05. Sober

Última atualização: 20/08/2017

Capítulo Único

- Eles vão se casar.
desviou os olhos da prateleira de discos que limpava. a encarava com um misto de pesar e curiosidade para ver a sua reação. E a sua primeira reação foi exatamente essa:
- Hã?
Na verdade, no momento em que expressou sua confusão, ela percebeu que ele só podia estar falando de um casal. e , apesar de estarem juntos desde que inventaram a roda ou sei lá, não estavam nem perto disso ainda. Então... só sobrava uma alternativa, e considerando aquela pontinha de pesar nos olhos de , era exatamente a eles que ele se referia.
- Oh.
assentiu para ela, comprimindo os lábios. Depois de um segundo encarando um ao outro, o pesar se transformou em algo parecido com preocupação.
Mas só conseguiu olhar para o relógio na parede acima do balcão da loja.
- Cadê meu café? – Perguntou a ele, depois de perceber que faltava cinco minutos para a loja fechar. - Você não pode largar a lanchonete vinte minutos antes simplesmente para vir fofocar feito uma velha.
- Sério? – Ele a encarou, meio incrédulo e um tanto entediado. soltou o disco de ouro do Michael Jackson de volta em seu lugar quando terminou de tirar o pó daquela estante, saindo dali para o balcão dos anos 80’. Ele a seguiu de perto. – Assim que você decidiu agir com essa notícia? Por favor, ...
Por um segundo apenas, ela tentou digerir a informação do casamento. Mas instantaneamente um caroço se formou em sua garganta, e ela espantou a ideia absurda. Pigarreou e se focou em contar os discos daquele compartimento do balcão.
- acabou de me ligar. contou para , que contou para ele. Então, como você pode perceber, a notícia só passou por pessoas em que confiamos, logo...
Trinta discos ali. Tudo certo. Passou para o próximo compartimento, começando a contar. Ela estava ciente do olhar de em seu rosto, mas simplesmente decidira ignorar.
- ! – Explodiu, trinta segundos depois. Ugh, como ela odiava que a chamassem assim. – Eu acabei de trazer a notícia de que o amor da sua vida vai se casar com outra pessoa e você não vai falar nada?! Qual é, eu não teria nem me incomodado em atravessar a rua se não esperasse ver sangue ou pelo menos umas boas lágrimas... – Comentou, e a garota finalmente desgrudou o olhar dos discos de vinil, o encarando com os olhos arregalados, incrédula. – Nem uma lágrima? Sério? – Ele abriu um sorrisinho de canto, fazendo sinal de pouco com a mão. – Droga, garota, qual o problema com você?
Foda-se esses malditos discos.
- Quem precisa de ansiedade e problemas de auto estima quando se tem um amigo como você. – Comentou ela, soltando um riso fraco, e indo de volta para trás do balcão da loja.
soltou o pano que estava usando para tirar o pó debaixo do balcão e o encarou, enquanto pegava a chave para fechar o caixa. Parou por um segundo e arqueou uma sobrancelha para ele, devolvendo seu olhar.
- . – Ele espalmou as mãos no balcão, mudando a expressão agora, como se estivesse prestes a trazer novidades difíceis de contar. Pela segunda vez. Encarou a amiga, agora falando sério. – Está na hora. Já passou da hora há muito tempo. Você não pode mais esperar para contar a ele.
A garota desviou o olhar, terminando de trancar a gaveta do caixa, e depois pegou o pequeno controle do aparelho de som, desligando-o e fazendo a música do Metallica parar de tocar nos cantos da loja. Soltou tudo debaixo do balcão, e então enfim parou, espalmando também as mãos no balcão e o encarando.
- Eu sei.
Ele assentiu para ela, sustentando seu olhar. Sabia que aquilo era muito mais difícil do que ela fazia parecer que era. A garota inspirou profundamente.
- Como você está? – Ele perguntou.
- Eu preciso de álcool. – Admitiu, sentindo o pontinho de desespero dentro dela crescer um pouco mais a cada segundo com a notícia que acabara de receber. A ficha estava caindo.
- Ok. Vamos lá. – Ele a chamou, estendendo uma mão e a observando sair de trás do balcão, dirigindo-se para o lado dele enquanto caminhavam para a porta da loja de discos.
abraçou-a de lado, passando a mão em seu ombro enquanto caminhavam, e soltou-a quando chegaram aos degraus da porta. A garota desligou as luzes do estabelecimento e desvirou o aviso na porta, virando a palavra “closed” para o lado de fora, antes de saírem e ela chavear a porta de vidro.
Atravessaram a rua até a lanchonete que havia logo em frente e sentou no balcão, vendo ir para trás do mesmo e pedindo um expresso para tomar enquanto esperava o horário do amigo sair, para depois ir ao bar do Dan há algumas quadras dali.
Mas ela precisaria de algo bem mais forte do que aquilo para sequer começar a digerir aquela situação.

I

conhecia desde sempre, ou pelo menos era o que parecia para ela. Ele se mudou para a casa ao lado da dela quando ainda estavam no nono ano, e se matriculou na mesma escola que ela. Era o garoto perdido na vizinhança, com olhinhos brilhantes e sorriso perfeito que logo caiu nas graças de... bem, todo mundo. E quando dizia todo mundo, era todo mundo mesmo. Até os pais de amavam o . Ele era simplesmente aquele tipo de pessoa que ninguém consegue odiar. Inteligente, divertido e sensível. Por um tempo, lembra-se de pensar que ele podia ser gay.
Mas a ideia foi descartada quando ele começou a namorar . Ela era a garotinha perfeita que em colégio nenhum podia faltar. E pense em perfeição, literalmente; até sua cintura era perfeita. Corpo de boneca. Tudo no lugar. Longos cabelos loiros ondulados que chegavam quase até à cintura. Olhinhos de bebê. Sorriso infantil. Era de se esperar que uma garota daquelas namorasse com , e que os dois fossem rei e rainha do baile, e depois se casassem e ele virasse jogador de futebol enquanto ela virava uma miss.
Mas também caiu por , e não podia culpá-la, por mais que tentasse – e, acredite, ela tentava. Acontece que, no meio de tudo isso, se apaixonou por . E a queda foi feia, diga-se de passagem, porque apesar de aparentemente os dois não terem nada a ver um com o outro, sua amizade era bastante forte, e ela simplesmente não conseguia acabar com a fixação que criou pelo garoto de maneira alguma. Era a típica história de primeira paixão da vida pelo seu melhor amigo, só que sem um final feliz. Para , nesse caso.
Naquela época, já era sua melhor amiga, e eram as duas contra o mundo. Foi difícil para ela quando e começaram a namorar, apesar de a amiga sempre ter sido louca pelo garoto, que era o perfeito estereótipo de sonho de consumo: jogador do time, forte, musculoso, mas com coração de manteiga e carinha de labrador. E ele não era só a embalagem, sabia; era um dos melhores caras que ela já conhecera. Era até mesmo bom demais, às vezes. Por isso que ela sofreu durante alguns meses, quando percebeu que aquilo era sério, e que a partir de então, querendo ou não, era parte do grupo delas.
veio depois de tudo isso. Ele foi o último a entrar no meio daquela gente toda, no segundo ano do junior high. Vindo de outra escola e de outra cidade, onde as coisas eram meio diferentes, ele foi aceito sem muita dificuldade por todos os outros, sendo introduzido por e , que àquela altura também era do time, como reserva. Os três logo viraram os patetas do grupo. Então eram seis: , , , , e . Dois casais. E os dois que sobravam. Provavelmente foi por isso que acabaram se tornando tão próximos, no final das contas. Querendo ou não, como os únicos solteiros do grupo, eles acabavam sempre sobrando juntos. Sem contar que a personalidade de combinava mais com a de do que a do resto dos amigos, que eram todos meio certinhos demais. amava toda aquela galera, mas a entendia melhor em relação a várias coisas.
Já o modo como eles se conheceram foi, no mínimo, um tanto mais excêntrico. Ela não podia se esquecer, pois foi o dia em que descobriu que o casal mais ternurinha do mundo havia se assumido para todo mundo. viu e recebendo os parabéns de todos no corredor, e simplesmente não conseguiu aguentar. Ela sentiu que podia vomitar a qualquer momento, então simplesmente adentrou o primeiro banheiro que conseguiu encontrar e botou tudo para fora na lata de lixo ao lado da porta. Era uma característica dela, vomitar quando estava muito nervosa ou muito irritada. Estranho, mas era muito mais comum do que chorar, para a garota.
Era o primeiro dia de na escola, e foi um choque e tanto para ele quando uma garota adentrou o banheiro masculino correndo e começou a vomitar na lata de lixo. Ele estava lavando as mãos quando aconteceu, e viu dois caras saírem porta afora com caretas e risadas quando viram a cena. Ficaram só os dois no banheiro, e ela só percebeu que entrara na porta errada quando levantou a cabeça, passando o dorso da mão no rosto, e encontrou com ele a olhando.
- Puta merda. – Ela disse, olhando em volta.
- Pois é – ele riu fraco, enfiando as mãos nos bolsos ao se aproximar uns passos. – Você precisa de ajuda...?
- Não. – Ela levantou uma mão, o mantendo longe. Colocou os cabelos para trás e foi até a pia, lavando as mãos e passando uma água na boca e no rosto.
Pegou papel toalha e se secou, antes de sair do banheiro com pressa, sendo seguida por ele, e se encostou ao lado da porta na parede, levando uma mão à testa e respirando fundo, fechando os olhos.
- Você definitivamente sabe como causar uma impressão. – Ele comentou.
- Desculpa. Realmente não deu tempo de segurar.
- Acho que agora não estou mais tão curioso para provar a comida desse lugar... – Ele olhou em volta, fazendo uma caretinha, e ela olhou para o garoto pela primeira vez realmente.
- Você é novo por aqui – declarou, ela definitivamente lembraria de ver aquele rosto em algum lugar. Além do mais, a escola não era assim tão grande.
O garoto era alto, pele clara e lisa, bochechas um tanto rosadas, cabelo curto e castanho claro, tinha os ombros largos e o rosto bem desenhado, com um maxilar bem definido. Uma covinha no queixo e olhos expressivos, mas tranquilos. Usava uma roupa simples, camiseta cinza com as mangas um pouco dobradas e jeans preto. Ele era, definitivamente, carne nova no pedaço. Ela podia quase ver o garoto sendo a sensação da escola ainda naquele mesmo dia.
- É tão óbvio assim? – Coçou a nuca e suspirou. – Eu sou .
- Eu lembraria de ter te visto por aqui. – Ela abriu um sorriso fraco. Estendeu a mão para ele. – .
Ele olhou para sua mão, duvidoso.
- Hmm... eu prefiro-
- Qual é, eu lavei as minhas mãos. – Ela suspirou, cruzando os braços. – Então eu realmente causei uma impressão em você. – Comentou, soltando uma risada divertida para ele, que a acompanhou.
- Não é todo dia que a primeira palavra que você ouve de alguém é ughhhh. – Ele falou, a fazendo soltar uma gargalhada.
- Justo. Você pode apertar minha mão amanhã, então. – Deu de ombros.
O sinal do primeiro tempo soou, e ele olhou para cima.
- Essa é a minha deixa. Preciso encontrar a minha sala. Até mais.
levantou uma mão, acenando para ele enquanto observava ele se afastar.
Que bundinha bonitinha, pensou.

se curvou em cima do balcão do pub onde estavam para pegar um abridor de garrafa e lá estava a bundinha bonitinha outra vez.
Depois de todo aquele terror psicológico que fora boa parte do ensino médio pra , a vida adulta finalmente chegou. Mas ela não era nada como vendiam os filmes, para ser sincera. De todos eles, apenas e foram para a universidade. Os dois entraram na NYU, e como eram todos de Nova York, aquele drama todo que acontece nos filmes sobre dar adeus aos seus antigos amigos não precisou existir. se formou em jornalismo em quatro anos, e há um ano trabalhava na edição do Chronicle de Nova York e estava em seu último semestre de inglês, para então provavelmente voltar para uma escola, dessa vez como professor. tinha uma boa carreira como assessor de campanha do pai, que era político, então para ele nunca faltariam oportunidades nessa área. ganhava uma boa grana como organizadora de eventos da companhia que sua família herdou do seu avô paterno. Então havia e .
A grande paixão de era a música. Ele conseguira há alguns meses um estágio dentro de uma pequena gravadora, e durante a tarde e parte da noite trabalhava na lanchonete para ajudar em casa. Ele era rommate de e praticamente desde que saíram da escola. Sim, aquilo tudo era meio How I Met Your Mother.
decidiu por livre e espontânea vontade não fazer a faculdade. Era uma decisão que exigia bastante coragem, levando em conta que basicamente 99% das pessoas que saíam do colégio pulavam diretamente dentro da universidade mesmo sem saber exatamente o que queriam. Ela simplesmente não se via fazendo nada daquilo, e sempre preferiu ser honesta consigo mesma. Claro que também não planejava ter vinte e três anos e morar em um flat em cima da loja de discos onde trabalhava, mas essa era a vida, não era? Pregando peças desde sempre.
Então, aquela era a vida de todos eles. Cada um seguiu seu rumo, mas sem de fato dar as costas uns aos outros, e todos eles estavam juntos sempre que podiam.

- E então...? – se sentou à mesa em frente a , soltando as duas jarras de chopp que trouxe do balcão, junto com uma Duff para ela, sua bebida preferida. A garota pegou a garrafa, dando um gole na cerveja e suspirando, encarando o amigo. – E agora?
Ela balançou a cabeça. Sua mente já havia dado voltas e voltas, mas ainda não sabia a resposta para aquilo. sempre fora apaixonada por , e apesar de saber que algum dia aquele momento ia chegar, sempre pensou que até lá já teria conseguido tomar coragem para contar a verdade a ele nem que fosse para simplesmente tirar aquele peso dos ombros, ou que, talvez, eles já tivessem terminado. e eram o casal perfeitinho, e nunca acreditara muito na veracidade daquele tipo de casal.
- Eu vou... Continuar... com o plano A. – Olhou para o amigo, meio incerta.
revirou os olhos, abrindo um sorrisinho debochado e olhando para cima.
- Deus do céu, mesmo depois de cinco anos, ela continua achando que o plano A vai levar a alguma coisa. – Falou para si mesmo, voltando a olhar para a amiga em seguida. – , seu plano de fazer se apaixonar por você já falhou miseravelmente há anos atrás.
Ela assentiu com a cabeça. Sabia daquilo. Tomou mais alguns goles da cerveja, antes de falar:
- Mas eu vou pegar mais pesado agora. Jogar de verdade.
- Acho que já ouvi isso antes... – Ele franziu o cenho, e a garota revirou os olhos. – Onde foi mesmo...? Ah, sim, nos últimos três meses do ensino médio! E depois quando eles compraram a casa! E, ah-
- Vai pro inferno, . – reclamou, tomando em grandes goles o resto da cerveja. Soltou a garrafa na mesa e puxou o copo de chopp, enchendo-o até a borda com a bebida e tomando mais um grande gole. Passou o dorso da mão em cima da boca onde um pouco da espuma havia ficado, e tossiu algumas vezes.
- Calma aí, revoltada. – Ele puxou a jarra de chopp para perto dele novamente. Tomou um gole do seu próprio copo. – Você precisa ser franca com ele, . Falar a verdade. É a sua única opção agora.
- Eu não posso simplesmente falar a verdade para ele agora, . Não agora! Eu esperei demais. – Ela olhou-o. Resmungou alguma coisa e apoiou os cotovelos na mesa, escondendo o rosto com as mãos. – Porra! – Chutou o pé da mesa, a fazendo tremer.
Ficaram em silêncio por um tempo, até que quebrou o silêncio:
- Posso te fazer uma pergunta?
Ela não respondeu, apenas levantou o rosto o suficiente para encará-lo.
- Você se vê mesmo tendo aquela vida, ? Aquela... vida regradinha, toda cheia de... Jantares importantes, e roupas sociais, e eventos chiques... Quer dizer, provavelmente até os filhos deles já vão nascer sabendo chorar em silêncio.
não pode evitar rir fraco, e ele abriu um sorriso solidário para ela.
- E você acha que eu me vejo tendo essa vida, ? Trabalhando em uma merda de loja de discos, vivendo em um flat do tamanho do banheiro da casa deles...
- Ah, lá vamos nós para a conversa das resoluções para o futuro... – Ele revirou os olhos. – Isso é uma competição? Porque eu também posso reclamar bastante.
Ela respirou fundo, espalmando as mãos em cima da mesa e o encarando.
- Eu só quero dizer que nós dois não temos nenhum plano sobre o que fazer com nossa vida além de vir encher a cara de chopp toda sexta-feira nessa droga de bar, enquanto a vida deles está andando! Só quis dizer que... Encontrar um amor, um relacionamento, sei lá... É tudo que nos resta! – Jogou as mãos para o alto.
não soube responder. Suspirou e deu de ombros, antes de tomar um gole do chopp a encarando.
- Eles vão fazer um churrasco amanhã, só para nós. Provavelmente para dar as boas novas.
respirou fundo, enchendo todo o pulmão com o máximo de ar que podia enquanto olhava para cima, e então grunhiu alto. Nesse momento, na jukebox do canto do pub, Billie Jean começou a tocar e ela bateu as mãos na mesa.
- Eu preciso de algo mais forte que isso!
A garota levantou-se em um pulo e foi para o bar, abrindo espaço entre as pessoas que estavam lá, e pedindo ao barman um shot de tequila.
- Quer saber, faça dois! – Ela gritou para ele por cima do barulho da música e das pessoas. – Dois shots!
- Você vai pagar por isso, Mitchell, porque meu orçamento não pode mais aguentar pagar suas bebedeiras. – apareceu ao lado da garota, avisando.
- Marc! – Gritou para o barman, que a olhou enquanto ia pegar os copinhos de shot. – TRÊS! – Ela levantou três dedos no ar.
Ele riu e trouxe os três copinhos com a tequila e o limão em uma tampa de plástico. Encheu os três, e empurrou um deles para , que a olhou duvidoso.
- Alguém tem que te levar para casa e impedir que você durma em cima do seu próprio vômito...
- Toma. – Ela apontou para ele. Falava sério. Ele riu e deu de ombros, pegando o copinho e virando a dose, balançando a cabeça com uma careta em seguida.
então se virou para suas duas doses. Sem pensar muito, ela pegou o sal de cima da tampa, colocando embaixo da língua, e virou as duas doses de uma vez só. Sua garganta parecia pegar fogo, então ela pegou a fatia de limão a levando à boca e chupando o caldo da fruta, soltando um grito em seguida e pulando algumas vezes.
- Yes!

Duas horas, três doses e duas Duff’s depois.
Girls Just Want To Have Fun tocava na jukebox do pub. estava sentado na ponta de uma mesa de sinuca que ninguém usava, entregando os dardos a , que tentava sem muito sucesso enxergar o centro do alvo na parede há alguns metros deles, onde deveria acertar.
- ... E... E ele simplesmente... Olhou para mim e disse “, você é muito especial, e acho que amo você”. – Ela jogou o dardo que segurava, acertando uns bons noventa centímetros abaixo do alvo, na parede de madeira. Segurou-se na ponta da mesa de sinuca perdendo o equilíbrio, e pegou outro dardo com . – Ele disse “acho que eu nunca vou...”
- Encontrar alguém tão especial como você. – O garoto assentiu, terminando a fala dela, entediado. – Você já deve ter me contado essa história umas cinquenta e seis vezes.
Ela jogou o outro dardo, que bateu na parede e caiu no chão em algum lugar.
- Quer dizer, o que diabos isso significa, ? O que... – Ela virou para ele, apoiando-se novamente na mesa, e ele segurou seu pulso a impedindo de vacilar. Entregou outro dardo a ela. – Você acha que ele está pronto para casar com ela? Ele obviamente não está... não está pronto para casar com o protótipo de Barbie que... – A garota abriu e fechou a boca algumas vezes, pensando naquilo, em como nada fazia sentido, em como ela queria poder voltar alguns anos no tempo e fazer as coisas serem diferentes. Não achou palavras por um momento. – O que há de errado comigo? Por que ele nunca...?
- . – suspirou, segurando o rosto dela com as duas mãos e se aproximando tanto, que ela piscou algumas vezes com a proximidade do seu rosto do dela. – Eu não quero mais te ouvir dizer que você é o problema.
Ele a soltou se afastando, e ela ficou parada por um momento o encarando.
- Damn right, eu não sou o problema! O problema é ele. E ela. – Ela voltou a se virar para a parede onde estava o alvo. – E aquela merda de casa deles. Foda-se aquela casa estúpida!
Ela jogou o dardo que segurava, e ele grudou na parede há centímetros da cabeça de um cara mal encarado que jogava sinuca na mesa da ponta.
- Que diabo?! – Ele berrou, olhando do dardo na parede para o lugar de onde ele veio, e encarando . – Você é louca, mulher?!
- Vai a merda! – Ela berrou para ele, jogando as mãos para cima.
começou a se levantar da mesa, sentindo que aquilo não cheirava bem.
- ...
- Que porra! Controla a sua mulher, seu babaca! Maluca! – Ele devolveu a ela, que deu alguns passos para perto da mesa dos caras, vacilando um pouco nos passos.
- Vê se chupa o meu pau, seu imbecil – respondeu a ele. – Chupa o meu...
- ! – puxou a garota para trás pela cintura, vendo o cara da outra mesa se aproximar.
- Eu vou aí te ensinar uns bons modos, sua vaca! – Ele apontou um dedo para ela.
- Vai pra puta que pariu, filho da puta! berrou para o cara mal encarado, e há essa hora todos no pub já estavam em silêncio encarando , que pulou para frente tentando se desvencilhar das mãos de . Este, por sua vez, precisou comprimir os lábios para não rir. Aquilo com certeza ia sobrar para ele. – Vai tomar no seu...
- Eu vou quebrar a cara do seu namoradinho!
empurrou as mãos de , se livrando delas por um segundo apenas, e partindo para cima do cara que devia ser no mínimo o dobro do tamanho dela. Ela acertou-lhe um soco no queixo, que pelo grito que soltou deve ter doído mais nela do que nele, mas pelo olhar que o cara lançou-lhes aquilo estava prestes a ficar feio.
Em um segundo todo o resto aconteceu. Os amigos do cara mal encarado vieram para perto também, e o cara pegou a garrafa de cerveja que estava na ponta da sua mesa a quebrando contra a ponta da mesa, e o barman saiu de trás do bar gritando para apartar a briga, e todo mundo que estava em volta abriu espaço se afastando de todos eles, e agarrou a cintura de a arrastando dali para a saída.
- Eu vou quebrar a sua cara, seu imbecil, filho de uma...! ainda gritava, arrastando os pés no chão para tentar fazer com que parasse de puxá-la, mas ele conseguiu chegar até a saída, tropeçando no degrau e caindo na calçada da frente do pub com em cima dele.
Por dois segundos eles se encararam, ela em cima dele, ambos ofegantes, e então ela rolou para o lado na calçada começando a rir compulsivamente.
ouviu a gritaria dentro do bar e levantou a cabeça, olhando para dentro dele e notando o grupo de caras correndo para fora também.
- , levanta! – Ele pôs-se de pé em questão de dois segundos e a puxou para ficar de pé também, com certa dificuldade. – Corre, corre! Eles estão vindo, corre!
Aí os dois começaram a correr. A rua estava meio escura, mas bastante movimentada. às vezes tropeçava em alguma coisa, mas a puxava pela mão, continuando a correr, olhando para trás por um segundo e percebendo que aos poucos estavam deixando eles para trás.
Correram por cerca de dois quarteirões até conseguirem chegar à loja de discos novamente, e a puxou para dentro da estreita fenda que havia entre a loja e uma padaria ao lado. Mal cabiam os dois entre aqueles dois prédios, portanto a garota ficou colada à parede e ele colado a ela, ambos com as respirações extremamente ofegantes. A cabeça de girava muito.
cobriu a boca dela quando ouviu passos correndo ali perto e trancou a própria respiração, ouvindo os passos se aproximarem.
- Onde está aquela vadia?! – Um deles gritou, e eles passaram correndo pela fenda entre os prédios, sem perceber os dois ali, se afastando rapidamente.
Um momento depois, tirou a mão da boca dela. Eles continuaram parados, e cinco segundos depois seus olhares assustados um para o outro transformarem-se em gargalhadas.
Os dois riam tanto, que a barriga de chegava a doer e ela mal conseguia respirar. Seu coração ainda estava acelerado, tanto pela adrenalina quanto pela corrida, e podia sentir seus batimentos até dentro dos ouvidos.
Lentamente, eles pararam de rir. Então se encararam no escuro, mal conseguindo enxergar mais do que a silhueta um do outro, e demorou apenas dois segundos para que a boca dos dois se atraíssem como dois imãs, começando um beijo urgente.
Ah, é.
Também havia aquilo; Eles faziam isso às vezes.
No big deal.
puxou a chave do bolso de trás da sua calça no momento em que ele a puxou pela cintura para fora daquela fenda. Ela se afastou só o suficiente para encontrar a chave certa e levou-a à fechadura da porta ao lado da loja, que dava acesso ao seu apartamento lá em cima. Era uma chave dentada de quatro lados, e apesar de ali estar mais claro, ela não conseguia fazer o mundo parar de girar o suficiente para acertar o buraco da fechadura.
- Aqui – murmurou, se aproximando e segurando a sua mão colocando a chave no lugar certo. Ela fez um barulho com a boca, o fazendo rir, e girou a chave, abrindo a porta. Eles entraram, e a luz amarela do estreito corredor acendeu. A porta trancou automaticamente atrás deles e no mesmo segundo já a beijava novamente.
Com um pouco de dificuldade os dois subiram o lance de escadas até a porta do seu apartamento sem parar os beijos. A porta estava sempre destrancada, então ela só precisou abaixar a maçaneta atrás de si e quando ela se abriu, os dois quase caíram para dentro. a segurou com um braço em sua cintura, apoiando a outra mão no batente da porta, e eles riram novamente. Ele empurrou a porta com o pé quando entraram, e foram entre os beijos até a cama de casal logo ali no quarto, que era dividido da sala por um armário. Ambos já sabiam o caminho mesmo no escuro.
caiu na cama, com o garoto em cima de si. Seu corpo forte, seu hálito quente, seus lábios ágeis e suas mãos familiares eram tudo que ela precisava naquela noite, para esquecer completamente do caos que sua vida havia virado. Ela só precisava da familiaridade de ter , de sentir o seu corpo no dela, de se apegar à única coisa que era certa na sua vida, que ela sabia que não precisava temer perder. Porque eles foram assim desde sempre, e aquilo não mudaria. Ela ainda o teria amanhã, e ele ainda teria ela, porque era assim que eles eram.
Eram simplesmente uma dupla maravilhosa juntos. E queria que todo o resto da sua vida pudesse ser tão simples quanto aquela amizade.

II

- You’re miserable today.
olhou para cima ao ouvir a voz conhecida quando saiu do banheiro feminino. estava encostado na parede ao lado da porta com os braços cruzados, e olhava para as unhas de uma das mãos. Lançou a ela um olhar de quem a conhecia muito bem quando ela o encarou por mais de dois segundos, parada no lugar.
- Oh, obrigada por notar. – Agradeceu, cínica, voltando a andar. Passou as mãos por debaixo dos olhos mais uma vez para ter certeza de que havia tirado qualquer traço de rímel borrado.
- O que aconteceu, ?
- Nada. O de sempre. – Respondeu, sem paciência para aquilo. Ela queria, ela precisava falar com alguém. Mas naquele momento só queria sobreviver àquele resto de período escolar e dar o fora dali. Ir para qualquer lugar.
passou na sua frente e virou para ela, segurando seus ombros e a fazendo parar de andar para encará-lo.
- Por favor, fala comigo? Você está me preocupando.
respirou fundo, coçando a sobrancelha e fazendo uma caretinha.
- Foi o de sempre sempre ou... – Olhando em volta para evitar seu olhar, ela acabou encontrando fechando seu armário. Foi impossível não prender os olhos lá. seguiu seu olhar e frouxou o aperto em seus ombros, falando mais desanimado agora. - O de sempre?
- Não... – Balançou a cabeça, voltando até a conversa deles e o olhando. – Não é isso. É... lá em casa.
- Ah. – Ele comprimiu os lábios. Soltou os ombros de, ainda a encarando como se estivesse preocupado. Agora um pouco pesaroso, também. – Você quer... fugir daqui? Podemos ir para o terraço? – Tentou, abrindo um sorrisinho mínimo.
apreciava as tentativas de de animá-la, mas naquele dia ela não precisava daquilo.
- Não, mas obrigada. Preciso ir para a aula, e... – Suspirou. – A gente se fala no final do período, tá?
- Ok. Certo. – Ele assentiu, saindo da sua frente. – Vai lá.
Ela assentiu e partiu para a sala de biologia. A sala já estava um tanto cheia, mas olhou em volta e conseguiu encontrar a pessoa que procurava. Foi até lá e sentou ao seu lado.
- Ei.
- ! – abriu o sorriso mais bonito do mundo para ela assim que percebeu a garota ali, a abraçando e beijando seu rosto. – Eu não te vejo desde ontem. Por que saiu tão cedo da casa da ?
- Minha mãe... ligou. – Sorriu fraco para ele, pegando seu livro de biologia de dentro da mochila.
- Ah. Como eles estão? – Ele sorriu para ela, um sorriso tranquilo e confortável, sem querer dar nenhum resquício de que sabia que aquele assunto era delicado, enquanto anotava algo no canto da folha do caderno.
- Bem. É.
- Ok. Hum... – soltou a caneta, virando o corpo um pouco para ela. – Vou estar de bobeira essa noite, vai jantar na casa de uns tios, e eu planejava estudar um pouco e botar a matéria em dia. Mas podemos fazer alguma coisa, o que você acha? Pedir uma pizza... Talvez assistir alguma coisa? Hum? Como nos velhos tempos? – Olhou-a, meio incerto, mas com um sorriso no canto dos lábios, tentando acertar algo que chamasse sua atenção naquele programa. Mal sabia ele que podiam passar a noite toda falando de cadeias carbônicas, que ela estaria lá. Daria qualquer coisa para escapar de casa, e ele sabia disso melhor que ninguém. – O que me diz?
- Hum... eu acho que é uma boa. – riu, e ele comemorou baixinho com um soquinho no ar. Ela riu mais e revirou os olhos.
- Ok. Então, você tem o livro aí? – Perguntou, e ela assentiu abrindo seu livro de biologia.
- Ah, então vocês dois estão presentes na aula, huh? – A professora comentou, sorrindo ironicamente para os dois, ao passar por aquela mesa, e a garota abriu um sorriso amarelo para ela.
e trocaram um olhar quando ela se afastou e riram baixinho.
O peito dela já se sentia menos apertado.
acabou saindo da escola e indo diretamente para casa, e só lembrou que havia combinado de encontrar quando recebeu sua mensagem, com uma foto dos seus all stars surrados pendurados para o lado de fora do terraço do colégio.
“Onde você está, palhaça? :P”
Xingou-se por esquecer, e em seguida respondeu.
“Sorry, eu tive que vir direto para casa. Até amanhã? :*”
Chegou em seu quarto e atirou-se em sua cama. Ela planejava ler um pouco do livro que estava estudando para a aula de teatro, mas foi olhando para ele na ponta da escrivaninha que pegou no sono.
Acordou com um pulo horas depois quando ouviu algo bater no andar debaixo.
¬- Volte aqui quando eu estiver falando com você, merda!
sentou na cama, passando as mãos nos olhos, acordando enquanto via que a luz do sol já sumia lá fora. Os dias estavam escurecendo cada vez mais rápido.
- Vá para o inferno, sua vadia imunda! – Ouviu os gritos lá embaixo, e em seguida sentiu o tremor da porta da frente sendo batida. Ficou sentada na ponta da cama por um tempo, sentindo seu estômago embrulhar um pouco, e por fim suspirou. Aproximou-se da janela e espiou a casa ao lado. A janela do quarto que era virado para o seu estava com a luz acesa.
Ela sorriu fraco, pegando seu celular e um casaco mais quente antes de sair do quarto.
Desceu as escadas, encontrando sua mãe na cozinha limpando algo.
- Mãe, eu vou... – a voz de quase sumiu quando viu a marca do lado do rosto de sua mão quando ela se virou. Aquela já estava começando a esverdear, e perder a cor roxa. A garota pigarreou. – Vou assistir um filme com .
- Não volte muito tarde.
Assentiu, ainda ficando parada por um tempo no mesmo lugar.
- Quer panquecas? Eu acabei de fazer... Rick estava com vontade, e... – sua mãe abriu um sorriso, e ela fez que não.
- Vamos comer pizza.
- Ok. – Sorriu fraco para a garota, antes de voltar ao que estava fazendo.
Depois de um momento, foi até a porta da frente e saiu, encarando a marca retangular na parede de onde ela era mais clara, onde estava pendurado o retrato de seus pais até alguns meses atrás.
Mas ele tirou.
Fechou a porta atrás de si, vestindo o casaco e fazendo o caminho pelo jardim até a casa ao lado.

- Mas e quanto a você, vai? – perguntou, parando de rir aos poucos e limpando o canto da boca com o dorso da mão, tirando um pouco de molho de tomate dali. Ela mordeu a ponta de sua pizza arqueando as sobrancelhas.
- O que tem eu?
- Nenhum garoto? Nenhum mesmo? , você é linda. Nem o ? – Ele fez uma caretinha, rindo quando ela revirou os olhos. – Qual é!!!
- Chega de ! Somos amigos, assim como vocês são amigos!
- Só que vocês estão sempre juntos, e ele com certeza gosta de você.
- Por favor, . – A garota respirou fundo, mordendo mais um pedaço da pizza. Jogou a borda da fatia na caixa ao mesmo tempo em que ele fez o mesmo. – Eu não quero mais ouvir essa história de e eu.
- Tão na defensiva, eu me pergunto porquê, hum... – Ele fingiu pensar, e ela puxou um dos seus travesseiros batendo no rosto dele. só fez gargalhar.
- Para!
- e , sitting on a tree...
- ! – Reclamou a garota, choramingando. Aquilo não era apenas chato, era profundamente embaraçoso para ela. Quer dizer, só ele não percebia o quanto ela gostava dele.
Bateu nele de novo com o travesseiro, mas ele o segurou no ar e o puxou, puxando ela junto, e a fazendo soltar um grito quando ele começou a cutucar suas costelas e sua barriga.
- Não! Não! – Gritou ela, enquanto gargalhava, de todas as maneiras tentando afastar as mãos dele do corpo dela, em uma mistura de desespero e animação. a empurrou para o lado os virando e vindo para cima dela. tinha certeza que se alguém estivesse vendo aquela cena ela estaria praticamente brilhando de felicidade. – Para! Por favor, eu me rendo...
Ela já não tinha mais fôlego de tanto rir, e nem percebeu que ele havia parado de fazer cócegas e agora só ria, seu corpo em cima do dela e seus cabelos bagunçados caindo em frente ao seu rosto.
O corpo de tremia sobre o seu com sua risada, e o som dela ressoava dentro de . Seu coração podia explodir em seu peito, e naquele momento ela nem se importaria. Não se importava nem por saber que para ele os dois ainda eram só as crianças de três anos atrás que faziam isso às vezes, e brincavam até rolar no chão um por cima do outro. Porque para ela aquilo ali era único. Era perfeito. E ela não se importava em ser uma garotinha boba perto dele.
Eventualmente ele parou de rir, a encarando com seus olhos verdes tão próximos aos de , e ela não sabia o que poderia acontecer ali, mas tudo que queria era que o tempo parasse.
Então a porta do seu quarto foi aberta, e com o susto rolou de cima de , caindo direto no chão.
- Amor, surpresa! – Ela ouviu a voz de , e olhou assustada para sua figura parada na porta. Depois espiou para o chão, se segurando na borda da cama. sentou no chão e ela levantou, em um pulo.
- O-oi! – Ele disse, levantando em um pulo também, e rindo. – Nós estávamos brincando, e eu caí!
- Ele... – fez um gesto com a mão, sem saber exatamente o que dizer a ela.
- Ah. – Foi tudo que ela disse.
Os três ficaram em silêncio por um momento embaraçoso.
- O que você...? O que está fazendo aqui? – Ele disse, indo até ela e a dando um beijo. engoliu em seco, sentindo que a pizza podia voltar a subir, e começou a procurar seus tênis.
- O jantar foi cancelado, e resolvi ver se a gente podia fazer alguma coisa juntos...
Calçou um tênis e pegou o outro, o colocando ainda de pé enquanto pulava em um pé só.
- Eu e estávamos assistindo um filme, e...
- Não, não, eu já vou. Eu tenho que ir, eu... – Ela apontou para fora. – Minha mãe. Precisa de ajuda. Panquecas. – Explicou, mas sem explicar. Deus, como ela era uma idiota.
- Hum... – pareceu confuso.
- Eu vou... obrigada pela pizza. – A garota agradeceu, sorrindo para ele e respirando fundo, juntando as mãos em frente ao corpo antes de decidir que devia procurar seu casaco.
O pegou de cima da cama e passou por eles, indo para a porta.
- Tchau . Tchau, !
Ela ouviu os dois gritando tchau quando já estava no corredor, e saiu da casa de em um piscar de olhos, sem nem dar tempo de sua família a ver.
Continuou caminhando para longe dali sem parar por um segundo até estar longe o suficiente. Para quê? Para fazer o que fez em seguida.
Parou no meio da rua deserta e levou o casaco que els segurava até o rosto, o apertando contra seus olhos, e grunhiu alto liberando sua frustração.
Merda! Porcaria! Filha da puta! Vá para o último nível do fundo do poço do inferno, , você e sua merda de vida perfeita da porra!
Era demais. Simplesmente demais. Ela geralmente conseguia levar tudo numa boa, mas aquele era um daqueles dias em que o peso do mundo todo estava sobre os seus ombros, a achatando cada vez mais contra o chão, e ela sentia que se desabasse, cairia e não levantaria mais. A garota nunca se sentiu tão sufocada.
Havia um nó em sua garganta tão apertado que ela não conseguia respirar. Seu peito batia tão forte que ela parecia ter corrido uma maratona. Então involuntariamente começou a fazer o caminho que fazia todos os dias até o colégio, e pegou o celular no bolso, ligando para o número das chamadas rápidas.
- Ei. – Ele atendeu no segundo toque.
- Você está ocupado?
- Bem, eu... Mais ou menos. – respondeu, e ela sentiu sua garganta apertar mais. Precisava dele. Precisava agora. – Você está bem?
- Eu estou... eu vou... – tentou falar, mas sua voz mal saía. Parou de andar ao encarar a escola em sua frente, a respiração ofegante. – Eu preciso... Preciso...
- Onde você tá?
- Na escola – respondeu, em um sussurro, a voz quase sumindo.
- Estarei aí em cinco minutos.

Um celular estava tocando em algum lugar da cama. apenas gemeu quando sentiu ele vibrar e puxou um pedaço do edredom por cima da cabeça, sentindo seu cérebro pulsar mesmo que ela ainda estivesse meio dormindo. Mas o aparelho continuou tocando, e apesar de decidir ignorar, ela logo sentiu começar a tatear pelo colchão e mexer a cama toda, enquanto resmungava.
- ... – A voz rouca do garoto chamou, mas ela apenas respondeu com outro gemido. – ... é o seu.
- Vai pro inferno – resmungou ela.
- Huh... – O garoto continuou procurando pelo colchão, fazendo a cama balançar e a garota perder a paciência que tinha aos poucos. - Alô? Ah, oi, .
.
Os olhos da garota se abriram automaticamente e ela pulou sentada na cama, sentindo seus cabelos na frente do seu rosto como um ninho de passarinho. Passou as mãos no rosto afastando os cabelos dali e olhou para ele, que estava deitado com uma mão no rosto cobrindo os olhos da luz do sol que entrava pela janela. Seus cabelos estavam bagunçados e espetados para todos os lados, e ele estava sem roupa, coberto pelo edredom da cintura para baixo, com uma perna descoberta.
- O quê? – Ele franziu o cenho ao ouvir alguma coisa do outro lado da linha e afastou o celular do rosto, olhando para a tela com um pouco de dificuldade por causa da claridade. – Caralho! Ok. Ok. Estamos indo, só... é. Vinte minutos. Até mais.
Ele a olhou quando soltou o celular de novo na cama.
- É quase meio dia. Já tá todo mundo lá.
- Merda – a garota murmurou, empurrando as cobertas para o lado e levantando para ir para o banheiro. Puxou uma camisa de cima da cama enquanto ia até lá e a vestiu, percebendo depois que era a de , as duas eram pretas e parecidas.
A garota lavou o rosto, tentando espantar aquela dor absurda na cabeça. Depois escovou os dentes com um pouco de pressa, e prendeu os cabelos em um rabo de cavalo alto. Quando saiu do banheiro novamente já calçava os tênis sentado na ponta da cama, havia vestido a calça, mas sem a camisa.
Não era anormal ele passar a noite ali. Na verdade era bem comum que os dois enchessem a cara – ou naquela situação apenas ela – e acabassem a noite com sexo. Isso acontecia há anos entre os dois, e nunca fora um problema para nenhum deles.

- Vinho! – Foi quem atendeu a porta da casa de e gritou, tirando a garrafa das mãos de . – Foi disso que vocês dois encheram a cara ontem?
- Sai, que isso não é pra ti. – Ele respondeu, tomando a garrafa enrolada em um top da mão dela. – Ao não ser que vocês dois também estejam se casando e eu não saiba?
Ele e entraram na casa e fechou a porta.
- Shhh! – O garoto recebeu um tapa na nuca de , que também estava na sala. – Fiquem quietos, vocês dois! É pra ser uma surpresa!
- Então ajam surpresos! – apontou para ele e explicando, e encarou a garota. – E empolgados. Principalmente você.
revirou os olhos e se segurou para não bufar. Além de tudo, isso.
- Eu devia é chegar já dando os parabéns para dedurar os dois fofoqueiros que vocês são. – Ela grunhiu para a amiga, afastando a mão dela quando tentou arrumar o cabelo de , que estava uma bagunça. Olhou em volta, para a antessala enorme do casal perfeito. – Onde estão os dois pombinhos, afinal?
- Lá atrás, na churrasqueira – disse, já fazendo o caminho pela sala até a cozinha e depois saindo pela porta de vidro que dava para a área da piscina.
- Ei, vocês dois! – soltou a espátula com a qual virava os hambúrgueres na chapa perto da piscina e veio até eles, de braços abertos. Enquanto isso, abraçava brevemente e aceitava a garrafa de vinho.
Ah, que ótimo. Eu tenho que dar parabéns a ele por estar se casando com enquanto tento não babar no seu corpo perfeito e naquela bermuda solta. abriu um sorriso para ele, mas aquilo devia parecer mais com uma careta. Os braços grandes e fortes de a engoliram inteira, e no mesmo segundo em que sentiu o cheiro do pescoço dele ela quis morrer. Aquilo não podia estar acontecendo.
tocou a ponta dos dedos nas costas quentes de , lembrando-se como um soco no estômago como era a sensação de desejar ele mais do que tudo. Já devia estar acostumada a sentir aquilo, afinal sentia há muitos anos, mas toda vez parecia uma cruel surpresa.
- Espera. Vinho? – chamou a atenção deles, que olharam todos para ela. – Vinho enrolado em um top? – A garota arqueou as sobrancelhas e olhou de e para e . – Vocês contaram.
- Ah, merda. – jogou os braços para cima, suspirando.
- Até que durou – disse, rindo fraco.
- Desculpa! Ele me forçou! – apontou para , que simplesmente gargalhou e tocou a barriga, se curvando um pouco. Com isso, todos caíram na risada.
olhou de canto para e sorriu fraco.
- Não devia nem ser uma surpresa, para uma pessoa que te conhece há tanto tempo – ela disse a ele, tentando com tudo que podia esconder sua mágoa.
- Ah, eu sei – suspirou, estalando a língua e sorrindo para ela. – Foi ideia de fazer a surpresa, mas há essa altura eu já havia contado ao , e... Só sobraram vocês dois. – Riu.
Ela assentiu, abraçando-o mais uma vez.
- Parabéns, . – Murmurou para ele, que a abraçou apertado pela cintura e riu no seu ouvido.
- Obrigado.
Ela queria dizer mais, mas não conseguiu obrigar palavra nenhuma a sair. Depois de se desvencilharem, foi até e a parabenizou também. Em sua cabeça, estava parabenizando-a por conseguir definitivamente o cara que ela sempre quis.
- Não sei quem disse a você que isso aqui é um churrasco, pal, mas isso se chama hambúrguer. – comentou, apontando para os pedaços de carne redondos em cima da chapa, abrindo um sorriso de canto para , quando decidiu ajuda-lo com a comida.
- Vou abrir esse vinho! – sorriu, entrando empolgada na cozinha. – , você me ajuda com os hambúrgueres?
Os garotos logo se amontoaram em volta da pequena chapa, conversando sobre alguma coisa, e seguiu as garotas até a cozinha. e conversavam empolgadas sobre tudo que já estava planejado para o casamento, que seria dali há sete semanas, e depois de decidir que não queria fazer parte de nenhuma daquelas conversas, pegou uma garrafa de cerveja e foi sentar na beira da piscina, próxima ao Golden Retriever do casal. Até o cachorro deles era perfeito.
- Também achei que nós seríamos os primeiros, mas pelo menos posso ficar tranquilo ao saber que não vou ser o último, não é ? – riu, olhando para o amigo, que desgrudou os olhos da garota na borda da piscina voltando a atenção à conversa naquela hora.
- Hum? – Ele perguntou, sorrindo fraco.
- Definitivamente não – também falou, e ele e riram do garoto, que ficou sem entender a piada.

No final da tarde já escurecia e todos já estavam na piscina há pelo menos duas horas, e se ofereceu para ir fazer mais margaritas, porque a primeira jarra já havia acabado – talvez porque ela tivesse tomado a metade sozinha. Entrou na cozinha sem dar a mínima para molhar o chão de porcelanato líquido da maldita casa, e foi até a geladeira tirando de lá uns limões, o licor de laranja e, de quebra, um pote de Nutella e uma bandeja de morango, porque ver aquilo a deu fome.
Abriu o pote de Nutella e pegou um morango grande da bandeja, o passando no chocolate e levando à boca, suspirando e se deliciando com aquele sabor.
- Não acha que devia pegar leve nas margaritas? – Ouviu a voz de falar atrás de si, mas resolveu ignorar e pegou outro morango.
- Isso aqui tá muito gostoso – ela comentou, passando o morango na Nutella e comendo-o também. Ele parou ao seu lado encostado no balcão e a olhou, arqueando uma sobrancelha. – Quer? – Ofereceu um a ele, que fez que não. – Azar o seu.
abriu o licor, enchendo a jarra das margaritas até mais ou menos a metade, e depois pegou uma faca do faqueiro ali ao lado para cortar os limões.
- Como está sendo para você o dia de hoje?
- Uma maravilha. Essa margarita. – Ela levou uma mão aos lábios, beijando a ponta dos dedos. – magnifique.
- Ugh – o garoto grunhiu, batendo a palma da mão na própria testa. – Eu não aguento você bêbada por dois dias seguidos.
- Então sai daqui – ela foi rápida em responder, rindo de si mesma em seguida. Ela nem estava bêbada ainda. Ainda.
Voltou a atenção à Nutella de novo e enfiou o polegar no pote, pegando um pouco do chocolate da borda do pote. Levou o dedo à boca, comendo o chocolate de lá enquanto o encarava, e depois abriu um sorriso um tanto quanto malicioso.
- O que você tá tentando fazer? – estreitou os olhos, cruzando os braços e a encarando. Depois de um segundo sustentando seu olhar, ele precisou rir. Viu a garota continuar a se deliciar com a Nutella e suspirou. – , quem sabe a gente deveria ir embora e só... você sabe, fazer alguma coisa, assistir a um filme, sair de toda essa atmosfera... – ele fez uma careta, olhando em volta. Não gostava de estar ali, naquela vida que eles não tinham, tanto quanto ela. preferia, e sempre preferiria, a vida que os dois levavam longe dali.
novamente o ignorou. Pegou mais Nutella com o dedo e se aproximou dele, passando o dedo na frente do rosto dele, o provocando. riu fraco e depois de um momento a observando segurou seu pulso e levou o dedo dela à boca, tirando toda a Nutella dali com a língua. Ao sentir a boca quente dele em volta de seu dedo ela mordeu o lábio e riu, o vendo tirar o dedo dela da boca, e ele a acompanhou. Puxou-a para ainda mais perto dele e roçou sua boca no nariz dela, subindo para a sua testa e deixando um beijo ali em seguida.
– Vamos lá, , você já está quase me fazendo passar vergonha e ainda são só seis horas. – Pediu mais baixo.
se ateve a levantar o dedo do meio para ele, o encarando, mas logo se perdeu ao perceber que havia Nutella no seu dedo, e o lambeu também. gargalhou.
- Margarita. – Ela voltou a lembrar, e pegou as metades dos três limões, os espremendo dentro da jarra. Quando espremeu o último uma gotícula do limão voou em seu olho e ela gritou, dando um passo para trás e escorregando, por estar com o pé molhado, e acabou por cair de bunda no chão.
No mesmo segundo começou a rir. Não só rir, mas gargalhar. Ele mal podia se conter, sua barriga já estava tendo cãibras de tanto que ria, e enquanto isso ela apenas o encarava irritada, com um olho meio fechado e muito irritado, por culpa do limão.
- Não vai me ajudar, palhaço?! – Ela perguntou, irritada, um tempo depois, levantando a mão para ele. a ajudou a levantar a puxando para cima ainda rindo muito, e precisou se escorar no balcão de tanto que ria, tentando parar para respirar sem muito sucesso. Seu rosto já estava vermelho feito um tomate.
- Argh, você é um babaca. – Ela reclamou, voltando a terminar logo aquelas margaritas.
Depois de espremer todos os limões botou um pouco de sal, e então provou e lembrou que havia esquecido do principal: a tequila. Procurou pela cozinha e na geladeira, mas não achou nada. Então foi até a porta de trás, chamando a atenção dos que estavam na piscina para perguntar onde estava, mas só quem olhou foram e , porque o outro casal estava no maior amasso do outro lado da piscina.
- E-eu... – ela balançou a cabeça, não conseguindo raciocinar para lembrar do que ia dizer, sem conseguir desgrudar os olhos de e . – Eu... – Apontou para trás com o polegar. A tequila acabou, vou comprar mais.
E dizendo apenas isso, ela virou as costas. Colocou o chinelo de e vestiu sua blusa às pressas, voltando para a cozinha e passando direto por , que agora comia Nutella com uma colher, e ficou no mínimo confuso quando a viu praticamente correr para a porta da frente da casa.

saiu da casa pensando em apenas uma coisa, e uma coisa apenas: tequila. O tanto que bebeu na noite passada estava longe de ser o suficiente. No momento em que ela bebesse o suficiente para que e deixassem de existir então ela teria bebido o suficiente.
- Ei, ei, ei! – Ouviu os passos rápidos de atrás de si.
- Mas que porra, , será que eu posso só fazer merda sozinha sem você estar comigo, assim, só pra variar?
- De jeito nenhum, você acha que eu vou perder você fazendo merda? – Ele respondeu, correndo um pouco para alcança-la. Quando alcançou, começou a caminhar rápido ao seu lado.
- Você não tem uma vida ou quem sabe alguma coisa mais interessante pra fazer?! – Ela esbravejou, jogando as mãos para cima olhando para ele. – eu não posso mais nem ser miserável sem você por perto?!
- Nope. – Ele negou, categórico.
A verdade era que sabia que podia se virar sozinha. E por pior que fosse estar passando pelo que ela estava, ela estava costumada àquilo. A sofrer por . Mas logo que ouviu sobre o casamento, ele sabia que as coisas estavam prestes a ficar feias. Porque, seja lá por qual motivo, era extremamente importante para a garota, e aquele momento seria crucial para ela, seja porque ela finalmente cairia na real ou porque não conseguiria superar de jeito nenhum. E fosse como fosse, ele queria estar do lado dela. Porque dentre todas as pessoas, era a mais importante para ele há muito tempo, e ele estava ansioso há muito tempo para ver ela finalmente dar um ponto final naquela parte da sua vida.
Ele a acompanhou até a loja de conveniência do posto de combustível que havia perto da casa de e . Seguiu-a de perto enquanto ela andava decidida por entre as prateleiras de bebidas procurando por algo, e então parou em frente às garrafas de tequila. Mas depois de ver o preço ela levou as mãos à cintura e olhou para ele, franzindo o cenho.
- Quanto de dinheiro você tem aí?
Ele suspirou, puxando a carteira do bolso da bermuda e olhou dentro dela.
- Dez dólares.
A garota procurou nos bolsos da calça também e encontrou mais cinco amassados no fundo do bolso de trás.
- Hm... – olhou para as tequilas, mas eram todas muito mais caras que aquilo. Então foi para o lado até chegar de fato ao local onde estavam as bebidas que ela podia pagar. Pegou uma garrafa plástica de aguardente de 5 dólares e abriu um sorriso satisfeito para , que só conseguiu fazer uma careta apenas por imaginar o gosto daquilo. Devia ter gosto de morte, uma morte bem lenta e dolorosa, misturada com sofrimento e agonia.
- , você não é um pirata, e se beber isso vai direto para o hospital com uma úlcera do tamanho do seu pé no fígado.
- Ótimo! – Respondeu para ele, com empolgação. – Ok, ainda nos sobra dez dólares. Hm. Você disse que queria assistir um filme?
Ela seguiu para a seção dos DVDs. Procurou na prateleira que tinha a plaquinha de comédia romântica até encontrar o que procurava, e levantou para ele o DVD do filme “Ele Não Está Tão Afim de Você” com um sorrisão de ironia que beirava o desespero.
simplesmente passou a mão no rosto, imaginando a merda que aquilo daria, enquanto a seguida resmungando até o caixa.

Depois disso ele conseguiu fazer com que voltassem até a frente da casa de e ela subisse na garupa da sua moto para irem para a sua casa. Chegaram lá em poucos minutos e ela desceu na frente da loja de discos, tirando o capacete e entregando a ele. Ficou de pé na frente do garoto, em cima da calçada, o que a deixava do mesmo tamanho que ele.
- Você vai subir, não vai?
- Pensei que quisesse ser miserável em paz, . – Ele deu de ombros, a olhando.
resmungou baixinho e tocou os ombros dele com as mãos, o abraçando em seguida e encostando a testa na sua. sabia que ela normalmente não era daquele jeito, mas com um pouco de álcool no sangue e muita disposição para fazer coisa errada, aquele comportamento era justificável.
- , eu comprei bebida de cinco dólares. Se isso não for o maior dos sinais de que quero transar com você essa noite, eu não sei o que é.
Por algum motivo, o garoto sentiu arrepios na boca do estômago.
- Quer dizer que eu sou só o seu estepe pra quando você fica miserável pelo e não tem mais ninguém pra quebrar esse galho? – Ele a encarou e murmurou, o rosto dela praticamente encostando no dele.
- Uhum. É basicamente isso. – Ela assentiu e esperou por um segundo.
- Sounds good for me. – Ele deu de ombros, a afastando e descendo da moto em seguida.
riu e foi em direção à porta, pegando sua chave do bolso de trás da calça.
Os dois seguiram para o flat da garota e ela fechou a porta depois de deixa-lo entrar. A casa ainda estava do mesmo jeito da noite anterior, e ela só teve que ligar a luz e tirar umas xícaras de cima da mesinha da sala levando tudo para a cozinha. Procurou dentro da sacola de papel da loja de conveniências o filme que havia pegado e seguiu para o quarto onde já estava atirado na cama, colocando o filme dentro do DVD.
Ela pegou o controle se atirou na cama ao lado dele. Deu play no filme e então abriu a garrafa de aguardente, a segurando dentro da sacola de papel e fazendo uma careta com o cheiro. Tomou coragem e, depois de trancar o nariz, ela deu um gole na bebida, quase cuspindo tudo fora na mesma hora, mas engoliu.
Aquele pequeno gole desceu queimando feito uma bola de fogo.
- Meu deus do céu, isso aqui só pode ser o mijo do diabo! – Falou, sem conseguir desfazer a careta que tinha no rosto. Ouviu gargalhar e entregou a ele. – Toma.
- Há! Nem por um milhão de dólares, não, obrigado. – Negou com a cabeça.
Ela o olhou incrédula.
- Ah, qual é! Partners in crime, !
- Não, , sem chance. Sem chance nenhuma! Zero! – Ele negou. – Não quero morrer de cirrose essa noite.
- Ah, meu deus, . Qual é. Men up! – Ela reclamou e sentou, o olhando. – Que tal assim, pra cada gole seu eu tiro uma peça de roupa?
- – ele suspirou, tocando na perna dela. – Tem coisas que nem os seus belos peitinhos compram. – Abriu um sorriso tranquilo para ela, e ela grunhiu batendo em seu peito.
Ele riu e ela fechou a garrafa, a colocando em cima da cômoda. Então deitou, se aconchegando ao corpo dele meio que inconscientemente, para prestarem atenção ao filme que parecia ser um belo trash americano de dia dos namorados.
Aquilo ali é que era incomum. Os dois juntos, deitados, relativamente sóbrios e vestidos. Mas quem liga? Era bom.

III

Quando acordou na manhã seguinte à daquele dia, estava sozinha em casa. Achou estranho, especialmente porque era cedo, e não costumava sair sem deixar rastros. Mas não se importou muito, e voltou a dormir um tempo depois.
Porém as coisas ficaram mais estranhas nos dias que se seguiram. Quando a segunda-feira chegou, ela não o viu o dia inteiro, por mais que espiasse para a lanchonete do outro lado da rua nos momentos que tinha de ócio na loja de discos. Durante todo aquele dia e o próximo ela ficou com seu chefe, o dono da loja, revendo todos os discos, camisetas e artefatos da loja e etiquetando tudo, então não teve tempo para realmente fazer alguma coisa. Mas quando saiu da loja, nos dois dias, ela não encontrou , pois ele já havia ido embora.
Na quarta-feira, criou um grupo de mensagens e adicionou ela, , e mais umas amigas para falar sobre os preparativos para o casamento. Ela já estava enlouquecendo com aquilo, e não ter ninguém para conversar só piorava a situação.
quinta-feira passou. Sexta-feira também. O final de semana fora o mais calmo que ela já teve em séculos, só saiu de dentro de casa para buscar a pizza no andar de baixo, e passou o resto do tempo assistindo TV ou dormindo.
Enquanto estava assistindo a um episódio de uma das suas séries preferidas, pegou o celular talvez pela milésima vez para encarar a mensagem que enviara a ainda na quinta perguntando se ele estava vivo, mas sem resposta. Então, quando fez isso, se obrigou a ler todas as vinte e tantas mensagens novas de no grupo, cada uma delas a fazendo querer morrer um pouquinho mais.
Na segunda-feira já fazia uma semana que ela não via . Começou a se perguntar se fizera alguma coisa de errado da última vez que estiveram juntos, mas aquilo era difícil, inclusive porque nem sexo fizeram. Mas naquele dia ela teve certeza que ele estava a ignorando, porque viu sua moto estacionada lá na frente e ele não havia aparecido para contar o que aconteceu. Então resolveu que sairia uns minutos antes e iria até lá o enfrentar e perguntar o que havia de errado com ele.
Mas antes que ela pudesse fazer isso, uns quinze minutos antes de sair da loja, viu um carro conhecido estacionar em frente ao estabelecimento. Sentiu seu coração palpitar e entregou a sacola com o disco e o recibo da compra à garota que estava em sua frente no balcão, antes de vê-la virar as costas e soltar o cabelo do rabo de cavalo, mexendo um pouco nele e o bagunçando, para tentar parecer menos terrível.
O que estava fazendo ali?
O garoto – porque era isso que ele ainda era para ela – alto e bonito entrou na loja e segurou a porta para a cliente sair. Depois a soltou e sorriu para atrás do balcão ao virar-se para ela, que sorriu de volta e acenou.
- Ei, você por aqui? O que te trás ao subúrbio? – Brincou ela, olhando para baixo do balcão e mexendo em algumas borrachinhas de dinheiro para fingir que estava ocupada com alguma coisa ali.
soltou um riso fraco e se escorou no balcão.
- Eu estava passando aqui perto, e resolvi vir dar um oi. – Ele explicou, dando de ombros. – Como você está? Saiu sem se despedir lá de casa aquele dia, você e o .
- Ah... é. – Ela balançou a cabeça, lembrando que aquele infortuno momento ocorreu. - Nós... aconteceu um imprevisto, eu precisei vir para casa e ele me trouxe. – Ela inventou, e viu uma espécie de sorriso um tanto debochado e um tanto malicioso aparecer no rosto de . – O quê?
- Você e ...
- Ah, , por favor. Você ainda não parou com isso? – Balançou a cabeça, trancando o caixa com uma chave antes de guarda-la para sair dali.
- , da última vez que liguei para o seu celular ele atendeu. E vocês estavam dormindo.
- dormindo! – Ela corrigiu, o olhando.
- Por que você mente para mim sobre isso? Olha, não precisa esconder, ter vergonha, sei lá...- Disse e riu quando ela o jogou uma borrachinha de dinheiro. – Somos amigos, . Você pode me contar.
Vá a merda com essa porcaria de amigos, ela pensou.
- E o que você realmente está fazendo aqui, então? – Ela inqueriu. – Não me diga que só estava passando aqui por perto casualmente com o seu Audi A3, sem nada melhor para fazer.
soltou um riso fraco, e olhou do balcão para ela.
- Você quer beber alguma coisa? - Lançou o convite, a olhando. – Podemos só... conversar como nos velhos tempos.
hesitou um pouco para concordar com a cabeça. Ela estava sentindo que havia alguma coisa errada com ele, e não pode conter a curiosidade. Olhou a hora no celular e o colocou no bolso da calça.
- Claro. Conheço um lugar logo aqui do lado. – Disse, saindo de trás do balcão e indo até ele, passando a mão por seu braço e segurando seu cotovelo, indo com ele até a porta. – Mas não se assuste, não é o tipo de lugar que o seu porte de pessoa costuma frequentar. – Brincou.
- Não seja idiota – ele riu.

Eles foram até o pub a pé mesmo, era perto. Conversaram enquanto caminhavam até lá, parecia mesmo não estar preocupado com tempo ou nenhuma outra coisa, o que entregava que algo não estava certo. Ele e sempre tinham os horários regrados, mil e um compromissos e a agenda cheia. Ela duvidava que ele simplesmente estivesse livre assim numa segunda-feira de noite.
Sentaram em uma mesa do pub e pediu uma jarra de chopp ao barman, levando juntamente com os dois copos para a mesa depois de um momento. Ela abriu um sorriso mordendo o lábio para ele, empolgada com a bebida, e ele riu. Sentou em sua frente e encheu os dois copos até a borda.
- Eu...
- Primeiro, tome. – Ela apontou para o copo. – É a regra. Depois podemos começar a falar dos problemas.
Ele olhou para o copo e levantou as duas mãos, antes de pegar seu copo pela alça, e ela fez o mesmo. Os dois se olharam e viraram o copo, e tomou todo o líquido de dentro dele em goles grandes, sem pensar muito. Ela tomou até a metade e soltou de volta, rindo dele.
- Uau! Você definitivamente não está bem!
Ele estalou a língua e ela riu, se curvando para frente e passando o polegar por cima da boca dele, tirando o excesso de chopp dali. Um arrepio passou por todo seu corpo quando ele sorriu envergonhado e limpou a boca com o dorso da mão. Ela voltou ao lugar, ainda fitando-o.
- Então, .
- Então, .
- Como... hum, vão os preparativos para o grande dia?
Ele encarou o copo que segurava nas mãos, ainda com um sorrisinho que agora parecia um pouco afetado. Demorou um momento um pouco grande demais para responder.
- É só do que as pessoas falam. – Ele disse em seguida, um pouco baixo.
- Como? – Ela perguntou, mas havia ouvido bem. Ele levantou os olhos para ela, que reconheceu um certo tipo de... pesar ou desespero naquele olhar.
- É só disso que as pessoas falam. É só isso que me perguntam. Eu não... quer dizer... – Ele balançou a cabeça, olhando para longe por um momento. – só sabe falar nisso. Você sabia que existe mais ou menos um milhão de tipos diferentes de arranjos de flores para casamento? Eu nem... – Ele respirou fundo, olhando para cima enquanto isso, parecendo se recompor, e se mexeu em sua cadeira um pouco desconfortável com o desconforto dele. voltou a olhar para a mesa e pegou a jarra, enchendo seu copo de novo e tomando mais uns goles. – Desculpe.
- Você não tem que se desculpar por isso – ela riu fraco. Depois de um minuto de silêncio o chamou, fazendo-o encara-la. – .
- Posso te fazer uma pergunta? – Ele perguntou-a, a olhando, e ela assentiu. – Seja honesta. Quer dizer, de todas as pessoas, você é uma das poucas que sei que vai ser honesta, me dizer a verdade, porque sempre disse. E é a única para quem posso perguntar isso sem criar um grande alvoroço agora, porque, bem, só faltam dois meses, e... – Ele a olhou. – Você acha que eu deveria? Me casar com ela?
abriu a boca por um momento, sem saber o que falar. Mil coisas passaram por sua cabeça, mas só o que ela conseguiu processar enquanto o encarava foi: caramba. Ela não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Finalmente.
- Eu... – olhou para suas mãos na mesa. – ... eu acho que não deve fazer nada de que não tenha certeza. É um grande passo... – ela disse mais baixo, soltando um riso fraco, mas não exatamente com humor.
Por um segundo apenas, ela se deu conta de que apesar de parte do seu ser odiar , a garota nunca havia feito nada de ruim para ela. E flashes da empolgação de com aquele casamento passaram por sua mente, mas ela ignorou. Ignorou, porque esperara por muito tempo para aquele momento, ali. Para finalmente encontrar um pequeno indício de que aquilo não era o que queria, e de que talvez ele quisesse outra vida.
- Por que está me perguntando isso agora? – Ela olhou-o, depois. – E por que para mim?
- Estava lembrando dia desses, do colégio. De nós dois estudando ou comendo pizza enquanto assistíamos a alguma coisa. Você se lembra? – Ele riu, a olhando, e ela assentiu. Ele não fazia a menor ideia de como ela lembrava. – Eu estava lembrando, e me dei conta de que você sempre foi a pessoa com quem me senti mais a vontade, desde que cheguei aqui. Você me aceitou e me acolheu, foi instantâneo, e você... Você é especial, . – Ele deu de ombros. – E eu percebi que nos afastamos nos últimos anos, mas sinto muito por isso. Não quero perder alguém como você, porque você não é o tipo de pessoa que encontramos em qualquer lugar. Você é especial. – Ele disse de novo, assentindo. Se curvou um pouco para frente e tocou a mão da garota. – Sinto falta das nossas conversas e da nossa amizade, e... eu honestamente estava... – Ele respirou fundo. – Sufocando com tudo isso... – Riu fraco. – E eu sabia que você era a única pessoa com quem eu podia contar.
O coração de definitivamente havia dobrado de tamanho ao ouvir cada palavra daquelas. Ela quis poder fazer com aquele momento o que fazia com seus filmes preferidos, voltar de novo e de novo e de novo em sua cena preferida para ouvir mais uma vez, até decorar cada palavra. Ela nem podia acreditar que ele sentia falta de todas as coisas que ela sentia também, todos os dias.
- Eu deixei o clima pesado – ele declarou, se afastando depois de um momento em que ela não conseguiu encontrar nada para dizer, e riu se afastando. – Vamos beber isso aqui.
- Beber. – Ela levantou um dedo. – Boa ideia. – Assentiu, e os dois tomaram o resto de seus copos juntos.

Meia hora passou, e agora eles estavam na metade de um jogo de sinuca. O pub estava levemente cheio, uma música legal tocava no ambiente, e estava com o nível de álcool no sangue um pouco mais alto do que ele era acostumado. Não havia bebido muito, mas o garoto era fraco para bebida. Ela também havia bebido um pouco mais do que devia, mas ainda tinha plena consciência de tudo, e a única palavra que a resumia no momento era radiante.
- Por que você e não namoram? – Ele perguntou, enquanto preparava o taco em cima da mesa para acertar a bola branca na vermelha, fechando um dos olhos para mirar.
revirou os olhos.
- Nós somos amigos, !
- Eu e você também somos amigos, e não fazemos sexo desde o colegial! – Ele exclamou, a olhando depois de empurrar a bola e a encaçapar.
A culpa disso não é minha, ela pensou. Suspirou, pegando seu taco e dando a volta na mesa para ver onde tentaria agora.
- Nós dois somos... diferentes do resto de vocês. Nós temos vidas diferentes, estamos afastados, mal ou bem. Nós dois somos o que restamos um para o outro. A gente tem gostos semelhantes, estamos sempre juntos, entendemos como é não ter dinheiro para passar as férias na Califórnia... – Ela o olhou acusativa. – E, bem... Nós temos necessidades. – A garota parou ao lado de e se curvou sobre a mesa, para tentar encaçapar a preta.
se afastou um passo ao sentir o perfume dela e pegou seu copo na ponta da mesa, tomando o resto do chopp que havia ali. Ele viu a barra da camiseta curta do Metallica dela subir um pouco, mostrando sua cintura delineada, e desviou os olhos. Aquela era , pelo amor de Deus. Ele não podia.
se concentrou e, depois de um momento mirando, ela empurrou a bola branca com força suficiente para que ela se chocasse contra a verde e voltasse para a preta, a empurrando até rolar para dentro do buraco. Ela comemorou, soltando o taco e dando um soquinho no ar, e sorriu virando para , aproximando-se dele.
- Sinto muito, babyboy, eu sou boa em tudo que você possa imaginar. – Piscou para ele abrindo um sorriso, e a encarou por um momento.
sempre fora linda daquele jeito, ou era efeito do álcool? Ela era... Natural, engraçada, inteligente e espontânea, sexy e provocante sem nem tentar. E ele não reconheceu aquele lado dela até aquele momento, ali naquele pub, quando teve certeza que o álcool não o estava fazendo ver coisas que não existiam, mas sim abrindo seus olhos para detalhes que sempre estiveram lá. E ao ouvir aquelas palavras dela, tudo em que ele conseguia pensar era coisas não muito ortodoxas que sua necessidade fisiológica estava morrendo para sentir.
- E-eu... deveria ir. – A parte ainda sóbria de falou, balançando a cabeça certo de que aquilo era o melhor a fazer. o olhou meio confusa, mas por fim assentiu.
- Ok... claro.
Estavam na esquina da loja de discos, e já podia ver o carro dele de longe enquanto andavam. Ela ainda não podia acreditar que aquela noite estava acabando, e que ela estava perdendo aquela chance. Por isso, ao se dar conta de que talvez não tivesse outra chance como aquela, ela deixou a parte dela que já havi bebido um pouco demais agir e não pensou antes de falar, parando de andar alguns passos antes de chegar ao carro:
- Você não devia. – Soltou, o vendo parar também e olha-la.
- O qu-
- Não devia casar com ela. – Ela o cortou, sem querer perder aquela coragem repentina. – Você não devia fazer isso, é o que eu acho. é... ela é perfeita. Ela é... inteligente, bonita e parece ser muito legal. E vocês têm uma casa, um cachorro, uma piscina. E talvez também tenham filhos algum dia. – Ela o encarou, e parecia confuso, e ao mesmo tempo em que não sabia onde ela queria chegar, ele parecia ansioso para ouvir o resto. Ela reconheceu no rosto dele que estava dizendo coisas que ele queria ouvir de alguém. – Mas é isso, . É só isso. Não vai passar disso. Essa é a vida de vocês, ela já está toda planejada, e não que exista algo de errado em ter a vida toda planejada porque, Deus, eu não tenho nada planejado desde que nasci, mas ... – Ela deu um passo para mais perto dele. – Mas você merece mais, você merece alguém que acorde do seu lado todo dia se sentindo sortuda por estar ali, e merece alguém que te surpreenda, e que te faça sentir coisas novas, você merece alguém que te faça experimentar novas sensações e fazer coisas que nunca pensou que fosse fazer, você merece alguém que te acorde no meio da noite pra transar naquela porcaria de piscina aquecida e depois sair de carro para procurar sorvete de uva e... – Ela parou para respirar quando perdeu completamente o fôlego, se dando conta de tudo que estava despejando em cima dele, enquanto encarava o peito da sua camisa agora. Levantou os olhos para ele, se dando conta de que agora precisava terminar o que começara como quem arranca um band-aid. – E sou eu quem quero fazer tudo isso.
piscou duas vezes, a encarando.
- Eu sempre quis fazer isso com você.
estava se referindo a tudo que dissera.
estava pensando no sexo na piscina.
E , do outro lado da rua, estava saindo do serviço que fechara mais tarde naquela noite e se preparando para atravessar a rua e explicar a sua melhor amiga porque havia sumido do nada e sido um idiota.
Mas então, algo aconteceu. Em um momento, os dois estavam se encarando na calçada na frente da loja de discos, e no momento seguinte a estava beijando. Ele a beijou. Todos os órgãos dentro de deram uma cambalhota, e ela levou as mãos à nuca do garoto no mesmo momento em que ele a segurou pela cintura com firmeza, a virando e dando uns passos até o carro com ela, a encostando ali enquanto se beijavam.

acenou para Josh, que trancava a porta da lanchonete, antes de virar e correr até o meio fio da calçada, parando antes de pisar na rua com a cena que viu. Ele reconheceu o carro, e não foi difícil reconhecer quem beijava encostado a ele. Por um momento, o que ele fez foi ficar petrificado, sem saber como reagir àquilo. Ele devia imaginar, se preparar para aquilo, para a possibilidade de um dia aquilo aconteceu. Mas nunca fizera isso, e não estava pronto.
Então ele balançou a cabeça, fechando os pulsos com força, e no segundo seguinte foi embora dali antes que seu peito explodisse com a sensação terrível de algo sendo esmagado dentro de si, sentimento que ele não conseguiu reconhecer.
- Onde você mora? – murmurou entre o beijo.
- Aqui.
Ele se afastou e a olhou, e ela olhou para o segundo andar da loja de discos e depois para ele, o vendo sorrir.
- Perfeito.

e tinham uma química inacreditável. Naquela noite, pelo menos, os dois foram até o sol começar a surgir sem estarem saciados. entregou a ele tudo de si, e o fez sentir coisas que nem sabia ser possível sentir, tendo ficado apenas com a sua vida inteira antes daquela noite. Foi tudo um borrão de beijos, e ofegos, e toques, e peles suadas, e foi uma noite única para os dois, porém talvez por motivos diferentes.
Algo vibrava quando voltou a retomar a consciência na manhã seguinte. Pela altura do sol que entrava pela janela e pegava direto em seu rosto ela podia dizer que já era tarde, bem tarde da manhã. Ao sentir o cheiro em seu corpo, e no lençol, e no quarto inteiro, a primeira coisa que fez foi sorrir ao lembrar que estivera ali. E ela só precisou se concentrar por um segundo para sentir o corpo dele encostado no dela e sua mão segurando a cintura dela, ambos ainda nus, e sentir aquela felicidade quase incontrolável dentro de si aumentar ainda mais. Ela levou as mãos ao rosto ainda sem abrir os olhos e coçou os olhos, gemendo baixinho e se espreguiçando. Depois franziu o cenho ao se concentrar no barulho de algo vibrando, e abriu os olhos piscando algumas vezes até se situar.
percebeu que era seu celular vibrando na ponta da cômoda e esticou o braço o pegando antes que ele caísse, tomando cuidado para não se mexer demais e acordar , ou sair daquela posição. Ela não queria que nada naquela cena mudasse nunca mais.
- Alô? – Respondeu, a voz rouca e quase sumindo, sem olhar quem era antes.
- , graças a Deus! – Ouviu a voz feminina falar do outro lado, e precisou de um segundo para reconhecer. – Te liguei várias vezes, eu não sei para quem mais ligar... Você sabe do ?!
.
afastou o celular do ouvido devagar, encarando o aparelho com desespero nos olhos, sem conseguir respirar. Viu o nome da garota no visor, e continuou paralisada segurando a respiração por um segundo. Ouviu a garota chamar seu nome no celular algumas vezes, e então se livrou do lençol e do braço de , sentando na ponta da cama com um pulo.
- Ham... – Levou o celular de volta ao ouvido, a mão tremendo. – . Oi. O... o quê?
- O sumiu, , ele não voltou para casa ontem! Não atende o celular, e ninguém sabe dele. Eu liguei para todo mundo! – Ela choramingou. – Eu liguei para seus colegas, para e , para o ! Ninguém o viu! me disse para ligar para você...– Ela soava desesperada, e tudo que conseguiu fazer foi olhar para o homem nu em sua cama enrolado em meio à bagunça dos lençóis passando a mão no rosto e acordando aos poucos, com a luz do sol no rosto também. – , por favor, você o viu?!
- Ham... hã... ah... – Ela estava hiperventilando. Poderia desmaiar ou vomitar a qualquer momento, ou o que viesse primeiro, mas não conseguia desgrudar os olhos da visão de acordando de manhã. Ele tirou a mão do rosto e abriu um dos olhos um pouquinho, sorrindo minimamente quando a olhou. – Hã... ! – Disse a garota ao celular, e o sorriso dele sumiu no mesmo segundo, o fazendo sentar na cama também. – Não, eu... eu não vi o . Eu não sei onde ele está. Eu não... Você já procurou no serviço?
- Eu liguei para lá, ninguém o viu desde ontem! – Ela respondeu, quase gritando. – Eu vou ligar de novo, talvez alguém saiba dele agora... , por favor, se souber de qualquer coisa me liga imediatamente! – Pediu, antes de desligar a ligação sem dar tempo da garota responder.
estava em choque. Afastou o celular da orelha devagar e o encarou na sua mão por um momento, se dando conta da pessoa terrível que era. Deus do céu, o que ela fez?! Ela soltou o celular na cama e deixou a cabeça cair nas mãos, sentindo o peso daquilo a atingir por inteiro.
- Eu sou um ser humano terrível... Eu sou um ser humano terrível...
ainda ficou sentado na cama por um momento processando aquilo enquanto a ouvia murmurar aquilo para si mesma. Ele lembrava de tudo na noite passada, apesar de estar bêbado. E ele não precisou de mais nada para ter certeza de algo naquele momento: Não queria mais a vida que estava vivendo. Ele queria aquilo. Aquela loucura intensa que sentiu com na noite passada. Era aquela a vida que ele queria, e ainda não era tarde demais.
Olhou para ao ouvi-la fungar um momento depois, e se mexeu na cama se aproximando dela e tocando seus ombros com as mãos.
- ...
- Eu não acredito que fiz isso... Eu não acredito que...
- , tudo bem. Shh. Tudo bem. Ei, olha pra mim. – pediu, descendo as mãos pelos braços dela, e levando uma mão ao seu rosto afastando as mãos dela dali e a fazendo virar para ele. – Tá tudo bem.
- Não, , nós traímos! Nós traímos ela! Vocês vão se casar! – Ela disse, desesperada. – Eu não podia! Eu não podia fazer isso, te deixar fazer isso, eu não devia, nunca devia ter te dito como eu me sinto, o que...
- Não. – Ele murmurou para ela, e depois de ver que aquilo não estava adiantando, levantou da cama e se agachou na frente de no chão, fazendo-a olhar para ele de novo. – . Não é sua culpa. Eu também estava aqui. Ei – ele balançou a cabeça, abrindo um sorriso tranquilo para ela. – Tudo bem. Eu vou ajeitar isso.
- Como?! – Ela o olhou, sem conseguir entender.
- Vou cancelar o casamento. – Ele disse, simplesmente.
paralisou ao ouvir aquilo e só o encarou, piscando. Aquilo era mesmo real? Ele estava... dizendo que cancelaria o casamento? Por ela?!
- Ah, meu Deus. – Murmurou, mais para si mesma do que para ele.
- Você tinha razão em tudo que disse ontem. Essa não é a vida que eu quero. Eu quero isso – ele disse, tocando a parte de fora de sua perna e subindo até a sua coxa. – Eu quero o que você me deu noite passada, é isso que eu quero. Obrigado por abrir meus olhos.
Ela não entendia, era muito surreal. Ficou estática o encarando por um bom tempo, então sorriu e passou as mãos em seu cabelo a dando um beijo antes de levantar.
- Eu vou ajeitar isso, eu prometo. – Foi o que ele disse.

foi embora depois de um tempo, e ligou para no caminho para avisar que estava tudo bem. abriu a loja depois do meio dia, quando conseguiu se recompor o suficiente para aquilo. O dono da loja era um senhor que havia se mudado para o outro lado da cidade e literalmente passava por lá uma vez por mês, então ela tinha total dominação sobre a loja de discos, só o que não tinha era todo o dinheiro que ela lucrava.
Passou a tarde viajando para qualquer lugar que fosse bem longe dali, pensando em , na noite passada, em como perdeu-se no corpo dele, em como tudo fora maravilhoso, e também em o que aconteceria agora, com ele cancelando o noivado. Ela não fazia ideia do que estava por vir, mas seu coração congelava no peito sempre que pensava que ele sentia algo de volta por ela. Ela mal conseguia se concentrar para dar o troco correto aos clientes, e a todo momento ficava olhando para o outro lado da rua esperando ver algum sinal de que estava lá. Precisava falar com alguém sobre tudo aquilo, ou enlouqueceria.
Quando finalmente o horário de fechar a loja chegou, ela fez todo o processo de sempre correndo para poder ir lá e forçar a parar de evita-la como ele andava fazendo sabe-se lá porque. Fechou a loja, atravessou a rua e entrou na lanchonete, que ainda estava cheia apesar de estarem prestes a fechar, indo até o balcão e vendo Josh encher uma xícara de café com leite.
- Ei, Josh. – Ela sorriu, se apoiando lá.
- ! – Ele acenou, a olhando rapidamente. – Tudo bem?
- Tudo... – Ela olhou em volta, notando a ausência de ali. – Onde está o ?
- Ahm, é... – Josh pigarreou, trazendo a xícara de café até o balcão e colocando em cima de um pratinho, e limpando a borda com um pano. – Ele já foi embora, precisou sair mais cedo, é.
Ela encarou o sorriso amarelo de Josh e então seus olhos foram parar no porta chaves pendurado na parede atrás do balcão. Viu pendurada em um dos ganchos a chave da moto de , com o chaveiro que ele havia comprado na loja de discos, que tinha uma guitarra igual a primeira de Hendrix. Ela soltou um riso fraco, sem humor. Por que diabos estava fazendo aquilo com ela? Ela não fizera nada de errado!
- Aham, ok. – Se afastou do balcão e olhou em volta, só conseguindo ver a garota da limpeza e um cara que fazia lanches pela janelinha da cozinha, e então decidindo que ele só podia estar no banheiro.
fez a volta pelo balcão e foi até a porta do banheiro masculino, adentrando o local sem delongas. Um cara que estava na pia lavando as mãos a olhou feio antes de secar as mãos e sair, e então ela viu uma cabine se abrir e sair dela, vendo o reflexo dela pelo espelho e rindo fraco, balançando a cabeça.
- Não vai vomitar, vai? – Falou, ligando a torneira para lavar as mãos.
- O que você está fazendo? – Ela perguntou, dando alguns passos para perto dele e cruzando os braços, o encarando pelo reflexo.
- Lavando as minhas mãos?
- ! Por que está me evitando?
respirou fundo, encarando as mãos enquanto as lavava e tentando não perder o controle daquilo. Ele não tinha porque estar tão puto com aquela situação toda, não podia. Ele supostamente não se importava com aquilo.
- O que você quer, ? Estou aqui, você me encontrou. Problema resolvido. – Disse, dando de ombros.
balançou a cabeça. Não entendia porque ele estava agindo daquela maneira com ela, ele estava sendo tão injusto! Suspirou e decidiu ignorar aquilo, e assim tudo ficaria bem.
- ... eu preciso conversar, tem tanta coisa que preciso te contar. É sério, eu... preciso falar com alguém! O que acha de ir...
- Eu vi vocês dois ontem. – Ele a cortou, e ela abriu e fechou a boca algumas vezes. – É. – deu de ombros, secando as mãos com uma toalha de papel e fazendo uma bolinha, a jogando no lixo. – Você parecia estar se divertindo.
soltou o ar com força pela boca e sorriu, um pouco envergonhada até.
- ... ele me beijou! – Ela juntou as mãos e se aproximou mais dele, o encarando. – Ele... ele me procurou dizendo que sentia a minha falta, e precisava conversar com alguém que o entendesse. Ele vai cancelar o casamento, ! – Ela disse, não conseguindo conter o sorriso, o olhando.
A droga dos olhos da droga daquela garota brilhavam tanto ao dizer aquilo. queria morrer.
- Uau. – Ele apenas arqueou as sobrancelhas com aquela nova informação. – Você realmente sabe o que fazer na cama, então, se uma noite foi suficiente para isso. – Riu fraco.
parou de sorrir, sentindo o impacto daquele comentário sobre ela, suas palavras carregadas de um tom meio desdenhoso. Ela não entendia, por que ele estava agindo assim?
- Por que está sendo um babaca comigo? – Ela balançou a cabeça, o olhando. – Eu passei a semana pensando no que possivelmente poderia ter feito de tão errado para você de repente estar tão bravo, mas não fiz nada para você. E agora está assim. O que há de errado com você?!
- Comigo? – abriu um sorriso irônico, indignado com ela. – O que há de errado comigo?! , você é a pessoa completamente iludida e delirante aqui, e está me perguntando o que há de errado comigo?! – Ele levantou a voz, se aproximando um passo mais dela, a fazendo se afastar um passo. – Você traiu uma pessoa que confia em você! Vocês dois traíram nossos amigos! Ele vai acabar com o relacionamento de anos por causa de uma noite com você! E você ainda está achando que isso vai acabar bem? Como diabos você acha que tudo vai ficar bem?! – Ele abriu os braços, balançando a cabeça e a encarou por um tempo. – Mas tudo bem para você, certo? Porque o amor da sua vida te comeu ontem de noite e você acha que agora ele te ama!
- VOCÊ NÃO SABE DE NADA! – Ela o cortou assim que ele terminou de falar, sentindo como se tivesse levado múltiplos socos no estômago. – VOCÊ... Você não sabe nada sobre como eu me sinto, você nunca amou ninguém! Como você ousa me dizer essas coisas, ? Eu confiei em você a minha vida toda, você é o único que sabe como eu me sinto! Você sabe o que isso significa para mim! – Ela gritou de volta para ele, sem entender o motivo daquilo.
- Exatamente, , é tudo sobre você. Você, você, você, o tempo todo você! Você não é o centro do universo! – Ele gritou. – Você já pensou em parar de falar por um mísero segundo sobre como a porra da sua paixãozinha de ensino médio é dolorosa e perguntar sobre mim?! – Ele se aproximou de novo, e dessa vez ela não se afastou. – Eu divido a minha vida com você por anos, e é assim que eu me sinto! Eu não... – Ele soltou o ar pela boca, sentindo nesse momento o quão tensionadas suas mãos estavam. – Você é egoísta, . Não só comigo, mas com todo mundo. O não te ama, e ele só está fazendo isso por ele.
- Você não sabe disso – ela sussurrou de volta, quase sem conseguir achar seu próprio fôlego. Não sabia como reagir. Não sabia como reagir a dizendo como se sentia, e a ele falando tudo o que sabia que a magoaria e nunca disse. Ela sabia agora que ele sempre pensou daquela maneira, e mesmo com anos de amizade, nunca a falou. – Eu sinto muito, . Se essa amizade sempre foi um fardo para você, eu sinto muito, não precisa mais aguentar isso.
- Não vire as coisas contra mim! – Ele apontou um dedo para ela, e ela afastou sua mão. – Você tem razão, eu deveria ter cortado esse mal pela raiz a muito tempo e te dito o que você sempre precisou ouvir, pra ver se assim você acorda!
- Você é um...
Alguém entrou no banheiro nessa hora, e os dois olharam para a porta, encontrando um garoto com os olhos arregalados. Ele levantou as mãos e fez menção em sair, mas levantou a mão.
- Não! Eu já ouvi tudo que precisava ouvir aqui – falou, virando novamente para , e depois de encara-lo por um segundo ela se afastou dele saindo de lá.

IV

Uma semana se passou, sem que e sequer vissem. Ambos estavam tanto irritados quanto arrependidos um com o outro, por diversos motivos. Além de, principalmente do lado de , muito confusos. Aquilo nunca havia acontecido antes, uma briga daquelas entre eles. Os dois sempre se acertaram muito bem.
O que aconteceu nesse meio tempo? Erros. Vários erros. Principalmente relacionados a e , e a cama de , e algumas doses de álcool, e tudo mais. Erros que, para a garota, eram os erros mais bonitos da sua vida. Ela estava tão em êxtase que nem conseguiu se importar com as coisas ruins que eventualmente aquilo causaria aos outros. Ele parecia gostar tanto dela, ela só conseguia aproveitar daquela sensação de que tanto esperou.
- Você gosta de vender discos?
- Uhum. – A garota sorriu, balançando a cabeça que estava poiada na mão, seu corpo virado de frente para o de na cama. – Eu amo. Sempre foi meu sonho.
Ele revirou os olhos e riu.
- Quais são seus planos?
A garota deu de ombros. Não conseguia tirar aquele sorriso do rosto, ele estava a fazendo perguntas aleatórias há vários minutos, genuinamente curioso em ouvir as respostas.
- Eu não tenho um plano. Gosto da minha vida assim.
Ele abriu um sorriso – o mais bonito de todos. Balançou a cabeça, olhando-a daquele jeito, como se ela fosse a coisa mais incrível do mundo. quis suspirar.
- Demais.
Ela sorriu.
- E a sua mãe? – Perguntou, e por um breve momento o sorriso da garota murchou.
- Ela está... O mesmo de sempre. – Murmurou, o olhando de novo em seguida. Ela não podia dizer que sua mãe estava “bem”.
- Sinto muito, . – Ele disse baixinho, tocando sua mão, e ela segurou a dele.
- É. Eu também.
não sabia e nunca saberia qual era a pior sensação: ter de assistir sua mãe se sujeitar àquele traste desde que seu pai havia morrido, ou não ter aguentado e ter virado as costas e a deixado sozinha. Ela sabia que era uma pessoa terrível. Sabia que não merecia nada de bom por tê-la deixado. Mas ela não conseguia, simplesmente não conseguia mais encarar aquela situação. Ela aguentou por tempo demais. Ela tentou, Deus, como tentou. Não houve mudança. aprendeu, com aquilo, que não era possível forçar alguém a fazer o que você quer que ela faça. A mudança tem que partir de dentro de cada um.
- E... – pensou em qualquer coisa que pudesse mudar de assunto, e disse a primeira coisa que surgiu em sua mente, enquanto afastava uma mecha de cabelo da garota do rosto dela. – E essa situação do , hum? Como ele está sobre isso?
- Eu não sei, eu acho que... – Ela parou de falar quando percebeu que não sabia que sabia deles. Olhou-o. – Do que você está falando?
- O pai dele. – Ele respondeu, e franziu o cenho quando reconheceu que não sabia do que ele estava falando. – O pai dele piorou, . Você não ficou sabendo?
encarou por um segundo, e então sentou na cama.
- O quê? Não... eu não... O que aconteceu?
também sentou, a encarando.
- A governanta ligou, chamou ele no meio da semana. nos contou, ele disse que ligou para ele para saber quando ele podia ir fazer a prova de roupas e ele disse que não estava na cidade.
balançou a cabeça. Ela só conseguia pensar em como devia estar devastado, em como devia estar precisando de alguém. Ela afastou os cobertores e sentou na ponta da cama, pegando suas peças de roupas do chão.
- Ele deve estar precisando muito de apoio, eu preciso ir lá. Eu... nossa. – vestiu o sutiã e levou as mãos aos cabelos desgrenhados, os levantando um pouco e fazendo um nó rápido neles, para prendê-los. – Eu sinto muito, mas preciso ir, . – Olhou brevemente por cima do ombro.
O garoto suspirou e começou a levantar para se vestir também. Sabia que os dois eram bastante amigos, e não esperaria diferente dela.
- Eu também preciso ir, deve estar esperando. – Comentou, vestindo a calça. , que já estava na frente da porta do armário, procurando uma roupa simples para vestir, o olhou com um vestido florido em um cabide na mão.
- ... O casamento. – Ela disse, o fazendo olhá-la. – Você disse que ia...
- É. – ele respondeu, depois de um momento, terminando de vestir a blusa branca e ajeitando o colar com uma cruz que sempre usava e havia enrolado. – É, eu vou. Só estou... tomando coragem. Esperando pelo momento certo.
não conseguia deixar de pensar em cada palavra que falou a ela naquele outro dia. A cada dia que passava e ele não cancelava o casamento, ela ficava mais nervosa. Não apenas por eles, mas por , por , por todos. Porque estava cada vez mais perto do dia e ninguém sabia de nada.
Ela colocou o vestido em silêncio e depois pegou um par de sapatos pretos do canto do quarto e os calçou de pé mesmo.
- Você sabe que a cada dia que passa isso só se torna mais difícil. – Comentou, e a olhou sentado na ponta da cama terminando de vestir suas botas.
- Eu sei. – Ele comprimiu os lábios e suspirou. Terminou de colocar os calçados e se levantou. Pegou sua carteira e celular da cômoda e foi até ela, parando ao seu lado e fechando o fecho lateral do vestido dela. Passou a mão em seu cabelo e a puxou pela nuca deixando um beijo em sua testa. – Eu sei, meu anjo.
deixou seu olhar cair para a blusa dele e passou as mãos nela, a ajeitando, ela estava um pouco amassada.
- Você tem que fazer isso logo. Por você.
Ele concordou com a cabeça, e os dois trocaram um olhar por um momento.
- Vou fazer.
- Ok. Até mais.
- Até mais, . – Ele sorriu, tocando o polegar em sua bochecha, e depois saiu do quarto.

A cidade onde os pais de moravam e de onde ele também viera se chamava New Rochelle e ficava há aproximadamente três horas e meia de NYC. Era uma cidade pequena se comparada à capital, e só estivera lá uma vez antes, para passar o natal com a família dele, pois se recusou a deixa-la sozinha, por mais que ela tivesse expressado inúmeras vezes sua vontade de ficar.
pegou o ônibus para New Rochelle naquela manhã de sábado, logo depois de sair de seu apartamento. Ela nem mandou nada para , pois sabia que ele ignoraria, e também porque checar seu celular devia ser a última coisa que ele estava fazendo no momento. Pelo que disse, ele já estava lá há alguns dias e ela nem fazia ideia. Aquilo apertava seu peito, o fato de seu melhor amigo estar precisando dela agora mais do que nunca e ela não estar lá para ajudar. estava certo em tudo que dissera, ela era egoísta e só pensava nela. Mas queria ajeitar aquilo.
chegou na cidade pouco depois de meio dia, e tentou explicar a um taxista do melhor jeito possível onde era a casa que queria chegar, pois só lembrava que ela ficava perto de uma subestação de energia elétrica. Quando o táxi a deixou na frente da casa dos , já era mais ou menos duas horas da tarde. Estava quente, ensolarado, e ali era bem quieto. Não existia o tumulto de Nova York, e o local onde a família morava só existia a sua casa e mais algumas, e depois um campo aberto gigantesco cheio de torres de energia espalhados pelo campo.

Ela respirou fundo antes de tocar a campainha. Estava nervosa, pois se sentia envergonhada por ter sido uma amiga terrível por tanto tempo. Foi que atendeu a porta, e para a surpresa do garoto, quando deu de cara com a amiga ele não soube o que dizer. Ele parecia cansado, estressado, e sozinho. Parecia precisar de uma ajuda, e era tudo que ela queria dar.
- ...
- Oi. – Ela deu um passo para frente. – Me desculpe. Eu sinto muito. Peço perdão. Estou arrependida. Hm... – Ela balançou a cabeça. – Não consigo pensar em outra maneira de pedir desculpa. Mas eu sinto muito. Eu não fui uma boa amiga para você, mas eu estou aqui agora. Por favor, me deixe te ajudar. – Falou, segurando a alça da mochila que tinha no ombro, e suspirou.
ainda a encarou por um momento, tentando reconhecer o alívio que estava sentindo ao ver seu rosto. Ela era tão linda. Ela era tão boa. Por fim, ele assentiu e abriu mais a porta a dando espaço para entrar, e o que fez foi abraça-lo com força, o que o fez vacilar para trás e segura-la pela cintura.
- ... – Ele murmurou, fechando os olhos ao sentir o cheiro do cabelo dela. Cacete. Ele estava cheirando o cabelo dela. Você está fodido, . - Obrigado.
- Tudo bem. – Ela assentiu, abrindo um sorriso tranquilo. Se sentia mil vezes melhor, porque sabia que com era simples, eles não precisavam fazer grandes gestos. Eles só precisavam estar lá um para o outro.
- Ele não lembra de mim. – O garoto murmurou mais baixo, ainda sem querer solta-la. – Ele vai morrer sem lembrar de mim. – Sua voz estava embargada, e não demorou para que o nó em sua garganta se transformasse em algumas lágrimas.
- Eu sei. Vai ficar tudo bem. – Era tudo que ela conseguia dizer, passando a mão em suas costas e tentando confortá-lo. nunca soube bem o que dizer para consolar alguém, mas estar lá já era uma grande coisa.

terminou de lavar e secar a louça da cozinha, que era o que estava fazendo, e enquanto isso ele pode subir e ficar no quarto com seus pais. Ele contou que sua mãe se recusava a sair do lado do marido há dias, e ela percebeu ser literal quando entrou no quarto e encontrou os copos e pratos sujos na cômoda ao lado da cama. Ela levou tudo para baixo e terminou de ajeitar o que conseguia, colocando a casa deles em ordem. Percebeu, com aquilo, que também devia sentir o peso da culpa por ter abandonado sua família lá, como ela fez com sua mãe. Era tão difícil crescer e perceber que o que você queria carregava um preço, que geralmente era deixar outras coisas que ama para trás. amava a música, ele tinha o sonho de um dia trabalhar com isso. Ele dependia de Nova York para isso. Já não tinha exatamente esse escape. Ela só não conseguia mais ver aquele sofrimento, continuar naquela casa, por isso foi embora.
Os dias do pai dele estavam no fim. Ele respirava com a ajuda de uma bomba de oxigênio, dependia de alguém para tudo. Ele mal ficava lúcido, e quando ficava só reconhecia a sua mãe. Os médicos já haviam avisado que ele não passaria daquela semana, e foi desse modo, com clima triste de despedida, que o sábado e boa parte do domingo passaram.

- O que está fazendo? – espiou para dentro do quarto dele quando terminou de jantar no andar de baixo e subiu. Viu ele parar de tocar o violão em seu quarto e sorrir para ela, batendo ao seu lado na cama para chama-la.
foi até lá, sentando ao seu lado e pegando o caderninho de capa amarela que estava aberto ali, com algo rabiscado.
- Quer ouvir?
Ela assentiu, sorrindo enquanto lia aquela letra.
Turns out that no one can replace me I'm permanent, you can't erase me I'll have you remember me One more kiss is all it takes I'll leave you with the memory And the aftertaste
A voz de era simplesmente magnífica. Ela nem sabia explicar, mas quando ele cantava, ela sempre se arrepiava. Abriu um sorriso e riu fraco o olhando quando ele terminou aquele trecho.
- Uau. Você é convencido até nas suas músicas.
Ele riu e passou a mão nos cabelos, fazendo cena.
- Vamos ver o que mais tem aqui... – Disse ela, começando a folhear o caderno.
- Não! – Ele tentou tomar da sua mão, mas ela levantou e riu, se afastando um pouco. Passou por algumas folhas, onde havia letras rabiscadas e descartadas, e parou em uma que estava bem escrita.
o olhou, e agora dedilhava qualquer coisa, tentando ignorar que ela estava ali lendo as letras pessoais dele. A maioria que ele, sem querer, pensava nela ao escrever. Ela folheou e continuou lendo.
And I'm not tryna ruin your happiness But darling don't you know that I'm the only one for you And I'm not tryna ruin your happiness, baby But darling don't you know that I'm the only one
Agora ela lia baixinho, apenas para si, depois de perceber um certo tipo de padrão naquelas letras. Não era exatamente um padrão explícito, mas era... similar a eles. Lembrava a amizade deles. A última que ela leu demonstrava isso.
You don't know how to love me when you're sober When the bottle's done you pull me closer You're saying all the things that you're supposed to But you don't know how to love me when you're sober Why's it so different when we wake up? Same lips, same kiss, but not the same touch Don't you know you're doing just enough, but not enough? But I know what's next and I want so much
- Ok! – saltou da cama, soltando o violão em cima dela e puxando o caderno das mãos de . Os dois se encararam por um momento, e enquanto na cabeça dela a garota se perguntava se devia dizer alguma coisa sobre aquilo, na dele tudo que ele conseguia pensar era por favor, não torne isso embaraçoso, por favor. Por fim, decidiu não falar nada. – Vamos fazer outra coisa.
- O quê?
- Eu... – Ele fechou o caderno e o soltou em cima do violão. – Hum, tenho uma ideia. Vem. – Segurou a mão da garota, e juntos saíram do quarto.

Não havia uma gota de álcool na casa dos , o que era uma pena, pois naquele momento poderia usar uma garrafa de vodka. Ele então pegou um saco de cookies de chocolate e um cobertor e direcionou-os ao lugar preferido dele desde quando era criança. Os dois passaram a cerca do enorme gramado da subestação de energia, e caminharam um pouco pelo campo escuro com a ajuda da lanterna do celular dele. Pararam em uma parte alta do gramado, onde podiam ver todas as torres espalhadas ao longe, e colocaram o cobertor no chão, sentando em cima.
- Eu adorava vir para cá antes da gente se mudar pra Nova York. Era meu lugar preferido para brincar, pensar, tocar o violão, tudo. Eu escondia as coisas que não devia levar para casa aqui. – Ele riu, e o olhou.
- Eles voltam há alguns anos, não foi? Foi por causa da doença dele?
Ele assentiu.
- Aqui é mais tranquilo, é perto da família dele. Meu pai nunca gostou de Nova York, eles só foram para lá por mim.
Ela assentiu, demonstrando que entendia.
- E a sua família?
Ela deu de ombros, pegando um cookie e o mordendo.
- O mesmo de sempre.
sabia da história da família de . Infelizmente era mais comum do que parecia, e ele sentia muito que ela tivesse que passar por aquilo. De certa maneira, estava sozinha, e ele sentia que ela carregava algumas marcas daquilo em sua personalidade. era independente, segura, não gostava de precisar de ninguém. Mas quando ela – raramente – depositava confiança ou amor em alguém, ela se apegava tanto que só o que conseguia em retorno era se machucar, porque ninguém conseguia suprir aquela necessidade do modo que ela precisava. Ele já vira acontecer antes, e era o que acontecia com ela em relação a . Ele só queria poder fazer algo em troca, porque já sabia como aquilo terminava.
- Ah, Deus. O que é isso?! – Ela disse de repente, olhando para o inseto que pousou em seu braço e emanava uma luz esverdeada. – O que...
riu e tirou o pequeno inseto do braço dela, o segurando.
- Um vagalume. Eu não via um desses há eras. – Ele balançou o dedo no ar, fazendo o bichinho voar. Um segundo depois eles perceberam que dezenas deles voavam no campo em sua frente. Ele olhou para , e ela estava boquiaberta. – Você nunca tinha visto antes?!
- Não! – A garota se levantou, passando a mão no vestido. – Não sei se você sabe, mas eu sou uma garota de cidade grande. Nunca saí de Nova York! – Ela riu, correndo alguns passos para frente e se juntando aos insetos, tentando pegar algum e rindo. – Isso é incrível!
só ficou sentado gargalhando enquanto a via correr atrás de alguns vagalumes, falhando miseravelmente em pegar algum deles. pulava e corria, e parecia uma garotinha, e ele só queria poder gravar aquele momento em sua mente para jamais esquecer. Pela segunda vez naquele fim de semana ele se pegou pensando o quanto ela era linda.

Eles entraram novamente cerca de uma hora depois, ainda rindo dos vagalumes e de algumas idiotices que ambos diziam. trancou a porta de baixo e os dois subiram escada acima para seus quartos, tentando não fazer muito barulho.
- Eu juro que ele se prendeu ao meu cabelo, ele deve ainda estar... – Ela dizia rindo, e seguia logo atrás.
- Shhh! – Tentou fazê-la falar mais baixo, mas também ria. Ao ver ir em direção ao quarto de hóspedes ao lado do seu, ele levou a mão à sua cintura, a virando para si. ainda ria quando ele se aproximou, a encostando contra a parede com um sorriso no rosto, que sumiu à medida em que ele se aproximava do rosto dela.
Ao perceber a proximidade dos dois, ela aos poucos parou de rir também, sentindo um arrepio percorrer sua espinha quando ele tocou sua nuca. encostou o polegar em seus lábios e o passou por cima deles com carinho, aproximando o rosto do dele.
- Não estamos bêbados – ela murmurou, fechando os olhos automaticamente com a proximidade da sua respiração.
- Você quer que eu pare? – Ele perguntou, roçando o nariz no seu rosto, agora segurando sua cintura com as duas mãos com firmeza, e descendo com os lábios encostados em sua pele até o seu pescoço. Ele sabia que ela não queria. E ela também sabia, não conseguia resistir a .
- Não – ela abriu um sorriso, que foi acompanhado pelo dele.
abriu a porta de seu quarto e a puxou com ele para dentro. Colou sua boca com a dele, e fechou a porta com a mão livre. se encostou na parede ao lado da porta e o puxou para perto, enrolando seus dedos nos cabelos da sua nuca. O garoto usou as mãos em tentar achar o fecho lateral do vestido simples dela, e quando o achou ele o abriu com cuidado, sem desgrudar seus lábios. Deixou que as alças do vestido dela caíssem, e ela sentiu seu vestido deslizar para o chão. se afastou o suficiente dela para poder olhá-la nos olhos, e por um momento eles apenas trocaram um olhar, em que ela pode perceber cada detalhe do rosto dele. Sua pele lisa, sua boca avermelhada, os seus olhos castanhos a olhando com nada além de desejo e carinho. Ela correu os dedos por seu rosto e a linha do seu maxilar, que era bem evidente. Pela primeira vez ela não estava bêbada ou extremamente decepcionada, não estava ali porque queria esquecer de todo o resto, ela estava fazendo aquilo porque queria ele, e pela primeira vez o viu de verdade, ali em sua frente, vulnerável, pronto para amá-la. era lindo. Ele era bom. Ele a conhecia e já estava ali, sempre esteve ali. Por que ela não podia simplesmente amá-lo? Seria tão simples.
Ele sorriu, um sorriso ao mesmo tempo cúmplice e feliz. Tê-la para si, e tê-la porque ela queria ele tanto quanto ele a queria, pelo menos naquela noite, era ótimo. Fez o garoto perceber o que já devia ter percebido há muito tempo: ele não podia mais negar que a amava. Podia acabar muito mal, mas negar não o levara a lugar nenhum. Ele a amava, e já fazia tempo.

- Eu entrei em pânico. – falou, acariciando as costas dela enquanto sentia o peito dele descer e subir com sua respiração, de olhos fechados.
- Hum?
- No dia seguinte daquela noite em que ficamos assistindo ao filme. Eu entrei em pânico porque só ficamos deitados, assistindo a um filme, como um casal normal faz. Sem sexo. Sem nada mais.
Ela sorriu e levantou a cabeça o olhando.
- Você entrou em pânico, senhor ?
Ele riu e deu de ombros.
- É. Eu achei que não podíamos ter nada que significasse alguma coisa, porque isso me faria gostar de você. Mas não adiantava evitar, , não adiantava mais fazer nada. Eu já amo você.
Ele disse com tanta simplicidade, que foi impossível tornar aquilo uma grande coisa. Depois daquele fim de semana, daqueles momentos juntos, daquelas músicas que ela leu… se tornou meio óbvio. E deveria odiar essa ideia, mas não conseguia, porque parecia certo. A única coisa que não estava certa era que ela não conseguisse sentir o que sentia por , por ele.
- … - Ela suspirou, e ele abriu um sorrisinho.
- Fique tranquila, não vou transformer isso numa grande coisa. Eu juro. Eu sei que você ainda não está pronta, que não consegue… se desapegar dele. Mas eu vou estar aqui por você como eu sempre estive, da maneira que você quiser que eu esteja.
Ela o encarou por um momento.
- Você é bom demais para mim. – Diss por fim, balançando a cabeça.
- Tem razão. – Ele brincou e riu por fim.
voltou a deitar a cabeça em seu peito, e se concentrando naquele carinho de leve nas costas, ela logo dormiu.

V

- O que está fazendo aqui? – perguntou assim que deu de cara com na porta da sua casa.
O que havia mudado desde o fim de semana há alguns dias atrás na casa de ? Nada, e esse era o problema. Não tinha nada a ver com as coisas que falou, tanto naquele banheiro da lanchonete sobre , quanto no seu quarto naquela noite que os dois tiveram. Tinha a ver com o celular de não parar de vibrar a cada trinta segundos com mensagens novas na porra do grupo da porra do casamento daqueles dois filhos da puta. E a cada vez que ele vibrava, ela sentia que sua cabeça estava um passo mais perto de explodir.
- Eu preciso conversar… - parou quando percebeu que ela não o havia deixado entrar. – Qual o problema?
- O problema? – Ela soltou um riso fraco ao olhar no rosto do garoto. – O problema, , é que você vem aqui em busca de sexo com uma pessoa descartável pra você enquanto está há duas semanas de se casar com a sua noiva!
-
- Não! – Ela levantou as duas mãos, olhando-o com seriedade. Deu dois passos para trás e levou as mãos à cabeça, dando uma volta pela sala, não sabendo se queria chorar ou gritar com ele, e quando virou-se de volta para ele percebeu que ele já havia entrado. – Eu estou exausta disso, , eu não posso mais fazer isso, você está me…
- . – Ele chamou novamente, e ela parou o encarando. Ele parecia… desesperado. Será mesmo que ele viera ali para falar sobre ele?!
- O QUÊ?!
- Ela está grávida. está grávida.
o encarou. Ela piscou algumas vezes, o encarando, sem conseguir respirar ou sair do lugar. Então a sua ficha caiu completamente, e ela só deixou seus ombros caírem.
estava certo. E ela sempre soube, só não queria acreditar. Ela sabia. Aquilo nunca ia acontecer, nunca ia deixá-la. Eles iam se casar. E ter um filho. E ser muito felizes.
- … - a chamou, com a voz urgente, quase como se fosse chorar, e ela o encarou, depois de um longo tempo em silêncio. – O que… o que eu faço?
já sabia o que ela devia fazer. E o que ele devia, também. E o que todos eles deviam fazer.
Ela então atravessou a distância que os separava e parou em frente dele, segurando seu rosto e o olhando.
- Você vai fazer o que tem que fazer. Você vai se casar com a mulher que ama, e vai ser muito feliz.
- Mas… Eu… Eu não quero isso. Eu quero…
- Você acha que quer, . É isso. Esse é o problema. É o que todos nós achamos. Eu achei que você me queria. Mas enquanto isso você achava que queria a minha vida, a minha liberdade. Não – ela negou com a cabeça. – Você não me quer, e tanpouco quer a minha liberdade. Você só acha que quer, porque está prestes a casar e se desesperou. Você não quer estar sozinho, para ter sexo sem significado com qualquer pessoa que topar. Você não quer viver sozinho, e não ter alguém com quem dividir o dia, porque ninguém merece viver assim. Você não sabe como é… - Sua visão desfocou dele por um momento, enquanto ela ouvia as próprias palavras. – Mas eu sei. E também não quero isso. Não mais.
- E o que isso significa? – Ele deu de ombros, parecendo desolado.
acordou de seu devaneio um momento depois e voltou a olhá-lo.
- Significa que eu tenho que superar você.
encarou . Ele queria saber dele. Ele sempre quis saber apenas dele quando estava com ela. Não queria saber o que ela sentia, ou o que ela devia fazer com a própria vida, ele queria respostas para os problemas dele. E não os encontraria mais com ela.
- Você vai escolher o seu terno, ajudar a escolher um arranjo de flores para a decoração entre as milhares de opções, e vai ser um ótimo marido para sua esposa grávida. E eu vou estar lá, do lado dela com , em um vestido lilás e com flores no cabelo. E nada disso jamais terá acontecido, você me entendeu? – Ela deu um passo para perto dele, e o fez olhá-la. – Você não vai contar a ela. Você não tem o direito de tirar esse peso das suas costas, você vai ter que viver com isso. Você vai ter que sobreviver com a própria mentira. E vai ter que encontrar um modo de ser feliz assim.
entendera. E ele ententera tão bem, que a próxima coisa que fez foi ir embora dali.

Aquilo fora tudo menos fácil para . Ela não simplesmente deixou de amá-lo assim, do nada, como se só bastasse desejar parar. Mas ela entendeu, nesse momento ela finalmente entendeu, que merecia coisa melhor. Depois de meia década sofrendo por , ela se permitiu sofrer por mais duas semanas apenas, porque depois daquilo, ela nunca mais sofreria. Quando superasse ele, aquela teria sido a última vez. Porque ela amava o que achava que ele significava, desde o dia em que o conheceu. amava a imagem de , amava que ele a fizesse sentir especial por poucos segundos, logo depois de isso tudo desaparecer novamente. Ela nunca percebeu que tinha alguém do seu lado que era capaz de fazê-la se sentir muito melhor do que aquilo.
Então, depois das mais difíceis duas semanas de sua vida, em que ela teve a maior sorte do mundo por ter sendo seu melhor amigo ao seu lado, conseguiu se recompor da mais inacreditável maneira e segurar todos os pedaços dentro de si para fazer o que devia fazer e aparecer naquele casamento. Porque ela também devia aquilo a , ela também fizera coisas horríveis contra a garota, que nunca fez nada contra ela.
- Pronta? – estava jogando para cima uma bolinha de tênis que achou em algum lugar no apartamento, atirado no sofá enquanto esperava terminar de se vestir. – Já faz oitenta e quatro anos…
- Cala a boca, ! – Ela grunhiu e ele riu. – Ok! Ok! Eu vou sair. Se você rir, eu te sufoco.
- Não prometo nada.
Ela respirou fundo. Passou a mão no cabelo uma última vez e saiu do quarto, indo para a sala e parando em frente ao sofá. Ela parecia… embalada para presente. Jamais, em circunstância alguma, usaria aquilo por livre e espontânea vontade.
- Está… - comprimiu os lábios, tentando não fazer piada, e franziu o cenho. – Está… bem… - Mas então ele não conseguiu mais segurar e soltou uma gargalhada incontrolável.
- Ugh, !!! – Ela grunhiu, puxando uma almofada debaixo do garoto e batendo nele com ela, enquanto ele se esquivava.
- Não, desculpa… eu não me arrependo. – Ele disse, tentando controlar a risada. – Ah… Ok. . Você continua linda. Você… você podia estar vestida de mamãe noel, e continuaria linda. Melhor? – Ele levantou os braços e ela sorriu, fazendo que sim.
- É, um pouco melhor. – Disse, puxando a barra do vestido para poder se apoiar no sofá com os joelhos e se aproximar para beijá-lo.
- Achei que ia me sufocar… - ele disse no meio do beijo.
- Eu não disse como. – Ela sorriu, o fazendo rir.
Ambos chegaram lá ainda bastante cedo, e ela precisou acompanhar nos últimos preparadivos da noiva, mas já estava preparada para fazer aquilo sem pestanejar. E estava linda, e radiante de tão feliz. Ao ver aquilo, ela não tinha dúvidas de que era o certo a acontecer.
Faltava meia hora para a cerimônia começar quando disse que não precisava mais da ajuda dela lá, e que estava tudo quase pronto, então tomou um tempo para si e sumiu por um tempo, para assimilar aquilo. Mas quinze minutos depois houve uma pequena urgência com nausea de gravidez e estava louca procurando por por ali, e ninguém sabia onde ela se meteu.
- Eu. Preciso. Dela. Agora. Nesse. Instante. Aqui. Você. Me. Entendeu?! – Ela vociferou para , segurando seu paletó com as próprias mãos, e o fazendo arregalar os olhos e assentir positivamente. A garota então tomou a taça de champanhe da mão dele e o empurrou um pouco. – Deixe de beber por um Segundo e vá fazer algo de útil e encontrar a . Só o está ajudando o , mesmo. – Ela reclamou, o fazendo rir fraco. – O quê?!
- Primeiro: você está pirando como se fosse a própria noiva. E segundo: eu estou me divertindo demais assistindo ao cara sortudo ali pirar como uma garotinha. – Ele apontou para , que praticamente hiperventilava no canto da sala, e deu de ombros levantando. – Pena que você vai tirar essa satisfação de mim.
estreitou os olhos para ele, e só parou de encará-lo daquele jeito quando ele vazou de dentro do cômodo. talvez fosse a pessoa que mais sacava como sempre se sentiu em relação a – e por causa disso também em relação a . E ele não podia negar, parte dele estava sentindo muito prazer em ver o garoto enlouquecer por estar prestes a se casar.
passou pelo cômodo da noiva, no final do corridor, e espiou para dentro vendo a garota loira olhá-lo, assustada. Ele então sorriu e lançou um beijo para ela, que riu, e depois sumiu dali.
Parou quando estava do lado de fora da casa e olhou em volta. O casamento seria numa chácara, ao ar livre, e tudo já estava pronto. Os convidados estavam todos lá, e quase tudo estava em seu devido lugar. então pensou por um momento e monde poderia ter se enfiado caso tivesse se sentido meio sufocada com toda a situação, e por fim decidiu dar uma volta em roda da propriedade.
Não foi difícil encontrá-la perto de um riacho que passava atrás das casas da chácara. Era um pouco longe, mas como todo o resto ali era verde e ela era o único ponto lilás em toda a imagem, ele não demorou nem cinco minutos.
- Ei.
- Ah! – Ela o olhou. – Já está na hora? Eu nem percebi…
- Houve uma emergência. – Ele explicou, e ela franziu o cenho. – Nada demais, algo com enjoo e gravidez.
- Ah… - ela soltou um riso. – Acho que eles vão ser ótimos pais. Você não acha?
virou novamente para o riacho e se encostou na árvore ao seu lado, cruzando os braços. se aproximou dela e encostou seu ombro ao dela, sorrindo quando ela o olhou.
- Como você está em relação a isso?
- Conformada. – Ela assentiu com a cabeça. Ficou em silêncio por um momento, e então o olhou. – Eu finalmente entendi.
- Entendeu o quê?
- Não se pode escolher quem você ama, não é? – o olhou. – Ou quem ama você. Mas o que você pode fazer é escolher o que te faz bem, e deixar para trás o que te faz sofrer. Você pode escolher deixar a dor para trás. – Ela tocou seu braço, descendo com a mão por ele até alcançar a mão de , e segurou a dele entrelaçando na dela. – Pode escolher seguir em frente com quem te faz feliz.
a olhou, surpreso. Sabia que nos últimos dias, desde que ele disse o que sentia, as coisas entre eles estavam diferentes. Não havia mais daquela barreira que ambos tinham medo de cruzar entre o “casual” e o intenso. Eles conversavam sobre isso. Ambos se ajudavam, eram companheiros, estavam sempre juntos, como sempre estiveram desde que se conheceram, mas a diferença agora era que ambos estavam cientes disso.
- O que… - Ele sorriu, se virando para ela. – O que você quer dizer com isso, ?
- Eu quero você. – Ela se virou para ele também. – Quero que você me ensine a tea mar da maneira correta, sem precisar… de todo esse sofrimento e esse desespero. Eu quero te amar do jeito simples, como sempre fizemos, só que agora da maneira certa. Eu e você. Fazendo planos. Nos comprometendo. Sem s e sem mais ninguém entre a gente. Só nós dois, como sempre foi, só que dessa vez de verdade. Porque eu sei que te escolher é a coisa certa, e é a coisa mais simples que já tive que fazer. Eu não tenho dúvida nenhuma de que estou fazendo a escolha certa para a minha vida. – Ela deu um passo para perto dele, tocando seu rosto com a outra mão. – E pela primeira vez na vida, sei exatamente o que eu quero.
riu. Ele só conseguia sorrir. Ela estava certa em tudo, e como sempre acontecia quando ele a olhava dessa maneira, tudo em que ele conseguiu pensar foi em quão linda ela era. Em tudo que fazia, e em tudo que era. E ela encheu o peito dele de coisas boas. E aquilo, de maneira nenhuma, podia ser errado.
- Ah, vem cá! – levou a mão à nuca de , a puxando para um beijo, e ela riu no meio dele. Segurou o rosto do garoto com as duas mãos e correspondeu àquele beijo como se fosse o primeiro de sua vida. Quando ambos ficaram se mar, se afastou só o suficiente para respirar e riu.
- O que é tão engraçado?
- Eu sempre soube que uma garota que você conhece vomitando no banheiro masculino não entra na sua vida por acaso.
riu, e logo os dois estavam gargalhando. Ele a deu mais um beijo, e depois por fim segurou sua mão e se afastou.
- Está pronta para isso?
Ela olhou para as casas ao longe, onde a cerimônia estava prestes a começar. Respirou fundo e olhou para ele, sorrindo.
- Sim!
- Então vamos lá. – O garoto sorriu, a puxando e a abraçando pela cintura, beijando a lateral do seu rosto quando começaram a andar.
- Vamos lá. – Ela murmurou de volta, pronta para aquilo.
não era livre antes, por não ter ninguém em sua vida. Ela descobriu aquilo naquele momento. Ela estava presa a correntes grossas ao falso amor que pensou que sentia por outra pessoa, mas na verdade era falta de amor por si mesma. E assim que abriu mão daquilo, foi quando ela foi livre de verdade.
Livre com alguém ao seu lado.


Fim.



Nota da autora: Olá! Adivinhem: como sempre eu escrevi correndo e não estou satisfeita com o resultado. Mas eu amo essa música e simplesmente não podia desistir dela. Desculpem se não fez muito sentido! Espero que tenham gostado, de verdade, e até a próxima!





Outras Fanfics:
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