Última atualização: 01/05/2021

Capítulo Único

11/02/2015 - Quarentena dia 1

Bom, não sei por onde começar, estávamos avançando nas pesquisas para a cura de um novo vírus letal. Algo deu errado, não sei dizer o quê, o pequeno camundongo, exposto ao vírus e depois à “cura”, já estava morto a algumas horas quando fui mordido.
Devemos ter deixado algo passar, checagem de batimentos cardíacos, saturação, ou até então algum equipamento com defeito. Lembro-me de pegá-lo para fazer o descarte, quando ele abocanhou minha mão, tirando-a um pedaço. Acabei por deixá-lo cair no chão e não o encontramos mais. Desde então fui forçado pela diretoria do laboratório a isolar-me, para acompanhamento.
Uma equipe especializada veio aqui recolher amostras para testes laboratoriais, não deve demorar para sair o resultado, a julgar pela quantidade de sangue retirado, não são poucos os exames solicitados.
Meu quarto tem apenas uma cama, uma televisão pequena no alto, que mal sintoniza os canais, uma mesa num canto com poucos livros, um banheiro pequeno, uma esteira para manter-me ativo e deram-me este caderno em branco, para possíveis anotações.

12/02/2015 - Quarentena dia 2

Ainda não senti mudança alguma, nem do vírus ou da suposta cura, desde ontem já vieram coletar amostras cinco vezes, não houve nenhuma alteração nos resultados, mas o local da ferida parece estar inflamando onde ganhei os pontos.
A sensação de estar aprisionado, é sufocante, não poder sair daqui e ser monitorado o tempo todo é agoniante, comida daqui é estranha, mas a cozinheira é bem simpática.
Sinto-me desconfortável em ver meus colegas usando roupas de proteção biológica ao virem me ver, não tenho palavras para descrever, é simplesmente…
Assustador.
Acho que essa é a palavra certa, me assusta não saber o que irá acontecer a seguir, não saber como o vírus e a “cura” irão reagir em meu organismo.
A única coisa que me conforta é saber que tenho pessoas que gostam de mim ao meu lado.

13/02/2015 - Quarentena dia 3

Já estou cansado de ficar aqui, a televisão não tem programas interessantes, os documentários são sempre os mesmos, ou então muito parecidos; não consigo me manter focado nos livros, as palavras se embaralham e minha cabeça dói.
Mais uma coleta de amostras, mais uma bateria de exames; uma alteração apareceu em um dos resultados, nada grave, deve ter sido da mordida. A propósito, a cobaia fez um belo estrago, os pontos começaram a infeccionar, não só o meu dedo dói agora, e sim a mão toda.
Não tenho muito o que contar, mas hoje recebi uma ligação, é doloroso não poder abraçar minha família, angustiante demais não poder voltar para casa.

14/02/2015 - Quarentena dia 4

Hoje amanheci com tremores, minha temperatura baixou junto com minha pressão, foi tudo muito repentino, a comida daqui está começando a me deixar enjoado. Senti uma pequena alteração no meu apetite, a refeição oferecida parece não ser mais suficiente. Quanto mais eu me alimento, mais sinto fome.
Após mais uma bateria de exames, o vírus se mostrou inerte, possivelmente entrou em período de incubação, não temos certeza de por quanto tempo ficará assim, se isso é bom ou ruim. Só sabemos que é preocupante.
Resolvi finalmente usar a esteira, achei que fazer uma “caminhada” iria me animar, me fazer bem, mas sinto meu corpo dolorido como nunca; minhas articulações doem, meus músculos latejam, os medicamentos não surtem efeito.

15/02/2015 - Quarentena dia 5

O mau humor tomou conta de mim, a dor ainda não passou, pelo contrário, piora cada vez mais. Os medicamentos são como placebos, não tem efeito algum. Minha temperatura subiu, porém minha pressão continua baixa.
Recuso-me a comer a comida que me dão, é horrível, os legumes cozidos demais, a carne fora do ponto. Estão me obrigando a tomar suplementos, dizem que meus exames apresentaram um déficit de proteínas, aquelas cápsulas tem um gosto tão ruim quanto a comida.
A cobaia ainda não foi encontrada, a equipe teme que ela tenha saído do prédio e ido para os esgotos, as consequências seriam terríveis, com um vírus daquele, não conseguiríamos lidar com uma epidemia, ou quem sabe, uma pandemia. Aquela maldita cobaia, posso acabar perdendo a mão por causa daquela mordida, a infecção aumentou consideravelmente, os antibióticos não estão conseguindo a combater.
Vieram fazer a coleta duas vezes hoje, não tinham certeza quanto aos resultados dos primeiros exames, então decidiram por uma contra-prova. Talvez mais tarde me falem sobre o resultado.

16/02/2015 - Quarentena dia 6

A equipe se recusa a me contar o resultado dos exames, minhas veias, que sempre foram aparentes, desapareceram de tantas coletas de sangue que fizeram. Ouvi alguns estagiários conversando sobre algum vírus ter sofrido mutação, mas eles se calaram quando me pegaram prestando atenção em sua conversa.
Já estou a cinco dias trancado neste cubículo, quero poder ir para casa descansar, mas não permitem, nem mesmo uma ligação para minha família. Sinto que vou surtar a qualquer momento, não aguento mais ficar trancafiado, minha cabeça dói tanto que mal consigo parar em pé, e meu coração está tão acelerado que parece querer explodir a qualquer minuto.
Tudo aqui me deixa irritado, a televisão com a mesma programação, a esteira que faz meu corpo latejar só de olhar, a luz branca da sala, a lâmpada piscando no corredor, a funcionária me olhando como se eu fosse uma aberração é o pior de tudo. Ela empurra minha refeição no chão como se eu fosse um animal pronto para atacá-la.

18/02/2015 - Quarenta dia 7

Não entendo o que está acontecendo comigo, não sei o que me motivou a agredir o técnico do laboratório, ele veio apenas fazer a coleta de sangue, e quando dei por mim, estava avançado nele. Venho me sentindo mais hostil, a dor no meu corpo e no local da mordida não me ajudam a melhorar, desta vez ela veio acompanhada de uma febre, me deixando cansado demais até para poder escrever. Minha temperatura subiu de maneira exorbitante, meu corpo deve estar tentando combater a infecção. Não sei por quanto tempo mais irei aguentar isso.
Ainda não consegui suprir o déficit de proteínas, as cápsulas não são suficientes, meu cabelo começou a cair essa manhã, pelo menos só percebi ao acordar; meus olhos estão ficando com uma coloração diferente, minhas íris estão ficando mais claras, quase num tom esbranquiçado, acho que tive um derrame em ambos os olhos, o médico não passou mais por aqui, apenas alguns cientistas aparecem, dão uma olhada, coletam tudo o que acha necessário e se vão.
Novamente pedi para falar com minha família, e novamente recusaram.

19/02/2015 - Quarentena dia 8

Oitavo dia de quarentena, tive mais um acesso de raiva e agora a parede de vidro está toda manchada de sangue, a moça que faz a limpeza não teve coragem de pisar nesse andar, pelo menos foi o que ouvi dos estagiários, estão todos com medo de mim. Meus colegas foram transferidos de setor, eles não conseguiam mais trabalhar no meu caso, o CDC se obrigou a mandar uma equipe especializada. A frequência das coletas diminuíram, ou não reparei por passar a maior parte do tempo apagado.
Minha mão só piora, o dedo mordido pelo rato está necrosando, o que não é um bom sinal, posso acabar perdendo o braço todo por conta disso; meu corpo parece estar tomando vida própria, às vezes não reage aos comando do meu cérebro e tenho alguns espasmos ao longo do dia.

20/02/2015 - Quarentena dia 9 - 15h

Tive três convulsões seguidas de apagões em um espaço de quatro horas, não sei mais o que fazer, meu coração fica acelerado o dia todo, meus pulmões parecem querer falhar a todo momento; as dores; a febre; tudo faz minha cabeça querer explodir, tudo gira, tudo parece fora do lugar.

20/02/2015 - Quarentena dia 9 - 6h30 p.m

Mais duas convulsões, os anticonvulsivantes não fazem nem cócegas, as crises estão cada vez mais fortes, tenho a sensação de que os espasmos estão mutilando meu corpo; meus olhos estão mais sensíveis a luz, ardem cada vez que olho para aquela maldita luz branca no corredor, minha audição e olfato estão ficando mais aguçados, mas em compensação, meu paladar está mais fraco.
Minha cabeça ainda gira, as vezes fico confuso, esquecendo das coisas, tento a todo momento lembrar do nome da minha esposa e do meu filho mais novo, mas essa e outras informações me fogem a todo momento. Não recebi nenhuma notícia deles, acho que não iriam querer ver o estado em que me encontro, não iriam querer ver como me tornei agressivo.
A equipe que vem aqui está usando um uniforme mais reforçado, reparei isso ao tentar cravar minha unha na pele de um deles enquanto me continham, foram necessários três deles.

20/02/2015 - Quarentena dia 9 - 10h p.m

Eu tento, tento, e tento, mas não consigo mais me lembrar de quase nada, não lembro do que aconteceu ontem, não lembro do que aconteceu hoje pela manhã ou durante a tarde. Não lembro de terem feito o curativo em minha mão ou de quando limparam a parede de vidro manchada de sangue.
Tudo o que lembro é da fome, que não sei de onde ela vem, mas que faz meu estômago doer e meu peito se apertar em agonia. E lembro também de ter mordido uma das funcionárias descuidadas, o sangue em minha boca, o pedaço de carne descendo pelas minhas entranhas até o meu estômago, parecia mais gostoso que qualquer refeição preparada pelo melhor chefe do mundo. Finalmente a febre cessou, acho que meu corpo desistiu de lutar e minha temperatura caiu drasticamente, levando minha pressão junto; meus músculos estão mais relaxados, apesar das convulsões.
Consegui ficar de pé e andar um pouco pelo quarto, mas minhas pernas ainda estão fracas.

21/02/2015 - Quarentena dia 10 - 1h a.m

Não sei o que vai acontecer a seguir, o CDC e a diretoria não gostaram nada do que aconteceu a algumas horas. E gostaram menos ainda por não saberem o que está acontecendo comigo, ou o que este vírus está fazendo.
Só sei que não me sinto normal, mal sei como ainda consigo escrever com tantos espasmos. Minha cabeça voltou a girar e meus músculos a se contraírem, não acho que

06/08/2015

Seis meses já se passaram, consegui recuperar esse diário quando a equipe foi recolher o corpo do Dr. Greene, não sabemos o que ou como aconteceu, ele veio a óbito enquanto escrevia. O levamos para o necrotério, poucos minutos depois ele tinha matado e estava comendo a carne do médico legista.
Nunca conseguimos entender o que o vírus causou, como sofreu mutação em tão pouco tempo, e nunca entenderemos como espalhou tão rápido, se tornando uma epidemia e em pouco tempo, uma pandemia, apenas sabemos que o vírus se espalha pela mordida ou contato com sangue e secreções.
A cobaia nunca foi encontrada, mas poucos dias depois descobrimos várias pessoas infectadas, em sua maioria, pessoas da periferia, com pouco ou nenhum saneamento básico, logo a doença foi se espalhando para as classes mais altas. As pessoas morriam e voltavam à vida, algumas levavam minutos, outras horas ou dias.
Conseguimos conter a situação dentro do laboratório por alguns tempo, mas o bloco B e C já foram tomados por eles, conseguiram passar pelas portas principais do bloco A, onde me encontro agora, apesar de toda a segurança e do pessoal armado. Creio que não iremos aguentar por muito tempo, os tiros não pararam, os gritos estão ficando mais altos e estridentes.
Apesar de tentarmos, não conseguimos uma cura, ou um modo de prevenir, o paciente zero se misturou com os demais, dificultando a sua captura, e só o sangue dele continha a resposta da origem dessa praga.
O barulho de tiros cessou, mas os gritos não, os soldados devem ter ficado sem munição e foram pegos. E eu serei o próximo, não tenho chances de sobreviver sozinho lutando contra tantos deles com apenas uma arma. Este é o meu fim, e o fim da humanidade.
Uma bala, para um homem.


Fim.



Nota da autora: Bom dia, boa tarde, boa noite!! A ideia dessa fanfic é meio antiga, mas ela só saiu agora, durante a quarentena, portanto, não levem para o coração, plis <3. Cuidem-se, lavem bem as mãos, usem álcool em gel, não esqueçam das máscaras e se vacinem!!!
P.S: Há boatos de que possa sair uma continuação para ela :)



Outras Fanfics:
* The Swan Curse


Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus