Fanfic finalizada: 14/02/2018

Capítulo único


A mulher se arrastava pelo chão, tentando escapar das chamas que a seguiam. Ela sabia que seria praticamente impossível, porém, continuou se esforçando e a cada segundo, aquilo se tornava mais difícil. Seu corpo estava machucado, queimado e fraco. Suas roupas chamuscadas fediam a fumaça e as pontas dos cabelos haviam sido sapecadas pelo fogo incessante.
Quando tentou mais uma vez, um gemido escapou por entre seus lábios, pois uma dor aguda atingiu suas costas. Exatamente no lugar onde ficava o seu maior bem. Suas asas. Mas elas não estavam mais lá, haviam sido arrancadas e por quem ela menos esperava. Erguendo os olhos, a moça pôde ver a destruição ao seu redor. Ruínas, corpos, sangue. Tudo por conta de amor.
Todos os músculos daquele corpo tremiam. A sensação de terror que a envolvia era uma que ela experimentava cada vez que voltava – e que gostaria de nunca ter provado. Parou, respirando fundo e apoiou as mãos no solo, pronta para se levantar. Mas era tão difícil. Tão doloroso. Queria deixar aquele corpo mortal, mas seu poder não era suficiente. Não depois de tudo o que aconteceu.

Flashback -On-

Ela corria velozmente. Seus cabelos presos num rabo de cavalo alto balançavam para lá e para cá enquanto seguia com pressa. Apertou o arco entre os dedos, procurando pelo homem que a esperava do outro lado do campo aberto, verdadeiramente preocupada com o rumo dos acontecimentos. Sua armadura prateada reluzia contra o sol escaldante sobre sua cabeça e o suor escorria por seu rosto corado, mas ainda assim prosseguiu.
Não demorou a avistá-lo parado na frente de centenas de homens. Estes seguravam armas de guerra e vestiam roupas como a dela, mas cobriam o rosto com um elmo. Observou quando seu líder ergueu a espada na direção dos céus, gritando algo que a garota não conseguiu decifrar. Entretanto, ao ouvir os outros gritarem em resposta, soube que eram palavras positivas.
- Felipe! – ela disse, chamando sua atenção.
Assim que parou ao seu lado, ele a fitou e ela sorriu discretamente, lhe passando confiança. Os belos olhos azuis transmitiam a coragem para prosseguir, a bravura necessária numa situação como aquela. Todavia, havia algo a mais.
Amor.
O sentimento iluminava seu semblante, superando até mesmo o furor que estava em seu coração. O amor que ela própria havia lhe oferecido e que o fazia reluzir como raios solares num dia antes turvo. O conhecia há pouco tempo, porém, já sentia orgulho por vê-lo tão determinado.
- Vamos em frente! – ele balançou a cabeça uma vez.
- Estarei bem aqui. – a garota respondeu, imitando seu gesto.
Após mais uma breve troca de olhares, os dois juntaram-se aos outros guerreiros. Todos prontos para lutar.
- Vamos trazê-la de volta. – a mulher disse apenas para ele ouvir.
- Confio em você. – o outro ressaltou.
Mesmo que não fizesse ideia de quem ela fosse. Ainda que achasse que ela era apenas uma boa moça com boas estratégias e informações que o fariam ter sua amada de volta.
Felipe estava apaixonado e queria resgatar aquela a quem seu coração pertencia. Por mais que o amor fosse recíproco, a mulher havia sido prometida a outro. Ela, ao vê-los sofrer, decidiu resolver a questão. Precisava consertá-la, afinal, os havia unido em sentimentos.
Não demoraram a chegar a seu destino.
Da mesma maneira, o combate se iniciou sem delongas e logo espadas se chocavam contra espadas. As lâminas afiadas causando ruídos que preenchiam todo o ambiente. Gritos e mais gritos eram ouvidos assim como o som dos cascos de cavalos com seus cavaleiros.
Em meio a tudo isso, a garota o viu. Quando ergueu seu arco, pronta para atirar num dos inimigos, seu olhar caiu sobre o homem parado do lado oposto ao seu. A vários metros, ele a encarava diretamente, sustentando um semblante nada contente.
Deixando o queixo cair, ela atirou em sua direção, tentando acertá-lo, mas ele não teve dificuldades em se esquivar. Quando o viu caminhar até onde estava, engoliu seco, pensando que havia sido ingênua o suficiente em pensar que ele não estaria ali. Ele sempre estava.
Pegou mais uma flecha e o rapaz fez o mesmo. Ao mesmo tempo entesaram os arcos e atiraram. Como antes, desviaram-se do ataque e correram determinados, prontos para a batalha.
Erguendo sua arma, tentando acertá-lo, porém, o homem segurou seu arco com a mão livre, barrando o ataque. A moça ergueu os olhos o encarando de perto e arfou temerosa graças à expressão que ele carregava. Cenho franzido, olhos semicerrados, maxilar travado. Deveras, inconformado.
- O que faz aqui? – a pergunta saiu entredentes.
- Você causou muita confusão. – ele respondeu.
Num movimento rápido, largou o arco da mulher e agarrou seu pescoço, trazendo-a para perto.
- Agora, é minha vez de trazer a ordem de volta. – ele sussurrou contra seu rosto, fazendo-a tremer, pois a mulher conhecia aquelas palavras.
Todas às vezes ele as proferia. E, em todas às vezes, ela não gostava nem um pouco do que acontecia depois.


Flashback -Off-

Apoiou o joelho no chão lamacento e urrou graças à força que usou para se pôr de pé. Ao fazê-lo, olhou para as chamas em volta, estranhando o fato de ainda não a terem alcançado. Era como se estivessem paradas, caçoando de seus esforços inúteis. Enquanto seus olhos ainda corriam pelo ambiente, avistou seu arco do outro lado do campo aberto, junto com a aljava intacta. Parecia até mesmo uma armadilha, mas ela não tinha mais o que temer. Não quando todos os seus amigos e aliados estavam destruídos.
Mais uma vez ela havia fracassado.
Cambaleando, avançou na direção da arma, como sua última esperança. Quem sabe conseguisse pegá-la e assim voltar a sua forma original. A cada passo, a dor aumentava e, sem perceber, as lágrimas passaram a inundar seus olhos e correr por sua pele suja de fuligem. Ela queria ser forte, entretanto, após aquele dia não conseguia encontrar forças sequer para se manter de pé, que dirá para lutar.
Ao se aproximar do arco, parou por um segundo. Mordendo os lábios, olhou em volta, pensando no motivo de tudo estar tão quieto. Por que ele ainda não havia feito nada? O conhecia muito bem para saber que ele teria prazer em torturar seu corpo mortal até que ela fosse obrigada a voltar à sua essência divina. Apenas não entendia o motivo de ele ter parado.
Soltando um longo suspiro pelas narinas, jogou a cabeça para cima, fitando os céus. Não pediria ajuda aos deuses, pois sabia que eles nada fariam. Eram egoístas demais para interferir em algo que estava predeterminado a acontecer. Não se importavam se, todas às vezes, inúmeras vidas humanas seriam perdidas ou se um deles seria morto durante o confronto. Malditos hipócritas. Não estavam dispostos a ajudá-la, mas moviam céus e terra para satisfazer seus próprios desejos.
Como se aquela fosse a disposição que precisava, voltou a olhar para seus pertences, mais determinada ainda a recuperá-los. Precisava voltar, pois sabia bem que aquela batalha estava perdida. Não havia porquê continuar ali. Todavia, assim que ergueu a sola da bota que usava, sentia uma força invisível a agarrar pelos membros. Num segundo abria os lábios pela surpresa, no outro seu corpo era lançado violentamente contra uma poça de água.
Respirando desesperada, se ergueu ficando ajoelhada em meio a água, o procurando por todos os lados. Tinha certeza que ele estava ali, conhecia a sua energia. Totalmente contrária à sua.
- Onde você está? – falou tão alto quanto conseguiu. – Sei que ainda está aqui!
Se levantando, a mulher semicerrou os olhos, cerrando os punhos. Queria gritar, mas não conseguia, então usou a pouca voz que ainda lhe restava.
- Eu sinto você! – sua garganta arranhou, mas ela não se importou. – !
Então, enquanto ainda fitava o nada, uma imagem começou a formar-se em sua frente. Reluzente como a luz do sol, deslumbrante como a beleza das flores, ele apareceu diante de seus olhos. Porém, havia mais e ela notou. A roupa machada de sangue, os cabelos desgrenhados e o arco numa das mãos davam ao homem a aparência de um guerreiro. E em seu olhar, ela viu a selvageria semelhante a das chamas ao seu redor.
Entretanto, o que mais chamou a sua atenção foram as asas que, entre todos os que estiveram presentes naquela batalha, apenas ela podia ver. Brancas e reluzentes, imaculadas, sem qualquer dano, como as de uma borboleta. Diferentemente das suas, que haviam sido arrancadas sem nenhuma piedade. Sabia que as teria de volta quando tudo terminasse, mas a dor era insuportável.
- Olá, minha cara ! – a voz do homem chegou aos seus ouvidos. – Como se sente após mais uma derrota?
- O que ainda faz aqui? – perguntou. - Por que não me deixa voltar?
- Por quê? – um riso abafado escapou de seus lábios entreabertos. – Porque só estou começando.
Dito isso, o homem ergueu a mão livre. No mesmo segundo, foi tragada para perto dele. Sem poder se proteger, ela apenas sentiu o impacto do arco contra seu rosto, fazendo-a atingir o chão logo abaixo dele. Zonza, permaneceu ali até que o sentiu se abaixar ao seu lado, erguendo seu rosto com os dedos.
- Estamos aqui de novo. – ele sussurrou perto de seus lábios. – E, de novo, você foi derrotada.
Lentamente, o homem se aproximou mais, unindo seus lábios num beijo singelo. Ao sentir o calor envolver seu corpo, fechou os olhos, recordando-se daquele gesto. Não era uma demonstração de carinho, mas sim uma forma de dizer que ela não conseguiria viver sem ele, não importava qual fosse a situação. Quando ele se afastou, ela engoliu seco e, criando coragem, ergueu os olhos para encará-lo de frente.
- Querida... – um sorriso brotou em seu rosto belamente esculpido. – Quando vai desistir?
- Os homens não podem ser abandonados. – ela murmurou em resposta. – Eles precisam de mim, precisam de amor.
- Amor... – ele sussurrou a palavra com certa devoção. – O amor que faz dois corações baterem mais forte, que move os amantes a deixar tudo para trás. O mesmo amor que destrói corações quando não é correspondido e que então dissemina entre os homens ódio por aquilo que não conseguiram obter. É desse amor que fala?
- Apenas quero que sejam felizes. – a mulher fitou o chão, deixando que seus longos cabelos cobrissem uma parte de sua face. – O que há de mais em lhes dar o que querem?
- Você é tão ingênua quanto uma criança, não consegue entender que o amor que oferece para eles é inconsequente, um convite para o caos? – ele retirou os fios de seus olhos. – É por isso que estou aqui. Para que tudo esteja em ordem.
- Ordem? – franziu o cenho.
- Viu a adversidade que trouxe sobre esses homens por conta de um simples ato seu? – apontou para a destruição à sua volta. – Tudo apenas porque um homem buscava conseguir o amor de uma mulher. Mas tudo que ele obteve foi guerra e morte.
- Ele a amava, mas você interferiu. – ela o fitou, contrariada. – Tudo estaria bem se não viesse dessa vez.
- O homem a quem ela pertencia também a amava, mas seu amor não foi correspondido, por isso vim em favor dele. – ele observou. – Esse é o meu papel.
Puxando ar para os pulmões, ela fechou os olhos com força. Por que ele não a entendia? Ela não queria o mal de ninguém, queria apenas que as pessoas na Terra tivessem o amor que desejavam.
- Hoje você me viu cair, mas nunca pense que estou aos seus pés. – ela sussurrou enquanto ainda mantinha os olhos cerrados. – Você me viu chorar, mas nunca vou suplicar por sua ajuda.
- Você nunca suplica. – ele sorriu de lado.
- Eu vou sobreviver. – ela continuou, abrindo as pálpebras e fitando o chão. – E, ainda que zombe da minha vida, vou fazer tudo outra vez.
- E eu estarei aqui para consertar tudo outra vez. – ele concluiu, suspirando. – Se apenas desistisse, o mundo finalmente estaria em ordem e você não precisaria sofrer.
- Isso vai acabar e eu te juro que vai passar. – deu um leve riso. – Quando eu voltar a te ver, te prometo que vou estar bem.
- ... – o rapaz sussurrou, segurando o rosto da moça novamente. – Sabe que cada vez que voltar, não terei piedade.
- Esse é você. – ela murmurou olhando em seus olhos. – Faça sua parte e eu farei a minha.
Ao ouvir aquelas palavras, travou o maxilar e a largou, mas ainda se manteve próximo o suficiente para contemplar a profundidade daquele olhar tão belo. Ela era tão perfeita quanto ele. Eram invencíveis e travavam uma batalha que nunca teria fim. estava lá para distribuir ao mundo todo o amor que achava ser necessário. Ele, ao perceber que algo ruim poderia acontecer, interferia em suas ações e colocava tudo no seu devido lugar.
Ela era o que havia de mais profundo. Ele era o equilíbrio. Ainda assim, não conseguiam viver um sem o outro. Haviam sido criados para se completar e, mesmo depois de lutarem, mesmo que se recordassem de tudo o que passaram com seus corpos humanos, o homem sabia que se estivesse longe, sentiria a falta dela.

Flashback –On-

permanecia escorada no parapeito da varanda que havia em seu quarto. Naquele mesmo dia havia se divertido na Terra, distribuindo amor entre os humanos, entretanto, até o seu maior passatempo tornara-se enfadonho. Ainda que fosse jovem, sentia-se só. Era como se algo lhe faltasse. Não se sentia completa.
Seu coração batia cada vez mais devagar, suplicando por algo que nem ela própria sabia decifrar. A carência era grande, ela apenas não sabia de quê. Respirou fundo, olhando para o céu azulado, pedindo mentalmente que aquela agonia passasse. Queria deixar de ser uma garotinha, queria crescer e aproveitar a vida da forma mais plena.
- Senhorita. – de repente ouviu atrás de si.
- Sim? – virou-se para a serva que permanecia parada ao lado da porta.
- Sua mãe deseja que me acompanhe. – a mais velha disse.
- Estou indo. – respondeu sem nenhum entusiasmo.
Ainda assim, foi com a mulher. Seguiram pelos longos corredores do palácio, que eram iluminados por tochas de fogo presas às paredes.
- Sabe qual o motivo de terem me chamado? – a garota questionou.
- Não completamente, mas os ouvi conversando sobre o seu estado. – a outra respondeu. – Estão preocupados.
- Preocupados? – franziu o cenho.
- Acham que a senhorita anda muito triste e solitária. – a serva balançou a cabeça. – E, pelo que entendi, acharam a solução para o seu problema.
arregalou os olhos ao ouvir aquelas sentenças. Então, eles haviam achado uma solução para a sua agonia. Esperava que fosse verdade, mas nada disse, apenas continuando a caminhar. Logo estavam na entrada de um grande salão, onde vários banquetes eram realizados.
- Está aí? – ela perguntou, apoiando uma mão na grande porta de ouro.
- Sim. – a outra sorriu.
- E como saberei se é realmente o que preciso? – franziu o cenho.
- Isso apenas seu coração irá revelar. - a mulher se inclinou levemente. – Com licença.
Enquanto a via se afastar, respirou fundo. Não fazia ideia do que encontraria, mas decidiu confiar naqueles que eram mais sábios. Levemente, empurrou a porta e esta rangeu com o movimento.
Assim que o fez, avistou uma pessoa parada no meio do salão. Um homem. Vestia roupas brancas como as suas e tinhas os cabelos da mesma cor. Franzindo a testa em confusão, caminhou em sua direção, o analisando minuciosamente. Abriu a boca, porém, ao ver a aljava em suas costas assim como o arco, praticamente idênticos aos seus. Já se preparava para falar, no entanto, ele se virou até ela.
Imediatamente, seus olhares se cruzaram. No mesmo segundo, uma corrente elétrica os atingiu, causando uma sensação estranha em seus corpos. Abismada, arfou, contemplando a beleza daquele ser à sua frente. Tão divino quanto ela.
Quando deu por si, já caminhava em sua direção, sem permitir que seus olhares se desconectassem. Era a primeira vez que o via, mas foi como se ele já fizesse parte de sua vida. Em silêncio, parou apenas quando estavam cara a cara, continuando a encará-lo com atenção.
Ainda calada, ergueu a mão e esta seguiu diretamente até o belo rosto do rapaz à sua frente. Com a ponta dos dedos o tocou, sentindo o calor que emanava de sua pele. Então, ele também levantou a mão e segurou a sua ainda em sua face. Os corações se aqueceram assim que as mãos se uniram num leve aperto e nenhum deles saberia explicar o que era aquilo que os envolvia de forma tão arrebatadora.
Por fim, ela pôde entender.
Ele era o que lhe faltava. Era o seu complemento, a sua outra metade. Ele havia sido criado para ela. Haviam sido feitos um para o outro. E ninguém mudaria isso.


Flashback -Off-

- Você acha que o amor é inconsequente. – ela voltou a dizer e ele a fitou com atenção. – Mas sabe que ninguém pode viver sem ele. Nem mesmo você. Porque o amor é celestial.
- O amor correspondido é o que nos move a bons atos. – ele disse. – Um sentimento consciente que une e edifica, não um que causa apenas dor.
- Isso não é verdade! – ela exclamou, agarrando sua vestimenta com os dedos trêmulos. – Se ama com a vida, sem medo e sem medida. Eu posso sentir todo esse amor e ele me completa. Você me completa.
- E veja onde está agora. – ele segurou o seu pulso. – Sofrendo por conta do que sente.
- E você, mesmo sendo o responsável pelo equilíbrio, também sofre. – ela sacudiu a cabeça. – Então não há diferença.
- Não podemos mudar o que somos. – ele negou.
- Eu sei. – ela o puxou para mais perto com a força que conseguiu ajuntar. – Ainda assim, todas as vezes que nos encontrarmos no mundo dos homens, eu tentarei convencê-lo. Tentarei lhe mostrar que todas as formas de amor são válidas.
- E eu haverei de discordar. – ele riu fraco quando ela o abraçou.
Fechando os olhos, ela arfou quando a mão livre do homem tocou os seus cabelos, os acariciando com delicadeza. O apertou mais contra si, pensando em como eram perfeitos um para o outro. A luta que travavam fazia parte de seu instinto, naquelas ocasiões sua natureza falava mais alto e eles se colocavam a cumprir os seus papéis no universo.
Mas o amor ainda estava lá, afinal, essa era a sua essência. Eram feitos do sentimento mais puro que havia e em suas veias corria a paixão. A paixão que davam aos homens, a mesma paixão que os fazia reviver para então regressar à estaca zero.
Acariciando os fios sedosos e brilhantes, suspirou. Ela queria voltar para casa, mas sabia que ele a impediria. tentava ensinar-lhe a lição para que, talvez, a mulher desistisse de suas ideias. Ele a punia severamente para forçá-la a aceitar a harmonia. Ainda que antevisse a inutilidade de seus esforços, o homem persistia, pois assim como , tinha o seu papel.
- Desista de uma vez. – ele murmurou contra seu ouvido.
Cansada daquela infrutífera troca de palavras, a mulher abriu as pálpebras, fitando o ambiente à frente. A poucos metros, viu seu arco e mordeu os lábios. Precisava dele de volta. Firme, não tirou os olhos um segundo sequer do objeto. Ao mesmo tempo, canalizava o poder que ainda lhe sobrava. Era pouco, mas suficiente para auxiliá-la no que pretendia.
Afastando uma das mãos das costas de , viu quando uma aura avermelhada a envolveu. Mais fraca que o normal, mas isso não importava. Pela primeira vez em minutos, baixou o rosto na direção das asas, que eram mantidas repousadas perto de suas costas e aproximou os dedos delas. Antes que as tocasse, encostou os lábios em seu ouvido e sussurrou.
- Me desculpe. – ela disse baixinho.
Então, num movimento certeiro, agarrou as plumas delicadas e a luz vermelha em sua palma as envolveu. Sem qualquer piedade, as arrancou das costas do homem, fazendo-o urrar pela dor excruciante que o pegou desprevenido. a soltou, permitindo que se levantasse com as asas que agora se desfaziam como um molde de areia levada pelo vento.
Sem acreditar, ele a olhou ao mesmo tempo em que tentava alcançar as costas, mas sem sucesso. Pela primeira vez, em eras de existência, ela o atacava daquela forma. Pela primeira vez, tinha suas asas arrancadas. Por mais que já tenha sido derrotado em outras ocasiões, nunca aquela mulher em sua frente pensou sequer em torturá-lo. Ela era inocente demais para um ato como tal. Mas agora ele via um de seus maiores bens se dissolver entre seus dedos, passando a entender como era doloroso.
- Eu sinto muito. – ela murmurou. – Mas não posso continuar aqui.
Sem mais palavras, ela lhe deu as costas e correu na direção do seu arco e de suas aljavas com flechas douradas. Não demorou a alcançá-los e os pegou com pressa, logo passando a alça da aljava sobre os ombros e empunhando o arco com a mão esquerda. No mesmo segundo, sentiu as forças começarem a regressar.
Foi quando ouviu algo e olhou na direção do som. No mesmo lugar onde havia sido deixado, respirava profundamente, reunindo forças para entesar o seu arco. Tirou da aljava uma flecha de chumbo e a colocou entre o arco de prata e a corda, puxando-a com os dedos que tremiam. o encarava de longe e não tardou a imitar seus gestos. Pegou uma das flechas de ouro e a colou no arco de mesmo material. Com mais força do que antes, entesou a arma à altura do peito e esperou.
Aguardou até que ele se pusesse de pé. Não atiraria sem antes dar-lhe uma chance de fazer o mesmo.
Assim que ele se equilibrou, mantendo o arco ainda abaixado, ela inclinou a cabeça para o lado. A fitando com a expressão de sofrimento, o rapaz custou a levantar a arma, pois a dor de ter as asas removidas era recente, fazendo sua pele latejar em agonia. Quando finalmente colocou-se em posição de ataque, olhou para a mulher a certa distância e cerrou os dentes.
- Sei que quer que eu fique para que aprenda a lição, porém, dessa vez não estou disposta a suportar mais o que tem a dizer. – disse para ele, mantendo sua postura. – Eu quero ir embora e dessa vez vou lutar para que me deixe partir.
- Não pode lutar. – ele franziu o cenho. – Tudo isso é culpa sua.
- E sua. – ela rebateu. – Então, teremos a mesma chance. Um tiro para decidir se ficamos ou se partimos.
- Sua lição ainda não chegou ao fim. – ele insistiu.
- Sim, chegou. – ela sorriu de lado e puxou a corda com mais firmeza. – Eu cresci e entendi que sim, eu sou o motivo do caos, mas que também sou a responsável pela beleza no coração dos humanos. E isso você não poderá mudar.
Sem rodeios, mirou no coração dele. Queria matá-lo e então estaria livre. Sabia que ele tentaria o mesmo para fazê-la permanecer no mundo dos mortais e após isso, exporia todas as consequências daquela escolha que fez. Como nas outras vezes, ele a faria se sentir culpada pelas mortes, assim como ela também já o fez se sentir culpado. No entanto, já estava farta e quando soltou a flecha, rezou a todos os deuses para que acertasse.
também disparou. As duas flechas vieram numa velocidade sem igual em direção a seus alvos. As mesmas flechas usadas para promover o amor e ordem, agora seriam usadas para ferir. E quando a mulher sentiu a ponta afiada cravar-se em seu peito, a lançando para trás, suas esperanças de que, pela primeira vez poderia escolher o seu destino, tornaram-se quase escassas.
Enquanto sentia o sangue escorrer pelos frangalhos que eram sua vestimenta, as lágrimas encheram seus olhos que começavam a embaçar. A última coisa que discerniu foi o som de seu próprio coração batendo contra os ouvidos.


“Não podemos mudar o que somos.”
“Desista de uma vez.”



As palavras de se repetiam em sua mente, como se alguém estivesse rebobinado uma fita. Imagens da batalha passavam-se em flashes e o som dos gritos de desespero tornava-se cada vez mais alto.
Então, alguém gritou o seu nome, fazendo-a despertar.
Assustada, a garota abriu os olhos e se sentou, respirando de forma descompassada. Por instinto, passou a mão no peito, onde havia sido atingida, mas algo a fez parar. Não havia nada. Nem uma gota de sangue sequer, nem mesmo um arranhão.
Ainda desnorteada, ergueu os olhos e fitou o lugar em volta, sentindo o coração pulsar mais forte ao reconhecê-lo. Era o seu quarto. O seu verdadeiro lar. Surpresa, se analisou novamente, vendo que, no lugar de roupas de batalha, agora usava um belo vestido branco com alças e que deixavam suas costas à mostra.
Colocando os pés descalços para fora da cama, se levantou e no mesmo instante sentiu a diferença. Aquele era o seu verdadeiro corpo. Forte e divino. A mulher sentia o poder circular em cada parte dele e a dor sentida era apenas como uma vaga lembrança. Sem hesitar, andou até o espelho que jazia do outro lado do cômodo e então enxergou a sua imagem. A verdadeira.
Uma mulher feita, cheia de vigor e poder. Os cabelos soltos caiam-lhe aos ombros, emoldurando seu belo rosto e a pele brilhava em perfeição. Mas não era com isso que se importava. Virando-se ao contrário observou as próprias costas pelo reflexo. Graças ao decote, tinha a plena visão daquela área. Um leve sorriso brotou em seus lábios ao vê-las em seu devido lugar. Como se fosse uma tatuagem, suas asas tomavam toda a área, tendo uma parte escondida pelos tecidos.
Suspirou, voltando a ficar de frente para o espelho. Se ela estava de volta, significava que ele havia morrido primeiro. Pelo menos daquela vez conseguiu escapar da punição por seus atos. Atos esses que eram realizados com a melhor das intenções. Cerrando os olhos, ponderou tudo que passou. Não havia sido a primeira nem a última vez. Entretanto, a cada nova tentativa, ela aprendia mais e mais e então tudo começaria novamente.
- Eros... – uma voz macia ecoou pelo recinto e imediatamente a mulher abriu as pálpebras.
Após usar tantas identidades humanas ao decorrer do tempo, ouvir o seu verdadeiro nome era prazeroso. Especialmente, quando ele o dizia. Sentindo o coração pulsar mais veloz, a garota se virou para o homem parado a poucos metros, trajado em vestes tão puras quanto as suas. Seus olhos a encaravam profundamente e um leve sorriso enfeitava seu rosto, deixando-o ainda mais bonito.
- Anteros... – ela murmurou.
Sem cerimônias, correu em sua direção, segurando a barra do longo vestido para não tropeçar. Ao se aproximar, lançou os braços ao redor do seu pescoço, logo sentindo suas mãos apertarem sua cintura com firmeza. Permaneceram quietos, apenas apreciando o calor que compartilhavam em meio aos batimentos furiosos de seus corações que palpitavam ao mesmo ritmo.
- Como se sente? – ele perguntou de repente.
- Bem. – ela se afastou um pouco para encará-lo de frente.
- Fugiu de sua disciplina. – o rapaz disse, acariciando seus longos cabelos. – Como pôde?
- Não podemos mudar o que somos, meu querido. – a mulher repetiu as palavras que ele disse, tocando seu rosto de forma gentil. – Então não havia motivos para eu ter ficado.
- O que quer dizer? – ele a olhou nos olhos.
- Eu sou o caos e você a ordem. – ela respondeu. – Então, enquanto permanecermos juntos, o universo seguirá em equilíbrio.
- Eu sempre estarei aqui. – ele murmurou, a beijando na testa.
- Eu sei que estará. – a garota sorriu.
Espelhando seu gesto, o homem levou as mãos até o rosto dela, o segurando com cuidado. Sem deixar de fitá-la por um segundo sequer, aproximou suas bocas e suas respirações se misturaram. Quando os narizes se roçaram, Eros fechou os olhos, e seu estômago se revirou em ansiedade. Precisava daquele toque urgentemente.
Anteros a admirou por mais alguns instantes e então, finalmente, uniu os seus lábios. Um beijo delicado, que transmitia todo o amor que sentiam. Os dois seres sabiam qual era a sua sina, conheciam o seu destino divino.
Eram opostos.
Eros e Anteros.
Confusão e equilíbrio.
Caos e ordem.
Os dois lados do amor.
Todavia, assim como em todo o universo, eles compreendiam que os opostos sempre se atraem. Que os contrários se completam. Porque o amor é celestial e aquele que compartilhavam era divino, não precisando de esclarecimentos ou interpretações.




Fim



Nota da autora: Sem nota.



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