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Capítulo Único

Agosto, 1995.

e se conheciam desde que se entendiam por gente. Tinham crescido em casas vizinhas e suas mães eram amigas, fato que fez as duas se aproximarem desde seus tenros anos. As duas eram inseparáveis e suas mães se orgulhavam disso, sempre incentivando a amizade.
Era verão de 1995 e contava quinze anos, quatorze. Suas famílias estavam passando, juntas, as férias numa casa de campo nas montanhas. As duas passavam todo o tempo juntas, fosse no quarto dormindo ou caminhando pela clareira perto da casa. Inseparáveis, como sempre haviam sido.
Quando tudo começou de verdade, as duas estavam sentadas debaixo de uma árvore. cantarolava uma música qualquer enquanto a amiga brincava com as folhas da árvore que haviam caído no chão. Quando acabou a música, quebrou o silêncio.

- Você está animada para voltar às aulas?
- Eu? Acho que não. Quer dizer, estou normal. E você?
- Não sei explicar. Não gosto muito de lá, eu me sinto... Como uma criança no meio das outras garotas. – ela concluiu.
- Como assim?
- Quer dizer, todas elas já saem com garotos, beijam eles e... E essas coisas. E eu estou aqui, ainda. Quer dizer, ninguém quer me beijar, mas querem beijar elas. Isso faz de mim o que? Muito feia ou muito crianças pra eles? – ela suspirou – Acho que eu não devia me incomodar com isso, mas me incomodo. O ensino médio não devia ser tão cruel.
- Ei, não concordo com você. Sei de muitas pessoas que gostariam de beijar você.
- Quem por exemplo?
- Tem... Hm... É, eu não sei. Desculpa, . Mas aposto que tem sim.

ficou em silêncio, olhando para cima, enquanto a amiga a encarava.

- ?
- Oi?
- Você já beijou alguém?
- Não. – ela disse após alguns segundos de silêncio – Eu nunca beijei ninguém.
- Quando você disse que ninguém queria beijar você...
- Que? – perguntou, olhando para a amiga.
- Eu beijaria você. – ela deu de ombros, tímida.

deu um riso nervoso e ao invés de responder, se aproximou da amiga. Suas mãos tremiam, porém não era seu primeiro beijo. Só era o primeiro com ela. Quando seus lábios se tocaram, se assustou, mas não recuou. Quando suas bocas se abriram devagar, permitindo que o beijo continuasse, ela também não se afastou, apesar de estar confusa. Foi rápido, logo as duas estavam olhando uma para a outra, sem saber o que falar, mas com um pequeno sentimento de que aquilo era errado. Foi quem quebrou o silêncio.

- Eu sinto muito.
- Tudo bem. Acho. Quer dizer... Fico feliz que tenha sido com você. Você é minha melhor amiga, . Fico feliz de ter sido com você.
- Segredo? – ela estendeu o dedo mindinho, como forma de fechar a promessa. - Nosso segredo.

***


Quando as duas foram se deitar, todos os demais já estavam dormindo. Apesar do estranho acontecimento da tarde, as duas seguiram como se nada tivesse acontecido. Elas estavam deitadas em camas que ficam lado a lado e se encaravam enquanto conversavam e riam em tom baixo para não acordar ninguém.
não sabia por que, mas estava olhando para a amiga de forma diferente. Ou talvez sempre tivesse olhado? Ela não sabia. Sua cabeça estava cheia de furacões com pensamentos e ela se perguntava se a de também estava.

- ?
- Oi?
- Como foi?
- Como foi o que, ?
- O seu primeiro beijo.

As duas ficaram em silêncio por alguns constrangedores segundos, até que quebrou o silêncio e o clima ruim.

- Ah, até que não foi tão ruim, sabe? Acho que ela era uma baita de uma beijoqueira, porque ela realmente sabia como beijar. Não que eu tenha muita experiência nisso, mas você sabe, ela estava mais segura que eu nessa confusão. – as duas riram e relaxou.
- E se ela quisesse beijar você de novo?
- Hmmm... – a garota levou a mão ao queixo e sentou-se na cama – Depende.
- Depende de que?
- Se ela iria me ligar amanhã pela manhã.
- Ela seria louca se não ligasse – as duas caíram na risada e se levantou da sua cama, deitando na da sua amiga.
- Eu estou confusa.
- Por quê?
- Eu gostei de beijar você, , mas... Isso é certo? Beijar outra garota? Não parece certo.
- Eu não sei. Mas eu gostei também e... Eu gostei. Só isso.

As duas ficaram se encarando por alguns minutos, deitadas na mesma cama. Elas não se beijaram de novo, ao contrário do que você pensou. Elas só ficaram olhando para os olhos uma da outra até que o sono as levou, e com elas, seus devaneios sobre beijos e garotas.

***


Novembro, 1997.

Dois anos se passaram e as duas amigas estavam no penúltimo ano do colegial. Elas sempre, sempre se lembraram daquele beijo nas férias de verão, dois anos antes, mas a cena jamais se repetiu nesses anos.
Nesse meio tempo, foi inundada de uma certeza: Ela definitivamente só se sentia atraída por garotas. Fosse certo, fosse errado, ela não se negou aos prazeres que seu corpo clamava. Beijava moças, várias moças, repetidamente e felizmente. Não beijava, é claro, a moça que queria, mas ainda sim podia sonhar com isso a todo momento em que estava do lado dela. Ela era completa e loucamente apaixonada por , que nem sequer parecia desconfiar.
Por outro lado, era um poço de dúvidas e incertezas. Ela não sabia da recém descoberta sexualidade da melhor amiga, mas tampouco sabia da sua. Ela jamais beijara outra garota, mas experimentara de outros rapazes e deles gostara. Mas não conseguia evitar o desejo de tomar os lábios de sua melhor amiga a toda vez que ela sorria e mostrava seus belos e alinhados dentes. Mas, ao invés de se entregar ao desejo, no momento o único garoto que ela beijava era Parker: Um panaca qualquer que jogava Rugby e parecia um muro de tão forte.
Ele já estava pronto para a próxima base, mas a cada passo a frente que ele dava, dava dois para trás. Ela não sabia por que continuava com a relação ridícula e cansativa, mas ela continuava. Talvez fosse só uma desculpa, talvez fosse só conveniente demais.
Era novembro e naquela noite iria ocorrer um baile beneficente do colégio. iria com sua turma de amigos – que ela considerava as pessoas mais legais de todo o mundo – e com Parker. O garoto não gostava dos amigos dela, então ela não poderia ficar perto deles por muito tempo. Ela estava determinada a, finalmente, dar um fora nele e seguir em sua patética jornada de beijos em rapazes fortes e idiotas.
As duas amigas se arrumaram juntas, é claro, assim como faziam a maior parte das coisas. Quando terminaram, ambas estavam lindas. Seus vestidos longos (bem mais longos que gostariam, mas na época era o que se usava e não havia discussão), batom roubado de uma das mães nos lábios e sapatilhas nos pés.
deu uma boa olhada na amiga e suspirou. Ela estava linda. Ela era linda, tão linda.

- Você está tão linda, .
- Obrigada! Você também, .

As duas saíram de casa de braços dados e foram levadas ao baile pelo pai de . Chegando lá, encontrou-se com Parker e se despediu da amiga, que tinha uma feição triste.
Logo, tratou de encontrar seus amigos e se distrair. Se tinha uma coisa que ela aprendeu nos últimos anos era não ficar se lamentando pelas cantos por causa de .
Seus amigos eram o máximo. nunca havia contado a eles sobre seus sentimentos por , mas seus amigos sabiam. Qualquer um que reparasse no jeito que ela se olhavam sabia no ato.
A noite passou rápido. Por um momento ou outro, ela via com Parker de relance. Ela estava sempre tentando observar, só pra ter certeza que estava tudo bem. Afinal, Parker era um babaca. O maior babaca de todos. E não só por estar roubando a garota dela: ele era de fato um garoto detestável.
No final do baile, tinha sumido. E, é claro que ficou preocupada, mas ela tentou ignorara, afinal, ela não era mãe de ninguém e precisava parar de perseguir a amiga.
Ela continuou dançando e brincando com seus amigos, fingindo, como sempre, que estava ótima. E não era de todo mentira, até que dois babacas do futebol passaram do seu lado e falaram mais alto do que deviam, provavelmente bêbados com o ponche batizado.

“Parker no banheiro com a ?
Totalmente. Manda a galera não entrar lá.”

ficou furiosa ao ouvir aquilo. jamais estaria em um banheiro com qualquer garoto – ou garota - do mundo por vontade própria.
Ela correu com raiva para o banheiro, seu rosto já ficando vermelho, ignorando todos os protestos de garotos e garotas que estavam perto. Ela se lembrava até de ter gritado algumas palavras feias para eles. Quando abriu a porta com força, Parker estava segurando os braços de contra a bancada do banheiro e a maquiagem dela estava escorrida.
Ela estava chorando.
Foi um daqueles momentos em que teve que se controlar tanto, mas tanto, que as mãos em forma de punho serviram apenas para enfiar suas unhas na palma da mão, se não ela mataria o desgraçado, mesmo ele sendo to triplo do seu tamanho.
Ela arrastou a amiga para fora do banheiro sem dizer uma palavra sequer, ouvindo os protestos abafados de Parker ao fundo. continuava chorando quando elas chegaram aos fundos do ginásio.

- Eu sinto muito, ... – ela gaguejou e a amiga a abraçou.
- Você não fez nada de errado, tá? Tá tudo bem agora. Você tá segura aqui comigo. Aquele babaca não vai mais chegar nem a um centímetro de você, eu juro.
- Me perdoa, eu tenho sido a maior idiota de todas com você. Você sempre tá aqui comigo, me salvando e ajudando quando eu faço merda, e eu ainda prefiro sair com o babaca do Parker do que com você e o pessoal. Eu só tenho feito coisa idiota. Me perdoa, de verdade.
- Não esquenta com isso agora, . O importante é que você tá bem, ok? Vai ficar tudo bem.
- Obrigada por me salvar. Deus sabe o que queria acontecido se você não tivesse entrado lá.
As duas se sentaram no chão e apoiou sua cabeça no ombro da amiga, que a abraçou pela cintura. inspirava fundo, sentindo o cheiro forte e doce do perfume da garota. Ela sorria enquanto sentia que era o mais próximo que poderia chegar dela.
levantou a cabeça e olhou para , bem dentro dos olhos dela. Ela mostrou um sorriso torto e então a coisa mais estranha da noite aconteceu. a beijou. A beijou com força, com vontade, como se não houvesse mais nada ali naquela noite. Os lábios delas estavam pressionados com urgência um contra o outro, mas apenas um par de lábios sorria. E foi por isso que as separou.

- O que diabos você tá fazendo, ?
- Me desculpa. Eu só queria ver se ainda era como na outra vez, eu... - suspirou e levou a mão aos cabelos – Eu só tô cansada de beijar gente babaca e não sentir nada.
- Você sabe que eu sou lésbica, né? Quer dizer, você é minha melhor amiga, não tem como não ter reparado.
- Eu sei, .
- E você sabe que fode a minha cabeça completamente fazendo esse tipo de coisa?
- É. Mas talvez eu queira foder sua cabeça? – perguntou meio que para si mesma, com um sorriso torto e já sem lágrimas.

E foi então que a beijou de novo. E de novo. E de novo. E não parou quando os amigos delas apareceram. E não parou por um bom tempo, para a felicidade de .

Abril, 1998

- Se juntem garotas, queremos uma foto bem bonita de vocês para emoldurar!
- Ah, mãe, mais uma? – reclamou.
- Claro, quanto mais, melhor.

e se juntaram e posaram para mais uma das centenas fotos que haviam tirado naquela noite.
Era o baile de formatura delas. E, é claro, elas iriam juntas. Disseram aos pais que era algum tipo de protesto contra os homens e eles não discutiram muito. Ninguém queria discutir com adolescentes prestes a ir para universidade e que achavam que sabiam de tudo.
Elas estavam juntas, no sentindo mais certo da palavra. Desde o incidente no baile no ano anterior, as duas não largaram uma da outra. Apenas seus amigos sabiam, claro, mas era provável que muita gente desconfiasse. não dava à mínima. Na verdade, ela queria gritar para o mundo todo sobre as duas. Já pensava o contrário, o que fazia as duas discutirem constantemente.

- Boa sorte meninas! Se precisarem da gente, tentem dar um jeito de ligar da casa de alguém ou da escola.

Elas concordaram ao descer do carro e então rumaram até o ginásio de braços dados. Não era tão incomum um casal de amigas se portar assim, então estava tudo bem. Muitas pessoas iam ao baile com amigos por não ter par.
E, bom, o baile foi tudo que o um baile de formatura devia ser. Alguém batizou as bebidas, elas ficaram bêbadas, dançaram, riram, pensaram em se beijar.
E quando a música lenta começou, elas sorriam e se agarravam uma a outra. E queriam, mais uma vez e tantas vezes, se beijar. Mas elas não podiam, então apenas se olhavam com toda a paixão que transbordava delas, mesmo sentindo os olhares das pessoas nas suas costas.

- ?
- Oi?
- Eu te amo, tá? Tipo, eu te amo muito. Pra caralho. – ela sorriu.
- Eu também, . Eu amo você muito.

***


Depois do baile, elas foram para a casa de um dos amigos. Os pais dele tinham viajado e a casa era toda deles. Quando a madrugada caiu com tudo, eles estavam deitados no gramado do fundo da casa, um cigarro meio apagado de maconha rodando entre eles.

- O que vocês pretendem fazer agora? Quer dizer, o ensino médio acabou, porra.
- Não sei. – um dos amigos, Josh, disse – Deveria ser mais fácil que isso.
- Eu quero ir pra Duke. – se manifestou – Só isso. Só espero passar.
- Eu quero ir pra Yale. – disse – Mas não sei se vou conseguir. Estou esperando a carta deles.
- Mas isso é, tipo, longe pra caralho... Vocês vão terminar?
- Não quero pensar nisso agora. Depois eu e a falamos nisso. E, aliás, eu vou no banheiro.
- Eu vou com você.
- Ah, por favor, não profanem meu banheiro. Mas se fizerem isso, podem me chamar pra assistir, nem vou ligar.
- Seu nojento... – as duas riram e caminharam em direção a casa, de mãos dadas.

O plano inicial era o banheiro, mas é claro que elas acabaram em um dos quartos da casa, se beijando com toda a vontade contida durante o baile. As palavras “eu amo você” ecoando na cabeça das duas e mista com toda a insegurança e medo da nova fase da vida delas que iria começar agora. Os beijos foram aumentando, as roupas diminuindo. E cada toque, cada descoberta, fazia com que elas vibrassem e desejassem ainda mais uma a outra.

- ...
- Sim? – ela disse entre beijos, que foram separados pela outra garota.
- E se isso for um erro?
- Não é.
- Como pode ter tanta certeza?
- Porque eu amo você, . Eu amo você. Nada pode ser errado quando a gente se sente assim. – ela beijou toda a extensão do pescoço de , que suspirou devagar e sorriu.
- Eu também amo muito você.

Não necessitaram mais palavras para que ambas tivessem certeza do que estavam fazendo. Quando seus lábios estavam juntos e seus corpos tão próximos, elas sabiam que aquilo estava certo. Era pra ser, precisava ser.
Elas nunca haviam experimentado tal intimidade antes, com qualquer pessoa que fosse, e a cada beijo trocado, a cada toque e a cada nova sensação, as duas sorriam e se sentiam cada vez mais... Cada vez mais próximas, unidas.
Quando as duas se cansaram e se renderam o sono, já era tarde. Dormiram nos braços uma da outra com apenas uma certeza: Não havia caminho mais certo que aquele.

***


- Oi, tia Carol. – disse cumprimentando a mãe de , enquanto entrava na casa dela.
- Oi, meu bem! Já sabe das boas novas?
- Boas novas?
- A não te contou? A carta de Duke chegou há alguns dias! Ela foi aceita! Aliás, está lá em cima arrumando as malas para o programa de férias.
- Acho que ela não teve tempo de me contar – ela sorriu forçada – Vou lá em cima dar os parabéns, estou muito feliz por ela.

Não era mentira, ela realmente estava feliz pela amiga. Mas, mais que isso, ela estava com muita raiva. Quando chegou na porta do quarto, viu jogando roupas e outras coisas dentro de uma grande mala enquanto cantarolava.

- Parabéns.
- ? Ah, oi. O que você tá fazendo tá fazendo aqui?
- Vim celebrar as novidades com você. Duke, eim? – ela disse se sentando na cama – Desde quando você sabe?
- Fazem uns dez dias – suspirou, vencida – Me desculpa, amor, eu ia te contar...
- Amor? Não se atreva a me chamar assim. Você é uma mentirosa, , uma mentirosa sem coração. Você sempre foi. Nunca deu a mínima pra mim. Nesse tempo todo em que estivemos juntas, acha que eu nunca vi você pegando aqueles caras para “disfarçar” – ela fez as aspas com as mãos – na frente de todo mundo? Faz ideia como me sentia humilhada toda vez que você me rejeitava ou me escondia?
- ...
- Não, eu tô falando agora, você só ouve. Você tem mentindo e feito hora com a minha cara por muito tempo, . Mas não mais. Minha carta chegou hoje, eu também fui aceita. E eu queria vir aqui te contar, contar que eu não ia. Que esperaria sermos aprovadas em algum lugar mais perto, ou que pudéssemos ficar juntas. Eu queria tomar essa decisão com você. Já você, tomou a sua sem sequer comentar comigo. Eu não teria dito não se você quisesse mesmo ir pra Duke, . Você sabe que eu só quero o melhor pra você. Mas eu gostaria de ter sido parte disso. Eu estava disposta a abrir mão do meu sonho só pra ficar mais perto de você, em algum lugar perto de Duke. E você não dá a mínima. Pois, quer saber? Talvez eu também não dê. Não mais. Não vou ser o seu brinquedinho mais, não sou algo que você brinca até se cansar e então joga no lixo. Eu tenho sentimentos.
- Espera, não vai, me deixa falar... Não faz isso comigo , eu amo você.
- É, eu amei você. Eu amei. Mas eu me amo mais.

saiu do quarto sem olhar para trás e deixou uma com lágrimas nos olhos sozinha.

***


- Ah, minha querida, vamos sentir sua falta. Esperamos que tudo seja ótimo lá, se precisar de qualquer coisa, pode contar com a gente também.

Os pais de se despediam de , que havia acabado de colocar suas coisas no carro dos pais para partir.

- Obrigada, tia. Acho que a gente tem que ir agora, não queremos pegar trânsito.
- Não vai esperar a vir se despedir?
- Acho que ela não vem – ela deu um sorriso triste.
- Mas vocês são melhores amigas, vocês não se desgrudam há anos! Aconteceu algo que eu não sei?
- As vezes as coisas só mudam. – ela deu de ombros com um sorriso triste.

Quando ela entrou no carro e acenou para eles, olhava da janela, com lágrimas nos olhos. Mas ela não daria o braço a torcer. não merecia esse adeus.
Ela não merecia nada.

***


2000

- Ei, mãe, quer ajuda nisso?
- Claro, . Pode fazer a salada, por favor? – a garota concordou e se pôs ao lado da mãe – Está tudo bem?
- Claro, por que não estaria?
- Só checando. Sabe que não estamos com raiva de você nem nada disso, certo? Ainda amamos você da mesma forma.
- Tudo bem, mãe. Eu acredito. Obrigada por serem tão legais.

havia se assumido, finalmente, para os seus pais. E tudo ocorrera muito melhor do que havia imaginado. Segundo a mãe, eles já desconfiavam há muito tempo, então não foi um choque completo.
Era dia de ação de graças e elas estavam preparando o jantar. A família de viria jantar com elas naquele ano, o que deixava muito desconfortável. Desde a briga dois anos antes, elas nunca mais se falaram. Tudo o que sabiam uma da outra era o que os pais comentavam. E acredite: era extremamente difícil não se falarem com famílias vizinhas e tão próximas.

- E está tudo bem em relação à ?
- Sim, mãe. Nós só perdemos contato, acontece quando se mora em lados diferentes do país.
- Eu ainda acho que há algo mais, mas não vou te forçar a contar. – a mãe dela piscou e elas voltaram a se concentrar no jantar.
Quando os convidados chegaram, se manteve o mais distante que conseguiu. Ela não cumprimentou – apesar de saber que deveria ter feito isso -. Ninguém disse nada sobre e a noite seguiu seu rumo, calma e um pouco desconfortável para as duas jovens.
Pelo final da noite, disse que tinha um anúncio a fazer. Seus pais pareciam animados, assim como a garota. tinha vontade de revirar os olhos.

- Bom, todo mundo conhece meu namorado, o Matthew, certo? Bom... Ele pediu minha mão em casamento. Nós vamos nos casar! – ela disse sorrindo.
- Oh meu deus, isso é maravilhoso, querida! – a mãe de disse, indo abraçar a garota.
- Estamos tão orgulhosos de você, filha!

Os cumprimentos continuaram e continuou estática, sem reação qualquer desde que ouviu as palavras. Quando todos se acalmaram, ela pediu licença e foi para o jardim fumar. Era realmente um péssimo hábito, mas ela descobriu ser uma maneira muito eficiente de lidar com alguns tipos de frustração.

- Hey. – ela ouviu uma voz fina ao seu lado e não precisou olhar para saber quem era – Podemos conversar?
- Eu posso dizer não?
- Eu sinto muito por tudo.
- Sou eu que sinto muito, . – ela disse apagando o cigarro e jogando o resto no chão – Sinto muito por você estar vivendo uma mentira e destruindo sua vida desse jeito.
- ... – ela disse quando a garota já estava andando em direção a casa.
- Você já fez muitas coisas ruins comigo, , mas ouvir você dando aquela notícia de forma tão... Satisfeita, na minha frente, foi demais. Até pra você. Fique longe de mim.

Ela entrou dentro de casa, sem acreditar em como mesmo anos depois aquela garota ainda podia surpreende-la e quebrá-la em um milhão de pedaços com poucas palavras.

2001

- Amor, nós temos que ir provar os doces amanhã as quatro, não se esqueça, tá? – disse para o noivo enquanto ele acabava de se arrumar para o trabalho – Vou pra faculdade só à tarde hoje, tenho que ver algumas coisas com minha orientadora. Nos vemos mais tarde.
- Não vou esquecer. Até mais tarde. – eles se despediram com um beijo.

voltou, então, a trabalhar na lista de convidados e no mapa de assentos da festa. Não sabia em qual mesa colocar quem, nem em qual lugar. Ela definitivamente não era boa com isso. Quando a lista chegou até o nome dos seus antigos vizinhos, seu coração se apertou. . Seria horrível da parte dela convidá-la para seu casamento depois de tudo que aconteceu, mas não poderia deixar de convidar a família dela. Em qual mesa deveria colocá-los?
Ela suspirou e assinalou a mesa ao lado dos seus pais. E suspirou novamente, enquanto lembrava-se de tantas coisas que apenas deveriam ser esquecidas.

***


- Eu amei esse apartamento. É perto do campus, do nosso trabalho e não precisamos subir muitas escadas. O preço é ótimo, também. É perfeito, vamos ficar com ele!
- Tem certeza? – perguntou sorrindo para Maggie, sua namorada.
- Absoluta. É lá que me vejo começando minha vida com você.

Elas sorriram e se beijaram. Maggie pegou o telefone e foi ligar para a corretora de imóveis para avisar que ficariam com o apartamento.
estava feliz. Após tantos anos, sua vida finalmente estava estável. Faltava pouco para ela se formar, tinha um bom estágio e uma namorada maravilhosa que a amava mais que tudo.
Maggie não tinha vergonha dela. Não mentia, não a escondia e a tratava exatamente como ela merecia: com amor. Ela jamais partiria o coração de .
Não como havia feito.

***


2002

Naquele ano se realizaria a primeira reunião de ex-alunos da turma de e . Ambas estavam na cidade natal, trazendo junto de si seu noivo e sua namorada.
Quando saiu para a reunião, estava tensa. Agora, Maggie sabia de toda a história com a antiga amiga, então tentava acalmar e dar um pouco de apoio para a namorada. Parecia dar certo, a relação das duas era maior do que as inseguranças e medos. O amor era maior.
Quando chegaram no ginásio do colégio, onde seria a reunião, a primeira coisa que viu foram seus antigos amigos. Ela correu para abraça-los e, claro, apresentar Maggie. Todos a adoraram e logo estavam sentados juntos em uma mesa, bebendo e relembrando dos velhos tempos. Mas, é claro, havia uma pessoa que não estava ali. Um nome que não era mencionado. Todos sabiam como aquela história havia terminado.
Quando entrou no ginásio, todos da mesa viram. E ela viu todos da mesa, demorando-se em cada um. Mas ela não foi até lá, não imediatamente. Ela cumprimentou os outros colegas de sala, deu algumas voltas, foi ao banheiro. Demorou um certo tempo até ela perceber que aquele encontro era inevitável.
Caminhou lentamente até a mesa, segurando Matthew pela mão. Ele não fazia ideia sobre nada do que havia acontecido entre as duas amigas, então ele não entendia porque ela estava tão nervosa. Ele provavelmente nem havia notado.

- Hm, oi, pessoal. – disse ao chegar na mesa. Todos olharam e acenaram, alguns se levantaram e a abraçaram. não se moveu – Quanto tempo. Esse é o meu noivo, Matthew. Matt, esses são...

E assim começaram as apresentações. se sentiu extremamente bem e amada quando percebeu o pouco caso que seus amigos fizeram de . Ela sabia que todos eles estavam do lado dela naquela história, mas naquele momento a certeza a fez sorrir e apertar com força a mão da namorada.
estava feliz e não podia negar. Com a mão de Maggie na sua, os lábios dela casualmente nos seus. Ela podia sorrir, podia se sentir tão bem. E ela podia ver, do outro lado da mesa, os olhos tristes de a observando com um sentimento que ela não sabia definir. E nem queria, não importava e não a faria nenhum bem. Não mais.

- Hey, vamos lá fora fumar? – Maggie sussurrou no ouvido da namorada enquanto cutucava sua cintura.
- Uhum. Vem. – ela saiu puxando a outra em direção a porta dos fundos do local.
- É estranho estar na mesma mesa que ela – sussurrou enquanto acendia e tragava seu cigarro. concordou enquanto acendia o dela – Ela parece infeliz.
- É. Acho que esse é o resultado de uma vida cheia de mentiras.
- Vocês deviam conversar.
- A gente devia ir pra casa. Tá tarde.
- Eu vou chamar um táxi. Me encontra lá na portaria em meia hora. Ok?
- Ok.
- Amor, toda essa mágoa não te faz bem. Fala pra ela. Tira do peito. Eu te amo e não gosto de ver toda essa dor em você. Fala pra ela.

Maggie beijou o rosto dela e a deixou sozinha com seu cigarro, olhando para o céu nublado. Ela tragou mais algumas vezes de seu cigarro enquanto tentava impedir as lágrimas de escorrerem.

- Oi. Posso? – ela ouviu uma voz e sentiu uma mão na sua.
- Você não fuma, .
- As coisas mudam, não é?

A garota entregou o cigarro à antiga amiga, que tragou profundamente e deixou a fumaça escapar lentamente por entre seus lábios vermelhos. Ela devolveu o cigarro e as duas se entreolharam sem saber por onde começar aquela conversa.

- A Maggie parece ótima.
- Ela é.
- Seus pais gostam dela?
- É, eles gostam. Se dão muito bem, na verdade. Somos uma família e tudo mais. – concordou – E o casamento?
- Está... Indo.
- Indo?
- É. – ela deu uma pausa e respirou profundamente – Indo. As coisas não andam bem como eu pensei que iriam.
- Sinto muito.
- Não sinta. É tudo culpa minha. – ela riu e pegou o cigarro novamente – É óbvio, não é?
- O que?
- O quanto eu estou infeliz.
- Um pouco. – ela admitiu.
- Eu tenho tentado acabar com isso. Mas todos ao redor parecem tão felizes, sabe? Não consigo simplesmente ir embora.
- Talvez você precise se por em primeiro lugar. Você é muito boa nisso, pelo que eu me lembro.
- Não é assim, . Você sabe que não é tão simples. O casamento já está praticamente pronto, só falta enviar os convites. Eu tenho protelado enquanto tento arrumar um jeito de fugir disso. Nós já gastamos tanto dinheiro e...
- Sua felicidade é tudo uma questão do quanto você gastou, ? – a garota ficou calada por alguns segundos ao ouvir as palavras.
– Às vezes eu fico lembrando de quanto éramos mais novas. As coisas ao redor simplesmente não importavam. Você se lembra, ? Todas aquelas noites deitadas na grama, cantando até ver o sol. Todos os cigarros e cervejas, todas as danças. E os sorrisos. E eu gostaria de me sentir assim novamente. Eu fico tentando entender em que ponto nós perdemos tudo isso. Eu fico tentando a todo momento me lembrar em qual parte disso tudo eu me perdi.
- Eu nunca me perdi, . Sei perfeitamente onde estou. E você, já tentou se achar novamente?
- Já. E eu já descobri como, só ainda não consegui. Acho que nunca vou.
- Por que não?
- Porque eu deixei aquela com você. Ela é a pessoa que eu sou quando tenho você ao meu lado. E eu sei que você jamais me perdoaria por todos esses anos, nem se eu me ajoelhasse e implorasse. Eu sei que não mereço. Não mereço você e não mereço me encontrar novamente.
- Todos nós merecemos nos encontrar, . Todos nós, mesmo com nossos piores erros. Pare de viver a vida dos outros e viva a sua.
- Você sabe que eu não posso. – levantou a mão e tocou de leve o rosto , que fechou os olhos e sorriu com o gesto – Você já seguiu em frente.
- Eu...
- ...
- Eu não sei, . O que me garante que dessa vez vai ser diferente?
- Você conseguiria me perdoar?
- Eu também não sei, . Talvez um dia.
- Eu vou contar pra todos, eu prometo, . Eu vou mandar o Matthew embora quando chegar em casa e vou contar a verdade e lutar pelo seu perdão. Você acredita em mim?
- É difícil não acreditar quando você me olha desse jeito. – ela sorriu e suspirou.

Com as mãos apertadas, as duas sorriram e chocaram seus lábios pela primeira vez em anos. E a sensação era a mesma de tantos anos antes, de tantos amores antes.
Era como estar em casa.

***


Quando acordou no dia seguinte e olhou para Maggie no colchão ao lado da sua cama, seu coração se apertou. Ela não sabia como deveria terminar aquilo, não sabia como deixar a garota que ela amara e que a ajudara tanto partir.
Mas ela havia decidido dar mais uma chance ao seu coração na noite anterior. E ela não poderia estar mais feliz do que naquele momento. Não podia se sentir mais livre e mais calma.
Ela desceu para a cozinha e encontrou seus pais já despertos, juntamente com e Matthew. Eles tomavam café e riam.

- Hey, bom dia docinho! – sua mãe disse enquanto ela se aproximava.
- Bom dia mãe. Bom dia, todo mundo.
- A Maggie ainda não acordou?
- Ah, ainda não. Ela deve estar cansada da festa ontem.
- Que bom que você está aqui! e Matthew vieram nos trazer algo muito especial.
- Especial? – ela se permitiu olhar realmente para pela primeira vez na manhã e se assustou ao perceber que não sabia decifrar a expressão que estava no rosto dela.
- Veja só!

Sua mãe a entregou um pedaço de papel e suas mãos tremeram ao segurá-lo. Ela já sabia o que era. Como não saber? e Matthew, estava escrito com letras grandes e delicadas na frente do convite. Ela não abriu, apenas devolveu para a mãe e sorriu.

- É lindo. Parabéns, mais uma vez. Sei que vão ser muito felizes juntos. Ei, pai, você vai poder levar a gente no aeroporto? Nosso voo foi alterado e parte mais cedo. Eu vou até lá acordá-la, não podemos nos atrasar.
- Vocês já vão? Ah, malditas companhias aéreas e suas alterações de última hora! Não se preocupe meu bem, eu levo vocês. Vá lá acordá-la.
- Obrigada.

Ela não esperou mais nenhuma palavra de ninguém e correu para o andar de cima, mas ao invés do quarto, ela rumou para o banheiro. Ela se debruçou diante o vaso e vomitou tudo que havia em seu estômago, o que não era quase nada. O gosto de bílis invadiu sua boca e ela sentiu como se tivesse levado múltiplos socos em seu abdômen. E na verdade, ela tinha.
E a dor que a tomava naquele momento vinha de todas as partes, atingia-a em cheio em lugares que não deveriam doer. Ela não sabia o que pensar, o que dizer ou sequer sentir. Ela havia confiado mais uma vez em e recebido sua recompensa por isso poucas horas mais tarde.

- Amor, porra, tá tudo bem? – ela ouviu a voz de Maggie e logo ela estava ao seu lado, segurando-a pelos ombros – O que aconteceu?
- Nós precisamos ir embora.
- Me diz o que aconteceu.
- Ela aconteceu.
- ...
- Me leva embora, Maggie. Por favor.
- , eu... – elas ouviram uma voz diferente e se viraram, vendo parada na porta – Eu preciso falar com você.
- Eu não quero ouvir nada que venha de você.
- Por favor, só...
- NÃO! Não, , não! Eu já te dei chances demais, eu já te ouvi demais. Você é uma mentirosa sem coração. Eu odeio você, . Eu te disse que amor era suficiente, mas eu menti pra você. Pela primeira vez eu menti pra você após todas as mentiras que você me disse. Amor não é o suficiente pra nós duas. Porque você não me ama. Você é incapaz de amar qualquer coisa. Vá embora!
- , você...
- Sai daqui, garota. – Maggie disse, irritada – Você não acha que já causou estrago suficiente? Deixa ela em paz e vai viver sua vidinha de merda.

se retraiu com as palavras e deixou o banheiro, fechando a porta atrás de si. Maggie beijou os cabelos da namorada e a prometeu um milhão de vezes que tudo ficaria bem. Ela tirou dali, elas se arrumaram e não demorou muito para estarem em um avião a caminho de casa. Lá sim, iria ficar tudo bem. Longe das mentiras de todos que as faziam mal.
Tudo ficaria bem quando chegassem em casa.

2003

- Oi mãe, que saudades!
- Ah, , não acredito que está aqui! Parece que não te vejo há anos...
- Foram só seis meses, mãe. Mas tá, vem cá, eu também estava morrendo de saudades da senhora. Cadê o papai?
- Está lá em cima arrumando os quartos. – ela disse enquanto se separava do abraço demorado com a filha.

Era ação de graças e após seis meses longe, estava em casa. Não exatamente em casa, mas na casa de campo dos pais, onde eles passariam o feriado. Mas havia um pequeno detalhe que seus pais ainda não havia a informado: A família de estaria lá. Assim como havia um pequeno detalhe que não havia dito a família: Maggie e ela não eram mais um casal. Após a última visita e a confusão com , elas acharam melhor seguirem seus caminhos sozinhas. Ou Maggie achou.

- É uma pena a Maggie não ter podido vir. Nós gostamos muito dela.
- Ela teve que ir ver a família dela esse ano e como eu queria muito vir pra cá, achamos melhor passar cada uma com sua família. Ainda teremos muitos feriados juntas. – ela deu um sorriso triste.
- Claro! Hm, docinho, escuta, eu e seu pai esquecemos de te contar algo.
- Pode falar.
- A vem pra cá com os pais dela também. Eles devem chegar a qualquer momento.
- MÃE! Isso era algo que eu definitivamente deveria ter sido informada. Você sabe que eu não falo mais com ela.
- Eu sei, desculpa. Mas olha, ao menos o noivo dela não vem. Eu sei que você não gosta muito dele. Vai ser uma boa oportunidade de fazer as pazes com ela. Não acha?

apenas murmurou alguma coisa raivosa e subiu para o segundo andar a procura do pai, ainda com a cabeça fervilhando de raiva.

***


Mais tarde, todos estavam sentados à mesa jantando. E dessa vez as coisas sequer pareciam bem. estava prestes a explodir a qualquer momento e a mãe de não conseguia ficar um minuto em silêncio.

- Ah, não é ótimo ter todos reunidos novamente num feriado tão bonito? – a mãe de praticamente cantarolava, tentando animar os ânimos na mesa.
- É, claro. – disse praticamente entre os dentes.
- Então , como estão as coisas para o casamento?
- Ah, estão bem, mãe. Já falamos disse hoje. Está tudo bem.
- Falta só um mês, certo?
- É. Isso.
- Estou tão ansiosa! Vai ser maravilhoso e...
- Por deus! – exclamou – Vou lá pra cima. Minha cabeça está me matando.

Ela saiu com pressa da sala e as pessoas restantes se entreolharam. Elas não estavam confusas, todos sabiam que não estavam com bom humor. Mas nem todas sabiam o motivo.

- Eu deveria ir lá falar com ela.
- Sim, por favor. – a mãe de concordou com e sorriu – Acho que ela precisa de você.

subiu correndo as escadas e entrou no quarto de , que estava debruçada na janela fumando. Ela se sentou na cama e tirou um cigarro da bolsa, sem se preocupar em ir a janela para fumar.

- Aquilo foi um pouco indelicado, não acha?
- Foda-se. Não estou com saco para essa baboseira familiar. Nem devia ter vindo.
- Devia sim. Não fala assim.
- Olha, , eu nem deveria estar falando com você, então não me enche muito o saco.
- Não precisa ser grossa assim comigo, .
- Nem grosseria você merece da minha parte e acho que sabe muito bem disso.
- Você nunca me deu a chance de explicar o que aconteceu naquele dia.
- Eu nunca quis ouvir. Ainda não quero.
- Nós rompemos. O casamento foi cancelado. Ainda não contei aos meus pais.
- Por que eu deveria acreditar em você após todos esses anos de mentira?
- Você não precisa acreditar em mim. Eu terminei porque estava cansada das mentiras. De ser alguém que eu não sou. Viver procurando a aprovação dos meus pais nunca vai me levar ao que eu quero.
- Você destruiu tudo que eu tinha, tudo que eu era.
- , eu...
- Maggie me deixou. – ela disse com a voz trêmula e acendeu outro cigarro – Por sua culpa. Ela disse que não podia estar com alguém que amava tanto outra pessoa. Será que algum dia você vai me deixar viver minha vida em paz?
- Eu ainda te amo, .
- Você nunca me amou, para de mentir. Tudo foi sempre um jogo pra você. Você vem e continua fazendo isso, toda vez. Você mente tão tranquilamente porque sabe que eu vou voltar. Você sabe que é minha fraqueza, que tudo que se relaciona a você me faz ficar louca. Você aparece aqui no meio da porra do meu feriado e acha que vai ficar tudo bem? Não vai, . Não quando eu ainda te amo. Quantos anos já se passaram? Quase dez, né? E eu ainda tô nessa merda com você. E por quanto mais anos? Por quanto mais tempo eu vou deixar você voltar pra minha vida e então partir meu coração de novo? Você é covarde demais para admitir que ama uma mulher. Mas eu não sou. E é por isso que nunca vamos funcionar juntas.
- Você pode falar o quanto quiser, mas a verdade é que jamais vai saber o que se passa dentro do meu coração. Você nunca soube ou vai saber. Eu sei muito bem que te magoei, eu não sou idiota. Sei que estive errada durante todos esses anos. Mas agora acabou, . Eu vou me assumir para os meus pais. Eu sou lésbica, você sabe disso. Não sou bissexual, nem curiosa. Eu gosto de mulheres. Eu amo mulheres. Eu amo uma mulher... E sempre vou amar. Eu sei que não mereço mais chances e não é isso que eu estou pedindo. Eu só queria que soubesse que eu finalmente comecei a viver a minha vida.

não respondeu nada, o que fez suspirar e sair do quarto, deixando-a sozinha com seus pensamentos e suas esperanças. Mas ela não fez nada em relação a eles. Só ficou lá, sentindo o vento bater no seu rosto até apagar seu cigarro e junto com ele tantos outros sentimentos que haviam endurecido o coração dela por anos.

***


2004

Poucos meses se passaram após o feriado que as duas passaram juntas. Agora, morava sozinha em um pequeno apartamento perto da sua universidade. Ela estava a poucos meses de se formar e tudo parecia bem (exceto por seu coração eternamente partido). a procurava sempre, mas ela nunca respondia ou atendia. Mesmo após meses, o coração dela não sabia como se portar diante de tudo aquilo. A dor, mesmo após tantos anos, ainda estava lá. Ela queria, na maior parte do tempo, dar mais uma chance para e tentar ser feliz por uma última vez. Mas o medo era maior que esses momentos. O medo a lembrava de todas as vezes que a garota havia vacilado com ela, todas as noites que passara chorando e todo mal que ela havia causado em sua vida. Então ela sempre afastava o pensamento, apagava a mensagem e voltava a dormir.
Mas aquele dia foi diferente. Foi diferente, pois sua mãe ligou com uma notícia que ela realmente não esperava ouvir: havia se assumido para os pais. A mãe dela estava completamente desnorteada e só sabia chorar, o pai não disse nenhuma palavra sobre. sempre soube que se um dia acontecesse, não seria fácil lidar com os pais de . A mãe dela não deu muitos detalhes, mas deixou claro que a situação não era boa. E foi aí que ela começou a sentir que precisava conversar com , mesmo que poucas palavras. Ela merecia algum crédito por ter finalmente sair do armário.
Então, quando ligou naquele dia a noite, ela atendeu. A linha parecia muda por alguns segundos, mas então ouviu a voz baixa e calma de .

- Oi. Não achei que fosse me atender. Uau.
- Minha mãe me contou.
- É.
- Estou orgulhosa.
- Obrigada. Eu deveria estar casada com um cara hoje.
- Você acha que estaria mais feliz se estivesse com ele?
- Definitivamente não. Eu me sinto aliviada de saber que nunca mais vou precisar dormir ao lado dele. Eu estaria mais feliz se estivesse com você.
- Acho que é tarde demais para ser invasiva assim, .
- ? Posso considerar que você não me odeia mais?
- Eu nunca te odiei de verdade. Só estava magoada.
- E você ainda está?
- Não sei se um dia não vou estar.
- Eu sinto muito por tudo. Sempre vou sentir.
- Eu sei. Eu também.
- Queria poder ter tido um final melhor com você.
- Esse parece um final melhor. Ao menos não nos odiamos. E você finalmente está vivendo sua vida.
- Então parece mais um recomeço.
- Para você. É um recomeço para você, . E eu estou feliz por você.
- Poderia ser para nós. – ela sussurrou e as duas ficaram em silêncio por alguns segundos – Eu não sei se um dia vou amar outra pessoa como eu amo você.
- Como você acha que as coisas teriam sido se você tivesse percebido isso antes?
- Eu sempre soube disso, . Eu só era covarde demais para admitir. Mas agora eu percebo como perdi tantos anos da minha vida por nada.
- Onde você está? – ela perguntou ao perceber o baralho ao fundo do telefone.
- Na rua, andando. Desculpa, nem pensei que você ia me atender, só liguei no impulso. Pareci a unica coisa a se fazer.
- E como vai a sua cidade?
- Não sei, não vou lá há quase duas semanas.
- Onde você está?
- Viajando. Precisava descansar, fugir.
- É, sei sim. É bom falar com você depois de tanto tempo só com brigas, tenho que admitir.
- Tem muito mais que eu queria conversar com você.
- Eu também. Quem sabe no próximo feriado nós poderíamos nos encontrar na casa dos nossos pais e não gritar uma com a outra.
- É. Ou você poderia abrir a porta.
- O que?
- É, seu prédio é frio. Abre a porta, .
Desnorteada, correu com o telefone na mão e destrancou a porta, pensando se tratar de uma brincadeira.
Mas não era.
estava lá, parada, enrolada em sua blusa e com o telefone no ouvido. Ela sorriu ao ver a amiga e ajeitou a mochila que trazia nas costas.
- Tá, acho que não precisamos mais disso. – ela riu e guardou o telefone no bolso – Tô tentando vir aqui há semanas e você nem me atendeu, . Que merda, viu. Já te disse que essa cidade é muita fria?
- O que diabos você está fazendo aqui, ?
- Te visitando. – ela disse e entrou sem permissão no apartamento – Péssimo jeito de receber uma amiga, mal me convida pra entrar.
- Eu posso, ao menos, me recuperar do choque?
- Você vai ter muito tempo pra isso.
- O que você está fazendo aqui? Sério. Você não pode chegar assim, entrando na minha casa e fodendo minha cabeça mais ainda. Não pode! – ela disse com raiva enquanto trancava a porta novamente.
- Você se lembra quando tínhamos quinze anos e eu disse que queria foder sua cabeça? Bom, eu ainda quero, mas de um jeito bom. Eu amo você, . E eu tô trabalhando duro pra te reconquistar, garota. Se você ao menos me atendesse, talvez a essa altura já estivéssemos até casadas. – ela riu e se sentou no sofá que havia perto da porta.
- Quando você ficou bem humorada assim?
- Ah, sei lá. Acho que eu decidi ser mais eu mesma e menos o que as pessoas queriam eu fosse. Acho que você me entende.
- Tá, agora me responde, o que você tá fazendo aqui? Pra que isso tudo? As respostas anteriores não são válidas.
- Você está com tanta pressa assim? Quer realmente saber agora?
- Por favor.
- Tá, peraí. – ela jogou a mochila no sofá e a abriu, procurando por algo dentro – Eu estou pensando nisso desde aquela noite de ação de graças. Não só nisso, mas em você. No seu sorriso, na sua voz, no jeito como você é tão cabeça dura que chega a ser adorável. E em como as coisas eram mais fáceis quando éramos mais novas e não sabíamos o que estávamos fazendo. E eu já te disse o quanto eu queria me sentir daquele jeito novamente, não é? E eu pensei por tanto tempo nisso para chegar a uma conclusão óbvia: Tudo é simplesmente mais fácil quando eu estou com você, . Tudo é natural. Você é tipo a minha alma-gêmea ou qualquer baboseira assim. Eu não vou ser feliz se não for com você e acho que o contrário também é verdadeiro. E eu sei, sei de verdade, que eu não mereço o seu perdão após tantos anos te fazendo sofrer. Mas eu te juro que também sofri em silêncio por todos aqueles anos. Eu me tornei uma pessoa amarga e que não sorria, sabe? E eu não vim pedir o seu perdão, eu sei que você não pode simplesmente me perdoar assim, mas eu quero um recomeço. Eu quero fazer as coisas de um jeito certo dessa vez, eu juro. E eu sei que é meio estranho aparecer aqui, do outro lado do país, do nada, falando todas essas coisas, mas acredite, eu tenho pensado nisso há tempos. E eu estou hospedada num hotel aqui pertinho há um tempão, esperando a oportunidade certa pra vir aqui. E, sim, a sua mãe tem me ajudado bastante. Eu contei ela sobre a gente. – ela piscou e riu – Então tá, achei, vamos ao que interessa. Sei que não é assim que você sonhou que acontecesse, mas eu acho que é o momento certo. Após nove anos, eu sei que esse é o momento certo. Então, , você quer se casar comigo? Quer recomeçar tudo e me fazer à mulher mais feliz do mundo?

segurou a pequena caixinha entre as mãos, a abriu e se ajoelhou na frente de . Seus lábios tremiam e a mão que segurava a caixa também, mas ela se manteve firme.
E chorou. De raiva, felicidade, mágoa, esperança. A boca dela estava aberta e as lágrimas escapam dos seus olhos. Ela queria falar, mas suas cordas vocais não queriam funcionar. Ou seu cérebro não queria deixar que isso acontecesse. Talvez porque ela não soubesse exatamente o que dizer, ela não estava e nem esteve esperando por tudo aquilo.
E como num flash, toda a história das duas passou pela cabeça dela. Não só as partes ruins e cheias de mágoa, mas também as boas. O primeiro beijo, a primeira vez, todas as noites cantando alto e deitadas na grama, os bailes, as risadas, os amigos e todas as verdades, mesmo as não ditas. E amor, o amor que gritava do peito delas desde deus sabe lá quando.
Ela tinha uma decisão muito grande nas mãos, sabia disso. Mas pensando em todos os momentos bons, ela sorriu e se ajoelhou ao lado da amiga.
Acho que o que aconteceu após isso não precisa ser explicado. Afinal, o amor não tem explicação. Nunca precisou ter.
Nem todas as histórias de amor são iguais, certo? Mas essa é só uma história de amor como todas as outras. É sobre duas pessoas que se amavam demais, mas não conseguiam gritar isso alto o suficiente para que fosse verdade. Guardaram tanto que acabou sufocando e certas coisas não são tão simples de serem consertadas. Ou talvez sejam. Tudo depende exclusivamente do ponto de vista. Quando o amor é demais para um peito só aguentar, ele transborda para o outro. E foi isso que aconteceu.
Elas eram apenas duas garotas que se amavam mais que tudo, mas viviam se perdendo.
Mas um dia elas se reencontraram.
E isso foi o suficiente.



FIM!



Nota da autora: Não consigo nem expressar o quanto estou feliz por FINALMENTE publicar essa história! Ela está sendo escrita há anos e essa foi a oportunidade perfeita pra postá-la em algum lugar. Morro de carinho por essa história e espero que vocês a amem tanto quanto eu a amo!

Querem falar comigo? Algum erro, comentário, elogio ou crítica? Podem me encontrar no meu Facebook e no meu email. xx





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