15. Smoke & Mirrors

Finalizado em: 14/09/2018

Capítulo Único

A multidão à sua frente aplaudia enlouquecidamente. Eles gritavam o seu nome enquanto os confetes caíam por cima de si e a música aumentava. As pessoas ao seu redor a abraçavam, e logo ela foi guiada para a frente, mas ainda estava anestesiada. Tinha esperado tanto por isso e não conseguia sentir nada. Alguém sussurrou algo em seu ouvido e a entregou um buquê enorme de rosas, depois sentiu o peso da tiara em sua cabeça. Era mais pesada do que imaginava. Seu estômago contorceu. Era mais pesada do que tinha sonhado, mais pesada do que poderia aguentar. Respirou fundo.
Foi capaz de sentir o ar descer rasgando pela garganta e encher os seus pulmões. Soltou um leve sorriso e encarou as pessoas à sua frente. Enquanto sentia as suas bochechas esquentarem, levantou a sua mão livre e acenou no mesmo instante em que ouvia todos gritarem seu nome. A luz em seu rosto era forte demais. Ela sabia que todo o teatro a estava olhando e que provavelmente estava com cara de assustada. Abaixou a cabeça e contou até três. Levantou o rosto e deu o maior sorriso que foi capaz, exibindo os seus dentes perfeitamente alinhados e brancos.
Tinha ansiado por aquele momento desde que se lembrava, mas o enjoo em seu estômago dizia o contrário. Todos os ensaios que havia feito não chegavam perto do que estava acontecendo e toda a noite passou como se ela fosse a espectadora da sua própria vida. Enquanto sentia o seu corpo despertar aos poucos, flashes da noite passada passavam por sua mente, e ainda não acreditava no que tinha acontecido. Levantou-se aos poucos e foi até o banheiro, onde molhou o rosto com a água gelada e, quando os seus olhos encararam o seu reflexo, a ficha caiu: ela acabara de se tornar a mais jovem miss dos Estados Unidos da América.

16 anos atrás

– Mais uma vez, . Cinco, quatro, três, dois, um. – Sua mãe contava enquanto a criança em sua frente repetia os seus gestos.
– Tô cansada, mama. – A pequena disse, fazendo um bico e se jogando no chão.
, cansaço é para perdedores. – A mãe da menina agachou na frente da pequena quando viu que a mesma deitou-se no chão e começou a espernear e a gritar. – Se você quer a coroa, tem que ensaiar.
– Não quero, não quero, não quero. – A criança começou a repetir enquanto lágrimas rolavam por suas bochechas coradas. A mais velha pegou a menor pelo braço e a levantou do chão.
– Engole o choro. – Disse, nervosa, tentando se controlar para não bater na menina. – Engole o choro, Christine. Engole o choro agora ou eu juro que vou te bater tanto que você não vai conseguir mais sentar!
Duas semanas depois, a pequena encontrava-se com o seu vestido rodado rosa, cabelos perfeitamente cacheados em um lindo penteado, maquiagem intocável e o sorriso grande como sua mãe havia a ensinado. Margot foi miss na juventude e o seu sonho era ser Miss Universo, mas um acidente a obrigou a abandonar os palcos. Foi só quando a sua filha tinha um ano e ela viu como a menina dançava com desenvoltura na frente da TV que percebeu que poderia realizar o seu sonho.
Na sua apresentação, a pequena fez os passos perfeitamente e com uma naturalidade que nem parecia que ensaiava mais de cinco horas por dia. O sorriso impecável, o cabelo lá no alto fixado com muito spray. Quando os jurados informaram que ela ganhara em primeiro lugar, não havia sido surpresa para ninguém. Todos parabenizavam Margot pela sua pequena estrela, diziam o quanto ela era bonita e parecida com a mãe. Enquanto isso, ela apenas sorria e disfarçava uma falsa modéstia. Dizia que era um talento natural, que mal havia ensaiado.

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Seria a primeira entrevista depois da premiação, e as mãos de suavam mais do que nunca. Já havia vomitado duas vezes e não conseguia comer nada. Com os anos, havia conseguido diminuir a ingestão de açúcar e começara a ter uma alimentação mais saudável. Desde quando a sua mãe disse que ela seria miss, bebia litros e mais litros de refrigerante com energético para manter o seu brilho em dia. Isso foi um veneno para e, quando tinha treze anos, fez amizade com Diana e foi aprendendo a melhorar a sua alimentação.
Sua mãe insistia para que ela tomasse o seu chá especial, uma mistura de camomila com uísque, para que acalmasse, mas ela tinha feito uma promessa a si mesma: não usaria mais artifícios, tentaria ser o mais verdadeira possível consigo mesma. Olhou mais uma vez para o espelho e estava bonita. Havia optado por uma maquiagem suave, o mais natural possível, os cabelos soltos e um vestido leve com cara de verão. O programa seria pela manhã. Ela tomaria um café da manhã com os apresentadores e não conseguia tomar um gole de água.
Ao longo do programa, foi conseguindo controlar o seu nervosismo e estava conseguindo se sair bem na entrevista. Estava conseguindo demonstrar toda a sua inteligência e ser simpática de uma maneira que não só os apresentadores estavam encantados, mas toda a plateia.
– Hoje eu estou vendo que você está com uma maquiagem bem natural, parece que não passou nada no rosto. Qual o seu segredo? – A apresentadora perguntou.
– Na verdade, o meu segredo foi trabalhar a minha mente aos poucos. Com o passar dos anos, eu fui percebendo que não precisava de tantos artifícios para me sentir bem, sabe? Fui começando a me alimentar melhor, cuidar mais da minha pele em vez de tentar encobri-la com maquiagem e hoje tenho orgulho de todas as minhas marquinhas. – Disse, apontando para uma cicatriz abaixo do queixo. – Essa mesma aqui eu ganhei quando tinha doze anos e apostei uma corrida de bicicleta com o meu irmão mais velho.
– Mas você está neste meio há tanto tempo. Não acha que isso a privilegiou?
O seu único pensamento era sim, ela era privilegiada, mas não era como se ela tivesse escolha. Todas as suas memórias da infância eram dela em cima de um palco acenando, de fazer bronzeamento artificial com cinco anos, de, com dez anos, já saber colocar cílios postiços e andar de salto alto. Era um sonho que sua mãe havia imposto a ela, mas ninguém nunca a perguntara se ela gostava, se estava realizada com aquilo. Naquela hora, queria jogar a coroa para o lado, desfazer a postura perfeita e sair andando sem rumo, mas deu um sorriso tímido e respondeu docemente a apresentadora. Ainda não estava preparada para enfrentar a verdade, para enfrentar a sua mãe.

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A mais velha andava nervosa pelo corredor. Gostaria de saber por que foi chamada com tanta urgência à escola de sua filha. Sabia que não iria fazer nada de errado ou se machucar. Ela tinha competição nos fins de semana. Tentou tirar os pensamentos de sua mente e aguardou até que o diretor a chamasse para entrar em sua sala.
– Boa tarde, Mrs. . Peço desculpas pela urgência em chamá-la, mas o assunto em questão é muito importante para tratarmos dele em outra hora. Esse é o Mr. Cooper, professor de matemática da sua filha. – Margot olhou para o lado e viu a sua filha encolhida na cadeira enquanto lascava as unhas com as mãos, uma péssima mania que ela tinha desde pequena e sempre era preciso usar unhas postiças.
– Mrs. , a sua filha tem um talento incrível. – A mulher olhou com mais atenção para o professor. Imaginava que estaria com as notas baixa ou com faltas por conta dos concursos. – A senhora sabia que ela é a primeira aluna da minha classe? Não só de matemática, como física. Ela tem uma facilidade com os números que eu nunca vi.
– Bem, sempre foi muito inteligente. Obrigada, era só isso?
– Não. Na verdade, nós achamos que os talentos de aqui na Texas School estão sendo desperdiçados. Queríamos muito ter os recursos para que ela tivesse o melhor ensino, mas somos uma escola de ensino público e, mesmo se ela participasse dos estudos avançados, o que já vem ocorrendo, não seria o suficiente. – O diretor complementou.
– Existe um programa de férias na Universidade de Harvard. Ele dura todo o verão. Eu enviei alguns dos trabalhos feitos por e a universidade aceitou fazer um teste de aptidão com ela.
– Todo o verão? Mas é durante o verão que ela tem mais concursos.
– Essa é uma oportunidade única, Mrs. – O professor tentou argumentar de todas as formas, e a única resposta que teve da mulher foi um “vou pensar”. sabia que isso significava que ela não iria. Que passaria todo o verão enfiada em mais e mais vestidos, e foi naquele ano, quando tinha apenas treze anos, que entendeu que só poderia fazer o que realmente gostasse quando conquistasse a coroa que sua mãe tanto sonhava.

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terminou o ensino médio com quinze anos. Ela havia feito um plano, e nada e nem ninguém a impediria de conquistá-lo. Depois daquela reunião em que sua mãe não deixou que ela fosse para o curso de verão em Harvard, havia decidido: conquistaria a coroa e iria estudar física na Caltech. Mesmo sem fazer o curso de verão, começou a estudar dia e noite. O seu professor trouxe o programa de estudos que fora aplicado naquele ano e ela conseguiu resolver todos. Mr. Cooper havia se aliado a ela e ajudado com todos os seus planos de estudo. Depois de formada no ensino médio, o seu foco era conquistar a coroa com dezenove anos. Iria cumprir o seu ano de Miss Estados Unidos e, com vinte, ingressaria na faculdade.
Desde que começou a entender os números, ela guardava todo o dinheiro que sua mãe lhe dava. Também sabia que quando sua mãe dizia “que guardava o dinheiro das premiações em uma conta para que no futuro ela fizesse faculdade”, era mentira, mas havia conseguido negociar com ela que 50% do que ganhasse deveria ser entregue em suas mãos. Era com esse dinheiro que havia investido em uma poupança escondida de sua mãe e, com a ajuda de seu pai, com dezesseis anos investira o dinheiro em uma nova plataforma de filmes online e agora conseguiria retirar os lucros.
Também sabia que sua mãe não a deixaria em paz, que iria fazer de tudo para que ela competisse ao mundial, mas já estava esgotada. Tinha vinte anos e nunca havia tido um namorado, uma noite de bebedeira com as amigas. Tirando Diana, ela não tinha amigas. Queria ter uma vida normal, estudar, poder sair à noite, não se preocupar se passou creme ou não, se estava com as unhas impecáveis ou se precisava retocar as luzes. Ela só queria poder se divertir como qualquer outra garota de vinte anos.
Todo o seu mandato como Miss América foi muito elogiado. Em suas entrevistas, visitas, aos poucos ia fazendo leves discursos feministas. Diana era estudante de história e sempre emprestava os livros para .
Em seus discursos, sempre elogiava a amiga e contava a história de como uma mãe solteira e negra criou a sua filha. Ela tinha muito orgulho da amiga e sabia que só estava conseguindo aguentar por conta dela, que trazia um pouco de normalidade em sua vida. O estado do Texas era um dos mais racistas e machistas do país, e sabia que os seus discursos poderiam não fazer diferença, mas não desistiria.

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A noite em que passaria a coroa havia chegado. tinha convencido a sua mãe de que ela só a veria no palco e que não iria decepcioná-la. Em parte, isso era mentira. Em seu quarto estava ela, Diana e o cabeleireiro, Mark, da turnê de miss, que ainda estava apreensivo com o plano, mas que ajudaria no que fosse preciso. Ela havia conquistado o coração dele e de todo o país com a sua simpatia e gentileza.
Colocou a faixa de Miss Estados Unidos da América pela última vez e passou a mão pelo seu vestido, o analisando do começo ao fim. Era lindo e feito sob medida. Era vermelho, em seda. Tinha uma abertura longa na barra que dava um ar de princesa. Sempre gostou dos vestidos mais soltos do que os colados ao corpo, mas, mesmo assim, tinha um leve decote e acinturava perfeitamente o seu corpo. Havia chegado a hora do seu último desfile como Miss. Ouviu o apresentador chamar o seu nome e respirou fundo três vezes. Levantou a cabeça enquanto a cortina levantava e a mostrava no alto da escada.
desceu as escadas calmamente. Enquanto andava até o fim da passarela, era possível ouvir os sussurros das pessoas. Chegou ao final e acenou para a multidão. O microfone estava parado à sua frente, assim como havia pedido.
– Hoje encerro um ciclo da minha vida e começo um novo. Ser Miss Estados Unidos da América foi a realização de um sonho, um sonho que venho construído há muitos anos ao lado de minha mãe, um sonho de várias garotas, um sonho de todos nós. Procurei ao longo desses dias passar o máximo de positividade e esperança para todas as meninas que encontrei por esse país, esperança essa que está incrustada em nosso DNA. Nós somos sonhadores! Nós sonhamos com uma América melhor e trabalhamos para que isso aconteça. Hoje eu vou falar diretamente para aquela menina que sente que não pode ser uma miss e quero que você me ouça com atenção. Você é linda da forma que é, é linda da forma que quiser. Você é linda com muita maquiagem ou com pouca, é linda de cabelos tingidos ou naturais, é linda sendo magra, acima do peso ou gorda. Sim, temos muitas meninas que são gordas e são felizes como são. Você é linda sendo branca ou negra, você é linda de todas as formas, e sabe por que eu sei disso? Porque atrás de um belo vestido, de camadas e mais camadas de maquiagem, eu também tenho minhas inseguranças. – olhou para a sua frente e viu sua mãe. Pelo seu semblante, ela não havia gostado de nada. A jovem estava com uma maquiagem tão leve e delicada que parecia que não usava nada e os cabelos... Ah, ela sabia que sua mãe a mataria por isso.
A miss havia sido loira na infância, mas, na pré-adolescência, os cabelos começaram a escurecer e ficaram pretos como os do seu pai. Ela os tingia há tantos anos que nem sabia mais como era morena e, naquela noite, havia cortado os fios na altura do pescoço e tingindo-os de preto, como deviam ser.
– Você não deve perguntar se alguém já a amou, mas sim se você já se amou? Uma vez, na escola, meu professor de história passou uma atividade em que devíamos escrever em um papel cinco defeitos e uma qualidade. Eu consegui escrever doze defeitos e nenhuma qualidade. O que isso significa para uma garota de oito anos? Como estamos criando as nossas meninas? – Olhou ao redor e conseguia ver o olhar de susto de todos. Como ela poderia questionar a autoestima em uma competição de beleza? Sabia que todos a achavam hipócritas. – Devemos ensinar para as nossas meninas que elas são capazes de tudo, que elas podem ser bailarinas, atletas, policiais, engenheiras, físicas ou misses. Temos que ensiná-las a se olharem no espelho e se amarem, a se olharem através da fumaça e gostarem do que veem. Hoje eu pergunto para vocês: gostam do que veem de frente ao espelho? Hoje eu encerro o meu ciclo de Miss com muito orgulho de toda a minha jornada e espero poder ter inspirado pelo menos uma garota durante este tempo. Eu quero que elas sintam-se lindas e capazes de fazerem tudo o que quiserem. – Ela deu um passo para trás, abaixou levemente a cabeça em forma de agradecimento e acenou para a multidão à sua frente.
Demorou alguns segundos até que todos terminassem de compreender o que haviam escutado quando as primeiras palmas vieram. Eram Diana e Mark a aplaudindo fervorosamente. Parecia cena de filme, a plateia levantando-se aos poucos e os sons das palmas aumentando gradativamente. O seu ciclo como miss se encerrava, e ela não poderia estar mais realizada do que estava agora.


Fim



Nota da autora: Eu realmente espero que gostem, quis sair do óbvio da letra de menina apaixona por menino e tenta superar, queria mostrar uma história dela mesma superando os seus medos e espero ter conseguido isso.





Outras fanfics:
1) Roses
2) A Menina do Ônibus

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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