Postada: 20/12/2017

Capítulo Único

- Miguel, essa é minha última tentativa de não pedir uma ordem de restrição contra você. - entreguei a carta em suas mãos enquanto ele me encarava com lágrimas nos olhos. Ironicamente ele não havia se preocupado com as minhas lágrimas.
- Não vai embora, . - ele insistiu na cena patética que estava fazendo.
- Essa é a última vez que venho aqui, quando tiver vontade de ir atrás de mim leia essa carta de novo e de novo, até a vontade passar.
Aproveitei que o elevador ainda estava ali e entrei o mais rápido que pude. Não era fácil para mim fazer nada disso, mas de certa forma me sentia aliviada agora que estava feito. E eu realmente esperava não ter que lidar com Miguel novamente.




Miguel,

Não sei até onde foi teatro e até onde foi verdade, não sei se realmente tem ficado em casa bebendo até não aguentar, mas já tem três meses que saí de casa e eu estou falando sério para não acreditar que eu voltarei, porque não vai acontecer.
Eu reconheço que fiquei deslumbrada por você uma vez, mas não importa o que você faça, depois daquele dia isso nunca mais vai acontecer.

Há dois anos eu jamais imaginaria que um escritor se interessaria por uma assistente júnior de uma editora. Essa foi uma das surpresas da minha vida. O que eu não sabia era que viver com você era sinônimo de surpresas, nem sempre agradáveis.

E eu me lembro de tudo que aconteceu, eu não era parte da equipe que cuidava do seu livro, mas a assistente ficou doente e me colocaram no lugar. Fomos então ao evento de lançamento de seu terceiro livro, o primeiro de uma série de ficção científica. Esse nunca foi meu estilo preferido de leitura, eu nem mesmo conhecia seu livros anteriores, mas você me chamou a atenção enquanto falava. Você era bonito, ainda é, mas era algo no seu jeito de falar, sua paixão pelo livro e eu cheguei à conclusão que você era interessante e ter ido até lá não era uma perda de tempo, afinal. Toda a equipe foi se aproximando à medida que a fila de autógrafos diminuía e você foi atencioso e nos atendeu.

Imagine qual foi minha surpresa ao ouvir pelos corredores da editora que tinha alguém perguntando por mim, achei que tudo não passava de uma grande brincadeira e então recebi uma mensagem sua, me convidando para te encontrar para jantar depois de outra noite de autógrafos.
Descobri que a recepcionista da editora havia passado meu número e que você havia me notado e notado minha identificação da empresa. Não fiquei com raiva como achei que ficaria, acabei aceitando te encontrar, o que eu tinha a perder? Você foi um cavalheiro durante todo o jantar e eu sabia que me apaixonar por você não seria difícil. E foi o que aconteceu alguns encontros depois.

Nosso namoro ia bem, nos encontrávamos bastante e em pouco tempo passei de assistente júnior para assistente. Aquilo não tinha nada a ver com você, você não tinha influência sobre a editora, eu consegui a promoção por mim mesma, pelo meu trabalho, mas tudo o que ouvi era que estar namorando com você me trazia privilégios. Isso me deixou muito mal, algumas pessoas se afastaram de mim, eu era a interesseira. Essa foi a primeira vez que não tive seu apoio quando precisei, mas não percebi isso na época.
Você tinha suas próprias preocupações com a sequência do seu próximo livro, você tinha prazos a cumprir e o meu problema era mínimo perto do seu. Tudo que ouvi de você foi que eu deveria ignorar e seguir em frente. Isso era o óbvio, inclusive era o que estava em meu alcance fazer e dois meses depois todos já tinham aceitado minha nova posição e foi quando o problema de dividir o apartamento surgiu.

Eu não tinha família aqui, logo que entrei para a universidade encontrei duas meninas do curso para dividir o apartamento, você mal as conhecia, não fazia questão de ir lá, era sempre eu no seu apartamento e eu achava que era pela privacidade, não percebi que era porque você realmente se sentia superior, assim como se achava com seu trabalho.
Ella voltou para a cidade natal logo depois da colação de grau, um ano depois Jules estava se casando e, embora a ideia de ter um apartamento só meu me agradasse, me vi convencida por você a me mudar para o seu apartamento. “Nós já nos vemos quase todo dia, vai ser muito melhor se você se mudar para o meu apartamento.” Eu acreditei que essa era uma mudança boa para nós como casal, era um passo importante em nossas vidas. Novamente eu estava enganada.

Os primeiros meses foram ótimos, eu realmente me perguntava o que tinha feito para que alguém como você fizesse parte da minha vida, tudo parecia sempre perfeito e maravilhoso. Nós éramos um casal jovem, com carreiras em ascensão e muitos sonhos.
Aos poucos a vida aparentemente perfeita começou a escapar pelos meus dedos e eu nem mesmo notei. No mês seguinte eu recebi a notícia de que havia sido trocada de equipe e agora eu trabalharia com você e com o seu livro, trabalho esse que deixou de acontecer só na editora e passou a acontecer em casa também. Além de todas as outras coisas que eu já fazia cuidando do apartamento.
Sabe, Miguel, me pergunto até hoje como seu apartamento ficava em ordem enquanto namorávamos antes de eu me mudar, imagino que você pagasse alguém e nunca me contou, porque nunca mais vi nenhuma de suas coisas organizadas. E essa foi uma de nossas primeiras brigas, você se lembra?
Você queria um apartamento impecável sempre, mas nunca quis pagar alguém. “Minha mãe nunca pagou alguém para limpar a casa.” Acontece que eu não era, não sou e não tenho a menor intenção em ser como ela. Você também nunca fez nada para colaborar para uma casa organizada e o dia em que falei isso, você jogou na minha cara que estava ocupado demais escrevendo a primeira parte de mais um livro enquanto meu trabalho ficava no escritório. Nesse dia eu chorei bastante, chorei escondido e eu sei que você nem percebeu nada de diferente.

Nos dias que se seguiram eu me fiz de forte, atribuí minha chateação à TPM e me esforcei para esquecer. Tinha sido apenas um dia ruim para nós dois. Na semana seguinte você me avisou que alguns amigos seus viriam ao apartamento, foi quando me toquei que não conhecia quase nenhum de seus amigos. Quando você saia com eles eu nunca ia, e isso não me incomodava, mas me incomodou a forma como fiquei de escanteio a noite toda. Minha função foi só servir bebidas, cozinhar e servir a comida. Pela primeira vez te achei um completo babaca em relação a mim, naquela noite você não me tratou como sua namorada. Eu relevei, fui dormir antes mesmo de que todos tivessem ido embora e nem ao menos vi quando você foi para cama. Ainda assim, no dia seguinte era você quem estava de mau humor, que achou o meu comportamento inadequado e teve vergonha perante seus amigos.
Eu estava com raiva e acabei ficando no escritório até tarde adiando o momento de voltar para o apartamento, eu não queria brigar, odiava brigas. Chequei meu celular antes de sair e não tinha nenhuma mensagem ou ligação sua, talvez você também estivesse evitando uma briga. Percebi que nada estava diferente, você continuava no escritório, da mesma forma quando saí de manhã. Trocamos pouquíssimas palavras durante essa semana e se você estava ocupado com as suas coisas eu ia me ocupar com as minhas. Tinha agora uma nova amiga e passei duas noites com ela fazendo compras e vendo filmes.
O final de semana seguiu o mesmo padrão, quando tentei conversar com você entendi que estava passando por um bloqueio e nada que tentava escrever estava funcionando. Imaginei a sua frustração e tentei fazer de tudo para ajudar, evitava ficar em casa para não ser uma distração e atrapalhar, imagine qual foi a minha surpresa ao chegar em casa e vê-lo com o jantar pronto durante a semana.
Achei que celebraríamos alguma coisa, já que havia pedido comida do seu restaurante favorito. Então você me deu a notícia de que havia conversado com o meu chefe e que eu trabalharia de manhã no escritório e à tarde em casa. Interpretei como um cuidado comigo, com me ter por perto. Aquela noite tinha sido maravilhosa, nos divertimos como não acontecia em algum tempo, aproveitamos a companhia um do outro e tudo parecia bem novamente. Pelo menos até eu encontrar meu chefe dois dias depois e descobrir que o fato de não saber onde ou com quem eu estava te deixava preocupado ao ponto de afetar a escrita do livro e que, por isso, eu agora trabalharia meio período em casa.

Desconfiança. Essa era uma palavra muito forte para mim quando se tratava de relacionamentos, seja amoroso ou de amizade. Sem confiança é praticamente impossível levar as coisas adiante, é um passo de ciúmes, o que eu não sentia justamente por confiar.
Para quem não gostava de brigas, eu estava me envolvendo em muitas ultimamente. Nós discutimos como nunca tinha acontecido e eu deixei bem claro que você não tomaria decisões sobre a minha vida. Você não soube ouvir, como sempre era o senhor da razão. Foi a primeira noite que dormimos em quartos separados. A segunda discussão não foi tão intensa, meu chefe levou toda a conversa numa boa, mas a papelada já tinha sido alterada e agora se alterariam novamente para voltar a ser como era. E nós brigamos de novo porque segundo seus argumentos eu não deixava ninguém cuidar de mim e estava muito rebelde e dessa forma você não conseguiria confiar em mim completamente. Outra noite em quartos separados.

Mais alguns dias assim e você conseguiu vencer o tal bloqueio com a escrita. Milagrosamente você enxergou que tinha agido de forma errada e me pediu desculpas por todas as brigas e pelo seu comportamento. Eu tenho o coração mole, você sempre soube disso. Foi a primeira vez numa sequência de fatos que você usou as palavras “eu vou te recompensar”.
Dois ingressos premium para o show do John Mayer. Queria dizer que fiquei chateada por você achar que poderia me comprar, mas nessa você tinha realmente acertado. Me senti bem por você lembrar de algo que eu gostava e por estar disposto a ir comigo mesmo não sendo o seu estilo musical. Encarei como uma oportunidade de deixar os dias ruins para trás e recomeçar.
Minha ansiedade estava a mil, contando os dias para o show, você se divertiu muito às minhas custas, mas o clima era leve e eu me agarrei à esperança de que nós daríamos certo sim.

Sete, oito, nove horas da noite e nada de você aparecer. A banda de abertura já tinha terminado o show e nem sinal de você. Nenhuma mensagem, todas as ligações caindo na caixa de mensagens. Pelo barulho pude ouvir quando ele entrou no palco, pouco mais de dez da noite. Mais dez minutos e nada, peguei meu ingresso e entrei para o show já sem tanta vontade, pois sentia uma frustração enorme. Eu tinha colocado tanta expectativa em um momento que seria nosso, mas ele nunca aconteceu.
Me assustei ao chegar e ver todas as luzes apagadas, saber que você não estava em casa me deu uma angústia inexplicável, um pensamento de que algo ruim poderia ter acontecido com você e que eu estava te culpando sem saber o que tinha acontecido. Instantaneamente passei a me culpar pelos meus pensamentos e por ter te culpado. Corri para o quarto só para confirmar que você não estava em nenhum dos dois ou no banheiro. Voltei para a sala, peguei meu celular procurando entre os contatos para quem eu ligaria e levei um susto ao ouvir um ronco. Só então acendi a luz da sala e você estava lá, desmaiado, com a roupa amassada e fedendo a cerveja. Minha vontade era te acordar aos gritos por ter me deixado plantada enquanto estava fazendo outras coisas, mas mais uma vez tudo que fiz foi engolir o choro de raiva e tentar esquecer.

Acordei e me deparei com uma caixinha sobre o criado mudo e um bilhete, você não estava na cama ou em algum outro canto do apartamento, mesmo sendo final de semana. Tudo o que o bilhete dizia era prometo que irei te recompensar. Na caixinha um colar de esmeralda combinando com brincos com a mesma pedra. Você realmente achava que podia me comprar. Comprar meu perdão. Deixei tudo no mesmo lugar, não aceitaria nada sem uma conversa. E então você me mandou uma mensagem dizendo que tinha viajado de surpresa e só voltaria depois do final de semana. Eu não o reconhecia mais. Passei os dois dias me questionando se a promessa de recompensa seria sobre o show ou o final de semana. Talvez os dois, nunca soube.
Você voltou e me contou que tinha decidido trocar de editora, não tinha ao menos pedido ou considerado a minha opinião. O motivo de não ter ido ao show e nem ter passado o final de semana comigo eram reuniões em sigilo sobre assinar contrato com a concorrência. Eu nunca te disse, Miguel, mas eu nunca acreditei nisso totalmente. Eu pensei sim que você estava com outra e eu esperava que você fosse homem o suficiente para assumir os seus atos. No fim acabei achando que era uma boa ideia nossas vidas profissionais se separarem, quem sabe assim nossa vida amorosa voltasse a ser como antes.

Semanas se passaram, eu me dediquei ao máximo em fazer nosso relacionamento dar certo, você pareceu perceber isso e os bons momentos que costumávamos dividir voltaram a fazer parte das nossas vidas. Até o dia que marcamos um jantar e você não apareceu, dessa vez recebi uma mensagem “Me perdoe, eu vou te recompensar.”, mas eu já não acreditava tanto em suas palavras. Dessa vez ganhei um vestido, na semana seguinte sapatos, na outra um dia num spa. Cinema, outro jantar, o aniversário de uma amiga, minha palestra num evento, minha promoção no trabalho… Sempre uma desculpa acompanhada de um presente como recompensa da sua falta.

Nossa vida era um ciclo, poucas partes boas para muitas ruins para mim. Decidi que era a sua vez de provar do próprio comportamento. Era o lançamento da sequência do seu livro, era também um evento grande da editora onde meus amigos estariam, optei por te deixar me esperando. Quando cheguei ao apartamento você já estava lá e eu podia ver o ódio nos seus olhos. Juntei toda a minha força para parecer normal e então usei as suas palavras. “Me desculpe, o evento era muito importante. Eu vou te recompensar, eu prometo!” Tenho certeza que se lembra delas, pela sua expressão, seus olhos, maxilar travado e então o soco que deu na parede e por pouco não me acertou. Até então você nunca tinha demonstrado propensão à violência, no entanto você mostrou tantos lados que eu não conhecia antes que talvez nem tenha sido de fato algo novo para você.

Internamente eu tinha certo medo de você, principalmente com gelo atrás de gelo que ganhei de você nos dias que seguiram. Estávamos por um fio e então veio a última gota. Aquela sua desconfiança começou a surgir quando eu passei a devolver o gelo e se tornou ciúmes quando você passou a insinuar que eu tinha algo com um dos modelos amigos de , mesmo eu dizendo mais de uma vez que ele era gay.

Aniversário de , ela ia comemorar num barzinho em botafogo, eu te convidei e mais uma vez você se recusou, reunião sobre o seu livro com a nova equipe mais uma vez. Nunca soube se você acreditava em destino, nesse dia ele estava do meu lado. mudou o bar de última hora e fomos para um novo na lapa, mas isso você se lembra bem, pois foi lá que você estava aos beijos com a nova revisora. Inocentemente eu duvidei que era você, insistiu que eu fosse tirar a prova e quando pararam de ser beijar a verdade estava na minha cara.
Comecei a te confrontar lá, mas era muita vergonha para você porque na sua mente problemática você trai e é você quem passa vergonha. Você me puxou com força pelo braço até o carro e era melhor mesmo ir embora. Odiava ser o centro das atenções. A discussão começou assim que saímos do elevador, a cada argumento os tons de voz se elevavam, mas foi demais para mim ouvir que você só estava com ela porque eu te traí primeiro. Isso foi como um soco no estômago. Você não me conhecia mesmo depois de quase três anos.
Fiz a única coisa que eu conseguiria naquela noite, peguei minha bolsa para sair, não aguentaria passar a noite no mesmo lugar que você. Não satisfeito em segurar meu braço e deixar a marca dos seus dedos ali, levantou a mão e senti os seus dedos no meu rosto. Essa foi a gota d’água.

Espero que esteja bem claro para você os motivos de não termos mais um relacionamento, não faz mais diferença você querer ou tentar me recompensar. Eu não sou idiota como você parece acreditar. Nem mesmo me interessam as suas desculpas ou os motivos de ter feito o que fez.
Meu último pedido é que você siga com a sua vida e me deixe seguir com a minha em paz. E não me diga que me ama. Eu não te amo mais.


Fim



Nota da autora: Hey, hey! Obrigada por terem lido até o final! Por favor, deixe seu comentário aqui, ele é importante para mim! hahaha
Bom, minha primeira ideia para essa música seria mais um dos meus infinitos clichês, mas então depois de ter algumas conversas sobre relacionamentos abusivos eu me toquei que a letra da música dava abertura para uma coisa diferente e que se encaixaria muito bem para um spin off de Deutsch Surprises (minha longfic que você encontra aqui).
Eu nunca tinha pensado a fundo sobre o passado da pp, eu tinha uma ideia por alto, alguns fatos específicos, então precisei aprofundar no passado dela e saiu essa fic aqui!
Obrigada especial a Rapha que me ajudou no tema, a Isis e a Babi que foram minhas cobaias e me apoiaram quando eu estava insegura! <3
Beijinhos e venham fazer parte do grupo do facebook:





Nota da beta: Ahhhhh que babaca! Infelizmente o que mais tem é relacionamento abusivo por aí né, mas o importante é se tocar e sair fora dessa como nossa querida pp fez. E graças ao bom Deus e a boa Lari temos ela maravilhosa com um príncipe alemão em DS 💜 Então se ainda não leram essa lindeza, corram lá! E leiam também as outras fics desse ficstape maravilhoso, sério! Xx-A

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.

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