz de ponte fina que herdei dela, possui uma ponta protuberante como a de Benedict. Sua estrutura facial se distingue da minha e de Sophie, sendo quase mais rígida, com menos traços flexíveis e fluidos, mas sem nunca permitir que eu me perca e não encontre vestígios seus em meu reflexo. Suas maçãs-do-rosto são altas como as minhas, mas sem o mesmo ângulo e lacuna abaixo dela.
Na foto seguinte, como a de Sophie, ele está rindo no mesmo fundo o qual a fotografia dela foi tirada, sendo esta uma cortina branca lisa. Seus caninos são proeminentes no sorriso de boca aberta e linhas surgem ao lado de seus olhos, pois talvez alguém tenha lhe dito algo engraçado o suficiente para tal. A mão sobre seu peito, no intuito de conter o acesso de riso, é a em que está a aliança dourada de casamento e, quando passo para a terceira fotografia, ele toca no nariz com a mesma mão. O nariz que se franziu assim como o meu costuma fazer.
Benedict Gregory Arthur Hawke, nascido em Londres/UK, em 10 de março de 1964. Apenas um ano mais velho que Sophie quando morreram. Desta vez, eu sinto quando as lágrimas retornaram e as amparo prontamente com um lenço ao perceber que ambos cursaram Medicina em Cambridge, mas ele permaneceu na mesma universidade para sua residência médica em genética-oncológica.
Encontro um último arquivo antes de passar para a pasta que contém dados de Alexander. E é devido a fotografia contida nela que se torna impossível conter as lágrimas silenciosas que caem e pingam em minhas mãos que cruzei diante do rosto. A câmera está mais próxima de Benedict, mas no intuito de capturar uma imagem dos dois bebês que ele carrega, um em cada braço. Sophie está logo atrás, entre o marido e a janela aberta para um jardim gigantesco atrás deles, com um sorriso iluminado e nem um tanto formal enquanto a sua atenção está direcionada às crianças nos braços de Benedict. O médico sorri gigante, o orgulho em sua face vibrando por todo o seu corpo enquanto olha para a esposa. Meus olhos recaem na pequena mensagem no rodapé da fotografia e que foi escrita a mão:

“Theo, Alex, mamãe-coruja e papai-babão. 14 de novembro de 2000.”


*


— Vocês já decidiram quando é pra começar o trabalho do Harrington? — Ned questiona ao remover o fone de ouvido.
Seguro na alça do vagão, mantendo minha costa pressionada na janela ao me preparar.
Na verdade — Peter respira fundo, balançando a cabeça devagar pois o metrô deu um tranco e Ned somente não caiu pois Pete o agarrou pela gola do casaco. Leeds dá um sorrisinho para o amigo e eu o imito quando Peter arruma a gola dele enquanto algumas pessoas se despedem na saída do vagão. — Vamos substituir por horas ativas no decatlo.
Sinto um pouco de orgulho por não ter me movido com o tranco, afinal, na primeira vez que andei de metrô com MJ, todo o dinheiro que tinha no bolso caiu com o movimento brusco. Ned é a personificação de uma criança birrenta quando houve a notícia, balançando os ombros e fechando os olhos. Lhe ofereço um tapinha no braço em um tentativa de o confortar.
— Quando isso foi decidido? — Ned resmunga ao enrolar o fone na mão. Sua parada é a próxima.
— Durante a aula? — Se não soubesse que Ned estava tão distraído durante a aula, teria ficado confusa como Peter. — O Harrington perguntou quem teria interesse em ajudar com o Decatlo em troca da nota. Metade da turma se ofereceu, mas você tava ocupado demais levando carão da MJ.
Ótimo. — Ned assentiu, fingindo dar de ombros e não se importar com o fato de que perdeu a chance de se livrar de uma bateria de 140 exercícios. Em sua mente, ele se questiona se eu aceitaria dividir a sua metade da lista para o ajudar e eu aceito, assentindo com gentileza pois sei que é uma quantidade absurda para dois dias. Pete estreita os olhos para a nossa comunicação telepática, mas eu dou de ombros. — E com quem eu faço o resto desse trabalho? — Suas preocupações retornam e Peter ri, esfregando a sobrancelha para tentar esconder o rosto e disfarçar que o desespero do amigo não é engraçado para ele. — Notem que precisa ser uma pessoa e não um robô sem sentimentos igual a MJ.
— Acho que a Betty Brant está sem dupla desde que a Karen pegou mononucleose. — É a proposta de Parker. Sei que, no fundo, ele se sente culpado por ter separado a dupla que formaram nos últimos onze anos e eu também me sinto assim.
— Na verdade, ela está na Finlândia com os avós. — Intervenho e Peter me lança um olhar similar ao que deu na vez que discutimos no telhado do Complexo sobre sabermos demais da vida das pessoas. Ele com sua audição impecável e eu conhecendo o interior de suas mentes. — Ela só conseguia pensar em salmão com compota de amoras, não é culpa minha que só investigando um pouco mais, dá para saber pra onde ela foi.
— De qualquer forma — Peter se esgueira mais para o meu lado, dando espaço para os passageiros começarem a transitar para mais perto da porta. A estação de Ned fica antes da nossa. Da sua, no caso. — Não custa tentar. — Ele incentiva o amigo e eu toco na barra de seu casaco, enganchando meu dedo no bolso da peça. Peter dá alguns passinhos até mim e eu tento não sorrir. — A Betty é mais "humana" que a MJ.
— Tem certeza? — O tom de esperança na voz de Ned é engraçado.
— Não, mas tô louco pra descobrir se é verdade. — Empurro o quadril de Peter, o que faz os dois sorrirem.
Mesmo brigadas você continua defendendo ela com unhas e dentes, não é?
— Infelizmente. — Respondo o questionamento de Ned e ele assente devagar ao entender o meu ponto. — Manda uma mensagem pra ela, Ned. — Desvio do assunto com cautela. Não desejo falar sobre MJ. Já tenho problemas demais. — A Betty também deve estar procurando alguém na ausência da Karen. E oferece logo uma proposta de divisão do trabalho, já que ela é bem organizada.
As luzes do vagão começam a piscar, indicando que estamos perto da penúltima parada. Desta vez, Leeds se agarra a um dos ganchos e eu não preciso me espremer contra a janela pois Peter segura-se em uma barra de apoio e a sua mão voa para minha costa. No momento do penúltimo tranco do metrô onde a maioria das pessoas já está cansada de todas freadas duras, quase não nos movemos. Ned se despede cansado e me avisa que irá mandar uma mensagem-teste para mim antes de enviar uma para Betty, destacando que eu provavelmente sou a única pessoa capaz de lidar com Brant e MJ.
O vagão fica mais folgado com a saída de parte dos passageiros e após olhar a hora no relógio que Pepper me emprestou, devolvo minha atenção para Peter, que mantém a palma em minha coluna, mas está atento para as movimentações ao nosso redor.
O tempo não me tornou imune à sua aparência.
Seja em face da incontestável atração que sinto por ele e que o tornou o ápice da beleza masculina aos meus olhos, seja devido à minha recente descoberta de que sou o reflexo fiel de duas pessoas que nunca conheci. Meus olhos percorrem a pele exposta em seu pescoço, subindo até seu rosto. A forma firme de seu queixo, seus lábios cheios torcidos em um sorriso confortável, a linha reta de seu nariz perfeito e os cílios curtos que emolduram o par de olhos curiosos e que também me contemplam.
Reviro os olhos para disfarçar o embaraço com o flagra, mas me inclino para ele em troca do beijo e a risada que Peter tenta abafar na linha de meu cabelo.
— A gente precisa conversar. — Devido a reincidência dessa afirmação nos últimos dias, preciso conter um grunhido. “Aconteceu alguma coisa?” O resmungar justificadamente exausto não parece ser o que Peter esperava e ele corrige a nossa posição, entortando a sobrancelha e usando ambas as mão para me segurar. Ignorando o atrevimento do ato em um espaço público, envolvo meus braços ao redor de sua cintura, o que acaba por lhe arrancar um sorrisinho tímido. — Foi uma pergunta, . — Parker se esclarece e eu sei que também sente meu corpo relaxar. Pela rápida expressão em seu rosto, sei que o tensionar e seguido relaxar acionou sirenes em sua cabeça. Muito bem, . — A gente precisa conversar? — Dessa vez ele ergue a sobrancelha, definitivamente curioso e atento aos mínimos sinais. Sua preocupação é palpável, mas eu faço pouco.
— Sim, mas não se preocupa. Já está tudo bem agora. — Afago seu braço, ignorando a tensão do músculo. Peter já era forte antes de começar a treinar no Complexo, e agora, os músculos estão massivos. As meninas estavam certas ontem. De volta ao tópico, : seu namorado e a constante preocupação que é namorar você. — É só uma coisa que aconteceu há um tempo e eu queria te contar. — Consigo sorrir por não estar mentindo para Peter, o que se tornou algo que detesto fazer.
— Certeza? — Acredito que nós dois sonhamos com o dia que Peter poderá confiar cego no que lhe digo. Eu concordo veemente, pois é verdade. Está tudo bem; somente descobri o motivo de minha aparência ser como é. Peter se inclina para beijar a ponta do meu nariz e eu luto com unhas e dentes para não seguir sua boca e beijá-lo. — Ok. — O telefone de Peter vibra em seu bolso e ele faz uma careta ao precisar soltar-me para pegar o aparelho. Me desvencilho dele também, somente com a sua mão na minha enquanto aproxima o celular do ouvido. — Oi, May! — A careta some e meu peito se enche de carinho, assim como imagino que o seu faz. — A gente chega em casa em… Dez minutos no máximo. — Peter entrelaça nossos dedos quando o vagão começa a, enfim, diminuir a velocidade de forma a impedir que passageiros caiam no chão. — Tenho sim, não se preocupa. Não, não, May. A gente se vira, é sério. — Ergo a sobrancelha e Pete fecha os olhos. — Acho que nós conseguimos passar duas horas sozinhos sem deixar o apartamento pegar fogo, sim.
Nós descemos na última parada do Queens e Peter me explica que May e a Enfermeira Marge saíram para um passeio, e ela pediu que comêssemos algo no Delmar.
— Claro que o sanduíche do Delmar não é tão gostoso quanto o que você fez para mim — Aperto os dentes contra meu lábio inferior para conter um sorriso pequeno e envergonhado que não reflete o de Peter, que é aberto e orgulhoso. Balanço a sua mão enquanto caminhamos pela calçada, o seu prédio ao longe. — Mas vale a pena tentar, certo?
— Você vai me matar, Parker.
O Marcadinho do Delmar fica uma rua antes do apartamento dos Parker, em meio ao costumeiro caos do Queens. Minha mão está firmemente segura na de Peter quando atravessamos a rua e ele incita que devo me manter próxima, principalmente pois uns sete ciclistas passam rápido por nós. E, apesar de todo o caos, eu não consigo conter um sorriso que se forma em meu rosto e a animação em meu peito. Talvez o Queens seja meu lugar favorito em Nova Iorque.
Quando entramos no mercado, a quantidade de informação me impressiona. Há engradados de cerveja no chão, raspadinhas de loteria (umas cinquenta marcas diferentes), gôndolas com salgadinhos, pães, biscoitos, material de limpeza e saúde, assim como um enorme expositor de frios. O sino sobre nossas cabeças quase não se sobressai ao som da música tocando em um radinho próximo a porta, bem abaixo de onde Peter pega dois saquinhos de minhocas ácidas, sem nem mesmo olhar para elas, só se guiando pela experiência que tem no local. Uma senhora de chapéu de palha e vestido longo passa por nós, dando um sorriso gentil para Peter, assim como um senhor que seleciona os melhores cortes de apresuntado.
— Oi, Sr. Delmar — Pete cumprimenta um senhor que está no balcão. Este é o famoso Delmar, então. Ele não parece passar dos cinquenta anos, a idade sendo mais destacada pelos fios grisalhos na barba grossa. Estou certa que é de descendência latina em razão da sua fisionomia e da música animada que toca. — Boa tarde.
— Olá, Sr. Parker! — O tom curioso do homem não passa despercebido e é intensificado pela sua pressa em colocar os óculos que estavam em seu cabelo. Ele olha bem para mim, apertando os olhos como se não pudesse me ver tão bem assim, mesmo que esteja sorrindo como se pudesse. — E quem é a mocinha bonita? — Sinto meu rosto esquentar, envergonhada com o elogio.
— Essa é a minha namorada — Peter me apresenta e eu estendo a mão para o homem, fingindo que ser oficialmente declarada sua namorada não me dá borboletas no estômago. O Sr. Delmar aperta minha mão com uma expressão indubitavelmente surpresa, incerto em qual de nós focar. — , esse é o Sr. Delmar, o dono do melhor mercadinho do Queens.
“E não é que o moleque tem jogo mesmo, rapaz? Eu esperava uma nerd de saia xadrez na altura dos joelhos e aparelho. Vi esse menino aprender a andar de bicicleta com o Benjamin não faz pouco tempo. Não é possível que já esteja namorando.” O Sr. Delmar remove os óculos, batendo na barriga rechonchuda ao ponderar: “O tempo voa, isso sim.”
— É um prazer. — Eu o cumprimentei. A gentileza de seus pensamentos, apesar da piada sobre as habilidades de Peter com garotas, não diminui o carinho de que tem por ele.
— Prazer é meu, moça — Ele me dá uma joinha. — Qualquer coisa que quiser é só pedir. — Seu indicar para cima é na direção do cardápio desbotado no painel, com várias marcas de fitas de todas as vezes que deve ter trocado os preços dos lanches. Localizo o número cinco de Peter pois é o mais barato e começo a me questionar se é mesmo o seu sanduíche favorito ou foi condicionado a gostar dele devido ao preço baixo. — E agradece o teu pai pela troca de óleo da minha perua, tá? Hoje é tudo por conta da casa para você. — A menção de meu pai me surpreende, mas Peter afaga minha mão e eu sei que irá me explicar. Somente assinto e agradeço pela gentileza. O Sr. Delmar aponta para Peter, os anéis de ouro brilhando na luz amarela. — Teu sanduíche continua dez dólares pela tua gracinha semana passada, Parker.
— Espera aí, Xavier… — Peter reclama com uma risada verdadeira. — Eu tava zoando! — Observo a interação dos dois, entretida pois Pete continua rindo enquanto o Sr. Delmar o chama de chato em espanhol. — Sabe, um dia a May vai realmente arranjar um namorado de verdade e eu tô só te acostumando com a ideia!
El día en que esta mujer se case es el día en que yo muero! — Quando enfim entendo o motivo da falsa rixa entre os dois, também começo a rir. — Vai comprar chocolate pra tua namorada e me deixa sonhar, garoto!
Prometendo garantir que esse dia nunca chegue, Peter me guia para a sessão de bebidas, rindo com a interação que tanto me surpreende e somente soltando minha mão para abrir a porta da geladeira de bebidas para mim. Eu não olho para ele, tentando imaginar se devo ou não mencionar se o termo o qual se referiu a mim foi verdadeiro, ou se foi mera conveniência narrativa. Pego uma lata de chá preto gelado e Peter escolhe um isotônico azul que já vi Tony beber algumas vezes, o colocando dentro de uma cesta plástica vermelha.
— Quer dizer que o Sr. Delmar conhece o To…
Sr. Black — Pete me lembra com um encostar do cotovelo em meu braço e um olhar minimamente corretivo, mas que não camufla sua leve surpresa por meu deslize. Correto. Black, este é o meu nome. Eu balanço a cabeça para me desculpar e toco seu braço. Há quanto tempo não me sinto como a boa e velha Black? A quantidade de vezes que fui chamada de Stark nos últimos tempos viabilizou meu deslize que até mesmo me surpreende. — O seu pai comentou que é mecânico e deu uma geral no carro do Delmar — Parker me explica, em partes, a dinâmica de Tony, muito provavelmente da vez que veio visitá-lo e ajudar com o carro de May. É difícil não admirar meu pai quando faz coisas do tipo e nem sequer comenta conosco. — E da Sra. Bowles do segundo andar. — Ele fecha a porta da geladeira e fica de frente para mim enquanto equilibra as bebidas na cesta. Seu cuidado é adorável. — Todo mundo gostou muito do Sr. Stark.
O seu cochichar é quase infantil, como se contasse um segredo.
— Difícil não gostar… — Pondero com os ombros bem erguidos.
Tony Stark é uma das pessoas mais generosas que já conheci, então não é uma grande novidade que, removido o véu de celebridade e herói, ele permaneça conquistando as pessoas com facilidade. Não menciono para Peter sobre a urgência de Pepper em nos colocar em uma autoescola, ou pergunto sobre o carro de May. Somente focada em duas coisas: meu pai disfarçado de mecânico no Queens e o fato de eu ser, oficialmente, a namorada de Peter Parker ao ponto de ele apresentar Tony como seu sogro. Quando o assunto parece acabar e o tópico sobre o título de namorada parece inevitável, desvio de uma gôndola de macarrão instantâneo ao voltar a caminhar pelo mercado, tentando distrair-me com a quantidade de marcas para diferentes produtos. Então, Peter toca em minha costa, no interesse de me guiar pelos corredores e eu não posso evitar estender minha mão para trás e entrelaçar nossos dedos.
— Então… Apesar da ausência de qualquer pedido formal — Respiro fundo antes de virar-me em sua direção. — Eu sou a sua namorada, Sr. Parker? — Peter pressiona os lábios juntos com a minha pergunta, fingindo pensar bem no que responder. Então ele simplesmente assente, seu dedão fazendo movimentos circulares na costa de minha mão enquanto um sorrisinho sagaz se forma. Eu gostaria muito de detestá-lo. — Sem nenhuma formalidade? — O imito, sendo a minha vez de provocá-lo. — O mínimo que eu esperaria seria um pedido em rede nacional — É uma mentira enorme, mas Pete deixa que eu prossiga, somente estreitando os olhos e torcendo os lábios. — Você sabe quem é o meu pai?
— Eu vou ficar de joelhos nesse corredor de salgadinhos se esse for o problema. — Peter sussurra para mim com a mesma intensidade distorcida que usei para mencionar Tony, sorrindo como eu fiz e como permaneço fazendo. Meu coração salta e eu detesto como a sobrancelha de Pete se move milimetricamente quando ele o ouve. — Bem aqui entre os Doritos e o Pringles de cebola. Eu juro.
— Pelo menos na sessão de chocolates ia ser mais romântico… — Reviro os olhos.
— Verdade. Desculpa — Lhe dou um puxão na mão quando balança os ombros, fazendo drama. Peter beija minha mão em seguida. Sinto que poderia ter um treco agora. — Está tudo bem eu te apresentar assim pras pessoas?
— Claro que sim. — Não sinto vergonha pela agilidade da minha resposta. Nunca vi nada brilhar tanto como os olhos de Peter neste momento. — Agora vou precisar conhecer pessoas novas para poder apresentar você como meu namorado. — Ele sorriu largo com a minha provocação, mesmo que eu considere realmente necessário encontrar novas pessoas.
— Do jeito que a sua vida social tem estado cada vez mais animada, não sei se vai precisar esperar muito. — Não há maldade em seu comentário, mas mesmo assim, a ideia de mais festas me deixa incerta.
— Nem me diga, Pete. — Imaginar ir para outra festa, como a que fui com Harry me deixa cansada. São muitas pessoas com ideais diferentes, fúteis e às vezes más. — Não faço ideia de como sobrevivi as últimas duas, principalmente sem você por perto.
— Você sequer se lembra como eu estava prestes a ter um síncope na festa da Liz Toomes no ano passado? — Peter ri ao afagar minha mão. — Seríamos nós dois tendo um perecuteco, . — Perecuteco é a forma que os Parker se referem à treco.
Nós caminhamos mais um pouco pela mercearia até voltarmos para a entrada onde o Sr. Delmar no aguarda, ainda incrédulo com o fato de Peter estar namorando. Em sua mente, ele jura que até ontem Pete andava de mãos dadas com May para atravessar a rua. Sinto uma vontade enorme de sorrir com a memória alheia.
— Mas, e aí? — O Sr. Delmar dá dois soquinhos na mesa. — Como tá a tia, hein?


*


Quando chegamos no apartamento, Peter me ajuda a tirar os sapatos, mesmo que eu não precise de ajuda para tal. Comento que isso já é demais, principalmente por não me ter permitido sequer carregar as sacolas que trouxemos, mas ele somente diz que é parte de ser o Homem-Aranha, e que não lembra a última vez que deixou May segurar alguma sacola de supermercado desde que lhe contou ser o herói. Considerando que Peter conseguiu manter um navio inteiro íntegro utilizando-se apenas de sua força absurda, imagino que meras sacolas de supermercado não são o suficiente para lhe deixar cansado.
Enquanto leva as compras para a cozinha e eu me encarrego de ligar a televisão, me deixo pensar naquele dia na Baía, quando mesmo após lutar por sua vida e salvar centenas de pessoas em um navio de 1.200 toneladas, teve força suficiente para me levantar quando nos encontramos no topo do prédio onde eu o encontrei. Em meio a tantas memórias, não ouso esquecer como ergueu um armazém que demoliram sobre ele, ou como salvou toda nossa turma do Decatlo em Washington. Mas, ainda assim, Peter não é nada além de delicado e cuidadoso quando se trata de nós. Quando abraça sua tia, cumprimenta meu pai, segura Ned para que não caia no metrô, ajuda minha mãe na cozinha ou me toca. Peter compensa seus poderes com cuidado e gentileza.
? — Viro para trás quando ouço sua voz soprar meu apelido de onde está de pé na cozinha. Peter removeu seu casaco, ficando apenas com uma camisa vermelha escura que o destaca na cozinha amarela de May. — Tudo bem? — Imagino que tenha sido meu silêncio que o preocupou.
— Uhum — Concordo ao enfim ligar a televisão, também aproveitando para remover os dois casacos que uso, mas que disse a Peter que poderia tirar sozinha. — Estava longe, desculpa. — Ergo as mangas de minha blusa, que é do mesmo tom da camisa dele, mesmo que não tenhamos planejado. — Precisa de alguma ajuda? — Quando me aproximo, toco em sua costa, deixando minha mão se curvar em sua cintura, onde músculos rígidos se contraem pois ele está curvado para cortar algumas fatias de maçã. Antes que eu possa roubar uma fatia, Pete estende um para mim.
— Só que escolha alguma coisa pra assistir e me ajude a procurar os porta-copos que a tia May fez esses dias. — Encosto o queixo em seu ombro, podendo ver pelo reflexo do micro-ondas que o ato lhe faz sorrir.
— Ela brigou com você de novo, foi? — Provoco ao pegar outra fatia da maçã verde.
— A mesa é de vidro, certo? — Ele interrompe o fatiar para reclamar. — É só passar um pano depois!
Lhe dou um beijo na bochecha.
— Vou ver se está na gaveta da mesinha de canto.
Na sala dos Parker, começo a procurar os porta-copos que May bordou. Inicio pelas mesas próximas ao sofá, onde há um potinho com caramelos de chocolate e chiclete, então nas gavetas debaixo do rack onde a televisão está disposta, mas somente encontro cabos, porta-retratos que precisam de conserto e pilhas. Quando estou prestes a desistir da caçada e simplesmente criar novos porta-copos para usarmos e proteger a sua mesa, os encontro sobre a estante onde tem alguns materiais de crochê. Analiso bem as criações de May Parker, percebendo que cada um possui uma inicial. Duas com a letra M, indicando ela e Margareth, um P para Peter, uma letra H, um N para Ned e uma com minha inicial para, quem imagino, ser eu.


*


— Chegou a vez da ! — May colocou um porta-copos violeta sobre a pilha colorida ao seu lado e contou quantos tinham, utilizando a agulha de crochê para fazê-lo.
May Parker está sentada no sofá de sua sala de estar, as pernas esticadas e com o seu tornozelo enfaixado em cima de uma almofada alta. Na televisão, reconheço a face de Kiera Nightky, e imediatamente sei que ela está assistindo Orgulho e Preconceito. May analisa todas as cores de linha, ponderando entre azul e cor-de-rosa antes de virar-se para trás, olhando para onde o sobrinho está sentado na mesa da cozinha com seu notebook aberto.
Peter está com um óculos que nunca vi, o rosto apoiado na mão e cotovelo sobre uma pilha de livros. Sua aparência muda um pouco com os óculos, o que me surpreende mais do que deveria, pois ele verdadeiramente parece um nerd assim. Somado aos braços fortes e sua expressão séria, é indiscutível que ele está impecável.
— Peter, qual cor para o porta-copos da ? — A pergunta de May, em um tom mais alto, chama a sua atenção e ele desvia os olhos da tela do computador. Sua expressão confusa faz a tia rir. Peter se levanta de imediato, possivelmente imaginando que May precisa de alguma coisa e deixa tudo para trás para poder atendê-la, mesmo que sua tia revire os olhos e erga a tela de seu celular para ele, onde um tutorial de crochê está sendo assistido por ela. — Perguntei qual cor pro porta-copos da .
— Ah… — Peter assente após prestar atenção. Ele passa por cima da costa do sofá, fazendo May apertar a boca em uma careta, pois alguns rolos de linha caem no chão quando Pete se senta. — Ela não precisa de porta-copos. Da última vez, ficou segurando no colo por não querer colocar na mesa ou apoiar no sofá. — Apesar de soar como uma reclamação, Peter sorri um pouco ao pegar as linhas caídas. Ele levanta os óculos sobre o nariz com o nó dos dedos ao dar uma olhada no cesto de linhas, procurando algo que goste. — Tem amarelo? É a cor favorita dela.
— Ai, que lindinho… — May prolonga a última sílaba ao apertar a bochecha de Peter que tenta conter um sorriso, e que acaba lhe escapando quando a tia bagunça seu cabelo. — Você sabe a cor favorita da sua namorada, bebê! — Tia May o provoca, ainda que ela mesma esteja sorrindo com intensidade. O bagunçar de seu cabelo se torna um afagar na nuca de Peter antes de pegar uma linha amarela no fundo do cesto.
Peter está sorrindo, o rosto e as orelhas vermelhas com a brincadeira da tia. Ele cruza os braços e morde o lábio inferior, tentando conter seu sorriso e fingir prestar atenção no filme ao se aconchegar no sofá e apoiar a cabeça no ombro bom da tia. May reinicia o vídeo no YouTube e, antes de dar o play, dá mais uma olhada para o sobrinho. A emoção em seu rosto não é algo abaixo de um enorme carinho. May observa o seu rosto da melhor maneira que pode dado o ângulo, ponderando se ele havia crescido tanto assim, mas a linha amarela em suas mãos lhe lembra que sim.
— Ela é uma menina muito boa. Escolheu a garota certa. — May comenta ao iniciar o vídeo. Peter se move, tentando olhá-la e evitando ser espetado pela enorme agulha. Ele sorri um pouco, o pescoço também ficando corado. May pisca para ele. — Tem bons valores, os pais são presentes, ela é muito bem educada… Difícil encontrar uma garota assim hoje em dia.
— A é incrível, May — Peter deita-se no colo da tia, recebendo o afagar no rosto em troca. Ele respira fundo, ou suspira. É difícil saber. — Tipo… Ela é tão inteligente e legal! — Ele começa a rir com a última parte, talvez percebendo o quão bobo pode soar. — Legal tipo, legal mesmo!
— Gente boa, você quer dizer?
— É! E ela fala umas coisas tão engraçadas as vezes, sabe? Eu fico rindo feito um idiota. Mas ela jura ser sem graça e não saber falar com as pessoas, sendo que é muito o contrário por que todo mundo ama a — Peter prossegue, sorridente e com as mãos cruzadas sobre a barriga. Ele hesita por um momento, então a tia ergue a sobrancelha. — E ela é linda, né? — Os dois começam a rir, May com a cabeça apoiada na costa do sofá e o sobrinho esfregando o rosto. — Caramba, May, ela é incrível! E tem esse jeitinho dela de falar e ela fica com uma ruga aqui — Peter pressiona o indicador entre as sobrancelhas — Quando briga comigo e ela se importa tanto com todo mundo e tem esse sorriso lindo que dói! — Ele segura um novelo de lã no peito, mostrando onde dói.



*


A cena se desfaz diante meus olhos quando Peter encosta em mim ao passar com a comida, colocando os potes com molho, batatinhas e as frutas picadas em cima da mesa de May.
— Viu o que a May faz pra você? — Ainda estou momentaneamente estática com o cenário que vi após segurar os porta-copos enquanto Peter esfrega as mãos na toalha de prato que estava em cima de seu ombro, se aproximando para ver as peças de crochê em minhas mãos.
— Ficou bonito, Pete — Contenho o instinto de lhe contar o que vi, optando por não fazê-lo antes de entender o novo poder que aparentemente adquiri neste exato momento. Temo precisar usar luvas novamente. Afasto tais pensamentos, ciente que tenho problemas demais. — E é amarelo! — Opto, no entanto, por me divertir o máximo possível com a situação.
O sorriso de Peter me faz sentir remorso, mas ele beija minha bochecha e eu deixo passar. Coloco os porta-copos com nossas iniciais em cima da mesa, perto do pote de vidro com frutas, roubando uma batata e um pouco de guacamole.
— Ah, eu preciso te dizer uma coisa — Peter me passa as bebidas que comprou antes de voltar e estender a toalha em um gancho próximo ao fogão. Estou abrindo a tampa do chá gelado ao me sentar quando ele finalmente se junta a mim no sofá, pegando seu refrigerante que eu segurava. — Nós estamos juntos a duas semanas, quatro dias e... Quinze horas. — Peter afirma com mais certeza ao olhar o relógio em seu pulso.
— Posso considerar o chá o presente de duas semanas, certo? — Indago em tom de brincadeira. Acredito que não saberia como reagir se Peter me desse outro presente como os que deu no Natal.
— Claro, foi por conta da casa, lembra? — Lhe dou uma cotovelada leve quanto volto a me sentar após pegar o pote com batatinhas. Pete ri ao se esticar e segurar o pote de guacamole e queijo nacho, também se acomodando melhor no sofá e um pouco mais perto de mim, nossos joelhos se encostando depois que coloco as pernas cruzadas para cima. — Ok, de volta ao assunto… — Peter apoia o guacamole em uma almofada e toma um pouco de seu refrigerante. — E fora isso, nós já nos conhecemos há quase um ano.
— Correto… — Murmuro, confusa com sua linha de raciocínio.
— Falei tudo isso pra lembrar que te conheço há um bom tempo, — Peter apoia a mão em minha perna coberta, a mesma em que levei o tiro há as duas semanas que mencionou antes. — E que eu sei quando quer me contar alguma coisa, mas não sabe como.
Lhe olho, reconhecendo que sim, Pete me conhece bem. Cada pedaço de informação que tem sobre mim, foi bem guardado e ele os conhece como a palma de sua mão. Sem pensar, eu toco na mão dele, envolvendo os seus dedos em busca de um alicerce para ter coragem de lhe contar os dados recentes sobre minha família biológica.
— O meu pai encontrou os meus pais biológicos — Confesso. — Na verdade, o Tony descobriu quem eles eram.
A expressão de Peter, apesar da situação, é impagável. Tenho certeza que, se tivesse bebendo algo, a bebida ia espirrar por quase toda a sala. A informação lhe gera tanta surpresa quanto fez comigo e eu quase posso ver o sangue drenar de seu rosto. Peter começa a devolver os potinhos de molhos para a mesa, bem como as batatinhas e o meu chá. Eu espero, entendendo que é uma pílula difícil de engolir, principalmente por ter só jogado a informação solta para ele desta forma.
— Juro que pensei que ia ser alguma coisa menos importante que isso! — Peter tateia o sofá em busca do controle da televisão, tentando desligá-la. Sua preocupação com o ambiente é de tamanha consideração. Quando está satisfeito com o silêncio e ausência de distrações, ele corre os dedos pelo cabelo antes de virar-se completamente para mim no sofá. — Desculpa, eu não devia ter feito piada, .
— Está tudo bem. — Lhe conforto e, antes que possa pega na sua mão, ele pega na minha ao se aproximar mais.
Suas sobrancelhas estão franzidas e os olhos desviam-se um pouco dos meus, como se buscasse as palavras corretas, mesmo que não seja necessário. Encosto a cabeça no sofá, o observando, pois mesmo sem ser sua responsabilidade, Peter se importa o suficiente para tentar colocar-se em meu lugar e me ouvir.
— Como eles levaram a notícia?
— Bem, os meus pais estão um pouco chocados — Respondo vaga, sem saber sobre quem se refere de imediato. Meus pais são Tony Stark e Pepper Potts. — Mas os biológicos, estão ótimos, considerando que estão mortos.
Contenho minhas palavras tarde demais, pois o fato me incomoda também. Sophie e Benedict estão mortos. Desvio minha atenção para Peter, que acaricia minha mão, ainda que sua expressão demonstre que ele não gostou da forma que me expressei, ou do fato de que meus pais biológicos estão, de qualquer forma, mortos. Peter tem uma conexão direta com situações como esta, afinal, o mesmo aconteceu com Richard e Mary Parker há 12 ou 13 anos. Apesar de ter tido seu tio Ben e tia May, ele não deixa de ser órfão e eu me arrependo de minha insensibilidade.
— Perguntei primeiro sobre eles pra ter uma ideia do que estou lidando aqui. — Pete me olha depois de um momento, entrelaçando nossos dedos, um sorriso compreensivo no canto de sua boca. — E pelo visto é humor pra disfarçar o que sente — Ele apoia o braço na costa do sofá, cotovelo curvado e rosto amparado pela mão. Peter demonstra simpatia, pois entende o que sinto, mesmo que não seja exatamente o mesmo que ele e eu espero que jamais seja. Ele perdeu os seus pais, mas os meus permanecem vivos. Tento sorrir um pouco para diminuir o aperto em minha garganta, mas seus dedos tocam em meu cabelo e eu fecho os olhos na mesma hora. Ele toca em minha testa, também, bem onde fios pequenos decoram meu rosto. — Está tudo bem? Como você tá se sentindo?
— Não sei. — Conto a verdade quando a costa de seus dedos afasta os fios finos. É impossível me imaginar tendo essa conversa com outra pessoa. É Peter que entende o que eu digo não saber. É ele quem coloca o cabelo atrás de minha orelha e massageia meus dedos mesmo com minha confusão. — Não sei se fico feliz por saber quem são. Triste por estarem mortos. Feliz por não terem me colocado para adoção propositalmente e ter tudo dado errado depois disso. Triste por eles. Por mim. — Forço para fora todos os questionamentos que rondam minha mente desde ontem. Gostaria de sentir uma coisa de cada vez, mas tudo me atingiu como uma avalanche. Alívio e luto. Quando sinto que posso respirar, a neve pesada de tristeza me afoga. — Eu não sei, Pete.
Abro os olhos quando Peter beija minha testa, prolongando o contato um pouco.
— Tudo bem não saber — Ele promete. — É complicado. — Concordo devagar e aperto sua mão três vezes. — Pode falar comigo o que precisar, tá? Sou todo ouvidos.
Assinto de novo, observando nossas mãos. Como posso falar de algo que nem sei?
— Você quer ver as fotos deles? — Proponho.
— Você quer me mostrar? — Sinto vontade de pular em seus braços. Seu respeito é além dos limites. — Tudo bem se eu olhar? — Concordo. Indico a ponta da mesa com o queixo, onde convoco uma pilha de fotografias. Sem demonstrar mais tanta admiração por meus poderes como antes, Peter se estica para apanhar as fotos e eu espero pelo seu veredito. — Ok.
Peter segura as fotos por um tempo. No segundo em que desvia das imagens de meus pais biológicos, suas pupilas se erguem na altura de minha mão antes de voltarem a olhar as fotos. O movimento indica que quis verificar algo em mim, mas não teve coragem. Eu respiro e me inclino para pegar o chá gelado, tomando um gole enorme da bebida antes de devolver ao porta-copos e esfregar meus lábios.
Gosto de pensar que sou um pouco parecida com Tony e Pepper. Meu nariz se parece com o de Tony e eu e Pepper fazemos as sobrancelhas juntas, então possuem formato semelhante. Também, meus olhos e os de Tony são da mesma cor. Porém ao olhar meus pais biológicos, entendo que gosto de pensar ser parecida com meus pais apenas para conforto próprio. Tenho o olhar firme e irises da mesma cor que as de Benedict. Também tenho o sorriso de Sophie e dentes como os seus. Meu cabelo tem a mesma textura que o dela e minhas orelhas possuem uma pequena dobra na ponta como as dele. Todos temos o mesmo tom de pele.
— Vi algumas semelhanças, mas não quis perguntar para o Tony — Comento sem dar muita atenção, mesmo que o que desejo perguntar seja: me pareço com eles, certo? Tenho o sorriso da minha mãe e os olhos do meu pai, não é? Peter respira fundo. — Sou tão parecida assim?
Ele abre a boca, mas fecha em seguida. Peter quer dizer algo, algo tão óbvio que sua boca traiu sua mente que pediu que se contasse. No entanto, ele me olha por baixo dos cílios claros, como se tentasse medir o quanto pode revelar, mas minha expressão deve ser tão esperançosa que percebo quando ele nota que pode falar a verdade.
— Você tem os olhos dele. — Eu respiro fundo, assentindo. Não me enganei. — E o sorriso e o nariz dela. Queixo também.
Não sei se ele se sente como eu, se possui esse sabor amargo na boca como se houvesse traído Tony e Pepper, mas Peter fala a verdade.
— Mas o nariz do Benedict nessa foto… — Peter assente antes que eu prossiga.
Ele também vê mais semelhanças.
— Estava tentando não falar. — Peter se desculpa quando mordo meu dedo e ergo as sobrancelhas para ele. Ele deixa transparecer a pena que sente dada a situação. — Você faz a mesma coisa quando sorri. Franze o nariz. — Sua tentativa de imitar o franzido involuntário que herdei de Benedict é adorável. Eu assinto. — E falando nisso, não tenta mudar — Ele pede ao passar para as outras fotografias. — É uma das coisas mais fofas que você faz e, se parar, vai partir o meu coração.
— Tudo bem. — Sussurro de volta, o observando. Peter me olha com carinho. — Enquanto eu olhava as fotos ontem, lembrei de quando May mostrou as fotos dos seus pais. — Suspiro, esfregando a boca. — Como você tem os olhos e cabelo da sua mãe e todo o resto do seu pai. — Lembrar-me das fotos de bebê dele me aquece o coração. — Quando me olhei no espelho, só consegui ver eles dois.
— São muito parecidos, — Peter justifica minhas desculpas para ter passado a noite observando Sophie e Benedict. — Algumas crianças não parecem nada com os pais, mas…
Seu raciocínio se corta quando Peter segura foto onde estou no colo de Benedict junto ao outro gêmeo e me olha, possivelmente indagando-se quando eu iria mencioná-lo.
— Eu tenho um irmão. — Conto, apesar de ser óbvio.
— Tem? — Parker tenta fingir surpresa, com zero ironia, e eu consigo sorrir um pouco. — Qual o nome dele?
— Alexander — É a primeira vez que falo seu nome em voz alta. Como se finalmente o reconhecesse. Me questiono se Alexander já chegou a falar meu nome de batismo em voz alta. Peter observa bem a fotografia, mesmo que o rosto do meu irmão gêmeo esteja mais visível que o meu, e ele parece procurar mais do consegue ver e me sinto tímida por estar tão investido em uma foto minha como nunca me viu. — E eu me chamava Theodora. — Revelo.
Os olhos dele imediatamente se erguem para mim e eu evito me encolher.
— É um nome forte, combina com você — Comenta após um instante, sorrindo. — Poderia apelidar de Theo.
Eu balanço a cabeça. É o apelido que os Hawke me deram.
. — É um pedido.
é melhor, mesmo. — Eu concordo com sua tentativa de me confortar. Como poderia prosseguir sem discutir isso com ele? Sem lhe contar sobre Sophie e Benedict? — O que eles faziam? E qual é o nome da sua mãe biológica, de solteira, no caso? — Não sei qual ponto me deixa mais grata: a ênfase no fato de serem meus pais biológicos ou Peter não perguntar qual era o nome dela.
— Sophie Heathcote antes de se casar. — Coço os olhos. Há um sentimento de paz se espalhando por mim apenas por poder falar dos Hawke. Tento não me sentir mal com isso. Os meus pais são Tony e Pepper, logo, eu não deveria me sentir dessa forma com meros estranhos. — Eles eram oncologistas. Ambos de Cambridge.
— Por isso que você é tão inteligente assim, . — Peter volta para a foto de toda a família enquanto tento fazer as pazes com tal comentário ser verdadeiro e não interferir em nada na minha vida atual.
— É… Eu pensei que... Na melhor das hipóteses, eles seriam usuários que queriam as cinquenta libras que estaria na mala de emergência quando me deixassem nos bombeiros. — Confesso a história que adotei como verdadeira por muitos anos. Era mais fácil aceitar que eles não me queriam. Peter deixa as fotos de lado e volta a atentar-se exclusivamente a mim, a sua reprovação sendo clara, pois não entende o que senti por tantos anos. Ele sabia ser amado. Eu não. — Nunca podia imaginar que... Que me quisessem mesmo. — Tento justificar-me. — E que o único motivo de eu não estar ao lado deles é porquê ambos morreram.
Peter segura em minhas pernas que estavam curvadas e me traz para mais perto no sofá, preparando-se para uma sessão incansável de choro. No entanto, eu me recuso a tal, ainda que me aconchegue pertinho dele quando passa o braço ao redor de meu ombro, minhas pernas sobre o seu colo e pés pendurados no braço do sofá.
— Eu não vou chorar por isso, relaxa. — Resmungo, encostando a cabeça no seu ombro. Peter suspira, mas não é de alívio.
— Mas você sabe que pode, não sabe? Que está tudo bem ficar triste por eles, pelo seu irmão — Fecho os olhos com o termo que usa. — Que pode ficar triste pelo o que perdeu e o que acabou acontecendo.
— Eu sei, mas não vou chorar porque tenho uma família — Me justifico, erguendo o rosto para olhá-lo. Peter aperta os dentes e sua mandíbula salta. Ele corre os dedos por meu braço em um carinho doce, por mais que saiba que o que eu disse não seja o suficiente, mas espero que me permita mentir em paz. — Tenho meu pai, minha mãe, Happy, Rhodes... — "Você e a May”, também quer dizer.
— Eles não iriam substituir seus pais, . Ninguém vai substituir o Tony ou a Pepper. — Gostaria que ele parasse por aí. Gostaria que não incentivasse meu coração traiçoeiro. — Mas não significa que não podem complementar a sua família.
— Anos atrás eu podia querer isso, mas agora sinto que mais gente vai bagunçar tudo. — É outra justificativa falha que Peter parece não entender. Nem mesmo eu entendo. Mas sei que desejo um pouco de paz. — Eu tenho a minha família e o Alexander tem a dele. — Quero muito acreditar que é verdade e que ele não está sozinho como estive por muito tempo. — Ainda não sei porque o Tony me falou sobre eles.
— Acredito que, como muita gente, ele gostaria de saber se estivesse no seu lugar. — Tento não pedir que Peter apenas olhe a situação pelo meu lado e evite me fazer vacilar nas decisões que tomei. — Não acha que pode ser um jeito de tentar se sentir menos triste por não ter conhecido eles?
Céus, você soa como a minha psicóloga. — Respiro fundo, não tendo sucesso em conter um riso triste. O peito de Peter vibra quando ri um pouco junto a mim, envolvendo os dois braços ao meu redor e me abraçando com vontade. Seguro em sua camisa, implorando a qualquer ser superior que jamais tire Peter do meu lado. Não sei de que forma conseguiria aguentar isso sem ele. — Me faz pensar em outra coisa?
— Muito bem, deixa eu ver… — Não tenho palavras para agradecer sua bondade em aceitar mudar de assunto tão rápido e sem maiores questionamentos. Na ausência de palavras, pressiono um beijo em seu ombro por cima de sua camisa. — Vou fotografar o jogo amanhã. — Me conta ao continuar afagando meu braço suavemente. — Tem previsão de "sol", então vai ser legal e você podia vir junto. — Considero o convite, me lembrando que amanhã o time de lacrosse vai mesmo ter um jogo e seremos liberados mais cedo para assistir. — Ah, e sabia que quem trabalha no jornal ganha gatorade grátis? Uhum — Começo a rir com o som orgulhoso que Peter emite. — Seu namorado tem muito a te oferecer além de conselhos meia-boca, tá? — Balanço a cabeça e cutuco sua costela. “Os seus conselhos são os melhores.” Sussurro pra ele. Peter suspende o carinho em meu braço. — E o Tony me ligou ontem à noite...
O mencionar de meu pai é o suficiente para que eu me desvencilhe de Peter e volte a me sentar corretamente, quase de joelhos no sofá de May Parker, mesmo que seu sobrinho mantenha o contato em meu braço no impossível caso de eu me desequilibrar.
— Meu Deus! — Exclamo e chego mais perto, apoiando as mãos em seus ombros fortes. Peter está mais que satisfeito por ter me distraído, o seu sorriso me revelando que deu tudo certo, mas, mesmo assim, o instigo ainda mais pois quero ouvir os detalhes que já sabe do projeto. — Como foi?
— "Você escreve direitinho pra quem fala gaguejando" — Sua imitação de meu pai me lembra daquela que fez na primeira vez que visitei o Queens e, mesmo após tanto tempo, me faz rir. A habilidade dele em imitar Tony se aprimorou após o contato com ele ter aumentado nos últimos meses. Seu sorriso me rouba o ar, bem como a palma de sua mão em minha cintura. — Vão começar as pesquisas na próxima semana se der tudo certo com a parte legal.
— Vai dar. — Lhe garanto. Mesmo que ocorra algum empecilho quanto às autorizações necessárias, os advogados e contatos de Tony podem contornar a situação com facilidade. Isso sem contar o que a Oscorp pode fazer. — A Oscorp está planejando isso há um tempo, segundo a minha mãe. — Explico-lhe e Peter assente, parecendo já estar ciente desta parte.
Me questiono o quando já conversou com meu pai.
— A S.I tem a maior base tecnológica do mundo acerca de inteligências artificiais, então a parte que depende de nós vai ser rápida. — Continuo. — Depois, onde sua pesquisa vai entrar, vamos usar os dados compartilhados pela Oscorp. — É impossível não sorrir, pois sua pesquisa vai ser um passo largo na direção do resultado que meu pai busca, bem como, será essencial para o futuro de Peter. O orgulho esquenta meu peito, mesmo que somente aqueça as bochechas de Peter.
— O Sr. Stark comentou que o importante é convencer eles de que o trabalho vai ser demorado. — Ele repete a mesma coisa que lembro ter comentado com meus pais ontem. Eu concordo com a cabeça, afagando o músculo saltado de seu ombro. Peter é todo músculos, tão semelhante a Steve Rogers e Bucky que chega a ser preocupante. — Não entendi o motivo — Ele confessa e o rubor em suas bochechas parece se intensificar por se sentir perdido. — Ele falou que é óbvio que a Stark Industries é mais tecnologicamente avançada que a Oscorp, então porquê fingir tanta dificuldade?
— Uma vez, após Sokovia — Me sento nos calcanhares, tentando fazer minha cabeça voltar a funcionar. — Visão disse que exibir armas e canhões também pode convidar o inimigo a desejar atacar.
— Então, quanto mais subestimados, mais seguros estão. — Pete conclui. Concordo ao mesmo tempo.
— Os ataques diretos aos Vingadores se encerraram no momento que o Garoto Propaganda sumiu do mapa —Sua expressão de reprovação não me incomoda, principalmente pois sei estar certa. — A face do que os Vingadores representavam como ameaça era o Steve, logo, no momento que ele fez o que fez, a equipe se demonstrou mais contida. Fragilizada. E quanto mais contida e frágil a Stark Industries se demonstrar diante da competição, mais fácil vai ser mostrar que está acima a da Oscorp quando o momento chegar.
Sei que, onde estiver, Tony Stark sentiu uma onda gloriosa de orgulho agora.
Nossa! — Peter arregala um pouco os olhos e ergue as sobrancelhas. Reconheço o motivo, uma vez que nunca demonstrei meu lado competitivo a ele, ou o lado que sabe sobre o papel da Oscorp no aprisionamento de inocentes como Bucky Barnes e Sam Wilson em uma prisão criada unicamente para os criminosos mais perigosos do mundo. — Por isso que quase soltou que era uma Stark do Delmar. — Peter dá risada e eu fecho os olhos, sentindo o calor se espalhar por minha nuca e pescoço. Encosto a testa em seu ombro, o que lhe faz rir mais ainda. Ele afaga minha costa apesar da posição desconfortável. — Já está se sentindo em casa, não é?
— Um pouco. — Suspiro embaraçada. Sinto-me mais próxima ainda do meu pai. Volto a sentar em meus calcanhares, sentindo a mão de Peter escorregar até pousar entre mim e o sofá, onde não fica por muito tempo, pois encontra pouso em meu joelho. Percebi que desde o acidente, ele tem me tocado sempre na mesma perna, como se buscasse garantir que estou bem. — Mas é isso, Pete — Afasto o cabelo de meu rosto, voltando a apoiar a cabeça na costa do sofá. — Vai ser perfeito pra ajudar com a pesquisa. — Lhe garanto, pois conheço suas inseguranças. Cada palavra é enlaçada com extrema sinceridade. — O meu pai sempre fez tudo sozinho, principalmente pesquisas e estudos desse calibre, então a maioria dos pesquisadores da Stark Industries não sabe como ele gosta das coisas. Mas, agora que ele treinou a gente, você sabe.
Ele me lança um olhar incerto. A sua dúvida está estampada na sua expressão.
— Está colocando muita fé em mim. — Seu sorrisinho fraco me desmonta.
— Claro que sim! — Balanço a cabeça. Não tenho dúvida alguma, principalmente no que tange suas habilidades. — Parte do meu papel é apoiar você em qualquer coisa, ainda mais se sei que há uma chance absurda de você se dar bem.
— Obrigado. — Meu rosto esquenta pois, mesmo cheia de dúvidas, sua face demonstra gratidão desnecessária a mim. — Sei lá... Às vezes acho que é loucura demais. — Seu murmurar faz meu coração apertar.
Decidida a ir a fundo, pego uma almofada confortável e sento direito no sofá, esticando as pernas sobre o pufe que vi May usar em minha visão com os porta-copos. No entanto, faço agora a mesma coisa que Natasha Romanoff fez comigo algumas vezes quando eu precisava de conforto e era orgulhosa o suficiente para não pedir. Assento a almofada em meu colo, e viro o rosto para Peter, que me observa curioso, um sorrisinho tentando escapar.
— Você não é o único pseudo-psicólogo do relacionamento, Parker. — Indico o ponto vago em meu colo e ele ri, esfregando os olhos. Rio um pouco também, seja por usar o termo “relacionamento” ou porque Peter é adorável.
No intuito de se acomodar melhor, Peter se levanta e senta-se novamente, bem mais perto de mim, inclinando-se para me beijar antes de qualquer coisa. Levo as mãos ao seu rosto, o aproximando mais, sentindo sua respiração espanar fios da minha franja. Peter tem gosto do chocolate que dividimos no caminho para o apartamento e maçã-verde, seu toque em minha nuca me derretendo no selar. Considero jogar a almofada no chão e me sentar em seu colo, imaginando que é a melhor forma de passarmos esta tarde juntos, mas quando ele corre os dedos por meu cabelo e sua palma toca em meu braço, percebo que um de nós precisa tomar a rédeas da situação. E considerando que sua boca está tão quente e que Peter beija tão bem, me sinto a pior pessoa do mundo quando afasto seu rosto e ele me olha com os mesmos olhos pidões de todas as vezes que nossos beijos se encerram.
— A gente tem que conversar — Eu arfo, não tendo percebido que estava sem ar. Peter roça o nariz no meu, apertando as sobrancelhas e beijando meu lábio ao fingir a mesma extrema tristeza de sempre que só serve para inflar meu ego. Parker me beija de novo, a sua distração tendo funcionado, o que somente percebo quando sorri um pouco entre os beijos. Defiro um tapa em seu braço, o que faz rir e seus dentes se encostam em minha boca. — Porque você é assim, Parker?
— Assim — Peter beija minha bochecha — Como? — Sua voz está rouca. Claro que ele vai se fazer de bobo. Como não? Estou respirando pesado, com a face quente e minha mão está firme onde agarro sua camiseta. — Não entendi, .
Eu respiro fundo e reviro os olhos, mesmo que esteja sorrindo como uma idiota.
— Por favor — Esfrego meu rosto, afastando o cabelo e tentando me centralizar. — Eu estava tentando conversar com você, Parker.
Sorrindo largo como o idiota que também é, Pete beija minha bochecha uma última vez antes de se comportar e deitar-se da melhor maneira possível no sofá. Suas pernas, como as minhas, estão penduradas no braço do móvel, mas como são muito mais longas que as minhas, posso apostar que seus pés estão quase encostando no chão quando pousa a cabeça na almofada em meu colo, fechando os olhos apesar de seu sorriso não vacilar.
A privacidade que seus olhos fechados me dão é suficiente para que eu não tenha sucesso em desviar minha atenção de seu rosto. É impossível dizer que Peter permanece igual a quando nos conhecemos, seja quanto a sua personalidade, seja acerca de sua aparência. Hoje, no mesmo passo que é mais maduro, seus traços mudaram igual, se refinando e amadurecendo junto com ele. Pete ganhou massa e músculo, mas seu rosto parece ter perdido o que Pepper já chamou de babyfat. Seu nariz está mais fino e seu sorriso se destaca mais. Ele está ficando mais bonito a cada dia.
Peter respira aliviado quando toco em seu cabelo, procurando pelo ferimento que ele escondia ontem, e que agora se assemelha mais a um arranhão. O seu cabelo também mudou, pois Peter não usa mais gel ou o que for, na mesma quantidade de antes e agora os cachinhos se sobressaem.
— Fala comigo — Eu peço, pousando minha mão em seu peito, lhe sentindo respirar. — Por favor. — Passo os dedos por seu cabelo, notando como sua face relaxa de imediato. Ah, sim. Esse é o seu ponto fraco.
— Ok… — Preciso manter a compostura quando Pete pousa mão sobre a minha, mantendo-a sobre seu peito e entrelaçando nossos dedos. Lhe permito respirar fundo quantas vezes forem necessárias, sem ousar apressá-lo, pois sempre foi tão paciente comigo que não me permito não fazer o mesmo por ele. — Esse projeto é pra ter um lançamento enorme, — Meu sorriso é em razão da manha que disfarça a preocupação. Ele franze as sobrancelhas, seus olhos ainda fechados, formando algumas rugas que só vejo quando ele sorri. Eu as adoro pois significam que tem motivos suficiente para tal. — E o Tony disse que é algo que vai mudar muita coisa no tratamento contra o câncer daqui há uns anos. — Toco em sua sobrancelha, penteando os fios com minhas unhas. Peter torce o nariz, desgostoso com a situação. — Parece que tô mordendo mais do que dá pra comer.
— Se o meu pai chamou você, é porque sabe que tem capacidade para estar ali. — Afirmo sem pensar. Tony não o aceitaria se não soubesse que Peter é capaz.
— O seu pai — Quando ele abre os olhos, não tem tanto humor estampado neles. — O pai da minha namorada — A última palavra suaviza um pouco a intensidade da justificativa. Eu aperto os lábios, lhe dando toda a minha atenção. — Por um pedido seu.
A carícia em minha mão garante que Peter não está sendo mal agradecido, algo que sei ser impossível para ele. Na verdade, ele é grato até demais. Até o ponto de duvidar de suas capacidades.
— Ele poderia dizer não, se quisesse. Mas não disse. — Lembro. Tony sabe, assim como também sei, que Peter é capaz de o ajudar de verdade. — Por que sabe que você tem o que é necessário para estar ali e conseguir muito mais oportunidades desse porte no futuro. — A atenção que ele direciona a mim é quase adorável, mas não se compara com o beicinho que Pete faz involuntariamente. Ele está tentando. — E ainda assim, se ele não acreditar, o que eu duvido muito, não muda o fato de que está te dando uma chance de provar o seu valor e galgar seu lugar na equipe. — Prossigo, mantendo o contato visual. Espero que consiga notar que as palavras me vêm fácil pois falo a verdade. — Porque pensa assim, Pete?
— Talvez porque não tem motivo pra tanta confiança. — Sua resposta me entristece.
— Não acho que seja verdade — Resmungo de volta, afagando sua orelha para lhe demonstrar que quero mesmo é lhe dar um puxão. Peter sorri um pouquinho. — Vai ser ótimo. Eu sei. E eu confio em você de olhos fechados e mãos atadas.
— Fora que o Osborn também vai estar na equipe e… — Peter revira os olhos. Oh, certo… — O cara passou a vida toda dentro de um laboratório, a Oscorp faz pesquisas assim há anos e eu vou parecer um idiota.
— Você já está parecendo um idiota agora. — Pendo a cabeça para o lado. Peter fecha os olhos de novo e solta o “” mais manhoso e amável de todos os tempos. — Sem isso de . — Me inclino e beijo sua testa, bem no espaço entre as suas sobrancelhas, como costuma fazer comigo quando me preocupo demais. — Você é muito inteligente. E muito esforçado, o que compensa por qualquer falha que houver, pois sei que vai aprender e não vai acontecer de novo. — Desta vez eu beijo seu nariz. Peter ergue o queixo, como se tentasse dirigir meu foco para seus lábios.
— Eu já vi o Harry resolver questões no smart board tão rápido que os professores ficam surpresos. — Seu sussurrar é tímido. — E quantos tutores ele não deve ter tido? — A sua expressão cansada me surpreende. Peter raras vezes fala acerca das lacunas financeiras entre ele e os demais alunos de Midtown, mas sinto que, por se tratar de Harry, a situação o incomoda mais. Eu balanço a cabeça, acariciando seu queixo, onde posso sentir alguns sinais de uma possível barba tentando se formar. — Quer saber, aposto que ele tá agora no laboratório da Oscorp descobrindo a cura do câncer — Acredito que reviramos os olhos ao mesmo tempo. Peter cutuca minha perna, insistindo. — Liga pro Tony e avisa que não precisa mais de pesquisa porque o Harry já resolveu o problema! — Seguro seu rosto e beijo seus lábios rapidamente. “Sou eu quem vai descobrir a cura, Parker”. Seu riso incrédulo contra minha boca compensa parte de sua autodepreciação.
— Eu também preciso provar ao meu pai que tenho capacidade de o apoiar na S.I, Pete — Comento ao afagar sua bochecha. Pela milionésima vez, Pete beija minha mão e eu sinto borboletas no estômago. — Por isso recomendei a pessoa mais competente que conheço, que, por coincidência, é você; quem está pesquisando sobre o assunto e é pupilo dele no mesmo eixo. — Quase posso ver as engrenagens girando em sua cabeça.
Peter está encarando um ponto no teto, o lábio inferior preso entre os dentes ao pensar. No entanto, não é a sua expressão adorável que chama minha atenção, mas o fato que está com a minha mão encostada em sua boca, sem sequer se preocupar com a extensão de meus poderes ou a tensão que reside nelas ou em mim. As mesmas mãos que cobri com luvas por anos são as que Peter segura pertinho de seu rosto e beija cheio de carinho, mesmo ciente de meus poderes que apavoravam os Vingadores.
— Promete que não vai fingir não me conhecer quando o Tony brigar comigo? — Há uma real e, mesmo assim, desnecessária preocupação que faz sua voz pesar mesmo que questione em tom de brincadeira.
— Já bati de frente com o meu pai por você, então não tenha dúvidas que eu faço isso de novo, mesmo que duvide que vá ser necessário. — É minha vez de beijar seus dedos. Pete demonstra uma surpresa delicada com o ato. Como ficamos tanto tempo escondendo os nossos sentimentos quando poderíamos estar desta forma há meses?
— Você vai estar lá, não vai?
— Prometo que sim. — Pondo em prática o que me ensinou, ergo o meu dedo mindinho e estendo para ele. Pete não hesita em entrelaçar nossos dedos para selar a promessa. — Minha mãe quer que eu passe as tardes com ela no escritório — Comento e descanso a mão em seu peito. Peter sorri de lado, demonstrando certa animação por mim. — Vou estar a um elevador de distância. — Uma piada me vem em mente. — Igual em Washington.
Observo enquanto ele morde o lábio inferior. Está quase sorrindo também.
— Já disse que você é muito romântica?
— Não, mesmo eu tendo feito um sanduíche para você. Com picles e cebola e mostarda. — Não estou reclamando. Depois de tudo o que fez por mim, o sanduíche é o mínimo. Ainda assim gosto de como sorri largo, as lindas linhas perto de seus olhos se acentuando. Seu sorriso é de tirar o fôlego. Como pude ter tanta sorte? — Eu sou uma ótima namorada, sei disso.
— É sim. — O embaraço me alcança logo que Peter concorda veemente, olhando em meus olhos. — A melhor do mundo. — Ele garante com a mesma naturalidade de quem garante que o céu é azul.
— Perde a graça quando você me deixa envergonhada. — Reclamo através de um sopro quando corro as mãos por meu cabelo para desenrolar os fios presos em meu brinco.


*


— Eu consegui, May! — Peter está sorrindo gigante, mesmo com neve nova-iorquina (tão suja quanto a cidade em si) salpicada no seu cabelo, seu rosto rubro de frio. Ele está quase todo coberto pela neve que acaba por sujar o chão conforme remove as camadas de roupa, iniciando pelo cachecol verde e o casaco azul desbotado. — Precisei barganhar com o cara da loja de quadrinhos, mas ele aumentou a proposta — May Parker corre para a sala, ainda em perfeito estado físico, com uma trança no cabelo, uma regata laranja e short azul escuro sujo de tinta. Suas mãos também estão manchadas com tinta quando cobre os lábios e tenta conter um sorriso tão grande quanto o alheio.
— Quais você deixou lá? — A expressão animada de May se ameniza, porém o seu sobrinho balança a cabeça, dispensando a pergunta enquanto a tia limpa as mãos em um trapo manchado de azul ciano. — Ele só iria dar trezentos dólares pelos bonequinhos, não era?
— Figuras de ação, May — Pete pressiona ao remover o segundo casaco. May revira os olhos, pousando uma mão no quadril enquanto abana a neve do cabelo dele com a outra. Ele se aproxima e dá um beijo apertado e risonho na bochecha da tia, enfiando as mãos nos bolsos do jeans. — E eu levei uns quadrinhos para ele também, então ele aumentou para quatrocentos.
— Você vendeu as suas revistinhas de colecionador? — May cobre a boca quando Peter esfrega a nuca. Mesmo que ela não demonstre estar confortável com a situação, o sorriso dele nunca vacila, aparentando estar orgulhoso consigo. — Peter… — A tristeza dela não é tão profunda, mas é clara.
— A merece, May — Peter tenta confortá-la, removendo do bolso uma caixa de veludo pequena. Relutante, May se aproxima dele, a mão sobre o peito quando vê o conteúdo. — Pérolas como você disse — Parker está sorridente ao prosseguir, apontando para a caixa. — E diamantes. São pequenos, mas a moça da loja disse que ficam muito elegantes e…



*


Peter está rindo quando volto à mim, os dedos tocando em meu pulso e rosto virado na direção da televisão desligada. Eu respiro fundo, tentando organizar meu pensamentos, mas é um pouco de informação demais e eu seguro a face de Peter, que me olha confuso pelo ato ser longe de delicado. Quando seus olho se fixam nos meus, buscando entender o que eu desejo, me sinto mais culpada ainda.
Você vendeu os seus quadrinhos para comprar os meus brincos?
Se não estivesse tão chocada com a situação, poderia gargalhar de sua cara. Peter parece muito com Tony, principalmente quando Pepper o pega fazendo algo que não devia. Seus olhos saltam, a boca aberta em choque com a pergunta.
— Como… — Seu choque torna-se curiosidade e eu cubro meu rosto com as mãos. Não acredito que fez isso. — Quem te falou? Como?
— E suas action figures, Peter!
Não tenho coragem de olhá-lo mesmo quando se levanta de meu colo de supetão.
Como vou conseguir lhe olhar sabendo que abriu mão de seus preciosos itens para comprar os brincos que uso com tanto gosto? Compartilho a surpresa de May, principalmente por saber como Peter cuidava bem de seus quadrinhos e action figures. Sinto que teria chance de conseguir ignorar isso se o presente não houvesse sido tão especial e eu não gostasse tanto dos brincos que lhe custaram uma pequena fortuna.
— Ei, ei — Seus dedos se curvam quando segura meus pulsos, tentando incitar pra que eu não mais cubra meu rosto e o olhe. — Como você sabe disso? — Sua risada me faz vibrar ainda que eu tente não reagir. Me sinto a pior pessoa do mundo. — E do nada, ? — Aperto meus lábios quando Peter toca em meu cabelo antes de segurar meu pulsos de novo e dar um beijo em minha cabeça. Ele vai acabar me matando.
— Meus poderes novos — Lhe explico através de um sussurrar, afastando os dedos para olhá-lo por entre as frestas. Peter está pertinho de mim, abaixado aos meus pés e com um sorriso tonto apesar das sardas estarem um tanto ocultas pelo leve rubor. Ele assente, então, parecendo entender a razão do súbito questionamento. Ao menos em parte. — Não acredito que fez isso, Pete… — Lamento embaraçada.
— O que? — Ele interrompe minha reclamação com um sussurro como o meu. Pete aparenta não sequer importar-se com o que fez. É preocupante. — Não acredita que eu comprei um mero par de brincos pra você? — Concordo com a cabeça, horrorizada pois ele também beija minha testa, afagando minhas panturrilhas. — , eu dou um jeito de comprar a Times Square se duvidar, só pra dar de presente pra você.
Luto contra a vontade de beijá-lo até ficar sem ar.
— Mas vendeu seus quadrinhos pra isso, Peter — Seguro em seus ombros. Ele não notou a gravidade disso? Peter dá de ombros e eu dou um soquinho em seu braço, sua falta de consideração com o que fez já começando a me irritar. — Tem eles há anos!
— E eu nunca ia me livrar deles se não tivesse um justificativa — Respiro fundo ao sentir a massagem que faz em minha perna. — Então que motivo melhor do que querer comprar um presente legal para a minha pessoa favorita no mundo todo?
— Eu não sei — Empurro ele de leve. — Aquecimento global, sei lá!
A gargalhada de Peter é sonora e gostosa, grave pois ele joga cabeça para trás ao rir. Quero permanecer brigando com ele e lembrar que presente nenhum é tão valioso para mim quanto sua felicidade e bem-estar, mas percebo que será em vão. Peter é orgulhoso e está feliz de verdade com sua decisão. O sorriso orgulhoso estampado em seu rosto em minha visão sendo a prova disso. Também percebo que não quero diminuir seus esforços, pois sei que discutir sobre dinheiro é complicado. Então, se Peter está confortável com o que fez, não posso ser a pessoa que forçará um arrependimento nele.
— Desculpa, Pete — Digo, arrependida por meus exageros. — Só fiquei surpresa.
— Eu notei — Ele garante, apoiando o queixo em meus joelhos. Afago a sua bochecha. — Também fiquei — Confessa rindo. — May jurou levar o segredo pro túmulo. — É em May que penso desta vez, lembrando-me de como foi ela que recomendou as pérolas. Eu me aproximo e beijo sua testa, perto de onde ainda está um pouco ferido, sussurrando o outro agradecimento por meu presente. — De nada, .
Peter me beija e eu suspiro com o selar, me rendendo a ele. Os seus beijos são intoxicantes, de forma que não me vejo conseguindo resistir a eles sem esforço extremo e muita força de vontade, o que raramente tenho ou quero demonstrar. É uma tarefa árdua dizer não a Peter e seus beijos, ainda mais nossa proximidade e os seus lábios focados em me distrair de qualquer coisa. Qualquer coisa exceto ele.


Continua...

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Nota da autora: Me superei na demora desta vez e peço muitas desculpas, galera! Engatei 2 estágios, de manhã e de tarde, somados à faculdade a noite. Porém, acredito que já já me acostumo à rotina e volto a postar regularmente (ou da forma mais regular que consigo).
Espero que tenham gostado do capítulo e peço que deixem um comentariozinho <3
Ah, também podem ir me xingar lá no meu insta de autora (@autoraelis).
Se cuidem! <3



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