02. Written All Over Your Face

Finalizada em: 16/04/2024

Prólogo


, vista o seu casaco! Estamos atrasados!
— Pai, você sabe que eu não dou a mínima para o aniversário da . — disse, sua voz carregada de desdém, enquanto recebia um olhar reprovador de James.
— Quando você for grandinho, você decide para onde ir. — James retrucou, ajeitando a jaqueta nos ombros do filho com firmeza. — Por agora, você vai comigo e com sua mãe para o aniversário da . E se eu fosse você, desfazia essa cara emburrada antes que sua mãe te deixe sem videogame no final de semana. — rolou os olhos, o gesto acompanhado por um suspiro teatral, enquanto seguia o pai escada abaixo.
— Seria ótimo se vocês não tentassem forçar uma amizade entre mim e a . São anos de tentativas frustradas, e tudo que conseguimos foi isso... — tocou a cicatriz no canto da testa, fruto de um acidente de bicicleta que os dois tiveram quando mais novos. — E isso... — Ele apontou para outra cicatriz, no joelho direito, lembrança de uma corrida que terminara em uma queda catastrófica por causa de uma pedra "acidentalmente" posicionada no seu caminho por . — Só porque vocês são amigos desde a infância, não significa que eu e a seremos a mesma coisa. — continuou, seu tom carregado de frustração enquanto descia as últimas escadas. — Estamos mais para inimigos de infância do que qualquer outra coisa. Já reparou como ela pode ser manipuladora e terrível?
— Aí! Mãe! — exclamou quando um puxão firme em sua orelha interrompeu suas reclamações. Lya tinha um olhar severo, misturado com uma pitada de impaciência.
— O único garoto terrível aqui é você com essa sua implicância pela . Vamos, para o carro. E se reclamar demais, vou considerar te deixar lá dormindo como punição.
— Por Deus! Você fala como se ela não tivesse arruinado minha edição limitada da HQ de Watchmen com óleo de cozinha! — protestou, a indignação vibrando em cada palavra enquanto seguia sua mãe até o carro, abominando precisar socializar com sua arquirrival.
— Vocês dois competem sobre quem consegue ser o pior. — Lya suspirou, fechando a porta da frente com um clique suave. — Mas hoje, eu não quero saber de gracinhas. É a festa de aniversário dela, entendeu bem?
— Que seja. — revirou os olhos, encostando o a testa na janela de vidro e assistindo sua casa se distanciar, enquanto seu pai acelerava em direção à casa dos amigos. — Farei como sempre, fingirei que ela não existe.

...

A festa de aniversário de era uma visão de um conto de fadas moderno, meticulosamente realizada no amplo jardim de sua casa que se transformou num reino encantado das fadas da floresta. O local estava iluminado por luzes de LED amareladas que se entrelaçavam nas árvores; O chão, decorado com pétalas de rosas e pedras luminosas que simulavam pequenos cristais, refletia as luzes enquanto mesas de madeira refinada, baixas e circulares, estavam espalhadas pelo gramado macio, cercadas por almofadas de veludo colorido que evocavam as flores silvestres de uma floresta mágica. À esquerda, um bar rústico de madeira coberto por vinhas artificiais com pequenas luzes servia "Poções das Fadas". Estas bebidas, em pequenos frascos com líquidos azul profundo, verde esmeralda, e magenta, brilhavam com glitter comestível e fumaça de gelo seco, criando um efeito místico e dando aos jovens convidados a sensação de estarem bebendo elixires mágicos.

— Festa legal. — cumprimentou assim que ele e seus pais entraram no jardim encantado, fazendo cinco pares de olhos voltarem-se para ele numa velocidade incrível. Os pais de , Abby e Carter, abriram um sorriso enorme ao observar a interação aparentemente amigável entre as duas crianças. — É para combinar com a sua personalidade de bruxa? — completou, um sorriso torto surgindo em seu rosto enquanto a fúria se desenhava em cada linha do rosto de . Ela suspirou resignada, lançando um olhar para os pais de .
— Boa noite, James e Lya. Sejam bem-vindos ao meu Reino! — fez uma reverência dramática, enquanto os adultos sorriam, entretidos pela cortesia exagerada. fez uma careta de desgosto. — Espero que aproveitem muito a festa, uma pena que eu não deseje o mesmo para o seu filho. — sorriu doce para , em ironia. — Tenho a sensação de que uma fada morre a cada vez que ele respira.
! Onde estão seus modos? — Abby, sua mãe, a repreendeu, enquanto Carter, seu pai, aproximava-se, equilibrando uma bandeja de Poções de Fadas, servindo os convidados com um sorriso amarelo ao observar a pequena discussão dos pequenos.
— Eu não tenho modos com ogros arrogantes. — respondeu, encolhendo os ombros em desprezo puro. — E vocês quatro sabem muito bem que nós não nos gostamos. Por que não o deixaram mofando no quarto jogando videogame?
— Isso mesmo! Por que não me deixaram mofando no meu quarto com meus videogames? — concordou, pela primeira vez, com , cruzando os braços e lançando um olhar acusador para seus pais. segurou uma risada, enquanto notava o que havia falado sobre si mesmo.
— Vocês ouviram!? Até ele concorda comigo! — exclamou, a diversão evidente em sua voz.
— Você não cansa de ser uma idiota? — disparou, a irritação fervendo à tona.
— E você é um babaca! — Ela retrucou com o mesmo veneno.
— Chega, vocês! — James interveio, as mãos firmes na cintura. — Vão cada um para um lado, os dois podem aproveitar a festa. A casa é grande, e há espaço mais do que suficiente para ambos não se cruzarem se esse for o problema.


Capítulo 1


Era uma quarta-feira cinza na cidade de Coventry, o clima estava tão tempestuoso quanto a expectativa dos humores na casa de . Estavam preparando um almoço entre amigos, obrigando a convivência de e acontecer mesmo após a conclusão do colegial.

— Bem, vamos direto ao ponto do almoço de hoje. — James começou trocando um olhar significativo com Carter. — Temos notícias importantes que afetam tanto quanto . — , que até então servia-se de um copo de suco, pausou com a jarra na mão, seu olhar fixo em seu pai. , curiosa e um pouco ansiosa, colocou seu guardanapo no colo, esperando a notícia.
— Vocês dois foram aceitos na Universidade de Manchester. — Lya revelou com um sorriso orgulhoso. — e se viraram rapidamente um para o outro, ambos surpresos. A ideia de frequentar a mesma universidade era, para eles, tão improvável quanto indesejada.
— O quê? Você também? — perguntou, com uma elevação cética da sobrancelha. — Será que eu não posso ter o mínimo de paz? Você precisava seguir exatamente a mesma universidade? — revirou os olhos, claramente irritado com a insinuação.
— Por favor, como se eu soubesse que você iria aplicar para Manchester. Não é o centro do universo, .
— Mas parece que sou o centro do seu universo, já que você parece determinado a me perseguir! — retrucou, sua voz tingida de sarcasmo.
— Parem, vocês dois. — Carter interveio. — Isso não é o fim do mundo. É apenas uma coincidência. Vamos focar no que importa. Dada a situação financeira e considerando a segurança de ambos em uma nova cidade, chegamos à conclusão de que... — Ele fez uma pausa, escolhendo suas palavras com cuidado. — ...vocês dois dividirem um apartamento, pelo menos inicialmente, amenizaria muito os custos totais para nós quatro.

A reação foi imediata e intensa.

— Vocês piraram. — riu incrédulo.
— Eu não vou morar com ele. — pontuou séria, direcionando a faca na direção do homem. — Prefiro um albergue.
— E eu, o viaduto mais próximo do campus. — concluiu, dando de ombros. Os pais reviraram os olhos.
— Aprecio a compreensão de vocês dois...mas isso não é negociável. — O pai de concluiu, jogando-se contra a cadeira. — É essa a condição para que consigamos apoiar vocês financeiramente. Além do mais, nos primeiros meses será bom terem companhia conhecida.
— Um estranho é mil vezes mais confiável que o . — retrucou, em um tom de indignação.
— Calma aí, pô...eu também não sou um monstro! — Ele se defendeu, olhando-a ofendido.
, estamos conversando sobre o futuro de vocês aqui e não sobre as discussões infantis que vocês perpetuaram mesmo depois de saírem da pré-adolescência. Se preferir encontrar seu próprio meio de financiar uma acomodação sozinha, sinta-se à vontade. — Lya colocou a opção na mesa, não como um ultimato, mas como uma realidade dura.
— Essa é a única forma viável de ambos prosseguirem com seus planos de estudo sem impor uma carga financeira excessiva para nós. — Abby explicou, sua voz era calma. — Três meses. Se realmente não der certo, reconsideraremos a situação.
e se olharam, o desespero e a resignação misturados em suas expressões. Após alguns segundos de tenso silêncio, suspirou, cruzando os braços.
— Três meses. — Ela concordou relutantemente. — Não mais do que isso, até encontrarmos alternativas.
— Três meses. — ecoou, derrotado.

As famílias compartilharam olhares, sabendo que o caminho à frente seria complicado. No entanto, a decisão estava tomada. Por necessidade ou por conveniência, e aprenderiam a coexistir, ao menos temporariamente.

...

já estava bem instalada em uma das longas mesas do refeitório, cercada por um grupo de veteranos que compartilhavam histórias engraçadas sobre os desafios e trapalhadas de seus primeiros anos na universidade. Ela ria e acenava com a cabeça, aproveitando a companhia e o intervalo entre as aulas que eram intensas desde o começo do semestre. Até agora, ela e haviam conseguido evitar contato excessivo, se encontrando apenas por breves momentos nas discussões matinais sobre quem ocupava mais tempo no banheiro e na divisão das tarefas domésticas, algo que só foi estabelecido depois que uma briga por três copos sujos quase escalou para uma guerra durante uma chamada de vídeo com os pais. , com sua bandeja transbordando, entrou no refeitório e seus olhos imediatamente encontraram o único espaço livre — diretamente na mesa de . Seu rosto se contraiu numa careta leve enquanto soltava um suspiro resignado; eles já haviam se esbarrado mais vezes do que ele podia tolerar em um único dia. Os amigos veteranos ao seu lado, reconhecendo alguns dos colegas em torno de , caminharam diretamente para lá.

— Chad! Senta aqui com a gente, cara. — Mark saldou o amigo, o que fez notar e outros veteranos ocuparem sua mesa. Ela sorriu educada para os demais – não para - e voltou a focar em sua salada. — Estávamos conversando sobre o teste para líderes de torcida que vai rolar mais tarde. É você quem vai organizar os participantes?
— Vou só para o primeiro turno. Depois, acredito que a Robbie tomará conta. — Chad respondeu, recostando-se na cadeira e sorrindo divertido. — Por quê? Finalmente tomou coragem de balançar uns pompons?
— Ah, não enche! — Mark disse rindo também, acompanhando os amigos que estavam. — É para minha mentorada. Já conheceu a ? — Mark apontou com o queixo para a mais nova, que mastigava parte de sua salada quando todos os olhos se voltaram para ela. Ruborizou na mesma hora e revirou os olhos, percebendo que os caras que estavam com ele a analisaram por tempo demais. A história do colegial se repetiria com seus amigos da faculdade, provavelmente. Todos encantados por , mesmo ela sendo a personificação do inferno na terra. Ao menos, para ele.
— Oi, . — Chad cumprimentou, com um sorriso gentil. — O Mark está sendo um bom mentor? Se não, posso usar da dívida que a Coordenadora Hoppins tem comigo para fazermos uma troca. — Chad bateu no ombro de , que estava sentado ao seu lado e levou um susto com o gesto. — Mark fica com esse grandão aqui e você vira minha caloura, já que se interessa por entrar na equipe de líder de torcida.
— Ufh, boa sorte cara. — se intrometeu, debruçando-se na mesa. — Essa daí é insuportável.
— Você quer mesmo começar a me tirar do sério agora? — disparou, a irritação vibrando em cada sílaba enquanto lançava um olhar fulminante em direção a , que apenas retribuiu com um sorriso sarcástico.
— Não estou tirando você do sério, estou orientando seus novos amigos sobre sua personalidade. Irão me agradecer por alertá-los sobre o quanto você é desprezível. — respondeu, cruzando os braços e olhando para ela com um sorriso provocador.
— Vem cá... — se debruçou na mesa, com um sorriso de canto. — Essa agressividade toda é porque eu peguei você ouvindo um podcast sobre ‘’Como se dar bem com garotas mais velhas’’ enquanto fazia a barba hoje de manhã? — Ela cutucou, fazendo a mesa cair na risada e a olhar de modo intimidador, acenando com a cabeça em negação.
— Nossa, quanto amor.... — Chad comentou sarcástico e em seguida franziu o cenho, confuso. — Espera, vocês moram juntos?
— São irmãos? — Mark perguntou.
— Sim e não. — respondeu, bebendo um pouco do seu suco de laranja.
— É a economia de custos com moradia versus a nossa sanidade mental. — explicou, relaxando a postura. — E até agora, a sanidade está perdendo.
Chad e os outros veteranos olharam uns para os outros, uma mistura de incredulidade e diversão nos rostos. Mark finalmente falou, o riso mal contido:
— Cara, isso é melhor que novela. — Ele comentou, ainda rindo. — Mas vocês não se dão bem e continuam debaixo do mesmo teto? Posso ver a disponibilidade no dormitório de algumas amigas minhas, .
— Sugira isso daqui a três meses. — Ela respondeu, olhando-o desesperançosa. — Nossos pais nos obrigaram a morar juntos pelo primeiro trimestre. Eles são super melhores amigos e acham que eu e o também deveríamos ser.
— O que seria possível se você não tivesse tentado me assassinar quando eu tinha cinco anos de idade. — acusou, dando de ombros. suspirou pesado, prevendo o drama que viria a seguir.

Casa dos
Treze anos antes...

Era uma tarde ensolarada de sábado e estava ressentida com por ele ter cortado o cabelo de sua boneca favorita. Na mente de uma criança de cinco anos, aquilo era um crime imperdoável, e ela estava determinada a se vingar. Quando Abby se virou para atender o carteiro na porta de casa, viu sua chance de sabotar a receita para que não tivesse o mesmo prazer que ela ao experimentar os biscoitos. Ela havia escutado Lya, mãe de , avisar sua mãe sobre o garoto não poder comer amendoim e então decidiu que, se ele tinha arruinado sua boneca, ela arruinaria seus cookies. Com uma expressão de quem está prestes a cometer a travessura do século, pegou um frasco de pasta de amendoim 100% pura do armário e rapidamente misturou uma colherada generosa na massa que Abby preparava.

— O que você está fazendo, ? — perguntou, curioso, rompendo cozinha adentro para pegar sua garrafinha de água.
— Nada! — ela disse rapidamente, escondendo o frasco de pasta de amendoim atrás de si com um sorriso que pretendia ser inocente. — Só estou ajudando a mamãe.

deu de ombros e voltou para a sala, desinteressado nos detalhes da culinária, desde que pudesse comer cookies depois. , satisfeita com sua pequena vingança, não pôde deixar de sorrir, antecipando o momento em que provaria os cookies e faria a careta que ela tanto esperava ver. Após alguns minutos, Abby serviu os cookies quentinhos com leite para os dois pequenos. , ainda alheio à tramoia, pegou um grande cookie, olhou para ele com olhos brilhando em antecipação e deu uma grande mordida.
Imediatamente, sua expressão mudou. O que deveria ser um momento de deleite transformou-se em desconforto. Ele começou a tossir e a esfregar a língua na manga da camisa, tentando se livrar do sabor.

— O que foi, ? Não está bom? — Abby perguntou, preocupada, se aproximando rapidamente.
— Tem... tem amendoim, tia Abby... — conseguiu dizer entre tosses, seu rosto começando a ficar vermelho e inchado.

Abby, em um instante de pânico, olhou para , que estava pálida, percebendo pela primeira vez o perigo real do que sua sabotagem poderia causar. era alérgico a amendoim, uma informação que não compreendia totalmente o significado até ver as consequências de sua ação.

— Oh, meu Deus! — Abby exclamou, levantando nos braços e correndo para o telefone mais próximo para ligar para emergência.


— Caramba, você pegou pesado, linda. — Chad comentou, roubando um pedaço de maça da bandeja de Mark, que bateu em sua mão em repreensão.
— Eu adoro quando você me pinta como a vilã, . — comentou, depois de ouvir aquela história pela milésima vez em sua existência. — Mas gosto de pensar que isso foi uma ajuda para definir o seu grau de alergia. — deu risada e sustentou o olhar dele, que naquele momento a observava com afinco. — Afinal, na semana seguinte você foi para o acampamento dos escoteiros e tudo o que havia lá era sanduíche com pasta de amendoim. — lembrou, lambendo o lábio e apontando o indicador para . — E foi graças a mim que você soube que não poderia nem mesmo sentir o cheiro daquilo. Em resumo, salvei sua vida.

...

acreditava veementemente que uma força maior do universo estava se esforçando muito para que ela enlouquecesse naquele ano. Fazia pouco mais de um mês que as aulas na faculdade haviam se iniciado, seus amigos eram incríveis e sua entrada no time de líderes de torcida havia sido tão bem-sucedida que semanas depois, foi apontada como uma das coreógrafas para os jogos de verão. O tempo que estava em casa era escasso, passava boa parte de seu dia na biblioteca, no ginásio ou na casa de Cindy e Chad, que a ajudavam vez ou outra na criação dos passos para os campeonatos universitários dali alguns meses e algumas matérias da faculdade. O problema, no entanto, era a geada que se formou nas ruas de Manchester e a suspensão das aulas por uma semana inteira, devido ao perigo climático. As pistas estavam escorregadias e molhadas, com montanhas de neve enfeitando a porta de entrada de quase todas as casas do bairro em que morava. O único som de veículo que era possível escutar de seu apartamento, era o caminhão de sal que vez ou outra tentava amenizar a situação escorregadia do asfalto das ruas. E para melhorar...estava trancada em um apartamento de 60 M² com e seu rock alternativo no último volume possível dos autos falantes de seu quarto. bufou, saindo do seu quarto e indo em direção ao de , batendo com agressividade na porta.

— Será que tem como você abaixar um pouco o volume dessa merda? Algumas pessoas estão tentando estudar. — esbravejou, ouvindo o barulho da porta se destrancar com rapidez e o som aumentar pelo menos cinco vezes em seus ouvidos. Fez uma careta, observando sem camisa, escorado na porta. Odiou perceber, mas precisava admitir que ele tinha um físico bonito.
— Chamou o The Fratellis de merda?
— Tudo o que vem de você não tem como ser bom. — Ela deu de ombros, forçando seus olhos a não descerem pelo peitoral desnudo do homem. Ele percebeu a inquietação dela e começou a gargalhar. — Você deveria buscar ajuda psicológica, sabia?
— E você de uma ajudinha sexual. Cortejando meus bíceps? — Ele riu de lado, achando toda a situação muito favorável para seu ego. Ela riu descrente e ambos não notaram quando a tempestade de inverno começou lá fora e as luzes picaram rapidamente dentro do apartamento.
— Nem nos seus sonhos, babaca. — Ela sorriu, empurrando-o para o lado e entrando no quarto para desligar o som que era estridente em seus ouvidos.

O problema foi que, assim que ela desconectou o aparelho da tomada, as luzes de todo o apartamento foram apagadas. E de toma Manchester também.
Estavam no meio de um longo blecaute.

— Isso só pode ser brincadeira! — esbravejou, olhando da janela do quarto de o breu que havia tomado a cidade. — Estamos sem energia elétrica. — Ela constatou, tentando enxergar no meio do escuro que estavam.
Pisou algumas vezes para se encaminhar até a saída do quarto e se desequilibrou ao esbarrar na ponta da cama do homem, que, por estar perto, a segurou pela cintura em uma reação automática. Absteve a parte em que percebeu que o corpo da garota encaixava bem em seus braços e focou nos pequenos socos que ela desferia onde pudesse alcançar.

— Proximidade exagerada, . — Ela reclamou, empurrando-o para trás. Ele consentiu, afastando-se da mulher e passando a mão pelos cabelos.
— O que fazemos agora? Ao menos o sistema de aquecimento do prédio ainda está funcionando. Se não, morreríamos congelados. — pontuou, fazendo entortar a boca e concordar com ele mesmo que a contragosto.
— Eu…vou voltar para o meu quarto. — disse devagar, encaminhando suas passadas para longe de , que negou com a cabeça e riu fraco, mordendo a boca para tentar se conter ao perceber o que diria.
— Eu sei que você não gosta de escuridão, . — Ele diz, virando o corpo na direção dela. — Podemos ficar no mesmo lugar e fazer algo que não nos deixe tão entediados.
— Você, definitivamente, não precisa se importar com o meu bem-estar. E não aliviaria minha agonia por escuridão de qualquer forma, porque eu também teria agonia só de ficar minimamente perto de você. — Ela respondeu, mas não estava convencida de suas palavras.
— Tudo bem, olha só…isso está ficando muito cansativo para mim. — disse, esfregando as mãos no rosto e suspirando. — Depois de anos nessa relação esquisita, eu preciso dizer que estou cansado, exausto, esgotado e sem a mínima vontade de continuar discutindo com você.
— Devemos parar de nos falar, então. — respondeu, cruzando os braços e se apoiando no batente da porta do homem.
— Acho que se a gente se escutasse com um pouco mais de paciência, a situação toda melhoraria bastante.
— Você é o primeiro a arruinar todas as nossas tentativas de convivência pacífica.
— E estou sendo o primeiro a manifestar insatisfação com essa dinâmica. Isso não conta? Ainda temos mais dois meses debaixo do mesmo teto, isso se conseguirmos uma vaga em algum dormitório da faculdade ou darmos sorte de encontrar alguém depois de três meses para realocar acomodações. Fora que, céus, eu odeio muito admitir isso…— praguejou, olhando para cima e bufando, antes de voltar seus olhos para a silhueta de encostada em sua porta. — Mas, apesar dos pesares, nosso plano de fingir que um não existe na vida do outro e as tarefas da casa divididas estão dando certo. Temos um apartamento limpo, que não cheira a sexo, cerveja e cigarro barato e sem regras de convivência arcaicas, pois eu trouxe Melanie aqui na semana passada e você, Thomas e ainda assim nos respeitamos, porque tudo isso aqui não é meu, ou seu e sim um esforço conjunto dos nossos pais, o que nos garante direitos iguais. O mínimo que podemos fazer é colaborar com a ideia deles até que tenhamos a nossa liberdade financeira completa.
— Você…você troca de personalidade quando escurece? — perguntou, desconfiada, e gargalhou.
— Está sendo mais fácil conversar com você sem precisar olhar suas expressões faciais. — confessou e revirou os olhos, ainda que ele não pudesse enxergar. Era uma reação automática de seu corpo a quase todos os comentários de .
— Eu concordo. Estamos fazendo funcionar e podemos continuar assim. Apesar de você ser um tremendo de um babaca.

— Ah, que droga. É força do hábito.
— Por que discutimos tanto? Já parou para pensar? — perguntou, sentando-se no carpete de madeira, encostado em sua cama. suspirou, pensando sobre a pergunta que ele fizera e decidindo se sentar próximo ao batente da porta também. Estavam de frente um para o outro.
— Porque você é sempre um idiota.
— Caramba, eu juro que eu estou tentando…
— Tudo bem, calma. — o interrompeu, rindo. — Acho que eu gostava de contrariar meus pais quando mais nova e gostar de você era tão mandatório que eu resolvi me agarrar a todos os motivos que me levariam a desenvolver o sentimento contrário.
— E quais foram esses motivos?
— Você cortava o cabelo das minhas bonecas, me beliscava quando assistíamos filmes de suspense, me passava a cola errada na escola, me chamava de bruxa, arruinava os meus aniversários, e, principalmente, falou mal de mim para o Kevin quando éramos crianças e eu gostava muito dele. Fora isso, você manchou minhas fantasias do clube de Teatro com óleo de carro, rasgava os poemas que eu escrevia e tacava pedrinhas na minha janela para me atrapalhar dormir. Entre outras milhares de coi…
— Você gostava daquele nerd?
— Nem todo mundo prefere pavões exibidos com ego exacerbado igual você.
!
— Desculpa, mas é difícil não te ofender a cada trinta segundos. — Ela disse e ele riu, estralando a língua no céu da boca.
— Falei mal de você para o Kevin porque não queria que você namorasse primeiro que eu.
, tínhamos 15 anos.
— Andar de mãos dadas já era namorar com 15 anos! Eu não podia ficar pra trás nessa e, se você falasse com o Kevin, acho que ele te carregaria no colo durante todo o intervalo e compraria croissants de chocolate para você todos os dias.
— Exatamente! E você arruinou essa possibilidade…tudo para você é uma competição? Até mesmo amor?
— Você não o amava, . Só achava ele charmosinho e inteligente.
— Como você pode ter tanta certeza?
— Porque você nunca foi você mesma quando estava com ele. Sempre queria se mostrar mais séria, mais contida, mais feminina, mais amorosa, estudiosa e paciente. — contou os adjetivos nos dedos, soltando uma risada pelo nariz e olhando a garota de canto. — Só que você sempre foi um furacão atrás da porta, . Em crescente intensidade. — completou, fechando os olhos para descansar e sorrindo de lado. — Kevin e seu jeitinho metódico de organizar as réguas na carteira e calcular divisões de matemática não seria capaz de colocar seu coração em chamas.

observou a expressão serena de assim que ele finalizou sua frase e preferiu se manter em silêncio, pois tudo o que ele havia dito era verdade absoluta. O quanto você acaba conhecendo sobre o seu inimigo, quando, eventualmente, passa boa parte de sua vida estudando seus aspectos e trejeitos para se manter páreo com ele?

— Fora isso, também tinha uma outra componente…— recomeçou a falar, com um sorriso travesso tão grande e branco que conseguiu enxergar até mesmo no escuro. Ela franziu o cenho e deu um peteleco na perna de , incentivando-o a falar logo. — Você sempre foi a mais bonita do colégio aos olhos dos meus amigos, então, ter sua atenção direcionada para outro que não fosse eu, não era ideal para a propagação da minha fama.
— Eu…Nossa, ! — soltou, irritada, pegando um tênis que estava bem próximo de si e jogando em direção ao homem, que o apanhou no ar para se defender. — Como você consegue ser tão egocêntrico?
— Eu sempre falava para os meus amigos que você se armava para falar comigo, porque, na verdade, era maluquinha por mim…— continuou falando, lembrando da propaganda falsa que conseguia às custas do ódio que tinha dele. — Tanto que quando você pediu para beijar o Peter, ele veio me contar que você estava tentando seduzi-lo para me fazer ciúmes, e… — teve sua boca abafada por uma mão quente, macia, delicada e firme, com cheiro de baunilha. Abriu os olhos e levantou as sobrancelhas, surpreso em perceber que havia avançado em sua direção e o obrigado a calar a boca, tampando-a com suas próprias mãos.
— Acabei de perceber que meus problemas com você começam quando você decide abrir a boca por mais de cinco minutos. Que tal ficar quietinho? — disse, sem perceber que havia apoiado seu corpo e estava sentada no colo de .

Ele estava congelado e achando a situação toda uma grande graça, com uma pitada boa de desespero. Conseguia contar todas as nuances das cores dos olhos de devido à proximidade que estavam e, inconsistentemente, a mão dele foi parar na cintura da garota. Ela, ainda absorta pela vontade desesperada de fazê-lo calar a boca, não havia notado o constrangimento de com a posição e recolheu sua mão, suspirando fortemente em seguida e relaxando seu corpo, tornando o encaixe de suas pernas ajoelhadas mais evidente nas laterais do corpo de . Ela resolveu soltar o cabelo do rabo de cavalo que o segurava, estendendo os braços até o elástico e consequentemente levantando centímetros da barra da camiseta que mantinha a distância entre os dedos de e a pele de sua cintura, causando, nele, um choque térmico. Tudo, aos olhos dele, estava acontecendo em câmera lenta. No modo mais lento possível, de acordo com a fotografia de seus olhos. Ela soltou as madeixas, fechando os olhos ao sentir o deleite da liberdade dos fios antes amarrados em um no apertado e balançou a cabeça vagarosamente, de um lado para o outro, para que o caimento fosse ideal.
se sentiu vergonhosamente hipnotizado e não proferiu uma palavra sequer, ou fez movimento algum, com medo de perder a proximidade do espetáculo que era irritada e sentada em seu colo.
Ela era mesmo o inferno na terra.
Entendeu um pouco a obsessão de seus amigos, pela primeira vez.

— Por que tá me olhando com essa cara patética? — perguntou, sem muita paciência. O momento que durou uma eternidade deliciosa para , na realidade, não tomou mais do que dez segundos do tempo do mundo real.
— Você é bonita pra caralho. — Ele disse, sem perceber o teor de suas palavras, já que ainda estava mergulhado dentro dos olhos da garota. Foi quando um tapa ardido estalado em seu rosto se fez presente, que ele voltou a Terra e a olhou com fúria. — Você ficou maluca de vez!?
— Você me elogiou de verdade!
— E qual o problema nisso, sua doida?
— Vindo de você soa como uma ofensa. — Ela disse baixo e sem olhar nos olhos dele, que reparou o comportamento.
— Tom de voz baixo, olhar perdido e bochecha retraída. Vai mentir para mim desse jeito descarado mesmo, ? — não se reconhecia mais nas respostas, só queria mais daquela sensação nova de terreno perigosamente bom sendo explorado pela primeira vez. Estava se sentindo atraído por .
— Você deveria parar de me analisar. E não me chama de . — Ela o repreendeu, tocando o peitoral do moreno com força, usando a ponta de seu indicador, como se o apontasse.
— Pensei que eu poderia usufruir de um pouco mais de intimidade, já que você parece estar adorando ficar sentada no meu colo. — Ele disse, tombando a cabeça para o lado e abrindo um sorriso gradual ao mesmo tempo que ruborizava feito cereja e tentava saltar para longe dele. Ele a segurou firme, mas com carinho, fazendo-a se manter exatamente onde estava.
— O que você pensa que está fazendo? — vociferou, olhando-o com intensidade.
— Quero minha resposta, não vai confessar que adorou meu elogio? Ele foi sincero…
— Já ouvi o mesmo de muitos outros caras. Você falando isso para mim me causa, no máximo, extrema repulsa. — Ela respondeu, fixando seu olhar no dele, apesar do breu noturno já ter tomado o apartamento por completo. se remexeu, tentando se livrar do colo de e, no meio de seu movimento, o percebeu engolindo em seco, assim como um volume crescente se adornando no meio de suas coxas. Se odiou por não ter sentido vontade de sair dali e, sim, de continuar aquela conversa provocativa sem sentido que tinham começado de qualquer jeito. — Oh, parece que você sente tesão em ser menosprezado. — Ela se mexeu novamente, dessa vez com intenção, e jogou a cabeça para trás, procurando o seu juízo em alguma parte do cérebro enquanto sentia aquela bunda maravilhosa circular em cima do seu pau. — É por isso que faz da minha vida um inferno por quase duas décadas? Gosta de ser maltratado? — disse baixinho, no pé do ouvido do homem, que já não conseguia mais esconder a admiração que estava sentindo por aquela versão da mulher que odiava.
— Nunca foi muito minha praia, mas você está tão fodidamente gostosa agora que eu posso considerar ser seu cachorrinho por algumas horas. — Ele disse com um sorriso torto, encarando os olhos dela em formato de fenda e se sentindo absurdamente inebriado.
— Não me lembro de ter pedido nada disso…— Ela disse baixo, sentindo a mão de subir vagarosamente de sua cintura até o contorno dos seus seios, em um carinho preciso que se arrastou até o bico, onde ele apertou com a precisão exata para fazê-la desmontar em seus braços. — Ou de ter concordado com essa dinâmica nova. — Ela completou, falando baixo, enquanto a puxava para mais perto e mandava para a puta que pariu todos os motivos que o incentivavam a parar.
— Não precisa dizer nada, linda. — Ele disse, roçando seus lábios no dela e impulsionando seu quadril para cima, buscando um contato mais íntimo com a garota que estava derretida em seus braços. Os dois ofegaram juntos, completamente entregues e antecipadamente arrependidos. — Está escrito em todo o seu rosto.


Fim...



Nota da autora: Sem nota.

Outras Fanfics:
  • The Brighton Timing
  • - Longfic/ Em Andamento
  • 09. 1 Last Cigarette
  • - Ficstape

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