Capítulo Único
O líquido espesso e escarlate escorreu por sua bochecha, queixo e pescoço. Era quente e pegajoso. não ousou abrir os olhos ainda, assustada demais para se mexer, então apenas sentiu o corpo do homem afundar mais sobre o dela, pesado, grosseiro. Morto.
No momento, estirada do chão do banheiro, ela só conseguia pensar em . Só conseguia pensar em como deveria ter aceitado as ideias loucas da amiga de largar tudo e cair na estrada sem motivo. Se tivesse, nada daquilo teria acontecido; as duas provavelmente estariam em Las Vegas àquela hora, gastando dinheiro que não tinham, e ela não teria acabado de matar um homem em um diner que lhe pagava menos de 10 dólares a hora.
Depois de muita deliberação e com muito esforço, ela conseguiu jogar o corpo do cretino para o lado e erguer-se, respirando com certa dificuldade – quase como se um ataque de ansiedade estivesse se instalando, e talvez realmente estivesse – enquanto sacava o celular do bolso do avental com mãos trêmulas.
— — arfou alto quando a outra atendeu a chamada. — Eu preciso de sua ajuda.
— ? Está tudo bem?
— Não. Preciso que você venha me buscar no trabalho. É uma emergência. Antes disso, passe no meu apartamento e pegue algumas roupas — falou rápido e ofegante, mas fez o possível para transmitir a mensagem com clareza. — Vamos cair na estrada.
— Ah! — exclamou ironicamente. — Agora vamos cair na estrada porque a senhorita quer?
— , isso é sério! Aconteceu um acidente. Precisamos ir!
— , você está me assustando. O que aconteceu?
— Não posso falar agora, por favor! — nesse ponto ela já estava desesperada, quase chorando. — Logo vão dar conta da minha ausência. Pegue o carro e venha rápido! — a desligou.
A alguns minutos dali, viu-se levantar ligeiro como nunca antes, inclusive deixando para trás sua mais nova paquera, uma jovem igualmente confusa que, muito a contragosto, teve que aceitar apenas “minha melhor amiga está em apuros” como desculpa. Depois de pegar algumas roupas para si mesma e passar na casa de como requisitado, utilizando a chave que tinha em seu próprio chaveiro, finalmente estacionou em frente ao Papa’s Diner.
Correu estabelecimento adentro, procurando por por todos os cantos. Quase questionou alguns dos funcionários, mas lembrou-se das palavras da amiga e pensou que seria uma péssima escolha; afinal, o ideal era que não dessem falta dela ainda. Só lhe restava checar os banheiros. Bateu na porta com cautela quando se aproximou do feminino, onde uma pequena fila de mulheres emburradas já se formava.
— Ei, entre na fila e aguarde sua vez como todas nós! — uma delas protestou.
De trás da porta, veio uma voz abafada.
— Está ocupado, desculpe.
— , sou eu — disse, ignorando os xingamentos que lhe eram direcionados.
Menos de um segundo depois, a tranca foi desfeita e puxou-a para dentro. Quando se deparou com a situação ali, seus olhos arregalaram-se tanto que pareciam que iam saltar, e ela tampou a boca com uma das mãos. Suspirou fundo, varrendo o banheiro com o olhar e analisando a amiga de cima a baixo, buscando uma explicação.
A parte de cima do uniforme de estava coberta de sangue, assim como parte de seu rosto, pescoço e uma das mãos. No chão, um homem caído em uma poça do próprio sangue – ela o conhecia, ele também trabalhava lá. Mais ao canto, uma faca de cortar pão, também ensanguentada, compunha a cena grotesca.
— Eu posso explicar — ela choramingou, salpicada de carmim.
— Você pode explicar tudo no carro — cortou. — No momento, só precisamos descobrir como diabos vamos sair daqui sem que nos peguem. Certo, vamos ver... — estalou os dedos e sacudiu as mãos nervosamente, então tirou a jaqueta jeans e entregou à outra mulher. — Lave as mãos e o rosto. Agora. Depois cubra a roupa com isso.
retirou o avental e começou a esfregar a pele freneticamente com o pano e ajuda da água da pia. , enquanto isso, pensava em algum meio de tirá-las dali sem que alguém entrasse logo depois e flagrasse a cena do crime.
— Aqui tem alguma placa de interdição ou algo do tipo? — perguntou.
— No banheiro dos homens.
— Não vá a lugar algum.
Elas teriam rido com a ironia daquela frase, mas no momento era impossível. voltou para o lado de fora – as nobres senhoras já haviam parado de socar a porta – e tentou contornar a situação.
— Ninguém veio disponibilizar um novo banheiro para vocês? — falou após limpar a garganta.
— Não. Ninguém consegue encontrar o gerente — uma delas respondeu e engoliu em seco. — O que tem de errado com esse?
— É, o que sua amiguinha tanto faz lá dentro? — questionou outra.
— Não é minha “amiguinha” que está lá dentro — fez as aspas com os dedos, o mais séria possível. — É minha funcionária. Eu sou a substituta do gerente e vim ver o que está acontecendo. Esse banheiro está completamente inutilizável, alguma monstrinha veio e entupiu as duas privadas. As duas!
Um coro de “ewww” foi ouvido e quase sorriu consigo mesma; o plano estava funcionando.
— A moça lá dentro está tentando consertar isso — foi até o banheiro masculino, vazio, e retirou a placa onde lia-se claramente INTERDITADO. Colocou-a na frente do feminino e liberou o espaço para a fila de clientes apertadas. — Prontinho, senhoras. Isso é só por um tempo, em breve o seu banheiro estará limpinho e cheiroso para utilização. Nesse meio tempo, fiquem à vontade para usarem esse.
A horda agradeceu e logo o corredor dos banheiros foi esvaziando. Ainda presa em seu inferno particular, porém, notou que o sangue do gerente começava a escorrer em direção à fresta da porta. Desesperada, puxou vários papeis-toalha e foi colocando-os um sobre o outro na tentativa de impedir aquilo. Funcionou naquele momento, mas em breve iria vazar e todos conheceriam a verdade.
Em poucos minutos, ela apareceu usando a jaqueta emprestada e com o rosto e pescoço ainda um pouco manchados de vermelho, mas nada comparado a antes. Quando percebeu, já estava no banco do carona do Dodge Challenger 1970 com pisando fundo no acelerador, dirigindo para bem longe dali.
— Não acredito que você tirou a placa de interdição do banheiro dos homens — tentou puxar assunto, uma vez que o silêncio entre as duas era ensurdecedor. Isso nunca acontecia. — Os canos estão entupidos. Em pouco tempo, vai tudo voltar pela privada.
— Bom, parece que eles terão um problema maior para se preocupar, não é mesmo? — respondeu . Ela estava séria, mas parecia ser mais pelo nervosismo do que raiva.
— Me desculpe.
— Não peça desculpas. O que ele fez?
— Ele tentou... — pigarreou. — Ele tentou... — mas não conseguiu finalizar.
— Porra — socou o volante.
— Ele entrou depois de mim no banheiro e trancou a porta — contou. — Me prendeu no chão e colocou um pano na minha boca. Ele estava em cima de mim, eu não conseguia gritar, só tinha aquela faca comigo. Quando notei, estava no pescoço dele.
— Aquele filho da puta! Ele sempre foi um porco abusador. Eu nunca deveria ter te deixado trabalhar lá... Inferno, eu nunca deveria ter te deixado sozinha lá!
— Não é culpa sua. Você achou uma vida melhor como artista e saiu. A culpa é minha.
— Nunca mais diga isso, entendeu? — parou no semáforo e olhou para a amiga com uma expressão muito séria no rosto, os olhos úmidos. — A culpa não é sua. Ele mereceu morrer.
— Eu poderia ter feito outra coisa.
— Tipo o quê?! Você não podia gritar e ele era muito maior. É loucura, mas você fez a coisa certa.
O silêncio se instalou novamente, até que o quebrou.
— E agora?
— Agora... — suspirou. — Caímos na estrada como eu sempre quis. Cuidado com o que deseja, eu acho.
— , é sério. A polícia vai vir atrás da gente. Eu sou uma assassina!
— Nós somos assassinas. Quer ficar calma, por favor? Eu sei o que estou fazendo.
Com toda honestidade, não sabia. Sabia, no entanto, que deveria manter a calma pela melhor amiga. É claro que estava nervosa, assustada mais do que poderia mencionar, mas entrar em pânico não ajudaria ninguém. Especialmente , que provavelmente já tinha muita coisa na cabeça àquele ponto. Se alguém deveria manter a calma, era ela. Por . Faria o possível e o impossível para manter os pés da amiga no chão e, mais importante, mantê-la segura.
já traçava um plano de estratégias em sua mente e, para incrementar a adrenalina que rodeava as duas, girou o botão do volume no painel do carro e deixou que Shitlist da banda L7, formada somente por mulheres, iniciasse a trilha sonora daquela longa viagem.
e seguiram alguns quilômetros em direção a uma cidade e, no meio do caminho, pararam em dois caixas eletrônicos diferentes para sacar dinheiro – todo o dinheiro que tinham. Depois, simplesmente fizeram o caminho de volta e seguiram em direção ao ponto cardeal contrário. A ideia fora de , que acreditava aquela ser uma forma de despistar os policiais. Muito em breve eles definitivamente coletariam informações de cartões de crédito e débito das duas mulheres e veriam os horários de cada operação após o assassinato, porém seguiriam na direção errada. Ah, e os celulares? Destruídos.
e já haviam passado por pelo menos duas placas de cidades vizinhas quando finalmente pararam em um hotel, portanto a noite já havia caído e uma brisa fria soprava no momento em que adentrava o escritório para pagar pelo quarto. Antes, porém, havia discutido com se deveriam realmente fazer aquilo ou simplesmente arrombar um quarto.
— Quer quebrar mais a lei? — sussurrou .
— Você já matou um homem, o que é arrombar uma porta? — rolou os olhos. A amiga pareceu aborrecida. — Olhe, e se aparecermos na TV? Acha que o dono do hotel não vai nos denunciar? Especialmente se tiver recompensa envolvida. Não temos dinheiro no mundo que cubra qual seja o valor que a polícia ofereça.
mordeu o lábio inferior.
— Acha que já o encontraram?
— Com certeza. É apenas questão de tempo agora até vermos nossos rostos estampados nos noticiários... Ei, ei, não chore agora — sussurrou de volta ao ver lágrimas começarem a se formar nos olhos da outra. — Paramos apenas por essa noite e amanhã continuamos. Vamos estar bem longe de tudo em breve.
— Promete?
— Eu prometo. Agora vá até lá pegar nossas chaves. Se temos mesmo que fazer isso, pelo menos finja que está sozinha. Estarão procurando duas jovens, não só uma. Além disso, você tem um rosto meio comum.
As duas riram um pouco alto daquilo e logo se separaram. ficou aguardando ao lado do Challenger em um canto do estacionamento frio e mal iluminado enquanto ia até o balcão e pagava adiantado por um quarto com uma única cama de solteiro – sob um nome falso, é claro. Poderia inventar uma história e dizer que queria cama de casal por gostar do maior conforto, mas era melhor não arriscar. Logo já estava dentro do recinto simples, quente e aconchegante com a melhor amiga.
Naquela noite, quando saiu do banho, os cabelos escondidos sob uma toalha branca, precisou de auxílio com as próprias madeixas. Acariciava as longas tranças que sempre usava enquanto explicava para que precisava de sua ajuda para retirá-las, pois eram muitas. O rádio ao lado da cabeceira da cama estava ligado e começava a tocar Better Not Look Down, de B.B King.
— Não! — reclamou a amiga. — Eu amo suas tranças, por que vai tirá-las?!
— Porque vou aparecer com elas em todas as fotos — explicou. — Acredite, isso vai ser melhor do que usar um bigode falso com óculos escuros.
riu de novo. Era sempre daquele jeito com ; ela conseguia fazê-la rir como ninguém mais, até mesmo nos piores momentos – e aquele definitivamente era classificado como o pior de todos. Sentaram-se na cama e logo começaram todo o processo que durou uma hora. Por fim, os fios cacheados de emolduravam sua face corada como uma coroa de flores.
— Está com fome? — perguntou um pouco antes das onze da noite. Já vestiam roupas mais confortáveis e estavam espremidas na cama zapeando os canais em busca de qualquer sinal de perigo.
— Morrendo — respondeu com uma careta.
— Acho que podemos ir ao bar que vimos um pouco antes na estrada. Comer algo, de repente tomar umas... Nada que nos atrapalhe se precisarmos correr.
— Não diga isso! — deu um tapinha de leve no ombro de , mas estava rindo feito uma criança, subitamente animada. Era ridículo; nem parecia que havia literalmente matado um homem há nem mesmo vinte e quatro horas. Talvez fosse a adrenalina. Ela já não parecia a garotinha assustada de horas antes. apreciava aquilo e preocupava-se ao mesmo tempo. Não a deixaria fazer nenhuma besteira por instinto.
Trocaram as roupas por outras mais sociáveis e discretas e foram a pé até o pé sujo na beira da estrada, que contava com acompanhamento musical, típico do sul e sudoeste dos Estados Unidos, e estava cheio de homens e mulheres da classe trabalhadora. O palco iluminado em escarlate ao fundo sugeria que algum show picante poderia começar a qualquer segundo.
não percebeu, mas assim que adentrou o lugar com , um par de olhos muito especiais a seguiu por todo o caminho que fez das portas de saloon até o balcão. As mulheres pediram um prato enorme de bacon e costelas para matar a fome e duas cervejas para ajudar a descer tudo. Ao terminarem a refeição em tempo recorde, o dono do par de olhos brilhantes que estava grudado em desde o início se aproximou das duas.
— Boa noite, senhoras — disse ele.
virou o rosto para olhá-lo e ficou sem palavras com a beleza do rapaz. Ele simplesmente parecia o Brad Pitt mais novo; rosto bem delineado, mandíbula angular e marcada, lábios carnudos, maçãs do rosto proeminentes.
rolou os olhos. Já estava acostumada com homens dando em cima das duas, mesmo que na maioria das vezes fosse o alvo principal – não que se importasse com isso, afinal, nem curtia homens. Se queria um Brad Pitt, ela queria a Angelina Jolie. Daquela vez, no entanto, por saber que aquele rapaz era o tipo exato da amiga, sentiu que ia sobrar e já podia esperar muita melação.
Aquilo se classificava como “besteira por instinto”? Talvez, mas o que podia fazer? era romântica e só Deus sabia o quanto ela precisava de um pouco de distração. Talvez aquela fosse sua última noite na Terra. Odiava o pensamento, mas era verdade. Ninguém podia prever o dia seguinte. Inferno, ninguém poderia prever nem as próximas horas. Especialmente na situação em que se encontravam. E como que para incrementar a cena, I Can’t Untie You From Me começou a tocar no bar.
— Oi... — disse , sendo seguida por um murmúrio qualquer de .
— Me chamo , acho que nunca as vi por aqui antes.
— Sou . Essa é minha irmã, .
Ela evitou responder o comentário sobre ele nunca tê-las visto antes, cansada demais para inventar uma mentira e querendo logo pular para um assunto mais interessante. nem mesmo questionou quando ela alegou serem irmãs, mesmo sendo muito diferentes uma da outra, e isso fez dar um pequeno sorriso de canto, focada em sua bebida.
— Você quer dançar, ? — perguntou ele em um sotaque sulista surpreendentemente sexy. — Se sua irmã não se importar de ficar sozinha por alguns instantes, é claro.
— Oh, divirtam-se — disse e recebeu um beijo no rosto de em resposta. Ela pulou do banco estofado e correu para o meio do recinto com , onde começaram a dançar abraçados no ritmo da música. A outra olhou para trás e riu com a cena, não demorando a pedir um shot de tequila para fazê-la companhia.
A noite seguiu sem muitos detalhes memoráveis; e conversaram a noite toda ao lado de , apenas deixando-a para dançar mais algumas músicas ou cantar no karaokê. Por sorte, aquilo não parecia chamar atenção geral, visto que muitas mulheres ali se pareciam com ela e também se divertiam cantando e dançando com seus parceiros.
Mas é claro que nem tudo era perfeito. Pouco antes de uma da manhã, quando um show de strip-tease estava programado para começar, a televisão, que nem mesmo havia percebido que estivera ligada a noite toda, começou uma transmissão de emergência para encontrar duas fugitivas. Ela engoliu em seco e procurou com o olhar pelo local abarrotado. Ninguém parecia dar atenção às notícias, tamanha era a excitação pelo show prestes a começar e a música alta. Certamente havia sido algum tipo de intervenção divina que a fizera prestar atenção no aparelho naquele exato momento.
Encontrou-a com os braços laçados ao redor do pescoço de e deu um leve aperto em seu braço. Ela a olhou assustada.
— Temos que ir — sibilou .
— O quê? A melhor parte está prestes a começar! — ralhou . — , não pode ir. Fique comigo.
— Eu realmente gostaria muito — seus olhos eram tristes e ele sentiu honestidade naquele olhar. — Foi bom te conhecer, ...
Selou seus lábios em um beijo apressado e correu porta afora de mãos dadas com . ficou parado no meio da pista e suspirou fundo, a expressão igualmente chateada e saudosa. Seria possível já estar apaixonado por ? Bom, de acordo com os filmes que assistia e o lugar em que fora criado, era muito possível sim. Todos se apaixonavam rápido demais, casavam cedo demais e com trinta anos já tinham cinco filhos. Pelo menos.
Ele virou as costas para a porta e pôs-se a caminhar em direção à comoção que começava a se formar na frente do palco, todos tão alheios ao que passava no noticiário... Ao contrário dele. Por algum motivo, seus olhos caíram direto na foto das duas amigas abraçadas estampada na tela da TV e ele logo entendeu tudo. Talvez não reconhecesse se sua foto fosse mostrada sozinha por causa da diferença drástica de penteado, mesmo com traços tão distintos. , por outro lado... Sua beleza era simples e comum, mas a reconheceria em qualquer lugar. Apressado, também correu para fora do bar.
De volta ao hotel, tentava acalmar uma que iniciava um ataque de pânico.
Eu deveria... Eu deveria pintar o cabelo — disse entre uma arfada e outra. O peito subia e descia freneticamente, ela estava suada e lágrimas começavam a rolar por seu rosto pálido.
Somente após vários minutos, com muito esforço, voltou a seu estado mais calmo e tranquilo.
— Sente-se melhor? — indagou e estendeu uma mão para entregar-lhe um copo d’água. apenas assentiu enquanto engolia o líquido com vontade. — Precisamos ir.
— Agora? Tem certeza que é o melhor?
— Sinceramente, eu não sei.
— Por favor, vamos ficar essa noite. Não me sinto segura para irmos agora. Está tarde e o mundo é mais perigoso ainda na escuridão.
— E se nos reconheceram por lá? E se nos seguiram? Especialmente seu novo amiguinho.
— Ficamos de guarda durante a noite. Eu começo. Pode ir dormir.
— ...
— Confie em mim.
E assim foi feito. Pela manhã, juntaram tudo nas pequenas bagagens que carregavam e saíram porta afora com cautela. Apenas para pararem no meio do caminho em direção ao Challenger com os queixos caídos. Elas deveriam ter notado a presença de um carro estranho que não estivera ali na noite anterior quando olharam pela janela minutos antes de sair. Mas foi só quando pulou para fora de seu Ford Thunderbird 1966 que elas perceberam a falta de atenção. Imediatamente, pôs-se na frente de .
— O que está fazendo aqui, caipira? — cuspiu as palavras sem educação.
— ! — a amiga sussurrou.
— Ele sabe.
ergueu as mãos, o rosto genuinamente pacífico e carregando um olhar apaziguador.
— Sim, eu sei — ele disse e inspirou alto em surpresa. — Mas não vim para entregá-las.
— Ah, é? E por que deveríamos acreditar nisso? — enfiou uma mão na lateral da barra da calça, sob a camiseta, como se ameaçasse puxar uma arma.
— Porque eu passei a noite toda aqui. Dormi em meu carro. Tive diversas chances de invadir aquele quarto e pegar as duas. Mas quero ajudá-las.
— É claro que quer.
— , deixe-o falar — pediu, muito para a indignação da outra. Continuou em tom mais alto: — Continue, .
— , eu quero passar o resto da minha vida caipira com você — começou enquanto tirava o chapéu e retorceu o rosto em uma careta de nojo cômica. — Vamos fugir juntos. Vamos ser Bonnie e Clyde. Mickey e Mallory. Clarence e Alabama.
— Desculpe, bonitão, mas já somos uma dupla — interrompeu. — Thelma e Louise.
tinha um sorriso começando a crescer no rosto quando puxou para o canto, fazendo com que a olhasse. Antes de prestar atenção na melhor amiga, porém, essa última encarou com um dedo apontado.
— Não tente nenhuma gracinha — e deu dois tapinhas na cintura onde sua arma invisível estava.
— , eu acredito nele. Deixe-o vir. Pode ser bom ter um homem forte para nos proteger.
— Achei que eu nos protegia!
— Você protege! Mas... Bom, proteção nunca é demais, é? E... Eu realmente gosto dele.
Elas o olharam de soslaio. Ele estava apenas parado lá, encostado no capô do Thunderbird, completamente inofensivo e esperando uma decisão. Olhou-as de volta sob belas sobrancelhas.
— Vamos fazer um teste — concluiu em um sussurro que somente conseguiu ouvir. — Vem na minha onda.
Andaram até e pararam em sua frente.
— , eu não quero que você venha. Somos só eu e minha irmã nessa. Desculpe, mas você tem que ir.
— Está sendo honesta? — ele questionou com calma. — Achei que me queria ontem à noite.
— Não mais.
Ele assentiu, o rosto subitamente abatido. Colocou o chapéu novamente, o ajeitou e deslizou de volta para o banco do motorista. Quando o motor foi ligado e ele começou a dar ré para ir embora, e se entreolharam. Por fim, estava quase pegando a estrada quando as duas começaram a correr em sua direção abanando os braços. muito a contragosto, mas não deixaria sua melhor amiga ficar triste por não estar com o homem que supostamente amava. Ele parou e olhou pela janela.
— O que foi?
— Eu quero! Eu quero que você venha! — gritou. — Por favor, venha.
— Mas você acabou de dizer...
— Eu menti. Eu precisava provar para ela que você não tinha a intenção de nos prejudicar.
Ao invés de ficar com raiva por ter sido enganado e feito de bobo, por ter tido seu caráter testado secretamente, abriu o maior sorriso já conhecido pelo homem e correu para fora, até , agarrando-a pela cintura e girando-a no ar. Os dois deram um beijo digno de cinema enquanto rolava os olhos.
— Eu passei, então? — ele perguntou quando a pôs no chão.
— Ainda não confio em você — respondeu . — Mas é um começo. Mais alguém nos viu na TV ontem?
— Duvido muito. A chamada não durou muito e, sinceramente, não dava para ouvir nada. Todos estavam mais preocupados com o show das garotas. Você não tem realmente uma arma, tem?
— Você não quer descobrir.
De volta à estrada, ia ao volante do Challenger com no banco do carona enquanto dirigia o Thunderbird do rapaz com êxtase exagerado. De acordo com , até ganhar a total confiança de , ele não deveria sair de sua vista. No entanto, não iria sozinha com ele no Thunderbird, mesmo que fosse a motorista, por não saber o que ele poderia ter escondido ali.
Seguindo mais atrás, estava tomada pela adrenalina de estar sendo procurada por assassinato e ao mesmo tempo pela excitação de estar fugindo com a melhor amiga e o homem por quem estava apaixonada.
— Você não tem medo de namorar uma assassina? — perguntou em certo ponto. — vem matando homens desde 1991. Sabia que o pai dela teve um ataque cardíaco quando ela nasceu? Agora nosso ex-gerente... Você pode ser o próximo.
— Isso é malvado — ele riu. — Mas não me assusta. De verdade, ela não é uma assassina em série, é?
— Não.
— E teve um bom motivo, eu imagino.
— Sim. Ela quase foi estuprada.
— Então fez a coisa certa. Só queria ter sido eu a matar o maldito — cerrou os punhos e suprimiu um sorriso orgulhoso. Ele não parecia tão mal, afinal. — Honestamente, acho mais provável você me matar do que ela.
finalmente riu com aquilo. Em seguida, ficaram em silêncio por mais alguns instantes até que ele foi quebrado pela mulher.
— Escute, não precisamos de dois carros e sim de mais dinheiro. Pensei em vendermos um.
— Tem uma concessionária no início da próxima cidade. Vendemos o Thunderbird. Ele vale mais.
— Não tem valor sentimental para você?
— É um carro velho. Serviu seu propósito. vale mais do que qualquer coisa.
— Nisso concordamos.
Houve uma pausa.
— Por que tudo o que você me pergunta parece mais um teste, hein?
— Preocupado em não passar dessa vez?
— Não tenho nada a esconder — deu de ombros. — E você? A ama? Sei que não são realmente irmãs.
— Não de sangue. É claro que a amo, mas não como você pensa. É minha melhor amiga. Se a machucar, eu juro...
— Com isso não precisa se preocupar. Nem ter ciúmes. Queremos a mesma coisa: sair vivos dessa. E protegê-la.
— Ótimo. Quanto ao carro, é melhor vendermos esse aqui. Irão procurar por duas garotas em um Challenger, não em um Thunderbird e com um cara mala.
apenas riu genuinamente em resposta e concordou. Horas mais tarde, após terem desembolsado alguns mil dólares com a venda do Challenger, seguiram até uma cidadezinha mais ao sul enquanto continuava dirigindo e ia ao banco de trás conversando o caminho todo com e tentando descobrir mais coisas sobre ele, especificamente coisas que poderia ter em comum com sua melhor amiga.
Por fim, pararam em mais um hotel qualquer beira de estrada e dividiram-se em dois quartos. À noitinha, quando o crepúsculo já havia caído e espalhado uma névoa roxa pela vizinhança, adicionando um toque lúgubre ao edifício alto, ouviu batidas ocas à porta do quarto. É claro que e compartilhavam um só para eles. Ela olhou pela janela antes de abrir e deu de cara com o rapaz parado no sereno.
— Estou indo comprar mantimentos — anunciou ele. — O que vai querer?
— Decido no caminho. Vamos — e fez menção de sair porta afora, mas ele pôs-se no caminho.
— , é perigoso. Eu deveria ir sozinho, ninguém me reconheceria.
— Não posso arriscar.
— Ainda não confia em mim, não é?
Sua resposta foi o silêncio. Ele suspirou.
— Certo. Vamos.
A atmosfera que os rodeava até a pequena mercearia que havia na região era pacata, porém pesada pelo medo do inesperado – muito podia dar errado. No entanto, desde a entrada na loja até o pagamento pelos produtos necessários e finalmente a saída para fazerem o caminho de volta ao hotel havia sido sem surpresas. Foi só no meio do trajeto que as coisas se complicaram.
— Ei, você — chamou uma voz rouca e desconhecida, fazendo e , que seguravam diversos sacos de papel com as compras, virarem-se.
— Posso ajudar? — perguntou .
— Não estou falando com você, bonitão. Estou falando com ela — era um homem velho e muito mal-encarado que usava um boné vermelho, vestia roupas sujas e não tinha alguns dentes da frente.
— Bom, ela está comigo, então qualquer coisa que queira dizer a ela pode se dirigir a mim também.
A boca do velho era uma linha fina e enrugada que mastigava tabaco. Ele deu uma longa cuspida no chão antes de responder.
— Não sabe com quem anda, garoto? Pelo visto não assiste ao noticiário.
— Não sei do que está falando — ao seu lado, engoliu em seco, mas ficou quieta. pôs uma mão nas costas da mulher para incentivá-la a continuar andando, virando as costas para o estranho. — E temos mais o que fazer.
— Essa puta aí do seu lado é procurada pela polícia por assassinato — ele praticamente gritou. Por sorte, não havia mais ninguém lá fora ou na pequena loja, com exceção do operador de caixa espinhento ocupado demais com enormes fones de ouvido. fechou os olhos e expirou, tenso. olhou-o de relance e virou-se mais uma vez.
— Sem ofensa — começou —, mas já está tarde, escuro, e o senhor parece já ter bebido algumas. É normal confundir as pessoas nessa situação. Sem problemas, eu te desculpo.
— Eu reconheço uma assassina quando vejo uma! — Veio outro cuspe enquanto ele caminhava em direção à mercearia. Ou melhor, ao telefone público que havia ao lado do estabelecimento. — E você e sua amiguinha vão pagar pelo que fizeram!
— E você? — questionou , depositando os sacos no solo arenoso. — O que acontece com você?
— Eu fico rico com a recompensa. Fuja enquanto pode, garoto. Essa aí não vale um centavo. Ou pode agarrá-la enquanto telefono, para que não vá a lugar algum. Vamos, pegue-a! Eu divido a grana com você.
Por um doloroso momento, pensou ter visto a dúvida no rosto de , um flash de consideração da oferta. Ele a encarou por um instante com aqueles olhos brilhantes e ela sentiu que estava tudo acabado. O mecanismo de luta ou fuga então a dominou e fez seu corpo inteiro retesar, então quando saltou para o ataque, ela largou as compras no chão e cerrou os punhos, pronta para revidar.
Mas ele não foi em sua direção. Ele correu até o velho, jogando-se contra ele até que os dois estivessem rolando no chão áspero e duro buscando vantagem um sobre o outro. apenas assistiu em choque enquanto desferia socos contra o rosto do homem antes de ser dominado e jogado para baixo com as costas no asfalto, seu oponente sobre ele revidando os golpes.
A mulher apressou-se até uma lata de lixo sobrecarregada e pegou a tampa, usando-a para atacá-lo por trás. Isso somente o deixou mais irritado, de modo que esqueceu e partiu para cima dela com as mãos esqueléticas fechando-se contra sua garganta, apertando, apertando... deu um chute onde lhe causaria a mais intensa dor, mas mesmo em agonia ele continuou enforcando-a. Até que subitamente parou, golpeado por uma pedra massiva que salpicou gotas escarlates no rosto de .
Ela arfou em busca de ar, massageando a garganta. Observou terminar o que havia começado e enfim arrastar o corpo até todo o lixo que havia largado na beira da estrada, tentando camuflá-lo entre as sacolas plásticas na escuridão da noite. Fez um trabalho quase perfeito; pela manhã já o teriam encontrado, é claro, mas pelo menos durante a madrugada ele não assombraria ninguém.
— Você me salvou — conseguiu dizer com a voz rouca e falha.
— Não temos tempo para isso agora, me ajude a pegar nossas coisas e vamos!
Correram de volta para o hotel e foi direto para seu quarto se recompor, largando sua parte das compras em cima da mesa, de qualquer jeito. Minutos depois, adentrou o local e logo ouviu a água do chuveiro correndo. imaginou que já tivesse lhe contado todo o acontecido.
— Você está bem?
— Estou — assegurou, olhando-a por uma fresta na cortina do box. Era verdade, mas a marca vermelha ao redor de seu pescoço era preocupante. — Só um pouco abalada.
— Que bom que ele estava lá. Eu não sei o que faria se a tivesse perdido.
— Como ele está? — questionou de volta. — Não deve ser fácil matar uma pessoa. Você sabe.
— Ele está bem. Um pouco machucado. Fez o certo e acredita fielmente nisso.
As duas sorriram e subsequentemente ficaram conversando por mais uma boa hora, sentadas na cama de e comendo alguns dos mantimentos comprados a muito custo. Mais tarde, despediu-se da melhor amiga e voltou ao encontro de . Este estava sentado na cama com as pernas esticadas e os braços flexionados atrás da cabeça enquanto assistia qualquer porcaria na televisão. Luzes neon do programa refletiam em seu cabelo e rosto perfeito, mesmo com as recentes contusões, contrastando com a luz apagada do quarto.
— Como ela está? — questionou ao ver a amada.
— Bem. é osso duro de doer — ela riu agradecida, sentando-se ao lado dele. — Obrigada por ter feito aquilo.
— Vocês são minha família agora. Foi algo natural.
aproximou seu rosto do dele.
— Eu te amo — sussurrou.
— Eu te amo.
Foi quando, por coincidência ou destino, a música Ready For Love, da banda Bad Company, começou a tocar na TV. tocou o rosto de suavemente e deslizou a mão para dentro de seus cabelos, puxando-a para um beijo. Beijo esse que começou devagar e se intensificou até que ela estivesse em seu colo, roçando sua pélvis contra a dele e sentindo os resultados daquele movimento em ambos os corpos. Ela pegou aquele rosto anguloso nas mãos e traçou a mandíbula marcada com os polegares como se tocasse uma obra de arte. Enquanto isso, ele apertava a cintura da mulher sobre ele, depois passando a acariciar as coxas e nádegas.
parou e se afastou por um momento para analisar cada detalhe do rosto de com olhos suplicantes, absorvendo a beleza em seu semblante e também as mínimas imperfeições que apenas a deixavam mais atraente. Ela fazia o mesmo com ele, mas parou quando o rapaz começou a deixar um doce caminho de beijos de seu pescoço até os ombros, e essa foi sua deixa para fechar os olhos e enfiar uma mão por dentro de sua calça.
O gemido que escapou por entre os lábios carnudos de foi o suficiente para iniciar um frenesi dentro de , que não demorou a ter a mesma sensação que causava no namorado quando este reciprocou o ato: primeiro com os dedos, depois com a língua.
Quando menos perceberam, todas as suas roupas estavam jogadas em um canto do quarto e eles envolviam-se em um amplexo perfeito, pele nua contra pele nua, pelos eriçados e doces sons escapando de bocas entreabertas. Seus corpos pareciam brilhar tanto pela excitação enquanto ele movia seus quadris em perfeita sintonia com ela, dentro dela, quanto pelas luzes que vinham da televisão e do céu estrelado com uma lua cheia perfeita no centro que cintilava através da janela.
O contato visual e físico acontecia quase de forma hipnótica. mantinha as pernas cruzadas ao redor da cintura de , os calcanhares roçando contra as nádegas macias do rapaz, e ele alternava entre deliciar-se entre seus seios e seus lábios.
Foi quando finalmente aconteceu. O orgasmo chegou em uma explosão para os dois simultaneamente, que tiveram que abafar os gritos de prazer que teimavam em fazer-se ouvidos por quem mais estivesse presente naquela construção no meio da estrada. Após se lavarem, dormiram nus mesmo, ainda pulsando levemente, abraçados e com a sensação de que tudo estava bem.
Os próximos dias foram bem mais pacíficos que os dois primeiros e sem acontecimentos memoráveis, tanto que conseguiram ficar no mesmo hotel por mais de uma noite. e já se abriam mais um com o outro e as discussões eram cada vez menos frequentes. Ao contrário das noites de amor entre o rapaz e , é claro, que haviam se tornado bem comuns.
O trio que continuava seguindo em direção ao sul acreditava estar mais longe dos problemas e prestes a verem-se livres para sempre do perigo iminente. Assistiam filmes em drive-ins, comiam em diners de segunda mão e até ousavam cantar em karaokês em bares no meio do nada após alguns drinks. Mas como a avó de sempre lhe dizia, há sempre calmaria antes da tempestade.
— Vamos parar nessa lavanderia antes de irmos para o próximo hotel — pediu a , que dirigia. — Eu não aguento mais usar roupas sujas.
Através da janela, ela encarou o letreiro roxo neon que anunciava autoatendimento 24 horas por dia junto ao nome do estabelecimento com olhos deslumbrados, ansiando por roupas limpas, cheirosas e macias. O relógio marcava bem mais da meia-noite, então eram os únicos por ali.
— Acho que merecemos isso — concordou enquanto paravam junto ao acostamento. Os três saltaram do Thunderbird carregando as bagagens e adentraram a lavanderia automática.
Moedas devidamente encaminhadas e roupas postas nas máquinas de lavar, , e aguardavam conversando sobre qualquer coisa. Foi quando ouviu pneus passando por cima dos pequenos cascalhos na beira da estrada e parando também. Ele olhou pela janela apenas para ter a visão de dois carros de polícia na entrada.
— Merda! — exclamou.
— O quê? — arregalou os olhos e prendeu a respiração.
— Eles nos acharam.
As mulheres confirmaram o que ele dizia quando uma voz dura e firme aumentada por megafone soou do lado de fora, quase fazendo com que quisessem tampar os ouvidos, mas não pela altura e sim pelo medo. Ele falou seus nomes completos.
— Vocês estão presas! Rendam-se agora! Saiam devagar com as mãos para cima e não tentem nada! Não serão machucadas! Senhor, preciso que saia também!
— Não disseram seu nome — constatou .
— Provavelmente não têm minha identificação.
— Conveniente.
— Maldição, , como pode pensar nisso agora? Merda, como nos encontraram?!
— Devem estar na nossa cola há dias — concluiu com um olhar vazio em direção ao nada.
— Sim — assentiu, concordando. — Acabou.
Subitamente, a luz pareceu voltar aos olhos da outra, erguendo-os com pressa para encontrar os da amiga.
— Não! Não acabou! Não nadamos esse tempo todo só para morrer na praia!
— Na praia? — zombou — , acorde! Não estamos nem na porra da areia! Estamos nos afogando! Foi idiotice pensar que conseguiríamos.
— Deve ter alguma saída nos fundos! — interviu.
— Isso é uma lavanderia automática, não um shopping center!
foi até um extintor de incêndio e o puxou da parede. As luzes neon davam um toque ainda mais ameaçador a seu rosto.
— Não vamos cair sem uma luta.
— É claro que vamos — argumentou . — Pelo menos eu vou. Não quero levar um tiro!
— ...
— Como se você não conhecesse o sistema. Você pode sair impune se atacar um policial. Eu não.
A polícia do lado de fora começava a ficar impaciente.
— Nós vamos contar até cinco e invadir. Saiam pacificamente enquanto há chance! Um...
— , por favor.
— Dois...
Ela entendia. a havia protegido até o momento, era hora de retribuir. Assentiu e largou o pesado extintor vermelho em um canto ao chão, andando até a melhor amiga e abraçando-a com força. Talvez fosse o último abraço delas. não dizia ou fazia nada – estava simplesmente estático, mas nenhuma das duas pareceu notar. Pelo menos, não até ele se pronunciar do pior jeito possível.
— Três...
— Não posso ficar aqui.
e mal tiveram tempo de processar aquelas palavras. No momento seguinte, já estava correndo até os fundos do estabelecimento, procurando por qualquer rota de fuga, deixando-as sozinhas na linha de frente. Naturalmente, ficaram iradas, mas não se preocuparam muito.
— Ele não vai conseguir sair — garantiu.
— Quatro...
— Eu vou voltar — foi a última coisa que ouviu o amado dizer.
— Cinco!
Ela não se lembra muito bem do que exatamente aconteceu naquela noite após isso, apenas que ela e saíram algemadas, com os rostos sangrando mesmo sem terem reagido, violentamente enfiadas dentro de carros separados, e não foi encontrado.
recordava-se de pensar que, pelo menos, o Thunderbird poderia ser usado para rastrear e identificar o covarde devido ao nome e outras informações nos documentos. No entanto, o carro não pertencia a e ela percebeu que elas nem sabiam seu nome completo para acusá-lo. A polícia então chegou à conclusão de que ele – “o homem não identificado” – era um pobre refém que teve o carro roubado pelas garotas e havia sido obrigado a segui-las por onde fossem, talvez até feito de escravo sexual! Eles nem haviam se importado com o fato de que o veículo estava no nome de um homem morto há muito tempo. Não. Era apenas conveniente demais para eles; tinham a história perfeita para pintá-las como assassinas a sangue frio.
e ficaram na prisão local da cidade mais próxima por algumas semanas. Em alas diferentes, é claro, porém junto de outras detentas que eram barra pesada. Estas, porém, achavam graça das supostas façanhas das assassinas de homens e não lhes causavam problemas. Já os policiais eram outra história. Não acreditaram em suas versões da história ou ao menos disponibilizaram advogados de defesa. E quem dera esta tivesse sido a única violência cometida.
culpava-se profundamente por ter arrastado a melhor amiga para toda aquela confusão, especialmente considerando como o sistema era sujo e corrupto. Nojento. Já considerava sua culpa terem sido pegas por ter decidido parar naquela estúpida lavanderia. Agora as únicas roupas que usava eram uniformes laranjas. A pior parte, porém, era ficar longe da melhor amiga, sem saber o que se passava com ela. Os únicos relances que tinham uma da outra eram durante os horários de comida – se é que aquelas coisas poderiam ser chamadas disso – e nem assim lhes era permitido o contato. Tudo ali era torturante.
— Levante-se, detenta — anunciou um guarda grande e gordo logo pela manhã, acordando-a bruscamente. — É dia de mudança.
— O quê?
— Você vai para uma prisão de mulheres ao norte.
— E ? — ousou perguntar.
— Sua namorada vai para uma ao sul — ele soltou uma risada debochada. — Mas bem que eu gostaria de vê-las juntas em uma cela. Garanto que nos divertiríamos muito... — sentiu o estômago revirar quando ele disse aquilo e cerrou os punhos. — Vamos. Está na hora.
Então era realmente o fim de tudo e ficava cada vez pior, como se toda a provação anterior já não bastasse. Era uma descida lenta por todos os círculos do inferno de Dante e ela já estava chegando ao fosso mais profundo.
Ela ainda pensava nisso quando, já no sacolejante veículo de transportação de detentos, observava desolada o cenário desértico pelas janelas grandes e quadradas das portas traseiras. A areia e os arbustos ficavam para trás enquanto ela era encaminhada a outra cidade, milhas distante da única pessoa que lhe importava na vida e que provavelmente nunca mais veria.
Entretanto, ao final do horizonte um borrão escuro surgiu. E ele chegou mais e mais perto até conseguir distinguir a forma exata de uma motocicleta e seu piloto desconhecido. Duas coisas que mudariam completamente o rumo de sua vida.
Em outro ponto muito distante dali, meditava sobre exatamente a mesma coisa dentro do carro massivo que a transportava para outra prisão como se fosse carga – uma moto e um estranho piloto. Nos bancos da frente, nenhum dos dois guardas que a escoltavam perceberam a súbita movimentação na estrada atrás deles e ela sentiu que algo bom estava vindo. Todos os seus pelos se eriçaram e ela inspirou fundo em alívio, mesmo sem saber o porquê da sensação.
Simultaneamente, à Norte e Sul, ambos os motociclistas agiram em perfeita sintonia, ficando em paralelo com os veículos transportadores e sinalizando para que parassem.
— O que esse idiota quer? — Bufou o motorista da van de , e basicamente a mesma interação ocorria na de .
— Apenas pare. Pode ser algum problema com o carro que não vimos.
Tudo pareceu ocorrer em câmera lenta e, através das grades que as separavam dos guardas, as heroínas dessa história assistiram tudo. Os pilotos puxaram pistolas de dentro das jaquetas de couro e acertaram em cheio o motorista de cada carro, cujas cabeças caíram como frutos podres em cima do volante. Quase como se houvesse sido ensaiado, os guardas nos bancos do carona puxaram as próprias armas e, em resposta, receberam uma chuva de balas mais rápida do que poderiam prever através da janela aberta.
e , mesmo separadas por milhas e mais milhas, tinham a mesma reação: apenas expectavam de olhos esbugalhados a cena que se desenvolvia. Observaram os motociclistas pularem da moto em movimento para dentro do transportador pela janela com absurda habilidade e aguardaram pelos próximos movimentos.
O veículo foi perdendo a velocidade até parar de vez no acostamento e finalmente o salvador de vir a seu encontro. Ele ou ela saltou e andou até a parte de trás, seus passos barulhentos sobre o cascalho duro fazendo o coração da jovem dar pulos descompassados antes de finalmente abrir as portas.
, pensou.
Foi quando o capacete foi removido e longos cabelos tingidos de preto escorreram sobre ombros estreitos. Um belíssimo rosto de mulher foi a única coisa em que conseguiu focar quando seus olhos ajustaram-se à claridade repentina e de que ela tanto sentira falta, assim como o calor. Algo sobre sua salvadora lhe era familiar e ela abriu um sorriso perfeito antes de falar.
— Olá, . Parabéns. Você está morta agora.
achava ridículo um motoqueiro qualquer ter conseguido simplesmente matar dois policiais treinados daquela forma e ainda ganhar controle do veículo depois daquela entrada triunfal. Era certo que operações daquela natureza eram de segurança relativamente baixa e potencial isolamento de qualquer assistência durante o percurso. Entretanto, de que adiantavam os rádios comunicadores, unidades de posicionamento global, armas adicionais e outros equipamentos de emergência? Aquela preparação toda não era nada para a pessoa que havia lhe salvado. Ou... Será que havia salvado mesmo? Merda. E se fosse um caçador de recompensas?
Quando a pessoa adentrou a parte de trás após parar a van, logo escorregou o mais próximo que conseguiu até a grade a que estava algemada, assustada. Foi quando uma voz conhecida até demais invadiu seus ouvidos.
— Eu não vou te machucar — então ele tirou o capacete com um suspiro.
— ?!
— Hora de forjarmos sua morte.
Ao sul, encarava confusa, com olhos inchados de tanto ter chorado nos últimos dias, a mulher que caminhava a seu lado. Ao mesmo tempo, esfregava os pulsos onde o metal frio havia lhe ferido a pele frágil. Seguiam em direção a um enorme container de lixo em frente a um posto de gasolina abandonado.
— Quem é você?
— Sou — respondeu com um erguer de sobrancelhas e a certeza de que uma lâmpada se acenderia sobre a cabeça da inquisidora.
— Quem? — ela franziu a testa.
— Uau, seu namorado estúpido não lhe conta nada mesmo, hein?
— ? — expirou pesadamente.
— Temos muito que conversar — suspirou. — Mas antes... Isso — ergueu a tampa do lixão e a outra quase vomitou com o cheiro e a imagem do conteúdo. — Ah, que é isso! Sei que já fez pior.
— Que porra é essa?! Eu nem te conheço, sua psicopata!
— Mas eu e a América inteira te conhecemos.
— O que está fazendo?
— Forjando sua morte, como eu disse. É sua única maneira de ser livre, pequena .
— Eu quero ver .
— Primeiro ajude-me com isso.
puxou pelos ombros, forçando-a desviar o olhar do “trabalho” que tinham a fazer e prestar atenção em si.
— Promete que vamos atrás dela?
— Nem vamos fazer esforço.
Ela desistiu de tentar decifrar aquelas mensagens enigmáticas e assentiu. As duas carregaram o corpo morto de uma jovem por volta da mesma idade de até o veículo transportador parado na estrada, algemando-a no espaço atrás da mesma forma que a ex-presidiária estivera antes.
— E agora?
A resposta de foi puxar uma banana de dinamite como se estivesse segurando um pincel de maquiagem; como se fosse a coisa mais normal e segura do mundo. pareceu um fantasma ao ver a tranquilidade com que ela depositava o artefato explosivo no tanque de combustível e o acendia.
— Agora corremos como o inferno, princesa! — E a agarrou pelo braço, puxando-a para longe da destruição iminente. Não demorou muito para uma fumaça espessa começar a ser formada e, não muito após isso, o carro ser lambido pelo fogo e explodir em mil pedacinhos no ar.
Com o impacto do som, e caíram ao chão, olhando para trás logo em seguida. Seus ouvidos tiniam. O pôr do sol se esticava pelo horizonte. As chamas refletiam nos olhos deslumbrados e assustados de , o fogo estalava alto nos destroços e pulava de alegria com os braços para cima, comemorando como pessoas normais faziam quando seu time preferido marcava um gol.
— Aquela era eu — conseguiu dizer em um sussurro.
— Você é inteligente.
— Certo... — expirou, exausta. — E agora? — repetiu.
— Agora... Nós esperamos. Enquanto isso, vou te explicar tudo.
Mais ao norte, controlava-se para não voar no pescoço de . De novo. Já havia conseguido desferir um soco certeiro na mandíbula do rapaz e vários tapas depois.
— Será que você pode me ouvir?! — ele pediu.
— Nada do que você disser mudará o que eu penso sobre você! Eu sabia que deveria ter confiado nos meus instintos. Você não presta!
— Eu acabei de te salvar! De novo, aliás. Eu avisei que voltaria.
— Você fugiu como um covarde. Deixou a mulher que supostamente amava para trás! Consegue imaginar o que passamos lá dentro?
— Não, não consigo. Mas eu tinha que fazer aquilo pelo seu próprio bem. Se fosse pego com vocês, ninguém iria nos salvar. Do lado de fora eu pude fazer tudo isso. E nosso trabalho ainda nem terminou. Vamos, não temos tempo. Em breve eles irão notar sua falta na prisão. Me dê esse último voto de confiança.
— Por que eu faria isso?
— Para encontrarmos de novo.
tinha a testa franzida em desconfiança e respirava pesadamente, mas assentiu mesmo assim, disposta a ajudá-lo com o que quer que fosse que a faria reunir-se com a melhor amiga novamente.
Da mesma forma que e , os dois pegaram o corpo de uma jovem que seria e a depositaram cuidadosamente onde ela estava presa anteriormente na traseira do transportador. Porém, este estivera escondido em um galpão no meio do nada, onde havia também guardado outro carro clássico: um Chevrolet Impala 1967.
— Pelo menos você tem bom gosto para carros. Como eu.
Mais uma explosão sacudiu o deserto naquela noite, e pôde finalmente explicar tudo a após – com muito esforço – convencê-la a entrar no carro.
— Roubou esse também? — zombou ela.
— O Thunderbird era do meu avô. Eu fiquei com ele após sua morte. Esse é realmente meu, está no meu nome.
— Por que não o usava?
— Estava emprestado com outra pessoa. Que sorte, hein?
— E qual foi a da moto?
— Certo, a moto tivemos que roubar. Era mais fácil que usar um carro para o resgate. Escute, aquela na explosão era você — ele esclareceu enquanto dirigia em direção à localização de . — Está finalmente livre agora. Vocês duas. Para todos os efeitos, e morreram na explosão junto com os guardas.
Ela parou por um minuto para analisar e absorver tudo.
— Estou realmente impressionada. Então, quem foi salvá-la?
— Alguém de confiança.
— Por que não você?
Foi a vez de ficar em silêncio, pensativo, apenas encarando o caminho iluminado pelos faróis em sua frente.
— Quis dar-lhe um tempo.
assentiu, compreensiva.
— Devo perguntar onde conseguiu os corpos?
— Eram duas indigentes. Tenho um parente na área da medicina legal.
— É a mesma pessoa que está com ?
— Sim. E a mesma pessoa que descobriu os planos da polícia para vocês e o trajeto que fariam hoje. Contatos. Planejamos tudo nos últimos dias.
— Certo. E agora vamos viver felizes para sempre, não é mesmo? Os quatro de nós. Eu, você, e seu... o quê? Priminho? Vou logo avisando que não tenho interesse.
— Não é meu primo. Minha mãe teve gêmeos.
— Piorou — ela riu. — Com todo o respeito, se eu fosse afim de caras definitivamente não ficaria com um igualzinho a você.
— Eu não disse que era meu irmão gêmeo.
A expressão de subitamente abrandou-se e não pôde evitar rir daquilo. Ela fez uma careta que dizia “nada mal” e rolou os olhos, as bochechas corando.
— Uau, essa é a primeira vez que a vejo sem palavras. A timidez lhe cai bem, .
— Cale a boca. Estou surpresa que sua irmã concordou em salvar uma assassina. Inferno, estou surpresa por você ao menos ter uma irmã.
— trabalha no necrotério da cidade vizinha de onde nos encontramos naquele bar. Bom, agora ela está de férias, mas ainda tem acesso caso precise. Perdemos um pouco de contato quando eu fui trabalhar nas minas, e ainda mais após eu me apaixonar por , é claro. Você sabe, toda aquela coisa de largar o emprego para cair na estrada fugindo da polícia com uma garota assassina que você acabou de conhecer é bem perigosa para envolver a família.
— Até agora.
— Bom, eu precisava tirá-las de lá. E ela não hesitou quando eu lhe contei toda a história e o motivo sobre o qual matou aquele infeliz. Família é família.
— Família é família — ecoou. — Mesmo as que encontramos por aí.
— Especialmente essas.
Quando a lua já cintilava e as estrelas salpicavam de prata o céu escuro como piche, foi acordada de seu cochilo no ombro de pelo som de motor de carro e luzes de farol. Estavam sentadas no chão há horas.
— São eles — anunciou a irmã gêmea de . Enfim fazia sentido ela ser tão familiar; seus traços eram praticamente os mesmos.
levantou-se com pressa e correu até as figuras que saltavam do Impala. Seus olhos encheram-se de lágrimas ao encontrar os igualmente marejados de . As amigas envolveram-se em um abraço tão apertado e profundo que parecia que nunca iriam soltar. E, honestamente, aquela era a vontade de ambas. Nunca soltar, nunca ir embora, nunca se separarem novamente. e assistiam a cena com um sorriso tolo nos lábios.
— Eu senti tanto sua falta — chorou de olhos fechados.
— E eu a sua — depois de um longo minuto, afastou-se à distância curta de um braço e segurou a amiga pelos ombros. — Como você está? Como eles te trataram?
— Bem. Estou bem. Poderia ter sido pior. E você? ... — Passou um dedo pelos ferimentos no lábio inferior e supercílio da outra. — Aquelas detentas, elas...
— Não foram as detentas.
chorou mais ainda de coração partido pela violência da corrupção pela qual que fizera passar.
— Eu sinto muito.
— Não precisa. Estamos sãs e salvas agora.
— Vocês nunca vão precisar passar por isso de novo — assegurou , intrometendo-se na conversa. — Nós prometemos.
sorriu de canto ao notar como olhou para e foi reciprocada. riu também e foi isso que chamou a atenção da namorada. Ele ficou sério quando sentiu seu olhar recair sobre ele.
— .
— Me perdoe — ele pediu. — Me perdoe, eu...
Mas ela não o deixou terminar a frase. Deu dois passos largos em sua direção e tascou-lhe um beijo cheio de vontade e saudade. Ele a segurou pelos braços e a ergueu do chão, aprofundando o ato.
— Sua irmã me explicou tudo — fungou, depositando as mãos em cada lado de seu rosto preferido. — Eu entendo, eu entendo. Eu te perdoo, querido.
— Eu te amo — disseram em uníssono.
Dando a distância que precisavam, as outras duas mulheres esperavam aquela reunião calorosa terminar.
— — ela estendeu um braço para cumprimentá-la.
— — apertou a mão da outra com intensidade.
— Bom te conhecer.
— Igualmente.
Os quatro então formaram um círculo para decidir o que fazer em seguida. deu de ombros.
— Nós sempre quisemos conhecer Vegas.
— Parece um bom lugar para passar as férias — concordou com um sorriso contagiante.
— E conseguir identidades novas — adicionou . — Como vão se chamar agora?
— Podemos pensar nisso depois? — pediu, alisando o uniforme laranja da prisão. — Por enquanto só precisamos de roupas novas e uma boa cama para dormir. Deus, como odeio laranja.
— Ah, eu trouxe algumas peças que não uso mais. Estão no carro. Vamos queimar essas.
— Ela gosta de queimar e explodir coisas, aparentemente — contou, fazendo todos rirem.
acomodou-se no banco da frente do carro com no carona enquanto os gêmeos iam atrás. Assim que ligou o rádio, teve a gostosa surpresa de ouvir que a música Heaven Is a Place on Earth começava a tocar. Tudo o que precisavam para iniciar a melhor e mais nova fase de suas vidas. Ela entrelaçou uma das mãos com as da melhor amiga.
O Impala voava na estrada enquanto o trágico atentado na estrada às “víuvas negras” era comentado em todos os canais de notícias. Infelizmente, os corpos estavam muito carbonizados e destruídos para serem identificados. Ao que tudo indicava, porém, e realmente estavam mortas. E que final, senhoras e senhores... Talvez isso fosse realmente verdade, uma vez que, naquela noite, duas novas mulheres nasciam. Livres.
No momento, estirada do chão do banheiro, ela só conseguia pensar em . Só conseguia pensar em como deveria ter aceitado as ideias loucas da amiga de largar tudo e cair na estrada sem motivo. Se tivesse, nada daquilo teria acontecido; as duas provavelmente estariam em Las Vegas àquela hora, gastando dinheiro que não tinham, e ela não teria acabado de matar um homem em um diner que lhe pagava menos de 10 dólares a hora.
Depois de muita deliberação e com muito esforço, ela conseguiu jogar o corpo do cretino para o lado e erguer-se, respirando com certa dificuldade – quase como se um ataque de ansiedade estivesse se instalando, e talvez realmente estivesse – enquanto sacava o celular do bolso do avental com mãos trêmulas.
— — arfou alto quando a outra atendeu a chamada. — Eu preciso de sua ajuda.
— ? Está tudo bem?
— Não. Preciso que você venha me buscar no trabalho. É uma emergência. Antes disso, passe no meu apartamento e pegue algumas roupas — falou rápido e ofegante, mas fez o possível para transmitir a mensagem com clareza. — Vamos cair na estrada.
— Ah! — exclamou ironicamente. — Agora vamos cair na estrada porque a senhorita quer?
— , isso é sério! Aconteceu um acidente. Precisamos ir!
— , você está me assustando. O que aconteceu?
— Não posso falar agora, por favor! — nesse ponto ela já estava desesperada, quase chorando. — Logo vão dar conta da minha ausência. Pegue o carro e venha rápido! — a desligou.
A alguns minutos dali, viu-se levantar ligeiro como nunca antes, inclusive deixando para trás sua mais nova paquera, uma jovem igualmente confusa que, muito a contragosto, teve que aceitar apenas “minha melhor amiga está em apuros” como desculpa. Depois de pegar algumas roupas para si mesma e passar na casa de como requisitado, utilizando a chave que tinha em seu próprio chaveiro, finalmente estacionou em frente ao Papa’s Diner.
Correu estabelecimento adentro, procurando por por todos os cantos. Quase questionou alguns dos funcionários, mas lembrou-se das palavras da amiga e pensou que seria uma péssima escolha; afinal, o ideal era que não dessem falta dela ainda. Só lhe restava checar os banheiros. Bateu na porta com cautela quando se aproximou do feminino, onde uma pequena fila de mulheres emburradas já se formava.
— Ei, entre na fila e aguarde sua vez como todas nós! — uma delas protestou.
De trás da porta, veio uma voz abafada.
— Está ocupado, desculpe.
— , sou eu — disse, ignorando os xingamentos que lhe eram direcionados.
Menos de um segundo depois, a tranca foi desfeita e puxou-a para dentro. Quando se deparou com a situação ali, seus olhos arregalaram-se tanto que pareciam que iam saltar, e ela tampou a boca com uma das mãos. Suspirou fundo, varrendo o banheiro com o olhar e analisando a amiga de cima a baixo, buscando uma explicação.
A parte de cima do uniforme de estava coberta de sangue, assim como parte de seu rosto, pescoço e uma das mãos. No chão, um homem caído em uma poça do próprio sangue – ela o conhecia, ele também trabalhava lá. Mais ao canto, uma faca de cortar pão, também ensanguentada, compunha a cena grotesca.
— Eu posso explicar — ela choramingou, salpicada de carmim.
— Você pode explicar tudo no carro — cortou. — No momento, só precisamos descobrir como diabos vamos sair daqui sem que nos peguem. Certo, vamos ver... — estalou os dedos e sacudiu as mãos nervosamente, então tirou a jaqueta jeans e entregou à outra mulher. — Lave as mãos e o rosto. Agora. Depois cubra a roupa com isso.
retirou o avental e começou a esfregar a pele freneticamente com o pano e ajuda da água da pia. , enquanto isso, pensava em algum meio de tirá-las dali sem que alguém entrasse logo depois e flagrasse a cena do crime.
— Aqui tem alguma placa de interdição ou algo do tipo? — perguntou.
— No banheiro dos homens.
— Não vá a lugar algum.
Elas teriam rido com a ironia daquela frase, mas no momento era impossível. voltou para o lado de fora – as nobres senhoras já haviam parado de socar a porta – e tentou contornar a situação.
— Ninguém veio disponibilizar um novo banheiro para vocês? — falou após limpar a garganta.
— Não. Ninguém consegue encontrar o gerente — uma delas respondeu e engoliu em seco. — O que tem de errado com esse?
— É, o que sua amiguinha tanto faz lá dentro? — questionou outra.
— Não é minha “amiguinha” que está lá dentro — fez as aspas com os dedos, o mais séria possível. — É minha funcionária. Eu sou a substituta do gerente e vim ver o que está acontecendo. Esse banheiro está completamente inutilizável, alguma monstrinha veio e entupiu as duas privadas. As duas!
Um coro de “ewww” foi ouvido e quase sorriu consigo mesma; o plano estava funcionando.
— A moça lá dentro está tentando consertar isso — foi até o banheiro masculino, vazio, e retirou a placa onde lia-se claramente INTERDITADO. Colocou-a na frente do feminino e liberou o espaço para a fila de clientes apertadas. — Prontinho, senhoras. Isso é só por um tempo, em breve o seu banheiro estará limpinho e cheiroso para utilização. Nesse meio tempo, fiquem à vontade para usarem esse.
A horda agradeceu e logo o corredor dos banheiros foi esvaziando. Ainda presa em seu inferno particular, porém, notou que o sangue do gerente começava a escorrer em direção à fresta da porta. Desesperada, puxou vários papeis-toalha e foi colocando-os um sobre o outro na tentativa de impedir aquilo. Funcionou naquele momento, mas em breve iria vazar e todos conheceriam a verdade.
Em poucos minutos, ela apareceu usando a jaqueta emprestada e com o rosto e pescoço ainda um pouco manchados de vermelho, mas nada comparado a antes. Quando percebeu, já estava no banco do carona do Dodge Challenger 1970 com pisando fundo no acelerador, dirigindo para bem longe dali.
— Não acredito que você tirou a placa de interdição do banheiro dos homens — tentou puxar assunto, uma vez que o silêncio entre as duas era ensurdecedor. Isso nunca acontecia. — Os canos estão entupidos. Em pouco tempo, vai tudo voltar pela privada.
— Bom, parece que eles terão um problema maior para se preocupar, não é mesmo? — respondeu . Ela estava séria, mas parecia ser mais pelo nervosismo do que raiva.
— Me desculpe.
— Não peça desculpas. O que ele fez?
— Ele tentou... — pigarreou. — Ele tentou... — mas não conseguiu finalizar.
— Porra — socou o volante.
— Ele entrou depois de mim no banheiro e trancou a porta — contou. — Me prendeu no chão e colocou um pano na minha boca. Ele estava em cima de mim, eu não conseguia gritar, só tinha aquela faca comigo. Quando notei, estava no pescoço dele.
— Aquele filho da puta! Ele sempre foi um porco abusador. Eu nunca deveria ter te deixado trabalhar lá... Inferno, eu nunca deveria ter te deixado sozinha lá!
— Não é culpa sua. Você achou uma vida melhor como artista e saiu. A culpa é minha.
— Nunca mais diga isso, entendeu? — parou no semáforo e olhou para a amiga com uma expressão muito séria no rosto, os olhos úmidos. — A culpa não é sua. Ele mereceu morrer.
— Eu poderia ter feito outra coisa.
— Tipo o quê?! Você não podia gritar e ele era muito maior. É loucura, mas você fez a coisa certa.
O silêncio se instalou novamente, até que o quebrou.
— E agora?
— Agora... — suspirou. — Caímos na estrada como eu sempre quis. Cuidado com o que deseja, eu acho.
— , é sério. A polícia vai vir atrás da gente. Eu sou uma assassina!
— Nós somos assassinas. Quer ficar calma, por favor? Eu sei o que estou fazendo.
Com toda honestidade, não sabia. Sabia, no entanto, que deveria manter a calma pela melhor amiga. É claro que estava nervosa, assustada mais do que poderia mencionar, mas entrar em pânico não ajudaria ninguém. Especialmente , que provavelmente já tinha muita coisa na cabeça àquele ponto. Se alguém deveria manter a calma, era ela. Por . Faria o possível e o impossível para manter os pés da amiga no chão e, mais importante, mantê-la segura.
já traçava um plano de estratégias em sua mente e, para incrementar a adrenalina que rodeava as duas, girou o botão do volume no painel do carro e deixou que Shitlist da banda L7, formada somente por mulheres, iniciasse a trilha sonora daquela longa viagem.
e seguiram alguns quilômetros em direção a uma cidade e, no meio do caminho, pararam em dois caixas eletrônicos diferentes para sacar dinheiro – todo o dinheiro que tinham. Depois, simplesmente fizeram o caminho de volta e seguiram em direção ao ponto cardeal contrário. A ideia fora de , que acreditava aquela ser uma forma de despistar os policiais. Muito em breve eles definitivamente coletariam informações de cartões de crédito e débito das duas mulheres e veriam os horários de cada operação após o assassinato, porém seguiriam na direção errada. Ah, e os celulares? Destruídos.
e já haviam passado por pelo menos duas placas de cidades vizinhas quando finalmente pararam em um hotel, portanto a noite já havia caído e uma brisa fria soprava no momento em que adentrava o escritório para pagar pelo quarto. Antes, porém, havia discutido com se deveriam realmente fazer aquilo ou simplesmente arrombar um quarto.
— Quer quebrar mais a lei? — sussurrou .
— Você já matou um homem, o que é arrombar uma porta? — rolou os olhos. A amiga pareceu aborrecida. — Olhe, e se aparecermos na TV? Acha que o dono do hotel não vai nos denunciar? Especialmente se tiver recompensa envolvida. Não temos dinheiro no mundo que cubra qual seja o valor que a polícia ofereça.
mordeu o lábio inferior.
— Acha que já o encontraram?
— Com certeza. É apenas questão de tempo agora até vermos nossos rostos estampados nos noticiários... Ei, ei, não chore agora — sussurrou de volta ao ver lágrimas começarem a se formar nos olhos da outra. — Paramos apenas por essa noite e amanhã continuamos. Vamos estar bem longe de tudo em breve.
— Promete?
— Eu prometo. Agora vá até lá pegar nossas chaves. Se temos mesmo que fazer isso, pelo menos finja que está sozinha. Estarão procurando duas jovens, não só uma. Além disso, você tem um rosto meio comum.
As duas riram um pouco alto daquilo e logo se separaram. ficou aguardando ao lado do Challenger em um canto do estacionamento frio e mal iluminado enquanto ia até o balcão e pagava adiantado por um quarto com uma única cama de solteiro – sob um nome falso, é claro. Poderia inventar uma história e dizer que queria cama de casal por gostar do maior conforto, mas era melhor não arriscar. Logo já estava dentro do recinto simples, quente e aconchegante com a melhor amiga.
Naquela noite, quando saiu do banho, os cabelos escondidos sob uma toalha branca, precisou de auxílio com as próprias madeixas. Acariciava as longas tranças que sempre usava enquanto explicava para que precisava de sua ajuda para retirá-las, pois eram muitas. O rádio ao lado da cabeceira da cama estava ligado e começava a tocar Better Not Look Down, de B.B King.
— Não! — reclamou a amiga. — Eu amo suas tranças, por que vai tirá-las?!
— Porque vou aparecer com elas em todas as fotos — explicou. — Acredite, isso vai ser melhor do que usar um bigode falso com óculos escuros.
riu de novo. Era sempre daquele jeito com ; ela conseguia fazê-la rir como ninguém mais, até mesmo nos piores momentos – e aquele definitivamente era classificado como o pior de todos. Sentaram-se na cama e logo começaram todo o processo que durou uma hora. Por fim, os fios cacheados de emolduravam sua face corada como uma coroa de flores.
— Está com fome? — perguntou um pouco antes das onze da noite. Já vestiam roupas mais confortáveis e estavam espremidas na cama zapeando os canais em busca de qualquer sinal de perigo.
— Morrendo — respondeu com uma careta.
— Acho que podemos ir ao bar que vimos um pouco antes na estrada. Comer algo, de repente tomar umas... Nada que nos atrapalhe se precisarmos correr.
— Não diga isso! — deu um tapinha de leve no ombro de , mas estava rindo feito uma criança, subitamente animada. Era ridículo; nem parecia que havia literalmente matado um homem há nem mesmo vinte e quatro horas. Talvez fosse a adrenalina. Ela já não parecia a garotinha assustada de horas antes. apreciava aquilo e preocupava-se ao mesmo tempo. Não a deixaria fazer nenhuma besteira por instinto.
Trocaram as roupas por outras mais sociáveis e discretas e foram a pé até o pé sujo na beira da estrada, que contava com acompanhamento musical, típico do sul e sudoeste dos Estados Unidos, e estava cheio de homens e mulheres da classe trabalhadora. O palco iluminado em escarlate ao fundo sugeria que algum show picante poderia começar a qualquer segundo.
não percebeu, mas assim que adentrou o lugar com , um par de olhos muito especiais a seguiu por todo o caminho que fez das portas de saloon até o balcão. As mulheres pediram um prato enorme de bacon e costelas para matar a fome e duas cervejas para ajudar a descer tudo. Ao terminarem a refeição em tempo recorde, o dono do par de olhos brilhantes que estava grudado em desde o início se aproximou das duas.
— Boa noite, senhoras — disse ele.
virou o rosto para olhá-lo e ficou sem palavras com a beleza do rapaz. Ele simplesmente parecia o Brad Pitt mais novo; rosto bem delineado, mandíbula angular e marcada, lábios carnudos, maçãs do rosto proeminentes.
rolou os olhos. Já estava acostumada com homens dando em cima das duas, mesmo que na maioria das vezes fosse o alvo principal – não que se importasse com isso, afinal, nem curtia homens. Se queria um Brad Pitt, ela queria a Angelina Jolie. Daquela vez, no entanto, por saber que aquele rapaz era o tipo exato da amiga, sentiu que ia sobrar e já podia esperar muita melação.
Aquilo se classificava como “besteira por instinto”? Talvez, mas o que podia fazer? era romântica e só Deus sabia o quanto ela precisava de um pouco de distração. Talvez aquela fosse sua última noite na Terra. Odiava o pensamento, mas era verdade. Ninguém podia prever o dia seguinte. Inferno, ninguém poderia prever nem as próximas horas. Especialmente na situação em que se encontravam. E como que para incrementar a cena, I Can’t Untie You From Me começou a tocar no bar.
— Oi... — disse , sendo seguida por um murmúrio qualquer de .
— Me chamo , acho que nunca as vi por aqui antes.
— Sou . Essa é minha irmã, .
Ela evitou responder o comentário sobre ele nunca tê-las visto antes, cansada demais para inventar uma mentira e querendo logo pular para um assunto mais interessante. nem mesmo questionou quando ela alegou serem irmãs, mesmo sendo muito diferentes uma da outra, e isso fez dar um pequeno sorriso de canto, focada em sua bebida.
— Você quer dançar, ? — perguntou ele em um sotaque sulista surpreendentemente sexy. — Se sua irmã não se importar de ficar sozinha por alguns instantes, é claro.
— Oh, divirtam-se — disse e recebeu um beijo no rosto de em resposta. Ela pulou do banco estofado e correu para o meio do recinto com , onde começaram a dançar abraçados no ritmo da música. A outra olhou para trás e riu com a cena, não demorando a pedir um shot de tequila para fazê-la companhia.
A noite seguiu sem muitos detalhes memoráveis; e conversaram a noite toda ao lado de , apenas deixando-a para dançar mais algumas músicas ou cantar no karaokê. Por sorte, aquilo não parecia chamar atenção geral, visto que muitas mulheres ali se pareciam com ela e também se divertiam cantando e dançando com seus parceiros.
Mas é claro que nem tudo era perfeito. Pouco antes de uma da manhã, quando um show de strip-tease estava programado para começar, a televisão, que nem mesmo havia percebido que estivera ligada a noite toda, começou uma transmissão de emergência para encontrar duas fugitivas. Ela engoliu em seco e procurou com o olhar pelo local abarrotado. Ninguém parecia dar atenção às notícias, tamanha era a excitação pelo show prestes a começar e a música alta. Certamente havia sido algum tipo de intervenção divina que a fizera prestar atenção no aparelho naquele exato momento.
Encontrou-a com os braços laçados ao redor do pescoço de e deu um leve aperto em seu braço. Ela a olhou assustada.
— Temos que ir — sibilou .
— O quê? A melhor parte está prestes a começar! — ralhou . — , não pode ir. Fique comigo.
— Eu realmente gostaria muito — seus olhos eram tristes e ele sentiu honestidade naquele olhar. — Foi bom te conhecer, ...
Selou seus lábios em um beijo apressado e correu porta afora de mãos dadas com . ficou parado no meio da pista e suspirou fundo, a expressão igualmente chateada e saudosa. Seria possível já estar apaixonado por ? Bom, de acordo com os filmes que assistia e o lugar em que fora criado, era muito possível sim. Todos se apaixonavam rápido demais, casavam cedo demais e com trinta anos já tinham cinco filhos. Pelo menos.
Ele virou as costas para a porta e pôs-se a caminhar em direção à comoção que começava a se formar na frente do palco, todos tão alheios ao que passava no noticiário... Ao contrário dele. Por algum motivo, seus olhos caíram direto na foto das duas amigas abraçadas estampada na tela da TV e ele logo entendeu tudo. Talvez não reconhecesse se sua foto fosse mostrada sozinha por causa da diferença drástica de penteado, mesmo com traços tão distintos. , por outro lado... Sua beleza era simples e comum, mas a reconheceria em qualquer lugar. Apressado, também correu para fora do bar.
De volta ao hotel, tentava acalmar uma que iniciava um ataque de pânico.
Eu deveria... Eu deveria pintar o cabelo — disse entre uma arfada e outra. O peito subia e descia freneticamente, ela estava suada e lágrimas começavam a rolar por seu rosto pálido.
Somente após vários minutos, com muito esforço, voltou a seu estado mais calmo e tranquilo.
— Sente-se melhor? — indagou e estendeu uma mão para entregar-lhe um copo d’água. apenas assentiu enquanto engolia o líquido com vontade. — Precisamos ir.
— Agora? Tem certeza que é o melhor?
— Sinceramente, eu não sei.
— Por favor, vamos ficar essa noite. Não me sinto segura para irmos agora. Está tarde e o mundo é mais perigoso ainda na escuridão.
— E se nos reconheceram por lá? E se nos seguiram? Especialmente seu novo amiguinho.
— Ficamos de guarda durante a noite. Eu começo. Pode ir dormir.
— ...
— Confie em mim.
E assim foi feito. Pela manhã, juntaram tudo nas pequenas bagagens que carregavam e saíram porta afora com cautela. Apenas para pararem no meio do caminho em direção ao Challenger com os queixos caídos. Elas deveriam ter notado a presença de um carro estranho que não estivera ali na noite anterior quando olharam pela janela minutos antes de sair. Mas foi só quando pulou para fora de seu Ford Thunderbird 1966 que elas perceberam a falta de atenção. Imediatamente, pôs-se na frente de .
— O que está fazendo aqui, caipira? — cuspiu as palavras sem educação.
— ! — a amiga sussurrou.
— Ele sabe.
ergueu as mãos, o rosto genuinamente pacífico e carregando um olhar apaziguador.
— Sim, eu sei — ele disse e inspirou alto em surpresa. — Mas não vim para entregá-las.
— Ah, é? E por que deveríamos acreditar nisso? — enfiou uma mão na lateral da barra da calça, sob a camiseta, como se ameaçasse puxar uma arma.
— Porque eu passei a noite toda aqui. Dormi em meu carro. Tive diversas chances de invadir aquele quarto e pegar as duas. Mas quero ajudá-las.
— É claro que quer.
— , deixe-o falar — pediu, muito para a indignação da outra. Continuou em tom mais alto: — Continue, .
— , eu quero passar o resto da minha vida caipira com você — começou enquanto tirava o chapéu e retorceu o rosto em uma careta de nojo cômica. — Vamos fugir juntos. Vamos ser Bonnie e Clyde. Mickey e Mallory. Clarence e Alabama.
— Desculpe, bonitão, mas já somos uma dupla — interrompeu. — Thelma e Louise.
tinha um sorriso começando a crescer no rosto quando puxou para o canto, fazendo com que a olhasse. Antes de prestar atenção na melhor amiga, porém, essa última encarou com um dedo apontado.
— Não tente nenhuma gracinha — e deu dois tapinhas na cintura onde sua arma invisível estava.
— , eu acredito nele. Deixe-o vir. Pode ser bom ter um homem forte para nos proteger.
— Achei que eu nos protegia!
— Você protege! Mas... Bom, proteção nunca é demais, é? E... Eu realmente gosto dele.
Elas o olharam de soslaio. Ele estava apenas parado lá, encostado no capô do Thunderbird, completamente inofensivo e esperando uma decisão. Olhou-as de volta sob belas sobrancelhas.
— Vamos fazer um teste — concluiu em um sussurro que somente conseguiu ouvir. — Vem na minha onda.
Andaram até e pararam em sua frente.
— , eu não quero que você venha. Somos só eu e minha irmã nessa. Desculpe, mas você tem que ir.
— Está sendo honesta? — ele questionou com calma. — Achei que me queria ontem à noite.
— Não mais.
Ele assentiu, o rosto subitamente abatido. Colocou o chapéu novamente, o ajeitou e deslizou de volta para o banco do motorista. Quando o motor foi ligado e ele começou a dar ré para ir embora, e se entreolharam. Por fim, estava quase pegando a estrada quando as duas começaram a correr em sua direção abanando os braços. muito a contragosto, mas não deixaria sua melhor amiga ficar triste por não estar com o homem que supostamente amava. Ele parou e olhou pela janela.
— O que foi?
— Eu quero! Eu quero que você venha! — gritou. — Por favor, venha.
— Mas você acabou de dizer...
— Eu menti. Eu precisava provar para ela que você não tinha a intenção de nos prejudicar.
Ao invés de ficar com raiva por ter sido enganado e feito de bobo, por ter tido seu caráter testado secretamente, abriu o maior sorriso já conhecido pelo homem e correu para fora, até , agarrando-a pela cintura e girando-a no ar. Os dois deram um beijo digno de cinema enquanto rolava os olhos.
— Eu passei, então? — ele perguntou quando a pôs no chão.
— Ainda não confio em você — respondeu . — Mas é um começo. Mais alguém nos viu na TV ontem?
— Duvido muito. A chamada não durou muito e, sinceramente, não dava para ouvir nada. Todos estavam mais preocupados com o show das garotas. Você não tem realmente uma arma, tem?
— Você não quer descobrir.
De volta à estrada, ia ao volante do Challenger com no banco do carona enquanto dirigia o Thunderbird do rapaz com êxtase exagerado. De acordo com , até ganhar a total confiança de , ele não deveria sair de sua vista. No entanto, não iria sozinha com ele no Thunderbird, mesmo que fosse a motorista, por não saber o que ele poderia ter escondido ali.
Seguindo mais atrás, estava tomada pela adrenalina de estar sendo procurada por assassinato e ao mesmo tempo pela excitação de estar fugindo com a melhor amiga e o homem por quem estava apaixonada.
— Você não tem medo de namorar uma assassina? — perguntou em certo ponto. — vem matando homens desde 1991. Sabia que o pai dela teve um ataque cardíaco quando ela nasceu? Agora nosso ex-gerente... Você pode ser o próximo.
— Isso é malvado — ele riu. — Mas não me assusta. De verdade, ela não é uma assassina em série, é?
— Não.
— E teve um bom motivo, eu imagino.
— Sim. Ela quase foi estuprada.
— Então fez a coisa certa. Só queria ter sido eu a matar o maldito — cerrou os punhos e suprimiu um sorriso orgulhoso. Ele não parecia tão mal, afinal. — Honestamente, acho mais provável você me matar do que ela.
finalmente riu com aquilo. Em seguida, ficaram em silêncio por mais alguns instantes até que ele foi quebrado pela mulher.
— Escute, não precisamos de dois carros e sim de mais dinheiro. Pensei em vendermos um.
— Tem uma concessionária no início da próxima cidade. Vendemos o Thunderbird. Ele vale mais.
— Não tem valor sentimental para você?
— É um carro velho. Serviu seu propósito. vale mais do que qualquer coisa.
— Nisso concordamos.
Houve uma pausa.
— Por que tudo o que você me pergunta parece mais um teste, hein?
— Preocupado em não passar dessa vez?
— Não tenho nada a esconder — deu de ombros. — E você? A ama? Sei que não são realmente irmãs.
— Não de sangue. É claro que a amo, mas não como você pensa. É minha melhor amiga. Se a machucar, eu juro...
— Com isso não precisa se preocupar. Nem ter ciúmes. Queremos a mesma coisa: sair vivos dessa. E protegê-la.
— Ótimo. Quanto ao carro, é melhor vendermos esse aqui. Irão procurar por duas garotas em um Challenger, não em um Thunderbird e com um cara mala.
apenas riu genuinamente em resposta e concordou. Horas mais tarde, após terem desembolsado alguns mil dólares com a venda do Challenger, seguiram até uma cidadezinha mais ao sul enquanto continuava dirigindo e ia ao banco de trás conversando o caminho todo com e tentando descobrir mais coisas sobre ele, especificamente coisas que poderia ter em comum com sua melhor amiga.
Por fim, pararam em mais um hotel qualquer beira de estrada e dividiram-se em dois quartos. À noitinha, quando o crepúsculo já havia caído e espalhado uma névoa roxa pela vizinhança, adicionando um toque lúgubre ao edifício alto, ouviu batidas ocas à porta do quarto. É claro que e compartilhavam um só para eles. Ela olhou pela janela antes de abrir e deu de cara com o rapaz parado no sereno.
— Estou indo comprar mantimentos — anunciou ele. — O que vai querer?
— Decido no caminho. Vamos — e fez menção de sair porta afora, mas ele pôs-se no caminho.
— , é perigoso. Eu deveria ir sozinho, ninguém me reconheceria.
— Não posso arriscar.
— Ainda não confia em mim, não é?
Sua resposta foi o silêncio. Ele suspirou.
— Certo. Vamos.
A atmosfera que os rodeava até a pequena mercearia que havia na região era pacata, porém pesada pelo medo do inesperado – muito podia dar errado. No entanto, desde a entrada na loja até o pagamento pelos produtos necessários e finalmente a saída para fazerem o caminho de volta ao hotel havia sido sem surpresas. Foi só no meio do trajeto que as coisas se complicaram.
— Ei, você — chamou uma voz rouca e desconhecida, fazendo e , que seguravam diversos sacos de papel com as compras, virarem-se.
— Posso ajudar? — perguntou .
— Não estou falando com você, bonitão. Estou falando com ela — era um homem velho e muito mal-encarado que usava um boné vermelho, vestia roupas sujas e não tinha alguns dentes da frente.
— Bom, ela está comigo, então qualquer coisa que queira dizer a ela pode se dirigir a mim também.
A boca do velho era uma linha fina e enrugada que mastigava tabaco. Ele deu uma longa cuspida no chão antes de responder.
— Não sabe com quem anda, garoto? Pelo visto não assiste ao noticiário.
— Não sei do que está falando — ao seu lado, engoliu em seco, mas ficou quieta. pôs uma mão nas costas da mulher para incentivá-la a continuar andando, virando as costas para o estranho. — E temos mais o que fazer.
— Essa puta aí do seu lado é procurada pela polícia por assassinato — ele praticamente gritou. Por sorte, não havia mais ninguém lá fora ou na pequena loja, com exceção do operador de caixa espinhento ocupado demais com enormes fones de ouvido. fechou os olhos e expirou, tenso. olhou-o de relance e virou-se mais uma vez.
— Sem ofensa — começou —, mas já está tarde, escuro, e o senhor parece já ter bebido algumas. É normal confundir as pessoas nessa situação. Sem problemas, eu te desculpo.
— Eu reconheço uma assassina quando vejo uma! — Veio outro cuspe enquanto ele caminhava em direção à mercearia. Ou melhor, ao telefone público que havia ao lado do estabelecimento. — E você e sua amiguinha vão pagar pelo que fizeram!
— E você? — questionou , depositando os sacos no solo arenoso. — O que acontece com você?
— Eu fico rico com a recompensa. Fuja enquanto pode, garoto. Essa aí não vale um centavo. Ou pode agarrá-la enquanto telefono, para que não vá a lugar algum. Vamos, pegue-a! Eu divido a grana com você.
Por um doloroso momento, pensou ter visto a dúvida no rosto de , um flash de consideração da oferta. Ele a encarou por um instante com aqueles olhos brilhantes e ela sentiu que estava tudo acabado. O mecanismo de luta ou fuga então a dominou e fez seu corpo inteiro retesar, então quando saltou para o ataque, ela largou as compras no chão e cerrou os punhos, pronta para revidar.
Mas ele não foi em sua direção. Ele correu até o velho, jogando-se contra ele até que os dois estivessem rolando no chão áspero e duro buscando vantagem um sobre o outro. apenas assistiu em choque enquanto desferia socos contra o rosto do homem antes de ser dominado e jogado para baixo com as costas no asfalto, seu oponente sobre ele revidando os golpes.
A mulher apressou-se até uma lata de lixo sobrecarregada e pegou a tampa, usando-a para atacá-lo por trás. Isso somente o deixou mais irritado, de modo que esqueceu e partiu para cima dela com as mãos esqueléticas fechando-se contra sua garganta, apertando, apertando... deu um chute onde lhe causaria a mais intensa dor, mas mesmo em agonia ele continuou enforcando-a. Até que subitamente parou, golpeado por uma pedra massiva que salpicou gotas escarlates no rosto de .
Ela arfou em busca de ar, massageando a garganta. Observou terminar o que havia começado e enfim arrastar o corpo até todo o lixo que havia largado na beira da estrada, tentando camuflá-lo entre as sacolas plásticas na escuridão da noite. Fez um trabalho quase perfeito; pela manhã já o teriam encontrado, é claro, mas pelo menos durante a madrugada ele não assombraria ninguém.
— Você me salvou — conseguiu dizer com a voz rouca e falha.
— Não temos tempo para isso agora, me ajude a pegar nossas coisas e vamos!
Correram de volta para o hotel e foi direto para seu quarto se recompor, largando sua parte das compras em cima da mesa, de qualquer jeito. Minutos depois, adentrou o local e logo ouviu a água do chuveiro correndo. imaginou que já tivesse lhe contado todo o acontecido.
— Você está bem?
— Estou — assegurou, olhando-a por uma fresta na cortina do box. Era verdade, mas a marca vermelha ao redor de seu pescoço era preocupante. — Só um pouco abalada.
— Que bom que ele estava lá. Eu não sei o que faria se a tivesse perdido.
— Como ele está? — questionou de volta. — Não deve ser fácil matar uma pessoa. Você sabe.
— Ele está bem. Um pouco machucado. Fez o certo e acredita fielmente nisso.
As duas sorriram e subsequentemente ficaram conversando por mais uma boa hora, sentadas na cama de e comendo alguns dos mantimentos comprados a muito custo. Mais tarde, despediu-se da melhor amiga e voltou ao encontro de . Este estava sentado na cama com as pernas esticadas e os braços flexionados atrás da cabeça enquanto assistia qualquer porcaria na televisão. Luzes neon do programa refletiam em seu cabelo e rosto perfeito, mesmo com as recentes contusões, contrastando com a luz apagada do quarto.
— Como ela está? — questionou ao ver a amada.
— Bem. é osso duro de doer — ela riu agradecida, sentando-se ao lado dele. — Obrigada por ter feito aquilo.
— Vocês são minha família agora. Foi algo natural.
aproximou seu rosto do dele.
— Eu te amo — sussurrou.
— Eu te amo.
Foi quando, por coincidência ou destino, a música Ready For Love, da banda Bad Company, começou a tocar na TV. tocou o rosto de suavemente e deslizou a mão para dentro de seus cabelos, puxando-a para um beijo. Beijo esse que começou devagar e se intensificou até que ela estivesse em seu colo, roçando sua pélvis contra a dele e sentindo os resultados daquele movimento em ambos os corpos. Ela pegou aquele rosto anguloso nas mãos e traçou a mandíbula marcada com os polegares como se tocasse uma obra de arte. Enquanto isso, ele apertava a cintura da mulher sobre ele, depois passando a acariciar as coxas e nádegas.
parou e se afastou por um momento para analisar cada detalhe do rosto de com olhos suplicantes, absorvendo a beleza em seu semblante e também as mínimas imperfeições que apenas a deixavam mais atraente. Ela fazia o mesmo com ele, mas parou quando o rapaz começou a deixar um doce caminho de beijos de seu pescoço até os ombros, e essa foi sua deixa para fechar os olhos e enfiar uma mão por dentro de sua calça.
O gemido que escapou por entre os lábios carnudos de foi o suficiente para iniciar um frenesi dentro de , que não demorou a ter a mesma sensação que causava no namorado quando este reciprocou o ato: primeiro com os dedos, depois com a língua.
Quando menos perceberam, todas as suas roupas estavam jogadas em um canto do quarto e eles envolviam-se em um amplexo perfeito, pele nua contra pele nua, pelos eriçados e doces sons escapando de bocas entreabertas. Seus corpos pareciam brilhar tanto pela excitação enquanto ele movia seus quadris em perfeita sintonia com ela, dentro dela, quanto pelas luzes que vinham da televisão e do céu estrelado com uma lua cheia perfeita no centro que cintilava através da janela.
O contato visual e físico acontecia quase de forma hipnótica. mantinha as pernas cruzadas ao redor da cintura de , os calcanhares roçando contra as nádegas macias do rapaz, e ele alternava entre deliciar-se entre seus seios e seus lábios.
Foi quando finalmente aconteceu. O orgasmo chegou em uma explosão para os dois simultaneamente, que tiveram que abafar os gritos de prazer que teimavam em fazer-se ouvidos por quem mais estivesse presente naquela construção no meio da estrada. Após se lavarem, dormiram nus mesmo, ainda pulsando levemente, abraçados e com a sensação de que tudo estava bem.
Os próximos dias foram bem mais pacíficos que os dois primeiros e sem acontecimentos memoráveis, tanto que conseguiram ficar no mesmo hotel por mais de uma noite. e já se abriam mais um com o outro e as discussões eram cada vez menos frequentes. Ao contrário das noites de amor entre o rapaz e , é claro, que haviam se tornado bem comuns.
O trio que continuava seguindo em direção ao sul acreditava estar mais longe dos problemas e prestes a verem-se livres para sempre do perigo iminente. Assistiam filmes em drive-ins, comiam em diners de segunda mão e até ousavam cantar em karaokês em bares no meio do nada após alguns drinks. Mas como a avó de sempre lhe dizia, há sempre calmaria antes da tempestade.
— Vamos parar nessa lavanderia antes de irmos para o próximo hotel — pediu a , que dirigia. — Eu não aguento mais usar roupas sujas.
Através da janela, ela encarou o letreiro roxo neon que anunciava autoatendimento 24 horas por dia junto ao nome do estabelecimento com olhos deslumbrados, ansiando por roupas limpas, cheirosas e macias. O relógio marcava bem mais da meia-noite, então eram os únicos por ali.
— Acho que merecemos isso — concordou enquanto paravam junto ao acostamento. Os três saltaram do Thunderbird carregando as bagagens e adentraram a lavanderia automática.
Moedas devidamente encaminhadas e roupas postas nas máquinas de lavar, , e aguardavam conversando sobre qualquer coisa. Foi quando ouviu pneus passando por cima dos pequenos cascalhos na beira da estrada e parando também. Ele olhou pela janela apenas para ter a visão de dois carros de polícia na entrada.
— Merda! — exclamou.
— O quê? — arregalou os olhos e prendeu a respiração.
— Eles nos acharam.
As mulheres confirmaram o que ele dizia quando uma voz dura e firme aumentada por megafone soou do lado de fora, quase fazendo com que quisessem tampar os ouvidos, mas não pela altura e sim pelo medo. Ele falou seus nomes completos.
— Vocês estão presas! Rendam-se agora! Saiam devagar com as mãos para cima e não tentem nada! Não serão machucadas! Senhor, preciso que saia também!
— Não disseram seu nome — constatou .
— Provavelmente não têm minha identificação.
— Conveniente.
— Maldição, , como pode pensar nisso agora? Merda, como nos encontraram?!
— Devem estar na nossa cola há dias — concluiu com um olhar vazio em direção ao nada.
— Sim — assentiu, concordando. — Acabou.
Subitamente, a luz pareceu voltar aos olhos da outra, erguendo-os com pressa para encontrar os da amiga.
— Não! Não acabou! Não nadamos esse tempo todo só para morrer na praia!
— Na praia? — zombou — , acorde! Não estamos nem na porra da areia! Estamos nos afogando! Foi idiotice pensar que conseguiríamos.
— Deve ter alguma saída nos fundos! — interviu.
— Isso é uma lavanderia automática, não um shopping center!
foi até um extintor de incêndio e o puxou da parede. As luzes neon davam um toque ainda mais ameaçador a seu rosto.
— Não vamos cair sem uma luta.
— É claro que vamos — argumentou . — Pelo menos eu vou. Não quero levar um tiro!
— ...
— Como se você não conhecesse o sistema. Você pode sair impune se atacar um policial. Eu não.
A polícia do lado de fora começava a ficar impaciente.
— Nós vamos contar até cinco e invadir. Saiam pacificamente enquanto há chance! Um...
— , por favor.
— Dois...
Ela entendia. a havia protegido até o momento, era hora de retribuir. Assentiu e largou o pesado extintor vermelho em um canto ao chão, andando até a melhor amiga e abraçando-a com força. Talvez fosse o último abraço delas. não dizia ou fazia nada – estava simplesmente estático, mas nenhuma das duas pareceu notar. Pelo menos, não até ele se pronunciar do pior jeito possível.
— Três...
— Não posso ficar aqui.
e mal tiveram tempo de processar aquelas palavras. No momento seguinte, já estava correndo até os fundos do estabelecimento, procurando por qualquer rota de fuga, deixando-as sozinhas na linha de frente. Naturalmente, ficaram iradas, mas não se preocuparam muito.
— Ele não vai conseguir sair — garantiu.
— Quatro...
— Eu vou voltar — foi a última coisa que ouviu o amado dizer.
— Cinco!
Ela não se lembra muito bem do que exatamente aconteceu naquela noite após isso, apenas que ela e saíram algemadas, com os rostos sangrando mesmo sem terem reagido, violentamente enfiadas dentro de carros separados, e não foi encontrado.
recordava-se de pensar que, pelo menos, o Thunderbird poderia ser usado para rastrear e identificar o covarde devido ao nome e outras informações nos documentos. No entanto, o carro não pertencia a e ela percebeu que elas nem sabiam seu nome completo para acusá-lo. A polícia então chegou à conclusão de que ele – “o homem não identificado” – era um pobre refém que teve o carro roubado pelas garotas e havia sido obrigado a segui-las por onde fossem, talvez até feito de escravo sexual! Eles nem haviam se importado com o fato de que o veículo estava no nome de um homem morto há muito tempo. Não. Era apenas conveniente demais para eles; tinham a história perfeita para pintá-las como assassinas a sangue frio.
e ficaram na prisão local da cidade mais próxima por algumas semanas. Em alas diferentes, é claro, porém junto de outras detentas que eram barra pesada. Estas, porém, achavam graça das supostas façanhas das assassinas de homens e não lhes causavam problemas. Já os policiais eram outra história. Não acreditaram em suas versões da história ou ao menos disponibilizaram advogados de defesa. E quem dera esta tivesse sido a única violência cometida.
culpava-se profundamente por ter arrastado a melhor amiga para toda aquela confusão, especialmente considerando como o sistema era sujo e corrupto. Nojento. Já considerava sua culpa terem sido pegas por ter decidido parar naquela estúpida lavanderia. Agora as únicas roupas que usava eram uniformes laranjas. A pior parte, porém, era ficar longe da melhor amiga, sem saber o que se passava com ela. Os únicos relances que tinham uma da outra eram durante os horários de comida – se é que aquelas coisas poderiam ser chamadas disso – e nem assim lhes era permitido o contato. Tudo ali era torturante.
— Levante-se, detenta — anunciou um guarda grande e gordo logo pela manhã, acordando-a bruscamente. — É dia de mudança.
— O quê?
— Você vai para uma prisão de mulheres ao norte.
— E ? — ousou perguntar.
— Sua namorada vai para uma ao sul — ele soltou uma risada debochada. — Mas bem que eu gostaria de vê-las juntas em uma cela. Garanto que nos divertiríamos muito... — sentiu o estômago revirar quando ele disse aquilo e cerrou os punhos. — Vamos. Está na hora.
Então era realmente o fim de tudo e ficava cada vez pior, como se toda a provação anterior já não bastasse. Era uma descida lenta por todos os círculos do inferno de Dante e ela já estava chegando ao fosso mais profundo.
Ela ainda pensava nisso quando, já no sacolejante veículo de transportação de detentos, observava desolada o cenário desértico pelas janelas grandes e quadradas das portas traseiras. A areia e os arbustos ficavam para trás enquanto ela era encaminhada a outra cidade, milhas distante da única pessoa que lhe importava na vida e que provavelmente nunca mais veria.
Entretanto, ao final do horizonte um borrão escuro surgiu. E ele chegou mais e mais perto até conseguir distinguir a forma exata de uma motocicleta e seu piloto desconhecido. Duas coisas que mudariam completamente o rumo de sua vida.
Em outro ponto muito distante dali, meditava sobre exatamente a mesma coisa dentro do carro massivo que a transportava para outra prisão como se fosse carga – uma moto e um estranho piloto. Nos bancos da frente, nenhum dos dois guardas que a escoltavam perceberam a súbita movimentação na estrada atrás deles e ela sentiu que algo bom estava vindo. Todos os seus pelos se eriçaram e ela inspirou fundo em alívio, mesmo sem saber o porquê da sensação.
Simultaneamente, à Norte e Sul, ambos os motociclistas agiram em perfeita sintonia, ficando em paralelo com os veículos transportadores e sinalizando para que parassem.
— O que esse idiota quer? — Bufou o motorista da van de , e basicamente a mesma interação ocorria na de .
— Apenas pare. Pode ser algum problema com o carro que não vimos.
Tudo pareceu ocorrer em câmera lenta e, através das grades que as separavam dos guardas, as heroínas dessa história assistiram tudo. Os pilotos puxaram pistolas de dentro das jaquetas de couro e acertaram em cheio o motorista de cada carro, cujas cabeças caíram como frutos podres em cima do volante. Quase como se houvesse sido ensaiado, os guardas nos bancos do carona puxaram as próprias armas e, em resposta, receberam uma chuva de balas mais rápida do que poderiam prever através da janela aberta.
e , mesmo separadas por milhas e mais milhas, tinham a mesma reação: apenas expectavam de olhos esbugalhados a cena que se desenvolvia. Observaram os motociclistas pularem da moto em movimento para dentro do transportador pela janela com absurda habilidade e aguardaram pelos próximos movimentos.
O veículo foi perdendo a velocidade até parar de vez no acostamento e finalmente o salvador de vir a seu encontro. Ele ou ela saltou e andou até a parte de trás, seus passos barulhentos sobre o cascalho duro fazendo o coração da jovem dar pulos descompassados antes de finalmente abrir as portas.
, pensou.
Foi quando o capacete foi removido e longos cabelos tingidos de preto escorreram sobre ombros estreitos. Um belíssimo rosto de mulher foi a única coisa em que conseguiu focar quando seus olhos ajustaram-se à claridade repentina e de que ela tanto sentira falta, assim como o calor. Algo sobre sua salvadora lhe era familiar e ela abriu um sorriso perfeito antes de falar.
— Olá, . Parabéns. Você está morta agora.
achava ridículo um motoqueiro qualquer ter conseguido simplesmente matar dois policiais treinados daquela forma e ainda ganhar controle do veículo depois daquela entrada triunfal. Era certo que operações daquela natureza eram de segurança relativamente baixa e potencial isolamento de qualquer assistência durante o percurso. Entretanto, de que adiantavam os rádios comunicadores, unidades de posicionamento global, armas adicionais e outros equipamentos de emergência? Aquela preparação toda não era nada para a pessoa que havia lhe salvado. Ou... Será que havia salvado mesmo? Merda. E se fosse um caçador de recompensas?
Quando a pessoa adentrou a parte de trás após parar a van, logo escorregou o mais próximo que conseguiu até a grade a que estava algemada, assustada. Foi quando uma voz conhecida até demais invadiu seus ouvidos.
— Eu não vou te machucar — então ele tirou o capacete com um suspiro.
— ?!
— Hora de forjarmos sua morte.
Ao sul, encarava confusa, com olhos inchados de tanto ter chorado nos últimos dias, a mulher que caminhava a seu lado. Ao mesmo tempo, esfregava os pulsos onde o metal frio havia lhe ferido a pele frágil. Seguiam em direção a um enorme container de lixo em frente a um posto de gasolina abandonado.
— Quem é você?
— Sou — respondeu com um erguer de sobrancelhas e a certeza de que uma lâmpada se acenderia sobre a cabeça da inquisidora.
— Quem? — ela franziu a testa.
— Uau, seu namorado estúpido não lhe conta nada mesmo, hein?
— ? — expirou pesadamente.
— Temos muito que conversar — suspirou. — Mas antes... Isso — ergueu a tampa do lixão e a outra quase vomitou com o cheiro e a imagem do conteúdo. — Ah, que é isso! Sei que já fez pior.
— Que porra é essa?! Eu nem te conheço, sua psicopata!
— Mas eu e a América inteira te conhecemos.
— O que está fazendo?
— Forjando sua morte, como eu disse. É sua única maneira de ser livre, pequena .
— Eu quero ver .
— Primeiro ajude-me com isso.
puxou pelos ombros, forçando-a desviar o olhar do “trabalho” que tinham a fazer e prestar atenção em si.
— Promete que vamos atrás dela?
— Nem vamos fazer esforço.
Ela desistiu de tentar decifrar aquelas mensagens enigmáticas e assentiu. As duas carregaram o corpo morto de uma jovem por volta da mesma idade de até o veículo transportador parado na estrada, algemando-a no espaço atrás da mesma forma que a ex-presidiária estivera antes.
— E agora?
A resposta de foi puxar uma banana de dinamite como se estivesse segurando um pincel de maquiagem; como se fosse a coisa mais normal e segura do mundo. pareceu um fantasma ao ver a tranquilidade com que ela depositava o artefato explosivo no tanque de combustível e o acendia.
— Agora corremos como o inferno, princesa! — E a agarrou pelo braço, puxando-a para longe da destruição iminente. Não demorou muito para uma fumaça espessa começar a ser formada e, não muito após isso, o carro ser lambido pelo fogo e explodir em mil pedacinhos no ar.
Com o impacto do som, e caíram ao chão, olhando para trás logo em seguida. Seus ouvidos tiniam. O pôr do sol se esticava pelo horizonte. As chamas refletiam nos olhos deslumbrados e assustados de , o fogo estalava alto nos destroços e pulava de alegria com os braços para cima, comemorando como pessoas normais faziam quando seu time preferido marcava um gol.
— Aquela era eu — conseguiu dizer em um sussurro.
— Você é inteligente.
— Certo... — expirou, exausta. — E agora? — repetiu.
— Agora... Nós esperamos. Enquanto isso, vou te explicar tudo.
Mais ao norte, controlava-se para não voar no pescoço de . De novo. Já havia conseguido desferir um soco certeiro na mandíbula do rapaz e vários tapas depois.
— Será que você pode me ouvir?! — ele pediu.
— Nada do que você disser mudará o que eu penso sobre você! Eu sabia que deveria ter confiado nos meus instintos. Você não presta!
— Eu acabei de te salvar! De novo, aliás. Eu avisei que voltaria.
— Você fugiu como um covarde. Deixou a mulher que supostamente amava para trás! Consegue imaginar o que passamos lá dentro?
— Não, não consigo. Mas eu tinha que fazer aquilo pelo seu próprio bem. Se fosse pego com vocês, ninguém iria nos salvar. Do lado de fora eu pude fazer tudo isso. E nosso trabalho ainda nem terminou. Vamos, não temos tempo. Em breve eles irão notar sua falta na prisão. Me dê esse último voto de confiança.
— Por que eu faria isso?
— Para encontrarmos de novo.
tinha a testa franzida em desconfiança e respirava pesadamente, mas assentiu mesmo assim, disposta a ajudá-lo com o que quer que fosse que a faria reunir-se com a melhor amiga novamente.
Da mesma forma que e , os dois pegaram o corpo de uma jovem que seria e a depositaram cuidadosamente onde ela estava presa anteriormente na traseira do transportador. Porém, este estivera escondido em um galpão no meio do nada, onde havia também guardado outro carro clássico: um Chevrolet Impala 1967.
— Pelo menos você tem bom gosto para carros. Como eu.
Mais uma explosão sacudiu o deserto naquela noite, e pôde finalmente explicar tudo a após – com muito esforço – convencê-la a entrar no carro.
— Roubou esse também? — zombou ela.
— O Thunderbird era do meu avô. Eu fiquei com ele após sua morte. Esse é realmente meu, está no meu nome.
— Por que não o usava?
— Estava emprestado com outra pessoa. Que sorte, hein?
— E qual foi a da moto?
— Certo, a moto tivemos que roubar. Era mais fácil que usar um carro para o resgate. Escute, aquela na explosão era você — ele esclareceu enquanto dirigia em direção à localização de . — Está finalmente livre agora. Vocês duas. Para todos os efeitos, e morreram na explosão junto com os guardas.
Ela parou por um minuto para analisar e absorver tudo.
— Estou realmente impressionada. Então, quem foi salvá-la?
— Alguém de confiança.
— Por que não você?
Foi a vez de ficar em silêncio, pensativo, apenas encarando o caminho iluminado pelos faróis em sua frente.
— Quis dar-lhe um tempo.
assentiu, compreensiva.
— Devo perguntar onde conseguiu os corpos?
— Eram duas indigentes. Tenho um parente na área da medicina legal.
— É a mesma pessoa que está com ?
— Sim. E a mesma pessoa que descobriu os planos da polícia para vocês e o trajeto que fariam hoje. Contatos. Planejamos tudo nos últimos dias.
— Certo. E agora vamos viver felizes para sempre, não é mesmo? Os quatro de nós. Eu, você, e seu... o quê? Priminho? Vou logo avisando que não tenho interesse.
— Não é meu primo. Minha mãe teve gêmeos.
— Piorou — ela riu. — Com todo o respeito, se eu fosse afim de caras definitivamente não ficaria com um igualzinho a você.
— Eu não disse que era meu irmão gêmeo.
A expressão de subitamente abrandou-se e não pôde evitar rir daquilo. Ela fez uma careta que dizia “nada mal” e rolou os olhos, as bochechas corando.
— Uau, essa é a primeira vez que a vejo sem palavras. A timidez lhe cai bem, .
— Cale a boca. Estou surpresa que sua irmã concordou em salvar uma assassina. Inferno, estou surpresa por você ao menos ter uma irmã.
— trabalha no necrotério da cidade vizinha de onde nos encontramos naquele bar. Bom, agora ela está de férias, mas ainda tem acesso caso precise. Perdemos um pouco de contato quando eu fui trabalhar nas minas, e ainda mais após eu me apaixonar por , é claro. Você sabe, toda aquela coisa de largar o emprego para cair na estrada fugindo da polícia com uma garota assassina que você acabou de conhecer é bem perigosa para envolver a família.
— Até agora.
— Bom, eu precisava tirá-las de lá. E ela não hesitou quando eu lhe contei toda a história e o motivo sobre o qual matou aquele infeliz. Família é família.
— Família é família — ecoou. — Mesmo as que encontramos por aí.
— Especialmente essas.
Quando a lua já cintilava e as estrelas salpicavam de prata o céu escuro como piche, foi acordada de seu cochilo no ombro de pelo som de motor de carro e luzes de farol. Estavam sentadas no chão há horas.
— São eles — anunciou a irmã gêmea de . Enfim fazia sentido ela ser tão familiar; seus traços eram praticamente os mesmos.
levantou-se com pressa e correu até as figuras que saltavam do Impala. Seus olhos encheram-se de lágrimas ao encontrar os igualmente marejados de . As amigas envolveram-se em um abraço tão apertado e profundo que parecia que nunca iriam soltar. E, honestamente, aquela era a vontade de ambas. Nunca soltar, nunca ir embora, nunca se separarem novamente. e assistiam a cena com um sorriso tolo nos lábios.
— Eu senti tanto sua falta — chorou de olhos fechados.
— E eu a sua — depois de um longo minuto, afastou-se à distância curta de um braço e segurou a amiga pelos ombros. — Como você está? Como eles te trataram?
— Bem. Estou bem. Poderia ter sido pior. E você? ... — Passou um dedo pelos ferimentos no lábio inferior e supercílio da outra. — Aquelas detentas, elas...
— Não foram as detentas.
chorou mais ainda de coração partido pela violência da corrupção pela qual que fizera passar.
— Eu sinto muito.
— Não precisa. Estamos sãs e salvas agora.
— Vocês nunca vão precisar passar por isso de novo — assegurou , intrometendo-se na conversa. — Nós prometemos.
sorriu de canto ao notar como olhou para e foi reciprocada. riu também e foi isso que chamou a atenção da namorada. Ele ficou sério quando sentiu seu olhar recair sobre ele.
— .
— Me perdoe — ele pediu. — Me perdoe, eu...
Mas ela não o deixou terminar a frase. Deu dois passos largos em sua direção e tascou-lhe um beijo cheio de vontade e saudade. Ele a segurou pelos braços e a ergueu do chão, aprofundando o ato.
— Sua irmã me explicou tudo — fungou, depositando as mãos em cada lado de seu rosto preferido. — Eu entendo, eu entendo. Eu te perdoo, querido.
— Eu te amo — disseram em uníssono.
Dando a distância que precisavam, as outras duas mulheres esperavam aquela reunião calorosa terminar.
— — ela estendeu um braço para cumprimentá-la.
— — apertou a mão da outra com intensidade.
— Bom te conhecer.
— Igualmente.
Os quatro então formaram um círculo para decidir o que fazer em seguida. deu de ombros.
— Nós sempre quisemos conhecer Vegas.
— Parece um bom lugar para passar as férias — concordou com um sorriso contagiante.
— E conseguir identidades novas — adicionou . — Como vão se chamar agora?
— Podemos pensar nisso depois? — pediu, alisando o uniforme laranja da prisão. — Por enquanto só precisamos de roupas novas e uma boa cama para dormir. Deus, como odeio laranja.
— Ah, eu trouxe algumas peças que não uso mais. Estão no carro. Vamos queimar essas.
— Ela gosta de queimar e explodir coisas, aparentemente — contou, fazendo todos rirem.
acomodou-se no banco da frente do carro com no carona enquanto os gêmeos iam atrás. Assim que ligou o rádio, teve a gostosa surpresa de ouvir que a música Heaven Is a Place on Earth começava a tocar. Tudo o que precisavam para iniciar a melhor e mais nova fase de suas vidas. Ela entrelaçou uma das mãos com as da melhor amiga.
O Impala voava na estrada enquanto o trágico atentado na estrada às “víuvas negras” era comentado em todos os canais de notícias. Infelizmente, os corpos estavam muito carbonizados e destruídos para serem identificados. Ao que tudo indicava, porém, e realmente estavam mortas. E que final, senhoras e senhores... Talvez isso fosse realmente verdade, uma vez que, naquela noite, duas novas mulheres nasciam. Livres.
Fim.
Nota da autora: Fala pessoal! Espero que tenham gostado dessa história beeem louca e cheia de reviravoltas hahaha eu me inspirei muito nos filmes Thelma & Louise (óbvio), True Romance e Natural Born Killers, então inclusive coloquei algumas referências na fic... Eu simplesmente amo essa estética de cair na estrada. Os atores que pensei para os personagens foram: Abbey Cowen (Daisy, Jaz Sinclair (Cherry), Kristen Stewart (Cassie) e, de fato, o Brad Pitt mais novo (Jimmy)! Espero que essa minha visão não tenha influenciado muito e atrapalhado a leitura. No mais, agradeço muito por terem chegado até aqui e peço que não se esqueçam de comentar o que acharam. Minha outra fanfic é Love on Ice (atores/em andamento). Até a próxima!
Outras Fanfics:
Love On Ice
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Outras Fanfics:
Love On Ice