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Fanfic finalizada.

Capítulo Único

Meus olhos estavam focados na paisagem do outro lado da janela, mas se me perguntassem o que eu estava olhando, facilmente deixaria escapar que não sabia. As gotas de chuva batiam sem dó contra o vidro e conforme escorriam por sua superfície eu sentia que minhas bochechas também ficavam molhadas.
Um suspiro ecoou de meus lábios. Aquelas lágrimas foram minhas companheiras assíduas há algum tempo e eu pude jurar que não voltaria a encontrá-las daquela forma, mas ali estava eu, recebendo suas visitas de bom grado.
Recolhida e isolada em meus aposentos, eu sabia que poucos entenderiam a minha dor. Perder tudo uma única vez era desesperador, mas você nunca espera que se repita, afinal, ninguém poderia ser azarado a tal ponto. Então quando aquilo aconteceu, sim, pela segunda vez, eu senti que estava a ponto de me entregar aos braços da morte. Claramente, a felicidade não combinava comigo.
Eu achava que estava forte como nunca estive antes. Que nada mais me abalaria, mas descobri da pior maneira que toda a minha força não era nada além de uma ilusão.
Comprimi meus lábios, sentindo o gosto salgado de minhas lágrimas e fechando meus olhos, apertando-os com força, numa tentativa falha de levar aquele pesadelo para bem longe de mim. Talvez, se eu repetisse aquele gesto mais algumas vezes, eu conseguiria me libertar daquela paralisia do sono que me impedia de acordar. No entanto, ao forçar meus olhos a se abrirem novamente, não encontrei mudança alguma.
Eu deveria sacudir a mim mesma?
Soltei uma exclamação de dor, meus lábios tremeram e um soluço surgiu em coro a todos os outros que eu havia soltado antes.
Não sabia o porquê de eu ainda estar lutando. Eu havia perdido tudo. Que sentido havia em continuar? Seria muito mais fácil e eu diria que até justo comigo mesma que eu desistisse. Era isso. Eu me entregaria finalmente à derrota.
Com a decisão tomada, voltei a encarar a janela e, com o choque tomando conta de cada poro de meu corpo, dei de cara com um reflexo muito diferente do meu.
— Grande Anciã? — exclamei, sentindo minha garganta protestar enquanto ouvia minha voz ecoar tão rouca que mais parecia um sussurro.
Ela não me respondeu, a princípio, e seu olhar em minha direção era acusatório, como o de quem me pegou em flagrante.
— Eu... — abri minha boca para explicar, não precisando ouvir nenhum questionamento dela e, me fazendo sentir um arrepio na espinha, sua voz me interrompeu.
— Não me lembro de tê-la ensinado a desistir, senhorita — imediatamente, a culpa se fez presente e eu estremeci.
— Me perdoe, anciã. Mas a senhora não entende... — mais uma vez, não pude completar minha fala.
— Quando você me procurou pela primeira vez, dizia ter perdido tudo e não via mais nenhuma saída. Eu lhe mostrei como curar a si mesma, mas você ainda tem muito o que aprender. Somente ao ter a percepção completa, você entenderá que aqui você não ganhou apenas a cura, mas sim um propósito.
Franzi o cenho ao ouvir aquelas palavras. Não lembrava de ter pedido por nada além do fim daquele sofrimento.
— Eu não sei o que fazer, anciã. Não me acho forte o suficiente para seguir em frente depois do que aconteceu — senti meus lábios tremerem e minha voz falhou no fim da frase, então precisei conter o choro.
— Não desista, . Vá para o Sanctum de New York, quem sabe lá descubra o seu verdadeiro destino. Você nunca precisou de mim para ser forte — um sorriso se formou nos lábios dela, me trazendo uma onda de coragem que fez as lágrimas secarem por alguns minutos.
— Vou tentar, Grande Anciã — prometi, por mais que ela não tivesse requerido aquilo. Então eu a vi assentir, com uma expressão de quem confiava em mim.
De repente, eu já não encarava mais o reflexo de minha mentora na janela. Sem que eu entendesse muito bem o que estava acontecendo, de repente, eu abri meus olhos e me vi deitada na cama, em uma posição desconfortável que só poderia significar que eu havia adormecido entre o choro.
Senti vontade de gritar e protestar por tudo não ter passado de um sonho.

E quem disse que, só porque era um sonho, não era real?

Meus batimentos aceleraram quando o pensamento tomou conta de mim, era como se alguém tivesse soprado aquilo em meus ouvidos e de alguma forma eu soube que era sim a anciã me guiando.
Eu finalmente sabia o que fazer, só precisava de um pequeno impulso.
No dia seguinte, eu iria até o Sanctum de New York.

🦹🏻‍♀‍


A ideia de sair da minha zona de conforto me deixava apavorada. Eu odiava mudanças e por mais ensinamentos que tivesse recebido da Grande Anciã, eu não me sentia preparada para deixar o Kamar-Taj. Na verdade, só a menção ao nome de minha mentora fazia com que meu peito se apertasse tanto que era muito difícil me manter firme, sem deixar que mais lágrimas rolassem de meus olhos.
Talvez eu fosse incapaz de superar a morte dela. Talvez sair de meus aposentos seria um erro. A cada canto eu ainda sentia sua presença e eu sabia que no exato momento em que pisasse outros terrenos eu não teria mais aquela sensação.
Minha insegurança provavelmente era tola aos olhos de outros, afinal, o que separava o Kamar-Taj do Sanctum de New York era apenas uma porta e eu poderia voltar a qualquer momento, mas ainda assim aquele era um grande passo para mim. Fazia tanto tempo que eu não via nada além do lugar que havia me regenerado.
Parei diante das portas, respirando fundo e reunindo toda a coragem que eu precisava e sentindo minhas pernas tremerem, vacilando em meio a um passo.
— Vamos lá, . Você consegue — murmurei, para mim mesma. Segurei a alça da bolsa atravessada em meu colo com uma certa força e com a mão livre tomei a iniciativa de abrir a porta.
O ar pareceu fugir de meus pulmões, minha garganta trancou, mas eu não podia decepcionar a Grande Anciã, não outra vez.
Ao contrário do que eu temia, quando consegui dar meu primeiro passo, tudo pareceu mais fácil e quando eu vi as portas se fecharem atrás de mim, me afastando do Kamar-Taj a sensação de adrenalina aflorou mais do que o medo.
Por que eu estava tão receosa mesmo?
A primeira coisa da qual me dei conta foi que o local era tão magnífico quando aquele de onde eu havia acabado de sair. Estava parcialmente destruído, mas ainda assim não deixava de ser esplêndido.
Eu tinha saído direto no saguão e uma longa escada me levaria ao andar superior, mas as rachaduras nela me davam uma certa insegurança em testar.
Girei em meus calcanhares enquanto observava tudo, notando algumas antiguidades em meio a escombros e uma em especial me chamou atenção.
Era uma belíssima capa vermelha, flutuando acima do segundo degrau das escadas como se aguardasse por alguém. Franzi meu cenho com aquela observação, mesmo assim me aproximei, esticando meus dedos para tocá-la e sentir sua textura, que parecia ser macia.
— Sabe, ela provavelmente teria te atacado, se não choramingasse tanto — a voz grave ecoou atrás de mim, me fazendo pular de susto enquanto todos os meus poros se arrepiavam.
Virei de imediato, quase me desequilibrando onde estava e me sentindo ridícula, mas assim que meus olhos bateram no dono da voz minha expressão mudou de assustada para levemente interessada enquanto eu analisava o homem. No entanto, quando foquei no sorriso presunçoso estampado nos lábios dele, passei a desejar socar sua cara.
— O que disse? — arqueei uma sobrancelha em sua direção, o obrigando a repetir e sentindo uma irritação crescer quando ele o fez, sem pestanejar.
— Eu disse que ela teria te atacado se você não choramingasse tanto. A capa — indicou a peça com um aceno de cabeça e em poucos segundos essa se aconchegou sobre os ombros dele. — Ela vigia a entrada do Sanctum para mim quando estou ocupado.
— O que não era o caso, certo? Ou não teria vindo tão rápido reclamar se choraminguei ou não — cruzei meus braços, estreitando meus olhos em sua direção. Ele riu, provavelmente achando que eu era uma completa piada, e isso me irritou ainda mais.
— Normalmente, ela ataca primeiro e verifica depois, mas deu para sentir o quanto você é inofensiva desde o Kamar-Taj.
Se antes eu estava irritada, passei a ficar possessa.
E ultrajada.
E louca para mostrar o quanto era inofensiva furando os olhos dele.
— I-inofensiva? — me praguejei mentalmente por gaguejar.
— Foi o que eu disse — arqueou uma sobrancelha para mim, me encarando com o mesmo ar de divertimento.
— E se eu estivesse fingindo choramingar? — questionei, deixando a expressão ultrajada de lado para dar lugar a uma esperta.
— Você estava? — ele rebateu a pergunta, sem mover um músculo e sem alterar suas feições. Repeti para mim mesma algumas vezes que não podia achá-lo charmoso, não quando cada frase dele era dita para me tirar do sério.
— Não — respondi, à contragosto, ouvindo-o rir e revirando meus olhos.
— Como eu disse, inofensiva — soltou, no maior tom de sabe-tudo.
— Não sou inofensiva — rebati, como uma criança mimada. — Aliás, quem você pensa que é para chegar julgando assim, o Senhor Perigo? — deixei minha voz soar carregada de ironia.
— Na verdade, é Strange. Mas não gosto que me chamem de senhor. Não passei anos da minha vida estudando para não ser chamado de Doctor Strange — foi a minha vez de achar graça.
— Realmente, você é estranho mesmo. Afinal, quem é que deixa uma capa flutuante protegendo um Sanctum? Sem ofensa — me dirigi ao objeto, sem saber bem o motivo de fazer isso. O tal Strange, no entanto, nem pareceu se abalar com o meu comentário.
— Você é engraçada — comentou, me fazendo voltar a encará-lo com uma expressão de indignação.
— Não quis ser engraçada, sabe? Você é esquisito de verdade — e bonito, mas isso eu não diria nem se me pagassem.
Minha insistência causou o efeito oposto, já que uma risada ecoou dos lábios dele. Fora que algo no seu olhar soava quase como se ele, de alguma forma, pudesse ouvir meus pensamentos. Só isso explicaria a expressão presunçosa dele, que só aumentava.
De qualquer forma, eu não era obrigada a ficar ali.
— Você realmente não faz ideia de quem eu sou, não é? — questionou, fazendo com que eu despertasse de meus pensamentos e o encarasse com uma sobrancelha arqueada.
— Eu deveria? — devolvi, tendo a certeza de que eu nunca havia visto aquele homem antes. Se fosse o caso, obviamente eu lembraria. O tal Doctor Strange não era o tipo que se esquecia. Principalmente porque, definitivamente, ele era o ser mais irritante do universo.
— A julgar pelas suas roupas, você é uma aprendiz. Pelo que eu lembro de meu treinamento, você precisa saber ao menos os nomes dos protetores dos Sanctums para não acabar sendo enganada pelos mal intencionados — suas palavras ecoavam de forma lenta, como se ele estivesse ensinando a alguma criança.
Strange estava certo, mas eu não queria dar meu braço a torcer, então bufei e revirei meus olhos.
— Que seja. Na verdade, eu preciso ir mesmo. Só vim conhecer o Sanctum e eu já fiz isso, então... — fiz menção de dar as costas a ele.
— Está dizendo que ficou vários minutos hesitando em entrar em um lugar que só pretendia conhecer? — arqueou uma sobrancelha e eu parei imediatamente de falar, sentindo meu rosto esquentar e torcendo para que ele não tivesse percebido.
— Hm, não. Eu errei a porta. Meu destino era o Sanctum de Hong Kong, mas como nunca visitei nenhum dos lugares achei que seria legal dar uma olhada aqui antes de voltar. Obrigada aí, Master Strange — talvez se eu não lhe chamasse como queria, ele me deixaria sair correndo de uma vez. Eu sabia que ir até ali era um erro.
Por segundos preciosos, ele nada disse, então eu aproveitei para seguir até a porta. No entanto, assim que meus dedos tocaram a maçaneta, a voz dele voltou a se dirigir a mim.
— Se você queria dizer algo convincente, deveria ter usado o Sanctum de Londres e não o de Hong Kong. Claramente, você só fala inglês, senhorita .
Senti meu pescoço estalar quando voltei meu rosto para Strange.
— C-como? — não consegui formular direito a frase e ele apenas sorriu, esperando que eu me recuperasse do espanto enquanto certamente se divertia mais com a minha cara. — Como sabe meu nome?
— Antes que eu responda a sua pergunta, me diga o real motivo de ter vindo até aqui — ponderei se eu possuía alguma etiqueta com meu nome, mas era ridículo, lá não tinha aquele tipo de coisa.
— Eu tive um sonho. Parecia mais uma visão do que um sonho, na verdade — me dei por vencida e comecei a contar. — Nessa visão, minha mentora dizia que eu deveria vir até o Sanctum de New York e aqui eu encontraria... — parei de falar, porque não poderia entregar demais. Eu mal o conhecia, não podia contar meus segredos.
— Encontraria? — pela primeira vez, tive a impressão de que a expressão dele havia suavizado e ele me encarava de forma encorajadora.
— Provavelmente, foi só um sonho e eu que pirei achando que era uma visão. É melhor eu voltar — fiquei sem graça e se um buraco se abrisse no chão, eu me enfiaria nele imediatamente.
— Eu não acho que foi um sonho, — repetiu meu sobrenome, como se dizê-lo provasse seu ponto.
— Ah é? — arqueei uma sobrancelha, esperando pela explicação dele.
— Como você, eu também tive uma visão — minha expressão se desmanchou para uma de surpresa — Nela, a Grande Anciã me dizia que uma aprendiz chamada viria até meu Sanctum. Que ela me ajudaria a reconstruir o que foi devastado e que eu deveria ajudá-la a encontrar o que mais precisa.
Foi como se qualquer barreira que eu tivesse construído contra aquele homem desabasse. Não havia a menor possibilidade de aquilo ser uma coincidência, não quando ele dizia meu nome inteiro e mencionava a Grande Anciã sem eu ter lhe dito em momento algum que aquela era a minha mentora.
— Eu... — procurei as palavras, mas de repente me vi completamente sem ação. — Eu não sei o que dizer.
Strange me lançou um sorriso torto e estendeu uma das mãos em minha direção.
— Bom, eu sei. Seja bem vinda, . Temos bastante trabalho pela frente.

🦹🏻‍♀‍


Eu não aguentava mais leitura. Nunca fui muito do tipo que ficava parada fazendo uma coisa só por muito tempo, então o tédio aflorava a cada livro que Stephen Strange colocava em minhas mãos.
A meu ver, a prática me ensinaria muito mais rápido do que a teoria e aqueles diagramas e símbolos me confundiam.
A única parte boa, eu diria, era que eu podia observá-lo enquanto fingia estar imersa em meus ‘estudos’.
Strange havia sim me irritado profundamente a princípio, mas algo nele atraía a minha atenção. A forma como ele parecia absorto em seus próprios pensamentos, sempre dedicado a absorver a maior quantidade de conhecimento possível, me causava um fascínio engraçado. Talvez eu apenas o admirasse e quisesse ser como ele. Mas essa admiração sempre fazia com que eu não conseguisse desviar meu olhar dele quando estava em sua presença. Algo me puxava.
De um jeito irônico, todas as vezes que eu me sentia perdida ou triste pela ausência de minha mentora, a presença dele deixava as coisas melhores, fosse fisicamente ou um mero pensamento. Eu queria dizer que ao menos nos meus sonhos Stephen não estava presente, mas seria uma completa mentira.
Voltei a mentalizar que aquilo não passava de pura admiração, por mais que soasse como um vício.
— Perdeu algo, ? — sua voz me pegou de surpresa e eu abaixei o livro que segurava na altura dos olhos para encará-lo. Strange não olhava para mim e se eu não tivesse acabado de ouvi-lo acharia que estava concentrado em sua leitura e seu chamado era coisa da minha imaginação fértil.
— Eu? Por que diz isso? — me fiz de sonsa e calmamente ele marcou a página para fechar o livro e me lançar um sorriso de lado.
— Porque, para início de conversa, você está segurando seu livro de ponta cabeça. A menos que tenha desenvolvido uma nova técnica de leitura, eu diria que estava me observando.
Abrir portais seria muito útil naquele momento. Eu precisava aprender aquilo e rápido.
Abaixei o livro e fiz minha melhor expressão de cinismo enquanto sentia meu rosto me denunciar ao pegar fogo.
— Seu ego deve ser enorme se acha mesmo que eu estava te observando — menti, descaradamente, o que fez com que ele erguesse uma sobrancelha.
— Ninguém precisa de ego para perceber isso. Você é uma péssima mentirosa, sabia? — odiava admitir que o jeito divertido com o qual ele me encarou fez com que algo em mim quisesse sorrir. Mordi minha própria boca, contendo o impulso.
— Está bem. Eu estava — admiti, derrotada e revirei meus olhos. — Mas não é o que está pensando — eu nem sabia o que ele pensava, mas prossegui falando para impedi-lo de me questionar, como tinha certeza de que ele faria. — Estou entediada, Strange. Livros não vão reerguer este Sanctum e nem mesmo me ajudar com o que eu preciso. Creio que se o propósito fosse ler, a Grande Anciã não teria me mandado até aqui.
Stephen não me respondeu de imediato. Seus olhos me analisaram demoradamente, como se estivesse ponderando minhas palavras e avaliado se os vários dias de apenas leitura seriam o suficiente para que ele pudesse passar para o próximo nível. Ou pelo menos era o que eu imaginava.
— Tem razão. Você não está aqui apenas para ler — concordou, por fim, e eu quase dei um pulinho de animação.
Na verdade, eu realmente quase fiz isso, porque de imediato me pus de pé, olhando ao nosso redor como se fosse brotar ali objetos místicos que eu poderia usar em alguma luta.
Calmamente, ele também se levantou e com um aceno de cabeça me pediu para acompanhá-lo.
A cada passo que eu dava, sentia que ficava mais animada. Eu queria muito saber se seria capaz de aprender na prática cada um daqueles diagramas, além de que luta corporal traria um certo contato físico que eu nunca havia tido com Stephen Strange.
Talvez eu precisasse de um médico. Sentir aquelas coisas não era normal.
Meu sorriso desmanchou quando seguimos para uma sala completamente diferente do que eu esperava. Em vez de um tatame ou algum tipo de espaço destinado ao treinamento corporal, estávamos diante de diversos artefatos estilo a capa vermelha. Claramente passávamos de leitura para aula demonstrativa.
Abri minha boca, pronta para explodir e mandar Strange tomar naquele lugar, mas ele me interrompeu, parando diante do que parecia apenas uma flauta de ferro dentro de uma redoma de vidro.
— Sabe me dizer o que é isso, senhorita ? — questionou, me fazendo olhar dele para o objeto no mínimo umas três vezes.
— Eu o vi em um de seus livros estúpidos — resmunguei, à contragosto.
— Se viu, então certamente sabe do que se trata — insistiu, porque eu realmente não havia respondido completamente sua pergunta.
— À primeira vista, diria que uma flauta bastante tosca, mas não é apenas isso. Quem a toca não ouve nenhum som, porém consegue domínio temporário sobre os adversários ao redor. É um instrumento poderoso de persuasão. Em mãos erradas, eu diria que até catastrófico — fiquei, de certa forma, impressionada por lembrar daquilo tudo. Não fazia ideia de que eu havia prestado tanta atenção assim ao que lia.
— Ótimo. E qualquer um consegue tocá-la? — tornou a perguntar, me fazendo estreitar os olhos e refletir por alguns segundos.
— Ora, não me lembro de isso estar nos seus livros. Mas imagino que ela deva estar protegida em um Sanctum por um motivo. Certamente, na mão de humanos sem conhecimento das artes místicas, isso poderia ser uma tremenda dor de cabeça — um sorriso foi se abrindo nos lábios dele e eu me xinguei mentalmente por querer retribuir.
— Excelente — ouvi-lo me elogiar havia trazido uma sensação exagerada de orgulho e era errado demais que eu me sentisse daquela forma próxima dele. Stephen Strange era como um segundo mentor e eu não podia esquecer disso por nenhum minuto sequer. Por mais que nossas idades fossem próximas, aquela obsessão por ele precisava parar.
— Isso foi mesmo um elogio? — eu quis me socar por dizer aquilo. Sempre fui tão controlada, o que estava acontecendo comigo?
A risada rouca dele me desestabilizou.
— Por que o tom de surpresa? — seus olhos se fixaram nos meus, me analisando e eu senti que meu rosto mais uma vez esquentava. Tentei focar em outra coisa, mas acabei me traindo ao analisar o tom de suas íris. Era uma mistura linda de azul e verde.
— Você é presunçoso demais para elogiar alguém — me recompus, arqueando uma sobrancelha e rindo quando o ouvi fazê-lo novamente.
— E você teimosa demais para aceitar tanto meus elogios quanto meus ensinamentos — observou e eu soltei o ar de forma um tanto frustrada. Ele claramente havia percebido que eu não aprovava o tour de artefatos místicos.
— Você não entende, Strange... — murmurei.
— Você quer lutar. Quer dominar feitiços complexos e abrir portais. Eu consigo ver isso em seus olhos, . Vejo também foco, determinação e desejo de justiça, porém...
— Porém o quê? — o interrompi, irritada por ele conseguir me ler tão bem. Eu era tão transparente assim?
— Você não está pronta — as palavras dele me atingiram como um soco.
— Não estou pronta? E quando eu estarei, Stephen Strange? E quem você pensa que é para julgar isso? — disparei, sentindo a onda de raiva subir queimando por minha garganta. — Só porque você protege a porcaria de um Sanctum não quer dizer que consegue ver através de mim. Você não vê. Você não conhece um terço sequer de quem eu realmente sou — esbravejei, apontando o dedo em seu rosto. — Se você não vai me ajudar, eu não tenho mais nada para fazer aqui.
Dei as costas a ele e disparei em direção ao andar abaixo, louca para alcançar logo aquelas portas e voltar para o lugar de onde eu nunca deveria ter saído.
Stephen Strange não era a Grande Anciã e nunca me entenderia como ela o fazia.
Não me importei se abandonava minhas coisas, eu apenas segui determinada até as portas, mas antes que eu pudesse de fato partir, um brilho dourado denunciou o portal sendo aberto à minha frente e Strange saiu por ele.
... — começou a dizer, tentando, de repente, me dissuadir, mas eu não conseguia dar-lhe ouvidos.
Fechei minha mão em punho e lancei em sua direção, preparada para sentir o impacto em seu rosto, mas esse nunca veio, já que Stephen segurou meu punho. Grunhi alto de frustração, então tentei socá-lo com a outra mão, mais uma vez sem sucesso.
— Me solte! — gritei, enfurecida e quando eu o senti me obedecer, desviei meus golpes para seu peito, socando-o e o estapeando repetidas vezes, sentindo que a raiva fervia em cada centímetro de meu corpo, mas não se esvaía e a ausência de defesa dele mostrava um gesto de quem apenas queria que eu me sentisse melhor.
Isso fez com que tudo desabasse ao meu redor. Todos os sentimentos que eu fazia questão de guardar e só demonstrava quando estava rodeada pela minha solidão.
Agarrei seu colarinho com força, afundando meu rosto em seu peito e sentindo que meu corpo se sacudia em soluços. Eu havia perdido tudo. Minha família, minha mentora e minhas forças.
Mais uma vez eu questionava a mim mesma.
Por que eu continuava insistindo em lutar?
Senti os braços de Stephen ao meu redor, me abraçando de uma forma aconchegante que me trouxe uma sensação que eu não tinha havia muito tempo. A de que eu estava em casa e podia confiar nele.
Eu queria fazer isso, de uma forma ridiculamente desesperadora.
— Eu nunca disse que você é fraca — não entendia como, mas era como se ele ouvisse tudo o que atormentava meus pensamentos.
— Mas... — tentei falar, porém ele se desvencilhou do abraço, me encarando nos olhos.
— Você não está pronta para lutar, , porque você não acredita em si mesma. Não confia que é capaz sim de se salvar sem precisar que façam isso por você — ele disse, me fazendo franzir o cenho com suas palavras. — Antes disso tudo, eu era um grande neurocirurgião e achava que ninguém faria as coisas melhor do que eu, até o dia em que um acidente me tirou tudo. Fez com que todos os anos de estudo fossem praticamente por água abaixo e eu não pudesse mais atuar onde eu achava ter nascido para trabalhar. Depois que conheci esse lugar, depois que eu descontruí a mim mesmo que entendi qual era o meu verdadeiro propósito. Você veio atrás do seu, mas só vai descobri-lo quando conseguir acreditar em si mesma. Não irei dizer que é uma tarefa fácil. Todos nós temos nossas próprias lutas internas diárias, mas você consegue. Você é forte e só precisa enxergar isso.
Fiquei abalada pelo seu relato e pelas palavras que se seguiram.
— Como? — perguntei, depois de alguns segundos me sentindo completamente perdida. — Como eu faço isso?
— Confie em mim.
Suspirei, desviando meu olhar do dele, mas sentindo-o tocar meu queixo delicadamente.
— voltei a encará-lo, tremendo com os arrepios que percorreram meu corpo devido ao gesto dele. — Confie em mim.
— Eu confio — o respondi, sem pestanejar.

🦹🏻‍♀‍


— Mantenha-se em foco. Você não quer que o inimigo preveja seus golpes — Stephen avançou em minha direção, tentando me acertar logo abaixo das costelas, mas bloqueei seu golpe, soltando um grunhido pelo impacto e não hesitando em chutá-lo na coxa direita. — Ótimo, seus reflexos estão melhorando.
Abri um sorriso de canto. Todas as vezes que ele me elogiava eu sentia que amolecia por dentro, mesmo em momentos como aquele.
Havia tentado controlar meus sentimentos com relação ao Mago Supremo, mas não obtive sucesso. A cada momento em que questionava a mim mesma sobre o que estava acontecendo, só conseguia ver que me afundava mais e mais no meu vício por ele.
Não sabia se Stephen me correspondia. Às vezes eu via alguns sinais, como olhares demorados em minha direção ou gestos simples como me trazer chá todas as vezes em que eu me sentia triste. No entanto, talvez fosse apenas minha imaginação. Talvez eu só quisesse acreditar que ele sentia algo por mim também quando na verdade estava apenas sendo um bom amigo e mentor.
Aproveitando-se de meu momento de distração, só consegui sentir minhas pernas bambearem com o próximo golpe dele. O desequilíbrio me fez desabar em cheio no chão e sentir minhas costas e minha bunda doerem com o impacto. Praguejei baixinho e quando olhei para cima, Strange me lançava um sorriso presunçoso. Aquele que eu odiei a princípio, mas acabei gostando mais do que devia com o passar do tempo.
— Nunca abaixe a guarda. Não importa o quão derrotado seu adversário pareça — aconselhou, então me estendeu uma das mãos, no intuito de me ajudar a levantar para que retomássemos à luta.
Entrelacei seus dedos nos meus, curiosa porque ele sempre os cobria com luvas ou faixas. Subi meu olhar de suas mãos para seu rosto e notei que Stephen me observava, do jeito que fazia com que eu me iludisse ao extremo.
E, usando o que ele havia acabado de me ensinar, me aproveitei de sua distração, apertando minha mão na sua e o puxando para baixo, ao mesmo tempo em que minha perna lhe deu uma rasteira. Fiquei um tanto surpresa por ele estar de baixa guarda, mas não consegui raciocinar tanto sobre isso porque tudo que consegui processar nos segundos seguintes foi que ele havia caído em cima de mim.
Meus poros todos se arrepiaram. Eu nunca havia tido tanto contato com ele, mas senti como se pudesse puxá-lo inteiro para mim, fundi-lo ao meu corpo. Stephen Strange emanava um calor que me acendia por inteira e aquecia meu coração. Era incrível o poder que tinha de levar todas as minhas dores embora quando estávamos juntos.
Ele havia apoiado os braços ao lado de meu corpo para diminuir o impacto de sua queda sobre mim, mas eu não me importei com dor alguma naquele momento. Para ser completamente sincera, eu não queria que ele se levantasse nunca mais.
Senti sua respiração bater contra minha pele e engoli em seco ao encontrar mais uma vez seus olhos fixos em meu rosto.
— Me desculpe — murmurou, e eu tinha certeza de que nunca havia visto Stephen tão sem jeito. Ele era sempre muito seguro de si, até mesmo quando não sabia sobre algo, Strange convencia qualquer um do contrário.
— Nunca abaixe a guarda, Doctor Strange — respondi, ouvindo minha própria voz ecoar um tanto rouca devido à pressão de seu corpo pesado sobre o meu. Talvez até estivesse ficando sem ar, mas, novamente, não me importava com isso.
Ele soltou um muxoxo, então suas risadas tomaram conta do ambiente e enquanto eu o sentia sacudir sobre mim, acabei não resistindo e caindo na gargalhada junto.
Não faço ideia de quantos minutos permanecemos ali, rindo que nem dois idiotas, mas quando o riso cessou, foi a vez de Stephen engolir em seco. Seus olhos vacilaram, descendo dos meus até minha boca. Umedeci meus lábios, sentindo meus batimentos aumentarem drasticamente, retumbando em expectativa. Bastava que eu me inclinasse poucos centímetros para que um beijo acontecesse.
— Você aprende muito rápido, Senhorita . Parabéns — segurei a vontade de fechar meus olhos e me entregar completamente, sorrindo de canto.
— Tenho um bom mentor — respondi, tentando lhe enviar todos os sinais positivos possíveis para ele através de meu olhar.
Mas talvez eu tivesse escolhido as palavras erradas, porque tão repentinamente quanto foi sua queda sobre mim, ele se levantou e de repente eu senti como se uma brisa fria percorresse por todo o meu corpo. Ali estava então um vazio que eu não desejava mais.
Eu queria Stephen Strange.
Ignorei a mão que o Mago Supremo havia estendido para mim, me colocando de pé rapidamente e, cedendo ao meu impulso de coragem, eu me lancei em sua direção, puxando-o pela nuca e colando meus lábios nos seus.
De início, Stephen reagiu com surpresa, ficando paralisado enquanto meu coração parecia querer saltar pela boca de tão nervosa que eu estava. Então um suspiro escapou dele, suas mãos me seguraram pela cintura com firmeza e ele cedeu ao beijo, enroscando sua língua na minha e me fazendo quase rir em resposta.
Eu mal conseguia acreditar que pelo menos alguma coisa do que eu sentia era retribuída por Strange. Constatar isso só fez com que eu o agarrasse com mais vontade, sugando seu lábio inferior e correspondendo as carícias dele sem hesitar. Passei minhas unhas de leve na pele de sua nuca, arranhando-o e ouvindo uma exclamação prazerosa em resposta. Seus dedos apertaram mais minha cintura e quando dei por mim minha coxa já estava enroscada em uma de suas pernas.
Não queria parar e pela forma como Stephen me beijava eu tinha certeza de que ele também não. E foi por isso que praguejei a todos os seres do universo quando o barulho das portas do Sanctum nos assustou. Aquele lugar quase nunca recebia visitas, mas se não surgisse uma do além para nos interromper, eu teria um pouco de esperança de que o péssimo carma era apenas loucura da minha cabeça.
Rapidamente, nos afastamos um do outro. Strange me encarou refletindo a minha expressão de quem não queria se afastar. Seus lábios estavam vermelhos e seus cabelos bagunçados, então ele tentou se recompor o mais rápido possível.
— me chamou, pigarreando e parecendo hesitar em sair dali.
— Vá, Stephen. Esse lugar nunca recebe visitas. Deve ser importante — respondi, mesmo que quisesse o oposto.
Ele foi e eu não vi outra opção a não ser correr até meus aposentos. Deveria ir atrás dele, caso fosse alguma ameaça e eu precisasse ajudá-lo, mas, no fim da contas, eu era apenas uma aprendiz. Não havia muito que eu poderia fazer.
Me joguei na cama, passando as mãos pelo meu rosto e sentindo que minha pele pegava fogo. As desci por meu pescoço e a temperatura era a mesma. Bufei alto.
Aquele era o efeito Strange sobre mim e eu não só havia gostado como me deliciado com ele.
Se antes eu já o via como um vício, depois daquilo não havia nenhuma escapatória. Eu precisava de mais e eu teria assim que nosso convidado indesejado fosse embora.
Me aconcheguei no travesseiro, desejando que não demorasse demais.

🦹🏻‍♀‍


Acordei com a estranha sensação de que era observada, o que fez com que eu desse um pulo na cama, me sentando e olhando ao meu redor enquanto meu coração saltava dentro do peito.
Levei alguns segundos para constatar que não havia ninguém comigo em meu quarto e pisquei meus olhos, me certificando de que eu havia acordado mesmo, já que eu nem havia percebido que peguei no sono.
A tarde já havia ido embora e se a luz não estivesse acesa eu estaria no escuro, o que me fez franzir o cenho porque eu não lembrava de ter levantado para acendê-la.
E se Stephen tivesse vindo até ali? Ele teria me encontrado dormindo e deixado a luz acesa porque sabia que eu odiava ficar em escuridão completa. Era como se a ausência da luz fizesse eu me sentir ainda mais sozinha e eu odiava a sensação.
Um sorriso meio bobo surgiu em meus lábios ao pensar em Stephen e no que havia acontecido entre nós dois. Eu precisava vê-lo e sabia que não dormia cedo, então não hesitei em me levantar, disposta a encontrá-lo mais uma vez imerso em alguma de suas leituras entediantes.
O papel sobre minha escrivaninha me chamou atenção porque a caligrafia sobre ela não me era conhecida, mas algo me dizia que era de Strange.


.

Não pude deixá-la sem dar uma devida explicação. Não depois do que houve entre nós dois.
Precisamos conversar sobre isso. Sobre o quanto eu sou errado para você e espero conseguir fazê-lo muito em breve, porém receio que, no momento, não será possível e não há como prever quando irá acontecer.
O mundo está sobre ataque e como protetor da joia do tempo é meu dever me juntar àqueles que estão tentando defendê-lo. Estou certo de que irá entender.
Não se preocupe. Quando menos esperar, estarei de volta.
Durante minha ausência, o Sanctum de New York está em suas mãos.



Fiz uma pausa na leitura, sentindo que minhas mãos tremiam enquanto meus olhos se arregalavam em surpresa.
Ele era louco?
Como eu, uma aprendiz, iria tomar conta de um Sanctum? Eu não estava...


Sua atitude hoje me mostrou que, sim, você está preparada para isso. Está pronta para defender nossa casa.
Se for necessário, releia essa carta quantas vezes achar que deve.
Eu sempre acreditei em você, desde o dia em que e me chamou de Senhor Perigo.

Seu,
Stephen Strange”.



Ele não podia fazer aquilo!
Não podia dizer que era errado para mim e ao mesmo tempo se declarar meu.
Minha cabeça girava.
Mais importante ainda, ele não podia me deixar ali sozinha e com um Sanctum inteiro para proteger.
O que eu faria?


FIM?



Nota da autora: Quer saber como essa história continua? Leia 11. Ilomilo. <3
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Beijos, Ste.





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